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BRASIL, SÉCULO XXI
por uma nova regionalização
agentes, processos, escalas

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BRASIL, SÉCULO XXI
por uma nova regionalizaçăo
agentes, processos, escalas

Organizadores:
Ester Limonad - Rogério Haesbaert - Ruy Moreira

Autores
Ana Clara Torres Ribeiro
Antônio Carlos Filgueira Galvão
Bertha Becker
Cláudio Antônio Gonçalves Egler
Ester Limonad
Ivaldo Gonçalves de Lima
Jorge Luiz Barbosa
Leila Christina Dias
Roberto Luís de Melo Monte-Mór
Rogério Haesbaert
Ruy Moreira
Sandra Lencioni
Tânia Bacelar de Araújo

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Copyright © 2004 - Editora Max Limonad (1ª edição)
Copyright © 2015 - Editora Letra Capital (2ª edição)

Copyright © 2015 Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998


Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser
reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Editor: João Baptista Pinto


Capa: Eva Randolph
prEparação E rEvisão dE tExto: Ester Limonad
transCrição E Edição dE fitas: Flávia Quintaes Louvain

Comitê Editorial
Ana Cristina Fernandes, Carlos Antônio Brandão,
Ester Limonad, Geraldo Costa, Heloísa Soares de Moura Costa,
Hermes Magalhães Tavares, Ivo Marcos Theis, Lilian Fessler Vaz,
Rainer Randolph, Roberto Luís de Melo Monte-Mór,
Ruy Moreira, Sandra Lencioni

B823 Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização?


Processos, escalas, agentes /organizadores:Ester
Limonad, Rogério Haesbaert,Ruy Moreira. – Rio de
Janeiro: Letra Capital Editora, 2015.
214p.:il.,mapas

Inclui bibliografia
ISBN 9788577852871

1.Geografia Humana-Brasil.:Planejamento regional.


I.Limonad, Ester (org.) II.Haesbaert,Rogério(org.)
III.Moreira,Ruy(org.)

CDD: 304.20981

Letra CapitaL editora


Tels.: 21 2224 - 7071 | 2215 - 3781
www.letracapital.com.br

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SUMÁRIO

1. Apresentação
Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira ............... 9
2. Uma nova regionalização para pensar o Brasil?
Bertha Becker ....................................................................... 11
3. Política Nacional de Desenvolvimento Regional: Uma
Proposta para Discussão
Tânia de Araújo Bacelar e Antônio Carlos Galvão ............ 28
4. Brasil século XXI, regionalizar para que? Para quem?
Ester Limonad .................................................................... 54
5. Novos rumos e tendências da urbanização e a
industrialização no Estado de São Paulo
Sandra Lencioni ................................................................... 67
6. Rio de Janeiro: uma nova relação capital-interior?
Ester Limonad ..................................................................... 78
7. Sudeste Brasileiro: a institucionalidade da questão
regional
Cláudio Antônio Gonçalves Egler ........................................ 93
8. Escalas Insurgentes na Amazônia Brasileira
Ivaldo Lima ........................................................................ 103
9. Urbanização e Modernidade na Amazônia
Contemporânea
Roberto Luís de Melo Monte-Mór ....................................... 112

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10. A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de
configuração do espaço brasileiro
Ruy Moreira ....................................................................... 123
11. Globalização e espaços da desigualdade
Jorge Luiz Barbosa ............................................................ 153
12. A importância das redes para uma nova regionalização
brasileira: notas para discussão
Leila Christina Dias ........................................................... 161
13. Desterritorialização, Multiterritorialidade e
Regionalização
Rogério Haesbaert ............................................................ 173
14. Regionalização: Fato e Ferramenta
Ana Clara Torres Ribeiro ................................................... 194

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SOBRE OS AUTORES
ANA CLARA TORRES RIBEIRO – Doutora em Ciências Sociais
pela Universidade de São Paulo, Docente do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa
Científica e Tecnológica.
ANTÔNIO CARLOS FILGUEIRA GALVÃO – Doutor em Economia
Aplicada, Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio-Ambiente pela
Universidade Estadual de Campinas, Diretor da Secretaria de Políticas
de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional.
email: antonio.galvao@integracao.gov.br
BERTHA BECKER – Livre-Docente em Geografia, Professora Emérita
do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa
Científica e Tecnológica, Consultora do Ministério da Integração
Nacional.
CLÁUDIO ANTÔNIO GONÇALVES EGLER – Doutor em Economia
pela Universidade Estadual de Campinas, Docente do Instituto de
Geociências e da Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador e Consultor do Conselho
Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica.
ESTER LIMONAD – Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas
pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da
Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da
Universidade Federal Fluminense, Pesquisadora e Consultora do
Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica.
FREDERICO KRAMER COSTA - Especialista em Políticas Públicas
e Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de
Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional.
IVALDO GONÇALVES DE LIMA - Doutorando em Geografia pela
Universidade Federal Fluminense, Docente do Departamento e da
Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da
Universidade Federal Fluminense.
JOÃO M. DA ROCHA NETO - Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento
Regional, do Ministério da Integração Nacional.
JORGE LUIZ BARBOSA - Doutor em Geografia pela Universidade
de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em
Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal
Fluminense.

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LEILA CHRISTINA DIAS – Doutora em Geografia pela Sorbonne
(Paris I), Docente do Departamento e da Pós-Graduação em
Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de
Santa Catarina, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional
de Pesquisa Científica e Tecnológica.
MARIA JOSÉ MONTEIRO – Gerente da Secretaria de Políticas de
Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional.
ROBERTO LUÍS DE MELO MONTE-MÓR - Doutor em Planejamento
Urbano pela University of California, Los Angeles, UCLA,
Docente da Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) e da Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Minas Gerais.
ROGÉRIO HAESBAERT - Doutor em Geografia pela Universidade
de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em
Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal
Fluminense, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de
Pesquisa Científica e Tecnológica.
RONALDO R. VASCONCELLOS – Gerente da Secretaria de Políticas
de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional.
RUY MOREIRA - Doutor em Geografia pela Universidade de São
Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia
do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense,
Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica
e Tecnológica.
SANDRA LENCIONI - Livre-Docente do Departamento e da Pós-
Graduação em Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, Pesquisadora e Consultora
do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica, Pró-
Reitora de extensão da Universidade de São Paulo.
SUSANA L. LINS DE GÓIS - Consultora do Instituto Interamericano
de Cooperação para a Agricultura – IICA.
TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO – Doutora em Economia Pública,
Planejamento e Organização do Espaço pela Sorbonne (Paris I),
Docente da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
de Pernambuco, Secretária da Secretaria de Políticas de
Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional.

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APRESENTAÇÃO

Este livro e o seminário que lhe deu origem são frutos do projeto
de pesquisa “Economia fluminense - desigualdade espacial e
economia globalizada” por nós coordenado, financiado pelo Edital
Universal do CNPq para o período de 2001-2003, e desenvolvido no
âmbito do Departamento de Geografia da Universidade Federal
Fluminense por nossos respectivos grupos de pesquisa Gecel (grupo
de estudos e pesquisa de cidade, espaço e lugar), Nureg (núcleo de
estudos e pesquisa sobre regionalização) e Geret (grupo de estudos
e pesquisa sobre reestruturação do espaço e do trabalho). Cabe
assinalar que este seminário foi uma atividade combinada a um
seminário interno, que originou o livro: Reestruturação Industrial e
Espacial do Estado do Rio de Janeiro, organizado por Ruy Moreira.
Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos a todos
aqueles que tornaram a elaboração desse livro possível. Nosso muito
obrigado às Secretarias da Pós-Graduação e do Departamento de
Geografia, às estagiárias de iniciação científica Andressa Lacerda,
Flávia Quintaes Louvain, Luisa Simões e Mariane Biteti, que
secretariaram este evento.
Cabe esclarecermos o objetivo deste livro. Nossa meta era
encontrar elementos que nos permitissem avançar na compreensão
das transformações na organização espacial das estruturas
industriais, à medida que na contemporaneidade, esse conhecimento
constitui uma prioridade vital para países e regiões em suas relações
internacionais. Tratava-se, além disso, de verificar em que sentido
as desigualdades sócio-espaciais estariam a ser minimizadas ou
acentuadas no processo de tornar o país competitivo e o que isto
representava em termos de uma nova regionalização do espaço
nacional - debate um tanto negligenciado nos últimos anos. A
organização contemporânea do espaço no Brasil reflete o novo
quadro das relações internacionais num mundo globalizado e a
necessidade de novos parâmetros de análise. Neste sentido, para
situar as questões assinaladas, abrem esta coletânea a conferência

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Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira

de Bertha Becker, acompanhada pela proposta para discussão de


uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional, elaborada pela
equipe da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional
coordenada por Tânia Bacelar de Araújo e Antônio Carlos F. Galvão;
seguida pelas ponderações introdutórias de Ester Limonad.
Os eixos de discussão direcionados, em particular, para o Sudeste
e Amazônia, nada têm de fortuito. A região Sudeste emerge como
foco por ser, indiscutivelmente, a área mais desenvolvida e
urbanizada do país, onde, em função das inovações tecnológicas e
da reestruturação produtiva, podemos observar mudanças nos
padrões de urbanização e nos traços predominantes da organização
espacial das atividades produtivas. Sobre estas tendências da
urbanização e industrialização no Sudeste e no Brasil temos os
trabalhos de Sandra Lencioni, Ester Limonad, Cláudio Antônio
Gonçalves Egler e Ruy Moreira.
A Amazônia, por sua vez, constitui o que poderíamos chamar
de uma região de “ponta”, se adotássemos uma terminologia
tecnológica, um espaço prenhe de potencialidades e transformações
onde a urbanização assume padrões específicos e não segue os
esquemas de outras regiões - onde se verificam interações e relações
sócio-espaciais distintas, como apontam Bertha Becker, Ivaldo
Gonçalves de Lima e Roberto Monte-Mór.
Seguem-se a estes trabalhos os ensaios de Jorge Luiz Barbosa,
Leila Christina Dias e Rogério Haesbaert que abordam diversos
fatores e elementos a serem considerados na reflexão sobre as
regionalizações contemporâneas. Encerra este volume a síntese de
Ana Clara Torres Ribeiro, que visa tanto definir ângulos de leitura
dos trabalhos aqui reunidos que contemplam o fenômeno - a
regionalização - e as diferentes formas assumidas por seu
questionamento, quanto buscar esclarecer diretrizes analíticas.
Serão abordadas, portanto, diversas questões candentes relativas
às possibilidades e potencialidades do desenvolvimento regional,
elementos que contribuam para pensarmos um novo Brasil e
repensarmos as regionalizações correntes com base nas experiências
da Amazônia e do Sudeste.
maio de 2004

Ester Limonad
Rogério Haesbaert
Ruy Moreira

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UMA NOVA REGIONALIZAÇÃO
PARA PENSAR O BRASIL?*

Bertha Becker

A questão central desse Seminário é: porque a temática da nova


regionalização e a retomada da preocupação com a região? Em
meu entender, este fato decorre hoje de pelo menos duas razões:
• a primeira é a reestruturação do território brasileiro nas últimas
duas décadas, com a conformação de ilhas dinâmicas em
diferentes partes do país, que alteram as regiões
convencionais
• a segunda razão, no meu entender, está relacionada ao
resgate do papel do Estado e do planejamento territorial.
Antes de tratar destas razões, contudo, gostaria de fazer duas
ressalvas à apresentação deste Seminário. A primeira ressalva
refere-se à menção a uma “tímida” desconcentração industrial a
partir do Sudeste; a segunda à afirmação de que a descentralização
industrial foi uma meta perseguida sem sucesso pelo Estado
brasileiro. As razões apontadas acima para explicar a retomada da
preocupação com a regionalização, são respostas a essas ressalvas.
Fundamentarei, assim, minha exposição na discussão sobre as
duas razões citadas seguida da análise de um exemplo, no caso a
Amazônia brasileira.

A reestruturação do território nas duas últimas décadas e


as regiões
Na verdade, as ilhas industriais que emergiram no território
brasileiro foram objeto de um amplo debate teórico, na década de

* Conferência de Abertura do Seminário Brasil Século XXI, por uma nova regionalização?
realizada no Auditório do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense.

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Bertha Becker
Bertha Becker

90, ligado à questão do impacto do modelo de integração competitiva


na divisão territorial do trabalho. À forma como o Brasil se inseriu
na globalização, bem como o impacto desse processo no território
nacional. São inúmeros os trabalhos da década de 90, porém os
geógrafos pouco participaram. A maioria dos autores concluiu que
as mudanças estruturais associadas a esse modelo de integração
competitiva, à crise do Estado e à exposição das empresas nacionais
à concorrência estrangeira, favoreceram a concentração espacial, e
não a dispersão.
Campolina Diniz do C E D E P L A R 1 , mostra que houve uma
reconcentração de forma muito mais ampliada partindo do Sudeste
em direção ao Sul. Mas, a maioria dos estudos concluiu que, de fato
este modelo favoreceu a concentração espacial das atividades
econômicas e a redução dos níveis de articulação inter-regionais da
estrutura produtiva, provocando, inclusive, a reversão do processo
de desconcentração que havia caracterizado as décadas de 1970 e
80. Teria acontecido, assim, exatamente o oposto: houve uma
reconcentração e uma reversão do processo de desconcentração.
Para a maioria dos autores, mas não para todos.
Outros autores, ao analisarem a instalação das plantas industriais
em locais selecionados, a entenderam como um processo para
assegurar a competitividade das empresas internacionais no
mercado mundial a partir de forte seletividade. Então, não teria
havido o esgotamento da desconcentração, mas uma
desconcentração seletiva, em função dessa escolha locacional. E,
essa desconcentração seletiva é que teria gerado ilhas de dinamismo
no território nacional. Inclusive os setores mais intensivos em mão–
de-obra ou no uso de recursos naturais estariam se localizando na
periferia, enquanto os setores mais avançados em tecnologia
estariam se concentrando no Sudeste.
Um fato importante ligado a essas ilhas industriais é a diminuição
da subordinação destas áreas ao pólo do Sudeste porque elas
estariam diretamente relacionadas ao mercado global, à
globalização, às firmas internacionais, em uma relação local-global
escapando da influência do Sudeste.
Isto é, estaria havendo uma despolarização econômica, mas com
o risco de fragmentação nacional. Neste sentido temos o trabalho
“Desconcentração Econômica e Fragmentacão da Economia
Nacional”2, do Carlos Américo Pacheco, que foi secretário executivo
do Ministério de Ciência e Tecnologia no governo de Fernando
Henrique Cardoso, onde na idéia de fragmentação da economia
nacional estava quase que implícita a fragmentação da sociedade e

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Uma
Umanova
nova regionalização
regionalização para
para pensar
pensar o Brasil
o Brasil

do território nacionais. No entanto, não me parece ser isto o que


ocorre – como veremos mais adiante.
A segunda ressalva é a questão do reduzido sucesso da política
estatal no sentido de promover a desconcentração. Aqui questiono
se essa desconcentração também não se deve às políticas de
descentralização do Estado nas décadas anteriores. Na verdade,
elas influíram decisivamente como, por exemplo, na criação dos
distritos industriais. Em outras palavras, a desconcentração não
decorreu apenas das estratégias das empresas multinacionais;
houve uma política estatal que favoreceu a desconcentração
industrial no território nacional. Feitas as ressalvas em relação ao
texto de apresentação do Seminário, quero fazer ressalvas ao próprio
debate sobre a fragmentação do território e da economia nacional.
O que sobressai desse debate é que houve um reconhecimento
geral de que as macro-regiões, unidades básicas de intervenção
em décadas anteriores, deixaram de ser as unidades representativas
e operacionais para promover o desenvolvimento. Ademais, acredito
que as explicações teóricas sobre o deslocamento das atividades
podem ser ampliadas de acordo com todos os argumentos que foram
apresentados nesse debate.
O primeiro ponto que eu gostaria de chamar a atenção para a
nossa discussão de hoje, é o rompimento da estrutura clássica
centro-periferia sob a nova divisão territorial do trabalho. As
periferias não são mais apenas consumidoras de produtos industriais
e exportadoras de recursos; elas também têm produção industrial
de produtos que são, inclusive, consumidos pelos centros. E, por
sua vez, nos centros estão em curso processos de desindustrialização
e de crescimento de bolsões de pobreza. Significa que o esquema
clássico centro-periferia, em que a periferia só exportava recursos
e absorvia produtos industrializados, modas e mídia “caiu por terra”.
Está aí uma questão para discussão.
Antes de prosseguir, quero fazer também ressalvas ao emprego
do termo fragmentação, também utilizei há alguns anos, quando,
com o fim da guerra fria, com a globalização, emergiram, como
disse Harvey, múltiplas vozes, múltiplas sociedades, múltiplas
reivindicações. Parecia uma eclosão do local em um momento em
que se rompeu aquela dualidade do mundo contemporâneo. Mas, a
reflexão que devemos fazer, que a Geografia, e outros campos do
conhecimento devem fazer, é quais as novas relações que estão
sob essa aparente fragmentação. O termo fragmentação não é
adequado porque sugere uma ruptura. Na verdade não houve
ruptura, mas uma reestruturação com novas relações, uma

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Bertha Becker

recomposição, em que algumas áreas declinam e outras surgem,


em um processo dinâmico de reestruturação territorial. Inclusive,
como já demonstrado por Henri Lefebvre há muito tempo, e já
sabíamos, o capitalismo se mantém através da diferenciação
espacial: a toda hora ele se reconstitui para extrair mais excedentes,
mais-valia, de certas regiões.
Há, assim, um processo dinâmico de reestruturação das regiões
tradicionais e a formação de novas regiões, sub-regiões, em uma
outra escala geográfica, que não as macro-regiões, que eram, como
já assinalei, até recentemente, as grandes unidades de intervenção
e de identificação.
Persistem as relações entre as novas e velhas regiões, mas, há
que implementar novas formas de analisar estas relações. Isto é
relações inter-regionais persistem sob novas formas. Antigamente
só eram considerados os aspectos referentes ao comércio inter-
regional, mas hoje em dia essa relação é insuficiente, tendo em
vista as relações on-line, as relações pessoais, a influência de fatores
externos e internos. Há que se considerar, ainda, a potencialidade
dos territórios, em termos de potencial humano e natural, de cultura
e iniciativa política e de acesso às redes de comunicação e
informação. Além disso, há que registrar, por exemplo, a influência
das redes políticas. Há, então, uma série de relações não explícitas
e não visíveis, às vezes, mas que são fundamentais, inclusive para
caracterizar os territórios. No caso do Brasil, inclusive, deve ser
considerado o papel das novas igrejas, um fator extremamente
importante na caracterização e na configuração de novas regiões
que crescem.
Outro ponto importante a criticar no debate da década de 90 é a
omissão das cidades. Falava-se das regiões, da reconcentração ou
desconcentração, mas ninguém articulava a questão regional com
as cidades. Não se pode tratar de região e regionalização sem levar
em conta as cidades.
A outra omissão relevante é a da nova escala continental: o
Mercosul. O debate, também, não levou em conta, essa tendência
extremamente importante, que, inclusive, retoma a importância
das metrópoles brasileiras porque as metrópoles terão um papel
fundamental na formação do Mercosul. O urbano também tem que
ser valorizado nessa análise, não só no debate como na análise.

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Uma
Umanova
novaregionalização
regionalizaçãopara
para pensar
pensar oo Brasil
Brasil

O resgate do papel do Estado


A segunda razão do porque do resgate da regionalização e da
região, no meu entender, deve-se ao resgate do papel do Estado. E
ao se tentar resgatar o papel do Estado, necessariamente se resgata
a região. Porque as regiões, e isso é o mais importante, são
expressões espaciais e territoriais concretas do Estado-Nação, são
constituídas pela apropriação de parcelas do espaço por arranjos
específicos de atores que conformam sociedades locais, que são a
expressão social das regiões.
De acordo com Dulong3, as regiões são constituídas por arranjos
de frações de classes não monopolistas e adquirem uma certa
identidade do ponto de vista da estrutura econômica, do ponto de
vista cultural, do ponto de vista político. As regiões possuem uma
finalidade política própria. Elas são elementos do próprio Estado,
que não é uma entidade abstrata. Enquanto parte do Estado,
enquanto expressão espacializada de interesses políticos específicos,
as regiões dialogam com o Estado, pressionam, relativizam o poder
homogeneizador e dominante do Estado, o que lhes confere um
papel fundamental.
Essas regiões resultam de uma relação dialética entre decisões
tecnocráticas e práticas do poder, de um lado, e práticas sociais e
demandas coletivas, processos coletivos, de outro lado. É nesse
processo que se formam as regiões. Em alguns momentos, em
alguns lugares, os adensamentos, as sociedades locais surgem e o
Estado as legitima. Um exemplo seria, talvez, o caso da Europa.
Em outros lugares, em outros momentos, é o Estado que atua
primeiro, e depois se forja a região: os interesses políticos dos quais
a região é uma expressão digerem a decisão tecnocrática e dão
margem ao surgimento das sociedades locais que se apropriam da
região. As sociedades locais relativizam o papel das decisões
tecnocráticas do poder. O Estado tem que dialogar com as suas
regiões, com os interesses políticos específicos espacializados e
regionalizados, que são ele mesmo, em última análise, e negociar
formas diferenciadas para poder agir.
Eis a resposta do por que a retomada da regionalização e da
região. Do ponto de vista teórico, é o resgate do papel do Estado,
que na prática influiu também no aparecimento das ilhas dinâmicas
na periferia.
Não por acaso o Ministério da Integração hoje desenvolve a
chamada Política Nacional de Desenvolvimento Regional. A diferença
é que não se quer mais uma política ligada ao ministério, mas sim

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Bertha Becker
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uma política integrada, que tem por objetivo a identificação do que


ele denomina meso-regiões. Não quero usar esse termo, prefiro
falar das sub-regiões, que emergiram no país ou estão em formação.
A idéia é de que estas sub-regiões sejam complementares, e
constituam o fundamento da política e do planejamento de acordo
com um projeto nacional. Há, contudo, que discutir se há, e se
houve, um projeto nacional.
Creio que embora não explícito, houve um projeto nacional no
passado recente e hoje em dia estamos diante de um novo governo
cujo projeto é a retomada do desenvolvimento, mas com
compromisso social e ambiental. Essa é a diferença. Porque antes
havia um projeto desenvolvimentista, mas sem menor preocupação
social e ambiental. E hoje se quer retomar o desenvolvimento, nesse
sentido é desenvolvimentista, mas com o compromisso social e
ambiental. E a política nacional, o planejamento tem que estar
ligados às grandes diretrizes do projeto nacional.
Agora vou falar um pouco, e dar um exemplo do que expus até
aqui em relação à Amazônia.

Um exemplo - a Amazônia
No caso da Amazônia, a intervenção do Estado, do poder estatal
autoritário, tecnocrático foi fundamental na criação das regiões. A
Amazônia Legal foi uma criação geopolítica do governo federal para
implementar o controle do território, com o argumento de propiciar
o desenvolvimento regional. Tal intervenção, todavia, de
desenvolvimento não teve nada, mas foi a primeira intervenção
governamental que criou realmente uma região. Uma região que
não correspondia só à região norte, ao bioma florestal; foram
incorporados a esta região o estado do Mato Grosso e parte dos
estados do Maranhão e o chamado norte do estado de Goiás, que
posteriormente tornou-se o estado de Tocantins.
As rodovias implementadas no período Kubitsheck, 1958-60
foram elementos espaciais fundamentais no recontorno da região,
como se foram duas grandes pinças em torno da Hiléia: a Belém-
Brasília e a Brasília-Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco. Estas rodovias,
como é notório, foram fundamentais no processo de ocupação da
região e formação da fronteira econômica e demográfica nacional
ao longo desse grande arco em torno da Hiléia. Mas, foi com o
Programa de Integração Nacional de 1970 que, o Estado passou a
tomar conta, controlar e ocupar a região.

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pensar o Brasil
o Brasil

Mas como o Estado fez isso? Impôs sobre a região uma malha
programada constituída de redes de integração, redes transversais,
porque as outras já existiam: Transamazônica, Perimetral Norte,
rede energética, rede ferroviária, enfim todos os tipos de rede;
principalmente as redes de telecomunicações, estudadas por Leila
Dias, que tiveram um papel fundamental na conectividade da região
com os espaços externos à ela. Porque internamente a Amazônia
continuou bastante desarticulada, o que contribuiu para acentuar
suas relações externas. Incentivos fiscais e créditos induziram
empresas e fazendeiros a ocupar a região, e vários mecanismos se
encarregaram de induzir a imigração para ocupar o território e criar
uma força de trabalho regional.
A outra política importante desse Programa de Integração
Nacional foi a superposição de territórios federais sobre territórios
estaduais, como os pólos de desenvolvimento que marcaram a
Amazônia: o Pólo Amazônia, implantado a partir de 1974; a
incorporação em 1977 do recém-criado estado do Mato Grosso do
Sul, ampliando a escala da Amazônia Legal; o Programa Grande
Carajás e outros de exploração mineral; o Projeto Calha Norte.
Grandes projetos e programas que asseguravam a presença da
União na região, e que aí deixaram marcas profundas.
O que houve, então, com a construção geopolítica da Amazônia
Legal? A Amazônia Legal se diferenciou entre a Amazônia Oriental,
que era a área de expansão da fronteira e a Amazônia Ocidental,
mais preservada, longe das estradas, uma divisão nova ligada às
políticas implementadas na região. Na década de 90 a resistência
das populações locais, - tradicionais mais imigrantes - desencadeada
com a expropriação de suas terras e da sua identidade gerou um
movimento fantástico na Amazônia de organização da sociedade
civil como nunca antes verificado na sua História.
A resistência social, o esgotamento do nacional
desenvolvimentismo com a crise do Estado, e a pressão ambientalista
internacional e nacional, introduziram novas marcas na região e
reconfigurações da Amazônia Legal. Nessa perspectiva destacam-
se a demarcação das terras indígenas, a criação de unidades de
conservação, e os projetos comunitários formando-se uma nova
malha ambiental e sócio-ambiental na Amazônia. As massas
florestais passaram a ter novos recortes e projetos em seu interior.
É extremamente importante considerar neste contexto que os novos
atores, que são as populações ditas tradicionais e pequenos
produtores que passaram a ter voz ativa na região, os índios, os
ribeirinhos, os seringueiros com Chico Mendes, foram apoiados por

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Bertha Becker
Bertha Becker

um novo ator global extremamente importante, que é a cooperação


internacional.
Enquanto no período anterior do Estado autoritário, da ocupação
da Amazônia, o capital internacional financiou a ocupação, das
estradas e tudo o mais, na década de 90 tornou-se parceiro das
populações tradicionais, dos pequenos produtores. A cooperação
internacional ocupou o espaço deixado pela enorme retração dos
investimentos produtivos na Amazônia, como, aliás, no resto do
Brasil.
Mas, há ainda um novo ator ao qual, em geral, se dá pouca
atenção, mas é preciso levar em conta, que são os governos
estaduais. Os governos estaduais passaram a ter uma importância
maior dentro da região, com a crise do Estado, da União, inclusive
com estratégias diferenciadas que eu quero destacar.
Podemos distinguir, grosso modo, três grandes modelos ou
estratégias de desenvolvimento dos estados amazônicos.
O primeiro, é o modelo extensivo em área que é característico
dos estados do Pará, do Mato Grosso, do Tocantins, do Maranhão,
além dos estados de Roraima e Rondônia, que adorariam
implementar este modelo, mas têm grande parte do território
demarcado em terras indígenas e unidades de conservação, neles
predomina a agropecuária, a soja, o dendê e outros produtos, mas
sempre na base do modelo extensivo de apropriação de terras e de
produção.
O outro modelo oposto é o do Estado do Amazonas, que é o
modelo da concentração industrial em Manaus, e que de certa
maneira preservou o meio ambiente. As florestas foram preservadas
devido a essa concentração industrial. Houve, todavia, apesar de
muitas inovações grandes problemas em razão dessa brutal
concentração em Manaus em relação ao restante do Estado do
Amazonas. Dos dois milhões e meio de habitantes do estado, um
milhão e meio encontra-se em Manaus, enquanto o outro milhão
ficou largado à própria sorte. Houve uma proteção ambiental, mas
uma desproteção social no estado do Amazonas. Porém, há que se
reconhecer que este é um modelo que protege o meio ambiente.
Enfim, o terceiro modelo se fundamenta no uso conservacionista
da floresta, que no Acre é chamado de florestania, que é um nome
lindo criado para se contrapor à cidadania. No Acre e no Amapá a
questão social, os direitos sociais, estão vinculados ao uso
conservacionista da floresta. São dois estados que enveredaram
no, assim chamado neo-extrativismo, que é um extrativismo mais

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moderno, mais rentável. Aliás, este, é um dos grandes desafios


que se colocam para os geógrafos e os planejadores: Como
desenvolver e atribuir rentabilidade a esse modelo tradicional do
extrativismo?
Há, assim, novos atores com novas estratégias, como a Amazônia
foi mudando, como foi reconstruída, inicialmente através da
intervenção do Estado e, a seguir, das relações que se estabeleceram
com as populações regionais. Essa combinação de ações resultou
em uma nova geografia amazônica, que exige novas escalas de
ação e uma nova política regional. Pois aquelas áreas que foram
criadas devido às intervenções do Estado, os pólos, os projetos de
colonização da União, os projetos do governo federal em Rondônia
e na Transamazônica, geraram sub-regiões e uma malha sócio-
política.
Na Transamazônica, que foi gerada com o projeto de colonização,
é impressionante o nível de organização da sociedade civil,
constituída predominantemente por pequenos produtores familiares.
Criou-se aí um projeto de colonização que foi digerido pela sociedade
e se transformou numa sub-região fortíssima.
Conversei uma tarde inteira com os líderes locais sobre o que
eles precisam, quais são as demandas, sobre a necessidade de
negociar com todos os envolvidos no processo de desenvolvimento.
Eles têm clareza do que querem, resistindo à construção da
hidrelétrica de Belomonte, na medida em que suas necessidades
são outras: vicinais, armazenamento, títulos para suas terras,
essenciais à produção familiar.
A Amazônia mudou, portanto, e apresenta hoje uma rica
diversidade regional, com novos atores, novos e diferentes interesses
e demandas. Cabe ao Estado reconhecer essa complexificação e a
existência de especificidades locais, se quiser contribuir para o
desenvolvimento da região no âmbito de um projeto nacional. Nas
pesquisas de campo, todas as categorias de atores sociais, sem
exceção, apontaram como medida mais importante para solucionar
conflitos e promover o desenvolvimento, a presença do Estado. Há,
portanto que resgatar o seu papel, pois que o Estado de Direito
ainda é a maior garantia que a sociedade pode ter para a democracia.
Hoje, o Estado está fundamentando seu planejamento plurianual
2004/2007 (PPA) e o próprio plano da Amazônia (PAS-Plano da
Amazônia Sustentável), em que um dos elementos centrais é o
reconhecimento da diversidade regional em múltiplas escalas. O
reconhecimento da diversidade e da necessidade de dialogar por
parte do Estado é algo novo e extremamente positivo.

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Bertha Becker
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O Plano Amazônia Sustentável (PAS) em meu entender é um


plano bastante avançado, mas que tem chocado os ambientalistas.
No primeiro parágrafo do Plano da Amazônia afirma-se que o meio
ambiente não é um obstáculo ao desenvolvimento. Isto constitui
uma grande mudança em relação à década anterior. Outra afirmativa
diversa à visão prevalecente até agora é de que as estradas não
são as culpadas pelos impactos negativos, que dependem da forma
como são estabelecidas, sendo assim, resultantes ou da omissão
do Estado ou da indução equivocada do Estado.
Este Plano (PAS) estabelece cinco grandes eixos estratégicos:
primeiro produção sustentável com tecnologias avançadas,
segundo gestão ambiental e ordenamento do território, terceiro
novo padrão de financiamento, quarto inclusão social e quinto
infra-estrutura para o desenvolvimento. Há, inclusive, uma tendência
do governo atual de resgatar grandes projetos na Amazônia: estão
aí o Complexo do Madeira, Belomonte, a Cuiabá–Santarém.
Já temos dez anos de denúncia de processos de impacto, está
na hora de darmos um passo à frente e contribuir no sentido de
tentar compatibilizar desenvolvimento com a sustentabilidade social
e ambiental. Precisamos das estradas, da infraestrutura; todos os
atores sociais amazônicos necessitam de vicinais e de energia para
melhorar suas condições de vida. Porém, como realizar tal
compatibilização? Este é o grande desafio que se coloca.
Para tanto, é necessário, de início, ampliar o conhecimento sobre
a região. Há uma nova geografia amazônica e cabem algumas
observações a respeito. Uma novidade é que o Plano da Amazônia
é destinado à região norte, não contempla o estado do Mato Grosso.
Outra é a interpretação que proponho através de algumas hipóteses.
A primeira hipótese, altamente polêmica, é que a Amazônia
não é mais a grande fronteira nacional de expansão econômica e
demográfica. As frentes de expansão ainda existem, mas estão
localizadas ao longo de alguns eixos de estradas da região. Não há
mais aquele afluxo migratório nacional de povoamento em torno da
hiléia que caracterizou os anos 70. Ademais a migração não é mais
nacional, é uma migração intra-regional, exceto no estado do Mato
Grosso. E, as frentes são comandadas também e sobretudo por
interesses intra-regionais, da própria região, não só do Sudeste ou
de outros estados.
Há, então, uma mudança qualitativa e quantitativa na fronteira.
Não é mais a fronteira de âmbito nacional, embora as frentes
localizadas persistam e estejam tendo um recrudescimento enorme

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nesse início de século XXI, por causa da soja e, também por causa
das incertezas da economia. A terra pode ter voltado a ser um ativo
importante para o investimento de dinheiro neste momento de
incertezas e crise da economia.
Distingo três grandes macro-regiões na nova geografia
amazônica.
A primeira, é a macro-região de povoamento consolidado.
Corresponde ao que se denomina vulgarmente de “arco do fogo”
ou “arco do desmatamento”, grande arco onde se expandiu a
fronteira desde a década de 70, envolvendo a Amazônia extremo
oriental, Belém, sudeste e leste do Pará até Tocantins, Mato Grosso
e Rondônia. Essa denominação é uma falácia, porque no estado de
Mato Grosso encontra-se a agricultura tecnificada da soja, a
agroindústria, com produtividade maior do que a que dos Estados
Unidos. Ademais, no próprio leste e sudeste do Pará está havendo
uma grande modernização da pecuária e o indicador mais
importante, a reforma de pastagens, mostra uma tendência à
intensificação. Além disso, o complexo mineral de Carajás deixou
de ser um enclave, e os royalties são investidos em municípios de
seu entorno para o desenvolvimento local. Essas mudanças devem
ser registradas. O “arco do fogo”, é hoje uma área de povoamento
consolidado, que já faz parte do tecido produtivo nacional não lhe
cabendo mais, portanto, esta designação. Parece-me mais
apropriado, como um reconhecimento das mudanças que ocorreram,
adotar o termo “arco do povoamento consolidado”.
A Amazônia Central é a segunda macro-região, antigamente
chamada de Amazônia Oriental, compreende o restante do estado
do Pará, até a rodovia Porto Velho-Manaus. Esta é a região mais
vulnerável, porque aí se encontram as grandes frentes de expansão.
A mais antiga é a Cuiabá–Santarém, é uma frente completamente
diferente das outras, porque é a expansão da velha colonização do
Mato Grosso. Nesta antiga frente, os pequenos produtores, que
migraram, hoje são pecuaristas médios, e estão aguardando o
asfaltamento da rodovia, a realizar-se em breve, em razão da atual
parceria dos governos dos estados do Mato Grosso e Amazonas,
entre Blairo Maggi e Eduardo Braga, porque a Cuiabá-Santarém é
um eixo central e seu asfaltamento melhorará as condições de custo
da exportação da soja e dos produtos da Zona Franca de Manaus
para o Sudeste
Há uma frente nova, que é denominada de “Terra do Meio”, um
nome lindo. “Terra do Meio” porque é um miolo de terra cercado
por terras indígenas, e pertencente à União. Nela está havendo

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Bertha Becker
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uma expansão violenta a partir de São Félix do Xingu com muitos


conflitos entre fazendeiros. Trata-se de algo novo: a guerra não é
mais entre fazendeiro e posseiro como nas frentes antigas, agora a
guerra é entre os poderosos. É fazendeiro grande contra fazendeiro
médio – como é o caso desse que foi assassinado com seus
empregados recentemente.
São fazendeiros do Pará, - por isso estou falando de interesses
regionais, - do Tocantins e do Goiás, e dizem que há, inclusive,
lavagem de dinheiro envolvida nessa frente.
A outra frente novíssima é uma frente imensa no sul do estado
do Amazonas: Humaitá, Lábrea. Nesta área se encontram
companhias de colonização, fazendeiros que vêm do norte do Mato
Grosso e, uma coisa nova, fazendeiros do estado de São Paulo, do
Pontal do Paranapanema que estão sendo expulsos pelas ocupações
do MST4. Antigamente os fazendeiros expulsavam os posseiros,
agora são expulsos pelo MST que sabe quem tem e quem não tem
título de terra. Esse processo já ocorreu há muitos anos em
Rondônia, onde as fazendas sem título de propriedade eram
invadidas. Os fazendeiros paulistas, então, estão vendendo suas
“fazendinhas” de 2.000 ha sem título, e se apropriando de 40.000
ha no sul do estado do Amazonas. Essa frente nova, complexa,
com diversos atores está transformando de forma acelerada o sul
do Amazonas, e coloca em questão a reflexão sobre que ações
podemos tomar para fazer face à essa situação.
O maior problema, não é nem esta concentração e diversidade
de atores, mas a enorme grilagem e apropriação das terras pelas
madeireiras, que estão comprando imensas extensões de terras
via satélite. Ao longo da estrada é possível fazer um certo controle,
uma regularização fundiária, no entanto essa apropriação “virtual”
é muito mais complexa.
Uma possível solução estaria na criação de uma força-tarefa
para controle das apropriações para além de 100 Km do eixo da
estrada. Esta solução foi incorporada pela ADA (Agência de
Desenvolvimento da Amazônia). A força-tarefa incluiria o IBAMA
(Instituto Brasileiro de Amparo ao Meio Ambiente), o INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a polícia
federal, as forças armadas, o SIPAM5, que tem um importante
sistema de informação e de controle, e a cooperação
internacional,que teve um papel fundamental na demarcação das
terras indígenas com um trabalho muito bem feito. Estabelecendo
as regras do jogo, podemos contar com a parceria entre a
cooperação internacional e estes agentes em uma força-tarefa para

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o controle das áreas além da estrada enquanto não for possível


estabelecer uma negociação.
A Amazônia Central é a região mais vulnerável por dispor de
uma grande extensão de massas florestais e de terras indígenas.
As frentes estão localizadas exatamente onde, em 1999, já havíamos
estabelecido a divisão entre Amazônia Oriental e Ocidental. Esta
proposta de macro-regionalização, vai constar do Plano da Amazônia
Sustentável (PAS) porque é necessário conhecer o território para
definir as políticas adequadas às diferentes situações regionais. Não
adianta elaborar uma política homogênea para uma região
extremamente heterogênea; a política a ser traçada tem que ter
princípios gerais e diretrizes baseados nas metas do projeto nacional
mas adequados à diferenciação regional. Esse é o esquema.
A Amazônia Ocidental é a área mais preservada, porém, como
já foi assinalado, o sul desta região está sendo ocupado
aceleradamente. Esta é uma área, no meu entender, de grande
potencial do ponto de vista de uma produção sustentável e do
aproveitamento da biodiversidade, o que é urgente para o Brasil. A
sociedade brasileira teria que fazer pressão neste sentido. Estamos
deixando a oportunidade da biodiversidade passar.
Outro ponto a ser considerado é que essa nova geografia exige
novas escalas. Já existem regiões, sub-regiões, consolidadas ou
em consolidação na Amazônia, e estou trabalhando agora
justamente na sub-regionalização. Por exemplo, no grande arco do
povoamento consolidado, antes denominado de “arco do fogo”, do
desmatamento, há grandes contrastes e diferenças. Nesta parte
encontram-se o arco da embocadura que abrange Belém, São Luis,
uma área com maior densidade de atividades econômicas e de
povoamento; os núcleos de modernização do leste e sudeste do
Pará, o corredor do Araguaia-Tocantins; no Mato Grosso encontra-
se a frente que sustenta a expansão em direção ao Amazonas, para
Cuiabá-Santarém e toda agroindústria da soja; em Rondônia domina
a agropecuária e o sistema agro-florestal, que é uma combinação
do extrativismo com agricultura. Na região vulnerável da Amazônia
Central, na área das frentes, há várias categorias de espaço, e
agora também as frentes, e se destaca a sub-região da
Transamazônica que, como já falei, estende-se de Repartimento
até Itaituba. Algo novo no planalto de Santarém é a presença da
Cargil, uma multinacional, que está terceirizando os pequenos
produtores de arroz como produtores de soja; a empresa não compra
e não se apropria de terras, atuando através da terceirização. A
soja do planalto de Santarém está até atravessando o rio e
penetrando na calha norte do rio Amazonas.

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Bertha Becker
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Na região da Amazônia Ocidental, a mais preservada, identificam-


se: a) uma fronteira de integração representada por Roraima
mediante a transmissão de energia da hidrelétrica de Guri uma
estrada pavimentada que articula o Brasil com a Venezuela; b) a
região étnica do Alto Rio Negro, caracterizada pela presença da
população e cultura indígena, cujo nome deve ser mantido por
constituir a força da região; c) Manaus e seu entorno, onde se
desenvolve uma hortifruticultura comercial bastante dinâmica, um
enclave, com indução do crescimento dos núcleos urbanos à sua
volta; d) deve-se destacar, também as várzeas do Solimões, bem
como a florestania do Acre, que compõem duas outras sub-regiões.
Em outras palavras, há, atualmente, na Amazônia várias sub-
regiões, cujo estudo e análise encontram-se em curso (sobre as
quais estão sendo preparados mapas esquemáticos) e amplos
espaços que ainda não possuem sub-regiões delineadas. As que
foram aqui citadas são as que se encontram mais configuradas, e
deverão ser consideradas na elaboração da nova política de
desenvolvimento regional.
Outra escala, que não pode ser esquecida, é a escala da
Amazônia Transnacional, a Amazônia Sul-Americana. Não é mais
possível refletir e estudar a Amazônia somente em termos brasileiros.
É necessário pensar em termos continentais. Primeiro, porque
corresponde a um capital natural com uma escala dentre as maiores
do mundo. É lícito que se façam projetos conjuntos para o
aproveitamento dessa potencialidade, da biodiversidade da água,
o chamado “ouro azul” do século XXI, e que de acordo com muitos
autores substituirá o petróleo como recurso escasso básico podendo
gerar guerras. A Amazônia possui a maior concentração de água
doce do mundo detalhe, que não pode ser esquecido...
Por outro lado, é extremamente importante a integração
continental para conquistar projeção coletiva no cenário político
mundial e não se prestar à submissão, não apenas a pressão política
das grandes potências mas ao domínio do poder econômico também.
A integração continental fortalecerá a capacidade de fazer
barganhas, inclusive em relação à ALCA6; e a integração da Amazônia
Sul-Americana vai fazer parte e fortalecer o Mercosul, constituindo
um contraponto à ALCA.
E finalmente, mas não menos importante, é o fato de ter que
defender o território e as fronteiras brasileiras das convulsões
externas, como é ocaso do narcotráfico e das FARC7 da Colômbia, a
instabilidade do Presidente Chaves na Venezuela, a crise da
Argentina. Mas o problema maior é a presença militar crescente

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dos Estados Unidos desde a Costa Rica, América Central, Curaçau,


Panamá, Colômbia até o sul, Equador, Chile, Peru, Bolívia, onde se
implantam localidades de operação avançada – para não se chamar
de bases. E, somente o território brasileiro não as possui porque
reage, (a não ser a questão de Alcântara). A incidência da
globalização aqui, se faz pela cooperação internacional e não pela
presença militar. Faz-se necessária, então, uma estratégia para as
fronteiras, inclusive devido ao fato das fronteiras políticas hoje,
estarem sendo reativadas na Amazônia. Até recentemente
consideradas fronteiras mortas, agora assumem um destaque muito
maior em face destas ocorrências e da necessidade da integração
para fortalecer o Mercosul.
Também a integração continental demanda reflexão e
contribuição dos pesquisadores no sentido de encontrar soluções
para realizá-la, pois que não será possível realizar uma integração
à base de infraestrutura – já prevista – geradora de impactos sociais
e ambientais, já bem conhecidos.
Parece, então, que o desafio, hoje, é compatibilizar crescimento
econômico com compromisso social e ambiental; as cartas estão
dadas e é necessário enfrentar este desafio, particularmente a
questão da infra-estrutura.
Considero três elementos fundamentais para tal compatibilização.
O primeiro é a negociação. Negociação que implica em uma
ampliação da participação, porque este termo da participação já
cansou um pouco, e tem que envolver todos os atores, e não
somente os pequenos. Estes, é óbvio, são fundamentais quanto a
sua inclusão social, mas há de se negociar também com fazendeiro,
com madeireira, na medida do possível. Daí a importância do
zoneamento ecológico-econômico (ZEE), o qual, acredito, não foi
devidamente compreendido pela sociedade brasileira. O ZEE é
especificamente, um instrumento de negociação.
No caso das frentes de expansão das madeireiras, a negociação
é difícil, e há que recorrer à força da lei com a força tarefa.
Um segundo elemento fundamental para esta compatibilização
é justamente a regionalização, a valorização das diferenças e políticas
adequadas às diferentes situações. Claro que, norteada por
princípios gerais; não se trata de lidar com a sub-região
isoladamente, mas sim do respeito às características de cada uma,
inclusive ao seu ritmo, e de fortalecer na política os elementos
necessários à dinamização de cada uma, como partes de um
conjunto, num contexto que alguns economistas chamam de
competitividade sistêmica.

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O terceiro ponto reporta-se à idéia de uma revolução científico-


tecnológica para a Amazônia. Penso que a Amazônia somente se
desenvolverá com a “high tech” mesmo.
O Brasil já fez três grandes revoluções tecnológicas; realizou
uma para a exploração do petróleo na plataforma continental, que
é uma inovação brasileira extremamente importante; uma outra foi
a revolução tecnológica para a mata atlântica, transformando a cana-
de-açúcar em combustível, revolução tecnológica muito conhecida
no exterior e pouco valorizada no Brasil; a terceira revolução
tecnológica foi feita para o cerrado, ocupado pelo gado “pé-duro”
até a década de 70, e hoje é uma área de grande produtividade de
soja, de uma agroindústria avançada e que vem sustentando grande
parte da balança comercial brasileira. É lícito plantar a soja no
cerrado tomando mais cuidado, evitando a erosão e a poluição de
rios mas foi uma revolução tecnológica fantástica. O problema a
impedir, é a expansão da soja em áreas florestais. Hoje, está na
hora de implementar uma quarta revolução tecnológica para o bioma
da floresta amazônica, baseada na biodiversidade e na biotecnologia.
E não só para permanecer presa à pesquisa nos laboratórios, mas
sim destinada a vários níveis de utilização. A questão dos fármacos
é fundamental; avançamos muito em Manaus, onde já existe a
construção de um pólo cosmético na base de óleos vegetais e um
pólo de extratos, em que Coca-Cola e Pepsi-Cola são os grandes
compradores. Há dados revelando que os extratos já respondem
por 1/3 das exportações da Zona Franca de Manaus. Representa a
primeira grande mudança no modelo da Zona Franca estabelecido
há quarenta anos voltado para a produção de eletro-eletrônicos,
seguido da indústria de duas rodas (motos e bicicletas) e que agora
está se voltando para a biodiversidade e biotecnologia, ainda que
modestamente.
Repito, a sociedade deve pressionar pela questão da
biotecnologia, e para avançar em direção à produção de fármacos.
Gastamos milhões com remédios enquanto a biodiversidade é
distribuída ou permanece sem aproveitamento. E também
pressionar para ligar a biotecnologia à produção de produtos não
madeireiros, no seio da floresta, formando cadeias produtivas, e
mesmo produtos madeireiros, porque as florestas e a biodiversidade
são a grande base da riqueza regional.
Rumo, então, à revolução tecnológica para o bioma florestal
amazônico.
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Notas e Referências Bibliográficas


1 CEDEPLAR - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da
Universidade Federal de Minas Gerais.
2 PACHECO, C.A. 1996. “Desconcentração Econômica e Fragmentação da
Economia Nacional” in Economia e Sociedade. Campinas: Unicamp. v.6,
p.113 - 140.
3 DULONG, R. “A crise da relação Estado/sociedade local vista através da
política regional” in POULANTZAS, N. (org.). 1977. O Estado em Crise.
Rio de Janeiro: Graal.
4 MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - Brasil.
5 SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia..
6 ALCA - Área de Livre Comércio das Américas..
7 FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia..

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POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
UMA PROPOSTA PARA DISCUSSÃO

Tânia Bacelar de Araújo


Antônio Carlos F. Galvão
Ronaldo R. Vasconcellos
Maria José Monteiro
Frederico Kramer Costa
João M. da Rocha Neto
Susana L. Lins de Góis

1. Introdução
Este artigo objetiva apresentar e submeter à discussão a proposta
de Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR – elaborada
pelo Ministério da Integração Nacional - MI. A proposta reflete um
conjunto amplo de idéias que vêm sendo sugeridas já há algum
tempo por especialistas do desenvolvimento regional brasileiro1 e
que não lograram, até aqui, ultrapassar os limites da academia. O
desafio é, portanto, vir a constituir política pública federal com a
chancela dos poderes constituídos, dos entes federados e das forças
sociais que animam este momento ímpar da vida política brasileira.
Ela está voltada para a redução das desigualdades regionais e para
a ativação das potencialidades de desenvolvimento das regiões,
através da valorização da magnífica diversidade regional do país.

2. Contexto atual
O desenvolvimento recente reanima forças centrípetas de
articulação metropolitana que atestam a lógica espacial
predominante do sistema econômico mundial. A tendência à
concentração de meios de produção e força de trabalho em
determinados pontos do território é motivada pelas circunstâncias
que se vão impondo na dinâmica do jogo do mercado e das políticas
públicas. Na atual conjuntura, a força das decisões do setor privado
se acentua, especialmente com os movimentos de
internacionalização dos grandes conglomerados mundiais, da
liberalização financeira e de reestruturação produtiva que se
encontram na raiz da chamada “globalização”. Em conseqüência,
acirram-se as desigualdades sociais e regionais, aumentando a
necessidade de que se organizem políticas capazes de minorar seus
efeitos negativos e reafirmar a coesão social e territorial das nações.

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento Regional

Os países menos desenvolvidos tendem a enfrentar maiores


dificuldades numa situação na qual os grandes blocos de capital e
as corporações que os representam ganham liberdade de movimento
e se estruturam para se deslocar velozmente pelos mais dispersos
pontos do planeta, utilizando os territórios nacionais como plataforma
de operação. Faltam a esses países instrumentos para retirar maiores
contrapartidas da presença dessas corporações em seus territórios,
incapazes que estão, pelas regras reinstituídas da “boa conduta
social e econômica”, de regular os fluxos que movimentam as redes
globais. Nesses termos, o desenvolvimento tende a privilegiar certas
localidades, enquanto inabilita ou deixa de lado outras, muitas vezes
levando mais em conta o interesse das corporações que das nações.2
De maneira geral, as atividades econômicas dinamizam-se em
áreas que apresentam condições de atração locacional, ou seja,
que contam com atributos vantajosos de infra-estrutura, com
recursos humanos qualificados e qualidade de vida da população
aceitável, mostrando-se adequadas à instalação de
empreendimentos modernos e à geração de maiores lucros (Ajara
2001). A provisão dos meios necessários e o estímulo à adoção de
posturas favoráveis ao pleno desenvolvimento das atividades
produtivas tem sido a via para que se alterem paisagens, culturas,
modos de vida e as estruturas e relações sociais em diversas
localidades, no curso de certo período de tempo.
Áreas excluídas pelo mercado, de outro lado, tendem a
permanecer à margem dos fluxos econômicos principais e, assim, a
apresentar menores níveis de renda e bem-estar, o que termina
por instigar o esvaziamento populacional e os fluxos migratórios
para áreas mais dinâmicas ou de maior patrimônio produtivo
instalado. Mesmo algumas regiões que presenciaram certo grau de
desenvolvimento anterior e estiveram inseridas em circuitos
relevantes podem passar a mostrar sinais de estagnação e letargia
social e econômica.
Em outras palavras, enquanto certas áreas assistem a um uso
intenso dos recursos disponíveis, outras vêem seus potenciais de
desenvolvimento sub-utilizados. A configuração territorial, resultante
desse mosaico de situações díspares quanto à inserção produtiva,
conforma e reafirma situações de desigualdade entre indivíduos,
empresas e regiões. Os desbalanceamentos observados, no entanto,
são passíveis de alteração pelo impulso de políticas de
desenvolvimento regional.
Políticas de desenvolvimento regional, de forma geral, estiveram
na base das tentativas de mudança das condições sócio-econômicas

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Tänia Bacelar de
Tânia Bacelar de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

das regiões de uma nação. Desde a difusão intensa dessas políticas


no pós-guerra, mobilizaram-se investimentos vultosos em grandes
obras de infra-estrutura ou na implantação de unidades de produção
de peso, que tendiam a reordenar o território contíguo, produzindo
efeitos sobre as populações nele residentes. Forças exógenas,
sobretudo, contribuiriam para subverter o estado de
subdesenvolvimento de certas regiões, como na resposta sugerida
por Myrdal (1960) ao fenômeno da causação circular cumulativa,
hoje corroborada pelas conclusões da Nova Geografia Econômica
de Krugman (1992) e seguidores. Mas nem sempre os efeitos
alcançados foram suficientes para transformar realidades sócio-
econômicas arraigadas. Muitas vezes, ao se criarem enclaves
regionais, faltaram complementos importantes para que tais forças
alcançassem, de fato, as populações locais.
A regulação prévia à tomada de decisão privada sobre os
investimentos e o monitoramento das iniciativas com vistas a
assegurar minimamente os interesses das populações circunvizinhas
pareceu crescentemente desejável. O desenvolvimento das regiões
podia se beneficiar diretamente dos grandes investimentos, desde
que iniciativas complementares fossem implementadas,
impulsionando maior agregação de valor na região, maior conexão
com as estruturas de produção preexistentes, a criação de empregos
diretos e indiretos e assim por diante.
Uma nova visão reclamava maior atenção para as forças
endógenas do sistema regional e para o tecido social e cultural
vigente nessas regiões. Era necessário encetar processos de
desenvolvimento desde a base das relações sociais existentes no
sistema, de “baixo para cima” (Stöhr 1972), desenvolver “meios
inovadores” (Aydalot 1979) ou explorar as potencialidades de um
ambiente favorável às inovações (Dosi 1984; Lipietz e Leborgne
1988, Harvey 1989).
No novo cenário do final do século XX, que revalorizou a dimensão
regional e as respectivas políticas a ela dirigida, grandes corporações
e pequenas e médias firmas passaram a se beneficiar da flexibilidade
de organização produtiva e da mobilidade locacional na exploração
das potencialidades regionais e dos meios sócio-culturais mais
adequados ao seus anseios de expansão e lucro.
Nem tudo está, no entanto, capturado ou movido pela parte
mais poderosa e dinâmica do sistema. A vida social e econômica
persiste nas áreas periféricas, realimentando circuitos secundários
de valorização dos capitais ou de iniciativas de organização
alternativas que animam a vida quotidiana de amplas camadas da

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento Regional
Desenvolvimento Regional

população. Dessa forma, mesmo nas franjas menos significativas


do sistema econômico, recursos mal ou pouco aproveitados podem
ser melhor mobilizados, desde que hajam estímulos para tanto -
uma postura que chama atenção novamente para o esforço inovador
demandado pelo desenvolvimento regional.
A criatividade e capacidade de organização coletiva das
populações pode perfeitamente explorar brechas para a inclusão
social e econômica e, assim, reencontrar nichos de inserção
sustentada nos mercados. O caso recente do Seridó Norte-
Riograndense parece exemplar. A partir do estímulo à habilidade da
mão-de-obra local para fabricar bonés, foi possível alterar
sensivelmente o quadro sócio-econômico negativo antes existente,
gerando-se emprego e renda para a população de seu principal
centro urbano. Com apoio e empenho para planejar seu próprio
desenvolvimento, populações que enfrentam problemas podem se
organizar para buscar respostas concretas a seus desafios.
Políticas nacionais de desenvolvimento regional possuem, assim,
novo espaço para agir. Não precisam mais lidar apenas e
exclusivamente com a atração de empresas de grande porte, dos
empreendimentos motores do crescimento. Mas agora estão abertas
à exploração das relações sociais de cooperação e de
compartilhamento de visões de futuro e projetos de desenvolvimento
dos membros da sociedade regional.

3. Objeto
O objeto principal da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional – PNDR são as profundas desigualdades de níveis de vida
e de oportunidades de desenvolvimento entre unidades territoriais
ou regionais. Os diferentes potenciais de desenvolvimento das
diversas sub-regiões, que refletem a diversidade social, econômica,
ambiental e cultural presente no País, são a matéria-prima das
políticas regionais. É para atuar nessas duas direções, de forma
clara e direta, que se justifica a existência da PNDR. Atuar nos
territórios que interessam menos aos agentes do mercado,
valorizando suas diversidades, configura-se como uma estratégia
para a redução das desigualdades. Ou seja, a desigualdade de renda,
na sua expressão territorial, decorrente da ausência e/ou estagnação
da atividade econômica é o que interessa a esta política; reduzi-la
ajuda a construir um país de todas as regiões e não apenas de
algumas.
No caso de um país continental como o Brasil, além da redefinição
de sua inserção mundial, parece cada vez mais evidente o imperativo

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Tänia
Tânia Bacelar de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

de combater desigualdades e trabalhar a diversidade como um ativo


essencial do modelo de desenvolvimento. E isso nos remete,
obrigatoriamente, à políticas que tenham por eixo a estruturação
de iniciativas inovadoras desde a base territorial do país, que contêm
o engajamento das diversas forças sociais e políticas das regiões.
O sentido maior de uma PNDR é, assim, duplo: de um lado,
encetar e sustentar uma trajetória de reversão das desigualdades
regionais que, a exceção de curtos períodos históricos, não pararam
de se ampliar no Brasil; de outro, explorar, com afinco, os potenciais
endógenos da magnificamente diversa base regional de
desenvolvimento, em conformidade com os fundamentos sociais
atuais de uma produção mais diversificada e sofisticada, mas
portadora de valores sociais regionalmente constituídos.
Alguns problemas, naturalmente, possuem maior afinidade com
o desenvolvimento regional. De modo inverso ao que muitos pensam,
o objeto da PNDR não é o combate à pobreza, que constitui um
problema afeto a outros campos de ação pública. Se assim fosse,
no caso brasileiro atual, o mapa de intervenção da PNDR levaria o
Governo a priorizar as áreas metropolitanas, mais ricas e dinâmicas
mas, hoje, concentradoras de enormes contigentes de pobres.
Pobreza e desigualdades regionais, no entanto, mostram-se
convergentes em muitos lugares e seus respectivos mapas de
referência se assemelham em várias regiões, nas quais, em muitas
situações, as posições relativas se superpõem. Mas uma categoria
não é redutível à outra. Identificam-se bolsões de pobreza nas
regiões de baixos níveis de rendimento domiciliar médio por
habitante. Mas esses também se fazem presente em áreas de alto
nível de rendimento médio domiciliar. No caso da Região
Metropolitana de São Paulo, por exemplo, que congrega o maior
número absoluto de pobres no País, convive-se com um rendimento
domiciliar médio elevado, que afasta os cartogramas, apresentados
adiante, de um e de outro fenômeno.
O combate a pobreza, pelas políticas sociais, que também poderá
ser implementado com base em unidades territoriais definidas,
deverá estar articulado com as ações e programas da PNDR nas
suas áreas de prioridade. De certa forma, as políticas urbanas
buscam responder igualmente a este campo de preocupações,
articulando respostas desde a perspectiva da provisão dos serviços
públicos essenciais e da acessibilidade das populações à sua oferta.
Desta forma, os espaços não incorporados a contento pela
dinâmica capitalista justificam a intervenção do Estado, que objetiva
a redução das desigualdades sócio-econômicas por meio de criação

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Política
PolíticaNacional
Nacionalde
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Regional

das condições necessárias ao desenvolvimento das atividades


econômicas, inserção da população no mercado de trabalho,
implantação de infra-estrutura e dos serviços básicos de saúde,
educação, dentre outros. O fundamento da Política reside na
oportunidade de que se articulem iniciativas de cunho territorial
tendo em vista ampliar os níveis de coesão e integração das
estruturas sócio-econômicas espacialmente distribuídas.

4. Premissas
A PNDR compreende uma política de governo e não está restrita
a um único ou a poucos ministérios, ainda que se admita alguma
ênfase no papel que o Ministério da Integração Nacional deva exercer
na sua formulação e na coordenação do processo de sua
implementação. Mas mesmo essa última função deve ser
compartilhada com as áreas de coordenação geral das ações de
Governo, como a Casa Civil da Presidência da República, a Secretaria
Geral de Governo e o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão.
Para um conjunto de políticas mais próximas, que têm como
substrato comum o território, os afinamentos parecem obrigatórios,
como nos casos da Política Urbana, a cargo do Ministério das Cidades;
da Política Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente; ou ainda, do
Desenvolvimento Agrário, a cargo do Ministério homônimo. O diálogo
entre a Política Regional e estas outras precisa ser muito próximo
pelo evidente caráter de complementação que preside suas relações.
Três outros conjuntos de ministérios precisam fazer suas políticas
e ações dialogarem com o objetivos de redução das desigualdades
regionais: a) os da infra-estrutura; b) os de promoção do
desenvolvimento; e c) os de implementação de políticas sociais e
assistenciais.
Acrescenta-se ainda, considerando a complexidade do território
brasileiro, que a Política requer uma abordagem em múltiplas
escalas. Não só os elementos das agendas de desenvolvimento
possuem espacialidades variadas, como também existe a
necessidade de articular as iniciativas dos vários entes federados e
da sociedade civil em torno de objetivos, diretrizes e metas comuns,
compartilhados por todos. As escalas de atuação determinam, em
larga medida, as agendas efetivas da PNDR e ajudam a traçar as
linhas de distinção entre ela e as demais políticas.
A PNDR deve ser antes de tudo nacional, porque essa é a escala
preferencial compatível com a perspectiva de regulação do fenômeno

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Tänia Bacelar
Tânia Bacelar de
de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

das desigualdades. Mesmo a ativação dos potenciais de


desenvolvimento das regiões e a exploração das diversidades devem
se fazer desde a União tendo por referência o quadro objetivo das
desigualdades, sob pena de obtenção de resultados contraditórios
aos almejados. Para evitar certa autonomização típica dos
“localismos”, a PNDR deve contar sempre com uma regulação
nacional.
Mas o mais complexo na proposta da PNDR deriva mesmo do
fato dela não se limitar ao campo de atuação de um Ministério.
Dessa maneira, iniciativas que buscam intervir sobre outros
problemas devem, na medida do possível, responder aos critérios
emanados da PNDR.
Isso demarca uma divisão de trabalho interna à Política: de um
lado, os espaços onde a governabilidade é indireta e prevalece,
sobretudo, a capacidade de persuasão dos parceiros para os seus
propósitos; de outro, os espaços de intervenção mais direta, em
que predominam os programas de desenvolvimento regional que
devem constituir efeito básico de demonstração do norte das ações.
Nesse último caso, a Política deve organizar as ações com autonomia
e consistência, pois se precisa ganhar expressão por todo o espectro
das ações de governo e da sociedade, catalisando esforços dirigidos
a outros campos. Deve, ainda, ser capaz de mobilizar os recursos
necessários e de operar com eficiência e eficácia seus instrumentos
de ação mais direta. Com isso, será capaz de responder aos principais
desafios e problemas do desenvolvimento regional, permitindo o
alcance de resultados efetivos na redução das desigualdades e na
exploração de potenciais de desenvolvimento das regiões.

5. Diagnóstico
Para efeito de orientação dos programas de desenvolvimento
regional e também com vistas ao estabelecimento de uma referência
obrigatória para o diálogo entre a PNDR e as demais políticas de
Governo, organizou-se uma visão da configuração regional e da
dinâmica recente a partir de um conjunto selecionado de variáveis.
O objetivo é fornecer um suporte mínimo e informar o conjunto de
iniciativas voltadas para a redução das desigualdades regionais e a
ativação dos potenciais de desenvolvimento das regiões. Este
pequeno diagnóstico, como veremos, ajuda a construir um conjunto
de critérios para priorizar a seleção das sub-regiões que devem
merecer prioridade da PNDR e que ajudam na estruturação de uma
referência para outras políticas.

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PolíticaNacional
Política Nacionalde
deDesenvolvimento
Desenvolvimento Regional
Regional

5.1 Metodologia
A metodologia parte da análise de cartogramas, tendo por base
a escala microrregional. Alguns cartogramas de diagnóstico nos
ajudam a construir uma visão mais atual das desigualdades e
diversidades regionais.
A base de dados compreende categorias retiradas dos Censos
Demográficos do IBGE (1991 e 2000) e as estimativas dos Produtos
Internos Brutos dos municípios realizadas pelo IPEA para os anos
de 1990 e 1998.
As variáveis selecionadas buscam retratar a ocupação do território
e sua tendência de evolução no último período intercensitário.
Procura-se exprimir as características particulares que qualificam a
população residente quanto a atributos específicos, tais como o
rendimento domiciliar médio por habitante e o grau de alfabetização
e a sua localização urbana e rural. Para cobrir características e
atributos da produção, agrega-se ainda uma aproximação da base
econômica associada à unidade microrregional através da taxa de
crescimento médio anual do PIB no período 1990/1998, que junto
com a taxa de crescimento da população 1991/2000 representa a
dinâmica socioeconômica do período.
Embora algumas variáveis se espelhem nos domicílios ou nos
indivíduos, a exemplo de rendimento/habitante, o que se analisa e
representa é um atributo territorial, característico da Microrregião
Geográfica (MRG) e representado pelo valor médio observado, no
intuito de buscar padrões e tipologias decorrentes de cada um dos
atributos.
A análise da distribuição das variáveis é feita em sextis, definidos
automaticamente pelo software de estatística espacial utilizado. O
valor mínimo observado constitui o limite inferior e o máximo, o
superior. Os três sextis inferiores separam-se dos outros três
superiores pela mediana. Os limites intermediários dependem da
distribuição efetiva dos eventos em cada subclasse.
Por fim, cabe alertar a necessidade de interpretar com cautela
os dados da região Norte, face à baixa densidade populacional e à
maior extensão das áreas microrregionais. Nos cartogramas, isso
provoca certa ilusão de ótica, magnificando a posição das
microrregiões do Norte. De outro lado, a rarefação populacional
desta região causa maior instabilidade ou sensibilidade dos dados à
pequenas variações.

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Tânia Bacelar
Tänia Bacelar de
de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

5.2 Análise dos Cartogramas


A distribuição da população no território brasileiro (expressa
através da densidade demográfica das microrregiões geográficas,
ilustrada no cartograma 1) revela que grande parte da população
se estabelece nas áreas próximas ao litoral, no entorno das
metrópoles e capitais estaduais, e ainda em alguns centros urbanos
dispersos no interior do país, a exemplo de Manaus, Brasília ou
Goiânia. Nestas áreas encontram-se as maiores densidades
demográficas, superiores a 54 hab/km².
A este adensamento litorâneo se contrapõe a existência de
extensas áreas com níveis de densidade muito baixos (menos de
11 hab/km²). É neste espaço que se encontram as áreas de
ocupação menos densas, notadamente no Norte e Centro-Oeste e
em parte do Semi-Árido nordestino, cuja ocupação se associa a
baixa capacidade de absorção de mão-de-obra ou ao baixo
dinamismo das atividades ali localizadas ou ainda a sua tardia ou
deficiente integração às áreas mais dinâmicas do país.
Esta heterogeneidade não é, entretanto, presente em todo o
território. Constata-se uma maior homogeneidade nas regiões Sul
e Sudeste, que mostram valores superiores a 29 hab/km², com
exceção da metade norte de Minas e de algumas sub-regiões do
Rio Grande do Sul, com densidade abaixo de 11 hab/km².

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Política
PolíticaNacional
Nacionalde
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Regional
Regional

O padrão de distribuição populacional acima descrito tem sua


origem no processo de colonização e de ocupação do território
brasileiro, inicialmente estabelecido em torno das áreas litorâneas
e dos principais portos e, a seguir, a partir de uma lógica produtiva
que utilizou os espaços interiores para dar sustentação as atividades
exportadoras. A lógica da produção voltada para o mercado externo,
concentrou as atividades mais dinâmicas nestas regiões, enquanto
o interior do país ficou à margem deste processo. A penetração da
ocupação para o interior fez-se inicialmente com a exploração do
ouro e outros minérios e, posteriormente, com a expansão da
fronteira agrícola, de início com a criação extensiva de gado, e
posteriormente, com a exploração de lavouras comerciais –
atividades que marcaram e foram responsáveis pelo estímulo à
ocupação do interior do país.
Este padrão de ocupação do território vem sendo lentamente
alterado pelo processo de crescimento populacional observado nas
duas últimas décadas (Cartograma 2). As taxas de crescimento da
população hoje observadas indicam um lento, porém constante e
marcante, processo de interiorização de população. Seja na
Amazônia, onde sua vasta porção de florestas e outras formas de
vegetação natural sempre foram uma barreira considerável a
ocupação humana (a exemplo de Alto Solimões, Boa Vista, Sudoeste
de Roraima e Macapá), seja em vastas áreas do cerrado, observa-
se uma crescente pressão antrópica perceptível com o aumento da
população que ocupa aquelas regiões.

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Tänia
Tânia Bacelar de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

Também merece destaque o crescimento da população no


entorno de pólos de desenvolvimento tais como Brasília, Petrolina-
Juazeiro ou no entorno de eixos de penetração, nos estados da
Bahia e Mato Grosso e na região de Palmas/Tocantins, áreas que
são direta ou indiretamente produto da intervenção do poder público
seja na promoção de investimentos massivos, seja através da oferta
concentrada de empregos e serviços públicos.
Entender a lógica de ocupação do espaço, expressa pelo
movimento migratório e pela consolidação da estrutura econômica
intrarregional, fornece pista essencial para a definição dos espaços
prioritários de atuação da PNDR. A análise das características
socioeconômicas da população realça um padrão territorial
diferenciado. Aqui, ao contraste litoral versus interior se contrapõe
um contraste norte/sul bem marcado, onde se ressaltam diferenças
regionais marcantes.
Num primeiro plano, os níveis de alfabetização, apresentados
no cartograma 3, e o grau de urbanização da população residente,
visto no cartograma 4, exemplificam bem este padrão, ao secionar
em dois o território nacional. De um lado, o Centro- Sul (Sul, Sudeste
e parte do Centro-Oeste) com altos níveis de alfabetização (maiores
que 82%) e de urbanização (maiores que 54%) e, do outro, o Norte-
Nordeste, com ainda boa parte da população no campo (mais que
40%) e níveis de alfabetização aquém, em grande medida, dos
50%, com exceção de suas capitais e principais centros urbanos.

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Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Política Nacional de Desenvolvimento Regional

O cartograma 4 identifica, de forma homogênea, a concentração


das maiores taxas de urbanização nas regiões Sul, Sudeste e Centro–
Oeste, com exceção na parte central do estado do Paraná e em
algumas poucas áreas nos estados de Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. Essas macrorregiões, caracterizadas por maiores taxas de
urbanização, coincidem com as regiões mais desenvolvidas do país,
daí se podendo inferir que as redes de cidades constituem um
suporte importante ao desenvolvimento.
Por outro lado, nas regiões Norte e Nordeste prevalecem áreas
com baixos níveis de urbanização. As exceções apresentadas são
as capitais das suas unidades federativas e os seus principais centros
urbanos, a exemplo de Mossoró e Campina Grande. Nessas regiões
predomina o ambiente rural, aspecto relevante para a escolha da
estratégia a ser adotada para o desenvolvimento dessas regiões.
De modo geral, as áreas com baixo grau de alfabetização
coincidem com as áreas com baixo grau de urbanização, o que
corrobora o predomínio do baixo nível de escolaridade no meio rural.

A distribuição dos níveis médios de rendimento domiciliar por


habitante de cada microrregião em relação a média brasileira, aqui
tomados como um atributo territorial, mostra um padrão semelhante
às características socioeconômicas analisadas. Como se vê no
cartograma 5, os percentuais em questão, destacam áreas, cujo

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Tânia Bacelar de Araújo
Tänia Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

tom se aproxima do branco e do cinza claro, em que essa proporção


se apresenta em patamares bem mais baixos, que vão de 16% a
33% da média nacional. Estas áreas, numerosas, predominam no
Norte e Nordeste, também se identificam com menor freqüência
em algumas MRG do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.
De fato, a muitas destas regiões também se associam taxas
negativas de crescimento do PIB, tanto a posição estática como
dinâmica de certas áreas converge nesses casos para configurar
um quadro de maior gravidade perante o desenvolvimento regional,
como é o caso das MRG de Euclides da Cunha e Jeremoabo, na
Bahia; de Santana do Ipanema e Vale do Ipanema, em Alagoas e
Pernambuco, respectivamente, e dos Lençóis e Baixada Maranhense
e Gurupi, no Maranhão.

No outro extremo, as MRG com rendimento ligeiramente inferior


ou maior que a média nacional se concentram nos estados do Sul e
Sudeste do país e já se identificam entre unidades presentes em
estados da chamada fronteira oeste, como Mato Grosso e Rondônia.
Distribuem-se entre as regiões que tradicionalmente estiveram
incorporadas à dinâmica econômica do país, ou que estão em franco
processo de integração à economia global (caso das áreas de
expansão da lavoura comercial da soja, do milho e do algodão), ou
que ainda se articulam às áreas de concentração urbana, em torno
de algumas regiões metropolitanas e capitais do Nordeste. Estes

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Política
PolíticaNacional
Nacionalde
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Regional

conjuntos territoriais e as áreas à sua volta expressam o mesmo


padrão de espacialização observado para a distribuição dos níveis
de alfabetização e de urbanização.
Assim, os menores níveis de rendimento estão associados a
grande parte do sertão nordestino, incidindo, na região Norte e
sobretudo no estado do Amazonas, MRG com essas características.
Eles praticamente inexistem na região Sul e Sudeste, com exceção
da porção norte de Minas Gerais, área tradicionalmente incorporada
ao Semi-Árido. Embora os níveis intermediários de rendimento
(patamares logo inferiores a média nacional) tenham uma
distribuição mais disseminada,continuam sendo a característica
principal da região Centro-Sul. Nas outras áreas predominam níveis
de rendimento em torno da metade da renda média nacional, com
destaque para o Centro-Sul e algumas regiões de fronteira
econômica do Norte-Nordeste.

À semelhança da dinâmica populacional, que se contrapõe à


distribuição territorial da população, a dinâmica econômica (expressa
pela taxa de crescimento do PIB microrregional - cartograma 6) se
contrasta com a renda das sub-regiões (vista através da distribuição
do rendimento médio em relação a média brasileira no cartograma
5). Mais uma vez, observa-se a inexistência de um padrão regional
bem definido, dando fundamento aos movimentos e migrações
populacionais que buscam melhor inserção socioeconômica.

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Tänia Bacelar
Tânia Bacelar de
deAraújo
AraújoeeAntônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

Destacam-se as áreas interioranas em contraposição ao litoral. A


dinâmica agropecuária, característica da última década, parece
contrastar com a crise da economia urbana-industrial que perdura
desde o final da década de 80.

6. Os critérios básicos da Política Nacional de


Desenvolvimento Regional - PNDR

6.1. Escalas e instâncias de Referência da PNDR


Cabe ao MI e demais órgãos envolvidos na coordenação da PNDR
articular e discutir com os demais ministérios os investimentos
estratégicos para a redução das desigualdades, bem como definir
os critérios e selecionar os espaços sub-regionais que devem ser
prioritários para a alocação dos recursos mobilizados pela Política.
Para isso, a PNDR deve contemplar as instâncias de articulação,
formulação e operação, de acordo com as escalas básicas
intervenção.
A instância nacional compreende aquela de definição dos critérios
gerais de atuação no território, identificando as sub-regiões
prioritárias para intervenção da PNDR e os espaços preferenciais de
intervenção das demais políticas sob a ótica de seu objeto - as
desigualdades regionais de renda e as oportunidades e
desenvolvimento entre as unidades territoriais do país. Aqui opera-
se, essencialmente, na definição dos contrastes territoriais que
devem matizar as iniciativas. Para exercer essa atividade, o Governo
Federal conta com dois instrumentos iniciais importantes: a Câmara
de Políticas Regionais e o Comitê de Articulação Federativa, ambos
criados recentemente sob a coordenação da Casa Civil da Presidência
da República.
Nas instâncias macrorregionais, prevalece a atividade de
elaboração dos planos estratégicos de desenvolvimento, a articulação
de ações e a promoção de iniciativas especiais. A instância
macrorregional é relevante no Norte e Nordeste, onde a missão do
desenvolvimento regional envolve parte substancial dos respectivos
territórios e reclama certo nível de concertação das ações numa
escala superior à sub-regional. Também é importante, em certo
grau, na Região Centro-Oeste. A proposta recente de recriação das
superintendências de desenvolvimento regional, Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Superintendência do
Desenvolvimento do Centro-Oeste - SUDECO, justifica-se pela
necessidade da presença de órgãos com esse perfil, capazes de

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento Regional
Desenvolvimento Regional

agir como braços de representação da PNDR mais próximos aos


beneficiários e aptos a dialogar com essas forças sociais no
entendimento e aperfeiçoamento de suas proposições estratégicas
de desenvolvimento.
Nas instâncias sub-regionais estão as ações predominantemente
operacionais. Os Programas Mesorregionais constituem a unidade
de articulação das ações nas sub-regiões selecionadas pelos critérios
definidos para todo o território nacional, acoplando-se a eles espaços
institucionais de concertação a essa escala, como fóruns e agências
de desenvolvimento, conforme arranjos estabelecidos pelos atores
sub-regionais.
As ações são, portanto, desenvolvidas preferencialmente à escala
mesorregional. Nesse âmbito, cabe assinalar, ainda, a importância
das regiões do Semi-Árido nordestino e da Faixa de Fronteira como
áreas especiais, ambas por serem estrategicamente importantes
para o desenvolvimento e a integração nacional. A primeira, por ser
uma sub-região tradicionalmente com precárias condições de vida
e baixa atividade econômica; a segunda, por ser uma área
estrategicamente importante para o objetivo da integração sul-
americana.
A idéia é apoiar os Programas Mesorregionais dentro de uma
agenda pré-estabelecida, que inclui: infra-estrutura clássica de
média e pequena escala, apoio à inovação e suas práticas e a arranjos
produtivos locais, capacitação de mão-de-obra, apoio aos ativos
relacionais e crédito para as unidades produtivas. Esse apoio ao
Programa Mesorregional, previamente consagrado na aprovação do
plano de desenvolvimento respectivo, traça as bases para o aporte
do MI e para o trabalho de sondagem de possíveis parcerias
relacionada às missões dos outros órgãos.

6.2. Os Espaços Sub-Regionais Prioritários para atuação da


PNDR
Com o objetivo de delimitar os espaços prioritários de ação de
governo e tendo em mente os objetos da PNDR, propõe-se dar
ênfase a duas variáveis: rendimento domiciliar médio e variação do
Produto Interno Bruto - PIB. O rendimento domiciliar médio por
habitante é uma variável estática que busca mensurar o poder de
compra médio em um determinado território. A variação do PIB é
uma variável dinâmica, que mostra a evolução da produção de um
determinado espaço geográfico. Em nossa proposta, uma vez feita
a superposição dos cartogramas compostos por estas variáveis, os

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Tänia Bacelar de
Tânia de Araújo
Araújo eeAntônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

espaços coincidentes definem as áreas a serem prioritariamente


beneficiadas pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional.
O resultado do cruzamento daquelas variáveis nos cartogramas,
considerando uma composição dos sextis originais em três conjuntos
de resultados, alto, médio e baixo, (conforme se trate,
respectivamente, dos dois sextis superiores, dos dois intermediários
ou dos inferiores), levou a um conjunto de nove cartogramas. Estes
nove cartogramas, reagrupados, espelham uma tipologia regional
que apresenta quatro conjuntos territoriais distintos. A classificação
pode ser visualizada esquematicamente no Quadro 1, que apresenta
os quadrantes da matriz da tipologia dos espaços sub-regionais.
O Quadro 1 retoma a idéia de que a definição destes critérios
territoriais se aplicam especialmente aos programas de
desenvolvimento sub-regional, cuja expressão atual no PPA 2004-
2007 corresponde, no caso do MI, aos Programas PROMESO e o
PROMOVER3, que deveriam ser financiados idealmente por aportes
de um grande Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.
Quadro 1
ESPAÇO PRIORITÁRIO PARA AÇÃO: SUB-REGIÕES DA PNDR

ALTA RENDA
RENDA MÉDIA E
POUCO DINÂMICA

RENDA BAIXA E RENDA BAIXA E


POUCO DINÂMICA MÉDIA E DINÂMICA

Políticas
Sociais

PROMESO PROMOVER

FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento Regional

As MRG classificadas no primeiro grupo – alto rendimento


domiciliar médio em termos relativos independente do dinamismo
observado no período recente (cartograma 7), encontram-se
predominantemente nas regiões Sul e Sudeste, as mais
desenvolvidas do País, e também no Centro-Oeste, como nas MRG
do Sul e Sudoeste goiano, em algumas do trecho inicial da BR- 163,
próximo a Cuiabá, ou das microrregiões de Campo Grande e mesmo
do Distrito Federal.
As regiões Norte e Nordeste, ao contrário, apresentam manchas
insignificantes nessa tipologia, a maioria relacionada às microrregiões
das capitais, o que já denota um primeiro contraste importante.
Cabe frisar que estes espaços tendem a não ser alvo prioritário
de intervenção da PNDR, pois o aporte de recursos para eles implica
tendência de reforço às desigualdades regionais. Tais sub-regiões
têm, naturalmente, todo direito a lutar por seu desenvolvimento e
de organizar planos estratégicos nessa direção, no que contam com
o apoio do MI. Mas devem fazê-lo, preferencialmente, às custas
dos próprios recursos e dos aportes dos respectivos governos
estaduais. A lógica é a de que já concentram meios suficientes para
lidar com seus projetos de desenvolvimento, não sendo necessário
aportes adicionais de recursos da União. A PNDR é aqui solidária
com essas iniciativas regionais.
CARTOGRAMA 7

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Tânia Bacelar de Araújo e Antônio Carlos Galváo
Tänia Bacelar de Araújo e Antönio Carlos Galváo

Os três conjuntos seguintes compõem o espaço preferencial de


atuação da PNDR, mas comportam significados distintos para as
estratégias de desenvolvimento a serem enfrentadas nos programas
sub-regionais.
No período recente, as dinâmicas observadas no plano territorial
relacionam-se principalmente à expansão da agroindústria e, em
particular, ao complexo de produção associado à soja. Não por outra
razão, o cartograma 8 tinge as MRG dos cerrados mato-grossenses
e nordestinos. Mas também aparecem promissoramente áreas do
Semi-Árido nordestino, do nordeste de Minas Gerais e do Pantanal.
As MRG dinâmicas de menor renda (cartograma 8) possuem
presença rarefeita nas regiões Sul e Sudeste. São mais freqüentes
nos casos das macrorregiões Centro-Oeste e Nordeste, onde cobrem
vastas extensões territoriais. A interpretação dos dados dessa
tipologia leva a crer que se trata de um processo de transformação
no período recente, sendo relativamente fácil para a PNDR apoiar
as iniciativas existentes.
CARTOGRAMA 8

A espacialização das regiões classificadas como média renda mas


baixo crescimento produtivo (cartograma 9), o terceiro
compartimento da tipologia, mostra uma dispersão por todo o
território e um evidente problema de estagnação, com indicadores
de crescimento baixos.

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento Regional

CARTOGRAMA 9

As MRG classificadas nesse terceiro conjunto correspondem


àquelas que de certa forma já apresentaram alguma dinâmica de
crescimento no passado, mas que estão atualmente estagnadas.
Quando se analisa o cartograma 9, identificam-se aí vastas porções
dos territórios do Pará, Amapá e de Roraima, na Região Norte; do
Espírito Santo, no Sudeste; e as MRG de Itabuna-Ilhéus, Porto
Seguro, de Petrolina-Juazeiro, na Bahia, sendo que as duas últimas
áreas já contam com atuação do MI e, por fim, o entorno do DF.
Por último, as regiões de baixo crescimento e baixa renda
(cartograma 10) que se concentram, sobretudo, nas regiões Norte
e Nordeste do país, constituem um campo desafiador para a PNDR.
Essas áreas apresentam, pois, um quadro em que convergem baixos
indicadores de renda aliados ao crescimento pouco dinâmico, o que
resulta em espaços problemáticos no que se refere aos desequilíbrios
inter e intrarregionais.
A atuação da PNDR nesse conjunto territorial, requer melhoria
da articulação entre ministérios, em especial com aqueles que lidam
diretamente com a questão da pobreza. Convém ressaltar que nas
sub-regiões de renda baixa e pouco dinamismo econômico, se faz
necessário a articulação da PNDR com as políticas sociais, uma vez
ser insuficiente a ação unilateral da política regional, decorrente
das precárias condições de vida nessas sub-regiões.

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Tänia Bacelar de Araújo
Tânia Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

CARTOGRAMA 10

6.3. A Síntese da Tipologia e seu rebatimento nas variáveis


do diagnóstico
A partir destes cartogramas originais que organizam cada um
dos tipos sub-regionais identificados, pode-se chegar a um
cartograma síntese, que assinala a área preferencial de atuação da
PNDR (cartograma 11) no que respeita ao financiamento dos
programas de desenvolvimento regional.
No cartograma síntese, as áreas em branco estariam fora do
escopo preferencial de atuação da PNDR, uma vez que se
classificariam como de alta renda. As ações da PNDR se
concentrariam nas regiões acinzentadas, as quais devem, inclusive,
receber tratamento diferenciado, conforme as particularidades que
apresentam.
As situações de rendimento domiciliar médio e dinâmica de
crescimento do PIB se desdobram no Quadro 2 numa nova leitura ,
à luz dos quatro mundos identificados, das variáveis de diagnóstico
apresentadas anteriormente.
As áreas de alta renda compreendem 12,6% do território
brasileiro e concentram um contingente considerável de população
(53,7% do total). Como resultado, caracterizam-se por um forte
adensamento populacional, em torno de 85 habitantes por km², e

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Política
PolíticaNacional
Nacionalde
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Regional

elevado grau de urbanização, de 93,2%. Essas MRG, em conjunto,


detêm 74% da renda domiciliar total e participam com 76% do PIB
total do país no ano de 1998. Os indicadores das condições
socioeconômicas também refletem um distanciamento considerável
com relação às demais áreas: 90,3% da população é alfabetizada;
o rendimento médio por habitante representa 139% da média
registrada para o Brasil; apenas 66,6% da população reside em
domicílio que possuem de rendimento domiciliar menor que 2 salários
mínimos, o menor percentual dentre todas as outras regiões típicas.
CARTOGRAMA 11

As áreas classificadas como dinâmicas de menor renda cobrem


30,3% do território brasileiro e participam com 9% da população,
resultando em uma densidade de aproximadamente 6 habitantes
por km², dos quais 57,9% encontram-se em áreas urbanas. Sua
parte no PIB é de 4% do total, e a renda domiciliar oscila em torno
também a 4%, o que se reflete na participação dos rendimentos
médios por habitante, que se situa próximo dos 27%. Nessas áreas,
89,5% dos domicílios apresentam rendimentos de até 2 salários
mínimos e 72% dos indivíduos são alfabetizados.
As regiões de média renda e crescimento baixo ou negativo se
estendem por 33,9% do território e participam com 28,9% da
população (densidade de 17 habitantes por km²), da qual 75,3% é

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Tänia Bacelar
Tânia Bacelar de
de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

classificada como urbana. A participação desse conjunto territorial


no PIB nacional alcança 15,6% do total e na renda domiciliar, cerca
de 19%, fato que demonstra o peso das transferências de renda
para estas MRG. A participação dos rendimentos médios por
habitante situa-se em torno a 65%. A proporção de domicílios com
rendimentos médios inferiores a 2 salários mínimos gira em torno
de 85,8%. Cerca de 80% da população é alfabetizada.
Por último, as regiões classificadas como de baixa renda e
crescimento baixo ou negativo apresentam números que traduzem
a dimensão da face mais aguda do problema regional brasileiro.
Essas MRG compreendem, juntas, 23% do território nacional e
apenas 8,4% da população, o que implica numa densidade
demográfica baixa, próxima de 7 habitantes por km². O grau de
urbanização é de 50,4%. No conjunto, sua participação no PIB
nacional é insignificante, algo em torno de 2%, sendo a participação
no conjunto total da renda domiciliar pouco superior, cerca de 3%,
o que atesta novamente a presença de transferências positivas de
renda. Ainda assim, a participação na renda por habitante esta
próxima de meros 27% da média nacional, com 95,7% do conjunto
de domicílios ali situados recebendo até 2 salários mínimos. A
proporção de alfabetizados também se reduz a um patamar mínimo,
de 61,6% da população.

7. Conclusões
A tipologia espelha o cenário drástico de desigualdades regionais
no País, representando uma referência objetiva que ajuda a informar
as demais ações de política pública do Governo. O mapa que informa
as áreas elegíveis para definição dos programas de desenvolvimento
regional colabora para a conformação de diretrizes mais gerais
voltadas para o objetivo de redução das desigualdades regionais.
Sejam ações de infra-estrutura econômica, sejam ações de política
social, há lugar para que, ao lado das considerações específicas
tradicionais que justificam e orientam a tomada de decisão nessas
políticas, estejam colocados, no mesmo plano, os critérios que
informam as estratégias estabelecidas de desenvolvimento regional
e a visão crua das diferenças de renda e condições de vida das
populações.
A PNDR constitui um claro desafio para o novo governo e a
sociedade civil, pois ao lado das ações que se delineiam para uma
atuação eficaz sobre as desigualdades pessoais de renda, coloca-
se a urgência de um enfrentamento simultâneo do problema das
desigualdades regionais. A abordagem do problema justifica-se até

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Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Quadro 2

Variação Rendimento Médio por Habitante (Brasil 2000=100)


do PIB
1988 ALTO MÉDIO BAIXO
/1990 d e 93 a 204% d e 33 a 93% d e 16 a 33%

ALTA RENDA (140 DINÂMICAS DE MENOR RENDA (120 MRG):


MRG): ·9,0% População 2000
· 53,7% População ·30,3% do Território
ALTA 2000 ·6,0 hab/Km2
· 12,6 do Território ·4,0% Renda Domiciliar
de 3,87 a
· 85 hab/km2 ·27,0% Renda Méd/hab
25,30% · 74,0% Renda ·4,0% PIB Brasil 1998
Domiciliar ·20,0% PIB 1998/Hab
· 139,0% Renda ·0,7% Tx. de Cres. PIB 98/90
Méd/hab ·72,0% Grau de Alfabetização
· 76,0% PIB Brasil
1998 MÉDIA RENDA E
· 143,0% PIB Brasil BAIXO
BAIXA RENDA E
1998/ Hab CRESCIMENTO (210
BAIXO
· 1,2% Tx. de Cres. PIB MRG):
CRESCIMENTO (87
MÉDIA 98/90 · 28,9% População
MRG):
de 0 a · 93,2% Grau de 2000
· 8,4% População
3,87% Urbanização · 33,9% do Território
2000
· 90,3% Grau de · 17,0 hab/Km2
· 23% do Território
Alfabetização · 19,0% Renda
· 7,0 hab/Km2
· 66,6% de Dom. Domiciliar
· 2,0% Renda
C/Renda < 2 SM · 65% Renda
Domiciliar
Méd/hab
· 2,0% PIB Brasil
· 15,6% PIB Brasil
1998
1998
· 27% Rend/hab
· 61% PIB 1998/Hab
· 20% PIB 1998/Hab
· 1,54% Tx. de Cres.
BAIXA · 0,64% Var PIB 98/90
PIB 98/90
·50,4% Pop.
de -16,85 · 75,3% Grau de
Urbanizada
a 0% Urbanização
·61,6% Alfabetizados
· 80,0% Grau de
·95,7% Dom. C/Renda
Alfabetização
< 2 SM
· 85,80% Dom.
C/Renda < 2 SM

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Tänia Bacelar
Tânia Bacelar de
de Araújo
Araújo ee Antônio
AntönioCarlos
CarlosGalváo
Galváo

mesmo pela forma territorialmente delimitada com que se tende a


definir parte expressiva das ações incidentes sobre o campo social.
Há lugar, pois, para uma PNDR que contemple múltiplas escalas
territoriais, explore os potenciais da rica diversidade social,
econômica e cultural das regiões e articule a ação entre os entes
federados e as forças sociais em prol de um país que apresente
maior inclusão social, seja mais robusto em sua economia e mais
atento à sustentabilidade ambiental, e que mantenha-se atento à
coesão e integração nacional.
o0o

Notas
1 São várias os registros destas contribuições, cabendo destacar Guimarães
Neto (1997), CNI (1997), Galvão e Vasconcellos (1998), Araújo (2000),
Bandeira (2000), Campolina Diniz (2002), Cano (2002), dentre outras.
2 Cabe lembrar que a maioria destas corporações globais está sediada
nos países desenvolvidos, o que implica maior capacidade de extração
de benefícios dos resultados gerados por elas. Essa relação termina
transformando esses países nos grandes beneficiários do arranjo atual,
mesmo que seus governos também tenham perdido, em certa medida,
graus de controle sobre as empresas.
3 Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais
(PROMESO); Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-
regiões (PROMOVER).

o0o

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Política
PolíticaNacional
Nacional de
de Desenvolvimento
Desenvolvimento Regional
Regional

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BRASIL SÉCULO XXI,
REGIONALIZAR PARA QUE? PARA QUEM?

Ester Limonad

Três processos interligados, desencadeados e em curso nas


últimas duas décadas (a revolução tecnológica informacional,
genética e energética; a formação de uma economia global com a
reestruturação dos processos econômicos em escala planetária; a
emergência de novas formas de produção e gerenciamento, com a
constituição de redes de interações que vão do local ao global)
contribuíram para uma alteração substantiva nas relações sociais
de produção e na vida cotidiana em todas as partes do país e do
planeta. A informatização da sociedade e a emergência de novas
formas e processos produtivos marcam o ingresso no século XXI,
no terceiro milênio da civilização ocidental, de uma forma tal que
ainda estamos a buscar compreender o alcance de tais alterações.
De certa forma, tais processos fazem com que o mundo pareça
cada vez mais incompreensível (Randolph, 1991), constatação
relevante não apenas para a produção do conhecimento, mas,
principalmente por seu aspecto social e político relacionado aos novos
enfrentamentos e disputas intra e inter-regionais onde não se pode
ignorar o peso e a importância adquiridos pelos “novos” agentes
sociais que têm por meta reorganizar as sociedades contemporâneas
“de baixo para cima” (por exemplo, os novos movimentos sociais).
A transformação das condições da produção em todas as esferas
da vida social implica, se seguirmos Lefebvre (1991:59), em
transformar não somente a reprodução do capital, do trabalho e
mesmo o modo de vida (o cotidiano) das diversas classes sociais,
mas em reorganizar, reestruturar o espaço onde se processa a
reprodução das relações sociais de produção e da totalidade. Se
por um lado temos uma globalização da economia, da cultura e de
padrões de consumo e de vida, por outro, temos um tecido social
heterogêneo e um espaço onde a diversidade impera. A constante

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Brasil Século XXI, regionalizar
Regionalizarpara
paraque?
que?Para
Para quem?
quem?

dissolução e recriação da sociedade industrial, tal como a mitológica


fênix, conforme assinala Marx na célebre passagem “tudo que é
sólido desmancha no ar”, resulta na constante (re)estruturação e
(dis)solução do espaço a cada momento – neste sentido tende a
haver uma mudança em processos espaciais como a urbanização e
a industrialização que contribuem para a (re)estruturação territorial
e para a conformação de “novas” regiões e formas de regionalização.
Intervém nestes processos distintos atores e agentes sociais,
organizados e ou congregados a partir de interesses diversos, que,
de certa forma, encontram sua expressão espacial em diferentes
contextos territoriais, que tendem a configurar, ao longo do tempo,
em última análise, o que se poderia caracterizar como uma coerência
territorial (Harvey, 1985:146) e que Gurisatti (1999:83) ao estudar
o caso da terceira Itália designa de DNA territorial. Poder-se-ia dizer,
então, que a região seria uma resultante da construção histórica
desta complexa coerência, construída a partir da dialética articulação
(enfrentamento) de distintos processos sociais, que tende a conferir
características específicas a um determinado espaço social, e a
expressar os distintos interesses dos agentes e atores sociais
envolvidos. Neste sentido, não há como negar, a região é antes de
qualquer coisa um fato político, um “resultado de um equilíbrio de
forças” como assinalava Kayser (1980:280), e expressão espacial
de articulações sociais conforme Becker (1982: 24-25). No entanto,
Santos (1996) chama a atenção para o fato que o grau, intensidade
e escala de abrangência de tais articulações estariam relacionados
historicamente, e em uma visão clássica da geografia (Vidal de la
Blache), a uma relação de poder entre um centro e seu espaço
circunadjacente, através de interações horizontais hierárquicas, que
hoje conquistam novos contornos graças aos processos a que nos
referimos, que permitem interações verticais que rompem com a
hierarquia pretérita, configuram novas territorialidades e novas
articulações regionais ao propiciarem interações diretas entre centros
de 1a e 2a ordem (vide a respeito Friedman, 1986 e Sassen, 1994)
e periferias antes subordinadas a outros centros, por exemplo, como
a interação direta entre Porto Real (RJ-Brasil) e Wolfsburg (Alemanha
– sede mundial da Volkswagen), ou ainda entre as tribos Carajás
na Amazônia e Londres, sede da empresa de cosméticos que adquire
a produção indígena de castanha do Pará.
A Geografia, talvez seja hoje a área do conhecimento responsável
pela abertura de novos caminhos e perspectivas para a reflexão
dos fatos contemporâneos, em sua pugna por alcançar uma
abordagem integradora que permita a compreensão da organização
do espaço através do processo histórico. A cidade, o território e a

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Ester Limonad
Ester Limonad

região, enquanto fatos sociais e categorias do espaço social, não


são frutos apenas da tecnologia e da divisão social e territorial do
trabalho, enquanto objetos, mas em termos de qualidade enquanto
processos e fluxos que neles se desenrolam.
Não é mais possível reduzir a leitura de uma sociedade a seu
modo de desenvolvimento, (con)fundir sistema social e conjunto
histórico, nas palavras de Touraine
...libertar o estudo dos fatos sociais dessas duas concepções é
alçar ao primeiro plano a análise das relações sociais (...)
movidas por grandes orientações culturais. O que esvazia a
representação da sociedade como uma construção de dois
andares - infra-estrutura e super-estrutura...
Estamos habituados a criticar as relações de produção e opô-
las às forças produtivas. As máquinas, a informação, a mu-
dança eram em si valores positivos: a cultura estava acima da
sociedade. E eis que esta confiança em um mundo superior ao
das relações sociais desmorona. Não há mais fuga nem refúgio
possível. O poder está em toda a parte, e não escaparemos
dele apelando aos deuses, ao Homem ou à História. Só podemos
contar com nossas próprias forças, com nosso desejo de
liberdade e com os movimentos sociais por ele estimulados.
(1988: 109 e 116)

Partimos de uma concepção do espaço enquanto um produto


social (Lefebvre, 1991:26), porém toda concepção de espaço
pressupõe uma de tempo, de processo histórico, que
compreendemos aqui enquanto um entremeado de fluxos e
processos, que coexistem espaço-temporalmente e tendem a se
tornar hegemônicos em determinados momentos e espaços,
condicionados e propiciados pelas circunstâncias e práticas sociais,
econômicas, políticas, culturais etc. e pelas correlações entre os
diversos setores da sociedade. Não se tratam, portanto, de processos
“novos”, mas de processos pré-existentes ou “adormecidos”. Os
processos e fluxos assumem uma configuração de uma meada onde
co-existem espaço-temporalmente. Não há assim uma determinação
única, mas múltiplas determinações, onde em cada momento
distintos processos e fluxos sócio-espaciais assumem um papel
hegemônico, enquanto outros subjazem adormecidos e se
transformam para num momento subseqüente assumirem um peso
maior. Decorre daí a geração de distintas formas espaciais.
Neste sentido não podemos estudar a organização do espaço
social sem ter claro o que lhe antecede e sucede. Não numa
perspectiva evolutiva de sucessão/substituição, mas numa
perspectiva dialética de (re) e (de) construção e (re) e (dis) solução

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Brasil Século XXI, Regionalizar
regionalizar para
para que? Para quem?

das formas, estruturas, processos e práticas, espaços onde o


passado é imanente ao presente e ao futuro - e o espaço é uma
condensação e cristalização do presente e do passado e da imanência
futura.
No presente, a produção do espaço social e concomitante
estruturação e ordenamento territorial teriam por base a urbanização
do território (Lefebvre, 1991; Santos, 1996) e a distribuição espacial
das atividades produtivas, em que interviriam diversos agentes em
múltiplas escalas articuladas e que teria por corolário a conformação
de novas territorialidades, novas regiões e novas formas de
regionalização (Santos, 1996; Santos e Silveira, 2001).

Entre a região e a regionalização


Um primeiro ponto a ser considerado ao nos propormos a tratar
da região e da regionalização concerne às razões para se proceder
a uma regionalização. Porque a retomada da região? A região em si
remete de imediato a sua construção enquanto tal, o que nos conduz
à indagação: Por que regionalizar? A quem ou para que servem as
regionalizações?
Sobre a região muito já foi dito, muito foi escrito, principalmente
no âmbito da geografia (Becker, 2004; Castro, 1994; Corrêa, 1991;
Gomes, 1995 e Haesbaert, 1999 entre outros). Trabalhos recentes
(Haesbaert, 1999:15 e Santos, 1999:16) discutem a persistência
da região enquanto categoria de análise. Devemos recordar que a
região a despeito de todas as adjetivações que a acompanham e
perseguem, é antes de qualquer coisa uma construção social que
atende interesses políticos precisos, mesmo em se tratando de uma
região funcional, ou da região natural. A sua taxonomia e
categorização científica podem inclusive seguir distintos
procedimentos científico-metodológicos e ter por base critérios e
cartografias precisas. Muito embora, não haja meios de definirmos
de forma categórica uma linha divisória precisa, um marco
delimitador que permita ao cientista afirmar aqui termina uma região
A e ali começa uma região B, pois o espaço é uma expressão de
continuidades e descontinuidades físicas e sociais. Então, ressurge
o espectro que assombrou durante décadas o pensamento social
na geografia, no planejamento e na gestão territorial: como definir
a região, como regionalizar?
Como estabelecer que uma região econômica, social, natural
esteja delimitada por coordenadas geográficas precisas? Qual o
significado de tal ato? Ora, tal região é produto do pensamento
social, de práticas hegemônicas e contra-hegemônicas, assim, é

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Ester Limonad

uma representação, e parte da construção social do espaço de uma


sociedade. Espaço que é “secretado” historicamente (Lefebvre,
1991:38), na medida em que entendemos que cada sociedade
produz o seu espaço e suas representações do espaço a partir de
suas práticas espaciais e de seus espaços de representação, em
um processo não isento de conflitos, uma vez que a “sociedade”
não implica na existência de um consenso social, e comporta também
os movimentos de resistência às ações hegemônicas.
A região constrói-se a partir da ação de distintos agentes em
múltiplas escalas articuladas que de certa forma encontram um
rebatimento em práticas e processos sócio-espaciais histórica e
geograficamente localizados, o que permite a Silveira (1999:386)
salientar que o local e o global se afirmam e se negam dialeticamente
na região.
Uma regionalização pode fundamentar uma reflexão teórica ou
atender às necessidades impostas por uma política setorial, uma
prática de planejamento ou por propostas de desenvolvimento
regional. As regionalizações possíveis para um mesmo território,
espaço social, podem apresentar variações em função da finalidade
a que se propõem a atender e poderão estar pautadas em modelos
neoclássicos de localização - nunca suficientemente criticados ou
esquecidos; em matrizes e análises fatoriais - modelos para isto
não faltam, ou ainda ter por base concepções variadas desde as
regiões funcionais até as regiões polarizadas.
De fato, as regionalizações possíveis e existentes para um mesmo
território são inúmeras e usualmente atendem a interesses
extremamente precisos e este, parece-nos, é um primeiro ponto a
não se perder de vista. Há que se considerar, ainda, que as
regionalizações podem emergir da análise e reflexão conforme se
destaquem ou não determinados elementos e fatores. Uma
regionalização pode servir de base a propostas de desenvolvimento
regional. Propostas estas cujo caráter irá variar conforme os objetivos
a que se propõe a atender.
Permanece, porém, a indagação se a questão é regionalizar para
se elaborar e implementar políticas de desenvolvimento regional
cabe questionar para desenvolver o que e como? Uma vez que de
nada valem investimentos vultosos em infra-estrutura e suportes
logísticos, como já assinalava a este respeito Harvey em 1985, seja
em áreas não articuladas aos fluxos produtivos, seja onde não há
dinâmica econômica própria, ou incentivos a investimentos
econômicos – áreas econômicas deprimidas podem converter-se
facilmente em sorvedouros de investimentos que beneficiam grupos

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Brasil Século XXI, Regionalizar
regionalizar para
para que?
que? Para quem?
Para quem?

específicos de interesses sem tocar nas questões de fundo – neste


caso temos áreas como o Nordeste do Brasil e o Noroeste fluminense
onde a despeito da “vontade política” e dos investimentos
econômicos permanecem as estruturas de poder e regulação social
com um aprofundamento das desigualdades sociais.
De certa forma, no entender de Harvey (idem) o desenvolvimento
regional estaria relacionado ao que designa de coerência regional,
forjada historicamente pelos movimentos dos diversos atores,
capital, Estado e as diferentes classes sociais em disputa pelo espaço
– em que a evasão de um dos atores pode colocar em risco aquela
coerência e resultar em um processo de des-re-territorialização de
atores, processos e escalas. Que conduzem a novos arranjos, a
uma re-organização do espaço social, que torna obsoletas as
regionalizações pré-existentes e obriga-nos a refletir sobre novas
formas de regionalização. Questão assinalada de forma pioneira
por Milton Santos (1994) e desenvolvido mais tarde em “A Natureza
do Espaço” (1996). Se até a, assim chamada, terceira revolução
industrial as regionalizações faziam-se horizontalmente a partir da
extensão das áreas de influência e da dominação e organização de
uma extensão territorial a partir de uma cidade ou rede de cidades,
Santos (1996:227-228) assinala que com as novas tecnologias de
comunicação, as regionalizações passariam a se fazer verticalmente
– a partir de inter-relações entre pontos – lugares – selecionados –
ultrapassando as tradicionais hierarquias urbanas mediante redes
de interações ou, ainda, em uma rede de cidades e lugares globais
– neste sentido o esquema de Friedman (1986) de cidades globais
seria um exemplo interessante.
Todavia, ainda assim, temos que nos referenciar, também nas
tradicionais formas de regionalização, que ainda permanecem,
embora hoje a forma prevalente de regionalização concretize-se
através de interações verticais – como tem sido inclusive frisado e
veiculado através de inúmeros comerciais de TV ou mesmo de
exemplos práticos em que o cordão de abastecimento de uma
fábrica, principalmente no setor de material de transporte, deixou
de partilhar uma contigüidade geográfica e carece de continuidade
com a própria e onde as empresas de logística assumem um papel
fundamental (como são os casos das fábricas da Volkswagen de
ônibus e caminhões em Resende; da General Motors - Suzuki em
Gravataí ou ainda a fábrica da Daimler Chrysler em Juiz de Fora –
sendo que as duas primeiras trabalham sem estoques e a primeira
adota o sistema taylor-made – sob medida). Não se tem mais como
corolário da implantação de uma montadora a instalação e
implantação de um cordão de firmas de autopeças e de acessórios.

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Ester Limonad

Estudos relativamente recentes da Anfavea e do BNDES apontam


para uma forte oligopolização no setor de autopeças – que também
ocorre na indústria automobilística e em outros setores importantes
entre os quais o siderúrgico e o de bens não duráveis de consumo.
Um exemplo é a fábrica da General Motors que fabrica o Celta em
Gravataí, comercializado na Argentina como Suzuki-Fun, bem como
os produtos da linha branca da Brastemp com a etiqueta Whirlpool
norte-americana.

Brasil século XXI


Na última metade do século XX o Brasil mudou “sua cara”, de
um país com traços predominantemente rurais com uma
industrialização quase incipiente, temos hoje um outro país onde
novas paisagens surgiram. Com base em resultados de pesquisas
recentes (Diniz, 2001; vários em Gonçalves et alii, 2003) podemos
afirmar que há no presente uma gama diversa de especificidades
na implementação de empresas de última geração em um país de
capitalismo tardio como o Brasil – o que em parte nos diferencia de
processos de reestruturação e renovação industrial implementados
em outras partes e países.
Após 25 anos de planejamento autoritário os resultados obtidos
em termos da desconcentração espacial da riqueza foram
irrelevantes (vide a respeito os trabalhos de Araújo (1997 e 2000)
e de Diniz, 2001) com uma complexificação e diversificação dos
problemas sociais e econômicos. O Estado, responsável direto pelas
políticas e implementação do planejamento, desde a última década
do século XX converteu-se em promotor e financiador do
planejamento, implementado em parceria com iniciativas privadas,
com o objetivo de inserir e articular o país aos fluxos globais e
torná-lo competitivo internacionalmente. Neste sentido, temos os
programas dos governos FHC, “Brasil em Ação” e “Avança Brasil”
que definiram eixos de integração e pólos de investimento. Contexto,
em que o BNDES passou a desempenhar um papel fundamental na
articulação da relação Estado-Empresa – com importante peso para
o desenvolvimento econômico e regional. O problema que se coloca
hoje no governo de José Luís Inácio Lula da Silva é o que fazer?
Temos hoje o Plano de Ação do governo e está a esboçar-se uma
política regional onde estão a ser ressuscitadas algumas instituições
como a SUDENE1 e a SUDAM2, porém, que se pretendem com
significados diversos de suas predecessoras. Cabe neste contexto
questionar de que Nordeste e de que Amazônia estamos a falar?

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Brasil Século XXI, Regionalizar
regionalizar para
para que? Para quem?

Se os geógrafos e planejadores hoje trabalham com novas formas


de regionalização e deixam intocadas as regiões de governo, o
capital, por sua vez (Levy, 2002), tem muita clareza da nova
realidade regional, ao redesenhar o mapa geoeconômico do país
no qual o Nordeste é pensado e encarado de forma fracionada, em
que a Bahia e Sergipe constituem uma região à parte, assim como
o Ceará, alheios ao Maranhão e Piauí por um lado e aos outros
estados do Nordeste por outro; enquanto a região Norte aparece
dividida em duas partes a partir dos limites entre os estados do
Pará e do Amazonas. Regionalização esta que reflete a realidade
econômica destas áreas e os interesses a elas direcionados.
Na escala global, a inserção recente do Brasil na divisão
internacional do trabalho alterou-se em função da atual etapa da
globalização – o que permitiu ao Brasil assumir um papel
intermediário entre os países avançados e os países de capitalismo
tardio no mesmo estágio ou em estágios mais atrasados que nós –
cabe aqui considerar que o Brasil deixou de ser um mero fornecedor
de matérias-primas, alimentos in natura e semi-manufaturados.
Atualmente a bandeja comercial, apesar do tímido volume das
exportações, engloba uma série de produtos de alto valor agregado
como aviões, automóveis, caminhões e aves entre outros. Em termos
da indústria aeronáutica um sinal do dinamismo e competitividade
deste setor são os recentes conflitos com o Canadá na disputa de
mercados (Becker & Egler, 1993). Em relação à indústria
automobilística há que se ressaltar que hoje o Brasil concentra um
dos maiores leques de montadoras e fábricas de veículos automotivos
em comparação com outros países. Enfim, há muito o mercado
nacional deixou de restringir-se apenas ao mercado interno ou a
América do Sul e já alcançou, além da América Latina, os países
árabes, alguns países africanos a União Européia, a Rússia, a China
e mesmo os Estados Unidos – por vezes através de marcas
maquilladas. Mesmo no âmbito dos produtos alimentícios, dadas as
atuais condições de produção intensiva e beneficiamento de
alimentos, estes produtos também apresentam um valor agregado
como é o caso da avicultura – o Brasil converteu-se no maior
exportador mundial de aves e a produção é realizada em moldes
industriais e envolve desde a aquisição de rações, vacinas,
antibióticos, hormônios até equipamentos e máquinas de
processamento, empacotamento e refrigeração – ou seja de um
lado entram ovos fertilizados e do outro saem frangos inteiros ou
em pedaços congelados e empacotados.
Na escala nacional havia até a última década do século XX,
conforme assinala Araújo (1997 e 2000) uma “quase” especialização

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Ester Limonad
Ester Limonad

regional derivada da prática de planejamento governamental


orientada pela visão de uma complementaridade inter regional, que
buscou dividir o Brasil em regiões especializadas (o Sudeste
Industrial, o Centro-Oeste e o Sul como fronteira agropecuária, o
Nordeste com bens intermediários químicos (BA) e têxteis (CE e
RN) e o Norte como área de mineração e extração de produtos
primários). Esta organização do espaço nacional estaria relacionada
não só à prática de planejamento, mas também à dinâmica da
produção regionalizada das grandes empresas (Araújo, 1997) e às
respostas do Estado nacional à globalização.
Esta especialização espacial da produção apenas agora (há uns
cinco ou oito anos) começou a ser timidamente rompida, em virtude,
da nova divisão internacional do trabalho, das novas condições de
produção, das necessidades do capital e das disputas inter regionais.
Exemplos, neste sentido, são a implantação difusa de montadoras
de automóveis em diferentes partes do país: como a General Motors
em Gravataí - RS, a Volkswagen em São José dos Pinhais (PR), em
Resende (RJ) e em São Carlos (SP); além da fábrica da Ford na
Bahia.
Em menos de dez anos, de 1995 em diante, através de acordos
localizados e investimentos diretos assistimos ao início de uma
desconcentração industrial no Sudeste com a difusão de um amplo
leque de indústrias em diferentes partes do país, meta perseguida
com reduzido sucesso pelo Estado brasileiro durante pelo menos
um quarto de século de prática autoritária de planejamento.
A despeito das controvérsias neste sentido (Diniz, 2001 e Sabóia,
2001) é perceptível um deslocamento das unidades produtivas do
centro (região Sudeste) para a periferia (Norte, Nordeste, Centro-
Oeste e Sul) com a manutenção de suas sedes administrativas na
região Sudeste, particularmente em São Paulo. Além da dispersão
espacial das empresas industriais, outro indicador é o crescimento
do emprego industrial em lugares e regiões sem uma forte tradição
industrial como são os casos do Ceará e da região Sul, evidenciados
nos dados do IBGE e assinalado também por Sabóia (2001:85) na
seguinte passagem.
A indústria brasileira tem passado por um forte processo de
modernização e desconcentração espacial nos últimos anos. A
guerra fiscal entre as várias unidades da Federação, os salários
mais baixos nas regiões menos desenvolvidas, a proximidade
de fontes de matérias-primas, o nível da infraestrutura local e
o desenvolvimento do Mercosul têm provocado o deslocamento
da indústria em direção a diferentes regiões. Alguns estados e
regiões têm se destacado, beneficiando-se do processo de
descentralização industrial.

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Brasil Século XXI, Regionalizar
regionalizar para
para que?
que? Para
Para quem?

Enquanto o emprego se reduz na maior parte do País, estados


como o Paraná, o Ceará e aqueles localizados na Região Centro-
Oeste mostram um grande dinamismo, recebendo novas
empresas industriais e apresentando forte crescimento do
emprego. Em termos agregados, a Região Sul tem sido a
principal beneficiária, aumentando sua participação nos mais
diversos segmentos industriais.

Tal deslocamento poderia ser designado como um movimento


de dispersão concentrada caracterizado por uma dispersão
geográfica das plantas industriais pelo território nacional e uma
reconcentração econômica e financeira das sedes administrativas e
financeiras no Sudeste.
Enfim, de um país rural com um arquipélago de cidades o Brasil
converteu-se em uma nação urbana com uma economia nacional
articulada marcada por profundas desigualdades sociais e espaciais.
Pode-se dizer, que o papel econômico e a inserção do Brasil no
mercado mundial alterou-se radicalmente desde que se deu início à
substituição de importações em 1930, com o 1º governo Vargas.
Além disso, a distribuição das atividades produtivas no território
nacional foi alterada de forma radical se compararmos a atual
distribuição de atividades produtivas e de população com a situação
de outros países da América do Sul que ainda mantém uma forte
concentração demográfica e econômica em torno de suas capitais e
de um número reduzido de cidades de porte médio como são os
casos do Chile, Argentina e Venezuela, os mais desenvolvidos da
América do Sul. No Brasil a concentração econômica e demográfica
permanece acentuada na região Sudeste, seguida pela região Sul,
porém o território nacional encontra-se efetivamente ocupado,
situação um tanto distinta da Argentina, onde uma das províncias
mais ricas – a de Santa Cruz na Patagônia conta com uma população
em torno de 400.000 habitantes e onde pelo menos 30% da
população nacional está na Grande Buenos Aires e outros 20% na
província vizinha de mesmo nome. Bem ou mal, temos metrópoles
no Nordeste e no Norte e a região que abrange Brasília, Anapólis e
Goiânia, em pleno cerrado, conta hoje com mais de cinco milhões
de habitantes.
As regionalizações e propostas de desenvolvimento regional
elaboradas durante o período da ditadura militar possuíam um
caráter geopolítico preciso na medida em que tinham por objetivo a
ocupação do território. Prevalecia, então, conforme Moraes
(1994:20) a idéia de conquista e ocupação do território em que o
país era “pensado como um espaço a se ganhar e não uma
sociedade”.

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BRASIL SEC XXI - Atualizado Com Páginas em PDF.indd 63 7/20/2016 3:11:42 PM


Ester Limonad

Pode-se dizer, que de fato o território foi conquistado e ocupado,


e como afirma polemicamente Becker (2004) não há mais espaços
de fronteira – os que haviam já foram ocupados, trata-se agora de
consolidar esta ocupação – no caso da Amazônia e Centro-Oeste e
pensar no desenvolvimento regional em termos da sociedade – o
que acarreta desdobramentos que vão além do desenvolvimento
econômico. Assim, se hoje, tais propostas pretendem ter um caráter
distinto isto obriga-nos a refletir e a buscar novas formas de
regionalização.
Convivemos hoje com uma regionalização herdada da ditadura
militar, em que o Estado, dadas as características de um país de
capitalismo tardio, tomou a si, mais uma vez, diversas tarefas que
caberiam a uma burguesia nacional emancipada e
internacionalmente articulada, como assinala Francisco de Oliveira
em A Economia da Dependência Imperfeita. E, em 1953, no meio
tempo, entre o Estado Novo de Getúlio Vargas e o
desenvolvimentismo de Juscelino Kubistchek foi definida a Amazônia
Legal, ao norte de um paralelo e a oeste de um meridiano...
incorporando o oeste do Maranhão e o norte dos estados de Mato
Grosso e Goiás – hoje Mato Grosso e Tocantins. Todavia, há que se
considerar, a partir, do exposto, que se desenham novas tendências
a serem levadas em consideração. Em particular o novo projeto
geopolítico nacional. Entre 1940-70 a geopolítica nacional estava
direcionada para o domínio-controle e expansão do poder “territorial”
do Estado nacional, na tentativa de alcançar uma hegemonia política
e militar na América Latina e no Atlântico Sul, que então se
evidenciava através da concentração do aparato militar junto à
fronteira Argentina. No período seguinte com a globalização, a alta
seletividade espacial, a valorização econômica do eixo SE-S pelo
Mercosul e a revalorização da Amazônia (biodiversidade/
narcotráfico), o projeto precedente foi substituído pela busca de
uma nova inserção internacional articulada à formação de um bloco
econômico no cone sul – o Mercosul. No presente defrontamo-nos
com novas relações intra e inter-regionais articuladas à formação
de uma nova posição geopolítica do Brasil e de suas diferentes áreas
no cenário político-econômico internacional – em que a produção
local deixou de estar limitada e voltada aos mercados interno e
regional.
Os impactos da globalização e da reestruturação da produção e
do espaço social fazem-se sentir em diferentes escalas e localizações
(Limonad, 2003). A urbanização conquista uma maior relevância
na ocupação do território e assume novos contornos que tornam a
oposição rural - urbano e as tradicionais hierarquias urbanas

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Brasil Século XXI, Regionalizar
regionalizar para
para que?
que? Para
Para quem?

obsoletas (Limonad, 1996 e 1999). Espaços tradicionalmente vistos


como áreas de fronteira apresentam hoje uma ampla diversidade
de atividades produtivas, desde as indústrias extrativas de minérios
até complexos sojíferos e de produção de papel e celulose como
são os casos de Rondônia e Roraima. Tais transformações foram
acompanhadas por um incremento da urbanização, por uma sobre-
representação política dentre outros processos. Coloca-se na ordem
do dia repensarmos a regionalização brasileira em um contexto
cada vez mais globalizado como um desafio para o desenvolvimento
social e superação das desigualdades inter-regionais.
Trataremos, portanto nos trabalhos expostos a seguir de diversas
questões candentes relativas às possibilidades e às potencialidades
do desenvolvimento regional, enquanto elementos que contribuam
para pensarmos um novo Brasil e repensarmos as regionalizações
correntes.

Notas
1 SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
2 SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

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NOVOS RUMOS E TENDÊNCIAS DA URBANIZAÇÃO E A
INDUSTRIALIZAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO

Sandra Lencioni

Introdução
O objetivo desse texto é de tecer algumas considerações sobre
o processo recente de urbanização e industrialização do Estado de
São Paulo. Essa temática tem sido objeto de nossa preocupação
intelectual e esse texto tem como objetivo relacionar várias
conclusões parciais que foram anteriormente elaboradas com o
intuito de formular uma sistematização para a compreensão da atual
dinâmica territorial paulista como uma primeira aproximação para
se perceber possíveis tendências gerais.
As transformações havidas nas últimas décadas no Estado de
São Paulo são profundas e segundo a escala de análise a percepção
delas é diferente. Tomando-se o estado paulista em relação aos
demais estados da federação, percebemos a ocorrência de um
processo de desconcentração no qual o peso relativo da indústria
paulista tem diminuído em relação aos demais estados brasileiros1.
Numa outra escala, a do Estado de São Paulo, a tendência de
desconcentração territorial da indústria tendo como ponto irradiador
a cidade de São Paulo parece ter encontrado, senão limites, pelo
menos, uma desaceleração no seu espraiamento reafirmando a
concentração industrial na região metropolitana e no seu entorno.
Quanto ao processo de urbanização vem ocorrendo um crescente
desenvolvimento dos espaços metropolizados por todo o território
paulista. Além do mais, tudo parece indicar que estamos assistindo
à constituição de uma cidade-região que faz parte de uma
megalópole em formação que tem como centros as metrópoles de
São Paulo e do Rio de Janeiro.

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Sandra Lencioni

A primeira observação que gostaríamos de tecer, diz respeito à


preocupação de transcender ao aparente, que, também é real e,
por isso, pode, do ponto de vista do conhecimento, nos aprisionar
em suas armadilhas. Se de um lado, essas armadilhas nos
aprisionam, não permitindo apreender a realidade objetiva, de outro,
a interpretação assentada no aparente pode não só ser convincente,
mas, também, servir para mistificações. No caso específico,
discutiremos a falácia que foi interpretar as mudanças do último
quartel do século XX como sendo produto de uma descentralização
industrial. Essa compreensão tem seus motivos político-
administrativos, pois foi a partir dessa perspectiva que se projetou
e se legitimou a constituição da região metropolitana de Campinas.
A segunda observação se relaciona ao fato do Estado de São
Paulo ser um estado altamente urbanizado. Em 2000, o Censo
Populacional indicou a cifra de 93% de população urbana no Estado
de São Paulo, bem acima da média de 80% de população urbana
do país. Assim, não cabe discutir mais o processo de urbanização
em termos clássicos, em termos de crescimento da população urbana
ou segundo a dinâmica rural-urbana. Trata-se, agora, de
compreender que um novo processo está em curso, que é o da
metropolização dos espaços, pois, esse sim, é que permite captar a
diferenciação interna a essa urbanização.
Essas observações iniciais estruturam o texto em duas partes: a
primeira, que releva o processo de industrialização e, a segunda, o
de urbanização.

Metamorfoses da Industrialização em São Paulo


Desde os anos 70, a indústria no Estado de São Paulo, que desde
os meados do século XX se caracterizava pelos maiores índices de
crescimento absoluto e relativo em relação ao restante do país,
bem como pela concentração industrial na região metropolitana,
não é mais a mesma. Entre 1970 e 1985 há uma diminuição do
peso da indústria paulista em relação aos demais estados da
federação. Essa, que representava, em 1970, 58,1% do valor da
transformação industrial passou a representar, em 1985, 51,9%.
Em direção aos anos 90, essa tendência continuou e em 1995 os
percentuais chegam a 49,9% (Pacheco, 1998:71).
Essa diminuição relativa da indústria paulista, acompanhada da
perda de posição da indústria do Rio de Janeiro são indicativos da
desconcentração industrial do Sudeste, e da industrialização de
outras áreas do território nacional, a qual foi tão almejada em muitos
planos de desenvolvimento regional.

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Novos
Novosrumos
rumos ee tendências
tendências no
no Estado de São Paulo

“Em menos de dez anos, de 1995 em diante, através de acordos


localizados e investimentos diretos assistimos ao início de uma
desconcentração industrial no Sudeste com a difusão de um
amplo leque de indústrias em diferentes partes do país, meta
perseguida com reduzido sucesso pelo Estado brasileiro durante
pelo menos um quarto de século de prática autoritária de
planejamento”. (Limonad, 2004).

Analisando-se particularmente o estado paulista, a produção


industrial da região metropolitana diminuiu entre 1970 e 1985,
passando de 43,4% para 29,4% do valor da transformação industrial
estadual, enquanto a do interior apresentou crescimento: de 14,7%
para 22,5%. Esse processo se acentuou nos anos noventa e em
1995 a Região Metropolitana de São Paulo detinha 26,6% do valor
da transformação industrial e o interior 23,3%. Nesse processo o
perfil industrial da região metropolitana e do interior passou a
guardar mais semelhanças que diferenças (Pacheco: idem).
Dizemos que a indústria paulista não é mais a mesma desde a
década de 70 porque sua indústria perde posição em relação ao
restante do país e porque o interior paulista, em relação ao território
brasileiro, passa a assumir a segunda posição em termos de pujança
industrial. Analisando-se esse processo muitos autores o
interpretaram como sendo um processo de industrialização do
interior desconsiderando sua história. Convém lembrar que na
década de 20, 30% da produção industrial paulista provinha do
interior, sobretudo das regiões de Campinas e Sorocaba indicando
que nessas regiões a indústria já se fazia presente de forma
significativa (SEADE, 1988:23). A expressão “industrialização do
interior”, dizendo respeito às transformações havidas a partir da
década de 70, deve ser qualificada. Trata-se de uma industrialização
referida a partir de uma data, a partir dos anos 70 e, assim, deve
ser qualificada. Está a se falar de uma industrialização recente do
interior.
Uma outra falácia diz respeito à idéia de que teria havido uma
desindustrialização da Capital, da cidade de São Paulo. De fato, a
perda de postos de trabalho na indústria da cidade de São Paulo é
brutal nas últimas décadas. De 1985 a 2001, a cidade de São Paulo
perdeu 425.249 postos de trabalho na indústria. No entanto, não
se pode esquecer que ela ainda é uma das maiores cidades
industriais do mundo comportando 644.392 trabalhadores na
indústria. A segunda cidade do país, em termos de emprego
industrial, é o Rio de Janeiro com 203.364 trabalhadores na
indústria2. Há uma desindustrialização, sim; mas ela é relativa e

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Sandra Lencioni
Sandra Lencioni

nada indica que a indústria na cidade de São Paulo tenha deixado


de ser relevante.
O interior paulista se transformando em importante área industrial
do país, acompanhado da perda da potência industrial da capital
levou à interpretação de que estaria havendo um processo de
descentralização industrial. Trata-se apenas de uma aparência do
processo, pois não houve uma reconversão da polarização, na qual
o centro econômico passou a ser outra cidade. A idéia difundida de
descentralização industrial serviu, acima de tudo, como legitimadora
dos discursos que buscavam instituir a Região Metropolitana de
Campinas.
O desenvolvimento da indústria e o adensamento das condições
gerais de produção voltadas ao capital industrial na região de
Campinas não se constituem processos autônomos; estão
fortemente relacionados à expansão territorial da industria da região
metropolitana de São Paulo. A região metropolitana de São Paulo e
a região metropolitana de Campinas constituem uma unidade. Que
a administração pública tenha instituído uma região, é legítimo,
mas não se pode confundir o fato administrativo com a essência do
processo. E é isso que permite rejeitar a expressão ‘descentralização’,
pois o recente processo de industrialização do interior, não nega o
centro. Em outros termos, o processo não pode ser referido como
um processo de descentralização (des-centralização), no qual o
prefixo ‘des’ tem, aí, o sentido de negação. Trata-se de um processo
de expansão da concentração, de um processo de desconcentração
territorial da indústria da Região Metropolitana, no qual a cidade de
São Paulo afirma e desenvolve sua centralidade, se inserindo como
um nó da rede mundial de cidades globais3. Tanto que os serviços
especializados relativos às finanças, à propaganda, ao marketing,
ao planejamento e à consultoria tendem a se concentrarem na
Capital. Não é à toa que cerca de 80% dos depósitos financeiros,
bem como 1/3 das agências bancárias do estado paulista se
encontram na cidade de São Paulo, que reafirma, cada vez mais,
sua primazia no país (SEADE, 1994: 662 - 663).
Em suma, só se compreende a importância econômica de
Campinas, se relacionada à região metropolitana de São Paulo. Do
ponto da administração pública aparecem, cada uma delas,
independentes, mas, examinando a essência do processo,
constituem uma unidade.
A região metropolitana da Baixada Santista, vale lembrar,
também está historicamente ligada a São Paulo, formando uma
unidade historicamente constituída. Diferentemente de outras

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Novos
Novosrumos
rumos ee tendências
tendências no
no Estado
Estado de
de São
São Paulo
Paulo

capitais, São Paulo se situa no planalto e sempre teve em Santos o


seu porto. Não podemos considerar que um obstáculo natural – a
serra do Mar – se constitua num elemento de ruptura do que
historicamente constitui uma unidade.
Essa transformação havida contou com a ação do Estado. Os
exemplos são muitos, mas vale lembrar alguns, como a instalação
das refinarias de petróleo em Paulínia e São José dos Campos, o
desenvolvimento do Programa do Álcool - que teve efeitos
multiplicadores devido ao encadeamento com as indústrias de bens
de capital - o desenvolvimento das indústrias de informática,
microeletrônica e telecomunicações e a construção de rodovias e
duplicação de pistas.
Do ponto de vista da política estadual se procurou incentivar o
desenvolvimento industrial do interior, não com uma ação direta,
nos moldes de incentivos financeiros ou isenções de impostos como
o fez o governo federal, ou muitas prefeituras que se endividaram a
fundo perdido buscando atrair indústrias. O governo estadual
procurou orientar os empresários quanto às vantagens da localização
no interior, ao mesmo tempo em que criou uma série de restrições
à instalação da indústria na Capital, sobretudo relativas ao meio
ambiente.
Faz parte desse cenário a progressiva e intensa centralização do
capital, na qual fusões, absorções e associações de empresas
reforçam oligopólios e grupos econômicos. Esse aspecto é
fundamental para se compreender a dinâmica da reestruturação
sócio-espacial dos dias atuais marcada pela dispersão territorial,
pois o ciclo de valorização de um dado grupo econômico quando
segmentado em várias unidades dispersas territorialmente exige
um centro gestor que possa coordenar a valorização do capital para
a garantia de sua reprodução. É importante salientar que vale mais
a capacidade do grupo controlar esse ciclo do que a proximidade
física entre suas várias unidades4.
Além do mais, não se pode esquecer que são os oligopólios e os
grupos econômicos que detém a capacidade maior de estruturarem
o território, pois suas ações significam, diretamente, emprego, além
de induzirem à complementaridade industrial e ao desenvolvimento
das atividades de comércio e serviços e de terem força política na
redefinição dos investimentos públicos, quer esses, por exemplo,
se expressem pela melhoria das vias de transportes, dos serviços
ou da expansão da rede de fibra ótica.
Em trabalho anteriormente realizado verificamos que a grande
maioria das industriais que desenvolvem a prática da cisão territorial,

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Sandra Lencioni

na qual o chamado “chão de fábrica” se localiza num município e a


gestão em outro, têm, na maioria das vezes, na cidade de São
Paulo, a sua sede central. A cidade de São Paulo desempenha essa
função de centro gestor do capital industrial não só em relação a
essas empresas, mas em relação ao capital em geral.
O coração e a alma da cidade de São Paulo são os negócios que
aí se realizam podendo contar com a expressiva concentração de
trabalho imaterial. Esse trabalho produz mercadorias e muito delas
se consubstanciam em idéias, aconselhamentos e pareceres se
constituindo num intenso uso do conhecimento como atividade
diretamente prática.
Esse aspecto é importante, pois embora a reestruturação
econômica tenha reconvertido a base técnica da indústria, houve
uma profunda transformação nas formas gerais de organização da
produção que implicaram em profundas transformações urbanas.
Vale observar, contudo, que não é exclusivo da cidade de São
Paulo a prerrogativa de ser sede de indústrias, pois o entorno
metropolitano apresenta casos em que o gerenciamento aí se
localiza, enquanto a produção propriamente dita está em outros
municípios, inclusive na Capital. Isso significa que no entorno
metropolitano há o desenvolvimento de serviços às empresas e
que, também, esse entorno é alcançado pelo ambiente inovador da
metrópole.
Quando estamos a falar de entorno metropolitano estamos nos
referindo, em especial, às regiões administrativas de Sorocaba,
Campinas, Baixada Santista e São José dos Campos. Esse conjunto
conforma uma cidade-região. É nessa região, de elevada densidade
industrial que se concentram os ramos mais dinâmicos e inovadores
da indústria brasileira: a indústria química, de material de
transportes, material elétrico, de comunicações e de mecânica.
Sobretudo, no núcleo dessa região: a Região Metropolitana de São
Paulo e a de Campinas.
Na Região Metropolitana de São Paulo e no seu entorno, em
1996, estavam concentrados 88,4% do pessoal ocupado na indústria,
82% das unidades industriais, 88,9% da receita líquida industrial e
90,3% do valor adicionado. Para se ter uma idéia do significado
industrial dessa região, seu PIB representa 32,4% do PIB nacional
(Fonte: Dados Básicos: IBGE e IPEA, 1996). Em dados, o valor do
PIB que é de 250 bilhões de dólares é igual ao de muitos países
desenvolvidos, como a Noruega, Suécia, sendo três vezes o PIB do
Chile e quatro vezes o PIB da Venezuela.

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Novosrumos
Novos rumos ee tendências
tendências no
no Estado de São Paulo

Mas esse entorno vem apresentando queda no emprego


industrial. Entre 1996 e 2000 houve uma queda significativa no
número de postos de trabalho desse entorno. A perda foi de 12,9%,
representando 370.295 empregos a menos. Particularmente foi a
Região Metropolitana de São Paulo que perdeu mais postos de
trabalho, com uma porcentagem de –20,7%, enquanto que a região
de Sorocaba se apresentou como a única que teve variação positiva
no período: de 3,3%. Aliada à perda no número de trabalhadores
na indústria, houve queda de 20,8% no número de trabalhadores
cujo contrato de trabalho são regidos pela CLT e, ao mesmo tempo,
crescimento de outras formas de vínculos empregatícios, tais como
trabalhadores temporários e avulsos, denunciando que a
reestruturação produtiva vem acompanhada de flexibilização e
precarização das relações de trabalho (Fonte: RAIS – Relações Anuais
de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego).
Para além desse entorno a expansão industrial vai se distendendo
concentrando-se ao longo dos principais eixos rodoviários, quer em
direção ao norte do estado, quer em direção ao Rio de Janeiro,
privilegiando, sobretudo, as cidades médias. Em direção ao Rio de
Janeiro a cidade de Taubaté delimita o complexo industrial
metropolitano, em direção ao norte alcança São Carlos e, a sudoeste,
abarca especificamente a região de Sorocaba e Itapetininga5.
Nesse entorno metropolitano são múltiplas as possibilidades de
absorção de inovações e de consumo de serviços especializados
sem se ter que compartilhar dos efeitos perversos do centro da
aglomeração metropolitana; tais como, congestionamentos e alto
preço da terra. Dada a proximidade dos mercados fornecedores e
consumidores, reduzindo custos de transportes na distribuição das
mercadorias e em face da provisão de infra-estrutura, quer para
dar suporte aos fluxos materiais, como aos fluxos imateriais de
informação, que são fundamentais no processo de dispersão
territorial da indústria, integrando capital e espaço, o entorno
metropolitano se firma como a mais importante região industrial do
país.

O processo de metropolização do espaço e o


desenvolvimento de uma cidade-região
O processo de desconcentração da indústria metropolitana em
direção ao interior desenvolveu um território que, como dissemos,
está altamente urbanizado, trazendo limite às discussões colocadas
em termos de urbanização tendo como referência a dinâmica rural-
urbana. O processo de urbanização, tanto quanto o de

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Sandra Lencioni
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desenvolvimento de cidades, já está consolidado. Por isso, é


fundamental buscarmos aportes teóricos que permitam captar a
diferença no seio dessa urbanização. As diferenças na dinâmica
urbana do território paulista podem ser apreendidas se
compreendermos que esse processo de desconcentração industrial
se fez acompanhar de um outro processo: o de metropolização do
espaço.
O processo de metropolização do espaço imprime ao território
características que no passado eram específicas da concentração
metropolitana. Espaços se metropolizam e podemos distinguir:
espaços metropolizados e espaços não metropolizados. Essa
distinção se constitui num recurso analítico, mas é importante
esclarecer que, em primeiro lugar, no âmbito de cada um deles há
nuanças e graduações e, em segundo, que tal distinção só é válida
em grande escala, ou seja, quando é referida a uma grande extensão
territorial.
Quando falamos em espaço metropolizado, no caso do Estado
de São Paulo, estamos nos referindo a um território que possui, em
geral, as seguintes características: o fluxo de pessoas é múltiplo,
intenso e permanente, a densidade dos fluxos imateriais é expressiva
e a relação espaço-tempo vem se comprimindo; ou seja, a distância
entre os lugares se altera em face da velocidade e multiplicidade
dos fluxos. Além dessas características, esse espaço apresenta
muitas cidades conurbadas, significativo número de cidades médias
e concentração das condições gerais de produção (tais como, a
rede de infra-estrutura, a rede bancária e a rede hoteleira para
atender aos homens de negócios).
Como contraponto, os espaços não metropolizados se
caracterizam por uma maior heterogeneidade, apresentam menor
densidade demográfica e um número bem maior de pequenos
municípios, com uma população inferior a 20.000 habitantes. Nesse
território a densidade dos fluxos de pessoas, mercadorias e capitais
é bem menor e os investimentos industriais aparecem de forma
pontual.
São nos espaços não metropolizados que podemos capturar mais
facilmente as diferentes temporalidades presentes nos lugares. Isso
porque, em geral, o processo avassalador de homogeneização do
território pelo capital senão arrasa o passado, dá opacidade aos
diversos tempos presentes nos lugares.
Uma observação é importante: nem a concepção de
homogeneização e fragmentação dos espaços, nem a de espaços
metropolizados e espaços não metropolizados podem ser

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Novos
Novosrumos
rumos ee tendências
tendências no
no Estado
Estado de
de São
São Paulo
Paulo

compreendidos como pares antagônicos de processos. No primeiro


caso, pode se raciocinar que há uma descontinuidade absoluta entre
espaços homogêneos e espaços diferentes, quando a
descontinuidade entre eles é, em geral, apenas tênue. Também,
porque os espaços interpretados como homogêneos não são
inteiramente homogêneos, pois apresentam diferenciações internas
e os espaços fragmentados não apresentam singularidades tão
absolutas assim. No segundo caso, os espaços metropolizados e
espaços não metropolizados não são, cada um deles, absolutos,
podendo no interior dos espaços metropolizados haver espaços não
metropolizados e vice-versa. A distinção, repetindo, é relacionada
à escala de análise buscando apreender aquilo que aparece com
maior força. Essa distinção é mais instrumental, repetindo, quando
referida a grandes escalas.
O processo de industrialização e o de metropolização do espaço
imprimiram ao território do entorno metropolitano um novo ritmo
pela concentração e adensamento das atividades econômicas.
Constituíram uma cidade-região, uma forma territorial nova que se
assenta em estruturas novas e herdadas, fazendo desaparecer
algumas delas e redimensionando outras.
O olhar sobre a região metropolitana e seu entorno indica que
pensar esse território é pensar uma cidade-região que se definiu
por um processo que desafia o planejamento urbano. Nessa cidade-
região, que é vinculada fortemente à economia global, os limites
entre os municípios são tênues perdendo nitidez num cenário de
paisagens repetidas. Essa cidade-região exprime a metamorfose
da forma espacial da cidade, que agora assume uma outra dimensão
territorial, a da região. Redimensiona-se, assim, o conceito de urbano
e as clássicas divisões entre o intraurbano e o interurbano.

Considerações Finais
Os processos de industrialização e de metropolização do espaço
não se deram, é bom frisar, sem tensões. Uma delas diz respeito ás
tensões estabelecidas entre a sociedade e a natureza, significando,
em muitos casos, o comprometimento dessas. Outra, a título de
exemplo, se relaciona ao contraste visível entre edifícios high-tech
e habitações precárias. Num cenário de grandiosidade dos edifícios
e da moderna infra-estrutura urbana relacionada aos serviços
altamente especializados, emergem precárias áreas de urbanização
com moradias encortiçadas ou faveladas.
As metamorfoses na indústria e no urbano tiveram como um
dos seus pilares a revolução da informação e da comunicação que

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Sandra Lencioni
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passou a desenhar no espaço uma miríade de fluxos imateriais


aproximando os lugares e realizando a reprodução do capital. Esses
fluxos permitiram, também, o desenvolvimento da reunião entre o
trabalhar e o morar por meio do teletrabalho. Além disso, alteraram
a relação entre as cidades, pois cada vez mais vale mais a intensidade
da conexão entre os lugares do que a proximidade entre eles. Como
conseqüência desses processos, o território paulista se apresenta
como um território-rede.
No território paulista a cidade-região, núcleo da megalópole em
formação, pulsa cheia de contradições desafiando a sua própria
existência. Sua formação é concomitante ao processo de
desconcentração do Sudeste evidenciando que esse processo,
também, produziu o seu contrário.
o0o

Notas
1 Esse texto trata da indústria de transformação, que representa 77%
dos estabelecimentos industriais no Estado de São Paulo e é referida,
aqui, apenas como indústria.
2 Em 1985 o número de trabalhadores na indústria era de 1.069.641.
Fonte: RAIS – Relações Anuais de Informações Sociais do Ministério do
Trabalho e Emprego.
3 A discussão a respeito da interpretação do processo como sendo de
descentralização ou de desconcentração pode parecer descabida, já
que, atualmente, há consenso de que se trata de um processo de
desconcentração industrial. No entanto, há doze anos tecemos essas
considerações contra as vozes hegemônicas que interpretavam o
processo como sendo de descentralização industrial. Com o correr dos
anos, aqueles mesmos autores passaram a utilizar o termo
‘desconcentração’, sem, contudo, fazer referência à mudança de
terminologia, parecendo um termo ser sinônimo de outro.
4 A respeito desse assunto, analisamos 7.562 indústrias no Estado de
São Paulo e verificamos que cerca de 10% delas praticam a cisão
territorial entre suas atividades de gerenciamento e produção. Essa
porcentagem, que pode ser a primeira vista pouco significativa, é
relevante, pois se trata, em geral, de grandes e médias indústrias que
tem capacidade de induzir a mudanças territoriais, quer, por exemplo,
pelo impacto que causam nas áreas industriais, quer em relação aos
requisitos urbanos que exigem. Essa pesquisa é registrada no texto
Lencioni: 2003a.
5 A região Administrativa de Sorocaba contém subdivisões que são
denominadas regiões de governo. No caso em discussão estamos nos
referindo às regiões de governos de Sorocaba e Itapetinga.
o0o

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Novos
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no Estado
Estado de
de São Paulo
São Paulo

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RIO DEJ ANEIRO,
UMA NOVA RELAÇÃO CAPITAL -INTERIOR?

Ester Limonad

É nossa intenção neste ensaio fazer algumas ponderações acerca


da relação capital-interior no estado do Rio de Janeiro. Embora haja
uma hegemonia histórica da capital e, mais recentemente da região
metropolitana, é perceptível, nos últimos anos, uma mudança
substantiva no papel das diversas áreas do interior fluminense. Em
particular, nas áreas mais articuladas aos fluxos produtivos verifica-
se a ampliação dos espaços urbanos e um desenvolvimento
econômico nas cidades médias e em algumas de pequeno porte. O
que nos leva a indagar se está a se desenhar uma nova relação
capital-interior.
Trata-se de procurar clarificar a complexidade da diversidade
regional deste estado de reduzidas proporções territoriais, em
comparação a seus vizinhos da região Sudeste, Minas Gerais e São
Paulo, que faz do estado do Rio de Janeiro, a 2ª unidade econômica
mais importante e industrializada do Brasil.
Neste sentido estruturamos o trabalho em três partes. Na
primeira, tal relação é abordada, a partir da análise de alguns
indicadores econômicos, no intuito de clarificar o caráter falacioso
do discurso do “esvaziamento econômico”, que assolaria o estado
desde a fusão, em 1975, - que haveria instituído uma relação
parasitária entre o estado da Guanabara (criado em 1960) e o antigo
estado do Rio de Janeiro.
Na segunda parte, tratamos da redistribuição espacial das
atividades produtivas e da população no território estadual, ocorrida
a partir da fusão, à luz da reestruturação produtiva e das inovações
recentes, as quais são de certa forma indicativas de uma mudança
na relação capital-interior. Para, na terceira parte, procedermos a
algumas considerações sobre o caráter destas transformações.

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Rio
Riode
deJaneiro,
Janeiro,uma
umanova
novarelação
relação capital-interior?
capital-interior?

Levantando véus
Iremos nos situar, rapidamente, frente ao discurso do
“esvaziamento” do estado do Rio de Janeiro para mostrar que sua
maior contribuição à compreensão da problemática estadual é
“esvaziar” a complexidade das transformações que ocorreram e
ocorrem no atual território fluminense, que não estariam limitadas
à capital e a sua região metropolitana.
Após a fusão, conforme diversos analistas (Singer, Geiger,
Davidovich, etc...), o estado do Rio de Janeiro passou a crescer a
taxas inferiores às de outros estados do território nacional, segundo
o Instituto de Planejamento Municipal do Rio de Janeiro (IPLANRIO)
[...] é inegável que, até 1980 - data dos últimos dados
censitários disponíveis - o Município (do Rio de Janeiro), assim
como o Estado sofreu uma perda incessante de importância
relativa ao nível nacional. O fenômeno ficou conhecido como
“esvaziamento econômico do Rio de Janeiro”. (1986:8).

Foi este tipo de discurso que, em parte, estabeleceu as bases


ideológicas para um regionalismo, no sentido estrito, que, ainda
hoje, visa seja desfazer a fusão e através de um plebiscito recriar
o estado da Guanabara; seja fazer com que o município do Rio de
Janeiro retome sua proeminência e volte a ser Distrito Federal. Este
sentimento de regionalismo pauta-se também no sentimento de
que é a cidade do Rio de Janeiro quem sustenta o resto do estado,
como mostra a seguinte passagem: “E o resultado da simbiose da
cidade rica com um estado falido desde o início do século foi o
desastre econômico conhecido como ‘esvaziamento’”.(JB, Editorial,
13/11/94: 10).
O esvaziamento, segundo diferentes abordagens, é atribuído:
• à transferência do Distrito Federal para Brasília que resultou na
perda de serviços administrativos e da arrecadação tributária,
que haveria acarretado uma redução do mercado local e a tornado
menos atraente para a implantação industrial, conforme
assinalava Singer pouco após a fusão
Embora a Guanabara tenha excelentes possibilidades de
compensar a perda sofrida com a transferência de órgãos da
alta administração federal para Brasília, a curto prazo seu
potencial econômico deve ter sido afetado de modo negativo.
(1978 :143-144).
• à fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro,
interpretada como a instalação de uma relação parasitária, do
interior em relação à capital, através de um ato arbitrário do
Governo Militar.

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Ester Limonad
Ester Limonad

• ao descaso do Governo Federal ao privilegiar investimentos em


outros estados em detrimento do Rio de Janeiro - como, por
exemplo, o Pólo Petroquímico, na década de 80 (instalado no
Rio Grande do Sul) e o Pólo de Informática (instalado em Cam-
pinas - São Paulo) e os investimentos realizados em Minas Gerais.
• ou, ainda, ao “declínio da participação da renda municipal na
renda nacional, entre 1949 e 1970, comprova estatisticamente
o ’esvaziamento’ referido” (IPLANRIO, 1986 :13).
Estas causas estão interrelacionadas e podem ser avaliadas
através da análise da variação do PIB estadual em relação às varia-
ções do PIB nacional, a partir de 1970. Tal análise indica, entre
1970/80 um crescimento real de 99,16% do PIB estadual, inferior
ao do PIB nacional (135,12%). Na década seguinte, o PIB estadual
cresceu 11,12%, porém o PIB nacional também apresentou um
desempenho inferior (16,98%). Mesmo assim e apesar da recessão
e da escalada inflacionária, a participação do PIB estadual no PIB
nacional passou de 9% em 1980 para 10,89% em 1990.
De fato, como admitir o “esvaziamento” como algo plausível se
a fusão, realizada em 1975, representou a união da 2ª maior
economia nacional (o estado da Guanabara) com a 3ª (o estado do
Rio de Janeiro). E, o “novo” estado do Rio de Janeiro, em todos os
anos de “esvaziamento econômico” perdeu o 2° lugar na economia
nacional somente em 1990, quando ficou aquém de Minas Gerais
por 0,5%, que alcançou 12,49%. O estado do Rio de Janeiro,
porém, logo se recuperou (tabela 1), em parte graças ao aumento
dos investimentos no setor industrial.

T AB E L A 1 - P a r ticip a çã o no p r o d uto inte r no b r uto , se g und o a s


unidades da federação selecionadas - 1985/2000

Unidades da Federação 1985 1998 1999 2000


BR ASIL 100,00 100,00 100,00 100,00
SUDESTE 60,15 58,16 58,25 57,79
Ri o de Janei ro 12,70 11,01 11,75 12,52
Es pí ri t o Sant o 1,72 1,90 1,93 1,96
Mi nas Gerai s 9,61 9,79 9,63 9,64
São Paul o 36,12 35,46 34,94 33,67
Fonte: Contas regionais do Brasil: 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000 e Fundaç ão CIDE.

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Rio
Riode
de Janeiro,
Janeiro, uma
uma nova
nova relação capital-interior?
relação capital-interior?

Enquanto o estado de São Paulo apresentou uma redução em


sua participação no PIB nacional, caracterizada como uma
desconcentração industrial, o estado do Rio de Janeiro apresentou
variações ao redor de 1,0%.
Mesmo na chamada década perdida (1980-90) o desempenho
do crescimento da produção industrial do Rio de Janeiro foi melhor
do que o de São Paulo, apesar de haver ficado aquém do Brasil e de
Minas Gerais (tabela 2).
O não acompanhamento da taxa de crescimento do PIB nacional
pode ser atribuído, em parte, ao ingresso em sua composição de
novas fontes de recursos. Mormente se lembramos que as décadas
de 1970/80 caracterizaram-se pela implementação de grandes
projetos na Amazônia, desenvolvimento do complexo agro-industrial
no Centro Oeste, investimentos nos estados do Rio Grande do Sul e
de Minas Gerais entre outros na perspectiva de integrar, desbravar
e dominar o território nacional. Há que se notar que principalmente
em Minas Gerais o crescimento percentual acumulado da produção
industrial apresentou um desempenho acima da média nacional e
de seus vizinhos na região Sudeste (tabela 2).

T ABELA 2 - crescimento percentual acumulado da produção


industrial - 1970-89

1970-80 1980-89
BRASIL 13,35 7,80
Ri o de Janei ro 9,34 8,30
São Paul o 12,83 1,60
Mi nas Gerai s 14,86 17,30
Font e - IBGE cens os econômi cos

É notório que o crescimento relativo da produção em um ano, ou


em uma década, em espaços recém-integrados, ou onde nada havia,
tende a apresentar taxas elevadas. Novas áreas de outros estados
ao se integrarem e se desenvolverem produtivamente, passam a
integrar a composição do PIB nacional, que passa a crescer a taxas
superiores às de áreas com produção pretérita, mesmo que aumente
a produção nestas áreas. Tende a diminuir, assim, a participação
relativa das áreas antes empenhadas em atividades produtivas,
como é o caso não só do estado do Rio de Janeiro, mas de São
Paulo e outros já industrializados, sem condições de acompanhar o
ritmo das áreas recém-integradas. Ver o “esvaziamento” sob esta
ótica significa interpretá-lo à luz do desenvolvimento
geograficamente desigual e combinado na escala do território-nação.

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Ester Limonad

Em que pese a hipótese de um crescimento mais lento da


economia este não pode ser identificado com um “esvaziamento
econômico”. De fato, o estado do Rio de Janeiro, a partir de 1984,
apresentou um crescimento constante da produção industrial (tabela
2), acima da média nacional devido ao avanço da indústria de
transformação e à extração de petróleo (Mesentier, 1993:44). Este
avanço frente à redução da participação do setor industrial no
município do Rio de Janeiro aponta para um crescimento da
participação deste setor não só no entorno metropolitano, mas em
áreas do interior, que em 1980 respondiam respectivamente por
21,11% e 23,51% do PIB industrial do estado (CIDE, 1989: 60).
Já em 2000, segundo o censo do IBGE, dentre os dezesseis
municípios responsáveis por 96,04% do VTI estadual, dez
pertenciam ao interior do estado (Volta Redonda, Resende, Barra
Mansa, Itatiaia, Petrópolis, Nova Friburgo, Porto Real, Cantagalo,
Queimados e Campos), e eram responsáveis por 27,92% do VTI
estadual, concentrado principalmente nos setores de extração
mineral, metalúrgica, química, minerais não metálicos, produtos
alimentares e material de transportes.
Evidencia-se, assim, a falácia do esvaziamento e da relação
parasitária entre o “estado da Guanabara e o estado do Rio de
Janeiro.
O mais marcante, nas últimas décadas, é a redução da
participação da cidade do Rio de Janeiro no PIB industrial – com um
crescimento do setor financeiro e de serviços - em um movimento
similar ao da cidade de São Paulo.
Desde a fusão é possível observar uma reconcentração e
reorganização espacial da produção industrial no território fluminense
que alterou de forma radical a participação das diversas áreas do
Estado no PIB estadual.
Por ocasião da fusão o antigo Estado da Guanabara respondia
por cerca de 70% do PIB estadual e em 2000 o município do Rio de
Janeiro respondia, se não considerarmos o petróleo, por 63,6% do
PIB estadual e por 53,9% com o petróleo (tabela 3). Enfim se houve
um “esvaziamento econômico”, este não é generalizado, e estaria
restrito à cidade do Rio de Janeiro, já que é definido com base no
decréscimo da participação do município do Rio de Janeiro na
produção nacional e estadual (tabela 3) vis a vis ao aumento da
participação na composição do PIB estadual de municípios do entorno
metropolitano – como Duque de Caxias e Belford Roxo; e do interior
– como Volta Redonda, Itatiaia, Porto Real, Campos, Macaé e
Quissamã entre outros. Que tem levado os defensores da desfusão

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Rio
Riode
deJaneiro,
Janeiro,uma
uma nova
nova relação
relação capital-interior?
capital-interior?

a defender um novo Estado da Guanabara que incluiria os municípios


mais dinâmicos da região metropolitana.

T ABELA 3 - Participação no PIB do Atual Estado do Rio de Janeiro

Ano 1939 1949 1959 1968 1980 1996 2000


Ant i go Es t a do do
19, 7 24, 0 28, 1 29, 7 36, 8 36, 1 46, 1
R i o d e J a n e i ro
R i o d e J a n e i ro
(a nt i g o Es t a d o 80, 3 76, 0 71, 9 70, 3 63, 2 63, 9 53, 9
d a G u a n a b a ra )
Font e - IBGE cens os econômi cos e CIDE, 2002.

De fato o “esvaziamento econômico” do Rio de Janeiro teve um


marcado caráter ideológico, por identificar a situação da capital com
a do interior do Estado, bem como geopolítico por haver, de fato,
servido de “bandeira política” para colocar o Estado do Rio de Janeiro
em condições de paridade com o Nordeste para reivindicar e disputar
verbas nacionais (Limonad, 1996).
Como dissemos de início esta questão serviu para “esvaziar” a
complexidade das transformações em curso no estado, que apesar
de todas as vicissitudes conseguiu manter, nas últimas décadas,
sua participação no PIB nacional praticamente inalterada, ao
contrário dos estados de São Paulo e Minas Gerais. O alcance destas
transformações somente pode ser compreendido em um contexto
mais amplo e mediante uma abordagem que contemple as relações
capital-interior, ao invés de se manter centrada apenas na capital e
região metropolitana.

Uma nova relação capital-interior?


O avanço da extração mineral, nas duas últimas décadas do
século XX, com a descoberta de novos mananciais petrolíferos na
Bacia de Campos, o crescimento do turismo no interior e das
atividades de construção civil, a retomada de crescimento da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a fusão dos estaleiros
Verolme com a Ishibrás em Angra dos Reis, a construção de um
novo terminal de reparos da Petrobrás em Cabo Frio, e na década
de 90 a implantação da fábrica de caminhões da Volkswagen em
Resende e da Peugeot-Citröen e associadas em Porto Real sinalizam
para um crescimento da atividade econômica e industrial no interior,
vis a vis a uma mudança nas tendências de crescimento demográfico

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Ester Limonad
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delineadas até 1980. Tal quadro indica de certa forma uma inflexão
na relação capital-interior prevalecente até a década de 1980,
Uma olhar mais atento, na escala regional, revela que a
reconcentração econômica na região Sudeste havida na década de
1990 não foi homogênea em todos os seus estados. Embora, tenha
ocorrido um deslocamento das sedes administrativas de diversas
empresas de várias partes do território nacional, em sua maioria,
para o estado de São Paulo, inclusive daquelas tradicionalmente
sediadas no Rio de Janeiro, como a CSN- a esta reconcentração
financeira e administrativa não se seguiu uma equivalente
reconcentração espacial das plantas industriais. Pelo contrário, foi
acompanhada por uma dispersão das unidades produtivas, das
empresas sediadas no estado de São Paulo, pelo interior de São
Paulo e pelo território nacional – inclusive rumo ao interior fluminense
- como ocorreu com as montadoras, não mais concentradas no ABC
paulista e que extrapolaram a região Sudeste – apesar de se
manterem aí sediadas, além de diversas tecelagens – entre as quais
o grupo Vicunha, as mini-usinas e joint-ventures da CSN com outras
empresas, que já chegaram ao Ceará.
No espectro global da economia nacional o Rio de Janeiro é um
dos estados onde o parque industrial mais se tem reestruturado,
em parte, como decorrência da privatização das empresas estatais,
muitas das quais aí instaladas – a começar pela CSN e pela
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – que já se tornaram empresas
multinacionais com uma atuação que extrapola o continente
americano.
A transformação tem seguido um sentido amplo no território
fluminense por abarcar a reestruturação das indústrias, dos meios
de circulação e da própria distribuição geográfica dos setores e das
atividades econômicas. O que deu origem a um mapa de tendências
de arranjo espacial ou a uma regionalização centrada em espaços
especializados (“pontos” ou, assim chamados “pólos”) e áreas de
crescimento demográfico (manchas) ao longo dos grandes eixos
viários que cruzam o estado: a) a BR-116 (Rodovia Presidente
Dutra) atravessa a área mais industrializada do Médio Vale do Paraíba
(o “pólo” metal-mecânico) até a Região Metropolitana; b) a BR-040
cruza o “pólo” gás-químico industrial de Duque de Caxias e passa
pela Região Serrana (o “pólo” tecnológico) rumo a Minas Gerais; e
a BR-101 que, c) no sentido norte, liga a cidade do Rio de Janeiro à
Vitória, no Espírito Santo, e atravessa os municípios das Baixadas
Litorâneas e da Bacia de Campos “pólo” agro-industrial-petrolífero
e d) rumo sul circunda a Baía de Sepetiba e a Baía da Ilha Grande
“pólo” portuário-industrial e de turismo-veraneio.

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Rio
Riode
deJaneiro,
Janeiro,uma
uma nova
nova relação
relação capital-interior?
capital-interior?

O território fluminense apresenta uma grande heterogeneidade


de situações por contar, por um lado, com indústrias de tradição
fordista (siderúrgicas inclusive) que realizam um esforço para se
modernizar e adequar às novas condições da competitividade global;
e por outro, com indústrias de última geração que aí se instalam
com base em novos processos produtivos. É interessante notar que,
a despeito da intensidade dos investimentos e da reestruturação
espacial da produção, não houve no estado uma decadência das
áreas e cidades industriais tradicionais, nos moldes dos países
centrais, pelo contrário, apesar do crescimento do setor de serviços,
do caráter das novas relações industriais e do downsizing, a indústria
aí ainda parece constituir um fator de crescimento e desenvolvimento
econômico e regional: na Região Metropolitana em diversos setores
industriais; no Médio Vale do Paraíba com base em setores e produtos
tradicionais e na produção de insumos e manufaturados com
conteúdo tecnológico e alto valor agregado; no Norte Fluminense,
em particular, na exploração e extração de petróleo e gás natural e
na Região Serrana que busca estabelecer um novo “pólo” tecnológico.
O que ocorre no território estadual não pode ser desvinculado
de um contexto global de transformação em diferentes escalas. O
novo modelo industrial por ser flexível não apresenta uma face única,
como os que o precederam – sua marca característica é a
multiplicidade e flexibilidade de organização da produção - ou seja
a combinação variada de diversos fatores, entre os quais destacam-
se: o impulso da inovação associada ao desenvolvimento de novas
tecnologias de informação; o movimento de abertura e mundializa-
ção econômica dos mercados, com um crescente número de
empresas que aplicam estratégias globais e organizam uma nova
divisão social e internacional do trabalho; ou, ainda, a progressiva
segmentação espacial dos processos produtivos, com numerosas
firmas que desconcentram tarefas e processos entre
estabelecimentos próprios ou alheios, localizados em lugares
diversos, mas interconectados em rede.
A nova lógica industrial é matizada em cada sistema produtivo
nacional e regional tanto pelas estruturas herdadas (tipos de
empresas e setores dominantes, características dos mercados de
trabalho, marco institucional, organização espacial da indústria...)
quanto pelos tipos de relações mantidas com o exterior e a
capacidade dos agentes econômicos e sociais em gerar novas
iniciativas e responder de forma ativa às demandas do presente, o
que faz com que as especificidades locais acabem por conferir alguns
traços distintivos aos arranjos espaciais e à organização da produção.
A hegemonia de um modelo produtivo não implica no fim dos

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Ester Limonad
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precedentes, ao contrário, estes são subsumidos. Assim, apesar do


novo modelo não se encontrar tão disseminado, quanto nos países
centrais, e de persistirem relações tradicionais de produção e de
trabalho em diversos setores, podemos observar no território
fluminense que:
• já há uma segmentação interna do mercado de trabalho em
algumas fábricas, notadamente nas de última geração que
exigem mão de obra qualificada - lado a lado a uma segmentação
espacial (típica do fordismo) em algumas áreas do Médio Vale
do Paraíba, como Volta Redonda, Barra Mansa e Barra do Piraí;
bem como na área da Bacia de Campos.
• a segmentação espacial da produção só ocorre em alguns setores
– em particular, no ramo de material de transporte, e caminha
lentamente no ramo da metalurgia e no beneficiamento de
petróleo e gás natural;
• o atendimento a mercados supra-locais / regionais também está
limitado a alguns setores produtivos – muitas vezes por não
atenderem às normas internacionais de controle de qualidade
entre elas os padrões ISO. Merecem destaque, neste sentido,
as empresas “globais”, localizadas no Rio de Janeiro, como a
Volkswagen, a CSN, a Thyssen Krupp, a Galvasud e a Petrobrás,
entre outras. A produção destas empresas “globais” não está
mais limitada aos mercados locais, estaduais e ou regionais – no
caso das montadoras do Médio Vale do Paraíba fluminense o
mercado consumidor extrapola a América Latina; a Petrobrás
por sua vez vende atualmente além de petróleo a tecnologia de
extração em alto mar. Enquanto a Rede Globo de Televisão
comercializa seus produtos pelo mundo afora, notadamente do
leste ao oeste europeu.
A ampla bibliografia publicada nos últimos anos permite-nos
deduzir a existência de uma divisão entre o que Benko e Lipietz
(1995) chamam de regiões ganhadoras e regiões perdedoras, e
Santos (1996) caracteriza como zonas luminosas e opacas. No caso
do estado fluminense, entre as primeiras temos as grandes áreas
urbanas e metropolitanas, os eixos de desenvolvimento industrial –
os “pólos” e adjacências, assim como os sistemas produtivos locais
de pequenas empresas. Entre as segundas encontram-se as áreas
mais distantes e não articuladas aos fluxos produtivos e, ainda, as
áreas voltadas para a agroindústria leiteira e canavieira tradicional,
hoje em decadência, e diversas áreas rurais onde sobrevivem
atividades tradicionais de caráter difuso.
Com base em dados do CIDE (2000 e 2002) pode-se observar
uma coincidência espacial das áreas com maior crescimento

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Rio
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de Janeiro,
Janeiro, uma
uma nova
nova relação capital-interior?
relação capital-interior?

demográfico, maior variação no PIB, e PIB per capita mais elevado


e os grandes eixos viários – quase que como uma tradução de que
as áreas com reduzida acessibilidade ou articulação aos fluxos
produtivos tendem ao esvaziamento demográfico e econômico e
configuram-se em parte como bolsões estagnados, onde em muitos
casos há uma disponibilidade de infra-estrutura e equipamentos
dada a evasão populacional e a falta de dinamismo econômico.
As transformações na distribuição e organização das atividades
produtivas no estado refletem-se, não só em uma redução da
participação da capital no PIB estadual com um acentuado
crescimento da participação de municípios do entorno metropolitano
(como Duque de Caxias e Belford Roxo), de municípios do Médio
Vale do Paraíba Fluminense (Volta Redonda, Itatiaia e Porto Real) e
da Bacia de Campos (Macaé e Quissamã entre outros) - já que sem
dúvida, por responder por quase 90% da produção nacional, a
extração de petróleo e gás natural converteu-se em um diferencial
na geração de renda e distribuição do PIB estadual; mas também
em novas regionalizações e em mudanças nos padrões de
urbanização e distribuição espacial da população, que contribuem
para reforçar a nova relação capital-interior no estado do Rio de
Janeiro, como veremos a seguir.
Os dados censitários de 1980 a 2000 (censos IBGE) indicam que
a concentração demográfica na região metropolitana do Rio de
Janeiro tem decrescido discretamente nos últimos 20 anos - como
um resultado da queda das taxas de crescimento demográfico líquido
nesta região em contraposição ao aumento da taxa de crescimento
nas assim chamadas cidades médias, notadamente nas vilas e sedes
que não são sedes de município nas áreas mais dinâmicas do Estado
- que tem resultado em parte em diversas emancipações municipais.
Até meados da década de 1980 o estado contava com 64
municípios. Entre 1980 e 2000 foram criados 28 novos municípios1,
em um total de 92, notadamente nas áreas mais dinâmicas como
as que recebem royalties do petróleo como é o caso das Baixadas
Litorâneas e Norte Fluminense que envolvem a Bacia de Campos;
ou ainda no Médio Vale do Paraíba Fluminense onde Porto Real e
Itatiaia detêm as maiores taxas de crescimento do PIB municipal
(CIDE, 2002). Muitas destas emancipações estariam relacionadas
mais a interesses de ordem política e ou econômica e não
necessariamente a fatores relacionados à preservação de uma
identidade territorial específica pré-existente.
A tendência ao crescimento demográfico fora das sedes
municipais, principalmente nas áreas mais dinâmicas, no caso da

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Ester Limonad
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região metropolitana aparece como uma densificação do que se


poderia caracterizar como franja metropolitana ou área peri-urbana.
Enquanto no interior do estado, nas áreas dinâmicas, assume uma
forma pulverizada e dispersa entre diversas localidades não
conectadas à malha urbana dos distritos sedes e/ou das vilas, sedes
de distrito, inclusive com um crescimento da população rural, sem
um equivalente aumento da atividade rural ou do número de
estabelecimentos rurais, o que indica, em parte, uma rurbanização
da população – ou seja um aumento dos domicílios de trabalhadores
urbanos em áreas não-urbanas (Limonad, 1996).
A corroborar esta tendência de dispersão e interiorização do
crescimento demográfico, os saldos migratórios de 1980-91 e de
1991-2000 indicam uma reversão no perfil migratório do estado
com o predomínio das migrações intramunicipais e intra-regionais,
seja na escala do estado do Rio de Janeiro, seja na escala da região
Sudeste. O que se contrapõe às projeções e estimativas feitas até o
final dos anos 80 que apontavam para o crescimento desmesurado
das regiões metropolitanas com a formação de massas urbanas
contínuas - megalópoles.
Fenômeno por nós caracterizado como uma urbanização
fragmentada ou sub-urbanização em escala territorial de
trabalhadores urbanos em áreas rurais ou urbanas carentes de infra-
estrutura (Limonad, 1996) – que se aproxima da idéia de urbanização
extensiva assinalada por Monte-Mor (1994) e que de certa forma
tem por base a idéia de Lefebvre (1969) de urbanização do território
onde o tecido urbano apresenta-se esgarçado.
Enfim, as mudanças assinaladas até aqui evidenciam que a
dinâmica econômica está sendo acompanhada, pari passu pelos
movimentos migratórios e crescimento populacional, destaca-se
nesse sentido Macaé - sede operações da Petrobrás na Bacia de
Campos, que registrou uma taxa de crescimento demográfico de
4,33% a.a., entre 1980 e 2000. E tais mudanças, ainda que sutis
em relação ao peso da região metropolitana, sinalizam para uma
inflexão na relação capital-interior, na qual o interior fluminense
está gradualmente conquistando uma nova preeminência, conforme
aí se instalam empresas de grande porte e de última geração e
aumenta sua participação no PIB estadual.
Cabe ressaltar que no caso do Rio de Janeiro, a despeito da
diversidade geográfica existente a regionalização oficial atende a
injunções de ordem política e econômica. Ou seja, as atuais
regionalizações do território estadual possuem um caráter
estratégico na geopolítica estadual, e mesmo nacional. Contribuem,

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de Janeiro,
Janeiro, uma
uma nova
nova relação capital-interior?
relação capital-interior?

assim, para configurar tanto um retrato da riqueza e do poder quanto


da pobreza.
Neste sentido a reorganização das regiões de governo2 fluminen-
ses após a descoberta de petróleo na bacia de Campos, em 1984 é
um exemplo interessante. Nesta ocasião o município de Macaé foi
desvinculado das Região das Baixadas Litorâneas e passou a fazer
parte do Norte fluminense - ao mesmo tempo em que os municípios
desta região, com baixa renda per capita e reduzida participação
no PIB estadual foram – em uma regionalização da pobreza -
congregados na região Noroeste fluminense, que até hoje permanece
polarizada pela região Norte fluminense. De certa forma um artifício
para manter a proeminência econômica e política da região Norte
Fluminense e assegurar um espaço político para as oligarquias locais.
Em um movimento contrário à centralidade metropolitana,
obedecendo em parte a interesses econômicos, temos a
desincorporação da Região Metropolitana dos municípios de
Petrópolis (Serrana) e na última década dos municípios litorâneos
de Mangaratiba (Baía da Ilha Grande) e Maricá (Baixadas Litorâneas).

Algumas considerações finais


Diante do quadro aqui exposto torna-se patente a importância
para a reflexão a análise de diferentes escalas espaço-temporais
articuladas de modo a não se perder a “sintonia fina” ou a
especificidade dos processos sociais e econômicos - que muitas
vezes, ainda que não pareça extrapolam a escala local-estadual-
regional.
Há que se considerar, ainda na perspectiva de uma percepção
de uma “sintonia fina”, que existem hoje processos que passam por
fora da metrópole tanto ao nível das atividades produtivas quanto
no concernente à distribuição da população no território.
As práticas espaciais dos distintos atores sociais em disputa pelo
espaço que se consubstanciam na ocupação e organização do
espaço, têm por resultante a urbanização e regionalização do
território.
A adoção de uma abordagem de escalas articuladas permite-
nos perceber na escala dos lugares, processos e tendências não
perceptíveis na escala municipal e das regiões de governo, conforme
registramos em trabalhos anteriores (Limonad 1996 e 2002). No
caso do interior fluminense tal procedimento contribuiu para
verificarmos que a articulação e interação das novas condições gerais
de produção e de re-distribuição da população no território conferem

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Ester Limonad
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à urbanização um “novo” formato em que, por um lado, o urbano


extrapola os limites físicos da cidade, enquanto por outro lado, o
território tem sua face transformada e emergem novas
regionalizações, conforme o espaço de produção pretérito, antes
voltado para a produção agrária, é apropriado por novos atores
sociais, para novas atividades produtivas de caráter industrial e por
aglomerações dispersas e esparsas conformando um tecido urbano
esgarçado (Lefebvre, 1969).
Concomitante a tal apropriação, como se fora uma condição sine
qua non são ampliadas, modernizadas e implantadas infra-estruturas
de suporte, abastecimento e logística necessárias à reprodução dos
meios de produção e à reprodução social. Conforma-se, assim, um
espaço social com uma dinâmica regional singular a partir das
práticas espaciais de distintos atores, voltadas para a produção dos
meios de produção (dos distintos capitais) e para a reprodução
social (da sociedade).
A produção (social) do espaço, de uma geografia localizada
materialmente, está relacionada historicamente à reprodução da
sociedade (da família e da força de trabalho) e dos meios de
produção. Portanto, para podermos apreender dialeticamente a
produção (social) do espaço devemos debruçar-nos de forma
articulada sobre os distintos momentos da reprodução social – o
que na atual etapa implica em nos determos sobre a distribuição
espacial da população e as tendências de expansão do tecido urbano.
De fato, a combinação destas esferas de (re)produção social em
disputa por localizações privilegiadas permitem-nos apreender certos
aspectos da produção do espaço (social) que tendem a formar
lugares de caráter urbano (Limonad, 1996) e constituem parte dos
fundamentos do processo de urbanização e de estruturação do
território (vide a respeito Pred, 1985 e Soja, 1993).
Em síntese temos uma reestruturação do espaço de produção
em diferentes escalas, que é acompanhada por uma reestruturação
do espaço de vida e trabalho – cujo corolário é a disseminação em
escala territorial de uma urbanização fragmentada mais complexa,
diversificada e especializada – qualitativamente distinta da fase
anterior em que o produto material da urbanização consubstanciava-
se em grandes massas e em malhas urbanas contínuas – cidades e
suas periferias.
Parece-nos que conforme o mundo torna-se mais urbano e
conforme a urbanização avança e se estende de forma fragmentada
além dos limites das cidades, como se fora um tecido esgarçado e
não uma malha com continuidades e contigüidades físicas, através

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Rio
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deJaneiro,
Janeiro,uma
uma nova
nova relação
relação capital-interior?
capital-interior?

de aglomerações dispersas ao longo de grandes eixos e artérias


(Limonad, 1996, 1997, 1999 e 2002) ou ainda como uma
urbanização extensiva (Monte-Mór, 1994; Monte-Mór e Costa 1997),
enquanto um modo de vida e inserção no processo produtivo, torna-
se necessário mais do que nunca re-qualificar a questão urbana e
social.
o0o

Notas
1 Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Iguaba Grande e Rio das Ostras
(Região das Baixadas Litorâneas); Areal, Comendador Levy Gásparian
e Paty do Alferes (Região Centro-Sul Fluminense); Itatiaia, Pinheiral,
Porto Real e Quatis (Região do Médio Paraíba); Belford Roxo, Guapimirim,
Japeri, Mesquita, Queimados, Serópedica e Tanguá (Região
Metropolitana); Aperibé, Italva, São José de Ubá e Varre-Sai (Região
Noroeste Fluminense); Cardoso Moreira, Quissamã e São Francisco do
Itabapoana (Região Norte Fluminense) Cordeiro, Macuco e São José do
Vale do Rio Preto (Região Serrana).
2 O estado do Rio de Janeiro é dividido atualmente em 8 regiões de
governo: Metropolitana, Baía da Ilha Grande, Médio Vale do Paraíba,
Centro Sul Fluminense, Serrana, Baixadas Litorâneas, Norte Fluminense
e Noroeste Fluminense, esta última criada em 1984.

o0o
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Ester Limonad

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SUDESTE BRASILEIRO :
A INSTITUCIONALIDADE DA QUESTÃO REGIONAL

Cláudio A. G. Egler

Apresentação
A proposta do presente trabalho enquadra-se na abordagem que
ressalta o papel das instituições na organização do território,
utilizando, como ponto de partida, as bases conceituais
desenvolvidas originalmente por North (1990), que considera as
instituições formais - como as que definem leis, normas e
regulamentos de caráter obrigatório e coercitivo, como fundamentais
na dinâmica econômica (Corei, 1995). O caminho percorrido nesse
trabalho exploratório mostra que as relações entre espaço e matriz
institucional são importantes para a compreensão da questão
regional no Brasil e para avaliar suas implicações para a gestão do
território.
Tais concepções foram aplicadas à Geografia Econômica por
diversos autores como Storper (1997), Storper e Salais (1997) e
Martin (2000), dentre outros. Alguns ensaios de aplicação dessa
concepção à realidade brasileira já foram realizados por Mattos e
Egler (2002 e 2003) e Pires do Rio e Egler (2003). O presente
trabalho discute o papel das novas institucionalidades na
diferenciação regional do Sudeste brasileiro.

O peso do Sudeste no contexto nacional


A Região Sudeste, formada pelos estados de Minas Gerais, Espírito
Santo, Rio de Janeiro e São Paulo corresponde ao espaço mais
industrializado e urbanizado do Brasil. Embora represente apenas
cerca de 10% do território nacional, o Sudeste concentra 42,5 %

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Cláudio Egler
Cláudio Egler

da população e é responsável pela geração de 57,8 % do PIB


nacional. Um em cada dois brasileiros que vivem em cidades está
no Sudeste, o que mostra sua importância, tanto como mercado
consumidor, como também como território formador da concepção
de nação e cidadania, decisivos para a construção da
institucionalidade do Brasil contemporâneo.

T a be la 1- Bra sil e Ma crorre giõe s - Indica dore s Se le ciona dos


em números relativos (%) - 2000
Popul ação Popul ação
PIB
Área Tot al Urbana
Macrorregi ão 2000
Terri t ori al 2000 2000

Nort e 45,25 7,60 6,53 4,60


Nordes t e 18,25 28,12 23,90 13,09
Sudes t e 10,86 42,65 47,52 57,79
Sul 6,77 14,79 14,73 17,57
Cent ro-Oes t e 18,87 6,85 7,32 6,95
Bras i l 100,00 100,00 100,00 100,00
Font e dos Dados Bás i co: IBGE, Cens o Demográfi co de 2000 e Cont as

A dimensão relativa da importância desse conjunto de estados


da federação também pode ser avaliada pela relação entre a renda
per capita regional e a média nacional (Gráfico 1). Desde que existem

Gráfico 1
Relação entre a Renda Per Capita Regional e a
Média Nacional (1949-2000)

Fonte dos Dados Básicos : IBGE, Contas Nacionais

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Sudeste brasileiro: A
a institucionalidade
institucionalidade da
da questão
questão regional
regional

Contas Nacionais no Brasil, a região Sudeste apresenta indicadores


acima da média brasileira, situação que se mantém até os dias
atuais, considerando o desempenho positivo das regiões Sul e
Centro-Oeste, que são justamente aquelas mais integradas aos seus
impulsos dinâmicos. Mais que isto, a presença da velha, e sempre
transformada, questão regional na construção da institucionalidade
nacional, fica patente pela permanência de estruturas rígidas nas
regiões Nordeste e Norte, e que se refletem no seu fraco desempenho
no período considerado.

A dimensão institucional da questão regional


A questão regional, vista como um óbice de fundo ao
desenvolvimento do capitalismo, foi originalmente postulada por
Gramsci, que a considerava como uma forma territorializada e
transformada de expressão da questão agrária. Nos textos clássicos
da segunda metade do século XIX e início do XX, a questão agrária
era vista como o impasse maior ao pleno estabelecimento das
relações assalariadas de produção e assumia uma dimensão
nacional, manifestando os conflitos e ajustes entre proprietários de
terra e proprietários de capital pelo controle do aparelho de Estado.
A maneira de solucionar a crise agrária e garantir o
desenvolvimento do capitalismo assume caráter decisivo na
construção do próprio aparelho de Estado e de sua institucionalidade.
A famosa diferenciação entre a via americana, fundada no acesso
democrático a terra, e a via prussiana, onde os grandes proprietários
conservam seus direitos fundiários, está descrita, tanto nos textos
políticos de Lênin (1980), como nos acadêmicos de Moore Jr. Esse
último, tanto no seu clássico As Origens Sociais da Ditadura e da
Democracia: senhores e camponeses na construção do mundo
moderno (1983), como também em Injustiça: as bases sociais da
obediência e da revolta (1987), traça um formidável painel acerca
das influências da questão agrária e seus corolários, na construção
das instituições contemporâneas.
O papel da questão regional, enquanto forma transformada da
questão agrária, pode ser avaliado através do Mapa 1. De um modo
geral, a fraca amplitude da divisão territorial do trabalho é fruto da
elevada concentração da riqueza e da renda. Seu resultado mais
imediato já foi explicado por Adam Smith há mais de dois séculos.
Não existe um mercado proporcional ao tamanho demográfico destes
adensamentos populacionais, o que faz com que não se desenvolvam
as atividades produtivas para abastecê-los e o excedente que por
ventura venha a ser obtido no local, seja pela prodigalidade dos

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Cláudio Egler
Cláudio Egler

recursos naturais, seja pelo aviltamento da força de trabalho, é


apropriado pelas mais diversas formas de capital agrário-mercantil,
que estão presentes, seja na simples extração da renda absoluta
da terra, seja no financiamento ao pequeno produtor, seja na
comercialização dos resultados de sua produção, seja também no
controle sobre abastecimento de produtos industrializados. Neste
caso, é difícil denominar de urbanização aquilo que é uma mera
expansão das redes mercantis de captura do excedente rural.

A rede urbana e a diferenciação regional


A resultante final deste processo é algo que poderia ser
denominado de bacia urbana, mas jamais de uma verdadeira rede
urbana. Para superar esse problema, estabeleceu-se o corte de
100 habitantes por quilômetro quadrado para a densidade
demográfica municipal como o patamar onde o uso da terra pode
ser considerado como dominantemente urbano.

Mapa 1

Fonte dos Dados Básicos: IBGE, Censo Demográfico de 2000

A observação do mapa mostra a grande mancha urbana no


estado de São Paulo, formada por três áreas metropolitanas: a de

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Sudeste brasileiro: A
a institucionalidade
institucionalidade da
da questão
questão regional
regional

São Paulo, de Campinas e da Baixada Santista, que já estão


praticamente conurbadas. Esta mancha se estende para norte, em
direção a Araraquara, para oeste, ao longo do eixo da antiga estrada
de ferro Sorocabana e para leste, seguindo o vale do rio Paraíba do
Sul, tendo Sorocaba e São José dos Campos como núcleos de
aglutinação pré-metropolitanos. É evidente o papel das rodovias
como eixos de avanço do processo de urbanização e é preocupante
que esse avanço ocorra sobre áreas que se caracterizam por dispor
de um dos mais férteis solos do país, as conhecidas terras roxas
estruturadas dos espigões paulistas.
No Rio de Janeiro, alem da conhecida expansão da mancha urbana
em direção à São Paulo, ao longo do Vale do Paraíba do Sul, que
constituiria, segundo alguns autores, o embrião da cidade mundial
brasileira, deve-se destacar a rápida expansão da urbanização
litorânea que avança, já praticamente de forma contínua até Macaé,
onde situa-se a base terrestre de suporte a extração petrolífera
“off-shore” na Bacia de Campos que, em um curto período de menos
de vinte anos, transformou-se na principal área produtora de
hidrocarbonetos fósseis (petróleo e gás natural) do Brasil.
A construção da ponte que liga o Rio de Janeiro a Niterói, cruzando
a Baia da Guanabara, abriu a fachada atlântica da Região dos Lagos
fluminense à especulação imobiliária, seja para segunda residência,
seja para moradia permanente daqueles que trabalham na metrópole
do Rio de Janeiro. A este movimento, deve-se acrescentar a rede
de dutos e a intensificação da circulação de veículos pesados
associados à extração petrolífera, o que em conjunto com a
construção de usinas nucleares no litoral sul do estado, bem como
os investimentos na construção do Porto de Sepetiba, na baía do
mesmo nome, transformaram esta aglomeração urbana em uma
das áreas de maior risco ambiental do Brasil, assim como em vetor
de fortes pressões sobre a cobertura vegetal que ainda restou
preservada na zona costeira.
Processo semelhante pode ser observado em Minas Gerais,
principalmente na área do Triângulo Mineiro, onde cidades como
Uberlândia e Uberaba ampliaram sua área urbanizada como
conseqüência do extravasamento das atividades industriais e de
serviços a partir de São Paulo. Na mesma direção, com o agravante
dos impactos resultantes da extração de minério de ferro, pode-se
incluir a capital do estado, Belo Horizonte, que se transformou em
um curto período de tempo, em um importante complexo industrial
metalúrgico e metal-mecânico, em grande parte devido a
implantação da FIAT, em Betim, em meados dos anos setenta.

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Cláudio Egler

A estruturação de uma densa rede urbana regional, comandada


por São Paulo, o hardcore da Rede Urbana Nacional, que compreende
as regiões de influência das cidades de São Paulo, Baurú, Campinas,
Marília, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Presidente Prudente
e Uberlândia (MG), cujo dinamismo projeta-se sobre o território
nacional, embora sua área de influência direta tenda a se reduzir
pela emergência de novos centros regionais nas franjas do território
por ele polarizado.
A metrópole do Rio de Janeiro, que exerce sua influência sobre
Vitória e Juiz de Fora, caracteriza-se pelo expressivo tamanho médio
das cidades, que formando um sistema com forte primazia urbana,
os indicadores mais elevados do Sudeste, o que indica um processo
de urbanização fortemente concentrado na metrópole carioca. A
área de influência do Rio de Janeiro é praticamente a mesma desde
o apogeu de sua região cafeeira, sem grandes transformações no
período recente. Dada esta característica, a tendência dominante é
de estabilização e mesmo regressão, em grande parte devido ao
dinamismo de Belo Horizonte, que tende a ampliar sua área de
atuação sobre a Zona da Mata Mineira.

Mapa 2

Fonte:IPEA/IBGE/NESUR (2002) Caracterização e Tendências da Rede Urbana no Brasil.

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Sudeste brasileiro: A
a institucionalidade
institucionalidadeda
da questão
questão regional

Belo Horizonte caracteriza-se por ser um sistema de transição


entre o Sudeste e o Nordeste, o que ajuda a compreender suas
principais características, isto é, elevados indicadores de primazia
e de crescimento urbano O tamanho médio das cidades que o forma
situa-se abaixo de 20.000 habitantes, o que significa o predomínio
de pequenos e médios centros urbanos relativamente dispersos.
Sua área de influência projeta-se na porção centro-oriental do estado
de Minas Gerais, restringida pela influência de São Paulo sobre o
Triângulo Mineiro, através de Uberlândia, e do Rio de Janeiro sobre
a Zona da Mata, através de Juiz de Fora.

Mapa 3

É interessante observar as relações entre a configuração da rede


urbana e a distribuição intrarregional da renda no Sudeste (Mapa
3). É evidente que onde a urbanização é mais intensa e é maior a
densidade da rede de cidades, os rendimentos são mais elevados,
revelando que existe uma expressiva correlação espacial entre esses
processos, que são responsáveis por uma marcante diferenciação
sub-regional do território, onde o cinturão urbano-industrial em torno
de São Paulo ocupa uma posição peculiar, quando comparado, tanto
a áreas no interior do próprio estado - como o Vale do Ribeira ou o

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Cláudio Egler
Cláudio Egler

Pontal do Paranapanema, como às vastas extensões do Norte e da


Zona da Mata de Minas Gerais.

Institucionalidades e territórios no Sudeste


Essas diferenciações sub-regionais vão contribuir para a definição
de novas institucionalidades que implicam em conflitos e ajustes na
apropriação do território do Sudeste. Essas institucionalidades
refletem, primeiro o aumento da participação nos fundos públicos,
através da questão regional - utilizando as pressões políticas sobre
o aparelho de Estado, como é o caso do avanço da área de atuação
do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), posteriormente Agência
de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE) e, agora, transformada
novamente em SUDENE, que passou a incluir o Norte de Minas
Gerais e a totalidade do Espírito Santo (Mapa 4). Esse mesmo
instrumento também está presente na proposta de criação do Fundo
de Desenvolvimento Regional, como parte integrante da Reforma
Tributária, que graças aos reclamos do governo estadual, passaria
a incluir o Norte Fluminense.
Segundo, é no Sudeste que criou-se a expressão territorial mais
elaborada da agudização dos conflitos em torno da questão agrária
Mapa 4

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Sudeste brasileiro: A
a institucionalidade
institucionalidade da
da questão regional

no Brasil: o Pontal do Paranapanema. A posição estratégica dessa


porção do Estado de São Paulo no contexto sul-americano, bem
como o caráter de teatro preferencial de lutas conferido pelas
organizações antagônicas, que disputam cada palmo de terra no
Pontal: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e
a União Democrática Ruralista (UDR).
A construção de um novo mapa institucional no Brasil tem como
marco fundamental a Constituição de 1988. Qualquer leitura que
dela se faça, há que se reconhecer que naquele momento foram
provocadas rupturas importantes no tocante ao fortalecimento dos
entes federativos frente à União. Essas rupturas foram traduzidas,
genericamente, por um processo de descentralização e de
redistribuição dos recursos financeiros.
A busca de novas institucionalidades está presente na
regionalização do território pelos governos estaduais - através das
Regiões Administrativas, como também nos diversos matizes de
regionalismo, que permitem desvelar a dependência das esferas
de poder local das transferências dos fundos públicos federais. O
Mapa 5 mostra que a antiga configuração espacial do Sudeste –
definida pelo Paralelo 17º foi transformada, tanto pela ação do
mercado, como, e principalmente, pela intervenção do Estado.
Mapa 5

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Cláudio Egler
Egler

Breves Considerações Finais


Em que pese a brevidade da análise apresentada neste trabalho,
observou-se que a perspectiva institucionalista constitui uma linha
de investigação bastante promissora para a Geografia Econômica.
Essa perspectiva teórica vem apresentando grande desenvolvimento
nos últimos anos com enfoques que privilegiam escalas distintas.
Poucos são, entretanto, os trabalhos efetuados para sua aplicação
no Brasil.A magnitude das transformações operadas na matriz
institucional ainda precisa ser melhor analisada para uma
compreensão abrangente da dinâmica espacial no Brasil
contemporâneo.
o0o

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Escalas insurgentes na Amazônia brasileira

ESCALAS INSURGENTES NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Ivaldo Lima

A Amazônia, tornada área e objeto de estudo sistemáticos da


geografia, passa, a partir da década de 1970, a ser encarada como
a grande fronteira nacional, definida como um espaço não
plenamente estruturado e dotado de um elevado potencial político,
como sugere Bertha Becker (1990). É, sobretudo, um espaço no
qual ocorrem rápidas e profundas transformações. E, parece lícito
considerar, logo de saída, que esse movimento transformador –,
essa intensa dinâmica regional, diriam alguns – constrói e desconstrói
a fronteira, instaura o novo, refunda o pré-existente, hibridiza-os e,
apesar de ou por isso mesmo, forja o espaço de fronteira e força a
sua consolidação, negando-o dialeticamente, ou seja, fazendo com
que deixe de ser fronteira, sendo. Assim, quanto à Amazônia, impõe-
se a questão de fundo: o que é – como quem indaga o que já não é
mais – a fronteira nacional da qual tratamos.
Os traços regionais amazônicos (re)delineiam-se
incessantemente. Fala-se, então, em novas feições, novos rumos,
novas tendências, com uma insistente freqüência. Isto se expressa
na construção intelectual da fronteira, pois não tardam ensaios
metodológicos, propostas conceituais, agendamento de temas e
problemas relevantes, no intuito precípuo de pesquisadores
envolvidos na tarefa de compreender a Amazônia, atuando como
seus intérpretes. Afinal, o que dizem, com que se preocupam? Por
razões talvez óbvias e por um certo comodismo acadêmico, buscarei
responder esta pergunta à luz dos trabalhos de pesquisa que venho
desenvolvendo sobre a Amazônia, desde 1985. Portanto, é a partir
da observância das condições objetivas, materiais ligadas à
Amazônia, e das contribuições acadêmicas remetidas à interpretação
regional que se estruturará este trabalho. A perspectiva aqui
assumida ancora-se na articulação das escalas local e regional, e
na visão crítica de uma inquestionabilidade dos avanços sócio-
espaciais da fronteira, como se expansão fosse o termo a fortiori

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Ivaldo Lima
Ivaldo Lima

tradutor de tudo o que se passa na Amazônia atualmente. O ângulo


do qual nos posicionamos neste trabalho ilumina um processo de
re-qualificação do espaço regional, tendo em vista seus usos (no
sentido próximo de práticas sociais). Ressaltando-se que o prefixo
re assume acepções enriquecidas, pois não se deve limitá-lo à
conotação de repetição tão-somente; mas enviá-lo à noção de recuo,
como retro, de retroceder; como futuro, como meta, de renovar;
como conexão, comunicação, de religar e reunir; como intensidade,
de reforçar, nos termos sugeridos por Morin (2001:373).

O território em processo: políticas de escala


Entendemos, como vários autores (Raffestin, 1982,1993; Souza,
1995; Santos e Silveira, 2001) que o território se forma a partir do
espaço, não sendo, entretanto, termos equivalentes. Contudo,
devido a tal derivação genético-formadora, a natureza do espaço
está na natureza própria do território, e isto diz respeito inclusive
ao movimento, atributo espacial em si, como nos alerta Patoèka
(1994). Agregando-se, ademais, a idéia de Santos (1985:50) de
que “processo pode ser definido como uma ação contínua”, sentimo-
nos à vontade para falar de território em processo, i.e., vislumbrado
a partir de movimentos e ações que lhe são intrínsecos, indissociáveis
dos objetos e coisas constitutivos do território mesmo, como discutiu
Santos (1996), numa perspectiva sistêmica.
Preocupado com esse processo de (re)configuração do território
na Amazônia Brasileira, há alguns anos questionei por que se dividia
o território em frações que buscavam ampliar sua autonomia relativa;
preocupava-me com o aspecto da fragmentação do espaço e de
como isto poderia (ou não) representar o embrião de novas
regionalizações (hoje, eu diria novas sub-regionalizações), conforme
meus trabalhos daquele período, Lima (1989, 1991, 1993). A criação
e a instalação de novas unidades municipais tornaram-se, àquela
época, o elemento que privilegiei nos estudos sobre a fachada
oriental da Amazônia, nomeadamente o sul-sudeste e leste
paraenses. Inspirado nos estudos de Becker (1982) sobre a hipótese
para a origem do fenômeno urbano na fronteira, tratamos de refletir
acerca do urbano, da cidade e da urbanização, tendo em vista a
formação de poderes locais, assim entendidos como poderes
urbanos. A Amazônia urbana, a “selva urbanizada” era o horizonte
de pesquisa, e, de algum modo, continua a sê-lo nos trabalhos que
ora desenvolvo. O processo de urbanização regional esteve muito
associado à redefinição da própria estrutura espacial da Amazônia,
fato este que, agregado às migrações intra-regionais e às políticas
governamentais voltadas para a ocupação daquele vasto espaço,

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Escalas
Escalasinsurgentes
insurgentes na
na Amazônia brasileira

finda por conduzir a novas feições, quer dizer, a novas sub-


regionalizações.Ainda no que tange à urbanização como vetor
fundamental para se pensar a regionalização em curso, cabe-nos
ressair que a perspectiva de Browder e Godfrey (1996), acenando
para uma urbanização desarticulada pode ser relida de forma
relativizada, e até mesmo modificada. Isto significa dizer que se
interpõe um princípio federador no lugar de um princípio
desagregador ou desarticulador. Se, no passado, como dissemos,
nos preocupávamos em pesquisar a questão da divisão territorial,
hoje, nos preocupamos com o seguinte problema: por que se
agregam (ou federam) as frações do território. Estamos atentos,
especialmente, ao movimento de recomposição, de reacomodação
territorial, conforme Lima (1998,2001), a partir de uma forma de
organização representada pelas redes.

Uma perspectiva para o estudo das redes


Admitimos que as redes – e a reflexão sobre elas, não constituem
novidade no debate científico, mas concordamos com Randolph
(1993:172) quando fala da “proliferação de NOVAS redes”. É preciso
reconhecer a pluralidade de redes existentes como o faz Bakis (1993:
119) e conclamar o desenvolvimento de uma cultura das redes, “a
fim de evitar um novo iletrismo”. O geógrafo Milton Santos (1996)
chega a ponderar sobre uma geografia das redes.
Entendemos redes como um modo de organização. Kansky (apud
Lobato: 1993) define rede geográfica como “um conjunto de
localizações geográficas interconectadas entre si por um certo
número de ligações. Para Santos (2002:82), “as redes são a condição
da globalização e a quintessência do meio técnico – científico –
informacional”. É também Santos (1996:215) quem afirma que a
“existência das redes é inseparável da questão do poder”; como
também o faz Raffestin (1993: 209), “as redes são não somente a
exibição do poder, mas são ainda feitas à imagem do poder”. E nas
relações de poder, são veículos comandos, decisões, para os quais
as redes jogam um papel estratégico. Contudo, desejamos imprimir
ênfase especial à seguinte anotação de Santos (1996:262)
Mediante as redes, há uma criação paralela e eficaz da ordem
e da desordem no território, já que as redes integram e
desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam novos.

A passagem supracitada nos permite perspectivar os estudos


sobre rede face ‘a relação ordem – desordem. Talvez, em lugar de
paralelismo, sugerido pelo autor, melhor fosse falar de uma dialógica,
uma articulação – melhor contraditória – entre ordem e desordem.

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Ivaldo Lima

Concordamos com Haesbaert (1998:62) quando reconhece a


“íntima relação e interpenetração entre territórios e redes”. Podendo-
se, entretanto, segundo o autor, ter pelo menos duas situações:
i) uma em que o território é mais amplo do que as redes, sobrepondo-
se a elas, caso em que as redes se tornam elementos constituintes
ou fortalecedores do território; e ii) outra em que o território é mais
restrito que as redes, podendo, as redes protagonizar um processo
terrritorializador ou desterritorializador. O que se está sublinhando
é o papel recíproco que desempenham redes e territórios em sua
mútua constituição. O ponto de vista que estamos defendendo pode
ser sintetizado da forma seguinte: as redes constituem aquilo que
as constituir.
Seguindo os apontamentos de Haesbaert (1997:94), temos que
“desse modo, o território sempre foi constituído de redes. Poderíamos
mesmo afirmar que elas passaram de elemento constituinte, na
territorialidade mais tradicional e fechada, a elemento constituidor,
malha cada vez mais globalizante dentro da qual os territórios podem
se tornar meros pontos, ou seja, momentos ou parcelas elementares
das redes”. O autor refere-se a essa distinção no papel das redes
face à formação de territórios, como movimentos de introversão e
extroversão. Assim, se ordem e desordem são potencialmente
intrínsecos às redes, o são, igualmente intrínsecos aos territórios.
Conseqüentemente, quando Haesbaert (1995: 39) diz que “nem só
da ‘ordem’ de redes – territórios se organiza o espaço
contemporâneo”, agregamos que há desordens nesta organização.
Balandier (1997:84) reforça a percepção de nova ontologia, “pela
qual ordem e desordem estão completamente misturadas em toda
organização”, e de que “a desordem se inscreve naquilo que se
define como ordem”. A idéia de desordem é ineliminável da realidade
física, biológica e antropossocial; destarte, “a desordem coopera
na geração da ordem organizacional”, decerto, a desordem pode
gerar incerteza, mas “é esta introdução da incerteza que é
enriquecedora”, fazendo-se coro às considerações de Morin
(1994:156). O mesmo autor complementa e conclui que “para
estabelecer o diálogo entre ordem e desordem precisamos de algo
mais que estas duas noções (...), donde a idéia do tetragrama:
ordem desordem

integração organização
Isto quer dizer o quê? Quer dizer que precisamos conceber nosso
universo a partir de uma dialógica entre estes termos, cada um

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Escalas
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na Amazônia brasileira
Amazônia brasileira

deles chamando o outro, cada um precisando do outro para se


constituir “(Morin, 1994:158). Então, ordem e desordem vinculam-
se a idéia de rede, que por sua vez contribuem para o entendimento
da construção e desconstrução de territórios. Postos sobre o crivo
das interações, dos movimentos concorrentes complementares, os
termos em tela tornam-se fundamentais para se compreender a
organização... territorial. E mais, para se avaliar criticamente as
propostas de realizações de ordenamento territorial. Deste modo
torna-se frágil o senso-comum dicotômico em que “a rede é
freqüentemente apresentada como a antítese do território: o
movimento contra o enraizamento, a mobilidade contra fixidez, o
movente contra o permanente”, como adverte Chivallon (1999).
Nossa insistência na aproximação das noções de rede àquelas
de ordem e desordem foge a qualquer voluntarismo fortuito, uma
vez que se fundamenta teórico-conceitualmente na trajetória mesma
da noção de rede. Senão, vejamos. A noção de rede não é recente.
De um ponto de vista paroxístico, poderíamos recuar à mera condição
do homem em sua posição bípede – pedestre e a seleção de pontos
do espaço vivido e percebido. Afinal, como lembra-nos Raffestin
(1993), a rede aparece como um instrumento que viabiliza a
circulação e a comunicação. E Brunet (1995:477) recorda-nos que
todo grupo social desenvolve aprendizagem e culturas e que “muito
rápido o grupo percebeu certa possibilidades, viu que certos
caminhos eram mais cômodos, e alguns lugares nefastos”. De um
outro ponto de vista, mais brando, poderíamos remontar ao século
XIX e iluminar as contribuições de Saint – Simon.
Segundo Dias (1995:144), o termo rede aparece como conceito
– chave do pensamento do Conde Saint–Simon (1760-1825). O
filosofo e economista formulou a moral da nova sociedade que se
formava. Ele vivenciou uma época fértil em revoluções, como a
Francesa e a Americana, geradora “de ruptura com a sociedade
‘antiga’, substituída pela ‘sociedade industrial’”, conforme Balandier
(1997:71). De acordo com Musso (apud Dias, 2004:167), Saint–
Simon construiu o conceito de rede para pensar a passagem de
sistema feudal – militar para o sistema industrial, defendendo a
criação de um estado organizado racionalmente por cientistas e
industriais. Vale lembrar que Augusto Comte foi secretário de Saint–
Simon, aderindo com entusiasmo à sua doutrina, e, depois,
rompendo com tal filiação; da mesma forma que, mais tarde, teria
como seguidor Émile Durkheim, segundo Balandier (1997:74).
Porém, o que nos interessa destacar é que Saint–Simon era
sensível à interpretação entre ordem e desordem. O conceito de
rede por ele abraçado ter-se-ia formulado nos domínios desta

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Ivaldo Lima
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sensibilidade. Balandier (1997:73) informa que Saint–Simon


“identifica um movimento de desorganização e de reconstrução, de
decomposições progressivas que provocam rupturas de equilíbrio e
criam tendências que levam a outros equilíbrios”. Insurgem ordem
e desordem, que, no nosso entender, (re)organizam um tempo-
espaço especifico, assumindo papel notável as redes novas,
sobretudo as territoriais.
Todavia, não ensejamos debate aberto sobre as redes almejando
redescobrir sua importância, mas sim construir um agregado
epistêmico, encarado como resultado da formação e evolução de
redes teóricas, no sentido a elas conferido por Echeverría (1994).
Efetivamente, significa desenvolver uma proposta conceitual em
que se possam aproximar e entrecruzar proficuamente abordagens
de distintos corpos teóricos. Neste caso, propomo-nos a falar de
redes políticas, tornando mais familiares a geografia e a ciência
políticas. Entendemos, apoiados em Lechner (1996), que redes
políticas são instâncias e procedimentos de coordenação horizontal
e descentralizada. Acrescentamos que tais redes se edificam, com
maior nitidez, nos interstícios criados pelo pacto federalista,
permitindo que assumam relevância novas escalas geográficas,
novas escalas territoriais de poder, enfim, novas arenas políticas –
resguardando-se, propositadamente, a proximidade que enlaça
estes termos. Pretendemos falar de políticas de escala, à guisa de
Swyngedouw (1997), pensando na articulação entre diferentes
escalas e suas, às vezes insuspeitas, interações. Geograficamente,
isto se traduz em exemplos, como a cooperação municipal, ou mais
precisamente, no papel desempenhado pelas associações (inter)
municipais. Intentamos sublinhar rupturas escalares, sinalizando
que entre as escalas local e regional insinuam-se escalas in-
surgentes; o supralocal reconfigura-se em novos formatos e o risco
de robustecer uma “vulgata localista” (Bourdin,2001) ameniza-se.

Um cenário estratégico para a Amazônia


Na fronteira amazônica, como sugerido na introdução deste texto,
operam movimentos de expansão, mas também e concomitante-
mente de consolidação. As áreas degradadas pelo calor destrutivo
das queimadas, o chamado “arco do fogo”, por exemplo, dá lugar a
uma agricultura sojífera, capitalista e de precisão (em muitos casos).
Assim, a borda da fronteira parece recusar-se a ser “espaço não
plenamente estruturado”, contudo, fortemente vinculado à
estruturação espacial da Amazônia, sem excessos utópicos ou
exóticos, mas sobretudo como parte das relações sociais de produção
e das contradições a elas inerentes, que caracterizam o país como

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Escalas
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Amazônia brasileira

um todo. Afigura-se como uma exigência a regionalização da


Amazônia Brasileira, no sentido stricto de expressar a diferenciação
contemporânea do território. Propostas de uma nova regionalização
logo se sucederam. Destacaremos duas dentre elas.
Becker (1999, 2001, 2003) enfatiza a premência de sub-
regionalizar a Amazônia, para não corrermos o risco de trabalhar
com a idéia, absolutizada por algumas instituições, de macro-região
e dados estatísticos abusivamente agregados que possam nos
levar a pensar e falar de uma realidade geográfica há muito
inexistente. Concretamente, propõe, a autora, que se pensem os
limites da i) Amazônia Oriental, área de consolidação e recuperação
correspondendo basicamente ao leste do Estado do Pará, ao Estado
de Tocantins, o oeste do Estado do Maranhão e o extremo norte do
Estado do Mato Grosso; da ii) Amazônia Meridional, localizada
majoritariamente em Rondônia e no Estado do Mato Grosso,
encarada também como uma área de consolidação e recuperação;
da iii) Amazônia Central, abrangendo o oeste paraense e porções
dos Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, além de todo
o Estado do Amapá, uma sub-região caracterizada pelos movimentos
de expansão e conservação; e por fim, da iv) Amazônia Ocidental,
abarcando a porção oeste dos Estados do Amazonas, de Roraima e
do Acre, encarada como uma sub-região caracterizada por
conservação e preservação orientada.
Outro exemplo, vale dizer, outra proposta de sub-regionalização
da Amazônia, nos é apresentada por Pasquis et al (2001) sob a
genérica denominação de formatos de ocupação do espaço
amazônico, a partir dos quais são identificadas: i) Amazônia
colonizada, subdividida em extremo-oriental (antiga e estabilizada),
central (espaço de transição), meridional (pólo agropecuário) e sub-
ocidental (de colonização ativa); ii) Amazônia Ocidental, antiga e
tradicional; e iii) Amazônia Central da margem esquerda, segundo
os autores, “a nova fronteira”. São propostas que apontam para o
fato incontornável de a Amazônia ser plural, como sentencia
Gonçalves (2001), ao intitular seu livro “Amazônia, Amazônias”, e
tratar de “outras Amazônias”.
Tendo estas propostas em mira, arriscamos propor que se tornou
impositivo pensar sob que condições mantêm-se esses subespaços
regionalizados. Isto é, pensar o que permite, impede, retarda ou
acelera o “movimento do território”, uma vez que tais sub-regiões
não são instantâneos petrificados, não são imagens territoriais
congeladas, mas sim, em animação ininterrupta. O princípio
federador parece ajudar a esclarecer a tendência de fortalecimento
de alianças, de um pacto local projetado regionalmente. As

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Ivaldo Lima
Ivaldo Lima

associações de municípios jogam, destarte, um peso crucial nesse


processo cooperativo. Elas representam redes políticas
territorializadas, consoante o que apresentamos conceitualmente
na seção anterior. E, como tais, essas redes solidarizam, conectam
poderes locais entre si, tornando-os (sub)regionais, re-desenhando
contornos. Essa escala territorial insurgente deve ser considerada
como algo que confere visibilidade aos processos de urbanização e
de regionalização do território brasileiro, sobretudo no exemplo da
Amazônia, como estamos a sugerir. O cenário estratégico para a
Amazônia se pode imaginar a partir do reconhecimento e da
valor(iz)ação da formação de redes políticas, associativas e
federadoras em sua própria natureza, podendo ser traduzidas por
políticas favorecedoras da cooperação (inter)municipal. Uma espécie
de valoração das horizontalidades, nos termos assinalados por Milton
Santos, em seu livro “A Natureza do Espaço”.

Uma consideração final


Procuramos um modo operativo para se pensar a regionalização
no Brasil contemporâneo baseados no conceito de rede política.
Nosso intuito consistiu em vincular estritamente um princípio
regionalizador como princípio federador. Regionalizar não significa
simplesmente dividir o espaço em frações, mas sim reconhecer
processos, cada vez mais complexos, que recompõem o espaço de
forma diferenciada. Trata-se de reconhecer uma diversidade
territorial em constante reorganização, sendo que isto parece-nos
particularmente mais explícito em áreas de fronteira, no nosso caso,
nas múltiplas Amazônias em movimento.
oOo
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Escalasinsurgentes
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naAmazônia
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brasileira

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URBANIZAÇÃO E MODERNIDADE
NA AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA

Roberto Luís Monte-Mór

A Amazônia Brasileira é certamente uma das regiões no mundo


que vem sofrendo uma transformação mais rápida e intensa nas
últimas três décadas. A entrada naquela região de cerca de quinze
milhões de migrantes e o desflorestamento de cerca de seiscentos
mil quilômetros quadrados por si só já constituem fato singular e
atestam o impressionante processo de produção social do espaço
regional e sua rápida transformação de espaço natural em espaço
construído1.
A Floresta Amazônica tem sido palco e cenário de intensa
destruição e reinvenção de processos de produção social do espaço.
A convivência de tempos espaciais distintos tem originado novos
arranjos sócio-espaciais muitas vezes surpreendentes, manifestos
em diversas escalas e múltiplas combinações dos espaços natural,
social e abstrato. Novas articulações urbano-rurais, relacionadas à
expansão da modernização sócio-espacial, têm contribuído para a
redefinição da cidadania e da modernidade no contexto da selva
em transformação. Das demandas urbanas articuladas ao nível local
e da expansão de movimentos sociais ligados à produção e à
reprodução a nível regional (e nacional), vem surgindo um tecido
sócio-espacial (urbano) multifacetado, inovador e potencialmente
transformador, que integra e (contrapõe) na região seringueiros e
colonos agropecuários, hoje urbanizados, a pequenos industriais e
comerciantes, crescentemente ruralizados.
Este texto trata de uma nova visão da urbanização no Brasil
contemporâneo – a urbanização extensiva - e de suas implicações
sobre a construção e redefinição da modernidade – ou pós-
modernidade – na Amazônia Brasileira. Apresenta os conceitos e os
discute tendo como pano de fundo e referência o contexto brasileiro
e amazônico.

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Urbanização
UrbanizaçãoeeModernidade
Modernidadena
na Amazônia
Amazônia Contemporânea
Contemporânea

Identifica alguns processos de articulação urbano-rural, suas


implicações e alguns desdobramentos face à extensão da cidadania
e da (pós) modernidade naquela região.
A urbanização brasileira se intensificou na segunda metade do
século XX, quando o capitalismo industrial ganhou momento no
país e dinamizou a economia a partir da formação e/ou consolidação
das cidades industriais, particularmente São Paulo, o grande pólo
de crescimento industrial do Brasil. Essa transformação de uma
economia de base agro-exportadora e importadora de bens
industriais em uma economia que cresce a partir da substituição de
importações para o mercado interno em expansão colocou no centro
dinâmico da economia a cidade industrial, pólo de dinamização e
de transformações seletivas no espaço e na sociedade brasileira.
A cidade industrial surgiu no Brasil a partir de duas vertentes
principais, não necessariamente excludentes entre si: a primeira, a
transformação da cidade política, tradicional sede do aparelho
burocrático de Estado e sede política de comando das oligarquias
rurais ligadas à economia agro-exportadora, em cidade mercantil,
marcada pela presença do capital mercantil exportador e/ou
concentração de comércio e serviços centrais de apoio às atividades
produtivas rurais; a segunda, a partir de cidades que nasceram e/
ou se desenvolveram precocemente como espaços de produção
industrial, pequenas cidades mono-industriais geradas ou capturadas
por grandes indústrias e/ou que se desenvolveram como centros
de concentração do excedente e da acumulação capitalista. Em
ambos os casos, foram as cidades industriais que reuniram, no país,
as condições básicas de modernidade e cidadania que
caracterizavam a entrada em uma sociedade capitalista industrial.
Em verdade, foram as grandes e médias cidades brasileiras – e
algumas pequenas cidades mono-industriais – que reuniram as
condições gerais de produção exigidas pelo capitalismo industrial
em sua fase fordista, na qual o Estado do Bem Estar regulava as
relações entre capital e trabalho, fazia os grandes investimentos
em infra-estrutura necessários ao padrão de acumulação das
grandes unidades produtivas, garantia os meios de consumo
coletivos e os benefícios trabalhistas exigidos para a reprodução da
força de trabalho; enfim, o Estado criava as condições gerais de
produção para a grande indústria. Estas condições de produção
estavam então restritas ao que Milton Santos (1994) chamou
arquipélago urbano, evidenciando assim o caráter fragmentário e
desarticulado da sociedade urbana brasileira. Nesse contexto, a
cidade industrial é peça central da dinâmica capitalista, desdobrando-
se sobre as cidades comerciais e os centros urbanos variados que

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Roberto Monte-Mór
Roberto Monte-Mór

canalizam a produção para sua área de influência e controle. É


também nessas cidades, e apenas nelas, que se concentram as
possibilidades de acesso às facilidades da vida moderna, à cidadania,
enfim, à urbanidade e à modernidade.
A cidade industrial, todavia, tomada pela indústria e subordinada
assim à lógica da produção sofre, segundo Lefèbvre (1999), um
duplo processo de cisão: implode sobre si mesma, concentrando
no seu interior as condições de comando financeiro, de gestão e de
serviços de apoio à produção industrial que a domina; e explode
sobre seu espaço circundante através do tecido urbano, forma e
processo sócio-espacial que se estende para além da cidade e
arredores para eventualmente atingir todos os espaços regionais,
nacionais e, eventualmente, mundial.
O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de
vida agrária. Estas palavras, “o tecido urbano”, não designam,
de maneira restrita, o domínio edificado das cidades, mas o
conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o
campo. Nessa acepção, uma segunda residência, uma rodovia,
um supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido
urbano. Mais ou menos denso, mais ou menos espesso e ativo,
ele poupa somente as regiões estagnadas ou arruinadas,
devotadas à “natureza”. Para os produtores agrícolas, os
“camponeses”, projeta-se no horizonte a agrovila,
desaparecendo a velha aldeia. (Lefèbvre, 1999:17)

Para Lefèbvre, a sociedade urbana é uma virtualidade em


concretização, uma realidade em formação que sintetiza e
transcende as relações cidade e campo, diluindo ambos os termos
dessa dicotomia em uma unidade relacional – o urbano. Esta
realidade se apóia na centralidade teórica da sociedade urbana:
…a relação “campo-cidade”, relação dialética, oposição conflitual
que tende a transcender-se quando no tecido urbano realizado
se reabsorvem simultaneamente o antigo campo e a antiga
cidade. O que define a “sociedade urbana” é acompanhado de
uma lenta degradação e desaparição do campo, dos
campesinos, do povoado, assim como de estalo, uma dispersão,
uma proliferação desmesurada do que antanho foi a cidade.
(Lefèbvre, 1976a: 15)

O tecido urbano, no Brasil, tem sua origem na dinâmica territorial


ao mesmo tempo concentradora e integracionista dos governos
militares, em seqüência às políticas centralizadores e expansionistas
do período Vargas e às ações para ocupação dos espaços interiores
no período Juscelinista. O binômio “Energia e Transporte” traduziu-
se nos anos 70, em infra-estrutura (rodovias, hidrelétricas),
comunicações, serviços financeiros, entre outros grandes

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Urbanização
Urbanizaçãoee Modernidade
Modernidade na
na Amazônia Contemporânea
Amazônia Contemporânea

investimentos. À entrada de capitais internacionais em busca de


mercados e/ou recursos naturais associou-se, na acumulação
interna, a indústria da construção civil, o latifúndio (subsidiado), a
agro-empresa (em formação) que constituíram, em verdade,
algumas das barganhas (políticas e econômicas) das elites nacionais
e regionais para apoio ao militarismo (inter)nacional. Com e através
do tecido urbano estenderam-se o (aparato do) Estado, a legislação
(inclusive trabalhista e previdenciária), as redes de comunicações,
os serviços urbanos e sociais (produção e consumo), potencialmente
por todo o país, dos centros dinâmicos até as fronteiras de recursos
naturais.
A partir dos anos setenta, a urbanização se estendeu assim
virtualmente a todo o território nacional integrando os múltiplos
espaços regionais à centralidade urbano-industrial que emanava
das regiões metropolitanas – particularmente, São Paulo –
penetrando e desdobrando-se na rede de metrópoles regionais,
cidades médias, núcleos urbanos afetados por grandes projetos
industriais atingindo, finalmente, pequenas cidades nas diversas
regiões e, em particular, naquelas onde o processo de modernização
ganhou uma dinâmica mais intensa (e extensa). “Já não há mais
problema agrário, agora se trata do problema urbano em escala
nacional”, dizia de modo quase panfletário Francisco de Oliveira na
SBPC de 1978 no seu famoso texto conhecido como “o Ovo de
Colombo da urbanização brasileira” (Oliveira, 1978: 74). De fato,
ao final dos anos setenta, as relações capitalistas virtualmente
haviam se estendido a todo o espaço nacional.
A essa urbanização que ocorreu para além das cidades e áreas
urbanizadas carregando com ela as condições gerais de produção
industrial tenho chamado urbanização extensiva. A urbanização
extensiva pode ser definida como a forma sócio-espacial que
expande as condições urbano-industriais de produção (e reprodução)
por sobre o espaço regional articulando o urbano e o rural em uma
única e (virtualmente) integrada forma urbana, carregando também
consigo as especificidades de polis e da civitas: a práxis urbana, a
política e a cidadania.
A urbanização extensiva, no Brasil, em 30 anos atingiu
praticamente todo o país: estendeu-se a partir das regiões
metropolitanas, articulando-se aos centros industriais, às fontes de
matérias primas, seguindo a infraestrutura de transportes, energia
e comunicações, criando as condições de produção e estendendo
os meios de consumo coletivo necessários ao consumo da produção
industrial fordista que se implantava no país a partir do milagre
brasileiro. Ao final do século XX, a urbanização se fazia presente

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Roberto Monte-Mór
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em todo o território nacional, com destaque para a fronteira


amazônica onde a produção do espaço já se dava a partir da base
urbano-industrial que emanava dos centros metropolitanos e de
seus desdobramentos sobre as regiões agrárias articuladas à base
agro-industrial do país.
A urbanização extensiva trouxe consigo os processos sócio-
espaciais e as formas próprias do capitalismo industrial (e pós-
industrial) que se manifestaram inicialmente, e apenas, nas
(grandes) cidades. A produção social do espaço sob a égide do
espaço econômico abstrato, em países periféricos onde a
heterogeneidade multitemporal2 é mais intensa, gerou múltiplas
combinações sociais-espaciais-temporais a partir de dualidades
aparentemente paradoxais, muitas vezes combinando processos
incompletos de modernização com tentativas de construção de
modernidades radicais e surpreendentes redefinições de tradições
culturais e de práticas sociais.
No Brasil, onde parcelas significativas da população têm sido
excluídas dos projetos (burgueses) de modernidade e de
modernização, a extensão das condições capitalistas de produção
– materializadas na urbanização extensiva - a novas e velhas regiões
e territórios implicou combinações diversas e inter-relacionadas de
processos e formas sócio-espaciais distintas. Essas novas
combinações espaciais, temporais e sociais representam não apenas
manifestações locais de processos e formas ligados às hegemonias
externas dos centros urbano-industriais (nacionais e mundiais) como
também, e particularmente, múltiplas (re) criações de práticas
tradicionais (re) informadas pelas necessidades imediatas derivadas
das heterogeneidades multitemporais que se fundem no interior do
espaço socialmente produzido.
As tentativas de se produzir projetos de modernidade3 foram
historicamente restritas a espaços onde a modernização, apesar
de incompleta, tinha de alguma forma ocorrido. Em outras palavras,
foi predominantemente nas grandes cidades que os processos sócio-
espaciais foram fortes o suficiente para produzir, em alguns extratos
da população, as condições – os modernismos - que poderiam ser
identificados como tentativas políticas e culturais de emancipação
no Brasil, a maior parte deles fora lugar,4 isto é, carecendo dos
elementos e contextos propícios à sua emergência enquanto
processos de modernização. Momentos de modernidades
incompletas Têm marcado a história brasileira – e amazônica - desde
as tentativas de Ouro Preto em estabelecer uma República
(escravocrata) nas Minas Gerais do século XVIII até as Revoltas
dos Cabanos, no século XIX, ao longo do Rio Amazonas; do

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Urbanização
Urbanizaçãoee Modernidade
Modernidade na
na Amazônia Contemporânea
Amazônia Contemporânea

Movimento Modernista do início do século XX em São Paulo até os


movimentos sociais contemporâneos. Outras tentativas de
modernidade podem ser reconhecidas –e muitas vezes o foram -
no Brasil e na Amazônia, (sempre) como processos incompletos.
De fato, no contexto diversificado do país e daquela região
continentais, os processos de conquista da Amazônia e do Brasil
podem ser vistos em si mesmos como vários projetos isolados ou
desarticulados de modernidades produzindo não uma única e
hegemônica modernidade, mas múltiplas modernidades.
Os processos incompletos de modernização no Brasil, embora
parciais em sua dimensão social e espaço-temporal, combinam-se
para produzir em múltiplas escalas e interações temporais as
heterogeneidades multitemporais descritas por Canclini. Como
resultado, temos múltiplas experiências sociais/espaciais/temporais
produzindo inovações sócio-espaciais manifestadas localmente em
espacialidades particulares. Dada a pluralidade e complexidades
tanto das forças imediatas quanto distantes que ali operam, podemos
dizer que esses espaços sociais expressam construções culturais e
sócio-espaciais multicondicionadas.
A urbanização extensiva, compreendendo a extensão das
condições urbanas e (pós) industriais de produção (e de reprodução),
é tomada aqui como uma metáfora sócio-espacial para a
complexidade da reprodução das relações de produção, conduzindo
os processos de modernização.5 Em tal perspectiva, a constituição
da modernidade não pode acontecer sem as conexões e mediações
que o fenômeno urbano estabelece entre e dentro dos espaços social
e abstrato. De fato, apenas trabalhando em ambos os níveis e
integrando as forças sociais/espaciais/temporais distantes às
determinações locais podem as múltiplas modernidades ser
construídas.
A modernidade implica em mais do que consciência espacial e
temporal; implica em desalienação e na criação das condições para
a construção do sujeito. Implica também a interconexão com outros
sujeitos com os quais forma uma “totalidade”, uma consciência
coletiva na qual uma espacialidade particular é reconhecida e
incorporada a uma história. Em outras palavras, o local só pode ser
moderno se e quando articulado com o global (e vice-versa, uma
vez que o espaço abstrato é ele mesmo alienado). Nesse sentido,
tanto a cidade como o campo não podem ser modernos sem estarem
conectados ao urbano.
Por outro lado, em seu sentido mais radical, a modernidade
implica urbanidade. E essa geminação vem das metrópoles (e de

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suas manifestações incompletas) e cresce no interior de sua mais


alta forma (imperial) – o urbano. Portanto, implica também as
características da metrópole, da urbe: intensas transformações
temporais, espaciais e reestruturação interna da vida social e
coletiva. Dessa maneira, a verdadeira modernização implica novos
projetos de modernidade que permitem a extensão da cidadania
(da pólis, da urbe) e a conseqüente participação crescente das
pessoas em seus processos de emancipação.
Uma teoria da modernidade é uma teoria das transformações,
das descobertas, das conexões, extensões, renovações e
(re)constituições. A extensão da forma urbana (sócio-espacial) da
metrópole para o espaço regional –que chamei de urbanização
extensiva- poderia então ser também entendida como um processo
de modernização, i.e., a extensão das condições sociais, espaciais
e econômicas de constituição da modernidade para além dos limites
da metrópole, onde originalmente foi gerada.
Esta é a apropriação e redefinição dos processos e formas
produzidas no centro dessas transformações –por definição, o
urbano, a urbe- por um tecido ao mesmo tempo periférico e
integrado que (re)produz e estende as possibilidades e os
significados concretos (e mediações) da modernidade. Dessa
maneira, é a urbanização extensiva, entendida como uma forma
espacial do capitalismo urbano e industrial, que permite à
modernidade (e a modernização) se expandir pelo espaço social
como um todo .
No entanto, a (pós)modernidade6, a qual pode hoje em dia se
manifestar potencialmente imbricada à urbanização extensiva, não
tem lugar fora de radicais transformações sociais, espaciais e
políticas. A consciência crítica do tempo e do espaço amplia a
necessidade de se tomar nas próprias mãos a construção da história.
Portanto, a crescente participação que se segue à urbanização
extensiva trouxe conteúdo à noção de cidadania para além dos limites
da cidade, abrangendo o estado-nação, eventualmente os continente
e o planeta (como esperançosamente anunciam os movimentos
ambientais) .
O conceito romano de cidadania, tomado da polis grega, implicou
um controle temporal sobre a produção e a reprodução social, assim
como a participação em um destino coletivo territorialmente definido.
Os povos que conseguem tal controle se engajam numa práxis sócio-
espacial coletivamente definida em torno dos seus meios de
reprodução e da reprodução das suas relações de produção,
portanto, o controle sobre a própria produção do espaço social.

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Urbanização
UrbanizaçãoeeModernidade
Modernidadena
na Amazônia
Amazônia Contemporânea

Historicamente, foi a vida na cidade que permitiu a emergência


de tal nível de integração e cooperação sócio-política. A burguesia
revolucionária francesa clamou aos citoyens que tomassem a história
em suas mãos, simbolizando o projeto de extensão da cidadania (e
assim, da liberdade civil, da fraternidade e da igualdade) para além
das classes e das províncias abrangendo o Estado-Nação como um
todo, estendendo a práxis da cidade/pólis por todo o país. Contudo,
foi o urbano, a extensão da pólis para além dos limites da cidade,
que na realidade permitiu a maturação do projeto burguês de
extensão da cidadania. Em outras palavras, foi a urbanização
extensiva – a extensão regional das condições sócio-espaciais
urbanas de produção e reprodução, materializadas no tecido urbano
- que permitiu que esta extensão da polis sobre o campo abrangesse
todo o país/Estado-Nação.
A cidade industrial transbordou sobre a região que a circundava
- a região metropolitana - dando origem a uma nova forma de
urbanização (extensiva), integrando as práxis sócio-políticas-
espaciais (urbano-industriais) – a praxis urbana, segundo Lefèbvre
– no interior do espaço social como um todo. À medida que o tecido
urbano industrial se estendeu sobre parcelas distantes do território,
levou também os germes da polis, da práxis política (urbana) que
era própria e restrita ao espaço da cidade, território da modernidade
e da liberdade.
A luta política pelo controle dos meios coletivos de reprodução
que caracterizam a noção contemporânea de cidadania – o direito à
cidade – conduzem à revolução urbana antecipada por Lefèbvre
(1970). Os movimentos sociais urbanos que emergiram ao redor
do mundo nos anos setenta mostraram que a luta pela cidadania
estava latente nas cidades e nas áreas urbanas e também além
desses limites, atingindo todo o espaço social.7
Nesse ponto, a questão urbana torna-se a questão espacial em
si mesma e a urbanização extensiva, uma metáfora para a produção
do espaço por toda a nação em bases urbano-industriais. O industrial
passa a ser virtualmente submetido às determinações do urbano,
da vida cotidiana, das exigências da reprodução, e a re-politização
da vida urbana torna-se, na verdade, a re-politização do espaço:
A problemática do espaço, a qual subsume os problemas da
esfera urbana (a cidade e suas extensões) e da vida cotidiana
(consumo dirigido) deslocou a problemática da industrialização.
(Lefèbvre, 1991:89).

É esse processo que nos permite compreender a rápida e intensa


politização dos povos da floresta na Amazônia, desde as populações

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nativas pré-cabralianas – os índios – até garimpeiros, seringueiros


e demais trabalhadores extrativistas, os colonos assentados, os
fazendeiros, os sem-terra, todos organizados em centenas de
movimentos políticos e sociais, e assim discutir os processos de
urbanização em conexão íntima com a cidadania, as modernidades
e as políticas de resistência.
No Brasil, os movimentos sociais urbanos – MSUs – ganharam
intensidade ao final dos anos 1970 quando o regime militar começou
a mostrar sinais de fraqueza e a intensa mobilização social nas
grandes cidades contribuiu para o fim daquele regime. No entanto,
logo os movimentos sociais urbanos dispensaram a qualificação de
urbanos, ganhando em intensidade e incorporando, já no início dos
anos 1980, não apenas a maior parte do campo, mas também partes
da selva. Um conjunto de ações políticas populares (re) unificou
assim os povos ditos “rurais”, articulando-os ao urbano por todo o
país. Desde então, a mobilização da sociedade civil no Brasil não
ficou mais restrita às cidades; pelo contrário, incorporou o espaço
social como um todo à medida que o tecido urbano foi estendendo
a essência e natureza da polis e da civitas com ele. Política e cidadania
atingiram o campo e o país com a urbanização extensiva.
Urbanização (extensiva), modernidade e cidadania são, dessa
maneira, facetas sócio-espaciais, culturais e políticas de práticas
contemporâneas que virtualmente tomaram o país como um todo,
incluindo a Amazônia. É a partir dessa tríade que devemos olhar
para essa região continental de forma a colocar questões
contemporâneas que podem nos permitir melhor compreender as
novas realidades que estão pedindo para nascer nessa parte ainda
muito desconhecida do Brasil.
o0o

Notas
1 Por espaço natural refiro-me ao espaço onde o processo de organização
e ocupação humana e social se subordina predominantemente às leis
biológicas, estando a vida social condicionada à extração dos meios de
subsistência da própria natureza. No espaço construído, em oposição, a
organização sócio-espacial está condicionada principalmente às leis e
processos sociais e a dinâmica de ocupação local e regional se prende
também, e predominantemente, a demandas distantes articuladas ao
espaço abstrato do capitalismo mundial.
Ver Smith (1984), Ibarra (1984), Lefèbvre (1991), Monte-Mór (1994).
2 Canclini (1998:17) utiliza este termo para tratar as combinações culturais
híbridas de tradição e modernidade na América Latina. É neste sentido

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Urbanização
UrbanizaçãoeeModernidade
Modernidadena
na Amazônia
Amazônia Contemporânea
Contemporânea

que o tomo emprestado conferindo-lhe, todavia, uma dimensão sócio-


espacial que não está expressa explicitamente no trabalho de Canclini.
3 Sintetizo aqui três conceitos que considero quase consensuais:
modernidade(s), como condições sócio-espaciais particulares de vida
coletiva que implicam uma consciência espacial/temporal das
transformações permanentes; modernizações, como os processos
econômicos e sócio-espaciais que produzem as modernidades; e
modernismo(s), como os projetos políticos e culturais de construções
sócio-espaciais (e ideológicos e/ou de representações críticas de práticas
sociais). Vistos de uma perspectiva contemporânea ou pós-moderna,
todos esses conceitos, que eram restritos ao projeto hegemônico e
excludente Europeu (também chamado Ocidental), devem ser
redefinidos pela pluralidade demandada pela crise societal atual que
abre espaços para outras modernidades (e modernismos) e novas
alteridades, Ver Souza Santos (1996), Soja (1998,1996), Hopenhayn
(1994), Canclini (1995), entre outros.
4 Roberto Schwarz, em famoso ensaio de crítica literária, cunhou a
expressão idéias fora do lugar para se referir à impropriedade da
importação de idéias descontextualizadas. (Schwarz, 2000: 11-31).
5 Lefèbvre (1976b) enfatiza a dimensão espacial da reprodução das
relações de produção nas suas discussões sobre a sobrevivência do
capitalismo
6 Utilizo o termo (pós)moderno entre parênteses quando me refiro ao
contexto brasileiro dado que a discussão do processo incompleto de
modernização no país exigiria uma discussão mais aprofundada das
implicações, natureza, limites e possibilidades da pós-modernidade e
do pós modernismo na periferia do mundo capitalista, tema que não
poderá ser tratado no âmbito deste trabalho.
7 Lefèbvre (1968, 1970) escreveu sobre o direito à cidade e o
ressurgimento da praxis urbana como uma reação ao industrialismo,
falando de uma revolução urbana, sendo por isso muito criticado. A
mobilização política nas grandes cidades em todo o mundo nos anos 70
e, posteriormente no espaço social como um todo – os movimentos
sociais ampliados – provaram que ele estava certo.

o0o

Referências Bibliográficas
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Roberto Monte-Mór
Roberto Monte-Mór

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A NOVA DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO E AS
TENDÊNCIAS DE CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO BRASILEIRO

Ruy Moreira

É sabido que a divisão territorial do trabalho é um fato da


produção e das trocas que compõem a estrutura das modernas
economias. É nas sociedades de base industrial que melhor se aplica
a máxima smithiana de que o tamanho do mercado é o tamanho da
divisão do trabalho e, vice-versa, o tamanho da divisão do trabalho
é o tamanho do mercado.
Válida para o desenvolvimento da moderna sociedade industrial
capitalista, a máxima smithiana é válida para a realidade brasileira,
respeitadas as suas peculiaridades.
No Brasil, as sucessivas formas de divisão territorial do trabalho
costuraram uma relação sociedade-espaço cujos efeitos sociais
(distribuição das oportunidades de emprego e renda), econômicas
(custos de produção e escoamento) e sócioambientais
(desarrumação dos espaços) são evidentes, ensejando pressões
generalizadas por reconfigurações e mudanças.
A evolução vai no sentido de uma diferenciação e integração
crescente do espaço brasileiro, até que as reformas junto com as
empresas estatais privatizam as políticas dos seus ordenamentos
fraturam e desarticulam a unidade nacional do espaço no presente.
Como a sucessão das configurações de espaço vai acumulando
uma superposição de realidades e alianças político-sociais históricas
diferentes, os conflitos crescem em tensão de territorialidades, que
se acumulam igualmente, hoje chegando a um ponto explosivo
diante da desintegração dos esquemas de regulação nacional do
espaço brasileiro.
O papel da atual divisão territorial do trabalho e da reestruturação
que a acompanha em vista das tendências e problemas que trazem

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Ruy Moreira
Ruy Moreira

de organização da relação sociedade-espaço no Brasil é o tema


deste texto.

I. A divisão territorial do trabalho e as formas de


organização do espaço brasileiro no tempo
A evolução industrial moderna no Brasil tem início nos anos 1870-
1880. Desde então, diferentes modos de organização de espaço
são conhecidos, numa relação entre sociedade e espaço que espelha
a divisão territorial do trabalho e de trocas existente. Quatro distintas
formas de divisão territorial do trabalho e de respectivas
configurações de espaço-tempo se sucedem a partir de então. Como
que evoluindo em ciclos, cada momento configurativo dura em média
vinte-trinta anos, quando então se substituem.
A década de 1950 é o marco distintivo desses ciclos, grupando-
os em duas grandes fases, que Francisco de Oliveira designa de
“economias regionais nacionalmente organizadas”, para a fase dos
anos pré-1950, e de “uma economia nacional, regionalmente
localizada”, para a fase dos anos pós-1950 (Oliveira, 1984), e em
outro estudo designamos por espaço molecular e espaço
monopolista, respectivamente (Moreira, 1985). Duas sub-fases
podem ser apontadas dentro de cada fase, com marcos
respectivamente nos anos 1920 (anos 1920, não anos 1930
esclareça-se), para a primeira fase, e nos anos 1970, para a segunda.
Temos, assim, no arco desse tempo de pouco mais de um século de
evolução brasileira, quatro diferentes tipos de matrizes espaciais,
cada qual organizando a sociedade no Brasil sob uma forma de
regulação e ordenamento espacial específicos. Até os anos 1920
podemos falar de um espaço industrialmente disperso e
indiferenciado. Entre os anos 1920 e 1950 temos um espaço
progressivamente concentrado e ainda indiferenciado
industrialmente. Dos anos 1950 aos anos 1970, o espaço é
industrialmente concentrado e diferenciado. Nos anos 1970 a
centralização toma conta da organização do espaço brasileiro,
liberando para a desconcentração e diferenciação regional das
indústrias. Por fim, hoje tende-se a uma configuração que
designaremos por globalizada e nacionalmente desintegrada,
indicando a entrada da sociedade brasileira numa fase “pós-
industrial”. Tema que afloramos em outro texto (Moreira, 2003a).

II. O espaço industrial brasileiro em perspectiva


Analisemos o processo em sua chegada à configuração espacial
atual. E assim as tendências e problemas do presente.

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AAnova
nova divisão
divisão territorial do trabalho

1. A ordem rural e a transição urbano-industrial: a


dispersão e indiferenciação da indústria (1880-1920)
De um certo modo a década de 1880 exprime uma ruptura na
forma histórica de relação sociedade-espaço no Brasil até então
existente, mercê da presença daí em diante de um modo de pro-
dução e de trocas próprio de uma sociedade de economia industrial.
O processo se inicia com as transformações ocorrentes naquela
década, entre elas a abolição do trabalho escravo e a instituição do
estado republicano. O Brasil fazia parte então de uma divisão
territorial internacional do trabalho e das trocas vinculada à
acumulação primitiva européia, determinadora internamente de uma
organização do espaço dispersa e indiferenciada do ponto de vista
da natureza e distribuição da indústria.
Dois tipos de indústria compõem o Brasil de então, segundo
Castro (1980): a indústria de beneficiamento e a indústria doméstica,
ambas ancilares da agroexportação. São indústrias de um Brasil
rural e agroexportador A partir de 1880 a fábrica moderna entra no
Brasil, em alguns casos para ocupar o lugar da indústria de
beneficiamento, como no caso dos frigoríficos, em outros da indústria
doméstica, como no caso da indústria têxtil e de alimentos.
A fábrica moderna mantém, entretanto, o traço rural das formas
de indústria anteriores, em particular seu vínculo locacional com as
fontes de matérias-primas, mercado e capitais, tendo uma origem
local e assim distribuindo-se tão dispersa e indiferenciadamente
quanto aquelas. De certa forma, é ainda uma indústria de uma
sociedade de economia rural. Nas capitais, como Rio de Janeiro e
São Paulo, muitas são aquelas, todavia, em que a indústria fabril
foge deste padrão de origem e vínculo rural, dado sua ligação com
matérias-primas importadas, capitais de origem externa e mercados
de consumo mais exigentes, a exemplo dos moinhos de trigo e
outras indústrias do ramo alimentício.
Temos, então, no geral, um parque industrial de indústrias de
bens de consumo não-duráveis, em que a tecnologia da fábrica
moderna coexiste aqui e ali com a tecnologia tradicional das
indústrias domésticas e de beneficiamento remanescentes.
Embora dispersamente distribuída pelo meio rural, a fábrica
moderna separa indústria e agricultura, iniciando o estabelecimento
de uma divisão territorial do trabalho entre cidade e campo, que
daí em diante se acentuará para arrumar a organização do espaço
brasileiro como um espaço de conteúdo urbano-industrial como um
todo.

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Ruy Moreira

Castro resume o processo nos seguintes termos:


As atividades industriais até o presente referidas estão na
estreita dependência da respectiva oferta de matérias-primas.
Ao longo do século XIX iriam no entanto se acumulando
condições propícias ao surgimento de um novo gênero de
indústrias. Estas, ainda que vinculadas estreitamente à
agricultura, se caracterizam por uma elaboração muito mais
intensa dos bens primários. Conseqüentemente, o valor final
do produto será um múltiplo do custo das matérias-primas.
Em tais condições outros fatores que não a oferta agrícola
passam a ter grande influência sobre a localização e a evolução
das indústrias. A proximidade do mercado consumidor, por
exemplo, passa a ser um importante elemento na determinação
das oportunidades existentes numa certa área. O novo gênero
de indústria depende ainda profundamente da disponibilidade
de capitais e de mão-de-obra e é, por fim, condicionado pela
infraestrutura de transportes e energia com que pode contar.
Dado o que precede, não é de surpreender que este tipo de
indústria tenda a ser atraído pelas cidades: aí devem existir,
em princípio, mercado, capitais, mão-de-obra e serviços de
utilidade pública. Com a emergência do novo setor, tendem
pois a divorciar-se agricultura e indústria, aprofundando-se a
divisão do trabalho no seio da economia em formação (Castro,
1980: 89).

Oliveira tem uma forma original de explicar a origem da


emergência e ao mesmo tempo da manutenção do vínculo rural da
fábrica, falando de uma forma de organização econômico-social nova
no Brasil, que designa “modo de produção de mercadorias”.
Nas palavras de Oliveira:
As condições herdadas pela Primeira República, já
pormenorizadas, levam à reiteração da “vocação agrícola” do
País, atingindo o auge da exportação de café entre 1910 e
1925. Essa reiteração se dá tanto pelas novas relações de
produção internas quanto pelo papel que naquela desempenha
a intermediação mercantil e financeira. Ao mesmo tempo, essa
reiteração aprofunda a virtualidade da diferenciação crescente
da divisão social interna do trabalho, não tanto pelo efeito-
renda – que Celso Furtado privilegiou na Formação –, mas
principalmente pelo efeito-troca, cuja base está nas novas
relações de produção, na destruição da autarcia das próprias
unidades produtivas da agroexportação e na consequente
formação de um quase-campesinato na agricultura brasileira
de bens alimentícios, conhecida como a agricultura de
“subsistência”. Olhando-se mais de perto, a ruptura das relações
escravocratas e a instauração do trabalho assalariado não
podiam, jamais, elevar a renda derivada do trabalho; o nível
global da renda permanecia constante, mudando a sua forma.

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AAnova
novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho

Mas, isto sim, a passagem para o trabalho assalariado expulsou


para fora dos custos de produção do café a manutenção da
massa trabalhadora (ainda que a produção dos bens de
subsistência possa ter permanecido dentro das fronteiras do
latifúndio); no proceder-se a essa mudança de forma da
produção dos meios de subsistência, procedia-se,
concomitantemente, a uma mudança de conteúdo fundamental,
para a existência de um modo de produção de mercadorias,
pois antes, ainda que existisse, a produção de subsistência
pelos próprios escravos não fundava nenhuma troca. Mesmo
no caso quase geral da agricultura brasileira, de persistência
de uma fraca monetarização das relações de troca – fenômeno
largamente existente ainda hoje –, a própria reiteração das
relações de troca acaba por escolher uma mercadoria-padrão,
que se metamorfoseia em dinheiro; virão a ser o sal, o
querosene, o pouco vestuário e calçado, enfim, elementares
artigos da cesta de consumo dos novos produtores da
agricultura de subsistência, que quase tomam o lugar do
dinheiro nas novas relações de troca – o arquiconhecido
esquema dos “barracões” da zona açucareira do Nordeste e
das zonas do colonato no Sul. O importante é que também
esses elementares produtos nem são produzidos pelas unidades
de agroexportação nem pelas unidades da chamada agricultura
de “subsistência”, o que forceja a diferenciação da divisão social
do trabalho em outros segmentos do sistema econômico
(Oliveira, 1984b:15-16).
Resumindo. A abolição da escravatura, significando a “expulsão”
do custo da reprodução da força de trabalho para fora dos custos
gerais da produção em uma economia por muito tempo ainda de
fundo rural (agroexportadora, diga-se), leva a surgir no Brasil um
“mercado interno” de bens industriais de consumo leve, para o qual
as indústrias de beneficiamento e domésticas, da classificação de
Castro, irão mostrar-se despreparadas e insuficientes. A nova
indústria desenvolve-se, pois, vinculada a este acanhado e pobre,
rural e disperso mercado, trazendo para o país as fábricas nascidas
da revolução industrial européia do século XVIII. Aparece, assim,
de modo a tornar possível esta realidade, igualmente um sistema
monetário de natureza dupla, correspondendo aos dois tipos de
mercado: a libra, oriunda das divisas de exportações, moeda de
compra de bens industriais importados para o suprimento da elite
exportadora, e o vale do barracão, “moeda de curso interno” e
destinada ao pagamento das compras de bens industriais leves pela
população trabalhadora rural, um “quase campesinato”, espécie de
assalariados rurais disfarçados que aparecem nas fazendas para
substituir a antiga população de escravos.
Abre-se a economia assim para uma divisão territorial do trabalho
internamente à sociedade brasileira, juntando a agropecuária de

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exportação, a lavoura de subsistência, a indústria e os serviços


urbanos, em particular os relacionados aos meios de transferência.
Daí a distribuição dispersa, a natureza rural, a qualidade inferior
dos produtos e a precariedade das condições de funcionamento
dessa nova indústria, tal qual as indústrias de beneficiamento e
domésticas de antes, mas também a razão pela qual ela sobrevive
a tudo isso.
Stanley J. Stein (1979) nos fala dessa dispersão, a propósito da
indústria têxtil de algodão, característica da época. E Castro mostra
o quadro de sua distribuição numérica entre os estados brasileiros
e suas mudanças entre 1875 e 1885, quando a industrialização dá
seus primeiros passos: 1 no Maranhão, 1 em Pernambuco, 1 em
Alagoas, 11 na Bahia, 5 no Rio de Janeiro (capital), 6 em São Paulo
e 5 em Minas Gerais, no ano de 1875; e 1 no Maranhão, 1 em
Pernambuco, 1 em Alagoas, 12 na Bahia, 11 no Rio de Janeiro
(capital), 9 em São Paulo e 13 em Minas Gerais, no ano de 1885.
Um quadro francamente diferente do que conhecemos. Observe-
se a presença industrial do Nordeste, área marcante na produção
da matéria-prima do algodão à época. E compare-se o estado da
Bahia com o estado de São Paulo e mesmo o Rio de Janeiro (o
quadro limita-se às fábricas localizadas na capital).

2. O avanço industrial e começos da divisão regional e da


concentração industrial (1920-1950)
O período dos anos 1920 a 1950 vai registrar as primeiras
mudanças. Um estudo da equipe do Grupo de Geografia das
Indústrias do IBGE, coordenado pelo geógrafo Pedro Pinchas Geiger,
datado de 1963 (GGI, 1963), mostra o teor dessas transformações:
a dispersão vai dando lugar a uma crescente concentração
quantitativa da indústria nos estados da região Sudeste.
É assim que o Censo Industrial de 1907 registra um quadro de
distribuição ainda marcado pela dispersão, mas com alguma tendên-
cia concentracionista. Considerado o valor da produção, 40% dos
estabelecimentos industriais encontram-se no Estado do Rio de
Janeiro (33% no Distrito Federal e 7% no restante do estado), 33%
no estado de São Paulo, 15% no Rio Grande do Sul e 29% dispersam-
se pelos demais estados da federação (GGI, 1963: 172). Em termos
sintéticos: Rio e São Paulo reúnem 56% do total da indústria
brasileira nesse ano, o restante dos estados os demais 44%.
Este quadro muda totalmente em 1958 (ano dos dados da pesqui-
sa do IBGE): 73,3% da mão de obra empregada, 84,1% dos capitais

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novadivisão
divisãoterritorial
territorialdo
do trabalho
trabalho

aplicados, 84,3% da energia elétrica consumida e 78,8% do valor


da produção industrial encontram-se na Região Sudeste (GGI,
1963:155). O grau de concentração passa de 56% para 78,8%.
Tal é a configuração de espaço característica dessa época: ao
mesmo tempo concentração e indiferenciação territorial da indústria.
A indústria encontra-se já concentrada em 1958, mas do ponto de
vista da estrutura é ainda fortemente indiferenciada. Contraditam
estrutura espacial e estrutura setorial. Se do ponto de vista da
estrutura espacial há uma desproporção nítida entre 1907 e 1958
(num lapso de apenas quatro décadas, o Sudeste concentrando
56% do total da indústria brasileira em 1907 e cerca de 80% em
1958), do ponto de vista da estrutura setorial os estados brasileiros
não se distinguem industrialmente entre si entretanto tão
radicalmente, sendo a estrutura setorial a mesma em todos eles.
São indústrias de bens de consumo de não-duráveis, indústrias
têxteis e alimentícias ainda predominantemente, incluindo-se as
indústrias de São Paulo e Rio de Janeiro.
Quando muito, percebe-se uma maior diversidade no leque dos
ramos dos bens de consumo não-duráveis em São Paulo e Rio de
Janeiro, mais São Paulo que o Rio de Janeiro, a estrutura industrial
desses estados mostrando-se ligeiramente mais diversificada.
Há, portanto, uma duplicidade geográfica na estatística industrial
do país: se pelo lado da distribuição territorial a indústria é um
fenômeno concentrado nos estados do Sudeste, já em 1907 e mais
ainda em 1958, pelo lado da distribuição setorial é um fenômeno
pouco diferenciado entre os estados brasileiros no seu todo.
Daí a diferenciação que regionaliza, mas sob a forma de uma
divisão regional estruturada em regiões homogêneas (as regiões
naturais flagradas em 1941 por Macedo Soares), típica da hegemonia
do capital mercantil.
O quadro nacional distingue-se regionalmente mais pela
quantidade que pela qualidade estrutural do sistema. Já o mesmo
não se diga comparando a estrutura desse período com o período
anterior: a moderna fábrica predomina em todos os estados.
Uma profunda transformação econômica aconteceu no período
dos anos 1920 a 1950, diferindo do ponto de vista da natureza da
indústria 1958 de 1907. O motor da mudança é o processo
substitutivo de importações. Tema controverso, seja como for, há
uma impulsão industrial para frente, empurrada por três “choques
adversos”, representados pela primeira guerra, a crise de 1929 e a
segunda guerra, respectivamente. Três momentos de brusca redução

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das exportações e correspondente capacidade de importações,


criando uma restrição ao consumo de manufaturados importados
que será resolvida pela expansão da produção industrial interna,
empurrando a sociedade brasileira no rumo duma industrialização
acelerada.
A indústria moderna assim se multiplica, se diversifica e se afirma
no Brasil, ultrapassando o esquema acanhado de antes de 1920,
descrito por Francisco de Oliveira. Em 1939 o Brasil pode-se
considerar um país praticamente auto-suficiente na produção e
consumo de bens industriais de consumo não-duráveis. E é esta
aceleração que vemos estatisticamente condensar-se em São Paulo
e Rio de Janeiro.

3. Revolução industrial: a concentração, polarização, e


diferenciação do Sudeste (1950-1970)
O período de 1950 a 1970 conhece uma mudança radical. Já nos
anos 1940 uma nova estrutura industrial se prenuncia. Os ramos
alimentício, têxtil, de fumo e químico de óleos vegetais, todos do
setor de não-duráveis, cobrem 70% do valor da produção industrial.
Mas a produção de ferro-gusa sobe de 50.000 toneladas em 1930
para 100.000 toneladas em 1940. A produção de cimento cresce
nove vezes nesse mesmo período. Em 1941 inicia-se a construção
da Usina Siderúrgica Presidente Vargas, da CSN, em Volta Redonda,
estado do Rio de Janeiro. É dessa década a abertura da estrada
Rio-Bahia. E o Plano SALTE (1946), anunciando a era da industrializa-
ção estatalmente induzida.
Assim, no correr dos anos 1940 tem lugar o desenvolvimento do
setor de bens intermediários e infra-estrutura de transferências
(transportes, comunicações e transmissão de energia) em particular
dos meios de transporte. E nos anos 1950 e 1960 é a vez do desen-
volvimento dos demais setores: primeiro, o setor das indústrias de
bens de capital; a seguir, o de bens de consumo durável; por fim, a
grande arrancada do setor de bens intermediários e infraestrutura
de energia, demandada pela arrancada dos dois primeiros.
A indústria conhece uma revolução até então nunca vista.
Davidovich (1974) dá-lhe a dimensão estatística: tomando 1940
igual a 100, o índice de crescimento industrial em valor da produção
foi de 186 em 1950 e 291 em 1960, a produção praticamente triplica
em apenas vinte anos. Vistos setorialmente, estes índices mostram-
se mais impressionantes: material elétrico, 1344; borracha, 1118;
mecânica, 866; material de transporte e comunicações, 733; papel,
548; metalurgia, 537; química, 400.

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nova divisão
divisão territorial do trabalho

É esta a origem da nova qualidade: os ramos novos que entram


no Brasil vão diretamente instalar-se em São Paulo, criando-se assim
a diferenciação. E a rearrumação da divisão regional do Brasil em
regiões polarizadas, típicas da hegemonia do capital industrial.
Convergindo para instalar-se exclusivamente em São Paulo, os
setores novos levam a concentração a caracterizar-se como uma
diferença de natureza estrutural da indústria dos estados da região
Sudeste em relação à dos outros estados, alterando a configuração
concentrada mas indiferenciada que vigira até os anos 1950. O fato
é que a revolução brasileira desigualiza a estrutura industrial a favor
de São Paulo, subsidiariamente dos estados do Rio de Janeiro e
Minas Gerais, vindo o parque industrial dos estados do Sudeste a
diferenciar-se agora quantitativa e qualitativamente da indústria
dos demais estados e regiões. No lugar do espaço industrialmente
disperso e indiferenciado de antes, instala-se no Brasil um espaço
de padrão polarizado, concentrado e diferenciado, com pólo nacional
em São Paulo, um padrão que doravante irá orientar o fluxo das
relações cidade-campo e inter-regionais, setorial e locacionalmente
no conjunto do território brasileiro.
Espacialmente, o Brasil diferencia-se, assim, do ponto de vista
do dinamismo e da hegemonia dos lugares.
Comparando esse desigual dinamismo pelo desigual ritmo de
incorporação da força-de-trabalho industrial entre São Paulo e Bahia
nos períodos entre 1920-1940 e 1950-1960, Davidovich expõe sua
radiografia. Diz Davidovich:
Entre 1920 e 1940 o número de operários em São Paulo mais
do que triplicou, enquanto o da Bahia aumentou em menos de
50%. No decênio seguinte o Estado bandeirante quase dobrou
a quantidade de mão-de-obra, que representava então quase
vinte vezes o da Bahia (Davidovich, 1974: 164).

Sua origem é a diferenciação estrutural da indústria entre as


regiões, visível em particular comparando Sudeste e Nordeste:
A industrialização da década de 50, caracterizando-se pela
ênfase adquirida pelos bens de produção, veio a conferir uma
hierarquia às diversas regiões do País, segundo a maior ou
menor presença dessas indústrias. Em 1960, o Sudeste
concentrava 90% das pessoas ocupadas no setor de
equipamento pesado e 80% das empregadas nas indústrias
de equipamento leve. Em outros termos, nesta grande região
se encontravam 95% dos operários da indústria de material
elétrico e de material de comunicações, igual proporção na de
construção e montagem de transporte, 88% da indústria
mecânica, 85% da metalúrgica e 82% da química e
farmacêutica. (Davidovich, idem: 164).

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Fica evidente o contraste desta estrutura industrial com a que


vimos para 1875-1885, e mesmo 1907 e 1958. Não se trata, pois,
mais, de uma desigual densidade territorial de indústrias de mesmos
ramos como flagrado para o período pré-anos 1950, mas de uma
estrutura industrial regionalmente de todo diferenciada e polarizada
no espaço nacional brasileiro.
Dois momentos de tempo, todavia, cabe aqui destacar. Um
primeiro momento em que a indústria é já uma realidade
regionalmente concentrada, polarizada e diferenciada, mas é um
dado estrutural ainda presente nas economias de todas as regiões
brasileiras. E um segundo momento, em que mesmo os ramos
tradicionais das indústrias secam nas regiões hegemonizadas pelo
mercado da produção das indústrias do Sudeste.
Em 1962, ainda segundo Davidovich, os cinco maiores ramos
industriais, vistos referidos ao volume de mão-de-obra que
empregam, são, respectivamente, os ramos têxtil, alimentar,
metalúrgico, minerais não-metálicos e material de transportes.
Quanto ao valor da produção industrial, entretanto, são eles o
alimentar, químico (inclusive óleos vegetais), têxtil, metalúrgico,
material de transporte e material elétrico e de comunicações,
mostrando um entremeio de indústrias emergentes e indústrias têxtil
e alimentar. Seja por um critério e seja pelo outro, os ramos
tradicionais são ainda dominantes na estrutura industrial brasileira,
e isto se deve à presença ainda forte dessas indústrias na estrutura
de todas as economias regionais, além da região Sudeste. No final
dos anos 1960, entretanto esta presença cai vertiginosamente na
estrutura industrial brasileira, indicando a desaparição ou
insignificação do fenômeno da indústria na economia das regiões,
excluída a região Sudeste. Houve uma espécie de “agrarização por
desindustrialização” das regiões brasileiras, o contrário ocorrendo
na região Sudeste, isto dando no forte desequilíbrio regional que
alimenta o intenso debate que toma conta do cenário intelectual e
político do país no final da década de 1960 sobre a questão regional.
Para Oliveira, na verdade está havendo “uma redefinição das
relações regionais”, antes que um “alargamento das disparidades”,
acarretado pela divisão inter-regional do trabalho que se instaura
de 1947 a 1968 no Brasil, tendo o crescimento industrial de São
Paulo por epicentro. Oliveira assim resume o processo:
O processo de redivisão, partindo da indústria do Sudeste, é
amplo e atinge todas as regiões. Transfere e repassa tarefas
agropecuárias para outras regiões, tais como o Nordeste e o
Sul, cria uma outra região, como o Centro-Oeste, destrói numa
primeira etapa ou reduz o crescimento da indústria no Sul e no

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novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho

Nordeste; apenas o Norte mantém-se relativamente imune a


seus efeitos, em virtude da inexistência de uma infraestrutura
de transporte que viabilize a integração (esse isolamento
começa a ser rompido (entretanto) com a Belém-Brasília). O
crescimento industrial do Sudeste cria e amplia a fronteira
agrícola, reproduzindo, nas margens, formas de acumulação
não inteiramente capitalísticas, das quais transfere excedente
que vai reforçar a capacidade de acumulação no próprio Sudeste
(1984b:72)
Sintetizando:
1 – Houve uma redivisão do trabalho a partir do surto industrial
do Sudeste e que afetou as regiões Nordeste e Sul;
2 – “O Sudeste, que tinha, até um certo momento, toda uma
estrutura produtiva voltada para a agricultura, quando começa
a industralizar-se repassa esta tarefa para o Nordeste e o Sul,
para ter como atividade principal a indústria”
3 – O Sudeste aumentou sua participação na renda industrial do
Brasil e a diminui na renda agrícola. No sentido contrário, o
Nordeste e o Sul aumentaram sua participação na renda
agrícola e diminuíram-na na renda industrial. O Centro-Oeste
acompanhou, no geral, mas de modo diferenciado, pela via
da agro-indústria, o Nordeste e o Sul. O Norte não foi,
aparentemente afetado, dado seu isolamento interno dos eixos
de circulação.
4 – Esta divisão do trabalho tornou o Nordeste e o Sul (a) mais
exportadores regionais de produtos agrícolas e (b) mais
importadores dos produtos industrializados do Sudeste;
5 – “A partir daí, a tendência é de que o Sul e o Nordeste, em suas
trocas com o Sudeste, tenham que vender mais produtos
primários para comprar produtos industrializados”, numa típica
relação de deterioração dos termos de trocas.
Portanto, ao tempo que nacional e intrarregionalmente o Nordeste
e o Sul se tornam menos industriais e mais agrários, o Sudeste se
torna mais industrial e menos agrário, o Centro-Oeste e o Norte
incorporam-se a esta divisão inter-regional do trabalho como típicas
fronteiras de expansão agropastoril do Sul e de São Paulo.
Há, pois, uma escalada que leva de um lado a uma maior
industrialização e de outro a um certo esvaziamento industrial na
relação entre o Sudeste e as demais regiões.
A diferenciação estrutural assim se radicaliza, implantando com
a concentração a polarização territorial da indústria no Brasil.

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4. Desindustrialização e redistribuição: a reestruturação


industrial no Brasil (1970-2000)
Em 1970 a concentração do parque industrial brasileiro chega a
80,8% na região Sudeste (58,1% só em São Paulo), considerado o
valor da produção, as demais regiões repartindo entre si os 19,2%
restantes: Sul 12,0%, Nordeste 5,7%, Centro-Oeste 0,8% e Norte
0,8%, quando juntas em 1907 repartiam 44%. Em 1958 reuniam
78,8%, mas há aqui uma grande diferença - a causa é simples: São
Paulo reúne praticamente todo o setor de bens de capitais, equipa-
mentos, intermediários e consumo durável, e o grosso do setor de
consumo não-durável.
Dessa forma, a diferenciação-concentração industrial chega a
um grau insustentável, criando efeitos contrários à própria lógica
que em sua origem a presidia. Uma deseconomia de escala, visível
já na virada dos anos 1960 e 1970, afetando custos e produtividade,
congestiona a continuidade do processo industrial e põe em
compasso de marcha-ré a continuidade do ritmo do desenvolvimento
brasileiro.
Visando a reversão desse quadro, os sucessivos governos
militares ascendidos ao poder em 1964 mobilizam um conjunto de
estratégias redistributivas da indústria através dos PNDs (Plano
Nacional de Desenvolvimento) – o I PND (1970-1974), voltado para
a modernização da agricultura; o II PND, para a redistribuição da
indústria; e o III PND (1980-1985), uma espécie de correção de
rumos –, iniciando uma fase aguda de reestruturação espacial da
indústria no Brasil (Lessa, 1998).
O objetivo é redistribuir a indústria excessivamente concentrada
na região metropolitana de São Paulo, corrigir seus efeitos, de modo
a provocar maior repartição da infra-estrutura e interações espaciais
por todo o território do Brasil em vista de projetos de integração
nacional – o projeto Brasil Grande. Uma estratégia que só
parcialmente será conseguida, mas que atingirá uma amplitude
territorial com força suficiente para reordenar a divisão territorial
do trabalho e a configuração de espaço nacional então existente.
A deseconomia de escala e a política redistributiva dos PNDs
atuarão de forma combinada nessa reordenação da relação
sociedade e do espaço no Brasil.
A deseconomia de escala é fato na Grande São Paulo já na
segunda metade dos anos 1960. Muitas indústrias fogem da
metrópole saturada e iniciam o caminho da interiorização, transfe-
rindo-se da região metropolitana para cidades do interior do estado
de São Paulo. O grau de concentração metropolitana se reduz, mas
o estado de São Paulo se mantém na hegemonia industrial do país.

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nova divisão
divisão territorial do trabalho

É onde a ação do governo federal intervém através dos PNDs,


atuando justamente sobre o nível estadual. No correr do período
dos anos 1970 a 2000 uma desindustrialização vai acontecendo: o
peso da participação do estado de São Paulo no valor da produção
industrial brasileira cai de 58,1% em 1970 para 48% em 1999; o da
região metropolitana de São Paulo cai de 44% em 1970 para 26%
em 1999 (o emprego industrial cai de 34% para 24%), no nível
nacional, e de 76% para 54% no nível estadual (o emprego industrial,
de 70% para 55%).
Em paralelo, o peso da participação dos demais estados da região
Sudeste aumenta no mesmo período: o estado de Minas Gerais
sobe de 6,5% para 9,4% em 1999; o estado do Espírito Santo sobe
de 0,5% para 1,2%; a exceção é o estado do Rio de Janeiro, cujo
peso sofre uma forte queda de 15,7% para 8,0%. Há uma nítida
redistribuição relativa no sentido de um menor desequilíbrio dentro
da região Sudeste. O mesmo se dá no plano inter-regional: o
Nordeste aumenta seu peso de 5,7% para 8,4%, o Sul de 12,0%
para 20,2% e o Centro–Oeste de 0,8% para 1,7%.
Foi atingido o duplo objetivo do II PND, dando-se a reversão
pretendida: entre 1970 e 1999 há de um lado desindustrialização
de São Paulo e de outro como que uma reindustrialização dos demais
estados regionais. Desindustrialização de São Paulo, redistribuição
no triângulo do Sudeste e repique das demais regiões antes afetadas
por uma perda vigorosa de participação na produção e no emprego
industrial no período anterior, eis o que acontece.
A fórmula da recuperação industrial dos estados e regiões é a
política de instalação de indústrias de bens intermediários, em geral
na forma de pólos mínero-industriais, e de usinas hidrelétricas de
grande porte em pontos estratégicos da periferia nacional, localiza-
das ao longo das periferias regionais de São Paulo, acompanhada
de uma expansão da fronteira agrícola e maior difusão dos meios
de transferência pelo território nacional, de modo a atender a
demanda de circulação de transportes, comunicação e energia entre
regiões e pólos e favorecer o florescimento industrial para além do
Sudeste. Tal como se vê no mapa 1: o pólo petroquímico Canoas-
Triunfo, no Rio Grande do Sul; carboquímico, em Santa Catarina;
de nióbio e fertilizantes de Catalão, Goiás; estanífero (apenas a
mineração), em Rondônia; siderúrgico e de alumina-alumínio de
Carajás, no Pará, e de Itaqui-São Luís, no Maranhão; químico (sal/
álcalis), no Rio Grande do Norte; fertilizantes, no sergipe; sal-gema,
em Alagoas; petroquímico de Camaçari, na Bahia; papel e celulose
(Aracruz), no Espírito Santo. Todos conjuminados a pólos energéticos
(Itaipu, Itumbiara, São Simão, Tucuruí, Xingó).

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Mapa 1
Brasil - principais áreas de atividade mineradora e pólos-
mineiro-industriais e de bens intermediários do II PND

O II PND (1974-1975) distribuiu estrategicamente pólos mínero-industriais num amplo círculo ao


redor do Sudeste industrial, provocando maior distribuição da indústria pelas regiões, desconcentrando-
a da região Sudeste e dando origem à divisão territorial do trabalho e configuração do espaço brasileiro
atual (Fonte: produzido a partir do mapa Brasil: Principais Áreas de Atividade Mineradora, extraído do
Diagnóstico Brasil: a ocupação do território e o meio ambiente, IBGE, 1990)

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nova divisão
divisão territorial do trabalho

Observe-se que os pólos são instalados estrategicamente nas


outras regiões que não o Sudeste e localizados preferencialmente
na linha de fronteira, em pontos da Amazônia, do Nordeste, do Sul
e do Centro-Oeste, com enorme repercussão na distribuição dos
transportes, meios de comunicação e rede de transmissão de
energia, fluidificando e nacionalizando o espaço brasileiro através
da difusão desses meios de transferência.

III. A divisão e regionalização do trabalho industrial atual


São estas transformações a origem da configuração territorial
do trabalho atual, e a organização que segmenta o espaço brasileiro
em quatro grandes regiões de divisão de trabalho (mapa 2). A região
Mapa 2
Brasil: a nova divisão territorial do trabalho

A atual divisão territorial do trabalho fraciona o espaço brasileiro em quatro grandes segmentos –
fronteira bio(tecno)lógica, difusão da agroindústria de fruticultura irrigada, complexo agroindustrial e
polígono industrial –, cada qual mostrando as tendências e os problemas de sua nova configuração.

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de concentração industrial dos anos 1970 se alarga pelo Sudeste e


Sul para formar o polígono industrial, designação dada por Diniz
(2002), que estamos incorporando. A expansão da agroindústria
da soja se difunde pelas terras do cerrado do planalto central para
formar a segunda região. A terceira tira suas características da
combinação de pólos mínero-industriais com os de agroindústria
de fruticultura irrigada difundidos pelos vales úmidos do Nordeste,
e a entrada de indústrias do ramo de bens de consumo de não-
duráveis migradas do Sudeste e do Sul para aí transferidas. A
Amazônia, por fim, é uma quarta região, relacionada hoje à
potencialidade da sua imensa riqueza genética.
Vejamos cada segmento.

1. A região do polígono industrial


A análise é de Diniz, que nos parece rica e procedente. A
redistribuição industrial da região metropolitana para o interior de
São Paulo de um certo modo será copiada pelas cidades de mesmo
porte e capacidade de industrialização dos estados do Sudeste e do
Sul, formando uma grande região industrial estendida de Belo
Horizonte para o sul até Porto Alegre. Em parte isto é o efeito da
estratégia redistributiva do II PND e em parte (nos parece) da atração
do mercado do Mercosul. Prende-se a este segundo dado o que
indica ser uma característica do polígono, qual seja a expansão
pelas suas cidades componentes, chamadas “aglomerações
industriais relevantes” por Diniz, das indústrias mais intensivas em
tecnologia, vale dizer, dos ramos de bens de capital e de consumo
duráveis, de que a indústria automobilística é um bom exemplo.
Seja como for, emerge neste período “um conjunto de novas áreas
industriais”, distribuídas pelos diferentes estados do polígono,
“dentre as quais cabe destacar as regiões de Campinas, São Carlos,
São José dos Campos, no Estado de São Paulo; Santa Rita de
Sapucaí/Pouso Alegre e Belo Horizonte, em Minas Gerais; Curitiba,
no Paraná; Florianópolis, em Santa Catarina e; Porto Alegre e Caxias
do Sul, no Rio Grande do Sul” (Diniz, 2000: 92).
Há, simultaneamente, “deseconomias de aglomeração na área
metropolitana de São Paulo e criação de economias de aglomeração
em vários outros centros urbanos e regiões”, nesse alargamento da
fronteira industrial para além da região metropolitana de São Paulo,
rumo ao Sudeste e Sul, observa Diniz (1993):
Neste sentido, o processo de desconcentração observado a
partir do final da década de 1960 foi operado em uma economia
fechada, com forte participação dos investimentos estatais

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nova divisão
divisão territorial
territorial do trabalho
do trabalho

diretos e dentro do mesmo padrão tecnológico anterior, com


grande peso dos bens intermediários e insumos básicos. No
entanto, as mudanças tecnológicas, estruturais e políticas
recentes apontam no sentido de uma reconcentração na área
mais desenvolvida do país, por nós caracterizada como o
polígono e seu entorno definido por Belo Horizonte – Uberlândia
– Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José dos Campos
– Belo Horizonte, excluída a área metropolitana de São Paulo.

A grande região antes mencionada, excluída a área metropolitana


de São Paulo, ampliou sua participação na produção industrial do
país de 32% para 52%, entre 1970 e 1999. Tomadas as
aglomerações industriais relevantes, entendidas como as micro-
regiões homogêneas do IBGE com mais de 10.000 pessoas ocupadas
na indústria, segundo dados do Censo Industrial de 1970 e 1980 e
dados da RAIS para o ano de 1991, o número dessas aglomerações,
no Brasil, subiu de 33, em 1970, para noventa, em 1991 (Diniz e
Crocco, 1996). Dentre essas, o polígono referido continha
respectivamente 24 e 64 nos anos mencionados. O Estado de São
Paulo teve o número de aglomerações industriais relevantes
ampliado de dez para 25 nos anos referidos, indicando a tendência
de combinar a reversão da polarização da área metropolitana com
o crescimento industrial do seu interior, coerentemente com a
expansão econômica e demográfica das cidades médias brasileiras
(Andrade e Serra, 1998). (Diniz, 2002: 88-89).
Assim, intervêm de um lado espontaneamente a deseconomia
de aglomeração e, de outro, indutivamente a União no sentido da
correção de rumo da geografia industrial brasileira. O efeito Mercosul
é um dado posterior, e indica, numa aparente contradição, a
estratégia dos países do Cone Sul de uma reação regional à economia
de mercado globalizado. Deve-se observar que entre 1990 e 2000,
em apenas dez anos, o comércio somado de importações e
exportações entre os parceiros do Mercosul aumentou de 2,5 bilhões
de dólares para 20 bilhões, informa Diniz. Que o Brasil exporta
principalmente produtos industriais sofisticados. E que mais de 90%
dessas exportações saem das áreas industriais do polígono.
Nas palavras de Diniz:
Do ponto de vista da estrutura setorial de comércio, o Brasil
exporta, prioritariamente, produtos industrializados ou semi-
industrializados e importa produtos primários. Do total
exportado, no ano de 1996, mais de 70% correspondem a
indústrias mais sofisticadas (21% foram de material de
transporte, 20% da indústria de máquinas, material elétrico e
eletrônico, 20% de produtos químicos e seus derivados, 9%
de produtos metalúrgicos), além de outros produtos

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industrializados ou semi-industrializados. As exportações de


produtos primários ou de bens de consumo foi relativamente
pequena. Ao contrário, no total das importações, mais de 70%
foram de produtos primários ou de bens de consumo (37% de
animais vivos e produtos vegetais, 13% de produtos minerais,
9% de alimentos e 8% de têxteis, entre outros). Como produtos
de industrialização mais intensa constam 15% de material de
transporte e 5% de máquinas e material elétrico. Sabe-se que
o comércio de material de transporte está relacionada com a
divisão de mercados por linhas de produtos, estabelecida pelas
filiais de multinacionais automotivas que possuem plantas no
Brasil e na Argentina.
Esta especialização de comércio, a localização da produção
industrial no Brasil e a posição geográfica dos parceiros do
Mercosul condicionam a origem regional das exportações
brasileiras para este mercado. A região Centro-Sul do Brasil
participa com mais de 90% das exportações brasileiras para o
Mercosul, com destaque para os Estados de São Paulo e Rio
Grande do Sul.
A tendência à reconcentração macro-espacial das atividades
industriais na região Centro-Sul do Brasil, a predominância da
localização dos serviços de exportações em cidades de maior
parte e com melhor oferta de serviços, o peso das metrópoles
primazes (São Paulo e Rio de Janeiro) na economia brasileira,
o maior dinamismo das chamadas metrópoles de segundo nível
da Região Centro-Sul (Belo Horizonte, Campinas, Curitiba e
Porto Alegre) indicam que a expansão do Mercosul terá um
efeito dinamizador sobre a produção e os serviços destas
metrópoles. (Diniz, 2000: 112-113).

De imediato, integram-se a produção e o mercado do Sul-Sudeste


aos mercados da Argentina e Uruguai, mercado de consumo mais
sofisticado, determinando, face à pauta das exportações, um começo
de realinhamento espacial e igualmente territorial da indústria na
região do polígono, visto no estimulo à expansão prioritária das in-
dústrias mais sofisticadas em tecnologia, predeterminando os ramos
de indústria e a tendência de estrutura industrial futura do polígono.

2. A região do complexo agroindustrial


O planalto central aloja a segunda região de divisão territorial
do trabalho. Trata-se de uma extensão de território que avança das
fronteiras da região Sul para as fronteiras com a Amazônia (“nortão”
do Mato Grosso) e o Nordeste (oeste da Bahia e sul do Maranhão e
Piauí), e grande parte da qual sobrepõe-se ao território da região
do polígono industrial. No que nos interessa, o domínio dos cerrados
é o seu centro de gravidade. Daí, que reproduz-se do outro lado da
floresta amazônica, nos cerrados de Roraima.

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novadivisão
divisãoterritorial
territorial do
do trabalho
trabalho

Sua formação relaciona-se à modernização da agricultura, mas


antecede as políticas modernizantes dos PNDs, que promovem a
fusão de domínios do cerrado e da soja no planalto central, a
sojicultura atuando como o grande vetor da formação regional. Essa
formação é o resultado de um processo de modernização que começa
inicialmente com a cultura do trigo no Rio Grande do Sul nos anos
1940-1950, avança com a dupla trigo-soja pelo oeste de Santa
Catarina e oeste-noroeste do Paraná no correr dos anos 1950-1960,
e chega em dupla ao Mato Grosso do Sul nos anos 1960, para
deslanchar com a cultura solo da soja pelos cerrados do Mato Grosso
e circundâncias nos anos 1970 e 1980, já sob a égide dos PNDs
(Brum, 1988).
A formação regional seguiu dois momentos. O primeiro relaciona-
se à dissolução do binômio latifúndio-minifúndio (Moreira, 1988 e
1990) e à fusão da agricultura com a indústria, num processo que
lembra um retorno à relação de antes da constituição do capitalismo
na história numa só unidade sistêmica (Guimarães, 1982). O segun-
do, à dissolução da histórica indústria de beneficiamento e à abertura
ampla do leque de divisão do trabalho que fará do sistema um
complexo. O primeiro é o momento da constituição da agroindústria
e o segundo do complexo agroindustrial, compreendidos como dois
conceitos distintos (Moreira, 2003b).
Vejamos o processo histórico.
A forma histórica de modelo agrícola no Brasil é a do binômio
latifúndio-minifúndio. O interesse da economia gira ao redor do
sucesso da produção e venda do grande produto de exportação,
tocado pelo latifúndio, na forma da monocultura. Mas este sucesso
depende da existência da policultura, atividade tocada pelo trabalho
de um tipo de campesinato – que Prado Jr. prefere designar de um
assalariado disfarçado e cuja natureza é bastante diferenciada no
território nacional – encarregado ao mesmo tempo do suprimento
alimentício internamente à sociedade sustentada na agroexportação
e da manutenção de um exército cativo de trabalho no interior do
latifúndio, para uso sobretudo em época da grande safra. Este tema
foi analisado por vários estudiosos, entre os quais ressalte-se Furtado
(1959), Prado Jr. (1966), Rangel (1957 e 1985) e Oliveira (1981). É
a implementação do Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, que
irá provocar o começo do fim da instituição binomial. Destinado a
levar para o campo os benefícios trabalhistas já previstos para o
trabalhador da cidade, o Estatuto do Trabalhador Rural vai produzir
ao longo dos anos 1960 e 1970 a onda de expulsão e transformação
que irá converter esse campesinato num trabalhador volante, o
bóia-fria, e forjar a modernização generalizada das relações de

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produção no campo (D’Incao e Mello, 1977 e 1984), assim


capitalizando o latifúndio, extinguindo o chamado minifúndio dominial
e dissolvendo a relação binomial nas áreas agrícolas de latifúndios
modernizados. Em 1972, o governo federal intervém nesse processo
através do I PND, introduzindo a vertente da modernização
tecnológica, política que se radicaliza e se completa entre 1975 e
1979 com o II PND, realizando, através da criação de um setor de
indústria para a agricultura, isto é, um setor produtor e fornecedor
ao campo de insumos industriais, em particular máquinas agrícolas,
fertilizantes e defensivos agrícolas, e da implementação de ampla
rede de transportes, comunicações e distribuição de energia elétrica,
a integração da agricultura e indústria que origina no Brasil a
agroindústria moderna. Esta pode ser entendida como uma estrutura
de produção no campo que vincula a agropecuária à indústria tanto
a montante quanto a jusante, reorganizando o espaço agrário
brasileiro numa relação antes-durante-depois da porteira, a
agropecuária relacionando-se à montante com as indústrias de
insumos agrícolas e à jusante com as indústrias transformadoras
do produto agrícola (Araújo, Wedekin e Pinazza, s/d).
No correr dos anos 1980 e 1990, a continuidade da tecnificação
da agroindústria irá promover a autonomização das diferentes fases
do processo da agroindústria como ramos especializados, dessa
forma afetando a indústria de beneficiamento das antigas fazendas
e abrindo o sistema da agroindústria para uma ampla divisão técnica
do trabalho.
A indústria de beneficiamento é uma outra peça chave da
estrutura binomial. Faz um elo orgânico na atividade agropecuária
das velhas fazendas brasileiras (de lavoura e de gado), tornando
sua produção uma forma de quase-agroindústria. É assim com o
beneficiamento do fumo, do cacau, do café, para não dizermos do
açúcar, a mais típica agroindústria tradicional do Brasil. Sob esse
nome reúne-se um incontável número de atividades artesanais e
manufatureiras que cumprem, na grande e na pequena fazenda
anteriores ao capitalismo moderno, um papel econômico semelhante
ao da roça do minifúndio na sua função de reduzir os custos da
monocultura nos latifúndios. Brum assim discrimina sua presença
nas pequenas produções coloniais do Sul:
Assim, na localidade, no município ou na região produzia-se a
maioria, ou ao menos grande parte, dos instrumentos de
trabalho e outros bens de uso mais comum, nas serrarias,
marcenarias, carpintarias, fábricas de móveis, olarias de telhas
e tijolos, ferrarias, selarias, oficinas, etc. Igualmente, grande
parte da produção agrícola era beneficiada com vistas ao

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novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho

consumo, nos moinhos de milho e trigo, engenhos de arroz,


engenhos de erva-mate, alambiques de fabricação de
aguardente, fábricas de banha, fábricas de manteiga, fábricas
de bebidas, além de numerosa e variada “indústria caseira”.
Toda essa diversidade de atividades – ocupando
predominantemente a mão-de-obra familiar e voltada para a
auto-suficiência familiar, local e regional – assegurava relativa
abundância e mesmo certa fartura de bens, dentro dos padrões
simples, mas valorizando sobretudo as “coisas” consideradas
fundamentais para o atendimento das necessidades básicas.
(Brum, 1988: 58-59).

A instituição da moderna agroindústria vai dissolver esta


estrutura, nas áreas coloniais do Sul e nas grandes fazendas de
lavoura e gado do Centro-Oeste. No latifúndio transformado em
empresa rural, a modernização tecnológica expulsa, tal qual na
abolição a agroexportação fizera com o trabalho escravo, a indústria
de beneficiamento para fora dos custos da estrutura produtiva,
forjando sua autonomização. Vemos, assim, surgir nas áreas de
maior desenvolvimento técnico da agroindústria uma série de
atividades autônomas de natureza industrial e terciária, antes
ancilares da grande fazenda, atuando como ramos especializados e
voltados para o fim de complementar a atividade principal da
agroindústria. São os armazéns e silos que vão se posicionando à
beira da estrada ao redor da indústria de esmagamento da soja ou
de moagem do trigo, disputando espaço na cidade com as
serralherias, indústrias de móveis, pequenas metalurgias,
igualmente autonomizadas, numa diversificação dos ramos da
divisão territorial do trabalho sem fim. Atividades a que vêm se
somar no tempo a pesquisa biotecnológica e serviços de informática,
do novel setor quaternário.
É o complexo agroindustrial, uma unidade de economia que
integra em um só sistema atividades dos setores primário,
secundário, terciário e quaternário, levando a divisão territorial do
trabalho agroindústria estruturalmente para além da combinação
primário-secundária (agricultura-indústria) a que a agroindústria
até então se limitara, rumo a uma divisão de trabalho estruturada
em rede de produção e de trocas de dimensão e abrangência
territorial enormemente diversificada e ampla.
É esta estrutura em rede que organiza em toda sua extensão o
domínio espacial da agroindústria, provoca a criação generalizada
dos sem-terra e muda por completo a forma de organização do
espaço agrário no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, levando-a
até a fronteira do Nordeste, onde hoje chega, numa incorporação
da porção oriental do Nordeste cujos efeitos Araújo assim descreve:

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As produções maranhense e piauiense orientam-se basicamente


para o exterior. A sub-região nordestina que vai do oeste baiano
ao sul do Piauí e Maranhão tem experimentado um processo
de ocupação comandado por agentes econômicos extra-
regionais e recebido capitais e capitalistas predominantemente
não-nordestinos, implantando processos econômicos e
construindo uma paisagem que se assemelha muito mais à
macrorregião Centro-Oeste do Brasil. Suas ligações econômicas
e semelhanças geo-sócio-econômicas com as demais sub-
regiões do Nordeste são muito tênues. Até os estrangulamentos
à continuidade de seu desenvolvimento são mais parecidos
com os de Tocantins ou Mato Grosso do que com os do lado
oriental nordestino: infra-estrutura de transporte, por exemplo.
Aliás, dependendo da forma como consolidar-se-á a malha de
transporte, sua vinculação futura com o Centro-Oeste poderá
ser ampliada (Araújo, idem: 21)

3. A região da difusão da agroindústria e indústria de não-


duráveis
No Nordeste a nova divisão territorial do trabalho combina os
efeitos da política estratégica dos pólos a uma forma própria de
agroindústria, a fruticultura irrigada, criando um espaço regional
bastante diversificado.
A agroindústria de fruticultura irrigada se expande nos vales
úmidos do sertão. Nas cidades, os pólos de bens intermediários
criados pelo II PND se alternam com as novas áreas de indústria de
bens de consumo não-duráveis migradas do Sul e do Sudeste. Nos
cerrados do oeste da Bahia, sul do Piauí e do Maranhão avança e
domina o complexo agroindustrial da soja, expandido do Centro-
Oeste vizinho.
O novo vem assim de fora.
Historicamente o Nordeste é o domínio da indústria tradicional
de não-duráveis. A presença da cultura algodoeira e o mercado
consumidor local deram origem à indústria têxtil, que junto à
indústria alimentícia, sobretudo açucareira, reúne o par que ainda
hoje forma o parque industrial nordestino. Nos anos 1960, diante
da divisão territorial do trabalho advinda da aceleração industrial
de São Paulo, a indústria nordestina de início se retrai, caindo de
10,0% para 6,3% em seu peso relativo no valor da produção
industrial brasileira, como vimos, “agrarizando-se” e só reagindo
com os estímulos do mecanismo 34/18, ainda nos anos 1960
(Oliveira, 1984a), e a implementação das políticas dos pólos de
bens intermediários do II PND nos anos 1970.

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novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho

No transcorrer dos anos 1970 e 1980 a indústria de bens


intermediários entra na estrutura industrial do Nordeste. São eles:
o pólo mínero-alumínico (Projeto Alumar), no Maranhão, vinculado
à bauxita do rio Trombetas, no Pará, e assim fazendo parte do
Programa Grande Carajás, localizado no estado do Pará; o pólo
químico de fertilizantes, no Sergipe; o pólo do sal-gema (soda
cáustica), em Alagoas; o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia;
e os pólos de celulose e papel no Maranhão (Projeto Celmar,
Imperatriz) e Bahia (Mucuri). Com o desenvolvimento do setor de
bens intermediários promovidos pela instalação desses pólos há
uma mudança que põe os ramos desse setor no comando da
estrutura industrial do Nordeste: na Bahia, por conta do pólo de
Camaçari, o valor da produção industrial sobe de 12% para quase
30% do PIB estadual entre 1960 e 1990; no Maranhão, de 14,3%
para 21,8%, entre 1980 e 1987 (Araújo, 1987: 14-15).
Ao mesmo tempo, desenvolvem-se os pólos de fruticultura
irrigada. O pólo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro, na fronteira de
Pernambuco e Bahia, no vale médio e médio-baixo do São Francisco
e do vale do Açu (no Rio Grande do Norte), implementados a partir
dos anos 1970. E o pólo de grãos, no oeste da Bahia e sul do Piauí
e do Maranhão, desenvolvido nos anos 1980 a partir da expansão
da soja, além do milho, arroz e feijão (Andrade, 1998).
A mudança no quadro industrial relaciona-se hoje à instalação
de pólos de indústrias de bens de consumo não-durável, a exemplo
do pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, expressando a tendência
dos anos 1980 de transferência de empresas do setor de não-
duráveis do Sul e do Sudeste para o Nordeste, atraídas pela maior
proximidade dos mercados americano e europeu e as facilidades
criadas pelas “guerras fiscais”, e “dispensadas” pela crescente
priorização do desenvolvimento das indústrias de alta tecnologia
do Sudeste-Sul – transferindo algumas indústrias leves e de menor
sofisticação para o Nordeste, mas mantendo o núcleo duro da
indústria (metalurgia, mecânica, material elétrico, eletrônica e
química) concentrado no Sudeste-Sul, como observa Diniz
(2002:1110 – num momento em que a multiplicação dos pólos
industriais de bens intermediários se estabiliza em todo o Nordeste).

4. A fronteira biológica
A Amazônia forma o quarto segmento. Nos anos 1970, a
estratégia dos PNDS faz da Amazônia ao mesmo tempo uma fronteira
agrícola, mineral e energética.

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Desde os anos 1960 uma profusão de empresas de agropecuária


dissemina-se pela Amazônia, relacionadas à política dos incentivos
fiscais do mecanismo 34/18 (Oliveira, 1987, Becker, 1991; e
Gonçalves, 2001). Assim, ao longo do arco de interseção com o
Centro-Oeste, com maior concentração na porção oriental, em
função da rodovia Belém-Brasília, a Amazônia vai sendo ocupada
pelo que vem a ser chamada a política dos grandes projetos. São
projetos em geral ligados a capitais privados vindos do Sudeste,
muitos dos quais servem apenas para a especulação com a terra,
grande negócio aberto na esteira da fronteira em expansão. Ao
longo dos anos, e agora estimulados pelo I e II PNDs, estes projetos
de agropecuária, projetos de “apropriação subsidiada da terra”, no
dizer de Bertha Becker, se multiplicam por todo o arco fronteiriço.
Becker resume sua filosofia e resultados:
Entre 1966 e 1985, 590 projetos agropecuários foram aprovados
pela Sudam para implantação em 134 municípios, totalizando
investimentos da ordem de 113.046.000 OTNs. A figura 2
representa justamente a apropriação subsidiada de terras na
Amazônia, e indica que os projetos se concentram na porção
oriental da região, de ocupação mais antiga no recente processo
de apropriação e situada nas proximidades da rodovia Belém-
Brasília; 72% estão situados no sul do Pará e no norte de Mato
Grosso, distribuindo-se mais esparsamente ao longo da Cuiabá-
Porto Velho e do vale do rio Amazonas, onde o movimento de
expansão é mais recente.
Segundo a Comissão de Avaliação dos Incentivos Fiscais
(Comif ), alguns projetos são fictícios, muitos foram
abandonados, ou se encontram em condições precárias (cerca
de 70%), cerca de 10% foram cancelados, reembolsando o
incentivo recebido sem correção monetária, e menos de 20%
foram efetivamente implantados, permanecendo com uma
produção equivalente a um quinto da prevista.
Considerando que praticamente 50% dos investimentos dos
projetos correspondem a incentivos fiscais, e considerando as
constatações acima, é lícito concluir que a política de incentivos
fiscais resultou em grande perda de impostos para os cofres
públicos sem que o fluxo de capital privado previsto para a
Amazônia se efetivasse. Considerando, porém, o objetivo
geopolítico da rápida apropriação de terras, foi ela bem-
sucedida. (Becker, 1991: 27).

No correr dos anos 1970, aos projetos de empresas privadas de


agropecuária vêm se juntar os projetos de colonização pública e
privada da porção ocidental, abertos pelo eixo da rodovia Cuiabá-
Porto Velho (BR-364).
Com a chegada da soja e dos pólos mínero-industriais, fundem-
se, na faixa de interseção do Centro-Oeste e da Amazônia, as

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nova divisão
divisão territorial
territorial do trabalho
do trabalho

estratégias de modernização do campo e de redistribuição da


infraestrutura e das indústrias do Sudeste que orientam a filosofia
do I e II PNDs. E com ela os grandes projetos de usinas hidrelétricas.
A Amazônia é então transformada numa região dos grandes pólos
de agropecuária, madeira e mineração. E protótipo da política dos
grandes projetos.
O Programa Grande Carajás, localizado na porção oriental, é o
centro de referência de implantação dos pólos de indústria de bens
intermediários na Amazônia, secundado pelo pólo de mineração
estanífero de Rondônia, localizado na porção ocidental.
O Programa Grande Carajás é a reunião de dois grandes pólos
mínero-industriais: o siderúrgico, instalado no sudeste, e o de
alumina-alumínio, instalado no centro-norte, do estado do Pará. O
pólo siderúrgico, na verdade um pólo mínero-florestal-siderúrgico,
é um complexo de várias pequenas metalurgias do ferro,
disseminadas pelo município de Marabá (desdobrado nos municípios
de Parauapebas e Vila de Carajás), combinando a mineração do
ferro da serra de Carajás, o emprego de lenha extraído da floresta
amazônica como fonte de energia e a indústria de ferro-gura e ferro-
liga. O pólo de alumina-alumínio por sua vez é um complexo de
cinco sub-pólos – Trombetas, Almerim, Barcarena, Paragominas e
Carajás –, reunindo num triângulo com vértices no vale do rio
Trombetas, a oeste, serra de Carajás, ao sul, e São Luís do Maranhão,
a leste, áreas de mineração de bauxita (Trombetas, Almerim, Carajás
e Paragominas) e áreas de indústria de alumina e alumínio (Albrás,
em Tucuruí; Alunorte, em Barcarena; e Alumar, em São Luís-MA).
Integram ainda o Programa Grande Carajás a usina hidrelétrica de
Tucuruí, que dá sustentação energética tanto ao pólo siderúrgico
quanto ao pólo de alumina-alumínio, ambas sendo atividades
eletrointensivas, e a Estrada de Ferro Carajás e o porto de Itaqui,
no Maranhão, por onde escoa a produção de ferro e alumínio na
forma de lingotes, incorporando o pólo de alumínio de São Luís-MA
(projeto Alumar), o que faz do Programa Grande Carajás um enorme
enclave na região.
O desenvolvimento da engenharia genética e da tecnologia de
manipulação do DNA mudam de novo a trajetória da Amazônia,
jogando-a no rumo da exploração genética dos biomas do mundo
que a torna hoje a mais importante fronteira bio(tecno)lógica do
planeta.

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V. Tendências e problemas da nova configuração


Numa enorme ironia com o Projeto Brasil Grande dos governos
militares, com apoio justamente nesses pólos e grandes projetos a
reforma neoliberal desmonta e desintegra o espaço do projeto
nacional brasileiro. Fatiado pelas empresas privadas e privatizadas
controladoras dos pólos, e por isso autônomas nas suas políticas de
territorialidades, com elas a natureza nacional do espaço se dissolve.
Cada fração e pólo da divisão territorial do trabalho vira um lugar
desorgânico com suas regiões e lugares de encaixe, cada empresa
atuando com estratégias territoriais próprias.
O melhor exemplo venha talvez do polígono industrial do Sudeste-
Sul. Antigo pólo de integração nacional, hoje dela se descola. Vincula
sua divisão de trabalho e de trocas crescentemente na externalidade
do Mercosul, deixando de fora o restante das regiões do Brasil. Fato
significativo, o Mercosul, interligando as cidades brasileiras do
polígono industrial, da Argentina e do Uruguai, sugere um
relacionamento em rede que as integre num só ordenamento urbano
fortemente entre si,
Diniz assim resume a relação intra-Mercosul:
Consideradas as importações, estas seguramente têm origem
ou são operacionalizadas a partir das grandes e médias
metrópoles dos países vizinhos, com destaque para Buenos
Aires, Córdoba, Mar del Plata, na Argentina, Montevidéu, no
Uruguai e Assunção, no Paraguai. Deixamos de considerar o
comércio de bens importados de terceiros países, típico da
região de Puerto Stroessner, no Paraguai, por estar fora do
acordo com o Mercosul e por tender a ser reduzido com a
abertura da economia brasileira.
O comércio cruzado de exportações e importações entre os
países do Mercosul, a ampliação dos fluxos de pessoas e de
informação, o desenvolvimento da infra-estrutura de
transportes e comunicações e os serviços de apoio a esta
tenderiam a fortalecer os laços econômicos entre as metrópoles
da região Centro-Sul do Brasil e as metrópoles mencionadas,
nos países vizinhos. Este processo tenderia a estabelecer uma
rede de metrópoles integradas e complementares na macro-
região sul do continente americano. O grande risco está
relacionado com a pressão do governo dos Estados Unidos em
prol da criação da ALCA, o que poderia inviabilizar o Mercosul
e enfraquecer os laços econômicos entre as metrópoles sul
americanas. (Diniz, idem: 113).

Num outro extremo, mas em mesma situação de fundo, temos o


Nordeste. Após analisar as relações de mercado do parque industrial
nordestino com o de São Paulo, no duplo sentido de ida-e-vinda,e

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novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho
trabalho

mostrar a situação quase postiça da economia dos grandes pólos


(designados ora como frentes de expansão, ora como manchas ou
focos de dinamismo e até mesmo como enclaves, qualificações que
se aplicam sem dúvida a todos os pólos de bens intermediários da
Amazônia, em particular o Programa Grande Carajás), Araújo
caracteriza a economia dos pólos agroindustriais da soja e da
fruticultura irrigada:
Os novos pólos agrícolas também têm estabelecido importantes
relações econômicas extra-regionais, em particular com o
mercado internacional. A soja do oeste baiano, e agora do sul
do Maranhão e do Piauí, destina-se em grande parte a atender
à demanda externa. Estima-se que apenas o oeste baiano, até
1995, produzia 1,7 milhão de t/ano, devendo destinar um
milhão de toneladas de derivados ao mercado internacional
(Queiroz, 1992).
Da mesma forma, a produção agroindustrial, especialmente
associada à irrigação, instalada tanto no vale do São Francisco (BA
e PE) quanto no vale do Açu (RN), desenvolve importantes
articulações econômicas extra-regionais, em particular no que se
refere ao destino de sua produção (Araújo, idem: 20-21).
Sabemos o destino da produção de soja e derivados do complexo
agroindustrial do Centro-Oeste, e sua ligação e estratégia de grandes
empresas privadas.
Assim, diante da privatização das empresas estatais e da reforma
que esvazia o papel regulador do Estado, a unidade histórica da
organização do espaço nacional polarizado em regiões hierarquizadas
se dissolve. O Sudeste integraliza-se com o Sul na região do polígono
industrial. O Sul assim desaparece. O Centro Oeste dissocia-se do
Centro-Sul para formar uma região que incorpora para além do
antigo território o sul da Amazônia e a porção oriental do Nordeste,
unidos ao centro de gravidade do complexo da soja, uma estrutura
vinculada a corredores de exportação. O Nordeste se quebra numa
porção oriental e ocidental que se dão as costas.
Pólos e regiões da divisão territorial do trabalho viram totalidades
em si mesmas num todo nacional desorgânico. Os pólos não se
conectam com suas regiões, que viram quando muito panos de
fundos históricos, pólos e regiões, expressões históricas,
respectivamente, da política dos grandes projetos (Vainer, 1992) e
grandes espaços (Moreira, 2003a e 2003b), sobrepondo-se como
realidades geográficas de divisões territoriais de trabalho distintas
e distantes. Vide a situação do Nordeste da cana-de-açúcar, do
cacau e do complexo algodão-gado do semi-árido, mantidos no
tempo e resistentes às transformações; e da Amazônia dos domínios

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Ruy Moreira

extrativistas da borracha e da castanha, destroçados pela forma da


intervenção militar. Antes hegemônicas e determinantes das políticas
de alinhamento regional, num período típico de domínio espacial do
capital comercial, as elites e suas estruturas desses espaços
regionais são hoje meros panos de fundo de um espaço nacional
organizado nos pólos dos grandes projetos.
O Sudeste não foge à regra. Desindustrializado do ponto de vista
da localização dos estabelecimentos, perdendo estabelecimentos
para outros estados ou instalações de plantas novas em ramos que
até então eram seu privilégio, como as novas plantas do ramo
automobilístico, São Paulo, embora compensado com a centralidade
das sedes dessas empresas – perde em concentração territorial e
ganha em centralidade de gestão – é hoje um pólo gestor
administrativa, política e financeiramente da economia brasileira,
mas não dá mais a direção dos rumos da economia nacional,
entregue ao sabor da territorialidade das grandes empresas.
Nas formas de divisão territorial do trabalho anteriores o todo
da sociedade era costurado por um regime de acumulação que
atuava como nexo estrutural do sistema, arrumando o espaço
brasileiro unitariamente nesta função. Foi assim com o regime de
acumulação de base na indústria de consumo, vigente até os anos
1950, que estruturou e organizou o espaço nacional a partir do
papel que cada setor e lugar cumpria no sucesso da divisão territorial
do trabalho centrado no ramo-base do regime de acumulação. E foi
assim também com o regime de base na indústria automobilística
que passa a centralizar a estruturação e dinâmica da sociedade e
do espaço no Brasil a partir daquela década. Garantia a centralidade
paulista o regime nacional de acumulação centrado na indústria
automobilística, dada a localização exclusiva dessa indústria em
São Paulo.
Há alguma fonte de acumulação interna capaz de contrarrestar
a centrifugação de uma economia mundial globalmente
financeirizada? Tendente a migrar para o complexo agroindustrial,
deslocando todo o eixo do ordenamento territorial brasileiro, o regime
de acumulação de base no complexo esbarra essa possibilidade na
sua natureza de “economia para fora”, exceto para o pagamento de
juros e abatimento de parcelas da divida externa contraída pelo
Estado justamente em face da política dos grandes projetos, com
divisas de exportação. Há alguma possibilidade de se bancar um
novo projeto nacional para o capitalismo brasileiro?
Fatiado territorialmente na política setorial das grandes empresas,
muitas delas privatizadas, como a Companhia Vale do Rio Doce

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AAnova
novadivisão
divisão territorial
territorial do
do trabalho
trabalho

(CVRD), a divisão territorial do trabalho atual dissolve e desintegra


o Brasil das grandes regiões, mas não põe no lugar do padrão
dissolvido um modelo organizativo de espaço novo. A geografia do
Brasil não se organiza mais em regiões e não se organizou ainda
em rede, como seria tendência sua, caso acompanhasse a forma
da organização matricial da sociedade e seus espaços nos tempos
globalizados de hoje.
Daí o crescimento das dissonâncias de sócio-espacialidades
superpostas pelas acumulações de tempos diferentes. A
profundidade dos conflitos de territorialidades. O tensionamento
das relações de espaço e contra-espaço que são fruto de
espacialidades de sujeitos de natureza social contraditórias. E então
o fermento dos debates sobre a configuração de relação sociedade
e espaço que temos e queremos.
o0o

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Ruy Moreira

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GLOBALIZAÇÃO E ESPAÇOS DA DESIGUALDADE

Jorge Luiz Barbosa

O mundo inaugurado após a segunda grande guerra presenciou


um crescimento inaudito da riqueza material. Segundo os dados do
Banco Mundial, entre 1965 e 1990 – portanto no curso de apenas
25 anos! - o PNB mundial cresceu em 10 vezes, enquanto a
população mundial apenas duplicou. Por outro lado, a fortuna dos
358 empresários mais ricos do mundo é superior à renda anual da
metade dos habitantes do planeta. Talvez, isso possa explicar a
outra face do crescimento da riqueza no mundo: o alargamento
desmedido da pobreza.
Se a riqueza conhece um crescimento geral, o trabalho vivo
necessário para a sua criação foi sendo drasticamente reduzido,
especialmente nas últimas três décadas do século XX. Na França, o
emprego do trabalho diminuiu em 15% en trinta anos e, na
Alemanha, o uso do trabalho diminuiu em 30% desde 1955 (Gorz,
1990). Embora o crescimento econômico seja desigual entre os
países e a atual conjuntura recessiva empurre para baixo os dados
quantitativos da produção contínua de riquezas, o mesmo não se
pode falar do volume trabalho que vem conhecendo reduções
progressivas.
Essa redução do trabalho ainda não foi medida em termos
estatísticos confiáveis no Brasil. Porém, podemos exemplificar a
redução aludida em algumas empresas transnacionais localizadas
em nosso país, a exemplo da Mercedes Benz que, em 1978,
empregava 20 mil trabalhadores e, hoje, emprega apenas 7 mil
para produzir três vezes mais, ou da Volkswagen, que passou de 44
mil empregados, no início da década de 80, para os atuais 15 mil,
mas aumentou três vezes e meia sua produção de automóveis.
É evidente que a aplicação sistemática de tecnologias tem
ampliado a produtividade de determinadas empresas, porém traz
como contrapartida a supressão de postos de trabalho. Isto pode

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Jorge Luiz Barbosa
Jorge Luiz Barbosa

ser explicado pela formatação técnica que carrega os imperativos


de fazer crescer a produção e, ao mesmo tempo, reduzir os custos
da força de trabalho humana. Tal processo tem gerado o desemprego
em massa universal, atingindo nos países da OCDE a cifra de 40
milhões de desempregados. Acrescenta-se que boa parte deles
jamais poderá voltar às suas antigas funções, em virtude da extinção
tecnológica da atividade anteriormente exercida ou pela brutal
defasagem em relação às novas exigências empresarias.
Na Europa de “primeiro mundo” os desempregados somavam
18 milhões em 1998, com uma taxa média de desemprego em
torno de 15% e 31%, na faixa até 25 anos. Entre nós, homens e
mulheres de um pequeno-vasto mundo chamado Brasil, o
desemprego já atinge 7.715.000 pessoas (aqui, não estão incluídos
os jovens que jamais conseguiram um emprego em suas vidas).
Curiosamente o desemprego parece acompanhar a concentração
de riqueza. É assim que em uma recente pesquisa (ver Franco,
1997) contabilizou-se a existência de 37 mil empresas transnacionais
com mais de 200 mil afiliadas em todo mundo. Juntas, essas firmas
controlavam 1/3 dos ativos globais produzidos e 70% do comércio
mundial. Entretanto, empregavam apenas 5% da força de trabalho
do mundo. Esses dados demonstram o papel dos oligopólios na
economia mundial e desmentem os defensores da adequação dos
países ao mercado mundial como a melhor solução para superar a
crise social e econômica.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países que experimentam
o modelo de supressão de direitos trabalhistas como terapêutica
contra o desemprego, os desempregados e os empregados a título
precário e em tempo parcial atingiram mais de 45% da força de
trabalho ativa. E, segundo os números apresentados por Gorz
(1990), de 35 a 45% da população ativa britânica, francesa, alemã
ou norte-americana vive à margem da civilização burguesa do
trabalho, de seus pretensos valores universais e de sua ética de
mérito.
Segundo um recente relatório (julho de 2003) da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), são 180 milhões os desempregados
no mundo. Na América Latina a taxa de desemprego atinge 10% da
população em idade de trabalho, enquanto na África já alcança 15%.
Contudo, entre os que trabalham, há pelo menos um bilhão no sub-
emprego ou no trabalho parcial. Ainda segundo o mesmo relatório,
metade da população do planeta (cerca de três bilhões de pessoas)
vive na pobreza. São pessoas que contam com menos de dois dólares
ao dia para sobreviver.

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Globalização
Globalização ee espaços da desigualdade

Outro dado significativo oferecido pela OIT diz respeito à


ampliação da desigualdade social no mundo, uma vez que a diferença
entre os mais pobres e os mais ricos era de 30 para 1 em 1960
alcançou, em 1999, a dimensão de 74 para 1. Apesar de concentrada
nos chamados países periféricos, as desigualdades sociais avançam
nos países centrais do capitalismo. Nos vinte países mais industriali-
zados do mundo, pelo menos 10 % da população vive nos baixos
índices de precariedade do trabalho e condições de pobreza,
delimitando, inclusive, indivíduos e grupos sociais que são
considerados (moralmente e socialmente) como supérfluos.
Podemos falar de uma globalização das desigualdades sociais?
Tais condições de desigualdade são resultantes dos graves recuos
no campo dos direitos sociais. As leis do mercado passaram a imperar
sobre as instituições sociais, reduzindo a esfera pública ao domínio
dos interesses privados e, com isso, suprimindo conquistas
importantes no campo da cidadania moderna.

Brasil: globalização e espaços de desigualdades


Muitos afirmam que a globalização é inexorável, devido ao alto
grau de integração das economias no planeta. Isto não é uma
verdade absoluta, porque até o período imediatamente anterior à
segunda grande guerra, as economias dos países eram fortemente
entrelaçadas e, logo depois, assumiram um formato de maior
participação e influência das diretrizes dos estados nacionais. Por
outro lado, é possível desmistificar que a globalização é o único e
imprescindível caminho da humanidade, pois é ainda a escala
nacional o espaço de geração de empregos, de aplicação de
investimentos financeiros diretos e realização do mercado de bens
e serviços. Portanto, o inexorável faz parte de uma construção
ideológica interessada em produzir o “consenso imposto” e
desmerecer toda e qualquer postulação diferente.
É verdade que lutar contra a fabulação da globalização tem sido
uma tarefa árdua. Os sindicatos de trabalhadores encontram-se
fragilizados para defender os seus filiados. O desemprego e a
precarização do trabalho tem reduzido, em todo mundo, o número
de sindicalizados que atinge apenas 1/8 da classe trabalhadora.
Como podemos observar o percentual de sindicalizados é muito
baixo, e diminui mais ainda tanto no Brasil (com apenas 18% da
população ativa) como para o conjunto da América Latina. O mesmo
podemos falar a respeito do movimento social organizado, que hoje
enfrenta sérias dificuldades políticas em suas ações, sobretudo na
esfera das reivindicações dos bens de consumo coletivos.

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Jorge Luiz
Jorge Luiz Barbosa
Barbosa

A fragilização quantitativa e qualitativa dos movimentos


organizados da sociedade civil faz com que fiquemos mais expostos
às exigências da acumulação global e à política de desmontagem
das responsabilidades sociais do Estado.
Nesse sentido, podemos afirmar que o neoliberalismo vem
expondo os limites da cidadania na sociedade burguesa e, de modo
bastante radical, expõe a precariedade da cidadania em países como
o Brasil. Em nosso país a democracia, mesmo formal e
representativa, foi sempre uma exceção e nunca uma regra. Vivemos
breves momentos onde era possível a participação social mais efetiva
na política. Todos as vezes que os trabalhadores tentaram se
organizar de modo mais autônomo e reivindicar com firmeza os
seus direitos, as classes dominantes recorreram a regimes
autoritários para impor suas regras unilaterais do jogo.
A política da classe dominante em relação aos trabalhadores
sempre foi conduzida como “ato de polícia”. Foi sempre através de
golpes militares e uso da violência física que os dominantes
silenciaram e transformaram a diferença e a divergência em
consenso imposto. Nossa experiência democrática é ainda bastante
limitada e reduzida a alguns curtos períodos da história, cujo
resultado é a sociedade injusta, desigual e violenta em que vivemos.
O neoliberalismo praticado em nosso país apóia-se largamente
na tradição autoritária das classes dominantes. É do alto do consenso
imposto que é possível converter as despesas socias públicas e os
próprios funcionários públicos em “bodes expiatórios” da falência
financeira do Estado. É também possível privatizar - diga-se de
passagem, em leilões bastante suspeitos - o patrimônio nacional
criado por diversas gerações de brasileiros. Assim como é da verve
autoritária as medidas que alteram leis constitucionais
(evidentemente as que impedem o jogo neoliberal), sem a
participação popular e sem ter um congresso eleito com tal
finalidade.
De fato, o que assistimos é uma corrida de supressão de
obstáculos para a desmontagem ideológica e política das
responsabilidades do Estado com a sociedade como um todo, para
convertê-lo à lógica da propriedade privada. Portanto, não devemos
nos esquecer das conclusões de Karl Marx, contidas nos Manuscritos
Econômicos e Filosóficos; a falência do Estado é a pedra de toque
da privatização do público.
É por isso que nossas lutas precisam tomar o rumo de políticas
sociais amplas e exigir do Estado a redistribuição da riqueza social.
Não podemos mais nos acomodar diante das remessas de dólares

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Globalização
Globalização ee espaços
espaços da desigualdade
da desigualdade

de uma dívida externa que cresce sem parar, graças a obediência à


política de juros altos ditada pelo dinheiro global. Resistir ao cortejo
de empobrecimento da maioria da sociedade brasileira, quando uma
pequena fração detém mais de 80% da renda nacional, é lutar contra
um dos mais radicais atos de violência social praticados nesse país
nos últimos tempos. A riqueza que é socialmente construída aparece,
em nosso cotidiano, como privação e desigualdade socioeconômica.
É por isso que reivindicar investimentos públicos na educação,
na saúde, na habitação e na geração de empregos é lutar pela
redistribuição de renda no país. Um Estado Democrático de Direito
também se edifica através do alargamento de suas obrigações sociais
para com a maioria da nação. Atitude que o Estado-empresa do
neoliberalismo é completamente avesso e, evidentemente, o
caracteriza como autoritário e anti-social.
É para o espaço social que todas essas questões da atualidade
convergem, sejam elas técnicas, culturais e/ou políticas. Portanto,
o espaço é a sociedade no seu momento mais concreto. Vislumbra-
se daí o reconhecimento estratégico dos lugares, como recortes
específicos da sociedade e, evidentemente, devido a sua importância
para um projeto de democracia social em nosso país.

O lugar como medida da desigualdade social


O primeiro plano da questão em causa é o sentido da expressão
desigualdade. Qual o seu significado? O que ela sintetiza da
realidade? Afinal, quando falamos em desigualdade estamos falando
de quê, de quem, de onde?
Não há a menor dúvida que o termo desigualdade ganhou imensa
força nos últimos anos, sendo contemporâneo de outra expressão
recorrente, entre nós, latino-americanos: década perdida. Elas
representam um conjunto de perdas e danos sociais definidos pelo
crescimento da pobreza, da concentração de renda, do desemprego
estrutural, dentre outras mazelas sociais que assolam a nossa
América depois do Rio Grande.
São muitos os indicadores das desigualdades, aqui entendidas
como sociais. Um deles é a diferença de renda, medida em salários
mínimos ou na quantidade de dinheiro, equivalente ao dólar,
disponível para cada pessoa por dia.
No Brasil, quatrocentos mil famílias (1% da população), pouco
mais de 1,5 milhão de pessoas controlam cerca de 20% da renda
nacional e mais da metade de todo o estoque da riqueza (bens,
propriedades, serviços), corresponde a uma renda anual de US$

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160 bilhões (renda familiar média de US$ 400 mil) e uma riqueza
de US$1,1 trilhão (riqueza familiar média US$2,7 milhões). Por outro
lado, 99% da população brasileira - 39,6 milhões de famílias ou 158
milhões de pessoas – responde por uma renda familiar anual média
de US$ 16.000 e uma riqueza familiar média de US$ 24.000. Ou
seja, a riqueza média de 15% da população é 110 vezes maior do
que a riqueza do restante da população brasileira. Entretanto, as
médias não falam dos extremos. Não daqueles extremos brutais de
homens e mulheres (9,9%) que vivem abaixo da linha da pobreza,
hoje, segundo a ONU, em torno de US$ 1,00 ao dia.
O Brasil destaca-se entre os países de forte concentração de
renda no mundo, portanto das desigualdades. Em recente estudo
publicado pela ONU, o Brasil ocupa o nono lugar entre os países
onde a renda dos 10% mais ricos é maior que a dos 10% mais
pobres. Contudo, encontramos sérios concorrentes nesse
campeonato perverso, Namíbia, Serra Leoa, Honduras, Paraguai,
Botswana, Nicarágua, República Centro Africana e África do Sul.
Em termos de índice de pobreza humana ocupamos o nada
confortável 18º lugar (11,4% a proporção de pobres) e o 65º
posto no Índice de Desenvolvimento Humano.
Apesar desses números assustadores, sobretudo para os que
percebem a desigualdade social através dos noticiários de TV ou
dos jornais, corremos o risco de confundimos os indicadores com o
conceito. Voltemos à questão inicial, afinal o que é mesmo
desigualdade?
Jean-Jacques Rousseau identificou, no Discurso sobre a origem
e fundamentos da desigualdade entre os homens, duas formas
principais de desigualdade entre os seres humanos. A primeira delas
seria a desigualdade física ou natural, própria aos estágios de vida
social mais simples, onde a experiência humana estava subordinada
ao império das necessidades, defesa permanente e sobrevivência
da espécie. A segunda desigualdade estaria associada,
contraditoriamente, ao progresso material e a maior complexidade
da organização social. Essa seria definida em função do direito à
propriedade privada e a divisão do trabalho que, por sua vez,
iluminavam as desigualdades políticas e, com estas, a criação de
um sistema socioeconômico de diferenciação entre os homens.
Na obra de Rousseau, podemos notar que a desigualdade está
diretamente relacionada com o nosso papel político na Sociedade,
ou seja, com o Ser social de indivíduos, grupos e classes na ordem
vigente. Isto nos remete, é claro, às relações de exercício de poder
presentes em nossa sociedade. A desigualdade é a expressão de

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Globalização
Globalizaçãoeeespaços
espaçosda
da desigualdade
desigualdade

relações de dominação e subordinação de determinados atores


sociais sobre outros, portanto, um constrangimento ao exercício
pleno da liberdade do Ser em sociedade.
Outra possibilidade de interpretação da desigualdade, também
aberta na obra de Rousseau, diz respeito ao ter em sociedade. Ora,
a ordem da propriedade burguesa e a alienação promovida pela
divisão do trabalho evocam uma sociedade onde prevalecem
interesses privados e individualistas em detrimento do público e do
coletivo. Tal construção socioeconômica implica restrições à
superação das necessidades de homens e mulheres, cada vez mais
subalternizados diante das exigências do regime de propriedade e
da divisão do trabalho sob a égide das classes dominantes.
Os constrangimentos do Ser e as restrições do Ter embaralham-
se, se reproduzem uma na outra. Elas constituem um complexo
amálgama que se consolida como desigualdade social. Assim,
quando retomamos os indicadores da desigualdade social -
rendimentos precários, baixa escolaridade, desemprego e
subemprego, vulnerabilidade da saúde e da habitação, desrespeito
aos direitos civis e humanos - queremos dizer que eles são sempre
relacionais. Eles só podem ser entendidos no campo de relações
entre indivíduos, grupos e classes. Isto quer dizer que quando
falamos em desigualdade estamos falando de conflito, contradição
e subalternização social.
Contudo, é preciso explicitar onde estão e quem são esses
homens e mulheres profundamente desiguais. Qual a relação
possível entre o espaço e a desigualdade? Podemos afirmar que as
desigualdades são reproduzidas através do espaço, portanto
podemos falar de desigualdades sócio-espaciais? Como os lugares
do cotidiano nos ajudam a interpretar a desigualdade e, ao mesmo
tempo, contribuir para que transformações políticas e sociais possam
se efetivar?
O lugar é, como nos alerta Hall (1997), específico, concreto,
conhecido, familiar. Portanto, o lugar é expressão de práticas sociais
específicas que nos moldaram e nos formam e com as quais nossas
identidades estão estritamente ligadas.
Entretanto, lugar nem sempre é solo seguro para nossas
existências, pois também é movimento e contradição. Nossos atos
de vida fazem e percorrem os lugares. Tudo pode se tonar instável,
perene e desigual, diante de processos impostos e dirigidos pelas
forças hegemônicas do modo de produção dominante e, ao mesmo
tempo, o extravasar da espontaneidade das ações de homens e

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mulheres. Daí podemos apreender que o lugar, tomado como


construção da experiência social, é abrigo de lógicas distintas e
conflituosas.
Nesse sentido, pensar a desigualdade significa pensar como esta
se exprime em diferentes escalas geográficas. É pensar a relação
de fusão e fissão entre o que acontece no mundo e o lugar do
acontecimento:
“Desse modo o lugar se apresenta como ponto de articulação
entre a mundialidade em construção e local enquanto
especificidade concreta, enquanto momento. É no lugar que
se manifestam os desequilíbrios, as situações de conflito e as
tendências da sociedade que se volta para o mundial” (Carlos,
1996:29).

Quando inscrevemos os lugares em nossas práticas, as


desigualdades não são abstratas porque os homens e mulheres
são concretos. Estamos diante da possibilidade de pensar/ agir em
uma geografia da complexidade do Ser e do Ter em sociedade.
oOo

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A IMPORTÂNCIA DAS REDES PARA UMA NOVA
REGIONALIZAÇÃO BRASILEIRA : NOTAS PARA DISCUSSÃO

Leila Christina Dias

Por que pensar as redes é importante para refletir sobre uma


nova regionalização brasileira? Esta foi a questão que nos guiou na
elaboração deste trabalho. Respondê-la implicou adotar uma
perspectiva que fosse ao mesmo tempo histórica e conceitual.
Histórica porque cada período tende a produzir sua ordem espacial
associada a uma ordem econômica e uma ordem social (Santos e
Silveira, 2001). Conceitual porque a distinção entre uma lógica de
redes e uma lógica de territórios se impõe para tentar compreender
o resultado concreto dessa interação.

Em direção a um projeto de integração territorial


Regiões ou redes de comunicação. Este foi o título dado por P.
Monbeig ao último capítulo da sua obra Pioneiros e fazendeiros de
São Paulo, publicada em 1952. A tese de Monbeig pode ser
sintetizada nos seguintes termos:
Criam os trilhos a unidade, porque asseguram o escoamento
da produção e porque o sucesso individual, tanto quanto o das
empresas colonizadoras, depende da expedição fácil, contínua
e regular dessa produção. A distância é sempre inimiga do
pioneiro: pesa sobre a economia dele, aumentando-lhe os
preços de custo e diminuindo os de venda (Monbeig, 1984:385).

Com o objetivo de reconhecer a existência de regiões, o autor


mostra como as capitais regionais – Rio Preto, Araçatuba, Marília,
Presidente Prudente, Londrina – cresceram devido a sua excepcional
posição em relação à ferrovia. Mostra também a participação dos
fazendeiros de café nas novas sociedades ferroviárias e o poder
crescente da burguesia paulista que, decidindo sobre a configuração
espacial da rede ferroviária e assim sobre a circulação, passa a

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Leila Christina Dias
Leila Christina Dias

comandar de forma quase completa o processo produtivo.


Organizada sobre bases capitalistas, a produção do café engendra
o aparecimento de um verdadeiro mercado de trabalho constituído
em grande parte por mão-de-obra imigrante. É nessa época que
se constitui em São Paulo uma importante infra-estrutura de
transporte, se comparada à de outras regiões. A dinamização de
todas essas atividades estimula o crescimento urbano e a criação
de serviços públicos.
Modificado pela revolução de 30, o equilíbrio das forças políticas
se redefine pelo deslocamento parcial dos interesses agrários mais
conservadores em favor dos interesses industriais e urbanos. A
reestruturação do Estado transforma a escala mesma do tratamento
das questões econômicas: a partir de então, os problemas
associados à produção do café, da cana-de-açúcar etc.,
tradicionalmente concebidos como regionais, são convertidos em
problemas nacionais1. Substituir o conjunto de regiões econômicas
isoladas ou pouco articuladas entre si pela integração do mercado
nacional se tornou um dos principais objetos da ação do Estado
novo.
O desenvolvimento industrial se torna o setor prioritário da
economia nacional, representando um modelo através do qual o
Estado devia realizar a integração do mercado nacional. Apesar da
ausência de um discurso explícito, as decisões políticas tomadas ao
longo dos anos 1930 representavam um conjunto de medidas
protecionistas à indústria2. A eliminação de barreiras de todas as
ordens constituiu a condição primordial para integrar o mercado
interno, pois esta integração pressupunha a elevação do grau de
complementaridade entre as diferentes regiões brasileiras.
A barreira jurídica constituída pelos impostos sobre a circulação
de mercadorias entre os estados da federação é objeto de sucessivos
decretos governamentais, como estes, datados do início dos anos
trinta: “...considerando a necessidade de assegurar a unidade
econômica do território brasileiro, a fim de que todos os produtos
nacionais ou já nacionalizados sejam tratados com a mais absoluta
igualdade e respeito ao trabalho nacional3, ... considerando que os
impostos entre os estados e os municípios constituem um dos mais
sérios embaraços ao desenvolvimento econômico do país ...
considerando que é da mais alta conveniência nacional erradicá-
los”4. As resistências à eliminação de tal imposto, fonte importante
de renda para vários estados da federação, explicam sua
permanência até 1943.

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importânciadas
das redes
redes para
para uma
uma nova regionalização
nova regionalização

A decadência do setor ferroviário, agravada durante os anos da


2ª guerra mundial pelo bloqueio das importações de equipamentos
e de combustível, favoreceu o desenvolvimento de correntes pró-
rodoviaristas no governo federal e nos governos dos estados de
São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estes últimos já
haviam realizado seus projetos independentemente de um plano
nacional e pressionavam o poder central em busca de aumento de
seus recursos. A história do desenvolvimento rodoviário mostra a
articulação de diversas escalas em dois tempos precisos. No início,
o processo de unificação dos mercados comandado por São Paulo
suscita, produz a estrada e dela depende. A entrada em cena do
governo federal legitima as aspirações regionais através da
implantação do plano rodoviário nacional (1944), que, fato novo,
situa-se numa perspectiva nacional. Os efeitos dessa nova
orientação se materializam no fim dos anos 1940 pela construção
da rodovia Rio-Bahia, primeira ligação rodoviária entre o sudeste e
o nordeste do país. Alguns anos mais tarde, a implantação do
Plano de Metas (1956-1960) marcaria o início de um longo período
de investimento maciço nas rodovias.
A instalação da indústria automobilística foi um dos principais
eventos do Plano de Metas, que destinou 30% dos recursos para o
setor de transporte (Ribeiro e Almeida, 1988). Para que as estradas
assegurassem o principal papel nos fluxos de média e de longa
distância, a extensão da rede rodoviária aumentaria 42% e a
extensão de estradas asfaltadas quadruplicaria entre 1955 e 1960.
A comparação entre esse período e os seguintes mostra a
continuidade dessa política pelos sucessivos governos militares.
A integração do mercado nacional pode ser medida pela evolução
das exportações realizadas por São Paulo: em 1928, 63% das
exportações se destinavam ao estrangeiro e apenas 37% para o
resto do país; em 1950, os fluxos se invertem e as exportações em
direção ao mercado interno alcançam 52%, para representar 82%
onze anos mais tarde (Cano, 1985).
Sob o governo Kubitschek, a expansão industrial se acomoda
antes mal do que bem a um sistema bancário no qual ainda
prevalecem formas de crédito e de financiamento herdadas do início
do século, além de esbarrar num sistema de telecomunicações
obsoleto e lacunar. Tal situação não seria tolerada por muito tempo:
articulados a um vasto projeto de formação científico e tecnológico,
de modernização da economia e de reorganização espacial, uma
reforma financeira e uma política de telecomunicações são
implementadas. Na ausência de instâncias democráticas de debate
e de contestação, militares e tecnocratas impuseram um modelo

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Leila Christina Dias
Dias

brasileiro de desenvolvimento inspirado nos princípios ensinados


na Escola Superior de Guerra, modelo que associava estreitamente
a sua realização à segurança nacional e ao capital internacional
(Dias, 1995a).
Em menos de vinte anos, as redes suporte de telecomunicações
– microondas e estações terrestres de satélites – cobriram o conjunto
do território, permitindo a entrada em operação das diferentes redes
de serviços – telefonia, transmissão de dados etc. O objetivo da
integração nacional é atingido em 1985, quando todos os municípios
são ligados às redes suporte de telecomunicações. Contudo, a
capacidade das redes suporte de integrar todos os pontos do
território representa apenas uma virtualidade: ela só se concretiza
quando da instalação das redes de serviços. Apesar da rapidez das
transformações, a densidade telefônica permaneceu fraca: 9,1%
em 1986, inferior à de outros países latino-americanos como
Argentina (10,3%) e México (9,6%) (Dias, 1995a). Ao contrário, as
redes de transmissão de dados conheceram um desenvolvimento
extraordinário, satisfazendo antes de tudo as exigências de grandes
organizações nacionais e multinacionais, financeiras e industriais.
Para essas organizações, a conexão às redes eletrônicas é uma
etapa no processo de modernização – permanecer moderna equivale
aqui a reduzir o tempo da circulação em todas as escalas nas quais
as empresas operam. O que está em jogo é a busca de um tempo
– nacional e mundial – beneficiando-se de escalas gerais de
produtividade, de circulação e de trocas. A utilização que os
diferentes agentes econômicos fazem dessas redes não tem a
mesma amplitude – o sistema financeiro é de longe o maior usuário5.
A reforma financeira e a modernização das redes de
telecomunicações criaram as condições para que os bancos se
tornassem instrumento privilegiado do Estado no processo de
internacionalização da economia brasileira e no processo de
integração do mercado nacional. Concentração bancária e
constituição de grandes bancos nacionais que não se identificam
mais com os interesses de um território limitado, mas de todo o
país, configuraram processos que significaram o desaparecimento
dos bancos regionais e a redução do número de praças bancárias6.
A alteração de razão social dos bancos refletiu a ampliação do seu
campo de ação:
O Banco Nacional de Minas Gerais S.A. passa a ser
simplesmente Banco Nacional S.A., o Banco Econômico da Bahia
S.A. é renominado Banco Econômico S.A., enquanto o Banco
Mercantil e Industrial do Paraná – Bamerindus – transforma-
se no Banco Bamerindus do Brasil S.A. (Corrêa, 1989: 26).

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AAimportância
importânciadas
das redes
redes para uma nova regionalização

Vimos como, até os anos oitenta, as redes – de transporte, de


telecomunicações ou bancárias – constituíram um dos elementos
que definiram a escala nacional como referência para pensar a
construção de um projeto para o país. A política regional brasileira
nesse período foi centrada principalmente na atuação das agências
macrorregionais, como Sudene e Sudam. Segundo Coutinho, o
período também assistiu à implementação de políticas regionais
implícitas, que são aquelas embutidas “nas grandes iniciativas da
área econômica do governo” (2003: 41). Assim, a criação da
Copersul em Triunfo, Rio Grande do Sul, e do Pólo Petroquímico em
Camaçari, Bahia, implicaram impactos urbanos e sub-regionais
(Coutinho, 2003).

Lógica reticular e lógica territorial


Da época de Monbeig aos nossos dias, assistimos à aceleração
de quatro grandes fluxos que atravessam o espaço geográfico: os
movimentos de pessoas ou fluxos migratórios, os movimentos
comerciais ou fluxos de mercadorias, os movimentos de informações
ou fluxos informacionais, os movimentos de capitais ou fluxos
monetários e financeiros. Contidos durante muito tempo nos limites
dos territórios nacionais, os fluxos atravessam fronteiras e
introduzem uma nova ordem de problemas advindos de sistemas
reticulares cada vez mais libertos de controle territorial. Os fluxos
migratórios se ampliam, propiciando a formação de regiões
transfronteiriças, que rompem os limites territoriais dos estados
nacionais, como conclui a pesquisa de Haesbaert sobre a rede de
migração de brasileiros nos espaços fronteiriços com o Paraguai, o
Uruguai e a Argentina (1999). Os fluxos de mercadorias – bens
materiais e serviços imateriais – atravessam os territórios soberanos
graças à especialização produtiva e à deslocalização das
implantações industriais. Os fluxos informacionais são hoje os mais
voláteis e menos controláveis. O sistema financeiro se integra à
escala mundial, enquanto seus subsistemas, geográficos e
econômicos, se reorganizam. Essas mudanças estão no centro de
debates pluridisciplinares e políticos que giram em torno da formação
(ou não) de um mercado de capital global, do papel do Estado Nação,
da complexidade das interações entre o sistema mundial e os
espaços nacionais, da perda de importância dos bancos frente aos
novos atores das finanças internacionais e da constituição de novas
formas de autonomia e resistência nos lugares (Martin, 1999; Plihon,
2000; Santos e Silveira, 2001).
Se os limites do Estado-Nação historicamente circunscreveram
a região em termos de gestão ou planejamento, mudanças
econômicas e políticas que favorecem a tendência à globalização –

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Leila Christina
Leila Christina Dias
Dias

com fluxos que se estendem para além das fronteiras nacionais –


exigem repensar os agentes envolvidos (Estado, empresas e
instituições) que interagem e redefinem “as potencialidades e
limitações das regiões subnacionais” (Arroyo, 1995: 1113).
Fluxos de toda ordem tornaram-se mais espessos e as
necessidades de circulação foram ampliadas, exigindo técnicas cada
vez mais eficazes. Isso explica em parte o fato de a representação
do mundo social integrar crescentemente a noção de rede, numa
perspectiva que procura chamar a atenção sobre as relações e a
complexidade das interações entre os nós. Com a multiplicação das
técnicas reticulares, a rede se tornou uma forma dominante do
pensamento contemporâneo – o “teatro das circulações”, na fórmula
de Parrochia (2001: 17).
A rede é objeto de muitas representações, freqüentemente
marcadas por discursos prospectivos, segundo o pressuposto de
causalidade linear entre o desenvolvimento técnico e as mudanças
sociais e espaciais. Em 1905, alguém escreveu referindo-se aos
Estados Unidos: “Com um telefone em casa, um carrinho no celeiro
e uma caixa de correio rural na porteira, o problema de como manter
os rapazes e moças nas fazendas está resolvido” (Sola Pool,
1979:11). Os anos passados mostraram o erro dessa previsão: se
naquela época 34% da força de trabalho americana estava nas
fazendas, nos anos setenta somente 4% da força de trabalho
permaneceriam lá.
O desenvolvimento das redes de transporte e telecomunicações
na segunda metade do século XX favoreceu a difusão de teses que
superestimam as mudanças técnicas e interpretam a relação entre
as redes e os territórios e as redes e a sociedade numa perspectiva
determinista (Dias, 1995a). Na origem dessas teses, encontra-se a
própria história do conceito moderno de rede, construído na filosofia
de Saint-Simon (1760-1825) pelos seus discípulos7. Segundo Musso,
Saint-Simon construiu o conceito de rede para pensar a passagem
do sistema feudal-militar para o sistema industrial:
Como, se interroga Saint-Simon, assegurar a passagem
tranqüila do sistema presente ao sistema futuro? Trata-se
simplesmente de favorecer a circulação do dinheiro na
sociedade. Estabelecer a circulação do sangue-dinheiro se
traduz em organizar o corpo social como um corpo humano. A
esperada transição ao sistema industrial se resume a liberar a
circulação de dinheiro no corpo do Estado (Musso, 2001: 205).

Graças a essa analogia de organismo-rede, Saint Simon dispôs


de uma ferramenta de análise para conceber uma ciência política,

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importânciadas
dasredes
redespara
para uma
uma nova
nova regionalização
regionalização

defendendo a criação de um Estado organizado racionalmente por


cientistas e industriais e utilizando a rede para evocar a relação
entre as comunicações e o crédito. As frases fundadoras da ideologia
da comunicação não se encontram, contudo, na obra de Saint-Simon,
mas sim na de seus seguidores:
Melhorar a comunicação é trabalhar para a liberdade real,
positiva e prática ... é produzir a igualdade e a democracia. Os
meios de transporte aperfeiçoados têm como efeito a redução
das distâncias não somente de um ponto a outro, mas
igualmente de uma classe a outra (Chevalier apud Musso,
2001:207).

Na interpretação de Musso, os discípulos fizeram o caminho


inverso do mestre. As redes de comunicação deixaram de ser
percebidas como mediadores técnicos da mudança social, para se
tornarem produtoras de relações sociais: “Enquanto Saint-Simon
forjou o conceito para pensar a mudança social, ele se tornou um
meio para não mais pensá-la” (Musso, 2001:217).
Para não cairmos aqui na armadilha do paradigma sansimoniano,
é importante considerar que a rede não constitui o sujeito da ação.
Porém, o pensamento contemporâneo nem sempre resiste a essa
tentação. Em trabalho recente, Jean-Marc Offner mostra como
Manuel Castells – em A sociedade em rede – desconsidera os
aspectos institucionais da organização dos serviços públicos que
determinam em grande medida a morfogênese das redes. Segundo
Offner, Castells projeta as redes num universo de auto-regulação,
sucumbindo ao determinismo tecnológico que ele pensa combater
(Offner, 2000).
Os escritos de Milton Santos certamente nos auxiliam a avançar
na construção de um conceito de rede casado com o tempo presente.
Em A natureza do espaço, ele defende a idéia de que “a fluidez não
é uma categoria técnica, mas uma entidade sóciotécnica” (2000:
275). Esse é o ponto central que diferencia sua interpretação de
outras, contemporâneas, que colocam o foco na rede – enquanto
metáfora explicativa – ignorando o conjunto das ações.
Ela [a fluidez] não alcançaria as conseqüências atuais, se, ao
lado das inovações técnicas, não estivessem operando novas
normas de ação, a começar, paradoxalmente, pela chamada
desregulação. A economia contemporânea não funciona sem
um sistema de normas, adequadas aos novos sistemas de
objetos e aos novos sistemas de ações, e destinadas a provê-
los de um funcionamento mais preciso. Na realidade, trata-se
de normas constituídas em vários subsistemas
interdependentes, cuja eficácia exige uma vigilância contínua,

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Dias

assegurada por uma legislação mundial, tribunais mundiais e


uma polícia mundializada. Ao contrário do imaginário que a
acompanha, a desregulação não suprime as normas. Na
verdade, desregular significa multiplicar o número de normas
(Santos, 2000: 275).

Nesta perspectiva, tentar compreender a interação entre as redes


e os territórios pressupõe reconhecer que estamos diante de duas
lógicas distintas. De um lado, a lógica das redes, definida pelos
agentes hegemônicos que desenham, modelam e regulam. Parece
essencial conhecer suas ações, identificando as estratégias dos
agentes e a maneira como as redes são desenhadas e administradas.
De outro lado, a lógica dos territórios, aqui concebidos como arenas
da oposição entre o mercado – que singulariza – com as técnicas
de produção, a organização da produção, a “geografia da
produção” e a sociedade civil – que generaliza – e desse modo
envolve sem distinção todas as pessoas. Com a presente
democracia de Mercado, o território é suporte das redes que
transportam as verticalidades, isto é, regras e normas egoísticas
e utilitárias (do ponto de vista dos atores hegemônicos),
enquanto as horizontalidades levam em conta a totalidade dos
atores e das ações (SANTOS, 2000: 259).

A lógica territorial também necessita ser desvendada como


resultado de mecanismos endógenos – relações que acontecem
nos lugares entre agentes conectados pelos laços de proximidade
espacial – e mecanismos exógenos – que fazem com que um mesmo
lugar participe de várias escalas de organização espacial. Isto quer
dizer que à tradicional combinação das escalas da organização
espacial, segundo o modelo da boneca russa – do imóvel ao prédio,
do prédio ao quarteirão, do quarteirão ao bairro, do bairro à cidade,
da cidade à região, da região à nação –, somam-se novos arranjos
institucionais e espaciais que nos desafiam a redefinir as categorias
analíticas que utilizamos para representar o mundo.
Há na literatura recente sobre o uso e a organização do território
brasileiro um relativo consenso sobre a ausência de um projeto
integrador e de uma regionalização que considerem o conjunto de
atividades, dos homens e de suas ações (Bacelar, 1997; Santos e
Silveira, 2001; Coutinho, 2003). A principal política espacial
implementada na última década foi orientada pela lógica das redes
técnicas; a concepção que estava subjacente à proposta dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), implementada
durante o governo Fernando Henrique Cardoso, era a de pensar as
redes de transporte como fatores de desenvolvimento e de
integração regional. Na interpretação de Galvão e Brandão, desde
o início

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importânciadas
das redes
redes para
para uma nova regionalização

assumiu-se uma visão bipartida do território que emanava da


ambigüidade consciente estabelecida entre os conceitos de
“eixo” e “espaço”...
... Quando se discutia a questão dos projetos de infra-estrutura
de transportes se estava no domínio autêntico dos “eixos”,
que se bastavam a si próprios como forma espacial do quadro
analítico que se queria delinear. Quando se pensava nos
projetos de desenvolvimento social e informação e
conhecimento [...] os estreitos referenciais contidos na porção
delimitada para os “eixos” não eram suficientes, restando adotar
uma forma espacial mais ampla e territorialmente mais
abrangente, definida no “relatório inicial” como “área de
influência dos eixos” ou “região complementar”8 (2003:197).

Como sugerem esses autores, a chamada região complementar


“parecia ser anexa, acessória e de importância menor” (idem:198).
O resultado foi a constituição de uma eficiente rede logística para o
escoamento da produção agrícola, integrando cada eixo aos
mercados internacionais de commodities (Galvão e Brandão, 2003;
Frederico e Castillo, 2003).
Como inverter essa ordem e pensar a região como objeto da
ação política? Responder a tal questão, que orientou a realização
deste seminário, é sem dúvida tarefa coletiva. Com base em nossa
pequena reflexão, podemos tão-somente levantar alguns pontos
para participar do debate.

Considerações finais
Se o período contemporâneo remete em causa o controle dos
Estados sobre os fluxos que atravessam seus territórios, até que
ponto há um desígnio fatalista que conduziria os Estados Nacionais
a liberar a circulação dos fluxos, tal qual apregoava o movimento
liberal de retirada do Estado, lançado desde o fim dos anos setenta
pelo presidente Carter nos EUA e por Margaret Thatcher na Grã-
Bretanha? Desde há alguns anos, experiências de cooperação entre
Estados buscam fugir do fatalismo, seguindo outra lógica:
reorganizar-se para reencontrar o domínio sobre os fluxos
econômicos e monetários (Rachline, 1998).
Vimos como num passado recente as redes de transporte foram
concebidas como fatores de desenvolvimento e de integração
regional no melhor estilo do culto sansimoniano à rede. É urgente
romper com esse paradigma que esvazia a dimensão política da
região e oculta os sujeitos da ação.

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Leila Christina
Leila Christina Dias
Dias

Entendemos que a região institui uma reflexão política de base


territorial e que a regionalização constitui instrumento de divisão
do espaço. Como avançar na análise de uma e de outra,
ultrapassando os limites do tradicional jogo de escalas – do
município, passando pelo estado, até a federação? Pensá-las como
construções sociais pode representar este salto teórico. Nesse
sentido, as escalas não estão dadas, mas são construídas nos
processos. Como os processos são conflituosos, as escalas são elas
mesmas objeto e arena de conflitos (Smith, 1993 e Vainer, 2001).
No lugar de definir a priori o tamanho da região – do macro ao
micro – podemos pensar em regiões com geometrias variáveis
resultantes de novos arranjos institucionais e espaciais.
Se os fluxos participam na configuração da região, a urbanização
é o destino da nossa sociedade. É nas cidades que se cruzam
verticalidades e horizontalidades, para lembrar a formulação de
Milton Santos. As redes constituem apenas um dos elementos de
definição da escala de referência e a lógica territorial engloba, como
vimos, outras interações e relações. O tempo, histórico e social, é
um tempo longo – no qual se confrontam valores e se debatem
idéias – e não pode estar limitado por uma ordem reticular.
o0o

Notas
1 A expressão convertidos é empregada por W. Cano. O autor mostra
como esses produtos contam após 1930 com instrumentos de política
econômica federal centralizada (CANO, 1985: 185).
2 Especialmente em relação ao controle das importações e às políticas de
desvalorização e controle do câmbio.
3 Decreto 19995 de 14/05/1931, citado por W. CANO, 1985:188.
4 Decreto 21418, de 17/05/1932, citado por W. CANO, 1985:188. O autor
explica como uma mercadoria produzida no estado “x” e vendida no
estado “y” era taxada de novo por este último. Esse mecanismo
aumentava o preço final da venda, favorecendo tanto a produção similar
no estado “y” quanto o produto importado do exterior por esse mesmo
estado.
5 Em junho de 1989, o Bradesco era responsável por 9,4% das receitas
da Embratel e representava o primeiro usuário de serviços de
telecomunicações no Brasil (DIAS, 1995).
6 O número de centros urbanos que acolhem sedes de bancos decresceu
de 77 para 28 entre 1961 e 1985 (CORRÊA, 1989: 26).
7 Não é nosso objetivo neste texto avançar na história do conceito de
rede, apenas apontar que há diferenças fundamentais entre a posição
de Saint-Simon e a de seus seguidores.

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importânciadas
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redes para uma nova regionalização

8 Como sugerem esses autores, a chamada região complementar “parecia


ser anexa, acessória e de importância menor” (GALVÃO e BRANDÃO,
2003:198).

o0o

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DESTERRITORIALIZAÇÃO, MULTITERRITORIALIDADE E
REGIONALIZAÇÃO*

Rogério Haesbaert

Território e região, como dois conceitos-chave da Geografia,


precisam andar juntos e são mesmo indissociáveis. Assim, podemos
considerar que as dinâmicas que denominamos de des-
territorialização (com hífen, respeitando o primeiro “teorema” da
desterritorialização de Deleuze e Guattari [1980]) estão intimamente
vinculadas e devem por isso ser consideradas em qualquer processo
de regionalização, ou seja, a construção e destruição de regiões
são indissociáveis da construção, destruição e reconstrução de
territórios. Para muitos autores os processos de desterritorialização
são uma das marcas fundamentais da chamada pós-modernidade,
afetando diferenciadamente todos os contextos espaciais, tornando-
se assim indispensáveis ao estudo de qualquer processo de
regionalização.
O problema que se coloca, então, é o de como regionalizar num
mundo envolvido numa dinâmica constante de des-territorialização,
onde convivem, lado a lado, “múltiplos territórios” e aquilo que
denominamos o fenômeno da “multiterritorialidade” (Haesbaert,
2001, 2002a). Para chegar a uma proposta preliminar de “elementos
espaciais” a serem considerados numa nova regionalização,
precisamos primeiro abordar, ainda que de forma introdutória, o
que há de novo nas nossas experiências de espaço-tempo; em
segundo lugar, precisamos avaliar as limitações dos discursos sobre
a desterritorialização, tanto em termos da análise das desigualdades
quanto das diferenças sócio-espaciais; por fim, devemos esclarecer
o que entendemos por multiterritorialidade e o que ela implica em
relação a um novo pensamento sobre o regional – ou, se quisermos,
sobre o “multirregional”.
* Este artigo sintetiza idéias desenvolvidas no livro “O mito da
desterritorialização”, em fase final de redação.

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Rogério Haesbaert
Rogério Haesbaert

A nova experiência “desterritorializada” de tempo e de


espaço
A famosa ruptura entre modernidade e pós-modernidade, tão
em voga a partir dos anos 80, vista ora como superação radical
(Lyotard, 1986; Vattimo, 1990), ora como mudança “setorial” (na
“lógica cultural” do capitalismo tardio ou “desorganizado”, como
em Jameson, 1991, e Lash, 1990]), reflete antes de tudo a nova
experiência de tempo e espaço vivida sob a chamada “sociedade
pós-industrial” ou informacional, fundamentada naquilo que Milton
Santos (1996) denominou “meio técnico-científico informacional”.
Mas o que haveria de realmente novo nessa nossa experiência
“pós-moderna”, dita por alguns “desterritorializada” de espaço e de
tempo – ou melhor, de espaço-tempo, já que devem ser vistos
como dimensões indissociáveis? Harvey (1989) e Giddens (1990)
utilizam, respectivamente, os termos “compressão” e “alongamento”
(ou, numa má tradução de disembbeding, “desencaixe”) espaço-
temporal para se referirem a essas novas formas de experimentação
tempo-espaço.
Enquanto um privilegia a “contração” local de um tempo-espaço
que se globalizou, condensando-se assim em cada “lugar”, o outro
destaca a “expansão” até o nível global de um tempo-espaço que
parte do nível local. Tanto num caso como no outro, entretanto,
parece confirmar-se a polêmica expressão de Marx que, ainda no
século XIX, pregava a “aniquilação do espaço pelo tempo” – como
se estas duas dimensões pudessem ser dissociadas, e uma pudesse
“destruir” a outra.
Massey (1993) complexificou essa idéia de compressão espaço-
tempo acrescentando suas distintas “geometrias do poder”, onde a
compressão se multiplica pela desigualdade de suas configurações,
de sua origem e de sua distribuição. Assim, torna-se imprescindível
distinguir quais são seus agentes e como ela afeta diferentemente
não só as classes sociais, em termos das violentas desigualdades
sociais em que estamos inseridos, mas também as diferentes etnias,
os diferentes gêneros, grupos etários etc. A compressão espaço-
tempo, portanto, não diz respeito apenas a “quem se desloca e
quem não se desloca”:
(...) diz respeito também ao poder em relação aos fluxos e ao
movimento. Diferentes grupos sociais têm distintas relações
com esta mobilidade igualmente diferenciada: alguns são mais
implicados do que outros; alguns iniciam fluxos e movimentos,
outros não; alguns estão mais na extremidade receptora do
que outros; alguns estão efetivamente aprisionados por ela.
(Massey, 1993:61)

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Desterritorialização,
Desterritorialização, Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

Além dessa enorme desigualdade dos atores envolvidos, devemos


salientar os distintos setores da sociedade e da própria economia.
Enquanto o capital pode usufruir de uma “compressão global”,
circulando em “tempo real” ao redor do mundo, mercadorias de
consumo cotidiano ainda precisam de um tempo razoável para serem
transportadas de um país para o outro. Alguns objetos se movem
muito mais rapidamente do que outros, afetando a vida de todos
que dependem dessa “mobilidade”. Enquanto alguns produtos
efetivamente se libertam do constrangimento distância, outros
adquirem novo valor justamente por dependerem dessas distâncias
e se tornarem, assim, relativamente menos acessíveis.
Além desse reconhecimento da complexidade da compressão
tempo-espaço a partir da diferenciação dos seus objetos e atores,
e das relações de poder extremamente desiguais que estão em
jogo, como destaca Massey, é importante focalizar uma outra
questão teórica, tão ou mais relevante. Referimo-nos ao reconheci-
mento de que a compressão espaço-tempo envolve apenas uma
das “formas” com que o espaço social se manifesta, aquela que se
encontra mais diretamente ligada ao que Shields (1992) denomina
relação de presença e ausência, um dos três componentes “paradi-
gmáticos” da espacialização da sociedade, juntamente com a
diferenciação ou contraste e a inclusão e exclusão ou o dentro e o
fora (o inside e o outside). Na verdade, preferimos denominar mais
simplesmente estas três características de presença, desigualdade
(na linha do que Bergson denomina diferenças de grau) e inserção
(relacionada à “diferença” em sentido estrito ou diferença de
natureza)1.
O que Shields argumenta é que, na análise das mudanças
provocadas pela chamada pós-modernidade, o que efetivamente
se pode demonstrar empiricamente são apenas mudanças ocorridas
na espacialização em termos de presença e ausência. Segundo o
autor, “inclusão e exclusão e diferenciação espacial continuam
aparentemente imutáveis”. (:187) As desigualdades e a exclusão
sócio-espacial, podemos afirmar, foram até intensificadas. Assim,
se uma ruptura entre as experiências de tempo-espaço da
modernidade para a pós-modernidade ocorreu, ela se deu antes de
tudo na esfera da presença e ausência: “é a diferença na
espacialização de presença e ausência que justifica fazer uma
distinção entre modernidade e pós-modernidade”. (:181)
Partindo da concepção de estrangeiro de Simmel (1971[1908]),
Shields coloca a questão da síntese aparentemente paradoxal entre
distância e presença, lembrando que, apesar de comumente
associarmos presença e proximidade, ausência e distância, o
estrangeiro é sempre o distante-presente. Num sentido temporal,

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Rogério Haesbaert
Rogério Haesbaert

há uma relação entre presença e atualidade [nowness], o presente.


Mas se o passado é visto como “uma série de ‘agoras’ em contínua
passagem”, ele é “um agora que passou”, tornando-se, assim, uma
ausência “concebida como um tipo de presença”. (:187) Com mais
razão ainda o espacialmente distante pode se fazer “presente”, numa
dissociação entre presença aqui (espacial) e presença agora
(temporal). Ausência, assim, torna-se simplesmente uma não-
presença, definida que é, sempre, em sua relação com a presença2.
Desterritorialização como “fim das distâncias”, por exemplo, nada
mais seria do que um enfoque muito parcial que, além de confundir
territorialidade e espacialidade, vê o espaço tão somente a partir
dos processos de compressão tempo-espaço, ou seja, da sua “forma”
ligada à presença-ausência. Ela nada nos diz da intensificação dos
processos de diferenciação (“desigualização”) e de exclusão sócio-
espacial em curso.
Em síntese, portanto, “o pós-modernismo desestabiliza a
estrutura metonímica que relaciona presença e ausência com
proximidade e distância. Uma união sintética de distância e presença,
do estrangeiro e do íntimo, torna-se concebível e praticável”.
(Shields, 1992:192) De forma aparentemente contraditória,
podemos dizer que o próximo-presente (o aqui e agora) passa a ter
maior importância, ou maior “visibilidade” e valor estratégico,
justamente pela intensificação de seu sentido contrastivo, ou seja,
pela emergência clara do seu antípoda, o distante-presente. As
próprias fronteiras, assim, mudariam de sentido:
(...) fronteiras podem ter se tornado mais do que linhas que
definem o que está cercado daquele que não está, o ordenado
do não-ordenado, ou o conhecido do desconhecido. Fronteiras
marcam o limite aonde a ausência se torna presença. Mas tais
fronteiras parecem estar se dissolvendo. Elas aparecem menos
como barricadas impermeáveis e mais como limiares, “limen”
através dos quais tomam lugar as comunicações e onde coisas
e pessoas de diferentes categorias – local e distante, nativo e
estrangeiro, etc. – interagem. (Shields, 1992:195)

Trata-se tanto da compressão tempo-espaço, no sentido mais


abstrato de um distante que se torna próximo através dos recursos
tecnológicos de que dispomos, quanto de uma experiência de contato
com o outro, o estrangeiro, este “distante” que se torna próximo de
nós praticamente a cada esquina nas grandes cidades. Na verdade,
muito mais do que “se dissolvendo”, as fronteiras, como os territórios
e as regiões, estão se tornando muito mais complexas, imersas
numa multiplicidade ainda maior de tempo-espaços.
O resultado dessa relação complexa entre presença e ausência
é um espaço profundamente descontínuo, fragmentado. Desse

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

modo, outra questão central e muito problemática deste espaço,


em outras palavras, des-locado, é a sua representação: o mundo
globalizado se tornaria irrepresentável (mas não incognoscível,
ressalta Jameson). As transformações do “hiperespaço pós-
moderno” transcendem “definitivamente a capacidade do corpo
humano individual de autolocalizar-se, para organizar perceptiva-
mente o espaço de suas imediações, e para cartografar cognitiva-
mente sua posição num mundo exterior representável”. (Jameson,
1991:97) A nova máquina pós-moderna “não representa o movi-
mento, mas pode somente representar-se em movimento”. (:100)
Vivemos numa “confusão espacial e social (...). A forma política
do pós-modernismo, se houver uma, terá como vocação a
intervenção e o desenho de mapas cognitivos globais, tanto em
uma escala social quanto espacial”. (Jameson, 1991:121) Assim, a
concepção de espaço desenvolvida por Jameson “sugere que um
modelo de cultura política apropriado a nossa própria situação terá
necessariamente que levantar os problemas do espaço como sua
questão organizativa fundamental” (:76)
Essa crise nas representações espaciais pode, também, de
alguma forma, ser associada à desterritorialização e, por extensão,
à dificuldade ou mesmo impossibilidade de regionalizar o espaço
contemporâneo. Mas, tal como na nossa crítica da desterritorialização
muito mais como “mito” (Haesbaert, 1993), aqui também podemos
dizer que a “não-representabilidade” do mundo é outro mito, no
sentido de que se trata, isto sim, de perceber com que nova
“cartografia” (ou, em sentido mais amplo, geografia) estamos
trabalhando, ou melhor, de que nova experiência de espaço-tempo
estamos falando.
Massey (1993) parte da idéia de espaço como uma “dimensão”
(em hipótese alguma estática ou se opondo ao movimento) dotada
dos três “momentos” identificados por Lefebvre (espaços percebido
ou “praticado”, concebido ou representado e vivido através de suas
imagens e símbolos), e de sua indissociável relação com a dimensão
temporal, uma (re)definindo a outra. A partir dessa concepção a
autora atenta para a despolitização do discurso pós-moderno, o
que inclui uma crítica ao sentido “irrepresentável” do espaço proposto
por Jameson.
Enquanto alguns autores, como Ernesto Laclau (1990), vêem o
espaço como o fixo, o estático e, portanto, uma regularidade sem
movimento ou “deslocamento”, impedindo assim a emergência do
novo ou “a possibilidade do político”, Jameson identifica no aspecto
oposto, no “caos” ou no “des-locamento” espacial contemporâneo,
as dificuldades do político.

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Rogério Haesbaert

Para Massey, o espaço de Jameson como o “caos irrepresentável”


traduz uma velha questão geográfica que discute a dificuldade de
se trabalhar com a justaposição de fenômenos no espaço, ao
contrário da maior facilidade que se teria em se tratando de
justaposições no tempo. Isto seria devido, “em parte, porque no
espaço pode-se seguir em qualquer direção e, em parte, porque no
espaço coisas que estão próximas não estão, necessariamente,
conectadas”. (Massey, 1993:158) Mas o tempo também não se reduz
“à segurança confortadora de uma história que é possível ser
contada”. Coerência e lógica não são específicas da temporalidade,
a não ser daquela temporalidade que Jameson gostaria que fosse
restaurada, o “tempo/História na forma de Grande Narrativa”. (:158)
Vivemos então a contradição: em plena “era do espaço”, temos
também a era da “desterritorialização”, neste caso significando, de
forma mais ampla, “desespacialização”. Pelo raciocínio de Jameson
e de outros autores, não é porque o espaço “desapareceu” que o
tempo tomou-lhe o lugar, mas sim porque ele adquiriu um peso tal
que, visto de maneira desproporcional e dicotomizada, “suplantou
o tempo”. Tempo e espaço teriam sido de tal forma dissociados que
o que domina, na verdade, é um espaço desistoricizado, um espaço
sem tempo: “vivemos a pura sincronia”, diz Jameson, um presente
perpétuo – o “puro” espaço que, por não existir nunca como tal3,
quando isolado do tempo simplesmente desaparece. Dominados
pelo espaço sem tempo – ou, na perspectiva inversa, o tempo sem
espaço, perdemos o “verdadeiro” espaço, que é o espaço densificado
pela história e pelas possibilidades abertas para o futuro.
Sintetizando, a chamada desterritorialização, ou melhor, des-
reterritorialização, e, conseqüentemente, os atuais processos de
regionalização, estão fortemente vinculados ao fenômeno da
compressão tempo-espaço – não no sentido de uma “superação do
espaço pelo tempo” ou de um “fim das distâncias”, mas de um
emaranhado complexo de “geometrias de poder” de um espaço
social profundamente desigual e diferenciado.
Em outras palavras e num sentido mais amplo, assim como não
há “um” processo de compressão espaço-tempo, mergulhado que
está em múltiplas geometrias de poder, também não há “uma”
territorialização, mas múltiplas formas de (re)territorialização, seja
no sentido de muitas, diferentes e lado a lado (o que iremos associar
à noção de “múltiplos territórios”), seja como uma efetiva experiência
“multiterritorial” conjunta e indissociável (a que denominaremos
de “multiterritorialidade”). A multiterritorialidade, portanto, enquanto
fenômeno proporcionado de maneira mais efetiva pela chamada
condição da pós-modernidade, está intimamente ligada a essa nova
experiência e concepção de espaço-tempo, onde um dos elementos

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

fundamentais é a rede que articula esses espaços descontínuos.

Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade


Graças à fluidez crescente nos/dos espaços e à dominância do
elemento rede na constituição de territórios, conectando suas
parcelas descontínuas, temos o fortalecimento não mais de um
mosaico padrão de unidades territoriais em área, vistas muitas vezes
de maneira exclusiva entre si e às quais denominamos territórios-
zona, mas uma miríade de “territórios-rede” marcada pela
descontinuidade e pela fragmentação (articulada) que possibilita a
passagem constante de um território a outro, num jogo que
denominaremos aqui, muito mais do que de desterritorialização ou
de declínio dos territórios, da sua “explosão” ou, em termos mais
consistentes, de uma “multiterritorialidade”.
A multiterritorialidade é, se não a forma dominante, pelo menos
a forma contemporânea ou “pós-moderna” da reterritorialização, a
qual muitos autores, equivocadamente, preferem caracterizar como
desterritorialização. Ela é conseqüência direta da predominância
dos territórios-rede, sobrepostos e descontínuos, sobre os territórios-
zona, exclusivistas e contínuos, que marcaram aquilo que podemos
denominar de modernidade clássica, dominada pela lógica territorial
exclusivista de padrão estatal.
É interessante fazermos aqui uma breve síntese dos conceitos
de território e desterritorialização (DT), que pode ser formulada
através do seguinte esquema:
1. Território em concepções mais materialistas
1.1 Território como espaço natural ou “substratum”
1.1.1. materialidade: DT como ciberespaço ou “mundo virtual”
1.1.2. distância física: DT como “fim das distâncias”
1.1.3. recurso “natural” ou abrigo: “DT da Terra” (?)
1.2. Território como um espaço relacional mais concreto
1.2.1."fator locacional" econômico (dependência local)
- DT como "deslocalização”
1.2.2dominação política ("área de acesso controlado"):
DT como um "mundo sem fronteiras"
2. Território em perspectivas mais idealistas
território como um espaço relacional simbólico (espaço de
referência identitária, "valor"): DT como hibridismo cultural,
"desenraizamento" ou identidades múltiplas
3. Território em uma perspectiva mais ""totalizante"" ou integradora
3.1 "experiência total do espaço" (território-zona) [Chivallon]
3.2 espaço móbile funcional-expressivo (território-rede) [Deleuze
e Guattari]

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Rogério Haesbaert

Poderíamos interpretar essa grande diversidade de concepções


como prova da ambigüidade e mesmo da pouca utilidade de um
conceito como desterritorialização. Mas não entendemos exatamente
desta forma4. Devemos aprender a ler o que se esconde por trás
dessas aparentemente díspares interpretações. Embora algumas
noções, tomadas isoladamente, indiquem efetivamente uma visão
muito simplista do território e da des-territorialização, cada uma
delas carrega algum indicador daquilo que, de maneira muito
genérica, podemos denominar de territorialização - as práticas e os
significados humanos em relação ao espaço, ou seja, suas formas
de apropriação e dominação, nos termos de Lefebvre (1984). Como
entendemos que não há indivíduo ou grupo social sem território,
quer dizer, sem relação ou um tipo de controle, seja ele de caráter
mais material ou mais simbólico, sobre o contexto espacial no qual
está inserido, o homem sendo também um homo geographicus
(Sack, 1996), cada momento da história e cada contexto geográfico
revela sua própria forma de des-territorialização.
Entendendo território nesse sentido amplo, veremos que essa
“necessidade territorial” pode estender-se desde um nível mais físico
ou biológico (enquanto seres com necessidades básicas como água,
ar, abrigo para repousar) até um nível mais imaterial ou simbólico
(enquanto seres dotados do poder da representação e da imaginação
e que a todo instante re-significam o seu meio e se expressam
através dele), incluindo todas as distinções de classe sócio-
econômica, gênero, grupo etário, etnia, religião, língua etc.
Assim, ao contrário daqueles autores que consideram o território
numa visão mais estreita, ligado a problemáticas mais específicas
(como a dominação política ou a apropriação simbólica, destacada
nos pontos 1 e 2 do quadro anterior), preferimos entendê-lo numa
perspectiva mais integradora como o espaço imprescindível para a
reprodução social, seja de um indivíduo (sua “experiência integrada”
do espaço), seja de um grupo ou de uma instituição (firma, entidade
política, igreja, etc.) Assim, por exemplo, ao nível do indivíduo, se
antigamente era possível detectar claramente um território como
“experiência total do espaço” (Chivallon, 1999) enquanto território-
zona contínuo e relativamente estável, hoje só podemos ter esta
“experiência integrada” (nunca “total”) na forma de territórios-rede,
descontínuos, móveis, fragmentados.
Isso não significa, contudo, que outras interpretações de
território, como as demais apresentadas no esquema, sejam
destituídas de sentido. Dependendo do tipo de sociedade, do grupo
cultural, enfim, do contexto geográfico - sem falar no contexto
histórico, fundamental – a que estamos nos referindo, seu processo

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
MultiterritorialidadeeeRegionalização
Regionalização

de territorialização se dá privilegiando uma determinada dimensão


ou problemática sócio-espacial. E muitas dessas formas de se
relacionar com ou através do espaço vão se acumulando de maneira
diferenciada ao longo do tempo, originando a multiplicidade de
territórios que temos hoje.
Essa multiplicidade ou diversidade territorial, enquanto
justaposição ou convivência, lado a lado, de tipos territoriais distintos,
será identificada aqui como a existência de “múltiplos territórios”
ou “múltiplas territorialidades”. Sintetizando, diferenciamos essa
multiplicidade de territorializações que ocorrem,
concomitantemente, na face do planeta, através das seguintes
modalidades (Haesbaert, 2002a:47-48):
a) Territorializações mais fechadas, ligadas ao fenômeno aqui
denominado de territorialismo, que não admitem pluralidade de
poderes e identidades, como ocorria na lógica dos talibãs afegãos
e, em parte, nas propostas de resolução para os conflitos bósnio
e palestino.
b) Territorializações “tradicionais”, ainda exclusivistas, que não
admitem sobreposições de jurisdições e defendem uma maior
homogeneidade interna, como a lógica clássica do poder e
controle territorial dos Estados nações, tanto daqueles moldados
sobre a uniformidade cultural quanto dos Estados pluriétnicos,
mas que buscam diluir essa pluralidade pela invenção de uma
identidade nacional comum.
c) Territorializações mais flexíveis, que admitem a sobreposição (e/
ou a multifuncionalidade) territorial, ora a intercalação de
territórios – como é o caso dos territórios diversos e sucessivos
nas áreas centrais das grandes cidades, organizadas em torno
de usos temporários, entre o dia e a noite (Souza, 1995), ou
entre os dias de trabalho e os fins de semana.
d) Territorializações efetivamente múltiplas, resultantes da
sobreposição de funções, controles e simbolizações, como nos
territórios pessoais de alguns indivíduos globalizados que se
permitem usufruir do cosmopolitismo multiterritorial das grandes
metrópoles.
Essa multiplicidade territorial é variável também de acordo com
o contexto cultural e geográfico, encontrando-se desde territórios
como “abrigo”, muito concretos, entre populações cujos parcos
recursos de sobrevivência fazem com que ainda dependam
diretamente de alguns aportes físicos do meio, até territórios
vinculados ao ciberespaço, em que o controle é feito através dos
meios informacionais os mais sofisticados – como alguns empresários

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Rogério Haesbaert
Rogério Haesbaert

capazes de exercer grande parte do controle de suas firmas (grandes


fazendas, por exemplo) à distância, através do computador. No caso
da organização terrorista Al Qaeda é possível perceber como eles
fazem uso de vantagens de todos esses tipos de territorialização ao
mesmo tempo (Haesbaert, 2002b). É como se a cada momento,
através desses múltiplos territórios, seus membros (ou seus chefes,
pelo menos) pudessem acionar os “ritmos” territoriais que
estrategicamente mais lhes favorecessem.
À multiplicidade justaposta (e muitas vezes hierárquica) visível
até o terceiro desses conjuntos de territorializações, devemos
destacar a efetiva “multiterritorialização” visível no último tipo,
resultante não apenas da sobreposição ou da imbricação entre
múltiplos tipos territoriais (o que inclui territórios-zona e territórios-
rede), mas também de sua experimentação/reconstrução de forma
singular por cada indivíduo, grupo social ou instituição.
A essa reterritorialização complexa, em rede e com forte
conotação rizomática (Deleuze e Guattari, 1980), ou seja, não-
hierárquica, é que damos o nome de multiterritorialidade. As
condições para sua realização incluiriam a maior diversidade
territorial (daí o papel das grandes metrópoles como loci privilegiados
em termos dos múltiplos territórios que comportam), uma grande
disponibilidade/acessibilidade de/a redes-conexões (quer dizer, uma
maior fluidez do espaço), a natureza rizomática ou pouco
hierarquizada dessas redes e, anteriores a tudo isso, a abertura
cultural, a liberdade (individual ou coletiva) e a situação sócio-
econômica para efetivamente usufruir e/ou construir essa
multiterritorialidade.
Multiterritorialidade (ou multiterritorialização, se quisermos
destacá-la enquanto movimento, ação ou processo) implica assim
a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao mesmo
tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma
“mobilidade concreta”, no sentido de um deslocamento físico, quanto
“informacional”, no sentido de acionar diferentes territorialidades
mesmo sem deslocamento físico, como em algumas experiências
proporcionadas através do chamado ciberespaço.
A existência do que estamos aqui denominando de
multiterritorialidade, no sentido de construir um território
efetivamente múltiplo, não é exatamente uma novidade, pelo
simples fato de que, se o processo de territorialização parte do
nível individual, toda relação social implica uma interação territorial,
um entrecruzamento de diferentes territórios. A principal novidade
é que hoje temos uma diversidade ou um conjunto de opções muito

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

maior de territórios/territorialidades com os quais podemos “jogar”,


uma velocidade (ou facilidade) muito maior (e mais múltipla) de
acesso e trânsito por essas territorialidades – elas próprias muito
mais instáveis e móveis – e, dependendo de nossa condição social,
temos também muito mais opções para desfazer e refazer
constantemente essa multiterritorialidade.
Não se trata, porém, de uma transformação meramente
quantitativa: mais alternativas territoriais, maior facilidade de
acesso, maior velocidade de mudança. Há uma transformação
qualitativa, envolvendo aquilo que já comentamos como sendo a
nossa nova experiência de tempo-espaço, mais fluida, e que inclui
a compressão ou o desencaixe espaço-temporal – mergulhada nas
distintas “geometrias de poder”, profundamente diferenciadas de
acordo com as classes sociais e os grupos culturais a que
pertencermos.
Essa nova articulação territorial em rede dá origem a territórios-
rede flexíveis onde o mais importante é ter acesso aos pontos de
conexão que permitem “jogar” com a multiplicidade de territórios
existente, criando assim uma nova territorialidade. Mas não se trata,
também, como no passado, da simples possibilidade de “acessar”
ou de “ativar” diferentes territórios. Trata-se de fato de vivenciá-
los, concomitante e/ou consecutivamente, num mesmo conjunto,
sendo possível criar aí um novo tipo de “experiência espacial
integrada”. Sintetizando, esta nova experiência inclui:
• uma dimensão tecnológica de crescente complexidade, em torno
da já comentada reterritorialização via ciberespaço, e que resulta
na extrema densificação de alguns pontos do espaço altamente
estratégicos;
• uma dimensão simbólica cada vez mais importante, onde é
impossível estabelecer limites entre as dimensões material e
imaterial da territorialização;
• o fenômeno do alcance planetário instantâneo (dito em “tempo
real”), com contatos globais dotados de alto grau de instabilidade
e imprevisibilidade;
• a identificação espacial ocorrendo muitas vezes no/com o próprio
movimento (e, no seu extremo, com a própria escala planetária).
Há cada vez menos uma territorialidade central ou padrão frente
à qual as demais acabavam sempre se referindo, como no caso do
Estado nação da modernidade clássica. Aparece, ao mesmo tempo,
a possível formação de uma territorialidade-mundo, pela primeira
vez na história uma identidade territorial global construída a partir

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Rogério Haesbaert
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de problemáticas que envolvem o mundo como um todo, a começar


pelas problemáticas ecológicas. Pelo menos um grupo ainda seleto
de pessoas têm o mundo como sua nova referência territorial, a
“Terra-pátria” defendida por Morin e Kern (1995). Entretanto,
estamos longe de uma multiterritorialidade e/ou de um território-
mundo globalmente difundidos. Muitos são aqueles que ficam à
margem do usufruto desse “jogo” de territorialidades e dessa
circulação e identificação com o globo terrestre como um todo.

Processos sociais e componentes espaciais para pensar a


regionalização
Territórios-zona, territórios-rede, multiterritorialidade: em que
estas concepções podem contribuir para uma nova regionalização
do mundo e, mais especificamente, do Brasil? Devemos partir do
pressuposto de que regionalização não é apenas o produto de nosso
exercício acadêmico de identificação de “regiões” enquanto recortes
coerentes, representativos de uma sempre problemática
“diferenciação de áreas”, mas um processo social complexo de
formação de contextos regionais – contextos que não se resumem
à “lógica areal” ou zonal (como nos tradicionais territórios-zona),
mas que incorporam, de forma não-dicotômica, a “lógica reticular”
ou das redes (como nos territórios-rede) e a “i-lógica” dos processos
de exclusão que produzem aquilo que denominamos “aglomerados
humanos de exclusão”. (Haesbaert, 1995)
Sabemos que a região, tal como o território, nunca foi
simplesmente uma área relativamente homogênea e com limites
claramente estabelecidos. Mesmo na obra do autor que é
considerado o primeiro grande clássico da Geografia Regional, Paul
Vidal de La Blache, encontramos não só as regiões-área dotadas de
homogeneidade interna, eternizadas na figura nostálgica do “pays”
numa França rural em profunda mudança, mas também a “região
nodal” ou de influência das cidades, regida pelas redes urbanas (La
Blache, 1910), e que somente bem mais tarde seria efetivamente
difundida na análise regional.
Raffestin (1993, 1988) estabelece um ponto de partida
interessante para a análise multivariada do território (e,
conseqüentemente, da região), ao estabelecer como “elementos
do espaço”, baseados na geometria euclidiana, as superfícies, os
pontos e as linhas. A partir daí organiza-se o “sistema territorial”,
cuja produção combina sempre as seguintes “invariantes”: malhas
(também tratadas como “tessituras” na tradução brasileira), nós e
redes. Dependendo do momento histórico (e do contexto geográfico,

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Desterritorialização,
Desterritorialização, Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

acrescentaríamos), haveria o domínio de uma ou outra dessas


invariantes.
Podemos então partir dessas unidades mínimas ou componentes
fundamentais do espaço para compreender não só a des-
territorialização mas também os novos processos de regionalização.
Devemos enfatizar, contudo, que essas unidades elementares –
malhas e/ou zonas, nós e redes – não devem ser entendidas no
sentido da métrica topográfica euclidiana (“métrica territorial”, na
polêmica nomenclatura utilizada por Lévy, 1991) que trabalha com
um espaço bidimensional de pontos, linhas e superfícies, mas no
sentido das métricas topológicas mais complexas, únicas capazes
de dar conta das relações de poder forjadas na descontinuidade e
nos fluxos da compressão espaço-temporal, enfatizando assim a
perspectiva relacional do espaço.
Malhas ou áreas, nós e redes, entretanto, não esgotam a
“formação” territorial e/ou regional. Nem só de “métricas”
logicamente estruturadas compõe-se o espaço social
contemporâneo. Ele envolve outras dinâmicas, ainda mais instáveis
e/ou imprevisíveis, que não são passíveis de identificação em termos
de áreas ou de redes, sejam elas arborescentes ou rizomáticas,
hierárquicas ou complementares. O principal processo social
responsável por esses “espaços de instabilidade” é o que chamamos
de exclusão ou, como prefere Martins (1997), inclusão precária, já
que exclusão não deve ser vista como um movimento dicotômico
ou alheio às dinâmicas de precarização da inserção social5.
Nossa proposta para a incorporação dessas dinâmicas de inclusão
ou, numa perspectiva geográfica, de territorialização precária, de
grupos sociais mergulhados numa geografia instável de territórios
confusamente delimitados, seja na forma de áreas de controles
sobrepostos e/ou de redes em constante mudança (como as do
narcotráfico e do poder “oficial”), foi a criação de um terceiro
elemento ou “tipo ideal”, ao lado dos territórios-zona e dos territórios-
rede: aquilo que denominamos “aglomerados humanos de exclusão”.
Esses “aglomerados”, bem representativos dos níveis mais
pronunciados da “desterritorialização” contemporânea6, seriam
marcados por características representativas dos processos de
exclusão sócio-espacial ou de des-territorialização precária em que
estão inseridos, como:
• a instabilidade e/ou a insegurança sócio-espacial;
• a fragilidade dos laços entre os grupos sociais e destes com o
seu espaço (tanto em termos de relações funcionais quanto
simbólicas);

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Rogério Haesbaert
Rogério Haesbaert

• a mobilidade sem direção definida, como em muitos fluxos de


refugiados, ou a imobilidade sem efetivo controle territorial (aquilo
que autores como Hughes [1990] e Lash e Urry [1994]
denominam “gueto imobilizado”).
Essas características gerais permitem identificar os diferentes
tipos de aglomerados de exclusão de acordo com os grupos sócio-
econômicos e culturais envolvidos, a forma de espacialização
(extensão) e o caráter temporal (duração) nos quais são construídos.
Castel (2000) também diferencia os “excluídos” numa perspectiva
histórica, dando exemplos que vão bem além da sociedade capitalista
(a “sociedade salarial”), desde os “intocáveis” nas sociedades
tradicionais ou holistas, os leprosos, aos loucos e às “bruxas” na
Idade Média até os escravos nas sociedades escravagistas.
A partir dessa distinção Castel distingue três subconjuntos ou
modalidades de exclusão (ou “desfiliação”) social: o primeiro, que
realiza “a supressão completa da comunidade” pela expulsão ou
mesmo o genocídio; o segundo, que constrói “espaços fechados e
isolados da comunidade” (o sistema do apartheid, guetos,
dispensários, asilos, prisões); e o terceiro, que obriga determinadas
categorias da população a um “status especial que lhes permita
coexistir na comunidade, mas com a privação de certos direitos e
da participação em certas atividades sociais”. (Castel, 2000:39)
Embora dominados hoje pelo terceiro tipo, consideramos que os
dois primeiros também estão presentes e devem ser ressaltados.
Podemos afirmar que um primeiro tipo de aglomerado de exclusão,
relacionado à “modalidade mais radical” de exclusão, é aquele que
envolve processos em que exclusão e barbárie acabam muitas vezes
se confundindo7. Trata-se assim de um tipo muito específico de
exclusão, bem além da “clássica” exclusão sócio-econômica, já que
“bárbaros” constituiriam antes de tudo uma forma de representação
social que distingue nitidamente “nós” e os “Outros”.
Ao contrário da “barbárie” perpetrada pelo Estado nazista, por
exemplo, Offe atenta para o fato de que, hoje, a maior parte dos
fenômenos “bárbaros” é de origem não-governamental ou ocorre
em “Estados em ruínas”, como Bósnia, Somália e Ruanda. Ele
distingue duas conseqüências da “barbárie”, uma decorrente “de
uma aplicação ‘real’ de violência física ou simbólica”, e outra “que
resulta da negação de direitos ou recursos materiais” (:26). Enquanto
a segunda encontra-se mais relacionada aos processos mais típicos
de exclusão, a primeira se refere à forma específica que estamos
agora enfatizando. É importante destacar que, para o autor, isso
não quer dizer que a segunda seja “mais inocente” do que a primeira.

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização
Regionalização

A violência indiscriminada é um elemento fundamental, portanto,


para entendermos este outro tipo de aglomerado que surge em
meio à “barbárie pós-moderna”. Além da própria exclusão sócio-
econômica, um dos principais fatores que alimenta esse processo é
o que denominamos de “etnicização do território”, a delimitação de
espaços exclusivos-excludentes onde a identidade étnica é um
elemento central na definição do grupo e de seu território. A exclusão
do Outro pode transitar entre a sua completa dizimação (primeira
modalidade de exclusão) e a sua reclusão em espaços quase
completamente vedados (segundo tipo de exclusão).
A segunda modalidade de exclusão reconhecida por Castel, “a
relegação em espaços especiais”, é bem mais disseminada – nos
países centrais, não tanto no contexto europeu mas principalmente
entre a “underclass americana”. (Castel, 2000:44) A ela podemos
relacionar um outro tipo de aglomerado, mais coeso ou externamente
delimitado, “sob controle” (de quem desterritorializa os seus
componentes), como nos processos de grupos que são
“desterritorializados na reterritorialização” (comandada por outros),
como nas prisões, campos de concentração e em muitos bantustões
sul-africanos da época do apartheid (e hoje reproduzidos
parcialmente na fragmentação e cercamento dos territórios
palestinos por Israel). Aqui fica evidente a proximidade com que
podem aparecer (e mesmo se confundir) os aglomerados de exclusão
e os territorialismos (fechamento em territórios-zona estanques),
um “alimentando” o outro.
Os aglomerados mais típicos, entretanto, que denominaremos
de “aglomerados de massa”, de mais difícil delimitação,
aparentemente “incontroláveis”, envolvem grande número de
pessoas e encontram-se mergulhados em situações de crise
(conjunturais ou mais prolongadas) onde há uma grande confusão
de territórios-zona e territórios-rede, como no caso típico de alguns
movimentos de refugiados em situação de grande instabilidade e
insegurança. Aqui encontramos parte daqueles que Castel denomina
excluídos pela “atribuição de um status especial a certas categorias
da população”. (2000:46) Apesar de priorizarmos o caráter de
“massa” destes aglomerados, devemos reconhecer que existe
também a possibilidade de manifestações mais difusas ou
“atomizadas” e dispersas, nas quais a denominação não se revela
muito adequada, como entre pequenos grupos de sem teto ou
mendigos em cidades dos países centrais.
Nesses aglomerados “de massa” em seu sentido mais extremo,
que também podem se confundir com situações mais radicais de
exclusão (pois as fronteiras entre os três tipos são tênues), os grupos

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Rogério Haesbaert

de indivíduos podem ser vistos no sentido mais extremo de “popula-


ção” e de biopoder de Foucault (2002), muitas vezes importando
basicamente (para os grupos hegemônicos) como entidades
biológicas, pelo seu número (expresso em índices como mortalidade,
natalidade, fecundidade) e, podemos acrescentar, pela “área” física
que ocupam e/ou pela mobilidade que potencialmente são capazes
de executar (como no caso dos acampamentos de refugiados).
Uma das questões centrais que se coloca, então, para os atuais
processos de regionalização, é a idéia de exclusão e, com ela, as
correspondentes concepções de precarização sócio-espacial e de
mobilidade instável das populações. A recente publicação do “Atlas
da Exclusão Social no Brasil” (Pochmann e Amorim, 2003), apesar
de todas as restrições envolvendo a construção de índices8, deixa
muito clara a importância de um panorama espacial das
desigualdades sociais-regionais no país (v. mapa).
Os “aglomerados de exclusão” ou, mais amplamente, a
distribuição geográfica dos processos de exclusão, criam aquilo que
Allen et al. (1998) denominaram, para o caso do Sul da Inglaterra,
“região com buracos”. O mapa da exclusão social no Brasil evidencia
bem este fenômeno, invertendo-se claramente do Sul para o Norte-
Nordeste: enquanto no Grande Sul (que se expande pelas áreas
agro-industriais do Centro-Oeste) temos uma “região” mais
integrada ou conectada com “buracos” de exclusão, no Norte-
Nordeste temos uma “região” de exclusão com “buracos” mais
integrados ou conectados”. Ao lado da inclusão precária que produz
os “aglomerados de exclusão”, ou melhor, completamente
imbricadas, encontramos ainda as dinâmicas sócio-políticas (e
culturais) que, geograficamente melhor delimitadas, produzem um
outro tipo de espacialidade (ou de territorialidade), aquela ligada à
definição de zonas e limites. Aqui, trata-se da criação de territórios-
zona, muitas vezes a única forma de garantir a sobrevivência de
certos grupos – caso das reservas indígenas, ou a preservação de
determinadas dinâmicas – incluindo aí a chamada dinâmica
ambiental, como no caso das reservas naturais.
Por fim, mas talvez como os mais importantes, temos os
processos sociais que espacialmente só se reproduzem na forma
de rede, ou de territórios-rede, como é o caso das grandes empresas
e de grupos migratórios em diásporas.
Aqui está provavelmente o maior desafio para os atuais processos
de regionalização, tradicionalmente mais preocupados com as lógicas
sociais de caráter espacialmente zonal do que com as lógicas de
padrão reticular. Quando enfatizavam as redes, as regionalizações

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
Multiterritorialidade ee Regionalização

– no sentido de método de análise – acabavam sempre, de algum


modo, circunscrevendo “zonalmente” essas redes, como no caso
das conhecidas “regiões funcionais urbanas”. Nesse caso, apesar
de admitirem sobreposições, essas regiões eram claramente
posicionadas em relação a um centro que hierarquicamente as
comandava.

* quanto maior o índice


melhor a situação social

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Rogério Haesbaert

Hoje, com a proliferação de redes de outros tipos, chamadas


complementares ou rizomáticas (sem um centro ou hierarquia
definida), e diante do fenômeno da compressão tempo-espaço, fica
muito mais difícil estabelecer “áreas de influência” mais coerentes,
no sentido de sua contigüidade. Um exemplo muito interessante,
para o caso brasileiro, é aquele da rede que os migrantes sulistas
construíram no interior do país, do Sul ao Centro-Oeste e a algumas
áreas do oeste nordestino e sul amazônico, e que denominamos
“rede regional” gaúcha (Haesbaert, 1997). Podemos dizer que ela
subverte todos os princípios tradicionais de regionalização do país,
inclusive aqueles das redes urbanas, constituindo-se num fenômeno
suficientemente expressivo para ser ignorado pelas novas
regionalizações.
Trata-se, assim, de considerar aquele que pode ser o mais novo
e difícil desafio da regionalização: admitir a necessidade de
“regionalizar” não só em termos de territórios ou regiões-zona, mas
também em termos de redes, e não apenas de redes espacialmente
circunscritas, mas efetivamente de “redes regionais” (como a rede
gaúcha) ou “internacionais” (como as grandes diásporas) que
incorporam diferentes pontos ou áreas (territórios-zona numa escala
mais micro), de forma descontínua, ao longo de todo o território
nacional – ou , no caso das diásporas, de diferentes países ao redor
do mundo. Desse modo, em estudo anterior chegamos até mesmo
a propor uma “regionalização global [ou nacional, no caso brasileiro]
em rede”:
(...) uma proposta interessante seria realizar uma
“regionalização global em rede”, onde poderíamos distinguir
territórios-rede de múltiplos agentes, como os que envolvem
as grandes diásporas de imigrantes, os circuitos do narcotráfico,
do contrabando, do sistema financeiro, do turismo internacional
etc. Eles funcionam integrados ao sistema-mundo mas têm
importantes especificidades que permitem uma leitura
geográfica particular de suas atuações. (Haesbaert, 1999:31)

Isso significa considerar especialmente aquelas redes que


incorporam o tipo de fluxo mais relevante, que é o fluxo de pessoas.
A crescente e complexa dinâmica migratória vem portanto se somar
às dinâmicas de exclusão social (ou de inclusão precária) como um
dos principais dilemas a serem enfrentados pelo geógrafo em seus
exercícios de regionalização. Na verdade a grande questão é como
regionalizar considerando a interseção entre lógicas reticulares
(redes e territórios-rede), zonais (territórios-zona) e a i-lógica daquilo
que denominamos “aglomerados”, especialmente os aglomerados
humanos resultantes dos processos de exclusão sócio-espacial. A

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Desterritorialização,
Desterritorialização,Multiterritorialidade
MultiterritorialidadeeeRegionalização
Regionalização

“condição regional” seria dada por uma combinação particular entre


“zonas”, “redes” e “aglomerados” que expressaria, assim, a
especificidade de cada região.
Sem cair numa “geografia unilateral dos fluxos” ou mesmo “das
redes” que reduz o mundo a uma fluidez ou desterritorialização
indiscriminada, como se a única propriedade do espaço social fosse
a da descontinuidade dos processos de presença-ausência
promovidos pela compressão tempo-espaço, uma nova
regionalização deve incorporar a diversidade de espaços-territórios
produzidos na pós (ou ultra) modernidade (os “múltiplos territórios”
existentes no mundo contemporâneo), cientes de que, muito mais
do que o universo globalizado de comunicação e mesmo ação à
distância, vivemos o mundo do acirramento das desigualdades, da
exclusão (ou da inclusão precária) crescente e da mobilidade
complexa que participa da configuração regional re-produzindo
relações de poder profundamente desiguais.
o0o

Notas
1 Sobre diferença de natureza e diferença de grau em Bérgson ver a obra
de Gilles Deleuze, “Bergsonismo”. (Deleuze, 1999[1966])
2 “A ausência permanece contida na rede da presença de modo muito
semelhante àquele em que a pós-modernidade permanece dentro da
órbita da modernidade e é definida por ela”. (Shields, 1992:188)
3 Moreira (1993) utiliza a interessante metáfora do espaço como “o corpo
do tempo” para definir essa indissociabilidade.
4 Apesar de ser essa a opinião, na verdade um acréscimo feito por Michel
Lussault, expressa em nosso verbete “Déterritorialisation” (Haesbaert,
2003:245).
5 Sobre o polêmico tema da exclusão-inclusão social, além de Martins,
ver especialmente Castel (1998, 2000) e Silver (1994).
6 Entendemos desterritorialização a partir das desigualdades e da
diferenciação espaciais (ou seja, enquanto exclusão ou precarização
sócio-espacial, tanto no sentido econômico quanto cultural). Outros
autores, ao reconhecerem a desterritorialização tão somente do ponto
de vista da relação de presença e ausência no espaço, consideram a
elite global como estando “desterritorializada”, quando na verdade sua
mobilidade (funcional e simbólica) corresponde a uma reterritorialização
muito bem definida, em territórios-rede globalmente articulados,
conectando sempre os mesmos locais, como hotéis, restaurantes, centros
de convenções etc.
7 Sobre a imensa variedade de usos da palavra “barbárie”, ver Offe,
1996. Para o autor, apesar do sentido passe-par-tout que o termo
adquire, é relevante distinguir entre o seu uso “interno” e “externo”, no

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Rogério Haesbaert

interior ou anterior e fora do âmbito da civilização. No primeiro caso os


“bárbaros” são “um fenômeno geográfico e histórico”, pertencem a um
espaço-tempo remoto e longínquo (:20). No segundo caso, barbárie
refere-se a um “aqui e agora” de “abdicação da civilidade, uma súbita
recaída” (:20-21), que autores como Weber e Benjamin associam à
destruição ou ocaso de uma cultura e ao banimento do seu passado.
Em síntese, os bárbaros são ou “os radicalmente outros”, ou estão dentro
de nós mesmos, como “as partes violentas de nosso ser coletivo” quando
“desaprendemos nossa linguagem”. (:21)
8 O “índice de exclusão social” da referida publicação, por exemplo, reúne
os componentes “padrão de vida digno”, “conhecimento” e “risco juvenil”
e os indicadores pobreza, emprego formal, desigualdade, anos de estudo,
alfabetização, concentração de jovens e violência, cada um, também,
com seu respectivo índice.

o0o

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193

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REGIONALIZAÇÃO: FATO E FERRAMENTA *

Ana Clara Torres Ribeiro

Ajustando lentes
Inicialmente procuramos definir ângulos de leitura do seminário
que contemplassem o fenômeno – a regionalização – e as diferentes
formas assumidas por seu questionamento durante o evento. Por
outro lado, também buscamos esclarecer diretrizes analíticas da
síntese aqui apresentada. Tais diretrizes encontraram abrigo na
diferença entre a regionalização como fato, que independe da ação
hegemônica do presente, e a regionalização como ferramenta desta
ação na atual conjuntura. Convém esclarecer, ainda, que
entendemos por ação hegemônica aquela conduzida pelas forças
econômicas e políticas que dominam o território brasileiro,
expressivas da aliança entre agentes externos e internos e condutora
de numerosas e difusas ações subalternas ou subalternizadas. Na
contra-face dos desígnios da ação hegemônica, temos tanto as
formas de resistência, por vezes em confronto apenas com agentes
secundários, como dinâmicas sociais que escapam aos mecanismos
de controle que garantem a expansão da territorialidade dominante.

A regionalização como fato


O estudo da regionalização como fato, expressiva da gênese e
da estruturação de regiões, depende da reconstrução histórica dos
múltiplos processos que movimentaram e limitaram a ação
hegemônica, como tão exemplarmente demonstrado por Francisco
de Oliveira em Elegia para uma re(li)gião: Sudene, Nordeste,
planejamento e conflito de classes. É exigida, neste estudo, a

* Agradecemos a Ester Limonad a atenta leitura das primeiras anotações deste texto e as
valiosas contribuições recebidas para a sua revisão.

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Regionalização:
Regionalização: fato
fato ee ferramenta

consideração do dinamismo econômico e das relações de classe na


sociedade brasileira, assim como da evolução histórica do aparelho
de governo. Trata-se da reflexão simultânea da estrutura espacial
e da dinâmica sócio-econômica e político-jurídica da formação social
brasileira. As práticas sociais, afinal, dependem das circunstâncias
e das condições (materiais e imateriais) que enfrentam. Da mesma
forma, estas práticas encontram limites associados à dinâmica da
totalidade, em contínua e instável configuração. São os limites,
intrinsecamente relacionados à técnica, que constroem fronteiras e
que informam sobre a natureza dos projetos que conduziram a ação
hegemônica, em seu confronto com outras ações: dos agentes que
disputaram seus conteúdos ou aquelas que, tantas vezes apenas
na escala do cotidiano, opuseram-se à sua (desejada ilimitada)
afirmação.
Desta maneira, a regionalização como fato encontra-se vinculada
aos jogos dinâmicos da disputa de poder, inscritos nas diferentes
formas de apropriação (construção e uso) do território. A pesquisa
desta regionalização, que depende de articulações espaço-temporais
de longo curso, exige, como tantas vezes defendido por Milton
Santos, o apoio metodológico da periodização (Cf Santos e Silveira,
2001; Ribeiro, 2001). Este apoio é indispensável à própria
compreensão de sentidos da ação: hegemônica e de resistência e/
ou autônoma. Aliás, a periodização ao mesmo tempo precede e
resulta da interpretação de fatos. Ilumina, portanto, a decantação
histórica das condições que possibilitam dizer da existência de
homogeneidades nas relações sociais de (re)produção e na
hierarquia político-espacial da sociedade brasileira.
É a longa sedimentação de processos que emerge, por exemplo,
na idéia de civilização associada a determinadas produções, como
demonstram a civilização do açúcar na obra de Gilberto Freyre (1937;
1946) e a civilização do milho no trabalho clássico de Antonio
Cândido, Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira e a
transformação dos seus meios de vida. Neste estudo, aliás, são
belamente reconstruídas e analisadas tanto a resistência das práticas
tradicionais como a transformação que ameaça estas práticas. A
tensão entre conservação e mudança / modernização manifesta-se
na dissolução dos elementos culturais de modos de vida autônomos,
pela intervenção dos elementos, desigualmente atuantes na área
estudada, da forma dominante (urbano-industrial). Portanto, a
análise de região correlata à regionalização como fato mobiliza
interpretações que tocam, profundamente, as condições
historicamente construídas da reprodução social. Com esta
afirmação, desejamos, somente, valorizar remetimentos mais

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Ana Clara Torres
Ana Clara Torres Ribeiro
Ribeiro

amplos, culturais e históricos, da questão regional, sem que


esqueçamos que a regionalização como ferramenta sempre
sustentou a ação hegemônica. Como compreender de outra maneira
a cartografia da colonização?

Regionalização como ferramenta


No livro antes citado, Francisco de Oliveira demonstra os elos
existentes entre a regionalização como fato e a regionalização como
ferramenta, quando esta última assume a forma-conteúdo,
historicamente determinada, do planejamento conduzido pelo
Estado. Ambas regionalizações produzem e expressam a questão
regional e, portanto, a região como espaço herdado e como dinâmica
política plena. Aliás, após a rica contribuição de Pierre Bourdieu
(1989) à reflexão das regiões, sabemos que a própria
homogeneidade relativa, que caracteriza a unidade analítica e prática
da região, resulta de simplificações e reduções estratégicas,
relacionadas à arregimentação de forças sociais e a táticas
discursivas: lutas por poder e prestígio, influências científicas e
difusão desigual do conhecimento técnico. A regionalização, como
fato e como ferramenta, envolve ideologia e recursos político-
administrativos.
Levantamos, neste texto, a possibilidade de que as duas faces
da questão regional – a construída pela regionalização como fato e
a que expressa a regionalização como ferramenta – são, em geral,
desigualmente valorizadas pelos campos disciplinares e correntes
de pensamento que constróem, atualmente, a problemática do
território. É esta desigualdade que explica, ao nosso ver, os diferentes
registros discursivos do seminário. Não se trata, apenas, de recortes
temáticos mas, também, de escolhas analíticas e opções teóricas,
como exemplificam os trabalhos que manifestam influências da
geoeconomia, da geografia cultural ou da antropogeografia.
Evidentemente, não se trata, aqui, de um exercício de classificação
de textos / autores mas, de observar tendências que possam ser
úteis à reflexão crítica do presente.
A difusão do denominado, por Milton Santos (1994), meio técnico-
científico informacional e as recentes transformações na produção
e na organização dos mercados, dependentes deste meio,
expressam a presentificação (Santos, 1996), cada vez mais
impositiva, tecnicamente informada e onipresente. Rompem-se as
seguras fronteiras disciplinares e as barreiras espaço-temporais que
protegiam os ritmos da regionalização como fato, sugerindo que o
desenho do seminário correspondeu a uma correta opção. Como

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Regionalização:
Regionalização:fato
fato ee ferramenta
ferramenta

preservar em escaninhos seguros, por exemplo, a geopolítica e a


antropogeografia? Numa conjuntura marcada pela transformação
da eficácia em meta política; pela mutação da cultura em
mercadoria; pela imposição do agir instrumental e estratégico e
pelo desvendamento contínuo de contextos de inovação, a
regionalização como ferramenta adquire extraordinário destaque,
o que explica a sua utilização pelos agentes econômicos
hegemônicos, desestabilizando a estrutura espacial do país.
Porém, a relevância da regionalização como ferramenta depende
do conhecimento da regionalização como fato, já que desta advém
recursos essenciais tanto à vida como ao lucro. Dela, também
dependem as resistências sociais à ação hegemônica, o que traz a
obrigação do enfrentamento do enigma da regionalização
democrática, ou seja, da socialização do direito de estabelecer
fronteiras e divisões. Nesta direção, a geografia, aberta ao diálogo
com outras ciências sociais, encontra-se convidada, como
demonstrado no seminário, a rever algumas das suas heranças e,
ainda, a contribuir nas articulações socialmente justas da
regionalização como fato com a regionalização como ferramenta.
É nesta direção que podemos reler, por exemplo, o livro de Bertha
Becker Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos,
predominantemente dedicado ao estudo dos atores políticos e
agentes econômicos capazes de construir estrategicamente o
território adequado à realização dos seus desígnios. Trata-se de
uma obra dedicada à análise da regionalização como ferramenta e,
em consonância com a época em que foi elaborada, de uma
ferramenta retida em mãos do Estado. Já no trabalho desta
coletânea, a autora registra transformações na questão regional,
trazidas pela resistência social, pelo esgotamento do nacional
desenvolvimentismo e pela pressão ambientalista internacional e
nacional.
Nos movimentos do presente, a região como ferramenta é
disputada pelo Estado, pelas corporações e pelos movimentos
sociais, sendo também contestada nos conflitos territoriais,
relacionados à afirmação, em diferentes escalas, de novos sujeitos
e redes sociais, o que pode ser melhor apreendido em áreas de
fronteira. Nestas áreas, a complexidade assume, por vezes, a
fisionomia da questão ambiental e, como demonstra José de Souza
Martins em Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano,
as dimensões profundas das lutas interétnicas e entre tempos
históricos. Nos confrontos entre as denominadas frente de expansão
e frente pioneira, este autor reconhece os custos sociais da expansão
do capitalismo no país e a destruição de tradicionais modos de vida.

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Ana Clara Torres
Torres Ribeiro
Ribeiro

Nesta obra, José de Souza Martins constrói sintonias com os


dominados e excluídos e também denuncia a destruição do Outro.
Ao citar os trabalhos de Bertha Becker e José de Souza Martins,
pretendemos recordar tensões discursivas, opções temáticas e
desafios analíticos que foram tratados, citados ou tangenciados
nos trabalhos debatidos durante o seminário. Afinal, a intenção
propositiva do evento encontra-se exposta em seu título, o que
possibilita a formulação das seguintes perguntas: Qual é a nova
regionalização desejável? Quem a defenderá? Na busca de
tratamento para estas perguntas, julgamos pertinente aproximar-
nos, da forma mais detalhada possível, dos trabalhos debatidos.

O fenômeno da regionalização
A noção de regionalização é nitidamente polissêmica. O termo
refere-se, mais do que à efetiva existência de regiões, à capacidade
de produzí-las, o que inclui o acionamento de ideologia, com apoio,
por exemplo, em dados da paisagem, valores culturais
compartilhados ou critérios político-científicos que legitimem
fronteiras e limites. O reconhecimento de regiões fundamenta-se,
como afirmado por Pierre Bourdieu (op cit), na naturalização de
relações sociais, baseada em processos que ocultam diferenças e
interesses. Atualmente, talvez seja justo dizer que a acirrada disputa
entre agentes da regionalização dificulta a, até recentemente, segura
preservação deste ocultamento. Emergem assim perguntas do tipo:
Para que regionalizar? Indagação realizada por Ester Limonad** na
abertura do seminário, a partir da história do planejamento. Esta
pergunta também surge na contribuição de Cláudio Egler, quando
valoriza as dimensões institucionais da questão regional.
É necessário salientar que a estratégica conjugação entre
regionalização como fato e regionalização como ferramenta, trazida
pela presentificação, envolve as seguintes mudanças, identificadas
no seminário:
1. aumento da reflexividade e da influência da ação
instrumental na formulação da questão regional, o que traz,
como assinala Egler, mudanças significativas nos arranjos
institucionais responsáveis pela regionalização;
2. intensificação dos vínculos entre território, economia e
política, conforme propõe Rogério Haesbaert ao ressaltar
as diferentes modalidades de territorialização da ação social.

** Na primeira citação dos autores, serão apresentados nomes completos e, a seguir,


apenas o último sobrenome.

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Regionalização:
Regionalização: fato
fato ee ferramenta

Com estes elementos, podemos dizer que, realmente, a


problemática da regionalização possui duas faces, instavelmente
conectadas. Na primeira, regionalizam-se atores, interesses e
instituições e, na segunda, atores, interesses e instituições
reconhecem, valorizam e formalizam regiões. O reconhecimento
destas faces, mutuamente condicionadas, estimula o retorno à
tradicional (e angustiante) questão: o que é, afinal, uma região?
Qual é a mais útil e correta definição de região? Estas perguntas
assombraram geógrafos, planejadores e outros cientistas sociais
até o momento de sua secundarização nos estudos do território. O
que explica esta secundarização? Um caminho de resposta a esta
indagação é oferecido pela própria escolha temática do seminário:
não mais a região e, sim, a regionalização. O que significa esta
troca temática?
É impossível, nos limites deste texto, ensaiar a resposta a essa
última pergunta. Podemos, no entanto, elencar alguns processos
que talvez ajudem a refletir a alteração temática registrada. São
eles: (1) – o atual predomínio do pensamento estratégico, do qual
o chamado planejamento estratégico é uma das manifestações mais
instrumentais; (2) – o nível de desnaturalização alcançado na
questão regional, cujas causas encontram-se em mudanças na ação
hegemônica e nas reivindicações sociais que visam o resgate de
identidades culturais desvalorizadas pela modernização; (3) – a crise
do planejamento territorial implementado pelo Estado, em
decorrência da globalização da economia, da reestruturação
produtiva e da disputa da ação planejadora por grandes agentes
econômicos e agências multilaterais de desenvolvimento; (4) – os
avanços na técnico-ciência, que modificam a identificação de
recursos e conteúdos da inovação.
Podemos dizer, com base nos processos citados, que a região
expressa a área formada pela articulação entre verticalidade (ordens,
comandos) e horizontalidade (cooperação, conflitos locais, cotidiano)
(Santos, 1996); entre fluxos e estrutura sócio-espacial; entre
identidade / homogeneidade e a identificação, pela consciência
social, do que é diferente ou oposto. A região corresponde ao extenso
de uma forma social (Santos, 1986), ao corpo de relações sociedade-
natureza, incluindo: organização social, cultura e decisão política.
Nesta direção, Roberto Monte-Mór contribui, para a compreensão
atualizada da região, ao tratar a forma sócio-espacial e articular
rede urbana e região na Amazônia.
Devemos acrescentar que os termos organização, cultura e
política precisam ser acompanhados de complementos que
explicitem conteúdos societários da própria região e, portanto, dos

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Ana Clara Torres Ribeiro
Ribeiro

atos que a originam: empresarial, popular, étnica, progressista,


regressiva, oligárquica, administrativa. A região converte-se, assim,
em uma expressão espacial dos interesses e das práticas de distintos
agentes e, também, da influência exercida por diferentes esferas
da vida coletiva. Com esta definição (provisória) de região, cabe
indagar: o que é regionalizar? Quais são os atos que permitem a
regionalização progressista? Quais são as regionalizações que devem
ser recusadas, por serem portadoras de destruição de modos de
vida e do acesso a recursos indispensáveis à reprodução social?
Em resposta a estas últimas perguntas, parece-nos possível
adiantar, mesmo que a grosso modo, que o ato regionalizador
compreende a institucionalização de fronteiras e limites, com vistas
à implementação de uma determinada ação: analítica, política,
econômica, enfim social. Trata-se da definição do cenário, do
contexto e da escala correspondentes aos objetivos da ação,
implementada ou pretendida. Regionalizar envolve: espaço – tempo
- ação social e, portanto, sujeitos e conflitos sociais.
O reconhecimento do tempo é, sem dúvida, indispensável à
compreensão da ação, como antes dito com relação à periodização.
Em defesa do tempo e do compromisso com a indissociabilidade
entre forma e conteúdo, temos a contribuição de Monte-Mór, que
destaca, no estudo da região, a heterogeneidade multi-temporal e
as combinações sócio-espaço-temporais. Quase em consonância
com este autor, Sandra Lencioni alerta-nos para os diferentes tempos
nos lugares. Haesbaert, por sua vez, relaciona espaço-
temporalmente presença–presente (presença aqui-espacial;
presença agora-temporal), abordando o diálogo entre a
cogniscibilidade do espaço e do tempo e ressaltando os ritmos
territoriais. Na referência à relação espaço-tempo-ação social, o
cotidiano foi valorizado por Jorge Barbosa; a relação entre território
e movimento foi reconhecida por Ivaldo Lima e a relação espacial
entre dinamismo e estagnação foi tratada por Limonad.
De fato, regionalizar pressupõe poder, de duas naturezas
distintas: em primeiro lugar, o poder de criar e estabelecer formas
espaciais. E, em segundo lugar, o poder de institucionalizar (e
garantir permanência a) estas formas. Enquadram-se, aí, tanto a
própria construção da região, como apresenta Egler, quanto as
diferentes regionalizações que permitem a sua consolidação, como
assinala Limonad.
Mas, o que é poder? Max Weber (1997) propõe, como uma das
dimensões essenciais do poder, aquela que corresponde ao poder
de dispor (de terras, funcionários, técnicas, recursos de

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Regionalização:
Regionalização: fato
fato ee ferramenta
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convencimento, armas). Com esta orientação, seria possível indagar:


Quem detém o poder de dispor? Como se manifesta, cultural e
juridicamente, este poder? A partir de Marx (1968), por sua vez,
torna-se possível realizar a decomposição analítica do poder:
econômico, político, religioso, militar, administrativo, cultural, social.
Esta decomposição, correspondente à dinâmica histórico-concreta
das classes sociais, orienta a análise de conjuntura que, por sua
vez, permite apreender sentidos da ação. Desta orientação, surgem
novas perguntas: Qual tipo de poder sustenta qual regionalização,
ou melhor, quais normas de partição? Como a luta de classes
inscreve-se na regionalização?
Lembramos que o exercício do poder, em todos os momentos da
vida coletiva, pressupõe a espacialização de processos, de ações:
da reprodução da família à reprodução da totalidade social. A
interpretação das dinâmicas sócio-espaciais, da questão regional e
das regionalizações exige análise da natureza do poder envolvido
nos atos da regionalização, o que traz à tona a necessidade de
resgatar o debate sobre o papel do Estado, como afirma Becker.
Em contraste com momentos anteriores da questão regional,
manifestam-se, atualmente, as seguintes tendências:
· a sua radical desnaturalização – as regionalizações conduzidas
pelas características topológicas, topográficas e fisiográficas
cederam lugar àquelas relacionadas ao monitoramento da ação
do homem;
· a sua renaturalização – a absorção da questão ambiental nos
processos de regionalização implica, por vezes, na construção
de consensos alimentados pela citação de determinantes
naturalizados da vida social;
· a sua tecnificação – à medida em que ganham importância as
redes materiais e imateriais – como assinalam Leila Dias, Lencioni,
Limonad, Egler e Monte-Mór–, os atos regionalizadores
alimentam-se do acesso à informação excepcional;
· a sua instrumentalização – a regionalização tem sido utilizada
de forma crescentemente precisa em processos estratégicos de
tomada de decisão, o que informa sobre a sua relevância na
ação instrumental.
· a sua exatidão – relacionada à desnaturalização da questão
regional, a exatidão significa a tecnificação do próprio ato
regionalizador, o que modifica sentidos políticos da região e,
também, a interação entre discurso técnico e senso comum.
· a sua matematização (logística) – a região surge, também, como
sistema de movimento (Dias). Devemos ressaltar, neste ponto,

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Torres Ribeiro
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as possibilidades de controle dos fluxos oferecidas pela


informática.
Os vínculos entre regionalização e ação estratégica possuem
distintos significados para diferentes atores sociais, conforme
explicitado a seguir.
Para o Estado, a regionalização guarda os seguintes sentidos
fundamentais: (a) - a determinação da qualidade da relação mantida
com agentes econômicos, incluindo as apropriações estratégicas
de recursos territorializados e as articulações com forças políticas
com capacidade de formular a questão regional (Becker); (b) – a
determinação da relação com a sociedade, sobretudo no que
concerne à distribuição espacial de investimentos, a prestação de
serviços e a busca de legitimidade no exercício do poder, como
estuda a geografia eleitoral (Cf Souza et al, 2002); e (c) – a
determinação da relação com os atores sociais e forças políticas, o
que inclui pactos associativos que sustentam o alargamento de
fronteiras (ex: Mercosul) (Becker).
Para as grandes corporações, a regionalização representa: (a) -
a garantia de acesso excepcional a recursos raros; (b) – a
possibilidade de influenciar a atuação de governos; (c) − a criação
de complementaridades indispensáveis à produção; (d) − o controle
territorial que assegura investimentos e lucratividade, reduzindo a
incerteza característica do mercado globalizado; (e) − o alcance de
condições (únicas) de produção, mediante o uso monopolista do
território. Por fim, para a ação empresarial em geral, a regionalização
significa: criação de nichos de mercado e possibilidade de determina-
ção de regras para a organização do trabalho e do consumo.
Já para os atores sociais, a regionalização representa
simultaneamente: (a) – uma indispensável informação nas relações
sócio-espaciais diárias, na medida em que atos cotidianos reiteram
(ou questionam) a configuração espacial dos lugares. Deste ângulo,
a regionalização envolve a problemática do espaço vivido (Cf Ribeil,
s/d); (b) − um roteiro para a contínua (re)construção da memória,
incluindo a influência exercida pelo imaginário social e os desafios
de sua transgressão e (c) − uma condição estratégica na resistência
à forma social dominante, na construção de alianças políticas e em
lutas por recursos territorializados.
De fato, as atuais características do ato regionalizador podem
ser associadas aos impulsos da hiper-modernidade, o que impõe a
valorização analítica dos elos entre regionalização e racionalização
das relações sociais. Por outro lado, a regionalização, no atual período
histórico, envolve a permanente disputa, entre atores sociais e
agentes econômicos, por recursos que permitam garantir a

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Regionalização:
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ferramenta

preservação das fronteiras desejadas. Desta luta, resulta a


redefinição das arenas e dos atores da regionalização, na medida
em que crescem os confrontos entre atos regionalizadores e não
apenas entre regiões (Said, 2003).
Conforme antes afirmado com base em José de Souza Martins
(op. cit.), agudizam-se os conflitos entre diferentes experiências
espaço-temporais, ou seja, entre territorialidades. Neste sentido,
acrescentamos que a regionalização da hiper-modernidade convive
com os espaços herdados de sucessivas modernizações e da pré-
modernidade e, assim, com questões regionais preservadas pela
memória política. Este convívio significa o confronto entre
racionalidades de diferentes idades, como demonstram as
territorialidades indígena e quilombola, em geral omitidas no debate
político do pacto federativo. Becker oferece outro exemplo do
confronto entre racionalidades ao citar a água, um recurso cuja
disputa tem sido agudizada. De fato, a hiper-modernidade, portadora
da racionalização extrema da vida, também faz emergir, com sua
radicalidade, a lembrança de antigos caminhos da resistência; a
presentificação de passados ocultos e o resgate estratégico de
memórias ancestrais.

Identificando questões e resultados


Sem dúvida, os trabalhos apresentados estimulam a renovação
da análise espacial. A observação dos elos entre temas e opções
analíticas sugere alguns parâmetros que articulam dois ou mais
textos. Apresentamos estes parâmetros a seguir, preferindo citá-
los, por sua natureza metodológica, na forma de grandes perguntas:

I. Por que os estudiosos do espaço resistem à exclusiva orientação da hiper-


modernidade?
A resistência à hiper-modernidade, ao avanço do capitalismo
globalizado, expressa compromissos com o conhecimento do
território e a valorização do espaço banal, especialmente relevante
para a ação não-hegemônica (Santos, 2000). Estes compromissos
envolvem o reconhecimento do complexo, assim como a oposição
às forças econômicas que buscam o alisamento dos lugares, a
desapropriação de bagagens culturais e a redução de diferenças
identitárias.
Trata-se da resistência à matematização do mundo, encontrada
em tantas partições do território conduzidas por exclusiva ênfase
na economia. É contra as partições que omitem a sociedade que
precisam ser valorizados a circulação e o intercâmbio. Porém, não

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Ana Clara Torres
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Ribeiro

basta realizar o exame dos fluxos. É necessário, também, considerar


as rugosidades (Santos, 1996), o peso especifico das práticas sociais
e a totalidade dos elementos que asseguram a reprodução da vida.
Dias contribui neste sentido ao relacionar a lógica dos territórios à
lógica das redes: rodoviária, bancária, financeira, de
telecomunicação. Também Monte-Mór chama a atenção para a
relevância da análise da modernidade no Brasil, que comporta
múltiplas (re)criações de práticas tradicionais.

II. Por que a análise espacial exige a análise do poder?


A compreensão do poder inclui a reflexão, como tantos já
afirmaram, dos micro-poderes e, ainda, dos instrumentos e
mecanismos que definem, de forma instável, os limites (que são
sistêmicos) da totalidade social. Nas prática de poder, encontram-
se elementos imprescindíveis à análise da ação e ao estudo de homo-
geneidades parciais que apóiam a formulação da questão regional.
Há que ser considerado, em acréscimo, que o conhecimento just in
time do território adquire crescente relevância nas formas
contemporâneas de exercício do poder. Não se trata apenas de
conhecimento, mas, sobretudo, de fatores da ação estratégica. Os
instrumentos do poder e as resistências sociais dependem,
incisivamente, de domínio das características únicas dos lugares e
de sua articulação a processos transescalares (Vainer, 2001).
Estes elementos aparecem no trabalho de Dias, quando chama
a atenção para o papel do Estado na afirmação da burguesia e na
configuração da sociedade de classes no Brasil. Com especial ênfase,
a questão do poder também surge na contribuição de Haesbaert,
quando trata os fluxos e a compressão espaço-tempo. Este autor
chama a atenção para os custos sociais do desencaixe espaço-
temporal, que corresponde à difusão de um emaranhado de
geometrias do poder. Estes processos geram desigualdade e
exclusão; complexidade crescente da mobilidade social e espacial e
configurações regionais que reproduzem relações de poder
profundamente desiguais.

III. Por que a reflexão do espaço envolve o enfrentamento da problemática


da escala?
Em primeiro lugar, reconhecemos que as práticas sociais criam
e expressam escalas. Em segundo, reportando-nos ao antes
exposto, enfatizamos que o poder manifesta-se através de escalas
e, também, da sua articulação ou transpasse (Vainer, op cit). As
concretas condições das lutas por hegemonia surgem em alianças

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ferramenta

que são simultaneamente escalares e de classe. Afinal, apenas o


acesso a diferentes escalas de poder viabiliza ações que corroem
outras hegemonias, enfraquecendo atores políticos e destruindo
agentes econômicos. Enfim, a pesquisa da regionalização evidencia
a importância da escala como método e como instrumento de poder.
Nesta direção, para Dias, a análise da fragilização de regiões
históricas depende da identificação de forças econômicas e políticas
e do reconhecimento dos seus interesses em diferentes escalas.
Lencioni, por sua vez, enfatiza a relevância da escala na construção
de conceitos (espaços metropolizados e espaços não-
metropolizados). A escala ainda aparece nos textos: de Limonad,
como necessária para ao estudo da divisão internacional do trabalho;
Haesbaert, associada à experiência multirregional e Barbosa,
quando questiona a efetiva configuração da escala mundial.
A problemática da escala comparece em quase todos os trabalhos
desta coletânea. Esta presença indica que a regionalização impõe a
sua observação e/ou proposição em diferentes escalas, como afirma
Antonio Carlos Galvão, e, como indica Lima, a análise da articulação
das escalas local e regional, à medida que não é impossível tratar o
local sem relacioná-lo a outras escalas e nem refletir o regional sem
observação de especificidades locais. São estas características do
presente que exigem, para Limonad, a percepção da complexidade
das interações sócio-espaciais. Resultam das interações entre local
e regional, novas escalas territoriais de poder, como demonstram
as referências realizadas por Lima e Barbosa às associações (inter)
municipais, ao supra-local e às escalas insurgentes.

IV. Por que a análise do espaço incorpora a problemática das fronteiras?


Na observação do fenômeno da regionalização, é necessário
valorizar, de início, o movimento das fronteiras; a movimentação
nas fronteiras e a sua seletiva porosidade. Em segundo lugar, surge
a necessidade de reflexão da natureza das fronteiras e do seu
desenho como barreira econômica, jurídica, política, cultural e social.
Dias, nesta direção, esclarece vínculos entre a relativização das
fronteiras − sua desregulação e fluidez − e as redes sócio-técnicas,
demonstrando ser impossível refletir o movimento da totalidade
sem análise dos deslocamentos das fronteiras regionais. É este
deslocamento que conduz à transformação escalar das regiões.
Finalmente, há que considerar mudanças, em curso, na própria
natureza das fronteiras. Ou seja, as fronteiras, conforme Haesbaert,
tornam-se mais complexas, ganhando novas configurações, e, como
diz Barbosa, adquirem novas qualidades. Becker e Lima também

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registram a (re)construção do espaço de fronteira e sugerem a


existência de limites na contínua expansão da fronteira no país.

V. Por que o estudo do território exige a análise da ação social?


A região e a regionalização aparecem, historicamente, como
mediação e meio para a proposição e implementação da ação social.
Como afirma Limonad, a delimitação de regiões obedece a injunções
políticas, o que impede pretensões de neutralidade no ato
regionalizador, em qualquer escala. Este ato, tantas vezes
apresentado como somente técnico, decorre de uma ampla gama
de ações e agentes, usualmente pouco (re)conhecidos.
Conforme Dias, o ato regionalizador corresponde a intuitos de
mudança escalar da ação; à construção de novas unidades de ação
e a alianças entre atores. Quanto aos agentes envolvidos na nova
regionalização, são destacadas, nos trabalhos aqui reunidos, as
intervenções do Estado; a atuação de empresas e instituições (Dias);
a ação dos oligopólios (Lencioni) e a presença dos agentes da
compressão espaço-tempo (Haesbaert). Galvão acrescenta, no
estudo da ação, outras escalas de poder, como a representada pelos
estados, afirmando a necessidade de forte articulação dos entes da
federação frente aos desafios do desenvolvimento. Nesta direção,
enfatiza, como também faz Becker, diferenças entre a nova Política
Nacional de Desenvolvimento Regional, do governo federal, e as
anteriores concepções de desenvolvimento regional.
Em direção aos vínculos entre ato regionalizador e ação social,
Dias trata os elos entre rede e sujeito da ação, valorizando a análise
de antigas e novas arenas. Nestas últimas, manifestam-se empresas
globais, governos e, como propõe Limonad, setores dominantes
locais, orientados por diretrizes instrumentais da nova regionalização
(Lima). Resultam, das mudanças no ato regionalizador, novas formas
espaciais (diferenciações sub-regionais), valorizadas nos textos de
Becker, Egler e Lima.
Egler, ao tratar o Sudeste, reconhece o valor da análise
institucional e enfatiza: os condicionantes instrumentais do
desenvolvimento regional; o atual fortalecimento dos governos
estaduais e os novos regionalismos. Valoriza, ainda, as diferenças
sub-regionais, associadas à intensificação dos conflitos, como
exemplificam a luta pela reforma agrária e o confronto entre MST e
UDR. Por outro lado, Lima, no estudo da Amazônia, analisa
transformações nos usos do espaço regional, ressaltando o território
em movimento e a formação de redes políticas territorializadas.
Trata, ainda, da constituição de arenas políticas que correspondem
a pactos locais regionalmente projetados.

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No que concerne aos conflitos entre agentes econômicos e


sujeitos sociais, Haesbaert trata a problemática da desterritoriali-
zação; as práticas e os significados humanos do espaço; a
multiterritorialização e a interação territorial. Nesta direção, Galvão
enfatiza a importância do engajamento de atores sociais nas decisões
territoriais e destaca o debate das contrapartidas econômicas e,
sobretudo, sociais. Barbosa cita, ainda, os obstáculos ao engajamen-
to dos atores sociais nas definições territoriais, acentuando que os
obstáculos à participação política constituem um dos fundamentos
essenciais da desigualdade.

VI. Por que a análise do espaço não se distancia do estudo da modernização?


No debate da modernização – do avanço do capitalismo em todas
as esferas da vida social –, precisam ser consideradas as relações
entre:
a) a modernização e os conteúdos técnicos do território, nos seus
vínculos com a distribuição espacial das atividades econômicas
e da população, como exemplificam a metropolização do território
(Lencioni) e a organização da produção. Como diz Limonad, a
flexibilidade da produção conquista território. A urbanização
concentrada e delimitada, da fase anterior do capitalismo, tem
sido substituída por uma urbanização mais fluida, extensiva,
flexível (Monte-Mór). Esta urbanização surge esgarçada, como
concebe Limonad, numa escala que ultrapassa os limites das
cidades. Neste mesmo sentido, Dias analisa conteúdos das redes
técnicas e da modernização e Lencioni valoriza, analiticamente,
a cisão territorial da produção.
b) a modernização e a ação planejada (e planejadora). Trata-se
do confronto entre princípios e práticas na configuração do
espaço, que atende a determinados interesses, e da intervenção
nas relações sociedade - natureza. O texto de Monte-Mór
contribui nesta linha de reflexão através de análise da
modernização sócio-espacial, reconhecendo suas relações com
a reestruturação produtiva e características do modernismo.
Também Galvão, ao abordar a modernização, faz sobressair os
vínculos entre inovação, visão sistêmica de recursos e agregação
de valor. Já Barbosa destaca a modernização limitada da
sociedade brasileira e a falta de cidadania, enquanto Egler aborda
o tema da modernização a partir da nação.
c) a modernização e a administração – as formas atuais de
organização do espaço e das atividades econômicas exigem
novos modelos de gestão nas fábricas (Lencioni e Limonad) e
na administração municipal e metropolitana. Egler contribui,

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no exame deste tema, ao assinalar os obstáculos à difusão de


inovações, enquanto Limonad alerta-nos para processos como
a terceirização, que modificam a organização do trabalho.

VII. Por que a análise espacial necessita grandes investimentos nas tarefas
teóricas e conceituais, que são também de método? A ideologização do
presente.
Na análise da regionalização, existem difíceis tarefas teóricas,
relacionadas às mediações entre fenômenos aparentemente
descolados uns dos outros. Estes fenômenos integram a
racionalidade e a reflexividade contemporâneas, que atualizam
relações técnicas e sociais de produção. Na análise do presente,
torna-se relevante o retorno à história, como demonstram Dias,
Monte-Mór, Lencioni, Barbosa e Egler. Este retorno também favorece,
como demonstra Limonad, a observação crítica da retórica
regionalista e, como apresenta Lencioni, a reflexão do complexo
fenômeno da desindustrialização.
Ganha destaque, atualmente, a problemática da produção social
do espaço através do entrelaçamento, em distintas escalas, de
processos de diferentes idades. Este entrelaçamento impõe a
consideração dos conceitos de rede e de representação, tratados
por Dias. A região ressurge através de novos ordenamentos dos
fluxos, como Egler exemplifica ao citar os conceitos de bacia urbana
x rede urbana. Nesta direção, Lencioni desenvolve a reflexão da
produção social do espaço através da análise de processos
complexos, tais como os que expressam a desconcentração e a
descentralização industriais. Monte-Mór, por sua vez, examina o
entrelaçamento de processos na urbanização extensiva e no espaço
social regional. Nestes investimentos analíticos, evidencia-se a
necessidade de construir reais híbridos teórico-empíricos, tais como
as noções de cidade-região e território-rede (Lencioni), que buscam
dar conta da nova dinâmica da expansão da mancha urbana (Egler).

VIII. Por que a reflexão do espaço exige a análise da face contemporânea


do capitalismo?
Atualmente, a regionalização adquire características da ação
hegemônica, ou seja, dos traços estratégicos desta ação. A nova
produção mudou a escala das interações sociais, difundiu o meio
técnico-científico informacional e alterou relações técnicas e sociais
de produção. Também mudou conteúdos das leituras hegemônicas
do território, cada vez mais instantâneas. Estas leituras têm
permitido a redução dos contextos que concentram condições de

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produção realmente excepcionais. Assim, ao mesmo tempo em que


a produção globaliza-se, os controles da inovação e da gestão
tornam-se mais precisos e seletivos. Quanto à problemática da
regionalização, ganham destaque três grandes eixos orientadores
da reflexão da produção social do espaço.
1. o aumento da velocidade nas trocas mercantis e nos fluxos
informacionais altera a composição das alianças entre agentes
econômicos e atores políticos. Estas alianças, apoiadas pela
técnica, correspondem à ação hegemônica e significam, como
tratado por Dias, a afirmação de novas alianças regionalizadoras,
que redesenham os contornos, multiescalares e instáveis, da
produção.
2. as transformações na forma dominante de produção exigem o
controle da inovação e das relações entre firmas. No exame
destas condições, alinham-se os trabalhos referidos aos
processos produtivos e à aplicação das tecnologias de
comunicação e informação (Limonad); às exigências do capital
produtivo e financeiro internacional (Monte-Mór) e, ainda, à
dispersão territorial correspondente à oligopolização da indústria
e dos novos serviços (Lencioni).
3. na atual fase do capitalismo, o exame do ato regionalizador
inclui a observação da divisão internacional do trabalho
(Limonad); dos impactos da compressão global (Haesbaert);
da construção da mundialidade que corresponde às
necessidades das corporações (Barbosa) e, enfim, dos circuitos
globalizados de valorização do capital (Galvão)
Nestas diversas abordagens de tendências do capitalismo,
destacamos as relações estabelecidas, pelos textos, entre: regionali-
zação e conquista de hegemonia no mercado mundial; regionalização
e urbanização dispersa; regionalização e inovação; regionalização
e transnacionalização do território; regionalização e centralização
do capital; regionalização e dispersão territorial da produção.

Indicações de método
No conjunto dos trabalhos, identificamos outros desafios de
método. Citamos, de início, a crise do pensamento dicotômico, que
restringia o recurso à dialética. Haesbaert destaca, nesta direção,
as dinâmicas abertas e inconclusas, ao mesmo tempo em que
valoriza invariantes da reflexão do espaço: superfícies, pontos, linhas
e malhas, nós e redes.
Em sua apreensão do mundo-mundializado, Barbosa, por outro
lado, contrapõe indicadores e conceitos e, também, indicadores e

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Torres Ribeiro
Ribeiro

relações sociais, procurando caminhos para o pensamento crítico


comprometido com a redução das desigualdades. Haesbaert,
envolvido nesta busca, assinala obstáculos à representação do
espaço globalizado, questionando a real amplitude da atual crise
das representações espaciais. Até que ponto a crise paradigmática
associa-se a uma verdadeira crise de representação?
Os trabalhos valorizam pares de conceitos que orientam a
interpretação de relações entre agentes, atores e escalas. Estes
pares apóiam a periodização e a escolha de objetos / temas. Porém,
não constroem claras dualidades e nem correspondem a nítidos
antagonismos. Expressam, com mais facilidade, a idéia de
hibridação. Como considerar o espaço, sem a dimensão temporal
(tempo ⇔ espaço)?; a forma, sem os processos (forma ⇔
conteúdo)?. Da mesma maneira, como tratar a ação, sem desvendar
as suas metas (projeto ⇔ projeção}?; os comandos da nova
economia, sem a cooperação (fragmentação⇔integração?; a
estrutura, sem contextos (estrutura⇔estruturação?; a dinâmica
social, sem a superação do imediato (espaço social ⇔ espaço
abstrato)?; a ação, sem determinantes estruturais?
(estrutura⇔ação)?; as descontinuidades, sem o tratamento da
totalidade (sistema ⇔ elemento)?; compressão espaço-tempo, sem
a dispersão (fixos⇔fluxos)?

Algumas observações finais


Diversas questões relacionadas à regionalização remetem,
diretamente, aos temas da agenda política. Nesta direção,
destacamos a ênfase na formulação da questão espacial (Monte-
Mór e Egler); nas relações sociais de produção e na dinâmica
territorial do capital. Com Becker, enfatizamos, neste momento,
mudanças nas relações centro-periferia e o aumento da desigualdade
na escala mundial. No mesmo sentido, valorizamos, com Barbosa,
os vínculos entre regionalização e ampliação da concentração da
renda e da riqueza, especialmente neste período de redução do
trabalho e do emprego.
Nos atuais conflitos sócio-espaciais, estão envolvidas agentes
com diferentes escalas de ação, o que transforma as resistências
(Monte-Mór); expressa o confronto entre lógicas / racionalidades
(Dias) e esclarece a relevância da regionalização insurgente (Lima).
Indubitavelmente, os conflitos estão presentes nos sentidos do
urbano (Monte-Mór, Becker, Lencioni e Egler) e nas diferenças entre
regiões históricas e regiões administrativas ou produtivas. Por
exemplo: Quais são os rebatimentos territoriais das parcerias
público-privadas? Como estas parcerias interferem na regionalização
do desenvolvimento?

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Perguntamos, então, se os paradigmas tradicionais da


regionalização foram, de fato, superados e, também, sobre a idéia
de desenvolvimento que deve conduzir as práticas de regionalização
implementadas pelo Estado. Estas perguntas, apesar de
excessivamente simples, precisam ser repetidas para que afirme-
se a regionalização democrática e assim aconteça, no país, uma
partição mais generosa e justa de recursos.
Os textos desta coletânea, dedicados, como salientam os
organizadores deste livro, a espacialidades expressivas de
transformações na economia – o Sudeste, onde a urbanização
alcança a prática totalidade do território e conquista novos contornos,
e a Amazônia, onde a urbanização gera novas formas espaciais −,
demonstram ser indispensável a pesquisa multiescalar da produção
e das condições de vida. É urgente o aprofundamento do exame
das conseqüências da reorganização ministerial do governo
brasileiro, no que concerne à organização do espaço. Como articular
o enfrentamento da problemática social às mudanças territoriais
trazidas pela política de integração nacional? Como tratar as
dimensões regionais da nova urbanização e da política urbana?
Enfim, assinalamos que permanece aberta a questão central da
escolha da unidade empírica e analítica que permita a reflexão íntegra
da região ⇔ regionalização. Afinal, a seleção desta unidade
determina o desvendamento ou ocultamento da dinâmica sócio-
territorial. O entrelaçamento de processos, veloz e eficaz,
recomenda a consideração simultânea da nova urbanização e da
nova industrialização, o que aponta para carências conceituais a
serem tratadas nos híbridos acima indicados. Esforços de
conceituação precisam ser dirigidos, com especial insistência, à
urbanização (Becker). Trata-se da manifestação de segmentações
internas ao urbano: a urbanização da urbanização ou a
hiperurbanização (Lencioni); a urbanização extensiva do território
(Monte-Mór) e a tendência à (sub)urbanização (Limonad).
Por outro lado, os textos também sugerem a necessidade de
esforços de conceituação relacionados aos fluxos dependentes das
redes e sistemas técnicos. Um caminho a percorrer seria, talvez, a
rigorosa distinção entre as antigas redes − canais de irrigação do
território − e as redes atuais, marcadas por sua função de conduto
da nova industrialização e dos comandos da economia mundializada.
Estas redes viabilizam diferentes sistemas de ação (Santos, 1996),
sendo necessário considerar, através dos seus usos, o teor da
cooperação que efetivamente sustentam e o tipo de dinamismo
territorial que provocam. Afinal, trata-se, em ambos tipos de redes,
do direcionamento da dinâmica social e, assim, das energias sociais,
inclusive as utópicas.

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Ana Clara Torres
Torres Ribeiro
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Esta obra foi impressa na Oficina de Livros para a Letra Capital Editora.
Utilizou-se o papel pólen soft 80g/m² e a fonte Verdana corpo 10.
Rio de Janeiro, julho de 2016.

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