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Crónica de D. João I, Capítulo 115


Fernão Lopes

1 Per que guisa1 estava a cidade corregida2 pera se defender, quando el-Rei de Castela pôs cerco sobr’ela.
(…)

Onde sabee 3 que como o Meestre e os da cidade souberom a vinda del-Rei de


Castela, e esperarom seu grande e poderoso cerco, logo foi ordenado de
recolherem pera a cidade os mais mantimentos que haver podessem, assi de pam e
5 carnes, come quaes quer outras cousas. E iam-se muitos aas lizirias em barcas e
batees, depois que Santarem esteve por Castela 4, e dali tragiam muitos gaados
mortos que salgavom em tinas, e outras cousas de que fezerom grande
açalmamento5; e colherom-se dentro aa cidade muitos lavradores com as molheres
e filhos, e cousas que tinham; e doutras pessoas da comarca d’arredor, aqueles a
10 que prougue de o fazer; e deles 6 passarom o Tejo com seus gaados e bestas e o que
levar poderom, e se foram contra Setuval, e pera Palmela; outros ficarom na cidade
e nom quiserom dali partir; e taes i houve que poserom todo o seu, e ficarom nas
vilas que por Castela tomarom voz.

Os muros todos da cidade nom haviam mingua de boom repairamento 7; e em


15 seteenta e sete torres que ela teem a redor de si, foram feitos fortes caramanchões
de madeira, os quaes eram bem fornecidos d’escudos e lanças e dardos e bestas de
torno, e doutras maneiras com grande avondança de muitos viratões 8.

Havia mais em estas torres muitas lanças d’armas e bacinetes 9, e doutras armaduras, que reluziam tantas que
bem mostrava cada fua torre per si que abastante era pera se defender. Em muitas delas estavom troõs 10 bem
20 acompanhados de pedras, e bandeiras de sam Jorge, e das armas do reino e da cidade, e doutros alguus senhores e
capitães que as poinham nas torres que lhes eram encomendadas.

E ordenou o Meestre com as gentes da cidade que fosse repartida a guarda dos muros pelos fidalgos e cidadãos
honrados; aos quaes derom certas quadrilhas e beesteiros e homees d’ armaspera ajuda de cada uu guardar bem a
sua. Em cada quadrilha havia uu sino pera repicar quando tal cousa vissem, e como cada uu ouvia o sino da sua
25 quadrilha, logo todos rijamente corriam pera ela; por quanto aas vezes os que tinham cárrego das torres viinham
espaçar pela cidade, e leixavom-nas encomendadas a homees de que muito fiavom; outras vezes nom ficavom em elas
senom as atalaias; mas como davom aa campãa, logo os muros eram cheos, e muita gente fora.

E nom somente os que eram assinados em cada logar pera defensom, mas ainda as outras gentes da cidade, em
ouvindo repicar na See, e nas outras torres, avivavom-se os corações deles; e os mesteirais dando folgança aos seus
30 ofícios, logo todos com armas corriam rijamente pera u diziam que os Castelãos mostravom viinr. Ali viriees os muros
cheos de gentes, com muitas trombetas e braados e apupos esgrimindo espadas e lanças e semelhantes armas,
mostrando fouteza contra seus emigos.

Fernão Lopes, Crónica de D. João I (textos escolhidos), Lisboa, Seara Nova/ Comunicação, 1992.

1
de que modo;
2
preparada;
3
sabei;
4
depois de Santarém ter tomado o partido do rei de Castela;
5
açambarcamento;
6
alguns;
7
não precisavam de ser reparadas;
8
dardos; flechas;
9
antigo capacete;
10
canhões;

http://textosintegrais.blogspot.com A Professora: Lucinda Cunha


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(Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de Teresa Amado)

1. Identifica o principal ator individual presente no texto.


1.1.Especifica as diferentes ações que tomou relativas à defesa da cidade.

2. Identifica o parágrafo no qual melhor se constata a consciência coletiva da cidade.


2.1.Justifica com elementos textuais relevantes.
3. Atenta no segundo parágrafo.
3.1.Identifica, justificando, o recurso expressivo que contribui fortemente para a ideia de que a cidade
estava bem preparada para se defender.

4. Atenta na expressão “(…) avivavom-se os corações deles; (…)”, l. 28.


4.1.Explica o seu significado relacionando-a com o conteúdo do parágrafo onde ocorre.

5. Identifica uma expressão presente no mesmo parágrafo através da qual Fernão Lopes faz do seu leitor
testemunha dos sucessos narrados.
5.1.Justifica.

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CENÁRIOS DE RESPOSTA

(Questões e respostas do manual “Entre Palavras”, 10º ano, ASA; autores: António Vilas-Boas e Manuel Vieira),
pp. 110 e 111.

1. O Mestre de Avis, futuro D. João I.


1.1. O Mestre ordenou que se recolhessem e guardassem na cidade todos os alimentos possíveis, que se
reparassem os muros da cidade, que se abastecessem o melhor possível de armas esses muros e suas torres,
e, finalmente, designou as pessoas que comandariam as diferentes zonas das muralhas.

2 / 2.1. Trata-se do quarto parágrafo, mais concretamente no seu final, quando o cronista informa que sempre
que havia perigo e os sinos tocavam a rebate, a cidade, como um todo, acorria para se defender: “(…) mas como
davom aa campãa, logo os muros era cheos, e muita gente fora.”.

3.1. Trata-se da enumeração de muitas armas e armaduras que ocorre no segundo parágrafo e nos mostra, pela
quantidade e variedade, como a cidade estava para enfrentar os inimigos: “escudos”, “lanças”, “dardos”,
“bestas”, “viratões”, “bacinetes”, “ troos”, “pedras”.

4.1. Esta frase, que ocorre no último parágrafo, significa que aos lisboetas cercados aumentava a coragem
quando eram avisados do perigo; neste parágrafo são apresentados momentos em que os sinos tocavam a
rebate pois havia perigo: logo todos sobressaltavam e corriam para os lugares onde eram necessários, com a
coragem avivada.

5./ 5.1. Nas linhas 29 e 30, encontramos a frase “ Ali viriees os muros cheos de gentes”: Fernão Lopes torna-nos
testemunha presencial do que narra através da convocação do sentido testemunhal por excelência- a vista.

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