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revisão sistematizada

Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta


prévia acreta com invasão de bexiga:
revisão sistemática da literatura
Concept, diagnosis and treatment of placenta previa accreta with urinary bladder invasion:
systematic revision of literature

Resumo
Danielly Scaranello Nunes Santana1
Nelson Lourenço Maia Filho2
A placenta prévia consiste na implantação placentária no segmento inferior,
Lenir Mathias3
distando no máximo 7 cm do colo do útero. Ao aderir-se diretamente ao miométrio, denomina-se placenta
acreta; ao estender-se mais profundamente, placenta increta, e ao invadir a serosa uterina ou órgãos adjacentes,
Palavras-chave
percreta. A incidência de placenta prévia varia de 0,3 a 1,7%, e a incidência do acretismo varia de 1:540 a
Placenta acreta
Bexiga urinária 1:93.000 partos. Essa com acretismo é relacionada à alta morbimortalidade materna e, maior necessidade de
Histerectomia terapêutica transfusional; a complicações durante a cesárea e à infecção. O acretismo é diagnosticado por
ultrassom, ressonância magnética e, ultrassom com Doppler. A adequada detecção do acretismo permitirá o
Keywords
planejamento da via de parto e das medidas de segurança, com consequente redução da mortalidade materna.
Placenta accrete
Urinary bladder Feito o diagnóstico antenatal de acretismo placentário e invasão da bexiga, a conduta será a cesárea eletiva às 35
Hysterectomy semanas com posterior histerectomia total abdominal, sempre com necessidade de uma equipe multidisciplinar
(anestesistas, obstetras, cirurgião vascular intervencionista e urologista).

Abstract The placenta previa consists of a placental implantation in the inferior


segment, distant at the most 7 cm of the cervix uteri. When adhering directly to the myometrium, it is called
placenta accreta; when extending more deeply, increta and when invading the uterine’s serous or even adjacent
organs, the percreta. The placenta previa incidence varies from 0,3 to 1,7%, and the accretism from 1:540
to 1:93.000 childbirths. The placenta previa accreta is associated with high maternal morbidity and mortality,
need of blood transfusion, complications during cesarean section and infection. The accretism is diagnosed by
ultrasound, magnetic resonance and, ultrasound with Doppler. The appropriate detection of the accretism will
allow the childbirth planning and safety’ s measures, with consequent reduction of maternal mortality. When
the antenatal diagnosis of placenta accreta and invasion of the bladder are made, the conduct will be the
elective cesarean section to the 35 weeks with subsequent abdominal total hysterectomy, with the aid of a team
(anesthetists, obstetricians, surgeon vascular and urologist).

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) – Jundiaí (SP), Brasil
1
Residente do Departamento de Tocoginecologia da FMJ – Jundiaí (SP), Brasil
2
Professor Titular de Obstetrícia da FMJ – Jundiaí (SP), Brasil
3
Professora Emérita da Obstetrícia da FMJ – Jundiaí (SP), Brasil
Endereço para correspondência: Danielly Scaranello Nunes Santana – Rua Maestro Francisco Farina, 55 – apto. 41B – Vila Progresso –
CEP 13202-250 – Jundiaí (SP), Brasil – E-mail: dany.fmj@terra.com.br
Santana DSN, Maia Filho NL , Mathias L

Introdução O acretismo é mais freqüente na placenta prévia centro-total


do que nas demais variedades, sendo esta diferença estatistica-
A entidade “placenta prévia” consiste na implantação pla- mente significativa. Possivelmente, a placenta encontra piores
centária no segmento inferior (SI), distando no máximo 7 cm condições de suprimento vascular e esta escassez nutricional
do orifício interno (OI) do colo do útero, compondo juntamente ativa mecanismos compensatórios que resultam em maior pe-
com o descolamento prematuro e a rotura uterina, causas de netração vilositária6(B). Embora rara, a placenta percreta que
sangramento vaginal do terceiro trimestre de gestação1. Ela é envolve a bexiga ou vasos pélvicos é potencialmente uma doença
classificada de acordo com a proximidade com o colo em pla- catastrófica, com mortalidade materna de 9,5% e perinatal de
centa prévia: centro-total (recobre o orifício interno do colo do 24%. Nos casos de hematúria, a cistoscopia é indicada, a fim de
útero), centro-parcial (recobre parcialmente o orifício interno), avaliar a profundidade da invasão placentária2,8-10(C).
marginal (margeia o orifício interno do colo do útero) e lateral
(distando até 7 cm do orifício interno do colo)1. Objetivos
A formação adequada da decídua endometrial estabelece uma
barreira, a fim de evitar a invasão do miométrio, pela proliferação Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre placenta
do trofoblasto. Quando existe deficiência no desenvolvimento prévia, com ênfase no acretismo placentário: fatores predisponen-
decidual, a placenta pode aderir-se diretamente ao miométrio tes, incidência, quadro clínico, principais exames diagnósticos e
(placenta acreta); estender-se mais profundamente no miométrio tratamento. Não havendo um protocolo de conduta para trata-
(placenta increta) ou invadir a serosa uterina e mesmo órgãos mento da placenta prévia com acretismo, também foi exposta a
adjacentes (placenta percreta). Esta condição, de maneira geral, experiência do presente serviço em relação às condutas tomadas
é denominada acretismo placentário. Neste caso não existe plano nas pacientes com essa doença.
de clivagem entre a placenta e a decídua2(C).
As etiopatogenias tanto da placenta prévia (Pp) como do Materiais e métodos
acretismo placentário são controversas. MacGillivray, Davey
e Isaacs postulam a relação direta entre a inserção tardia do Foi realizado um levantamento dos principais artigos sobre
blastócito e a predisposição para placenta prévia3(B). Outros placenta prévia e acretismo placentário. Nos sites de busca (www.
autores afirmam que placentas muito desenvolvidas em exten- bireme.br e www.pubmed.com.br) foram usadas as seguintes
são (gestação múltipla, isoimunização ao fator Rh) apresentam palavras-chave: placenta prévia, placenta acreta, invasão de
predisposição para placenta prévia. É importante assinalar que bexiga e, histerectomia. Foram encontrados 70 artigos relacio-
defeitos na vascularização da decídua; alterações inflamatórias nados num período de dois meses, separados para a revisão 25
ou atróficas e, demora na nidação ou trauma do endométrio artigos, apenas os mais relevantes na literatura mundial e os
parecem influenciar o local de implantação e alterar a fisiologia mais recentes que traziam alguma atualização sobre as formas
do segmento inferior, determinando o aparecimento de placenta de diagnóstico e tratamento.
prévia; porém para confirmação de qualquer destas hipóteses há
necessidade de estudo histopatológico do endométrio4(A). Fatores predisponentes
O diagnóstico ultrassonográfico de placenta prévia em gesta-
ção precoce (aproximadamente 5% no segundo trimestre) é mais Vários fatores de risco estão associados à placenta prévia e ao
frequente devido a um diferencial de crescimento da cicatriz no acretismo placentário.Dentre os fatores individuais, destacam-se:
segmento inferior. Um ultrassom (US) entre a 18ª e a 20ª semana, • Idade materna avançada: causaria progressivo dano ao en-
ou mesmo no terceiro trimestre, que apresente placenta próxima dométrio com consequente desenvolvimento inadequado da
do orifício interno do colo, mas não sobre ele, não persiste como decídua ou da perfusão útero-placentária, causando placenta
prévia, no termo da gestação, porque a implantação baixa da pla- prévia e acretismo11(B).
centa no segundo trimestre, evoluiria com migração para longe do • Multiparidade: a deficiência da camada decidual, ocorrida
segmento inferior/área cervical, pelo diferencial de crescimento, por trauma do endométrio na cesárea, na extração de restos
resultando em menor incidência de placenta prévia no final da placentários retidos, ou ainda nas curetagens uterinas teria
gestação5,6(B). Assim, uma quantidade maior de cicatrizes no seg- como consequência a implantação anormal da placenta.
mento inferior poderia prejudicar este diferencial de crescimento, Os sucessivos partos e dequitações, talvez comprometam o
o que aumentaria a incidência de placenta prévia7(B). mecanismo regenerativo do endométrio ou simplesmente

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Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta prévia acreta com invasão de bexiga: revisão sistemática da literatura

aumentem a possibilidade de exposição a fatores predispo- do que os acima citados, provavelmente em razão do maior
nentes do acretismo (trauma, infecção)7,9,10(B). número de partos operatórios.
• Uso de drogas ilícitas e tabagismo5,7,12(B). A placenta prévia incide mais entre as gestantes idosas e
multíparas, na proporção de 1:300 partos entre 20 a 29 anos,
Dentre os fatores placentários, estão incluídos: placenta 1:100 partos nas mulheres próximas dos 35 anos e, 1:50 partos
prévia anterior, endometrites e, curetagem prévia5,7,12(B). E, naquelas de 40 anos. Outros estudos encontraram uma incidência
entre os uterinos: de 54,6% das placentas prévias em mulheres de 26 a 35 anos, e
• sinéquias; 72,7% naquelas com dois ou mais partos14,15(B).
• adenomiose; Quanto à variedade de tipos de placenta prévia, as estatísticas
• miomas; são contraditórias e refletem, na maioria das vezes, a falta de pre-
• pequeno intervalo interpartal; cisão na definição e identificação de tais variedades. Entretanto,
• cesárea anterior e número de cesáreas anteriores: o primeiro torna-se importante fazer a distinção entre os diferentes tipos
obstetra a sugerir a existência de uma relação entre cicatriz de dessas, uma vez que os resultados materno-fetais são piores nos
cesárea e o subsequente desenvolvimento da placenta prévia casos de placenta prévia centro-total, quando comparados aos
foi Bender em 195413(B). A presença de cicatriz uterina no de centro-parcial, marginal ou lateral. Parece ser mais frequente
segmento inferior, de alguma maneira, atrairia a implantação o acretismo na centro-total6(B).
baixa da placenta. Provavelmente nas cesáreas de repetição, A prevalência do acretismo aumentou significativamente
com inúmeras cicatrizes, o endométrio do segmento inferior, nos últimos 50 anos, encontrando-se citações de que ocorre em
naturalmente delgado, teria maior dificuldade em sofrer 1:540 a 1:93000 partos. Este fato está relacionado ao aumento
processo de decidualização, favorecendo o acretismo7,12(B). do número de cesáreas, multiparidade, miomectomias, descola-
Ananth, Smulian e Vintzielos publicaram uma metanálise mento manual da placenta, endometrites ou curetagens prévias
com 15 trabalhos e confirmaram a associação de cicatriz e embolização de miomas1,6(B).
uterina de cesáreas anteriores, com aumento da incidência
de placenta prévia4(A). Importância
Estudos atuais procuram ajustar os resultados tendo em conta Além da alta mortalidade materna, a morbidade também é
os fatores de risco e os confundidores, verificando maior incidên- bastante elevada de até 20%, associada ao choque hemorrágico;
cia de placenta prévia na presença de cesárea anterior, mas não terapêutica transfusional; complicações da cesárea e infecção8,17(C).
de tal magnitude como nos trabalhos inicialmente realizados, No acretismo, a extensão da área placentária muitas vezes é
os quais não consideram variáveis importantes que poderiam desconhecida, por falta de conhecimento da doença e/ou pela
confundir as conclusões como idade materna, multiparidade e falta de preparo dos profissionais na pesquisa dessa entidade. A
história obstétrica. Entretanto, cesáreas sucessivas associam-se adequada detecção do acretismo e da extensão da invasão mio-
mais frequentemente à placenta prévia, do que ao acretismo. Para metrial permitirá adequado planejamento da via de parto e das
confirmar esta assertiva, são necessários estudos epidemiológi- medidas de segurança, com consequente redução da mortalidade
cos multicêntricos. É provável que existam múltiplas variáveis materna. É exigido nesta situação, potencialmente dramática,
maternas e/ou placentárias envolvidas, interagindo entre si e tratamento com abordagem multidisciplinar2,7(C).
predispondo ao acretismo na placenta prévia.
Sintomatologia
Incidência
O diagnóstico precoce e preciso da placenta prévia e dos fatores
A incidência de placenta prévia varia de acordo com a po- de risco é importante, pois nos faz pensar na possibilidade de
pulação estudada, com os critérios e recursos diagnósticos, com acretismo. A hemorragia no terceiro trimestre constitui, quase
a definição utilizada e os critérios de classificação. De maneira sempre, em um sintoma peculiar de placenta prévia. Mas, muitas
geral, sua frequência em relação ao número total de partos varia vezes, a perda sanguínea pode não ocorrer e o diagnóstico será
de 0,3 a 1,7%, considerando-se apenas placenta prévia com feito na dificuldade de extração da placenta durante a dequitação,
sintomatologia clínica7,14(B). No Brasil, os índices são maiores o que causará maior morbidade ou mortalidade materna1,7(C).

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Muito cuidado deve-se ter na variedade centro-total, dada A dificuldade na definição da acuidade da RM foi devido a
a frequente associação com acretismo placentário. Embora esta utilização de um protocolo com baixa resolução, alto tempo de
patologia de difícil diagnóstico clínico seja rara, ela pode ser aquisição (três minutos), o que elevava o número de artefatos com
confirmada por ultrassonografia. O acretismo com envolvimento os movimentos fetais e, respiratórios e peristaltismo intestinal
da bexiga raramente é diagnosticado antes do parto, mas, al- materno. Entretanto, as fases dinâmicas permitiram uma boa
gumas vezes, pode produzir sinais ou sintomas resultantes da distinção entre placenta e miométrio. A placenta é definida
invasão de estruturas adjacentes, como hematúria em pacientes como um hipersinal homogêneo na cavidade uterina, mas não
com envolvimento da bexiga9,10(C, B). foi possível diferenciar o vilo corial da decídua basal.
Em 1997, Marcos et al., usando contraste, verificaram que a
Diagnóstico placenta normal no terceiro trimestre exibe um realce lobular, o
qual permite a diferenciação do vilo corial. No segundo trimes-
O diagnóstico de acretismo e os problemas a ele associados tre, a placenta apresenta um realce heterogêneo sem a definição
dependerão do local da inserção placentária, profundidade de de lóbulos21(B). Em 2001, com o mesmo intuito, Tanaka et al.
penetração no miométrio e número de cotilédones envolvidos. conseguiram distinguir as duas partes da placenta: os múltiplos
A adequada detecção do acretismo e da sua real extensão de focos lobulares contrastados e o realce ao redor dos lóbulos22(B).
invasão permitirá um parto planejado, com mais segurança e O realce precoce da face fetal da placenta permitiu a identificação
menor risco operatório. do acretismo placentário. Assim, definiram-se dois critérios de
No segmento inferior, o acretismo é diagnosticado por diagnósticos da placenta acreta na RM:
imagem ultrassonográfica, ressonância magnética, US com • afilamento e descontinuidade da decídua basal da parede
Doppler colorido e power Doppler. O US é ainda a modalidade miometrial16,22 (B);
mais acessível16,18(B). • na fase dinâmica, o realce precoce dos vasos tortuosos
Os critérios utrassonográficos de suspeita de acretismo pla- saindo da porção fetal para a face materna da placenta e
centário são:- adelgaçamento da zona hipoecoica retroplacentária atingindo o miométrio delineado com a utilização de fases
(ausência do espaço sonolucente subplacentário - decídua ba- mais precoces.
sal);- lacunas vasculares irregulares;- irregularidade da espessura
do miométrio basal com áreas finas e outras mais espessas ou As sequências rápidas apresentaram ótima resolução da ima-
ausentes e;- presença de vasos tortuosos invadindo o miométrio, gem por serem rápidas e de alta resolução espacial, permitindo
interior da placenta e parede vesical. A avaliação pelo US indica caracterizar a parede miometrial23,24(B). A RM dinâmica é uma
sensibilidade de 75%, especificidade de 14%, valor preditivo técnica promissora para o diagnóstico pré-natal e o uso de com-
positivo de 50% e valor preditivo negativo de 33%18(B). postos com gadolíneo como contraste melhora a caracterização
No Doppler colorido destacam-se: distância menor que 1 da placenta acreta. Entretanto, existe as desvantagens do custo
mm entre a interfase serosa uterina e a interfase da bexiga e elevado e a necessidade de aparelhagem complexa23,24(B).
os vasos retroplacentários19. Atualmente, recentes avanços na A cistoscopia pode ser indicada para avaliar paciente com
ultrassonografia, com Doppler colorido e power Doppler, per- hematúria e risco de acretismo, mas a confirmação pela biópsia
mitem o estudo dos vasos e a mensuração da velocidade e fluxo é totalmente contraindicada. Há um caso descrito de uma pa-
do sangue placentário. Os padrões de pulsatilidade venosa, asso- ciente com seis cesáreas anteriores e com hematúria, avaliada por
ciados à presença de lacunas venosas e ao fluxo venoso complexo cistoscopia e biópsia; a biópsia resultou em profusa hemorragia,
retroplacentário, são considerados critérios doplerfluxométricos necessitando cesárea-histerectomia e ressecção de porção da
para placenta acreta20(C). bexiga para o controle desta10(B).
A ressonância magnética (RM) é útil na imagem obstétrica. As placentas devem ser encaminhadas para exames anatomo-
Os tecidos moles são claramente visíveis, caracteriza-se mais pre- patológicos. O diagnóstico positivo para acretismo é a presença
cisamente a massa uterina e, avalia-se o espaço retroperitoneal. O de tecido miometrial aderido à placenta, a não distinção adequada
sinal de acretismo placentário apresenta-se como um hipersinal entre miométrio e placenta e a perda da membrana basal. São
placentário invadindo o miométrio. Porém, a RM não aumenta frequentes as anomalias da placenta: marginada, circunvalada,
a possibilidade do diagnóstico de acretismo, sendo esta uma membranácea, fenestrada, lobo suscenturiado e anomalias de
modalidade de escolha na placenta corporal e posterior18(B). inserção do cordão (inserção marginal ou velamentosa).

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Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta prévia acreta com invasão de bexiga: revisão sistemática da literatura

Tratamento • deve haver disponibilidade de grande quantidade de san-


gue; preparo intestinal na véspera da cirurgia; desinfecção
Feito o diagnóstico antenatal de acretismo placentário e da vulva e vagina; identificação das margens cervicais, por
invasão da bexiga, no terceiro trimestre, a conduta será a his- via vaginal, com fio de algodão; cateterização das artérias
terectomia total abdominal. Há necessidade de uma equipe femorais e introdução de balão de Gruntzin’s nas artérias
cirúrgica para este tipo de cirurgia com anestesistas, obstetras, hipogástricas contralaterais, por intervencionista vascular.
cirurgião vascular intervencionista, urologista e transfusionista A oclusão temporária ou mesmo definitiva, proporcionada
(infusão de grande quantidade de sangue é possível devido à pela insuflação do balão, evita sangramentos que compro-
coagulação intravascular disseminada). Deve-se marcar a ci- metem o estado hemodinâmico da paciente e dificultam a
rurgia em dia e hora adequados para toda a equipe, em torno visualização do campo cirúrgico. Devem ser instalados dois
da 35ª semana. acessos venosos para infusão de grande volume líquido.
É importante o conhecimento da circulação sanguínea do
útero e da pelve: seguindo a bifurcação da aorta abdominal, Cesárea – histerectomia total abdominal
notam-se as duas ilíacas comuns, e, destas, saem a ilíaca exter-
na e a interna de cada lado. O ramo da ilíaca interna (artéria Anestesia de condução, ou geral, na dependência das condições
hipogástrica) supre a pelve; de sua divisão anterior saem a ar- hemodinâmicas da paciente
téria uterina, umbilical, vesical inferior, obturadora, pudenda Recomenda-se realizar incisão abdominal mediana longitudi-
interna, glútea inferior, vesical média, vaginal e hemorroidária nal, um pouco mais alta que para cesárea. A incisão longitudinal
média; de sua divisão posterior as artérias glútea superior, sacral é realizada por permitir, se necessário, a ampliação rápida e a
lateral e íleo-lombar. O ramo da ilíaca externa emite as artérias melhor exposição da cavidade abdominal (extensão de 6 a 10 cm
epigástrica inferior e ilíaca circunflexa e torna-se artéria femoral, acima da cicatriz umbilical). Antes da incisão uterina deve-se
abaixo da região inguinal. retificar e medianizar o útero.
É importante assinalar as variações anatômicas da circulação Se vasos calibrosos sobre o local da inserção placentária forem
da pelve bem como os inúmeros vasos colaterais. Isto explica observados no segmento inferior; indica-se histerotomia fúndica
porque, mesmo com a obstrução das artérias uterinas ou das longitudinal, longe dos vasos calibrosos do segmento inferior
hipogástricas, o sangramento ainda pode estar presente, porém e suficientemente grande (10 a 12 cm), a fim de permitir fácil
de menor intensidade. Assim, quando as artérias hipogástricas extração fetal, evitando laceração de tecido e vasos que podem
são ligadas após a bifurcação da ilíaca comum, o sentido da cor- causar sangramento é abundante.
rente sanguínea nesses vasos se inverte. Isto explica a razão de a A extração fetal não traz dificuldades e será sempre por
ligadura das hipogástricas não trazer conseqüências. A pressão apreensão dos membros inferiores, nas apresentações cefálicas,
sanguínea da aorta faz aumentar a pressão nos vasos acima do e por versão interna seguida de extração pélvica nas trans-
bloqueio e, por meio daquelas anastomoses, determina uma versas e pélvicas. Fazer três delicadas manobras de ordenha,
inversão no sentido do fluxo (Quadro 1)25(B). pois a rápida extração fetal, pela abertura fúndica do corpo
uterino, não permitirá retração uterina, o que poderá causar
Estratégia pré-operatória redução do volume sanguíneo fetal. Laquear o cordão o mais
próximo de sua inserção e aguardar alguns minutos a fim de
Os seguintes fatores foram preconizados, a partir da revisão verificar possível dequitação. Não tentar a extração manual
da literatura, e após o tratamento cirúrgico quatro casos de placentária. Fazer chuleio simples na borda da histerotomia,
percretismo placentário com invasão da bexiga: que é suficiente para hemostasia e para permitir visualização
• o parto deve ser realizado em torno da 35ª semana de gestação, da cavidade uterina. Não ocorrendo a dequitação, insuflar os
pois depois desta data, há maior risco de sangramento no ato
cirúrgico, risco potencial de ruptura uterina e hemoperitônio, Quadro 1 – Inversão no sentido dos fluxos arteriais.
ameaçando a vida da paciente. A cirurgia emergencial é muito Artéria íleo-lombar------------------------------------------------------Artéria lombar
mais grave que a eletiva. Deve-se procurar manter os níveis Artéria sacrolateral-----------------------------------------------Artéria sacral média
Artéria hemorroidária média-----------------------Artéria hemorroidária superior
de hemoglobina entre 10 e 11 g/dL com prévio aumento de Artéria uterina---------------------------------------------------------Artéria ovariana
ingestão de alimentos, complementação com ácido fólico, ferro Artéria obturadora---------------------------------------Artéria epigástrica superior
Artéria vesical------------------------------------------------Artéria uterina e vaginal
e até mesmo à custa de transfusão sanguínea, se necessário;

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balões. Com a obstrução dos vasos uterinos, há redução acen- Complicações pós-operatórias
tuada do sangramento.
As principais complicações desta técnica são: hemorragias
Cuidados durante a cirurgia e formação de hematomas, infecção do trato urinário, lesão de
Não fazer trajetos desnecessários com a agulha para que bexiga, tromboflebites, síndrome de Ogilvie, sangramento
vasos miometriais não sejam perfurados e que haja consequente para a cavidade peritonial e, no retroperitônio, complicações
formação de hematomas; lembrar que a embebição gravídica pulmonares, infecção da incisão abdominal, deiscência da
facilita o descolamento da serosa visceral e a visibilidade dos incisão e morte materna. Estas complicações passaram a ser
ureteres, entretanto há maior friabilidade e edema das estruturas menos frequentes com o uso dos balões. Ainda há dúvidas
anexiais e, das paredes vesical e vaginal; qualquer tração firme se a colocação do cateter e do balão arterial seria a melhor
pode dilacerar os tecidos; pressão com compressas reduz o san- conduta25(B).
gue venoso; evitar as tentativas de controle da hemorragia por As complicações pela passagem do balão arterial são: obstru-
clampeamento indiscriminado no local de sangramento. ção aguda periférica da luz de um segmento arterial, advinda de
Os vasos devem ser individualizados, livres de tecido circundante. trauma vascular pelo cateterismo arterial, ou embolia arterial
Na presença de sangramento e hematoma do ligamento largo, a aguda por fragmentos de cateteres e guias metálicos utilizados.
ligadura dos vasos uterinos será extremamente difícil. Énecessário É importante, no pós-operatório, a verificação desta possível
ter em mente que, no útero grávido, os vasos são hipertrofiados, complicação. A referência de dor súbita no membro, seguida
e devem ser duplamente ligados para maior segurança. de resfriamento, alteração da cor da pele como palidez e cianose
Deve-se realizar a histerectomia tradicional até o segmento exigem tratamento de urgência, pois a persistência de isquemia
inferior. Observada a invasão da bexiga, o urologista passa a intervir levará à alteração da sensibilidade e motricidade, por lesão de
de maneira a liberar a bexiga. Cistectomia parcial é feita se houver nervo periférico e da musculatura.
intensa aderência causada pela invasão do tecido placentário. A obstrução da artéria femoral ou das ilíacas pode resultar
As complicações intra-operatórias incluem: sangramento em hipóxia grave de grande massa muscular e em preocupante
excessivo e, nesse caso, algumas vezes a ligadura de uma ou ambas síndrome compartimental, com lesão neurológica irreversível.
ilíacas internas se faz necessária (a decisão da ligadura da ilíaca São importantes os cuidados pós-operatórios, realizados pelo
interna deve ser imediata, a demora para sua realização levará a vascular, o qual deverá fazer imediata heparinização, embo-
maior sangramento); sangramento pélvico por causa da extensa lectomia, o mais precocemente possível, com anestesia local e
circulação colateral, já que o sentido da corrente sanguínea de paciente no próprio leito. Na síndrome compartimental deve
seus ramos será invertido; ooforectomia uni ou bilateral devido ser feita a revascularização o mais precocemente, por fasciotomia
ao sangramento excessivo; coagulação intravascular disseminada; imediata, a fim de preservar as estruturas lesadas. Essa é uma
secção ou transfixação de um dos ureteres, que podem ser evitadas condição decorrente do aumento da pressão em espaço anatômi-
com a passagem profilática de um “stent” uretral duplo J. co confinado, levando ao prejuízo da circulação sanguínea que
Após a liberação do segmento inferior, completa-se a his- compromete a função e viabilidade dos tecidos contidos neste
terectomia. Nem sempre é fácil encontrar a transição entre o espaço (nervo periférico e da musculatura).
colo e a vagina, mas os reparos cervicais iniciais serão úteis A negligência ou não observância da assistência correta e
neste momento. São necessárias a perfeita e segura hemostasia rápida, são acompanhadas, quase sempre, de óbito materno. A
e a drenagem da cavidade abdominal. histerectomia abdominal é um tratamento heroico.
Após a cirurgia, os balões devem ser desinsuflados, revisa- Com o número cada vez maior de cesáreas, principalmente
se novamente a hemostasiae os cateteres serão removidos na as eletivas, provavelmente essa grave situação será cada vez
ausência de sangramento. Após sua remoção, fazer compressão mais frequente. É sugerida a profilaxia com a diminuição do
manual das artérias femorais por cinco ou mais minutos. O número de cesáreas e/ou evitando os prolongamentos indevi-
acretismo deve ser confirmado pelo exame anatomopatológico dos da incisão uterina, com consequentes lesões das artérias
da peça cirúrgica. uterinas.

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Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta prévia acreta com invasão de bexiga: revisão sistemática da literatura

Leituras suplementares
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AH, Nathan L. Current obstetrícia e Ginecologia Diagnóstico e Tratamento. Rio 128 consecutive cases from the Brazzaville University Hospital Center. Sante.
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2. Torres D et al. Placenta percreta con invasión a vejiga y a ureteres. Reporte de 16. Gielchinsky Y, Rojansky N, Fasouliotis SJ, Ezra Y. Placenta accreta – summary of
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FEMINA | Março 2010 | vol 38 | nº 3 153

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