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Esse homem, levado por temperamento a ser corajoso, não tem a virtude da
força em estado de virtude. A intemperança faz com que falte à prudência
mesmo no domínio próprio da virtude da força. A prudência, que deve guiar
todas as virtudes morais, supõe, com efeito, que nossa vontade e sensibilidade
estejam habitualmente retificadas quanto ao fim dessas virtudes. Aquele que
conduz vários cavalos atrelados a uma charrete necessita que cada um deles já
esteja manso e adestrado. Ora, a prudência é um como condutor de todas
virtudes morais, «auriga virtutum», devendo tê-las, por assim dizer, todas à
mão. Uma não vai sem a outra: elas são conexas na prudência que as dirige.
Por conseguinte, para que as verdadeiras virtudes adquiridas não estejam tão-
somente em estado de disposição pouco estável, mas em estado de virtude já
sólida (in status virtutis), faz-se mister que estejam conexas e, por isso, que o
homem não mais esteja em estado de pecado mortal, mas que sua vontade
esteja retificada quanto ao fim último. Convém que ame a Deus mais que a si ―
se não um amor sentido, pelo menos um amor de estima, real e eficaz. E isso
não é possível sem o estado de graça e a caridade3.
podem chegar a ser virtudes estáveis (in statu virtutis); podem tornar-se
conexas, apoiar-se uma nas outras. Enfim, sob o influxo da caridade infusa, elas
tornam-se o princípio de atos meritórios para a vida eterna. Alguns teólogos,
como Duns Scot, por causa disso, chegaram a pensar que não é necessário que
haja em nós virtudes morais infusas.
As virtudes morais adquiridas não bastam ao cristão para que ele queira como
convém os meios sobrenaturais ordenados à vida eterna. Há, de fato, diz Santo
Tomás6, uma diferença essencial entre a temperança adquirida, já descrita pelos
moralistas pagãos, e a temperança cristã, da qual fala o Evangelho. Aqui existe
uma diferença análoga àquela duma oitava, entre duas notas musicais de mesmo
nome, separadas por um intervalo completo.
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Entre ambas as virtudes de mesmo nome, há mesmo diferença maior que uma
oitava: há diferença de ordem, tanto assim que a virtude adquirida da religião ou
a da temperança poderia sempre crescer pela repetição dos atos, sem nunca
alcançar a dignidade do menor dos graus da virtude infusa de idêntico nome.
Trata-se de outra tonalidade: o espírito que anima a letra não é mais o mesmo.
De um lado, só o espírito da reta razão; de outro, o espírito da fé, que vem de
Deus.
São dois objetos formais e dois motivos de ação bem diferentes. A prudência
adquirida ignora os motivos sobrenaturais da ação; a prudência infusa os
conhece: procedendo não tão-somente pela razão, mas pela razão esclarecida
pela fé infusa, conhece a elevação infinita de nosso fim último sobrenatural,
Deus visto face à face; conhece, por conseguinte, a gravidade do pecado mortal,
o valor da graça santificante e das graças atuais ― que devemos implorar
diariamente para perseverar ― o valor dos sacramentos que recebemos. Tudo
isso a prudência adquirida ignora, pois é de uma ordem essencialmente
sobrenatural.
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Antes de mais nada, a facilidade dos atos virtuosos não é garantida do mesmo
modo pelas virtudes morais infusas e pelas virtudes morais adquiridas. As
infusas fornecem uma facilidade intrínseca, sem que se exclua os obstáculos
extrínsecos, os quais são afastados pela repetição dos atos que engendram as
virtudes adquiridas.
Porém, entre os cristãos mais espirituais, o motivo explícito de ação que mais se
manifesta é o sobrenatural; nos demais, o motivo é racional, ficando o
sobrenatural um pouco latente (remissus). Da mesma forma, num pianista
notamos mais a técnica, mas pouquíssima inspiração; num outro, o inverso se
dá. ― Os motivos de razão inferior, que dizem respeito ao nosso bem estar, são
mais ou menos explícitos, conforme sejamos mais ou menos desapegados dessas
preocupações; ou se, por sentirmo-nos saudáveis, não temos porque ter tais
preocupações.
Essas virtudes morais consistem num justo meio entre dois extremos, um por
excesso, outro por falta. Deste modo, a virtude da força leva-nos a guardar o
justo meio entre o medo, que nos faz fugir do perigo sem motivo razoável, e a
temeridade, que nos leva a correr perigo sem razão suficiente. Mal escutam falar
deste justo meio, os epicurianos e os tíbios crêem-se possuidores dele, mas não
por amor à virtude, mas por comodidade, para fugir dos inconvenientes dos
vícios contrários. Confundem o justo meio e a mediocridade, que se encontra
não precisamente entre dois males contrários, mas no meio do caminho entre o
bem e o mal. A mediocridade ou a tibieza foge do bem superior como a um
extremo a se evitar; esconde sua preguiça sob o princípio: “o melhor é às vezes
inimigo do bem”, e termina por dizer: “o melhor é freqüentemente, se não
sempre, o inimigo do bem”. Assim, termina por confundir o bem com a
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mediocridade.
Esse justo meio, que ao mesmo tempo é um pico, tende ademais a elevar-se,
sem se desviar à direita nem à esquerda, à medida que a virtude cresce. Nesse
sentido, o crescimento da virtude infusa é superior ao da virtude adquirida
correspondente, pois aquela está subordinada a uma regra superior e visa a um
objeto mais elevado.
Essas são as virtudes morais (infusas e adquiridas) que, com as virtudes teologais
às quais se subordinam, constituem nosso organismo espiritual. É um conjunto
de funções de grande harmonia, ainda que o pecado venial venha meter-lhe,
com maior ou menor freqüência, falsas notas. Todas as partes de tal organismo
espiritual crescem juntas, diz Santo Tomás, como os cinco dedos da mão. É o
que prova que não podemos ter uma grande caridade sem possuirmos uma
profunda humildade, assim como o galho mais alto duma árvore se eleva ao céu
à medida que sua raiz aprofunda-se cada vez mais no solo. Na vida interior, é
preciso garantir que nada venha perturbar a harmonia desse organismo
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Mas, para se fazer uma justa idéia do organismo espiritual, não basta conhecer
essas virtudes, mas ver como elas se dão sob a influência da graça atual, não
ignorando as diversas formas sob as quais se apresenta o socorro divino. É o que
examinaremos em breve.
Rome, Angelico.
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7. 7. Ibid.
8. 8. I Cor., IX, 27.
9. 9. Efes., II, 19.
10. 10. Daí vem que o penitente conhece por experiência muito mais os
obstáculos a vencer que a virtude infusa da temperança, que acaba de receber
e que é de ordem por demais elevada para cair sob a apreensão da experiência
sensível.
11. 11. No justo, a caridade comanda ou inspira o ato da temperança adquirida
pela intermediação do ato simultâneo da temperança infusa. E, ainda que
não produzam seus atos, quando essas virtudes se unem numa mesma
faculdade, a infusa confirma a adquirida.
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