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A Segurança no

Parto Normal
e na Cesárea

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A Segurança
no Parto Normal
e na Cesárea
...
Otávio - Olá pessoal, tudo bom? Aqui é o Otávio Fattori, do
movimento Nascer Melhor. Hoje com uma pessoa fantástica,
quem ainda não viu o trabalho dele, quem ainda não conhece o
Braulio Zorzella trabalho dele, é o Dr. Braulio Zorzella.

Quem não sabe ainda, o Braulio é obstetra. Ele trabalha já há 10


anos com humanização do nascimento, e faz parte do ReHuNa,
Médico ginecologista, obstetra e ultrassonografista, integrante da Rede que é a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento.
pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa) e palestrante sobre
a Humanização do Nascimento. Atua como obstetra no Centro de Apoio
Bem Gerar. Braulio, muito obrigado por estar aqui com a gente, participando
do Nascer Melhor 2. Estou super feliz de poder estar contando
contigo nesse congresso. A gente tem uma pergunta super
relevante, Braulio, que a gente ouve muito falar sobre essa
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questão do que é mais seguro, “parto normal é mais seguro”, livrar disto, independentemente se nenê nasça bem, ou nasça
“não, a cesariana é mais segura”, “Mas o parto humanizado é mal”. Ninguém pensa assim.
arriscado”. Como funciona essa questão da segurança do ponto
de vista do médico obstetra, que trabalha com a humanização Na verdade, todos que procuram Estamos todos do
mesmo lado. Não tem
do nascimento? Conta para gente. algum método, procuram baseado
dois lados. Não tem o
em segurança. A segurança, até lado do parto normal e
Braulio - Bom, Otávio, muito obrigado pelo convite, por estar certo ponto, ela não é relativa. Ela o lado da cesárea,
participando. Para mim, é um prazer pode falar, inclusive, sobre é igual para todo mundo.
esse assunto, segurança, que é um assunto que eu acho que
me interessa bastante, e interessa bastante a todo mundo. Porém, existem algumas nuances onde ela pode ser relativa
dependendo do lugar onde a pessoa está, dependendo das
Afinal, estamos todos do mesmo lado. Não tem dois lados. condições que tem, técnicas para aquele momento, das condições
Não tem o lado do parto normal e o lado da cesárea. Eu acredito técnicas da equipe para aquele momento. Mas em geral, se a
que todos estão do mesmo lado, que é o lado da segurança do gente for falar de segurança, a segurança é igual para todo
parto. mundo. E acho que é nisso que vou me focar para falar em
relação a diferença de segurança.
O que acontece é que, às vezes, existe alguma divergência
ou até mesmo alguma polêmica sobre o que é mais ou menos Bom, para entender isso, acho que vale a pena, a gente
seguro. Mas nunca vi alguém chegar até mim e falar assim: entender um contexto cronológico do atendimento ao parto,
“Doutor, eu quero um parto normal, acima de qualquer coisa, de como ele funcionava antigamente, de como ele funciona
seja o nenê nascendo vivo ou morto”. hoje, que a gente consegue entender um pouco melhor do que
apenas olhar estaticamente para hoje. Muita gente fala assim,
Nunca ninguém fala isso. Assim como quem opta por uma “ah, antigamente, todo mundo nascia de parto normal e ia tudo
cesárea eletiva não fala assim: “Ah, eu quero a cesárea para me bem”. É um ledo engano.
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Não ia tudo bem. É nesse ponto que a gente pega muitas da espécie gera esse bebê, ou bebês, no caso dos mamíferos,
vezes falando do método do parto humanizado, do parto normal. alguns são múltiplos. E chega num certo momento em que esses
Pessoas que defendem, inclusive, esse método, falam isso, bebês amadurecem, e o corpo da fêmea entra em trabalho de
“não, todo mundo nascia de parto normal e acontecia tudo bem parto e expulsa esses bebês de dentro do organismo, sejam
com todo mundo”. Não era bem assim e por isso inventaram as múltiplos ou um só.
intervenções obstétricas.
O que acontece hoje, no mundo animal, ainda? Isso é muito
Então vamos nos imaginar lá no ano de 1900, que é o ano mais comum, dá para gente entender. Você fala assim, “ah, o
ou menos de nossos bisavós, tataravós, ou seja, não está tão cachorrinho lá teve nove filhotinhos, e só sete vingaram e dois
longe da gente. O ano 1900 foi no começo do século passado. não vingaram”, não é assim que se usa a expressão? Isso se
Se a gente pensar em 150.000 anos de história da humanidade, falava na humanidade antigamente, na época de nossos tataravós
que é o que tem comprovado até hoje, e nós estamos falando e bisavós.
de um século, 100 anos apenas, nós estamos falando de uma
fagulha de tempo de toda essa humanidade. Quando alguém ficava grávida, todo mundo dava parabéns, mas
todo mundo pensava: “Nossa, meu Deus, será que vai sobreviver
Então, pensando nos 150.000 todo mundo nesse parto? Será que a mãe vai sobreviver? Será
“Não, todo mundo
nascia de parto normal anos anteriores a esse, de 1900 que o bebê vai sobreviver? “.
e acontecia tudo bem para trás. Pensando em como
com todo mundo”. funciona no Reino Animal, nos Então, na hora do parto, as parteiras antigas, do ano 1900
Não era bem assim, e mamíferos em geral, o que para trás, não possuíam equipamentos pra avaliação de como
por isso inventaram acontece? estava o bebê. Simplesmente elas ajudavam, apoiavam a mulher,
as intervenções e esperavam o bebê nascer. Naquele momento, elas esperavam
obstétricas.
Um ser gera um outro dentro para ver se o bebê ia nascer vivo ou se ia nascer morto. Ou ele
dele. E a fêmea, sempre a fêmea, ia nascer num limiar de estar vivo e morto, e às vezes ficava
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um tempo aqui fora e morria em seguida. E aí então, tinha essa • A outra foi a inclusão das vacinas, como preventivo de
expressão, os bebês que vingaram e os bebês que não vingaram. doença.

No começo do século XX, de 1900 até 1930, onde houve grandes • Outra causa foi o saneamento
avanços na área de medicina. Juntamente com estudos em básico em geral. Isso melhorou a
Quando alguém
relação a todas as outras áreas da medicina e como poderíamos população como um todo. Naquela ficava grávida, todo
melhorar natalidade, mortalidade, começaram os estudos com época, o esgoto corria à céu aberto, mundo dava parabéns,
afinco na área obstétrica e maternidade. Que era para melhorar em muitos lugares ainda é assim, mas todo mundo
os nascimentos humanos, diminuir as taxas de mortalidade das mas hoje em dia a maioria dos pensava: “Nossa,
mães e dos bebês. lugares já está resolvido isso. O meu Deus, será que
banheiro era fora de casa, não se vai sobreviver todo
mundo nesse parto?”
Nessa época, se a gente pegar um gráfico de quantidade de tomava banho todos os dias. Então,
população, a gente vai ver que demorou 150.000 anos para o na higiene, o saneamento básico
planeta Terra ter 1 bilhão de habitantes, e em cem anos, cresceu melhorou bastante.
de 1 bilhão para 7 bilhões de habitantes.
• A invenção das cirurgias, das técnicas cirúrgicas e a
Algo aconteceu nesse momento. E o que aconteceu anestesia. Para a possibilidade de realização das técnicas
historicamente, foram os avanços da medicina. cirúrgicas. E dentro disso aqui, estamos falando de anestesia
que possibilita uma cesárea.
A gente pode elencar 5 grandes causas para isso:
E consequentemente, isso melhorou bastante a taxa de
• A principal causa, que é o ícone dessa mudança toda, foi sobrevivência dos bebês humanos, quando se inventou essa
a invenção dos antibióticos. Então, os antibióticos melhoraram intervenção que é a cesárea , porque bebês que morriam
bastante a saúde das pessoas. intraútero, e isso podia ser detectado, ou bebês que saiam no
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limiar entre vida e morte, que morriam aqui fora, começaram que poderiam ajudar no próprio parto normal e fazer com que
a sobreviver depois que inventaram a cesariana para salvar ainda assim o parto continuasse sendo normal, porém com
esses bebês. alguma intervenção. Nessa época, aí vamos falar já do século
XX, onde as universidades começaram a ensinar obstetrícia,
Então, nesse momento, a gente onde começaram professores publicar teses de mestrado e
consegue enxergar uma atuação doutorado nessa área, começaram a surgir então, estudos sobre
Surgiram dois do ser humano na espécie humana, possíveis intervenções obstétricas.
grandes paradigmas. mudando a seleção natural. Que se
Um deles era: Quanto
a gente falar de seleção natural, Dessa época vem dois grandes paradigmas em relação ao
mais rápido melhor.
E o outro era: Quanto
a gente vai falar “vingou quem atendimento ao parto. Quando alguém pensou “do que aqueles
mais limpo melhor. tem que vigar, e não vingou quem bebês morriam, lá? “, “do que aquelas mães morriam”, começaram
Por quê? não tem que vingar” baseado só a entender como melhorar, talvez, esse processo. E aí, surgiram
na natureza. Que era como era dois grandes paradigmas, que um deles era: Quanto mais rápido
antigamente. melhor. E o outro era: Quanto mais limpo melhor. Por quê?

E na hora que a gente entende: “Bem, temos como intervir. Vamos tentar entender do que os bebês morriam no século
Temos como ir lá, parar aquele processo e modificar o desfecho XIX , XVIII, , XVII, XVI. Os bebês morriam de hipóxia, falta de
final dele. E fazer com que o indivíduo que ia morrer naquela oxigenação intraútero, morriam de algum problema ocasionado
hora, deixe de morrer”. O ser humano está intervindo na seleção pelo próprio parto. Então, algum tocotraumatismo causado
natural, consequentemente, melhorando a qualidade desse pelo parto, alguma manipulação excessiva, alguma demora
nascimento. importante no parto. E esse bebê saía com alguma sequela e
morria depois. E um terceiro motivo que era a prematuridade,
Juntamente com essa intervenção máxima num parto, que é a que os bebês nasciam muito antes da hora e não tinha suporte
operação cesariana, começaram a estudar outras intervenções aqui fora para esses bebês.
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Essas eram as grandes causas das mortalidades. E as mães, do colocar esses bebês, e para protegê-los numa incubadora, num
que elas morriam? Elas morriam de infecção, as mães morriam ambiente teoricamente livre de bactérias.
de hemorragia, e as mães morriam das consequências da
hipertensão gestacional, que levam à eclampsia, que é convulsão Essa era a ideia, você isolar o bebê e assim continua o
da mãe, falta de oxigenação cerebral da mãe, consequentemente, “quanto mais limpo melhor”. Então, dessa forma, melhorando a
morte da mãe. prematuridade que era uma das principais causas, e que ainda
hoje é uma das principais causas de mortalidade, mas que é
Então, começaram a pensar, como nós vamos melhorar? muito menor do que era antigamente.
Isso eu estou elencando as três principais causas de mães e
bebês, logicamente tem outras. Mas se a gente pensar nessas E aí, as duas outras grandes causas de mortalidade dos bebês,
três de cada um, dá para gente entender melhor. Então como a que era os tocotraumatismos, ou hipóxia, faltar oxigênio para
gente pode melhorar tudo isso aqui? Como a gente melhora a o bebê intraútero, nesses casos entrava a cesárea. Então você
prematuridade dos bebês? faz a cesárea antes de que falte oxigênio para esse bebê e você
salva esse bebê.
Bom, primeiro a gente trata o porquê dos partos prematuros.
Então, a gente trata infecções que levam ao parto prematuro, E o tocotraumatismo, você faz alguma coisa para ajudar nesse
aí o paradigma de quanto mais limpo melhor. Então, parto, pra terminar em parto normal, ou se realmente, não tiver
saneamento básico melhorou isso, utilização de antibióticos, jeito, terminar em cesárea. E aí inventaram as intervenções
tratamento de infecções urinárias, tratamento de candidíase, que estão ligadas ao “quanto mais rápido melhor”, que é este
e por aí vai. paradigma do século XX, que é “vamos romper as bolsas
das mulheres, que rompendo a bolsa acelera mais o parto”,
E a gente trata os bebês que inevitavelmente nasceram “vamos colocar ocitocina exógena, que é ocitocina artificial, pra
prematuros, de uma forma mais adequada, com uma estrutura contribuir com as contrações do parto e acelerar esse parto”,
melhor, que são as UTIs neonatais. Então criaram as UTIs para “ vamos mandar essa mulher, no momento final do parto, fazer
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força, mais do que a força que ela estava com vontade de fazer, do parto. Ou seja, toda vez que você acelerava um parto, será
porque quanto mais rápido, melhor”, “vamos apertar a barriga que você beneficiava esse parto, mesmo?
desta mulher, porque mecanicamente, você apertando, você
consegue empurrar o bebê para fora”, então surgiu a manobra Por que como eles observavam?
de Kristeller. Eles observavam que na natureza,
Se você pegar
em geral, um parto que era rápido,
livros da década de
Se você pegar livros da década de 60, 70, eles falam assim, que o neném nascia rápido, nascia 60, 70, eles falam
primigesta igual a fórceps. Ou seja, “vamos em todas as tudo bem. Um parto que era muito assim, primigesta
primigestas fazer fórceps para extrair esse bebê”. demorado, tinha mais chance de igual a fórceps.
distócia, de algum problema, de o
E o períneo que tem naturalmente 5cm, o introito vaginal que bebê nascer mal, ou até mesmo
tem normalmente 5cm de diâmetro, “vamos fazer um corte e morrer.
ampliar pra 10cm, que o bebê sai mais rápido”.
Então, surgiu daí a ideia de quanto mais rápido melhor. Sem
Então, nesse paradigma de quanto mais rápido melhor, necessariamente uma medida efetiva de oxigenação do bebê.
foram colocados vários itens de aceleração desse parto. A De como funcionava. Então, veio esse paradigma de quanto
intenção era diminuir os tocotraumatismos causados pelo mais rápido melhor. E o que aconteceu? Quando os estudos
parto. Você acelerando o parto diminuía as chances de hipóxia começaram a se aprimorar, mesma época da globalização,
e consequentemente iria ter melhor índices de natalidade e de aconteceu a internet, o cruzamento de dados. Antes se fazia
sobrevivência. trabalhos com 100 mulheres, agora se faz com 1 milhão de
mulheres, cruzando os dados do mundo inteiro.
Mas aí, então, o que acontece? O que aconteceu nesse
momento? Nesse momento eles não tinham ainda a capacidade Começou a se perceber o seguinte, isso já falando década
técnica de estudar realmente o que acontecia nessa aceleração de 80, 90, “está bom, na natureza se o parto for mais rápido,
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em geral os nenês nascem melhor, e os partos demorados, em Veio o novo paradigma, que é o
A gente tem que
geral, os bebês tem mais chance de falta de oxigenação”, mas paradigma do século XXI, que é pegar qual é o
na hora que você pega todas as mulheres e acelera o parto de o que a gente usa hoje, quando a ponto onde temos
todas as mulheres, grande parte dessas mulheres, a aceleração gente fala da metodologia do parto que intervir, para
do parto é que leva os problemas para o bebê. A aceleração é a humanizado que é: “Quanto mais melhorar a segurança,
que leva a hipóxia. O uso de ocitocina exagerado, por exemplo, oxigênio, melhor”. E não “quanto e consequentemente
faz com que a contração seja muito maior do que é. mais rápido melhor”, porque uma diminuição da
mortalidade no final.
coisa não é proporcional à outra.
E esse ponto não é
Portanto, o tempo de relaxamento do útero, que é a hora que a rapidez, e sim a
a placenta se oxigena, diminui. Então se você diminuir o tempo E aí, houve a grande mudança de oxigenação.
de oxigenação da placenta, você também diminui o tempo de paradigma de segurança, de achar
oxigenação para o bebê. Então, essa aceleração baseada na que um parto rápido era melhor e
ocitocina, se ela for feita para todo mundo, para muita gente, um demorado pior.
vai passar do ponto.
Não. Depende.
Assim como a manobra de Kristeller, (ir lá no fundo do útero
e apertar o bebê) você está aumentando em até 10x a pressão Você agora pouco citou a individualização. Cada mulher é
intracraniana do bebê. Isso pode causar lesão cerebral no uma mulher. E justamente, cada binômio mãe-bebê, a gente
bebê. Pode causar edema cerebral no bebê, pode causar AVC considera um evento único e que a gente tem que olhar para o
hemorrágico. Então, é uma coisa que você está achando que que está acontecendo e individualizar cada caso.
está ajudando esse bebê, na verdade, você está prejudicando.
Na grande maioria dos casos que vierem de forma natural, sem
Então, desses estudos que começaram a mostrar que intervir intervenção nenhuma, vai acontecer tudo bem como acontecia
em todo mundo passava do ponto da segurança. antes. E a gente tem que pegar qual é o ponto onde temos
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que intervir, para melhorar a segurança, e consequentemente mundo, vamos observar cada caso, e observar a oxigenação de
diminuição da mortalidade no final. E esse ponto não é a rapidez, cada caso. E nesses três outros pontos indicados, que são as
e sim a oxigenação. mortes de mães que citei agora pouco.

Voltando naqueles três casos de que morriam bebês: Só relembrando o que eu falei:
• Prematuridade;
• Tocotraumatismos; A mãe morria de hemorragia. Consequências da eclampsia e
• e bebês que faltavam oxigênio antes da hora. de infecção. A infeção foi melhorada pelo saneamento básico
em geral. As pessoas passarem a tomar banho todos os dias,
No parto humanizado, que é a metodologia do séc. XXI, a gente passaram a ter condições de higiene em casa.
já observa de uma forma diferente. Não vamos acelerar todos
os partos. Não vamos tratar todo mundo com antibiótico. Não Isso hoje em dia, a gente consegue observar, porque se
vamos fazer cesárea em todo mundo, o que seria pior ainda, pegarmos populações mais pobres, que tem menos acesso, por
porque você joga para o lado da mãe o risco. exemplo: Populações brasileiras que ainda vivem em palafitas,
que vivem em lugares que tem esgoto a céu aberto, que o esgoto
Pensar “vamos tirar o bebê antes que cause algum problema não é tratado, você vai ver maiores índices de complicações
no parto”, não faz sentido, pois aí você joga as consequências infecciosas na hora do parto, maiores índices de infecções que
das possíveis complicações cirúrgicas para a mãe. Bem como levam ao parto prematuro. Então, se você ver populações onde
possíveis complicações psicológicas, para mãe que não passou tem uma condição de higiene melhor, saneamento básico melhor,
por um trabalho de parto em partes. você vê menores índices de infecções urinarias, infecções pós-
parto. Então, isso já melhorou naturalmente.
Mas isso é um outro assunto, que entra na parte de segurança
psicológica, não da segurança técnica, que é o que estamos E viram o seguinte nesse ponto aqui, lembra que eu falei do
falando agora. Então, o paradigma novo: Não vamos acelerar todo outro paradigma do século XX, “quanto mais limpo melhor”?
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Legal, só que esse paradigma também os estudos da década E aí começaram a ver nos estudos da década de 80-90, que
de 80, 90, começaram a mostrar que não precisava passar do isso não mudava nada nos índices de infecção. O que melhorava
ponto, quanto mais limpo melhor. os índices de infecção, era a higiene em geral, no dia-a-dia das
mulheres, esgoto tratado... A própria higiene da mulher.
Não precisava ser algo esterilizado e com utilização de
antibiótico. Porque aí, você passa do ponto e mata justamente a Então, no parto humanizado,
flora natural, que é a flora que permite que o bebê tenha contato esse lema de “quanto mais limpo De um lado nós temos
com bactérias que na maioria das vezes não são nocivas. E essas melhor”, ele foi modificado. o paradigma do quanto
mais rápido e quanto
bactérias fariam parte da imunidade deste bebê e iriam regular “Quanto mais bactérias ‘amigas’
mais limpo melhor, e
a imunidade desse bebê em relação a criação de anticorpos e melhor”. Então, esse é um novo no parto humanizado
de outras substâncias que acabam protegendo o bebê. paradigma. De um lado nós temos o paradigma é: Quanto
o paradigma do quanto mais rápido mais Oxigênio e
No séc. XX, qual que era a regra então? Vamos raspar os pelos e quanto mais limpo melhor, e no quanto mais bactérias
de todas as mulheres, porque o pelo teoricamente é sujo, tem parto humanizado o paradigma é: “amigas” melhor.
sujeira parada nele. Vamos fazer lavagem intestinal, para não Quanto mais Oxigênio e quanto
ter fezes na hora do parto. Vamos colocar antibiótico em todas mais bactérias “amigas” melhor.
as mulheres, injetada intravenosa ou intramuscular.
E aí, com essas duas visões, a gente consegue entender como
Vamos na hora do parto, colocá-la em um ambiente cirúrgico, era a visão de segurança do médico ou do cientista obstétrico do
onde faremos uma assepsia e antissepsia. Passar produtos para séc. XX, e como é a visão de segurança de médicos, cientistas
esterilizar a saída do parto, a parte vaginal da mulher. obstétricos do séc. XXI.

Vamos colocar campos estéreis, usar máscara, gorro, luva... Então, se a gente for abrir uma discussão sobre segurança
Tudo estéril para não expor o bebê ou a mãe à bactérias. de parto, primeiro a gente tem que separar o que nós estamos
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falando. Se um médico ou cientista obstétrico que ainda está preparada para um atendimento seguro a um parto. E o principal
baseado em números do séc. XX, e em paradigmas do séc. XX, de tudo, que vem acima dos outros dois, que é autonomia da
fica difícil a gente comparar. mulher. E a mulher como participante das decisões, também
baseadas em segurança.
E se ele só tem essa prática, ele também não tem a percepção
desses benefícios que tem esse novo paradigma que se utiliza Mas tem gente que vai falar assim: “Mas a mulher não fez uma
no parto humanizado. E aí, ele não consegue, às vezes nem dá faculdade de obstetrícia pra saber o que é melhor ou o que não
opinião. Ou dá opinião baseada apenas no que ele está vendo. é”. Mas ela não precisa fazer. Se você for numa loja comprar um
carro, e o vendedor da loja que não é um engenheiro mecânico,
Diferente do que muito se fala em relação ao o que é parto ele é um vendedor que aprendeu, ele vai falar assim para você:
humanizado, tem gente que fala “parto humanizado é o parto na
banheira e em casa”. Não. Pode até ser na banheira em casa, “Este carro funciona assim, assim assado. Tem tantos cavalos,
desde que as condições estejam favoráveis para isso. Mas não tanta potência. Tal combustível, tal desempenho”. Você precisa
é isso que o caracteriza. O que caracteriza parto humanizado se formar em engenharia mecânica para entender isso e saber
é o paradigma de segurança importante, baseado em medicina qual é melhor pra você e escolher? Não precisa.
baseada em evidências. Que não era a metodologia do séc. XX.
Assim como na hora do parto, se a gente chegar para uma
A metodologia do sec.XX era outra metodologia em relação à mulher, e isso vale o pré-natal, você explicar pra ela, dar a
estatística médica. E a medicina baseada em evidência é a medicina fonte de informação pra ela de quais são as diferenças entre
que trouxe os números para gente. Aliado ao acompanhamento e os métodos, entre a segurança de um e outro... Ela consegue
disponibilidade 24h por dia para o atendimento ao parto, seja ele escolher junto com a gente.
veiculado por um órgão público, (SUS, no Brasil), ou um órgão
conveniado, ou por equipes particulares; mas que esteja 24h Então, o parto humanizado preconiza isso, a autonomia da
por dia disponível. Com equipe transdisciplinar e tecnicamente mulher e a escolha dela na hora do parto, associado a equipe
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24h por dia e medicina baseada em evidências, que é a que bem menos que isso. Hoje é preconizado 5 mortes, no máximo,
mostra os números melhores em segurança. a cada 100.000 partos. Mas antigamente se falava de 5 mortes
a cada 100 partos, olha só, agora estou falando de 5 mortes a
E aí, voltando a falar do parto do séc. XX, comparando alguns cada 100.000.
números, pra ficar mais concreto, mais palpável essa diferença.
A gente pega lá pra trás, no séc. XIX, a gente vai falar de três a E na parte dos bebês, a gente fala na metodologia séc. XXI,
cinco mortes a cada cem partos. Veja só, você já deve ter tido parto humanizado, um índice de 20 mortes de bebês a cada
cem amigas que pariram, e a gente não ouve falar que cinco 10.000. E você fala “nossa, ainda assim morrem 20?” . É que
morreram; seja uma mãe e quatro bebês por exemplo. A gente tem casos inevitáveis. Casos de bebês que nascem com más
não ouve falar isso, muito menos hoje em dia. Mas naquela formações, bebês que nascem prematuros demais e realmente
época, tinha de três a cinco mortes a cada cem partos quando não tem solução.
a natureza agia sozinha.
Bebês que vão para uma UTI e pegam uma infecção e acabam
Aí quando começamos a aplicar as intervenções obstétricas, morrendo em seguida. Essas são formas de mortes inevitáveis,
isso foi diminuindo gradativamente e drasticamente. Foi que a OMS preconiza.
diminuindo com o passar do tempo. Chegamos num ponto na
década 70-90, que a mortalidade caiu mais de 10x do que era Se a gente volta então pro séc. XX, a gente vai falar de 200
antes, quando não existia as intervenções obstétricas. Temos mortes de bebê a cada 10.000 partos. Falávamos antes de 3, 4
números dessa época, que falam de mortalidade, a mortalidade mortes a cada 100 partos. Então se a gente falar na natureza,
materna é medida a cada 100.000 partos, e de bebês a cada você tinha uma alta taxa de mortalidade materna e neonatal.
10.000 nascimentos. Quando você começou a intervir em todo mundo, isso caiu.

Então, naquela época se fala duma queda de, para cada Só que a partir de certo ponto, quando todos os partos entraram
100.000 partos a morte de 90 mulheres, hoje é preconizado pra dentro do hospital, praticamente todos, e começou a crescer
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o índice de intervenções – isso foi na década de 70 – começou E como tu disse, estamos todos no mesmo lado. Todo
a aumentar de novo a mortalidade desses bebês. mundo quer que o bebê nasça de uma forma mais segura e as
metodologias é que estão trazendo novas formas de abordar isso.
Alguns motivos: diminuía a oxigenação por uso de ocitocina Porque a gente ouve muito falar “não, mas o parto humanizado
exagerada, por uso da manobra de Kristeller, uso de fórceps não é seguro”, “cesárea é a mais segura”.
exagerado, por uso dessa aceleração do parto.
Se tu fosse fazer uma distinção, não sei se tem como ter algo
E aí, começou a aumentar de mais preciso, entre a segurança nível cesárea e segurança nível
novo a mortalidade. A partir disso, parto normal, humanizado.
A diferença é a gente fizeram trabalhos individualizando
tentar entender qual
cada caso, e viram que tem como Braulio - Pra falar de cesárea eletiva, vamos falar de como
é a real noção de
segurança entre um 5 mortes de mães a cada 100.000 isso surgiu. Porque em algum momento ela surgiu. Lá atrás,
método e outro. partos, e é possível sim perder década de 20-60, não se fazia cesárea com hora marcada.
apenas 20 bebês a cada 10.000 Simplesmente, se não estava dando certo um parto normal se
partos. fazia a cesárea. Que é a mesma metodologia que a gente usa
hoje, que é a mesma metodologia que quem faz parto tradicional
Então, quando a gente olha pra segurança e pra escolha de cada do século XX ainda usa.
método, a gente consegue individualizar, e vamos ver que estão
todos falando a mesma coisa. A diferença é a gente tentar entender A cesárea eletiva é uma metodologia que se desprendeu da
qual é a real noção de segurança entre um método e outro. curva da normalidade do atendimento obstétrico, na década de
70. Historicamente em países como Brasil, Argentina,
Otávio - Nossa! ficou muito mais claro. Todo esse contexto,
a forma como trouxe esse contexto histórico, essas mudanças, México, Chile, que são países que tem um perfil mais ou menos
que foram acontecendo ... realmente dá uma clareada mesmo. parecido no setor suplementar de saúde, que são países em
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desenvolvimento, todos nós sabemos que não tem uma estrutura como funciona o SUS, só que eu vim aqui colocar ordem no
de saúde tão adequada e com uma capacidade de atender todos setor suplementar. Vamos fazer tabelas iguais pra todo mundo.
os habitantes daquele país. No Brasil, a gente tem 75% dos Vamos exigir o que as operadoras têm que cobrir pra vender
habitantes atendidos pelo SUS, e 25% pelo setor suplementar. um plano”.

Lá na década de 70, começaram a surgir as operadoras, os Só que isso começou a se organizar a partir do ano 2000.
convênios de saúde, medicina de grupo, toda área hoje que Veja só, fazem apenas 16 anos. Então como era antes disso?
está dentro do setor suplementar. Que era alguém que abria um Era um “Deus dará”, para falar a verdade. Quem quiser, cobra
comércio, vendia um plano, a pessoa pagava esse plano, e esse o que quiser, quem não quiser não cobre. Como foi organizada
plano era intermediário para contratar um médico, um hospital, essa história toda?
um exame.
A primeira tabela oficial chama-se AMB 92, que foi criada em
Nessa época, não havia uma regra estabelecida. Então não 1992, que foi organizada dentro do setor suplementar pela AMB,
havia uma regra de mercado nem de valores, nem de tabelas, Associação Médica Brasileira, teve ajuda da FGV, na parte da
nem do que deveria cobrir ou não. estatística. Teve ajuda de alguns outros órgãos. Nessa hora eles
começaram a hierarquizar os procedimentos médicos, desde o
Na Constituição de 88, que foi uma das mudanças na história mais simples até o mais complexo.
política de nosso país, todos sabem, houve aí o surgimento da
possibilidade de criação da ANS, que é a Agência Nacional da Daí o mais simples, digamos um curativo – você coloca
Saúde Suplementar. Ela foi só fundada no ano 2000. Nós temos uma consulta ali perto dos mais simples. E aí você aumenta a
16 anos de história da ANS. complexidade, como aplicação de uma medicação, uma pequena
cirurgia, uma cirurgia de médio porte, como a cesárea... Até você
O que é a ANS? Ela veio pra falar assim, “eu sou um órgão aumentar a complexidade, atendimento de UTI, neurocirurgia,
ligado ao Ministério da Saúde. O Ministério cuida do SUS e cirurgia cardíaca, transplante de rim, transplante cardíaco...
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Por fim, fizeram uma tabela hierarquizando isso tudo. O 12h, e aí o parto ainda termina em cesárea? E se eu marcasse
que acontece? No meio da tabela, colocaram os atendimentos essa cesárea? Vou ganhar a mesma coisa. Não é melhor do que
obstétricos, de parto e de cesárea. E o que se entendia naquela eu ficar 12h e ainda perder o aniversário do meu filho? Perco
época? “Bom, Parto normal dá mais trabalho que a cesárea, alguma coisa pessoal, ou desmarco o consultório todo”.
então merece ser remunerado de uma forma melhor do que a
cesárea”. E aí começou a surgir uma cesárea marcada aqui, outra ali.
Começaram a falar “esse caso aqui tem cara de que vai ser
Sempre houve esse entendimento. Então, a princípio todos cesárea. Vamos marcar logo”. Só que isso cada vez foi se
médicos vão tentar o parto normal com todas mulheres e se ampliando mais, se ampliando mais, se ampliando mais... E na
não der certo se faz uma cesárea. Só que pra não correr o verdade houve uma contaminação, uma epidemia de cesáreas,
risco de fazerem isso por dinheiro, deram um decréscimo no que existe hoje no Brasil.
valor da cesárea. Em geral, dava mais ou menos 8 a 10% dessa
diferença. Então, se o parto terminasse em parto normal ele E existe uma contaminação ideológica, cultural, técnica, em
ganhava X. Se terminasse em cesárea, tirava 10% desse X, e todos os sentidos. E isso foi se contaminando e começou a
era o valor que o médico ganhava pela cesárea. aparecer por ser mais prático. E isso não se nega, é muito mais
prático fazer cesárea. Tanto que eu tenho um texto que está no
Quando criaram essas tabelas, se imaginava isso: Sempre a meu blog e este post se chama, “Parto Miojo”, que é o nome da
tentativa de um parto normal, e se não desse certo, a cesárea. cesárea eletiva, que é o parto instantâneo.
Só que aí, o que foi acontecendo com o passar do tempo?
Você resolve imediatamente e pronto. É mais prático, não
Os médicos que atendiam no setor suplementar, começaram tenha dúvida. Só que isso começou a ser pesado pela questão
a olhar para esse X que eles ganhavam e eles falavam “nossa, financeira. Porque é mais prático e porque “bom, se eu ganho
eu fico aqui 4 semanas de sobreaviso, em disponibilidade pra X pra fazer parto normal, e eu ganho só 10% menos pra fazer
saber que dia vai nascer esse bebê, na hora do parto eu fico mais cesárea, vou começar a marcar. Não vou esperar”.
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À partir disso, o que ocorreu? Naquela época, eles usavam Então, alguns médicos podem pensar “Bom, vamos abaixar
a data provável do parto, que era 40 semanas, para marcar a para 39. Porque 39 não tem tanto problema, o bebê já está
cesárea. Só que se a gente olhar na espécie humana, o ser quase maduro”. Só que isso observando a curva de Gauss e
humano, biologicamente, nasce de 36-43 semanas. E há uma não observando o indivíduo bebê. Aquele indivíduo que está
nota de corte, que a gente faz, que é uma metodologia estatística, dentro do útero da mãe pode ser um bebê de 43 semanas, e ele
que se chama curva de Gauss. está sendo tirado com 39.

E então, a gente separa de Então, quando a gente fala 39, é um número aleatório
37-42 semanas pra chamar de populacional. Não estamos individualizando cada caso. Mas
“Bom, se eu ganho normalidade. Só que a gente sabe “tudo bem”. Então com 39 está quase perto de 40. Aí você já
X pra fazer parto que 2,5% dos bebês humanos atinge 70% dos casos. Aí você pensa “Poxa, ainda tem 30% dos
normal, e eu ganho só nascem acima de 42 semanas, partos do meu consultório, que estão nascendo, entrando em
10% menos pra fazer acima como 2,5% nascem abaixo trabalho de parto me chamando 3h da manhã. E aí, se pensa
cesárea, vou começar de 37, e estão maduros, está tudo “vamos abaixar pra 38 semanas”.
a marcar. Não vou
certo. Só que essas são notas de
esperar”.
corte pra gente conseguir incluir Tem muita gente hoje em dia fazendo cesárea eletiva com 38
em protocolo, decidir condutas em semanas. Pergunto por quê? Pois não é baseado em critério
cima de protocolo. nenhum de segurança. Eu desafio aqui alguém a me mostrar
um trabalho que mostre que cesárea eletiva com 38 semanas
Bom, o que acontecia naquela época? Marcavam a data da tem algum grau de segurança para maturidade desse bebê.
cesárea com 40 semanas. Só que aí, 50% dos nenês nascem
antes de 40 semanas e 50% nasce depois. Então se você fizer E aí eles conseguem fazer 90-95% dos casos eletivos marcados
cesárea marcada com 40 semanas, você só consegue atingir em 38 e um ou outro que escapa. E na hora que rompe a bolsa,
50% dos seus pacientes. na hora que entra em trabalho e parto vai lá e faz a cesárea.
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Como método, pensando na cesárea eletiva, como escolha, como Eu vou olhar pra aquele bebê e ver se ele está maduro ou
primeira opção. não está maduro. E como eu vou saber isso, que mágica eu
tenho pra saber? Que exame que eu tenho? Eu vou fazer o que?
Só que aí, o que acontece? Primeiro, há uma ilusão “idiótica”, Algum exame mirabolante para saber como esse bebê está?
não é de ótica, que inclusive reflete culturalmente nas pessoas, Como esse produtor faz pra saber que a laranja está madura?
que faz com que elas achem que 38 é o meio do tempo e 40 é Ele olha se ela está com a cor madura, se está macia, pode até
o final. E aí, muita gente tem medo de passar de 40 semanas, experimentar e sentir o gosto, “ah, realmente está madura”.
achando que vai passar da hora, achando que vai acontecer
alguma coisa, sendo que não muda nada biologicamente Como a gente faz pra saber se tem um bebê maduro? É muito
falando, para um bebê que está geneticamente preparado pra simples.
42 semanas, por exemplo.
A gente vê se a mãe está em trabalho de parto. É bem simples,
Então, a idade gestacional serve pra gente se guiar em que porque o nenê maduro desencadeia trabalho de parto na mãe.
ponto nós estamos da gestação. Mas quando a gente individualiza
cada caso, a gente vai ver a maturidade do bebê, é como se a Ou seja, a mãe que não está em trabalho de parto, pode estar
gente olhasse pra uma árvore de frutas e falasse: “O produtor com 41 semanas, tecnicamente esse bebê não é considerado
me garantiu que se eu plantasse essa semente, daqui a seis prematuro. Porque prematuro é um termo técnico, de número,
meses ia colher laranja”. dados. Abaixo de 37 semanas é prematuro, acima não é. Só que
esse bebê de 41 semanas que a mãe não está em trabalho de
Então você chega lá com seis meses, você olha, tem uma parto, é um bebê imaturo. Porque a mãe não está em trabalho
laranja deste tamaninho, verdinha. Você vai olhar, apalpar e falar de parto. Então, houve essa ilusão idiótica de querer mudar a
“ele pode falar o que ele quiser, que seis meses ia estar maduro, idade gestacional e achar que 40 é o limite e não 43. E isso é
mas não está maduro! Estou vendo que não está maduro”. É a importante saber, porque muita gente nem sabe disso. Muita
mesma responsabilidade nossa como obstetras. gente sabe só do 42, que é o limite técnico.
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Bom, se a gente pensar que por medida de segurança, a gente ela, eu vou falar pra você como homem, eu nunca vou imaginar
vai esperar que tudo o que aconteça natural primeiro seja melhor como é ter um bebê dentro da minha barriga, como é ter uma
e a gente vai intervir só se necessário para melhorar o desfecho cirurgia pra tirar esse bebê assim.
dessa gravidez, a gente já começa a partir do pressuposto de
que se a gente fizer cesárea em todo mundo, a gente não tem Mas dá pra imaginar uma outra coisa: Imagina que eu sou um
essa opção de espera natural e ver se está tudo bem antes. médico gastrocirurgião e que você senta na minha frente e fala
assim: “Doutor, eu estou meio com intestino preso, faz uns dez
Dá pra começar tentando pelo parto normal e se não der certo dias que eu não estou conseguindo ir no banheiro”. Aí eu pego
terminando fazendo cesárea, mas não dá pra começar pela o meu receituário, pego minha caneta e falo assim: “Olha, vai
cesárea e falar “ah, agora eu não quero mais, vou voltar para o ali naquele hospital ali da esquina, e marca pra amanhã uma
parto normal”. Então, você já perde essa vantagem de observar. cirurgia, que eu vou abrir sua barriga e tirar as fezes da sua
barriga”.
Tem tantos partos que são tão fáceis e tão tranquilos que
a mulher sente tão pouco tempo e os bebês nascem; e uma O que você vai falar pra mim? Você vai falar “não tem outro
mulher dessa vai para uma cesárea eletiva? Tudo bem que tem jeito mais fácil? Do que abrir minha barriga pra tirar as fezes
partos bem mais difíceis, arrastados, demorados. Aí que entra e costurar depois? Eu não posso tomar algum suco de alguma
a relatividade de segurança de cada equipe. Algumas fazem fruta? Tomar algum remédio que seja? Ou até uma lavagem
cesárea, outras ainda investem no normal como num caso como intestinal?”.
esse. Mas aí estaremos falando de exceção, não de regra. Via
de regra tem tantos partos que acontecem de uma forma tão Veja que estou comparando tomar algum remédio à indução
mais tranquila. do parto. Fazer uma lavagem é fazer um parto que precisa de
uma extração, fórceps ou vácuo extrator. E daí, ainda assim,
E aí o que acontece se a gente for comparar os dois métodos? terminar em parto normal, “que no outro dia eu já estou bom,
A cesárea, acho que um jeito de a gente conseguir olhar pra sair do banheiro eu já estou bom”.
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Agora, fazer um corte na barriga pra tirar as fezes... Então, o que Imagina uma cachorrinha que
estamos falando aqui? Da recuperação da cesárea. Recuperação você faz uma cesárea, então A cesárea, comparada
ao parto normal para
da cesárea, comparado ao parto normal é indiscutível. Cesárea coloca os cachorrinhos para
mulher, não tem
demora vários dias, você tem sete cortes para chegar até onde mamarem nela; ela não aceita nenhum número,
está o bebê, você tem o dobro de sangramento, consequentemente esses cachorrinhos. Porque ela nenhum médico que
você tem bem mais chance de infecção. não sente que veio dela. Então, consiga comprovar
o que acontece? A mulher, ser que ela possa ser
Então a cesárea, comparada ao parto normal para mulher, ela humano, sabe que veio dela, porque mais segura pra mãe.
não tem discussão alguma, não tem nenhum número, nenhum racionalmente ela sabe.
médico que consiga comprovar que ela possa ser mais segura
pra mãe. Toda vez que a gente está fazendo isso, estamos falando Se preparou, fez ultrassom, viu a barriga crescer, sentiu o
internamente ao corpo da mãe: “Desculpa, estou fazendo uma neném mexendo. Só que existe uma desconexão durante um
cesárea em você, infelizmente estou aumentando o seu risco certo momento.
de mãe, porque eu estou melhorando o risco pro bebê, porque
apareceu um motivo pra ele nascer; e não está dando certo ele Tem mães que logo em seguida já adotam seu próprio filho,
nascer de parto normal, vai ter que ser cesárea”. como sendo dela, assim que nasce. Mas muitas têm uma lacuna
de tempo. Quer dizer às vezes demora um dia, uma semana, um
Então necessariamente pra mãe, é sempre mais arriscado a mês, seis meses para conseguir sentir realmente que aquele
cesárea. Sangramento, infecção, recuperação. E aí tem um outro bebe é dela.
ponto que eu falei lá trás “depois a gente fala disso”, que é a
parte psicológica. A mãe que não passa pelo trabalho de parto, Aí ela fala assim “A cesárea foi ótima, não tive dor, não tive
que não sente seu bebê chegando, que não sente o seu bebê nada”. E eu pergunto: “E a conexão dela com esse bebê?” Não
nascendo, ela tem muito mais chance de ter uma desconexão estamos julgando ela ser melhor mãe ou não. Porque as mães
em relação ao vínculo com esse bebê. podem ser adotivas e ser melhor mãe do que quem pariu o
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próprio filho. Então a questão de ser melhor mãe não tem a ver maior, os próximos esforços que venham a acontecer na vida
com o jeito que nasce, cesárea, normal ou se foi adotado. Não dele, ele consegue tirar de letra.
é isso o que está em jogo, e sim a conexão dela.
Assim acontece com uma mãe que tem parto normal, que
Ela sentir que aquele bebê é dela. E o bebê sentir que veio dela, passou pela maratona do trabalho de parto e conseguiu ter o
e tudo isso desencadear os processos naturais e hormonais parto normal. Possíveis problemas que aconteçam na vida dela,
que levam a amamentação e que evitam que a mulher tenha inclusive uma das dificuldades que é a amamentação, (que é
depressão pós-parto. bastante difícil, às vezes mais difícil que o parto), ela fala assim
“se eu consegui parir, consigo a amamentação também”. “Se
Que é um dos mecanismos que leva essa desconexão com o eu consigo isso, eu consigo resolver tal problema. Se eu tive
bebê; essa sensação de incapacidade que pode ser gerado na a capacidade de parir eu tenho a capacidade de resolver outro
mulher e que daí aumenta essa sensação dela ser incapaz e problema”.
isso leva a depressão pós-parto. Vou dar um exemplo:
Agora imagine aquele maratonista que não era bem um
Pense em um maratonista que se preparou a vida inteira para maratonista, que até imaginava correr uma maratona, mas chega
correr uma maratona de 42km, e que irá demorar 2h pra correr. no dia e fala “ah, acho que vou de carro”. Aí ele corre os 42km de
E aí ele corre os 42km, mas chega lá no final cansado. Mas carro e vê todos correndo a pé. Ele corre de carro chegando na
ele sabe que chegou com as próprias pernas dele, que ele se linha de chegada e ele fala “cheguei, cheguei igual todo mundo
esforçou pra chegar lá no final; às vezes até engatinhando ao do mesmo jeito”.
final, mas chegou.
Ok. Mas ele não se esforçou da mesma forma. Daqui uns dias
E daí, daqui a um mês você fala pra ele “vamos correr uma eu chego pra ele e falo “vamos correr uma prova de 5km?”, ele
prova de 5km? ”, ele vai falar “tranquilo, 5km eu corro plantando fala assim “pelo amor de Deus, eu não consigo correr 5 km”.
bananeira.”. Ou seja, ele sente que se ele fez um esforço muito Só que aquele que correu 42, tira de letra correr 5 km, agora.
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E olha o que acontece, o índice de não amamentação na Existem 18 tipos de colágeno na espécie humana, desde os
cesárea eletiva é muito mais alto por desconexão mãe e filho mais frouxos aos mais rígidos, em geral os colágenos mais
em questão hormonal e por essa sensação de incapacidade, frouxos, são os das mulheres que tem partos mais fáceis. E os
porque amamentação é difícil. colágenos mais rígidos são os que tem partos mais difíceis, ou
que às vezes, não nasce com normal e precisa fazer cesárea.
Então nas primeiras dificuldades de amamentação, ela já acha
que não é capaz. E aí já vem chupeta, mamadeira, mais uma Se eu faço cesárea numa mulher que tem colágeno frouxo, eu
outra leva de coisas que levam ela a não conseguir amamentar. não protejo ela de ter esse colágeno frouxo; ela vai continuar
tendo chance de cair a bexiga, cair o útero, por ter ficado grávida
E aí, você tem duas coisas, a incapacidade de parir junto à ou por ter tido muitos filhos, mas não é pelo jeito que nasceu o
incapacidade de amamentar. Isso tudo é uma bola de neve que bebê. Então você não protege fazendo a cesárea, tanto que tem
aumenta muito os índices de depressão pós-parto. inúmeros casos de mulheres com 3 cesáreas anteriores e que
tem bexiga caída, útero caído, do mesmo jeito.
Então, quando a gente compara a cesárea pra mulher, a gente
tem que falar da recuperação da mulher, e chance de infecção, Porque não é por onde saiu o bebê, e sim a gravidez em si. E tem
chance de deiscência, chance de abrir. E tem que falar da parte mais, hoje em dia tem atividades, fisioterápicas principalmente,
psicológica, que tem uma diferença muito grande. Isso da parte que melhoram o tônus vaginal e isso fica em segundo plano total.
da mãe. Em breve falo do ponto de vista do bebê. Então você achar “Ah, o parto normal vai danificar a mulher”.

Sobre a mãe eu falei que 100% das vezes o parto normal é Pelo contrário, a grande maioria das mulheres que eu conheço,
melhor. E tem mais uma coisa: tem gente que vai falar assim: que são as empoderadas, são as que chegam até nós e falam
“Ah, mas o parto normal não deixa a mulher ‘larga’, mais aberta, “eu quero parto normal”, muitas vezes elas falam que a relação
ou mais ‘frouxa’?”. Eu digo: depende muito de como é a genética sexual fica melhor depois do parto. O marido fala “a relação ficou
dessa mulher. melhor porque ela é mais dona do corpo dela, ela se conhece
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melhor, ela se tornou mais fêmea do que era antes”. Então, essa parto, necessariamente o pulmão desse bebê não está maduro.
questão fica em segundo plano. Ele podia estar quase maduro. Ele pode chegar aqui fora e
amadurecer, mas ele pode faltar muito tempo pra amadurecer.
Ou seja, resumindo, parto normal pra mim, ele é 100% melhor
para a mãe. Quando a gente faz cesárea na mãe a gente tem de Aí ele vem aqui pra fora, e fica com dificuldade respiratória. Ele
estar pedindo desculpa ao corpo dela antes de estar fazendo, tem que puxar o ar muito mais fundo do que puxaria. Aí você vê
porque a gente vai ter que salvar aquele bebê. batimento de asa de nariz, esforço respiratório... Aí ele precisa
de uma complementação de oxigênio... E essa complementação
E agora, falando do bebê, da comparação do normal e da faz com que ele fique na UTI.
cesárea. Trabalho de parto e não trabalho de parto. Porque essa
é uma questão mais importante do que a saída final do bebê. Se a gente falar de números, fica 120x mais bebês na UTI
Bebê que não entra em trabalho de parto, ele não amadurece por cesárea eletiva do que por parto normal ou por cesárea
100%. Se ele não amadurece 100%, vários órgãos dele ficam em trabalho de parto. Que é o que eu disse, não é a via final de
ali no limiar, limite de ficar amadurecidos, mas não estão parto que conta nesse sentido, e sim não entrar em trabalho
amadurecidos ainda. de parto. Então, esse é o maior problema, os bebês nascerem
imaturos na parte pulmonar.
O último órgão na teoria dos estudos da fisiologia obstétrica,
que amadurece no bebê, é o pulmão. Quando o pulmão amadurece Só que isso a gente percebe na prática, porque é só você
no bebê, ele libera Surfactante, que é uma substância que o chegar no hospital e olhar na UTI e ter 50 leitos na UTI neonatal,
corpo da mãe percebe que ele liberou aquilo e começa a liberar e você pergunta quantos nasceram de normal e quantos de
os hormônios que desencadeiam o trabalho de parto. cesárea. A imensa maioria nasceu de cesárea.

Então, mãe em trabalho de parto é pulmão do bebê maduro. E muitos desses com 37, 38 semanas. Porque eram bebês
Se você faz uma cesárea, sem a mãe estar em trabalho de de 42, 43, 41 e meia, semanas, e tiraram antes de hora, e eles
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ficam 5, 10 dias, terminando de amadurecer o pulmão. Se tivesse E de onde que vem isso? O que é isso? Isso vêm de um
esperado intra útero, isso não tinha acontecido. fenômeno que se chama mielinização. Mielina é a bainha que
recobre todos os nossos neurônios. É como se fosse os fios das
Só que isso é bem visível. Tem outras coisas que não são casas, que são encapados por um plástico. Aquele plástico é a
visíveis e que só trabalho científico consegue mostrar, e que mielina. E ela é responsável bastante pela condução neuronal.
daí na prática você vê que acontece. Muita gente fala “Nossa,
hoje em dia tanto nenê tem refluxo gastroesofágico. Na minha Então, de nossos reflexos, de tudo o que a gente deseja fazer,
época, e na da minha vó não tinha tudo isso de refluxo”. ou mesmo do funcionamento dos órgãos que trabalham de
forma involuntária. Para o intestino funcionar, para o estômago
Não é que tem mais nenês com refluxo, é que tem mais funcionar. A mielinização, está muito ligado ao término do
cesáreas marcadas onde não estava pronta a deglutição do amadurecimento pulmonar, e ela principalmente termina de
bebê, e não estava pronto o esfíncter esofágico gástrico, que se depositar durante o trabalho de parto pelo estresse causado
faz com que o suco gástrico não fique voltando do estômago pelo próprio trabalho de parto. Vamos pensar num trabalho de
para o esôfago. Então, se você tira um bebê antes de estar parto de 6, 8, 12 horas. Isso é estressante para um bebê, mas
pronto isso, algo que seria amadurecido em três, cinco, 10 dias é propositalmente estressante para um bebê, que vai liberar
intra útero, demora 3 meses para terminar de amadurecer aqui adrenalina, cortisol, serotonina, endorfina...
fora. Aí falando de gastrointestinal, a gente vai falar também
da parte intestinal dos bebês. Os bebês, acabam tendo mais São vários hormônios que vão liberar no bebê para ele terminar
intestino preso. de amadurecer, e falando tecnicamente, terminar de mielinizar.
E aí então, todos os órgãos que dependem de mielinização vão
Porque o peristaltismo que faz com que o bebê evacue, não está sair imaturos se o bebê não passar pelo trabalho de parto.
100% formado pra que aconteça a eliminação de fezes. Com isso,
você tem mais bebês com intestino preso, consequentemente Então, já falei do esôfago e do estômago, já falei do intestino,
com mais cólica, com mais dor abdominal. vamos falar agora da parte neuromuscular. Se você pegar
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trabalhos comparativos de bebês, com uma estatística bem fiel, ele desenvolva anticorpos e que tenha um balanceamento ideal
comparando casos de cesárea eletiva e bebês que entraram contra suas próprias bactérias.
em trabalho de parto, você vai ver diferenças grandes entre o
tempo em que os bebês demoram pra sentar, andar e falar. Que Aliás, uma curiosidade: O nosso corpo tem em geral 1 trilhão
tem a ver com o desenvolvimento no neuropsicomotor, que tem de células. E dessas 1 trilhão de células, 90% delas são células
a ver com a mielina que recobre os nossos neurônios. bacterianas e 10 são células humanas. Só pra gente ter uma
noção do quanto a gente é feito de bactérias.
Certa vez saiu em uma reportagem, não uma pesquisa, então
a estatística não tem grau A de evidência, mas ela é uma Então, esse contato do bebê com
reportagem que saiu na mídia, de que 92% dos atletas olímpicos a flora da mãe que dá esse auto
Bebês terem contato
nasceram de parto normal. E aí você vê que para um bebê ser balanceamento das bactérias, que
com a flora normal,
um atleta de ponta, ele precisa sair já na ponta. consequentemente, vai dar a auto contato com as
regulação de quais bactérias que bactérias normais
O bebê que já sai com uma mielinização dificultada, aqui fora vão colonizar o estômago desses da vagina da mãe,
do útero ele não vai conseguir recuperar isso nunca. Ele pode bebês e o intestino desses bebês. E que é uma das
treinar o quanto quiser que muitas vezes não vai chegar a ter o tem trabalhos mostrando que essa vantagens primordiais
desempenho que teria quem já nasceu naturalmente da forma colonização, dessas bactérias, é que faz com que
ele desenvolva
que a espécie humana foi selecionada pela seleção natural. que faz com que isso gere um tipo
anticorpos.
de fome diferente de uma pessoa
Bom, ainda falando de outros amadurecimentos do bebê, tem para outra.
o amadurecimento imunológico dos bebês. Um dos deles eu
citei agora pouco que é o fato dos bebês terem contato com a Por exemplo, pessoas que tem mais vontade de comer salgado,
flora normal, contato com as bactérias normais da vagina da pessoas que tem mais vontade de comer doce. Essas vontades
mãe, que é uma das vantagens primordiais que faz com que surgem das bactérias que estão conosco.
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Associando esse item ao item que eu já falei agora há pouco, da tomando antibiótico durante a vida, obesidade na vida adulta,
amamentação, na cesárea eletiva tem muito menos amamentação hipertensão, diabetes... Isso porque estou comparando cesárea
natural e muito mais artificial. Tem um estudo da USP de 2012 eletiva com trabalho de parto. Certo? Não estou falando dos
comparando pessoas nascidas de parto normal e de cesárea bebês que nascem de cesárea ao final do parto.
e que mostram que no grupo nascido de cesárea, tem 60% a
mais de indivíduos obesos na adolescência e na idade adulta Aí, você tem uma diferença grande. Se você faz cesárea eletiva
comparado aos indivíduos nascidos de parto normal. numa mãe, você está dizendo para o corpo da mãe: “Mãe, me
desculpe, que eu estou cortando seu corpo em sete camadas,
60%! Não é 1%. É uma diferença estatística muito grande. aumentando o seu sangramento, aumentando a sua chance de
infecção, dificultando sua recuperação, aumentando a chance
E qual a conclusão dessa tese? É que tem a ver com o auto de você ter uma depressão pós-parto”. E estou dizendo ao bebê:
balanceamento das bactérias da flora gastrointestinal, e daí a “Bebê, desculpa, estou piorando sua imunidade, aumentando a
vontade que tem de comer uma coisa ou outra, e a amamentação chance de você ter refluxo, intestino preso, obesidade na vida
natural no início da vida. adulta...”

E aí tudo isso é uma bola de neve que vai lá na frente vai refletir Então, aí você vai colocar na balança de um lado todas essas
em obesidade na vida na adolescência e na vida adulta. E daí, desculpas, para mãe e pro bebê e do outro lado, a tabela do
consequentemente em outas patologias ligadas à obesidade: convênio, se cobre ou não cobre, se você tem tempo ou não
Hipertensão, Infarto, AVC, Diabetes. tem tempo para fazer aquilo ou não.

Então, se a gente for pensar numa linha de lógica, você Então quando você pensa em cesárea eletiva, se a gente for
falará assim: Um bebê ao nascer de cesárea eletiva, ele tem falar em segurança, a gente está falando disso: Estamos falando
mais riscos de refluxo gastroesofágico, intestino preso, baixa da comparação de uma enorme vantagem para mães e bebês
imunidade, consequentemente, mais chance de precisar ficar entrarem em trabalho de parto, comparado às “vantagens” do
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“macarrão instantâneo”, que fica pronto na hora, é baratinho e Prematuros – não vai entrar nessa história, porque já está
resolve na hora. em trabalho de parto, e estamos pensando em uma gestação de
termo, em trabalho de parto. Então só sobra distócias de parto,
E existe ainda uma outra comparação que eu acho importante, que levam a tocotraumatismos em bebês que morrem depois,
que é do parto normal e da cesárea para os bebês que estão em ou hipóxia intraútero de bebês que morrem intraútero. O que a
trabalho de parto. Porque eu estava comparando aquela cesárea gente vai fazer nesses casos então?
marcada. Essa cesárea marcada não tem discussão, não tem
trabalho que comprove. A gente vai durante o trabalho de parto, identificando quais são
esses casos, e previamente a gente já sabe, porque bebês que
Eu desafio alguém vir falar comigo e que mostre trabalhos tem mais distócias e mais desproporções, e aí tocotraumatismos,
que comprovem benefícios de cesárea eletiva para bebês. A são bebês de mães diabéticas; então já sabemos disso antes,
não ser em casos de HIV positivo – Quando tem altas cópias, no pré-natal. A gente pode induzir esse parto antes que o bebê
muitas cópias de HIV, pode passar pro bebê. Não ser casos fique muito grande, ou tratar essa diabetes. E bebês que faltam
de herpes ativo, e placenta prévia, quando a placenta fecha a oxigênio, em geral estão ligados às placentas com insuficiência,
entrada do colo do útero. Esses três casos, que são a exceção, e isso tem a ver com hipertensão gestacional, então isso a gente
tirando esses três casos, todos os outros não se justifica a também identifica nas mães.
cesárea eletiva.
Então, em geral, a gente já tem uma noção de quem são esses
Então vamos pensar, a cesárea em trabalho de parto comparado dois bebês aqui. O que vai faltar oxigênio e o que vai faltar
com o parto normal. Aí, se a gente está pensando que vamos passagem. Mas isso pode acontecer aleatoriamente em mães
usar critérios de segurança, e não mais considerar se o convênio que não tinham sinais antes.
cobre ou não cobre, se vai ter hora marcada ou não, iremos
olhar pra cada caso individualmente, e então vamos lembrar Então a gente está lá, em trabalho de parto e vamos observando
daqueles três motivos que morriam bebês: esses dois casos. E aí, quando percebemos que é um caso
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desses que falamos, daí ficamos atentos e dizemos “Olha, esse Então dessa forma, a gente consegue entender a diferença
bebê vai acabar o oxigênio se não nascer agora”, ou “pra esse gritante pra um bebê que entrou em trabalho de parto e mesmo
bebê a passagem vai estar dificultada, e se a gente não tirar assim saiu de cesárea, para um outro que nem entrou em trabalho
ele agora, ele pode ter problema”, e aí a gente vai fazer cesárea de parto. Porque tem pessoas que falam: “Nossa, eu passei
nesses dois casos. por todo o trabalho de parto, 8 horas, e no final ainda virou
cesárea? Devia ter feito cesárea antes”. Não devia. Porque daí
O que estaremos fazendo nesses dois casos? Estaremos não passaria por todo o trabalho de parto.
olhando para o corpo da mãe de novo e dizendo: “Mãe, desculpa,
estamos ferindo o seu corpo, mas é pelo benefício de tirar o Então, pegando um resumo geral de tudo o que eu falei, existem
seu bebê com maior segurança, com maior qualidade”. três métodos:

A gente vai virar pro bebê e falar: “Legal, você já amadureceu • Parto tradicional, que eu chamo de parto do séc. XX ;
o intestino, já amadureceu o estômago. Você já amadureceu
sua parte imunológica”. Esqueci de citar agora há pouco, uma • Parto humanizado – que eu chamo de parto do séc. XXl;
das partes do estresse do trabalho de parto ajuda também a
maturar a parte imunológica, junto com o contato das bactérias. • E a cesárea eletiva, que é um desvio em relação à maneira de
nascer. E sem julgamentos a esse método. Porque esse método
Então vai falar “você já passou por esse estresse todo, então surgiu por uma necessidade e ele é extremamente difundido,
tudo bem. Já amadureceu o pulmão, tanto que você já deu sinais então a gente não pode fechar os olhos pra existência dele. Ele
pro corpo da sua mãe pra entrar em trabalho de parto. Só vou surgiu não só por tabelas de convênio e por necessidade de ir
ter que evitar que você passe pelo canal de parto. Então, me mais rápido ou não.
desculpe, você não terá contato com as bactérias naturais da
sua mãe, mas é pra você ficar vivo, então vou ter que tirar você Mas ele surgiu também por culpa desse parto do séc. XX,
de cesárea”. desse parto tradicional, onde você submetia a mulher a todas
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intervenções possíveis sem pedir opinião dela; gerando um item jejum, vai colocar ocitocina, enteroclisma (lavagem intestinal),
que existe hoje, que a gente fala bastante que é a violência tricotomia (raspagem dos pêlos pubianos), eu vou apertar sua
obstétrica. barriga na hora de nascer. Vou usar fórceps, fazer episiotomia”,
todas essas coisas sem explicar pra ela, ou sem diferenciar
E a violência obstétrica o que é? É quem precisa ou quem não precisa disso.
“não vamos fazer
tudo aquilo que não respeita os três
nada disso, vamos
marcar hora e fazer preceitos do parto humanizado. Não E pior ainda, sobre a questão da hora marcada, onde se fala “não
cesárea”. E com respeita a segurança no parto, que vamos fazer nada disso, vamos marcar hora e fazer cesárea”.
isso aumentar a é a medicina baseada em evidencia. E com isso aumentar a insegurança tanto para o bebê quanto
insegurança tanto Não respeita a disponibilidade 24h para a mãe, ao não tentar o parto normal.
para o bebê quanto da equipe preparada para isso, e não
para a mãe, respeita a autonomia da mulher, o Nesses três itens de violência obstétrica, esses dois estão
ao não tentar
que ela quer, o que ela deseja e o mais presentes no SUS, no Brasil. Que é a mulher não ter voz,
o parto normal.
que ela pensa. e ser submetida a todos os procedimentos na tentativa de um
parto normal, e aí se não der certo, faz cesárea, mas ela não
Qualquer desrespeito a um desses três pontos é violência participa da decisão.
obstétrica. E a violência obstétrica, ela está muito imputada no
parto do séc. XX, que diz para mulher: “Você não sabe nada. Eu E este outro item é o principal de violência obstétrica no
é quem decido por você. Vai ser parto normal porque eu quem setor suplementar, que é a mulher ser submetida a cesárea,
decido que vai ser parto normal. E eu quem vou decidir na hora sem uma explanação digna de qual a necessidade daquilo.
que for cesárea”. Isso é uma violência obstétrica. Ou pior ainda, quando ela verbaliza que quer parto normal
e não permitem. Enganam, ludibriam ela e vão lá e fazem
Outra violência obstétrica: “Você vai passar por todos uma cesárea. Então esses itens de violência obstétrica, eles
os procedimentos que eu estou anotando aqui: Vai ficar em fizeram com que surgisse a cesárea eletiva como sendo uma
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salvadora dessa história toda. Porque ela ludibria o sistema Quando ela chega ao final, não
todo, o funcionamento. imagina o buraco que tinha debaixo Se o médico virar pra
ela e falar “o melhor
da passarela, porque ela não viu. É
para você é a cesárea
É a melhora da parte do sistema hospitalar, melhora a logística o pano da cesárea que se coloca, marcada”, aí ele
do médico, e ludibria conscientemente a mulher, que tem uma que se tampa, que mulher não vê está mudando
inversão da sensação de segurança ao pensar: “Se tem hora o que está acontecendo. Então, o que os números
marcada, se é mais prático e todo mundo está fazendo...” Então a mulher acaba tendo uma falsa estão mostrando.
gera uma falsa sensação de segurança, e aí fica parecendo que sensação de segurança de que a
é algo mais seguro. cesárea é melhor do que a tentativa
inicial do parto normal.
Costumo fazer uma outra analogia para comparar essa
questão da cesárea eletiva: Imagina que vamos atravessar um Porque quando a gente fala tentativa inicial de parto normal,
precipício e aí você tem lá 50 metros, e você tem de um lado a gente nunca fala que não vai terminar em cesárea. Estamos
uma passarela com várias barras de segurança, onde você vai falando que iremos tentar primeiro por parto normal, e que se
com cinto amarrado, só que você vai enxergando, esse é o parto não der certo vamos lá.
normal, você participa, você é ativo naquilo.
Se não der certo para o maratonista nos 42km que ele está
Ninguém vai te guiar, você vai amarrado com as cordas, correndo, se ele chegar aos 35 km, cair desmaiado, alguém vai
mas você vai atravessar a passarela até chegar do outro lado lá ajudar ele, e o leva até a linha de chegada. Agora, se ele está
do precipício. Do outro lado, tem uma passarela que não tem lá nos 35km, quase não aguentando, vamos incentivar, “você
corda de segurança, não tem nada; ela é só um pouco mais consegue”, “vamos que você consegue”, e ele chega até o final.
larga, tem um metro a mais de largura, só que você vai com os Se não chegar uma ajudinha de nada, (uma anestesia no parto,
olhos vendados e vai com alguém falando pra você como tem que ajuda bastante em alguns casos). A gente dá uma ajudinha
que fazer. ali, uma bicicleta nos últimos 100m e ele chega no final.
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Então, acho que a gente tem que conseguir enxergar existem, as opções que existem em cada região, cada cidade,
cronologicamente essa história toda, de como as intervenções cada lugar. Tem lugares que não tem parto humanizado ainda,
foram sendo colocadas, o surgimento da cesárea eletiva, a então não adianta. Só tem cesárea eletiva, ou só tem o parto do
modernização do parto para o método do parto humanizado... séc. XX.
Acho que a gente consegue entender bem as reais diferenças
de segurança para mãe, para o bebê... Eu fico bem na dúvida. Dependendo do local eu prefiro a
cesárea eletiva em trabalho de parto. Estou falando alguma coisa
E eu acho que fica mais claro para mulher optar. É a pessoa que assusta alguém? Se estiver em um lugar que só tem parto
que sentou e explicou os três tipos de carro para mulher, e ela violento, todos os itens da violência obstétrica, sem a mulher
vai escolher qual é melhor para ela e não simplesmente ir pela ser respeitada, porém existe a possibilidade da mulher entrar
opinião de outra pessoa, ou pela opinião do médico, que ela em trabalho de parto e fazer uma cesárea, neste caso, vai ser
julga saber tudo e que ela não sabe nada. melhor a cesárea eletiva feita em trabalho de parto.

Esse é o convite para participação da mulher pra isso tudo. Mas, pensando num mundo melhor, na melhoria do atendimento,
E outra, se ela pensar “mas eu não quero decidir nada, eu não que todo mundo tenha acesso ao parto humanizado e que longe
quero”. Isso também faz parte do plano de parto dela. Ela falar de qualquer coisa todo mundo está falando a mesma língua. Todo
assim: “Eu não quero ter que estudar essas coisas, eu quero mundo indiretamente está chegando nesse ponto de humanizar
que façam o melhor que for para mim”. Aí o melhor para ela o atendimento e melhorar as condições de segurança no parto.
vai ter que estar baseado nesses conceitos. Se o médico virar
pra ela e falar “o melhor para você é a cesárea marcada”, aí ele Otávio - Incrível! Incrível! É a única palavra que me vem à
está mudando o que os números estão mostrando. cabeça. Fica tudo muito mais claro.

Finalizando, eu acho que o mais importante hoje é a gente Torço que muitas pessoas estejam realmente sentindo tudo
enxergar a real segurança do parto. Enxergar os métodos que isso, de estar ouvindo todas essas informações fantásticas de
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um obstetra que quer trazer essa forma muito mais amorosa e


pacifica das próximas gerações de vir ao mundo. Então, minha
gratidão. De estar contigo mestre, obrigado mesmo, foi um
grande prazer te ouvir falar.

Braulio - Eu é quem agradeço: Muito obrigado, Otávio!

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