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FILOSOFIA – Capítulo 02

A origem da Filosofia

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA 01
MITOLOGIA 03
A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA OU NATURALISTA 06
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 11
EXERCÍCIOS PROPOSTOS 11
SEÇÃO ENEM 12
A origem da Filosofia A
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA por que a civilização ocidental, sob influência dos gregos,
portanto, da Filosofia, tomou uma direção completamente
diferente da civilização oriental.

A origem existencial da Filosofia Assim, podemos compreender como, por exemplo,


os gregos tomaram dos egípcios alguns conhecimentos
A origem da Filosofia data dos séculos VII e VI a.C. Foi na
m a t e m á t i c o - g e o m é t r i c o s s o b r e a n a t u r e z a . Ta i s
Grécia, na região da Jônia, na cidade de Mileto, que esse
conhecimentos possuem para os egípcios um caráter
modo de conhecimento ganhou forma e se estabeleceu
claramente prático, como a utilização de cálculos para
como maneira de compreender o mundo. Portanto,
medir a quantidade de gêneros alimentícios, para medir
pode-se afirmar que a Filosofia é fruto do gênio helênico,
a área dos campos após as inundações do Rio Nilo,
ou seja, é fruto da genialidade dos gregos. É por causa do
para se realizar medidas e projeções na construção
nascimento da Filosofia na Grécia que costumeiramente se
das pirâmides. Tais usos são claramente racionais. Mas
diz que a “Grécia é o berço da civilização ocidental”. De fato, vejamos a matemática sob a ótica da Filosofia, quando
a Filosofia apresenta-se como a “rainha das ciências”. Tal foi apropriada pelos gregos. Reelaborados pelos gregos,
característica se deve exatamente ao fato de a Filosofia ter os conhecimentos matemáticos adquirem um caráter
sido o primeiro modo de conhecer o mundo e os homens de qualitativo. Com o trabalho desenvolvido pelos pitagóricos,
forma estritamente racional. os gregos transformaram o uso da matemática com fins
práticos em uma teoria geral e sistemática dos números e

As influências dos povos orientais das figuras geométricas. De modo mais simples: enquanto
o conhecimento matemático dos egípcios usava o cálculo
O início da civilização grega, que foi a primeira a se com fins práticos, Pitágoras (o primeiro a utilizar a palavra
desenvolver na Europa, se dá por volta do século XX a. C., filosofia) buscou alcançar a realidade matemática que existia
com a junção ou encontro das culturas minoica e micênica. por detrás daquilo que é perceptível aos sentidos humanos.
Tal civilização habitou a Península Balcânica, a mais oriental Se o mundo, aparentemente, é aquilo que está posto às
do sul da Europa, rodeada de inúmeras ilhas. Graças ao experiências humanas, a filosofia pitagórica (e boa parte
seu relevo montanhoso, inúmeras comunidades isoladas da Filosofia, pelos menos até Descartes, no século XVII) vai

e autônomas se desenvolveram, formando, a partir do buscar aquilo que está para além da aparência, procurando
compreender ou apreender a causa primeira, a essência
século VIII a.C., as pólis gregas ou cidades-estado. Isso
última das coisas. Perceba que o pensamento pitagórico
significa que, antes dos gregos, vários outros povos já
busca compreender a natureza numa generalidade muito
contavam com uma história de vários séculos. Mas por
mais ampla do que daquilo que se apresenta aos nossos
que a Filosofia nasceu com os gregos, mesmo sendo estes
sentidos. Pitágoras investiga a estrutura invisível da natureza
antecedidos por civilizações bastante desenvolvidas, como
que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pela
a dos egípcios, dos babilônios, dos caldeus, dos chineses e
atividade puramente racional.
dos persas, por exemplo?
Enfim, a Filosofia é um modo de pensar a realidade, um
Há de se considerar, para compreendermos a genialidade modo de compreensão do mundo, que surge com os gregos
dos gregos na origem da Filosofia, o caráter não puramente dos séculos VII e VI a.C. e que, devido a razões históricas
quantitativo, mas qualitativo de suas pesquisas, o que e políticas, posteriormente se tornou o modo de pensar
representa uma absoluta e extraordinária novidade. o mundo de toda a cultura europeia ocidental, da qual,
Somente através dessa constatação é possível compreender como povo colonizado, nós participamos.

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Frente A

A origem histórica da Filosofia 1. Viagens marítimas: a pouca fertilidade do solo


acidentado, característica marcante do território no
qual viviam as comunidades gregas, foi compensada
pela presença de excelentes portos naturais,
MACEDÔNIA
o que permitiu o grande desenvolvimento das
viagens marítimas. Tais viagens ajudaram no
desencantamento do universo, na desmistificação
ÁSIA da natureza, quando os homens, viajando em
ÉP

MENOR
IR

alto-mar, percebem a inexistência daquilo que os


O

TESSÁLIA MAR EGEU


mitos narravam como monstros marinhos, abismos

LID
e terras dos deuses, os quais faziam parte do
Atenas
IA
Éfeso imaginário do povo daquela época. Dessa forma, as
PELOPONESO
viagens marítimas são como o estopim que detona
MAR
JÔNICO
Esparta Mileto
um gradativo descrédito das explicações mágico-
imaginárias da natureza.
RODES
É interessante notarmos a estreita ligação que unia os
Cnossos gregos ao mar e a importância deste para o progresso
Cumae
CRETA
Nápoles
Taranto daquela civilização. Diante do aumento expressivo da
Editoria de arte

Magna Grécia população nas principais cidades-estado, como Atenas,


Siracusa os gregos se viram obrigados a fundar muitas colônias
na região do Mediterrâneo em busca de terras férteis
Mapa da Grécia: a civilização grega desenvolve-se no para a agricultura e o sustento da população.
Mediterrâneo Oriental
2. Invenção do calendário: a invenção do calendário
Dissemos que a Filosofia tem data e local de nascimento: concede aos gregos o “domínio” do tempo. Se no
Grécia, fins do século VII e início do VI a.C., na região da contexto dos mitos eram os deuses que determinavam
Jônia (nas colônias da Ásia Menor), na cidade de Mileto. o tempo e eventos da natureza, como as estações
do ano, agora, com a divisão do tempo e o modo
Uma das grandes questões em relação ao nascimento
de calculá-lo, os homens tornam-se capazes de
da Filosofia é saber o porquê de seu nascimento e
identificar a sua regularidade, não necessitando da
por que ela nasceu especificamente com os gregos.
interferência e vontade dos deuses.
Duas foram as teses levantadas: a do “milagre grego” e
a do orientalismo. 3. Surgimento da vida urbana: com o crescimento do
comércio, impulsionado pelas trocas comerciais,
A tese do “milagre grego” defenderá que a Filosofia surgiu
possíveis graças às viagens marítimas, algumas
na Grécia como um verdadeiro milagre, ou seja, que não
cidades se despontam como centros comerciais.
houve qualquer precedente para o seu surgimento. Foi um
A primeira dessas cidades é Mileto, que não por acaso
acontecimento espontâneo e não há um contexto original que
é a cidade natal da Filosofia. Tal crescimento faz
justifique sua origem. Considera-se, assim, que esse modo
surgir uma nova classe constituída de comerciantes
de pensar e conceber o mundo e o homem simplesmente
e artesãos, que representam um outro polo de poder,
apareceu, e uma das razões para seu aparecimento é a
opondo-se à aristocracia de sangue e proprietários
genialidade dos gregos.
de terra que, até então, representavam e detinham
Outra explicação, a do orientalismo, dirá que a Filosofia o poder na cidade. Essa nova classe, como uma
nasceu com as transformações realizadas pelos gregos espécie de mecenas da Antiguidade, investiu e
sobre conhecimentos advindos dos povos orientais, como estimulou as artes, o desenvolvimento das técnicas
a agrimensura dos egípcios, a astrologia dos babilônios e e o conhecimento, o que proporcionou um ambiente
outros. propício ao surgimento da Filosofia.

Hoje, ambas as teorias, “milagre grego” e orientalismo, foram 4. Escrita alfabética: se até então a tradição mítica se
superadas. Acredita-se atualmente que a Filosofia foi fruto sustentava sob uma tradição exclusivamente oral,
das condições históricas da Grécia dos séculos VII e VI a.C., transmitida de geração para geração pela fala, fato
que proporcionaram condições favoráveis ao surgimento que justifica o aparecimento de várias versões para
desse novo modo de pensar. Por isso, alguns estudiosos o mesmo mito, com a invenção da escrita alfabética,
da Filosofia, se referindo ao nascimento dessa forma de o mito é colocado no papel, é escrito, o que contribuiu
pensamento, dirão que ela é “filha da pólis”. Porém, que decisivamente para que se pudesse identificar seus
condições são essas? Podemos destacar os seguintes fatores: pormenores e suas contradições internas.

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5. Política: sem dúvida, a política foi um dos aspectos
mais importantes para o nascimento da Filosofia,
MITOLOGIA
que tem como uma de suas características mais
importantes a presença do discurso racional, o logos O mito: uma forma especial de
como sustentação, por meio de princípios lógicos, de
suas verdades e argumentos. A política traz consigo
explicar o universo e o homem
dois aspectos importantíssimos:

A – Com a formação da pólis, agora governada


democraticamente pelos cidadãos, surge
o espaço para as discussões políticas, que são
o modo de organização e administração da
cidade. A Ágora, ou praça pública, é o coração
da cidade, lugar onde são feitas discussões
e deliberações sobre as leis e outros assuntos
importantes para o bem da cidade. Há de se
destacar que, com a contribuição e a consolidação
da cidade-estado, da pólis, o grego descobriu-se
como verdadeiro cidadão (pertencente à pólis).
Tal posição não é mera contingência, mas faz
parte e constitui a própria essência do homem
grego que se vê somente como pertencente

FILOSOFIA
a um todo coletivo. Dessa forma, o estado
tornou-se o horizonte ético do homem grego
e assim permaneceu até a era helenística.
Os cidadãos sentiram os fins do estado como

Jacob Jordaens
seus próprios fins, o bem do estado como
seu próprio bem, a grandeza do estado como
sua própria grandeza e a liberdade do estado
como sua própria liberdade (REALE, Giovanni. Prometheus
História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São
Como foi dito, a civilização grega não nasceu junto à
Paulo: Paulus, 2003. V. I. p. 10).
Filosofia nos séculos VII e VI a.C. Esse povo tem suas
B – Ao conceberem por conta própria e segundo origens no século XX a.C. Também dissemos que o homem
seus próprios critérios as leis da cidade, tais não se contenta em não saber as coisas, ou seja, faz parte
leis passam a coincidir com a vontade dos da natureza humana buscar o conhecimento. Nas palavras
homens e não mais são impostas pela tradição de Aristóteles, “por natureza, todos os homens aspiram
e autoridade religiosas. A lei torna-se, então, pelo saber”.
expressão da coletividade humana que, pela
Se a Filosofia nasce treze séculos depois do surgimento da
racionalidade, tenta reproduzir na legislação da
civilização grega, como os homens respondiam à pergunta
cidade a própria ordem do cosmos.
“de onde veio o mundo” durante esse período?
Desse modo, a política, com a discussão das leis
e a tomada de deliberações importantes à vida da As duas “ferramentas” básicas que o homem tem para
pólis, estimula e exige um pensamento, um discurso explicar o universo são a razão e a imaginação. Logo,
racional, uma discussão política que necessariamente podemos dizer que, antes de utilizar a razão, manifestada
precisa de alto grau de inteligibilidade, coerência, no conhecimento filosófico, os gregos procuraram, como
permitindo a comunicação clara entre os cidadãos todos os povos do mundo, explicar a origem do universo
e seus pares. Tal necessidade faz surgir a semente e para tal utilizaram da imaginação a fim de compreender
do pensamento filosófico que, obedecendo a regras o funcionamento da natureza, da sociedade e o próprio
e princípios lógicos, não admite uma explicação que homem. Enfim, como forma de compreender o cosmos,
não se fundamente na razão livre ou que tenha como foi elaborada uma cosmogonia (tentativa de explicar o
base as explicações misteriosas e incompreensíveis nascimento, a origem do universo ou do cosmos por meio
do mito. Aqui se encontra a justificativa para a de narrativas imaginárias que remetem à fantasia, às formas
afirmação de que a Filosofia é “filha da pólis”. religiosas e míticas de expressão).

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Frente A

O que é o mito Dessa forma, o mito é a forma primeira de explicar o


mundo, a natureza e o próprio homem, tanto em sua
A palavra “mito” vem do grego mythos, que significa um dimensão interna quanto em sua dimensão externa. Nesse
modo particular de discurso que é fictício, proveniente da modo de conhecer, a imaginação exerce papel predominante
imaginação, sendo que de certo modo é identificado como como forma de levar o homem a uma harmonia com o mundo
uma “mentira”. que o cerca e de dar sentido à vida, à própria existência
O mito é uma forma particular de ver e tentar compreender humana e também encontrar um sentido no mundo.
o mundo baseada na imaginação. Voltado mais para os afetos
e sentimentos humanos do que ao rigor lógico-científico, A mitologia grega
ele não se preocupa com a coerência de seus discursos
e argumentos, tampouco com as provas que poderiam
torná-lo verdadeiro.

O mito é uma forma de o ser humano se situar no mundo.


Nas sociedades tribais, o mito apresenta-se como um modo
fantasioso, acrítico e ingênuo de explicação utilizado como
maneira de estabelecer algumas verdades que explicariam
tanto os fenômenos naturais quanto a própria vida, os
hábitos, os sentimentos e a moral dos homens dentro de
uma sociedade cultural.

Diferentemente da Filosofia, que se pauta em um raciocínio


elaborado e empiricamente comprovado na realidade,
o mito nasce como uma forma de expressão que se constrói
no imaginário de determinada comunidade, quando esta
se vê diante da ferocidade e dos mistérios da natureza,
dos fenômenos naturais, como o dia e a noite, o trovão,
o terremoto, o nascimento e a morte de homens e outros
seres. Dessa forma, o mito exerce o papel de “porto seguro”,
ele dá segurança e protege os homens contra aquilo que é
incontrolável e desconhecido. Assim, há uma qualificação
da natureza e de seus fenômenos que se apresentam Hércules e Atena
então como bons ou maus, amigos ou inimigos, aliados ou
A religiosidade grega, como na maior parte dos povos
contrários aos homens e às sociedades.
da Antiguidade, era politeísta. Os deuses gregos eram
Se a natureza ganha vida própria com os mitos, antropomórficos (antropo: homem; morphos: forma).
é necessário que, por meio dos ritos, as forças e vontades Dessa forma, tais divindades possuíam características
da natureza sejam aplacadas ou cultuadas. Dessa forma, os tipicamente humanas: sentiam prazer, iravam-se, maquinavam
ritos, que são tão somente manifestações de mito realizadas para se vingarem dos deuses ou dos homens, se apaixonavam,
em práticas cerimoniais, têm como finalidade interferir traíam, sentiam ciúmes. Enfim, os deuses possuíam todas as
na “vontade” da natureza, que agiria sempre de forma características e sentimentos que identificamos como humanos,
intencional, a favor ou contra os homens. quer sejam bons ou maus, qualidades e defeitos. Porém, por
Dessa forma, o mito está intimamente ligado à magia, serem deuses, tinham poderes sobrenaturais, além de serem
aos sentimentos, bons ou maus, à fantasia e às forças imortais, motivo por que permaneciam eternamente jovens.
sobrenaturais que interferem, inexplicavelmente, na vida dos Tais deuses habitavam o Monte Olimpo, a montanha mais
homens e da sociedade e nas manifestações da natureza. alta da Grécia. No alto da montanha, eles se reuniam para
se divertir, dançar, comer, cantar, etc.
A função do mito Cada um dos deuses tinha uma condição ou atributo
Pelo que foi dito, o mito tem, dentro das sociedades especial, sendo responsável por determinado fenômeno
primitivas e tribais, a função de acomodar e tranquilizar o natural ou por algo concernente à vida dos homens em
ser humano diante de um mundo misterioso e assustador. aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais. Entre os
Encarnado nos ritos, o mito é para os homens uma forma mais importantes, citamos: Zeus, o chefe dos deuses e o
de apaziguamento das forças sobrenaturais e serve como mais poderoso entre eles, que possuía o poder do raio com o
baliza que garanta um comportamento linear e moral, qual castigava todos os que por ventura o desafiassem ou se
possibilitando a ordem social. opusessem às suas determinações; Afrodite, a deusa do amor;

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Apolo, deus da música e da poesia; Ares, deus da guerra; Por outro lado, analisando o conteúdo, veremos que
Ártemis, deusa das montanhas, bosques e caça; Atena, a Filosofia não rompe definitivamente com o mito, uma
deusa da sabedoria e da estratégia militar; Caos, deus do vez que, em grande parte, os problemas tratados pela
indefinido, da desordem, daquilo que havia antes do cosmos; Filosofia são os mesmos que os mitos buscavam responder.
Cárites, deusas da beleza; Eros, deus do amor; Hades, deus Por exemplo, a questão da origem do universo e de seu
do mundo dos mortos; Gaia, deusa da Terra. funcionamento, antes explicada pela mitologia sempre por
meio de alusões ao campo divino, a Filosofia tentará explicar
Além dos deuses, na mitologia grega também há a
com base na busca pré-socrática pelo princípio primeiro e
presença de semideuses, heróis responsáveis por feitos
unificador da natureza, denominado por eles de Arché.
extraordinários, nascidos da relação amorosa entre deuses
e humanos. Entre os mais importantes, citamos: Teseu, que Dessa forma, é incorreto afirmar que a Filosofia rompeu
derrotou o minotauro. Hércules, que teve de cumprir doze radicalmente com os mitos. De alguma maneira, o que se
tarefas dadas a ele pelo oráculo de Delfos; Perseu, famoso observa, principalmente no início do pensamento filosófico, no
por ter decapitado a medusa. período pré-socrático ou cosmológico e também no período
antropológico ou socrático, é uma complementaridade de mito
É importante ressaltar que os deuses e os mitos diziam
e Filosofia na tentativa de conhecer e explicar a realidade.
respeito tanto à ordem do universo e da natureza quanto aos
aspectos da vida do homem, da condição humana, como os Não há de se pensar em mito como uma mentira e Filosofia
sentimentos, as habilidades, por exemplo, do artesanato, da como uma verdade.
construção, da fala e argumentação, da sedução, e também
a vida em sociedade, etc. [...] mito e logos são as duas metades da linguagem, duas
funções igualmente fundamentais da vida do espírito.
As histórias míticas na Grécia Antiga não são fruto da O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.

FILOSOFIA
capacidade imaginativa de um só autor ou autores, mas O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
são produtos de uma tradição cultural de um povo, a qual “lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
tem seu início impossível de ser determinado. Os principais (sofisma). Mas o mito tem por finalidade apenas a si
poetas, considerados os grandes responsáveis pela maior mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria
parte do conhecimento sobre a mitologia grega que temos vontade, mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou
em nossos dias – Homero, que escreveu Ilíada e Odisséia verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar.
O mito, assim, atrai em torno de si toda parcela do irracional
(século IX a.C.) e Hesíodo, que produziu a Teogonia
existente no pensamento humano; por sua própria
(século VIII a.C.) –, na verdade não são os autores desses
natureza, é aparentado à arte, em todas as suas criações.
mitos, mas o que fizeram foi registrar os relatos orais da
tradição dos muitos povos que habitaram a Grécia desde o GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1982. p. 8-9.
século XV a.C.

Como dito, por se tratar de formas de conhecimento


A trajetória do mito ao logos distintos, mito e Filosofia não podem ser colocados como
É comum encontrarmos autores que dizem que na opostos ou pensados sob uma lógica de verdadeiro ou
passagem da consciência mítica à consciência filosófica, falso, certo ou errado. Trata-se de modos de conhecer
ou seja, na passagem de uma visão imaginária para uma diferentes e particulares. A aceitação do mito se fundamenta

visão racional da realidade, houve uma ruptura radical na autoridade de quem diz, pois pressupõe uma adesão

com a tradição e cultura gregas marcadas, antes, pelas daqueles que o recebem. Já a aceitação da Filosofia se

explicações religiosas, e agora pela Filosofia. Tal posição concentra naquilo que se diz, pois admite, ao contrário do
mito, uma atitude crítica e investigativa. O mito é dado
deve ser considerada em duas perspectivas: a da forma e
aos homens pela revelação ou visão dos videntes (poetas
a do conteúdo.
rapsodos que tinham o dom da vidência e transmitiam aos
Se analisarmos a forma de explicação própria da homens as mensagens dadas pelos deuses). Ele se baseia
mitologia em contraposição à da Filosofia, perceberemos na fé / confiança daqueles que o recebem como verdade e
que há sim uma ruptura dos primeiros filósofos com essa não necessita de justificativa nem de provas para ser aceito
forma imaginária de conhecimento, baseada na fantasia, e seguido. A Filosofia, ao contrário, deve ser justificada
no sobrenatural, no mistério, no sagrado e na magia. racionalmente, pois, se assim não for, o argumento torna-se
A Filosofia buscará suas explicações com fundamentos na inválido e não será aceito. O mito aceita contradições internas
razão, na observação da natureza, da phisys, justamente em seu discurso, já a Filosofia não aceita contradições, uma
como fizeram os primeiros filósofos, os pré-socráticos, que vez que deve ser inteligível e coerente com os princípios
estudaremos em seguida. básicos do pensamento lógico.

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Frente A

A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA dirigiam inúmeras caravanas provenientes de vários locais,


principalmente do Oriente, que traziam a essas cidades
OU NATURALISTA suas mercadorias para depois serem levadas a outros
locais e regiões do Mediterrâneo. Consequentemente,
movidos por interesses comerciais, várias culturas que aí
Os filósofos pré-socráticos ou se encontravam trocavam as mais variadas informações,
inclusive sobre as tradições culturais míticas próprias de
filósofos da natureza cada um desses povos, o que fez com que eles percebessem
as inúmeras formas e histórias diferentes com um só
Recebem o nome de pré-socráticos os pensadores
objetivo, o de explicar a realidade. Qual história estaria
fundadores da Filosofia, que, cronologicamente, são
correta? Qual seria a verdadeira? As inúmeras variações
anteriores a Sócrates, sendo que alguns chegaram a ser seus
míticas levaram os gregos a perceber que poderia haver
contemporâneos. A marca principal do pensamento desses
uma relativização dos mitos, e, consequentemente, que
primeiros filósofos é sua preocupação com a natureza e sua
nenhum deles poderia ser absolutamente verdadeiro.
origem. Veremos adiante a importância de Sócrates para
a Filosofia, que representa uma reviravolta devido à sua Dessa maneira, a Filosofia ou, nesse primeiro período, as
preocupação com o ético-político, ou seja, o seu foco será explicações filosófico-científicas vão se despontando com a
o homem e a sociedade, ao contrário dos pré-socráticos, tentativa dos gregos de explicarem o universo, a natureza
que se preocupavam com a origem do cosmos ou da physis. e o próprio homem de forma diferente. Agora, o universo
passa a ser visto não como algo secreto e misterioso,
Diante das inúmeras transformações históricas, políticas
passível de ser decifrado somente por poucos escolhidos. Ao
e sociais ocorridas na Grécia dos séculos VII e VI a.C.,
contrário, todas as coisas são encaradas como possíveis de
como já tratamos anteriormente, as explicações míticas
serem conhecidas pelo homem que, apoiado em sua própria
foram se tornando cada vez mais insuficientes como forma
capacidade racional e em sua curiosidade observadora,
de compreensão do mundo, do homem e da natureza.
se põe em busca da explicação do mundo pela própria
As explicações míticas que se fundamentam na autoridade
observação das coisas, não se encontrando mais em uma
do poeta ou vidente que as contava, com a perda gradativa
realidade sobrenatural e inacessível. O cosmos se abre à
do poder por parte deste, também vão perdendo sua força
possibilidade do conhecimento. Os mistérios são descartados
e, consequentemente, vão se tornando distantes das
e o homem põe-se a pensar. Enfim, nasce a Filosofia.
aspirações dos gregos ao conhecimento.

De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem


O mito ainda sobrevive
uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por É comum, quando falamos em sala de aula sobre o
uma lado, pretende fornecer uma explicação da realidade, nascimento da Filosofia, algum aluno fazer a seguinte
por outro lado, recorre nesta explicação ao mistério e ao pergunta: mas e os mitos, eles foram descartados?
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode Ou, quando estamos lendo algum trecho da obra de Platão
explicar, que não se pode compreender por estar fora do em que Sócrates se refere aos deuses, o aluno perguntar:
plano da compreensão humana. A explicação dada pelo mas os mitos não foram superados? Por que Platão, sendo
pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na um filósofo, continua a se referir aos deuses?
impossibilidade do conhecimento.
Aqui, faz-se necessária uma observação sobre o processo
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos
pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar de modificação da função social do mito a partir do
Editora, 1997. p. 21. nascimento da Filosofia.

Com o aparecimento das explicações filosófico-científicas,


Uma interessante e importantíssima transformação os mitos vão gradativamente perdendo sua força enquanto
ocorrida na Grécia dos séculos VII e VI a.C. nos ajuda a única e inquestionável forma de explicação da realidade.
compreender como pouco a pouco o mito vai perdendo A ruptura com a forma do mito não se dá de maneira brusca
sua força explicativa da realidade. Essa transformação se e radical. Observe que o mito ainda ocupa um lugar de
deu com a interação ocorrida nas colônias gregas da Jônia, destaque nas sociedades atuais como forma de manifestação
principalmente Mileto (onde nasce a Filosofia), de várias da fé de determinadas pessoas ou como maneira de
culturas diferentes. Por se tratar de cidades que tinham explicar aquilo que até então é inexplicável, principalmente
importantes portos e entrepostos comerciais, para lá se pela ciência.

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Na cultura e civilização gregas, o mito continua exercendo Ao elaborarem uma cosmologia, os pré-socráticos
um papel importante para as pessoas, ainda que ele vá, consideram que o universo segue uma ordem. Aqui
gradativamente, mudando sua função naquela sociedade. compreendemos o termo cosmos como harmonia. Seu
Se antes do nascimento da Filosofia o mito era a única forma contrário é o caos, que é a desordem, a desarmonia. Os gregos
possível de explicar a origem do mundo e as mudanças tanto entendiam que o universo, portanto, era organizado, tinha
da natureza quanto dos homens e da sociedade, a partir dos uma ordem, e essa ordem era possível exatamente por
séculos VII e VI a.C., o mito perderá tal função explicativa, haver uma racionalidade no cosmos. Assim, o cosmos pode
passando a fazer parte da tradição cultural do povo grego. ser compreendido também como uma ordenação racional,
O mito ainda será amplamente utilizado como uma Paideia, hierárquica, em que há uma relação de causalidade entre
ou forma de educar o povo, transmitindo, principalmente
os vários elementos, conferindo esse ordenamento à
por meio das tragédias, os ensinamentos morais que irão
natureza. Ora, se o universo segue essa ordem, então ele
forjando o caráter do homem grego.
é um cosmos, e este é racionalmente organizado. Se se
compreende essa racionalidade, esse ordenamento, essa
O que buscavam os primeiros relação hierárquica de causa e efeito, compreende-se
filósofos o próprio universo. É essa compreensão que os
pré-socráticos buscavam.
Os pensadores pré-socráticos, chamados por Aristóteles de
physiólogos ou pensadores da natureza (physis: natureza; Nesse mesmo caminho, os pensadores naturalistas
logos: razão, pensamento), são os primeiros homens buscavam encontrar o logos, entendido como discurso
da história a se dedicarem a encontrar uma explicação racional. O logos difere fundamentalmente do mythos, que
puramente racional para a origem do universo. O objetivo se baseia na imaginação, na narrativa poética e fantasiosa
dos pré-socráticos representa o oposto daquilo que os como modo de compreender o real. Se o mito não necessita

FILOSOFIA
mitos realizavam. Enquanto estes explicavam a realidade de razões, o logos é essencialmente sustentado pelas razões
pela imaginação, aqueles queriam explicá-la pela razão, dadas àquilo que se conhece ou se quer conhecer. Por isso,
sem apelar a nada fantasioso e sobrenatural. Como foi dito ao dizer que os primeiros filósofos elaboraram explicações
anteriormente, a natureza e o mundo podem ser explicados ou discursos racionais sobre a natureza, dizemos que eles
pelo homem, de forma que não há mais mistério. É nisto elaboraram um logos. Esse logos consiste então em uma
que os primeiros filósofos acreditavam. explicação racional, argumentativa, na qual as explicações
e razões são sustentadas por meio de uma argumentação
Podemos afirmar que o objeto de estudo dos pensadores
da natureza é a physis ou a realidade natural. Eles buscam as sistemática e, ainda, sujeita à crítica e discussão.

causas dos processos e fenômenos naturais. Assim, a chave O pensamento dos pré-socráticos, principalmente da
que leva ao conhecimento da natureza encontra-se na própria escola jônica, não pretende, de forma alguma, ser dogmático,
natureza e não fora dela. Eles acreditavam que na natureza tudo e essa característica marca fundamentalmente a filosofia
agia e se transformava de acordo com uma relação de causa e desses primeiros pensadores. As respostas apresentadas não
efeito. Ou seja, tudo o que existe é um efeito de alguma causa querem se impor como verdades absolutas, ao contrário,
anterior. Desse modo, se se encontra a causa de um efeito, são passíveis de discussão, de crítica, de discordância,
essa causa, por sua vez, também se constitui como efeito exatamente porque são respostas e posições construídas
de uma outra causa anterior, da mesma forma, essa terceira
pelo homem e não respostas dadas por uma divindade, as
causa seria o efeito de uma quarta e assim sucessivamente.
quais não admitem oposição e reformulações. O melhor
Contudo, essa busca pela causa de um efeito poderia levar a
exemplo dessa característica tipicamente filosófica é que
investigação ao infinito, pois tudo seria um efeito de alguma
os discípulos mais importantes de Tales, Anaximandro
causa que é também o efeito de uma outra causa anterior.
e Anaxímenes, não concordaram com seu mestre sobre
Deste nexo causal entre tudo o que existe no universo, entre os
sua Arché, a água, e propuseram respostas diferentes,
fenômenos da natureza, nasce a ciência dos pré-socráticos. Se
respectivamente, o Ápeiron e o ar.
tal busca continuasse nessa lógica, os pré-socráticos cairiam em
uma busca infinita, o que, à semelhança dos mitos, tornaria a
1. Arché (Arkhé): o que está à frente. Essa palavra possui
Filosofia algo misterioso e inexplicável. Não admitindo a hipótese dois significados principais: 1) o que está à frente e por isso
de sair de uma explicação fantasiosa para entrar em outra, é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está à frente,
foi necessário admitir que deveria haver uma causa primeira, e por isso tem o comando de todo o restante. No primeiro
um princípio ou conjunto de princípios, uma matéria-prima significado, o mais relevante em relação ao princípio buscado
original, denominada Arché1, que teria dado início a todo o pelos pré-socráticos, Arché é fundamento, origem, princípio,
processo de transformação da natureza. É desse princípio o que está no princípio ou na origem, o que está no começo
original que os pensadores pré-socráticos estão à procura. de modo absoluto.

Pág 07
Frente A

O que pensavam os pré-socráticos Da vida de Pitágoras nada se sabe. Alguns dirão que ele
pode nem ter existido, e que esse nome foi utilizado para
- a Arché - unir os adeptos de uma seita filosófico-religiosa. Porém, isso
Uma das principais dificuldades ao estudarmos o pouco importa para a Filosofia. Diz-se que nasceu em Samos
pensamento dos pré-socráticos é que o que se conhece deles e se estabeleceu mais tarde em Crotona, na Magna Grécia,
provém de fontes indiretas, ou seja, não se tem acesso às onde fundou uma confraria religiosa misteriosa, que mais
obras escritas pelos próprios filósofos, somente se conhece tarde chegou a tomar o poder naquela cidade.
o que outros (entre os principais, Aristóteles) escreveram Sua filosofia: os pitagóricos (termo que se refere aos
sobre seus pensamentos. Dessa forma, apenas podemos ter seguidores de Pitágoras ou pertencentes a essa seita
contato com partes diminutas de suas obras, seja porque religiosa, uma vez que esta não se divide da existência
se perderam na Antiguidade, seja porque, possivelmente, de seu fundador) afirmavam que a Arché do universo
de alguns deles não houve sequer obra escrita, sendo seus eram os números. Isso porque a natureza ou a physis é o
ensinamentos transmitidos exclusivamente pela oralidade. número, ou seja, seriam proporções harmoniosas entre as
Uma observação importante a ser realizada sobre o coisas. Portanto, o mundo seria regido por essas mesmas

pensamento dos pré-socráticos e suas investigações proporções. Assim, segundo os pitagóricos, os números são

acerca da Arché do universo é que há uma diferença as causas primeiras de todas as coisas.

fundamental que separa esses pensadores em dois Os pitagóricos, devido à sua filosofia, exerceram forte
grandes grupos: os pensadores da escola italiana e os influência no desenvolvimento da matemática grega,
pensadores da escola jônica. Tal diferença se reflete nos sobretudo no campo da geometria.
pensamentos dos dois mais importantes pré-socráticos:
paRMÊnides
Parmênides e Heráclito.

A escola italiana caracteriza-se por buscar a Arché do Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser.
universo não em coisas ou substâncias materiais, ou seja, E nada não é.
concretas, que podem ser percebidas pelos sentidos. Sobre a Natureza. In: Os Pré-Socráticos. v. 3; 6. São Paulo:
Abril Cultural, 2000. p. 123. Coleção Os Pensadores.
Os pensadores dessa escola buscarão respostas mais
abstratas e menos voltadas para uma definição a partir de
Nascido em Eleia por volta de 500 a.C., Parmênides
uma matéria concreta encontrada na natureza, como a água
representa um dos mais importantes pensadores
ou outro elemento. Ao contrário, se referem a conceitos
pré-socráticos. Segundo alguns autores, ele foi o fundador
totalmente abstratos e não perceptíveis pelos sentidos, como
da ontologia – disciplina que busca o conhecimento do ser
os números de Pitágoras.
em sua realidade mesma, ou, de forma mais simples, da
A escola jônica, por outro lado, caracteriza-se por buscar essência última dos seres. Pelo que tudo indica, Parmênides
na natureza física, nas coisas concretas, o princípio da se encontrou com Sócrates quando este ainda era jovem.
physis. Ou seja, os pensadores que fazem parte dessa escola Seu pensamento influenciou de forma determinante a
buscam, em geral, nos elementos naturais, aquele que seria filosofia, principalmente de Platão e Aristóteles, pois é
o princípio e a causa de todos os seres do universo. concedida a ele a prerrogativa de ser o filósofo do Ser
(a realidade última de todas as coisas em seu sentido
Além das escolas referidas, teremos também mais abstrato e fundamental), inaugurando, dessa forma,
a chamada segunda fase do pensamento pré-socrático, a metafísica.
denominada pluralista.
Sua filosofia: é adversário dos mobilistas, dizendo que
Falemos de cada escola e de cada pensador. o movimento não existe, por isso ficou conhecido como
defensor de uma concepção monista dos seres. Introduz na
Escola italiana ou eleata Filosofia a diferença entre essência e aparência, sendo que
esta muda constantemente (constitui o caminho da Doxa,
pitÁGORas da opinião, que é mutável e, portanto, instável) e aquela é
o caminho da Verdade, da Alétheia, que é imutável. Dessa
Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às maneira, contrariando o mobilismo de Heráclito, dirá que a
matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. via da opinião, da Doxa, não leva o homem ao conhecimento
Dominando-as, chegaram à conclusão de que o princípio verdadeiro, mas tão somente às opiniões variáveis sobre
das matemáticas é o princípio de todas as coisas. os aspectos mutáveis e passageiros das coisas. Segundo
Parmênides, o caminho correto do conhecimento é a via
ARISTÓTELES. Metafísica. 1, 5, 985b
da verdade, que conduz o homem para além da aparência,

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tal via é a verdade única, imóvel, eterna, imutável, sem A grandeza do pensamento de Tales está no fato de
princípio nem fim, contínua e indivisível. O único acesso que, pela primeira vez na história, ele pergunta não pela
à verdade do ser é o caminho da razão, do pensamento, qualidade da natureza (se é boa ou má), mas sobre do que
afastando-se da opinião formada pelos hábitos, impressões é feita a natureza.
sensíveis, que são por si só ilusórias, imprecisas e mutáveis.
anaxiMandRO (cerca de 610-547 a.C.)
A opinião se prende à experiência sensorial. Por outro lado,
a via da verdade é a do puro pensamento, da atividade
Princípio (arkhé) dos seres... ele disse que era o
intelectiva sem o uso dos sentidos. Por isso, ao afirmar que o
ilimitado [...]
ser é, ele está se referindo ao caminho do conhecimento do
mundo naquilo que ultrapassa a aparência e que é, portanto, SIMPLÍCIO. Física, 24, 13.

único, eterno, contínuo, indivisível e imóvel. O Ser exclui,


então, toda mudança e transformação. O que muda é o Pouco se sabe sobre a vida de Anaximandro. É conhecido

Não Ser. Parmênides dirá que este, na realidade, não existe, como discípulo e sucessor de Tales. Ele teria sido geógrafo,
pois, por estar em constante mudança, no mesmo momento matemático, astrônomo e político. Ao que parece, escreveu
que é, deixa de ser, portanto, não é absolutamente nada. um livro intitulado Sobre a Natureza que é considerado
a primeira obra filosófica escrita em língua grega, mas
Escola jônica tal obra se perdeu, restando dela apenas alguns poucos
fragmentos. A ele é atribuída a confecção do primeiro
tales (cerca de 625/624-558 a.C.)
mapa-múndi que continha todo o mundo habitado de sua
época. Criou o relógio solar e introduziu o uso do esquadro
[...] Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água
(gnómon) para a medição das distâncias entre as estrelas,
[o princípio] (e por este motivo também que declarou

FILOSOFIA
sendo o iniciador da astronomia grega.
que a terra está sobre a água), levado sem dúvida a esta
concepção por ver que o alimento de todas as coisas Sua filosofia: ao contrário de seu mestre Tales, que dizia
é úmido [...] que a Arché é a água ou o úmido, portanto, uma matéria

ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3. 983 b (água) ou qualidade (úmido) verificável na natureza por


meio dos sentidos, Anaximandro dirá que o princípio e causa
Tales é considerado por Aristóteles como o primeiro filósofo geradora do universo é o Ápeiron. O Ápeiron é o ilimitado,
da história, iniciador da filosofia da physis ou da natureza. indefinido e indeterminado, aquilo que, não sendo nenhuma
Tudo que sabemos sobre Tales provém de fontes secundárias, coisa material, nenhum elemento da natureza e nenhuma
pois ele não deixou registros escritos. Pelos relatos sobre qualidade da physis, dá origem a todas elas.
sua vida, Tales foi um político atuante, buscando uma união
O Ápeiron é algo totalmente abstrato, não é possível ser
entre as cidades da Jônia, com o objetivo de enfrentarem
conhecido em termos de existência sensível, mas somente
os persas. Ficou conhecido por ter previsto um eclipse solar,
pode ser concebido pelo pensamento. Dessa forma,
além de descobrir a constelação Ursa Menor. Apesar de ser
Anaximandro dirá que a natureza, a physis só pode ser
atribuída a ele a autoria do “Teorema de Tales”, é pouco
compreendida pela razão humana. O mundo todo é criado
provável que tenha sido ele mesmo que o fez.
pelo movimento circular do Ápeiron, que primeiro faz surgir
sua filosofia: Segundo Tales, a água é a Arché do o quente (fogo) e o frio (ar), em seguida separam-se o seco
universo, a causa primeira, a matéria básica e fundamental (terra) e o úmido (água).
da qual todas as coisas se originaram. Na verdade, ao se
anaxÍMenes (cerca de 585-528/525 a.C.)
referir à água, ele quer dizer que tudo é úmido. E por que
Tales pensou que a Arché era a água? Uma das principais
Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém
hipóteses diz que o filósofo observou que a água apresenta-se
unidos, assim todo o cosmos, sopro e ar o mantêm.
sob diversos estados, em que estão todos os seres da
natureza, sólido, líquido e gasoso. Outro motivo seria que AÉCIO, I, 3.4
a água está intimamente ligada à vida, ou seja, tudo o
que é vivo ou traz a vida é úmido. Ao viajar ao Egito, Tales Também um dos filósofos de Mileto (alguns dirão que o
percebeu como a terra desértica se tornava fértil quando mais importante pensador da escola milesiana), Anaxímenes
da cheia do Rio Nilo. Além disso, conta-se que ele observou dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a
que nas altas montanhas foram encontrados alguns fósseis afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Seu livro, escrito
de animais marinhos, o que o levou a concluir que, no início, em prosa, recebe o mesmo nome da obra de Anaximandro,
o mundo era coberto pela água. Sobre a Natureza.

Pág 09
Sua filosofia: De acordo com Anaxímenes, o princípio, Heráclito a realidade só pode ser compreendida por meio da
a Arché do cosmos é o ar (pneuma). Para ele, o Ápeiron sensibilidade, dos sentidos, pois, se tudo está em constante
de seu companheiro Anaximandro, concebido como mudança, não há nada que esteja para além da aparência,
ilimitado, indefinido e indeterminado, se aproximava portanto, o que se percebe dos seres é sua aparência na
muito do caos, da desordem anterior à criação do constante mudança. Porém, a razão última das coisas,
cosmos (universo ordenado). Dessa forma, acredita que, o logos, só pode ser encontrado pelo pensamento.
apesar de ser ilimitado e eterno, o princípio ou Arché do
universo não pode ser indeterminado, porque a razão Escola pluralista
não poderia pensar aquilo que não tivesse determinação.
anaxÁGORas (cerca de 500-428 a.C.)
Percebemos que Anaxímenes, ao se referir ao ar, não faz
a opção por algo natural que seja concreto, como a água Anaxágoras de Clazômenas, [...] afirma que os princípios
de Tales, e também não opta por algo completamente são infinitos. Quase todas as coisas, formadas de partes
indeterminado e abstrato, como o Ápeiron de Anaximandro. semelhantes (homeomerias) como a água e o fogo, diz ele
Ao se referir ao ar, este não seria tão concreto como a água, que são geradas e destruídas por combinação e destruição.
nem tão abstrato como o Ápeiron. E por que o ar? Porque ele
ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.
está presente, difundido em todos os lugares. É o primeiro
e último ato de um ser vivo, que ao nascer respira pela
Anaxágoras passou cerca de trinta anos em Atenas, onde
primeira vez e ao morrer respira pela última vez.
fundou a primeira escola da cidade. No ano de 431 a.C., foi
acusado de não acreditar nos deuses por dizer que o Sol é
HeRÁClitO (cerca de 540-470 a.C.)
uma pedra incandescente e que a Lua era uma terra e não
uma deusa. Pelo que parece, foi preso, mas logo depois
Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque
fugiu para Lâmpsaco, outra cidade da Jônia. Sua obra Sobre
o rio não é mais o mesmo.
a Natureza, da qual resta uma pequena parte, é a fonte
PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B. mais confiável de seu pensamento. Foi físico, matemático,
astrônomo e meteorologista.
Nascido na cidade de Éfeso, Heráclito ficou conhecido pelo
sua filosofia: Anaxágoras disse que a realidade é
codinome “O Obscuro”, ou “Heráclito, o fazedor de enigmas”,
composta de uma infinidade de pequenos elementos a que
devido à sua escrita de difícil compreensão e interpretação.
ele denomina de homeomerias. Tal como sementes, esses
Como Parmênides, pode ser considerado um dos grandes
elementos seriam a união de tudo o que existe. Dessa
fundadores da Filosofia. Outros estudiosos dirão que é o
forma, tanto os quatro elementos quanto todas as oposições
mais importante dos pré-socráticos. Diz-se de Heráclito que
encontradas na natureza, como quente-frio, estão presentes
desprezava a plebe, não intervinha na política da cidade,
em todas as coisas em proporções diferentes. Assim, a physis
desprezava os antigos poetas como Hesíodo e Homero, os
seria composta dessas sementes ou homeomerias, de forma
filósofos e a religião de seu tempo. Escreveu um livro em
que esse conceito representa a Arché de Anaxágoras.
prosa no dialeto de sua cidade natal também chamado Sobre
a Natureza. deMÓCRitO (cerca de 460-370 a.C.)

Sua filosofia: é considerado um dos principais defensores Átomo (i. e., não-cortáveis), maciços (i.e., unidades),
do mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas grande vazio, seção, ritmo (i. e.; forma), contato, direção,
naturais estão em constante movimento, em constante entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num
mudança. Tudo muda o tempo todo, tudo está num papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar
constante devir, num fluxo contínuo de mudança. Essa ideia, A Grande Ordem do Mundo, de Leucipo).
a mais conhecida de sua filosofia, é importante, porém seu
pensamento vai além disso. A ideia de logos é fundamental (Fragmento 1) Papiro Herculano, 1788

na filosofia heraclitiana. O logos seria o princípio unificador


da realidade e elemento básico da racionalidade do cosmos.
Mesmo estando toda a realidade em constante fluxo, em
mudança, o logos representa a unidade dentro dessa
pluralidade. Tal unidade em meio à mudança, ou a unidade
na pluralidade, pode ser compreendida como a unidade
dos opostos. Dia e noite, frio e quente, vida e morte são
opostos que se complementam. O fogo representaria aquele
elemento que dá dinamismo à realidade, pois ele tudo
transforma, tudo muda. Ao contrário de Parmênides, para

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não divisível, a menor parte das coisas que não se pode
dividir em outras partes. Os átomos são partículas infinitas
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
e invisíveis que compõem os objetos materiais e dão
01. explique as hipóteses do “Milagre grego” e do
origem aos fenômenos observados e ao movimento de orientalismo para o nascimento da Filosofia e justifique
transformação dos seres. por que ambas não são corretas.
eMpÉdOCles (cerca de 490-435 a.C.)
02. Entre as transformações históricas ocorridas na Grécia dos
A um dado momento, do Uno saiu o Múltiplo. Por divisão séculos VII e VI a.C., uma das principais está relacionada
– fogo, água, terra e ar altaneiros; e o Uno se formou do às navegações marítimas. explique sua importância
Múltiplo. Ódio, temível, de peso igual a cada um, e o Amor para o nascimento da filosofia.
entre eles.
SIMPLÍCIO. Física, 157.
03. O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
Natural de Agrigento, na Sicília, Empédocles é conhecido
É um mito brilhante e mudo.
por ser um político, poeta, dramaturgo, homem de ciência,
Fernando Pessoa
médico e cosmólogo, místico e inventor da eloquência. Por
combater a tirania em Agrigento, foi expulso da cidade e Durante muitos anos, os mitos marcaram a vida dos
perambulou errante por toda a Grécia. Parece que morreu gregos e seus modos de ver e interagir com o mundo
na guerra de Peloponeso (Atenas contra Esparta), mesmo ou a physis. Redija um texto explicando o que
que a lenda diga que morreu ao se atirar no vulcão Etna para representavam os mitos para a cultura grega e suas
provar que era imortal ou um deus. Escreveu dois poemas: diferenças em relação à Filosofia.
Sobre a Natureza e Purificações.

FILOSOFIA
Sua filosofia: ao contrário de alguns pré-socráticos
04. O mito é uma forma autônoma de pensamento e de vida.
Nesse sentido, a validade e a função do mito não são
que buscavam um único princípio das coisas, Empédocles
secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento
defenderá que são os quatro elementos, fogo, terra, água
racional, mas originárias e primárias, situando-se num
e ar que constituem o universo, ou seja, que a Arché
plano diferente do plano do intelecto, porém dotado de
da natureza são os quatro elementos que se unem e se
igual dignidade [...]
separam, formando os diversos seres da natureza, porém em
proporções diferentes em cada ser. Esses quatro elementos MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.

são separados e unidos pelo ódio, que busca a diferença, São Paulo: Martins Fontes, 2007.

e pelo amor, que faz reunir as semelhanças, ou seja, pelo De acordo com a definição anterior, explique por
amor os elementos se unem e pelo ódio os seres se separam. que o conhecimento mítico tem a mesma dignidade do
conhecimento filosófico.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
05. Na Antigüidade clássica, o mito é considerado um produto
01. explique, com suas palavras, a seguinte afirmação: a inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era
Filosofia é filha da Pólis. atribuída, no máximo, “verossimilhança”, enquanto a
‘verdade’ pertencia aos produtos genuínos do intelecto.
02. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.
Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. Platão
O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
contrapõe o mito à verdade ou à narrativa verdadeira
“lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
(Górg., 523 a), mas ao mesmo tempo atribui-lhe
(sofisma). [...] O mito, assim, atrai em torno de si toda
verossimilhança, o que, em certos campos, é a única
parcela do irracional existente no pensamento humano;
validade a que o discurso humano pode aspirar (Tini.,
por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas
29 d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais
as suas criações
verdadeiro se pode encontrar (Górg., 527 a). Também
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª edição. São Paulo: para Platão o M. constitui a “via humana mais curta” para
Brasiliense, 1982. p. 8-9. a persuasão [...]
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
Redija um texto diferenciando a racionalidade do logos e
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
a irracionalidade do mito de acordo com o trecho anterior.
explique por que, segundo essa definição, o mito
03. De acordo com o estudado, faça um quadro comparativo é considerado mentira para pensadores como Platão
diferenciando as características do mito das características e Aristóteles. Você concorda com esta posição?
da Filosofia. justifique sua resposta.

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Frente A

06. Mais que saber identificar a natureza das contribuições No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do
substantivas dos primeiros filósofos é fundamental destino e do determinismo. Ambos são características do
perceber a guinada de atitude que representam. mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e
A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas providência divina. A expressão filosófica que toma como
acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição pressuposta a tese do determinismo é:
religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as A) “Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu
propriedades que definem a filosoficidade. tinha de mim mesmo.” Jean Paul Sartre
OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção B) “Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que
da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24. Deus nela escreva o que quiser.” Santo Agostinho

A partir do trecho e de outros conhecimentos sobre o C) “Quem não tem medo da vida também não tem medo
assunto, Redija um texto explicando a “guinada de da morte.” Arthur Schopenhauer
atitude” representada pelos pré-socráticos. D) “Não me pergunte quem sou eu e não me diga para
permanecer o mesmo”. Michel Foucault
07. “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é
E) “O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua
ser. E nada não é”.
imagem e semelhança” Friedrich Nietzsche
Sobre a Natureza, vv. 3; 6.

“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio,


porque o rio não é mais o mesmo”.

PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B. GAbARITO


Os fragmentos anteriores se referem ao pensamento Fixação
dos dois mais importantes pré-socráticos, Parmênides e
1. A Filosofia, entendida como uma atitude e um tipo
Heráclito. De acordo com o estudado, faça uma relação
de conhecimento caracterizado pela busca do saber
entre a filosofia desses dois pensadores da physis,
por meio da razão, surgiu como consequência das
estabelecendo as semelhanças e as diferenças entre eles. transformações históricas ocorridas na Grécia dos
séculos VII e VI a.C. Pode-se dizer que a Filosofia
08. Redija um texto explicando o objetivo da filosofia pré- foi fruto das condições históricas, políticas e
socrática e o que buscava encontrar para explicar a origem sociais da Grécia desse tempo, opondo-se às

do universo. teses do orientalismo e do “milagre Grego”, que


diziam, respectivamente, que a Filosofia surgiu
por influências dos povos orientais, anteriores
SEÇÃO ENEM aos gregos, ou que a Filosofia surgiu como
um fato inesperado e miraculoso. As viagens
marítimas, a criação do calendário, o surgimento
01. (Enem–2010) Quando Édipo nasceu, seus pais, Laio e
da vida urbana, a criação da escrita alfabética,
Jocasta, os reis de Tebas, foram informados de uma
o surgimento da política com a formação da Pólis,
profecia na qual o filho mataria o pai e se casaria com a
governada democraticamente pelos cidadãos
mãe. Para evitá-la, ordenaram a um criado que matasse
e guiada pela vontade dos homens e não pela
o menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o vontade dos deuses entre outras condições
entregou a um casal de camponeses que morava longe de contribuíram decisivamente para o aparecimento
Tebas para que o criasse. Édipo soube da profecia quando da Filosofia. Sem tais condições, poderíamos
se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais para afirmar que seria impossível que este modo de
evitar a tragédia. Eis que, perambulando pelos caminhos investigar o mundo e os homens viesse a existir.
da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que, Dessa forma, a Filosofia é filha da Pólis, pois foi

insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo na cidade, incluindo nela todos esses avanços
e mudanças, que a Filosofia surge como forma
reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber
sublime de busca do conhecimento.
que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a
viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge. 2. O logos filosófico é caracterizado por sua ligação
intrínseca com a coerência do pensamento e
Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas
a rigidez dos argumentos. Dentro da Filosofia
e casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia.
não há espaço, em sua argumentação, para o
Disponível em: http://www.culturabrasil.org. erro lógico e a contradição. Pelo contrário, um
Acesso em: 28 ago. 2010 (Adaptação).

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discurso contraditório e que não siga as regras
básicas do pensamento lógico é repreendido ou
Propostos
rejeitado, pois não atende aos requisitos básicos 1. A hipótese do “milagre grego” diz que a Filosofia
da racionalidade filosófica. A falsidade do discurso surgiu como algo inesperado e miraculoso, sem
qualquer precedente na cultura de qualquer outro
é verificada quando, por meio de argumentos
povo, inclusive dos gregos. Surgiu de forma
aparentemente verdadeiros, mas falsos em sua
absolutamente inexplicável. O orientalismo diz
essência, se pretende enganar o outro ou burlar
que a Filosofia só pôde nascer na Grécia devido
a verdade, fazendo uma mentira passar por algo
às contribuições que os povos orientais deram
verdadeiro. Ao afirmar que o mito traz para si toda
aos gregos que, transformando-as, criaram a
parcela do irracional existente, o autor afirma que
Filosofia. Apesar de reconhecermos que algumas
o mito foge à racionalidade do logos filosófico,
contribuições dos povos orientais foram de fato
que exige coerência e não admite contradições.
utilizadas pelos gregos, estes deram um caráter
Entendido dessa forma, o mito é irracional,
qualitativo aos conhecimentos que antes eram
pois não tem compromisso com a coerência do
somente quantitativos e práticos. Ambas as teorias,
discurso e dos argumentos lógicos. Mas há de
“milagre grego” e orientalismo não são corretas,
se dizer que o mito tem sim uma racionalidade
uma vez que o que está na raiz da Filosofia,
que se manifesta nas próprias histórias
como fatores que possibilitaram seu nascimento,
contadas, uma vez que são histórias pensadas
são as condições históricas, econômicas, sociais
e, não raras vezes, magnificamente escritas. e culturais da Grécia dos séculos VII e VI a.C.
Tal racionalidade mítica é diferente da que prepararam o “terreno fértil” para que surgisse
racionalidade filosófica, mas também é uma essa atitude investigativa e crítica sobre o cosmos.
forma racional de manifestação da criatividade e
2. As navegações marítimas foram fundamentais
imaginação dos homens. para o nascimento da Filosofia, uma vez que
por meio delas os gregos puderam verificar
3. empiricamente que os mitos marítimos, sobre

FILOSOFIA
MitO filOsOfia a existência de monstros que povoariam o mar,
terras habitadas por deuses, abismos no horizonte
Tem como fundamento a não eram verdadeiros. Tais histórias, presentes
imaginação manifestada em Tem como fundamento a razão. no imaginário dos gregos, foram gradativamente
discursos religiosos. perdendo sua força, e um dos principais motivos
dessa transformação foram as viagens. Além
Busca a formulação de
disso, as viagens marítimas tiveram um papel
Fictício, imaginário, histórias explicações que seguem um
importantíssimo no desenvolvimento do comércio
sem comprovação e que não rigor argumentativo lógico.
entre os povos, o que contribuiu decisivamente
se preocupam com uma lógica Se não houver coerência, o
para que houvesse uma troca de informações
metodológica do discurso. discurso e o argumento são
de povos diferentes, consequentemente levando
rejeitados.
à constatação de que as histórias míticas são
Baseia-se na fé / confiança muitas e variadas, levando também à constatação
daqueles que o recebem Baseia-se em formulações de que tais narrativas poderiam não ser verdades
como discurso inquestionável, racionais e não é aceito pela incontestáveis e absolutas.
pois confiam em quem diz; autoridade de quem diz, mas 3. A tradição mitológica diz respeito à tradição
pressupõe uma aceitação sim na realidade do que é dito, grega anterior aos séculos VII e VI a.C.,
e adesão daqueles que o ou seja, do argumento. quando nasce o pensamento filosófico. Esse
recebem. modo de explicar o cosmos se caracteriza
pela crença na divindade, aquela que rege e
Voltado para os sentimentos Voltada para a construção de faz que tudo aconteça. As narrativas míticas
humanos. argumentos lógico-científicos. representavam para os gregos a única verdade
possível, tanto que eram indiscutíveis, como
Nasce da intuição do homem eram inquestionáveis também aqueles que os
ou da sociedade que o constrói, Nasce da atitude crítica do transmitiam, denominados poetas rapsodos.
é acrítico e muitas vezes se homem diante da natureza e O mito se baseia na fé / confiança daqueles que
manifesta como forma ingênua de si mesmo. o recebem, uma vez que é a própria revelação
de ver a realidade. dos deuses ao homem. O mito não necessita ser
Procura explicações mais pro- explicado à razão, ele encontra eco no imaginário
Procura explicar a origem de um povo, onde se fundam sua eficácia e força.
fundas e pormenorizadas
de todas as coisas e seu Por outro lado, a Filosofia caracteriza-se pela
sobre o mundo e o homem,
funcionamento por meio de racionalidade e necessidade de compreensão
de forma a obter respostas
explicações que tendem à do que é dito. Não há mais a força da crença
provadas ou argumentativa-
totalidade. e da autoridade de quem diz, mas a força se
mente sustentadas.
estabelece naquilo que se diz, pois a ideia
Aceita contradições em suas Não aceita contradições em precisa ser clara à razão de todos. Um discurso
narrativas. seus argumentos. racional, inteligível e não contraditório, baseado
na reflexão, investigação e crítica.

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Frente A

4. Quando se fala de tipos ou modos de conhecimento racionais e inteligíveis, mas misteriosas e acríticas.
não é possível apontar aqueles que são melhores e Tal guinada representa a busca por respostas
aqueles que ocupam a segunda ou terceira posição racionais, baseadas no próprio homem, em sua
em relação à sua importância. Se a Filosofia se observação e estudos da natureza. A partir dos
baseia na razão como forma de compreensão pré-socráticos, temos o início da Filosofia que,
do mundo, o mito se funda na imaginação com mais do que um conjunto de saberes, é antes de
os mesmos propósitos. Com isso, não é correto tudo uma atitude crítica e investigativa em busca
afirmar que a razão é mais importante que a de respostas racionalmente justificáveis.
imaginação, portanto, que a Filosofia é mais 7. Podemos afirmar que o objetivo do pensamento
“correta” ou “verdadeira” que a mitologia. Trata-se de Heráclito e Parmênides é o mesmo, encontrar
de tipos ou modos de conhecimento distintos. a verdade sobre os seres. Porém, as posições
Ambos têm igual dignidade e ocupam a mesma defendidas por eles são fundamentalmente
posição em relação à necessidade de conhecer do distintas. Parmênides defenderá o imobilismo.
homem, diferenciando-se tão somente quanto à Considerado como um monista, afirma que os
sua origem, método e características. seres possuem uma aparência e uma essência,
5. Para Platão e Aristóteles, o mito pode ser sendo que esta é imutável, e aquela está em
considerado um modo inferior de conhecimento. constante mudança. Por isso, afirma que o ser é, ou
Dessa forma, ele é tido como uma narrativa seja, o que existe é somente a essência, que será
que não está preocupada com a verdade em si, conhecida pela razão e não pelos sentidos. O Não
com o conhecimento verdadeiro da realidade e Ser seria o nada, e por isso não é, ou seja, como
do homem, mas está comprometido com um a aparência está em constante transformação,
discurso explicativo que busca a satisfação ela não é nada, uma vez que aquilo que é em um
do desejo de conhecer ou explicar, sem se instante deixa de ser no instante posterior.
importar com a verdade última das coisas que Já Heráclito defenderá que não existe uma
Platão julga estar no inteligível e Aristóteles no diferença entre essência e aparência, mas
sensível. que todas as coisas são somente aparência
A posição assumida pelo aluno precisa estar e que mudam o tempo todo. Dessa forma, é
bem fundamentada. Dessa forma, pode-se um mobilista, pois afirma que tudo está em
argumentar: movimento e se altera. O conhecimento dos seres
é somente o conhecimento obtido pelos sentidos.
posição favorável: O mito, baseando-se na Para além da aparência dos seres, existe o
imaginação e não estando comprometido com Logos, que é aquele que dá a unidade em meio
o conhecimento das essências ou natureza à pluralidade das transformações e dos opostos.
última dos seres, não pode ser considerado O Logos, entendido como razão, pensamento, dá
um conhecimento verdadeiro. Não passa de a lógica ao movimento e à luta dos contrários,
narrativas que tentam convencer, persuadir a fazendo com que as coisas sejam compreendidas
partir de fantasias que não servem para dizer mesmo na multiplicidade.
a realidade dos seres. Segundo Platão, o mito
8. Os pensadores pré-socráticos, chamados por
encontraria respaldo como forma de explicação
Aristóteles de physiólogos ou pensadores da
quando a razão se torna insuficiente para explicar
natureza, foram os primeiros homens da história
a realidade.
a se dedicarem a encontrar uma explicação
posição contrária: O mito é uma forma puramente racional para a origem do universo.
particular de explicar o mundo e os seres. Dessa Rompendo com a tradição mítica, eles queriam
forma, não há de se questionar se é válido ou explicar a origem do universo de forma não
inválido, verdade ou mentira, mas há de se fantasiosa, por meio de pensamentos próprios
considerar somente que é uma forma diferente de e não por revelações de seres sobrenaturais.
outras, como a Filosofia, de explicar o real. Dessa Acreditando que tudo o que existe na natureza
forma, discorda-se de Platão e Aristóteles, uma é resultado de uma relação de causa e efeito,
vez que defendem a inferioridade do mito, não acreditavam que, se encontrassem a primeira
levando em consideração as diferenças inerentes causa de todas as coisas, encontrariam a
que constituem essa forma distinta de explicação resposta para a origem do cosmos. A essa causa
da realidade. primeira deram o nome de arché, que seria uma
6. Os pré-socráticos foram os primeiros filósofos espécie de matéria-prima inicial da qual todas
da história. Sua atitude diante do cosmos lança as coisas teriam surgido. Por exemplo, Tales
as raízes daquilo que se conhecerá a partir de acreditava que a arché do universo era a água.
então por Filosofia. A guinada de atitude que Dessa forma, via na água o princípio de todas as
eles representam se constitui exatamente na não coisas existentes.
aceitação de respostas fictícias e imaginárias sobre
a origem do universo e seu funcionamento. Tais Seção Enem
respostas míticas representavam a autoridade da
religião e da tradição, não sendo, por si mesmas, 01. B

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