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A RECEPÇÃO DA TEORIA
NEOCONSTITUCIONALISTA PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO
1
Mestre em Direitos Humanos pela UFPB. Professor de direito constitucional e hermenêutica jurídica da Faculdade Mater Christi. Advogado.
2
DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as faces da teoria do Direito em tempos de inter-
pretação moral da Constituição. São Paulo: Landy, 2006, p.77.
3
CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). 2ed. Madrid: Trotta, 2005.
4
CARBONELL, Miguel (Org.). Teoría del neoconstitucionalismo: ensaios escogidos. Madrid: Trotta, 2007.
5
SANCHÍS, Luis Prieto. El constitucionalismo de los derechos. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Teoría del neoconstitucionalismo: ensaios esco-
gidos. Madrid: Trotta, 2007, p. 213.
6
FIGUEROA apud PULIDO, Carlos Bernal. Refutación y defensa del neoconstitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Teoría del neocons-
titucionalismo: ensaios escogidos. Madrid: Trotta, 2007, p. 289-90.
7
LOPERO Apud MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. São Paulo: Método, 2008, p. 21.
8
Sobre a fragilidade da fronteira entre a filosofia e a teoria do direito em época pós-positivista ver: RABENHORST, Eduardo. Filosofia ou teoria do
direito? Problemata, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 77-94, 1998.
9
Ver STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 133-145.
10
SANCHÍS, Luis Prieto. El constitucionalismo de los derechos. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Teoría del neoconstitucionalismo: ensaios
escogidos. Madrid: Trotta, 2007, p. 213.
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Pesquisa de jurisprudência encerrada em outubro de 2008.
ciais, e a recepção da ponderação como técnica vá além das tradicionais técnicas de interpretação
de interpretação utilizada pela Suprema Corte. do direito, já conhecidas desde Savigny, a partir
Ou seja, visualizam-se de maneira mais clara as do seu fundamento historicista.
características 5 e 4 – respectivamente – apon-
tadas acima. 3.1 O papel do Judiciário na concretização
Como visto, diz-se que sob o paradigma dos Direitos Sociais12
neoconstitucionalista não existe fronteira rígida
entre o campo jurídico e o político. Como conse- O primeiro caso judicial a ser analisado
qüência, o Judiciário, muitas vezes, atua em uma chegou ao Supremo Tribunal Federal através do
esfera antes considerada exclusivamente política. controle de constitucionalidade difuso-concreto,
utilizando-se do recurso extraordinário 271.286,
Certamente essa atuação dá-se com maior no ano de 2000. Nesse caso, o STF manteve a
ênfase quando existem claros obstáculos no decisão do Tribunal de Justiça do Estado do
caminho da garantia de efetividade dos direitos
Rio Grande do Sul, que reconheceu o papel
fundamentais, principalmente dos sociais, muitas
do município – solidariamente com o Estado
vezes positivados através das chamadas normas
do Rio Grande do Sul – o dever de fornecer
programáticas – não é à toa que, no passado,
obrigatoriamente os medicamentos necessários
esses direitos foram considerados apenas pro-
ao tratamento da Aids, caso os pacientes não
gramas políticos.
tivessem recursos financeiros e fossem soropo-
Assim, a eficácia das normas instituido- sitivos. Sobre o papel do Judiciário na efetivação
ras de direitos sociais ficava indefinidamente dos direitos sociais, mesmo em se tratando de
postergada, sempre condicionada à atuação direito positivado por norma programática, lê-se
do Legislativo e do Executivo, que, no Brasil, o seguinte:
têm se mostrado omissos – parcialmente, pelo
O direito público subjetivo à saúde repre-
menos – por um tempo mais que razoável, con-
senta prerrogativa jurídica indisponível
siderando que os direitos sociais possuem status
assegurada à generalidade das pessoas
constitucional desde 1934. Além disso, deve-se pela própria Constituição da República
lembrar que toda a idéia neoconstitucionalista (art. 196). Traduz bem jurídico constitu-
baseia-se na supremacia dos direitos fundamen- cionalmente tutelado, por cuja integridade
tais (inclusive sociais) e na conseqüente garantia deve velar, de maneira responsável, o
desses direitos, principalmente, pelos Tribunais Poder Público, a quem incumbe formu-
Constitucionais ou semelhantes, como é o caso lar – e implementar – políticas sociais e
do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF). econômicas idôneas que visem a garantir,
No que diz respeito ao segundo tópico aqui aos cidadãos, inclusive àqueles portadores
usado como parâmetro para a verificação da do vírus HIV, o acesso universal e iguali-
jurisprudência, deve-se afirmar que a ponderação tário à assistência farmacêutica e médico-
é técnica de interpretação diretamente ligada ao hospitalar. O direito à saúde – além de
neoconstitucionalismo e consiste no pilar funda- qualificar-se como direito fundamental
que assiste a todas as pessoas – representa
mental para que, diante da complexidade e do
conseqüência constitucional indissociá-
caso concreto, se possa decidir com pretensão
vel do direito à vida. O Poder Público,
de correção.
qualquer que seja a esfera institucional
Nessa perspectiva neoconstitucionalista, de sua atuação no plano da organização
a ponderação representa a superação da herme- federativa brasileira, não pode mostrar-
nêutica do positivismo jurídico – esta última se indiferente ao problema da saúde da
lastreada na idéia de subsunção, traduzida na população, sob pena de incidir, ainda que
regra do tudo ou nada exclusivamente em voga por censurável omissão, em grave com-
outrora. Portanto, a ponderação permite que se portamento inconstitucional.
12
Para um trabalho de seleção e análise de jurisprudência – com outros fins – ver:
do Estado de Direito liberal) ou de uma omissão para que este adote as medidas necessárias para
estatal (em uma justiciabilidade de direitos que que a inconstitucionalidade por omissão deixe
irá caracterizar o Estado Social e Democrático de existir.
de Direito atual). Considerando essa situação, tem grande
Nesse caso, porém, a partir da análise da importância a discussão travada no âmbito do
decisão (por unanimidade de votos), no que é re- Supremo Tribunal Federal, quando se debatia
lativo a pedido acautelar, pode-se dizer que essa sobre a questão de admissibilidade da ADPF 4,
atuação mais incisiva por parte do Judiciário, no no ano de 2000.
que tange à garantia de efetividade das promessas Aí também estavam em questão aspectos
constitucionais, esteve longe de explorar todo da inconstitucionalidade por omissão referente
o potencial dos desenvolvimentos teóricos do ao valor (inadequado) do salário mínimo. Em
neoconstitucionalismo. Veja-se: decisão apertada (6 votos a favor e 5 contra),
A procedência da ação direta de inconsti- ocorrida apenas no dia 17 de abril de 2002, foi
tucionalidade por omissão, importando em decidido em favor da legitimidade de se tratar a
reconhecimento judicial do Estado da inér- questão a partir da interposição do recém-regula-
cia do Poder Público, confere ao Supremo mentado (1999) instrumento jurídico (Argüição
Tribunal Federal, unicamente, o poder de de Descumprimento de Preceito Fundamental).
cientificar o legislador inadimplente, para Essa decisão, ainda que não avaliativa da
que este adote as medidas necessárias à questão de mérito13, mostra mais uma vez que,
concretização do texto constitucional. apesar de ser a passos curtos, o STF está dispos-
to a indicar que caminha em direção definida.
Não assiste ao Supremo Tribunal Federal,
Nesse caso, partindo das novas possibilidades
contudo, em face dos próprios limites
positivadas pelo legislador ordinário quando da
fixados pela Carta Política em tema de
regulamentação da ADPF, foi possível ultrapas-
inconstitucionalidade por omissão (CF,
Art. 103, §2º), a prerrogativa de expedir
sar a jurisprudência da Suprema Corte brasileira
provimentos normativos com o objetivo e aceitar o retorno da discussão da questão, agora
de suprir a inatividade de órgão legislativo fundada em pedido, para que fixe as condições e
inadimplente. o modo de interpretação e aplicação do preceito
fundamental.
Até então, e apesar dos avanços, é evi- Ainda indicativa da disposição do Supremo
dente a existência de certa timidez por parte do Tribunal Federal de atuar de maneira mais inci-
Supremo Tribunal Federal brasileiro no que diz siva – ainda que até aqui não se tenha explorado
respeito à exploração dos potenciais teóricos já todo o desenvolvimento teórico existente – na
desenvolvidos desde meados do século passado. concretização dos direitos fundamentais sociais,
Essa timidez fica clara na ineficácia prá- está a decisão monocrática (Min. Celso de Mello)
tica da Ação Direta de Inconstitucionalidade proferida no processo da ADPF 45, distribuída
por omissão, tendo, depois da decisão referida, no dia 15 de outubro de 2003.
o STF, várias vezes – ADIs 1.830-7, 1.996-1 A decisão, proferida no dia 29 de abril
e 2.162-1 –, negado a possibilidade de uma de 2004, trata de questão importante, uma vez
atuação mais profunda do Tribunal quando a que se refere à concretização de direitos funda-
demanda lhe chegasse através de Ação Direta mentais sociais, também conhecidos pela sua
de Inconstitucionalidade por ação ou omissão. característica de direitos prestacionais, portanto,
Ou seja, a decisão consolida o entendimento do estreitamente ligados a questões orçamentárias.
Supremo Tribunal Federal de que cabe a essa Tratava-se da garantia de efetividade de dispo-
Corte apenas dar ciência ao órgão competente sitivo constitucional que estabelece percentual
13
No dia 08 fev. 2006, a ação foi julgada prejudicada sem que houvesse sido tratado o mérito da questão. BRASIL, Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 18 jul. 2008.
nome do princípio da segurança jurídica, para, de Estão claros, no caso, os precipícios cons-
maneira excepcional, manter a situação jurídica titucionais em situação de confronto. De
já constituída de fato. Em outras palavras, ao um lado, em favor da intervenção, a prote-
ponderar diante do caso concreto e reconhecendo ção constitucional às decisões judiciais, e
a excepcionalidade da situação, prefere o princí- de modo indireto, a posição subjetiva dos
pio da segurança jurídica em detrimento da regra, particulares calcada no direito de prece-
dência dos créditos de natureza alimentí-
que afirma a necessidade de lei complementar.
cia. De outro lado, a posição do Estado, no
Ainda tratando da ponderação, vale dizer sentido de ver preservada sua prerrogativa
que Barcellos vai localizar, na jurisprudência constitucional mais elementar, qual seja
do Supremo Tribunal Federal, uma ponderação a sua autonomia, e, de modo indireto, o
envolvendo somente o choque entre regras, em interesse não limitado ao ente federativo,
uma lógica pouco explorada, uma vez que, na de não ver pre3judicada a continuidade da
maioria dos casos, está-se diante do embate de prestação de serviços públicos essenciais,
princípios entre si ou desses contra regras. como educação e saúde.
Lembra a autora (2005, p. 213), referindo- Assim, a par da evidente ausência de
se a um exemplo desse tipo de ponderação, que proporcionalidade da intervenção para o
a questão enfrentada pelo Supremo Tribunal caso em exame, o que bastaria para afastar
Federal tratava da hipótese de que Estado da a medida extrema, o caráter excepcional
Federação não dispunha de recursos para pagar da intervenção, somado às circunstancias
já expostas recomendam a procedência do
os precatórios relativos a crédito alimentar,
principio da autonomia dos estados.
nos termos do Art. 78 do ADCT, e cumprir, ao
mesmo tempo, outras regras constitucionais, que Finalmente, é importante perceber que,
também exigem a alocação de recursos públicos no caso da ponderação acima abordada, está-se
como, por exemplo, a obrigação de aplicar de- diante da preferência pelo interesse coletivo
terminados percentuais em prestações de saúde (continuidade da prestação de serviços públicos)
e educação. em detrimento ao direito subjetivo de alguns
A situação foi posta nos seguintes modos (direito de precedência dos créditos de natureza
pelo STF, quando tratando da Intervenção Fede- alimentícia).
ral 164, em 2003:
É evidente a obrigação constitucional 4 Palavras Finais
quanto aos precatórios relativos a créditos
alimentícios, assim como o regime de A partir da análise jurisprudencial reali-
exceção de tais créditos, conforma a dis- zada, pode-se afirmar que os desenvolvimentos
ciplina do art. 78 do ADCT. Mas também teórico-filosoficos que caracterizam a teoria
é inegável, tal como demonstrado, que o constitucional neoconstitucionalista foram par-
Estado encontra-se sujeito a um quadro de cialmente recebidos e utilizados nas decisões do
múltiplas obrigações de idêntica hierar- Supremo Tribunal Federal.
quia. Nesse quadro de conflito, assegurar,
de modo irrestrito e imediato, a eficácia da Afirma-se o caráter parcial dessa re-
norma contida no art. 78 do ADCT, pode cepção, pois apesar de todo o desenvolvimento
representar negativa de eficácia a outras teórico neoconstitucionalista que em tese funda-
normas constitucionais. [...]. mentaria uma atuação mais incisiva do judiciário
– sempre em caráter excepcional e com base em
Decidindo o caso, o STF considerou que uma realidade social especifica – na concretiza-
a regra que determina o investimento em saúde ção de direitos fundamentais o que se vê é uma
e educação tem preferência àquela que impõe atuação por vezes ainda apegada ao formalismo
o pagamento de precatórios, assegurando que: e a uma leitura inadequada do princípio da sepa-