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FUNDAMENTOS DE

ANTROPOLOGIA E
SOCIOLOGIA JURÍDICA
FUNDAMENTOS DE
ANTROPOLOGIA E
SOCIOLOGIA JURÍDICA
Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira
IMES
Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano S/C Ltda.

William Oliveira
Presidente

Cristiano Lobo
Diretor de Operações

Valdemir Ferreira
Diretor Administrativo Financeiro

MATERIAL DIDÁTICO

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Anderson Eduardo Carvalho de Oliveira | Autor(a)

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da FTC EAD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...........................................................................................................................7
1 SOCIOLOGIA .............................................................................................................................15
1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS ........................................................................17
1.1.1 Dificuldades metodológicas das ciências humanas ..............................................................21
1.2 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA .................................................................23
1.2.1 A sociologia funcionalista de Émile Durkheim ......................................................................25
1.2.2 A sociologia compreensiva de Max Weber ...........................................................................27
1.3 A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS ...................................................................................................30
1.3.1 Karl Marx e a luta de classes ................................................................................................30
1.3.2 Emile Durkheim e a divisão do trabalho social......................................................................32
1.3.3 Max Weber e o processo de racionalização social ......................................................................34
1.4 PROBLEMAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA SOCIOLOGIA................................................................36
1.4.1 Principais métodos de pesquisa disponíveis .........................................................................37
Atividades complementares...................................................................................................................39

2 SOCIOLOGIA JURÍDICA .............................................................................................................45


2.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA JURÍDICA .............................................................47
2.1.1 Efeitos, eficácia e adequação interna das normas jurídicas ...................................................49
2.2 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: OPERADORES DO DIREITO ............................................53
2.3 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: ACESSO À JUSTIÇA .........................................................59
2.4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DIREITO .................................................................................................62
2.4.1 Desigualdade, mobilidade e a perspectiva da sociologia jurídica ...........................................63
Atividades complementares...................................................................................................................66

3 ANTROPOLOGIA GERAL ............................................................................................................71


3.1 A CONSTITUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA ...........................................................73
3.2 ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS ............................................................................................................76
3.3 O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA ..................................................................................80
3.3.1 Processo cultural .................................................................................................................82
Trabalho de campo.................................................................................................................................85
Atividades complementares...................................................................................................................88

4 ANTROPOLOGIA JURÍDICA ........................................................................................................93


4.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO ........................................................................................................95
4.2 PLURALISMO JURÍDICO.....................................................................................................................97
4.2.1 Concepções atuais do pluralismo jurídico .............................................................................98
4.3 DIREITO E RELAÇÕES DE GÊNERO ..................................................................................................101
4.4 RAÇA, RACISMO E SISTEMA DE JUSTIÇA ........................................................................................105
Atividades complementares.................................................................................................................109
Glossário .. ................................................................................................................................ 113
Referências ............................................................................................................................... 115
APRESENTAÇÃO

Prezado/a estudante,

No século XXI, os efeitos do processo de globalização, os avanços tecnológicos e os


fluxos migratórios experimentados em nossa sociedade, para citar apenas alguns fatores,
impõem a necessidade de um novo perfil para o profissional do Direito, cada vez mais crítico,
flexível, engajado politicamente e capaz de desenvolver análises interdisciplinares. Como
sustenta Reale (2002p. 264), antes de dedicar-se ao problema da norma, entendido como um
problema de tomada de decisão ante o fato, “deve ser habilitado a analisar objetivamente a
realidade social e a explicar os seus elementos e processos, segundo ditames de ciências não-
normativas” , como é o caso da Antropologia e da Sociologia.
A Antropologia e a Sociologia são duas das mais significativas ciências sociais e
humanas, aqui agrupadas com a finalidade de gerar o componente curricular Fundamentos de
Antropologia e Sociologia Jurídica. O objetivo principal deste componente reside em auxiliá-
lo/a na compreensão dos aspectos culturais e das relações sociais e, assim, gerar a competência
de correlacionar fenômenos históricos, políticos, sociais e econômicos com a criação, a
interpretação e a aplicação do direito, valorizando e respeitando as diferenças culturais.
O componente curricular foi organizado em duas partes, que foram divididas em duas
unidades e, para cada unidade, foram fixados quatro conteúdos específicos. Assim, na
primeira parte, dedicaremos os nossos esforços aos estudos sociológicos. Na Unidade 1,
estudaremos a Sociologia Geral, analisando o processo de institucionalização das ciências
sociais e humanas, principalmente da Sociologia, seu método e objeto de estudo, bem como a
contribuição deixada por seus autores clássicos. Na Unidade 2, voltaremos o olhar para o
campo da Sociologia Jurídica, seus pressupostos fundamentais e alguns conteúdos que lhe são
caros: a eficácia das normas jurídicas, a administração da justiça (profissões jurídicas e acesso
à justiça) e a discussão sobre estratificação social e direito.
Já na segunda parte, o foco é dado aos estudos antropológicos, seguindo a mesma lógica
definida na parte anterior, de modo que trataremos, na Unidade 3, da Antropologia Geral, a
partir do seu processo de institucionalização enquanto ciência, seu objeto e método de
pesquisa, bem como as suas principais escolas de pensamento e o conceito de cultura. Por fim,
na Unidade 4, será a vez de aproximar Antropologia e Direito, destacando alguns pontos de
toque que nos parecem mais fundamentais: as discussões em torno do pluralismo jurídico e
das categorias analíticas gênero e raça.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Obviamente, com este componente curricular, não esperamos esgotar todas as
intersecções entre Antropologia, Sociologia e Direito, senão possibilitar um primeiro contato
com o universo das ciências sociais e humanas, ampliando suas possibilidades de análises
teóricas e desenvolvendo o senso crítico necessário para a melhor compreensão dos problemas
jurídicos que se impõem no cotidiano dos profissionais do Direito.
Bons estudos!

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
CONHECENDO OS ÍCONES DO LIVRO

Ao longo da exposição dos conteúdos deste componente curricular, você vai se deparar
com ícones postos para orientar os seus estudos. A seguir, você conhecerá o que significa cada
um deles:

Propõe situações-problemas sobre o conteúdo abordado ao decorrer do texto, no intuito


de promover uma postura crítico- reflexiva sobre a realidade.

Evidencia um conteúdo importante para a compreensão da temática.

São informações ou relatos de experiências relacionados ao conteúdo desenvolvido que


possibilitem o seu melhor entendimento.

Aparecerá sempre ao final de cada unidade temática, com a indicação de material


bibliográfico que ampliam ou reforçam o conteúdo.

Ao longo do módulo, indicaremos produções da “sétima arte” que auxiliam na


compreensão do conteúdo abordado.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
A IMPORTÂNCIA DA ANTROPOLOGIA E DA SOCIOLOGIA JURÍDICA

Neste momento, iniciamos a nossa jornada de estudos acerca dos Fundamentos de


Antropologia e Sociologia Jurídica. Você consegue mensurar a importância do conhecimento
que será aqui produzido para pensar a formulação e a aplicação do direito? Para te preparar
para este grande desafio, pedimos que reflita sobre a questão proposta a seguir:

Pontes de Miranda, grande jurista alagoano morto em 1979, certa feita proclamou: “Quem
só Direito sabe, nem Direito sabe”. Como essa frase repercute para você?

As novas demandas sociais impõem para os futuros profissionais do direito a


necessidade de uma leitura crítico-reflexiva acerca da dinâmica da vida em sociedade, que não
está limitada a um emaranhado de normas jurídicas e suas sistematizações. Vamos entender
um pouco melhor essa discussão, analisando o mapa mental a seguir:

Figura 1 – Mapa Mental das Abordagens Teóricas Para o Estudo do Direito

Fonte: Autoria Própria (2018)

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Se hoje defendemos um novo modelo para a produção de estudos no campo das ciências
jurídicas, que não só contemple uma perspectiva epistemológica, mas também aspectos
axiológicos, este não foi o paradigma sustentado durante todo o século XIX e boa parte do
século XX.
Até a primeira metade do século XX, o Direito esteve fortemente alinhado a uma
abordagem teórica conhecida como positivismo jurídico, que tem na figura de Hans Kelsen
um de seus maiores expoentes. Como visto na figura 1, em sua Teoria Pura do Direito, Kelsen
propõe a autonomia do Direito como um problema científico relevante, desenhando métodos
e objetos específicos capazes de garantir aos estudiosos o alcance do seu conhecimento
científico. O ponto de partida de sua construção teórica é o princípio da pureza, segundo o
qual se busca alcançar uma pretensa neutralidade científica, afastando o estudo do direito da
influência de outros campos do saber, como a própria Antropologia e a Sociologia, mas
também de uma ordem axiológica.

Fotografia 1 - Hans Kelsen

Hans Kelsen (1881-1973) foi um jurista e filósofo austríaco,


sendo um dos mais influentes teóricos do Direito de seu tempo.
É considerado o principal representante da Escola Normativista
do Direito, ramo da Escola Positivista. Ganhou grande
notoriedade com a publicação da obra Teoria Pura do Direito.

Fonte:
Para Nader (2015, p. 238), “a pureza metódica consiste na <https://www.google.com.br/sea
rch?q=Hans+Kelsen&oq=Hans+
adstrição da teoria a fatores estritamente jurídicos, sem a ingerência de Kelsen&aqs=chrome..69i57j0l5.4
ideologias políticas e das ciências da natureza.” 722j0j8&sourceid=chrome&ie=U
TF-8>
Com isso, este autor sustenta que Kelsen, ao rejeitar a inclusão do fato
e do valor, não anula a importância destes para o direito. Faz, no entanto, no intuito de
distinguir a ciência do direito dos demais campos disciplinares que tratam do fenômeno
jurídico.
Neste sentido, a teoria proposta por ele pode ser entendida como reducionista, uma vez
que identifica o direito com a norma jurídica, sem promover juízos de valor. Não importa se a
prescrição é justa ou injusta, mas que observe os padrões de validade e eficácia.
O Direito é, então, colocado como uma ciência social que integra o mundo do dever ser.
Logo, não necessariamente caracteriza os fatos ocorridos, ocupando-se em estabelecer o dever
ser das condutas sociais (NADER, 2015). Ademais, diferente das ciências naturais, que ao se
debruçarem sobre os fenômenos que apresentam regularidades aplicam o princípio da

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causalidade (ou seja, a uniformidade e a constância de certos fatos sugerem dadas
consequências: dado A é B), as ciências normativas, como o Direito, não registram com
regularidade a sucessão de fatos e efeitos, devendo ser subordinadas ao princípio da
imputabilidade (dado A, deve ser B).
Ainda conforme explica Nader (2005, p. 240), “as ciências normativas não prescrevem
normas, pois seu papel seria apenas o de estudar conteúdos normativos e os vínculos sociais
correspondentes”. Ademais, os indivíduos somente se submetem a uma norma dada a partir
do momento em que ela dispõe sobre a sua conduta, de modo que o sistema jurídico se
constitui meramente como uma ordem coercitiva, um sistema de sanções.
Porém, a partir da segunda metade do século XX, iniciou-se um esforço para a
incorporação de valores sociais à análise da ordem jurídica, em um movimento que ficou
conhecido como Pós-Positivismo Jurídico. Dentre as principais construções teóricas deste
novo momento, destacamos a Teoria Tridimensional do Direito proposta pelo brasileiro
Miguel Reale, igualmente sintetizada na figura 1.

Fotografia 2 - Miguel Reale

Nascido em 1910 e morto em 2006, Miguel Reale é um


jusfilósofo brasileiro que alcançou projeção internacional ao
propor sua teoria tridimensional do direito.

Por intermédio desta teoria, Reale promoveu a unificação de três


concepções unilaterais do direito, quais sejam:

Fonte: Disponível
a) o sociologismo jurídico: que se associa aos fatos e à eficácia em:<https://educacao.uol
.
do direito; com.br/biografias/miguel
-
reale.htm>
b) o moralismo jurídico: vinculado aos valores e aos
fundamentos do direito;
c) o normativismo abstrato: no que diz respeito às normas e à vigência do direito.

Em sua formulação, o autor concebe “a tridimensionalidade do Direito em fórmula


própria, em que os elementos fato, valor e norma, sem predominância e sem justaposição, se
interdependem na formação do Direito.” (NADER, 2015p. 329). É a interação constante entre
o aspecto fático (fato) e o axiológico (valor) que gera – e também relaciona – a norma. Esta

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interação é denominada pelo próprio Miguel Reale como “dialética da complementariedade”
e é ela a responsável por apresentar o Direito como uma ciência aberta.
As duas formas distintas de perceber a ciência do Direito aqui apresentadas geram
também duas maneiras diversas de proceder com a investigação de um problema jurídico.
Como mostra a figura 1, o positivismo nos encaminha para um enfoque dogmático, enquanto
a tridimensionalidade do direito nos conduz para um enfoque zetético.
No enfoque dogmático, o direito é analisado como prescrições de condutas, sem que as
suas premissas técnicas (as normas jurídicas) sejam questionadas, promovendo apenas suas
sistematizações, conceitos e classificações. Diz-se, por isso, que se assume um sentido diretivo
do discurso, isto é, aquele que visa dirigir o comportamento humano.
Já o termo zetética vem do grego zetein, que significa perquirir, investigar. Isto quer
dizer que, no enfoque zetético, o pesquisador preocupa-se fundamentalmente com o
problema especulativo, visando uma vasta caracterização dos fenômenos jurídicos que possa
garantir uma compreensão mais ampliada deles. Assim, assume-se um sentido informativo do
discurso, aproximando a ciência do Direito dos demais campos disciplinares, como a Biologia,
a Medicina, a História, e também a Antropologia e a Sociologia, entre outras. É este o enfoque,
portanto, que representa a verdadeira reflexão jurídica, questionando a ordem normativa e
reunindo os conhecimentos das ciências afins para melhor intervir na realidade social.

Como é possível interpretar a realidade do sistema prisional brasileiro ou o número cada


vez maior de jovens da periferia dos grandes centros urbanos mortos em ações policiais
sem pensar na seletividade advinda do racismo institucional arraigado em nossa cultura?
Ou, de que modo analisar os elevados índices de violência doméstica e familiar contra as
mulheres e as reivindicações por parte dos movimentos feministas para a criação de leis
específicas que pautem o enfrentamento desta grave violação de direitos humanos senão a
partir de um resgate histórico, capaz de revelar a leniência com a qual o Estado sempre
tratou tais situações?

Poderíamos, ainda, refletir sobre os processos de criminalização da pobreza; o


reconhecimento de direitos e garantias fundamentais para a população de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Intersexo e Queer – LGBTTIQ; a demarcação de terras
indígenas e quilombolas ou a desapropriação para fins de reforma agrária; as constantes
propostas de reformas trabalhistas e previdenciárias etc. Com isso, queremos dizer que a
melhor compreensão dos fenômenos jurídicos nos coloca diante da necessidade de um olhar
para as nossas condições históricas e sociais.

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Portanto, a Sociologia, ao produzir conhecimento acerca da dinâmica das relações
sociais, e a Antropologia em sua busca constante por compreender a alteridade humana,
acabam por assumir um papel fundamental para a ciência do Direito, constituindo-se em
componentes curriculares zetéticos indispensáveis para a sua formação acadêmica e
profissional.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. São Paulo: Saraiva, 1980.

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SOCIOLOGIA

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SOCIOLOGIA GERAL

C om a leitura de nossas notas introdutórias, esperamos que você tenha conseguido


perceber a importância da Sociologia para o estudo do Direito. No entanto, antes de
adentrarmos em um debate mais específico sobre as interfaces dessas duas ciências, é
indispensável que você se aproprie do aparato teórico e metodológico das ciências sociais.
Então, nesta primeira unidade, vamos traçar o processo histórico de institucionalização das
ciências humanas, recuperando as contribuições mais fundamentais de seus teóricos clássicos
e os problemas e métodos disponíveis para a pesquisa neste campo do saber. Vem comigo!

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1.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

“Penso, logo existo”. A máxima construída pelo filósofo francês René Descartes nos
remete à capacidade que temos, enquanto seres pensantes, de apreender o mundo e a natureza
de todas as coisas, bem como as relações desenvolvidas no seio da sociedade em que estamos
inseridos, gerando uma sede insaciável por conhecimento.
Hoje a ciência é considerada, a forma de acesso ao conhecimento por excelência. Porém,
há de se evidenciar que, ao longo da história da humanidade, vários modos de produção dos
saberes foram vislumbrados e legitimados. Vamos conferir, observando o diagrama a seguir:

Figura 1 - Formas de Acesso ao Conhecimento

Fonte: Autoria Própria (2018)

Como exposto na figura 2, no período da Antiguidade, principalmente na fase tribal dos


povos gregos, o conhecimento era acessado a partir de mitos, uma espécie de narrativa feita
em público e adotada como verdadeira pelos seus ouvintes, com base na confiança e
autoridade depositadas no narrador, chamado poeta-rapsodo. Este seria um escolhido dos
deuses, que lhe mostravam os acontecimentos do passado, permitindo assim enxergar a
origem dos seres e das coisas para em seguida repassá-las aos seus ouvintes. As narrativas
míticas, em regra, buscavam explicar a realidade de três maneiras principais, quais sejam: a) as
relações sexuais entre as forças divinas pessoais; b) situações de rivalidade ou aliança entre os
deuses; e c) recompensas ou castigos atribuídos pelos deuses para aqueles que seguiam seus
ditames ou os desobedeciam. (CHAUÍ, 2000).

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Na mitologia grega, o trabalho é apresentado como um castigo imposto aos homens pelos
deuses. Segundo se narra, Prometeu, titã responsável pelos raios e tempestades, apiedou-se
da condição humana e roubou o fogo dos deuses para presenteá-los. A partir do uso do
fogo, os homens teriam começado seu processo de evolução, sendo tomados por um
sentimento de poder e presunção que os fizeram não respeitar mais os deuses, decidindo
que ocupariam o lugar deles. Após terem sido vencidos pelos deuses, os homens tiveram
que se submeter a alguns castigos, sendo o trabalho o primeiro deles. Você conhece outras
narrativas da mitologia grega? Compartilhe com os seus colegas.

Porém, com o passar do tempo, uma série de fatores fizeram com que as narrativas
míticas fossem desacreditadas, emergindo uma nova forma de produção do conhecimento
entre os gregos. Dentre essas circunstâncias, podemos citar as viagens marítimas; a invenção
do calendário, da moeda e da escrita alfabética; o desenvolvimento da vida urbana e da
política, que promoveram uma mudança radical nas relações socioeconômicas. Segundo
Lemos Filho e Pereira Júnior (2012, p. 21), esses fatos criaram “condições históricas para o
aparecimento de grupos de pessoas ricas e liberadas do trabalho produtivo, que podiam se ‘dar
ao luxo’ de se dedicar à cultura letrada.”
É nessa conjuntura que, por volta do século V a.C., tem-se o surgimento da Filosofia.
Conforme Chauí (2000), ela nasceu quando se descobriu que a verdade sobre o mundo e os
humanos não era algo secreto e misterioso que necessitava ser revelado por seres divinos e
seus escolhidos. Qualquer pessoa poderia conhecer, desde que fizesse uso sistemático da
razão.
Além da tendência à racionalidade, a Filosofia também apresenta como características
fundamentais a recusa de explicações preestabelecidas e uma forte tendência a generalizações.
Contudo, como advertem Lemos Filho e Pereira Júnior (2012, p. 23), “a produção do
conhecimento, por mais racionalizada que tenha sido, expressava implicitamente, sob a forma
de verdade, os valores e práticas sociais da época.”
Já na Idade Média, a desagregação do Império Romano no ocidente e as constantes
invasões bárbaras feitas por povos mulçumanos à Europa fizeram com que o continente se
fechasse em si próprio, tornando o comércio inviável. Diante da crise comercial, a opção foi
pelo investimento na agricultura e na pecuária de subsistência. Tem-se aí a criação das bases
para o desenvolvimento do feudalismo e a elevação do status atribuído à Igreja Católica, que
por ser a instituição melhor estruturada no período, assumiu certa centralidade no debate
político, impondo, inclusive, um novo padrão para a produção do conhecimento. Pauta-se, a
partir desse momento, no alinhamento dos saberes herdados da filosofia grega aos
pressupostos do cristianismo. Isto é, uma tentativa de aliar razão e fé: “todo saber que pudesse

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ser assimilado pela fé cristã era considerado verdadeiro; os demais, falsos” (LEMOS FILHO;
PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 24), de modo que o conhecimento adquire traços teocêntricos.

Você conhece a expressão dogma? Ela foi muito mobilizada naquele contexto
histórico. Dogma é um termo de origem grega e que significa “o que se pensa é verdade”.
Na Idade Média, o termo adquiriu um caráter religioso, tornando os fundamentos cristãos
como verdades absolutas, inquestionáveis e irrevogáveis. Rejeitá-los poderia significar
heresia e acarretar a excomunhão ou mesmo a perseguição pela Inquisição.

Somente com o colapso do sistema feudal e a emergência do capitalismo, inaugurando a


Idade Moderna, é que novos fatores concorreram para criar um cenário propício ao
desenvolvimento da ciência. Os mesmos autores agrupam tais fatores em três ordens
distintas: fatores socioculturais, fatores intelectuais, além do próprio sistema das ciências.
Dentre os primeiros, destacamos como mais significativos a formação dos Estados Nacionais,
a Revolução Comercial, a Reforma Protestante e, sobretudo, a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial.
A Revolução Francesa promoveu a ascensão da burguesia e a consequente ruptura com
a formação social observada na Idade Média, relativizando o poder político do clero e da
nobreza. Por outro lado, a Revolução Industrial, iniciada com a introdução da máquina a
vapor e a modernização dos métodos de produção, provocou significativos abalos na
sociedade do século XVIII. Dentre eles, citamos o crescimento demográfico das cidades sem a
devida infraestrutura básica; ausência de moradia; disseminação de epidemias; altos índices de
violência, prostituição e suicídio; exploração do trabalho humano nas fábricas, inclusive com a
introdução do trabalho feminino e infantil; concentração da propriedade nas mãos dos
grandes empresários capitalistas e o surgimento de uma nova classe social, o proletariado.

Alguns filmes ilustram bem o contexto social da Europa do século XVIII. Recomendamos,
especialmente, Germinal, dirigido por Claude Berri e com Gérard Depardieu e Miou-Miou
no elenco.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quanto aos fatores intelectuais, Lemos Filho e Pereira Júnior (2012) remontam para um
movimento iniciado ainda na Idade Média, que advogava pela elevação dos estudos sobre a
cultura greco-romana e o retorno aos ideais de exaltação do homem. Este movimento,
chamado Renascimento, propagava que “o conhecimento deixa de ser revelado, como
resultado de uma atividade de contemplação e fé, para voltar a ser o que era antes, entre
gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida atividade mental.” (LEMOS FILHO;
PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 29).
O Renascimento foi sucedido pelo Iluminismo, movimento que ganhou força na França
do século XVII, defendendo o domínio da razão sobre a leitura teocêntrica de realidade.
Assim, no propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade da época,
defendiam que o pensamento racional deveria substituir as crenças religiosas e o misticismo.
Duas vertentes principais se acentuaram: o racionalismo, que tem em René Descartes e seu
método da dúvida um de seus maiores representantes; e o empirismo, pautado por filósofos
como John Locke e David Hume, para quem o conhecimento era adquirido com o passar do
tempo por meio das experiências humanas.
Na tentativa de tornar mais fácil a sua compreensão, convidamos você a ler atentamente
o quadro a seguir, que compara as principais características dessas duas vertentes distintas:

Quadro 1 – Principais Características do Racionalismo e do Empirismo

RACIONALISMO EMPIRISMO

Conhecimento Dá-se pelas ideias inatas, ou seja, Experiência como base do


os pensamentos existentes no conhecimento científico.
homem desde sua origem, que o A sabedoria é adquirida
permite deduzir as demais coisas por intermédio da
do mundo. percepção do mundo
exterior.
Ideais Concedidas por Deus, são Tem sua origem nos
inatas, no sentido de que os processos de abstração, a
sujeitos já nascem com elas. partir dos sentidos.

Razão Independe da experiência Depende da experiência


sensível, sendo capaz de discernir sensível e apenas opera a
o bem e separar o verdadeiro do partir dela.
falso.

Método Dedutivo Indutivo

Fonte: Autoria Própria (2018)

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Já a terceira ordem de fatores está relacionada diretamente com a dinâmica do “sistema
das ciências”, cada vez mais voltada para a necessidade de controle e compreensão da
natureza. Isso porque as crises observadas ao longo do século XVIII em função dos
acontecimentos sociais que marcaram essa época “provocaram uma convicção de que os
métodos das ciências da natureza deviam e podiam ser estendidos aos estudos das questões
humanas e sociais”. (LEMOS FILHO; PEREIRA JÚNIOR, 2012, p. 31). Tivemos, então, o
cenário propício para a institucionalização das ciências sociais e humanas.

Você conhece a expressão dogma? Ela foi muito mobilizada naquele


contexto histórico. Dogma é um termo de origem grega e que significa “o que se pensa é
verdade”. Na Idade Média, o termo adquiriu um caráter religioso, tornando os
fundamentos cristãos como verdades absolutas, inquestionáveis e irrevogáveis. Rejeitá-los
poderia significar heresia e acarretar a excomunhão ou mesmo a perseguição pela
Inquisição.

1.1.1 Dificuldades metodológicas das ciências humanas

O cenário propício para a institucionalização das ciências humanas, como vimos acima,
não afastou a controvérsia deste processo. Se nas ciências da natureza o objeto de estudo está
situado fora do sujeito que o busca conhecer, nas ciências humanas o objeto a ser conhecido
se confunde com o próprio sujeito cognoscente, gerando amplos debates sobre a
possibilidade de se estudar com isenção aquilo que diz respeito tão diretamente ao sujeito do
conhecimento.
Aranha e Martins (2009) destacam cinco entraves impostos às ciências humanas para o
estabelecimento do seu método. Vejamos:
1) Complexidade dos fenômenos humanos, por ser resultado de múltiplas

influências, que vão desde aspectos biopsicológicos até padrões vinculados

ao meio social;

2) Experimentação, uma vez que é muito difícil identificar e controlar as mais

variadas perspectivas que influenciam os atos humanos;

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3) Matematização, pois os fenômenos humanos são essencialmente

qualitativos, permitindo, no máximo, resultados aproximativos e, ainda

assim, sujeitos à interpretação;

4) Subjetividade, já que as ciências naturais almejam a objetividade e o objeto

das ciências humanas é subjetivo por natureza; e

5) Liberdade, haja vista que mesmo o comportamento humano sendo passível

de condicionamentos, não se alcança o nível de regularidades observados

nas ciências da natureza.

Essas dificuldades não foram suscitadas no sentido de atestar a inviabilidade das ciências
humanas, mas sobretudo para enfrentar o debate acerca do tipo de método a ser
empregado quando da realização de seus estudos (ARANHA; MARTINS, 2009).

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
1.2 A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA

Como vimos no tópico anterior, o impacto do processo de industrialização no âmbito


social experimentado na Europa do século XVIII impôs uma necessidade de compreensão do
novo modo de vida em sociedade, marcado por crises e desordens. Na busca por explicações e
soluções, constituiu-se a primeira forma de pensamento social: o positivismo.
Segundo Lowi (1975, apud Lemos Filho, 2012), três ideias básicas caracterizam o
positivismo: pressupor que a sociedade era regida por leis parecidas com as leis da natureza,
ou seja, leis invariáveis e independentes do arbítrio humano; a utilização dos mesmos métodos
empregados nas ciências naturais para a produção do conhecimento acerca da sociedade; e a
defesa da objetividade cientifica, ou seja, assim como observado nas ciências da natureza, as
ciências sociais deveriam adotar um modelo neutro, livre de ideologias e juízos de valor.
Um dos precursores do positivismo foi Claude-Henri de Rouvroy, o Conde de Saint-
Simon, filósofo e economista francês que, para restaurar a ordem social perdida, propôs a
transferência de todo o poder da sociedade para os cientistas e industriais. Ele defendia a ideia
de que o industrialismo trazia consigo a possibilidade de satisfação das necessidades dos
indivíduos e que a ordem e a paz poderiam ser alcançadas a partir do progresso econômico,
desde que fosse instituído um novo padrão a semelhança do que se observara na Idade Média.
Se, naquele tempo, existia uma elite de sacerdotes que estipulavam as leis e senhores feudais
que as faziam cumprir, na Idade Moderna, era preciso constituir uma nova elite, na qual os
cientistas elaborassem as leis e os industriais as fizessem cumprir. (LEMOS FILHO, 2012).
Assim, defendeu a criação de uma ciência que, tendo a sociedade como objeto e se
valendo dos mesmos métodos das ciências naturais, fosse capaz de brecar os anseios
revolucionários das classes trabalhadoras e elaborasse leis visando
o progresso. Figura 3 – Bandeira Nacional
do Brasil

A frase escrita na bandeira do Brasil (ordem e progresso) é


uma forma abreviada do lema do positivismo proposto por
por Augusto Comte: “O amor por princípio e a ordem por
base; o progresso por fim”.

Fonte: Disponível
Porém, coube a seu seguidor e secretário particular, Augusto em:<https://upload.wikm
edia.org/wikipedia/commons
Comte, começar a desenhar os traços dessa nova ciência, embora /0/05/Flag_of_Brazil.svg>
pouco se tenha aproveitado do seu pensamento quando pautamos a

23
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Sociologia atualmente.
Comte lançou, em 1830, o livro intitulado Curso de Filosofia Positiva, no qual sustenta a
ideia de fundar uma “física social”, cuja função primordial seria aplicar o método científico
para estudar a sociedade, demonstrando suas leis de funcionamento e, com isso, auxiliar no
enfrentamento dos problemas verificados. Foi somente em 1839 que ele propôs o nome
“sociologia” para identificar esta nova ciência, o que o fez ser comumente identificado como o
“pai” da Sociologia.
Na concepção de Comte, o positivismo era explicado pela Lei dos Três Estados,
segundo a qual o desenvolvimento da inteligência humana percorreu três estágios distintos: o
teológico (ou fictício), o metafísico (ou abstrato) e o positivo (ou científico).
No estado teológico, os fenômenos eram explicados pelo espírito humano, partindo da
ação direta e contínua de agentes sobrenaturais, já sendo possível estabelecer relações causais,
mas estas eram atribuídas à divindade. Já no estado metafísico, tem-se a preponderância do
conhecimento filosófico e, mais precisamente, metafísico, em que se substitui os agentes
sobrenaturais por forças abstratas. Por fim, no estado positivo, a filosofia é substituída pelo
conhecimento científico, buscando-se na observação e no raciocínio as respostas para a
explicação do mundo e de todas as coisas (SELL, 2015). A síntese da lei dos três estados pode
ser melhor compreendida na imagem a seguir (figura 3):

Figura 3 - Lei dos Três Estados de Augusto Comte

Fonte: Autoria Própria (2018)

Já na fase final de sua vida, com a morte da mulher por quem era apaixonado, Comte
assimilou características religiosas ao seu pensamento, apresentando proposta para criar uma

24
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
religião exclusivamente laica, fundada no culto da humanidade. No entanto, para a Sociologia
se consolidar como campo científico, era preciso ter objeto delimitado e método constituído,
de modo que foi apenas com Émile Durkheim e Max Weber que ela passou a ser considerada
uma ciência e como tal ser desenvolvida.

1.2.1 A Sociologia funcionalista de Émile Durkheim

Observa-se em Durkheim uma grande preocupação em fornecer para a moderna


Sociologia bases filosóficas consistentes e métodos precisos para a realização de pesquisas
sociais. Em sua obra clássica “As regras do método sociológico”, lançada originalmente em
1895, ele apresenta os instrumentos da pesquisa sociológica, separando-os em quatro
categorias: objeto de estudo, observação, classificação e explicação dos fenômenos (SELL,
2015).
Fotografia 3 –
David Émile Durkheim

David Émile Durkheim nasceu na França, em 1858, e é


considerado um dos principais fundadores do pensamento
sociológico. Dentre suas principais obras, destacam-se
destacam-se: A divisão do trabalho social (1893); As regras
do método sociológico (1895); e O suicídio (1897).

Para Durkheim, o objeto de estudo da Sociologia é o que ele chamou de fato social,
definido como “toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de
Fonte: Disponível em:<
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior”. E continua: “ou, https://www.infoescola.com
/biografias/emile-
ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma durkheim/>
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
independente de suas manifestações individuais.” (DURKHEIM, 2014, p. 13).
Os fatos sociais, portanto, possuem três características obrigatórias: coercitividade,

exterioridade e generalidade. Vamos analisar o que significa cada uma delas:

a) Coercitividade: a ideia de uma “coerção exterior” apresentada por Durkheim


expressa uma força que os fatos exercem sobre os indivíduos, conduzindo-os a
uma conformação às regras do meio social em que ele está inserido,
independente de sua vontade. Ademais, esta força coercitiva se faz evidente
pelas sanções legais e espontâneas a que os indivíduos estão submetidos
quando não observam as regras impostas. As sanções legais são aquelas

25
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
previstas em forma de leis, enquanto as sanções espontâneas são aquelas
desencadeadas pela própria sociedade em resposta a uma conduta considerada
inadequada;
b) Exterioridade, ou seja, a ideia de que os fatos sociais não procedem do próprio
indivíduo, senão de algo que lhe é exterior: a sociedade;
c) Generalidade: para ser considerado fato social, é preciso ser geral ou, ao
menos, que se repita em uma parcela significativa da sociedade, manifestando
assim a sua natureza coletiva.

Em sua obra O suicídio, Durkheim busca demonstrar a coerência de seu pensamento


sociológico, trazendo o suicídio como um exemplo de fato social. Para o autor, embora, à
primeira vista, o suicídio seja encarado como um fenômeno individual, a constatação da
sua regularidade ao longo do tempo o faz ser percebido como um fato social, explicado
como consequência de uma crise moral da sociedade. Que outros exemplos de fato social
você consegue pensar?

No que diz respeito à observação, Durkheim (2014) advertiu ser necessário tratar os
fatos sociais como coisas dotadas de um caráter objetivo, em clara alusão aos pressupostos
positivistas de adoção dos métodos e procedimentos das ciências naturais. Neste sentido, Sell
(2015) aponta para as regras que um sociólogo deve seguir para produzir conhecimento na
perspectiva durkheimiana:

1º) É necessário afastar sistematicamente todas as noções prévias:


significa que o sociólogo deve romper com as representações, ideias e
conceitos elaborados pelo senso comum a respeito da vida social em
geral;
2º) Tomar sempre como objeto de investigação um grupo de fenômenos
previamente definidos por certas características exteriores que lhes sejam
comuns, e incluir na mesma investigação todos os que correspondem a
esta definição;
3º) Quando o sociólogo empreende a exploração de uma qualquer ordem
de fatos sociais, deve esforçar-se por considerá-los sob um ângulo em que
eles se apresentam isolados de suas manifestações individuais. (SELL, 2015,
p. 84).

Durkheim (2014) procede ainda uma classificação dos fatos sociais em normal e
patológico, utilizando como critério a sua regularidade. Desta forma, um fato social normal é
aquele encontrado na média das sociedades, enquanto anormal (ou patológico) é aquele

26
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
extraordinário e eventual. Esta tese, inclusive, provocou grande celeuma no meio científico,
sendo severamente criticada, pois, como explica Sell (2015, p. 85), “a análise dos
comportamentos- padrão e do comportamento desviante não pode assumir premissas morais
em suas conclusões, como acaba fazendo a distinção durkheimiana entre normal e
patológico”.

Para Durkheim (2014), o crime, mesmo percebido socialmente como algo negativo, era
um fato social normal, pois se adequava ao critério de regularidade.

No mais, vale destacar que para Durkheim, além de descrever e classificar os fatos
sociais, a Sociologia deveria explicá-los, apontando as razões de sua ocorrência e as
características do comportamento coletivo, para assim compreender a função que eles
desempenham. Daí decorre o porquê de chamar a sua teoria sociológica de funcionalista. “O
fundamental é identificar a que tipo de necessidade corresponde qualquer fenômeno ou fato
social e de que forma ele contribui para produzir a harmonia social.” (SELL, 2015, p. 86).

1.2.2 A Sociologia compreensiva de Max Weber

Se Durkheim constrói sua teoria sociológica a partir do objeto, Max Weber toma como
ponto de partida o próprio sujeito. Para ele, o indivíduo é o agente fundante da explicação da
realidade social, operando assim uma verdadeira revolução no campo das ciências sociais.

Na perspectiva weberiana, o objeto de estudo da Sociologia deveria ser a ação social:


uma conduta humana dotada de sentido ou, em outras palavras, de uma justificativa
subjetivamente elaborada. Nas linhas iniciais de Economia e Sociedade, Weber consagra que
ação social “significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se
refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.” (WEBER, 2014, p.
3). O ser humano, então, adquire um lugar privilegiado em sua teoria sociológica, pois se
reconhece que é o agente social que dá sentido à sua ação.
Deste modo, Weber (2014) minimiza a força da ordem social, propondo que cada
sujeito age tomado por um motivo que é dado pela tradição, afetividade ou por interesses
racionais, sejam eles relacionados a fins ou a valores. Daí sua classificação da ação social,
conforme podemos ver na figura a seguir:

27
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Figura 4 - Tipos de Ação Social

Fonte: Autoria Própria (2018)

Vamos agora entender cada um desses tipos de ação social expostos na figura 5: a ação
social de modo racional referente a fins é aquela gerida por expectativas quanto ao
comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, que atuam como
condições para determinados interesses racionalmente estabelecidos. A ação social de modo
racional referente a valores rege-se pela crença consciente no valor, seja ele ético, religioso ou
de qualquer outra natureza, independente do resultado. Já a ação de modo afetivo, do tipo não
racional, é guiada por afetos ou estados emocionais atuais; e, por fim, ação social de modo
tradicional, também não racional, pauta-se em um costume socialmente arraigado.

Ouça a música intitulada Eduardo e Mônica, do grupo de pop rock brasileiro Legião
Urbana, que fez muito sucesso entre as décadas de 1980 e 1990. A partir da letra da
canção, busque refletir sobre as ações apresentadas, fazendo, sempre que possível,
conexões com o pensamento weberiano.

Essa tipologia da ação social apresentada por Weber (2014) e esquematizada na figura 4
nada mais é do que um recurso metodológico (típico-ideal) que possibilita perceber a
variabilidade da conduta humana com base em sua coerência racional. Na vida real, não é
possível encontrar esses tipos em suas formas puras.

28
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Tipo ideal consiste em uma construção mental da realidade pela qual o pesquisador
seleciona um dado número de características do objeto no intuito de construir um tipo
útil para classificar os objetos de estudo. Com ele não se esgota todas as possibilidades de
interpretação da realidade empírica, mas serve para criar um instrumento teórico
analítico.

Para Weber, a tarefa do sociólogo consiste em compreender o sentido empregado pelos


sujeitos em suas ações. Dizia ele: “Sociologia [...] significa: uma ciência que pretende
compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e
em seus efeitos.” (WEBER, 2014, p. 3). Por isso, identificamos sua Sociologia como
compreensiva.

Ademais, vale frisar que Weber rompe frontalmente com as proposições positivistas.
Para ele, o cientista age sempre norteado por sua cultura, tradição e motivações, de modo que
não é possível descartar suas noções prévias, como defendia Durkheim. A parcialidade da
análise sociológica é inerente a toda forma de conhecimento. Entretanto, quando do início do
estudo, o pesquisador deve buscar empregar a maior objetividade possível na análise dos
acontecimentos.

29
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
1.3 A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS

Dado o contexto social de emergência da Sociologia, grandes pensadores da época


dedicaram-se a explicar a dinâmica das relações sociais, criando verdadeiras teorias da
modernidade. Três ganharam bastante destaque, constituindo-se em grandes clássicos da
Sociologia moderna: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Parafraseando Jeffrey C.
Alexander (1999), tem-se como clássico todo esforço primitivo de explicação da realidade que
goza de um status privilegiado em virtude de sua adequação contemporânea no mesmo
campo. Assim, embora o esforço empreendido por esses autores mirasse a explicação da
sociedade industrial do século XVIII, muitas de suas proposições teóricas seguem úteis para a
compreensão da sociedade hodierna. Chegou a hora de saber um pouco mais sobre essas
teorias!

1.3.1 Karl Marx e a luta de classes

Fotografia 4 - Karl Marx

Karl Marx nasceu em 1818, na cidade de Trier,


Alemanha. Foi um dos mais incisivos críticos do
capitalismo. Junto com Friedrich Engels, escreveu uma
vasta literatura sobre temas diversificados, desde a
filosofia, história, política, religião e economia. Dentre
suas principais obras, destaca-se O capital (1867).

Marx explicita sua teoria da modernidade na obra O capital, Fonte: Disponível


em:<https://pt.wikipedia.or
na qual promove uma intensa crítica à economia política g/wiki/karl_marx#/media
/file:marx_old.jpg>
tradicional, tida por ele como burguesa e ideológica. Para entender
o capitalismo e explicar a natureza da organização social, ele desenvolve a teoria do
materialismo histórico dialético. Segundo ela, a estrutura de toda e qualquer sociedade deve
ser interpretada a partir do modo pelo qual os indivíduos se relacionam para a produção
social dos bens e serviços necessários para a subsistência humana, o que ele denominou de
modo de produção.

30
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
O modo de produção conjuga dois fatores fundamentais: as forças produtivas, que
consiste na união entre a força de trabalho e meios de produção, ou seja, o conjunto da
matéria-prima e dos instrumentos necessários para a produção; e as relações de produção,
compreendidas como as formas pelas quais os indivíduos se organizam para desenvolver a
atividade produtiva. Em sua teoria, as relações de produção assumem o lugar de maior
importância quando se pensa as relações sociais, de forma que o modo de produção é
determinante para explicar os modelos de família, as leis, a religião, as ideias políticas e os
valores sociais de toda e qualquer sociedade humana.
Analisando o percurso histórico, Marx identificou vários modos de produção
específicos. Em comum, observou que em cada um deles se desenvolveu uma desigualdade de
propriedade que criou contradições básicas no desenvolvimento das relações de produção, por
exemplo: na Antiguidade, um sistema escravista; na Idade Média, as relações servis da Europa
feudal; e, na Idade Moderna, as contradições colocadas pelo capitalismo das sociedades
industriais, em que as relações de produção se expressam na divisão entre proprietários dos
meios de produção sob a forma legal de propriedade privada – os capitalistas – e os
despossuídos dos meios de produção, que vendem a sua força de trabalho em troca de um
salário – os proletários.

Você já ouviu falar em mais-valia? É um dos conceitos mais famosos desenvolvidos


por Marx, no sentido de revelar os mecanismos de reprodução e acumulação do
capital, bem como da exploração do trabalho humano. Em linhas gerais, o que este
autor defendia é que o trabalho humano agrega valor ao transformar os recursos naturais
disponíveis em bens necessários à subsistência, gerando riqueza. Contudo, esse “mais
valor” é apropriado pelos detentores dos meios de produção e não pelo trabalhador
assalariado. Decerto, você estudará mais sobre este tema no componente curricular
Economia.

Na perspectiva de Marx, se a produção material da vida na luta pela sobrevivência


é indispensável na sociedade, quem domina a estrutura produtiva, os meios e as formas de
produção goza de um lugar de privilégio e tem mais poder para dominar o resto da
sociedade. Porém, o acirramento dessas contradições provoca um processo
revolucionário, impondo a derrocada de um modo de produção e a emergência de
outro (por isso sua afirmação de que a história da humanidade é a história da luta de
classes). Assim, Marx defendeu que a crise experimentada pela sociedade europeia do século

31
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
XVIII era consequência direta da introdução do modo de produção capitalista e da
apropriação privada das forças produtivas. A solução para a crise, portanto, perpassava a luta
de classes e a queda do capitalismo, introduzindo um novo modo de produção – o
comunismo.
Se os problemas sociais derivam das desigualdades entre os indivíduos, era necessário
introduzir um novo modo de produção, pautado no respeito a regras rígidas e na obrigação de
todos trabalhar para todos na medida de suas possibilidades. Então, havia de se promover a
socialização dos meios de produção e a extinção da propriedade privada e do Estado. Porém,
em um estágio inicial, Marx considerava a importância do Estado para coordenar a
socialização dos meios de produção e defender os interesses dos trabalhadores contra as
investidas do capital. Por essa razão, propôs um estágio de transição que visa o
desaparecimento do capitalismo – o socialismo, em que se promova o fim da propriedade
privada, mas preservando a figura do Estado. Já no comunismo teríamos um sistema em que
não existem classes sociais, propriedade privada, nem mesmo a figura do Estado, uma vez que
todas as decisões políticas deveriam ser tomadas pela democracia operária.

Se nós te pedíssemos para enumerar exemplos de países que experimentaram o


comunismo, provavelmente você pensaria em Cuba, China e na antiga União Soviética.
Pois bem: levando à risca a teoria proposta por Marx, poderíamos sustentar que esses
países passaram por um sistema socialista, mas não alcançaram o comunismo, uma vez
que não eliminaram a figura do Estado. Fique ligado!

1.3.2 Emile Durkheim e a divisão do trabalho social

A chave explicativa da teoria da modernidade desenvolvida por Durkheim é a divisão


do trabalho social, entendida como a distribuição das atividades necessárias à sobrevivência
do grupo social, de modo que todos os seus membros sejam úteis.
Esta questão se coloca evidente quando a sociedade percebe que a insuficiência da
produção individual ou circunscrita ao âmbito familiar põe em risco a sobrevivência da
coletividade, lançando-se em divisões mais primitivas, como aquelas promovidas por critérios
de sexo e idade, ou mesmo as mais sofisticadas, observadas na moderna sociedade industrial.
Como elucida Sell (2015), na leitura sociológica de Durkheim, a modernidade era
caracterizada pela divisão do trabalho social e pela especialização das funções. Com a

32
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
introdução da máquina a vapor no processo de produção, acentuou-se a diferenciação social
em virtude do surgimento de variadas esferas de atividades sociais e econômicas, o que
desencadeou novos tipos de relações entre os indivíduos. Assim, para Durkheim, a
sociologia deveria “refletir sobre a ambiguidade desta situação mostrando que, por um lado,
ela implicava em maior autonomia individual e, por outro, trazia dificuldades para processo
de coesão social” (SELL, 2015, p. 87).
A tese defendida por Durkheim era no sentido de que o mundo moderno é produto de
um processo de diferenciação social, que passa de uma solidariedade mecânica para uma
solidariedade orgânica. Diferentemente de como é mobilizada no senso comum, quando é
entendida como ajuda carismática, o conceito de solidariedade em Durkheim pressupõe dar
importância ao agente social e reconhecer seu trabalho como importante para o grupo.
Na solidariedade mecânica, típicas das sociedades pré-capitalistas, os indivíduos se
identificavam pelos laços familiares e religiosos e pelas tradições e costumes, permanecendo,
em regra, independentes e autônomos no que diz respeito à divisão do trabalho social, de
modo que a consciência coletiva exercia um forte poder de coerção sobre os indivíduos. Já na
solidariedade orgânica, observada nas sociedades capitalistas, a rápida divisão social do
trabalho tornou os indivíduos interdependentes e tal interdependência é apontada como
responsável por garantir a coesão social. A consciência coletiva, em contrapartida, tem sua
força diminuída, pois cada indivíduo se especializa em uma dada atividade, tendendo a
desenvolver maior autonomia pessoal.

Por consciência coletiva, Durkheim (2010) identificou um conjunto de crenças e


sentimentos partilhados pela média dos membros de uma determinada sociedade. Não se
baseia, portanto, na consciência dos indivíduos singulares, nem é a soma delas, estando
diluída por toda a sociedade.

Na perspectiva durkheimiana, essa mudança social experimentada na Europa do século


XVIII foi marcada por três fatores: volume (aumento do número de indivíduos), densidade
material (número de indivíduos em relação ao espaço territorial) e densidade moral
(intensidade das comunicações e trocas entre os indivíduos), que gerou não só o novo tipo de
solidariedade como também um estado de desagregação social.
Isto porque, neste processo, algumas funções sociais dissociaram-se sem que houvesse
tempo hábil para se reajustar umas às outras, gerando um estado de anomia. Então,
Durkheim propôs pensar a sociedade como um organismo vivo, em que cada órgão possui
uma função e depende dos outros para sobreviver. Sendo assim, a solução para a superação do

33
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
quadro de desagregação social estava no fato de cada indivíduo exercer uma função na divisão
do trabalho que o imponha a necessidade de se manter coeso e solidário aos outros. O
indivíduo deve se sentir parte do todo, carente da solidariedade orgânica.

1.3.3 Max Weber e o processo de racionalização social

Em Weber (2004), a modernidade é proposta como resultado de um extenso processo


histórico e social de racionalização, que mantém relações diretas com as mudanças
estruturais, culturais e sociais experimentadas pelas sociedades modernas, gerando grandes
impactos como o desenvolvimento do capitalismo e o crescimento acelerado dos centros
urbanos.
O processo de racionalização foi caracterizado, no pensamento weberiano, pela
eliminação da magia como meio de salvação, promovendo um desencantamento do mundo
que, por sua vez, apresentou uma dúplice dimensão: do ponto de vista religioso, o sujeito
deixa de acreditar em um mundo habitado por forças divinas e impessoais, que tem início
dentro das próprias religiões e que chega ao seu ápice com o surgimento da ciência e da
técnica ocidentais; e, do ponto de vista científico, implica em um saber racional da natureza,
que passa a ser vista como um mecanismo causal carente de sentido e passível de controle pela
técnica (SELL, 2015).
Um dos produtos obtidos a partir deste processo de racionalização e desencantamento
do mundo é o que Weber vai chamar de secularização, característica de uma ordem
social em que os ditames religiosos deixam de ser a força motriz da cultura, fazendo com que a
crença seja colocada como uma questão de escolha individual.

Secularização não significa a extinção das religiões ou o fim da influência que elas
exercem sobre as pessoas. A religião apenas deixa de ser o fundamento da ordem social e
política.

Weber (2004) advertia, contudo, que o aumento da racionalidade não implicava


necessariamente em um estágio superior de vida social, como defendiam os principais teóricos
do positivismo ao colocar a razão como sinônimo de progresso material e cultural. Para ele, “o
processo histórico-religioso de desencantamento e o mundo racionalizado, no qual a
organização capitalista e a organização burocrática do Estado eram as maiores expressões,
tinham também o seu lado problemático.” (SELL, 2015, p. 136). A substituição da religião pela
razão promovia uma perda de sentido da vida, uma vez que era a visão religiosa que conferia

34
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
aos homens uma resposta acerca da finalidade da existência. Ademais, promovia a perda da
liberdade, pois embora livre das forças divinas, o homem acabara escravo de sua própria
racionalidade.
Esses pensamentos são desenvolvidos por Weber em sua principal obra, A ética
protestante e o espírito do capitalismo, escrita entre 1904 e 1905. Ainda nela, o autor busca
demonstrar como os valores cultivados pelo protestantismo, a exemplo da disciplina ascética,
a poupança, a austeridade etc., construíram um novo ethos mais adaptado aos pressupostos
da filosofia capitalista. Diante disso, sustentou que uma sociedade cujos valores éticos
tivessem por base a religião protestante, teria possibilidade de se desenvolver mais
rapidamente em relação ao modo de produção capitalista. Pois, apesar de ter suas essências
instituídas na mesma moral cristã, a Reforma Protestante promoveu uma releitura dos
escritos sagrados, aproximando-os dos ideais da revolução liberal burguesa.
A propensão ao trabalho ilustra bem essa perspectiva. Segundo Weber (2004), a
Reforma Protestante fez surgir uma concepção espiritual de trabalho. Até então, o trabalho era
visto de maneira ambivalente: embora considerado indispensável para a reprodução da
sociedade, não era desejado. A noção de trabalho como castigo já era evidente desde a
mitologia grega, como exposto anteriormente, e permaneceu durante toda a tradição judaico-
cristã. Com os ensinamentos de Lutero e Calvino, o trabalho adquiriu valorização, sendo
encarado como o meio de conquistar independência e dignidade, além de ser parte dos eleitos
de Deus.
A seguir, oferecemos um quadro que acreditamos ser útil para a compreensão dos
clássicos da Sociologia:
Quadro 2 – Clássicos da Sociologia

MARX DURKHEIM WEBER

Teoria Sociologia Sociologia Sociologia

Sociológica histórico-crítica funcionalista compreensiva

Teoria da Modo de Divisão do Racionalização

Modernidade produção trabalho social da cultura e da

capitalista sociedade

Projeto Político Revolucionário Conservador Neutralidade

absoluta
Fonte: Autoria Própria (2018)

35
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
1.4 PROBLEMAS E MÉTODOS DE PESQUISA NA SOCIOLOGIA

Como objetivo geral deste componente curricular, propomo-nos a oferecer ferramentas


teóricas e metodológicas das ciências sociais que sejam úteis para a análise dos problemas
sócio-jurídicos contemporâneos. Neste sentido, gostaríamos de finalizar este bloco temático
apresentando para você alguns pressupostos da pesquisa sociológica.
A pesquisa sociológica consiste em um esforço científico que envolve o emprego de
métodos sistemáticos de investigação empírica, análise de dados e teorias que possibilitem
uma leitura crítico-reflexiva dos objetos estudados, numa ruptura com os conhecimentos de
senso comum já produzidos. Com ela, buscamos responder a quatro tipos de
questionamentos: o factual, que visa compreender o que aconteceu; o comparativo, para
verificar a ocorrência do mesmo fenômeno em outros lugares; o evolutivo, pensando como a
situação evolui no tempo e no espaço; e a questão teórica, que tenta responder o que está por
trás do fenômeno investigado.
A pesquisa sociológica se desenvolve em etapas. A seguir você encontra uma descrição
dos momentos principais:
- definição do objeto: é preciso indicar o que se pretende concretamente estudar. Por
exemplo, os crimes cometidos nos meios eletrônicos, o processamento dos casos de posse de
drogas ilícitas, a redução da maioridade penal etc.;
- revisão da literatura disponível: para familiarizar-se com a questão investigada, é
preciso conhecer o que já se tem produzido sobre ela;
- formulação de hipóteses: isto é, formular proposições capazes de guiar a sua pesquisa,
que podem ou não ser confirmadas ao final;
- escolha dos métodos de pesquisa a ser empregados, de acordo com a conveniência do
problema formulado;
- execução da pesquisa, com a produção dos dados e registro de informações;
- interpretação de dados: de posse do material produzido, é necessário interpretá-lo
para, em seguida, difundir os resultados obtidos entre comunidade científica.
Para a formulação das conclusões acerca do fenômeno investigado, o pesquisador pode
se valer de dois procedimentos lógicos: o dedutivo, segundo qual se parte de duas premissas
tomadas como verdadeiras e indiscutíveis que possibilite alcançar conclusões de maneira
exclusivamente formal, ou seja, em virtude da lógica (exemplo: os suspeitos de um crime
estavam na cidade entre os dias 3 e 4 de abril – premissa 1; Maria não estava na cidade entre
os dias 3 e 4 de abril – premissa 2; Maria não é suspeita do crime – conclusão); ou o indutivo,
que parte do particular para propor generalizações posteriores, constatadas por intermédio da

36
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
observação dos fenômenos estudados (exemplo: retirando-se amostras de um saco de
bananas, observa-se que 80% são do tipo prata. Então, conclui-se que o saco de bananas é do
tipo prata).
Na Sociologia, emprega-se em regra o método indutivo, buscando relacionar o
fenômeno social investigado com a realidade social, a fim de promover a sua descrição e
interpretação, partindo dos dados empíricos produzidos.
Outra questão fundamental sobre a pesquisa sociológica diz respeito à objetividade. A
defesa é no sentido de uma linha neutra e objetiva, mesmo que alguns defendam a
neutralidade como algo impossível de ser concretizado, haja vista que os indivíduos não
conseguem se desprender de seus sentimentos e preferências. Contudo, deve o pesquisador
empreender o maior grau possível de objetividade, adotando uma postura imparcial e
metodologicamente adequada.

Em contraposição ao ideal de objetividade defendido pela ciência tradicional, cientistas


feministas desenvolveram a noção de objetividade forte. Para elas, a objetividade forte
exige colocar o sujeito do conhecimento no mesmo plano crítico do objeto. Pois, ao negar
o caráter subjetivo das investigações, a ciência tradicional apenas alimenta uma lógica
androcêntrica.

1.4.1 Principais métodos de pesquisa disponíveis

Para produção dos dados, os cientistas sociais têm à sua disposição uma série de
métodos e técnicas. Listamos a seguir os principais:
a) entrevista: um dos mais utilizados, pressupõe contato pessoal do pesquisador com a
amostra selecionada. As perguntas são preparadas com antecedência, podendo seguir um
roteiro estruturado, semiestruturado ou aberto. A interação entre entrevistador e entrevistado
deve ser direta e em tempo real;
b) questionário: lista de questões sobre determinado assunto elaborada e entregue ao
grupo de interesse, solicitando o seu preenchimento. Geralmente anônimo, pode conter
perguntas abertas ou fechadas. As respostas dadas não são discutidas pelo
pesquisador com o respondente;
c) observação direta: tipo de atividade que utiliza dos sentidos para a apreensão de
determinados aspectos da realidade investigada. O pesquisador desenvolve o

37
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
acompanhamento presencial do grupo ou fenômeno pesquisado e, desta observação, propõe
suas conclusões lógicas;
d) análise de documentos: o pesquisador busca as respostas para o problema
investigado a partir de documentos que ofereçam informações acerca do seu objeto. Podem
ser textos doutrinários, jurisprudências, reportagens de jornais, documentos emitidos por
órgãos oficiais etc.;
e) estudo de caso: consiste em uma forma de aprofundar o conhecimento sobre uma
unidade individual bastante representativa do todo, contribuindo para a melhor compreensão
dos fenômenos. É muito útil quando se trata de um fenômeno amplo e complexo;
f) grupo focal: derivada das entrevistas, é uma técnica que pressupõe a coleta de
informações por meio de interações grupais.

O método a ser empregado para subsidiar sua pesquisa deve ser aquele que melhor se
adequa ao seu objeto e aos recursos disponíveis. Ademais, não há nenhum problema na
conjugação de dois ou mais métodos para o desenvolvimento de uma mesma pesquisa.

Com essas informações e as leituras complementares que serão sugeridas, esperamos


que você reúna um bom referencial teórico sobre as ciências sociais e seus métodos de
pesquisa e, assim, esteja pronto para mergulhar na sua interface com o Direito.

POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos.


4. Ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. 7. ed. Petrópolis:
Vozes, 2015.

38
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01
(ENADE 2017) Segue uma lei da história o fato de a solidariedade mecânica,
inicialmente única ou quase, perder progressivamente terreno e de a solidariedade orgânica
tornar-se, pouco a pouco, preponderante. Entretanto, quando se modifica a maneira como os
homens são solidários, a estrutura das sociedades não pode deixar de mudar. A forma de um
corpo transforma-se necessariamente quando as afinidades moleculares já não são as mesmas.
Por consequência, se a anterior é proposição exata, deve haver dois tipos sociais que
correspondam a essas duas espécies de solidariedades.
DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010 (adaptado).

A partir do texto apresentado, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

A divisão do trabalho é uma resultante necessária do desenvolvimento de um novo tipo


social predominante nas sociedades modernas.
PORQUE
A substituição da solidariedade mecânica pela solidariedade orgânica está associada ao
progresso da divisão do trabalho nas sociedades modernas.
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta:

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa
correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

QUESTÃO 02
(ENADE 2011) Entre o conjunto das técnicas de pesquisa das Ciências Sociais, o
questionário destaca-se como uma das ferramentas mais habituais e tem como características
a simplicidade e a economia. Seu uso é necessário sempre que o pesquisador não dispõe de
dados previamente coletados pelas instituições públicas sobre determinadas características da
população, e sempre que se quer obter levantamentos específicos sobre certos aspectos,

39
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
opiniões e comportamentos de uma população. Não obstante, além de ser utilizado para fins
mais explicitamente exploratórios, o questionário tem por função principal dar à pesquisa
uma extensão maior e possibilitar que se verifique com dados estatísticos até que ponto são
generalizáveis as informações e hipóteses da pesquisa previamente construídas. Todavia, a
elaboração dos questionários deve se pautar em algumas regras simples.
COMBOSSIE, J. C. O método em sociologia. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

Com relação às regras que devem ser observadas para a pesquisa sociológica feita com
elaboração e aplicação de questionários, observa-se que:

a) o questionário deve apresentar um conjunto de questões que possam resumir de


modo eficaz o perfil do entrevistado para que seja útil como instrumento de pesquisa.
b) a redação das perguntas do questionário deve revelar a familiaridade do
pesquisador com sua área de pesquisa, com a inclusão de termos técnicos e
acadêmicos.
c) as perguntas do questionário devem ser do tipo fechada, pois elas evitam que o
entrevistado conduza a entrevista e seu uso garante que o pesquisador receba as
respostas desejadas.
d) a ordem das perguntas do questionário deve ser estabelecida de maneira aleatória,
para que as respostas dadas não sejam influenciadas pelas próprias perguntas.
e) os entrevistados devem responder ao questionário antes de serem informados
acerca da origem e da intenção da pesquisa e do questionário para que os dados
coletados sejam objetivos.

QUESTÃO 03

(ENADE 2011) Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés
das relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam
o homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só deixar
subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do “pagamento
à vista”. A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os
instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as
relações sociais. [...] Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o
sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa
de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu
cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas, as relações que as substituem
tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que

40
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas
condições de existência e suas relações recíprocas. [...] As relações burguesas de produção e de
troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou
gigantescos meios de produção e de troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não pode
controlar as potências infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. (com adaptações).

A partir do texto acima e considerando as ideias de Marx e Engels, baseadas numa


perspectiva dialética, avalie as afirmações que se seguem:
I. A burguesia desempenhou um papel revolucionário na história.
II. A classe social burguesa e a classe proletária surgiram a partir da sociedade
capitalista.
III. Nas sociedades capitalistas as relações sociais estão em constante transformação.
IV. O proletariado possui a missão histórica de negar e superar a sociedade capitalista.

É correto afirmar o que se afirma em:

a) I e II.
b) I e III.
c) II e IV.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.

QUESTÃO 04
(ENADE 2005) O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento
ocidental e para o surgimento das ciências sociais. As transformações econômicas, políticas e
culturais, que se intensificaram a partir dessa época, colocaram problemas inéditos para a
humanidade, que experimentava mudanças no Ocidente Europeu. Com referência aos marcos
fundadores do pensamento social no Ocidente, assinale a opção correta.

a) O feudalismo e o capitalismo, como marcos fundadores das ciências sociais,


conviveram harmonicamente ao longo do processo de transformação social a partir do
século XVIII.
b) A Revolução Francesa, pelo seu potencial revolucionário e universal, dificultou o
aparecimento das ciências sociais.
c) Um dos marcos fundadores das mudanças no século XVIII foi a transformação da
aristocracia inglesa em classe aliada à burguesia, que, a partir daí, comandou o processo
econômico no Ocidente.

41
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
d) O Renascimento e a Reforma são considerados marcos fundadores que permitiram o
aparecimento das ciências sociais.
e) A Revolução Industrial e a Revolução Francesa, ao redefinirem, respectivamente, as
relações políticas e as relações de produção, deram condições para o surgimento de uma
visão racional do mundo, da qual emerge a sociedade como objeto de estudo.

QUESTÃO 05
(ENADE 2005) A respeito dos estudos comparativos, a resposta de Weber foi a elaboração de
“tipos ideais”, que constituem um dispositivo generalizante, um modelo heurístico, sobre o
qual era possível aplicar a comparação. Nas suas explicações históricas comparadas, Weber
rejeita sempre a hipótese de leis ou de monocausalidade; ele pensa, portanto, que um evento
pode ter diversas causas e que conjuntos diversos de causas podem ter o mesmo efeito. A
validade das comparações em Weber provém das suas construções empíricas dos processos de
indução e de introspecção mais do que de uma verificação causal de hipóteses.
REBUGHINI, Paola. A comparação qualitativa de objetos complexos e o efeito da reflexividade. In: Alberto
Melluci (org.) Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 242 (com
adaptações).

Tendo o fragmento de texto acima como referência inicial, assinale a opção correta a
respeito de “tipos ideais”, segundo a formulação proposta por Max Weber.

a) Os “tipos ideais” não são construções empíricas.


b) A causalidade única é a base dos “tipos ideais”.
c) A comparação não é essencial para a construção dos “tipos ideais”.
d) Os “tipos ideais” não permitem uma explicação histórica.
e) Os “tipos ideais” são construídos essencialmente a partir da verificação causal de
hipóteses.

42
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
QUESTÃO 06
Observe a charge abaixo, bem como o fragmento do poema “Operário em construção”, de
autoria de Vinícius de Moraes:

Fonte: Disponível em:<http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/>

Operário em construção

E foi assim que o operário


Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
...
Qu sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
(Vinícius de Moraes)

A análise da charge nos remete à discussão acerca do mundo do trabalho, que se


constitui como tópico essencial da Sociologia, desde o seu período clássico, com Marx,
Durkheim e Weber. Considerando que a divisão do trabalho é uma das principais
características das sociedades modernas, construa um texto dissertativo em que se contemple
os seguintes aspectos:

a) A importância da divisão do trabalho social para a compreensão das sociedades

43
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
modernas em Durkheim, destacando o conceito de solidariedade e suas formas, bem
como a relação entre solidariedade e anomia.
b) A relação entre trabalho e religião proposta por Weber para pensar o surgimento
do racionalismo no ocidente.
c) Como a questão do trabalho é elaborada em Marx para explicar os pressupostos de
um regime capitalista.

44
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
SOCIOLOGIA JURÍDICA

45
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
SOCIOLOGIA JURÍDICA

A Sociologia e o Direito mantêm uma relação bastante próxima, uma vez que
sociedade e normas não podem ser entendidas separadamente. Enquanto a Sociologia se
ocupa em pensar a vida em sociedade a partir de seus aspectos culturais, econômicos,
religiosos etc., o direito busca fixar e sistematizar as regras indispensáveis para garantir o
equilíbrio social. Sendo assim, a Sociologia não tardou em se especializar, criando um ramo
próprio que tivesse o direito como objeto de estudo: a Sociologia Jurídica.
Na segunda unidade deste primeiro bloco temático, nosso convite é para você conhecer
um pouco mais sobre a Sociologia Jurídica. Vamos lhe apresentar os seus pressupostos
fundamentais, bem como algumas das principais contribuições que ela já trouxe para o campo
das ciências jurídicas, com o emprego dos métodos e das técnicas disponíveis nas ciências
sociais para melhor caracterizar e compreender os fenômenos jurídicos.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
2.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA
JURÍDICA

Desde os clássicos, o direito tem um lugar de destaque nas análises sociológicas. É


bastante evidente, por exemplo, a influência do pensamento de Émile Durkheim (2014) para o
campo do Direito Penal, ao considerar o crime como um elemento de integração social e a
pena como forma de reafirmação da consciência coletiva, sendo, portanto, um mecanismo
necessário para o reequilíbrio social.

Durkheim (2014), em suas análises sobre o crime, considerava-o como agente de


integração social, pois, ao ameaçar a consciência coletiva, gerava um efeito de união e
coesão. Para saber mais sobre a noção de crime em Durkheim, você pode ler o Capítulo III
de seu clássico “As regras do método sociológico”.

Karl Marx (1980) também não deixou o direito de fora das suas análises. Para ele,
apenas a classe dominante e seus prepostos conseguiam se fazer presentes de modo efetivo na
relação entre Direito e Estado, encarando o Estado como um verdadeiro “balcão de negócios”
da burguesia. Deste lugar, o Estado consolidava a desigualdade estabelecida a partir das
relações sociais de produção, levando o direito a ser instrumento para a perpetuação da
dominação e da exploração da classe operária.
Porém, é em Weber (2014) que encontramos uma análise mais substancial do direito.
No segundo volume da obra Economia e Sociedade, são aproximadamente 153 páginas
dedicadas ao estudo exclusivo da Sociologia do Direito (Capítulo VII). Nelas, o autor destaca
dois modos principais de reflexão sobre as regras e instituições jurídicas: a moralista (ou
político), segundo a qual o direito consistiria na avaliação da qualidade moral das regras
jurídicas, feita com base na adoção de um ponto de vista externo à ordem legal; e uma
abordagem dogmática, que ao invés de proceder uma análise avaliativa das regras jurídicas,
toma-as como parâmetro de adequação ou não de determinadas condutas.
Weber (2014) não adota nenhuma dessas abordagens nos estudos que promove sobre o
direito. Na sua concepção, tais estudos deveriam se pautar numa abordagem sociológica, pela
qual o interesse maior consiste em perceber como os membros de uma sociedade enxergam as
normas jurídicas, moldando ou não suas condutas de acordo com elas.

47
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
A partir da contribuição desses autores, outros trabalhos sobre a temática foram
lançados. Sabadell (2010) destaca a publicação, em 1907, do livro intitulado Sociologia
jurídica, do italiano Carlo Nardi-Greco, no qual ele apresenta uma série de sistemas jurídicos,
buscando analisar as causas e as funções sociais do direito, sobretudo no que se refere à
estrutura econômica da sociedade. Já em 1913, o jurista alemão Eugen Ehrlich publica a obra
Fundamentos da sociologia do direito, defendendo a tese da pluralidade de ordenamentos
jurídicos numa mesma sociedade e demonstrando os métodos de pesquisa que a sociologia
jurídica poderia empregar para estudar esses ordenamentos. Desta forma, a sociologia jurídica
vai se consolidando como disciplina específica no decorrer do século XX.
Vejamos logo a seguir a definição que a autora propõe para a sociologia jurídica:

A sociologia jurídica examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e


as incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de
interdependência entre o social e o jurídico, realizando uma leitura externa
do sistema jurídico. (SABADELL, 2010, p. 61).

Sabadell (2010) esclarece, ainda, uma discussão em torno da adoção da terminologia


sociologia jurídica ou sociologia do direito. Segundo ela, esta questão refere-se diretamente ao
debate acerca da sociologia jurídica ser um ramo do direito ou da sociologia. Assim, a
expressão “sociologia do direito” indica um ramo da sociologia que tem como objeto de
estudo o direito, ou seja, tem-se uma leitura sociológica do sistema jurídico realizada, de
preferência, por sociólogos. Já “sociologia jurídica” indicaria o estudo promovido pelos
próprios juristas sobre as dimensões sociológicas das normas jurídicas.
Pensando este conceito, Sabadell (2010) explica que a sociologia jurídica se ocupa,
fundamentalmente, do exame das causas e dos efeitos sociais das normas jurídicas, numa
investida para responder a três questões principais: 1) por que se criar uma norma ou um
sistema jurídico?; 2) quais as consequências advindas do direito na vida social?; e 3) quais as
causas sociais que estão por trás da “decadência” do direito?
Em outras palavras, poderíamos dizer que a sociologia jurídica pretende investigar a
criação, a aplicação e a decadência do direito. Para tanto, vale-se de pesquisas empíricas e dos
métodos e técnicas descritos na unidade anterior.

A sociologia jurídica não se preocupa com o fenômeno jurídico em si, mas com o que o
antecede e com o que o sucede. O fenômeno jurídico é objeto de estudo da própria ciência
do Direito.

48
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
E vale uma última informação: ao realizar a pesquisa, o sociólogo do direito não se
propõe a realizar um julgamento, seja no sentido de valor ou mesmo no sentido da legalidade.
Seu objetivo será sempre o de compreender o fenômeno investigado, relatando como os
indivíduos percebem e reagem a ele.

2.1.1 Efeitos, eficácia e adequação interna das normas jurídicas

Quando falamos, no tópico anterior, que a sociologia jurídica se dedica a investigar as


causas e os efeitos sociais das normas jurídicas, indiretamente consagramos que este campo
disciplinar se volta de maneira sistemática para a dimensão da eficácia do direito.
Segundo Sabadell (2010), muitos conceitos são propostos para se pensar o impacto das
normas jurídicas no meio social, a exemplo de “eficácia”, “efeitos da lei”, “eficácia social”,
“efetividade”, “eficiência” etc. Utilizaremos aqui a proposta desenvolvida pela autora, para
quem a análise das repercussões sociais das normas jurídicas pode ser tomada a partir de três
perspectivas: efeitos da norma, eficácia da norma e adequação interna da norma. Então,
vejamos:

Quadro 3 - Efeitos, Eficácia e Adequação Interna das Normas Jurídicas

EFEITOS DA NORMA
Implica em qualquer repercussão observada na sociedade em função da norma jurídica.

EFICÁCIA DA NORMA
Diz respeito ao grau de cumprimento da norma no interior da prática social, isto é, será
eficaz a norma que é respeitada pelos seus destinatários (a chamada eficácia de preceito
ou eficácia primária) ou que, quando violada, é exemplarmente punida pelo Estado
(chamada de eficácia de sanção ou eficácia secundária).

ADEQUAÇÃO INTERNA DA NORMA


Relaciona-se com a capacidade da norma jurídica em alcançar a finalidade social
estabelecida pelo legislador quando de sua criação.

Fonte: Autoria Própria (2018).

49
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Para que você consiga compreender melhor, apresentar a seguir um exemplo clássico
trazido nos manuais de sociologia jurídica: a norma que estabelece rodízio de carros em
grandes centros urbanos.

Considere que, com a introdução da norma jurídica, o acesso a algumas vias, em certos
horários, será determinado pelo número final das placas dos veículos: carros com placas de
final ímpar circularão livremente segundas, quartas e sextas; carros com placas de final par, às
terças, quintas e sábados. Aos domingos, o rodízio não se aplica.
Suponha que, conforme justificativa do projeto de lei, o objetivo pretendido pelo
legislador residia na diminuição dos índices de poluição experimentados, pois, segundo
pesquisas, apurou-se que os automóveis eram os responsáveis por 90% da poluição do ar
naquela cidade. A norma previu ainda a aplicação de pena de multa para os cidadãos que não
a respeitasse. De certo, a edição da norma provocou acalorados debates, veiculação de
reportagens nos canais de comunicação, manifestações contrárias por membros da sociedade
civil e atos de apoio promovidos por ambientalistas. Todos esses comportamentos podem ser
considerados efeitos da norma, já que são repercussões diretas de sua edição.
Suponha, agora, que após entrar em vigor, a cidadã A deixou de circular com seu veículo
nas vias e nos horários proibidos pela lei, enquanto a cidadão B descumpriu a norma,
trafegando com seu veículo de final ímpar no sábado pela manhã. Autuado pela autoridade de
trânsito, o cidadão B teve que desembolsar uma quantia em reais a título de multa. Nas duas
situações, podemos falar em eficácia da norma jurídica, pois o seu cumprimento resta
comprovado. Na primeira situação, A cumpriu espontaneamente com o quanto disposto na
norma (eficácia de preceito / eficácia primária); e B, ao descumprir, foi exemplarmente
punido pelo Estado (eficácia de sanção / eficácia secundária). Se, ao descumprir, o cidadão B
não fosse sancionado, diríamos que a norma foi ineficaz.
Por fim, pense que, naquela cidade, as pessoas mais abastadas resolveram adquirir um
novo veículo, com o número final de placa diferente do que já possuía, a fim de transitar na
cidade todos os dias da semana. Nesta situação, embora a legislação esteja sendo cumprida, a
finalidade pretendida pelo legislador não será alcançada, uma vez que não haverá diminuição
nos índices de poluição. Ou seja, a norma jurídica em questão não terá adequação interna.
Sobre essa questão, Sabadell (2010) atenta para outros dois aspectos interessantes: as
normas simbólicas e a adequação externa da norma. Pela primeira, entende-se aquelas em que
o baixo grau de eficácia já poderia ser previsto quando de sua elaboração (ineficácia pré-
programada), mas que ainda assim são colocadas em vigência por um caráter pedagógico ou
em atendimento a demandas específicas de segmentos sociais. Como exemplo, ela cita a

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
penalização do assédio sexual, prevista no artigo 216-A do nosso Código Penal: “o próprio
legislador está ciente das poucas chances de eficácia da norma, mas decide criá-la para dar
uma mensagem à sociedade, para educar a população e para satisfazer reivindicações de
grupos de mulheres.” (SABADELL, 2010, p. 74).

Que outros exemplos de norma simbólica você consegue pensar, tomando


como referência o ordenamento jurídico brasileiro? A que demanda social elas atendem?

A outra circunstância trazida por Sabadell (2010), adequação externa da norma, refere-
se à avaliação dos objetivos da norma a partir de um elemento externo ao sistema jurídico,
seguindo critérios de “justiça”. O exemplo com o qual a autora ilustra a situação é a lei que
estabelece o valor do salário mínimo. Pensando a inadequação entre as necessidades básicas
dos indivíduos e os custos para mantê-la, tem-se que o valor do salário mínimo é bastante
baixo, revelando-se inadequado social e politicamente. “O juízo de valor sobre a adequação
externa da norma pertence, porém, ao campo da filosofia do direito, e não faz parte da
observação do direito positivo, realizado pela sociologia jurídica.” (SABADELL, 2010, p. 74).

Saiba mais: Em alguns casos, é possível medir a quota de eficácia (qE) da norma jurídica
em um dado espaço, por um determinado período. Aplicando o modelo desenvolvido por
Theodor Geiger (1947), após o emprego de pesquisa de campo que lhe permita a
produção dos dados necessários, você pode aplicar a fórmula qE = E / S, em que E expressa
os casos de eficácia e S o número total de situações típicas. Pense em situações que a
aplicação dessa fórmula lhe parece possível e útil!

Antes de terminar este assunto, é importante destacar para você alguns fatores que, se
observados, podem conferir uma quota de eficácia maior para as normas jurídicas. Os fatores
aqui apontados foram propostos com base em amplas pesquisas já realizadas no campo da
sociologia jurídica. Sabadell (2010) divide-os em dois grupos: fatores instrumentais, ou seja,
aqueles que dependem da atuação dos órgãos responsáveis pela elaboração e aplicação do
direito; e fatores referentes à situação social, isto é, aqueles vinculados às condições de vida
da sociedade, considerando um determinado momento histórico. Confira:

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quadro 4 – Fatores Instrumentais

FATORES INSTRUMENTAIS

Divulgação do conteúdo da norma na população pelos meios adequados.

Conhecimento efetivo da norma por parte de seus destinatários.

Perfeição técnica da norma.

Preparação dos operadores do direito.

Consequências jurídicas adaptadas à situação e socialmente aceitas.

Expectativa de consequências negativas


Fonte: Autoria Própria (2018)

Quadro 5 – Fatores Referentes à Situação Social

FATORES REFERENTES À SITUAÇÃO SOCIAL

Participação dos cidadãos no processo de elaboração e aplicação das normas.

Coesão social.

Adequação da norma à situação política e às relações de força dominantes.

Contemporaneidade das normas com a sociedade.


Fonte: Autoria Própria (2018)

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
2.2 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: OPERADORES
DO DIREITO

A formação em um curso de bacharelado em Direito oferece uma gama de opções


profissionais para os seus concluintes, isso porque a aplicação das normas depende da atuação
de agentes com conhecimentos técnicos e jurídicos. Esses profissionais, geralmente vinculados
ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo, ou ainda profissionais liberais, como os advogados,
são comumente chamados de “operadores do direito” e, nesta seção, vamos conhecer um
pouco mais sobre cada um deles.
Magistratura: no ordenamento jurídico brasileiro, apenas o Estado é legitimado para
dizer o direito e assim o faz, em regra, por intermédio dos/as juízes/as. Conforme Sabadell
(2010, p. 227-228), “os juízes não somente são encarregados da aplicação do direito, mas
também possuem a competência de dizer a ‘última palavra’ sobre um conflito jurídico”, pondo
fim à questão com uma decisão transitada em julgado.
A investidura no cargo se dá através de concurso público de provas e títulos e, para
garantir a atuação dessa categoria com isenção, a Constituição de 1988 consagra um sistema
de prerrogativas que vai desde uma alta remuneração (o teto salarial dos servidores públicos é
o subsídio dos ministros do STF) até elementos caracterizadores de independência pessoal e
profissional, como a vitaliciedade na investidura do cargo e a inamovibilidade, tudo isso com
a finalidade de evitar pressões e produzir decisões “neutras”.
Ademais, o exercício da magistratura pressupõe a observância de alguns princípios
fundamentais. Primeiramente, há de se destacar o princípio da inércia, pelo qual o juiz não
deve atuar caso não seja previamente provocado por quem de direito. Uma vez provocado,
entra em cena o principio da indeclinabilidade da função de julgar, pois, aos juízes, compete
apreciar todas as demandas que lhes são apresentadas, ofertando respostas adequadas e em
consonância com o texto constitucional e das normas infraconstitucionais.

[...] o juiz deve ser considerado como alheio (estranho) ao conflito (de
interesses e paixões) que julga; para tanto, o seu critério de decidir, aquilo
que dá justificativa ao que decide (discerne, escolhe), também deve ser
compreendido como imparcial: a lei precisa ser definida como
correspondente àquela vontade geral e abstrata do povo ou nação.
(ATTIÉ JR., 2012, p. 410).

No entanto, essa ideia de imparcialidade (e também a de neutralidade das decisões


discutida acima), conforme pesquisas realizadas no âmbito da sociologia jurídica, melhor
seriam enquadradas como ficções. Neste sentido, Sabadell (2010) destaca estudos que

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
apontam para as características sociais e as posições políticas e ideológicas dos magistrados
nos últimos anos. Esses trabalhos, além de apontar para a origem social da magistratura,
geralmente formada por membros das classes abastadas e de opinião conservadora, indicam
que a atividade profissional da magistratura é influenciada por fatores como a posição de
classe, a opinião política e a socialização jurídica, que confere aos juízes uma visão legalista e
autoritária da realidade social, promovendo uma dupla seletividade: na aplicação da lei,
quando tende a punir com maior rigor os desprivilegiados; e na interpretação da lei, quando
se utiliza da discricionariedade conforme suas opiniões políticas e ideológicas.

Obviamente, isto não significa que as sentenças dos magistrados sejam


obrigatoriamente “de classe”, parciais e discriminadoras. Porém, indica
que não pode ser excluída a eventualidade de uma atuação pouco
conforme com a imagem do juiz neutro diante dos conflitos sociais.
(SABADELL, 2010, p. 230).

Uma última nota sobre a magistratura: afora a atuação para o equacionamento de


conflitos e controvérsias, aos magistrados compete também a missão de efetivar os direitos e
garantias fundamentais encartados em nossa ordem jurídica.
Os membros do Ministério Público: de acordo com a redação constitucional, “o
Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis” (art. 127). Dotado de independência funcional e autonomia
administrativa e financeira, seus membros, os promotores e os procuradores de justiça, atuam
nas mais diversas áreas do direito como verdadeiros fiscais da lei, visando garantir os
pressupostos fundamentais do estado democrático de direito.
Cumpre destacar que o Ministério Público não pertence a nenhum dos três poderes
constituídos do Estado (executivo, legislativo e judiciário). Sua posição constitucional é de
plena independência, de modo que não pode ser instinto nem ter as suas atribuições
repassadas para outras instituições. Neste sentido, inclusive, alguns teóricos da ciência política
tendem a considerá-lo um quarto poder.
Suas funções institucionais estão previstas no artigo 129 da Constituição brasileira de
1988, dentre as quais destacamos a promoção da ação penal pública, da ação de
inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, e de
inquérito civil e ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos; a defesa
judicial dos direitos e interesses das populações indígenas; o controle externo da atividade
policial.

54
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Saiba mais: o Ministério Público pode ser da União, constituindo seus procuradores para
atuar em matéria federal; ou dos Estados, em que os promotores e procuradores atuam em
matérias relacionadas à justiça estadual.

Perceba, portanto, que ao Ministério Público não cabe atuar exclusivamente na esfera
criminal, como proposto muitas vezes no senso comum, em virtude de ser o titular exclusivo
da ação penal pública. Também, não assume, nesses casos, necessariamente um papel
acusador. Como fiscal da lei, o Promotor de Justiça deve ser livre para direcionar sua atividade
a partir das convicções advindas do conjunto probatório e das normas jurídicas previstas em
nosso ordenamento.
A investidura no cargo se dá, como acontece com os magistrados, por meio de concurso
público de provas e títulos, exigindo-se o grau de bacharel em Direito e, no mínimo, três anos
de experiência na atividade jurídica. A Constituição também prevê para esses profissionais um
sistema de garantias com vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, mas
igualmente prevê uma série de vedações, como o recebimento de honorários, percentagens ou
custas processuais; exercício da advocacia e atividade político-partidária; participação em
sociedades comerciais etc.
Percebemos, então, que o Ministério Público é uma instituição extremamente relevante
para a democracia e o Estado de Direito, capaz de minimizar as dificuldades de acesso à justiça
e fazer valer os direitos e garantias fundamentais dos/as cidadãos/ãs. Porém, como evidencia
Sabadell (2010), as pessoas que se encarregam de aplicar a lei nem sempre seguem, de maneira
inconteste, o disposto nas previsões legais. Portanto, precisamos atentar e ler criticamente a
atuação dos representantes desse órgão, de modo a investigar até que ponto eles não
incorporam os anseios punitivistas (quando da atuação criminal) e as desigualdades
estruturais de nossa sociedade.
Advocacia: aos advogados, compete a função de falar em nome dos representados,
defendendo os seus interesses. Porém, como adverte Barsalini (2012, p. 371), “a advocacia não
se limita somente à defesa de um interesse privado. Trata-se de função que compõe a própria
justiça, necessária ao equilíbrio de forças internas do Poder Judiciário.” Assim, podemos dizer
que, no exercício de suas funções, o advogado não somente contribui na postulação da decisão
final, buscando convencer o julgador de seus argumentos, como também presta um serviço
público, um múnus público, mesmo quando atua na defesa de interesses patrimoniais
privados. Neste sentido, “a atividade judicial do advogado não visa, apenas ou primariamente,
à satisfação de interesses privados, mas a realização da justiça, finalidade última de todo
processo litigioso.” (COMPARATO, 1993, p. 45).

55
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
a advocacia está incluída no título da Constituição Federal de 1988 que versa sobre a
organização dos poderes, sendo consagrada como uma das funções essenciais à justiça, da
mesma forma que o Ministério Público e a Defensoria Pública. Ademais, como preceitua o
art. 6º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, “não há hierarquia
nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público,
devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Além disso, é cediço que o exercício da advocacia é carregado de um forte valor social.
Por intermédio de suas práticas, o advogado é capaz de movimentar a máquina estatal e,
prioritariamente, as instituições que compõem o sistema de justiça, a fim de equacionar os
conflitos e satisfazer direitos e garantias fundamentais, possibilitando a distribuição da justiça
e a busca por uma cidadania plena. Para Sousa Júnior (1993, p. 130), a função social da
advocacia se fundamenta não apenas no cumprimento da lei, mas também na perseguição dos
ideais do direito e da justiça, de modo que “a compreensão dos deveres e a plena concretização
dos direitos dos advogados passam pela mediação de sua prática social, de sujeito
coparticipante do processo de reinstituição contínua da sociedade”.
Para inscrever-se como advogado, algumas condições são necessárias. Elas estão
expostas no artigo 8º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, quais
sejam: capacidade civil; diploma ou certidão de graduação em direito, emitida por instituição
de ensino superior devidamente autorizada e credenciada pelo Ministério da Educação –
MEC; título de eleitor e quitação com o serviço militar, no caso de brasileiros; aprovação em
Exame da Ordem; não exercício de atividades incompatíveis com a advocacia; idoneidade
moral; e prestação de compromisso perante o conselho.

Nem todo bacharel em direito é advogado. É a inscrição na Ordem dos Advogados do


Brasil (OAB) o ato constitutivo da condição de advogado.

Nos últimos anos, o Brasil vem experimentando um aumento significativo de faculdades


de direito e, via de consequência, na quantidade de advogados/as lançados ao mercado. Em
2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou pesquisa apontando o Brasil como o
país com mais cursos de direito no mundo: foram 1.240 cursos catalogados, enquanto que a
soma total de faculdades de direito de outros países como China, Estados Unidos e toda a
Europa era de 1.100 cursos.

56
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Ademais, de acordo com o Censo da Educação Superior, apenas no ano de 2015, foram
105.317 novos bacharéis formados, 88% deles em faculdades particulares. E, em 2016, o
Conselho Federal da OAB divulgou que o número total de advogados no país ultrapassava a
casa de um milhão de profissionais, o que vinha sendo estimado para ocorrer apenas em 2018.
Sabadell (2010) chama atenção para o fato de que as grandes variações entre o número de
advogados nos diferentes países estão associadas à tendência de suas populações em resolver
as questões de forma amigável ou se valendo dos auspícios do Estado, o que requer a
intervenção dos profissionais do direito.
Esses números têm despertado intensos debates sobre a qualidade dos cursos e dos
profissionais por eles formados, sobretudo porque o bom exercício da advocacia pressupõe
um bom preparo técnico, resultante da conjugação da prática forense com o aprendizado
teórico, sempre atualizado de modo a atender ao dinamismo do direito e das nossas relações
sociais que lhes servem de base.
Contudo, esta não é a única dificuldade imposta hodiernamente ao exercício da
advocacia. Associa-se a ela todas as mazelas do sistema de justiça, da qual a morosidade parece
ser a mais evidente, além do avanço tecnológico e do intenso processo de globalização, que
exige cada vez mais um profissional flexível, com visão interdisciplinar, capaz de se adaptar a
diferentes contextos de trabalho e culturas, algo que ainda passa ao largo dos nossos cursos
arraigados numa tradição positivista e tecnicista.

Assista ao vídeo “O futuro do direito”, uma fala de Gabriel Senra para o TEDx, disponível
no YouTube. Em seguida, reflita e discuta com os seus colegas acerca do futuro da
advocacia. Link para acesso: <https://www.youtube.com/watch?v=0Oo26QvRY1k>.

Polícia: embora a formação em direito não seja uma exigência a todos os cargos das
Polícias (apenas os delegados devem comprovar tal formação), Sabadell (2010) apresenta os
policiais das várias corporações como um grupo numeroso de operadores do direito. Segundo
a autora, “a polícia participa de forma decisiva na aplicação do direito, enquanto corpo
organizado que se encarrega do controle social nos seus aspectos mais “fortes” (repressivos).”
(SABADELL, 2010, p. 237-238). Para ela, é a polícia a responsável por realizar a primeira
seleção dos casos que devem ingressar no sistema de justiça, fazendo com que o modo e a
direção da aplicação do direito, bem como o seu grau de eficácia, principalmente na área
penal, dependa de sua atuação.

57
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Conforme o artigo 144 da Constituição brasileira de 1988, segurança pública é dever do
Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio exercida através da polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpos
de bombeiros militares.

Cumpre destacar que às polícias militares competem as funções de policiamento


ostensivo, preventivo e de preservação da ordem pública, enquanto as polícias civis dedicam-
se às funções de polícia judiciária, consubstanciada na apuração e elucidação dos crimes e de
seus autores.
Sabadell (2010) chama atenção, ainda, para as condições de trabalho das corporações
policiais, marcadas por grandes perigos, vulnerabilidades e, muitas vezes, por conflitos éticos
que desencadeiam casos de corrupção e violência ilegal. Segundo esta autora, em países em
desenvolvimento e com altos índices de desigualdade social, como é o caso do Brasil, três
principais problemas são recorrentes quando da atuação policial: a violência letal; os métodos
violentos utilizados em interrogatórios; e a corrupção dos integrantes da polícia.

Assista ao filme “Justiça”, um documentário de Maria Augusta Ramos, disponível no


YouTube. Enquanto assiste, busque observar como se comportam os operadores do
direito e refletir sobre as dificuldades encontradas pelos cidadãos para acessar as
instituições que compõem o sistema de justiça. Anote suas percepções em seu caderno e
discuta com seus colegas em sala de aula.
Link para acesso: <https://youtu.be/qUWZHNWcj7U>.

58
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
2.3 SOCIOLOGIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO: ACESSO À
JUSTIÇA

O acesso à justiça é considerado por muitos estudiosos como um pressuposto


fundamental para a concretização dos direitos e garantias fundamentais. Neste sentido,
Cappelletti e Garth (2002, p. 8) sustentam que “sem dúvida, uma premissa básica será a de que
a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso
efetivo.” Na mesma linha de entendimento, Sousa Santos (1989) consagra a expressão “direito
charneira” para caracterizar o direito de acesso à justiça, pois, segundo ele, “a consagração dos
novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar
transformou o direito de acesso à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação
acarretaria a de todos os demais.” (SANTOS, 1989, p. 45).

Não obstante o direito de acesso à justiça esteja encartado em diversas declarações


internacionais de direitos, inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
defini-lo não é algo fácil, embora seja bastante útil para se pensar em duas finalidades básicas
do sistema jurídico, quais sejam: (1) ser o sistema por meio do qual as pessoas podem
reivindicar seus direitos; e/ou 2) equacionar os litígios sob os auspícios do Estado.
(CAPPELLETTI; GARTH, 2002).
Nas Ciências Sociais, os estudos que destacam a importância do sistema de justiça
emergem a partir da década de 1980, em virtude da preocupação com a questão dos direitos
humanos e com o processo de redemocratização (SADEK, 2002). Desde então, uma intensa
produção literária sobre o tema tem se construído no Brasil e no mundo. Nesses estudos, é
comum perceber a distinção entre dois conceitos:

a) acesso formal à justiça, que pressupõe o reconhecimento dos direitos pelo

Estado (e, no caso específico, do direito de acesso à justiça) através da sua

formalização em leis;

b) acesso efetivo à justiça, que diz respeito à existência de mecanismos e

estratégias para transformar o acesso formal em acesso real à justiça.

59
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
No ordenamento jurídico brasileiro, o direito formal de acesso à justiça aparece
consignado na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXXV, LIV
e LV.

Buscando facilitar o seu entendimento acerca desses dois conceitos, atente-se para o
exemplo seguinte:

A legislação brasileira garante a todas as mulheres o direito humano a uma vida sem
violência, possibilitando o acesso formal à justiça em casos de violação. Contudo, ainda que
tenha passado por vários episódios de violência, muitas mulheres não acionam o sistema de
justiça por diversos motivos, que vão desde a descrença nas instituições até o medo de sofrer
novas represálias. Ou seja, mesmo garantido em lei (acesso formal), nem sempre há a
possibilidade real de se pedir a proteção judiciária (acesso efetivo). Por tal razão, a Lei
11.340/2006 – Lei Maria da Penha criou uma série de medidas e estratégias no intuito de
reforçar o direito de acesso à justiça para as mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.
Para além dessas duas abordagens, Sousa Júnior (2008) propõe um conceito ampliado
de acesso à justiça, pelo qual este deve ser compreendido como um estado de direitos
assegurados, sobretudo porque a institucionalidade do acesso à justiça no Brasil ainda carrega
resquícios da herança colonial, com traços de patrimonialismo, sexismo e patriarcalismo que
ensejam visões criminalizadoras dos sujeitos sociais. Assim, é necessário um aprofundamento
do debate sobre acesso à justiça e reforma do judiciário, abrindo espaços para diálogo com
movimentos sociais.
As três concepções aqui apresentadas de acesso à justiça podem ser melhor apreendidas
pela figura 5, disposta a seguir:

Figura 5 - Concepções de Acesso à Justiça

Fonte: Autoria Própria (2018)

60
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
É de se destacar também que nem todos os cidadãos gozam de igualdade de
oportunidades no que diz respeito ao acesso às instituições que compõem o sistema de justiça.
Sabadell (2010) divide em quatro categorias as barreiras de acesso efetivo à justiça. São elas:

a) barreiras econômicas: dentre as quais se destacam os altos custos do processo;

b) barreiras sociais: desconfiança no sistema de justiça; medo de ruptura de

relações sociais e de sofrer represálias;

c) barreiras pessoais: ligadas à falta de informações sobre direitos de proteção

judiciária e sobre as possibilidades de assistência gratuita; inferioridade

cultural, que dificulta a comunicação com juízes e advogados;

d) barreiras jurídicas: duração excessiva do processo; incerteza em relação ao

resultado; distância geográfica do tribunal; número limitado de juízes e

promotores; incompetência profissional e psicológica de advogados.

(SABADELL, 2010).

Diante dessas barreiras, uma série de medidas vem sendo adotadas pelos Estados, a fim
de resolver o problema de acesso desigual às instituições judiciais. Dentre as tentativas de
reforma, as principais são a criação de procedimentos alternativos para a solução de conflitos;
o aumento do número de juízes e de tribunais; e os seguros jurídicos ou planos de convênio de
proteção jurídica:
[...] oferecidos por seguradoras particulares, sindicatos, grandes empresas
e associações de consumidores. Os interessados pagam um determinado
prêmio e a seguradora lhes proporciona serviços jurídicos, por meio de
advogados conveniados ou de sistemas de “livre escolha”.
(SABADELL, 2010, p. 249).

Na prática, como o profissional do Direito pode contribuir efetivamente para a


minimização das desigualdades sociais e ampliação do acesso à justiça no Brasil?

61
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
2.4 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DIREITO

Finalizando a seção que versa sobre a Sociologia Jurídica, optamos por tratar da relação
entre o Direito e uma das mais significativas categorias analíticas das Ciências Sociais – a
classe social. Isto porque ela nos possibilita refletir acerca da desigualdade, produtora de
profundas transformações no que diz respeito não apenas à distribuição de bens materiais,
como também de bens culturais, oportunidade de acesso a serviços e recursos tecnológicos
etc.
Na visão de Eduardo Iamundo:

[...] a desigualdade social não escaparia do campo do Direito. A


desigualdade social, aqui, é mais significativa, pois desde a linguagem até
o aparato ritualista, impõe-se, de tal modo, que o entendimento pela
maioria é de que a justiça é para poucos. O sentimento produzido não
pode ser outro, a distribuição desigual da justiça gera tanto a
desconfiança por parte das pessoas quanto a percepção de, uma vez
injustiçadas, encontram-se desamparadas. (IAMUNDO, 2013, p. 112).

Contudo, para melhor entender este debate, é fundamental que se trace primeiramente a
distinção entre as duas principais abordagens sociológicas do conceito de classe social: a
primeira, de inspiração marxista e denominada abordagem qualitativa; e a segunda,
inspirada na teoria compreensiva weberiana, denominada abordagem quantitativa.
Os seguidores da tendência marxista defendem a classe social como resultado das
características do modo de produção predominante em cada sociedade, de modo que é a
relação dos indivíduos com os meios de produção que definirá o seu lugar na estrutura social.
Para esses teóricos, em todos os modos de produção era possível perceber a existência de duas
classes sociais principais: aquela formada pelos detentores dos meios de produção e os
despossuídos, que seriam por eles explorados. Se pensarmos nas sociedades capitalistas
modernas, portanto, burgueses e proletários.
Já os seguidores da tendência weberiana consideram uma pluralidade de critérios para
definir o status social do indivíduo: grau de instrução formal, nível de renda, profissão, local
de moradia, religião, padrões comportamentais, prestígio social, dentre outros, sendo que, em
última análise, prevalece “o critério da renda dos indivíduos, já que critérios como profissão, o
nível educacional e o prestígio social são estreitamente relacionados com a renda”.
(SABADELL, 2010, p. 214). Isso significa, para Iamundo (2013), que na abordagem
quantitativa o parâmetro para a fixação da classe social de um indivíduo reside em sua
capacidade de competição diante do mercado.

62
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
O quadro a seguir procura sistematizar essas informações:

Quadro 6 – Abordagem Qualitativa e Quantitativa para Fixação da Classe Social

ABORDAGEM QUALITATIVA ABORDAGEM QUANTITATIVA

Critério de definição é a relação de Critério múltiplos: grau de


cada grupo com os meios de educação, nível de renda, profissão,
produção; religião, espaço de moradia,
comportamento etc.;
Resultado das características do
modo de produção predominante Oportunidades e estilo de vida
em cada sociedade; como critérios principais;
Duas classes principais: proprietários Prevalência do critério renda: nível
dos meios de produção e os por eles de renda mede a diferença de
explorados. classe.
Fonte: Autoria Própria (2018).

Sabadell (2010) refere-se ainda a uma abordagem objetiva e uma abordagem subjetiva
da classe social, sendo a primeira aquela que adota um critério objetivo para a sua definição,
materializado na posição do indivíduo na estrutura de produção, sem importar o modo como
ele pensa e age em relação a isso. Já a abordagem subjetiva leva em consideração um critério
subjetivo, consubstanciado na ideia de “consciência de classe”. É dizer, questiona se os
indivíduos são conscientes de sua posição de classe e, no caso do operariado, se lutam contra a
sua exploração. No entanto, a própria autora destaca que, no campo da Sociologia, os
pesquisadores tendem a adotar com maior frequência a perspectiva objetiva.

2.4.1 Desigualdade, mobilidade e a perspectiva da sociologia jurídica

Todas as sociedades se encontram socialmente divididas em grupos superpostos ou


hierarquizados, deixando evidente uma desigualdade social. “Os indivíduos são distribuídos
em diferentes grupos (camadas ou estratos sociais), que apresentam uma relativa estabilidade
e ocupam uma posição diferente na hierarquia social.” (SABADELL, 2010, p. 216).
Contudo, é consenso entre os cientistas sociais que, não obstante a relativa estabilidade
na hierarquia social enunciada pela autora, é possível observar processos de mudança de classe
social em algumas sociedades. Daí se falar em sociedades com estratificação social aberta e

63
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
fechada. As sociedades com estratificação social fechada são caracterizadas pela imposição de
limites sociais e legais quase que intransponíveis, o que faz com que os indivíduos não
consigam mudar a sua posição na estrutura social. O sistema de castas observado na Índia é
um bom exemplo.

O sistema de castas da sociedade indiana é uma importante divisão social inspirada no


hinduísmo. Nela, encontramos cinco castas: brâmanes, sacerdotes e letrados, representam
a casta mais elevada e se consideram nascidos da cabeça do deus Brahma; xátrias,
guerreiros detentores de poder político; vaixás, composta pelos comerciantes; sudras,
formada por servos, camponeses, artesãos e operários; e os párias, sem casta, constituem o
grupo marginalizado da sociedade. Embora a Constituição do país rejeite a discriminação
com base na casta, seus pressupostos são evidentes até hoje, principalmente em
comunidades rurais.

Já nas sociedades de estratificação social aberta, caso típico das sociedades capitalistas
modernas, é possível observar o processo de mobilidade social, isto é, a alteração do status
social dos indivíduos. Esta, por sua vez, pode ser de dois tipos (como mostra a figura 7 a
seguir): horizontal, quando o indivíduo experimenta uma melhora em suas condições de
vida, mas não o suficiente para ascender na escala social; e vertical, quando experimenta
efetivamente uma alteração de classe social.

Figura 6 – Tipos de Mobilidades Sociais

Fonte: Autoria Própria (2018)

Neste ponto, é fundamental pensar a distinção proposta por Ana Alice Costa (s/d) entre
condição e posição. Para esta pesquisadora, condição é o estado material no qual se encontra

64
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
o sujeito (pobreza, salário baixo, desnutrição, falta de acesso à saúde etc.), enquanto a posição
é o status econômico, social e político do sujeito. Podemos dizer, portanto, que na mobilidade
horizontal há uma alteração na condição do sujeito e na mobilidade vertical o que se muda é a
sua posição.
Segundo Sabadell (2010), os processos de mobilidade social são estatisticamente
limitados no sistema capitalista e o direito, mesmo não trazendo limitações expressas, acaba
por favorecer uma certa imobilidade social ao defender uma pretensa neutralidade, ignorando
a existência das classes sociais e garantido as condições jurídicas para o desenvolvimento do
sistema capitalista. Confrontando a ideia de um direito “neutro”, a autora alerta para o
compromisso da sociologia jurídica em investigar três questões principais:

a) Por que o direito moderno não leva em consideração as classes sociais


existentes?
b) Como incidem os interesses de cada classe para a formação do sistema
jurídico?
c) Qual a influência de classe social para a aplicação do direito?

(SABADELL, 2010, p. 212)

Neste diapasão, Sabadell (2010) sustenta que o sistema jurídico acaba por representar
sempre os interesses dos mais fortes, sobretudo com a proteção da propriedade privada,
favorecendo, na prática, a desigualdade social. Sendo assim, devemos estar atentos não
apenas aos processos de elaboração de leis, mas também ao tratamento dispensado pelo
sistema de justiça quando da aplicação do direito, que tende a privilegiar os membros das
camadas superiores da sociedade e afastar os mais pobres da proteção judiciária.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002.

65
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01
(CESPE 2010) Na perspectiva da sociologia jurídica:

a) o direito é um aprimoramento do caráter humano.


b) o direito é uma função da sociedade.
c) o direito é proveniente de uma autoridade bem formada (Deus, Natureza ou Razão
humana).
d) Deus e a Natureza são objetos de estudo, porque o são de todas as áreas relacionadas
ao direito.
e) a lei escrita é objeto de estudo.

QUESTÃO 02
(CESPE 2016 - Adaptada) Quanto à sociologia jurídica, julgue os itens que seguem em Certo
ou Errado.

( ) A afirmação de que, no funcionamento da sociedade, o conflito é permanente, pois a


interação social é sempre conflituosa, é uma premissa sociológica. Por meio dela, considera-se
que o direito não é capaz de resolver conflitos, já que estes não desaparecem do contexto
social e podem, ainda, provocar novas situações conflituosas.
( ) A sociologia jurídica, como ciência autônoma, busca compreender as causas sociais das
normas jurídicas; os efeitos dessas normas são estudados por outros ramos das ciências
humanas.
( ) Na ciência do direito, assim como nas ciências naturais, as leis têm característica
prescritiva.
( ) Sendo um campo de conhecimento e de prática social dinâmico, o direito se renova à
mesma velocidade com que as mudanças sociais ocorrem.
( ) O frequente uso desproporcional da força pelos agentes de diversas forças de segurança
no Brasil constitui um tema de estudo dos direitos humanos mais relevante no campo da
sociologia jurídica no Brasil.

QUESTÃO 03
(CESPE 2016 - Adaptada) Em relação às dificuldades para uma prestação jurisdicional
mais efetiva no Brasil, julgue os itens seguintes em Certo ou Errado.

66
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
( ) É correto afirmar que processo justo, como meio de acesso à justiça, é aquele que realiza
uma composição da lide que satisfaça a concepção média da sociedade em torno do justo e
que cumpra a contento a meta da paz.
( ) Uma das alternativas que se observa atualmente no direito para agilizar sua utilização
consiste na construção e valorização de outros instrumentos para a solução dos conflitos, que
propiciam acesso eficiente, rápido e menos burocrático à justiça.
( ) No Brasil, o acesso à justiça, constitucionalmente previsto no capítulo que trata dos
direitos e garantias individuais e coletivos, é formulado da seguinte forma: “A lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
( ) A ideia de tornar a justiça mais efetiva deve ser entendida como um problema concreto e
específico, independentemente da eliminação de eventuais obstáculos à tutela processual dos
direitos, como, por exemplo, fatores econômicos, sociais ou políticos.
( ) A partir do século XIX, polícia e justiça passaram a se preocupar com os limites do
exercício do poder do Estado e a defender o exercício da cidadania como eixos
fundamentais de sua atuação, com vistas à construção de um efetivo Estado democrático
de direito.

QUESTÃO 04
(CESPE 2016 - Adaptada) Com referência aos conceitos de estrutura, classe e status,
julgue os itens subsequentes.

( ) A redistribuição vertical de renda ocorre entre diferentes classes de renda, enquanto a


distribuição horizontal ocorre dentro da própria classe de renda.
( ) A estrutura do sistema social é constituída a partir do momento em que os seus
indivíduos interiorizam e reproduzem modelos culturais normativos do sistema.
( ) Integrantes de determinado status social podem ser oriundos de classes sociais
diversas.
( ) A afirmação constitucional de igualdade de todos perante a lei ocorreu paralelamente à
diminuição das desigualdades e ao enfraquecimento da hierarquia em grande parte das
interações sociais nos espaços públicos.

QUESTÃO 05
(OAB 2007 - Adaptada) Acerca do exercício da advocacia no Brasil, analise as

proposições a seguir.

67
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
I. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
II. No processo judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao
seu constituinte, ao convencimento do julgador, mas seus atos não constituem múnus
público.
III. Para inscrever-se como advogado são necessárias algumas condições, dentre as
quais se destacam a capacidade civil, graduação em Direito em instituições
oficialmente autorizadas e credenciadas e aprovação em exame de ordem.
IV. A atividade do advogado é indispensável à administração da justiça. Porém,
quando atua na defesa de interesses patrimoniais privados deixa de exercer função
pública.

Das proposições acima, estão corretas:

a) I e II
b) I e III
c) III e IV
d) I, II e III
e) II, III e IV

QUESTÃO 06
Observe a charge e a notícia trazidas abaixo:

Fonte: Disponível em: <http://in-justicabrasileira.blogspot.com/2014/>. Acesso em: 15 jan. 2018

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Cármen manda Goiás fornecer remédio a criança com atrofia muscular Tribunal de
Justiça Estadual já havia dado liminar para que a Secretaria de Saúde bancasse o tratamento
prescrito por médico que alertou para a possibilidade de morte da paciente, caso não fosse
iniciado.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou
pedido do Estado de Goiás para que fossem suspensos os efeitos de uma liminar deferida pela
Justiça goiana que determinou ao secretário de Estado da Saúde fornecer a uma criança o
medicamento Spinraza (nusinersen), para tratar de atrofia muscular espinhal. Ao indeferir
liminar na Suspensão de Segurança 5192, a ministra afirma que a concessão da medida
“configuraria dano inverso” e poderia levar à morte da menor, que nasceu em setembro do
ano passado.
Fonte: Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/carmen-manda-goias-fornecer-
remedio-a-crianca-com-atrofia-muscular/>.

Em nossa sociedade contemporânea, a negativa de direitos e garantias fundamentais é


uma constante. Em razão disso, o direito de acesso à justiça está entre as nossas grandes
preocupações, não se limitando à simples petição ao Poder Judiciário, mas ao direito de uma
pronta e efetiva resposta, em um prazo razoável, além do julgamento imparcial por um juiz ou
tribunal, à observância do devido processo legal e às demais garantias processuais e
constitucionais. A partir da charge e do caso citado, construa um texto dissertativo em que se
apresente:

a) os principais entraves postos à consecução do direito de acesso à justiça;


b) as estratégias que vêm sendo adotadas pelo Estado brasileiro no sentido de superá-
las;
c) o papel da advocacia e como os advogados podem contribuir para a minimização
das desigualdades sociais no Brasil.

69
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ANTROPOLOGIA GERAL

71
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ANTROPOLOGIA GERAL

A partir desta seção, seguiremos dialogando com outro campo disciplinar das Ciências

Sociais: a Antropologia que, assim como a Sociologia, agrega uma quantidade muito
significativa de conhecimentos para os profissionais do Direito. Adotaremos a mesma
perspectiva desenvolvida na primeira parte deste módulo, concentrando os esforços iniciais
em apreender o método e objeto dos estudos antropológicos; seu processo histórico de
consolidação enquanto uma ciência humana e social, perpassando pelas contribuições das
suas principais escolas e destacando alguns de seus principais conceitos.

72
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
3.1 A CONSTITUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA ENQUANTO
CIÊNCIA

Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

(Oswald de Andrade)

Oswald de Andrade, grande escritor brasileiro do século passado, buscou, neste escrito,
relatar a delicada relação entre os índios nativos e os brancos portugueses quando da
colonização do Brasil, destacando todo um processo de imposição cultural, em que os verbos
vestir e despir sugerem uma relação de poder entre um povo dominante e aquele que viria a
ser dominado. Este é, decerto, um exemplo bastante emblemático da história do nosso país,
mas não configura um caso isolado. Em toda a história da humanidade, incontáveis contatos
entre povos de culturas distintas puderam ser observados, envolvendo, em muitos deles,
guerras épicas com muita dor e sofrimento.
Neste caminho, a Antropologia começa a se constituir como uma ciência humana e
social voltada para o conhecimento da diferença e da alteridade, interessando-se sobremaneira
por valores, regras, tradições, crenças, símbolos e tudo o mais que revele o ser humano em sua
inteireza. Assis e Kümpel (2011, p. 14), utilizando a categoria homem como sujeito universal,
afirmam que “os antropólogos, de modo geral, entendem que a antropologia visa conhecer o
homem inteiro, o homem em sua totalidade, isto é, em todas as sociedades e em todos os
grupos humanos.”
Laraia (2005a) explica que a Antropologia surgiu no início do século XIX como uma
ciência natural, influenciada pelas ideias biológicas desenvolvidas ao longo do século XVIII e
que tiveram seu ápice com a publicação da obra Origem das Espécies, de Charles Darwin, em
1849. Naquele momento, foi “definida como a ciência comparativa do homem, que trata de
suas diferenças e das causas das mesmas, no que se refere à estrutura, função e outras
manifestações da humanidade, segundo o tempo variedade, lugar e condição.” (LARAIA,
2005a, p. 322). Somente na sexta década do século XIX que a Antropologia começou a se

73
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
transformar em uma ciência social, principalmente em razão dos trabalhos de teóricos
evolucionistas britânicos, num processo que se consolidou já no século XX, com o
desenvolvimento da teoria da cultura.

Saiba mais sobre a trajetória da Antropologia lendo o artigo completo do Professor Roque
de Barros Laraia. Segue a referência:
LARAIA, Roque de Barros. Da ciência biológica à social: a trajetória da antropologia no
século XX. Habitus, Goiânia, v. 3, n. 2, p. 321-345. Jul./dez. 2005.

Na esteira deste entendimento, a Antropologia assume um tríplice aspecto, sendo uma


ciência social, visto que busca conhecer o ser humano como indivíduo integrante de
comunidades, sociedades e grupos organizados; ciência humana, à medida que investiga o ser
humano em seus aspectos culturais e simbólicos; e uma ciência natural, quando promove seus
estudos partindo das características anatômicas e fisiológicas dos seres humanos. (ASSIS;
KÜMPEL, 2011).
Ademais, não podemos perder de vista que, para se constituir como campo científico, a
disciplina deve apresentar método e objeto de estudo próprio, de modo que, ao nos
depararmos com a visão mais senso comum da Antropologia como a ciência que estuda o
homem, devemos indagar quais as especificidades que a diferencia das demais ciências que
têm o homem como objeto de estudo. A figura 8, exposta a seguir, além de indicar o objeto e o
método dos estudos antropológicos, evidencia o seu paradigma, ou seja, a ideia-chave que
orienta as suas observações:

Figura 7 - Objeto, Método e Paradigma da Antropologia

Fonte: Autoria Própria (2018)

74
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Os cientistas do século XIX já demonstravam preocupação com as diferentes expressões
culturais observadas entre os agrupamentos humanos, o que se consolidou e fez com que
defendamos o estudo do outro, da diferença, como o objeto da Antropologia, assim como
demonstra a figura 7. Em outras palavras, podemos dizer que o objeto de estudo da
Antropologia é a alteridade humana.

Alteridade é a qualidade do que é diferente e tal conceito guarda relação direta com o
processo de interação e socialização humana no convívio entre o “eu” e o “outro”. Por isso
dizer que a Antropologia pressupõe um retorno reflexivo: busca-se conhecer os outros
para conhecer a si próprio.

Sobre o método utilizado na Antropologia, dedicaremos uma seção futura para o seu
detalhamento. Por agora, basta dizer que os estudos etnográficos pressupõem um rico
trabalho de campo, consubstanciado na inserção do sujeito cognoscente no universo
pesquisado de maneira ativa e por um lapso temporal considerável.
A figura 7 aponta ainda o conceito de evolução como paradigma norteador da
Antropologia. Segundo Siqueira (2007), evolução significa:

[...] processo de desenvolvimento natural, biológico e espiritual no qual


toda a natureza, com seus seres vivos ou inanimados, se aperfeiçoam
progressivamente, realizando novas capacidades, manifestações e
potencialidades. (SIQUEIRA, 2007, p. 13).

Para fechar essas notas introdutórias acerca da Antropologia, é importante lhe informar
que esta ciência também apresenta ramificações, a partir do modo como se desenvolvem os
problemas e as técnicas para a produção do conhecimento. Os cientistas sociais tendem a
identificar três áreas de produção antropológica: antropologia biológica, antropologia social e
cultural e arqueologia. Veja o quadro a seguir para melhor entender o foco atribuído por cada
uma dessas áreas:
Quadro 7 - Três Áreas de Produção Antropológica

BIOLÓGICA SOCIAL E CULTURAL ARQUEOLOGIA


Variações dos Cultura do grupo social, Vestígios materiais de
caracteres biológicos o que abrange culturas desaparecidas.
dos seres humanos no símbolos, costumes,
tempo e no espaço. língua, religião, direito
etc.

Fonte: Autoria Própria (2018)

75
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3.2 ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS

Acabamos de ver que a Antropologia se encontra dividida em três grandes áreas, sendo
que é a Antropologia Social e Cultural a que mais nos interessa enquanto estudantes de
Direito. Assim, a partir deste momento, voltaremos o nosso olhar para esta ramificação
específica, analisando as contribuições dos seus principais teóricos, aqui separados pelas
correntes de pensamento a que se filiaram.
A primeira escola do pensamento antropológico a se consolidar, ainda na segunda
metade do século XIX, foi denominada de Evolucionismo Social (ou Evolucionismo Cultural,
como preferem alguns autores). Embora a ideia de evolução como explicação para a
diversidade de culturas humanas não seja uma decorrência direta da noção de evolução
biológica, como faz questão de acentuar Castro (2005a), o pensamento de Charles Darwin
sobre a origem das espécies exerceu forte influência na construção do pensamento dos
seguidores dessa escola clássica.
Darwin argumentava que todas as espécies a que se tinha conhecimento passaram por
um lento desenvolvimento que seguia de formas de vida anteriores em um processo de seleção
natural, pela qual se evidenciava a capacidade que certos seres vivos possuíam de sobreviver
ao longo do tempo, adaptando-se às circunstâncias impostas pelo meio. Ademais, segundo
Castro (2005a), nos idos de 1870, as pessoas letradas da Europa e da América do Norte já
aceitavam a ideia de evolução lançada por Darwin, associando-a ainda à noção de progresso,
que possibilitava a tese de uma hierarquia linear como princípio mais básico e geral dessa
corrente de pensamento.
A ideia de evolução, contudo, já havia sido defendida anteriormente pelo filósofo inglês
Herbert Spencer. A grande diferença entre o pensamento dos dois autores citados pode ser
compreendida a partir do enxerto a seguir:

Enquanto a teoria biológica de Darwin não implicava uma direção ou


progresso unilineares, as ideias filosóficas de Spencer levavam à
disposição de todas as sociedades conhecidas segundo uma única escala
evolutiva ascendente, através de vários estágios. Essa se tornaria a ideia
fundamental do período clássico do evolucionismo na antropologia.
(CASTRO, 2005a, p. 26).

Com base nessa ideia, os teóricos do evolucionismo social, entre os quais destacamos
Lewis Morgan, Edward Tylor e James Frazer, defendiam que os grupos humanos se
desenvolveram mais ou menos rapidamente em uma mesma direção, partindo de estágios
mais simples para estágios mais complexos, orientados pelas tecnologias utilizadas para a

76
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
produção da sobrevivência material, da organização política e familiar e da concepção de
propriedade. Desta forma, trabalhavam com uma noção de que todas as sociedades que
existiram no passado como as que conviviam contemporaneamente partiram de um mesmo
estágio evolutivo e propuseram um conceito de cultura única, sendo as diferenças existentes
entre os povos explicadas pelo pertencimento aos diferentes estágios de evolução.

Lewis Morgan (1818-1881), grande expoente da escola evolucionista, propagava a


existência de uma linha evolutiva com três estágios (selvageria, barbárie e civilização),
segundo a qual era possível classificar toda a humanidade.

Em resumo, a perspectiva evolucionista na Antropologia fundamentava-se em um


raciocínio primordial, qual seja: “reduzir as diferenças culturais a estágios históricos de um
mesmo caminho evolutivo” (CASTRO, 2005a, p. 27), deixando patente o viés etnocêntrico
deste esquema geral, entendendo o etnocentrismo como a prática de “supervalorizar a própria
cultura e considerar as demais como inferiores, selvagens, bárbaras e atrasadas.” (ASSIS;
KÜMPEL, 2011, p. 16)).

Pense em situações do seu cotidiano que poderiam ser configuradas como uma clara
posição de intolerância e etnocentrismo.

Nos anos seguintes, principalmente a partir dos trabalhos do geógrafo e físico alemão
Franz Boas, desenvolveu-se uma nova tradição do pensamento antropológico intitulada
Escola Americana de Antropologia ou Culturalismo. Seus expoentes fizeram uma dura
oposição aos pressupostos evolucionistas, abandonando a perspectiva de uma cultura única
em diferentes estágios de evolução para propor pensar um relativismo cultural, segundo o
qual não era possível compreender, interpretar ou avaliar de maneira consistente os
fenômenos sociais senão com base no papel que eles desempenhavam no sistema cultural.

A introdução do relativismo cultural pela Escola Americana de Antropologia foi decisiva


para a ruptura de uma visão de cultura única para uma perspectiva de cultura no plural.

Para os adeptos desta escola, cada cultura poderia seguir um rumo particular, devendo o
antropólogo se ocupar em analisar os processos sociais que fazem com que determinada

77
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
cultura adquira a sua forma. O interesse, portanto, já não era mais o de construir um grande
esquema explicativo que abarcasse todas as culturas humanas, mas o de questionar a
variedade e os processos de mudança cultural.
No mais, como chama atenção Castro (2005b), a crítica de Boas ao evolucionismo
voltou-se mais diretamente ao seu método do que à teoria propriamente dita. Para ele, antes
de consignar que fenômenos sociais aparentemente semelhantes tivessem causas em comum,
era necessário investigar se eles não teriam se desenvolvido de maneira independente ou sido
transmitidos de um povo para outro. Neste sentido, Boas propõe um novo método para a
pesquisa antropológica, que ficou conhecido como particularismo histórico.

O novo “método histórico”, por ele defendido em oposição ao


comparativo, exigia que se limitasse a comparação a um território restrito
e bem definido. A precondição para o estabelecimento de grandes
generalizações teóricas e a busca de leis gerais seria, portanto, o estudo de
culturas tomadas individualmente e de regiões culturais delimitadas.
(CASTRO, 2005b, p. 16)

Paralelamente as proposições advindas de Boas e os demais filiados à Escola Americana


de Antropologia, cientistas sociais na Inglaterra também questionavam os ideais
evolucionistas, fazendo emergir a Escola Inglesa de Antropologia Social.
Alfred Radcliffe-Brown e Bronislaw Malinowski foram os maiores responsáveis por
impulsionar os estudos dessa escola e, diferentemente da tradição americana, pautaram-se em
uma posição não historicista. A ideia desses autores reside na tentativa de explicar os
fenômenos sociais em termos das suas funções: cada elemento da cultura volta-se ao
cumprimento de uma dada tarefa – ou função – no interior de uma estrutura social mais
ampla. O funcionamento da sociedade seria explicado, portanto, com base nas relações entre
suas partes ou de suas instituições sociais. Por tal razão, esta escola também ficou conhecida
como Funcionalista.

Segundo Siqueira (2007, p. 38), “a função de qualquer atividade se define como a


contribuição que esta atividade faz para a manutenção da continuidade estrutural.”

Por fim, destacamos os estudos produzidos pela Escola Sociológica Francesa, de


orientação positivista e objetivista, que “toma como postulado principal o descentramento do
sujeito e de sua subjetividade em nome de coletividades hipostasiadas, fontes de toda
explicação dos fenômenos sociais.” (SIQUEIRA, 2007, p. 42). É dizer, tanto nas sociedades

78
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
simples quanto nas modernas sociedades capitalistas, é o social – o fato social como
instituição coletiva – que exerce um poder determinante sobre o pensar, o sentir e o agir dos
indivíduos.
Os estudos dessa escola antropológica foram inicialmente impulsionados por nomes
como Émile Durkheim e Marcel Mauss. Porém, a partir da segunda metade do século XX, o
seu grande expoente passa a ser Claude Lévi-Strauss.

Fotografia 5 – Claude Lévi-Strauss

Claude Lévi-Strauss (1881-1973) foi um antropólogo e


filósofo belga, considerado o fundador da Antropologia
Estruturalista. Dentre suas principais obras, destacam-se
As estruturas elementares do parentesco (1949) e a
tetralogia Mitológicas. Ferrenho crítico da visão
histórica de supremacia da civilização ocidental, defendeu
que a mente do selvagem é igual a do ser humano
civilizado.

Fonte: Disponível em:<


Siqueira (2007) informa que a tese principal de Lévi-Strauss reside https://www.escritas.
org/pt/estante/claude-levi-
na busca pelas circunstâncias invariantes que podem ser observadas Strauss>
por trás das diferenças empíricas percebidas nas variadas sociedades.
Essas invariantes vão ser chamadas por ele de estrutura e teriam como característica maior o
fato de serem modelos inconscientes.

79
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
3.3 O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA

O conceito de cultura é, deveras, uma das principais ferramentas analíticas das ciências
sociais, ocupando um lugar de extrema importância nos estudos antropológicos e também de
áreas afins, como o Direito, que deles se apropriam para a melhor compreensão de seus
objetos. Por essa razão, nas linhas seguintes, apresentamos uma apertada síntese sobre a
conceito de cultura e de suas aplicações.
De pronto, cabe registrar que definir cultura não é uma tarefa das mais fáceis, haja vista
se tratar de um termo polissêmico, ou seja, que informa sobre uma grande variedade de
sentidos e abordagens.
De acordo com Assis e Kūmpel (2011), o termo cultura tem, inicialmente, dois
significados básicos. Primeiro, diz respeito à formação individual da pessoa humana. Depois,
indica um conjunto de obras humanas, isto é, modos de vida criados, adquiridos e
transmitidos de geração a geração em uma dada sociedade. “Nesse significado, cultura não é a
formação do indivíduo em sua humanidade, mas é a formação coletiva e anônima de um
grupo social nas instituições que o definem.” (ASSIS, KÜMPEL, 2011, p. 236).
Esta noção de cultura já começa a ser desenhada no século XVIII com a filosofia
iluminista, mas ganha relevos mais científicos no século XIX com Edward Tylor, antropólogo
evolucionista que, em sua obra Cultura Primitiva (1871), definiu cultura ou civilização (para
este autor eram sinônimos), no seu amplo sentido etnográfico, como um “todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.” Neste sentido, como
destaca Laraia (2005b, p. 25), a proposta conceitual defendida por Tylor “abrangia em uma só
palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de
aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos
biológicos.”
Após a formulação de Tylor, outros pesquisadores seguiram ofertando definições para o
termo cultura. Veja o quadro a seguir, construído a partir da obra de Assis e Kümpel (2011), a
fim de conhecê-las minimamente:
Quadro 8 – Conceito de Cultura Segundo Pesquisadores
CONCEITO DE CULTURA

Ralph Linton Soma total de ideias e reações emocionais adquiridos


pelos membros de uma sociedade por meio de
instrução ou imitação.

80
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Franz Boas A totalidade das reações e atividades mentais e físicas
que caracterizam o comportamento dos indivíduos que
formam uma sociedade.
Bronislaw Malinowski Composto integral de instituições semiautônomas e
coordenadas que, no seu conjunto, busca satisfazer as
necessidades do grupo social.
Talcott Parsons Discurso simbólico coletivo sobre conhecimentos,
valores e crenças.
Clifford Geertz Sistema ordenado de significados e símbolos, que
servem aos indivíduos para a definição do seu mundo,
bem como para o controle do comportamento.

Fonte: Autoria Própria (2018)

Deste modo, podemos dizer que por cultura se entende o modo particular da existência
humana, sendo o que distingue o ser humano dos demais animais. Quando, em Antropologia,
a palavra cultura é utilizada, quer se referir ao modo como os indivíduos pensam e se
comportam com base em códigos ou lógicas simbólicas muitas vezes inconscientes.

Por ser considerada o que distingue os seres humanos dos demais animais, o binômio
natureza x cultura emerge como uma das mais significativas oposições no quadro do
pensamento das Ciências Sociais. Nesta oposição, os seres humanos são vistos como seres
culturais, enquanto os demais animais são considerados seres naturais.

Tendo definido cultura, outra preocupação bastante evidente entre os antropólogos foi
a de estabelecer a sua origem, ou seja, fixar o momento em que os seres humanos apartaram-
se da natureza, fazendo surgir o mundo social. Nas palavras de Laraia (2005b, p. 53), “como o
homem adquiriu este processo extra-somático que o diferenciou de todos os animais e lhe deu
um lugar privilegiado na vida terrestre?”
Este autor destaca duas correntes principais. Por um lado, Lévi-Strauss defendeu que a
cultura surgiu no momento em que a primeira norma foi convencionada pelos homens. Em
sua visão, esta teria sido a lei de proibição do incesto, um comportamento até então comum
às sociedades humanas. Por outro lado, Leslie White sustentou que a transição da natureza

81
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
para a cultura se deu no momento em que o cérebro humano foi capaz de gerar símbolos.
(LARAIA, 2005b).

Chimpanzés possuem cultura? A antropóloga Eliane Sebelka Rapchan propõe dialogar


sobre essa questão no texto referenciado abaixo e disponível na plataforma Scielo. Realize
a leitura e procure se posicionar neste debate.
RAPCHAN, Eliane Sebelka, Chimpanzés possuem cultura? Questões para a antropologia
sobre um tema “bom para pensar”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, jan./jun.
2005, p. 227-280.

Agora que conhecemos minimamente o conceito de cultura e fixamos os


posicionamentos acerca do momento em que ela foi fundada, uma nova questão se coloca
para o nosso debate: como a cultura opera?

3.3.1 Processo cultural

Laraia (2005b, p. 67), fazendo menção ao pensamento de Ruth Benedict, grande


antropóloga norte-americana do século passado, diz que “a cultura é como uma lente através
da qual o homem vê o mundo”. É por intermédio das práticas culturais que os indivíduos
adquirem os costumes, as crenças, os valores etc. que modelam o seu estar no mundo e seu
convívio em sociedade.
A cultura, no entanto, não deve ser vista como algo acabado e imutável. Seu caráter
dinâmico faz com que os padrões sociais se modifiquem continuamente. Porém, não sem
alguma resistência. Segundo Assis e Kümpel:

Mudança cultural é qualquer alteração na cultura. Pode ocorrer com


maior ou menor facilidade, dependendo do grau de resistência ou
aceitação. A mudança pode surgir em consequência de fatores internos
(descoberta, invenção, conflito) ou externos (difusão cultural, imigração).
As culturas também resistem às tentativas de mudanças, tendem a se
estabilizar; a educação e as sanções sociais são formas de estabilizar uma
cultura. Tanto as sociedades complexas como as sociedades simples estão
submetidas a processos culturais, isto é, às maneiras conscientes ou
inconscientes pelas quais as culturas se formam, se mantêm ou se
transformam.(ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 249).

82
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Sendo assim, os autores advogam que todas as sociedades, sejam elas simples ou
complexas, estão sujeitas a processos culturais, que podem ser compreendidos a partir de seus
aspectos sincrônicos e diacrônicos.
Quando nos referimos ao processo cultural em seu aspecto sincrônico, pensamos nas
circunstâncias que visam promover uma estabilização da cultura, isto é, a consolidação dos
valores, crenças, costumes e hábitos de determinado grupo social, sobretudo pela atuação das
chamadas instituições sociais, como a família, a escola, a igreja, entre outras. Elas são as
principais responsáveis pela transmissão dos valores cultuados, visando conduzir o
comportamento humano para o padrão médio esperado.
Na Antropologia, o processo de aprendizagem/transmissão de uma cultura, pelo qual se
estrutura o condicionamento da conduta humana e a estabilização da cultura, é chamado de
endoculturação. “A endoculturação é, nesse sentido, um aspecto sincrônico importante, na
medida que possibilita a manutenção do padrão cultural de uma sociedade.” (ASSIM;
KÜMPEL, 2011, p. 251).

Quando diante dos aspectos sincrônicos, a cultura pode ser entendida como um
instrumento de controle social, pois as práticas culturais acabam por exercer uma certa
coerção sobre os sujeitos.

Quando estamos diante dos aspectos diacrônicos, dialogamos com o movimento de


mudança cultural. Nas palavras de Assis e Kümpel (2011), tal processo se dá por quatro vias
distintas:

a) novos elementos são agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio


de descobertas e invenções; b) novos elementos são tomados de
empréstimo de outras sociedades; c) elementos culturais, inadequados ao
meio ambiente, são abandonados ou substituídos; d) alguns elementos,
por falta de transmissão de geração em geração, se perdem.

Podemos destacar, então, a descoberta, a invenção e a difusão (ou aculturação) como as


formas pelas quais a mudança cultural pode operar. A descoberta implica na posse de um
elemento novo, enquanto a invenção consiste na aplicação da descoberta. Por exemplo: o
conhecimento acerca do potencial energético do carvão (descoberta) e sua aplicação na
indústria e locomotivas que impulsionaram a primeira grande revolução industrial
(invenção).

83
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Já a difusão cultural ou aculturação, como alguns antropólogos costumam se referir,
pressupõe o processo de transmissão de elementos de uma sociedade para outra. “É a fusão de
duas culturas diferentes que, entrando em contato contínuo, originam mudanças nos padrões
da cultura de ambos os grupos.” (ASSIS; KÜMPEL, 2001, p. 254). Esses processos,
hodiernamente, são facilitados pela globalização, o avanço tecnológico e os fluxos migratórios.
A seguir, apresentamos um mapa mental que sintetiza a discussão produzida neste
tópico sobre processo cultural:

Figura 8: Processo Cultural

Fonte: Autoria Própria (2018)

Assista ao filme Flor do Deserto, disponível no YouTube, que conta a história da modelo
somali Waris Dirie e sua luta contra a mutilação genital feminina. A partir disso, reflita
sobre os processos culturais e como esta questão pode ser pensada a partir do embate
cultura x direito.

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
TRABALHO DE CAMPO

Você se lembra que, no início desta unidade, prometemos discutir com mais
profundidade o método de estudo da Antropologia? Então, finalizaremos esta etapa com um
diálogo sobre o trabalho de campo.
Até a segunda metade do século XX, os antropólogos valiam-se fundamentalmente dos
relatos de viajantes, missionários e administradores para produzir seus escritos, em um
momento que ficou conhecido como antropologia de gabinete. Por vezes, os antropólogos
elaboravam um extenso questionário e enviavam para que fossem aplicados por esses sujeitos
junto aos membros da comunidade investigada. Mantinha-se, assim, uma distância entre
pesquisador e pesquisado.

A carta enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel, é o documento
que registra as impressões sobre a terra recém-descoberta e pode ser apontada como um
bom exemplo de relato a embasar um estudo antropológico nos termos da chamada
antropologia de gabinete.

Contudo, conforme adverte Siqueira (2007), naquele momento, além dos relatos serem
de segunda ordem, a maior parte dos pesquisadores advinham de outras áreas do
conhecimento, de modo que os dados referentes aos costumes dos nativos restavam
negligenciados, impondo, assim, a necessidade de um controle maior na produção de dados
no campo.
Diante dessas fragilidades, o processo de institucionalização da moderna Antropologia e
a própria complexificação das sociedades acarretaram alterações significativas no método dos
estudos antropológicos:
[...] a antropologia mudou as condições históricas para “fazer
antropologia” [...] no momento em que se começou a fazer antropologia
nas “sociedades complexas”. Sua metodologia não podia não deixar de
mudar, por essa razão se geraram novos modos de realizar o trabalho de
campo. (SIQUEIRA, 2007, p. 136).

Assim, já nos primeiros anos do século XX, alguns estudos passaram a ser
confeccionados incorporando novas características que viriam a configurar um novo fazer
etnográfico, pautado sobretudo no estudo intensivo de áreas limitadas e a convivência por

85
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
longos espaços de tempo com as comunidades investigadas, no intuito de alcançar o ponto de
vista do nativo.
O principal responsável por estruturar o trabalho de campo como método por
excelência da Antropologia foi Bronislaw Malinowski.

Fotografia 6 – Bronislaw
Malinowski
Bronislaw Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês a
quem se atribui a responsabilidade por estruturar o trabalho
de campo como método por excelência dos estudos
antropológicos. Em sua obra intitulada Os Argonautas do
Pacífico Ocidental (1922), promove um detalhamento de
como o trabalho de campo deveria ser produzido no futuro.

Esta nova forma de produzir o trabalho de campo Fonte: Disponível em:


estruturado por Malinowski é comumente chamada de etnografia <https://pt.wikipedia.org/
wiki/Bronisław_Malinows
e promove, conforme Siqueira (2007, p. 140), três mudanças
ki#/media/File:Bronislaw
fundamentais: “1 – da varanda ao centro da aldeia; 2 – da pergunta malinowski.jpg)>
à observação participante; 3 – da representação do grupo para a
incorporação da experiência vivida.”

“Etnografia é o trabalho de campo [...] o primeiro estágio da pesquisa antropológica.


Consiste na observação, descrição e análise de grupos humanos considerados em suas
particularidades [...] visa à reconstrução, tão fiel quanto possível, da vida de cada um
deles.” (ASSIS, KÜMPEL, 2011, p. 19).

Perceba que o trabalho etnográfico pressupõe o uso da técnica de observação


participante, que consiste na imersão do sujeito cognoscente junto à comunidade investigada,
a fim de compartilhar e experienciar o modo de vida do nativo, para então produzir uma
descrição densa que possibilite, a partir de procedimentos comparativos, a formulação de
sínteses e teorias.
Em regra, na execução do trabalho de campo, os antropólogos costumam fazer uso de
um diário de campo, que nada mais é do que um caderno/bloco de notas em que se registram
as informações observadas para a posterior interpretação.

86
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Um bom exemplo de trabalho etnográfico é o desenvolvido pela antropóloga norte-
americana Margaret Mead e apresentado na obra Sexo e Temperamento (1935). Nele, a
antropóloga faz um relato sobre a vida íntima de três sociedades simples da Nova Guiné,
pondo em xeque os conceitos tradicionais de masculinidade e feminilidade. Para a autora,
não há relação direta entre sexo, conduta social e personalidade.

Uma nota final: está mais ou menos sedimentado no imaginário social uma ideia de que
a Antropologia se dedica exclusivamente ao estudo de sociedades distantes, o que não é
verdade. É plenamente possível o estudo de grupos sociais próximos, inclusive daquele em que
estamos inseridos. Neste sentido, como alude Roberto DaMatta (1978, p. 4), grande
antropólogo brasileiro contemporâneo, é preciso “(a) transformar o exótico em familiar e/ou
(b) transformar o familiar em exóticos”. Ou seja, é necessário promover o estranhamento das
regras sociais que nos são próximas para enxergar o diferente no que está enraizado em nós
pelos mecanismos de estabilização cultural.

Na pesquisa jurídica, também podemos empregar o método etnográfico. Identifique um


problema jurídico de seu interesse, cuja resposta pode ser obtida a partir deste método.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
CASTRO, Celso. Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01
(ENADE 2017) “Às vezes ficava pensando se simplesmente estar parado na esquina seria
um processo suficientemente ativo para ser dignificado pelo termo “pesquisa”. Talvez devesse
fazer perguntas a esses homens. No entanto, é preciso aprender quando perguntar e quando
não perguntar, e também que pergunta fazer. No dia seguinte, Doc explicou a lição da noite
anterior, “Vá devagar Bill, com essa coisa de ‘quem’, ‘o quê’, ‘por quê’, ‘quando’, ‘onde’. Você
pergunta essas coisas e as pessoas se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por
perto e saberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as perguntas”.

WHYTE, W. F. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (adaptado)

A partir da leitura do texto apresentado, é correto identificar os princípios


metodológicos fundamentais da observação participante no trabalho etnográfico como:
a) Investigação longa e uso de amostra probabilística.
b) Investigação rápida e uso de questionário.
c) Interação com o grupo e uso de amostra probabilística.
d) Investigação rápida e uso de diário de campo.
e) Interação com o grupo e uso de diário de campo.

QUESTÃO 02
(ENEM 2013) Leia o texto a seguir:

O canto triste dos conquistados: os últimos dias de Tenochtitlán


Nos caminhos jazem dardos quebrados;
os cabelos estão espalhados.
Destelhadas estão as casas,
Vermelhas estão as águas, os rios, como se alguém as tivesse tingido,
Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos não detêm a
desolação...
PINSKY, J. et al. História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2007

88
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
(fragmento).

O texto é um registro asteca, cujo sentido está relacionado ao(à):

a) Tragédia causada pela destruição da cultura desse povo.


b) Tentativa frustrada de resistência a um poder considerado superior.
c) Extermínio das populações indígenas pelo Exército espanhol.
d) Dissolução da memória sobre os feitos de seus antepassados.
e) Profetização das consequências da colonização da América.

QUESTÃO 03
(UNICENTRO 2016) Na atualidade, existe um processo amplo de mudanças que está
deslocando as estruturas e os processos centrais das sociedades e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. As nações
modernas são, todas, híbridos culturais. Com base nos conhecimentos socioantropológicos
sobre cultura e identidade na contemporaneidade, considere as afirmativas a seguir.

I. A permanente construção de identidades individuais e sociais decorre da


dinamicidade das estruturas culturais de referência.
II. As motivações pessoais são responsáveis pela permanência e integração dos
sistemas coletivos de referências culturais.
III. Os diferentes grupos sociais apresentam identidades culturais unificadas,
completas e coerentes.
IV. Os sistemas de identificação, significação e representação cultural são múltiplos,
provisórios e transitórios.

Assinale a alternativa correta.


a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

89
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
QUESTÃO 04
(UNICENTRO 2015) Observe a imagem a seguir:

Fonte: Disponível em: <../Novo(a)%20Documento%20do%20Microsoft%20Word.pdf>. Acesso em: 29 jun.


2014.

As diferentes formas de classificação e julgamento da realidade social são parte


constitutiva do etnocentrismo. Sobre o etnocentrismo e os estudos sobre diferenças culturais,
assinale a alternativa correta.
a) A capacidade das ciências para a produção de verdades, imparciais e racionais,
garantiu, nas mais diferentes épocas históricas, a contínua desnaturalização e
desmitificação do etnocentrismo.
b) O etnocentrismo é uma prática social de dominação cultural, cuja raiz histórica
originou-se na sociedade moderna ocidental, com a eugenia e o nazismo em países
europeus, a partir da década de 1930.
c) O etnocentrismo caracteriza-se por formas extremas de intolerância cultural,
religiosa e política, quando se expressam em condutas explícitas e irracionais de
rejeição ao grupo dominado.
d) O etnocentrismo corresponde a uma visão segundo a qual os valores próprios de
um grupo é o centro de todas as coisas e todos os outros grupos são medidos e
avaliados em relação a esses valores.
e) O evolucionismo do século XIX, ao propor os estágios de um desenvolvimento
unilinear, permitiu a ruptura com o etnocentrismo e com a ideia de superioridade do
grupo dominante.

QUESTÃO 05
(ENADE 2017) Os princípios do método de trabalho de campo da antropologia podem
ser agrupados em três itens principais: em primeiro lugar, como é óbvio, o investigador deve
guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos, e conhecer as normas e critérios da
etnografia moderna; em segundo lugar, deve providenciar boas condições para o seu trabalho,

90
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
o que significa, em termos gerais, viver efetivamente entre nativos, longe de outros homens
brancos; finalmente, deve recorrer a um certo número de métodos especiais de recolha,
manipulando e registrando suas provas.
MALINOWSKI, B. Os argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos
nativos nos arquipélagos da Nova Guiné malinésia. São Paulo: Abril Cultural,
1978. (adaptado).

A partir do texto apresentado, é correto afirmar que o método de trabalho de campo:


a) Foi proposto como complementar aos modelos de explicação evolucionistas, para se
tentar comprovar in loco as análises teóricas obtidas pelo método comparativo.
b) Representou uma novidade em pesquisa na antropologia, visto que era
desconhecido dos pesquisadores anteriores, apelidados de “antropólogos de gabinete”.
c) Foi considerado importante na época das reflexões de Malinowski, porém
atualmente tornou-se sem importância em face dos problemas metodológicos dele
decorrentes.
d) Passou a ser considerado como método por excelência da pesquisa antropológica,
marcando a história e a especificidade da disciplina, por possibilitar o contato direto
com as formas de organização social estudadas.
e) Foi necessário na formação da disciplina, uma vez que as sociedades estudadas
estavam geograficamente muito distante das áreas de origem dos pesquisadores, mas
ficou obsoleta com o advento das novas tecnologias de comunicação.

QUESTÃO 06
(ESTÁCIO 2008) Leia o texto a seguir:

Somos europeus!!!!
Os ingleses não gostam de estrangeiros, de um modo geral, mas gostam menos ainda
dos paquistaneses. Os espanhóis têm horror aos ciganos, assim como os alemães, húngaros e
búlgaros. Os poloneses detestam os alemães e os ucranianos. Os ucranianos, por sua vez, têm
ojeriza aos georgianos e aos armênios. Os lituanos preferem ver os poloneses pelas costas. E os
franceses ficariam felizes se os imigrantes argelinos, tunisianos e marroquinos voltassem para
o Norte da África. De maneira resumida, seria esse o panorama atual na grande Europa,
conforme os resultados da pesquisa mais ampla feita até agora sobre a situação do racismo no
continente. A sondagem, envolvendo 13 mil pessoas em 12 países, foi feita pelo grupo norte-
americano Times Mirror Center e deixou assustadas as organizações de defesa e proteção das
minorias étnicas.
Mais grave do que os violentos incidentes que começam a acontecer por todos os lados
seria — na opinião dessas organizações — a complacência dos políticos diante do fenômeno.

91
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
É cada vez maior o número daqueles que, para não desagradar o eleitorado e garantir seus
mandatos, preferem ficar calados e fingir que o problema não existe.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em reportagem de 20/9/2006.

a) Sobre o caso apresentado, você diria que há uma posição de intolerância e


etnocentrismo por parte dos países envolvidos? Explique por quê.
b) No texto apresentado, há a referência a vários países europeus. Podemos dizer que,
por fazerem parte do mesmo continente, eles são grupos iguais? Justifique. Trabalhe
esta questão, levando em consideração os conceitos de alteridade, cultura, relativismo
cultural.

92
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ANTROPOLOGIA JURÍDICA

93
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
ANTROPOLOGIA JURÍDICA

Chegamos à última unidade do nosso curso, cuja intenção é discutir os principais pontos
de toque entre a Antropologia e o Direito, ou seja, o que vem sendo produzido teoricamente no
campo da Antropologia Jurídica. Você já consegue imaginar como a Antropologia pode ser útil
para a interpretação de fenômenos jurídicos? Qual função a Antropologia Jurídica exerce e qual
o seu objeto de estudo? Antes de adentrar neste debate, pedimos que você reflita sobre a
situação narrada a seguir:

Em 2005, o caso das crianças Sumawani e Ignani, ambas do povo Zuruahã (AM), ganhou
grande repercussão a nível nacional, aquecendo o debate sobre o infanticídio indígena.
Sumawani nasceu intersexo e Ignani com paralisia cerebral. Por conta disso, pela tradição
Zuruahã, elas deveriam ser deixadas na floresta para morrer. As mães das crianças
chegaram a abandoná-las, mas elas foram salvas por suas avós. A luz do direito e dos
estudos antropológicos, como você se posiciona em relação ao caso?

94
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.1 FUNÇÃO E OBJETO DE ESTUDO

A demarcação de terras indígenas, a formulação de políticas públicas transversais, os


direitos das minorias étnicas ou mesmo a situação de infanticídio narrada no quadro acima,
que dialogam com a diversidade cultural de maneira mais íntima, demonstram a importância
da Antropologia para a ciência do Direito, tanto em seu aspecto teórico quanto prático.
Vale lembrar que o direito se ocupa fundamentalmente com o ser humano, buscando
regular e equacionar os conflitos advindos de suas relações em sociedade, ao passo que a
Antropologia, a partir dos instrumentos interpretativos que desenvolveu, propõe uma melhor
compreensão do ser humano e da cultura em que se insere. Deste modo, como asseguram
Assis e Kümpel (2011, p. 45), “o ser humano é, pois, o centro articulador não apenas do
pensamento antropológico, mas também do pensamento jurídico.” Ademais, ressaltam os
autores:

[...] o direito constitui um dos aspectos da cultura, e esta constitui objeto


específico da antropologia cultural. A antropologia, tal como o direito, também se
interessa pelos conflitos sociais, principalmente no que diz respeito à intervenção
normativa na decisão jurídica desses conflitos, bem como pelo desdobramento da
ordem jurídica diante das transformações culturais, sociais, políticas e
econômicas. (ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 45).

Tendo essas aproximações em vista, a Antropologia Jurídica se consolida como a área


responsável por comparar e analisar as instituições do direito e as múltiplas concepções de
justiça alimentadas pelas diferentes culturas, valendo- se do seu método por excelência – o
trabalho de campo – e do pensamento já consolidado na teoria antropológica.
Segundo Norbert Rouland (2008), a Antropologia Jurídica nasceu no final do século XIX,
em meio ao triunfo tecnológico e cultural experimentado no Ocidente com a revolução
industrial e o processo de colonização da África e da Ásia, propondo-se a “estudar os direitos de
culturas não ocidentais e voltar em seguida, com um novo olhar, aos das sociedades
ocidentais.” (ROULAND, 2008, p. 70).
Ainda para este autor, a Antropologia Jurídica serviria a dois propósitos principais: o
primeiro, de cunho descritivo, uma vez que conhecer a atuação de certos modelos nos permite
uma melhor compreensão das nossas próprias sociedades; e uma segunda de ordem prospectiva,
ou seja, com o fim de gerar proposições. O antropólogo deve atentar-se ao desenvolvimento de
uma cultura jurídica que seja cada vez mais capaz de tratar a complexidade do gênero humano,
com suas crenças e valores, abrindo novas possibilidades de interpretação axiológica pelo
direito, pois, em suas palavras, “o que será um direito, que uma moral ou crenças não irriguem?
Um galho morto.” (ROULAND, 2008, p. 92).
95
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Destaque-se, contudo, que a Antropologia Jurídica não se ocupa exclusivamente do
estudo do direito de sociedades simples. Conforme Assis e Kümpel (2011), na década de 1960,
ela passa a se interessar também pelo estudo das sociedades complexas, auxiliando no preparo e
alerta da sociedade para “aceitar as evoluções jurídicas que estão em curso e que apontam para
um direito mais maleável, punições flexíveis, transações ou mediações em vez de julgamentos,
regras que mais formam modelos do que prescrevem ordens.”
(ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 49).

A Antropologia Jurídica ocupa-se tanto do estudo do direito de sociedades simples como de


sociedades complexas.

Neste sentido, Robert Shirley (1987) propõe uma distinção entre antropologia legal,
antropologia jurídica e direito comparado. Como se observa na imagem a seguir (figura 9), a
antropologia legal seria o termo utilizado para designar o ramo dos estudos antropológicos
dedicado às sociedades simples e o seu direito primitivo correspondente, enquanto a
antropologia jurídica se concentraria nas sociedades complexas e suas modernas instituições de
direito. Já o direito comparado uniria as duas vertentes anteriores, procurando proceder com
uma comparação entre sistemas jurídicos.

Figura 9 - Distinção Entre Antropologia Legal, Jurídica e Direito Comparado

Fonte: Autoria Própria (2018)

Este novo direcionamento dado aos estudos no campo da Antropologia Jurídica


possibilitou, na perspectiva de Assis e Kümpel (2011), a correção de um grande equívoco
teórico consistente na supressão da produção jurídica não estatal dos trabalhos acadêmicos,
abrindo espaço para a discussão em torno do fenômeno do pluralismo jurídico, a ser estudado
em nosso próximo tópico.
96
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.2 PLURALISMO JURÍDICO

Você sabe o que significa pluralismo jurídico? O termo já é bastante elucidativo, mas
vamos qualificar teoricamente esta definição.
Comumente se observa a identificação do direito como algo que emana de uma
instituição legalmente instituída – o Estado, dentro de uma tradição que se convencionou
chamar de monismo ou centralismo jurídico, largamente difundida com as teses positivistas.
Conforme Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 206), “o Estado moderno se assenta no
pressuposto de que o direito opera segunda uma única escala, a escala do Estado.”
Entretanto, nas últimas décadas, tem sido cada vez mais aceita a tese de que o Estado não
dispõe do monopólio da formulação das leis, fazendo crescer, entre antropólogos e sociólogos
do direito, uma preocupação com outras formas de regulamentação da vida em sociedade.
Chamamos de pluralismo ou policentrismo jurídico a “teoria que sustenta a
coexistência de vários sistemas jurídicos no seio de uma mesma sociedade” (SABADELL, 2010,
p. 139). Neste sentido, para que haja pluralismo jurídico, faz-se necessária a existência
simultânea de duas ou mais normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, advindas de fontes
distintas do sistema a qual pertencem.

“O pluralismo jurídico pressupõe a existência de mais de um direito ou ordem normativa


no mesmo espaço geográfico.” (ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 50).

Vedovato (2012) nos lembra que, para a configuração do pluralismo jurídico, não se
observa a dimensão da eficácia das normas envolvidas, uma vez que, em regra, apenas uma será
aplicada. Também, assegura que boa parte do direito não estatal somente aparece por conta da
omissão do Estado quando da distribuição da justiça.
Ademais, para proceder com o estudo do pluralismo jurídico, é preciso levar em conta
dois fatores: a concepção de direito adotada, sendo que quanto mais ampla for maior será a
possibilidade de encontrar pluralismo de ordenamentos jurídicos; e a situação específica de
cada sociedade e período histórico, pois, no passado, tanto experiências de pluralismo como de
centrismo jurídico puderam ser observadas. (SABADELL, 2010).

97
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Antes de seguirmos na discussão, você consegue identificar alguma situação presente na
sociedade brasileira que pode configurar pluralismo jurídico?

4.2.1 Concepções atuais do pluralismo jurídico

Sabadell (2010) indica que, nos últimos anos, uma série de análises sobre o pluralismo
jurídico foram realizadas, fazendo surgir quatro concepções principais. Com base em seu texto,
criamos o quadro a seguir no intuito de lhe apresentar uma síntese sobre elas:

Quadro 9: Concepções Atuais do Pluralismo Jurídico

CONCEPÇÕES ATUAIS DO PLURALISMO JURÍDICO

INTERLEGALIDADE Existência de vários sistemas de normas que


interagem entre si para criar redes de relações
jurídicas continuamente cambiantes.

MULTICULTURALISMO O fenômeno da migração de populações observado


em todo o mundo faz com que o direito estatal perca
sua unidade, abrindo espaço para o reconhecimento
jurídico das diferenças.

INTERNACIONALIZAÇÃO Influência cada vez maior do direito internacional,


desenvolvendo um espaço de normatividade em
desfavor dos direitos nacionais.

DIREITO DO POVO OU Ordenamentos que são criados de forma


DIREITO INFORMAL relativamente autônoma no interior das várias
Instituições sociais, como sindicatos, associações
profissionais, empresas etc.
Fonte: Autoria Própria (2018)

Dentro da concepção de interlegalidade, um estudo que se destaca é de Santos (2002), um


dos mais influentes sociólogos do direito em língua portuguesa. Este autor propõe a existência
de seis ordenamentos jurídicos distintos, cada um deles correspondente a uma forma de poder
constituído nas sociedades capitalistas.
98
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
A minha tese principal [...] é, em primeiro lugar, que as sociedades
capitalistas são formações ou constelações políticas, constituídas por seis
modos básicos de produção de poder que se articulam de maneiras
específicas. Esses modos de produção geram seis formas básicas de poder
que, embora inter-relacionadas, são estruturalmente autônomas. Em
segundo lugar, as sociedades capitalistas são formações ou constelações
jurídicas, constituídas por seis modos básicos de produção do direito que
se articulam de maneiras específicas. Estes modos de produção geram seis
formas básicas de direito que, embora inter-relacionadas, são
estruturalmente autônomas. (SANTOS, 2002, p. 272).

Não é demais lembrar que Santos (2002, p. 290) parte de uma concepção ampliada de
direito, entendendo-o como “um corpo de produção de procedimentos regularizados e de
padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social”. Em sua leitura, este
direito “contribui para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução através de um
dissenso argumentativo, articulado com a ameaça da força.”
Na figura 11, você conhecerá as seis formas de poder e direito propostas por Santos
(2002):
Figura 10 – Ordenamentos Jurídicos e Formas de Poder

Fonte: Santos (2002)

Aproveitamos esse espaço para lhe explicar as formas de poder dispostas na figura 11. Por
poder patriarcal, Santos (2002) entende aquele exercido pelos homens no espaço doméstico. A
exploração seria o poder exercido no espaço de produção pelos detentores dos meios de
99
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
produção, enquanto a alienação direciona o comportamento das pessoas por valores do
consumismo. Já a diferenciação como forma de poder dá conta do âmbito das comunidades
por meio da exclusão dos tidos como diferentes. A dominação relaciona-se com o poder
político do Estado e, por fim, o direito sistêmico, também chamado de direito das relações
internacionais, tem como forma de poder correspondente a troca desigual, que os países mais
fortes exercem nas relações internacionais.

Assista ao documentário Notícias de uma guerra particular, produzido em 1999 pelo


cineasta João Moreira Salles e pela produtora Kátia Lund. O documentário está
disponível no YouTube. Durante a audiência, tente perceber como opera, na prática, a
teoria do pluralismo jurídico. Link para cesso: <https://youtu.be/EAMIhC0klRo>.

100
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.3 DIREITO E RELAÇÕES DE GÊNERO

A dinâmica da vida em sociedade é melhor compreendida a partir das categorias de


análise fundadas no âmbito das ciências sociais. Terminamos a parte 1 deste material
discutindo como a categoria classe social pode ser utilizada para pensar o direito. Agora, ao
final da segunda parte, convidamos você para refletir sobre outras duas de nossas categorias
analíticas, igualmente importantes e que são muito mobilizadas nos estudos antropológicos:
gênero e raça. Elas se entrecruzam com a classe social, assim como outros marcadores
(idade/geração, orientação sexual, religião etc.), gerando experiências múltiplas e modos de
vida particulares.

Saiba mais: No âmbito dos estudos feministas e de gênero, utiliza-se o conceito de


interseccionalidade para designar o “problema que busca capturar as consequências
estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação.”
(CRENSHAW, 2002, p. 177). Por interseccionalidade, portanto, entende-se o modo pelo
qual o racismo, o patriarcado, a opressão de classe e outros sistemas de discriminação
estabelecem desigualdades básicas que estruturam as relações entre seres humanos.

Assista ao curta metragem O xadrez das cores, disponível no YouTube. O filme é uma
produção de 2004, dirigido por Marco Schiavon. A partir dele, tente perceber como
gênero, raça e classe se intersectam, criando condições de vida diversas para as
protagonistas. Link para acesso: <https://youtu.be/NavkKM7w-cc>.

Neste primeiro momento, nosso olhar se voltará para as questões de gênero e as suas
conexões com o direito. E por que precisamos falar sobre isso?
Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que,
no Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada uma hora e meia, sendo que, na maioria
dos casos, essa mulher já estava inserida em um ciclo que incluía outras formas de violência. O
Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima ainda que o país registra o estupro de uma
mulher a cada onze minutos.

101
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
A LGBTIQfobia também produz e reproduz violências e vidas precarizadas. O Brasil é o
país que mais mata travestis e pessoas transexuais. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia,
somente em 2016, foram 127 casos registrados, ou seja, um a cada três dias, o que faz com que a
expectativa de vida dessas pessoas gire em torno dos 35 anos, bem aquém da média nacional,
atualmente fixada em 75 anos. Essas são apenas algumas situações para ilustrar o quanto gênero
é uma categoria fundamental para a análise de nossas relações sociais.
Aqui, frise-se, referimo-nos a gênero como conceito cunhado no âmbito dos estudos
feministas, que adquire um significado específico, bem distante dos usos variados feitos no
discurso do senso comum. No final da década de 1980, muitas teóricas feministas passaram a
utilizar o termo gênero para designar a organização social da relação entre os sexos, rejeitando
o determinismo biológico com o qual a questão costumava a ser tratada.

Determinismo biológico é o conceito pelo qual se afirma que as características genéticas do


indivíduo determinam as diferenças culturais observáveis entre eles. Em outras palavras, é
dizer que as desigualdades sociais entre homens e mulheres são provocadas pelas
características biológicas.

Segundo Scott (1995), gênero pode ser entendido como uma categoria analítica que
reconhece as diferenças existentes entre homens e mulheres como socialmente construídas e
firmadas a partir de relações de poder. Diz ela:

Minha definição de gênero tem duas partes e diversos subconjuntos, que


estão interrelacionados, mas devem ser analiticamente diferenciados. O
núcleo da definição repousa numa conexão integral entre duas
proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma
forma primária de dar significado às relações de poder. (SCOTT, 1995, p.
86).

Nos anos seguintes, o conceito de gênero ganha ampla repercussão nos estudos
acadêmicos, porém, em nosso cotidiano, ainda é bastante comum perceber indivíduos fazendo
confusão entre termos como sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Você saberia
diferenciá-los?
Por sexo, entendemos os marcadores anatomofisiológicos que definem os machos e as
fêmeas da espécie humana, portanto, são marcadores biológicos. Já a identidade de gênero
envolve um aspecto sociocultural e histórico, no sentido do que é definido como características
masculinas e femininas, bem como uma dimensão psicológica, no sentido de como o sujeito se
102
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
enxerga dentro (ou mesmo fora) dessa lógica; ou seja, como ele identifica e se apresenta. Por
fim, a orientação sexual diz respeito à inclinação da pessoa na esfera afetiva, amorosa e sexual,
é dizer, por qual gênero ela se sente atraída. A figura 11, extraída do Portal FalaFreud, sintetiza
bem essa discussão:
Figura 11 - Diferença entre Sexo, Identidade de Gênero e Orientação Sexual

Fonte: Disponível em: <https://i0.wp.com/www.falafreud.com/blog/wp-


content/uploads/2017/09/diferença_entre_identidade_de_genero_e_orientacao_sexual.
png?resize=768%2c677&ssl=1>.

Feitas as distinções, uma nova pergunta poderia ser lançada: por que essa compreensão é
importante para o direito?
Conforme alude Sabadell (2010), há algumas décadas, pesquisadoras feministas passaram
a estudar a possível contribuição do sistema jurídico para a perpetuação de violações aos
direitos das mulheres e, podemos acrescentar, de outros sujeitos que assumem identidades de
gênero tidas como “desviantes”, concluindo que o direito produz e retroalimenta uma lógica
androcêntrica e heteronormativa.
Na linha desse entendimento, Olsen (2000) informa que, desde o surgimento do
pensamento liberal clássico, estruturou-se um sistema de pensamento dualista que divide as
coisas em esferas contrastantes ou polos opostos (razão/emoção; natureza/cultura;
objetivo/subjetivo etc.), resultando desse sistema três importantes características, a saber: 1) os
dualismos estão sexualizados, sendo metade considerado masculino e a outra metade feminino;
2) os termos dos dualismos não são iguais, constituindo uma hierarquia em que, em cada par, o
termo considerado masculino é considerado como superior e o feminino inferior; e 3) o direito
se identifica com o lado masculino dos dualismos.

103
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Assim, Olsen (2000) sustenta que, mesmo a justiça sendo representada como uma
mulher, segundo a ideologia dominante o direito é masculino e não feminino, supondo que:

[...] el derecho es racional, objetivo, abstracto y universal, tal como los


hombres se consideran a sí mismos. Por el contrario, se supone que el
derecho no es irracional, subjetivo o personalizado, tal como los hombres
consideran que son las mujeres.1 (OLSEN, 2000, p. 140).

Por tal razão, Sabadell (2010, p. 271) aponta que os estudos feministas identificaram
problemas de duas ordens: “primeiro, a existência de normas que discriminam a mulher
(direito “masculino”). Segundo, a aplicação das normas de forma que discrimina as mulheres.”

Pesquise por disposições contidas ou que já figuraram no ordenamento jurídico brasileiro


que, na sua opinião, poderiam configurar uma violação de direitos da mulher, bem como
por decisões que promoveram a discriminação das mulheres. Em seguida, socialize seus
achados com os demais colegas e reflitam coletivamente.

104
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
4.4 RAÇA, RACISMO E SISTEMA DE JUSTIÇA

Os estudos antropológicos também guardam um lugar especial para a discussão sobre


raça, isto porque, como atesta Munanga (2004, p. 16), “a variabilidade humana é um fato
empírico incontestável”, impondo-se a necessidade de criar conceitos e classificações que
sirvam como ferramentas à operacionalização do pensamento.
Segundo ele, na história da ciência, a classificação dos seres vivos tem início na Zoologia e na
Botânica para, logo depois, alcançar os seres humanos. Mello (1982, apud Assis e Kümpel,
2011) atribui à Johann Blumenbach a divisão da espécie humana em cinco raças, explicando as
diferenças observadas como consequência direta das influências ambientais, estabelecendo
também uma relação entre raças e culturas. “A partir de então, a antropologia física tem sido
manipulada com o intuito de explicar as diferenças culturais em termos biológicos ou raciais.”
(ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 35).
Entretanto, voltando à Munanga (2004), este autor destaca que todo processo de
classificação somente é possível quando se estabelece primeiramente critérios objetivos. Na
questão da raça humana, sobretudo no decorrer do século XVIII, a cor da pele, ou seja, a
concentração de melanina apresentada nos organismos dos sujeitos, foi o elemento utilizado
para promover a distinção. A raça humana teria então restado dividida em três raças até hoje
presentes no imaginário social: branca, negra e amarela.

Já no século XIX, ainda conforme Munanga (2004), outros critérios morfológicos


passaram a ser associados à cor da pele para a definição da raça a que uma pessoa pertencia: o
formato do nariz e dos lábios, o ângulo facial, a forma do crânio etc. Até que, no século XX, os
avanços no campo da genética humana invalidaram cientificamente o conceito de raça,
passando-se à defesa de que as variações encontradas nos organismos humanos não eram
suficientes para sustentar a tese de uma pluralidade racial.

Veja no quadro a seguir um resumo dos critérios utilizados para promover a classificação racial,
segundo Munanga (2004):

105
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Quadro 10 – Critérios para Promoção da Classificação Racial

Fonte: Autoria Própria (2018)

No entanto, se do ponto de vista da Biologia a classificação dos seres humanos em


diferentes raças é algo que não mais se sustenta, do ponto de vista social, sua existência não
apenas persiste como também é plenamente utilizada para gerar um sistema deliberado de
supremacia branca, arraigado em nossas instituições sociais.
Esse sistema foi denominado de racismo e consiste na “doutrina segundo a qual todas as
manifestações culturais, históricas e sociais do homem e os seus valores dependem da raça”.
Além disso, para essa doutrina, “existe uma raça superior (ariana ou nórdica) que se destina a
dirigir o gênero humano”. (ASSIS; KÜMPEL, 2011, p. 35).

1
“O direito é racional, objetivo, abstrato e universal, assim como os homens se consideram. Pelo contrário,

presume-se que o direito não é irracional, subjetivo ou personalizado, assim como os homens consideram que as
mulheres são.” (Tradução livre).

Schucman (2010) considera como racismo qualquer fenômeno que busque justificar
privilégios, desigualdades materiais e simbólicas entre os seres humanos com base na ideia
de raça.

106
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
Segundo Schucman (2010), pensando a realidade brasileira, tem-se que o racismo se
desenvolveu de uma maneira bastante peculiar, dentre outros aspectos, por substituir a noção
de raças pela de cor e aparência física no imaginário coletivo. Assim, partindo da
caracterização feita por Nogueira (1979), distingue o preconceito racial brasileiro como sendo
de “marca”, diferente do vislumbrado em outros países, como nos Estados Unidos, em que se
processa um preconceito racial de “origem”. Perceba essas diferentes concepções na figura 12,
trazida a seguir:
Figura 12. Racismo de Marca e Racismo de Origem

Fonte: Autoria Própria (2018)

O racismo cotidianamente praticado no Brasil, além da discriminação e estigmatização


de parcela da sociedade, cria uma série de violações de direitos, inclusive com a leniência do
Estado e de seus agentes.

Logo a seguir, vamos expor dois exemplos que servem bem para ilustrar a estigmatização e
violação de direitos da população negra no país.

O primeiro exemplo dialoga com o conceito de sujeição criminal proposto por Misse
(2014, p. 204), que se refere “a um processo social pelo qual se dissemina uma expectativa
negativa sobre indivíduos e grupos, fazendo-os crer que essa expectativa não só é verdadeira
como constitui parte integrante de sua subjetividade”. Neste sentido, ocorre um processo de
incriminação antes mesmo do cometimento do delito, em que o suspeito por excelência é o
indivíduo negro, geralmente associado à ideia de desordem.

107
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
A segunda situação diz respeito à seletividade observada no sistema de justiça criminal,
no qual os negros são tratados como alvos preferenciais das agências de controle social, quer
seja na maior representação da população carcerária, quer seja nos índices de vitimização
experimentados sobretudo pelos jovens negros das periferias dos grandes centros urbanos em
ações policiais.

Que outras situações você consegue lembrar em que é possível pensar o racismo em
relação ao sistema de justiça brasileiro? Pesquise, anote em seu caderno e discuta com os
seus colegas de sala e seu professor presencial.

É preciso romper com a falaciosa ideia de neutralidade do direito e, a partir de um olhar


crítico mais aguçado, seguir problematizando a sua formulação e aplicação.

LOURO, Guacira Lopes. A emergência do gênero. In: . Gênero, sexualidade e educação. 6.


ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 14-36.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,
identidade e etnia. Cadernos PENESB, Rio de Janeiro, n. 5, p. 15-34, 2004.
ANDRADE, Francisco Jatobá de; ANDRADE, Rayane. Raça, crime e justiça. In: LIMA,
Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz;
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2014. p. 256-264.

108
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
ATIVIDADES COMPLEMENTARES

1) (UNICENTRO 2017) De acordo com a Anistia


Internacional: “Em 2012, 56.000 pessoas foram
assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens
entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A
maioria dos homicídios é praticado por armas de
fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser
julgados.” (CAMPANHA JOVEM... 2016).

A partir da análise do texto, da ilustração e dos conhecimentos sobre a questão da


violência na sociedade atual, marque V nas afirmativas verdadeiras e F, nas falsas.
( ) Os dados apresentados pela Anistia Internacional evidenciam a violência que os jovens
negros são acometidos.
( ) Embora as mobilizações populares denunciem a violência sofrida pelos jovens negros, os
culpados raramente são punidos.
( ) Tanto os dados da Anistia Internacional quanto a charge têm como intenção denunciar o
envolvimento dos jovens negros nas ações criminosas.
A alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo, é a:

a) VVV
b) VFV
c) FVV
d) VVF
e) FFF

(ENADE 2009) A História registra imagens da vivência de índios e negros no Brasil e de


suas relações com o conquistador europeu. A esse propósito, assinale a alternativa que
confirme a assertiva de que a história não deve ser vista “... só como ciência do passado (...),
mas como ciência do presente, na medida que, em ligação com as ciências humanas, investiga
as leis de organização e transformação das sociedades humanas”.
HESPANHA, Antonio M. História das Instituições. Coimbra: Almedina, 1952.

a) A questão dos índios e negros é superada na História do Brasil, pela Proclamação

109
FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
da República.
b) A ordem jurídica liberal democrática permitiu ascensão dos negros e dos índios na
sociedade brasileira, como demonstram as ciências humanas.
c) A demarcação de reservas indígenas é acontecimento recente, que não deve ser
associado a elementos históricos.
d) O reconhecimento da titularidade das terras remanescentes de quilombos inscreve-
se no processo histórico das transformações das sociedades humanas.
e) A ordem jurídica é fenômeno autônomo que não se contamina com a dinâmica
social e histórica.

(ENADE 2009 - Adaptada) Texto 1: “Diadorim vinha constante comigo. Que viesse
sentido, soturno? Não era, não, isso eu é que estava crendo, e quase dois dias enganoso cri.
Depois, somente, entendi que o emburro era mesmo meu. Saudade de amizade. Diadorim
caminhava correto, com aquele passo curto, que o dele era, e que a brio pelejava por espertar.
Assumi que ele estava cansado, sofrido também. Aí mesmo assim, escasso no sorrir, ele não
me negava estima, nem o valor de seus olhos. Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que,
só de calcar o pé na terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa ideia, que me dava, era do
carinho meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava
Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.”

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Fronteira, 1985.

Texto 2: “É neste sentido que se afirma que a moralidade que o Direito visa garantir e
promover no Estado Democrático de Direito não é a moralidade positiva – que toma os
valores majoritariamente vigentes como um dado inalterável, por mais opressivos que sejam –
mas a moralidade crítica. É a moral que não se contenta em chancelar e perpetuar todas as
concepções e tradições prevalecentes numa determinada sociedade, mas propõe-se à tarefa de
refletir criticamente sobre elas, a partir de uma perspectiva que se baseia no reconhecimento
da igual dignidade de todas as pessoas.” (Petição inicial da ADPF 178).

Os textos acima, de diferente natureza (literário, o de Guimarães Rosa; técnico- jurídico,


o da petição na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 178), tratam das
possibilidades de relação amorosa entre os seres humanos, da ordenação dessas relações pelo
Direito, que hoje referenda as relações heterossexuais e nega reconhecimento às
homossexuais, e do impacto desse reconhecimento, ou desse não reconhecimento, na
autoestima das pessoas. Quais argumentos manejados na ADPF atuam para superar a rigidez
da fórmula jurídica que só reconhece o casamento entre “homem e mulher”?

110
ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
a) O argumento da eficácia jurídica, que afirma a necessidade de o Direito refletir
sobre a sociedade.
b) O argumento majoritário, que impõe ao Direito acompanhar o comportamento da
maioria das pessoas.
c) O argumento do positivismo jurídico, que considera a lei como moral positiva.
d) O argumento da dignidade humana, que impõe reconhecimento da igual dignidade
de todas as pessoas.
e) O argumento da moral, que deve chancelar as tradições prevalecentes na sociedade.

(ENADE 2008) As melhores leis a favor das mulheres de cada país-membro da União
Europeia estão sendo reunidas por especialistas. O objetivo é compor uma legislação
continental capaz de contemplar temas que vão da contracepção à equidade salarial, da
prostituição à aposentadoria. Contudo, uma legislação que assegure a inclusão social das
cidadãs deve contemplar outros temas, além dos citados. São dois os temas mais específicos
para essa legislação:

a) aborto e violência doméstica.


b) cotas raciais e assédio moral.
c) Educação moral e trabalho.
d) Estupro e imigração clandestina.
e) Liberdade de expressão e divórcio.

(CESPE 2013 - Adaptada) Acerca do pluralismo jurídico, julgue os itens que se seguem
em Certo ou Errado:

( ) No Brasil, o pluralismo jurídico configura-se, por exemplo, quando da aplicação de regras


criadas por membros de organizações criminosas, distintas das regras estabelecidas pelo
Estado.
( ) O pluralismo jurídico propõe um novo paradigma na cultura jurídica embasado no
pressuposto de que são insuficientes os modelos jurídicos oficiais em termos de participação.
( ) O pluralismo jurídico é característico dos movimentos de esquerda, o que inviabiliza a
existência de posições conservadoras em sua defesa.
( ) A perspectiva tradicional, denominada de monismo jurídico, consolida o monopólio da
juridicidade por parte do Estado.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
(ENADE 2016 – Adaptada) A pessoa trans precisa que alguém ateste, confirme e
comprove que ela pode ser reconhecida pelo nome que ela escolheu. Não aceitam que ela se
autodeclare mulher ou homem. Exigem que um profissional de saúde diga quem ela é. Sua
declaração é o que menos conta na hora de solicitar, judicialmente, a mudança dos
documentos.
Disponível em: <http://www.ebc.com.br>. Acesso em: 31 ago. 2017 (adaptado).

No chão, a travesti morre


Ninguém jamais saberá seu nome
Nos jornais, fala-se de outra morte
De tal homem que ninguém conheceu
Disponível em: <http://www.aminoapps.com>. Acesso em 31 ago. 2017 (adaptado).

Usava meu nome oficial, feminino, no currículo porque diziam que eu estava
cometendo um crime, que era falsidade ideológica se eu usasse outro nome. Depois fui
pesquisar e descobri que não é assim. Infelizmente, ainda existe muita desinformação sobre os
direitos das pessoas trans.
Disponível em: <https://brasil.elpais.com>. Acesso em 31 ago. 2017 (adaptado).

Uma vez o segurança da balada achou que eu tinha, por engano, mostrado o RG do meu
namorado. Isso quando insistem em não colocar meu nome social na minha ficha de
consumação.

Disponível em: <https://brasil.elpais.com>. Acesso em 31 ago. 2017 (adaptado).

Com base nessas falas, discorra sobre a importância do nome para as pessoas
transgêneras e, nesse contexto, proponha uma medida, no âmbito das políticas públicas e dos
pressupostos jurídicos, que tenha como objetivo facilitar o acesso dessas pessoas à cidadania.

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
GLOSSÁRIO

Anatomofisiológica: que diz respeito simultaneamente à anatomia e a fisiologia humana.


Androcêntrica: derivado de androcentrismo e intimamente ligada à noção de patriarcado,
pressupõe uma visão de mundo em que o homem assume a centralidade, valorizando-se
sempre o ponto de vista masculino.
Anomia: conjunto de situações que decorrem da ausência ou inobservância de regras e
normas sociais.
Arraigado: que fincou raízes, cristalizou-se; que se conseguiu estabelecer, tornar-se fixo.
Ascética: advém de ascetismo, uma doutrina filosófica que prega a abstenção dos prazeres
físicos.
Austeridade: é a característica de quem é rígido, quem age com rigor. Em Economia, é
utilizado para significar rigor no controle de gastos.
Axiológica: refere-se aos valores predominantes em uma dada sociedade, sejam eles morais,
éticos, estéticos etc.
Celeuma: significa alarido, falatório, balbúrdia. No meio jurídico é um termo bastante para
expressar uma situação de conflito de opiniões, divergência de ideias.
Discricionariedade: implica a liberdade de atuação; é opção, escolha entre duas ou mais
alternativas previstas pelo direito.
Epistemológica: a Epistemologia é o ramo da ciência que se ocupa do estudo da origem,
estrutura, métodos e validade do conhecimento. Epistemológica é um adjetivo utilizado para
caracterizar aquilo que se associa a este conceito.
Ethos: conjunto de hábitos e costumes fundamentais no que diz respeito ao comportamento e
à cultura de uma coletividade.
Heresia: ideia ou prática que nega ou contraria a doutrina estabelecida pela Igreja.
Heteronormativa: proveniente de heteronormatividade, termo utilizado para descrever
situações em que as orientações sexuais diversas da heterossexual são marginalizadas ou até
mesmo patologizadas.
Hipostasiadas: vem do verbo hipostasiar, o mesmo que reificar, tomar como absoluto o que é
relativo.
Hodierna: qualifica algo como contemporâneo, atual.

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FUNDAMENTOS DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA
Inamovibilidade: que é inamovível. No sentido aqui empregado, á a garantia conferida aos
magistrados e aos membros do Ministério Público de não serem transferidos, exceto por
motivo de relevante interesse público.
Incesto: relação sexual entre membros de uma família ou entre parentes.
Intersexo: termo utilizado para designar qualquer variação de caracteres sexuais do ser
humano (cromossomos, gônadas e/ou órgãos genitais), que dificultam a identificação total do
indivíduo dentro das definições tradicionais de sexo masculino e feminino.
Paradigma: define um modelo ou um exemplo típico. É a representação de um padrão a ser
seguido.
Póstuma: que acontece após a morte de alguém.
Queer: palavra em inglês que significa excêntrico, “estranho”. Nos estudos de gênero, designa
pessoas que não seguem o modelo de heterossexualidade compulsória ou do binarismo de
gênero.
Sujeito cognoscente: por cognoscente entende-se aquele que conhece ou tem a capacidade de
conhecer. Assim, sujeito cognoscente é aquele que se lança na busca pelo conhecimento.
Vitaliciedade: qualidade do que é vitalício, ou seja, que dura a vida inteira.

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ANDERSON EDUARDO CARVALHO DE OLIVEIRA
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