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CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

CULTURA ORGANIZACIONAL E TERCEIRO SETOR 1

Ademar Orsi, Eduardo Marino, Luiz Rossi,


Natacha Bertoia, e Roberto Shiniashiki 2
RESUMO

O trabalho analisa padrões culturais que permeiam as Organizações de Sociedade


Civil (OSCs). A cultura organizacional é estudada com base em várias perspectivas
teóricas e metodológicas. Algumas abordagens são de natureza antropológica,
sociológica ou psicossociológica. Quanto aos procedimentos metodológicos, o
artigo mostra que há grande diversidade: técnica de diagnóstico organizacional,
análise documental, observação participativa, entrevistas e questionários aplicados e
método de pesquisa-ação. Cabe salientar, no entanto, que apesar de existirem alguns
métodos mais utilizados do que outros pelos pesquisadores, a escolha por uma
técnica em detrimento de outras deverá estar intimamente relacionada ao referencial
teórico abordado. Procede-se inicialmente a um levantamento bibliográfico visando
a elaboração do referencial teórico, bem como, a identificar algumas características
especiais das culturas organizacionais. Conclui-se que as OSCs atuam de diferentes
formas e poucos estudos procuram definir com clareza critérios para definir uma
tipologia para essas instituições.
Palavras-chave: cultura organizacional; procedimentos metodológicos; terceiro setor.
ABSTRACT
In the present work, the author analyses some cultural patterns from the point of
view of some organizations of the civil society OSCs. The organizational culture is
here based upon several theoretic and methodological perspectives. Some of these
approaches are anthropological, sociological or psycho-sociological. Concerning to
the methodological proceedings, this paper shows various points: organizational
diagnosis technique, documentary analysis, participating observation and
instruments applied to action research. In spite of the existence of different methods,
the choice of a technique depends on theoretic aspects. At first, a bibliographic
survey is made aiming the elaboration of a theoretic basis as well as the
identification of special traits of organizational cultures. The conclusion points to

1
Pesquisa realizada em 2001, sob a supervisão da Profª. Drª. Rosa Maria Fischer - FEA/USP.
2
Autores:
Ademar Orsi, Administrador, Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo, professor da Universidade Anhembi Morumbi e da Fundação
Dom Cabral. e-mail: orsiademar@ig.com.br;
Eduardo Marino, Zootecnista, Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo, e-mail: eduardo.marino@uol.com.br;
Luiz Rossi, Administrador, Mestrando em Administração pela Escola de Administração da Fundação Getulio
Vargas de São Paulo, e-mail: luizrossi@aol.com;
Natacha Bertoia, Administradora, Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo, e-mail: natacha@uol.com.br;
Roberto Shiniashiki. Psiquiatra, Doutorando em Administração pela Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da Universidade de São Paulo, e-mail: rshinyashiki@uol.com.br.
Gestão & Conhecimento, v. 3, n.1 , jan./jun. 2005: 34 - 55
Orsi, Ademar; Marino, Eduardo; Rossi, Luiz; Bertoia, Natacha; e Shiniashiki, Roberto

the following: different ways of OCSs work and the lack of criterion that could
define these institutions.
Key words: organizational culture; methodological proceedings; third sector.

HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL


A idéia de que o conjunto das organizações da sociedade civil como componentes
de um “terceiro setor”, que interage com o Estado (primeiro setor) e com o Mercado
ganhou força nos Estados Unidos no final da década de 80 em um movimento do grupo de
organizações que congregam organizações sem fins lucrativos nos Estados Unidos. A
aceitação deste grupo de organizações como um “setor” bem como o interesse acadêmico
só ocorreram em meados dos anos 90 (Falconer, 1999).
Em 1992, Salamon e Anheir, autores do livro America’s Nonprofit Sector - A
Preimer, definiram as organizações que compõe o terceiro setor segundo seis
características: 1. Organizações formalmente constituídas; 2. Localizadas fora do aparato
formal do Estado; 3. Não distribuidoras de lucros entre seus sócios; 4. Autogovernadas; 5.
Possuem em seu quadro um corpo de voluntários e 6. Atuação voltada para o benefício
público. A publicação de Salamon e Anheir apresentou os resultados de uma grande
pesquisa realizada em doze países, dentre eles o Brasil, que demonstrou o tamanho e o
escopo de atuação dessas organizações. Em sete dos doze países, onde foi possível estimar
a população economicamente ativa que atua no setor, constatou-se que haviam 11.8
milhões funcionários remunerados e 4,7 milhões de voluntários atuando nessas
organizações. Constatou-se também, que o setor movimentava recursos na ordem de 4,3%
do PIB desses países.
O percurso histórico das organizações sem fins lucrativos no Brasil inicia-se no
período colonial sob forte influência da estrutura de produção agrícola instituída pelos
colonizadores Portugueses, aliada ao papel desenvolvido pela Igreja Católica neste período.
O sistema de plantação de cana de açúcar era formado pela “casa grande”, pela senzala,
pela capela e pelos campos de plantio. Neste sistema, a posição social dos homens livres
era fortemente dependente das relações estabelecidas por ele com os proprietários da terra.
Esta dependência criou vínculos baseados no clientelismo no qual favores, proteção e
fidelidade eram os princípios que orientavam as relações. (Landin, 1993). Este sistema não
provia um solo fértil para a emergência de instituições de caráter autônomo e voluntário,
como aquelas que surgiam no mesmo período nas colônias Norte Americanas. (Gurin and
Van Til, 1990, apud Landin, 1993).
O estreito relacionamento da Igreja Católica com o Estado, iniciada no período
colonial e que se prolongou após a proclamação da república aliada aos sucessivos períodos
ditatoriais nas décadas de 50, 60 e 70, contribuiu para moldar as ações sociais ditas
filantrópicas. “As instituições filantrópicas existentes no passado, especialmente até o
século XIX, quando tratar os pobres era um problema da sociedade, possuíam origens e fins
diversos: instituições religiosas primeiramente, instituições de saúde (hospitais, asilos,
hospícios) e educandários; instituições criadas para assistir imigrantes já no final do século
XIX” (Shindler, 1996).
No final da década de 50, começam surgem movimentos de fomento a organização
de grupos e comunidades com uma nova proposta para lidar com as questões relacionadas a

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pobreza. A UNE cria os Centros Populares de Cultura, que se engajam em levar as camadas
populares programas culturais (teatro, literatura, cinema etc.). Paralelamente a essas ações,
surgem iniciativas de instituições progressistas ligadas a Igreja Católica que passam a
oferecer treinamentos em desenvolvimento comunitário e liderança influenciados pela
ideologia Marxista. (Landin, 1993).
No final da década de 60 e durante a de 70, surgem os movimentos estudantis,
populares urbanos e rurais que se constituem em uma força revolucionária invisível que
luta pela democracia. Esses movimentos recebem o apoio das alas mais radicais da Igreja
Católica ligas a Teoria da Libertação. Esses grupos recebem apoio financeiro de entidades
de cooperação Européias. O trabalho de apoio aos pobres é mais uma vez assumido em boa
parte pela Igreja Católica, mais agora não mais na ótica caritativa e sim progressista.
Landin (1993) estima que no final da década de 70 haviam de 80.000 a 100.000
Comunidades Eclesiais de Base formando lideranças e fortalecendo movimentos sociais.
Após o final do regime militar observou-se uma explosão no número de
organizações sem fins lucrativos denominadas organizações não governamentais- ONGs,
marcando uma clara identidade de negação ao governo. A mobilização pelas diretas e
posteriormente o engajamento dessas instituições junto as parlamentares na fase da
elaboração asseguraram importantes vitórias no campo dos direitos civis. O Estatuto da
Criança e do Adolescente constitui-se em um marco no retorno da participação da
sociedade civil junto ao Estado. As mobilizações em torno das questões ligadas a crianças e
adolescentes com de instituições como o UNICEF, a campanha de mobilização contra a
fome conduzida por Betinho e a ECO 92, alavancaram uma grande mobilização da
sociedade civil.
Concomitante as ações sociais de indivíduos e grupos para lidar com os diferentes
problemas sociais, o setor empresarial também inicia ações sistemáticas de apoio a projetos
sociais. A Câmara Americana de Comércio de São Paulo desempenhou um importante
papel na mobilização do empresariado para o investimento em projetos e programas sociais
com o lançamento em 1982 do Prêmio Eco (Prêmio de Contribuição Empresarial) que
objetivava estimular e premiar projetos de ação social e relações comunitárias, em
benefício de do bem-estar social, desenvolvidas pela iniciativa privada. Em 1995 a Câmara
Americana divulgou um balanço dos 13 anos do prêmio. Neste período, foram investidos
pelas empresas brasileiras 800 mil dólares em 906 projetos sociais. (Rohden, 1996). Neste
período, a filantropia empresarial ganhou força e criou-se o GIFE – Grupo de Instituições e
Empresas, que congrega organizações privadas que destinam recursos privados para fins
públicos.
As profundas mudanças nas áreas econômica e social devido a globalização da
economia revisão por parte do Estado sobre o seu papel, no sentido de abandonar o modelo
do welfare state no Brasil e em outros países da América Latina. As atualmente
denominadas Organizações da Sociedade Civil - OSCs encontram-se diante de novos
desafios. “As organizações da sociedade civil – OSCs – atuantes nas mais diferentes áreas
(meio ambiente, educação, desenvolvimento comunitário, defesa de direitos da criança e
outras) também passam por profundo processo de mudança na sua relação com seus
patrocinadores privados e públicos alvo, sendo impelidas a melhorar a qualidade dos
serviços, expandir a capacidade de atendimento, aprimorar a eficácia no uso dos recursos e
prestar contas quanto ao seu uso. Todas essas demandas estão agrupadas em artigos,

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entrevistas e discursos de lideranças do setor, apontando para a necessidade de


profissionalização. Com o intuito de profissionalizar as OSCs, inúmeras iniciativas vêm
sendo implementadas. Universidades criam centros de estudos e capacitação, fundações
financiadoras disponibilizam consultores para “capacitar” seus beneficiários, organizações
especializadas em qualificar profissionais para o mercado de trabalho formulam também
seus programas. Todas elas, sem dúvida, têm oferecido importantes elementos para as
organizações da sociedade civil fortalecendo assim o chamado terceiro setor.” (Chianca e
Marino, 2000)

METODOLOGIA
O objetivo geral deste trabalho é a análise de alguns padrões culturais que
permeiam as Organizações de Sociedade Civil.
A cultura organizacional pode ser estudada com base em várias perspectivas
teóricas e metodológicas. Algumas abordagens são de natureza antropológica, outras
sociológicas ou psicossociológicas. Quanto aos procedimentos metodológicos, também há
grande diversidade: técnica de diagnóstico organizacional, análise documental, observação
participativa, entrevistas e questionários aplicados e método de pesquisa-ação.
Cabe salientar, no entanto, que apesar de existirem alguns métodos mais utilizados
do que outros pelos pesquisadores, a escolha por uma técnica em detrimento de outras
deverá estar intimamente relacionada ao referencial teórico abordado.
Em termos de metodologia adotada, procuramos neste trabalho proceder
inicialmente a um levantamento bibliográfico existente sobre o assunto visando a
elaboração do referencial teórico conceitual, bem como, identificando algumas
características especiais das culturas organizacionais das Organizações da Sociedade Civil.
As OSCs atuam de diferentes formas e poucos estudos procuram definir com
clareza critérios para definir uma tipologia para essas instituições. Segundo Miguel Darcy
(1996), essas organizações podem ser dividas da seguinte forma:
- caritativas: aquelas voltadas para a assistência a áreas específicas, como
menor, mulher e idosos;
- desenvolvimentistas: aquelas que surgiram e cresceram, com mais ênfase, a
partir da ECO 92, cujo o foco é o meio ambiente;
- cidadãs: aquelas voltadas para a reivindicação dos direitos de cidadania,
criando redes de solidariedade ou atuando junto a minorias discriminadas;
- ambientalistas: são as ecológicas, que possuem mais visibilidade junto à opinião
pública.
Percebe-se, no entanto, que essa tipologia não resolve o problema básico da
delimitação desse universo de organizações. Desta maneira, Salamon e Anheir (1996)
sugerem uma nova proposta para caracterização das OSC denominada Classificação
Internacional de Organizações sem Fins Lucrativos (ICNPO), que apresenta os seguintes
grupos:

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Grupo 1 Cultura e Recreação


cultura e artes,
recreação,
clubes de serviço
Grupo 2 Educação e Pesquisa
educação primária e secundária,
educação superior,
outra educação,
pesquisa
Grupo 3 Saúde
hospitais e reabilitação;
asilos;
saúde mental e intervenção crítica;
outros serviços de saúde
Grupo 4 Serviços Sociais
assistência social;
apoios emergenciais;
apoios econômicos
Grupo 5 Meio Ambiente
meio ambiente;
proteção de animais
Grupo 6 Desenvolvimento e Habitação
desenvolvimento econômico, social e comunitário;
habitação;
emprego e formação
Grupo 7 Direitos Civis, Defesa de Direitos, Política
organizações de defesa de direitos civis;
lei e serviços legais;
partidos políticos
Grupo 8 Intermediários Filantrópicos e Promoção de Voluntários
Grupo 9 Internacional
Grupo 10 Business, Associações Profissionais, Sindicatos
Grupo 11 Religião
Grupo 12 Outros

Para o presente trabalho, visando analisar algumas características da cultura


organizacional das OSC, escolhemos duas organizações: “Doutores da Alegria” e “Viva e
deixe viver” para realizarmos um estudo de casos. Ambas organizações, apesar de
utilizarem estratégias diferentes, apresentam como foco principal de atuação a atenção às
pessoas hospitalizadas.
Como já foi evidenciado, a tipologia proposta por Miguel Darcy não é muito
profunda, traçando apenas linhas gerais com relação à atuação das OSC. Assim, percebe-se
a inexistência de uma tipologia adequada para as Organizações aqui estudadas.
Por outro lado, segundo a Classificação Internacional de Organizações sem Fins
Lucrativos já apresentada anteriormente, acreditamos que as duas Organizações estudadas

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enquadram-se na categoria do serviço social, prestando assistência social às crianças nos


hospitais. Cabe salientar, no entanto, que esta assistência social difere do assistencialismo
(caridade) praticado por muitas organizações sem fins lucrativos. O discurso, neste
contexto, sofre mutação: de “tirar a criança da rua” passa-se a pensar em termos de “educar
para a cidadania”, “formar o indivíduo para a vida em sociedade”. Muda, inclusive, a forma
de encarar a criança – de carente e objeto de caridade, ela passa a ser vista como indivíduo
com capacidades, que precisa apenas de informações para se desenvolver, ou seja, um olhar
mais positivo.
Com relação à coleta de dados, optamos pela abordagem qualitativa, utilizando
como técnica a entrevista em profundidade com os fundadores das organizações, além da
análise de documentos internos e externos (dados secundários) das Organizações
pesquisadas, tais como: folders, jornais e o site institucional.
Para a realização das entrevistas, utilizamos um roteiro de entrevista sugerido por
Ruckle (1993), efetuando algumas alterações conforme a realidade das organizações
brasileiras, alinhando este instrumento ao enfoque do presente trabalho: a análise de alguns
padrões culturais das OSC; contemplando todos os temas propostos na metodologia de
pesquisa da cultura organizacional desenvolvido por Fleury (1989): histórico da
organização, organização e gestão do trabalho, políticas organizacionais, políticas de
recursos humanos, processos de socialização, processos decisórios e processos de
comunicação.
A partir dos dados levantados nas entrevistas com os fundadores, foi possível
evidenciar aspectos culturais distintos ou similares das duas Organizações, dentro da
proposta das três dimensões apresentadas e discutidas no referencial teórico.

CULTURA ORGANIZACIONAL
Segundo Schein (1989), “cultura organizacional é o conjunto de pressupostos
básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os
problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente
para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de
perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas”.
Para Schein, a cultura de uma organização pode ser analisada em três aspectos
principais:
- Produtos visíveis: corresponde ao ambiente construído da organização, layout,
comportamentos visíveis das pessoas;
- Valores: são difíceis de serem observados diretamente, mas segundo o autor,
geralmente expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu
comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
- Pressupostos básicos: normalmente são inconscientes, mas determinam como os
membros de um grupo percebem, pensam e sentem.
Para Fleury (1989), a definição de Schein é válida, mas acredita que a dimensão
política deva ser inserida no conceito de cultura organizacional. Assim, Fleury propõe que
“a cultura organizacional é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos
expresso em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir

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significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de


comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação”.
Para Schein (1989), os fundadores da organização apresentam papel fundamental
no processo de “estabelecimento” dos padrões culturais. A partir do momento que os
fundadores desenvolvem formas próprias de resolução de problemas, transmitem aos
demais integrantes a sua visão de mundo, bem como os valores que sustentam a razão da
existência da própria organização.
Para compreender melhor o conceito de cultura organizacional no ambiente das
OSC, deve-se examinar suas principais características:
- a cultura organizacional é aprendida: resulta tanto das experiências das pessoas
antes de entrarem para a organização, como das influências da organização em si;
- a cultura organizacional é determinada pela história da organização: é
definida pelas decisões que os indivíduos tomaram no passado, particularmente
por pessoas importantes, como o fundador;
- a cultura organizacional é parcialmente subconsciente: com o tempo, as idéias
e as crenças se desenvolvem e se tornam influências claras no comportamento das
pessoas;
- a cultura organizacional é heterogênea: partes distintas da organização têm
culturas diferentes. No caso das OSC, uma diferença comum é aquela entre a
equipe técnica do escritório central da organização, preocupada com o perfil
público, captação de recursos, lobby e as políticas de grandes organizações e as
pessoas nas filiais locais, mais preocupadas com a entrega dos serviços e a
valorização de voluntários.
A cultura organizacional das organizações sem fins lucrativos resulta e é reforçada
e/ou modificada por cinco fatores: história da organização; estrutura organizacional e
relações internas; práticas gerenciais ou maneira de conduzir os negócios no dia-a-dia;
sistema de comunicação existente entre voluntários, administrativo e corpo diretivo;
sistemas de recompensas.
Desta maneira, pode-se perceber que não existem grandes divergências com
relação aos fatores que influenciam a cultura organizacional, tanto das organizações com
fins lucrativos, como as sem fins lucrativos.
INFLUÊNCIAS NA CULTURA
ORGANIZACIONAL
Histórico da Sistema de
- crenças - linguagem
Organização recompensas
- valores - motivação
- expectativas - normas

Estrutura da Sistema de
Organização comunicação

Práticas
administrativas

A cultura é particularmente importante nas organizações do terceiro setor porque


as pessoas geralmente acreditam na causa pela qual trabalham. A firmeza dos valores e

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crenças mantidos pelos membros principais da organização é um pré-requisito essencial


para ação. Isto explica por que pequenos grupos de pessoas altamente motivadas podem
realizar tanto. Quando há acordos claros entre as pessoas sobre a finalidade principal da
organização, os esforços de todos podem ser dedicados às providências necessárias “para
que as coisas aconteçam”. Quando esses acordos não estão bem estabelecidos, uma grande
parcela de tempo precisa ser destinada à discussão e ao debate para se conseguir maior
firmeza nas crenças e compreensão.

CARACTERÍSTICAS EVIDENTES DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL


Ruckle (1993), ao analisar as organizações da sociedade civil, sugeriu que as
mesmas devam ser estudadas sob o enfoque de três dimensões principais: dimensão da
formação, dimensão contextual e dimensão do gerenciamento de recursos.

DIMENSÃO DA FORMAÇÃO
A dimensão da formação caracteriza-se pelas concepções relativas à filosofia e
missão da organização, além da sua estrutura organizacional.
Filosofia Organizacional e Missão
Sem dúvida nenhuma, a missão e a filosofia da organização reflete os motivos e os
objetivos de seu fundador. Os valores prioritariamente acordados no momento da
constituição da organização, poderão ser encontrados em muitos aspectos da estrutura
organizacional, atividades e no seu desenvolvimento. A missão da organização, tais como
originalmente definida e periodicamente reconsiderada, estabelece o foco dos esforços
totais da organização.
O estudo realizado por Ruckle (1993), sugere que o terceiro setor fornece meios
organizacionais para a expressão de valores que independem da preocupação com o lucro,
fundamental para as organizações empresariais, e das prioridades políticas do governo.
As organizações sociais pesquisadas se distinguem das do setor empresarial e do
governo pelo caráter do envolvimento dos membros. Nelas o envolvimento dos membros
inclui um componente moral e pessoal significativo.
Etzioni (1974) propôs uma teoria na qual diferenciava as organizações conforme
os tipos de utilização do poder e autoridade ou conforme o tipo de envolvimento existente
dos membros nas organizações.
Com relação ao envolvimento, Etzioni (1974) classificou três tipos:
- Alienativo: o indivíduo é forçado a continuar como membro.
- Calculativo: o envolvimento ocorre em troca de compensações financeiras.
- Moral: identificação com os valores e objetivos.
Etzioni (1974) afirma que o tipo de envolvimento do membro está correlacionado
com o tipo de poder ou autoridade usada pela organização.
A característica dos membros envolvidos nas organizações do terceiro setor
incluem uma componente notavelmente pessoal ou moral. Os membros estão envolvidos
com a organização porque eles se identificam com sua filosofia e missão.

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Estrutura Organizacional
Uma particularidade das organizações do terceiro setor é que o conselho diretor é
formado por voluntários. O conselho é o responsável último pelo bem-estar e prosperidade
da organização. Por esta razão é que deve tomar todas as decisões estratégicas e assegurar
que a organização desenvolva seu potencial e que sejam consideradas as necessidades de
todos os membros e envolvidos.
Os membros do conselho proporcionam um vínculo essencial com o ambiente
externo à instituição. Trazem informações sobre o mundo exterior e promovem programas
e serviços institucionais. Desta maneira, os conselheiros servem como catalisadores de
mudanças, assegurando que a instituição esteja sensível às forças externas.
Quase todas as organizações têm um responsável executivo designado,
denominado presidente ou diretor executivo, cuja responsabilidade é trabalhar lado a lado
com o conselho na articulação da visão para o futuro e junto à equipe técnica, na realização
dessa visão.
Modelo gerencial
Existem dois tipos divergentes de modelos gerenciais. Nenhum deles é utilizado
conscientemente como um instrumento de política gerencial mas identificamos uma clara
divisão entre os que aderem há um ou outro modelo.
O modelo burocrático, ou mecanicista, aparenta ser apropriado à organização que
opera em ambiente com condições relativamente estáveis. O outro, orgânico, para ser
adequado em ambientes instáveis.
Os modelos que encontramos nas diversas organizações variam de um extremo
puramente burocrático ao orgânico, conforme quadro a seguir:
MODELO CARACTERÍSTICAS
Burocracia • Pressupõe estabilidade ambiental
rígida • poder decisório é individualizado e
centralizado
• operações e tarefas são bem identificadas
Burocracia • pressupõe ambiente estável com
conduzida por eventuais imprevistos
comitê • poder decisório é exercido por comitê
• existe variedade na condução das divisões
ou áreas
Burocracia • pressupõe necessidade de perspectiva
com times multi- interdepartamental
departamentais e • nível de comunicação é maior que nos
grupos-tarefa formatos anteriores
• lealdade aos grupos é condicionada aos
interesses dos departamentos
Organização • pressupõe balanceamento de poder entre
matricial funções/departamentos e processos
• busca garantir a convergência de esforços

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MODELO CARACTERÍSTICAS
e otimizar a utilização de recursos
• exige maturidade dos líderes e liderados
para contornar os conflitos de interesse
Organização • pressupõe a busca de flexibilidade,
baseada em agilidade, criatividade e capacidade de
projetos inovação
• todas as tarefas mais importantes são
administradas ou realizadas por grupos
• coordenação é informal e
fundamentalmente ditada por visões
compartilhadas
Organização tipo • pressupõe existência de um grupo
rede orgânica estratégico central
• utiliza terceirização em larga escala
• não possui identidade clara, distinta e
duradoura

Nos sistemas mecanicistas as tarefas e os problemas são divididos em


especialistas. Cada indivíduo tem a sua tarefa independentemente da tarefa do todo.
Alguém do topo hierárquico é responsável de observara a relevância de cada tarefa. Os
métodos, as obrigações e os poderes atrelados a cada papel funcional são definidos com
precisão. A interação administrativa tende a ser vertical, entre superior e subordinado. As
operações e o comportamento no trabalho são dirigidos pelas instruções e decisões vindas
dos superiores. Esta implícito que todo o conhecimento sobre a situação da organização e
suas tarefas está, ou deveria estar, somente com a chefia da organização. A administração
opera com um sistema de controle simples, com a informação ascendendo através de um
sucessório de filtros, e as instruções e decisões descendo através de um sucessório de
amplificadores.
Os sistemas orgânicos estão adaptados a situações instáveis, aonde os problemas e
as exigências às ações nascem e não podem ser divididas em tarefas especializadas dentro
de uma hierarquia claramente definida. Os indivíduos devem desempenhar suas tarefas de
acordo com seus próprios conhecimentos a respeito das tarefas da organização como um
todo. As tarefas perdem muito de suas definições formais em termos de métodos,
obrigações e poderes, que devem ser redefinidos continuamente por meio da interação entre
os participantes de uma tarefa. A interação acontece tanto paralelamente quanto
verticalmente. As comunicações entre as pessoas tendem a ser de consulta lateral mais que
comando vertical. A onisciência não pode ser imputada ao topo da organização.
Poder
Encontramos referências ao terceiro setor na teoria das organizações apenas em
Etzioni (1974). Ele está entre que os primeiros a qualificar o setor das organizações da
sociedade civil sem fins lucrativos como pertencentes a um terceiro setor.

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Etzioni (1974) considera em seus estudos três tipos de organizações, que diferem
em relação ao tipo de poder ou autoridade, possibilitando a comparação de diferentes
organizações: coercitiva, utilitarista e normativa.
No primeiro tipo predomina o poder coercitivo. No segundo o poder é exercido
através da autoridade racional-legal ou utilitarismo. Na terceira categoria, as organizações
buscam o envolvimento de seus membros através da autoridade normativa. Etzioni (1974)
considera que existem estruturas mistas de dois ou três tipos, mas sempre com a
predominância de um deles.
Com relação ao estudo do poder nas organizações, Galbraith (1984) também
apresentou algumas idéias relativas ao conceito de poder. Segundo sua teoria, existem três
tipos de poder: condigno, compensatório e condicionado.
O poder condigno obtém submissão pela capacidade de impor às preferências do
indivíduo ou do grupo uma alternativa desagradável ou dolorosa para levá-lo a abandonar
essas suas preferências. Por outro lado, o poder compensatório conquista a submissão
oferecendo uma recompensa positiva. O poder condicionado, por sua vez, é exercido
mediante a mudança de uma convicção, de uma crença.
Inicialmente, Galbraith (1984) acredita que seja necessário existirem as fontes, ou
seja, os elementos que sustentam o exercício de poder, qualquer que seja o tipo de poder.
São elas: personalidade, propriedade e organização.
Baseado nos estudos apontados pelo mesmo autor, fica evidente que nas
Organizações da Sociedade Civil, o poder condicionado é o que predomina devido sua
amplitude e de se tratar um aspecto inerente do desenvolvimento social.
Comparação da Teoria sobre o Poder: Etzioni e Galbraith:
ETZIONI GALBRAITH
Predominantemente Coercitivas Poder condigno
• Campos de concentração
• Prisões (maioria)
• Instituições corretivas (grande maioria)
• Hospícios
• Campos de prisioneiros de guerra
Predominantemente Utilitaristas Poder compensatório
• Indústrias
• Sindicatos patronais
• Organizações agrícolas
• Organizações militares em tempo de paz
Predominantemente Normativas Poder condicionado

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Orsi, Ademar; Marino, Eduardo; Rossi, Luiz; Bertoia, Natacha; e Shiniashiki, Roberto

ETZIONI GALBRAITH
• Organizações religiosas
• Organizações políticas
• Hospitais
• Sindicatos sociais
• Associações voluntárias
• Escolas
• Organizações profissionais
Estruturas Mistas -
• Normativa - coercitiva: unidades de combate
• Utilitária - normativa: maioria dos sindicatos
• Utilitária - coercitiva: algumas indústrias, algumas fazendas e
navios

Galbraith (1984) afirma que “... de tão sutil e penetrante, chega a ser tida como
parte natural e integrante da própria vida; dela não transparece nenhum esforço visível ou
específico para conquistar a pretendida crença e submissão...”.
Uma vez conquistada a crença, através do condicionamento explícito ou implícito,
a decorrente subordinação à vontade de outros é considerada como produto do senso moral
ou social do próprio indivíduo.
Por outro lado, pode-se perceber que nas Organizações da Sociedade Civil, a fonte
de poder mais evidente é a própria organização, principalmente quando analisamos a sua
própria definição como sendo “um número de pessoas ou grupos... unidos para algum
propósito ou trabalho”.
Os participantes submeteram-se aos objetivos da organização em busca de um
objetivo comum que, normalmente, requer a conquista da submissão de pessoas ou grupos
externos à organização.

DIMENSÃO CONTEXTUAL
A dimensão contextual proporciona uma construção para a análise das
características de como a organização se relaciona com seu ambiente, se desenvolvendo ou
falindo.
Existem dois aspectos fundamentais para análise: o relacionamento da organização
com a comunidade na qual está inserida e, a forma como é efetuada a prestação de contas
da organização para os órgãos provedores de recursos.
As organizações do terceiro setor são inteiramente dependentes de recursos de
terceiros e de políticas governamentais nem sempre previsíveis, e precisam se adaptar a
realidade de estarem num ambiente nunca estável.
Morgan (1996) nos oferece um quadro com relacionamentos congruentes e
incongruentes entre as organizações e o ambiente:

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CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

AMBIENTE Estável e Seguro Turbulento e Imprevisível


Estratégia de Defensivo - Proativo -
gestão fixação de objetivos criação de um sistema de
operacionais aprendizagem
SUBSISTEMAS

Tecnológico Papéis rotineiros; Papéis complexos;


pouca autonomia muita autonomia
Humano/ Orientação para o trabalho Orientação para a auto-
Cultural econômico / instrumental realização no trabalho; interesse
central de vida
Estrutural Mecanicista/ Burocrático Orgânico
Gerencial Autoritário Democrático
(Teoria X) (Teoria Y)

O diagnóstico feito anteriormente sobre a adequação dos modelos orgânicos e do


sistema gerencial da Teoria Y às organizações do terceiro setor vem ao encontro do que o
quadro acima aponta como sub-sistemas harmônicos a um ambiente turbulento e
imprevisível.
Outro aspecto particular das organizações da sociedade civil é a prestação de
contas. Enquanto que a prestação de contas no setor lucrativo é fortemente voltada aos
mecanismos de mercado e nas organizações do setor público em critérios políticos, nas
organizações do terceiro setor não existe a preocupação com um único foco e são
caracterizadas pela diversidade e complexidade.

DIMENSÃO DO GERENCIAMENTO DOS RECURSOS


A dimensão do gerenciamento dos recursos caracteriza-se pelas atribuições e
questões relacionadas com o uso dos recursos humanos e materiais nas organizações.
Alguns aspectos podem ser enumerados: uso de voluntários, gratificação pelo desempenho
dos funcionários, satisfação e insatisfação dos funcionários, processo de recrutamento e
seleção e captação de recursos financeiros.
O uso de voluntários, tanto no conselho como na parte operacional, por si só
caracteriza um papel distinto das OSC.
O foco da gratificação pelo desempenho do funcionário está nas recompensas
psíquicas. Isto fica mais evidente a partir do momento que analisamos as contribuições de
McGregor (1980) no campo do comportamento humano no trabalho.
McGregor, nos seus estudos sobre motivação, apresenta duas teorias: a Teoria X e
a Teoria Y. Qualifica como Teoria X o sistema de trabalho no qual os colaboradores são
preguiçosos, indiferentes, sem ambição e irresponsáveis, necessitando que a supervisão seja
próxima e firme. Por outro lado, propõe a Teoria Y no qual as pessoas gostam de trabalhar,
e desejam fazer um bom trabalho; aspectos muito próximos ao perfil dos membros e
voluntário que trabalham nas OSCs.
As premissas da Teoria Y são:
- Trabalhar é tão natural quanto o lazer ou o descanso.

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- Os colaboradores vão se auto-gerir e auto-controlar para os objetivos que


estiverem comprometidos.
- O comprometimento com objetivos resulta de recompensas que terão quando
alcançá-los. Estas recompensas não são necessariamente materiais.
- O ser humano busca a responsabilidade.
- A capacidade de exercitar a criatividade não exclusiva de poucos.
- A vida industrial moderna só utiliza parte do potencial intelectual do ser humano.
A Teoria Y, ao contrário do antigo sistema, integra o planejamento e a ação. Os
colaboradores têm a liberdade em decidir como melhor cumprir suas tarefas.
Uma outra característica muito clara nos estudos sobre o terceiro setor é que os
executivos destas organizações aparecem com uma combinação de restrições e expectativas
não encontradas nos outros setores. Primeiro pela multiplicidade de diversas expectativas e
por outro lado, existe um falta óbvia de preparo dos executivos para atender estas
expectativas.
Com relação aos recursos financeiros, as doações aparecem como principal fonte
de recursos, o que diferencia estas organizações das outras.

APLICAÇÃO

RESUMO DAS ENTREVISTAS


Doutores da Alegria
Unir as qualidades de ator e o desejo de ajudar doentes na “arte” de sobreviver a
vida hospitalar. Foram esses os impulsos de Wellington Nogueira para formar a “Doutores
da Alegria”, organização social sem fins lucrativos.
Missão – Levar alegria às crianças internadas, seus pais e profissionais de saúde,
usando a arte do teatro clown e, nutrindo essa forma de expressão artística como meio de
enriquecimento da experiência humana.
Histórico da associação - A associação foi fundada em 1995, mas informalmente
já existia desde 1991, quando o Hospital Nossa Senhora de Lourdes convidou o ator para
trabalhar com as crianças internadas. O trabalho funcionou como um piloto, durante 3
meses, um tempo de experiência que rendeu uma matéria no programa Fantástico (Rede
Globo), em 1992. No mesmo ano, uma atriz foi contratada e treinada para auxiliar o
trabalho de Wellington. De lá para cá, 29 palhaços já passaram pelo Doutores da Alegria,
entretendo crianças hospitalizadas.
O embrião da entidade surgiu em 1988,em Nova York, quando Wellington, então
ator na Broadway, foi conhecer profissionais que trabalhavam como palhaços nos hospitais.
Fez em seguida um teste e foi aceito pela organização, na qual permaneceu durante 3 anos.
De volta ao Brasil, estudou com afinco a possibilidade de repetir a bem sucedida
experiência. Até que em 1995 recebeu o apoio do Itaú Seguros, após o sucesso do projeto
piloto realizado no Hospital Nossa Senhora de Lourdes.

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CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

Liderança e treinamento – Liderando o grupo desde o início, o atual diretor


executivo da entidade, procurou sempre apagar o ranço de assistencialismo vinculado á
associações do Terceiro Setor. Logo em 1995, convidou professores estrangeiros para dar
aulas aos atores. Investiu em pesquisa e em profissionais experientes. foi o fomento de uma
geração de artistas preocupados com o bem estar social, mostrando profissionalismo e
qualidade.
A “Doutores da Alegria” não aceitam voluntários, mas sim funcionários, que
dedicam seis horas do dia, cinco dias por semana, às crianças hospitalizadas. O ator deve
ter uma grande empatia com as crianças e um carisma grandioso. Há voluntários apenas
cuidando da estruturação da gestão e projetos novos.
Quem quer participar da entidade, deve fazer um processo de seleção árduo, que
começa pela análise do currículo. É necessário ter formação de ator e palhaço para passar
pela primeira triagem. Em seguida, os melhores são escalados para um workshop pré
seletivo, para aproximadamente 30 pessoas, com o objetivo de observar o trabalho de cada
um. Na terceira fase da seleção, 8 atores são escolhidos para o teste no hospital. Para ser
aceito nos Doutores da Alegria, as crianças do hospital devem aprovar o profissional.
Estrutura e recursos - A entidade possui um conselho de 6 pessoas, que se
reúnem duas vezes por ano para pensar em caminhos, gestão de novos projetos e
perspectivas da carreira dentro da organização. São profissionais que representam a área
artística, médica, os pais das crianças atendidas, o desenvolvimento do Terceiro Setor,
Recursos Humanos e História. A maior parte dos recursos, vem do patrocínio da Lei
Rounaet e também dos sócios mantenedores, são 700 deles. Há parcerias com empresas
como a Warner, que doam uma porcentagem de seu lucro para a entidade.
A “Doutores da Alegria” atendem 10 hospitais, em São Paulo e Rio de Janeiro.
Emílio Ribas, Hospital do Câncer, Hospital do Mandaqui, Hospital da Criança, Cândido
Fontoura, Instituto da Criança do HC, Einstein, Fundão e Municipal Jesus. A expetativa é
expandir o número de capitais e investir no nordeste e cidades como Campinas.
Comunicação e felicidade- A principal recompensa dos Doutores da Alegria é ver
o sorriso de uma criança, a felicidade e a vontade de continuar vivo mais um momento. A
alegria vem de uma comunicação bem feita entre duas pessoas e é esse o objetivo dos
Doutores. A associação procura investir em profissionais qualificados, com bastante
experiência, pessoas que acreditam num mundo melhor, capazes de dedicar uma grande
parcela de seu tempo no tratamento e bem-estar dos pequeninos. Essa conquista
surpreendente da entidade, deve-se a uma estrutura organizada e o espírito de liderança
fincado nos membros do conselho, nos palhaços integrantes e no sonho de Wellington.
As relações humanas são essenciais, a troca de afeto é fundamental. Partilhar essa
satisfação é o maior beneficio que a sociedade pode ter. A criatividade, a capacidade de
trabalhar em equipe, de ouvir o outro e acima de tudo, liderar por uma causa comum são as
principais qualidades desenvolvidas nesse trabalho. Um sonho que não descansou e perdura
com firmeza e raríssima beleza.

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Associação Viva e deixe viver


Amenizar o sofrimento de crianças com câncer e oferecer-lhes uma ponta de
esperança, foram esses os desejos que transformaram Valdir Cimino em um realizador de
sonhos. Foram essas as sementes da Viva e Deixe Viver.
Missão - Fundada em 7 de agosto de 1997, por Valdir Cimino, a Associação Viva
e Deixe Viver tem por missão resgatar a alegria e o desejo de sobrevivência de crianças
portadoras de câncer, contando estórias e entretendo-as. O objetivo é tornar a rotina
hospitalar mais leve, oferecendo novos interesses e alegrias.
Histórico da associação - Depois de uma viagem à Nova York, onde iniciou um
trabalho voluntário de contador de estórias para idosos doentes, Valdir Cimino resolveu
repetir a experiência no Brasil, dessa vez com crianças. Trabalhava, então, na Rede Globo e
ajudava uma voluntária da Capelania Católica do hospital Emílio Ribas, doando dinheiro
para a compra de leite ou brinquedos para as crianças internadas.
Depois de uma visita ao hospital, percebeu a imensa necessidade daqueles
pacientes. Muitos sentiam falta de companhia, distração e troca de afeto. Eram crianças
pobres, algumas órfãs, todas muito carentes. O desejo de contribuir diretamente e a vontade
de ver um sorriso, uma expressão de felicidade no rosto dos pequeninos enfermos, fez com
que esse publicitário transformasse um sonho em realidade. A partir daquele momento
plantou a semente da Viva e Deixe Viver.
Dois meses se passaram até que seu trabalho tornou-se conhecido e outros
voluntários se engajaram no projeto. O “boom” de voluntários ocorreu em 1999, quando
uma matéria na revista Veja tornou o trabalho visualmente reconhecido. Inicialmente com
56 voluntários, a associação transmite noções de higiene, alimentação, medicação e
amizade
Estrutura atual e perspectivas - Hoje, a Viva e Deixe Viver conta com 180
voluntários e 3 funcionários contratados. É conhecida nacionalmente, como a maior
entidade assistencial para crianças com câncer e realiza atividades em 14 hospitais. No mês
de maio, devem iniciar projetos em mais um hospital, o Santa Marina.
A estrutura da Viva e Deixe Viver é formada através e “células”, espécies de
departamentos, são 6 delas. A da integração, na qual está a diretoria da entidade, tem a
missão de integrar toda a equipe de voluntários e coordenadores e estabelecer metas e
objetivos para a associação. A da administração cuida da parte jurídica e contábil, a da
comunicação cuida do relacionamento interno e externo, com a sociedade e imprensa. Há a
da capacitação de recursos, a célula de desenvolvimento humano, que estrutura os
treinamentos e recrutamento de voluntários e por fim, a célula de eventos, que organiza as
festas de confraternização. Para cada célula há um coordenador e uma equipe de
voluntários, ocorrem reuniões todas as semanas entre as células e mensalmente com a
diretoria, todos os problemas e sugestões são ouvidos e então, pesados e estudados.
A organização investe agora em sua profissionalização e na mudança de uma
entidade assistencialista para uma associação profissionalizada, nesse caminho já
enfrentaram treinamentos de gestão, e em breve esperam contratar mais dois funcionários
que estruturariam os treinamentos e a seleção dos voluntários, respectivamente.

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CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

Processo seletivo e capacitação de recursos - Atualmente, há um processo


seletivo para a captação de novos voluntários, que consiste na resposta a um questionário,
para traçar perfil do candidato. Há logo após, a realização de 3 palestras sobre a
importância do voluntariado, a missão da entidade, a postura a adotar no hospital e
administração do tempo. Em seguida, há uma vivência em grupo com terapeutas da
entidade. Se a pessoa estiver emocionalmente preparada para as situações que encontrará,
segue-se um período de quatro semanas, no qual o candidato conviverá com voluntários
antigos, observando o trabalho desenvolvido.
É o início de um treinamento, que será depois complementado por workshops e
encontros mensais, nos quais são discutidos sistemas para a profissionalização da
associação e dos voluntários, metas para atingir a missão e estruturas para expandir os
horizontes.
Para Integrar a Viva e Deixe Viver, é necessário destinar apenas uma hora por
semana, não é nenhuma tarefa impossível. Se o voluntário deixa de comparecer a 4 visitas,
os coordenadores abrem espaço então, para outro pretendente. Em sua maioria, são pessoas
os 39 e 40 anos, em geral, 75% de mulheres..
A Associação tem patrocínio da Colgate e também recebe dinheiro de
mantenedores, sua meta é sobreviver apenas com os recursos dos mantenedores em alguns
anos.
O grande desafio de encontrar voluntários comprometidos – O maior desafio
das organizações sociais não é encontrar, mas principalmente, manter os voluntários. A
“Viva e Deixe Viver” não é uma exceção, muita gente deixa de efetuar trabalhos
voluntários, porque alega falta de tempo e por vezes, a estrutura emocional não agüenta.
Conscientizar a população dos benefícios do voluntariado nem sempre é tarefa fácil, mas é
de extrema importância para a sobrevivência do Terceiro Setor.
O trabalho voluntário está crescendo hoje, de forma impressionante, quando a
sociedade acorda para os valores do voluntariado e seu verdadeiro significado.
A “Viva e Deixe Viver” é uma demonstração de carinho, uma demonstração de
que vale a pena lutar por um sonho e unir esforços para alegrar o mundo.

ANÁLISE DAS DIMENSÕES


Como proposto na metodologia do trabalho, dentre as dimensões sugeridas por
Ruckle (1993) para verificar as características comuns nas organizações pesquisadas,
utilizaremos a análise da dimensão “Formação”, envolvendo os aspectos Filosofia
Organizacional e Missão, Estrutura Organizacional, Poder e Modelo Gerencial.
Filosofia Organizacional e Missão
A filosofia organizacional reflete claramente os motivos e os objetivos de seus
fundadores como não poderia deixar de ser, dado que esta característica é comum também a
outros tipos de organização. Nestes casos analisados, essa característica é fortemente
percebida em vista de serem organizações jovens, relativamente pequenas e com
participação cotidiana do fundador.

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Os valores acordados inicialmente são encontrados ainda hoje nas duas


organizações. Estão relacionados com o propósito assistencialista ou não do trabalho,
conforme a entidade; com o desenvolvimento das atividades, que, mesmo sem estabelecer
uma padronização na forma de atuação, exige forte ligação com a atitude frente àquele que
está sendo atendido, inclusive utilizando-se de formas intensivas de formação e treinamento
para garantir esse valor; e com o vínculo com as pessoas que ali trabalham, ainda que
adotando diferentes visões - uma ocupa exclusivamente voluntários com dedicação de
tempos livres de uma hora semanal e a outra exige a vinculação formal, como funcionário,
com dedicação de 30 horas semanais.
A missão de ambas as entidades é plenamente conhecida e assumida pelos seus
membros, e isso é justificado, segundo seus fundadores, pelo alto envolvimento das pessoas
com as entidades.
Estrutura Organizacional
Os conselhos diretores das duas entidades são formados por voluntários. Em uma
delas buscou-se adotar uma certa representatividade dos envolvidos com a sua missão:
artística, médica, terceiro setor, pais de crianças atendidas, etc.
Essa instância é responsável, nas duas entidades, pela visão de futuro, pelas
decisões estratégicas, pela preservação da missão e pela integração das atividades da
respectiva entidade.
Em uma das entidades alguns membros do conselho acumulam posição executiva,
cotidiana, respondendo por comunicação, tanto interna - com seus membros - como externa
- com imprensa, sociedade em geral -, por desenvolvimento humano, abrangendo a seleção,
o treinamento e a alocação dos membros nos locais e horários de atendimento. Na outra, o
conselho se reúne duas vezes ao ano, entretanto seus integrantes são solicitados com
freqüência para, dependendo de suas qualificações, realizar algum trabalho específico.
Em ambos os casos a estrutura organizacional é bastante “leve”, apresentando
apenas dois níveis hierárquicos:
Entidade “A” Entidade “B”

Conselho Conselho

Coordenadores de células Diretor executivo

Membros Membros

Modelo Gerencial
O modelo gerencial das entidades estudadas se aproxima mais do modelo descrito
para as organizações do tipo orgânico.
Os objetivos de cada um dos membros e as atitudes frente àquele que está sendo
atendido estão bem definidos, tendo a missão da entidade como base permanente, mas a sua

Gestão & Conhecimento, v. 3, n.1 , jan./jun. 2005 51


CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

atuação deve ser adaptada a situações instáveis, dependentes das condições e da reação do
atendido.
Não pode ser focalizada a tarefa, mas o atendimento, em ambos os casos, do
objetivo de entreter. A interação com o atendido e com os pares - em um dos casos o
trabalho é realizado sempre em duplas - é que determina a forma e o método a ser adotado
naquele momento, naquela situação. As comunicações entre as pessoas , portanto, tendem a
ser de consulta lateral mais que comando vertical.
Essa característica também é comum aos níveis estratégicos. Apesar de existir uma
concentração de responsabilidade entre os conselheiros ou coordenadores, dependendo da
entidade, ela não é delimitada de forma a cercear iniciativas que venham contribuir para o
objetivo e a missão das organizações.
Poder
Vimos anteriormente que Etizioni (1974) propõe que as organizações se
diferenciam conforme o tipo de utilização do poder e autoridade - coercitivo, utilitarista e
normativa - e que Galbraith (1984) identifica três tipos de poder - condigno, compensatório
e condicionado. Vimos também que esses tipos quando comparados em pares - coercitivo e
condigno, utilitarista e compensatório, normativo e condicionado - podem ser considerados
análogos, sendo sutis as diferenças entre eles.
Etizioni (1974) acrescenta um outro componente relativo ao tipo de envolvimento
dos membros nas organizações - alienativo, calculativo ou moral - e que este está
correlacionado com o tipo de poder ou autoridade usado pela organização. Assim, o
envolvimento do tipo alienativo estaria vinculado ao poder do tipo coercitivo, o calculativo
ao utilitário e o moral ao normativo.
Pela sua própria natureza, as organizações estudadas não podem, em nenhum
momento, ser classificadas como valendo-se do poder coercitivo ou condigno, conforme o
autor citado, para suas ações. O envolvimento de seus membros não é do tipo alienativo,
pois tem total liberdade de adesão ou de desligamento da entidade. Em uma delas,
inclusive, eles são voluntários em esmagadora maioria.
O tipo de poder nessas entidades caracterizar-se-ia mais fortemente na terceira
categoria das duas classificações: como organizações que buscam o envolvimento através
da autoridade normativa, segundo Etizioni, ou, segundo Galbraith (1984), pelo poder
condicionado, exercido mediante a mudança de uma convicção, de uma crença.
Essa autoridade normativa é obtida e exercida a partir da clara definição de
princípios, regras, modelos de conduta que devem ser seguidos por todos, o que influencia
os seus membros, ou os condiciona, na consolidação e até mesmo na adoção da crença
expressa na missão da organização. Há certamente, por esses motivos, um envolvimento
moral, pela identificação com os valores e objetivos.
Por outro lado, há que se considerar que as entidades oferecem-se como
possibilidade para a realização de algum empreendimento considerado importante pelos
seus membros. Embora não se possa afirmar um envolvimento calculativo, decorrente,
segundo Etizioni (1974), da troca de compensações financeiras - ainda que estas existam
em um dos casos estudados - pode-se atribuir também um poder compensatório a essas

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organizações, dada a ampliação do conceito de compensação para uma recompensa


positiva, conferido por Galbraith (1984),.
Ainda, o mesmo Galbraith acredita que seja necessário existirem as fontes, ou seja,
os elementos que sustentam o exercício de poder, qualquer que seja o tipo de poder. São
elas: personalidade, propriedade e organização.
Nesse sentido, é bastante evidenciada a personalidade dos fundadores, sendo esta a
determinante da própria personalidade e organização das entidades, como fonte de poder
nessas organizações. Em conseqüência, há que se considerar também a forte percepção de
propriedade das entidades centrada nos fundadores passada nas entrevistas - com
expressões do tipo: “eu não uso...; eu não tenho..., eu precisaria...,” etc. - e nos documentos
de divulgação - “[eu] sentia vontade..., [eu] comecei..., [eu] aprendi...”, etc.

CONCLUSÕES
A partir das entrevistas e da análise detalhada da dimensão formação proposta por
Ruckle (1993), apesar de apresentar-se limitado para um estudo mais aprofundado de
aspectos da cultura organizacional, pudemos evidenciar alguns aspectos relacionados aos
padrões culturais que permeiam as OSC, principalmente no âmbito das duas organizações
estudadas.
Segundo a proposta de Schein (1989) que prevê três níveis de análise de cultura
nas organizações, o modelo de análise proposto por Ruckle (1993) preocupa-se apenas em
analisar a do primeiro deles que trata de aspectos visíveis das organizações pesquisadas
como o organograma, a descrição da forma como as atividades estão estruturadas, a forma
como a instituição foi fundada, etc. O segundo aspecto proposto por Schein que trata dos
valores, são difíceis de serem detectados pelos procedimentos metodológicos utilizados, já
que segundo o autor, as pessoas geralmente têm dificuldade em expressar a razão do seu
próprio comportamento ou também do comportamento das pessoas com quem trabalha.
Os achados em termos de padrões culturais comuns pelo presente trabalho que
talvez sejam pertinentes para um estudo mais aprofundado, são aqueles relacionados ao
papel que os dois fundadores desempenham nessas instituições, na estágio de
desenvolvimento que as duas organizações se encontram. As duas têm menos de dez anos
de operação e os dois fundadores ocupam um papel de idealizadores dessas organizações e
pioneiros em iniciativas dessa natureza no Brasil.
Schein (1989) aponta que no primeiro estágio de desenvolvimento de uma
organização as principais características culturais de uma organização são advindas das
crenças e pressupostos dos fundadores. “O paradigma cultural da organização torna-se
embebedado pelas crenças e valores de seu fundador e se por acaso a organização
sobreviver às suas primeiras tarefas, cria-se uma base de identificação para novos membros
e uma espécie de ‘cola’ psicológica agrega o grupo”. Nesta fase, há um esforço de
diferenciação do grupo em relação a outros e há um esforço para fazer com que a cultura se
explicite e ela é ensinada muito fortemente aos novos membros.
O autor alerta que organizações que são constituídas com a presença muito
marcante de seu fundador passam por dificuldades na transição do primeiro estágio para o
segundo que definido por ele como a fase de sucessão. Esta sucessão pode ser entendida
como a transferência da administração da organização para um administrador profissional.
Gestão & Conhecimento, v. 3, n.1 , jan./jun. 2005 53
CULTURA ORGANIZACIONAL E O TERCEIRO SETOR

Segundo Schein, um fundador sente muita dificuldade de abrir mão de daquilo que ele
criou. Nesta fase, é comum emergirem entre os colaboradores da organização conflitos
entre os que são mais “conservadores” que querem preservar a cultura criada por influencia
do fundador e os “liberais” que querem que uma nova cultura se desenvolva. Em casos
extremos, fundadores com um perfil empreendedor muito exacerbado chegam a
inconscientemente desejar o fim da organização.
Este estudo possibilitou que comprovássemos que a cultura organizacional é
determinada pela história da organização, ou seja, é definida pelas decisões que os
indivíduos tomaram no passado, particularmente por pessoas importantes, como o
fundador; mas que com o tempo, as idéias e as crenças se desenvolvem e se tornam
influências claras no comportamento das pessoas.

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