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Cardiologia

Prof. Laercio Uemura


Aluna: Lara Schiavão de Carvalho

Caso clínico 1 cardiologia


Celso, 69 anos, procura o ambulatório de cardiologia, referindo dispneia aos esforços,
progressiva, atualmente tem ortopneia, início há cerca de 6 meses. Refere episódios de dor
precordial aos esforços, intensidade moderada, sem irradiação, tipo aperto, com duração de
minutos, melhora com o repouso. Nega tabagismo ou etilismo. Fazia atividade física, porém
passou a se limitar devido a dispneia. Bom informante e ao ser questionado, negou
"reumatismo na infância" ou amigdalite de repetição. No exame físico, apresentava pressão
arterial de 130x90 mmHg, corado, hidratado e pulsos de amplitude diminuída e ascensão
lenta, não se observa estase jugular. Na ausculta cardíaca ritmo de 2 tempos regular, com
sopro sistólico +++, ejetivo, em foco aórtico, que irradia para pescoço, em "diamante" e sopro
diastólico ++ regurgitativo, melhor audível na posição sentada com B2 hipofonética. ausculta
pulmonar sem ruídos adventícios; abdômen sem visceromegalias, membros sem edema. ECG
na internação demonstra complexos QRS amplos em derivações precordiais com inversão
assimétrica da onda T. Com base nestes dados, o médico assistente solicitou um Rx de tórax e
um ecocardiograma.

Síndrome aterosclerótica: pulsos diferentes em membros diferentes (pois a doença não é


homogênea), arritmia (embora não seja um sinal diferencial), sopro no local da placa de
ateroma (carotídeo ou abdominal);

Sopro sistólico e diastólico: indicam estenose ou insuficiência aórtica;


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Note: intensidade não indica a gravidade do sopro, mas sim a duração;

Objetivos do caso:

1) Conhecer a etiologia e fisiopatologia das valvopatias mais prevalentes.

Estenose mitral: em países em desenvolvimento, é causada por febre reumática, enquanto em


países desenvolvidos costuma ser associada à calcificação do anel mitral (especialmente em
idosos). Apresenta dispneia como principal sintoma, que aparece no repouso, juntamente com
palpitações, hemoptise, disfonia, disfagia e tosse. Apresenta B1 e B2 hiperfonéticas.

↣ Outras causas: mixoma mitral anterior esquerdo, mucopolissacaridose EM congênita, lúpus


eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, síndrome carcinoide, endocardite infecciosa e
secundaria ao uso de drogas anorexígenas;

↪ Fisiopatologia: estenose consiste numa dificuldade de abertura da valva, especialmente


devido a um espessamento. Isso causa defeitos nas comissuras que conectam os dois folhetos
da valva. A principal causa é a febre reumática, causada pelo Streptococcus pyogenes, que são
estreptococos do grupo A. O microrganismo produz anticorpos que apresentam reação
cruzada com proteínas cardíacas, especialmente da valva mitral, os quais promovem
alterações.

A dificuldade de esvaziamento do átrio gera aumento da pressão nessa câmara, promovendo


transmissão retrógrada para as veias pulmonares. Isso leva ao aumento das pressões dos
capilates pulmonares e da artéria, posteriormente levando a um remodelamento vascular
pulmonar. Ademais, pode ocorrer o aumento da pressão no lado direito e desenvolvimento de
arritmias supraventriculares, especialmente fibrilação atrial, devido ao remodelamento no AE.

Insuficiência mitral primária crônica: no Brasil, apresenta como etiologia principalmente a


febre reumática, mas ela também pode ser causada por prolapso da valva mitral. Apresenta
segunda bulha hiperfonética, dispneia e fadiga como sintomas principais. Pode ser
acompanhada por tosse, edema, palpitações e eventos embólicos.

↪ Fisiopatologia: insuficiente consiste no fechamento incompleto da valva. Quando é primária,


ocorre por um defeito na valva ou no aparato subvalvar. Isso promove um regurgitamento de
sangue para o AE, promovendo sobrecarga de volume. Consequentemente, ocorre uma
sobrecarga de volume no VD na sístole seguinte. Isso promove uma dilatação e hipertrofia do
VE, pois há a necessidade de aumentar a cavidade para comportar mais volume.

Insuficiência mitral secundária: ocorre devido variações na geometria do ventrículo,


promovendo um mau ajuste das cúspides valvares e refluxo valvar. Normalmente é causada
por doença isquêmica cardíaca ou outras cardiopatias dilatadas (como a cardiopatia
hipertrófica). No exame físico, a primeira bulha é hipo ou normofonética e há sopro
protomesossistólico ou holosistólico com irradiação para linha axilar. Dispneia e fadiga são os
principais sintomas, podendo ocorrer palpitações, tosse, ascite, edema e dor torácica.

↪ Fisiopatologia: normalmente é causada por disfunção das estruturas que regulam o


fechamento da valva (como músculos papilares, cordoalha tendínea).]

Sopro de horstin Flint: pode causar estenose mitral quando o refluxo de sangue é muito
importante;
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Estenose aórtica: causada principalmente por calcificação aórtica (idosos), mas pode ser
também por defeitos congênitos (ex: valva aórtica bicúspide ao invés de tricúspide) ou
adquiridos (reumática, degenerativa calcificada). Apresenta bulhas hipofonéticas. Sintomas:
dispneia, angina e síncope.

↪ Fisiopatologia: disfunção diastólica causando hipertrofia ventricular esquerda, que leva à


redução de complacência e deslocamento da curva pressão/ volume ventricular para cima e
para esquerda, o que aumenta as pressões de enchimento e causa hipertensão venocapilar
pulmonar.

Insuficiência aórtica crônica: ocorre por alterações das cúspides valvares ou do ânulo da valva
aórtica. As principais causas são: reumática, aterosclerótica, bicúspide (alterações de aorta,
como aneurisma ou dissecção) e doenças relacionadas à alteração da geometria da raiz da
aorta. Apresenta sopro diastólico aspirativo decrescente, sopro mesossistólico de hiperfluxo e
sopro de Austin Flint. Sintomas: dispneia, angina e síncope.

↪ Fisiopatologia: quando a valva não fecha corretamente, o sangue retorna na diástole. Ou


seja: quando o ventrículo está em diástole, parte do sangue da aorta retorna. Isso
sobrecarrega o VE, gerando hipertrofia excêntrica. Com o tempo, a hipertrofia avança para o
AE, pulmões e até mesmo o lado direito.

Origem da dor na insuficiência aórtica: irrigação da coronária esquerda ocorre na diástole, e


quando temos um retorno muito intenso na diástole a pressão da coronária esquerda cai,
reduzindo a perfusão. Bradicardia dependente: dor aparece à noite, durante o repouso,
quando a F.C. cai. Isso aumenta o tempo de diástole, promovendo maior retorno de sangue na
diástole, queda de pressão na coronária E e dor.

Se regurgita menos sangue na raiz da aorta (porque a valva não fecha direito), volta mais
sangue para o VE e fica menos sangue na entrada das coronárias, causando má perfusão e dor;

Insuficiência tricúspide importante: normalmente ocorre pela dilatação progressiva do anel


valvar tricúspide (causa secundária/ funcional). Pode ocorrer também por febre reumática
(causa primária). Apresenta segunda bulha hiperfonética, hepatomegalia e causa dispneia e
fadiga (principal sintoma), sopro holossistólico mais intenso na respiração.

↪ Fisiopatologia: nesse caso, a valva tricúspide não fecha direito e ocorre uma sobrecarga do
ventrículo direito.

2) Estabelecer o diagnóstico diferencial da valvopatia em questão, através da história clínica


e do exame físico.

A valvopatia em questão é a estenose aórtica.

O termo estenose corresponde à dificuldade de uma válvula abrir. Nesse caso, tem-se que o
ventrículo (no caso da aorta, o esquerdo) precisa fazer mais força para ejetar o sangue e abrir
a valva. Assim, o ventrículo passa a sofrer hipertrofia e o tamanho da câmara diminui.

Etiologias: aterosclerose (causa fibrose e calcificação dos folhetos aórticos), reumática (fusão
comissural, espessamento, fibrose e calcificação dos folhetos);
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Nesse caso, o ventrículo sofre hipertrofia, sendo que primeiro ela é concêntrica e depois pode
passar a ser excêntrica (mas normalmente ela permanece sendo concêntrica). Isso se dá pela
equação de Laplace.

Ou seja: o espessamento da valva aórtica e sua dificuldade de abrir provoca uma disfunção
contrátil (insuficiência sistólica) e déficit no relaxamento (insuficiência diastólica).

Sintomas: síncope ocorre principalmente pelo baixo débito cardíaco (devido a dificuldade de
passagem no sangue que causa queda na resistência vascular periférica, diminuindo a P.A. e o
fornecimento de sangue ao cérebro). A angina ocorre devido a hipertrofia muscular, visto que
há um aumento na demanda de O2 que os vasos preexistentes não são capazes de suprir,
causando dor torácica. A dispneia e ortopneia caracterizam a insuficiência cardíaca, que é o
quadro mais grave da estenose.

Sintomas menos comuns: sangramento gastrintestinal (baixo, relacionado ao cólon direito).


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Diagnóstico: sopro sistólico do tipo ejetivo (em diamante), mesossitólico (crescente – B1 –


sopro crescente – B2). B2 hipofonética é também um sinal de gravidade (visto que B2 é o
fechamento da valva, e na estenose a dificuldade de abrir também gera um mau fechamento).
Além disso, há o fenômeno de Gallavardin, que é irradiação do sopro da base do coração para
o ápice, gerando um sopro sistólico agudo mais marcado no ápice.

Além disso, há a presença de pulso periférico parvus et tardus, que é retardado e lento
(porque há menos fluxo ejetado pelo ventrículo) – esse é um sinal clássico de estenose, se
fosse insuficiência o pulso seria com intensidade aumentada que logo decai (vê-se
especialmente o pulso carotídeo);

No ECG, pode-se identificar sobrecarga do V.E. (mas não é possível identificar se a hipertrofia é
excêntrica ou concêntrica) por meio do índice de Sokolov, que é quando há um aumento na
amplitude QRS (nos casos em que a onda S de V1, somada com a onda R de V5 é maior que
35mm). Há também o sinal de Strain, que é a infra do segmento ST (parte inicial lenta e final
rápida).

Note: a hipertrofia do VE expressa que há um aumento da sobrecarga sistólica (sístole


acontece com mais força). Em estágios mais avançados da doença, a sístole do VE pode estar
comprometida por causa disso.
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Calcificação: é difícil de ser visualizada no raio X simples, normalmente é melhor vista na


tomografia;

3) Estabelecer conduta diagnóstica e terapêutica nas valvopatia em questão.

Conduta diagnóstica

Os exames complementares para essa valvopatia são:

• Ecocardiograma: traz informações morfofuncionais, hemodinâmicas e prognósticas,


sendo usado para análise pré-operatória e intraoperatória. Fornece a área de valva
aórtica (grave se for menor que 1 cm²), área indexada (menor que 0,6 cm²/m²),
gradiente médio VE/ AO (grave se for maior que 40 mmHg), velocidade máxima de jato
aórtico (grave se for maior que 4 m/s) e relação das velocidades de fluxo entre a via de
saída do VE e valva aórtica (menor que 0,25). Podemos analisar também o grau de
hipertrofia e se há outras câmaras hipertrofiadas (como o átrio esquerdo), gradiente
sistólico máximo (grave se for maior que 60 mmHg);
• Radiografia de tórax: pode fornecer um índice cardiotorácico normal, avalia área
cardíaca, evidencia congestão pulmonar;
• Eletrocardiograma: padrão de Strain e sobrecarga de câmaras cardíacas;
• Ecocardiogama com estresse de dobutamina;
• Tomografia computadorizada de tórax multidetectora: fornece o escore de cálcio
valvar aórtico, que indica maior possibilidade de valvopatia importante se for maior
que 1300 AU para mulheres e 2000 AU para homens;
• Estudo hemodinâmico: fornece o gradiente VE/ aorta, que no pico é maior que 50 mm
Hg e no médio, maior que 40 mmHg.

Obs: FEVE é capacidade de o coração bombear sangue para diferentes órgãos do corpo;

Conduta terapêutica
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Não há tratamento farmacológico para curar essa doença, apenas fármacos sintomáticos.
Utilizam-se diuréticos para pacientes com congestão pulmonar (especialmente furosemida,
que é um diurético de alça), vasodilatadores (devem ser administrados com cuidado para não
causar choque por queda de resistência vascular periférica e P.A);

Evitar beta bloqueador;

Note: na estenose aórtica, não é possível aumentar o volume sistólico devido à dificuldade da
valva em abrir. Isso reduz a resistência vascular periférica, promovendo queda de P.A. Isso
ocorre porque o volume sistólico não é capaz de aumentar tanto a frequência cardíaca.

Tratamento definitivo: cirurgia, indicada para pacientes com sinais de gravidade. A cirurgia
pode ser troca valvar, valvoplastia por cateter-balão (inserção de um balão para dilatar a valva,
mas é uma técnica paliativa usada em pacientes com graves enquanto não realizam uma TAVI
ou troca valvar) ou TAVI (transcatheter aortic valve implantation – implante de valva por
cateterismo, que pode ser via transfemoral ou transapical, próxima ao ápice do coração). A
prótese pode ser biológica ou mecânica. A biológica não necessita de uso de anticoagulantes,
porém ela degenera e precisa ser trocada entre 10 ou 15 anos. Já a mecânica exige o uso de
anticoagulantes (cumarínicos – varfarina) mas não degenera.

Crianças: recomenda-se valvoplastia invés de troca de valva devido ao crescimento. Assim, se


for colocada uma valva nova logo no início, logo aparecerão novamente os sintomas de
estenosa por conta do crescimento do coração;

Quando operar: quando se opta por operar um indivíduo assintomático, é preciso considerar a
idade. Se for muito jovem, é melhor usar a prótese mecânica (que é para vida toda), porém
isso implica no uso de anticoagulantes (varfarina - que é delicado). A outra opção, prótese
biológica, precisa ser trocada a cada 15 anos. Por isso, quando o paciente ainda não tem
sintomas, opta-se por aguardar para realizar o procedimento.

O assintomático importante deve ser acompanhado a cada 6 meses. O moderado e leve são
acompanhados anualmente ou menos;

O implantado não pode usar rivaroxabana (Xarelto);


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4) Reconhecer as indicações de intervenção na valvopatia em questão.

O tratamento intervencionista, ou seja, definitivo, é indicado para pacientes com sinais de


gravidade.

Os sinais de gravidade de estenose aórtica são: B2 hipofonética, desdobramento paradoxal de


B2, galope de B4 e fenômeno de Gallavardin (irradiação do sopro da base para o ápice).

Além disso, pacientes com dispneia tendem a apresentar um caso mais grave.

A gravidade também pode ser caracterizada pelos gradientes sistólicos e pelo cálculo da área
valvar.

O fluxo influencia sobre os gradientes sistólicos: a queda do fluxo transvalvar (por disfunção
ventricular) pode reduzir os gradientes de uma mesma área valvar. Em situações de alto fluxo
(exercício, gravidez, estados febris, anemia ou refluxo aórtico) há um aumento de gradientes
aórticos.
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O gradiente sistólico máximo e o médio calculam-se pela curva de velocidade de fluxo


transaórtico obtida pelo Doppler contínuo, por meio da aplicação automática a equação
simplificada de Bernoulli.

Pesquisar mais sobre gradiente (por que soma 100?);

Gradiente sistólico: paciente 130x90 – apresenta pressão sistólica de 130. Se ele tem
problemas na valva aórtica, ao medir sua pressão na valva (130) temos que a pressão no
ventrículo é 100 mmHg maior (ou seja: 230mmHg), pois o ventrículo precisa exercer uma
pressão a mais para vencer a pressão na aorta.

Além disso, o cálculo da área valvar é importante, pois em casos em que há disfunção sistólica
do ventrículo esquerdo, o gradiente sistólico entre o VE e a valva aórtica com estenose será
reduzido, o que dificulta a classificação da gravidade da doença.

Ademais, o índice de Doppler de velocidades pode avaliar a gravidade da EA, pois ele avalia a
relação entre a velocidade de fluxo de saída do VE e a velocidade transvalvar aórtica. Quando
essa relação é menor que 0,25, a estenose é importante.

Casos em que há manifestação da disfunção ventricular esquerda, pode-se utilizar


ecocardiogama associado à dobutamina (que provoca um estresse farmacológico). Isso auxilia
a diferenciar estenose crítica com cardiomiopatia secundária e uma não crítica associada a
outra disfunção miocárdica.

Fontes:

CASTRO, Iran. Livro-texto da sociedade brasileira de cardiologia 3a ed.. [Digite o Local da


Editora]: Editora Manole, 2021. E-book. ISBN 9786555761009. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555761009/. Acesso em: 07 mar.
2023.

JATENE, Ieda B.; FERREIRA, João Fernando M.; DRAGER, Luciano F.; et al. Tratado de
cardiologia SOCESP. [Digite o Local da Editora]: Editora Manole, 2022. E-book. ISBN
9786555765182. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555765182/. Acesso em: 07 mar.
2023.

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