Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANTROPOLOGIA E
SOCIOLOGIA JURÍDICA
FUNDAMENTOS DE
ANTROPOLOGIA E
SOCIOLOGIA JURÍDICA
Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira
IMES
Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano S/C Ltda.
William Oliveira
Presidente
Cristiano Lobo
Diretor de Operações
Valdemir Ferreira
Diretor Administrativo Financeiro
MATERIAL DIDÁTICO
Imagens
Corbis/Image100/Imagemsource
APRESENTAÇÃO ...........................................................................................................................7
1 SOCIOLOGIA .............................................................................................................................15
1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS ........................................................................17
1.1.1 Dificuldades metodológicas das ciências humanas ..............................................................21
1.2 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA .................................................................23
1.2.1 A sociologia funcionalista de Émile Durkheim ......................................................................25
1.2.2 A sociologia compreensiva de Max Weber ...........................................................................27
1.3 A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS ...................................................................................................30
1.3.1 Karl Marx e a luta de classes ................................................................................................30
1.3.2 Emile Durkheim e a divisão do trabalho social......................................................................32
1.3.3 Max Weber e o processo de racionalização social ......................................................................34
1.4 PROBLEMAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA SOCIOLOGIA................................................................36
1.4.1 Principais métodos de pesquisa disponíveis .........................................................................37
Atividades complementares...................................................................................................................39
Prezado/a estudante,
7
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Obviamente, com este componente curricular, não esperamos esgotar todas as
intersecções entre Antropologia, Sociologia e Direito, senão possibilitar um primeiro contato
com o universo das ciências sociais e humanas, ampliando suas possibilidades de análises
teóricas e desenvolvendo o senso crítico necessário para a melhor compreensão dos problemas
jurídicos que se impõem no cotidiano dos profissionais do Direito.
Bons estudos!
8
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
CONHECENDO OS ÍCONES DO LIVRO
Ao longo da exposição dos conteúdos deste componente curricular, você vai se deparar
com ícones postos para orientar os seus estudos. A seguir, você conhecerá o que significa cada
um deles:
9
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
A IMPORTÂNCIA DA ANTROPOLOGIA E DA SOCIOLOGIA JURÍDICA
Pontes de Miranda, grande jurista alagoano morto em 1979, certa feita proclamou: “Quem
só Direito sabe, nem Direito sabe”. Como essa frase repercute para você?
10
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Se hoje defendemos um novo modelo para a produção de estudos no campo das ciências
jurídicas, que não só contemple uma perspectiva epistemológica, mas também aspectos
axiológicos, este não foi o paradigma sustentado durante todo o século XIX e boa parte do
século XX.
Até a primeira metade do século XX, o Direito esteve fortemente alinhado a uma
abordagem teórica conhecida como positivismo jurídico, que tem na figura de Hans Kelsen
um de seus maiores expoentes. Como visto na figura 1, em sua Teoria Pura do Direito, Kelsen
propõe a autonomia do Direito como um problema científico relevante, desenhando métodos
e objetos específicos capazes de garantir aos estudiosos o alcance do seu conhecimento
científico. O ponto de partida de sua construção teórica é o princípio da pureza, segundo o
qual se busca alcançar uma pretensa neutralidade científica, afastando o estudo do direito da
influência de outros campos do saber, como a própria Antropologia e a Sociologia, mas
também de uma ordem axiológica.
Fonte:
Para Nader (2015, p. 238), “a pureza metódica consiste na <https://www.google.com.br/sea
rch?q=Hans+Kelsen&oq=Hans+
adstrição da teoria a fatores estritamente jurídicos, sem a ingerência de Kelsen&aqs=chrome..69i57j0l5.4
ideologias políticas e das ciências da natureza.” 722j0j8&sourceid=chrome&ie=U
TF-8>
Com isso, este autor sustenta que Kelsen, ao rejeitar a inclusão do fato
e do valor, não anula a importância destes para o direito. Faz, no entanto, no intuito de
distinguir a ciência do direito dos demais campos disciplinares que tratam do fenômeno
jurídico.
Neste sentido, a teoria proposta por ele pode ser entendida como reducionista, uma vez
que identifica o direito com a norma jurídica, sem promover juízos de valor. Não importa se a
prescrição é justa ou injusta, mas que observe os padrões de validade e eficácia.
O Direito é, então, colocado como uma ciência social que integra o mundo do dever ser.
Logo, não necessariamente caracteriza os fatos ocorridos, ocupando-se em estabelecer o dever
ser das condutas sociais (NADER, 2015). Ademais, diferente das ciências naturais, que ao se
debruçarem sobre os fenômenos que apresentam regularidades aplicam o princípio da
11
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
causalidade (ou seja, a uniformidade e a constância de certos fatos sugerem dadas
consequências: dado A é B), as ciências normativas, como o Direito, não registram com
regularidade a sucessão de fatos e efeitos, devendo ser subordinadas ao princípio da
imputabilidade (dado A, deve ser B).
Ainda conforme explica Nader (2005, p. 240), “as ciências normativas não prescrevem
normas, pois seu papel seria apenas o de estudar conteúdos normativos e os vínculos sociais
correspondentes”. Ademais, os indivíduos somente se submetem a uma norma dada a partir
do momento em que ela dispõe sobre a sua conduta, de modo que o sistema jurídico se
constitui meramente como uma ordem coercitiva, um sistema de sanções.
Porém, a partir da segunda metade do século XX, iniciou-se um esforço para a
incorporação de valores sociais à análise da ordem jurídica, em um movimento que ficou
conhecido como Pós-Positivismo Jurídico. Dentre as principais construções teóricas deste
novo momento, destacamos a Teoria Tridimensional do Direito proposta pelo brasileiro
Miguel Reale, igualmente sintetizada na figura 1.
Fonte: Disponível
a) o sociologismo jurídico: que se associa aos fatos e à eficácia em:<https://educacao.uol
.
do direito; com.br/biografias/miguel
-
reale.htm>
b) o moralismo jurídico: vinculado aos valores e aos
fundamentos do direito;
c) o normativismo abstrato: no que diz respeito às normas e à vigência do direito.
12
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
interação é denominada pelo próprio Miguel Reale como “dialética da complementariedade”
e é ela a responsável por apresentar o Direito como uma ciência aberta.
As duas formas distintas de perceber a ciência do Direito aqui apresentadas geram
também duas maneiras diversas de proceder com a investigação de um problema jurídico.
Como mostra a figura 1, o positivismo nos encaminha para um enfoque dogmático, enquanto
a tridimensionalidade do direito nos conduz para um enfoque zetético.
No enfoque dogmático, o direito é analisado como prescrições de condutas, sem que as
suas premissas técnicas (as normas jurídicas) sejam questionadas, promovendo apenas suas
sistematizações, conceitos e classificações. Diz-se, por isso, que se assume um sentido diretivo
do discurso, isto é, aquele que visa dirigir o comportamento humano.
Já o termo zetética vem do grego zetein, que significa perquirir, investigar. Isto quer
dizer que, no enfoque zetético, o pesquisador preocupa-se fundamentalmente com o
problema especulativo, visando uma vasta caracterização dos fenômenos jurídicos que possa
garantir uma compreensão mais ampliada deles. Assim, assume-se um sentido informativo do
discurso, aproximando a ciência do Direito dos demais campos disciplinares, como a Biologia,
a Medicina, a História, e também a Antropologia e a Sociologia, entre outras. É este o enfoque,
portanto, que representa a verdadeira reflexão jurídica, questionando a ordem normativa e
reunindo os conhecimentos das ciências afins para melhor intervir na realidade social.
13
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Portanto, a Sociologia, ao produzir conhecimento acerca da dinâmica das relações
sociais, e a Antropologia em sua busca constante por compreender a alteridade humana,
acabam por assumir um papel fundamental para a ciência do Direito, constituindo-se em
componentes curriculares zetéticos indispensáveis para a sua formação acadêmica e
profissional.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. São Paulo: Saraiva, 1980.
14
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
SOCIOLOGIA
15
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
SOCIOLOGIA GERAL
16
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS
“Penso, logo existo”. A máxima construída pelo filósofo francês René Descartes nos
remete à capacidade que temos, enquanto seres pensantes, de apreender o mundo e a natureza
de todas as coisas, bem como as relações desenvolvidas no seio da sociedade em que estamos
inseridos, gerando uma sede insaciável por conhecimento.
Hoje a ciência é considerada, a forma de acesso ao conhecimento por excelência. Porém,
há de se evidenciar que, ao longo da história da humanidade, vários modos de produção dos
saberes foram vislumbrados e legitimados. Vamos conferir, observando o diagrama a seguir:
17
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Na mitologia grega, o trabalho é apresentado como um castigo imposto aos homens pelos
deuses. Segundo se narra, Prometeu, titã responsável pelos raios e tempestades, apiedou-se
da condição humana e roubou o fogo dos deuses para presenteá-los. A partir do uso do
fogo, os homens teriam começado seu processo de evolução, sendo tomados por um
sentimento de poder e presunção que os fizeram não respeitar mais os deuses, decidindo
que ocupariam o lugar deles. Após terem sido vencidos pelos deuses, os homens tiveram
que se submeter a alguns castigos, sendo o trabalho o primeiro deles. Você conhece outras
narrativas da mitologia grega? Compartilhe com os seus colegas.
Porém, com o passar do tempo, uma série de fatores fizeram com que as narrativas
míticas fossem desacreditadas, emergindo uma nova forma de produção do conhecimento
entre os gregos. Dentre essas circunstâncias, podemos citar as viagens marítimas; a invenção
do calendário, da moeda e da escrita alfabética; o desenvolvimento da vida urbana e da
política, que promoveram uma mudança radical nas relações socioeconômicas. Segundo
Lemos Filho e Pereira Júnior (2012, p. 21), esses fatos criaram “condições históricas para o
aparecimento de grupos de pessoas ricas e liberadas do trabalho produtivo, que podiam se ‘dar
ao luxo’ de se dedicar à cultura letrada.”
É nessa conjuntura que, por volta do século V a.C., tem-se o surgimento da Filosofia.
Conforme Chauí (2000), ela nasceu quando se descobriu que a verdade sobre o mundo e os
humanos não era algo secreto e misterioso que necessitava ser revelado por seres divinos e
seus escolhidos. Qualquer pessoa poderia conhecer, desde que fizesse uso sistemático da
razão.
Além da tendência à racionalidade, a Filosofia também apresenta como características
fundamentais a recusa de explicações preestabelecidas e uma forte tendência a generalizações.
Contudo, como advertem Lemos Filho e Pereira Júnior (2012, p. 23), “a produção do
conhecimento, por mais racionalizada que tenha sido, expressava implicitamente, sob a forma
de verdade, os valores e práticas sociais da época.”
Já na Idade Média, a desagregação do Império Romano no ocidente e as constantes
invasões bárbaras feitas por povos mulçumanos à Europa fizeram com que o continente se
fechasse em si próprio, tornando o comércio inviável. Diante da crise comercial, a opção foi
pelo investimento na agricultura e na pecuária de subsistência. Tem-se aí a criação das bases
para o desenvolvimento do feudalismo e a elevação do status atribuído à Igreja Católica, que
por ser a instituição melhor estruturada no período, assumiu certa centralidade no debate
político, impondo, inclusive, um novo padrão para a produção do conhecimento. Pauta-se, a
partir desse momento, no alinhamento dos saberes herdados da filosofia grega aos
pressupostos do cristianismo. Isto é, uma tentativa de aliar razão e fé: “todo saber que pudesse
18
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ser assimilado pela fé cristã era considerado verdadeiro; os demais, falsos” (LEMOS FILHO;
PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 24), de modo que o conhecimento adquire traços teocêntricos.
Você conhece a expressão dogma? Ela foi muito mobilizada naquele contexto
histórico. Dogma é um termo de origem grega e que significa “o que se pensa é verdade”.
Na Idade Média, o termo adquiriu um caráter religioso, tornando os fundamentos cristãos
como verdades absolutas, inquestionáveis e irrevogáveis. Rejeitá-los poderia significar
heresia e acarretar a excomunhão ou mesmo a perseguição pela Inquisição.
Alguns filmes ilustram bem o contexto social da Europa do século XVIII. Recomendamos,
especialmente, Germinal, dirigido por Claude Berri e com Gérard Depardieu e Miou-Miou
no elenco.
19
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quanto aos fatores intelectuais, Lemos Filho e Pereira Júnior (2012) remontam para um
movimento iniciado ainda na Idade Média, que advogava pela elevação dos estudos sobre a
cultura greco-romana e o retorno aos ideais de exaltação do homem. Este movimento,
chamado Renascimento, propagava que “o conhecimento deixa de ser revelado, como
resultado de uma atividade de contemplação e fé, para voltar a ser o que era antes, entre
gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida atividade mental.” (LEMOS FILHO;
PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 29).
O Renascimento foi sucedido pelo Iluminismo, movimento que ganhou força na França
do século XVII, defendendo o domínio da razão sobre a leitura teocêntrica de realidade.
Assim, no propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade da época,
defendiam que o pensamento racional deveria substituir as crenças religiosas e o misticismo.
Duas vertentes principais se acentuaram: o racionalismo, que tem em René Descartes e seu
método da dúvida um de seus maiores representantes; e o empirismo, pautado por filósofos
como John Locke e David Hume, para quem o conhecimento era adquirido com o passar do
tempo por meio das experiências humanas.
Na tentativa de tornar mais fácil a sua compreensão, convidamos você a ler atentamente
o quadro a seguir, que compara as principais características dessas duas vertentes distintas:
RACIONALISMO EMPIRISMO
20
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Já a terceira ordem de fatores está relacionada diretamente com a dinâmica do “sistema
das ciências”, cada vez mais voltada para a necessidade de controle e compreensão da
natureza. Isso porque as crises observadas ao longo do século XVIII em função dos
acontecimentos sociais que marcaram essa época “provocaram uma convicção de que os
métodos das ciências da natureza deviam e podiam ser estendidos aos estudos das questões
humanas e sociais”. (LEMOS FILHO; PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 31). Tivemos, então, o
cenário propício para a institucionalização das ciências sociais e humanas.
O cenário propício para a institucionalização das ciências humanas, como vimos acima,
não afastou a controvérsia deste processo. Se nas ciências da natureza o objeto de estudo está
situado fora do sujeito que o busca conhecer, nas ciências humanas o objeto a ser conhecido
se confunde com o próprio sujeito cognoscente, gerando amplos debates sobre a
possibilidade de se estudar com isenção aquilo que diz respeito tão diretamente ao sujeito do
conhecimento.
Aranha e Martins (2009) destacam cinco entraves impostos às ciências humanas para o
estabelecimento do seu método. Vejamos:
1) Complexidade dos fenômenos humanos, por ser resultado de múltiplas
ao meio social;
21
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3) Matematização, pois os fenômenos humanos são essencialmente
Essas dificuldades não foram suscitadas no sentido de atestar a inviabilidade das ciências
humanas, mas sobretudo para enfrentar o debate acerca do tipo de método a ser
empregado quando da realização de seus estudos (ARANHA; MARTINS, 2009).
22
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
1.2 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA
Fonte: Disponível
Porém, coube a seu seguidor e secretário particular, Augusto em:<https://upload.wikm
edia.org/wikipedia/commons
Comte, começar a desenhar os traços dessa nova ciência, embora /0/05/Flag_of_Brazil.svg>
pouco se tenha aproveitado do seu pensamento quando pautamos a
23
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Sociologia atualmente.
Comte lançou, em 1830, o livro intitulado Curso de Filosofia Positiva, no qual sustenta a
ideia de fundar uma “física social”, cuja função primordial seria aplicar o método científico
para estudar a sociedade, demonstrando suas leis de funcionamento e, com isso, auxiliar no
enfrentamento dos problemas verificados. Foi somente em 1839 que ele propôs o nome
“sociologia” para identificar esta nova ciência, o que o fez ser comumente identificado como o
“pai” da Sociologia.
Na concepção de Comte, o positivismo era explicado pela Lei dos Três Estados,
segundo a qual o desenvolvimento da inteligência humana percorreu três estágios distintos: o
teológico (ou fictício), o metafísico (ou abstrato) e o positivo (ou científico).
No estado teológico, os fenômenos eram explicados pelo espírito humano, partindo da
ação direta e contínua de agentes sobrenaturais, já sendo possível estabelecer relações causais,
mas estas eram atribuídas à divindade. Já no estado metafísico, tem-se a preponderância do
conhecimento filosófico e, mais precisamente, metafísico, em que se substitui os agentes
sobrenaturais por forças abstratas. Por fim, no estado positivo, a filosofia é substituída pelo
conhecimento científico, buscando-se na observação e no raciocínio as respostas para a
explicação do mundo e de todas as coisas (SELL, 2015). A síntese da lei dos três estados pode
ser melhor compreendida na imagem a seguir (figura 3):
Já na fase final de sua vida, com a morte da mulher por quem era apaixonado, Comte
assimilou características religiosas ao seu pensamento, apresentando proposta para criar uma
24
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
religião exclusivamente laica, fundada no culto da humanidade. No entanto, para a Sociologia
se consolidar como campo científico, era preciso ter objeto delimitado e método constituído,
de modo que foi apenas com Émile Durkheim e Max Weber que ela passou a ser considerada
uma ciência e como tal ser desenvolvida.
Para Durkheim, o objeto de estudo da Sociologia é o que ele chamou de fato social,
definido como “toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de
Fonte: Disponível em:<
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior”. E continua: “ou, https://www.infoescola.com
/biografias/emile-
ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma durkheim/>
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
independente de suas manifestações individuais.” (DURKHEIM, 2014, p. 13).
Os fatos sociais, portanto, possuem três características obrigatórias: coercitividade,
25
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
previstas em forma de leis, enquanto as sanções espontâneas são aquelas
desencadeadas pela própria sociedade em resposta a uma conduta considerada
inadequada;
b) Exterioridade, ou seja, a ideia de que os fatos sociais não procedem do próprio
indivíduo, senão de algo que lhe é exterior: a sociedade;
c) Generalidade: para ser considerado fato social, é preciso ser geral ou, ao
menos, que se repita em uma parcela significativa da sociedade, manifestando
assim a sua natureza coletiva.
No que diz respeito à observação, Durkheim (2014) advertiu ser necessário tratar os
fatos sociais como coisas dotadas de um caráter objetivo, em clara alusão aos pressupostos
positivistas de adoção dos métodos e procedimentos das ciências naturais. Neste sentido, Sell
(2015) aponta para as regras que um sociólogo deve seguir para produzir conhecimento na
perspectiva durkheimiana:
Durkheim (2014) procede ainda uma classificação dos fatos sociais em normal e
patológico, utilizando como critério a sua regularidade. Desta forma, um fato social normal é
aquele encontrado na média das sociedades, enquanto anormal (ou patológico) é aquele
26
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
extraordinário e eventual. Esta tese, inclusive, provocou grande celeuma no meio científico,
sendo severamente criticada, pois, como explica Sell (2015, p. 85), “a análise dos
comportamentos- padrão e do comportamento desviante não pode assumir premissas morais
em suas conclusões, como acaba fazendo a distinção durkheimiana entre normal e
patológico”.
Para Durkheim (2014), o crime, mesmo percebido socialmente como algo negativo, era
um fato social normal, pois se adequava ao critério de regularidade.
No mais, vale destacar que para Durkheim, além de descrever e classificar os fatos
sociais, a Sociologia deveria explicá-los, apontando as razões de sua ocorrência e as
características do comportamento coletivo, para assim compreender a função que eles
desempenham. Daí decorre o porquê de chamar a sua teoria sociológica de funcionalista. “O
fundamental é identificar a que tipo de necessidade corresponde qualquer fenômeno ou fato
social e de que forma ele contribui para produzir a harmonia social.” (SELL, 2015, p. 86).
Se Durkheim constrói sua teoria sociológica a partir do objeto, Max Weber toma como
ponto de partida o próprio sujeito. Para ele, o indivíduo é o agente fundante da explicação da
realidade social, operando assim uma verdadeira revolução no campo das ciências sociais.
27
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Figura 4 - Tipos de Ação Social
Vamos agora entender cada um desses tipos de ação social expostos na figura 5: a ação
social de modo racional referente a fins é aquela gerida por expectativas quanto ao
comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, que atuam como
condições para determinados interesses racionalmente estabelecidos. A ação social de modo
racional referente a valores rege-se pela crença consciente no valor, seja ele ético, religioso ou
de qualquer outra natureza, independente do resultado. Já a ação de modo afetivo, do tipo não
racional, é guiada por afetos ou estados emocionais atuais; e, por fim, ação social de modo
tradicional, também não racional, pauta-se em um costume socialmente arraigado.
Ouça a música intitulada Eduardo e Mônica, do grupo de pop rock brasileiro Legião
Urbana, que fez muito sucesso entre as décadas de 1980 e 1990. A partir da letra da
canção, busque refletir sobre as ações apresentadas, fazendo, sempre que possível,
conexões com o pensamento weberiano.
Essa tipologia da ação social apresentada por Weber (2014) e esquematizada na figura 4
nada mais é do que um recurso metodológico (típico-ideal) que possibilita perceber a
variabilidade da conduta humana com base em sua coerência racional. Na vida real, não é
possível encontrar esses tipos em suas formas puras.
28
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Tipo ideal consiste em uma construção mental da realidade pela qual o pesquisador
seleciona um dado número de características do objeto no intuito de construir um tipo
útil para classificar os objetos de estudo. Com ele não se esgota todas as possibilidades de
interpretação da realidade empírica, mas serve para criar um instrumento teórico
analítico.
Ademais, vale frisar que Weber rompe frontalmente com as proposições positivistas.
Para ele, o cientista age sempre norteado por sua cultura, tradição e motivações, de modo que
não é possível descartar suas noções prévias, como defendia Durkheim. A parcialidade da
análise sociológica é inerente a toda forma de conhecimento. Entretanto, quando do início do
estudo, o pesquisador deve buscar empregar a maior objetividade possível na análise dos
acontecimentos.
29
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
1.3 A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS
30
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
O modo de produção conjuga dois fatores fundamentais: as forças produtivas, que
consiste na união entre a força de trabalho e meios de produção, ou seja, o conjunto da
matéria-prima e dos instrumentos necessários para a produção; e as relações de produção,
compreendidas como as formas pelas quais os indivíduos se organizam para desenvolver a
atividade produtiva. Em sua teoria, as relações de produção assumem o lugar de maior
importância quando se pensa as relações sociais, de forma que o modo de produção é
determinante para explicar os modelos de família, as leis, a religião, as ideias políticas e os
valores sociais de toda e qualquer sociedade humana.
Analisando o percurso histórico, Marx identificou vários modos de produção
específicos. Em comum, observou que em cada um deles se desenvolveu uma desigualdade de
propriedade que criou contradições básicas no desenvolvimento das relações de produção, por
exemplo: na Antiguidade, um sistema escravista; na Idade Média, as relações servis da Europa
feudal; e, na Idade Moderna, as contradições colocadas pelo capitalismo das sociedades
industriais, em que as relações de produção se expressam na divisão entre proprietários dos
meios de produção sob a forma legal de propriedade privada – os capitalistas – e os
despossuídos dos meios de produção, que vendem a sua força de trabalho em troca de um
salário – os proletários.
31
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
XVIII era consequência direta da introdução do modo de produção capitalista e da
apropriação privada das forças produtivas. A solução para a crise, portanto, perpassava a luta
de classes e a queda do capitalismo, introduzindo um novo modo de produção – o
comunismo.
Se os problemas sociais derivam das desigualdades entre os indivíduos, era necessário
introduzir um novo modo de produção, pautado no respeito a regras rígidas e na obrigação de
todos trabalhar para todos na medida de suas possibilidades. Então, havia de se promover a
socialização dos meios de produção e a extinção da propriedade privada e do Estado. Porém,
em um estágio inicial, Marx considerava a importância do Estado para coordenar a
socialização dos meios de produção e defender os interesses dos trabalhadores contra as
investidas do capital. Por essa razão, propôs um estágio de transição que visa o
desaparecimento do capitalismo – o socialismo, em que se promova o fim da propriedade
privada, mas preservando a figura do Estado. Já no comunismo teríamos um sistema em que
não existem classes sociais, propriedade privada, nem mesmo a figura do Estado, uma vez que
todas as decisões políticas deveriam ser tomadas pela democracia operária.
32
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
introdução da máquina a vapor no processo de produção, acentuou-se a diferenciação social
em virtude do surgimento de variadas esferas de atividades sociais e econômicas, o que
desencadeou novos tipos de relações entre os indivíduos. Assim, para Durkheim, a
sociologia deveria “refletir sobre a ambiguidade desta situação mostrando que, por um lado,
ela implicava em maior autonomia individual e, por outro, trazia dificuldades para processo
de coesão social” (SELL, 2015, p. 87).
A tese defendida por Durkheim era no sentido de que o mundo moderno é produto de
um processo de diferenciação social, que passa de uma solidariedade mecânica para uma
solidariedade orgânica. Diferentemente de como é mobilizada no senso comum, quando é
entendida como ajuda carismática, o conceito de solidariedade em Durkheim pressupõe dar
importância ao agente social e reconhecer seu trabalho como importante para o grupo.
Na solidariedade mecânica, típicas das sociedades pré-capitalistas, os indivíduos se
identificavam pelos laços familiares e religiosos e pelas tradições e costumes, permanecendo,
em regra, independentes e autônomos no que diz respeito à divisão do trabalho social, de
modo que a consciência coletiva exercia um forte poder de coerção sobre os indivíduos. Já na
solidariedade orgânica, observada nas sociedades capitalistas, a rápida divisão social do
trabalho tornou os indivíduos interdependentes e tal interdependência é apontada como
responsável por garantir a coesão social. A consciência coletiva, em contrapartida, tem sua
força diminuída, pois cada indivíduo se especializa em uma dada atividade, tendendo a
desenvolver maior autonomia pessoal.
33
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
quadro de desagregação social estava no fato de cada indivíduo exercer uma função na divisão
do trabalho que o imponha a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros. O
indivíduo deve se sentir parte do todo, carente da solidariedade orgânica.
Secularização não significa a extinção das religiões ou o fim da influência que elas
exercem sobre as pessoas. A religião apenas deixa de ser o fundamento da ordem social e
política.
34
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
aos homens uma resposta acerca da finalidade da existência. Ademais, promovia a perda da
liberdade, pois embora livre das forças divinas, o homem acabara escravo de sua própria
racionalidade.
Esses pensamentos são desenvolvidos por Weber em sua principal obra, A ética
protestante e o espírito do capitalismo, escrita entre 1904 e 1905. Ainda nela, o autor busca
demonstrar como os valores cultivados pelo protestantismo, a exemplo da disciplina ascética,
a poupança, a austeridade etc., construíram um novo ethos mais adaptado aos pressupostos
da filosofia capitalista. Diante disso, sustentou que uma sociedade cujos valores éticos
tivessem por base a religião protestante, teria possibilidade de se desenvolver mais
rapidamente em relação ao modo de produção capitalista. Pois, apesar de ter suas essências
instituídas na mesma moral cristã, a Reforma Protestante promoveu uma releitura dos
escritos sagrados, aproximando-os dos ideais da revolução liberal burguesa.
A propensão ao trabalho ilustra bem essa perspectiva. Segundo Weber (2004), a
Reforma Protestante fez surgir uma concepção espiritual de trabalho. Até então, o trabalho era
visto de maneira ambivalente: embora considerado indispensável para a reprodução da
sociedade, não era desejado. A noção de trabalho como castigo já era evidente desde a
mitologia grega, como exposto anteriormente, e permaneceu durante toda a tradição judaico-
cristã. Com os ensinamentos de Lutero e Calvino, o trabalho adquiriu valorização, sendo
encarado como o meio de conquistar independência e dignidade, além de ser parte dos eleitos
de Deus.
A seguir, oferecemos um quadro que acreditamos ser útil para a compreensão dos
clássicos da Sociologia:
Quadro 2 – Clássicos da Sociologia
capitalista sociedade
absoluta
Fonte: Autoria Própria (2018)
35
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
1.4 PROBLEMAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA SOCIOLOGIA
36
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
observação dos fenômenos estudados (exemplo: retirando-se amostras de um saco de
bananas, observa-se que 80% são do tipo prata. Então, conclui-se que o saco de bananas é do
tipo prata).
Na Sociologia, emprega-se em regra o método indutivo, buscando relacionar o
fenômeno social investigado com a realidade social, a fim de promover a sua descrição e
interpretação, partindo dos dados empíricos produzidos.
Outra questão fundamental sobre a pesquisa sociológica diz respeito à objetividade. A
defesa é no sentido de uma linha neutra e objetiva, mesmo que alguns defendam a
neutralidade como algo impossível de ser concretizado, haja vista que os indivíduos não
conseguem se desprender de seus sentimentos e preferências. Contudo, deve o pesquisador
empreender o maior grau possível de objetividade, adotando uma postura imparcial e
metodologicamente adequada.
Para produção dos dados, os cientistas sociais têm à sua disposição uma série de
métodos e técnicas. Listamos a seguir os principais:
a) entrevista: um dos mais utilizados, pressupõe contato pessoal do pesquisador com a
amostra selecionada. As perguntas são preparadas com antecedência, podendo seguir um
roteiro estruturado, semiestruturado ou aberto. A interação entre entrevistador e entrevistado
deve ser direta e em tempo real;
b) questionário: lista de questões sobre determinado assunto elaborada e entregue ao
grupo de interesse, solicitando o seu preenchimento. Geralmente anônimo, pode conter
perguntas abertas ou fechadas. As respostas dadas não são discutidas pelo
pesquisador com o respondente;
c) observação direta: tipo de atividade que utiliza dos sentidos para a apreensão de
determinados aspectos da realidade investigada. O pesquisador desenvolve o
37
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
acompanhamento presencial do grupo ou fenômeno pesquisado e, desta observação, propõe
suas conclusões lógicas;
d) análise de documentos: o pesquisador busca as respostas para o problema
investigado a partir de documentos que ofereçam informações acerca do seu objeto. Podem
ser textos doutrinários, jurisprudências, reportagens de jornais, documentos emitidos por
órgãos oficiais etc.;
e) estudo de caso: consiste em uma forma de aprofundar o conhecimento sobre uma
unidade individual bastante representativa do todo, contribuindo para a melhor compreensão
dos fenômenos. É muito útil quando se trata de um fenômeno amplo e complexo;
f) grupo focal: derivada das entrevistas, é uma técnica que pressupõe a coleta de
informações por meio de interações grupais.
O método a ser empregado para subsidiar sua pesquisa deve ser aquele que melhor se
adequa ao seu objeto e aos recursos disponíveis. Ademais, não há nenhum problema na
conjugação de dois ou mais métodos para o desenvolvimento de uma mesma pesquisa.
38
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
QUESTÃO 01
(ENADE 2017) Segue uma lei da história o fato de a solidariedade mecânica,
inicialmente única ou quase, perder progressivamente terreno e de a solidariedade orgânica
tornar-se, pouco a pouco, preponderante. Entretanto, quando se modifica a maneira como os
homens são solidários, a estrutura das sociedades não pode deixar de mudar. A forma de um
corpo transforma-se necessariamente quando as afinidades moleculares já não são as mesmas.
Por consequência, se a anterior é proposição exata, deve haver dois tipos sociais que
correspondam a essas duas espécies de solidariedades.
DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010 (adaptado).
A partir do texto apresentado, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
QUESTÃO 02
(ENADE 2011) Entre o conjunto das técnicas de pesquisa das Ciências Sociais, o
questionário destaca-se como uma das ferramentas mais habituais e tem como características
a simplicidade e a economia. Seu uso é necessário sempre que o pesquisador não dispõe de
dados previamente coletados pelas instituições públicas sobre determinadas características da
população, e sempre que se quer obter levantamentos específicos sobre certos aspectos,
39
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
opiniões e comportamentos de uma população. Não obstante, além de ser utilizado para fins
mais explicitamente exploratórios, o questionário tem por função principal dar à pesquisa
uma extensão maior e possibilitar que se verifique com dados estatísticos até que ponto são
generalizáveis as informações e hipóteses da pesquisa previamente construídas. Todavia, a
elaboração dos questionários deve se pautar em algumas regras simples.
COMBOSSIE, J. C. O método em sociologia. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
Com relação às regras que devem ser observadas para a pesquisa sociológica feita com
elaboração e aplicação de questionários, observa-se que:
QUESTÃO 03
(ENADE 2011) Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés
das relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam
o homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só deixar
subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do “pagamento
à vista”. A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os
instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as
relações sociais. [...] Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o
sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa
de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu
cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas, as relações que as substituem
tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que
40
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas
condições de existência e suas relações recíprocas. [...] As relações burguesas de produção e de
troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou
gigantescos meios de produção e de troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não pode
controlar as potências infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. (com adaptações).
a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.
QUESTÃO 04
(ENADE 2005) O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento
ocidental e para o surgimento das ciências sociais. As transformações econômicas, políticas e
culturais, que se intensificaram a partir dessa época, colocaram problemas inéditos para a
humanidade, que experimentava mudanças no Ocidente Europeu. Com referência aos marcos
fundadores do pensamento social no Ocidente, assinale a opção correta.
41
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
d) O Renascimento e a Reforma são considerados marcos fundadores que permitiram o
aparecimento das ciências sociais.
e) A Revolução Industrial e a Revolução Francesa, ao redefinirem, respectivamente, as
relações políticas e as relações de produção, deram condições para o surgimento de uma
visão racional do mundo, da qual emerge a sociedade como objeto de estudo.
QUESTÃO 05
(ENADE 2005) A respeito dos estudos comparativos, a resposta de Weber foi a elaboração de
“tipos ideais”, que constituem um dispositivo generalizante, um modelo heurístico, sobre o
qual era possível aplicar a comparação. Nas suas explicações históricas comparadas, Weber
rejeita sempre a hipótese de leis ou de monocausalidade; ele pensa, portanto, que um evento
pode ter diversas causas e que conjuntos diversos de causas podem ter o mesmo efeito. A
validade das comparações em Weber provém das suas construções empíricas dos processos de
indução e de introspecção mais do que de uma verificação causal de hipóteses.
REBUGHINI, Paola. A comparação qualitativa de objetos complexos e o efeito da reflexividade. In: Alberto
Melluci (org.) Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 242 (com
adaptações).
Tendo o fragmento de texto acima como referência inicial, assinale a opção correta a
respeito de “tipos ideais”, segundo a formulação proposta por Max Weber.
42
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
QUESTÃO 06
Observe a charge abaixo, bem como o fragmento do poema “Operário em construção”, de
autoria de Vinícius de Moraes:
Operário em construção
43
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
modernas em Durkheim, destacando o conceito de solidariedade e suas formas, bem
como a relação entre solidariedade e anomia.
b) A relação entre trabalho e religião proposta por Weber para pensar o surgimento
do racionalismo no ocidente.
c) Como a questão do trabalho é elaborada em Marx para explicar os pressupostos de
um regime capitalista.
44
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
SOCIOLOGIA JURÍDICA
45
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
SOCIOLOGIA JURÍDICA
A Sociologia e o Direito mantêm uma relação bastante próxima, uma vez que
sociedade e normas não podem ser entendidas separadamente. Enquanto a Sociologia se
ocupa em pensar a vida em sociedade a partir de seus aspectos culturais, econômicos,
religiosos etc., o direito busca fixar e sistematizar as regras indispensáveis para garantir o
equilíbrio social. Sendo assim, a Sociologia não tardou em se especializar, criando um ramo
próprio que tivesse o direito como objeto de estudo: a Sociologia Jurídica.
Na segunda unidade deste primeiro bloco temático, nosso convite é para você conhecer
um pouco mais sobre a Sociologia Jurídica. Vamos lhe apresentar os seus pressupostos
fundamentais, bem como algumas das principais contribuições que ela já trouxe para o campo
das ciências jurídicas, com o emprego dos métodos e das técnicas disponíveis nas ciências
sociais para melhor caracterizar e compreender os fenômenos jurídicos.
46
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
2.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA
JURÍDICA
Karl Marx (1980) também não deixou o direito de fora das suas análises. Para ele,
apenas a classe dominante e seus prepostos conseguiam se fazer presentes de modo efetivo na
relação entre Direito e Estado, encarando o Estado como um verdadeiro “balcão de negócios”
da burguesia. Deste lugar, o Estado consolidava a desigualdade estabelecida a partir das
relações sociais de produção, levando o direito a ser instrumento para a perpetuação da
dominação e da exploração da classe operária.
Porém, é em Weber (2014) que encontramos uma análise mais substancial do direito.
No segundo volume da obra Economia e Sociedade, são aproximadamente 153 páginas
dedicadas ao estudo exclusivo da Sociologia do Direito (Capítulo VII). Nelas, o autor destaca
dois modos principais de reflexão sobre as regras e instituições jurídicas: a moralista (ou
político), segundo a qual o direito consistiria na avaliação da qualidade moral das regras
jurídicas, feita com base na adoção de um ponto de vista externo à ordem legal; e uma
abordagem dogmática, que ao invés de proceder uma análise avaliativa das regras jurídicas,
toma-as como parâmetro de adequação ou não de determinadas condutas.
Weber (2014) não adota nenhuma dessas abordagens nos estudos que promove sobre o
direito. Na sua concepção, tais estudos deveriam se pautar numa abordagem sociológica, pela
qual o interesse maior consiste em perceber como os membros de uma sociedade enxergam as
normas jurídicas, moldando ou não suas condutas de acordo com elas.
47
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
A partir da contribuição desses autores, outros trabalhos sobre a temática foram
lançados. Sabadell (2010) destaca a publicação, em 1907, do livro intitulado Sociologia
jurídica, do italiano Carlo Nardi-Greco, no qual ele apresenta uma série de sistemas jurídicos,
buscando analisar as causas e as funções sociais do direito, sobretudo no que se refere à
estrutura econômica da sociedade. Já em 1913, o jurista alemão Eugen Ehrlich publica a obra
Fundamentos da sociologia do direito, defendendo a tese da pluralidade de ordenamentos
jurídicos numa mesma sociedade e demonstrando os métodos de pesquisa que a sociologia
jurídica poderia empregar para estudar esses ordenamentos. Desta forma, a sociologia jurídica
vai se consolidando como disciplina específica no decorrer do século XX.
Vejamos logo a seguir a definição que a autora propõe para a sociologia jurídica:
A sociologia jurídica não se preocupa com o fenômeno jurídico em si, mas com o que o
antecede e com o que o sucede. O fenômeno jurídico é objeto de estudo da própria ciência
do Direito.
48
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
E vale uma última informação: ao realizar a pesquisa, o sociólogo do direito não se
propõe a realizar um julgamento, seja no sentido de valor ou mesmo no sentido da legalidade.
Seu objetivo será sempre o de compreender o fenômeno investigado, relatando como os
indivíduos percebem e reagem a ele.
EFEITOS DA NORMA
Implica em qualquer repercussão observada na sociedade em função da norma jurídica.
EFICÁCIA DA NORMA
Diz respeito ao grau de cumprimento da norma no interior da prática social, isto é, será
eficaz a norma que é respeitada pelos seus destinatários (a chamada eficácia de preceito
ou eficácia primária) ou que, quando violada, é exemplarmente punida pelo Estado
(chamada de eficácia de sanção ou eficácia secundária).
49
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Para que você consiga compreender melhor, apresentar a seguir um exemplo clássico
trazido nos manuais de sociologia jurídica: a norma que estabelece rodízio de carros em
grandes centros urbanos.
Considere que, com a introdução da norma jurídica, o acesso a algumas vias, em certos
horários, será determinado pelo número final das placas dos veículos: carros com placas de
final ímpar circularão livremente segundas, quartas e sextas; carros com placas de final par, às
terças, quintas e sábados. Aos domingos, o rodízio não se aplica.
Suponha que, conforme justificativa do projeto de lei, o objetivo pretendido pelo
legislador residia na diminuição dos índices de poluição experimentados, pois, segundo
pesquisas, apurou-se que os automóveis eram os responsáveis por 90% da poluição do ar
naquela cidade. A norma previu ainda a aplicação de pena de multa para os cidadãos que não
a respeitasse. De certo, a edição da norma provocou acalorados debates, veiculação de
reportagens nos canais de comunicação, manifestações contrárias por membros da sociedade
civil e atos de apoio promovidos por ambientalistas. Todos esses comportamentos podem ser
considerados efeitos da norma, já que são repercussões diretas de sua edição.
Suponha, agora, que após entrar em vigor, a cidadã A deixou de circular com seu veículo
nas vias e nos horários proibidos pela lei, enquanto a cidadão B descumpriu a norma,
trafegando com seu veículo de final ímpar no sábado pela manhã. Autuado pela autoridade de
trânsito, o cidadão B teve que desembolsar uma quantia em reais a título de multa. Nas duas
situações, podemos falar em eficácia da norma jurídica, pois o seu cumprimento resta
comprovado. Na primeira situação, A cumpriu espontaneamente com o quanto disposto na
norma (eficácia de preceito / eficácia primária); e B, ao descumprir, foi exemplarmente
punido pelo Estado (eficácia de sanção / eficácia secundária). Se, ao descumprir, o cidadão B
não fosse sancionado, diríamos que a norma foi ineficaz.
Por fim, pense que, naquela cidade, as pessoas mais abastadas resolveram adquirir um
novo veículo, com o número final de placa diferente do que já possuía, a fim de transitar na
cidade todos os dias da semana. Nesta situação, embora a legislação esteja sendo cumprida, a
finalidade pretendida pelo legislador não será alcançada, uma vez que não haverá diminuição
nos índices de poluição. Ou seja, a norma jurídica em questão não terá adequação interna.
Sobre essa questão, Sabadell (2010) atenta para outros dois aspectos interessantes: as
normas simbólicas e a adequação externa da norma. Pela primeira, entende-se aquelas em que
o baixo grau de eficácia já poderia ser previsto quando de sua elaboração (ineficácia pré-
programada), mas que ainda assim são colocadas em vigência por um caráter pedagógico ou
em atendimento a demandas específicas de segmentos sociais. Como exemplo, ela cita a
50
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
penalização do assédio sexual, prevista no artigo 216-A do nosso Código Penal: “o próprio
legislador está ciente das poucas chances de eficácia da norma, mas decide criá-la para dar
uma mensagem à sociedade, para educar a população e para satisfazer reivindicações de
grupos de mulheres.” (SABADELL, 2010, p. 74).
A outra circunstância trazida por Sabadell (2010), adequação externa da norma, refere-
se à avaliação dos objetivos da norma a partir de um elemento externo ao sistema jurídico,
seguindo critérios de “justiça”. O exemplo com o qual a autora ilustra a situação é a lei que
estabelece o valor do salário mínimo. Pensando a inadequação entre as necessidades básicas
dos indivíduos e os custos para mantê-la, tem-se que o valor do salário mínimo é bastante
baixo, revelando-se inadequado social e politicamente. “O juízo de valor sobre a adequação
externa da norma pertence, porém, ao campo da filosofia do direito, e não faz parte da
observação do direito positivo, realizado pela sociologia jurídica.” (SABADELL, 2010, p. 74).
Saiba mais: Em alguns casos, é possível medir a quota de eficácia (qE) da norma jurídica
em um dado espaço, por um determinado período. Aplicando o modelo desenvolvido por
Theodor Geiger (1947), após o emprego de pesquisa de campo que lhe permita a
produção dos dados necessários, você pode aplicar a fórmula qE = E / S, em que E expressa
os casos de eficácia e S o número total de situações típicas. Pense em situações que a
aplicação dessa fórmula lhe parece possível e útil!
Antes de terminar este assunto, é importante destacar para você alguns fatores que, se
observados, podem conferir uma quota de eficácia maior para as normas jurídicas. Os fatores
aqui apontados foram propostos com base em amplas pesquisas já realizadas no campo da
sociologia jurídica. Sabadell (2010) divide-os em dois grupos: fatores instrumentais, ou seja,
aqueles que dependem da atuação dos órgãos responsáveis pela elaboração e aplicação do
direito; e fatores referentes à situação social, isto é, aqueles vinculados às condições de vida
da sociedade, considerando um determinado momento histórico. Confira:
51
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quadro 4 – Fatores Instrumentais
FATORES INSTRUMENTAIS
Coesão social.
52
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
2.2 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: OPERADORES
DO DIREITO
[...] o juiz deve ser considerado como alheio (estranho) ao conflito (de
interesses e paixões) que julga; para tanto, o seu critério de decidir, aquilo
que dá justificativa ao que decide (discerne, escolhe), também deve ser
compreendido como imparcial: a lei precisa ser definida como
correspondente àquela vontade geral e abstrata do povo ou nação.
(ATTIÉ JR., 2012, p. 410).
53
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
apontam para as características sociais e as posições políticas e ideológicas dos magistrados
nos últimos anos. Esses trabalhos, além de apontar para a origem social da magistratura,
geralmente formada por membros das classes abastadas e de opinião conservadora, indicam
que a atividade profissional da magistratura é influenciada por fatores como a posição de
classe, a opinião política e a socialização jurídica, que confere aos juízes uma visão legalista e
autoritária da realidade social, promovendo uma dupla seletividade: na aplicação da lei,
quando tende a punir com maior rigor os desprivilegiados; e na interpretação da lei, quando
se utiliza da discricionariedade conforme suas opiniões políticas e ideológicas.
54
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Saiba mais: o Ministério Público pode ser da União, constituindo seus procuradores para
atuar em matéria federal; ou dos Estados, em que os promotores e procuradores atuam em
matérias relacionadas à justiça estadual.
Perceba, portanto, que ao Ministério Público não cabe atuar exclusivamente na esfera
criminal, como proposto muitas vezes no senso comum, em virtude de ser o titular exclusivo
da ação penal pública. Também, não assume, nesses casos, necessariamente um papel
acusador. Como fiscal da lei, o Promotor de Justiça deve ser livre para direcionar sua atividade
a partir das convicções advindas do conjunto probatório e das normas jurídicas previstas em
nosso ordenamento.
A investidura no cargo se dá, como acontece com os magistrados, por meio de concurso
público de provas e títulos, exigindo-se o grau de bacharel em Direito e, no mínimo, três anos
de experiência na atividade jurídica. A Constituição também prevê para esses profissionais um
sistema de garantias com vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, mas
igualmente prevê uma série de vedações, como o recebimento de honorários, percentagens ou
custas processuais; exercício da advocacia e atividade político-partidária; participação em
sociedades comerciais etc.
Percebemos, então, que o Ministério Público é uma instituição extremamente relevante
para a democracia e o Estado de Direito, capaz de minimizar as dificuldades de acesso à justiça
e fazer valer os direitos e garantias fundamentais dos/as cidadãos/ãs. Porém, como evidencia
Sabadell (2010), as pessoas que se encarregam de aplicar a lei nem sempre seguem, de maneira
inconteste, o disposto nas previsões legais. Portanto, precisamos atentar e ler criticamente a
atuação dos representantes desse órgão, de modo a investigar até que ponto eles não
incorporam os anseios punitivistas (quando da atuação criminal) e as desigualdades
estruturais de nossa sociedade.
Advocacia: aos advogados, compete a função de falar em nome dos representados,
defendendo os seus interesses. Porém, como adverte Barsalini (2012, p. 371), “a advocacia não
se limita somente à defesa de um interesse privado. Trata-se de função que compõe a própria
justiça, necessária ao equilíbrio de forças internas do Poder Judiciário.” Assim, podemos dizer
que, no exercício de suas funções, o advogado não somente contribui na postulação da decisão
final, buscando convencer o julgador de seus argumentos, como também presta um serviço
público, um múnus público, mesmo quando atua na defesa de interesses patrimoniais
privados. Neste sentido, “a atividade judicial do advogado não visa, apenas ou primariamente,
à satisfação de interesses privados, mas a realização da justiça, finalidade última de todo
processo litigioso.” (COMPARATO, 1993, p. 45).
55
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
a advocacia está incluída no título da Constituição Federal de 1988 que versa sobre a
organização dos poderes, sendo consagrada como uma das funções essenciais à justiça, da
mesma forma que o Ministério Público e a Defensoria Pública. Ademais, como preceitua o
art. 6º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, “não há hierarquia
nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público,
devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.
Além disso, é cediço que o exercício da advocacia é carregado de um forte valor social.
Por intermédio de suas práticas, o advogado é capaz de movimentar a máquina estatal e,
prioritariamente, as instituições que compõem o sistema de justiça, a fim de equacionar os
conflitos e satisfazer direitos e garantias fundamentais, possibilitando a distribuição da justiça
e a busca por uma cidadania plena. Para Sousa Júnior (1993, p. 130), a função social da
advocacia se fundamenta não apenas no cumprimento da lei, mas também na perseguição dos
ideais do direito e da justiça, de modo que “a compreensão dos deveres e a plena concretização
dos direitos dos advogados passam pela mediação de sua prática social, de sujeito
coparticipante do processo de reinstituição contínua da sociedade”.
Para inscrever-se como advogado, algumas condições são necessárias. Elas estão
expostas no artigo 8º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, quais
sejam: capacidade civil; diploma ou certidão de graduação em direito, emitida por instituição
de ensino superior devidamente autorizada e credenciada pelo Ministério da Educação –
MEC; título de eleitor e quitação com o serviço militar, no caso de brasileiros; aprovação em
Exame da Ordem; não exercício de atividades incompatíveis com a advocacia; idoneidade
moral; e prestação de compromisso perante o conselho.
56
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Ademais, de acordo com o Censo da Educação Superior, apenas no ano de 2015, foram
105.317 novos bacharéis formados, 88% deles em faculdades particulares. E, em 2016, o
Conselho Federal da OAB divulgou que o número total de advogados no país ultrapassava a
casa de um milhão de profissionais, o que vinha sendo estimado para ocorrer apenas em 2018.
Sabadell (2010) chama atenção para o fato de que as grandes variações entre o número de
advogados nos diferentes países estão associadas à tendência de suas populações em resolver
as questões de forma amigável ou se valendo dos auspícios do Estado, o que requer a
intervenção dos profissionais do direito.
Esses números têm despertado intensos debates sobre a qualidade dos cursos e dos
profissionais por eles formados, sobretudo porque o bom exercício da advocacia pressupõe
um bom preparo técnico, resultante da conjugação da prática forense com o aprendizado
teórico, sempre atualizado de modo a atender ao dinamismo do direito e das nossas relações
sociais que lhes servem de base.
Contudo, esta não é a única dificuldade imposta hodiernamente ao exercício da
advocacia. Associa-se a ela todas as mazelas do sistema de justiça, da qual a morosidade parece
ser a mais evidente, além do avanço tecnológico e do intenso processo de globalização, que
exige cada vez mais um profissional flexível, com visão interdisciplinar, capaz de se adaptar a
diferentes contextos de trabalho e culturas, algo que ainda passa ao largo dos nossos cursos
arraigados numa tradição positivista e tecnicista.
Assista ao vídeo “O futuro do direito”, uma fala de Gabriel Senra para o TEDx, disponível
no YouTube. Em seguida, reflita e discuta com os seus colegas acerca do futuro da
advocacia. Link para acesso: <https://www.youtube.com/watch?v=0Oo26QvRY1k>.
Polícia: embora a formação em direito não seja uma exigência a todos os cargos das
Polícias (apenas os delegados devem comprovar tal formação), Sabadell (2010) apresenta os
policiais das várias corporações como um grupo numeroso de operadores do direito. Segundo
a autora, “a polícia participa de forma decisiva na aplicação do direito, enquanto corpo
organizado que se encarrega do controle social nos seus aspectos mais “fortes” (repressivos).”
(SABADELL, 2010, p. 237-238). Para ela, é a polícia a responsável por realizar a primeira
seleção dos casos que devem ingressar no sistema de justiça, fazendo com que o modo e a
direção da aplicação do direito, bem como o seu grau de eficácia, principalmente na área
penal, dependa de sua atuação.
57
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Conforme o artigo 144 da Constituição brasileira de 1988, segurança pública é dever do
Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio exercida através da polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpos
de bombeiros militares.
58
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
2.3 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: ACESSO À
JUSTIÇA
formalização em leis;
59
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito formal de acesso à justiça aparece
consignado na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXXV, LIV
e LV.
Buscando facilitar o seu entendimento acerca desses dois conceitos, atente-se para o
exemplo seguinte:
A legislação brasileira garante a todas as mulheres o direito humano a uma vida sem
violência, possibilitando o acesso formal à justiça em casos de violação. Contudo, ainda que
tenha passado por vários episódios de violência, muitas mulheres não acionam o sistema de
justiça por diversos motivos, que vão desde a descrença nas instituições até o medo de sofrer
novas represálias. Ou seja, mesmo garantido em lei (acesso formal), nem sempre há a
possibilidade real de se pedir a proteção judiciária (acesso efetivo). Por tal razão, a Lei
11.340/2006 – Lei Maria da Penha criou uma série de medidas e estratégias no intuito de
reforçar o direito de acesso à justiça para as mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.
Para além dessas duas abordagens, Sousa Júnior (2008) propõe um conceito ampliado
de acesso à justiça, pelo qual este deve ser compreendido como um estado de direitos
assegurados, sobretudo porque a institucionalidade do acesso à justiça no Brasil ainda carrega
resquícios da herança colonial, com traços de patrimonialismo, sexismo e patriarcalismo que
ensejam visões criminalizadoras dos sujeitos sociais. Assim, é necessário um aprofundamento
do debate sobre acesso à justiça e reforma do judiciário, abrindo espaços para diálogo com
movimentos sociais.
As três concepções aqui apresentadas de acesso à justiça podem ser melhor apreendidas
pela figura 5, disposta a seguir:
60
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
É de se destacar também que nem todos os cidadãos gozam de igualdade de
oportunidades no que diz respeito ao acesso às instituições que compõem o sistema de justiça.
Sabadell (2010) divide em quatro categorias as barreiras de acesso efetivo à justiça. São elas:
(SABADELL, 2010).
Diante dessas barreiras, uma série de medidas vem sendo adotadas pelos Estados, a fim
de resolver o problema de acesso desigual às instituições judiciais. Dentre as tentativas de
reforma, as principais são a criação de procedimentos alternativos para a solução de conflitos;
o aumento do número de juízes e de tribunais; e os seguros jurídicos ou planos de convênio de
proteção jurídica:
[...] oferecidos por seguradoras particulares, sindicatos, grandes empresas
e associações de consumidores. Os interessados pagam um determinado
prêmio e a seguradora lhes proporciona serviços jurídicos, por meio de
advogados conveniados ou de sistemas de “livre escolha”.
(SABADELL, 2010, p. 249).
61
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
2.4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DIREITO
Finalizando a seção que versa sobre a Sociologia Jurídica, optamos por tratar da relação
entre o Direito e uma das mais significativas categorias analíticas das Ciências Sociais – a
classe social. Isto porque ela nos possibilita refletir acerca da desigualdade, produtora de
profundas transformações no que diz respeito não apenas à distribuição de bens materiais,
como também de bens culturais, oportunidade de acesso a serviços e recursos tecnológicos
etc.
Na visão de Eduardo Iamundo:
Contudo, para melhor entender este debate, é fundamental que se trace primeiramente a
distinção entre as duas principais abordagens sociológicas do conceito de classe social: a
primeira, de inspiração marxista e denominada abordagem qualitativa; e a segunda,
inspirada na teoria compreensiva weberiana, denominada abordagem quantitativa.
Os seguidores da tendência marxista defendem a classe social como resultado das
características do modo de produção predominante em cada sociedade, de modo que é a
relação dos indivíduos com os meios de produção que definirá o seu lugar na estrutura social.
Para esses teóricos, em todos os modos de produção era possível perceber a existência de duas
classes sociais principais: aquela formada pelos detentores dos meios de produção e os
despossuídos, que seriam por eles explorados. Se pensarmos nas sociedades capitalistas
modernas, portanto, burgueses e proletários.
Já os seguidores da tendência weberiana consideram uma pluralidade de critérios para
definir o status social do indivíduo: grau de instrução formal, nível de renda, profissão, local
de moradia, religião, padrões comportamentais, prestígio social, dentre outros, sendo que, em
última análise, prevalece “o critério da renda dos indivíduos, já que critérios como profissão, o
nível educacional e o prestígio social são estreitamente relacionados com a renda”.
(SABADELL, 2010, p. 214). Isso significa, para Iamundo (2013), que na abordagem
quantitativa o parâmetro para a fixação da classe social de um indivíduo reside em sua
capacidade de competição diante do mercado.
62
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
O quadro a seguir procura sistematizar essas informações:
Sabadell (2010) refere-se ainda a uma abordagem objetiva e uma abordagem subjetiva
da classe social, sendo a primeira aquela que adota um critério objetivo para a sua definição,
materializado na posição do indivíduo na estrutura de produção, sem importar o modo como
ele pensa e age em relação a isso. Já a abordagem subjetiva leva em consideração um critério
subjetivo, consubstanciado na ideia de “consciência de classe”. É dizer, questiona se os
indivíduos são conscientes de sua posição de classe e, no caso do operariado, se lutam contra a
sua exploração. No entanto, a própria autora destaca que, no campo da Sociologia, os
pesquisadores tendem a adotar com maior frequência a perspectiva objetiva.
63
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
fechada. As sociedades com estratificação social fechada são caracterizadas pela imposição de
limites sociais e legais quase que intransponíveis, o que faz com que os indivíduos não
consigam mudar a sua posição na estrutura social. O sistema de castas observado na Índia é
um bom exemplo.
Já nas sociedades de estratificação social aberta, caso típico das sociedades capitalistas
modernas, é possível observar o processo de mobilidade social, isto é, a alteração do status
social dos indivíduos. Esta, por sua vez, pode ser de dois tipos (como mostra a figura 7 a
seguir): horizontal, quando o indivíduo experimenta uma melhora em suas condições de
vida, mas não o suficiente para ascender na escala social; e vertical, quando experimenta
efetivamente uma alteração de classe social.
Neste ponto, é fundamental pensar a distinção proposta por Ana Alice Costa (s/d) entre
condição e posição. Para esta pesquisadora, condição é o estado material no qual se encontra
64
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
o sujeito (pobreza, salário baixo, desnutrição, falta de acesso à saúde etc.), enquanto a posição
é o status econômico, social e político do sujeito. Podemos dizer, portanto, que na mobilidade
horizontal há uma alteração na condição do sujeito e na mobilidade vertical o que se muda é a
sua posição.
Segundo Sabadell (2010), os processos de mobilidade social são estatisticamente
limitados no sistema capitalista e o direito, mesmo não trazendo limitações expressas, acaba
por favorecer uma certa imobilidade social ao defender uma pretensa neutralidade, ignorando
a existência das classes sociais e garantido as condições jurídicas para o desenvolvimento do
sistema capitalista. Confrontando a ideia de um direito “neutro”, a autora alerta para o
compromisso da sociologia jurídica em investigar três questões principais:
Neste diapasão, Sabadell (2010) sustenta que o sistema jurídico acaba por representar
sempre os interesses dos mais fortes, sobretudo com a proteção da propriedade privada,
favorecendo, na prática, a desigualdade social. Sendo assim, devemos estar atentos não
apenas aos processos de elaboração de leis, mas também ao tratamento dispensado pelo
sistema de justiça quando da aplicação do direito, que tende a privilegiar os membros das
camadas superiores da sociedade e afastar os mais pobres da proteção judiciária.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002.
65
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
QUESTÃO 01
(CESPE 2010) Na perspectiva da sociologia jurídica:
QUESTÃO 02
(CESPE 2016 - Adaptada) Quanto à sociologia jurídica, julgue os itens que seguem em Certo
ou Errado.
QUESTÃO 03
(CESPE 2016 - Adaptada) Em relação às dificuldades para uma prestação jurisdicional
mais efetiva no Brasil, julgue os itens seguintes em Certo ou Errado.
66
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
( ) É correto afirmar que processo justo, como meio de acesso à justiça, é aquele que realiza
uma composição da lide que satisfaça a concepção média da sociedade em torno do justo e
que cumpra a contento a meta da paz.
( ) Uma das alternativas que se observa atualmente no direito para agilizar sua utilização
consiste na construção e valorização de outros instrumentos para a solução dos conflitos, que
propiciam acesso eficiente, rápido e menos burocrático à justiça.
( ) No Brasil, o acesso à justiça, constitucionalmente previsto no capítulo que trata dos
direitos e garantias individuais e coletivos, é formulado da seguinte forma: “A lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
( ) A ideia de tornar a justiça mais efetiva deve ser entendida como um problema concreto e
específico, independentemente da eliminação de eventuais obstáculos à tutela processual dos
direitos, como, por exemplo, fatores econômicos, sociais ou políticos.
( ) A partir do século XIX, polícia e justiça passaram a se preocupar com os limites do
exercício do poder do Estado e a defender o exercício da cidadania como eixos
fundamentais de sua atuação, com vistas à construção de um efetivo Estado democrático
de direito.
QUESTÃO 04
(CESPE 2016 - Adaptada) Com referência aos conceitos de estrutura, classe e status,
julgue os itens subsequentes.
QUESTÃO 05
(OAB 2007 - Adaptada) Acerca do exercício da advocacia no Brasil, analise as
proposições a seguir.
67
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
I. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
II. No processo judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao
seu constituinte, ao convencimento do julgador, mas seus atos não constituem múnus
público.
III. Para inscrever-se como advogado são necessárias algumas condições, dentre as
quais se destacam a capacidade civil, graduação em Direito em instituições
oficialmente autorizadas e credenciadas e aprovação em exame de ordem.
IV. A atividade do advogado é indispensável à administração da justiça. Porém,
quando atua na defesa de interesses patrimoniais privados deixa de exercer função
pública.
a) I e II
b) I e III
c) III e IV
d) I, II e III
e) II, III e IV
QUESTÃO 06
Observe a charge e a notícia trazidas abaixo:
68
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Cármen manda Goiás fornecer remédio a criança com atrofia muscular Tribunal de
Justiça Estadual já havia dado liminar para que a Secretaria de Saúde bancasse o tratamento
prescrito por médico que alertou para a possibilidade de morte da paciente, caso não fosse
iniciado.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou
pedido do Estado de Goiás para que fossem suspensos os efeitos de uma liminar deferida pela
Justiça goiana que determinou ao secretário de Estado da Saúde fornecer a uma criança o
medicamento Spinraza (nusinersen), para tratar de atrofia muscular espinhal. Ao indeferir
liminar na Suspensão de Segurança 5192, a ministra afirma que a concessão da medida
“configuraria dano inverso” e poderia levar à morte da menor, que nasceu em setembro do
ano passado.
Fonte: Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/carmen-manda-goias-fornecer-
remedio-a-crianca-com-atrofia-muscular/>.
69
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
70
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ANTROPOLOGIA GERAL
71
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ANTROPOLOGIA GERAL
A partir desta seção, seguiremos dialogando com outro campo disciplinar das Ciências
Sociais: a Antropologia que, assim como a Sociologia, agrega uma quantidade muito
significativa de conhecimentos para os profissionais do Direito. Adotaremos a mesma
perspectiva desenvolvida na primeira parte deste módulo, concentrando os esforços iniciais
em apreender o método e objeto dos estudos antropológicos; seu processo histórico de
consolidação enquanto uma ciência humana e social, perpassando pelas contribuições das
suas principais escolas e destacando alguns de seus principais conceitos.
72
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
3.1 A CONSTITUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA ENQUANTO
CIÊNCIA
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(Oswald de Andrade)
Oswald de Andrade, grande escritor brasileiro do século passado, buscou, neste escrito,
relatar a delicada relação entre os índios nativos e os brancos portugueses quando da
colonização do Brasil, destacando todo um processo de imposição cultural, em que os verbos
vestir e despir sugerem uma relação de poder entre um povo dominante e aquele que viria a
ser dominado. Este é, decerto, um exemplo bastante emblemático da história do nosso país,
mas não configura um caso isolado. Em toda a história da humanidade, incontáveis contatos
entre povos de culturas distintas puderam ser observados, envolvendo, em muitos deles,
guerras épicas com muita dor e sofrimento.
Neste caminho, a Antropologia começa a se constituir como uma ciência humana e
social voltada para o conhecimento da diferença e da alteridade, interessando-se sobremaneira
por valores, regras, tradições, crenças, símbolos e tudo o mais que revele o ser humano em sua
inteireza. Assis e Kümpel (2011, p. 14), utilizando a categoria homem como sujeito universal,
afirmam que “os antropólogos, de modo geral, entendem que a antropologia visa conhecer o
homem inteiro, o homem em sua totalidade, isto é, em todas as sociedades e em todos os
grupos humanos.”
Laraia (2005a) explica que a Antropologia surgiu no início do século XIX como uma
ciência natural, influenciada pelas ideias biológicas desenvolvidas ao longo do século XVIII e
que tiveram seu ápice com a publicação da obra Origem das Espécies, de Charles Darwin, em
1849. Naquele momento, foi “definida como a ciência comparativa do homem, que trata de
suas diferenças e das causas das mesmas, no que se refere à estrutura, função e outras
manifestações da humanidade, segundo o tempo variedade, lugar e condição.” (LARAIA,
2005a, p. 322). Somente na sexta década do século XIX que a Antropologia começou a se
73
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
transformar em uma ciência social, principalmente em razão dos trabalhos de teóricos
evolucionistas britânicos, num processo que se consolidou já no século XX, com o
desenvolvimento da teoria da cultura.
Saiba mais sobre a trajetória da Antropologia lendo o artigo completo do Professor Roque
de Barros Laraia. Segue a referência:
LARAIA, Roque de Barros. Da ciência biológica à social: a trajetória da antropologia no
século XX. Habitus, Goiânia, v. 3, n. 2, p. 321-345. Jul./dez. 2005.
74
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Os cientistas do século XIX já demonstravam preocupação com as diferentes expressões
culturais observadas entre os agrupamentos humanos, o que se consolidou e fez com que
defendamos o estudo do outro, da diferença, como o objeto da Antropologia, assim como
demonstra a figura 7. Em outras palavras, podemos dizer que o objeto de estudo da
Antropologia é a alteridade humana.
Alteridade é a qualidade do que é diferente e tal conceito guarda relação direta com o
processo de interação e socialização humana no convívio entre o “eu” e o “outro”. Por isso
dizer que a Antropologia pressupõe um retorno reflexivo: busca-se conhecer os outros
para conhecer a si próprio.
Sobre o método utilizado na Antropologia, dedicaremos uma seção futura para o seu
detalhamento. Por agora, basta dizer que os estudos etnográficos pressupõem um rico
trabalho de campo, consubstanciado na inserção do sujeito cognoscente no universo
pesquisado de maneira ativa e por um lapso temporal considerável.
A figura 7 aponta ainda o conceito de evolução como paradigma norteador da
Antropologia. Segundo Siqueira (2007), evolução significa:
Para fechar essas notas introdutórias acerca da Antropologia, é importante lhe informar
que esta ciência também apresenta ramificações, a partir do modo como se desenvolvem os
problemas e as técnicas para a produção do conhecimento. Os cientistas sociais tendem a
identificar três áreas de produção antropológica: antropologia biológica, antropologia social e
cultural e arqueologia. Veja o quadro a seguir para melhor entender o foco atribuído por cada
uma dessas áreas:
Quadro 7 - Três Áreas de Produção Antropológica
75
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3.2 ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS
Acabamos de ver que a Antropologia se encontra dividida em três grandes áreas, sendo
que é a Antropologia Social e Cultural a que mais nos interessa enquanto estudantes de
Direito. Assim, a partir deste momento, voltaremos o nosso olhar para esta ramificação
específica, analisando as contribuições dos seus principais teóricos, aqui separados pelas
correntes de pensamento a que se filiaram.
A primeira escola do pensamento antropológico a se consolidar, ainda na segunda
metade do século XIX, foi denominada de Evolucionismo Social (ou Evolucionismo Cultural,
como preferem alguns autores). Embora a ideia de evolução como explicação para a
diversidade de culturas humanas não seja uma decorrência direta da noção de evolução
biológica, como faz questão de acentuar Castro (2005a), o pensamento de Charles Darwin
sobre a origem das espécies exerceu forte influência na construção do pensamento dos
seguidores dessa escola clássica.
Darwin argumentava que todas as espécies a que se tinha conhecimento passaram por
um lento desenvolvimento que seguia de formas de vida anteriores em um processo de seleção
natural, pela qual se evidenciava a capacidade que certos seres vivos possuíam de sobreviver
ao longo do tempo, adaptando-se às circunstâncias impostas pelo meio. Ademais, segundo
Castro (2005a), nos idos de 1870, as pessoas letradas da Europa e da América do Norte já
aceitavam a ideia de evolução lançada por Darwin, associando-a ainda à noção de progresso,
que possibilitava a tese de uma hierarquia linear como princípio mais básico e geral dessa
corrente de pensamento.
A ideia de evolução, contudo, já havia sido defendida anteriormente pelo filósofo inglês
Herbert Spencer. A grande diferença entre o pensamento dos dois autores citados pode ser
compreendida a partir do enxerto a seguir:
Com base nessa ideia, os teóricos do evolucionismo social, entre os quais destacamos
Lewis Morgan, Edward Tylor e James Frazer, defendiam que os grupos humanos se
desenvolveram mais ou menos rapidamente em uma mesma direção, partindo de estágios
mais simples para estágios mais complexos, orientados pelas tecnologias utilizadas para a
76
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
produção da sobrevivência material, da organização política e familiar e da concepção de
propriedade. Desta forma, trabalhavam com uma noção de que todas as sociedades que
existiram no passado como as que conviviam contemporaneamente partiram de um mesmo
estágio evolutivo e propuseram um conceito de cultura única, sendo as diferenças existentes
entre os povos explicadas pelo pertencimento aos diferentes estágios de evolução.
Pense em situações do seu cotidiano que poderiam ser configuradas como uma clara
posição de intolerância e etnocentrismo.
Nos anos seguintes, principalmente a partir dos trabalhos do geógrafo e físico alemão
Franz Boas, desenvolveu-se uma nova tradição do pensamento antropológico intitulada
Escola Americana de Antropologia ou Culturalismo. Seus expoentes fizeram uma dura
oposição aos pressupostos evolucionistas, abandonando a perspectiva de uma cultura única
em diferentes estágios de evolução para propor pensar um relativismo cultural, segundo o
qual não era possível compreender, interpretar ou avaliar de maneira consistente os
fenômenos sociais senão com base no papel que eles desempenhavam no sistema cultural.
Para os adeptos desta escola, cada cultura poderia seguir um rumo particular, devendo o
antropólogo se ocupar em analisar os processos sociais que fazem com que determinada
77
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
cultura adquira a sua forma. O interesse, portanto, já não era mais o de construir um grande
esquema explicativo que abarcasse todas as culturas humanas, mas o de questionar a
variedade e os processos de mudança cultural.
No mais, como chama atenção Castro (2005b), a crítica de Boas ao evolucionismo
voltou-se mais diretamente ao seu método do que à teoria propriamente dita. Para ele, antes
de consignar que fenômenos sociais aparentemente semelhantes tivessem causas em comum,
era necessário investigar se eles não teriam se desenvolvido de maneira independente ou sido
transmitidos de um povo para outro. Neste sentido, Boas propõe um novo método para a
pesquisa antropológica, que ficou conhecido como particularismo histórico.
78
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
simples quanto nas modernas sociedades capitalistas, é o social – o fato social como
instituição coletiva – que exerce um poder determinante sobre o pensar, o sentir e o agir dos
indivíduos.
Os estudos dessa escola antropológica foram inicialmente impulsionados por nomes
como Émile Durkheim e Marcel Mauss. Porém, a partir da segunda metade do século XX, o
seu grande expoente passa a ser Claude Lévi-Strauss.
79
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3.3 O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA
O conceito de cultura é, deveras, uma das principais ferramentas analíticas das ciências
sociais, ocupando um lugar de extrema importância nos estudos antropológicos e também de
áreas afins, como o Direito, que deles se apropriam para a melhor compreensão de seus
objetos. Por essa razão, nas linhas seguintes, apresentamos uma apertada síntese sobre a
conceito de cultura e de suas aplicações.
De pronto, cabe registrar que definir cultura não é uma tarefa das mais fáceis, haja vista
se tratar de um termo polissêmico, ou seja, que informa sobre uma grande variedade de
sentidos e abordagens.
De acordo com Assis e Kūmpel (2011), o termo cultura tem, inicialmente, dois
significados básicos. Primeiro, diz respeito à formação individual da pessoa humana. Depois,
indica um conjunto de obras humanas, isto é, modos de vida criados, adquiridos e
transmitidos de geração a geração em uma dada sociedade. “Nesse significado, cultura não é a
formação do indivíduo em sua humanidade, mas é a formação coletiva e anônima de um
grupo social nas instituições que o definem.” (ASSIS, KÜMPEL, 2011, p. 236).
Esta noção de cultura já começa a ser desenhada no século XVIII com a filosofia
iluminista, mas ganha relevos mais científicos no século XIX com Edward Tylor, antropólogo
evolucionista que, em sua obra Cultura Primitiva (1871), definiu cultura ou civilização (para
este autor eram sinônimos), no seu amplo sentido etnográfico, como um “todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” Neste sentido, como
destaca Laraia (2005b, p. 25), a proposta conceitual defendida por Tylor “abrangia em uma só
palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de
aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos
biológicos.”
Após a formulação de Tylor, outros pesquisadores seguiram ofertando definições para o
termo cultura. Veja o quadro a seguir, construído a partir da obra de Assis e Kümpel (2011), a
fim de conhecê-las minimamente:
Quadro 8 – Conceito de Cultura Segundo Pesquisadores
CONCEITO DE CULTURA
80
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Franz Boas A totalidade das reações e atividades mentais e físicas
que caracterizam o comportamento dos indivíduos que
formam uma sociedade.
Bronislaw Malinowski Composto integral de instituições semiautônomas e
coordenadas que, no seu conjunto, busca satisfazer as
necessidades do grupo social.
Talcott Parsons Discurso simbólico coletivo sobre conhecimentos,
valores e crenças.
Clifford Geertz Sistema ordenado de significados e símbolos, que
servem aos indivíduos para a definição do seu mundo,
bem como para o controle do comportamento.
Deste modo, podemos dizer que por cultura se entende o modo particular da existência
humana, sendo o que distingue o ser humano dos demais animais. Quando, em Antropologia,
a palavra cultura é utilizada, quer se referir ao modo como os indivíduos pensam e se
comportam com base em códigos ou lógicas simbólicas muitas vezes inconscientes.
Por ser considerada o que distingue os seres humanos dos demais animais, o binômio
natureza x cultura emerge como uma das mais significativas oposições no quadro do
pensamento das Ciências Sociais. Nesta oposição, os seres humanos são vistos como seres
culturais, enquanto os demais animais são considerados seres naturais.
Tendo definido cultura, outra preocupação bastante evidente entre os antropólogos foi
a de estabelecer a sua origem, ou seja, fixar o momento em que os seres humanos apartaram-
se da natureza, fazendo surgir o mundo social. Nas palavras de Laraia (2005b, p. 53), “como o
homem adquiriu este processo extra-somático que o diferenciou de todos os animais e lhe deu
um lugar privilegiado na vida terrestre?”
Este autor destaca duas correntes principais. Por um lado, Lévi-Strauss defendeu que a
cultura surgiu no momento em que a primeira norma foi convencionada pelos homens. Em
sua visão, esta teria sido a lei de proibição do incesto, um comportamento até então comum
às sociedades humanas. Por outro lado, Leslie White sustentou que a transição da natureza
81
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
para a cultura se deu no momento em que o cérebro humano foi capaz de gerar símbolos.
(LARAIA, 2005b).
82
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Sendo assim, os autores advogam que todas as sociedades, sejam elas simples ou
complexas, estão sujeitas a processos culturais, que podem ser compreendidos a partir de seus
aspectos sincrônicos e diacrônicos.
Quando nos referimos ao processo cultural em seu aspecto sincrônico, pensamos nas
circunstâncias que visam promover uma estabilização da cultura, isto é, a consolidação dos
valores, crenças, costumes e hábitos de determinado grupo social, sobretudo pela atuação das
chamadas instituições sociais, como a família, a escola, a igreja, entre outras. Elas são as
principais responsáveis pela transmissão dos valores cultuados, visando conduzir o
comportamento humano para o padrão médio esperado.
Na Antropologia, o processo de aprendizagem/transmissão de uma cultura, pelo qual se
estrutura o condicionamento da conduta humana e a estabilização da cultura, é chamado de
endoculturação. “A endoculturação é, nesse sentido, um aspecto sincrônico importante, na
medida que possibilita a manutenção do padrão cultural de uma sociedade.” (ASSIM;
KÜMPEL, 2011, p. 251).
Quando diante dos aspectos sincrônicos, a cultura pode ser entendida como um
instrumento de controle social, pois as práticas culturais acabam por exercer uma certa
coerção sobre os sujeitos.
83
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Já a difusão cultural ou aculturação, como alguns antropólogos costumam se referir,
pressupõe o processo de transmissão de elementos de uma sociedade para outra. “É a fusão de
duas culturas diferentes que, entrando em contato contínuo, originam mudanças nos padrões
da cultura de ambos os grupos.” (ASSIS; KÜMPEL, 2001, p. 254). Esses processos,
hodiernamente, são facilitados pela globalização, o avanço tecnológico e os fluxos migratórios.
A seguir, apresentamos um mapa mental que sintetiza a discussão produzida neste
tópico sobre processo cultural:
Assista ao filme Flor do Deserto, disponível no YouTube, que conta a história da modelo
somali Waris Dirie e sua luta contra a mutilação genital feminina. A partir disso, reflita
sobre os processos culturais e como esta questão pode ser pensada a partir do embate
cultura x direito.
84
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
TRABALHO DE CAMPO
Você se lembra que, no início desta unidade, prometemos discutir com mais
profundidade o método de estudo da Antropologia? Então, finalizaremos esta etapa com um
diálogo sobre o trabalho de campo.
Até a segunda metade do século XX, os antropólogos valiam-se fundamentalmente dos
relatos de viajantes, missionários e administradores para produzir seus escritos, em um
momento que ficou conhecido como antropologia de gabinete. Por vezes, os antropólogos
elaboravam um extenso questionário e enviavam para que fossem aplicados por esses sujeitos
junto aos membros da comunidade investigada. Mantinha-se, assim, uma distância entre
pesquisador e pesquisado.
A carta enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel, é o documento
que registra as impressões sobre a terra recém-descoberta e pode ser apontada como um
bom exemplo de relato a embasar um estudo antropológico nos termos da chamada
antropologia de gabinete.
Contudo, conforme adverte Siqueira (2007), naquele momento, além dos relatos serem
de segunda ordem, a maior parte dos pesquisadores advinham de outras áreas do
conhecimento, de modo que os dados referentes aos costumes dos nativos restavam
negligenciados, impondo, assim, a necessidade de um controle maior na produção de dados
no campo.
Diante dessas fragilidades, o processo de institucionalização da moderna Antropologia e
a própria complexificação das sociedades acarretaram alterações significativas no método dos
estudos antropológicos:
[...] a antropologia mudou as condições históricas para “fazer
antropologia” [...] no momento em que se começou a fazer antropologia
nas “sociedades complexas”. Sua metodologia não podia não deixar de
mudar, por essa razão se geraram novos modos de realizar o trabalho de
campo. (SIQUEIRA, 2007, p. 136).
Assim, já nos primeiros anos do século XX, alguns estudos passaram a ser
confeccionados incorporando novas características que viriam a configurar um novo fazer
etnográfico, pautado sobretudo no estudo intensivo de áreas limitadas e a convivência por
85
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
longos espaços de tempo com as comunidades investigadas, no intuito de alcançar o ponto de
vista do nativo.
O principal responsável por estruturar o trabalho de campo como método por
excelência da Antropologia foi Bronislaw Malinowski.
Fotografia 6 – Bronislaw
Malinowski
Bronislaw Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês a
quem se atribui a responsabilidade por estruturar o trabalho
de campo como método por excelência dos estudos
antropológicos. Em sua obra intitulada Os Argonautas do
Pacífico Ocidental (1922), promove um detalhamento de
como o trabalho de campo deveria ser produzido no futuro.
86
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Um bom exemplo de trabalho etnográfico é o desenvolvido pela antropóloga norte-
americana Margaret Mead e apresentado na obra Sexo e Temperamento (1935). Nele, a
antropóloga faz um relato sobre a vida íntima de três sociedades simples da Nova Guiné,
pondo em xeque os conceitos tradicionais de masculinidade e feminilidade. Para a autora,
não há relação direta entre sexo, conduta social e personalidade.
Uma nota final: está mais ou menos sedimentado no imaginário social uma ideia de que
a Antropologia se dedica exclusivamente ao estudo de sociedades distantes, o que não é
verdade. É plenamente possível o estudo de grupos sociais próximos, inclusive daquele em que
estamos inseridos. Neste sentido, como alude Roberto DaMatta (1978, p. 4), grande
antropólogo brasileiro contemporâneo, é preciso “(a) transformar o exótico em familiar e/ou
(b) transformar o familiar em exóticos”. Ou seja, é necessário promover o estranhamento das
regras sociais que nos são próximas para enxergar o diferente no que está enraizado em nós
pelos mecanismos de estabilização cultural.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
CASTRO, Celso. Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
87
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
QUESTÃO 01
(ENADE 2017) “Às vezes ficava pensando se simplesmente estar parado na esquina seria
um processo suficientemente ativo para ser dignificado pelo termo “pesquisa”. Talvez devesse
fazer perguntas a esses homens. No entanto, é preciso aprender quando perguntar e quando
não perguntar, e também que pergunta fazer. No dia seguinte, Doc explicou a lição da noite
anterior, “Vá devagar Bill, com essa coisa de ‘quem’, ‘o quê’, ‘por quê’, ‘quando’, ‘onde’. Você
pergunta essas coisas e as pessoas se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por
perto e saberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as perguntas”.
WHYTE, W. F. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (adaptado)
QUESTÃO 02
(ENEM 2013) Leia o texto a seguir:
88
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
(fragmento).
QUESTÃO 03
(UNICENTRO 2016) Na atualidade, existe um processo amplo de mudanças que está
deslocando as estruturas e os processos centrais das sociedades e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. As nações
modernas são, todas, híbridos culturais. Com base nos conhecimentos socioantropológicos
sobre cultura e identidade na contemporaneidade, considere as afirmativas a seguir.
89
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
QUESTÃO 04
(UNICENTRO 2015) Observe a imagem a seguir:
QUESTÃO 05
(ENADE 2017) Os princípios do método de trabalho de campo da antropologia podem
ser agrupados em três itens principais: em primeiro lugar, como é óbvio, o investigador deve
guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos, e conhecer as normas e critérios da
etnografia moderna; em segundo lugar, deve providenciar boas condições para o seu trabalho,
90
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
o que significa, em termos gerais, viver efetivamente entre nativos, longe de outros homens
brancos; finalmente, deve recorrer a um certo número de métodos especiais de recolha,
manipulando e registrando suas provas.
MALINOWSKI, B. Os argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos
nativos nos arquipélagos da Nova Guiné malinésia. São Paulo: Abril Cultural,
1978. (adaptado).
QUESTÃO 06
(ESTÁCIO 2008) Leia o texto a seguir:
Somos europeus!!!!
Os ingleses não gostam de estrangeiros, de um modo geral, mas gostam menos ainda
dos paquistaneses. Os espanhóis têm horror aos ciganos, assim como os alemães, húngaros e
búlgaros. Os poloneses detestam os alemães e os ucranianos. Os ucranianos, por sua vez, têm
ojeriza aos georgianos e aos armênios. Os lituanos preferem ver os poloneses pelas costas. E os
franceses ficariam felizes se os imigrantes argelinos, tunisianos e marroquinos voltassem para
o Norte da África. De maneira resumida, seria esse o panorama atual na grande Europa,
conforme os resultados da pesquisa mais ampla feita até agora sobre a situação do racismo no
continente. A sondagem, envolvendo 13 mil pessoas em 12 países, foi feita pelo grupo norte-
americano Times Mirror Center e deixou assustadas as organizações de defesa e proteção das
minorias étnicas.
Mais grave do que os violentos incidentes que começam a acontecer por todos os lados
seria — na opinião dessas organizações — a complacência dos políticos diante do fenômeno.
91
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
É cada vez maior o número daqueles que, para não desagradar o eleitorado e garantir seus
mandatos, preferem ficar calados e fingir que o problema não existe.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em reportagem de 20/9/2006.
92
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ANTROPOLOGIA JURÍDICA
93
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ANTROPOLOGIA JURÍDICA
Chegamos à última unidade do nosso curso, cuja intenção é discutir os principais pontos
de toque entre a Antropologia e o Direito, ou seja, o que vem sendo produzido teoricamente no
campo da Antropologia Jurídica. Você já consegue imaginar como a Antropologia pode ser útil
para a interpretação de fenômenos jurídicos? Qual função a Antropologia Jurídica exerce e qual
o seu objeto de estudo? Antes de adentrar neste debate, pedimos que você reflita sobre a
situação narrada a seguir:
Em 2005, o caso das crianças Sumawani e Ignani, ambas do povo Zuruahã (AM), ganhou
grande repercussão a nível nacional, aquecendo o debate sobre o infanticídio indígena.
Sumawani nasceu intersexo e Ignani com paralisia cerebral. Por conta disso, pela tradição
Zuruahã, elas deveriam ser deixadas na floresta para morrer. As mães das crianças
chegaram a abandoná-las, mas elas foram salvas por suas avós. A luz do direito e dos
estudos antropológicos, como você se posiciona em relação ao caso?
94
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO
Neste sentido, Robert Shirley (1987) propõe uma distinção entre antropologia legal,
antropologia jurídica e direito comparado. Como se observa na imagem a seguir (figura 9), a
antropologia legal seria o termo utilizado para designar o ramo dos estudos antropológicos
dedicado às sociedades simples e o seu direito primitivo correspondente, enquanto a
antropologia jurídica se concentraria nas sociedades complexas e suas modernas instituições de
direito. Já o direito comparado uniria as duas vertentes anteriores, procurando proceder com
uma comparação entre sistemas jurídicos.
Você sabe o que significa pluralismo jurídico? O termo já é bastante elucidativo, mas
vamos qualificar teoricamente esta definição.
Comumente se observa a identificação do direito como algo que emana de uma
instituição legalmente instituída – o Estado, dentro de uma tradição que se convencionou
chamar de monismo ou centralismo jurídico, largamente difundida com as teses positivistas.
Conforme Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 206), “o Estado moderno se assenta no
pressuposto de que o direito opera segunda uma única escala, a escala do Estado.”
Entretanto, nas últimas décadas, tem sido cada vez mais aceita a tese de que o Estado não
dispõe do monopólio da formulação das leis, fazendo crescer, entre antropólogos e sociólogos
do direito, uma preocupação com outras formas de regulamentação da vida em sociedade.
Chamamos de pluralismo ou policentrismo jurídico a “teoria que sustenta a
coexistência de vários sistemas jurídicos no seio de uma mesma sociedade” (SABADELL, 2010,
p. 139). Neste sentido, para que haja pluralismo jurídico, faz-se necessária a existência
simultânea de duas ou mais normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, advindas de fontes
distintas do sistema a qual pertencem.
Vedovato (2012) nos lembra que, para a configuração do pluralismo jurídico, não se
observa a dimensão da eficácia das normas envolvidas, uma vez que, em regra, apenas uma será
aplicada. Também, assegura que boa parte do direito não estatal somente aparece por conta da
omissão do Estado quando da distribuição da justiça.
Ademais, para proceder com o estudo do pluralismo jurídico, é preciso levar em conta
dois fatores: a concepção de direito adotada, sendo que quanto mais ampla for maior será a
possibilidade de encontrar pluralismo de ordenamentos jurídicos; e a situação específica de
cada sociedade e período histórico, pois, no passado, tanto experiências de pluralismo como de
centrismo jurídico puderam ser observadas. (SABADELL, 2010).
97
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Antes de seguirmos na discussão, você consegue identificar alguma situação presente na
sociedade brasileira que pode configurar pluralismo jurídico?
Sabadell (2010) indica que, nos últimos anos, uma série de análises sobre o pluralismo
jurídico foram realizadas, fazendo surgir quatro concepções principais. Com base em seu texto,
criamos o quadro a seguir no intuito de lhe apresentar uma síntese sobre elas:
Não é demais lembrar que Santos (2002, p. 290) parte de uma concepção ampliada de
direito, entendendo-o como “um corpo de produção de procedimentos regularizados e de
padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social”. Em sua leitura, este
direito “contribui para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução através de um
dissenso argumentativo, articulado com a ameaça da força.”
Na figura 11, você conhecerá as seis formas de poder e direito propostas por Santos
(2002):
Figura 10 – Ordenamentos Jurídicos e Formas de Poder
Aproveitamos esse espaço para lhe explicar as formas de poder dispostas na figura 11. Por
poder patriarcal, Santos (2002) entende aquele exercido pelos homens no espaço doméstico. A
exploração seria o poder exercido no espaço de produção pelos detentores dos meios de
99
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
produção, enquanto a alienação direciona o comportamento das pessoas por valores do
consumismo. Já a diferenciação como forma de poder dá conta do âmbito das comunidades
por meio da exclusão dos tidos como diferentes. A dominação relaciona-se com o poder
político do Estado e, por fim, o direito sistêmico, também chamado de direito das relações
internacionais, tem como forma de poder correspondente a troca desigual, que os países mais
fortes exercem nas relações internacionais.
100
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.3 DIREITO E RELAÇÕES DE GÊNERO
Assista ao curta metragem O xadrez das cores, disponível no YouTube. O filme é uma
produção de 2004, dirigido por Marco Schiavon. A partir dele, tente perceber como
gênero, raça e classe se intersectam, criando condições de vida diversas para as
protagonistas. Link para acesso: <https://youtu.be/NavkKM7w-cc>.
Neste primeiro momento, nosso olhar se voltará para as questões de gênero e as suas
conexões com o direito. E por que precisamos falar sobre isso?
Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que,
no Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada uma hora e meia, sendo que, na maioria
dos casos, essa mulher já estava inserida em um ciclo que incluía outras formas de violência. O
Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima ainda que o país registra o estupro de uma
mulher a cada onze minutos.
101
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
A LGBTIQfobia também produz e reproduz violências e vidas precarizadas. O Brasil é o
país que mais mata travestis e pessoas transexuais. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia,
somente em 2016, foram 127 casos registrados, ou seja, um a cada três dias, o que faz com que a
expectativa de vida dessas pessoas gire em torno dos 35 anos, bem aquém da média nacional,
atualmente fixada em 75 anos. Essas são apenas algumas situações para ilustrar o quanto gênero
é uma categoria fundamental para a análise de nossas relações sociais.
Aqui, frise-se, referimo-nos a gênero como conceito cunhado no âmbito dos estudos
feministas, que adquire um significado específico, bem distante dos usos variados feitos no
discurso do senso comum. No final da década de 1980, muitas teóricas feministas passaram a
utilizar o termo gênero para designar a organização social da relação entre os sexos, rejeitando
o determinismo biológico com o qual a questão costumava a ser tratada.
Segundo Scott (1995), gênero pode ser entendido como uma categoria analítica que
reconhece as diferenças existentes entre homens e mulheres como socialmente construídas e
firmadas a partir de relações de poder. Diz ela:
Nos anos seguintes, o conceito de gênero ganha ampla repercussão nos estudos
acadêmicos, porém, em nosso cotidiano, ainda é bastante comum perceber indivíduos fazendo
confusão entre termos como sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Você saberia
diferenciá-los?
Por sexo, entendemos os marcadores anatomofisiológicos que definem os machos e as
fêmeas da espécie humana, portanto, são marcadores biológicos. Já a identidade de gênero
envolve um aspecto sociocultural e histórico, no sentido do que é definido como características
masculinas e femininas, bem como uma dimensão psicológica, no sentido de como o sujeito se
102
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
enxerga dentro (ou mesmo fora) dessa lógica; ou seja, como ele identifica e se apresenta. Por
fim, a orientação sexual diz respeito à inclinação da pessoa na esfera afetiva, amorosa e sexual,
é dizer, por qual gênero ela se sente atraída. A figura 11, extraída do Portal FalaFreud, sintetiza
bem essa discussão:
Figura 11 - Diferença entre Sexo, Identidade de Gênero e Orientação Sexual
Feitas as distinções, uma nova pergunta poderia ser lançada: por que essa compreensão é
importante para o direito?
Conforme alude Sabadell (2010), há algumas décadas, pesquisadoras feministas passaram
a estudar a possível contribuição do sistema jurídico para a perpetuação de violações aos
direitos das mulheres e, podemos acrescentar, de outros sujeitos que assumem identidades de
gênero tidas como “desviantes”, concluindo que o direito produz e retroalimenta uma lógica
androcêntrica e heteronormativa.
Na linha desse entendimento, Olsen (2000) informa que, desde o surgimento do
pensamento liberal clássico, estruturou-se um sistema de pensamento dualista que divide as
coisas em esferas contrastantes ou polos opostos (razão/emoção; natureza/cultura;
objetivo/subjetivo etc.), resultando desse sistema três importantes características, a saber: 1) os
dualismos estão sexualizados, sendo metade considerado masculino e a outra metade feminino;
2) os termos dos dualismos não são iguais, constituindo uma hierarquia em que, em cada par, o
termo considerado masculino é considerado como superior e o feminino inferior; e 3) o direito
se identifica com o lado masculino dos dualismos.
103
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Assim, Olsen (2000) sustenta que, mesmo a justiça sendo representada como uma
mulher, segundo a ideologia dominante o direito é masculino e não feminino, supondo que:
Por tal razão, Sabadell (2010, p. 271) aponta que os estudos feministas identificaram
problemas de duas ordens: “primeiro, a existência de normas que discriminam a mulher
(direito “masculino”). Segundo, a aplicação das normas de forma que discrimina as mulheres.”
104
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.4 RAÇA, RACISMO E SISTEMA DE JUSTIÇA
Veja no quadro a seguir um resumo dos critérios utilizados para promover a classificação racial,
segundo Munanga (2004):
105
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quadro 10 – Critérios para Promoção da Classificação Racial
1
“O direito é racional, objetivo, abstrato e universal, assim como os homens se consideram. Pelo contrário,
presume-se que o direito não é irracional, subjetivo ou personalizado, assim como os homens consideram que as
mulheres são.” (Tradução livre).
Schucman (2010) considera como racismo qualquer fenômeno que busque justificar
privilégios, desigualdades materiais e simbólicas entre os seres humanos com base na ideia
de raça.
106
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Segundo Schucman (2010), pensando a realidade brasileira, tem-se que o racismo se
desenvolveu de uma maneira bastante peculiar, dentre outros aspectos, por substituir a noção
de raças pela de cor e aparência física no imaginário coletivo. Assim, partindo da
caracterização feita por Nogueira (1979), distingue o preconceito racial brasileiro como sendo
de “marca”, diferente do vislumbrado em outros países, como nos Estados Unidos, em que se
processa um preconceito racial de “origem”. Perceba essas diferentes concepções na figura 12,
trazida a seguir:
Figura 12. Racismo de Marca e Racismo de Origem
Logo a seguir, vamos expor dois exemplos que servem bem para ilustrar a estigmatização e
violação de direitos da população negra no país.
O primeiro exemplo dialoga com o conceito de sujeição criminal proposto por Misse
(2014, p. 204), que se refere “a um processo social pelo qual se dissemina uma expectativa
negativa sobre indivíduos e grupos, fazendo-os crer que essa expectativa não só é verdadeira
como constitui parte integrante de sua subjetividade”. Neste sentido, ocorre um processo de
incriminação antes mesmo do cometimento do delito, em que o suspeito por excelência é o
indivíduo negro, geralmente associado à ideia de desordem.
107
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
A segunda situação diz respeito à seletividade observada no sistema de justiça criminal,
no qual os negros são tratados como alvos preferenciais das agências de controle social, quer
seja na maior representação da população carcerária, quer seja nos índices de vitimização
experimentados sobretudo pelos jovens negros das periferias dos grandes centros urbanos em
ações policiais.
Que outras situações você consegue lembrar em que é possível pensar o racismo em
relação ao sistema de justiça brasileiro? Pesquise, anote em seu caderno e discuta com os
seus colegas de sala e seu professor presencial.
108
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
a) VVV
b) VFV
c) FVV
d) VVF
e) FFF
109
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
da República.
b) A ordem jurídica liberal democrática permitiu ascensão dos negros e dos índios na
sociedade brasileira, como demonstram as ciências humanas.
c) A demarcação de reservas indígenas é acontecimento recente, que não deve ser
associado a elementos históricos.
d) O reconhecimento da titularidade das terras remanescentes de quilombos inscreve-
se no processo histórico das transformações das sociedades humanas.
e) A ordem jurídica é fenômeno autônomo que não se contamina com a dinâmica
social e histórica.
(ENADE 2009 - Adaptada) Texto 1: “Diadorim vinha constante comigo. Que viesse
sentido, soturno? Não era, não, isso eu é que estava crendo, e quase dois dias enganoso cri.
Depois, somente, entendi que o emburro era mesmo meu. Saudade de amizade. Diadorim
caminhava correto, com aquele passo curto, que o dele era, e que a brio pelejava por espertar.
Assumi que ele estava cansado, sofrido também. Aí mesmo assim, escasso no sorrir, ele não
me negava estima, nem o valor de seus olhos. Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que,
só de calcar o pé na terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa ideia, que me dava, era do
carinho meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava
Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.”
ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Fronteira, 1985.
Texto 2: “É neste sentido que se afirma que a moralidade que o Direito visa garantir e
promover no Estado Democrático de Direito não é a moralidade positiva – que toma os
valores majoritariamente vigentes como um dado inalterável, por mais opressivos que sejam –
mas a moralidade crítica. É a moral que não se contenta em chancelar e perpetuar todas as
concepções e tradições prevalecentes numa determinada sociedade, mas propõe-se à tarefa de
refletir criticamente sobre elas, a partir de uma perspectiva que se baseia no reconhecimento
da igual dignidade de todas as pessoas.” (Petição inicial da ADPF 178).
110
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
a) O argumento da eficácia jurídica, que afirma a necessidade de o Direito refletir
sobre a sociedade.
b) O argumento majoritário, que impõe ao Direito acompanhar o comportamento da
maioria das pessoas.
c) O argumento do positivismo jurídico, que considera a lei como moral positiva.
d) O argumento da dignidade humana, que impõe reconhecimento da igual dignidade
de todas as pessoas.
e) O argumento da moral, que deve chancelar as tradições prevalecentes na sociedade.
(ENADE 2008) As melhores leis a favor das mulheres de cada país-membro da União
Europeia estão sendo reunidas por especialistas. O objetivo é compor uma legislação
continental capaz de contemplar temas que vão da contracepção à equidade salarial, da
prostituição à aposentadoria. Contudo, uma legislação que assegure a inclusão social das
cidadãs deve contemplar outros temas, além dos citados. São dois os temas mais específicos
para essa legislação:
(CESPE 2013 - Adaptada) Acerca do pluralismo jurídico, julgue os itens que se seguem
em Certo ou Errado:
111
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
(ENADE 2016 – Adaptada) A pessoa trans precisa que alguém ateste, confirme e
comprove que ela pode ser reconhecida pelo nome que ela escolheu. Não aceitam que ela se
autodeclare mulher ou homem. Exigem que um profissional de saúde diga quem ela é. Sua
declaração é o que menos conta na hora de solicitar, judicialmente, a mudança dos
documentos.
Disponível em: <http://www.ebc.com.br>. Acesso em: 31 ago. 2017 (adaptado).
Usava meu nome oficial, feminino, no currículo porque diziam que eu estava
cometendo um crime, que era falsidade ideológica se eu usasse outro nome. Depois fui
pesquisar e descobri que não é assim. Infelizmente, ainda existe muita desinformação sobre os
direitos das pessoas trans.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com>. Acesso em 31 ago. 2017 (adaptado).
Uma vez o segurança da balada achou que eu tinha, por engano, mostrado o RG do meu
namorado. Isso quando insistem em não colocar meu nome social na minha ficha de
consumação.
Com base nessas falas, discorra sobre a importância do nome para as pessoas
transgêneras e, nesse contexto, proponha uma medida, no âmbito das políticas públicas e dos
pressupostos jurídicos, que tenha como objetivo facilitar o acesso dessas pessoas à cidadania.
112
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
GLOSSÁRIO
113
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Inamovibilidade: que é inamovível. No sentido aqui empregado, á a garantia conferida aos
magistrados e aos membros do Ministério Público de não serem transferidos, exceto por
motivo de relevante interesse público.
Incesto: relação sexual entre membros de uma família ou entre parentes.
Intersexo: termo utilizado para designar qualquer variação de caracteres sexuais do ser
humano (cromossomos, gônadas e/ou órgãos genitais), que dificultam a identificação total do
indivíduo dentro das definições tradicionais de sexo masculino e feminino.
Paradigma: define um modelo ou um exemplo típico. É a representação de um padrão a ser
seguido.
Póstuma: que acontece após a morte de alguém.
Queer: palavra em inglês que significa excêntrico, “estranho”. Nos estudos de gênero, designa
pessoas que não seguem o modelo de heterossexualidade compulsória ou do binarismo de
gênero.
Sujeito cognoscente: por cognoscente entende-se aquele que conhece ou tem a capacidade de
conhecer. Assim, sujeito cognoscente é aquele que se lança na busca pelo conhecimento.
Vitaliciedade: qualidade do que é vitalício, ou seja, que dura a vida inteira.
114
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
ASSIS, Olney Queiroz; KÜMPEL, Vitor Frederico. Manual de antropologia jurídica. São
Paulo: Saraiva, 2011.
ATTIÉ JR., Alfredo. A magistratura. In: LEMOS FILHO, Arnaldo et al. Sociologia geral e do
direito. 5. ed. Campinas: Alínea, 2012. p. 400-419.
BARSALINI, Valdemir. A advocacia. In: LEMOS FILHO, Arnaldo et al. Sociologia geral e do
direito. 5. ed. Campinas: Alínea, 2012. p. 370-385.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002.
CASTRO, Celso. Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005a.
. Franz Boas: Antropologia cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005b.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. COMPARATO, Fábio
Konder. A função do advogado na administração da justiça. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993.
COSTA, Ana Alice Alcântara. Gênero, poder e empoderamento das mulheres. Disponível
em: <https://pactoglobalcreapr.files.wordpress.com/2012/02/5- empoderamento-ana-
alice.pdf>. Acesso em 22 jan. 2018.
DAMATTA, Roberto. O ofício de etnólogo ou como ter anthropological blues. In: NUNES,
Edson de Oliveira (Org.). A aventura sociológica: objetividade, paixão, improviso e método
na pesquisa social. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 23-35.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2014.
115
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
______. As regras do método sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
. Cultura: um conceito antropológico. 18. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005b.
LEMOS FILHOS, Arnaldo. O surgimento da Sociologia como ciência. In: LEMOS FILHO,
Arnaldo et al. Sociologia geral e do direito. 5. ed. Campinas: Alínea, 2012. p. 42-54.
LEMOS FILHOS, Arnaldo; PEREIRA JÚNIOR, José de Souza Teodoro. As ciências humanas.
In: LEMOS FILHO, Arnaldo et al. Sociologia geral e do direito. 5. ed. Campinas: Alínea,
2012. p. 16-41.
MARX, Karl. Prefácio à “Contribuições à crítica da economia política”. In: MARX, K.;
ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. v. 1.
MISSE, Michel. Sujeição criminal. In: LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz;
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto,
2014. p. 204-212.
NADER, Paulo. Filosofia do direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. OLSEN, Frances.
El sexo del derecho. In: RUIZ, Alicia E. C. Identidad feminina y discurso jurídico. Buenos
Aires: Biblos, 2000. p. 25-42.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. ROULAND, Norbert.
Nos confins do direito: a antropologia jurídica da modernidade. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
SADEK, Maria Tereza. Estudos sobre o sistema de justiça. In: MICELI, S. O que ler na
ciência social brasileira. São Paulo: ANPOCS, 2002. pp. 233-265.
116
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto
Alegre, p. 71-99, jul./dez. 1995.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015.
SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987. SIQUEIRA, Euler
David. Antropologia: uma introdução. Brasília: Universidade Aberta do Brasil, 2007.
SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Função social do advogado. In: . Introdução crítica
ao direito. 4. ed. Brasília: UNB, 1993.
. Por uma concepção alargada de acesso à justiça. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n.
90, p. 01-14, abr./maio 2008.
VEDOVATO, Luís Renato. O pluralismo jurídico. In: LEMOS FILHO, Arnaldo et al.
Sociologia geral e do direito. 5. ed. Campinas: Alínea, 2012. p. 151-160.
______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
117
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA