Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Santaella, Lucia
Este capítulo será dedicado às orientações para se elaborar um projeto de pesquisa. Há uma farta
bibliografia sobre isso e toda ela é bastante consensual quanto aos tópicos que uma tal elaboração deve
considerar e aos passos que devem ser seguidos para que ela seja bem sucedida. É nesse ponto que toda
pesquisa começa: pela elaboração de seu projeto. Sem isso, a pesquisa já estaria comprometida de saída, pois
seria o mesmo que fazer uma viagem sem conhecimento de seu caminho.
Um mau projeto não é muito diferente da ausência de projeto. Sem planejamento rigoroso, mesmo
quando consegue realizar a etapa da coleta de dados, o investigador se verá perdido, sem saber como
analisá-los e interpretá-los por desconhecer seu significado e importância no contexto maior de um problema
bem demarcado, de hipóteses apropriadamente formuladas e dos objetivos que uma pesquisa visa atingir.
Projetar significa, portanto, antever e metodizar as etapas ou fases para a operacionalização
de um trabalho. A especialização do trabalho científico exige a construção prévia de um instrumento
técnico que conduza a ações orientadas para um fim e sustentadas sobre uma base de recursos humanos, téc-
nicos, materiais e financeiros. Esse instrumento técnico é o projeto de pesquisa.
Como tal, o projeto é apenas uma das etapas da pesquisa. Ele serve de guia para a execução
propriamente dita e esta, por sua vez, deve ser seguida de sua apresentação em forma comunicável, na
imensa maioria das vezes, através da escrita.
1. QUESTÕES DE UM PROJETO
Tudo deve estar previsto em um projeto de pesquisa:
- a escolha de um tema;
- a coleta de informações preliminares;
- a delimitação de um problema;
- sua justificativa frente ao que já foi realizado no assunto em que ele se insere;
- a fixação dos objetivos;
- o levantamento das hipóteses;
- a determinação de um referencial teórico e de uma metodologia que sejam adequados
para testar as hipóteses e resolver o problema colocado;
- a coleta dos dados, sua análise e interpretação e as técnicas próprias para isso;
- a previsão de recursos humanos e instrumentais;
- do cronograma;
Inclusas em todos esses passos estão as perguntas clássicas que um projeto deve enfrentar:
- o quê?
- por quê?
- para quê e para quem?
- onde?
- como?
- com quê?
- quanto e quando?
- quem?,
- com quanto?
- Traduzindo: o que será pesquisado? Por que a pesquisa é necessária? Como será
pesquisado? Que recursos humanos, intelectuais, bibliográficos, técnicos, instrumentais
e financeiros serão mobilizados? Em que período?
Um projeto começa pela escolha de um tema ou assunto sobre o qual a pesquisa versará. Ele deve
ser introduzido por uma apresentação voltada para a gênese do tema. Como o pesquisador chegou a ele?
Quais os motivos relevantes que fisgaram sua curiosidade e produziram nele dúvidas a respeito desse tema.
Essas dúvidas são providenciais, pois é delas que o problema da pesquisa irá brotar.
Qualquer projeto deve ser antecedido por estudos preliminares sobre o tema. Mas que estudos
preliminares são esses? Felizmente os temas que escolhemos, ou pelos quais somos escolhidos, não abraçam
a realidade inteira, principalmente porque nosso olhar e nosso pensamento já estão conformados a um certo
modo de ver que depende dos referenciais teóricos que dominamos. Esses referenciais são específicos,
próprios das áreas de conhecimento em que a ciência se subdivide. Dentro de cada área, há ainda
delimitações que lhe são próprias e que se constituem nas suas sub-áreas. Dentro das sub-áreas, encontram--
se estratificações de temas, junto às quais o tema de nossa escolha.
Tendo assim localizado o tema, os estudos preliminares envolvem desde leituras bibliográficas,
visitas a locais específicos, quando o tema exigir, até discussões com especialistas e colegas. Esses estudos
preliminares são substanciais para a delimitação do problema de pesquisa. Além disso, neles tem início uma
das exigênciais fundamentais de um projeto de pesquisa: a revisão bibliográfica, que só poderá se
complementar quando o problema estiver pelo menos relativamente definido.
Tudo isso é necessário porque um tema não é ainda um problema. Este último se constitui na
questão mais fundamental de toda a pesquisa, por isso mesmo, deve ser precisamente recortado, delimitado e
claramente formulado. Daí a necessidade de estudos preliminares, de momentos de concentração cuidadosa
e meditativa, de discernimento das fronteiras do problema sem o que não seria possível extraí-lo do contexto
de infindáveis determinações em que um tema se situa.
Definido o problema, deve ser elaborada a revisão bibliográfica ou pesquisa sobre o estado da
questão, quando são estudados os trabalhos que se situam na circunvizinhança do problema, trabalhos que
versam sobre problemas similares. A elaboração da revisão bibliográfica deve ter em vista a contraposição
dos trabalhos já publicados em relação ao problema que a pesquisa propõe. Vê-se aí por que a revisão
bibliográfica é importante. De um lado, ela deve comprovar que o pesquisador não está querendo realizar
algo que já foi feito, de outro lado, ela ajuda a encaminhar o passo seguinte da pesquisa, a justificativa, quer
dizer, a argumentação sobre a relevância do trabalho, não apenas enfatizando que ele ainda não foi feito por
outro pesquisador, mas principalmente por que ele deve ser realizado.
Justificado o problema, o projeto se encaminha para a definição dos objetivos, quer dizer, que fins a
pesquisa visa atingir? Quais são os aspectos que o problema envolve e em que sua solução resultará no
tocante a cada um desses aspectos?
Depois disso, o pesquisador passa para a formulação das hipóteses. Como suposições de respostas
para o problema proposto, as hipóteses se responsabilizam pelo direcionamento da pesquisa, na medida em
que são elas que a pesquisa terá por finalidade demonstrar ou testar e comprovar ou não. Ora, não há
formulação de hipóteses sem um quadro teórico de referência. É por isso que essa formulação já encaminha
o pesquisador para a explicitação do seu quadro teórico. Este se constitui em um "universo de princípios,
categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o tra-
balho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve" (SEVERINO, ibid.: 162).
Tendo chegado neste ponto, o projeto pode então se debruçar sobre as questões metodológicas,
técnicas e instrumentais. Enquanto o método se refere a procedimentos de raciocínio e analíticos mais
amplos, as técnicas são operacionalizações do método das quais os instrumentos são suportes.
É no momento da indicação dos procedimentos metodológicos que o pesquisador deve localizar o
tipo de pesquisa que está realizando, teórica ou aplicada, histórica ou tipológica, crítica ou sistêmica,
empírica com trabalho de campo ou de laboratório, etc. A metodologia está sempre estreitamente ligada a
essa tipologia. Além disso, os métodos devem estar perfeitamente afinados com o problema proposto e com
as hipóteses. Tendo o problema em mente, o pesquisador deve se perguntar: "como e com que meios poderei
resolvê-lo?" Este "como e com que meios" entrelaça as hipóteses e o método. As hipóteses funcionam como
sinalizações para o caminho a ser percorrido. Por isso, o método deve estar sintonizado nessas sinalizações.
Além disso, não pode haver contradição entre o método e o quadro teórico de referência, também chamado
de fundamentação teórica, pois, muitas vezes, o método advém diretamente do quadro teórico.
Por fim, o cronograma da pesquisa deve ser estabelecido com indicação das etapas a serem
cumpridas. em cada período. A ele se segue a indicação dos recursos humanos e materiais necessários e sua
justificativa, tendo em vista o que a pesquisa mobilizará. Ao final de tudo, deve comparecer a lista
bibliográfica preliminar, pois a bibliografia definitiva só pode e deve ser complementada no decorrer da
execução do projeto. Muitas vezes o pesquisador divide a bibliografia em duas partes. Uma parte já consul-
tada para a elaboração do projeto e outra parte a ser pesquisada no decorrer da execução do trabalho.
2. A ESCOLHA DO TEMA
No mundo universitário, entretanto, a imensa maioria das pesquisas nasce da livre escolha do
pesquisador. Vem do pesquisador a necessidade de estudar um determinado assunto. Mas quais são as
motivações que nos levam a escolher um tema?
Os temas podem surgir da observação do cotidiano, da vida profissional, do contato e
relacionamento com especialistas, do feedback de pesquisas já realizadas ou do estudo de literatura
especializada. Além das possibilidades acima, as fontes para a escolha de um assunto podem ainda originar-
se da experiência pessoal, de estudos e leituras, da descoberta de discrepâncias entre trabalhos ou da
analogia com temas de estudos de outras disciplinas ou áreas científicas. Enfim, o tema pode surgir de uma
dificuldade prática, de uma curiosidade científica, de desafios encontrados na leitura de outros trabalhos ou
da própria teoria.
Um tema surge quase sempre de uma intenção ainda imprecisa. Uma imprecisão que só pode ser
indicadora de que a escolha de um tema advém muito menos de uma vontade racional do que de motivos
sobre os quais temos pouco domínio consciente. De fato, um tema é algo que nos fisga, para o qual nos
sentimos atraídos sem saber bem por quê. Um tema nasce de um desejo, que é, por sua própria natureza,
sempre obscuro, e não costuma adiantar muito a tentativa de lhe virar as costas.
É claro que os temas têm tudo a ver com a história de vida e, especialmente, com a história
intelectual do pesquisador. Em que área científica está inserido, que repertório já adquiriu nessa área, qual a
intensidade de seus contatos com outros pesquisadores e com especialistas na área, seu noviciado ou sua
experiência em pesquisa são todos fatores determinantes para a escolha de um tema. Entretanto, esses fatores
não são capazes de impedir que os temas surjam, o mais das vezes, de modo vago, muito geral e indefinido.
Quando nos propomos a realizar um trabalho científico, diz Demo (1985: 49-50),
"é normal que a primeira impressão seja de perplexidade. Não sabemos por onde começar, sobretudo se nunca
nos tínhamos metido antes no assunto. Todavia, é a situação normal de quem se julga pesquisador e não
detentor de saber evidente e prévio. [...] Quem parte de evidências, nada tem a pesquisar. O processo de
superação dessa perplexidade inicial é algo central na formação científica de uma pessoa."
Enfim, a indefinição inicial de um tema é normal, pois o que importa não é o seu modo de ser, mas a
elaboração que deve ser realizada para que ele vá gradativamente ganhando concretude, precisão e
determinação.
3. ESTUDOS PRELIMINARES
Por onde começar? Buscando informações sobre o tema, seja de ordem factual, seja de ordem
teórica. Para a realização dos estudos preliminares, é de máxima importância sabermos em que área, e
melhor ainda, em que sub-área do conhecimento.
Com uma visão relativamente clara da área de inserção de seu tema, é preciso que o pesquisador vá
para a biblioteca ler sobre o assunto. Enciclopédias, livros, periódicos especializados, que são fundamentais
sob o ponto de vista da atualização sobre o tema, catálogos, teses e dissertações, jornais, vídeos, isso sem
mencionar o acesso a bancos de dados. O contato com esse acervo é fundamental não apenas para buscar
subsídios que orientem e dêem mais segurança sobre a escolha do tema, mas que ajudem a formular o seu
enunciado. De resto, também para saber se o assunto que se pretende estudar já foi objeto de outras
pesquisas e sob que ângulos essas pesquisas o enfocaram.
É certo que as leituras tomam muito do nosso tempo, mas, na realidade, elas ajudam a
diminuir o tempo estéril das idéias confusas e pouco definidas que são sempre motivos de angústia
para o pesquisador.
O levantamento bibliográfico preliminar é imprescindível. Antes de tomarmos qualquer decisão
sobre a nossa pesquisa, precisamos ter o maior número de informações e de leituras que são possíveis nessa
etapa de desenvolvimento do projeto, não só para melhor delimitar o assunto, "mas também para
desenvolvê-lo longe de um ponto de vista do senso comum". Essa multiplicidade de pontos de vista é
fundamental para que a pesquisador não fique, de saída, fixada em um modo de ver, em um única tipo de
fundamentação teórica, mas que saiba fazer uso da riqueza dessa fase preparatória para explorar a
diversidade que é própria a qualquer uma das áreas das ciências humanas.
Todo o esforço dispendido nos estudos preliminares se volta produtivamente para a clarificação
gradativa do tema, rumo à definição de uma questão, de um problema a ser pesquisado. Contudo, o segredo
dos estudos preliminares está na arte do pesquisador para saber exatamente o momento em que deve
interrompê-los. Os estudos preliminares devem, portanto, cercar as obras mais fundamentais, tenda em vista
um panorama de funda que habilite o pesquisador a situar sua questão para poder melhor defini-la.
A pesquisa preliminar deverá depois ser incorporada ao projeto junto com sua complementação em
um tópico sob o título de "Revisão bibliográfica" ou "Estado da questão”.
3.1 O PRÉ-PROJETO
Pouco a pouco, dos estudos preliminares um problema de pesquisa começa a se delinear. A partir
disso, o pesquisador deve criar coragem e, apesar de o momento ainda lhe parecer precoce, ensaiar a
elaboração de um pré-projeto. Embora tudo pareça ainda muito vago, é preciso aproveitar as incertezas
iniciais para delas extrair seu sumo. Passeando vivamente pelas idéias e contemplando-as com interesse
desprendido, o pensamento fica entregue ao musement, estado de concentração distraída, condição para a
"uberdade".
Parece evidente que a "uberdade" só premia aqueles que buscam. A mente só pode passear entre
idéias, quando nela as idéias são férteis, caso contrário temos de nos contentar com idéias fixas, que são o
lado do avesso da "uberdade". Outra boa razão para justificar a necessidade dos estudos preliminares.
O anteprojeto é assim uma primeira proposta de sistematização para ser testada, modificada e
aperfeiçoada na medida em que a delimitação da questão a ser pesquisada for amadurecendo. Trata-se
de um ponto de partida que brota sob efeito do pensamento sintético, onde tudo aparece ao mesmo tempo.
Realmente, um projeto não nasce parte por parte, mas em alguns lampejos em que tudo aparece junto e ainda
confuso. O anteprojeto é a primeira tentativa de organizar os fios dessa trama sintética. Para essa
organização, juntamente com os resultados das correções sucessivas a que o anteprojeto vai sendo
submetido, deve entrar em ação o pensamento analítico que guiará os passos da elaboração do projeto.
4. A ELABORAÇÃO DO PROJETO
Uma vez que os manuais de orientação para as pesquisas quantitativas se detêm muito pouco nas
questões que têm mais peso nas pesquisas qualitativas, tais como estado da questão, quadro teórico de
referência, discussão das estratégias metodológicas não-quantitativas e suas justificativas, é para elas que
estarei chamando mais atenção.
4.1. OS ANTECEDENTES
Não é fácil encontrar o ponto certo e justo da enunciação de um discurso científico em que a
pessoalidade não caia, de um lado, na mera confissão subjetiva adocicada e enjoativa ou, de outro, no
pedantismo de uma neutralidade forçada e artificial. Há um momento inicial na abertura de um projeto de
pesquisa em que a figura do pesquisador deve aparecer. Chamo esse momento de "antecedentes" ou
"histórico" para com isso designar o quadro de referência pessoal da proposta de pesquisa.
A presença desse quadro de referência é muito comum nos casos das pesquisas que brotam
diretamente de pesquisas anteriores. Para introduzir um novo projeto, o pesquisador procede ao breve relato
das conclusões ou resultados alcançados na pesquisa anterior, com atenção para o ponto em que sua atenção
foi despertada para uma nova questão. Nesse momento, o relato inclui obrigatoriamente o quadro de
referência pessoal, quer dizer, em que medida o pesquisador está implicado naquilo que deseja realizar.
Mesmo no caso de uma pesquisa não estar na linha de continuidade de uma outra já realizada pelo
pesquisador, o interesse por um assunto, um tema ou uma questão não surge do vácuo. Ele é fruto de uma
história de vida, de experiências profissionais, intelectuais, construídas mediante caminhos próprios, dos
valores e escolhas que nos definem. Trata-se agora, no momento de elaboração do projeto, de incorporar em
um relato aquilo que tem pertinência para a apresentação do tema e daquilo que conduziu à sua escolha.
Quando bem dosado, evitando o mero biografismo inoportuno, o relato de como o pesquisador
chegou ao tema pode dar sabor de vida ao projeto. Além disso, ao incorporar aquilo que realmente importa,
isto é, como foi se dando o estreitamente gradativo da amplitude do tema para a delimitação do problema da
pesquisa, o quadro de referência pessoal vai pouco a pouco se encaminhando para o tópico seguinte, o mais
importante do projeto, ou seja, a delimitação da questão proposta pela pesquisa.
4.10 O CRONOGRAMA
Este item diz respeito ao planejamento do tempo de desenvolvimento da pesquisa. Cada etapa deve
ser cuidadosamente pensada, inclusive prevendo o tempo que cada uma deve levar para se desenvolver.
Quanto mais bem formulado estiver o projeto, mais clareza e segurança se terá na previsão de sua
consecução.
4. 11 OS RECURSOS NECESSÁRIOS
Embora a palavra "recursos" pareça indicar apenas os recursos materiais, infraestruturais e
financeiros, eles devem ser pensados em termos mais amplos. Parece muito bom que o pesquisador também
pense no tempo que tem para se dedicar à pesquisa, sobretudo na sua disponibilidade para assumir o modo
de vida que a realização de uma pesquisa sempre exige. Enfim, olhando bem no fundo de si mesmo, neste
item dos recursos, o pesquisador deve se perguntar se terá persistência, desprendimento de muitos outros
apegos ou hábitos e mesmo obstinação para efetuar seu trabalho. Esses recursos são, às vezes, tanto ou mais
fundamentais do que os materiais.
4. 12. A BIBLIOGRAFIA
Quando fazemos tanto a revisão bibliográfica quanto à seleção do quadro teórico de referência para
a pesquisa proposta, ou seja, sua fundamentação teórica ou escolha de uma teoria de base, essas atividades
podem nos levar a enxergar um horizonte bibliográfico pertinente à pesquisa muito mais amplo do que
aquele que podemos absorver enquanto estamos elaborando o projeto. Nesse caso, que, aliás, seria o ideal,
no final do projeto devem aparecer duas listagens bibliográficas, aquela que já foi consultada e aquela que
deverá ser consultada no decorrer da pesquisa. Muitas vezes, esta última já se insinua em comentários
presentes na escolha da fundamentação teórica, visto que esta é sempre muito maisespecítica e especializada
do que havia sido a revisão bibliográfica. .
4. 13 NOTA FINAL
Enfim, a elaboração de um projeto de pesquisa exige o cuidado paciente com os detalhes a que todo
bom planejamento nos obriga. É preciso ter amor pelas minúcias e capacidade de olhar de frente para as
dúvidas, sem subterfúgios, sem esquivas. Saber lidar com elas, atendê-las com atenção e energia,
conscientes de que isso significa interromper o fluxo de nossas certezas e partir para as fontes que nos vêm
do discurso do outro.
Em meio às muitas compensações que um bom projeto nos traz, entre elas especialmente uma certa
garantia de que a jornada deverá chegar com êxito ao seu destino, a compensação mais gratificante se
encontra naqueles momentos em que a pesquisa começa a adquirir força e determinações próprias,
exigências internas tão eloqüentes como se viessem de um corpo vivo. De agente do processo, o pesquisador
passa para o estatuto de interlocutor, apalpando e auscultando as determinações internas do seu trabalho.
Mais gratificantes ainda, como se fossem iluminações súbitas no meio do caminho, sem que saibamos bem
de onde elas vêm, são os momentos em que nos defrontamos com as surpresas das descobertas imprevistas.
Além de cumprir a função social de fazer avançar o conhecimento, tarefa precípua de toda pesquisa,
pesquisas também decifram para cada um de nós o mistério dos prazeres muito próprios e decididamente
intransferíveis que a vida intelectual traz consigo.