Mario Silva

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Trabalho apresentado para obtenção do título de Especialista em

Marketing – 2020

O marketing de nicho no ambiente digital direcionado ao público “geek” e “nerd”

Mário Marcos Menezes Silva¹*; Maria Cecília Siffert2


1
Bacharel em Letras – Tradução / Interpretação. Rua Fidêncio Ramos, 308, Torre A, 6º andar – Vila Olímpia;
04551-010 São Paulo, SP, Brasil
2
Mestre em Estudos de Linguagens. Avenida Paulista, 302 – 4º andar – Bela Vista; 01310-000 São Paulo, SP,
Brasil
*autor correspondente: outromario@gmail.com

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Trabalho apresentado para obtenção do título de Especialista em
Marketing – 2020

O marketing de nicho no ambiente digital direcionado ao público “geek” e “nerd”

Resumo

A popularização do uso da Internet e ferramentas digitais para divulgação de produtos


e disseminação de ideias possibilitou uma democratização sem igual ao acesso a bens,
serviços informações que antes eram de difícil acesso. Os grupos de interesse específicos
estão hoje a um clique de distância. Com essa expansão do público-alvo de consumidores
locais e globais, as estratégias de marketing tiveram de ser reestruturadas para atender a
segmentos e nichos que ganharam novos adeptos. Essa facilidade de acesso ampliou a
chegada de muitos consumidores a conteúdos anteriormente considerados mais “excêntricos”
ou de nicho, como é o caso de produtos culturais como quadrinhos, “graphic novels” e jogos
de tabuleiro e “RPG”. O presente trabalho tem como objetivo analisar como o conceito de
Marketing de Nicho pode ser aprofundado nos ambientes digitais e se ele pode ou não ser
aplicado ao segmento “geek” no Brasil e, mais especificamente, ao público assumidamente
“nerd” (a saber, os fãs de personagens de quadrinhos, “games”, literatura de fantasia, ficção
científica e/ou entusiastas de tecnologia). Adicionalmente, pretendemos oferecer um modelo
de produção de conteúdo focado na atração do público de nicho no ambiente digital, em
especial dos “netizens”. A pesquisa se dá a partir de três estudos de caso, sendo os modelos
de negócio dos dois maiores portais brasileiros de conteúdo voltados para fãs de cultura “pop”
(Omelete e Jovem Nerd), além do modelo de não-negócio do portal Melhores do Mundo –
MdM e a avaliação dessas práticas em relação à literatura acadêmica sobre marketing e
comunicação.
Palavras-chave: Segmentação, Marketing Digital, Cultura Pop, Social Media, Marketing de
Influência.

O marketing de nicho no ambiente digital direcionado ao público “geek” e “nerd”

Abstract

The popularization of Internet connections and usage of digital tools to advertise


products and disseminate ideas have created an unprecedented democratization of access to
goods and services, and information. Specific interest groups are now just a click away. With
the growth of target audience made of local and global consumers, the marketing strategies
had to be restructured to serve segments and niches that are reaching new followers. This
form of access is constantly attracting new consumers to some content models that were
previously considered more “eccentric” or specific for niche audiences, like comics, graphic
novels, board games and RPG. The present work aims to analyze how the concept of Niche
Marketing can be deepened in a digital environment and whether this approach can be applied
to the “geek” segment in Brazil – more specifically, to the “nerd” tribe (namely, fans of comic
book characters, games, fantasy literature, science fiction and / or technology enthusiasts).
Additionally, we intend to offer a content strategy template intended to attract niche audiences
in the digital environment, especially netizens. The research is based on three case studies:
the business models of the two largest content “pop culture” portals in Brazil (Omelete and
Jovem Nerd), and the non-business model of the nerd website Melhores do Mundo – MdM
and the evaluation of these practices according to academic literature on marketing and
communication.
Keywords: Segmentation, Digital Marketing, Pop Culture, Social Media, Influence Marketing.

Introdução

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Marketing – 2020

Como é possível que termos pejorativos como “nerd” e “geek”, que já serviram para
descrever pessoas como aberrações, marginais ou cidadãos de segunda classe, sejam
ressignificados a ponto de se tornarem sinônimos de um dos mercados mais cobiçados do
planeta e representarem uma das fatias de mercado com imenso potencial de consumo de
produtos e serviços que vão de conteúdo gratuito a automóveis e até imóveis temáticos,
passando por tatuagens, objetos de decoração, vestuário e cerimônias temáticas de
casamento adotadas por fãs orgulhosos e apaixonados? Essa pergunta pode ser respondida
por um seleto grupo de empreendedores que conseguiu capitalizar em cima da invasão
cultural que tomou conta do cinema, das exposições de arte e até se infiltrou na academia a
partir da primeira década do século XXI, levando títulos como Batman, Harry Potter, Star Wars
e o Guia do Mochileiro das Galáxias a ter um caráter ao mesmo tempo de mídia de massa (e
não apenas algo excêntrico ou infantil) e elevar ao status de especialistas aqueles que
conhecem mais sobre suas origens, contexto e intertextualidades.
Foi o que aconteceu com os criadores das marcas Omelete e Jovem Nerd, portais de
conteúdo para Internet voltados para os fãs de cultura “pop” (“nerds” e “geeks”, como veremos
à frente) que começaram a criar conteúdo como fãs e hoje, cada marca a seu modo, são
referências tanto de produção de conteúdo como de criação de valor para acionistas com
eventos monumentais como a “Campus Party Brasil” – o maior evento de tecnologia e
inovação do mundo – e a CCXP (“Comic Con Experience”) – o evento de cultura “pop” com
maior público do mundo – ambos realizados no Brasil. Um terceiro caso que estudamos é o
do portal Melhores do Mundo (MdM), o qual tem uma trajetória tão extensa quanto a dos
outros dois grandes portais, porém com dois grandes diferenciais: o MdM conta com
profissionais que produzem quadrinhos e animações em seu time desde o início, porém adota
uma abordagem menos viável como modelo de negócio. Devido a uma perspectiva mais
visceral dos temas abordados e a um método mais “punk” ou subversivo de produção de
conteúdo, os proprietários da marca MdM optaram por um modelo de produção de conteúdo
totalmente independente, com a completa recusa a qualquer tipo de patrocínio por parte de
anunciantes e grandes produtoras.
De acordo com Kotler (2000), existem três níveis básicos de segmentação de mercado
e, consequentemente, da comunicação de Marketing: massa, segmento e nicho. A partir das
descrições dessas categorias e dos métodos de segmentação, avaliaremos quais desses
elementos as empresas que estamos analisando adotaram, seja de forma consciente ou
inconsciente, na construção de significados no conteúdo direcionado para seus leitores e
seguidores. Em Marcuschi e Xavier (2010), encontramos as definições de gêneros textuais
emergentes da tecnologia digital, “blog” e a linguagem de internet e faremos uma relação com
a forma como os produtores de conteúdo previamente mencionados usaram desses gêneros
textuais para construir sua marca. Como complemento, buscaremos inspiração na literatura

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mais focada em práticas de mercado em ambientes digitais para tratar dos temas
segmentação (Godin, 2019) e conteúdo de cauda longa (Anderson, 2006).
O objetivo deste trabalho é fazer um estudo de caso analisando como essas marcas
optaram por estratégias diferentes de comunicação, se apropriando de termos específicos e
criando mitologias internas para criar a própria base de fãs, e por modelos de negócios
diferentes, direcionaram suas estratégias comerciais para níveis diversos de segmentação.
Pretendemos ainda apresentar um modelo de produção de conteúdo observado nos estudos
de caso e já experimentado com sucesso por outros criadores de conteúdo para posicionar
sua marca como provedores de informações altamente especializados para um nicho
relativamente inexplorado e desenvolver um modelo de negócio que pode se manter fechado
no nicho ou expandir para o segmento e até mesmo para um modelo de negócio mais
massificado.

Material e Métodos

Nosso estudo de caso (Yin, 2014) se baseou na investigação dos métodos de


produção de conteúdo e estratégias comerciais e comunicacionais dos três portais de
conteúdo mais relevantes para os públicos “geek” e “nerd” no Brasil – a saber, Jovem Nerd,
Omelete e Melhores do Mundo. As práticas empregadas por essas três marcas foram
confrontadas com a literatura produzida por Kotler (2000), Yanaze (2011) e Anderson (2009)
em relação à estratégia de comunicação e também por estudos organizados por Marcuschi e
Xavier (2010) para entendimento do uso de plataformas digitais como forma de construção de
narrativas e dos gêneros textuais que apenas são possíveis no meio digital. As informações
sobre os portais de conteúdo investigados e seu histórico foram obtidos por meio de fontes
jornalísticas disponíveis para amplo acesso on-line.

Resultados e Discussão

Jovem Nerd e Omelete – a vingança dos “nerds”

O começo dos anos 2000 foi repleto de lançamentos de produtos da Indústria


Cultural1 correspondentes a uma temática que veio a ser chamada de “cultura ‘pop’”.
Franquias de filmes de super-heróis, adaptações de livros como Harry Potter e O Senhor
dos Anéis e até mesmo a segunda trilogia de Star Wars (esta iniciada em 1999) tomaram

1
Adorno (2009) descreve como “Indústria Cultural” o sistema de produção em série de produtos
culturais assimilados por um mercado, o qual diluiria tanto a arte erudita quanto a popular,
transformando-as em meros produtos fabricáveis em uma espécie de linha de produção.

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conta dos meios de comunicação e apresentaram novas linguagens cinematográficas


possibilitadas pela evolução tecnológica dos efeitos visuais. Com isso, os grupos de
discussão, fóruns e “websites” especializados nessa temática foram impulsionados e viram
os números de acessos crescerem como nunca antes. Esse movimento cultural alçou ao
status de especialistas muitos daqueles chamados “nerds”, que aparentemente eram os
principais detentores do conhecimento sobre as origens das narrativas apresentadas em
grandes e pequenas telas, além de serem parte do grupo seleto que compreendia as
referências ocultas em meio à ação vista nas obras – os chamados “easter eggs” (ovos de
páscoa escondidos em uma tradução livre). Para acompanhar essa onda, e aproveitando a
popularização dos “blogs”, diversos criadores de conteúdo profissionais ou amadores
começaram produzir textos e imagens para disseminar conhecimento sobre essas obras de
ficção e, em muitos casos, tentar fazer dessa temática a sua profissão. Nesta seção,
trataremos de dois desses casos, e que hoje são os mais relevantes casos de sucesso
comercial na produção desse tipo de conteúdo: os portais Jovem Nerd2 e Omelete3.
Criado em 2000 – ano de lançamento do filme X-Men – o portal Omelete nasceu dentro
de uma agência e publicidade – a Agência Tribal – já com uma primeira estratégia comercial
definida e uma pequena equipe de produção de conteúdo. O proprietário da agência, Pierre
Mantovani, convidou dois funcionários – Érico Borgo e Marcelo Forlani – que também
eram consumidores de cultura “pop” para integrar a equipe inicial. A origem do nome
“Omelete” vem da mistura de culturas e referências representada pelos três criadores da
marca. O faturamento do “site”, inicialmente, era proveniente de publicidade exibida em suas
páginas e parcerias com empresas. Segundo os fundadores do portal, era muito difícil
apresentar aos anunciantes qual era o retorno sobre o investimento em publicidade em um
portal especializado em filmes e literatura naquela época, já que os grandes anunciantes
estavam habituados a trabalhar com os meios de comunicação mais convencionais,
especialmente em mídia impressa (PEGN, 2018). Nesse período inicial, o “site” foi hospedado
dentro da área de conteúdo do portal IG, que era um dos maiores portais de notícias do país
e, portanto, atraía um volume de visitantes considerável para o Omelete. A equipe foi
crescendo e ganhando público gradualmente até que em 2008 – ano de lançamento do filme
Homem de Ferro, o primeiro do “MCU” (“Marvel Cinematic Universe”, universo
cinematográfico da Marvel) – a agência foi vendida e os gestores passaram a se dedicar
integralmente à marca Omelete.
No ano de 2011, é lançado o “e-commerce” do grupo, a loja Mundo Geek – atualmente,
essa loja serve como bilheteria virtual (tiqueteira) para o evento CCXP – consolidando uma

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www.jovemnerd.com.br
3
www.omelete.com.br

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nova estratégia comercial e de expansão dos públicos abordados pelas marcas. Em 2014, o
grupo Omelete deu seu passo mais ousado, a criação do evento “Comic Con Experience” –
título que foi abreviado posteriormente para “CCXP” para evitar problemas legais com os
organizadores das tradicionais “Comic Cons” dos Estados Unidos – um grande encontro de
entusiastas e produtores de conteúdo da cultura “pop”, trazendo expositores nacionais e
internacionais que variavam de editoras a produtoras de cinema, passando por marcas de
brinquedos e varejistas. Em 2017, a “CCXP” bateu recorde mundial de público – com 227.000
pessoas – e se tornou a maior “comic con” do mundo em termos de bilheteria. Foi também
em 2017 que o grupo criou a marca “The Enemy”, focada no público de “games”, que já era
uma das maiores editorias do portal (Geek Publicitário, 2017); nesse mesmo ano, uma versão
“games” da “CCXP” foi realizada dentro do festival “Rock in Rio”. Em 2018, o grupo muda de
nome e identidade visual, passando a ser “Omelete & Co., em uma tentativa de mostrar
integração entre as empresas e se posicionar como um “ecossistema de cultura ‘pop’” (Meio
& Mensagem, 2018). Em 2019 a CCXP no Brasil bateu mais um recorde de público, com mais
de 280.000 pessoas presentes e teve sua primeira edição em Cologne na Alemanha.
Atualmente, as principais fontes de receita do grupo são a organização de grandes eventos,
seguida de venda de espaço publicitário no “site” (mídia) e por último seu “e-commerce”.
Já o portal Jovem Nerd nasceu em 2002 – ano de lançamento do filme “Star Wars
Episódio II – Ataque dos Clones” – como uma brincadeira entre dois “nerds” que se
conheceram no curso de design industrial e criaram “blogs” “concorrentes” – a ideia era um
fazer piada com o outro, cada um usando uma página, além de uma fotonovela na qual faziam
montagens de imagens dos personagens de “Star Wars” na casa do “Big Brother Brasil”. O
nome “Jovem Nerd” vem de uma referência obscura a um episódio da animação “Os
Simpsons”, na qual a personagem Lisa Simpson assina um periódico chamado “O Jovem
Cético” – segundo Ottoni, ele imaginou que se ele fosse assinar um periódico semelhante, o
título da publicação provavelmente seria “O Jovem Nerd”. Gradualmente, o conteúdo também
passou a incluir resenhas de filmes, livros e quadrinhos, e foi conquistando público no país
inteiro, indo muito além do público-alvo inicial, que era o círculo de amizades de seus
fundadores Deive Pazos e Alexandre Ottoni. Um dos fatores determinantes para a
notoriedade do “blog” – que futuramente seria um portal – foi a publicação no “site” Omelete,
em 2003, de um artigo escrito por Alexandre Ottoni explicando as referências e
desdobramentos o roteiro do filme “Matrix Reloaded”, com um “hiperlink” direto para o “site”
Jovem Nerd. Dois anos depois, em 2005, Alexandre é convidado para ser curador de conteúdo
de tecnologia no portal IG – onde já estava hospedado o Omelete – e hospedar o Jovem Nerd
na plataforma de “blogs” do portal. Segundo os sócios Pazos e Ottoni, este foi o momento de
profissionalização do “site”, quando eles pararam de enxergar o projeto como um “hobby”, já
que tiveram de abrir um CNPJ para poder emitir notas para o IG. No ano seguinte, a dupla

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iniciou o projeto de comunicação que viria a ser sua principal ferramenta de consolidação de
“branding” e atração de novos consumidores, o “Nerdcast”, “podcast” do Jovem Nerd. O
projeto, que começou com apenas 250 ouvintes em 2006, atingiu a marca histórica de
1.000.000.000 de “downloads” em 2019, feito alcançado apenas por outros dois “podcasts”
no mundo até então – ambos produzidos nos Estados Unidos e falados em inglês.
E foi em 2007 que o Jovem Nerd teve a primeira prova do poder comercial de sua
comunicação. Em seus primeiros episódios patrocinados de “podcast”, falando sobre cinema
e usando o tema para promover a empresa NetMovies, uma espécie de videolocadora on-
line. A “métrica” utilizada foi perceber que os filmes promovidos no “Nerdcast” mudavam de
status “disponível” para “espera de 4 dias” poucas horas após a publicação do episódio
correspondente. (Gugacast, 2019) Nesse mesmo ano, os “nerds” experimentaram lançar um
produto próprio, o livro A Batalha do Apocalipse, de autoria de Eduardo Spohr – amigo da
dupla. Com o episódio temático homônimo ao livro, a dupla colocou à venda as 70 unidades
do livro que Spohr havia conseguido imprimir gratuitamente ao ganhar um concurso literário.
O sucesso foi tão grande e o número de e-mails pedindo pelo livro foi tão volumoso, que os
empreendedores decidiram contratar uma gráfica e imprimir de forma independente uma
tiragem de alguns milhares de cópias. Essa ação alavancou o alcance da “Nerdstore” – “e-
commerce” do Jovem Nerd que havia sido criado havia pouco tempo – e possibilitou
posteriormente a criação do selo “Nerdbooks”, que atua hoje como uma editora de médio
porte. (UCB, 2017) Atualmente, a empresa abriga o portal de notícias “Nerdbunker”, focado
em cultura “pop”, o portal Jovem Nerd – o qual hospeda o “Nerdcast” –, a loja on-line
“Nerdstore” e o canal Jovem Nerd no Youtube, que figura entre os mais relevantes da
plataforma no país.

Melhores do Mundo – O anti-marketing a serviço da fidelização do nicho

A gênese do portal Melhores do Mundo4 é muito semelhante à dos casos mencionados


anteriormente, apesar da drástica mudança de rumo em sua trajetória mais recentemente.
Felipe Gomes e outros amigos começaram um “blog” em 2002 com o objetivo de transportar
para o ambiente on-line as conversas que tinham sobre o universo das histórias em
quadrinhos e seus derivados. A ideia do projeto era divulgar conteúdos que o grupo
considerava interessante, como um repositório de conteúdo de terceiros sobre quadrinhos.
Esse conteúdo evoluiu para a publicação das próprias resenhas on-line e posteriormente o
plano de, em algum momento, editar a própria revista em quadrinhos. Esse último objetivo foi
o que gerou os pseudônimos sob os quais cada produtor de conteúdo assinava seus artigos.

4
www.melhoresdomundo.net

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Os principais diferenciais do MdM – sigla mais usada por seus fãs – eram, desde o início, a
forma debochada e acidamente sincera com a qual os integrantes emitiam suas opiniões a
respeito dos conteúdos avaliados e o fato de ter uma combinação de fãs e artistas de
quadrinhos na equipe, algo totalmente diferente dos outros dois casos que estudamos, cujas
equipes eram compostas apenas por fãs. Essa visão, de quem enxerga o mercado de
quadrinhos por dentro e por fora, é um possível fator gerador de atenção e interesse por parte
do crescente público consumidor de cultura “pop” na primeira década do século XXI.
Com o sucesso das resenhas e de seu conteúdo bem-humorado, o “site” começou a
ter cada vez mais destaque no meio de consumidores de cultura “pop”, o que levou seu
conteúdo a figurar por diversas vezes na capa de grandes portais especializados da época,
dando ainda mais prestígio justamente para aqueles produtores de conteúdo que
aparentemente não buscavam por esse tipo de reconhecimento – ou que ao menos não
tinham um plano de negócios atrelado a seu conteúdo. Foi devido a esse sucesso que Ivo
Kleber – que hoje escreve no “site” sob o pseudônimo de “Hell” – conheceu o “site” por meio
de uma matéria publicada no portal Universo HQ – Hoje, Ivo e Felipe são os responsáveis por
todas as decisões tomadas no “site”, e poderiam ser considerados a diretoria do portal, se
compararmos à hierarquia de uma empresa convencional. A equipe começou a crescer após
um encontro de fãs para assistir à estreia do filme Kill Bill (em 2004). Nesse período, diversos
produtores de conteúdo de “blogs” menores optaram por unir esforços e escrever apenas no
“site” do MdM.
Curiosamente, e não por uma coincidência, houvera no final da década de 1990 uma
publicação mensal de quadrinhos no Brasil chamada Os Melhores do Mundo, na qual eram
publicadas histórias regulares da Liga da Justiça, grupo formado por personagens que unem
esforços para combater ameaças mais poderosas do que qualquer um deles poderia enfrentar
individualmente. O nome do “site” é, portanto, uma referência metalinguística que remete a
um título publicado somente no território nacional – o que demonstra de forma simples como
o grupo se relaciona com a mídia quadrinhos e com o imaginário do público consumidor de
arte sequencial no país. Apesar de não ter pretensões comerciais explícitas, o “site” MdM
também conta, desde sempre com anúncios patrocinados para monetização. Porém, em vez
de vender o espaço publicitário a clientes específicos, os anúncios são feitos de forma
automática por meio de ferramentas de anúncios – atualmente, Google Ads, sendo
remunerados via Google AdSense. O grupo MdM chegou a realizar publicações patrocinadas
(publieditoriais e “podcasts” patrocinados), mas o desconforto gerado dentro da equipe e com
os próprios anunciantes fez com que em algum momento essas propostas fossem rejeitadas
por seus integrantes.
Essa rejeição se tornou oficial em 2016, quando o “site” publicou um manifesto, em
áudio e texto, rejeitando credenciais para eventos, participação em cabines de imprensa ou

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qualquer parceria com produtoras como uma tentativa de retorno às origens e ao resgate de
um trabalho de produção de conteúdo de fã para fã – “do ‘nerd’ comum para o ‘nerd’ comum”
como diz o manifesto – emitindo opiniões sinceras sobre os materiais avaliados e tendo
acesso a esses materiais no momento do lançamento, se igualando em acesso e
oportunidade de consumo aos leitores e ouvintes do MdM (Melhores do Mundo, 2016). Após
esse manifesto, a comunidade consumidora de quadrinhos como um todo se aproximou ainda
mais do MdM, resultando em uma fidelização ainda maior do público e um crescimento inédito
no número de colaboradores que gravam os “podcasts”. Grupos de interesse dentro da equipe
formaram novas frentes de conteúdo, com episódios específicos de “anime” e “mangá”
(MdManga), episódios conduzidos por mulheres ou com time exclusivamente feminino
(MdManas), programas com temática LGBTQ+ (MdMonas) dentre outros deram um novo
fôlego à produção de conteúdo, que agora chega a ter programas de até oito horas de
duração, com blocos temáticos – criados por esses grupos específicos de lugar de fala dentro
do time – combinados com a temática convencional do grupo. Por fim, é possível atestar a
força comunicacional e o potencial de mobilização da marca MdM por meio da contribuição
que o grupo deu para a reversão do cancelamento do FIQ (Festival Internacional de
Quadrinhos). O evento, realizado pela prefeitura de Belo Horizonte – MG, é considerado o
maior evento dedicado exclusivamente aos quadrinhos na América Latina e um dos maiores
do planeta. O evento chegou a ser cancelado em 2017 devido a mudanças por parte da
administração da cidade. A campanha “#ficaFIQ”, encabeçada por integrantes do MdM –
alguns deles quadrinistas que divulgam seu trabalho no evento –, foi responsável por
revitalizar o festival em 2018 por meio de uma forte mobilização nas redes sociais que chamou
a atenção da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte e ajudou a acelerar o processo de
retomada do planejamento do FIQ. (Melhores do Mundo, 2017)
Observação: como os criadores de conteúdo do Melhores do Mundo optaram por abrir mão
da profissionalização, diversos fatores administrativos foram deixados em segundo plano, e
isso inclui o próprio registro do histórico de transformações pelas quais passou o portal. A
linha do tempo aproximada do portal e de seu conteúdo foi obtida por meio de uma entrevista
gentilmente concedida pelos proprietários da marca (Ivo Kleber e Felipe Gomes) e registrada
em um episódio do “podcast” veiculado em maio de 2020.

Plataformas digitais e gêneros textuais emergentes do on-line: A linguagem


importa (MUITO!)

Antes de começarmos a falar sobre os aspectos linguísticos que diferenciam a


comunicação e sobre as estratégias de negócios empregadas pelas marcas estudadas,
consideramos pertinente apresentar um pouco dos conceitos de hipertexto do ambiente

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digital. Marcuschi e Xavier (2010) afirma que o discurso eletrônico – termo empregado pelo
autor ao diferenciar a escrita em ambiente digital como alternativa ao termo CMC
(Comunicação Mediada por Computador) se trata de “uma estética em busca de seu cânone”.
Não cabe no presente trabalho uma discussão definitiva sobre hipertexto e escrita on-line,
porém vale uma contextualização do ambiente on-line no qual nasceram e vivem os casos
que estamos estudando.
Segundo os autores nos quais nos baseamos para a pesquisa a respeito de escrita
on-line e letramento digital, a característica de maior destaque dessa tecnologia enunciativa
(Marcuschi e Xavier, 2010) é a tendência à hipertextualidade. O Hipertexto em si não é
sinônimo da escrita on-line, visto que a deslinearização da leitura pode também ocorrer em
texto impresso, por meio de marcações que orientem o leitor a consultar anexos, notas de
rodapé etc. O que Marcuschi e Xavier os autores defendem é a deslinearização como prática
definidora do modelo de produção do texto on-line. Segundo o autor, os textos que nascem
com as propriedades da hipertextualidade – diferentemente daqueles que são apenas
transportados para a rede – são drasticamente diferentes devido às características únicas de
ubiquidade, possibilidade de acesso ilimitado e interação com outros formatos de
comunicação como arquivos de áudio, vídeo e imagens em movimento, característica do
ambiente virtual. Ainda segundo Galli (2010), a digitalização do texto permite novos tipos de
interação entre o leitor e o conteúdo, com acesso deslinearizado e seletivo do texto,
compartimentalização do conhecimento, multiplicidade de conexão, um processo que não é
comparável ao da leitura de texto impresso. Com isso, qualquer mensagem acessada ganha
interatividade e plasticidade que lhe concedem a possibilidade de metamorfose imediata e
contínua.
O que pudemos observar é que os três portais que analisamos no estudo de caso se
valeram dessa continuidade da leitura do consumidor para conduzir os leitores até um ponto
desejado. No caso de Jovem Nerd e Omelete, o objetivo dos “hiperlinks” no corpo dos artigos
é atrair tráfego para seu próprio conteúdo (outras páginas contendo textos ou arquivos de
áudio ou vídeo); em alguns casos diretamente para uma página específica, e em outros para
uma lista com diversas publicações sobre o mesmo tema. Essa estratégia é amplamente
utilizada em meios de comunicação on-line para aumentar o tempo que os usuários ficam no
“site” (uma das métricas para definição do valor de publicidade on-line). Em um ambiente de
produção de conteúdo e publicidade digital com métricas agressivas de número de
visualizações de página e tempo de permanência do usuário dentro de um “website”, essa
navegação fluida é fundamental para expor o leitor/consumidor a mais peças de publicidade
– seja ela própria ou vendida a terceiros – para aumentar a taxa de conversão (cadastros em
serviços, compras de produtos etc.) e tem o poder de elevar o valor comercial das operações
de uma empresa como um todo. Além disso, essa técnica tem o efeito colateral positivo de

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expor cada vez mais esse leitor à terminologia utilizada pela equipe produtora de conteúdo.
Essa “linguagem comum” parece ser uma das ferramentas para consolidação das “tribos”, ou
dos micronichos – os nichos dentro dos nichos segundo Kotler (2017) – que identificam os fãs
de cada um dos portais, como veremos adiante.
No caso do MdM, que tem como objetivo fomentar o crescimento do público de leitores
críticos de quadrinhos, os “hiperlinks” muitas vezes apontam para algum outro domínio, como
o “Guia dos Quadrinhos”, o qual recebe atualizações mais constantes e, portanto, é mais útil
para o leitor.

Figura 1. Navegação no portal Jovem Nerd (clicando no nome do personagem)


Fonte: www.jovemnerd.com.br (adaptado pelo autor)

Figura 2. Navegação no portal Omelete (clicando no nome do personagem)


Fonte: www.omelete.com.br (adaptado pelo autor)

Figura 3. Navegação no portal Melhores do Mundo (clicando no nome do personagem)


Fonte: www.melhoresdomundo.net (adaptado pelo autor)

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“Nerd” ou “geek”? Dividir para conquistar

Um dos pontos que mais chamou nossa atenção, de uma perspectiva linguística e ao
mesmo tempo mercadológica, foi o uso dos termos “geek” e “nerd” nos portais que estudamos.
Enquanto o próprio título do portal Jovem Nerd contém o termo “nerd”, essa palavra parece
ter uso restrito no vocabulário do portal Omelete. E a resposta para isso pode estar justamente
na história de como surgiram os dois termos e do peso que cada um deles carrega atualmente
perante a opinião pública. De acordo com o levantamento feito pelo portal Canal Tech (2018),
o termo “geek” tem origem europeia e remete ao século XIX, quando a palavra foi
gradualmente ressignificada. Inicialmente, a palavra era um adjetivo sinônimo de “bobo” ou
“louco” e depois começou a ser utilizada para denominar artistas de rua que executavam
performances curiosas ou bizarras. Nos dias de hoje, encontramos nos dicionários de língua
inglesa a definição de “geek” como uma pessoa especializada ou entusiasta de tecnologia, ou
ainda uma pessoa cuja vida gira em torno de um tema (podendo ser um “geek” de música ou
computadores, por exemplo).
Já o termo “nerd” é mais recente, etimologicamente falando – apesar de seu
reconhecimento como identificação de uma “tribo” contemporânea ser mais antigo. Essa
palavra começou a ser utilizada no final dos anos 1950 e tem uma possível origem na palavra
“nert” (que pode ser traduzida com “louco”). Já nos anos 1960, esse adjetivo foi usado de
forma pejorativa para se referir a pessoas muito estudiosas, porém com baixa popularidade e
opções estéticas consideradas incomuns. Para fugir dessa discriminação e até mesmo de
agressões, esses grupos de pessoas acabaram por se fechar em círculos restritos de
interesse, fossem eles grupos de estudos, jogos de “RPG” (“role playing game”, jogos de
interpretação de papéis), informática etc. Aos “nerds” é também atribuída uma estética
estereotipada na América do Norte, composta por camisas xadrez, óculos com armações
grossas e suspensórios. Para ambos os termos, a falta de habilidades de socialização é
considerada como um traço marcante. Settles (2013) fez um estudo utilizando os termos – em
inglês – mais relacionados aos grupos “nerd” e “geek” utilizando como corpus todo o conteúdo
presente no “site” www.twitter.com. O resultado é claro: o termo “nerd” é mais relacionado a
pessoas estudiosas, especialistas em tecnologia e/ou temas acadêmicos, sem muita
popularidade fira de seu círculo social e um tanto excêntricas; enquanto o termo “geek” é mais
associado a pessoas bem conectadas às tendências de moda e tecnologia, redes sociais,
empreendedorismo e cultura “pop”.

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Marketing – 2020

Figura 4. As palavras em azul são mais comumente relacionadas aos “nerds”, enquanto as
em amarelo são relacionadas aos “geeks”
Fonte: Settles (2013)

Analisando os números dos portais que estamos estudando, verificamos o número de


páginas indexadas na ferramenta de busca do Google a incidência de cada um dos termos.
A palavra “geek” aparece em 3.160 das páginas do “site” Omelete indexadas no Google,
enquanto no “site” Jovem Nerd ela aparece em 864 páginas, e em apenas 130 páginas do
“site” Melhores do Mundo. Já a palavra “nerd” aparece em 1.840 páginas do “site” Omelete,
90.300 páginas do “site” Jovem Nerd (algo explicável, também, devido ao uso da palavra
“nerd” no próprio título do “site”), e 4.540 páginas do “site” Melhores do Mundo. Esses números
ganham uma proporção ainda mais curiosa quando avaliamos qual é o total de páginas
indexadas de cada um dos “sites”: 168.000 do Omelete, 97.300 do Jovem Nerd e 11.900 do
Melhores do Mundo.
Assim, faz sentido que o portal Omelete, que aparenta estar expandindo sua atuação
para um campo que seria entre o segmento de “cultura ‘pop’” e a comunicação de massa
(definiremos esses termos no próximo subtópico), se apropriar mais do termo “geek”, já que
este ajuda a posicionar sua equipe como sendo composta por entusiastas ou especialistas,
mas ainda mantendo uma aura de produtores de conteúdo “descolados” – sem cair no
estereótipo “nerd”.

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Trabalho apresentado para obtenção do título de Especialista em
Marketing – 2020

Já o Jovem Nerd opta por adotar plenamente esse termo e focar na consolidação de
seu nicho. O próprio grito de abertura tradicional do Nerdcast (“podcast” do portal Jovem Nerd,
e carro-chefe da marca) é um sonoro “Lambda Lambda Lambda, ‘Nerds’!”, uma referência
direta à comédia “A Vingança dos Nerds”, a qual popularizou o termo e sedimentou o
estereótipo. Os autores ainda usam mensagens com o termo “Nerd Power” em seus principais
produtos (canecas, camisetas, artigos de decoração) e até mesmo como bordão pedindo
união em convocações de seu público para participação em campanhas beneficentes de
doação de sangue, arrecadação de alimentos em casos de catástrofes naturais etc.
O fato mais marcante, porém, se dá na disputa de narrativas acerca das
comemorações realizadas no dia 25 de maio. Essa data foi escolhida para celebrar a cultura
“nerd” como uma homenagem a Douglas Adams, autor do clássico “nerd” O guia do Mochileiro
das Galáxias, geralmente mencionado no meio “nerd” como “O Guia”. O portal Jovem Nerd
foi o principal divulgador do Dia da Toalha no Brasil, organizando inclusive alguns concursos
de fotos de fãs de Adams portando toalhas nas situações mais diversas – e, é claro, vendendo
uma toalha comemorativa com uma simbologia que remete ao filme baseado n’O Guia – com
direito a vários prêmios. A nomenclatura Dia da Toalha e o fato de ver pessoas aleatoriamente
carregando toalhas no transporte público ou em seus locais de trabalho é uma ferramenta de
identificação dessa tribo e, por anos, foi uma informação utilizada como um tipo de código de
uma sociedade secreta para aproximar especialmente aqueles que já eram conhecidos por
serem introvertidos, a saber, os “nerds”. Poucas empresas no Brasil conseguiram capitalizar
em cima desse evento global, e isso levou a uma reapropriação da data. O portal Omelete
começou a se referir à data como “Dia do Orgulho Nerd” e, posteriormente, “Dia do Orgulho
Geek”, em uma tentativa de retirar o estigma social que poderia ser relacionado à data,
permitindo a compreensão imediata do – novo – significado da data e, ao mesmo tempo,
consolidando por meio de ações de relações públicas a utilização do termo “geek” por grande
parte do público. Outra tentativa de ressignificar o 25 de maio por parte do portal Omelete e
de outros grupos de produtores de conteúdo fora do Brasil foi associar a data à comemoração
de aniversário da franquia Star Wars, cujo primeiro filme teve sua estreia coincidentemente
em 25 de maio de 1977.
Evidentemente, ambas as marcas utilizam esporadicamente ambos os termos em
seus textos, até mesmo por uma questão de posicionamento nas ferramentas de busca
baseadas em texto, como Google e Bing, mas parece haver um acordo velado para que cada
um use o termo próprio para se comunicar com sua base de fãs, um tipo estratégia de
segmentação psicográfica por meio da terminologia empregada.
O contraponto é o Melhores do Mundo, que usa o termo “nerd” em uma de suas
estratégias de anti-marketing – ou demarketing (Yanaze 2011) – que é a de “ofender” os
integrantes da equipe e os próprios leitores/ouvintes, os quais são carinhosamente apelidados

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de “lamentáveis”. Essa forma de humor autodepreciativo é uma marca do MdM, que eles
estendem aos leitores e, com isso se colocam no mesmo nível, sem o “glamour” desejado por
outros influenciadores do meio digital. Alguns termos muito comuns na abertura das
publicações que apresentam o “podcast” semanal são “Fala nerdaiada amaldiçoada”, “Salve
nerdaiada desgraçada…”, “Pois então, nerds malditos…” e outras variações, geralmente
assinadas por Ivo Kleber, também conhecido como Hell, o apresentador do programa, e um
dos “personagens” mais queridos pelo público fiel. Essa abordagem terminológica, aliada à
recusa de patrocínio e ao uso do “podcast” como principal – e muitas vezes único – canal de
comunicação, demonstra um claro intuito de aprofundamento em um micronicho, mesmo que
isso comprometa a possibilidade de um desenvolvimento de estratégia comercial. Vale a pena
ressaltar que termos como “nerd raiz” e similares servem para descrever aqueles que são
identificados com esse grupo há mais tempo e, portanto, teriam sofrido com o estigma social
anteriormente direcionado ao grupo, além de terem mais experiência e poderem se colocar
como especialistas nos temas de cultura “pop”. O portal Omelete faz questão de usar os
termos “nerd” e “nerdice” ao se referir aos seus fundadores, como podemos ver na imagem
abaixo, extraída do vídeo que marcou a despedida de Érico Borgo, um dos fundadores do
portal, quando este se desligou da direção da empresa.

Figura 5. Captura de tela do vídeo de despedida de Erico Borgo


Fonte: Canal Omelete no YouTube

Segmentação de mercado

Segundo Kotler (2000), a discussão sobre segmentação deve ter o “marketing de


massa” como seu ponto de partida. O marketing de massa é aquele no qual no qual o
vendedor se dedicaria a produzir, divulgar e vender massivamente um produto para todos os

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compradores. Os exemplos com os quais o autor ilustra essa modalidade são a Coca-Cola,
quando esta produzia apenas um tipo de refrigerante em garrafas de 200ml, e Henry Ford,
quando este lançou o Ford modelo ‘T’ “em qualquer cor, desde que seja preto”. Esses
exemplos carecem de alguma revisão à luz da própria descrição das bases de segmentação
de Kotler – as quais mencionaremos à frente – já que tanto Coca-Cola como Ford não eram
vendidos em todos os países (portanto, havia segmentação geográfica) e certamente nem
todos os norte-americanos detinham poder aquisitivo suficiente para comprar um Ford modelo
‘T’ (portanto, havia segmentação socioeconômica); além, é claro daqueles consumidores que
simplesmente não tinham interesse em um desses produtos (portanto, haveria segmentação
psicográfica); mas este não é o objetivo do presente trabalho. Ou seja, o marketing de massa
cria um tipo de produto ou serviço e desenvolve um esforço de comunicação para dar
publicidade – tornar público, na definição de Yanaze (2011) – a esse produto.
O segundo nível é o chamado segmento, composto por grandes grupos identificados
por suas preferências e fatores como poder aquisitivo, localização geográfica, rotinas e
hábitos de compra. Esse tipo de divisão ainda pressupõe que os consumidores ali agrupados
tenham preferências e necessidades muito similares. O marketing de segmento oferece
diversos benefícios em comparação com o marketing de massa. Dentre eles, a possibilidade
de se desenvolver um produto ou serviço específico ao preço adequado para o público-alvo.
Essa primeira camada de segmentação simplifica a seleção dos canais de distribuição e reduz
o número de concorrentes que a empresa em questão teria de enfrentar. O terceiro nível é
chamado de marketing de nicho, o qual seria composto por um grupo mais restrito e definido
e um mercado pequeno que ainda não tem suas necessidades satisfeitas. Para Kotler, o
método que os profissionais de marketing devem usar para identificar os nichos é subdividir
um segmento para encontrar um grupo que busca um “mix” de benefícios específico.
Ainda de acordo com Kotler (2000), as bases para segmentação do mercado
consumidor são as seguintes:
Segmentação geográfica: continentes, países, estados e cidades em que os
consumidores estejam. As empresas podem definir qual será a sua área de atuação ou em
quais idiomas quer se comunicar. Até mesmo no “e-commerce”, que supostamente teria
alcance global, essa segmentação pode ser válida devido a questões logísticas e dos custos
de servir em diferentes regiões.
Segmentação demográfica: divisões por variáveis básicas como idade, tamanho da
família, ciclo de vida da família, gênero, rendimentos, ocupação, grau de instrução, religião,
nacionalidade e classe social.
Segmentação psicográfica: divisão dos compradores em diferentes grupos com base
em estilo de vida, personalidade e valores.

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Segmentação comportamental: compradores divididos em grupos com base em seus


conhecimentos de um produto, sua atitude com relação a ele, no uso dele ou na sua resposta
a ele.
Tomanari (2003) acrescentou uma dimensão a essas bases, a segmentação por
benefício: segmentação baseada nos benefícios procurados nos produtos. Kotler e outros
autores agrupam a segmentação por benefícios dentro da segmentação comportamental, mas
Tomanari nos indica forma que a maioria dos autores prefere abordar essa base de
segmentação como um item à parte.

Tabela 1. Detalhamento das bases de segmentação

Base de segmentação Definição


Geográfica Fatores geográficos como localização (país, estado, cidade etc.),
densidade ou concentração geográfica populacional, regimes
políticos, facilidade de acesso e transporte, topografia, clima, área
comercial etc.
Demográfica e Idade, gênero, número de membros da família, estado civil,
Socioeconômica ou número de dependentes, ciclo de vida da família, geração, etnia,
Sociodemográfica nacionalidade, crença religiosa etc.
Segmentação Nível de poder aquisitivo, ocupação, escolaridade, classe social
Socioeconômica etc.
Segmentação Estilo de vida: como as pessoas usam seu tempo, expectativa de
Psicográfica vida, principais interesses, frequência em eventos grupos sociais,
amizades e relações pessoais.
Personalidade: valores professados, ideologias com mais
aderência, atitudes, liderança, percepção, interesses e atividades.
Segmentação por Relação com hábitos e atitudes associados a determinados
benefício produtos ou serviços. Durabilidade, redução de custos, satisfação
estética ou sensorial, percepção de terceiros quanto ao nível de
atualização do usuário em relação às tendências de áreas como
tecnologia ou moda, procura por produtos ambientalmente
responsáveis ou saudáveis.
Segmentação Fidelidade às marcas, ocasião de compra, status do usuário, forma
comportamental de uso, motivo, frequência e local da compra, nível de atenção no
momento da compra, atitude em relação ao produto ou serviço.
Fonte: Tomanari (2003)

Nos casos que estamos estudando, podemos inferir que as bases para segmentação
são as seguintes:

Tabela 2. Detalhamento das bases de segmentação nos portais de cultura “pop”


Base de segmentação Jovem Nerd Melhores do Mundo Omelete
Geográfica Todo o território Países lusófonos. Todo o território
nacional (área de Como o objetivo é a nacional (área de
atuação da loja e de divulgação de atuação da loja e de
eventos nos quais quadrinhos em língua eventos os quais
participam) portuguesa, a organizam). Atuação
localização do internacional iniciando

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consumidor não é tão com “CCXP Cologne”,


importante. na Alemanha.
Demográfica Sem segmentação. Os Sem segmentação. Os Sem segmentação. Os
temas abordados temas abordados temas abordados
variam e podem servir variam e podem servir variam e podem servir
a diferentes perfis a diferentes perfis a diferentes perfis
demográficos. demográficos. demográficos.
Pessoas com interesse Pessoas com interesse
e capacidade de lidar e capacidade de lidar
com temas mais com temas mais
complexos ou complexos ou
filosóficos tendem a filosóficos tendem a
ficar mais confortáveis ficar mais confortáveis
com algumas das com algumas das
discussões discussões
apresentadas no apresentadas no
“podcast”. “podcast”.
Socioeconômica Pessoas com acesso à Pessoas com acesso à Pessoas com acesso à
internet. Não há internet. internet. Não há
necessidade de necessidade de
bancarização, pois os bancarização, pois os
pagamentos da loja pagamentos da loja
podem ser feitos via podem ser feitos via
boleto bancário ou boleto bancário ou
cartão de crédito. cartão de crédito.
Psicográfica Público “nerd”; Público “nerd”; Entusiastas do cinema;
entusiastas de entusiastas e pessoas interessadas
tecnologia; fãs de produtores de histórias em cultura “pop”;
cinema, “games” e em quadrinhos; entusiastas de
histórias em pessoas interessadas “games” e filmes sobre
quadrinhos; em comportamento personagens de
entusiastas de humano, diversidade e histórias em
“podcasts”; discussões políticas. quadrinhos;
frequentadores de frequentadores de
eventos voltados para eventos voltados para
o público “nerd” e cultura “pop”.
“otaku”; jogadores de
“RPG” e jogos de
tabuleiro.
Por benefício Fãs de Fãs de determinadas Fãs de determinadas
determinadas categorias de ficção categorias de ficção
categorias de ficção que adquirem produtos que adquirem produtos
que adquirem produtos para consumo próprio para consumo próprio
para consumo próprio e/ou para se sentirem e/ou para se sentirem
e/ou para se sentirem parte integrante dos parte integrante dos
parte integrante dos grupos de fãs. grupos de fãs.
grupos de fãs.
Comportamental Consumidores de Consumidores de Consumidores de
conteúdo na Internet conteúdo na Internet conteúdo na Internet
sobre as temáticas de sobre as temáticas de sobre as temáticas de
tecnologia, cultura tecnologia, cultura cultura “pop”, cinema,
“pop”, cinema, “pop”, cinema, “games”, “RPG”, jogos
“games”, quadrinhos, “games”, quadrinhos e de tabuleiro e
“RPG”, jogos de “RPG”. “cosplay”.
tabuleiro e “cosplay”.
Fonte: Resultados originais da pesquisa

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Marketing – 2020

O marketing de conteúdo levado às últimas consequências: Jovem Nerd e


Omelete

De acordo com Gobe (2010), o marketing digital deve substituir o conceito de público-
alvo para uma abordagem mais humana e individual, tratando os consumidores como pessoas
em busca de um diálogo com as marcas, e não apenas de uma relação comercial. Anderson
(2009) popularizou na década passada o conceito de “Freemium” – combinação de “Free”
(grátis) + “Premium” (de alto nível) – para exemplificar um modelo no qual a empresa entrega
uma parte de seu produto ou serviço gratuitamente como forma de atrair e fidelizar os
consumidores. Muitos fornecedores de produtos ou serviços usam de conteúdo informativo
gratuito – em “blogs” ou outras plataformas – para realizar essa primeira atração ou posicionar
sua marca como especialista em um assunto. Outros vão além e oferecem uma segunda
camada de aprofundamento de conteúdo, com a oferta de e-books, guias, tabelas ou outros
conteúdos ricos de uso prático ou de consulta em troca de uma primeira “transação” na qual
o consumidor fornece seus dados em troca de conteúdo “premium”. Essa técnica avançada
de marketing de conteúdo, quando atrelada a uma estratégia de funil de vendas, é conhecida
como “Inbound Marketing” (Halligan, 2019). Entretanto, as duas marcas comerciais que
estamos estudando apostaram – durante muito tempo – todas as suas fichas no conteúdo,
mesmo antes de encontrarem seus modelos de negócio atuais.
A partir dos estudos de caso mencionados anteriormente, podemos inferir que o
modelo de negócio adotado por esses portais – intencionalmente ou não – não se encaixa
necessariamente em um modelo de marketing de conteúdo – no qual o conteúdo é utilizado
como ferramenta de atração de possíveis compradores para gerar o início de um
relacionamento – e nem no modelo de um portal convencional de notícias – cuja receita seria
proveniente de uma combinação de publicidade e venda de assinaturas. Esse modelo de
negócio focado em um nicho é, portanto, um híbrido entre essas categorias, tendo o conteúdo
em si como um primeiro produto a ser consumido pelo usuário, o qual oferece como
“pagamento” seu tempo e sua atenção, que são atualmente dois dos recursos mais
disputados por qualquer companhia, especialmente por anunciantes. Um segundo
desdobramento nessa relação de trocas entre usuário e produtor de conteúdo seria a
influência digital, por meio da qual o leitor/ouvinte/consumidor seria direcionado
imediatamente para um ponto mais profundo de um “funil de vendas” ao receber a
recomendação de compra de um produto ou serviço por parte daquele especialista do nicho
com o qual já fora estabelecida uma relação de confiança e cumplicidade. Por fim, a relação
comercial se aprofundaria por meio da venda direta de um produto ou serviço criado pelo
produtor de conteúdo para seu público fiel, o qual pode ser compreendido por consumidores
de fora daquele nicho (marketing para o segmento) ou ter uma aura de exclusividade e ser

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desejável apenas para “iniciados” (marketing para o nicho ou micronicho). Esse último nível
seria o mais profundo e, portanto, demonstraria maior maturidade da empresa nesse modelo
de negócio altamente segmentado, já que demandaria uma expansão operacional para além
da produção de conteúdo, com a criação de funções de marketing, vendas e
operacionalização logística características de uma operação de venda no varejo em modelo
B2C (“business to consumer”, venda ao consumidor final).
Esse modelo de comunicação e geração de receita pode ser beneficiado pelo efeito
que Anderson (2006) chama de “cauda longa”. Segundo o autor, os produtos, serviços e
conteúdo criados para o mercado de massa – ou para segmentos mais abrangentes no caso
do nosso estudo – têm de enfrentar uma concorrência muito maior, tanto em relação ao
espaço no mercado quanto à atenção dos consumidores. Essa conquista de atenção, a qual
Yanaze (2011) denomina como “share of heart” (nível de relação afetiva ou apreço por uma
marca) ou “share of mind” (presença na mente do consumidor) disputada por marcas e
referências culturais das mais diversas nos meios de comunicação de massa, o que leva aos
valores exorbitantes cobrados para que uma marca seja mencionada em grandes eventos
esportivos – como o Superbowl (Final do campeonato de futebol americano nos Estados
Unidos) ou o campeonato mundial de League of Legends – ou ainda para inserção como
propaganda nos intervalos de programas de TV de grande audiência. Segundo Anderson
(2006), quanto mais o produto, serviço ou conteúdo for direcionado a palavras-chave que
atendam a um público mais seleto, menor será a concorrência – ao menos inicialmente – e
melhor será o seu desempenho nas ferramentas de buscas on-line como Google, Bing ou
Yahoo!.

Figura 6. Modelo de cauda longa de Anderson (2006)


Fonte: Adaptado pelo autor

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Marketing – 2020

Independentemente do nível de maturidade da marca dentro do modelo de negócio


baseado em conteúdo de nicho e de qual será a profundidade da segmentação, o fator
fundamental que servirá como método de atração, manutenção e retroalimentação do fluxo
de consumidores para o portal/”site”/marca é uma produção consistente de conteúdo
relevante para o segmento/nicho, com atenção total às tendências temáticas e de plataformas
comunicacionais digitais por meio das quais esses consumidores desejam consumir esse
conteúdo.

Fora da bolha: fatores externos que colaboraram para o crescimento do


segmento “nerd”

O argumento favorável em relação ao marketing de massa em Kotler (2000) é que


essa abordagem teria custos mais baixos. Isso se deve ao fato de que essa forma de
comercialização e comunicação ajudaria a criar um mercado potencial maior, o que
resultaria em redução de custos para o produtor, e de preços ao consumidor final. É claro
que essa avaliação não considera a falta de assertividade de uma comunicação não-
segmentada, assim como a falta de precisão na mensuração do “ROI” (“return on
investment”, retorno sobre o investimento) de campanhas de massa em veículos tradicionais
de comunicação. O que o autor considera como fator incremental dos custos é a soma de
recursos financeiros, humanos e tecnológicos necessários para identificação de potenciais
nichos e a consequente criação de produtos, serviços, campanhas de comunicação e
posterior mensuração dos esforços para atender a esse público, tendo ainda assim chances
de sucesso ou fracasso. A partir desse ponto de vista, seria mais econômico para a
empresa adotar simplesmente um modelo no qual se tenta vender para toda a população.
Entretanto, o estudo dos casos observados nos mostram o que pode acontecer quando os
responsáveis por criar marcas, produtos e campanhas são nativos desse nicho e
estabelecem discussões frequentes (semanais) com outros membros do nicho e que
representam outros setores dentro desse nicho – os micronichos, conforme mencionado
anteriormente em Kotler (2017) – por meio de “podcasts” temáticos. Essa foi a solução
encontrada pelos produtores de conteúdo que avaliamos aqui. Jovem Nerd, MdM e Omelete
tiveram nos podcasts a principal força motriz de produção de conteúdo e geração de
engajamento com seu público-alvo.
Um fator determinante para o sucesso das marcas que estamos estudando foi o
aumento exponencial no público consumidor. Na primeira década do século XXI, do número
de lançamentos de produtos culturais – filmes, séries para TV, animações e muita literatura
a respeito dessas obras – com temática de super-heróis, ficção científica e outros temas da
cultura “nerd”/”geek”. Além disso, nesse mesmo período alguns jogos eletrônicos (“games”)

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Marketing – 2020

atingiram tal grau de popularidade e competitividade que começaram a ser considerados


esportes virtuais (“e-sports”), com equipes profissionais patrocinadas por grandes empresas
e campeonatos com prêmios na casa do milhão de dólares. O crescimento do segmento foi
tão grande que gerou um dos programas de TV com maior audiência de todos os tempos
(Forbes, 2019): a série The Big Bang Theory. Nessa série, um grupo de “nerds” com
estereótipo clássico – falta de senso de moda, dificuldade para se relacionar com o sexo
oposto, obsessão por colecionáveis relacionados a quadrinhos e ficção científica mostra
uma outra face dessa tribo para o grande público: os personagens eram bem-sucedidos,
sagazes tinham sempre respostas rápidas e bem-humoradas e, eventualmente, acabaram
encontrando seus pares românticos. O sucesso da série serviu, entre outras consequências,
para aproximar grande parte do público à tendência de comportamento e consumo dos
“geeks”, estimulando milhões de consumidores a conviverem na periferia desse segmento
do mercado. Essa chegada em massa de novos consumidores gerou uma nova categoria no
segmento que ficou conhecida como os “novos ‘nerds’” ou, de forma pejorativa, como os
“bazingueiros” (Ferreira, 2014), que seriam aqueles neófitos nas referências culturais, porém
já demonstrando uma paixão pelos temas. Além de expandir o potencial de faturamento das
marcas, essa chegada em massa de consumidores – via filmes, séries ou tendência estética
– gerou uma procura ainda maior por conteúdo on-line que os ajudasse a entender todas as
referências a fim de participar desses grupos, os quais já não eram mais visto como
marginalizados. Esse foi o momento em que o conteúdo de cauda longa construído nos
anos anteriores passou a ser um verdadeiro ativo para as marcas.
Um outro fator determinante para o crescimento do setor no Brasil foi a ampliação do
acesso à Internet de banda larga e aos aparelhos para conexão, sejam eles computadores,
“smartphones” ou outros dispositivos móveis. Segundo levantamento da FGV (2012), o
Brasil tinha em 2010, em média, 33% de sua população conectada à Internet, seja por meio
de conexão residencial, em ambiente de trabalho ou em telecentros ou outros
estabelecimentos (públicos ou privados) que possibilitassem essa conexão, colocando o
país na 64a posição dentre os 154 países mapeados pelo estudo. 9 anos antes, o país tinha
aproximadamente 8% da população conectada, segundo uma edição anterior do mesmo
estudo. Esse processo de inclusão digital, aliado à ampliação ao acesso à educação
superior, a uma era de prosperidade econômica no país e a todos os lançamentos de
produtos culturais da chamada cultura “pop” formaria o cenário ideal para a ascensão de
negócios on-line baseados em disseminação de conteúdo “nerd”/”geek”, divulgação
científica e entretenimento com um padrão elevado de qualidade de produção e curadoria,
como é o caso das marcas que estudamos. Deive Pazos, um dos fundadores da marca
Jovem Nerd, afirma que seu sucesso foi uma combinação de muito trabalho, criação de
conteúdo relevante e uma boa dose de sorte (Gugacast, 2019). Não cabe a nós dizer o

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quando a “sorte” colaborou para o sucesso de Jovem Nerd, Melhores do Mundo e Omelete,
mas podemos inferir que os fatores externos mencionados anteriormente e a capacidade de
gerar empatia e entender as tendências do universo on-line foram determinantes para a
consolidação desse modelo de negócio (ou de não-negócio no caso do MdM).

Modelos de negócios baseados em produção de conteúdo altamente


segmentado

Este trabalho não tem a pretensão de esgotar a temática do marketing de nicho para
o(s) público(s) “nerd” e “geek”, e nem seria possível no curto espaço de que dispomos.
Entretanto, a partir dos casos que estudamos e nos autores nos quais nos baseamos,
podemos inferir a existência de um padrão reproduzível de progressão na produção de
conteúdo e no modelo de negócios para incremento de fontes de receita e relações comerciais
que pode ser proposto e, posteriormente, vir a ser experimentado por outros empreendedores
e criadores de conteúdo especializado.

Nos casos estudados, foi detectada a seguinte progressão de conteúdo e estratégia


comercial (integralmente por Jovem Nerd e Omelete, e parcialmente por Melhores do Mundo):

1 – Identificação de uma demanda reprimida de conteúdo para um público específico.

2 – Criação de conteúdo gratuito, equilibrando explicações introdutórias para os recém-


chegados ao nicho e debates mais aprofundados para consumidores que já são iniciados no
tema.

3 – Utilização de “memes” internos para criação de uma linguagem comum entre produtor e
consumidor, com uma mitologia interna na qual cada integrante do time tenha uma narrativa,
uma origem diversa e uma “persona” relativamente fixa.

4 – Definição de um canal prioritário de comunicação e produção de conteúdo. Ao que tudo


indica a partir dos casos estudados, plataformas de vídeo – como o YouTube.com – tendem
a ser mais eficazes para atração de um público mais abrangente do segmento, enquanto a
mídia “podcast” tende a ser mais eficaz como plataforma de fidelização dentro do nicho.

5 – Obter consistência em uma grade de programação a fim de educar o


consumidor/leitor/ouvinte para conviver com esse conteúdo como parte de sua rotina – a
exemplo dos “podcasts” semanais às sextas-feiras ou dos vídeos publicados no horário do
almoço implantados pelo portal Jovem Nerd.

6 – Apostar em conteúdo de cauda longa altamente especializado. Essa ferramenta é


fundamental para manter um fluxo de atração de novos consumidores a partir de termos de

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busca menos concorridos e ao mesmo tempo comprova aos anunciantes que o criador de
conteúdo tem autoridade para recomendar seu produto ou serviço.

7 – Inserir gradualmente produtos e serviços de marca própria, de preferência com alguma


relação com a mitologia interna mencionada no item 3.

8 – Mostrar regularmente como são os bastidores e um pouco da vida pessoal dos produtores
de conteúdo. Programas especiais, sejam em formato de áudio ou vídeo, e perfis nas redes
sociais são ideais para essa ação, a qual reforça o “storytelling” da marca e ao mesmo tempo
humaniza o produtor de conteúdo de nicho, diferenciando este de uma corporação como são
os grandes portais de notícias e produtoras.

9 – Ampliar os eixos temáticos para conseguir interagir com um público maior. Os três casos
estudados começaram com apenas um tema (quadrinhos ou cinema) e expandiram suas
editorias para comportamento, “games”, literatura, “cosplay”, empreendedorismo entre outros.
Entretanto, o prisma por meio do qual esses temas são observados são sempre a perspectiva
do “nerd” ou “geek” em relação à temática abordada.

10 – Expandir o número de canais de comunicação para conquistar mais pontos de contato


com o consumidor. Apesar da publicação dos “podcasts” ser semanal, os produtores de
conteúdo optam por pulverizar outras formas de contato no dia a dia de seus seguidores, com
vídeos publicados no meio da semana e publicações diárias (de preferência algumas por dia)
nas redes sociais.

Conclusão

Nosso estudo de caso abordou formas distintas de produção de conteúdo e


posicionamento estratégico para negócios digitais com foco em públicos de nicho. A partir de
observações da área da linguística e do letramento digital, o trabalho aborda a importância do
uso de léxicos e repertórios específicos para diferentes níveis de segmentação dentro de um
mesmo agrupamento de marcas, produtos ou consumidores. De acordo com as observações
e os autores consultados, é possível inferir a possibilidade de se sistematizar e reproduzir o
mesmo sistema de modelo de negócio, desde que observados o ambiente de marketing e o
nível de capacidade da equipe envolvida para se posicionar como autoridade dentro do nicho.
Depreendemos também, a partir do cruzamento de dados externos e da linha do tempo das
marcas estudadas, que é possível praticar níveis diferentes de segmentação abordando a
mesma temática – no caso, o universo dos consumidores “geek” e “nerd”. O presente trabalho
não tem como objetivo encerrar as discussões a respeito de marketing de nicho, nem mesmo

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Marketing – 2020

no segmento “nerd”, “geek” e seus micronichos. Entretanto, entendemos que a discussão aqui
iniciada pode ser expandida e receber influência de outros campos do conhecimento a fim de
definir modelos de planejamento, execução e mensuração de resultados em comunicação,
desenvolvimento de produtos e vendas para nichos, especialmente para o que foi objeto de
nossa análise.

Agradecimento

Agradeço primeiramente a Deus, nosso criador. Agradeço também a meus pais, Maria
e Fernando pelo exemplo de dedicação, a meu irmão Carlos, que está cuidando deles nesse
momento conturbado no mundo. Agradeço também à professora Maria Cecília Siffert por sua
paciência e colaboração. Rachel e Rodrigo por toda a força e bom-humor (e cafés) em casa
durante a preparação do estudo em período de quarentena global, aos integrantes do MdM
(Change, Hell, Poderoso Porco e Tango Comando) por abrirem as portas da casa de vocês
para o nosso bate-papo e, por fim, ao time da Red Ventures Brasil por todo o suporte na reta
final do MBA.

Referências

Anderson, C. 2009. A cauda longa. 1ed. Editora Elsevier, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Anderson, C. 2006. Grátis: O futuro dos preços. 1ed. Elsevier, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Canal Tech. 2018. Parecido, mas não igual: entenda as diferenças entre nerds e geeks.
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Acesso em: 16 maio 2020.

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