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Letras

Oliver Twist, de Charles Dickens:


uma comparação entre obra literária
e versão cinematográfica
Leandra Contessoto
Pesquisadora

Profª Dra. Rosa Sílvia López


Orientadora

Resumo
Este foi um pequeno trabalho de pesquisa sobre Literatura e Cinema. O parâmetro utilizado foi a obra Oliver
Twist, de Charles Dickens. Nele procuramos desenvolver alguns aspectos sobre a linguagem, a história, a
repercussão, a influência da sociedade, as possíveis causas e efeitos entre outros fatores. Ressaltamos que a
Literatura, principalmente na língua original (inglês), nos proporciona vencer diversas barreiras. Uma delas é
perder o medo diante da língua estrangeira e, a partir daí, explorar os mais diversos proveitos que ela nos
oferece. Já o cinema, pode nos ajudar a aguçar os sentidos (emoção). A seqüência de imagens, estilos de
personagens, caracterizações de ambientes entre outras, nos ajudam a formar conceitos, mas, devemos
tomar cuidado com o que ela realmente causa no indivíduo e na sociedade. Não podemos deixar de mencionar
a questão da didática a respeito do filme. Procuramos sugerir a melhor forma de explorar a sua aplicação na
sala de aula. Informamos que, devido o estudo fazer parte de um trabalho de Iniciação Científica, restringimos
a quantidade de material pesquisado, mas estamos cientes de que existem possibilidades de ampliar essa
pesquisa. Boa leitura.
Palavras-chave: Literatura. Cinema. Comportamento

Abstract
This work was a little research about the Literature and the Cinema. The reference utilized was the work
Oliver Twist, by Charles Dickens. In it, we want to develop some aspects about the language, the history, the
repercussion, the influence of society, the probable causes and effects among others factors. We emphasize
what the Literature, mainly in the original language (English), permit us overcome various obstacles. One of
them is to lost the fear of facing the foreign language, and after that, to explore the various advantage they
provide us. However, the Cinema, can help us to improve the feelings (emotion). The sequence of images,
styles of character, characterization of environment among others, help us to build concepts, but we must be
careful with it can really result in the people and in the society. We must mention the didactic question about
the film. We want to suggest the best way to explorer its application in the classroom. We inform that,
because this study makes part of a work of a scientific initiation, we restrict the amount of material researched,
but we are aware that there are possibilities of enlarging this research. Have a good reading.
Key words: Literature. Cinema. Behaviour.

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Introdução em muitos livros de Literatura Inglesa para encontrar


algo sobre Charles Dickens. Um ponto interessante
Esta pesquisa tem por finalidade apresentar um
é que alguns pesquisadores o idolatram, outros,
estudo comparativo entre duas linguagens.
odeiam-no e alguns citam-no brevemente. Deixa-
Inicialmente a linguagem escrita, a Literatura, e
remos a critério do leitor a decisão a ser tomada,
posteriormente a visual, neste caso o Cinema. Duas
visto que não pretendemos impor nenhum conceito,
linguagens que são distantes e próximas ao mesmo
e sim, discutir sobre as várias possibilidades de
tempo. O trabalho consiste numa pequena análise
entendimento de qualquer que seja o assunto.
da obra literária Oliver Twist, de Charles Dickens,
com a produção cinematográfica. Faremos um breve comentário a respeito da vida

O primeiro passo foi a aquisição do material para o do nosso autor. Entendemos que conhecer um pouco
estudo. É isso mesmo. O livro Oliver Twist escrito sobre a biografia nos faz entender melhor a men-
na língua original (inglês). Foi possível também sagem da obra literária. O livro Os romancistas con-
encontrar dois exemplares adaptados para a Língua tém biografias de vários autores importantes para a
Portuguesa. Não podemos deixar de mencionar o Literatura. O pesquisador José Paulo Paes nos forne-
material de apoio. Sempre precisamos deles. Eles ceu várias informações a respeito do nosso autor,
nos ajudam a iluminar os caminhos a serem Charles Dickens.
explorados.
Neto de criados domésticos e filho de pequenos
A pesquisa nos proporcionou diversos campos a burgueses mal ajeitados na vida, Charles John Huffam
serem explorados. Tudo nos pareceu simples a Dickens nasceu, a sete de fevereiro de 1812, em Portsea,
centro marítimo pertencente ao condado de Portsmouth.
princípio, mas, ao adentrar no mundo da linguagem Era o segundo rebento da prole de oito que John Dickens
escrita e/ou falada, notamos a evolução da expressão e Elizabeth Barrow Dickens houveram por bem legar ao
mundo (SILVEIRA, 1961, p.111).
nos últimos anos ou décadas. Não iremos nos
aprofundar nessa questão, pois não faz parte do
No início de sua vida escolar, Charles, teve acesso
nosso objetivo. Então vamos explorar o campo visual
aos vários livros que seu pai possuía. Leu e releu
e a estética da escrita. Notamos que houve a
várias obras. Devido às dificuldades financeiras da
evolução e o aperfeiçoamento das máquinas que
família teve que deixar seus estudos e ajudar sua
auxiliam o homem no desempenho do seu trabalho.
mãe nas atividades domésticas. E pouco tempo mais
Na Literatura temos a importância da criação da
tarde já estava trabalhando fora para ganhar dinheiro
imprensa (que desenvolveu uma forma mais ágil de
e ajudar nas despesas da família. Começou traba-
publicar o livro) e no Cinema, da projeção e montagem
lhando numa fábrica de graxa para sapatos que
do filme, com seus efeitos especiais etc.
pertencia ao primo de sua mãe:
Percebemos que as duas linguagens consideradas
constituem um apoio entre si. Uma linguagem em [...] Em troca do salário de seis ou sete xelins semanais,
apoio a outra para melhorar a cultura de nosso povo. era obrigado a passar longas horas num velho armazém
cheio de ratos, pregando rótulos em potes de graxa.
Seria essa a nossa ideologia, porém, percebemos Terminada a tarefa diária já à noitinha, ia dormir sob um
que ela foi modificada pelas leis do mercado capi- balcão até o alvorecer do dia seguinte, quando teria de
recomeçar tudo outra vez (Ibidem, p.112-13).
talista, que tem como objetivo dominar, por meio da
indústria, a ‘massa’ populacional, para que esta
Este fato se assemelha à obra Oliver Twist – no
execute suas tarefas de acordo com padrões pré-
momento em que o protagonista começa a trabalhar
determinados, ou seja, consumir cada vez mais seus
com o Agente Funerário e seu local de ‘repouso’ era
produtos, suas marcas, seus estilos de vida,
embaixo da escada, junto aos caixões que eram
pensamentos pré-formados sem o direito à liberdade
confeccionados. O trabalho forçado causou traumas
de expressão ou escolha do modo de vida.
em Dickens. Ele sempre condenava seus pais pelo
Para a realização do trabalho fizemos a pesquisa fato de parar de estudar e ter que trabalhar. Queria

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continuar seus estudos, pois sabia da importância chegou no décimo número todos em Londres
de obter conhecimentos. conheciam a obra. A obra possui 57 capítulos. Antes
mesmo de terminar esta obra, iniciou a escrita de
Assim, ele só teve oportunidade de retornar aos
outro romance também em fascículos, Oliver Twist.
estudos muito tempo depois. Seu pai fora solto da
cadeia, onde esteve preso por falta de pagamento
A publicação em fascículos mensais deu às obras de
de dívidas de pedidos de empréstimos. Dickens, ao Dickens uma estrutura episódica, na qual cada capítulo
deixar a Wellington House Academy, foi empregado tinha, via de regra, um final cheio de suspense, de forma
que o leitor se sentisse motivado a comprar o próximo
como amanuense num escritório de advocacia. Teve número. O gosto do público chegava mesmo a influenciar
oportunidade de familiarizar-se com as ocorrências no desenvolvimento do enredo, bem nos moldes do que
ocorre hoje nas novelas brasileiras (CEVASCO;
e iniqüidades da justiça de classe e com a grande SIQUEIRA, 1999, p. 55).
quantidade de solicitadores esbirros (menor função
do tribunal), escriturários, escrivães e juizes, que Com a nova obra, ele causou uma revolução no
passou a caricaturar em seus romances. conceito das pessoas. Oliver Twist é oposto a The
Pickwick Papers. The Pickwick Papers é uma narrativa
Aos 20 anos, seguiu os passos do pai que,
alegre que conta as peripécias de um solteirão
aposentado, para completar a renda familiar, tornou-
aposentado dos negócios. Em Oliver Twist, relata a
se repórter parlamentar da British Press. Charles
trágica história de um órfão que passa sua infância
gastou suas economias adquirindo manuais para
na workhouse e a juventude no submundo dos
tornar-se taquígrafo. Enfrentou todos os obstáculos
ladrões e marginais de Londres.
e tornou-se um dos mais velozes. Sua determinação
o levou aos extremos da profissão e, com isso, atingiu Tornou-se muito famoso com as publicações dos
grande notabilidade. fascículos. Um dos poucos escritores que conseguiu
êxito e riqueza em vida. Sua forma de escrita
Em seus momentos de lazer, gostava de fazer
apresentou Charles como defensor das classes
leituras de livros pertencentes ao Museu Britânico.
sociais mais baixas, pois atacava a burguesia de
Também freqüentava os teatros de bairro e sentia
forma simples e delicada, utilizando muita ironia.
uma forte inclinação para esta arte. Pensou em tornar-
Ficou conhecido como ‘advogado’ na pendência
se um ator profissional.
‘Ricos versus Pobres’.
Sua primeira desilusão amorosa foi com Mary
Diante de tanto sucesso, ocorreu uma grande
Beadnell, filha de um banqueiro de Lombard Street.
euforia entre as editoras, pois parte do lucro lhes
“[...] Embora não tivesse a mínima intenção de ligar
pertencia. Dickens, diante do índice abusivo que lhe
seu destino ao de um jornalista pobretão como
era cobrado, monta sua própria gráfica, Master
Dickens, Mary aceitou-lhe a corte durante dois anos,
Humphry’s Clock. Passa então a publicar seu próprio
ao fim dos quais mandou-o às favas” (Ibidem, p.116).
material e desta forma aumenta o seu lucro.
Esta lembrança lhe proporcionou inspiração para a
criação da personagem de Dora, a grande paixão de As publicações e a gráfica traziam-lhe muitos
David Copperfield. proventos. Com este dinheiro sustentava a sua
mansão e a casa de seu pai. O pai, que era viciado
Tornou-se muito conhecido após a publicação dos
em contrair empréstimos, aproveitava-se da boa
fascículos de The Pickwick Papers. Suas formas de
influência do filho, pois sempre usava o nome dele
escrita e de ilustração são consideradas como
como crédito para efetuar as negociações. Diante
precursoras das histórias em quadrinhos, ou seja, a
desta situação, Dickens teve então que alugar uma
ilustração que acompanha o enredo. Os fascículos
casa fora de Londres para acomodar seus pais,
eram vendidos mensalmente. Os quatro primeiros
evitando assim novos gastos deste gênero.
números não tiveram muito êxito, mas a partir do
quinto as vendas começaram a aumentar e quando Quanto à sociedade que o cercava, sendo ele um

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‘novo-rico’, eles ridicularizavam-no tanto pelos não havia higiene, nem comida, nada. As pessoas
hábitos quanto pelo seu passado, mas mesmo assim viviam em aglomerados.
o cortejavam nas festas e compravam suas obras.
Esse fato também nos remete à obra Oliver Twist, [...] Viviam em pardieiros infectos (casa ‘habitualmente
tão sujas, úmidas e desordenadas, que ninguém colocaria
no momento em que Rose nega se casar com Harry ali nem mesmo um cavalo’, para citar palavras de um
Maylie pelo fato dela não ter um passado nobre, já comissário governamental que visitou, por essa época,
uma aglomeração operária em Glasgow), presas inermes
que era órfã e sua irmã fora amante de um homem do tifo, da tuberculose e de outras moléstias igualmente
casado. Então, toda a sociedade o rejeitaria por este fatais (SILVEIRA, 1961, p. 110).

motivo.
Diante de tal situação, o número de indigentes e
“[...] Mas o romancista soube resistir galharda-
miseráveis que perambulavam pelas ruas era enorme.
mente aos venenos da lisonja, e permaneceu, até o
Diante de tanta barbárie, Charles Dickens escreveu
fim dos seus dias, o mesmo homem modesto e
sobre o comportamento da sociedade e suas
compassivo” (SILVEIRA, 1961, p.120). Isto mostra
conseqüências. Utilizou o humor para chamar a
seu caráter diante da sociedade que, de certa
atenção da população quanto à vida dos menos
maneira, acabava por criticá-lo quanto aos modos e
afortunados e sutilmente atacar a burguesia domi-
falatórios.
nante e responsável pela situação da população. Por
Teve muito sucesso quando ajudou uma instituição este motivo, sua literatura é considerada como
cultural. Participou de uma conferência e nela fez a denúncia. As pessoas adquiriram número por número
leitura do Christmas Carol. A partir de então, começou e se surpreendiam cada vez mais com tanta clareza
a fazer conferências em vários lugares, o que lhe em seus detalhes.
rendeu muito dinheiro, porém, sua saúde foi se
Podemos concluir que, para o melhor entendimento
tornando debilitada diante do exaustivo trabalho.
da obra, seja ela literária ou cinematográfica, é
Em 1870, estando muito doente, devido às várias necessário entender o momento histórico em que
viagens, desmaiou. Após dois dias faleceu no quarto ela foi produzida. Desta forma podemos fazer uma
em que repousava, diante de todos de sua família, ponte entre passado e presente e analisar as fontes
inclusive sua amante e sua ex-esposa. Faleceu em 9 causadoras da situação política atual, ajudando assim
de junho. na tomada de futuras decisões.

O período em que Charles Dickens viveu foi regido


pela Rainha Victoria. Ela conseguiu restaurar o 1 Literatura
prestígio da monarquia. Esse período de renovação Agora iremos estudar um pouco sobre a Literatura.
na Inglaterra ocorreu de 1837 a 1901. Tal período Nesta pesquisa não exploramos sobre muitos
fez, plenamente, jus ao apelido de ‘oficina do Mundo’, aspectos para não tornar a leitura cansativa. Faz-se
que nações menos afortunadas e invejosas da sua de fundamental importância entender um pouco sobre
riqueza o pronunciavam: “[...] momento da hege- a evolução da Literatura. O livro Teoria Lite-rária
monia da indústria mecanizada. O processo de (1999), escrito por Jonathan Culler, relata, de forma
substituição da mão-de-obra artesanal pela mão-de- clara e objetiva, os conceitos de que necessitamos.
obra assalariada” (Ibidem, p. 109).
O que hoje chamamos de Literatura já é escrito há
O sistema de trabalho era duro, difícil e autoritário. mais de vinte e cinco séculos. Anteriormente era
O tempo de trabalho variava entre 16 a 18 horas chamado de ‘textos para serem lidos’ e o sentido
diárias. Grande parte dos funcionários era constituída moderno de Literatura mal tem dois séculos de idade.
por mulheres e crianças. Os salários eram muito Estes textos eram estudados em relação à gramática,
baixos, o que impossibilitava levar uma vida digna. levantando suas figuras retóricas e suas estruturas
Com isto, as condições de moradia eram péssimas: ou procedimentos de argumento.

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O que diferencia as obras literárias dos outros textos Ou seja, ela pode causar o isolamento do indivíduo
narrativos é que elas passaram por um processo de quanto às questões sociais, das quais deveriam
seleção. A seqüência é a seguinte: publicação, rese- participar mais ativamente. Vale lembrar que esse
nhas e reimpressão. Desta forma os leitores se conceito não é regra geral, e sim, uma pequena
aproximam delas com a certeza de que outros o observação quanto ao tipo de leitura praticada.
consideram bem construído e de valor. Devemos praticar a leitura dos mais diversos estilos
e títulos.
A Literatura foi, e ainda é, muito utilizada como
material de instrução. Tomando como base a obra Para se obter um bom entendimento de deter-
estudada vimos que nas: minadas obras, faz-se necessário uma leitura diária,
assídua. Desta forma, pode-se acompanhar os
[...] colônias do Império Britânico, ela encarregou-se de conceitos implícitos pelos autores. “[...] A literatura
dar aos nativos uma apreciação da grandeza da Inglaterra
e de envolvê-los como participantes agradecidos num é o ruído da cultura assim como sua informação. É
empreendimento civilizador histórico. No plano uma força entrópica assim como um capital cultural.
doméstico, ela podia contrapor ao egoísmo e materialismo
fomentados pela nova economia capitalista, oferecendo
É uma escrita que exige uma leitura e envolve os
às classes médias e aos aristocratas valores alternativos leitores nos problemas dos sentidos” (SILVEIRA,
e dando aos trabalhadores uma baliza na cultura que,
materialmente, os relegavam a uma posição subordinada
1961, p.47). Determinadas obras são complexas e
(SILVEIRA, 1961, p. 40). exigem conhecimento de mundo para entendê-las.

Ocorreu que seu impacto foi maior do que o


2 A leitura da obra Oliver Twist
esperado. Tornou-se leitura essencial, sendo mais
apreciada do que os textos bíblicos. Isso porque a Realizar a leitura do romance Oliver Twist foi uma
narrativa tem por objetivo cativar a atenção do leitor, tarefa árdua. Demandou muito tempo do nosso
por meio da curiosidade, e assim proporcionar o estudo. Tudo isto, porque fizemos a leitura da obra
prazer da leitura completa da obra. na íntegra em sua língua original, o inglês, e também
no português. Vale ressaltar que tal grau de difi-
Então, podemos dizer que as obras proporcionam
culdade existiu pelo fato de não haver o domínio da
mudanças na sociedade. De forma implícita, levam
língua inglesa; além de a obra ter sido escrita no
o leitor a refletir sobre determinados comportamentos
século XIX.
e conceitos.
Este trabalho proporcionou-nos uma visão diferente
[...] Quanto mais se enfatiza a universalidade da literatura, sobre as obras traduzidas. Devemos tomar o cuidado
mais ela pode ter uma função nacional: o espaço de
com as adaptações que acabam por prejudicar o bom
padrões de gosto e comportamento e, mais importante,
dos cenários morais e circunstâncias sociais nas quais entendimento do enredo, visto que o tradutor é quem
os problemas éticos são resolvidos e as personalidades escolhe a melhor maneira de reescrita. Manter o estilo
são formadas (Ibidem, p. 44).
do autor é muito difícil e todos têm suas pecu-
liaridades.
Daí a exploração com as obras e a criação de
conceitos que determinam o que é bom ou não no Vencer a etapa do medo e da insegurança com o
comportamento da sociedade. Também existe o lado texto na língua inglesa foi um processo progressivo.
menos apreciado pelos críticos de comportamento A leitura iniciou-se com o número de três páginas
da sociedade. por dia. Em seguida, aumentou para cinco páginas e
progressivamente até chegar a 20 páginas num
[...] Os teóricos sustentam que a literatura encoraja a período de duas horas. Recomendamos que o tempo
leitura e as reflexões solitárias como um modo de se
ocupar do mundo e, dessa forma, se opõe às atividades de leitura não ultrapasse esse período, pois pode
sociais e políticas que poderiam produzir mudança. Na causar exaustão e, com isso, a perda do estímulo.
melhor das hipóteses ela encoraja o distanciamento ou a
apreciação da complexidade e, na pior, a passividade e Mas, é necessária a disciplina, para não perder a
a aceitação do que existe (Ibidem, p. 45). intenção do autor quanto ao enredo.

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Durante a leitura, percebemos várias características Sua descritiva se enquadra em roteiros de teatro
interessantes na obra. Dickens apresenta suas ou de cinema, tal é a seqüência de detalhes. Segue
personagens femininas cada qual com sua um pequeno exemplo encontrado no meio de uma
característica e estilo. É impressionante o modo como cena, em que ocorre um discurso:
ele descreve cada uma. Alguns exemplos que
podemos citar é a primeira personagem, a Sra. The room was illuminated by two gas-lights; the glare of
which was prevented by the barred shutters, and closely-
Sowerberry, que representa uma típica dona de casa. drawn curtains of faded red, from being visible outside.
Em Nancy, encontramos influência das pessoas de The ceiling was blackened, to prevent its colour from
being injured by the flaring of the lamps; and the place
seu convívio e, em Rose, a delicadeza na sua was so full of dense tobacco smoke, that at first it was
descrição, mostrando-nos uma criatura perfeita em scarcely possible to discern anything more. By degrees,
however, as some of heads, as confused as the eye
bondade; e assim por diante. grew more accustomed to the scene, the spectator
gradually became aware of the presence of a numerous
Nossa conclusão é que não há nada melhor do company, male and female, crowded round a long table:
que traçar um objetivo inicial. Devemos alcançar as at the upper end of which, sat a chairman with a hammer
of office in his hand; while a prefessional gentleman,
metas estabelecidas, isto faz com que continuemos with a bluish nose, and his face tied up for the benefit of
na persistência da caminhada. Há dias em que a von- a toothache, presided at a jingling piano in a remote
corner (Ibidem, chapter XXVI, p. 228).2
tade de abandonar tudo é maior, mas em pensar nas
responsabilidades e nos objetivos acaba que por
Neste parágrafo encontramos muitos substantivos,
funcionar como uma mola propulsora para o desen-
mas devemos nos atentar aos verbos, já que a cena
volvimento.
está em andamento. Um exemplo para entendermos
Deixaremos ao leitor a curiosidade em conhecer a melhor:
obra. Não apresentaremos o resumo, sendo assim,
verifique na biblioteca ou na monografia do Projeto [...] and the place was so full of dense tobacco smoke,
that at first it was scarcely possible to discern anything
da Iniciação Científica, ou melhor, encontre o livro e more. By degrees, however, as some of heads, as
viaje através das linhas no mundo Dickensiniano. confused as the eye grew more accustomed to the scene,
the spectator gradually became aware of the presence
Para incitar um pouco nosso leitor vamos fazer of a numerous company [...] (Ibidem, chapter XXVI, p.
228).
breves comentários acerca da obra estudada. O autor
descreve as personagens com muitos detalhes, ou
Esta obra nos proporciona um vasto campo para
seja, faz uso das características da personalidade e
exploração. A riqueza na construção das cenas, dos
físicas. Um pequeno exemplo na descrição de um
detalhes dos personagens, da caracterização da
dos rapazes de Fagin:
sociedade, dos modos e costumes, proporciona-nos

Mr. Chitling was older in years than the Dodger: having


uma longa viagem no tempo e na história. A veros-
perhaps numbered eighteen winters; but there was a similhança das situações encenadas pelas
degree of deference in his deportment towards that young
gentleman which seemed to indicate that the felt himself
personagens nos envolve num clima de espanto e
conscious of a slight inferiority in point of genius and apreensão. Outro recurso utilizado é o cômico e, para
professional acquirements. He had small twinkling eyes,
and a pockmarked face; wore a fur cap, a dark corduroy
entender melhor, recorremos ao filósofo Henry
jacket, greasy fustian trousers, and an apron (DICKENS, Bergson, no livro O Riso.
chapter XVIII, p. 165).1
Faremos um breve comentário, pois o nosso espaço
Em alguns casos, ao inserir uma personagem no é pequeno. A leitura do livro nos proporcionou uma
enredo, Dickens caracteriza, primeiramente, o grande reflexão sobre nossos mais simples atos, ou
aspecto da personalidade e, em seguida, o físico. seja, por que rimos? “É cômico todo arranjo de atos
Isso ocorre muito no ambiente da competição que e acontecimentos que nos dê, inseridas uma na outra,
existe entre os malfeitores, já que para se ‘dar bem’ a ilusão da vida e a sensação nítida de uma montagem
é necessário ser melhor do que o outro. mecânica” (BERGSON, 1983, p. 42). O mecânico é

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todo ato que fazemos sem pensar: andamos e não narrador utiliza a dramaticidade da vida da sociedade
relacionamos o ato com a necessidade, somente para então chamar a atenção do leitor.
sentimos falta, quando algo está errado.
Bergson aponta que a função do ato cômico é
É neste ponto que surge o cômico, que caminha,
geralmente moralizante. Em outras palavras, as
lado a lado, com a dramaticidade. Ao analisarmos o
pessoas não querem ser motivo de riso ou de chacota
ato cômico, haverá sempre alguém que participará
de ninguém, então passam a viver seguindo as regras
da cena. Logo, se nos projetarmos na pessoa não
e os conceitos da sociedade para não cair nas garras
riremos, mas, como existe uma distância, o ato é
dos humoristas. Quando há um pequeno deslize, trata
inevitável.
logo de esconder para que ninguém veja e comente
Como perceber o cômico na palavra? Para isto é algo a respeito.
utilizado um tipo de linguagem diferente, algo que
Podemos dizer que o cômico tem origem na
cause o rompimento do que a expectativa da leitura
humanidade. Rimos de nós mesmos e do outro. Rimos
está acostumada:
do que nos é familiar, do que é semelhante. No
entanto, para que se tenha o efeito esperado, o leitor
Deixar-se ir, por um efeito de rigidez ou de velocidade
adquirida, a dizer o que não se quer dizer ou fazer o que deve ter conhecimento prévio sobre o assunto para
não se quer, é, como o sabemos, uma das grandes fontes perceber a mensagem que o autor quer transmitir
de comicidade. [...] E isso só pode acontecer quando a
frase encerrar um absurdo manifesto, um erro grosseiro em determinada obra. Devemos pensar um pouco
ou sobretudo uma contradição de termos. [...] Obteremos mais do que rimos e com isso levantar questões que
uma expressão cômica ao inserir uma idéia absurda num
modelo consagrado de frase (Ibidem, p. 61). pode haver outros significados e não somente o
aparente. Para um bom entendimento é necessário
Geralmente, esta linguagem aparece na utilização abrir espaços para a imaginação.
de metáforas ou da ambigüidade que a língua ofe-
rece. É necessário levar o leitor a imaginar a cena
3 Cinema
em que tudo ocorre, então, a descrição é rica em
detalhes. Desta forma a imaginação se torna Agora vamos estudar um pouco sobre o cinema.
completa. “[...] O jogo de palavras portanto, um Ele surgiu em 1895, em Paris. Foram projetados

desvio momentâneo da linguagem e por, de resto, é alguns filmes de curta-metragem, preparados com

que se torna engraçado” (Ibidem, p. 65). É importante uma câmera parada, em preto e branco e sem som.

que esta descrição de cena seja algo de conhe- “[...] Um em especial emocionou o público: a vista

cimento do leitor para que a ‘viagem’ seja completa, de um trem chegando na estação, filmada de tal

pois embarcar no mundo das palavras é um trabalho forma que a locomotiva vinha vindo de longe e enchia
a tela, como se fosse se projetar sobre a platéia”
difícil ao escritor.
(BERNARDET, 1980, p. 12).
Outro fator importante é que, na maioria dos casos,
Não nos aprofundaremos, também, neste item.
existe somente uma personagem central que nos
Partiremos agora para falarmos sobre a linguagem
causa o riso. Ele é o ponto principal em que toda a
no cinema. O código é tão importante quanto a
cena se desdobra. Contudo, a obra Oliver Twist
invenção do cinema, pois torna elemento
quebra essa situação, pois existem diversos
diferenciador entre o real e o imaginário, não
personagens que apontam os mais variados tipos
esquecendo a verossimilhança. Diante disto, este é
cômicos, como por exemplo: Mr. Bumble (Bedel) é
outro item que nos impede a comparação entre o
personagem típico (machão) que sempre se dá mal
filme e a obra escrita (livro). O código utilizado, por
com a esposa; Fagin é cínico; Oliver é muito ingênuo,
muitas vezes, é bem diferente.
isto causa estranheza nas pessoas, pois não estão
acostumadas; não podemos deixar de mencionar o Outro item muito importante no cinema é a
narrador, que é o mais sarcástico de todos. O evolução do filme. Ter o aparato necessário repre-

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senta a possibilidade de concretizar suas previsões dirigido por Tony Bill.


de produção. A ciência da tecnologia caminhando
“A essência do personagem é a ação. Seu perso-
junto com a evolução do filme. Pode-se também dizer
nagem é o que ele faz. Filmes são um meio visual e
que: a história do cinema poderia ser escrita
a responsabilidade do escritor é escolher uma imagem
facilmente por linhas do comercial ou tecnológico
que dramatize cinematograficamente o seu
ou a simples combinação entre os dois. A invenção
personagem” (Ibidem, p. 22). Desta forma, poderá
e as estratégias dos negócios são focos centrais para
chegar um pouco mais próximo à semelhança da
o desenvolvimento da tecnologia utilizada fora do
obra escrita. Daí a importância do detalhamento do
cinema e que foram utilizadas nos filmes.
escritor quando da descrição do ambiente e da
personagem; quanto maior for a caracterização
4 O Roteiro melhor será a criação do imaginário (leitor) e do
cenário (produtor).
Agora vamos abordar um pouco sobre o roteiro.
Primeiro vamos entender o que é um roteiro. “[...] O
roteiro é uma história contada em imagens, diálogos 5 Análise do filme Oliver Twist
e descrições, localizada no contexto da estrutura
Escolhemos para análise o filme Oliver Twist,
dramática” (FIELD, 1995, p. 2). Ele é utilizado,
produzido em 1948, tendo o roteiro e a direção de
basicamente, no cinema e no teatro. Como nosso
David Lean, apresentado em branco e preto e com
assunto é o cinema, então, vamos nos ater ao filme.
duração de 111 minutos.
O filme nada mais é do que a dramatização do enredo
em um meio visual. O motivo da escolha é que este filme se aproxima
um pouco mais do enredo da obra literária se
“Todo drama é conflito. Sem conflito não há
comparado ao produzido pela Walt Disney Pictures.
personagem; sem personagem, não há ação; sem
Dessa última, podemos dizer que o resultado deixou
ação, não há história; e sem história, não há roteiro”
a obra totalmente sentimentalista. Foram extraídas
(Ibidem, p.5). Este conceito também é defendido por muitas cenas e principalmente as que fornecem à
Massaud Moisés: diz que a obra literária sem conflito obra a característica do Romantismo.
é medíocre.
Já o filme escolhido apresenta as cenas em que
A pesquisa é essencial para escrever um bom aparecem as personagens ‘más’ em locais escuros e
roteiro, mesmo que seja adaptação de uma obra as ‘boas’ em locais claros. Mostra a cidade de
literária. Uma vez escolhida a obra, que geralmente Londres, tal como seria naquele momento histórico,
é um romance para longa-metragem ou um conto com ruas estreitas, pouca luminosidade, portas
para um curta-metragem, devemos começar pela fechadas, tal como descreve a obra.
pesquisa preliminar, como o modo de vida, a política
O roteiro foi focado no drama central do menino
etc. Determinar parâmetros e aumentar o
Oliver e, mesmo assim, algumas cenas foram
conhecimento sobre o assunto para melhorar a
adaptadas pelo produtor. As personagens foram
encenação da obra dentro de um contexto histórico.
muito bem escolhidas, Oliver um garoto loiro, magro
Dentro desta linha existem as personagens. Elas e ingênuo; Fagin, o senhor que ‘cuida’ dos garotos
são tão importantes na obra escrita quanto na que trabalham na rua, é barbudo e tem uma
cinematográfica. Encontrar uma pessoa que se maquiagem bem carregada para adequá-lo à per-
enquadre nos requisitos básicos para o melhor sonagem; Sikes um homem bruto e de pouco
entendimento do filme é essencial. Assim, não conhecimento, bem do tipo machista; Nancy,
podemos colocar um menino lindo e saudável para protetora de Oliver e esposa de Sikes, que tem bom
representar Oliver, visto que ele é órfão e passa fome coração apesar de roubar para sobreviver; entre
na Workhouse. Esse erro ocorreu no filme de 1998, outros. Chamamos a atenção do leitor para dizer que

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Oliver Twist, de Charles Dickens: uma comparação entre obra literária e versão cinematográfica
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a quantidade de detalhes que foram suprimidas da O tempo desprendido do espectador/leitor é dife-


obra para a execução do filme são enormes. rente. No filme, o tempo exigido é uma constante de
imagens que necessita de concentração apenas,
Outro fato que podemos explorar é a diferença
existente entre os filmes citados anteriormente. Ou enquanto que a obra escrita exige muito mais do
seja, o filme produzido por David Lean (1948) explora leitor, pois ele precisa imaginar a cena em que se
muito mais a caracterização dos personagens e tenta passa o enredo. Contudo, na obra escrita, a leitura é
se aproximar ao máximo da obra literária quanto que feita em qualquer momento, podendo o leitor retomá-
o produzido por Tony Bill, que fica com a semelhança la, adiar etc. O ato da leitura do romance nos permite
da ambientação e a utilização de novos recursos conscientizar sobre as questões apresentadas pelo
tecnológicos, alterando assim o enredo da obra para autor.
adequá-la à época produzida.

Uma obra literária não atingirá seu devido valor no 6 O filme em relação ao livro
cinema e nem o roteiro causará boa leitura. A
Agora, vamos discutir um pouco sobre os senti-
adaptação transforma a obra literária numa outra arte,
mentos que estas artes nos proporcionam. Sabemos
de forma que perderá muitas de suas características
que o livro nos prende pela razão e o filme pela
e ganhará outras. Podemos dizer que a obra literária
emoção. Para que o leitor se interesse pela obra é
serviu como incentivo para a criação da
necessário que o texto consiga desencadear a
cinematográfica. Assim, a adaptação consiste em
representação da realidade afastada (verossimi-
alterar a obra para enquadrá-la nos princípios
lhança), ou seja, a obra deve ser apta a mexer com
necessários para a produção.
os sentimentos dos leitores. Já o filme tem uma
Essa adaptação focaliza a linguagem, a qual modi- projeção diferente: ele dirige o que o espectador deve
ficará tanto a visual como a falada. Também não
sentir através das cenas exibidas, visto que ele não
podemos nos esquecer que a escrita muda, ou evolui,
precisa raciocinar para entender profundamente a
com o passar do tempo.
imagem.

[...] O romance, feito para ser lido, transforma-se no


[...] Por outro lado, a simplicidade extrema com que se
filme, para ser visto, o que acaba por modificar-lhe
organiza uma seqüência cinematográfica, na qual todos
radicalmente a substância. Por isso, ler o romance e
os elementos são, acima de tudo, figuras particulares,
depois assistir ao filme comporta via de regra uma
requer apenas um esforço mínimo de decodificação e
decepção: o cinema, incapaz de abranger tudo quanto o
ajuste, para que os signos da tela adquiram um efeito
romance comunica por meio das palavras, reduz, por
pleno de emoção. [...] O filme e o livro se opõem. O
força de suas características fundamentais, o panorama
texto só fala aos sentimentos através do filtro da razão.
que o romance oferece do mundo, dele retirando apenas
As imagens da tela limitam-se a fluir sobre o espírito da
aquilo que se pode ver: ‘o filme valoriza precisamente o
geometria para, em seguida, atingir o espírito do
que na prosa não precisa ser posto em relevo; mas omite
refinamento (XAVIER, 1983, p. 293-4).
necessariamente o que é o essencial dum livro’ (ASTRE,
apud MOISÉS, 1997, p. 326).
Então, podemos dizer que a razão exerce mais
Outra diferença entre cinema e romance é: o pri- influência sobre o indivíduo do que as imagens. O
meiro é a representação das ações dos personagens sentimentalismo utilizado pelo texto permite aos
e o outro é narrativo e descritivo. O ritmo também é leitores transformarem em crítica e em lógica. Isto
diferenciado: num é rápido, pois as cenas possuem também acontece com as obras que têm tendência
um tempo de duração e não podem retroceder, e no a disseminar o ilógico ou o absurdo, a razão encontra
outro é lento e quem determina este tempo é o leitor, o caminho da idéia e do sentimento.
que lê e relê quantas vezes forem necessárias. Isto
Por outro lado, o filme utiliza apenas a emoção e a
permite um melhor aproveitamento do romance, pois
reflexão fica prejudicada pela velocidade das imagens.
o leitor é totalmente responsável pelo tempo, visto
que o espectador nada pode fazer para rever a cena
[...] A primeira apreensão lógica é tão fugaz que a
perdida. verdadeira idéia, aquela que a imagem pode gerar, só se

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produz depois que o sentimento foi envolvido e sob sua O filme auxilia na interação entre uma disciplina e
influência. Mesmo quando amplia convicções que,
posteriormente, poderão ser confirmadas pelo raciocínio, outra. Permite estabelecer confrontos entre elas.
o filme continua a ser, por si só, um caminho pouco Desta forma pode-se obter maior êxito para a forma-
racional, um caminho sobre o qual a propagação do
sentimento ganha velocidade sobre a formação da idéia. ção da cultura, além de formar alunos capazes de
É um caminho romântico, acima de tudo (XAVIER, 1983, opinar sobre situações que não viveram, mas que
p. 294-5).
puderam observar. Auxilia também no processo de
memorização daqueles que têm esta facilidade, ou
Pode-se dizer então, que a leitura desenvolve as
habilidades consideradas superiores. Para explicar seja, a memória fotográfica.
melhor: o poder de abstrair a imagem, classificar as Outro artigo, encontrado na biblioteca da ECA, foi
ações, deduzir fatos, entre outros. Já o cinema o Vídeo na Sala de Aula, escrito por José Manuel
desenvolve as habilidades mais antigas, ou seja, a Moran. Aponta os diversos modos de se utilizar o
emoção e a indução. Desta forma, podemos dizer filme. Geralmente, o filme é utilizado, nas escolas,
que a comparação entre estas artes não é pertinente,
para ‘tapar buracos’, com a falta de professores,
já que atinge pontos diferenciados.
falta de interesse em ministrar a aula, entre outros.
Coloca-se o filme e não há comentários prévios e
7 A imagem contra a palavra nem abertura para debates sobre ele. Diante disto, o

A imagem é utilizada para difundir vários conceitos aluno sente-se desmotivado e não presta a atenção
e conhecimentos. Pode-se direcionar o espectador necessária. Diz também que, o filme transmite uma
ao caminho pré-determinado pela mídia e se este linguagem fácil de que o aluno desprende pouco
instrumento puder, deverá contribuir para estabelecer esforço para adquirir a mensagem subjetiva a que
e divulgar uma forma de cultura quase ignorada até ele propõe.
agora.
Explica, também, como utilizar o vídeo na sala de
Não quero dizer aqui que não devemos desapreciar aula: o professor deve preparar a aula antecipa-
os filmes. Devemos tomar cuidado com o que nos é damente, de forma que ao entrar na sala bastará
transmitido. Assim, a reflexão é o ponto crucial para apertar a tecla necessária para o início da progra-
o aproveitamento desta arte visto que ela atua na mação. O não conhecimento do professor quanto ao
emoção do espectador. Agir somente com a emoção equipamento causa ao aluno desinteresse, pois
é perigoso. É necessário dosar a emoção com a razão, demorará muito tempo a ser exibido, além do pouco
ou seja, é necessário ler vários romances e também
caso.
assistir aos vários tipos de filmes.
A programação consta de que é necessário dar
informações prévias, como também mencionar em
8 Conceitos sobre utilização do filme qual ponto deve-se prestar atenção. Após o término
Primeiramente, devemos abordar as diferenças do filme iniciar um pequeno debate, proporcionando
existentes entre uma obra literária e um filme, ao aluno uma reflexão sobre o assunto. Questões
considerando questões como a linguagem, a rapidez como: pontos negativos, positivos e que seria
da cena e o objetivo pretendido, entre outros fatos. mudado.

A introdução do cinema na escola (e, mais em geral, a


presença da problemática normativa às linguagens 9 A literatura na educação
audiovisuais) torna-se um momento de confronto entre
um tipo de cultura centrado na palavra (aquela que No livro O ato da leitura: uma teoria do efeito
institucionalmente a escola deve transmitir) e aquela que
poderíamos chamar de cultura icônica (a imagem em estético, encontramos os efeitos da leitura. Não há
todas as suas possíveis articulações e em suas escritor sem leitor. Um depende do outro. Existe um
integrações com a palavra), que tem, como vimos uma
parte cada vez mais importante nos processos jogo de fantasia.
informativos e ‘formativos’ (COSTA, 1989, p. 39).

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[...] É que a leitura só se torna um prazer no momento do livro; a leitura era realizada em conjunto (as pági-
em que nossa produtividade entra em jogo, ou seja, quando
os textos nos oferecem a possibilidade de exercer as nas a serem lidas eram mencionadas pela professora,
nossas capacidades. Sem dúvida há limites de tolerância que marcou data para entendimento da obra em sala
para essa produtividade; eles são ultrapassados quando o
autor nos diz tudo claramente ou quando o que está sendo de aula); e, no final do semestre foi exibido o filme
dito ameaça dissolver-se e tornar-se difuso; nesse caso, em que os alunos fariam uma comparação entre obra
o tédio e a fadiga representam situações-limite, indicando
em princípio o fim de nossa participação (princípio de literária (traduzida) e o filme cinematográfico.
Laurence Sterne) (ISER, 1999, p. 10-11).
Desta forma o aluno aproveita melhor a leitura e
tem a oportunidade de fazer relações entre as diver-
O momento da leitura nos proporciona uma inte-
sas opções que a Língua Portuguesa e Literatura
ração com o autor. Abandonamos nossos pensamen-
oferecem.
tos e assumimos a seqüência de fatos do enredo, ou
seja, ‘viajamos’ tal qual deseja o autor. Cada texto
[...] Procura conectar símbolos e experiência que,
lido produz um novo conceito, surge a relação que anteriormente, não apresentavam quaisquer relações
entre si. O que se deve notar, no entanto, é que o
organiza entre o tema e a nossa experiência. Essa
pensamento criador não aproxima pura e simplesmente
manifestação ocorre em cada leitor de forma símbolos diversos, num jogo de ensaio e erro. Antes, a
diferente. Uma obra nunca totaliza a quantidade de relação se dá primordialmente através dos significados
sentidos, ou dos sentimentos. Para o criador as ligações
nossas orientações e disposições, razão pela qual ocorrem, inicialmente, num nível pré-simbólico, vivencial.
cada texto exige diferentes orientações para o Num segundo momento é que ele busca expressar tais
relações, encontrando símbolos que possam traduzi-las.
entendimento e se a leitura do mesmo texto ocorrer [...] E ainda outra afirmação do autor é importante: a de
em épocas diferentes seus resultados também o que o indivíduo criador é justamente aquele que dirige
sua atenção a seus sentimentos, para depois expressa-
serão. los por meio de símbolos e de novas relações simbólicas
(DUARTE JUNIOR, 1988, p. 96-97).
Neste caso, presença quer dizer mudar de tempo,
embarcar na viagem proporcionada pela leitura. Ao
Exercitar o poder de comunicação é primordial ao
imaginar, o indivíduo deixa o presente momento e crescimento humano. Para escrever ou falar de forma
vivencia outro, seja no passado ou no futuro. Essa clara e sem ambigüidades é necessário um trabalho
experiência proporciona viver outra vida durante a árduo de exercícios e leituras. O receptor da
leitura. “[...] Tal experiência já é antiga e se compro- mensagem deve compreender o significado explícito
vou muitas vezes. Gostaríamos de lembrar que, no daquilo que o emissor deseja comunicar. “Quanto à
século XVII, a leitura do romance, na época um expressão, esta diz respeito à manifestação de
gênero emergente, era considerada uma forma de sentimentos (através de diferentes sinais ou signos).
loucura porque o leitor se tornava outro durante a Na expressão não se transmite um significado
leitura” (Ibidem, p. 90). Esta experiência proporciona explícito, mas se indicam sensações e sentimentos”
viver emoções diferentes do seu dia a dia. (DUARTE JUNIOR, 1988, p. 40).

Na realização da pesquisa de Iniciação Científica,


10 Como podemos utilizar a arte na percebemos a importância que existe tanto na leitura
educação? como no filme cinematográfico. Entender a finalidade

No Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa e explorar os mais variados caminhos nos ajuda a

– 5º semestre – tive a oportunidade de observar os aprimorar o conhecimento de mundo e, conseqüen-

alunos da 7ª série do Colégio Marista Arcqui- temente, formar conceitos e opiniões sobre vários

diocesano, em São Paulo. A partir do romance temas, tais como: comportamento, política, história,
gramática, estilo de linguagem entre outros.
Frankenstein, escrito por Mary Shelley, fez-se toda
a programação de um semestre, ou seja, as frases E por falar em linguagem, percebemos também
para análise sintática foram extraídas do livro; a como é vasto o campo das diferenças de estilo.
criação de uma narrativa de terror baseada no estilo Melhor dizendo: existe enorme diferença entre a

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leitura da obra traduzida da versão original. No mo- conjunto para que desta forma possamos perceber
mento em que o tradutor escolhe o significado das as diferenças existentes. Uma delas é que o filme
palavras, a forma como organizá-las, pontuação etc., não utiliza a obra na íntegra e assim faz alterações/
proporciona mudanças significativas na interpre- adaptações para atender ao roteirista e à situação
tação. Assim podemos dizer que existem diferenças do momento.
entre tradutores, o que dificulta a escolha da melhor
Mas também, não devemos ficar somente na leitu-
adaptação. Nesse caso, pedimos para que o leitor/
ra, já que existem ótimos filmes a serem vistos. Suge-
professor dê mais atenção à versão original para
rimos que ele seja utilizado para entretenimento e
aproveitar melhor o trabalho do autor.
não em substituição ao conhecimento sobre as diver-
Já o fato da comparação entre a obra e o filme sas culturas nas mais diversas épocas.
cinematográfico sugere que, o trabalho seja feito em

Notas
1
O Sr. Chitling era mais velho do que Dodger, pois que a cor sofresse influência do clarão das lâmpadas,
devia andar pelas dezoito primaveras; manifestava, e a sala estava tão impregnada de fumo de tabaco
porém, uma tal deferência para com este cavalheiro que a princípio quase nada seria possível distinguir.
que parecia indicar que sentia um tanto inferior a ele À medida, porém, que o fumo ia se escoando pela
em gênio e conhecimentos profissionais. Tinha os porta aberta, tornava-se visível um aglomerado de
olhos pequenos, faiscantes, num rosto marcado pelas cabeças tão confuso como o barulho que feria os
bexigas; trazia um boné de peles, uma jaqueta escura ouvidos: e, depois de os olhos do espectador se
de belbutina, calças de fustão ensebadas e um familiarizarem com a cena, acabaram por verificar a
avental. presença de numerosa assembléia, de homens e
2
mulheres apinhados em volta de uma mesa comprida,
O quarto estava iluminado por dois bicos de gás,
numa das extremidades da qual se sentava um
cujo reflexo não se podia ver de fora, devido as janelas
presidente em exercício, de martelo na mão. Um
estarem fechadas e corridas as suas cortinas de um
músico, de nariz azulado e com a cara atada por
vermelho desbotado. O teto era preto, para evitar
sofrer dos dentes, fazia retinir um piano, a um canto.

Referências
BERGSON, Henri. O riso – ensaio sobre a significação do FIELD, Syd. Manual do roteiro. Os fundamentos do texto
cômico. Tradução de Eliane Stephan. Rio de Janeiro: Zahar cinematográfico. Tradução de Álvaro Ramos. Rio de Janeiro:
Editores, 1983. Objetiva, 1995.

BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. 13. reimpr. São ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético.
Paulo: Brasiliense, 2000. São Paulo: Ed. 34, 1999. v. 2.

CEVASCO, Maria Elisa; SIQUEIRA, Valter Lellis. Rumos da MOISÉS, Massaud. A criação literária: Prosa. São Paulo:
literatura inglesa. 5. ed. São Paulo: Ática, 1999. Cultrix, 1997. (Capítulo 4).
MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Revista
COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 2. ed. São Paulo:
Comunicação e Educação, São Paulo, (2): 27 a 35, jan./abr.
Globo, 1989.
199 5.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. Tradução
OLIVER Twist. Roteiro e direção de David Lean. São Paulo:
de Sandra G. T. Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999. Cinematográfica F. J. Lucas Netto, 1948. 1 fita de vídeo
DICKENS, Charles. Oliver Twist. England: Penguin Books, (111 min), VHS, son., branco e preto.
199 4. OLIVER Twist. Roteiro de Monte Merrick. Direção de Tony
________. Oliver Twist. Tradução de Antonio Ruas. São Paulo: Bill. São Paulo: Walt Disney Pictures, 1998. 1 fita de vídeo
Círculo do Livro, 1976. (91 min), VHS, son., cor livre.

________. Oliver Twist. Tradução de José Maria Machado. SILVEIRA, Alcântara et al. Os romancistas. São Paulo: Cultrix,
196 1.
São Paulo: Edigraf, s/d.
XAVIER, Ismail. A experiência do cinema: antologia. Rio de
DUARTE JUNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos
Janeiro: Graal: Embrafilme, 1983. (Coleção Arte e Cultura,
da educação. 2. ed. Campinas: Papirus, 1988. v. 5).

Revista PIBIC, v. 1, n. 1, p. 119-130, 2004

Você também pode gostar