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Archives of Veterinary Science ISSN 1517-784X

v.15, n.4, p.224-232, 2010 www.ser.ufpr.br/veterinary

HIPERTENSÃO PULMONAR EM CÃES: ARTIGO DE REVISÃO

Raquel de Araujo Cantarella1, Taís Marchand Moreira Rocha1,


Marcela Ferreira Terres1, Ana Laura Angeli1
1
Universidade Tuiuti do Paraná - raquelcantarella@hotmail.com

RESUMO: A Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) ou Hipertensão Pulmonar (HP) é uma doença
progressiva, ainda pouco descrita na medicina veterinária, caracterizada por aumento da resistência
vascular pulmonar e conseqüente aumento da pressão arterial pulmonar, resultando principalmente
em disfunção ventricular direita e morte por insuficiência cardíaca na ausência de tratamento. Na
medicina veterinária a HP geralmente é identificada durante a avaliação de animais com doença
pulmonar crônica ou insuficiência cardíaca direita. Portanto, o risco de pacientes veterinários
apresentarem HP é refletido pela probabilidade de apresentarem doenças pulmonares ou valvares
crônicas. O diagnóstico é realizado por ecocardiografia Doppler ou cateterismo cardíaco e o
tratamento visa a eliminação da causa primária e estabilização cardiovascular, melhora na
oxigenação e redução da pressão na artéria pulmonar.
Palavras-chave: cães; disfunção ventricular; hipertensão arterial pulmonar

PULMONARY HYPERTENSION IN DOGS: REVIEW ARTICLE

ABSTRACT: Pulmonary Arterial Hypertension (PAH) or Pulmonary Hypertension (PH) is a


progressive disease, poorly described in Veterinary Medicine, which is characterized by increased
pulmonary vascular resistance and consequently increased pulmonary arterial pressure. This
situation ends with progressive right ventricular dysfunction and death from heart failure if untreated.
In Veterinary Medicine, PH normally is identified during the evaluation of animals with chronic
pulmonary disease or right cardiac failure. Hence, the risk of veterinary patients show PH is reflected
by the probability that they have to suffer from pulmonary or chronic cardiac valve diseases. The
diagnostic is performed by Doppler echography or cardiac catheterism and treatment is based on
primary cause elimination and cardiovascular stabilization, as well as oxygen improvement and
pulmonary arterial pressure reduction.
Key words: dogs; pulmonary arterial hypertension; right ventricular dysfunction

Recebido em 24/04/2009
Aprovado em 29/10/2010
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Cantarella et al. (2010)

INTRODUÇÃO cinco classes: idiopática; familiar;


associada a fatores de risco como
A Hipertensão Arterial Pulmonar doenças do colágeno, hipertensão
(HAP) ou Hipertensão Pulmonar (HP) é portal, shunts congênitos sistêmico-
caracterizada pela presença de pulmonares e hemoglobinopatias;
vasoconstrição pulmonar, trombose in associado a pacientes esplenecto-
situ e remodelamento vascular que pode mizados; hipertensão pulmonar
levar principalmente à insuficiência persistente do recém-nascido; e por
ventricular direita progressiva e óbito envolvimento capilar ou venoso, como
(O´Callaghan e Gaine, 2004; Lapa et nas doenças pulmonares veno-oclusivas
al., 2006). Belerenian (2003) denomina e hemangiomatose capilar pulmonar.
cor pulmonale o quadro de hipertensão Belerenian (2003) descreve que a HP
pulmonar que altera a estrutura e função na medicina veterinária pode ser
do ventrículo direito, de forma classificada em primária; secundária a
secundária à alteração do parênquima tromboembolia pulmonar, doenças
e/ou da vascularização pulmonar. cardíacas e doenças respiratórias; ou
Como parte integrante da idiopática. Porém, Lapa e colaboradores
circulação central, a circulação (2006) afirmam que a HP somente pode
pulmonar é um sistema de baixa ser classificada em hipertensão arterial
pressão ou baixa resistência vascular. pulmonar idiopática quando nenhum
Os leitos vasculares pulmonar fator causal pode ser identificado.
apresentam grande complacência, Hawkins (2004) descreve que a
permitindo a acomodação de grande HP é quase sempre secundária a
quantidade de volume sanguíneo e doenças pré ou pós-capilares na
contribuem para a redução da pressão medicina veterinária. As causas pré-
arterial local. Assim, a baixa pressão no capilares incluem doença pulmonar e
circuito pulmonar favorece o trabalho do doença da altitude elevada, as quais
ventrículo direito e a irrigação provocam vasoconstrição local e hipóxia
miocárdica pela coronária direita. Sabe- alveolar; doença cardíaca congênita que
se que a pressão sistólica na artéria causa derivações da esquerda para
pulmonar em um cão sadio é de 15- direita (ducto arterioso patente e
25mmHg, a diastólica de 5-10mmHg e a defeitos septais), resultando em
média de 10-15mmHg (Belerenian, aumento do fluxo sangüíneo pulmonar;
2003). e tromboembolismo e vasculite
pulmonar causada principalmente pela
ETIOPATOGENIA E EPIDEMIOLOGIA dirofilariose. As causas pós-capilares
resultam do aumento da pressão
Em um estudo feito por Kellum e venosa pulmonar ou atrial esquerda em
Stepien (2007) utilizando 22 cães com decorrência da insuficiência ventricular
HP, realizou-se uma estimativa da esquerda, insuficiência ou estenose
pressão arterial sistólica pulmonar/ mitral, trombos ou neoplasias atriais
ventrículo direito determinada por esquerdas e obstrução venosa
exame ecocardiográfico onde, através pulmonar.
desta estimativa, os cães foram O estudo realizado por Pyle e
classificados como portadores de HP colaboradores (2004) utilizando 54 cães
leve (31 – 50mm/Hg), moderada (51 – com HP, observou que a HP associada
75mm/Hg) ou severa (acima de à insuficiência cardíaca esquerda tende
75mm/Hg). a ser leve, porém cães com doença
Segundo Zabka e colaboradores vascular pulmonar grave podem
(2006) a HPA deve ser subdividida em apresentar um aumento de 4 a 5 vezes

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da pressão no ventrículo direito e na relação à circulação sanguínea


artéria pulmonar. Assim, este estudo sistêmica permite que a vascularização
demonstrou que os cães classificados pulmonar receba grande volume
como HP leve a moderada sanguíneo. Esta complacência dos
apresentavam principalmente problema vasos sangüíneos pulmonares permite
valvar crônico, porém os cães sua distensão vascular conforme o
classificados como HP severa aumento do débito cardíaco, oferecendo
apresentavam principalmente doença menor resistência à circulação do fluxo
respiratória associada. Neste mesmo pulmonar e favorecendo a hematose.
estudo, 24% da população de cães Outro fator que influencia a vasomoção
avaliados não possuíam raça definida e pulmonar é a concentração local de
76% eram de raça pura, variando de 4 oxigênio, medida como pressão parcial
meses de idade a 17 anos (média de de oxigênio (PO2), sendo que uma
10,5 anos). Dos cães incluídos na diminuição da PO2 (hipóxia) causa
pesquisa, 39 animais apresentavam no constricção e aumento da resistência
mínimo 10 anos de idade, sendo 11 dos vasos pulmonares. As doenças que
destes com aproximadamente 13 anos. causam vasoconstricção pulmonar
Segundo Morais (2008) e Kellum e hipóxica por alterações na ventilação
Stepien (2007) os pacientes caninos são (constricção alérgica aguda [asma] ou
mais acometidos do que os felinos e as doença pulmonar crônica) e aumento da
fêmeas idosas mais acometidas que os resistência como mecanismo compen-
machos, sendo a maioria de pequeno satório geram conseqüente aumento
porte. Zabka e colaboradores (2006) substancial na pressão arterial
descreveram a HP em uma fêmea pulmonar, condição denominada
mestiça de chihuahua e um welsh corgi, hipertensão pulmonar (Cunningham,
ambos com persistência de ducto 2004).
arterioso (PDA); e em dois animais da De acordo com Ricachinevsky e
raça labrador, um com defeito Amantéa (2006), independente da
interventricular e outro sem etiologia etiologia associada à presença de HP,
conhecida. Também foi descrito por algumas alterações encontradas são
Sarraff-Lopes e colaboradores (2006) comuns. Da mesma maneira, dentro de
um caso de hipertensão pulmonar uma mesma doença associada à
primária em Yorkshire, macho, 3 anos presença de HP, pode-se observar
de idade com histórico de episódios de heterogeneidade das lesões encon-
síncope após esforço físico. tradas. Os mesmos autores descrevem
que as alterações mais precoces estão
PATOGENIA situadas no endotélio vascular, fonte
importante de mediadores locais que
Para um cão em repouso, a contribuem para o controle do tônus
pressão arterial pulmonar média é vasomotor e remodelamento estrutural.
13mmHg, a pressão venosa pulmonar As alterações funcionais vasculares
média é 5mmHg e o débito cardíaco é pulmonares incluem diminuição da
2,5L/minuto. Assim, a resistência produção de substâncias vasodilata-
pulmonar (calculada através da doras e antiproliferativas tais como a
diferença da pressão arterial pulmonar prostaciclinas e óxido nítrico (NO) e
em relação à pressão venosa pulmonar) aumento da produção de substâncias
é 3,2mmHg/L/minuto, valor equivalente vasoconstritoras e mitógenos como a
à 1/12 da resistência da circulação endotelina. A partir da ocorrência do
sistêmica. Assim, a baixa resistência na desequilíbrio destes medidadores, tem-
circulação sanguínea pulmonar em se consequente aumento do trombo-

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xano e diminuição das prostaciclinas, espessamento celular da camada íntima


aumento de endotelina e diminuição do e/ou espessamento oclusivo da camada
NO. íntima, lesões com dilatação vascular,
Estudos realizados em pacientes lesões plexiformes e artrite necrosante
humanos demonstram que a endotelina aguda (Ricachinevsky e Amantéa,
(ET-1) é um potente vasoconstritor 2006). No estudo realizado por Zabka e
endógeno produzido primariamente colaboradores (2006) no Hospital Escola
pelas células do endotélio vascular, a de Medicina Veterinária da Califórnia –
qual apresenta importante papel na Daves (VMTH - Veterinary Medical
circulação pulmonar frente à Teaching Hospital), com o objetivo de
estimulação de dois receptores, a ET-A revisar os achados clínicos e
e ET-B, responsáveis principalmente por patológicos de 6 cães com diagnóstico
gerar proliferação de fibroblastos, de HP ou HP idiopática, os autores
depósito de colágeno e vasoconstrição. demonstraram que todas as formas de
Em condições patológicas, o aumento HP, independente da causa, possuem
da expressão de receptores de ET-B na uma similaridade quanto ao aspecto das
musculatura lisa e a proliferação de alterações patológicas, incluindo a
fibroblastos são os principais fatores hipertrofia das artérias e hipertrofia
responsáveis pela potente vaso- concêntrica do ventrículo direito.
constrição e efeitos pró-fibróticos que
causam efeitos deletérios como SINAIS CLÍNICOS
hipertrofia, fibrose e inflamação, sendo
estas as principais alterações Segundo Ricachinevsky e
patológicas observadas em pacientes Amantéa (2006), seres humanos com
acometidos por HP. Existem outros HP, independente da etiologia, não
mediadores que também podem estar apresentam um quadro clínico
envolvidos tais como a serotonina, fator específico. As crianças apresentam
de crescimento derivado de plaquetas, sintomas predominantes de baixo débito
angiotensina, perda da síntese vascular cardíaco, como falha no crescimento,
de NO e prostaciclinas por expressão letargia, irritabilidade, taquipnéia e
genética. A lesão endotelial inicial taquicardia. Em contrapartida, os
resulta em recrutamento de mediadores adultos referem algum grau de
vasoativos locais, promovendo um desconforto respiratório, fadiga, cefaléia,
estado pró-coagulante que leva à dor torácica, sendo esta provavelmente
consequente obstrução vascular. Além decorrente de isquemia ventricular
disso, alterações nos canais de cálcio e direita, e episódios de síncope pós-
potássio da musculatura lisa da esforço. Eventualmente casos de morte
circulação pulmonar também parecem súbita podem ocorrer.
estar envolvidas no início e/ou Os pacientes veterinários podem
progressão da HP (O´Callaghan e apresentar intolerância ao exercício,
Gaine, 2004; Ricachinevsky e Amantéa, angústia respiratória, tosse, estertores,
2006). Segundo Stepien (2009), os crepitações e expiração prolongada
mesmos processos patológicos (Kellum e Stepien, 2007), e segundo
envolvidos na determinação de HP na Hegewald et al. (2007), a dispnéia,
medicina são igualmente descritos na ortopnéia, fraqueza, dor torácica e
medicina veterinária. hemoptises podem estar presentes.
A severidade da doença vascular Zabka e colaboradores (2006)
pulmonar pode ser classificada de I a VI descrevem que os sinais clínicos se
de acordo com o grau e aparecimento apresentam progressivos e
de hipertrofia da camada média, caracterizados por dispnéia ou

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taquipnéia, letargia e intolerância ao dilatação do ventrículo direito, aumento


exercício, normalmente associados a do contato esternal na projeção lateral e
estresse ou excitação. No entanto, evidência do componente ventricular
segundo Belerenian (2003) mais de direito na silhueta cardíaca, na projeção
50% da área vascular pulmonar deve dorsoventral (o conhecido “D invertido”).
estar acometida para o surgimento de Na eletrocardiografia pode ser
sinais clínicos. observado presença de ondas P
Hawkins (2004) descreve que a pulmonale, sobrecarga ventricular direita
hiperfonese e os desdobramentos da (onda S em DI, DII, DIII e aVF), onda Q
segunda bulha cardíaca podem ser profunda e eixo com desvio para direita
auscultados, assim como sopro e/ou (Belerenian, 2003). O mesmo autor
som de galope, sugerindo uma relata que podem aparecer alterações
disfunção ventricular direita. Caso na onda T e no segmento ST em virtude
ocorra grande dilatação do ventrículo da hipóxia e adiciona que as arritmias e
direito, pode-se auscultar sopro da valva distúrbios de condução são freqüentes.
tricúspide e/ou pulmonar, além da Dos 54 cães avaliados no estudo
ocorrência de reflexo hepatojugular e realizado por Pyle e colaboradores
visualização de distensão jugular. (2004), 40 deles apresentaram
Kellum e Stepien (2007) utilizaram alterações eletrocardiográficas como
para estudo 22 cães com evidência desvio do eixo para a direita, complexo
clínica e ecocardiográfica de HP, sendo ventricular prematuro, complexo atrial
observado que os sinais de tosse prematuro e fibrilação atrial.
estavam presentes em 77% dos casos e Segundo Morais (2008), a
esforço respiratório em 35 %. Episódios disponibilidade de novas tecnologias de
de síncope (32%), letargia (32%) e diagnóstico por imagem permite a
intolerância a exercício (23%) foram os rápida e fácil identificação da HP em
sinais menos comumente observados. pacientes veterinários. O exame
ecocardiográfico com Doppler é um
DIAGNÓSTICO método rápido e não invasivo para o
diagnóstico da HP em cães, porém
O exame radiográfico pode exige habilidade do operador. Hegewald
oferecer algum auxílio diagnóstico para e colaboradores (2007) corroboram com
HP. Apesar de não ser uma ferramenta Sarraff-Lopes e colaboradores (2006)
diagnóstica específica para sua afirmando que este exame possibilita
identificação, pode-se observar estimar a pressão na artéria pulmonar e
alterações compatíveis como aumento avaliar a velocidade e quantidade de
do tamanho do ventrículo direito, efusão fluxo regurgitante pulmonar e tricúspide.
pleural, artérias pulmonares dilatadas e Segundo Belerenian (2003) e Rovedder
evidência de doença pulmonar e colaboradores (2008), as principais
subjacente, tais como, fibrose pulmonar, alterações ecocardiográficas observa-
bronquite crônica, embolia pulmonar e das são dilatação ou hipertrofia do
colapso traqueobronquial (Hawkins, ventrículo direito, insuficiência da valva
2004; Belerenian, 2003). Belerenian tricúspide, movimento septal paradoxal,
(2003) ressalta que as alterações aumento da artéria pulmonar,
radiológicas no átrio direito são variáveis diminuição do tamanho do ventrículo
e pode haver infiltrados alveolares por esquerdo com função normal e
hemorragia ou inflamação com oclusão espessamento da parede livre e septo
de uma artéria maior. Segundo Allen e do ventrículo esquerdo. A sobrecarga de
Mackin (2002), cães com cor pulmonale volume do ventrículo direito ocorre
apresentam indício radiográfico de quando a pressão diastólica aumenta

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levando à insuficiência de tricúspide. Na seres humanos submetidos à terapia


HP congênita observa-se hipertrofia com oxigênio. Em pacientes
concêntrica moderada a grave do veterinários, a administração crônica de
ventrículo direito, enquanto que na oxigênio nem sempre é possível, porém,
adquirida há dilatação e hipertrofia do em uma condição aguda, a
ventrículo direito. suplementação de oxigênio é um
O diagnóstico definitivo de HP é componente crucial do tratamento que
feito por cateterismo cardíaco, um deve ser administrada várias horas por
procedimento invasivo, porém conside- dia conforme a gravidade do caso
rado padrão ouro para o diagnóstico e (Belerenian, 2003).
determinação da severidade da doença Segundo Souza e colaboradores
(Rovedder et al., 2008; Hegewald et al., (2003), as opções de tratamento são
2007; Hawkins 2004) ou ecocardiografia limitadas na HP grave e os estudos
com Doppler citada anteriormente recentes da medicina citam o uso da
(Hegewald et al., 2007; Sarraff-Lopes et substância sildenafil, um inibidor da 5-
al., 2006). Morais (2008) afirma que fosfodiesterase. As fosfodiesterases
cães e gatos que apresentam pressão correspondem a uma superfamília de
sistólica igual ou superior a 30mmHg enzimas que inativam a adenosina e
e/ou pressão diastólica igual ou superior guanosina-monofosfato cíclico,
a 15 mmHg em artéria pulmonar são mensageiras de prostaciclina e óxido
consideradas diagnóstico definitivo para nítrico, possuindo abundante expressão
HP e, segundo Belerenian (2003), a principalmente no tecido pulmonar
pressão sistólica igual ou superior a (Moraes, 2008). A substância sildenafil é
60mmHg é considerada responsável utilizada primordialmente em pacientes
pela insuficiência cardíaca congestiva acometidos por disfunção erétil, porém
direita. Hawkins (2004) afirma que a HP também é capaz de reduzir a resistência
geralmente é identificada em pacientes vascular pulmonar em voluntários
veterinários durante a avaliação de sadios com vasoconstrição pulmonar
animais com doença pulmonar crônica induzida por hipoxemia, humanos com
ou insuficiência cardíaca direita. HP e em animais com HP grave
Segundo Lapa et al. (2006), o experimental (Souza et al., 2003).
diagnóstico de hipertensão arterial Novos inibidores seletivos da 5-
pulmonar idiopática só é estabelecido fosfodiesterase, vardenafil e tadalafil,
após a realização de todos os exames com o mesmo mecanismo de ação,
complementares, afastando as demais porém com propriedades fármaco-
condições associadas possíveis. cinéticas próprias, foram igualmente
lançados para o tratamento da
TRATAMENTO disfunção erétil, mas poucos estudos
existem sobre a sua utilização na HP
O tratamento objetiva a estabili- (Carvalho et al., 2006). Ghofrani e
zação cardiovascular, melhora da colaboradores (2004) comparam os
oxigenação e redução da pressão efeitos hemodinâmicos do vardenafil e
arterial pulmonar (Bentlin et al., 2005). tadalafil em relação ao sildenafil na
Sempre que possível o tratamento é vasculatura pulmonar e sistêmica em
direcionado à eliminação da causa pacientes humanos com HP por 120
primária. Para causas respiratórias minutos. Todos os inibidores da 5-
irreversíveis de HP, como a doença fosfodiesterase causaram vasodilatação
obstrutiva crônica, observou-se pulmonar significante, mas diferiram no
diminuição da pressão pulmonar e tempo para o seu efeito máximo e na
prolongamento da sobrevivência de seletividade. O tadalafil obteve seu

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efeito máximo em 75 a 90 minutos pulmonar, reduzindo significativamente


(contra 40 a 45 minutos para o a hipertrofia ventricular direita.
vardenafil e 60 minutos para o A utilização de fármacos
sildenafil). Assim, os autores concluíram vasodilatadores é discutível. Nos cães,
que tadalafil e sildenafil mostraram o efeito sobre a vasculatura pulmonar é
maior seletividade para a vasculatura imprevisível, e efeitos colaterais como
pulmonar (queda no índice resistência hipotensão sistêmica e taquicardia
vascular pulmonar/ resistência vascular podem contribuir para a disfunção
sistêmica) e apenas o sildenafil mostrou cardíaca direita. Por esta razão, doses
melhora na oxigenação arterial. Souza e de teste do fármaco devem ser
colaboradores (2003) afirmam que o uso administradas antes da prescrição do
do sildenafil durante 3 meses tratamento, enquanto as pressões
demonstrou-se seguro e está associado sangüínea, pulmonar e sistêmica
à melhora hemodinâmica e à qualidade estiverem sendo monitoradas por
de vida em pacientes com HP. cateterização cardíaca. A hidralazina,
Os antagonistas da endotelina nefedipina prostaciclina, adenosina,
representam uma nova classe óxido nítrico e diltiazen são propostos
farmacológica para o tratamento da HP por Belerenian (2003) e Hawkins (2004).
(O´Callaghan e Gaine, 2004). O Souza e colaboradores (2003) afirmam
bosentan, fármaco antagonista de que a limitação em relação ao uso de
receptor ET-A e ET-B, atua pela inibição agentes vasodilatadores é atribuída, em
da vasoconstrição, da ação da parte, à baixa de potência e de
mitogenicidade e do remodelamento seletividade desses medicamentos em
(Ricachinevsky e Amantéa, 2006). relação à circulação pulmonar.
Segundo O´Callaghan e Gaine (2004), As teofilinas são recomendadas
devido à sua capacidade de bloquear a para animais com hipertensão
ação vasoconstritora da endotelina, secundária à doença pulmonar crônica.
resulta na melhora na função Os benefícios em animais de pequeno
hemodinâmica cardiopulmonar e ao porte incluem vasodilatação pulmonar,
retardo na progressão da doença. Esta broncodilatação, aumento da
substância tem sido e estudado na contratilidade do diafragma e diminuição
medicina e também demonstrou eficácia da fadiga dos músculos respiratórios
em animais no estudo experimental (Hawkins, 2004). Belerenian (2003)
realizado por Clozel e colaboradores descreve o uso da prednisolona por seu
(2005). Neste estudo, os pesquisadores efeito antiinflamatório e antifibrótico;
utilizaram em ratos doses subcutâneas ainda acrescenta que a azatioprina,
de um alcalóide monocrotalina, extraído colchicina, pirfenidona, ciclofosfamida e
da planta Crotalaria retusa, para induzir relaxina ainda encontram-se sob
HP através de inflamação vascular investigação de doses adequadas.
pulmonar aguda. Este estudo tinha
como objetivo avaliar os efeitos da PROGNÓSTICO
monoterapia com bosentan e com
sildenafil, e posteriormente avaliou-se a O prognóstico depende da
eficácia da associação das duas identificação e reversibilidade da doença
substâncias. Tanto a terapia isolada de associada e da extensão das lesões nas
bosentan ou sildenafil demonstrou boa artérias pulmonares. Deve ser realizado
eficácia, porém a associação dos dois acompanhamento dos animais com
fármacos resultou em efeitos adicionais radiografias, ecocardiografias e hemo-
para redução da pressão na artéria gasometria arterial seriados. Estes
exames podem fornecer alguma

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indicação da progressão da doença em efeitos na pressão arterial sistêmica,


indivíduos isolados (Hoeper, 2004). responsável pela redução da resistência
O estudo realizado por Ghio e vascular pulmonar na forma de
colaboradores (2001) demonstrou que a monoterapia ou em associação com
HP leve a moderada trata-se de uma prostaciclinas ou óxido nítrico. Kellum e
condição frequentemente observada em Stepien (2007) observaram que embora
pacientes humanos portadores de tenha existido melhora nos sinais
disfunção ventricular esquerda crônica. clínicos dos pacientes veterinários
Porém, os pacientes portadores de tratados com Sildenafil, este não
disfunção cardíaca direita possuíam pior diminuiu significativamente o grau de
prognostico em relação às demais HP nos cães, ou seja, os exames
condições, em virtude do complementares permaneceram
estabelecimento de HP severa. Em inalterados mesmo com a melhora
contrapartida, a avaliação de 54 cães clínica e o aumento da qualidade de
portadores de HP, realizada por Pyle e vida.
colaboradores (2004), demonstrou que
a associação de HP às doenças CONCLUSÃO
respiratórias crônicas determinava um
pior prognóstico, igualmente pelo A HP ainda é pouco descrita na
estabelecimento de HP severa. medicina veterinária, tornando
fundamental a investigação desta
DISCUSSÃO afecção em pacientes acometidos por
doenças pulmonares ou valvares
A hipertensão pulmonar idiopática crônicas. Segundo Ricachinevsky e
é uma doença rara e acomete Amantéa (2006) até o momento não
principalmente mulheres pós-puberdade existe cura, nem mesmo uma
e homens acima de 36 anos (Zabka et abordagem terapêutica que possa ser
al., 2006). Morais (2008) afirma maior recomendada de maneira universal para
predisposição nos pacientes caninos em pacientes humanos com HP. Entretanto,
comparação aos felinos. Sarraff-Lopes recentes avanços na fisiopatogenia da
et al. (2006) observam que, apesar da HP e o surgimento de novos fármacos,
predisposição, a hipertensão pulmonar é com ação vasodilatadora seletiva sobre
rara em cães. o leito vascular pulmonar, contribuíram
Sabe-se que nenhuma das para a melhora da sobrevida desses
substâncias utilizadas para o tratamento pacientes. De acordo com Sarraff-Lopes
da HP promove a cura de pacientes e colaboradores (2006) novas opções
humanos e animais, principalmente em de tratamento para pacientes humanos
casos de HP idiopática, havendo a tem sido estendidas para pequenos
possibilidade de ocorrer progressão do animais e estão sendo consideradas
quadro clínico dos pacientes acometidos alternativas viáveis para a HAP em
por esta doença (Hoeper, 2004). Apesar cães.
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