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O que é o currículo?
Kelly, A. V. (1981). O currículo. Teoria e Prática. São Paulo: Harbra. Pp. 03-07.
Para começar, será útil distinguir o uso dessa palavra para denotar o conteúdo
de um assunto ou área de estudos particular, por um lado, de seu uso para referir o
programa total de uma instituição de ensino, por outro. Geralmente, claro está, surgem
conflitos à medida que procuramos conciliar as exigências concorrentes desses dois
aspectos do planejamento do currículo e pode ser que algumas deficiências nas
tentativas anteriores de planejar currículo possam ser atribuídas ao facto de que
tendiam a se processar de um modo fragmentário dentro das matérias, e não de acordo
com algum fundamento lógico global, de modo que o currículo fosse considerado como
“o produto amorfo de gerações de remendões” (Taba 1962, p. 8). Essas duas dimensões
do desenvolvimento do currículo são, é claro, importantes, mas é a lógica do currículo
total o que deve ter prioridade, já que, segundo parece, uma vez que ele se estabelece
em base firme, o currículo das matérias individuais se lhe ajustaria automaticamente.
Então, pelo menos, é preciso dar prioridade à consideração do currículo total e pode-se
afirmar que a principal tarefa com que actualmente se defrontam os planejadores do
currículo é precisamente a de elaborar uma base sobre a qual se possa construir algum
esquema completo.
Como isso, ao que parece, é o mais importante, será também o foco de nossa
discussão neste livro e entenderemos pelo termo “currículo” esse fundamento lógico
global para o programa educacional da instituição, e essas características gerais da
mudança e desenvolvimento do currículo, embora muito do que dizemos sobre
desenvolvimento curricular nesse sentido dirá respeito, claro está, aos problemas de
desenvolvimento dentro de áreas de matérias individuais.
Por exemplo, alguns educadores falam sobre o “currículo oculto” pelo que
entendem aquelas coisas que os alunos aprendem na escola por causa do modo pelo
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qual o trabalho da escola é planejado e organizado, mas que não são em si mesmas
claramente incluídas no planejamento e nem estão na consciência dos responsáveis pela
escola. Os papéis sociais, por exemplo, são, ao que se diz, aprendidos desse modo, da
mesma forma que os papéis sexuais e as atitudes com relação a muitos outros aspectos
da vida. Implícitas em todo o conjunto de disposições estão as atitudes e os valores
daqueles que as criam, sendo esses valores comunicados aos alunos de um modo
acidental e talvez sinistro.
Outros, porém, assumem posição menos definida e talvez menos céptica a esse
respeito, mas, apesar de tudo, desejam insistir em que os professores têm aí alguma
responsabilidade. Eles aceitam que não está na intenção dos professores transmitir os
valores e atitudes aprendidos por via do currículo oculto, mas crêem que, como essas
coisas estão sendo aprendidas como uma espécie de subproduto do que foi planejado,
os professores deveriam ter consciência desse facto e aceitar a responsabilidade pelo
que ocorre, por aquilo que os seus alunos estão aprendendo dessa forma não planejada
(Barnes 1976).
Por último, devemos ainda reconhecer a distinção que geralmente se faz entre
currículo “formal” e “informal”, entre as actividades formais às quais o horário da escola
dedica períodos específicos de tempo de ensino ou que, como no caso da escola
primária, são incluídas no programa de trabalho a ser cumprido nas horas normais de
ensino escolar, e aquelas muitas actividades informais que se realizam, usualmente em
bases voluntárias durante o almoço e depois do horário escolar, em fins-de-semana ou
durante as férias. Estas últimas actividades – actividades desportivas, clubes,
sociedades, jornadas escolares, etc. – são normalmente chamadas actividades “extra-
curriculares”, e isto sugere que deveriam ser consideradas em separado e acima do
currículo propriamente dito.
As razões disso, porém, são difíceis de perceber, a menos que sejam as que
derivem do tempo do dia ou da semana em que ocorrem ou da natureza da participação
voluntária que geralmente as caracteriza. Pois considera-se em geral que actividades
desse tipo têm tanta validade e relevância educacional quanto qualquer dos arranjos
formais da escola. Aliás, alguns até chegariam a argumentar que em certos casos elas
são mais relevantes do que muitos de tais arranjos. Por essa razão o Relatório Newson
recomendou que elas “fossem reconhecidas como parte integrante do programa
educacional total e que para tanto fossem incluídas no horário formal de um dia escolar
ampliado. É também por essa razão que educadores como Charity James sugeriram que
elas fossem consideradas e planejadas como elementos do currículo (James 1968). A
inclusão desse tipo de actividade no provimento normal efectuado pela escola também
representa uma característica importante da filosofia de muitos dos que se preocupam
com o actual desenvolvimento das escolas comunitárias (Cooksey 1972, 1976a, 1976b).
Mas há um modo mais subtil pelo qual as definições de currículo podem extrair
algumas das actividades que professores e outros planejam para os alunos. Algumas
definições oferecidas contêm um elemento de “valor” muito claro; elas são mais
prescritivas do que descritivas e, desse modo, incentivam a omissão da nossa
consideração, ao planejar o currículo, de muitas actividades que não deveríamos ter
vergonha de incluir em nosso currículo nem esquecer ou colocar em plano inferior na
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escala de prioridades. Assim, uma definição de currículo como a apresentada por Paul
Hirst que nos diz: “O termo currículo, a julgar por sua derivação, parece aplicar-se com
mais propriedade ao programa de actividades, ao curso que os alunos fazem na escola”
(Hirst 1969, p. 143), exclui de nossa consideração todas as actividades que não
contribuam para o ensino dos alunos. Como o próprio Hirst nos oferece uma perspectiva
muito clara do que devemos considerar educacional, essa definição, assim como se
encontra, não nos permitiria, ao planejar o currículo, incluir toda uma série de
actividades e experiências que talvez nos sentíssemos inclinados a incluir em nosso
programa, com base em outros factores que não sejam de estrito valor educativo. O
preparo vocacional de vários tipos, por exemplo, pode ser excluído por tal definição. O
termo “educacional” contém um elemento de “valor” que torna prescritivo esse tipo de
definição mais do que simplesmente descritivo, e portanto antecipa certos tipos de
discussão dentro do planejamento total do currículo.