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03/07/2021 Igreja capaz de autocrítica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Igreja capaz de autocrítica

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02 Julho 2021


Se até o Papa Francisco liberou a expressão de Martin Lutero “Ecclesia


semper reformanda” resta, ainda, entender como. Como entender a reforma e
como implementá-la? Uma ajuda pode ser conseguida pela recente publicação
de Roberto Oliva L’autocritica nella Chiesa. Dalla conversione
ecclesiale alla liberazione integrale (A autocrítica na Igreja. Da conversão
eclesial à libertação integral, em tradução livre, Edizioni Messaggero Padova
 2021) que se inspira no dinamismo espiritual de outro adágio proposto pelo 
Pontífice, desta vez de Ignácio de Loyola: "Deformada reformar, reformada
conformar, conformada confirmar e confirmada transformar", verbos que
forjam os títulos dos capítulos.

A reportagem é de Piotr Zygulski, publicada por Settimana News, 01-07-


2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
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Que reforma?
 

Que reforma? Ou melhor: que forma? O padre calabrês - além das exigências
expressas no Concílio Vaticano II - parte do fundamento bíblico, que oferece à
Igreja a processualidade da forma-Evangelho: seu “movimento imprevisível e
aberto ao futuro” impõe que ela permaneça atenta “aos sinais da história, mas
também aos acontecimentos existenciais e dramáticos das mulheres e dos
homens de toda cultura”.

Para reformar segundo as escrituras,


evitando tanto as "fossilizações"
quanto a "mera maquilagem estética",
Oliva propõe seguir especialmente o
ícone da pregação de Jesus na
sinagoga de Nazaré, onde é
explicitado o seu programa de
proximidade preferencial aos pobres
e aos excluídos. Ao redescobrir a
força profética daquelas palavras -
"alimentada pela surpresa de um
Deus imprevisível e instada a seguir
para os mesmos caminhos de
redenção e partilha" - a Igreja pode
encontrar, ou reencontrar, a própria
forma autêntica, entre vínculo
Roberto Oliva, L’autocritica nella Chiesa.

Dalla conversione ecclesiale

originário e a projeção rumo à


alla liberazione integrale,
plenitude do futuro, adotando as
EMP, Padua 2021, 82 p., € 9,00.
modificações (inclusive
institucionais) indispensáveis para se tornar cada vez mais companheira das
pessoas que vivem neste mundo de mudanças.

A justiça futura prometida e esperada estimula a Igreja a uma missão profética e


a uma instância crítica em relação às injustiças presentes, em seu interno e em
seu externo. No rastro de uma viva tradição milenar - que abraça muitos
autores, de Bernardo de Claraval a Rosmini - para Oliva tal “autocrítica
configura-se como um impulso profético que visa a libertação eclesial, para
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g pIgreja capaz
p de autocrítica
q - Instituto Humanitas Unisinos
ç - IHU ,p
que a Igreja tenha como centro unicamente Cristo, no cumprimento da missão
que lhe foi confiada”.

Autocrítica, tarefa profética


 

A autocrítica, em virtude do sensus fidei que acompanha cada batizado, é tarefa


profética de cada fiel cristão; o Povo de Deus, em um exercício de sinodalidade,
é, portanto, chamado a “discernir a forma do Evangelho que em cada momento
histórico é chamado a assumir num processo de fidelidade criativa”.

Entre os vários modelos evidentemente antievangélicos a serem reconhecidos e


dos quais tomar as distâncias, o Autor destaca o individualismo, a
corrupção, a hipocrisia e o farisaísmo; para tal autocrítica contribuem também
as solicitações que vêm do exterior da comunidade eclesial, ainda que pouco
elaboradas, mas que podem chamar o corpo eclesial a uma maior fidelidade à
mensagem de Jesus.

Uma autocrítica realizada com zelo evangélico é geradora de novos laços com
as mulheres e os homens de hoje: disso provém uma carga transformadora
inesgotável, que também irrompe para fora dos limites eclesiais. Longe de ser
autorreferencial, a autocrítica provoca a Igreja “a viver com mais liberdade o
anúncio profético para o mundo”. De fato, argumenta Oliva, “só uma Igreja que
faz autocrítica em seu interno poderá ter condições de criticar profeticamente
as deficiências e as injustiças do mundo”, agindo “no mundo e para o mundo, ao
lado do humano ferido, frágil e oprimido".

Se conduzida com coerência e radicalismo, a autocrítica eclesial - "dimensão


constitutiva" da própria Igreja, que se reconhece deformada em determinados
aspectos - torna-se assim o pressuposto para uma crítica social mais corajosa,
capaz de incidir de forma transformadora para humanizar toda relação e
instituição civil e humana.

Uma Igreja que, transformando-se, luta contra as lógicas antievangélicas - a


partir daquelas presentes em seu interno - pode abrir-se com maior
determinação às instâncias daquela humanidade sofredora que, dirigindo-se
também à Igreja, “invoca de toda parte justiça, coerência e dignidade". A ela
poderá responder com franqueza, na "delicada tarefa de criticar os mecanismos
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doentes do mundo no meio em que vive".

“Como no céu, também na Igreja”


 

Nesta mútua relação, a Igreja conforma-se a Cristo quanto mais ajuda “cada ser
humano a tornar-se cada vez mais pessoa segundo a humanidade de Jesus
Cristo”; isso em atendimento à missão salvífica da Encarnação, que integra
humanização e divinização, a favor de "todo o homem e de todos os homens
que vivem na história". É, portanto, responsabilidade profética da Igreja
“colaborar para a libertação de toda estrutura de pecado que gera injustiça e
pobreza, em favor de uma sociedade mais justa e fraterna”, mesmo ao custo de
compartilhar as perseguições dos perseguidos que precisam de justiça, para
buscar ali a própria forma mais plenamente evangélica - não somente cristã, mas
verdadeiramente crística - em vez de se adequar "a um status adquirido".

A título de exemplo, Oliva cita padre Peppe Diana e dom Pino Puglisi: “O seu
sangue faz brotar uma fecunda ministerialidade de libertação e humanização
para as Igrejas do Sul, que ainda precisam redescobri-la mais profundamente”.
Mas isso hoje deve ser estendido à defesa da liberdade e da dignidade das
“minorias ameaçadas por discriminações religiosas, políticas, sociais e sexuais”;
dando voz ao seu grito de dor, o Povo de Deus reunido eclesialmente não faria
senão o seu dever de viver a missão profética de Jesus, para "iniciar processos de
libertação juntamente com a comunidade civil".

A Igreja pode e, aliás, deve fazê-lo, e sempre com maior audácia, desde que se
deixe transformar pelo próprio Deus, que sustenta tais processos de
fraternidade, justiça e igualdade, tanto no externo como em seu interno,
sem nenhuma exclusão: “Como no céu, assim na Igreja”.

Leia mais
Não apenas sinodalidade. Artigo de Giancarla Codrignani
A sinodalidade, modo de ser Igreja no século XXI. Manaus e a Assembleia
Sinodal
Sínodos sem verdadeira sinodalidade? (Parte I)
Sínodos sem verdadeira sinodalidade? (Parte II)
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Implosão da Igreja agendada


O que é sinodalidade? Artigo de Massimo Faggioli
Não é um sonho do Papa, mas do Concílio. Uma conversa com o cardeal Mario
Grech sobre a novidade do Sínodo
Reforma da Igreja: quando a sinodalidade decola
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Artigo de Andrea Grillo
As igrejas vazias e o álibi da secularização. Artigo de Massimo Borghesi
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Amós, Oseias e Isaías: injustiça social e idolatria religiosa, NÃO!
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