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O dia está aberto, céu claro, sem nuvens. Como hoje a chuva não vem molhar o
jardim, desenrolo a borracha, e não precisando de mais nada pra me sentir feliz, começo
a regar as plantas.
Assim que ouve a água banhando as folhas, refrescando a manhã, ela aparece de
surpresa. Não posso deixar de admirar a gata da vizinha olhando fixamente o jato de
água sair da borracha, pra depois me olhar, sentindo até a última gota molhar a rosa que
já se abriu.
Sobre nós uma quietude, a suave luz da manhã, as primeiras sombras. Me acena
com seu corpo, tenho a impressão de ser chamado. Parece estar num abandono de quem
se perdeu durante a noite mas não largou a liberdade, de quem veio de uma luta,
cansada, machucada, mas feliz.
Com passos silenciosos caminho em sua direção. Ela está na janela, aquela que
dá para o quarto, alguém ali dentro ainda dorme. Quando chego perto ela escuta os
primeiros ruídos da casa se espreguiçando, olha pra mim assustada, parece que ninguém
pode saber o que está acontecendo, disfarça e vai entrando, sumindo, desaparece.
E foi depois dessa manhã que tudo mudou. A minha vida preparada, certinha, com
tudo no lugar, agora, impaciente, espero por ela. Como ninguém saberia explicar, ela
cresce tão rápido e toma um lugar grande dentro de mim. Todos os dias volto ao jardim.
Me chego com os olhos, em pensamento, em esperança, e a procuro na janela. Agora
vazia. Chamo, nenhum eco responde, me canso de esperar, e nada, ela não vem mesmo.
Me pergunto se nunca mais a verei.
Ofereço-lhe a mão, ela vê o que está oculto, percebe que o meu gesto é de
carinho, não é medroso nem falso, aceita o afago, cheira, roça a cabeça e mia, um miado
diferente, que eu nunca tinha escutado. Era um miado de quem estava contente, feliz e
como se dissesse pra mim: “trouxe o meu amor pra você conhecer”.