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Departamento de Arquitetura e Urbanismo

FABRICAÇÃO, TECTÔNICA E PROJETO:


CATÁLOGO DE ENCAIXES EM MADEIRA
Alunos: Lucas Di Gioia (PIBIC/CNPq), Victor Cattete (PIBITI/CNPq) e
Gabriel G. Raymundo (TEPP/PUC-Rio)
Orientador: Marcos Favero
Introdução
O projeto ao qual este trabalho está vinculado – Fabricação, Tectônica e Projeto:
Microinfraestruturas Urbanas – pretende investigar e problematizar desdobramentos acerca
das noções de fabricação digital e tectônica no âmbito da pesquisa e do ensino/aprendizagem
em projeto de arquitetura a partir de dois movimentos simultâneos: um de natureza teórica e
outro de cunho experimental.
O presente trabalho está relacionado ao viés experimental do projeto e tem como
objetivo, especificamente, a construção de um catálogo de encaixes em madeira, que está
sendo elaborado a partir de tecnologias de modelagem e fabricação digital em duas versões:
uma digital, no formato open source, e outra física, qual seja uma materioteca.
Este tem como base uma investigação relacionada à origem dos encaixes tradicionais
em madeira – a partir de um levantamento de manuais de carpintaria ou marcenaria
provenientes de diferentes regiões do mundo – sua catalogação, seleção, tendo como objetivo
verificar a possibilidade da existência de um conjunto de encaixes “universais”, e, por fim,
reprodução utilizando sistemas de modelagem tridimensional (software Rhinoceros) e de
manufatura digital (CAD/CAM e sistemas de corte a laser e equipamentos CNC Router).
A pesquisa permitiu um aprofundamento na compreensão dos encaixes em madeira,
mas sobretudo proporcionou a possibilidade do desenvolvimento (ainda em curso) de uma
nova forma de classificação de encaixes de madeira, demonstrada por meio de um
organograma (ver fig. 13), elemento estruturante do catálogo.

Metodologia

A metodologia do trabalho compreende três fases: 1. Princípios Estruturantes,; 2.


Desenvolvimento; 3. Produtos.
O trabalho está fundamentado em dois Princípios Estruturantes: 1. levantamento e
catalogação de referencial teórico e técnico referente aos encaixes tradicionais em madeira e
seus respectivos métodos construtivos (métodos analógicos); 2. instrumentalização da equipe
de pesquisa em fabricação digital relacionada à utilização da CNC Router como ferramenta de
produção.
Na fase de Desenvolvimento, todos os encaixes foram modelados tridimensionalmente
utilizando software Rhinoceros. Etapa necessária para a fabricação dos encaixes na CNC
Router que configurou um processo de retroalimentação constante e, objetivamente, gerou
desenhos próprios para a ilustração do catálogo digital. Processo no qual se percebeu a
pertinência de uma reclassificação dos encaixes.
Reclassificação desenvolvida na terceira fase, denominada produtos, também
constituída também pela construção do catálogo de encaixes em madeira, que está sendo
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elaborado a partir de sistemas de modelagem e fabricação digital em duas versões: uma


digital, no formato open source, e outra física, qual seja uma materioteca.

Figura. 1. Diagrama metodológico completo


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1. Princípios estruturantes
1.1 Levantamento, classificação e catalogação
Caracteriza-se, inicialmente, por um levantamento de manuais de carpintaria ou
marcenaria provenientes de diferentes regiões do mundo (Argentina, Brasil, Espanha, Estados
Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão e Portugal), configurando um total de 21
manuais, que teve por objetivo fundamentar o trabalho através de uma ampla gama de dados.
Para tanto, foram traçadas correlações entre estes manuais levando em consideração as
seguintes categorias de análise: 1. Relevância específica do conteúdo para o projeto; 2.
Quantidade dos exemplos de encaixes; 3. Qualidade dos exemplos de encaixes; 4. Estrutura
de catalogação. Certificou-se que 9 dos 21 manuais poderiam ser considerados referência em
seus respectivos países dado que apresentam qualidade superior aos demais sobretudo no que
diz respeito às últimas duas categorias indicadas anteriormente; consequentemente estes
foram selecionados como as principais referências teóricas e técnicas [1].
A fim de quantificar e classificar estes dados foi gerada uma matriz que cruza as
informações entre os tipos de encaixes e a sua existência nos 9 manuais de forma a verificar
sua recorrência, afim de determinar a possibilidade de uma “universalidade” entre estes;
momento no qual foram catalogados 24 encaixes.
Dentre estes, se destacaram 9 encaixes utilizando-se como critério de seleção sua
respectiva recorrência em, no mínimo, 5 manuais. De modo a apresentar o conjunto de
encaixes considerados “universais” [2] e sua recorrência nos manuais foi gerada uma segunda
matriz, quadrada, intitulada “9 x 9”.

Figura 2. 9 x 9
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Considerando os 9 encaixes “universais”, foi gerada uma terceira matriz a partir da


revisão/reorganização da primeira, de modo que os outros 15 encaixes fossem ordenados de
maneira subsidiária aos “universais” tendo como critério sua semelhança formal.

Figura 3. Encaixes organizados em função dos 9 “universais”

1.2 Instrumentalização Em Fabricação Digital


Levando em consideração o caráter experimental deste projeto, a instrumentalização da
equipe de pesquisa em fabricação digital se fez necessária para o seu desenvolvimento. Esta
se deu no Laboratório de Volumes do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-
Rio, com a supervisão do técnico do laboratório, através de um estudo específico do software
Sprutcam (análogo CAD/CAM) e da utilização da CNC Router, afim de possibilitar o
domínio das seguintes questões:

- Parâmetros de avanço de corte e desbaste gerais e específicos para madeira escolhida


(pinus autoclavado);
- Tipos de fresa a serem utilizadas, considerando a relação entre o diâmetro da fresa, a
velocidade do corte e a complexidade do desenho da peça a ser construída;
- Organização das rotinas de corte e desbaste de acordo com a especificidade do
desenho de cada encaixe;
- Fixação da peça de madeira através dos trilhos da mesa de corte;
- Setagem da origem da operação (ponto de início de atividade da fresa) da CNC Router
a fim de direcionar o processo de fabricação;
- Transferência da “rotina” do Sprutcam (Arquivo gerado pelo programa com as
especificações de corte e desbaste que é utilizado diretamente na CNC Router) para a
CNC Router.
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2. Desenvolvimento
2.1 Produção de material gráfico

Figura 4. Modelos Digitais (Rhinoceros)


A partir da catalogação dos encaixes gerou-se uma base de dados (database) de modelos
digitais 3D de todos os encaixes, em software Rhinoceros, para a sua fabricação na CNC
Router. Inicialmente, estes modelos foram desenhados com seção retangular (45mm x 70mm)
em função da madeira disponível no Laboratório de Volumes para fabricação dos primeiros
protótipos.
Realizados os primeiros testes na CNC Router, decidiu-se abandonar a seção retangular,
adotando-se seção quadrada, a fim de caracterizar, tendo em vista sobretudo à construção da
materioteca, certa “imparcialidade”, certa “generalidade” no formato dos encaixes. Os
encaixes foram remodelados para seção quadrada 55mm x 55mm em função da madeira que
nos foi possível adquirir, porém, é importante observar, que este dimensionamento não é
específico, ou seja, podendo ser modificado, assim como todas as outras características do
modelo dos encaixes, conforme pressupõe um regime open source.

2.2 Fabricação de encaixes


Uma série de questões operacionais relacionadas a CNC Router direcionaram o design
(ou seja considerando forma e formato) dos encaixes no que diz respeito ao seu método de
fabricação, consequentemente configurando um processo de retroalimentação constante entre
modelagem tridimensional digital e fabricação.
Levando em consideração a etapa Instrumentalização, foram realizados uma série de
testes a fim de possibilitar a definição de parâmetros específicos para a fabricação final dos
encaixes para a materioteca: 1. Dimensionamento e seção dos encaixes (atividade realizada
concomitantemente a modelagem tridimensional digital); 2. Método de fixação das peças.
Estes testes foram realizados tendo como base o primeiro conjunto de modelos com seção
retangular 45 x 70mm utilizando peças de madeira pinus autoclavado [3]. Para verificar a
aplicação dos parâmetros indicados anteriormente foram selecionados 6 encaixes (dentre 24)
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de acordo sua complexidade e diversidade de design: Abraçadinho, Malhete Duplo, Espiga


Interna, Meia-esquadria Espiga Interna, Rabo de Andorinha.

Figura 5. Fotos dos encaixes


Ripas de compensado naval aparafusadas na mesa da CNC Router foram utilizadas para
balizar a peça em pinus autoclavado a ser cortada para gerar parte de um determinado encaixe
(cada encaixe é composto por duas peças de madeira). Parafusos com arruelas foram fixados
para travar esta peça a ser cortada sobre as ripas de balizamento de forma a restringir qualquer
movimento no sentido vertical que a fresa [4] da CNC Router possa causar na peça do
encaixe.

Figura 6. Fixação peça


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Esse sistema de fixação e método de corte se mostrou ineficiente em diversos aspectos:


1. A opção de corte “peça por peça” demandou que a cada peça cortada toda a fixação fosse
removida para a colocação de uma nova peça, acarretando considerável perda de tempo em
relação ao corte de cada encaixe, levando, trabalho que chegou a levar até 2 horas de
execução; 2. Em função da troca continuada de peças, houve necessidade de sempre realinhar
o “ponto inicial da rotina” do Sprutcam da CNC Router; 3. Em função dos diferentes
desenhos de encaixes, nem sempre as arruelas puderam ser fixadas no mesmo lugar devido ao
“caminho da rotina” que a fresa iria percorrer, gradualmente enfraquecendo as ripas
balizadoras por conta dos diversos furos realizados; 4. Por fim, em função da precariedade do
sistema de fixação as peças vibravam em um frequência que comprometia a execução destas,
acarretando a quebra de um certo número de peças e fresas no processo de corte.

Figura 7. Peça quebrada


Simultaneamente aos testes descritos acima, foi realizada, a revisão dos modelos
tridimensionais digitais para adequá-los à seção quadrada de 55x55mm, momento que
caracteriza um ciclo de retroalimentação: Modelagem tridimensional digital / Fabricação /
Modelagem tridimensional digital.
Foi necessária a reformulação do sistema de fixação e método de corte, a fim de
resolver as deficiências apontadas anteriormente: tempo de execução, “ponto inicial da
rotina”, “caminho da rotina” e vibração. Para tanto, considerando a madeira disponível e
tamanho da mesa da CNC Router, foi determinado, com o auxílio do Rhinoceros, o número
máximo 7 encaixes (14 peças) a partir de um único bloco de madeira com 1500x140x70mm, e
a fabricação, sob medida, fixados nas extremidades do bloco.
Deste modo, o processo de corte de cada peça no bloco teve seu tempo reduzido em
aproximadamente de 75% de duração (cerca de 30 minutos por peça), na medida em que, ao
invés de “peça por peça”, era necessário programar apenas uma operação de corte e desbaste
contínua para todo o bloco de madeira.
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Figura 8. Novo método de corte / diagrama


Embora esse sistema tenha reduzido o tempo de corte dos encaixes e de fixação e
remoção das peças na CNC Router, este gerou um outro problema devido da proximidade das
peças a serem cortadas, pois a cada peça cortada, a resistência do corpo do bloco
1500x140x70mm inevitavelmente diminuía, o que associado a distância entre os grampos
fazia com que o bloco continuasse vibrando, comprometendo a precisão da operação e, em
certos casos, quebrando a fresa.

Figura 9. Foto da peça /diagrama ilustrando o problema


Para solucionar esses problemas, foi inserido um terceiro grampo intermediário e
reduzido o tamanho do bloco de madeira para 1500x70x70mm, consequentemente
diminuindo o número de peças a serem fabricadas por vez. Como último movimento para
efetivação do sistema de fixação e método de corte, aem decorrência do desgaste dos
grampos, em pinus autoclavado foram fabricados novos grampos, idênticos aos anteriores,
porém em maçaranduba (madeira de lei, mais resistente).
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É nesta conformação do sistema: peça de madeira 1500x70x70mm, 3 grampos em


maçaranduba e ordem de corte de peças de encaixe sequencializada, que estão sendo
atualmente produzidos os 51 encaixes, dos quais 25 já foram fabricados.

Figura 10. Diagrama de desbaste na CNC (volume removido)

Figura 11. Digrama de novo método de fixação e sistema de corte


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Figura 12. Novos grampos produzidos

3. Produtos e Resultados
3.1 Reclassificação dos encaixes em madeira
Ao analisar novamente, na etapa Desenvolvimento os diversos sistemas de classificação
e representação gráfica dos encaixes tradicionais em madeira na manuais de referência (ver
nota 1), percebeu-se a possibilidade de reclassificar os 24 encaixes anteriormente relacionados
aos 9 encaixes considerados “universais” (ver nota 2) não somente pela sua semelhança
formal, mas também pelo desempenho (performance) de cada um destes encaixes e suas
relações entre si. Estratégia que possibilitou a incorporação de 27 encaixes, totalizando 51
encaixes. Acima de tudo, estratégia que possibilitou a elaboração de uma nova forma de
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classificação de encaixes de madeira, ou melhor, um sistema de classificação de encaixes cuja


estrutura é inovadora, consequentemente configurando importante resultado de pesquisa.
A partir deste entendimento, os 24 encaixes foram reclassificados em 4 formas
primárias, cada qual geratriz de uma família de encaixes (fig. 13): 1. Meia Madeira, 2. Espiga
Interna, 3. Espiga Rasgada e 4. Cavilha.
Em seguida, parte dos encaixes foram agrupados em 3 classes com base nas suas
soluções de conexão entre peças: 1. Abraçadinho, 2. Rabo de Andorinha e 3. Meia Esquadria.
Por sua vez, os encaixes que derivam diretamente de uma das 4 formas primárias, e que,
portanto, não se adequam aquelas classes foram categorizados apenas como família.

Figura 13. Organograma Final


3.2 Catálogo
O catálogo de encaixes em madeira está sendo elaborado utilizando sistemas de
modelagem e fabricação digital. Estão sendo desenvolvidas duas versões: uma digital, no
formato open source, e outra física, qual seja uma materioteca; tendo como base o
organograma concebido na etapa Reclassificação.
A ideia é que a versão digital, além do organograma e de uma descrição sucinta dos
encaixes, possibilite acesso a uma base de dados contendo os arquivos editáveis em formato
Rhinoceros (.3DM) ou similares. Por sua vez a materioteca será um catálogo físico
organizado na forma de um mostruário, cujo desenho está sendo elaborado a partir de um
protótipo já construído, permitindo que se tenha acesso, presencialmente a todos os 51
encaixes.
Tendo em vista não somente a pesquisa propriamente dita – Fabricação, Tectônica e
Projeto: Microinfraestruturas Urbanas –, trata-se da construção de material de referência para
os alunos de graduação e pós-graduação, sobretudo de Arquitetura e Urbanismo, no que diz
respeito ao ensino/aprendizagem de técnicas de fabricação digital e construção
contemporânea em madeira (edificação e mobiliário).
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Figura 15. encaixes já produzidos

Figura 16. Materioteca (desenhos ou fotos do mockup?)


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Referências
1– CEUKELAIRE, E. Houtverbindingen. 1 ed. Bruxelas: FVB, 2013;
CEUKELAIRE, E. Les assemblages bois. 1 ed. Bruxelas: FVB, 2013; FAIRHAM,W.
Woodwork joints. 1 ed. Londres: Gutenberg, 2007; GAZTELU, L. Carpinteria de armar. 1
ed. Madrid: Libreria Editorial, 1899; JACKSON,A; DAY,D. Good wood joints. 1. ed.
Londres: Collins, 1995; JACSON, A; DAY, D. Manual complete de la madera. 1. ed.
Madrid: Del Prado, 1993; MARCELLINI, D. Manual prático de marcenaria. 1. ed. São
Paulo: Ediouro, 1973; NUTSCH,W. Manuale tecnico del legno. 1 ed. Roma: Sistemi
Editoriali, 2006; SUMIYOSHU, T; MATSUI, G. Wood joints in classical japanese
architecture. 1. ed. Kajima: Kajima Institute, 1991
2– Abraçadinho, Espiga Interna, Meia Esquadria Espiga Interna, Meia Madeira,
Espiga Rasgada, Malhete Duplo, Rabo de Andorinha, Malhetes Varados, Esquadro 90º
Cavilha
3– Caracterizada pela sua relativa facilidade de corte, por possuir densidade media,
embora garantindo rigidez suficiente não comprometendo a estrutura dos encaixes.
4– Ferramenta de corte rotativa, constituída de uma série de dentes.

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