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Teoria do Estudo da História

Os conteúdos reunidos neste livro seguem uma


abordagem teórica, metodológica e prática sobre Universidade do Sul de Santa Catarina
o estudo das teorias da História. Especificamente,
por meio de três capítulos, você estudará teorias
clássicas e contemporâneas sobre a composição
do cenário e do pensamento historiográfico em

Teoria do Estudo
diferentes épocas, para que possamos
compreender o desenvolvimento dessa ciência e

Teoria do Estudo da História


suas implicações na escrita e ensino da História.
Os textos aqui reunidos objetivam proporcionar ao

da História
leitor uma compreensão acerca da dinâmica e das
diversas possibilidades de escrever a História ao
longo das décadas, e como podemos
usufruir de técnicas e teorias para
produzir a historiografia atual.

w w w. u n i s u l . b r
Universidade Sul de Santa Catarina

Teoria do Estudo
da História

UnisulVirtual
Palhoça, 2019
Copyright © UnisulVirtual 2019
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Campus Universitário UnisulVirtual


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Livro Didático
Professor conteudista Projeto Gráfico e Capa
Felipe Leão Mianes Equipe UnisulVirtual
Designer Instrucional Diagramação
Marcelo Tavares de Souza Campos Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
Revisão Ortográfica
Diane Dal Mago

M56
Mianes, Felipe Leão
Teoria do estudo da história : livro didático / Felipe Leão Mianes. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2019.
90 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Historiografia. 2. História - Estudo e ensino. 3. História – Filosofia. 4.


História - Séc. XIX. I. Título.

CDD (21. ed.) 907

Ficha catalográfica elaborada por Carolini da Rocha CRB 14/1215


Felipe Leão Mianes

Teoria do Estudo
da História

Livro didático

UnisulVirtual
Palhoça, 2019
Sumário

Introdução  | 7

Capítulo 1
Historiografia tradicional: discutindo conceitos e
delimitando campos | 9

Capítulo 2
Uma nova história: ideologia e Escola dos
Annales | 35

Capítulo 3
Tendências históricas do século XX e XXI | 61

Considerações Finais | 85

Referências | 87

Sobre o Professor Conteudista | 89


Introdução

Prezado (a) estudante,

Seja bem-vindo (a) ao seleto e imperioso estudo da Unidade de Aprendizagem


(UA) Teoria do Estudo da História, a qual foi pensada e estruturada visando a
abordar as principais correntes e tendências do pensamento historiográfico, as
quais transitam pelo positivismo, marxismo e Escola dos Annales.

No universo científico e filosófico é consenso que a História não é apenas a


ação de narrar o que aconteceu no passado para que não repitamos os erros
cometidos no futuro. Essa concepção sobre a Ciência Histórica durou bastante
tempo, e conforme vamos estudar, deixou de ter a predominância enquanto
definição ou frase utilizada para definir História.

Sendo assim, vamos estudar a historiografia do século XIX, seus antecedentes


e circunstâncias para que uma nova possibilidade de pensar a História se
tornasse viável. Da mesma maneira, estudaremos como essa ciência foi sendo
transformada com o passar do tempo e com a inserção de novas formas de
pensar, agir e questionar os fatos considerados históricos, bem como as fontes,
os sujeitos tidos como heróis e o tempo utilizado para contar a história.

Veremos que essas modificações não foram uniformes e nem lineares, tão pouco
apagaram ou fizeram deixar de existir os modos de fazer e pensar a História do
século XIX. Elas apenas antecederam outras metodologias e teorias que foram
propostas e colocadas como diretrizes possíveis para a produção na historiografia
moderna.

Sem pretensão de esgotar o assunto, sugiro que complemente seus estudos


consultando livros, artigos científicos e outras fontes de conhecimento que
abordem os conteúdos aqui apresentados, as quais permitirão você aprofundar
os conhecimentos construídos nesta Unidade de Aprendizagem.

Boa leitura e bons estudos!

Professor Felipe Leão Mianes


Capítulo 1

Historiografia tradicional: discutindo


conceitos e delimitando campos 1
Autor: Felipe Leão Mianes

Introdução
O surgimento da historiografia considerada moderna é fruto, principalmente,
do historicismo de Hegel e seu pensamento de que a História deve refletir a
verdade e de que o historiador deveria exercer a neutralidade, sendo apenas o
meio divulgador dos fatos que deviam ser contados “como aconteceram”, sem
nenhum tipo de análise.

Influenciado por Hegel e partindo de novos paradigmas científicos, Auguste


Comte (1789-1857) desenvolve a Teoria Positivista, cuja base estava nas ideias
de que uma sociedade se desenvolveria com por meio do progresso e da ordem,
cabendo ao historiador contar somente a verdade, usando como fonte somente
os documentos oficiais.

O Marxismo, que surgiu da mesma corrente de pensamento positivista, mas


com ideias por vezes antagônicas, tem como foco central as lutas de classes,
a acumulação do capital e a exploração da classe trabalhadora. Nesse sentido,
caberia ao historiador analisar a História apontando as contradições do
capitalismo, de modo a denunciar a exploração do trabalho ao mesmo tempo em
que mostra a necessidade de mudanças.

1 MIANES, Felipe Leão. Historiografia tradicional: discutindo conceitos e delimitando campos. Teoria do Estudo
da História. [Material didático]. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane Dal Mago.
Diagramação Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2019.

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Capítulo 1

Seção 1
Primeiros ensaios da História como ciência

Registros orais e escritos de fatos, ritos e costumes


Desde que os seres humanos passaram a viver em sociedades fixadas em um
determinado espaço, ou mesmo antes disso acontecer, já existiam registros
orais e escritos sobre os antepassados, recordações de fatos e ritos, desejos
e costumes. De alguma maneira, mesmo aqueles que viviam nas “cavernas”
registravam sua vida cotidiana visando à perenidade futura e aos ensinamentos
que ficariam para as gerações seguintes.

Mas o que fazer com fatos do passado?

Esse talvez tenha sido o primeiro questionamento que acendeu a centelha do que
hoje conhecemos como a ciência da História. Afinal, para que serve o passado?
Como contá-lo? Por muitos séculos as tradições eram mantidas pela oralidade,
pelos hábitos e estratificações sociais vigentes.

Desde que Heródoto construiu as primeiras bases para essa ciência Histórica,
a intenção inicial era a de permanência do status quo e não de rupturas. Diante
desse contexto, podemos considerar que a História surgiu para a manutenção
de certos status e conhecimentos de um determinado grupo de pessoas a fim de
que elas pudessem manter e ampliar os conhecimentos já obtidos, e manter a
ordem social até então vigente.

História como Ciência


A História começou a ser estudada como ciência baseada em documentos
escritos no passado, a partir dos quais era possível reconstruir a “verdade” sobre
todos os acontecimentos da humanidade e de nossos antecessores. Esse resgate
visava, entre outros objetivos, a não reproduzir os mesmos erros do passado
e seguir em frente exaltando os grandes feitos de uma nação. Essas foram as
primeiras sentenças teóricas da História como ciência.

Por outro lado, aos poucos se percebeu a dificuldade em encontrar a “real


verdade dos fatos”, em usar somente documentos escritos e advindos dos
arquivos oficiais. Assim, a História passou a considerar e envolver outros
personagens, outros modos de fazer, outros temas como objeto de estudo. Eis
uma definição bastante interessante de Veyne (2008, p. 209):

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Teoria do Estudo da História

A história é um palácio do qual não descobriremos toda a


extensão (não sabemos quanto nos resta de não factual a
historicizar) e do qual não podemos ver todas as alas ao mesmo
tempo; assim não nos aborrecemos nunca nesse palácio em
que estamos encerrados. Um espírito absoluto, que conhecesse
seu geometral e que não tivesse nada mais para descobrir ou
para descrever, se aborreceria nesse lugar. Esse palácio é, para
nós, um verdadeiro labirinto; a ciência dá-nos fórmulas bem
construídas que nos permitem encontrar saídas, mas que não
nos fornecem a planta do prédio.

Vale destacar que até o século XVIII, a imensa maioria das áreas do conhecimento
científico que temos hoje ainda não existiam. Assim, a explicação para fenômenos
que nos fazem ser e estar no mundo não acontecia conforme regras e diretrizes
metodológicas atuais e se baseavam em parâmetros religiosos, místicos e de
outras ordens transcendentais.
A História, portanto, resumia-se à reprodução de narrativas contadas oralmente
ou em documentos escritos tidos como oficiais, por meio dos quais se conhecia
os fatos não “como aconteceram”, mas como se queria que ficassem registrados
para as gerações seguintes.
Nesse sentido, ao pensarmos as bases fundadoras da História como ciência,
devemos relativizar o contexto dos acontecimentos. Não podemos cair em uma
armadilha fácil de se deixar levar que é refletir o passado com os valores que
temos atualmente. À época, a busca pela verdade suprema e absoluta era um
objetivo da ciência, em que os instrumentos para sua obtenção, bem como as
formas de se fazer eram diferentes das que hoje temos.

A História, como tantas outras ciências, surge em um momento em que verdades


anteriores (aquelas propaladas pelo misticismo e pela Igreja Católica) estavam sendo
colocadas em xeque, e outras passaram a tomar seu lugar no modo de vida das
sociedades.

Por isso, precisamos diferenciar a História como prática e como ciência antes e
depois do século XIX. Até então, o objetivo principal era a exposição dos grandes
heróis, dos fatos grandiosos, das batalhas, das narrativas muitas vezes contadas
sem que houvesse comprovação material.

História e o Positivismo
O primeiro grande momento em que a História se viu inserida em um contexto
científico foi no positivismo. Esse movimento tinha como premissa que a Ciência
deveria ser analisada com métodos e pesquisas com a intenção de contar as
coisas “como elas aconteceram”.

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Capítulo 1

O positivismo, conforme veremos detalhadamente mais adiante, é uma corrente


de pensamento filosófica na qual se buscava a verdade por meio das ciências.
Propunha que a humanidade alcançaria seu mais alto grau de desenvolvimento
à medida em que os povos mais civilizados levassem aos demais essas ideias, a
partir dos grandes heróis de batalhas épicas.

Isso não significa que antes a História não existia ou que os historiadores
não produziam materiais historiográficos de qualidade, mas que é a partir do
positivismo que os estudos, pesquisas e análises de cunho científico passaram
a ser feitas de maneira contínua e com propósitos alinhados com aqueles que
produzimos atualmente.

Desse modo, a História, pensada sob o prisma cientifico e epistemológico perde


seu caráter de narrativa épica. Muito embora, apesar de continuar sendo uma
narrativa, mas não mais um romance ou uma epopeia em que ficção e realidade
– ainda que a realidade seja sempre relativa - se unem. Assim, segue como uma
narrativa, no entanto, do modo como Veyne nos apresenta:

A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta


disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses
eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido, tal
como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é uma
narração, o que permite evitar alguns falsos problemas. Como o
romance, a história seleciona, simplifica, organiza, faz com que
um século caiba numa página, e essa síntese da narrativa é tão
espontânea quanto a da nossa memória. (VEYNE, 2008. p. 16).

Cabe destacar que estudar a História e suas correntes teóricas são de extrema
importância para entendermos como podemos produzi-la de maneira rigorosa,
tendo alicerces teóricos sólidos e o fundamento científico como pilar para erigir
novas formas de conhecimento.

Na sequência, apresentamos entendimentos de diferentes autores a esse


respeito:

Ainda que o construto História remonte à Antiguidade Clássica,


não havia uma unidade, de modo que, até o final do século
XVIII, não é possível falar de conhecimento histórico, como algo
padronizado, com unidade mínima para ser considerado ciência.
O termo ‘história’ era utilizado para designar relatos sobre as
experiências dos homens no tempo como escritos em pedras de
túmulos, anais de reis, dentre outros aportes, e apenas no início do
século XIX começam a ocorrer a sistematização do saber histórico
de modo autônomo e particular, com a figura do historiador e o
emprego da História no sentido de investigação (FREITAS, 2010,
apud FIALHO, MACHADO, SALES; 2016, p. 1046).

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Teoria do Estudo da História

A História deixou de ser meramente uma narrativa tida como ficcional ou


então como a mera “contação dos fatos ocorridos”. O historiador passou a
utilizar metodologias de trabalho, de investigação e coleta de fontes, de uso
de documentos, de análise dos materiais obtidos, da reflexão e forma como os
diversos temas seriam investigados etc. Isso quer dizer que a História passou a
ser uma ciência, respeitando certos parâmetros, limites e métodos específicos
para cada tempo e em cada espaço.

Diante desse contexto, o profissional que atua nessa área passou a ser mais
do que aquele que relata os fatos como eles aconteceram. Passou também a
demandar conhecimentos, habilidades e competências muito especializadas
para produzir História, ou para realizar investigações que contribuam com a
historiografia atual ou futura.

Apresentamos na sequência uma compilação de entendimentos de diferentes


autores, trazida por Fialho, Machado, Sales (2016, p. 1046), sobre a produção da
historiografia atual e futura.

No campo da História, a teoria permite que o pesquisador


exponha, embora de provisoriamente, determinadas ações da
sociedade com base num prisma (LE GOOF, 2008). Pode-se
dizer, dessa maneira, que a teoria normatiza a subjetividade do
historiador, em que o texto histórico é o resultado do trabalho
de campo, do amadurecimento teórico e das influências do seu
período histórico (BOURDIEU, 1979). Os historiadores, com
efeito, elaboram suas teses em consonância com as múltiplas
questões sociais, o mesmo ocorrendo com a História ensinada,
influenciada pelo contexto, desde a produção de materiais
didáticos até as escolhas teórico-metodológicas dos professores
(SCHMIDT, 2004).
Perceptíveis são as influências que as teorias da História
exercem sobre a História ensinada e o ensino em geral e,
assim sendo, vale caracterizar as três principais correntes de
pensamento histórico que exerceram acentuada presença no
ensino de História: Positivismo, Marxismo e Escola dos Annales
(STAMATTO, 2008).

É interessante notar que por bastante tempo o ensino da História, bem como as
pesquisas realizadas estiveram diretamente ligadas a pensamentos tidos como
antagônicos no campo historiográfico. Inclusive, é possível afirmar que ocorreu
uma batalha pelos significados, fontes e verdades históricas de acordo com a
linha teórica seguida por um ou outro historiador.

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Capítulo 1

Com o advento da Escola dos Annales 2, ainda que houvesse um viés de


combate de campos teóricos, as temáticas se expandiram, bem como o diálogo
e a interlocução entre essas linhas teóricas, o que proporcionou um arrefecimento
nessa dicotomia. No que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem
da História, essa trajetória não foi muito diferente, afinal, eram os docentes e
pesquisadores que balizavam as formas e os métodos de ensino dessa ciência.

Essas teorias estiveram arraigadas às tendências pedagógicas,


e a História ensinada delas se embebedou, direcionando o modo
como se efetivavam o ensino e a aprendizagem formal, ou seja,
aquela que é intencional, sistemática e ministrada em instituição
específica para essa finalidade (LIBÂNEO, 1994, apud FIALHO,
MACHADO, SALES; 2016, p. 1046).

Historicismo: corrente de pensamento científico


Conforme estudamos, no final do século XVIII os dogmas e as leis previamente
estabelecidas para contar a história e os modos de viver de uma sociedade, seja
em seu passado ou em seu presente, foram aos poucos sendo diluídos. Com
isso, outros dogmas e leis passaram a ser inseridos na vida social e nos estudos
científicos.

De acordo com o Historicismo, a História seria encarregada de trazer ao presente os


diferentes fatos acontecidos no passado, buscando suas verdades a partir da utilização
apenas de fontes confiáveis, como, por exemplo, os documentos oficiais de uma
nação, para escrever sua história.

Ademais, o Historicismo traz a ideia de que a História existe para que possamos
aprender com os erros do passado e não repeti-los no futuro. Em virtude disso, é
de fundamental importância que uma sociedade conheça a si mesma.

Tendo como premissa o ser humano como protagonista de seu próprio destino,
desvinculado de questões religiosas, a Ciência da História entende que cada
sociedade possui suas próprias heranças, com as quais precisará lidar no futuro,
sendo o passado a chave para rever, repensar e desenvolver cada povo. Existiria,
assim, um ponto de partida e um ponto de chegada do desenvolvimento social,
no qual apresentar o passado é uma forma de seguir adiante.

2 Escola dos Annales é o movimento historiográfico do século XX, o qual propunha que a História deveria se
ocupar de outros elementos que não apenas a história pelo viés político, econômico e dos grandes personagens.

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Teoria do Estudo da História

Inaugura-se, então, outra forma de fazer história diferente


daquelas anteriormente realizadas, vinculadas às narrativas não
científicas, cujos pressupostos, fatos e fontes não poderiam
ser apurados, dada sua ordem metafísica e, porque não dizer,
religiosa.

Um dos primeiros pensadores a estudar a História com esse olhar citado até aqui
foi Hegel, um pensador alemão que influenciou uma geração inteira de filósofos,
cientistas sociais e cientistas políticos diante de sua maneira de propor uma nova
forma de historicidade.

Para entendermos como pensava Hegel e sua relação com a História, segue, na
sequência, um trecho extraído da obra de Hartman (2001), o qual ilustra a forma
que Hegel pensava a História como ciência, e como ele revolucionou os modos
de fazer da História.

A influência de sua filosofia confirma sua tese de que, através dos homens, a Razão
universal molda a história. O destino desta filosofia presta testemunho à sua forma
dialética. [...] Este fato concreto corresponde à situação abstrata. A força da filosofia
de Hegel está antes em sua forma, em vez de seu conteúdo ainda que o conteúdo
seja esmagador em sua amplitude enciclopédica, e que as transições de fato para
fato, seguindo os elos da concatenação dialética, sejam às vezes forçadas e os
“fatos” reunissem pouco factual. Por outro lado, o brilho e a perspicácia que a
filosofia tem e a própria universalidade de seu alcance são devidos ao método — a
lógica dialética — que levou Hegel sempre adiante, abrangendo cada vez mais
fenômenos, em regiões mais amplas de conhecimento, dentro de sua moldura
sistemática.

Assim, o segredo da influência de Hegel é o seu método dinâmico. Ele não o


inventou, suas raízes vão até às próprias fontes da filosofia grega em Heráclito; pode
ser desenhada uma linha, que foi traçada por Hegel, por toda a história da filosofia.
Mas ele a elaborou e aplicou à totalidade do mundo o seu aparelhamento. A força
do método está em sua aplicabilidade interna dinâmica e universal. Em um sentido
quase literal, um pensamento “dá” o próximo — tese levando à antítese, e ambos
à síntese, a última servindo como nova tese para um outro trem de pensamento
abrangendo o primeiro e assim por diante ad infinitum — até que todo o mundo e
todas as coisas estejam apanhados na cadeia da dialética.

Por um lado, isto é possível através do completo formalismo do método, ou seja,


sua independência de qualquer fato concreto; e, por outro lado, sua imersão
completa na factualidade concreta do mundo. Hegel tratava o pensamento puro
ao mesmo tempo como pensamento e como puro, ou seja, ambos como realidade

15
Capítulo 1

ideal de “antes da criação do mundo”, distinta de toda existência, mas, uma vez que
há um mundo existente, como emanando dele e sendo parte dele.

O pensamento é o que é ideal no mundo, o mundo é o que é concreto na ideia.


Pois a ideia não é estática, mas dinâmica; ela dá origem, por sua própria dinâmica
interior, a tudo que existe. Toda existência é a manifestação, a realização da Ideia.
Apenas por ser realizada é que a Ideia recebe toda sua realidade e apenas por
conter a Ideia é que o existente obtém sua completa existência. Assim, a realidade
se torna mais real em existência, e a existência mais existente em realidade. O
pensamento e a coisa se fundem e cada um se torna mais o que é sendo o outro.
Tudo isso não é tão difícil e obscuro como parece, uma vez compreendidos a
dinâmica dialética subjacente da Ideia e seu papel na história.

A Ideia se desenvolve no espaço e no tempo. Este último, o desenvolvimento da


Ideia no tempo, ou desenvolvimento do Espírito é a História. A História torna-se
assim um dos grandes movimentos da Ideia, enraíza-se em um fluxo metafísico
de alcance universal. É a História universal. Ao mesmo tempo, como o processo
universal é lógico, ele se torna sistemático, ou, como Hegel diz, história científica.
O sistema hegeliano foi interpretado e tocou a todos os grandes acontecimentos
históricos e espirituais de seu tempo e a partir dele.

Se a história, como ele sustenta, é o autodesenvolvimento do Espírito, a realização


da Ideia divina, de um plano cósmico, então, o homem histórico deve ser um em
quem se concentram as potencialidades de seu tempo, a situação histórica. Mas ele
é apenas uma fase no grande processo mundial, ligado aos estados individuais. Ao
final do processo histórico, quando o Espírito já se realizou completamente, há um
estado global de Razão universal, de toda a humanidade.

Nele a Ideia absoluta estaria completa e a grandeza histórica e espiritual coincidem.


Hegel não é específico a respeito disso, alguns de seus intérpretes já sustentaram
que para ele o mundo seria um eterno campo de batalha de estados. Mas o que
Hegel não expressou muito claramente, encontrou expresso nas palavras de
Wilhelm von Humboldt, que servem como epígrafe às Lições sobre a filosofia da
História: “A história do mundo é incompreensível sem o governo do mundo”.

O certo é que para Hegel a história não se encerrou com o Estado prussiano, como
já se disse muitas vezes. Os leitores das Lições sobre a filosofia da História que
as acompanham até o fim descobrirão que ele via na América “a terra do futuro”.
O estado presente da história, o de sua época, era para ele o fim relativo, e não
o fim absoluto do processo histórico mundial. No final das Lições encontramos
a afirmação: “Neste ponto a consciência surgiu”. O que ele quer dizer é que o
autodesenvolvimento da Consciência surgiu no ponto do presente de Hegel. [...]

Assim, a História é a autodeterminação da Ideia em progresso, autodesenvolvimento


do Espírito em progresso. Além disso, como o Espírito é livre por sua natureza

16
Teoria do Estudo da História

interior, a História é o progresso da Liberdade. Neste enredo um tanto complicado,


Hegel insere os fatos da história. O fato principal, que parece confirmar sua tese,
é que nas civilizações orientais passadas eram livres; na antiguidade clássica,
Grécia e Roma, alguns eram livres; e nas modernas civilizações germânicas e
anglo-saxônicas, todos são livres. Assim, ele constrói a história do mundo usando
os quantificadores lógicos que, felizmente, formam uma tríade apropriada ao
tratamento dialético.

A diferença entre o idealismo hegeliano e o materialismo marxiano e o surgimento


do último a partir do primeiro é uma história muito complexa para ser contada
aqui. Basta dizer que vista historicamente, a obra de Hegel é o intermediário entre
Holbach e Marx. Ela permitiu que Marx formulasse o materialismo como um sistema
“científico” que está para as generalizações de Holbach como a química está para
a alquimia e que transformou o materialismo em uma doutrina aplicável como uma
ciência, a todas as fases da vida social e política. Tanto para Marx como para Hegel
— e também para Kant — a história é um processo impessoal.

O indivíduo histórico é tanto para ele como para Hegel apenas o expoente de
forças históricas: ele não faz a história, ele a executa. Para Hegel, a força que
move a história é a dinâmica da Ideia; para Marx, é a dinâmica do desenvolvimento
econômico que dialeticamente dá origem a uma série de classes que lutam pela
posse do Estado. Dessa maneira, Marx tomou de Hegel a ideia de processo, a
ideia de progresso (o curso teleológico da história), o método dialético, o poder
supraindividual da história, a primazia do coletivo sobre o individual, a ausência da
ética individual. Ele rejeitou o conteúdo teológico, metafísico e qualquer conteúdo
ético que o sistema tenha, suas tendências pan-psíquicas, a identidade da lógica e
do ser — e traduziu a dialética em um princípio de revolução econômica e política.
(HARTMAN, 2001, p. 16-20).

Podemos extrair dessa análise que o pensamento hegeliano impulsionou as


correntes historiográficas surgidas no século XIX, mesmo que fossem para usar
suas ideias filosóficas em um sentido contrário do ponto de vista político, como
fez Marx, ou se inspirando em apenas alguns aspectos, como foi o caso de
Auguste Comte.

Comte, mesmo não participando do contexto alemão, teve acesso ao


pensamento da época, oportunizando refletir e construir a filosofia positivista, que
gerou novos caminhos possíveis para o pensamento historiográfico.

17
Capítulo 1

Seção 2
O Positivismo e a História como busca pela verdade

Positivismo e a reestruturação da sociedade


Ao organizar a ideia de positivismo, Auguste Comte objetivava reestruturar a
sociedade que considerava em declínio moral, social e econômico. Para Comte e
alguns de seus contemporâneos, a crise vivida pela sociedade europeia do século
XIX tinha a ver com a falta de valores morais e a dificuldade de ordenamento
social adequado. Nesse sentido, apenas a ciência seria capaz de restaurar a
ordem vigente que pudesse levar ao progresso constante de um povo.

Na obra “Curso de filosofia positiva: discurso sobre o espírito positivo”, Comte


(1991) estabelece os fundamentos para a aplicação do positivismo, de modo
a promover o progresso social e a ordem geral nas sociedades, cada uma
em seu próprio estado de desenvolvimento. Para Comte, há três estados de
desenvolvimento: teológico, metafísico e positivo.

Estado teológico
No estado teológico, a sociedade está voltada para suas crenças religiosas, e que
pouco tem a ver com o caráter científico, explicando os fenômenos naturais e
humanos por meio de sentenças centradas na concepção de que forças divinas é
que atuam para o sucesso ou o insucesso de cada um e de todos.

Estado metafísico
No estado metafísico, ainda existe certo caráter religioso, porém, as explicações
sobre o mundo e seus fenômenos são buscadas não apenas nas doutrinas,
mas em outras ordens, como a científica, por exemplo. É o estágio em que a
sociedade busca suas origens históricas e naturais, sua organização ainda que
não inteiramente voltada para a ciência, mas em termos gerais, é o caminho para
que isso se efetive. Para Comte, o estado metafísico é o estágio intermediário,
que evoluiu do estado teológico para o estado Positivo, o ápice da sociedade
positiva.

Estado positivo
No estado positivo, a sociedade não se preocuparia mais sobre a origem e
o destino dos fenômenos naturais e sociais, mas sim, com tudo aquilo que é
observável e que, portanto, está fora da metafisica. Assim, mais do que buscar a
origem das coisas, seria preciso pesquisar as relações entre elas.

18
Teoria do Estudo da História

O estado positivo seria o mais alto estágio da razão intelectual, a análise das mais
importantes questões humanas sem a interferência de fatores metafísicos. Em um
estado positivo, a ciência teria a primazia dos discursos, das significações e das ações
em cada sociedade.

É importante destacar que para Comte, cada sociedade está em um estágio


diferente de desenvolvimento, podendo avançar ou retroceder conforme as
condições de vida e circunstâncias sociais de cada civilização. Da mesma
maneira, a capacidade intelectual e desenvolvimento moral e econômico de um
povo pode ser mensurado de acordo com o estágio em que se encontra.

Historiografia positivista
A História como ciência deveria respeitar os preceitos do positivismo, e com
isso seu estudo passou a ser baseado na concepção de que se deveria contar
a “verdade dos fatos como elas aconteceram”. Isso, claro, tendo sempre em
vista que o método de rigor à comprovação dos fatos fez com que algumas
características da historiografia positivista ficassem em evidência.

Aliás, muitas dessas características podem ser encontradas ainda na atual


historiografia e em outras ciências, demonstrando que essas características foram
e ainda são marcantes no contexto de estudo da História. Para a historiografia
positivista, o que fazia sentido estudar é o que chamamos de história oficial, ou
seja, tudo aquilo que pudesse ser apurado nos documentos escritos oficiais de
um Estado.

Assim, o objeto de estudo dos historiadores positivistas é bastante restrito à


investigação sobre a história das grandes nações. As nações consideradas
subdesenvolvidas não teriam base científica que pudesse permitir sua análise,
suas conquistas militares, seus avanços territoriais e outros aspectos políticos e
econômicos.

Diante desse contexto, ao estudar somente os aspectos da política e da


economia das grandes nações, o historiador tem reduzidas suas possibilidades
de fontes de pesquisa. Isso porque, nesse caso, deveriam resumir-se aos
documentos escritos produzidos por uma nação, desde tratados de paz até o
relatório das colheitas em uma determinada região.

Com isso, o positivismo tornou-se uma história “oficial”, baseada também nos
grandes heróis das nações, em quem a população deveria se espelhar, e por meio
dos quais eram possíveis a realização dos grandes feitos e do desenvolvimento
de cada sociedade. Em virtude dessa concepção, a população em geral foi
“como que esquecida” em detrimento das narrativas que se deveria contar sobre
os fatos e conquistas dos grandes homens de uma nação.

19
Capítulo 1

O positivismo, ao buscar a ciência como verdade absoluta e livre da narrativa epopeica


ficcional, ao valorizar os personagens históricos como heróis e realizadores de grandes
façanhas, de certa forma repete a formula que rejeitavam, ainda que com outra
roupagem.

Nesse aspecto, a corrente historiográfica positivista encontra uma conexão


bastante expressiva com as ideias hegelianas. Essa conexão está associada à
premissa de que a história é protagonizada pelos grandes heróis, esses são a
força motriz da História de um povo e, porque não dizer, da humanidade inteira.

Na sequência, destacamos um trecho da obra de Hartman (2001) que evidência


tal conexão.

Entre o homem de moralidade relativa ou social e o homem de moral absoluta ou


individual está o herói histórico, em quem o exclusivamente individual se funde com
o universalmente social — com o Espírito do Mundo em direção à Ideia absoluta, a
partir de uma fase relativamente histórica para a próxima. Este é o terceiro homem
em nosso texto. Nele se concentra a situação histórica. Como indivíduo, com todos
os seus ímpetos e poderes, ele não é nada senão a matéria-prima do Espírito do
Mundo, que o agarra com uma paixão histórica avassaladora. O Espírito abstrato
assim adquire o poder concreto de realização. O indivíduo enquanto matéria-prima
para a eficiência histórica do Espírito do Mundo é essencialmente força, a força
motor da história, cuja direção é determinada pelo Espírito. Hegel coloca a ênfase
na direção; outros autores, como Goethe, a colocaram na força. Mas, mesmo
Hegel, muito à maneira de Goethe, fala da identidade quase animalesca da paixão
do homem pela ideia do Espírito. Em homens históricos desse tipo o capricho de
inclinações e desejos não está fundido na lei objetiva do Estado, como no cidadão,
mas antes nas demandas do próprio Espírito do Mundo, que, com a ajuda deles,
gera estas leis. Eles são, por assim dizer, a forma ainda fluida do Estado futuro e
suas instituições. Sua moral não é a do Estado, mas a da criação do Estado. É
a ideia criativa do próprio Estado futuro. O Espírito do Mundo, como diz Hegel,
esbarra por eles na superfície da realidade, pronto a romper o que está, como uma
concha. A fonte da força do herói ainda está oculta sob a superfície da realidade,
ele tem acesso direto à realidade da Ideia e ela o inspira a seus feitos, preenchendo
todo o seu ser com uma vontade concentrada e fazendo dele assim o sujeito da
história, seu criador, que traz à luz o que ainda está oculto no ventre do tempo. É o
homem heroico que empurra a história para diante. Por outro lado, o herói hegeliano
é completamente orientado pelo Espírito do Mundo e o Espírito do Mundo o utiliza,
astutamente, para seus próprios fins.

20
Teoria do Estudo da História

O herói histórico, através de sua percepção e energia, é o sujeito da história. O


indivíduo humano sem tal percepção e energia é o objeto da história, sua vítima. De
certa maneira ele é culpado de sua própria morte e de seu sofrimento, porque não
se mostra à altura do momento, que são as possibilidades de o ser humano ver o
conjunto da situação histórica. Sua moral é uma quarta espécie de moral, além da
moral do cidadão, que é a do Estado; a do indivíduo ético, que é a Ideia absoluta; e
a do herói, que é o Espírito. Esta quarta moral é a da situação privada circunscrita.
A vítima é o homem ou mulher comum, que prefere [p. 37] a felicidade à grandeza.
Hegel não vê a grandeza da felicidade, a arte do indivíduo em modelar sua vida,
unindo com êxito a sucessão de situações da vida. Essa ética do sucesso particular
não existe para Hegel. O indivíduo comum encerra-se em pequenas circunstâncias,
isolando-se assim do Espírito do Mundo e seus processos. A História em marcha
passa por cima dele. (HARTMAN, 2001, p.36-37).

Para exemplificar essa questão, podemos dizer que no contexto da historiografia


positivista, os fatos relacionados com a Revolução Francesa são estudados
com base naquilo que foi possível encontrar de documentação oficial na França.
Napoleão é o herói a ser analisado como aquele que protagonizou os fatos
prodigiosos que mudaram a história do povo francês.

Assim, narrativas quanto à inteligência, sagacidade, capacidade de liderança e


conhecimentos militares de Napoleão o fizeram ser o herói de uma revolução que
mudou os rumos da história da humanidade. Não importava se Napoleão tinha
escrúpulos ou não, se conquistou territórios, subjugou parte da população e se
muitas vidas foram ceifadas por seu projeto político. O que de fato importaria
eram as vitórias retumbantes que obteve e as mudanças que elas provocaram.

Em detrimento dessas fontes oficiais, as narrativas das populações mais


humildes, os documentos não oficiais e outras fontes históricas importantes
para explicar o processo revolucionário foram relegadas, deixadas à margem
dos acontecimentos históricos. Sendo assim, cria-se a possibilidade de contar
a história na versão que se deseja contar, sempre evidenciando a história dos
vencedores.

Narrativa histórica positivista


A narrativa histórica positivista tinha como objeto de estudo tratados políticos, as
transações comerciais, as sucessões no poder e as grandes obras dos Estados.
Certamente, esse pensamento foi bastante influenciado pelo contexto do início
do século XIX, que necessitava da valorização e fortalecimento dos Estados, da

21
Capítulo 1

unificação das nações e de seus povos para formar sociedades consolidadas e


fortes ante aos desafios da industrialização.

Para que um povo tenha identidade nacional é preciso que haja uma nação
forte, com personagens e heróis icônicos e de grandes conquistas. Muitas
dessas histórias precisaram ser inventadas – não no sentido ficcional, mas no de
construção de uma narrativa. Nesse caso, a historiografia positivista contribuiu
bastante para que esse processo fosse efetivo e, ao mesmo tempo, alimentasse
esse desejo de construir a história das grandes nações.

Desse modo, o conceito de fato histórico limitava-se ao chamado período de


curta duração, ou seja, a descrição dos acontecimentos históricos restringe-se
aos antecedentes imediatos a ele.

Havia ainda uma imbricação direta entre causa e efeito, na medida em que se
acreditava que cada fato sucedido ocasionava o seguinte, por isso deveriam ser
analisados não em termos mais amplos, e sim de seu contexto muito específico, num
espaço e tempo muito curtos.

Isso significa dizer, por exemplo, que para a historiografia positivista as causas
da Revolução Russa limitar-se-iam às dificuldades econômicas de compra e
venda de produtos em uma Europa em guerra, bem como das dificuldades de
articulação política dos czares que vinham se enfraquecendo.

Nessa narrativa, sequer eram mencionadas as ondas de fome, as mudanças


sociais e de costumes entre certas parcelas da sociedade russa que vivia nas
cidades, bem como seus hábitos e formas de agir e pensar.

Por fim, é interessante ressaltar que para a historiografia positivista, o historiador


deveria limitar-se a descrever os fatos acontecidos no passado. Não deveria
emitir qualquer opinião, mantendo sua neutralidade como cientista diante dos
fatos, sem que pudesse interpretá-los, sob o risco de não ser considerado um
profissional da História, mas um cronista. Isso porque, seria preciso buscar a
neutralidade absoluta dos fatos, assumir imparcialidade, sem interferência das
visões de mundo de quem a descrevia.

Para uma reflexão mais profunda, a respeito das possibilidades e do contexto


da historiografia positivista baseada nas ideias de Auguste Comte, Veyne (1992,
p.37) destaca algumas questões sobre esse tema:

Por exemplo, a "lei" dos três estados de Comte volta-se para a


questão de saber por que a humanidade atravessa três estados.
É o que fez Kant, cuja lúcida filosofia da história se apresenta
como uma escolha e segue para uma explicação concreta. Ele

22
Teoria do Estudo da História

não esconde, com efeito, que o projeto de uma história filosófica


da espécie humana não consistirá em escrever filosoficamente
toda a história, mas em escrever a parte dessa história que entra
na perspectiva escolhida, a dos progressos da liberdade.
Ele tem o cuidado de procurar que razões concretas fazem com
que a humanidade se dirija para esse fim: é, por exemplo, que,
mesmo quando existem retornos momentâneos de barbaria, pelo
menos um "gérmen de luz" é transmitido às gerações futuras, e
que o homem é feito de tal sorte que é um bom terreno para o
desenvolvimento desses germens. E esse futuro da humanidade,
se ele é possível e provável, não é absolutamente certo; Kant
quer escrever sua História filosófica para trabalhar em favor desse
futuro, para tornar sua vinda mais provável.

Seção 3
Materialismo Histórico – o historiador como
agente da mudança

Filosofia e a teoria Marxista


Em meados do século XIX, a industrialização inglesa estava em franco
desenvolvimento. Em consequência, as cidades estavam repletas de pessoas,
parte delas que abandonaram as áreas rurais com a perspectiva de condições de
vida mais adequadas na área urbana, buscando emprego nas grandes fábricas.

Tal fenômeno evidencia que a nobreza campesina já não possuía mais as rédeas
da sociedade inglesa e da grande maioria dos estados Europeus. Esses agora
tinham como seus principais financiadores a classe burguesa formada pelos
artesãos, mercadores e industriários.

É nesse contexto que o jornalista Karl Marx passa a estudar filosofia, economia
e sociologia, acreditando que não há separação possível entre teoria e prática. A
partir de então o pensamento filosófico intensificará o processo de mudanças no
status social vigente. A materialidade está acima do plano abstrato e a sociedade
vive em constante movimento, transformação ou rearranjo social, conforme cada
período.

Vale ressaltar que os estudos de Marx são quase todos voltados para a questão
das relações sociais no campo do trabalho, por meio das quais os movimentos
econômicos de exploração dos meios e modos de produção causam a
desigualdade e acumulação de capital por parte da burguesia.

23
Capítulo 1

A intenção aqui não é aprofundar em detalhes as ideias e conceitos construídos


por Marx, afinal, o enfoque deste estudo é contextualizar como as ideias
marxistas influenciaram o pensamento e a prática historiográfica. Todavia, é
preciso conhecermos alguns conceitos para entendermos a dinâmica de seu
pensamento e como foram utilizados no estudo da História.

Estado, relações sociais e o sistema de produção


Para Marx, o Estado era mero instrumento de dominação e de operacionalização
do sistema de produção da burguesia, classe que submetia os trabalhadores à
exploração de sua força de trabalho. A burguesia também obtinha dessa força
de tralhado a mais valia necessária para a acumulação do capital nas mãos de
poucos produtores.

Na lógica social das relações de produção, o Estado serviria como mediação e


aplicação das medidas de opressão dos trabalhadores, tais como a parca educação
e o direito à saúde. Serviria ainda de acesso aos meios de produção. Por exemplo,
as longas jornadas de trabalho, as condições insalubres das fábricas eram, até certa
medida, regulamentadas por esse Estado.

Assim como no Positivismo, Marx acreditava que as sociedades passariam por


estágios evolutivos até chegar ao topo de sua cadeia evolutiva, e que cada povo
ou nação poderia estar em um estágio diferente de desenvolvimento. Para isso,
seria necessária uma junção de forças e que todos lutassem para que fosse
atingido o nível mais alto em termos sociais. Esses estágios eram chamados
de “modos de produção”, a saber: primitivo, feudal, capitalista, socialista e
comunista.

Cada um desses modos de produção tinha suas características específicas,


sendo que o primitivo era quando cada indivíduo provinha sua própria
subsistência por meio da caça, da pesca e de outros métodos sem nenhum tipo
de organização social ou lutas entre as classes pela obtenção do alimento e dos
meios de vida.

Já no modo de produção comunista, considerado o último da linha de evolução,


todos os meios de produção seriam pertencentes ao povo, que não ficaria
divididos entre classes sociais ou Estados. Todas as decisões seriam tomadas
em conjunto pela população democraticamente e visando ao bem comum. Isso
significa dizer que todos estariam livres para viver dos modos que entendessem
mais adequados, desde que respeitando as decisões coletivas.

No modo de produção capitalista, aquele que segundo os adeptos de Marx


atualmente nos encontramos, as relações de trabalho ocorrem por meio da

24
Teoria do Estudo da História

exploração da mão de obra dos trabalhadores. Tem como objetivo a acumulação


de capital por parte das classes dominantes por meio do investimento do mínimo
de capital possível para a obtenção de lucros (grosso modo, podendo ser
comparada ao conceito de mais valia) tão vultosos quanto possíveis, sem que
haja qualquer preocupação com as condições de vida do proletariado.

Isso quer dizer que as relações de poder são decorrentes da materialidade, dos
bens e meios de produção, em nome de um domínio da operacionalização de
um modelo econômico, e uma luta entre campos ou como dizem os marxistas,
“classes” sociais.

Veyne (2008; p.88) afirmou algo interessante nesse sentido:

Quando se detém a explicação nas causas materiais e


que se pensa que com isso ela está completa, obtém-se o
"materialismo" marxista: os homens são produtos das condições
objetivas; o marxismo nasceu de um sentimento muito forte da
resistência que a realidade oferece a nossa vontade, da lentidão
da história que ele tenta explicar pela palavra matéria. Sabemos,
então, em que abismo esse determinismo nos mergulha: por
um lado, é bem verdade que a realidade social tem um peso
esmagador e que os homens absorvem, em geral, a mentalidade
de sua condição, pois ninguém se refugia, voluntariamente, na
utopia, na revolta ou na solidão; a infraestrutura, dizem, determina
a superestrutura.
A resistência ao real, a lentidão da história não vem das
infraestruturas, mas de todos os homens e para cada um deles; o
marxismo tenta explicar, por uma metafísica jornalística, um fato
muito simples que faz parte da compreensão mais comum.

Nesse campo de estudos de Marx, a coletividade é mais importante que os


aspectos individuais ou de caráter regional, dado que há uma hegemonia de uma
classe dominante sobre uma classe de trabalhadores. Essa dominação ocorre,
independentemente, do espeço territorial, sendo que a força da mudança social
estaria na tomada de consciência das classes populares e não na mão dos
grandes heróis, como no positivismo.

Embate entre as classes sociais


É justamente o embate entre as classes que vai marcar bastante a teoria marxista
empregada na historiografia. Essas lutas deveriam ser travadas em todos os
âmbitos sociais, dos mais íntimos aos mais públicos. A classe operária deveria
tomar consciência de sua situação de desigualdade e unir-se para combater a
dominação da classe burguesa, como na famosa frase do “Manifesto Comunista”
que diz: “proletários de todo mundo, uni-vos” (MARX; ENGELS, 1848, p. 21).

25
Capítulo 1

Dessa forma, os trabalhadores das fábricas deveriam tomar consciência de


sua condição de inferioridade econômica e de acesso aos meios de produção,
buscando, por meio das lutas, tomar para si o controle desses. Assim, por
meio da revolução socialista, o povo até então explorado e tratado de maneira
hegemônica pelas classes dominantes passaria a dominar a sociedade levando-a
a outro estágio de desenvolvimento, por meio do governo dos trabalhadores.

Um aspecto fundamental a mencionar é que grande parte da filosofia marxista se


detinha às condições de trabalho nas grandes cidades, sem muitas referências ao labor
realizado nas áreas rurais ou em outras esferas sociais que não a dos operários das
fábricas.

É preciso ressaltar, também, que a base do estudo de Marx era o contexto inglês,
cujos postulados posteriormente seriam replicados a outras regiões do mundo.
Sendo assim, sua obra demandou algumas adequações por parte de seus
adeptos.

Isso porque as condições do trabalho na Europa eram bem diferentes – e menos


piores – que aquelas presentes nas américas e na África, por exemplo, bem como
o contexto social era distinto daquele em que Marx vivera.

Superestrutura e infraestrutura social


Outro ponto importante nos estudos de Marx é o que ele chamou de
infraestrutura e superestrutura. Essas seriam controladas pelas classes
dominantes, e precisariam ser transformadas para que de fato houvesse uma
sociedade dominada pelos trabalhadores.

A infraestrutura diz respeito aos aspectos materiais e operacionais da economia


como os meios de produção (ferramentas, máquinas, tecnologias, combustíveis,
fábricas etc.) e as relações de trabalho existentes diante desses, como o trabalho
assalariado, as condições desse trabalho e outras situações associadas à
questão material do processo produtivo.

Essa infraestrutura poderia variar conforme o contexto de tempo e espaço de


uma determinada sociedade, no entanto, seria preciso modificar muito mais do
que essas relações para que as desigualdades fossem de fato suplantadas. Tal
transformação decorre da necessidade de uma mudança dos pressupostos e
valores sociais de uma sociedade.

No entanto, para que as modificações nas relações de trabalho fossem


alcançadas para além do âmbito material e de maneira mais consistente e
duradoura seria preciso agir em direção a outra forma daquilo que Marx chamou

26
Teoria do Estudo da História

de superestrutura. Eis aqui o aspecto que podemos denominar de “cultural” na


teoria marxista.

De acordo com Marx, todas as relações de produção também se expressavam na


cultura, ou melhor dizendo, eram a operacionalização cultural da infraestrutura.
Assim, a partir das superestruturas, as classes dominantes executavam suas
estratégias de dominação sobre as demais camadas sociais, exercendo-a por
meio de diferentes contextos, como as escolas e aquilo que nelas é ensinado.

Esse modelo de ensino estaria associado com tudo aquilo que os grupos
dominantes desejam que a sociedade aprenda. Desse modo, caso as classes
dominantes desejarem que os trabalhadores sejam dóceis e preparados para o
mundo do trabalho, as escolas trabalhariam no sentido de preparar estudantes
para que essas condições sejam atendidas de pronto.

Outro exemplo bastante citado por Marx diz respeito às religiões, que por meio de
suas doutrinas e discursos conseguem alcançar o objetivo de dominar e tutelar o
pensamento dos trabalhadores. Esse domínio ocorre sem que eles percebam que
não estão pensando por si mesmos, ou, como Michel Foucault diria: o governo
dos governados.

São inúmeras as esferas sociais abarcadas pela superestrutura, desde meios de


comunicação até a arte. Todos esses sistemas visam a implementar uma ideologia
capaz de capturar a todos os indivíduos para agir na manutenção social ou até de
pequenas transformações sem que a hegemonia social saia das mãos daqueles que a
detém.

Pensamento Marxiano
O pensamento historiográfico, empregado por Marx em seus estudos, apesar
de possuir significado e impacto de extrema importância no contexto histórico
das relações sociais, econômicas, culturais etc. foi no decorrer dos tempos
descaracterizado, não tendo atualmente o sentido original.

Dessa forma, tudo que estudamos até aqui, resumindo um pouco sobre as ideias
de Marx deve-se ao fato da historiografia ter sido diretamente influenciada por
esses elementos, principalmente, a partir da segunda década do século XX. Se
outrora a História era investigada como ciência apenas sob o ponto de vista
positivista, que valorizava os grandes personagens e nações, bem como a história
oficial, a historiografia marxista coloca-se no vértice oposto.

Isso não quer dizer que sejam completamente diferentes uma da outra, mas
que o ponto de partida e o de chegada o são. Em comum, ambas acreditam

27
Capítulo 1

que a sociedade está em um processo de evolução, que as sociedades são


predestinadas a chegar a um destino determinado. Também há em comum
nessas teorias o objeto de estudo, sobretudo, os aspectos econômicos e políticos
das sociedades.

Todavia, os pontos de contato entre ambas, de maneira mais genérica, ficam


resumidos a esses temas tratados anteriormente. Mesmo assim, foram as duas
correntes teóricas que mais influenciaram e ainda influenciam historiadores por
todo o ocidente.

Essa influência ainda acarreta certa rivalidade entre os pesquisadores que


seguem um e outro caminho, o que atualmente tem ocasionado diversas
distorções no fazer historiográfico, do modo como a população encara o estudo
da História e suas finalidades.

Pensamento filosófico marxista versus positivista


As correntes de pensamento filosófico marxista e positivista não são boas ou más em
si. Contudo, elas representam pensamentos possíveis para a caracterização de nossa
sociedade, métodos e práticas diferentes, com resultados e percepções também
distintas, sem desconsiderar que o historiador seja como for, produz ciência.

Na primeira metade do século XX, com o fim da Primeira Guerra Mundial, a eclosão
da Revolução Russa e das novas relações de trabalho impulsionada pelas inovações
tecnológicas existentes levou a uma modificação na relação entre aqueles que
detinham os meios de produção e a classe trabalhadora.

Esse período histórico também ficou marcado pelo ingresso dos trabalhadores e
seus filhos nas universidades, os quais passaram a ter acesso aos meios técnicos
e intelectuais. A partir de então esses representantes de segmentos sociais
passaram a propor novas possibilidades de se pensar a sociedade europeia,
nesse caso, a partir do ponto de vista daqueles que durante muito tempo não
tiveram voz na sociedade.

Todo esse “clima” de reconstrução da sociedade europeia fez com que essas
ideias de sociedade europeia prosperassem rapidamente e não demorou muito
para que os estudos sobre História tivessem sido atingidos por esses novos ares.

Isso não significa que desde o século XIX não houvesse historiadores marxistas,
mas que de maneira geral seus estudos passaram a ter mais ressonância e a
ser em maior número depois da segunda década do século XX, não por acaso,
período do pós-guerra e da intensa disputa global entre regimes capitalistas e
socialistas.

28
Teoria do Estudo da História

Vale observar que os historiadores marxistas, em sua maioria, europeus passaram


a empreender estudos sobre as sociedades e civilizações antigas e modernas,
sob o ponto de vista da luta de classes. Entendiam que o conhecimento da
História faria com que a classe trabalhadora, consciente de seu destino e das
mudanças que deveria lutar para que ocorressem, faria as transformações
necessárias para tal.

Em consequência, as críticas aos métodos e temas abordados pela historiografia


positivista não tardaram, bem como as novas formas de ver as rupturas e
manutenções de status por meio dos tempos e da história. Essa crítica tinha
como base todos os pressupostos marxistas para analisar os temas de seus
interesses.

Na maioria das vezes, os estudos eram centrados na Europa medieval e pós


século XV, com o objetivo de “reescrever” essa história com outros olhares, dessa
vez, daqueles que precisariam entender como a sociedade funcionava desde
muito tempo atrás para modificá-la em favor dos direitos dos trabalhadores.
Ainda que de maneira contestatória, os temas estudados tinham como objeto as
relações econômicas e políticas dos povos, sendo que os fatos estudados não
variavam muito daqueles que foram abordados pelos positivistas.

Isso porque, enquanto a historiografia positivista detinha-se em fatos de curta


duração, nos personagens e datas dos acontecimentos, os historiadores
marxistas estudavam os processos que levavam aos acontecimentos, aos
movimentos da coletividade e não de seus “heróis”. Esse estudo tinha como base
documentos escritos para comprovar que a opressão que fizera a dominação
histórica das classes populares deveria ser denunciada e combatida.

29
Capítulo 1

Seção 4
Materialismo histórico e a construção da
historiografia marxista
A construção da historiografia marxista foi feita por diversos historiadores,
conforme veremos na sequência.

Historiografia marxista no contexto europeu

Edward Palmer Thompson


Os estudos de Edward Palmer Thompson estavam direcionados à análise de
experiências das classes trabalhadoras ao longo da história.

Para esse autor, vozes que eram caladas, precisavam vir à tona diante da necessidade
de se demonstrar as percepções dos trabalhadores sobre suas vidas, conflitos sociais,
desigualdades existentes e de que maneira seria possível transformá-los.

Para Thompson, as experiências dos trabalhadores possibilitavam a criação de


certa consciência de classe. Essa consciência gerava trabalhos e pesquisas sobre
os partidos políticos trabalhistas, a história do sindicalismo, dos movimentos
sociais, do campesinato ao operário.

David Harvey
David Harvey é um dos historiadores mais conhecidos no campo marxista,
que também se destaca por trabalhar com a história de conceitos, como o de
ideologia ao longo dos séculos. Harvey estudou ainda a história dos espaços
urbanos e os problemas causados pela industrialização.

Nesse estudo aplicou uma metodologia comparativa entre uma urbanização


liberal, que visava à acumulação de capital, com as possibilidades de uma
urbanização organizada de acordo com as necessidades dos trabalhadores,
de onde residiam, e como foram desenvolvendo-se historicamente os bairros
destinados a esses trabalhadores.

Eric Hobsbawn
Hobsbawn aliou os preceitos marxistas a uma história de abordagem mais
sociocultural, estudando as organizações populares e suas percepções e
reivindicações durante todo século XIX. Esses estudos desenvolveram-se, em

30
Teoria do Estudo da História

especial, na trilogia “Era das Revoluções (1789-1948)”, “Era dos Impérios (1875-
1914)” e “Era dos Extremos (o breve século XX)”.

Hobsbawn analisou as mudanças sociais a partir das classes populares e a


maneira como as classes dominantes tiveram que lidar com as constantes
mudanças de ordem política, de sistemas de governo, com os conflitos gerados e
as diretrizes que o capitalismo do século XX impôs.

É válido destacar que muitos outros historiadores que compõem a historiografia


marxista pelo mundo poderiam ser citados, dada a grande importância de seus
trabalhos. O Brasil também tem destaque a esses historiadores.

Historiografia marxista no contexto brasileiro

Sérgio Buarque de Holanda


No Brasil, os estudos com viés marxista no âmbito da História surgiram de maneira
mais consolidada e contínua a partir de meados dos anos 1930, sobretudo, quando
em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publica “Raízes do Brasil”.

Nessa obra, o historiador e ensaísta analisa a formação da sociedade brasileira,


baseada na desigualdade social criada pelo sistema colonial português. Analisa
também de que maneira a sociedade brasileira foi influenciada pelas diversas
culturas daqueles que construíram a sociedade colonial.

Essas diferenças culturais, de raça e etnia foram acentuadas pelas relações de


trabalho, incialmente escravocratas, mas que seguiram quase que da mesma
maneira colonialista, mesmo no período republicano.

Cabe observar que, logo após os anos 1960, a quantidade de historiadores


brasileiros aumentou consideravelmente, seja pelas condições políticas daquele
período, seja pelas influencias que esses historiadores tiveram da ebulição
marxista europeia. O fato é que podemos encontrar muitas pesquisas marxistas
voltadas ao campo da História no Brasil.

Ciro Flamarion Cardoso


Um dos expoentes que podem ser citados é Ciro Flamarion Cardoso, que ficou
bastante conhecido, primeiramente, por seus estudos sobre a Antiguidade,
especialmente em egiptologia e a análise dessa sociedade egípcia como
influenciadora de parte da sociedade moderna.

Ciro Flamarion é conhecido, principalmente, por suas pesquisas no campo da


sociedade colonial, na qual se debruçou sobre o tema da escravidão no Brasil.

31
Capítulo 1

Flamarion criou o conceito de “modo de produção escravista colonial”, ao


analisar as relações de trabalho no Brasil durante o período colonial.

O referido autor estudou de que modo essa organização contribuiu para o


desenvolvimento da sociedade brasileira, suas desigualdades e formações de
classes dominantes e dominadas, cuja predominância é de indivíduos negros.
Entre os resultados, constatou que essa exploração não cessou com o fim da
escravidão, apenas mudara a forma de fazê-la.

Estudos marxistas europeus e sul-americanos


Há uma relevante diferença nos estudos marxistas europeus e sul-americanos, e
mais especificamente nos estudos brasileiros. A historiografia marxista europeia
preocupava-se com as questões das lutas de classes entre burguesia e classe
trabalhadora, bem como suas tensões, rupturas e permanências.

Quando essa corrente chega ao Brasil, os temas estudados dizem respeito ao


processo de colonização e descolonização brasileira, e as formas como esse
processo ainda hoje exerce grande influência sobre as relações sociais no Brasil.

As relações de colonizadores e colonizados não estão vinculadas apenas a


subserviência laboral, envolve uma série de outras questões diferentes das
encontradas nos estudos das classes trabalhadoras na Europa. Elementos como
a escravidão no Brasil, as implicações de uma sociedade eminentemente rural,
até metade do século XX, aparecem muito claramente nos temas de pesquisa e
metodologias empregadas pelos historiadores marxistas no Brasil.

Influência marxista na construção de novas


historiografias
Conforme é possível notar, o marxismo exerceu papel importante na construção
de novas historiografias, histórias contadas a partir da narrativa da desigualdade
social, da necessidade de uma luta de classes para que os meios de produção
possam pertencer à classe trabalhadora. Notamos, também, alguns pontos
de contato entre positivismo e marxismo, sobretudo em suas diretrizes
metodológicas básicas.

De maneira geral, os historiadores positivistas construíram a maioria das


narrativas históricas que hoje conhecemos, seja por estarem em maior número
ligados aos modelos escolares utilizados para contar uma história oficial, ou até
oficialista. Um exemplo bem claro disso foi a transformação de Joaquim José da
Silva Xavier – conhecido como Tiradentes – em herói nacional, por lutar contra a
monarquia e em favor da república.

32
Teoria do Estudo da História

Tiradentes foi tido como um ícone nacional, que lutou em nome do progresso
e pela independência de um país ainda colonizado. E, ainda que visto nos
documentos oficiais da monarquia como um rebelde e traidor, no período
republicano, com o revisionismo histórico e com o regime republicano criando –
ainda que artificialmente seus heróis – houve a oportunidade de contar a história
que os vencedores queriam que fosse contada, a do Tiradentes como mártir do
povo em nome de um Brasil livre.

Do ponto de vista da historiografia marxista, Tiradentes não é exatamente um herói,


mas produto de seu tempo, um instrumento utilizado pela classe dominante para
modificar um sistema de governo que já não representava mais os interesses dessas
classes no período monárquico. Então, esses historiadores se ocupariam mais em
estudar como os processos econômicos e políticos foram usados para a manutenção
dos meios de produção nas mãos das elites.

Nesse sentido, estudariam ainda como se davam as relações de trabalho e de que


modo os trabalhadores – livres e escravos – eram controlados e dominados na
engrenagem que usurpava as riquezas brasileiras e acumulava o capital para a parca
elite brasileira e para a colônia portuguesa, que tanto explorou o modelo colonial.

Analisariam, também, a colonização como fundamental para o processo


de desigualdade atual no Brasil, mostrando que, inclusive naquela época,
aconteceram revoltas do povo sufocadas pelas elites. Mostrariam como esse
quadro do passado tem influência em nossa vida cotidiana atual e de que nossas
relações de trabalho têm muito da herança colonial.

Outro exemplo bastante interessante é a separação ou divisão da História do


Brasil por ciclos comerciais. Primeiro com a exploração da madeira, do açúcar,
depois o ouro e, em seguida café, borracha e outros. Esse fatiamento da História
por ciclos em que o protagonismo se dá ao comércio de alguma manufatura
explorada pela colônia, demonstra que a economia e suas implicações políticas e
sociais eram muito mais valorizadas do que outros aspectos.

Muito poderia ser dito sobre aquele período, outras formas de divisão poderiam
ser feitas, mas não foi ao acaso que essas escolhas foram feitas. Apenas
nas últimas décadas é que outros aspectos do período colonial vêm sendo
estudados, como a produção artística, a vida cotidiana e privada das pessoas
comuns, por exemplo.

Seria possível aqui citar uma robusta quantidade de acontecimentos de como a


historiografia tradicional, a notar a positivista e a marxista, abordariam questões
que ainda hoje fazem parte de nosso cenário de estudos. As diferenças entre
ambas são bastante evidentes, sem que possamos estabelecer um juízo de valor

33
Capítulo 1

absoluto sobre qual é melhor ou pior, isso vai depender de que matiz o historiador
resolve adotar, de seus valores e do contexto inserido.

Todavia, não podemos tratar ambas as correntes historiográficas com uma


dualidade exacerbada, pois incorremos no risco de estarmos empregando sobre
elas um olhar não exatamente científico. Nos dias atuais, essa disputa pela
“verdade” histórica ainda persiste, mesmo que com novas configurações, modos
de pensar muito distantes dos científicos e baseados em pressupostos falsos ou
ao menos que não condizem minimamente com os fatos.

É possível observarmos diariamente nas escolas, na academia e em todas


as instâncias da produção historiográfica, um retorno dessa dicotomia entre
Positivismo e Marxismo. De fato, as percepções de mundo e os caminhos
apontados por cada uma são de certa forma antagônicos.

Mas isso não significa dizer que não há pontos de contato ou que qualquer uma
delas deva ser deixada de lado ou tornada inválida de acordo com as convicções
de quem escreve a História. Seja o “escrever” no sentido dos personagens que
protagonizam os fatos, quanto daqueles que produzem a História como ciência.

É preciso, também, notar que há outras formas de se pensar a história, trazendo


outros elementos de que tanto o positivismo quanto o materialismo histórico
não dão conta, seja por não estarem entre seus temas principais de interesse ou
mesmo por terem sido construídas em uma época diferente, com configurações
sociais diferentes.

Por fim, é preciso dizer que muito poderia ser dito e analisado, ainda assim o
que trouxemos aqui foi um quadro geral dos acontecimentos e possibilidades de
estudo dentro das historiografias abordadas. Muitas lacunas ficaram e sempre
ficarão, pois a História e a historiografias não são estanques, estão sempre em
construção e desconstrução.

34
Capítulo 2

Uma nova história: ideologia e Escola


dos Annales 1
Autor: Felipe Leão Mianes

Introdução
O conceito de ideologia e sua transformação diante do uso de diversas correntes
historiográficas até chegar ao uso atual desviou-se daquele proposto inicial.
Em virtude disso, torna-se necessária uma reflexão sobre como utilizá-lo na
atualidade, a fim de transformar o modo de pensar a História.

Assim, estudar a ascensão de correntes de pensamento historiográfico como


a Escola dos Annales e as diferentes possibilidades criadas a partir de novas
formas de produzir a História, é fundamental para uma compreensão holística da
realidade que se apresenta.

Nessa corrente de pensamento, Escola dos Annales, o tempo histórico, por


exemplo, é questionado por Braudel, bem como a abrangência das fontes
históricas. Essas que passaram a ter uma maior amplitude de aceitação na
medida em que não só os documentos oficiais eram usados, mas também relatos
orais, e outros registros documentais não apenas das elites, mas também das
classes populares.

1 MIANES, Felipe Leão. Historiografia tradicional: discutindo conceitos e delimitando campos. Teoria do Estudo
da História. [Material didático]. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane Dal Mago.
Diagramação Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2019.

35
Capítulo 2

Seção 1
Ideologia e os equívocos das narrativas vigentes

Antes de estudar a corrente histórica que influenciou a historiografia do século


XX e do começo do XXI, ideologia e Escola dos Annales, precisamos analisar um
conceito essencial para entendermos as transformações epistemológicas sobre
como pensamos e analisamos as ideias e os discursos vigentes.

A palavra “ideologia” vem assumindo significados diversos e, atualmente,


bastante diferente de seus espectros possíveis, quanto à forma e conteúdo.
Assim, analisar e refletir a respeito do tempo presente e de que maneira podemos
perceber certos conceitos de acordo com o passar dos anos, bem como as
transformações no universo político e social que impulsionam sociedades a
navegar em um oceano cultural, é crucial para uma compreensão holística da
realidade que se apresenta, por exemplo, no Brasil.

Algumas camadas políticas e sociais no Brasil fazem o uso bastante equivocado –


intencionalmente ou não – do conceito de “ideologia”. Em síntese, o entendimento que
essa parcela faz é de que ideologia representa um conjunto de conceitos nocivos e
prejudiciais para o desenvolvimento moral e material da sociedade brasileira.

Para esses segmentos da sociedade brasileira, qualquer acontecimento que não


esteja de acordo com “valores que cultuam” torna-se ideológico. Essa postura
torna-se ainda mais intensa quando o ambiente de debate migra da academia
para as redes sociais, arena na qual a pós-verdade materializa-se, não importam
os fatos, mas sim, as narrativas criadas para respaldar certas ideias por mais que
não haja qualquer base científica.

Um exemplo do uso atual – e equivocado – do termo “ideologia” são as questões


relacionadas a gênero, mais ainda quando se cria uma narrativa quase fantasiosa
do que alguns chamam de “ideologia de gênero”. Para os adeptos dessa teoria,
uma corrente de pensamento caracterizada como “esquerda” por aqueles que
sustentam essa narrativa agem em todos os âmbitos da sociedade de maneira
orquestrada, na educação, na comunicação, na mídia, nas políticas de saúde e no
convencimento da sociedade.

Nesse caso, a narrativa traz “a esquerda” agindo de modo que a “ideologia de


gênero” se efetivasse de tal maneira que as crianças e jovens estariam sendo
incentivados a adotar comportamentos associados ao homossexualismo, tidos
como libertinos e moralmente reprováveis na medida em que “dilapidariam a
família tradicional brasileira”.

36
Teoria do Estudo da História

Para a implantação dessa ideologia seriam usados instrumentos das mais


diversas ordens por programas de Governos com “ideologia de esquerda” como
o “kit gay”, programas que jamais existiram de fato, porém foram divulgados
como verdade nas redes sociais, virtuais ou não.

A partir disso a palavra ideologia passou a ser empregada da maneira mais


equivocada possível, nos mais variados contextos. Isso sem entrar no mérito da
distribuição de notícias falsas utilizadas para fundamentar esse pensamento. Sem
prejuízo a outras análises, há dois pontos a se destacar a respeito de “ideologia
de gênero”.

Em primeiro lugar, porque ninguém “ensina” quem quer que seja a ter uma
orientação sexual, seja ela qual for, dado que conforme diversos estudos
comprovaram que a orientação sexual não é uma questão de escolha do
indivíduo.

Em segundo lugar, existe certa confusão entre as palavras “gênero” e


“sexualidade”, pois o gênero é o modo como cada pessoa se identifica perante
si mesma, como homem, mulher, trans e outros. Já a sexualidade está associada
ao sentimento, subjetividades, desejos e sensações individuais relacionadas ao
prazer sexual. Assim, caso fosse mesmo uma ideologia, essa seria da sexualidade
e não do gênero.

Vale ressaltar que muitas outras questões tidas como ideológicas, na verdade
dizem respeito a valores morais ou a conceitos. No entanto, são tratadas sob o
viés ideológico dado o cunho negativo que o valor ou conceito possui no contexto
do discurso mais circulante socialmente.

Embora esse estereótipo de ideologia como sendo algo ruim esteja associado
ao discurso atual da extrema direita brasileira, seu emprego para designar algo
depreciativo a um pensamento, tipificando como ideológico, remonta ao final do
século XVIII.

Seção 2
Ideologia: manipulação ou identidade de pensamento

Como percebemos na seção anterior, o conceito de ideologia está envolto


em polêmicas sobre como deve ser usado e qual sua utilidade para o
desenvolvimento do pensamento humano. Esses debates acalorados em torno
dele existem desde que foi criado, ainda no final do século XVIII, em pleno
contexto da França revolucionária.

37
Capítulo 2

O filósofo Antonie Desttut de Tracy, ou Conde de Tracy, ao criar o conceito que chamou
de “ideologia” tinha como objetivo fazer o estudo das ideias, ou seja, tudo aquilo que
tratasse as ideias como um modo de relação entre os homens, os fenômenos naturais
e sociais.

Tracy buscou entender como surgiram as ideias e pensamentos para


compreender o conhecimento da verdadeira natureza humana, de onde surgiam
e como eram desenvolvidas. O conceito de ideologia foi analisado por Tracy pela
primeira vez na obra “elements d’ideology” publicada em 1804, e trazia como
objetivo principal propor o estudo dessas ideias e seus desenvolvimentos.

Em curto período de tempo, após essa publicação diversos pesquisadores e


pensadores aderiram a esse campo de estudos, sendo chamados de ideólogos,
movimento esse que logo se tornou uma escola filosófica com bastante
estudiosos na França revolucionária. Conde de Tracy foi também um importante
pensador da Revolução Francesa, na qual alistou-se para lutar ao lado de muitos
outros burgueses parisienses pela queda da Bastilha e pela ruptura do então
status social francês.

Após a queda da Bastilha, Tracy passa a criticar as posturas de Napoleão, bem


como a legitimidade de suas ações incongruentes com aquelas que o levaram
ao cargo de mais alto governante francês. Essas críticas vieram de algum tempo,
quando Tracy nota que Napoleão Bonaparte passara a agir como um governante
absolutista, desejoso de conquistar outros territórios à força e colocando a França
em um estado permanente de guerra.

Diante das sucessivas críticas de Tracy, Bonaparte reagiu chamando os discursos


e ideias daqueles que concordavam com Tracy de “ideológicas”. Essa justificativa
utilizada por Napoleão não apresentava pressupostos baseados na verdade, pois
não passavam de ideias distorcidas e fantasiosas usadas para manipular os fatos
contra alguém ou algum movimento contrário aos seus interesses.

Cabe destacar que a postura adotada por Napoleão possui alguma semelhança
com a conjuntura social e política da sociedade brasileira contemporânea, em
especial pelo uso de narrativas sem compromisso com a verdade dos fatos.

A esse respeito Mazzari (2012, p. 359) afirma que:

Pois se a palavra idéologie foi cunhada em 1796 pelo pensador


sensista Destutt de Tracy, a pré-história desse conceito
pode ser sondada já na oposição, articulada por Platão, à
atividade dos sofistas, “primeiros profissionais da retórica e
do mercado ideológico que a história da filosofia registra”.
[...] vários pressupostos da argumentação crítica lhe estarão
suficientemente claros, refiram-se eles a concepções de

38
Teoria do Estudo da História

Karl Mannheim, Marx e Engels, dos moralistas, ou ainda a


particularidades da história do liberalismo na Europa, nos Estados
Unidos e, sobretudo, no Brasil.

Passado quase meio século, o uso da palavra e do conceito de ideologia seguia


sem muita expressão no contexto científico e filosófico da época, até quando
Marx resolve resgatar a palavra, ainda que usada com outra conotação e sentido
de sua conceituação original. A partir de então, adquiriu formas, debates e críticas
muito mais potentes e acaloradas daquelas que deu sua origem.

Para Marx, a ideologia era um conjunto de práticas sociais ligadas à


superestrutura, já que seu principal objetivo era formar na população uma falsa
consciência sobre as ideias e condições sociais dos trabalhadores. Seria uma
ação direta sobre as formas de pensar e agir dos atores sociais, de modo a
manter as práticas dominantes já existentes, formando a percepção de que as
coisas são “como devem ser”.

Essa ação ideológica serviria para “camuflar” as contradições sociais existentes,


de modo que os trabalhadores não percebessem as diferenças de classes e
não se unissem em torno das lutas pelos direitos de detenção dos meios de
produção. Isso porque, a ideologia seria fundamental para que os sistemas de
ideias, bem como o extrato social vigente, permanecessem aceitos como eram,
sem que fossem suscitadas transformações.

Em virtude disso, os marxistas tratavam – e alguns ainda tratam – a ideologia


como um conjunto discursivo levado a cabo por uma classe dominante, de modo
que as classes dominadas estejam sempre sob controle material e ideológico.

De acordo com Marx, a ideologia burguesa faz com que o funcionário de uma fábrica
se sinta plenamente responsável pelo sucesso ou fracasso da empresa, fazendo com
que ele “acorde cedo, utilize ônibus lotado, faça hora extra” e muitos outros sacrifícios
baseados numa “consciência de responsabilidade e zelo pelo trabalho”.

Isso significa que numa realidade forjada pela ideologia e com funcionamento
adequado, um proletário aja do modo como o patrão desejar, e melhor, que o
faça imaginando que essa ideia provém estritamente de sua vontade pessoal
e subjetiva. Essa “vontade própria” faz com que as classes dominantes sigam
controlando os meios de produção com custos financeiros e morais cada vez
mais otimizados.

Talvez por isso, quem possui uma leitura aprofundada em ideologia marxista, ou
desconhece completamente o uso que Marx fazia do termo, ou tenta fazer uma
adaptação incompatível dele com as ideias marxistas, isso seria quase como

39
Capítulo 2

tentar matar uma cobra com soro antiofídico. Marx afirmava que uma sociedade
atingiria sua plenitude quando estivesse livre da ideologia, ao menos, daquela
praticada pelas classes dominantes.

Mas os países que se diziam socialistas e os marxistas tinham ideologia?

A resposta a esse questionamento é dualística, sim e não. Se pensarmos em


ideologia conforme Marx, o socialismo jamais seria ideológico, nenhum país
conseguiu sequer ultrapassar os modos de produção capitalista – nem mesmos
países tidos como socialistas – de acordo com os critérios estabelecidos por
Marx.

E conforme acrescenta Mazzari (2012, p. 361):

Ideologia alemã, em que Marx e Engels definem ideologia como


“falsa consciência” – também como inversão da objetividade
histórica, conforme se formula nessa célebre passagem: “Se no
todo da ideologia os homens e suas relações aparecerem de
ponta-cabeça, como numa câmera escura, então esse fenômeno
resulta do seu processo histórico de vida, do mesmo modo como
a inversão dos objetos na retina resulta do imediato processo
físico de vida”.

Por outro lado, poderíamos pensar que a ideologia esteve sempre em debate
e que sua construção e usos foram transformando-se ao longo das décadas,
conforme a difusão do conceito foi sendo executada. Se for assim, inclusive
os marxistas podem lançar mão de ideologias, já que conforme veremos mais
adiante, ela passou a ter outras conotações e sentidos.

Outra leitura possível do conceito de ideologia é o entendimento de que são


ideias – verdadeiras ou falsas – que ajudam a legitimar um poder dominante.
Aqui há uma diferença importante para o entendimento marxista original, já que
a ideologia para Marx não seria um instrumento, mas o próprio poder constituído
sobre as classes dominadas. Tratá-las como um instrumento que legitima ou
como uma “ilusão” cria um canal de escape, um campo de fuga da ideologia para
fora ou dentro da luta pelo poder.

Se assumirmos o que apregoa o senso comum que ideologia é somente


um conjunto rígido e distorcido de ideias manipuladas ou falsas, todos nós
seremos caracterizados como ideológicos. Isso ocorrerá quando, na maioria
das vezes, acreditarmos que aqueles que pensam diferente de nós o fazem por
algum interesse ou que suas ideias são baseadas em pressupostos falsos ou
manipuladores da verdade.

40
Teoria do Estudo da História

Se assim o fosse, todos os embates sociais, que têm na ideologia um


instrumento, acabariam empatados, ou melhor, com a derrota de ambos. Desse
modo, primeiramente, pensou-se em uma relação de forças entre uma ou mais
ideologias que circulam socialmente. Isso reforça a ideia das lutas por poder 2 e
da ideologia como arena de lutas discursivas.

Estratégias ideológicas de naturalização e a universalização de


certas crenças
Algumas estratégias precisam ser estabelecidas para que uma ideologia possa
ser dominante, ou pelo menos considerada como tal. A principal delas é promover
a naturalização e a universalização de certas crenças que sequer tenham sido
incorporadas pela maioria das pessoas.

No Brasil, um exemplo claro disso é quando uma ideologia nos faz crer que a
concepção de propriedade privada é igual em todos os lugares do mundo. E
que essa concepção deve tratada como um valor absoluto e universal, devendo
sempre ser pensado e aplicado da mesma maneira, sem considerar quaisquer
outras possibilidades.

Com essa “universalização ideológica”, desconsidera-se que civilizações orientais ou


indígenas tenham uma relação diferente no que concerne à propriedade privada, isso
sem mencionar que em muitos contextos sequer existe essa concepção. Nem por isso
essas sociedades são menos desenvolvidas ou evoluídas, muito menos tratam-se de
sociedades “comunistas”, como se costumou chamar tudo aquilo que não pertence à
esteira de pensamento da extrema direita.

Outro exemplo brasileiro a ser destacado sobre como a ideologia pode ser uma
estratégia de naturalização, é a ideia de que no Brasil, os problemas estruturais
e de desigualdade social têm como causa as classes menos favorecidas. Nesse
caso, essas classes são constituídas em sua maioria por negros, mestiços e
outras raças tidas como inferiores.

É importante destacar que naturalizar a miséria, o racismo e o tratamento desigual


é um processo ideológico, instrumentalizado, inclusive em estudos bastante
conhecidos na historiografia brasileira, como na obra “Casa grande e senzala”, de
Gilberto Freyre (2006).

Nessa obra, o autor utiliza pressupostos eurocêntricos para cunhar a teoria da


miscigenação como aquela que teria dificultado o processo civilizatório no Brasil.

2 Lutas por poder no sentido foucaultiano, que entende por poder não só as relações verticais de dominantes e
dominados, mas de microrrelações de poderes horizontalizadas e em todos os atos e relações sociais.

41
Capítulo 2

Por meio dessa ideologização, acreditava-se que o papel dos negros era de
fato seguir vivendo nas senzalas, estruturas que marcaram o período imperial,
as quais, transpondo ao período contemporâneo, equivalem aos conjuntos
habitacionais que chamamos de favelas.

Outra característica estratégica de naturalização de uma ideologia dominante é o


ato contínuo de excluir e difamar todas as ideias contrárias a ela. Ou seja, fazer
com que tudo aquilo que não pertença a essa matiz ideológica seja considerada
como desprezível, como algo que deve não ser apenas eliminado, mas também
ridicularizado.

Essa é uma prática muito comum em tempos das redes sociais virtuais, em que,
independente da ideologia, há certo tensionamento do debate e até um processo
de luta discursiva em torno do que é a “verdade”.

Novas formas de lidar com o conceito de ideologia


A maioria dos pensadores, desde a metade do século XX, buscam refletir sobre
novas formas de lidar com o conceito de ideologia. Nesse sentido, tal conceito
passou a ser entendido como um conjunto de práticas e discursos comuns a
um ou mais grupos sociais que produzem significados e valores sociais em um
tempo, espaço e contexto específico.

Essa produção de valores sociais não pertence apenas a um grupo dominante,


pois os dominados também constroem seus próprios conjuntos de valores sociais,
caracterizando que as ideologias são campos de batalhas nas lutas por poder entre as
diferentes camadas da sociedade.

Esse fenômeno é decorrente de interesses associados às diferentes


estratificações de classes sociais. Isso porque cada forma de pensar tem
motivações que não se esgotam em si, pois transitam por outros contextos como
econômicos, políticos, religiosos e até costumes e valores em transformação.

Dessa forma, um conjunto de práticas e discursos vinculados a um grupo social


pressupõe também que a ideologia seja uma arena de lutas não apenas pelo
poder e por hegemonias sociais, mas pertencente a processos de identidades
que um indivíduo ou grupo passa a exercer.

É fato que ao falarmos em identidades, já não são apenas as identidades


nacionais, raciais, políticas ou de classe social. A pulverização das identidades fez
com que as ideologias fossem potentes instrumentos de consolidação identitária,
bem como da marcação das diferenças. Sejam elas de gênero, teológicas,
de faixa etária, de costumes, de sexualidade, de origem étnica ou outras que

42
Teoria do Estudo da História

fazem das identidades a consolidação das estruturas que formam um grupo,


caracterizando aquilo que são e, ainda mais, aquilo que não são.

De qualquer forma, o conceito de ideologia surgiu como um campo de estudos


das ideias e logo passou a ser vista como uma forma de distorcer fatos, de
manipular classes sociais e de manutenção dos status sociais. Com o passar dos
tempos, a historiografia começou a estudar e a entender a ideologia como um
conjunto de práticas discursivas de um ou mais grupos sociais.

Seja no positivismo ou no marxismo, a ideologia foi usada como um conceito


contestador das narrativas históricas tidas como “verdadeiras”. Mas, no princípio
do século XX, surgiu outra maneira de se fazer história, não mais focada
em escrever a verdade definitiva dos fatos, não mais preocupada em narrar
cronologicamente acontecimentos épicos, com os grandes heróis, com as datas,
com a história oficial e política das nações.

Diante desse contexto, e com base na ideia de que a história poderia ser muito
mais do que uma narrativa de fatos centrada na ciência história, nos fatos e
fontes oficiais, surge a chamada Nova História, ou, como ficou mais conhecida, a
Escola dos Annales.

Seção 2
Escola dos Annales: a história cultural e de
longa duração
A ideologia foi uma importante força motriz para a corrente historiográfica que
revolucionou o século XX, a Escola dos Annales. Os historiadores dessa Escola
tratavam de temas e objetos diferentes, mas de alguma maneira tinham como
objetivo estudar o conjunto de ideias de um ou mais grupos sociais, sejam seus
aspectos em comum ou aqueles pelos quais se diferenciam.

Nesse sentido, Burke (1992, p. 88) define ideologia dentro desse campo de
pensamento:

Latente na “mentalidade” da época, esse sistema intelectual foi


concretizado como ideologia com finalidades políticas. Ideologia,
observa Duby, não é um reflexo passivo da sociedade, mas
um projeto para agir sobre ela (Duby, 1978). A concepção de
ideologia de Duby não está longe da de Louis Althusser, que a
definiu, um dia, como “a relação imaginária dos indivíduos com
as condições reais de sua existência”. De maneira similar à de
Duby, um especialista em século XVIII, Michel Vovelle, fez uma

43
Capítulo 2

séria tentativa de fundir a história das mentalidades coletivas,


no estilo de Febvre ou Lefebvre, com a história das ideologias
marxista (Vovelle, 1982, especialmente, 5-17).

Quando Burke faz referência a “mentalidades” nos sinaliza que os Annales têm
caminhos diferentes a trilhar do que a historiografia positivista ou marxista. E,
vejam, estamos falando em diferentes, sem atribuir juízo de valor, não é nem
melhor e nem pior do que esses outros.

Isso significa dizer que de uma abordagem histórica, política, econômica e oficial,
passou-se para uma abordagem dos modos de vida, das percepções sociais
individuais e coletivas, daquilo que pensavam determinados grupos em um
espaço e tempo delimitado, assim:

O que distinguia Bloch e Febvre dos marxistas de seu tempo era


precisamente o fato de que não combinavam seu entusiasmo
pela história social e econômica com crença de que as forças
sociais e econômicas tudo determinavam. Febvre era um
voluntarista extremo, Bloch, um mais moderado. Na segunda
geração, por outro lado, houve um deslizamento em direção
ao determinismo, geográfico, no caso de Braudel, econômico,
no de Labrousse. Ambos foram acusados de tirar o povo da
história e concentrar sua atenção nas estruturas geográficas
e nas tendências econômicas. Na terceira geração, no meio
de historiadores preocupados com temas tão diversos quanto
estratégias matrimoniais ou hábitos de leitura, houve uma volta
ao voluntarismo. Os historiadores de mentalidades não mais
assumem (como Braudel o fez) que os indivíduos são prisioneiros
de sua visão de mundo, (BURKE, 1992, p. 125).

Nesse caso, o tema abordado se refere à diferença entre as formas de pesquisar


de Braudel e Febvre, pois o primeiro buscava analisar as estruturas sociais,
os fenômenos geográficos, a demografia e todas as questões referentes aos
acontecimentos, tendo como base as sociedades.

Já Febvre, assim como os pensadores da terceira geração dos Annales, tem


como enfoque os sujeitos que produziam a História por meio tanto de seu papel
nas relações sociais e de seus grupos, quanto nas ações que esses indivíduos
realizavam, seja para tomar como exemplo de continuidade, rompimento ou
resistência.

44
Teoria do Estudo da História

Escola dos Annales: Nova História


Como surgiu a Escola dos Annales?

Todo fenômeno, seja ele físico, químico, social, econômico, cultural etc., tem seu
ponto inicial, todavia, nem sempre é somente um fato que gera o surgimento de
um movimento tão importante como a Escola dos Annales. Dessa forma, explicar
esse fenômeno baseado apenas em personagens, seria um reducionismo, ir
contra, inclusive, as linhas mestras que movimentam essa corrente historiográfica.

Após a Primeira Guerra Mundial, as grandes nações e os personagens heroicos


passaram a ser colocadas em xeque. Nesse período, emergiu a diversidade de
sistemas políticos e do contexto científico europeu – sobretudo o francês -, além da
tentativa de renovar as pesquisas em ciências humanas.

Esses acontecimentos formaram a conjuntura, na qual dois jovens historiadores,


Lucien Febvre e Marc Bloch, encontraram as condições perfeitas para levar a
cabo seu projeto de realizar novas formas de produção historiográfica.

Inicialmente, idealizada com o objetivo de criar uma revista internacional voltada


à história econômica, Febvre e Bloch convidaram Henri Pirenne para dirigi-la, o
qual declinara do convite. Em 1928, Bloch retoma o projeto, dessa vez de maneira
mais modesta, idealizando agora uma revista francesa e não mais internacional.

Todavia, mesmo com a mudança de enfoque, e agora convidado para ser o editor,
Pirenne recusa novamente o convite e os dois historiadores resolvem assumir a
editoria da revista chamada: “Annales d’histoire économique et sociale” (Anais de
História econômica e social).

Desde o começo, tinham como objetivo fazer com que a publicação


representasse diversos outros historiadores interessados em ir além da história
como narrativa de acontecimentos e isolada das demais disciplinas. A ideia era
que a revista Annales fosse um espaço de difusão da história social e econômica,
partindo de uma abordagem interdisciplinar.

A partir de então, muito rapidamente, a revista tornou-se um espaço para a nova


corrente historiográfica que surgia na França, e que logo ganhou o nome de
“Escola dos Annales”, futuramente seria chamada também de Nova História. De
maneira geral, podemos dizer que entre 1920 e 1989, época em que a revista foi
editada, esse campo passou por três grandes gerações.

45
Capítulo 2

Primeira geração da Escola dos Annales


A primeira geração (1929-1945) foi o período inicial da revista, no qual, seus
editores e historiadores, que nela publicaram, buscavam estudar a história
econômica. Ainda que essa temática da economia das nações, das produções
agrícolas, do comércio e das relações financeiras entre os estados fosse quase
todas as pesquisas desse campo, o objetivo era não fazer isso tendo na história
narrativa de acontecimentos a única base teórica para sua execução.

No entanto, no decorrer do tempo, os temas foram sendo ampliados, assim como


as áreas de atuação dos historiadores. Alguns conceitos e diálogos com outras
ciências começaram a acontecer, primeiramente com as Ciências Sociais, depois
com as Ciências Econômicas, e inclusive com parte dos estudos em Psicologia.
Para que essa interdisciplinaridade fosse possível, Febvre e Bloch convidaram
cientistas de diversas áreas das Ciências Humanas para atuarem como editores
da Revista Annales, bem como para publicar no periódico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Bloch sempre atuou diretamente no processo


de luta e resistência à dominação alemã na França. Alistou-se no exército francês
e acabou preso, sendo, na sequência, levado para um campo de concentração,
onde foi aprisionado e torturado até 1944, ano em que foi fuzilado pelo exército
alemão.

Bloch, enquanto estava preso na Alemanha, não parou de escrever. Inclusive,


conseguia fazer com que seus manuscritos ultrapassassem os muros dos campos de
concentração e fossem publicados após sua morte – e ainda inacabado – com o nome
de Apologia da História, ou, o oficio do historiador.

Entre os diversos dos elementos já citados anteriormente, o Bloch analisa a


necessidade da História de ser uma Ciência com um campo de pesquisa mais
amplo, com a utilização de fontes não oficiais e que o trabalho do historiador não
seja apenas o de fazer Ciência.

Isso porque o historiador tem entre suas atribuições disseminar o conhecimento


histórico para a população que não está ligada à comunidade acadêmica, que
pertence às classes populares e talvez essa seja sua função principal no processo
científico.

Segunda geração da Escola dos Annales


Com a morte de Bloch, é Febvre que assume o comando da revista Annales,
inaugurando a segunda geração (1945-1968). Esse foi um período em que essa
corrente de historiadores passou a ficar bastante conhecida e valorizada no meio
acadêmico francês.

46
Teoria do Estudo da História

Conforme Burke (1992, p. 56):

Mas a mais importante conquista de Febvre, no pós-guerra,


foi criar a organização dentro da qual “sua” história poderia
desenvolver-se, a VI Seção da École Pratique des Hautes Études,
em 1947. Ele tornou-se Presidente da VI Seção, dedicada às
ciências sociais, e Diretor do Centro de Pesquisas Históricas,
uma seção dentro da seção. Nomeou discípulos e amigos para
as posições-chave da organização. Braudel, a quem tratava
como um filho, auxiliou-o a administrar o Centro de Pesquisas
Históricas e os Annales. Charles Morazé, um historiador
especialista no século XIX, juntou-se a ele no “Comitê Diretor” da
revista; Robert Mandrou, outro dos “filhos” de Febvre, tornou-se
seu Secretário Executivo, em 1955, pouco antes de sua morte.
Os Annales começaram como uma revista de seita herética. “É
necessário ser herético”, declarou Febvre em sua aula inaugural,
Oportet haereses esse (Febvre, 1953, p.16). Depois da guerra,
contudo, a revista transformou-se no órgão oficial de uma
igreja ortodoxa. Sob a liderança de Febvre os revolucionários
intelectuais souberam conquistar o establishment histórico
francês. O herdeiro desse poder seria Fernand Braudel.

Antes de falarmos sobre a segunda geração dos Annales, precisamos fazer uma
importante reflexão.

Conforme veremos mais adiante, atribuiu-se a ampliação do território de


abrangência dessa corrente à terceira geração, como se em outros países fosse
produzida somente a história tradicional. Essa visão eurocêntrica das escolas
historiográficas, que percebem as “inovações” sempre advindas do Velho Mundo,
é contestada por Peter Burke, ao escrever sobre Gilberto Freyre e seus estudos
em “Casa Grande e Senzala”.

Para o historiador inglês, as pesquisas de Freyre são ainda anteriores as


realizadas por Bloch e Fevbre, as quais evidenciam a ocorrência dessa
história social em outros países. Ocorrência essa, sem que os autores sequer
conhecessem um o trabalho do outro, ou seja, essas propostas derivavam
também de condições sociais e contextos à época para que fossem feitas
pesquisas com esses vieses.

Destacamos na sequência um trecho do ensaio de Burke sobre esse tema


bastante interessante.

47
Capítulo 2

Uma característica central da nouvelle histoire francesa foi seu foco em “novos
objetos”, para citar o título de um volume que explica e exemplifica o movimento
(cf. Le Goff & Nora, 1974, 1). A história da cultura material (civilisation matérielle),
por exemplo, foi investigada por Fernand Braudel na década de 60 (cf. Braudel,
1967; Burke, 1981). Os seguidores de Braudel continuaram seus estudos sobre
alimentação, habitação, vestuário e assim por diante (cf. Hemandiquer, 1970; Bardet
et alii, 1971; Ladurie, 1975; Roche,1989).

Seguindo a liderança de Georges Duby e Philippe Ariès, a história da família foi


ampliada de modo a incluir a história da vida privada, a história do amor, a história
da sexualidade, a história do corpo e, finalmente, com o despertar do movimento
feminista, a história das mulheres. Todos esses tópicos foram estudados não
apenas do ponto de vista econômico e social, mas também do ponto de vista da
cultura (no sentido amplo do termo), da “psicologia histórica” ou da “história das
mentalidades coletivas”. Robert Mandrou, por exemplo, apresentou seu trabalho
sobre o início da França moderna como “psicologia histórica”, enquanto Michel
Vovelle, um pioneiro na história da morte, situava seu trabalho na fronteira entre as
mentalidades e as ideologias (cf. Mandrou, 1964; Vovelle, 1982).

A história da infância de Philippe Ariès é um dos mais famosos exemplos da nova


abordagem do passado. Pode-se dizer que Ariès inventou a história da infância
ao proclamar que a ideia de infância não existia na Idade Média, mas foi inventada
no início da França moderna. Ele não foi um profissional, mas um “historien de
dimanche”, como ele descreveu a si próprio em sua autobiografia (cf. Ariès, 1982).

De qualquer modo, seu estudo sobre a infância, assim como aquele posterior
sobre a morte, reflete o interesse na história das “mentalidades coletivas” associada
à escola ou ao grupo dos Annales. Seu livro é admirável pelo uso da evidência
iconográfica e pela preocupação com a cultura material (notadamente roupas e
brinquedos), enquanto expressões de mudanças nas atitudes dos adultos para com
as crianças (cf. Ariès, 1960).

Entretanto, como se sabe, todos esses tópicos foram discutidos em uma geração
antes por Gilberto Freyre, especialmente em seus estudos sobre o Brasil colonial. A
principal razão para seu interesse na arquitetura vernacular foi explicada por Freyre
em alguns artigos de jornal da década de 20. “Há casas cujas fachadas indicam
todo um gênero de vida nos seus mais íntimos pormenores. Todo um tipo de
civilização. O ‘bungalow’ americano é assim” (Freyre, 1979, p. 315) “Os homens e
os livros muitas vezes mentem. A arquitetura quase sempre diz a verdade através de
seus sinais de dedos de pedra” (Freyre, 1935, p. 82).

A importância da habitação em Casa-grande & senzala e em Sobrados e


mucambos é indicada pelos títulos assim como pelos conteúdos desses livros.
Também em estudos posteriores, Freyre escreveu sobre as variações na edificação

48
Teoria do Estudo da História

como sendo expressões de variações na cultura. Ordem e Progresso, por exemplo,


inclui várias páginas sobre o chalé. Um estudo da década de 70 defendeu o trabalho
do autor contra os críticos e tentou uma síntese das abordagens antropológica,
histórica e sociológica da habitação de seus livros anteriores (cf. Freyre, 1941b, p.
168 ss, 215-227; 1959, 1, p. 213 ss; 1971).

Falta apenas que alguém atualize sua história social com estudos da história social
da favela, do condomínio e talvez do shopping. Os conteúdos da casa tampouco
foram negligenciados. Na década de 60, Braudel escreveu passagens famosas
sobre a história social de cadeiras e mesas. Na década de 30, Freyre refletiu sobre a
história cultural da rede e da cadeira de balanço, símbolos da voluptuosa ociosidade
que os brasileiros em geral – ele sugeriu – herdaram dos colonos de Pernambuco
(cf. Freyre, 1933;1937, p. 219).

Tópicos como esses, que haviam sido considerados superficiais ou triviais, foram
vistos por ambos historiadores como chaves para as estruturas subjacentes às
diferentes culturas. A história da alimentação é outro tema recorrente – para não
dizer obsessão – nos ensaios de Freyre, que frequentemente tecem elogios às
tradições culinárias de Pernambuco, especialmente seus doces. Ele dedicou até
mesmo uma pequena monografia ao assunto, combinando uma lista de receitas
com reflexões sobre “etnografia, história e sociologia” de seus doces favoritos (cf.
Freyre, 1925; 1939).

Enquanto historiador social, Freyre examinou a alimentação a partir de dois


ângulos principais. O primeiro foi o da dieta, especialmente de suas insuficiências;
o segundo, o da significação simbólica dos vários tipos de comidas enquanto
expressão de valores como hospitalidade, masculinidade e feminilidade, tais como
definidos pela cultura colonial do Nordeste.

Em algumas das mais admiráveis páginas de Sobrados e Mucambos, Freyre discute


os regimes alimentares da “virgem pálida” e da “esposa gorda e bonita” (cf. Freyre,
1933, p. 237 ss; 1936, p. 140 ss). Como se poderia esperar de um livro cujo tema
central é “a formação da família brasileira” (como nos lembra a página-título de
Casa-grande & senzala), o autor tinha muito a dizer acerca de sexo, principalmente
nos famosos capítulos sobre “o negro na vida sexual do brasileiro”. Ele até mesmo
tinha algo a dizer acerca das atitudes para com os animais, um tópico que os
historiadores europeus somente começariam a levar a sério na década de 80(cf.
Freyre, 1936, cap. 4; Thomas, 1983).

Ele também tinha algo a dizer acerca das crianças. Em 1921, o jovem confidenciou
a seu diário sua ambição. “O que eu desejaria era escrever uma história como
suponho ninguém ter escrito com relação a país algum: a história do menino
brasileiro – da sua vida, dos seus brinquedos, dos seus vícios –, desde os tempos
coloniais até hoje”. Entre1921 e 1930, a versão publicada do diário de Freyre refere-

49
Capítulo 2

se ao projeto da história da criança no Brasil não menos do que sete vezes. Quatro
dos artigos que escreveu para o Diário de Pernambuco nos anos 20 tratavam da
infância, das crianças e seus livros e brinquedos. A história da criança atraiu seu
interesse por si mesma, como uma desculpa para discutir sua própria infância, e
como um microcosmo da cultura brasileira. [...]

A “nova história” francesa baseou sua pretensão de novidade não apenas na


descoberta de novos objetos de estudo, mas também no desenvolvimento de novas
abordagens e métodos, frequentemente em associação com outras disciplinas.
Entretanto, como é bem conhecido, uma abordagem multidisciplinar desse tipo
foi praticada por Gilberto Freyre já nos anos 30. Ele descreveu seus livros como
contribuições à “sociologia” e à “antropologia” assim como à história social (cf.
Freyre, 1933, prefácio à primeira edição).

Ele tinha familiaridade com a tradição sociológica de Comte, Marx e Spencer, via
Durkheim, até Max Weber, Georg Simmel e Vilfredo Pareto (cf. Freyre, 1975, p.
5, 12, 44, 79, 147, 225). Uma das mais conhecidas características da biografia
intelectual de Freyre é sua descoberta do trabalho do antropólogo alemão-
americano Franz Boas sobre raça e cultura, sem esquecer a cultura da cozinha
(cf. Freyre, 1933, prefácio à primeira edição; 1939 ou 1969, p. 99-100; 1975, p.
88 e 147; Lima, 1989, p. 195 ss). Ele também citou outros antropólogos, entre
eles Edward Tylor, Bronislaw Malinowski, A. R. Radcliffe-Brown (acerca de quem
escreveu um ensaio) e Melville J. Herskovits (que foi seu colega de estudos em
Columbia e compartilhou seu interesse nas culturas afro-americanas) (cf. Freyre,
1942). (BURKE, 1997, p.4).

Conforme observamos, se no início de suas atividades acadêmicas, Bloch e


Fevbre estavam quase marginalizados e esquecidos no processo historiográfico,
passaram a ter suas pesquisas divulgadas na mídia, para além dos ambientes
universitários, popularizando o conhecimento histórico. Destacavam-se por uma
forma diferente de fazer história, definida por Burke (1992) como uma “guerra
de guerrilha”, já que suas batalhas eram empreendidas aos poucos, em campos
difusos e até inesperados.

Todavia, quem assume de fato a liderança dos Annales é um ex-aluno de Bloch,


chamado Fernand Braudel, sendo ele a propor novas possibilidades de produção
historiográfica dentro desse campo. Essa produção marcou a historiografia
francesa e mundial, pois os temas que tratou em suas pesquisas foram muito
importantes para a consolidação da Nova História, bem como à proposição de
novas possibilidades.

50
Teoria do Estudo da História

Braudel inova ao conceber uma história de “longa duração”, pela qual propunha
uma análise dos acontecimentos a partir da ideia de que só é possível entender
o passado em um tempo mais amplo, e que determinada estrutura social era
mantida e rompida ao longo da História. Por exemplo, para estudarmos os
processos da Revolução Industrial, não deveríamos nos deter somente nos
acontecimentos que levaram ao abandono dos campos e a construção das
fábricas nas grandes cidades.

Na análise histórica da Revolução Industrial o historiador deveria entender quais os


processos, no decorrer dos séculos, permaneceram e se modificaram, como ao
longo de um ou mais séculos se desenvolveram as formas de produção nos campos,
os aperfeiçoamentos tecnológicos, as consecutivas más colheitas e ondas de fome,
que levaram ao êxodo rural. Da mesma maneira, seria preciso compreender o
enfraquecimento dos feudos e o fortalecimento do poder real e das zonas urbanas.

Quando falamos que a Idade Média foi a “idade das trevas”, embora isso não seja
exatamente uma verdade, trata-se de uma mentalidade formulada por aqueles
que contaram a história desse período. Por sua vez, essa concepção corresponde
a uma análise de alguns séculos e de que movimentos sociais foram acontecendo
para a permanência e transformação da Europa.

Diante desse contexto, não é possível afirmar que um fato histórico está isolado e
independente de uma conjuntura e de uma estrutura que o envolvem, do qual são
causa e ao mesmo tempo consequência. Portanto, não é adequado, ao menos
para a corrente historiográfica da Escola dos Annales, estudar a História a partir
apenas dos fatos, narrar os acontecimentos do passado de maneira cronológica e
linear.

É necessário também entender que os fatos não ocorrem por si mesmos, mas
pertencem a um conjunto de mentalidades que tornam possíveis suas existências
e execuções. Por exemplo, se não houvesse uma mentalidade em torno de
um novo regime, jamais teria acontecido a queda da Bastilha, muito menos a
Revolução Francesa.

Nesse sentido, há muito mais do que uma mudança metodológica de


entendimento das temporalidades históricas. Há ainda a transformação da ideia
de que os acontecimentos – ou melhor, os fatos históricos – são os elementos
mais importantes para o estudo da História. Com isso, o que passa a ser
valorizado é o estudo das mudanças sociais ao longo do tempo, de que modo as
rupturas e modificações da sociedade influenciaram na história de cada nação,
grupo de pessoas ou sociedade.

51
Capítulo 2

Seguindo o exemplo da Revolução Francesa, deixou de ser o mais importante


estudar Napoleão, os documentos oficiais da França revolucionária ou a histórica
econômica do novo regime. O objeto de estudo dos historiadores residiria em
entender como e por qual motivo aconteceram as mudanças, que estruturas
de média e longa duração foram sendo rompidas para que tais mudanças
ocorressem e como foi esse processo ao longo dos anos.

O foco seria não apenas a narrativa do acontecimento, mas a compreensão do todo, a


partir de um espaço temporal mais amplo.

Braudel, em sua tese de doutorado chamada “O Mediterrâneo”, que


posteriormente se torna um dos livros mais importantes para a historiografia
mundial, estuda a Espanha no reinado de Felipe II (1556 a 1581). O objeto de
seu estudo não estava centrado no rei como personagem principal, mas nos
processos, costumes, percepções de mundo, características geográficas da
região mediterrânea naquele período.

Para melhor compreender esse processo, apresentamos na sequência um trecho


da análise de Burke sobre as inovações trazidas por Braudel e de que modo a
história passou a ser pensada e aplicada.

O século XVI, porém, parece ter sido favorável ao


desenvolvimento de grandes estados do tipo dos impérios rivais
espanhol e turco, que dominaram o Mediterrâneo. Para Braudel,
“O curso da história é alternadamente favorável e desfavorável
à formação de vastas hegemonias políticas”, e o período de
desenvolvimento econômico, durante os séculos XVI e XVII, criou
uma situação bastante favorável aos grandes e enormes estados
(Ibid., pp. 660-1).
Como as estruturas políticas, as estruturas sociais dos dois
grandes impérios – opostas entre si de diversas maneiras no topo
– caminharam gradativamente no sentido de se assemelharem
cada vez mais. As principais tendências sociais na Anatólia
e nos Balcãs, nos séculos XVI e XVII, corriam paralelas às da
Espanha e Itália, sendo que esta, durante o período, estava
submetida em grande parte às leis espanholas. Segundo Braudel,
a principal tendência, em ambos os lados, era a polarização
social e econômica. A nobreza enriquecia e migrava para as
cidades, os pobres tornavam-se cada vez mais pobres e eram
empurrados para a pirataria e o banditismo. Quanto às classes
médias, desapareceram ou “emigraram” para a nobreza,
processo descrito por Braudel como a “traição” ou a “falência” da
burguesia (Ibid. pp. 704 ss).

52
Teoria do Estudo da História

Num capítulo dedicado às fronteiras culturais e à gradual difusão


das ideias, objetos, ou costumes, Braudel estende a comparação
entre cristãos e muçulmanos mediterrâneos da sociedade para a
“civilização”, denominação que prefere. Evitando um difusionismo
simplista, discute também a resistência a essas inovações,
invocando o “repúdio” espanhol ao protestantismo, a rejeição do
cristianismo da parte dos mouros de Granada e a resistência dos
judeus a todas as outras civilizações (Ibid., pp. 757 ss).
Não chegamos ainda ao coração do problema. Abaixo das
correntes sociais jaz uma outra história, “uma história quase
imóvel... uma história lenta a desenvolver-se e a transformar-se,
feita muito frequentemente de retornos insistentes, de ciclos sem
fim recomeçados”49 (Ibid., p. 20). A verdadeira matéria do estudo
é essa história “do homem em relação ao seu meio”, uma espécie
de geografia histórica, ou, como Braudel preferia denominar,
uma “geo-história”. A geo-história é o objeto da primeira parte
do Mediterrâneo, para a qual devota quase trezentas páginas,
descrevendo montanhas e planícies, litorais e ilhas, climas, rotas
terrestres e marítimas.
O objetivo é demonstrar que todas as características geográficas
têm a sua história, ou melhor, são parte da história, e que tanto
a história dos acontecimentos quanto a história das tendências
gerais não podem ser compreendidas sem elas [...] (BURKE,
1992, p.65-67).

Podemos extrair dessa passagem a maneira com que Braudel transformou o


processo de pesquisa histórica, inovando tanto na forma quanto no conteúdo
daquilo que fora pesquisado. Tais concepções foram importantes para construir
as condições de possibilidade de outras inovações acontecerem na sequência
dos Annales.

Terceira geração da Escola dos Annales


Essa terceira geração (1968-1989) é o momento em que a Nova História expande-
se para além das fronteiras da França, chegando ao restante da Europa e Reino
Unido com bastante sucesso. Aos poucos passa a vigorar em outros continentes,
ainda que recebida com pouco entusiasmo nos EUA, os latino-americanos
tiveram uma receptividade mais alinhada com aquela ocorrida no Velho Mundo.

No entanto, quando os estudos da terceira geração chegaram aos territórios


sul-americanos e da América Central, foram também influenciados pelos estudos
colonialistas, por meio de abordagens associadas à realidade regional de nosso
continente.

53
Capítulo 2

A terceira geração da Escola dos Annales é caracterizada


por uma intersecção entre História Nova e Estudos Culturais.
Constitui-se por uma mescla entre a história das mentalidades
e os estudos ainda muito influenciados pelo marxismo, mas que
buscava outros vieses de investigação, nesse caso, voltados mais
para estudos de historiografia para além dos acontecimentos.

Foi nesse período que a quantidade de historiadoras adeptas dos Annales


aumentou consideravelmente, tendo como efeito o ingresso da temática feminina
– e feminista – para o centro do debate historiográfico. Estudar as mulheres e
seus papéis sociais no contexto das diferentes sociedades ao longo dos tempos
tornou-se um tema comum.

Da mesma forma, os estudos feministas sobre a necessidade de autonomia, de


identidade, de hegemonia passaram a assumir fundamentos bastante utilizados
nas pesquisas históricas, tendo também na Sociologia um importante instrumento
de apoio.

Outro ponto crucial para essa geração, que ao contrário das demais não teve uma
liderança destacada, foi uma espécie de retorno à história narrativa. Não que os
historiadores dos Annales tivessem descartado tudo que fora produzido antes,
apenas entenderam que não era preciso negar completamente os modos de fazer
história do século XIX.

Isso porque era possível, e necessário, intercalar as duas formas de fazer, e


contar a história baseada em um tempo de longa duração, pensando mais nas
estruturas e nos eventos populares. Simultaneamente, era preciso utilizar a
história narrativa dos acontecimentos para analisar certas questões, alguns fatos
históricos específicos e inclusive documentações oficiais intercaladas com outras
fontes, como a História Oral, cultural e das mentalidades.

Em meados dos anos 1970, Jacques Le Goff, um dos expoentes da Nova História
passou a usar o termo “História das mentalidades” para conceituar sua forma
de investigar a História. Como excelente medievalista que foi, o referido autor
estudou de que maneira alguns costumes medievais foram se transformando ao
longo dos tempos, conforme a sociedade feudal ia ruindo.

Goff destacou-se no universo acadêmico por promover, à época, uma intensa


pesquisa a respeito das universidades medievais, sobre a vida dos camponeses
nos feudos e a construção de um imaginário da Idade Média. Imaginário esse
muito associado com a religiosidade católica, mas inegavelmente influenciados
pelos costumes de cada povo e região.

Essa mentalidade levaria cerca de duas a três gerações para começar a se


consolidar em um determinado grupo. Em virtude disso, a importância da grande
quantidade de ritos e suas permanências no período medieval, já que era preciso

54
Teoria do Estudo da História

sempre repetir e reforçar certas ideias para trabalhadores camponeses que viviam
isolados dos grandes centros.

Goff também é o primeiro pesquisador a demostrar que grande parte do nosso


comportamento atual ainda possui muito da cultura medieval. Um exemplo claro
dessa “incorporação de costumes medievais” é quando mencionamos o nome de
algo e o associamos diretamente “a coisa”.

Isso fica evidente quando batemos três vezes na madeira para “isolar’ algo que não
queremos ou o fato de muitas pessoas não falarem palavras como “azar”, “morte”
ou “demônio”, pois o simples ato de pronunciar a palavra faria com que “a coisa” se
manifestasse.

Esse comportamento social era comum na Idade Média, um pouco pela cultura
do misticismo à época, outra pela dificuldade em identificar os fenômenos
científicos ainda desconhecidos naquele período, e essas formas de agir tinham
muito a ver com o modo de vida e a cultura medieval.

Por outro lado, houve uma acentuada ampliação sobre os objetos de estudo
da História. Desde então, passou-se a fazer História de outras áreas do
conhecimento, como da literatura, da música, da publicidade, das comunicações,
das artes e outras abordagens relacionadas a artefatos culturais, outrora
historicamente irrelevantes.

Isso significa dizer que passamos a estudar propagandas de televisão para


entender como certos aspectos sociais e culturais de uma sociedade poderiam
ser encontrados nela. Ou, por exemplo, analisar como certos filmes ou a própria
cinematografia de uma época foi influenciada e influenciou historicamente em
determinados aspectos da sociedade.

Vale observar que no historicismo e no positivismo a história oficial tratava as


relações de poder a partir de uma dominação dos povos mais evoluídos sobre os
menos evoluídos, demonstrando tal evolução diante da magnitude de seus feitos
heroicos e batalhas. Já no marxismo, as relações de poder se davam na luta de
classes entre os dominados trabalhadores e dominantes burgueses, cujo objetivo
era fazer com que esse poder trocasse de mãos por meio dessas lutas sociais e
materiais.

No entanto, para a Nova História, sobretudo para a terceira geração da Escola


dos Annales, as relações de poder eram muito mais amplas do que aquelas
que se davam nas arenas políticas e econômicas. Elas ocorreriam também no
espectro das próprias classes sociais, entre mulheres e homens, moradores de
bairros centrais e de periferias, entre jovens e idosos, e até dentro desses grupos.

55
Capítulo 2

Assim, caberia ao historiador analisar as diferentes relações de poder existentes


em uma determinada sociedade, em um determinado recorte temporal para
compreender não só os fatos, mas também seus contextos. Apesar dessa
nova concepção, ela não foi a negativa completa das relações de poder como
eram estudadas anteriormente, baseada nos grandes personagens, nações e
acontecimentos marcantes que regiam uma sociedade por um determinado
caminho, conforme a vontade apenas de um pequeno grupo que as conduzia.

De acordo com historiadores da terceira geração da Escola dos Annales, o poder


político e econômico, bem como as dominações exercidas por certas camadas
da sociedade permaneciam existindo. Contudo, acreditavam que poderia haver
espaços para que os grupos considerados minoritários influenciassem nos fatos,
nas subjetividades, nos costumes e nos modos de agir de uma sociedade. Com
certeza se tratava de uma relação desigual, porém, que deixava sempre uma
margem de produção cultural e social por parte das classes dominadas.

O poder de um inquisidor do Santo Ofício sobre a população a quem se dirigia era


inquestionável. Mesmo assim, dependendo das subjetividades desse inquisidor, do
modo como cresceu e foi criado sob um determinado regime de ideias, poderia ser
mais ou menos permissivo diante de algumas questões.

Em muitos casos, o poder desse inquisidor poderia ser impactado pela influência
da nobreza, ou os interesses financeiros poderiam fazer com que os comerciantes
fossem menos importunados do que outras classes. Ou ainda, a astúcia de algum
integrante da plebe poderia fazer com que suas decisões não fossem tomadas de
maneira absoluta. Afinal, por mais constituído que seja um poder, ele está sempre
vulnerável à influência de outros tantos, que se não os fazem mudar os rumos, ao
menos os obrigam a mudar os caminhos.

Seção 3
História problema e a consolidação da
historiografia moderna
Uma questão interessante, que perpassou as três gerações dos Annales, foi
a modificação da história como uma narrativa de fatos do passado para uma
“História Problema”. Nesse caso, o problema está associado mais a uma questão
do que com uma dificuldade a ser encontrada e transposta. Deixou-se de crer
que fazer história resumia-se em consultar os documentos da época e contar os
fatos exatamente como eles aconteceram.

56
Teoria do Estudo da História

A partir dessa nova concepção de corrente historiográfica, os historiadores


passaram a estabelecer um tema de pesquisa para o qual fariam uma
determinada pergunta que sua investigação deveria responder. Logo, a história
produzida por eles não seria a definitiva, mas um resultado possível, que
responderia ao problema proposto.

Por exemplo, quais fatores influenciaram o processo de escravização no Brasil?


Ou de que forma as novas tecnologias à época fizeram com que a Revolução
Industrial ampliasse a produção e o mercado consumidor? Que fatores
contribuíram para o êxodo rural dos feudos na Espanha do século XV?

Mais do que fazer perguntas, caberia ao historiador elaborar algumas hipóteses que
pudessem responder às questões propostas por ele. Tais hipóteses poderiam ou
não serem confirmadas, mas ajudariam na estruturação da pesquisa, nos caminhos
escolhidos pelos historiadores, bem como nos métodos e documentos que seriam
usados para responder a cada pergunta.

Recentemente, tornou-se pouco usual pelos historiadores elaborar hipóteses


para problemas por eles formulados. Isso porque, na medida em que se passou
a entender que mesmo o historiador, tendo a facilidade percorrer uma trilha,
acabaria por direcionar seus estudos em função da resposta à hipótese por ele
formulada, desconsiderando elementos importantes da análise de dados. Desse
modo, os problemas seguem sendo formulados, mas agora com bem menos – ou
nenhuma – hipótese preestabelecida.

É consenso, entre os historiadores, que a Escola dos Annales/Nova História


revolucionou a historiografia moderna no mundo inteiro. Seja por suas novas
metodologias, pelo modo como lidaram com os tempos históricos, com a
ampliação dos objetos de estudo e sua abertura para o diálogo com outras
ciências.

A herança da Escola dos Annales ainda se faz sentir até os dias atuais, com
muitos historiadores trilhando os mesmos caminhos metodológicos construídos
e pavimentados por essa corrente historiográfica. Sobre sua herança para o fazer
histórico, Burke (1992, p.126) comenta:

Novas abordagens estão ainda sendo exploradas por


historiadores identificados com o movimento dos Annales,
como este capítulo tentará demonstrar. O centro de gravidade
do pensamento histórico, porém, não está mais em Paris,
como seguramente esteve entre os anos 30 e 60. Inovações
semelhantes acontecem mais ou menos simultaneamente em
diferentes partes do globo. A história das mulheres, por exemplo,
tem se desenvolvido não só na França, mas também nos
Estados Unidos, Grã-Bretanha, Holanda, Escandinávia, Alemanha

57
Capítulo 2

Ocidental e na Itália. A história geral das mulheres, planejada por


Georges Duby e Michèle Perrot, está sendo escrita não para uma
editora francesa, mas para a Laterza. Há mais do que um centro
de inovação – ou centro nenhum. [...]
Nomear apenas as mais importantes contribuições da história
dos Annales significa escrever uma lista por si só impressionante:
história-problema, história comparativa, história psicológica, geo-
história da longa duração, história serial, antropologia histórica.
Da minha perspectiva, a mais importante contribuição do grupo
dos Annales, incluindo-se as três gerações, foi expandir o campo
da história por diversas áreas. O grupo ampliou o território da
história, abrangendo áreas inesperadas do comportamento
humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores
tradicionais. Essas extensões do território histórico estão
vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento
de novos métodos para explorá-las. Estão também associadas
à colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da
humanidade, da geografia à linguística, da economia à psicologia.
Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por mais de
sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das
ciências sociais.

Podemos extrair desse entendimento que a História como campo científico


oportunizou outras possibilidades, levantou as cancelas de suas fronteiras
e possibilitou a interdisciplinaridade entre áreas do conhecimento. Assim
sendo, áreas como a Antropologia, a Ciência Social, a Geografia, a Economia,
entre outras, trouxessem novos conceitos, abordagens e temáticas a serem
pesquisadas.

Mais do que isso, a ampliação dos espaços em que a Nova História foi produzida
teve grande importância para esse desenvolvimento. Mesmo porque, a História
produzida na França não é a mesma produzida no Brasil, dado que os contextos
sociais e culturais são distintos, bem como as temáticas investigadas e as
conclusões obtidas serão diferenciadas.

A corrente historiográfica Nova História ultrapassou os muros dos arquivos, passou a


investigar também os modos de vida, as arquiteturas, o cotidiano, os comportamentos
e uma série de outras questões que a trouxe para os holofotes da sociedade.

Com isso, passou a abranger todas as suas camadas sociais, não mais como
exaltação de uma identidade nacional, mas como a demonstração da diferença
entre certos grupos, da segurança e ao mesmo tempo da volatilidade de
identidades que foram se formando.

58
Teoria do Estudo da História

Esse panorama geral traz uma breve síntese da corrente historiográfica que mais
influenciou os historiadores do século XX. Isso não significa que outras correntes
historiográficas tenham sido deixadas de lado, mas que a Nova História tem
adquirido cada vez mais adesões entre os historiadores ao redor do mundo
ocidental.

Essa adesão ocorre mesmo em tempos nos quais a História vem sendo
frequentemente contestada diante de apelos da Pós-verdade, das notícias falsas
e das armadilhas apresentadas pelos usuários de redes sociais.

E, ao mesmo tempo em que constituem um perigo, são também um riquíssimo


objeto de análise para os historiadores desse campo, cuja cultura, as
mentalidades e os artefatos culturais são armas tão poderosas quanto os grandes
exércitos e heróis foram para a narrativa histórica do século XIX.

59
Capítulo 3

Tendências históricas do século XX e


XXI 1
Autor: Felipe Leão Mianes

Entre as tendências historiográficas da metade do século XX até os dias atuais,


destacam-se a História Cultural e a Micro-História, cuja ideia é promover uma
História baseada nos documentos das classes populares, com um viés mais
cultural e menos econômico ou político.

Destacam-se também o estruturalismo, o pós-estruturalismo e seus modos


estruturantes de pensar a História, chegando até a produção historiográfica,
usando o conceito de pós-modernidade e os questionamentos sobre como fazer
História em tempos líquidos.

Essas tendências facilitaram a possibilidade de contarmos histórias até então


silenciadas, isso dificultou o trabalho de pesquisa e escolha das fontes a serem
usadas diante das diversas quantidades e possibilidades criadas. Afinal, escolher
as fontes e contar os fatos passaram a exigir metodologias mais abertas a outros
saberes, há outras formas de conhecimentos que os atuais historiadores precisam
estar sempre atentos.

Seção 1
Historiografia contemporânea
A origem do pensamento historiográfico remonta ao século XIX e XX, o qual
influenciou de maneira marcante a produção de História até os dias de hoje.
Esse movimento transita do historicismo, passando pelo positivismo e marxismo,
chegando até a Escola dos Annales.

1 MIANES, Felipe Leão. Historiografia tradicional: discutindo conceitos e delimitando campos. Teoria do Estudo
da História. [Material didático]. Design instrucional Marcelo Tavares de Souza Campos. Revisão Diane Dal Mago.
Diagramação Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro. Palhoça: UnisulVirtual, 2019.

61
Capítulo 3

Durante esses períodos, a historiografia centrou-se quase sempre em torno de si


mesma, não dialogando com outras disciplinas ou áreas do conhecimento. Em
virtude disso, suas práticas foram transformadas e renovadas conforme as diretrizes
dos próprios historiadores. No entanto, quando a interdisciplinaridade passou a ser
amplamente exercida, em especial na terceira geração dos Annales, os pontos de
contato da História com outras ciências começaram a se tornar rotina.

Quando a História se abriu a outras áreas do conhecimento, trouxe consigo


novas possibilidades de abordagens, novos temas e novas formas de produção
historiográfica. Com esse movimento, algumas tendências de outras áreas do
conhecimento passaram a ter ressonância mais rápida e constantemente do que no
passado.

Correntes de pensamento como o Estruturalismo tiveram bastante influencia na


Nova História, com os estudos de Braudel e suas divergências com Levy Strauss,
que direcionava para a antropologia os fazeres históricos. Isso porque, segundo o
autor, a História seria uma quimera diante da imobilidade das estruturas, onde os
fatos se sucediam, mas as estruturas permaneciam.

Mesmo com entendimento bastante diferente sobre o papel do historiador diante


das estruturas sociais, Braudel adaptou muitas ideias de Strauss, aprimorando
algumas e acrescentando seus pensamentos em outras, construindo o que
chamou de “tempo de longa duração”.

Braudel, ao produzir pesquisas historiográficas, estudando as estruturas sociais


que foram sendo modificadas ao longo dos séculos, constatou que os eventos
eram menos importantes do que as análises conjunturais das sociedades, bem
como as formas como foram erigidas as permanências e as modificações.

Para exemplificar essa teoria, seria, em sentido análogo, como entender o porquê
de a sociedade brasileira ainda manter algumas características da sociedade
escravocrata, que perdurou por mais de três séculos, mesmo tendo abolido essa
prática há mais de um século. De que maneira algumas formas de pensar e agir
socialmente ainda são semelhantes aos daquele período.

Assim, conforme veremos na sequência, outras correntes de pensamento


influenciaram a historiografia produzida no século XX, como o pós-estruturalismo,
pós-modernismo, História Cultural e Micro-História.

Por fim, faremos uma análise sobre o ofício do historiador e seus desafios diante
das novas tecnologias, modos de pensar e fazer da sociedade brasileira. Essa
abordagem nos ajudará a refletir sobre como realizar estudos em História, bem
como ministrar aulas diante das novas demandas da escola e do perfil dos
estudantes brasileiros.

62
Teoria do Estudo da História

Seção 2
Estruturalismo como forma de pensamento
O Estruturalismo como forma de pensamento surge na segunda década do
século XX e tem expressiva repercussão no contexto científico por mais de
cinquenta anos. Surgiu na área da linguística, com os estudos realizados por
Saussure, o qual afirmava que a língua era um sistema de valores que se
opunham uns aos outros, e que faziam parte de conjuntos de significados
homogêneos e padronizados, que eram atribuídos por uma sociedade.

Essa concepção de pensamento de estrutura logo passou a ser adotada por outras
ciências, como a matemática e a filosofia, bem como a antropologia. Nesta última
área, o principal nome foi Claude Levy Strauss que – de uma maneira um tanto
sinuosa – fez com que a questão estruturalista fosse analisada por Fernand Braudel.

Para a corrente estruturalista, todos os processos sociais devem ser analisados a partir
de processos mais amplos do que os acontecimentos e eventos que se sucedem na
sociedade.

Assim, a corrente estruturalista vem ao contrário daquilo que se acreditava até


então, que os acontecimentos, as grandes batalhas e conquistas seriam as
balizadoras de um determinado povo. Para o estruturalismo, esses fatos eram
apenas uma pequena parte das estruturas construídas pelo estado e pelas
mentalidades existentes em um determinado povo ou região.

Em síntese, seria preciso analisar sempre um amplo período de tempo para


compreender como se modificavam ou quais fatores permitiam a um grupo ou
nação manter status, leis, regras de convívio e outros costumes que eram os
pilares de uma população. Nesse caso, é importante compreender e analisar que
estruturas são essas, como se constituíram historicamente e como as mudanças
se processavam durante esses longos períodos de tempo.

Cabe destacar que na corrente do pensamento estruturalista, historiadores


estudavam temáticas cuja delimitação temporal poderia variar entre dois, três ou
até cinco séculos. Um exemplo nesse sentido são os estudos sobre a história das
configurações administrativas do Brasil.

Nesse caso, as configurações administrativas foram pesquisadas das capitanias


hereditárias até o período republicano. O objetivo desse estudo era entender
como e quais modificações foram acontecendo ao longo do tempo, bem como
algumas características que ainda fazem parte de sua atualidade, mas com
origem séculos antes.

63
Capítulo 3

Uma qualidade reconhecida até hoje da inovação do pensamento estruturalista


é que propunha uma visão holística sobre os acontecimentos da humanidade
e do modo como as ciências poderiam estudá-las. Assim, o Historiador não
ficaria limitado a ser um mero cronista do passado, “narrando os fatos como eles
aconteceram” com base apenas nos documentos oficiais e sem necessidade de
contextualização ou de conexão direta com acontecimentos anteriores.

Para Strauss, muitas maneiras de agir poderiam ser universais. Seja numa
civilização europeia ou em uma tribo indígena situada no interior da Amazônia, as
estruturas sociais tinham pontos semelhantes, mesmo que o espaço, o tempo e
as circunstâncias fossem diferentes. Isso significa que algumas práticas do ser
humano, quando agrupado em uma sociedade, repetiam-se independentemente
do contexto em que fossem pesquisadas.

Dificuldades na consolidação do pensamento estruturalista


A imobilidade das estruturas e a universalização do comportamento e das ações
dos povos foram duas dificuldades bastante evidentes na consolidação do
pensamento estruturalista, ao menos no contexto da historiografia. Além dessas
dificuldades, havia também a possibilidade das decisões individuais capazes de
modificar o rumo dos acontecimentos, por exemplo.

Frente a esse contexto, em meados do século XX, as ideias de que uma


sociedade, seja ela qual for, não seria mutável diante dos acontecimentos
passaram a ser contestadas. Isso porque tornava-se cada vez mais comum a
percepção de mutabilidade dessas estruturas, em que não se nega a existência
de estruturas nas quais as sociedades amparam-se para construir seu conjunto
de valores.

Em decorrência, passou a ser consensual que as sociedades não são imutáveis


diante de fatores internos ou externos advindos, inclusive, de fatos de curta
duração.

Acreditar que as estruturas gerais de uma civilização não se modificavam por um


único evento histórico, em sentido análogo, seria mais ou menos como afirmar que
se na Segunda Guerra Mundial a Alemanha tivesse vencido os valores e crenças da
sociedade ocidental, permaneceriam os mesmos. Na prática, verificamos que essa
afirmação não é condizente com a realidade.

Outro fato que ilustraria essa dificuldade da abordagem estruturalista diz respeito
à necessidade da pesquisa histórica sobre o conceito de família. No pensamento
estruturalista, a família seria um conceito básico para a existência dos seres
humanos, que agrupados sob o critério de parentesco, desenvolveram núcleos

64
Teoria do Estudo da História

de apoio mútuo para a obtenção de alimento, segurança e abrigo, além da


contemplação de valores sociais como o casamento, por exemplo.

Se pensarmos sob esse espectro, o conceito de família permanece quase


inalterado no Ocidente há dezenas de séculos. Porém, com as mudanças de
paradigmas de gênero, sexualidade e outros, as famílias foram modificando
sua estrutura, incorporando a possibilidade de serem compostas por dois pais
ou duas mães, com filhos biológicos ou adotados, ainda serem chefiadas por
mulheres, algo mais recente.

Essa transformação significa que muitos dos núcleos, formas e configurações


familiares foram alteradas ao longo dos anos, conforme algumas escolhas
adotadas pelas sociedades, cada qual em seu contexto, não sendo mudanças
homogêneas em todas as populações.

Por outro lado, o estruturalismo também tinha como diretriz principal a ideia
de que havia comportamentos humanos que poderiam ser apontados como
universais a todos os indivíduos da espécie humana. Todavia, apesar de
historicamente muitos povos terem comportamentos e ações similares entre si,
mesmo que sequer tenham tido algum tipo de contato cultural mais prolongado,
não é possível afirmar que alguma ação humana seja plenamente universal.

Apesar de ser possível apontar algumas funções fisiológicas como iguais em


todos os seres humanos, torna-se necessário relativizar. Por exemplo, nem todas
as pessoas obtêm a água que bebem da mesma maneira, algumas captam de
poços ou retiram de rios e riachos etc. Assim, enquanto alguns povos utilizam os
sistemas de água encanada, outros sequer utilizam algum desses meios até aqui
citados.

É importante observar que todos os seres humanos precisam satisfazer


suas necessidades, sejam fisiológicas, de segurança, sociais, autoestima e
autorrealização. Contudo, nem todos fazem exatamente da mesma maneira, pois
isso vai depender muito do contexto inserido, a que cultura pertencem ou mesmo
as condições materiais de acesso a determinados procedimentos.

Diante dessas contradições que já eram apontadas por Braudel e outros


historiadores da época, aderiu-se à corrente estruturalista, apenas uma pequena
parcela de adeptos dentro da produção historiográfica.

Isso não significa que sua importância para ciência da história seja desprezível,
muito pelo contrário. Afinal, suas ideias de estruturas de longa duração e de uma
visão mais holística das sociedades foram fundamentais para diversos estudos da
Escola dos Annales, e ainda hoje reverberam nas pesquisas históricas.

65
Capítulo 3

Seção 3
Pós-estruturalismo
Ao contrário do que pode parecer, o pós-estruturalismo não é uma corrente de
pensamento que surgiu a partir do estruturalismo ou sequer tem o objetivo de
sucedê-lo. Essa corrente de pensamento também não postula ser uma tentativa
de negar uma influência direta ou indireta estruturalista.

O pós-estruturalismo não surgiu como um movimento em que pensadores


o criaram e outros tantos passaram a segui-lo e adotá-lo em suas práticas
cientificas e filosóficas. Isso porque não houve uma articulação de movimento
conceitual que unisse pensadores de diferentes áreas. Quase todos os pós-
estruturalistas agiram no âmbito de suas próprias ciências, com seus métodos
particulares e em contextos distintos.

Entre os principais e mais conceituados pensadores da corrente pós-


estruturalistas estão: Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Zygmunt
Bauman e Judith Butler. Todos eles pesquisaram temáticas diferentes, de campos
semelhantes, mas com abordagens distintas. Em virtude disso não podem ser
entendidos como um grupo unificado, inclusive, institucionalmente, como, por
exemplo, a Escola dos Annales.

Uma das principais características dessa corrente de pensamento é a ideia de que as


relações de poder se estabelecem nos processos discursivos. Nesse caso, a referência
a “poder” é utilizada em sentido mais amplo, em uma atuação transversal nas relações
de todas as ordens, sejam elas hegemônicas ou não, de dominação ou não.

Além disso, o discurso não é encontrado apenas na escrita – oficial ou não. Ele
também diz respeito a um conjunto de valores sociais apresentados das mais
diversas formas, seja nos artefatos culturais, nas posturas sociais, nas decisões
políticas, nas posturas individuais e coletivas. No campo da historiografia isso
significa dizer que os objetos de estudo foram imensamente ampliados.

Desde 1968, considerado o ponto inicial do pensamento pós-estruturalista, os


historiadores têm usado instrumentos como depoimentos orais, obras literárias,
vestimentas, escritos das classes dominadas, tradições populares e outros
para produzir a História de modo a trazer novos olhares para o passado. Esse
processo tornou possível pesquisar História como ciência sob diversos pontos
de vista, com inúmeras possibilidades de fontes e análises, agora sem pretensão
direta de ligação com a economia ou com a política das nações.

66
Teoria do Estudo da História

Na concepção do pensamento pós-estruturalista, as ideias da ciência como


verdade absoluta e a possibilidade de existir alguma verdade dessas em qualquer
âmbito da existência é trazida à tona. Isso representa uma ação de questionar
os pensamentos dogmáticos, dado que cada grupo social em cada tempo e/ou
espaço precisa ser analisado conforme suas circunstâncias.

Para isso, é fundamental o entendimento da diversidade humana e da diferença


como algo imanente, como dizia Foucault, no sentido de que a diferença não é
apenas algo que distingue objetos ou significados, ela é o que constitui as coisas
do mundo.

Apresentamos a seguir uma análise bastante interessante de Aguilar (2017, p. 38).


Nela ele traz uma abordagem intercalando com a posição de diferentes autores
a respeito de como o pós-estruturalismo contestou as verdades absolutas e ao
mesmo tempo inseriu nos debates as discussões sobre Sujeito e o modo como
este tem se diluído e esfacelado na modernidade:

Existem muitas proximidades entre o estruturalismo e o pós-


estruturalismo, bem como inovações teóricas distintas. Mas
não se pode negar que o pós-estruturalismo é decididamente
interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes
correntes. [...] que não se refere a uma escola de pensamento
definida, uma vez que corporifica diferentes conhecimentos e
práticas críticas e caracteriza-se pela preponderância da análise
das formas simbólicas, da linguagem, como constituintes da
subjetividade – e não como constituídas por esta. [...]
O descentramento do sujeito anunciado pelo pós-estruturalismo
rompe com a concepção de um ser humano essencialista e
universal compreendido pelos estruturalistas e permite pensar
nas mais variadas formas de experiências vivenciadas em
diferentes contextos, por diferentes indivíduos. Nesse sentido,
compreende-se que o pós-estruturalismo “[...] reafirma a
importância da estrutura, não na constituição do Sujeito, mas
sim na determinação das diferentes posições de sujeito, que
emergem nos momentos de tomada de decisão” (PEREIRA, 2010,
p. 422).
Um aspecto relevante em relação aos estudos pós-estruturalistas
refere-se aos questionamentos sobre a maneira pela qual
a sociedade encontra-se estruturada. Assim, se trata de
uma perspectiva que vem questionar o status quo refletindo
sobre a crítica com que anteriormente este status quo era
questionado, posto que tal crítica se valia de algum aparato,
de uma referência certa para a crítica, algo dado como certo e
verdadeiro. É esse dado concebido como ‘certo e verdadeiro’
que o pós-estruturalismo questiona. A análise sobre o status
quo historicamente esteve voltado às relações de dominação
existentes entre as classes sociais, no campo das relações
econômicas do capitalismo, por se acreditar que resolvendo

67
Capítulo 3

o problema da divisão de classes sociais a sociedade seria


mais justa e igualitária. Porém, “[...] as teorias pós-críticas não
limitam a análise do poder ao campo das relações econômicas
do capitalismo. Com as teorias pós-críticas, o mapa do poder é
ampliado para incluir os processos de dominação centrados na
raça, etnia, no gênero e na sexualidade” (SILVA, 2005b, p. 149).

Essa referência a “Sujeito” não é feita especificamente a alguém, mas a noção de


indivíduos que são subjetivados por valores coletivos e particulares. Esses valores
relacionam-se com o mundo e as sociedades a que pertencem, e que de certa
forma é a “célula-tronco” dos grupos sociais.

No que diz respeito à História, tal menção representa o entendimento de que


não são apenas os fenômenos coletivos, os acontecimentos sucessivos ou os
grandes personagens que fazem a História. Assim, essa menção representa,
sobretudo, os indivíduos comuns, tidos como invisibilizados, que possuem papeis
importantes no processo de implantação de ideias e eventos que marcaram as
histórias de países, regiões, grupos sociais e outros.

Filosofia foucaultiana: estudo do Discurso e do Sujeito


Um dos principais estudiosos do discurso e do Sujeito na corrente pós-
estruturalista foi Michel Foucault. O filósofo francês também tem uma grande
importância para a produção historiográfica do século XX, ainda que seus
métodos e práticas sejam bastante contestados por parte dos historiadores
adeptos do materialismo histórico.

Ao contrário do que comumente se difunde, Foucault não buscava estudar


e entender historicamente as relações de poder, e sim, o que chamamos de
Sujeito. O estudo desse sujeito tinha como objeto, não o indivíduo, mas um
corpo – físico e mental.

Esse corpo seria controlado e controlador de diversas relações de poder pelos


diferentes ambientes que transita, controlado por aqueles que o assujeitam (no
sentido de deter o domínio sobre as ações de outrem) e controlador daqueles que
ele assujeita.

Com base nessa premissa, Foucault analisou de que forma, ao longo dos
tempos, a noção de sujeito foi sendo modificada, e para tanto, quais elementos,
instrumentos e enunciados foram utilizados para fazer com que o sujeito estivesse
sempre sob controle. Se antes o objeto de estudo eram as estruturas, com
Foucault o centro do debate se desloca para o sujeito e suas relações de poder
como um meio de mudança e manutenção social.

68
Teoria do Estudo da História

Por isso, o referido filósofo dedicou grande parte de sua obra a exercitar uma
genealogia do sujeito, a partir de uma metodologia arquegenealógica de produzir
história. Esse método consiste em analisar tanto o tempo passado e suas
implicações para o tempo presente, quanto a superfície atual de nossa sociedade,
como uma herança do passado.

É importante destacar que Foucault, em seu método, ao falar sobre a história


da sexualidade analisa documentos da antiguidade, de modo a entender quais
suas influências à nossa vida cotidiana. Ao mesmo tempo, analisa como a
sociedade contemporânea utiliza as suas visões atuais de mundo para produzir o
conhecimento do passado.

A partir do método foucaultiano, as formas de pensar a sexualidade modificaram-


se, bem como os meios e os conceitos do que é e como reprimir a sexualidade.
No entanto, apesar dessa modificação, ainda permanecem tentativas de controlar
os sujeitos de acordo como se quer que ele haja.

Esse controle se verifica por meio das leis, dos dogmas religiosos, dos discursos
da medicina ou mesmo dos costumes de um povo. Desse modo, é crucial
investigar o todo da sociedade e cada parte dela com o mesmo detalhamento.

Outro instrumento bastante utilizado pela filosofia foucaultiana é a ideia de que o


controle dos sujeitos passa por diferentes estágios de poder. O poder pastoral,
onde o Estado e alguns grupos da sociedade agem como pastores de ovelhas,
cuidando em especial de cada um, mais ainda daqueles que se deviam do
caminho. Em virtude disso, é necessário agrupar a todos de tal maneira que se
solidifiquem como grupo, que entendam e aceitem as regras impostas.

Em seguida, já por volta da Idade Média, instaurou-se o poder disciplinar, em


que a sociedade já agrupada e institucionalizada passou a demandar que as
regras fossem cumpridas e os sujeitos se tornassem disciplinados, e até dóceis,
conforme a necessidade de instauração do poder constituído. Era preciso que
todos soubessem que descumprir as leis estabelecidas tanto pelos monarcas
quanto pela Igreja seria uma falta muito grave, passível de punições exemplares
para os demais.

Esses elementos são encontrados com bastante facilidade nas obras de Foucault, tais
como: “O nascimento da clínica”, “Vigiar e punir”, “História da loucura” e outras que
trazem detalhadamente a análise dessas formas de poder por meio do qual os sujeitos
eram submetidos a outrem, sejam reis, imperadores e, posteriormente, os donos das
fábricas.

Por fim, essas formas de poder foram sendo sofisticadas e transformadas


conforme as necessidades de cada momento histórico. E a partir da segunda

69
Capítulo 3

metade do século XX, tais mudanças nas relações de poder e sistemas de


governos, bem como dos costumes e valores sociais e econômicos da sociedade
ocidental tornaram possíveis a existência da chamada “condução das condutas”.

Nessa conjuntura, a relação de poder não se dava mais por meios coercitivos
como as leis, as punições etc. Emerge, nesse período, a concepção de que cada
sujeito deveria conduzir a si mesmo, a partir de um senso de responsabilidade
individual, de sucesso ou fracasso como um fenômeno totalmente ligado à
vontade do indivíduo.

A partir de então, o que passou a vigorar foi o imperativo de que “se você quer,
você pode”, dos ideais da “meritocracia” mesmo que cada indivíduo esteja
associado a uma origem e pertença cultural, econômica e social distinta. Desse
modo, desconsiderados esses fatores basilares, todos estariam livres e em
“condições paritárias” para o sucesso, sendo responsabilidade exclusiva de quem
não obtém a do próprio fracasso.

Nesse ato de conduzir-se a si mesmo, a lógica é de que o sujeito faça aquilo que
se quer que ele faça, remetendo à ideia de que essa é uma vontade autônoma
e individual de cada um. Isso significa que o sujeito age conforme sua própria
subjetividade e seus desejos, porém, essas são devidamente controladas para
que ele queira aquilo que se quer que ele queira.

Diante desse contexto, o mais importante de se extrair da filosofia foucaultiana,


concordemos com ela ou não, é que seus métodos são bastante revolucionários
para a ciência histórica. Isso porque se propõe a analisar as fontes oficiais,
considerando-as não como uma verdade absoluta ou como uma expressão da
dominação de uma classe dominante, mas com olhar relacional.

Pelo espectro da filosofia foucaultiana, nenhuma fonte era mais importante do


que a outra, já que todas elas formavam um campo de relações de poder onde se
construía e se desconstruía o sujeito. Assim, um documento oficial e os registros
a respeito de um determinado movimento social deverão ser analisados sob o
viés histórico, e não o tipo de fonte e discurso.

O discurso está presente em quase todas as formas de comunicação, e constitui


a base de lutas pelo poder, pelas posições sociais e pelas suas mudanças ou
permanências. Nesse sentido, fica claro que a ciência não é uma verdade absoluta.

Esse entendimento decorre do fato de que a ciência está imersa em uma série
de discursos, os quais ajudam a moldar, por exemplo, a produção historiográfica
conforme o período de tempo em que ela fora realizada.

70
Teoria do Estudo da História

Críticas ao método historiográfico de Foucault


Algumas críticas são feitas ao método historiográfico de Foucault, em especial,
por sua não preocupação em estudar a luta de classes. Essa omissão decorre por
Foucault não ver o poder como algo vertical e traçar uma abordagem entendida
como visão panorâmica dos fatos, sem que o filósofo se coloque como parte de
todos esses processos, sem envolvimento ideológico ou político nas questões,
como se exigiu dos historiadores durante muito tempo.

Todavia, se Foucault afirma que todos nós estamos imersos nas relações de
poder, se seu objeto de estudos é o sujeito, podemos afirmar que o método
historiográfico foucaultiano está mais associado as suas próprias análises do que
podemos imaginar.

Ao apresentar as malhas do poder que erigiram os poderes disciplinares, a


condução das condutas e a institucionalização dessas relações de dominação,
Foucault – classificado como um libertário – indiretamente, denunciou durante
toda sua obra a natureza humana e tentativa de controle e de assujeitamento de
outrem.

Seção 4
História Cultural
A Escola dos Annales propunha que a História deveria se ocupar de outros
elementos que não apenas a história pelo viés político, econômico e dos
grandes personagens. Isso quer dizer que além de sua relação com o tempo ter
se tornado de longa duração, os olhares precisariam ser redirecionados para
temáticas outrora esquecidas, como os processos históricos relacionados à
cultura, bem como a utilização de artefatos culturais para a escrita da história.

Ano de 1968 e a geração da Nova História


O ano de 1968 marcou a história como o ano em que os status quo foram
sendo colocados em xeque, inclusive nas ciências. Nesse período, surgiu a
terceira geração da Nova História, e com ela a difusão temática e o apreço pela
abordagem cultural dos fatos históricos.

Em virtude de os acontecimentos históricos não serem isolados nem estanques,


esse movimento historiográfico voltava-se para o estudo da cultura e sua relação
com a produção historiográfica da época.

71
Capítulo 3

Nesse caso, a menção à cultura não se restringe ao conceito rígido construído


ainda nos séculos XVIII e XIX. Esse conceito considerava que a cultura seria
tudo aquilo que uma sociedade poderia produzir artisticamente no presente ou
ao longo de sua história. A cultura também seria responsável por fornecer os
elementos necessários para um senso de unidade de uma nação.

Para a corrente historiográfica Nova História, o conceito de cultura era utilizado


como forma de determinar o desenvolvimento intelectual de uma nação. E,
quanto mais desenvolvido em sua cultura fosse um povo, mais civilizado seria
considerado, por consequência, teria a primazia do domínio material e territorial
sobre outros grupos ou países.

Em síntese, podemos afirmar que, de acordo com a mencionada corrente, havia


um processo de hierarquização por parte de alguns povos materialmente mais
desenvolvidos. Nesse processo, a cultura seria o instrumento utilizado para demonstrar
e justificar essa evolução e domínio de um povo sobre outros.

É possível associar a teoria da corrente historiográfica Nova História à crítica ao


movimento expansionista e de exploração de territórios na América e na África.
Os países europeus, cujo processo de conquistas de outros povos estava em
franca execução, justificavam essa ocupação de territórios como fundamental
para que fosse possível a essas culturas “ainda primitivas e de menor qualidade
e importância” ser desenvolvidas e qualificadas diante da tutela de povos mais
evoluídos.

Essa mesma lógica foi utilizada para separar o que era considerada alta e baixa
cultura no contexto de uma mesma nação. Nesse caso, haveria a cultura dos
nobres, da burguesia e dos mais ricos, aquela que deveria preponderar e dominar
as culturas populares tomadas, até aquele momento, como menores ou numa
posição hierárquica inferior.

No entanto, essa concepção foi sendo dissolvida com o surgimento das novas
formas de pensar sobre a cultura. Essas teorias buscavam demonstrar em suas
pesquisas que a cultura era múltipla e, portanto, seria preciso falar em culturas –
no plural.

Sendo assim, a hierarquização utilizada até então deveria ser relativizada,


justamente, por conta da percepção de que todas as culturas estavam num
mesmo nível, sem que houvesse alta ou baixa cultura. Assim, a concepção de
hierarquização da cultura não mais deveria prosperar.

De acordo com as novas formas de pensamento historiográfico, o que


diferenciaria uma cultura de outra seriam os valores, o contexto, a relação com
o espaço e o tempo, as heranças históricas, a língua, os costumes e outros

72
Teoria do Estudo da História

elementos em comum entre e intragrupais em uma sociedade. Nesse sentido, a


cultura passou a ser entendida como um conjunto de diferentes modos de vidas
compartilhados por um grupo de pessoas.

Assim, o entendimento que passou a vigorar é que os mesmos valores, costumes


e crenças podem ser compartilhados por diferentes grupos, ainda que dificilmente
sejam exatamente os mesmos a todo momento. É a diferença cultural, diferença
essa que transcende o “melhor” ou “pior” – no contexto de uma mesma
sociedade, que trará diversidade e riqueza cultural a um povo.

Com isso, ao invés de tentarmos igualar a todos, devemos saudar as diferenças


culturais existentes entre as nações, ou no território de um mesmo país. A cultura
não está mais diretamente ligada a um espaço específico, não pertence mais a
um lugar apenas, mas a um grupo de pessoas que tem traços de identidades em
comum, estejam elas em qualquer lugar do mundo.

A identidade cultural assumiu um papel fundamental na sociedade contemporânea,


pois a cultura é uma arena de lutas por identidades e ao mesmo tempo aquela que as
pulveriza, multiplicando exponencialmente as diferentes identidades.

Desde então, a diversidade de identidades passou a ser considerada um


importante objeto para o estudo da História, na medida em que outrora as
identidades estavam muito vinculadas a uma nação, e seus fatos históricos
relevantes capaz de unir um povo.

A partir do desmembramento das identidades, cada grupo passou a buscar


conhecer sua história desde o princípio e entender as razões de seu atual
estágio no mundo. Esse fenômeno fez com que as abordagens e os temas de
investigação também se ampliassem de modo jamais visto.

A obra de Burke (1989) intitulada: “A cultura popular na Idade Moderna. Europa


1500-1800” retrata esse fenômeno. Nela, entre tantos temas, o autor analisa o
carnaval na Idade Média, e como ele foi se modificando ao longo dos séculos.

No período estudado, o carnaval foi transformando-se no decorrer do tempo.


Teve início com a “festa da carne”, onde todos tinham acesso ao produto,
passando pelo período onde as pessoas desfilavam mascaradas e usavam isso
para transgredir pequenas regras de convívio e o reato do comportamento sexual,
culminando até o uso da festa como contestação política, de reivindicação de
direitos pelas minorias e contestando alguns costumes e valores sociais.

No Brasil, o carnaval surgiu com uma festa chamada “entrudo”, restrita à


nobreza, que consistia em arremesso de bexigas dentro das casas dos nobres,
e os escravos sequer poderiam participar. Com o passar do tempo, os nobres

73
Capítulo 3

deixaram essas práticas de lado para fazerem suas festas reunidos nos
requintados clubes sociais.

No decorrer dos séculos, essa manifestação cultural foi transformando-se, com


os nobres abandonando essa prática e os escravos as mantendo, originando,
em meados do século XIX, o carnaval de rua, o qual passou a ser praticado
nas ruas das cidades. Aos poucos, o carnaval foi assumindo a proporção e as
características que tem hoje.

Vale destacar que muitos dos acontecimentos que tornaram o Carnaval


a manifestação cultural da dimensão que conhecemos atualmente estão
diretamente associados a fatos conceituados como da área política. Entre esses
fatos, destaca-se o “bota-abaixo”, movimento realizado pelo prefeito do Rio de
Janeiro, Pereira Passos.

O referido movimento visava a higienizar a zona central da cidade, obrigando os


pobres a morarem nos morros da cidade. Desses locais advêm a maioria das
famosas escolas de samba do Rio de Janeiro.

A História Cultural nos permite outras possibilidades de olhares sobre os fatos,


de entender as questões históricas a partir de outras perspectivas. Essa forma de
investigar a História nos possibilita uma visão holística e ao mesmo tempo detalhada
dos fatos, já que obtemos uma quantidade maior de fontes. Isso nos oportuniza
a analisar questões complexas de maneira a contemplar a maioria do cenário dos
acontecimentos.

Ao mesmo tempo, essa análise torna-se mais detalhada pela quantidade de


elementos diferentes que conseguimos coletar em relação às fontes tradicionais.
Assim, podemos obter uma visão das diferentes camadas sociais de um mesmo
fato, conseguindo analisar e avaliar os temas que decidimos estudar com
detalhamento e riqueza de possibilidades.

A partir dessa análise foi possível, por exemplo, entender as condições que
tornaram possível o carnaval a se consagrar, em especial no Brasil, na dimensão
cultural que temos hoje, uma festa popular de dimensões continentais. Contudo,
no decorrer desse processo, houve diversos atravessamentos, resistências, lutas
de poder e outros processos que ficariam silenciados caso a cultura ainda não
estivesse na centralidade dos debates.

Lynn Hunt (1990), em sua obra “Nova História Cultural”, apresenta uma
importante análise sobre História Cultural. Essa obra apresenta um copilado de
diferentes textos, em que na primeira parte são discutidas, nos artigos, questões
teóricas sobre a História Cultural e suas implicações para a historiografia atual.

74
Teoria do Estudo da História

Já na segunda parte, os artigos dizem respeito ao processo prático de escolha


das temáticas, coleta de dados e análise dos materiais a partir dessa perspectiva
cultural, mostrando como os autores fizeram para produzir história utilizando os
métodos propostos pelos culturalistas.

Burke (1992), ao falar sobre os estudos de Roger Chartier, traz uma outra
abordagem interessante:

Os estudos de Chartier sobre a história do livro seguem linhas


semelhantes e demonstram sua crescente insatisfação com a
história das mentalidades e com a história serial do terceiro nível.
Seus ensaios sobre a Bibliothèque Bleue, por exemplo, minam a
interpretação de Mandrou (discutida anteriormente), por sugerir
que essa literatura de Cordel não era lida exclusivamente por
camponeses, ou mesmo pelas pessoas comuns. Pelo menos,
antes de 1660, os clientes eram geralmente parisienses (Chartier,
1987, p. 257).
Um ponto mais geral enfatizado por Chartier é que é impossível
“estabelecer relações exclusivas entre formas culturais
específicas e grupos sociais particulares”. Isto claramente
torna a história da cultura serial bem mais difícil, se não mesmo
impossível. Chartier mudou, portanto, sua atenção, seguindo
Pierre Bourdieu e Michel De Certeau, para as “práticas” culturais
compartilhadas por vários grupos (Bourdieu, 1972, De Certeau,
1980, p.135).
Em sua análise dos folhetos e outros textos, o termo central é
“apropriação”. O popular não deve, ele sugere, ser identificado
com um corpus particular de textos, objetos, crenças, ou seja
o que for. O popular está na “maneira de usar os produtos
culturais”, tais como festivais ou matéria impressa. Os ensaios
de Chartier estão, portanto, profundamente preocupados com
a re-escritura, com as transformações sofridas pelos textos
particulares quando adaptados às necessidades do público, ou
mais exatamente de públicos sucessivos. (BURKE, 1992, p.98).

Diante do contexto apresentado, podemos observar que a História Cultural tem


nos proporcionado novos caminhos de análise. Esses caminhos possibilitam a
consulta de novas fontes de dados, de modo a escrever e reescrever a História
em tempos, nos quais o presente torna-se cada vez mais efêmero e o passado
cada vez mais distante. Eis os tempos pós-modernos, que têm influenciado a
historiografia mundial nos últimos anos.

75
Capítulo 3

Seção 5
Pós-modernidade e a história em tempos
líquidos
O termo “pós-modernidade” figura cada vez mais nas obras científicas e
nos debates conceituais sobre as formas atuais de fazer ciência e produzir
conhecimento. É assim denominada com o objetivo de demonstrar a superação e
a transformação do mundo moderno para outra configuração.

A Modernidade trouxe consigo as concepções iluministas, entre as quais a


ciência figura como o único caminho possível para a verdade. A partir dessas
concepções, os sistemas políticos consolidam-se como formas de unificação das
nações e a consolidação institucional dos Estados.

Desde a queda dos grandes sistemas centralizados de governo e do fim da


Guerra Fria, quando já não era mais necessário dividir o mundo em dois polos
distintos, Capitalismo e Socialismo, o mundo vem passando por intensas
transformações, as quais têm impactado nossa vida cotidiana e também as
pesquisas científicas.

As novas tecnologias têm transposto fronteiras, permitindo cada vez mais


conexões uns com os outros, ainda que virtualmente. A noção de tempo
transformou-se, de modo que tudo parece cada vez mais efêmero.

A Ubiquidade, fenômeno de estar em vários lugares mesmo, tornou-se presente cada


vez mais, antes ausente em nossas vidas, o futuro um horizonte inatingível e o passado
um instante desnecessário. Isso porque, na pós-modernidade o espaço para reflexão é
cada vez mais curto, pois vivemos a era da informação.

Viver com uma quantidade infindável de informações advindas de todos os


lugares do mundo, ao alcance de nossas mãos a qualquer momento, não tem
tornado as coisas mais fáceis, na medida em que a informação não tem sido
transformada em conhecimento.

Hoje qualquer pessoa pode “criar” uma notícia, distribuir para aqueles que estão
de acordo com suas convicções e/ou que pertencem ao mesmo grupo social ou
de interesses. A História tem sido constantemente “revisada” conforme interesse
daqueles que decidem por reinterpretar os fatos para moldá-los conforme suas
necessidades, interesses ou desejos.

Isso quer dizer que os fatos importam menos do que as verdades que são criadas
para legitimar opiniões, muitas delas bastante discutíveis do ponto de vista das

76
Teoria do Estudo da História

verdades históricas e do conhecimento cientifico e filosófico produzido pela


historiografia até aqui.

Por outro lado, as grandes narrativas têm sido cada vez mais esquecidas em
nome de outras formas de se pensar a História, utilizadas não mais como forma
de contar os fatos do passado exatamente como eles ocorrem. A forma de contar
o passado assume o ponto de vista possível, não o único e nem o melhor, mas
aquele que oportuniza a voz a quem antes não a tinha, como, por exemplo, os
estudos das culturas populares.

Dificilmente vamos encontrar historiadores que se autoclassifiquem pós-


modernos, mesmo porque, a pós-modernidade não é uma escola historiográfica.
Trata-se de uma condição de nosso tempo atual, de um modo de vida cada vez
mais com identidades pulverizadas e conjuntos de ideias construídos em redes,
com outras ciências conectadas e até com fronteiras muitas vezes indecifráveis.

Em sua obra “A modernidade líquida”, Zygmunt Bauman faz uma síntese do que é
viver na pós-modernidade. Bauman afirma que ao contrário do que acontecia no
passado, o sujeito agora está livre para fazer suas próprias escolhas, ser quem ele
sempre quis, livre de fronteiras, de posições sociais definidas e outros elementos
que o prendiam a lugares e tempos específicos. Não se apoia mais nas narrativas
das grandes instituições que o tutelavam, que o controlavam e delimitavam o que
e como cada um poderia agir.

É importante destacar que, em tempos líquidos, tudo passa muito rápido, o


passado torna-se desnecessário e as referências históricas de cada grupo ou
nação passa a ser dissolvida e questionada para a construção de novas bases de
pensamento. Com isso, constrói-se outras narrativas sobre o passado, ainda que
o discurso esteja sempre em transformação.

Frente a esse cenário, produzir Histórias em tempos pós-modernos passou a ser


uma missão bastante desafiadora para os pesquisadores. As novas tecnologias
e a amplitude temática nos fornecem vasto material de consulta, bem como
possibilidades de uso. Embora, por vezes, torne-se difícil saber o que fazer com
tantos dados, como contar a História de modo a contemplar todos os detalhes,
informações e tendências teóricas, a produção historiográfica está em plena
ascensão.

A produção historiográfica tem aumentado substancialmente, seja pelas novas


possibilidades tecnológicas de produção e distribuição das obras, seja por uma
necessidade constante que temos de recontar as histórias já contadas agora com
outras formas de narrar. Os temas estudados têm sido cada vez mais pulverizados,
cada vez mais detalhados.

77
Capítulo 3

Atualmente, a produção de obras na área da História que narrem acontecimentos


de muitos séculos, a saga de uma nação ou etnia, bem como histórias dos
grandes heróis e suas batalhas, passou a ser rara. A produção atual passou a
focar em histórias de curtos espaços de tempo, de fatos contados em partes e
analisados sob diversos pontos de vista e inúmeras fontes oficiais ou não.

Temos, agora, uma história que conta a trajetória de pessoas consideradas


comuns, de povos e grupos outrora marginalizados e até então invisíveis para a
maioria da sociedade. Desse modo, temos a oportunidade de conhecer a história
dos vencidos, não apenas dos vencedores, bem como infinitas possibilidades de
histórias para contar.

Seção 6
A Micro-História
No decorrer de nossos estudos, verificamos que movimentos e correntes teórico-
metodológicas, na área da História, não necessariamente se sucederam de
maneira cronológica. Um exemplo disso é o que chamamos de Micro-História,
cujo surgimento e desenvolvimento ocorreu a partir da terceira geração dos
Annales, mesmo que não diretamente ligada a esse movimento.

Ainda na década de 1960, alguns historiadores passaram a buscar outras formas


de investigação, que complementassem ou até que contrapusessem as diretrizes
da Escola dos Annales. Essa estratégia visava a encontrar outras possibilidades
científicas, e a Micro-História foi apenas uma delas.

Os objetos de pesquisa da Micro-História eram questões muito específicas de


uma região, de uma cidade ou até sobre a vida de uma pessoa, desde que essa
pertencesse a camadas da sociedade ainda pouco exploradas.

A diferença entre a narrativa histórica positivista e a Micro–História, no que diz


respeito a contar a história de uma pessoa, residia no âmago dos motivos pelos
quais era contada, pois no positivismo se fazia para engrandecer o personagem/
herói.

Já a Micro-História ocupava-se em narrar a vida de pessoas das classes


populares ou que estivessem ainda ocultas nas correntes históricas anteriores.
Era distinta da Escola dos Annales na medida em que as pesquisas não eram
voltadas a um longo período de tempo ou a descortinar estruturas históricas em
uma sociedade.

78
Teoria do Estudo da História

As pesquisas da Micro-História eram direcionadas para um curto período de tempo,


para temas bastante pontuais, capazes de mostrar a história por outros ângulos.

A Micro-História surgiu, portanto, como uma contraposição – não no sentido


de negar e sim de mostrar outros ângulos de um mesmo cenário – a produção
historiográfica baseada nos grandes processos e estruturas que, por vezes,
não se ocupavam de situações importantes, como o fato de haver exceções
e rupturas bastante particulares e localizadas. A História não pode ser tratada
como um processo homogêneo, como se as coisas acontecessem de maneira
padronizada, sem resistências ou rupturas eventuais.

O berço e o desenvolvimento da Micro-História estão associados, sobretudo, à


Itália, de onde surgiram dois dos maiores nomes dessa corrente de pensamento
historiográfico. O primeiro é Giovanni Levy, que optou por um viés mais social,
tendo como obra de destaque: “A herança imaterial. Trajetória de um exorcista
no Piemonte do século XVII”, na qual analisa um processo judicial e inquisitorial
contra um exorcista que atuava num vilarejo italiano chamado Santena.

Levy conta a história desse exorcista considerado um charlatão, a quem


centenas de pessoas recorreram para que lhes tirasse o “demônio do corpo”.
Essas pessoas, diante das dificuldades que enfrentavam, procuravam a ajuda do
exorcista Giovan Battista Chiesa, que cobrava vultosas quantias para fazer o seu
“trabalho”.

O objetivo do autor era analisar, a partir dessa história, como eram as relações
sociais e econômicas na Itália do século XVII. Levy buscava entender de que
maneira estavam estruturadas as relações familiares, bem como as transferências
das propriedades privadas e as transações econômicas nesse período da
sociedade italiana. Assim, por meio da história exótica de um personagem
em uma pequena localidade italiana, busca-se analisar diversos aspectos das
relações sociais da época.

O segundo exemplo remete ao mundialmente conhecido historiador Carlo


Ginzburg, que entre tantas obras importantes escreveu o Best Seller “O queijo e
os Vermes”. Essa obra narra a história de Domenico Scandella, mais conhecido
como Menocchio, um moleiro 2 italiano que viveu no século XVI e foi processado
e executado pela inquisição.

Menocchio era um integrante das classes populares, atuava como moleiro e,


mesmo assim, era letrado e tinha uma vasta biblioteca. Menocchio costumava

2 Pessoa que trabalha em moinho.

79
Capítulo 3

consultar essa biblioteca para embasar suas ideias e pensamentos verbalizados


e escritos a respeito de suas crenças religiosas, sobre o mundo, o homem e sua
relação com Deus.

Nesse caso, verificamos situações pouco comuns para aquele período histórico,
configurando-se em uma exceção. A primeira situação diz respeito ao fato de um
moleiro ser letrado, algo que era bastante raro para época. A segunda, refere-se ao
fato desse mesmo moleiro possuir uma vasta quantidade de livros em sua posse.

O fato de ser uma exceção tão instigante inspirou Ginzburg a analisar o processo
inquisitorial de Domenico. Por meio dessa história, o autor analisa os sistemas de
crença da Itália do século XVI, bem como o acesso ao conhecimento e à literatura
pelas classes populares. Mostra por meio de uma exceção, que os processos
de afastamento do letramento das classes populares não eram exatamente
homogêneos, que tinham rupturas e resistências.

“No que tange à busca dos historiadores por novas formas de contar a história
das classes subalternas ou populares”, Ginzburg escreveu:

No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as


"gestas dos reis". Hoje é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam
pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente
ignorado. "Quem construiu Tebas das sete portas?" - perguntava o “leitor operário"
de Brecht. As fontes não nos contam nada daqueles pedreiros anônimos, mas a
pergunta conserva todo seu peso.

A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atitudes das classes


subalternas do passado e, com certeza, o primeiro - mas não o único – obstáculo
contra o qual as pesquisas históricas do gênero se chocam.

Este livro conta a história de um moleiro friulano - Domenico Scandella, conhecido


por Menocchio – queimado por ordem do Santo Oficio, depois de uma vida
transcorrida em total anonimato. Os dois processos abertos contra ele, distantes
quinze anos um do outro, nos dá um quadro rico de suas ideias e sentimentos,
fantasias e, outros documentos nos fornecem sobre suas atividades econômicas,
sobre a vida de seus filhos. Temos, também, algumas páginas escritas por ele
mesmo e uma lista parcial de suas leituras (sabia ler e escrever). Gostaríamos, claro,
de saber muitas outras coisas sobre Menocchio.

Mas o que temos em mãos já nos permite reconstruir um fragmento do que se


costuma denominar "cultura das classes subalternas" ou ainda "cultura popular".
A existência de desníveis culturais no interior das assim chamadas sociedades
civilizadas e o pressuposto da disciplina que foi aos poucos se autodefinindo como

80
Teoria do Estudo da História

folclore, antropologia social, história das classes populares, etnologia europeia.


Todavia, o emprego do termo cultura para definir o conjunto de atitudes, crenças,
códigos de comportamento próprio das classes subalternas num certo período
histórico e relativamente tardio e foi emprestado da antropologia cultural. [...]
(GINZBURG, 2001, p.9).

Na sequência, apresentamos outro trecho de Ginzburg que, além dar


continuidade ao debate sobre as formas de trazer à luz as culturas populares, faz
uma análise a respeito de como se efetua na prática a Micro-História.

Ginzburg parte do processo contra Menocchio para tratar de questões mais


amplas da sociedade daquela época, inclusive trazendo alguns relatos e trechos
de tal processo, conforme segue:

[...] Muitas vezes vimos aflorar, através das profundíssimas diferenças de linguagem,
analogias surpreendentes entre as tendências que norteiam a cultura camponesa
que tentamos reconstruir e as de setores mais avançados da cultura quinhentista.
Explicar essas, como mera difusão de cima para baixo significa aderir a tese -
insustentável - segundo a qual as ideias nascem exclusivamente no âmbito das
classes dominantes.

Por outro lado, a recusa dessa tese simplista implica uma hipótese muito mais
complexa sobre as relações que permeavam, nesse período, as duas culturas: a
das classes dominantes e a das classes subalternas, é mais complexa e, em parte,
impossível de demonstrar.

Uma cultura quase exclusivamente oral como a das classes subalternas da Europa
pré-industrial tende a não deixar pistas, ou então deixar pistas distorcidas. Portanto,
há um valor sintomático num caso-limite como o de Menocchio. Ele repropõe,
com um problema cuja importância só agora se dá a perceber: as raízes populares
de grande parte da alta cultura europeia, medieval e pós-medieval. - Figuras
como Rabelais e Bruegel não foram, provavelmente, notáveis. Todavia, fecharam
uma época caracterizada pela rede de fecundas trocas subterrâneas, em ambas
as direções, entre a alta cultura e a cultura popular. O período subsequente, ao
contrário, foi assinalado tanto por uma distinção cada vez mais rígida entre cultura
das classes dominantes e cultura artesanal e camponesa como pela doutrinação
das massas populares, vinda de cima.

Podemos localizar o corte cronológico entre esses dois períodos na segunda


metade do século XVI, que coincide significativamente com a intensificação das

81
Capítulo 3

diferenças sociais sob a influência da revolução. Mas a crise decisiva ocorrera


algumas décadas antes, com a guerra dos camponeses e o reino anabatista de
Munster.

Então se impôs as classes dominantes, de maneira dramática, a necessidade de


recuperar, mesmo ideologicamente, as massas populares que ameaçavam escapar
a qualquer forma de controle vindo de cima - porém mantendo e até acentuando
as distancias sociais. Esse renovado esforço de obter hegemonia assumiu formas
diversas nas várias partes da Europa; mas a evangelização do campo por obra dos
jesuítas e a organização religiosa capilar baseada na família, executada pelas igrejas
protestantes, podem ser agrupadas numa mesma tendência.

A ela correspondem, em termos de repressão, a intensificação dos processos


contra a bruxaria e o rígido controle dos grupos marginais, assim como dos
vagabundos e ciganos. O caso de Menocchio se insere nesse quadro de repressão
e da cultura popular.

Apesar da conclusão do processo, o caso Menocchio ainda não estava encerrado;


num certo sentido, a parte mais extraordinária começava justamente agora. Vendo
que os depoimentos contra Menocchio, pela segunda vez, se acumulavam, o
inquisidor de Aquileia e Concórdia escrevera para a do Santo Oficio, em Roma, a fim
de informá-la do que acontecia.

Em 5 de junho de 1599, uma das maiores autoridades da congregação, o cardeal


de Santa Severina, respondeu, insistindo em que se chegasse o mais rápido
possível a prisão "daquele tal da diocese de Concórdia que negara a divindade de
Cristo Senhor Nosso", "por ser seu caso extremamente grave, desde que já havia
sido condenado por heresia". Ordenava também que fossem confiscados seus livros
e seus "escritos" - não sabemos de que natureza visto o interesse de Roma pelo
caso, o inquisidor friulana enviou a cópia de três denúncias contra Menocchio.

Em 14 de agosto chegou uma nova carta do cardeal de Santa Severina: "Este


relapso revela-se, examinando a documentação, ele próprio, um ateu e, assim, é
preciso proceder "com os últimos recursos da justiça, para também encontrar os
cumplices"; o caso é "gravíssimo", portanto "Vossa Reverendíssima mande cópia
do processo ou ao menos um sumário". Um mês depois, chegou a Roma a notícia
de que Menocchio fora condenado a morte, mas que a sentença ainda não fora
executada. Talvez por um impulso tardio de clemencia, o inquisidor friulano hesitava.

Em 5 de setembro escreveu uma carta a congregação do Santo Oficio (que não


chegou até nós) comunicando suas dúvidas. A resposta do cardeal de Santa
Severina, em nome de toda a congregação, datada de 30 de outubro, foi duríssima:
"Comunico-lhe por ordem de Sua Santidade, Nosso Senhor, que não deve faltar em
proceder com a diligência que pede a gravidade do caso e ele não pode deixar de
ser punido pelos seus horrendos e execráveis excessos, e que o devido e rigoroso

82
Teoria do Estudo da História

castigo sirva de exemplo para outros por essas partes. Não deixe de executar tudo
à risca e com o rigor de espírito que a importância do caso exige. E esse e o desejo
expresso por Sua Santidade". O chefe supremo dos católicos, o papa em pessoa,
Clemente VIII, se inclinava para Menocchio, que se tornara um membro infectado do
corpo de Cristo, exigindo sua morte”.

Naqueles mesmos meses, em Roma estava se concluindo o processo contra o ex


frade Giordano Bruno. E uma coincidência que poderia simbolizar a dupla batalha,
para cima e para baixo, conduzida pela hierarquia católica naqueles anos, para
impor as doutrinas aprovadas pelo concilio de Trento pode partir daqui a fúria, de
outra maneira incompreensível, contra o velho moleiro.

Pouco tempo depois (13 de novembro), o cardeal de Santa Severina voltou a


atacar: "Que Vossa Reverendíssima não falte aos procedimentos no caso daquele
camponês da diocese de Concórdia, indiciado por ter negado a virgindade da
beatíssima Virgem Maria, a divindade de Cristo, Nossa Senhor, e a providência de
Deus, como já lhe escrevi por ordem expressa de Sua Santidade. A jurisdição do
Santo Oficio em casos de tamanha importância não pode de modo algum ser posta
em dúvida. Assim, execute implacavelmente tudo o que for necessária de acordo
com os termos da lei".

Resistir a pressões dos fortes era impossível e depois de pouco tempo Menocchio
foi executado. Temos certeza disso pelo depoimento de um tal Donato Serotino,
que em 16 de julho de 1601 disse ao comissário do inquisidor do Friuli ter estado
em Pormenone pouco depois de haver "sido justiçado pelo Santo Oficio o
Scandella", e ter se encontrado com uma taverneira que lhe contara que "numa
certa vila, um certo homem chamado Marcato, ou Marco, dizia que, morto o corpo,
a alma também morria". Sabemos muita coisa sobre Menocchio de Marcato ou
Marco - e de tantos outros como eles, que viveram e morreram sem deixar rastro.
(GINZBURG, 2001, p.97).

Podemos verificar, por meio dessa narrativa, uma contestação à ideia de que os
membros das classes populares apenas seguiam as linhas de pensamento da
Igreja Católica, que eram incapazes de pensar por si ou de agir de modo diferente
dos padrões estabelecidos.

Verificamos também que em virtude da adesão das pessoas as ideias de


Menocchio, ainda que muito particulares, forçou a Inquisição a atuar de
maneira exemplar. Isso significa dizer que muitas pessoas não viam as ideias de
Menocchio como desarrazoadas, e mais do que isso, davam respaldo aos seus
discursos. Portanto, não podemos tratar os dogmas da doutrina católica como os
únicos e mais importantes circulando à época.

83
Capítulo 3

Certamente outras doutrinas circulavam nesse período, mas todas elas ligadas
às crenças de um determinado povo, com uma história bastante consistente que
tivesse base de sustentação, como o judaísmo e o islamismo, por exemplo. Mas,
no caso de Menocchio, suas crenças e percepções não estavam alinhadas nem a
esses pensamentos nem a nenhum outro naquele contexto.

A partir desses estudos notamos os diferentes movimentos feitos pelos


historiadores para inovar na produção historiográfica do século XX. Cada um
deles com suas peculiaridades e com objetivos de revelar novas possibilidades,
analisar os fatos de outros modos, trazendo elementos que antes não faziam
parte das fontes e dos objetos de pesquisa.

Apesar dessa expansão e detalhamento quanto aos fatos e narrativas históricas não foi
e dificilmente será possível detalhar toda a historiografia moderna, suas semelhanças
e peculiaridades, rupturas e manutenções. No entanto, construiu-se um panorama
geral que possibilita compreender as trajetórias das correntes de pensamento que
influenciaram e influenciam a produção historiográfica.

Vale destacar que, até algumas décadas atrás a formação de um historiador,


em especial, no Brasil, era dificultada entre tantos fatores pelo escasso acesso
a materiais de estudo e a dualidade entre materialismo histórico e positivismo.
Esses fatores dificultavam outras formas possíveis de se produzir História.

Atualmente, coma profusão das novas tecnologias foram ampliadas as


possibilidades de uso de técnicas, fontes, instrumentos e ferramentas no sentido
de incrementar a pesquisa histórica. Podemos pesquisar em arquivos de diversos
países, de acompanhar e participar de debates remotos, sem sair de casa, e de
consultar e explorar documentos antes inacessíveis.

Presenciamos também certas rupturas e aberturas do ponto de vista teórico e


metodológico que têm permitido que cada vez mais a historiografia, no caso
brasileira, enriqueça na quantidade e qualidade de estudos. Nesse caso, com
destaque a estudos associados à História Cultural, a Micro-História, a História
das Mentalidades e os discursos pós-modernos, pós-estruturalistas como base
teórica para suas pesquisas.

Portanto, temos novas e vindouras possibilidades no processo de produção


historiográfica que podem ser adotadas pelos historiadores, conforme seus
desejos e necessidades. Diante de tanta informação e possibilidades de acesso
a fontes e formas de conhecimento, é a base teórica e o conhecimento das
correntes de pensamento que serão fundamentais para o exercício do profissional
atuante na História.

84
Considerações Finais

Caro(a) estudante

Esta Unidade de Aprendizagem, Teoria do Estudo da História, foi estruturada


visando a oportunizar um aprendizado autônomo e reflexivo quanto a temas
relacionados tanto à história do pensamento historiográfico quanto à realidade
histórica atual. Sendo assim, estudamos um amplo e detalhado conjunto
de fatores que influenciam ou que apenas nos indicam os caminhos para
compreender as correntes historiográficas.
Por meio de nossos estudos, tivemos a oportunidade de fazer uma análise
detalhada sobre os diferentes contextos e movimentos historiográficos surgidos
no século XIX e XX. Ainda que de forma panorâmica, uma vez que muito poderia
estudado e aprofundado sobre cada uma das correntes analisadas, é possível
extrair algumas conclusões diante daquilo que foi estudado, bem como, seguir
pesquisas e trajetórias de aprendizagem da História.
Ficou bastante claro o fato de a História ser uma ciência cuja interdisciplinaridade é
bastante necessária, mesmo quando isso ainda não era prática comum, como nos
estudos de Hegel, a historiografia e seus produtores já utilizavam conhecimentos de
outras áreas. Essa intersecção com outras ciências foi intensificada com a Escola
dos Annales, porém, conforme foi possível verificar, a política e a Economia fizeram
parte da construção das primeiras correntes históricas.
Constatamos que as correntes historiográficas não deixam de existir no momento
em que outra ascende, e quando isso acontece existe uma série de fatores
também advindos externamente aos movimentos dentro da própria ciência. Isso
quer dizer que ainda hoje encontramos historiadores produzindo balizados pelo
positivismo, pelo historicismo ou pelo marxismo, isso garante uma pluralidade
bastante grande e proporciona maior diversidade nas pesquisas.
Outro fato interessante foi termos discutido que muitas das correntes
historiográficas que atualmente julgamos antagônicas tiveram praticamente
as mesmas raízes, por isso, muitas semelhanças entre si. Um exemplo disso,
tanto o positivismo quanto o marxismo acreditam que as sociedades partiram
de uma organização social primitiva e chegaram a um ponto culminante de seu
desenvolvimento. Ambas, ainda que por caminhos diferentes, valorizam uma
História cujos objetos de pesquisa são os aspectos políticos e econômicos, bem
como a existência de apenas uma verdade, quando produzimos História.
Da mesma forma, a Escola dos Annales veio para romper com a lógica de que
a História só poderia ser contada pelo ponto de vista das elites. No entanto,

85
essa corrente de pensamento, ainda em seu princípio, utilizava de conceitos e
temporalidades marxistas, enfocando mais processos econômicos do que as
mentalidades – termo construído por Le Goff – e os processos culturais de todas as
camadas sociais como igualmente importantes para os acontecimentos históricos.
As fontes passaram a ser ampliadas, os fatos passaram a ser analisados de
maneira menos rígida e como parte de contextos e conjunturas mais amplas do
que acontecimentos isolados capazes de decidir os rumos de uma sociedade.
Assim, com novas fontes como a literatura, a oralidade, os escritos das classes
populares, as fotografias e outros artefatos passaram a ser tratados como
documentos históricos.
Diante disso, sabemos que a prática de produção historiográfica passa por
um momento delicado, ou seja, o que importa é o futuro, e o presente quase
inexiste. O passado fica quase que como descartável em tempos líquidos. Assim,
precisamos fazer história de modos diferentes, capturar estudantes, leitores e
adeptos da Ciência História de outras formas, usando outras linguagens, valendo-
nos das novas tecnologias e estando sempre atentos aos modos de como falar
do passado em um país que não o valoriza.
Uma das alternativas fundamentais é obter a base conceitual e teórica sólida,
como procuramos estabelecer nessa Unidade de Aprendizagem, e que será
primordial para a formação de estudiosos e pensadores da História. Pois,
conhecendo a base teórica e os caminhos para a construção da História, teremos
mais segurança para trilhar essa estrada, para analisar os objetos, fatos, sujeitos,
contextos e situações de nossas pesquisas.
Portanto, a profissão de historiador tem nos oferecido inúmeros desafios, que
serão ultrapassados com os conhecimentos adquiridos, bem como a adequação
a essas novas linguagens e formas de pensar, usar novas ferramentas, elaborar
novas perspectivas, de modo a estarmos conectados com os estudos e o rigor
teórico, sem perder de vista o contato com a comunidade em que estamos
inseridos. Dessa forma, busca-se valorizar narrativas e histórias capazes de
promover um olhar atento da sociedade para a História, para que cada um de nós
se reconheça dentro desse processo.
Assim, cabe-nos contar a história dos grandes acontecimentos, dos heróis,
dos contextos, das culturas e de sua influência em diversos aspectos de nossa
cultura. Mas também nos cabe dar atenção às histórias de vida dos moleiros,
dos pobres, dos anônimos e de tantos outros que até meados do século XX
sequer poderiam ser vistos na produção historiográfica, e que agora temos a
oportunidade de trazê-los à tona.
Sucesso em seus estudos!
Professor Felipe Leão Mianes
Referências

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estruturalista: breve percurso de sua história e propostas. Conhecimento Online.
Novo Hamburgo. n.9, v.1, jan./jun. 2017.

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___________. Gilberto Freyre e a nova história. Tempo Social; Rev. Sociol. USP,
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estudos avançados n.26, V.75, 2012.

VEYNE, Paul. Como se escreve a História. São Paulo: Edições 70: 2008.

87
88
Sobre o Professor Conteudista

Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


(2003). Tem experiência na área de Teorias da História e História Cultural. Mestre
em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Linha
de Pesquisa Estudos Culturais em Educação. Doutor em Educação pela UFRGS,
orientado pela Profa. Dra. Lodenir Becker Karnopp. Doutorado Sanduíche na
Universitat Autonoma de Barcelona. Pós-Doutorado em Educação pela ULBRA.
Realiza pesquisas com ênfase nos campos de Estudos Culturais, Didática,
Acessibilidade, narrativas de pessoas cegas ou com baixa visão, audiodescrição
e Estudos sobre Deficiência. Na área de História investiga questões sobre
metodologia, História do Brasil e do Rio Grande do Sul.

89
Teoria do Estudo da História
Os conteúdos reunidos neste livro seguem uma
abordagem teórica, metodológica e prática sobre Universidade do Sul de Santa Catarina
o estudo das teorias da História. Especificamente,
por meio de três capítulos, você estudará teorias
clássicas e contemporâneas sobre a composição
do cenário e do pensamento historiográfico em

Teoria do Estudo
diferentes épocas, para que possamos
compreender o desenvolvimento dessa ciência e

Teoria do Estudo da História


suas implicações na escrita e ensino da História.
Os textos aqui reunidos objetivam proporcionar ao

da História
leitor uma compreensão acerca da dinâmica e das
diversas possibilidades de escrever a História ao
longo das décadas, e como podemos
usufruir de técnicas e teorias para
produzir a historiografia atual.

w w w. u n i s u l . b r

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