Fichamento referente ao prefácio da Modernidade Líquida - Bauman
Gabriel de Freitas Saturnino
- O autor inicia o texto conceituando o que é fluidez, se valendo de definições
do dicionário, sendo uma qualidade dos líquidos e dos gases. Ele contorna a diferença do caráter fluido dos líquidos e gases com a rigidez dos sólidos. - Demonstra sua intenção de associar a fluidez dos líquidos e gases com a liquefação da era moderna. - Líquidos não mantêm sua forma, não fixam o espaço (“os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos e propensos a mudá-la”) e nem prendem o tempo (afinal, mantém-se em alguma forma apenas por um momento. O tempo é o que realmente importa para os líquidos). - Sólidos, por sua vez, suprimem o tempo, pois “congelam” os átomos numa posição específica, num formato específico. - Diante de tais características, o autor afirma que são por essas razões que ele acredita que a metáfora da liquidez sirva para analisar a era moderna. - Bauman busca legitimar sua análise demonstrando que os autores do Manifesto Comunista, ao escreverem em uma passagem famosa algo sobre “derreter os sólidos”, demonstrando que o “espírito moderno” dos autores se relacionava, de alguma forma, na sua análise de que os sólidos estão se liquefazendo. - O intuito da modernidade era liquefazer sólidos antigos, estes já defeituosos, por novos sólidos mais novos e aperfeiçoados. - O autor afirma que os primeiros sólidos a serem liquefeitos seriam os das “lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações que atavam pés e mãos, impediam os movimentos e restringiam as iniciativas.”. Aqui, ele se referia a toda e qualquer obrigação que impedia a a via do cálculo racional dos efeitos. Basicamente, separar o mundo do dinheiro, das empresas e do negócio dos deveres para com a família, o lar e demais obrigações éticas. - Entretanto, dessa forma, as redes de relações sociais ficou suspensa e a mercê dos critérios de racionalidade impostas pelo mundo dos negócios. O campo ficou aberto para a invasão e dominação da racionalidade instrumental, como dizia Weber, ou para a o papel determinante da economia, como dizia Marx. - Bauman acusa tal ordem de ser rígida, fatal e desprovida de qualquer liberdade de escolha, porém, os “subsistemas” dessa ordem são livres e voláteis, mas ainda carregam o fardo da rigidez da própria ordem em si. - “A situação presente emergiu do derretimento radical dos grilhões e das algemas que, certo ou errado, eram suspeitos de limitar a liberdade individual de escolher e de agir. A rigidez da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos.” ---> ou seja, somos livres apenas nos limites que a rigidez da ordem estabelece. - O “derretimento dos sólidos” traço permanente da realidade, fez com que a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. - Instituições zumbis na chamada “segunda modernidade”: instituições que estão mortas mas ainda vivem, como a família, a classe, o bairro… - O autor comenta que existe hoje um processo de redistribuição e realocação dos “poderes de derretimento” da modernidade. Atacam-se as molduras das instituições, dissolve-se sua lógica, porém, as pessoas são libertas de um tipo de ordem para se inserirem em um novo nicho pré-fabricado pela nova ordem (ex: mudança da lógica de estamentos para classes). “A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para aquele lugar” - São justamente tais padrões, códigos e regras, os quais podiam ser orientadores dos indivíduos sobre qual caminho trilhar, que estão em falta. Os trabalhos de construção autoindividual estão subdeterminados, não são dados de antemão e vão sofrer numerosas mudanças até o fim da vida do indivíduo, o qual continuará subdeterminado. - “Hoje, os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “autoevidentes” eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. [...] Os poderes que liquefazem passaram do “sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida” — ou desceram do nível “macro” para o nível “micro” do convívio social.” - O autor, a partir do exposto, afirma que a nossa sociedade é uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e a responsabilidade do fracasso e de tudo que ocorre com um indivíduo recai nos ombros deste. - Intenta se dedicar a refletir sobre os conceitos que costumavam cercas as narrativas de estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliada ao estado fluido e não estruturado do cenário imediato da política-vida. Bauman afirma se centrar nas questões próprias da emancipação, a individualidade, o tempo/espaço, o trabalho e a comunidade. - A maior característica da modernidade, para o autor, é a relação cambiante entre espaço e tempo. - A modernidade tem seu início quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si, sendo então teorizados e pensados como categorias distintas e independentes da estratégia e da ação. Antes, na pré-modernidade, tempo e espaço eram aspectos entrelaçados e dificilmente distinguíveis da experiência vivida, presos numa estável e aparentemente invulnerável correspondência biunívoca. Na modernidade, o tempo tem história, adquire-a. - “Graças a sua flexibilidade e expansividade recentemente adquiridas, o tempo moderno se tornou, antes e acima de tudo, a arma na conquista do espaço. Na moderna luta entre tempo e espaço, o espaço era o lado sólido e impassível [...]. O tempo era o lado dinâmico e ativo na batalha [...]. A velocidade do movimento e o acesso a meios mais rápidos de mobilidade chegaram nos tempos modernos à posição de principal ferramenta do poder e da dominação.”. - Bauman demonstra após essa explanação a diferença da análise da instauração e manutenção do poder na modernidade da concepção que tinha Foucault com o panóptico. O autor demonstra como o panóptico ainda apresenta desvantagens a quem o regula, visto que precisa gerir e administrar o estabelecimento, além do fato de que as pessoas que trabalhavam no complexo não eram inteiramente livres, visto que deviam rotineirizar os rotinizados. - Bauman afirma que na modernidade, o poder é extraterritorial, não limitado pelo espaço, o que possibilita o abandono do modelo do Panóptico. - “O que quer que a história da modernidade seja no estágio presente, ela é também, e talvez acima de tudo, pós-Panóptica. O que importava no Panóptico era que os encarregados “estivessem lá”, próximos, na torre de controle. O que importa, nas relações de poder pós-panópticas é que as pessoas que operam as alavancas do poder de que depende o destino dos parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento — para a pura inacessibilidade.” - As principais técnicas do poder são, segundo o autor, “a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer confinamento territorial”. - “Golpes desferidos por bombardeiros furtivos e “espertos” mísseis autodirigidos capazes de seguir seus alvos — lançados de surpresa, vindos do nada e desaparecendo imediatamente de vista — substituíram os avanços territoriais das tropas de infantaria e o esforço para expulsar o inimigo de seu território — o esforço de ocupar o território possuído, controlado e administrado pelo inimigo.” - Tal estratégia pressagia o que de fato está em jogo nas guerras da era da modernidade líquida: “não a conquista de novo território, mas a destruição das muralhas que impediam o fluxo dos novos e fluidos poderes globais, expulsar da cabeça do inimigo o desejo de formular suas próprias regras, abrindo assim o até então inacessível, defendido e protegido espaço para a operação dos outros ramos do poder (não militares).” - Bauman retoma a reflexão de Jim MacLaughlin a respeito do advento da era moderna ter significado um ataque dos assentados para com os nômades, os quais desafiavam a ordem estabelecida pelas fronteiras. “mas a febre de construção de nações e Estados-nação que logo em seguida começou a sério por toda a Europa colocou o “solo” firmemente acima do “sangue” ao lançar as fundações da nova ordem legislada e ao codificar os direitos e deveres dos cidadãos”. - Porém, com a modernidade, isso vem mudando: no estágio fluido da modernidade, a maioria assentada é dominada pela elite nômade e extraterritorial. - A elite global contemporânea pode dominar sem se ocupar com a administração, gerencialmente, bem-estar ou ainda sem se preocupar em “levar a luz” , no sentido de elevar moralmente outros povos/grupos. - “Mover-se leve, e não mais aferrar-se a coisas vistas como atraentes por sua confiabilidade e solidez — isto é, por seu peso, substancialidade e capacidade de resistência — é hoje recurso de poder.”