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A

arte como humanização

Este livro sobre Maternagem é, por consequência, sobre humanização.


Nada mais humanizante do que a arte, o que nos levou a mergulhar em
pesquisas iconográ icas para encontrar imagens alusivas a cada capítulo
ou tema. A Grande Arte, patrimônio da humanidade, serve aqui de
patrimônio de humanização.

NOTA IMPORTANTE:

A internet não é consultório. As comunidades

virtuais – como a nossa Pediatria Radical – têm

finalidade cultural, informativa e social. Não

pretendem, nunca pretenderam e jamais poderão

substituir a relação médico-paciente ou a


consulta presencial com um/uma pediatra.
Epígrafe

“Como quem herdou casas, imóveis de luxo, extensas


fazendas com milhares de cabeças de gado, herdei minha
criança com sua espontaneidade, seu amor pelos lápis de
cor, sua palhaçada, sua disposição para o novo e sua
inocência; herdei minha jovem mocinha com sua
irreverência, sua vontade de ajudar a melhorar o mundo,
seu romantismo, sua esperança radical, sua ousadia em
se lançar na estrada da existência na transitoriedade de
cada momento.”

Elisa Lucinda, Carta ao Tempo

“Eu não ensino, eu conto”.

Michel de Montaigne

“O abandono sofrido pelas crianças de hoje – qualquer


que seja a composição familiar a que pertençam – é o
abandono moral. Não é porque a mãe, separada do pai,
passa muitas horas por dia trabalhando; não é porque
um pai decidiu criar sozinho os filhos que a mãe rejeitou;
ou porque um casal jovem só tenha tempo para conviver
com a criança no fim de semana. O abandono, e a
consequente falta de educação das crianças, ocorre
quando o adulto responsável não banca sua diferença
diante delas.

Fora isso, sabemos que todos os “papéis” dos agentes


familiares são substituíveis – por isso é que os chamamos
de papéis. O que é insubstituível é um olhar de adulto
sobre a criança, a um só tempo amoroso e responsável,
desejante de que esta criança exista e seja feliz na medida
do possível – mas não a qualquer preço. Insubstituível é o
desejo do adulto que confere um lugar a este pequeno
ser, concomitante com a responsabilidade que impõe os
limites deste lugar. Isto é que é necessário para que a
família contemporânea, com todos os seus tentáculos
esquisitos, possa transmitir parâmetros éticos para as
novas gerações”.

Maria Rita Kehl, Em Defesa da Família Tentacular

“Um dos aspectos mais extraordinários de nossa época é a


maneira pela qual todo o processo do nascimento é
dilacerado pela interferência tecnológica”.

Ronald Laing - Fatos da Vida


Dedicatória

Este livro homenageia nossos poetas, iccionistas, contadores de ‘causos’,


desenhistas, ilustradores, designers, que colorem e encantam os dias dos
meninos e meninas do Brasil com suas estórias e historinhas, canções e
cantigas, contos, fábulas, piruetas e quadrinhos: Adriana Partimpim,
Alessandra Roscoe, Ana Maria Machado, André Neves, Ângela-Lago,
Arnaldo Antunes, Bia Bedran, Cadão Volpato, Carla Caruso, Chico Buarque,
Daniel Azulay, Edgard Scandurra & Pequeno Cidadão, Elvira Vigna, Eva
Furnari, Fabrício Carpinejar, Fernanda Lopes de Almeida, Ferreira Gullar,
Ferrez, Flávia Savary, Flávio de Souza, Glória Kirinus, Heloísa Prieto, Ilan
Brenman, Isabel Minhós, João Ubaldo Ribeiro, Jonas Ribeiro, Karen Acioly,
Kátia Canton, Lalau, Laurabeatriz, Lauren Child, Laurent Cardon, Lígia
Cadermatori, Lúcia Hiratsuka, Lygia Bojunga, Manoel de Barros, Marcelo
Xavier, María Teresa Andruetto, Marilda Castanha, Marina Colasanti,
Maurício de Souza, Mírian Fraga, Nelson Cruz, Pato Fu, Paulo Tadeu, Pedro
Bandeira, Pedro Lucena, Raí, Renato Moriconi, Ricardo Azevedo, Roger
Mello, Rubem Alves, Ruth Rocha, Sandra Peres & Paulo Tatit da “Palavra
Cantada”, Stella Maris Rezende, Susy Lee, Talita Rebouças, Tânia Khalil &
Jairzinho, Tatiana Belinky, Therezamaria, Toquinho, Veridiana Scarpelli,
Wander Piroli, Ziraldo...

E os inesquecíveis: Bartolomeu Campos Queirós, Carlos de Laet, Cecília


Meireles, Clarice & Elisa Lispector, Érico Veríssimo, Fernando Sabino,
Graciliano Ramos, José Mauro Vasconcellos, José Paulo Pais, Julia Lopes de
Almeida, Luiz da Câmara Cascudo, Maria Clara Machado, Mário Quintana,
Monteiro Lobato, Olavo Bilac, Orígenes Lessa, Rachel de Queiroz, Sylvia
Orthoff, Tales de Andrade, Vinícius de Moraes, que deixaram poemas,
estorinhas e peças infantis para crianças de todas as idades.
Nenhuma lista é exaustiva. Complete-a com seus autores preferidos, sem
esquecer os universais e eternos: Andersen, Antoine de Saint Éxupery,
Charles Dickens, Esopo, Fedro, Ferenc Molnar, Fernando Pessoa, Gabriela
Mistral, Hergé, Julio Verne, Keith Haring, La Fontaine, Irmãos Grimm, Lewis
Carrol, Mark Twain, Perrault, Swift, Walt Disney...

“Sou fiel ao menino e ao jovem dentro de mim; fiel e


talvez submisso, o que é causa de sofrimento, pois não há
submissão sem dor. Mas não posso deixar de pensar, com
melancólica ternura, no menino que escrevia suas
historinhas em papel de embrulho, no menino que sempre
acreditou na magia da ficção.

A esse menino e a todos os jovens, dedico as páginas que


se seguem”.

Moacyr Scliar
Homenagem das crianças a suas
benfeitoras

Dorina Nowill (São Paulo, SP, 28/05/1919 – 29/08/2010)

Cega desde os 17 anos, devido a uma infecção ocular, Dorina criou a


Fundação para o Livro do Cego do Brasil, com o objetivo de produzir e
distribuir livros em braille para que de icientes visuais pudessem estudar.
Há mais de seis décadas, a Fundação Dorina tem se dedicado à inclusão
social das pessoas com de iciência visual, por meio da produção e
distribuição gratuita de livros em braille, audiolivros e livros digitais
acessíveis, diretamente para pessoas com de iciência visual e para mais de
1.400 escolas, bibliotecas e organizações de todo o Brasil.
www.fundacaodorina.org.br/

Neide Castanha (Januária, MG, 20/02/1953, Brasília, 27/01/2010)

“As crianças não têm dono, são patrimônio do País”. Neide Castanha, em
sua trajetória, participou de grandes conquistas. Entre elas, a mobilização
nacional para aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a
realização do III Congresso Mundial de Enfrentamento à Violência Sexual,
no Rio de Janeiro, em 2008. Neide foi também uma das principais
responsáveis pelo desenvolvimento da metodologia de uma importante
ferramenta para o combate à violência infantojuvenil, o Disque Denúncia
100, para noti icação de casos de violação dos direitos sexuais de crianças
e adolescentes.

Zilda Arns (Forquilhinha, SC, 25/08/1934 – Porto Príncipe, 12/01/2010)


A inesquecível médica sanitarista brasileira era formada em medicina pela
UFPR; aprofundou-se em saúde pública, pediatria e sanitarismo. Criou a
Pastoral da Criança, para livrar crianças pobres da mortalidade infantil, da
desnutrição e da violência, em seu contexto familiar e comunitário.

“As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes


de paz e esperança. Não existe ser humano mais perfeito,
mais justo, mais solidário e sem preconceitos que as
crianças. Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao
fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas,
longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de
Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem
sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-
los.”

Trecho do último discurso de Zilda Arns no Haiti.


Em memória, 2012

Bartolomeu Campos de Queirós

(Papagaio, MG, 25/8/1944 – Belo Horizonte, MG, 16/01/2012)

Autor mineiro, cuja escrita aproxima-se da expressão lúdica da criança.

“Sem o colo da mãe eu me fartava em falta de amor. O


medo de permanecer desamado fazia de mim o mais
inquieto dos enredos. Para abrandar minha impaciência,
sujeitava-me aos caprichos de muitos. Exercia a arte de
me supor capaz de adivinhar os desejos de todos que me
cercavam”.

Vermelho Amargo, 2011

Conceição Moreira Salles

(Santo Hipólito, MG, 1947 – Brasília 7/01/2012)

Biliotecária, amiga dos livros e dos leitores adultos e mirins, pioneira na


busca de informação em Brasília. Inesquecível.

Flávia Maria & Millôr Fernandes, amigos e parceiros na criação do livro


“Maurício, o Leão de Menino”.
“Nada é mais falso que uma verdade estabelecida”.

Millôr Fernandes.
A Comunidade no Orkut

Nem a comunidade Pediatria Radical nem este livro têm por objetivo a
oferta de consultas pediátricas. São informações genéricas e trocas de
experiências que não deverão ser utilizadas como substituto de diagnóstico
ou tratamento médico, cabendo a quem dela participa reportar-se a seu
próprio clínico ou pediatra.

A comunidade foi criada por mim, para servir às mães que se interessam
não só por temas de pediatria, mas de educação e desenvolvimento da
criança do ponto de vista das mães e dos pais.

A comunidade é mantida pela livre participação de pediatras, mães & pais,


cuidadores e professores. A tônica dos assuntos é a iloso ia do
desenvolvimento da criança e o respeito a suas etapas naturais.

A comunidade tem a inalidade de interagir e cooperar na busca da saúde


integral da criança, por meio do bom senso e do conhecimento das leis da
natureza.

A Pediatria deve considerar: “Os problemas orgânicos e psíquicos da


criança, de modo preventivo e curativo, em sua totalidade e mútuas
interações, à luz de sua constituição, de suas condições bio-psico-
sociais e ambientais, visando à criação de uma pessoa isicamente
sadia, psiquicamente equilibrada e socialmente útil”. ( apud o saudoso
Prof. Pedro de Alcântara).
SITE

www.pediatriaradical.com.br

‘Dra. Relva’ é ‘nickname’ da pediatra Thelma B. Oliveira, organizadora do


livro Pediatria Radical e deste Livro da Maternagem.
Do hipertexto virtual ao texto
impresso

Morena Shibuya e Dra. Relva

Segundo Snyder:

“Hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões.


Os nós podem ser palavras, imagens, gráficos ou parte de
gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que
podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de
informação não são ligados linearmente, como em uma
corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende
suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em
um hipertexto significa, portanto, desenhar um percurso
em uma rede que pode ser tão complicada quanto
possível. Cada nó é capaz, por sua vez, de conter uma rede
inteira”.

No hipertexto é possível ir e vir, “saltando” de um trecho a outro. Ele


permite comunicar e re inar ideias complexas, através de ligações ou elos
(links), interligando trechos de texto, imagem e som. São documentos que
se utilizam de um padrão de palavras sublinhadas em azul que, clicadas,
levam a uma nova página, endereço ou imagem. Nossa comunidade é nosso
hipertexto, pelo qual navegamos, de ‘nós’ em ‘nós’, estabelecendo conexões
à distância, linkadas por nossos questionamentos que se abrem para os
questionamentos de todos. O hipertexto na comunidade é feito a muitas
mãos, em tópicos e posts, em uma espécie de intertextualidade. Leitor-
autor, não mero espectador. Um rizoma, uma raiz, uma forma radical de
ensinar e aprender. E que virou este novo livro, estruturado como um blog
(ou almanaque), que pode ser lido em sequência ou aleatoriamente, de
‘nós’ em ‘nós’, ou de link em link.
Agradecimentos e homenagem

Cláudia Amaral Mulazzani, isioterapeuta, mãe de Matheus


Mulazzani Ribeiro, 12 anos, Macaé, RJ.

Elizângela de Faria, professora (Letras), mãe de Matheus, 18 anos,


Pedro, 14 anos e Luiz Otávio , 5 anos, Jacareí, SP.

Gabriela Bezerra Lima, publicitária, mãe de Beatriz Lima Amorim,


Recife, PE.

Janaina Maria da Rocha Fragoso, professora, mãe de Pietro Sartori


Rocha Fragoso, 9 anos; Catarina Sartori Rocha Fragoso, 4 anos, Santa
Bárbara d´Oeste, SP.

Ana Paula Sena, musicista, mãe de Nathalia e Sophia, 5 anos,


Salvador, Bahia; atualmente na Alemanha.

Renata Cristina Gomes Oliveira Mello, professora, mãe do Jorge, 5


anos, SP.

Roseli Guimarães Diniz, mãe de William G. Diniz, 6 anos, Melbourne,


Australia; terra natal: Campina Grande, PB.

Tatyana Marion Klein Bartosievicz, advogada, mãe de Luiza, 10 anos,


Curitiba, PR.
Nossa homenagem e agradecimento às ex-moderadoras: Adalene Sales,
psicóloga, Bahia; Andréia Christina K. Mortensen, pesquisadora,
Pensilvania USA; Anna Paula Gumiero, pediatra, Limeira, SP; Bastet -
Gabriela Marques, psicóloga, RJ; Ciça – Maria Cecília Lafetá, advogada, DF;
Daniely A. Soares, SP; Cláudia Rodrigues – Marilyn, jornalista, RS; Flávia
Mandic, enfermeira, Canadá; Jenniffer Peruncelli Bertini, SP; Lays Moreira,
professora, SP; Maria Alice Gomes Keller, médica veterinária, Londres;
Maureen Bitencourt, Canadá; Patrícia Cunha Chavinhas, designer grá ica,
Niterói, RJ; Raquel Marques, SP; Rose Mallet, administradora de empresa,
RJ; Simone Valenci Prado, SP; Valéria Bertolozzi, arquiteta e designer, SP.
Agradecimentos especiais

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos, professora e


pedagoga em Entre Rios, Bahia, pelo generoso prefácio, meticulosa revisão
final e preparação do texto. E pela amizade.

Andrezza Souto, Maceió, AL, pela organização da bibliogra ia e sugestões


de leituras.

Fernanda Helena Ferreira, professora de literatura em Ribeirão Preto,


pela revisão inicial e copidesque. E pelo carinho.

Mônica Eriko Inoue, jornalista, Gênova, Itália, pela revisão inicial,


copidesque e dicas preciosas.

Patrícia da Cunha Chavinhas, designer grá ica, Niterói, RJ, & Valéria
Bertolozzi, designer e arquiteta, SP; criadoras das logomarcas para as
campanhas da Comunidade; pelo entusiasmo e competência.

Agradecimento mais que especial às pediatras que participam


assiduamente da PR, com seu conhecimento, dedicação e precioso tempo,
interagindo com as mães e pais em suas dúvidas, e que nos brindaram com
excelentes artigos para o livro:

Ana Guerra Andersson, pediatra brasileira na Suécia

Ana Hilda Carvalho, neonatologista, Belém, PA

Ana Paula Gumiero, gastropediatra em Limeira, SP


Lilian Nakachima Yamada, pediatra em Ribeirão Preto, SP

Meire Gomes, pediatra em Natal, RN

A Adalene Sales, Salvador; Bruno Mendonça, Curitiba; Gabriela Bezerra


Lima, Recife; pelos trabalhos acadêmicos sobre a comunidade Pediatria
Radical.

A Irene Zwetsch, representante da comunidade brasileira na Suiça, pela


entrevista à CigaBrasil, Suíça.

A Márcia Honda, Brasília, pela entrevista sobre “Invenções da


Bonequinha”.

Às jornalistas Ana Pavão, de Ubatuba; Karina Toledo, do Estadão; Maria


Fernanda Seixas, do Correio Braziliense; pelo destaque à comunidade na
mídia.

À Professora Rose Marinho Prado, de São Paulo, pela entrevista sobre a


comunidade.

Às comunidades parceiras e suas criadoras. Aos ‘visitantes’ que deixam


mensagens e emails, com questionamentos e sugestões de temas. A todos
os participantes da PR, que a mantêm viva e dinâmica.

Colaboradores Convidados:

Davy Bogomoletz, psicanalista winnicottiano, São Paulo.

Dioclécio de Campos Júnior, médico pediatra, ex-presidente da SBP,


professor emérito da UnB, Brasília, DF.

Ernesto von Rückert, professor de Física da Universidade de Viçosa, MG.


Ligia Moreiras Sena, bióloga, mestre em Psicobiologia, doutora em
Farmacologia e em Saúde Coletiva, Florianópolis, SC.

Luiz Geremias, jornalista e psicanalista, Rio de Janeiro, RJ.

Roxana Knobel, médica ginecologista e obstetra, Florianópolis SC.

Colaboradoras da Comunidade/textos

Alessandra Cristina Soares Pozzi

Alessandra C. Xavier

Alessandra Minadakis Barbosa

Andrea Rusconi

Andrea Voute

Andréa Cristina M. Nascimento dos Santos

Andréia Christina Karklin Mortensen

Claudia Rodrigues

Cristiane Viana

Danielle Elis Colussi Brum

Denise Daudt Machado

Elisângela Gonçalves / Elis


Érica Maldonado

Flávia Oliveira Mandic

Gabriela Bevilaqua

Gabriela Macedo Hugues

Karina Pierin Ernsen Alves

Kelly Cristina Cunha Reges

Liana Lara

Lígia Sommerhauzer / Lilika

Miriam Ramoniga

Mônica Eriko Inoue

Renata Serra Nacimento

Simone Bitencourt de Paula

Taicy de Ávila Figueiredo

Tatyana Marion Klein Bartosievicz

Artigos das pediatras: Ana Guerra Andersson, Ana Paula Gumiero, Ana
Hilda Carvalho, Lilian Nakachima e Meire Gomes.
Apresentação

A COMUNIDADE PEDIATRIA RADICAL conta atualmente com mais de 16


mil membros e já está andando com as próprias pernas. Foi aleitada,
causou as preocupações naturais do crescimento, agora está forte e sadia.
Pretende continuar crescendo e se desenvolvendo nos próximos anos...

Uma comunidade assim envolve o conceito de <cuidar>, que é um ou o


aspecto mais importante do CURAR, em que se estabelece uma democracia
participativa. Esse talvez seja um dos novos modelos da prática pediátrica:
o de “cuidar-curar”, como extensão do conceito de “segurar” (o holding e o
handling de Winnicott).

“Começa com o bebê no útero, depois com o bebê no colo


e com as demais etapas do processo de
crescimento/desenvolvimento da criança. Isso porque a
mãe, que conhece “aquele” bebê específico, que ela deu à
luz, torna esse enriquecimento possível.

O tema ‘ambiente facilitador’ propicia o crescimento


pessoal e o processo maturacional. É uma interação dos
cuidados que o pai e a mãe dispensam à criança com a
arte da pediatria. Isso leva à construção da autonomia
dos pais: indivíduos maduros participando, ativamente,
do processo de cuidar”. [apud Winnicott].

Aliás, a criança é o pretexto da pediatria – seus sintomas ou as fantasias


que a mãe tece sobre seu desenvolvimento são a carta de apresentação
daquilo que a família espera para “aquela” criança, “naquele” lar. Todo
sintoma é um pedido de ajuda.
Maternagem, que é o cuidar amorosamente da criança, é exercida o tempo
todo pela Mãe, com o aleitamento, o olhar, o colo, a procura incessante do
melhor para “seu” filho.

“Pediatria Radical” é uma comunidade voltada para mães, pais e


cuidadores, feita pela troca de experiência de uns com os outros e de todos
com as moderadoras, num “ambiente facilitador”, que resulta em
aprendizado mútuo e dinâmico.
Rrecorte da obra Still Life – August Macke (1887-1914)
Prefácio

Uma casa muito especial


De todas as novidades que a vida me concedeu viver, a mais linda, doce e
prazerosa foi ser mãe. Mas ser mãe não é algo lindo o tempo todo. Mãe tem
gostos e desgostos; sorri, mas também chora; nina, mas também precisa de
acalento. Mãe cria, nutre e modela um ser lindo chamado criança.

Não aprendi a ser mãe tão logo tive um ilho nos braços, pois muita coisa
envolve essa linda missão. Eu dormi ilha e acordei mãe. Mesmo não
sabendo ao certo o sentido dessa pequena-grande palavra, eu sempre
soube que criança tem que ser bem cuidada, que ela é um ser em
formação, que é re lexo de sua casa... O que eu não sabia por completo era
o signi icado da palavra cuidar, e quais sentimentos e atitudes estavam por
trás desse vocábulo aparentemente comum.

Eu tentava, porém, ser a ‘melhor mãe do mundo’, a “mãe perfeita”. Com


esse pensamento, eu cometia um grande erro: o de exigir de meu ilho
perfeição também. E, tentando acertar, eu errava, como tantas mães... Ao
nascer meu segundo ilho, vi cair ao chão tudo o que eu construíra com o
primeiro. Sentimentos bons e valores foram-se perdendo, em meio a
atitudes errôneas, enquanto eu tentava o complicada e linda arte de
“educar”, ato que deveria ser apenas doce, como a própria infância.

Frustrada comigo mesma, por ter-me perdido enquanto educadora, e com


a sensação de não dar conta da educação de apenas dois ilhos, percebi-me
como a ‘pior mãe do mundo’. Com esse sentimento de fracasso, mergulhei
na internet em busca de algo que pudesse me amparar.
Nessa busca, em plena madrugada, encontrei uma casa enorme e
admirável; sete anos de construção, irme, confortável e linda. Essa casa –
tão especial – tem um nome: PR – Pediatria Radical. No momento em que a
encontrei, comecei a olhar cada traço nela contido, cada descrição que
estava lá. Dentro dessa casa vi muitas coisas boas, nada faltando para as
mamães e seus ilhinhos: gestação, parto, amamentação, sono, fases do
desenvolvimento infantil, colo, amor, maternagem. E, como fui seduzida
pela sua beleza, não mais consegui sair de dentro dela.

Buscando essa ‘alguma coisa’ que me ajudasse na educação de meus filhos,


deparei-me com algo que iria fazer muita diferença em minha vida. Eu não
sabia a dimensão do que viria a partir de então. Além dos tópicos felizes,
havia, também, muitos outros sobre violência contra a criança,
principalmente no lar. Ao ler os vários depoimentos, e perceber a dor em
cada palavra expressa pelos participantes, muitos dos quais tinham sofrido
castigos ísicos na infância, caí em prantos; eram desabafos de tristezas e
traumas provocados por uma educação maquinal, impensada, cruel. Fiz
uma re lexão sobre minha vida e minhas atitudes para com meu primeiro
ilho, e passei a entender algumas coisas que estavam acontecendo em
meu lar.
Enxerguei, a partir daí, meus fracassos de mãe e educadora. Cada
depoimento que eu lia me ensinava uma lição. Apesar de ainda confusa
com relação a tudo o que eu sabia sobre educar, dar limites e cuidar, eu
icava cada vez mais certa de que educar não podia incluir qualquer tipo
de dor. Percebi, naquele momento, que não sabia nada da vida, que tinha
que aprender, aprender e aprender. Essa inquietação fez-me debruçar em
vários artigos sobre educação de ilhos. Fui vendo, conhecendo e
inventando “novas” formas de educar.

Naquela madrugada, enquanto os meus olhos devoravam o tópico, e o


coração assimilava cada palavra, vi meu ilho em retrospecto. Lembrei-me
de como tudo começou; do carinho, do amor, da amamentação, dos
primeiros passinhos, pequeninos e cheios de ternura. Mais pareciam
passinhos de uma dança lírica, que pausadamente se deslocavam em
minha direção. Eu podia ouvi-los de novo, nessa imersão em nosso
passado. Eram os passos mais delicados que eu já vira, não importava se o
dono deles estava indo abraçar-me, ou fazer uma nova travessura. Seus
passinhos eram leves, por causa de sua brandura, leves pelo nome lindo
de ‘criança’.

Lembrei-me do grito, da palmada, e, junto a essa lembrança, vi seus


olhinhos assustados. Sim, seus olhos revelavam medo, dúvida, susto, ainda
que em seu coração houvesse a vontade de amar e de abraçar ternamente
a mãe e o pai que o tocaram. Como é que eu não percebera antes esse
olhar? Decidi que nunca mais minhas mãos o tocariam senão para abraçá-
lo, dar-lhe meu amor e meu carinho. Às minhas mãos emprestei algemas,
fiz-lhes severas proibições; elas nunca mais seriam as mesmas mãos.

Resolvi pedir ajuda nessa casa, suas portas estavam sempre abertas; lá eu
contei minha história, desabafei minhas angústias e di iculdades de lidar
com meu primeiro ilho, depois que o irmãozinho nasceu. Uma das
moderadoras dessa casa-comunidade (Jana), com muita dedicação
acompanhou o meu relato, contando-me as suas experiências e dando-me
dicas de como lidar com a situação. Fui percebendo os sentimentos
escondidos no coração do meu ilho mais velho: uma mistura de amor e
ódio; ciúme; rejeição; medo de perder o meu amor, de perder a mim, sua
mãe. Entendi que eu teria que atingir suas emoções e não seu corpinho.
Depois que passei a fazer parte dessa casa, aprendo muito a cada dia. A PR
passou a ser um dos lugares onde mais gosto de estar, local de diálogo,
descontração, discussão e aprendizado. Encontrei dentro dessa casa uma
pessoa mais que especial, que não mede esforços, uma pessoa apaixonada
por crianças e que vive para fazê-las felizes. Estou falando da Dra. Relva,
apelido carinhoso da pediatra Thelma, an itriã dessa casa-comunidade.
Com ela aprendi que dar limites é ajudar os nossos ilhotes a criarem asas
para voar, com menos risco de cair, machucar-se, sofrer. Com ela eu
aprendi que ‘bater em criança é covardia’, que ‘dar limites’ não signi ica
deixar a criança chorando sem consolo para ‘não acostumar mal’. Aprendi
sobre a importância do amor, do cuidado e do toque afetuoso na formação
da personalidade da criança; que cuidar é muito mais que alimentar, vestir
e proteger das doenças e perigos.

Percebi que a infância é como um lindo jardim. Sua terra, rica e fecunda,
está sempre à espera de ser cultivada. Cada fase precisa de cuidados
especiais. O que eu faço com essa terra é que me traz a “qualidade” da
planta que nasce lá.

Eu sentia, cada vez que eu melhorava como mãe, e a cada vez que eu fazia
meu ilho mais feliz, a necessidade de compartilhar com outros educadores
tudo o que aprendia. O pensamento não me deixava por um minuto; estava
diante de uma causa que me inquietava a ponto de tirar-me o sono e a paz.
Foi desse pensamento que surgiu o Projeto Mãos e Filhos, que tem como
objetivo re letir com os pais sobre os efeitos danosos das punições ísicas
para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças; e analisar o
tipo de relação construída entre pais e ilhos na atualidade, por meio de
pesquisas, palestras e debates, proporcionando momentos de
sensibilização sobre o tema.

Chegando a hora de desengavetar as minhas ideias e fazer com que elas o


que tinha que ser feito, recebi o apoio de algumas pessoas, que me
transmitiram con iança e solidariedade. O Prefeito Fernando Almeida de
Oliveira e a Secretária de Educação Zélia Maria Barreto Reis, da cidade de
Entre Rios, Bahia, apoiaram-me com todos os recursos de que precisei e,
carinhosamente, contribuíram para a divulgação e expansão das ações do
projeto. Contei também com o precioso e afável apoio de colegas de
trabalho, aos quais peço desculpas por não citar seus nomes, pelo receio
de não fazer referência a alguém que, ainda que não tenha me ajudado
diretamente, tenha contribuído com força positiva e receptividade às
minhas ideias.

Não à violência, não às palmadas, não à humilhação, não aos gritos!


Paciência, atenção, carinho, toque, abraço, limite, colo, amor! – “Mamãe, o
amor cura tudo”, assim falou meu ilho Allec, aos 7 anos, enquanto assistia
comigo o ilme “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”, da série “As
Crônicas de Nárnia”.

Assim, procurei as escolas para um papo sério com pais e educadores,


esparzindo, com convicção e carinho, algumas das ideias da Dra. Thelma –
ousada pelas discussões que excita entre mães do Brasil inteiro, na
Pediatria Radical. Convido o caro leitor a conhecer essas e outras ideias
que, pela segunda vez, transpõem os muros virtuais e vão parar no papel;
convido-o a mergulhar em ‘O Livro da Maternagem’, idealizado por essa
mãe, pediatra e amiga. O leitor poderá viajar entre suas páginas, fazendo
verdadeiras descobertas; ultrapassando paradigmas e construindo novas
realidades; poderá re letir sobre o amor, sobre o colo, o embalo, o acalento;
poderá ver, no cerne puro e singular da vida, o cenário mais fantástico e
misterioso da história – o fenômeno da maternagem. Vem comigo...

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos


é mãe de Allec Levi, de 8 anos, e de Yude Ravi, de 2 anos.

Professora e Pedagoga, reside em Entre Rios, BA.

Membro da Pediatria Radical há 2 anos.


Mother and her son in the garden, Berthe Morisot (1841-1895)
O que é maternagem?

Davy Bogomoletz e Dra. Relva

Segundo Winnicott (1982), maternagem ou provisão maternal é a atitude


do adulto em relação ao bebê e os cuidados a ele dispensados. Nele
encontramos que a mãe - ao tocar e manipular o bebê, aconchegá-lo e
falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma e psique e, ao
olhá-lo, ela se oferece como espelho onde o bebê pode ver-se. A forma
como essa mãe olha o bebê (expressão facial) devolve a ele a sua imagem
corporal, como forma de comunicação.

O ato de tocar tem alto grau de importância desde a convivência


gestacional e posteriormente a ela, em que o contato da mãe com seu bebê
já implica em momentos favoráveis à formação da criança. O toque
imediato após o parto estabelece o vínculo entre mãe e bebê; o toque na
amamentação gera trocas positivas entre ambos e reduz a tensão
emocional; além do mais, gera bem-estar na mãe, ao perceber o tipo de
estímulo favorável que oferece ao filho.

No campo ísico, o tocar viabiliza o bom funcionamento da respiração e


digestão, entre outros pontos. No desenvolvimento psíquico e social ica
evidente a relevância do tocar, principalmente porque possibilita um
vínculo melhor entre a mãe (ou quem cuida) e o bebê, gerando assim uma
tendência na criança de criar e manter outros vínculos mais seguros ao
longo de sua vida social. O bebê, pelo contato dessa magnitude em sua
formação inicial, adquire uma personalidade sadia e percebe o mundo de
forma agradável. Sentindo-se aceito e benquisto, ele constrói uma boa
autoestima, instrumento imprescindível à conquista do mundo, que vai se
desvelando conforme ele avança em seu crescimento e na manutenção das
relações que vai estabelecendo com as outras pessoas.

Hoje sabemos que é importante o modo pelo qual se promove o “segurar”


(holding) e o “manuseio” do bebê (handling), e quão importante é quem
está cuidando dele – se a mãe ou outra pessoa. As teorias sobre os
cuidados e sua continuidade tornaram-se a característica central do
conceito de ambiente facilitador. De fato, é por meio da estabilidade na
provisão ambiental, que o bebê em estado de dependência pode ter
preservada a sua linha da vida.

Bowlby, em seus estudos sobre ‘ attachment’, mostra a reação de uma


criança de dois anos à ausência da mãe, caso se prolongue além da sua
capacidade de manter viva a imagem materna. Seu trabalho, ainda que
precise ser explorado mais a fundo, obteve aceitação geral. Sua avaliação
conduz à importância da continuidade nos cuidados e remonta ao início da
vida do bebê, antes mesmo que ele perceba objetivamente a mãe por
inteiro, como pessoa.

Outra característica destacada no estudo: na qualidade de psiquiatra de


crianças, Bowlby não se preocupa única e exclusivamente com a saúde da
criança, mas sim com a riqueza da felicidade que se desenvolve na saúde.
O bebê desenvolve suas capacidades (que nele já estão presentes)
fundadas em experiências precoces e na continuidade de cuidados que lhe
possam dar segurança nas diversas instâncias da vida, inicialmente na
família, depois na escola e em um círculo social cada vez mais amplo.
Maternagem e saúde

Dra. Relva

Descobrimos recentemente um livro muito interessante sobre


maternagem – Uma Intervenção em Saúde, de Ernesto Duvidovich &
Themis Regina Winter, totalmente alinhado com nossa proposta.

Pode-se ler no prefácio de Wagner Ranña: “O capítulo IV aborda os


processos de capacitação dos pro issionais para atuarem como midwives
[...] Os pro issionais também devem estar articulados numa rede de
acolhimento, pois a capacidade de exercer a maternagem está ligada à
capacidade de ser maternado. [...] Para que essa maternagem aconteça, o
pro issional também deve estar acolhido numa rede de amparo; do
contrário, irá refugiar-se em ‘receitas’ operatórias e vazias” – p. 15.

Nós também acreditamos que a mãe deva ser maternada. Ao encarar o


papel e a função de ‘mãe’, a mulher perde muito de seu referencial pessoal
e social e adentra o obscuro mundo materno. Deixa de ser quem é e passa
a ser ‘a mãe de alguém’, função e papel que nunca lhe serão tirados. Ela
precisa ser acolhida pelos familiares, pelo companheiro, pela sociedade e
pelos serviços de saúde para bem realizar essa função – ou nobre missão,
como se prefere dizer.

“Como veremos, existem muitas Máscaras da


Maternidade. Mas essa – a máscara do silêncio – é a mais
traiçoeira de todas”. [...] A Máscara da Maternidade
mantém as mulheres em silêncio a respeito do que
sentem, e desconfiadas do que sabem. Separa a mãe da
filha, uma irmã da outra, as amigas. Cria um abismo
escarpado e trágico entre adultos que têm filhos e os que
não têm. Desvirtua a distância entre a infância e a vida
adulta, criando fossos cada vez mais profundos entre as
gerações. Coloca pais contra mães, aumentando a
distância entre o significado de “ser mãe” e “ser pai”.
Acima de tudo, ao minimizar a enormidade do trabalho
das mulheres no mundo, alimenta e sustenta a
ignorância profunda que confunde “ser humano” com
“ser homem”.

Maushart, Susan, A Máscara da Maternidade, p. 23.

O terreno materno, mesmo virtual, é minado – principalmente pelas


‘outras’: quando mãe ‘A’ fala de seu parto ou de seu filho, mãe ‘B’ começa a
procurar onde mora o erro; se está sendo arrogante; ou querendo ser
‘diferente’. Há até confrarias e dissidências, derivadas de simpatias mútuas
e de antipatias diversas. Há as empolgadas da maternidade e há também
as ‘cassandras’ que avisam: não existe maternidade cor de rosa, você vai
ver o que te espera! No im, todo mundo se entende, pois... Mãe só tem
uma!

Para saber mais

A Máscara da Maternidade. Por que ingimos que ser mãe não muda nada?
Ed. Melhoramentos, SP. 2006.

Amor Materno – Mito ou Realidade? Dissertação de Ivana S. Paiva Bezerra


de Mello, Mestre em Psicologia Clinica, UNIPE, PB, em:
www.escolafreudianajp.org/arquivos/trabalhos/Amor_materno_mito_ou_realidade.pdf acesso em
28.09.2012
Mother Earth – Germaine Arnaktauyok (1946)
As novas mães

Quem são estas que surgem como a aurora,


belas como a luz, brilhantes como o sol,
esplêndidas como as constelações?

São elas, as ‘novas mães’, saindo do armário, portando seus slings e


netbooks e dirigindo-se ao Cinematerna. Recostadas em futons, falarão de
abobrinha, cenourinha e frutinhas. E farão mamaço ostensivo. E trocarão
receitas de papinhas, enquanto recitam o mantra “Hei de vencer!” E
conversarão papos de mãe. E queimarão as balanças de ver o peso. E
malharão muito, para readquirir o corpão sarado em 40 dias e 40 noites. E
farão brincaderinhas de ‘mais-mãe’ e ‘menos-mãe’, e o prêmio será uma
semana no spa do sono.

Hordas de especialistas estarão a postos, para ensinar-lhes como e o quê


devem fazer; e cuidarão para que seus pés não resvalem em alguma
pedra. E elas discutirão seus planos de parto e farão discursos exaltados
sobre a cesárea eletiva. E descobrirão que tudo é vaidade das vaidades e
que comparar o instinto materno é vão. E que ser mãe exige disposição e
muito aprendizado. E que nada há de novo debaixo do sol. E elas se
banharão com ervas e extrato de ocitocina. E farão acampamento
compartilhado. E olharão com descon iança as ‘outras’, as que não portam
a veste nupcial. E as portas se cerrarão, assim que chegue o amado de suas
entranhas. E as que deixaram apagar suas lamparinas, icarão de fora,
onde haverá choro e ranger de dentes.
Mas eis que...

...Dos céus desceram os Especialistas, montados em


laptops de duas cabeças e carregando celulares de fogo. E
Eles garantiram que, desse dia de glória em diante, não
haveria mais dúvida sobre a verdade porque Eles, os
Especialistas, diriam a todos o que é a verdade e como
deve ser usada. E elas foram chamadas de ‘mãezinhas’. E
conheceram o ‘seu’ lugar (na fila, é claro). E ficaram
sabendo que nem toda fila anda... [César Cardoso é que
entende desse lance de especialistas...]
A criação com apego e a
neurociência. O que é ‘maternagem
consciente’

Ligia Moreiras Sena

O que determina as características de personalidade de uma pessoa e,


consequentemente, de um grupo social? O que determina que uma pessoa
se torne deprimida, ansiosa, paranoica ou que desenvolva outro transtorno
emocional? A constituição genética? O ambiente? As vivências ao longo da
vida? O suporte emocional que recebe? O grau de afeto auferido na
infância? Coisas que ainda não sabemos e que a ciência ainda não explica?
Sim, tudo isso. Qual desses fatores tem maior ou menor peso nessa
misteriosa e inexata matemática?

Eis uma pergunta para a qual não se tem uma clara resposta.

Como saber, então, de onde vêm as mazelas que assolam o ser humano?
Não sabemos ao certo, de forma que não podemos controlá-las. Mas se
sabemos que determinadas práticas, situações e experiências contribuem
decisivamente para que elas não apareçam, então passamos a nos
apoderar desse conhecimento na tentativa de evitar o sofrimento. Não é
garantia de que iremos conseguir, mas estaremos assumindo a parte que
nos cabe nesse vasto e complexo latifúndio.

Não temos como controlar quais genes vamos passar – ou já passamos –


para nossos ilhos. Não sabemos, em termos de constituição biológica,
quem são ou o que há dentro deles, qual o gatilho que está pronto para ser
acionado – de bom ou de nem tão bom assim. Mas podemos, pelo menos
em parte, no dia-a-dia, dentro de casa, nas experiências cotidianas da
família, selecionar ambientes e experiências aos quais queremos expô-los
ou não.

Aí entra a criação com apego, tradução pouco precisa para o termo em


inglês attachment parenting . E que vem recebendo críticas descabidas de
gente que não faz a menor ideia do que está falando. Num mundo onde o
apego emocional vem sendo ridicularizado na mesma intensidade que se
incentiva e se fortalece o apego material, ainda em tenra infância. Virou
piada você dizer que amamenta um ilho de mais de dois anos, ou que
procura compreender seus anseios e inseguranças no lugar de agir
autoritariamente, ou que evita deixá-lo a chorar.

Pessoas presas a seus preconceitos e ligadas ao que o senso comum


propaga como sendo verdades inquestionáveis, ainda que fruto da
ignorância, tendem a associar a criação com apego à falta de limites, à
permissividade, construindo em suas cabeças um falso per il dos pais que
assim criam seus ilhos como sendo seres irresponsáveis, criando ilhos
sem limites. Como se a oferta de apego e amor fosse contribuir para
pessoas naturalmente sem respeito pelo espaço alheio, ísico e emocional,
numa clara e clássica inversão pós-moderna de valores, marcada pela
predominância do automático sobre o intuitivo, do mecânico sobre o
emocional, do arti icial sobre o natural. Quando o que se vê na realidade é
claramente o oposto: jovens sem limites justamente por não terem
recebido nenhum grau de atenção em casa, que não tiveram a presença
carinhosa dos pais, ou que foram vítimas de maus tratos emocionais ou
físicos.

O termo attachment parenting foi utilizado pela primeira vez pelo médico
William Sears, com base na teoria do apego, que leva em consideração o
fato de que a criança, durante sua infância, tende a criar um vínculo
emocional bastante forte com seus cuidadores, que gera consequências
durante toda sua vida. A criança busca proximidade com o outro e quer
se sentir segura quando ele está presente. Suas ideias e práticas
subentendem que os pais ou cuidadores estejam emocionalmente
disponíveis de forma a promover o desenvolvimento sócio-emocional da
criança de maneira segura e amorosa e a evitar que a criança desenvolva o
que se chama de apego inseguro, aquele que é baseado no abandono, no
apegar-se porque não se teve.

Em 1951, o psicólogo, psiquiatra e analista John Bowlby sugeriu que a


privação materna durante a infância poderia levar ao desenvolvimento de
adultos deprimidos ou hostis ou, ainda, com problemas para se relacionar
de maneira saudável com outras pessoas. Isso nos anos 50, quando muito
pouco ainda se sabia sobre como o cérebro processava a depressão, a
ansiedade e outros transtornos afetivos.

Com o andar da carruagem, alguns pesquisadores, na década de 1970,


começaram a divulgar resultados de pesquisas comportamentais com
primatas, mostrando que o rompimento da ligação entre mãe e ilhote
levava a comportamentos violentos e agressivos no primata adulto. Mas,
a inal de contas, isso era apenas um estudo experimental e as pessoas
tendem a repelir o que não é feito em humano, ainda que toda a nossa
psicologia comportamental, neuropsiquiatria e neurobiologia tenham sido
construídas sobre observações comportamentais de animais e
extrapolações biológicas.

De acordo com a Attachment Parenting International (API) , uma


organização sem ins lucrativos que busca “orientar pais e cuidadores para
uma educação segura, empática, rica em afeto e amor, visando criar laços
familiares mais estreitos e, assim, um mundo mais compassivo”, existem 8
princípios que promovem o apego saudável e seguro entre o cuidador e a
criança, que são chamados de Princípios para uma Educação Intuitiva:
preparar-se verdadeiramente para a gravidez, parto e
maternidade/paternidade

alimentar seu filho com amor e respeito

responder às solicitações da criança com sensibilidade

estar atento à qualidade do toque

prezar pela qualidade física e emocional do sono da criança de forma


que ela se sinta segura dormindo

sustentar atitudes carinhosas

praticar a disciplina positiva, baseada no reforço das boas atitudes

buscar o equilíbrio na vida familiar

Embora outras práticas tenham sido associadas, atualmente, à criação com


apego – como o parto natural, o parto domiciliar, a cama compartilhada, a
amamentação prolongada, a desescolarização precoce, a vida comunitária,
entre outras – não existem regras, nem normas, nem padrões rígidos. Não
há ditadura, ao contrário do que dizem os que não querem nem saber do
que se trata. Há liberdade de escolha por práticas que tenham a ver com a
cultura familiar e que, ainda assim, promovam o apego seguro entre pais e
crianças.

Recentemente, o periódico PNAS (Proceedings of the National Academy of


Sciences of the United States of America ) publicou os resultados de um
estudo que mostra que o bom cuidado materno na infância leva ao
aumento de uma estrutura cerebral chamada hipocampo. De acordo com
esse estudo, há uma clara relação entre os fatores psicossociais da infância
e alterações no tamanho do hipocampo e da amígdala, estruturas cerebrais
relacionadas à memória de curto e longo prazo e ao comportamento
emocional, respectivamente. Isso mostra que existe, realmente, uma ligação
entre as experiências afetivas que a criança vive na infância e a forma
como seu cérebro se desenvolve.

Os pesquisadores estudaram, por meio de técnicas de neuroimagem que


permitem visualizar o cérebro sem procedimentos invasivos, as
características cerebrais tanto de crianças em idade pré-escolar
deprimidas quanto de crianças emocionalmente saudáveis. E concluíram
que o cuidado materno recebido na primeira fase da infância teria, sim,
ligação com o tamanho do hipocampo, o que levaria, inclusive, a diferentes
padrões de respostas ao estresse. Crianças emocionalmente saudáveis
apresentaram hipocampos maiores, comparados aos hipocampos de
crianças deprimidas, e isso pôde ser correlacionado ao grau de cuidado
materno recebido quando eram menores. Embora quase a totalidade dos
cuidadores do estudo tenham sido as mães, os autores acreditam que isso
possa ser extrapolado para qualquer cuidador que seja o principal
responsável pelos cuidados afetivos com a criança (mãe, pai, avós ou
outros).

Já faz tempo que a ciência mostrou que a modi icação de um


comportamento muda, também, o cérebro do indivíduo, causando,
consequentemente, uma nova modi icação do comportamento. É nisso que
se baseia, por exemplo, a psicoterapia cognitiva-comportamental. A
mudança de comportamento altera a estrutura cerebral e essa alteração
muda seu comportamento. Um círculo sem fim.

Sabendo disso, é fácil compreender, então, que a forma como se trata uma
criança altera seu cérebro. E que esse cérebro, assim alterado, promoverá
comportamentos relacionados. Quando você cria com apego seguro, você
está moldando um cérebro para que ele possa atuar com toda sua
potencialidade, sem amarras, sem más resoluções, sem entraves.

Num mundo onde o apego material tem sido reforçado e incentivado,


prefira o apego emocional seguro, fruto da abundância. Não da falta.

Ligia Moreiras Sena é mãe da Clara. Bióloga, mestre em


Psicobiologia, doutora em Farmacologia, 2º doutorado em Saúde
Coletiva, estudando a ocorrência de violência no parto. Autora
do blog Cientista Que Virou Mãe, Fundadora do Bazar Coisas de
Mãe (Florianópolis, SC) e criadora do grupo de discussão no
Facebook “Maternidade Consciente”.
CAPÍTULO 1 – GRAVIDEZ E PARTO
Estou grávida, e agora?

Dra. Relva

Seja paciente consigo mesma: sua vida está sofrendo grandes


alterações – que podem e devem ser para melhor.

Tomar conta de uma criança exige muito tempo e consome energia:


reabasteça-se emocionalmente ao lado de adultos calmos e em
situações relaxantes.

Descubra atividades que liberem suas endorfinas: yoga, massagem,


meditação, abraços de quem você ama.

Aceite limitações: as suas e as das outras pessoas.

Não estabeleça metas quanto à sua criança, procure interagir com


essa nova pessoa com carinho. Aprenda a cantar para o bebê que
está em seu útero.

Se estiver à beira de um ataque de nervos, procure ajuda


profissional.

Caso apresente sintomas depressivos, procure terapia e medicação


adequada. “Força de vontade” não vence a depressão.

Procure grupos de apoio à amamentação, não vá aceitando “pitacos”


que queiram demovê-la de amamentar seu bebê. Não se desespere,
pois nem tudo é ‘plug and play’.

Faça contato com a maternidade escolhida, discuta as modalidades


de parto, expresse suas escolhas e deixe claro que quer seu bebê
imediatamente e que você sabe que tem direito a acompanhante. Ou
prepare o ambiente para o seu parto domiciliar, se for sua opção.

Cuide de sua saúde: alimente-se bem, repouse, beba água, exercite-


se, fique forte para o que der e vier. Coma alimentos que lhe
forneçam serotonina: banana, abacate, saladas, massas, peixe, frango,
grãos, frutas secas e castanhas. Passeie, vá ao cinema. Esqueça que
existe cigarro. Álcool, nem pensar. Respire ar puro. Caminhe. Relaxe.
Faça seu pré-natal regularmente, use as vacinas recomendadas e as
vitaminas prescritas. Prepare-se emocionalmente.

Tenha uma boa hora!


Por que usar ácido fólico na
gravidez?

Ácido fólico pode diminuir risco de má-formação congênita

Durante o VI Congresso da Sogesp (Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia


do Estado de São Paulo), o pesquisador húngaro Andrew E. Czeizel
ministrou conferência sobre novas perspectivas de suplementação
vitamínica na gestação. Em pesquisa recente, Czeizel conseguiu provar a
e icácia do ácido fólico na prevenção de defeitos do tubo neural. Seu
trabalho ganhou o Prêmio Internacional de Pesquisa Cientí ica da
Fundação Joseph P. Kennedy Jr. (EUA), instituído em 1962 e entregue ao
pesquisador durante o 11º Congresso da Mundial Intellectual Association
for the Scienti ic Study of Intellectual Disabilities . A distinção é oferecida a
cada cinco anos aos cientistas que contribuíram de forma relevante para a
prevenção de doenças congênitas.

A experiência, desenvolvida na Hungria, é considerada ponto de referência


decisivo na prevenção de defeitos do tubo neural. Realizado com quase
5.500 gestantes, o estudo conclui que o uso de suplemento vitamínico,
contendo 0,8 mg de ácido fólico, reduz o aparecimento de bebês com má-
formação do tubo neural, assim como do trato urinário e do sistema
cardiovascular, além de diminuir os sintomas de náusea e vômitos durante
o primeiro trimestre de gravidez. Também reduz a incidência de partos
prematuros e melhora a qualidade do leite materno.

De acordo com as pesquisas nacionais, em média, a cada 700 crianças que


nascem no Brasil, uma apresenta defeitos congênitos. Entre elas estão as
espinhas bí idas (defeitos na coluna vertebral) e a anencefalia (falha no
desenvolvimento do cérebro), que leva a criança à morte. “Os dados
disponíveis na literatura comprovam que a ingestão de ácido fólico apenas
na dieta alimentar não reduz os riscos de defeitos. Já os suplementos são
comprovadamente mais e icientes”, garantiu o pesquisador, que é
integrante do Centro de Controle de Enfermidades Hereditárias da
Organização Mundial de Saúde da Hungria. Ele citou estimativa
norteamericana que aponta para a diminuição signi icativa em gastos
hospitalares caso todas as gestantes recebessem essa suplementação.

“As vitaminas do Complexo B desempenham papel fundamental no


metabolismo das células do nosso organismo. Há evidências de que baixos
níveis de ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12 representam um fator de
risco para o aparecimento de doenças cardiovasculares”, concluiu Czeizel.

Importância do ácido fólico na prevenção da Síndrome Down

Tomar ácido fólico durante pelo menos três meses ininterruptos, antes e
depois de engravidar, é o que aconselha o ginecologista e obstetra do
Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Unicamp
Ricardo Barini às mulheres que desejam ter ilhos. O médico garante que a
precaução pode reduzir o risco de gerar bebês com Síndrome de Down
(SD). Segundo ele, as mutações no gene da enzima resultam em menor
atividade funcional e reduzem a quantidade de ácido fólico disponível para
a duplicação celular. “Não há dúvidas de que a prevenção é necessária e,
neste caso, a ingestão da vitamina é fundamental”, alerta Barini. Muitas
vezes, explica, as mulheres iniciam a suplementação vitamínica após as
primeiras semanas de gestação, o que já não seria adequado, pois
eventuais alterações fetais ocorrem no início da gravidez.

Dr. Barini explica que o ácido fólico não tem contraindicação, não causa
efeitos colaterais e não estimula o aumento de peso. Sua ingestão,
tradicionalmente, é recomendada para prevenir defeitos de fechamento do
tubo neural dos bebês. Reiterando o que foi dito, para uma prevenção
adequada, o uso dessa vitamina deve ocorrer antes de engravidar.

“As divisões celulares ocorrem nas primeiras semanas de gravidez. As


mulheres que tomam o ácido fólico depois da con irmação da gravidez
correm o risco de apresentarem a anomalia já em processo”, esclarece
Barini. Diversos estudos apontam ainda a relação entre a de iciência do
ácido fólico com câncer do cólon, leucemia, doenças mieloproliferativas e
algumas enfermidades crônicas da pele. Mesmo após o 1º trimestre, o
ácido fólico ainda é benéfico: reduz a incidência de eclâmpsia.

Adaptado por Dra. Relva.

Referências Bibliográficas

www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2004/ju276pag9b.html
Com a mãe, é diferente. Entre todos os mamíferos, ela
não se contenta em transmitir a vida: acolhe-a, carrega-
a, nutre-a. Como ela poderia ignorá-la por completo?
Entre os humanos, deverá proteger seu bebê – ás vezes,
inclusive contra o pai – durante anos, niná-lo, consolá-lo,
lavá-lo, amá-lo, falar-lhe, escutá-lo, educá-lo... A
humanidade é uma invenção das mulheres. Mesmo em
nossas sociedades modernas, a mãe quase sempre é o
primeiro amor e ás vezes também o último. É porque foi
ela quem primeiro amou.

A maternidade está inscrita em seu corpo (enquanto a


paternidade só o está em papéis ou genes). Ser pai é uma
função inicialmente biológica e depois simbólica. Ser mãe,
uma função isiológica, alimentar, vital. O pai é
biologicamente necessário. A mãe, ou uma mãe,
humanamente quase indispensável. Mas a inal, é preciso
nascer: abandonar a mãe, desde o primeiro dia, em todo
caso sair dela.

Essa vida, tão improvável, que nos é dada, cabe a nós não
desperdiçá-la. A vida não é um destino, é uma aventura.
Ninguém escolheu nascer; ninguém vive sem escolher. [...]
O fato de termos todos nascido por acaso, o que é
bastante claro, não é razão para viver ao acaso. Nascer é
a primeira chance. Não desperdiçar essa chance, o
primeiro dever.
André Comte-Sponville, A VIDA HUMANA, p.26.
Woman in blue – Vermeer, século XVII

Não parece uma mãe atual olhando o resultado da ultrassonografia?


Os meses do pré-natal

Dra. Relva

A gravidez transforma totalmente a vida da mãe e do casal – dois passam a


ser três. A mãe/o casal começa a preparar-se para a chegada do seu bebê.
Faz consultas ao seu GO (gineco-obstetra), que solicita exames sorológicos
e ultrassonogra ias. Começa a fazer enxovalzinho e a ler tudo que se refere
à gravidez e crianças. Algumas elaboram um ‘Plano de Parto’, que nem
sempre é levado em conta. O pré-natal é o preparo ísico e emocional para
o nascimento do bebê e envolve:

Adaptação nutricional e do estilo de vida, com poucas restrições a


não ser para álcool e cigarro;

Cuidados especiais com os dentes e gengivas: escovação, fio dental,


dentista!

Escolha do tipo de parto;

Participação em grupos de apoio ao parto e aleitamento;

Atividade física regular, principalmente caminhadas e hidroginástica;

Envolvimento do parceiro para assumir seu importante papel junto à


Mãe, com direito a acompanhá-la em todos os procedimentos, tanto
no trabalho de parto, quanto no parto e no pós, para que ela possa
entregar-se a suas novas tarefas de maternagem;

Leituras sobre as várias fases do processo, encontros regulares com


grupos de gestantes;
Contratar uma doula, que será sua conselheira e acompanhante
durante a preparação para o parto e seguimento no parto e no pós-
parto;

Contratar pediatra para a sala de parto (geralmente faz parte da


equipe do hospital) ou para visitas domiciliares pós-parto; é possível
haver uma consulta pediátrica antes do parto, para entrosamento
com o casal. Em caso de parto domiciliar, o pediatra fará visitas entre
o 1º e 3º dias para avaliação do estado geral do bebê e eventuais
intercorrências, como icterícia, infecções etc; e nova visita até o 7º
dia, quando fará solicitação dos testes – pezinho, olhinho, orelhinha, e
encaminhará o bebê para as primeiras vacinas na UBS ou clínica de
vacinação.

Fatores de risco na gravidez que exigem mais atenção e encaminhamento


ao GO e/ou clínico:

Diabetes (que concorre para a prematuridade, distúrbios


respiratórios do recém-nascido, polihidrâmnio, pré-eclâmpsia,
hipoglicemia do RN);

Distúrbios da tiroide, que podem causar complicações fetais;

Tabagismo;

Asma grave;

Tuberculose ativa;

Doença pulmonar obstrutiva crônica;

Alterações da coagulação sanguínea; varizes;

Epilepsia – a medicação pode causar déficit de ácido fólico e de


vitamina D para mãe e feto;
Incompatibilidade de fator RH, que pode causar doença hemolítica
fetal;

Anemias nutricionais e hereditárias (talassemia, doença falciforme).


A mulher que quer engravidar deve usar ácido fólico desde antes da
fecundação;

Doenças virais agudas (rubéola, caxumba, coxsakiose, hepatite A,


varicela, influenza). A mãe deve aconselhar-se com seu GO sobre as
vacinas necessárias ou seguir as campanhas governamentais.
Vacinas antivirais só devem ser tomadas fora do período
concepcional/gestacional;

Cardiopatias, principalmente doença reumática e a miocardiopatia


chagásica;

Nefropatias, que cursam com proteinúria, hipertensão, edema,


uremia;

Obesidade mórbida, que pode causar complicações como diabetes,


hipertensão, hemorragia uterina;

Infecção urinária sintomática e assintomática;

Doenças autoimunes;

Testes positivos para citomegalovírus, clamídia, herpes, HIV, sífilis,


toxoplasmose;

Hipertensão arterial + edema + proteinúria;

Sintomas depressivos, com ou sem uso de psicotrópicos;

Uso prolongado de medicação do tipo corticoide ou quimioterápicos.


Acompanhamento mensal da
gestante

Peso, P.A., altura do útero

Exame de urina simples

Teste de glicemia (que pode até ser feito em casa)

Enquanto se prepara isicamente, a mãe também se prepara


emocionalmente, com exercícios de relaxamento e yoga. Caminhadas,
passeios e encontros com amigas. Cinema, música, leituras. A doula e/ou
parteira serão suas con identes e conselheiras sobre questões íntimas,
sexualidade, cuidado com as mamas, receios e expectativas sobre o parto e
o bebê.

A importância do ácido fólico na prevenção de defeitos de tubo neural deve


ser enfatizada. Levantamento recente feito em Brasília revela que cerca de
70% das gestantes desconhecem o ácido fólico e seu importante papel na
gestação (e previamente à fecundação). A alimentação deve ser variada,
mas respeitando os costumes e gostos da gestante. Redução do sal é
recomendável.

Exames pré-natais
Hemograma para avaliar anemia;

Exame de urina simples para checar infecções e eventual


proteinúria;

Sorologia para sífilis, HIV, toxoplasmose, citomegalovírus;

Papanicolau para células anormais, monília, clamídia, HPV;

Teste para hepatite B (HbsAG) e C (HCV) e HIV;

Tipagem sanguínea e Rh + Coombs indireto;

Eletroforese das hemoglobinas (para talassemia e doença


falciforme);

Dosagem da alfafetoproteína entre a 15ª e 20ª semanas (detecção de


anencefalia e espinha bífida). O screening tríplice de AFP + HCG +
níveis de estrógeno permitem supor Síndrome de Down em cerca de
65% e defeitos do tubo neural em mais de 85%;

Cultura para estreptococo B: em caso positivo requer ATB.

Qualquer alteração nesses exames

deve ser levada ao conhecimentodo clínico ou GO.


Queixas mais frequentes e medidas
iniciais

Enjoos – Melhoram com líquidos bem gelados ou bem quentes. Em caso de


hiperemese, a gestante pode precisar de soro oral ou venoso +
antieméticos – (GO).

Vulvovaginite por monilíase ou cândida: GO, não fazer duchas.

Azia (queimação) – Melhora imediatamente com comprimidos


mastigáveis de hidróxido de magnésio (venda livre).

Insônia: yoga; chá de camomila e valeriana.

Constipação – Fibras das frutas e folhas, suco de ameixa, metamucil ou


tamarine (venda livre). Beber mais água durante o dia. Caminhar, respirar,
descansar.

Hemorroidas – Banhos frios de assento, caminhadas, almofada circular


para sentar.

A acupuntura pode ser usada durante toda a gestação para o bem-estar


geral e, na hora do parto, para analgesia com terapeuta experiente.
Como nasce uma mãe

Simone Bitencourt de Paula

Maternidade, para mim, era o local onde nasciam os bebês. Mãe, para mim,
era a minha. Amor seria um dia encontrar um príncipe. Assim pensei por
algum tempo, mais precisamente durante 24 anos de minha existência.
Sempre tive pavor de pensar em ser mãe, eu morria de medo das dores do
parto. Um dia meu “relógio biológico” me surpreendeu. De repente, senti
uma enorme vontade de ter um ilho. Minha hora tinha chegado. A
gravidez veio como um presente.

Esperar um ilho... Um período cheio de expectativas, mudanças e muita


ansiedade. Durante nove meses, o corpo passa por grandes
transformações e experimentamos sentimentos opostos de uma só vez.
Alegria, emoção, paciência, mas também apreensão, preocupação e até
mesmo medo de não estar à altura da maternidade que se aproxima.

Quando descobri que estava grávida, eu me senti a mulher mais feliz do


mundo, senti-me forte. Com o passar dos dias, porém, era também a mais
frágil e preocupada. Preocupada com o leite que teria que tomar mesmo
sem gostar. Preocupada com o açúcar e as proteínas que havia comido ou
não. Preocupada até quando me sentia bem (não sentia tonturas, nem
enjoo). “Desejo” tive apenas um, e tenho certeza que foi pelo cheiro da
cozinha da vizinha.

No primeiro exame de ultrassonografia, emocionei-me ao escutar o coração


do meu bebê. Naquele instante, senti também toda a responsabilidade que
havia em carregar um ser dentro de mim. Um ser carente em todos os
sentidos, um ser totalmente dependente de minhas atitudes e cuidados
para vir ao mundo nas melhores condições possíveis. Incrível a mudança
que um ilho traz em nossa vida. Lembro-me como se fosse hoje que,
quando saí da clínica, passei a enxergar todas as crianças de outra
maneira. Passei a encará-las com mais ternura, amor e pureza. Só naquele
instante me dei conta de que eu não estava apenas gerando, mas também
estava sendo gerada. Uma mãe estava sendo gerada. Tudo muda. As metas
e objetivos adaptam-se à nova situação, e tudo é devidamente planejado,
pensando-se apenas no bem-estar da criança, é claro. Adquirimos
maturidade e passamos a observar coisas e situações que não eram antes
percebidas.

A mãe que estava sendo gerada dentro de mim estava envolvida por um
turbilhão de emoções diferentes. Ao mesmo tempo em que me sentia
amada, bonita e poderosa, também me sentia frágil, feia e estranha. Passei
a buscar muita informação sobre a maternidade, sobre cuidados com
bebês, tudo o que envolvia a gravidez. Lembro-me de alguém dizendo que
eu ia ser uma “mãe de livro”. Não sei se me sentia triste por nada saber, ou
feliz por tentar aprender da melhor maneira, buscando informação por
meio da leitura.

Quando se está grávida, a sensação é de se estar plena e bem perto de


Deus, daí a real certeza de que Ele realmente existe. Só um ser tão
supremo poderia permitir algo tão mágico e perfeito como a gestação, um
milagre da criação divina. O mecanismo que vai da concepção ao parto é
perfeito; passar por toda essa experiência é uma bênção. Junto a tudo isso
vem a expectativa do parto, a curiosidade e a total ansiedade de ter logo o
filho nos braços.

Quando vi meu ilho pela primeira vez, ainda na sala de parto, pensei: “E
agora? Será que vou acertar?”- Meu primeiro filho nasceu numa terça-feira
de ventania. Lembro-me, como se fosse hoje, de um calor muito forte, mas
o maior calor estava dentro de mim, o meu calor, o meu amor. Naquele dia
não nascia apenas meu primeiro filho, nascia também uma mãe.
Descobri que a maternidade é algo que exercemos todos os dias junto aos
ilhos. Descobri que mãe só existe uma, mas que a cada dia nascem
milhares. Quando se é mãe, até o nosso amor de ilha para com nossa mãe
se renova e se fortalece. Logo eu, que achava que o amor seria trazido a
mim por um príncipe, ganhei logo dois. Eles me ensinaram a sentir o amor
mais verdadeiro que possa existir: o amor de mãe. Um amor incondicional,
irracional, quase animal. Um amor iel, sincero e eterno. O maior de todos
os dons.

Li uma vez uma coisa muito bacana, passando por uma vitrine em uma das
viagens que iz, e, sinceramente, até hoje é a mais assertiva de tudo o que
já li sobre a maternidade. Estava escrito assim: “Ser mãe é permitir que
seu coração pulse fora de seu corpo”. Fiquei comovida, porque é assim que
me sinto. Hoje tenho dois filhos: tenho dois corações pulsando fora de mim.
Desenvolvimento fetal

Fase embrionária – até a 7ª semana ou 9ª semana após DUM.

Período fetal – até o nascimento.

Coração – começa a bater na 6ª semana, quando também se formam as


orelhas, braços, pernas, estruturas da face e pescoço.

Cérebro e olhos – 7ª semana

Nariz, boca e palato – 8ª semana

Sistema urogenital – 9ª semana

Pela 12ª semana, o feto é capaz de engolir, fazer movimentos respiratórios,


urinar, abrir e fechar a boca.

O sexo é identificável pela 16ª semana.

5º mês – o corpo se reveste de vernix; o feto soluça.

6º mês – cabelos na cabeça, lanugem na pele; bebê é capaz de chorar e


sugar; forma-se o estoque de gordura marrom (fonte de energia para o
feto).

7º mês – olhos se abrem e peso atinge pouco mais de 1 kg.

8º mês – o vernix se espessa; movimentos respiratórios sincronizados.

9º mês – peso atinge 2,5 kg.


10º mês lunar – o vernix fica delgado; peso chega a mais de 3 kg.
Sobre gestar e parir

Roxana Knobel

A gravidez é uma verdadeira maravilha isiológica. Em apenas nove meses


uma única célula torna-se um ser humano completo, capaz de viver
autonomamente. O embrião cresce no ventre materno, sem necessidade de
intervenções. O organismo da mãe se adapta para receber esse ilho e
todos os seus órgãos, vísceras, ossos, todas as suas células se modi icam
para gestar essa nova vida. A gestação ocorre e, na maioria dos casos, só
temos que esperar que a natureza faça sua parte.

Mas, se tudo é tão isiológico, por que fazer ‘pré-natal’? Por prevenção.
Hoje em dia sabemos que algumas doenças e problemas da mãe podem
afetar sua saúde ou a do seu bebê. Precisamos de alguns exames e de
acompanhamento no pré-natal. São exames de laboratório simples e
acompanhamento clínico (pressão arterial, tamanho da barriga, peso da
mãe) que são feitos pelos pro issionais de saúde e previnem complicações
sérias. Por isso, é importante fazer o pré-natal.

“A criança necessita de amor e compreensão, para o


desenvolvimento pleno e harmonioso de sua
personalidade; sempre que possível, deverá crescer com
amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em
qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança
moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não
se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos.


O processo de parto também é natural e fantasticamente complexo. Os
organismos da mãe e do bebê preparam-se para a necessária separação.
Há uma complexa rede de modi icações (hormônios, ossos, ligamentos,
útero, sistema cardiorrespiratório) que deixam a mulher grávida apta a
parir. O parto em que se respeita a isiologia (a normalidade do parto) é
muito mais seguro para a gestante e para o bebê, porque todo o processo é
uma cadeia de eventos. Assim como a gestação, na maioria dos casos, o
parto deveria acontecer sem intervenções, teríamos que esperar... E a
natureza faria sua parte.

Assim como no pré-natal, alguns problemas podem acontecer também no


parto e colocar em risco a vida ou a saúde da mãe e do bebê. Por isso, é
importante que um pro issional treinado acompanhe o parto para que, no
caso de haver algum problema, este seja corrigido a tempo. Que a
tecnologia e o avanço da ciência médica permitiram salvar vidas é
indiscutível. O uso seguro de antibióticos, anestésicos, derivados de sangue
e cirurgias – tudo isso diminuiu consideravelmente a possibilidade de
acontecer algo grave com a mãe ou com o bebê.

O excesso de intervenção onde não há necessidade faz mais mal do que


bem. Porque um fato interessante vem acontecendo. A maioria de nós, (não
só os pro issionais de saúde, mas a população toda), deixou de acreditar no
parto (e alguns até na gestação) como um evento isiológico. E passou a
acreditar que o parto não é um processo normal em que a mulher dá à luz
a um bebê, mas um momento “bomba relógio” em que algo ruim vai
acontecer se intervenções não forem realizadas.

Como isso aconteceu é uma longa e tortuosa história. Há várias explicações


históricas, culturais, de gênero, de capital e distribuição de recursos em
que médicos, escolas de medicina, meios de comunicação, gestores e
sociedade em geral têm sua parcela de culpa e que não cabe discutir neste
pequeno texto.

O fato é que se iniciou uma era na qual a intervenção médica passou a ser
encarada como estritamente necessária para todos os males femininos.
Assim, além do acompanhamento clínico e dos exames laboratoriais
básicos para acompanhar a gestação de baixo risco, começaram a surgir
milhares de outros exames para ‘prevenção’.

Ela icava sujeita a intervenções como: jejum até de água durante o


trabalho de parto, não poder movimentar-se ou gritar, raspar os pelos
pubianos, fazer episiotomia de rotina. Essa troca de uma ‘possível’
complicação por uma intervenção rotineira não era questionada nem se
sabia se era adequada ou prejudicial para a mãe e seu bebê.

O parto, que deveria ser um evento isiológico bem cuidado, passou a ser
um evento médico, no qual uma intervenção leva a outra que leva a outra
que geralmente culmina em um parto medicalizado (induzido, doloroso) ou
uma cesárea. A mulher, tão maravilhosamente preparada pela natureza
para gestar e parir, acaba sendo vista (e se vendo) como incompetente,
incapaz e potencialmente nociva para seu bebê.

Mas essa situação pode ser revertida. Muitas mulheres vêm demonstrando
o desejo de serem respeitadas e de protagonizar seu parto. Ao mesmo
tempo, existe um processo de revisão cientí ica das práticas obstétricas
que evidencia a efetividade e segurança de uma atenção ao parto com um
mínimo de intervenção. Segundo este novo paradigma, qualquer
intervenção sobre a isiologia só deve ser feita quando se prova
criteriosamente mais segura e/ou efetiva que a não intervenção.

A mulher parturiente pode ser a dona do seu parto, a protagonista do


evento. Ela pode caminhar, dançar, tomar banho, icar com seu parceiro
(ou outras pessoas com quem se sentir segura e confortável), pode icar de
cócoras, ou sentada, ou como melhor lhe parecer naquele momento. Esse
parto assistido, mas sem intervenções desnecessárias e no qual a
parturiente e seu ilho são o centro do evento, é chamado de parto
humanizado.

Mas também há quem de ina parto humanizado de outras formas. Para


alguns, parto humanizado é apenas aquele no qual a mulher não é
maltratada, é chamada pelo nome ou pode movimentar-se. Outros
consideram parto humanizado o parto sem dor. Aquele parto no qual a
mulher “não sente nada”. Também há quem considere parir uma coisa
animal, e o parto humanizado é sempre a cesárea. Há locais que apregoam
que realizam partos humanizados e, na realidade, apenas enfeitaram as
paredes e colocaram música ambiente.

Mas, se a gestante/parturiente/mãe não for a protagonista do seu parto,


nada será diferente. Porque essa mulher não será sujeito, será objeto e
não há humanização possível sem isso, é apenas “sofisticação de tutela”.

Não existe um “pacote CVC” de parto humanizado no momento, como diz


uma amiga minha. Por isso, a não ser que você conheça muito bem a
equipe que vai acompanhá-la, é interessante fazer um “plano de parto” –
esse é reconhecidamente um item que promove melhorias na assistência.
Em primeiro lugar, conheça todas as opções possíveis. Depois, pergunte
como são as rotinas do local em que você deseja parir e/ou as opiniões da
equipe que assistirá seu parto (obstetra/parteira/pediatra) sobre as
mesmas. Elabore, então, o plano que julgar mais interessante. Depois,
discuta com a equipe a possibilidade de o seu plano ser executado. Se
houver resistência por parte da equipe, estude as medidas que podem ser
tomadas para contorná-la.

Veja quais pontos alegados são importantes para você. Converse, discuta.
Sinta se o pro issional está lhe escutando, cuidando de dar respostas a
suas inquietações ou reivindicações. Cuidado com respostas evasivas do
tipo “na hora a gente vê”, “pode ser”, “na hora a gente tenta”... Se não
houver diálogo com empatia, considere trocar de equipe.

Vale lembrar: nenhum procedimento pode ser imposto a você sem seu
consentimento, a não ser que haja risco de vida. Não se sinta frustrada se
tudo não sair exatamente como planejado. A ideia do plano de parto é
permitir que a equipe de assistência (e até você mesma) conheça os seus
desejos e os respeite. Às vezes as coisas evoluem de maneira diversa do
previsto e alguns itens terão de ser trocados. Isso não signi ica que seu
parto será ruim ou menos satisfatório para você e o bebê.

Referências Bibliográficas

Diniz C. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos


de um movimento. Ciência &’ Saúde Coletiva 2005; 10(3):627-637.

Enkin M KM, Neilson J, Duley CCLD, Hodnett E, Hofmeyr J. A guide to


effective care in pregnancy. New York: Oxford University Press; 2000.

Green JM, Baston HA. Feeling in control during labor: concepts, correlates,
and consequences. Birth 2003;30(4):235-47.

Jones R. Memórias do Homem de Vidro – reminiscências de um obstetra


humanista. Porto Alegre: Ideias a Granel, 2004.284p.

OMS. Assistência ao Parto Normal: Um Guia Prático . In: Genebra, editor,


1996.

“Ao contrário do que vemos em filmes, que mostram as pessoas


agitadas e gritando que se faça algo rápido na hora do parto, o
ideal é ‘não fazer quase nada e esperar’.”
Laura Gutman / Crianza p. 53
As águas vão rolar...
“A partir do oceano de origem (Thalassa, do qual o
líquido amniótico é a representação), no momento do
parto há a passagem entre dois modos de vida, aquática e
terrestre, reproduzindo a secagem das marés nas idades
geológicas” Ferenczi
A grande onda de Hokusai – Katsushika Hokusai (1760 – 1849)
A hora certa?

Ana Hilda Carvalho

O corpo da mãe inicia o preparo para o parto cerca de uma semana antes.
Surgem contrações fracas, de leve intensidade, irregulares, que não
chegam a ultrapassar quatro contrações no espaço de uma hora, durante o
repouso. Há a sensação de que a “barriga desceu”: é o momento no qual o
bebê se encaixa nos ossos do quadril, ocorrendo a sensação de
compressão no baixo ventre, que pode ou não ser acompanhada de dor
lombar, perdas vaginais e sensação de que a barriga endureceu.

Nesse período, pode ocorrer vontade de urinar com mais frequência que o
habitual pela compressão sobre a bexiga. Ocorre, ainda, uma redução dos
movimentos do bebê. Preste atenção: os movimentos reduzem em
frequência e intensidade, mas não desaparecem por completo. Caso a
gestante não perceba movimentos por um período de seis horas, o melhor
é procurar um médico com urgência.

A dilatação inicia-se com a perda do tampão mucoso. A gestante percebe a


saída de uma secreção viscosa, rosada, pela vagina, que pode anteceder o
parto em cerca de 72 horas. Pode ocorrer sangramento vaginal, devido à
compressão de pequenos vasos do colo do útero pela cabeça do feto. A
etapa seguinte pode ser a ruptura da bolsa das águas. Escorre um líquido
morno pelas pernas, geralmente claro ou esbranquiçado. A presença de
líquido esverdeado ou escurecido é sinal de sofrimento fetal: é a
eliminação precoce de mecônio, sinal de falta de oxigenação para o bebê.
Nesse caso, o parto deve ser apressado.

A famosa dor do parto surge com as contrações. O músculo uterino começa


a contrair-se para expulsar o bebê. A sensação é de endurecimento da
parte superior da barriga. No início, são esporádicas e não dolorosas. Ao
inal da contração, o músculo relaxa e a barriga volta ao normal. Isso se
repete várias vezes e, a cada repetição, as contrações tornam-se menos
espaçadas e mais intensas. Algumas mulheres comparam as contrações
uterinas do parto a uma cólica menstrual de forte intensidade. Porém, a
intensidade e a tolerância à dor variam de pessoa para pessoa e de acordo
com o preparo psicológico da gestante. A dor é completamente esquecida
após o nascimento, com a felicidade de ter um belo bebê nos braços. Então,
após a con irmação de que o bebê está realmente a caminho, é hora de
pegar a malinha e dirigir-se à maternidade. Para não ter dúvidas, a
gestante deve arrumar duas sacolas ou malas em separado, e não
esquecer seus documentos.

Documentos importantes ao ir para a maternidade:

n Carteira de identidade da paciente;


n Carteira do convênio (caso tenha convênio, o hospital exige na
internação);
n CIC e carteira e identidade do marido (ou acompanhante);
n Guia de internação previamente autorizada pelo plano de saúde, no caso
de convênio particular.

É importante também entrar em contato com a maternidade, para ter a


certeza de que tem tudo o que precisa.

Lei do Acompanhante

Projeto de lei nº 2.915-B, DE 2004


www.amigasdoparto.com.br/acompanhabr.html

Lei do Acompanhante, SP
Lei nº 10.241, de 17 de Março de 1999, Projeto de Lei no 546/97
www.amigasdoparto.com.br/acompanhasp.html

Lei do Acompanhante, RJ
www.amigasdoparto.com.br/acompanharj.html

Lei do Acompanhante, SC
www.amigasdoparto.com.br/acompanhasc.html

Durante o acompanhamento pré-natal, os pais devem ser

informados sobre os tipos de parto existentes, prós e contras. A

mulher deve ter em mente que todas as mulheres – em princípio -

estão aptas ao parto normal, sendo esta a conclusão natural de

uma gravidez. A cesárea ficaria reservada para quando houvesse

risco de complicação para a mãe ou o bebê.

O pulo do gato é não ir precocemente para a maternidade. O

melhor é esperar a evolução do TP em casa, calmamente, dando

tempo ao tempo. Quanto mais cedo você chegar na maternidade,

maiores as chances de procedimentos invasivos, indução e...

cesárea!
Gato de Madeira – Pablo Picasso
Vantagens do parto normal

Ana Hilda Carvalho

O parto cesáreo pode trazer algumas repercussões para o bebê também. O


índice de mortalidade em bebês nascidos por parto cesáreo é maior do que
entre os que nascem de parto normal. Deve-se levar em consideração que
a cesariana é quase sempre indicada nos partos complicados, com risco
para a mãe e/ou bebê. As reações químicas desencadeadas pelo trabalho
de parto no corpo da parturiente são muito importantes para o
amadurecimento de órgãos vitais do bebê. Muitas vezes, quando é
realizada uma cesárea eletiva, com data e hora já marcadas, di icilmente a
mulher entra em trabalho de parto, não chegando nem a apresentar as
primeiras contrações; é colocada na mesa cirúrgica para “parir” uma
criança que ainda não passou por essas etapas importantes.

O parto normal é essencial para o bom funcionamento dos pulmões da


criança. Durante sua formação intrauterina, os pulmões desenvolveram-se
em ambiente “úmido”, repleto de líquidos, e ainda não tiveram
funcionamento efetivo. No nascimento, a passagem pelo estreito vaginal
facilita a retirada do excesso de líquido de dentro dos pulmões da criança,
por compressão da caixa torácica. Com o início do trabalho de parto, ocorre
um aumento na secreção de catecolaminas, substância importante para
reduzir a formação de líquido pulmonar. Os RNs de parto cesariano, que
não sofrem essa compressão da caixa torácica no canal do parto, estão
mais sujeitos a apresentar distúrbios respiratórios decorrentes da
retenção de líquido nos pulmões – é a taquipneia transitória do recém-
nascido.

Como já vimos, o parto desencadeia alterações químicas no organismo,


tanto da parturiente, como do bebê. Ocorre uma grande descarga
hormonal, e um dos hormônios que tem sua produção aumentada, a partir
dos eventos iniciais do parto, é a ocitocina. Ela é o hormônio responsável
por proporcionar as condições isiológicas para a realização do vínculo
mãe-bebê, que fundamenta a maternidade. Com esse vínculo fortalecido,
di icilmente ocorrerá o desmame precoce, sendo um incentivo e estímulo
ao aleitamento materno.

Outra vantagem observada na realização do parto normal é o fato de a mãe


estar mais disposta à convivência inicial com o bebê. Como não houve
cortes no abdome nem cicatrizes visíveis, a recuperação no pós-parto
normal é mais breve, permitindo uma movimentação muito mais rápida e
precoce, incentivando, mais uma vez, a relação mãe- ilho. A mãe encontra
mais disposição para cuidar do bebê. Independentemente do tipo de parto
realizado ou idealizado, o mais importante é que mãe e bebê estejam bem
ao final dele.

Referências Bibliográficas

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dez. 2006.

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Nascido. In: Segre, Conceição. Perinatologia – Fundamentos e Prática . 1ª ed.
São Paulo: Sarvier, 2002. Segunda Parte – O Parto, Mãe: Tamy Ottoboni
Negreiros Filho: Arthur Ottoboni Meira Os Eventos Perinatais e O Recém—
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Lippi, Umberto. Planejamento e Conduta na Assistência Clínica ao Parto . In:
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Primeira Parte – A Gestante, O Concepto e o Recém-Nascido , Cap. 8, p. 338-
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Segre, Conceição. Taquipneia Transitória do RN. In: _______. Perinatologia –


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Recém— Nascido Portador de Afecções, Cap. 25 p. 504-06.

Serruya, Suzanne Jacob; Lago, Tânia Di Giácomo; Cecatti, José Guilherme.


The scenario of pre-natal care in Brazil and the Humanizing of Prenatal Care
and Childbirth Program . Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil ,
Recife, v. 4, n. 3, 2004.
Sobre a cesárea

Roxana Knobel

A maioria das mulheres não apresenta nenhuma complicação durante o


período do pré-parto e parto, podendo parir de forma natural sem
nenhum tipo de intervenção médica. Em alguns casos, a intervenção é
necessária: quando ocorre algum problema com a mulher, com o bebê ou
alguma dificuldade durante o trabalho de parto e o parto.

A cesariana é um procedimento cirúrgico realizado para retirar o feto do


ventre materno, e originalmente foi concebida para aliviar condições
maternas ou fetais. Em alguns países, e principalmente no Brasil, o número
de nascimentos ocorridos por cesárea tem atingido níveis muito acima do
previsto. Considerando uma população de gestantes de baixo risco, a OMS
(Organização Mundial da Saúde) preconiza que, no máximo, 15% dos
partos deveriam ser por cesárea. No Brasil, observam-se taxas de até 40%
e, considerando os procedimentos em hospitais particulares, a taxa de
cesáreas pode chegar a mais de 80%.

O parto normal é mais isiológico (natural) e menos sujeito a complicações


que a cesárea. Mas difundiu-se a crença de que a cesárea é um
procedimento simples e rotineiro e o parto é uma “caixa de surpresas”, um
fenômeno que pode provocar coisas horríveis – dor, lacerações vaginais,
problemas para o bebê. Ao optar pela cesárea, o nascimento pode ser
programado, o horário e o dia escolhidos e há uma sensação de “tudo sob
controle”. A cesariana no Brasil tornou-se um bem de consumo...

Apesar de a cirurgia cesariana poder salvar a vida da criança e da mãe


quando há necessidade, ela apresenta um risco maior tanto para a mulher
gestante quanto para o bebê; por isso, só deveria ser praticada quando
houvesse indicação médica formal, com risco para a mãe, o bebê ou ambos.
Quando há necessidade do procedimento, os benefícios superam os riscos.

Principais complicações que podem ocorrer na cirurgia

Para a mãe: lacerações acidentais, hemorragias, infecções, embolia


pulmonar, problemas intestinais e reações indesejáveis à anestesia, além
de poder ocasionar complicações em gestações futuras e limitar o futuro
obstétrico da mulher. Calcula-se que cerca de 100 mulheres morram por
ano no Brasil por problemas relacionados à cesariana.

Para a criança: maior incidência de desconforto respiratório, síndrome da


angústia respiratória e prematuridade – o que leva a uma maior
mortalidade. Ao considerar a rotina, seguida pela maior parte dos
hospitais, principalmente após a cesárea, de separação da mãe e do bebê
no pós-parto imediato, veremos como interfere no estabelecimento do
vínculo mãe-bebê e na instalação precoce e bem sucedida da
amamentação. Em termos institucionais, a cesárea apresenta um maior
custo em si (centro cirúrgico, dias de internação, medicamentos, pessoal
médico e de enfermagem) e um maior custo decorrente das complicações
já referidas.

As crenças que envolvem o parto normal também são superestimadas. A


dor do trabalho de parto pode ser vivenciada de formas diferentes pelas
mulheres e, geralmente, a insatisfação com o parto está mais relacionada à
sensação de abandono, isolamento e medo (que aumentam a dor) do que à
dor em si. O impacto das lacerações vaginais que podem ocorrer no parto
tem sido estudado e os resultados vêm indicando a pouca in luência do
parto normal na alteração da musculatura vaginal, tanto no retorno à vida
sexual quanto na presença de “bexiga caída”.

No parto normal, os organismos da mãe e do bebê separam-se


naturalmente – há descargas hormonais, liberação de endor inas
cerebrais, compressão mecânica do corpo do feto/ recém nascido, entre
outras complexas modi icações isiológicas. Esses mecanismos ajudam a
mãe a iniciar a “maternagem” (o cuidado, a amamentação) e o bebê a
iniciar sua respiração e sua vida extrauterina. Essas modi icações não
ocorrem – ou ocorrem com menor intensidade – quando a via de
nascimento é a cesariana, principalmente se esta for eletiva, não precedida
do trabalho de parto. Não quero dizer com isso que a mulher que tem seu
ilho por cesariana seja “menos mãe” ou menos capacitada para cuidar de
seu bebê, mas que existe maior chance de dificuldades.

Não é ético vender a cesárea como a melhor forma de “parir”, nem


oferecer a opção da cesárea como quem oferece, em um pacote turístico, a
opção de ir de navio ou de avião. Seu organismo e o do seu bebê não
precisam “escolher” a forma de nascer – a espécie humana já fez essa
escolha há muitos anos. A escolha da via não natural para a saída do bebê
poderá acontecer, por indicação precisa, no caso de haver algum problema
durante a gravidez e/ou parto. Medos e anseios são comuns e normais
durante a gestação. Não fique em dúvida, busque apoio e informação.

Referências Bibliográficas

Belizan, José M, Althalbe, Barros Fernando C, Alexander, Spohie. Rates and


implications of caesarean sections in Latin América: ecological study. bmj, n
319, p. 1397-1402, november 1999.

Knobel, Roxana; Buchele, Fátima. Mortalidade após procedimentos


obstétricos no Sistema Único de Saúde nos anos de 2002 a 2004 – Uma
re lexão sobre os altos índices de cesáreas no Brasil . In: Coelho, Elza Berger
Salema.

Calvo, Maria Cristina Marino; Coelho, Clair Castilhos. (Org.). Saúde da


Mulher – um desafio em construção. Florianópolis, 2006, p. 205-216.

Parto normal ou cesárea? – O que toda mulher deve saber (e todo homem
também) – Simone Grilo Diniz e Ana Cristina Duarte. São Paulo, 2005. 179
p.
Pires, Helaine Maria Besteti. O impacto das altas taxas de cesárea sobre a
fecundação de uma população – um estudo de coorte retrospectivo em
Campinas. 2000. Tese (Doutorado em Tocoginecologia) – Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo.

World Health Organization. Appropriate technology for birth . Lancet, v. 2, p.


436-7, 1985.
Cuidados no pós-parto

A mãe ica exausta após o parto. Ela também precisa de ‘colo’ para sentir-
se confortável e em segurança. O papel da doula nesse momento é
essencial; ela e o parceiro da mãe cuidarão para que não se sinta
desamparada ou sozinha. Ela está vulnerável e fragilizada, precisa de calor
e proteção – física e emocional.

VISITA NO PRIMEIRO DIA: a doula veri icará se ela está bem alimentada
e hidratada, pronta para amamentar o bebê. Deve caminhar para evitar
trombo lebite. Veri icar se o bebê está bem, mamando, se já eliminou
mecônio e se está urinando. Nos dois primeiros dias, a urina pode ser
escassa e apresentar cor de tijolo pelo acúmulo de uratos.

VISITA ATÉ O SÉTIMO DIA: checar as mamas, a pega, a temperatura


corporal da mãe e do bebê, a atitude da mãe em relação ao bebê, o sono e
o lugar escolhido para o bebê dormir (que deve ser bem próximo a ela). A
cama compartilhada é um sossego nos primeiros três meses. Deve-se
observar bem a cor da pele para detectar eventual icterícia.

Respiração e pulsação: o ritmo do


mundo
A mãe carrega o filho sem vê-lo durante nove meses. Chega um momento em que o
bebê avisa que quer nascer. E manda um sinal, um telegrama de muco e sangue.
Acomoda-se, encaixa a cabeça e se joga. Chega berrando à luz dos holofotes e alterna
com a mãe o papel de protagonista. O ritmo do mundo instala-se na sala de parto:
respiração e pulsação, respiração, respiração, respiração. Pulsação. Inaugura-se a vida
respirando. O bebê já nasce com essa tarefa, que terá de cumprir enquanto viver. Nesse
intervalo, mama, senta, engatinha, levanta, anda, corre, fala, pensa, vai à escola, trabalha,
ama, é amado. Eis a vida e sua primeira e grande missão: respirar. O mais é
consequência.

Dra. Relva
Parteira na Idade Média
Mãe com seu bebê dormindo – Ludovica Anina Thornam (1853-1896)
O que quer uma parturiente?

Pergunta e responde Laura Gutman, expoente argentina para temas de


maternagem:

“A parturiente quer respeito, cuidado e acolhimento de


um/uma acompanhante que lhe seja familiar ou de uma
“doula” que a apoie e a ajude. Perguntas que ela
considera mais importantes do que a anamnese
profissional:

Como está se sentindo? Precisa de alguma coisa? Está


com medo? Sente dor? Quer mandar chamar alguém?
Está se sentindo confortável? Tem outros filhos? Quem
ficou com eles? Precisa mandar algum recado? Quer
chamar sua mãe? Uma irmã, uma amiga? Outra pessoa?

A mulher em TP precisa de um lugar onde possa chorar,


gritar, rezar, andar, sentar-se, deitar-se, pedir ajuda,
conectar-se com suas lembranças e a intuição
desenvolvida milenarmente pelos seres humanos, para
viver aquele momento plenamente.

As que desenvolvem DPP (e até psicoses) têm um


substrato emocional frágil, mas o processo se precipita
pela desumanização, arrogância e maus tratos do pessoal
assistente e/ou familiares”.

Laura Gutman. La maternidade y el encuentro


con su sombra – crisis vital y revolución emocional. Ed.
Bestseller

O êxito futuro das crianças, em uma sociedade competitiva,

depende muito da estrutura emocional, do olhar amoroso, da

compreensão do que é ser criança e dos jogos criativos. Laura

Gutman/Crianza.
VOCÊ SABIA COMO NASCEM OS BEBÊS?

Water Baby – Herbert James Draper (1863-1920)


Todo bebê tem manual elaborado
pela Mãe Natureza

Dra. Relva

O útero é o lar privilegiado dos bebês, seguro, quente, isolado,


amortecido contra choques, e que lhe proporciona embalo;

A natureza programou os nascimentos por parto natural, vaginal,


permitindo assim ao bebê ficar “pronto” para nascer e se
adequar a este mundo em plenas condições físicas, emocionais e
respiratórias;

Bebês precisam “aprender” a sugar e respirar tranquilamente. É


uma aquisição que precisa ser ajudada, não o deixando hibernar
horas e horas. Precisa ser manipulado e levado a sugar, é por
isso que ele não dorme a noite toda e chora bastante: para ser
manipulado e oxigenado;

Sua primeira grande aquisição é a coordenação entre boca, seio e


mãos – bebês precisam botar as mãos na boca e não podem ser
contidos nesse propósito, sob pena de importante lacuna
cerebral;

Os principais nutrientes do bebê são o leite materno e o oxigênio


de uma boa respiração;

Nos primeiros seis meses, bebês só precisam de leite materno;


por isso que a boca foi feita para o seio e o seio para a boca;

Bebê só tem vida instintiva, que deve ser respeitada; ele não tem
“noção moral” nem pode ficar esperando muito tempo pra
mamar, a fim de “aprender”;

Favorecer as conexões bioneurológicas inatas é essencial para


uma vida plenamente saudável e a formação de um adulto com
personalidade vital;

Bebês não precisam ser trocados de hora em hora – bastam seis


trocas ao dia nos primeiros três meses; tão cedo não será hora de
treiná-los em hábitos higiênicos;

Bebês adquirem a noção corporal – cinestésica e espacial – nos


braços da mãe; depois, devem ser deixados livres para rolar
sobre a cama. O corpo é sua ferramenta de introdução
à vida quotidiana, é com ele que os bebês aprendem a viver e a
se defender;

O bebê não precisa de exagero de enfeites no quarto, isso não


tem significado algum para ele;

O bebê precisa ser carregado, balançado cuidadosamente, usar


roupinhas frescas ou agasalhos leves, não ser “empacotado”, ter
as mãos livres, não usar luvas nem macacões que lhe restrinjam
os movimentos;

Bebês precisam ficar sem roupa algum tempo antes do banho,


para a livre movimentação corporal;

Bebês adoram o acalanto ainda no útero e, depois do nascimento,


precisam ser ninados;
Mesmo após falar, bebês agem primeiro e pensam depois sobre o
que fizeram, pois não dispõem ainda de capacidade de abstração.
Seu aprendizado acontece por meio de correlações progressivas
e pela experiência;

Bebês precisam de longos intervalos de silêncio;

Bebês precisam ser encorajados em suas iniciativas e de


incentivo a ultrapassá-las. Ajudá-los o tempo todo, em suas
pequenas quedas, sem dar-lhes a chance de se levantarem,
atrasa sua coordenação e autoconfiança;

A sequência do aprendizado da criança é: senta por volta dos seis


meses, engatinha por volta dos nove, anda por volta de um ano,
fala por volta dos dois anos, organiza o pensamento por volta dos
três anos;

O direito da criança ao desenvolvimento emocional deve ser reforçado


continuamente. Após os quatro meses, quando ela começa a demonstrar —
além das exigências ísicas — as primeiras respostas emocionais à sua
mãe, começa-se, erroneamente, a negar colo ao bebê para “não icar
manhoso”, e chovem os palpites de que ele deve ser largado no berço
“para aprender”...

Observa-se esse desenvolvimento emocional pelo foco do olhar do bebê no


rosto da mamãe, depois pelo sorriso; em seguida, todo o seu sistema motor
volta-se para ela, e ele chora quando ela sai de sua vista. A presença da
mãe é tudo. Ele SENTE seu toque, seu estímulo, sua respiração. Sua
distância focal é curta, o bastante para alcançar o seio, sua fonte de
alimentação. A mãe é a senha, o “abre-te, sésamo”, para seus sentimentos
de bem-estar ou de desapontamento.

Prepare a casa para receber o bebê


Antes de criar aquele quartinho mega enfeitado, considere criar um
‘ninho’ acoplado a sua cama, que permita contato pele a pele com o bebê e
facilite a amamentação noturna. É simples de fazer e vai facilitar sua vida
de maneira incrível.

Quando o bebê começar a ir para o chão, elimine quinas, mesas de vidro,


bibelôs de cristal ou porcelana; coloque tranca no banheiro e na cozinha;
tire remédios e produtos de limpeza de suas vistas; cubra tomadas e ios;
cuidado com plásticos, talco, barbantes, cordas das cortinas; coloque redes
de proteção nas janelas e escadas. Não cometa a tortura chinesa de deixar
à mão objetos proibidos: seus bibelôs e badulaques não têm o menor valor
para ele...

Nunca, jamais, em tempo algum, sacuda o bebê!

Avise isso enfaticamente à babá e aos parentes.

redecriancaepaz.ning.com/video/sacudir-o-bebe-e-a-maior
O berço – Berthe Morisot (1841-1895)
QUASE TUDO QUE A CRIANÇA PRECISA COMEÇA COM A LETRA “A”...
“Um bebê
não existe sozinho;
ele existe
com sua mãe.”
Winnicott
O recém-nascido prematuro

Ana Hilda Carvalho

De acordo com a Academia Americana de Pediatria, recém-nascido (RN)


prematuro é aquele nascido até o último dia da 37ª semana de idade
gestacional (37 semanas completas ou 259 dias), levando-se em
consideração o primeiro dia da última menstruação normal. Os recém-
nascidos pré-termo correspondem à principal população atendida nas
unidades de cuidados neonatais e formam um grupo bastante amplo e
heterogêneo, incluindo crianças desde o limite da viabilidade até próximo
ao termo, apresentando características isiológicas e patológicas bastante
variáveis.

A chance de sobrevida das crianças prematuras é muito variável e


aumentou de forma signi icativa a partir do inal da década de 1980,
graças aos avanços da tecnologia e às aquisições terapêuticas. O uso de
surfactante exógeno, a assistência ventilatória, o acesso percutâneo venoso
central, o uso de nutrição parenteral e o aumento da administração de
corticoides em gestantes com possibilidade concreta de parto prematuro
contribuíram para a sobrevida maior desses RNs.

São vários os fatores que podem resultar em parto prematuro ; no


momento em que um ou mais desses fatores forem identi icados, o gineco-
obstetra deve intervir para minimizar a possibilidade do parto antecipado:

IDADE – riscos maiores de parto prematuro em gestantes com idade


abaixo de 17 anos e acima de 40 anos;

ESTADO NUTRICIONAL E GANHO DE PESO – principalmente os estados


de desnutrição acentuada;

NÍVEL SOCIOECONÔMICO – o parto prematuro é mais observado em


gestantes de baixo nível socioeconômico;

TABAGISMO, ALCOOLISMO E USO DE DROGAS NA GRAVIDEZ;

MAU PASSADO OBSTÉTRICO E/OU ANOMALIAS UTERINAS;

GESTANTES COM PARTO PREMATURO ANTERIOR OU ABORTOS no


segundo trimestre da gestação têm grande risco de apresentar novo parto
prematuro;

PRÉ-NATAL – a prematuridade é signi icativamente menor quando o pré-


natal tem início no primeiro trimestre, com seguimento regular;

INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS – anemia, infecção urinária, infecções


genitais, pneumonia, apendicite, hipertensão arterial crônica, diabetes
mellitus, cardiopatias, hipertiroidismo, hepatopatias e outros, podem ser
responsáveis diretos ou indiretos pelo aumento na incidência da
prematuridade;

INTERCORRÊNCIAS OBSTÉTRICAS – gestação múltipla, rotura prematura


de membranas, descolamento prematuro de placenta, placenta prévia,
eclâmpsia.

Os prematuros comportam-se clinicamente de forma variada, de acordo


com o período da gestação em que houve a antecipação do parto. A
sobrevida dessas crianças é maior à medida que aumenta a idade
gestacional. Por serem muito frágeis, isicamente e imunologicamente,
necessitam de atenção e cuidados especiais por períodos prolongados. A
maioria, como dito anteriormente, precisará de cuidados intensivos,
seguindo direto da sala de parto para uma UTI Neonatal ou transferida
para outros hospitais ou centros capazes de fornecer esses cuidados. Na
UTI Neo, icarão em incubadoras, que têm a inalidade de fornecer um
ambiente com temperatura constante, neutro e o mais tranquilo possível.
Muitos bebês, quando estão com suas funções estáveis, icam em contato
pele a pele com sua mãe, recebendo o calor do seu corpo. A alta do bebê da
UTI Neo ocorrerá quando a criança icar estável em suas condições
clínicas, respirando sem ajuda de aparelhos, sugando vigorosamente, com
infecção tratada e peso adequado, que varia de serviço para serviço, mas
normalmente gira em torno de 1,7kg.

Os RNs pré-termo limítrofes, nascidos com idade gestacional variando de


35 a 36 semanas, apresentam características intermediárias entre os de
termo e os prematuros. Não necessariamente pesarão menos de 2500
gramas e poderão apresentar hipotermia com facilidade; icterícia mais
acentuada que as crianças de termo de peso igual; sucção vagarosa com
incoordenação temporária da respiração-sucção-deglutição; e desconforto
respiratório precoce adaptativo, algumas vezes necessitando pouco tempo
de oxigenioterapia, com evolução satisfatória.

Os RNs pré-termo moderados apresentam idade gestacional entre 31-34


semanas de idade gestacional. Fisicamente apresentam tecido adiposo
reduzido, musculatura pouco desenvolvida e a pele geralmente recoberta
pelo vérnix caseoso (substância gordurosa que protege a pele da contínua
exposição ao líquido amniótico). Apresentam comprometimento pulmonar
na maioria das vezes, necessitando suporte ventilatório e, às vezes, até
mesmo uso de surfactante. O risco de anóxia perinatal é importante,
chegando a ser cerca de 10 vezes mais frequente neste grupo do que em
RN de termo. Em partos prematuros desencadeados por infecções
maternas, ou com rotura de membranas por mais de 24 horas, associada à
febre materna ou do concepto e/ou presença de isometria (líquido
amniótico fétido), devem ser tomadas medidas adequadas para o
tratamento de infecção perinatal, com antibióticos e demais cuidados
necessários. Alguns prematuros não têm condições de serem alimentados
precocemente, necessitando jejum por algum tempo até a estabilização do
quadro; enquanto isso, recebem aporte glicosado venoso.
Distúrbios metabólicos como a hipoglicemia e a hipocalcemia também são
frequentes, e quando identi icados devem ser corrigidos para minimizar as
consequências. Os RNs pré-termo extremos apresentam idade gestacional
inferior a 30 semanas. São crianças de alto risco, clinicamente graves
independentemente dos fatores associados. Em média, pesam menos de
1500 gramas, havendo relatos de sobrevida de prematuros extremos com
peso inferior a 400 gramas. A cabeça é relativamente maior que o corpo, a
musculatura é lácida, o que faz com que adquiram no leito uma postura
‘largada’, e o tórax é relativamente pequeno em relação ao abdome.
Apresentam a pele extremamente ina, gelatinosa, por vezes tão ina que a
rede vascular se torna visível e o tecido adiposo é escasso. As orelhas são
chatas, disformes e não encurvadas; a glândula mamária não é palpável e
os pés são lisos, sem pregas. Nos prematuros do sexo masculino, os
testículos ainda não se encontram na bolsa escrotal; nas meninas, os
grandes lábios não recobrem as ninfas. A equipe de sala de parto deve
estar pronta para realizar as manobras de reanimação necessárias.

Nos recém-nascidos com peso inferior a 1.000 g e/ou idade gestacional


inferior a 30 semanas deverá ser feita a intubação traqueal devido à
necessidade de ventilação mecânica, pela imaturidade pulmonar e para a
administração de surfactante exógeno pro ilático, ainda no ambiente da
sala de parto, se possível.
Principais problemas decorrentes da
prematuridade

METABÓLICO E HIDROELETROLÍTICO: Comumente se observa


hipoglicemia devido às baixas reservas de glicogênio e à imaturidade do
controle do metabolismo da glicose. Hiperglicemia pode ocorrer devido às
altas taxas de infusão de glicose, usadas para a correção da hipoglicemia.
Para evitá-las e controlá-las, é necessária a monitorização dos níveis
glicêmicos e uso de bombas de infusão. Alterações hidroeletrolíticas como
hipernatremia, hiponatremia e hiperpotassemia também são comuns nos
RNs pré-termo. A icterícia pode manifestar-se de forma precoce e mais
intensa por causa da imaturidade hepática, da menor sobrevida das
hemácias e perdas sanguíneas teciduais, entre outras causas.

CARDIOVASCULAR: A principal consequência da prematuridade no


sistema cardiovascular é a persistência do canal arterial (pequeno vaso
que liga a artéria aorta à artéria pulmonar, facilitando a circulação fetal e
que deve desaparecer ao nascimento), resultando clinicamente em sopro
cardíaco, piora do quadro respiratório e aumento do ígado. Pode evoluir
para insuficiência cardíaca congestiva e hemorragia pulmonar.

RESPIRATÓRIO: Os RNs pré-termo apresentam, com frequência,


distúrbios respiratórios. A taquipneia transitória e a síndrome do
desconforto respiratório (doença de membranas hialinas) são causas mais
frequentes de insu iciência respiratória e de morte no RN pré-termo. Os
prematuros estão sujeitos a episódios de apneia (parada da respiração por
20 segundos ou mais, acompanhada de cianose e bradicardia) e, quase
sempre, necessitarão de suporte ventilatório ou mesmo de ventilação
mecânica. A displasia broncopulmonar é uma consequência do uso de
ventilação mecânica e caracteriza-se pela necessidade de oxigenoterapia
após a idade pós-conceptual de 36 semanas.

HEMATOLÓGICO: A anemia é frequente na prematuridade devido às


perdas sanguíneas, necessidade de retirada de amostras para exames,
menor sobrevida das hemácias dos prematuros, baixos depósitos de ferro
e crescimento rápido.

INFECCIOSO: A possibilidade de infecções bacterianas, virais e fúngicas é


muito grande. Muitos partos podem ser desencadeados por infecções
maternas, e o bebê nascer com sepse precoce de aquisição intraútero ou
durante o parto. Existe ainda a possibilidade de infecções hospitalares
devido à imaturidade do sistema imunológico e outros fatores de risco
como a ventilação mecânica, nutrição parenteral e procedimentos invasivos
necessários no ambiente de UTI Neonatal.

NEUROLÓGICO: As complicações neurológicas são grandes nos RNs pré-


termo e sua frequência é diretamente relacionada ao grau de
prematuridade. A hemorragia peri e intraventricular e a leucomalácia são
complicações graves que podem estar associadas a convulsões e
hidrocefalia.

OFTALMOLÓGICO: A grande consequência da prematuridade nos olhos é


a retinopatia da prematuridade. A retinopatia deve ser pesquisada nas
crianças com peso inferior a 1800g ou IG inferior a 36 semanas, pelo
exame de fundo de olho. Podem surgir consequências, como a redução da
acuidade visual, miopia e estrabismo.

AUDIOLÓGICO: A triagem auditiva deve ser realizada em RN pré-termo


obrigatoriamente, pois algumas intercorrências e/ou procedimentos
podem deixar sequelas auditivas (anóxia perinatal, hiperbilirrubinemia,
meningite, ruído e drogas ototóxicas).
Alimentação do recém-nascido pré-
termo

Todo RN ao nascimento, independentemente da idade gestacional, perde o


aporte nutricional intraútero que era fornecido por meio do cordão
umbilical. As necessidades nutricionais de um RN de termo serão
fornecidas pelo aleitamento materno, mas no RN pré-termo nem sempre
isso será possível.

É amplamente conhecido que o leite materno é o alimento de escolha para


o RN de qualquer peso e idade gestacional, devido a suas vantagens
nutricionais, imunológicas e de modulação do crescimento. O uso do leite
da própria mãe na nutrição de recém-nascidos pré-termo é importante
para o seu desenvolvimento e melhora geral. No leite materno de mulheres
que tiveram parto prematuro, a qualidade da proteína e o conteúdo
lipídico são ajustados e adequados ao recém-nascido prematuro.

Componentes especí icos como IgAs, lactoferrina, oligossacarídeos, fatores


de crescimento e componentes celulares estão em maior quantidade no
leite de mães de recém-nascidos prematuros. No entanto, esses
componentes altamente necessários e bené icos para o prematuro
somente são disponíveis quando o leite humano é administrado cru.

Nem todos os RNs pré-termo terão condições de iniciar a alimentação por


via enteral com o leite materno. Algumas situações contraindicam a
alimentação enteral: as ixia perinatal, a presença de desconforto
respiratório, infecções, malformações congênitas graves, pós-operatório de
cirurgias do trato gastrintestinal e enterocolite necrotizante. Nesses casos,
esses RNs deverão receber nutrição parenteral (que vai fornecer água,
eletrólitos, lipídios e aminoácidos através da veia).

Os RNs em condições de receber alimentação enteral devem recebê-la de


forma precoce. O início é feito com volumes pequenos de leite materno ou
fórmula especi ica para prematuros com intervalos variáveis de 3 a 6
horas. O aumento é gradativo, até que o RN tenha condições de receber a
alimentação enteral plena.

As crianças com idade gestacional superior a 34 semanas, peso


superior a 1500 gramas e com boa vitalidade, estarão aptas a receber
alimentação oral por meio de sucção (preferencialmente ao seio
materno ou por copinho). Nessas crianças, a sucção e a deglutição estarão
mais sincronizadas, sendo menor o risco de cianose ou broncoaspiração
durante as mamadas. Nos RNs com idade gestacional inferior a 34
semanas, peso inferior a 1500 gramas ou que apresentem
contraindicações para a alimentação por via oral, esta deve ser
administrada por sonda até que o re lexo de deglutição esteja
amadurecido e a sucção seja vigorosa.

Para minimizar a anemia da prematuridade, visto que os depósitos de


ferro dos RNs pré-termo são insu icientes para manter a síntese de
hemoglobina em níveis adequados, deve-se iniciar a suplementação de
ferro por via oral ou sonda, a partir do 28º dia de vida. Suplementação com
polivitamínicos também se torna necessária a partir do 7º dia de vida,
visando principalmente a minimizar os efeitos da de iciência de vitamina A,
que é importante para a proteção do epitélio respiratório e cuja de iciência
está relacionada à displasia broncopulmonar. A vitamina D também é
importante aos prematuros, pois é necessária para a absorção de cálcio e
fósforo e previne a osteopenia da prematuridade.

O uso do leite humano na alimentação do RN pré-termo trouxe a mãe para


dentro da unidade neonatal, tornando sua presença mais constante. Essa
mudança transformou a mãe em participante ativa da alimentação de seu
recém-nascido, mesmo nas fases em que não está sendo alimentado ao
seio. Esse envolvimento é um estímulo positivo à manutenção da lactação,
extremamente di ícil nestas mulheres. Com a presença mais constante das
mães na UTI Neo, especialmente pelo estímulo à ordenha de seu leite para
alimentação do seu bebê, tem sido possível procurar métodos de estreitar
os laços de união entre mãe e ilho. Uma das possibilidades para tal é
estimular o contato pele a pele – técnica da mãe canguru – que foi
desenvolvida para aquecer os pré-termos em unidades onde os
equipamentos não eram disponíveis. O contato pele a pele entre mãe e pré-
termo acabou por demonstrar que a técnica promove melhor
desenvolvimento, crescimento e bem-estar das crianças.
A Idade Gestacional Corrigida

Ana Hilda Carvalho

O RN pré-termo deve ser respeitado em suas peculiaridades. Uma delas é


a diferença entre idade cronológica e idade gestacional corrigida. Levando-
se em consideração a idade cronológica, iremos comparar um RN pré-
termo de forma semelhante a um recém-nascido de termo, o que não
condiz com o esperado ao desenvolvimento neuropsicomotor e taxa de
crescimento. Esse ajuste da idade cronológica para a idade gestacional
corrigida torna-se necessário pelo rápido crescimento do feto no último
trimestre da gravidez como também pela desaceleração do crescimento
após o termo. É esse ajuste que vai permitir uma avaliação mais adequada
da taxa de crescimento.

A idade gestacional corrigida é a idade pós-natal menos o número de


semanas que faltou entre o nascimento prematuro e o referencial de 40
semanas (é a diferença entre 40 semanas e a idade gestacional). Ao
utilizarmos grá icos ou padrões de crescimento de crianças com
desenvolvimento ísico normal, é necessário que usemos a idade corrigida
na avaliação das medidas de peso, comprimento e perímetro cefálico, para
evitar erros de interpretação.

Assim, devemos considerar que o perímetro cefálico deve ser usado com a
idade gestacional corrigida até os 18 meses; que o comprimento até 3 anos
e meio deve ser usado associado à idade gestacional corrigida, lembrando
que pode permanecer uma diferença de 1 a 2 cm em relação à população
geral e que o peso deve ser corrigido até os 2 anos de idade cronológica,
quando então essa diferença não é mais relevante.
Para fazer o acompanhamento do peso e do perímetro cefálico de um RN
pré-termo, devemos usar uma curva de crescimento de prematuro até a
40ª semana de idade corrigida, associada à curva existente no cartão da
criança ou cartão de vacinas. Dessa forma, a criança nascida prematura
não terá suas medidas abaixo do esperado, pois não será comparada no
gráfico às crianças de termo de idade cronológica semelhantes à sua.

Referências Bibliográficas

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Goulart, AL. Assistência ao Recém-Nascido Pré-Termo . In: Kopelman, BI;


Santos, AMN; Goulart, AL; Almeida MFB; Miyoshi, MH; Guisburg, R.
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Xavier, CC; Anchieta, LM; Ornelas, SL. Crescimento do Recém-Nascido Pré-


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2008.

Noronha, Heloísa. Pequenos Vencedores . Meu Nenê, São Paulo, ed 112, Ago
07.
Desconforto respiratório do recém-
nascido

A mãe deve ser informada sobre essa possibilidade que pode acontecer
em caso de ruptura da placenta, prolapso e nó verdadeiro do cordão, pré-
eclâmpsia e/ou diabetes etc.

A conduta de ressuscitação inclui:

aquecimento do bebê;

limpeza das vias aéreas;

oxigenação.

A avaliação do RN leva em conta se a pele está rosada ou azulada; o tônus


muscular; o grau de conforto ou desconforto respiratório e os batimentos
cardíacos, que dão o índice de Apgar. O neonatologista na sala de parto é
quem toma as providências necessárias. Se a mãe precisar ser
transportada, o bebê deve icar colado à sua barriga, enquanto ela vai
“conversando” com ele para estimulá-lo. Durante o trajeto, ambos deverão
estar cobertos por mantas tipo “termocel”.
Icterícia no período neonatal

Ana Paula Gumiero

É grande o número de bebês que apresenta icterícia no período neonatal,


ou seja, no período que vai do nascimento até um mês de vida.

Caracteriza-se pelo amarelamento da pele, dos olhos e das mucosas,


podendo ser um sinal benigno ou algo que indique grave doença. Sabe-se
que os prematuros têm maiores chances e índices de icterícia e, por isso,
necessitam mais da fototerapia que as crianças “de termo” (nascidas no
tempo certo).

A fototerapia é chamada popularmente de “banho de luz” e tem o objetivo


de baixar os níveis de bilirrubinas no sangue e, consequentemente, reduzir
a icterícia e suas complicações. A de inição da necessidade da fototerapia
leva em conta a idade gestacional do bebê e o nível de bilirrubinas no
sangue.

A icterícia isiológica, própria da faixa etária, geralmente tem início após 24


horas de vida e dura, em média, três dias, atingindo seu grau máximo por
volta do 7º dia de vida. Algumas condições clínicas podem ser suspeitadas
ainda na Maternidade, quando o grau de icterícia é muito intenso ou vem
acompanhado de outras alterações.

A recomendação geral dada aos pais é: observar se a cor amarela está se


intensi icando, se a urina se torna escura e as fezes claras, alteração do
nível de consciência e da frequência de mamada do recém-nascido — em
quaisquer dessas situações procurar um pediatra. A icterícia que
ultrapassa os 15 dias de vida precisa sempre ser investigada, ao menos
com a dosagem das bilirrubinas no sangue.

Icterícia no 1º dia é sempre grave.

Icterícia muito acentuada a partir do 2º/ 3º dia requer

observação e acompanhamento de um/uma pediatra.

(principalmente quando ‘desce’ da face para as extremidades)

Não desmamar. Procurar a opinião de um pediatra. Não oferecer

chá de picão!
Maternidade – Kate Greenaway (1846-1901)
Conhecendo o bebê

Estresse das primeiras horas: o bebê fez uma longa jornada para
nascer, então fica muito cansado no primeiro dia. Choro excessivo
pode indicar que houve fratura de clavícula.

Atitudes normais, mas que causam estranheza: espirros, soluços,


caretas, ‘alongamentos’ (o bebê se estica, o que é interpretado como
‘dor’).

Estudar e enfatizar a importância da exterogestação ou 4º trimestre.

Aplicar e ensinar massagem para a mãe e o bebê.

Distinguir o que é e como agir em caso de cólicas, uso do charutinho


(cueiro).

Conselhos do Dr. Karp, no DVD “O bebê mais feliz do pedaço”.

Além de livros sobre parto, indicar leituras sobre o bebê, que é a


consequência natural do parto, como:

Filhos – Manual da Sociedade Brasileira de Pediatria, 2010 –


Editora Manole.

Caderneta do Bebê – Ministério da Saúde – contém as curvas de


crescimento, desenvolvimento mês a mês e muitas dicas úteis.

Dicas

NITRATO DE PRATA pode causar conjuntivite química e obstrução dos


canais lacrimais. Pode ser substituído por colírio ou pomada de
eritromicina/tetraciclina, que faz parte do protocolo do M. da Saúde. O uso
do nitrato, como preventivo da oftalmia gonocócica, é determinado por
força de lei de 19/04/1977, que responsabiliza o Diretor Clínico, o médico
e a enfermeira quanto a seu uso.

BEBÊ NÃO VICIA COM COLO. Ele precisa ABSOLUTAMENTE dos braços da
mãe, de seu calor, e até de sua respiração e de seus ruídos viscerais. A
mamãe precisa de sossego para assumir seu lado animal: lamber a cria e
embalar o bebê nos braços fortalecem o vínculo e dão con iança e bem-
estar a ambos. Um bebê vinculado à mãe chora menos, quase não tem
cólica e “aprende” a respirar melhor. Bebês são seres incompletos, com
sistema nervoso imaturo. Eles não têm noção de “si” e são estritamente
dependentes da mãe. Esse é o aspecto que mais desperta pitacos para ‘não
viciar o bebê no colo’. Se não icar no colo da mãe, vai pro colo de quem?
Não é simples capricho do bebê, é uma necessidade vital.

Testes que devem ser realizados no recém-nascido

TESTE DO PEZINHO – feito com sangue retirado do calcanhar, entre o 2º e


10º dias de nascido, para detecção de doenças congênitas.

TESTE DO OLHINHO – para verificar alterações visuais congênitas.

TESTE DA ORELHINHA – para avaliar a audição do bebê.

TESTE DO CORAÇÃOZINHO – é feito por meio do ‘oxímetro’, para avaliar a


função cardíaca.

TESTE DO QUADRIL, POR MEIO DO ULTRASSOM – não é rotineiro.


Sono x Rotina

Nos primeiros meses, a cama compartilhada é uma ‘mão na roda’.


Banho ou massagem ajudam bastante, bem como musiquinhas,
cueiro apertadinho, barulho de secador, embalo, sh sh sh...

Os pitaqueiros de sempre recomendarão que se deixe o bebê


chorando até dormir; isso é sadismo e desconhecimento das
necessidades de um bebê! Ele/ela não se ‘acostuma’, simplesmente
desiste de ser atendido, refugiando-se em sua concha de solidão.
Melhor dizendo, ele abdica de pedir atenção.

Os bebês precisam de uma a duas sonecas diurnas.

Não dê chupeta ao bebê que está sendo amamentado com leite


materno exclusivo, pois ela causa a confusão de bicos, fazendo o bebê
desaprender de mamar ao seio. A necessidade de sucção que o bebê
tem deve ser saciada pela amamentação em livre demanda.

Não alimente o bebê dormindo, aproveite para ‘conversar’ com ele: a


voz da mamãe o reconforta.

Bebês de até 2 meses devem ser manipulados a cada 2 ou 3 horas,


principalmente prematuros, filhos de diabéticas e PIG – pequenos
para a idade gestacional, ou que tenham sofrido desconfroto
respiratório. Nessa fase, o sono prolongado pode ser devido à
hipoglicemia, que é nociva ao cérebro. Se ficar muito sonolento, leve-
o ao seio a cada 2 ou 3 horas; o bebê hipoglicêmico fica “hibernando”,
embora pareça apenas dormir.
Para bebês maiores, estabeleça um ritual na hora de dormir: escovar
os dentes, rezar, ler historinha, cantar, baixar a luz, acender um led,
perguntar o que mais gostou durante o dia, rezar ao anjinho, se você
tem esse costume.

Starry Starry Night – Van Gogh (1853-1890).

Bela ilustração para o cantinho do bebê!


Os três primeiros meses do bebê

Flávia Oliveira Mandic

Você acha que seu bebê está pronto para nascer depois de 40 semanas de
gravidez? Pois não está. O recém-nascido humano é ainda muito imaturo,
quase como um feto, e nos primeiros três meses de vida adora sentir-se
como se ainda estivesse no útero. Os ilhotes de muitos outros mamíferos,
ao contrário, são capazes de caminhar e até de correr no primeiro dia de
vida. Propiciar aos bebês a experiência do ‘quarto trimestre’ de gestação
acalma-os, pois estimula uma resposta poderosa no cérebro que para o
choro – o reflexo calmante.

O choro é o principal recurso de segurança para o bebê; é ativado por


qualquer perturbação súbita, sendo e icaz para chamar a atenção de um
adulto. Se você já tentou amamentar, colocar o bebê para arrotar, trocar a
fralda e ele ainda continuar berrando, é hora de tentar este “novo” antigo
truque dos nossos ancestrais: imitar o ambiente uterino.

Embrulhar o bebê num cueiro bem apertadinho é muito comum em várias


culturas, pois o toque na pele é muito calmante. Embrulhadinho, ele se
sente como se tivesse retornado ao útero e isso satisfaz seu desejo de ser
continuamente tocado. Quando enrolado, seus movimentos incoordenados
cessam e ele se acalma. Deitar o bebê de lado, ou segurá-lo de barriga para
baixo, apoiado no braço de um adulto, interrompe o medo de estar caindo.

O som favorito do bebê é o som das batidas do coração ou da aorta da mãe,


que ele ouviu durante sua vida no útero. Um CD com batimentos do
coração, ou até o ruído da máquina de lavar roupas ou do secador de
cabelos costumam acalmar os bebês chorosos, ainda que muitos achem
que o barulho pode deixá-lo mais agitado. Na verdade, o silêncio é que é
estranho e perturbador para um recém-nascido.

No útero, o bebê consegue levar as mãos à boca sem di iculdade, pois os


braços estão bem perto do rosto. Depois do nascimento, falta ao bebê a
coordenação para levar os dedos à boca e praticar o re lexo de sugar, que
é calmante. Se você pretende oferecer chupeta, o ideal é aguardar para
depois das primeiras seis semanas de vida, que é quando a amamentação
está bem estabelecida.

Os cinco S para acalmar o bebê:

Swaddling (embrulhar o bebê apertadinho num cueiro)

Side stomach (colocar o bebê na posição de lado)

Shh shh (fazer o barulho do som favorito do bebê)

Swinging (embalar o bebê nos braços ou numa rede)

Sucking (sugar)

Referências Bibliográficas

O Bebê Mais Feliz do Pedaço, Dr. Harvey Karp.


Cólicas

Dra. Relva

Quando os pais são de primeira viagem, ou não têm apoio de familiares, ou


têm pouca paciência, qualquer desconforto do bebê é chamado de “cólica”,
que é aceita como verdadeira, e logo passam a usar gotas e chás para
“acalmar o bebê”. Todo bebê tem uma “curva de choro” normal, que se
intensifica pela sexta à oitava semana e depois tende a se acalmar.

A maior parte dos choros do bebê decorre do descompasso entre suas


demandas e o tempo em que são atendidas. Esse choro tem vários
propósitos, principalmente o de assegurar que irá receber proteção e
nutrição adequadas, pois é indefeso e dependente de cuidados.

A inal, ele está acabando de chegar de um ambiente “customizado” para


seu total conforto. Um ambiente onde não havia luz, nem portas batendo,
nem fome; um ambiente morno, líquido, onde seu corpo tenro era
envolvido por calor, vibração e suavidade. Ele leva cerca de três meses
nessa adaptação, que é o tempo em que ele completa um ano de gestação
intra e extra-uterina: 9 + 3 = 12 meses.

Que fazer para acalmar o bebê em seu desconforto, quando se estica,


chora, faz careta ou se espreme, demonstrando inquietação?

pegar o bebê no colo;

balançá-lo carinhosamente;

acalentá-lo com barulhinhos da boca ou cantigas;


enrolá-lo num cueiro;

fazer-lhe alguma massagem “antes” do horário das cólicas;

deitá-lo de costas e encolher suas perninhas, forçando-as levemente


contra a barriga;

dar-lhe banho morno, que pode ser no balde;

outra coisa que acalma é deitar o bebê de barriga em cima da


barriga da mãe ou do pai, deixando-o pele a pele, em contato com seu
cheiro e seus batimentos cardíacos.

O que o bebê precisa mesmo é de contato humano, mas isso tem que ser
feito desde o nascimento, de modo que ele “saiba” que vai ser atendido e
embalado, e que pode contar com a amamentação, de preferência em livre
demanda, sem hora marcada. Quando ele sente que a mãe estabeleceu um
jeito con iável de maternagem, ele também adquire um modo mais
sossegado de suportar as rápidas mudanças que seu crescimento lhe
exige.

Falar em “imaturidade” do bebê é muito vago: imaturidade cerebral? do


trato gastrintestinal? São explicações que nada explicam nem indicam ‘o’
tratamento. Se a “cólica” tivesse uma causa orgânica, não aconteceria em
“hora marcada”, nem melhoraria no colo.

Dez causas de estresse materno, que podem piorar a “cólica”:

Choro incontrolável do bebê, gerando mais estresse nos pais;

Cansaço pela súbita mudança de rotina;

Privação de sono;

Instabilidade hormonal;
Inexperiência e insegurança;

Isolamento e solidão;

Perda de identidade: a puérpera deixa de ser ‘uma pessoa’ e


passa a ser ‘um bloco’ com o bebê; deixa de ser ‘fulana’ e passa a
ser ‘a mãe de fulaninho’...

Falta de privacidade;

Discussões irritantes com marido, sogra e outros familiares;

Perda imprevista de renda ou de algum abono;

Cheiro persistente de vômito na roupa.

Para vivenciar o puerpério, a mãe precisa de sossego e ambiente calmo,


para entrar em estado fusional com o bebê, ceder a seus impulsos e
instintos, sem pressa nem pressão, regredir à sua própria infância, deixar
falar o coração e mergulhar em sua função maternante. Perguntas que ela
deve fazer para si mesma: Quem é esse bebê? O que ele espera de mim,
sua mãe? Como sintonizar meu corpo e minha energia para entrar em
contato com esse novo ser, que eu gerei e pari?

Em Lacan encontramos a de inição subjetiva do que se tem como ‘cólica’:


um mal-estar interoceptivo que não pode ser separado da imago pré-natal.
“A angústia, cujo protótipo aparece na as ixia do nascimento, o frio, ligado à
nudez do tegumento, e o mal-estar labiríntico ao qual responde a satisfação
de embalar, organizam pela sua tríade o tom penoso da vida orgânica que,
para os melhores observadores, domina os seis primeiros meses da vida
do homem”. Ou seja, o choro, a ‘espremeção’, as caretas, seriam a
expressão do desamparo primordial; a isso damos o nome de ‘cólica’... In
LACAN, Jaques. A Família, Editora Assírio & Alvim, Lisboa, 1981. P. 31
Arigatô, Mamãe, por seu carinho e dedicação!
Por que o bebê precisa dessa tal de
vitamina K?

Os motivos para administrar vitamina K são os seguintes:

pequena passagem de vitamina K pela placenta;

ausência de flora intestinal para produzi-la;

baixo conteúdo de vitamina K do leite materno


(0,29mcg/100kcal);

recém-nascidos a termo: 1 mg por via intramuscular,


preferencialmente, podendo-se utilizar 2 mg por via oral; nesse
caso a dose terá que ser repetida com 1 ou 2 semanas de vida,
para evitar a doença hemorrágica tardia, que pode ser fatal; a
AAP recomenda apenas a via intramuscular;

recém-nascidos prematuros: a critério do/da neonatologista;

será necessário repetir a dose em prematuros que estejam em


uso de antibiótico ou nutrição parenteral. Segundo a AAP, não se
recomenda o uso oral da vitamina K, em dose única. A
recomendação para evitar a doença hemorrágica grave, é
administrar a vitamina K por via IM. Essa é a forma mais grave e
mais rara, e pode ser fatal.
Referências Bibliográficas

J. Ped.1998;74 (1):67-70.
Desenvolvimento infantil

DO 1º AO 4º MÊS: o bebê “descobre” que tem mãos e boca. Balbucia, sorri,


logo dará gargalhadas. Olha com atenção para o rosto da mãe.

4º AO 8º MÊS: começa a interessar-se pelo mundo externo, brinquedinhos,


chocalhos.

8º/9º MÊS: sofre a ansiedade da separação, ica inquieto, tem medo de


que a mãe desapareça e não volte, adoece mais (viroses), o que faz pensar
que a culpa é dos “dentes”. Esse período é tão vulnerável emocional e
isicamente, que se contraindica entrar para escolinha ou creche nessa
fase.

12 A 18 MESES: os bebês começam a experimentar o mundo dos objetos,


por tentativa e erro, e aprendem ordens simples; os grandes grupos
musculares preparam-se para a marcha.

18 A 24 MESES: manipulam formas e encaixes, preparam-se para falar.

2 A 7 ANOS: período pré-operacional, pensamento pré-lógico (fantasias).

7 A 11 ANOS: são capazes de deduzir logicamente, ordenar e classi icar,


comparar, fazer sequências, deduções em preto-e-branco, sem nuances de
cinza.

12 ANOS EM DIANTE: lógica formal, abstrações, conclusões sobre


hipóteses.
Comportamento emocional

DO NASCIMENTO AOS 18 MESES aprendem a con iar nos pais, que


atendem a suas necessidades, e estranham as demais pessoas.

18 MESES A 3 ANOS buscam adquirir autonomia, dizem NÃO a tudo; nessa


fase é que aparecem as birras, que são panes corporais por excesso de
estímulos simultâneos (fome, calor, luzes, movimento, objetos das
prateleiras e vitrines do mercado ou shopping). Conduta: nesse momento,
oferecer água, procurar sair do ambiente, conter a criança com um abraço
irme e avisar que “vai passar”. A criança está sempre ávida para
aprender tudo, mas se cansa facilmente.

6 AOS 12 ANOS a criança compara-se aos outros e se sente superior


(tirania) ou inferior (submissão). Ao mesmo tempo, adquire con iança em
suas capacidades e habilidades.

12 AOS 18 ANOS reino da confusão em relação aos pais, aos companheiros,


à escola. Contestação por insegurança e carência emocional, que acabam
tentando resolver pelo sexo ou bebida, jogos violentos ou velocidade.

Como estimular seu bebê

Sensório-motor

Fale sempre com ele/ela sobre o que está fazendo ou vai fazer;
cante cantigas, cds; ensine-o a tocar seu rosto, seu cabelo, o
cachorro, um brinquedo macio; evite acostumá-lo à TV desde cedo.
Linguagem

Leia para ele/ela – adoram rimas e ilustrações; procure livrinhos


adequados a cada idade; fale com ele/ela, sorrindo e brincando.
Mãe e Filho – Pablo Picasso (1881-1973)
Para que serve o resguardo?

Dra. Relva

Resguardar é ocultar algo ou alguém do olhar alheio. Após o parto,


guardava-se o resguardo, para repouso da mulher puérpera e lactante,
que assim desfrutava de uma pausa de quarenta dias movidos a caldo de
galinha. A mulher entrava num limbo respeitoso e era tratada como
doente.

Vigilantes tias e avós cuidavam para que ela não lavasse os cabelos nem
comesse comidas “reimosas”. Uma canjica e uns copinhos de cerveja
malzbier ajudavam a mãe a encarar o puerpério e suas obrigações,
estritamente observadas.

Na tribo, os índios sacaram que isso era bom e passaram a icar na rede
para a “couvade”. Na sala de visitas, marido e convidados fumavam
charutos e brindavam ao recém-nascido. Era uma curtição geral.

Foi-se o tempo em que uma mulher grávida era saudada na rua com o
chapéu, enquanto o distinto cavalheiro dava-lhe passagem e até mudava
de calçada. Quando Leila Diniz, nos idos de 1970, mostrou o barrigão, umas
poucas se aventuraram a essa “pouca vergonha”, mas eram advertidas de
que o “menino vai nascer resfriado”. A curtição do resguardo com cerveja
preta também acabou, pois a recém-parida tem que cair no batente logo
após sair da maternidade.

Em algumas culturas, a mãe ica desincumbida de trabalhos domésticos. O


governo de alguns países remunera uma auxiliar para os quinze primeiros
dias, de modo que a mãe possa usar o tempo aprendendo a cuidar do
bebê. Para que serve o resguardo, a inal? Considerando que a mãe entrou
de licença-maternidade, suas tarefas resumem-se em cuidar de si e do
bebê:

Para mamãe e bebê descansarem do trabalho de parto, exaustivo


para ambos;

Para mamãe e bebê se adaptarem e se curtirem mutuamente;

Para a mamãe alimentar-se adequadamente e amamentar


sossegada;

Para ambos vivenciarem a exterogestação ou 4º trimestre;

Para a mamãe aprender a amamentar e carregar seu bebê.

Durante o resguardo, a mãe deve ser poupada da labuta doméstica para


usar seu tempo em função do bebê, com suas novas exigências de colo e
cuidados. O bebê não existe sozinho, como diz Winnicott: o bebê existe com
sua mãe. Desde o nascimento, acende-se a lamparina da inveja alheia e
todo mundo aconselha a mãe a não pegar o bebê para ‘não acostumar’ ao
colo. Ora, se o bebê não se acostumar ao colo de ‘sua’ mãe, vai acostumar
no colo de quem? A espécie humana é a única que se aparta de seu ilhote,
por medo da censura social. Seria bom que todos soubessem que o bebê
depende absolutamente do colo materno e que chegou a este mundo
como um alien, sem saber o que veio fazer aqui.

Só com os cuidados da maternagem é que suas angústias se dissiparão e


ele/ela poderão sentir que chegaram num planeta amoroso e que podem
contar com as mãos, o colo, o calor e a respiração da mãe. A mãe é que
transforma nossa existência em lar, como diz Emily Dickinson. Por seus
cuidados de ‘maternagem’, a mãe é a tradutora e intérprete do mundo
para o bebê.

E os cabelos? Ora, os cabelos! Estão aí esperando as mechas e chapinhas,


pois a mulher que deu à luz um ilho não precisa deixar de se cuidar. A
quem isso interessava? Ao inconsciente coletivo patriarcal. Mas hoje pouca
gente está a fim de entendê-lo ou atendê-lo.

“O resguardo é um período de certa abstinência, um


pouco forçada, mas necessária. Cada dia que se passa, é
um dia ganho contra o poder que outorgamos ao ‘mundo
externo’ sobre nós mesmas. A vontade de sair e a
necessidade de ‘reconhecimento social’ são algumas das
atuais adições, que nos parecem irresistíveis. Mas a
‘perda’ trazida pela abstinência traz à tona valores
pessoais, fortaleza e dores emocionais, que nos mostram
outros aspectos do ser essencial de cada mulher”.

Laura Gutman, CRIANZA, p. 127

Dicas de leitura:

A Maternidade e o encontro com sua sombra , Laura Gutman, Editora Best


Seller.

Puerpérios y otras exploraciónes del alma femenina, Laura Gutman. Edição


argentina Del Nuevo Extremo (ainda sem versão brasileira).
Depressão pós-parto

Dra. Relva

Decorre de fatores pessoais (antecedentes depressivos) e do


ambiente (estresse, pressão familiar) e hormonais.

Fatores demográficos e sociais: idade, status marital, dificuldades


econômicas, desamparo.

Fatores relacionais: separação; abuso ou abandono na infância; falta


de apoio do parceiro, conflitos familiares, sentimento de culpa por
fatores diversos.

Fatores positivos: apoio de grupos de amigas – é importante contar


com o apoio presencial de amigas e grupos de gestantes.

Como ajudar

Alimentação adequada em triptofano: bananas, sucos de soja,


peito de frango, peixes que contêm ômega 3 e 6 (salmão,
sardinha, linhaça). Café e álcool devem ser evitados.

Se a DPP cursar com episódios maníacos ou depressivos,


confusão mental ou tendências suicidas, deve-se acionar um bom
clínico ou psiquiatra para eventual medicação e
acompanhamento terapêutico, sempre com conhecimento da
interessada.

Muitas vezes, a doula é a única referência ou companhia


confiável. Encontros, Orkontros, visitas de amigas, cinema ou
cinematerna são altamente benéficos.

Preditores de DPP e reforçadores de depressão

Depressão e ansiedade pré-natais;

Estresse no manejo do bebê;

Insatisfação do casal;

Baixa autoestima;

Dificuldades financeiras;

Conflito com a família de origem;

Gravidez não planejada;

Gravidez solteira;

Gravidez indesejada;

Despreparo emocional, despreparo prático, isolamento, cansaço


físico, sono atrasado.
Morning Sun – Edward Hopper (1882-1967)

O sentimento de solidão está muito bem expresso neste quadro de

Edward Hopper, consagrado pintor americano.


DPP – visão evolutiva

Segundo Sarah Blaffer Hrdy, em seu livro Mamãe natureza, uma visão
feminina da evolução – Maternidade, ilhos e seleção natural , “cerca de 50%
de todas as novas mães experimentam durante os dias de resguardo um
sentimento de melancolia e vontade de chorar. Os sintomas mais
comumente associados são ansiedade, perturbação do sono, preocupações
com o bebê, depressão, irritabilidade e hostilidade”. Para essa autora, há
três teorias evolucionistas envolvidas na DPP:

1ª Pela conhecida “sensação de perda”, ligada a alterações neuroquímicas


que se processam durante a gravidez e resguardo, a fim de
assegurar a proximidade de mães com seus bebês.

2ª A segunda teoria, apoiada pelos psicólogos evolucionistas Stephene &


cols., pressupõe que a DPP é de origem especificamente humana
(não mamífera nem primata). Atribuem-na a um conflito entre uma
mãe que, em alguma remota fase nômade de caça e coleta na
evolução humana, teria optado por não investir num bebê
defeituoso, ou se faltasse a ela um companheiro. As restrições
contemporâneas incluem leis consuetudinárias e rigorosas que
tornam o infanticídio imprudente ou impossível. “A depressão é
extremamente grave nas circunstâncias que levam as mães em
qualquer parte do mundo a cometer o infanticídio”.

3ª Pela terceira hipótese, que poderia ser chamada de ‘agressividade


láctea residual’, a DPP é um subproduto ou sobra endocrinológica
de uma forte intolerância a terceiros, que outrora foi adaptativa
entre mães que precisariam proteger os filhotes, tanto de
predadores quanto de outros membros da sua própria espécie. A
raiz de sua depressão não deriva do desejo camuflado de
abandonar seu bebê, mas de uma irrefreável compulsão para
protegê-lo, o que a enche de hostilidade em relação aos demais.

Quanto mais precária for a situação em que a mãe se encontra, mais


defensiva ela icará [...] Em culturas patriarcais, as mulheres são instruídas
para jamais se conduzirem agressivamente, para se acomodarem de bom
grado e com submissão aos que estão à sua volta. [...] Estaria essa
“hostilidade indizível” sendo registrada como DPP?

Durante a gravidez, o lobo anterior da hipó ise de uma mulher (o qual, em


conjunto com a placenta, é importante produtor de prolactina) aumenta de
tamanho entre 40 a 50%, preparando seu corpo para a lactação. A
prolactina pode também estar envolvida em reações que a fazem
comportar-se mais defensivamente para proteger a cria. Decida ela
amamentar ou não, uma mulher logo após o parto tem elevados níveis
circulantes dos mesmos hormônios que, em outros mamíferos, estão
implicados na ‘agressividade láctea residual’. [...] Mesmo as mulheres sem
nível apreciável de depressão sofrem um declínio pós-parto nos
‘sentimentos positivos’ que nutrem por seus maridos, durante o par de
meses que se segue ao nascimento, o que parece muito estranho – exceto
como um artefato da agressividade lactacional.

Esse desdobramento de instruções genéticas não se coaduna com o ponto


de vista comum da doação maternal instintiva, como se vê em Erich
Fromm:

“O amor de mãe é incondicional, é absolutamente


protetor e envolvente; porque é incondicional, não pode
ser controlado ou adquirido (....) porque todos são filhos
da Mãe Terra.”

Não é verdade que as mulheres amam instintivamente seus bebês, no


sentido de que assumem e cuidam automaticamente de cada bebê nascido.
Em outras palavras, não existe provavelmente nenhum mamífero em que o
envolvimento materno não surja pouco a pouco e seja progressivamente
sensível a sinais externos. A criação de um ilho tem que ser instigada,
reforçada, sustentada. A própria criação precisa ser “mantida”.

Referências Bibliográgicas

HRDY, Sarah Blaffer. Mãe Natureza: uma visão feminina da evolução:


maternidade, ilhos e seleção natural . Rio de Janeiro. Campus Editorial,
2001.

A maternidade fica mais fácil com uma dose de realismo, por mais
que a tarefa se mostre, às vezes, sobrehumana e exigente demais.
Inclusive pelo excesso de informação a que a mãe de hoje é
submetida...

Polly – Kate Greenaway (1846-1901)


Gestação no coração

Andréa Rusconi

Quando chega à vida de alguém a ideia da adoção, ela se converte


imediatamente em um sentimento muito forte. Foi assim conosco. Muitas
tentativas foram feitas para que eu pudesse engravidar. Passei por todos
aqueles métodos de diagnóstico para detectar o problema, tão invasivos do
corpo, da alma e da intimidade do casal, que passa a ter que cumprir
horários, temperaturas e posturas para fazer amor. Muito desgaste, muito
medo de tudo: outra vez passar pela anestesia? E se não volto dela? De
novo meses de injeções e alterações do humor por tanto hormônio e tanto
estresse?

Nós passamos por todos os estudos, repetidas vezes, tantas quanto as


vezes que mudamos de equipe médica. É uma fase muito di ícil. Se nos
dizem para ficarmos de cabeça para baixo sobre um alfinete por cinco dias,
nós o fazemos com a convicção de que “dessa vez” e “dessa maneira”
vamos nos sair bem. Cheguei a consentir em ser operada no consultório de
uma médica, sem um especialista presente, para monitorar a anestesia.
Burrada? Com certeza, porém sempre desejamos acreditar no que nos
dizem.

Chega o dia em que o desespero cede lugar à esperança, e é nesse dia


maravilhoso que nos damos conta de que podemos ser mãe ou pai, mesmo
sem a possibilidade de engravidar. Tempo de trilhar outros caminhos: não
mais os da medicina, mas os da burocracia. São lentos, pesados.
Necessários? Acho que sim, mas também tenho certeza de que, se bem
organizados, tudo pode ser mais fácil.
Muitos futuros pais desistem do caminho legal que, na realidade, é o único
que pode dar tranquilidade a longo prazo, e escolhem percursos mais
curtos, alternativos, mas que trazem confusões; no inal, quem mais sofre
são as crianças. Não importa a idade, todas elas sofrem. Sofrimento que se
agrega à dor do primeiro abandono.

Enquanto nos rodeamos de psicólogos, assistentes sociais, certidões de


antecedentes penais e outros trâmites, é que a ideia se transforma em
sentimento e se arraiga no fundo do coração. Os temores vão se diluindo; a
ansiedade, aumentando. Uma assistente social, durante uma entrevista,
perguntou-nos “o que queríamos”. Como não entendíamos a pergunta,
esclareceu: “menina, menino, branco, recém-nascido etc.” Respondemos,
meio aturdidos, que preferíamos que fosse bebê, mas que isso estava nas
mãos de Deus. Então ela nos explicou que não é fácil para todos os casais
aceitarem um ilho diferente, e que é melhor que os futuros pais
reconheçam as próprias limitações antes da chegada do ilho; depois, tudo
pode ser muito traumático para todos. Foi uma conversa interessante e
esclarecedora. Vimos ângulos sobre os quais nunca havíamos pensado. Ela
conversou conosco por quase três horas!

Uma vez inalizados os trâmites, vem a espera, os anseios, a nossa


gestação! As pessoas nos deixavam nervosos mesmo sem querer, porque a
cada vez que nos telefonavam ou nos encontravam, vinha a pergunta: “Não
sabem nada ainda?” O dia em que soubemos, o mundo inteiro soube!

Finalmente chegou o momento. Um juiz havia nos chamado e dado a ordem


para que fôssemos ao hospital. Como já era muito tarde, tivemos que
esperar o dia seguinte. Deve ter sido a noite mais longa da minha vida, um
verdadeiro parto. Foi maravilhoso quando puseram o bebê nos meus
braços. Ele tinha 14 dias; eu, 33 anos, e havia oito que o esperava. E o
médico que foi entregar-me ainda me pedia que não chorasse! Chorei tudo
o que quis. Um sentimento de amor absoluto invadiu-me: tínhamos
finalmente um filho e tinha que ser ele e não outro.
Dois dias mais tarde, ligaram-nos de outro juizado, para buscarmos um
menino de dois dias. Com dor na alma, dissemos que já éramos pais e que
passassem aos seguintes da lista, que icariam muito felizes. Digo dor na
alma porque dava vontade de dizer sim! Mas também queríamos dar ao
nosso ilho seu lugar de primogênito único, pelo tempo que deveria ser.
Foram cinco anos até a chegada de seu irmão. Tomás dormiu no berço que
havia sido meu, mas grudado na minha cama. Isso quando não dormia
abraçado a mim.

Hoje, olhando para trás, com dois ilhos maravilhosos, sinto que, se tivesse
recebido antes a informação de que não poderia parir, teria tido mais
ilhos. Uma menina, quem sabe. Eu já não me sinto em idade de começar
outra vez e, na realidade, eu não poderia ter mais que dois. Espero algum
dia ter muitos netos e netas, e ser a perfeita avó que deseduca com seus
mimos.

Muitas coisas têm que mudar. Há muitos interesses criados tanto no


âmbito médico quanto no burocrático. Movendo cada um, pouco que seja,
terminaremos rompendo preconceitos, humanizando tratamentos,
agilizando trâmites. Uma vida é um presente de Deus. A adoção não é um
gesto, é um caminho só de ida e tem que estar carregado de in inito amor
incondicional. E filho é filho, nem adotivo, nem biológico, somente filho.

Dica de leitura

Filhos do Coração – Histórias Extraordinárias de Adoção , de Glauciana


Nunes.

Foi maravilhoso quando puseram o bebê nos


meus braços. Ele tinha 14 dias; eu, 33 anos, e
havia oito que o esperava. E o médico que foi
entregar-me ainda me pedia que não
chorasse! Chorei tudo o que quis. Um
sentimento de amor absoluto invadiu-me:
tínhamos finalmente um filho e tinha que ser
ele e não outro.
Adoção homoparental e visibilidade
gay

Dra. Relva

O escritor Ítalo Calvino legou-nos um testamento literário, que ele


denominou de Seis Propostas para o Milênio, a saber: leveza, rapidez,
exatidão, visibilidade, multiplicidade. Não deixou a que seria ‘consistência’.
O argentino Ricardo Piglia se propôs escrever a sexta, não a de Calvino,
mas o que ele chama de desplazamiento, deslocamentos, “deslocamentos
estratégicos, distâncias, que permitem um olhar enviesado, tornando
possível medir diferentes direções e velocidades: o espaço e o tempo numa
concepção que não ignora o que foi transmitido ou imposto pelo poder
hegemônico, pelo Estado, e possibilita gerar descontinuidades, cortes,
desvios, para além de uma relação causal e linear dada como hegemônica”.
As propostas de ambos são para a literatura, mas bastante aplicáveis à
vida.

Grupos ativistas da comunidade gay buscam visibilidade, organizando


paradas, passeatas, movimentos de “orgulho gay” como ação a irmativa da
diversidade. Deslocamentos estratégicos. Antes de prosseguir, aviso que o
artigo não tem a intenção de discutir ‘causalidade’ ou ‘normalidade’ sexual.
O foco é: por que o movimento gay busca visibilidade e inclusão, ou até
mesmo constituir família, com ilho e tudo? Na vida o que mais se precisa é
de uma testemunha de nossos atos. O amor que antes não ousava dizer o
nome, agora quer proclamar-se de cima dos telhados, ou pelo menos nas
ruas, nos cinemas, nos shoppings. Tanto é triste não poder amar quanto
não poder demonstrar amor. Ou, para isso, ter que icar à margem da
sociedade. O principal motivo, entretanto, é que a invisibilidade é uma
forma de negação. Negar é deixar de existir. Para Heidegger, “A ausência
seria equivalente à morte. É a angústia dessa inexistência que faz com que
o Sujeito tome consciência de si. A invisibilidade é insuportável, quiçá pior,
porque é um existir sem ser visto. Daí a eterna busca por reconhecimento.
Melhor ser visto como exótico, do que não ser visto”.

A psicanalista neozelandesa, Joyce McDougall, explica o que ela chama de


invenção de neossexualidades: “Esses cenários eróticos, complexos e
inelutáveis não servem apenas para salvaguardar o sentimento de
identidade sexual (como o faz todo ato sexual), mas frequentemente
mostram ser técnicas de sobrevivência psíquica, uma vez que eles são
necessários para a preservação do sentimento de identidade subjetiva”. E
continua: “Para enfatizar o caráter inovador dessas invenções eróticas,
denominei-as neossexualidades. Por meio dessa terminologia, eu quis
evocar alguma coisa semelhante às neorrealidades que alguns pacientes
frágeis criam, a im de encontrar uma solução para uma dor mental que
para eles se mostra inelaborável de outra forma. A libido homossexual
serve, em primeiro lugar, para enriquecer e estabilizar nossa autoimagem
narcísica”.

No caso da mulher, ela a irma em seus livros: “Em Defesa de Uma Certa
Anormalidade” e “Conferências Brasileiras”: “O percurso da infância até a
feminilidade adulta é in initamente mais complexo do que até Freud
imaginava. Não só as raízes do erotismo feminino são estabelecidas no
começo da infância, mas a identi icação com a mãe genital, mesmo quando
a mudança de objeto para a heterossexualidade foi adequadamente
realizada, deixa ainda em aberto muitas questões relativas à integração da
libido homossexual feminina”.

Na homossexualidade feminina, encontram-se componentes da mesma


ternura que há – ou deveria haver – na relação entre mãe e ilha, às vezes
revivida na ligação com uma boneca, que faz o papel de ‘ ilha’ da dupla.
Cássia Eller sacou bem o lance: “sou minha mãe, minha ilha, minha irmã,
minha menina”. As novelas insistem em que as duplas homo têm que optar
por adotar um ilho, assumir responsabilidade de casal e amar com
moderação. Na vida real, ninguém tem ilho por imposição ou obrigação.
Nem existe uma compulsão irresistível em adotar crianças. As criações
intelectuais e artísticas são meios conhecidos de sublimação, pois neles se
pode ser homem e mulher ao mesmo tempo, e gerar filhos simbólicos.

Mesmo em tempos liberais, não é sem algum sofrimento, ou perplexidade,


que se sai dos ‘armários’ do inconsciente. Nem é tudo sempre tão ‘gay’
assim, livre, leve, desencanado. Há uma contrapartida depressiva e até
persecutória. E um preço social que a pessoa decide se quer – e se pode –
pagar. E ainda extrair o devido proveito pessoal. Embora não seja desejo
de todo gay inserir-se na sociedade ‘careta’, grande parte almeja incluir-se
na vida comum de qualquer cidadão. Os ‘outcasts’ promovem
deslocamentos regeneradores das margens, contestando a hegemonia e
exclusividade do ‘normal’. O deslocamento espaço-temporal e discursivo
inclui a ideia de transgressão, de desterritorialização, de confronto às
identidades propostas pela tradição. “Deslocamentos estratégicos”, a sexta
proposta de Ricardo Piglia.

Como se de ine uma família hoje? Christiane Collange responde: – Família


“casulo”, família “clube”, família “moderna”, família “tradição”, família
“monoparental”, família “reconstituída”, família “aberta”, família “invisível”,
família “new look”, família “nuclear”, família “comunitária”, família
“fragmentada”, família “parceira”, família “de fusão” ou “mosaico”. Como
ica a criança nesse novo universo de fronteiras deslizantes? No caso de
adoção, o primeiro princípio é o do “melhor interesse da criança”, indicado
no artigo 3.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
(ONU, 1989). O intuito é assegurar a precedência do bem-estar da criança
ao dos pais. O segundo ponto é a regulamentação do artigo 227 da
Constituição, Lei nº 8.069/90 ou Estatuto da Criança e do Adolescente, que
assegura à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e
comunitária. Uma vertente importante é que a adoção não deve ser um
prêmio de consolação a pais carentes, mas sim um ato de amor. Pais
podem prescindir de ilhos, ilhos sempre precisam de pais. Há um
universo de abandonados esperando adoção, quando fogem do padrão
estético ou etário desejado.

A mestra do direito, desembargadora Maria Berenice Dias, é enfática:

“A moderna doutrina não mais define o vínculo de


parentesco em função da identidade genética. A valiosa
interação do Direito com as ciências psicossociais
ultrapassou os limites do direito normatizado e permitiu
a investigação do justo buscando mais a realidade
psíquica do que a verdade eleita pela lei. Para dirimir as
controvérsias que surgem – em número cada vez mais
significativo – em decorrência da manipulação genética,
prevalece a mesma orientação. Popularizaram-se os
métodos reprodutivos de fecundação assistida, cessão do
útero, comercialização de óvulos ou espermatozoides,
locação de útero, e todos viram a possibilidade de realizar
o sonho de ter filhos. Nesse caleidoscópio de possibilidades,
os vínculos de filiação não podem ser buscados nem na
verdade jurídica nem na realidade biológica. A definição
da paternidade está condicionada à identificação da posse
do estado de filho, reconhecida como a relação afetiva,
íntima e duradoura, em que uma criança é tratada como
filho, por quem cumpre todos os deveres inerentes ao
poder familiar: cria, ama, educa e protege.[...] Se a família,
como diz João Baptista Villela, deixou de ser unidade de
caráter econômico, social e religioso para se afirmar
fundamentalmente como grupo de afetividade e
companheirismo, o que imprimiu considerável reforço ao
esvaziamento biológico da paternidade, torna-se
imperioso questionar os vínculos parentais nas
estruturas familiares formadas por pessoas do mesmo
sexo.”
DIAS, Maria Berenice. Paternidade homoparental.
Conteúdo Juridico, Brasilia-DF: 23/11/2009. Disponível
em:
www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.25503. Acesso:
2/6/2010.

Ainda no campo do direito, diz a autora (*) de “Procriação Arti icial e


Sucessão Legítima”:

“O direito de família sofreu direta repercussão dos


avanços tecnológicos na área de reprodução humana,
mormente envolvendo as fontes de paternidade,
maternidade e filiação. Todas essas transformações
permitiram a ocorrência de um importante fenômeno,
denominado “desbiologização”, ou seja, a substituição do
elemento carnal pelo elemento biológico ou psicológico.”
[...] “Há um misto de Bioética e Biodireito. De um lado, a
evolução cultural e, do outro, a ética. Observando sempre
o direito mais fundamental de todos os direitos, quer
dizer o direito à vida, já que sem ele os outros seriam em
vão”.

(*) Vitorino, Catarina C. Lima. in: Justilex,


Revista Jurídica, Ano V, nº 60, dezembro 2006, pp 46 a 53.

A imprensa tem noticiado um discreto baby boom gay, que pode ser um
sinal da própria visibilidade em marcha. A justiça brasileira acaba de
autorizar o registro da ilha de um casal gay, fruto de inseminação arti icial
e ‘barriga de aluguel’. E há pleiteantes na ila de espera. Em Cannes 2009,
foi premiado o ilme “The kids are all right”, com Julianne Moore e Annette
Benning, no papel de um casal lésbico que tem três ilhos. O título já diz o
que realmente interessa: que as crianças estejam bem.

Entre constituir família e, eventualmente, integrar-se à sociedade; ou


permanecer à margem da corrente; busca-se antes a irmação, valor como
pessoa e voz própria. Luta-se pela promoção e defesa da igualdade de
direitos de pessoa. Com ou sem um filho nos braços.
Canto de mim mesmo

[que pode ser considerado uma saudação ao que vai chegar]

Aurora após aurora, os fantasmas curvam-se atrás de


mim,
lá longe eu vejo o Grande Nada inicial, sei que estive lá.
Esperei invisível e sempre, e dormi no nevoeiro letárgico;
não tive pressa, e não me fez mal o carbono fétido.
Por muito tempo fui abraçado com força – muito e
muito tempo.
Enormes foram os preparativos para mim,
Fiéis e amistosos os braços que me ajudaram.
Os ciclos conduziram meu berço, remando sem parar
como alegres barqueiros.
Para me dar espaço, as estrelas se mantiveram afastadas
em suas órbitas, enviando influências para cuidar daquilo
que iria me sustentar.
Antes que eu nascesse de minha mãe, gerações me
guiaram.
Meu embrião jamais ficou inerte, nada podia sufocá-lo.
Para ele a nebulosa se condensou no orbe.
Os longos e lentos estratos se amontoaram para aninhá-
lo.
Vastos vegetais serviram-lhe de alimento.
Sáurios monstruosos o transportaram em suas bocas e o
depositaram com cuidado.
Todas as forças foram empregadas sem descanso para me
completar e me deliciar,
Agora aqui me ergo com minha alma robusta.

Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo


Dicas de leitura

Blog “O Pediatra.com”, do dr. André Bressan.

Blot, Maggie. A Gravidez dia a dia, 2ª Ed. Editora SENAC, SP.

Deutsch D’ Agostini & Wladmir C. Tabosa. A Bíblia da Gravidez, CMS Editora,


2011, 3ª edição.

Goetzi, Laura e Harford, Regine. Concepção e gravidez depois dos 35 anos.

Harris, Alice. Agenda da Gravidez, Ed. Marco Zero, 2001.

Heinowitz, Jack. Pais grávidos – a experiência da gravidez do ponto de vista


dos maridos, Ed. Cultrix.

Maia, Monica Barra. Humanização do parto, Fiocruz, RJ, 2010.

Moreira. M. Elizabeth Lopes, Nina A. Braga, Denise Streit. O Bebê e sua


família na UTI neonatal, Fiocruz, RJ, 2006.

Oliveira, Flávio Garcia. E depois do parto? Cuidados com o Corpo, a Mente e a


Vida Sexual – Editora Matrix, 2006.

Pamplona, Vitória, Tomaz P. Costa & Carvalho, Marcus Renato. Da gravidez


à amamentação, Integrare, 2010.

Sallet, Carla Goes. Mãe... e agora? SENAC, 2003.

Stoppard, M. Mães, Pais e seus bebês, Marco Zero, SP, 2008 – um guia
abrangente sobre os 280 dias de gravidez, parto e nascimento.

Vieira, Elizabeth Meloni. A medicalização do corpo feminino, Fiocruz, RJ,


2010.

Filme: OTTO, do cineasta Cao Guimarães, que ilmou todo o processo da


gravidez e parto de sua mulher Flor Martínez, 2012.

Cantigas de Ninar (Palavra Cantada), Cirandas de Villas-Lobos, Tlês de


Adriana Partimpim.

Mais sugestões no Capítulo 16.


Júlio Guerra, Largo do Paissandu, SP
CAPÍTULO 2 – AMAMENTAÇÃO
O que é leite materno?

Dra. Relva

O que sabemos sobre leite vem daquilo que observamos do leite de vaca:
um líquido branco e brilhante. O leite de canguru, por exemplo, é rosado. O
que interessa mesmo é que o leite é especí ico da espécie, pois sua
composição é feita para determinadas necessidades do crescimento e
maturação de cada ilhote. O leite de vaca contém mais ácidos graxos
voláteis, que os bebês humanos não digerem muito bem (produzem muitos
gases). O leite de vaca também contém mais ferro, mas ele não é bem
aproveitado pelo sistema digestivo humano. O bebê absorve melhor o ferro
do leite materno. O LM é digerido em cerca de 20 minutos, enquanto o de
vaca (fórmulas especiais para bebês) pode levar cerca de uma hora ou
mais. O leite materno contém cerca de uma centena de aminoácidos,
vitaminas, sais minerais e açúcares, compondo uma receita especialmente
feita para as necessidades do bebê humano.

A composição do leite também oferece a chave para o estilo e intensidade


do comportamento materno de cada espécie. Em espécies cujas mães só
amamentam ocasionalmente e deixam seus ilhotes sozinhos por longos
períodos, o leite é rico em gordura e proteínas, de modo que eles possam
icar satisfeitos por longos períodos. Quando o leite é mais pobre em
gordura e proteína, como o da espécie humana, isso indica que a
amamentação é destinada ou tende a ser mais frequente. O leite de foca é
constituído de 54% de gordura, o que permite que o bebê foca seja
aleitado a longos intervalos. Ele precisa dessas altas concentrações de
gordura para adquirir as grossas camadas corpóreas que lhe garantem a
sobrevivência em ambiente aquático e frio.
Alguns países europeus consideram a amamentação como
um serviço
prestado ao estado, concedendo longas licenças ao casal, o
que resulta
em melhor saúde para a criança e a nação.

O fluido protetor natural

Os bebês nascem com certa quantidade de anticorpos circulantes, que


adquirem de suas mães através da placenta. Mas essa imunidade é
limitada, e eles precisam ser expostos ao mundo externo para
experimentar reações imunológicas e construir seu repertório imunitário.
O colostro e depois o leite materno são verdadeiras usinas de protetores
contra vírus e bactérias, permitindo uma transição espetacular entre o
pré-natal e a infância tardia, quando o sistema imunológico já se
desenvolveu totalmente (em torno dos cinco anos). Essas descobertas são
relativamente recentes, o que explica, em parte, a ideia de que o leite
artificial compara-se ao leite materno.

O fator mais importante nessa barreira imunológica transferida é a


lactoferrina, uma proteína que protege contra a Escherichia coli e o
esta ilococo, as causas mais frequentes da diarreia e da mortalidade
infantil. O leite materno também oferece propriedades anti-infecciosas, que
se incorporam isicamente aos agentes do cólera e da giardíase, o que
explica porque os bebês amamentados, vivendo em ambientes sem
higiene, são capazes de sobreviver. São importantes também, no colostro e
no leite materno, as cinco categorias de anticorpos chamadas
imunoglobulinas, que protegem contra infecções e são a principal barreira
imunológica dos bebês.
Esse sistema é especialmente importante porque atua dentro das mucosas
que revestem o nariz, os pulmões e brônquios, os intestinos – as áreas
mais vulneráveis dos bebês aos agentes patógenos. IgA é uma delas. A IgA
secretora (S-IgA) é encontrada no sistema respiratório e trato intestinal de
adultos. Quando a mãe ingere ou inala agentes que causam doenças
(patógenos), as moléculas de S-IgA ligam-se a esses agentes ou antígenos e
se tornam especí icas para esses agentes. A S-IgA da mãe é transferida do
sangue para o leite.

Os bebês amamentados ao seio recebem cerca de 0,5 g de anticorpos


diariamente, que se alojam nos pulmões e intestinos. Como as principais
causas de morte em bebês são a diarreia e a pneumonia, a imunidade
conferida pelo leite materno reduz incrivelmente a mortalidade infantil. Há
evidências de que o sistema imunológico dos bebês amamentados
amadurece e se fortalece mais rápida e intensamente, já que não sofre os
efeitos devastadores sobre a imunidade, causados por agentes patógenos
do meio.

Referências Bibliográficas

SMALL, Meredith. Our babies, ourselves. New York, 1999.


Amamentação: quando começar,
seus direitos e garantias

Quando começar a amamentar? A amamentação pode começar


imediatamente após o nascimento do bebê. Ao ser colocado nos braços da
mãe, o bebê começará a procurar os mamilos, seguindo um instinto que é
natural e também muito emocionante.

Nos primeiros dias após o parto, o que as mamas secretam é o colostro, um


líquido amarelo e mais denso que o leite maduro. Ele é secretado em
pequenas quantidades, que são su icientes para o bebê, pois é exatamente
aquilo de que precisa para os primeiros dias. O colostro contém mais
anticorpos e mais células brancas que o leite maduro. Essa primeira
“imunização” protege a criança contra a maior parte das bactérias e vírus.

O colostro é também rico em fatores de crescimento que estimulam o


intestino imaturo da criança a desenvolver-se. O fator de crescimento
prepara o intestino para digerir e absorver o leite maduro e impede a
absorção de proteínas não digeridas. Se a criança recebe leite de vaca ou
outro alimento antes de receber o colostro, esses alimentos podem lesar o
intestino e causar alergias. O colostro é laxativo e facilita a eliminação do
mecônio (primeiras fezes).

O leite começará a “descer” gradualmente nas primeiras 36 horas após o


parto e aumentará consideravelmente nos dias seguintes, se o bebê for
colocado constantemente para sugar. Até o final da segunda semana, o leite
primário tornar-se-á leite maduro. É possível que haja um pequeno atraso
na descida do leite devido a uma cesárea ou a um trabalho de parto muito
di ícil. A chave para aumentar a quantidade o mais rápido possível é
colocar o bebê para sugar ao seio o quanto antes, se possível,
imediatamente após o parto.

Não desanime diante das primeiras di iculdades. Os bebês, quando


nascem, não precisam de uma quantidade grande de leite. O importante é
saber que o bebê tem que ser colocado ao seio para sugar e é só isso que
fará com que sua produção se desenvolva. Amamente o quanto antes e
sempre que o bebê quiser. No caso de di iculdade, não deixe de buscar
ajuda, com amiga mais experiente, ou com alguém da maternidade ou do
banco de leite.

Informações adicionais:

www.e-familynet.com

www.sbp.com.br

www.aleitamento.com

Site oficial: www.amsbrasil.com/Site/Inicio.html


Grupo de Discussão no Facebook:
www.facebook.com/groups/aleitamentomaternosolidario/

Página Oficial no Facebook:


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Solid%C3%A1rio/197242083624453

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Grupos:

Falando de Maternidade: www.facebook.com/groups/135911256506341

Conexão Dr. José Martins Filho:


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APVL - AMS Brasil: www.facebook.com/groups/230643433646073
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Gêmeos querem Mamar: www.facebook.com/groups/188364154547944
Campanha Permanente de Doação de Leite Materno:
www.facebook.com/pages/Doe-Leite-Materno-Campanha-
Nacional/173644672689716

AMS no Projeto Acolher Natura:


www.movimentonatura.com.br/acoes/inicio/grupo/simone-de-
carvalho/9212704141908275348

www.amsbrasil.com
A lenda do “leite fraco”

Dra. Relva

O Brasil importou o desmame com Cabral, já que as senhoras não


consideravam de bom tom amamentar seus bebês como as índias, “com um
menino ou menina ao colo, atado com um pano aos peitos”. Os portugueses
consideravam esse comportamento instintivo e natural como impróprio
para pessoas civilizadas, cujo padrão era a cultura europeia.

O regime alimentar do lactente indígena acompanhava o desenvolvimento


da marcha. Na fase de colo, quando ainda não tinha aprendido a andar, ele
tinha sua alimentação restrita ao seio materno, muito embora recebesse da
mãe uma massa de grãos de milho, por ela mastigada e pré-digerida pela
saliva. Uma vez desenvolvida a marcha, ele passava a valer-se da comida
dos adultos, mas sem abandonar o peito da mãe. A alimentação mista
durava mais de dois anos, e a criança não utilizava leite de outra espécie
animal.

O desmame só ocorria em três situações: morte materna, doença grave da


mãe ou imposição cultural. As índias não deixavam de trabalhar e
harmonizavam seu papel de mãe nutriz e mulher trabalhadora com o
auxílio da tipoia (espécie de sling da época).

Para as europeias, o amor materno não tinha valor social e moral, o que as
levava a considerar a amamentação como tarefa indigna para uma dama.
Esse comportamento era copiado pelas demais classes como sinal de
distinção social.
O desmame por “leite fraco” ou “falta de leite” passou a acontecer, em
parte, com a inserção da mulher no mercado de trabalho. O que
inicialmente foi ditado pelo preconceito europeu foi mais tarde reforçado
pela indústria do leite em pó, que passou a interferir no pensamento das
mães quanto à sua capacidade de amamentar. Na prática, nem o “leite
fraco” nem a “falta de leite” podem ser comprovados.

Para o bom êxito na amamentação:

Contar com um grupo de apoio

Contar com o apoio do companheiro

Levar o bebê ao seio ainda na sala de parto

Procurar um banco de leite, que tem as melhores conselheiras


sobre aleitamento materno.

O seio materno é a verdadeira fonte do “leite da ternura


humana”.
índia brasileira amamentando (fonte: blog acalanto.bh)
Maria lactans – Andrea Solario (1460-1522). Expressiva imagem da amamentação olho no olho.
Embriologia e função da boca

Dra. Relva

O epitélio (forro) da cavidade oral desenvolve-se como parte da pele que


se dobra para formar uma bolsa. Isso indica que a boca é,
fundamentalmente, um órgão de toque. Os nervos que a suprem procedem
diretamente do cérebro, através de 5 pares de nervos cranianos. A boca é
uma bolsa logo atrás do cérebro, ao qual está mais conectada do que ao
estômago.

Nas primeiras semanas de vida fetal, boca e nariz formam uma só


cavidade, separados por uma membrana, que depois vai ser o palato (céu
da boca). Este se desenvolve a partir da 6ª semana. Essa estrutura do
palato é comum aos mamíferos e tem papel importante na divisão da parte
digestiva e da parte respiratória da boca. Poderia até ser comparado ao
diafragma que separa o tórax do abdome.

A língua é o órgão da sucção e, mais tarde, da fala. O músculo que a forma


é ibroso, de ibras semelhantes às do coração. Está localizada inicialmente
sobre a principal artéria cerebral e tem papel importante no
bombeamento de sangue para o cérebro durante a sucção. À medida que
se desenvolve, ela migra para cima, no assoalho da boca e começa a ter
novas funções. A primeira função, a de bombear sangue para cima,
distingue-se das funções de mamar e deglutir. Essa atividade é visível em
prematuros que apresentam di iculdade para mamar ou em crianças
Down, que frequentemente apresentam a língua para fora.

A função tátil da língua começa no 7º mês de vida intrauterina. Sua


conexão íntima com o cérebro e com a vida mental pela fala é evidente pela
variedade de nervos cranianos que a suprem. Esses nervos, bem como o
diafragma, mais o epitélio (forro) sensível da boca interagem no re lexo de
sugar, e é em torno desse importante mecanismo que a vida do bebê se
desenvolve.

Sucção

Sugar é parte do comportamento instintivo com que as crianças são


equipadas desde o nascimento. Alguns bebês sugam vigorosamente logo
após o nascimento, e essa atividade se torna mais ou menos rítmica, com
intervalos frequentes. Mamar não vai ser problema para eles. Contudo, tais
movimentos de sucção iniciais não são sempre coordenados. Isso pode
desconcertar a jovem mãe, que pensa ser falha sua ou defeito do bebê.
Algumas “instruções” devem ser dadas por ela para a melhor adaptação do
bebê. Estudos revelam que pelo menos 40% dos bebês necessitam de
“ajuda”, como: a boca tem que ser aberta, a aréola colocada na cavidade
oral, o queixo do bebê movimentado ritmicamente para cima e para baixo,
pela mãe ou alguém da enfermagem.

Essa manobra serve fundamentalmente para provocar estimulação


simultânea do mamilo sobre a super ície superior da língua e sobre o
palato. Essa estimulação é, às vezes, necessária para ativar o que se chama
de “re lexo de sucção”. Sem assistência da mãe para provocar o estímulo
oral, as primeiras mamadas podem ser ine icazes, não chegando a se
tornar a atividade completa e absorvente que estamos acostumados a ver.

Fase oral prolongada incomoda os circunstantes

Se você olhar com atenção, vai ver a falta que faz o uso da mão na boca,
pois é por esse meio que a criança se organiza; mães, tias e avós cometem
uma grande arbitrariedade contra a criança ao negar-lhe esse direito de
natureza e impedem um dos mais importantes lances de seu
desenvolvimento, que é a coordenação boca / mão/ olhos. Isso deixa um
‘gap’, uma lacuna, que a criança supre exagerando na duração e tipo da
fase oral, que não é só “psicológica”, mas faz parte da organização cerebral
da criança.

É uma afronta à natureza botar luvas e macacões que impedem a livre


movimentação do bebê, contendo-lhe as mãozinhas! A criança, em seus
primeiros meses, é puro instinto, que deve ser aceito como tal, pois há um
propósito da natureza nisso.

Referências Bibliográficas

Margaret Ribble, The Rights of Infants. New York Columbia University


Press, 1965.
O papel da amamentação na
ortodontia

Sandra Bueno

Baseio-me em quase 15 anos de experiência em clínica de ortodontia —


atendendo principalmente crianças e produzindo aparelhos — para
estabelecer uma relação entre amamentação, ou a falta dela, e algumas
questões ligadas à ortodontia.

Em primeiro lugar, o grupo de músculos faciais exigidos na amamentação é


fundamental para o seu correto desenvolvimento, não existindo
substituição adequada. Com mamadeiras e chupetas, os músculos
movimentados são outros, não harmônicos.

Os lábios das crianças amamentadas têm o tônus (força) ideal para que
permaneçam fechados em repouso, favorecendo a respiração nasal. Nas
crianças com lábios hipotônicos, a respiração é bucal e nota-se claramente
uma postura facial “caída”, com lábios entreabertos e língua protrusa.

O fato de a criança ter sido amamentada, e não ter usado chupeta nem
mamadeira, acarreta o desenvolvimento ideal da musculatura facial, dos
lábios, da língua e da respiração. Notem como é comum vermos crianças
com a boca sempre entreaberta. Muito provavelmente foi pelo uso de
chupeta, mamadeira ou pelo hábito de chupar o dedo. Pode até ter sido
amamentada, mas não da forma ideal: seis meses exclusivos e até dois
anos ou mais, sem uso de bicos artificiais.
Entre os problemas mais comuns associados à respiração bucal, está um
maior número de alergias respiratórias, resfriados e gripes, pois o luxo de
ar que entra pela boca não é iltrado nem aquecido, como acontece quando
passa pelas narinas. Outro problema são as adenoides que in lam (muitas
vezes por alergias) e acabam atrapalhando o sono e a alimentação, em
consequência da redução do espaço ísico do “assoalho nasal”: o palato ou
céu da boca torna-se mais estreito pelo uso contínuo de bicos arti iciais e
chupetas, ou pelo hábito de chupar o dedo.

Mesmo a crença de que o uso de mamadeira duas ou três vezes ao dia não
interfere na formação da arcada é falsa, e o uso de aparelhos que
literalmente racham o osso maxilar ao meio, a fim de aumentar o espaço do
“assoalho nasal”, é cada vez maior. Como a criança está em fase de
crescimento ósseo, é comum o tratamento falhar e se estender por até dez
anos, às vezes — o que, além de angustiante para a criança, é dispendioso
financeiramente para os pais.

Por outro lado, uma língua mal projetada é também um problema, pois,
além de participar na fonação, mastigação, deglutição e gustação, ela é sede
de diversas alterações patológicas. Hábitos disfuncionais linguais são
importantes na etiologia de algumas oclusões dentárias. Por ser a língua
um órgão essencialmente muscular, torna-se extremamente di ícil — e até
mesmo impossível, em alguns casos — fazê-la voltar ao normal.

Alinhar os dentes hoje é até fácil, rápido e quase indolor; entretanto,


existem problemas ligados à fonação e à respiração que poderiam ter sido
evitados se seguíssemos o que a natureza nos oferece e muitos ignoram ou
tentam substituir, sem sucesso: a amamentação.

Sobre amamentar deitada

Amamentar deitada não provoca otites. O problema está relacionado ao


oferecimento de mamadeira com a criança deitada. O leite materno inibe a
formação de bactérias, enquanto o leite arti icial incentiva a sua
proliferação. Sugar o leite do peito e tomar mamadeira são coisas
diferentes, porque a boca do bebê forma um todo com o seio, trabalhando
harmonicamente na propulsão do leite. A mãe pode colocar o braço
embaixo da cabeça dele ou usar um pequeno travesseiro, para uma
inclinação razoável.

A im de evitar otites em bebês que usam mamadeira, é necessário que o


bebê esteja em posição bem inclinada, se possível sentado. A mamadeira é,
muitas vezes, a causadora de otites de repetição.

Amamentação exclusiva por seis meses: sim ou não?

Até os seis meses de idade, o leite materno supre todas as necessidades do


bebê, protege contra doenças (alergias, diarreias, obesidade, doença
celíaca ou síndrome de má absorção), favorece a oclusão dentária,
fortalece a musculatura da boca e previne problemas na fala, pois é
necessário um trabalho harmônico de toda a musculatura da face para
sugar o seio.

Até mesmo bebês que não puderam ser amamentados devem receber
fórmulas lácteas com exclusividade até o sexto mês, pois essas suprem
suas necessidades nutricionais. Só não fornecem os fatores imunológicos
que o bebê estaria recebendo em aleitamento materno.

A composição do leite materno é exatamente a que precisamos. A


quantidade e qualidade de proteínas e gorduras, a densidade calórica, a
relação entre cálcio e fósforo e a disponibilidade do ferro são apenas
alguns exemplos de como o leite da própria mãe é nutricionalmente ideal
para o bebê. Há uma vontade de introduzir alimentos sólidos muito
precocemente, e depois é aquela luta com alergias de todo tipo. Antes dos
seis meses: nada além de leite materno ou fórmula.

Antes de um ano, não se deve dar sucos cítricos (laranja, limão, abacaxi) ou
qualquer coisa ácida. Mesmo que os bebês gostem do sabor doce e o suco
seja bem fraquinho, pode provocar alergias. Outras comidas a evitar antes
de um ano: mel, clara de ovo (gema pode sem problemas) amendoim,
nozes, leite de vaca (somente fórmula infantil). Também é aconselhável
evitar trigo ou farinha de trigo antes dos nove meses, e o melhor é esperar
até um ano. Trigo é causa da maior parte de alergias em crianças. Isso
previne muitos problemas futuros.

Se a mãe precisar ausentar-se por algum motivo, pode ordenhar o leite e


armazená-lo. A volta ao trabalho não justi ica a introdução de novos
alimentos antes da hora: há tempo su iciente para a introdução gradual de
alimentos a partir dos seis meses, e observar o aparecimento de alguma
alergia alimentar.

Segundo o UNICEF, a amamentação é importante para o cumprimento dos


“Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”. Erradicar a fome e a pobreza é
o primeiro desses objetivos. O aleitamento materno pode salvar a vida de
1,3 milhão de crianças no mundo a cada ano. Por isso, promover a
amamentação exclusiva durante os seis primeiros meses de vida é uma
das principais estratégias apoiadas pelo UNICEF durante a 32ª Sessão do
Comitê Permanente de Nutrição das Nações Unidas. Até 2015, o mundo
deve reduzir em até 50% o número de pessoas que sofrem com a
desnutrição.

Para o UNICEF, o alcance dessa meta só será possível se governos,


sociedade e setor privado empenharem-se para criar ambientes favoráveis
para que toda mãe possa amamentar seu bebê de maneira exclusiva,
durante os primeiros seis meses de vida.

Produção do leite materno

Gostaria de ler opiniões dos pediatras a respeito da não produção de leite


materno, já que muitas mães alegam ter o “peito seco”. Isso acontece por
fatores hormonais, estresse etc., ou porque elas não estimulam
adequadamente o próprio corpo a fornecer o alimento ao recém-nascido?

Dra. Relva: Talvez o estresse dos primeiros dias, até que alguns bebês
aprendam a sugar satisfatoriamente, leve pessoas da família a insistir que
a mãe ofereça a mamadeira de imediato. Nesse caso, há alguns pontos a
considerar: diminuição da frequência ou efetividade da sucção, retardo da
produção ou redução do volume de leite, di iculdade que algumas crianças
têm de pegar o peito, caso tenham sido alimentadas nas primeiras horas
com mamadeira.

Um dos fatores mais positivos é o alojamento conjunto (rooming in) e a


devida preparação pré-natal, focalizando os bene ícios da amamentação
sob livre demanda. Um dos principais fatores para o leite “secar” é a falta
do estímulo da sucção e a ansiedade dos circunstantes. Sem falar que
alguns berçários já trazem o bebê ‘mamado’ para a mãe.

A mãe precisa sentir-se apoiada, estimulada, valorizada por amamentar; é


importante que as pessoas da família também sintam esse valor. Tipos de
apoio: visita precoce da equipe depois do parto, visitas mais frequentes,
consultas por telefone, ambulatório de amamentação pré-natal, grupos de
mães, apoio familiar, divulgação constante pela TV, apoio dos bancos de
leite e redes sociais.

Um aspecto importante é o da legislação trabalhista, que permite 180 dias


de licença para o aleitamento e mais 15 dias em caso de necessidade
especial do bebê. Há também o direito de sair meia hora antes do trabalho
para amamentar. A licença de 180 dias (lei Patrícia Saboya, com apoio da
Sociedade Brasileira de Pediatria), que dá incentivos iscais às empresas
que aderirem, já é realidade em alguns estados brasileiros, para
funcionárias públicas. Nas empresas, o índice é de cerca de 7%. Outro
aspecto importante é a implantação de creches nos locais de trabalho,
permitindo à mãe amamentar.
A legislação trabalhista permite 180 dias de licença para o
aleitamento e mais 15 dias em caso de necessidade especial
do bebê. Há também o direito de sair meia hora antes do
trabalho para amamentar.

Em postos de saúde, observa-se que, durante os três primeiros meses, as


mães amamentam. Depois chegam com a conversa de que o bebê está
“aguando” de vontade de comer outras coisas ou que seu leite é
“fraquinho”. Começam a achar que o ganho de peso está insu iciente,
fazem comparação com o bebê da vizinha e decidem dar outro tipo de leite.
O governo tem que fazer campanhas permanentes na mídia, o que também
é feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria e pelas ‘madrinhas’ da
amamentação, como Cassia Kiss, Claudia Leitte, Dira Paes, Juliana Paes,
Luciana Gimenez, Maria Paula. Há pais que preferem comprar leite em pó
para mostrar a nota iscal ao juiz, como prova de “cuidado” com o ilho. Um
fator que pode diminuir as chances de a mãe amamentar é a falta de apoio
do companheiro ou dos familiares, além da falta de incentivo dos
profissionais de saúde.

O que deve ser avaliado é o ganho de peso do recém-nascido, que deve


estar adequado às novas tabelas que contemplam dados de bebês
amamentados ao seio. Existem fases em que o corpo da mãe muda a
produção de leite, procurando estabelecer um equilíbrio conforme a
necessidade do bebê. É cíclico: acontece agora e poderá voltar a acontecer
durante outras fases da amamentação. É imprescindível que a mãe ofereça
o peito em livre demanda, e não dê complemento. O bebê é quem deve
‘comunicar’ à mãe quanto leite quer ingerir, assim a produção se ajustará
naturalmente.
Durante o dia, a criança mama com maior frequência do que à noite, assim
não dá tempo de encher o peito. Muitas vezes o leite só desce quando o
bebê suga; aliás, o que promove a produção de leite é a amamentação
frequente. É importante lembrar disso, se ela quiser amamentar até os seis
meses exclusivamente.
A sonda de relactação

Andréia Christina Karklin Mortensen

Quem conhece a sonda de relactação? Caso deseje oferecer leite arti icial
ao bebê por quaisquer motivos, não seria uma alternativa ideal para evitar
o uso da mamadeira? Uso a sonda como exemplo para mostrar que existe
falta de orientação adequada. Vemos pro issionais que não auxiliam a mãe
com a pega do bebê no seio, não recomendam o uso da bomba para
ordenhar o leite, mas com grande facilidade indicam a complementação.

O incentivo e o apoio devem ser intensivos e ostensivos. A mãe tem que


dispor de um lugar onde possa ser acolhida e incentivada antes e depois
do parto, nos postos ou Unidades Básicas de Saúde ou nos Bancos de Leite
Humano e em grupos voluntários na comunidade.

Referências Bibliográficas

BREASTFEEDING: the technical basis and recommendations for action .


Genebra: OMS: 62-74, 1993.
Sensibilidade do mamilo

Como posso tratar os mamilos machucados?

Os mamilos podem ser machucados quando a posição que o bebê adota


para mamar ou a forma como suga não é a correta. Outra possível causa
pode ser uma infecção produzida por fungo no mamilo ou uma infecção
nos seios (sapinho).

A primeira coisa a fazer é diminuir a ansiedade. Procurar relaxar: se


houver antecipação de que irá sentir dor ao amamentar, essa ansiedade
será capaz, por si só, de ser uma causa de aumento do desconforto. Pode-
se escutar música ou fazer exercícios de relaxamento antes da
amamentação, tomar sucos naturais, ingerir de oito a dez copos grandes de
líquido diariamente, umedecer os bicos dos seios com água morna, tomar
uma ducha. Essas sugestões ajudam a relaxar e estimulam o re lexo de
descida do leite. O bebê tenderá a sugar com mais força quando esse
reflexo não for bom, causando aumento da dor.

A mulher que amamenta deve usar um sutiã confortável, sem linhas de


plástico, para evitar o estiramento dos ligamentos que sustentam as
mamas. A mãe deve massagear o seio e a aréola, para promover a descida
do leite e aumentar a protuberância do bico.

Deve-se iniciar a amamentação pelo seio menos sensível, pois o bebê suga
com mais força porque está com fome e, geralmente, essa força diminui ao
mamar no outro seio. Quando os mamilos tiverem melhorado, é importante
mudar de seio ao começar cada mamada. Isso conservará equilibrada a
produção de leite em ambas as glândulas mamárias. Quando os dois
mamilos estiverem sensíveis, recomenda-se começar sempre com o seio
que foi oferecido por último na mamada anterior.

Enquanto os mamilos estiverem doloridos, é aconselhável mudar a posição


para amamentar, para que uma parte diferente seja espremida em cada
mamada, tendo o cuidado de manter sempre o bebê olhando para os seios.
A retirada de um pouco de leite antes de iniciar a amamentação estimula o
re lexo de ejeção do leite e também amacia o mamilo, facilitando a
adaptação.

É importante veri icar a posição que o bebê adota para mamar. A mãe
deve colocar quatro dedos debaixo do seio e o polegar por cima e,
suavemente, apertar o mamilo pressionando-o com o polegar e o dedo
indicador. Com a boca do bebê completamente aberta, ela deve colocar a
maior parte possível da aréola e mamilo no interior da mesma.

O mamilo deve icar no centro da boca do bebê. A posição do bico do seio


na boca do recém-nascido é importante na prevenção de ardência e de
rachaduras. O lábio inferior e a língua da criança podem ser a causa da
sensibilidade, portanto aconselha-se puxar para baixo o lábio inferior,
certi icando-se de poder observar sua língua. A mulher deve icar atenta
para que o lábio inferior da criança não seja sugado dentro da boca
durante a amamentação.

Pode-se alimentar o bebê a cada duas horas durante cinco a dez minutos
de cada vez até que os mamilos melhorem, e retornar à livre demanda
assim que sentir que não há mais sensibilidade. Para interromper a sucção
quando necessário, basta colocar o dedo mínimo dentro da boca da
criança.

Utilizar somente água para lavar os seios durante o banho. Após a


amamentação, secar os mamilos com um pano limpo e macio e deixar os
seios descobertos e expostos ao ar por alguns minutos. Após secá-los, uma
camada de vaselina pura ou vitamina E líquida deve ser aplicada sobre
eles, com a inalidade de prevenir ressecamento. Trocar os absorventes
dos seios, cada vez que estiverem molhados. Evite uso do secador.

Caso não haja melhora

O bebê pode apresentar aftas na boca, causadas por fungos (monília ou


sapinho) e causar infecção nos mamilos. Veri icar a boca do bebê e
procurar placas brancas (a criança também pode apresentar irritação na
região das fraldas). Essa infecção pode ser a causa das dores que a mãe
sente nos seios, durante e após a amamentação. O “sapinho” pode estar
alojado no intestino da mãe, o que requer tratamento por via oral, a
critério da/do GO.

Pode ser necessário utilizar uma bomba manual ou elétrica para extrair o
leite, caso não seja possível amamentar o bebê devido à sensibilidade e
irritação mamilar. A retirada artificial de leite é uma forma rápida e fácil de
esvaziar os seios e aumentar a produção de leite. O uso da bomba para os
seios dá tempo à mulher para que eles melhorem.

Um médico deverá ser consultado se a mãe apresentar:

calafrios ou temperatura acima de 37,8ºC;

dores de cabeça ou musculares;

dor ou vermelhidão em um ou ambos os seios; significa que a


mãe pode estar com uma infecção nos seios e irá necessitar de
tratamento;

vermelhidão nos mamilos, dores em pontada ou ardor; esses


sinais e sintomas podem indicar que talvez haja infecção por
fungos, que deverá ser tratada por meio de medicamentos
receitados pelo GO;
dor nos mamilos tão intensa a ponto de impedi-la de estimular o
reflexo de ejeção (descida) do leite.
Madonna Litta – Leonardo da Vinci (1452-1519).
Hospital Amigo da Criança

A Iniciativa Hospital Amigo da Criança – IHAC – foi idealizada em 1990 pela


OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo UNICEF para promover,
proteger e apoiar o aleitamento materno. O objetivo é mobilizar os
funcionários dos estabelecimentos de saúde para que mudem condutas e
rotinas responsáveis pelos elevados índices de desmame precoce. Para
isso, foram estabelecidos os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento
Materno.

Pela Declaração de Innocenti, na Itália, em 1990, o Brasil, um dos 12 países


escolhidos para dar partida à IHAC, formalizou o compromisso de fazer dos
Dez Passos uma realidade nos hospitais do País. Em março de 1992, o
Ministério da Saúde e o Grupo de Defesa da Saúde da Criança, com o apoio
do UNICEF e da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), deram os
primeiros passos.

A IHAC soma-se aos esforços do Programa Nacional de Incentivo ao


Aleitamento Materno (PNIAM/MS), coordenado pelo Ministério da Saúde
para:

informar profissionais de saúde e o público em geral;

trabalhar pela adoção de leis que protejam o trabalho da mulher


que está amamentando;

apoiar rotinas de serviços que promovam o aleitamento materno;

combater a livre propaganda de leites artificiais para bebês, bem


como bicos, chupetas e mamadeiras.

Maiores informações:

Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno – PNIAM,


Secretaria de Programas Especiais de Saúde – SEPS, Ministério da Saúde,
6° andar, Brasília, DF - cep 70058-900 – telefone: (61) 3224 4561.
Desmame

Mônica Eriko Inoue

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselha o aleitamento materno


em regime exclusivo por pelo menos seis meses. Os recém-nascidos,
poucas horas após a chegada ao mundo, são capazes de distinguir sabores
de forma mais aguçada que os adultos. Eles, de fato, possuem um maior
número de papilas sensoriais que identi icam o gosto: além daquelas
localizadas na língua, palato e faringe, possuem-nas também na parte
interna das bochechas. Dariam ótimos sommeliers!

Nos primeiros meses, a preferência dos pequenos pelo gosto doce é


bastante evidente. Uma explicação bastante convincente é a de que nos
primeiros meses o bebê deve exercitar o gosto por um único alimento, o
leite, que possui sabor adocicado. Alguns estudiosos, porém, acreditam que
o paladar humano foi condicionado ao longo do tempo em um projeto de
defesa da espécie; a inal a maior parte das substâncias de sabor doce
disponíveis na natureza fornece energia imediata, enquanto as de sabor
amargo, muitas vezes, apresentam elementos de toxicidade. Se as plantas
venenosas tivessem o sabor do leite materno provavelmente a
humanidade não teria chegado ao ponto em que chegou!

Sabemos, entretanto, que nem tudo o que é amargo é nocivo e nem tudo o
que é doce é saudável. O ilhote humano, como animal onívoro, precisa de
toda a variedade de alimentos, cada qual com seu gosto e suas
características nutritivas, para crescer e manter-se em boa saúde. Para
aprimorar sua natural sensibilidade gustativa, ele tem que ser introduzido
no mundo dos sabores, com os quais terá contato durante a vida inteira.
Esse processo começa em torno dos seis meses, prosseguindo
gradualmente nos meses sucessivos e não implica absolutamente no
desmame total. De fato, o leite materno continuará exercendo importante
papel em termos nutricionais para a criança, porém, sozinho, começa a não
ser mais suficiente.

Um bebê que está para duplicar o seu peso do nascimento precisa de mais
calorias e de alimentos ricos, por exemplo, em proteína e ferro. Além disso,
no segundo semestre de vida, o estômago e o intestino estão mais maduros
e sabem “lidar” melhor com certos alimentos que, nos primeiros meses,
podem apresentar-se como indigestos ou até mesmo causar distúrbios e
alergias. Como o mecanismo neuromuscular da face está bem
desenvolvido, o bebê é capaz de realizar outros movimentos além da
sucção.

Por último, o aspecto social: a criança está mais integrada com a realidade
ao seu redor, seu campo de visão é maior e ela começa a manifestar
grande desejo de exploração. Nada melhor que os alimentos, com seus
estímulos olfativos, visuais, táteis e, sobretudo, gustativos, para conduzir a
criança gentilmente ao mundo dos pais.

O leite materno não precisa sair completamente de cena e ser substituído


pela batata, cenoura, brócolis. As duas fontes de alimentação podem ser
conciliadas, mas é preciso alguma organização. A tendência moderna da
amamentação é a livre demanda, que bene icia a produção de leite e
oferece ao bebê a possibilidade de “administrar” as próprias refeições
segundo sua própria necessidade. Porém, uma vez iniciado o processo de
introdução dos alimentos sólidos, é conveniente criar um esquema de
horários a ser seguido de forma mais ou menos rígida, de modo que a
mamada e a refeição sólida não iquem muito próximas, pois o sistema
digestivo do bebê não difere muito do de um adulto: ele come quando
sente fome. Se uma mãe, seguindo o regime de livre demanda, oferece o
peito às 11h, a probabilidade de que seu ilho aceite a papa de legumes e
verduras, por exemplo, ao meio-dia, é bastante pequena. A criança precisa
de intervalos para digerir tranquilamente o alimento anterior, distraindo-
se com outros estímulos, brincando, tirando um cochilo. Só assim ele
sentirá fome novamente.

No modelo brasileiro, o processo de introdução de alimentos sólidos inicia-


se com papas de frutas e de legumes e verduras. Cada alimento deve ser
apresentado à criança gradualmente para que seu paladar seja respeitado
e, principalmente, para evitar risco de alergias ou intolerância. É
absolutamente natural que a criança demonstre certa descon iança ou até
mesmo aversão pelos novos alimentos; a inal são muitas mudanças ao
mesmo tempo: textura, sabor, cheiro, modo de oferecer. As primeiras
semanas exigem da mãe grande dose de paciência. Não é necessário ter
pressa. Mais cedo ou mais tarde todos os ilhotes humanos vão ao encontro
de seu destino onívoro.

Basta, portanto, que a mãe saiba a hora de levar ao ilho o mundo da


variedade alimentar. A partir daí, ela pode conduzir o processo
serenamente, respeitando o ritmo de adaptação do ilho (que pode levar
muitas semanas), sem se preocupar excessivamente com a questão do
peso corporal. Cada colherzinha a mais de papa pode ser motivo de sobra
para comemoração. É um passo e tanto para quem, até então, estava
acostumado a sugar comodamente aquele líquido morno e adocicado, pele
a pele com a mamãe.

Uma ideia interessante é oferecer inicialmente só o líquido de cozimento


dos legumes/ verduras, pois a maior parte dos nutrientes vai parar nele. O
caldo pode ser enriquecido com um io de azeite de oliva e oferecido com a
colherzinha. Após algumas semanas, quando a criança tiver assimilado o
gosto e a textura do alimento, este poderá ser amassado e incorporado ao
caldo. É importante que inicialmente não se misturem muitos legumes e
verduras. Um mesmo ingrediente deve ser oferecido à criança ao menos a
cada dois dias, para facilitar a identi icação de substâncias alergênicas. A
preparação das papinhas deve ser um simples cozimento em água iltrada.
Elas devem conter, gradualmente, fontes de proteínas, de carboidratos,
vitaminas, sais minerais, gorduras e ibras. Começa-se pelo almoço e, uma
vez que o bebê esteja adaptado a ele, introduz-se o jantar.

A mãe pode continuar a oferecer o peito em momentos especí icos do dia


como, por exemplo, quando a criança acorda, no lanche da manhã (após a
papinha de frutas ou suco), após o almoço, no lanche da tarde, após o
jantar e antes de dormir. Como podemos perceber, mesmo não sendo em
regime de livre demanda, o leite materno pode continuar, se assim a mãe o
desejar, a ter um papel relevante na dieta da criança.

Para que a produção de leite não seja prejudicada com a redução dos
momentos de sucção, a mãe pode extrair o próprio leite e administrá-lo
conforme sua conveniência (congelar, doar). Com organização, a
amamentação pode prolongar-se por vários meses ou até anos, desde que
a criança tenha uma alimentação totalmente variada.

Melaine Klein sobre o desmame:

“Qualquer coisa que torne menos dolorosa a perda de um


objeto bom ‘externo’ e diminua o medo de ser punido,
ajudará a criança a preservar a convicção em seu objeto
bom ‘interno’. [...] Que podemos fazer para ajudar a
criança nessa difícil tarefa? Os preparativos para essa
tarefa começam no nascimento. Desde o primeiro
momento, a mãe deve fazer tudo que puder para ajudar a
criança a estabelecer um relacionamento feliz com ela.
Frequentemente constatamos que a mãe faz de tudo ao
seu alcance em relação ao estado físico da criança;
concentra-se nisto como se a criança fosse uma coisa
material que necessita de cuidado constante, como uma
máquina valiosa e não um ser humano. Essa é a atitude
de muitos pediatras que se preocupam principalmente
com o desenvolvimento físico da criança, e se interessam
apenas por suas reações emocionais na medida em que
indiquem algo sobre o estado físico ou intelectual do
bebê. As mães frequentemente não compreendem que um
bebê já é um ser humano, cujo desenvolvimento
emocional é da maior importância”.

Ela declara neste capítulo: “Devo agradecer ao Dr. Winnicott por muitos
pontos esclarecedores sobre este assunto”.
“Ao mamar, a criança incorpora não apenas o alimento:
incorpora também o olhar, a voz e odor da mãe. Ela é
alimentada ao mesmo tempo pela boca, pelos ouvidos,
pelos olhos, pela pele, pelo nariz. É isso, ou seja, a
incorporação de outra coisa que não é alimento, que
permitirá à criança um desmame feliz, na medida em que
o seio pode ser substituído por outros objetos tais como a
voz, o fonema, o olhar. [...] Aos pouquinhos, o tempo em
que o bebê fica acordado depois da mamada vai
aumentando e ele procura prolongar os momentos de
relação. Dolto considera que se a mãe fala ao bebê depois
da mamada, pondo objetos na ponta de suas mãos e
nomeando os objetos, essa criança não terá necessidade
de chupar o polegar. É pelas palavras trocadas que os
objetos são simbolizados e que o seio poderá, em seguida,
ser rechaçado e substituído por outros objetos, tornando-
se objeto de inspiração nostálgica. [...] Dolto pensa que as
palavras vocalizadas são talvez objetos transicionais
sonoros que a criança guarda na memória no momento
de adormecer, antes que se tornem verdadeiras palavras.
As crianças que têm palavras suficientes não precisariam
de objetos transicionais, enquanto aquelas que não têm
palavras de amor e liberdade lúdica suficiente teriam
dificuldade para fazer passagem para a simbolização e
para a separação”.
Jovem Mãe Amamentando – Renoir (1841-1919)

Dolto chama os objetos transicionais de objetos ‘mamãezados’.

Hiatos de solidão são absolutamente necessários para o bebê entrar no


universo da linguagem. “Pelas palavras do Outro, o bebê recebe suas
mensagens de volta, o que implica que é reconhecido como objeto de
desejo”.

Referências Bibliográficas

Queiroz, Telma C. N. Do desmame ao sujeito. Casa do Psicólogo, SP, 2005 p.


116 e 135. / agradeço a indicação a Adalene Sales, de Salvador.
Oriental woman and her daughter – Narcisse Virgilio Díaz de la Peña (1807-1976)
Raíssa, Ana Liah e Malu Cardoso
CAPÍTULO 3 – COLO, EMBALO, ACALANTO
Nós, nossos bebês e nossa cultura

O bebê humano é o mais indefeso dos recém-nascidos. Seu cérebro ainda


não se completou, ele é incapaz de icar de pé ou de buscar o próprio
alimento. Essa dependência exige alto investimento dos pais para criar um
ilho. Para tanto, precisam estabelecer um vínculo íntimo como o bebê, já
que este dispõe de poucos meios para expressar suas necessidades.

A própria natureza determinou assim a relação simbiótica entre os pais e a


prole, criando esse vínculo característico da biologia humana para o
crescimento e desenvolvimento do bebê. As maneiras de cuidar do bebê
variam de cultura para cultura, mas giram em torno do trio: sono, cuidados
e alimentação. A etnopediatria é o ramo que estuda a in luência da cultura
sobre a biologia, comparando as estratégias parentais ao longo da
evolução. Quando nasce um animal quadrúpede, ele é capaz de icar de pé
imediatamente. Os humanos são incapazes de sentar, de icar de pé ou de
buscar o próprio alimento. Eles nascem com o cérebro imaturo, incompleto,
com alta exigência calórica para seu metabolismo, já que seu crescimento
continuará acelerado após o nascimento.

Na maior parte das culturas, em qualquer época, o recém-nascido passa


aos braços da mãe logo após o nascimento. É relativamente recente a ideia
de separá-los e levá-los para o berçário. Foi em 1896 que Martin Cooney
inventou a incubadora e passou a advogar a separação de mãe e ilho. A
ideia logo se ampliou: idealizada para prematuros, passou a ser usada para
todos os bebês. A hospitalização do parto, a im de salvar as mães de
hemorragias e infecções, tornou a gestação parte do modelo médico-
hospitalar, ou seja, o parto passou a ser tratado como “doença”, sujeito a
normas hospitalares e à separação mãe- ilho. O bebê só ia para a mãe 12 a
24 horas após o parto e, depois, com intervalos regulares para mamar, a
maioria chegando nos “carrinhos” com as respectivas mamadeiras.

O movimento feminista dos anos 70, as observações de Bowlby & Harlow


sobre “attachment” e a observação de dois obstetras, Laus & Kennel, é que
começaram a retomar o direito de o bebê icar com sua mãe e estabelecer
o que lhe é primordial: o vínculo. Depois, passou-se a admitir o alojamento
conjunto ou ‘rooming-in’, que hoje é aceito universalmente.

Durante a gestação, a mãe produz uma quantidade enorme de hormônios,


que culminam na liberação de oxitocina e prolactina no parto, que
propiciam a maternagem. Embora a bastante citada Elisabeth Badinter
negue o “instinto materno”, a gestação induz na mãe uma atitude de
proteção e de cuidado para com o bebê, que se acentua quando ela o toca,
sente, cheira e oferece-lhe o seio. Só que, tão logo o bebê nasce, “nasce” ao
mesmo tempo uma legião de pitaqueiros, querendo ensinar a mãe a cuidar
de seu bebê: suas irmãs, sua mãe, cunhadas, tias, vizinhas, e até
desconhecidos dão-lhe conselhos. Sem falar no monte de revistas e livros
especializados e nos profissionais da saúde.

A grande diferença entre as culturas primitivas e as ocidentais modernas é


o objetivo determinado para o ilho. As mães mais “primitivas” não se
preocupam com “independência”: carregam o ilho junto ao corpo o tempo
todo e até vão trabalhar com ele nas costas, no sling, canguru etc. O bebê
necessita de assistência contínua e de contato para organizar e regular seu
sistema interno e até sua respiração: pelo toque, pelas mamadas, pelo jeito
de ser carregado e pela comunicação por meio de sinais ou da própria voz
da mãe. As mães modernas estão voltando a buscar na natureza o que foi
perdido pela cultura: mais contato corporal, mais colo, dormir junto com o
bebê e – a grande sacada – amamentar! Simples assim. Grande assim.

Resumo do livro de Meredith Small, Our Babies Ourselves, por Andréia K.


Mortensen e Dra. Relva.
Muitas pessoas têm medo de carinho, principalmente
quando explícito entre pessoas da família. Há uma
vontade de “ferrar” os ilhos para consertar aquilo que
foge das expectativas, por total desconhecimento do
que é uma criança ou pelas pressões sociais.

Na idade em que o bebê não dorme direito (três


primeiros meses) , trocando o dia pela noite, ele precisa
ser manuseado. Quando dorme muitas horas seguidas,
pode estar com hipoglicemia, que é danosa ao cérebro.
Quando cresce mais, a criança brinca e se exercita,
então ‘dorme feito pedra’. Esse componente de brincar
isicamente está em extinção e a criança não gasta a
energia que seu crescimento exige.

Para criar um ilho é preciso sabedoria com


inteligência, competência e amor. A criança tem direito
ao colo e ao acalanto ou ela icará se embalando
ritmicamente e/ou chupando o dedo desesperada. A
criança precisa do colo ou da presença materna para
adormecer, até que seja capaz de dominar seus medos.
Con iante nos cuidados maternos, ela se desenvolverá
com alegria, autonomia e resiliência, em sua progressão
para ser um adulto pleno.

Dra. Relva

Referências Bibliográficas

O acalanto e o horror – Ana Lúcia Cavani Jorge, Editora


Escuta. 1988.

Dolto, Françoise. Dificuldade de viver. Porto Alegre, Artes


Médicas Sul, 1988.

Dolto, Françoise. Psicanálise e Pediatria. Rio de Janeiro,


Editora Guanabara, 1974.

O embalo e o acalanto, segundo Françoise Dolto

O ritmo de dois tempos do ninar é uma metáfora do


coração pendular da criança, do qual esta tem que
fazer luto após o nascimento. Ao nascermos, fazemos o
luto desse coração pendular, não temos mais coração, já
que o que ouvíamos era o coração de nossa mãe.
Quando embalamos o bebê, fazemos retornar o
movimento pendular, que relembra o ritmo fetal do
coração. Embalar dá ao sujeito o desejo, a relação, a
segurança dessa época. E restabelece a comunicação
entre o espírito do ser humano, no estado fetal, e o do
adulto que o cuida. O embalar con irma na criança a
sensação: eu estou bem, eu sou eu, eu sou o outro e eu
mesmo. É um asseguramento do seu ser profundo, que
vai além das trocas sólido-líquidas. Aí está a base da
segurança narcísica que o embalar restaura. As
modulações da canção, a voz da mamãe, que a criança
ouvia in utero , dão-lhe certeza de que sua solidão é
uma solidão animada, entre seres que se comunicam.

Referências Bibliográficas
Dolto, F. Dialogando sobre crianças e adolescentes , Ed.
Papirus.
Por que não se aceita a vida
instintiva da criança?

“Criança, o bem mais precioso de todos”, diz a parteira


mexicana após o primeiro banho. Você foi criado no céu
por Omettecuhtli e Omecihuath, para nascer neste
mundo. Saiba que este é um vale de dor, cheio de pesar,
confusão e solidão. Quando você crescer, deverá ganhar o
pão com o seu suor e comê-lo com suas lágrimas”...

Muitos pais modernos ainda acreditam nessas antigas iloso ias, treinando
seus ilhos amargamente, preparando-os para o pior, bem antes que
tenham sequer se ajustado à vida. Na verdade, a natureza sabe bem o que
pretende quando atribui instintos à criança. O comportamento caótico do
recém-nascido tem um propósito; qualquer coerção dos caminhos naturais
nos primeiros meses colocará em perigo os delicados mecanismos da
maturação, que permitem ao seu organismo respirar e viver. Se forçado
para uma direção contrária, o bebê encontra outros caminhos para
expressar e aliviar as tensões, desenvolvendo hábitos protetores que
podem distorcer seu desenvolvimento normal; tal como uma planta que é
retirada da luz e adota outros meios de satisfazer suas necessidades,
mesmo que tortuosos.

A maioria dos hábitos da infância que os pais não suportam (chupar dedo,
chorar à noite, inquietação, recusar dormir) são atividades úteis que ainda
não estão organizadas; por meio desses “maus hábitos”, os bebês obtêm
algo que é alguma necessidade vital, mesmo que pareçam inadequados.
São geralmente hábitos adquiridos de etapas anteriores do
desenvolvimento e que vêm a tornar-se meios necessários de proteção.

Referências Bibliográficas

Margaret Ribble, The Rights of Infants.


Atenção, Ladies & Gentlemen!

Os bebês não são ladies e muito menos gentlemen: fazem

barulhos estranhos, babam, arrotam depois que comem, choram

ou grunhem com e sem motivo, metem os pés pelas mãos e ainda

os colocam na boca, fazem suas necessidades na frente de

qualquer um, golfam leite azedo, dormem enquanto lhes falamos,

ou não dormem quando estamos com sono. Enfim, esse lance de

boas maneiras não é com eles...

Ao aproximar-se de um ano de idade, a criança, que comia ou

mamava bastante, tinha aparência mais gorducha porque quase

não fazia exercícios. Já no 2º ano de vida, o interesse infantil

desvia-se para o meio ambiente de maneira acentuada. O apetite

diminui bastante e a criança busca explorar o meio com o fito de

enriquecer seu mundo, pelo conhecimento do mundo das coisas.

Ocorre desinteresse temporário pela alimentação, há

emagrecimento por excesso de exercício e ela se torna inquieta e

mexelhona. É preciso salientar que, alimentando-se menos e

explorando mais o meio, a criança gasta as reservas de gordura

acumuladas e se torna mais magra. Basta ter paciência, que a

atividade diminui naturalmente, após haver equilíbrio entre o

desejo e a aquisição de conhecer.


O abandono, segundo Winnicott

Davy Bogomoletz

O abandono é um dos maiores problemas para a criança pequena.


Winnicott estuda três tipos de abandono:

1. O abandono simples - que ele chama de “privação”. Ocorre por falta de


responsabilidade de quem cuida do bebê. Geralmente é constante e
acontece desde o nascimento.

Por abandono nessa fase, Winnicott entende a ausência de um


relacionamento direto entre a mãe (ou a figura materna) e o bebê.
Não é preciso deixar o bebê passar fome: basta não se relacionar
com ele, apesar de alimentá-lo. Seus efeitos são devastadores. O
bebê simplesmente não se desenvolve emocionalmente, fica
“parado” no tempo, na condição de não pessoa. Disso pode derivar
uma psicose grave, ou uma espécie de apatia que muitas vezes dá
a impressão de deficiência mental.

2. O abandono negativo. Eu o chamo de “negativo” porque na verdade


consiste não em largar o bebê de lado, mas em invadi-lo,
aniquilando sua espontaneidade. Surge então um eu falso, que se
adapta à vontade de quem cuida dele. Nesse caso, desenvolve-se
uma criança submissa, que vive uma vida pouco criativa, uma
criança (e depois um adulto) que não sabe o que fazer se ninguém
lhe disser. Esse é um tipo de abandono porque, embora a criança
esteja sendo cuidada e não deixada de lado, o fato é que ela é
tratada de um modo que não leva em conta as suas características
pessoais.
3. O abandono repentino. Winnicott chama a isso “deprivação”. Ocorre
quando, num relacionamento bastante bom entre o bebê e quem
cuida dele, essa pessoa ou desaparece (morre, vai embora, passa
um longo tempo ausente) ou entra em depressão grave, que a
impede de interagir emocionalmente com a criança.

É uma condição que acontece quando a criança já está um pouco


mais velha, entre os dois e os cinco anos de idade. Suas
consequências são uma “quebra” na personalidade da criança, que
entra em estado de choque e posteriormente reorganiza a sua vida
em função desse trauma. Toda a existência dessa pessoa ficará
comprometida - com forte insegurança, dificuldade em confiar em
relacionamentos mais profundos, permanente medo de uma
catástrofe que irá ocorrer (quando na verdade já ocorreu), e assim
por diante.

4. O abandono por relacionamento “tantalizante” ou “aterrorizante”. Aqui


há um tipo de inconstância no modo pelo qual a figura materna
cuida da criança: às vezes a criança é cuidada, outras vezes
negligenciada, e não é possível à criança criar um padrão de
segurança e confiança indispensáveis para o desenvolvimento
emocional. Surge uma personalidade mal estruturada, uma vida
desorganizada, uma espécie de “bagunça” emocional.
Maternidad - Pablo Picasso (1881-1973)
Tocar não é coisa só de pele

Dra. Relva

A pele é o maior órgão do corpo humano e não um simples envoltório


inerte. Possui várias funções orgânicas conhecidas, como:

protetora dos tecidos internos contra lesões mecânicas,


irradiações e invasão de substâncias e microorganismos;

órgão do tato;

regulador térmico;

regulador metabólico pelo acúmulo de gordura, de água e de sal


pela transpiração;

produtora de fator anti-raquitismo (vitamina D).

Apesar de todas essas funções, só nas últimas décadas é que se passou a


considerar sua importância. Como órgão sensorial é o mais importante dos
cinco sentidos, uma vez que é capaz de suprir a visão e a audição, como no
caso clássico de Hellen Keller. A sensação de dor é outro aspecto de seu
papel protetor. É por meio dela que o cérebro recebe informação para
manter o tônus sensitivo e motor. A projeção da área táctil e motora da
pele na área cortical do cérebro a torna uma extensão do sistema nervoso
central.

Hammett observa que o ato de lamber a cria pela mãe proporciona


adequada estimulação cutânea ao animal, determinando se ele vai ou não
sobreviver: os que não são lambidos morrem de doenças urinárias ou
gastrintestinais. Mccance e Otley observaram insu iciência renal fatal em
gatos não lambidos pela mãe, con irmando a importância da estimulação
cutânea na hora do parto e nos primeiros meses de vida.

O sistema imunológico do recém-nascido é muito mais competente


naqueles que foram cuidados e manipulados. Os pesquisadores relatam
maior imunidade, maior ganho de peso, mais atividade, menos medo e
maior resistência ao estresse. Blawelt e Siddel observaram que ovelhas e
cabras apartadas das mães ou deixadas com ela poucas horas não
resistem. A estimulação da pele promove a secreção de prolactina,
responsável pelo sentimento de confiança e bem-estar do bebê (brooding).

Qual o equivalente humano desse “lamber a cria”? Começa no trabalho de


parto, no qual as contrações produzem o efeito de estimular o feto.
Continua na primeira mamada de colostro e segue-se no handling (cuidar)
e no holding (segurar) das mamadas sucessivas, pelo componente de
ternura materna. As contrações uterinas estimulam o sistema nervoso do
feto, imprimindo-lhe na pele uma memória. Quando a pele não recebe esse
“abraço” das contrações, o sistema nervoso autônomo não é estimulado
adequadamente, dando lugar a uma falha de ativação do sistema nervoso
sobre os diversos órgãos. O RN humano é totalmente imaturo em seu
sistema enzimático e imunológico, requerendo uma “gestação externa” – a
exterogestação – que leva, em média, outros nove meses – ou seja, até a
criança começar a engatinhar.

Mary Shirley, do Harvard Child Study Center in Boston, publicou um estudo


sobre prematuros mostrando que eles têm menor acuidade sensorial,
menos controle da fala e da coordenação postural e motora. Prematuros
nascidos por cesárea sofrem mais intercorrências respiratórias, como a
“membrana hialina”, cuja incidência em bebês de cesárea é dez vezes
maior que em RN, o que é atribuível à falta da estimulação cutânea das
contrações uterinas. As diferenças bioquímicas mais notáveis nos
prematuros são: acidose e menores índices de albumina, cálcio, magnésio e
glicemia e aumento do potássio sérico. Quando ocorre o trabalho de
parto prévio à cesárea, não existem diferenças acentuadas.

Quanto ao desempenho geral do bebê prematuro cesareado, pela ausência


de trabalho de parto, ele apresenta mais problemas quanto à alimentação,
maior suscetibilidade a infecções e distúrbios respiratórios, gastrintestinais
e do sistema geniturinário. Os bene ícios do contato mãe-bebê são
recíprocos, a ponto de acontecerem contrações no útero pela simples
presença do bebê ao lado da mãe.

O ambiente aquático uterino é comparável a um estado de plenitude ou de


beatitude absoluta, que é rompido pelo processo do nascimento. A
intempestiva saída de tal ambiente produz uma pressão do ar sobre os
pulmões e consequente rearranjo da posição cardíaca e do diafragma. É
nesse momento crucial de adaptação a outro ambiente que as duas vidas
simbióticas – da mamãe e do bebê – não podem ser separadas
abruptamente. O bebê precisa da mãe nesse momento, tanto quanto ela
precisa dele – e esse vínculo é retomado com a primeira mamada.

O ser humano é a única espécie que rejeita sua condição mamífera, com
apoio e até torcida dos circunstantes, familiares ou pro issionais da saúde.
E até de desconhecidos!

A mãe e o bebê necessitam nesse momento do reforço de sua presença


mútua, do calor recíproco, da estimulação da pele e da sucção do seio. Os
efeitos naturais que a primeira mamada proporciona:

A musculatura uterina contrai os vasos uterinos e impede


hemorragias;

O útero começa a reduzir-se de tamanho;

A placenta se destaca e é expulsa mais facilmente;

Os benefícios para o organismo do bebê acontecem em cascata,


sobre o sistema nervoso, imunológico, enzimático e emocional.
Não que o RN não possa sobreviver sem a amamentação, mas
esta lhe proporciona um desenvolvimento mais sadio e mais
harmônico.

A dupla mãe-bebê é destinada a um contato máximo pele a pele, em


ambiente facilitador, provido pelo hormônio “ocitocina”, o hormônio da
lactação. Filhotes de primatas que são carregados pela mãe e
amamentados em livre demanda raramente vomitam ou regurgitam. O
signi icado disso para os pesquisadores é que o bebê não foi feito para o
berço, mas para o seio e os braços maternos.

Margaret Ribble, autora de “The Rights of Infants”, observou que “a


respiração leve e inadequada do RN é estimulada vigorosamente pela
sucção e pelo contato com a mãe. As crianças que usam mamadeiras
deglutem mais ar e/ou regurgitam mais. O tônus gastrintestinal dos
primeiros meses depende do estímulo re lexo do toque materno, que tem
uma in luência biológica de initiva na regulação da respiração e das
funções nutritivas do bebê” [o famoso ‘holding’ de Winnicott].

Para Freud, o contato dos lábios do bebê com o seio é a pedra fundamental
da sexualidade. Os sons e barulhinhos que a mãe emite ao bebê durante a
amamentação, bem como a manipulação, são identi icados prazerosamente
pelo bebê. Para Ortega y Gasset, “o toque e o contato determinam nossa
percepção e estruturação do mundo”. Segundo o Oxford Dictionary, “o
toque é o mais amplo dos sentidos, difuso em toda a pele, mais localizado
principalmente nos lábios e pontas dos dedos”. A criança acarinhada e
confortada pelos braços da mãe apresenta mais interesse e dorme melhor.
É pelo contato íntimo e o balanço da estimulação táctil que ela se estrutura.

Foi Holt (1916) com seu “Catecismo para uso das mães ” quem lançou a
ideia de que embalar a criança era um “vício”, um hábito que deveria ser
quebrado por ser “prejudicial”. Durante cerca de 50 anos, mães e
pediatras “modernos” deram im ao berço de balanço e se abstiveram de
pegar a criança mesmo se esgoelando de chorar, pelo receio de beijá-la e
acariciá-la. Estabeleceram-se normas rígidas sobre horários e treinamento
de toalete, com ins de preparar a criança para viver em sociedade e
“tornar-se independente”.

Se a criança chorasse à noite com fome, deveria esperar para não icar
“manhosa”, e as mães, mesmo com o coração apertado, resistiam
bravamente a seus “impulsos animais” e maternais. Não ousavam
enfrentar a palavra autorizada dos pediatras, pois eles “sabem o que
fazem”. Esse período é considerado a “Idade Média” da criação infantil,
com mães “modernas” recusando-se ao “sentimentalismo” e largando a
criança no berço, com medo da opinião de parentes, pediatras e amigos.

A tecnologização da obstetrícia, a separação do bebê logo após o parto, as


longas esperas pelas mamadas, o incentivo ao uso da mamadeira e da
chupeta em lugar do seio são as evidências melancólicas que até hoje
ameaçam a criança. Foi Peiper quem chamou a atenção para o embalo nos
braços maternos, como sendo “o melhor sedativo”. “É preciso embalar o
bebê sadio no berço e nos braços da mãe ou no carrinho – quando estiver
a ponto de dormir, logo se acalmará e não precisará ficar chorando”... “Uma
criança embalada sabe que não está sozinha” (Peiper, A. Cerebral Function
in Infancy and Childhood: NY, 1963).

O bebê devidamente embalado e aconchegado recebe estímulo positivo


para seu funcionamento celular e visceral, principalmente cerebral,
respiratório e gastrintestinal. O embalo no colo faz os líquidos e gases do
intestino se movimentarem, ajudando a digestão, absorção e eliminação.
Em 1934, Zahovisky declarou que “bebês acalentados após as mamadas
têm menos cólica, menos espasmos intestinais e se tornam mais felizes que
os bebês con inados ao berço.” Um dia, diz ele, “acredito que não haverá
dúvida quanto a embalar a criança e cantar para ela adormecer”.

Embalar tem efeitos positivos sobre a temperatura do bebê, relaxa o


sistema nervoso e melhora o tônus intestinal. Produz também uma
estimulação suave de todas as áreas da pele, com os consequentes
bene ícios isiológicos para o bebê. Esses efeitos in luenciarão o futuro
bem-estar, a sensação de plenitude existencial, a alegria, o senso de ritmo e
o interesse de viver, ao contrário das crianças abandonadas a si mesmas,
que só acham consolo no autoembalo (como os autistas).

A percepção espaço-temporal da pele é mais rápida e mais simples que a


do olho. Por que se canta no chuveiro? O estímulo da pele pela água induz
mudanças respiratórias que remetem à música. A privação das
necessidades tácteis leva ao choro, logo acalmado pelos braços e carinhos
maternos. O que é um ser humano sadio? Aquele que é apto para amar,
trabalhar, brincar e pensar criticamente; aquele que foi “tocado” é um ser
humano sensível.

Quem não foi tocado adequadamente tem pouca orientação espacial, é mais
sujeito a síndrome do pânico e ataques de angústia. Um meio de retomar o
contato é buscar mãos amorosas que lhe devolvam as carícias maternas ou
seus substitutos, seja nos cabeleireiros, nos consultórios médicos ou em
massagistas, uma vez que a cultura cerceia e bloqueia as oportunidades de
toque, como se faz desde que a criança é impedida de receber embalo e
cuidados maternos.

Referências Bibliográficas

Ashley Montagu: Touching – The human Signi icance of Skin – 1978, 2nd
edition. No Brasil, há uma edição traduzida: TOCAR.
Native woman with baby – Library of Congress
Um bebê não existe sozinho; ele
existe com sua mãe - Winnicott

Encontramos em Winnicott (1982) que a mãe - ao tocar e manipular o


bebê, aconchegá-lo e falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre
soma e psique e, ao olhá-lo, ela se oferece como espelho onde o bebê pode
ver-se. A forma como essa mãe olha o bebê (expressão facial) devolve a ele
a sua imagem corporal, como forma de comunicação.

O ato de tocar tem alto grau de importância desde a convivência


gestacional e posteriormente a ela, em que o contato da mãe com seu bebê
já implica em momentos favoráveis à formação da criança. O toque
imediato após o parto estabelece o vínculo entre mãe e bebê; o toque na
amamentação gera trocas positivas entre ambos e evita a tensão
emocional; e ainda, a geração de bem-estar na mãe, ao perceber o tipo de
estímulo favorável que oferece ao filho.

No campo ísico, o tocar viabiliza o bom funcionamento da respiração e


digestão, entre outros pontos. No desenvolvimento psíquico e social ica
evidente a relevância do tocar, principalmente porque possibilita um
vínculo melhor entre a mãe (ou quem cuida) e o bebê, gerando assim uma
tendência na criança de criar e manter outros vínculos mais seguros ao
longo de sua vida social. O bebê, pelo contato dessa magnitude em sua
formação inicial, adquire uma personalidade sadia e percebe o mundo de
forma agradável. Sentindo-se aceito e benquisto, ele constrói uma boa
autoestima, instrumento imprescindível à conquista do mundo, que vai se
desvelando conforme ele avança em seu crescimento e na manutenção das
relações que vai estabelecendo com as outras pessoas.
Mãe Canguru, uma forma especial de
cuidar

A iniciativa de atendimento ao bebê pré-termo, método denominado Mãe-


Canguru, adotou seu nome da espécie dos marsupiais, na qual as crias
nascem antes de completar ou levar ao im sua gestação. A natureza dotou
os cangurus fêmeas de uma bolsa onde se completa o tempo de gestação;
ali os pequenos se aquecem e se alimentam até se fortalecerem
adequadamente.

No mundo nascem anualmente 20 milhões de bebês prematuros e com


baixo peso: destes, 1/3 morre antes de completar o primeiro ano de vida.
Nove em cada 10 recém- nascidos com peso inferior a 1.000g ao nascer
morrem antes de completar o primeiro mês de vida.

Nos hospitais dos países de terceiro mundo, há uma grande escassez de


recursos, infra-estrutura inadequada, superlotação, infecções hospitalares
e, em consequência, elevados riscos de doenças e morte.

Como resposta aos problemas de atendimento ao prematuro, com altíssima


mortalidade, desenvolveu-se, em 1979, o método “Mãe Canguru” no
Instituto Materno-Infantil (IMI) de Bogotá, Colômbia. Os princípios desse
método são:

O calor, que é gerado e transmitido pelo corpo da mãe, ao entrar


em contato com o bebê, pele a pele;

O leite materno, que não apenas alimenta o bebê, mas cujas


propriedades imunológicas protegem-no contra infecções, mesmo
aqueles que vivem em casebres;

e, principalmente o amor, que estimula o bebê a se desenvolver


melhor.
As carícias, a voz, o acalanto e as batidas cardíacas da mãe são fatores
importantes para estimular a respiração do recém-nascido e para reduzir
as apneias recorrentes dos bebês prematuros. Além de estreitar os
vínculos desse binômio, essa relação garante ao pequeno ser humano a
força do apoio e do equilíbrio emocional que somente a mãe pode
proporcionar.

O “método canguru”

O prematuro é colocado sem roupas, somente com fralda, junto ao seio


materno, em contato com a pele e em posição vertical, para evitar o re luxo
gastro-esofágico e a broncoaspiração. Nessa posição, recebe não apenas o
amor e o calor de sua mãe, mas tem ali seu alimento, com a frequência que
desejar, evitando-se os problemas habituais de não poder mamar
prolongadamente a cada vez. Quando, por algum motivo especial, tornar-se
necessário complementar o aleitamento materno, a preferência deve ser
dada para o leite da própria mãe, e como segunda opção leite humano
pasteurizado. Nunca se recomenda leite de vaca “in natura” ou em pó,
evitando-se assim, infecções intestinais e os problemas alérgicos das
proteínas do leite de outra espécie.

Economia

Os custos da atenção a esses prematuros são consideravelmente baixos


por ser um programa simples e natural, próprio para países de recursos
escassos. Comparativamente, o custo de atendimento de um prematuro
com 1000g de peso ao nascer, em um país desenvolvido, varia em torno de
U$ 800 diários. Em Bogotá, o custo de atendimento ao mesmo prematuro
em incubadora é de U$ 89 diários e, no atendimento em ambulatório pelo
Programa Mãe Canguru, é de apenas U$ 2 por dia.

A metodologia Mãe Canguru apresenta um modelo e icaz com uma ótima


relação custo / bene ício, pelo qual se incrementa a sobrevivência do
prematuro, melhora-se sua qualidade de vida e evita-se o abandono, tão
frequente nestes casos. O Programa Mãe Canguru, no qual se combina o
tratamento no hospital com o ambulatório e em casa, alcançou melhores
resultados que a alternativa mais cara da internação prolongada.

Com o apoio do UNICEF, o Programa Mãe Canguru foi apresentado em


vários países e em congressos internacionais de pediatria. Como
consequência, despertou grande interesse e diversos visitantes o
conheceram diretamente, entre eles neonatologistas, pesquisadores,
economistas e até jornalistas. Além disso, promoveu-se o treinamento de
pediatras, enfermeiras, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais e outros pro issionais no atendimento ao prematuro em
ambulatório, para que seja reproduzido em seus próprios países. O método
Mãe Canguru já é adotado em mais de 30 países, sendo muitos deles do
primeiro mundo.

Para saber mais: v. Tese de Mestrado da Dra. Olga Penalva Vieira da Silva,
sobre “Mãe Canguru”.
Os dez passos do método canguru

1. O bebê deve ficar na posição canguru, “amarrado” entre os seios da


mãe, dia e noite.

2. A mãe pode comer e passear com o bebê. Quando ela for tomar banho
ou usar o banheiro, o bebê pode ser colocado na cama. Nesse
momento, lembrar-se de ligar o aquecedor do quarto.

3. A mamãe aquece o bebê com o seu corpo. O contato é direto da pele do


bebê com a pele da mãe e a roupa só atrapalha. Então o bebê deve
ficar somente com fralda, meias e gorro.

4. Roupas, mantas e cobertores protegem, mas não aquecem o bebê, que


pode ficar frio (hipotermia), ou não ganhar peso e ficar doente.

5. O prematuro às vezes “esquece” de respirar (apneia). Quando está no


canguru, a respiração da mãe “lembra” ao bebê de respirar durante
todo o tempo.

6. O prematuro “golfa” muito e na posição canguru fica mais protegido de


se engasgar com o vômito. Depois que o bebê mamar fique com ele
na posição sentada, por meia hora.

7. Quando o bebê for colocado na cama, não deve ficar diretamente sobre
o colchão; use um travesseiro ou cobertor dobrado, para que ele
fique elevado, “quase sentado”. Depois de mamar, o bebê deve ficar
deitado de lado apoiado em um rolinho ou travesseiro para não se
virar, isto evita que ele se engasgue quando “golfar”’.

8. A mãe deve dormir com o bebê “amarrado” na posição canguru e em


posição “quase sentada”.

9. O bebê prematuro não deve dormir na cama ao lado da mãe e nem


“solto” sobre ela. Os riscos de acidente são reais.
10 O melhor alimento para o bebê prematuro é o leite de sua própria mãe.
Este é um “presente de saúde” que só você pode dar ao seu bebê.
Shantala: a massagem para bebês

Gabriela Hughes

“Ser levado, embalado, acariciado e massageado, constitui


para o bebê um alimento tão indispensável, senão mais,
que vitaminas, sais minerais e proteínas. Se for privada
disso tudo e do cheiro, do calor e da voz que ela conhece
bem, mesmo cheia de leite, a criança vai se deixar morrer
de fome.”

Frederick Leboyer

Shantala – Carinho aliado à técnica

A shantala, que tem origem na Índia, é uma massagem com uma técnica
simples, mas de extrema profundidade e que é passada oralmente de mãe
para ilha sem nenhum curso, estudo ou textos escritos. Ela foi trazida ao
ocidente pelo médico francês Frederic Leboyer, em 1976, com seu livro
Shantala Massagem para bebês: uma arte tradicional . Na verdade, essa
massagem não recebe um nome especí ico na Índia e foi nomeada Shantala
pelo próprio Dr. Leboyer, depois de aprender e fotografar a técnica numa
favela de Calcutá com uma moça cujo nome era Shantala. No Brasil, ela
chegou ao inal da década de 70, mas o livro de Leboyer só teve tradução
para o português em 1986, que foi quando surgiu um maior interesse
nessa arte milenar.

A shantala é um toque de carinho que tem uma sequência, uma técnica,


cujas características principais são o silêncio e a concentração. Sua base é a
medicina ayurvédica e o yoga. Para que os bene ícios sejam alcançados
satisfatoriamente, não se deve modi icar a sequência, que é dirigida pelos
chackras ou centros de energia do corpo. Ela desenvolve diálogos não-
verbais entre mãe e ilho: diálogo com o olhar, com o toque. Por meio dela,
desenvolve-se um vínculo intenso com a mãe, que vai muito além do toque.
São vários os bene ícios para o bebê: aprimora o relacionamento entre
mãe e ilho ou pai e ilho, eliminando cólica, gases e prisão de ventre tão
comum a recém-nascidos, tranquiliza o sono e gera con iança no bebê. A
sequência começa no peito, segue pelos braços, ventre, pernas, costas e
rosto . Com os movimentos da massagem, são trabalhados músculos,
articulações e todo o sistema nervoso.

Quando começar: a partir do primeiro mês de idade; aí o coto umbilical já


caiu, a pele do bebê está mais preparada e não descama, pois a shantala
não é super icial, é profunda e forte. Não deve ser realizada caso o bebê
esteja com febre, diarreia, problemas na pele que impeçam o toque, ou em
hora de fome ou sono.

A mãe é a mais indicada, mas a shantala pode ser feita pelo pai, pelos
familiares ou irmãos mais velhos. Para o bebê, nada é mais importante do
que a conexão com os pais. Suas mãos amorosas são insubstituíveis.

É preciso observar o melhor horário para o bebê, pois ele não deve estar
com fome nem sono, nem sentindo frio ou calor. O melhor horário deve ser
também o melhor horário para a mãe ou quem for fazer a massagem, pois
deve ser um momento de relaxamento, tranquilidade, felicidade e nunca
uma obrigação. O adulto deve estar tranquilo, feliz, bem-disposto. Mais do
que uma simples massagem, é uma troca de energia.

Tipo de óleo: usar óleo vegetal, pois será absorvido pela pele do bebê, que
provavelmente levará as mãos à boca. Daí a recomendação de que seja um
óleo natural e puro, sem aditivos químicos ou perfumes. Na Índia, costuma-
se usar óleo de semente de mostarda no verão e óleo de amêndoas no
inverno. Aqui no Brasil podemos utilizar óleos como o de camomila ou de
coco no verão e de amêndoas no inverno. O óleo de amêndoas ajuda a
manter a pele aquecida.

Criando laços

Para um bebê, ser tocado é tão importante quanto ouvir a voz da mãe. Ao
fazer da shantala um ritual diário que pode ser feito até duas vezes por dia
(de manhã e ao entardecer), mãe e bebê se concentram e criam um
momento de total conexão. Os laços aumentam e se solidi icam. Ele saberá
o que esperar e será capaz de relaxar e se deixar levar pelas mãos da mãe,
que terão a cada nova sessão, mais destreza ao aplicar a massagem. O
toque é vital ao desenvolvimento ísico e cognitivo, é relaxante, aumenta a
autocon iança, ajuda a regular os padrões de sono do bebê e aumenta a
imunidade.
Para um bebê, ser tocado é tão importante quanto ouvir a voz da

mãe.

O valor da massagem

A massagem é uma forma ampliada de tocar com qualidade,


proporcionando descanso em partes do corpo ou nele todo. É bastante
adequada aos bebês, uma vez que saíram de sua posição fetal e precisam
alongar os músculos, abrir as juntas e coordenar seus movimentos,
habilitando-os melhor para as atividades ísicas. Ela ainda bene icia a
frequência cardíaca, a respiração e a digestão.

As mães encontram ganhos positivos nesses contatos, pela secreção do


“hormônio da maternidade”, a prolactina, que auxilia na produção de leite
e na capacidade de relaxar. Elas acabam se sentindo mais seguras através
da percepção de sua capacidade em proporcionar bene ícios para o bebê,
obtendo dele boas respostas.

De acordo com Bee (1997), o contato imediato após o parto parece


aprofundar a capacidade da mãe (e talvez também do pai) em responder
aos apelos do bebê. Os bebês têm que sugar com vigor para que o leite
continue a ser produzido em boa quantidade. E as mães devem ter o
desejo de amamentar. Quando as mães se acham perturbadas, os bebês
também mostram sinais de a lição. Por outro lado, os bebês de mães
tranquilas tendem a ser mais calmos. A saúde emocional da mãe e do bebê
é proporcionada por tudo que gere maior prazer entre ambos.

O bebê expressa suas necessidades e sentimentos por meio do choro ou do


sorriso, reagindo conforme os pais respondem a seus apelos, levando-o ao
colo e acalmando-o. São atitudes fundamentais para o estabelecimento de
elo afetivo familiar, que é uma segunda etapa, posterior ao contato inicial
do pós-parto.
Entre os inúmeros benefícios da shantala, podemos citar:

Para o bebê:

Dorme melhor e melhora o padrão de sono;


Auxilia na digestão, cólicas, desconforto ao nascer os dentes e
estresse emocional, pois libera endorfinas e ocitocina;
Acalma e faz com que o bebê se torne mais seguro;
Intensifica os laços entre o bebê e a mãe;
Promove relaxamento e faz com que os bebês lidem melhor com
o estresse;
Ensina ao bebê que o toque é uma forma de se expressar;
Melhora o sistema imunológico do bebê;
Melhora a circulação sanguínea;
O bebê sente-se amado.

Para a mãe:

Aumenta a autoestima e a autoconfiança, principalmente no que


diz respeito a cuidar do bebê;
Menor incidência de depressão pós-parto ou “baby blues”;
Intensifica os laços entre mãe e filho;
Ajuda a aperfeiçoar a intuição materna em relação às
necessidades do bebê;
Melhora o sistema imunológico da mãe;
Aumenta a capacidade de ajudar o bebê a relaxar em momentos
de estresse.
Dica de leitura (além do ‘Shantalla’ original de Leboyer):

O Livro de Massagem do Bebê: para uma Criança Feliz e Saudável . Peter


Walker, Ed. Manole.
Convenção do Unicef – 2005

Criando um ambiente protetor

A criança tem direito de crescer em um ambiente que a proteja. Uma


proteção bem-sucedida aumenta suas chances de crescer ísica e
mentalmente saudável, segura e com respeito próprio e menos propensa a
praticar abusos ou explorar outras crianças — inclusive seus próprios
ilhos. A proteção da criança também está intimamente vinculada a outros
aspectos dos direitos infantis. O direito à saúde não é exercido por uma
criança imunizada que é constantemente surrada; uma criança que é
insultada ou sofre abusos na escola devido a sua etnia tão pouco se
bene icia plenamente de seu direito à educação; uma adolescente que é
vendida para a prostituição tem seu direito à liberdade criminalmente
violada.

A criação de um ambiente protetor, baseado no conceito ideal de infância


proposto pela Convenção, não envolve apenas mudanças em leis e políticas.
Envolve também mudanças de atitudes, tradições, costumes e
comportamentos que ainda agem contra os direitos da criança.
Bubble, Mercer Mayer.
Objeto transicional

Davy Bogomoletz e Dra. Relva

O objeto transicional é considerado, por Winnicott, a primeira posse do


bebê. Ele pode ser algo que representa a mãe, mas em primeiro lugar ele
não é um símbolo. É um objeto concreto, ao qual o bebê atribui um
signi icado. Por meio desse objeto escolhido por ela, a criança poderá não
só lidar com a ausência da mãe, mas também constituir a sua relação com o
mundo.

Sabemos que o bebê humano vem ao mundo totalmente vulnerável e


incapaz de defender-se, e assim permanece por muito mais tempo que
qualquer outro animal. A natureza nos dotou, para compensar a ausência
de unhas e dentes, de um pensamento mágico, pelo qual podemos nos
assegurar de que não nos acontecerá nada. Mas esse autoengano dura
pouco. Se a mamãe demorar demais, começamos a entrar em pânico.

E esse pânico pode levar a um desastre total se durar muito tempo. É para
evitar que as coisas cheguem a esse ponto que uma criança, sentindo-se
ameaçada por alguma razão (ausência não muito prolongada da mãe, um
grande susto de qualquer tipo, e assim por diante) adota algo: um objeto
qualquer que, ao ser investido de qualidades mágicas, ‘garante’ que ainda
temos superpoderes e que a proteção da mamãe ainda funciona.

O signi icado de que o bebê investe esse objeto é o de que ele tem vida
própria, isto é, de que não é exatamente uma ‘coisa’. O OT ‘garante’ ao
bebê que seu controle onipotente sobre o mundo continua funcionando. A
mamãe protege o bebê, claro. E quando a mamãe não está? Nesses
momentos o bebê tem que acreditar que a mamãe continua protegendo-o,
apesar de não estar. Essa crença, obviamente, é algo da ordem da
onipotência. Portanto, é um delírio. Mas a alternativa, para o bebê, é
insuportável: sem esse ‘delírio’ ele se sentirá absolutamente desamparado,
e não existe nada pior que isso na vida humana. Então, pela ‘proteção’ que
o OT proporciona, podemos entender por que ele é tão importante para a
criança pequena.

O cobertorzinho do Linus de Charlie Brown, a ponta de uma fralda, um


bichinho de pelúcia, um pedacinho de pano, um trapo, são objetos
transicionais (OT). São profundamente amados, mas em momentos de
raiva podem ser também terrivelmente castigados. E são deixados de lado
quando a con iança na proteção da mãe se junta à con iança da criança na
solidez da própria existência. Ou seja: o terror de icar indefeso e
desprotegido passa a ser visto como fantasia, e a crença de que é possível
continuar vivo se torna cada vez mais forte (e sabemos, de pessoas que
passaram por grandes ameaças na vida adulta, quão di ícil é continuar
acreditando na possibilidade de se salvar quando a ameaça é muito forte).

Agora, algumas ideias um pouco mais sofisticadas: o OT é adotado porque a


criança precisa de uma transição entre o mundo interno, da fantasia, e o
mundo externo, das coisas concretas. Antes de essa transição se completar,
o Bicho Papão existe - e Papai Noel também: a onipotência ainda
predomina, e os seus produtos têm valor de ‘coisas reais’. Depois de
completada a transição, tudo aquilo que a onipotência produz é colocado
ali, no espaço transicional, onde tudo é possível, mas nem tudo é real, e
onde ica bem mais fácil distinguir entre uma coisa e outra. Por um lado,
então, o Objeto Transicional é a última trincheira do pensamento mágico, e,
ao mesmo tempo, o primeiro passo em direção ao contato com o mundo
concreto. Quando a ideia de que o velho objeto transicional está ‘vivo’ deixa
de ser importante, é porque o fato de não ter um controle mágico já não
ameaça mais tanto a criança. Agora, um pouco crescida, ela está pronta
para inscrever-se no clube da humanidade, em condições de participar
dele de igual para igual. E de contribuir para esse mundo - produzindo
com sua criatividade (‘ ilha’ da fantasia pura e simples) novos aspectos
para as coisas que encontra ali.

Mesmo adultos, muitos tentam preencher suas carências (aqueles medos


vindos da primeira infância - o passado que ainda não passou...) com os OT
de gente grande – que se tornam aditivos - simulacros adultos do OT
infantil: o café, o chiclete, o cigarro, o álcool, os analgésicos e soníferos, os
doces e chocolates, o beijo e tudo que ele abarca. Ou comida exagerada e
compras de impulso, tais como roupas, sapatos, joias (ou bijoux) e os
carrões (ou coleção de carrinhos); necessidade compulsiva de viajar, de se
divertir, de aprovação social, de manter-se ‘conectado’. São nossos
amuletos contra o medo.

Na noite benfazeja e debaixo do cobertor, podemos viajar ao país dos


sonhos e ‘realizar’ nossos desejos onipotentes. Até que, inalmente, a terra
nos ofereça seu manto de initivo, quando retornaremos ao Grande Útero,
onde nos dissolveremos e seremos felizes para sempre, “na luz absoluta do
vazio”. Pelos séculos dos séculos e por toda a eternidade sem fim, amém.
Resquícios e simulacros do objeto transicional

O caixa eletrônico, o cartão de crédito, o cheque especial; a comilança, o


rodízio, o delivery, o self-service, o supermercado; o pague-1-leve-2, a
vantagem indevida, o tratamento VIP, o ‘ all-inclusive’, a loja preferencial, o
plus, o mega, o hiper, o super advanced, o ‘último lançamento’, a mordomia;
a farra, o cafezinho, a birita, o cigarro, o chocolate, a cocaína, a maconha; o
bicho de pelúcia, a Barbie e outras bonecas (como modelos ‘mamãezados’),
a Disney e a ins (como ideal de ‘felicidade’); a vertigem da roda gigante; o
remédio pra dormir, a mania de fazer exames; o jogo, a loteria, a mega-
sena; a tristeza, o ressentimento, a ironia; a inveja, a ira e os outros
pecados capitais; a melancolia, o sonhar acordado; o carrão, a embriaguez
da velocidade, a mania de viajar; a busca da juventude eterna, o medo de
envelhecer.

Objetos mais emblemáticos: a geladeira, com sua oferta diuturna de


satisfação, e o celular. É só olhar e ver que a atitude é a mesma do Linus
com seu ‘paninho’ perto da orelha; além disso, é pelo celular que se fala
‘eu, eu, eu’ sem parar...

A lista de objetos e eventos regressivos é in inita, pois o céu é o limite e a


esperança é a última que morre...
“Doutor, meu filho não dorme”

Alessandra Cristina Soares Pozzi

Essa é uma queixa constante das mães aos pediatras. Também é assunto
de comparações entre familiares e mães que competem entre si. Certa vez
ouvi do pediatra do meu ilho: “Você com certeza irá ouvir muito que o
ilho do fulano dorme a noite inteira desde que nasceu, ou que a ilha do
sicrano come super bem. Se der importância a esse tipo de comentário
icará desanimada, porque na minha experiência como pai e pediatra,
descobri que todas as crianças dormem a noite inteira e não dão trabalho
para comer, menos as minhas!”

Saí do consultório naquele dia mais tranquila. Sabia que meu ilho não era
o único a não dormir “a noite inteira”. Mas também sabia que alguma coisa
havia de errado na minha relação com ele. Eu estava passando por uma
depressão pós-parto e era resistente a tomar medicamentos. Estava no
meu limite. Pela relação de simbiose entre mãe e ilho, consequentemente
meu bebê também estava tão mal quanto eu. Algo precisava ser feito.
Munida de textos e livros sobre o sono dos bebês, descobri que eles não
nascem “sabendo adormecer” sozinhos. Concluí que eu precisava parar e
respirar fundo e começar a traçar uma rotina para que eu e meu ilho
conseguíssemos um merecido descanso.

Quando o bebê nasce, ele é lançado no nada do seu existir, isto é, embora
ele já exista como pessoa, um sentido de ser e de existência no mundo
ainda não foi estabelecido. Por suas necessidades isiológicas e as
condições “su icientemente boas” do cuidado e provisão ambiental
(maternagem, segundo Winnicott), o bebê consegue situar-se. A
estabilidade e a monotonia do ambiente, proporcionadas pelos cuidados
maternos repetidos de forma invariável, serão de fundamental importância
para que o bebê adquira con iança no ambiente a ele proporcionado. Mais
tarde, a rotina estabelecida também será essencial para que ele perceba a
diferença de andamento das horas, a possibilidade de estar e sentir o
transcorrer do tempo, dando origem a um sentido de tempo integral. Em
suma, o bebê acostuma-se a um padrão de acontecimentos diários que lhe
possibilitará perceber, por exemplo, que antes de mamar vem o banho e
depois de mamar vem o sono.

Algumas preocupações dos pais em relação ao sono de seus ilhos podem


advir do desconhecimento do que é normal em cada faixa etária. Assim, a
queixa de insônia pode não corresponder a um diagnóstico. A arquitetura
do sono vai se estruturando e amadurecendo com o passar dos meses e
anos. A boa qualidade do sono depende da integridade estrutural e
funcional das estruturas neurais, do estado global de saúde da criança e da
capacidade desta e dos pais em disciplinar satisfatoriamente o processo de
adormecer. O comportamento da criança em relação ao sono deve ser
entendido no contexto do desenvolvimento e suas etapas, ao longo do qual
o bebê vai amadurecendo.

Esse processo é determinado por mudanças nos padrões


neuropsicológicos da criança e modelado por práticas interpessoais, sociais
e culturais da família. O mais importante de tudo é manter a higiene do
sono. O ambiente deve ser escuro, limpo e calmo. A temperatura deve ser
um pouco fria, e a cama apropriada à idade e com poucas cobertas. O
horário é muito importante: deve haver regularidade para ir para a cama e
para acordar. As sestas devem ter horário, frequência e duração
consistentes. As atividades determinam a qualidade ao sono. TV e rádio
devem ser evitados na hora anterior ao sono, assim como atividade ísica
vigorosa.

Estabelecer um ritual contribui muito: banho morno, seguido da última


refeição, escovação dos dentes, colocação do pijama, ida ao banheiro,
histórias suaves. Um objeto de transição também é desejável, como uma
fralda ou um brinquedo macio. E não poderia deixar de destacar: o embalo,
o toque e a canção suave na voz dos pais é o melhor sonífero para uma
criança com dificuldade para adormecer.

Referências Bibliográficas

Santos, E. D. A conquista da noção de tempo na teoria psicanalítica de


Winnicott. In www.psicanaliseefilosofia.com.br/textos.html

Madeira, I. R.; Aquino, L. A. Problemas de abordagem di ícil: “não come” e


“não dorme”. Jornal de Pediatria — Vol.79, Supl.1, 2003. 107
A história e evolução da cama
familiar compartilhada

Andréia Christina Karklin Mortensen

Todos os primatas, exceto humanos, dormem com seus bebês. Ao longo de


dois milhões de anos de evolução humana, pais e ilhos dormindo em
camas separadas é algo muito recente na História. Mamães dormiam
próximas aos seus bebês e amamentavam durante a noite quase sem
despertar. Os bebês recebiam proteção, a irmação emocional, lições de
como respirar, calor e leite materno através deste hábito antigo.

O forte desejo dos bebês humanos de dormir junto de suas mães tem sua
base em nossa história evolutiva. No estágio em que nossa espécie se
ocupava da caça, os bebês eram extremamente vulneráveis a predadores e
ao clima frio, especialmente à noite. Outro aspecto é que, para um animal, o
sono é um momento de perigo, por conseguinte, nossos genes nos impelem
a mantermo-nos despertos quando nos sentimos ameaçados e a
adormecer apenas quando nos sentimos seguros. Muitas pessoas têm
di iculdade em dormir em hotéis, ou porque “estranham a cama”, ou pela
falta de companheiro/a, ou pela presença de desconhecidos.

Os bebês que temiam o escuro e se recusavam a dormir sozinhos tinham


melhores chances de sobreviver do que os bebês que não reclamavam
quando eram deixados de lado. Bebês deixados sozinhos, acordados, que
não protestassem e adormecessem facilmente, teriam seus genes
eliminados pela seleção natural.
Pelo contrário, o gene que levava as mães a permanecerem junto dos ilhos
transmitiu-se a numerosos descendentes. Esse mecanismo para que o
bebê permanecesse em contato contínuo com sua mãe também de noite
era necessário e tinha dupla função: o desejo da mãe de estar com o ilho e
a resistência de muitas crianças a dormirem sozinhas.

Hoje, apesar de os predadores não serem mais uma ameaça e termos


casas aquecidas, os re lexos, instintos e necessidades do bebê humano
moderno ainda estão ligados ao estilo de vida do estágio da caça. As
mudanças culturais ocorreram muito rapidamente para que tivessem um
grande impacto na composição genética da nossa espécie desde aquela
época. Somos parte dessa descendência. As mães possuem uma inclinação
genética espontânea para permanecerem junto dos ilhos. Os nossos ilhos
estão geneticamente preparados para dormirem acompanhados.

Somente nos últimos 150 anos, com o surgimento de casas com vários
compartimentos, é que se começou a separar os bebês e colocá-los para
dormir longe dos seus pais. As crianças das sociedades tecnológicas têm
sido mais separadas de suas mães do que em qualquer época anterior na
história da nossa espécie. Mais e mais nascimentos passaram a acontecer
em hospitais, e os berçários nos hospitais foram inventados para proteger
as crianças de infecções, isolando-as de contato. Desde o nascimento,
esperava-se que os bebês dormissem sozinhos, longe de suas mães. O
declínio da amamentação, promovido pelas empresas produtoras de leites
arti iciais, também contribuiu para acentuar a separação entre mães e
bebês. O resultado de todas estas in luências é que, por volta de 1950,
pouquíssimos bebês nas nações industrializadas ocidentais dormiam com
suas mães.
The Three Ages of Woman – Gustav Klimt (1862-1918)
Reflexões antropológicas

À luz de estudos antropológicos, vamos agora pensar no local onde o bebê


dorme, utilizando observações de diferentes sociedades, as quais educam
seus filhos com influência de várias culturas.

Na cultura ocidental, como nos EUA e Brasil, a independência da criança é


supervalorizada. Numa pesquisa em que se perguntou a pais americanos
qual o objetivo na educação dos ilhos, a maioria esmagadora dos pais
respondeu algo que continha a palavra independência.

Essa visão ajusta-se perfeitamente ao que a sociedade ocidental espera de


seus indivíduos, ou seja, um indivíduo na sociedade ocidental tem chances
de ser bem sucedido se for independente em vários aspectos. No mercado
de trabalho, por exemplo, a medida do sucesso é a superação dos
concorrentes.

A industrialização global está mudando esse aspecto mesmo em sociedades


menos industrializadas, tendo uma grande in luência na cultura e, em
consequência, no modo de educar os ilhos. A sociedade japonesa pode ser
classi icada numa posição intermediária nesses aspectos, em que o sucesso
do indivíduo na sociedade não é medido como independência e
individualidade (como nas sociedades ocidentais). O que se espera do
indivíduo na sociedade japonesa é uma posição de interdependência.

O Japão, onde se pratica cama compartilhada por muitos anos da criança, é


um país industrializado e moderno, indicando que a dependência das
crianças não é fator negativo ou impeditivo para o sucesso da sociedade
como um todo.
Agora veremos as evidências cientí icas que possibilitaram identi icar o
que é bené ico para os bebês, independentemente da cultura ou sociedade
em que se encontram.
O laboratório do sono

O médico americano James McKenna, professor de antropologia biológica e


diretor do Mother-Baby Sleep Laboratory , da Universidade Católica de
Notre Dame, nos Estados Unidos, é um alento para mães que desejam
praticar cama familiar. Na corrente inversa à de pediatras e psicólogos que
condenam tal divisão de espaço, ele defende o ponto de vista de que, muito
mais do que um conforto para pais e ilhos, dormir na mesma cama ajuda a
construir um adulto seguro e positivo.

Interessante notar que Dr. McKenna iniciou suas pesquisas quando


percebeu, “acidentalmente”, que o próprio ilho relaxava e dormia bem ao
seu lado, possivelmente porque o ritmo de respirações entre eles se
sincronizava. Até hoje, mesmo depois de mais de 15 anos de pesquisas, ele
ainda se surpreende ao ver o ritmo da respiração e batimentos cardíacos
de mãe e bebê sincronizarem quando dormem próximos.

Em seu laboratório estudou os padrões de sono e as ondas cerebrais dos


bebês, com eletrodos registrando os batimentos cardíacos, respiração,
movimentação e outros parâmetros, comparando-se pares de mães e
bebês que dividem a cama, com os que dormem sozinhos. Os bebês que
dormem com as mães despertam mais vezes e também icam menos tempo
em sono profundo do que os bebês que dormem sozinhos. Isso se deve
provavelmente aos sons e movimentos da mãe durante seu próprio sono.

Esse estímulo durante a noite foi sugerido como uma possível proteção
contra a síndrome da morte súbita infantil (SIDS). Estudos comparativos
entre várias culturas mostraram que nas culturas em que os bebês são
levados ao colo regularmente e em que as mães dormem com as crianças,
a média de incidência de SIDS é mais baixa comparada às médias das
culturas em que estas práticas não são seguidas (observação: as pesquisas
não indicam que dormir sozinho causa SIDS, mas sugerem que o bebê
dormir com a mãe pode ser um fator de proteção contra SIDS. Além da
regulação da respiração e possível proteção contra SIDS, o contato ísico do
bebê com os pais pode ajudar no equilíbrio de outros sistemas corporais
do bebê.)

Quando um bebê é colocado no peito da mãe, coisas impressionantes


acontecem: se o bebê está muito frio, a temperatura corporal da mãe se
eleva para aquecê-lo, se está muito quente, irá diminuir para esfriá-lo. Este
processo é chamado de sincronia térmica. Estar próximo de seu corpo
também ajuda a regular os padrões de sono, a taxa metabólica, os níveis
hormonais, a produção enzimática (ajudando na capacidade do bebê de
lutar contra doenças), a frequência cardíaca, a respiração, o sistema imune
etc.

Quando a criança está no útero, ela está isicamente conectada à mãe pelo
cordão umbilical. O líquido amniótico e as fortes paredes do útero
promovem estimulação tátil. A criança sente essa conexão ísica. Quando o
bebê nasce, a conexão ísica será elaborada durante o tempo que ele irá
passar sendo carregado, embora a maioria dos bebês na sociedade
ocidental passe tempo signi icativo separada de seus pais. O bebê que
dorme em uma cama sozinho à noite ou durante os cochilos diurnos, e que
também ica muito tempo no balanço, bebê-conforto, moisés e outros
aparelhos projetados para segurá-lo, em lugar do colo, pode sentir enorme
frustração e ansiedade, pois estava acostumado à conexão ísica com a mãe
e ainda não tem o desenvolvimento cognitivo para lidar com essas
situações.

Pesquisas cientí icas extensas mostram que cama compartilhada segura


pode ser um investimento real no futuro ísico e emocional de seu ilho,
pois dormir com eles pode in luenciar positivamente a isiologia e
aumentar a conexão emocional entre pais e filhos.

“Neste berço, neste berço, dorme um anjo,

que se chama, que se chama, solidão”...


A longo prazo, a cama compartilhada
pode trazer problemas?

Enquanto muitos pediatras e psicólogos defendem os bene ícios oferecidos


às crianças que dormem sozinhas em seus quartos, a verdade é que
nenhuma dessas supostas vantagens foi comprovada cienti icamente. A
grande ironia é que estudos recentes demonstram exatamente o oposto.
Crianças que dividiram a cama com os pais apresentam forte senso de
independência, sociabilidade, autoestima e comportamento tranquilo para
com os colegas da escola.

Prática consciente da cama familiar

É fácil veri icar que a maioria dos pais na sociedade ocidental considera
certo que o bebê durma no berço desde o início, pois esse conceito está
impregnado em nossa cultura. Porém, críticas a quem pratica ou não
pratica a cama compartilhada não deveriam ser bem vindas, pois cada
família vive situação distinta e praticar ou não a cama familiar não é
medida de criação melhor.

É importante frisar que o arranjo certo para sua família pode não ser a
cama familiar. Existem muitos fatores a serem considerados como:
expectativas, calma e capacidade de estabelecer rotinas confortáveis para
os pais, além de tamanho e conforto das camas.

Algumas famílias iniciam a prática da cama compartilhada por “acaso”,


numa tentativa de conciliar um pouco de descanso, caso o bebê não durma
bem no berço. Nesses casos é possível haver ressentimento por parte dos
pais. Às vezes, trata-se de criança a quem se tentou habituar a dormir
sozinha durante uma temporada. Se os pais deixaram o ilho chorar
durante a noite e agora mudaram de ideia e o levam para a cama de casal,
não se pode esperar que tudo corra bem a partir do primeiro dia. A
resposta normal à separação é que o seu ilho se mostre descon iado,
exigente e choroso durante uns dias, mesmo semanas. É preciso ter
paciência e dar-lhe muito mimo, até que recupere a confiança.

Muitas famílias desfrutam conscientemente dos bene ícios que a cama


familiar traz. Esse arranjo consciente tende a dar muito mais certo do que
a prática eventual. Em alguns casos já é decidida antes mesmo de o bebê
nascer. Além disso, há famílias onde o bebê dorme bem no berço, e a
família toda é feliz com a opção. Nesses casos não há razões para
considerar uma mudança.

Se existe desejo de praticar a cama compartilhada e os pais icam receosos


por causa das críticas (muitas baseadas em mitos, como vimos ao longo do
texto); ou se a mãe icar incomodada com palpites negativos de familiares
ou amigos, experimentem informá-los dos possíveis bene ícios da prática
da cama familiar. Família feliz, independentemente das escolhas em
relação ao local de dormir, será a família em que existe amor e respeito
mútuo, e as necessidades emocionais dos filhos são sempre levadas a sério.

Cama compartilhada é segura

Pesquisas mostram que riscos de sufocamento são infundados, contanto


que não haja fumantes em casa, pois o fumo aumenta em muito o risco de
morte súbita do lactente; ou pais que durmam pesado pelo consumo de
álcool ou medicamentos. De fato, em muitos casos, a cama familiar favorece
maior grau de vigilância materna. Um estudo com cerca de 800 horas de
vídeo com mães e bebês mostrou que, mesmo dormindo, mães pareciam
estar cientes da presença do bebê perto delas e nenhuma rolou sobre ele.

A morte súbita do lactente (em inglês SIDS) é um problema de imaturidade


da respiração ou da pressão sanguínea durante o sono. O sistema coração-
pulmão do bebê amadurece bem após o nascimento, sendo bem irregular
no início, especialmente durante o sono.

Pesquisas ao redor do mundo mostram que, nos países em que cama


familiar é comum, as taxas de SIDS são menores. Na China, por exemplo,
SIDS é tão raro que nem nome tem. Num estudo abrangendo cinco anos,
somente 15 casos de SIDS foram relatados em Hong Kong, enquanto que
nos países ocidentais, com o mesmo número de bebês, há relato de 800-
1200 mortes por SIDS.

Experiências mostram que ao observar as regras de segurança, os


bene ícios de um ciclo de sono são maiores para mãe e criança,
aumentando a chance de amamentação e o vínculo emocional com suas
crianças. Mães inclusive têm salvado a vida de seus bebês por estarem ao
lado quando o bebê adormecido parou de respirar. A informação reunida
pelas fontes da CPSC (Comissão Americana de Segurança de Produtos)
falha em vários pontos ao identi icar casos decorrentes de pais que
izeram uso de álcool ou drogas enquanto compartilhavam a cama com
seus bebês e que utilizaram cobertores ou colchões impróprios. Apesar de
mais crianças terem morrido mais em seus berços do que em camas de
adultos, não existe nenhum movimento da CPSC para banir berços; ao
contrário, eles estimulam fabricantes a produzirem berços mais seguros.
Pais deveriam ser educados sobre como dormir de maneira segura com
seus bebês pela criação de um ambiente livre de riscos (camas macias e
fofas, com espaços entre o colchão e a parede e extremidades da cama sem
guarda).

Dica: Experimente arrumar colchões no chão, para proporcionar

conforto e espaço para toda família. Se necessário, invista em

grades de proteção que se acoplam aos colchões, e que podem ser

encontradas à venda em lojas do ramo.


Por que praticar cama compartilhada é bom?

Aproxima pais e filhos.

A criança não se sente sozinha.

Aumenta a autoconfiança do bebê.

Facilita e encoraja a amamentação prolongada.

Aumenta a intimidade da família.

Fica quentinho.

Se sentir saudades é só caprichar no abraço.

A criança cresce com maior facilidade de relacionamento.

Aumenta a segurança, o bebê respira melhor.

Se acordar durante a noite fica mais fácil voltar a dormir.


Leitura recomendada:

1. William, Robert, James e Martha Sears, The baby sleep book. Little
Brown and Company, Time Warner Book Group (2005).

2. Elizabeth Pantley, Soluções para noites sem choro. Editora Mbooks


(2002).

3. Harvey Karp, O bebê mais feliz do pedaço. Editora Planeta do Brasil


(2004).

4. Margot Sunderland, The science of parenting. DK Publishing Inc. (2006).

Para maiores informações e artigos sobre sono em português:


solucoes.multiply.com

A decisão sobre cama compartilhada cabe exclusivamente ao casal,

pois não há unanimidade entre profissionais da saúde. A maioria é

contra essa prática, por motivos pessoais ou pseudocientíficos e

medo de intimidade com o bebê.

A espécie humana é a única que procura, o tempo todo, afastar a

cria de sua mãe. Uma solução para a cama compartilhada é

retirar uma das grades, de modo que o bebê fica em seu canto,

contíguo com a cama do casal; assim, todo mundo dorme bem.

Mas a questão é daquelas que causam discussões, sem se chegar a


um consenso, por medo de contato e intimidade com o bebê.

Uma solução é retirar uma das grades, de modo que o bebê ica em seu
canto, contíguo com a cama do casal e todo mundo dorme bem. Mas a
questão é daquelas que causam discussões, sem se chegar a um consenso,
por medo de contato e intimidade com o bebê.

Orientações para cama compartilhada com segurança:

Coloque a criança para dormir deitada de costas;

Coloque a criança ao lado da mãe e não entre mãe e pai;

Utilize uma cama grande e firme e tome precauções para


prevenir a queda do bebê da cama (um tatame seria a melhor
solução);

Não durma com a criança em colchão d’água ou sofá;

Não coloque a criança para dormir sozinha em cama de adulto;

Não utilize almofadas e roupas de cama fofas; evite


superaquecimento;

Não compartilhe a cama com seu bebê sob a influência de drogas,


álcool, medicação para resfriado e alergia, ou se estiver com
muito sono.
SUGESTÃO NÃO SIGNIFICA OBRIGAÇÃO!
Posição para dormir: este lado para
cima!

Ana Guerra Andersson

Nos últimos dias, meu bebê (nove meses) se vira todo e só dorme de
bruços. Se eu vou desvirá-lo, ele chora. Será que não faz mal dormir de
bruços? Pode ser besteira de mãe, mas tenho medo que ele se sufoque.

Atualmente é consenso: bebês não devem dormir de bruços, visto que essa
posição está relacionada com morte súbita do lactente no berço. Nos países
em que as mães foram orientadas a colocar os bebês para dormir de
costas, o índice de morte súbita caiu consideravelmente.

A morte súbita do lactente é de origem ainda desconhecida; supõe-se que


uma das razões para o aumento da incidência, quando a criança dorme de
bruços, seja o hiperaquecimento que essa posição ocasiona. O fator idade
também é importante: a morte súbita é a causa mais frequente de morte
de lactentes entre duas semanas e um ano de vida, sendo que o pico
ocorre entre dois e quatro meses (fase em que o risco é maior).

À medida que o bebê vai crescendo, o risco torna-se menor, apesar de


permanecer até um ano de vida. Coloque-o sempre para dormir de costas
e deixe-o com a movimentação bem livre, sem cobertores cobrindo os
braços, sem nada que limite sua movimentação. Deixe o ambiente arejado.
Se estiver frio e precisar cobri-lo, faça-o de maneira que os braços iquem
livres e que ele não possa puxar o cobertor sobre o rosto. E relaxe! Se ele
se mexe bastante na cama vai conseguir virar-se de costas também.
Fumo passivo está efetivamente relacionado à morte súbita do lactente, portanto é

contraindicado que os pais fumem.


Terror noturno e pesadelos

Meire Gomes

O Terror Noturno é caracterizado por um despertar repentino seguido de


comportamento de pânico. A criança chora ou grita desesperadamente e
não percebe ninguém ao seu redor. É comum os pais icarem
transtornados com o choro convulso da criança e procurarem um pronto-
socorro. Normalmente, depois do colo e do passeio de carro, a criança
chega ao hospital toda feliz e sem lembrar de nada. Na minha época de
plantonista, atendia em quase todos os plantões uma criança toda
sorridente, com pais cheios de “olheiras” e assustados. Os episódios de
pânico duram de 5 a 20 minutos, no máximo meia hora, e podem ou não se
repetir.

O sono tem duas fases, a não-REM e a REM. Durante a fase REM,


caracterizada por movimentos rápidos dos olhos (podemos perceber o
globo ocular mexendo por trás das pálpebras quando a criança está
dormindo), ocorrem os sonhos e pesadelos. Durante uma noite, ocorrem
vários ciclos de sono REM e não-REM, sendo os pesadelos mais frequentes
ao amanhecer. Os pesadelos estão geralmente relacionados com
experiências desgastantes do dia, como agressões ísicas ou verbais,
pequenos acidentes domésticos e programas de TV. Podem ocorrer em
qualquer criança, mesmo em bebês. Ao despertar do pesadelo, a criança
percebe rapidamente a realidade ao seu redor, e de acordo com seu
desenvolvimento intelectual, é capaz de descrever minuciosamente as
imagens criadas pela mente durante o sono.

O terror noturno aparece durante o sono não-REM, ou seja, não está


relacionado a sonhos ou pesadelos. Pode não haver causa nenhuma ou em
alguns casos ser precipitado por fatores de ordem emocional e desconforto
ísico, como a febre. Ocorre em até 5% das crianças, sendo mais comum até
os cinco anos, tornando-se mais raro em crianças maiores (no adulto o
prognóstico é diferente). A criança pode icar pálida, respirando rápido e
com o coração acelerado. Apesar de a literatura a irmar que aparece mais
em meninos, tenho visto com a mesma frequência nas menininhas. Já os
pesadelos são frequentes, podendo acometer em maior ou menor grau
todas as crianças.

Cerca de 30% das crianças que apresentam terror noturno frequente (é


mais comum que a criança tenha um só episódio na vida ou poucos)
apresentam também sonambulismo e outros distúrbios de sono. Quando os
pesadelos ou o terror noturno ocorrem esporadicamente, não há motivo
para preocupação. Quando o quadro se repete com frequência, deve ser
pesquisada a causa. Geralmente o estudo eletroencefalográ ico do cérebro
é normal.

O que fazer?

Pegar a criança no colo, aconchegá-la e falar ou cantar perto do ouvido até


o pânico passar. É importante deixar a criança no colo para evitar que ela
se machuque, pois na verdade pouco se pode fazer para acalmá-la. No caso
dos pesadelos recorrentes, veri icar a rotina da criança, a relação com os
familiares, a escola e babá.
Tutu Marambá

Dra. Relva

“Por que a criança tem di iculdade em pegar no sono? Por que é preciso
fazê-la dormir, se dormir é um ato natural, isiológico? Adormecer crianças
supõe que elas não adormecem sozinhas e que há um desejo adulto para o
sono infantil”. (*) A criança tem medo do escuro e do abandono. E busca o
olhar e o calor da mãe. Que mãe? Que bebê? É um bebê que “não existe”
sozinho, ele só existe junto-com-a-mãe, em estado de dependência.

A mãe que se identi ica estreitamente com o ilho em seus primeiros meses
e que se adapta às suas necessidades é chamada por Winnicott de “mãe
su icientemente boa”. O ambiente também deve ser como a mãe -
“su icientemente bom” - para o desenvolvimento ísico e psíquico da
criança, cujas tendências inatas, ajudadas por “essa mãe” e “esse
ambiente” levarão à emergência de seu eu verdadeiro. Essa mãe é capaz
de oferecer ao ilho o handling, pelo toque carinhoso ao amamentar ou
trocar as fraldas, e o holding, que compreende o amparo, proteção e o
cuidado corporal e emocional.

Para o sociólogo Florestan Fernandes, o acalanto produz na criança “um


estado de relaxamento ísico e mental, capaz de provocar ou intensi icar
sua disposição para dormir; essa disposição tanto se relaciona ao
sentimento de conforto e de segurança, provocado pelas ações mecânicas
do adulto (embalo, canto) quanto a outros sentimentos mais complexos,
que os temas das cantigas de ninar adquirem no espírito das crianças”.
E não é só isso, o acalanto faz parte do processo de integração do bebê no
sentido do crescimento. Em Renato Almeida, encontramos que acalanto é
“cantiga ingênua, não raro com letra onomatopeica, de forma a favorecer a
necessária monotonia que leva a criança a adormecer de maneira muito
primitiva, existente em todos os tempos, sempre cheia de ternura, povoada,
às vezes, de espectros de terror (cuca, boi da cara preta, papão) que
nossos meninos afugentam dormindo. “Tutu marambá, não veeenhaaa mais
cá, que a mãe do menino te maaanda mataaarr...”.

Como acontece com outras manifestações folclóricas correntes no


Nordeste, a cantiga para fazer menino pequeno dormir também se
originou em Portugal. Com a chegada do escravo africano e a participação
da mulher negra na vida familiar do colonizador no Nordeste, as cantigas
de ninar portuguesas receberam as mais variadas modi icações na letra,
na estrutura do verso, na construção da frase, na maneira de falar
procedente do além-mar.

“O acalanto acontece mais à noite, hora do grande escuro, na intimidade da


relação mãe- ilho. Um embalo ritmado e lento se mescla aos afagos leves. A
melodia é simples, repetitiva, agradável, cantada em tom delicado,
sussurrante. As palavras aludem à exaltação narcísica da criança, ao
afastamento da mãe por trabalho ou passeio, à proteção divina ou familiar
frente a perigos indeterminados ou míticos. É usado para exorcizar os
“maus espíritos” que rondam mãe e ilho para separá-los. Também acaba
servindo para ajudar mãe e criança a aceitar a solidão humana. O acalanto
é uma forma sempre cheia de ternura e só em algumas há o terror. Há
ternura mesmo onde há espectros de terror. A monotonia ou onomatopeia
são sons repetitivos que imitam encantamentos, para obter o im
desejado”. (*)

Particularmente importante para a comunicação, a criação e consolidação


de relações interindividuais, especialmente as de cunho afetivo, é o contato
corporal. Essa importância do contato corporal permeia toda a
sociabilidade adulta e constitui inclusive um mecanismo fundamental de
paci icação e de restabelecimento de relações amistosas. A alegria ao
encontrar um companheiro se expressa, por exemplo, através de abraços e
“beijos”. A aproximação com intenções amistosas manifesta-se pela mão
estendida, com a palma para cima, que é tocada ou “beijada” pelo parceiro.
Machos derrotados numa disputa manifestam intensa perturbação através
de gritos e só se acalmam quando o vencedor os toca com a mão, em
palmadinhas carinhosas.

Na expressão e consolidação dos laços afetivos, na paci icação de


indivíduos raivosos e no consolo de companheiros frustrados ou
derrotados, há uma forma de contato corporal extremamente importante,
que consiste no tipo de comportamento designado em inglês como
grooming, que envolve a minuciosa inspeção da pele e do pelo para
remoção de sujeiras e parasitas. O grooming assemelha-se ao cafuné
brasileiro quando este inclui (como era comum no passado) o catar piolho.
Esse tipo de cafuné é uma atividade absorvente nos primatas em geral e
chega a ocupar um quarto do tempo em que estão acordados. É frequente
observar esse cuidado com os pelos envolvendo mães e seus ilhos: ocorre
entre adultos, tanto machos como fêmeas, independentemente de sexo.

A mãe que embala o berço é a mesma que canta para afugentar as


sombras da noite, para afastar as ameaças que pairam sobre ela mesma e
o bebê, e até para descansar das preocupações. Mesmo o adulto sente falta
dessas cantigas, dos lullabies ou berceuses, que irão reaparecer no ato
sexual ou nas festas de embalo. O homem sempre foi ritmo e beat. União e
separação. Medo e salvação. Coração e respiração. Treva e luz. E,
finalmente, exultação sobre os apelos da morte.

Referências Bibliográficas

O Acalanto e o Horror. Ana Lúcia Cavani Jorge, Editora Escuta. 1988.(*)

Para o psicanalista Leopold Nosek, as cantigas de ninar delimitam o mal


para a criança; o mal in inito torna-se controlável, porque adquire um
nome:
As canções de ninar. São todas iguais. Falam de monstros,
não de sossego. Porque a criança tem o medo e o horror
dentro dela. E quando encontra uma representação, se
sente entendida. Quando se adquirem palavras para o
conflito e para a dor, aquilo se circunscreve. Deixa de ser
infinito e adquire um tamanho. A partir daí, monta-se a
equação e pode-se lidar com isso. Uma boa análise não
resolve as equações, mas ajuda a montá-las. E, às vezes,
isso é o mais difícil. “A cuca vem já já, papai foi pra roça,
mamãe foi trabalhar”. É uma equação de desamparo.

Estadão 07.10.2012
“O acalanto acontece mais à noite,

hora do grande escuro,

na intimidade da relação mãe-filho.

Um embalo ritmado e lento

se mescla aos afagos leves.

A melodia é simples, repetitiva, agradável, cantada

em tom delicado,
sussurrante.”
Recorte da obra Apresentação do Menino, Andrea Mantega (1431-1506)
CAPÍTULO 4 – CUIDADOS COM A CRIANÇA
Cuidados com o coto umbilical

Flávia Oliveira Mandic

Qual a função do cordão umbilical? Antes do nascimento, o bebê recebe


nutrição e oxigênio através da placenta, que é conectada à parede interna
do útero materno. A placenta é ligada ao bebê pelo cordão umbilical,
através de uma abertura no seu abdome. Depois do nascimento, o cordão
umbilical é clampeado e cortado, num procedimento indolor, deixando
somente um coto umbilical.

Por quanto tempo meu bebê terá o coto umbilical?

Dentro de seis a 21 dias (em alguns casos, um pouco mais de tempo), o


coto seca e cai, deixando uma pequena ferida que pode levar alguns dias
para cicatrizar completamente.

O coto requer cuidados especiais?

Deve ser mantido limpo e seco. Dobre a fralda na parte abaixo do coto (ou
use fraldas especiais para recém-nascido que já vêm com uma abertura
para o coto), de modo que ique exposto ao ar e não à urina. Quando o coto
cair, você pode perceber um pouco de sangue na fralda, o que é normal.

No calor, deixe seu bebê somente de fralda e camiseta larga, para que o ar
circule e acelere a secagem do coto. Evite macacões até que o coto caia.
Nunca tente puxar o coto, mesmo que pareça estar pendurado por um fio.

Algumas vezes o coto cai e um pedaço ainda permanece aderido, o que


pode desaparecer por si só ou pode necessitar de tratamento pediátrico.
Esse “granuloma umbilical” não é grave nem contém terminações
nervosas, então mesmo que o tratamento seja necessário, é indolor.

Há controvérsias a respeito da prática de limpar o coto com álcool. Para


prevenir infecção, o médico ou a enfermeira na sala de parto passam um
antisséptico quando clampeiam e cortam o cordão. Para o cuidado em casa,
recomenda-se limpar a base do coto com um cotonete ou gaze embebida
com álcool a 70% (setenta por cento) uma ou duas vezes ao dia. Muitos
pediatras ainda mantêm tal recomendação, mas outros sugerem que é
mais e icaz deixar o coto secar naturalmente. Isso porque um estudo feito
em 1998 pela Hamilton Health Sciences Corporation em Ontário, Canadá,
concluiu que cotos caíam em oito dias sem o tratamento com álcool,
enquanto levava dez dias para caírem se fosse usado álcool.

Quais os sinais de infecção?

o bebê apresenta febre ou parece não estar bem;

a área em volta do umbigo está vermelha ou inchada;

presença de pus na base do coto + mau cheiro;

quando em dúvida sobre o que fazer, consulte um pediatra.

MAXIMA DEBETUR PUERO REVERENTIA

‘Deve-se à criança o máximo respeito’


Juvenal, poeta romano, século II
Direitos do bebê

Dra. Relva

1° – Direito de ter uma mãe

O instinto materno vem sofrendo mudanças na vida moderna? Mãe é mãe,


trabalhando fora ou em casa. O bebê precisa dela, do aconchego de seus
braços, de seu leite, seus cuidados, sua voz. A essência da maternidade é
essa criatividade instintiva para estabelecer uma relação positiva com seu
bebê. O bebê humano, para alcançar suas amplas potencialidades, leva
algum tempo para amadurecer. Para isso, ele necessita de boas condições
ambientais, de oxigenação constante e adequada e dos cuidados maternos,
que lhe proporcionam um bom desenvolvimento psicomotor e emocional.

O crescimento cerebral é intenso e acelerado, mas, ao nascer, a matéria


cinzenta é incompleta, as células e a substância chamada mielina ainda não
estão prontas. O RN é um ser indefeso e só funciona por meio da mãe, da
qual não pode ainda separar-se. O vínculo que se desenvolve entre ele e a
mãe é que lhe confere o crescimento corporal e o amadurecimento do
sistema nervoso.

2° – Direito a uma boa oxigenação

O bebê precisa “aprender” a respirar – sua primeira respiração é o choro


do nascimento. Depois que expele os líquidos do pulmão, ele começa a
buscar oxigênio, ainda com a respiração super icial e rápida. O diafragma
começa a aprender a levar ar para os pulmões. Como é que o bebê
‘aprende’ a respirar? Pelo toque materno: cada vez que é manuseado pela
mãe, ele respira mais profundamente. Nos primeiros dias, nesse contato
corpo-a-corpo com ela, o bebê vai acompanhando o ritmo de sua
respiração. É por isso que ele não pode icar “hibernando”. Ele precisa ser
tocado, manuseado. Passar a mão na cabeça, acarinhá-lo, balançá-lo
suavemente, dar o peito, tudo isso o ajuda a respirar melhor. Ele não
precisa icar chorando para respirar – precisa é do toque da
“maternagem”, que coloca em ação certos re lexos nervosos que lhe
asseguram uma boa respiração. A oxigenação adequada é um dos fatores
responsáveis pelo rápido desenvolvimento cerebral. Respirar bem é um
dos principais fatores para a boa forma física e mental durante a vida toda.

3° – Direito ao comportamento instintivo

O bebê apresenta movimentos e re lexos involuntários, considerados “sem


propósito”, mas que têm grande influência na circulação. Ainda no útero, os
movimentos fetais aumentam o luxo sanguíneo para o cérebro e demais
tecidos do bebê.

Os “espantos”, caretas e viradas bruscas da cabeça e do corpo têm a


inalidade de expandir os capilares e levar mais sangue para os pulmões e
o cérebro.

É por isso que, quando os movimentos de um bebê são tolhidos por luvas e
macacões constritores para impedir a sucção dos dedos – há reações de
pânico como se a respiração estivesse faltando. É evidente que a livre
movimentação dos músculos é necessária para a saúde e bem-estar do
bebê.

Os bebês não pensam para agir – seu comportamento é todo instintivo,


como reação aos estímulos e toques que determinam o estabelecimento do
princípio prazer- dor- prazer e servem ao sentimento de ter um “ self”.
Enquanto seu amadurecimento se processa, a mãe tem que pensar por ele,
mas com a devida sabedoria para que não ique se aplicando à inútil tarefa
de exigir dele níveis mais altos de compreensão.
Mesmo pessoas inteligentes e informadas caem na cilada de deixar o bebê
chorando “para aprender” – e até a esperar o alimento, regulando o
horário das mamadas! Isso causa ‘lutas’ da mãe e parentes com o bebê, o
que eleva o nível de estresse que resulta em choro, chamado
indevidamente de ‘cólica’.

As necessidades do bebê exigem atendimento rápido; somente pelo 2º ano


é que a criança estará pronta para “compreender” – e esperar - o que lhe
convém. Bebês abandonados a si mesmos desenvolvem atitudes autistas
de desamparo, com movimentos repetitivos e sucção desesperada dos
dedos.

Há mães que rejeitam os comportamentos instintivos dos bebês, cujas


características são exclusivamente biológicas, ligadas à sucção e eliminação
do alimento. Posturas rígidas, horários “certos” e controle das fraldas
nessa idade precoce são modos ridículos e abusivos de afrontar a
natureza.

4° – Direito ao sono

Nos primeiros três meses, o bebê não tem o sono regularizado nem tem
noção de dia e noite, como os adultos. Isso faz parte do projeto evolutivo:
quanto menos dormir, mais será cuidado. Enquanto isso, as funções
internas se organizam.

O sono profundo e regular só acontece pelo im do 3º mês. Até lá, o bebê


deve ser tirado de seu torpor a intervalos frequentes e levado ao seio ou
manuseado. Essas medidas são altamente positivas quanto à oxigenação
cerebral, que se ativa a cada movimento do corpo e a cada mamada. Deve-
se também lembrar que o ato de embalar e ninar o bebê confere-lhe os
estímulos sensoriais necessários ao estabelecimento do tônus muscular
quando se canta (acalanto).

O sentido biológico do acalanto é que o cérebro está “dormindo sossegado”


e que a mamãe está cuidando do soninho.

5° – Direito de chorar e de ser tocado

A reação dos bebês à falta de toque corporal traduz-se em crises de choro


e hábito desesperado de chupar os dedos; outros regurgitam muito,
agitados, ou entram em estado de inanição ou até de choque. Quanto mais
seus movimentos forem tolhidos mais seu desenvolvimento se tornará
negativo. Os impulsos funcionais são inicialmente muito difusos para se
organizarem; para isso, os bebês precisam de toque e de satisfação oral.

O choro nas principais semanas tem a inalidade de exercitar a respiração,


mas se o bebê não é confortado e acalentado, o choro pode persistir como
hábito. Além disso, o bebê pode passar a bater a cabeça no berço ou
assumir ares de alheamento, com o olhar vago e perdido, ou adquirir atos
automáticos ou retardar a fala. Quando o vínculo mãe- ilho é bem
estabelecido, o desenvolvimento normal lui de maneira integrada. Quem
quiser conferir a diferença, é só observar como se comportam as crianças
negligenciadas e criadas sem a mãe ou figura equivalente.

6° - Direito a ter um pai

Embora o papel da mãe junto ao bebê ocupe o primeiro plano, o papel do


pai não pode ser negligenciado, sob pena de deixar um vácuo na vida da
criança. Para ela, uma das experiências mais fortes é sentir que há dois
tipos de pessoas no mundo, diferentes na qualidade e na aparência, que
lhe são complementares e a cujos cuidados ela tem direito.

A presença paterna, mesmo que somente por meia hora pela manhã e/ou
à noite contribui imensamente para o bem-estar da criança e reduz o
apego exagerado à mãe, estabelecendo o papel de terceira pessoa da
relação exclusiva, que pode se tornar regressiva. Esse cuidado começa
desde o acompanhamento obstétrico e continua com o pai ajudando a
cuidar do bebê. O vínculo entre seus pais fortalece o tônus emocional dos
bebês. Crianças tristonhas, ou com retardo motor ou da fala se bene iciam
muito com a presença do pai e em poder brincar com ele.

7° - Direito ao desenvolvimento emocional

A expressão de emoções começa por volta do 4º mês: os olhos do bebê


focam-se na mãe, ele sorri em sua presença, todo o seu sistema motor
mobiliza-se em antecipação a sua chegada. Se a mãe desaparece de
repente ou ica pouco tempo com o bebê, ele chora. Além de ser sua fonte
de toque e conforto, de estimular sua respiração e dar-lhe alimento, ela se
torna o “abre-te-sésamo” para novos sentimentos de bem-estar e
satisfação; ou de tensão e desapontamento.

Seus olhos e ouvidos aguçam-se como receptores, e ele se torna capaz de


receber o estímulo emocional da presença da mãe e/ou do pai ou de
ambos. O que mais o impressiona são a presença e a voz da mãe; assim ele
se alimenta e dorme em seguida, confortavelmente satisfeito pela certeza
de ter a mãe ao lado.

A partir dos seis meses, quando está mais apto a sentar-se e buscar
objetos, ele tolera melhor breves períodos sozinho, sem se sentir
abandonado, bem como aprende a ligar-se a outras figuras da casa.

Desconhecendo isso, mesmo mães preparadas não se dão conta das fases
emocionais do bebê. Geralmente, ela tem que voltar ao trabalho no 3º/4º
mês, sem ter tomado providências sobre sua substituta – seja a mãe uma
doméstica, uma artista ou uma executiva.

Algumas receiam criar um vínculo muito forte e a chamada “manha”, mas é


justamente a certeza do vínculo que vai possibilitar ao bebê aceitar a
separação necessária. O conceito espartano de deixar o bebê ‘se virar’ não
cabe nessa idade.

As crises de birra não podem ser vistas simplesmente como “gênio forte”;
são manifestações de hiperextensão, necessárias ao estabelecimento do
tônus muscular, que vai permitir ao bebê sentar e andar. Isso ica evidente
quando esperneia, sinalizando que os músculos querem agir.

E o medo? Há dois tipos de medo: a ansiedade inata (angústia de nascer) e


o medo dirigido àquilo que seja ameaçador ao corpo, principalmente a
perda da mãe. Esse desconforto associa-se às necessidades biológicas:
fome, dificuldade para respirar e solidão.

Outro dos primeiros medos é o medo do escuro, que o priva de ver a mãe e
do estímulo positivo que a luz oferece. O escuro aumenta o sentimento de
solidão. Ele se assusta até com seus barulhos corporais.

Uma mãe substituta pode, progressivamente, capturar o olhar do bebê; seu


sorriso lhe dirá que ele a reconhece. As emoções são parte de nosso
equipamento existencial e têm valor de sobrevivência. São elas que lhe
permitem amar, lutar ou fugir – ou pelo menos resignar-se.

Referências Bibliográficas

Ribble, M. The Rights of Infants, New York: Columbia Univer Press, 1943.
A importância da mão para o bebê

“O primeiro avanço daquela mãozinha em direção às coisas, o lançar daquele


movimento que representa o esforço do eu para ingressar no mundo, deveria
encher de admiração o espírito do adulto. Ao contrário, porém, o homem tem
medo daquelas pequeninas mãos estendidas na direção de objetos sem valor e
sem importância que o cercam, de mães que assumem uma atitude de defesa
dos objetos contra a criança. Empenha-se em repetir-lhe para não tocá-las,
da mesma forma que lhe repete para não se movimentar, não falar! E nesse
afã, em meio às trevas do seu subconsciente, delineia-se e toma forma uma
defesa para a qual ele pede auxílio aos outros homens, como se devesse
combater clandestinamente uma força que lhe ameaça o bem-estar e as
propriedades.

A criança, para ver e ouvir, ou seja, para captar do ambiente os elementos


necessários ao início de sua estruturação mental, tem que se apropriar deles.
Quando deve movimentar-se de maneira construtiva, também tem
necessidade de objetos exteriores para manipular. No entanto, muitas vezes,
no ambiente familiar, não se leva em consideração esta necessidade da
criança: os objetos que a rodeiam são todos de propriedade dos adultos e
destinado ao uso deles. São objetos proibidos para a criança, “tabus”. A
proibição de tocá-los evidencia o problema vital do desenvolvimento infantil.
Se a criança consegue pegar o que lhe está ao alcance da mão, quase parece
um cachorrinho faminto que encontra um osso e vai roê-lo num canto
qualquer, receoso de que alguém o escorrace.

A criança precisa movimentar-se, mas é impedida. Ela, porém, não se


movimenta ao acaso; elabora a coordenação necessária para organizar os
movimentos, sob a orientação do seu eu, que está no comando. O eu é o
grande organizador e coordenador, que elabora a uni icação da fonte
psíquica e dos órgãos da expressão, à custa de contínuas experiências
integradoras. O importante é que a criança, em sua espontaneidade, escolha e
execute as ações. Ora, esse movimento de formação possui características e
finalidades especiais — não são meros impulsos desordenados e levianos.

Não é correr, saltar, manipular os objetos ao acaso, simplesmente


deslocando-os e, consequentemente, causar em torno si a desordem e a
destruição das coisas; o movimento construtivo é impelido por ações que a
criança viu efetuadas diante de si. As ações que ela procura imitar, sempre se
relacionam com a manipulação ou utilização de algum objeto. A criança
procura realizar ações semelhantes às que os adultos fazem, usando os
mesmos objetos. Em consequência, tais atividades estão ligadas ao uso dos
diversos ambientes familiares e sociais. Ela deseja varrer, lavar a louça ou a
roupa, despejar água ou lavar-se, pentear-se, vestir-se etc. Tratando-se de um
fato universal, foi chamado de imitação e de inido do seguinte modo: a
criança faz aquilo que viu fazer. Todavia, tal interpretação não é correta,
pois a imitação da criança é diferente da imitação que nos ocorre quando nos
referimos aos macacos. Os movimentos construtivos da criança partem de
um quadro psíquico, elaborado com base na consciência de si e do meio” -
Maria Montessori, A Criança.

A questão não é apenas ‘superar’ a fase oral, ou qualquer outra. É preciso


que os adultos permitam à criança viver os níveis adequados de seu
desenvolvimento psicossensorial, que, se não cumpridos, deixam uma
lacuna que vai in luenciar em alguma etapa futura. Os adultos vivem
impedindo que a criança conheça o ambiente com seus próprios meios,
pois têm mais respeito pelos objetos do que pela necessidade da criança
em aprender.

A bem da verdade, nunca se abandona a fase oral, seja no gosto pelos


alimentos, seja no sexo, seja no cigarro ou no álcool, e alguns se ixam aí. O
gosto pelo alimento e pelo sexo são armadilhas sedutoras da natureza para
a autopreservação e a propagação da espécie.

Referências Bibliográficas

Dolto, Françoise. Pediatria e Psicanálise.

Montessori, Maria. A Criança. Trad. Luiz Horácio da Motta, Rio de Janeiro,


Editorial Nórdica.

A saúde da criança nas mãos de toda a sociedade.


Tchau Chupeta

Pequeno Cidadão / Arnaldo Antunes

Já pensou uma mãe chupando chupeta?

Já pensou um pai chupando chupeta?

E uma vó de bobs e chupeta?

E um vovô de bengala e chupeta?

Todo mundo uma hora tem que se libertar

Quando eu era pequena eu joguei a minha no mar

Vai, vai navegar. Valeu obrigada

Mas minha boca não é mais seu lugar

Agora eu quero cantar

Sem uma tampa de borracha pra me atrapalhar

Já pensou um peixe chupando chupeta?

Aquela que eu joguei nem ele vai querer

A baleia prefere tocar a trombeta

Do que ficar com medo de crescer

Todo mundo tem seu tempo de mamar

Mas depois que o tempo passa tem que se jogar no mar

Vai, vai navegar. Valeu mamadeira,

Mas eu prefiro respirar


Agora eu quero cantar

Cair de boca no som

Ficar de boca pro ar

Vai, vai navegar

Sem uma tampa de borracha pra me atrapalhar


Quando tirar o bebê das fraldas?

Dra. Relva

DESFRALDE X SUBIR ESCADA Um dos indícios de que a criança está


madura isicamente para o desfralde é subir e descer escada sozinha. Mas
o desfralde envolve outras questões, como maturidade psicológica e
emocional, por exemplo. Então, se ela tem esta habilidade motora, mas não
está “pronta” em outros aspectos, não é a hora ainda.

O controle de es íncter tem o lado ísico (subir escada é uma indicação de


que o organismo da criança está no estágio de controle) e o emocional.
Uma criança que sobe e desce escadas, mas que ainda não saiba falar ou
não entenda o signi icado da palavra “xixi”, por exemplo, não está pronta
para o desfralde.

Só o fato de colocar a criança no penico várias vezes por dia, mesmo que
ela urine lá de vez em quando, não signi ica que já é desfralde. Se ela não
estiver pronta para segurar a urina caso esteja longe do penico, também
não está pronta. Aí ica aquilo que a gente vê na rua: o menino fazendo xixi
na grama porque não aguenta esperar até chegar ao banheiro. E a mãe
orgulhosa que ele não usa mais fralda!

Dicas do Dr. Karp

Além de subir/descer escadas, o Dr. Karp dá 5 dicas para saber se é hora


de ensinar a usar o penico, mas somente depois de 2 anos de idade (com 1
ano, eles não icam sentados por muito tempo e aos 18 meses eles não
obedecem a muitos comandos, seu único interesse por cocô limita-se a
meter a mão numa fralda suja e apertar bastante).

1. A criança diz “sim” com frequência, não fica só dizendo “não” a tudo o
que é falado com ela;

2. Caminhar já não é uma novidade para ela, e também já consegue ficar


sentada quietinha num lugar só;

3. Ela já entende e fala as palavras “xixi” e “cocô”;

4. Ela gosta de imitar a mãe/o pai;

5. Ela demonstra interesse em organizar as coisas em grupos e começa a


ajudar a guardar os brinquedos.

O controle motor da criança, desde que ela nasce, começa pela cabeça
(podem reparar que ela primeiro consegue levantar a cabecinha quando
está de bruços, antes de qualquer outra coisa) e vai descendo até alcançar
por último os membros inferiores (pernas) o que ocorre por volta de 1
ano, ocasião em que a criança começa a andar. Somente depois que ela
controlar bem os membros inferiores (por isso o descer e subir escadas
sozinhas, ou então conseguir pular com os dois pezinhos juntos) é que ela
começa a conseguir controlar os es íncteres. Primeiro ocorre com o
controle da vontade de defecar e depois do es íncter urinário... e então ela
começa a conseguir controlar o cocô e o xixi.

Em um livro da Françoise Dolto, relata-se que uma mãe com vários ilhos
tentou o desfralde de maneiras diferentes com todos eles, “incentivando-
os” a deixar as fraldas. Aí, com a última ilha ela não usou método nenhum,
deixou que a menina desfraldasse quando bem quisesse, sem forçar a
barra. A menina desfraldou no mesmo tempo que os irmãos, mas com a
diferença de que não houve estresse algum. Conclusão da autora: a criança
se desfralda sozinha na hora que estiver pronta, não importando a
“torcida” para que isso ocorra.
Uma coisa que as pessoas esquecem: maus hábitos começam na infância.
Não é à toa que existem pessoas que icam horas no vaso, precisam ler
jornal, só ‘fazem’ se for em casa, têm constipação sempre que viajam...
Quem não conhece alguém assim? Então, se parece uma vantagem
momentânea que a criança desfralde antes de dois anos, quais serão as
consequências para o resto de sua vida? A “vantagem momentânea” é paga
depois com juros e correção: intestino preso e /ou encoprese (fazer cocô
na roupa).

Desfralde x subir escada


www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=2524364026043469339

Segundo Melanie Klein, a criança retém as fezes ao ver que sua “obra” é
uma coisa sem valor e que deve “desaparecer” no vaso. Então, passa a
‘negociar’ esse regalo, concedendo-o ou negando-o à mãe. Os ‘avarentos’,
dotados de ‘caráter anal’, encontrariam sublimação como agiotas,
banqueiros, ministros da fazenda. Ou colecionadores.

Para o “expert” Dr. Michel Cohen, o treinamento deve ser natural, sem
pressões, sem pressa, sem estresse com as recaídas. Uma dica preciosa:
não humilhar a criança.

Xixi na cama

Criar uma rotina em casa também pode ajudar em outro problema comum:
o xixi na cama. “Isso é mais frequente em meninos, pois eles demoram
mais para adquirir o controle da bexiga do que as meninas”, explicou a
pediatra. Para ajudar a prevenir a chamada enurese noturna, recomenda-
se diminuir a quantidade de líquidos no período da noite, ‘do jantar para
frente’, e levar a criança para fazer xixi antes de dormir. E quando os pais
forem dormir, devem acordar a criança e levá-la para fazer xixi de novo”.

Pode-se tentar o reforço positivo, marcando num calendário os dias em


que a criança não fez o xixi. É importante não castigá-la nem desmoralizá-
la; é melhor incentivar seu orgulho e bem-estar. Se o problema persistir,
vale buscar ajuda médica. Nas grandes cidades há equipes
multidisciplinares, com neurologistas, urologistas e psicólogos, que
atendem esses casos.
Por que a criança engatinha?

Dra. Relva

O motivo se deve a como evoluímos para icar de pé, passando pelos


estágios: peixe (no útero) réptil (de barriga) > quadrúpede > bípede; isso
levou milhares de anos! Uma criança leva poucos meses para queimar
essas etapas.

Quando forçada a icar de pé e caminhar (p.ex., com andador) a criança


não usa a musculatura superior e inferior harmonicamente, não adquire
noção espacial nem de seu esquema corporal. Claro que você pode
‘condicionar’ uma criança a caminhar direto, desde os 4/6 meses, mas a
que preço?

Resultado: incoordenação e quedas mais frequentes; então, eu pergunto:


por que não esperar, por que não cumprir o plano da natureza? O
progresso e a modernidade não nos eximem do mais lento
desenvolvimento neuromotor como programado.

“Para que a criança venha a adquirir a coordenação


motora fina, que é como chamamos a capacidade de
escrever, costurar, pintar, ajustar o relógio ou digitar, é o
último degrau, no processo de desenvolvimento, da
coordenação global, que envolve a marcha e o equilíbrio,
e a correta utilização dos membros e de todo o corpo em
grandes cadeias musculares. Seguem-se os princípios
gerais do desenvolvimento: no sentido próximo-distal ou
cefalocaudal, sempre do mais simples para o mais
complexo, do mais interior (corpo) para o mais distante
(membros, pernas e mãos), e da cabeça para o restante
do corpo. Quer dizer que o desenvolvimento não é
aleatório, tem uma sequência que diz que, para segurar
um lápis, a criança precisa antes firmar a cabeça, corpo,
ombros, braços, punho e finalmente mãos e dedos.”

Os primeiros passos, Vincent van Gogh (1853-1890)

Referências bibliográficas

Fonseca, Vitor. Desenvolvimento Humano: da ilogênese à ontogênese da


motricidade - Ed. Notícias, Lisboa, 1988 (editado na Espanha e no Brasil).

Fonseca, Vitor. Psicomotricidade: Filogênese, ontogênese e retrogênese. 2. Ed.


Ver. e aumentada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Para que serve um andador?

Ernesto von Rückert

Existe um dispositivo chamado andador, que consiste em uma estrutura


rígida com rodízios (dois arcos interligados, um maior, próximo ao chão e
um menor, à altura do peito da criança). Esses arcos são geralmente
acolchoados e se provê um saco com ori ícios para as pernas, no qual a
criança se apoia, segurando no arco de cima, e, movendo seus pezinhos no
chão, desloca-se para lá e para cá. A intenção seria ensinar a andar. Há,
contudo, sérios inconvenientes, que contraindicam esse dispositivo. Em
primeiro lugar, ele suprime a etapa intermediária do engatinhar. Para que
a criança possa andar ela tem que desenvolver, não só a musculatura, mas
a rede neurológica que a comanda, tanto no nível corporal, quando no
estabelecimento de sinapses no cérebro e no cerebelo.

O ato de andar é uma contínua interação sensório-motora. A cada fração de


segundo, os nervos sensoriais informam o estado de pressão e equilíbrio
da musculatura esquelética e respondem com contrações e relaxamentos
de grupos de músculos para possibilitar o andar. É preciso adequar o
esforço a um objetivo consciente predeterminado. Não é nada simples e
não é inato. Todas as etapas têm que ser cumpridas para assegurar o
perfeito domínio corporal, desde o simples levantamento da cabeça
quando está de bruços até a completa locomoção a pé. A fase de
engatinhar, se suprimida, deixará de estabelecer conexões neurológicas
importantes, inclusive para o desenvolvimento da inteligência, pois nisso
tudo também se coordenam percepções auditivas, olfativas, táteis e visuais,
que se ligam ao controle motor que dirigirá o corpo para lá ou para cá.

Outra questão importante é a restrição à liberdade que o andador


acarreta. A própria formação, até da personalidade, se dá com a
exploração do mundo, na primeira infância. E a criança usa,
principalmente, ao lado da visão e audição, o tato, o olfato e o paladar. É
pegando, lambendo, mordendo e cheirando que a criança toma contato
com o mundo e forma suas estruturas mentais que o interpretam. As
noções de posição, distância, velocidade, tempo, que são importantíssimas
para a interação com o ambiente, se estabelecem na comparação entre o
que se vê e o que se toca e na percepção do tempo que se leva para fazê-lo.
O que ocorre é que as pessoas que pajeiam a criança, por comodidade,
tolhem-lhe a liberdade, para não ter muito trabalho. O ideal seria tirar tudo
que seja perigoso de seu alcance, deixando objetos lúdicos seguros para
ela manusear, fechar as portas de onde ela não possa ir (o banheiro, a
cozinha, uma escada) e deixá-la engatinhar à vontade.

O momento de andar vem naturalmente, e não é preciso icar preocupado


com o atraso em relação ao ilho da vizinha. Um pediatra dirá se há algum
problema, mas a ansiedade dos pais de que o ilho ande cedo é prejudicial.
Aos poucos ele se levantará e irá andar segurando pelos sofás e poltronas
e, em dado momento, soltará as mãos. Os pais podem e devem ajudar,
dando a mão e soltando, por momentos, mas sem pressionar. É assim que a
criança adquire a con iança, que advém da maturidade neurológica e
muscular. O andador só prejudica, inclusive por suportar o peso do tronco
no saco de pano, impedindo a musculatura das pernas de se desenvolver
para isso.

Comentários da comunidade

Comentário de Adalene: Que texto esclarecedor! Eu mesma tive que lutar


bravamente contra parentes que insistiam que deveria colocar minha ilha
no andador porque com 1 ano (‘velhinha’ já! rs) não andava sozinha,
embora tenha começado a dar seus primeiros passinhos com 7 meses e
meio. Agora, com seu texto, vi o que acontecia: conexões nervosas se
estabelecendo paulatinamente. Todo esse tempo conferiu-lhe uma
habilidade extraordinária com o corpo: quase não cai, e, quando cai, sabe
defender-se, procurando a melhor maneira de cair.

Comentário da Dra. Relva: A natureza não é tecnológica; a criança nasce


com re lexos básicos de sobrevivência e as unidades neuronais vão-se
constituindo paulatinamente em redes, conforme a atividade do brincar.
Diz Montessori que a criança é o maior trabalhador que existe, pois
trabalha sem cessar na construção de si mesma, brincando. As atividades
lúdicas por si só estimulam as sinapses, que levam à associação, que
estimula mais sinapses. Antes de socializar-se a criança precisa adquirir a
devida estrutura sequencial adaptativa, no lar, na casa, com os seus. A
dependência dos cuidados maternos é determinada pela natureza, pois o
ser humano nasce incompleto, devendo primeiro desenvolver sua vida
instintiva e depois partir para a vida em grupo. Até os três anos, a criança
não “pensa”. Ela percebe o mundo como fazendo parte dele, vivenciando as
coisas sensorialmente, sentindo-as com todo o corpo, que se ajusta ao que
é percebido e sentido.

Comentário da Flávia, mãe ocupada demais:

Ótimo texto, porque traz explicações e soluções para a


mãe ocupada: tirar tudo de perigoso do alcance da
criança, fechar as portas e deixá-la engatinhar! É assim
aqui em casa: só eu, sem ninguém para ajudar,
portãozinho na entrada da cozinha, portas fechadas,
bibelôs fora do alcance e um bebê que desde sete meses
movimenta-se pela casa toda. Desde oito meses levanta-se
com apoio e, agora com nove, arrisca os primeiros passos
segurando nos móveis. Como eu moro no Canadá e aqui
andador é proibido, não corremos o risco de meu filho
ganhar um de presente. E, mesmo que ganhasse, jamais
seria usado.
Para além do perigo: graciosidade no andar e
no falar

Quem acredita que andador não deixa marcas


negativas, nunca observou os pés de crianças que
icaram muito tempo em andador: geralmente
pisam para fora e a marcha é desgraciosa. Quem
quiser aprender mais sobre isso deveria ver o
RODA VIDA de 19.05.2008, com o coreógrafo
Ivaldo Bertazzo falando sobre estrutura corporal,
abertura do gesto e valor dos pés como apoio do
eixo corporal.

Explicou a correlação entre linguagem (


articulação da palavra na fala) e percepção
corporal, saúde e bem-estar do corpo. Antes de
botar uma criança no andador, indague-se: esta
criança será capaz de articular bem a fala e a
marcha? Como será sua percepção espacial e sua
coordenação motora? Será capaz de tornar-se um
‘cidadão dançante’? um cirurgião? um piloto
dotado de orientação espacial? um músico
sensível? um artesão criativo? Pergunte-se
também: uma criança que vive de chupeta na
boca será capaz de tornar-se um cantor/cantora,
orador/oradora, ator/atriz, com bons dentes e
boa voz?
Como escolher um brinquedo

Ana Hilda Carvalho

Analise e conheça os gostos, interesses, faculdades e limitações da criança


a quem vai oferecer um brinquedo, lembrando que as etapas de
desenvolvimento são diferentes de criança para criança. Evite comprar
brinquedos que agradam a você, dos quais a criança não participa ou que
se mostrem muito complicados. Sempre que possível, deixe que a criança
participe da seleção e compra do brinquedo e, se levá-la à loja de
brinquedos, permita que pague no caixa. Manusear o dinheiro e aprender
a contá-lo pode reforçar seu senso de responsabilidade.

Bebês de colo e que engatinham

Os especialistas concordam que até os bebês precisam de brinquedos e


que os que têm esta oportunidade dão sinais de amadurecimento mais
rápido do que os que não têm brinquedos. Estudos mostram que, desde o
nascimento, os bebês são sensíveis ao meio ambiente e revelam que ao
nascer suas percepções sensoriais respondem aos estímulos de olfato,
paladar, som, tato e visão. Os bebês aprendem com seus brinquedos
noções de tamanho, forma, som, textura e como as coisas funcionam.

Bebês menores de 18 meses

Brinquedos vistosos e leves, de várias texturas, estimulam os sentidos da


visão, da audição e do tato. Um móbile no berço diverte o bebê até que
possa apanhar objetos. Esse é o momento de dar-lhe chocalhos,
brinquedos com guizo para apertar ou um trapézio de berço para
exercitar-se. Bonecas de tecido e animaizinhos de pelúcia feitos de
materiais atóxicos são gostosos de tocar e abraçar, mas não servem para
chupar ou morder. As costuras devem ser resistentes e olhos, narizes
devem estar irmemente costurados. Também são boas opções os ios
contendo contas grandes para morder e bater, assim como brinquedos
lutuantes para o banho. Quando um bebê já consegue sentar-se está
pronto para brincar com cubos que tenham guizos embutidos ou
ilustrações, com copos ou caixas que se encaixam uns dentro dos outros e
com brinquedos ou argolas empilháveis. Nesta idade os bebês começam a
apreciar livros com ilustrações de objetos familiares. Quando a criança
começa a engatinhar ou a caminhar, os brinquedos mais estimulantes e
divertidos são os que se empurra ou puxa, como um pequeno vagão ou um
carrinho de boneca, bem como brinquedos de montar e desmontar,
bonecas e bichinhos de pelúcia. É importante que:

tenham peças grandes que não possam ser engolidas;

sejam leves para manusear;

não tenham pontas ou bordas afiadas;

sejam de cores vivas;

não sejam tóxicos.

A segurança é primordial na compra de um brinquedo. Conserve


esta lista de recomendações para consultar no momento de
compra e difunda-a entre pessoas que lidam com crianças:

Guie-se pela idade recomendada pelo fabricante e procure ler as


mensagens e advertências que aparecem na embalagem;

Leve em consideração as características da família e, sobretudo, a


idade das crianças menores. Um brinquedo desenhado para
crianças maiores é inadequado para os menores e pode,
inclusive, ser perigoso;

Seja especialmente cuidadoso ao escolher brinquedos para


menores de 36 meses. Não compre brinquedos com peças muito
pequenas que podem ser engolidas ou aspiradas, inclusive
bolinhas e brinquedos com pontas afiadas e bordas cortantes;

Assegure-se de que chocalhos flexíveis, guizos, mordedores,


sejam suficientemente grandes para não caberem por completo
na boca do bebê, mesmo quando estejam bem dobrados;

Sem levar em conta a idade da criança, se ainda põe objetos na


boca, assegure-se de que são suficientemente grandes para não
serem engolidos ou obstruírem a boca ou a garganta;

Certifique-se de que as costuras dos bichos de pelúcia e das


bonecas de pano estejam firmes e resistentes, e que olhos, nariz,
botões, laços e outros enfeites, estejam bem costurados e não se
desprendam nem possam ser mordidos;

Compre brinquedos elétricos com peças que se aquecem apenas


para crianças maiores de oito anos e ensine-os a brincar com eles
somente na presença de adultos;

Verifique que flechas e dardos tenham pontas cegas ou cobertas


com copos de sucção de borracha, cortiça ou outros materiais
protetores. Confirme se as pontas estão firmemente aderidas à
haste da flecha ou dardo;

Procure as indicações “lavável à mão ou à máquina” nos


brinquedos de pelúcia e tecido;

Se comprar um baú para guardar brinquedos, certifique-se de


que tenha tampa removível ou com dobradiças que assegurem
que a tampa permaneça aberta. Verifique se as bordas são
arredondadas, que tenha orifícios para ventilação e suficiente
espaço entre a tampa e o corpo do baú para evitar que a criança
prenda os dedos;

Atenção aos brinquedos de experiências científicas que podem


conter matérias químicas tóxicas. Atenção aos brinquedos de
atividades manuais que podem incluir instrumentos afiados,
como tesouras ou vidros;

Atenção aos artigos de natação que não sejam salva-vidas;

Atenção aos balões de ar, papagaios ou pipas;

Atenção aos brinquedos que tenham pontas e quinas agudas.

Fonte: ABRINQ
Cat on a Yellow Pillow, Franz Marc (1880-1916)
Como proteger o bebê enquanto ele
explora o ambiente

Nesta idade eles até entendem o não, mas não resistem, não conseguem
conter-se, pois precisam pegar os objetos para aprender. É mexendo nas
coisas, jogando-as no chão e vendo como elas funcionam, que eles
aprendem e se desenvolvem, enquanto crescem.

Eu desci da minha altura e saí engatinhando pela casa para procurar os


perigos, fucei gavetas e retirei todos os objetos pequenos e perigosos. Os
remédios foram para uma caixa, bem no alto em um armário na cozinha.
As tomadas todas com protetor, os cantos bicudos com protetor, o DVD
desligado da tomada, o som e a TV eu a deixo fuçar, louças e bibelôs fora
da ‘linha de tiro’. Plantas tóxicas foram para o lixo ou de presente para
alguém sem filhos pequenos.

A cozinha é ambiente proibido sem um adulto por perto; estão liberadas


apenas duas gavetas onde ela se esbalda com os potes plásticos. Banheiros
fechados e - por precaução — nada nas gavetas. Área de serviço (onde
ficam produtos diversos) trancada.

Preferi adotar essas medidas. Assim tudo icou mais tranquilo,


principalmente para a minha ilha, que “entende que a casa também é
dela” e não ica escutando “não” o tempo todo; só quando realmente
necessário. Não exija de seu ilhinho algo que ele ainda não tem como
entender ou corresponder. Quanto aos parentes: deixe claro o que você
não gosta e que a mãe é você.
É um motor afetivo

Que bate em seu coração

Por isso ele faz ron-ron

Pra mostrar gratidão.

Adriana Partimpim
Saltos de desenvolvimento

Andréia Christina Karklin Mortensen

Bebês não se desenvolvem em um ritmo constante, mas irregular. No


período que antecede imediatamente um salto de desenvolvimento, o bebê
pode sentir-se disperso devido à mudança nos sistemas perceptivo e
cognitivo. Na tentativa de readaptação, o bebê volta à base, ou seja, à mãe,
o que se re lete em períodos de maior carência afetiva. Pede mais colo e,
com frequência, o sono e o apetite são afetados. Depois de algumas
semanas, essa fase di ícil é superada e o bebê demonstra novas
habilidades. Esses períodos exigem muito carinho e paciência dos pais e
cuidadores.

Uma cronologia aproximada dos períodos de crise: cinco semanas (um


mês), oito semanas (quase dois meses), 12 semanas (quase três meses), 19
semanas (quatro meses e meio), 26 semanas (6 meses), 30 semanas (sete
meses), 37 semanas (oito meses e meio), 46 semanas (quase 11 meses), 55
semanas (quase 13 meses), 64 semanas (quase 15 meses), 75 semanas
(17 meses).

Picos de crescimento

São fenômenos que ocorrem quando os bebês começam a solicitar maior


número de mamadas do que de costume. Essa necessidade geralmente vai
de poucos dias a uma semana, seguida de retorno ao padrão de menos
mamadas. A mãe tem a sensação de não dar conta de produzir leite em
quantidade suficiente para o bebê.

Períodos comuns desses “picos de crescimento” ocorrem por volta dos 7-


10 dias, 2-3 semanas, 4-6 semanas, três meses, quatro meses, seis meses e
nove meses. Esses picos de crescimento não param no primeiro ano. Eles
podem ocorrer durante todo o crescimento da criança, e até na
adolescência (em que são mais notáveis as mudanças físicas e emocionais).

É muito importante nos períodos de pico de crescimento respeitar a fome


do bebê, ou seja, amamentar em livre demanda para que a produção de
leite da mãe se ajuste às necessidades do bebê. Nesses períodos o sono
deve mudar, pois o bebê solicita as mamadas noite e dia.

Nascimento de dentes

Sinais mais comuns da chegada dos dentes: o bebê começa a babar e a


querer morder tudo, mas nem todos apresentam esses sinais. Alguns
bebês podem apresentar febre moderada. Para aliviar a sensação de dor,
pode-se oferecer mordedores, de preferência gelados, ou até analgésico ou
pomadas para gengiva, com orientação odontopediátrica. Esse processo
poderá demorar vários dias e irá repetir-se todas as vezes que novos
dentes estiverem para romper a gengiva. O incômodo costuma ser mais
acentuado durante a noite quando o bebê está cansado e não tem
distrações como tem durante o dia.

Ansiedade de separação

A angústia ou ansiedade de separação se inicia por volta dos oito meses de


idade; é a fase em que o bebê percebe que é um indivíduo separado da
mãe. Logo, tende a solicitar muita atenção dela e chorar mais que o
habitual, principalmente quando ela se afasta. Devido à falta de noção de
permanência, essa angústia é muito acentuada. Tudo que está fora do
campo de visão não existe para ele. Nessa fase, se a mãe tiver que se
afastar, deve providenciar muito carinho, conversa, paciência e coerência
nas atitudes, para que a criança continue tendo con iança nos pais e
supere esse período de crise.

Outras mudanças
Outras mudanças na rotina tais como nascimento de irmãozinho, retorno
da mãe ao trabalho, viagens, doenças, separação dos pais, saltos de
crescimento, podem interferir no sono da criança. É preciso, além de muita
paciência, oferecer segurança à criança para que gradualmente a rotina
possa ser restabelecida.

Os chamados ‘saltos de desenvolvimento’ referem-se à aquisição de

novas habilidades e consequente reorganização do bebê. São

ajustes bilaterais, que precisam ser compreendidos para evitar

estresse de ambos os lados, bem como intervenções

farmacológicas desnecessárias ou indevidas.


As cinco leis da criança segura

1- Lei contra sufocamento

Nunca deixe sacos plásticos ou objetos pequenos ao alcance de crianças.


Inspecione os brinquedos. Veja se têm selo do Inmetro. Não a deixe brincar
com talco e outras substâncias sufocantes. Cuidado com milho de pipoca e
amendoim, sementes em geral.

2- Lei contra queimaduras

Nunca deixe crianças perto de fogão aceso, panelas e recipientes com


líquidos quentes. Cuidado com ios soltos e/ou desencapados; proteja as
tomadas. Cuidado com garrafas de álcool ou de outro produto inflamável.

3- Lei contra quedas e outros traumas

Coloque proteções em janelas e escadas. Não deixe bebê sozinho em camas


ou trocadores. Evite deixá-lo em andador. Em caso de transporte, USE A
CADEIRINHA! Observe as condições da van de transporte escolar. Conheça
o motorista. Veri ique se as crianças viajam sentadas e com cinto de
segurança. Quando a criança for embarcar ou descer, lembre ao motorista
de usar algum recuo da rua ou calçada.

4- Lei contra afogamento

Feche a tampa do vaso sanitário e a porta dos banheiros. Não deixe baldes
com água ao alcance das crianças. Jamais deixe a criança sozinha na
banheira ou perto de balde com água. Se estiver perto de piscina, vista-lhe
colete in lável; não con ie em boias nem em pedir a ‘alguém’ pra tomar
conta da criança. Basta um segundo de descuido e...

5- Lei contra intoxicação

Mantenha fora do alcance de crianças plantas e produtos tóxicos. Descarte


remédios vencidos. Guarde medicamentos de uso em caixa com tampa e
em local que ela não possa alcançar.

Para a criança, tudo é brincadeira. Ela não tem noção de perigo!

Mais informações sobre acidentes com crianças e prevenção:


www.criancasegura.org.br e www.inmetro.gov.br
Manobra de Heimlich para sufocação, que pode ser vista em:

www.utilidadepublica.inf.br/2012/03/22/guia-basico-primeiros-socorros-em-

criancas/
Prevenção de quedas e traumas
cranianos

Nunca deixar seu bebê sozinho numa cadeirinha suspensa, cama


ou cadeira, das quais seu bebê possa rolar facilmente para fora.
Coloque-o no berço ou “chiqueirinho” se você tem que deixá-lo
desacompanhado.

Não use os famosos “discos-voadores” ou andadores. Esses


equipamentos podem provocar quedas e danos sérios.

Instale grades ou redes nas janelas e cancelas/portinholas de


segurança nos locais próximos às portas e degraus.

Se você tem uma criança que está iniciando os primeiros passos,


remova tapetes, cristais e enfeites, bem como a mobília com
extremidades afiadas das áreas onde a criança estiver
brincando/andando.

Se sua criança vai brincar no parquinho, tenha certeza que há


alguma superfície amortecedora (um pedaço grosso de borracha
ou uma camada grossa de areia ou serragem) debaixo de todo
equipamento onde ela brinca.

Use assentos de segurança no carro, que sejam apropriados para


a idade e peso de seu filho até que ele possa ajustar-se
corretamente em um cinto de segurança convencional.
Tenha certeza de que seu filho sempre usa um capacete de
segurança corretamente ao pedalar sua bicicleta ou motocicleta.
Um treinamento formal em segurança de bicicleta também
poderá ajudar. Se ele pratica algum esporte mais ‘radical’,
oriente-o a usar um protetor de cabeça apropriado. Capacetes
são essenciais ao andar de skate, na patinação, na canoagem, na
prática do rapell, no ciclismo e no motociclismo (de acordo com a
idade).

Não permita que seu filho faça uso de trampolins, a menos que
sejam corretamente supervisionados.

Quando você for fazer compras, use um cinto de segurança para

fixar seu filho seguramente no assento de um carrinho de

compras. NUNCA deixe seu filho desacompanhado no carrinho, e

evite colocar a criança dentro da cesta do carrinho.

Acidentes em parques de diversão são comuns e podem ser fatais!

Criança pequena perto de piscina? Jamais! Coloque nela um colete

salvavidas.

Não confie em que ‘alguém’ estará cuidando: basta um segundo de

distração e...

Informe-se sobre existência de bomba de sucção em piscina,

que tem matado muitas crianças, sugadas pelo ralo.

Toda criança merece brincar em uma piscina


segura
Uma Lei Federal por segurança nas piscinas. É pelo
que venho lutando para que as crianças possam
brincar sem risco de ter partes de corpo ou dos cabelos
sugados pela sucção do ralo da piscina, como aconteceu
no acidente que vitimou minha ilha Flavia, há quase 14
anos. Infelizmente acidentes com ralos de piscinas são
mais comuns do que se pensa. No Brasil, pelo menos
uma pessoa morre por ano, em acidentes causados pela
sucção dos ralos das piscinas. A maioria das vítimas são
crianças.

Minha intenção não é assustar as pessoas, mas sim


alertar para o perigo dos ralos de piscinas. E
enquanto a lei não é aprovada sugiro que os pais
orientem seus ilhos a nadar longe dos ralos. Mas a lei
há de sair. Existe na lateral do blog de Flavia, um link
para a petição on-line por uma lei federal para
segurança nas piscinas. Assinar a petição é demonstrar
apoio a essa lei.

Em agosto de 2011 estive em Brasília, juntamente com


o pai de uma vitima fatal (do Rio de Janeiro) e dois
peritos em segurança de piscinas para entregar ao
relator da Lei, o deputado Federal Darcisio Perondi, um
texto com sugestões dos dispositivos de segurança que
impedem a sucção dos ralos das piscinas que tantos
acidentes vêm causando no Brasil (e no mundo). Minha
viagem a Brasília em busca dessa lei é contada na
coluna de Eliane Brum, da revista Época on-line, do dia
15.08.2011.

revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI257452-15230,00.html

Odete Souza
Banho de sol para evitar o
raquitismo

O raquitismo ainda é uma doença encontrada em alguns estados do Brasil


e pode ser evitado pela exposição diária ao sol, que promove a produção
de vitamina D, essencial ao crescimento.

Toda criança precisa de pelo menos 15 minutos de sol brando, ou seja,


antes das 10 ou depois das 16 h, diariamente e sem a utilização de
protetor solar.

Para os bebês muito novinhos, a exposição ao sol deve limitar-se ao horário


do banho de sol.

O banho de sol deve acontecer no parquinho, no jardim, em casa etc,


segundo a conveniência e possibilidade do responsável.

Mas, cuidado com exposição prolongada ao sol:

Respeitar o horário adequado, até as 10 da manhã e após as 16h;

Aplicar um protetor solar infantil adequado para a idade, pelo


menos 30 minutos antes da exposição ao sol; a criança deverá
usar camiseta e boné, ou chapéu, e ficar sob um guarda-sol;

Antes da idade de seis meses, o uso do filtro solar não é


recomendado, mesmo o protetor solar especial para bebês;
prefira a proteção física do vestuário, também respeitando os
horários permitidos para exposição;
O fator de proteção não deverá exceder o nº 30, pois acima disso
a quantidade de substâncias químicas do produto será nociva
para a criança;

Além dos cuidados para evitar a agressão solar, é importante


manter a criança hidratada durante todo o tempo de
permanência na praia ou exposta ao sol;

Para hidratar, utilizar água pura, água de coco ou chás. Sucos de


frutas podem provocar manchas e até queimaduras em contato
com a pele exposta ao sol: devem ser evitados;

O banho de mar (ou passeio no calçadão) deverá respeitar o


mesmo horário do banho de sol;

Se a praia não for poluída, pezinhos na areia são bem-vindos; a


criança adora areia e água, seus brinquedos favoritos, que ela
pega com pá e baldinho;

Uma piscininha para a criança ficar brincando é uma boa ajuda


para evitar o calor excessivo. Mesmo utilizando-se da piscina,
esta deverá ficar na sombra ou sob o guarda-sol. A soneca na
praia é permitida, nos horários recomendados e resguardada
pela sombra.

Dicas para uso de protetor:

Não convém “testar” a marca do protetor solar no bebê ou


criança longe de casa; para testar, aplique pequena quantidade
na parte interna do braço antes de sair e observe;

Aplicar com antecedência mínima de 30 minutos antes da


exposição ao sol. Renovar a aplicação a cada 2 horas ou após
entrar na água.

Ler com atenção a orientação contida no produto específico de


sua escolha, antes de utilizá-lo;

Havendo pernilongo, proteger as janelas com telas, usar


repelentes próprios para bebê;

Cremes de citronela a 1%, velas de andiroba e cortinados são


úteis contra mosquitos, principalmente onde há casos de dengue;

Para algumas crianças, gotas de complexo B afugentam os


insetos, pelo cheiro desagradável. A venda é livre, mas convém
perguntar a um pediatra. Pescadores usam uma solução de álcool
com cravos-da-índia, dizem que funciona...
A criança, esse pequeno-grande
trabalhador

Cristiane Viana

Embora não possa participar do trabalho do adulto, a criança tem um


trabalho a desenvolver, uma grande missão, importante e di ícil: a de
produzir o homem. Se do recém-nascido inerte, mudo, inconsciente e
incapaz de movimentar-se, forma-se um adulto perfeito, com a inteligência
enriquecida pelas conquistas da vida psíquica e resplandecente com a luz
que lhe é dada pelo espírito, isso se deve à criança.

O homem é construído exclusivamente por ela. O adulto não pode intervir


nesse trabalho; a exclusão do adulto do mundo da criança é mais evidente
e absoluta que a exclusão da criança do trabalho produtor da
“supernatureza” social na qual reina o adulto.

O trabalho da criança é de natureza e potencialidade muito diferentes,


pode-se dizer até mesmo oposta: é um trabalho inconsciente, realizado por
uma energia espiritual que se está desenvolvendo, um trabalho criativo
que lembra a simbólica descrição da Bíblia, na qual, falando do homem, a
escritura diz apenas que “foi criado”. Mas como foi criado? Como recebeu
essa criatura viva os atributos da inteligência e do poder sobre as coisas da
criação, embora viesse do nada? Na criança, podemos observar e admirar
esse ato em todos os seus pormenores — em todas as crianças. Nossos
olhos contemplam cotidianamente o maravilhoso espetáculo.

A criança exercita-se fazendo experiências; assim, coordena os próprios


movimentos e vai registrando as impressões provenientes do mundo
exterior, que, plasmando-lhe a inteligência, levam-na a conquistar
afanosamente sua própria linguagem à custa de milagres de atenção e de
esforços iniciais que só a ela são possíveis. Após irrefreáveis tentativas,
consegue manter-se de pé e correr.

Assim procedendo, obedece a um programa e a um horário, como o mais


diligente estudante, com a mesma constância invariável com a qual se
movimentam os astros ao longo de suas invisíveis trajetórias. Com efeito,
pode-se medir a estatura da criança em todas as idades e constatar que
atingiu os limites previstos; sabemos também que aos cinco anos ela
chegará a um novo nível de inteligência e ainda outro aos oito anos. Pode-
se prever qual será sua estatura e capacidade intelectual aos dez anos de
idade, pois ela não desobedecerá ao programa estabelecido pela natureza.

Por meio de uma atividade infatigável, feita de esforços, experiências,


conquistas e sofrimentos, de duras provas e lutas extenuantes, a criança
desenvolve progressivamente seu di ícil e admirável trabalho, atingindo
sempre novas formas de perfeição. O adulto aperfeiçoa o ambiente, mas a
criança aperfeiçoa a criatura: seus esforços assemelham-se aos de quem
caminha sempre, sem parar para repousar, a im de alcançar sua meta.
Por isso, a perfeição do homem adulto depende da criança.

Nós, adultos, dependemos dela. No campo de sua atividade, somos seus


ilhos e dependentes, da mesma forma que ela é nosso ilho e dependente
no mundo do nosso trabalho. O homem é senhor num campo, mas a
criança é amo e senhor em outro, ou seja, ambos dependem um do outro
— são reis em dois reinos diferentes. Eis a essência da harmonia de toda a
humanidade.

A criança trabalha sem cessar na construção de si mesma.


Maria Montessori

Bruno e Vítor Guirado, filhos de Michelle e Felippe Guirado, Goiânia (GO).


A chegada de um novo irmão: que
fazer?

Solicitar sua ajuda; não falar o tempo todo no bebê. Mostre-lhe


imagens das ecografias dele/dela;

Diga-lhe que ele/ela já esteve dentro de sua barriga; se tiver


imagem de US mostre para ele;

Fique com ele/ela pelo menos uma hora por dia, para conversar,
desenhar e pintar, assim ele vai extravasando sentimentos;

Leve-o para ver o céu à noite e escolher uma estrela bem grande
para ele e uma pequenininha para o irmãozinho!

Aproveite para enchê-lo de orgulho por ser o mais velho, diga


que o bebê vai precisar dele; tem que ser tudo simbólico e não
comprando coisas;

Peça-lhe para cantar, diga que ele canta bem, dê-lhe uma
guitarra de brinquedo, sempre peça pra ele cantar pra você,
elogie-o bastante;

Outra dica preciosa: Dizer a cada filho – “você é o bebê mais lindo
e mais querido da mamãe”. Naquele momento, aquele é o filho
mais lindo e mais querido da mamãe;

Assista ao filme ‘Labirinto de um Fauno’, observe a irmãzinha


conversando com o bebê que vai nascer e como canta para ele
dentro da barriga da mãe;

Ao dar a notícia, fale com entusiasmo como se o mais beneficiado


com a chegada do novo bebê fosse ele mesmo, e não o irmão que
vai chegar: “Puxa, você agora vai ter alguém pra brincar!”, “Que
bebê sortudo, vai ganhar um irmão/irmã bacana feito você!”;

Inclua-o em todos os preparativos para a chegada do bebê, desde


exames, consultas, compras de roupinhas (deixe que ele escolha
pelo menos uma ou mais!), ultrassom... Ele se sentirá importante!

Nunca estimule a criança a “escolher” o sexo do bebê, pois se vier


o contrário será um ponto negativo! (ex. diga “ainda não sabemos
o que vai ser, vamos esperar até o dia da ultra?”) em vez de
perguntar “O que você acha que vai ser? O que você prefere?”
Deixe o assunto de lado quando o maior estiver por perto,
convença-o de que qualquer sexo vai ser bom, mostre fotos para
que a criança entenda as diferenças físicas e diga que toda
criança que nasce é uma alegria;

Evite oferecer presente para entregar ao mais velho ou vice-


versa; a chegada do irmão já é um presente para TODOS;

Diga que vai precisar da sua ajuda, que ele poderá lavar os
pezinhos do bebê no banho ou pegar a fralda na hora de trocar
(parece que não, mas vai ser de grande ajuda!);

Sempre diga que o bebê vai amar o irmãozinho, pois ele é mais
forte e muito mais sabido, e que o neném vai levar muito tempo
para ficar tão esperto quanto ele;

Ensine uma música para que ele cantar com o bebê ainda na
barriga e/ou depois que o bebê nascer. Deixe-o participar das
conversas, mesmo que pareça não ser de seu interesse;

Não diga coisas negativas do tipo “Puxa, acho que terei muito
trabalho” “Não sei se fulaninho vai ter ciúmes”, na verdade certos
assuntos servem mais para estimular o subconsciente da criança;

É importantíssimo ressaltar ao filho mais velho que o bebê vem


muito pequenino, frágil e precisa de proteção até ficar forte como
ele/ela. Outra coisa importante a ressaltar é que o bebê chora
muito, pois não sabe falar, sente cólicas, precisa de colo e de
mamar. Precisa da mamãe e do irmão para cuidar dele o tempo
todo. Veja como soa diferente dizer que ‘dar de mamar não deixa
tempo para nada’;

Depois que o bebê nascer, elogie sempre o mais velho na frente


dos outros, dizendo “Ele é um ótimo irmão, cuida do bebê, ajuda
em muitas coisas, faz silêncio na hora do bebê dormir!”

Cumpra o que prometeu e inclua o mais velho todos os dias nos


cuidados do bebê. Pode parecer incômodo às vezes, mas pense
que você está formando um vínculo para a vida toda entre os
irmãos;

Tire todos os dias um tempinho só para o mais velho, mesmo que


esteja cansada. Ele também precisa de você!

Diga todos os dias “Seu irmãozinho te ama, só que não sabe


falar!!!” “Veja como ele fica feliz junto de você! Ele gosta quando
você fala baixinho, né?!” (importantíssimo: crianças não sabem
fazer silêncio.);

Deixe que o filho mais velho pegue o irmão no colo pelo menos
uma vez por dia, e explique que isso só pode ser feito quando
você está por perto;

Uma dica ótima que vem do Canadá, pela Flávia Oliveira Mandic: levar o
bebê à escolinha do mais velho para a turma conhecê-lo e ‘ajudar’ a criá-lo.
Lembre-se de que logo, logo, o bebê estará grandinho e aí não será
possível ‘consertar’ o estrago. Não impeça esse vínculo tão lindo, mesmo
difícil!

Tópico da PR, editado por Kelly Cristina Reges e Dra. Relva


Meu irmão camarada

Dra. Relva

Irmãos compartilham o habitat uterino e o DNA, nascem em tempos


diferentes, e privam do mesmo convívio familiar. Nem sempre são amigos,
embora possam ser ótimos companheiros dos sobrinhos. Nos relatos
bíblicos, há irmãos inesquecíveis, desde Abel e Caim. Jorge Luís Borges
reconta a história dessa dupla com algumas variações, em uma parábola
sobre remorso e compaixão. Abel, ainda com a testa marcada pela pedra,
diz não saber quem dos dois fez mal ao outro: “Se tu, matando-me, ou eu,
perseguindo-te como um fantasma desde o paraíso perdido até o im dos
tempos”. Caim responde: “Já que é assim, irmão, então eu te perdoo, mas tu
também me perdoes”. Abel diz nada ter a perdoar, pois nem se lembrava
mais da ofensa fraterna.

Outra dupla marcante são os gêmeos Esaú e Jacó, assim descritos na


Wikipédia: “É uma história do livro de Gênesis, parte integrante da Bíblia.
Trata da relação entre os ilhos gêmeos de Isaque e Rebeca. Segundo a
tradição, o ilho primogênito tinha direitos exclusivos, e Esaú nascera
primeiro. A mãe tinha preferência pelo mais novo, Jacó, chegando a urdir
um plano com ele, para enganar o velho pai, que já não enxergava bem.
Rebeca ajudou Jacó a passar-se pelo irmão e roubar-lhe o direito de
primogenitura, o que criou uma inimizade irreconciliável entre os gêmeos.
A história inspirou o livro de Machado de Assis, que também relata a
rivalidade entre irmãos gêmeos, que teria começado desde o útero”.

José tinha dez irmãos e a mania de sonhar: “Eis que sonhei que o sol, a lua
e onze estrelas inclinavam-se ante mim”. O sonho causou profunda inveja
nos irmãos, que o venderam como escravo ao Egito. Lá, ele tornou-se
Ministro da Fazenda e Conselheiro do Faraó, fazendo previsões sobre
pragas de gafanhotos e vacas magras. Acabou rico, pela sabedoria e
prudência. Os irmãos choraram a traição de tê-lo vendido: “Nós, na
verdade, somos culpados no tocante a nosso irmão, porquanto vimos a
angústia da sua alma e não o quisemos atender”. José acabou perdoando-
os, voltando com eles à terra natal. O tema foi atualizado por Thomas Mann
no romance José e seus irmãos.

Segundo a mitologia, Castor e Pólux eram ilhos de pais diferentes, um dos


quais era Zeus, pai de Pólux, que lhe concedeu imortalidade. Devido à
profunda amizade de um pelo outro, foram transformados na constelação
de Gêmeos, tornando-se inseparáveis para sempre. O candomblé considera
que se reencarnaram nos santinhos doceiros, Cosme e Damião. Jasão — o
criador dos Argonautas — teve o trono usurpado pelo irmão. Os gêmeos
Rômulo e Remo foram criados por uma loba, mas o primeiro matou o
segundo e tornou-se rei de Roma. Os Irmãos Karamazov de Dostoievski —
a maior obra da história, segundo Freud — versa sobre o assassinato do
pai por dois irmãos, sendo Ivan o mentor e Aliosha o executor, aliados no
terrível crime.

Para Lacan, o ciúme infantil impressionou, desde há muito tempo, os


observadores: “Eu vi com os meus olhos, diz Santo Agostinho, e observei
bem um pequeno tomado de inveja: ainda não falava e já olhava, pálido e
com rosto amargurado para seu irmão caçula” (Con issões, I, VII). “Mas o
grupo familiar dos irmãos, aduz ele, diversos em idade e sexo, é favorável
às identificações mais discordantes do eu”.

Mesmo irmãos arrelientos apoiam-se entre si, dão-se conselhos,


emprestam dinheiro um ao outro, tornam-se felizes compadres. Não
existem mais as grandes famílias patriarcais, embora algumas fortunas
ainda se distribuam entre vários herdeiros consanguíneos. No interior é
menos raro encontrar famílias com cinco ou mais irmãos. Mas a classe
média urbana, centrada no casal, restringe a prole a um ou dois ilhos, por
motivos econômicos, deslocamentos para o trabalho e falta de apoio de
parentes próximos.

A chegada de um irmão desencadeia temores primitivos quanto à


sobrevivência: Terei que dividir o alimento/seio com o recém-chegado?
Terei que disputar atenção e o colo da mamãe, pois não sou mais o rei do
pedaço? Serei superado em inteligência, beleza, saúde? Passarei fome ou
frio? E meus brinquedos, terei que dividir com ele? Quanto tempo minha
mãe passará comigo, agora que esse competidor exige todos os cuidados
dela? O teatrólogo Augusto Boal admite que invejava o irmão de clavícula
quebrada: “Nunca confessei, vai agora: eu tinha inveja do meu irmão
porque ele tinha quebrado a clavícula e eu nunca. Clavícula quebrada dava
um status danado, na infância: só pessoas de coragem acima de qualquer
suspeita tinham o direito de quebrar a clavícula e enfaixar o tórax.
Prestígio. Eu, pobre-diabo, nunca quebrei nem o dedo do pé”...

Um filme japonês de Kore Eda – Ninguém pode saber - mostra o mais velho
cuidando dos irmãos, abandonados que foram pelo pai. A mãe consegue
um local para eles, mas lá não se admite que morem famílias grandes. Os
ilhos chegam escondidos em malas e não podem sair, para não serem
descobertos. Após algum tempo a mãe também resolve deixá-los. Akira, de
12 anos, assume a tarefa de cuidar da casa e dos irmãos. É uma réplica da
história de João e Maria, os irmãozinhos abandonados na floresta.

Estudos recentes demonstram o papel estruturador dos irmãos sobre a


personalidade e coesão dos demais, já que icam mais tempo em casa que
os pais, e lhes sobrevivem. O ilho único ‘adota’ um amigo de fé que lhe faz
o papel fraterno de protetor e con idente. A eterna pergunta de Caim:
“Acaso sou eu o guarda do meu irmão?” encontra, nos tempos modernos,
sua resposta; os estudos revelam que é ‘Sim’. Mas, após assistir ao ilme
“Uma prova de amor”, em que os pais geram uma irmã para ser doadora
de órgãos à outra, gravemente enferma, a resposta talvez seja: Sim, com as
devidas ressalvas e limites.

“Os modelos vinculares decorrentes da relação fraterna,


tais como ambivalência, rivalidade, sentimentos
amorosos, necessidade de reparar, impulso de domínio,
sujeição ao irmão e outros, tendem a se repetir ao longo
da vida nos vínculos com outros pares. Em geral, os
irmãos têm um conhecimento recíproco, consciente, e
também - em grande parte -inconsciente, do
funcionamento psíquico uns dos outros, por terem
vivenciado juntos sentimentos e conflitos, ao longo do
tempo, na intimidade da vida familiar. Em cada irmão,
perdurará uma “memória” desses acontecimentos
familiares. Mesmo que, ao crescer, cada um dos irmãos
siga um caminho diferente, a experiência da intimidade
compartilhada deixará sua “marca” no inconsciente de
cada um deles. O conhecimento da intimidade do outro
irmão continuará sendo um legado e um ponto de
referência para a própria identidade. O vínculo fraterno,
portanto, não é um simples derivado do vínculo com os
pais, mas tem vida própria”.
Ivan e Leco: irmãos camaradas...

Referências Bibliográficas

GOLDSMID, Rebeca e FERES-CARNEIRO, Terezinha. A função fraterna e as


vicissitudes de ter e ser um irmão. Psicol. rev. (Belo Horizonte) online. 2007,
vol. 13, n. 2, pp. 293-308. ISSN 1677-1168.

pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1677-11682007000200006&script=scj_arttext acessado
em 01.01.2012

Leitura técnica recomendada:


Entendendo a Rivalidade Entre Irmãos – T. Berry Brazelton - Joshua D.
Sparrow, Artmed, 2005.

Existe a função fraterna? Maria Rita Kehl - Função fraterna. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2000.

Dicas de leitura para os pais:

Irmãos ciumentos, irmãs egoístas, escrito e ilustrado por R. W. Alley,


Editora Paulus, s/d

Irmãos sem rivalidade: o que fazer quando seus ilhos brigam, Adele Faber
& Elaine Mazlish / Editora Summus, SP, 2009

Para crianças com seus pais:

Vou ganhar um irmãozinho, (de Mymi Doinet, Ed. Girassol.)

Uma garotinha participa da gravidez da mãe. Mostra que, ao participar do


processo ao lado dos pais, é mais fácil encarar um novo irmão/ irmã como
diversão e não como problema. Também ressalta que o irmão mais velho
pode assumir importante missão na família, como ajudar a escolher o nome
do bebê.

Quero Ser Meu Irmãozinho (Sandra Saruê, editora Melhoramentos)

Mostra o desa io de Guigo, 6 anos, em lidar com o nascimento do caçula. De


tanto ciúmes, o menino decide se transformar em bebê. Ele vai perceber
que as coisas não são tão fáceis quanto parecem.

O Que é Que Eu Faço, Afonso? (Sônia Barros, Editora Atual)

Conta o drama de Clara, 6 anos, que acredita ter perdido o amor dos pais
por conta do nascimento do irmãozinho. Seu único amigo é o urso de
pelúcia Afonso. Ela sente tanto ciúmes do bebê que começa a torcer para
que ele não exista mais. No entanto, quando o pequeno ica doente, a
menina logo se arrepende da ideia.

Vou Ganhar um Irmãozinho (Kes Gray, Panda Books)

Explica – com a ajuda de ilustrações superlegais de Sarah Nayler - como o


bebê se desenvolve na barriga da mãe e como a vida de toda a família se
transforma com sua chegada.

Criando irmãos felizes e amigos (Jan Parker & Stimpson, editora Best Seller,
2008)

As autoras dão dicas sobre relacionamento harmônico entre irmãos,


oferecendo insights para ajudá-los a aceitar e respeitar as diferenças,
desenvolver o afeto mútuo e aprender a se divertir juntos, criando uma
base sólida desde a infância para um relacionamento que vai durar toda a
vida.

E agora? Vão tomar o meu lugar! Ed. Salamandra, SP, 2004.

“O irmão e a irmã desempenham importante papel na


constituição do sujeito, maior do que a disputa pelo amor
materno/paterno pode sugerir. O ciúme tem importância
na construção da personalidade na medida em que o
outro permite, a cada um dos irmãos, definir-se melhor,
através da percepção do jogo das semelhanças e
diferenças entre si.” Goldsmid, Rebeca – Op. Cit.

Rivalidade entre irmãos é frequente e precisa ser trabalhada

para evitar sofrimentos desnecessários.


Montagem digital da escultura de Gustav Vigeland, em Oslo, mostrando a hostilidade entre irmãos
Pais, amigos na separação

Liana Lara

A segurança emocional dos ilhos de casais em processo de separação é o


principal desafio para a futura qualidade de vida dos envolvidos.

O primeiro passo requer a busca de orientação legal e, ao mesmo tempo,


garantir a estabilidade dos ilhos em relação aos vínculos com seus pais. A
separação acontece entre o casal, mas não deve fragmentar seus princípios
de união e apoio aos filhos.

A garantia de estabilidade aos ilhos envolve o pagamento de pensão


alimentícia, um sistema de visitação adequado para as partes, mas, acima
de tudo, uma amizade pós-separação entre os cônjuges, que consiga
transmitir o respeito mútuo e para com os ilhos. Atitude que trará de volta
o respeito deles para com seus pais, apesar da separação da família.

Para os ilhos resultantes do casamento em crise, o pai continuará sendo o


pai e a mãe continuará sendo a mãe, e de preferência com a mesma
imagem de “pai herói” e “mãe consoladora” que eles tiveram sempre;
portanto, uma vez dividido este núcleo familiar, é de primordial
importância a preservação do relacionamento saudável, de forma a evitar
maior ruptura da estabilidade emocional das crianças envolvidas.

Atualmente é comum a dissolução do casamento ou da relação estável com


ilhos ainda na primeira infância, idade compreendida, em uma de inição
de amplo espectro, entre zero e três anos.

Nesses casos, a transição para o novo estado civil dos pais deve excluir o
menor de toda e qualquer manifestação de rancor, crítica ou comentários
depreciativos de qualquer um dos pais, na presença ou perto da criança.
Apesar da tenra idade, a compreensão está a todo vapor; gestos e
movimentos corporais são poderosos recursos de linguagem e
comunicação nessa fase.

É importante manifestar claramente para os ilhos que os pais estarão


separados, mas continuarão a amá-los da mesma forma, evidenciando isso
mediante um tratamento amistoso, que ajudará a diminuir o impacto da
separação.

Não adianta falar que existe amizade quando a conversa é em voz alta e
carregada de ameaças. O compromisso com a verdade é necessário o todo
tempo. Não se deve prometer à criança coisas impossíveis de cumprir,
mesmo que seu desejo de que os pais não se separem esteja sendo
obviamente contrariado.

De modo geral, aplicam-se tais regras para crianças em qualquer idade,


destacando que na adolescência o ilho percebe a separação como um ato
de abandono e desamparo: “meus pais se separaram e iquei solto no
mundo”. É necessário o acompanhamento emocional pelos pais, diálogo,
suporte, atenção.

Como praticar o exercício de “cultivar” a amizade após a separação, com


aquela pessoa que em muitos casos desperta sentimentos de raiva,
humilhação e constrangimento? Pela própria vontade de proporcionar
equilíbrio aos filhos.

Busque ajuda pro issional com advogado ou terapeuta capacitado, se o


diálogo não transcorrer de forma civilizada. Não discuta detalhes da
separação legal no ambiente familiar nem perto dos ilhos ou parentes
próximos. Essa exposição será negativa para as partes, que poderão ser
criticadas ou corrigidas naquilo que é assunto apenas deles.

Deve-se focar a mente em manter a vida dos ilhos equilibrada e protegida.


Vida pessoal não deverá mais ser confundida com os assuntos da família
separada. Pre ira encontrar-se sempre nas salas de reuniões dos
advogados contratados ou em restaurantes ou outros locais públicos, para
favorecer atitudes discretas e comedidas, pois é di ícil manter-se calmo e
tranquilo em momentos de crise.

Não traga opiniões alheias para as conversas sobre a separação. Mesmo


que alguma das partes pesquise informações paralelas, na hora de
estabelecer o acordo de separação demonstre apenas o resultado de suas
ideias e vontades. Todas as cláusulas devem ser decididas pelos dois, com
assistência do/s advogado/s contratado/s.

Aceite abrir mão de alguma coisa em favor de manter o clima amigável.


Negocie para que aconteça um desfecho equilibrado entre ambos, quanto
ao patrimônio e pensão de alimentos. Lembre-se de que a separação pode
acarretar diminuição do poder aquisitivo ou do status social, pois o que
antes era convertido em uma só receita, agora será dividido para duas
casas, dois núcleos.

Se houver esforço pelo tratamento amigável durante a primeira fase da


separação, é certo que depois de resolvido o trâmite legal, as partes se
sentirão mais capacitadas para manter esse comportamento, o que irá
favorecer o equilíbrio e ajuste dos ilhos à nova condição de ilhos de pais
separados.

Lembre-se que ao ceder em algum ponto você não estará sendo humilhado
(a) ou desprezado (a) e sim evitando que seus ilhos se sintam
abandonados ou desamparados por seus pais. E conquistarão, com isso,
paz de espírito, respeito e racionalidade para administrar a nova vida.

É possível preservar o amor entre os membros de uma família que se


separa. O bem-querer e o respeito entre os ex-casados são saudáveis não
somente para os filhos, mas principalmente para os próprios.

O casal que se separa com respeito e honra aos votos que um dia
pronunciou mutuamente, poderá estar em crise, mas terá uma separação
menos sofrida. Se a expressão “até que a morte os separe” não é mais
realidade para o casal, lembre-se que para a família é. Preserve, então, a
família, aumente o respeito, ame seus filhos e viva feliz.
Proteja seu filho!

Dra. Relva

1. DE ACIDENTES DOMÉSTICOS, EVITANDO ‘ARMADILHAS’ E PONTOS


PERIGOSOS: quinas de móveis, escadas, porta de banheiro e vaso
com travas, idem na porta da geladeira, panelas quentes, remédios
e produtos de limpeza fora do alcance. E de acidentes no trânsito:
use a cadeirinha até os 7 anos e depois o cinto de segurança.
Verifique o transporte escolar, as condições em que a criança é
transportada e o modo de embarque / desembarque.

2. DA TV: ela pode ser sua aliada, mas não deve ficar no quarto, onde a
criança fique assistindo sozinha, imersa acriticamente em temas
que não lhe são adequados, assimilando atitudes e comportamentos
que lhe causarão prejuízo. E que, principalmente, alteram sua visão
do mundo, com monstros e figuras esquisitas, príncipes e princesas
sedutores que nada acrescentam a seu imaginário. Além do mais, a
TV exacerba o consumismo infantil e contribui para a erotização
precoce. As sociedades de pediatria recomendam que se adie a
exposição à TV pelo menos para após os dois anos de idade.

3. DA INTERNET: criança não deve ter acesso irrestrito à internet: o


computador deve ser compartilhado. O excesso de horas na internet
tira a vontade de ler, escrever, pensar e até mesmo de interagir
com a natureza. Você precisa ter controle da situação, pois a criança
é vulnerável demais para selecionar o que lhe convém. Controle o
uso de videogames violentos, geradores de ansiedade,
hiperatividade e insônia. TV e PC podem favorecer ou agravar a
obesidade.
4. DA INDOLÊNCIA: ensine-o desde cedo a guardar suas roupinhas e
brinquedos, selecione uns poucos, troque-os de vez em quando, não
faça do quarto uma loja de badulaques.

5. DA MARCAÇÃO CERRADA: a criança tem necessidade de ficar só, sem


comandos e gritos e/ou controle pelo celular. As ordens devem ser
pessoais, interativas, buscando integrá-lo à casa como parte da
família, não como um estorvo. A atual mania de vigilância à distância
causa ansiedade e tolhe a espontaneidade.

6. DA FADIGA INTELECTUAL SEM A CONTRAPARTIDA FÍSICA: a criança


precisa de jogos corporais, atividades desportivas e/ou circenses e
brincar ao ar livre. O domínio do corpo lhe é mais necessário que
falar inglês precocemente.

7. DA EROTIZAÇÃO PRECOCE: nem tudo na TV vale a pena ver de novo.


Danças e atitudes de adultos não são para crianças.

8. DA HIPOCONDRIA, de remédios em demasia e de exames invasivos


apenas para matar sua curiosidade.

9. DA OBESIDADE: evite comprar alimentos calóricos, não recompense


nem castigue seu filho por meio de comida, não faça da sobremesa
um prêmio, não ceda à tentação da pizza noturna, das tortas e
recheios. Reduza espetacularmente a compra de açúcar, óleo,
salgadinhos e empanados. Seja exemplar, comendo mais frutas e
verduras. Em matéria de boa alimentação, menos é mais!

10. DE PEDÓFILOS: ‘eles’ estão por perto, ou dentro de casa ou são


conhecidos. Pessoas em quem a criança costuma confiar. Ensine-a a
se resguardar de toques de qualquer pessoa, adulto, adolescente,
parentes ou estranhos. Em caso de ‘noite do pijama’, procure
conhecer a família e seus componentes, quanto à segurança e
respeito à integridade da criança. Proteja-a de abusos de qualquer
natureza por parte de parentes, amigos, conhecidos e
desconhecidos, por palavras ou atos. Leia “Segredo Segredíssimo”,
que ajudará você a entender e lidar com essas questões.
Os riscos da TV para a criança

Dra. Relva

Segundo o Prof. Waldemar Setzer, coisas e brinquedos devem ser


oferecidos à criança conforme sua idade, para que ela tenha direito à
imaginação, a admirar a natureza e o mundo sem a ajuda de monstros,
espantalhos e caricaturas. Cabe aos pais cuidar da integridade e segurança
dos ilhos, não os expondo aos perigos do trânsito, do fumo, das drogas e
da droga da TV. O mundo das telas deixa as pessoas - e mais ainda as
crianças - em estado de hipnose acrítica contínua, que as torna incapazes
de pensar, de estruturar a percepção e de manter atenção sustentada. Por
esse motivo, são incapazes de prestar atenção às aulas, pois julgam o
professor ‘ultrapassado’ pelas tecnologias. Riscos: passividade e/ou
hiperatividade, obesidade pelo baixo gasto energético + comida
passivamente ingerida.

Recomendações:

1. Não expor crianças abaixo de 2 anos à TV nem a vídeos;

2. Não deixar TV nem computador nos quartos:


excesso de imagens mata a imaginação;

3. Vigiar o uso, adiar ao máximo o acesso à internet, controlar acessos que


devem ser feitos com supervisão dos pais;

4. Internet não é para crianças, que ficam expostas aos predadores da


infância. Criança não precisa de computador tão cedo;

5. criança precisa de brinquedos simples: quanto mais simples o


brinquedo maior o uso da imaginação;

TV perturba o sono! À noite, procure fazer um ritual de conversar ou


contar estorinhas à luz de uma lâmpada fraquinha; a criança ica relaxada
e con iante, dormindo tranquilamente, pois não passou o dia
hiperestimulada pela TV. A obscuridade é necessária à produção da
melatonina, hormônio do sono.

Se quisermos deter a permissividade que assola nossas crianças temos


que abolir as telas, diz o Prof. Waldemar Setzer. Podem argumentar que
isso é fora de contexto, que é impossível viver sem TV, ok. Então, pensem
no monte de crianças hiperativas, erotizadas, consumistas e ‘sem limites’. A
luta é desigual entre o dragão televisivo e a educação que os pais
conseguem proporcionar. Caso não tenham coragem de aboli-la, pelo
menos reduzam as horas que seu ilho ou sua ilha perdem em frente à TV.
O que eles aprendem? Que as relações humanas são fundadas em levar
vantagem (sabidos x panacas); a resolver tudo na pancada; a sonhar com o
shopping e montes de sacolas como sendo o grau máximo de felicidade; a
se excitarem precocemente com os longos beijos, amassos e relações
sexuais quase explícitas, até em programas da tarde. A gritar com os pais,
a tripudiar sobre os amigos, a praticar bullying, a usar o deboche e a ira
quando contrariados. A TV mostra às crianças a banalização do mal, da
violência, da traição conjugal, da esperteza, do ardil nos relacionamentos,
incita ao alcoolismo como ‘natural’: nas propagandas e em todas as
novelas, há sempre alguém comemorando com champanhe ou cerveja, ou
‘relaxando’ com seu copo de whisky. Ela aprende também a acreditar que
carro + velocidade + álcool = sucesso e poder.

Mais informação: www.tvcultura.com.br/rodaviva

Tags: Waldemar Setzer, pedagogia Waldorf, antroposofia.

Se você achou a proposta dele ‘careta’, veja entrevista de Brad Pitt,


explicando porque seus ilhos têm acesso bem restrito à internet; o mesmo
cuidado tem a Julia Roberts.

Referência Bibliográfica

Direitos da criança e do adolescente em face da TV , de Antonio Jorge Pereira


Jr.
Reversible Head with Basket of Fruit – Giuseppe Arcimboldo (1527-1593)
CAPÍTULO 5 – ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA

FRUTAS SÃO UM LUXO DA NATUREZA


Doutor, meu filho não come!

Meire Gomes

Esta queixa é uma das mais frequentes nos consultórios de pediatria. As


mães que são muito ansiosas têm grande expectativa de solução rápida e
imaginam potentes remédios que serão receitados ao ilho ou técnicas
milagrosas que trarão o resultado esperado. Pela multiplicidade e
complexidade das questões envolvidas, o problema é de difícil abordagem.

Confesso que até hoje nunca tive problemas com a alimentação do meu
filho, excetuando-se – claro - em época de nascimento de dentes ou doença.
Mas percebo que sou uma afortunada. Ou talvez tenha aprendido a lidar
melhor com isso em decorrência do que aprendi pesquisando sobre o sono
e, consequentemente, sobre o universo infantil e sua delicada relação com
os pais.

Embora a alimentação seja voltada para a sobrevivência, é, principalmente,


um ato de relacionamento do indivíduo com o mundo. A relação que ele vai
estabelecer com a alimentação ao longo de toda a vida é fruto da dinâmica
das primeiras relações que esse bebê criou com a mãe, com a família e com
tudo que estava a seu redor.

Para o bebê, a alimentação é o momento de contato afetivo e vínculo com a


mãe. Daí a importância de se avaliar o vínculo mãe- ilho e todos os
possíveis fatores que possam estar determinando ou interferindo nessa
relação.

A alimentação da criança é fundamental não só para o seu crescimento e


desenvolvimento geral, mas também como fonte de experiências psíquicas
e condicionamentos socioculturais. Sendo assim, na maioria das vezes, as
soluções não são tão simples, até por que as mães não estão dispostas a
reconhecer, ou entrar em contato, com problemas envolvendo a relação
mãe-filho no contexto familiar.

Levando-se em consideração todos esses aspectos, os problemas


relacionados à alimentação da criança poderiam ser evitados ou mesmo
reduzidos desde os primeiros momentos de vida do bebê, se os pais
icassem atentos ao processo da amamentação e ao estabelecimento do
vínculo mãe-filho [Madeira & Aquino, 2003].

Outra questão importante na alimentação dos ilhos são os hábitos


familiares. Com o advento dos fast foods, a comensalidade – ato de comer e
beber juntos – está se extinguindo cada vez mais nas famílias modernas.

A comensalidade faz parte de nossas mais sagradas memórias. A


hospitalidade e a convivência chamam para a mesa. A comensalidade é um
sinal de paz e de acolhida. Ao redor da mesa se faz nossa humanidade.
Lembramos a mesa do convívio, da acolhida, do estar bem entre pessoas
que queremos bem. O ser humano não somente integra a natureza, mas
deve-se entregar a ela, à sua dinâmica, beleza, trabalho e vitalidade, mas...
Já diz o ditado: “Saco vazio não para em pé”. Infelizmente não há como
andar e progredir somente na horizontal. Enquanto houver vazio na
barriga, uma representação da falta de solidariedade e cidadania, a paz
não permeará o planeta [Leonardo Boff in: Virtudes para outro mundo
possível Vol. III: A comensalidade: Comer e beber juntos e viver em paz].

Mais do que uma necessidade isiológica, o ato de alimentar uma criança é


um ato de amor. É preciso alimentar com amor e de amor. O amor é o mais
importante aperitivo, o mais eficiente remédio e o mais nutritivo alimento.

Referências Bibliográficas

Madeira, I. R.; Aquino, L. A. Problemas de abordagem di ícil: “não come” e


“não dorme”. Jornal de Pediatria — Vol.79, Supl.1, 2003.
Falta de apetite

A falta de apetite pode ser causada por alguma doença e como regra geral,
a maioria das doenças agudas acompanha-se desse sintoma. A anemia e a
infecção urinária, por exemplo, podem ter como único sintoma a falta de
apetite, porém no geral, esta é uma das principais queixas não
relacionadas à doença relatada pelos pais e responsáveis.

Uma criança normal passa por vários períodos caracterizados de recusa


alimentar. As principais causas são:

Fisiológica
Fisiológica signi ica normal, isso mesmo, a falta de apetite pode fazer parte
do desenvolvimento da criança. A criança passa por períodos que
chamamos de estirão, onde há maior velocidade de crescimento e menor
ganho relativo de peso e passa por períodos de repleção, nos quais ica
mais “cheinha” e ganha menos estatura. Por volta dos 6-7 meses de idade,
aquele bebê que aceitava tudo, passa a “dar trabalho” para comer. Nessa
fase, rompem os dentes e a velocidade de crescimento e ganho de peso cai
um pouco. Por volta dos 10 meses, o bebê volta a comer melhor e quando
começa a andar, é apresentado a um mundo cheio de novidades para
explorar e é natural que se “esqueça” um pouco de comer. E assim
continuam as “fases”. Algumas crianças têm peculiaridades: não têm
apetite pela manhã, comem quase nada no almoço, lancham mais de uma
vez durante a tarde, jantam bem e ainda pedem leite durante a noite.
Outras crianças comem pouco em todas as refeições, outras
caracteristicamente pulam uma refeição. Outras fases comuns: a fase do
ovo, a fase do macarrão instantâneo, a fase do arroz de leite, a fase do
feijão preto — eles elegem uma comida e a exigem todos os dias. Ainda
temos um outro padrão: a criança que alterna a fome, passa uns dias
comendo bem e outros comendo mal.

Comportamental
Essa causa de falta de apetite não relacionada à doença é familiar. A
atitude dos pais perante a alimentação da criança produz a recusa
alimentar. É um problema complexo e muitas vezes necessitamos de apoio
psicológico. É di ícil para a mãe ver seu ilho recusando a alimentação, o
que leva ao início de uma “guerra” na hora da refeição — refeições são
ofertadas à força, o que gera um sentimento negativo na criança, que
relaciona a refeição a algo ruim. Sendo assim, a fase de recusa não passa e
sim se perpetua, nascendo assim um ciclo estressante para toda a família
— a mãe insiste em calcular como insu iciente o alimento recebido e o
problema piora ainda mais. A grande maioria dessas crianças ganha peso e
tem estatura normal, prova que estão comendo o que precisam, mas não o
que as mães acreditam ou querem que precisem. No geral colocam muita
comida no prato e oferecem refeições com intervalos muito curtos. Uma
variação de falta de apetite comportamental é relativamente frequente: a
criança percebe o quanto é importante para a mãe que ela se alimente
bem e passa a usar a recusa como forma de chamar a atenção. É por isso
que outras pessoas, como babás e avós, conseguem alimentar bem a
criança, que também come melhor na escolinha. Elas usam desse arti ício
inconscientemente, como uma forma de punir as mães pela ausência
durante as horas destinadas ao trabalho ou como uma forma de obter mais
carinho e atenção.

Falsa falta de apetite


“Doutora, ele não come nada, ele fecha a boca e não come!”, diz a mãe. O
pediatra avalia a criança, aquela coisa fofa, com peso acima da média. Olha
para o pai, que lhe diz: “Doutora, ele toma 4 mamadeiras de mingau de
madrugada e outra quando dorme de manhã e outra quando dorme à
tarde!”. Essa é uma das situações mais frequentes, a criança recebe
calorias, muitas vezes até em excesso, e por comodidade, perpetua as suas
fases de recusa alimentar. Fica plenamente satisfeita: Por que comer se eu
tenho mamadeiras à vontade durante a noite e quando cochilo? É uma das
situações mais di íceis, porque requer uma disciplina que não foi imposta
no momento correto.

O que fazer?

Vamos considerar aqui apenas as crianças saudáveis:

Problemas a corrigir
a) Relativos às mães, pais e avós: aprender um pouco mais com a própria
criança, respeitando seus limites e aceitando as “fases” com
naturalidade e paciência, desde que a criança cresça e não mostre
deficiências como anemia e outras carências alimentares. A família
precisa, junto ao pediatra, buscar a origem do comportamento e
encontrar as falhas para prevenir a perpetuação do fisiológico e
contribuir com a reeducação alimentar prescrita. Muitas crianças
precisam literalmente passar fome e até perder algum peso para
que a reeducação aconteça. Lanchinhos fora de hora e mamadeiras
durante o sono e a madrugada, além de comidas liquidificadas são
os maiores problemas.

b) Relativos à criança que usa recusar para chamar a atenção da família:


buscar atividades familiares mais frequentes, não só praia,
shoppings, parquinhos e teatros, mas atividades caseiras, como
brincar de massinha de modelar, desenhar, teatrinho. Isso estimula
a criança e faz com que sinta a família mais presente. Outro ponto
importante é que se evite a exposição do sentimento de ansiedade
perante a recusa alimentar. Caso a criança não queira comer
naquele momento, o ideal é pular a refeição, dando algo mais
substancial no horário relativo à refeição seguinte.

c) A prevenção e tratamento de maus hábitos alimentares começam durante


os primeiros meses de vida. Até os 6 meses de vida, a alimentação
básica do bebê é o leite materno. A alimentação complementar,
iniciada a partir do sexto mês, deve ser gradual, com muita
paciência e respeitando os horários habituais de sono e apetite da
criança, procurando, dessa forma, manter uma rotina. Uma leve
insistência na oferta é aceita, com moderação, até a criança se
habituar aos novos sabores. Famílias que substituem as refeições
não aceitas por mamadeira estão gerando um hábito errôneo que
vai se solidificar mais à frente. Essa fase, que vai até os dois anos de
idade, é a mais importante da vida alimentar da criança.

Mesa com frutas e queijos, Jan van Eyck (1390-1441)

Reeducação Alimentar
Após 1 aninho de idade, entram os lanches mais variados. Os iogurtes,
leites achocolatados, biscoitos recheados e outros devem ser restritos ao
horário de um dos lanches e sempre que possível devemos evitar que
sejam ofertados com frequência. Filhos de pais de classes sociais mais
desfavorecidas raramente têm falta de apetite — isso provavelmente se
deve ao fato de sofrerem fome, o que produz o entendimento precoce do
real valor da comida. Felizmente nossas crianças não sofrem de falta de
comida, o que lhes dá o “luxo” de recusarem alimentação, dada a certeza
de obtê-la tão logo desejem. Nesse ponto, a fome é algo que nos ajuda a
reeducar a alimentação dos pré-escolares.

Vamos lá:
a) Evitar substituir refeições não aceitas por leite ou vitaminas: “pule” a
refeição. “Mas Doutora, vou deixar a criança com fome?”. Sim, com
um pouco de fome, que deve aparecer de verdade somente uma ou
duas horas depois. No início, a criança pode até recusar a segunda
refeição também, mas com o condicionamento, ela vai perceber que
a mãe não vai ceder, que não haverá mamadeira e ela ficará com
fome se não aceitar o almoço.

b) Não dar leite dormindo: Durante o sono, a taxa de metabolismo é menor,


ou seja, a criança gasta menos energia. Assim sendo, as calorias
ficam acumuladas e bloqueiam o apetite quando a criança está
acordada. Durante todos esses anos de consultório, já tenho a
estatística: uma semana de choro durante toda a madrugada, pais
sonolentos e cansados, depois tudo se acalma e a criança passa a
jantar adequadamente e acorda com alguma fome pela manhã.

c) Horários fixos de refeição: Isso é fundamental. Evitar lanches fora de


hora. Os horários podem ter espaços maiores ou menores, conforme
a criança:

Desjejum: Leite + Cereal + Fruta.

Cardápio alimentar da família: Cuscuz, ovo cozido, torradas,


requeijão light etc.

Lembrete: Muitas crianças têm pouco apetite pela manhã e isso não
deve ser motivo de conflito à mesa.

Lanche da manhã, em casa, por volta das 9 horas: opcional, só deve


ser dado se a criança aceitar: suco de fruta, de preferência ácida,
ou gelatina. Para a escolinha: Ver a disponibilidade de geladeirinha
para manter o lanche. Podemos mandar suco de frutas como
goiaba, pêssego, maracujá, com cenoura ou acerola. Alguns sucos
em embalagem tetrapak (“caixinha”) contêm poucos aditivos
químicos e seriam saudáveis, não fosse o excesso de açúcar .
Alimentos como achocolatados e iogurte devem ser evitados no
lanche da manhã. Além do suco, podemos adicionar biscoitos
salgados ou doces, sanduíche frio (pão de forma com queijo ou
requeijão), bolo caseiro, banana passa, pipoca de arroz cateto etc.

Almoço: Seguir, de preferência, o cardápio da família, com a TV


desligada, e mastigando bem cada porção. O ambiente deve ser
tranquilo, a criança pode ser parabenizada quando comer bem,
mas jamais deve ser agredida ou sentir-se inferiorizada em caso
contrário. Interromper uma brincadeira interessante para o
almoço, às vezes, é uma má ideia; daí a mãe pode participar da
brincadeira e arrumar um jeitinho de inalizá-la, para evitar que a
criança comece a comer “ligada” no que estava fazendo. Isso é uma
arte, não há um manual infalível; cada família deve estudar a
melhor forma de conduzir as refeições principais, evitando sempre
que o horário seja fonte de estresse para a criança.

O prato deve ter quatro componentes:

Vegetais — na forma de purês, ou salada cozida.

Massa — Arroz ou Macarrão.

Feijão, Ervilha, Lentilhas ou Grão de Bico.

Fonte de proteínas — ovo de galinha ou codorna, frango, ígado,


carne de vaca, peixe, proteína texturizada de soja.

Lanche da tarde: deve ser feito uma vez e em horário estipulado.


Os assaltos à geladeira e aos potes de biscoito devem ser
desestimulados. O lanche é a hora da bagunça. Procuramos algo
atraente para compensar a rigidez dos horários e a seriedade do
almoço, porém evitando os salgadinhos de pacote e sucos com
muitos aditivos químicos. Preferir sempre que possível os lanches
caseiros, evitando ofertar iogurtes corados diariamente.
Leite com chocolate em pó (de preferência batido em casa) e
biscoito ou waffler;

Suco de frutas com bolo caseiro, feito com leite desnatado;

“Vitamina”: leite batido com frutas;

Salada de frutas;

Barra de cereais com chocolate;

Leite com sucrilhos;

Iogurte;

Leite gelificado;

Pudim;

Pão torrado com queijo;

Frutas com cereais e chocolate em pó.

Jantar: Sopa de legumes, macarrão instantâneo: só com temperinho caseiro


ou sanduíche natural.

Ceia: leite ou iogurte, ofertado com a criança acordada, caso solicite.

Lembrete: Escovar os dentinhos após a ceia é obrigatório!


Vegetarianismo e crianças

Meire Gomes

No processo evolutivo da espécie humana ocorreram pressões ambientais


que culminaram numa capacidade de aproveitamento de várias fontes de
alimento para subsistência. O homem é onívoro, ou seja, é preparado para
digerir e absorver alimentos de origem animal e vegetal. Dependendo dos
costumes locais, a forma de alimentação do homem pode parecer curiosa
para quem está a quilômetros de distância ou em outros países. Dietas que
para nós parecem exóticas e até repugnantes, fazem parte da rotina de
outros povos. Não temos necessidade de ingerir toda a opção gastronômica
do mundo para nos mantermos saudáveis. Uma boa dieta deve fornecer
nutrientes em equilíbrio, de forma a satisfazer as demandas de nosso
organismo. mantendo o ritmo de crescimento e desenvolvimento das
crianças e os requerimentos nutricionais dos adultos.

Há evidências de que dietas equilibradas, sejam elas vegetarianas ou


onívoras, garantem igualmente as necessidades nutricionais do ser
humano (1), com discreta vantagem da dieta vegetariana no quesito
prevenção de doenças crônico-degenerativas (13). Vegetarianos ou onívoros
que recebem para sua dieta vantagens não vistas na outra estão
igualmente desinformados. Nutrição não é religião, é ciência. Trabalha-se
com evidências e não com crenças. Mais importante do que a pessoa não
comer é o que ela come.

O índice de anemia é similar entre os dois grupos, contrariando o mito de


que vegetarianos são anêmicos(5; 13). Não há consenso se há diferença na
expectativa de vida entre os que escolhem ser vegetarianos e os que se
mantêm onívoros, mas há evidências de que a qualidade de vida dos
vegetarianos seja melhor(2). São pesquisas di íceis de avaliar, pois pessoas
vegetarianas habitualmente têm nível sócio-econômico e cultural maior
que a média dos indivíduos onívoros e não sabemos até que ponto
podemos creditar essa qualidade de vida à dieta ou à maior acessibilidade
dos indivíduos vegetarianos aos meios que garantem melhorias na
qualidade de vida, como o acesso aos cuidados de médicos e nutricionistas.
O fato é que as pessoas devem ter suas escolhas respeitadas e não
sofrerem marginalização pela equipe de saúde por suas opções não
convencionais. O desconhecimento(4) e a falta de respeito à diversidade
gera mitos di íceis de serem trabalhados por nascerem justamente de um
meio onde deveriam ser combatidos.

Se a família é vegetariana e manifesta o desejo de criar seus ilhos


mantendo a rotina alimentar da família, deve ser apoiada e, se necessário,
uma avaliação com nutricionista pode ser indicada. Não trataremos aqui de
dietas restritas como a dos frugívoros (alimentação exclusivamente com
frutas) nem das dietas macrobióticas ou outras baseadas em meta ísica,
pois não há evidências de que sejam bem indicadas para a criança(5; 10).

A motivação para uma dieta vegetariana pode ser religiosa, ilosó ica (11),
uma forma de protesto contra a matança de animais (7), simplesmente uma
questão de paladar ou de saúde. Em alguns países a motivação é
econômica. Há pessoas que se sentem mais dispostas quando excluem
determinados itens de sua dieta, e entre esses itens, as carnes podem fazer
parte. A irmações de que pessoas que comem carne são mais agressivas
ou que pessoas vegetarianas são mais pací icas não têm respaldo cientí ico.
No geral, pessoas vegetarianas têm um comportamento “light”, não
necessariamente ligado à dieta, mas provavelmente ao seu estilo de vida. A
mesma a irmação cabe para pesquisas que mostram que crianças
vegetarianas têm QI superior(9), mas a análise metodológica desses estudos
não nos parece mostrar validade na conclusão. Não há elementos que
levem à conclusão satisfatória de que exista diferença entre o QI de
crianças sem desnutrição por tipo de dieta(12). Não julgamos interessante
uma família que não tem hábito vegetariano querer impor ao ilho uma
dieta vegetariana.

Natureza morta com maçãs – Paul Cézanne (1839-1906).

1. Quais são os tipos de dietas vegetarianas?

O que há em comum entre as diversas formas de vegetarianismo é a


exclusão de todas as carnes, inclusive peixes e frutos do mar. Descreve-se
um grupo de semi-vegetarianos, formado por aqueles vegetarianos que
eventualmente consomem peixe ou outro tipo de carne.

Vegans: São os vegetarianos restritos. Na sua dieta não há


nenhuma fonte de origem animal;

Lactovegetarianos: Admitem o uso de leite de vaca e derivados


em sua dieta;

Ovo-lacto-vegetarianos: Além do leite de vaca e derivados,


admitem o consumo de ovos.

2. Uma criança pode manter-se saudável sendo vegetariana?

Sim, e uma criança com dieta onívora também pode se manter saudável,
desde que ambas sejam equilibradas, sem de iciência de vitaminas e
outros elementos (como ferro e zinco). O estímulo ao aleitamento materno
é fundamental para qualquer criança, assim como as medidas de higiene, o
estímulo ao desenvolvimento, o afeto da família e os cuidados preventivos
de saúde, como as vacinas. Não é só a dieta a responsável por uma infância
feliz e saudável(8).

3. Quais os cuidados adicionais para prevenir a deficiência de algum


nutriente?

Toda criança, independentemente da dieta que recebe, deve ter


seguimento clínico regular com seu pediatra, que vai avaliar as condições
gerais de saúde, seu crescimento e seu desenvolvimento. Crianças com
dietas especiais, como crianças com doença celíaca, diabetes, alergias
alimentares e crianças vegetarianas (3; 5), podem requerer auxílio de um
nutricionista até a família se adequar à rotina necessária para garantir as
necessidades da criança.

O crescimento de crianças vegetarianas, inclusive vegans, segundo a


American Dietetic Association apoiada pela Academia Americana de
Pediatria(5) é similar ao de crianças nutridas por outro tipo de dieta que
tenha um planejamento igualmente adequado. Dietas com restrições
severas podem retardar o crescimento.

A desvantagem da dieta vegetariana na infância se encontra em dietas


vegans no primeiro ano de vida, pela di iculdade de se ofertar uma
adequada cota calórica. Curiosamente, a cota proteica que é a maior
preocupação leiga e de alguns pro issionais de saúde, não tem saldo
negativo nos vegans. Uma combinação de vegetais e grãos fornece
proteínas adequadas para o crescimento de crianças e lactentes. Indicamos
um seguimento com nutricionista experiente para adequação calórica
quando a família não admite o uso de leite, derivados e ovos.

A vitamina B12 é encontrada apenas em alimentos de origem animal (8). A


de iciência de vitamina B12 é rara entre vegetarianos não estritos. Muitos
produtos como iogurtes, biscoitos, achocolatados, cereais infantis, o leite de
soja industrializado e outros alimentos são acrescidos de vitamina B12. O
leite de soja em fórmula para lactente seria um grande aliado, mas entre os
vegans pode existir resistência ao uso de alimentos produzidos por
algumas multinacionais. Há indicação de suplementação desse elemento
caso a criança não faça uso de alimentos fortificados.

A suplementação de vitamina D só está indicada nos caso de crianças


privadas da luz solar e em vegans de etnia negra. O conteúdo de ferro em
dietas vegetarianas é satisfatório. A baixa biodisponibilidade do ferro de
origem vegetal é compensada pela ingestão de frutas ácidas, que
aumentam a absorção do ferro (5; 6; 13). Não há relato de de iciência de zinco
em crianças vegetarianas além do encontrado na população geral.

A ingestão de cálcio na dieta vegetariana é tão boa quanto na dieta onívora.


Em crianças vegans, se não houver consumo adequado de vegetais
folhosos escuros e nozes, um suplemento de cálcio pode ser necessário. O
consumo de leite e derivados feito pela maioria das pessoas vegetarianas
garante a cota necessária de cálcio, se a quantidade requerida não for
obtida através dos folhosos.

Algumas referências:

(1)
www.eatright.org/cps/rde/xchg/ada/hs. xsl/home_4635_ENU_HTML.htm
(2)
www.eatright.org/cps/rde/xchg/ada/hs. xsl/nutrition_8053_ENU_HTML.htm
(3)
www.eatright.org/cps/rde/xchg/ada/hs.xsl/home_4051_ENU_HTML.htm
(4)
www.centrovegetariano.org/index.php?article_id=342
( 5 )
Manual of Pediatric Nutrition, 4th edition —American Academy of
Pediatrics
(6)
Adolescent Vegetarians: How Well Do Their Dietary Patterns Meet the
Healthy People 2010 Objectives? Perry CL, McGuire MT, Neumark-
Sztainer D, Story M. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156:431–437
(7)
The vision of vegetarianism and peace: Rabbi Kook on the ethical
treatment of animals History of the Human Sciences 2004 17: 69-101
(8)
American Journal of Clinical Nutrition, Vol. 78, No. 1, 3-6, July 2003
(9)
BMJ 2007; 334:216-217
(10)
Canadian Medical Association Journal, Vol 156, Issue 10 1454-1455
(11)
Amato, PR, Partridge SA. The new vegetarians: Promoting Health and
Protecting Life. New York, 1989.
(12)
Dwyer JT, Miller LG, Arduino NL, et al. Mental age and I.Q. of
predominantly vegetarian children. J Am Dietet Assoc
(13)
www.scielo.br/pdf/rbepid/v9n1/11.pdf

4. Onde encontro receitas?

4.1 Livros

Cozinha Vegetariana. Autora: Carolline Bergerot. Editora Cultrix


Lar Vegetariano . Autores: Ivonete do Amaral Dias Nakashima e
colaboradores. Editora Cultrix

4.2 Internet

www.vegetarianos.com.br/receitas.htm
www.vegetarianismo.com.br/
www.livrodereceitas.com/vegetarianas/index.html
br.geocities.com/vv_receitas/index.htm
www.vidyayoga.org/vegetarianismo/receitas/
Desencane com a comida

Andréa Voute

Nutrição sempre foi assunto de meu interesse. Eu costumava ler sobre o


tema e ter algum cuidado na escolha dos alimentos. Procurava saber o que
faz bem à saúde, de preferência retardando o envelhecimento e mantendo
a boa forma. Durante a gravidez, o interesse aumentou e mudou de foco. A
alimentação precisava ser — ao mesmo tempo — leve e bem completa, o
que estivesse faltando viria em forma de desejo ou cápsulas... A lista negra,
por outro lado, crescia, incluindo delícias como chocolate e vinho, quando a
ansiedade pedia por isso. Com a amamentação, veio a preocupação, além
de fome e sede avassaladoras. Uma criança em formação acelerada e uma
fábrica de leite, ambos precisam de muito combustível, e de boa qualidade.
Ver aquele frágil bebezinho chorando enquanto eu era bombardeada com
mil palpites sobre gases, fezes, vômito e leite foi a fase mais confusa para a
mãe novata. Meses depois, vieram as famosas papinhas, e aí a nutrição
passou a me ‘escravizar’, tamanho o perfeccionismo com que eu elaborava
o cardápio. Então, pensei: “Chega de tantas teorias, vou criar minhas
próprias regras!”.

COMECE PELO ÓBVIO. Todos nós sabemos que o excesso de


açúcar, sal e gordura devem ser evitados. Para compensar isso
sem perda do sabor, comecei a usar ervas e especiarias e a
procurar as frutas da estação, naturalmente doces. Quando
diminuímos sal e açúcar aos poucos, o paladar adapta-se; quando
criança, eu acrescentava cinco colherinhas de açúcar no
achocolatado, que hoje misturo com chocolate em pó por achá-lo
muito doce. Adoro cereais matinais, mas me recuso a comer algo
que se parece mais com ração de cachorro ou comida de
passarinho do que de gente.

BUSQUE CONSUMIR TUDO O MAIS NATURAL POSSÍVEL. Já é


enorme a quantidade de produtos químicos que consumimos, mas
dá para resgatar costumes simples como espremer uma laranja ou
plantar salsinha no vaso, garantindo assim umas vitaminas e o
sabor inigualável do alimento fresquinho. Procuro conhecer os
ingredientes “vilões”, como a gordura vegetal hidrogenada, os
realçantes de sabor e os corantes. Alguns alimentos recebem carga
excessiva de agrotóxico, como o tomate, o pimentão e o morango.
Procuro, pois, consumir os orgânicos.

EVITE ‘MISTUREBAS’. Assim, a digestão será mais leve e com


melhor aproveitamento dos nutrientes. Nas refeições principais,
uma única fonte de amido e uma proteína animal automaticamente
me motivam a comer mais salada. Nos lanches intermediários,
procuro comer uma coisa só, somente manga ou outra fruta ou um
tipo de biscoito, por exemplo.

VARIE AS COMBINAÇÕES. Como são muitas e divergentes as


teorias, para nós, reféns do tiroteio de informações, não vejo outra
saída senão variar os alimentos ao máximo.

Continuo achando a alimentação importante, especialmente nos primeiros


e nos últimos anos de vida, só não quero icar cheia de manias. Em caso de
festas, viagens e outras situações especiais, abro várias exceções e invado
a lista negra sem culpa.
Natureza Morta – August Macke (1887-1914)
Por que param de comer com um
ano?

Flávia Oliveira Mandic

O motivo dessa mudança por volta do primeiro ano é a diminuição da


velocidade do crescimento. No primeiro ano, os bebês engordam e crescem
mais rapidamente do que em qualquer outra época da sua vida
extrauterina. Durante o segundo ano, o crescimento é muito mais lento:
uns nove centímetros e um par de quilos. Mas a energia necessária para
crescer diminui de forma espetacular e o resultado é que muitos bebês
necessitam comer o mesmo ou menos. Segundo cálculos de especialistas, os
bebês de um ano e meio comem pouco mais que os de nove meses. Os pais,
não informados deste fato, fazem um cálculo aparentemente lógico: “Se
com um ano come tanto, com dois comerá o dobro”. Resultado: a mãe
tentando dar o dobro de comida a um bebê que precisa da metade ou
menos. O conflito é inevitável e violento.

Por um motivo ou outro, muitas crianças continuam sem comer até o início
da adolescência. Então, quando o lento crescimento dos anos anteriores se
transforma na espichada, os moleques sentem um apetite insaciável e para
espanto e alegria de suas mães assaltam a geladeira e metem tudo o que
encontram dentro de um sanduíche.

Fonte: Mi nino no me come, Dr. Carlos González.


Comentário: se há outro bebê menor na casa, na

idade em que comer é prioridade, a comparação é

inevitável; a criança maior usará disso para se

fazer notar, recusando a comida...

Outros tópicos com textos traduzidos (créditos Flavia Mandic, Bel Kock e
Fernanda Mainier):

O que posso fazer para aumentar meu leite?

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=2597352077504017733

A Crise dos 3 Meses

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=2594142828548322629&amp

Amamentação à la carte

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=2597120933101565253&amp

Introdução de Sólidos

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=5208126348896830905&amp

O problema das alergias

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=5209224314336380345&amp

Por que o bebê não quer comer?

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=5217731016757151161

O Ferro e a Anemia em Bebês


www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=1651309&tid=5231645847318417661&amp

Quando a mãe trabalha fora

www.orkut.com.br!CommMsgs.aspx?cmm=52101&tid=5236949144275846585
O ovo é inocente

Dra. Relva

De uns tempos para cá, todo mundo deu para se preocupar com o
“colesterol”, sem ao menos saber do que se trata. O colesterol é substância
essencial ao funcionamento do organismo, já que é componente precursor
dos hormônios e sem ele não haveria regulação do metabolismo nem
caracteres sexuais. A mania de alimentos “corretos” é um transtorno
obsessivo-compulsivo chamado “ortorexia”: a pessoa não só não come
qualquer coisa como ainda fica de olho no que você come.

Claro que é importante saber o que se come e para quê, mas há tendências
e modismos que não contemplam todos os fatores envolvidos. No quesito
alimentos x cardiopatias, o grande vilão é o sal (cloreto de sódio), que eleva
os níveis da pressão arterial, mas pouca gente tem para com ele o devido
cuidado. Só recentemente o Ministério da Saúde passou a veicular essa
observação para o público. O antídoto do sal (sódio) é o potássio,
encontrado nos vegetais, principalmente nas frutas. Fala-se muito em
vitaminas, radicais livres etc., mas o potássio fica esquecido.

Outro vilão é a gordura hidrogenada (trans), encontrada em alguns pães,


roscas, coberturas de tortas, sorvetes, maioneses e outros alimentos
considerados “inocentes”. O terceiro e grande vilão alimentar contra a
saúde é o açúcar, responsável pelas cáries dos brasileiros e pelo
incremento da obesidade ou da grave síndrome metabólica. As bolachas
recheadas de creme, as tortas de chocolate e bolos confeitados estão entre
os promotores da obesidade infantil.

Na França, Itália e Grécia, come-se muito e bem, mas a incidência de


doenças cardiovasculares é menor que no resto do mundo ocidental,
devido ao “fator mediterrâneo”: ingestão de azeite e vinho tinto, em
refeições demoradas e prazerosas.

Os fatores necessários à saúde geral e a do coração poderiam ser


resumidos assim:

Exercício físico, pelo menos caminhada, diariamente;

Reduzir o sal, açúcar e gorduras da alimentação em casa e na


escola;

Comer muita fruta e verdura, para ingerir mais fibra e potássio;

Não se esquecer dos famosos seis copos diários de água;

Temperar a comida com bastante alho, cebola e azeite;

Tomar suco de uva diariamente. Ou chá verde e de gengibre;

Comer peixe pelo menos uma vez na semana;

Fazer as refeições devagar, mastigando bem, e em ambiente


sossegado;

Além disso, aproveite para desligar-se dos noticiários trágicos da

TV; e aprimorar a respiração – (faz um bem!). Claro que fumar

anula todos esses itens.

Não é necessária uma alimentação exótica ou fora do comum. Alimentos


“normais”, de todos os dias, são excelentes para a saúde. Nosso feijão com
arroz tem sido adotado até pela Casa Branca. E o ovo? Todo mundo hoje diz
ter “medo” de comer ovos. Pois o falecido João Paulo II comia seis ovos
diariamente, por recomendação médica, para aguentar sua vida intensa e
extenuante. O ovo é considerado o alimento de melhor custo/bene ício:
contém ferro, cálcio, vitaminas e proteínas. Luiz Fernando Veríssimo brinca
que quer de volta todos os ovos que lhe foram proibidos indevidamente.

E é isto que a galinha vive cacarejando, desde que o mundo é mundo:

— O ovo é inocente! O ovo é inocente!

Ilustração de Kate Greenaway (1846-1901)


Dicas de livros de culinária para
crianças e adultos

A arte da comida simples, de Alice Waters, Editora Agir - Notas, lições e


receitas de uma revolução deliciosa, 2007.

A conversa chegou à cozinha – de Rita Lobo, Ediouro, SP, 2008.

A Saúde da Cozinha – Hábitos e Receitas para uma Vida Saudável , de Ferran


Adrià, Editora Senac-SP, 2012

Bagunça na cozinha – Kiki Farkas, O 1º livro do aprendiz de cozinheiro, Ed.


Callis.

Céu da boca: Lembranças da Infância, Edith M. Elek, Ed. Ágora.

Em defesa da comida, M. Pollan. Ed. Intrínseca.

Hambúrguer: uma história global. Andrew Smith, Senac, 2012.

Natural – simples, saudável, saboroso. Alain Ducasse, Senac, 2012.

Panelinha - receitas que funcionam , da Chef Rita Lobo, Editora Senac, 2010
www.panelinha.com.br.

Professoras na cozinha – Laura e Marilena de Souza Chauí, Ed. Senac, SP,


2002.

Saúde e sabor com equilíbrio - receitas infantis , de Roseli Rossi e Juliana


Rossi.
Super Baby Food (Second Edition, Revised) by Yuth Yaron, Barnes & Noble,
NY, 2003. “Tudo sobre alimentação para bebês após os 6 meses”.

Vamos para a cozinha, de Betty Kovesi & Gabriela Martinoli.

100 Receitas para bebês de 6 a 12 meses , de Christine Bailey, Publifolha, SP,


2010.
Tabus alimentares

Dra. Relva

Apesar de estarmos no século XXI, cercados de tecnologia por todos os


lados, as funções corporais, no que tange à alimentação e à maternidade,
ainda são permeadas de tabus. Quando se procura alguma explicação,
deparamos com medos inexplicáveis que têm raízes históricas, religiosas
ou econômicas. Da era colonial, herdamos o medo de misturar frutas com
leite, coisa que era divulgada pela casa grande, a im de poupar o leitinho
dos senhores e excelentíssimas famílias.

O termo “reimoso” (que provoca reações alérgicas) é ligado a certos peixes


gordurosos e à carne de porco. Mitos tão fortes que ainda hoje encontram
defensores, contra qualquer evidência. Banana? De dia é ouro, de tarde é
prata, de noite mata! Melancia quente dá dor de cabeça. Abacate não pode!
Ovo? faz mal. Escutar isso num país de gente carecida de melhor
alimentação é de fazer chorar.

Tanto são temidos os alimentos “quentes” ou indigestos, quanto os frios


(gelados, sorvete, picolé). O sorvete foi inventado na China e levado por
Marco Polo para a Itália, pelo século 15, juntamente com o macarrão. Os
dois soberbos alimentos se aclimataram tão bem em terras italianas que se
tornaram sua marca registrada. Seu único “perigo” são as calorias.

Estamos perdendo a conexão com a simplicidade e beleza dos alimentos, e


passamos a temê-los. Comida está imbricada com lembranças da infância,
da mãe, dos pais, da casa, dos irmãos. Comer faz parte de nossos mais
remotos hábitos. Não há festa sem comes e bebes. O ilósofo Luiz Felipe
Pondé chama a atenção para os novos xamãs, os nutrólogos de todas as
linhas, que autorizam ou condenam o que podemos/devemos comer ou
deixar de comer. Por isso foi surpreendente ver, num desses programas
matinais de saúde, dois especialistas a irmando que ‘todo alimento é bom’
e que cada região do nosso país tem seus hábitos alimentares adequados,
que vão desde a banana frita do norte à carne de sol com macaxeira do
nordeste, passando pelo pão de queijo e frango com quiabo de Minas, a
pizza de São Paulo e o misto quente ou torrada de Porto Alegre.

À abelha não interessa

o pedigree do mel

Para ela, qualquer trevo

na campina é o céu...

(Emily Dickinson)

Felizmente, nosso organismo também não se interessa pelo pedigree do


que comemos, pois a leitura que ‘ele’ faz é muito simples: se tem C de
carbono (energia dos carboidratos e gorduras), N de nitrogênio (proteína),
A de água e S de sais minerais. De onde vieram, como vieram? Não
interessa. A ‘máquina’ recolhe e processa tudo pacientemente...

Diz Rubem Alves: “Pessoas há que, para ter experiências místicas, fazem
longas peregrinações para lugares onde, segundo relatos de outros, algum
anjo ou ser do outro mundo apareceu. Quando quero ter experiências
místicas, eu vou à feira. Cebolas, tomates, pimentões, uvas, caquis e
bananas me assombram mais que anjos azuis e espíritos luminosos.
Criaturas encantadas. Seres de um outro mundo. Interrompem a mesmice
do cotidiano. Pimentões brilhantes, lisos, vermelhos, amarelos e verdes.
Ainda hei de decorar uma árvore de Natal com pimentões”.

Hoje as pessoas selecionam os alimentos como se estivessem numa


farmácia. Os alimentos que a natureza nos oferece são variados e se
completam entre si harmonicamente. Ela tem horror ao excesso e ao vazio:
nem tanto à fome nem tanto à obesidade. Os frutos da terra, do ar e do mar
estão aí para nosso prazer e proveito. Quando você quiser saber se algum
alimento lhe convém, consulte suas lembranças infantis, suas papilas
gustativas e as sugestivas receitas da culinária.

A melhor comida é aquela que traz lembranças felizes da infância.


Dez passos da alimentação segura,
segundo o Ministério da Saúde

1. Pelo menos até os seis meses, ofereça ao bebê apenas leite materno. O
leite materno dispensa qualquer outro tipo de alimento, inclusive
água, sucos e chás.
2. A partir dos seis meses, você pode introduzir outros alimentos na dieta
do bebê, de forma lenta e gradual. Mas não abandone a
amamentação: ela é fundamental até os dois anos de idade.
3. Se for necessário intercalar a amamentação com outros alimentos, a
partir dos seis meses, faça opção por cereais, tubérculos, carnes,
frutas e legumes. Eles podem ser oferecidos três vezes ao dia, nos
intervalos da amamentação.
4. A alimentação complementar deve ser oferecida de acordo com os
horários de refeição da família, em intervalos regulares e de forma
a respeitar o apetite da criança.
5. A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e
oferecida com colher. No início, a consistência deve ser pastosa, no
formato de papas ou purês.
6. Depois dos dois anos, ofereça à criança diferentes alimentos ao dia. Uma
alimentação variada é uma alimentação colorida.
7. Estimule o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições.
8. Evite açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e
outras guloseimas, nos primeiros anos de vida. Use sal com
moderação.
9. Cuide da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garanta
armazenamento e conservação adequados.
10. Estimule a criança a se alimentar, mesmo quando ela estiver doente.
Ofereça o cardápio habitual e seus alimentos preferidos,
respeitando a sua aceitação.

Ministério da Saúde

Qual comida mais evoca sua infância?

Qual sua receita preferida?


Cavalete de leitura – Lord Frederick Leighton (1830-1896)
CAPÍTULO 6 – HORA DA ESCOLA
Creches e pré-escolas:
tudo que você quer e precisa saber

Alessandra C. Xavier

Não teve jeito. A creche foi a única saída. No primeiro momento, a mãe
desespera-se, chora, às vezes não dorme – tamanha é sua ansiedade. Mas
não há necessidade de um drama tão sério. Veremos ao longo do capítulo,
que esse lugar tão “impessoal” não é tão ruim assim.

Em primeiro lugar, a creche não é um depósito de crianças. Em segundo,


não é em qualquer fundo de quintal que é permitido abrir uma creche. E
mais, não é qualquer um que pode trabalhar no estabelecimento. Há ainda
condições impostas pelo MEC e Ministério da Saúde para a abertura desse
tipo de estabelecimento educacional.

Escolhendo a creche/escola ideal

Não existe creche/escola perfeita. Essa é a regra número 1!

Nem sempre a creche/escola perto da sua casa é a ideal. Às


vezes, vale a pena algum deslocamento, pois a escolinha é o
alicerce para todas as aprendizagens acadêmicas, sociais, afetivas
e psicológicas;

Converse com outros pais da creche/escola;

Observe as crianças da creche/escola. Veja se elas estampam


uma carinha feliz. Isso é muito importante;

Pergunte sobre a proposta pedagógica da escola e seus


procedimentos de rotina! Veja se é coerente, com fundamentação
teórica sólida. É importante que ela trate de algumas questões
básicas: brincadeiras livres e dirigidas, cuidado diário,
alimentação balanceada, respeito à criança e seus direitos,
relação escola/família, construção da leitura e da escrita, da
lógica-matemática;

Observe a limpeza e a circulação de ar do estabelecimento. Peça


para conhecer a cozinha, os banheiros infantis e dos adultos;

Pátio grande não é sinônimo de boa escola, e nem a touca na


cabeça da berçarista, ou o serviço de toalheiro e de bufê
contratados. Existem creches que utilizam esses serviços para
impressionar, muitas vezes tirando o foco principal: o trabalho
pedagógico da escola. Isso não chega a ser um “defeito” e
também não quer dizer que a creche/escola seja ruim. O ideal é
que esses dois aspectos sejam conjugados;

A legislação diz que deve haver um adulto para cada três


crianças. A maioria das creches obedece a essa regra, mas na
prática, é muito difícil. Imagine dar conta de três ou quatro bebês
sozinha! Questione a creche sobre esse aspecto;

Observe se o mobiliário e o material pedagógico são adequados à


faixa etária e o estado de conservação. É importante que não
ofereçam perigo e sejam certificados pelo Inmetro;

Espaço para brincadeira simbólica, para as brincadeiras de


regras e brincadeiras livres;
Respeito às diferenças. Além da lei, é uma maneira de formar
cidadãos conscientes e solidários;

Limpeza e organização de uma rotina sólida e estruturada;

Espaço para diálogo da família com a escola e vice-versa;

Um espaço acolhedor e seguro, onde se instigue a curiosidade


frente ao mundo que cerca a criança;

E, finalmente, confie na sua escolha. Se você se sentir segura, seu


filho sentirá o mesmo e sua ida para a escolinha será mais feliz!

Divisão mais comum das “séries”, por faixa etária:

Até a conquista da marcha com segurança, é Berçário.

Geralmente, a partir de 1 ano, Maternalzinho;

2 anos, Maternal;

3 anos, Jardim 1;

4 anos, Jardim 2;

5 anos, Jardim 3;

6 anos, CA (a partir de 2010, esta ‘série’ faz parte do Ensino


Fundamental, com o ‘nome’ de 1º ano).
Garota com um barquinho – Pablo Picasso (1881-1973)

A distribuição de “séries”, bem como sua nomenclatura,

pode ser diferente, porém os objetivos finais de cada faixa etária

precisam ser respeitados.


Profissionais que devem integrar a equipe da creche-escola:

Professores com, no mínimo, o Curso Normal de nível médio, com


preferência pelos graduados em Pedagogia, com habilitação em
Educação Infantil;

Coordenadoras (de gestão e pedagógica);

Os outros funcionários devem ter concluído, no mínimo, o Ensino


Fundamental;

Auxiliar de enfermagem;

Auxiliares de turma;

Berçarista (na proporção de 1 funcionária para cada 3 bebês);

Cozinheira/Lactarista;

Nutricionista;

Pediatra (opcional);

Psicólogo (opcional);

Recreadora;

Professor de Educação Física, Música, Psicomotricidade


(opcionais, mas importantes).

A qualidade da relação é que faz a diferença. Se o vínculo da mãe com seu


ilho é forte, não há o que temer. Ela é e será sempre sua referência, seu
primeiro objeto de amor. Mesmo com uma boa relação da criança com a
berçarista e com a escola, o brilho nos olhos e o sorriso iluminado se
mostrarão com a chegada da mãe para buscá-la. E não tem nada mais
gostoso que um olhar de felicidade do filho para sua mãe!
Referências Bibliográficas:

XAVIER, Alessandra C. Creche: Espaço de aconchego ou de con lito? .


Monogra ia apresentada para obtenção de Licenciatura Plena em
Pedagogia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2002.
Pedagoga graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, UNIRIO; Especialista em Psicopedagogia Diferencial na Educação
Inclusiva: Diferenças na Aprendizagem, pela Ponti ícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio; Professora de Educação Infantil com 10
anos de experiência em Creche-Escolas do Rio de Janeiro.

Algumas dicas que colaboram no processo da educação infantil:

Manter comunicação constante. As conversas fazem parte da


educação.

Dizer à criança que ela só será atendida se pedir em tom de voz


normal.

Evitar uso de personagens da televisão para amedrontar ou


punir os filhos.

Não voltar atrás.

Dispor de algum tempo diário para se dedicar aos filhos, com


carinho, brincadeiras etc.

Evitar contradição entre os pais. A criança se sente confusa e


dividida.

Os pais são o modelo a ser seguido. Pense que tipo de modelo é o


seu.

Não acredite que o tempo, por si só, dará jeito na situação. Não
haveria sentido em existir a educação.

www.escolamundoverde.com.br
Brincadeira de roda – Hans Thoma (1839–1924)

“A disciplina rigorosa da maior parte dos nossos colégios


sempre me desgradou. Menos prejudiciais seriam se a
inclinassem para a indulgência. São verdadeiras prisões
para cativeiro da juventude, e a tornam cínica e
debochada antes de o ser. Ide ver esses colégios nas horas
de estudo: só ouvireis gritos de crianças martirizadas e de
mestres furibundos. Como seriam melhores as classes se
juncadas de flores e de folhas e não de varas
sanguinolentas!”

Michel de Montaigne, (1533-1592),


foi um dos primeiros filósofos a se debruçar sobre a
educação infantil.
Mãe, o Tunico me mordeu!

Andréia Christina Karklin Mortensen

MORDIDAS NA ESCOLINHA – Meu ilho Lucas foi mordido seis vezes na


escolinha. Eu e meu marido icamos muito preocupados e frustrados (mais
do que o Lucas, que parecia nem se importar). Decidimos fazer uma
pequena pesquisa em vários sites americanos (moramos nos EUA) e
brasileiros, e acabei redigindo o texto abaixo com informações resumidas e
parte do conteúdo das conversas que tivemos com as professoras e
diretora da escola.

Background

Todas as crianças passam pela fase das mordidas. Estima-se que 10-15%
de crianças de um a três anos de idade tenham uma grande tendência a
morderem. As principais razões identificadas para tal comportamento são:

nascimento dos dentes: mordem para tentar aliviar o


desconforto;

imitação de exemplo visto em casa: se os pais costumam dar


“mordidinhas de carinho”, a criança pode tentar imitar o gesto,
porém sem saber controlar a intensidade das mordidas (esses
episódios não são maliciosos, mas podem, com o tempo, tornar-se
meios inadequados de comunicação);

como meio para obter o que querem ou escapar de uma


atividade indesejada;
falta de interação social;

incapacidade de expressar-se verbalmente: a mordida torna-se


um instrumento de comunicação, mesmo inadequado.

Finalmente, para algumas crianças, o que provoca as mordidas pode ser a


falta de espaço para brincar.

Maneiras de prevenir

1. Dê chance para que a criança se comporte bem. Incentive-a a participar


de atividades com coleguinhas mais velhos que tenham, de
preferência, boa interação social.

2. Reforce comportamentos positivos. Quando a criança estiver


interagindo bem com as outras, diga: “Você é um ótimo ajudante” ou
“Que legal você dividir seus brinquedos!”

3. Evite as mordidas antes que aconteçam: para isso é preciso


monitoramento constante.

4. Ofereça amplo espaço para brincadeiras e atividades variadas.

5. Elimine as “mordidas de carinho”. A criança não entende que são


diferentes das mordidas dolorosas.

6. Ajude sempre a criança na comunicação: use gestos, linguagem de


sinais, perguntas etc.

Quando acontece a mordida

1. Quando a criança morder, tire-a do local imediatamente e leve-a para


outro lugar longe das outras crianças, sem discutir. Assim, ela
começará a entender que a mordida tira-lhe o privilégio de engajar-
se nas atividades prazerosas com os colegas.
2. Não comente sobre o ocorrido durante o intervalo.

3. Quando o tempo terminar, deixe a criança retornar às atividades


durante as quais a mordida ocorreu. Agora, sim, é hora de voltar à
comunicação. Diga: “Joãozinho, eu sei que você queria muito aquele
brinquedo, mas, da próxima vez, pergunte a Maria se você pode
usá-lo. Fale com ela, você já sabe falar tão bem! Ou então me peça
ajuda, ok?”

4. Jamais morda ou bata numa criança que mordeu alguém: ela se


sentirá angustiada, porque você a machucou (ela não sabe dizer o
quanto dói, mas isso não significa que tem que aprender dessa
maneira, muito pelo contrário!). Revidando, a criança poderá
pensar que é permitido morder alguém menor. Evite qualquer tipo
de punição física.

Nosso plano

Depois de discutidos todos esses pontos, partimos para o conjunto de ações


em parceria com a escola:

reuniões com as professoras para obter reforço e informações


sobre as atitudes tomadas (intervalos, estímulo à comunicação
etc);

reuniões das professoras com os pais do “mordedor”, para que o


plano de ação na escola seja continuado em casa;

incentivo ao bom comportamento, elogiando a criança que


consegue compartilhar um brinquedo, por exemplo;

reforçar aos pais da criança que morde que ela precisa de mais
atenção em casa;
presença constante de uma professora a distância média, nem
muito perto (a criança perceberia que algo está estranho), nem
muito longe, em turnos, para não cansar;

ignorar comportamentos negativos;

mudança no ambiente: rearranjo dos móveis para obter mais


espaço, garantindo, assim, que ninguém se sinta “enjaulado”; um
cubo enorme que havia na sala, onde as crianças poderiam
entrar e acontecer atritos foi retirado;

observação das ocorrências: se as mordidas aconteciam sempre


na mesma hora do dia, como no fim de tarde (quando as crianças
estavam cansadas). Não foi identificado um padrão;

sugerimos aos pais da criança a leitura do livro Inteligência


Emocional e a Arte de Educar Nossos Filhos, de John Gottman, ou
Eduque com carinho, de Lídia Weber, que apresentam ideias
excelentes sobre como entender os sentimentos do filho com
empatia e lidar com isso de forma apropriada e carinhosa.

CONCLUSÃO: Perto de os meninos completarem três anos de idade, os


episódios de mordidas cessaram completamente. Devo dizer que nesse
processo passei por várias fases, em uma delas até considerei largar o meu
emprego e tirar Lucas da escolinha.

Ao aproximar-se a data de seu aniversário, perguntei a Lucas quem ele


gostaria de convidar para a sua festinha e o primeiro nome da lista era o
do amiguinho que mordia! Apesar de tudo, constatamos que o problema
não foi su iciente para abalar uma grande amizade. Hoje ambos têm sete
anos de idade e são ótimos amiguinhos!

Andréia Christina Karklin Mortensen


é pesquisadora em Neurociências na Universidade de Pensilvania, Estados
Unidos.

Sobre o período de contestação e birras, em torno dos


dois anos: sabe-se hoje que a ‘birra’ é uma pane
corporal e neurológica, decorrente de cansaço, sede,
fome ou excesso de estímulos, como acontece em
shoppings e supermercados.

Dicas que funcionam:


Oferecer água à criança, perguntar se está cansada e
avisar que estão saindo dali. Abraçá-la ou levantá-la do
chão para ela sentir irmeza e apoio. Os circunstantes
icam esperando uma reação violenta dos pais, mas
estes, cientes do que se passa, saberão agir com
segurança e deixar a ‘cena do crime’.
“Pode-se dizer que, quando as crianças se elegem para
agredir-se mutuamente e uma é vencida pela outra,
depois de três ou quatro brigas elas se tornam amigas
inseparáveis pela vida afora, e aliadas”.

É muito engraçado. [...] O mesmo acontece se o ilho


morde outra criança, e a mãe o morde para mostrar
como é ser mordido. O resultado é que há alguém que
morde melhor ainda que ele. Portanto, “quanto mais eu
crescer, mais forte icarei para morder meu vizinho”. E
você vê isso o tempo todo! A mãe que dá umas
palmadas ou bate no ilho porque ele bateu em outra
criança está demonstrando pulsões temporariamente
recalcadas, prontas para sair. Essa criança, de repente,
desencadeou no adulto a vontade que ele havia
recalcado e não dominara totalmente, em nome de seu
interesse pelo ser humano. Esse adulto não superou
sua violência. Recalcou-a, e aproveitou-se de seu poder
sobre uma criança isicamente mais fraca, violentando-
a com a alegação de que a criança foi a primeira a
demonstrar violência.

Françoise Dolto, Solidão, p. 63.


Agressividade infantil

Dra. Relva

A crueldade [pode-se ler agressividade] é uma característica humana,


que se manifesta inicialmente do bebê para com sua mãe. Pelos oito meses
até o segundo ano ou mais um pouco (hora dos ‘terrible two’) o bebê cai do
cavalinho ao perceber duas catástrofes narcísicas:

1- ele é um ser separado da mãe e vai ter que se virar nos trinta com essa
notícia.

2- o mundo não nasceu com ele, existe desde sempre, com regras
próprias, comandos, gritos e enquadramento por parte dos adultos,
sem paciência com a ‘lerdeza’ da criança e sua falta de
entendimento de como as coisas funcionam.

Nasceu príncipe (ou princesa) mas logo, logo, perderá a majestade.

Paraíso uterino? Não há mais... Calor aminiótico? Não há mais... Acabou-se o


que era doce. Resta a necessidade de tudo, inclusive de sobreviver.

Como manifestar seu desagrado e desapontamento? pela birra. Quando


começar a cair na real, depois dos 3 a 4 anos, terá companheiros –
amistosos ou não. E começará a barganhar espaço e atenção.

“Parece-me importante ressaltar primeiramente que a destrutividade tem


um lugar importante na construção kleiniana”. Para M. Klein, o sadismo
infantil precoce provoca a culpa que acarreta a angústia. Melanie Klein
considera que o inconsciente funciona segundo a modalidade ‘olho por
olho, dente por dente’.

Por isso, cada descoberta de uma nova fonte de agressividade acarreta


uma angústia correspondente que chama uma fantasia na qual o sadismo
do sujeito volta-se contra ele. “O medo do talião transforma para o
inconsciente os objetos reais atacados em objetos vingadores introjetados”.

Referências Bibligráficas

Sophie M. Mellor. Crueldade no Feminino, in: referências bibliográficas.

Crianças vorazes e obstinadas

Para Laura Gutman,

“Quando o bebê não obtém o que necessita (braços, calor,


olhar carinhoso, atenção permanente, contato corporal,
leite, embalo, palavras e silêncios, presença constante), ele
entra em desespero. À medida que vai crescendo, usará
várias estratégias para obter aquilo de que necessita
(com maior ou menor êxito). Sua voracidade, própria dos
bebês pequenos, em vez de acalmar-se, vai aumentando. A
estas alturas, não interessa mais que seja o leite ou os
braços maternos, mas qualquer coisa que os substitua
para acalmar-se”.

in: Crianza, Laura Gutman, p. 105.

Ela enfatiza que a criança que não recebeu maternagem adequada torna-
se uma pessoa em estado de necessidade permanente, o que explica as
adições no adulto (álcool, café, cigarro, guloseimas, jogos). Na criança
desvinculada, o que se observa é a exigência desmedida por brinquedos
que, claro, jamais a satisfazem. Inicialmente, ela pode até ser ‘comprada’
com objetos, roupas e brinquedos, mas sua carência é ‘outra’: amor,
aceitação, colo. Quando não se faz essa leitura, do lado da criança cresce a
carência e, do lado dos pais, a irritação.

“A pedagogia do disciplinamento, inclusive e, sobretudo,


corporal, assenta-se numa concepção pessimista e
idealizada da criança: é a concepção da criança-criança,
enquanto ser menor, subalterno, desvalorizado, pigmeu
num universo de titãs, despossuído de bens e serviços. A
concepção é idealizada na medida em que postula a
infância não como condição (mutável, transitória, social)
mas como natureza (universal, essencial, associal). A
concepção é pessimista, na medida em que postula ser
essa natureza naturalmente corrompida. Essa concepção
de uma suposta natureza infantil traz como corolário a
ideia de que a infância deve ser vigiada e punida, pois a
infância tende para o mal”.

Referências Bibligráficas

LONGO, Cristiano S. A punição corporal doméstica de crianças e


adolescentes: o olhar de autores de livros sobre educação familiar no Brasil ,
2000, T. Editora.
Woman reading – Pierre-Auguste Renoir (1841–1919)
Sete fatos que você precisa saber
sobre alfabetização

Taicy de Ávila Figueiredo*

Nas sociedades onde existe uma cultura letrada, a alfabetização é uma


aprendizagem de alta relevância, capaz de mobilizar profundamente a
preocupação e o esforço de pais e professores. Por isso, ao longo de nossa
História, surgiram as escolas e diversos métodos de alfabetização, que se
aperfeiçoaram ao longo do tempo, de acordo com os conhecimentos que
adquiríamos sobre os processos de ensino e aprendizagem.

Hoje, temos um ramo da ciência destinado à compreensão do processo de


alfabetização, a partir das pesquisas de importantes autores, como Emília
Ferreiro e diversos outros. Chama-se Psicogênese da Língua Escrita
(FERREIRO & TEBEROSKY, 1995) e nos tem proporcionado uma
compreensão cada vez maior de como as crianças aprendem a ler e
escrever. É a partir desse conhecimento que propomos aqui sete fatos
sobre a alfabetização que todos os pais e educadores deveriam conhecer.

1. A escrita não é mera transcrição gráfica das unidades sonoras

A alfabetização não deve restringir-se à “técnica” de ler e escrever, mas


deve ser considerada como uma capacidade geral de representação da
linguagem. Ou seja, aprender a ler e escrever não signi ica apenas saber
identi icar, nomear, traçar e juntar letrinhas. Vai muito além desses
rudimentos. Para ser realmente alfabetizada, uma pessoa precisará saber
ler e interpretar a mensagem dos mais diferentes tipos de textos escritos,
desde uma simples lista de compras, até um complexo romance, o que
envolve diversas habilidades e variados níveis de leitura e interpretação.

2. A alfabetização é uma aprendizagem interdisciplinar

Todas as formas de linguagem têm como base uma característica comum e


que só é presente nos seres humanos: o pensamento simbólico, que
signi ica ser capaz de pensar sobre um símbolo, ou seja: mesmo na
ausência de um determinado objeto, eu posso representá-lo. Essa
capacidade está por trás não apenas da escrita, mas também de muitas
outras atividades, que são parte do cotidiano infantil: ouvir e contar
histórias, fazer desenhos e pinturas, modelar com argila, cantar e fazer
mímicas, contar pedrinhas ou outros objetos, brincar de faz de conta...

Muito embora essas atividades infantis nem sempre ensinem diretamente


às crianças sobre o alfabeto e as sílabas, elas desempenham um papel
muito mais importante: o de ensinar a pensar por meio de símbolos.
Portanto, tais atividades não deveriam ser suprimidas das classes de
alfabetização, e sim estimuladas e potencializadas pelas boas escolas
primárias.

3. O processo ensino e aprendizagem da leitura e da escrita não tem


hora marcada para começar ou terminar

Antes mesmo do ingresso na escola, a criança já inicia a construção de


ideias sobre a leitura e a escrita. Ao conviver com pessoas que se utilizam
de meios escritos para comunicar-se, registrar informações, estudar ou
mesmo para se entreter, os pequenos já iniciam a elaboração de ideias
sobre a inalidade e o signi icado dessas ações e procuram imitar
simbolicamente as atitudes das pessoas que observam. Um bebê de um
ano, que ainda não sabe ler, já é capaz de tomar um livro e folheá-lo. Uma
criança de três anos, que ainda não sabe escrever, é capaz de tomar lápis e
papel e desenhar uma in inidade de linhas serrilhadas, para escrever uma
carta ao Papai Noel. Uma criança de quatro anos, ao folhear um livro, já
sabe distinguir onde está o texto escrito e onde estão as ilustrações, e sabe
a finalidade de um e outro.

Essas e outras atitudes das crianças demonstram que elas observam tudo
o que se passa ao seu redor, e tentam imitar as atividades dos adultos e
das crianças mais velhas. Com essa simples atitude lúdica, as crianças já
constroem uma série de ideias sobre a inalidade das mais diversas coisas,
inclusive sobre a leitura e escrita.

Mesmo depois de já haver concluído formalmente o período de


alfabetização, a criança continuará adquirindo novas habilidades de leitura
e escrita durante toda a sua vida escolar. Uma boa escola primária,
portanto, não consideraria que a tarefa de alfabetizar restringe-se às
classes de alfabetização. Mas saberia que ela é contínua, pois é necessário
ao bom leitor que ele continue se aprofundando na compreensão e
produção de textos cada vez mais complexos: poesias, romances, textos
cientí icos, notícias de jornal, artigos dissertativos, sites de internet...
Aprender é uma atividade contínua e perene.

Uma criança de quatro anos,


ao folhear um livro, já sabe distinguir
onde está o texto escrito
e onde estão as ilustrações,
e sabe a finalidade de um e outro.
4. A testagem e classificação de alunos em fase de alfabetização de
acordo com níveis de aprendizagem são contraproducentes.

Sabendo que a alfabetização é um processo contínuo, uma boa escola


primária não se utilizaria de quaisquer tipos de testes ou avaliações a im
de classi icar e segregar alunos. Acreditar que algum tipo de teste ou
avaliação tem a inalidade de classi icar os alunos por níveis de
desempenho é negar a capacidade humana de desenvolvimento e
aprendizagem constantes e, portanto, negar a própria função social da
escola.

A nivelação de aprendizagem é ilusória, pois quaisquer tipos de testes só


podem nos dar um pequeno retrato instantâneo do desenvolvimento
infantil. Se uma criança demonstra um nível de aprendizagem hoje, poderá
apresentar outro bem diverso um dia, uma semana, ou um mês depois.
Uma criança jamais deveria ter seu desenvolvimento comparado a
qualquer tipo de escala ou padrão, mas somente consigo mesma, a im de
verificar e compreender o seu próprio crescimento.

Além disso, as crianças não aprendem apenas junto àquelas que estão no
mesmo nível de aprendizagem. Pelo contrário, é a diversidade uma das
principais forças propulsoras do desenvolvimento humano. Se uma criança
tem a oportunidade de estudar com colegas mais capazes do que ela, terá
muito a aprender com eles. Se uma criança tem a oportunidade de estudar
com colegas menos capazes do que ela, terá a oportunidade de ensiná-los.
Não é a homogeneidade que promove a aprendizagem. É a
heterogeneidade e a cooperação que garantem o nosso contínuo
crescimento.

5. O erro é parte integrante e necessária da aprendizagem, portanto


não deverá receber punição

A Psicogênese da Língua Escrita (Ferreiro & Teberosky, 1995) explica-nos


que as produções escritas das crianças, que muitas vezes nos parecem
erradas ou sem sentido, na verdade têm muito a nos ensinar sobre a
inteligência delas. Hoje somos capazes de compreender que, muitas vezes,
por trás de um aparente “erro” está a construção de so isticadas hipóteses
infantis acerca da leitura e escrita. O professor precisa acompanhar as
produções escritas dos alunos, buscando compreender quais as hipóteses
do pensamento infantil por trás de cada “erro”, a im de auxiliar o aluno a
superar suas eventuais dificuldades.

Para isso, um professor deve organizar estratégias de ensino e


aprendizagem que lhe permitam observar, avaliar e registrar o
desenvolvimento de cada aluno em particular, a im de acompanhar o seu
percurso.

6. Para alfabetizar as crianças é necessário um ambiente


alfabetizador estimulante

As tarefas escolares não deverão ser centradas na repetição, memorização


e cópia, embora essas habilidades possam ter seu lugar na aprendizagem.
Porém, para trabalhar esse tipo de habilidade, é possível fazê-lo de modo
lúdico e significativo para as crianças por meio de jogos didáticos diversos.

Os alunos devem exercitar constantemente as habilidades de leitura e


escrita, e para isso precisam ter contato com os mais diversos tipos de
textos escritos: histórias infantis, cartas, poemas, letras de música, receitas
culinárias, convites, artigos jornalísticos, informativos diversos.

Mesmo que as crianças ainda não saibam ler, é desejável que o professor
leia em voz alta para toda a classe e promova conversas acerca daquilo
que foi lido. Ou selecionar algumas palavras-chave de um texto, que sejam
significativas dentro do seu contexto e ensiná-las à turma.

Mesmo que os alunos ainda não saibam escrever, podem produzir textos
oralmente, ditando-os para o professor, que faz o papel de escriba. É de
extrema importância que o professor solicite aos alunos que façam
produções escritas de seu modo peculiar, a im de observar e
compreender as hipóteses deles sobre a língua escrita.

Desde muito pequenas, ainda em idade pré-escolar, é possível promover


um ambiente alfabetizador na escola. Mas esse ambiente deve sempre
promover a aprendizagem segundo as características dessa faixa etária: a
necessidade do lúdico e da fantasia, a curiosidade, a criatividade e a
socialização.

7. Todas as crianças são capazes de aprender a ler e escrever

Uma vez participante de uma sociedade onde se usa a leitura e a escrita,


toda e qualquer pessoa, de toda e qualquer procedência, poderá ser
alfabetizada. A capacidade de aprender uma língua escrita não é
exclusividade de “alguns” seres humanos. Ela não é exclusividade de
nenhuma raça, classe social, gênero sexual, naturalidade, idade e assim por
diante.

Todos podem e devem aprender a ler e escrever; basta que para isso
tenham acesso aos usos sociais da escrita. Aqueles que têm acesso a livros,
revistas, jornais, anúncios classi icados, listas telefônicas e qualquer outro
tipo de escrita poderão ser plenamente alfabetizados. Basta que tenham
acesso a escolas de boa qualidade, que possam promover todos esses usos
da língua escrita. Cabe às escolas de nosso país executar esse aprendizado.
E cabe aos nossos governantes prover as escolas dos recursos necessários
para fazê-lo com sucesso. Aos estudantes e suas famílias cabe apenas o
desejo de aprender, e este já é inerente a todos nós, seres humanos.

*Taicy de Ávila Figueiredo é mãe do Cauã Francisco,


psicopedagoga e mestre em Psicologia (Processos do desenvolvimento
humano e saúde) pela UnB.

Referências Bibliográficas
Ferreiro, Emília; Teberosky, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto
Alegre: Artes Médicas. 1995.
Para aprender, ler é mais importante do que escrever

“Os educadores e alfabetizadores brasileiros precisam atentar


para a importância da leitura de textos alheios, única ponte segura
para uma verdadeira alfabetização que extrapole o mundo
fechado, por assim dizer ‘culturalmente autista’ (mesmo que
autossuficiente) do analfabeto adulto.

[...] A faculdade da leitura exige ensino-aprendizagem. Por isso a


criança deve ter acesso a materiais e letras que lhe permitam a
manipulação desses materiais. É extremamente importante que a
criança ouça histórias lidas por adultos ou jovens leitores”.

Freitag, Barbara. O indivíduo em formação. 3ª edição. São Paulo:


Cortez, 2001. P 16 / 59.

O professor é o agente

Que cuida da prevenção

Dos problemas sociais

Da nossa população.

Na questão da violência,

Previne essa doença

Com a sua atuação.


cordel de José Maria da Silva Mourão, DF
Formatura das bonecas, ilustração vintage
Ando meio desligado

Dra. Relva

“Foi quando meu pai me disse:

— Filha, você é a ovelha negra da família

agora é a hora de assumir

e sumir”…

Rita Lee

As revistas pediátricas indagam se está ocorrendo uma “epidemia” de


crianças hiperativas ou com “dé icit de atenção”. O chamado Transtorno do
Dé icit de Atenção com Hiperatividade (TDAH ou DDA) é um distúrbio
neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e costuma
acompanhar o indivíduo por toda a vida. Caracteriza-se por sintomas de
desatenção, inquietude e impulsividade. A infância é, por natureza,
turbulenta. Sua energia e curiosidade naturais tornam as crianças
inquietas e buliçosas. Mas a escola e a sociedade as querem amorfas,
paradas, “boazinhas”. Para dobrá-las ao jugo da disciplina, são usados
vários tipos de castigos e corretivos, que vão desde a palmada ao beliscão,
gritos, cintadas, até à privação de alguma regalia ou guloseima.

Usa-se, também, enquadrá-la em cânones psicopedagógicos, que nem


sempre levam em conta sua originalidade. Qualquer desvio do “normal” vai
para a vala comum dos distúrbios da personalidade. Às vezes, são crianças
que provêm de famílias “disfuncionais” e/ou violentas, nas quais imperam
vícios e desentendimentos. Quando os membros dessas famílias não
conseguem equacionar suas di iculdades, atribuem-nas à criança “má”, por
eles mesmos engendrada e cultivada. A vida moderna não propicia o
contato da criança com a natureza, onde ela poderia não só usar sua
energia ísica, mas adquirir concentração. Sua principal mestra hoje é a
televisão, que lhe apresenta um repertório de estímulos sedutores e
irreais. Assim, ica di ícil para a criança entrar em sintonia com seu próprio
eu e com lições reflexivas e “lentas”.

Sem falar que a criança vai para a escola cada vez mais cedo e tem mil e
uma atividades extracurriculares. Entra e sai do transporte escolar, corre
riscos o tempo todo, ica estressada e mal tem tempo para uma conversa
sossegada com os pais. Busca-se febrilmente a aquisição de conteúdos,
para o melhor desempenho. É input/output. O que se almeja é uma criança
de resultados. Que o bebê aprenda a ler cedo e receba lições de uma
segunda língua. A criançada entra no corredor psicopedagógico, cujas
metas, para o educador Lauro de Oliveira Lima, são: “pastorear a criança
permanentemente; mantê-la em estado fetal passivo; dopá-la pela
transmissão de conceitos e pré-conceitos dos adultos e transmitir-lhe
informações pré-programadas, tirando-lhe a capacidade de pensar”. O
produto apreciado são alunos lineares, unidimensionais, disciplinados, sem
ousadia nem imaginação.

A natureza não é tecnológica; a criança nasce com re lexos básicos de


sobrevivência e as unidades neuronais vão-se constituindo paulatinamente
em redes, conforme a atividade do brincar.

As atividades lúdicas por si só estimulam as sinapses, que levam à


associação, que estimula mais sinapses. Antes de socializar-se a criança
precisa adquirir a devida estrutura sequencial adaptativa, no lar, na casa,
com os seus. A dependência dos cuidados maternos é determinada pela
natureza, pois o ser humano nasce incompleto, devendo primeiro
desenvolver sua vida instintiva e depois partir para a vida em grupo. Até
os três anos, a criança não “pensa”. Ela percebe o mundo como fazendo
parte dele, vivenciando as coisas sensorialmente, com todo o corpo, que se
ajusta ao que é percebido e experimentado. Fatores negativos adjuvantes:
a contenção corporal, a vida comandada pelas telas, pelo consumismo, a
falta de silêncio e de contato com a natureza e com seu próprio ser.

O corpo é a chave da criança; ela apreende o mundo pelos sentidos, pela


percepção concreta do que são e como são as coisas existentes e das
relaçoes entre elas. Daí porque é pedante e hilário incutir conteúdos
teóricos nos bebês e crianças abaixo de 5 anos. A criança hoje vive uma
vida que não é a dela, já disse Deleuze. É uma vida de simulacros:
brinquedos demais e corporeidade de menos; apostilas demais,
experiências sensoriais de menos. Resultado? Hiperatividade e alienação
de si mesma; angústia e agressividade.

Quem constitui a maioria da clientela dos serviços psicopedagógicos? As


crianças desvinculadas, tímidas ou hiperativas, ansiosas ou agressivas, que
não tiveram maternagem oportuna e su iciente; aquelas cujas casas não
dispõem de local iluminado para estudar; as que estão subalimentadas e
por isso têm dores de cabeça; as que se sentem inferiores pelas
di iculdades escolares ou sua pobre aparência pela falta de meios
materiais. Crianças que jamais tiveram atendidas suas necessidades
básicas, desvinculadas de si mesmas, dentro de família disfuncional –
carente e violenta – e que acabam sendo encaminhadas para fazer
‘elétrico’ e receber medicação psicotrópica. Ou, pelo contrário, tiveram
aporte absurdo de brinquedos, gadgets e material escolar, e desconhecem
a vida como ela é; nunca usaram as mãos para qualquer tipo de trabalho e
não prestam sua colaboração em casa; vivem numa bolha, desvinculadas
de si mesmas e do mundo real. En im, são muitas as variáveis sociais, que
desaguam na mesma bacia das almas...

Estudos recentes avaliam que cerca de 80% das crianças em uso do


metilfenidato não precisariam dessa medicação ou de qualquer outro
neurotrópico. As alternativas que se oferecem à expressão da
originalidade da criança e do jovem de hoje são a equalização televisiva e a
regulamentação medicamentosa. A base dos medicamentos é a ‘ritalina’,
agora sob o nome comercial sutil de “Concerta”, cujo uso vem-se ampliando
exponencialmente. Impossível não lembrar o ditado mineiro: ou “conserta”
ou deserta!

“Quando ensinarás teus filhos a questionar a vida, os


dogmas, as mentiras e as farsas que os estados e a
educação contemporânea injetam-lhes nas veias à força?
Quando preferirás uma criança rebelde, crítica, criativa e
autônoma em lugar dessas pobres criaturas
domesticadas pelo chicote e pela ritalina, massificadas e
servis que povoam tuas escolas?”

Ezio Flavio Bazzo: Manifesto aberto à estupidez


humana. Editora LGE, Brasília, 2007, p. 119.

Dicas de leitura e informação

Associação Brasileira de Dé icit de Atenção – ABDA. Rua Paulo Barreto, 91


– Botafogo – RJ Tel.: (21) 2295-0921 – E-mail: abda@tdah.org.br

No Mundo da Lua. Paulo Mattos. Lemos Editorial, 2001

Perguntas e respostas sobre Transtorno de Dé icit de Atenção com


Hiperatividade em crianças, adolescentes e adultos , cujos direitos foram
cedidos à ABDA pelo autor.

Princípios e Práticas em TDAH, Luis Augusto Rohde, Paulo Mattos e


colaboradores. Artmed Editora, 2003. O livro aborda os sintomas em
crianças, adolescentes e adultos, tratamento farmacológico e psicoterápico,
epidemiologia, genética, intervenção escolar, aprendizado e
neuropsicologia de forma atual e extensa.
TDAH nas Escolas, M.Books do Brasil Editora, 2007.

Orientações práticas e essenciais para professores, educadores e pro issionais


envolvidos com as necessidades de alunos com TDAH.

Melhorando a Atenção e Controlando a Agitação , Maria Isabel Vicari,


Editora Thot, 2007.

A criança terceirizada, do Dr. J. Martins Filho, Ed. Papirus, 2009.

Mentes inquietas: TDAH – desatenção, hiperatividade e impulsividade , Ana


Beatriz Barbosa Silva, Editora Fontanar.

Trabalho em psicomotricidade x hiperatividade: núcleo do movimento , Dr.


André Trindade, autor de Gestos de Cuidado, SP, 2009.

Manual da Escala de Transtorno de Dé icit de Atenção/Hiperatividade:


Versão para professores. Benzick, Edyleine B.P. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2000.

Jogo infantil e hiperatividade. Barros, Juliana M. G. Rio de Janeiro: Editora


Sprint Ltda, 2002.

Site confiável: www.tdah.org.br/br/livros.html


Em seu livro di iculdades de aprendizagem, a psicopedagoga Nadia A. Bossa
ressalta a importância da família e do professor no processo de
aprendizagem e enfoca os procedimentos da ação psicopedagógica na
clínica e na escola. Ela propõe, em suas palestras e em sua clínica, o que ela
chama de isioterapia cerebral, cujos fundamentos são baseados em
exercícios ‘analógicos’ para ‘crianças digitais’. A criança que vive no mundo
das telas apresenta grandes lacunas em sua construção neuropsíquica,
que deve ser progressiva e atender a uma certa programação. Seria como
retomar o funcionamento analógico para crianças digitais.

As atividades ísicas são reguladoras da saúde orgânica e


emocional. Para controle da agressividade e aumento da
atenção e percepção, atividades corporais como judô, aikidô,
caratê, capoeira, natação e outros esportes são excelentes
opções. Há também o KIR Jovem, O caminho da espada para
pequenos Samurais, do Instituto Niten.

“O objetivo do KIR JOVEM é incentivar as crianças a


serem confiantes, alegres e transparentes. Não é só
disciplina. É ter crianças integradas, felizes e ativas”.
Sensei Jorge Kishikawa – www.niten.org.br/instituto

Procure o Niten em sua cidade, torne seu ilho uma criança


autoconfiante.

Outras atividades positivas: fazer artes plásticas, aprender a


tocar um instrumento, cantar, fazer jardinagem, ter um
animal de estimação.
“Quando os cinco sentidos agem segundo a luz que lhes é
própria, temos o estado de simplicidade ou de inocência.
Contudo, quando o homem situa o seu bem nos objetos
externos, a imaginação corrompe os cinco sentidos, e
somos conduzidos a uma estado hobbesiano de natureza,
a um estado de competição que culmina na guerra”.

Christopher Hill, O Mundo de Ponta-Cabeça.


“Bullying”: uma tragédia crescente

Dra. Relva

Segundo o Cambrige Dictionary, bullying quer dizer “maltratar ou ameaçar


alguém menor ou menos poderoso, forçando-o a fazer algo que não quer”.
A tradução poderia ser “assédio”ou “abuso”: assédio ísico, assédio sexual,
assédio moral. O bullying vem-se tornando prática cada vez mais frequente
na escola, pública ou particular. As ações são dirigidas a qualquer um que
seja “diferente” – gordinho, magrelo, nerd, pobre, deficiente, “burro”.

As ações são violentas e humilhantes, e de vez em quando atingem graus


extremos, como nos Estados Unidos com o uso de armas, e que deram
lugar a ilmes como Tiros em Columbine . As consequências são deletérias
para a pessoa e a personalidade, ocasionando medo de ir à escola,
vergonha, depressão, vontade de morrer. E um grande sentimento de
impotência.

Há coisas que não têm volta: a palavra proferida, a lecha disparada, o


tempo perdido. E a reputação. No caso do assédio moral, caberá ao
ofendido o ônus da contraprova, só que não encontrará testemunha contra
a che ia ou o colega delator. Não dispomos mais de um Sócrates para
indagar: Tal ação é necessária? É útil? Prejudica ou favorece alguém?

As escolas têm reforçado a vigilância, outras promovem debates entre os


alunos – medidas paliativas. O que propicia tal comportamento é a perda
vigente dos limites, as más condições de vida, o péssimo relacionamento
familiar e social, o culto ao materialismo exacerbado, fatores que não levam
em consideração os outros. Enchemos nossos ilhos de coisas, mas não lhes
ensinamos solidariedade; estimulamos a competição para que obtenham
satisfação plena dos desejos; e só pensamos em nossos ilhos e nunca nas
outras crianças.

“Pensar enlouquece”, como se sabe... Logo, é preferível atacar os sintomas


e não falar nas causas. A banalização do grande e do pequeno mal não
mais preocupa – as coisas são assim, ou, como diz amigo meu, as coisas
estão como elas querem. Pesquisadores de Harvard têm-se debruçado
sobre a leniência dos pais para com a agressividade dos filhos e até o medo
que têm deles. Filhos sem limites vão buscar na droga, no álcool, na
anorexia, no exibicionismo, na valentia, um modo de cancelar a realidade.

Todos nós somos responsáveis pelo bullying nas escolas: porque só


pensamos em nossos ilhos e nunca nas outras crianças. Porque
estimulamos a competição acirrada e impiedosa por padrões materiais e
aparência. Porque enchemos os ilhos de coisas e não lhes damos noções
de solidariedade. Porque eles não aprendem, pelo menos, que aquilo
poderia acontecer com eles também. Os professores também têm sido
vítimas de total desrespeito e agressividade. Uma explicação subjetiva, e
não menos importante, é a de que os grupos sociais não suportam
qualquer frustração de seus desejos onipotentes quanto a um “bem-estar”
de que se acham merecedores. Então, qualquer limitador de sua pretensa
‘felicidade’ é tido como inimigo a repelir, ou eliminar.

Para Aziz Ab’ Saber, autor de O sonho restaurado , “uma noite profunda
caiu sobre nossos tempos: já não conhecemos nenhum valor que não passe
pelas quantidades e pelo dinheiro”. Karol Woytila a irmava que só há um
remédio para a família: que todos se tornem servidores uns dos outros e
de cada um. No caso do bullying escolar, falta-nos a percepção de que
qualquer um dos “outros” (alunos) poderia ser ilho nosso. Preferimos
encastelar-nos no conforto de nossas casas e de nossos carros, já que se
trata de “um outro qualquer”. Depois, vamos marchar pela paz nas ruas e
praças. Pais, mestres, todos: inquietemo-nos de não nos inquietar, como
dizia Santo Inácio de Loyola.

O bullying é uma maldade

Que só traz dor e tristeza,

Tira o brilho das pessoas,

Destrói a sua beleza,

Só provoca violência,

Deixa o outro sem defesa.

cordel de José Maria da Silva Mourão, DF


Dicas de leitura

Bullying: mentes perigosas nas escolas. Ana Beatriz Barbosa Silva, Editora
Fontanar, 2010.

O fenômeno bullying, Cleo Fante – Doutoranda em Ciências da Educação


pela Universidade de Ilhas Baleares, Espanha. Pesquisadora do Bullying
Escolar. Autora do Programa ‘Educar para a Paz’. Conferencista.
(cleofante@hotmail.com).

Morango Sardento , de Julianne Moore, Ed. Cosac Naify, 2010. O livro foi
escrito pela famosa atriz e se baseia em sua infância. Conta a história de
uma menininha sardenta e ruiva que sofria bullying na escola por ser
diferente. É um livro bonito, bem ilustrado.

Bullying – Vamos sair dessa? Miriam Portela, Ed. Noovha America, 2009.
Trata o assunto de maneira clara, entremeando o tema com cenas de
icção. Bom subsídio para professores e educadores, de leitura fácil. Pode
também ser usado para adolescentes, possibilitando um bom
esclarecimento sobre bullying.

Bullying, Vamos mudar de atitude. Jefferson Galdino, Ed. Noovha America,


2009. Bom livro para adolescentes mais jovens. Narra o caso de Joca, um
menino para quem a escola era uma verdadeira tortura. Mostra também
as ações empreendidas para combater o bullying dentro da escola, com o
envolvimento de toda comunidade.

Valentões, fofoqueiros e falsos amigos – Torne-se à prova de bullying , de J.


Alexander, Ed. Rocco Jovens Leitores, 2009. Livro bastante interessante,
em que a autora pretende ensinar formas de se fortalecer e “criar um
escudo à prova de bullying”. Bem ilustrado, contém vários testes que
despertam a curiosidade dos leitores.

Pedro e o menino valentão , de Ruth Rocha, Melhoramentos, 2009. Ótima


estorinha para crianças sobre a perseguição de um menino por um mais
velho. A solução encontrada pela família foi colocar o ilho na aula de judô.
O ideal é aprender a revidar? O judô aumentou a confiança da criança e ele
se sentiu mais forte.

Ela disse, Ele disse. de Thalita Rebouças, Rocco Jovens Leitores. 2010. O livro
é de leitura agradável para adolescentes.

Ponte para Terabítia , de Katherine Paterson, Editora Salamandra. Livro


lindo, sensível, escrito com mestria pela ganhadora da medalha Hans
Christian Andersen, o mais importante prêmio internacional no campo da
literatura infantojuvenil. Narra a história de Jess Aarons e sua amizade
com Leslie Burke, uma novata na vila e na escola. Apresenta as
di iculdades e medos desses meninos de 10 anos, em situações de bullying
no colégio e no ônibus escolar.

Lilás, uma menina diferente – de Mary Whitcomb, Cosac Naify, 2003. Lilás é
uma menina nova na escola, com hábitos muito diferentes e que é olhada
com resistência pelos colegas devido às suas esquisitices. Ela demonstra
grande capacidade de resiliência e acaba sendo aceita pelo grupo. Muito
bom para crianças da Educação Infantil e primeiros anos do Ensino
Fundamental.

Grande é a bondade,

a alegria e as danças

Mas o melhor do mundo

São as crianças.

Fernando Pessoa
Primeiro de maio, Kate Greenaway (1846-1901)
A importância da ‘libras’ para a
criança surda

Karina Pierin Ernsen Alves

Quando uma criança nasce, os pais têm a expectativa de que ela seja
perfeita. Muitas mães reparam nas mãozinhas e pezinhos antes mesmo de
olhar o rosto do bebê. Atualmente, os recém-nascidos fazem o exame do
pezinho e, mais recentemente, o do olhinho e da orelhinha, que detectam
se a criança tem problemas de visão e na audição já nos primeiros dias de
vida. Este texto tem o intuito de informar sobre o desenvolvimento da
comunicação da criança surda.

Quando o resultado do exame da orelhinha dá positivo, as esperanças de


que aquela criança seria perfeita vão por água abaixo. O que fazer com
alguém que não escuta?

Infelizmente, este assunto é pouco divulgado. Quem sabe por que o


número de surdos no país não seja alto. Segundo o Centro de
Documentação do Sistema Globo de Comunicações (CEDOC), 2,5 milhões de
brasileiros são portadores de de iciência auditiva, dos quais 500 mil são
surdos profundos. Isto signi ica que um pouco mais de 0,5% da população
não escuta nada. Um número relativamente baixo para ser explorado
politicamente ou pela grande mídia.

Isso afeta diretamente os pais que descobrem que seu ilho é surdo. Logo
que o resultado dá positivo icam perdidos e a primeira alternativa que
encontram é questionar o pediatra sobre o que pode ser feito. Como lidar
com aquele neném para que ele seja “normal”? E uma das primeiras
alternativas levantadas é o implante coclear, o “Milagre da Tecnologia”.
Muitas vezes ele pode resolver o assunto. Mas existem limitações. Nem
toda surdez pode ser resolvida com implante e é aí que mora o perigo.
Caso a cirurgia seja realizada, ela é irreversível. E existe esperança para os
surdos que não fazem o implante.

Bruno Pierin Ernsen tem 25 anos e é surdo profundo. É também psicólogo


e formado em Letras/Libras. No seu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) escreveu sobre as diferenças de aquisição da linguagem e seus
re lexos no desenvolvimento de signi icações para o indivíduo surdo. O
artigo re lete a preocupação do autor em investigar a Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) como 1ª língua para o sujeito surdo e sua relação com o
desenvolvimento das signi icações. Pois, como surdo e convivendo com
surdos, percebeu que muitos demonstram grande di iculdade para
compreender a relação entre os signi icantes e signi icados das palavras.
Essa di iculdade se re lete em problemas escolares e em di iculdades na
elaboração de conceitos e na formação do pensamento abstrato.

Na pesquisa, ica clara a vantagem da criança surda que aprende a Libras


como primeira língua. “É muito importante que o bebê tenha estímulos
visuais e táteis. Os pais e cuidadores devem aprender Libras e se
comunicar por meio das mãos e expressões faciais”. Ele acrescenta que o
surdo, assim como a criança ouvinte, aprende a balbuciar, porém com as
mãos. Desta maneira, ele começará a entender os sinais, o contexto.

Há 20 anos, era complicado obter informações sobre como lidar com uma
criança surda. Muitas escolas especiais proibiam o uso da Língua de Sinais,
e forçavam a oralização (ensinar o surdo a falar). Essas crianças
cresceram, algumas conseguem se comunicar bem, porém outras sentem
di iculdades. Muitos relatos de surdos seguem o mesmo tema: no dia em
que descobriram a Libras, sentiram-se libertados. E não é para menos, pois
a oralização pode limitar a comunicação e muitos surdos podem não ter
noção de signi icantes e signi icados. Pense em explicar para um surdo o
que significam os conceitos abstratos, como nunca, sempre, qualquer etc.

[...]o surdo, assim como a criança ouvinte,

aprende a balbuciar, porém com as mãos.

Desta maneira, ele começará a entender os sinais,

o contexto.
Desenho retirado do site de surdos: profsurdogoulao.blogspot.com/2008/09/dia-nacional-do-
surdo.html
Para Bruno, é importante que todas as crianças surdas saibam Libras,
inclusive as que izeram o implante coclear, pois esta é a língua própria
deles e pode facilitar muito a vida de quem depende principalmente do
visual. O português é ensinado como uma segunda língua, assim como
aprendemos línguas estrangeiras. O surdo, tendo noção de signi icados,
sente mais facilidade na aquisição da língua nacional.

Bruno também alerta que os pais devem pesquisar sobre o tema, procurar
informações fora dos consultórios médicos, pois estes só conhecem uma
parte da questão e deixam muitas informações importantes de lado.
Atualmente, existem vários locais para se obter mais informações sobre
surdez e Libras, como a FENEIS – Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos ( www.feneis.com.br). Os cursos de LIBRAS estão
espalhados por todo o Brasil, sites na internet, comunidades nas Redes
Sociais e também o velho e bom livro, como o de Ronice Muller de Quadros,
“Educação de Surdos – a aquisição da linguagem” que explica como se dá o
processo de Piaget no bebê surdo.

Quem se interessar pelo Trabalho de Conclusão de Curso de Bruno Ernsen


pode solicitá-lo pelo email pierinernsen_87@hotmail.com.
Viva a criança tímida!

Luiz Geremias

É comum se falar, hoje, sobre ‘diferenças’. Pretende-se maior respeito e


um interesse especial para aquele que difere do padrão. O chamado
de iciente pode ser dotado de mais possibilidades do que limitações. Pode-
se compreender que sua apontada de iciência contém uma potencial
e iciência: muitas vezes é com ela que se destaca para desenvolver
inúmeros predicados físicos e mentais.

E deficiências, cá para nós, todos temos.

Que tal pensar sobre uma característica comportamental que tem sido
encarada, ao longo do tempo, quase como uma de iciência? Trata-se de
uma forma de ser que é tratada pelos familiares no mesmo plano das
doenças infantis. Não faz parte do Código Internacional de Doenças, porém,
em inúmeras oportunidades, é combatida com a mesma determinação com
que se costuma combater uma doença. Se não traz o estigma ísico, é
definida como uma deficiência no plano psicológico.

Estou falando da timidez.

O tímido tem sido tratado como portador de alguma de iciência emocional.


Chamar alguém de tímido ou acanhado é sentenciá-lo como incapacitado
para o convívio, um aleijado social. Para a maioria, a timidez é considerada
doença e a pessoa que a ‘contrai’ está condenada a não se realizar como
pessoa.
A criança é uma pessoa em formação, ainda mergulhada numa
sensibilidade que ultrapassa em muito a de qualquer adulto. É preciso que
seja preservada de máscaras precoces, alegres ou tristes, para que
desenvolva uma das maiores habilidades humanas: a intuição.

As pessoas realmente tímidas são as mais agressivas; não

conseguem ventilar sua agressividade. F.Dolto, 1998, p.202

A timidez pode ser uma marca positiva, escapando da negatividade com


que tem sido abordada. É possível ver nela, em nossos dias de frenética
desinibição consumista, um sinal de singularidade ou de busca por esta.
Por que não imaginar que, em boa parte das vezes, o tímido procura
descobrir um rumo singular e não quer ser in luenciado ou conduzido por
ninguém a não ser por si próprio? No entanto, ele precisa aprender a
gerenciar situações que lhe são impostas no convívio social.

Não dá para explicar o retraimento da timidez simplesmente por um


recolhimento narcísico ou algo semelhante. Existe no tímido uma sabedoria
que escapa às explicações fáceis, até mesmo às que ele constrói para si
próprio. A verdade é que essas pessoas consideradas tímidas podem estar
vendo bem longe quando recusam certas manifestações ou
relacionamentos.

Nunca é demais lembrar que a criança tímida pensa, sente e intui, antes de
ser tímida. Basta ler-lhe os olhos, ultrapassando-os com sua licença. É
preciso respeitá-la com suas semelhanças e diferenças e primar pelo
acolhimento, sem rótulos, sem cognomes, sem comparações. A inal, ela está
em busca de si mesma.
Tarde de Domingo na Ilha da Grande Jatte – Georges Seurat (1859-1891)
Timidez x falso self x crianças brilhantes demais

Muitas vezes, a timidez é a bandeira do falso ‘self’. Que é


isso? É uma espécie de ‘capa’ que o indivíduo veste, para
agradar a alguém, geralmente a mãe impositiva, até que
consiga autonomia para vencer e ser ‘si mesmo’. Quanta
energia desperdiçada, quanta oportunidade perdida!
Quanta derivação de trajetória própria, a im de servir ao
desejo de outrem!

De inição: Falso Self é o nome que Winnicott dá a uma


‘pseudo-personalidade’. A personalidade (ou seu ‘centro’,
o ‘self’ – também conhecido na língua portuguesa como ‘si
mesmo’ ou ‘eu mesmo’) se desenvolve, segundo ele, a
partir das experiências que vão sendo armazenadas na
memória do indivíduo. O ‘self’ é fruto de um somatório
dessas experiências, das quais o bebê extrai, lá pelas
tantas, um denominador comum a todas elas: um ‘eu’ que
vive essas experiências. O self é verdadeiro caso as
experiências vividas tenham sua origem na
espontaneidade do bebê, e falso se a origem for externa,
pela vontade (ou decisão) da igura materna, por exemplo.
O ‘self’ verdadeiro expressa a natureza própria e singular
do indivíduo, enquanto o falso ‘self’ expressa o que esse
indivíduo aprendeu com as pressões e intrusões
(invasões) da igura materna, que, ao sobrepor seu gesto
ao do bebê, inibe sua espontaneidade e lhe informa como
ele deve ser.

Winnicott considera que o verdadeiro self seria o que


resulta de a mãe aceitar os gestos espontâneos da criança.
Nos casos em que a mãe não tem capacidade para
entender e satisfazer as necessidades do ilho, ela submete
a criança aos seus próprios gostos e vontades, o que
começa a gerar um falso self. Segundo Zimerman, o falso
self resulta de um continuado esforço da criança em
assegurar o amor dos pais, nem que seja renunciando à
espontaneidade e sujeitando-se às expectativas deles.

Infopédia [on-line]. Porto: Porto Editora, 2003-2011.


[Consult. 2011-11-28]. Disponível em: www.infopedia.pt/$falso-
self , ou em qualquer dos livros de Winnicott que tenha
índice remissivo.
The family – John Dixon Batten (1891-1922)
CAPÍTULO 7 – MÃES, PAIS E FILHOS

Aos pais e mães que amam

– com e sem razão –

E ainda fazem das tripas coração...


Mães mais que especiais

Denise Daudt Viana

Dizem que toda mãe é especial. Traz dentro de si uma beleza e um brilho
que outro ser humano não consegue demonstrar. Essa luz transborda num
piscar de olhos, num sorriso ou abraço fraterno. No beijo de boa noite, na
preparação da merenda ou do lanche.

Hoje quero falar de outras mães. Essas são mais que especiais. Conseguem
ver a beleza no rosto diferente do seu ilho, num corpo mal formado. Nas
crianças que são belas, mas que não falam, não andam ou não enxergam.
Falo das mães que, por nove meses, carregam o seu bebê e imaginam que
o futuro dele será promissor. Criam expectativas, traçam metas para seu
filho que será um vitorioso. Terá um grande futuro.

Mas, de repente, algo sai errado. Um problema na hora do parto, uma


síndrome ou malformação. A enfermeira traz aquele bebê. “Ora, quero o
meu bebê lindo e saudável. Onde ele está? Por que o levaram de mim?” A
mãe, então, enterra o ilho sonhado e para ela nasce outra criança. Começa
a entender que seu ilho é, antes e acima de tudo, seu ilho, seu fruto. Os
planos para o futuro começam a ser modi icados. As mães tornam-se seres
dotados de uma paciência e de um amor in initos. A paciência de esperar
por anos, depois de tantos tratamentos diários, que seu ilho caminhe, que
vá ao banheiro sozinho, que possa ter uma vida independente um dia. De
um amor tão grande, que são capazes de tanta sensibilidade, que
comemoram com ares de festa cada pequena vitória de seus bebês.

Estou aqui citando mães que atravessam a cidade, pegando mais de uma
condução, com seu ilho no colo, para que ele tenha atendimento de
minutos, às vezes. Atendimentos feitos durante muitas semanas, meses ou
anos, para que as crianças especiais consigam fazer o que as outras fazem
normalmente. Afeto, toque, luzes coloridas, sons e brinquedos de encaixe
tornam-se artigos de primeira necessidade para esses bebês.

Tenho uma ilha portadora de uma síndrome rara, que alia epilepsia e
autismo. Minha ilha tem a idade mental de um bebê. Passei por todas as
fases ao descobrir a doença dela aos seis meses: culpa e medo; eu, vítima
do destino.

Quando descobri que minha ilha era especial, depois do luto, arregacei as
mangas e pus-me a tentar recuperar os meses perdidos. Diziam que ela
não iria caminhar. Hoje, graças aos anos de tratamento, ela corre, pula
janela, sobe em grades.

Falavam que ela poderia icar vegetativa, pois tinha hipotonia total dos
músculos, uma linda bonequinha de pano que não sustentava a cabeça. De
equoterapia à hidroterapia, ela fez de tudo, diariamente. E esses
atendimentos foram maravilhosos para o seu desenvolvimento.

Tracei metas para minha ilha, que foram se modi icando ao longo do
caminho. Queria que ela fosse uma pessoa normal, queria que falasse, que
aprendesse a ler. Hoje, considero minhas expectativas alcançadas, pois a
única coisa que eu queria era que minha ilha fosse feliz. E ela é tão feliz! E
afetiva, alegre, sempre pronta para dar um abraço apertado.

Os problemas foram aparecendo e sendo contornados, mas algumas coisas


foram muito marcantes e ainda são: os olhares das pessoas que passam, no
semblante que demonstra pena ou medo. Perguntas feitas diretamente:
“ela é doentinha?”. Ou o constrangimento dos que paravam para vê-la
passar. O preconceito dentro de uma escola especial, lugar onde jamais
deveria havê-lo, e em ambulatórios, onde as vagas são reservadas para as
crianças “mais capazes”. A luta por uma escola que atendesse minha ilha
com amor e respeito pelas suas potencialidades. E a felicidade de
encontrar essa escola, numa cidade aqui perto. Mariana adora a escola
dela. Lá ela é aceita e suas potencialidades são enaltecidas.

Mães especiais vão aprendendo que a di iculdade de seus ilhos não


signi ica uma vida destruída e que seu ilho não é inferior, ele apenas é
diferente. Essas mães especiais, que se deram o direito de passar pela
tristeza, medo ou raiva, voltaram ao combate com uma força imensa.
Trazem nos olhos o brilho da fé e da esperança. Descobriram dentro da
concha a pérola mais linda: a da vitória. Mães e ilhos tornam-se grandes
guerreiros, produto de um amor muito mais que especial: o amor pela vida.
Filhos - uma imposição social?

Daniele Elis Colussi Brum

Serás tu o homem que tenha direito de desejar um filho?


Nietzsche

Quando se vive em sociedade, seja lá qual for, vive-se sob o jugo dos
valores e imposições da mesma. Assim, temos ou deixamos de ter ilhos
in luenciados pela valorização ou depreciação que a sociedade faz em
relação à maternidade.

Do poder sagrado da procriação na Antiguidade à igura santi icada da


mãe na Idade Média; das amas de leite durante a Revolução Industrial à
super dona de casa e mãe dedicada do advento do capitalismo; das
feministas da revolução sexual na década de 1970 às mulheres atuais com
duplas ou triplas jornadas de trabalho; percebe-se que o contexto da
maternidade, assim como o papel do pai, da mãe e do ilho sempre foi
manipulado pela sociedade conforme os pressupostos e valores
dominantes da época em que estava inserida.

Vivemos em uma sociedade patriarcal e capitalista. Nesse contexto, a


menina percebe, desde pequena, que ser igual à mãe é ser inferior. A
superioridade pertence ao homem, que trabalha e produz capital. O
Estado, a religião, a cultura dominante, advertem-nos que a mulher tem
que parir e que a maternidade é sua única função. Qual o interesse dessas
instituições nisso? Muitos! A sociedade necessita que os valores que ela
impõe como ideais sejam mantidos; e à mulher cabe produzir mais mão de
obra e transmitir esses valores aos ilhos. Não se admite com naturalidade
uma pessoa (digo, a mulher) sem ilhos. As que não podem tê-los são vistas
com pena, as que não os querem são vistas como aberrações.

Atrelou-se tanto a mulher à maternidade, que nem ela consegue distinguir


sua identidade da função de parideira. Vivemos sob a ótica de um amor
idealizado, onde tudo lui como se amar os ilhos fosse um determinante da
natureza. E quem se atreveria a questionar a natureza? Ou reclamar da
carga que essa imposição nos traz?

Muitos indivíduos amam ser pais e mães e desempenham esse papel com
carinho e equilíbrio. Porém, muitas mulheres e homens ingressam na
aventura de ser pai ou mãe não por vocação de doar existência, assistência
e amor a outro ser, mas por cobrança social. Essa exigência, muitas vezes, é
tão sutil, tão enraizada culturalmente (pela educação ou pela religião), que
é reproduzida sem que se perceba.

Segundo Nietzsche:

“Os pais fazem dos filhos, involuntariamente, algo


semelhante a eles - a isso denominam “educação”;
nenhuma mãe duvida, no fundo do coração, que ao ter
seu filho pariu uma propriedade; nenhum pai discute o
direito de submeter o filho aos seus conceitos e valores”...
“E assim como o pai, também a classe, o padre, o
professor, o príncipe continuam vendo, em toda nova
criatura, a cômoda oportunidade de uma nova posse.”

Colocar um ilho no mundo requer mais do que um impulso sexual e


reprodutor, o qual a sociedade insiste em colocar como sendo
obrigatoriamente natural a todos os homens e mulheres. E nada mais
saudável que uma pessoa ter consciência das suas vontades e limitações e
não transformá-las em filho. Ou transferi-las a ele.
Quando as pessoas entenderem que: maternidade e paternidade não são
para todos; não devem ser impostas; não devem ser de inidoras nem
con irmadoras de estereótipos femininos e masculinos; não são uma
instituição pública e servil; que amor pelos ilhos é um sentimento como
qualquer outro - passível de incoerências, instabilidades, inseguranças,
erros e acertos; e que assumir tais sentimentos não reduz sua importância;
e que esse amor não é inato e sim conquistado; que pais tem direito à
individualidade e devem primar pela extensão desse direito aos ilhos;
talvez então seremos indivíduos mais felizes, mais amados e mais seguros.

Fecho com as palavras de Nietzsche: “Eu quero que a tua vitória e a tua
liberdade suspirem por um ilho. Deves erigir monumento vivente à tua
vitória e à tua libertação. Deves construir qualquer coisa que te seja
superior”. [...] Primeiro que tudo, porém, é necessário que te hajas
construído a ti mesmo, de corpo e de alma. Não deves só reproduzir-te,
mas exceder-te (...). Deves criar um corpo superior, um primeiro
movimento, uma roda que gire sobre si; deves criar um criador. (Assim
falou Zaratustra, p. 65).

Papai, não corra! Não mate! Não morra!


Emigrant – Iman Maleki (1976-)
As mãos de meu Pai

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre


um fundo de manchas já cor de terra — como são belas
as tuas mãos — pelo quanto lidaram, acariciaram ou
fremiram na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que
se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando
elas repousam nos braços da tua cadeira predileta, uma
luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste


alimentando na terrível solidão do mundo, como quem
junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?

Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas


mãos.

E é, ainda, a vida que transfigura das tuas mãos nodosas...


essa chama de vida — que transcende a própria vida...e
que os Anjos, um dia, chamarão de alma...

Mário Quintana
Música de pais para filhos...

Que não deveria se chamar amor

Paulinho Moska, para o filho Antonio

O amor que eu te tenho é um afeto tão novo


Que não deveria se chamar amor
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar amor
Poderia se chamar nuvem
Pois muda de formato a cada instante
Poderia se chamar tempo
Porque parece um filme que nunca assisti antes
Poderia se chamar labirinto
Pois sinto que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar aurora
Pois vejo um novo dia que está por vir
Poderia se chamar abismo
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar horizonte
Que parece linha reta, mas sei que não é assim
Poderia se chamar primeiro beijo
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar último adeus
Que meu antigo futuro foi abandonado
Poderia se chamar universo
Porque nunca o entenderei por inteiro
Poderia se chamar palavra louca
Que na verdade quer dizer aventureiro
Poderia se chamar silêncio
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo.
...e de filhos para pais

Pai

Fábio Jr.

Pode ser que daqui algum tempo


Haja tempo pra gente ser mais
Muito mais que dois simples amigos
Pai e filho talvez

Pai
Pode ser que daí você sinta
Qualquer coisa entre esses vinte ou trinta
Longos anos em busca de paz

Pai
Pode crer, eu tô bem, eu vou indo
Tô tentando, vivendo e pedindo
Com loucura pra você renascer

Pai
Eu não faço questão de ser tudo
Só não quero e não vou ficar mudo
Pra falar de amor pra você

Pai
Senta aqui que o jantar tá na mesa
Fala um pouco, a tua voz tá tão presa
Nos ensina esse jogo da vida
Onde vida só paga pra ver
Pai
Me perdoa essa insegurança
É que eu não sou mais aquela criança
Que um dia morrendo de medo
Nos seus braços você fez segredo
Nos seus passos você foi mais eu, eu, eu

Pai
Eu cresci e não houve outro jeito
Quero só recostar no teu peito
E pedir pra você ir lá em casa
E brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar

Pai
Você foi meu herói, meu bandido
Hoje é mais, muito mais que um amigo
Nem você, nem ninguém tá sozinho
Você faz parte desse caminho
Que hoje eu sigo em paz

Pai! Paz! Pai!


Admirável novo pai

Pai é quem tem um sentimento sagrado por um ilho. Sagrado vem de


sacri ício. Pai é quem tem um amor radical – sem explicação – e que pode
morrer por um ilho. É esse ponto de amor radical que é detectado pelo
ilho e sobre o qual ele se apoia na invenção singular de sua vida. Um ilho
sabe que ali ele conta, que dali ele pode contar sua vida, dar-se à
existência. Não nos surpreendamos que pais e ilhos possam trabalhar
melhor juntos agora que no passado. Fora do eixo imaginário da
dominação, pais e ilhos convivem bem como nunca nesse AMOR RADICAL
que possibilita expressões distintas, diversas e divertidas, com a marca de
uma mesma família.

Jorges Forbes, psicanalista e médico psiquiatra em São Paulo.


www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/o-admir%C3%A1vel-novo-pai.html
(artigo publicado na revista LOLA - setembro 2011)

“O pai é biologicamente necessário, humanamente


supérfluo. [...] O pai, quase sempre, em quase todo lugar, é
socialmente dominante, culturalmente privilegiado. Mas
praticamente bastariam seu nome, sua lei, seus bens, e,
com efeito, bastam em várias sociedades. No limite, sua
função é apenas simbólica (ou função, diria Lacan, é o
próprio simbólico). Com a mãe, é diferente. Entre todos
os mamíferos, ela não se contenta em transmitir a vida:
acolhe-a, carrega-a, nutre-a. Como ela poderia ignorá-la
por completo? Entre os humanos, deverá proteger seu
bebê – às vezes inclusive contra o pai – durante anos,
niná-lo, consolá-lo, lavá-lo, amá-lo, falar-lhe, escutá-lo,
educá-lo... A humanidade é uma invenção das mulheres.
Mesmo em nossas sociedades modernas, a mãe quase
sempre é o primeiro amor e, às vezes, também o último. É
porque foi ela quem primeiro amou”.

André Comte-Sponville, A vida humana, pg. 22.


“IF”

Meu filho, se acaso chegares, como eu cheguei, a uma


campina de horizontes arqueados, não te intimidem o
uivo do lobo, o bramido do tigre; enfrenta-os nas
esquinas da selva, olhos nos olhos, dedo firme no gatilho.

Meu filho, se acaso chegares a um mundo injusto e triste


como este em que vivo, faze um filho; para que ele
alcance um tempo mais longe e mais puro, e ajude a
redimi-lo.

Paulo Mendes Campos

O Pai também era um mundo. O mundo parecia que


obedecia a ele. Eu o considerava a coisa mais poderosa do
universo. Quando alguém me provocava ou me aborrecia,
eu reagia e ameaçava: ‘vou contar tudo para o meu pai’!
Sem ele, ando por aí meio desorientado, se me acontece
alguma coisa, nem tenho o consolo de contar para o meu
pai.

Carlos Heitor Cony, Pedaços da Memória.

Dica de leitura

Dez bons conselhos de meu pai, João Ubaldo Ribeiro, Ed. Objetiva.

Meu filho, meu besouro, de Cadão Volpato, Ed. Cosac Naify


Dica de Blog

vidadepai.blogosfera.uol.com.br
Gato – Giuseppe Arcimboldo (1527-1593)
CAPÍTULO 8 – FANTASIA E REALIDADE
Fantasia e realidade infantil: uma
vivência importante

Érica Maldonado

A literatura infantil facilita o acesso ao mundo da fantasia e estimula a


criatividade e a imaginação. É a chave para a criação do novo e para a
construção da identidade pessoal. Isso ocorre porque a arte fertiliza a
imaginação das crianças. Contar e ouvir histórias são essenciais para seu
desenvolvimento afetivo e cognitivo.

Vygotsky inova a psicologia ao mostrar que a cultura forma a inteligência e


que a brincadeira de papéis é a atividade predominante do pré-escolar,
que favorece a criação de situações imaginárias e de reorganização de
experiências vividas.

O contato com a arte literária, oral, poética, musical e dramática é


fundamental para estimular a imaginação e para despertar o gosto pela
literatura infantil. Portanto, a poesia e as histórias são muito signi icativas
para as crianças.

Os contos de fadas traduzem o universo infantil de forma clara e de inida.


Favorecem o acesso a experiências por meio da fantasia, permitindo que
as crianças as vivenciem. Costumam retratar variações de sentimentos e
comportamentos. Tornam-se verdadeiros à medida que mostram nossa
realidade de vida, bem como nossas experiências internas.

Segundo Silveira, psiquiatra e defensora do pensamento junguiano, os


contos de fadas - do mesmo modo que os sonhos - são representações de
acontecimentos psíquicos. Mas, enquanto os sonhos apresentam-se
sobrecarregados de fatores de natureza pessoal, os contos de fadas
encenam os dramas da alma com materiais pertencentes em comum a
todos os homens. Eles nos revelam esses dramas na sua rude ossatura,
despojados dos múltiplos acessórios individuais que entram na composição
dos sonhos.

Para o psicanalista Bruno Bettelheim, enquanto a criança se diverte, o


conto de fadas esclarece-a sobre si mesma e favorece o desenvolvimento
de sua personalidade. Oferece signi icado em tantos níveis diferentes e
enriquece a sua existência de tantos modos que nenhum livro pode fazer
justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à
vida da criança.

Assim se processa com a fábula, que é uma narrativa alegórica, com


personagens que são, geralmente, animais. Há sempre um fecho que
re lete uma lição moral, de temática variada, como a vitória da fraqueza
sobre a força, da bondade sobre a astúcia ou a derrota da presunção pela
ingenuidade.

A fábula já era cultivada entre assírios e babilônios, mas foi o grego Esopo
quem consagrou o gênero. La Fontaine foi outro grande fabulista, que
imprimiu à fábula grande refinamento.

De acordo com Silveira, os contos de fadas têm origem nas camadas


profundas do inconsciente, sendo comuns à psique de todos os humanos.
Por isso, pertencem ao mundo arquetípico. Esse é o motivo pelo qual os
contos de fadas interessam à psicologia analítica.

Silveira acrescenta que a mente de uma criança na faixa etária de 2 a 5


anos contém um conjunto de impressões mal ordenadas e parcialmente
integradas, que se expande rapidamente: alguns aspectos da realidade
vistos corretamente, mas com muitos elementos dominados pela fantasia.

A criança começa a fantasiar a partir de algum aspecto da realidade que


lhe causa ansiedade. Seus pensamentos misturam-se e ela não é capaz de
classi icá-los, mas se organiza mentalmente e volta à realidade forti icada
por essas incursões nas suas fantasias.

Assim como as fábulas e os contos de fadas contribuem muito para o


desenvolvimento da personalidade da criança, o mesmo acontece com
algumas músicas infantis, como é o caso dos discos “A Arca de Noé”e “Arca
de Noé 2”, dos compositores Vinícius de Moraes e Toquinho, lançados em
1980 e 1981, respectivamente.
Exemplo de como os compositores envolvem a criança pode ser notado na
canção Menininha:

Menininha, que graça é você.


Uma coisinha assim
Começando a viver
Fique assim, meu amor,
Sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim e você
Vai sofrer de repente uma desilusão
Pois a vida é somente teu bicho papão.

As músicas parecem representar experiências da vida prática de uma


criança, colocando-a em contato direto com elas. Estabelecem relação tênue
entre fantasia e realidade, evocando o tempo todo, uma visitação a esse
ambiente mágico. Dessa forma, propicia o contato saudável com um
repertório de conhecimentos sobre o mundo, bem como transfere os
dilemas e os principais dramas da vida real para as personagens. Também
reflete o desejo de proteção, muito presente nos pais.

Os conselhos e a realidade dos bichinhos da ‘arca’ levam a criança a


perceber que cada um tem seu destino, como em “O pintinho”:

E se ligeiro você escapar


Tem um granjeiro
Que vai te adotar

Assim como os contos e as fábulas, as músicas funcionam como válvula de


escape e permitem que a criança vivencie seus problemas emocionais de
modo simbólico, saindo mais feliz dessa experiência. Por meio deles, as
crianças começam a elaborar melhor os problemas do cotidiano e se
fortalecem para enfrentá-los. Envolvidas com as histórias, as crianças
entram em contato com textos distintos sem precisar entrar em contato
com essa realidade.

Temos notado a alteração dos desfechos das histórias tradicionais. É um


tipo de reorganização da sociedade moderna, visando poupar as crianças
do contato com questões da vida adulta. A tendência de extirpar o mal, o
medo e o castigo das narrativas, escamoteia as emoções que precisam ser
vivenciadas pelas crianças, na crença politicamente correta de que não é
saudável que elas enfrentem esses conflitos.

As estórias modernas escritas para crianças pequenas evitam problemas


existenciais, embora eles sejam questões cruciais para todos nós. As
estórias “livres de perigo”, não mencionam a morte nem o envelhecimento,
os limites de nossa existência, nem o desejo de vida eterna. O conto de
fadas, em contraste, confronta a criança com a condição humana.

A música “O leão” retrata esse animal como ele se apresenta na natureza:


feroz, ágil, que busca sua comida com persistência, assusta, mata suas
presas etc.

(...)
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês
O salto do tigre é rápido
Como um raio, mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o leão dá
Maia e a boneca – Pablo Picasso (1881-1973)
A realidade é retratada em “Os bichinhos e o homem” quando, após a
descrição da vida dos insetos, os compositores inalizam a canção com uma
re lexão sobre a fragilidade do homem diante da morte. Essa fragilidade é
acentuada pela melodia, que varia sua frequência [1], direcionando-se para
o grave e rallentando[2] a velocidade ao falar sobre o “jantar” dos bichinhos,
assumindo novamente o caráter lúdico presente nas canções pela
aceleração do ritmo no final:

E o homem que pensa tudo saber


Não sabe o jantar que os bichinhos vão ter
Quando seu dia chegar
Quando seu dia chegar

A criança, ao ler e ouvir as canções, entende que elas lhe falam na


linguagem simbólica e na realidade cotidiana. Transita, desde o início,
através da trama, e no inal, a ideia de que a narrativa trata não de fatos
concretos ou lugares reais, mas de situações fantásticas.

Nas canções da Arca, o texto apresenta-se de forma subjetiva e abre


possibilidades para a criança desenvolver o imaginário, como em “A casa”:

Era uma casa


Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada

Segundo o escritor paulistano Azevedo, os textos assim primam pela


subjetividade, pela ambiguidade, a motivação estética, o estranhamento, a
plurissigni icação, pela visão poética e particular da realidade. Como
desenhar “objetivamente” uma casa mágica? Janelas que se abrem para
paisagens “que imaginamos”? Como demonstrar visualmente que o
pensamento “é coisa de repente”? A que referência recorrer diante de um
poema que descreve uma casa sem teto, nem parede, nem chão?
A referência é sonora. Para tal efeito, a canção faz uso de backing vocals e
variações de velocidade. No inal utiliza ainda palmas. A melodia é
repetitiva, o que facilita o entendimento da criança. Como se pode observar
no trecho abaixo, em que o desenho melódico é o mesmo do trecho citado
anteriormente:

Ninguém podia
Entrar nela, não
Porque na casa
Não tinha chão

[1]
Notas musicais.
[2]
Rallentando: palavra utilizada no decorrer da música para indicar diminuição da velocidade. O
termo, em italiano, é sempre abreviado da seguinte forma: rall.
Assim, ica pertinente estabelecer relações entre as canções e a ação do
símbolo. Segundo Jung, ambas despertam emoções e evocam ideias
complexas, que dão margem a signi icação variada. As músicas da Arca de
Noé fazem parte de um repertório de símbolos que propiciam uma soma
de sensações no ouvinte, tornando-as disponíveis à consciência.

Vale lembrar que nossa vida, com seus problemas diários, angústias,
problemas inanceiros, não precisam ser vivenciados na realidade pelas
crianças. Elas devem vivenciar experiências fantasiosas, que as ajudarão a
enfrentar os problemas quando adultas.

A criança deve aprender com os contos de fadas, fábulas e canções, como


as da “Arca de Noé” a entrar na fantasia e voltar à realidade. Devem
vivenciar a morte nas histórias, as perdas e as frustrações, para que não
precisem de ajuda psicológica para enfrentar as chateações do dia a dia,
que estarão presentes ao lado das alegrias e realizações.

Trecho extraído e adaptado da dissertação de Mestrado A Sonoridade


Imagética de ‘A Arca de Noé’, de Érica Maldonado.

Érica Maldonado, de Sorocaba, é Mestre em Artes Visuais.


Graduada em Pedagogia e Música, atualmente professora universitária
e professora de música e artes na educação infantil.
Sua pesquisa envolve a canção, o imaginário infantil e a semiótica.
erimj@hotmail.com / ericamaldonado@uol.com.br

Referências Bibliográficas

Lev Semionovitch Vygotsky, Pensamento e linguagem, passim.

Nise da Silveira, Jung: Vida e Obra, passim.

Bruno Bettelheim, A psicanálise dos contos de fadas, passim.


Nise da Silveira, Jung: Vida e obra, passim.

Ibid., passim.

Nise da Silveira, Jung: Vida e Obra, passim.

Bruno Bettelheim, A psicanálise dos contos de fadas, p. 14, 15.

Ricardo Azevedo, Texto e imagem: diálogos e linguagens dentro do livro, p. 4.


Criança brincando – Albert Anka (1431-1506)
A barraca da Bia

Lilika Sommer

Vejo na comunidade muitos tópicos onde se nota o medo e a incerteza de


muitas mães com relação à educação dos ilhos: Como criá-los? Que
padrões usar: o nosso de pais e mães, ou aquele estipulado pela
sociedade? Fala-se muito sobre castigo, punição, e nota-se o medo que se
tem de errar com esses pequenos seres, tão singelos e tão cheios de vida e
energia. Muitas vezes nos esquecemos de que também fomos crianças, e
crianças peraltas.

Tive o prazer, como mãe de primeira viagem, e sedenta em conhecer a


alma desse serzinho que tanto alegra a minha vida, de participar de um
dos momentos de brincadeira mais fofos da vida da minha Bia.

É, minha Bia queria brincar à noite. Pais quebrados pela jornada de


trabalho, mais a jornada dos serviços domésticos... Mas... vamos inventar
brincadeiras! É tão pouco nosso tempo com ela! Marido construiu, entre as
guardas da caminha, uma barraca de cobertores e edredons. Olhinhos
brilhando (dos três!) minha princesa sorriu e disse: Vem mamãe, vem
papai, vem na barraca da Bia!

Tornamos-nos crianças. Dentro da barraca, milhões de fantasias. Lá tem


algodão doce, tem chá, chocolate quente. Tem historinha para dormir, tem
os três porquinhos, um gato e até uma Branca de Neve! Tem pizza, sorvete,
pastel e um milhão de beijinhos, que pagam as compras feitas por pais sem
grana, e recebem beijos estalados de troco.

Quem entra na barraca ica invisível... Minha Bia esconde-se e grita


“Mamãe, você não me acha!” E eu rondo o quarto todo atrás da minha
pequena, que sumiu dentro de sua barraca... Olhões espreitam-me entre as
dobras dos cobertores, e um sorriso maroto de satisfação aparece naquele
rostinho, que tem a certeza de que a “mamãe não me viu”...

Vale a pena esquecer às vezes de ser tão adulto. Vale a pena voltar a ser
criança.

Lilika é Lígia Regina Sommerhauzer de Souza, Tatuí, São Paulo.


O aprendizado da fala encanta e o da
música embala

Miriam Ramoniga[1]

Num breve relato compartilho com alegria minha experiência como mãe do
Sammer[2] e da Manoela[3], criaturas maravilhosas. Eles são dotados de uma
curiosidade natural, têm facilidade para aprender tudo que lhes é
ensinado com carinho, paciência e persistência.

A inteligência dos ilhos traduz-se no carinho e no afeto de seus pais e, não


importando se têm um, dois, três ou mais ilhos, os pais devem ser
igualmente afetivos com todos e não compará-los entre si ou a outras
crianças. Cada ilho é um ser único, com pensamentos e sentimentos
únicos, e com uma capacidade de aprender também diferente. O que deve
haver é apenas uma comparação do desenvolvimento de aprendizado de
cada um, em diferentes fases e situações.

São tantas as lembranças do aprendizado de nossos ilhos. Uns começam a


falar as primeiras palavrinhas antes de um aninho e outros, mesmo que
não sejam tão falantes, são capazes de aprender e reproduzir muita coisa
também.

Embalar meus ilhos, cantar com eles, cantar para eles, passear juntos de
mãos dadas, de bicicleta, de carro, sempre falando e/ou cantando são
atitudes lindas e importantes para seu aprendizado. Falar cantando é uma
ótima estratégia para que aconteça o aprendizado dos pequenos, seja qual
for o tema. Foi assim que tive o privilégio de ouvir meus ilhos falarem,
cantarem e inventarem as próprias letras e melodias, sobre os sons que
escutavam, as cores que viam e tudo o que sentiam.

Meu ilho, agora moço, foi preparado para viver, amar e encantar. E a
pequenina, minha ilhinha, é incansável em aprender sobre as coisas do
mundo. Na companhia do irmão, nada passa despercebido aos seus
olhinhos e ouvidos atentos. Logo que começou a “falar” compreendia
perfeitamente o sentido das coisas.

A fase silábica, (pa= papai; ma= mamãe; bo= bola; mi=milho), ocorreu aos
sete meses, a evolução de seu desenvolvimento foi registrada em seu
diário e em pequenos vídeos caseiros, para mostrar ao papai, à vovó e
rever quando sentirmos saudade.

Todos os dias, na hora do banho, cantavam suas músicas preferidas: “cai,


cai, balão, cai, cai, balão, aqui na minha mão, não cai não, não cai não, cai na
rua do sabão...” e, aos nove meses, ela fazia os gestos e cantava “cai... cai...”.

Por volta dos dez meses, falava palavras com duas sílabas, por exemplo: foi
(embora); viu; Ana (nome da boneca); Banei (Barney- personagem de
desenho animado); Booo (personagem de desenho animado), o mais
engraçadinho nessa época foi “bazé” (banzé), o nome do cachorro, que latia
muito, num apartamento no prédio do outro lado da rua.

Com um ano e um mês, ensaiava sua primeira canção devidamente


registrada: “Piti, piti, piti, piti, piti” leia-se “Perninha, pernoca, nariz de pica-
pau”.

Com um ano e dois meses, falava aproximadamente 150 palavras; tive o


carinho e a paciência de anotar cada uma e, a partir daí, foi muito rápido
para juntar as palavrinhas e falar suas primeiras frases, “ mamãe futinhas
busca” ou “mamãe mecado futinhas” (leia-se: mamãe foi buscar frutinhas
no mercado), ela falava as palavras no plural, muito meiga!!!

Alguns destaques de seu aprendizado, com um ano e cinco meses foi o


nome das cores: azul, verde, vermelho, amarelo, roxo, e não demorou
muito para aprender todas as cores, inclusive misturando-as[4] para ver no
que ia dar! Na mesma época identi icou a letra M de Manoela; reconheceu
as bandeiras do Brasil, Alemanha, Japão, Canadá; e também as partes do
corpo que aprendeu com a música do jacaré: “ eu conheço um jacaré... que
gosta de comer... esconde o nariz (troca por outras partes.... boca, barriga,
umbigo), senão o jacaré.. come o nariz e o dedão do pé”; e o teatro, canta e
gesticula com as mãozinhas: “uma é borboleta a outra é a lor, e assim a
borboleta voa até a lorzinha ”. E as duas mãozinhas se encontram, que
lindo!

Queria falar das coisas perigosas e que poderiam machucá-la, então


izemos uma nova canção, com uma melodia alegre e suave. Um dia, ao
inal da canção, ela completou a estrofe, com uma frase de sua criação, com
apenas 2 aninhos, que foi devidamente registrada e ganhou muitos
beijinhos:

“Se for de pedra pode jogar;


Se for de vidro pode quebrar;
Se for de fogo pode queimar;
Se for de pano pode dobrar;
Se for de água pode tomar;
Se for de chuva pode molhar;
Se for de agulha pode furar;
Se for de manha pode chorar”

[1]
Mãe 24 horas, Advogada, Coautora do livro: A Abelha Zunita, o qual teve a participação especial
da Manoela, publicado pela Ed. Conceito, em setembro de 2007. Balneário Camboriú – SC
[2]
Sammer Suleiman Ramoniga Othman, dezessete anos.
[3]
Manoela Ramoniga Furtado, três anos.
[4]
Misturava as cores da massinha de modelar e dos lápis aquarelados, que são ótimos para pintar
e depois passar o pincel; descobriu também que se misturar tudo, fica um cinza ou marrom.
Como isso é possível? Pura expressão de amar!

- Foram carinhosamente amamentados no seio, tempo que era sagrado, no


silêncio e no calor do colo, amamentação exclusiva até os seis meses de
vida;

Engatinharam pela casa, pela grama, pela areia;

Gostam mais de livros que televisão;

Ouvem e cantam muitas canções, todos os ritmos;

Dormem todas as noites pertinho da mamãe;

Vivem cada fase do desenvolvimento no seu tempo, sem pressa e,


com muita curiosidade aprendem sobre “tudo” o que lhes
interessa no momento;

Ganham muito colo, embalo, cafuné, beijos e abraços: não


precisam pedir nem chorar.

Cada vez mais encantada por tudo de que nossos filhos são capazes,
continuo na jornada diária de ensinar e de aprender, pois acredito que
tudo o que somos aprendemos na infância. Então vamos ensinar nossos
filhos, para que cresçam cantando. Boa sorte, saúde e paz!

Borboletinha
Borboletinha tá na cozinha
Fazendo chocolate para a madrinha
Poti, Poti, Perna de pau
Olho de vidro, Nariz de pica-pau
Pau pau

O sapo
O Sapo cururu
mora na beira do rio
o sapo não lava o pé 2 x
não lava por não quer
o sapo tem chulé

Jacaré Poiô

Eu sou, eu sou, eu sou


Eu sou jacaré Poiô..
Eu sou, eu sou, eu sou
Eu sou jacaré Poiô..
Sacode o rabo jacaré, sacode o rabo jacaré, sou Jacaré
Poiô!

“Não existe gente grande. Existem apenas crianças que


fazem de conta que cresceram, ou que de fato cresceram
sem, no entanto, acreditar plenamente nisso, sem
conseguir apagar a criança que foram, que continuam
sendo, apesar de tantas mudanças, que carregam consigo
como um segredo, como um mistério... Ser adulto é ser
coadjuvante”.

André Comte-Sponville, A vida humana, p. 83

O adulto esforça-se, penosamente, para chegar a uma


compreensão do simbólico e, por vezes, consegue
entender uma obra humana nas suas relações simbólicas
com o inconsciente. A criança dispõe, imediatamente,
dessa compreensão. É um fato que não podemos, jamais,
perder de vista se nos ocupamos, na teoria ou na prática,
do ser-criança. Essa delicadeza ou sensibilidade dos
primeiros anos de vida perde-se rapidamente para ceder
lugar ao que se chama de bom senso e que, na verdade,
não é senão uma tolice adquirida através de recalques.

Groddeck. A compulsão da simbolização, 1922

in La maladie, l’art et le symbole, p. 280


Dez direitos naturais das crianças

Rubem Alves, com autorização da Editora

1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo


não programado pelos adultos.
2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a
areia, a água, a lama, as pedras.
3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os
perfumes oferecidos pela natureza.
4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser
interrompida, de ser levada a sério nas suas ideias, de ter
explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem
gritos.
5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de pregar pregos, de
cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar o barro, amarrar
barbantes e cordas, de acender o fogo.
6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos
sadios desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro.
7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e
de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por
motoristas que pensam que as vias lhes pertencem.
8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o direito de construir uma
cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas
quais subir.
9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do
vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas.
10. “Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr,
e de ver as estrelas e a lua.” E aí eu pedi às crianças licença para
acrescentar o décimo primeiro direito: “Todo adulto tem o direito de
ser criança...”.
Cena de crianças brincando – Jenny Montigny (1875-1937)
Crianças índigo ou cristal

Para Laura Gutman, “todas as crianças são índigo, não somente os ilhos de
quem pratica yoga ou meditação transcendental. Todas as crianças são
dotadas de sensibilidade, capacidade de fusão com mundos sutis, conexão
com estados alterados de consciência, contato com mundos preternaturais
e com a ‘sombra’ inconsciente.

Os nomes ‘cristal’, ‘índigo’, ‘arco-íris’ são esplêndidos e encantadores, mas


não servem de nada: não há crianças excepcionais e não excepcionais. A
infância as iguala a todas em suas capacidades perceptivas, intuitivas e
telepáticas. Mas nossa cegueira de adultos nos impede de vincular-nos à
excepcionalidade e profunda verdade de que as crianças são portadoras”.

Resumindo, somos Midas ao contrário: recebemos o ouro puro da infância,


com suas potencialidades, e o transformamos em lama...
Adoráveis adolescentes

Claudia Rodrigues

Instabilidade de humor, falta de sono na madrugada e excesso pela manhã,


preferência por carboidratos, oscilações radicais entre insegurança e
sentimentos de superioridade são algumas das tendências de
comportamento largamente pesquisadas entre adolescentes urbanos nas
últimas décadas.

A explosão hormonal que traz seios, músculos, pelos e aumento de estatura


não é um fenômeno meramente isiológico; é impactante do ponto de vista
emocional e, na prática, esbarra em problemas cotidianos que,
naturalmente, irritariam pessoas em qualquer idade.

Assim como nas outras fases de revoluções hormonais, não é apenas o


efeito das substâncias químicas produzidas pelo organismo o responsável
pelas variações de humor, mas a novidade de um novo corpo que se forma,
impelindo o adolescente a um viver diferenciado, com novas necessidades.
A transformação chega exigindo o abandono de atitudes, pede um novo
comportamento, novas formas de prazer. Só que entre o desejo, a pulsação
e as mudanças ísicas, existe o meio cultural e as in luências poderosas de
tudo que vem de fora.
Os sentimentos de perda quando emerge o novo corpo, menos infantil, mas
ainda não de inido como o de um adulto, pedem estratégias emocionais e
psíquicas, nem sempre encontradas no universo dos adolescentes. O
processo é particularíssimo e depende também do entorno, da continência
familiar, do quanto esses “adolês” urbanos, civilizados, foram violados
ainda na infância pelos apelos da mídia, com milhares de interferências
pessoais, que se impuseram de fora para dentro de seus corpos.

Uma menina de 13 anos pode levar seis meses para entender que não
gosta mais de brincar de bonecas. Ela as penteia, muda de lugar, nem
passa por sua cabeça doá-las, mas não compreende porque não acha mais
graça em fazer aquilo que vem fazendo desde que se conhece por gente.
Ela pode fugir para o computador, tomar um sorvete com a turma e até já
sair à noite, mas vai viver necessariamente a transição da criança para a
moça no próprio corpo; experiência que não deve ser menosprezada, pois
não é feita só de vantagens, de um lindo mundo romântico de “namoricos”.
Amadurecer sempre dói em qualquer idade, mas na adolescência, talvez
pela consciência recente disso, que na infância não existia, aliada à
inexperiência em ser adulto, é um processo desestabilizante em termos
emocionais e sociais.

Para completar, o adolescente mexe com sentimentos não muito nobres


dos adultos com os quais convive, como a inveja. A priori, ele só apresenta
vantagens aos olhos dos pais: mais liberdade de ir e vir do que as crianças,
pouca responsabilidade e muita energia para o prazer. Além disso, não
importando se é gordinho ou magro demais para os padrões da moda, todo
adolescente tem um frescor juvenil que o torna necessariamente belo.
Existe uma beleza esplendorosa na juventude que independe do padrão
social e econômico e não tem nada a ver com o tamanho do nariz: é uma
força vital, que o adulto começa a perder pelos 25 anos, uma energia que,
se não foi bem vivida na adolescência, só pode resultar em inveja e,
consequentemente, projeção de frustrações. Esse sentimento aparece em
frases como: “No meu tempo não era assim; eu, na sua idade, já fazia isso e
aquilo; você nem parece que já tem 15 anos, não cresce, não amadurece.”
Para o adolescente, que não tem consciência da sua energia tanto quanto
das suas incertezas e inseguranças, ser colocado como um futuro adulto,
incapaz de chegar aos pés dos genitores, que ele, às vezes, despreza, pode
ser algo deprimente, revoltante ou paralisante. O deprimido desenvolverá
tendências antissociais, o revoltado será o melhor candidato à dependência
de drogas, enquanto o paralisado pode chegar ao cúmulo de não conseguir
passar de ano na escola por medo de crescer e realizar o pior de seus
temores: não conseguir chegar ao nível dos pais.

Os adultos, com suas vidas atribuladas, podem estar vivendo uma distância
entre si e as reais necessidades dos adolescentes. Essa distância pode ser
tão grande a ponto de impedir qualquer contato: não há trocas, o ilho não
mostra aos pais os melhores vídeos que catou no Youtube, pois ele pensa
que não achariam a menor graça mesmo. Aos poucos, o almoço e o jantar
em família vão desaparecendo, pais e ilhos viram estranhos dentro de
casa. Os adultos passam a ver os adolescentes como marmanjos que terão
que sustentar por muito tempo ainda; os filhos, por sua vez, começam a ver
os genitores como inimigos íntimos, algozes que soltam ou seguram uma
“graninha” para se livrarem de suas presenças ou para impedirem a
diversão com a turma.

É um lugar muito solitário o mundo do adolescente, e o refúgio está na


turma, nos primeiros amores. O grupo fortalece o anjo e o monstro que
vivem dentro do jovem; é adrenalina, é paz e amor, é desa io, experiências
corporais, afetivas. Encontrar companheiros que nutrem o coração do
adolescente é como voltar ao útero materno por algumas horas do dia. Ali
ele se sente compreendido, alimentado, entre os seus, ainda que nem
sempre a realidade seja exatamente o mar de rosas que ele vê.

O segredo de um adolescente-pessoa, que não insulta, não bate porta e


resolve suas questões com os pais por meio de conversas, foi tecido mês a
mês, ano a ano durante toda a vida dele. Com um bom vínculo com os pais,
que precisa ser mantido nas folgas da turma, as chances de ter um
“aborrecente” em casa diminuem bastante.

Talvez os adultos precisem rever seus conceitos em relação aos


adolescentes, porque esses seres em transição podem ser incrivelmente
agradáveis com suas críticas, ideias, fantasias e ilusões próprias de sua
idade.

Dicas de leitura

Ancona, Fábio & Campos Junior, Dioclécio. Filhos: adolescentes. Manole.

Dolto, F. A Causa dos Adolescentes - Um Projeto Humanista para o


Desenvolvimento dos 10-16 Anos. Ideias & Letras

Montgomery, Malcolm. ...E nossos ilhos cantam as mesmas canções.


Integrare

Savater, Fernando. Ética para o meu filho.

Zagury, Tania. O Adolescente Por Ele Mesmo

Educar, no contexto contemporâneo, é assumir riscos


ante a geração seguinte. É claro que na adolescência dos
filhos os riscos assumidos pelos pais serão cobrados –
mais uma vez, nem sempre de forma justa. Mas é possível
responder à cobrança adolescente a partir do lugar da
responsabilidade: “eu assumi o encargo de te cuidar e te
educar; prefiro correr o risco de errar do que te
abandonar”. Este enunciado fundamenta-se no desejo de
paternidade ou de maternidade. No limite, o adulto está
dizendo: “Eu assumo educar você porque eu quis ser seu
pai (ou mãe etc.).”

Maria Rita Kehl / Em favor da família tentacular.


Parece que as canções dos Beatles foram feitas para a galera adolescente:

Help! I need somebody!

Help!I need somebody!

Help! Not just anybody

Help! You know,

I need someone, help!

As grandes perguntas que interessam ao adolescente:

Quem sou eu? Que faço de minha vida?

Quem vai me dar carinho? A quem eu vou dar meu amor?

A SOLIDÃO É NECESSÁRIA
O isolamento relativo e sereno é necessário, não significa
‘um gelo’ do adolescente aos pais. Há solidões
regeneradoras, tanto para adultos quanto para crianças,
segundo F. Dolto.
Flowers – Wassily Kandinsky (1866-1944)
Família, Fernando Botero (1932-)
CAPÍTULO 9 – OBESIDADE INFANTIL
Obesidade infantojuvenil: carga
pesada

Dra. Relva

Durante muito e muito tempo, o homem tinha que caçar seu alimento longe
de suas redondezas. Quando aprendeu as artes agrícolas, plantava os
grãos, que eram zelosamente guardados para os períodos de escassez. Seu
alimento e o de sua família eram obtidos com muito esforço ísico, o que
concorria para sua saúde. Nos tempos de hoje, pelo contrário, os alimentos
nos são oferecidos já embalados, pasteurizados, enriquecidos com sais
minerais e vitaminas. Só temos o trabalho de buscá-los no supermercado e
icar mastigando-os enquanto vemos TV, que nos oferece mais alimentos
dançando à nossa frente, coloridos, convidativos, irresistíveis.

Podemos, também, ir a restaurantes e saborear receitas magni icamente


calóricas. Ser moderno é comer o dia todo: em casa, na escola, no shopping,
no cinema. Sempre sentados ou prontos para ir dormir. O resultado está aí
para quem quiser ver: uma verdadeira epidemia de obesidade, que
começa na infância e atinge a todas as classes, pois quase ninguém quer
fazer exercício físico que queime tanta caloria.

Saúde já foi confundida com gordura corporal, principalmente na época da


tuberculose, em que o bom estado geral dizia que a pessoa não estava
tísica. Havia também os concursos para os bebês mais fo inhos, com peso
acima do que hoje se considera como saudável. Esse costume acendeu um
botão de alerta da indústria às famílias: a criança precisa de mais
proteínas, mais carboidratos, mais vitaminas, mais ferro, mais cálcio. Comer
bem (e muito) virou uma exigência dramática da mãe: “Menino, come,
senão eu te mato. Ou me mato!”

Segundo Moacyr Scliar,

“a mãe judia já não é aquela mulher superalimentadora


que queria ver os filhos gordinhos; as mães hoje são
mulheres cultas, não raro analisadas e alertadas para o
problema da obesidade”.

A igura pode até estar em extinção, mas deixou um estrago no imaginário


materno: tem que comer, tem que comer, tem que comer. No livro recente
“Fadas no divã”, os autores mencionam a recusa de João a engordar como
pretende a bruxa que o tem prisioneiro:

“Fechar a boca é a primeira rebeldia assumida de um


bebê. Ao entregar o ossinho em lugar do dedo para
enganar a bruxa, João se posiciona como magro - ossudo,
como se diz - na mesma medida em que ela o quer
rechonchudo como um porquinho. Esse tipo de recusa
alimentar é similar à dos filhos, que insistem em
selecionar o próprio cardápio, discordante do da mãe,
assim como ao frequente fenômeno de que as crianças
comem de tudo na casa dos outros, enquanto na própria
são enojados e seletivos. É simples, na casa dos outros
(que assim são chamados porque não pertencem à
família mais próxima) ninguém está pendente do que eles
comem ou não. Nesse caso, a criança realiza uma
apropriação do ato alimentar, destinado agora apenas à
própria satisfação, orientado pelos seus critérios”.

Herdamos dos portugueses o gosto pela garapa, pelo açúcar, pelo


chocolate, pelos doces recheados de creme, pelas sobremesas calóricas. Só
que o sonho acabou. Ao mesmo tempo em que nos oferece tal variedade de
alimentos ‘enriquecidos’, a sociedade começou a abominar os – digamos –
fofos. A robusta e hiper nutrida criança, ao tornar-se adolescente, passa a
detestar sua imagem corporal, quando se compara com os ícones da TV ou
do cinema. Ninguém mais quer ser robusto, mas ‘sarado’, de carnes
enxutas, músculos de inidos, com ‘tudo em cima’. O esquizofrênico
itinerário começa com o uso de ‘estimulantes’ e ‘forti icantes’ na infância, e
os inibidores do apetite e anorexia na adolescência.

Nos casos que chegam à obesidade mórbida, há o recurso extremo das


gastroplastias redutoras e suas dolorosas consequências: intolerância
alimentar, náuseas, diarreia, anemia, osteoporose. Sem falar nos danos
psicológicos relativos à imagem corporal, depressão e desajustes. Segundo
a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, 3,7 milhões de pessoas
sofrem de obesidade mórbida no Brasil. Em alguns ambulatórios de
pediatria, mais de 50% das crianças e adolescentes atendidos estão com
sobrepeso.

Bombadas por mães e avós obcecadas por comida; e pela sociedade


inteira, pela TV, pelos shoppings, pelas absurdas e frequentes festas de
aniversário, com bolos e tortas recobertos de açúcar e gorduras. E pelo
sedentarismo, que aumenta a chance de sobrepeso, que poderá levá-las a
doenças degenerativas precoces, ao diabetes, coronariopatias, síndrome
metabólica etc. O controle tem que partir da família inteira, começando
pelo que se compra e se estoca em casa e chegar às escolas e suas cantinas
e merendeiras. Deveria haver também limite na propaganda de alimentos
calóricos para crianças.

As casas não têm mais quintal para brincadeiras. Na rua, é temerário


andar a pé ou de bicicleta, pois não há ciclovias nem respeito pelo ciclista e
pelo pedestre. Resta à família locomover-se de automóvel para fazer o
mercado ou ir ao shopping... comer. O alerta sobre a epidemia de obesidade
vem sendo dado mundialmente. Somos a geração adiposa, condenada à
esteira rolante, ao spinning e body shaping, para queimar uns 10% das
calorias ingeridas numa refeição. Cabe aos pais de hoje a tarefa hercúlea
de não ceder à diuturna propaganda de alimentos, que se tornam a cada
dia mais sedutores, recobertos de molhos, muito queijo, maionese e outros
adereços. Tudo é plus, é hiper, é mega, é super. Ou: enriquecido,
forti icado, vitaminado. Sandubão, pizza dupla, vai outra porção? Você
compra uma e ainda tem que levar duas. Do céu já jorrou maná, agora
chove hambúrguer, socorro! É preciso lembrar uma só palavrinha, frente à
oferta exagerada de alimentos que nos assola: “Menos, gente, bem menos”!

P.S.: A vingança dos ‘fo inhos’ será maligna: quando os pais estiverem idosos,
eles lhes proibirão todo tipo de comidas gostosas, de olho na pressão alta e no
colesterol...

“Nos Estados Unidos, há 283 mil bebês grandes demais


para as cadeirinhas de automóvel. Na televisão, acaba de
entrar em sua segunda temporada um reality show
chamado “Querida, Estamos Matando as Crianças” -
trocadilho com o filme “Querida, Encolhi as Crianças”. No
programa, uma nutricionista acompanha a dieta de uma
família e faz projeções em computador sobre como estará
a saúde dos filhos por volta dos 40 anos. Embora a
situação esteja pior nos Estados Unidos, onde o problema
existe há mais tempo, o Brasil é um dos países em que ela
se agrava em ritmo mais acelerado. ´Aqui, o aumento da
obesidade infantil foi de 239% em 20 anos’, diz o
endocrinologista Walmir Coutinho, presidente da
Sociedade Latino-Americana de Associações de Obesidade.
‘No mesmo período, nos Estados Unidos, foi de 60%.’ A
dieta média das crianças brasileiras inclui hoje 5 vezes
mais bolachas e refrigerantes que nos anos 70. O
consumo brasileiro de refrigerante é de 66 litros ao ano
por pessoa, ou pouco mais de 6 quilos de açúcar por
cabeça.”

Revista Época - Edição 419 – Fofinhos não, obesos.

Referências Bibliográficas

Scliar, Moacyr. Enigmas da culpa. Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2006.

Diana Lichtenstein e Mário Corso. Fadas no Divã. Artmed, P. Alegre, 2006.

Filme brasileiro sobre a escalada da obesidade: Muito além do peso, de


Estela Renner, 2012.

O projeto teve apoio do Instituto Alana, conhecido pelas iniciativas contra


os excessos da propaganda dirigida ao público infantil. Uma amostra do
ilme pode ser vista no site da organização: http://alana.org.br/ cf. Coluna
de Paulo Lima no site da Revista Istoé www.istoe.com.br/colunas-e-
blogs/coluna/253967_MUITO+DOCE
A obesidade é a atual epidemia
mundial

Importante:

1. É contraditório e improdutivo proibir alimentos e ao mesmo tempo


continuar a comprá-los. Muitos pais têm estoque das guloseimas
que pensam em evitar para os filhos;

2. Não reduzir alimentos drasticamente; diminuir aos poucos, com a


família toda sabendo que é um projeto da casa;

3. Não comer assistindo à TV, pois se perde a noção do quanto se comeu;

4. A prática de esportes e atividades físicas, além de contribuir para o


equilíbrio entre a ingestão e o gasto calórico diário, também ajuda
ao combate da ansiedade.

Abordagens psicoterápicas:

1. Comportamental, com fins de facilitar a adesão ao tratamento e a


modificação de hábitos inadequados;

2. Psicodrama familiar, jogos e role playing para famílias com alto nível de
conflito, ou grande distanciamento entre os membros, mas
depositando todas as neuroses no obeso; famílias muito rígidas que
receiam qualquer mudança no esquema familiar; famílias
superprotetoras, que usam a comida como objeto intermediário de
comunicação e apelo dramático. De um jeito ou de outro, importa a
conscientização das partes envolvidas.

A obesidade já se tornou um problema de saúde pública no Brasil: um


terço das crianças está obeso ou com sobrepeso, independentemente da
classe social. As consequências da obesidade são várias e se manifestam já
na infância: aumento de colesterol, risco de contrair diabetes e doenças
cardiovasculares, problemas respiratórios, problemas ortopédicos
provocados pela sobrecarga de peso. Quando os pais levam a criança ao
posto ou consultório a coisa já está avançada. Aí haja nutricionista, dietas e
sofrimento da criança.

Nas cantinas escolares o problema é grave — muito hidrato de carbono,


gordura, maionese. O gosto logo se acostuma a esses sabores e quer mais.
Na rede pública também há excesso de massas farinhas e óleo, que dão
saciedade. Comer fruta virou uma questão chique: só escolas de alto
gabarito oferecem essa opção. As medidas preventivas têm que ser
coletivas, o que é difícil de cumprir.

Já existem até spas para crianças! Elas vão crescer com essa neurose de
emagrecer, sendo que algumas mudanças em casa fariam com que elas
emagrecessem naturalmente e não apenas em um fim de semana.

O que você pode fazer:

evitar/reduzir alimentos calóricos, como farinhas e açúcar


adicionados ao leite (mingau) para os bebês;

ficar alerta contra abusos da indústria e da propaganda,


principalmente quanto ao incentivo ao consumo de bolachas
recheadas, excesso de pão e de macarrão, alimentos calóricos em
geral. Os salgadinhos também preocupam pela quantidade de sal
(sódio) e por tirarem o apetite;

abastecer a geladeira e armários com frutas frescas, nozes,


queijo magro etc, para os pequenos lanches;

evitar que a criança coma só para se “distrair” enquanto espera


algo ou assiste a TV;

jamais obrigar a criança a comer além do que ela dá conta: ela


tem que aprender a identificar seu grau de saciedade e não ser
obrigada a comer todo o prato; quantidade nunca foi sinônimo de
qualidade;

preparar alimentos saudáveis para toda a família, e não apenas


para a criança que se encontra com sobrepeso; deixar a criança
ajudar na preparação dos alimentos, de forma divertida e
interessante;

fazer refeições em família; a criança obesa faz parte de um


contexto familiar. A casa toda deve participar ativamente da
reeducação alimentar, de modo que todos se beneficiem da
reprogramação e o obeso não se sinta excluído do grupo familiar;

preparar merenda nutritiva e atraente para levar para a escola;

tentar de novo: alguns pais dizem que seu filho não gosta de
brócolis ou couve-flor, mas algumas vezes a aceitação requer
mais de uma tentativa; ou parar de insistir por uns tempos; ou
encontrar um sucedâneo mais palatável;

não restringir as calorias das crianças aleatoriamente; isso pode


prejudicá-las emocionalmente, porque se sentirão deprimidas; e
também pode ser prejudicial fisiologicamente, pois acabam não
recebendo os nutrientes necessários a seu crescimento e
desenvolvimento;
iniciar o dia com um café da manhã nutritivo e variado (cereal
com pouco açúcar, leite desnatado, iogurte desnatado com
granola, frutas e pães integrais);

praticar atividades físicas em família: dançar ao som de música


estimulante, nadar, caminhar, andar de bicicleta;

Não se faz dieta restritiva para bebês, a menos que estejam


ingerindo muita farinha (amido, hidratos de carbono); basta
seguir com a alimentação normal de um lactente, principalmente
o leite materno, que previne a obesidade.

Por outro lado, se o bebê com mais de seis meses precisa ganhar peso, não
há necessidade de recorrer ao açúcar ou a alimentos que o contenham
para aumentar a ingestão calórica diária: escolha alimentos que agreguem
calorias de alimentos integrais à refeição, e em menor volume. Facilitar o
consumo de açúcar é um péssimo hábito alimentar, sem falar que ele
favorece o aparecimento de cáries.

Importante: o leite materno ajuda a prevenir a obesidade.

Referências Bibliográficas

Aprenda a comer com o guia online do Ministério. Blog da Saúde


www.blogsaude.net

O Ministério da Saúde adverte: 15% dos brasileiros


estão obesos. A população está consumindo mais
açúcar, sódio e gordura saturada. Se você não quer
fazer parte dessa estatística, veja na página do
Ministério o ‘Guia Alimentar da População
Brasileira’.

‘Porcaritos’ poderiam ser consumidos mais frequentemente, se


contivessem menos sal, menos gordura, menos molhos, menos maionese...
Uma dica: escolha o menor ou o mais barato, não acrescente molhos nem
faça promessas de recompensar com mais comida. Difícil?

Até que en im o governo brasileiro resolveu adotar medidas


para reduzir o sódio e as gorduras nos alimentos oferecidos à
população. Só que o plano ainda é tímido e nivelado pelos
índices superiores, com o que a redução será lenta e gradual.
Michelle Obama está envolvida pessoalmente em fazer a
garotada nadar, levantar-se da poltrona e dançar ao ritmo de
Beyoncé. Ela e Obama tornaram-se ativistas da saúde pela
alimentação e pelo movimento: Let’s move!

“As formas atuais de crueldade com as crianças parecem


antes impedir seu desenvolvimento, inclusive motor. Uma
palavra de ordem, lançada pelos médicos diabetólogos às
mães (agosto 2003) mostra isso: ‘Parem de levar seus
filhos de carro à escola!’”

Sophie M. Mellor, crueldade no feminino p.174.


O corpo pode não ser um templo, muito menos uma lixeira!
O lado B: doenças da beleza

A ditadura da beleza impõe às mulheres que sejam


magras, o que gera insegurança e distúrbios
alimentares, para os quais foi criado um núcleo de
doenças da beleza, coordenado por Joana de Vilhena
Novaes, na PUC do Rio. O NDB faz parte do Laboratório
Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social
(LIPIS), da Universidade. Com o trabalho, a
pesquisadora ganhou o Prêmio Saúde 2007, conferido
pela Editora Abril, na categoria saúde mental e
emocional. Ela é doutora em psicologia e concedeu
entrevista à revista ÉPOCA de 09.04.2009:

ÉPOCA – O que é doença da beleza?

Joana de Vilhena Novaes – O nome surgiu em meu


primeiro livro, O insustentável peso da feiura (Ed.
PUC/Garamond). Durante sete anos, atendi na Clínica
Social da PUC-RJ pessoas insatisfeitas com sua imagem
corporal. A forma como elas tentavam se adequar ao
padrão de beleza muitas vezes era dolorosa, e não fazer
nada para se adequar igualmente causava angústia. As
pessoas limitam sua vida social, deixam de usar
determinadas roupas, ir à praia ou mesmo às festas.
Muitas não namoram. Na psiquiatria, chamamos essa
doença de dismor ia corporal. Às clássicas anorexia e
bulimia juntam-se hoje a ortorexia, que é a compulsão
por alimentos naturais, e a vigorexia, que é a
dependência de exercício ísico. As múltiplas
intervenções cirúrgicas também entram nessa lista.
Importante ressaltar que esse grupo de doentes da
beleza forma um número exponencialmente crescente.
O peixe morre é pela boca

Nas últimas duas décadas, o per il nutricional da população jovem evoluiu


de um eixo de icitário (desnutrição energético-proteica) para um eixo
hipercalórico e consequente boom da obesidade. Resultados que devem
ser esperados dos programas de saúde nas escolas:

1. REDUÇÃO DA OFERTA/INGESTA CALÓRICA, principalmente de açúcar


e amido > > redução do sobrepeso, da síndrome metabólica e da
cárie dentária.

2. REDUÇÃO DA OFERTA/INGESTA DE SAL (SÓDIO) redução da


hipertensão arterial e do AVC após os 45 anos + doença renal
crônica.

3. REDUÇÃO DA OFERTA/INGESTA DE ÓLEO NA COMIDA E DE


EMBUTIDOS GORDUROSOS redução das dislipidemias, infarto e
AVC.

4. REDUÇÃO DA OFERTA/INGESTA DE PROTEÍNA ANIMAL redução da


doença renal crônica e da hiperuricemia.

5. REDUÇÃO DO ETILISMO E TABAGISMO, com a mesma ênfase do


combate antidrogas.

6. AUMENTO DA OFERTA/INGESTA de frutas e verduras (fibras e


potássio) melhora da saúde global.

7. INCENTIVO À ATIVIDADE FÍSICA REGULAR por parte das famílias e


da escola é o ponto-chave de qualquer programa para melhorar a
saúde geral da população. Para que isso se torne REALIDADE, a
orientação nutricional e o incentivo de hábitos saudáveis devem
acontecer em todos os níveis dos programas de saúde e por todos
os meios possíveis de divulgação.
Recado para mamãe, vovó, titia

Não me forcem a comer

Deixem-me viver em paz

Não transformem a comida em castigo ou recompensa.

Não estou renegando seu amor: comida é apenas comida.

Ensine-me a comer sem me empanturrar.

Não me ameace com chinelo, eu só quero comer em paz.

Eu preciso brincar na pracinha, assim terei apetite


normal.

Mais pracinha, menos televisão.

Mais sol, menos sal. Menos açúcar, mais afeto!

Não me ameacem ou recompensem com comida, a vítima


pode ser...

EU!
Kneeling breast feeding mother – Paula Modersohn-Becker (1876-1907)
CAPÍTULO 10 – PAPEL SOCIAL DA PEDIATRIA
Papel social da pediatria

Dra. Relva

O pediatra hoje é solicitado a participar da vida comunitária, na prevenção


de agravos à saúde da criança e do adolescente. O governo entra com o
SUS e as vacinações. Ao pediatra cabe identi icar situações de risco social,
desnutrição e violência doméstica. Quando a mãe procura a Unidade Básica
de Saúde, ela deve encontrar ambiente preparado para atender às suas
demandas e incentivo/ajuda com esclarecimento afetuoso para o
aleitamento materno, desde o pré-natal. É este o grande papel do pediatra
e do enfermeiro pediátrico, seja em consultas, seja em eventos
comunitários – acolher e aconselhar:

Incentivar o aleitamento materno;

Dissipar dúvidas quanto à importância do leite materno e as


lendas do “leite fraco” e da “necessidade de complemento”;

Estimular a mãe ao aleitamento materno exclusivo até os seis


meses, pelo menos.

Se a Unidade Básica de Saúde cumprir esse papel, a manutenção da saúde


maternoinfantil estará assegurada. Para isso, todo o pessoal que trabalha
nos postos deve receber treinamento, para que não haja falhas nem
delongas, e para que se sintam motivados a melhorar o quadro que ali se
apresenta.

Não bastam cartazes: a campanha deve ser constante, persuasiva, amistosa


e permanente, desde a recepção até a inalização da visita. A mãe precisa
ser ouvida em suas di iculdades quanto à pega correta e sobre o melhor
estímulo à produção do leite materno: a sucção e mamada em livre
demanda.

O incentivo e a informação devem atingir todo o pessoal auxiliar, a começar


da recepção e da limpeza. Muitas vezes, o desmame é causado por um
olhar de deboche ou pela hostilidade no atendimento.

Pediatria no posto de saúde: cuidar e curar

Em comunidades carentes, o exercício solitário da pediatria não altera os


indicadores de saúde. Também não se modi ica o meio sem a educação dos
participantes, viciados que estamos (nós e a população) nos mesmos
padrões, em “exames de rotina” e fornecimento de remédios, quantas
vezes inócuos e até prejudiciais, sem atendimento a suas verdadeiras
demandas. As quais estão relacionadas ao universo das necessidades
existenciais e seus percalços: carência alimentar e afetiva, fadiga, violência
doméstica, falta de horizonte, desemprego, desconforto material.

As situações de risco social incluem, também: baixo peso ao nascer,


gravidez na adolescência, desmame precoce, desnutrição infantil,
de iciências especí icas de ferro e vitamina A e D, obesidade, esgoto a céu
aberto, acúmulo de lixo; e as sequelas da violência e abuso contra a
criança. Muitas dessas situações dependem de políticas públicas, que
envolvem o posto de saúde, as escolas e a comunidade. Ou seja, as medidas
têm que ser coletivas. Unidade Básica de Saúde é um espaço de
conveniência, onde as crianças poderiam assimilar noções básicas de
higiene; participar de vivências sociais, educativas e lúdicas; e serem
acolhidas, para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças. Lugar de
passagem comum das crianças, no contexto de nossa realidade, com
situações dramáticas precocemente vividas, condenadas que estão ao
submundo da exclusão social.
Como a população não tem acesso direto às ‘autoridades competentes’, seu
primeiro e quase único interlocutor é o posto de saúde. É para lá que ela
leva suas angústias, é de lá que ela espera alguma solução ou resposta.
Para o pediatra baiano, Dr. Arcleide, só uma ação conjunta pode fazer
surtir efeito em comunidades em situação de risco social: “Atuar em
ambiente de agrupamento de crianças e adolescentes por proximidades
geográ icas, faixas etárias, em estrutura cívica, com equipe multidisciplinar
constituída por médicos, enfermeiras, assistentes sociais e odontólogos,
dando assistência, cobertura e prevenindo, vacinando, diagnosticando ou
tratando cáries dentárias, verminoses, doenças infectocontagiosas, doenças
da pele, de iciências neuropsíquicas; avaliar o crescimento e
desenvolvimento, e fazer a triagem de defeitos congênitos, promovendo a
integração da educação com a saúde, objetivando o resgate da qualidade
de vida de gerações emergentes, em ambiente ecologicamente
equilibrado”.

O verdadeiro “produto” que reduziu a mortalidade


infantil não recebe muito destaque, pois é gratuito e só
depende da boa vontade e perseverança das mães: o
leite materno. Durante anos e anos, as mães foram
mantidas na ilusão de que o leite em pó era superior ao
seu próprio leite. O pro ícuo alvo “mamãe-e-bebê” não
mais saiu do foco da indústria de mamadeiras, chupetas
e leites em pó. O Posto de Saúde/UBS tem um papel
fundamental em inverter essa situação.

O cuidado à criança depende do governo, da família e


da sociedade:

CUIDAR DA CRIANÇA É DEVER DE TODOS!


“A criança normal, essa
desconhecida...”

Dra. Relva

Essa expressão é do saudoso Prof. Pedro de Alcântara, que se debruçou,


com lucidez absoluta, sobre o aspecto afetivo da pediatria. Para ele,

“o objetivo do desejo de que a criança seja normal, é que


ela realize, tão bem quanto possível, as finalidades da
criatura humana que ela é, e que só pode realizar de todo
quando adulta”.

A criança é uma pessoa completa para ‘sua’ idade. Da falta de percepção


dessa peculiaridade é que surgem os embates entre as pretensões do
adulto e as capacidades da criança, ainda em potencial. Nenhum cuidador
de crianças pode desconhecer o “conjunto de inalidades e recursos da
criança”, sob pena de ignorar os esforços que ela faz para sua própria
construção.

Os magní icos textos do prof. Pedro de Alcântara podem ser lidos e


apreciados nos dois volumes da “Pediatria Básica”, de Eduardo Marcondes,
pela editora SARVIER; ou no Museu da Pediatria (Rio de Janeiro), bem
como no Instituto da Criança de São Paulo. Sem essa compreensão, que ele
tão bem delineou e traduziu, a criança será tratada sob diversos e
inadequados qualitativos, que podem até levar a diagnósticos e medicações
erráticas, por falta de se meditar profundamente sobre o que se passa em
seus corações e mentes.
A prevenção quaternária é um novo nível de prevenção na pratica
médica. O que significa isso?

O desconhecimento das fases normais do crescimento

e do desenvolvimento motiva grande parte das consultas

pediátricas, ocasionando intervenções inoportunas ou

inadequadas ou exageradas.

Segundo o Dr. Marcelo D. Shafranski, no livro MEDICINA – Fragilidades de


um modelo ainda imperfeito, 2011:

“As intervenções relacionadas à prevenção quaternária se


dão dentro de diferentes grupos de prevenção: evitar a
cascata de testes diagnósticos (exames gerando mais
exames), a cascata de tratamentos (intervenções gerando
mais intervenções), o ‘tráfico’ de doenças e a
medicalização. Consistem em pilares da prevenção
quaternária: não confundir fatores de risco com doença,
evitar a solicitação de exames desnecessários nas
polêmicas consultas de check up (consultas de rotina) e
não confundir genética com doença”. (Kuehlen, 2010).

As Estratégias da Carta de Ottawa-Canadá 1986 indicam redirecionamento


nos serviços de saúde, preconizando transição do modelo de atenção
individual, com responsabilidade de oferecer serviços clínicos e
curativos, para a meta de ganhos em saúde. Paulo Buss, da Fiocruz,
rati ica “a necessidade de substituir a abordagem comportamental, de
responsabilidade pessoal, por ampla compreensão dos problemas de
saúde, considerando ações sobre os determinantes identi icados, o caráter
coletivo e a capacidade de resolução das comunidades, numa atuação
combinada de convergências midiáticas, ambientais e políticas”.
Agindo sobre os fatores há muito conhecidos, que põem a saúde das
pessoas em risco, urge a utilização de métodos multidimensionais na saúde
pública, abrangentes e de função pedagógica, esclarecedores e com ampla
divulgação, capazes de atingir a multiplicidade dos condicionantes de
saúde que devem ser cultuados pela população brasileira, em oposição ao
assistencialismo de contradições, em que a regionalização não tem sido
econômica, a equidade insu iciente, a integralidade pouco estratégica, a
hierarquização incoerente, a resolutividade para alguns e a universalidade
partida.

Wanderley Fernandes, “Saúde Partida” – correioweb de 28.12.2011

A consciência da mortalidade infantil veio não por causa


de iniciativas oficiais, mas por uma intensa campanha
nos meios de comunicação, revelando os números e os
mecanismos fáceis, para evitar tantas mortes. Foi uma
entidade que começou sem dinheiro público (a Pastoral
da Criança, liderada por Zilda Arns) que ensinou, no
interior do Nordeste, como era barato e rápido reduzir a
mortalidade de crianças.

Gilberto Dimenstein – Civilidade Contagiosa (Folha SP de


14.08.2011)

O acesso a um ou mais pediatras constitui um


diferencial na escala de classes: as mães mais
informadas são as que acionam com mais facilidade o
‘seu’ ou a ‘sua’ pediatra pelo celular, como forma de
reforçar sua imagem de mãe cuidadosa. As demais
serão atendidas por atacado nas UBS ou nos pronto-
atendimentos. Cerca de 90% da clientela nas UBS ou
consultórios é feminina, para si ou para os seus. Ela
parece precisar de um interlocutor que lhe faça a
igura paterna ou materna. Esses encontros permitem-
lhe ‘regredir’, mostrar-se frágil e/ou carente da
‘regressão’ que não obteve junto a sua mãe nem junto
ao companheiro. Mulher não para, mulher não
descansa. Indo à consulta, ela fala de si, pede receita de
papinha (que ela sabe fazer tão bem!), faz uma pausa
na canseira, mesmo quando tem que ir para a ila. Sua
queixa mais frequente é “meu ilho/ ilha não come!”; o
ato de alimentar é seu selo de autenticidade, a garantia
íntima de que é uma ‘boa mãe’. Mesmo que a fome seja
sua, e a criança que ela leva para ‘reparar’ seja sua
própria criança interior magoada e ressentida.

É importantíssimo lembrar que o desconhecimento do que é ‘normal’


durante o crescimento e desenvolvimento induz a erro, sobrecarrega os
ambulatórios e restringe a vida da criança. Exemplo: é comum que o RN
espirre, soluce, golfe; as narinas são estreitas e parecem obstruídas. A
urina pode apresentar-se rosada, pela presença de uratos. Nos ‘saltos de
desenvolvimento’, ocorre choro mais intenso e alteração do sono: pelo 3º
ou 4º mês; pelo 8º mês (ansiedade de separação). Ocorrência de birras
entre 1 a 2 anos (período de a irmação da criança, maior percepção e
participação do mundo externo) etc.

Outro exemplo: presta-se enorme atenção a supostos ‘defeitos’ dos pés,


sem considerar como são os pés dos parentes e do marido; o pé dos bebês
tem um coxim de gordura plantar; a marcha exige determinadas posturas
que não devem ser modi icadas, pois são necessárias. Por falta de
conhecimento, começam cedo diversas consultas ortopédicas para pés e
pernas normais.

Uma causa frequente de febre sem outros sintomas é o exantema súbito ou


roséola: 3 a 5 dias de febre alta, que desaparece ao surgir erupção
avermelhada na pele do tronco e abdome. É uma virose comum na
primeira infância, que leva ao uso indevido de antibiótico por
desconhecimento do que se trata, ou por pressão da mãe.
Direitos do paciente do SUS

Primeiro direito

Todo ser humano tem direito à atenção médica nos serviços de saúde
mantidos pelo governo federal, estadual e municipal, e na ausência destes
serviços governamentais, em caso de urgência/emergência, em qualquer
serviço de saúde existente.

Segundo direito

Toda pessoa ou seu representante legal, atendida pelo médico, tem


assegurado o direito de tomar conhecimento das causas e consequências
de seus problemas e doenças, sendo asseguradas ainda as explicações
necessárias para a perfeita compreensão destes.

Terceiro direito

Toda pessoa tem direito a atendimento médico condigno, tanto em termos


de ambiente, duração e relação interpessoal, resguardado ao paciente o
direito ao pudor.

Quarto direito

Todo ser humano tem direito a ter acesso às informações que lhe
permitam assumir a responsabilidade por sua própria vida e das pessoas
sob sua responsabilidade.
Quinto direito

Todo ato médico, realizado em instituição pública, em consultório ou no


domicílio, assegura ao paciente o registro desse ato, seja em prontuário
médico, icha clínica ou meio equivalente. O proprietário desses
assentamentos é o paciente, que os deixa sob a guarda do médico ou da
instituição onde foi atendido.

Sexto direito

É assegurado ao paciente o acesso a seu prontuário médico, icha clínica ou


similar onde foram feitos os registros, bem como as explicações
necessárias à sua compreensão, salvo quando isso puder provocar danos
ao paciente.

Sétimo direito

São assegurados ao paciente os direitos de sigilo sobre dados clínicos, bem


como os de divulgar os dados de seu registro clínico, se assim desejar.

Oitavo direito

É assegurado a qualquer pessoa o direito de representar junto ao


Conselho Regional de Medicina contra o médico que lhe atendeu ou
atendeu pessoa sob sua responsabilidade, com a devida fundamentação.

Nono direito

Todo ser humano tem o direito a uma morte digna.

Décimo direito

Todo cidadão tem o direito de livre escolha da sua assistência médica.


Doentes imaginários e mania de
doença

Dra. Relva

O Barão de Munchausen é um personagem de icção que dizia ter lutado


contra os turcos e, ao voltar, venceu um exército inteiro fantasiado de
galinha; conseguiu sair de um poço muito fundo puxando os próprios
cabelos; cavalgou uma bala de canhão; icou pendurado com seu cavalo na
torre de uma igreja e subiu até a lua escalando uma corda. Há pacientes
que agem como o Barão, fantasiando doenças e exagerando sintomas. É
uma forma particular de abuso, em que a mãe consegue até hospitalizar a
criança e submetê-la a tratamentos diversos.

Os apelos fantásticos da tecnologia andam favorecendo a eclosão de


Munchausens, com a mãe querendo diagnósticos cada vez mais elaborados
e exames mais so isticados para seus ilhos. Se eu embarcar na viagem
dela, posso ativar minha megalomania e querer provar que eu sei mais do
que ela pensa. Ela acha que eu sei tudo sobre a vida e a morte, e mais
ainda sobre seu filho – que ela ainda não desvendou.

Há pessoas que consideram a doença como sinal de prestígio, e icam de


consultório em consultório forçando prescrições e exames para males
inexistentes. Ou se apropriam de pequenos sintomas, exagerando-os e
transformando-os em “passaporte”, delas e da infeliz criança, que será alvo
de restrições e prescrições pelo resto da vida. Segundo Anna Freud,
“alguns pais, ou mães, atribuem ao ilho um papel na patologia deles
próprios”; “é sabido que muitas mães transmitem seus sintomas aos ilhos
pequenos” [...] “Alguns pais, por razões patológicas, parecem necessitar de
um ilho doente, perturbado ou demoradamente infantil”. (Freud, Anna.
Infância Normal e Patológica: determinantes do desenvolvimento. 4ª edição
– RJ: Guanabara, 1987; pgs 47-48).

Indícios da “Síndrome de Munchausen por procuração”: o ilho tem uma


doença raríssima que ninguém tem e é levado a vários especialistas. A mãe
procura icar íntima de médicos e enfermeiras; faz grá icos diários de peso
e temperatura; olha o resultado de exames como se fosse a mega-sena.
Adora o jargão médico e vive “orientando” parentes e amigos sobre
doenças: é uma especialista em generalidades. Leva horas em consulta
variadas e passa os ins de semana no pronto socorro infantil. Em casos
extremos, é capaz de colocar sangue na urina do ilho ou aplicar-lhe
insulina para simular um coma. Há não muito tempo, era comum ver a
mesma criança com botas ortopédicas, óculos e aparelhos dentários.
Felizmente, as botas foram banidas dos tratamentos. Mas olhos e pernas
ainda são pretexto para consultas, radiografias e tentativas de ‘conserto’.

A psicanalista Maria Izabel Kahn Marin considera que “as feridas


narcísicas se impõem, como se pode observar, por exemplo, nas
ansiedades e angústias de casais grávidos em relação ao que será esse
bebê, dizendo que querem fazer ultrassom a toda hora para se certi icar
de que tudo vai bem. Ou ainda na intolerância frente a qualquer
manifestação de dor, desprazer ou surpresa, que esse suposto anjinho,
calminho, bonzinho e feliz apresenta. Esse mesmo desconforto em relação
ao sofrimento ou agitação das crianças aparece frequentemente nos
cuidadores em geral. Essas situações parecem trair os bons projetos e as
boas intenções. Busca-se logo um especialista. [...] Pode-se entender como a
preocupante medicação precoce para os pequeninos vai justamente na
direção de manter a ilusão do controle do mal-estar, unindo-se a uma
equivocada concepção de prevenção de futuros problemas de
personalidade”.
Em 1916, tempo da varíola e da febre amarela, Miguel Pereira declarou: “O
Brasil é um imenso hospital”. De lá para cá, a água passou a ser tratada e
encanada, e a quase maioria das cidades conta com rede de esgotos. O
calendário brasileiro de vacinação é dos mais completos do mundo, mas
ainda temos endemias ligadas à pobreza, como a doença de Chagas, a
hanseníase, a leishmaniose, a ‘xistose’ e a malária. Entretanto, nas cidades
e nas estradas, o grande causador de lesões e mortes é o trânsito. Os
hospitais deveriam ser centros de excelência para acidentes e doenças que
exigem equipamentos e pessoal especializados. Hospital não é local para
pequenos problemas, que devem ser cuidados inicialmente em casa e – se
necessário – nas Unidades Básicas de Saúde. Precisamos aprender com a
natureza os meios para adquirir e conservar a saúde, pela alimentação,
lazer, atividade ísica e convivência saudável. Infelizmente, doença é tema
frequente de programas culinários da manhã, do jornal da noite e dos
programas dominicais.

O que eu quero dizer com isso? Que algumas mães, em vez de estabelecer
um vínculo forte com o ilho, procuram delegar a especialistas os cuidados
que dependem mais de sua “maternagem” do que de exames. Que a
criança precisa brincar mais ao ar livre para ter saúde. Que existe hoje
uma chance enorme de tratamentos desnecessários por falta de interação
com as reais necessidades internas e corporais da criança. Diagnósticos e
exames com nomes elaborados são mais sedutores que medidas
preventivas. Um simples vômito não é doença: a mãe poderia hidratar a
criança em casa em vez de ficar em filas, piorando a desidratação.

As pessoas precisam deixar de ir à farmácia como quem vai a uma


boutique, para saber das novidades. Se você vai ao médico já esperando o
pior, ele pode entrar na sua viagem. Então, quando for à consulta, não
dramatize, não exagere nos sintomas, acredite na ponderação do médico,
que começa o raciocínio clínico a partir das coisas mais simples. Somente
se houver complicação é que se passa às hipóteses mais complicadas. Em
medicina, o que é raro é raríssimo; o que é comum é comuníssimo.
A ‘síndrome de Munchausen por procuração’ é mais ou
menos frequente, sob a capa de ‘cuidados maternos’.
Pode ser do tipo escancarado ou sutil; esse é mais
comum e quase passa desapercebido.

“Dois pacientes apresentaram, assim, parassínteses


de repetição, na pequena infância, que resultavam da
dita síndrome, e tinham sido seguidas de outras
invenções maternas igualmente dolorosas. Uma
paciente enumerava uma impressionante série de
doenças, inventadas pela mãe durante sua infância e
a de seus irmãos: “hérnias abdominais”, apêndices e
outras amídalas requeriam igualmente ablações
cirúrgicas, pretensos “pés chatos” impunham o porte
de sapatos ortopédicos, “males de fígado” inventados
implicavam regimes e medicações diversas. Os
pacientes que sofreram esse estilo de crueldade
sofriam todos de distúrbios severos nos processos do
EU [je], correlatos das instruções repetitivas,
perpetradas por esse meio.”
Mellor, Sophie M. Crueldade no Feminino, p. 173

Para o escritor Meira Penna, a hipocondria está relacionada com falta de


interesses culturais:

“Nesse último capítulo, encontra o pensamento inferior


um poderoso aliado em outro traço bastante comum do
complexo brasileiro: a sua hipocondria, a obsessão com
remédios, vitaminas e pílulas. Todos se orgulham da
peculariedade extraordinária de seus sintomas, que
descrevem com intermináveis floreios. Todos se oferecem
para fazer um diagnóstico e sugerir a receita salvadora.
O próprio médico, no Brasil, não é apenas cientista, é
uma espécie de feiticeiro, pajé ou medicine man, como
nas tribos primitivas, ‘um conselheiro da família para os
corpos como o padre é para as almas’. [...]

Outro tipo, diametralmente oposto de pensamento


negativo, é o que resulta de várias espécies correlatas de
mitos pseudocientíficos e ‘espiritualistas’, que se valem de
expressões verbais atraentes pelo próprio hermetismo:
dianética, psiônica, teoria dos orgones, irisdiagnose,
cromoterapia... Criam-se verdadeiros cultos e teorias
charlatanescas”.

Meira Penna, Em Berço esplêndido.


Check-up aos 5 anos?

Um pré-escolar sem sintomas (assintomático) não requer checkup para


dosagens hormonais ou de colesterol etc, pois a criança está no polo
máximo de vitalidade, não sujeita às doenças degenerativas dos adultos. Já
o risco pelo trauma é altíssimo.

Exames de rotina são mesmo necessários?

É comum que as mães queiram fazer ‘exames de rotina’, sem saber se são
realmente necessários; as medidas de proteção contra acidentes são mil
vezes mais necessárias do que fazer exames em crianças.

1. É direito da mãe perguntar se o funcionário da coleta é treinado para


colher sangue em criança;

2. As veias de crianças fofinhas são difíceis de pegar. Por isso, é


conveniente procurar saber se tal exame é imprescindível;

3. A maioria dos exames em crianças é dispensável ou, pelo menos, de


indicação discutível.

O que faz uma criança adoecer?

contato com agentes infecciosos x falta de vacinação

contato com poluição industrial, fuligem de fogão a lenha e fumo


passivo

ataque de animais e predadores humanos


violência no trânsito, que é diretamente proporcional ao número
de horas que a criança passa em veículos

alergias e distúrbios alimentares

maus tratos e/ou abandono

água não tratada e esgotos insuficientes

pobreza e baixa escolaridade

Os pobres geralmente têm menor grau de instrução e, portanto, dispõem


de menos informação sobre práticas sanitárias. A falta de recursos
inanceiros restringe as oportunidades de acesso a melhor assistência
médica. O constante sentimento de desamparo e o isolamento social
aumentam a vulnerabilidade às doenças; a grande incidência e prevalência
de doenças nesses indivíduos di icultam a obtenção de emprego estável. O
ciclo da pobreza e da doença é estrutural e só pode ser resolvido por
políticas públicas. Doenças e incapacidades geram mais pobreza, o círculo
de miséria vai-se fechando e mais doenças vão acontecendo.

Referência Bibliográfica

Feist J e Brannon L. Health Psychology: an introduction to behavior and


health. Citado no Relatório Carmen/OPAS/OMS, 2003. Pg. 6.
Conduta para desmaio de criança na
escola

Entre as principais causas de desmaio não traumático em crianças


saudáveis, estão: a hipoglicemia, a insolação/intermação e efeito colateral
de algum medicamento. Se a criança não tiver se alimentado
adequadamente, ela começa a icar pálida, queixa dor de cabeça e em
seguida pode desmaiar; isso acontece com mais frequência após exercício
ísico ao sol ou calor. A hipoglicemia pode ser reacional à ingestão de
alimento açucarado, sem acompanhamento de alguma proteína ou
carboidrato de longa duração: ocorre liberação de insulina após a ingestão
do açúcar, desencadeando a baixa da glicose no sangue. É chamada
erroneamente de ‘pressão baixa’.

Em crianças que tomam ‘café simples’ com açúcar pela manhã, sem outro
alimento mais ‘forte’, pode surgir dor de cabeça no meio da manhã e
di iculdade de compreender a lição. Se acontecer desmaio, a conduta
imediata deve ser: oferecer água ou suco de laranja com açúcar, ou um
pedaço de chocolate, como medida de emergência. Se a criança estiver
torporosa, evitar oferecer qualquer alimento. Caso o desmaio tenha sido
provocado por calor direto ou falta de ventilação, levar a criança para a
sombra, em local arejado, oferecer-lhe um picolé ou água gelada, molhar
seus pés e mãos, tirar-lhe a camiseta. Crianças diabéticas, com crises
frequentes de hipoglicemia, requerem medidas especiais, indicadas por
seus pediatras. Em caso de desmaio ou de crise convulsiva, telefonar aos
pais imediatamente, os quais deverão procurar um pediatra. É importante
também que a escola seja avisada de algum problema prévio de saúde da
criança.
Conduta para crises alérgicas na
escola

As alergias cutâneas agudas ou urticárias são geralmente causadas por


alimentos, medicamentos e corantes, principalmente um de cor amarela ou
laranja, chamado tartrazina. Reações agudas a partículas do ar são bem
mais raras, principalmente se a escola adota o hábito de salas arejadas.

Cabe às famílias avisar à escola sobre alergias detectadas ou suspeitadas


(castanhas, amendoim, corante amarelo ou vermelho). Crianças asmáticas
devem ter medicação adequada, segundo prescrição médica.

Alergia de contato ou reações químicas podem acontecer na pele quando a


criança é manuseada com algum produto de limpeza ou com sucos / sumo
de cítricos pelas mãos de algum cuidador; os cítricos podem produzir, em
contato com o sol, reações na pele que simulam até queimaduras.

Para ataques alérgicos agudos (ana ilaxia), a escola deve estar preparada
com pessoal e material de socorro urgente; além de estar atenta a
episódios de bullying, por parte de colegas, a alunos alérgicos.

Fatores de risco, no transporte e no âmbito escolar, a serem


checados periodicamente:

estado dos pneus e freios das vans; competência e


cuidado do/da motorista; cadeirinha ou cinto de
segurança;
existência de piscina aberta, com facilidade de acesso;

escadas e parquinhos não supervisionados.


Diagnóstico virtual

Autora da dissertação de mestrado “Navegar é preciso: avaliação de


impactos do uso da internet na relação médico-paciente”, orientada pelo
professor Fernando Lefebvre e defendida na Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo (FSP/USP), Wilma Mangabeira investigou de
que forma os pacientes usam a rede, quando precisam de informações
sobre saúde e doenças. Procurou ainda identi icar as mudanças de
comportamento no processo de tratamento e as reações dos médicos
diante delas, segundo a ótica dos próprios pacientes.

Durante três meses, um questionário icou disponível em um site criado


para a pesquisa e foi respondido por 116 internautas que entraram na
página espontaneamente. Para estimular a participação daqueles que não
têm acesso à internet em casa, a pesquisadora contou com o apoio de
telecentros, unidades comunitárias de acesso à rede. A divulgação foi feita
a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Logística e Tecnologia da
Informação (SLTI), vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão.

Do total de entrevistados, quase 84% disseram buscar na internet


informações sobre saúde e consultar principalmente informações para eles
mesmos e para familiares, mas também fazem pesquisas para ajudar
conhecidos. Em torno de 85% já acessaram a rede depois de alguma
consulta para conhecer melhor o problema diagnosticado. Para 67% dos
participantes, além de as buscas serem importantes para o melhor
entendimento da doença, elas também possibilitam avaliar o conhecimento
do médico.

No entanto, a pesquisadora alerta que ainda há muita euforia quando o


assunto é a utilidade da internet no esclarecimento de questões de saúde.
Se, por um lado, a rede é uma ferramenta poderosa de informação, o
excesso de fontes, a qualidade do que é divulgado e a falta de
discernimento ou posicionamento crítico de quem consulta, muitas vezes
mais confunde do que ajuda.

“A informação disponível precisa ser encarada como subsídio básico e não


deve ser confundida com conhecimento”, disse Wilma. Aqui
acrescentamos: e também não substitue a consulta médica.

Karin Fusaro – Agência FAPESP — www.agencia.fapesp.br


A saúde da criança e as redes sociais

Sempre que se fala em promoção da saúde associando-a à internet,


aparecem comentários eivados de preocupação com diagnóstico virtual e
tratamento on-line. Esse tipo de pensamento é altamente restritivo, pois a
saúde do bebê depende, em primeira instância, de sua constituição
genética e dos cuidados maternos. É para cuidá-lo que a mãe faz pré-natal,
segue preceitos de boa nutrição e diversas outras medidas que a
mantenham saudável para fazer o melhor para seu ilho. Começando pela
amamentação (ou pelo aleitamento arti icial, quando necessário), o colo, o
acalanto, o banho, a massagem – todas as maneiras que a mãe conhece (ou
procura conhecer) para melhor cuidar de seu bebê.

Quando ela participa das redes sociais, seu intuito é falar do bebê, ouvir as
companheiras que têm ilhos, receber estímulo e dicas para seguir
amamentando. Na “Pediatria Radical”, que completou sete anos em março
de 2012, ela fala de tudo: de si mesma, de sua família, de suas expectativas,
de suas dúvidas e vivências. Importante relembrar: a comunidade não
pretende, nem poderia – jamais – substituir a relação mãe-bebê-pediatra
ou com outro profissional de saúde.

O aspecto mais interessante é o apoio que a mãe encontra para sua


vontade de amamentar, apoio que nem sempre recebe nos meios
pro issionais. Frequentemente, ela é vencida por seus bloqueios internos
ou pelo desestímulo de terceiros, desde os meses de espera. Tanto na PR
quanto no GVA (Grupo Virtual de Amamentação) e comunidades
correlatas, o incentivo ao aleitamento materno é constante e intenso.

A mãe sempre foi o polo passivo no âmbito dos serviços de saúde, públicos
ou privados. Tanto que é chamada de ‘mãezinha’. Nas redes sociais, ela
exerce o famoso ‘empoderamento’, ao colocar-se como sujeito de sua vida,
de sua saúde e de seus ilhos. Nos fóruns e blogs, ela manifesta-se
livremente, dá e recebe aconselhamento, troca receitas de comidinhas, fala
de questões domésticas e do trabalho. Nossa comunidade não tem
conotação acadêmica; é ponto de encontro.

Os que se inquietam, indevidamente, com essa participação ativa não


sabem de que estão falando ou consideram a criança um doente em
potencial. A criança encontra-se no polo máximo de sua vitalidade, não
sujeita às doenças degenerativas dos adultos. Os agravos que mais a
ameaçam hoje são devidos à violência em casa e na rua. As medidas de
proteção à criança devem provir das autoridades sanitárias, da escola e da
sociedade, de maneira coletiva.

A mulher tem longa tradição de tutela patriarcal. As redes, a internet, são o


oposto da tutela: cada indivíduo é sua própria mídia, cada boca tem seu
próprio trombone. Para desespero e desconcerto dos ‘canais competentes’.
A mãe é a base, o suporte da prevenção e da promoção oportuna da saúde.
Os pilares da saúde da família estão em suas mãos. Quanto mais informada,
mais autônoma.

Que significa humanização do atendimento?

Para o dicionário, humanização é o ato de humanizar, que por sua vez


significa:

1. Tornar humano; dar condição humana a; humanar;

2. Tornar benévolo, afável, tratável;

3. Fazer adquirir hábitos sociais polidos; civilizar;

4. Bras., CE. Amansar (animais);


5. Tornar-se humano; humanar-se.

Diz o Aurélio que humano é o que é afável, benévolo, manso. Antes de


discutir tipos de parto, temos que entender o que é humanização, de
que modo ela é vista nos serviços de saúde e de que maneira as usuárias
podem mover alguma palha nesse palheiro...

“Humanizar, portanto, não é tratar educadamente, fazer


carinho, adocicar a voz para mal esconder o drama, a dor
de quem sofre ou a ansiedade de quem está diante do
desconhecido ou do incerto. Humanizar é envolver-se
com as pessoas, para melhor entender seus medos, suas
alegrias, suas ansiedades, suas expectativas, e poder, de
algum modo, ajudar, solidarizar-se. Humanizar é
entender que há momentos fáceis e alegres e outros
difíceis e cruéis, que a vida reserva a todos e dos quais
não escapamos. Humanizar é entender a nossa modesta
relatividade diante do outro, do mundo, da vida”.

Rui de Paiva. “Humanizando nascimentos e partos”.


http://parircomalma.blogspot.com/search/label/humaniza%C3%A7%C3%A3o

“PARTO BOM É PARTO BEM ASSISTIDO”

ROSE MALLET

E para você, como seria o parto ideal?

Humanização no atendimento é...


Empatia e respeito à pessoa

Civilidade + solidariedade = cidadania

Conscientização sobre o que é dignidade humana

Humanização é um direito de todos e todas que procuram

atendimento!
Papel da família na promoção da
saúde

Tipos de prevenção ao alcance de mães e cuidadores

PREVENÇÃO PRIMORDIAL evita a instalação de fatores de risco: por meio


da vacinação, da prevenção da desidratação, da desnutrição e de acidentes.

Na prevenção primordial, a mãe atua:

1. aleitando o bebê, exclusivamente ao seio, até os 6 meses;

2. pelos cuidados básicos de higiene e pela vacinação;

3. pelos cuidados afetivos e emocionais;

4. pelos cuidados ambientais para prevenir acidentes domésticos;

5. e pelos demais cuidados quanto a agravos climáticos, agressões por


animais, abusos e violência, e prevenção constante de acidentes no
trânsito.

O novo modelo da Estratégia de Saúde da Família do SUS contempla:

Saúde como qualidade de vida (e não como ausência de doença);

Atenção centrada no coletivo (e não no aspecto individual);

Atenção integral à saúde, incluindo ações de promoção, proteção,


cura e recuperação;

Acesso de toda a população aos serviços de saúde, com


intervenção de equipe interdisciplinar e participação
comunitária.

O atendimento, por sua vez, deveria primar pela simplicidade e


eficiência.

“A simplicidade é perfeitamente compatível com um alto


padrão de qualidade. Uma medicina “minimalista”
assume feições mais humanas, poupa ao doente
sofrimento e gastos, muitas vezes dispensáveis, sem
contar a redução dos riscos de iatrogenia – no fim das
contas, da necessidade faz-se uma virtude.”

Fundamentos e Práticas em Atenção Primária à Saúde, p.


132.

A remissão espontânea, principalmente na criança, é de cerca de 80 a


90%. O tempo é um poderoso aliado, que deve usado em favor da
simplicidade com e iciência, além de contribuir para de inição e até
resolução do quadro.

A mania do “exame ísico completo” é considerada até perigosa, segundo


Kurt Kloetzel, quando não se conhecem bem as diferenças entre o normal
e o anormal, levando à excessiva atenção a sinais inocentes, como os
sopros sistólicos suaves, leve ginecomastia do adolescente, adenopatias
antigas e inalteradas, prolapso da válvula mitral e inúmeros outros
exemplos. Arremata ele, a respeito dos exames complementares: “mais
comumente seu efeito é o de aumentar as incertezas: quanto mais se
procura, mais se acha, seja nos exames de rotina (tão comuns nas
enfermarias), seja no rastreamento das doenças da população, sem
esquecer uma série de icções cientí icas que surgem como ondas, por
exemplo, as “disritmias” da infância ou da adolescência, uma patologia de
triste memória, que deve sua existência à popularidade do
eletroencefalograma (EEG). O Dé icit de Atenção com Hiperatividade é a
bola da vez, levando à excessiva medicação de escolares.

A rápida expansão da tecnologia médica de 2ª ou 3ª geração – a US, a


tomogra ia, a RM, entre outras – ampliou o espectro das “doenças” ou
“anormalidades” que, em sua ausência, jamais seriam descobertas. Nesse
sentido, os cálculos biliares ou urinários “silenciosos”, bem como uma
legião de malformações anatômicas sem maior signi icado clínico, tornam-
se pretexto para intervenções cirúrgicas inteiramente desnecessárias.

Riscos do excesso de exames complementares:

1. custo (iatrogenia e aumento da iniquidade social);

2. ansiedade (iatrogenia psicológica);

3. menosprezo pela anamnese e pelo exame clínico;

4. atraso no diagnóstico;

5. sobrecarga dos laboratórios;

6. diagnóstico equivocado;

7. alarme falso.

Um exemplo eloquente e atual é o excesso de RX dos seios da face em


crianças encatarradas e cuja realização, em quase 100% dos casos, não
vai alterar a conduta clínica. Em adultos, um exemplo é a lombalgia, que
é uma síndrome, para a qual o RX da coluna mostra alterações estruturais
intratáveis, enquanto a dor mesmo não obtém o devido tratamento (que
exige uma série de alterações no estilo de vida e nos fatores laborais). As
radiogra ias dão aos pacientes a falsa sensação de atendimento adequado,
mas nem sempre eles conseguem feedback (resposta) para os achados das
radiogra ias e a devida correlação com suas queixas e consequente
tratamento, que poderia começar pela troca do colchão, atividade ísica,
mudanças posturais.

O próprio Ministério da Saúde afirma:

“Na mulher que está entrando em fase de climatério, há


tendência a pesquisar problemas por meio dos exames
mais variados: US transvaginal, dosagem hormonal (TSH,
FSH, LH, estradiol), perfil lipídico e glicemia. Não há
evidência para a realização da maioria desses exames. O
que se percebe é um exagero no uso de US transvaginal
em mulheres assintomáticas nesse período, intervenção
esta sem fundamento em evidências científicas de boa
qualidade. Não existe recomendação de rastreamento de
câncer de ovário ou endométrio com US transvaginal até
o presente momento. Nessa fase da vida das mulheres, o
foco deveria estar centrado nas mudanças que
enfrentam e explorar com elas o significado e simbologia
desse período de suas vidas”. [...]

Quanto às dosagens periódicas do colesterol, afirma o mesmo documento:

“Com relação ao risco cardiovascular, as mulheres, de


maneira geral, constituem um grupo de baixo risco para
morte cardiovascular” [...] A recomendação é a mesma
que se fará a qualquer pessoa, ou seja, a promoção de um
estilo de vida saudável.” O mesmo quanto ao
eletrocardiograma de repouso, que se destina à pesquisa
de lesão cardíaca nos pacientes portadores de
hipertensão e/ou diabetes e que, fora desse contexto, na
prática ambulatorial, é de uso bem limitado”.

Vemos, assim, a interação pessoal ser substituída pelos ‘exames de rotina’,


aos quais é atribuído poder de vida e morte, em detrimento da promoção
de mudanças do estilo de vida, da alimentação equilibrada e da atividade
ísica regular. Quanto ao tratamento, deparamos com número exagerado
de apresentações comerciais de medicamentos e a propaganda intensiva
de produtos similares, de preço maior que o dos genéricos.

O cuidado das reais necessidades dos pacientes deveria incluir as


seguintes perguntas e possíveis respostas: Quem é esse paciente? Como é
sua personalidade? Quais suas crenças (ou de sua família) sobre sua
enfermidade? De onde ele vem? Que fatores ambientais estão in luindo em
sua doença e no tratamento? O que ele espera da consulta? Ele entende e
aceita a explicação e a prescrição do médico ou do agente de saúde ou
outro tipo de terapeuta?

Referências Bibliográficas

Ines J, Anastasio GD. Ambulatory Drug Therapy. Essentials of Family


Medicine. Baltimore: Williams & Wilkins; 1993. (p. 103-110)

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento


de Atenção Básica. Rastreamento/Ministério da Saúde, Secretaria de
Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério
da Saúde, 2010. 95 p. : il. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos
de Atenção Primária, n. 29).
Por que está faltando pediatra no
Brasil?

A reportagem do “Fantástico” do dia 24 de abril de 2011 mostra um


quadro desolador: faltam pediatras em todo o Brasil. A câmera mostrou as
ilas de espera e o tempo que se leva para o atendimento: de 4 a 8 horas; e
até dias!

Pediatras experientes declararam que os estudantes de medicina não mais


sentem vontade de fazer pediatria, pelo estresse nas emergências, pelo
abuso dos telefonemas e pela remuneração não compensadora. O excesso
de demanda é exaustivo: imagine-se atender até cem crianças (ou mais)
por plantão!

Mas... será que todas aquelas crianças mostradas precisavam realmente


icar na ila, esperando? As mães não poderiam administrar um
antitérmico básico + banho em casa? Ou oferecer “soro” (SRO) em caso de
vômito ou começo de desidratação durante a triagem, enquanto se tomam
as primeiras providências de orientar as mães? É desumano esperar que
uma supercriatura incansável chamada pediatra dê conta de examinar e
medicar cem ou mais crianças por plantão!

A mania de ligar para o(a) pediatra é um fenômeno


tipicamente brasileiro: ligar para pediatra a qualquer
hora do dia ou da noite para contar que a criança
espirrou ou passou um dia sem evacuar etc. Faz parte
de nossa ideia colonialista ‘ter’ uma pessoa sempre à
mão para atender nossos desejos: ‘minha’ cozinheira,
‘minha’ manicure, ‘meu/minha’ pediatra. Quanto mais
esclarecida e abonada, mais fácil o acesso ao pediatra
por celular, o que lhe confere aura de ‘mãe perfeita’. Só
que pediatra não é babá nem babá é enfermeira,
mesmo vestida de branco...
Os especialistas e o discurso competente

“No princípio, era a escola com seus alunos e


seus professores; agora temos alunos,
professores, psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,
psicopedagogos e médicos das mais diferentes
especialidades. São os chamados especialistas.
Você pensa, caro leitor, que vamos parar por aí?
Nem pensar. Agora há outro profissional
entrando pela porta da frente da escola e
interferindo nela: os advogados.

Deveríamos nos interessar em saber como fica a


relação que deveria ser a mais preciosa – entre
professor e aluno – com a intervenção de tantos
outros profissionais alheios à educação escolar”.
Rosely Sayão, psicóloga e escritora.

O discurso competente

“Como escreve Lefort, o homem passa a


relacionar-se com seu trabalho pela mediação do
discurso da tecnologia, a relacionar-se com o
desejo pela mediação do discurso da sexologia, a
relacionar-se com a alimentação pela mediação
do discurso dietético, a relacionar-se com a
criança por meio do discurso pedagógico e
pediátrico, com o lactente, por meio do discurso
da puericultura, com a natureza, pela mediação
do discurso ecológico, com os demais homens por
meio do discurso da psicologia e da sociologia.
Em uma palavra: o homem passa a relacionar-se
com a vida, com seu corpo, com a natureza e
com os demais seres humanos através de mil
pequenos modelos científicos nos quais a
dimensão propriamente humana da experiência
desapareceu. Em seu lugar surgem milhares de
artifícios mediadores e promotores de
conhecimento que constrangem cada um e todos
a se submeterem à linguagem do especialista que
detém os segredos da realidade vivida e que,
indulgentemente, permite ao não-especialista a
ilusão de participar do saber. Esse discurso
competente não exige uma submissão qualquer,
mas algo profundo e sinistro: exige a
interiorização de suas regras, pois aquele que
não as interiorizar corre o risco de ver-se a si
mesmo como incompetente, anormal, a-social,
como detrito e lixo”.
Marilena Chauí
Esses dois textos mostram quanto é di ícil para a ‘sucata humana’
participar como sujeito das decisões em prol de sua saúde. Disso resulta
que as ações que possam bene iciar os extratos sociais carentes precisam
ser de natureza coletiva: pelas campanhas, cadernetas de saúde,
tratamento da água e dos esgotos, combate à anemia em escolares, pré-
natal com fornecimento de ácido fólico às gestantes, detecção e tratamento
de doenças infectocontagiosas e parasitoses, programas de saúde escolar,
com vistas à alimentação adequada, restaurantes populares, praças de
esporte, esclarecimentos sobre violência no lar e na rua, e proteção total do
Estado em situações de calamidade.

Quais são os sinais de gravidade que indicam a necessidade de levar


uma criança à emergência?

SINAIS E SINTOMAS GERAIS DE PERIGO FATORES DE RISCO

Letárgica ou inconsciente Residentes em área de risco

Agitação/irritabilidade Baixo peso ao nascer

Não consegue beber ou mamar Criança com doença crônica grave

Vomita tudo que ingere Prematuros

Convulsão Desnutridos

Menores de 1 ano, com atenção especial


Cianose ou palidez intensa
aos menores de 2 meses de idade

Três ou mais atendimentos em emergência


Hipotonia/hipertonia
nos últimos 3 meses

Temperatura corporal abaixo de 35,5ºc ou acima


de 37,5ºc Vacinas em atraso
em menores de 2 meses de idade
Respiração rápida

Menor de 2 meses: 60 rpm

2 A 12 meses: 50 rpm

1 Ano a 5 anos: 40 rpm

Maior de 5 anos: 30 rpm

Tiragem subcostal

Estridor em repouso

Dor e vermelhidão atrás da orelha externa


Quando a febre deve preocupar:

1. A criança tem menos de 3 meses de idade


2. A temperatura corporal é maior do que 40ºC
3. A criança está queixosa ou com choro inconsolável
4. A criança chora ao ser tocada ou mobilizada
5. Há dificuldade em acordá-la
6. A criança apresenta rigidez de nuca
7. Há petéquias ou manchas purpúricas na pele
8. Dificuldade respiratória, mesmo após desobstruir as narinas
9. A criança não consegue engolir nada
10. Ocorreu uma crise convulsiva
11. A criança parece muito doente
12. A criança vomita sem parar

O neurologista Ricardo Teixeira, do Instituto do Cérebro de


Brasília, lançou recentemente o livro “Prezado Doc!”, Ed.
Thesaurus. Em entrevista ao Correio Braziliense – Revista
de Domingo - ele declarou: “Tudo que se faz para aumentar
a cultura em ciência e saúde entre a população é válido”.
Concordamos inteiramente, pela similaridade de propósitos
com este nosso LIVRO DA MATERNAGEM e, claro, com a
comunidade PEDIATRIA RADICAL.

O médico Júlio Abramczyk acredita que a população precisa


de “letramento em saúde”, para entender sua doença e as
informações que recebe da equipe médica. O que signi ica
que os objetivos e a linguagem dos pro issionais de saúde
nem sempre coincidem com os dos pacientes. In Folha SP de
1/12/2012.

A investigação clínica da causa de febre obscura (ou nas situações acima),


começa pela anamnese e exame ísico; em criança grave (toxêmica), seguir
a Escala de Observação de Yale: choro, reação a estímulo dos pais,
coloração da pele, estado de hidratação, resposta social e estado de
consciência. A investigação complementar começa pelos exames mais
simples e inespecí icos, como: hemograma + VHS + exame qualitativo da
urina + PCR e procalcitonina, se possível, seguindo-se outros, conforme
cada caso: reação de Mantoux/PPD, monoteste, RX de tórax, hemocultura,
dosagem das enzimas hepáticas e da fosfatase alcalina, ureia/creatinina,
exame do líquor, imunoeletroforese, anticorpos antinucleares, exames de
imagem que se mostrarem necessários.

Fonte: Medicina Ambulatorial. Condutas de Atenção Primária baseadas em


evidência. Bruce B. Duncan, Maria Inês Shmidt, Elza R. J. Giuliani, PA, 2006.

Encaminhar urgentemente a um hospital

Toda criança vítima de acidente doméstico ou escolar,


como: queda, queimadura, aspiração de conteúdo
gástrico, ingestão/aspiração de corpo estranho,
acidente de trânsito, violência e maus tratos. Se seu
ilho ou outra criança estiverem em alguma das
situações acima, procure um serviço pediátrico, pronto-
atendimento ou chame a ambulância do SAMU!

Uma criança com suspeita de pneumonia, com a


indicação médica de antibiótico, deve receber a
primeira dose do remédio na própria Unidade Básica
de Saúde (UBS), conforme recomendação da
Organização Mundial de Saúde e do Ministério da
Saúde (Programa AIDPI – Atenção Integrada às
Doenças Prevalentes na Infância, 2003).
Intervenções eficazes para a saúde
da criança, segundo a OPAS

Nutrição

1. Suplementação de ácido fólico periconcepcional

2. Aleitamento materno

3. Suplementação energética para prematuros

4. Suplementação energética para lactentes, pré-escolares e escolares em


situação de carência

5. Suplementação com zinco e ferro para crianças desnutridas

6. Aconselhamento familiar sobre alimentação saudável

Educação

1. Para a mãe, sobre desenvolvimento infantil (antes, durante e depois da


gestação), nos atendimentos e visitas domiciliares

2. Intervenções educativas para a família quanto à saúde (prevenção de


acidentes, desenvolvimento da linguagem etc.)

3. Cuidados formais na creche


4. Educação pré-escolar de qualidade

5. Educação escolar em matérias acadêmicas e habilidades psicossociais


Ambiente

1. Físico: medidas de segurança no lar

2. Familiar: vínculo mãe-filho, boa relação entre pais e filhos, prevenção da


violência doméstica

3. Social: intervenções de apoio social em relação à criança – visitas


domiciliares, recursos comunitários, grupos de autoajuda

Cuidados com a saúde

1. Prevenção de partos prematuros

2. Prevenção de riscos maternos (depressão, ansiedade, isolamento,


drogas)

3. Intervenções sobre a saúde mental da família (transtornos do


desenvolvimento, déficit de atenção etc.)

4. Tratamento de anemia carencial e déficit de zinco na infância

FONTE: Bedregal, Paula G., Margozini, Paula M., Molina, M. Hélia – OPAS –
Revisão sistemática sobre custo/e icácia das intervenções biopsicossociais na
infancia. Salud Familiar y Comunitária.– Chile 2002.
Saúde em verso e prosa

“Na cidade ou no sertão


do Nordeste brasileiro
em outras localidades
e até no estrangeiro
a doença diarreica
deixa a mãe em desespero.

felizmente a solução
chegou de vento em popa
retirando das pessoas
aquela medida louca
de furar as veias à toa
ao invés de usar a boca.

os sais da reidratação
em pacotinhos contidos
só nos postos de saúde
são eles adquiridos
também na farmácia escola
poderão ser conseguidos
um pacotinho dos sais
é a quantidade medida
para um litro de água pura
mineral ou bem fervida
junte os dois e está pronta
o soro que salva a vida.”

Dr. Antônio Márcio Lisboa & colaboradores, DF


O que é essa tal de imunidade?

Dra. Relva

Imunidade é o conjunto de mecanismos de defesa do organismo contra


agentes patógenos (micróbios) que causam doenças: vírus, bactérias,
fungos. O sistema imunológico consiste em:

1. Barreiras físicas (pele, mucosa e seus epitélios) + Produção de muco


(que protege as mucosas) + Batimentos ciliares do ‘epitélio’
(camada de células que reveste as mucosas)

2. IgA secretória, um tipo de imunoglobulina protetora

3. Imunidade celular: células fagocitárias, células ‘matadoras’, proteínas do


sangue (sistema complemento) e citocinas (que regulam a atividade
das células de defesa)

À medida que a criança cresce, ela vai desenvolvendo a imunidade


adquirida, em resposta à infecção ou às vacinas; essa I. A. consiste de
células chamadas glóbulos brancos, mais especi icamente linfócitos. Há
dois tipos de resposta imunitária adquirida:

A humoral, mediada por anticorpos, que são produzidos pelos linfócitos


B, especí icos para cada ‘antígeno’; e a celular, mediada pelos linfócitos
“T”, que dispõem de memória seletiva para cada tipo de antígeno ou
agressor.

Os órgãos envolvidos no sistema de defesa são:


PRIMÁRIOS: timo (onde amadurecem as células “T”), o ígado e a medula
óssea, onde amadurecem as células “B”.

SECUNDÁRIOS: tonsilas (amídalas e adenoides), baço, linfonodos (ou


gânglios), placas de Peyer e a medula óssea.

Para produzir respostas especí icas para cada ‘antígeno’, é que são usadas
as ‘vacinas’, aplicadas durante a infância e outras fases da vida. Na
infância, o organismo ainda não dispõe de seu repertório imunológico, o
qual se vai desenvolvendo à medida que cada organismo entra em contato
com vírus e bactérias do meio ambiente ou das vacinas, o Brasil tem um
programa de vacinação bem avançado, não só quanto à variedade de
vacinas, mas quanto à cobertura alcançada pelas unidades básicas de
saúde e pelas campanhas, que proporcionam alta proteção coletiva. A
imunidade amadurece progressivamente, estando quase completa pelos 4
anos de idade, o que mostra que os ‘remédios para imunidade’ só servem
para ‘dar tempo ao tempo’...

Em algumas crianças, o sistema de defesa não atinge sua plenitude, seja


por causas primárias, seja em consequência de agravos como: desnutrição,
HIV, leucemias, doença falciforme, perda cirúrgica ou acidental do baço.
Outras condições que comprometem a imunidade: baixa idade (primeiros
anos de vida), prematuridade, asma brônquica, pais fumantes, creche e
escolinhas, mucoviscidose, síndrome de Down, cardiopatias, diabetes,
transplantes.

Muito se gasta inutilmente com as ‘drogas de consolo’: analgésicos,


antipiréticos, anti-histamínicos, anti-in lamatórios e até antibióticos, que
poderiam ser substituídos pelo bom senso, paciência e líquidos...Quantas
medidas inúteis e caras, quando seria mais importante lavar as mãos?

Que medidas são eficazes para incrementar a imunidade?

Sol (que confere vitamina D), ar livre, quartos e salas arejadas e sem
carpetes, e ÁGUA para beber regularmente. Brincar em ambiente afetivo e
acolhedor é uma necessidade básica de toda criança. Estabelecer o hábito
de lavar as mãos para toda a escolinha, ao chegar da rua e entre cuidar de
uma criança e outra. Ou seja, medidas simples e exequíveis por qualquer
pessoa, mas muito IMPORTANTES! A higienização das mãos é considerada
a medida de maior impacto e comprovada e icácia na prevenção das
infecções, uma vez que impede a transmissão cruzada de microrganismos.
Estudos mostram que uma maior adesão às práticas de higienização das
mãos está associada à redução nas taxas das infecções em serviços de
saúde. Embora seja uma ação simples, o não cumprimento dessa prática
pelos pro issionais de saúde ainda é considerado um desa io no controle
de infecção dos serviços de saúde.

Quais os sinais de alerta de que a criança sofre de imunodeficência


primária? Para facilitar o diagnóstico da doença, a ABRI, em parceria com
o Centro Jeffrey Modell e o BRAGID, vem divulgando os 10 Sinais de Alerta
para Imunodeficiência Primária, que se seguem:

1. Duas ou mais pneumonias no último ano;

2. Oito ou mais otites no último ano;

3. Estomatites de repetição ou monilíase por mais de dois meses;

4. Abscessos de repetição ou ectima;

5. Um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite,


septicemia);

6. Infecções intestinais de repetição/diarreia crônica;

7. Asma grave, doença do colágeno ou doença autoimune;

8. Efeito adverso ao BCG e/ou infecção por micobactéria;

9. Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada à imunodeficiência;


10. Histórico de imunodeficiência na família.

Convulsão febril

1. Não causa efeitos adversos a longo prazo;

2. Não significa epilepsia;

3. Não produz lesão estrutural do sistema nervoso;

4. Não exige tratamento prolongado; a medicação é restrita a pacientes


com duas ou mais convulsões prolongadas + história familiar para
epilepsia. Em crianças predispostas, pode ser recomendável a
prevenção com diazepam retal (a critério do pediatra ou
neuropediatra).

EPILEPSIA NA GRAVIDEZ: A frequência de crises aumenta em cerca de


40%. Medicação com risco de malformação fetal, principalmente o com
ácido valproico. Requer supervisão do GO + neurologista. Reforçar uso do
ácido fólico. Crianças em uso prolongado de anticonvulsivantes devem
receber doses adequadas de vitamina D3, para evitar descalci icação
dos ossos.
A atual ‘epidemia’ de sinusite e a
inutilidade dos RX de seios da face

Dra. Relva

Qualquer catarro hoje se chama de ‘sinusite’ ou ‘rinussinusite’. A de inição


de sinusite é: in lamação do nariz e dos seios paranasais caracterizada por
dois ou mais dos seguintes sintomas: bloqueio/obstrução/congestão nasal
com descarga de secreção (anterior ou posterior). Pode haver também
pressão facial e/ou redução do olfato. O Dr. Harold Hopkins, inventor do
endoscópio, fala sobre a inutilidade dos RX de seios da face: “Esqueça esse
lance de radiografar os seios da face, pois obterá informações duvidosas e
inúteis. Se for necessário diagnóstico de certeza, faça TC. O que interessa
são os sintomas e o que fazer com eles”. Que tratamento o sr. propõe?

Resposta: 1) descubra os alergenos que estejam causando ou piorando a


situação; 2) recomende aos cuidadores o hábito de lavar as mãos; 3) evite
contato com cigarros; 4) use corticoide nasal ( luticasona ou mometasona);
5) por último, use antibióticos. A irrigação nasal com soro isiológico alivia
os sintomas, segundo revisão Cochrane. Quanto à rinite alérgica
subjacente, o uso do corticoide nasal também é importante, mais do que
antihistamínicos.

Corticoide local melhora a infeção, como se pode veri icar com o uso da
mometasona nasal. A combinação soro + mometasona é excelente, pois,
além de tudo, reduz o tamanho das adenoides. O teste ‘prick’ é
extremamente útil e deixa o paciente satisfeito em fazer ‘alguma coisa’.
Imunoterapia subcutânea dá os mesmos resultados que o corticoide nasal,
mas pode ajudar na prevenção da asma. A grande questão nas alergias é:
como lidar com a poluição global?”

É um alerta contra o atual exagero de radiogra ia dos seios da face, que


não vão alterar a conduta terapêutica; importante, também, a ênfase no
uso do soro + corticoide nasal, mais do que no uso de antibiótico para o
manejo das rinussinusites. In: IX IAPO, Manual of Pediatric
Otorhinolaringology. Coordinator Tania Sih, SP, 2010. P 142-144.

FORMAÇÃO DOS SEIOS NASAIS: A criança já nasce com seios


maxilares e etmoidais rudimentares, mas os mesmos só irão
aparecer em um exame de RX após os 4 anos de idade. O seio
esfenoidal aparece aos 5 anos de idade e o seio frontal aos 7 anos
de idade.

MÃE: não insista em pedir um RX ao médico para saber


se seu ilho tem ou não sinusite; antes dos 7 anos de
idade, quase nada irá constar no exame que modi ique
o tratamento. O diagnóstico deve ser clinico, pela
conversa entre a mãe e médico e pelo exame do
paciente e nada mais.

http://medicinasemsegredo.blogspot.com/2009/09/sinusites.html

Medidas preliminares de suporte para gengivoestomatite na UBS ou


em casa

1. bochecho ou embrocação de leve com solução de clorhexidina;

2. proteger a mucosa com metilcelulose ou pomada anestésica ou ‘goma’


de amido;

3. analgésicos habituais;

4. líquidos frios ou gelados + picolé ou sorvete > diminuem o edema e a


dor, nutrem e hidratam a criança, o que é importante para a
manutenção de seu estado geral;

5. ensinar medidas de higiene: separação de copos e talheres, lavar as


mãos com frequência;

6. encaminhar a um médico logo que possível.

Dica de leitura

Cuidando dos ouvidos, nariz e garganta das crianças , de Tania Sih e Ricardo
Godinho, Editora Oirã, 2009.
Para a saúde da mamãe: Xô,
osteoporose!

A osteoporose é o distúrbio clínico mais comum do metabolismo ósseo,


caracterizando-se pela baixa densidade mineral e deterioração da
microarquitetura óssea, levando ao aumento da fragilidade dos ossos e
risco de fraturas.

A osteoporose afeta cerca de 200 milhões de pessoas no mundo e leva à


ocorrência de cerca de 9 milhões de fraturas/ano. Essas fraturas
ocasionam risco de novas fraturas, lombalgia crônica, deformidades da
coluna, redução da função pulmonar, incapacidade, dependência e
hospitalização, ou seja, baixa qualidade de vida e alta mortalidade. Há
vários tratamentos disponíveis para tratamento da perda óssea e que
fazem parte dos protocolos médicos, mas qualquer pessoa pode e deve
prevenir-se antes que ela apareça!

Fatores predisponentes da osteoporose:

Idade: Pré e Pós-Menopausa

Sedentarismo e trabalho em ambiente com iluminação artificial

Baixa ingestão de cálcio e de vitamina D ao longo da vida

Tabagismo + cafeína em excesso

Distúrbios endócrinos
Gastroplastia

Uso prolongado de corticoides

Uso prolongado de medicamentos anticonvulsivantes


O destino da mulher é perder densidade óssea com a idade e consequente
baixa hormonal. Por esse motivo, a prevenção deve começar antes da
menopausa, uma vez que há vários fatores negativos que levam à
osteoporose. O cálcio deposita-se nos ossos como se fosse um fundo de
investimento, o qual é in luenciado positivamente pelo sol ou pela
ingestão de vitamina D, pelo exercício ísico e pelos hormônios
estrogênicos. Considerando-se que hoje passamos o dia em ambientes
con inados, sob luz arti icial e tomando café, além da tendência
generalizada ao sedentarismo, é mais que importante alertar as mulheres
sobre a necessidade de ingerir cálcio e vitamina D; exercitar-se e evitar a
dupla cigarro/café. Enfim, cuidar da saúde geral, preventivamente.

Com o atual alerta quanto aos efeitos danosos dos raios solares sobre a
pele, que levou ao uso intensivo de protetores e bloqueadores, há uma
tendência mundial ao dé icit de vitamina D. Sem vitamina D, o cálcio não se
ixa nos ossos. Assim, ingerir uma dose de vitamina D diariamente é uma
medida de saúde pública, não só quanto à prevenção da osteoporose, mas
ao efeito positivo dessa vitamina sobre a saúde geral, principalmente dos
ossos, músculos e pele. Essa medida é imperiosa na infância, adolescência e
ao longo da vida da mulher.

Se você não toma sol, trabalha sob luz artificial,


caminha pouco, não ingere laticínios, fuma
e/ou toma muito café, sua chance de ter
osteoporose é grande! Não espere chegar aos
50, 60 anos. Comece a prevenção agora, antes
da menopausa.

Comece a caminhar ao sol brando. Se tem receio dos raios solares,


converse com um médico sobre doses adequadas de vitamina D!

A Vitamina ‘D’ pode ser considerada o ‘botox’ dos ossos!


Sob a ponte de Mannen em Fukagawa – Katsushika Hokusai (1760-1849)

Uma dica para viagens longas: evite roupas apertadas em


viagens aéreas, principalmente calças ‘skinny’. Causam
dores musculares e impedem o retorno venoso, o que
pode concorrer para trombose nas veias das pernas.
ENTREVISTA A MÁRCIA HONDA, MÃE DO CELSO HIROYUKI, BRASÍLIA,
DF

Qual sua opinião sobre o papel do Pediatra?

O papel do pediatra hoje é/ou deveria ser preponderamente social, por


meio de atuação junto à coletividade, ou seja, famílias, escolas, postos de
saúde, com apoio e sustentação da S.B.P. Como as doenças infecciosas
declinaram, os agravos à criança atualmente provêm do meio violento, seja
em casa, seja nas ruas e estradas. Nós da classe média não imaginamos
como é a vida de sofrimento de uma criança relegada à própria sorte, sem
alimentação regular, com di iculdades básicas de higiene, sem mesa e
iluminação para as tarefas escolares, sem a companhia dos pais, e sujeita a
abusos e trabalhos que estão além de sua pequena capacidade e
entendimento.

Cabe aos pediatras o papel de interlocutores entre a família e o poder


público, denunciando e propondo medidas para alertar e corrigir ou pelo
menos reduzir esses tipos de sofrimento. A pediatria ideal é linda,
resultando em crianças saudáveis e cobertas de carinho. Mas não é essa a
grande realidade do país: é uma realidade dura, de sofrimentos ísicos e
morais, que muitas vezes só encontra alento nas unidades básicas de
saúde. As classes privilegiadas não só dispõem dos melhores alimentos e
condições de morar, como também são mais informadas por livros, revistas
e internet; ao mesmo tempo, são as que têm acesso mais fácil a pediatras e
especialistas. Como em outras situações da vida, as que mais precisam têm
menos acesso aos recursos da saúde e da educação.

A comunidade PR é hoje um ponto de referência para muitos


cuidadores, de modo particular para muitas mães. Por que você acha
que isso acontece?

Estamos em plena era digital e a internet é um grande portal de encontro.


Então, é natural que as diversas ‘tribos’ se busquem para trocar ideias,
conversar, marcar encontros etc. As mães encontraram as ‘colegas’ na
internet: são motivadas e inteligentes, logo fazem amizades e lançam
questões e respostas ao mesmo tempo. A PR virou um ‘point’, uma sala de
chat, para conversas sobre crianças e sobre casa e família, ou até cinema,
trabalho, férias, viagens. Acredito que se sintam confortáveis em ‘nossa
sala’. As dúvidas não icam mais ‘incubadas’: elas buscam respostas para
questões que não tinham a quem perguntar. Tivemos a sorte de a
comunidade ter virado esse ‘point’ e não um consultório virtual, embora
sejam dominantes as questões relacionadas à saúde, é claro. Não há
receitas nem receituário; há muito diálogo e participação inteligente dos
membros. “A opinião da pessoa comum passou a ser uma dimensão
inseparável da opinião pública”, diz Beatriz Sarlo. A sacação de que os
canais midiáticos devem ser aproveitados em prol da população tem seu
precursor e padroeiro: o Dr. Drauzio Varella, que leva temas de medicina e
saúde em geral ao público comum, com muito estilo e convicção. Não se
pode ignorar esse potencial, uma vez que os cuidados com a saúde própria
e da família começam em casa, no dia-a-dia. Mas é claro que a mãe deve,
sempre que possível, procurar ajuda pro issional. A internet não substitui
a relação médico-paciente.

Por que a PR é “Radical”?

O nome é provocativo e refere-se à raiz de todo ser, que é a natureza. É ela


que determina o crescimento e provê alimentos para a espécie. Ou seja,
tudo provém da natureza. Radical também no sentido de se rami icar feito
um rizoma, que não estabelece hierarquias, mas se difunde no todo, de
modo que haja links entre os participantes. Procuro despertar nas mães
esse olhar para a natureza, de onde brotam sinais e mensagens contínuas
sobre o que se deve fazer com a criança: brincar ao ar livre, tomar sol,
mexer com terra, areia e água, que são os brinquedos que jamais cansam.
A natureza também nos oferece lições de simplicidade, para que evitemos
complicar as coisas simples. Ou seja, tentamos acolher e desdramatizar a
relação mãe/pai/criança, pois há uma vocação geral para ampli icar a
gravidade de coisas banais. Procuramos, então, reforçar a ideia de buscar
os ensinamentos da natureza, a qual nos oferece os melhores alimentos, a
começar pelo LM; a melhor vitamina, que vem da ação do sol; e a alegria de
conviver e partilhar. Ou seja, coisas do senso comum e que melhoram a
vida e a saúde.

E como você transmite esses conceitos e valores radicais para os


participantes da comunidade PR?

De forma simples, amistosa e descontraída. Para brincar com as mães,


inventamos uns truques que funcionam: a coloterapia para a fase da
‘exterogestação’, que vai até os 3 meses, quando a criança mais precisa do
colo materno; é o período das ‘cólicas’, que melhoram com a criança
deitada sobre o peito ou barriga dos pais; a abraçoterapia, para as crises
de birra, que são panes corporais e neurológicas da criança; a
aquaterapia, que é brincar com água e terra; a água de coco on-the-
rocks, especial para reidratar crianças que sofrem intermação ou
desidratação na praia; e a sorveteterapia, indicada para vômitos, cinetose,
quimioterapia etc. Se a mãe começar a cuidar em casa de uma criança que
vomita, reduzirá a necessidade de icar nas ilas para a reposição
intravenosa de líquidos. Nossas dicas são de natureza simples, que levem
tranquilidade às mães e aumentem sua autonomia.

Diante de uma crise de birra, as mães se questionam se isto só ocorre


com os filhos delas e até se isto não seria falta de respeito da
criança... Nesse contexto, como funciona a “abraçoterapia”?

Todas já passaram por isso; a criança não o faz por ‘falta de respeito’ ou
para afrontar os pais, mas porque entra numa espécie de pane corporal,
então precisa ser contida com um abraço e retirada do ‘local do crime’. De
acordo com Margot Sunderland, autora de “The Art of Parenting”, essa
pane corporal pode ser causada por: cansaço e/ou fome e sede;
imaturidade emocional do cérebro; fome psíquica por atenção (eu só existo
se você me olha!) ou pelo tédio e estresse de causas variadas, inclusive
estresse materno ou de outras pessoas em volta. Em vez de acalmar a
criança, o adulto ica dando ordens e gritos sem parar, acaba perdendo a
compostura e batendo na criança, para atender à expectativa da ‘plateia’...

No livro “A criança mais feliz do pedaço”, o Dr. Harvey Karp fala que
as oportunidades de queimar energia e de brincar ao ar livre são
essenciais para a criança. Este é o princípio da Aquaterapia? Pode
nos contar mais a respeito?

Brincar é a vida da criança, principalmente ao ar livre. Brincar e correr


signi icam energia e vida plena. A vida da criança é circular, é ir e vir,
gastando a energia inerente à infância. Crianças recolhidas e incubadas
icam ‘mo inas’, sua saúde é frágil, adoecem facilmente e viram
hipocondríacos precoces. Ou ficam hiperativas.

Você lê revistas direcionadas às mães?

Sim, leio e gosto muito da Crescer e Pais & Filhos. Além dos artigos
interessantes e atuais, as crianças são lindas, as mães e pais descolados, rs.
Nelas a gente ica sabendo dos últimos lançamentos de produtos infantis;
em algum momento a mãe vai checar se você viu tal ‘novidade’.

Acha que as revistas educam?

Elas trazem muita informação sobre como lidar com crianças. Pais e mães
de hoje encontram nelas mil e uma maneiras de aprender cuidados de
maternagem.

Que mais lhe interessa nas revistas?

A opinião de especialistas em pediatria e psicopedagogia, bem como de


pais e mães formadores de opinião. E dos/das inteligentes colunistas.

O livro vai acabar?

Não acredito. O livro é ‘’a’’ ferramenta de acesso ao conhecimento, por sua


funcionalidade e portabilidade. Livro ainda causa ‘medo’, o que denota
falta de costume, pois nem toda casa tem o hábito de oferecer livros às
crianças. Para alguns, livro é elitista, enquanto as mídias eletrônicas seriam
mais amigáveis. O livro como documento, diversão, memória ou vetor de
informação está mais vivo que nunca. Diz Beatriz Sarlo: “Sabemos que a
cultura letrada está em crise no mundo; as coisas se inverteram para
sempre”. Mas pode até ser que uma coisa leve a outra: o livro à internet, a
internet ao livro; não são coisas antagônicas.

Por que a coloterapia é tão eficaz?

Não se corre o risco de deixar a criança manhosa ou mimada ou mal


acostumada oferecendo-lhe muito colo? Qual o ponto de maior destaque da
água de coco on-the-rocks? Qual a sua invenção preferida? Por quê?
Para finalizar, conte-nos qual o principal segredo das ‘Invenções da
Bonequinha’.

Ok, vejamos “As invenções da bonequinha”:

Abraçoterapia

Solução para as crises de birra (panes corporais e neurológicas) da


criança. As birras mais frequentes acontecem em shoppings e
supermercados, devido ao excesso de estímulos visuais e sonoros, além da
oferta abundante de mercadorias, que chega a desorientá-la. Mesmo os
adultos mergulham no universo cativante das compras, mas procuram
controlar-se. Já as crianças ACREDITAM que a exposição de produtos é
‘para todos’ e ficam hiperestimuladas com a ‘oferta’.

INDICAÇÃO: Crises de birra (panes corporais e neurológicas) da criança.

MODO DE USAR: Sair do ambiente, abraçar e conter a criança irmemente,


oferecer-lhe água e sair de fininho da ‘cena do crime’.

RECOMENDAÇÕES: Não economizar abraços nem esperar que a criança


tenha uma pane corporal e neurológica para abraçá-la! Toda criança
precisa de carinho, afeto, respeito.

Água de coco ‘on-the-rocks’

INDICAÇÕES: Usar na praia, como prevenção e tratamento da


desidratação por intermação/insolação, que acontece com a
exposição prolongada ao sol e ficar deitada na areia quente. Serve
para qualquer tipo de desidratação.

MODO DE USAR: Oferecer água de coco gelada ou com cubos de gelo a


cada hora; manter a cabeça coberta por chapéu ou sombrinha; usar
roupas frescas e icar na sombra de uma árvore ou barraca. Pode-se
também fazer cubos de gelo com ‘soro’ reidratante e colocá-los em água de
coco.

RECOMENDAÇÕES:

Evitar ‘empacotar’ os bebês;

Hidratar a criança antes de levá-la ao Posto de Saúde ou ao


Pronto Socorro;

Preferir água de coco fresca; ou oferecer outros líquidos gelados,


aos goles;

Para evitar contaminações, verificar a higiene na extração da


água;

Procurar um pediatra caso o vômito se torne incontrolável e a


criança apresente sintomas de desidratação franca (boca seca,
xixi escasso).

Aquaterapia

INDICAÇÕES: Brincar; a criança precisa ‘gastar’ energia. Crianças


recolhidas e incubadas icam ‘mo inas’, com saúde frágil, adoecem
facilmente, ou se transformam em hipocondríacos precoces. Ou se tornam
hiperativas.

MODO DE USAR: Sempre que possível, levar a criança para brincar com
terra e água, com pazinha e balde. Pode ser na grama ou na areia. É a
brincadeira preferida das crianças, elas não se cansam de brincar com
água e areia. Quando possível, a brincadeira acontecerá em piscinas, com a
supervisão de um cuidador e com as devidas cautelas de segurança,
principalmente colete in lável para crianças pequenas. Perto de piscina,
lago ou rio, não deixar a criança sozinha ou com outra criança, sem
acompanhamento de um adulto. Afogamento é um dos acidentes mais
comuns em criança.

RECOMENDAÇÕES:

Toda brincadeira na água deve ser supervisionada por um


cuidador ou adulto responsável;

Não abrir mão de equipamentos de segurança!

Verificar o estado do sistema de drenagem da piscina:


risco de a criança ser aspirada pelo ralo.

Coloterapia

Solução para a fase de ‘exterogestação’ ou 4º trimestre, que vai até os 3


meses, durante os quais a criança precisa – como nunca – do colo materno;
é o período das chamadas ‘cólicas’, que melhoram com a criança deitada
sobre o peito ou barriga dos pais.

INDICAÇÕES:

Intensificação do vínculo entre mãe e filho;

Cólicas em bebês até 3 meses;

Choro por medo, insegurança;

Acalmar e diminuir sua ansiedade;

Facilitar o sono do bebê;

Propiciar que a criança se sinta protegida e segura.


MODO DE USAR, EM CASO DE ‘CÓLICAS’:

Deitar a criança sobre o peito ou barriga do pai ou da mãe;

Fazer um ‘charutinho’ com o cueiro (cf. ‘cólicas’, no 1º capítulo).

RECOMENDAÇÕES:

o cuidador deve tentar permanecer tranquilo perto da criança


para não aumentar sua ansiedade;

usar algum tipo de carregador (existem vários tipos de


carregadores – sling: de argola, wrap, mai tai);

compressa morninha na barriga do bebê (com bolsa de água ou


fralda, por exemplo);

associar a coloterapia com exercícios para incentivar a


eliminação de gases.

O uso de sling pressupõe que ele seja uma estrutura ergonômica segura,
pois implica em alguns riscos: quedas decorrentes de argolas inadequadas,
sufocamento. É recomendável que a mãe procure informar-se com
especialistas sobre os diversos tipos, para descobrir qual o mais adequado
a seus objetivos.

Obs: nem todos os carregadores são slings e alguns são até perigosos (
risco de queda: sling com remendos ou argolas chatas e fracas; risco de
sufocamento em carregadores não ergonômicos).

Vômito? Sorveteterapia!
O gelo tem altas qualidades terapêuticas: age como anti-in lamatório, em
caso de hematomas e contusões, e como antiemético em caso de vômito de
qualquer natureza, principalmente os que aparecem em decorrência de
cinetose (enjoo de carro) ou de insolação (calor ou sol excessivo) e até de
quimioterapia.

Durante anos observei que os líquidos gelados faziam bem às crianças


desidratadas. Então, oferecia-lhes picolé ou água de coco bem geladinha,
juntamente com o soro. Parecia mágica! O sorvete e a água de coco gelada
param o vômito, hidratam e alimentam. Com essa trégua, o estômago ica
apto a receber alimentos e líquidos novamente.

Deixo aqui a sugestão: em caso de vômito, oferecer sorvete, picolé, água de


coco “on the rocks” ; ou gelatina com soro diluído. São arti ícios altamente
bené icos, que podem reduzir bastante a necessidade de soro venoso.
Pode-se fazer gelo com o soro diluído e colocar as pedrinhas em água de
coco: a criança bebe o soro sem repugnância. Essa é a minha mais
saborosa e eficaz contribuição à pediatria caseira.

MEDO DE SORVETE: Por falar nisso, de onde vem o “medo de sorvete”? Do


mesmo lugar de onde vem o medo de friagem e dos pés descalços. Mas,
tudo tem uma explicação histórica ou sociológica: o sorvete foi inventado
há mais de 500 anos, na China, de onde foi levado por Marco Polo para a
Itália, juntamente com o macarrão. Os dois soberbos alimentos atingiram a
excelência e se tornaram a marca registrada dos italianos.

No Brasil, as primeiras sorveterias foram abertas no Rio de Janeiro e


causaram sensação. As mulheres logo viram nelas um espaço propício para
se divertirem. Isso causou apreensão nos maridos: “Hoje a sorveteria, logo
depois o bar!”... Assim, criou-se o boato de que “sorvete faz mal”. Leia-se: “o
prazer do sorvete e das sorveterias faz mal!”... O sorvete icava reservado
para dias festivos e aniversários.
Famílias do interior aproveitavam as idas à Capital (Rio, São Paulo, Belo
Horizonte) para conhecer o sorvete. Americano não dorme no ponto e logo
o ice cream popularizou-se, juntamente com o milk shake e suas variações.
O picolé tornou-se a atração da garotada, que juntava os trocados para
gastar no carrinho da Kibon. Mas a proibição internalizada ainda ronda o
inconsciente. Quando um adulto vê uma criança se lambuzando de sorvete,
lá vem a observação de que “sorvete faz mal para a garganta”. Inveja do
prazer... Mas, “quebram a cara” quando a uma criança operada de
garganta o médico recomenda... sorvete e líquidos gelados. Como pode
isso? Ah, é porque o doutor receitou!

Gelo é um ‘senhor’ remédio; em medicina esportiva, é ‘O’ remédio para


hematomas, distensões e contusões. E “galos” das inevitáveis quedas!!!

Em cirurgias delicadas – cardíacas ou neurológicas – o gelo baixa o


metabolismo, permitindo ao cirurgião trabalhar com mais e iciência e
calma. Em caso de febre elevada, podem-se usar compressas frias ou
geladas e até lençóis gelados ou bolsas de gelo nas virilhas e axilas para
baixar a temperatura corporal.

Em caso de vômito, os gelados em forma de picolé ou sorvete amortecem a


náusea e ‘cortam’ o vômito, com a vantagem de hidratar e alimentar ao
mesmo tempo, evitando, muitas vezes, o soro intravenoso. Vômito não é
doença, é um sintoma de estômago cheio ou de cinetose, quando a criança
anda de carro. Ou é consequência de intermação/insolação, quando a
criança passa muito tempo na praia, recebendo sol na cabeça e calor da
areia no corpo.

Sempre que a criança apresentar vômito, a reidratação deve começar em


casa, com pequenos goles de ‘soro’ gelado. Na fila, a criança vai piorar. Com
febre e sem beber líquido, ela acaba precisando da aplicação venosa de
líquidos.
INDICAÇÕES DA SORVETETERAPIA:

1. vômitos em geral;

2. cinetose, quando a criança anda de carro ou ônibus;

3. intermação/insolação na praia, seguida de desidratação;

4. estomatites: o gelo tira a dor da mucosa oral, reidrata e alimenta;

5. pós-quimioterapia: permite a ingestão de alimentos, pois previne o


vômito e atenua a dor das mucosas feridas.

MODO DE USAR: Congelar o soro, tipo pedialyte ou similar, em formas de


gelo e servir os cubinhos misturados com água de coco. Pode-se também
fazer gelatina com o ‘soro’: dissolve-se a gelatina e acrescenta-se metade
de água gelada e metade de soro. O importante é ingerir e reter os
líquidos, evitando o agravamento da desidratação e a necessidade de soro
intravenoso.

Tratamento da hipertermia e da intermação/insolação

MÉTODOS FÍSICOS EXTERNOS:

Evaporação: ventiladores, retirar roupas, manter corpo úmido.

Troca térmica: bolsas de gelo no pescoço, virilhas e axilas, imersão em


água, lençóis gelados e compressas frias.

Métodos Físicos Internos: luidos gelados por via intravenosa ou por


lavagem gástrica ou lavagem peritoneal, hemodiálise, circulação
extracorpórea (esses métodos são de uso hospitalar).

Em caso de insolação, melhor não usar antitérmicos e preferir métodos


físicos de troca de calor.
É essencial manter a criança alimentada e hidratada com frequentes

goles de líquidos gelados ou soro com gelatina. Isso é quase tudo de que

ela precisa quando doente. Principalmente quando ela não consegue

ingerir bem ou esteja perdendo líquidos por vômito ou diarreia.

Enquanto essas medidas de suporte primário não forem assumidas no

pré-atendimento, as filas continuarão a existir e as crianças continuarão

desidratando-se enquanto esperam...


Pós-operatório de adenoamigdalectomia

Chupar gelo, tomar sorvetes e leite gelado. Nos quatro dias seguintes:

Conservar-se em repouso o maior tempo possível.

Escovar os dentes com cuidado.

Não retirar as placas da garganta, deixando que caiam por si.

Alimentar-se com leite ou caldo frio, purê de batatas, cremes,


compotas, ovo poché ou batido com leite e canela (gemada),
mingaus, canja fria, sucos gelados. Voltar ao médico pelo 7.° dia
de pós-operatório.

‘Galos’ causados por quedas da própria altura: Aplicar o gelo envolto em


fralda de pano ou guardanapo. O gelo reduz o galo e tira a dor da pancada.

RECOMENDAÇÕES:

Procurar um Pediatra ou Posto de Saúde, caso a criança


apresente sintomas atípicos, como vômito incoercível, dificuldade
para respirar, convulsão ou prostração.

Azeiteterapia e fareloterapia

INDICAÇÕES: Para melhorar o funcionamento do ‘intestino preso’.

MODO DE USAR:

Oferecer azeite de oliva, 2 a 3 colheradas /dia;

Usar aveia ou farelo de trigo no feijão; ou aveia batida com


iogurte e mel;
Para bebês acima de seis meses, oferecer mamão amassado ou
pera raspada; evitar alimentos que prendem o intestino, como a
maçã e a goiaba, por exemplo;

Reduzir ou abolir amidos (farinhas).

RECOMENDAÇÕES:

Oferecer azeite apenas para crianças acima de seis meses. Até


essa fase, recomenda-se apenas o leite materno para alimentar a
criança. Procurar um pediatra caso a constipação intestinal ou
prisão de ventre persista por mais de cinco dias ou em caso de
alteração do estado geral, com dor intensa ou febre.
Dra. Relva com o bebê Celso Hiroiuky, filho de Márcia Honda & Marcelo Iisuka, 2009.
FRUTAS, GRÃOS E SEMENTES PARA CRIANÇAS QUE NÃO GANHAM
PESO

O abacate é uma fruta de imenso valor calórico, desprezado pela


população, a ponto de cair aos montes nas ruas, sem proveito. Se fosse
devidamente valorizado, seu preço subiria às alturas. Pode ser utilizado in
natura ou misturado com leite ou outra fruta; ou servido em forma de
salada (guacamole). Sem esquecer o açaí.

A Índia venera a manga, alimento que sacia a fome de milhões. Nós


dispomos do abacate, da banana, da manga; e de várias sementes, grãos e
castanhas, como o milho, o amendoim, nozes, amêndoas. A pasta de
amendoim vem sendo utilizada na África e no Haiti na prevenção e
tratamento da desnutrição infantil.

A banana é nossa fruta máxima e a mais versátil; pode ser comida crua,
assada, frita ou cozida. Ou em forma de picolé: corta-se a banana ao meio
transversalmente e insere-se um palito de picolé em cada metade; depois,
é só levar ao congelador. Pode-se também congelar pedaços de laranja, de
maçã, pera, mamão. Ou qualquer outra fruta, inclusive com gelatina. Mãe
esperta é mãe criativa!
Crianças – Camille Pissarro (1830-1976)
CAPÍTULO 11 – CRÔNICAS DA DRA. RELVA
Girl reading – Jesse Wilcox (1863-1935)
A mãe do Feitosa

Novela é uma mistura de icção com traços delirantes da realidade e do


teatro do absurdo. Em ‘Senhora do Destino’, o personagem Feitosa
funciona à base do desejo de sua mãe, a “dedicada” D. Diva. Tamanha
dedicação parece coisa louvável, a ponto de o personagem só fazer o que
mamãe mandar e de ela só viver pensando nele. A namorada que ele
escolhe é alvo do desprezo materno, que sempre a chama de “vagabunda”
e faz tudo para acabar com o namoro. O ilho cede e se entrega a outra
criatura, supostamente casta que, assim, não constituiria obstáculo ao
controle materno.

A díade mãe- ilho é constituída no útero, e os dois formam um vínculo


singularmente exclusivo. Quando se estende para além da adolescência,
passa a ser doentio e é sempre preciso alertar algumas mães de ilho
único: “Filho não é namorado da mãe”.

A situação é confortável para ambos: a mãe faz do ilho seu exclusivo


objeto de amor, que lhe deve suprir a falta de um companheiro marital. E o
ilho se vale dessa prerrogativa para ser paparicado servilmente e isentar-
se da castração placentária. Suas namoradas nunca estão à altura da mãe,
de seus cuidados, de seu amor, de sua comidinha. E da multidão de mimos
e presentes, tantos que até enjoam.

Toda pretensão é pretensiosa – e cega. Sob a chancela do “amor materno”,


há mães que exageram na adoração e interceptam, por vias perversas, o
desejo sexual do ilho para uma possível parceira. Contando com a
aprovação da sociedade, besti icada com tamanho devotamento bilateral,
vão elas cegamente cuidando da roupinha, do lanchinho, da caminha do
ilho que, às vezes, já tem mais de 20, mais de 30, mais de 40 anos. Uma
operadora de celular apresentou comercial em que mamãe está com ilho
marmanjo no colo, sugerindo que ela mantenha uma webcam no micro do
filho “qualquer que seja a idade dele”, para controlá-lo...

Françoise Dolto, a psicanalista francesa de crianças, não tem a menor


complacência com a situação, e cita o exemplo bíblico do ilho da viúva de
Naim: “Órfão desde criança, para quem a mãe se tornara companheira, tão
órfã quanto ele”, o rapaz recupera sua potência viril ao ser ressuscitado
por Jesus. Trata-se de uma morte simbólica, a morte do desejo do jovem: “a
ausência do pai na relação mãe e ilho tinha petri icado de impotência seu
desejo”, cabendo-lhe o papel de “cônjuge arti icial da mãe”. Ficara
impossibilitado de viver a própria vida, as ixiado pela “abusiva e
esclerosante solicitude materna”. Quando Jesus o chama, com voz irme: –
Jovem! É que nele, ilho, a criança já não existia mais e ele deve escapar à
mãe, mesmo com reprovação da sociedade, sob pena de continuar morto.

Dia desses, mãe que suspira idilicamente pelo ilhote se confessou


decepcionada quando lhe falei da interdição do incesto. Como se fosse
possível, num passe de mágica, eliminar o tabu e suas consequências.
Disse-lhe que era o mesmo que tentar revogar a lei da gravidade. Lembrei-
lhe, mais uma vez, que “ ilho não é namorado da mãe”. E contei-lhe da
sacação do ilho de Clarice Lispector, que queria ser marinheiro e ir para
bem longe: “Você não quer que eu ique amando você a vida inteira, né,
mãe?”...
Mãe e Filha – Iman Maleki (1976-)
Antibiótico é uma arma quente

O primeiro antibiótico (ATB) foi a penicilina, descoberta por Fleming, tão


potente que uma dose bastava para curar infecções graves. A síntese dos
ATBs popularizou seu uso, o que fez com que as bactérias causadoras de
doenças fossem desenvolvendo mecanismos de resistência a eles. A
indústria vem so isticando sua fabricação, criando ATBs cada vez mais
complexos. Ultimamente seu uso banalizou-se, pela crença infundada de
que devem ser usados para gripes, resfriados e outras viroses.

O grande desa io da medicina é vencer a infecção hospitalar causada por


bactérias ultrarresistentes e que já são encontradas fora do ambiente
hospitalar. Os bons hospitais têm comissões de controle da infecção
hospitalar, cuja primeira e mais importante tarefa é difundir – sem trégua
– o hábito de lavar as mãos antes e depois de manusear pacientes e suas
secreções.

Vírus não respondem ao tratamento com antibióticos. Temos aí a dengue, a


febre amarela, a AIDS, a hantavirose, e as “novas” viroses como a do Ebola
e a gripe aviária e suína, para as quais eles são inúteis. Se não adquirirmos
essa consciência coletivamente não haverá quem nos salve, como no ilme
“Eu sou a lenda”, que se passa em Nova York, despovoada por epidemia
avassaladora do vírus “K”. Nem mesmo Will Smith, armado de fuzil e
dirigindo carros supervelozes, conseguirá livrar-nos dos efeitos de
epidemias viróticas e bacterianas incontroláveis pelos ATBs. Estes são
“armas quentes”, que exigem cautela, precisão e tiro certeiro. Temos
obrigação de zelar pela ecologia humana, pois, como diz TT Catalão, “o meio
ambiente começa no meio da gente”.
Como as mães podem ajudar a reduzir
o abuso de antibióticos?

1) Evitando a automedicação;

2) Dando tempo ao tempo e cuidando da febre criança em casa, enquanto


observa se há ou não gravidade na situação;

3) Nesse aspecto, as mães homeopáticas são mais prudentes, pois


aprenderam a esperar...
Baixio das bestas

Há cerca de dois anos, no Pará, uma menina foi torturada e morta pelos
patrões, com requintes de crueldade. Lá é costume que as mães
entreguem as ilhas para o serviço doméstico, camu lado sob o pretexto de
“mandar estudar”. O mesmo estado voltou ao noticiário da crueldade com a
história de outra menina, lançada à sanha de vinte presos na mesma cela.

Estuprada e vilipendiada ad nauseam, ainda teve que prestar vários


depoimentos sobre sua conduta, seus hábitos e sanidade mental. A
delegada declarou que a situação de moças presas com homens “é normal”
nas prisões paraenses. Os pais – humildes e simplórios – têm tentado
proteger a menina de mais vexame e constrangimento. Mas nesse estado lá
do norte é costume colocar-se o poder pessoal acima dos ditames da lei. E a
ignorância impede que o clamor dos cidadãos seja levado aos ouvidos da
imprensa ou de instância jurídica superior.

A menina foi tratada com estatuto de animal e não de pessoa, tanto pelos
presos quanto pelas autoridades competentes. Depois de tanta humilhação
e sofrimento ísico e moral, e não havendo possibilidade de reparação à
altura do dano, ela bem merecia um tiro de misericórdia. A mesma que se
usa com cavalos sem condições de sobreviver, como no ilme “They shoot
horses, don’t they?”. Mas a vida continua e a esperança é a última que
morre. Resgatada e recebendo trato humanitário, ela se diz animada a
estudar e “virar gente”. Com todas as cicatrizes que a vida lhe outorgou
desde pequena: doença grave do pai, separação, fome, desamparo. Esse é o
seu “curriculum vitae”, como o de tantas brasileirinhas e brasileirinhos
usados e abusados.
A situação acaba de repetir-se no mesmo estado do Pará, com menina de
12 anos lançada às feras encarceradas...
Criança é o pretexto da pediatria

Quando a mãe chega ao ambulatório ou consultório, o “setting” se arma em


torno da criança, mas quase que se pode ver a família inteira entrando
pela porta. Pois – como se sabe e Françoise Dolto avisou – “na primeira
infância, quase sempre os problemas da criança são de reação frente às
di iculdades dos pais, dos irmãos e do ambiente inter-relacional”. Até
chegar à criança, a mãe começa a des iar os desajustes com a sogra, a
incompreensão das cunhadas, o pé chato do tio, o receio de o bebê icar
com algum defeito de família, as recomendações das duas avós…

Quando ela diz que seu garoto de dois anos “não come”, o pediatra gela na
cadeira, pois isso pode ter as mais variadas interpretações: o bebê não é
mais um lactente e prefere explorar o ambiente; seu interesse por comida
não é mais absoluto, já que ele tem novas coisas a aprender. Se ela diz que
ele “come pouco”, é comparando a capacidade gástrica do bebê com a de
um adulto. Ou ela correlaciona comida com privação afetiva sofrida na
infância. Ou com medo de causar a morte do ilho se não o empanturrar.
Ou ter ouvido dizer que a família passou fome na guerra e ninguém podia
deixar nada no prato. Pode até acontecer de ter sido forçada a comer
quando criança, sob os olhares ameaçadores do pai. Ou ter sido obrigada a
engolir miolo de boi, porque sua mãe achava que era bom para a saúde...

Quando pergunta se “mel é bom para peito cheio”, não espera sua
resposta: oferece a receita pronta de um xarope caseiro. Diz que tem medo
de sereno, mas fuma dentro de casa ou deixa as visitas fumarem. Tem
medo pânico de tosse, porque a família perdeu um bisavô com tuberculose,
na década de 1940, em Belo Horizonte. Quando diz que “ele não dorme”,
demora a admitir que a casa é barulhenta, que a TV ica ligada até tarde,
que os adultos jogam à noite e falam alto, que o menino não tem rotina
para dormir. Ou não aceita que ele ainda é um bebezinho e não adquiriu
ritmo de sono noturno.

Quando diz que a criança “parece que vai ter febre” ou “acho que a testa tá
quentinha”, você chega lá de madrugada e encontra a criança brincando.
Se suspeitar de “virose” e pedir observação por dois ou três dias, ela volta
triunfante: – Fui a outro pediatra e ele me disse que é ro-séo-la! Quando
você explica que roséola é o mesmo exantema súbito da suspeita inicial, ela
pergunta: porque você não me avisou antes? Quando você acaba de
examinar a criança inteirinha e viu que está tudo bem, ela franze a testa e
pergunta: – Tem certeza que não é grave mesmo?

Se você procura dar explicações sobre as fases do crescimento, como


intervir ou como deixar pra lá, ela rebate: “Não gosto dessas manias de
psicologia”. Quando pergunta se não é melhor um antibiótico “mais forte”, é
que ela descon ia de você. Quando ela diz: “será que não é verme?” – é que
ela tem certeza que é. Quando você faz explicações didáticas sobre a
conveniência de dar ou não vacinas, ela é curta e grossa: “você garante
que ele não vai ter meningite?”...

Tomar conta de criança é uma tarefa doméstica demais para ser con iada a
especialistas. Mas a mãe sonha com ajuda extrassensorial para ajudá-la a
lidar com sua criança – essa desconhecida. Então, o pediatra que se vire
nos trinta, para ter opinião formada sobre tudo. Que seja conselheiro
matrimonial, psicólogo ou psicanalista, o oráculo de Delfos, pajé ou
futurólogo. Que seja simpático, mas não invasivo; ponderado, mas sutil;
inteligente, mas discreto. Con iável feito o pai dela e sagaz feito a mãe. Que
consiga examinar seu ilho sem traumas e o convença a tomar o remédio
sem reclamar.

Que saiba prever até que dia a criança vai ter febre. Que saiba tudo de
culinária para bebês e conheça todas as marcas de fraldas e sabonetes
infantis. Que entenda de enxoval e indique bons livros de puericultura e de
historinhas infantis; e que tenha listinhas de cds e dvds para cada faixa
etária. Que possua um HD interno de 500 gigabytes. Que tenha acesso
automático ao dicionário de especialidades farmacêuticas, bulas, síndromes
genéticas, mesmo raras. Que seja dotado de um coração do tamanho do
mundo, uma memória de elefante, uma agenda ilimitada. Que deixe o
celular ligado durante os ins de semana, que não sinta sono, nem fome
nem sede e que – além de tudo – seja a Supernanny!

Brincadeiras à parte, o que a mãe espera encontrar no pediatra é um


interlocutor, que seja mais que um “vigilante do peso” da criança. Ela
espera, talvez idealisticamente, um educador em sentido amplo, alguém
com quem ela possa contar não só nas enfermidades, mas também um
conselheiro paciente para as perplexidades existenciais que o
desenvolvimento mental e emocional de seu ilho passa a exigir-lhe, e que
não são poucas.
Conversa séria com um bebê

Ele ainda era um bebê, 3 anos incompletos, embora já estivesse na escola.


O desfralde começou cedo: mãe viu o ‘método’ num programa de TV e
resolveu aplicá-lo, com aplausos entusiasmados das ‘tias’. Só que a vitoria
inicial deu lugar a uma fragorosa sensação de derrota: bebê tem voltado
da escola com a cuequinha suja de cocô! Cada vez que isso acontece, lá
vem bilhetinho e advertências. Pais estão desesperados, pois cantaram
vitória antes da hora.

Que bebê que nada! Papai resolveu ter uma conversa com ele, coisa de
homem pra homem. Com muita seriedade e o dedo em riste, falou em como
é viver em sociedade, que ele cheirava mal, envergonhando a todos. Bebê
afundou no sofá, sentindo-se a última das criaturas. Em seguida, mamãe
juntou-se ao papai e, ameaçadora, levou-o para o quarto, fechando a porta:
-Vê se você aprende! Não sabendo o que pensar, sentiu mesmo foi vontade
de morrer, de nunca ter existido. Sentiu-se um... cocô!

Enquanto remoía seus pensamentos, fez uma minibiogra ia: Nasceu


prematuro, icou 40 dias na incubadora, a mãe visitava-o diariamente,
olhava-o através da cobertura plástica, pegava seu pezinho, mas jamais o
tirava daquela masmorra sufocante. Quando voltou pra casa, havia um
quarto esperando-o, com um berço enorme, onde ele se sentia tão perdido
quanto nos dias de incubadora. Lá pelo menos sempre passava alguém e
ele esticava o olho para acompanhar aqueles passos. Seria a mamãe? Por
que ela não me levanta daqui? Gostaria tanto de icar no colo. Tem um
coleguinha apelidado de canguru: a mãe passa o dia por perto, carregando
seu bebezinho, amarrado a ela por um pano.
Ele começou a achar que nascer tinha sido um mau negócio. Muita
obrigação e pouca compensação. Não sabe o que é mamar: a comidinha lhe
vem num vidro com um bico de borracha. Ele absorve e dorme, assim
escapa de maus pensamentos. A cada 3 horas, lá vem a mamadeira, ele
suga e dorme. Ele ansiava por chegar a sua casa, lá certamente as coisas
seriam bem melhores. Engano seu! Ficava no berço, pois sua vovó
decretara que bebê não pode icar mal acostumado no colo. Ele não
alcançou bem o que isso queria dizer, mas sacou que estava destinado a
passar o dia no berço. Coisa que se repetiria na escolinha ou maternal.

Foi lá que começou o ‘método’ do desfralde. Era humilhante ser levado ao


piniquinho de tantas em tantas horas para aprender a deixar ali a caca. Em
casa, a mãe continuava tentando, mas nem sempre dava certo. Seu pai só
falava em xixi e cocô, com enorme ansiedade e desgosto. Era sempre com
nojo que se desincumbia da missão de limpá-lo. Ele sabia que não
dispunha ‘ainda’ dos comandos certos para exercer tais funções com
dignidade e regularidade. Passou, então, a prender o cocô. Pelo menos
passaria dois ou três dias livre daquela obrigação estafante.

O passo seguinte foi terapia com uma doutora legal. Brincava com uma
caixa de areia e fazia desenhos de monstros e facas. Mas o cocô continuava
vazando na cueca. Mãe levou-o a um neuropediatra, que pediu um eletro e
outros exames. Hoje ele frequenta uma equipe de terapeutas, pois
desenvolveu a mania de lavar as mãos. Sente-se sujo e nojento; melhor
isolar-se dos demais. Não brinca com a turma, prefere icar sozinho no
recreio. Quase não conversa com os pais, tem medo da seriedade e braveza
deles. E da vergonha que não conseguem esconder.

Vai começar a usar um remédio pra dormir, por causa de terror noturno.
Tem medo de crescer e não ser amado. Jamais se esqueceu das conversas
‘sérias’ e hostis de seus pais. Ninguém nunca lhe perguntou o que achava
disso tudo. Desconhece o que é alegria de conviver, tornou-se uma criança
‘séria’. Não tem iniciativa e é desajeitado com suas coisas. Não sabe
escolher uma roupa, depende da opinião da mãe – que é severa e
zombeteira. Largou os esportes, não se sente capaz. Não tem amigos e não
gosta de sair. Refugia-se nos livros e no computador. Sozinho, é claro.
De embriões e crianças

Humanos sempre buscaram fórmulas e receitas mágicas para atingir


longevidade com saúde. O uso de células-tronco embrionárias é a atual e
magní ica promessa para o tratamento de lesões cerebrais e medulares, e
de certas desordens genéticas. O que mais se enfatiza nos debates é o
valor da vida do embrião, considerado uma pessoa com direito à
integridade. É garantia constitucional que a vida seja protegida de danos,
em nome da dignidade humana. A eloquência na defesa da pessoa do
embrião faz pensar em quanto esse direito é falho em outras faixas etárias
da infância.

As vozes que se levantam ardorosas contra o manejo dos embriões nem


sempre são eloquentes contra a violência à criança. A banalização do
castigo corporal, da palmada, da chinelada, é coisa que as pessoas relutam
em contestar. Dia desses presenciei casal que não dava trégua à ilha de
quatro aninhos, em público. As agressões iam de palavras humilhantes a
tapas na cabeça, passando pela ameaça de entregá-la ao guarda.

Não se bate em adulto impunemente. Mas a criança, sem voz própria, é


incapaz de defender-se. E os que deveriam fazê-lo, pais e familiares, são os
primeiros a castigá-la e ainda contam com a cumplicidade de parentes e
até de meros circunstantes. Crianças nascidas vivas, mas que continuam no
limbo obscuro onde pairam seus agressores. Ainda são reféns do
pensamento colonial que ‘autoriza’ bater nelas e nas mulheres. Quando
será que a ciência as libertará? Quando serão incluídas nas pautas solenes
que defendem o direito à vida e à integridade?
Do paraíso perdido à rosa inexistente

O mito do Éden registra o primeiro trauma dos


desamparados. O nosso lar, depois dessa expulsão, é aquilo
que fazemos, aquilo que construímos.

Lance Murrow, em The bright cave under the hat

O ser humano tem direito a um jardim de delícias temporário: nove meses


de vida intrauterina, quando nada falta ao embrião/feto. Alimento, calor,
conforto ísico constante e nenhuma carência. Estado de plena felicidade,
sem fome, sem dor, nem medo do futuro. A díade mãe-bebê convive em
harmonia perfeita, mutuamente enlevada como se fosse uma única pessoa.
O reizinho dentro da barriga vive em bem-estar absoluto, grau zero de
preocupação. Até que acontece o nascimento e o hóspede é despejado
através de um estreito canal. Daí tem que se virar para obter oxigênio,
nutrição e calor. O bebê humano ainda se considera parte da mãe até pelo
6º/8º mês de vida, quando começa a inquietar-se com um sentimento
novo: solidão e iminência de abandono.

Tem ilho que passa a vida tentando reviver o tal jardim: se não lhe veio da
mãe, deve estar com “alguém”. Em família, a decepção entre os
concorrentes ao jardim gera desconforto e ressentimento. Irmãos sentem-
se logrados e icam de cara feia e tromba: se eu não tenho o jardim é
porque algum de vocês icou com ele! Nos anos subsequentes – e até
morrer – sua vida se baseará numa promessa jamais feita, mas presumida:
um jardim de rosas perfeitas. E tem mãe que cai na cilada de achar que
prometeu – sim – o tal jardim e as tais rosas. Detalhe: ela não os possui
nem para si mesma. Tudo que podia dar, ela já deu. Mas, em função da
“promessa”, ela será cobrada pelos séculos dos séculos e arcará com a
culpa eterna de não ser dona do jardim nem das rosas.

Para o psicanalista Davy Bogomoletz, “A mãe não exatamente ‘promete’ o


jardim de rosas. Ela faz o possível para dá-lo – até que, lá pelas tantas, bem
antes do oitavo mês, ela começa a explicar para o bebê por que o jardim de
rosas não funciona mais tão bem quanto ‘antigamente’. Essa mudança
signi ica: O mundo real não é um bercinho de recém-nascido. Os jardins de
rosas existem, mas é preciso plantá-los, adubá-los, cuidá-los, e aí, depois de
muitos espinhos, até que surgem algumas rosas – de vez em quando. Essa
explicação, que começou cedo e foi se tornando cada vez mais explícita com
o tempo, indica o caminho para o mundo do trabalho, do amor que não
funciona mais só no sentido do ‘você me ama’, mas de tudo aquilo que é
preciso FAZER para que as rosas brotem por entre os espinhos”.

Sem isso, é verdade: o bebê nunca cresce, e ica para o resto da vida
cobrando a promessa original que a mãe se esqueceu de explicar melhor. –
Mãe, hoje é seu dia. Aceite esta rosa para que você se lembre, pela vida
toda, de que me prometeu um jardim de douradas e perenes rosas.
Esperei e esperarei por elas, custe o que custar. Me diga: Onde estão as
minhas rosas?

A construção do jardim e a colheita das rosas não dependem apenas de


você, mãe. Não existem rosas automáticas, rosas de bandeja. Desça do
pedestal de rainha e venha para a planície da realidade. Colha a rosa
possível, leve-a ao sol para pegar uma cor, plante-a juntamente com o ilho
e deixe que ele faça o papel de jardineiro, usando as mãos e as próprias
lágrimas, se necessário. É a vez de ele cuidar do terreno, adubá-lo, limpar
as pragas. E esperar. Com um pouco de sorte, o pai entrará em cena, com
suas mãos experientes e carinhosas. En im, estarão prontos para rosas
bilaterais, rosas reais, rosas banais, rosas extraordinárias, rosas de alegria,
rosas de parabéns, rosas de consolação. As esplendorosas rosas que
brotam dos corações apaziguados.
As cobranças em família acabam redundando em cobranças

materiais;

só que dívidas emocionais não podem ser resolvidas com dinheiro...

“Ao nascer, o bebê faz uma unidade com a mãe.


Paulatinamente a realidade mostra que essa unidade é
imaginária e impõe sua ruptura. É o rompimento dessa
fusão que constitui, por um lado, o sujeito (eu) e, por
outro, seu primeiro objeto de amor (mãe). A partir daí,
passam a existir duas entidades – ligadas, mas distintas
entre si. Pode-se dizer que a fusão inicial mãe-bebê é
vivida de forma imaginária como o paraíso, lugar da
completude narcísica, da ausência de faltas. O desfazer da
fusão, por sua vez, é imaginada como a maior perda
possível de ser vivida, a expulsão do paraíso. Essas
imagens e sentimentos de grande intensidade, que
excedem a possibilidade de representação, persistem no
inconsciente e são reativadas pelas posteriores
experiências existenciais, necessariamente atravessadas
durante a vida. O vazio ou o nada seriam então um
aspecto decorrente do rompimento da fusão original
constitutiva entre mãe e filho e sua impossibilidade de
representação. A fusão, que Freud chama a Coisa, é
bastante desenvolvida pela teoria lacaniana como o
espaço vazio não representável, um lugar traumático
onde prevalece de forma ambivalente uma insuportável
ausência ou uma proximidade sufocante, um lugar
terrível e sagrado, vazio de representações.”

Telles, Sérgio. Uma fila para ver o nada, Estadão de 03.09.2011, pag.
D14
www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-fila-para-ver-o-nada,767845,0.htm
Efeitos colaterais

Você se acha uma pessoa doente ou, pelo menos, hipocondríaca? Adora
bula de remédio? Pois não sabe o que está perdendo! As bulas estão cada
vez mais complexas e interessantes. Bula é um informe técnico em tom
apocalíptico sobre as propriedades e os efeitos colaterais dos remédios. É
ler a bula e saber que o im está próximo! Ela traz advertências terríveis
sobre reações indesejáveis e interações medicamentosas, ao lado das
indicações propriamente ditas. Tudo em letrinhas minúsculas, talvez para
não assustar. Ou será o contrário?

Se você for hipersensível ao “princípio ativo”- coisa que deveria saber


antes de usar – corre sério risco de choque ana ilático, disfunções do
sistema nervoso, hipotensão e/ou hipotermia, vertigens, zumbidos ou
tremores nas mãos. Se tiver antecedentes alérgicos, pode sofrer um edema
de glote fatal, ou icar com a boca seca ou apresentar sudorese profusa.
Dependendo da dose, pode sofrer um bloqueio de ramo ou uma síncope.
Se icar amarelinho, pode ser que tenha adquirido uma hepatite tóxica. Se
vomitar sangue, foi do anti-in lamatório. Se a pupila icar dilatada, é sinal
de intoxicação atropínica. Pode também apresentar sintomas neurológicos:
ataxia, disartria, hipertonia, convulsões, alucinações, insônia, depressão,
ansiedade, agitação, parestesias, diplopia.

Se os batimentos cardíacos icarem lentos, é que você está com


impregnação digitálica. Se apresentar tosse seca insistente, deve ser do
remédio da pressão. Se tiver câimbra, é que está perdendo sais por causa
do diurético. Se adormecer de repente sobre o prato de sopa, foi o
tranquilizante. Se aquela dorzinha não passou, é que você precisa de outra
injeção. Se os sintomas persistirem, você deve voltar correndo ao pronto
socorro. Enquanto espera ser atendido, pode aproveitar o tempo lendo
outra bula de remédio, para descobrir novos e sugestivos sintomas.

Viajar pelos frascos de xampu é mais auspicioso: previnem quedas, dão


brilho glamuroso, estimulam as células, reduzem efeitos danosos do sol e
da maresia, restituem a cor, dão movimento, alisam ou encrespam, realçam
a luminosidade, revitalizam e amaciam, restauram e hidratam, restituem a
saúde aos ios maltratados pela química, harmonizam o rosto, resgatam a
força vital dos cabelos estressados, tudo com resultados imediatos e
duradouros. Mas nada é tão empolgante como a issura pelos remédios.
Afinal, gostamos de viver perigosamente. E até pagamos para ver!

Entre as coisas que nos distinguem dos animais, estão o medo de morrer e
a mania de tomar remédio. Morremos mais dos remédios que das doenças,
segundo Molière. Ou nos aferramos a elas, como ‘coisa nossa’. “Ninguém
está disposto a abrir mãos de suas doenças, já que vivem delas e para elas,
com a mesma idelidade que um cão dedica ao seu dono” – é o que pensa
Ézio Flávio Bazzo, professor de Psicologia Clínica e escritor ferino de
Brasília. O mesmo que diz Antônio Callado, em Quarup: “A gente só sabe
que tem aquilo que dói. O brasileiro quer que doa tudo, naturalmente. Daí
ser a venda de remédios um negócio de primeira ordem”.

As pessoas não são saudáveis, são doentes em potencial. E que potencial!


Dele vive a segunda maior indústria do mundo, que não para de
prosperar, só excedida pela indústria pesada. E aí, você se acha mesmo um
doente incurável? Rapá, você não perde por esperar. A cada minuto a
ciência descobre novas e sensacionais doenças e novos e espetaculares
remédios. Você pode até não icar bom, mas nunca mais lhe faltará
assunto!
Febre

Nada como uma febre para desestabilizar a mãe. Ela nem precisa de
termômetro – com as costas da mão, sente na testa qualquer variação
centesimal da temperatura do ilho. O espetáculo, o que tem de dramático
nem sempre tem o mesmo tanto de gravidade. Mas ela ica à espera de um
verdadeiro cataclismo térmico. A erupção do Etna. Nero incendiando Roma.
Joana na fogueira. Prometeu trazendo fogo dos céus.

Parece que vai sair gritando: “luzes, câmera, ação!”. Não quer saber do que
andou lendo, sobre como o termostato da criança joga água na fervura e
tudo se acalma. Ela só pensa em dar banhinho, gotinhas, caldinho, botar na
caminha, que foi, meu ilhinho? Se pudesse, mandaria escrever no céu:
“Silenciem os cães, apaguem as estrelas, varram as lorestas: ele-está-
com-febre!”

Moacyr Scliar tem um livro incrível sobre a história da medicina: “A Paixão


Transformada”, com passagens curiosas sobre essa arte-ciência,
frequentemente ligada à literatura. Nele aprendemos que foi Galileu quem
inventou o termômetro, depois adaptado por Fahrenheit para medir a
temperatura corporal.

Um médico alemão, Wunderlich, observou a temperatura de 25 mil


pacientes, publicando em 1871 seu “Manual de termometria clínica”, com
grande repercussão. As curvas térmicas eram aguardadas com ansiedade.
Antes disso, a febre era avaliada pelo pulso. “Tomar” – ou medir – a
temperatura passou a fazer parte do arsenal médico. Falar em “arsenal”, a
linguagem médica tem muitos termos bélicos: “lutar contra as doenças”,
“travar batalha com as bactérias”, “bateria de exames”, “vencer a luta
contra o câncer”, “conquistas da medicina”. No caso da febre, usam-se
“todas as armas” para o diagnóstico e consequente tratamento.

Tantos nomes, tantas febres, ligadas a graves doenças do passado, como a


Peste Negra ou a Gripe Espanhola. Que não mais fazem parte do universo
urbano, ou se encontram sob o domínio da Vigilância Sanitária: o temido
crupe ou difteria, a tuberculose ou peste branca, o sarampo, a escarlatina;
a febre maculosa, a puerperal, a reumática; a intermitente, a recorrente; a
tifoide, a febre amarela. E a terçã, a quartã, que nos remetem à “febre
malecita”, ou febre maldita, ou maleita.

Fernando Sabino dizia que a coisa mais fofa que existe é criança com
febre: ica rosada e quietinha, todinha da mamãe! Febre é um mecanismo
que sinaliza atividade do sistema imunológico: “tem algo estranho no
organismo”. Os glóbulos brancos (“soldadinhos de defesa”) mobilizam-se e
liberam substâncias pirogênicas. As “trincheiras” dos prontos-socorros
icam abarrotadas, os consultórios também. Ninguém aceita que a febre
possa ser “do bem”.

En im, é um estado de alerta máximo nas hostes inimigas. Ainda bem que
logo se estabelece o armistício, a paz volta ao lar, que se torna novamente
doce lar, e os ânimos se arrefecem. A inocente criança nem sabe que
participou de cenas tão in lamadas, envolvendo as leis da termodinâmica.
Se pudesse manifestar-se, diria: – “Calma, gente, febre é apenas a
hipérbole do calor humano.”
Filho meu não lava louça!

Crianças e adolescentes sentem-se valorizados quando colaboram em


tarefas domésticas. Mas há mães e pais que acham que isso diminui o ilho
e não lhe pedem ajuda para nada, como se fosse um príncipe que nasceu
para ser servido. A casa deve funcionar como um ‘team’, que tem seu
técnico (a mãe), o capitão (pai) e os jogadores ( ilhos). O resultado que se
espera é a vitória. Contra quem? Contra a preguiça, o desmazelo, restos de
comida e copos pela casa toda, toalhas pelo banheiro, camas
desarrumadas. A ‘vitória’ é o bem-estar geral e a valorização dos pequenos
gestos.

Quando se deve começar o ‘treinamento’? Desde cedo, como diz Alesandra


Pozzi: Meu ilho sempre me “ajuda”. Acho importante e estimulo. Ajudar é,
para ele, uma forma de brincar. E ica muito bravo quando não lhe
permito.

Quando arrumo minha cama, ele põe as almofadas;

Coloca as roupas na máquina de lavar, ou me dá do cesto para eu


por pra lavar; e outras coisinhas que não apresentam risco;

Leva os lixinhos dos banheiros pra área de serviço;

Ele me ajuda a guardar as compras de supermercado; ou me dá


os prendedores quando estendo a roupa.

Acho isso muito legal, ele se sente inteirado da rotina familiar e colabora
com todos nós. Vejo que, desde pequeno, dá para ensinar a guardar os
brinquedos depois de brincar. B faz isso desde sempre, e é uma diversão.
Dependendo da idade da criança e do tamanho da tarefa, pode ser di ícil
fazê-la sozinha. O adulto deve estar atento para não estragar tudo,
cansando ou frustrando a criança.

Eu sempre ajudo o meu ilho. Brincamos de ver quem consegue guardar os


brinquedos mais rápido, e isso vira diversão. Meu pequeno adora varrer a
casa. Eu sempre o elogio, mesmo que tenha espalhado o montinho de
sujeira que eu já tinha varrido. Botar louça na máquina, ou lavar na pia
louças de plástico; cozinhar, fazer o lanche da tarde, não sendo obrigatório,
é tão divertido... Admira-me que as pessoas não percebam a vontade que a
criança tem de colaborar e fazer parte do “time”. Bettina.

Muitas mães não têm paciência de deixar a criança ajudar. Eu sempre


ajudei minha mãe e isso foi muito positivo; aprendi a colaborar, depois a
assumir responsabilidades, e hoje sei cuidar da minha casa. Minha ilha
também se divertia me ajudando, e tem suas tarefas: cuidar de seu
material escolar e dos brinquedos, lavar a louça do jantar e pôr o lixo no
local da coleta. Ela faz tudo numa boa, no tempo dela, e eu não lhe exijo
rapidez nem perfeição... Sílvia.

Quando a criança participa da casa deste cedo, sem pesar e com alegria, as
coisas luem, as birras diminuem e todos icam contentes. Há situações com
que algumas mães não sabem lidar: quando a criança é do sexo masculino
ou é ilho único, ou quando se trata de enteado. Ficam ‘cheias de dedos’,
esquecendo-se de que a roda da vida exigirá quali icações de seus ilhos,
que passam por tarefas rotineiras e que não poderão manter a fachada de
castelo durante a vida toda. Entre nós, há um tremendo preconceito sobre
ajuda masculina nas tarefas domésticas. Mesmo em lares ricos, as crianças
e jovens devem colaborar, faz bem ao moral e à autoestima. É triste ver
uma casa cheia de destroços no im de semana, esperando a chegada
salvadora da empregada na segunda-feira.
Para Françoise Dolto,

“A inteligência das mãos, a habilidade artesanal, é a


primeira forma de inteligência humana criativa, não
infantil. A educação dos sentidos deveria tomar todo o
tempo de vida escolar. O aprendizado de uma profissão
no fim da escolaridade não substitui esse ensino de todas
as crianças, para que sejam hábeis e eficientes em
atividades utilitárias e criativas. [...] Há jovens que
parecem delfins. Não fazem nada em casa, esperam que
os sirvam, têm repugnância pela atividade prática, não
sabem fazer nada. Na verdade são inválidos, e se privam
do prazer de cooperar.

Dolto, Françoise. Solidão.

A ordem é necessária ao conforto interior e o trabalho é estruturante da


personalidade. Adolescentes indolentes são tiranos e/ou parasitas. Só
usufruem, sem retribuir. E poderão vir a usar de quaisquer meios para
não perderem o falso paraíso em que vivem refestelados, à espera da
comida, da roupinha lavada e passada. A imagem obsoleta da mãe que faz
tudo sozinha não tem mais lugar. A manutenção da casa é tarefa de todos.
O lar é o refúgio do pai guerreiro, da mãe doadora e dos ilhinhos de papai
e de mamãe. No bom sentido, é claro.

Admira-me que as pessoas não percebam


a vontade que a criança tem de colaborar
e fazer parte do “time”.
Mãe só tem uma

Mãe é uma palavra que, universalmente, faz pensar em proteção,


generosidade, amor sem limite. O país onde nascemos é a “pátria-mãe”,
nossa pátria é a “mãe gentil”, nosso idioma é a “língua-mãe”, coração
benevolente é “coração de mãe”. Se Eva foi a “mãe dos homens”, Maria
será sempre venerada como a “Mãe de Deus”. Tendo escolhido tomar
nossa carne e nascer criança, Deus quis também para si uma Mãe. Virgem
e Mãe. Essa aparente contradição não seria um capricho do Filho, mas uma
espécie de “reserva de domínio”, de um amor tão in inito quanto
impenetrável a um concorrente. Para todo ilho sua mãe é “virgem” e
desqualificá-la é ofensa máxima e insuportável.

Cada mãe com seu ilhinho reconstitui esse mistério, tornando-se ambos
uma só carne, um só amor. Talvez o único amor sem barreira, numa
geração mútua, um existindo somente porque o outro existiu. A mãe
inaugura o ilho no parto, ele lhe dá existência ao ser gerado. A placenta
que os une é um sistema de vasos comunicantes. É para suprir-lhe
oxigênio que ela respira, é para nutri-lo que ela se alimenta, e continuará a
doar-se em gotas de leite que serão, até o im dos tempos, o símbolo
máximo da ternura humana e da doação não exigente.

A mãe gesta o ilho antes de concebê-lo. É para ele que ela se deixará
seduzir por alguém, e a este oferecerá o terreno para a semeadura do
“fruto de suas entranhas”. É para ter esse ilho que ela se cuida, se penteia,
se perfuma a vida inteira. Quando ele chega, ela dedica-se inteirinha a
exercer a “maternagem”, o ício para o qual a natureza a provê de umas
gordurinhas estratégicas, ancas largas e tetas, esses alambiques do licor da
vida. Convocada à condição de replicante da espécie, ela relembra cantigas
imemoriais, seus braços se arqueiam em forma de berço, seu caminhar
torna-se mais pausado, mais cuidadoso, porque agora ela é a portadora de
um filho.

Do mais humilde barraco ao castelo mais fidalgo, ela se torna a rainha-mãe.


Sua pro issão diuturna é ser mãe – títulos, diplomas, incursões ilosó icas,
passam para a “área de transferência”. Quando a fatalidade ou a doença
aborta esse plano, seu útero entoa um lamento de decepção.

Ah, mulher fendida!


Quadril aberto eternamente
Bacia das almas
Onde há fetos que se encerram
À revelia da vida
Quem com ferro te feriu
Ainda põe
o dedo na ferida

Historicamente, o papel de mãe teve seus dias de alheamento, os ilhos


eram muitos, melhor mandá-los ao interior para alguém criar. Ou, ciosa dos
peitos formosos e jovens, alugava mães de leite, amas, mães pretas, mães
brancas. Seu papel se resumia em ver a criança pela manhã e à noite, dar o
“Deus te abençoe”. As casas tinham muitas mulheres: sua própria mãe,
tias, irmãs, empregadas. E uma cozinha grande com quintal, onde meninos
e galinhas se misturavam em algazarra. Ela dava as ordens e, ao im da
tarde, chamava os meninos: olha o leitinho quente, todo mundo lavar os
pés para dormir. De vela na mão, ou lamparina, beijava um e outro de leve,
e a casa silenciava em paz.

Durante as guerras, ela passou a fazer o trabalho dos homens ausentes. A


fábrica descobriu-a e decretou que não mais icaria em casa. Ela voltava
exausta, mas acordava cedo ao apito da tecelagem, onde consumia os
dedos, as costas curvadas sobre o tear. As indústrias de leite em pó
exultaram. Na Alemanha, foi incentivada a produzir muitos ilhos para a
pátria, ilhos que iriam morrer e deveriam ser substituídos. Criou-se o Dia
das Mães para compensá-la e o jardim de infância para os babies,
enquanto ela trabalhava.

Pediatras é que atentaram para a importância do aleitamento materno,


peitando a indústria da mamadeira, que foi chamada de “baby killer”. O
Estado se apropriou da ideia e lançou campanhas para que as mães se
orgulhassem de amamentar. Sua jornada de trabalho tornou-se dupla,
tripla. Criou-se a licença-maternidade, para desespero dos empregadores.
Alguns países da Europa expandiram a licença até nove ou doze meses,
considerando o aleitamento como serviço prestado à nação. Mas nada
aconteceu num estalo, houve resistência e necessidade de muito incentivo:

“Foi uma verdadeira campanha a fim de recriar o amor


materno, há tanto tempo desaparecido. O amor materno
adquire, então, novo conceito, com valores naturais e
sociais favoráveis à espécie e à sociedade. Todo esse
incentivo às mães era no sentido de salvar as crianças
pequenas, com alta mortalidade, com o fim de aumentar
o número de seres humanos, que constituía a riqueza do
Estado. Para conseguir tal intento, foi preciso convencer
as mulheres a voltarem às suas funções de mães. Foi aí
que entraram em ação educadores, moralistas e médicos,
desenvolvendo os mais primorosos argumentos para que
as mulheres amamentassem seus filhos ao seio. Eram
palavras dirigidas aos pais e às mães, em termos não de
obrigações ou sacrifícios, mas de amor, felicidade e
igualdade”.

Orlando Orlandi, Teoria e Prática do Amor Materno,


Zahar, 1985
Entre nós, a “pro issão de mãe” estabeleceu-se com vigor a partir das
últimas décadas. Os pais aderiram à ideia e apareceu o “casal grávido”.
Hoje, ser mãe é um projeto de vida sujeito a cursos, debates e muitas
publicações. Em torno dela e do ilho criou-se uma indústria da
maternidade, com mil e um produtos para a gestante e seu bebê. Ela
passou a expor a barriga, a deixar ilmar o parto, a contratar decoradores
e a fazer de cada aniversário um evento longamente planejado. A
sociedade conferiu-lhe o papel de “incansavelmente mãe”. No meio de
tantos pitacos pedagógicos e da propaganda a que é submetida, cobrando-
lhe responsabilidades, vejo-a sonhando com um break, um tempo para si.
Quem sabe, ser sua própria mãe de vez em quando. Mas, mãe só tem uma.
Que é ela mesma: a mãe do seu filho...
Mar adentro

Cheguei no Rio numa sexta-feira, em pleno verão. Sozinha no ônibus, vinha


pensando em como a Dona Lelena era boa pra mim. Férias no Rio! Na
rodoviária tinha um motorista de táxi me esperando, ordens dela. Eles
chegariam de avião na segunda-feira e eu tinha que deixar o apartamento
em ordem.

Não podia imaginar a desordem que me esperava. Ficava horas passando


bombril nas paredes engorduradas da cozinha. Eu sentia os olhos dela me
vigiando e dizendo pra limpar mais, arear as panelas, desencardir os
panos de prato, arrumar os talheres, estender os lençóis, descongelar a
geladeira, lavar de novo a área e os banheiros.

Com nove anos ela me pegou pra criar e estudar. Desde então aprendi a
cozinhar e cuidar da casa. Hoje iz doze anos, quase me esqueci. Quando
não gostava de alguma coisa, que às vezes nem era comigo, ela me batia
com a mangueira. Aprendi a não chorar porque ela dava um grito cortante:
“Engole o choro! Gente minha não chora!”

Na escola, eu não conseguia prestar atenção, as palavras dela latejavam em


minha cabeça. Achei que ia descansar no Rio, mas tive foi que acordar mais
cedo. Tinha que ir à padaria, comprar o jornal, fazer o café, deixar a mesa
arrumada. – Depois você vai à praia. A palavra “praia” me aliviava da
canseira. Em Minas não tinha como ver o mar.

Aquele dia eu fui. Botei o pé, experimentei a água, a areia rolou entre meus
dedos. Achei bom e bonito. Minha vista não alcançava o im. Era tudo muito
grande, o barulho ia e vinha. Andei mais um pouco, pra dentro das ondas, a
praia ainda estava vazia.

Ficava de olho no relógio, porque ela disse que eu podia icar das sete e
meia até as oito e quinze. Quando eu voltava é que eles se levantavam,
tomavam o café com calma, pegavam a sombrinha e iam. Eu me apressava
pra fazer o almoço, eles voltavam, comiam e iam dormir.

No dia de vir embora, ela me botou de novo no ônibus. Já em casa, deu um


chá para as amigas e me mostrou a elas, dizendo: “Ela não perdeu praia
um dia, eu fazia questão, não foi, Janaína?...”
Mandala – Marc Chagall (1887-1985)

Nasci entre o céu e a terra

O mundo, para mim, é um espaço sem fim,

Pelo qual minha alma passeia como uma chama.

Marc Chagall
Meu pai é quem paga seu salário!

Na novela Caminho das Índias, o ‘rebelde sem causa’ (já meio grandinho)
faz pouco caso da professora, dizendo que o papi dele é quem paga o
salário dela. Todos nós pagamos o “salário” de alguém, e também somos
pagos por “alguém”. Se o ‘bad boy’ estivesse numa loja de shopping,
pagaria sorrindo pela mercadoria, por mais absurdo que fosse o preço.
Comprar e pagar são elegantes, remunerar a quem trabalha é aborrecido.
Dinheiro não é maior que pessoas, mas, como diz o escritor mineiro Pedro
Maciel, ‘um homem médio di icilmente se importa com outro ser vivo com a
mesma intensidade e persistência que ele demonstra por seu automóvel’.

A mercadoria com seu fetiche é o novo evangelho, e os shoppings, os novos


templos, onde se adora o bezerro do luxo e do supér luo. O slogan é a boa
nova, que anuncia a chegada ao paraíso que se expõe nas vitrines. A
linguagem dos ícones globalizados apresenta um só pastor – o mercado –
ao obediente rebanho. Diz o mago da publicidade, Oliviero Toscani:
“Falamos televisão, pensamos televisão, acordamos televisão, dormimos
televisão, desejamos televisão.” [...] “A publicidade invadiu tudo” [...]
“Instalou-se uma ditadura suave, persuasiva, subliminal, manipulada por
especialistas do vídeo. A vida por procuração toma o lugar da própria vida.
A comunicação direta entre os homens, o calor, a festa, o contato, o humor,
o amor, a sedução, desaparece numa pseudocomunicação fria, eletrônica. A
icção cientí ica, o melhor dos mundos de Huxley já está aí.” (Toscani,
Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. 6a ed. Ediouro: 2005).

A modernidade, entre vantagens e desvantagens, trouxe, ou reforçou, o


menosprezo pela pessoa e a hipervalorização das coisas. Tudo começa em
casa, quando os pais autorizam a criança a tratar a empregada com
desprezo e arrogância. Ou quando dão maior valor à aparência que à
essência. Quem paga ao Presidente, aos ministros, parlamentares,
magistrados, prefeitos, professores, médicos, lixeiros, coveiros, bombeiros,
enfermeiros, policiais, servidores públicos em geral? Todos nós pagamos. O
céu faz chover diferente sobre eles? Vivem como os lírios do campo?
Salários, proventos, participações, pecúnia, royalties, taxas, mensalidades,
tudo tem que ser pago. Toda atividade humana, sejam bens ou serviços,
tem um custo. É a lei da vida.

Imperfeições fazem parte da história humana e existem para serem


superadas: viver é lutar. Lutar diariamente, constantemente, para
aprender a viver. Mas pelos atuais usos e costumes, ilho não sabe nem
pode mais perder. A nivelação se faz com ou sem mérito: todos são
premiados, para evitar frustrações. De que serve uma medalha igualitária,
uma moeda comum, sem as tintas do valor, da coragem, do desa io? Se
tanto faz ganhar ou perder, não preciso me esforçar. A “vitória” é certa e a
fraca memória se encarregará de lustrar o troféu para todo o sempre.

Bateu ou apanhou? Essa é a grande pergunta que alguns pais fazem aos
ilhos. O “herói” não precisa disputar, não precisa dar o suor ou o sangue,
basta participar que a glória lhe será atribuída. Longínquo tempo aquele
da maratona grega, quando o mensageiro correu os muitos quilômetros
para dar notícias, caindo morto em seguida. Não existe almoço de graça,
nem trabalho humano grátis. É um axioma de economia: alguém sempre
paga. É necessário que uns paguem e que outros sejam pagos pelo que
fazem, e assim sucessivamente. É desse modo que funciona a corrente dos
bens e serviços. Não é desdouro para ninguém e faz parte da dignidade do
trabalho.

Ensinar isso às crianças desde cedo é importante para que aprendam a


valorizar o que recebem por meio do trabalho humano, que nem sempre
tem a devida paga. Respeito é bom e necessário, para com a empregada, o
jardineiro, o motorista, o servente, o bedel, o professor ou professora.
Quando os pais são ‘descolados’, o garoto acha que basta mandar
‘descolar’ o que deseja: viagens, carros, gadgets, diversão. Ou pessoas. Os
ilhos precisam saber que o mundo só gira em torno de nós quando
bebemos muito ou então quando sofremos de labirintite.
Minha filha, meu tesouro

Ela pegou a pasta de plástico azul cheia de fotos e recortes, jogou álcool e
tocou fogo. Sua menina era uma criança-prodígio, esperta, solícita,
cantante, espirituosa. Havia sido dotado pela natureza de grandes olhos
verdes, que se tornaram seu passaporte e a esperança dos pais. Um dia a
mãe levou-a a uma agência de modelos pra fazer um ‘book’; lá preencheu
questionários e apresentou atestado de saúde. As despesas logo
começaram a aparecer: salão de beleza toda semana, visitas mais
frequentes ao dentista, aulas de canto e balé. O quarto da menina era uma
overdose de ‘pink’: penteadeira, cadeira, espelho, almofadas.

Adoram passear nos shoppings, conferindo as novidades. A mãe, com um


sorriso complacente, escutava a litania da menina recitando os nomes das
lojas e griffes. Eram tardes de felicidade quase absoluta, não fosse a falta
crônica de grana para uma verdadeira farra de compras, as duas saindo
com mil sacolas nas mãos, como nas novelas.

Um dia chegou uma carta do Rio, com uma icha de inscrição e um contrato
em branco. A mãe quase desmaiou, deslumbrada; mostrava o contrato às
vizinhas e parentes: “Ela vai ser, ela foi, escolhida para uma gravação!”.
Passou a caprichar mais na alimentação da menina com alimentos light,
enquanto reduzia a própria ração. Era investimento certo no futuro da
‘modelo’. Que logo começou a se comportar como celebridade; no recreio,
adotava ares de quem concede entrevistas. Um dia a dona da agência
fotografou-a e pediu mil e quinhentos reais para novo ‘book’ e uma revista.
Um mês depois, a revista saiu. Não chegava a ser de circulação nacional,
como prometido; era antes um jornaleco com fotos em preto e branco.
A mãe empenhou uns brincos e a aliança e pagou os 1.500, tudo pelo
futuro. Novas fotos, novo book, não tinha mais joias. Passou a fazer faxina
noturna em hotéis, só aguentou um mês, com dor lombar e varizes. A
menina, ansiosa, passou a ter dor de cabeça e fazer xixi na cama. Chegou
nova carta da agência, agradecendo a colaboração e, sem mais rodeios,
dizia que a menina fora recusada para a gravação no Rio.

Ela juntou as fotos, cartas e contratos, botou na pastinha azul. Como


passara a ter insônia, icava a noite toda olhando e revirando cada papel,
cada foto. Uma noite tomou um copo de leite com biscoitos e uns
comprimidos de lexotan, deitou-se e apagou, sem conseguir descansar.
Quando acordou, deu uma surra na menina. Com muita raiva, exausta, os
olhos secos do sono atrasado, pegou a pasta, jogou álcool e tocou fogo. E
nunca mais se falou no assunto.
Irmãs Adelaide e Gabriela – Christian Gottlieb Schick (1776-1812)
O sorriso de Mona Lisa

Temos trinta e dois dentes, distribuídos em incisivos, caninos, pré-molares


e molares. A primeira dentição recebe o nome de “dentes de leite” ou
decíduos, que cairão e serão jogados no telhado (“mourão, mourão”). Ou
deixados sob o travesseiro, para a Fada dos Dentes, que os leva e deixa em
troca uma moedinha. A erupção dos dentes de leite causa enorme
sensação na família inteira, e a eles se atribuem todos os incômodos que a
criança possa apresentam: febre, diarreia, mal-estar, irritação.

As mães icam empolgadíssimas com o aparecimento do primeiro dentinho.


Os dentes são um troféu do crescimento, com uma pontinha de melancolia
pela criança que em breve largará do peito. A simbologia vê neles poder de
agressão e de defesa, assim como sua falta é ligada à ideia de castração e
impotência. Diz-se que Ricardo III já nasceu com dentes, “to bite his
enemies”, segundo Shakespeare.

Os animais dotados dos dentes mais longos teriam sido os tigres dentes de
sabre, mas as serpentes ganham em estratégia: suas aguçadas presas são
perfuradas para injetar o veneno diretamente na corrente sanguínea. Os
dentes servem para roer, cortar, triturar. Ou até para puncionar a jugular
e sugar o sangue das vítimas, como no caso dos morcegos e dos vampiros.

A patrona da Odontologia é Santa Apolônia, a quem foram arrancados


todos os dentes no martírio. Atribui-se a ela esta invocação à Virgem Maria:

- Apolônia, o que tens?

- Dor de dentes, minha Senhora.


- Pelo sol nascente,

- Pela lua reluzente,

- Eu te curo da dor de dentes.

Segundo Márcio Cotrim, “siso vem do latim sensus, sentido, entendimento.


É o dente tardio, o último dos molares, lá no fundo da boca, que aparece
mais ou menos aos 20 anos. Conhecido também como dente do juízo, surge
quando o indivíduo já é capaz de discernir o bem do mal. Com o siso viria
também a seriedade das atitudes, do mesmo modo que sua ausência
denotaria irre lexão, imaturidade, justi icando o ditado ‘muito riso, sinal de
pouco siso’. Seja como for, o siso frequentemente tem que ser arrancado,
numa penosa operação que faz muito paciente maldizer os dentistas. Nessa
hora, lá se vai o juizo…” – O Berço da Palavra, Márcio Cotrim, 01.01.2006
em correioweb.com.br.

Na Idade Média e na Renascença, a ausência de dentes era mais ou menos


generalizada, devido às precárias condições de higiene e ao escorbuto, que
dani icava as gengivas. Durante muito tempo se extraíram os dentes de
adultos, para “curar focos infecciosos”, quando não se encontrava uma
causa plausível para algumas doenças. 40% da população brasileira não
dispõem de escova nem pasta de dente. Existe um programa do governo,
“Brasil Sorridente”, encarregado desse atendimento nos municípios. Vários
materiais são usados para tratar dentes cariados: cimento, amálgama de
prata com mercúrio, ouro. Usar ouro nos dentes já foi sinônimo de
distinção e charme:

- Ela tem dente de ouro


- Fui eu que mandei botar
- Vou rogar nela uma praga
- Pra esse dente se quebrar
A moderna odontologia estética usa materiais so isticados, como as resinas,
que dão aspecto natural às restaurações. Os implantes de titânio tornam
possível a perfeita recuperação das arcadas dentárias. Dentes bons
signi icam saúde e melhoram a aparência, de alto valor no mercado de
trabalho e nas relações sociais.

Mona Lisa, renascentista, jamais mostrou os dentes. Talvez nem os tivesse,


pois naquele tempo grassava o escorbuto com a terrível gengivite e
periodontite. Seu famoso sorriso, pintado no século XVI por Leonardo da
Vinci, foi recentemente decodi icado por computador, que o considerou
“91% feliz e 9% entediado”. Essa a conclusão da Universidade de
Amsterdã, da Holanda, após aplicar à obra um “programa de
reconhecimento de emoções”.

Para Giulio Carlo Argan, crítico de arte, in Storia dell’Arte Italiana, Firenze,
1981, “é inútil interrogar o famoso sorriso da senhora para saber quais
sentimentos traz na alma: nenhum em particular, mas o sentimento difuso
do próprio ser, ser plenamente e em condição de perfeito equilíbrio no
mundo natural.” O sorriso continuará 100% enigmático...

Segundo a Prof. Ana Maria Oro ino Teles, da UnB, DF,


nossa história está escrita nos dentes. A cada sete anos,
a história avança: começa nos ‘dentes do deleite’,
enquanto a criança está vinculada à mãe, símbolo do
cuidador. Pelos 6/7 anos, completa-se a mielinização do
sistema nervoso e surgem os dentes que serão
de initivos e nos conferem ‘id-denti-idade’: o molar dos
5 anos, os incisivos centrais que a irmam: ‘eu sou, eu
quero, eu vou’, e os laterais, quando a criança está
pronta para a escola. O primeiro e o segundo pré-
molares assinalam que a criança já sabe ‘fazer arte’:
pinta, corta, borda, serra, toca, recorta, aprende a
cozinhar. Com a puberdade, surgem os caninos, que
apontam para o mundo, vasto mundo. Em seguida, com
o segundo molar, entre os 14 e 21 anos, o jovem pede
passagem, quer namorar, curtir os companheiros. E
pelos 21 anos, com o dente de siso, o ‘dente da
iluminação’, o ser humano amadurece, transcende,
a irma-se, ciclo que se completa aos 28 anos, quando o
ser está realmente pronto, pleno de razão, capaz de
criar espaços, como indivíduo singular e sujeito de si,
livre das amarras emocionais do lar.

Referência Bibliográfica

A Biocibernética Bucal em verso e prosa, Editora Schoba, 2012.


Perdido e achado

A Floresta Amazônica não é um habitat favorável aos humanos. Densa,


esconde perigos geográ icos e animais. Quando se faz turismo na região, há
guias treinados, que conhecem os igarapés e os rios. Uma pessoa que lá se
aventure sozinha está sujeita a animais peçonhentos, feras e insetos
vorazes.

Neílson – um menininho de três anos – perdeu-se de seus pais e passou


doze dias na loresta. Foi encontrado sobre um tronco, desidratado, febril e
com a pele detonada pelos borrachudos. Cantava. Alguns atribuíram a
façanha a cuidados angélicos. O menino não soube contar direito como
sobreviveu. O fato é notável pela força de viver que ele demonstrou. Não
sendo afeito aos confortos urbanos, sua resiliência capacitou-o a encarar as
di iculdades tremendas e sobreviver. Isso exige autocon iança de corpo e
mente e uma sabedoria que nenhuma escola é capaz de ensinar.

Ele não dispunha de manual de instruções nem de ferramentas auxiliares.


Contava somente com a imaginação, seus pés, suas perninhas, seus braços,
suas mãos; e a força de seu pequeno-grande coração. Sua principal
ferramenta era a coragem. Dias e noites perdido na loresta, mas com uma
vontade na cabeça – sair, escapar com vida. Internado para tratamento
médico e psicológico, come gostosamente a refeição hospitalar. Brinca e
nada sabe explicar; só sabe que está vivo.

O Rei Salomão, em toda a sua glória, interrogado por Deus sobre o que
mais almejava, recusou riquezas e poder. Pediu, simplesmente, sabedoria.
Um dom tão raro, que independe de conhecimentos especializados. E que é
próprio de uma criança...
Quando Juan montava seu cavalo e galopava até seu
refúgio na casinha de barro e pedra, não era um menino
difícil, nem tinha reações imprevistas. Pelo contrário, era
um menino feliz.

Laura Gutman, Crianza, p. 205

Quem suporta a alegria dos pés descalços?

Quase corria, os sapatos a desequilibravam, e davam-lhe


uma fragilidade de corpo que de novo a reduzia a fêmea
de presa, os passos tomaram mecanicamente o desespero
implorante dos delicados, ela que não passava de uma
delicada. Mas, pudesse tirar os sapatos, poderia evitar a
alegria de andar descalça? Como não amar o chão em
que se pisa? Gemeu de novo, parou diante das barras de
um cercado, encostou o rosto quente no enferrujado frio
do ferro. De olhos profundamente fechados procurava
enterrar a cara entre a dureza das grades, a cara
tentava uma passagem impossível entre barras estreitas,
assim como antes vira o macaco recém-nascido buscar
na cegueira da fome o peito da macaca.
Lispector, Clarice. O Búfalo, in Laços de Família.

Sapatos fazem parte do imaginário feminino: desde três a trinta ou


trezentos pares, as mulheres se encantam com sapatos e fazem a festa dos
Ferragamo, Louboutin e Pradas da vida. Pés são fetiches sexuais; pés
descalços são passaporte para a liberdade. A bordo dos sapatos, a Mãe
pode ‘controlar’ os passos de sua garotinha. Descalça, até onde seus passos
podem levá-la? Escravos não usavam sapatos, daí a corte se esmerava nos
modelos, saltos, meias – símbolos de ‘distinção’. Andar descalça é sinônimo
de ‘desmazelo’ ou de ‘indisciplina’. Até a saúde da criança é condicionada
ao uso de apetrechos: sapatos, meias, chapéus, toucas, mantas, luvas – que
conferem ‘distinção e nobreza’ a quem os tem.

Esse ‘medo’ dos pés descalços, da friagem e do sereno, bem como a mania
do casaquinho e do agasalho, não podem ser infringidos pois constituem
desobediência à mãe interna. “E se mamãe me visse agora?”. Esse mito
da friagem está arraigado em nós desde a chegada da Corte Portuguesa.
Virou moda adotar roupas europeias: calça de veludo, sapatos, luvas,
gorros e mantas. Isso tornou-se uma ordem internalizada pelas famílias
que ainda hoje oferecem esse conselho, com a boca cheia de ‘sabedoria’,
embora jamais tenha havido tal comprovação. As pessoas mais sujeitas a
pneumonias são as imunodeprimidas (prematuros, crianças com doença
falciforme, mucoviscidose, desnutrição severa, ilhos de fumantes ou
sujeitos a poluição industrial). Nos extremos das idades (prematuros e
idosos), há terreno favorável aos pneumococos e outras bactérias
oportunistas, principalmente em ambiente hospitalar.

O mercado apropriou-se desse medo, incrementou-o e passou a inocular


nas mães o ‘mito das bactérias’, como se estas fossem atacar as crianças a
partir da cozinha, do banheiro, do chão. Tudo para tornar ‘necessário’ o
uso de sabonetes antisséticos, que são até contraproducentes, pois alteram
as bactérias que vivem na pele normal. A saúde da criança depende não
dessa ‘proteção’, mas das medidas preventivas naturais advindas dos
cuidados maternos, da boa alimentação e das vacinas.
Cavalo em uma paisagem – Franz Marc (1880-1916)

Para fechar, vamos de Dráuzio Varella, de notório saber:

“Em medicina, nem sempre é sábia a sabedoria popular.


Se assim fosse, corrente de ar nas costas seria pneumonia
na certa, friagem deixaria todo mundo gripado, amarrar
lenço com álcool no pescoço curaria dor de garganta,
mulher menstruada jamais lavaria a cabeça, a vitamina C
nos livraria para sempre dos resfriados, parturientes
deveriam guardar resguardo e tomar malzebier para
engrossar o leite.

Para não falar da infinidade de chás, poções e garrafadas


que apregoam curar qualquer enfermidade, nem dos
suplementos vitamínicos, dos remédios para abrir o
apetite, queimar gordura localizada, estimular a
imunidade e proteger o fígado, e que infestam – feito
ervam daninhas, as prateleiras das farmácias brasileiras.”

Varella, Dráuzio. Folha de SP de 26.02.2011 – Ilustrada.


Brinquedos – August Macke (1887-1914)
Sangue do meu sangue

Sempre me pareceu curiosa a obsessão das mães para fazer “exame de


sangue” dos ilhotes. Mesmo sem saber direito o que esperar de tal exame,
deixam transparecer o que rola em seu imaginário, a começar pelo “grupo
sanguíneo”. Imagino as indagações: Qual o tipo de sangue do bebê?
Combina com o meu? Combina com o do pai? Tem anemia? Tem alguma
doença? A sí ilis deixou um traço indelével na história, determinante de
quem tem “sangue bom” ou “sangue ruim”.

A circulação sanguínea foi descoberta por Harvey no século XVII. Até então
não se sabia que o sangue ia de órgão em órgão, através da rede vascular
de veias e artérias, com “pit stop” nos pulmões, para a troca de gás
carbônico por oxigênio. Foi ele quem descreveu que o coração bombeava
três vezes o peso do corpo em quantidade de sangue e que este circulava
em um circuito fechado: coração-artérias-órgãos-veias-coração.

Sangue tem um signi icado de vida e morte, colorindo dramaticamente o


nascimento, as cirurgias, as guerras, os tiroteios urbanos. O cinema tem
toda uma estética do sangue, apropriada por vários cineastas, com
destaque para Hitchcock e Tarantino. A cena do banheiro em Psicose é
considerada a mais perfeita do cinema, mesmo com o sangue em preto e
branco. Quentin Tarantino encharcou a tela com o sangue trash dos
mangás japoneses, numa verdadeira hemorragia de signi icantes
mortíferos: tiros em profusão, seringas, cabeças cortadas por vistosas
espadas japonesas. E muito, muito, sangue.
A vida é cruenta: a placenta é uma esponja ensanguentada ligada ao feto
pelo cordão umbilical. O útero é o órgão sanguíneo por excelência, descrito
de várias formas por Michelet, que denomina o nascituro de “ lor de leite e
sangue”. É proibido o comércio de sangue, mas em tempos bicudos é
moeda valiosa. Durante o crack de 1929, as pessoas deixavam amostras
nos vários hospitais, como cartões de visita: além da grana, havia a certeza
de uma boa refeição, às vezes com vinho do Porto.

Sangue é vida borbulhante:

“Os homens nasciam no sangue e no sangue morriam. O


sangue era potente, mágico, fecundo. O sangue era um
êxtase de dor e de beleza, uma partícula da essência
divina. Onde havia adoração, havia sangue – onde quer
que houvesse vida e música e embriaguês e adoração e
triunfo, havia sangue”.

Henry Miller em Crazy Cock.

Receber o resultado de um hemograma, com diagnóstico de “sangue bom”,


juntamente com o certi icado de doador, reveste-se da solenidade de um
ato heroico e nobre. Com a certeza de estar compartilhando do tênue io
que liga uma vida humana a outra.
Mulheres e baleias: criaturas sirênicas

Para Michelet,
“o sangue não é de modo algum um elemento
biológico clausurado, pertencendo a esta ou àquela
pessoa como algo particular, como se tem olhos ou
pernas. É um elemento cósmico, uma substância
única e homogênea que atravessa todos os corpos,
sem nada perder, nessa individuação acidental, de
sua universalidade. Transformação, ele próprio, da
terra (do pão e dos frutos que comemos), possui a
imensidade de um elemento. Assim, a forma
superlativa do sangue será finalmente o mar. O mar,
que é o elemento genésico primordial, constitui o
arquétipo do sangue e do leite, ‘o doce leite e o
sangue quente’. No estado livre, o mar é lácteo pelo
esbranquiçado e o gorduroso de seus peixes.

Num estágio superior, torna-se sangue e leite na


baleia, criatura mítica perfeita, ‘verdadeira flor do
mundo’, ‘muito acima de qualquer criatura
terrestre’. Essa aliança do sal, do sangue e do leite
define para Michelet uma substância de ordem
cósmica, quase gnóstica, pois é, ao mesmo tempo,
origem e termo, elemento e flor. Em “O mar”, a
baleia coroa a escala dos seres, é uma criatura
sirênica; na verdade não é mais que uma hipostase
da mulher, e, sob esse aspecto, libera em Michelet
todos os automatismos de efusão e de envolvimento
(que ele chama de Piedade) ligados funcionalmente a
toda imagem da mulher sanguínea e láctea, isto é,
ritmicamente inchada.

A criança é a ‘verdadeira flor de sangue’, ‘a


maravilhosa e terna flor de sangue’, e essa ‘espessa
vestimenta carnal’ na qual o homem começa sua vida
não é senão’uma encarnação do pensamento,
carregado de leite, de sangue, de poesia’.”

Roland Barthes: Michelet, p. 105-107


Viver é perigoso

Todo mundo tem medo de morrer; mas mãe tem medo é de faltar ao ilho.
Eram muito comuns as “cartas de despedida” de mulheres que iam dar à
luz, pois sabiam como eram frequentes as mortes por hemorragias e sepse
puerperal.

Hoje, a violência urbana é o grande terror de qualquer pessoa, em casa ou


na rua. Há medidas práticas, já bem estudadas, que devem ser lidas,
relidas e cumpridas. Um promotor de Brasília tem um livro bem
esclarecedor sobre como evitar situações de risco. Um ex-policial
americano, J. Bittenbinder, ocupou-se durante sua vida em fazer palestras
para ensinar “como se proteger da violência nas ruas”. Vamos reunir e
adaptar as dicas e observações desses dois autores, para autodefesa e
defesa das crianças pelas quais somos responsáveis.

CRIMINOSOS NÃO TÊM ‘CARA DE CRIMINOSO’, nem andam de meia na


cabeça, mas são “ligados” e mais preparados que suas indefesas vítimas:
eles sabem o que fazer, o que pretendem e como sair de confusão. Um
trombadinha leva dois a dez segundos para agir. As vítimas são avaliadas
pelo grau de desatenção e consequente facilidade. É um expert lidando
com um inocente desavisado. Para ele, somos babacas a serem atacados.

ATENÇÃO É TUDO!

Tranque as portas e janelas do carro e da casa.


Tenha um cão, ou apito, ou ambos.
Não facilite com bolsa ou carteira: use-os por dentro da roupa.
Se baterem na traseira do seu carro, não saia para ver: pode ser
golpe.
Não deixe chaves na ignição nem por um instante.
Tenha um plano: se for atacado, grite por socorro e corra. Use
spray de pimenta. Mulheres devem ter sangue-frio para dar um
soco no nariz ou pisar com força no pé do meliante. Não use arma
e aprenda táticas de autodefesa.

Não dê mole quando estiver dirigindo, preste atenção; se ameaçado, saia


do carro! Não tome elevador nem desça escada com uma pessoa
desconhecida. Ensine isso a seus ilhos. Não tenha medo de perder um
casaco ou uma mochila, se necessário. Corra e grite ou grite e corra.
Melhor ainda se andar com um apito estridente. Existem alarmes ótimos
para usar na camisa ou dentro da bolsa. Jogue-se no chão e grite, grite bem
alto. Em casa, use trancas adequadas nas portas e janelas. E boa
iluminação. Jardins escuros são ótimos esconderijos. Ao entrar pelo portão,
seja rápido. Não ique falando ao celular com o carro parado: essa
distração pode ser fatal. À noite, procure locais iluminados e que tenham
gente. Trate bem os vizinhos e proponha colaboração mútua. Não humilhe
NINGUÉM – a vingança é certa. Se souber de casos de “bullying”, informe-
se bem e tome providências efetivas junto à escola.

Caso seja ameaçado:

1. Leve a sério qualquer ameaça principalmente em bares.

2. Evite sair sozinho à noite e para lugares isolados.

3. Busque aconselhamento estratégico com um policial.

4. Dialogue com os filhos sobre perigos com estranhos ou conhecidos. A


confiança entre pais e filhos é fundamental. Os pais são as
autoridades em quem os filhos mais devem confiar.

5. Não comente sobre conflitos da família perto de empregados, nem sobre


dificuldades financeiras ou seus ganhos. Você não sabe nada deles,
mas eles sabem tudo sobre você e sua família.

6. Pague aos empregados o preço justo e em dia. Não ostente riqueza nem
faça da empregada sua confidente. Ensine seus filhos a respeitá-
la(s).

7. Não deixe seu filho em casa com empregados recentes. Use câmeras, se
possível, e avise que as instalou.

8. Não acampe em locais isolados.

9. Não divulgue planos de viagem. Evite pegar estradas ermas. Avise a


algum amigo de confiança que vai viajar e peça-lhe que vá à casa de
vez em quando.

10. A casa não deve ser mostrada a estranhos e a garagem deve ser
fechada, sem exibir carros e motos. Os filhos devem evitar objetos e
roupas ostensivos para irem à escola. Todos da casa devem
aprender alguma arte marcial para melhor agilidade e,
principalmente, atenção.

RESUMO:

Atenção! Cuidado! Não ique parado dentro do carro. Tranque as portas


e os vidros por dentro. Não ostente DVD nem o som. Não bote o braço para
f ora . Cuidado! Alerta! Não seja surpreendido, por ingenuidade ou
desatenção. Conserve sua vida e a de sua família.

Referências Bibliográficas:

Bittenbinder, JJ. Protect yourself from street crimes – Reader’s Digest, Nov.
1993, p. 112 a 116.

Schelb, Guilherme Z. – Viver é coisa perigosa. Orientações para soluções de


conflitos. Ed. Thesaurus, DF, 2008.
Breakfast Time – Charles West Cope (1811-1890)
CAPÍTULO 12 – ARTIGOS PEDIÁTRICOS
“Deve ser dos dentinhos”

As mães atribuem tudo que o bebê sente à dentição, seja o que for:
diarreia, febre, mal-estar. Não existe qualquer comprovação, mas como
sempre está nascendo um dente ou outro no primeiro ano de vida, tudo
fica sendo “dentes”.

O nascimento dos dentes pode trazer certas alterações isiológicas em


alguns bebês. A inal, a dor e o estresse podem ser capazes de causar
distúrbios gastrintestinais. Esses sintomas aparecem mais em crianças que
se mostram irritadas e desconfortáveis com o nascimento dos dentes. Não
há razão para um bebê que não aparenta sentir dor apresentar diarreia e
febre. Além disso, a leve reação in lamatória que ocorre nas gengivas pode
levar a alguma alteração da imunidade e, como a criança pequena tende a
reagir como um todo, daí vem a coriza, o cocô mole, a irritabilidade... Para
atravessar essa fase, o segredo é ter um caminhão de paciência, amor, colo
e compreensão.

Como ocorre a primeira dentição?

A dentição se dá quando os dentes novos começam a sair das gengivas do


bebê causando uma leve in lamação na área. Talvez o bebê apresente uma
sede maior que a usual, queira mastigar as coisas, ou apresente leve dor
na gengiva.

Que cuidados devem ser tomados?

Faça massagem nas gengivas;


Lave as mãos e esfregue as gengivas com o dedo durante 2
minutos. Faça isso com a frequência necessária;

Dê coisas para o bebê morder. Os bebês gostam de mastigar


coisas duras e lisas quando os dentes estão nascendo. Dê-lhe
uma argola para dentição ou sólidos que têm líquido no centro,
assim morderá algo seguro. Não dê alimentos duros como
cenoura, pois podem causar engasgos;

Atenção para com a dieta. Não dê alimentos salgados ou ácidos,


como limão ou laranja, pois podem ferir as gengivas. Dê biscoito
para dentição. Se a criança chorar ao tomar a mamadeira ou usar
o bico, mude para um copinho;

Dê medicamento para dor se achar necessário.

Procure ajuda médica se:

O bebê tiver febre;

O bebê chorar muito e sem motivo;

Se você tiver outras dúvidas e preocupações.

Fonte: B.D. Schmitt, M.D., autor de “Your Child’s Health”, Bantam Books.

É grande a mitologia sobre a erupção dentária, pois costuma coincidir com


três eventos significativos e raramente lembrados:

1) crise de angústia da separação, que deixa a criança chorosa e querendo


colo, em torno do 8º mês de idade;

2) a roséola ou exantema súbito, que causa febre por cerca de cinco dias
SEM OUTRO SINTOMA, até aparecer a erupção ou exantema na
pele. Não sabendo disso, é fácil atribuir tudo aos ‘dentes’…

3) fase em que os grandes músculos da criança estão se preparando para


engatinhar e andar; a criança não ganha peso como antes, causando
preocupação exagerada.

“A minha mãe era uma verdadeira poesia, estava sempre em

gestação, tocava o violão e cantava maravilhosamente.

Foi ela quem me ensinou os primeiros acordes, as primeiras

vozes.”

Guayasamin, pintor equatoriano.


La ternura – Oswaldo Guayasamín (1919-1999)
Refluxo gastroesofágico em crianças

Ana Paula Santos Gumiero

1. O que é o refluxo gastroesofágico?

Re luxo gastroesofágico nada mais é do que o retorno do conteúdo (líquido


ou alimentar) do estômago para o esôfago.

2. É “normal” ter refluxo gastroesofágico? Quando se torna um


problema de saúde?

A maioria dos bebês e dos adultos normais tem episódios de re luxo


gastroesofágico. O que preocupa é a frequência e intensidade com que isso
ocorre (ao longo do dia e da noite) e dos sintomas que decorrem dos
episódios de re luxo. Descobrindo isso, diferenciamos o re luxo
gastroesofágico isiológico (normal) do patológico, o qual constitui
problema orgânico.

3. No caso dos bebês, é mais comum o refluxo gastroesofágico?


Quando se preocupar com o bebê que tem muitos vômitos?

Sim, a grande maioria dos bebês regurgita (“golfa”) e vomita por vários
fatores: dieta luida (leite), postura (sempre deitada), posicionamento do
esôfago e estômago, relaxamento do es íncter do esôfago, hipotonia
muscular etc. Devemos nos preocupar quando o bebê que vomita muito
apresentar: baixo ganho de peso, irritabilidade ou choro contínuo, anemia
precoce, sintomas respiratórios ou apneia sem outras explicações.

4. Por que ocorre o refluxo gastroesofágico? Quais os mecanismos que


causam a doença?

O re luxo gastroesofágico ocorre principalmente por relaxamentos


espontâneos do es íncter esofágico anterior: o músculo se abre, fazendo
com que retorne o conteúdo alimentar do estômago. O retorno com ácido
pode levar à lesão crônica e repetida do esôfago (esofagite), o que provoca
mais dor e piora o funcionamento do es íncter esofágico. Alguns
medicamentos e alimentos também provocam relaxamento desse
importante músculo.

5. Quais os sintomas mais comuns? Os sintomas podem variar de


acordo com a idade do paciente?

A gama de sintomas da doença do refluxo gastroesofágico é enorme e varia


de acordo com a faixa etária do paciente. Nos recém-nascidos e lactentes
jovens, a doença manifesta-se por vômitos e regurgitações logo após as
mamadas ou algumas horas depois. Podem apresentar apneia (pequenas
“paradas” na respiração com alteração do ritmo cardíaco), pneumonias,
sibilância (chiado), irritabilidade e choro durante várias horas, baixo ganho
de peso e anemia. Em crianças maiores e adolescentes, pode manifestar-se
com sintomas digestivos ou respiratórios. Entre os digestivos, destacam-se:
dor abdominal (especialmente em epigástrio), dor retroesternal (atrás do
“ossinho” do tórax), vômitos, náuseas, azia (sensação de retorno de líquido
amargo na boca ou queimação) e recusa alimentar. Entre os respiratórios
(sintomas supraesofágicos), podemos encontrar: sibilância de repetição,
tosse crônica, especialmente noturna, infecções repetidas de ouvido e
amígdalas, laringites e pneumonias de repetição, e asma de di ícil controle
medicamentoso.

6. O que é o “refluxo oculto?” Uma pessoa pode ter a doença do


refluxo gastroesofágico sem apresentar sintomas digestivos?

O re luxo gastroesofágico oculto é aquele que não aparece, ou seja, o


indivíduo não apresenta vômitos. O re luxo se dá até uma certa porção do
esôfago e não chega a exteriorizar, provocando a doença sem provocar
sintomas relacionados à digestão.

7. Como fazer o diagnóstico do refluxo gastroesofágico? Quais os


exames existentes? São dolorosos? A partir de que idade podem ser
solicitados?

O diagnóstico da doença do re luxo gastroesofágico é suspeitado


primeiramente pela história clínica e exames ísicos. Em lactentes jovens
com vômitos e regurgitações, sem outras alterações, pode-se iniciar
tratamento sem investigação diagnóstica. Para crianças maiores e em casos
de suspeita, pode-se recorrer ao RX contrastado do esôfago, ao ultrassom
abdominal para crianças de até dois anos, à endoscopia digestiva alta, à
pHmetria esofágica de 24 horas e ao exame de impedância intraluminal. O
RX com contraste é o exame mais realizado, mas serve apenas para
veri icar se há alterações anatômicas, pois a especi icidade do exame é
baixa, ou seja, muitos exames dão ‘positivo’ para re luxo, mas não existe
doença. O ultrassom é limitado a crianças pequenas e também não serve
para observar as repercussões do retorno do conteúdo gástrico. A
endoscopia digestiva é indicada para veri icar a presença de anomalias
anatômicas, como hérnia de hiato, e as consequências do re luxo, como
esofagite. A pHmetria atualmente é o melhor exame para a visualização
dos re luxos ácidos e se correlaciona com a apresentação clínica do
paciente, embora seja mais invasivo e de mais di ícil execução. A
impedância intraluminal é o exame mais recente e detecta tanto re luxos
não ácidos quanto ácidos, porém somente está disponível em grandes
centros, geralmente em hospitais universitários.

8. Quais as opções de tratamento para o paciente com doença do


refluxo gastroesofágico? Quando se indica o tratamento clínico ou
cirúrgico?

Primeiramente, adotamos medidas ísicas para se evitar o re luxo. Para


bebês, evitar mamar deitado e deitar logo após mamar, evitar manipular
muito o bebê após as mamadas, fracionar as dietas e engrossar a fórmula,
caso possível. Costuma-se solicitar aos pais que elevem a cabeceira do
berço com dois tijolos colocados sob os pés do berço, do lado da cabeceira.
Para crianças maiores e adolescentes, também solicitamos a elevação da
cama ou uso de travesseiros anti-re luxo, além de avisar para não se
deitarem logo após comer ou beber. Evitar alimentos gordurosos,
chocolates e líquidos que contenham cafeína, especialmente no período
noturno, pois provocam relaxamento do es íncter do esôfago, facilitando o
re luxo. O tratamento medicamentoso pode ser feito com várias drogas,
mas em geral associa-se um procinético (droga que acelera a digestão) e
um antiácido (protetor gástrico). Os medicamentos mais usados são:
bromoprida, domperidona, metoclopramida, hidróxido de alumínio,
ranitidina e omeprazol.

O tratamento cirúrgico é indicado nas seguintes situações: falha do


tratamento medicamentoso, necessidade de muita medicação, alterações
anatômicas (hérnia de hiato) e em pacientes com paralisia cerebral ou
distrofia muscular.
Febre

Meire Gomes

A febre é o resultado da luta do sistema imunológico da criança contra


vírus ou bactérias, e ainda contra outros fatores, como in lamações
(provocadas por quedas, pós-operatório) ou certas perturbações
emocionais. No geral a febre é bené ica e constitui o principal alerta à
doença. Vamos nos ixar na febre causada por vírus — as indesejadas
“viroses”— e na febre causada por bactérias.

Virose

Virose é um termo genérico, aplicado a qualquer doença causada por


vírus. Os vírus entram no organismo da criança pelas vias respiratórias
(gripes, rubéola), pela boca (hepatite A, diarreia), pela pele (dengue) ou
pelo sangue (hepatite B, AIDS). Excetuando-se a AIDS e algumas outras
infecções virais graves, as viroses têm cura espontânea, daí prescrevermos
medicamentos ditos sintomáticos, que só dão alívio. Não está indicado o uso
de antibióticos, mesmo que a febre seja alta e persistente, pois antibiótico
não mata os vírus. Em alguns casos, a virose “abre porta” para uma
infecção bacteriana — como, por exemplo, a ocorrência de uma pneumonia
após alguns dias de gripe — sendo necessário o uso de antibiótico. As
viroses são as principais causa de febre em crianças a partir de 3 meses. É
habitual a ocorrência de episódios de viroses anuais na criança de até 5
anos de idade — faz parte, inclusive, do amadurecimento do sistema
imunológico. De maneira geral, as viroses produzem 2 a 5 dias de febre e,
caracteristicamente, fora dos picos febris, a criança ica “espertinha”. Na
hora da febre não vale tentar quanti icar a importância da doença — a
criança fica “molinha”, pode vomitar e recusar a alimentação.

Observação importante: Antibióticos não devem ser dados na vigência de


infecção viral, mesmo que haja febre alta.

Infecção bacteriana

As bactérias são menos transmissíveis que os vírus e menos comuns na


criança, exceto nos bebês com menos de 3 meses, nos quais pode evoluir
mal. De modo geral, nas infecções bacterianas a febre é elevada e
persistente, a criança ica muito “molinha” e sonolenta. Abaixo de dois anos
são comuns infecções de ouvido, trato urinário ou intestinal; acima de dois
anos, infecções de garganta, intestinais ou respiratórias (sinusite,
pneumonia). Abaixo de 2/3 anos, é muito raro ocorrer infecção de
garganta por bactérias.

Observação importante: A febre em bebês também pode ser causada por


desidratação ou por aquecimento excessivo (muito agasalho nos primeiros
meses).

Cuidados iniciais

1. Verificar sempre a temperatura com termômetro. Apesar de a mão da


mãe não errar quase nunca, conhecer o nível da febre e sua
evolução ajuda muito. Lembre-se de que numa febre elevada as
mãozinhas da criança ficam frias e, mesmo quando a febre está
baixa, a cabecinha fica muito quente. Administre o antitérmico de
hábito à criança, caso a temperatura esteja acima de 37,8 C, até
procurar um pediatra;

2. Ponha a criança em ambiente ventilado e com roupa mais leve;

3. Banhos, compressas de água; não use álcool.

Uma vez administrado o antitérmico, você pode dar um banho morno. Se a


criança sentir desconforto, como calafrios, o banho deve ser suspenso
imediatamente e a criança deve ser aquecida com lençóis, até os calafrios
cederem. Os calafrios ocorrem na subida da temperatura. O exercício
muscular provocado pelo frio na hora do banho pode aumentar mais ainda
a temperatura.

Observações importantes: Calafrios não têm relação com convulsões, são


reações diferentes. Banhos e compressas com toalha úmida são uma boa
opção. Não use álcool; além de provocar queimadura em contato com a
pele, é absorvido pela respiração, podendo intoxicar a criança, causando
vômitos e sonolência.

A febre em bebês também pode ser

causada por desidratação

ou por aquecimento excessivo

(muito agasalho nos primeiros meses).


4. Ofereça líquidos com frequência maior do que a habitual. Tente
entender a recusa alimentar: faz parte do quadro. O importante é
que a criança não se desidrate. Devemos observar o
comportamento da criança fora do pico febril, o aspecto da urina,
das fezes, a ocorrência de manchas na pele e o padrão de sono. Em
crianças acima de 6 meses, se não houver outros sintomas além da
febre, pode-se simplesmente observar, antes de chamar o pediatra
— a não ser que a febre esteja muito alta e de difícil controle em
casa. Além de não haver ainda sinais específicos de doença, para se
formular um diagnóstico, sempre optamos por não colher nenhum
exame precocemente. Geralmente a doença se define melhor depois
das primeiras 24 ou 48 horas. Em lactentes com menos de 3 meses,
pode ser que o pediatra solicite exames imediatos.
Problemas Respiratórios

Tosse

Problemas respiratórios são queixas constantes na faixa pediátrica.


Englobam uma série de sinais e sintomas comuns a várias patologias, entre
eles: tosse, “peito cheio”, ”chiado no peito”, falta de ar, obstrução nasal,
entre outros.

O sintoma tosse costuma — não sem razão — ser um grande causador de


ansiedade nos pais.

Quanto à duração, diz-se que a tosse é aguda quando se estende por até 3
semanas e crônica quando dura mais de 4 semanas.

As causas da tosse variam de acordo com a faixa etária, mas na maioria


das vezes, a causa é o resfriado comum (conhecido entre os médicos por
IVAS — Infecção das Vias Aéreas Superiores), ou seja, vírus. O tratamento
é apenas de suporte, quer dizer, bastante líquido para fluidificar secreções,
antitérmico, se necessário, repouso e soro nasal.

Além do resfriado, várias outras patologias costumam cursar com tosse:


pneumonia, sinusite, laringite, tuberculose, asma, re luxo gastroesofágico,
coqueluche, ibrose cística, alergia, corpo estranho nas vias aéreas,
doenças cardíacas, doença do re luxo GE, inalação de agentes irritantes
(fumo passivo), tosse psicogênica, entre outros. Algumas dessas possíveis
causas variam de importância e frequência, dependendo da faixa etária da
criança.
Deve-se levar em conta também a presença de outros sinais e sintomas
juntamente com a tosse. Por exemplo, no caso de uma infecção aguda como
pneumonia, pode ser que haja também febre e falta de ar. Não é regra,
visto que a pneumonia pode manifestar-se de maneira totalmente atípica,
até mesmo sem tosse.

Levando em conta todos os sinais, sintomas e as características da tosse —


seca, cheia, noturna, irritativa etc — o pediatra irá formular a hipótese
diagnóstica, aventar a necessidade ou não de exames subsidiários e
instituir tratamento adequado. Uma importante causa de tosse é a asma,
doença in lamatória crônica caracterizada por chiado, falta de ar, aperto no
peito e tosse. Fala-se no diagnóstico de asma em crianças acima de 2 anos
de idade; antes disso, classi ica-se como bebê chiador, mas os sintomas
podem ser bastante parecidos.

Infelizmente, muitas vezes a criança demora a ser diagnosticada como


asmática ou bebê chiador e tem sua tosse tratada paliativamente com
antitussígenos, que são medicações bastante controversas e raramente
deveriam ser indicadas.

Em resumo, a tosse é sintoma presente em grande número de doenças,


sejam respiratórias ou não, sendo a mais habitual delas as infecções virais
(resfriados). É importante reconhecer se a tosse é aguda ou crônica para
poder formular as hipóteses diagnósticas mais prováveis, ter um
diagnóstico definitivo e instituir o tratamento adequado.
Asma

Meire Gomes

Controle de alérgenos:

Informação básica aos pais: As crises de asma ocorrem por diversas


causas. As mais frequentes são as gripes e resfriados e as alergias.
Algumas crianças têm crises durante exercícios, por estresse emocional ou
por mudanças de temperatura. Quando as crises ocorrem sem que a
criança esteja tendo uma gripe ou outra infecção, a causa alérgica passa a
ser a mais provável. As principais causas de crises por alergia na criança
são: a poeira doméstica, ácaro (vivo ou morto e as fezes do ácaro), mofo,
pelos, cheiro de tintas, inseticidas, ceras.

Conduta na intercrise e tratamento da asma crônica:

É importante manter a casa bem arejada. Se a criança tem crises


frequentes, higienizar com pano úmido todo dia (sobretudo no quarto da
criança ou nos cômodos que ela ica mais tempo) e fazer uma faxina mais
esmerada uma vez por semana. Estimular as atividades ao ar livre
tentando evitar que a criança ique longos períodos em ambientes
fechados. Não deixar ninguém fumar perto da criança nem nos ambientes
que ela frequenta. Piscina com muito cloro também pode provocar crise.

Nos casos mais graves é importante retirar do ambiente tudo que possa
reter poeira ou di icultar a limpeza (tapetes, cortinas, pelúcias, papéis e
livros); encapar colchões (eles funcionam como ninhos de ácaros) com
material sintético impermeável (ex.: courvin do avesso).
Controlar todas as fontes de umidade e mofo. Acaricidas como ácido tânico
ou benzoato de benzila podem reduzir a população de ácaros, mas seu uso
generalizado não está indicado.

Algumas crianças asmáticas têm crises por mudanças bruscas de


temperatura e umidade (ar condicionado, sair desagasalhado no frio) ou
mesmo tomar bebidas geladas, mas isto é uma exceção. É controverso que
alimentos possam causar crises de asma e, se isto existe, é muito raro.

Vaporizadores não adiantam nada e aumentam o problema com o mofo e


com os ácaros no ambiente. Aparelhos eletrostáticos (do tipo Sterilair) não
são e icazes no combate ao ácaro conforme se acreditou inicialmente. É
provável que vermes que têm ciclo pulmonar (Ascaris, Necator,
Ancilóstomo, Strongiloides) sejam responsáveis por muitas crises.

O paciente e seus pais devem estar atentos para os menores sinais de


obstrução, mesmo leves. Mesmo as crises leves, subclínicas, quando
persistente, prejudicam a disposição geral (desânimo), a aparência
(olheiras), o crescimento, a performance escolar, as atividades ísicas
(baixa tolerância a esforços), o apetite, o humor. Também reduzem a cura
ou a chance de que as crises cessem com a idade. A persistência de
sintomas leves predispõe a crises mais graves e até de pneumopatia
crônica (en isema). A monitoração com um aparelho de peak- low uma ou
duas vezes ao dia pode ajudar a identi icar níveis mínimos de obstrução e
ajustar a medicação broncodilatadora e prolilática. Ao menor sinal de crise,
o paciente deve iniciar o uso de adrenérgicos de ação curta. Idealmente os
pacientes com asma grave, de di ícil controle ou incapacitante, devem ser
acompanhados por um pneumologista pediátrico.

EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO

Todos os pacientes com asma, especialmente os mais graves, precisam ter


informações completas sobre a doença. Sempre que possível, essas
informações devem ser dadas simultaneamente ao pai, mãe (ou outras
pessoas que cuidam) e ao paciente. Nos ambulatórios e enfermarias devem
ser feitas reuniões coletivas com os pacientes e pais. Ítens que devem
constar das orientações:

O que é a doença, o conceito de hiperreatividade brônquica e a


diferença dos brônquios no asmático e na pessoa normal
(espasmo, edema, secreção, inflamação);

Controle de ambiente, do que provoca as crises (ver acima) e


como identificar e evitar os alérgenos; diferença entre os
medicamentos para as crises (b2 de ação curta, corticoide
sistêmico, ipatrópio) e as drogas de controle da doença
(corticoides inalados, b2 de ação longa, inibidor de leucotrienos,
cromogligato);

Ensinar e demonstrar a forma correta de uso dos aerossois


dosificados (“bombinhas”) com e sem espaçadores valvulados;

Como reconhecer o início da crise, como identificar a crise grave;

O conceito e a forma de usar (demonstrar) os medidores de peak


flow, a utilidade do registro diário dos sintomas em cartões
próprios;

Fazer junto com o paciente um plano escrito sobre o controle


diário da doença entre as crises e um plano de ação para as
crises.
Entendendo a bula dos
medicamentos

Meire Gomes

A bula dos medicamentos contém informações técnicas e informações ao


paciente. A maioria dos pacientes “passeia” pela bula do medicamento que
vai utilizar e não raro se assusta com os efeitos colaterais possíveis, bem
como chega a conclusões erradas acerca da indicação ou da dose
recomendada pelo médico.

COMPOSIÇÃO: Mostra o nome cientí ico da droga e sua concentração,


geralmente dada em miligramas. Aqui também é assinalado se a medicação
vem veiculada em suspensão, xarope ou comprimidos, bem como a
existência de corantes e outros componentes. A concentração do
medicamento é um dado muito importante, pois vários medicamentos
podem ter o mesmo nome genérico, porém podem conter quantidades
muito diferentes do princípio ativo.

INDICAÇÕES: As indicações constituem-se no conjunto de doenças que


podem ser combatidas ou aliviadas pelo medicamento. Nem todas as
indicações constam na bula, mas , o médico costuma avisar ao paciente os
casos omissos. Por exemplo, um medicamento para larva migrans pode ser
usado contra o “bicho-de-pé”, um remédio contra vômitos pode ser usado
para combater uma crise de soluços, e colírios podem ser usados para
obstrução nasal ou infecções do ouvido.

CONTRAINDICAÇÕES: Nesse item reside a maior confusão quando o


responsável vai ler a bula. Contraindicações são condições apresentadas
pelo paciente, que podem impedi-lo de utilizar o medicamento; são fatores
que determinam um avanço do risco e uma redução da possibilidade de
bene ícios para o paciente. Esses fatores podem ser representados por
doenças, idade, ou apenas sensibilidade a qualquer um dos componentes
da fórmula contida no medicamento. Caso esteja expresso na bula: “O
medicamento X é contraindicado nos casos de doença cardíaca”, entende-
se que os doentes do coração não devem usar o medicamento, e não que o
medicamento X causa um distúrbio cardíaco em quem não tem o
problema.

Em Pediatria, uma das contraindicações importantes para uso de alguns


medicamentos é a idade. Muitos medicamentos não podem ser usados em
nenês abaixo de seis meses, muitos outros em crianças até 12 ou 24 meses
de vida. Parte da farmacopeia do adulto só pode ser utilizada em crianças
acima de 12 anos de idade.

REAÇÕES ADVERSAS OU EFEITOS COLATERAIS: Essas reações ou efeitos


são os efeitos indesejados que podem ocorrer com praticamente todos os
medicamentos, em maior ou menor grau. Para um medicamento ser
liberado, ele deve ser e icaz e ter o menor índice de efeitos colaterais
possível, ou seja, o bene ício do medicamento deve ser sempre MAIOR que
o seu risco. A maioria dos efeitos indesejados vai de leve a moderada e, em
geral, são reversíveis com a suspensão do medicamento. Por exemplo, um
portador de gastrite certamente terá maior possibilidade de sentir dor
abdominal com certo medicamento, do que uma pessoa com o estômago
saudável. Para alguns medicamentos, as reações são mais prováveis
quando a dose é alta, ou quando o tempo de uso é prolongado, como
ocorre, por exemplo, com os corticoides. Já as reações alérgicas podem
ocorrer com doses baixas e são imprevisíveis. O paciente deve ter sempre
em mãos uma lista dos medicamentos de que já fez uso e apresentou
algum tipo de reação, para evitar reações futuras ao mesmo ou a outros
medicamentos de mecanismo de ação similar. Quando se respeitam as
contraindicações, as reações mais graves são muito raras, porém é
obrigatório que as mesmas constem nas bulas dos remédios.

POSOLOGIA: O fabricante expressa a dose padrão do medicamento, mas a


posologia pode e deve ser modi icada pelo médico, adequando a dose de
acordo com cada caso.

Mesmo os medicamentos de venda livre têm suas contraindicações e


efeitos colaterais. Sempre que possível a automedicação deve ser evitada,
salvo em caso de dor ou febre, em que um alívio imediato é bem-vindo até
que outras providências sejam tomadas. Antibióticos não devem ser dados
sem orientação médica, bem como corticoides e hormônios. O popular AAS
infantil (“melhoral”), por exemplo, é contraindicado na dengue e pode ser
fatal em caso de catapora. Algumas vitaminas quando dadas em excesso
produzem sintomas piores que sua de iciência e os suplementos de cálcio,
ainda muito populares no nordeste, aumentam o risco de desenvolvimento
de “pedras nos rins”.

Para os pacientes com doenças crônicas, como alérgicos, hipertensos e


diabéticos, a educação contínua do paciente vai liberando-o para medicar-
se em situações especí icas, até reavaliação médica. Tanto a banalização do
uso indiscriminado de medicamentos quanto o medo de usar a droga
prescrita com orientação médica são igualmente prejudiciais para a saúde
do paciente. É sempre bom que o paciente ou responsável tire suas
dúvidas com seu médico, para que o tratamento seja bem sucedido, pois a
confiança no medicamento certamente faz parte de sua ação terapêutica.

Mesmo os medicamentos

de venda livre têm suas

contraindicações e efeitos colaterais.


Sempre que possível

a automedicação deve ser evitada.


Quando é indicado o uso de
“vitaminas” e ferro em crianças?

Meire Gomes

O leite materno contém todas as vitaminas e oligoelementos (minerais)


necessários para um bebê saudável e a termo. Reposição de vitamina D
pode ser requerida para lactentes em ambientes privados de luz solar. Na
falta de leite materno, a dieta láctea deve ser feita com fórmula, que já
contém o que o bebê necessita.

Não há evidências que sustentem o uso de lúor complementar se o bebê


com mais de 6 meses ingere água luoretada. Cálcio só deve ser reposto
para populações especiais (não há indicação universal), como os
desnutridos e perdedores de cálcio. A vitamina C pode ser requerida em
condições especiais, bem como outros suplementos, principalmente
vitamina A e D3, ferro e zinco.

Toda criança deve receber alimentação forti icada com ferro até os 24
meses de vida; medicamentos com ferro devem ser ofertados se não
houver possibilidade de supri-lo com a dieta. Os alimentos industriais
‘forti icados’ usam o ferro elementar, inclusive o leite, e sua quantidade já
“dá o desconto” do que vai ser perdido na absorção.

Prematuros recebem ferro oral suplementar a partir dos 30 dias de vida,


independentemente do tipo de alimentação; a partir dos seis meses
seguem rotina habitual para crianças de sua idade.
Frutas tropicais – Albert Eckhout (1610-1666)
Botulismo

Ana Guerra Andersson

O mais óbvio e indiscutível fator que depõe contra o uso do mel é o excesso
de açúcar contido nesse alimento. Um estudo norte-americano, feito por
pediatras da Universidade de Yale, já demonstrou que o excesso de açúcar
em geral, além da evidente in luência negativa na saúde dentária, deixa as
crianças pequenas irritadas e dispersivas, devido ao aumento de insulina
no sangue.

Não queremos dizer com isso que o açúcar seja absolutamente proscrito —
mesmo porque é uma fonte de energia — mas, que é preferível optar por
açúcares de origem mais saudável, como os provenientes das frutas, por
exemplo.

No que tange especi icamente ao mel, as pessoas acreditam que, por ser
um alimento natural, pode substituir o açúcar de maneira saudável e sem
riscos. Não é bem assim, e a justi icativa vai além da que decorre do
excesso de açúcar: o risco de botulismo. O botulismo é uma doença grave
causada por uma bactéria chamada Clostridium botulinum. Provoca a
paralisia de nervos e músculos, levando à parada respiratória. Em bebês a
evolução é rápida.

Pode ser classificado em três tipos:

1. Decorrente da ingestão de alimentos contaminados, principalmente


enlatados. Ocorre mais em adultos. A bactéria presente nos
enlatados é inativada quando submetida a altas temperaturas, por
isso recomenda-se aquecer desta maneira os alimentos enlatados.
Embalagens amassadas ou com a aparência deteriorada devem ser
descartadas;

2. Decorrente de feridas contaminadas;

3. Botulismo do lactente – e esse é o que nos interessa aqui.

Ocorre em lactentes, sendo mais comum em torno dos dois meses de vida.
O botulismo do lactente é mais grave do que o que ocorre em outras faixas
etárias e pode se dizer fatal. É causado por esporos da bactéria, que
encontram as condições ideais para seu desenvolvimento no intestino dos
bebês.

Uma das maiores fontes de contaminação pelos esporos é o mel; ao


contrário do que ocorre com a bactéria, eles não são inativados quando
submetidos a altas temperaturas. Por isso, a prevenção é feita pela
supressão do mel para menores de um ano de idade. Alguns autores
estendem a faixa de prevenção até os dois anos.

Muitas mães, assim como um bom número de médicos, argumentam que o


botulismo é raro, não havendo tanto perigo assim. Alegam não haver
registro de botulismo em lactentes no Brasil.

Sim, é uma doença infrequente, mas é potencialmente letal; isso já é


bastante para que nos preocupemos com sua prevenção.

Quanto a não haver registros de casos no Brasil é uma a irmação no


mínimo questionável. Primeiro, por não ser uma doença de noti icação
compulsória, o que di iculta as estatísticas. Segundo, por ser um
diagnóstico di ícil: casos de botulismo no lactente podem ser erroneamente
diagnosticados como outras doenças de quadro clínico semelhante. Existem
estudos que demonstram que até 5% dos casos de morte súbita do
lactente são causados por botulismo.
Portanto, a conclusão evidente é que não se conhece a verdadeira
incidência do botulismo do lactente no Brasil, e que sua prevenção é
realmente necessária.

Marcela – Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938)


Constipação intestinal

Ana Paula Santos Gumiero

Tanto em consultórios de pediatria geral como nos especializados em


gastropediatria, a queixa de constipação intestinal (“prisão de ventre”) é
muito frequente. Apesar de não ser condição de risco, afeta de forma muito
signi icativa a qualidade de vida, tanto da criança como de seus pais e
familiares. Traz temores das consequências ísicas e psicológicas do mau
funcionamento intestinal, tais como doença hemorroidária, issura anal,
entre outros, muito comuns em indivíduos adultos.

As causas que levam à constipação intestinal são múltiplas. Podemos citar,


entre elas: predisposição pessoal e familiar (relato de constipação
intestinal na mãe é muito frequente), dieta pobre em ibras e/ou
necessidade aumentada das mesmas, dieta com excesso de leite, falta de
atividade ísica (sedentarismo) e até mesmo situações com agravos
psicológicos. Nesses casos, os familiares relatam que, após uma ou mais
evacuações ressecadas e doloridas, a criança passa a reter e adiar as
evacuações. Na verdade constitui na intenção de se evitar o sofrimento,
mas a criança não percebe que quanto mais adia a evacuação e quanto
mais fica tensa na hora de evacuar, maior será a dificuldade.

Num pequeno percentual de casos é detectada má-formação no intestino


grosso — esses casos são de tratamento cirúrgico, constituem de menos de
5% das constipações intestinais e podem ser exemplo desses casos: doença
de Hirschprung (aganglionose congênita, a qual constitui de uma pequena
área do intestino sem nervos), estenoses intestinais (áreas “fechadas”) e
hipoplasia do intestino grosso (intestino malformado, muito ino e sem
função contrátil).

O tratamento, em geral, requer tempo, paciência e colaboração da família. É


necessária, em alguns casos, a limpeza intestinal para alívio dos sintomas e
melhor efeito dos medicamentos e ibras. O uso de laxativos suaves é
necessário até que o hábito intestinal se restabeleça; o uso de ibras,
naturais ou sintéticas, é essencial para o sucesso do tratamento. Isso é feito
para que, aos poucos, a criança reconheça que evacuar não é doloroso e
promove alívio; com isso, passará a não mais reter as fezes.

A alimentação rica em ibras é muito importante: uma dieta rica em


cereais, verduras e frutas, tais como aveia, farelo de trigo, feijão, milho,
lentilha, ervilha, amendoim, mamão, maçã e pera com casca, ameixa, uva,
passas, laranja, manga, pães integrais, arroz integral, pipoca. A ingestão de
água também é importante para o bom funcionamento intestinal; a
atividade ísica tem efeito positivo na movimentação do intestino. O excesso
de leite deve ser desestimulado; apesar de ser ótima fonte proteica e de
cálcio, não contém fibras e ‘empedra’ dentro das alças intestinais.

Importante salientar que, apesar de não levar a riscos graves para a


criança, a constipação é incômoda e tem tratamento, com bons resultados
para o futuro.
A criança com dor abdominal

Ana Paula Santos Gumiero

A dor abdominal recorrente é uma das queixas mais frequentes nos


consultórios pediátricos. É um quadro de inido como dor abdominal, em
qualquer localização, com pelo menos três episódios dolorosos de
intensidade su iciente para interferir nas atividades normais daquela
criança, em um período de pelo menos três meses.

Chega a atingir entre 10 e 20% das crianças. Nos consultórios


especializados em gastroenterologia infantil, é a terceira causa de procura
médica, icando atrás somente da constipação intestinal crônica (intestino
preso) e do re luxo gastroesofágico. É uma queixa que causa bastante
ansiedade e preocupação nos pais. Eles buscam o consultório de mais de
um médico, em dúvida se a dor é real e se poderia estar relacionada a
alguma doença física não diagnosticada.

Podemos dividir as causas de dor abdominal recorrente em: orgânicas


(alguma anormalidade ísica), disfuncionais (alterações da movimentação e
sensibilidade do aparelho digestivo) e psicossomáticas (de fundo
“emocional”). Sabemos que, em vários estudos e centros de referência, as
dores funcionais e psicossomáticas predominam e só uma minoria é de
causa orgânica. Entre as causas orgânicas mais comuns estão doenças do
trato digestivo ou urinário, constipação intestinal, parasitoses intestinais
maciças (giardíase, por exemplo), infecções urinárias e, menos
frequentemente, gastrites e refluxo gastroesofágico.

Dores funcionais ou psicossomáticas são caracterizadas pelos mesmos


sintomas, porém na ausência de doença ísica suas causas têm sido bem
estudadas, mas sabemos que são complexas, envolvendo sensibilidade
individual à dor e eventuais alterações neurológicas. É importante
ressaltar para os pais que as dores funcionais e psicossomáticas são reais,
não ingidas; é preciso que seja feito um diagnóstico de exclusão, não
sendo necessário que o pediatra peça todos os exames existentes para
detectar a causa dessa condição.

Uma boa história clínica + os antecedentes pessoais e familiares, aliados a


um exame ísico cuidadoso, são su icientes para a suspeita diagnóstica.
Resumindo, o pediatra é a pessoa mais indicada para avaliar cada caso e,
de acordo com as características individuais, programar a investigação
necessária. Seu acompanhamento é imprescindível para o bem-estar da
criança e para a tranquilidade dos pais.

Apendicite aguda

A apendicite aguda é a causa mais frequente de cirurgia emergencial na


faixa etária pediátrica; sua incidência aumenta com a faixa etária, sendo
que o pico ocorre entre 15 e 30 anos de idade. Uma das causas
identi icáveis é a obstrução do apêndice cecal por um fecalito (pequeno
pedaço de fezes), iniciando assim um processo inflamatório local.

Pode ocorrer perfuração do órgão devido à progressão do processo


in lamatório, disseminando as células in lamatórias e secreção purulenta
na cavidade abdominal. Infelizmente, os sintomas muitas vezes não são
típicos, podendo evoluir em horas ou dias. Seu diagnóstico baseia-se na
história clínica; exames laboratoriais e alguns exames complementares
podem auxiliar.

Os sintomas mais típicos de apendicite aguda são:

Dor abdominal — inicialmente periumbilical, localizando-se


depois próxima à virilha direita;
Febre;

Anorexia (perda do apetite);

Vômitos;

Alterações do hábito intestinal.

Porém, de modo geral, os sintomas não se apresentam dessa forma,


podendo ser facilmente confundida com diarreia aguda de causa viral, por
exemplo. É importante que o médico mantenha a criança em observação
rigorosa, repetindo o exame do abdome periodicamente, além de solicitar
alguns exames quando julgar necessário. Em crianças menores de dois
anos, a dor é pouco localizada e a perfuração é mais comum.

O exame de sangue (hemograma) e de urina podem auxiliar o diagnóstico,


além dos exames de imagem. Entre esses, o RX de abdome pode mostrar
níveis de líquido dentro das alças intestinais, apagamento da imagem do
músculo psoas e visualização do fecalito - achados sugestivos de apendicite
aguda.

Em alguns casos pode ser necessária a realização de ultrassom abdominal


para melhor elucidação do quadro. Embora alguns países tenham relatado
sucesso do tratamento da apendicite em fase inicial apenas com
antibióticos, isso está longe de ser consenso entre os médicos. A cirurgia
(retirada do apêndice in lamado) constitui-se no tratamento de escolha da
apendicite aguda.

Em casos especí icos, com ruptura do órgão, é indicado um ciclo de


antibióticos e eventual colocação de um dreno. A recuperação é rápida,
mas um período de repouso relativo evita complicações.
Você já ouviu falar em
mucoviscidose?

Ana Paula Santos Gumiero

O QUE É: Algumas pessoas também a conhecem como ibrose cística do


pâncreas. Consiste em uma doença de caráter genético, causada por vários
tipos de mutação no gene do cromossomo 7, com a formação de uma
proteína anômala na membrana das células. O que acarreta danos
importantes em vários órgãos, em especial no sistema respiratório e
digestório. Basicamente, é causada por alteração da viscosidade e
composição do muco nessas regiões, levando a obstruções, acúmulo de
material e infecções secundárias.

FREQUÊNCIA DA DOENÇA: É bastante variável; em alguns locais acomete


1 em cada 70.000 nascidos vivos, em outros, atinge até 1 em cada 3.000
nascidos de raça branca. A doença é bastante rara nas raças negra e
oriental. Com os avanços tecnológicos da medicina, com os novos
tratamentos e recursos complementares, a sobrevida dos pacientes – com
melhor qualidade - vem aumentando consideravelmente, podendo atingir
cerca de 30 anos ou mais, dependendo da gravidade do quadro clínico e do
acometimento pulmonar.

DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é suspeitado numa criança recém-nascida


com alteração na triagem neonatal (teste do pezinho ampliado). Esse teste
ainda não é feito de rotina, mas alguns hospitais/serviços públicos já o
estão realizando. O teste do pezinho ampliado detecta a mutação genética e
é fortemente indicativo da doença. Outro teste comumente aplicado é o
teste do suor, para dosagem do sódio e do cloro. Valores acima dos
esperados (em dois testes) praticamente são de initivos da doença.
Raramente o teste dá falso negativo (isto é, deixa de detectar a doença),
mas isso pode ocorrer em algumas situações, inclusive no bebê pequeno.

ACOMETIMENTOS E CONSEQUÊNCIAS: No aparelho respiratório, o mais


comumente afetado, as crianças apresentarão obstruções brônquicas por
muco espesso, pneumonias de repetição, tosse crônica, quadros
recorrentes de infecções de vias aéreas superiores e prejuízo na função
pulmonar. São acometidos de colonização por bactérias, em geral
multirresistentes, devido ao uso repetido e constante de antibióticos.
Evoluem para quadros de insu iciência respiratória crônica, ou seja,
dificuldade em manter níveis adequados de oxigenação no sangue.

Duas consequências no sistema digestório são predominantes: o


acometimento do pâncreas e do ígado. Com relação ao pâncreas, é
observado prejuízo da secreção das enzimas pancreáticas, essenciais para
a boa digestão das gorduras. Isso acarreta diarreia crônica, perda de
gordura nas fezes e consequente perda de peso e di iculdade no
crescimento (baixa estatura). No ígado, provoca quadro de esteatose
(acúmulo de gordura no parênquima hepático) e pode evoluir com cirrose
e falência do órgão.

TRATAMENTO: Atualmente é desejável um tratamento multidisciplinar,


composto por médicos (pediatra, pneumologista e gastroenterologista),
isioterapeutas, nutricionistas, psicólogas, dentistas e assistentes sociais.
Baseia-se no controle da insu iciência pancreática, pela suplementação oral
das enzimas, vigilância do estado nutricional e das complicações hepáticas
por meio de exames de rotina.

Com relação à pneumopatia, cuidados como a adequada mobilização do


muco, inalações, medicações mucolíticas e antibióticos, inalatórios, enterais
(via oral) e parenterais podem ser necessários. Alguns pacientes
necessitam de oxigenoterapia domiciliar (uso de cateter e cilindro de
oxigênio). A isioterapia, orientada por pro issional quali icado, é essencial
para a boa função pulmonar.

O apoio psicológico é muito importante, por tratar-se de doença grave,


incurável e de evolução crônica. Vários hospitais públicos possuem equipes
de apoio para o melhor tratamento dos pacientes portadores de
mucoviscidose.
Problemas anais na infância

Ana Paula Santos Gumiero

Podemos dividir os problemas do ânus em congênitos (presente ao


nascimento) ou adquiridos (surge durante o passar do tempo). Entre os
congênitos podemos citar o ânus imperfurado, posicionamento anormal do
ânus, estenose (estreitamento) anal ou mesmo agenesia anal — condição
essa mais grave, caracterizada por ausência dessa porção do intestino. As
anomalias, de um modo geral, não são raras, podendo acometer 1 em cada
3.000 recém-nascidos. O tratamento dessas anormalidades é basicamente
cirúrgico, em especial os casos de imperfuração e agenesia anais.

Entre as anomalias adquiridas, destacamos:


Plicoma anal — apresenta uma “pele em excesso” observada
próximo ao canal anal. Surge em crianças com dificuldades
evacuatórias, em especial aquelas que fazem muita força para
conseguir evacuar;
Fissura anal — constitui-se de pequena rachadura na pele que
forma o ânus. É a causa mais frequente de dor e sangramento ao
evacuar. O sangue é vermelho vivo, pode sair em raias ou no
momento de limpar a criança. Decorre em geral do esforço
evacuatório e de fezes muito ressecadas;
Hemorroidas / trombo hemorroidário — constituem situações
extremamente raras em crianças, podendo ocorrer em pré-
adolescentes e adolescentes com antecedente de constipação
intestinal. Hemorroidas que se desenvolvem em crianças muito
jovens precisam obrigatoriamente ser investigadas;
Prolapso/massas exteriorizadas — evidencia-se essa condição no
momento em que a criança vai evacuar e nota-se a exteriorização
da mucosa retal ou uma “bolinha” de coloração rosácea. Pode ter
várias causas, desde esforço evacuatório, algumas parasitoses
intestinais e pólipos intestinais.

Dependendo da causa, os problemas anais podem ter resolução clínica ou


cirúrgica. O tratamento clínico baseia-se em dieta rica em ibras, evitar
trauma anal (preferível lavar a usar papel higiênico), uso de anestésico /
cicatrizante tópico e medicamentos laxativos.
“Contém glúten...”

Ana Paula Santos Gumiero

Todos nós, consumidores de produtos alimentícios, deparamos

com essa mensagem na embalagem. Mas você sabe o que isso

significa ou de sua importância para algumas pessoas?

A doença celíaca ou enteropatia glúten-induzida, é uma patologia


decorrente de sensibilidade alimentar. Os indivíduos portadores dessa
predisposição genética, quando em contato com alimentos contendo glúten,
acabam por desenvolver os sintomas da doença.

A doença pode apresentar-se desde o primeiro ano de vida ou seus


sintomas podem surgir na adolescência/idade adulta. Na criança pequena,
manifesta-se por: diarreia crônica, esteatorreia (diarreia com perda de
gordura fecal), anemia e desnutrição (dé icit de peso e altura). No
indivíduo adulto, a anemia crônica pode ser o único sintoma, embora raro.
Por constituir-se de doença familiar e de mecanismo autoimune, é mais
frequente entre membros de uma mesma família e em crianças com
diabetes mellitus tipo 1. O diagnóstico pode ser feito por exames de sangue
(anticorpos anti-endomísio, antigliadina e, mais recentemente, anticorpo
antitransglutaminase tecidual) e exames das fezes (gordura fecal), porém
a biópsia intestinal é imprescindível para se iniciar o tratamento.

Geralmente é indicada biópsia intestinal para o diagnóstico através de


endoscopia digestiva ou cápsula, e os exames de sangue (sorologias)
servem para monitoramento da dieta sem glúten.

Não existem medicamentos especí icos para o tratamento da doença


celíaca, apenas o controle dietético (isenção de glúten). Daí a preocupação
dos fabricantes com a informação nos rótulos. São proibidos todos e
quaisquer alimentos que contenham: grão ou farinha do trigo, centeio e da
cevada. Isso inclui pães, massas, bolos, bolachas, pizza, embutidos, alguns
cereais, salgados etc. A aveia é retirada da dieta não pelo seu potencial
alergênico, mas pela chance de contaminação da mesma com o trigo (na
moagem ou estocamento dos grãos, por exemplo). Há opções, como farinha
de milho, de arroz, fécula de batata, que são comumente utilizados em
culinária.

Não se recomenda a retirada do glúten sem certeza diagnóstica absoluta,


pois trata-se de doença crônica, cujo tratamento requer dieta especí ica,
rigorosa e para toda a vida. Nota: a exportação de pão de queijo mineiro
vem crescendo para a clientela que não pode ingerir glúten.
Deve-se fazer tratamento rotineiro
para ‘vermes’?

Dra. Relva

“De acordo com a orientadora da pesquisa, a pediatra e professora da


FCM, Angélica Maria Bicudo Zeferino, as parasitoses intestinais iguram
entre os diagnósticos mais frequentes no mundo, tanto em adultos quanto
em crianças”. Constituem um importante problema de saúde pública,
particularmente nas zonas rurais e nos bolsões de pobreza dos grandes
centros urbanos. Esses parasitas podem causar sérias complicações
clínicas, como obstrução intestinal, anemia e diarreia, apenas para citar
alguns exemplos.

No Brasil, a prevalência dessas afecções tem apresentado tendência de


declínio nos últimos anos, principalmente pelas melhores condições de
saneamento nas áreas urbanas, o que incluiu a ampliação do
abastecimento de água tratada e a expansão das redes coletoras de esgoto.
Está relacionada, ainda, com programas voltados à universalização da
saúde e educação.

Ou seja, em locais com água tratada e bons hábitos higiênicos, não há


necessidade de icar fazendo exame de fezes nem dando “remédio de
verme” preventivo, a menos que haja uma situação especí ica, com
sintomas sugestivos de infestação. Em regiões endêmicas, justi icam-se
campanhas municipais de uso preventivo de vermífugos, bem como
campanhas para lavar as mãos ao chegar da rua, após usar o banheiro, e
evitar verduras cruas e carnes mal passadas.
Lista de sintomas atribuídos indevidamente a “vermes”: manchas na pele
(que podem ser do sol, ou micose, pitiríase, ou dermatite atópica etc);
“ranger os dentes” à noite, dormir mal ou ter pesadelo, barriga fofa ou
grande, cuspir, boca amarga e outros.

Prevenção:
SANEAMENTO BÁSICO — o uso de esgoto ou fossa séptica e ingestão de
água potável evitam que os ovos ou cistos eliminados pelas fezes
contaminem outras pessoas. Em alguns estados brasileiros ainda falta rede
de esgotos em 80% das casas!

CUIDADOS COM OS ALIMENTOS E ÁGUA — lave as mãos com sabão


neutro antes de manipular os alimentos. Lave verduras, frutas e hortaliças
em água corrente, e após deixe-as de molho em água com vinagre. Evite
presença de moscas em casa e proteja os alimentos. Consuma apenas
carnes bem cozidas. Filtre a água antes de beber ou ferva por 10 minutos,
se a água for de cisterna.

MEDIDAS GERAIS DE HIGIENE — cuide de sua higiene pessoal e do seu


ilho com banhos diários, uso de roupas limpas, unhas sempre curtas,
proteja os pés com calçados, lave as mãos antes das refeições e após ir ao
banheiro, não tome banho em lagoas de águas paradas ou poluídas. Evite
alimentos crus que não tenham sido lavados. Evite verduras cruas e carnes
mal passadas em self-services.

CUIDADOS COM O SOLO — principalmente em locais com crianças,


evitando sua presença nas imediações de fossas, córregos e riachos
transformados em esgoto a céu aberto, e fazendo sempre uso de calçados.

TRATAMENTO DOS INDIVÍDUOS ACOMETIDOS — ao primeiro sintoma


de verminose, procure por tratamento médico imediato no posto de saúde,
para uso de medicação apropriada, pois somente com o tratamento de
todos os acometidos pode-se evitar a disseminação dos vermes.
Fonte: Thaís Engel Ribeiro, Pediatra da Clínica Vitae, Formada pela
Universidade Católica de Pelotas – RS, em 1989. Coautora do livro Gestante
Diabética. UTI Neonatal do Hospital Dona Helena.

Vamos lavar as mãos ao chegar da rua e após usar o banheiro?

As excreções humanas e de animais são matéria de grande especulação e


até de temor respeitoso por parte da população em geral. Já dizia Mário de
Andrade que o emprego das fezes e da urina como ‘remédio’ se deve aos
poderes misteriosos atribuídos aos excrementos, que serviriam para curar
‘todos os males e todas as ilusões’. A saúde da criança, em especial, é
envolta em pensamento mágico; tudo que seus intestinos produzem é
motivo de apreensão ou de alegria. Daí a reverência com que a mãe apara
no piniquinho a ‘obra’ do bebê, à qual se refere com diminutivos afetuosos:
cocozinho, xixizinho…

As vendas dos vermífugos como panaceia demonstram sua popularidade


entre as diversas classes sociais. O resultado positivo do exame
parasitológico das fezes sempre suscitou grandes emoções: ‘o exame deu
verme!’. Com o resultado, cumpria-se o ritual do vermífugo, seguido de um
‘purgante’, repouso e até direito a guaraná. Fechava-se o ciclo parasitário –
real ou imaginário – com recomendações higiênicas e um ‘forti icante’ com
vitaminas e ferro.

Laboratorista de certa cidade do interior, profundo conhecedor das


entranhas e da alma humana, contou-me que sempre carimba “positivo” no
resultado do exame de fezes e encaminha a mãe ao posto. Feito o
“tratamento”, ela volta para o controle e ele simplesmente carimba
“negativo”. Disse-me ser grande a frustração da mãe perante um exame
“negativo”. Ele prefere a paz à verdade. Campanhas contra as verminoses
são atualmente adotadas até em condomínios e escolas urbanas,
indiscriminadamente, com ou sem motivo clínico. Garantindo, assim,
enormes lucros à indústria farmacêutica, a manutenção da ordem
institucional e a satisfação das famílias com seus pimpolhos.

Durante muito tempo eu ficava imaginando o porquê dessa

‘devoção’ generalizada aos vermífugos, até descobrir que ‘verme’ é

uma entidade mítica brasileira, feito o Saci Pererê e o Curupira,

que ‘explica’ tudo, desde manchas na pele até bruxismo...

Como prevenir as verminoses?

— Água tratada e encanada —

— Rede de esgotos suficiente —

— Lavar as mãos pelo menos ao chegar da rua e após ir ao banheiro —

— Lavar as verduras com hipoclorito, vinagre é balela —

— Evitar água de cisterna —

— Lavar bem todas as frutas! —

Os ‘vermífugos’ serão usados em campanhas periódicas em estados onde


as verminoses são endêmicas, sem necessidade de prévio exame
parasitológico das fezes.
QUER FAZER UMA REVOLUÇÃO?

COMECE A LAVAR AS MÃOS!


O que você sabe sobre autismo?

Lilian Nakachima Yamada

Até dois anos atrás, eu achava que autismo era um quadro grave, de
crianças com de iciência intelectual, incapazes de estabelecer contato com
o meio externo, que icavam rodando objetos sem parar, que tomavam
psicotrópicos e que não havia o que fazer por elas em termos terapêuticos.
Ah! Sem contar que a culpa era da “mãe-geladeira”, incapaz de fornecer
amor su iciente para ‘trazer’ seu bebê para o mundo e, por isso, ele se
fechava em sua concha. E - claro - que aqueles que haviam tomado a
vacina tríplice viral tinham mais chances de ser autistas.

Se você, prezado leitor e prezada leitora, tem essa ideia também, acho que
convém ler as próximas linhas, pois nada disso é verdade atualmente.

O autismo é uma disfunção global do desenvolvimento. É uma alteração


que afeta 3 áreas: capacidade de comunicação do indivíduo, de socialização
(estabelecer relacionamentos) e de comportamento. Esse distúrbio faz
parte de um grupo de síndromes chamado transtorno global do
desenvolvimento (TGD), ou transtorno invasivo do desenvolvimento (TID),
do inglês pervasive developmental disorder (PDD).

Ok, nada mudou no seu conhecimento lendo a definição acima?

E se você ler os critérios do CID -10 e do DSM IV logo abaixo?

Segundo a CID-10, é classi icado como F84-0 ou “Transtorno invasivo do


desenvolvimento, de inido pela presença de desenvolvimento anormal
e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de 3 anos e pelo
tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de
interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O
transtorno é 3 a 4 vezes mais frequente em garotos do que em meninas”.

Ainda com os mesmos conceitos? E se eu descrevesse um menino de 3


anos, nascido de parto cesáreo (opção materna), a termo, sem
intercorrências na gravidez, apgar 9 e 10, sem anormalidades ísicas, que
sorriu com 45 dias, engatinhou com 9 meses, andou com 11,5 meses?
Esperto, doce, muito ativo, alegre e inteligente, que olha nos olhos, que
abraça e gosta de ser abraçado por quem o conhece; que interage com as
pessoas, que brincava de “esconde e achou!” com 6 meses; que dorme
bem, come bem, que sempre entendeu tudo que falamos e do que
brincamos, que se diverte e diverte os demais, mas que com 2 anos e meio
ainda não falava frases completas de forma funcional (diálogos correntes)
e era um pouco tímido entre crianças da sua escola ou pessoas que não
conhecesse ou fossem muito barulhentas.

Parece algo fora do normal? Se você respondeu “não”, está certo; se


respondeu “sim”, também está certo. O menino acima pode perfeitamente
ter apenas um atraso na fala e ser tímido como pode ser um pequeno com
sinais de “autismo leve”.

Surpreso (a)? Hoje falamos em Espectro Autista, com variações de


gravidade. É necessário que a criança apresente di iculdades na
socialização, podendo ser algo sutil como somente ir ao colo de quem
conhece ou até mesmo algo que pareça uma “timidez patológica”, atraso ou
alteração na fala; muito comum é a presença de ecolalia (repetição não
funcional de palavras e até diálogos previamente ouvidos) e preferências
restritas, sejam brinquedos (ou partes dos brinquedos), comidas, até
mesmo lugares ou pessoas. O indivíduo pode ter sinais tão leves que
passam completamente despercebidos, mas que afetam sua vida
profundamente. Pode ter um quadro com sinais mais evidentes, que viva
em sociedade e vá à escola, com alguma di iculdade, mas que seja capaz de
superá-la com ajuda de um pro issional adequado e que seja apenas mais
“retraído” e isso seja considerado como “o jeito dele, oras”... E, claro que
existem os quadros clássicos do autismo descritos originalmente por Leo
Kanner em 1943, que nos saltam aos olhos e não deixam dúvidas
diagnósticas.

Os casos graves são os que nos vêm aos olhos, mas não os únicos dentro do
número total de casos em relação à epidemiologia dos TGD. O verdadeiro
“boom” de casos que se lê na mídia é pura e tão somente porque quadros
leves e moderados passaram a ser notados. Os quadros graves continuam
sendo diagnosticados, sem alteração de sua frequência; o que aumentou a
estatística foram os casos dos “tímidos” e dos “esquisitos” que na verdade
não são nada disso. São casos leves e moderados do TGD e que merecem
ser tratados, para que exerçam da melhor forma suas potencialidades, que
estudem, tenham sua carreira, formem suas famílias como os demais.

O autismo afeta, em média, uma em cada 110 crianças nascidas nos


Estados Unidos, segundo o CDC (sigla em inglês para Centro de Controle e
Prevenção de Doenças), do governo daquele país, em números de 2006,
divulgados em dezembro de 2009.. No Brasil, o único estudo estatístico foi
realizado em Atibaia e traz um número próximo: 1 em cada 300 crianças
nascidas vivas tem TGD.

Não há um fator etiológico único, são vários. Sabemos de um componente


genético óbvio, pois em gêmeos monozigóticos quando um tem autismo, o
outro tem de 60 a 90% de chance de também ter a doença (gêmeos não
idênticos: 3%). Em famílias com uma criança autista, a chance de ter outro
ilho com essa condição é de 2 a 8% - 75 vezes maior que na população
geral. Há também os gatilhos ambientais, mas se sabe poucos ainda:
doenças virais que a mãe possa ter tido na gestação como rubéola, ou
intoxicações como alcoolismo e drogas. Sabe-se também que síndromes
genéticas são associadas ao TGD, por exemplo, a Síndrome do X Frágil
(15% têm TGD) e Síndrome de Down (10% têm TGD) . Já se sabe o que
não causa autismo. A vacina tríplice viral nada tem a ver com a gênese do
autismo. O médico Andrew Wake ield, que alardeava essa correlação, teve
seu registro pro issional cassado em maio de 2010, após suas pesquisas
terem sido dadas como fraudulentas . O mito de que uma maternagem
ruim ou errada seria su iciente para que uma criança se tornasse autista é
uma inverdade que devastou milhares de mães por muito tempo. As
teorias psicanalistas foram alvo de defesa de Frances Tustin, referência
quando se trata deste assunto, mas a própria Tustin em “A perpetuação de
um erro”, retira tudo que disse em sua carreira, relatando que seria
impossível que mecanismos psicodinâmicos desencadeassem sinais de
autismo na mais tenra idade.

Atualmente, o diagnóstico é feito por equipe multidisciplinar, composta de


médicos, psicólogos e fonoaudiólogos. São feitas entrevistas com os
cuidadores, avaliada a criança e seu meio (casa e escola). Por meio de
escores internacionalmente padronizados e validados para o Brasil, há
índices que indicam a presença de TGD e o grau de acometimento. Há que
se descartar as síndromes genéticas e alterações das estruturas do sistema
nervoso central, bem como algumas doenças metabólicas, que possam por
si só ser causadoras do quadro. Para tanto são pedidos exames, isto, é, não
que o autismo apareça nos exames, mas para descartar doenças
associadas.

Não existe tratamento curativo para TGD, sim, não há cura. Os casos em
que se diz que houve cura, ou são falsos, ou não eram TGD. O tratamento
se baseia em psicoterapia comportamental, fonoterapia especializada e
escola regular. Não são todos os casos que necessitam medicação, apenas
casos em que a autoagressão, hiperatividade e falta de atenção são
excessivos recebem drogas para que seja possível a realização das
terapias. O objetivo é adequar comportamentos, extinguindo as
estereotipias e comportamentos de autoagressão, estimulando a fala
espontânea e uma socialização mínima e su iciente para que a criança,
adolescente ou adulto possa se incluir em uma vida “comum”.

Hoje em dia se fala em intervenção precoce antes de 3 anos de idade,


sendo possível antes de 1 ano levantar suspeitas. O devido tratamento faz
com que a criança desenvolva suas potencialidades e tenha uma vida o
mais saudável possível. O diagnóstico só se completa acima dos 5 anos de
idade, pois a formação de algumas funções neurológicas se dá nessa fase e,
antes disso, pode ser estimulada e melhorada.

A inclusão escolar é um capítulo à parte no que diz respeito às


necessidades da criança com TGD. Sabemos que cada caso tem suas
peculiaridades e que casos leves e moderados podem e devem
acompanhar suas turmas em escolas regulares, mas casos graves podem
não ganhar nada icando em sala de aula. O termo mais adequado que
governo e educadores deveriam adotar é “inclusão responsável” em que a
criança com qualquer de iciência, como TGD, por exemplo, frequente e
tenha ganhos com a escola regular. Isso apenas acontecerá se ela se
dispuser a aceitar cada uma e todas as crianças com suas diferentes
formas de deficiência, adequando-se para tanto.

Poucos pro issionais no Brasil são capazes de fazer esse tipo de


diagnóstico. Ainda é algo novo e pouco divulgado, pois o estigma do
primeiro parágrafo não é somente na população em geral, é no meio
médico também. Tendo dúvidas procure especialistas na área.

Alguns sites importantes

www.schwartzman.com.br/novo/jss.html

www.autismoerealidade.org

www.carlagikovate.com.br/index_arquivos/Page524.h
Menina e seu cão – Briton Rivière (1840-1920)
Referências Bibliográficas

Schwartzman, José Salomão, Autismo e outros transtornos do espectro


autista. Revista Autismo, edição de setembro de 2010.

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of


Mental Disorders, Fourth Edition. Washington, DC: American Psychiatric
Publishing Inc; 2000.

Who. International Classi ication of Diseases, Tenth Edition. Geneva: World


Health Organization; 1992.

Autistic Disturbances of Affective Contact”, Nervous Child 2 (1943): 217-


250. Reprinted in Childhood Psychosis: Initial Studies and New Insights, ed.
Leo Kanner (Washington, D.C.: V. H. Winston, 1973). Also reprinted in
Classic Readings in Autism, ed. Anne M. Donnellan (New York: Teacher’s
College Press, 1985).

Autism Spectrum Disorders (ASDs) - Data & Statistics. Centers of Disease


Control and Prevention.

Ribeiro SHB. Prevalência dos transtornos invasivos do desenvolvimento no


município de Atibaia: Um estudo piloto [dissertação]. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie; 2007.

Kates, W.R. et al., Neuroanatomical and neurocognitive differences in a pair


of monozygous twins discordant for strictly de ined autism, Ann. Neurol.,
43:782-791, 1998.

Autismo: Manual para as Famílias. Disponível no site


www.autismoerealidade.com.br/wp-content/uploads/2010/11/Kit-Primeiros-100-Dias.pdf

Godlee F, Smith J, Marcovitch H. Wake ield’s article linking MMR vaccine


and autism was fraudulent. BMJ. 2011 Jan 5;342:c7452

Tustin, Frances, “A perpetuação de um erro” in Letra Freudiana, ano XIV,


no. 14 1995, pp. 63 – 79

Silva, Micheline; Mulick, James A. Diagnosticando o transtorno autista:


aspectos fundamentais e considerações práticas. Psicol. cienc. prof;
29(1):116-131, mar. 2009

Camargo, Síglia Pimentel Höher and BOSA, Cleonice Alves. Competência


social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicol. Soc.
[online]. 2009, vol.21, n.1, pp. 65-7
As famosas e indispensáveis vacinas

Dra Relva

O Calendário Vacinal apresentado nas ‘cadernetas da criança’ e nos sites


o iciais é elaborado com base nos esquemas propostos pelo Ministério da
Saúde do Brasil, pelas Secretarias de Estado da Saúde e Sociedade
Brasileira de Pediatria. É destinado a lactentes e crianças saudáveis.

No primeiro mês, ou antes da alta hospitalar, o bebê deve receber a vacina


contra hepatite B e o BCG, contra a meningite tuberculosa. A vacina
para coqueluche, difteria e tétano pode ser associada à Salk contra a
poliomielite e HiB (hemophilus, causador de forma grave de meningite). A
vacina contra rotavírus deve ser aplicada em duas doses, não
ultrapassando os 4m e ½ de idade.

A vacinação contra pneumococos é recomendada para crianças com


asplenia (falta do baço, de natureza anatômica ou traumática), doenças
crônicas, imunodepressão, desnutrição grave, diabetes infantil, certas
doenças genéticas, cardiopatias graves, pneumopatias como a doença
ibrocística. Até 2 anos, usa-se o tipo ‘prevenar’ (conjugada); a partir de 2
anos, pode-se usar a pneumo23, mais barata. Se seu ilho se encontra em
alguma dessas situações, ele tem o direito de recebê-la gratuitamente nos
CRIEs dos Centros de Saúde, com o encaminhamento pediátrico. Foi
incluída recentemente no calendário o icial, sob a forma de prevenar-10,
mas as crianças que usaram o tipo 7 podem continuar com os novos tipos
de vacina conjugada, sem prejuízo das doses já tomadas.

A vacinação contra varicela é recomendada, a partir de um ano de idade,


para todas as crianças. A vacinação contra hepatite A pode ser utilizada, a
partir de dois anos de idade, para todas as crianças. A vacinação contra
meningococos A e C é recomendada em situações epidêmicas. Felizmente
já foi incluída no calendário oficial.

As vacinas contra a gripe são constituídas por Myxovirus in luenzæ


inativados, contendo três cepas diferentes. Esses vírus sofrem mutações
periódicas, alterando suas características, o que faz com que a vacina seja
atualizada periodicamente pela OMS (Organização Mundial da Saúde),
baseando-se em dados epidemiológicos. Após a aplicação, os anticorpos são
detectados em duas semanas, atingindo pico máximo em 4 a 6 semanas; a
vacinação deve ser programada idealmente para o outono.

Com o tempo, os níveis de anticorpos declinam; então, a vacina, quando


indicada, deve ser repetida anualmente. A idade de aplicação vai dos seis
meses até adolescentes, adultos e pessoas idosas. As recomendações da
vacina antigripal para faixa etária pediátrica incluem (Immunization
Practices Advisory Committee — CDC):

crianças com doenças pulmonares crônicas (asma, fibrose cística)


ou enfermidades cardíacas, diabetes, problemas renais,
imunossupressão primária ou secundária a doenças ou uso
prolongado de altas doses de corticoides;

crianças sujeitas a elevadas taxas de exposição: berçários,


creches, etc.; como apresenta poucas contraindicações específicas
(alergia ao ovo), pode ser usada em qualquer criança. O Brasil
dispõe de calendário vacinal, que cobre a maioria das doenças
infectocontagiosas da infância. Vacinas especiais requerem
indicações especiais, segundo o pediatra e peculiaridades
sazonais ou epidêmicas.

Caso seu ilho tenha algum problema de imunode iciência, cardiopatia,


doença da anemia falciforme, leucemia, Síndrome de Down, HIV, o pediatra
deverá encaminhar sua criança aos centros especializados em
imunobiológicos da rede pública - CRIEs - para que receba, gratuitamente,
as vacinas indicadas para cada situação.

A partir de agosto/2012, a vacina Sabin será paulatinamente


substituída pela Salk; a atual tríplice pela pentavalente (quíntupla),
contendo vacina contra hepatite B, DPT (difteria, tétano e
coqueluche) e HiB (hemophilus do tipo B). A vacina contra hepatite
B continuará sendo aplicada na criança ao nascer, para prevenir a
transmissão vertical da mãe para o bebê.

fontes:
www.imunolife.com.br
www.saude.gov.br
www.sbp.com.br
Meninos – Paul Gauguin (1848-1903)
CAPÍTULO 13 – SEXO & INFÂNCIA
Você já falou sobre sexo com seu
filho? E com sua filha?

Meire Gomes

A idade média de iniciação sexual no Brasil tem caído a cada década. No


nosso país ocorre o maior índice de mortalidade materna do mundo,
devido ao número de abortos provocados. Os pais alegam que não
discutem sobre o assunto com seus ilhos, pois temem estimulá-los à
prática sexual, quando na verdade, pesquisas sugerem que o adolescente
que não tem diálogo aberto em casa busca informações com colegas, em
revistas pornográ icas e atualmente na internet. Nem sempre a informação
é satisfatória.

Há uma justi icativa biológica para a necessidade de tanta “explosão”


hormonal, que de tão súbita e inesperada para a criança afeta até o seu
comportamento na adolescência. Eles passam a preferir programas com
amigos em detrimento dos programas em família que tanto gostavam.
Instintivamente, na adolescência inicia-se a busca de um parceiro sexual
para a concepção e perpetuação de nossa espécie. Em meio a tanta
informação, as meninas continuam engravidando, mesmo sem
conscientemente desejarem a gravidez. Isso é fato.

É preciso que a família entenda que não pode fugir desse assunto, que a
obrigação de orientar a criança e o adolescente é sua. Crianças não nascem
com manuais de instrução e não existem regras que se encaixem em todos
os per is de família, mas é consenso e até um chavão de educadores a
importância do estabelecimento de um diálogo entre pais e ilhos o mais
precocemente possível. Acreditar que a criança “não entende”, é o ponto
de partida para dar-lhe uma palmada e não preferir acalmá-la e conversar
olho no olho. Acreditar que “não é hora” e não conversar com a criança
abertamente sobre sexo é o ponto de partida para que seja vítima de
abuso sexual na infância e esteja suscetível a uma má educação sexual com
todos os desdobramentos futuros.

Existem muitos tabus, passaríamos horas debatendo sobre eles, perdidos


em questionamentos arcaicos, religiosos, ilosó icos, preconceitos e toda
sorte de barreiras. O primeiro ponto para iniciar-se a educação sexual dos
ilhos é entender a sua própria sexualidade, lembrar dos seus desejos e
necessidades naquela fase, recapitular suas angústias e di iculdades e ter
a certeza de que, dentro de pouco tempo, queira ou não, com parceiro ixo
ou não, casado ou não, seu ilho ou sua ilha estará mantendo relações
sexuais, isso é natural e normal. A educação sexual que respeita a
individualidade do adolescente não visa impedir ou cercear a iniciação
sexual, mas proporcionar informação para o adolescente conforme suas
necessidades, visando à prevenção de gravidez indesejada e doenças
sexualmente transmissíveis. Sinto fortemente que os pais se integrem na
realidade de seus ilhos de forma a respeitarem seus desejos e
entenderem que ninguém tem o direito de produzir indivíduos
sexualmente perturbados, cheios de fobias e crenças infundadas.

É importante que a adolescente saiba que o compromisso que tem é com


ela mesma, que não tem obrigação de manter relação sexual com o
namorado porque a amiga acha que deve ou porque se sente pressionada
pelo grupo ou pelo namorado, que lhe pede uma “prova de amor” ou diz
que vai deixá-la caso negue ao seu pedido. Ela necessita dessa segurança.
E, se decidir por iniciar sua vida sexual, precisa fazê-lo de maneira
protegida, com acompanhamento de ginecologista, inclusive. Essa
segurança só pode ser dada pela família. No momento em que a mãe diz
um não sonoro, proíbe que saia com amigos, corta a mesada e impõe
outros pequenos castigos, automaticamente se fecha todo canal de
comunicação e a autoestima de que a adolescente tanto precisava para
sentir-se segura o su iciente para fazer suas escolhas, vai por água abaixo.
Se o apoio não vier de casa, vem de fora. Alguns e-mails que recebo de
adolescentes são cópia fiel deste parágrafo.

Para o garoto adolescente, é tudo mais fácil. O pai tem orgulho do moleque
que quer “transar”, dá dinheiro e entrega até o carro. Mas não fala sobre
camisinha, pois pensa que ele estará com uma mulher experiente que
saberá como evitar a gravidez. Não: ele estará com outra adolescente, tão
mal orientada quanto ele. Ao menino é tão necessário falar sobre gravidez
indesejada e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis quanto é
para as meninas. Ele precisa saber que pode ter relações sexuais se assim
o casal desejar, e deve ser orientado a respeitar o desejo da menina.

Na cabecinha da menina, o menino passa a ser o centro de atenção e afeto.


Quando ele é mais velho, e não há uma igura familiar que lhe passe
segurança emocional e ajuda na construção de sua autoestima, ela pode
iniciar a vida sexual precocemente, e até se deixar engravidar para que o
menino não a abandone. Sexo precoce não é o sexo antes do casamento,
que hoje passa a ser normal, mas antes que esteja emocionalmente segura
da decisão.

Na cabecinha do menino, pode ocorrer o mesmo que ocorre com a menina,


mas por diferenças biológicas e por in luência do grupo, o menino pode
estar suscetível ao relacionamento com várias outras meninas, e
dependendo de como foi orientado, a menina é só uma diversão. É
justamente aí que entra a mãe. É um momento especial para se mostrar o
valor da mulher na vida do homem, que a mulher não é mero objeto de
prazer e sim uma pessoa, que merece respeito e consideração.

O primeiro ponto para iniciar-se


a educação sexual dos filhos

é entender a sua própria sexualidade,


lembrar dos seus desejos e necessidades.
Abuso sexual na infância

Meire Gomes

O abuso sexual na infância pode deixar marcas emocionais profundas na


criança, como distúrbios psicossexuais, depressão e tendência ao suicídio.
Na grande maioria dos casos, não há lesões ísicas aparentes e em 87%
das ocorrências o perpetrador é alguém com algum laço familiar, afetivo ou
não. É pessoa que frequenta livremente a casa e tem a con iança da
criança, o que, além de di icultar o diagnóstico, nos dá uma dimensão irreal
do número de casos que acontecem todos os dias. Pesquisas revelam que a
maior parte dos abusadores é formada por adultos simpáticos e gentis;
uma pequena parcela tem o per il clássico do homem solitário e excêntrico.
Cerca de 70% dos abusadores alegam ter sofrido abuso na infância. Não é
certa a relação causa-efeito, pois dada a frequência elevada de abuso e o
fato de 44% não ter sofrido abuso na infância, há a possibilidade de esse
antecedente ser apenas coincidência estatística.

A maior parte dos abusos não envolve violência ísica nem começa como
um ato de estupro, sendo no geral, precedidos de atenção e “afeição”. O
pedó ilo manipula sutilmente a criança e depois faz um pacto de silêncio, e
através de ameaças convence a criança de que ela é culpada. A realidade
da criança é distorcida, di icultando que desenvolva saudavelmente sua
sexualidade, na medida em que confunde sexo com afeto, e divide-se entre
a impressão de ser agredida e o prazer eventualmente gerado pelo
contato. O abuso pode ocorrer sem contato ísico, como o voyeurismo e
criação de imagens fotográ icas para exibição com propósitos pedó ilos,
estimular a nudez da criança ou submetê-la a presenciar atos sexuais ou
imagens pornográficas.
Estima-se que uma entre quatro meninas e um entre seis meninos sejam
vítimas de algum tipo de abuso sexual durante sua infância. O abuso sexual
ocorre em todas as culturas e classes sociais, não só em famílias
desestruturadas. Considera-se, portanto, que toda criança está sob risco de
sofrer abuso. As estatísticas mostram que a faixa etária de maior risco
situa-se entre 5 e 12 anos. Cerca de 75 a 80% dos abusadores são do sexo
masculino, estando um terço deles na adolescência (irmãos, primos, amigos
da família).

Muitas vezes a família nega-se a aceitar essa possibilidade por motivos


claros, como desejo de que aquilo não esteja ocorrendo, medo de acusar o
abusador, vergonha ou temor em desequilibrar os laços da família, ou
simplesmente por não acreditar que algo tão hediondo possa estar
ocorrendo dentro da sua própria casa.

Mas como desconfiar de que a criança esteja sofrendo abuso sexual?

Analisando o abusador

Comportamentos suspeitos
Procuram motivos para se isolarem com a criança (passeios, por
exemplo);

Insistência em afeto físico;

Interesse excessivo em desenvolvimento sexual;

Não gostam de ser interrompidos quando estão com a criança;

Oferecem-se regularmente para tomar conta da criança;

Compram-lhe presentes com frequência ou oferecem dinheiro;

Escolhem uma criança em particular para fazê-la sentir-se


especial.

Analisando a criança

Como dissemos anteriormente, em muitos casos não existem marcas


ísicas, pois não há violência. Quando existem marcas como hematomas,
sangramento vaginal e sinais de doenças sexualmente transmissíveis, o
diagnóstico pode ser sugerido com menos di iculdade. Quando a criança
relatar algo que sugira manipulação genital por parte de outra pessoa,
deve-se considerar seu depoimento. Di icilmente a criança é capaz de criar
uma história de abuso. Consideremos mesmo que essa pessoa seja um
primo mais velho, ou um tio, ou o padrasto ou um vizinho. Outro ponto
importante é o comportamento erotizado, como o que ocorre com a criança
que não tem hábito de beijar a boca dos pais e começa a desejar beijá-los
dessa forma, ou como o que ocorre com a criança que já não mama ao seio
materno e passa a procurar a mãe ou outras mulheres para sugar o seio.

Dependendo da ação do abusador, a criança pode ter di iculdades de


aprendizado, mudanças súbitas de comportamento, pesadelos, insônia,
fobias, compulsões, pode tentar fugir de casa, chorar muito ao ver adultos
ou isolar-se de outras crianças. Fissuras vaginais ou anais que não
cicatrizam e leucorreia (corrimento) podem fazer parte do quadro
encontrado. As consequências tardias são igualmente graves, incluindo a
marginalização e os distúrbios de afetividade.

Observar se a criança:

tem comportamento sexual inadequado com brinquedos e


objetos;

recebe presentes e dinheiro sem motivo aparente;

muda seus hábitos alimentares ou apresenta pesadelos e


distúrbios na qualidade do sono;
tem comportamento imaturo, como imitar voz de bebê ou voltar a
fazer xixi na cama;

isola-se e fica retraída, cheia de “segredos”;

mostra medos inexplicáveis ou se torna ansiosa quando os pais


não estão por perto;

tem ataques de raiva;

apresenta sinais físicos em região genital.

As marcas do abuso sexual e da violência contra a criança, como muito


bem citado pela Sociedade de Pediatria, não icam apenas na criança, icam
na sociedade. Como agir frente a uma suspeita de Abuso Sexual?

O SOS criança mantém uma linha direta para denúncia e orientação que
funciona 24 horas por dia, fornecendo orientação às famílias e
pro issionais da área de saúde. A ligação é gratuita, inclusive via telefone
celular. Mesmo quando não existe certeza ou quando não há violador
identi icável, a denúncia deve ser realizada via Conselho Tutelar da
Criança e do Adolescente de sua cidade.

Leitura recomendada: Segredo segredíssimo. Publicado pela Geração


Editorial, este é primeiro título infantil a abordar a questão da pedo ilia no
Brasil. O assunto delicado torna o gênero raro em todo o mundo. Escrito
por Odívia Barros e ilustrado por Thais Linhares, o volume combina texto e
imagens direcionado às crianças com a seriedade que o tema exige.
Destinado à educação infantil, o título conta a história de Adriana, uma
menina que guarda um segredo que a entristece. Por sorte, aparece Alice,
uma amiga muito esperta, que a ajuda dando conselhos valiosos. 2011.

Leitura técnica recomendada

“Guia de atuação frente a maus tratos na Infância e na Adolescência” ,


publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com a
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, em
Março de 2001.

“Abuso sexual em crianças – Fortalecendo pais e professores para proteger


crianças de abusos sexuais”, Christiane Sanderson, Editora M. Books, 2005.

Meire Gomes é especialista em Pediatria pela


Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Pediatria.
Conto de fraldas

Dra. Relva

Ela veio de Minas com a mãe. Treze anos. Grávida. Sexto mês. Teve que
deixar a escola e a casa. O Coronel mandou que saíssem. Embuchada, era
uma afronta à dignidade da família proprietária. A mãe me contou, com voz
trêmula e olhos baixos, que fazia vista grossa. “Eles iam expulsar nós, então
eu deixava”.

A criança podia ser do Coronel ou de algum dos ilhos. A menina não dizia
nada. Sina. Depois do almoço tinha um sono danado. A mãe cuidava da casa
e tecia uns casaquinhos. Atreveu-se a pedir aumento ao Coronel para o
enxoval. Ele deu cem reais e disse que era para as passagens.

Chegando à cidade, foram para um abrigo provisório, enquanto a mãe


colocava-se como doméstica. Pelo menos teriam um quartinho. A menina
trouxe uma boneca de pano, resto de uma “Emília” achada há muito tempo.

No Posto de Saúde onde fazia o pré-natal, recebia drágeas de vitaminas e a


recomendação de se alimentar bem e repousar. Um dia foi fazer ultrassom.
Ficou sabendo que era uma menina, crescendo dentro dela como uma
xifópaga.

A enfermeira foi incisiva: nos primeiros seis meses, só leite materno.


Quando deixou a maternidade, com a mãe, a criança e a ‘Emília’, eram,
juntas, uma linhagem de meninas sem horizonte.

Ela continuava calada, aprendendo a cuidar de sua nova boneca, a quem


dera o nome de Lorrane. A mãe ajudava a cuidar do bebê, que chorava
muito e mamava a noite inteira.
Com quinze dias, foi à 1ª consulta – Umbigo caiu? Tá tendo bastante leite?
Está se alimentando direito? Ela mal balançava a cabeça.

Anotei na icha: mãe adolescente, recém-nascido normal. Duas crianças


querendo crescer. Despedi-me dela, pensando inutilmente em mais essa
menina que dá à luz, os pequenos sonhos abortados.

Sem sentir, rabisquei: “Deixai toda esperança”... Assinei, datei, arquivei,


chamei: — A próxima!
Segurança é responsabilidade de
todos

Fique atento à segurança de seu filho!

Conheça

O seu horário escolar

Os percursos de ida e volta à escola

Os nomes e contatos dos colegas e amigos mais próximos

Os locais onde costuma brincar

Seu filho estará em segurança

Não aceitando carona de desconhecidos

Não mostrando que traz dinheiro ou objetos de valor

Não aceitando guloseimas, dinheiro ou ofertas de desconhecidos

Não alterando os percursos de ida e volta para casa


Não brincando em zonas desertas ou com pouco movimento

Deslocando-se em grupo sempre que possível

Informando os pais sobre qualquer contato ou acontecimento


estranho

Pedindo ajuda em caso de necessidade

Procurando conhecer o agente policial de sua região [Conselhos


da Polícia de Lisboa]

Ensine seu/sua filho/filha a adotar comportamentos que os

protejam.

Eles devem aprender a proteger sua própria integridade corporal.

A amplitude do fenômeno violência contra a criança atinge

A infância pobre: vítima da violência social mais ampla;

A infância explorada: vítima da violência no trabalho;

A infância torturada: vítima da violência institucional;

A infância fracassada: vítima da violência escolar;

A infância vitimada pela violência doméstica e urbana.


Tipos de violência

ABANDONO: ausência do responsável; pode ser: parcial – ausência


temporária, expondo-a a situações de risco e total – afastamento do grupo
familiar (sem habitação, expostas às várias formas de perigo);

NEGLIGÊNCIA: privar a criança de algo que é essencial ao seu


desenvolvimento sadio; pode ser omissão de cuidados básicos, alimentação
inadequada, falta de supervisão, descuido em geral;

VIOLÊNCIA FÍSICA: a ação – que pode ser única ou repetida, acidental ou


intencional, efetuada por agressor adulto ou mais velho que a vítima –
provoca consequências leves ou extremas como a morte;

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: conjunto de atitudes, palavras e ações com o


objetivo de envergonhar, censurar e pressionar a criança de forma
permanente (ameaças, humilhações, gritos, injúrias, privação de amor,
rejeição, degradação, isolamento, terrorismo, indiferença emocional).

ABUSO – VITIMIZAÇÃO SEXUAL: todo ato ou jogo sexual, relação


hetero/homossexual com um ou mais adultos e uma criança menor de
dezoito anos. (Azevedo e Guerra, 1995).

Referências Bibliográficas

Centro Latino-Americano de Estudo de Violência e Saúde – CLAVES

Na medida em que a sociedade não defende a criança do


agressor, ela se coloca também como agressora. Está na
corresponsabilidade social o princípio da defesa e
proteção à infância maltratada. Maus tratos e abusos
ocorrem em toda a sociedade, independentemente do
nível de formação ou da situação econômica da família
(Ribeiro, 2004).

Sequelas

Respostas inadequadas dos pais – enquanto modelos e educadores – têm


implicações no desenvolvimento e manutenção de condutas agressivas dos
ilhos. Assim, o adulto agressor de hoje foi uma criança agredida no
passado. O diagnóstico e a intervenção precoce em tais casos minimizam os
impactos a curto e longo prazo no desenvolvimento ísico, cognitivo,
psicológico e comportamental da criança e do adolescente.

As sequelas físicas vão da mais leve até danos cerebrais severos ou morte.

OS DANOS PSICOLÓGICOS: baixa autoestima, quadros de ansiedade,


depressão, desnutrição, nanismo deplecional, uso de drogas e até o
suicídio.

DANOS COGNITIVOS: problemas de atenção, dé icit de aprendizagem e


baixo rendimento escolar.

COMPORTAMENTAIS: relações empobrecidas com grupos de sua idade,


problemas de agressão ísica e condutas antissociais, com componente
altamente destrutivo. Relações abusivas e violentas levam ao ciclo de
repetição desses padrões.

Essas manifestações são identi icáveis primeiro na escola e nos grupos


comunitários. Os primeiros sinais de que uma criança ou adolescente sofre
agressão são os sintomas físicos e psicológicos. (Cerveny).

Modelos de prevenção
PRIMÁRIA: Supressão ou redução de situações sociais que possam
desestabilizar a pessoa ou a inter-relação familiar;

Potencializar o indivíduo com formação de qualidade para que melhorem


suas habilidades de trato social; ações culturais e desportivas, para reduzir
o isolamento e incentivar a socialização;

NA FAMÍLIA: estimular relações afetivas positivas no lar e grupo social


para reduzir o isolamento; modi icação das práticas corretivas, para evitar
a violência física ou verbal; conhecimento de práticas sexuais saudáveis;

PROFISSIONAIS: inclusão do tema ‘maus-tratos’ nos programas de


formação; conscientização de que o trabalho é interdisciplinar na busca da
melhor solução para a criança e a família;

NA SOCIEDADE EM GERAL: redistribuição de bens e recursos, políticas de


emprego, modificar a aceitação social sobre o castigo corporal.

Secundária

Aplicação de medidas terapêuticas precoces a famílias e crianças em


situação de risco, com acompanhamento longitudinal. Para a OMS, a
prevenção da violência é prioridade do Estado. O Estado deve atuar em
vários níveis:

LEGAL: legislar condenando este tipo de relacionamento familiar;

PSICOSSOCIAL: deve cuidar da família;

Reprimir e tratar o autor do ato violento (sexual, físico etc.);

Tratar da vítima e do restante da família no aspecto psicológico e social.

Nos casos de abuso, além das intervenções, é preciso incentivar:


o reconhecimento de suspeitos de abuso, visitando creches (e
similares) e promovendo avaliação psicológica dos funcionários
que nelas trabalham;

o registro de queixas pelas vítimas; programas de tratamento dos


agressores;

campanhas que orientem o público geral na prevenção do abuso;

programas de educação para a classe médica e demais


profissionais da saúde e todos que lidam com crianças e
mulheres;

criação de serviços de apoio às famílias.

Referência Bibliográfica

Palestra de Maria Adelaide de Freitas Caires, Psicóloga Clínica e Forense;


Mestre em Psicologia da Saúde - UMESP-SP. Diretora-fundadora da ONG
‘Ação Ciência e Saúde Social’: Prevenir para não punir.
O Grito – Edvard Munch, (1863-1944)
CAPÍTULO 14 – CAMPANHA PERMANENTE
A cultura do terror
familiar
a extorsão,
o insulto,
a ameaça,
o cascudo,
a bofetada,
a surra,
o açoite,
o quarto escuro,
a ducha gelada,
o jejum obrigatório,
a comida obrigatória,
a proibição de sair,
a proibição de dizer o que pensa,
a proibição de fazer o que sente,
e a humilhação pública...

São alguns dos métodos de penitência e tortura


tradicionais na vida da família.

Para castigo à desobediência e exemplo de


liberdade, a tradição familiar perpetua uma
cultura do terror que humilha a mulher, ensina os
ilhos a mentir e contagia tudo com a peste do
medo.

Os direitos humanos deveriam começar em casa –


comenta comigo, no Chile, Andrés Domingues.
Eduardo Galeano – O livro dos abraços.
Matança dos inocentes

Dra. Relva

Quando nasceu o Menino Jesus, os Reis Magos lhe levaram presentes caros
e se ajoelharam aos pés do boi, do burrico e da vaquinha do presépio.
Aquela “noite feliz” passou a ser a festa máxima do Ocidente e sinônimo de
alegria e congraçamento.

Estando o menino prestes a completar seus dois aninhos, o rei Herodes


mandou matar todos os lactentes da Judeia com medo de um possível
concorrente ao poder. Foi a “matança dos inocentes” – que não se esgotou
nesse episódio. Quando um bebê nasce, acontece um pequeno natal, com
visitas, presentes e muita festa. Até que comece a demonstrar que existe
como pessoa, com necessidades e vontades próprias. Aí começa a
perseguição à moda de Herodes: cerceamento, palmadas, cala-boca, gritos
que são como chicotadas.

O mundo tem vocação infanticida e todo dia mata seus inocentes, seja
ostensivamente, como na Candelária ou em Beslam ou no Realengo, seja de
maneira sutil, quando sonega à criança o direito sagrado de ser
amamentada, de ter um lar, de ter um pai no registro civil, de ter uma
escola “risonha e franca” que respeite as etapas de seu desenvolvimento
corporal e mental.

A matança dos inocentes começa com a propaganda ostensiva da


mamadeira e das fórmulas lácteas, com as luvas e macacõezinhos que lhes
prendem as mãos; com o andador, a bota ortopédica e todos os meios que
o mundo encontra para impedir-lhes a amamentação ou tolher-lhes os
movimentos. Ou pela tortura chinesa de colocar bibelôs de cristal ao seu
alcance e não permitir tocá-los. Ou com os gritos para que se apresse e
acompanhe as passadas do adulto que a arrasta. Quando é impedida de
brincar ao sol e não pode icar descalça nem correr na chuva; quando só
vê animais no cativeiro do zoológico. Quando suas mãos curiosas e ávidas
de aprender levam tapas.

Quando é obrigada a vender balinhas no sinal, trabalhar em pedreiras nas


carvoarias ou nos mangues. Quando não pode ter suas próprias fantasias,
mas somente aquelas imaginadas por apresentadores do mundo fake da
tv. Quando não tem brinquedos ou quando é entupida de bonecas,
badulaques e carrinhos elétricos que piscam e buzinam sem parar.
Quando ica sozinha nas enfermarias ou no centro cirúrgico. Quando sua
mãe é alugada como babá de outras crianças e ela nunca a vê, a não ser
quando está caindo de sono. Quando vai dormir com fome ou frio ou
quando é obrigada a comer demais.

Quando é levada a desacreditar de si mesma porque ainda se mostra


hesitante. Ou quando vendem seu corpo a mãos cobiçosas e perversas.
Quando é transformada em utilidade doméstica e social, quando é privada
do simbólico e do imaginário, quando é ameaçada com o famoso “assim
Papai do Céu não gosta mais de você”.

Em cada uma dessas crianças, todos os dias morre o inocente dos


inocentes, o Menino Jesus.

“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do


adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.”
Artigo 18 da Lei 8.069 de 1990
Estatuto da Criança e do Adolescente.

Leitura recomendada:

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069 de 13 de Julho de 1990

Análise da Violência contra a Criança e o Adolescente segundo o ciclo de


vida no Brasil — Conceitos, Dados e Proposições, de Helena Oliveira da
Silva e Jailson de Souza e Silva, uma publicação do Unicef e Global Editora.
Matança dos Inocentes – Guido Reni (1575-1642)
A mão e a palmatória

Dra. Relva

O Brasil tem resquícios coloniais que ainda hoje se re letem nos costumes
sociais, familiares e políticos. Como o chefe da casa era ao mesmo tempo
senhor de terras e de escravos, ele se achava com direito de ‘disciplinar’
seus servos e, por extensão, os ilhos. O escravo, ao errar, tinha que dar a
mão à palmatória, o pescoço ao tronco e o lombo à chibata. Em casa, usava-
se a palmada, o chinelo, o cinto, para deixar o ‘couro quente’. Escolas
religiosas de então e de sempre usaram a palmatória e a vara para dobrar
alunos rebeldes. E tudo era considerado naturalíssimo.

Nas histórias infantis há componentes sádicos do adulto sobre a criança,


punições, privações, castigos. Romances de Charles Dickens são ricos em
menções ao uso da vara e do chicote nos jovens alunos. Batia-se para
ensinar, para fazer comer, para obrigar a estudar, para moderar o
comportamento, ao qual, aliás, correspondia nota no ‘boletim’: fala alto,
conversa com os colegas, não presta atenção às aulas. Graciliano Ramos
tem lembranças vívidas do quanto apanhava – sem saber por quê. Motivos
não faltavam para despertar a sanha vingativa e desarrazoada dos pais e
pedagogos. Até hoje se usa falar em ‘palmada educativa’ ou ‘psicotapa’,
que justificaria a ira dos adultos.

Em 2009, foi lançada a campanha “Não bata, Eduque”, no Palácio do


Planalto, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela apresentadora de
televisão Xuxa Meneghel. A coordenadora, Eleonora Ramos, a irmou que é
preciso acabar com a cultura de que a “palmadinha” é lição de educação.
“Ela [palmada] é o primeiro passo de uma relação que não é e iciente e
que ensina uma linguagem onde a criança só entende, só obedece com
esse estímulo ísico da palmada. A palmada, geralmente, deixa de ser
palmada para se tornar uma agressão”, a irmou Eleonora, em entrevista à
TV Nacional, da Radiobrás.

Segundo a Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência


da Infância, 12% das 55,6 milhões de crianças menores de 14 anos são
vítimas de alguma forma de violência doméstica por ano, no Brasil. Uma
média de 18 mil crianças por dia!

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos,


a irmou que “educação não pode passar qualquer risco que envolva
possibilidade de marcas ísicas e marcas da alma”. De acordo com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sistema de informação da infância e
adolescência do país registrou 500 mil casos de violência psicológica, ísica
e sexual de 1999 até hoje, sendo que apenas 1% das agressões são
denunciadas. En im, mesmo que simbólico, o ato deve surtir algum efeito
na prática, pelo prestígio inegável da apresentadora, que é vista e ouvida
em todos os lares brasileiros. Quando nada, causará desconforto a pais e
educadores violentos. Esse foi o verdadeiro “Xou da Xuxa”…
A adulteração da infância

Dioclécio de Campos Júnior

Infância é tempo projetado para o ser humano viver na dimensão do


lúdico, da liberdade criativa, do riso solto, da imaginação livre. Brincar é
doce magia que encanta o roteiro da evolução infantil.

A infância é um ciclo de vida em risco de extinção. Evidências sobejas


demonstram o efeito danoso da modernidade sobre esse período
existencial. A criança des igura-se no contexto avassalador da economia de
negócios. Perde a essência diferenciada que a distingue. Dissolve-se num
meio ambiente desfavorável. Anula-se no vendaval dos interesses
consumistas que comandam a orquestra regida pelos maestros do mundo
econômico.

O Brasil investe muito mais na terceira idade que na infância. A senectude


está presente no orçamento nacional. A infância não. A velhice expande
prestígio. A garotada encolhe-se progressivamente. Como nunca foi
prioridade, continua inexpressiva. Na insigni icância em que sobrevive, sua
originalidade evapora. Seu brilho é passageiro. Seus pendores, fugazes.

Os centros urbanos ignoram os moradores infantis. O automóvel é o


habitante privilegiado. Tem caminhos próprios, bem traçados. Dispõe até
de garagem segura para passar a noite. Os animais domésticos contam com
vias loridas para bucólicos passeios diários, durante os quais evacuam e
urinam prazerosamente no tronco de frondosas árvores ou em
verdejantes gramados. Os cidadãos idosos fazem-se acompanhar de
cuidadores para apoiá-los em deslocamentos saudáveis ao longo de
caminhadas estimulantes, ou conduzi-los na cadeira de rodas, a substituta
do carro que sempre usavam para locomover-se quando em fase ativa de
vida. A criança não tem lugar próprio. Salvo algum parquinho, o diminutivo
apropriado à restrição espacial em que os pequenos icam ilhados ao lado
de perdidas babás, balançando-se em geringonças perigosas, junto a
cachorrinhos amigos que contaminam a areia e lhes transmitem doenças
diversas, nem sempre benignas.

A infância desaparece no cenário econômico da sociedade capitalista. A


sanha empresarial descobriu que a meninada é uma mina de dinheiro.
Uma fonte de negócios a ser explorada com a competência do marketing, a
força pandêmica do consumo e a inescrupulosa falta de limite ético. Sem
anunciar a estratégia, executou-a insidiosamente, consolidando-a como
atividade atraente, capaz de gerar lucros fabulosos.

A alma do novo negócio está no falso conceito de que a criança é miniatura


do adulto. A criatura infantil foi literalmente adulterada para assemelhar-
se ao adulto. A começar pelas vestes, submetidas à lógica mercantilista da
moda. São roupas iguais às de gente grande. Diferem apenas no tamanho.
As meninas usam decotes arrojados, calças ajustadas aos corpinhos em
formação. Sapatos de design avançado, com saltos que já acentuam a
lordose lombar. Maquiagem abusiva, batons que buscam dar aparência
sensual aos lábios da ingenuidade. Cabelos penteados em salões de beleza
com a arti icialidade dos camarins. Esmalte de cores excêntricas a ocultar a
naturalidade do leito ungueal.

Muitas já são iniciadas na carreira de modelo, sonhando em ser mini-


misses internacionais. Os meninos trajam bermudas de adolescente ou
camisetas das grifes de adulto. Usam tênis como o dos pais e cortes de
cabelo estilo punk. Portam brincos nas orelhas e exibem na pele os ensaios
preliminares de futuras tatuagens. Desde cedo, as criaturinhas são
seduzidas pelo som das músicas erotizantes e treinadas a embalar o
gestual sexy que os familiares deslumbrados ilmam na profusão
vertiginosa das câmeras digitais.

Toda iniciativa econômica tem o lado nocivo com o qual os economistas


raramente se preocupam. A adulteração da infância pode estar na gênese
de poluição moral alarmante. Ao mesmo tempo em que o lucrativo negócio
expõe a sensualidade das miniaturas de adulto, cresce o noticiário da
pedo ilia, da prostituição infantil, da violência sexual contra crianças. A
relação de causa e efeito não pode ser descartada.

Infância é tempo projetado para o ser humano viver na dimensão do


lúdico, da liberdade criativa, do riso solto, da imaginação livre. Brincar é
doce magia que encanta o roteiro da evolução infantil. Não é apenas
consumir brinquedos que a indústria produz para entulhar o quarto das
crianças e endinheirar o bolso dos empresários. Não é crescer em
brinquedotecas insalubres, entregues a cuidados terceirizados. Nem
reféns da virtualidade televisiva.

O mundo infantil está seriamente ameaçado. Pede socorro. Nunca o diálogo


entre os dois personagens centrais do Sítio do pica-pau amarelo foi tão
atual. Emília diz: “Pedrinho, nós precisamos mudar o mundo”. “Nós quem,
Emília?”, pergunta o garoto. “Nós, as crianças, nós que temos imaginação”,
explica a brasileirinha saudável.

Dioclécio de Campos Júnior é médico pediatra,


professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de
Pediatria.

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do


adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.

Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 18.


Alienação parental, outro tipo de
dano

A chamada síndrome da alienação parental con igura-se quando um dos


genitores manipula a criança para que rompa o vínculo afetivo com o outro
genitor. São casos de mães ou pais que, por meio de estímulos negativos,
convencem o menor de que ele não é amado por uma das partes — e que,
portanto, deve-se afastar. Muitas vezes, esse tipo de comportamento
envereda para a calúnia, chegando ao limite de falsas acusações de
violência e abuso. Confusa, a criança envolvida na campanha de
desmoralização passa a aceitar como verdadeiro o que lhe é informado e,
progressivamente, cria aversão pela parte criticada.

A intenção é preservar a imagem de ser o único objeto do amor ilial. Para


isso, procura mostrar-ser mais ‘legal’ e complacente, apontando o outro
como hostil, interesseiro, desquali icado. A criança, vulnerável e
penalizada, sente-se ‘responsável’ pela situação, e tenta agir como
elemento reparador, em favor da parte ‘injustiçada’.

Fórum Criança: www.forumcrianca.org.br


Associação de Pais e Mães separados www.apase.org.br e www.amasep.org.br
Pai Legal – www.pailegal.net
Pais por justiça – www.paisporjustica.blogspot.com
Síndrome da alienação parental – www.alienacaoparental.com.br
Família e seus conflitos – www.mediarfamilia.blogspot.com
Participais – www.participais.com.br
Instituto Brasileiro de Direito da Família – www.ibdfam.org.br
Documentário – www.amorteinventada.com.br
Fonte: Correio Braziliense, de 30/07/2010, jornalista Maria Fernanda
Seixas

www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2010/07/30/interna_revista_correio,205298/index.sh
As várias faces do medo: modo de
usar

Elisângela Gonçalves

CHINELADAS – Provocam um dor “suportável”, de efeito rápido;


geralmente acompanhada de susto pelo inesperado. Paralisa qualquer
ação.

BELISCÕES – A dor é ina, vai crescendo e normalmente dura muito, uma


eternidade pra quem é agredido... o instinto normalmente faz o corpo
arquear e a vítima tenta se desvencilhar do algoz.

FIO DE FERRO – Doía muito, mas as marcas sumiam rapidamente... (o io


antigo era encapado), o que “amenizava” os sinais da violência.

CINTADAS – Essas eram as mais perigosas, a prioridade era proteger o


rosto de levar uma ivelada no olho. Marcavam principalmente os braços.
Às vezes feriam. As marcas eram sempre azuladas e o local icava dolorido
durante muito tempo. Provocavam vergões que lembram queloides.

VARAS – As de parreira e goiabeira são as piores, não quebram nunca.


Deixam vergões inos e avermelhados, normalmente atingem pernas,
braços e nádegas, di icultando o sentar. As marcas duram muito tempo e a
dor é persistente. A vergonha também dói, com as marcas aparentes e
saltadas.

PALMADA – A sensação é de ardência no local; costuma ser única já que a


mão do agressor também sofre.

GRITOS – Estremecem, gelam e aceleram o coração.

AMEAÇAS EM VOZ BAIXA DO TIPO: “quando chegar em casa a gente


acerta” – Essas são terríveis, infernais e não raras vezes faz a urina
escorrer pelas pernas, tortura anunciada.

ALGOZES CONTUMAZES: Pais em quem se con ia e se tem como única


referência de segurança e afeto.

APLICAÇÃO: Crianças de idades e tamanhos diversos, peso muito inferior


ao do algoz, tamanho diminuto e sem ninguém pra defendê-la.

DURAÇÃO: Até que essa criança não seja mais criança e possa fugir,
reagir, sumir, morrer ou sobreviver e fazer tudo diferente.

ARREMATE: “Isso é pra você aprender! Eu faço isso pro seu bem! Tem
medo, mas não tem vergonha!”

E é só por isso que a minha pequena ilha vai crescer sem conhecer o
significado da palavra: ‘apanhar’.

Enfrentando a violência doméstica

Cabe a quem trabalha com saúde e educação estar atento


à ocorrência de sinais diretos e indiretos de agressão
física ou psicológica e de abuso sexual à criança. É
importante formar redes de apoio teórico e afetivo às
vítimas e aos que lidam com essas situações. Notificar a
situação, proteger a vítima e oferecer apoio à família. A
notificação é obrigatória, pela ficha de notificação de
acidentes e violência. A sociedade deve saber que pode
buscar apoio e tratamento humanitário.
Campanha da Xuxa: não bata,
eduque!

1. Bater é uma forma “deseducativa” de educar. A criança aprende que a


força é o último e legítimo argumento para solucionar conflitos;
2. Trata-se de “pedagogia” de eficácia duvidosa: é uma “pedagogia de
contenção”, ancorada na intimidação e no medo. Nada garante a não
reincidência da conduta infantil;
3. É uma confissão de falência da autoridade do adulto e de adesão
desesperada ao autoritarismo. Ao contrário do que muitos pais
podem acreditar, não é uma manifestação de força, mas de
fraqueza. Muitas vezes, mostra o DESPREPARO dos pais, o que
coloca os filhos em risco;
4. Com a alegação de ser “para o próprio bem da criança”, o tapa presta
um desserviço, violando as fronteiras da intimidade da criança, que
passa a ser uma pessoa de segunda categoria. Fonte: LACRI –
Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo).

Campanha Bater em Criança é Covardia!


Logomarca criada por Patrícia da Cunha Chavinhas, designer grá ica,
Niterói, RJ, uma das primeiras e mais ardorosas incentivadoras da
campanha.
Bater em criança é covardia!

Para falar sobre esse tema, temos que sair do lugar comum e deixar de
lado a correlação habitual entre bater e educar. Os dois termos são
excludentes entre si, não conversam, falam de coisas diferentes. Educar é
uma coisa, bater é outra. A premissa fundamental é que a criança é uma
pessoa.

Vejamos:

1. A história nos mostra como o sangue da criança sempre foi usado em


sacrifícios a divindades diversas, havendo relatos no Antigo Egito,
na Grécia, em Roma, entre os astecas e principalmente na bíblia,
culminando na ‘matança dos inocentes’ por Herodes.

2. Na literatura, os livros de Charles Dickens são eloquentes e detalhados


sobre uso dos castigos humilhantes a crianças. Entre nós, o conto de
Machado “O caso da vara” mostra de onde vem a sanha brasileira
pela ‘vara de marmelo’, também usada pelos senhores de escravos,
juntamente com a palmatória e similares.

3. Há grande confusão sobre o que é pátrio poder, agora chamado ‘poder


familiar’: pais não são proprietários dos filhos, mas guardiões de
sua vida e de sua integridade corporal e moral.

4. Quando se aceita ter ou adotar um filho, é com a promessa implícita de


que é bem-vindo a este mundo e de que viver vale
a pena.
5. Bater tanto não educa que a presente geração de seus 50 anos foi
educada dentro desse princípio e, no entanto, o mundo globalizado
que aí está é corrupto e violento. Por que o mundo é cada vez mais
dominado pela banalidade do mal? Por causa da criança?

6. A sociedade tem medo de demonstrar ternura à criança após os


primeiros meses. Tão logo ela comece a se interessar pelo mundo –
para aprender – começa a apanhar na mão, na cabeça, no corpo
todo.

7. Bater é exercício obsoleto de poder sobre mulheres e crianças,


deixando como ‘ensinamento’ a vontade de sumir de casa.

8. Bater é covardia pela desproporção de força, na razão de 7:1. Por que o


adulto não bate em alguém de seu tamanho? Por que não usa a
‘palmada pedagógica’ em quem ocupa sua vaga, ou não lhe paga o
que deve ou comete alguma injúria contra ele, adulto?

9. A criança é a vítima perfeita de um crime perfeito: é incapaz de revidar.


O ato não tem testemunhas, não é denunciado e conta com apoio da
sociedade.

10. Bater encerra – muitas vezes – um dos aspectos da pedofilia: bate-se


por excitação e atração mal dissimulada pela carne tenra da
criança. Fazendo analogia com o texto de Freud – “Bate-se em uma
criança” – há o agente (pai, mãe, professor) a criança que recebe as
pancadas e aquele que se delicia com a cena e até a incentiva (um
parente, um passante, a sociedade).

A criança é uma pessoa e, como tal, tem direito à vida


e à integridade.
A palmada chega a ser um re lexo condicionado na família.
Frequentemente é a ponta de um terrível iceberg, que inclui tapas,
beliscões, queimaduras por cigarro, óleo, ferro quente, arrancamento de
couro cabeludo, fraturas, morte. A criança é um ser ávido de aprender e
para isso busca os objetos que, para ela, não têm valor inanceiro, e são
essenciais a seu aprendizado. Mas não se tolera que pegue os objetos em
casa, ou que esbarre numa prateleira de supermercado ou que ique
estressada pelo excesso de estímulos nos shoppings. Em vez de retirar a
criança da cena do ‘crime’, bate-se nela. Bate-se por não se aceitar que ela
viva em outro compasso e que não é um adulto em miniatura.

A OAB-SP declarou em programa de TV que os segmentos mais resistentes


em cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente são os da língua do P:
Pais, Professores, Pastores e Policiais. Aos seres “de menor” atribui-se todo
o mal existente no mundo que – na prática – é regido por adultos. Adultos
desnorteados com a perda de referências, com o desemprego, as a lições, a
insegurança, o medo – descontam seu mal-estar na criança.
A criança é uma pessoa e como tal tem direito à vida e à integridade. Ela
con ia cegamente no adulto e, no entanto, pais e até cuidadores exorbitam
de suas funções e a agridem ísica e moralmente. Sempre me perguntei:
por que se bate numa criança? Acabei encontrando uma das respostas: a
palmada erotiza; bater engolfa o agente em volúpia que se torna
incontrolável. Mas a melhor explicação é a de Ezio Flavio Bazzo, professor
de psicologia da UnB: “A prova mais evidente de que a vida não passa de
um ciclo ordinário está no fato de vermos nos nossos ilhos tudo aquilo que
passamos a vida inteira combatendo em nós”. Não podendo com nosso
próprio descalabro, batemos no filho que nos espelha!
Aspectos jurídicos da “lei da
palmada”

Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa

Como pessoa e como mãe, não tenho a menor dúvida de que os castigos
ísicos não são aptos para ins pedagógicos. Bater não educa, e constitui
uma covardia se pensarmos na desproporção de força entre um adulto e
uma criança.

Mas o objetivo aqui é abordar alguns aspectos jurídicos do Projeto de Lei


n° 7.672/2010, que acaba de ser aprovada no Congresso Nacional. Assim,
o Brasil é o 32° país a seguir as recomendações do Comitê dos Direitos da
Criança da Organização das Nações Unidas, modernizando diplomas legais
voltados para a proteção de crianças e adolescentes e contra o castigo
violento e humilhante aplicados aos menores.

A ementa da proposição tem o seguinte teor: “Altera a Lei nº 8.069, de 13


de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente,
para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados
e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou
degradante”.

As críticas à iniciativa geralmente se dividem nas seguintes vertentes: os


que repelem a proibição dos castigos ísicos por defenderem o “direito dos
pais” de educarem utilizando tais recursos; os que discordam dos castigos
ísicos como meio de educação, mas divergem da necessidade e e icácia de
uma lei para dispor sobre o assunto, por entender que seria uma
ingerência estatal em questões familiares; os que discutem a legitimidade
de uma lei para coibir essa prática ainda aceita socialmente; e há os que
discordam da tendência de “criminalizar” condutas que poderiam ser
disciplinadas por outras áreas do Direito, respeitando o caráter
fragmentário e subsidiário do Direito Penal.

Quanto ao primeiro ponto, tecerei breves comentário. Impor castigos físicos


aos ilhos constitui direito dos pais, necessário para cumprir o dever de
educar? Não há como analisar esse argumento sem questionar a extensão
do poder familiar (expressão que substituiu o “pátrio poder” na nossa
legislação).

Poder familiar é o poder de tutela dos pais sobre seus ilhos, e envolve
direitos e obrigações. A criança não tem deveres, só tem direitos. Aos pais
cabe a tutela desses direitos, que decorrem da vulnerabilidade e
hipossu iciência da criança. Educar é dever dos pais e ser educada é
direito da criança, e para isso não há necessidade de castigos ísicos ou
psíquicos.

Mais adequado seria dizer “autoridade parental”, uma vez que não se trata
de “poder”, pois não há relação de subordinação. Os ilhos não são “objeto”
da autoridade parental, nem mesmo “sujeitos passivos”. São destinatários
do exercício desse direito subjetivo, que deve buscar a realização de
interesses do filho e dos pais.

Agora a questão central: o poder familiar inclui o direito de bater? Não há


dúvida de que o regime jurídico do poder familiar não inclui castigo ísico
ou psíquico. Pela clareza das considerações, transcrevo parte do artigo “Do
poder familiar”, de autoria de Paulo Luiz Netto Lobo:

Como resquício do antigo pátrio poder, persiste na


doutrina e na legislação a tolerância ao que se denomina
castigo “moderado” dos filhos. O novo Código, ao incluir a
vedação ao castigo imoderado, admite implicitamente o
castigo moderado. O castigo pode ser físico ou psíquico ou
de privação de situações de prazer.

Deixando de lado as discussões havidas em outros campos,


sob o ponto de vista estritamente constitucional não há
fundamento jurídico para o castigo físico ou psíquico,
ainda que “moderado”, pois não deixa de consistir
violência à integridade física do filho, que é direito
fundamental inviolável da pessoa humana, também
oponível aos pais. O artigo 227 da Constituição determina
que é dever da família colocar o filho (criança ou
adolescente) a salvo de toda violência. Todo castigo físico
configura violência. Note-se que a Constituição (art. 5.º,
XLIX) assegura a integridade física do preso. Se é assim
com o adulto, com maior razão não se pode admitir
violação da integridade física da criança ou adolescente,
sob pretexto de castigá-lo. Portanto, na dimensão do
tradicional pátrio poder era concebível o poder de
castigar fisicamente o filho; na dimensão do poder
familiar fundado nos princípios constitucionais, máxime
o da dignidade da pessoa humana, não há como admiti-lo.
O poder disciplinar, contido na autoridade parental, não
inclui, portanto, a aplicação de castigos que violem a
integridade do filho.

Dias, Maria Berenice; Pereira, Rodrigo da Cunha


(coords.). Direito de família e o novo Código Civil. 2.
ed. 2. tir. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del
Rey/IBDFAM, 2002. P. 165.
Com relação à interferência estatal em questões familiares, cabe ressaltar
que algumas dessas questões tangenciam o âmbito familiar. Para melhor
esclarecimento, façamos uma analogia com a violência contra a mulher.

Até algumas décadas atrás, admitia-se uma espécie de “poder correcional”


do marido em relação à esposa, vista como inferior em uma sociedade
machista e patriarcal. Assim, desde que utilizando “meios moderados” (e
isso existe em se tratando de violência?), era aceito socialmente que o
marido punisse a esposa por eventuais “deslizes”, dada sua posição de
chefe de família e responsável pela manutenção do lar.

Hoje essa visão não é mais tolerada; a sociedade civil se mobilizou, o que
acabou cominando na criação da Lei n° 11.340/2006, conhecida como Lei
Maria da Penha. Que não veio criminalizar a violência contra a mulher, pois
os tipos penais já existiam, mas excluir esses casos da aplicação da Lei n°
9.099/95, e criar medidas protetoras das mulheres vítimas de agressão no
âmbito doméstico e familiar.

Questiona-se a “ingerência estatal” quando a questão é a violência contra


mulher, especialmente no âmbito doméstico e familiar? Não mais. Então,
em que se baseia o questionamento quando a vítima é uma criança?

Não dá para ignorar, ainda, que a aplicabilidade da lei transcende ao


âmbito doméstico, com o im não de atribuir função de iscal doméstico ao
Estado, mas de dar a conhecer que o tema extrapola os limites do chamado
“recesso do lar”, uma vez que a violência contra a criança não conhece
limites, pois é comum adultos que lidam com a criança se acharem no
“direito e dever de discipliná-la” por meios ísicos e pela humilhação
psicológica.

Aqui entra outra questão relevante. Se as impropriamente chamadas


“palmadas pedagógicas” são aceitas pela sociedade, qual a legitimidade de
uma lei visando a coibi-las? Não se pode confundir legitimidade com
maioria, pois se democracia implica no governo da maioria, isso não pode
signi icar que a minoria ique desprotegida. Estamos tratando de direitos
humanos fundamentais, e faz parte do regime democrático a defesa dos
direitos fundamentais das minorias pelo Governo. A ‘minoria’ da criança
refere-se à sua incapacidade de fato.

Não podemos desconsiderar que as leis também têm um caráter


pedagógico, que se não pode ser su iciente para promover uma mudança
cultural, pode contribuir para ela, desde que inserido no conjunto de
políticas públicas e iniciativas da sociedade civil.

Se uma lesão corporal leve, por exemplo, é praticada contra um adulto, o


agressor responde pelo crime. Se cometida por um pai contra o ilho é
considerada “exercício regular de direito”. Mas a partir do momento em
que atitudes como esta deixarem de ser “aceitáveis”, as mesmas
consequências penais podem decorrer de atos que, em sua essência, são
ainda mais reprováveis, pois uma criança não tem a mesma capacidade de
defesa e reação de um adulto.

O Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões importantes que


contribuem para a defesa da criança contra atos de violência,
considerando que se esta é praticada por quem tem poder ou autoridade
sobre a vítima, deve responder por tortura e não por maus-tratos.

Contudo, pela premissa de que nada pode justi icar o uso de formas de
disciplina que sejam violentas, cruéis ou degradantes na educação de
crianças e adolescentes, o projeto possui uma dimensão pedagógica e
educativa que permitirá, de plano, estimular e ampliar o debate em torno
de tais formas de violações, desaconselhar seu uso por quaisquer
responsáveis e, extensivamente, fomentar alternativas sadias e
emancipatórias de educação e relacionamento com nossas crianças e
adolescentes, a irmando em particular o direito à convivência familiar e
comunitária. A sanção ou punição, ressalvado o devido processo legal, deve
ser vista como medida excepcional e de última natureza.

En im, é sem dúvida um grande avanço em matéria de proteção aos


direitos da criança e do adolescente no Brasil, que acaba de ser
concretizado.

Referências bibliográficas

Fachin, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo


código civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. P. 243-247.

Lobo, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice;
Pereira, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo Código
Civil. 2. ed. 2. tir. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002.
P. 165

www.naobataeduque.org.br/problemas/perguntas-frequentes

A pediatra do IFF/Fiocruz, Rachel Niskier, ressaltou a importância de


educar sem humilhar ou violentar e destacou problemas causados por
agressão que podem persistir até a fase adulta. “Essas pessoas que sofrem
violência na infância não conseguem chegar à idade adulta na sua
plenitude”, explicou. Já a Coordenadora de Defesa, Eufrásia Souza,
ressaltou a importância de se aprovar o projeto e disse que alcançar este
objetivo será mostrar que o Brasil está avançando em relação aos direitos
das crianças e dos adolescentes.

Crianças, tapas, surras e humilhações

Pais amorosos que usam o tapa como instrumento pedagógico estão


desinformados. É preciso tomar cuidado com certas “verdades”
estabelecidas, mesmo que passadas de geração a geração. Desconheço
algum trabalho, assinado por especialista em puericultura, pediatra ou
psicólogo, que prove que crianças que apanharam tornaram-se adultos
melhores. O inverso, no entanto, está fartamente atestado.

Pesquisas cientí icas provam, à saciedade, os male ícios na vida dos que, na
infância, sofreram castigos físicos e psicológicos.

Especialistas que se dedicaram à questão da violência contra crianças e


adolescentes já comprovaram, com base em estudos clínicos, que crianças
vítimas de maus-tratos carregam, pela vida afora, males os mais diversos,
destacando-se, contudo, as “doenças da alma”: terrores, infelicidades,
depressão, angústia, estresse, medo.

Educar exige não apenas paciência, mas, também, apego aos bens maiores
do humanismo. O Projeto de Lei nº 7.672, equivocadamente batizado de
Lei da Palmada, clara tentativa de desquali icar a questão dos maus-tratos
como forma de educar, não vai, no entanto, transformar as relações entre
pais e ilhos, entre adultos e crianças, por um passe de mágica.[...] É uma
lei que veio para educar.

Um projeto de lei desse tipo é inócuo, pois é de difícil fiscalização (dizem).

A lei é um marco moral e ético de princípios e valores. Com o apoio de


campanhas de sensibilização e capacitação continuada dos operadores do
Sistema de Garantia de Direitos, dos pro issionais de saúde, educação e
segurança pública, a mudança cultural será possível e a iscalização
passará a fazer parte do cotidiano de todos.

As cadeias já estão superlotadas. Como será se essa lei for colocar todos os
pais e responsáveis na cadeia por baterem em seus filhos?

A lei não visa culpar ou perseguir os pais e responsáveis. A lei visa


quali icar estruturas de apoio e atenção aos pais para que possam educar
seus filhos de forma não violenta.
Fonte: site da Rede Não Bata Eduque.

As reações exaltadas à ‘Lei da Palmada’ dão a entender:

1. que pai e mãe só dispõem do recurso ‘palmada’ para educar

2. que o legislador foi inconsequente ou redundante, ou desconhece a


constituição

3. o abandono moral, emocional e direcional ao qual tantas e tantas


crianças estão relegadas não é por falta de pancada, mas do
cuidado de verdadeiros pais e mães, que, em sua condição de
adultos, assumam sua responsabilidade afetuosa para com elas...

O insígne jurista Walter Ceneviva – Folha SP 17.12.2011 – diz que legislar


sobre palmadas é inconstitucional; e é mesmo: o zelo pela integridade da
criança deveria fazer parte do repertório consensual e habitual de todas
as famílias, sem necessidade de regulamentação.

Em minha opinião de servidora da saúde, a palmada (e a surra, e os


beliscões, e as queimaduras) é a ponta de um terrível iceberg; as cenas
que meus pobres olhos já contemplaram nas emergências da vida me
dizem que a lei tardou; e que é muito bom ver esse ‘tabu encapuzado’
saindo do armário.

Sobre as repercussões da ‘Lei da Palmada’ na mídia, a Folha de SP de


18.12.2011 ofereceu a cereja do bolo em editorial:

No fundo, vale para a ‘Lei da Palmada’ (que não usa a


palavra palmada), e para os próprios pais, o princípio que
a orienta na relação com as crianças: melhor educar do
que punir.

Excetuados os casos mais extremos, certamente


campanhas públicas de esclarecimento tendem a ser mais
produtivas, num âmbito geral, do que as intimações da
Justiça para atingir o que se pretende: um clima de
civilização e respeito que, tanto por parte de pais como de
filhos, tantas vezes parece faltar no cotidiano brasileiro.

“Para quem diz que não aceita intervenção do estado na


vida privada, pela Constituição Federal de 1988, art 227, a
responsabilidade pela criação da criança deve ser
compartilhada entre família, sociedade e Estado. Então
cai por terra esse argumento falacioso que muitos vêm
usando, inclusive profissionais da educação, psicologia e
afins....

Neste último mês discutimos bastante sobre o castigo


corporal de crianças e adolescentes como forma de
educação. Na verdade, o projeto de lei, inadequadamente
rotulado pela imprensa mal informada como “lei da
palmada”, não fala uma única vez em palmada, embora a
palmada seja também uma forma de violência,
expressando a ideia de que é possível educar através de
castigos físicos.

Lembrei-me de um livro excelente que li há muitos anos –


O Cultivo do Ódio – de Peter Gay, que estou relendo
agora, e que fala desde ódio racial até castigos corporais
de crianças por pais e professores na época vitoriana. É
interessante que os argumentos usados na época para
justificar o castigo corporal são muito semelhantes aos
que temos ouvido agora. Mais de um século de atraso...
Quem quiser ler, pegue numa livraria e leia as páginas de
188 a 217, mas é um livro que vale a pena ter”.
Vera Maria Moreira. Visite a Rede Cooperação Criança e
Paz,
redecriancaepaz.ning.com/?xg_source=msg_mes_network

AS CRIANÇAS AGRADECEM A GRAÇA ALCANÇADA!


Quase 10 anos. A história de uma
educação sem palmadas e sem gritos

Tatyana Marion Klein Bartosievicz, advogada, mãe da Luíza Klein, Curitiba,


PR.

Resolvi fazer este texto para relatar os diversos aprendizados que tive, ao
longo desses quase 10 anos. Aprendizados que recebi na comunidade
Pediatria Radical, que li em livros, em blogs, ilmes, conversas com amigos
e, principalmente, lembrando de minha própria infância e observando
minha filha, e até mesmo pelos exemplos negativos que tive de como não
educar uma criança.

Para mim, aprender a educar sem palmadas foi/é tão grati icante, que me
sinto na obrigação de compartilhar o que aprendi.

Aprendizado 1: assuma o papel de pai/mãe

Essa é, sem dúvida, a primeira coisa que se deve fazer quando se pretende
educar um filho: assumir o papel de educador.

Não importa se o dia foi estressante, se você está de TPM, se a criança está
birrenta, se você não sabe o que fazer pra contornar um con lito. Você
(pai/mãe) é quem deve ter maturidade, você (pai/mãe) é quem tem o
controle da situação, você (pai/mãe) é que se permite perder o controle. A
responsabilidade é sua.

Assumir o papel de pai/mãe é também colocar a criança no seu papel, qual


seja: de criança.

Por mais óbvio que isso seja, algumas pessoas não vêem o óbvio da coisa:

Pai/Mãe é Pai/Mãe = Adultos, que devem agir com maturidade e que têm o
direito/obrigação de cuidar e educar os ilhos. Filho é Filho = Criança,
imatura, em processo de desenvolvimento, que tem o direito de ser
cuidada e educada pelos pais.

Aprendizado 2: conheça um pouco sobre desenvolvimento infantil

Você não precisa ser expert em psicologia ou entender altas teorias (que,
aliás, divergem entre si). Mas procure ter conhecimentos básicos sobre o
desenvolvimento infantil, como os saltos de desenvolvimento, a crise dos 8
meses (angústia de separação), os ‘terrible two’, a angústia causada pela
noção da morte (por volta dos 6 anos) etc.

Ter conhecimento sobre a fase que seu pimpolho está passando ajuda
enormemente a entender muitas de suas atitudes. E assim, entendendo as
atitudes dos nossos pequenos, ica muito mais fácil lidar com elas. Além de
evitar que tenhamos interpretações completamente errôneas como “esse
bebê só quer colo porque está mimado”, ou “essa criança ica me testando
o tempo todo” etc.

Aprendizado 3. Criança é criança

Esse aprendizado está interligado ao aprendizado anterior (“Conheça um


pouco sobre o desenvolvimento infantil”).

Criança vê o mundo de forma diferente dos adultos. Portanto, não


interprete as atitudes dos pequenos como você interpretaria a mesma
atitude praticada por um adulto.

Por exemplo, se um adulto diz, de forma proposital, algo que não condiz
com a realidade = isso se chama mentira. Quando uma criança pequena diz
algo que não condiz com a realidade = isso não é uma mentira (pode ser
uma confusão que ela faz entre pensamento e realidade, ou pode ser a
resposta que ela pensa ser a “resposta certa” que os pais estão esperando
dela ao ser questionada sobre algo).

Assim, um adulto falar algo que não condiz com a realidade é muito
diferente de uma criança falar algo que não condiz com a realidade.

Além disso, como já foi dito anteriormente, crianças tem suas fases. Eu sei,
é chato quando ouvimos “isso é fase, vai passar”. Mas é a mais pura
verdade e devemos levar em consideração a fase em que a criança está
para interpretar suas atitudes.

Aprendizado 4: criança pequena não tem capacidade para obedecer


– as atitudes devem vir dos adultos

É isso aí gente: criança pequena não obedece. Ponto.

Ter consciência de que criança pequena não tem capacidade para


obedecer foi um dos melhores aprendizados que eu já tive e o que mais me
ajudou, além de evitar uns 50% de estresse do dia a dia.

Esperar que uma criança de 3 anos obedeça é tão inútil quanto pedir a um
bebê de 7 meses para trocar a fralda sozinho.

E por que a criança não obedece? Simplesmente porque ela ainda não tem
essa capacidade. O cérebro dela não está ainda formado para que ela seja
capaz de conter seus impulsos.

Muito pelo contrário, nas crianças pequenas, são seus impulsos, suas
vontades, seus desejos, que a controlam. Além disso, a criança mantém
uma relação muito forte com o objeto de desejo, com o que quer fazer.
Quando uma criança quer algo, sai de baixo! Ela quer com todas as suas
forças. E ica obcecada pelo objeto de desejo. Grita, esperneia, chora, berra.
Assim, se ela quer muito fazer algo e você disser pra ela não fazer tal coisa,
ela não vai te obedecer.

Portanto, esqueça a obediência. Criança não tem que ser obediente.


Criança precisa ser educada.

E como se educa a criança a ter controle sobre si própria? Da mesma


forma que a gente deve educá-la a trocar de roupa sozinha. Ou seja:
primeiro fazemos por ela (o adulto é que troca a criança), depois passamos
a ajudá-la (ajudamos a criança a se trocar) e, depois, ela passará a fazer
sozinha (a criança passa a se trocar sozinha).

Cabe ao adulto, por meio de atitudes, impedir que a criança faça o que
não pode. Da mesma forma, cabe ao adulto levar a criança a fazer o que
deve ser feito.

Dessa forma, se a criança quer brincar com uma faca, a responsabilidade é


sua (adulto) de retirar a faca da criança. Se a criança quer permanecer em
algum local perigoso, a responsabilidade é sua (adulto) de retirá-la do
local. Se a criança não quer escovar os dentes, a responsabilidade é sua
(adulto) de levá-la a escovar os dentes. Se a criança está subindo em cima
de um sofá na casa de uma visita, a responsabilidade é sua (adulto) de
impedir tal fato. A responsabilidade é sempre sua. É você, adulto, que vai
controlá-la.

Com o passar do tempo, a criança vai criando autocontrole, e aí você vai


passar a ajudá-la nesse autocontrole. Até que ela consiga controlar-se
sozinha.

Aqui, podemos retomar os aprendizados anteriores: Assuma o papel de


pai/mãe; Conheça um pouco sobre desenvolvimento infantil e Criança é
criança.

Aprendizado 5. Não se coloque na posição de desafiado

Esse aprendizado é uma consequência dos aprendizados anteriores, como


veremos:

Levando-se em conta que os pais é que estão sempre no controle da


situação; que não devemos interpretar as atitudes de uma criança da
mesma maneira que interpretamos a mesma atitude em um adulto; que a
criança é um ser em desenvolvimento e que tem direito e receber cuidados
e educação de seus pais. Considerando que a criança não tem capacidade
para obedecer, chegamos à conclusão que criança não testa os pais, os
pais é que se colocam erroneamente no lugar de testados.

A criança “desobedece” pelo simples fato de que ela não é capaz de


obedecer (lembra?). Ela não é capaz de não fazer aquilo que ela está com
vontade. (São as vontades, os impulsos e os desejos que a controlam,
lembra disso também?). Ela sabe que aquilo é errado e que aquilo vai
gerar uma atitude negativa nos pais (talvez é por isso que a criança já faz a
coisa errada olhando para os pais; às vezes de cara feia, esperando e se
preparando para a bronca). No entanto, por mais que ela saiba que aquilo
que ela está fazendo é errado, ela não tem condições de não fazê-lo. Não
interprete essa atitude como desa io. Interprete essa atitude como
imaturidade. Afinal, é disso que se trata.

Interpretar a atitude de desobediência como desa io por parte da criança é


bem perigoso e poderá causar di iculdades lá na frente. Explico porque:
Crianças vêem as coisas de acordo com o olhar dos pais.

Por exemplo: se os pais vêem uma atitude agressiva normal, a criança


passará a achar esta atitude agressiva normal também. Portanto, se os pais
veem a atitude da criança em desobedecer numa atitude desa iadora, a
criança também passará a ver a desobediência dela como uma atitude
desafiadora.

Agora pense na insegurança que isso pode gerar numa criança?!


Justamente os pais, muito maiores e mais velhos que ela, que deveriam ser
mais maduros e mais inteligentes, e que deveriam cuidar e estar no
comando, passam a se sentir “ameaçados”, desafiados, por ela, um serzinho
muito menor. Isso gera uma insegurança tremenda na criança, fazendo
com que ela sinta necessidade (aí sim) de desa iá-los, pra veri icar se eles
realmente estão no comando (ou se ela realmente poderá ser cuidada).

O que apenas era imaturidade, passa a ser, de fato, desa io. Ora, não seja
um(a) pai/mãe banana, colocando-se na posição de testado por uma
criança de 2,3 anos de idade.

Se você olhar a situação de desobediência tal como ela é (falta de


maturidade, falta de autocontrole), tais atitudes da criança serão vista por
ela mesma dessa forma. Então, além da criança não ter necessidade
alguma de icar testando os pais (ela está segura e sabe que os pais têm
condições de cuidá-la, pois não se sentem ameaçados e se posicionam como
educadores, no comando da situação) ica mais fácil para ela aprender a se
controlar. E, logo logo, ela passará a “obedecer”. Ou melhor, ela conseguirá,
sozinha, controlar seus impulsos.

Lembre-se dos aprendizados anteriores: Assuma o papel de pai/mãe,


colocando-se no comando da situação e interprete as atitudes de criança
como atitudes de criança. Colocando-se dessa forma, a criança se sente
segura, não precisará testar ninguém e vai aprender o que interessa: ter
autocontrole.

Aprendizado 6. Aprenda a dialogar sempre

É muito comum ouvirmos falar “Conversa não adianta” Ou: “Já tentei de
tudo, mas ele não me ouve.” Não é verdade! O que existe é que você,
pai/mãe, não aprendeu a dialogar.
Eis aí um dos grandes motivos pelos quais sou contra palmadas: palmadas
impedem com que os pais e ilhos aprendam a dialogar. Dialogar é um
aprendizado, que deve ser revisto constantemente, pois a maneira de
dialogar vai mudando conforme o desenvolvimento da criança. Dialogar
com um bebê de 1 ano é diferente de dialogar com um de 3 anos, que é
diferente de dialogar com uma criança de 5 anos, com um pré-adolescente
de 10 anos e por aí vai...

Para aprender a dialogar, são necessárias várias outras atitudes dos pais,
sendo que todas elas ajudam a criar um maravilhoso vínculo entre pais e
ilhos e ajudam no bom desenvolvimento da criança. Com a palmada, não é
só o diálogo que ica prejudicado, mas tudo que está por trás para alcançar
este diálogo com a criança.

Para aprender a dialogar é necessário, antes de tudo, aprender a OUVIR. É


necessário dar atenção ao ilho. É necessário observar a criança. É
necessário ter tempo com a criança. É necessário aprender como você
consegue ser ouvido pela criança. E é necessário criar uma relação muito
forte com a criança, uma relação de afeto, de carinho, de respeito, de
confiança.

A forma de dialogar com a criança vai depender de cada família, de cada


criança, e da idade dela (da fase que ela está passando).

Por exemplo, eu acredito que a melhor forma de falar aos bebês o que
pode e o que não pode é através de atitudes dos pais (como descrito no
aprendizado 4). Ou seja, o diálogo se dá através de atitudes dos pais,
principalmente.

Quando minha ilha era pequena (até os 3/4 anos), conversávamos por
meio de historinhas. Eu ia contando uma historinha, utilizando como
enredo situações que ela havia passado, mas com personagens ictícios, e
ela ia completando a historinha junto comigo. Outra coisa importante é
demonstrar os valores, sempre que possível. Por exemplo, você está
assistindo um ilme ou novela, a criança passa na sala bem num momento
em que um personagem dá um tapa em outro. Manifeste-se! Demonstre o
quanto aquela atitude é errada. Diga coisas como “Nossa! Que horror!” Isso
vale também para outras situações, como quando você vê alguém jogando
lixo no chão.

Crianças são ligadíssimas ao que acontece ao redor. Portanto, não deixe


passar batido.

Outra coisa bacana é dar exemplos de quando você era criança (elas
prestam a maior atenção pra saber como nós, pais, éramos quando
criança).

Também aprendi a não ter grandes conversas nas horas das birras e
estresse. A criança ica na defensiva e não vai adiantar. Na hora da birra
ou da “discussão”, seja objetivo, sem muito blábláblá. Depois, numa hora
calma, em que ambos estejam de bom humor, relembre o ocorrido, e, de
forma tranquila, reforce a mensagem que você quer passar. Escute o que a
criança tem a dizer e exponha sua opinião. Você vai se surpreender em ver
como, nessas horas, a criança realmente presta atenção e até pede
desculpas.

Costumamos muito conversar com minha ilha, principalmente à noite.


Perguntamos se ela quer falar alguma coisa, se algo a está incomodando.
Ela também nos pergunta se queremos falar alguma coisa sobre nosso dia.
Eu me pergunto se todas famílias praticam isso: separar um tempo do dia
para sentar e conversar.

Devo ressaltar também que, nessa questão do diálogo, não há regras


gerais e imutáveis; a melhor forma de eu dialogar com minha ilha talvez
não seja a melhor forma de diálogo entre você e seu ilho. Isso vai
depender de cada família, de cada criança. Sim, dialogar funciona!

Aprendizado 7. Reconheça e legitime o sentimento, critique a atitude


negativa

Este é um aprendizado que devemos ter não só com as crianças, mas


também com os adultos e também com nós mesmos. Negar os sentimentos
“ruins” é prejudicial, além de ser totalmente inútil.

Somos seres humanos temos todos os tipos de sentimentos, inclusive


sentimentos não muito nobres, como tristeza, raiva, ciúmes, inveja etc.

Como escreveu Clarice Lispector: “Pensar é um ato, sentir é um fato”. E é


isso que ocorre conosco: temos sentimentos ruins e não temos controle
sobre eles.

Imagine você falando para uma criança: “Não precisa ter medo de trovão”.
Ok, precisar não precisa, mas como faz pra não ter medo? “Não ique
triste”, “É feio ter inveja” etc. Adianta falar esse tipo de coisa?

Portanto, ajude a criança a reconhecer e a manifestar verbalmente seus


sentimentos e oriente-a. Fale com ela ! Por exemplo: “Tudo bem você icar
com raiva porque eu não iz tal coisa, mas não grite e não bata a porta. Eu
não admito que você grite comigo. Quer um copo d´água pra se acalmar?
Quer ficar um pouco no seu quarto?”.

Ou: “Eu entendo que você ica chateado quando perde um jogo. É normal.
Ninguém gosta de perder. Mas você não pode parar de jogar só porque
está perdendo. Vai jogar até o fim e continuar tentando vencer”..

Sabemos que crianças podem agir de forma agressiva, ou com manhas e


birras, ou até mesmo fazendo xixi na cama quando algo lhes causa estresse
(muitas vezes nem mesmo elas sabem o que a está incomodando).
É muito melhor, e muito mais fácil lidar com uma criança que chega e diz
“Hoje eu estou um pouco nervosa por causa de tal coisa”, do que com uma
criança que sequer consegue entender o que a está incomodando. A
criança precisa sentir-se segura para expor o que sente. E precisa ser
acolhida, sempre. Não julgue e não menospreze o sentimento dela. Oriente-
a com relação às atitudes.

Aprendizado 8. Seja sincero

Não tenho muito o que falar sobre este aprendizado, pois ele é muito
simples. É apenas isto: Seja sincero. Para as crianças terem con iança nos
pais é preciso que estes sejam sinceros.

Não faça promessas que não irá cumprir, nem engane a criança, pois isso
faz com que suas palavras percam o valor. Aí, todo aquele processo de
aprender a dialogar com a criança vai por água abaixo.

Portanto, seja sincero. Além disso, quando você for explicar ou justi icar
algo para a criança, pense sempre qual a real necessidade daquilo.

Por exemplo, quando você precisar convencer a criança a tomar banho,


fale sobre a real necessidade de se tomar banho. As pessoas não tomam
banho para ganhar sobremesa, ou para jogarem vídeo-game. As pessoas
tomam banho para icarem cheirosas (vivemos em sociedade) e para não
ficarem doentes.

Quando a criança pergunta coisas que você não sabe, não tenha medo de
dizer que não sabe.

Bom, por enquanto é isso. Espero que ajude alguém.

Beijos a todos.
Como escapar ao terror familiar I

Dra. Relva

“As crianças vivem uma infância que não é a delas” –


Deleuze.

A família é o reino do interdito e da pretensão de ‘mandar’ nos seus


membros, como se fossem coisas e não pessoas. Toda interdição à
possibilidade de crescimento e desenvolvimento afetivo, intelectual,
existencial, sexual, ísico e político da criança, é uma violência tão brutal
quanto a pedo ilia, o abuso sexual, a privação emocional, a violência ísica
(a palmada e a ins) e a tortura. Estas, aliás, são rebentos monstruosos
daquelas.

No ‘lar, doce lar’ disfuncional, reina a hipocrisia dos afetos: como a voz que
impera é a da TV, esta é soberana em mostrar uma sexualidade
exacerbada e mecânica, que se impõe – em todos os horários – às
crianças como sendo o ideal do ‘amor’. Enquanto isso, papi e mami –
ausentes – acreditam piamente que, oferecendo escola, mochila e tênis,
estão cuidando, amando e protegendo as crianças.

Crianças que, em suas casas, não passam de almas mortas: mortas pelo
consumismo, mortas pela solidão, mortas por assumirem um ‘papel’ que
não é seu, para representar o ideal social dos pais. Almas mortas em casa,
almas mortas na escola, para onde se dirigem passivamente, com suas
pesadas mochilas. Pesadas, mas vazias de sentido...

Como escapar? Pela participação na vida comunitária, pelas viagens, pela


música, pela expressão artística, pelo esporte, pela autonomia e
singularidade de ‘ser’. Ser si mesmo implica em renunciar a tutelas e ser
seu próprio pai, sua própria mãe. A maioria se resigna e como já adquiriu
os tiques e doenças familiares, precisa alimentar-se de con litos
diariamente, a vida toda. Os que conseguem sair são os que seguiram sua
voz interna ou foram atingidos por uma faísca de liberdade. Mas não é
fácil. Uma vez que se vive do falso self e já se abdicou de ser ‘si mesmo’,
sempre se é seduzido pela ‘gratidão’, pela comida ou pela expectativa de
um carro porque passou no vestibular. Ou esperança de alguma herança
futura ou de um seguro de vida.

Não basta à família ser de ‘fino trato’:

é preciso ser amorosa!


Como escapar ao terror familiar II

Como diz a dupla Zezé & Luciano, é ‘pelo amoooorrr’... Essa resposta vem
de geração em geração, mas ô coisinha difícil o tal do amor!

Está escrito:

O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O


amor não é orgulhoso. Não é arrogante. Não busca os
seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a
verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta.

O amor jamais acabará. As profecias desaparecerão, o


dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A
nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita.
Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito
desaparecerá.

Quando eu era criança, falava como criança, pensava


como criança, raciocinava como criança. Desde que me
tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos
como por um espelho, confusamente; mas então veremos
face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei
totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a
fé, a esperança e o amor. Porém, a maior delas é o amor
(caridade).
O amor continuará movendo o sol e as estrelas. O amor é mais forte que a
morte. Não o amor de novela, nem o amor pré-determinado. O amor que
conduz à liberdade, à autonomia. Amor leva à plenitude do ser, amor leva à
alegria – que é a prova dos nove.

O amor é exigente: não é coisa para amador

(como dizia Millôr Fernandes).


Amar como? Amar o quê?

Amar

Que pode uma criatura senão,

senão entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?

...

Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa


amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

Quando se abrirem as portas da percepção,

todas as perguntas e todos os livros tornar-se-ão inúteis...

Em defesa da família tentacular

Maria Rita Kehl – www.mariaritakehl.psc.br/

Para Maria Rita Kehl: “A patologia da família que representa a si mesma


como desestruturada – isto é, que não consegue con iar na estrutura
criada a partir de suas necessidades e deslocamentos afetivos – está
relacionada à omissão da geração parental em relação à educação dos
ilhos, sejam eles seus consanguíneos ou não. Some-se a isso o alto
investimento narcísico de que as crianças são objeto, como única razão da
existência privatizada dos adultos de hoje – uma existência desgarrada
tanto de sentido público quanto de laços tradicionais, portanto projetada
em direção ao futuro. Na cultura do individualismo e do narcisismo, as
crianças são a única esperança de imortalidade, a única “obra” destinada a
levar adiante o nome e a memória de seus pais. Ninguém quer errar,
ninguém se arrisca a contrariar os desejos de uma criança que representa
a realização de uma perfeição impossível e imperativa.

Encontramos com frequência, na clínica, pais e mães que a irmam não


conseguir impor limites a seus ilhos porque “eles não deixam”. São adultos
desnorteados, que desconhecem os fundamentos simbólicos de sua
autoridade. No limite, o adulto está dizendo: “eu assumo educar você
porque eu quis ser seu pai (ou mãe etc.)”.[...] O abandono sofrido pelas
crianças mimadas de hoje – qualquer que seja a composição familiar a que
pertençam – é o abandono moral. Não é porque a mãe, separada do pai,
passa muitas horas por dia trabalhando; não é porque um pai decidiu criar
sozinho os ilhos que a mãe rejeitou; ou porque um casal jovem só tenha
tempo para conviver com a criança no im de semana. O abandono, e a
consequente falta de educação das crianças, ocorre quando o adulto
responsável não banca sua diferença diante delas.

Fora isso, sabemos que todos os “papéis” dos agentes familiares são
substituíveis – por isso é que os chamamos de papéis. O que é
insubstituível é um olhar de adulto sobre a criança, a um só tempo
amoroso e responsável, desejante de que esta criança exista e seja feliz na
medida do possível – mas não a qualquer preço. Insubstituível é o desejo
do adulto que confere um lugar a este pequeno ser, concomitante com a
responsabilidade que impõe os limites deste lugar. Isto é que é necessário
para que a família contemporânea, com todos os seus tentáculos esquisitos,
possa transmitir parâmetros éticos para as novas gerações.”

“Não se deve idealizar as famílias, e de nada serve odiá-las


tampouco”.

“[...]A família também é uma prisão, da qual será preciso


sair. Mas, o que colocar no lugar? O orfanato ou a
esterilidade também têm os seus inconvenientes”.

“[...]A família não é o contrário de solidão. Primeiro,


porque se está tão só na própria família quanto em
qualquer outro lugar; em seguida, porque as famílias
foram feitas para serem deixadas”.

“Ninguém se cura da própria infância, porque ela é si


mesmo. Feliz? Infeliz? Ninguém se consola de tê-la
perdido ou vivido. Não temos outra escolha que não seja
entre a saudade (do que foi) e o lamento (do que não foi),
entre a gratidão e a misericórdia, ambas difíceis.
Trabalho de luto: trabalho de vida. Não para se encerrar
na tristeza ou na angústia, mas, muito pelo contrário,
para sair delas, caso se consiga. A alegria é que é boa. Mas
é preciso ser capaz dela. A felicidade é um luto bem
sucedido; a infelicidade, um luto por fazer; a neurose, um
luto impossível”.

André Comte-Sponville, A vida humana.


Por que ‘família’ pode ser uma coisa
tão pesada?

A família se funda na continuidade, pela prole ou pela adoção. Um casal +


ilho = família. É sabido e consagrado que, mesmo imperfeita, não se
inventou nada melhor que a família para criar filhos. Mas há controvérsias:

“Quem tem mulher e filhos, deu reféns ao destino”. – Bacon.

“O critério das famílias é frequentemente perturbado por descon ianças,


ciúmes e antipatias.” – La Bruyère.

“A expressão ‘laços de família’ tem um travo de verdade.” – Karl Kraus

“Um filho é um credor dado pela natureza.” – Stendhal.

“Chama-se família um grupo de indivíduos ligados pelo sangue e brigados


pelo dinheiro” – Édouard Rey.

“Família – célula mártir da sociedade.” – Silva Brito.

“Há famílias que só se reúnem ao redor dos ataúdes.” – Sofocleto.

“Na vida íntima das famílias chega um momento em que, voluntária ou


involuntariamente, os filhos passaram a ser juízes de seus pais” – Balzac.

A peça-chave da “família” é a Mãe: “As mães foram feitas para sofrer e


chorar, com e pelos ilhos, sentindo como suas as dores deles.” – Roman
Benjamim.

Nas novelas, quantos ilhos são rudes e ‘marrentos’ (melhor dizendo,


grosseiros e sem educação) e quantos pais, arbitrários. Raramente se
permitem manifestações de ternura. O clima é de cobrança mútua: do ilho,
pelo que lhe faltou; dos pais, pelo encargo que é o filho.

“As crianças começam por gostar dos pais; quando crescem, julgam-nos; às
vezes perdoam-nos.” – Oscar Wilde. “Manejo minha infância perdida como
se fosse um chicote. Nunca estive tão longe de mim sem me desejar tanto.”
– Lêdo Ivo.

“Não tive ilhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa


miséria.” – Machado de Assis.

“Os ambientes familiares humanizaram-se, de uma maneira


geral, sob este ponto de vista, mas a nossa observação não
deixa de ser exata. Há uma atenuação do rigor brutal da
autoridade familiar; mas o princípio em si não se altera, a
criança deve obedecer... os pais não se rebaixam a discutir...
quando lhes apetece dar ordens, estas devem ser
executadas...Mesmo aqueles que amimam os seus filhos ficam
no íntimo ciumentamente autoritários; têm medo sobretudo
das veleidades infantis de comando e então chovem as
bofetadas. Desculpam-se imediatamente por meio de um
abrandamento exagerado que não é mais do que uma
incompreensível fraqueza.

Mas, mesmo se não explodimos encolerizados, se não damos


bofetadas, não é por isso forçosamente que banimos do
nosso espírito a autoridade soberana. Não devemos
considerar somente a pancada. Se com um objetivo pessoal e
egoísta constrangemos a criança nos seus jogos, nos seus
trabalhos, nos seus gritos, nas suas aspirações; se impedimos
a sua expansão e crescimento, estamos a manifestar uma
autoridade abusiva que, por ser menos visível, não é por isso
menos bárbara, menos humilhante e menos estorvante.

Não reprovamos a autoridade. A autoridade é necessária


visto que é, por assim dizer, natural, normal, coerente,
compreendida por quem a suporta e a aceita. É sempre
condenável quando, na sua essência, é uma manifestação de
domínio, de egoísmo, quando se revela subjetiva e não
objetiva, quando é a reação vulgar de um ser que pensa em
si em primeiro lugar, em vez de agir em função do indivíduo
a quem tem de ajudar e educar.

Uma recrudescência da delinquência juvenil (...)


ruidosamente anunciada por uma imprensa ávida por
escândalos tem incitado os moralistas a denunciar uma crise
de autoridade aconselhando-nos: “vigiai bem os vossos
filhos... sede implacavelmente severos...”

Não, a autoridade brutal é sempre um erro, e os nossos ilhos


sabem escapar-lhe habilmente logo que podem. A verdadeira
autoridade não se conquista nem pela severidade, nem pelos
castigos, nem pela pancada, mas sim com a ajuda afetuosa
que podemos dar ao desabrochar dos nossos ilhos, numa
atmosfera só de lealdade, con iança recíproca e
humanidade”.
Freinet, Conselhos aos Pais, 1974.
Como tornar as crianças boas?
A melhor maneira de tornar as crianças boas
é torná-las felizes.

Oscar Wilde

Contra o terror, ternura


Contra a dureza, brandura
Contra o horror, amor.

No estado livre do Amor os poderes se nivelam,


Ao domínio do temor prepondera o da ternura.

Sir W. Davenant.

Leitura:

Conselhos aos pais, Célestin Freinet, 1974.

Como sobreviver à própria família, de Mony Elkaim, Ed. Integrare, SP,


2008.

“Se quereis que o jovem tema a vergonha do castigo, não


o calejeis nele”.

Montaigne, Ensaios.
Por que tanta gente se deixa assaltar
ou matar?

Dra. Relva

Um policial americano dedicou sua vida a ensinar as pessoas a se


defenderem. Segundo ele, os bandidos são experts em sua ‘arte’ e nós – os
incautos – não sabemos nos proteger. ‘Eles’ conhecem tudo sobre como
assaltar e/ou sequestrar suas vítimas. Nós nada sabemos sobre eles,
quando vão atacar, quais seus métodos etc. Esse policial deixou um elenco
de medidas simples que reduzem a chance de sermos atacados. Isso pode
acontecer a qualquer momento, é só ‘dar sopa’ no carro, em casa, na rua.
São medidas simples, mas que não podem ser descuidadas em momento
algum. É o preço que pagamos pela exposição de nossas vidas e de nossos
filhos à atual violência urbana.

Não ficar telefonando dentro do carro, sair imediatamente. Não


sair do carro em caso de batida na traseira: pode ser proposital;

Chegando em casa, observar tudo em volta antes de sair do


carro. Descer rápida e atentamente;

Não comentar sua vida com empregados nem dizer para onde vai
viajar. Não deixar crianças com pessoas que você ainda não
conhece bem;

Verificar o estado de conservação da condução escolar, procurar


conhecer o/a motorista;

Não vestir os filhos com roupas caras ou tênis cobiçados, nem


estimulá-los a usar celular ou laptops ostensivos;

Incentivar as crianças a práticas de autodefesa. Em caso de


passeios coletivos, verificar a segurança do meio de transporte e
procurar saber detalhes do local quanto à presença de rios ou
lagos. Incentivá-las a dar notícias frequentes sobre onde e com
quem estão;

Em caso de pernoite fora, você conhece essa família? Há risco,


mesmo remoto, de pedofilia? Ou você acha absurdo pensar nisso?

Em caso de viagem, você dirige com segurança? Checa o carro,


pneus, óleo? Procura saber as condições da estrada? Evita viajar
nos feriadões? Tem visto as estatísticas de acidentes? Acha que
as ‘coisas’ só acontecem com os ‘outros’?

É importante que meninos e meninas tenham noções elementares

de autodefesa física: a firmeza da criança ou do jovem, pela

atitude e pelo olhar, reduz a chance de ataques.


A violência como questão de saúde
pública

Dra. Relva

A violência é, hoje, um problema de saúde pública e não pode ser


reduzida à sua dimensão ísica e psicológica no ‘recesso do lar’. Precisa ser
encarada nas relações interpessoais na família e no trabalho, na
desigualdade social absurdamente crescente, na drenagem dos recursos
públicos pela corrupção e na ine iciência de políticas sociais e da
segurança pública.

O adoecimento causado pela exclusão social abarrota o sistema de saúde,


onde a ‘sucata humana’ vai buscar uma resposta para seus males ísicos e
morais. Ou seja: o problema é gigantesco, requer formação de pessoal
capacitado, alocação adequada de recursos e sistemas de informação
articulados. De ‘epidemia silenciosa’, a violência passou a ser o verdadeiro
cavaleiro do apocalipse, que solapa intenções ingênuas e
contemporizadoras. A violência não bate à porta: cai matando.

A violência espreita o cidadão em toda parte: no trânsito, nos assaltos, na


violência sexual contra a mulher e a criança, nas mortes prematuras
causadas pelo desvario do álcool. A criança é a principal vítima, pois não
tem mais o sossego do lar: é transportada o dia todo para a escola e outras
atividades, muitas vezes em veículos dirigidos sem a devida segurança, por
condutores muitas vezes desconhecidos dos pais.

No Seminário Nacional sobre Violência, do Conselho Nacional de


Secretários de Saúde – CONASS, Brasília, 2009, o conferencista Antônio
Carlos Nardi a irmou que “o setor saúde constitui a encruzilhada para
onde convergem todas as consequências da violência, pela pressão que
exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência, atenção especializada,
reabilitação ísica, psicológica e assistência social”. Apresentou em seguida
agenda para uma cultura de paz:

1. Educação para a paz, com base na Política de Educação Permanente em


Saúde.

2. Estruturação do fluxo da atenção à saúde com redes e linhas


de cuidado.

3. Desarmamento e segurança humana.

4. Participação social e democrática.

5. Respeito às diferenças e solidariedade entre os povos.

6. Implementar um sistema de informação e notificação compulsória da


violência.

7. Respeito aos direitos humanos.

8. Igualdade entre homens e mulheres.

Sugestões de leitura:

Abrapia. Abuso sexual contra crianças e adolescentes. Ed. Autores


Associados, Petrópolis, 1997.

Assis, Simone Gonçalves de. Crescer sem violência: um desa io para


profissionais de educação. FIOCRUZ, RJ, 1994.

Azevedo, M.A. GUERRA, V.N. Infância e Violência Doméstica – LACRI –


Laboratório de Estudos da criança, 1997.

Deslandes, S.F. Prevenir a Violência: um desa io para pro issionais de


saúde. FIOCRUZ, RJ, 1994.

Ministério da Justiça. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de


13/07/1990.

Ministério da Saúde. Violência Intrafamiliar, Brasília, 2002. Orientação para


prática em serviço, Cadernos de Atenção Básica nº 8, Brasília, 2001.

Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. VIVA: Vigilância de


Violências e Acidentes. Brasília, DF, 2010. Com CD-ROM.

Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Manual para atendimento às


vítimas de violência na Rede Pública do Distrito Federal. Organizado por
Laurez Ferreira Vilela, assistente social da SES. Brasília, 2009.

Sociedade Brasileira de Pediatria. Guia de maus-tratos na infância e


adolescência. 2011. Pode ser baixado em: www.orkut.com.br/Interstitial?
u=http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/MausTratos_SBP.pdf

Enfrentando a violência doméstica

Cabe a quem trabalha com saúde e educação estar


atento à ocorrência de sinais diretos e indiretos de
agressão ísica e psicológica, ou de abuso sexual à
criança. É importante formar redes de apoio teórico e
efetivo às vítimas e aos que lidam com esse tipo de
situação. Noti icar a ocorrência, proteger a vítima e
oferecer apoio à família. Noti icação é obrigatória, pela
Ficha de Noti icação de Acidentes e Violência. A
sociedade deve saber que pode buscar apoio e
tratamento humanitário.
Quem levanta a mão a uma criança
dá adeus ao seu sorriso!

EPÍLOGOS

À MANEIRA DE GREGÓRIO DE MATOS

Que falta em qualquer idade? Caridade.

Que mais, em compensação? Compaixão.

A família não tem todo o poder? Não quer.

E quem será que a convence? Não vence.

E a criança, tão mísera e pobre,

Por que não a socorre

uma sociedade tão nobre? Não pode.

Não pode, não quer, não vence.

Não quer, não vence, não pode.

Não vence, não pode, não quer.


Mother and Child – Queen Square (Londres)
CAPÍTULO 15 – FIGURAÇÕES DA

MATERNIDADE
MÃE...

São três letras apenas,

As desse nome bendito:

Três letrinhas,nada mais...

E nelas cabe o infinito

E palavra tão pequena – confessam mesmo os ateus -

És do tamanho do céu

E apenas menor do que Deus!

Mário Quintana
A Grande Mãe

O mito da Grande Mãe é comum a diversas religiões. O aspecto feminino da


mãe, a mãe suprema, oferece a homens e mulheres consolo, doçura e
alento. Em diferentes tradições ela está presente no ato do nascimento, na
morte ou em ambos. A Igreja Católica aprendeu com as religiões pagãs da
Europa e Ásia a importância da igura feminina e não só permitiu a
expansão do culto a Maria como o utilizou justamente por seu apelo
amoroso. Ceres, Cibele, Reia, Tiamat, Isthar, Isis, Yemanjá ou Maria, são
todas Grandes Mães, Grandes Senhoras, representantes da fertilidade, no
sentido de continuidade da espécie e continuidade do alimento, da
semeadura à colheita, e os três estágios da vida feminina: a virgem, a mãe
e a anciã.

Diz Maria Paula, a jornalista,

“Além de verdadeiramente adorar Santa Maria, a mãe de


Deus, ícone maior no que diz respeito à feminilidade em
nossa cultura judaico-cristã, sempre me interessei por
mitos exóticos de divindades femininas para buscar
inspiração. Foi assim que me deparei com belíssimas
deusas cultuadas pelos orientais. Algumas
respeitadíssimas no hinduísmo, como Sarasvati, deusa das
artes e da música; Maha Lakshmi, da riqueza espiritual,
da prosperidade e das realizações; Kali, deusa da morte e
da sexualidade. Mas a minha preferida é cultuada na
China e é conhecida como Kuan Yin. A deusa da
misericórdia e do amor, mais conhecida pelos orientais
como a Mãe Divina. Ela nos oferece a inspiração
necessária para que possamos evoluir mais rapidamente,
deixando de lado os sentimentos pesados e abrindo nossas
mentes e corações para uma existência harmônica e
amorosa”.

Ler mais em
uniaoglobaldeatitudes.blogspot.com/2011/08/verdadeiras-deusas.html
originalmente publicada no Correio Braziliense.
A Grande Mãe é criadora e benfazeja: nutre, protege e depois liberta. É
representada por Ísis, Démeter, Maria. Segundo a Wikipédia, o termo
refere-se ao mito universal de divindade feminina relacionada à Natureza
e à fertilidade, e seu culto remonta ao início da história humana, como se
pode observar nas antigas imagens em pedra de Vênus e de Cibele. Nos
hinos homéricos (sec. VII-VI a.C.) há uma dedicação à Deusa Mãe
conhecido como “Hino a Gea, Mãe de Todos”. Com a ascensão do
patriarcado entre os hebreus, a tradição de cultuar a Deusa tornou-se
ameaça à consolidação do poder pelos homens. Alguns ramos do
cristianismo, como o catolicismo romano e a ortodoxia, consideram Maria
como mãe espiritual, uma força protetora e intercessora, porém não
venerada como uma “Deusa-Mãe”.

Para a psicóloga Adriana Kortlandt, a Grande Mãe, na tradução do


hieróglifo egípcio, se chama “Ela dos Mil Nomes”. Como exemplo brasileiro,
homenageamos a cacique guarani Kerexu, cujo nome signi ica “Mãe de
todos”. Ela faleceu em março de 2012, na aldeia Krukutu, fundada por ela e
o marido em SP, para onde conseguiram levar uma escola e um posto de
saúde. “Ela dos Mil Nomes” são todas as mulheres benfazejas, que lutam
contra a violência, a miséria, a discriminação, a ignorância. As que
trabalham pela paz, pela educação, pela saúde. As que alimentam e cuidam
dos ilhos de outras, sem tempo para seus próprios ilhos. As que estudam
e trabalham no comércio ou nas indústrias; que icam de pé o dia todo ou
con inadas nos ‘call centers’; as que sofrem assédio; as que ganham menos
e trabalham mais; as que não podem ir ao banheiro regularmente e
acabam icando com cistite; as que saem de madrugada e deixam suas
meninas e meninos entregues à vizinhança ou a ilhas maiorzinhas. As que
moram em regiões rurais, cuidam dos ilhos e das crias da fazenda, e ainda
cozinham para os peões. As que são debochadas na hora do parto.

“As que não conseguem icha para o ginecologista, nem creche para seus
ilhos. Nesta semana da mulher, vale lembrar que a pobreza maior é não
ter espaço para ser. Na periferia, elas são: mulheres guerreiras”. Blog
Mural, da Folha de SP, março de 2012.

Ísis (em egípcio: Auset) – deusa da mitologia egípcia, cuja adoração se


estendeu por todas as partes do mundo greco-romano. Foi cultuada como
modelo da mãe e da esposa ideais, protetora da natureza e da magia;
deusa da maternidade e da fertilidade. Era amiga dos escravos,
pescadores, artesãos, oprimidos, assim como a que escutava as preces dos
opulentos, das donzelas, aristocratas e governantes.

Deméter ou Demetra (do grego: Δημήτηρ “deusa mãe” ou talvez “mãe da


distribuição”) é uma deusa grega, ilha de Cronos e Rea, deusa da terra
cultivada, das colheitas e das estações do ano. É propiciadora do trigo,
planta símbolo da civilização. Na qualidade de deusa da agricultura, fez
várias e longas viagens com Dionísio, ensinando os homens a cuidarem da
terra e das plantações. Em Roma, onde se chamava Ceres, seu festival era
chamado Cerélia e celebrado na primavera. Os Mistérios de Elêusis,
celebrados no culto à deusa, na Grécia, interpretam a lenda de Démeter e
sua filha Perséfone como um símbolo da morte e ressurreição.

Magna Dea é a expressão latina para ‘Grande Deusa’, e pode aludir a


qualquer deusa principal adorada durante a República ou Império
romanos, ou aplicar-se a uma deusa de um panteão, como Juno ou Minerva.
No contexto hinduísta, a Mãe Terra representa a força criadora do mundo,
como Maya e Prakriti. As diversas entidades femininas hinduístas são
consideradas facetas da mesma divinidade.

Deméter imagem em mármore, cópia romana de original grego, encontra-se no Museu Nacional
Romano.
O acadêmico Joseph Campbell argumenta que Adão – do hebraico ‫אדם‬
relacionado tanto a adamá ou solo vermelho, quanto a adom ou vermelho,
e dam, sangue – foi criado a partir do barro vermelho ou argila. A
identidade da religião com a Mãe Terra, a fertilidade, a origem da vida e da
manutenção da mesma com a mulher, seria, segundo Campbell, retratada
também na Bíblia: ... “A santidade da terra, em si, porque ela é o corpo da
Deusa. Jeová cria o homem a partir da terra [da Deusa], do barro, e sopra
vida no corpo já formado, com a Deusa ali dentro. O corpo de cada um é
feito do corpo Dela. Nessa mitologia, pode-se reconhecer uma identidade
universal.”

“Maria, chamada Mãe dos Homens, é o protótipo


ocidental da mãe benfazeja, intercessora, protetora,
‘agora e na hora de nossa morte’. Maria ou Nossa
Senhora mantém seu aspecto consolador, que apaixona
mesmo aqueles que não são fiéis católicos, sob os nomes
de Auxiliadora, Consoladora dos Aflitos, Rainha do
Perpétuo Socorro, N. Senhora do Desterro, da Boa Morte,
Medianeira, da Consolação, da Esperança, do Bom Parto
(N. Sra. do Ó), Mãe da Caridade, Mãe dos Homens, do
Amparo, da Boa Viagem, das Candeias, sem falar nas
várias denominações toponímicas. Na América Hispânica
é tão venerada quanto Pasha Mama, ou Mãe-Terra.

Assimilada a Pachamama, a Virgem andina pode dar livre


curso às tendências reprimidas pela figura de Maria em
terra natal. Ela é fecunda e generosa quando está
satisfeita com as oferendas que lhe são feitas. Mas os
andinos sabem que, na maioria das vezes, ela é voraz,
particularmente quando está ‘aberta’ no mês de agosto e
em certos períodos como o carnaval. [...] Sua crueldade,
que é sugerida na Andaluzia pelo culto, desdobra-se aqui
na figura mortífera da Terra Mãe ávida dos sacrifícios
humanos que ela exige em troca de sua fecundidade”.

Mellor, Sophie M. Crueldade no Feminino, p. 225-228.


Nota: “A vida precisa de pausas”, dizia Mário Quintana. Cada imagem
apresentada neste livro é uma pausa na leitura. Um ícone, imagem ou
lenda não precisam levar obrigatoriamente a alguma conotação de
proselitismo religioso ou de crendice supersticiosa; fazem parte da cultura
universal e do inconsciente coletivo e devem ser vistos com isenção, pela
beleza, e dentro do contexto e época em que foram criados. Nenhuma
cultura se pode dizer isenta de seu aspecto religioso ou mitológico.

“O espectador se aproximaria da arte como o faz de uma


paisagem. Uma paisagem não exige sua ‘compreensão’,
suas imputações de significado, suas angústias e suas
simpatias; ao contrário, requer sua ausência, solicita que
ele não acrescente nada a isso.”

Susan Sontag, A Vontade Radical.

Erasmus Darwin diz em seu livro ‘Zoonomia – Mother and Child’ (1800):

“Quando o bebê, logo após nascer para este frio mundo, é


levado ao seio materno, sua percepção de calor é
agradavelmente sentida; seu olfato se delicia com o
cheiro do leite; o paladar é gratificado pelo sabor; sua
sede e fome são aplacadas; e finalmente, seu tato é
agraciado pela maciez da fonte do leite, de onde
procedem tantas delícias”...
Madona com o Menino, Caravaggio (1571-1610)

O tema Mãe & Filho é caro a artistas de todas as épocas, como se vê abaixo
na igura etrusca, nos afrescos do século XIV, nas Madonas da Renascença,
nos Impressionistas, nos pintores modernos, e, principalmente, nas belas
representações domésticas da americana Mary Cassat (1844-1926), e nas
esculturas monumentais de Henry Moore (Londres) e Gustav Vigeland
(Oslo) que evidenciam o laço de intimidade e ternura entre mães, pais e
ilhos. Por meio de cada tema ou nome dos artistas, pode-se fazer uma
viagem maravilhosa pelo Google, blogs, livros e museus.
Krishna e sua mãe brincando no balanço
Mãe e filho, imagem etrusca


Imagem anônima da Idade Média Madona do Parto Piero Della Francesca – (1415-1492)
A Madona Sistina, de Rafael Sanzio (1483-1520)
A Madona Sistina

Segundo Vassíli Grossman:

[...] Na sua Madona, Rafael revelou o mistério da


maternidade e de sua beleza. Mas não é disso que depende
a vitalidade inexaurível do quadro. O segredo dessa
vitalidade está no fato de que o corpo e o rosto desta
jovem mulher são, na verdade, a sua alma. Nessa
representação visual de uma alma de mãe há algo de
inacessível à consciência humana [...]

Ela o estende para a frente e o oferece ao destino; não tenta escondê-lo. E o


menino não esconde o rosto no peito da mãe. De fato, está prestes a se
desgarrar do abraço e ir ao encontro de seu destino com seus pezinhos
descalços. Como explicar, como compreender isso? A Madona com o ilho
nos braços é o que no homem existe de humano, e nisso reside a sua
imortalidade. Este artigo de Vassíli Grossman foi publicado na revista piauí
de nº 51 e pode ser lido em toda a sua beleza aqui:

revistapiaui.estadao.com.br/edicao-51/espolios-de-guerra/a-madona-sistina
Maria, mãe dos homens
Madonna di Lucca, de Van Eick s/d

Índia Tupi com seu bebê, vestida com saia de cetim – Eckhout (1610-1666)
Mãe Oiran e sua filha Kamuro com boneca, Katsushika Hokusai (1760-1849)
Mãe lendo com o bebê – Frederick Warren Freer (1849-1908)

Mãe lendo para a filhinha – George G. Kilburne (1839-1924)


Mãe e filha no terraço, Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)

Se eu fosse muito grande

E mamãe pequenininha

Eu era a filha dela

Ela era a filha minha...

[quadrinha popular)
Mãe e filho – Jean Basile Perrault (1832-1908)

Mãe e filha no jardim – Claude Monet (1840-1926)


Mãe lactante – Alexander Charpentier (1856-1909)

O Banho – Mary Cassat (1844-1926)

A Galeria Mary Cassatt, com suas lindas imagens de mães e ilhos, pode
ser acessada em www.marycassatt.com.

Outra pintora impressionista de grande valor, mas


raramente lembrada, é Berthe Morisot (1841-1895)
contemporânea e con idente de Edouard Manet, e
que tem rica iconogra ia de cenas domésticas e de
maternagem.
O lado B: A Mãe Terrível

A Mãe Terrível é o lado B e sombrio da maternidade. É aquela que retém,


aprisiona, devora e até mata. Representada por Kali, Hécate, Medusa (uma
das Górgonas). Ora rejeita os ilhos como eles são, ora os ama
excessivamente e lhes impõe não uma ausência mas uma presença
excessiva, autoritária e destrutiva. Assim, impede sua autonomia e
crescimento, sufocando suas crias, infantilizando-as, mantendo-as
atreladas a seus desejos. Como arquétipo, povoa o inconsciente de ilhas e
filhos aterrorizados por ameaças reais ou imaginárias.

Na vida real, a mãe terrível é a que impede o desenvolvimento da


originalidade e afetividade do ilho. Pode ser do tipo ‘metódica’: fria,
áspera, rígida, com mania de limpeza e de pontualidade. Está sempre certa
e se gaba de sua disciplina militar. Sua missão incansável é ‘consertar’ o
ilho, recriminá-lo a título de educação, sempre demonstrando profundo
desgosto porque ele jamais atinge suas altas metas. Incapaz de expressar
afeto, jamais pega a criança ao colo, trata-a com dureza e até desprezo, não
se cansa de dar-lhe apelidos depreciativos ou de apontar seus defeitos a
terceiros. Há as exigentes mães de pequenas misses e de pequenos
gênios, que lhes exigem sacri ícios patéticos para exibi-los. Elas se aplicam
ao desenvolvimento intelectual do ilho e à futilidade na ilha. Há também
aquelas com mania de consultas. Seus ilhos usarão bota ortopédica, óculos
e aparelho nos dentes (tudo junto); ou serão operados da garganta, nariz,
orelhas; farão endoscopias, radiogra ias, tomogra ias e hemogramas. Ao
mínimo pretexto, darão um jeito de aplicar injeções nos ilhos,
principalmente ‘aquela’ dolorida. Eles terão consultas regulares com
terapeutas diversos. En im, serão ‘consertados’ à força, mas jamais
preencherão o ideal materno insaciável, implacável.
“E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres”,
pois a quantas delas, ainda meninas, estão destinados castigos, ultrajes,
humilhação.

KALI, a terrível deusa da morte dos hindus, é um dos arquétipos da mãe


terrível; causa destruição para renovar os seres.
Medusa, uma das Górgonas, dos cabelos de serpentes, era capaz de
transformar em pedra quem a contemplasse. Foi morta por Perseu. Esta
‘Cabeça de Medusa’ é de Bernini e se encontra no Museu Capitolino, em
Roma. Freud a identi ica com a ideia de castração. Mãe terrível é toda
aquela que intercepta o desenvolvimento saudável e pleno do ilho, a ponto
que ele tenha que assumir um ‘falso eu’ para sobreviver emocionalmente e
ganhar suas graças. Pode até não ter os cabelos de serpente, mas
seguramente tem minhocas na cabeça e o olhar petrificante...
Medeia, personagem da tragédia de Eurípedes: matou os ilhos em
vingança fria e premeditada contra o marido infiel.

Dicas de leitura:

A Grande Mãe, de Erich Neumann, Cultrix, 1996.

Mãe de todos os mitos, de Aminatta Forno, Ediouro, 1999 / estudo crítico e


cultural da maternidade.

O Poder do Mito, de Joseph Campbell.

Nós, mulheres da periferia. Bianca Pedrina, jornalista; Jéssica Moreira,


estudante; Mayara Penina, estudante; Semayat Oliveira, jornalista; Patrícia
Silva, jornalista. Todas são correspondentes do blog MURAL, da Folha de
SP.
O lado C – de cárcere

“O recente documentário “Leite e Ferro”, da cineasta


Cláudia Priscila, retrata de forma delicada a realidade de
mulheres que são mães no sistema prisional, convidando-
nos a entrar no cotidiano de quem vive um momento
muito especial em situação limite de exclusão e violência.
O envolvimento com drogas, o abandono afetivo e as
preocupações com seus filhos são alguns dos temas desse
importante filme. [...]

Manter uma mulher algemada durante o parto é um


claro caso de tortura, e essa prática pode ensejar, além de
punições aos responsáveis, a responsabilização
internacional do Brasil. [...] Infelizmente, o uso de
algemas ou calcetas durante o parto constitui apenas
uma das violações aos direitos de maternidade nesse
cenário. Além da separação repentina de suas crianças,
muitas mulheres presas têm seus filhos retirados de suas
famílias e adotados por outras de maneira não
raramente ilegal, pois nem sequer são ouvidas pela
Justiça, ignorando-se o direito de crianças de conviverem
com sua família biológica.”

Trechos do artigo Maternidade na Prisão, de


Fernanda Penteado Balera, advogada voluntária da
Pastoral Carcerária de São Paulo e Sérgio Salomão
Shecaira, professor titular da Faculdade de Direito da
USP. Foi presidente do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária – CNPCP. In: Folha de São Paulo,
03.01.2012

Mãe é uma máquina mamífera,

um ser suprahumano, híbrido, octópode,

dotado de tetas, GPS e olhar de RX.

Com cérebro imenso

e um coração maior ainda.


Mãe: all we need is love e outras
legendas maternas

Mãe só tem uma. Mãe é para sempre. Mãe é o maior amor do mundo. Ser
mãe é desdobrar-se, multiplicar-se, suprir in initamente. A mãe é culpada
de tudo: é causadora da felicidade ou das desventuras dos ilhos. Mãe
causa obesidade mórbida, alcoolismo, depressão, revolta, ansiedade,
insônia. Compaixão, inveja, comparações. Mãe determina a oclusão
dentária, a digestão, a pressão arterial, a capacidade respiratória, o humor,
o ígado, a postura. Mãe jamais se cansa, mãe não dorme nem precisa
comer ou divertir-se. Mãe tem o coração dilatado, braços incansáveis,
nervos de aço. Mãe lava, passa, cozinha, dirige, canta e dança. Mãe não
pode errar. Mãe é áspera e doce, cáustica e intragável. Mãe cede o
primeiro pedaço, guarda o lugar na ila e o prato no forno. Mãe é um seio
inesgotável, a transbordar carinhos. Mãe tira leite de pedra.

Mãe é uma máquina mamífera, um ser suprahumano, híbrido, octópode,


dotado de tetas, GPS e olhar de RX. Dotada de cérebro imenso e um
coração maior ainda. MBA em administração de empresas, pedagogia,
psicologia, artes circenses, teatro, gastronomia e enfermagem. Tem
coordenação motora de Fórmula 1, sexto sentido e intuição infalível.
Mesmo as predominantemente urbanas são capazes de entender o Manual
de Instruções da Natureza. É um continente afetivo para seu ilho. Mãe
moderna é a mãe eterna, dotada de antenas. A mãe de hoje é cibernética.

Mãe vela dia e noite, cuida da febre, do banho, da fralda, do soluço, da


moleira. É guardiã do lar e PHD em prevenção de acidentes, cólicas, dor de
dentes. Mãe é terna e sensível. Mãe é mais forte que a morte. Mãe é capaz
do triplo salto carpado e de fazer das tripas coração. Mãe é nau, é não, é
sim, é talvez. Mãe é as quatro operações fundamentais, os quatro pontos
cardiais, as quatro estações. Mãe é começo, meio e im, alfa e ômega,
túmulo e travesseiro. Mãe é fogo que arde sem se ver. Mãe é uma
inequação. Cara que mamãe beijou, vagabundo nenhum põe a mão.
Coração de mãe não se engana.

Mãe é PAC: Programa de Aceleração do Crescimento. Mãe é ninho. Mãe


tudo suporta, tudo crê, tudo espera. Mãe é tábua de salvação. Mãe é pau
para toda obra. Estrela do norte, maré cheia, plenilúnio. Mãe é uiara, lor
das águas. Planeta da Melancolia, Rio Negro da solidão. Lágrimas de
amargura, elixir d’ amore. Cadeira de balanço. Mamas, tetas, leite da
ternura humana. Pátria minha, mãe gentil. Coroa de espinhos,
quaresmeira, magnólia. Mãe é um longo adeus. É raio, estrela e luar. Mãe
determina o curso da história. Mãe escreve certo por linhas tortas. Mãe
enxerga até no escuro. Mãe sempre oferece a outra face. Mãe é inconsútil.
Mãe tem garantia de fábrica, mas vem sem manual. Mãe não tem similar:
recuse imitações.
Para doulas:

Quem é Laura Gutman e porque ler os seus livros

Laura Gutman é a famosa terapeuta familiar, escritora e palestrante de seu


próprio curso de formação em maternagem na Argentina: Crianza. Ela fala
de alma para alma, encara a sombra, caminha pelo labirinto dos ciclos
femininos. E não tem medo da palavra ‘amor’...

No Brasil: A maternidade e o encontro com a própria sombra

Este é um livro escrito para mulheres. Não pretende ser um guia para
mães desesperadas. Ao contrário, é uma espécie de “alto lá!” no caminho
para que possamos pensar como mães que estão criando seus ilhos, com
nossas luzes e sombras emergindo e explodindo em nossos vulcões em
chamas. Muitos aspectos ocultos de nossa psique feminina são desvelados
e ativados com a chegada dos ilhos. Estes momentos são, habitualmente,
de revelação e de experiências místicas. Uma oportunidade de reformular
ideias preconcebidas, preconceitos e autoritarismos encarnados em
opiniões discutíveis sobre a maternidade, a criação dos ilhos, a educação,
as formas de criar vínculos e a comunicação entre adultos e crianças.

Edições argentinas:

El poder del discurso materno;

Puerpérios y otras exploraciones del alma femenina;

La familia nace con el primer hijo;

Mujeres visibles, madres invisibles;

La revolución de las madres;


Crianza.

“Só as mães são capazes de nutrir os filhos


amorosamente, permanecendo disponíveis para eles,
corporal e afetivamente. Parir, amamentar, criar, chorar,
desesperar, morrer e ressuscitar vão se tornando um
hábito cotidiano, enquanto um bebê se gruda
apaixonadamente ao corpo materno. Não importa que
tenhamos tido uma vida difícil. Cada dia é uma nova
oportunidade para olhar aquele bebê, desejoso de
alimentar-se de nossa substância materna. Não há
revolução mais verdadeira, amorosa, pacífica e
permanente”.

“A ‘maternagem’ depende basicamente da capacidade de


contato emocional que a mãe esteja em condições de
suprir à criança pequena, nas horas em que se encontra
efetivamente em casa. “Não é o trabalho que determina
nossa quota de fusão – pelo contrário – é nossa
capacidade de fusão que determina como, quando,
quanto e onde trabalhar”.

“A violência, como fenômeno individual e coletivo, define-


se pela impossibilidade de que convivam dois desejos em
um mesmo campo emocional [...] Se a mãe provém de
uma vivência infantil maternante, não haverá conflito.
Mas se provém de situações de desamparo, logo se declara
uma guerra entre ela e o bebê – esse intruso, que veio
desalojá-la de seu conforto e que ameaça devorá-la.”

“Nessa hora é que se levantarão as vozes contra o colo, o


leite materno, a livre demanda e tudo que posso
caracterizar dependência da mãe ao ‘estranho’. Durante
a gestação, a mãe é treinada para fazer um bom pré-
natal e ter um bom desempenho durante o parto. Mas
sobre o bebê, ela sabe pouco, os profissionais menos
ainda, e todos se omitem quanto ao que é maternagem, o
que é um bebê, sua dependência absoluta de cuidados
maternos e suas necessidades de criatura inacabada,
incompleta.”

Laura Gutman, Crianza p. 48 e 90.


Transformando a dor em cura

Eis como Laura Gutman vê a carência de maternagem:

“Podemos adotar vários meios de sobreviver ao desamparo e solidão


emocional, e até perpetuar nosso sofrimento interno ou das pessoas que
amamos. Há também bene ícios ocultos, que advêm da experiência valiosa
e do contato profundo com recantos sombrios da alma humana. Esse
conhecimento pode ser transformado em re lexão e trabalho de cura, não
só para nós quanto para as gerações futuras. [...]

A diferença entre sofrer inconscientemente, lutando às cegas na escuridão,


ou tomar as rédeas de nossa vida, reside em decidir acabar com toda a
hostilidade que nos envolve, como resultado de ressentimentos antigos que
se instalaram em nossa psique por tanto tempo. De fato, chega um
momento na vida adulta em que podemos decidir acabar com a
necessidade de destruir os demais, mesmo que tenham nos ferido no
passado, bem como transformar toda essa raiva em algo mais criativo.[...]

Esse aprendizado se faz na infância; pouco aprendemos a crescer, se não


partimos de estados emocionais extremamente di íceis. Todos nós que
sofremos de ‘carência de maternagem’, temos atração especial por
psicologia, educação e investigações sobre a psique humana. Porque
sabemos que possuímos recursos internos e experiências bastante
dolorosas, com as quais podemos enriquecer a compreensão dos demais”.
p. 163/16.

O verdadeiro poder nasce da cooperação, a grandeza do espírito surge do


desinteresse pessoal. Quando não temos nada a ganhar, pois ninguém
pode nos dar o que já temos, seremos livres. Nós, os seres humanos,
vivemos em manadas, dependemos da generosidade alheia e os demais
dependem de nossas virtudes; trata-se de nos conhecermos, para saber
que o mundo precisa de todos nós. É tão sutil. Só precisamos fazer contato
com nosso verdadeiro e generoso ser.”

pg. 272. Crianza, Del Nuevo Extremo, Buenos Aires, 2010.


Não se culpe nem culpe sua mãe

Adaptado por Dra. Relva

“A maioria das relações entre mães e ilhas envolve muita ambivalência. A


palavra mãe traz à tona uma abundância de sentimentos ambivalentes:
proteção, desejo de aprovação, necessidade de amor versus raiva pelo
terrível dano que acreditamos que ela nos faz, mesmo involuntariamente.
Sentimo-nos justi icadas ao culpá-las. As mulheres seguiram esse caminho
exaustivo durante gerações para nosso próprio infortúnio e dor de nossas
mães. O amor e o prazer que compartilhamos (alimentados pela
idealização cultural das mães) associam-se a nossa raiva e
desapontamento (alimentados pela denúncia cultural das mães), o que
resulta numa profunda ambivalência.

A atitude de culpar a mãe entre leigos é alimentada pelas palavras de


pesquisadores e pro issionais da saúde mental, considerados especialistas
em comportamento humano em nossa cultura. A atitude de culpar a mãe é
a base da estrutura atual de nossa sociedade, que perpetua a distribuição
desigual de poder entre homens e mulheres. Culpar é uma maneira de
dizer: não é culpa minha. É dela.

A sociedade tem necessidade de que as mulheres – tanto as mães quanto


as ilhas – se ajustem ao estereótipo feminino tradicional; de que as mães
aceitem a tarefa de treinar as ilhas a se ajustarem a esse estereótipo; e a
necessidade de manter mães e ilhas em oposição e não percebam que a
origem do problema remonta às expectativas da sociedade. Em vez disso,
elas culpam-se a si mesmas e as outras.
Enquanto os mitos da Mãe Perfeita estabelecem padrões que nenhuma
mulher consegue satisfazer, os Mitos da Mãe Inadequada fazem o
comportamento habitual das mães parecer pior do que realmente é.
Através desses mitos, exageramos os erros de nossas mães e
transformamos suas características não tão ruins ou neutras em
monstruosidades.

A culpa tem um efeito estagnante e opressivo. A culpa nos imobiliza. A


palavra culpa é usada frequentemente em lugar de vergonha ou tristeza.
Esses sentimentos provêm da necessidade de satisfazer um padrão que
em geral não é nosso, mas imposto e, pior, aceito. Ir além dos mitos consiste
em aceitar a natureza apenas humana de mães e ilhas num mundo que
simultaneamente nos eleva a um ideal inatingível e nos destina, algumas
vezes, às profundezas assustadoras da desvalorização, desmoralização e
impotência.

Quando respeitamos mais nossas mães, nosso autorrespeito aumenta;


quando vemos as injustiças que elas sofreram, nossa própria humanidade
cresce”.

Referências Bibliográficas

Caplan, Paula. Não culpe sua mãe

Castello Branco, Lúcia. A falta

Lessing, Doris – Under my Skin

Olivier, Christianne – As filhas de Jocasta

Ribeiro, Marina – De Mãe em Filha – A Transmissão da Feminilidade –


2011

Por que é tão di ícil para algumas mulheres perdoar suas mães? Para
Melanie Klein, “a menina é mais exposta que o menino à crueldade do
Supereu. Em razão da estrutura anatômica e da função receptiva do
aparelho genital feminino, as pulsões orais da menina afetam mais o seu
Édipo, e a introjeção do Supereu desempenha nela um papel muito mais
considerável que no menino”.

Para a menina, a mãe assexuada não só lhe negou o falo como ainda lhe
roubou seus bebês imaginários: “O aspecto aterrorizante da mãe arcaica
ica reforçado. Ele ameaça o interior da menina, pedindo contas sobre os
ilhos, as fezes e o pênis paterno que lhe foram retirados”. Leitura
adicional em Crueldade no Feminino, de Sophie M. Mellors.

“O que foi que prometeram aos ilhos, e quem fez essas promessas, para
que eles se sentissem tão injustiçados? Passei anos acusando minha mãe,
de início com toda veemência, depois com uma dureza gelada; e a dor, para
não dizer angústia, era profunda e genuína. Porém, agora me pergunto: em
relação a que expectativas, que promessas, eu estava medindo o que de
fato ocorria?” – Doris Lessing, Under My Skin.

Quem inventou a culpa? Eva, com a serpente e a maçã? Moisés,

com suas tabuletas?

Freud com seu divã? Ou nós mesmas?


Mãe, eu vejo flores em você!

Toda mãe amorosa gera outra mãe amorosa.

Maria Paula – jornalista.


Louvação à desmemória

Bertold Brecht

Boa é desmemória!
Sem ela, como iria
Deixar o filho a mãe que lhe deu de mamar,
Que lhe emprestou força aos membros
E que o retinha para o experimentar?
Ou como iria o aluno deixar o mestre
Que lhe emprestou o saber?
Com o saber emprestado,
Cumpre ao discípulo pôr-se a caminho.
Na casa velha,
Os novos moradores entram,
Se lá estivessem ainda os que a construíram,
Seria a casa pequena demais.
O forno esquenta, e do oleiro
Ninguém se lembra mais. O lavrador
Não reconhece o pão depois de pronto.
Como levantar-se de novo o homem de manhã, sem
O esquecimento que apaga os rastros da noite?
Como iria, quem foi ao chão seis vezes,
Levantar-se pela sétima vez
Para amanhar o pedregoso chão,
Para subir ao perigoso céu?
É a fraqueza da memória que dá
Força à criatura humana.
Esse poema de Brecht aplica-se à questão “mãe dedicada x ilho ingrato”. A
mãe sofre por querer inscrever sua história no filho. Mas ele quer viver o
dia de hoje, preparando seu futuro, e recusa tal desejo materno; ‘ela’ se
sente abandonada, injustiçada.

Por mais que ‘ela’ tenha exercido maternagem competente, com


‘attachment’ e tudo, sua cria descobrirá o mundo ‘lá fora’. Lá estão sua
galera, seus jogos, seus amores e interesses. Mães como as “Dulces” e
outras mães de novela, que deram tudo de si, que se gastaram até os ossos
– e os dentes – não conseguirão jamais domar aqueles a quem serviram de
capacho. Impregnados de volúpia pelas seduções do mundo e pelo ímpeto
da juventude, facilmente se esquecem das admoestações maternas.

Ser mãe é um constante adeus às fases e picos de crescimento, aos dentes


que caem, ao corpo que cresce. E espanto pelo temperamento que vai se
tornando contestador e – quantas vezes! – indiferente ou agressivo.
Mesmo assim, por que ainda temos ilhos? Por que a espécie ordena? Por
que os genes dos avós querem continuidade? Ou para termos alguém a
quem amar incondicionalmente, até o ponto da dor? Não sei. Será que
alguém sabe? Só sei que a vida quis assim...

PS: Ingratidão parece crime ina iançável, mas é uma lei da vida: “O arado
passa sobre os ossos dos mortos”, como nos lembram William Blake e o dia
dos inados... Todo mundo adora citar Gibram: vossos ilhos não são
vossos filhos, mas ... e quando esses filhos são os ‘nossos’?

A dor que mais dói é a dor do ‘olvido’...

[esquecimento]
Maternagem [in] sustentável

Dra Relva & Davy Bogomoletz

Quando nasce um bebê, acende-se na mãe e correlatos o botão do


‘compre’. Começa pela montagem do ‘quarto do bebê’, sem o qual a mãe se
sente incompleta, e segue em frente com a parafernália de objetos
‘indispensáveis’ que saem nas revistas e nas conversas com outras mães.
Visita que se preze tem que trazer presente, que será, daí em diante a
‘chave’ dos acontecimentos que envolvem a criança. Os pais introduzem a
criança ao paraíso do consumo, que se ‘justi ica’ em várias situações:
quando nasce outro bebê, tem que dar presente ao irmãozinho para ele
não icar ‘amuado’; em todos os atos que envolvem o crescimento, está lá o
‘presente’, com o que se passa à criança a mensagem de que as ‘coisas’
foram feitas para ela, sem limites. A mania de comprar reacende-se a cada
aniversário, dia da criança, Natal etc. A criança é tomada por um entulho
de badulaques inúteis, que sufocarão seu imaginário para sempre.

Conversando com algumas mães do exterior, nota-se que há uma nova


atitude em simpli icar os aniversários e em fazer a troca de brinquedos e
roupas entre si, dando um ‘basta’ na escalada do consumo. A lição é
percebida pela criança, que não será levada ao shopping como
‘compensação’ de algum problema. O olho é maior do que a barriga, e os
lojistas sabem disso. A vitrine e os catálogos são os detonadores do desejo,
que se ampliará com a chegada da escola, começando pela mochila cor de
rosa e passando pela marca do tênis e do celular. A criança movida a
‘gadgets & grifes’ é o novo alvo da indústria, do comércio, da mídia. Quando
a criança começa a exigir mais isso e mais aquilo, os pais sentirão na pele o
ferrão das exigências infantis, esquecendo-se que foram os primeiros a
cair (e a lançá-la) em tentação. E começarão a falar em ‘limites’, que eles
mesmos não se impuseram...

Os brinquedos prontos nada acrescentam à criatividade da criança, são


mero entulho sem signi icado afetivo. Dizem pesquisas que na criação de
um ilho se gasta uma ‘Ferrari’ (ou um Fusca, conforme o caso), até que ele
chegue à maioridade. Nesse meio tempo, ele ou ela ganharão bicicletas,
games, bonecas, monstros, espadas e outras geringonças. Que jamais
suprirão o ser da grande queda, da incompletude, da perda irreparável do
paraíso uterino, na expressão do psicanalista Davy Bogomoletz:

A criança nasce pobre e de nada necessita, a não ser da mãe, com seus
cuidados narcísicos. Por isso que a montanha de brinquedos com que se
cumula a infância é inútil, mesmo que lhe sejam oferecidos a disneylândia,
o último lançamento eletrônico ou o carrão do ano, símbolo máximo e
eloquente da incessante (e até fatal) caçada às ilusões perdidas.

A ‘maternidade [in] sustentável’, então, é aquela que dá coisas, dá objetos,


dá tudo aquilo de que a criança, na verdade, NÃO precisa. Podemos chamá-
la também de ‘maternidade consumista’. Se contabilizarmos todos os
supér luos com que os pais a sufocam, há duas consequências muito
importantes, além de viciar essa criança em ‘presentes’ para o resto da
vida: Primeiro, essa quantidade enorme de consumo inútil polui o planeta
como o fazem poucas outras coisas. Segundo, cria um falso ‘estado de
riqueza’ que em muito contribui para provocar o verdadeiro ‘estado de
pobreza’ na imensidão de outras crianças que nem uma bola de gude
podem ganhar.

A ‘maternidade sustentável’ dá apenas o que a criança realmente precisa:


acolhimento, compreensão, segurança, tranquilidade. Em termo fisiológicos,
trata-se de manter o hormônio cortisol (aquele do estresse) nos níveis
mínimos e deixar por conta da criança, com sua criatividade natural, a
capacidade de inventar seus próprios meios de brincar e se divertir.
A superabundância material na infância mantém o adulto em estado de
lactente, sem noção da realidade e predisposto até à corrupção para obter
o que deseja ou acredita ter direito. A corrupção funciona por meio dos
‘presentes’, ‘comissões’, ‘mordomias’ e ‘outras rubricas’, que adultos
ganham ou cobram para fazer aquilo pelo qual já estão sendo pagos para
fazer. Para o escritor e diplomata Meira Penna, no seu “Em Berço
Esplêndido”, reside aí, na nostalgia da ‘mamata’, da ‘mamãezada’, da
chupeta/teta, a vontade de ser sustentado eternamente por papai/mamãe
simbólicos, e o horror ao desmame. A di iculdade da desmama tem
consequências ominosas. A frustração, o ressentimento, o cinismo, a
pachorra, a pouca vergonha são as sinas dos ilhotes desmamados
tardiamente. Eventualmente, o ‘deschupetado’ procurará culpar algo ou
alguém de suas misérias”. [...] ‘A criança é um ser essencialmente egoísta.
Só vive do privilégio. Tudo requer dos pais. Nada lhes dá em troca, a não
ser o prazer de sua própria existência. Sabe ter direitos, nenhum dever.
Assim também é o Brasil patriarcal, o país dos ‘meninos impossíveis’...

Mamãe, eu quero... Mamãe, eu quero... Mamãe, eu quero mamar...

“Sou o seu bezerro, gritando: Mamãe”... (Caetano Veloso)


Quaisquer que sejam as interpretações do conceito do
arquétipo materno ou do papel que, sobre a evolução
ulterior do individuo, desempenha a Mãe, é geralmente
admitido que da maior relevância é sua in luência para
o amadurecimento ético da personalidade, conforme
contribua para estimular ou atrasar a evolução. O
desa io da vida é uma questão de desmama, de sévrage.
A angústia da existência aparece tão logo sentimos o
progressivo afastamento do caloroso seio nutriz. Ao
transpormos o desa io para o âmbito coletivo,
veri icamos que o desenvolvimento pode ser de inido
em termos de um processo pelo qual se vai o homem
aos poucos libertando de sua total dependência aos
ditames caprichosos da natureza terrena, para
prometeanamente impor sua vontade, desenhar a
paisagem ambiental e transformar tecnologicamente o
mundo conforme os planos da Cidade Ideal,
paradigmática.

A relação ilho/mãe sempre possui, portanto, um


caráter ambivalente. Por um lado, jamais desaparece da
alma humana a nostalgia do seio materno, jamais é
esquecido o amor que dispensou, jamais esgotada
aquele “sede de carinho” a que se refere o psicanalista
Ferenczi, muito embora aos poucos mergulhem tais
suaves e doces memórias nas profundezas do
inconsciente onde contribuem para criar o núcleo do
arquétipo da ânima. Mas o homem, por outro lado,
a irma sua personalidade amadurecida na medida
exata em que se liberta dessa saudade.

Meira Penna, Em berço esplêndido, p. 389-390.


O Parque Vigeland, em Oslo, Noruega

O Parque Vigeland ica situado no Parque Frogner, em Oslo, Noruega. Está


localizado a 3 km do centro da cidade e cobre uma área de 320.000 m2. É
um local popular para exposições e atividades ao ar livre, como piquenique
e banho de sol. É constituido por 212 esculturas em bronze e granito da
autoria do escultor Gustav Vigeland. (11 de Abril de 1869 – 12 de Março
de 1943). As esculturas materializam inerências da existência humana,
como o trabalho, a ira, a maternidade, o sexo, a fraternidade etc. Na
entrada principal do parque existem quatro grandes portões, que dão
acesso a uma ponte, um obelisco, uma fonte e um playground. Na saída
principal existe a escultura de quatro velhos levantando uma criança, que
segundo Vigeland, é um simbolo de eternidade.[wikipédia]. É uma das
maravilhas imperdíveis deste mundo, que pode ser visitada pessoal ou
virtualmente, pelo Google e afins.

Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja pelo menos
O Universo
E a mãe
Seja no mínimo
A Terra A Terra A Terra.
Caetano Veloso, sobre versos de Maiakovski

Cabe às mulheres a melhor parte do amor e do


sofrimento
Porque as mães não podem julgar.
Na ternura milagosa das mulheres,
É como se o filho não houvesse se desprendido do ventre
E este é o mais simples e doce de todos os mistérios.

Paulo Mendes Campos


Família, de Gustav Vigeland, no Parque das Esculturas, em Oslo
A comunidade virtual
O que é e para que serve uma
comunidade virtual?

A comunidade Pediatria Radical foi criada, em 27 de março de 2005, por


“Dra. Relva”, nickname da pediatra Thelma B. Oliveira, de Brasília. A
comunidade – a PR – conta atualmente com quase 16 mil membros de
todos os estados do Brasil e de outros países e continentes: Argentina,
Austrália & Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Japão; e alguns países
da Europa: Alemanha, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda,
Portugal, Suécia, Suiça.

Não é uma comunidade de pediatria acadêmica, mas uma rede solidária


virtual, na qual são feitos questionamentos e relatadas vivências relativas
ao “ser mãe” , ao “ser pai” e ao “ser criança”. Os comentários são postados
em “tópicos” que recebem comentários dos interessados nos temas, os
quais são intercalados com artigos trazidos pelas moderadoras, mães, pais,
pediatras e outros pro issionais. Também não se trata de um consultório
virtual, mas de um ponto de encontro onde os participantes buscam
encontrar apoio mútuo para equacionar suas di iculdades ou partilhar
receios, tabus, mitos, alegrias, notícias.

As redes sociais, principalmente o Orkut (muito antes do Facebook e


Twitter), têm-se mostrado ferramentas altamente e icazes em conectar
pessoas com interesses comuns. A Pediatria Radical e outras comunidades
relativas à criança, permitem re lexões que se transformam em agradáveis
e produtivas conversas. A instigante palavra ‘Radical’ é usada
intencionalmente, pois deriva de “raiz”, raiz que pode ser a mãe – ou a
família. Radical é o que vai à “raiz” dos problemas.
Em tempos cibernéticos, o acesso a qualquer tipo de informação tornou-se
irreversível. No caso da PR, o dado novo mais importante é a interação das
mães, que discutem abertamente o que acham melhor para seus ilhos.
Elas não querem depender de especialistas o tempo todo. Abrem-se portas
antes cerradas ao olhar “leigo” sobre saúde, criação de ilhos, alimentação,
escola. Essa liberdade de acesso e interação não retira do especialista os
temas pro issionais aos quais se dedicam. Às mães interessa — e muito —
a opinião de outras mães. E assim brotam amizades altamente nutridoras.

As comunidades são comparáveis ao hipertexto, que é “um conjunto de nós


ou links, ligados por conexão. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens,
grá icos, sequências sonoras ou documentos complexos. Os itens de
informação não são ligados linearmente como em uma corda de nós, mas
cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo
reticular”. (Levy, Pierre: As Tecnologias da Inteligência — O futuro do
pensamento na era da informática, RJ, Editora 34, 1993).

As novas tecnologias vão além da informação e se tornam instrumentos (ou


ferramentas) de cooperação. “Estamos vivendo a era da colaboração. A era
da in luência conectada”, diz Dom Tapscott, especialista canadense da
“wikinomania” – fusão de wiki com economia, que ele de ine como a arte e
a ciência da inovação colaborativa.
Entrevistas

Entrevista concedida a Bruno Mendonça, de Curitiba, Paraná (para Monografia, em 16/11/2008.)

Como começou a Pediatria Radical? Ela existia antes do Orkut ou foi


criada dentro da rede social?

Começou em 26 de março de 2005, como um monólogo meu. Aos poucos


foi crescendo no ‘boca a boca’, hoje tem quase 10.000 membros(*), entre
mães e pais, esses em minoria. Senti que Orkut era uma ferramenta
poderosa e levava ao fórum textos sobre crianças e comecei a responder
perguntas formuladas pelos membros. Já havia outras comunidades sobre
criação de ilhos, umas especí icas sobre sono, alimentação, aleitamento
materno. A PR é das mais dinâmicas, pois movimenta de 50 a 100 tópicos
por dia. Os temas são os mais variados, desde gestação, tipos de parto,
amamentação, vacinas, doenças mais comuns, psicologia da infância.

Como as mães icaram sabendo da comunidade e quantas pessoas


estão cadastradas até o momento? V. Acima

Existem muitas mães com dúvidas sobre como cuidar de crianças e


que procuram respostas na Internet?

Muitas, muitas mesmo. Toda mãe procura ler tudo que sai sobre criação de
ilhos em livros, revistas e agora na internet. Elas surgem com dúvidas,
recebem respostas não só de pediatras, mas de outras mães, coisa que é
absolutamente nova, uma vez que o costume é fornecer informação, sem
troca de experiência. Elas discorrem sobre seus próprios ilhos, propõem
temas para discussão, numa troca constante e enriquecedora. A
comunidade não é normativa de condutas nem é um consultório virtual, as
informações não pretendem substituir consultas pediátricas. Por outro
lado, como a internet proporciona informação sobre qualquer assunto, a
comunidade permite trocar ideias sobre qualquer assunto correlacionado
a mães, pais, ilhos, casa, alimentação, educação, fases do crescimento e
desenvolvimento etc.

Existe algum tipo de moderação na comunidade? O que acontece


quando uma mãe expõe um conceito errado, alguma crendice ou
simpatia como verdade?

Sim, há moderadoras que admitem novos membros e cuidam do bom


andamento da comunidade. Crendices sempre houve e haverá,
procuramos dar um toque sobre ilusões em geral, pois todo mundo se acha
capacitado a educar crianças e/ou cuidar delas e até a prescrever-lhes
remédios. Crença é crença, crendice é crendice, cada um com a sua, não é?
Algumas são prejudiciais, como tratar o umbigo com terra ou folhas de
fumo ou dar chá de picão a recém-nascidos. Outras são inofensivas e de
certa forma agem como placebos inofensivos, como benzer.

A conversa entre as mães lui tranquilamente? Existe muita


desinformação sobre o cuidado de crianças?

De maneira geral sim lui bem, mas há temas polêmicos que podem tornar-
se ofensivos. Há mães que carregam traumas sobre a di iculdade em fazer
suas escolhas quanto ao tipo de parto e terem podido ou não amamentar
seu bebê. As desinformações são tratadas com o devido cuidado, no
sentido de alertar, mas não de confrontar. E muito menos de fazer o papel
de consultório: a proposta de informar é genérica e coletiva.

Você atribui à Pediatria Radical a responsabilidade de esclarecer


dúvidas de mães? Pode-se dizer que nesse caso a comunidade no
Orkut está educando mães e por consequência, ajudando na criação
de seus filhos?

De certa forma sim, pois as experiências trocadas se tornam um rico


acervo de informação. A tônica é desencucar as mães de algumas
paranoias ou excesso de cuidados, que se transformam em medos. Não
tomamos isso como nossa ‘responsabilidade’ mas como um meio auxiliar
de informação sobre os cuidados com a criança de maneira bem geral.
Enfatizamos a boa alimentação, a primazia do leite materno, a vocação
irresistível da Natureza para o bom crescimento e desenvolvimento da
criança em sua interação com um ambiente saudável, vida ao ar livre. Mais
brincadeiras, menos consumismo, mais afeto e menos castigos. Mais partos
naturais, menos cesáreas. Menos intervenção da tecnologia sobre os
processos naturais, menos hipocondria no cuidado com as crianças. En im,
simpli icar a vida, estabelecer metas mais realistas para seu próprio
sossego e felicidade do filho.

Quais são os casos mais delicados que a comunidade já teve?

Alguns casos de doenças graves que a mãe relata como enfrentou e como
recebeu ajuda de outras participantes; relatos de traumas das mães com
suas próprias mães, separações, doenças neurológicas com sequelas...

Você acredita que a internet seja um meio de comunicação mais


democrático?

O potencial democrático da internet é irreversível. Permite intervenções,


campanhas bene icentes, divulgação de campanhas permanentes em prol
do aleitamento materno e contra o castigo ísico. Todos os participantes
têm peso igual em suas intervenções, não há limites a não ser os da boa
convivência e elegância no trato entre os membros. Os participantes têm
alto nível de inteligência e trazem colaborações importantes para os
demais membros. Outro aspecto importante é o grau de solidariedade e
amizade que se cria entre os participantes, que enseja ‘orkontros’ ou
encontros presenciais de membros da rede.

A comunidade tomou grandes proporções e teve até a publicação de


um livro. Como foi esse processo?

Foi um processo natural, tendo em vista o acervo de tópicos interessantes,


que resultaram numa criação coletiva, o livro. Este foi possível graças ao
SENAC, que aprovou nosso projeto. O diferencial da comunidade é a
participação dos membros, ou seja, mães e pais falando para mães e pais.

Existem projetos da Pediatria Radical fora da internet?

O grande e inal propósito é incrementar a amizade entre os membros,


para que em cada cidade se formem núcleos de apoio entre as mães. Há
campanhas permanentes ou pontuais sobre violência doméstica, LM, PN,
anti-bullying etc. Atualmente a PR é um verdadeiro blog informativo,
cultural e social. E – quem sabe – as mães possam criar uma associação,
para auxiliar efetivamente as que apresentem necessidades materiais e
existenciais.

Além da Pediatria Radical você conhece outras comunidades que


visam ensinar o cuidado com crianças?

Sim, há várias comunidades parceiras, como o GVA ou Grupo Virtual de


Amamentação, outras contra maus tratos à criança, outras mais envolvidas
com alimentação, sono etc. A internet é um “Ambiente Virtual
Colaborativo”, um espaço de liberdade de expressão e de opinião. A mãe
deixa de ser passiva e se alia a grupos de discussão, onde pode falar de
suas vivências a outras mães com questionamentos semelhantes.

De onde vem o nome ‘radical’?


Vou pedir emprestada a de inição do ilósofo contemporâneo, Zygmunt
Bauman: “Atos, empresas, meios e medidas podem ser chamados de
“radicais” quando eles chegam até suas raízes, às de um problema, um
desa io, uma tarefa. Note, contudo, que o substantivo latino radix, do qual
se origina o adjetivo “radical”, diz respeito não só às raízes, mas também a
fundações e origens. [...] Tomar uma atitude radical sinaliza para a
intenção da destruição – ou melhor, de assumir o risco da destruição, mais
frequentemente o signi icado de uma destruição criativa – destruição no
sentido de um lugar para limpeza, ou para lavrar o solo, preparando-o
para acomodar outros tipos de raízes. A política é radical se ela aceita
todas as condições e se orienta por todas essas intenções e objetivos.”

Essa ‘destruição’ para reconstruir é um desa io diário que se apresenta às


mães: ela tem que transitar entre mitos e crendices, de um lado, e a
tentação tecnológica em criar um ilho isento de doenças e de danos de
qualquer natureza. Isso a leva a fantasias narcísicas de jamais deixar o
ilho sofrer qualquer frustração, de criá-lo numa redoma de vidro, icando
com a ilusão de total controle por meio do celular e da terceirização de
cuidados hiper-especializados à criança.

Entrevista concedida ao acadêmico paranaense Bruno Mendonça,


para elaboração de sua monografia sobre redes virtuais. Alguns
números foram atualizados tendo em vista o rápido crescimento
da comunidade.

Gravidez: un affaire de femmes

Entrevista a Rose Marinho Prado, professora de redação, SP


Por favor, faça um resumo, uma bio.

Sou pediatra formada em BH e mãe de cinco ilhos. Estudei em BH e moro


em Brasília. Sempre trabalhei no serviço público.

Gostaria de mandar algum recado para as mães?

Gostaria de aproveitar nossa conversa para falar sobre nossa comunidade


de pediatria no Orkut, cujo objetivo é conversar sobre crianças e suas
mamães.

Dê o link.

www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=1651309

Em que medida se pode dizer que a mulher grávida é dona de seu


corpo? Digo isso, porque sei que, assim ica grávida, um arsenal de
tratamentos, produtos, condutas e pro issionais acorre. Vamos
delimitar o assunto. Escolho a mulher de classe-média, a sua
clientela.

A gestante e o bebê são um latifúndio. Todo mundo “sabe” ou quer orientar


essa gestante sobre o que fazer com sua gravidez. Até ela abdica de seu
corpo e passa a submetê-lo à “tekné”. Aliás, ela passa a viver entre polos: o
da tecnologia e o das superstições e prescrições, que lhe dizem o que
comer, quando e como fazer sexo; que remédios tomar; se pode ou não
lavar ou tingir o cabelo. Isso signi ica que vive entre a cruz e a caldeirinha
e se torna refém da sociedade. Todo mundo ica de olho nela para dar
algum pitaco sobre sua barriga e o que tem dentro dela.

Brasil, século XIX, início do XX. Como é que as mulheres da burguesia


e das classes médias eram tratadas, durante a gravidez? Será que se
relacionavam bem com seu corpo, com a gravidez?
As mães abonadas podiam ser mais ociosas e passar o tempo escrevendo
cartas, lendo, bordando. Quando grávidas, eram tratadas com respeito e
temor. Como tinham empregadas, icavam de repouso no longo puerpério,
tomando canja de galinha com cerveja malzbier. Até ganhavam uns
quilinhos, coisa que era vista com bons olhos, pois signi icava ‘saúde’. Os
ilhos eram criados pelas amas da casa ou tias solteiras que moravam na
casa. Amamentar dependia da moda de cada época. Criança não tinha o
significado social que tem hoje, eram simples crias.

Após o advento da indústria e, mais exatamente, quando algumas


mulheres tiveram de sair para o trabalho, como é que essas grávidas
lidavam com a gravidez? É importante pontuar que não me re iro à
camponesa e nem à operária. Então, Doutora Relva, posso crer que,
na época, a medicina já apresentava mais recursos para acompanhar
a gravidez?

Vamos voltar no tempo, a uma época remota, que tal a monarquia inglesa?
A analgesia por clorofórmio foi usada pela Rainha Vitória e depois
aperfeiçoada. A gravidez ‘cientí ica’, data de quando surgiu a obstetrícia,
predominantemente masculina, que induziu a mulher ao parto hospitalar e
lhe concedeu a anestesia. Do alivio da dor à tecnização total da gestante e
do bebê foi um pulo. A ideia inicial era salvar a vida das gestantes, que
morriam pelas gravidezes subintrantes. Era costume a mãe deixar cartas
ou poemas para distribuição após sua esperada – e possível – morte. A
infecção sempre foi, juntamente com as hemorragias, a grande causa
mortis das parturientes.

A ascensão da ciência na década de 1940 diminuiu o valor do ‘instinto


materno’ como sendo bastante para criar um ilho. As mães passaram a
ser alvejadas por termos como vitaminas, proteínas, bactérias. Amamentar
passou a ser regulado pelo relógio, fazer o bebê arrotar tornou-se uma
arte, a vida ao ar livre tornou-se matéria complexa. O clima europeu se
re letia até em nossos costumes: crianças agasalhadas com mantas, luvas,
toucas e sapatinhos de lã, com “medo da friagem” em nosso país tropical.

No hemisfério norte era grande a incidência de raquitismo pela falta de sol.


O raquitismo endêmico resultava em bacias estreitas, para as quais o
fórceps era a solução possível. E que deu lugar ao famoso e ainda atual:
“não tem passagem”, mesmo em nosso país tropical, onde as mulheres têm
largas bacias. Apesar do sol perene e seus raios fúlgidos, importávamos
lâmpadas UV para dar ‘banho de luz’ nas crianças, para evitar o
raquitismo!

Os ilhos das classes altas eram pesados e medidos em casa pelas nurses.
Também lhe tiravam a temperatura duas vezes ao dia, para elaboração do
‘diário’. Muitas dessas atitudes eram pedantes, supér luas e até patéticas,
pelo exagero. A maternidade ‘cientí ica’ exigia noções de higiene,
sanitarismo e nutrologia. Tudo devia ter uma ‘técnica’, mesmo vaga e sem
fundamento razoável. Ela não mais escapou dos ‘vigilantes sanitários’,
quanto ao peso e ao funcionamento global de seu ilho. A criança passou a
ser objeto de estudo de vários profissionais da saúde física e mental.

E a gravidez das índias?

Tomo cuidado com o uso da palavra “índias”, porque sei que o nome
“índia” cabe para várias mulheres, a inal, há várias tribos e épocas. Mas,
tentando uma generalização, não tão prejudicial ao entendimento, quero
saber se as índias vivem a gravidez de modo mais pleno? Por quê?

Falemos da índia brasileira: na aldeia, ela tem gravidez e parto normais. E


amamenta por bastante tempo. Quando atendida nas cidades, estará
sujeita ao SUS e ao parto hospitalar.

Inegável que os recursos de que a mulher grávida dispõe hoje podem


ser bené icos a ela. Eu mesma, por ter nascido por meio de uma
cesárea, estaria condenada à morte, não fosse a época em que nasci.
Então, doutora, que avanços cientí icos considera positivos? E
negativos?

Avanços mais signi icativos: a ultrassonogra ia gestacional, a prevenção de


infecções materno-fetais, a detecção e tratamento da hipertensão materna,
uso mais amplo do ácido fólico contra defeitos medulares fetais, teste do
pezinho para diagnóstico pós-natal de vários tipos de doenças e agravos
congênitos. Aspectos negativos: a tecnização exacerbada do parto, com a
cesárea atingindo cerca de 50 a 75% do total de partos. As imensas
di iculdades para a mulher em escolher a via do parto e local onde parir. A
humilhação e maus tratos com que a parturiente ainda é tratada em alguns
serviços, principalmente as mães humildes e multíparas e o horror com
que são tratadas as gestantes detentas, mantidas algemadas na hora do
parto. A facilidade com que se desmama a criança, o culto às tabelas e
grá icos de peso e altura, favorecendo o desmame em favor do leite
arti icial. E o desconhecimento do papel da mãe como protagonista do
nascimento do ilho que ela gerou, processo sobre o qual perde total
controle.

O movimento hippie, décadas de 1960 e 1970, resgatou o parto de


cócoras, além dele, o parto, em casa. O que acha dessas práticas?
Luxo ou simplicidade?

Esse resgate perdeu-se e está sendo retomado por ‘ativistas’ do parto


natural, ou normal, mas é uma corrida por fora do sistema. A grávida tem
que providenciar uma casa de parto ou hospital PN-friendly, onde possa
pronunciar-se (e ser acatada) sobre o que convém a ela e ao bebê, para
escapar de intervenções que não lhe interessam. Mas ainda é um luxo, pois
ela tem que providenciar sua própria equipe ‘humanista’.

Com tanta teoria, modismos, pro issionais à disposição, será que a


mulher acaba perdendo contato consigo mesma? Quero dizer que, a
partir do momento em que engravida, deixa de ser sujeito para se
tornar objeto, “mercadoria” à disposição de muitos?

A gestante, como eu disse, torna-se refém da sociedade, do sistema de


saúde e das equipes multidisciplinares de plantão que vão ensinar-lhe a
cuidar do peito, a amamentar, a cuidar do bebê e de si mesma. Esse
contato com seu corpo e com sua vontade vem sendo perdido totalmente
com o advento da modernidade. A mãe tornou-se refém para sempre dos
donos do suposto saber e dos planos de saúde. Para ser sujeito dos
eventos ligados à maternidade, ela precisa peitar o sistema, coisa quase
impossível, pois é levada a duvidar de si mesma e de sua capacidade de
parir e de cuidar da cria. Essa atitude de peitar o sistema é desgastante,
até perante outras mulheres. Isso, devido à culpa que o assunto lhe
provoca e porque os dissidentes são mal vistos e indesejados...

Existe alguma relação entre sexualidade e maternidade? Posso dizer


que a mulher vive mais plenamente a sua gravidez à medida que é
sexualmente “resolvida”?

Teoricamente, sim, mas há mais variáveis do que sonha nossa iloso ia: ao
descompromisso do ato sexual segue-se a seriedade da notícia – “Estou
esperando um ilho”. A partir daí, viver a maternidade plena e com certa
autonomia é quase uma atitude de contracultura.

Sabemos hoje que muitas mulheres vivem a gravidez, sem o apoio de


marido ou namorado. Isso é prejudicial? Qual é o papel do homem,
durante a gravidez da mulher?

O papel do companheiro e pai é muito importante, a maternidade é um


empreendimento que demanda muitas mãos. O pai que “engravida” junto
pode ajudar mais efetivamente. De certa forma, todo pai é adotivo, pois ele
precisa conviver com o bebê para senti-lo como ilho seu. Já a mãe, ela
aceita o bebê desde a ‘anunciação’ – conferida pelo teste de gravidez.
Há homens que rejeitam a mulher durante a gravidez dela. Você
saberia me explicar a causa?

Não sei quanti icar, mas o bebê é uma ameaça ao idílio exclusivo. Também
as mudanças ísicas da mulher gestante são desagradáveis para alguns.
Outros têm medo do que os espera. Um pai já me queixou que uma criança
tão pequena é capaz de encher a casa e alterar todos os hábitos da família.
Quanto ele via os cuidados que a mãe dispensava dia e noite à criança,
icava enciumado e carente, com nostalgia de sua própria infância. Outro
fator é a alteração dos hábitos do casal sobre saídas e horas de sono. O
caso mais marcante que já vi em casal casado foi de um pai que, ao voltar
da maternidade, pegou suas coisas e nunca mais voltou. Diariamente se
sabe de mulheres que engravidam e o companheiro some, não ‘assume’.
Nesses casos, pesam fatores emocionais, censura sobre a mãe solteira
(ainda hoje) e dificuldades econômicas.

Ainda sobre os anos 1970. Lembro que a atriz Leila Diniz ia à praia,
grávida, com a barriga de fora. Esse ato libertou mulheres. Isso foi
demais! E hoje a mulher faz questão de revelar que, apesar da
gravidez, ainda se mantém plena na sexualidade e beleza. Bacana.
Mas, às vezes, me pergunto se a extrema preocupação com ela mesma
não a priva dum contato mais intenso com o ilho. O que tem a dizer,
Dra. Relva?

As novelas mostram muito isso: a mãe saindo da maternidade com a babá


uniformizada, levando o bebê no colo, o bebê totalmente desvinculado da
mãe. Provavelmente haverá pressão contra o aleitamento materno, por
motivos estéticos. A pressão interna e externa pela boa forma é imensa e
generalizada na sociedade, atrizes mostram com orgulho a retomada do
peso anterior à gravidez. Inglesas disseram recentemente – li na BBC –
que a beleza ostensiva das celebridades dá desânimo de viver. A ditadura
da beleza é di ícil, não tem escapatória, o espelho da madrasta as advertirá
com a mesma crueldade do relógio. Para um bom contato com o ilho e
exercer a maternagem a seu modo, ela tem que pegar o primeiro livro de
pediatria escrito para as mães, o do dr. Holt, e fazer tudo ao contrário do
que ele prescrevia e que até hoje muitos prescrevem: pegar no colo,
amamentar, seguir seu instinto, ou seja, prestar mais atenção à natureza, a
si mesma e ao bebê. Claro que sem perder a elegância jamais (rs).

Quem toma conta do corpo da grávida? Ela ou a indústria dos


medicamentos? Quando é que ela é sujeito e não objeto? Como deve
fazer para, ainda que se bene icie das modernidades da medicina,
consiga ser dona de seu corpo?

O corpo da mulher e, consequentemente, o da grávida é um latifúndio,


loteado pelo sistema de saúde e seus especialistas, pela indústria
farmacêutica, pela indústria da moda “mamãe-bebê” e pelas inúmeras
publicações sobre o chamado estado interessante. Como diz Octavio Paz: [A
mulher] “nunca é dona de si. Seu ser se divide entre o que é realmente e a
imagem que faz de si. Uma imagem que lhe foi impressa por família, classe,
escola, amigas, religião e amante. Sua feminilidade nunca se expressa,
porque se manifesta por meio de formas inventadas pelo homem.”

Gostaria que falasse sobre a sua comunidade no Orkut: sobre o que


conversam?

Nossa comunidade tem uma coisa importante que é ser um espaço para
que as interessadas se manifestem. Não é um consultório virtual, é um
local de troca de informações e de solidariedade. Lá elas aprendem que
toda mãe tem di iculdades e alegrias. Trocam conversas sobre as fases do
desenvolvimento infantil, manifestam-se sobre as modalidades de parto,
repensam sua capacidade de amamentar. Como são muito inteligentes,
trazem enorme contribuição sobre suas próprias vivências. A troca afetiva
é intensa e se criam grandes amizades virtuais e reais, nos “orkontros”, em
visitas ou por telefonemas e emails. Tento transmitir-lhes qual é o plano da
natureza para com as crianças, que não são doentes em potencial, mas
seres com grande capacidade de aprender e dotados de grande vitalidade.

O que é preciso desmisti icar em relação às tantas ideias


relacionadas à gravidez?

Que a mulher não é capaz de parir e de amamentar. É claro que é! São


esses seus maiores desafios.

Agora, vou mencionar um grande problema: por que ultimamente


temos notícia de mães que abandonam bebês? Isso está ligado a
algum transtorno pós-parto? A gravidez não a lora instintos que
garantem a proteção do bebê? O que acontece?

Em condições normais, sim, mas há fatores intercorrentes de natureza


psicótica. E – quem sabe – o desespero de uma gravidez indesejada ou
economicamente inviável. Sempre houve abandono de bebês, havia até
locais próprios para deixá-los, chamados ‘rodas dos expostos’. Hoje existe o
“parto anônimo”, a mulher leva a gravidez até o im e depois doa o bebê.
Um ilme recente – Juno – trata dessa questão. O chamado instinto materno
é uma construção social favorecida pelos hormônios. Em famílias bem
constituídas, ou quando a mulher tem condições de aceitar bem o bebê, a
coisa se dá quase naturalmente. Mas não é no “automático”, é preciso um
meio favorável e muita ajuda externa. Uma criança é uma criança é uma
criança. Promessa de futuro, vida pela frente, longa dependência de
cuidados e muita despesa. Quando uma criança é gerada, ela nasce com a
promessa implícita de um mundo satisfatório, de que viver vale a pena e
de que seus pais estão ali para garantir sua integridade e sua vida.

Relva, toda mulher tem talento para ser mãe? Posso crer que algumas
podem ser boas, digamos, “parideiras” – desculpe a expressão vulgar
– mas não, boas mães? Como a mulher que até curtiu dar à luz, mas
não, da experiência da maternidade livra-se da culpa?
Toda mulher tem condições biológicas para ser mãe, pois dispõe de útero e
ovários. Mas não existe uma vocação indiscriminada para ser mãe. Hoje é
possível ser mãe de várias formas: adotando, “alugando” uma barriga,
recebendo inseminação arti icial. Ser “parideira” é uma coisa bem animal,
isiológica. Já ‘ser mãe’ exige investimento afetivo, emocional, ísico, requer
dedicação, tempo e recursos inanceiros. É um empreendimento não tão
simples como quer a natureza, nem tão di ícil como se faz acreditar. A
culpa vem desde Eva, e precisa ser trabalhada. A mãe sempre se cobra se
está sendo su icientemente boa para aquele ilho. A culpa a acompanhará
eternamente: se algo sair errado, foi culpa sua. Se der certo, ninguém vai
se lembrar.

Seu trabalho tem um propósito libertador? O que exatamente você


deseja libertar? Quais são as opressões pelas quais passa a mulher
grávida, além dessas que você já citou?

Ninguém liberta ninguém, caminha-se junto. Pensa-se, em conjunto, sobre


os percalços que surgem no caminho de cada uma e vão sendo trabalhados
em conjunto. A maior opressão é o trabalho em regime de tempo integral
mais os longos deslocamentos de casa ao trabalho e vice-versa. Essa longa
permanência no trabalho leva à abdicação de qualquer outro projeto
pessoal. Embora a maioria cumpra, miraculosamente, dupla e tripla
jornada. Quando ica em casa, cuidando do bebê e do monte de afazeres
domésticos, é comum dizer-se que ela “não trabalha”!

Amamentar é sempre saudável. Mas há mulheres que sentem


angústia quando amamentam. Pode dizer alguma coisa a elas?

O leite materno é comprovadamente mais saudável para o bebê, quem diz


isso são as sociedades de pediatria do mundo inteiro e a Organização
Mundial de Saúde. Se a maioria das crianças fosse amamentada, os
prontos-socorros não viveriam cheios. Mas, se o leite demora a descer, o
pessoal dá mamadeira ainda no berçário, di icultando a lactação. Se as
mamas ingurgitam, há dor e desânimo para amamentar. A mãe que opta
pela amamentação precisa de apoio, incentivo, para ter certeza de que está
fazendo o melhor. As que não amamentam – quase sempre – foram
desencorajadas pelo meio. Cabe a quem cuida da gestante incentivá-la a
aleitar, contra tudo e todos. Até contra si mesma! Nesse aspecto, o maior
incentivo atualmente vem de grupos e comunidades virtuais de
amamentação, das ‘amigas do peito’, da Sociedade Brasileira de Pediatria e
dos miraculosos e admiráveis bancos de leite.

Algumas mulheres são felizes durante a gravidez. O que você diria


para aquelas que sofrem – ísica e psicologicamente – durante o
período?

Não se nasce mãe, torna-se mãe. Não basta ir caminhando e cantando, tem
que aceitar o ilho internamente e botar mãos à obra (literalmente, hehe).
Varia muito com etapas de vida, condições inanceiras, apoio emocional do
companheiro e da família e também do projeto de vida da mãe. As que
sofrem depressão pós-parto precisam de tratamento médico e psicológico.
As que estão exauridas precisam de ajuda do parceiro, de ajuda efetiva de
parentes e amigas de boa vontade. Em alguns países a mãe recebe ajuda
presencial nos primeiros dias, quanto ao preparo de sua alimentação e
cuidados com a casa, para que possa dedicar-se ao bebê. Todas precisam
de tempo e sossego para a adaptação ao bebê e às novas tarefas da
maternagem.

O que você acha de mulheres de quarenta anos terem ilhos? E mais:


meninas de 13 anos podem lidar bem com a gravidez e também com o
bebê?

As de quarenta podem sim, e muito bem, pois é uma de suas últimas


chances, então elas ‘capricham’. Já uma menina, também é capaz – desde
que receba apoio familiar e do companheiro. Mas pela própria natureza de
ainda estar em crescimento, seria muito mais prudente que as
adolescentes conhecessem e dispusessem de todos os meios
anticoncepcionais. Tomar precaução para não engravidar é mais
importante que abortar um ilho indesejado. Di icilmente um companheiro
dessa idade encara a gravidez da menina. A menina precisa viver sua
juventude antes de dar à luz e cuidar de outra vida.

Aconselha o parto em casa? É arriscado?

Como disse acima, a maioria das gravidezes é normal e destinada a


terminar em parto normal. A mulher precisa de um bom pré-natal, de
ambiente propício e vontade por parte dela, ou melhor, do casal. E
providenciar uma boa assistência. O parto domiciliar não é uma aventura
inconsequente, é o método pelo qual a humanidade nasceu ao longo da
história. É uma questão ainda vista com cautela e que deve contar com
infraestrutura adequada e próxima.

Como seria a sociedade que compreendesse e ajudasse as mães, sem


cobrar delas perfeição? Que sociedade poderia diminuir seu fardo?
Sim, porque não se pode negar que dar à luz e cuidar de ilhos é um
fardo, ainda que prazeroso para muitas.

Que a sociedade se torne realmente solidária, com amigas que visitem a


mãe nos primeiros dias para ajudá-la de fato, para que ela possa
amamentar e repousar. E que ela possa contar com transporte solidário,
compras solidárias e a amizade efetiva entre mães e mulheres em geral,
para aliviar o fardo do cansaço e da solidão. Acho que nossa comunidade e
diversas outras coligadas são um grande começo para estabelecer essa
solidariedade, que sai do virtual e se torna presencial entre as
participantes.

O que acha importante desmisti icar para as mulheres que vão ter
filhos?
1. Que ela deve ficar ligada aos procedimentos a que vai ser submetida

2. Que tem direito a um/uma acompanhante de sua escolha

3. Que é capaz de amamentar, se bem preparada

4. Que seu filho não é um doente em potencial

5. Que vai precisar de ajuda e deve aceitá-la

Notas feitas após a entrevista:

Com o surgimento das comunidades virtuais, vários temas domésticos


estão ‘saindo do armário’:

1) direito da mulher de escolher seu tipo de parto, seu/sua acompanhante


durante o trabalho de parto e no parto propriamente dito

2) direito do bebê ao LM por seis meses pelo menos; a introdução de


outros alimentos além do LM pode esperar até os 8, 9 meses, se a
mãe assim preferir

3) conhecimento das necessidades do bebê, recém-chegado a um mundo


que lhe é estranho e ao qual vai adaptar-se em seu próprio ritmo

4) direito do bebê ao colo, embalo, acalanto; e ao sossego...

5) direito da mulher de pedir ajuda para não ficar sobrecarregada ou


deprimida. A participação de certos parentes e outros pitaqueiros
não é isenta de crítica; é preciso ficar ‘ligada’ para evitar
armadilhas e autossabotagem

6) direito da criança de brincar ao ar livre, de tomar sol pela manhã, de


estar em contato com a natureza, de brincar na chuva, de conhecer
o mar, de ser ela mesma
7) papel do pai na criação do filho, guarda compartilhada, alienação
parental, adoção homoparental, papel dos avós; pais e mães agindo
em conjunto para o melhor resultado possível na educação e
cuidados de saúde

8) interpretação da birra como uma pane corporal e cerebral, devido a


sono, cansaço, hiper-estimulação do ambiente; necessidade de
contenção física por meio do abraço

9) prevenção da obesidade infantil em casa e na escola; atenção à


propaganda de alimentos hiper-calóricos e salgados à criança;
incentivo à atividade física

10) discutir – para um dia deixar de ser considerada ‘natural’ ou ‘normal’


– a mania de bater em criança, de humilhá-la com gritos, beliscões,
cintadas. Prevenção da pedofilia e abuso sexual das crianças: o
pedófilo mora ao lado ou dentro de casa; atenção aos sinais de
maltrato físico e/ou psicológico à criança; cuidados contra acidentes
domésticos e no trânsito: criança saudável é criança segura
O que significa ‘radical’?

Para Zygmunt Bauman, “Atos, empresas, meios e medidas podem ser


chamados de “radicais” quando eles chegam até as raízes de um problema,
um desa io, uma tarefa. Note, contudo, que o substantivo latino radix, do
qual se origina o adjetivo “radical”, diz respeito não só às raízes, mas
também a fundações e origens. Tomar uma atitude radical sinaliza para a
intenção da destruição – mais frequentemente o signi icado de uma
destruição criativa, destruição no sentido de um lugar para lavrar o solo,
preparando-o para acomodar outros tipos de raízes”.

David Cooper chama de ‘necessidades radicais’ as necessidades do ser, em


contraposição ao ter:

NECESSIDADES BÁSICAS (TER) são quantitativas e visam à


manutenção da normalidade = comida, abrigo, evacuações
corporais, esportes, sexualidade procriadora, propriedade
privada, trabalho alienante; competitividade, que leva à inveja,
ciúme e possessividade.

NECESSIDADES RADICAIS (SER) referem-se à autonomia,


superação, expressão da poiesis pessoal, comunhão (comunicação
não exigente) trabalho e ócio criativos, necessidade de mudar
alguma coisa, necessidade de tomar iniciativas próprias para a
saúde integral e vida compartilhada, descondicionamento da
doença, sexualidade orgástica, des-terrorização da morte.

Em Deleuze-Guattari encontramos a noção de rizoma (raiz), cujos


princípios são a conexão e a heterogeneidade: “qualquer ponto de um
rizoma” pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo (Deleuze e
Guattari, 1995). A internet, com suas páginas interligadas, escritas em
HTML (linguagem de marcação de hipertexto, do inglês HyperText Markup
Language), apresenta a possibilidade de construir hipertextos, ou seja
textos que conterão ligações (links) para outros textos ou vídeos, imagens
etc. Assim, ao se levar em consideração todo esse conjunto de páginas e
suas ligações, trata-se de um grande emaranhado de conteúdo, sem
hierarquia, sem uma raiz ou uma origem identificável. (*)

Então, nossa rede é virtual, mas também real, solidária, criativa, formada
de pessoas e não de membros impessoais. Pessoas capazes de formar
redes a partir do rizoma: para aqueles de nós que têm estado isolados
tanto tempo, tornou-se possível inventar sistemas que formam rebentos
subterrâneos, empurrando para a super ície uma nova forma de
solidariedade não burocrática, não institucional. Um rizoma, uma raiz, uma
nova forma de aprender, de ensinar, de servir.

(*) Nota sobre os Rizomas:

Os rizomas são redes de autômatos initos, nos quais a comunicação se faz


de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais não
preexistem, nos quais os indivíduos são todos intercambiáveis, se de inem
somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as operações
locais se coordenam e o resultado inal global se sincroniza
independentemente de uma instância central.

Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também


retorna segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. “É
impossível exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal
do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se
reconstruir”.

A relva existe exclusivamente entre os grandes espaços não cultivados. Ela


preenche os vazios. Ela cresce entre e no meio das outras coisas. Ela
provém do rizoma e resiste em condições adversas às arvores e aos grãos.
Ela resiste com as formigas...
Entrevista a Irene Zwetsch, da
revista Ciga-Brasil, Suíça

Como você vê a Pediatria para além da visão cientifista?

Durante muitos e muitos anos atendia crianças carentes, doentes,


desnutridas, sarampentas, tuberculosas, verminóticas. Esse era o quadro
que se via nas enfermarias e prontos-socorros. Doenças da pobreza.
Impressionava-me a conformação das mães que eram excluídas dos
tratamentos, pois até se proibia que acompanhassem o ilho enfermo. Nos
casos mais sérios, eu “internava” a mãe para poder icar com o ilho, numa
cadeira ao lado do berço, e ter direito a alimentação. De lá para cá, algumas
doenças foram controladas com vacinas, houve a melhora do saneamento
básico e aumento das chances de escolarização. A mãe, mesmo pobre,
passou a dispor de informação e “acesso universal a saúde”.

Só que o conceito de saúde é muito mais amplo do que evitar e tratar


doenças. Começa nos cuidados com a mãe desde a gestação/parto e o
incentivo ao aleitamento materno, o que reduziu nitidamente os índices de
mortalidade infantil.

Na maior parte do tempo, a criança não é um doente (com as exceções de


praxe), pois ela se encontra no polo máximo da vitalidade, não sujeita, pois,
às doenças degenerativas do adulto. A Pediatria e a Psicologia passaram a
ter uma visão mais abrangente da infância, como fase do brincar. Pela
brincadeira, que parece sem sentido, a criança apreende o mundo,
estabelece correlações, enquanto seu cérebro vai criando sinapses, que
favorecem mais correlações e mais sinapses, assim ela vai aprendendo a
viver.

Quando um bebê nasce, ele tem a sensação de fazer parte da mãe, de


quem depende absolutamente. Pensadores e neurocientistas se
debruçaram sobre o desenvolvimento neuro-sensório-motor da criança,
que acontece durante seu crescimento. Veja, então, a riqueza dessa fase: é
quando o corpo, o cérebro e a mente a preparam para enfrentar a vida.

“A criança é o pai do homem”- já se disse. Em sua pequenez e aparente


insigni icância, ela prepara o futuro adulto! Adulto que nem sempre
compreende as lutas que ela vence para desenvolver-se, mesmo sem
compreender as armadilhas, armações e artimanhas do mundo adulto que
a espera. E que não tem a devida paciência com suas aquisições
progressivas e lentas.

A maior parte das “birras” de crianças decorre do descompasso entre o


adulto já formatado e a criança em processo de crescimento e
desenvolvimento. O adulto irrita-se facilmente com essa lentidão e, com
frequência, a agride com tapas e gritos. Todos esses fatores, com os quais
os pro issionais de saúde infantil se deparam obrigam-nos a icar atentos
quanto àquilo que faz parte da natureza intrínseca da criança e aquilo que
lhe é atribuído pelo adulto. Qualquer desvio do que é programado para ela
resulta no enfoque de vê-la como um “doente em potencial”.

Quando criei a comunidade em 2005 foi para re letir sobre esses aspectos,
que demandam atenção e compaixão do mundo adulto.

Principais bandeiras

Não propomos cartilha nem mandamentos. Nossa visão privilegia os sinais


que a natureza oferece e que são a base da saúde: parto sem muita
intervenção, amamentação, vinculação com a mãe. Durante os meses de
dependência absoluta ou pelo menos até os dois anos, é preciso paciência
com os saltos de desenvolvimento (que alteram o humor da criança) e
simplicidade quanto à alimentação, vida ao ar livre, brincadeiras com água
e areia, poucos brinquedos (que causam fadiga à criança e à mãe). Quantas
vezes seu bebê prefere uma colher de pau, ou uma vasilha para bater em
lugar de brinquedos caros e excessivos! De que a criança precisa? afeto,
acolhimento, amamentação, abraço (colo), água, areia. Quase tudo que a
criança precisa começa com a letra A, rs.

Nossa “bandeira” permanente é: ‘BATER EM CRIANÇA É COVARDIA’, coisa


que sempre foi considerada natural e “própria” para a educação. Hoje se
sabe quanta dor e humilhação são in ligidas à criança sob a capa da
“educação”. Atendendo crianças em Pronto Socorro é que se vê até onde
vai o sadismo de alguns pais e “educadores”: queimaduras com ferro,
grampos, óleo quente. Bater para “aprender” (com mangueira, vara,
arame), impossível des ilar todo o repertório da maldade humana para
com aqueles de quem deveriam cuidar. Essa campanha teve logomarca
criada pela designer Patrícia Cunha Chavinhas, de Niterói, que também
criou, para o mesmo fim, camisetas e adesivos.

Resumindo nossas “bandeiras”:

1. Atenção à programação da natureza e ao que é ‘normal’ durante o


crescimento e desenvolvimento;

2. Criação pelo afeto responsável;

3. Criação sem violência: Não bata, eduque, como diz a Xuxa;

4. Amizade e cooperação entre os e as participantes;

5. Visitas e encontros das participantes entre si, como ajuda emocional e


prática, quando uma mãe adoece ou ganha um bebê.
A PR virou livro. O que as mães podem ler nele?

No livro, damos destaque a tópicos sobre a importância do leite materno,


do colo, do acalanto. Da vida ao ar livre e com simplicidade. Há artigos
sobre diversos temas de pediatria e depoimentos de mães sobre
experiências vivenciadas com seus bebês.

Quais as perguntas mais frequentes?

Amamentação, Sono do Bebê, Etapas do Desenvolvimento, Dentição,


Re luxo, Vacinas. Mas o grande tema de todas as mães é: Meu ilho não
come! (isto é, não come tudo o que eu ofereço ou tudo que eu quero que
coma!). Esse lance da alimentação reveste-se da carga dramática que a
mãe traz de sua própria infância, quando era obrigada a comer.
Atualmente, a grande preocupação dos pediatras é com a epidemia de
obesidade que acomete as crianças...

Experiências com os próprios filhos

Meus ilhos hoje já são adultos. Eles tiveram a sorte de ter uma infância
feliz, na época em que era possível brincar na rua com os amiguinhos da
vizinhança. As festinhas eram mais simples, mais domésticas, sem as atuais
mega produções. Acredito que eles tiveram uma infância saudável e feliz e
se realizaram como pessoas do bem.

Mãe Virtual: como lida com esse papel?

Se você considerar pela idade, não tenho escapatória... Acho que esse papel
já foi cumprido. A comunidade adquiriu autonomia e se tornou um ponto
de encontro onde as mães e pais falam de suas crianças, de suas dúvidas,
de seus acertos e acontecimentos do dia a dia. Temos excelentes
moderadoras e participantes inteligentes. Então, a comunidade é muito
dinâmica e palpitante. O grande barato da PR são as amizades que lá
surgiram e se consolidaram.

Olho do Tempo

É um livro com cem crônicas diversas que falam de amor, de crianças, de


ilmes que vi, dos livros que li e das histórias que vivi. O diagramador e
autor do projeto grá ico foi meu ilho Ivan, estudante de Artes Plásticas e
Design na Universidade de Brasília – UNB.

Mensagem para o Dia das Mães

É um dia especial para as mães do mundo inteiro. Elas se doam anos e


anos e, nesse dia, os ilhos tentam compensá-las das canseiras e dedicação
com lores e carinho. O que eu diria às mães: sejam amigas de seus ilhos e
tenham um Dia das Mães muito feliz. Principalmente as mamães que estão
longe do Brasil e que deixaram aqui seus familiares e um pedaço de seu
coração. Cuidem de sua saúde fazendo atividade ísica e descansando;
cuidem bem dos dentes e não se esqueçam da vitamina D para evitar a
osteoporose que nos espera. Grande e feliz abraço, Amigas!
A edição está disponível online em formato PDF: www.cigabrasil.ch
Trabalhos acadêmicos sobre a
comunidade

I – de Adalene Salles, psicóloga, de Salvador, Bahia

1. O que estou estudando de fato?

Meu estudo é, resumidamente, o processo de transição para a


maternidade. Ou seja, quais os recursos que a mulher utiliza para se
tornar mãe. Assim como a gestação e o parto, a amamentação também
marca a passagem da condição de mulher para a condição de mãe na
sociedade ocidental. Essa passagem – transição – de mulher para mãe
pode ser entendida como um processo de transformação que ocorre no
ciclo de vida de algumas mulheres, fazendo parte, portanto, do processo de
desenvolvimento.

Eu vou estudar, en im, o período de transição que marca a passagem de


um estágio para outro no ciclo de vida do ser humano, sendo o nascimento
de um ilho o início de um desses processos de transição para a mulher.
Não vou focar o parto porque já existem muitos estudos sob essa
perspectiva (no meu grupo tem 3 pessoas estudando isso), mas a
experiência da amamentação.

Alguns dos objetivos descrito no anteprojeto:

examinar a relação entre amamentação e transição para a


maternidade, enfatizando as dimensões social, histórica e cultural
desses fenômenos;
Entender o percurso que os sentidos dados à maternidade vão
construindo e, consequentemente, apreendidos a partir dos
discursos de incentivo ao aleitamento materno no ciberespaço;

Verificar se os discursos de incentivo ao aleitamento materno nas


comunidades virtuais engendram novas formas de pensar e
viver a maternidade.

2. Por que abordar a maternidade a partir da amamentação?

CONTEXTO AMPLO: Desde as primeiras campanhas de incentivo, que


datam do século XVI, que a amamentação vem sendo colocada como um ato
natural da maternidade. A partir do século XIX, a indissociabilidade entre
amamentar e ser mãe fica cada vez mais clara nos discursos oficiais (SUDO,
2004). Essa associação (maternidade x amamentação) também é
in luenciada, negativamente e positivamente, pelos movimentos feministas
do séc XX e pelos ideais ecológicos (de retorno à natureza).

Contexto restrito: Para além desse contexto histórico e social, é


importante notar que um grande número de mulheres coloca a
amamentação como uma experiência muito signi icativa que permite uma
aproximação especial entre ela e seu bebê, sendo central para construção
de sua identidade como mãe.

Além disso, a amamentação coloca-se como a forma mais tangível de


abordar a maternidade porque o encontro real, ísico, e as primeiras
trocas/ interações mãe/bebê, acontecem nesse momento.
Independentemente de a amamentação ser estabelecida ou não, ela
promove o encontro real entre a mãe e o ilho (ao contrário da gestação,
durante a qual a mãe se relaciona com o bebê idealizado, imaginado).

3. Qual o referencial teórico adotado?


A escolha da Psicologia Cultural do Desenvolvimento como referencial
teórico deve-se ao fato desta enfatizar os processos de desenvolvimento e
transição, entendendo-se esse processo como um “intercâmbio dialético”
entre o indivíduo em desenvolvimento e o seu contexto histórico e cultural
(OLIVEIRA, Marta, 2004; LEÃO, 2004). Segundo Bastos (2007, p.19), “ [...] a
partir da Psicologia Cultural do Desenvolvimento, trata-se de perceber os
modos pelos quais o biológico é sobreposto pelo social e o cultural no
mundo social, e como a maternidade é diferentemente regulada em
diferentes contextos” . Pode ter parecido estranho o destaque no contexto
histórico e cultural dentro do campo da psicologia, mas esse “pano-de-
fundo” sócio, histórico e cultural ganha importante relevância porque,
dentro da perspectiva da Psicologia Cultural do Desenvolvimento, o
desenvolvimento é caracterizado pelas mudanças progressivas que
ocorrem “[...]com base nas interações estabelecidas dentro de um contexto,
englobando desde os processos biológicos dos organismos até as
mudanças sócio-históricas ao longo do tempo.” (Dessen & Costa JR, 2005,
p.23).

4. Por que pesquisar na internet?

Ao se considerar o contexto histórico, social e cultural da


contemporaneidade, o impacto do uso crescente da internet sobre os
sujeitos torna-se um fator importante que merece investigação. Para
alguns antropólogos, por exemplo, a cibercultura tem que ser abordada
com uma parte da cultura contemporânea. Alguns estudos indicam que as
novas tecnologias de comunicação e informação (NTCIs) potencializaram o
trabalho de incentivo ao aleitamento. As comunidades virtuais permitem
que esse grupo de mulheres se comunique e se apoie de forma mais
intensa, pois rompe com as barreiras do tempo e do espaço (GAY &
DURAN, 2004).

No que tange ao objeto de pesquisa proposto, a maternidade, Adriana


Braga (2005) destaca o impacto das NTCIs sobre a cultura feminina
porque o uso da internet para tematizar a maternidade parece afastar
qualquer julgamento pejorativo no sentido de considerar o tema
retrógrado ou démodé, “[...] propondo uma solução para esse aparente
paradoxo: ser materna e moderna ao mesmo tempo[...]” (BRAGA, 2005, p.
36). Os fóruns e comunidades virtuais também são formas de se resgatar e
modernizar a prática social feminina da “roda de conversa”. Eu escolhi o
Orkut (e não uma lista de discussão ou blog ou site) porque é a plataforma
mais popular utilizada pelas comunidades virtuais (DORNELLES, 2005).
Em 2008, o Orkut possuía mais de sessenta milhões de usuários (Reuters),
dos quais 53,94% se declararam brasileiros. Além disso, os diversos
recursos do Orkut permitem um tipo de troca social e interação
interpessoal mais ampla e mais intensa do que uma lista de discussão, por
exemplo.
Trabalho de Gabriela B. Lima, Recife

www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1954-1.pdf
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

Resumo

O Terceiro Setor tem investido na sua inserção nas Redes Sociais Digitais
para propagar seus discursos socioambientais. Apesar de defender o
emprego de meios dialógicos, os resultados em geral demonstram um
apego à lógica do discurso monológico. Para compreender como é possível
que o Terceiro Setor potencialize a comunicação bidirecional com o público
alvo, será analisado como são estruturados os discursos que estimularam
uma intensi icação de trocas comunicativas. Foram analisados os discursos
de comunidades do Orkut que geraram uma dinâmica troca de
informações, pelos conceitos de “polêmica” de inido por Maingueneau e de
“polifonia” de Bakhtin, com o objetivo de evidenciar como eles geram um
contrato comunicativo, na acepção de Charedeau, para instaurar um
diálogo constante com o indivíduo globalizado.
Existirmos, a que será que se
destina?

O motivo de estarmos aqui é simplesmente termos nascido. Uns nasceram


para brilhar, outros pra ralar, outros para amar, só para amar. Outros,
para comer suas batatas. Muitos se acham profetas, outros poetas. A
maioria apenas sobrevive. Mas é tudo muito simples:

O segredo da vida foi descoberto desde Gonçalves Dias: viver é lutar!

Lutar para nascer, lutar para respirar, lutar para mamar; lutar para
engatinhar, lutar para andar, para falar, para pensar e compreender o que
se passa no corpo e no mundo; lutar para se adequar aos outros, lutar
para aprender, para se comunicar, lutar para evitar ciladas; lutar para
‘ser’, lutar para... viver.

“A finalidade última da nossa existência: assegurar,


através de nossa pessoa, ao conceito de humanidade o
maior conteúdo possível, tanto durante o período da
nossa vida quanto além deste, deixando nele as marcas de
nossa atuação viva.

Essa tarefa somente se realiza mediante a junção do


nosso Eu com o mundo, assegurando sua
interdependência mais geral, intensa e livre”.
Von Humboldt, 1980, citado por Barbara Freitag
em seu livro ‘O indivíduo em Formação’.
Todos os vivos nascem e morrem, mas a vida é imortal.
Imperecível é o espírito da profundeza, como o seio
profundo da maternidade. Céus e terra radicam no seio da
mãe. São a origem de todos os viventes, que
espontaneamente brotam do seio da Vida.Tao Te King, de
Lao Tsé.

O que a vida nos exige, além de coragem?

Que sejamos gentis com os jovens e compassivos com os velhos;

solidários com os que lutam e pacientes com os fracos. Pois, um

dia ou outro, seremos qualquer deles.

G. W. Carver.

“O que é preciso para ser feliz nesta e na outra vida? Ser


justo. Para ser feliz nesta, dentro do que permite a miséria
da nossa natureza, o que é preciso? Ser indulgente”.
Voltaire.
Do nosso nascimento à nossa morte,
somos um cortejo de outros,
ligados por um tênue fio.
Jean Cocteau.

Operários – Tarsila do Amaral (1886-1973)


A roda da vida é: amor, ódio,
reparação (M. Klein)
Alegria, aflição

União, separação

Lealdade, traição

Derrota, superação

Soberba, humilhação

Treva, iluminação

Fome, satisfação

Estreito, imensidão

Queda, ascenção

Ofensa, perdão

Morte, concepção
Cantiga quase de roda

Na roda do mundo
lá vai o menino.
O mundo é tão grande
e os homens tão sós.
De pena, o menino
começa a cantar.
(Cantigas afastam
as coisas escuras.)
Mas como ele sabe
que os homens, embora
se façam de fortes,
se façam de grandes,
no fundo carecem
de aurora e de infância.
Na roda do mundo,
mãos dadas aos homens,
lá vai o menino
rodando e cantando
cantigas que façam
o mundo mais manso,
cantigas que façam
a vida mais doce
cantigas que façam
os homens mais crianças.
– Thiago de Mello -
“Há um dever geral de humanidade, que nos liga não
apenas aos animais, que têm vida e sentimento, mas às
próprias árvores e às plantas.” – Montaigne.
Yuri, filho de Fernanda & Juan Oliveira Cardoso

“É ainda melhor ser criança quando não somos mais,

é bom ser criança quando olhamos a criança como uma

lembrança.”

Ana Miranda
Créditos das imagens e critérios de escolha

São consideradas de domínio público as obras cujos autores morreram há


mais de 70 anos. Também são de domínio público universal as obras de
arte publicadas antes de 1923. O título de cada obra e nome do autor
encontram-se na própria imagem reproduzida neste livro.

Fontes de consulta

A principal fonte que usamos para consultas, além do Google, foi o Direct
Media, site da wikipédia alemã. Seu diretor é Vlado Erwin Jurschitza. O
acervo denominado “Projeto Yorck” oferece 10.000 obras primas de
domínio público, ou seja, até o ano de 1923.

O livro, além dos artigos originais, apresenta diversas citações, permitindo


ao leitor conhecer o pensamento dos diversos autores sobre a criança,
numa ‘viagem’ saborosa. Citações são autorizadas pela Lei nº 9610 de
19/02/98, em seu capítulo 46, desde que devidamente identi icadas as
fontes.

Sites específicos para licenciamento:

Fernando Botero: www.banrepcultural.org

Guayasamin: www.guayasamin.org/pages_ing/index.html

Gustav Vigeland: www.vigeland.museum.no/

Henry Moore: www.henry-moore.org/

Tarsila do Amaral: www.tarsila.com.br

Os demais artistas estão em museus brasileiros e internacionais ou no


directmedia ou na wikipédia. Sites de imagens ‘vintage’ e de bonecas
japonesas existem aos milhares na internet.

Casos especiais: Picasso tem obras em museus do mundo inteiro; talvez


seja o nome mais famoso da história da arte em todos os tempos. As belas
cenas domésticas de Mary Cassatt já são de domínio público, mas o acervo
se encontra sob tutela do Museu de Artes de Chicago. Uma viagem
maravilhosa, que pode ser feita virtualmente: é só fazer a busca no
onipresente e onisciente Google. Não há mais nada fora do Google: ele não
só divulga, mas ‘guarda’ e rastreia a obra de todos os criadores que
existem debaixo do sol – e mais além.
Girl and balloon, do artista contemporâneo BANKSY, com licença especial de Pest Control Office, de
Londres, para reprodução neste livro.

Para conhecer a obra desse genial artista de rua britânico,


visite www.banksy.co.uk/ e faça busca no Google,
entre mais de 20 milhões de entradas.
E aí, valeu a pena?

“A esmagadora maioria dos bebês no mundo, nos últimos milhares de anos,


tem tido uma maternagem satisfatória; se assim não fosse, o mundo estaria
mais cheio de loucos do que de pessoas sãs – e isso não acontece.

Tenho observado e falado com milhares de mãe e percebido como elas


pegam o bebê, sustentando a cabeça e o corpo. Se você tomar o corpo e a
cabeça de um bebê nas mãos e não pensar que constituem uma unidade, e
aí tentar apanhar alguma coisa no chão, pronto: a cabeça vai para trás e a
criança se divide em duas partes – cabeça e corpo. A criança começa a
chorar e nunca mais vai se esquecer disso. A coisa terrível é que nada é
esquecido. E então a criança sai pelo mundo sentindo falta de con iança
nas coisas.

Com alguns de seus filhos, vocês terão sorte se o que lhes


ministraram capacitá-los a usar símbolos, a brincar, a
sonhar, a serem criativos de modo satisfatório, embora,
mesmo assim, o caminho até chegar a esse ponto possa
estar cheio de pedras. E, seja lá como for vocês vão
cometer erros, e esses erros são vistos e sentidos como
desastrosos, e seus filhos tentarão fazer com que vocês se
sintam responsáveis pelos reverses mesmo quando vocês
não forem responsáveis. Eles simplesmente dizem: ‘Não
pedi para nascer’.

A recompensa de vocês vem na riqueza que vai


aparecendo gradualmente no potencial que cada menino
ou menina tem. Se você tiver êxito, precisa estar
preparado para ficar enciumado de seus filhos, que estão
tendo melhores oportunidades de desenvolvimento
pessoal que as que você teve. Você vai se sentir
recompensado se algum dia sua filhar pedir que você
cuide do bebê dela, numa indicação de que ela acha que
você é capaz de fazer isso de modo satisfatório, ou de
alguma maneira seu filho quiser ser igual a você, ou se
apaixonar por alguma garota que você mesmo teria
apreciado, se fosse mais jovem. As recompensas chegam
indiretamente. Claro que você sabe que não receberá
agradecimentos.”

Winnicott, Tudo Começa em Casa, Editora Martins


Fontes, SP, 1989, p. 122
Compulsory Education – Briton Rivière (1840-1920)
CAPÍTULO 16 – SUGESTÕES DE LEITURA
Gestação e parto

Gravidez dia a dia – Maggie Blott, Editora Senac

Guia abrangente sobre os 280 dias de gravidez, o parto e o nascimento.


Organizado pela obstetra consultora Dra. Maggie Blott, o livro dedica uma
página para cada dia, fornecendo um mix de conselhos práticos e
explicações detalhadas sobre as mudanças que ocorrem no corpo da
mulher durante a gestação, assim como noções fascinantes sobre o
crescimento e o desenvolvimento do bebê, ilustradas por imagens do feto.
Traz informações para uma gravidez saudável, com dicas detalhadas de
nutrição, exercícios e outros hábitos que possibilitem bem-estar à mamãe e
ao bebê.

Gravidez saudável – Cynthia Howlett

A autora decidiu compartilhar todos esses momentos através de um livro,


que falasse do corpo, dos exercícios, da alimentação, mas sobretudo do
lado emocional. A inal, é ele que realmente importa para se ter uma
gravidez saudável. Além de depoimentos de especialistas na área, o livro
conta ainda com as ilustrações de Suppa, vencedora do prêmio Jabuti
2007. (sinopse – Editora Reptil).

Humanizando nascimentos e partos – Belkis Trench & Daphne Rattner,


Editora Senac.

Diferentes pro issionais analisam os partos e nascimentos, privilegiando o


aspecto humano numa sociedade dominada pela técnica. Médicos,
psicólogos, pediatras, parteiras e educadores contribuíram para o conceito
de humanização, conquistando lugar nas corporações médica e de
enfermagem, criando voz na mídia e alcançando a aprovação da opinião
pública e do Ministério da Saúde.
Memórias do Homem de Vidro – Reminiscências de um Obstetra
Humanizado – Ricardo Herbert Jones

Ao dividir com os leitores suas histórias, suas dúvidas, angústias, alegrias e


tragédias, o autor nutre a esperança de que uma nova aurora venha a
surgir no horizonte do nascimento humano. “Memórias do Homem de
Vidro” mostra-nos um modelo de médico trabalhando em colaboração com
parteiras, enfermeiras e doulas, apoiando as mulheres, enquanto estas
reivindicam para si o poder e a majestade do parto.

Nascer Sorrindo – Frederick Leboyer

Livro clássico sobre a importância do contato delicado com o recém-


nascido e profundo respeito pela qualidade do nascimento. Adorado por
uns, considerado ingênuo por outros...

Parto Ativo – Janet Balaskas

Exercícios baseados na yoga para a gravidez, para conduzir a mulher aos


seus próprios instintos naturais para o trabalho de parto e para o parto.
Leitura obrigatória para toda grávida.

Enfim, grávidos – Hamilton dos Santos, Ed. BesteSeller, 2011

Parto Normal ou Cesárea? o que toda grávida precisa saber – Simone


G. Diniz e Ana C. Duarte. Guia prático para usuários, que expõe evidências
científicas e as opções para o atendimento ao parto.

Yoga para Gestantes – Método Personalizado Fadynha – Maria de


Lourdes da Silva Teixeira

Um livro belo e generoso. Em linguagem clara e inteligente, acompanhada


de imagens que emanam luz, Fadynha celebra o yoga com sabedoria e
intuição, apresentando dezenas de posturas selecionadas ao longo de seus
30 anos de trabalho com gestantes.
Amamentacão

A Arte de Amamentar – Karen Pryor

Mulheres e médicos redescobrem o valor da amamentação, fonte de saúde


e contentamento para a mãe e para a criança. Todo o processo de
amamentação, com aspectos anatômicos, isiológicos, nutricionais,
higiênicos e psicológicos, está minuciosamente descrito na obra. Ilustrado.

Amamentação: Bases Cientí icas – Marcus Renato de Carvalho e Raquel


Nascimento

Livro técnico e completo para pro issionais da saúde e interessados, que


analisa as vantagens da amamentação, as formas de conduzi-la e de
superar eventuais di iculdades, os fatores que podem interferir e as
soluções adequadas para essas interferências. 430 páginas, formato
grande, brochura. Guanabara, RJ, 2005.

Amamentação – Um híbrido natureza-cultura, de João Aprígio G. de


Ameida, Fiocruz, 2001, esgotado.
Massagens

Shantala – Massagem para bebês – Frederic Leboyer

Shantala tornou-se um livro famoso em todo mundo, editado em inúmeros


países. Além do aspecto cientí ico, Leboyer conciliou poeticamente as
explicações da técnica de massagem com a sabedoria milenar de seu uso.
Um livro belo e importante para a mãe e o bebê.

Tocar – O Significado Humano da Pele – Ashley Montagu Summus

Um livro que trata da importância do “tocar” em todos os aspectos do


desenvolvimento humano. O autor dedica especial atenção à pele e ao
toque para a saúde ísica e mental, mencionando a descoberta das funções
imunológicas da pele e acentuando a importância do tocar.
Pós-parto

Depois do Parto, a dor – Brooke Shields

A autora conta a história de como lutou contra um distúrbio muito


incompreendido, apesar de afetar uma em cada dez mulheres, fala da luta
para icar grávida, da alta expectativa que teve em relação à maternidade,
da doença no contexto de sua vida em seu papel de nova mãe. Por im,
Brooke conta como encontrou uma saída. Um relato sincero e emocionante!

Depressão Pós-Parto – Erika Harvey

O livro mostra a diferença entre a depressão conhecida como “baby blues”,


que afeta quase todas as mulheres após o parto, sem maiores
consequências, e a depressão grave que requer intervenção de
pro issional capacitado. Saber identi icar essa diferença, às vezes bastante
sutil, cabe à própria mulher, aos familiares à sua volta e aos seus médicos,
leitura de grande utilidade para todos.

A maternidade e o encontro com a própria sombra, Laura Gutman, Editoria


Bestseller. Sinopse: Com a chegada dos ilhos, muitos aspectos ocultos da
psique feminina são desvelados e ativados. Os períodos de pré e pós-parto
são um marco; enfrentá-los, um desa io repleto de incertezas e pequenas
vitórias. Após anos dirigindo uma instituição de apoio à família, a
psicoterapeuta familiar Laura Gutman trata com profundidade todos os
aspectos que envolvem a experiência da gestação. A maternidade e o
encontro com a própria sombra é uma leitura valiosa para as mulheres
que precisam e desejam entender suas emoções durante essa fase e
superar a insegurança, que pode prejudicar a criação de um filho.

Puerpérios – de Laura Gutman, Ed. Argentina, ainda sem tradução entre


nós.

Luto Materno e Psicoterapia Breve – Nely Klix Freitas

A perda de um ilho é um dos acontecimentos mais di íceis de aceitar, pois


nenhuma mãe espera enterrar um ilho. O livro focaliza as rnanitestações
do luto em mães que perderam seu ilho ainda jovem, pelo câncer, ou por
uma doença repentina e fatal. A obra identi ica e analisa o luto materno
através de uma abordagem terapêutica individual e faz uma extensa
revisão sobre psicoterapia breve, de orientação psicanalítica, apresentando
vários casos com suas avaliações psicológicas.
Desenvolvimento, limites, birras

A Autoestima de Nossos Filhos – Dorothy Corkille Briggs


A tese do livro é como agir para nunca reduzir a autoestima do seu ilho:
elogiá-lo quando aprende alguma coisa, ouvir suas pequenas conquistas,
não mentir ou exagerar nesse intento, mostrar ao ilho seu verdadeiro
valor. Cheio de dicas valiosas, nos remete a profundas análises de nossos
conceitos antigos e ultrapassados. Faz mudar completamente nossa
maneira de agir com os futuros adultos.

A Criança Terceirizada – Os descaminhos das Relações Familiares no


Mundo Contemporâneo. José Martins Filho, Ed. Papirus, SP, 2009

Baby 411 – Ari Brown & Denise Fields – Clear answers & Smart advice
Livro despretensioso, com ótimas dicas de saúde.

Bésame Mucho – Carlos Gonzalez


Érika: O livro incentiva as mães a criarem seus ilhos com amor. É focado
na criança, tratando-a como uma pessoa com vontades e gostos próprios e
incentivando os pais a confiarem mais em seus instintos.

Andréia: Esse livro ainda não foi lançado no Brasil. O autor é pediatra, e o
livro não pretende ser um meio termo; é extremista e toma claro partido
d a criança. Besame Mucho vem devolver aos pais a con iança naquele
sentimento que os pais sentem, desejam e fazem pelos ilhos: o amor. Ele
aborda vários aspectos da educação, principalmente os mais polêmicos
como sono, alimentação, birras, limites e principalmente ‘desmisti ica
várias teorias antinaturais que pregam por aí. Imperdível!

Brincando a Brincadeira com a Criança Deficiente – Marlene Lorenzini


É um livro que trata da importância do brincar para estimular o
desenvolvimento sensório-motor da criança, inclusive das que têm alguma
de iciência motora. De modo simples e criativo, a autora explica o processo
de aquisição das habilidades motoras, a partir do que ela chama Brincar a
Brincadeira. Para pais, pro issionais e estudantes envolvidos com crianças
de icientes, demonstra a necessidade de se despojar dos bloqueios
adquiridos em relação ao brincar e à criança.
Coleção do autor: Françoise Dolto

As Etapas Decisivas da Infância


As etapas decisivas são, na trajetória da criança, os momentos mais críticos
que ela deve atravessar para chegar à adolescência e à idade adulta.

Destinos de Criança
Françoise Dolto aborda neste livro os temas essenciais dos limites dos
papéis respectivos de todos os que lidam com as crianças e suas famílias,
dos limites do poder do adulto sobre a criança, da necessidade das
castrações simbólicas e do papel do desejo na dinâmica do indivíduo.
Françoise Dolto elabora uma verdadeira ética do trabalho social e, além
disso, uma ética do desejo.

Os Caminhos da Educação
Ler Françoise Dolto, nestes artigos e conferências aqui reunidos pela
primeira vez, é encontrá-la livre, admirável, contemporânea. É sentir a
força de uma ética que a impele a se dirigir a todos, pais e educadores,
defendendo a causa das crianças e colocando as aquisições da psicanálise
a serviço da educação.

Quando os Pais se Separam


Construído sob a forma de uma grande entrevista conduzida por Inês
Angelino, este livro de Françoise Dolto é uma contribuição inestimável para
a problemática das crianças atingidas pela separação dos pais, fruto de
uma longa experiência de estudo e atendimento a crianças.
Quando Surge A Criança – Tomo I – Papirus
Durante alguns meses, ao inal dos anos 70, um programa de rádio
alcançou grande sucesso: era Françoise Dolto esclarecendo diariamente
dúvidas de pais e familiares em relação à educação dos pequenos. O
essencial de uma primeira série desses programas está reunido aqui. A
principal intenção da autora é suscitar a re lexão sobre algumas questões
em educação infantil.

Quando Surge a Criança – Tomo II – Papirus


Nesse segundo tomo estão reunidas as respostas às indagações dos pais,
em particular sobre a ordem e a desordem, as perguntas das crianças
sobre a sexualidade, a adolescência, a falsa ideia de um desenvolvimento
normal, o papel da psicoterapia, da reeducação e da psicanálise.

Quando Surge a Criança – Tomo III – Papirus


No terceiro tomo, Françoise Dolto discute abertamente e com objetividade
problemas comuns a muitos pais. Como sempre, preocupa-se em deixar
muito claro que toda criança tem necessidade de se sentir desejada e
insiste que o respeito é condição essencial nos processos educativos.

Coleção da Autora (Você e seu filho): Michele Kennedy – pela Publifolha


Livrinhos que oferecem soluções práticas testadas e aprovadas por pais e
mães que já estiveram no seu lugar (e sobreviveram, rs.):
Na hora de comer – 99 estratégias para não perder a paciência
Este livro apresenta diferentes métodos para transformar o almoço e o
jantar de seus ilhos em atividades agradáveis, mesmo que haja legumes
no cardápio. Com dezenas de dicas – que tratam desde como fazer os
pequenos se divertirem enquanto comem até como agir com crianças
“enjoadas”.

Na hora de dormir – 99 estratégias para não perder a paciência


Fazer com que seu ilho tenha uma boa noite de sonho ou desfrute a hora
da soneca pode ser extremamente di ícil. Quando todas as tentativas
parecem dar errado, por que não utilizar a experiência de outros pais para
tornar as relações com as crianças menos estressantes? Este livro
apresenta diferentes métodos para ajudar seu ilho a dormir bem e
crescer com mais disposição e energia. Com dezenas de dicas – que
ensinam a lidar com insones, acabar com os monstros debaixo da cama,
facilitar a árdua transição cama-berço e ainda ter tempo para seu
casamento.

Na hora do chilique – 99 estratégias para não perder a paciência


Este livro apresenta diferentes métodos para evitar que as crianças dêem
chilique e para orientar os pais quando isso acontece. Com dezenas de
dicas que sugerem alternativas ao “não”, mostram como acalmar os
pequenos e ensinam formas racionais de lidar com a manha.

Na hora do choro – Você e seu filho


Identi icar o motivo do choro de seu ilho e fazê-lo parar com o berreiro
requer muita calma e habilidade. Quando todas as tentativas parecem dar
errado, por que não utilizar a experiência de outros pais para tornar as
relações com as crianças menos estressantes? Apresenta diferentes
métodos para lidar com o choro do bebê e descobrir o que ele está
sentindo. Com dezenas de dicas – que ensinam a atenuar as dores
causadas por cólicas, assaduras ou nascimento de dentes e a amenizar a
sensação de solidão que aflige as crianças.
Coleção do autor: Winnicott, Donald W.

A criança e seu mundo


Sua longa experiência de pediatra e psicanalista proporcionou ao autor
uma posição ímpar no estudo da psique infantil. Começando pelo vínculo
natural entre mãe e ilho, o autor versa sobre as fases mãe- ilho, pai- ilho,
criança-escola. Dos problemas de alimentação aos primeiros passos; da
fase inicial da evolução do ser humano, passa a focalizar di iculdades
concretas com o ilho único ou gêmeos, e as primeiras tentativas de
independência. Timidez, educação sexual nas escolas, as raízes da
agressão, a delinquência juvenil, são outros temas abordados por essa
obra clássica, apesar do tom coloquial e familiar. Ao abrir as primeiras
páginas, poderá o leitor supor ser um guia de comportamento materno.
Logo se verá que é uma obra da moderna pedagogia infantil, válida para
educadores, pediatras e psicólogos.

Da pediatria à psicanálise. Imago, 2000.

O Brincar e a Realidade
Contribuição ao estudo do desenvolvimento humano, baseado em trabalho
clínico com bebês e crianças.

Os Bebês e suas Mães


Para um bebê começar uma existência independente, são necessários
cuidados, que vão além da alimentação. Esses cuidados, que Winnicott
chama good-enough mothering (boa maternagem), são descritos neste
livro com minúcia e profundidade e de modo agradável. Winnicott foi o
primeiro a introduzir na pediatria o estudo do desenvolvimento da criança
e da teoria psicanalítica. Nesta obra, ele fala a um público amplo sobre as
questões fundamentais da infância – as necessidades mínimas de todo
bebê, a amamentação como primeiro diálogo, os primeiros sinais da
personalidade e a natureza da comunicação não verbal no par mãe-bebê.

Tudo começa em casa


É um livro cujos temas demonstram a profundidade de sua convicção de
que a estrutura da sociedade reflete a natureza do indivíduo e da família.
Como Educar meu Filho? Rosely Sayão.
A psicóloga Rosely Sayão reúne nesta coletânea artigos sobre educação
familiar que publicou na Folha de S.Paulo entre 2000 e 2002. A autora não
oferece receitas, mas propõe questionamentos para que pais e educadores
possam criar, em relação à educação de crianças e adolescentes, um
caminho próprio com mais consciência e responsabilidade.

Crescendo com Saúde: O Guia de Crescimento da Criança Vol. I e II –


Maria Luiza de Brito Ctenas & Cátia Medeiros (nutricionista)
Livro de linguagem simples, que aborda o crescimento e desenvolvimento
infantil; une aspectos teóricos da nutrição com práticas culinárias. Além de
bem ilustrado, apresenta explicações simples de conceitos nutricionais,
sendo ideal para quem deseja melhorar a qualidade da alimentação de
seus filhos.

Crianças bem Resolvidas – William Sears e Martha Sears


O que é uma criança bem resolvida? É uma criança feliz, bem adaptada e
bem estruturada moralmente, dizem esses importantes especialistas em
cuidado infantil. Os autores demonstram que uma criança bem resolvida é
uma criança com vínculos – ligada não apenas à família, mas ao mundo
exterior. E oferecem informação prática e exemplos que o leitor poderá
utilizar para fomentar esses laços e vínculos de uma forma saudável. Ao
propor estudos de casos provenientes de seus quase 30 anos de prática e
de sua própria experiência como pais de oito ilhos, os Sears falam de
crianças que venceram os desafios do crescimento.
Eduque Com Carinho – Lídia Weber
Livro cheio de dicas, exercícios práticos, poesias; super carinhoso. Ensina a
respeitar os limites e di iculdades que nossos ilhos passam nas fases de
desenvolvimento, promovendo uma educação positiva. Acompanhado de
outro livro direcionado aos filhos.

Filhos – I e II – SBP: Flávio Ancona & Dioclécio de Campos Jr, Ed. Manole,
SP, 2010-2011.
Gestos de cuidado, gestos de amor – amamentação, colo, sono, postura –
André Trindade, Summus Editorial, Sp, 2007
Inteligência Emocional e a Arte de educar Nossos Filhos – John
Gottman, Joan De Claire.
Andréia: O livro é de longe um dos melhores que já li. Orienta os pais a
avaliarem seus métodos de lidar com as emoções dos ilhos, guiando-os a
melhorar essa interação. Conforme os pais fazem os testes propostos no
livro e avaliam suas reações às emoções dos ilhos como alegria, tristeza,
raiva, o autor ajuda-nos a entender e guiar as crianças com empatia.

Limites sem Trauma – Tânia Zagury


Como, quando e por que dizer “não” aos ilhos. E também como, quando e
por que dizer “sim”. Com utilíssimos capítulos divididos por faixas etárias, o
livro ‘descomplica’ o dia-a-dia da família e indica as necessidades das
crianças em cada etapa do desenvolvimento – sempre relacionadas às
respectivas tarefas dos pais em relação aos limites. ‘Limites sem trauma’
cumpre a tarefa de dar segurança, embasamento técnico e diretrizes
educacionais aos pais, livrando- os da culpa e da insegurança que tanto os
afligem.

Livro das Famílias, pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Fiocruz – MS


– Suely F. Deslandes, 2005
Manual para Crianças com pais-problema – Jeanne Van Den Brouck -

Taty Klein: O livro é todo voltado para os bebês aprenderem a lidar com os
pais, e não o contrário. A linguagem simples e bem humorada, às vezes até
irônica, torna o livro divertido e facilita a compreensão do mundo infantil.

My Child Won’t Eat – Carlos González (original em espanhol Mi nino no


me come).
Flávia Oliveira Mandic: Excelente para desfazer alguns mitos e o costume
da preocupação exagerada sobre o quanto a criança pequena come. Dicas
carinhosas, um livro para libertar os pais do hábito de forçar o ilho a
comer.

Momentos Decisivos do Desenvolvimento Infantil – Berry Brazelton


Milhões de pro issionais e pais ao redor do mundo têm-se baseado na
sabedoria do Dr. Brazelton e na teoria dos momentos decisivos para criar
seus bebês. O autor, juntamente com o psiquiatra infantil da Escola de
Medicina de Harvard, Joshua Sparrow, oferece orientações a respeito de
todos os desa ios e as questões mais importantes e frequentes, de forma
abrangente e segura, além de cientificamente embasada.
Momentos Mágicos com seus Filhos – Steve Biddulph
É um livro que o ajudará a colocar o amor em ação. Bem humorado e fácil
de ler. Steve Biddulph é mundialmente conhecido pela franqueza e carinho
com que aconselha os pais a educarem melhor os ilhos. Entre vários
assuntos, fala sobre o segredo de criar crianças bem-comportadas, ensina
como entrar em contato com seu filho, qual a diferença entre criar meninos
e meninas e como auxiliar as crianças a adquirirem autoconfiança.

O Bebê Mais Feliz do Pedaço – Harvey Karp


O método apresentado nesse livro parte de quatro conceitos que se
mostraram revolucionários justamente por sua simplicidade. “A falta do
quarto trimestre” demonstra como, ao nascer, o bebê se parece mais com
um feto do que com um ser humano plenamente desenvolvido,
necessitando ter, por três meses além dos nove da gravidez, sensações que
reproduzam as condições do útero.

Andréa: Destinado a mães de bebês recém-nascidos até 3-4 meses; o autor


realça a necessidade de os bebezinhos terem um ambiente semelhante ao
útero materno, na fase inicial de adaptação ao mundo externo. Ele sugere
que a mãe carregue o bebê no sling, que o amamente em livre demanda,
deixe-o dormir quando e quanto quiser, embrulhe-o num ‘charutinho’
(cueiro), fazendo movimentos suaves que lembram as caminhadas da mãe
com o bebê ainda no útero, e muitas dicas sobre como lidar com o recém-
nascido. Dr. Karp tem a teoria de que todo bebê nasce prematuro em cerca
de 3 meses. No curso da evolução natural, nos tornamos bípedes e, assim,
temos a pelve estreita para o tamanho da cabeça feastl, o que
impossibilitaria a passagem de um bebê com 12 meses de gestação pelo
canal vaginal na hora de nascer. Ele considera os três primeiros meses de
vida do bebê como se ele ainda estivesse no útero.
O manejo em casa da criança com paralisia cerebral – Nancio Finnie
Esta nova edição ampliada e atualizada inclui uma ampla gama de
informações tanto para terapeutas e enfermeiras quanto pais e cuidadores
que lidam com crianças com paralisia cerebral, e que buscam ajudá-las a
atingir seu potencial de independência nos movimentos e nas atividades
funcionais. Desde a publicação da primeira edição, as ideias sobre as
terapias apropriadas modi icaram-se e desenvolveram-se, surgindo novos
conceitos para a intervenção terapêutica.

O primeiro ano de vida – René Spitz – um clássico.


Ao contrário do que comumente acontece com as publicações de
psicanalistas, essa descrição minuciosa e cuidadosa das interrelações
emocionais entre mãe e ilho destina-se a um círculo mais amplo de
leitores. A linguagem usada pelo autor, apoiada em ótimas ilustrações, é
direta e bastante simples para ser compreendida pelas mães e pelos que
trabalham com crianças, mesmo que não tenham conhecimentos de
psicologia.

O Segredo na infância – Cottle, T. J.


Este livro é sobre segredos de crianças. É um livro pessoal, no sentido de
que apresenta uma série de retratos e estudos das vidas de crianças
unidas por um traço pessoal em comum – todas têm um segredo
significativo sobre suas famílias.

O Tratamento da Criança Agressiva – Redl, Fritz e Wineman, D.


Este livro é o complemento de ‘A criança agressiva’. Os autores expõem em
linhas gerais um novo método de tratamento destinado a enfrentar os
distúrbios da criança agressiva. Um dos objetivos é levar os pais e
cuidadores a re letirem sobre suas atitudes educativas e os métodos
utilizados nos internatos e nos centros de reeducação.

O valor terapêutico de contar histórias – Margot Sunderland – Ed.


Cultrix, SP, 2005 – excelente.

Ourbabies, ourselves – How biology and culture shape the way we


parent – Meredith Small.
Andréa: é um livro que vale muito a pena ser lido. A autora é
antropóloga e fala da in luência da biologia, do ponto de vista evolutivo, e
das diferentes culturas na forma como criamos nossos ilhos, o que nos faz
pensar bastante sobre nossos valores e por que agimos como agimos. Ela
mostra como é a criação de ilhos em culturas de vários povos não
totalmente ocidentalizados, bem como nos EUA e no Japão. Além disso, tem
um capítulo só sobre sono e os benefícios de se dormir com os bebês.

Pais e Filhos – Companheiros de Viagem – Roberto Shinyashiki


Andrezza: Roberto, pai de 5 ilhos, traz uma linguagem simples, acessível,
com exemplos da sua própria vida, em um tom de conversa. Apresenta,
temas importantes como a educação dos adolescentes, sexualidade,
homossexualidade e diversas questões que os a ligem neste momento
cheio de descobertas. A passagem da infância à adolescência e da
adolescência à fase adulta é discutida com carinho e amor por quem
acredita que a amizade, com limites, é a mais importante companhia para
os pais, mães e filhos.
Seu ilho no dia a dia – dicas de um pediatra experiente – Antônio
Márcio Lisboa, Ed. Record, RJ, 2003.
O nome do autor e o próprio título dão conta da importância de suas
observações para o dia a dia das crianças.

Sinais: A Linguagem do Bebê – Linda Acredolo e Susan Goodwyn


Andrezza: Livro divertidíssimo com várias experiências, que consegue nos
trazer tranquilidade com as novas descobertas dos bebês que estão
aflorando no mundo das palavras.

Soluções para noites sem choro – Elizabeth Pantley


Andréia: Elizabeth Pantley, mãe de 4 ilhos, escreveu esse livro com muito
amor! Cheio de informações sobre os padrões de sono do bebê, ajuda a
família a entender seu bebê, estimula que o observe e desenvolva um
plano personalizado que seja razoável para SUA família, levando em
consideração sua individualidade. A mãe e o pai, como pessoas que mais
conhecem o bebê, vão decidir entre as muitas dicas do livro, quais são
adequadas para o bebê. Ajuda a estabelecer rotinas, fazer rituais pré-
cama, melhorar as sonecas, transferir o bebê para outra cama ou outro
quarto, etc. Contra o choro sem consolo. Em minha opinião, leitura
obrigatória para toda mamãe grávida.

The baby book – William Sears e Martha Sears – em inglês e português.


Andréia: Dr. Sears é pediatra e sua esposa é enfermeira pediátrica e
consultora de amamentação. Eles têm 8 ilhos e já escreveram 32 livros
sobre amamentação, gravidez e cuidados com os bebês. São considerados
precursores do Attachment Parenting. É uma verdadeira bíblia aqui em
casa, tem informações sobre TUDO de bebês (recém-nascidos até 2 anos),
tudo mesmo! E a melhor parte é que eles incluem suas experiências no
livro, isso é essencial. É interessante e enriquecedor poder identi icar-se
com as experiências relatadas no livro.

The happiest toddler in the block – Harvey Karp. Em português,


somente em DVD.
Andréia: é a continuação do livro “O bebê mais feliz do pedaço”, para
crianças de 1-6 anos. Infelizmente só tem em inglês, para mim todos os
ensinamentos deles são o que tem me dado segurança para lidar com
muitas situações típicas dos 2 aninhos e falo com muito orgulho que ele
nunca fez uma birra na vida dele (e devo parte disso aos ensinamentos do
Dr. Karp).

The Science of Parenting – Margot Sunderland, DK, NY, 2006.


Pena que não haja edição brasileira. Verdadeiro tratado de neurociência
da infância.

Equoterapia – Ana Luisa de Lara Uzun – Editora: VectorPro


Este livro destina-se a pro issionais e estudantes que estejam enveredando
para o trabalho terapêutico com uso de cavalo. É o resultado de estudos na
área neurológica, bem como a experiência prática e a vivência da autora
em equipe interdisciplinar dentro da equoterapia. Tendo como foco
principal os distúrbios do equilíbrio, esta obra acaba por apresentar um
painel geral sobre o tema, fornecendo informações valiosas sobre a
equoterapia e suas possibilidades.
Ciências sociais

A Máscara da Maternidade – Por que ingimos que ser mãe não muda
nada? Susan Maushart, Melhoramentos, SP, 2006.

Antropologia da Maternidade – Mãe Natureza: uma visão feminina da


evolução, maternidade, filhos e seleção natural. Sarah Blaffer Hrdy.

Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no


Brasil Colônia. Mary Del Priore, Editora: UNESP, SP, 2009.

Com que corpo eu vou? Joana Vilhena Novaes, Editora PUC/Pallas, 2006.

Mulheres na História do Brasil, Mary Del Priore Ed. Contexto, SP, 1997.

Motherguilt, How Culture Blames Mothers for what’s wrong with


society, Diane Eyer, Times Books, NY, 1996.

DVDs:

“A criança mais feliz do pedaço” – Harvey Karp Dvd do livro The


Happiest Toddler On the Block

Em “The Happiest Toddler” Volume 1, o Dr. Harvey Karp, conhecido


pediatra e expert em desenvolvimento infantil, revela uma maneira
totalmente nova e e i caz de comunicar-se com nossas crianças. Nos
últimos 30 anos, o Dr. Karp tem ensinado suas técnicas a milhares de pais
desde mães que trabalham fora. E agora os médicos mais conceituados da
América estão elogiando esse novo conceito revolucionário que mudará
para melhor a vida dos pais.
MEUS DEZ MAIS

1. “A Saúde dos nossos Filhos”, de Renata D. Waksman e Cláudio


Schwartsman, Publifolha, 2005.

2. “Como criar seu Filho”, de Rosely Sayão, Publifolha.

3. “Crianza” e “La Família Ilustrada”, de Laura Gutman.

4. “Eduque com Carinho”, de Lídia Weber, Editora Juruá, 2005.

5. “Filhos”, de Fabio Ancona Lopez e Dioclécio Campos Jr. Editora Manole (


I, II e III), 2010-2012.

6. “Gestos de Cuidado, Gestos de Amor” – André Trindade, Summus


Editorial, SP, 2005.

7. “Meu Bebê”, de Desmond Morris, Larrouse, 2009.

8. “O Brincar e a Realidade”, de D. Winnicott.

9. “Solidão” e “Caminhos da Educação”, de Françoise Dolto, Editora


Martins.

10. “The Science of Parenting”, de Margot Sunderland, DK, NY, 2006.


Para creches e escolinhas

Crianças e Adolescentes Seguros – SBP – coord. Renata Waksman,


Regina M. Gikas e Wilson Maciel, Publifolha, SP. 2005.

Livro indispensável e completo, com dicas excelentes, ilustrações e toda a


orientação necessária à prevenção de acidentes com crianças e jovens.
Pequenos livros, grande ajuda

Caderneta de Saúde da Criança – Menino/Menina – Ministério da


Saúde (indispensável e gratuito).

Filhos Sadios, Pais Felizes – Dr. R. Pagnoncelli, LPM Pocket, 2006.

Guia CRESCER do Comportamento – Ed. Globo, (simples e interessante).

Saúde do RN: Guia para os pro issionais de saúde. Série Normas e


Manuais Técnicos do Ministério da Saúde www.saude.gov.br/bvs

Toques sobre os cuidados com os bebês – Dr. João Claudio Lara


Fernandes, Ed. Espaço e Tempo, 2ª. ed, 2005.

A revista CRESCER apresenta, em cada dezembro, sua lista dos melhores


livros do ano. Segundo a revista, os 10 mais citados entre os melhores de
todos os tempos são:

Reinações de Narizinho (vol. 1 e 2) , de Monteiro Lobato (Editora Globo)


e ilustrações de Paulo Borges

Bisa Bia, Bisa Bel – Ana Maria Machado (Editora Salamandra)

A Bolsa Amarela – Lygia Bojunga (Editora Casa Lygia Bojunga)

Marcelo, Marmelo, Martelo e Outras Histórias – de Ruth Rocha e


ilustrações de Adalberto Cornavaca (Editora Salamandra)

Ou Isto ou Aquilo – Cecília Meireles e ilustrações de Thaís Linhares


(Editora Nova Fronteira)

Contos de Grimm – de Wilhelm e Jacob Grimm (Editora Cia. das


Letrinhas)
Flicts – de Ziraldo (Editora Melhoramentos)

Contos de Andersen – de Hans Christian Andersen (Editora Ática)

O Menino Maluquinho, de Ziraldo (Editora Melhoramentos)

Alice no País das Maravilhas – de Lewis Carroll, ilustrações de


Laurabeatriz (Cia. das Letrinhas)

A Folhinha de SP apresenta sua lista em


www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u70169.shtml

Livros recomendados para leitura em voz alta:


www.planonacionaldeleitura.gov.pt/escolas/livrosrecomendados.php?idLivrosAreas=3

blog do estadãoblogs.estadao.com.br/estante-de-letrinhas
BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, João Aprígio Guerra de. Amamentação – Um híbrido natureza-


cultura. Editora Fiocruz, RJ, 1999.

ALVES, Claudia Regina Lindgren & Viana, Maria Regina de Almeida. Saúde
da Família: cuidando de crianças e adolescentes. Belo Horizonte: Coopmed.
2004.

ARAGÃO, Regina Orth de. O Bebê, o Corpo e a Linguagem. Coleção Primeira


Infância, Editora Casa do Psicólogo — Sao Paulo — 2004.

AROUCA, Sérgio. O Dilema Preventivista. Fiocruz, RJ, 2003.

BARTHES, Roland. Michelet, Companhia das Letras, 1991.

COHEN, Michel. The new basics. O que você precisa saber para cuidar bem de
seu filho, de A a Z. Ed. Integrare, SP, 2010.

COOPER, Colin. O guia do papai, Editora Novo Conceito, SP, 2010.

COMTE-SPONVILLE, André. A Vida Humana, Ed. Martins Fontes, SP, 2009.

DIMENSTEIN, Gilberto. O Cidadão de Papel. São Paulo, Atica, 1997.

DOLTO, F. As etapas decisivas da infância, Martins Fontes, SP, 2007

DOLTO, Françoise. Di iculdade de viver. Porto Alegre, Artes Médicas Sul,


1988.

_________ Psicanálise e Pediatria. RJ, Ed. Guanabara, 1974.

_________ Seminário de Psicanálise de Crianças, Guanabara, RJ,s/d.

_________ Solidão. Entrevistas clínicas, Martins Fontes, SP, 2000.

DUNCAN, Bruce B., Schmidt, Maria Inês & Giuliani, Elza R.J. Medicina
AmbulatoriaL. Condutas de Atenção Primária baseadas em evidência . PA,
2006.

ERASMO. De Pueris (Dos Meninos). A Civilidade Pueril. Escala. Sao Paulo.


s/d.

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Acidentes e Violência, Publifolha, SP, 2005.

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WINNICOTT. Os Bebês e suas mães, Martins Fontes, SP, 2006.

_________. Tudo começa em casa, Martins Fontes, SP, 2005.

WINTER, Themis & Ernesto Duvidovich. Maternagem – Uma intervenção


em saúde, Casa do Psicólogo, SP, 2004.

WOLK, Claudine. Vai ficar mais fácil. Ed. Novo Conceito, R. Preto, 2011.

Obs.: cada capítulo apresenta suas próprias dicas de leitura.

O Ministério da Saúde oferece excelentes publicações


gratuitas: livros, cartazes e a Caderneta da Criança Brasileira,
que atualmente está bem completa, com excelentes informações
para os pais.

O kit Família Brasileira Fortalecida é uma iniciativa do Fundo


das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Governo Federal e
28 ONGs, que vêem a família como principal promotora dos
direitos de crianças e adolescentes e a mais importante
referência de felicidade e segurança. O kit contém cinco álbuns
que explicam os cuidados necessários para as crianças desde a
gestação até os 6 anos de idade. Todos os álbuns estão
disponíveis on-line, em formato PDF.
www.unicef.org/brazil/fbf_albuns.htm

Biblioteca Virtual em Saúde: www.saude.gov.br


Links úteis

ALEITAMENTO MATERNO X USO DE MEDICAMENTOS

Medicamentos e amamentação
www.aleitamento.med.br/a_artigos.asp?id=1&id_artigo=903&id_subcategoria=1

Remédios e amamentação
gballone.sites.uol.com.br/mulher/gravimed.htm

Site da SBP: Sociedade Brasileira de Pediatria


www.sbp.com.br

Medicamentos na amamentação
www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=21&id_detalhe=1715&tipo_detalhe=s

Manual do Grupo Origem


www.aleitamento.org.br/medicamentos/

Aleitamento Materno
www.aleitamento.org.br

www.aleitamento.com

www.fiocruz.br/redeblh

Asma
www.asmasobcontrole.com.br/index.asp#

www.pulmolab.com.br

Direitos Autorais
www.orkut.com/Community.aspx?cmm=10899928

Cuidados com o recém-nascido


www.neonatalogy.org
www.campinas.sp.gov.br/saude/sua_saude/cuidados/dicas_cuidados_recem_nasc.htm

Coordenação Nacional de DST E AIDS


www.aids.gov.br

CDC
www.cdc.gov.br

Sites de interesse da futura mamãe:


www.bebe2000.com.br

www.guiadobebe.com.br

www.babysite.com.br

www.saudedafamilia.com.br

www.pai.com.br

www.amigasdoparto.com.br

www.metodocanguru.org.br

Conexão Dr. José Martins Filho


www.facebook.com/groups/203863813008633/

Aleitamento Materno Solidário


www.facebook.com/#!/groups/aleitamentomaternosolidario/
(as meninas são extremamente acolhedoras e dão um suporte incrível à
amamentação).

DIREITOS DA INFÂNCIA

Agência de Notícias dos Direitos da Infância


www.andi.org.br

CONANDA
www.planalto.gov.br/sedh/

Inclusão de deficientes
www.saci.org.br

Guia de solidariedade em SP
www.saci.org.br/?modulo=akemi&parametro=11262

Linhas pedagógicas
www.clicfilhos.com.br/site/dmateria.jsp?titulo=Tradicional%20ou%20moderno?
%20Voce%20decide!

www.escoladafamilia.sp.gov.br/destaques.html
Órgãos oficiais
OPAS — www.opas.org.br | OMS — www.who.int | ANVISA — www.anvisa.gov.br

Pacto nacional para redução da mortalidade materna e neonatal


www.saude.gov.br/sgtes/pactonacional

Pneumologia – www.pneumolab.com.br

Portal da Criança – www.portaldacrianca.org.br

Saúde coletiva – www.direb.fiocruz.br

Saúde da Criança Down – www.apaesp.org.com

Síndrome de Down — Site oficial da APAE de Sao Paulo;

www.servicios-globales.com/fdownlag — Síndrome de Down — em espanhol;

“Lugar de Vida” — Somente o e-mail: lugvida@edu.usp.br. Fazem um trabalho


com crianças autistas e psicose infantil, destinado a apoiar familias
carentes; Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida — Av. Prof. Lucio Martins
Rodrigues, Trav 4 — Bloco 17 — CEP05508-900 — Cidade Universitaria
— SP — Telefax: 818-4475;

www.viasaude.com.br — Portal de informações médicas.

www.facc.org.br — Site da Fraternidade Assistencial Casa do Caminho. A FACC


e uma casa que mantém 5 crianças excepcionais, e hoje, ‘com muito
orgulho, podemos servir de exemplo de bom tratamento, carinho e amor
para com nossas crianças que são mantidas por doações e voluntariado’;

www.hygeia.org — Site de ajuda e suporte emocional a mães que perderam


bebês na gravidez. Perder bebês é uma coisa muito comum, mas não se
fala muito disso nos sites. “Hygeia” é uma organização não governamental
fundada para dar suporte às familias que perdem bebês ou gestações; sem
ins lucrativos, foi criada por um médico que também escreveu um livro
sobre o assunto (“Parenthood loss” — Michael Berman, no site da
Amazon);

www.infans.org — site da Infans, que é uma Unidade de Atendimento ao bebê.

www.viasaude.com.br — Portal de informações médicas.


Informações, Curiosidade e Variedades

www.crpsp.org.br — Estatuto da Criança e do Adolescente;

www.kabalarians.com (em inglês) — Mais de 500.000 nomes de bebês com


significado

www.cartoriodobutanta.com.br — Os pais podem registrar seus ilhos e se


informar pela internet;

mothern.blogspot.com — blog criado pelas publicitárias Juliana Sampaio e Laura


Guimarães para falar da experiência de mulheres como mães modernas.
Tudo com muito bom humor.

Imperdível: um site de mulheres amigas do parto: www.amigasdoparto.com.br

Um site lindo sobre a arte de amamentar www.aleitamento.org.br

Movimento de mulheres pela saúde e direitos reprodutivos no Brasil


www.redesaude.org.br

Cartilha sobre direitos das grávidas


www.redesaude.org.br/html/ct-gravidezsaudavel.html

Um passeio pela biblioteca virtual em saúde reprodutiva:


www4.prossiga.br/saude-reprodutiva

E quem disse que ter filhos é um assunto só de meninas?

Nao deixe de visitar www.ufpe.br/papai

Página da ReHuNa:
www.rehuna.org.br

Site da obstetriz Marilia Largura — vários temas sobre parto


www.partohumanizado.com.br/links.html
www.partodoprincipio.com.br
PARCERIAS

Bazar Coisas de Mãe: www.bazarcoisasdemae.blogspot.com

Espaço Acalanto, DF: www.eacalanto.com.br / psi. Clarissa Kahn

Instituto Zero a Seis: www.zeroaseis.org.br / pela criança desde 2006

Papo de Mãe: www.papodemae.com.br interessante programa pela TV Brasil


aos domingos, 16 h. e aos sábados, 11 h.

Rede Cooperação Criança e Paz: redecriancaepaz.ning.com


Muito ativa e dinâmica, dedicada a promover os direitos das crianças,
garantidos pelo artigo 227 da Constituição Federal.

ENDEREÇOS ÚTEIS EM SP

1. Associação Brasileira de Distrofia Muscular — ABDIM

Endereco: R. Engenheiro Teixeira Soares, 715 – Butantã.

Fone: 3814-8562 / 3097-9702

e-mail: abdim@sili.com.br

site: www.abdim.org.br

Clientela: Pessoas com distrofia muscular.

Serviços:

Atendimento isioterápico com hidroterapia e cinesioterapia; apoio


psicológico individual e em grupo; apoio pedagógico, estimulação da
criatividade e do raciocínio; informática e assistência social às familias.

Oferece encaminhamento e orientação às familias, transporte gratuito e


cesta básica. Como chegar na ABDIM: agendar consulta e exames no
Centro de Estudos do Genoma Humano, pelos telefones: 3091-7966—
ramais: 215 / 243. Pagamento conforme a renda.

2. Associação Amigos do Autista

Endereco: R. dos Lavapés, 1.123— Cambuci.

Fones: 3272-8822 / 3207-2363

Horários de atendimento: 2a a 6a feira das 8 às 17 horas

Pessoas Atendidas: Autistas de todas as idades.

Serviços: Orientação a pais, professores e comunidade; atividades


terapêuticas e de reabilitação com fonoaudiólogos, musicoterapeutas e
pedagogos, em escola especial para autistas.

3. Associação de Pais e Amigos da Criança com De iciência


Neuromotora

Endereço: Av Faria Lima, 1572 – Jardim Paulista

e-mail: apacsp@apacsp.com.br

4 – Associação Cão Guia de Cego

Endereco: R. Lavradio, 74 – apto 31B – Barra Funda

e-mail: sparisi@yahome.com.br

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