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1998+ +Família+e+Subjetividade+Contemporânea+ +interações
1998+ +Família+e+Subjetividade+Contemporânea+ +interações
Interações
(Universidade São Marcos). v.2, 1998.
1. Introdução
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Freud, S. – Além do Princípio do Prazer, p. 21, in Obras Completas Sigmund Freud, Amorrortu, Buenos
Aires, 1988.
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DUNKER, C. I. L., PASSOS, M. C. - Família e Subjetividade Contemporânea. Interações
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(Universidade São Marcos). v.2, 1998.
Como acontece em certos filmes de terror o sujeito se vê atraído para algo que se
mostra ostensivamente perigoso ou maléfico, mas não consegue impedir-se do encontro.
Como nas tragédias - Édipo Rei em particular, mas também em Hamlet e nos Irmãos
Karamazov - a moral deste tipo de narrativa estabelece que quanto mais se procura fugir
ao destino melhor se o cumpre. "O destino conduz quem consente e arrasta quem não
consente" 2 este antigo provérbio estóico mostra como talvez a primeira ferida narcísica
do homem não foi a descoberta copernicana de que não estamos no centro do universo,
mas a realização coletiva de que há um saber interditado aos homens. Saber suposto
como forma de nomear, organizar e localizar aquilo à que o homem está submetido.
Saber-limite, para além do qual o protagonista comete o excesso, o ultrapassamento,
que os antigos chamavam de hybris e que funciona como motor do destino trágico. Por
mais que a modernidade nos tenha prometido a condição de artífices integrais de nosso
destino noções como as de destino, acaso ou risco acabam sempre reintroduzindo a
ambigüidade onde antes havia discriminação, acaso onde havia previsibilidade e caos
onde antes estava a ordem.
O destino é uma noção que sempre fascinou os homens. A Moira, Fortuna ou
ainda as inúmeras metáforas para exprimir aquilo que "já estava escrito" representam
uma das figuras da alteridade que melhor se prestam a ilustrar a inacessibilidade do
gozo e a lógica de seu cálculo. Para falar de seu destino o sujeito coloca-se para além
da cadeia significante. Significa-se a partir de um lugar de exterioridade - já morto, já
escrito, já dado - como é comum acontecer em certas construções delirantes. Deste lugar
improvável ele calcula a repetição de um mesmo fracasso. Deste lugar, - biblicamente
chamado de juízo final e filosoficamente de o fim da história - o sacrifício encontrará
sua justa proporção diante da restituição. Mas este lugar é estruturalmente interditado ao
neurótico, daí sua descrença no saber assim constituído. Daí sua remissão ao lugar do
Outro.
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Ducunt volentem fata, nolentem trahunt.
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compartilhada deste saber sobre o gozo. Nem sempre o lugar estruturalmente atribuído
ao pai coincide com o saber sobre o gozo. Em outras palavras, a identificação com o pai
simbólico não é, necessariamente, a única via de acesso ao saber sobre o gozo. Por
exemplo, nas inúmeras religiões formadas em torno da noção de destino ou
predestinação, ou onde as práticas advinhatórias ocupam um lugar ritualístico
importante, o ponto determinante da crença no destino parece ser este lugar
imaginariamente exterior à cadeia significante. O transe, a dissociação e os estado de
obnubilação ou êxtase são exemplos desta possibilidade.
Em vez de uma religiosidade baseada na culpa, como se vê na tradição judaico
cristã, teríamos então uma religiosidade fundada na vergonha, como parece ser o caso
de algumas tradições orientais. Pode-se distinguir então duas formas de renúncia: pela
culpa ou pela vergonha. O primeiro caso foi estudado classicamente por Freud:
"Por tanto, em que pese a renúncia (Versagung)
consumada sobrevirá um sentimento de culpa, e esta é uma
grande dificuldade econômica da implantação do supereu, ou
o que é o mesmo, da formação da consciência moral. Agora
a renúncia (Versagung) já não tem um efeito de satisfação
plena; a abstensão virtuosa já não é recompensada pela
segurança do amor; um destino que ameaçava desde fora -
perda de amor e castigo por parte da autoridade externa - foi
trocado por um destino interior permanente, a tensão da
consciência de culpa." 3
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Freud, S. – Mal estar na Cultura (1929), p. 123, in Obras Completas Sigmund Freud, Amorrortu,
Buenos Aires, 1988.
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pela culpa, e coextensivamente, pela punição, mas pela vergonha e pela sensação de
estar à parte, excluído ou deslocado de um certo destino coletivo. Mais do que uma
origem, ou um passado comum, que a noção de cultura costuma anelar a um futuro
compartilhável, a neurose de destino na atualidade enfatiza um descentramento face ao
presente.
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Op. cit. p. 88.
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