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Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Porquês - Raul Martins
Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Porquês - Raul Martins
Então por que não escrever este meu último porquê com a forma “porque”?
Por quê?
Se bem haja, realmente, alguma confusão que poderia ter sido evitada em
relação à grafia do “por que” interrogativo,1 coisa que inexiste em francês
1
Em Portugal, escreve-se “porque" também quando se faz perguntas, e Napoleão Mendes de
Almeida diz ser estranho que na ortografia oficial brasileira exija-se a separação do “que” de “por”
quando “por que” é um advérbio interrogativo. Noutras línguas, o “por que” interrogativo é sempre
escrito junto. Só o Brasil quis ser diferentão.
(‘pourquoi’) ou italiano (‘perché’), a verdade é a seguinte: funções
diferentes, porquês diferentes.
Cada uma das formas tem suas funções e todas as suas características (se
separado, se junto, se com acento…) podem ser explicadas por meio da
análise morfológica.
Tudo bem, estamos apenas no começo da aula. Tudo o que eu disse aqui
será mais bem explicado2 um pouco à frente.
Agora, o importante é você entender que não existem quatro porquês por
frescura ou malvadeza de gramáticos amargos que, não pegando ninguém,
passam dia e noite a inventar novas regrinhas como torturas linguísticas.
Comecem a treinar-se para pensar sobre a língua com lógica — é isso que
tentaremos fazer aqui.
2
Hoje, no Instagram, um seguidor perguntou-me se a seguinte frase, que postei nos stories, estava
certa:
“Neste ano, o plano é tornar o conteúdo muito mais consistente e melhor planejado."
Perguntou-me ele se o “melhor” antes do verbo no particípio não estava errado. Reproduzo aqui
minha resposta:
“Gramaticalmente, a ferro e fogo, boa parte dos estudiosos dirá ser errado usar “melhor" ou “pior”
antes de um verbo no particípio — como no caso de “preparado”. Como professor, portanto, sou
obrigado a dizer-lhes que essa é a regra. Em provas, quem usasse uma construção dessas perderia
pontos. Só que eu tenho birra com “mais bem preparado” e construções aparentadas. Nesse caso,
meu senso estético mostra o dedo do meio às normas.”
Como se vê, engoli meu (bom) gosto e aqui usei um “mais bem explicado”. Sempre que possível,
quero mostrar-lhes as sutilezas da língua e os pontos de conflito entre a estilística e a gramática
normativa.
Hoje em dia, o bom professor tem duas funções. O ensino é a segunda e só
vem depois. Antes, vem um sistemático, impiedoso e profundo desensino.
Duas meias lições não criam uma lição completa. Vão criando, isto sim, uma
cabeça confusa, repleta de informações fragmentárias e desconexas. Vão
criando um hábito de preguiça e frouxidão cognitivas.
Então beleza? Bora aprender tudo o que você sempre quis saber sobre os
famigerados PORQUÊS.
O primeiro porquê é o todo junto, com acento. A primeiríssima pergunta a
nos fazermos não é como saber quando usá-lo ou por qual palavra
poderíamos trocá-lo.
Como você, caro aluno, com certeza já deu uma olhada no PDF do
Intensivão, está careca de saber o que vem a seguir quando eu falo de tipos
de palavras, né não?
Acertô, mizerávi!
Sabendo-a, poderá saber quais são suas características e para que ele serve,
afinal de contas, nas frases.
Reparem que temos três panelinhas. Na panelinha nominal, uma das classes
é a mais importante. É a estrelinha. A popular do grupo. Um spoiler
importantíssimo para sabermos de qual classe estou falando vê-se logo na
cara da panelinha: NOMINAL tem a ver com NOME. E quais são as palavras
responsáveis por dar nomes às coisas?
São os substantivos.
Isso é balela.
Não é verdade que o porquê substantivo sempre tem um “o" antes de si.
Pode tê-lo? Sim, claro. Mas nem sempre. Então qual é a regra?
Determinado por algum adjetivo, pode surgir assim: “Falsos porquês3 não
me comovem”.
Por algum numeral, pode ser determinado por número que seja cardinal:
“três porquês”; “cinco porquês”;
3
E se o adjetivo vem antes ou depois do substantivo, tanto faz.
Pode ser determinado por pronomes: “Seu porquê não faz sentido” ou
“Este porquê não faz sentido”.
Por que, porém, eu escrevi que “quase sempre” são determinados? Porque,
em raras ocasiões, podem surgir livres em alguma frase, determinados por
palavra nenhuma: “Porquês não me interessam.”
Errado.
Veja, por exemplo, esta frase: “Não fui lá, e já lhe disse por quê!”
Como se vê, nem se trata de uma pergunta, nem o “por quê” veio antes de
um ponto final.
Pelo mesmo motivo que nos obriga a pôr um acento circunflexo no porquê
substantivo: pela entonação da voz.4 Diga, em voz alta, com a velocidade
normal da fala, estas duas frases:
4
O “porque" junto e sem acento, que é uma conjunção, faz parte dos poucos vocábulos átonos do
português. Ou seja: palavras cujo som é fraco, débil, e quase não se sustenta sozinho. O “porquê"
substantivo não é assim. Seu som é forte, acentuado. Destaca-se e faz-se ouvir nitidamente. O
acento marca sua tonicidade.
Aqui já temos um caso mais interessante, que dá pano pra mangas. Se no
“por quê” o melhor a se fazer era pular a classificação morfológica, aqui o
inverso é verdadeiro.
Vamos com calma. Sabe aquela história de o “por que” ser das perguntas?
Pois é. Não estava errada. Só está incompleta.
Antes de tudo, vamos analisar o que raios quer dizer “locução adverbial
interrogativa”.
Viram como são duas palavras fazendo o serviço de uma só? Aí estão as
locuções. Existem locuções adjetivas, adverbiais, conjuntivas, prepositivas,
verbais… enfim, um monte delas.
Já está respirando mais aliviado aí, né? Agora, só falta o “interrogativa”. “Por
que” é uma locução adverbial interrogativa. Ou seja: são duas palavras que
fazem o serviço de um advérbio interrogativo.
Fácil, né não?
“Você sabe muito bem por que o Brasil não vai pra frente.”
Maaaaaaas…
Temos o mesmíssimo “por que” exercendo outra função. O “por que” pode
ser também preposição + pronome relativo.
Pronomes, por sua vez, são uma classe gramatical gigantesca. Sua
definição clássica é que servem ou para substituir, ou para retomar o
substantivo.
Quem luta, luta por alguma coisa, certo? O por da frase está ligado ao verbo
lutar.
Quem passa, passa por alguma coisa. Por liga-se a passar. Que, por sua vez,
representa túnel.
“Estas são as reivindicações pelas quais estamos lutando”; “O túnel pelo qual
deveríamos passar desabou ontem”.
E esse macete funciona sempre por um motivo muito simples: “por que” é,
simplesmente, a versão invariável de “pelo qual” e suas flexões. A função é
a mesma. Portanto, se lhe surgir alguma dúvida basta você se perguntar:
“aqui cabe um ‘pelo qual’?” Se sim, manda bala.
É um por que.
Moleza, só no sapatinho. Acabamos o “por que”. Passemos, agora, ao último
e mais chatinho.
O “porque”.
Fiéis à nossa estratégia, antes de tudo nos perguntemos: qual é sua classe
gramatical?
Logo, o porque serve para ligar orações5 entre si. Mas não existe u só tipo
de conjunção. Na verdade, existem vários. E o tal porque pode ser de três
5
Orações são enunciados construídos em torno de um verbo. Não entendeu nada? Então pense
assim: se existe um verbo, existe uma oração. Se existem dois verbos, duas orações. E assim por
diante. Noutra ocasião, quando chegarmos à sintaxe estudaremos as orações com calma.
tipos. Pode criar relações de motivo, causa, ou justificativa. Vamos a
exemplos:
O que mais pode ser o porque junto e sem acento? Além de explicação,
pode ele introduzir uma causa:
6
Como ligam orações entre si, as conjunções já entram no terreno da sintaxe. Aprofundar o assunto
traria confusões demais e esclarecimentos de menos para os alunos. Portanto, sobre os termos hei
de falar apenas o mínimo possível.
7
Mentira, fiz um vestibular de merda para entrar numa faculdade paga e meia-boca, da qual saí
seis meses depois de nela ter entrado.
: é substantivo. Entre os quatro, é o único porquê que se deixa
flexionar em número. Pode ser determinado por adjetivos, pronomes,
numerais ou artigos. É sinônimo de “motivo” e pode por ele ser trocado em
alguma frase. Em casos raros, pode aparecer sem que nenhuma outra
palavra o determine. É acentuado porque, na fala, deixa de ser átono e
ganha ênfase na voz.
: o negócio dele são os fins das frases. Vem antes ou dum ponto
final, ou de interrogações ou exclamações. É acentuado porque ganha força
na pronúncia, torna-se tônico e passa a obedecer as regras de acentuação
dos monossílabos tônicos.8
“Por que [motivo] você demorou tanto para ler esta aula?”
8
A saber: devem ser acentuados todos os monossílabos tônicos terminados em -a, -e, -o, sejam
eles seguidos de “s” ou não.
Ufa!
Pronto. A partir de agora, você já sabe tudo o que precisa saber sobre os
porquês. No mínimo, sabe onde encontrar tudo o que sobre eles precisa
saber.
Até agora, não vi um material que fosse tão completo ou explicasse cada
um dos termos com tantos detalhes. Espero que ele possa ajudar você a pôr
um cabresto nos tais porquês e nunca mais sentir medo dos Quatro
Cavaleiros do Apocalipse do Português.
“Creio que os verdadeiros ________ mais uma vez não vieram à luz.”
“Você ainda continua enchendo o meu saco? É ________ eu não abro mão
das minhas ideias?”
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“A razão por que agi assim.”
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Quantos grupos de classes gramaticais existem? Quais
são eles?
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