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1. Considerações preliminares.
sobretudo as mais divulgadas edições a cargo da Abadia de Solesmes, adoptam, como se referiu
já, o sistema de notação quadrada.
Para mais clara compreensão, partimos do sistema consignado na edição oficial para
a Igreja Católica, a Editio Vaticana; num momento posterior, serão apresentadas as
particularidades introduzidas nas edições solesmenses e as neo-grafias.
a) pauta
b) claves
c) barras
d) notas
e) sinais de alteração
f) guião
g) figuras
h) asterisco [*]
i) flexa [†]
j) letras
l) vírgula e ligadura
a) Pauta
A pauta musical gregoriana consta de quatro linhas horizontais (tetragrama), com três
espaços internos, que se lêem de baixo para cima. 2
Fig. 1
Alcança-se assim uma extensão para nove notas no total, o que, dado o âmbito reduzido da
maior parte dos cantos, torna a pauta de quatro linhas, em geral, suficiente para conter a
amplitude melódica. Porém, caso a melodia seja mais ampla, pode recorrer-se à utilização de
uma linha suplementar, sobre ou / e sob o tetragrama.
Fig. 2 Fig. 3
Se apesar do recurso à linha suplementar, não for possível alcançar toda a tessitura melódica
do canto, faz-se uso da mudança da posição da clave ou, mesmo, da alteração da clave,
um fenómeno que ocorre com frequência nos Graduais (entre o refrão e o verso, nunca no
decurso da mesma frase), como se pode ver adiante, nas figuras 8 e 9.
b) Claves
Fig. 4 Fig. 5
A posição das claves na pauta não é fixa. Assim, a clave de dó, que se emprega nas melodias
de âmbito mais agudo, encontra-se usualmente na quarta ou terceira linhas, embora surja
por vezes também na segunda; nunca, porém, na primeira. A clave de fá, adoptada para as
melodias de tessitura grave, é colocada sobre a segunda ou terceira linhas, nunca sobre a
primeira (v. fig. 6). Sobre a quarta linha surge uma única vez nos livros correntes: ofertório
Veritas mea (fig. 7).
Fig. 6
Fig. 7
A minha verdade e misericórdia estão com ele: e pelo meu nome exaltarei o seu poder.
A variada utilização de claves, com as suas diferentes posições, permite acomodar as melodias
dentro do tetragrama. Em alguns casos, porém, a extensão melódica pode obrigar ou à
mudança da posição da clave (fig. 8) ou, mesmo, à mudança da clave (fig. 9). Estas
mudanças, como se disse acima, nunca ocorrem no decurso da frase, mas somente na
passagem entre secções distintas da obra.
Fig. 8
No exemplo acima, ao entrar no verso Conturbata, a clave de dó que estava na quarta linha
passou para a terceira linha.
Fig. 9
Nesta situação, mudou-se a própria clave: na primeira parte a clave usada é a de fá na terceira
linha; a partir de Vias emprega-se a clave de dó na quarta linha.
c) Barras
Fig. 10
1. Grande barra ou barra inteira (divisio maior): indica a conclusão de uma frase musical
(e, em regra, literária).
3. Quarto-de-barra (divisio minima): assinala, dentro da frase musical, a menor das divisões, 5
a do inciso. Respiração facultativa.
4. Barra dupla (divisio finalis): indica a conclusão do canto ou a alternância de coros (v.
fig.)
As barras não constam dos antigos manuscritos que omitem, também, os próprios sinais
de pontuação literária. Naturalmente, constituindo o canto uma forma de discurso
(verbal-melódico), mostra-se necessário estabelecer divisões e articulações. Com este
propósito D. Pothier, no quadro do movimento de restauração dos finais de oitocentos,
vai apresentar no seu Liber Gradualis (1883) as melodias pontuadas com três tipos de
barras divisórias. O sistema foi posteriormente completado e a Edição Vaticana apresenta
já as quatro modalidades de barras.
Em geral, a colocação das barras constante da Vaticana faz sentido fraseológico (no
plano do discurso verbal e no plano do discurso melódico). Mas são bastantes os casos
em que isso não sucede, sobretudo em relação aos quartos de barra, umas vezes
excessivos, outras vezes insuficientes. Para colmatar esta deficiência, e uma vez que não
é possível suprimir as indicações constantes da Vaticana, as Edições de Solesmes
introduziram um sinal suplementar, a vírgula, que desloca a pequena respiração
indicada pelo quarto da barra para o local em que surge a vírgula. Outro sinal corrector
de barras mal colocadas é a ligadura, cuja função é assinalar a continuidade do discurso
musical que se considera indevidamente interrompido por uma grande barra na edição
Vaticana. (Sobre o ponto, ver adiante, p. 20).
d) Notas
As notas, primeiramente designadas por letras, receberam a partir do séc. IX, por
obra do monge Guido d’Arezzo, um nome novo: Ut, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, derivado das sílabas
iniciais de cada verso da primeira estrofe de um hino cantado na Festa de S. João Baptista
(24 de Junho).
Fig. 10
Fig. 11
Para que os teus servos possam, com toda a sua voz, cantar os teus feitos
admiráveis, apaga o pecado dos nossos lábios manchados, ó S. João.
Fig. 12
Mais tarde, com a passagem para o sistema octocordal, o grau acima do lá veio a ser
designado por si, das duas iniciais com que termina a referida estrofe: Sancte Ioannes. A
e) Sinais de alteração
A questão da tradução gráfica das melodias dentro do sistema diatónico que admite
apenas a figuração do si bemol suscita problemas. Com efeito, grande parte do
repertório foi construído antes de haver uma escrita capaz de indicar com rigor as alturas
melódicas. Quando esse sistema notacional se desenvolveu, ao admitir somente a
alteração do si (e não na oitava grave, note-se), nem todas as melodias foram
convenientemente grafadas. Haveria casos em que os cantores cantariam outras notas
alteradas (mi b, p. ex.), embora não escritas com a alteração. Noutros casos, foi
necessário um realinhamento da melodia, com transposições, para a manter dentro dos
quadros notacionais à disposição. No panorama científico contemporâneo vão surgindo
propostas de escrita que admitem outros casos de notas alteradas, seja com bemol, seja
mesmo com o sustenido.
Fig. 14
A alteração introduzida pelo bemol (baixar meio-tom à nota si) suspende-se com:
1. a ocorrência de um bequadro
Fig. 15
Fig. 16
3. a mudança de palavra
8
Fig. 17
Note-se, porém, que nalgumas obras em que o efeito do bemol se estende a toda a
melodia pode, por vezes, e à imitação da prática moderna, o bemol aparecer colocado junto
da clave, afectando, pois, todas as notas si, como se pode ver no exemplo seguinte.
Fig. 18
f) Guião (custos)
É um sinal gráfico análogo a uma nota quadrada, mas com dimensões reduzidas.
Surge em duas ocasiões:
Fig. 19
Fig. 20
g) Figuras
.
α. Edição Vaticana
Como se pode ver pela imagem seguinte, retirada do Graduale Romanum de 1908
(Edição Vaticana), são bastantes as figuras gráficas, i. é, os neumas usados neste sistema de
notação. Eles representam, como se disse, apenas um modelo de escrita e, em diversos casos,
as grafias da notação quadrada têm sido modificadas.
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Fig. 21
Apesar de ampla, a lista de neumas e dos seus nomes latinos não deve preocupar
demasiado quem começa a sua iniciação no gregoriano – mais relevante são os fenómenos
(e experiências musicais) do que as nomenclaturas. As figuras da notação quadrada têm a sua
história (na maior parte uma longuíssima história), mas neste momento do estudo importa
que nos aproximemos delas olhando-as na sua função essencial: um sucedâneo visual do som
musical, um suporte «analógico» ao qual pedimos uma informação.
Elencamos, a partir do quadro acima, as figuras mais básicas, deixando a quem lê o
convite para desenhar no espaço em branco o neuma respectivo.
A. Figuras básicas
1. punctum
a) quadratum
1. 2. virga : indica uma nota em culminância melódica, i. é, um som mais agudo que o
anterior ou posterior.
5. bivirga : figura resultante da junção de duas ou mesmo três virgae (trivirga). Nem
sempre a notação quadrada é rigorosa na identificação destas formas.
9. climacus : representa a descida melódica de, pelo menos, três sons. A grafia inicia-
se com uma virga e completa-se com dois ou mais pontos inclinados.
B. Figuras liquescentes
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Na edição Vaticana, as formas liquescentes básicas são:
Fig. 22
Fig. 23
1. Movimento resupinus (para cima), quando a um neuma que indica uma descida melódica
se acrescenta um elemento ascendente (exemplos: climacus resupinus, torculus resupinus).
2. Movimento flexus (flectido, para baixo), quando, inversamente a uma grafia que descreve
um curso ascendente se incorpora um elemento de descida (scandicus flexus, porrectus flexus).
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Fig. 24
β. Neo-grafias
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Fig. 25
Fig. 25
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Fig. 26
Fig. 27
Gradual «Haec dies»: «Flux Notation» (Geert Maessen, Scores for Tenth-Century Chant,
Amsterdam, 2011, p. 17)
Fig. 28
Isto dito não significa, ao contrário da imagem que ficou para a história, que a edição
vaticana seja uma edição «não-rítmica», isto é, que a informação nela contida seja
meramente melódica. Com efeito, e decalcando praticamente a metodologia rítmica
que Joseph Pothier (1835-1923), presidente da comissão redactora, havia já explicitado
no seu Liber gradualis, de 1883, o prefácio da Vaticana indica princípios de
interpretação rítmica que são legíveis a partir das pautas, designadamente as barras e,
ainda, os espaçamentos entre os neumas dos melismas, as famosas brancas da
Vaticana. Voltaremos a este ponto quando se estudar os métodos de interpretação.
compilação dos cantos da missa e de parte substancial do ofício divino, bem como das
leituras e orações – com o Liber usualis podia cantar-se (e celebrar-se) a missa toda e todas
as missas. O Liber conheceu impressões sucessivas: todo o sacerdote tinha o seu e para
gerações de cantores da Igreja aquela compilação prática representou a pura essência do
canto gregoriano. E dessa essência participavam, claro está, os três famosos «sinais rítmicos
para ajuda dos cantores»: o ponto; o episema horizontal; e o episema vertical.
1. ponto (punctum mora): colocado junto de uma figura significa que essa nota passa a ter o
dobro do valor de duração, ou seja, e de acordo com a teoria rítmica de D. Mocquereau,
implica um alargamento rigorosamente quantitativo, determinante, assim, da estrutura
rítmica do canto. O ponto-mora não se encontra nas antigas fontes manuscritas, embora se
possa dizer que muitos alargamentos indicados nas edições práticas com o ponto limitam-se
a traduzir conclusões cadenciais, que resultariam já de um correcto fraseado musical. Noutras
situações e como se referiu, o ponto, a par do episema horizontal, pretende indicar algumas
nuances rítmicas dos manuscritos sangalenses, designadamente certas letras como o t (tenete:
sustentar), ou o x (exspectare: esperar), ou ainda grafias neumáticas particulares. Diga-se, no
entanto, que nem sempre são claros os critérios que presidem ao emprego do ponto.
3. episema vertical (rectum episema): este sinal, ausente por inteiro dos manuscritos, é o mais 17
profundamente vinculado à teoria rítmica de D. Mocquereau e também o mais controverso.
Trata-se de pequeno traço vertical, colocado geralmente sob a figura e que indica o íctus
(pancada), ou seja, os pontos de apoio da divisão rítmica binária ou ternária, a que todo o movimento
musical estaria sujeito. A determinação dos pontos de apoio ícticos decorre da aplicação de
uma tabela de regras, cujo conteúdo será explicitado noutro capítulo, e que se baseiam no
essencial no elemento duração (quantidade) da figura. Para esclarecer os passos mais
complexos, as edições de Solesmes trazem já muitos íctus assinalados, embora, com base na
informação constante da notação quadrada, também aqui falte clareza quanto às razões que
determinaram a colocação desses íctus.
Fig. 29
Para mais clara visualização destas diferenças introduzidas pelos sinais rítmicos
solesmenses, apresentamos de seguida em confronto duas versões gráficas da conhecida
antífona Regina Caeli, no chamado tom simples: primeiro, na lição da Vaticana (Graduale
Simplex) e depois na transcrição com os signos rítmicos do Antiphonale Monasticum editado
por Solesmes em 1934.
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Fig. 30
Fig. 31
Rainha dos céus, alegra-te, aleluia, pois quem mereceste trazer no teu ventre, aleluia,
ressuscitou tal como havia dito, aleluia. Roga por nós a Deus, aleluia.
h) Asterisco [*]
i) Flexa [†]
A cruzinha designada por flexa (de flectir, baixar) é empregue na primeira parte dos
versículos salmódicos (primeiro hemistíquio) que, pela sua duração ou estrutura literária, não
permitem uma execução ininterrupta. Assim, no ponto assinalado pela flexa abandona-se
momentaneamente a corda em que se procedia a recitação e faz-se uma descida melódica.
No capítulo da salmodia se indicarão os termos de aplicação da flexa. 19
j) Letras
Existem ainda outros sinais gráficos. Assim, as letras i e j, que surgiam, nas edições
mais antigas, no final das invocações do Kyrie, indicavam o número de vezes (ij =duas vezes;
iij = três) que se deveria cantar cada invocação.
Fig. 32
l) Vírgula e ligadura
Fig. 32
O outro sinal corrector de barras mal colocadas é a ligadura. Tem como função é assinalar
a continuidade do discurso musical interrompido indevidamente por uma grande barra na
edição Vaticana. Veja-se um exemplo na figura 33, intróito Suscepimus Deus, última pauta, em
que aparece uma ligadura: o seu efeito é anular o corte a seguir à palavra terrae. 20
Fig. 32