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CAPÍTULO I

ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO


Neste capítulo serão feitas considerações sobre aspectos da fluidoterapia no pré,
trans e pós-operatório visando minorar os riscos inerentes ao trauma cirúrgico.
A anestesia e cirurgia induzem diferentes graus de agressão ao indivíduo. A
intensidade da resposta orgânica está relacionada à severidade dessa agressão e às
condições físicas do animal. É importante lembrar que indivíduos portadores de
intercorrência clínica são pacientes cirúrgicos de alto risco. Neste caso, deve ser
bem calculado o momento da cirurgia. Naquelas eletivas a intervenção pode ser
protelada dando tempo à preparação pré-operatória adequada. Na emergência, no
entanto, faz-se necessária decisão criteriosa sobre o momento da operação de vez
que tanto a protelação quanto a intervenção sem adequadas condições orgânicas
podem incorrer em óbito.
Cada tipo de lesão ou patologia requer adoção de maior ou menor número de
medidas pré, trans e pós-operatórias. As queimaduras severas, contusões com
esmagamento e as fraturas são exemplos de agressões que produzem alterações
metabólicas agudas e prolongadas.
Outro parâmetro a ser considerado no paciente cirúrgico é o seu estado ou
equilíbrio hidroeletrolítico. No cão, a água é equivalente a 60-65% do peso corporal
no adulto, 70-80% nos jovens e 45-50% nos obesos. No bovino, um embrião
possui 95% de sua constituição em água e o recém-nascido 75% ou mais,
decrescendo até 40% na maturidade.
Diversas alterações de ordem clínica e cirúrgica interferem com o equilíbrio
hidroeletrolítico. A perda de água determina vários graus de desidratação. No
animal hidratado a distribuição de água é regulada pelas forças osmóticas dos
solutos que variam entre 280 e 310mOsm/kg [média de 295mOsm/kg (Figura
1.1)]. As variações na concentração sérica do sódio, cationte em maior
concentração no líquido extracelular, provocam desvios da osmolalidade. Assim, o
paciente é suscetível à desidratação dos tipos iso, hipo ou hipertônica.

Figura 1.1 - Esquema representativo da


distribuição hidroeletrolítica no organismo
Na desidratação isotônica ou isonatrêmica ocorre perda proporcional de água e sais
existentes no espaço extracelular (Figura 1.2). Nesta condição a migração de
líquidos entre os meios intra e extracelulares é de pouca intensidade, pois a
osmolalidade e tonicidade permanecem constantes (295mOsm/kg). As causas mais
freqüentes são as perdas por diarréia e vômito, seqüestro de líquido extracelular
em lesões e infecções dos tecidos moles e nas peritonites.
Figura 1.2 - Desidratação isotônica. A
perda proporcional de água e eletrólitos
não altera a osmolaridade entre os
compartimentos orgânicos.
A desidratação hipotônica ou hiponatrêmica é caracterizada por baixa osmolalidade
do espaço extracelular devido a perda de eletrólitos em excesso de água. Há perda
de líquido hiperosmolar (acima de 310mOsm/kg). O compartimento extracelular
torna-se hiposmolar e hipotônico (abaixo de 280mOsm/kg) em relação ao
intracelular. A passagem de líquido extracelular para o interior da célula restabelece
o equilíbrio entre os compartimentos a uma pressão osmótica menor (inferior a
295mOsm/kg), minimizando, assim, a perda do meio intracelular. Como se
observa, há fuga de líquido extracelular para fora do corpo e para o interior da
célula que ingurgita (Figura 1.3). Estes pacientes estão mais predispostos ao
colapso vascular e requerem terapia agressiva. As causas mais comuns desta
alteração incluem a insuficiência da cortical adrenal, uso inadequado de diuréticos e
reposição iatrogênica de perdas isotônicas com glicose 5% ou água.

Figura 1.3 - Desidratação hipotônica. A perda


de líquido hipertônico causa desidratação
hipotônica.

Quando ocorrer perda proporcionalmente maior de água que sais haverá


hiperosmolalidade no meio extracelular caracterizando uma desidratação
hipertônica ou hipernatrêmica. Haverá perda de líquido hiposmolar (inferior a
280mOsm/kg). O meio extracelular torna-se hiperosmolar e hipertônico (acima de
310mOsm/kg) em relação ao intracelular (Figura 1.4). A saída de líquido da célula
restabelece o equilíbrio entre os compartimentos a uma pressão osmótica mais
elevada (>295mOsm/kg) e minimiza a perda do líquido extracelular. A desidratação
hipertônica está associada com baixa ingestão de água, aumento nas perdas
insensíveis (febre, taquipnéia) e administração de soluções muito concentradas.
Figura 1.4 - Desidratação hipertônica. A
perda de líquido hipotônico torna os meios
hipertônicos.
O potássio merece consideração por ser o cationte que ocorre em concentração
maior dentro da célula. Apesar da pequena quantidade extracelular é crítico que
sua concentração permaneça dentro de limites absolutamente estreitos. As
alterações iniciam em concentrações acima de 6,5 ou abaixo de 2,5mEq/l. A
hipocalemia ou hipopotassemia ocorre nas perdas gastrintestinais (diarréia, vômito
ou obstrução intestinal), estresse, uso de diuréticos, na alcalose, nos traumatismos
como queimaduras, exsudação de feridas e destruição de tecidos com liberação de
potássio das células, sendo subseqüentemente perdido pela urina. A anorexia, má
nutrição e administração parenteral de soluções sem potássio também são causas
de hipocalemia. Já, a hipercalemia pode ser conseqüência de anúria (falha renal,
desidratação e choque), insuficiência adrenal, administração venosa muito rápida
de soluções contendo potássio e por ação das catecolaminas (efeito catabólico).
Cabe ressaltar ainda que os requerimentos hidroeletrolíticos podem ser
classificados em dois grupos: a) deficiência de volume intersticial e/ou intracelular
(desidratação) e, b) diminuição do volume circulante (hipovolemia). É preciso
lembrar, no entanto, que ambos estão correlacionados devido à constante interação
através dos mecanismos de homeostase. Desta forma, as soluções para
fluidoterapia podem ser agrupadas de conformidade com suas características: a)
soluções coloidais para repor a volemia e b) soluções salinas para repor o volume
extravascular (hidratar).

1.0 - HIDRATAÇÃO
Para ser feito o diagnóstico do déficit líquido no organismo podem ser utilizados
exames clínico e de laboratório. Neste capítulo será dada ênfase à avaliação clínica, de
vez que o cirurgião nem sempre dispõe de tempo ou, mesmo, apoio laboratorial antes
da cirurgia.
Com finalidade didática a hidroterapia será apresentada em três fases: pré, trans e
pós-operatória.

1.1 - REPOSIÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA


1.1.1 - Pequenos Animais

No pré-operatório além dos cuidados rotineiros, que antecedem a cirurgia, está


indicada a estabilização hidroeletrolítica. Para estimar a quantidade de solução a
repor é necessário avaliar o grau de espoliação que o indivíduo apresenta. A
avaliação clínica permite uma estimativa subjetiva, porém suficiente para evitar
reposição excessiva ou muito aquém das reais necessidades do paciente. O Quadro
1.1 ilustra os graus de desidratação e os sinais físicos correspondentes. É
conveniente lembrar que nos animais obesos ou caquéticos estes sinais podem
estar mascarados. Desnutrição não é sinônimo de desidratação e obesidade não
significa boa condição física.
 
Quadro 1.1 - Parâmetros para avaliação clínica pré-operatória de
pequenos animais, relacionando os sinais físicos com o grau de
desidratação.
   
% de Sinais físicos
desidratação
 
   
<5 Sem anormalidade; apenas história clínica de falta
de ingestão de água;
 
6-7 Tênue perda de elasticidade da pele (flacidez);
mucosas com pouca umidade; urina concentrada;
cansa facilmente ao exercício;
 
8-9 Pele sem elasticidade; tempo de reperfusão capilar
acima de 3 segundos; olho profundo na órbita;
mucosa oral viscosa e seca; conjuntiva congesta e
seca; urina concentrada e escassa;
 
10-12 Pele com severa falta de elasticidade; reperfusão
capilar acima de 3 segundos; olho profundo na
órbita; mucosa pálida; pulso rápido e fraco;
contrações musculares involuntárias; choque em
animais debilitados;
 
12-15 Choque hipovolêmico ou morte iminente.
 
Adaptado de CORNELIUS (1999) e PETTIFER (2003).
 
Peso(kg) X % desidratação  
-------------------------- = litros de solução
                 100  
 
 
 O déficit avaliado, quando aplicado na fórmula:
indica a quantidade de solução necessária para compensar o volume de líquido, que
o indivíduo já perdeu e que deverá ser reposto em 24 horas.
Se o indivíduo não tomar água, principalmente quando apresentar afecções
gastrintestinais, o seu requerimento hidroeletrolítico diário deve ser calculado. Ter
em mente que o requerimento basal é aquele em condições de repouso e em
normotermia. As compensações para perdas digestivas devem considerar a
condição de vômito, diarréia ou diarréia e vômito. O Quadro 1.2 apresenta as
necessidades estimadas de água, nestas situações, e o requerimento de sódio e
potássio que são os principais cationtes nos meios extra e intracelular
respectivamente.     
 
Quadro 1.2 - Parâmetros para reposição das necessidades básicas diárias, das
perdas já ocorridas, das perdas gastrintestinais relativas à água, sódio e
potássio para cães e gatos.
Especificação   Sódio Potássio
       
       
Necessidades Cão: 40-50ml/kg/dia 3mEq/kg/dia 1mEq/kg/dia
diárias Gato: 70ml/kg/dia
   
Perdas já %depleção x kg 6mEq/100 ml 2mEq/100ml
ocorridas ------------------ a repor a repor
100
 
Perdas Vômito: 40ml/kg/dia    
gastrintestinais Diarréia: 50ml/kg/dia 9mEq/100 ml 3mEq/100ml
Ambos: 60ml/kg/dia
 
8 X 10  
------ = 0,8 litro
  100  
A escolha da solução de reposição é fator importante na hidratação. A maioria dos
animais desidratados requer relativamente mais água que eletrólitos. Quando for
associada uma solução eletrolítica com outra glicosada, ambas isotônicas, a glicose
é metabolizada restando a água que é distribuída pelo organismo ou eliminada pela
urina.
Quando houver desidratação hiponatrêmica será recomendado administrar solução
de NaCl 0,9% com glicose 5% (150mEq de Na +, 150mEq de Cl- e 50g de glicose).
Na desidratação isonatrêmica pode ser utilizada solução de NaCl 0,45% e glicose
2,5% (75mEq de Na+, 75mEq de Cl- e 25g de glicose). Nos casos de desidratação
hipertônica, os fatores mais importantes são a velocidade de reposição e a
concentração de sódio na solução indicada. No primeiro caso a reposição não deve
ser completada antes de 48 horas pelo risco de edema cerebral. A solução deve ser
de NaCl  0,45% e glicose 2,5%. Nos três tipos de desidratação o cloreto de sódio
pode ser substituído pela solução de Ringer lactato de sódio, nas mesmas
proporções com a glicose.

Na vigência de hipocalemia pode ser administrado cloreto de potássio, via oral, ou


intravenoso. A administração venosa não deve exceder a velocidade de
0,5mEq/kg/h, a não ser que seja feita monitoração cardíaca com eletrocardiógrafo.
O potássio pode induzir arritmias graves. As necessidades diárias e requerimentos
relativos ao potássio estão dispostos no Quadro 1.2.
No cão Doberman de 8kg, tomado anteriormente como exemplo, seriam
necessários 38,4mEq de potássio: 8mEq como requerimento diário (8kg x 1mEq);
16mEq pelo volume de reposição correspondente às perdas ocorridas (800ml x
2/100); 14,4mEq para o volume de compensação às perdas gastrintestinais (480ml
x 3/100).
Considerando que uma ampola de KCl 10% com 10ml de solução possui 1g ou
aproximadamente 14mEq (1g de KCl = 13,9mEq de K +) serão necessários  27,4ml
para o cão de 8kg no exemplo citado. Este volume deve ser diluído em 250ml de
NaCl 0,9% e administrado em gotejamento venoso que não ultrapasse a velocidade
de 0,5mEq/kg/h. No cão citado, 4mEq/h ou seja: os 38,4mEq seriam administrados
em aproximadamente 9h30min. De forma mais simples, o volume de KCL calculado
pode ser  diluído em 250ml de solução salina isotônica e administrado por via
subcutânea em várias aplicações ao dia dependendo do tamanho do animal. Se
houver necessidade de aplicação intravenosa, o cloreto de potássio deve ser diluído na
proporção de uma ampola de KCl a 10% (14meq) para um litro de solução de Ringer
ou Ringer lactato e administrado por gotejamento, em velocidade que não ultrapasse
a 25ml/kg/h. Para o cão de 8k seriam 200ml/h (3,33ml/min) ou 66-67 gotas por
minuto com equipo de macrogotas (1ml=20 gotas).
Quando se quiser minorar o ônus da internação hospitalar para efetuar hidratação
parenteral, o proprietário pode ser instruído a utilizar hidratantes orais como
o Pedialyte® (Abbott Lab. do Brasil Ltda), usado comumente em pediatria, ou a
administrar preparados caseiros (água, sal e açúcar). Afecções gastrintestinais
podem limitar o uso de soluções orais.

1.1.2 - Grandes Animais


É difícil avaliar o grau de desidratação nas espécies de grande porte. Os sinais
clínicos de turgor da pele, umidade e brilho das mucosas, caráter e posição do olho
na órbita são subjetivos.
Para bovinos têm sido estabelecidos, como parâmetros aproximados, dois graus de
desidratação (Quadro 1.3).
 
Quadro 1.3. Parâmetros para avaliação da desidratação em bovinos
(conforme JENNINGS, 1984). 
% de Sinais Clínicos
Desidratação
10 Sinais de depressão e apatia; mucosas ressequidas;
perda de turgor da pele; olho profundo na órbita;
paciente em estação ou decúbito esternal;
15 Além dos sinais de grau moderado, diminuição na
temperatura corporal, decúbito lateral; animal
moribundo.
 
Quando um bovino não tomar voluntariamente as necessidades hídricas diárias
(necessidades basais), estas devem ser suplementadas, sendo adicionadas ao
déficit calculado, em quantidade equivalente ao relacionado no Quadro 1.4.
Assim, um bovino de 500kg que apresentasse uma espoliação de 50 litros, não
tomando água em 24 horas, precisaria de mais 25 litros. A hidratação parenteral
em bovinos, como se observa, é muito onerosa. Assim, o objetivo imediato é
combater a alteração que prejudica ou impede a ingestão oral de alimentos e
líquidos.
Quadro 1.4. Requerimento diário de água (litros/dia) para animais
isotérmicos e febris incapacitados de ingerir água. Em fêmeas aleitando
acrescentar 1 litro de água por litro de leite produzido. (Extraído de
JENNINGS, 1984).
Peso Temperatura (oC) Peso Temperatura (oC)
(kg) + 1 +2 +3 (kg) +1 +2 +3
40 3,0 3,5 4,0 240 13,5 15,0 17,0
50 3,7 4,2 4,6 280 15,0 18,0 19,9
60 4,2 4,9 5,5 320 17,8 19,0 21,0
70 4,9 5,5 6,0 340 18,6 20,0 23,0
80 5,3 6,2 7,0 380 19,0 22,0 25,0
90 6,0 6,6 7,4 400 20,0 23,0 26,0
100 6,6 7,5 8,2 450 22,0 24,5 27,0
120 7,4 8,4 9,6 500 25,0 27,0 29,0
140 8,8 9,7 11,0 600 28,0 32,0 40,0
160 9,8 10,8 12,5 700 32,0 36,0 41,0
180 10,0 2,0 14,2 900 40,0 45,0 50,0
200 11,2 13,0 14,9 1000 43,0 48,0 60,0
Em relação a avaliação da desidratação em eqüinos cabe ressaltar que:
- potros, a semelhança de bezerros, filhotes de cães e gatos, desidratam
rapidamente e podem alcançar níveis críticos com vômito e diarréia moderados
quando não tomam água;
- as perdas por diarréia no eqüino adulto podem variar de 15 a 80 litros de água
por dia;
- o requerimento basal em água é de 40-50ml/kg/dia. O requerimento de potássio
é de 1 mEq/kg/dia e a velocidade de administração, sem controle
eletrocardiográfico, não deve exceder 0,2-0,3mEq/kg/h;
- na vigência de cólica recomenda-se associar um litro de plasma ou expansor para
cada 9 litros de solução de Ringer lactato. Assim serão compensados os desvios de
sódio e o seqüestro de proteínas do plasma para o lúme intestinal.
Para eqüinos têm sido estabelecidos três parâmetros para avaliação da
desidratação como pode ser verificado no Quadro 1.5.
 
 
Quadro 1.5. Parâmetros para avaliação da desidratação em
eqüinos.
% de Sinais clínicos
desidratação
Até 4 Inaparentes;
4-6 Perda de elasticidade da pele; ressecamento das
mucosas; tempo de reperfusão capilar
aumentado; diminuição no débito urinário;
8 - 10 Os sinais anteriores tornam-se mais severos;
ressecamento da córnea; diminuição na pressão
intra-ocular; retração do olho na órbita; pulso
fraco; oligúria; depressão; hematócrito acima de
60%; jugular com distensão comprometida.
Para melhor aproveitamento das soluções salinas, elas devem ser administradas
lentamente e acompanhadas de monitoração clínica. Sinais de diurese abundante,
inquietação, desconforto, serosidade nasal indicam reposição muito rápida ou uso
de solução inadequada. Reduzir ou suspender a administração até diagnosticar e
corrigir o problema.
No Quadro 1.6 estão relacionadas algumas das soluções mais utilizadas e suas
características. Algumas delas apresentam concentrações variadas. Por exemplo: a
glicose é veiculada em apresentação comercial também a 10%, 20%, 30%, e 40%.
O Cloreto de potássio é comercializado também em ampolas a 14,85%, 19,8% e
20%. O bicarbonato de sódio também a 3%;
As soluções especificadas no Quadro 1.6 têm as seguintes indicações: 
 
 
Quadro 1.6 - Característica de algumas soluções parenterais utilizadas na rotina clínico-
cirúrgica.
 
               
Solução Sódio otássio Cálcio Cloro Tampão Kcal/l pH
(mEq/l) (mEq/l) (mEq/l) (mEq/l)
               
Ringer lactato 130 4 3 109 Lactato 9 6,5
Ringer simples 147 4 5 156 ------- - 5,8
Plasmalyte 148 140 5 - 98 Acetato 17 7,4
NaCl 0,9% 154 - - 154 ------- - 5,4
NaCl 7,5% 1283 - - 1283 - - 5,0-5,7
Glicose 5% --- - - --- Glicose 200 5,0
Glicose 50% --- - - --- Glicose 2000 4,2
Glico-salina 154 - - 154 Glicose 200 4,7
Glico-salina 77 - - 77 Glicose 100 4,8
0,45%
NaHco3 1000 - - --- Bicarbonato --- 7,8
KCl --- 1380 - 1380 ------- --- 4,5
Aminoplasmal --- - - - Aminoácido 200 6,0-7,0
s
Intralipid --- - - --- Ac. Graxos 1100 -
 
Modificado de Pettifer (2003) e Lee (2006).
 
- Ringer lactato: hidratante e alcalinizante moderado;
- Ringer e NaCl 0,9%: hidratantes e acidificante moderados;
- Glicose 5% e 50%: hidratante e energético;
- Glico-salina iso e hipotônica: hidratante e energético;
- NaHCO3: alcalinizante;
- KCl: reposição de cloro e potássio;
- Intralipid® e Aminoplasmal®: alimentação parenteral.
 
1.2 - REPOSIÇÃO TRANS-OPERATÓRIA
Com raras exceções a maioria dos fármacos tranqüilizantes e anestésicos são
hipotensores. Daí a necessidade de preparação pré-operatória, aliada a uma
escolha criteriosa do tipo de anestesia no animal com patologia aguda. Durante a
cirurgia ocorrem perdas de grau proporcional ao tempo e severidade da agressão
cirúrgica. Quando da diérese de tecidos ocorre resposta inflamatória imediata com
formação de exsudato, o que resulta em mobilização dos líquidos para a área
lesionada.
Além da perda de volume circulante (hemorragia) há redução do líquido
extracelular devido ao seqüestro para o chamado "terceiro espaço" (que inclui o
edema de dissecação extensa, fuga de líquido para o lúme ou parede de órgãos
ocos e cavidade peritoneal); para o meio externo por evaporação (na superfície
corporal, trato respiratório, vísceras expostas); por lesão celular.
A diminuição ou elevação dos níveis de sódio extracelular e potássio intracelular
está ligada a aumento ou diminuição dos líquidos orgânicos. A utilização de uma
solução eletrolítica balanceada durante as intervenções cirúrgicas traz benefícios
inquestionáveis. Além de facilitar a suplementação de anestésico venoso, quando
necessário, e a suplementação de fármacos em caso de emergência hemodinâmica,
oferece compensação para as perdas de líquido orgânico. É recomendada a solução
de Ringer lactato de sódio, em dose de 10-20ml/kg/h, para pequenos e 6-8ml/kg/h
para grandes animais. Esta dose pode ser aumentada ou diminuída, durante a
cirurgia, dependendo da reação do paciente.
Além de fazer a reposição hidroeletrolítica o Ringer lactato de sódio tem ação
alcalinizante devido ao incremento na perfusão tecidual, filtração renal e
metabolização do lactato em bicarbonato. Deve ser considerado, no entanto, que o
lactato é metabolizado em 2 a 3 horas pelo fígado. Assim, nos casos de severa
acidose láctica e/ou patologia hepática, é recomendado usar o bicarbonato e sódio
na dose de 2-4mEq/kg, diluído em 500ml de solução salina e administrado por
gotejamento venoso em 4 a 6 horas.

1.3 - REPOSIÇÃO PÓS-OPERATÓRIA


O pós-operatório tem como prioridade principal a rápida recuperação da capacidade
de auto-manutenção pelo paciente. Quando for feito um pré-operatório cuidadoso e
cirurgia atraumática, mesmo compensando as perdas trans-operatórias, mas
houver falha no acompanhamento pós-cirúrgico, haverá grande possibilidade de
insucesso. Nesta fase, portanto, deve ser procedida avaliação clínica cuidadosa da
dinâmica circulatória, registrando o aporte e as perdas de líquido diariamente. Para
isso canis metálicos com calhas coletoras permitem medir a quantidade de líquido
perdido pela urina e eventual vômito ou diarréia. Anotar também o volume
administrado no trans-operatório e lembrar que as perdas para o "terceiro espaço"
comumente ainda prosseguem após a cirurgia. A avaliação dos sinais físicos
permite uma estimativa aproximada da condição geral.
Pacientes de traumatismo tendem a reter água e sódio. A retenção hídrica é
conseqüente à secreção aumentada e prolongada do hormônio antidiurético (ADH).
Há também contribuição do mecanismo renina-angiotensina-aldosterona.
Inicialmente há retenção de líquido como edema nos tecidos lesionados que atuam
a semelhança de esponjas. Mais tarde, o líquido retido por ação do hormônio anti-
diurético move-se do leito vascular para o interstício e célula. Ocorre paralelamente
retenção de sal, mas em menor escala e sobrevem hiponatremia dilucional. A
hiponatremia e excreção reduzida de sódio após procedimentos cirúrgicos
prolongam a recuperação do paciente.
Na fase de estresse pelo trauma cirúrgico ocorre gliconeogênese principalmente às
expensas de aminoácidos. O catabolismo protêico está aumentado na fase de
regeneração tecidual. Desta forma, no pós-operatório imediato a fluidoterapia deve
constar de uma solução hidroeletrolítica balanceada, como o Ringer lactato de
sódio, à qual pode ser associada outra contendo aminoáciodos e não glicose. O
volume de ao menos 50ml/kg/dia para o cão, 70ml/kg/dia para o gato e
40ml/kg/dia para grandes animais evitará a oligúria e hiponatremia dilucional.
Quantidades maiores ou menores de soluções ou a escolha de diferentes tipos
ficam na dependência de cuidadosa avaliação clínica.
Pode acontecer de o paciente ter sofrido severa agressão comprometendo sua
volemia. São exemplos as lesões com hemorragia abundante e as queimaduras
extensas. Os sinais físicos indicadores de hipotensão incluem: pulso filiforme ou
ausente, colabamento de veias periféricas, diminuição no débito urinário, bulhas
cardíacas mais fracas à auscultação e variação na coloração das mucosas e tempo
de reperfusão capilar (Quadro 1.7).
 
 
Quadro 1.7. Relação entre variações na coloração das mucosas e tempo de
reperfusão capilar com a condição cardiovascular.
     
Coloração das Tempo de Condição cardiovascular
mucosas reperfusão capilar
 
Rosa brilhante 1 segundo ou Normal
menos
Congestas 1 segundo ou Vasodilatação; débito cardíaco normal a
menos baixo
Rosa-pálidas 1 a 3 segundos Pressão sangüínea e débito cardíaco
baixos; vasocons-trição periférica;
Azuladas 1 a 3 segundos Pressão arterial e débito cardíaco muito
  baixos; hipóxia; possível dilatação venosa
  e/ ou refluxo de sangue venoso em leito
capilar.
 
NELSON, 1976.
Estes casos de hipovolemia requerem a reposição de volume com soluções
contendo moléculas que não passam facilmente através da parede capilar e
permaneçam no leito vascular exercendo pressão coloidosmótica. Estas soluções
são conhecidas como coloidais. Assim, as soluções salinas, como a de Ringer ou
Ringer lactato, por não manterem pressão coloidosmótica, podem causar edema
nestas situações por passarem rapidamente para o meio intersticial.
Experimentalmente comprovou-se que é necessário um volume três a quatro vezes
superior ao de sangue perdido, quando for substituído por solução salina. Assim, a
associação entre soluções hidratantes e expansores da volemia deve estar numa
proporção de 3:1 para que seja corrigido o déficit hidroeletrolítico e a hipotensão.
Lembrar sempre que as soluções salinas são hidratantes, enquanto que as coloidais
expandem a volemia. A associação entre esses dois grupos de soluções é
freqüente, pois os casos de hipotensão freqüentemente acompanham-se de
desidratação.

1.4 - TRANSFUSÃO DE SANGUE


O sangue é essencial à sobrevivência do ser vivo. A transfusão de um indivíduo
para outro tem conseguido resultados excelentes, mas também desastrosos. Os
resultados negativos decorrem de incompatibilidade imunológica, uso inadequado
de anticoagulante, sepsia e reposição insuficiente ou excessiva.
1.4.1 - Grupos sangüíneos
A membrana dos eritrócitos apresenta antígenos específicos que determinam os
grupos sangüíneos nas diferentes espécies. Estes antígenos são
mucopolissacarídeos e/ou glicolipídeos.
No cão estão caracterizados 7 antígenos eritrocitários denominados DEA (Dog
Eritrocyte Antigen) compostos de oito determinantes antigênicos. São eles: DEA 1.1;
DEA1.2; DEA3; DEA4; DEA5; DEA6; DEA7;  DEA8. O grupo DEA1.1 é o mais antigênico e
reativo.
A incidência de reações transfusionais em repetidas transfusões com doador e
receptor ao acaso é de 15%. Aproximadamente 15% dos cães possuem
isoanticorpos naturais contra os grupos sangüíneos DEA3, DEA5, DEA7e, portanto,
capazes de apresentar reação transfusional na primeira reposição. As reações anti
DEA7 são mais freqüentes.
No gato são encontrados três tipos específicos de antígenos associados com a
membrana eritrocitária. Os grupos e a incidência são os seguintes: A = 73%; B =
26% e AB = 1%.
Pesquisas nos Estados Unidos da América são conflitantes com aquelas na
Austrália, quando citam que os gatos do grupo B são portadores de títulos elevados
de anticorpos naturais anti-A, que aumentam significativamente o risco de reações
já na primeira transfusão.
Na espécie bovina existem 11 sistemas de grupos sangüíneos, sendo, que cada
grupo tem número variável de determinante antigênico. Os sistemas de grupos são
os seguintes: A; B; C; F; J; L; M; S; R‘; T‘; Z.
Cada um dos grupos citados possui vários fenogrupos. Por exemplo: no grupo A
existem 11, no C existem 100 e no B existem 1000.
Os grupos sangüíneos mais imunogênicos são o A, C, B. A maioria dos grupos
sangüíneos não apresenta anticorpos naturais correspondentes, salvo para o grupo
J. Animais não portadores de determinantes antigênicos J, possuem anticorpos
naturais anti-J, os quais são mais facilmente hemolisantes que aglutinantes.
Os eqüinos possuem oito sistemas de grupos sangüíneos: A; C; D; K; P; Q; T; U.
Esses compreendem cerca de 30 fatores sangüíneos. O número e tipos sangüíneos
para cavalos são de aproximadamente 400 000.
1.4.2 - Acidentes tranfusionais
Quando da transfusão de sangue incompatível a combinação do antígeno
eritrocitário com a IgG ou IgM, em presença do complemento, resultará em
hemólise ou hemaglutinação.
De modo geral, a primeira transfusão feita a um paciente não determina reação do
tipo incompatibilidade, de vez que é o primeiro contato com o antígeno. Se os
animais, doador e receptor, forem de grupos diferentes, o receptor será
sensibilizado a esse antígeno e numa segunda transfusão apresentará sinais de
incompatibilidade, se receber sangue do mesmo grupo ao qual estiver sensibilizado.
Os animais portadores de isoanticorpos naturais podem apresentar reação já na
primeira transfusão.
Em animal que nunca recebeu sangue, podem ser feitas várias transfusões com o
mesmo tipo de sangue, durante 4 a 5 dias, com relativa segurança. A partir de uma
semana o receptor já reagirá aos antígenos do sangue transfundido (quando
incompatível) e apresentará iso-hemolisinas.
A transfusão de sangue incompatível pode causar: a) destruição tardia dos
eritrócitos transfundidos (7 a 10 dias no cão e menos de 5 no gato); b)
sensibilização do receptor a subseqüente transfusão do mesmo sangue; c) reação
transfusional imediata em um paciente já sensibilizado, e d) possibilidade de
enfermidade hemolítica em recém nascidos que tenham recebido isoanticorpos de
uma mãe sensibilizada.
Podem ocorrer reações de diferentes graus decorrentes da transfusão de sangue.
Quando da primeira transfusão de sangue incompatível é de grau moderado e
caracteriza-se por inquietação, polipnéia e tosse. Pode normalizar em uma hora ou
acentuar-se com aceleração do pulso e respiração, micção forçada, ptialismo e
tremores musculares.
Nos casos de hemólise aguda, geralmente após a segunda transfusão de sangue
incompatível, o início dos sinais poderá dar-se em minutos. Clinicamente serão
observadas dispnéia, emese, tremores, incontinência de urina e fezes, prostração,
hipertermia (40 a 41ºC) e convulsão. Poderá ocorrer elevação na pressão venosa,
diminuição do retorno venoso, falência cardíaca e hipotensão. Mais tarde serão
observadas hemoglobinemia e hemoglobinúria. Os eritrócitos incompatíveis serão
eliminados em 30 a 90 minutos. Em alguns casos serão observadas urticária e
paresia transitória. Em bovinos pode haver estado de choque caracterizado por
epífora, ptialismo, defecação, micção com hemoglobinúria, timpanismo e
hipertermia. Se a reação não for letal o paciente recuperar-se-á em 12 a 24 horas.
As hemolisinas imunes desaparecem em 120 a 360 dias após a transfusão. Mesmo
assim o paciente continuará sensibilizado àquele antígeno por muitos anos.
Para prevenir as reações de incompatibilidade deve ser feita tipificação do sangue
dos animais ou, então, fazer a prova de Jambreau ou prova cruzada. A maneira
mais simples e rápida desta prova consiste em homogeneizar uma gota de soro do
receptor com uma gota de sangue do doador sobre uma lâmina ou placa de vidro e
observar a formação ou não de grumos. Este teste não é muito confiável, pois
detecta apenas os casos agudos de incompatibilidade.
Um método mais eficiente da prova de Jambreau consiste de:
a) colher de 3 a 5ml de sangue do doador e igual volume do receptor, em
diferentes tubos de ensaio, deixando coagular;
b) centrifugar  as amostras até separar o soro das células;
c) retirar 50% do soro de cada amostra e passar para outros dois tubos de ensaio
(soro D e soro R);
d) homogeneizar a porção celular com o soro residual nos tubos de ensaio das
amostras iniciais (suspensão celular D e suspensão celular R);
e) arranjar as amostras em tubos de ensaio conforme disposição no Quadro 1.8 em
três baterias diferentes;
f) a primeira bateria é incubada à temperatura ambiente, a segunda a 37ºC e a
terceira à 4oC por 15 minutos;
g) fazer nova centrifugação avaliando a presença de hemólise. A seguir agitar
suavemente todos os tubos para detectar possível aglutinação. Nada sendo
observado macroscopicamente, examinar pequena amostra em uma lâmina ao
microscópio. Qualquer grau de aglutinação ou hemólise na prova maior será
considerado positiva e a transfusão de sangue, deste grupo, não deverá ser
efetuada em hipótese alguma. Se a prova maior der negativa, com leve hemólise
ou aglutinação, na prova menor, a transfusão poderá ser realizada com aquele tipo
de sangue, em uma emergência, mas com precaução. Quando houver dificuldade
para fazer a prova de Jambreau, pode ser administrado determinado volume do
sangue a ser transfundido, observar o animal por 15 a 30 minutos e, em caso de
reação transfusional não utilizar o sangue daquele doador. Este volume-teste pode
ser de 5ml para o gato, 20ml para o cão, 50ml para o eqüino e até 250ml para o
bovino.
Em caso de reação transfusional suspender imediatamente a transfusão e
administrar, por via venosa, solução hidroeletrolítica balanceada (Ringer lactato),
corticosteróide (Hidrocortisona succinato de sódio) e um vasopressor (adrenalina ou
dopamina) para antagonizar o choque vasculogênico (Veja capítulo 3).
A transfusão poderá causar também reações não imunológicas, como aquelas
decorrentes do excesso de anticoagulante e de sangue contaminado. A heparina em
excesso determinará alterações hemorrágicas e o citrato excitação. Estes
transtornos serão evitados utilizando as proporções adequadas de anticoagulante. A
heparina é antagonizada com o sulfato de protamina e o excesso de citrato com a
administração venosa de gluconato de cálcio. Sabe-se que 10g de Cloreto de cálcio
antagonizam 1g de citrato de sódio. O sangue contaminado, quandoadministrado,
poderá determinar choque pirogênico e septicemia. 
Quadro 1.4. Distribuição das amostras para realização da prova cruzada.
Amostras Prova Prova Controle Controle  
maior menor doador receptor
Plasma do doador -------- 2 gotas 2 gotas --------  
Plasma do receptor 2 gotas -------- --------- 2 gotas  
Suspensão celular do doador 2 gotas -------- 2 gotas --------  
Suspensão celular do   2 gotas -------- 2 gotas  
receptor
 
1.4.3 - Colheita e estocagem do sangue
O sangue colhido para transfusão deve ser homogeneizado com uma solução
anticoagulante. Em caso de transfusão imediata, o sangue deve ser colhido em um
frasco contendo heparina, cuja dose seja de 60 a 120UI para cada 500ml de
sangue. A heparina tem como inconveniente a ativação e agregação de plaquetas,
inibição na formação de trombina e ativação do fator de coagulação IX.
Os anticoagulantes a base de citrato são mais utilizados e têm a vantagem de
serem conservantes do sangue. São eles:
Ácido Cítrico em Dextrose (ACD); Ácido Cítrico com Fosfato em Dextrose (CPD) que
pode ser adiconado de adenina (CPDA);
O ACD e CPD mantêm o sangue viável por 21 dias à temperatura entre 4 e 6oC. O
CPDA apresenta maior percentual de células viáveis aos 21 dias de conservação.
Uma unidade de sangue consiste de aproximadamente 400ml de sangue total
colhido em um frasco plástico ou de vidro contendo ao redor de 100 ml de ACD ou
CPD.
O sangue, quando estocado, apresenta alguns inconvenientes a medida que vai
envelhecendo:
- excesso de lactato, piruvato e citrato;
- deficiência de cálcio, plaquetas e fatores de coagulação;
- diminuição do hematócrito, proteínas do plasma (hemodiluição) e na liberação de
oxigênio pela hemoglobina;
- o pH acidifica;
- a partir de 4 a 6 horas após a colheita começam a formar-se microtrombos que
aumentam proporcionalmente ao tempo de estocagem.
As bolsas para colheita de sangue são mais adequadas, pois minimizam alguns
desses inconvenientes:
- causam menor traumatismo às células, menor grau de ativação das plaquetas e
fator XII;
- são inquebráveis e ocupam menor espaço para estocagem;
- têm menor potencial para contaminação bacteriana;
- facilitam a separação do plasma.
O material de colheita de sangue e o anticoagulante devem estar assépticos e,
segundo alguns autores, estar a baixa temperatura no momento de colher o
sangue. Parece, no entanto, que o choque térmico pode contribuir para hemólise,
preferindo-se mantê-los à temperatura ambiente.
Para doador deve-se selecionar um animal dócil, de bom porte físico (ao menos
25kg para o cão (Filme coletasangue), 5 a 7kg para o gato(Filme
coletatransfsangue) e ao redor de 500kg para bovino e eqüino), ter um hematócrito
acima de 40%, estar livre de enfermidades e imunizado contra as viroses mais
comuns. Animais de ambos os sexos podem ser doadores, mas as fêmeas em cio
devem ser evitadas devido à influência do estrogênio sobre o número e função das
plaquetas.
A colheita de sangue, em um mesmo doador, pode ser feita a cada 15-21 dias. O
cão e o gato podem doar ao redor de 20ml/kg. Quando submetidos a completa
exangüinação (sacrificados), o cão pode doar 40ml/kg e o gato 30ml/kg. Para
grandes animais calcula-se a volemia (8% do peso) e colhe-se o equivalente a 10-
20% da volemia. Um animal de 500kg poderia doar de 4 a 8 litros de sangue.
A veia jugular é o vaso mais adequado para ser feita punção no animal doador. Em
cães e gatos pode ser feita punção cardíaca. Com agulha 60-15 ou 60-12, no cão e
30-10 no gato. Nestes casos, preparar assepticamente o lado direito do
tórax, quinto espaço intercostal, na área da articulação costo-condral. Quando a
colheita de sangue for feita por punção na veia jugular também deve ser precedida
de tricotomia e anti-sepsia.
Em gatos pode-se utilizar uma seringa plástica de 20 ou 50ml contendo
anticoagulante (ACD ou CPD) cuja proporção deve ser 4:1 para colher sangue.
Sempre que se proceder a punção cardíaca o paciente deve ser anestesiado com
barbitúrico de ultra-curta duração. Quando a colheita de sangue for feita em frascos
sem vácuo, recomenda-se a punção cardíaca ou de uma artéria calibrosa.
Em cães a colheita de sangue pode ser feita em fístula artério-venosa iatrogênica.
Nestes casos a fístula é preparada mediante arteriotomia da carótida e flebotomia
da jugular, seguida de anastomose látero-lateral. Na área de anastomose a jugular
torna-se distendida, devido ao alto fluxo sangüíneo, facilitando a punção e colheita
do sangue. Cães com este tipo de fístula podem ser mantidos como doadores por
vários anos.
Os frascos de anticoagulante são comercializados em embalagens de 250 ou 500ml,
contendo respectivamente 63 e 120ml de CPDA-1. Quando da colheita de sangue,
agitar suavemente o frasco em movimentos circulares para que ocorra
homogeneização entre o sangue e anticoagulante.
Para grandes animais, em razão do volume de sangue necessário para transfusão
ser maior, recomenda-se diluir 4g de citrato de sódio em 100ml de água destilada.
Esta quantidade de anticoagulante é adequada para 9 litros de sangue.
A transfusão de sangue para o receptor deve ser feita pelas vias peritoneal,
medular e preferencialmente venosa. Quando for utilizado o sangue conservado em
refrigeração, este deve ser aquecido em banho-maria até temperatura ao redor de
37oC e agitado suavemente até homogeneização.
Os equipos para transfusão de sangue contêm filtros para reter os trombos e
microagregados. Os filtros comuns têm ao redor de 170 micra e removem coágulos
e outras partículas maiores. Existem filtros com poros de até 20 micra para
remover microtrombos, mas seu uso é controvertido na medicina humana e não
utilizado na medicina veterinária.
A quantidade de sangue a ser transfundido depende dos requerimentos do
receptor. Em casos menos agudos pode ser de 10 a 15ml/kg (5ml/minuto) em
pequenos animais e 15 a 25ml/kg (até 40ml/minuto) para bovinos e eqüinos. Um
parâmetro mais seguro para eqüinos e bovinos seria administrar um litro a cada 10
minutos nos adultos e 1 litro por hora nos potros e bezerros.

A transfusão de sangue requer monitoração clínica constante durante o período de


administração. Emergências cirúrgicas podem requerer várias vezes essas
quantidades em curto período de tempo. Uma reposição mais específica, tentando
administrar um volume (ml) mais aproximado da necessidade real, para pequenos
animais, pode ser obtida conforme a seguinte fórmula:
onde: Htde =
                                          Htde - Htr hematócrito desejado;
ml de sangue = peso (kg) X ----------- X constante Htr = hematócrito do
                                             Htdo receptor; HTdo =
hematócrito do sangue
a ser transfundido, já
no frasco com
anticoagulante; a = constante que para o cão é 90, para o gato 70 e para grandes
animais ao redor de 40.
As indicações para transfusão de sangue incluem: hemorragia, anemia não
regenerativa, alterações de coagulação, choque hemorrágico, anemia hemolítica
não autoimune, trombocitopenia, enfermidade hepática e hipoproteinemia.
 
1.4.4 - Administração de volume globular (papa de hemácias)
O volume globular ou papa de hemácias compreende a fração celular obtida por
sedimentação ou centrifugação após a decantação ou pipetagem do plasma. As
células vermelhas são separadas do plasma com centrifugação a 2000 rpm por 30
minutos. Com centrifugação à 375rpm, durante 15 a 20 minutos restará um plasma
rico em plaquetas.
Uma alternativa simples para obtenção da papa de hemácias é deixar o sangue
colhido em repouso por 36 a 48 horas, tempo em que a porção celular sedimentará.
Em seguida pode ser feita a decantação ou pipetagem do sobrenadante que deve
ser acondicionado em frasco esterilizado.
Após centrifugação do sangue colhido com citrato, em um frasco de 500ml será
obtido 250ml de volume globular com um hematócrito ao redor de 50 a 80%.
O volume globular ou papa de hemácias é pobre em eletrólitos, tem menos
anticoagulante e menor volume que equivalente quantidade de células no sangue
total. O número de plaquetas e fibrinogênio também estarão diminuídos.
A administração de papa de hemácias é feita como a transfusão de sangue, porém,
é mais viscosa. Por isso a administração deve ser feita com agulhas de maior
calibre ou com diluição em solução salina isotônica para facilitar a reposição. A
proporção entre solução salina e papa de hemácias é de 0,5:1 ou de 1:1. Assim,
para cada 100ml de papa de hemácias deverão ser acrescentados 50 ou 100ml de
solução salina isotônica.
Em caso de anemia a administração deve ser lenta para evitar sobrecarga cardíaca.
Em pacientes com anemia crônica não deve ultrapassar a velocidade de 10
ml/kg/h.
A papa de hemácias está indicada para o animal que precise melhorar sua
capacidade de transporte de oxigênio e não apenas reposição da volemia. Utilizar
sempre que o hematócrito esteja inferior a 25%.
Alguns sinais físicos indicadores da necessidade de transfundir papa de hemácias
incluem: fraqueza excessiva, edema, ortopnéia e anorexia prolongada.
 
1.4.5 - Transfusão de plasma
O plasma pode ser obtido do sangue cuja porção celular tenha sedimentado, dentro
de 6 horas após a colheita, quando forem necessário fatores de coagulação viáveis,
ou em qualquer estágio, mesmo após 21 dias de conservação.
De um frasco de 500ml de sangue, em anticoagulante, podem ser obtidos 250 ml
de plasma. O plasma congelado (à temperaturas entre -40 e -60oC) pode ser
conservado por mais de um ano. Em congeladores  domésticos em temperatura de
-20oC conserva-se por dois a quatro meses.
O plasma congelado e/ou refrigerado deve ser aquecido em banho-maria à 37oC
antes da administração. A transfusão de plasma deve ser precedida de prova
cruzada, pois as técnicas de separação do mesmo, em Medicina Veterinária, podem
deixar alguma porção de volume globular.
A transfusão de plasma está indicada nos casos de hipoproteinemia e para
reposição de volume quando o hematócrito for alto com proteínas do plasma baixas
e para repor fatores de coagulação, quando colhido há menos de 6 horas.

Como dose média indica-se 6 a 10ml/kg, via venosa. Pode ser empregada a
seguinte fórmula:
 
                   Peso (kg) X 0,05 X Déficit Protéico (g/dl)
Plasma (l) = ---------------------------------------------
                       Proteína no plasma doador (g/dl)
 
Assim, um cavalo de 450kg, com 3,5g/dl de proteína total no plasma apresenta um
déficit de 3,5g/dl (normal  é 7-8g/dl). Considerando que o plasma doador tenha
8g/dl de proteína total, serão necessários:
Quando for obtido de sangue
450 X 0,05 x 3,5 refrigerado, o plasma apresenta
---------------------  =  9,8 litros de plasma como inconvenientes o baixo pH,
              8 nível elevado de lactato e
potássio ligeiramente acima do
normal.
 
1.4.6 - Administração de substitutos ou expansores do plasma
Existem substâncias que podem ser utilizadas como substitutos do plasma por
terem a capacidade de expandir a volemia. Como permanecem por um tempo
maior na circulação, do que as soluções salinas e devido ao seu efeito sobre a
pressão oncótica, atraem líquido do meio intersticial, o que contribui para expandir
a volemia.
Na escolha do expansor deve-se optar pelo tempo de permanência nos vasos, pelo
tamanho da molécula (casos de vasoplegia - alto peso molecular), e pela
capacidade de expandir o volume circulante. Os expansores de baixo peso
molecular (35000-40000D) como os polímeros de gelatina e dextrano 40 expandem
o plasma 1,75 a 2x o volume administrado, porém têm duração de 4 a 6h; já, os
expansores de alto peso molecular (> 70000D) como o dextrano 70 e o
hidroxietilamido, têm menor capacidade de expansão, porém permanecem na
circulação por 24h ou mais.

1.4.6.1 - Dextranos
Os dextranos ão polissacarídeos constituídos de moléculas grandes, elevado peso
molecular e poder oncótico acentuado, largamente utilizados como expansores do
plasma.
O dextrano pode ser encontrado em três tipos:
- dextrano de alta viscosidade, com peso molecular  de 500.000 que só é utilizado
em experimentação animal;
- dextrano 70 ou de médio peso molecular (70.000 a 80.000) que é indicado para
repor a volemia nos pacientes com grandes queimaduras, pois permanece por
maior tempo no leito vascular. Aumenta a viscosidade sangüínea e promove
sangramentos ao ser administrado mesmo em doses relativamente baixas;
- dextrano 40 ou de baixo peso molecular (40.000). É o mais utilizado e apresenta
várias propriedades. As principais são: expansor da volemia; hemodiluente (diminui
a viscosidade sangüínea); atrai líquido do interstício para a luz do vaso (corrige
edema intersticial); evita a agregação e aglutinação de hemácias e plaquetas; tem
ação antitrombótica e favorece a diurese.
O dextrano 40 apresenta como desvantagens: tendência à hemorragia devido a
diluição do fibrinogênio e desagregação de plaquetas e hemácias; pode comportar-
se como antígeno e determinar reação de hipersensibilidade (mais comum no
eqüino); pode causar insuficiência renal aguda e interferir com a tipagem
sangüínea. Os dextranos 40 e 70 são veiculados em frascos de 500 ml, diluídos em
solução de cloreto de sódio ou glicose.

1.4.6.2 - Polímeros de gelatina


Estes polímeros de gelatina bovina são veiculados em solução salina balanceada a
3,5%. Possuem um peso molecular ao redor de 35.000. As principais vantagens
destas soluções incluem: expansão plasmática acentuada e duradoura;
hemodiluição; ação hiperoncótica moderada; não interferem com a tipagem
sangüínea; auxiliam a neutralização da acidose e correção dos distúrbios
hidroeletrolíticos; têm baixa interferência com a coagulação; aumentam a filtração
glomerular; têm boa tolerância orgânica e não apresentam reações imunológicas.
A poligelina (polímero de gelatina degradada) é a mais utilizada e tem o nome
comercial de Haemaccel®(Hoechst do Brasil Quim e Farm SA), Hisocel® (Frenesius
Labs Ltda), Polisocel® (Halex-Istar Ltda), ou Gelafundin® (Laboratórios B. Braun). O
Gelafundin não possui ligações de uréia, sendo obtido por um processo de
succinilação o que lhe permite uma maior reposição de volume em comparação as
gelatinas anteriores.
1.4.6.3 - Hidroxietilamido
É uma molécula polimérica composta primariamente de amilopectina (98%). Seu
alto peso molecular (450.000D) permite uma permanência intravascular mais
prolongada (> 25h), exercendo considerável pressão oncótica. Embora aumente o
tempo de coagulação capilar em testes laboratoriais, não tem sido associado com
episódios clínicos e a incidência de anafilaxia é muito baixa. Aumenta os níveis de
amilase sérica mas não afeta a função pancreática. A dose não deverá exceder
22ml/kg/dia. É comercializado como Haes-steril® (Fresenius) ou Plasmin® (Halex-
Istar) ou Plasmin.

1.5 - TERAPIA ENERGÉTICA


A terapia calórica reveste-se de importância quando a patologia for crônica e o pós-
operatório prolongado. A melhor via de reposição calórica é a oral. Existem
circunstâncias, no entanto, como cirurgias do trato digestivo superior que impedem
a administração oral de energéticos. Nestes casos pode ser utilizada uma via
enteral. Às vezes pode ser necessária a nutrição parenteral, como nos casos do
coma ou inconsciência por períodos prolongados.
A intervenção nutricional está indicada em casos como por exemplo:
- história de patologia gastrintestinal como vômito, regurgitação, diarréia
prolongados;
- caquexia geral, enfermidade crônica debilitante;
- alimentação oral interrompida há mais de 5 dias;
- terapia com fármacos catabólicos concorrentes como corticosteróides,
antibióticos, imunossupressores, anti-neoplásicos;
- drenagem abundante, nefro ou enteropatias, queimaduras extensas, etc...
Segundo CRANE & BETTS (1988) a necessidade energética diária (Taxa Metabólica
Basal) para pequenos animais é calculada pela seguinte fórmula:
para animais entre 2 e 45kg: 30 x peso (kg) + 70 = kcal/dia
para animais 45kg: 70 x peso0,75 = kcal/dia
Assim um cão de 10kg  terá um requerimento de 393 kcal/dia quando mantido no
canil, conforme o cálculo:
70 x 100,75
10 x 30 +70 = 370kcal/dia;
a atividade moderada (repouso no canil) requer mais 25% de calorias. No caso:
370 + (370 x 25%) = 462,5kcal/dia;
animal em convalescença e em repouso no canil requer  mais 35% de calorias.
Assim:
370 + (370 x 35%) = 499,5kcal/dia;
animal politraumatizado tem requerimento aumentado 50%. No exemplo:
370 + (370 x 50%) = 555kcal/dia;
animal com sepsia tem requerimento elevado para mais 70%. Nesta condição:
370 + (370 x 70%) = 629kcal/dia;
animal com queimadura extensa tem requerimento aumentado em até 100%.
Então:
370 + (370 x 100%) = 740kcal/dia.
O Quadro 1.9 apresenta o requerimento energético aproximado para pequenos
animais em diferentes situações.
Quadro 1.9. Requerimento calórico (Kcal/dia) para pequenos
animais nas condições de taxa basal e repouso no canil.
Peso Taxa Repous Peso Taxa Repous
(kg) metabólic o no (kg) metabólic o no
a canil a canil
01 70 88 25 820 1025
03 130 163 27 880 1100
05 220 275 30 970 1213
08 310 388 34 1090 1363
10 370 463 38 1210 1513
13 460 575 40 1270 1588
15 520 650 44 1390 1738
18 610 763 48 1276 1595
20 670 838 50 1316 1645
22 730 913 54 1394 1743
24 790 988 60 1509 1886
A solução energética para reposição das kcal deve conter 4g de proteína para cada
100 kcal. Assim recomenda-se sempre associar soluções contendo aminoácidos.
Para grandes animais o requerimento calórico tem sido calculado da seguinte
maneira:
Em umidade relativa do ar ao redor de 70% a necessidade calórica basal será de
80kcal/kg/dia (27oC); 90kcal/kg/dia (32oC); 100kcal/kg (37oC de temperatura
ambiente). Em umidade relativa do ar maior, aumentam os requerimentos
conforme a variação da temperatura. Assim, um bovino de 400 kg, terá um
requerimento energético basal de 32000 kcal/dia em uma temperatura de 27oC.
Para proceder a reposição calórica deve-se calcular a quantidade de kcal/dia
requerida pelo animal, conhecer o teor calórico da solução a administrar, a
velocidade de administração e o volume para 24h.
As soluções energéticas são aquelas compostas por carbohidratos, aminoácidos e
lipídeos. Quando for utilizada solução glicosada, como fonte energética, lembrar
que a velocidade de administração não deve ser superior a 0,5g/kg/h, que é a
capacidade renal para retenção da mesma.
Considerando, por exemplo, um cão de 10kg que tem um requerimento energético
basal de 393kcal/dia seria necessário ao redor de 100 g de glicose (1g = 4kcal)
para atender sua necessidade basal. Se o animal estiver no canil, mas em
convalescença, seu requerimento seria de 530kcal/dia. Neste caso o volume de
glicose passaria para 132,5g. Um litro de glicose a 20% oferece 800kcal. Este cão
deverá receber o soro glicosado, em gotejamento que não ultrapasse 5 g/h. Assim,
em 24 h seriam administradas apenas 120g, insuficiente para reposição de seu
requerimento energético.
Deve ser considerado, ainda, que para cada 100kcal a repor são necessárias 4g de
proteína. Para tanto deve ser associada administração de aminoácidos (1g =
4kcal). Assim uma solução de aminoácidos a 10% contém 400kcal/litro.
Os ácidos graxos são altamente energéticos (1g = 9kcal) e podem ser encontrados
na forma de emulsão de lipídios (Intralipid®) em concentrações a 10 e 20%. O
Intralipid® a 10% é uma apresentação comercial contento 4500kcal/l ou, quando a
20%, contendo 8110kcal/l, sendo veiculada em frascos de 100, 250 e 500ml.
A reposição energética parenteral deve ser instituída nos pacientes em jejum a
mais de 4 dias. Deve ser considerado o alto custo destas soluções ao decidir pelo
seu uso.
A reposição energética deve ser fundamentalmente por via digestiva, quer seja
oral, por faringostomia (Filme faringostomia) que é a mais prática ou gastrostomia
(Filme gastrostomia).

1.6 - MONITORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS À TERAPIA


A medida que se procede a reposição de soluções parenterais podem ser
observados sinais clínicos que indicam recuperação ou agravamento do estado
geral do paciente. A hidratação e a reposição da volemia são controladas com maior
segurança através de monitorização da pressão venosa central, embora esta não
seja muito fiel às reposições com soluções salinas.
Entre as medidas indicadas para avaliar e controlar as respostas do paciente à
terapia estão relacionados:
- o registro das reposições e perdas diárias controlando o vômito, fezes, urina e
pesando seguidamente o animal;
- observar os sinais físicos de: início do fluxo urinário, estado de alerta, elasticidade
da pele, coloração das mucosas, intensidade do pulso femoral, tempo de reperfusão
capilar, repleção venosa e temperatura entre outros. Vômito indica reposição muito
rápida. Em caso de hidratação excessiva pode ser detectada congestão venosa,
secreção nasal serosa e estertor úmido na área pulmonar. Estes sinais ocorrem
devido às alterações determinadas pelo aumento na pressão venosa;
- associar exames laboratoriais como: determinação do hematócrito, das proteínas
totais, gasometria, ionograma, provas de função renal, hepática, pancreática, entre
outros.

1.7 - VIAS PARA ADMINISTRAÇÃO DE SOLUÇÕES PARENTERAIS


Diferentes vias podem ser utilizadas para administração de soluções parenterais, no
entanto, cada uma apresenta vantagens e desvantagens estando sujeitas à
interferência de diferentes fatores. Normalmente o tipo de solução e a condição do
paciente ditam a via de reposição. As vias mais utilizadas são as seguintes:
 
1.7.1 - Oral
É a via mais fisiológica e a que apresenta menor risco de alterações fisiológicas. É a
mais adequada para reposição calórica. Quando o paciente não aceitar
voluntariamente, ou estiver inconsciente poderá ser forçado através da boca ou por
tubo de faringostomia ou gastrostomia. Nos casos de alteração gastrintestinal está
contra-indicada.
1.7.2 - Subcutânea
Esta via apresenta limitações quanto ao tipo e quantidade de solução. Soluções
sem sódio, como o soro glicosado, ou hipotônicas são absorvidas lentamente por
esta via e, dependendo do estado geral, podem piorar o quadro clínico. Isto ocorre
porque ao serem introduzidas no tecido subcutâneo atraem sódio orgânico e
conseqüentemente líquido intersticial até haver isonatremia. O mesmo pode ser
dito das soluções hipertônicas relativamente à atração osmótica da água. No
paciente hipotenso a absorção é lenta ou não ocorre.
1.7.3 - Venosa
A via venosa é a mais indicada para reposição de grandes quantidades de volume.
Além disso permite rápida reposição sendo a via ideal para o paciente hipotenso ou
com desidratação acima de 8%. Deve ser a via preferencial para transfusão de
sangue, derivados ou expansores do plasma.
Nos casos em que houver dificuldade para venóclise deve ser procedida punção ou
cateterização da veia jugular mediante abordagem cirúrgica (Filme canulajugular).
Para tanto é recomendada tricotomia e anti-sepsia cervical, infiltração tópica com 1
a 2 ml de lidocaína 2% e incisão cutânea em V com o vértice em sentido caudal,
seguida de divulsão romba com pinça de Kely, para expor a veia. Desta forma pode
ser feita punção ou cateterização por visualização direta do vaso. Instalado o
dispositivo (Insyte® ou Abbocath®), este é fixado por ponto de reparo ou adesivo na
pele e, em seguida, é procedida a síntese cutânea. O cateter é exteriorizado por um
dos ângulos da sutura. A seguir adaptar bandagem protetora. Recuperado o
paciente, o cateter será removido mediante compressão local, sobre a veia, por
aproximadamente 3 minutos até que haja hemostasia.
1.7.4 - Peritoneal
Esta via tem sido indicada para cães novos nos quais seja difícil a punção venosa
ou em caso de hipotensão, nos animais adultos. Apresenta, no entanto, algumas
limitações. Nos pacientes com hipotensão ou anemia crônica tem conduzido a óbito.
Isto parece estar relacionado ao poder coloidosmótico do sangue administrado na
cavidade peritoneal o qual, sendo maior, atrairá líquido para si em detrimento dos
volumes intersticial e intravascular. Este fenômeno ocorre também com soluções
hipertônicas, em relação ao forte efeito osmótico.
Outras vias como intramuscular ou intrarticular são impraticáveis, pois permitem
administração de pequeno volume. A via intramedular, recomendada em cães
novos, tem risco de sepsia.

CAPÍTULO II
DIÁTESE HEMORRÁGICA
Neste capítulo as considerações serão restritas aos mecanismos de coagulação,
medidas gerais de diagnóstico e tratamento das coagulopatias, dando-se especial
ênfase à Coagulação Intravascular Disseminada (CID) e fibrinólise.
.1 - Hemostasia
A hemostasia é um mecanismo complexo que envolve uma série de eventos
fisiológicos e bioquímicos, iniciados por lesões aos tecidos e vasos sangüíneos, que
resultam na formação de um tampão estável o qual sela as soluções de
continuidade nos vasos. Seu conhecimento é essencial para o estudo das
coagulopatias, justificando breve revisão sobre o assunto.
O processo de hemostasia é dividido em três fases: primária (vascular e
plaquetária), secundária (ativação dos fatores de coagulação) e terciária
(fibrinólise). Nas três fases o mecanismo é interdependente, cada uma afetando a
outra.
A hemostasia primária compreende a vasoconstrição e adesividade plaquetária para
selar  o local lesionado. Ocorre em minutos após a injúria e é o mecanismo
hemostático primário dos capilares, arteríolas e vênulas.
A fase vascular compreende uma resposta imediata à agressão com vasoconstrição
reflexa, induzida por mecanismo neurohormonal que, associada à adesividade
endotelial e retração vascular produz fluxo sangüíneo mecanicamente reduzido.
Isoladamente é incapaz de prevenir a hemorragia.
No vaso com endotélio íntegro, as plaquetas não se agregam umas às outras, em
parte devido à ação da prostaciclina (sintetizada pelo endotélio íntegro), que é um
poderoso inibidor da adesividade e agregação plaquetária e indutor de
vasodilatação e, em parte, devido à superfície endotelial lisa, carregada
negativamente que permitem um fluxo laminar e reduzem a turbulência. O fluxo
sangüíneo retardado e a exposição de colágeno, elastina e membrana basal do vaso
lesionado, atraem plaquetas que se agregam e aderem à parede vascular formando
trombo plaquetário ou tampão temporário (fase plaquetária). A aderência das
plaquetas ao endotélio traumatizado é efetuada através de seus receptores de
superfície ao colágeno (GPIa = fração de glicoproteína que media a interação das
plaquetas com o colágeno) e do fator VonWillebrand (GPIB = receptor ao fator Von
Willebrand; GPIIb-IIIa = fator receptor para VonWillebrand, fibrinogênio,
fibronectina e vitronectina). As plaquetas agregadas liberam histamina e
serotonina, difosfato de adenosina (fazem agregação de plaquetas) e
trombostenina (promove retração do coágulo insolúvel). O ADP inicialmente provém
do vaso lesionado e depois das próprias plaquetas que sintetizam e liberam
também várias prostaglandinas e tromboxanes a partir do ácido aracdônico. O
tromboxane A2 é o mais potente agregador plaquetário. O frágil e instável tampão
inicial torna-se eficiente na medida em que as plaquetas fundem-se através de um
processo de metamorfose viscosa produzida por ação da trombina.
Além da retração plaquetária, o colágeno, elastina e a membrana basal expostos,
na disponibilidade do fator plaquetário 3 e outros coagulantes plaquetários, ativam
o sistema intrínseco da coagulação (fase de coagulação). As lesões nos tecidos
causam liberação de tromboplastinas teciduais que ativam a via extrínseca (fase de
coagulação). A ativação seqüencial dos fatores de coagulação, iniciadores das vias
intrínseca e extrínseca, inicia a via comum formando trombo de fibrina insolúvel.
Na hemostasia secundária ocorre incorporação da fibrina ao tampão plaquetário o
que requer a ativação dos fatores de coagulação. Os fatores de coagulação (Quadro
2.1), com exceção do cálcio (Fator IV) são glicoproteínas que existem na forma
inativa. Com exceção do fator III os demais ocorrem no plasma. Recebem nome
especial ou número romano que lhes foi atribuído por ordem de descobrimento. O
fator VI não é encontrado, pois inicialmente fora a determinação adotada para um
fator que descobriu-se posteriormente ser o fator V ativado.
Quadro 2.1 Fatores de coagulação

Fator I: Fibrinogênio
Fator II: Protrombina sangüínea
Fator III: Protrombina tecidual
Fator IV: Cálcio
Fator V: Pró-acelerina (globulina aceleradora)
Fator VII: Pró-convertina (autoprotrombina i)
Fator VIII: Fator anti-hemofílico (globulina anti-hemofílica)
Fator IX: Fator Christmas (cofator da plaqueta II)
Fator X: Fator de Stuart (fator de Stuart-Power)
Fator XI: antecedente tromboplastínico do plasma
Fator XII: fator de Hageman
Fator XIII: Fator estabilizante da fibrina (fator de Laki-Lorand)

A formação da fibrina (Figura 2.1) inicia pela interação do sangue circulante e do


tecido subendotelial com a tromboplastina (fator tecidual), liberada das células
lesionadas ou tecidos (via extrínseca da coagulação), ou por exposição do colágeno
ao fator de Hageman do plasma e das plaquetas ativadas (via intrínseca da
coagulação).

O complexo heparina-AntitrombinaIII cessa a ativação do processo de coagulação


na fase líquida. A plasmina ativada no início do processo começa a fazer lise do
coágulo. Fatores de crescimento derivados das plaquetas estimulam a proliferação
de fibroblastos e células musculares lisas para colonizarem a ferida iniciando o
processo de reparação. Simultaneamente as células endoteliais migram,
multiplicam-se e recobrem a área traumatizada do vaso.
Se a  coagulação não for inibida de algum modo, o processo se desencadeará em
todo o sistema vascular. Felizmente ela é modulada por mecanismos inibitórios
limitantes que removem também os agregados de fibrina nos microvasos (Figura
2.2).
A fase terciária da coagulação compreende a fibrinólise que é um mecanismo
natural para restaurar a patência vascular na vigência de trombose ou obstrução
vascular. A plasmina é uma enzima proteolítica que hidrolisa os fatores V e VIII e
degrada o fibrinogênio e fibrina em produtos de degradação (PDF). Estes inibem a
agregação das plaquetas e formação da fibrina mediada pela trombina e podem
causar hemorragia durante uma fibrinólise sistêmica aguda.
Afecções que alterem o equilíbrio entre os mecanismos de coagulação e fibrinólise
determinam o aparecimento de diátese hemorrágica.

2.2 - Diagnóstico das alterações hemorrágicas


Ao se proceder ao diagnóstico de uma afecção hemorrágica deve-se determinar
inicialmente se a causa é congênita ou adquirida. Através da anamnese, exame
físico e testes laboratoriais, não só se faz esta determinação como também se pode
chegar ao fator etiológico.
2.2.1 - Anamnese
Verificar se a tendência hemorrágica é patológica, ou seja, se a quantidade e
duração do sangramento são desproporcionais ao traumatismo ou cirurgia. Por
exemplo: sangramento prolongado após punção venosa, exodontia ou otoplastia,
persistindo aos métodos usuais de hemostasia. Analisar se o sangramento é
espontâneo (sem solução de continuidade), se já houve episódio anterior de
hemorragia, parentes afetados, recente exposição a drogas ou toxinas.
Basicamente as causas de um sangramento anormal podem ser divididas em cinco
categorias principais: traumatismo vascular; produção deficiente de fatores de
coagulação (origem congênita, ou por hepatopatias); diluição dos fatores de
coagulação (reposição excessiva com solução hidroeletrolítica ou expansor do
plasma); uso ou intoxicação por anticoagulantes sistêmicos; coagulação
intravascular disseminada.
Os seguintes sangramentos devem alertar ao clínico ou cirurgião sobre possível
anomalia da coagulação: sangramento em vários pontos do organismo envolvendo
vários sistemas do corpo; desenvolvimento de hematomas espontâneos profundos;
sangramento prolongado após traumatismo; ausência de causa aparente para
sangramento.
Relacionar a hemorragia patológica com a idade do animal. Os jovens têm maior
probabilidade de sangramento por deficiência congênita de fatores de coagulação
do que por patologias adquiridas. Recém-nascidos têm baixa concentração do
complexo protrombina podendo apresentar lesões hemorrágicas na boca, tecido
subcutâneo e área peritoneal. Os parentes mais próximos possuem problema
semelhante? São afetados pacientes de ambos os sexos? A hemorragia patológica
no animal adulto tem maior probabilidade de ocorrer por patologia adquirida e
geralmente o animal não apresentava problema prévio de sangramento.
Verificar a raça do animal. A deficiência do fator X no cão só foi diagnosticada
naqueles da raça Cocker Spaniel.
Analisar possível exposição a fármacos ou agentes químicos que interfiram com a
função plaquetária, medular ou hepática. A warfarina interfere com a síntese do
complexo protrombina por inibição da vitamina K. A aspirina interfere com a
liberação de ADP pelas plaquetas. Os estrógenos e anticoagulantes sistêmicos como
a heparina também interferem com a coagulação.
2.2.2 - Exame físico
Nos pacientes com distúrbio de coagulação deve-se proceder exame clínico
completo para determinar a localização, severidade e natureza da hemorragia e
identificar a possível patologia complicante.
Verificar o tipo de sangramento: Ocorre em área determinada? É em mucosas
(petéquias)? Por esmagamento cutâneo (equimose)? Há ingurgitamento de tecidos
moles (hematoma)? Presença de claudicação e dor articular (hemartrose)? Dispnéia
e bulhas abafadas na percussão torácica (hemotórax)? Dor abdominal
(hemoperitônio)?
- a hemorragia petequial na pele e mucosas ocorre por alteração no número ou
função das plaquetas, enfermidades vasculares e alergias;
- hemorragias nos tecidos ou cavidades do corpo sugerem defeitos de coagulação
ou traumatismo vascular. Podem ser no tórax, abdome, articulação, canal espinhal,
músculo, olho;
- hemorragia maciça de uma área sem prévia história de sangramento tem maior
probabilidade de ser uma lesão anatômica ou cirúrgica que defeito de coagulação;
- hemartrose, hematomas ou grandes equimoses em áreas de traumatismo
sugerem hemofilia.
Procurar identificar sinais de enfermidades primárias que podem ter a hemorragia
como alteração secundária. Exemplos: leucemia, hepatopatias, uremia, coagulação
intravascular disseminada.
2.2.3 - Testes laboratoriais
A seleção de um teste ou bateria de testes para identificar o defeito hemostático
segue-se à avaliação clínica. Os testes laboratoriais podem identificar a causa
específica da coagulopatia e proporcionar orientação terapêutica. Os testes de
coagulação pouco contribuem, no entanto, se a colheita, acondicionamento e
manipulação das amostras forem inadequadas. Assim recomendam-se os seguintes
cuidados:
- proceder venóclise cuidadosa, de preferência na jugular, procurando evitar
aspiração de líquido intersticial ou formação de trombos, os quais interferem com a
coagulação;
- obter as amostras de sangue em seringas plásticas ou, quando de vidro,
siliconizadas e já contendo o anticoagulante. Se o sangue for acondicionado em
frasco de vidro, este também deve ser siliconizado para evitar ativação dos fatores
de coagulação. A amostra pode ser acondicionada na própria seringa;
- utilizar anticoagulante adequado: recomenda-se o citrato trisódico ou oxalato de
sódio (por exemplo: uma parte de citrato trisódico a 3,8% para nove partes de
sangue). A heparina inibe a ação da trombina e o EDTA evita a interação
plaquetária e, portanto, são contra-indicados;
- os testes de função plaquetária são efetuados até duas horas após a colheita do
sangue. As amostras devem ser mantidas à temperatura ambiente para evitar
deformação dos trombócitos;
- amostras de plasma devem ser obtidas de sangue fresco e testadas
imediatamente ou congeladas para testes posteriores.
Os testes laboratoriais utilizados no diagnóstico de coagulopatias são: o tempo de
sangramento da mucosa bucal; tempo de sangramento cuticular; tempo de
sangramento do sangue total e retração do coágulo; contagem e avaliação
plaquetária; concentração de fibrinogênio no plasma; concentração da antitrombina
III; tempo de tromboplastina parcial; tempo de protrombina; determinação de
monômeros de fibrina solúvel; produtos de degradação do fibrinogênio/fibrina; lise
da euglobulina; exame da medula óssea e função hepática. Detalhes podem ser
encontrados nos livros de Patologia Clínica. A título de exemplo são apresentados
alguns dados evidenciados em diferentes patologias (Quadro 2.2).

2.3 - Princípios de tratamento das coagulopatias


Qualquer que seja o fator desencadeante da alteração hemorrágica devem ser
tomadas as seguintes medidas:
- tentar conter o foco ou focos hemorrágicos através de bandagem compressiva,
pinçamento, ligadura ou cauterização;
- evitar traumatismo iatrogênico como venóclise, biópsia, injeção intramuscular e
intervenção cirúrgica antes das tentativas de estabilização;
- procurar remover ou debelar o fator desencadeante, se identificado;
- transfundir sangue ou plasma colhido recentemente para repor a volemia e
fatores de coagulação;
- o sangue para transfusão deve ser colhido em bolsas ou frascos de vidro
siliconizado, cujo anticoagulante seja o citrato (ACD ou CPD);
- restringir o uso de fármacos que interfiram com a coagulação. Os mais comuns
são: ácido acetil-salicílico, promazina, fenilbutazona, sulfonamida, nitrofuranos e
vacinas de vírus vivo;
- a freqüência das transfusões depende da identificação do fator alterado: na
hemofilia duas a três vexes ao dia, durante três a cinco dias; na afibrinogenemia
uma vez ao dia ou em dias alternados; na deficiência do complexo protrombina
duas vezes ao dia, durante cinco dias

2.4 - Coagulação intravascular disseminada e Fibrinólise

Esta síndrome tem proporcionado sérios transtornos durante procedimentos


cirúrgicos e não raro levado o paciente a óbito.
A coagulação intravascular disseminada (CID) é definida como uma coagulação
aguda, passageira e difusa na corrente circulatória, levando a um bloqueio ou
obstrução da microcirculação, através da transformação do fibrinogênio em fibrina.
Esta síndrome inclui um grupo de distúrbios e alterações também chamado
coagulopatia de consumo, síndrome da desfibrinação, trombose intravascular difusa
e síndrome da coagulação e fibrinólise intravascular.
A fibrinólise é caracterizada por alteração da hemostasia provocada pela destruição
dos fatores plasmáticos da coagulação, em conseqüência à uma proteólise
intravascular. Na fibrinólise primária ocorre ativação da plasmina com degradação
do fibrinogênio, independente da formação de fibrina. Sua atividade pode ser
exacerbada por vários estímulos inespecíficos. Em contrapartida, a ativação
fibrinolítica pode ser suficiente para produzir hemorragias incoercíveis. A fibrinólise
pode ser primária, quando desencadeada direta-mente pelos fatores etiológicos ou
secundária à coagulopatia de consumo na CID.
2.4.1 - Etiopatogenia
A CID é um processo patológico que complica várias enfermidades no homem e
animais. Os seguintes mecanismos estão incluídos no desencadeamento da
síndrome:
- liberação de tromboplastina tecidual e ativação do sistema extrínseco como ocorre
nas lesões teciduais por esmagamentos, dissecação de áreas extensas, neoplasias,
necrose tecidual, descolamento prematuro de placenta;
- lesões endoteliais primárias devido a congelamento, queimadura, vírus, rikétsias;
lesões secundárias quando seguirem-se à anóxia como no choque. A exposição do
colágeno, nos vasos lesionados, ativa o sistema extrínseco (fator XII). Ao interferir
com o fluxo circulatório ativa o sistema intrínseco;
- ação de endotoxinas que atuam de várias maneiras: por ativação do sistema
intrínseco provocando agregação plaquetária e conseqüente liberação de histamina,
serotonina e bradicinina; ativação direta do fator Hageman; formando trombos
plaquetários; aumentando a atividade fibrinolítica. A sepse é a causa mais
freqüente de CID em eqüinos;
- agregação plaquetária por ação do complexo antígeno-anticorpo-complemento
(fatores imunológicos) como na anemia hemolítica e na transfusão de sangue
incompatível. Ocorre também ativação do fator Hageman e bloqueio do sistema
histiolinfoplasmocitário;
- ação de agentes químicos e físicos como enzimas proteolíticas (picada de serpente
peçonhenta, tripsina na pancreatite aguda) e certos quimioterápicos
anticancerígenos;
- estagnação do fluxo sangüíneo como acontece no choque.
As patologias mais relacionadas com a CID são:
 1. PRÓ-COAGULANTES TECIDUAIS (tromboplatinas teciduais)
- descolamento prematuro de placenta
- feto morto no útero
- embolia de líquido amniótico
- carcinomatose - queimaduras
- manipulação excessiva do pulmão durante cirurgia;
2. PRÓ-COAGULANTES ERITROCITÁRIOS (hemólise maciça)
- transfusão de sangue incompatível
- circulação extracorpórea;
3. PRÓ-COAGULANTES DE OUTRAS FONTES
- infecções bacterianas
- sepsemia por Gran-negativos
- viroses - acidente ofídico
- embolia gordurosa - hiperlipemia
- pancreatite aguda (tripsina);
4. CAUSAS MISTAS OU DESCONHECIDAS
- morte neonatal
- toxemia gravídica
- rejeição de transplante
- síndrome urêmico-hemolítica
- síndrome da membrana hialina.
Nos eqüinos as afecções gastrintestinais (obstrução, estrangula-mento), a laminite,
complicações obstétricas, trauma, sepse, queimadura, miosite e choque têm sido
associados à CID.
Muitos dos fatores causadores da CID podem determinar também o
desencadeamento da fibrinólise primária.
As causas mais comuns de fibrinólise primária são: hemorragia, neoplasia, trauma
cirúrgico, anorexia, drogas e mais freqüentemente enfermidades hepáticas.
Na fase inicial da CID ocorre hipercoagulabilidade sendo detectados níveis elevados
de pró-coagulantes, microtrombose periférica e trombos hialinos. Na fase
secundária ocorre coagulopatia de consumo com gasto excessivo dos fatores de
coagulação. Ao mesmo tempo, o sistema fibrinolítico é ativado contribuindo ainda
mais para a tendência hemorrágica. Em resumo, a coagulação intravascular
disseminada provoca: deficiência dos fatores de coagulação, especialmente
fibrinogênio e trombócitos; presença de anticoagulantes circulantes; excessiva
fibrinólise e tendência anormal à hemorragia. Assim ocorre uma coagulopatia com
fibrinólise secundária que origina uma alteração hemorrágica.

2.4.2 - Sinais clínicos


Os sinais clínicos da CID são altamente variáveis dependendo da formação de
trombina, do fluxo vascular, da quantidade de inibidores naturais da coagulação e
da capacidade do sistema histiolinfoplasmocitário em remover os pró-coagulantes
da corrente circulatória. Hemorragia, trombose e falência de vários órgãos como
rim, fígado e pulmão são conseqüência da deficiência dos fatores de coagulação e
obstrução na microcirculação.
Com freqüência são observadas grandes equimoses confluentes, hemorragias
generalizadas de mucosas e soluções de continuidade cirúrgicas ou não, além de
transudação prolongada em punções venosas.

2.4.3 - Diagnóstico
O sinal clínico inicial de CID é a hemorragia incoercível. No eqüino é rara a
hemorragia profunda com CID. São encontradas mais freqüentemente petéquias e
equimoses nas mucosas, membrana nictitante e esclera.
Geralmente há deposição de fibrina na microcirculação. O rim é comprometido
resultando freqüentemente em oligúria e hematúria devido a microtrombose nos
capilares glomerulares. Pode ocorrer também falência da cortical adrenal,
pancreatite e hemorragia gastrintestinal. Em eqüinos tem-se observado casos de
trombose nas veias jugulares, falência de múltiplos órgãos e laminite.
Sempre que ocorrer choque, hemorragia, hemólise e trombose isolados ou
combinados, em um animal enfermo, deve ser pressuposta a ocorrência de CID.
A CID tem três conseqüências: a formação disseminada de microtrombos no
interior dos capilares, resultando em isquemia tecidual; os microtrombos
constituem o mecanismo patogênico para hemólise, resultando em anemia
hemolítica microangiopática; diátese hemorrágica.
Como a fibrinólise primária e a CID apresentam quadro clínico semelhante o
diagnóstico diferencial é feito por testes laboratoriais. No Quadro 2.4 estão
relacionados os testes utilizados e o resultado correspondente, variável para cada
patologia.

Quadro 2.4 - Testes laboratoriais para


diferenciação entre coagulação intravacular
disseminada (CID) e fibrinólise

Testes CID Fibrinólise


Fibrinogênio Prolongado Prolongado
Tempo de Prolongado Prolongado
protrombina
Fator V Baixo Baixo
Plaquetas Diminuídas Normais
Tempo de trombina Prolongado Prolongado
Plasminogênio Normal Baixo
Lise da euglobulina Normal Rápida
Monômeros de Presentes Ausentes
fibrina
Produtos de
degradação do Presentes Presentes
fibrinogênio/fibrina
2.4.4 - Tratamento
Depende da causa e se pode ser tratada ou removida. Em muitos casos o
prognóstico é desfavorável, pois a síndrome manifesta-se em paciente terminal, e a
eutanásia pode ser a única opção.
Diagnosticada a CID, a conduta primária é a identificação e tratamento das causas
iniciantes da coagulopatia.
Em relação à síndrome a conduta terapêutica deve seguir obrigatoriamente a
seguinte seqüência de procedimentos: combater a isquemia tecidual; tratar o
estado trombótico; tratar o estado hemorrágico. Se não for seguido este esquema
seqüencial a terapia terá alto índice de falha e pode estimular a irreversibilidade da
síndrome.
A isquemia é controlada pela correção da hipoperfusão tecidual. Deve-se expandir a
volemia com solução hidroeletrolítica balanceada (Ringer lactato®) associada a
uma solução coloidal como os polímeros de gelatina (Haemacel®) em dose
equivalente à terapia do choque. A fluidoterapia, além de manter a perfusão
celular, previne a obstrução de pequenos vasos por microtrombos e o subseqüente
dano isquêmico, e permite que os inibidores da coagualção cheguem às áreas de
estagnação sangüínea. Nos casos em que se suspeitar de acidose metabólica grave
administrar bicarbonato de sódio, diluído em solução salina, em dose de 2 a 4
mEq/kg, ou conforme gasometria. Após expandir a volemia é aconselhável associar
corticosteróides (dexametasona: 4-11mg/kg) devido ao seu efeito vasodilatador.
Recomenda-se ainda o uso de antibioticoterapia agressiva.
A terapia anticoagulante ao estado trombótico é efetuada com heparina a qual inibe
a interação da trombina com o fibrinogênio. É preciso estar ciente de que este
fármaco não altera o estado hemorrágico, mas afeta apenas a tendência à
trombose que é a fase iniciante da CID. A heparina não lisa o trombo já formado,
tem pouco efeito na vigência da acidose e é dependente da concentração da
antitrombina sérica III que geralmente está deficiente na CID. A dose de heparina
(Liquemine®) pode seguir um dos seguintes esquemas:
Para cães
- 75UI/kg a cada 4h, diluída em solução de Ringer lactato, via venosa, ou
- dose inicial de 75UI, via venosa, seguida de gotejamento venoso de 600UI/kg/dia
diluída em Ringer lactato, ou
- 1000UI/kg, via subcutânea, a cada 12h;
- na fase crônica da CID pode ser utilizada minidose de 30 a 40UI/kg, subcutânea,
quatro vezes ao dia.
Para eqüinos
- 80 a 100UI/kg, via venosa, cada 4 a 6h ou adicionada em soluções salinas para
gotejamento constante. Nas formas menos graves utilizar 25 a 40 UI/kg, via
subcutânea, duas a três vezes ao dia. A aplicação subcutânea nesta espécie pode
causar edema.
Atualmente é discutível esta freqüência de doses para a heparina, pois pode
acentuar a hemorragia. A dose deve ser calculada de maneira que o tempo de
sangramento mantenha-se duas e meia vezes o normal. A heparina deverá ser
aplicada na fase de coagulação intravascular, para prevenir a formação dos
microtrombos. Infelizmente, a manifestação clínica por sangramento, manifesta-se
na fase de incoagulabilidade (fibrinólise secundária), quando esse fármaco já não é
mais indicado.
O ácido acetil salicílico tem sido indicado na CID, devido a sua ação inibitória sobre
os agentes agregadores das plaquetas. Tem apresentado resultados favoráveis na
dose de 25mg/kg/dia em combinação com fluidoterapia, uso de antibióticos e
esteróides.
O tratamento do estado hemorrágico é feito mediante administração de sangue ou
plasma recém-colhido. Não deve anteceder a terapia anticoagulante, na fase de
coagulação intravascular, pois oferece mais substrato para formar microtrombos. O
volume sangüíneo a ser administrado depende da resposta do paciente, requerendo
monitoração constante.
Nos casos de fibrinólise primária, além de combater o quadro isquêmico e de se
fazer a transfusão de sangue indica-se o uso de fármaco antifibrinolítico. O ácido
épsilon amino capróico (Ipsilon®) atua prevenindo a ativação do plasminogênio em
plasmina. A dose pode ser:
- inicialmente 5 a 10g via venosa lenta;
- a seguir 2g/h durante duas a três horas;
- depois a cada 12h repetir uma dose de 2g/h.
O ácido epsilon amino capróico é eficiente também em aplicações tópicas nas
soluções de continuidade. Ao ser administrado por via parenteral, deve-se estar
atento pois pode causar hipotensão, trombose intravascular difusa e arritmias
cardíacas.

CAPÍTULO III

CHOQUE

A síndrome choque, por suas características, sempre despertou o interesse de


clínicos e cirurgiões. Apesar das inúmeras pesquisas voltadas para esta síndrome,
muitas perguntas ainda carecem de resposta. Por exemplo: qual a melhor maneira
para reposição do volume intravascular? Como é mais bem prevenida ou tratada a
coagulação intravascular disseminada? Os glicocorticóides são realmente eficientes
na terapia do choque? Sua dosagem farmacológica é suficiente? Infelizmente os
estudos experimentais são feitos em condições controladas e não reproduzem a
mesma evolução observada nos choque pelos diversos fatores desencadeantes.
3.0 - Conceito
Várias definições têm sido propostas para a síndrome choque. Praticamente todas a
caracterizam como severa insuficiência da perfusão capilar, incapaz de manter a
função normal das células. Decorrente desta hipoperfusão sobrevem várias
alterações funcionais que se somam e, quando não corrigidas, conduzem a
irreversibilidade da síndrome.
3.1 - Tipos

Quadro 3.1 - Relação dos


fatores etiológicos mais
comuns no
choquehipovolêmico.
1. Hemorragia
1.1 - Externa
- ferimentos traumáticos
- cirurgias prolongadas
1.2 - Interna
-ruptura de víscera
compacta
- ruptura de grandes
vasos
- fraturas.
2. Hemoconcentração
- queimaduras
- desidratação
- gastrenterites
- peritonite e pleuris
- insuficiência
adrenocortical
- obstrução e torção
intestinal.

Diferentes fatores interferem com a dinâmica circulatória. Na dependência do


mecanismo pelo qual estes fatores desencadeantes diminuem o fluxo circulatório
efetivo, o choque pode ser classificado em três tipos principais:hipovolêmico,
vasculogênico, cardiogênico e por obstáculo circulatório conforme ocorram
respectivamente diminuição efetiva na volemia, aumento na capacitância vascular,
deficiência da bomba cardíaca, impedimento ou restrição no retorno venoso na
grande circulação.
3.1.1 - Choque hipovolêmico
Ocorre por diminuição aguda no volume sangüíneo circulante devido a perdas para
fora do espaço vascular. Estas perdas (Quadro 3.1) podem ser por:
3.1.1.1 - Hemorragia (choque hemorrágico): o choque por perda de sangue é
estabelecido nas hemorragias equivalentes a 30% da volemia no cão, 40% no gato
e ao redor de 30% nos eqüinos, alcançando 100% de mortalidade nas perdas de
50% do volume circulante.
A hemorragia pode ser externa ou interna. No primeiro caso são mais comuns os
ferimentos traumáticos na superfície externa e as cirurgias prolongadas em que
haja sangramento abundante. Em bovinos ocorre sangramento abundante nas
lacerações da veia mamária subcutânea. No segundo caso o sangue drena para
determinada cavidade ou para a intimidade de grandes massas musculares. As
mais freqüentes são as hemorragias por ruptura do fígado ou baço em quedas
violentas ou por acidentes cirúrgicos. Em eqüinos pode haver hemorragia maciça
nos sacos guturais ou pulmões. Quando no tórax a hemorragia é mais preocupante
devido a pressão negativa desta cavidade que favorece a saída do sangue dos
vasos, estabelecendo rápido hemotórax.
3.1.1.2 - Hemoconcentração: neste caso o choque deve-se à diminuição no
plasma circulante, como ocorre nas queimaduras, onde é observada intensa
exsudação na superfície destruída. Queimaduras envolvendo mais de 20% da
superfície corporal são suficientes para determinar alterações gerais incluindo
aumento na viscosidade sangüínea e agregação de hemácias e plaquetas.
A perda de plasma ocorre também nas espoliações internas verificadas na
peritonite e pleuris.
A desidratação como se dá no homem é rara em animais. No cão seria por
distúrbios no centro da sede ou por privação aguda de água. Em eqüinos a
sudoração excessiva pode ser fator determinante.
A perda de líquido extracelular, no entanto, ocorre nos casos de vômito e diarréia
onde são eliminados água e eletrólitos. Um eqüino adulto com enterite séptica pode
ter diarréia severa com perdas de 50 a 100 litros de líquido em 24 horas. Nas
obstruções intestinais a perda de líquido ocorre para a luz do intestino obstruído,
para a cavidade peritoneal e para o exterior com o vômito.
Nos casos de falência da adrenocortical pode ser
Quadro 3.2 - Relação dos induzida diminuição crítica do volume circulante.
fatores etiológicos mais A secreção diminuída de aldosterona aumenta a
freqüentes de choque perda de sódio e conseqüentemente de água,
vasculogênico com depleção na volemia.
1. Paralisia vasomotora Tem sido relatada a ocorrência de choque
- trauma medular cirúrgico em eqüinos devido à desidratação dos
- intoxicação por fármaco tecidos expostos durante cirurgias prolongadas,
hipotensor. ou perdas por evaporação nas misturas com
2. Agentes vasoativos de gases expirados no trato respiratório. Estes
anafilaxia animais sofrem hemoconcentração, além da
- picada de insetos perda de sangue podendo sofrer choque após
- acidente transfusional curto período se estiverem debilitados.
- Peçonhas de 3.1.2 - Choque vasculogênico
serpentes, aranhas, Este tipo de choque é devido não a perda de
escorpiões volume circulante, mas a um aumento agudo na
- depressores do SNC como capacitância do leito vascular, pela incapacidade
acepromazina, cetamina de manter a resistência periférica. Assim é
- fármacos como criada uma situação de hipovolemia relativa. Os
penicilina, cloranfenicol. fatores etiológicos (Quadro 3.2) incluem:
3. Toxinas bacterianas 3.1.2.1 - Paralisia vasomotora (choque
- sepsia. neurogênico): ele é desenvolvido por paralisia do
sistema nervoso simpático devido a
traumatismo, particularmente na medula oblonga e tóraco-lombar, depressão por
anestesia geral profunda (barbitúricos), intoxicação por fármacos hipotensores e
envenenamento por produtos químicos com propriedade vasodilatadora;
3.1.2.2 - Agentes vasoativos de anafilaxia (choque anafilático):
Ocorre falência circulatória periférica por liberação aguda de histamina. É devida a
uma reação antígeno-anticorpo-complemento entre uma célula previamente
sensibilizada e um agente específico. A lesão celular decorrente desta reação libera
substâncias altamente tóxicas como a histamina, serotonina e bradicinina. As
picadas de abelha e/ou vespa também podem determinar reação anafilática pela
interação antígeno-anticorpo (hipersensibilidade tipo I) ou alterações neurotóxicas
e hemolíticas.
Nas transfusões de sangue incompatível pode haver urticária relacionada à
presença de fatores de contato do plasma que ativam o sistema das cininas com
liberação de aminas biogênicas.
Têm sido relacionados fármacos (penicilina, cloranfenicol, trimetoprim-sulfatiazol),
depressores do sistema nervoso central (maleato de acepromazina, cloridrato de
cetamina) e peçonhas (serpentes, sapos aranhas, escorpiões) como causadores de
anafilaxia com hipotensão;
3.1.2.3 - Toxinas bacterianas (choque séptico ou endotóxico): esta é a forma mais
comum de choque principalmente em grandes animais. Podem ser divididas em
exotoxinas de germes Gran-positivos e endotoxinas de Gran-negativos.
As endotoxinas, mais freqüentes, estimulam as terminações simpáticas pós-
ganglionares liberando catecolaminas. Neste caso a hemodinâmica do choque
ocorre em duas fases: a primeira com elevado débito cardíaco e aumento no tono
periférico. A segunda fase apresenta queda no débito cardíaco devido ao seqüestro
capilar e retorno venoso diminuído. O baixo retorno de sangue ao coração decorre
da elevada resistência periférica, por persistência do tono arteriolar sistêmico
através da ação de catecolaminas. No homem as exotoxinas provocam
vasodilatação precoce com baixa resistência periférica. No cão, entretanto, parece
haver um aumento do tono periférico por ação das catecolaminas. As causas mais
comuns do choque séptico são: queimaduras contaminadas, traumatismo extenso,
peritonite, obstrução intestinal, isquemia intestinal, enterite, pericardite, abscessos,
osteomielite, enfermidades hepáticas, meningite, mastite e choque hemorrágico.
3.1.3 - Choque cardiogênico
Neste caso estão incluídas todas as causas
Quadro 3.3 - Fatores que interfiram com a repleção e esvaziamento
etiológicos mais comuns do das cavidades cardíacas (Quadro 3.3). Aqui o
choque cardiogênico fator primordial é a deficiência de bomba.
1 - origem intrínseca Estes elementos desencadeantes podem ser
ruptura de cinta tendinosa divididos em dois grupos:
distúrbios de condução 3.1.3.1 – Origem intrínseca: podem ser
bloqueio total ou parcial alterações estruturais como ruptura de cinta
arritmia, fibrilação. tendinosa, arritmias que tornam as sístoles
2 - origem extrínseca ineficientes. Taquicardia ou fibrilação e os
depressão do miocárdio bloqueios cardíacos total ou parcial são fatores
distúrbios eletrolíticos e ácido- estimulantes do choque cardiogênico.
base 3.1.3.2 – Origem extrínseca: depressão do
fármacos depressores miocárdio provocada por acidose ou distúrbios
peptídeos tóxicos do pâncreas eletrolíticos (hipercalemia associada a
isquêmico. hiponatremia) e intoxicações por fármacos ou
produtos químicos depressores do miocárdio.
Os peptídeos tóxicos liberados pelo pâncreas isquêmico (Fator Depressor do
Miocárdio - FDM) são elementos que complicam outros tipos de choque
(hipovolêmico ou vasculogênico) pelo comprometimento cardíaco.
3.1.4 – Choque por obstáculo na grande circulação
O comprometimento na dinâmica circulatória se dá por um impedimento ou
restrição do retorno venoso na grande circulação. Os principais fatores etiológicos
estão relacionados no quadro 3.4.
Há interferência com o fluxo cardíaco e retorno venoso efetivo que acontece no
tamponamento cardíaco, ou por compressão das veias cavas, por expansão
excessiva dos pulmões, quando se faz ventilação positiva. Nos casos de
pneumotórax, nas efusões pleurais e na hérnia diafragmática o retorno venoso é
prejudicado pelo efeito ocupação de espaço que diminui a pressão negativa
intrapleural. Na síndrome volvo-dilatação gástrica, além do impedimento venoso,
ocorre deslocamento cranial do diafragma interferindo com a fisiologia respiratória.

3.2 - Fisiopatologia

3.2.1 - Mecanismos compensatórios:


O comprometimento circulatório é fator comum nos choques hipovolêmico,
vasculogênico e cardiogênico. Esta hipovolemia absoluta ou relativa determina
hipotensão arterial (choque cardiogênico e por obstáculo na grande circulação) ou
arteriovenosa (choques hipovolêmico e vasculogênico). O organismo procura
conter, por meio de mecanismos compensatórios (Quadro 3.5), o ciclo de
deterioração hemodinâmica que se estabelece. Estes mecanismos que compõem a
fase I do choque (fase adrenérgica) são ativados de várias maneiras:

3.2.1.1 - ao baixar a pressão arterial os baro-receptores ou presso-receptores


localizados nos seios carotídeos e arco aórtico diminuem os estímulos aferentes ao
sistema nervoso central. Em resposta há redução na atividade vagal eferente com
predomínio do tono simpático. Este induz taquicardia e vasoconstrição que é mais
acentuada na pele, músculo esquelético, rins e leito vascular esplâncnico que são
ricos em alfa receptores. Deste modo o sangue é dirigido para a circulação central
mantendo órgãos essenciais à sobrevivência imediata, como coração, sistema
nervoso central e pulmões;

3.2.1.2 - pressão arteriolar muito baixa


Quadro 3.5. Mecanismos estimula os quimioreceptores periféricos,
compensatórios desencadeados sensíveis à anóxia que se instala pela
pela hi potensão durante o choque. perfusão diminuída nos tecidos. O
estímulo desses receptores acentua a
- diminuição dos estímulos via
vasoconstrição periférica e produz
presso-receptores;
taquipnéia. Este estímulo respiratório
- estimulação de quimioreceptores melhora o retorno venoso devido a ação
periféricos; bombeadora auxiliar do pulmão, durante
a inspiração;
- descarga simpática em resposta à
isquemia mediada pelo Sistema - pressão sangüínea abaixo de 40mmHg
Nervoso Central; resulta em isquemia do sistema nervoso
central devido ao afluxo inadequado de
- liberação de hormônios: sangue e sobrevem descarga simpática
mais intensa que a soma daquela
+ catecolaminas, desencadeada pelos receptores. É
acentuada ainda mais a vasoconstrição e
+antidiurético (ADH),
aumenta a contratilidade do miocárdio;
+ adrenocorticotrófico (ACTH), 3.2.1.3 - respondendo ao estímulo
simpático a medula libera catecolaminas
+ renina-angiotensina-aldosterona; em quantidades expressivas (epinefrina
aumenta até 50 vezes) na tentativa de
- refluxo intersticial. compensar a hipotensão persistente. As
catecolaminas promovem contração
esplênica, vasoconstrição periférica e
têm estímulo cronotrópico e inotrópico sobre o miocárdio;
3.2.1.4 - a baixa perfusão renal em pressões abaixo de 60 mmHg estimula a
liberação de renina pelo aparelho justaglomerular. Esta transforma o
angiotensinogênio do plasma em angiotensina que tem potente ação
vasoconstritora. A angiotensina estimula também a secreção da aldosterona que
promove reabsorção de sódio e água desde os túbulos renais;
3.2.1.5 - a pressão baixa nos átrios e em nível dos presso-receptores promove a
liberação do hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina e do hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) pelo lobo posterior da hipófise.

A vasopressina é um dos mais potentes vasoconstritores liberados no organismo e


atua controlando a excreção renal de água (dutos coletores – néfron distal). Em
pressões sangüíneas inferiores a 50 mmHg aumenta 20 a 50 vezes.

O ACTH estimula a secreção de corticosteróides (aldosterona e hidrocortisona). A


aldosterona auxilia a estabilizar o volume plasmático aumentando a reabsorção de
sódio pelos rins (túbulos e dutos coletores). Os glicocorticóides potencializam o
efeito das catecolaminas e estimulam a gliconeogênese;

- quando decrescer a pressão sangüínea e conseqüentemente a perfusão capilar,


ocorre afluxo de líquido intersticial para o lúme capilar. Este fenômeno contribui
para a reposição de volume circulante, porém, diminui a pressão coloidosmótica
devido a diluição das proteínas do plasma.

Os mecanismos descritos tendem, portanto, a restaurar a volemia principalmente


através da vasoconstrição que pode ou não restaurar a pressão sangüínea. Se o
fator desencadeante for contido e a queda na volemia não for muito aguda (inferior
a 30 ou 40%) geralmente há possibilidade de compensação. Se, por outro lado, o
fator desencadeante continuar atuando, esses mecanismos sofrerão oposição de
outros, descompensatórios (Quadro 3.6), que iniciam um ciclo mortal para o
paciente devido ao agravamento da hipotensão. No choque vasculogênico em que
haja bloqueio do simpático, não ocorre a fase adrenérgica.

3.2.2 - Mecanismos descompensatórios:

São relacionados os seguintes:

3.2.2.1 - falência cardíaca por hipofluxo coronariano: a hipotensão diminui o fluxo


de sangue para as artérias coronárias, deprimindo a função cardíaca. Esta
depressão do miocárdio agrava a pressão precariamente baixa, completando um
ciclo que tende a tornar-se irreversível;

Quadro 3.6 - Mecanismos


descompensatórios
desencadeadospela hipotensão no
choque

- falência cradíaca por hipofluxo


coronariano;

- alterações microcirculatórias:

+ insuficiência constritiva,

+ insuficiência vasoplégica;

- acidose metabólica;
- depressão dos centros cardaco e
vasomotor;

- depressão do sistema
histiolinfoplasmocitário;

- diátese hemorrágica.

3.2.2.2 - alterações microcirculatórias: é sabido que a unidade capilar (Figura 3.1),


composta pelas arteríolas distais, metarteríolas, esfíncteres pré e pós-capilares,
capilares, vênulas coletoras é controlada por ação de fatores vasoativos locais e
gerais. Os fatores que chegam pela circulação sistêmica têm sido denominados
fatores vasotrópicos sistêmicos e possuem efeito vasoconstritor. Os mais comuns
são: adrenalina, noradrenalina, angiotensina e vasopressina entre outras. Os
fatores produzidos e liberados na circulação local têm ação vasodilatadora e são
denominados fatores vasotrópicos locais. São constituídos por produtos do
catabolismo tecidual. Incluem as enzimas lisosomais, proteases, serotonina,
histamina, bradicinina e ácido láctico entre outros.

Cabe ressaltar ainda que 80% dos capilares são normalmente isquêmicos, sendo
perfundidos alternadamente conforme o requerimento celular na área. Em
condições de volemia estável os capilares contêm somente 5% do volume
sangüíneo. Assim, a microcirculação é controlada pelo sistema nervoso autônomo e
pelos catabólitos locais.

As células teciduais, quando


isquêmicas, produzem os
fatores vasotrópicos locais
(catabólitos) que possibilitam,
pelo efeito vasodilatador, o
enchimento capilar e a
nutrição celular. Este sangue
proveniente da grande
circulação, além de trazer os
nutrientes para a célula,
contém fatores vasotrópicos
sistêmicos e carreia os
produtos do catabolismo local
(vasodilatadores) que serão
Figura 3.1 - Esquema da microcirculação
metabolizados e/ou
em condições de normovolemia.
eliminados. Com o predomínio
Porção escura representa área
de fatores sistêmicos no local,
vascularizada. Porção clara
os esfíncteres pré-capilares
representa capilares isquêmicos.
fecham e o sangue é desviado
pelas metarteríolas. Através
deste mecanismo o sangue circulante é suficiente para manter a extensa rede
capilar do organismo.
No paciente em choque a diminuição da perfusão periférica determina insuficiência
na microcirculação que evolui em duas fases: uma isquêmica, outra vasoplégica de
estase.

A insuficiência microcir-
culatória isquêmica (Figura
3.2) é estabelecida pela
constrição desencadeada
através dos mecanismos
compensatórios do choque
(fase adrenérgica).
Inicialmente o sangue flui
apenas pelas metarteríolas
devido ao fechamento dos
esfíncteres pré-capilares.
Nesta fase há passagem de
líquido intersticial para a
luz capilar, tentando repor
a volemia. À medida que se
acentua a constrição na
arteríola terminal o fluxo é
desviado pelas
Figura 3.2 - Microcirculação no choque. comunicações artério-
Insuficiência microcirculatória venosas para as vênulas
isquêmica (fase I). Capilares distais. Com a persistência
isquêmicos com sangue da constrição sistêmica os
desviado pelas comunicações tecidos entram em acidose
artério-venosas. devido à hipóxia tecidual.
Este fenômeno intensifica a
produção de fatores
vasotrópicos locais que relaxam os esfínteres pré-capilares. O sangue flui então
para o leito capilar que, nesta fase, está bastante ampliado. Isto causa dois efeitos:
(1) a quantidade de sangue que mesmo em condições de normovolemia seria
insuficiente para irrigar todo o leito capilar distendido, é precariamente baixa e
resulta em diminuição no retorno venoso, da pressão venosa central e do débito
cardíaco; (2) o fluxo capilar sofre estase e não supre as necessidades da célula que
se torna anóxica. Esta fase é agravada pela constrição das arteríolas proximais e
vênulas distais que estão sob efeito dos fatores vasotrópicos sistêmicos. Em
conseqüência a pressão hidrostática sistêmica não é transmitida ao sangue aí
estagnado e os catabólitos não retornam pela circulação venosa. Este mecanismo
consiste em seqüestro sanguíneo que ocorre predominantemente em área
esplâncnica no cão e no pulmão do gato, cavalo e bovino (Figura 3.3). Esta
dilatação capilar e estase sangüínea favorecem a migração de colóides para o
interstício favorecendo a ocorrência de edema.
3.2.2.3 - Acidose metabólica: a
acentuada redução no fluxo periférico
propicia o acúmulo de fatores
vasotrópicos locais que diminuem o
tono vascular periférico agravando
ainda mais a hipotensão. Esta
expansão do leito vascular caracteriza
a fase II do choque (Figura 3.3). A
acidose resultante da hipóxia celular
deprime diretamente o miocárdio e
diminui a resposta deste à
estimulação simpática das
Figura 3.3 - Esquema da catecolaminas;
microcirculação na fase II
do choque. Seqüestro de 3.2.2.4 - Depressão dos centros
volume devido a vasoplegia cardíaco e vasomotor: quando
(ação de fatores ocorrer severa hipotensão, com
vasotrópicos locais) e resultante perda do tono simpático,
constrição sistêmica. predominará o parassimpático e
haverá diminuição do tono vascular
periférico e do débito cardíaco;

3.2.2.5 - Depressão do sistema histiolinfoplasmocitário: a vasoconstrição,


particularmente nos vasos hepáticos e esplênicos, reduz o fluxo sangüíneo ao
fígado e baço que são os principais órgãos responsáveis por esse sistema. A
isquemia nesses órgãos e o acúmulo de mediadores vasotrópicos locais destroem o
sistema histiolinfoplasmocitário e o paciente torna-se incapaz de detoxificar as
toxinas bacterianas;

3.2.2.6 - diátese hemorrágica: é caracterizada por coagulação intravascular


disseminada que caracteriza a fase III do choque. Ocorre sob duas condições: (1)
diminuição no fluxo capilar e (2) liberação de material tromboplastínico no sangue.
Estes agentes tromboplastínicos podem provir de trauma tecidual, hemólise,
toxinas bacterianas ou contato do sangue com superfícies estranhas como cânulas
e cateteres.

A coagulação intravascular disseminada apresenta em sua evolução duas fases: a


primeira, denominada coagulopatia de consumo, é caracterizada pelo consumo dos
fatores de coagulação e formação de microtrombos intravascular. Estes
microtrombos situando-se nos capilares alteram a perfusão celular determinando
acidose láctica com morte celular (Figura 3.4). Na segunda fase ocorre ativação da
fibrinólise com lise dos coágulos e sangramento difuso pelas soluções de
continuidade (Figura 3.5). Esta fase é acompanhada de diarréia sangüinolenta no
cão. Os distúrbios circulatórios e hidroeletrolíticos propiciam a formação e liberação
de mediadores que levam ao comprometimento sistêmico com insuficiência de
múltiplos órgãos (Fase IV do choque). Os principais mediadores são a CID, radicais
livres, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas, complemento, fator ativador
plaquetário entre outros.
3.2.3 - Comprometimento dos diferentes órgãos
Considerando os mecanismos que
favorecem ou antagonizam a
evolução do choque cabe ressaltar as
alterações evidenciadas nos
principais órgãos durante essa
síndrome.

Figura 3.4 - Microcirculação na fase  


III do choque. Coagulação
intravascular disseminada
 
causando obstrução em  
nível da microcirculação.
Observar capilares em  
vasoplegia.
 

3.2.3.1 - Cérebro:

O cérebro é o órgão que menos sofre interferência das variações sistêmicas da


volemia, pois seu fluxo sangüíneo tem regulação local.

O tono vascular local não é regulado


pelo sistema nervoso simpático,
mas por agentes da circulação. Os
principais são: o oxigênio, o dióxido
de carbono e os prótons hidrogênio
cujas concentrações ao serem
alteradas provocam vasodilatação
nesta circulação regional durante o
choque. Durante acidose, no
entanto, pode haver diminuição na
pCO2 por aumento reflexo na
freqüência respiratória mantendo
normal a p02. Esta combinação pode
Figura 3.5 - Microcirculação na fase causar vasoconstrição da
IV do choque. Presença de microcirculação cerebral e diminuir a
fibrinólise secundária que perfusão durante um estado de
desfaz os microcoágulos, hipotensão. Recentemente tem sido
mas já ocorre insuficiência demonstrado, no entanto, que há
dos principais órgãos com variações significativas no fluxo
lesão celular. sangüíneo em diferentes regiões do
cérebro, em resposta à hipovolemia, resultando em redistribuição do mesmo. Esta
redistribuição parece favorecer aquelas áreas onde se localizam os neurônios
relacionados ao controle cardiovascular. Pressão sangüínea mantida ao redor de 35
mmHg por mais de duas horas produz lesão irreversível no sistema nervoso central.

3.2.3.2 - Coração:

Quando a pressão arterial cair abaixo de 70 mmHg o fluxo coronariano diminui


paralelamente ao débito cardíaco. A depressão da função cardíaca é devido à
redução na tensão de oxigênio nas coronárias, acidose mista, perfusão reduzida e a
substâncias liberadas pelos tecidos hipoperfundidos. São exemplos os peptídeos
tóxicos liberados em altas concentrações pelo pâncreas isquêmico (fator depressor
do miocárdio) e fatores cardiodepressores liberados no intestino em hipóxia. A
hipotensão aliada a uma taquicardia acima de 260 batimentos/minuto diminui a
perfusão coronariana porque neste evento o tempo de diástole é menor
propiciando, assim, menor afluxo de sangue nestes vasos.
3.2.3.3 - Fígado, Intestino delgado, Estômago e Baço:

No cão parece ser esta a área de choque devido ao comprometimento que sofrem
estes órgãos. Inicialmente submetidos à isquemia são depois os locais de estase e
seqüestração de sangue.

O intestino delgado sofre hipóxia isquêmica na fase final do choque pela


estimulação adrenérgica que diminui a produção de muco, ativa os leucócitos, induz
necrose epitelial e desintegração da lâmina própria com ulceração e hemorragia.
Aumenta a permeabilidade capilar, ocorre edema intersticial que causa diarréia,
perda de proteínas do plasma e produção e liberação da xantina oxidase na
circulação. As lesões surgem precocemente e de forma intensa.

A estase na circulação intestinal ocorre em estágios posteriores à hipóxia, sendo


mais acentuada no cão, pela vasoconstrição portal, permitindo proliferação das
bactérias na luz intestinal. A perda da linha de defesa favorece a translocação
bacteriana e endotoxinas ou bactérias do lúme, além dos catabólitos, que são
absorvidos na mucosa e seguem pela circulação porta determinando endotoxemia e
septicemia. Estudos experimentais mais recentes sobre choque séptico, no cão e
gato, revelam que a hipóxia celular está relacionada à baixa pressão arterial em
nível das vilosidades do intestino. Como nos vilos os ramos arterial e venoso da
alça vascular que os irriga estão muito próximos cria-se um fluxo sangüíneo
contracorrente e assim, o sangue arterial que chega à extremidade do vilo, embora
seja mais lento, carreia pouco oxigênio resultando em anóxia do mesmo. As
endotoxinas ou bactérias do lúme intestinal, são absorvidas através das áreas
ulceradas na mucosa para a circulação portal e removidas pelo sistema
histiolinfoplasmocitário quando funcionante. No choque, entretanto, o fígado que é
o principal órgão de detoxificação sofre acentuada depressão funcional e distúrbios
metabólicos conseqüentes às alterações microcirculatórias. Esta perda da
capacidade detoxificadora permite que as toxinas bacterianas no choque séptico e
as endotoxinas de bactérias da luz intestinal, nos demais tipos de choque, efetuem
livremente sua ação deletéria. Estudos revelam que o fígado suporta no máximo 40
minutos de isquemia.

No estômago do cão além da anóxia celular há necessidade da ação do ácido do


suco gástrico para ocorrer ulceração.
O baço não apresenta grande importância no choque a não ser pela
esplenocontração que tem papel influente na compensação da hipovolemia. Pode
repor até 20% do volume circulante no cão.

3.2.3.4 - Pâncreas:

O pâncreas sofre lesão isquêmica e potencializa o choque pela ativação e liberação


de suas enzimas na circulação onde induzem a formação de compostos
farmacologicamente ativos. Estes são peptídeos tóxicos que causam poderosa
diminuição no débito cardíaco e na função do sistema histiolinfoplasmocitário. Isto
combinado com o comprometimento hepático deixa o animal vulnerável ao efeito
das bactérias ou toxinas, principalmente àquelas originárias do intestino.

3.2.3.5 - Rins:

Estes órgãos sofrem intensa isquemia durante o choque por serem ricos em -
receptores. A vasoconstrição que se estabelece na fase adrenérgica é proporcional
ao grau de hipotensão e diminui a filtração glomerular agravando a acidose. A
capacidade renal para utilização do lactato é pouco afetada pelo decréscimo gradual
no fluxo renal, entretanto, a hipotensão aguda prejudica sua irrigação e diminui a
metabolização do lactato.

Em pressões abaixo de 50 mmHg há redistribuição do fluxo sangüíneo neste órgão.


Enquanto a medular é perfundida adequadamente a cortical não o é. A insuficiência
renal no choque, no entanto, não é comum em cães. Para que ocorra há
necessidade de lesão dos túbulos renais o que acontece somente na hipoperfusão
do órgão por mais de 12 horas. Em 24 horas ocorre necrose tubular aguda. A
vasoconstrição renal pode permanecer mesmo após o retorno da pressão arterial
sistêmica em níveis fisiológicos. Clinicamente pode ser observada oligúria ou
anúria, isostenúria, glicosúria e presença de células renais na urina.

3.2.3.6 - Pulmão:

Nas espécies domésticas, à semelhança do homem, a microcirculação pulmonar é


pobre em alfa-receptores. Na fase do choque em que ocorre intensa constrição
sistêmica, o órgão pode sofrer sobrecarga de volume em grau capaz de determinar
até edema agudo devido sua discreta resposta à estimulação adrenérgica. Além
disso, nesta fase podem afluir para a microcirculação pulmonar trombos, toxinas
bacterianas e outros elementos deletérios. Neste ponto é preciso observar que
transfusões de sangue refrigerado, que comumente é feita por via venosa,
constituem grande fonte de microtrombos os quais são retidos na circulação
terminal do pulmão. Foi verificado que o sangue conservado em citrato por mais de
seis horas já apresenta formação de agregados plaquetários. Apesar do
aprimoramento dos filtros adaptados aos equipos de transfusão estes não
conseguem reter estes microagregados os quais terminam situando-se na
microcirculação do pulmão. A hipóxia que sobrevém à microtrombose desencadeia
a síndrome da membrana hialina com progressiva insuficiência respiratória. Estas
alterações já são evidenciadas pela microscopia eletrônica em uma hora após a
tranfusão.

3.2.3.7 - Alterações celulares:


A maioria das células torna-se temporária ou permanentemente lesionadas após 5
a 10min de privação de oxigênio e irreversivelmente lesionadas após 15 a 20
minutos. A baixa perfusão tecidual e retorno venoso inadequado ocasionam hipóxia
celular. O deficiente aporte de oxigênio bloqueia o ciclo de Krebs e diminui em 94%
a produção de energia por molécula de glicose. Há acúmulo de lactato e outros
elementos do catabolismo protéico e lipídico produzindo acidose intracelular. Pelo
efeito diluição sobrevém acidose extracelular. Estabelecida a acidemia haverá
estímulo dos centros respiratório e simpático que desencadeiam os mecanismos
compensatórios do choque. Com o acumulo de lactato haverá bloqueio da glicose
anaeróbica e finalmente morte celular por falta de energia.
Diminuindo a produção de energia cessam os mecanismos de transporte ativo, as
membranas sofrem alterações de permeabilidade e ocorre passagem de sódio,
cálcio e água para a célula (edema) e saída de potássio (hipercalemia). O edema
destrói a matriz intracelular, há labilização das membranas lisossomais que levam à
autofagia celular e irreversibilidade do choque.

3.2.3.8 - Lesões de isquemia e reperfusão

São alterações celulares que se seguem à ressuscitação após um período variável


de isquemia parcial ou completa. Curtos períodos de isquemia ou hipoperfusão
tecidual (<5min), após restabelecimento do fluxo sangüíneo causam hiperemia pela
liberação de fatores vasotrópicos locais (K+, H+, NO, adenosina, ácido láctico) que
são dilatadores; períodos de completa isquemia por mais de 5min resultam em ao
menos quatro eventos interatuantes: incapacidade de reperfusão, lesão de
reoxigenação, produção de enzimas e metabólitos de autodestruição (enzimas
lisosomais, proteases, serotonina, histamina, bradicinina) e distúrbios de
coagulação.

3.2.3.9 - Choque séptico:

Considerando a importância e incidência do choque séptico, cabe ressaltar algumas


alterações metabólicas induzidas pelas endotoxinas bacterianas. Sua fisiopatologia
é diversificada na literatura devido aos vários modelos experimentais estudados.
3.2.3.9.1 - Efeitos hemodinâmicos:

O choque séptico no cão manifesta-se por duas fases hemodinâmicas. A


resposta hipercinética, que experimentalmente pode ser induzida pela
administração de endotoxinas por uma via que simule um foco de infecção que
permita baixa absorção de toxina. É a que ocorre mais freqüentemente no paciente
clínico, embora muitas vezes não seja diagnosticada. Dez a quinze minutos após
administração venosa de baixas doses de endotoxina são observadas
venoconstrição hepática e esplâncnica, diminuição do retorno venoso e débito
cardíaco e discreta queda na pressão arterial. Esta queda de pressão arterial
estimula a liberação de catecolaminas as quais, juntamente com a restauração
parcial do retorno venoso, promovem recuperação temporária da pressão arterial.

A resposta hemodinâmica hipocinética é induzida pela administração venosa de


altas doses de bactérias ou endotoxinas que simulam uma bacteremia ou
endotoxemia nos pacientes clínicos. Ocorre dilatação dos esfíncteres pré-capilares e
queda no tono vascular periférico. Paralelamente ocorre constrição das vênulas
coletoras, seqüestro de sangue na circulação periférica, diminuição no retorno
venoso, queda no débito cardíaco, hipotensão progressiva e morte.
Em resumo: na resposta hiperdinâmica ocorre leve hipotensão ou taquicardia
normotensiva, o débito cardíaco está normal ou elevado e há diminuição na
resistência periférica pela vasodilatação. Na resposta hipodinâmica ocorre
hipotensão, diminuição no débito cardíaco, aumento na resistência periférica por
vasoconstrição e diminuição na pressão venosa central.

Nos eqüinos com enterite séptica a hemoconcentração ocorre em poucas horas


pelas perdas de líquido no trato intestinal. O hematócrito sobe a níveis de 50 a 70%
e as proteínas totais de 7,5 a 9,0 g/dl. Associa-se congestão venosa periférica e
hipotensão. O pulso periférico desaparece, diminui a perfusão capilar, as mucosas,
inicialmente, congestas tornam-se pálidas, as extremidades são frias e úmidas,
adota expressão ansiosa e de desconforto e podem desenvolver-se congestão e
edema pulmonar. Rapidamente desenvolve-se acidose metabólica e leucopenia.

3.2.3.9.2 - Efeitos hematológicos:

Experimentalmente as endotoxinas produzem rápida neutropenia, seguida em


algumas horas de neutrofilia com aumento de células imaturas. Esta cinética dos
neutrófilos é devida a um fenômeno de marginação nos vasos e posteriormente a
medula é requerida liberando as formas imaturas. Em algumas espécies a
leucopenia é dependente do complemento. A interação do complemento lipídico A
da endotoxina com o complemento circulante no plasma ativa a cascata do
complemento produzindo marginação das células.

A ativação do complemento pelas endotoxinas, além da formação da anafilotoxina


pela reação antígeno-anticorpo-complemento, leva a seqüestração de neutrófilos no
leito capilar onde sofrem degranulação. Com a liberação de suas enzimas
vasoativas ocorre lesão das células nos microvasos. As endotoxinas induzem
diminuição nas plaquetas circulantes por retenção na microcirculação pulmonar e
renal. Devido a estase e hipoxemia que aí sofrem são lesionadas liberando
substâncias vasoativas e ativam a via intrínseca da coagulação. Este fenômeno
associado à eritroestase e hemoconcentração nos microvasos resulta em lesão
tecidual hipóxica e predispõe à coagulação intravascular disseminada.
3.2.3.9.3 - Proteínas do plasma:

As endotoxinas acionam vários sistemas enzimáticos como a coagulação, fibrinólise,


complemento e calicreínas. Estes sistemas são ativados por um mecanismo em
cascata.

A coagulação e a fibrinólise são ativadas subseqüentemente de maneira


equilibrada, em condições fisiológicas, para evitar aberração na coagulação
sangüínea. Quando houver distúrbios neste equilíbrio ocorrerá a síndrome da
coagulação intravascular disseminada. As endotoxinas induzem um estado inicial de
hipercoagulabilidade. Os distúrbios são produzidos diretamente na via intrínseca da
coagulação por ativação do fator Hageman ou, indiretamente através da via
extrínseca, por lesão tecidual com liberação de tromboplastina extrínseca. A
ativação do fator Hageman desencadeia os mecanismos fibrinolítico e das cininas.
Ocorre ainda bloqueio do sistema histiolinfoplasmocitário prevenindo assim a
remoção dos produtos de degradação da fibrina na circulação.

O complemento é ativado pelo complexo antígeno-anticorpo. As endotoxinas atuam


de maneira semelhante (como pseudomensageiras). Entre os produtos de ativação
do complemento estão as anafilotoxinas que induzem aumento da permeabilidade
vascular, liberação de histamina pelos mastócitos, constrição dos músculos lisos
dos vasos e quimiotaxia neutrofílica. As calicreínas são ativadas diretamente pelas
endotoxinas. Os membros deste grupo aumentam a permeabilidade capilar,
induzem vasoconstrição e hipotensão (bradicinina), leucotaxia e dor (cininas).

3.2.3.9.4 - Efeitos metabólicos:

As endotoxinas comprometem o metabolismo dos carbohidratos, lipídeos e


proteínas. As alterações mais conhecidas estão relacionadas ao metabolismo
carbohidrato.

Ao serem injetadas doses de endotoxinas capazes de determinar choque serão


observadas rápida hiperglicemia e mais tarde hipoglicemia. O resultado é uma
acentuada diminuição nas reservas de hidrato de carbono. Este mecanismo é
explicado da seguinte maneira: as endotoxinas atuam como falsos mensageiros
para ativarem as enzimas responsáveis pela glicogenólise hepática detectando-se,
então, a hiperglicemia inicial. A hipoglicemia secundária é devida ao consumo das
reservas de hidratos de carbono, aumento no metabolismo da glicose e diminuição
na sua síntese. Tanto a glicogenogênese como a gliconeogênese não se processam
porque as endotoxinas inibem a conversão de glicose em glicogênio hepático e a
indução através dos glicocorticóides endógenos necessários para a síntese das
enzimas gliconeogênicas.

No estresse a lipólise é iniciada pelas catecolaminas e glicocorticóides,


proporcionando ácidos graxos e glicerol que no ciclo glicolítico são admitidos na
reação piruvato-acetil coenzima A e, então, convertidos em intermediários do ciclo
energético para produzir ATP. Tem sido demonstrado que em cães submetidos a
choque endotóxico os ácidos graxos livres aumentam significativamente. Neste tipo
de choque parece que esta resposta dos ácidos graxos é mediada por uma via mais
complexa que a simples estimulação hormonal.

No metabolismo protéico foi verificado experimentalmente que as endotoxinas


bloqueiam o metabolismo do triptofano. Este é o precursor do ácido nicotínico,
componente do NAD (nicotinamina dinucleotídeo).

3.3 - Diagnóstico

Para que seja procedida uma terapia adequada faz-se necessário detectar as
anormalidades evidenciadas pelo organismo e as complicações que delas resultam
na vigência do choque. Na rotina das clínicas são fundamentais os dados de
anamnese e os sinais físicos, principalmente quando não se dispõe de apoio
laboratorial.
Considerando que as alterações do choque envolvem basicamente a
microcirculação, comprometendo a função celular em diferentes órgãos, a análise
de parâmetros como provas de função hepática e renal, gases sangüíneos e
eletrólitos, associados ao exame clínico permitem avaliação mais criteriosa.

3.3.1 - Anamnese

Quando bem orientada a anamnese proporciona informações sobre os fatores


desencadeantes do choque e orienta sua terapia.
Verificar com o proprietário se houve traumatismo (se viu a ocorrência), perda de
sangue (volume estimado), presença de diarréia e/ou vômito (tempo de evolução),
se o paciente já recebeu algum tipo de medicação ou atendimento e o tempo
decorrido desde o início dos sintomas.

Procurar saber se o animal apresenta evolução favorável ou desfavorável em


relação ao momento em que o informante fez as primeiras observações.

O choque por hemorragia aguda ou insuficiência respiratória é desencadeado em


poucas horas, enquanto que nas infecções ou perdas hidroeletrolíticas ocorre após
várias horas ou dias de evolução. O choque anafilático instala-se em minutos.

3.3.2 - Avaliação clínica

Para avaliação clínica do paciente em choque é recomendada uma seqüência


sistemática de exames para evitar algum lapso em decorrência da excitação que
acompanha os casos de emergência.

Indica-se a seguinte prioridade na seqüência de avaliação: sistema respiratório,


sistema cardiovascular, grandes órgãos, massa muscular e sistema nervoso central.

O exame inicial é feito de maneira rápida e paralelamente são tomadas medidas de


emergência para ressuscitação ou manutenção da vida. Instituído o tratamento de
emergência, os exames são complementados de forma mais rigorosa.

3.3.2.1 - Função respiratória:

É essencial que as vias aéreas estejam intactas para permitir o suprimento de


oxigênio a um paciente que já se encontra hipoxêmico. Verificar a freqüência
respiratória, índices inspiratório e expiratório, líquidos ou gases intratorácicos e as
trocas gasosas pela observação da coloração das mucosas. Quando for possível
fazer gasometria torna-se mais fácil identificar a real necessidade para instituir
apoio com ventilação positiva. Estar atento para obstruções das vias aéreas por
hemorragia e coágulos de lesões nas cordas vocais e cavidade oral, feridas
penetrantes, colapso de anel traqueal, secreções brônquicas, falsa via e lesões
pulmonares decorrentes de traumatismo no tórax, presença de efusões,
pneumotórax, hérnia diafragmática e outras lesões como enfisema subcutâneo,
fratura e assimetria na parede costal.

Ruminantes podem apresentar distensão abdominal de origem timpânica


dificultando severamente a respiração.

3.3.2.2 - Sistema cardiovascular:

A preocupação maior deve ser inicialmente com o coração e grandes vasos que são
necessários para manutenção da pressão arterial, essencial à sobrevivência.

Observar a freqüência cardíaca, intensidade das bulhas e presença de arritmias.


Taquicardia pode ser indicação de choque ou excitação. Arritmias podem ser
devidas à hipóxia, acidose, comprometimento do miocárdio ou liberação de
catecolaminas endógenas. Bulhas cardíacas abafadas à auscultação podem indicar
tamponamento cardíaco, efusão ou pneumotórax ou hérnia diafragmática. A hérnia
de diafragma ocorre com maior freqüência no hemitórax direito do gato e esquerdo
do cão.
O controle da pressão venosa
central é importante para
avaliação do retorno venoso.
Será baixa nos choque
hipovolêmico e vasculogênico e
alta no choque cardiogênico
(acima de 15 cm de água no
cão). Para medição da pressão
venosa central é introduzido um
cateter pela veia jugular
conduzindo sua ponta até o
átrio direito. Este cateter
adaptado a um manômetro de
água (equipo de PVC) permite a
medição da pressão venosa e
adminstração de soluções ou
medicamentos (Figura 3.6). Em
cães e gatos a pressão venosa
em nível do átrio direito é de -2
a +4cm de água. Nos choques
hipovolêmico ou vasculogênico
pode ser necessário dissecar
uma veia calibrosa em virtude
Figura 3.6 - Esquema representativo do do colapso venoso periférico.
protocolo para determinar a Para dissecação da veia jugular
pressão venosa central. (Filme canulajugular) é feita
infiltração local com lidocaína e
incisão cutânea de aproximadamente 1 a 2 cm, adjacente ao vaso. A seguir a veia
é dissecada e reparada com dois fios para facilitar a flebotomia. Introduzido o
cateter, o fio de reparo caudal é utilizado para fixá-lo. A seguir são suturados a tela
subcutânea de modo que o cateter fique projetado por um dos ângulos da incisão, e
fixado à pele por um ponto chinês, por exemplo. Efetuada a reposição de volume o
cateter (que pode permanecer por 48 a 72 horas) pode ser removido por tração e a
hemostasia feita por compressão temporária sobre a região. Se o diâmetro da
flebotomia for muito grande pode ser necessária abordagem cirúrgica para
fleborrafia com mononáilon ou polipropileno 6-0 agulhado.

Outro parâmetro útil, porém pouco utilizado, na avaliação do sistema


cardiovascular é a determinação da pressão arterial média. A medição é feita por
meio de cateter adaptado na artéria femural e conectado a um manômetro de
mercúrio ou um manômetro aneróide. No cão o parâmetro fisiológico varia de 80 a
120 mmHg e no eqüino entre 70 e 90 mmHg. A cateterização da artéria femural é
feita por punção percutânea ou por abordagem na face medial da coxa, cranial ao
músculo pectíneo e arteriotomia com introdução do cateter até que sua
extremidade alcance a aorta. A pressão arterial sistólica pode ser aferida com o uso
de doppler ultra-sônico (Filme pressaoarterial).

Para que o paciente tenha perfusão tecidual adequada a pressão sistólica deverá
ser de ao menos 70 mmHg. Os dados de pressão arterial devem ser associados à
palpação de pulso periférico, pois nos choques com resistência periférica elevada a
pressão pode ser mantida normal, porém com baixa perfusão dos tecidos. Para
avaliar a perfusão tecidual periférica deve ser medido o tempo de reperfusão
capilar. Ao ser feita compressão digital sobre a mucosa oral cria-se um ponto de
isquemia. Em condições adequadas de perfusão a coloração (reperfusão) da
mucosa deve retornar em menos de um segundo, ao ser liberada a compressão.

Nos animais que apresentem hipotensão aguda devido à hemorragia por ferimentos
externos, fazer hemostasia temporária, estabilizar a volemia e somente então fazer
abordagem cirúrgica.

Todo paciente de traumatismo que apresente hipotensão sem evidência de


hemorragia externa deve ser submetido à paracentese ou toracocentese para
identificar possível hemorragia interna.

Para avaliar criteriosamente a função cardíaca recomenda-se associar também a


monitoração com eletrocardiógrafo, essencial para detectar os tipos de arritmias
que reduzem o débito cardíaco. Nível elevado de potássio no sangue é um exemplo
de fator que altera o electrocardiograma e complica a função cardíaca.

3.3.2.3 - Grandes órgãos:

Dentre os órgãos da cavidade abdominal é dada maior atenção ao fígado e rim por
sua importância na regulação metabólica do indivíduo. Suas funções serão melhor
avaliadas mediante dados laboratoriais, comentados mais adiante.

Ao examinar o abdome verificar a presença de distensão, hérnia, ferida penetrante,


avulsão tecidual e sensibilidade à dor. A maioria das vísceras pode ser avaliada por
palpação externa nos cães de pequeno porte e em gatos. Esta palpação deve ser
cuidadosa para evitar o descolamento de coágulos aderentes a vísceras lesionadas.
Quando não se conseguir palpar a bexiga em um animal atropelado deve-se inferir
que houve esvaziamento por micção ou ruptura. Casos de ruptura do baço, fígado
ou rim podem conduzir a perdas agudas de sangue. A paracentese abdominal pode
indicar a presença de sangue livre na cavidade peritoneal.

3.3.2.4 - Massas musculares:

Detectar a possível presença de hematoma ou áreas de necrose decorrentes de


fraturas ou contusões nas regiões de grandes massas musculares.

Em acidentes traumáticos os animais de pequeno porte podem sofrer significativa


espoliação da volemia por perda do líquido intersticial em esmagamentos ou por
formação de hematomas, como em fraturas do fêmur, podendo haver seqüestro de
até 30% da volemia.

As infecções nos músculos podem evoluir para choque séptico. Já foram verificados
casos de choque, conseqüentes a fleimão, induzido por aplicações mal feitas de
medicamentos com veículos oleosos nos músculos da coxa.

3.3.2.5 - Sistema nervoso:

Avaliar o grau de depressão e as possibilidades anestésicas, principalmente quando


o paciente requerer intervenção cirúrgica para corrigir a causa desencadeante do
choque. Nos animais submetidos a traumatismos o exame deve incluir a verificação
da integridade do esqueleto axial além da função nervosa.
3.3.2.6 - Sinais físicos:

Ao ser procedido o exame clínico do paciente chocado podem ser observados vários
sinais físicos, a maioria deles demonstrativo das alterações produzidas pela
hipotensão e anóxia tecidual.

3.3.2.6.1 - Variação na temperatura corporal:

Ocorre hipotermia devida à vasoconstrição periférica, diminuição na atividade


metabólica e na produção de energia em conseqüência da hipóxia ou anóxia
tecidual. No choque endotóxico, porém, pode haver hipertermia na fase
hiperdinâmica. Nas espécies que suam, como o eqüino, a hipotermia associada à
estimulação parassimpática das glândulas sudoríparas pode determinar o
aparecimento de suor frio.

3.3.2.6.2 - Diarréia com ou sem sangue:

A redução no fluxo sangüíneo esplâncnico causa hipermotilidade gastrintestinal.


Segue-se estase sangüínea, diátese hemorrágica e ulceração da mucosa. Nesta
fase é comum, ao medir a temperatura retal no cão, que o termômetro saia envolto
por uma substância gelatinosa e avermelhada. Nesta eventualidade o prognóstico é
desfavorável quanto à reversão do choque.

3.3.2.6.3 - Oligúria ou anúria:

A filtração glomerular decresce em pressão sangüínea inferior a 60 mmHg no cão e


70 mmHg no gato, devido à hipovolemia e constrição da artéria renal. A taxa de
filtração glomerular pode ser estimada pelo débito urinário que é ao redor de 1 a 2
ml/kg/h. Para determiná-lo basta fazer sondagem vesical, esvaziamento da bexiga
e monitoração do gotejamento da urina, produzida subseqüentemente, em um
frasco graduado. No eqüino com choque séptico a urina é concentrada e ácida.
3.3.2.6.4 - Colapso venular:

É evidenciado colabamento das veias devido ao baixo retorno venoso e redução na


volemia. No choque cardiogênico haverá repleção que pode ser detectada
principalmente nas veias jugulares.

1.3.2.6.5 - Movimentos respiratórios:

Haverá aumento na freqüência respiratória em resposta à acidose metabólica. É


característica a retração da comissura bucal durante a fase inspiratória ou a
respiração com a boca aberta em casos de acidose grave.

3.3.2.6.6 - Coração:

A hipotensão produz taquicardia reflexa devido à atividade simpática. Quando


ocorrer acidose, no entanto, diminuirá a resposta do miocárdio ao estímulo de
catecolaminas. Pela auscultação serão notadas bulhas cardíacas com intensidade
diminuída.

3.3.2.6.7 - Coloração das mucosas e tempo de reperfusão capilar:


Estes parâmetros são indicadores dos níveis da pressão sangüínea e perfusão
tecidual. Em condições fisiológicas estáveis as mucosas têm coloração rosa-
brilhante e tempo de reperfusão capilar inferior a um segundo.

Mucosa de coloração rosa-pálida e tempo de reperfusão entre 1 e 3 segundos


indicarão intensa constrição reflexa, pressão e débito cardíaco baixos.

Mucosa azulada com tempo de reperfusão acima de um segundo indicarão pressão


sangüínea e débito cardíaco muito baixos, hipóxia e possível dilatação venular ou
refluxo de sangue venoso em leito capilar.

Mucosa congesta com tempo de reperfusão capilar normal ou aumentado indica


vasodilatação periférica e diminuição no débito cardíaco.

Na resposta hiperdinâmica do choque séptico o tempo de reperfusão capilar está


diminuído e a mucosa congesta. Na resposta hipodinâmica a mucosa está pálida
com o tempo de reperfusão aumentado.

3.3.2.6.8 - Desidratação:

A desidratação e hipoperfusão tecidual determinam diminuição na elasticidade ou


turgor da pele e a língua torna-se enrugada e seca.

3.3.2.6.9 - Sistema nervoso central:

A estimulação simpática produz excitação e dilatação de pupila. A hipóxia também


dilata a pupila e provoca depressão ou inconsciência. Estes sinais iniciam em
pressões sangüíneas ao redor de 70 mmHg e serão acentuadas conforme cair a
pressão.

Inicialmente pode haver excitação, estupor e depois depressão e coma. Nesta fase
a sensibilidade estará diminuída e não haverá resposta aos estímulos externos. A
depressão sensorial e debilidade muscular serão reflexos da baixa oxigenação e
nutrição celular, hipercalemia e acidemia. Quando da inspeção, avaliar o diâmetro,
simetria e reação fotomotora da pupila.

3.3.3 - Avaliação laboratorial

Quando houver possibilidade de realização os exames laboratoriais constituirão


excelente apoio diagnóstico e de orientação terapêutica. Os exames mais
recomendados serão relacionados na seqüência:
3.3.3.1 - Hematócrito:

O hematócrito freqüentemente estará elevado no choque, sendo particularmente


mais concentrado no choque séptico. O hematócrito, no entanto, tem maior valor
na orientação terapêutica que diagnóstica, pois não reflete a quantidade de volume
circulante, além de sofrer diversas influências: na fase inicial do choque pode estar
normal ou elevado devido à esplenocontração, por efeito das catecolaminas e, mais
tarde, diminuído pela diluição do líquido extravascular que migra do interstício para
os vasos; por outro lado, pacientes que se apresentavam anêmicos antes de iniciar
a síndrome já possuíam o hematócrito comprometido, mascarando o possível efeito
determinado pelo choque.
No choque, o hematócrito acima de 45% indica tendência a aumentar a viscosidade
sangüínea favorecendo a agregação de células circulantes. Esta hemoconcentração
pode significar elevado teor de hemoglobina e conseqüentemente maior capacidade
de transporte de oxigênio. Esta vantagem é antagonizada, no entanto, pela maior
viscosidade que dificulta a passagem de sangue pela microcirculação.

Nos choques com perda de líquido intersticial a hemoconcentração é um achado


comum.

3.3.3.2 - proteínas do plasma:

As trocas líquidas entre os meios intravascular e intersticial ocorrem devido a


variações entre as pressões hidrostática (dada pelo débito cardíaco) e oncótica (das
proteínas do plasma), com leito capilar de paredes íntegras.

A pressão coloidosmótica pode ser avaliada pela determinação das proteínas do


plasma. Em condições fisiológicas a pressão hidrostática é superior à coloidosmótica
nos capilares arteriais, o que permite a passagem de líquidos para o interstício. No
lado venoso a pressão hidrostática é inferior e os líquidos tendem a retornar para o
lúme vascular.

Pacientes com choque cardiogênico apresentam alta pressão venosa resultando em


aumento da pressão hidrostática do lado venoso. Neste caso, o retorno do líquido
do interstício para o leito vascular será diminuído.

Na fase de vasoplegia do choque ocorre passagem de colóides para o interstício,


devido ao efeito vasodilatador dos fatores vasotrópicos locais, com o carreamento
de proteínas e líquido vascular favorecendo a incidência de edema.

Casos de hemorragia aguda podem reduzir a pressão coloidosmótica devido à


diluição compensatória com líquido intersticial. Quando a concentração de albumina
cair abaixo de 1,5 - 2,0 g/dl a restauração da pressão sangüínea com uma solução
que não seja coloidal pode levar à fuga de líquido vascular para o interstício devido
à hemodiluição.

A determinação das proteínas do plasma, à semelhança do hematócrito, não é


indicador confiável para avaliar o volume perdido, quando analisado isoladamente.

3.3.3.3 - Eletrólitos:

Os distúrbios eletrolíticos mais importantes no choque são a hiponatremia e a


hipercalemia. O sódio, pela participação ativa no controle hemodinâmico, regulação
do equilíbrio ácido-base e por ser o eletrólito que ocorre em maior concentração no
meio extracelular. O potássio pela depressão cardíaca que pode determinar quando
em concentração excessiva no meio extracelular.

A determinação do sódio é importante para a escolha da solução adequada na


reposição hídrica. A hiponatremia ocorre em choque hipovolêmico associado com
diarréia. Concentrações de sódio abaixo de 130 mEq/l causam apatia, flacidez
muscular e hipotensão.

Concentrações extracelulares de potássio acima de 7 mEq/l são miocardiotóxicas.


Na acidose metabólica por baixa perfusão tecidual a passagem de potássio para a
célula é retardada pelo acúmulo de prótons hidrogênio. Isto permite que a
concentração daquele íon aumente no plasma. O excesso de potássio que seria
eliminado pelo rim, sob perfusão normal é retido pois há maior eliminação de
hidrogênio. Outro fator limitante na excreção do potássio é a oligúria ou anúria que
se estabelece no choque.

3.3.3.4 - Lactato sérico:

O lactato sérico proporciona avaliação do grau de oxigenação dos tecidos. A


produção de lactato é inversamente proporcional à oxigenação tecidual e resulta do
catabolismo anaeróbico da glicose. É recomendável observar a relação
lactato/piruvato porque ambos estão elevados na fase inicial do choque e
posteriormente predomina o lactato devido à falta de oxigênio em nível celular.

As concentrações de lactato no sangue venoso do cão variam de 5 a 20 mg/dl e no


plasma de 12,6 a 36 mg/dl. A hiperventilação, administração de glicose, epinefrina
ou insulina são fatores que elevam a concentração plasmática do lactato. Esta
elevação, no entanto, é menor que aquela observada no choque. Se a concentração
de lactato no sangue permanecer elevada ou em ascensão, após terapia, é
indicação de correção inadequada ou sinal de irreversibilidade do choque. Os dados
do lactato sérico devem ser associados à anamnese, exame clínico e dados de
gasometria.
3.3.3.5 - Gasometria:

As determinações do pH, pCO2, pO2, pHCO3 proporcionam informação sobre a


acidemia ou alcalemia que refletem respectivamente a ocorrência de acidose ou
alcalose. Esta determinação da concentração de dióxido de carbono e do
bicarbonato, junto com os dados de anamnese proporcionam parâmetros para a
terapia.

A baixa perfusão e oxigenação dos tecidos resulta em metabolismo anaeróbico e


pequena produção de energia. Em resposta haverá aceleração no metabolismo
carbohidrato e das gorduras. Da glicose resulta o lactato e dos ácidos graxos os
corpos cetônicos. Estes catabólitos não voláteis determinam acidose metabólica
quando produzidos em quantidade que suplante a reserva tampão integrada pelos
fosfatos, algumas proteínas e principalmente pela hemoglobina e bicarbonato
(90%).

O ácido carbônico tem sua eliminação pelos pulmões na forma de dióxido de


carbono. Quando houver concentração elevada de CO2 com diminuição no pH
ocorre acidose respiratória.

O sangue para determinação da gasometria pode ser arterial ou venoso e colhido


por meio de técnica anaeróbica. Quando colhido de uma artéria o sangue
demonstra a capacidade oxigenadora dos pulmões. Quando colhido no sistema
venoso periférico demonstra apenas o grau de oxigenação daquela região que o
vaso puncionado drena. A gasometria venosa deve ser realizada em sangue colhido
em nível do átrio ou cavas.

Os dados fisiológicos obtidos através da gasometria estão relacionados nos quadros


3.7 e 3.8.
Para interpretação da gasometria, primeiro é observado o pH para verificar se o
paciente está em alcalose (pH > 7,4) ou acidose (pH < 7,4). O parâmetro seguinte
é determinar se a alteração é respiratória (variação primária na pCO 2) ou
metabólica (variação primária na pHCO3).

Observar os seguintes exemplos:

Caso n.1: cão com insuficiência renal. Dados de gasometria:

pH = 7,20; pCO2 = 25 mmHg;

pHCO3 = 9 mEq/l

E.B. (excesso de base) = -12

Quadro 3.7 – Valores de gasometria


arterial em diferentes
espécies.

Espéci pH HCO3* pCO2** pO2


e

Gato 7,43 21,00 32,50 107,00

Cão 7,43 21,70 33,90 85,90

Boi 7,40 25,00 39,00 83,90

Cavalo 7,42 # 40,53 95,60

*mEq/l; **mmHg; #não
efetuado;

ZASLOW (1984).

Quadro 3.8 - Valores de gasometria


venosa em diferentes
espécies.

Espéci pH HCO3* PCO2** pO2


e

Gato 7,36 22,40 40,80 39,10

Cão 7,40 22,30 35,00 #

Boi 7,43 30,00 44,00 8#

Cavalo 7,00 # 41,18 44,15

*mEq/l; **mmHg; #não


efetuado

ZASLOW (1984).
O pH indica acidemia (7,2) devido a uma diminuição na concentração de
bicarbonato (9 mEq/l) caracterizado por um excesso de base negativo, ou seja, um
déficit [diferença entre a concentração apresentada de bicarbonato (9 mEq/l) e a
concentração normal (21,7 mEq/l)]. A diminuição na concentração de dióxido de
carbono é uma alteração secundária, dita compensatória que procura equilibrar o
pH aumentando a freqüência respiratória (eliminar CO 2). O diagnóstico é de acidose
metabólica.

Caso n. 2: cão em quadro de choque. Dados de gasometria:

pH = 6,99; pCO2 = 60 mmHg;

pHCO3 = 13 mEq/l;

E.B. = -7

O pH indica acidemia. A presença de pCO 2 aumentada e pHCO3 diminuída indicam a


presença de acidose mista, ou seja, por alteração respiratória e metabólica. Estes
dados são compreensíveis se for considerado que o paciente em choque pode ter
depressão respiratória e hipoperfusão renal.

3.3.3.6 - Intervalo ânion:

O intervalo ânion, também denominado Anion gap é definido como a diferença


entre a concentração de cátions séricos mensuráveis (sódio e potássio) e a
concentração de ânions séricos mensuráveis (cloreto e bicarbonato).

O cálculo do intervalo ânion pode ser feito através da determinação do ionograma e


gasometria. Esta análise pode identificar a presença de ânions (proteínas aniônicas
como albumina,  e  globulinas; fosfatos; sulfatos; ânions orgânicos como
piruvato, lactato e beta-hidroxibutirato) e cátions (proteínas catiônicas como -
globulinas; cálcio e magnésio) não mensuráveis.

No sangue, em condições fisiológicas, os cátions sempre são iguais aos ânions para
manter a eletroneutralidade.

Assim:

(Na+ + K+ + cátions não mensurávies) = (Cl- + HCO3- + ânions não mensuráveis)

define-se então:

(Ânions não mensuráveis - cátions não mensuráveis) [IA] = (Na+ + K+) -


(Cl- + HCO3-).
Como os ânions não mensuráveis estão em maior concentração que os cátions não
mensuráveis, o valor do intervalo ânion será sempre positivo. O valor normal nas
diferentes espécies é de:

- bovinos: 13,9 - 20,3 mEq/l

- eqüinos: 8 - 16 mEq/l

- caninos e felinos: 12 - 23 mEq/l.


O intervalo ânion aumenta com a elevação na concentração de ânions não
mensurados ou diminui quando baixa a concentração de cátions não mensurados.
Um intervalo ânion elevado é altamente sugestivo de acidose metabólica embora
nem todas as acidoses tenham intervalo ânion elevado.

O intervalo ânion tem sido útil como prognóstico de sobrevivência. Para eqüinos
com abdome agudo os dados são os seguintes:

intervalo ânion < 20 mEq/l = 81% de sobrevivência;

intervalo ânion entre 20 e 24,9 mEq/l= 47% de sobrevivência;

intervalo ânion > 25 mEq/l = sem sobrevivente.

Em bovinos com torção de abomaso o prognóstico é desfavorável em intervalo


ânion 30 mEq/l.

O paciente em choque apresenta acidose metabólica com elevado intervalo ânion.

3.3.3.7 - Outros exames:

Neste item estão relacionados os exames que permitem avaliação do fígado e rim,
principais órgãos de detoxificação e eliminação de catabólitos.

A função hepática pode ser avaliada pela determinação dos níveis de glicose no
sangue, alanina-amino-transferase sérica, fosfatase alcalina, proteínas do plasma e
bilirrubinas.

A determinação da glicemia pode proporcionar importante dado de prognóstico. No


início do choque há aumento na glicemia a qual diminui na medida da utilização dos
estoques hepáticos e musculares de glicogênio. Níveis acima de 300 mg/%, nos
primeiros 30 a 60 minutos após trauma têm prognóstico reservado.

A alanina-amino-transferase deve ser determinada a cada 12 horas. Um aumento


contínuo indica progressão na lesão hepática.

A bilirrubina, proporção albumina/globulina e as proteínas do plasma são


indicadores da função hepática que se recomenda determinar.

Pode haver elevação do nitrogênio no plasma e urina devido ao catabolismo das


proteínas e incapacidade do fígado para utilizar aminoácidos.

A função e perfusão renal podem ser monitorizadas pela análise da urina, débito
urinário, uréia nitrogenada do sangue, creatinina e taxa de filtração glomerular.

Um decréscimo na produção de urina pode ser conseqüente à vasoconstrição ou


perfusão inadequada do rim, perda da integridade uretral, vesical ou ureteral,
trauma renal, débito cardíaco inadequado, ou profunda hipovolemia.

O índice de creatinina tem sido utilizado como parâmetro de prognóstico. Valores


acima de 7 mg/% geralmente são considerados de prognóstico desfavorável,
entretanto, já ocorreram casos de sobrevivência com índices mais elevados.

3.4 - Tratamento
A terapia do choque deve ser voltada para a remoção das causas desencadeantes e
a correção das variáveis fisiológicas alteradas. Considerar que o volume circulatório
é deficiente e que o choque não se detém por si mesmo.

É necessário procurar determinar as causas, evitar ações inúteis, não tardar em


instaurar o tratamento, evitar fármacos sedativos e anestesia profunda sem
estabilizar a volemia. Na tentativa de obter melhor resultado, seguindo as
observações citadas é aconselhável seguir em ordem de prioridade a seqüência de
cuidados a seguir relacionados (Filme choque).

3.4.1 - Proporcionar ventilação adequada

Este cuidado reveste-se de importância na medida em que se relaciona ao aporte


de oxigênio até os alvéolos, no entanto, é necessário que este oxigênio alcance os
tecidos. Assim, este procedimento está intimamente relacionado às condições de
volemia, pois a oxigenação tecidual depende da pressão sangüínea e saturação de
oxigênio. Sabe-se que pressões abaixo de 60 mmHg determinam baixa perfusão
cerebral e que concentrações sangüíneas de oxigênio abaixo de 36 mmHg levam à
inconsciência.

Os primeiros cuidados envolvem posicionamento do paciente em decúbito lateral,


com a cabeça distendida, em plano levemente inferior ao restante do corpo e
tracionamento da língua. A extensão da cabeça distende as estruturas da parte
ventral do pescoço forçando a base da língua a afastar-se da parede faringeana
dorsal. Procurar remover as sujidades, secreções e eventuais coágulos na cavidade
orofaríngea. O decúbito lateral com a cabeça em plano levemente inferior ao corpo
facilitará o aporte de sangue, por gravidade, ao sistema nervoso central e evitará
falsa via em caso de regurgitação.

Nos casos de acentuada depressão respiratória promover a intubação orotraqueal e


oferecer oxigênio à pressão positiva. Havendo impedimento para intubação (edema
de glote, reflexo laríngeo) colocar o paciente em tenda ou incubadora com oxigênio
(pequenos animais), ou adotar máscara, cateter intratraqueal ou traqueostomia
(Filme traqueostomia). A simples oferta de oxigênio por vaporização na mucosa
oronasal, já permite algum aproveitamento por difusão. Para um bovino ou eqüino
de 450 kg, por exemplo, deve-se administrar um fluxo de oxigênio de 15
litros/minuto. Considerar que a concentração de O 2 no ar de um ambiente fechado
é de apenas 20,93% e que um animal em choque pode ter distensão abdominal,
atelectasia posicional ou shunt pulmonar induzidos pelo choque, reduzindo
drasticamente a captação de oxigênio. Em pacientes que apresentem
comprometimento do espaço pleural devido a pneumotórax, hemotórax, piotórax,
ou qualquer efusão deve ser submetido a drenagem torácica (Filme drenotorax).

O animal não deve ser movido desnecessariamente nem é recomendado o uso de


anestésicos gerais apenas para permitir intubação. A maioria dos tranqüilizantes e
anestésicos tem efeito hipotensor.

3.4.2 - Estabilizar a volemia

No choque este procedimento deverá ser instituído precocemente, à semelhança


dos cuidados de ventilação, porque dele depende o transporte de oxigênio até os
tecidos. Para tanto é recomendada a colocação asséptica de uma agulha ou cateter
calibroso em uma veia como a jugular, colhendo amostra de sangue para
determinar o hematócrito e proteínas totais do plasma.
A finalidade da reposição de volume é melhorar o transporte de oxigênio e a
perfusão tecidual conforme já foi salientado. A determinação do hematócrito (Ht) e
das proteínas totais (PT) oferece excelente subsídio para repor a solução mais
apropriada para expandir a volemia. Baseado neles pode ser adotado o esquema
terapêutico exposto no quadro 3.9.

Quadro 3.9 – Fluidoterapia


conforme o
hematócrito (Ht) e
proteína total (PT).

Ht PT Solução
(%) (g/dl
)

<25 >5 papa de hemáceas

<25 <5 sangue total

25- >5 sangue total


50

25- <5 sangue total


50

>45 >5 solução salina

>45 <5 plasma ou


expansor.
Este esquema evita que ao ser procedida a reposição volêmica seja aumentada a
viscosidade sangüínea ou provocada hemodiluição excessiva. Até que seja obtido o
hematócrito por meio de exame laboratorial, a reposição poderá ser iniciada com
solução de Ringer lactato de sódio aquecida à temperatura ao redor de 37oC.

Quando não houver possibilidade de apoio laboratorial a expansão da volemia pode


ser baseada na anamnese e exame clínico:

- hemorragia: repor sangue total;

- queimaduras: repor plasma ou expansor coloidal;

- desidratação: repor solução eletrolítica balanceada.

As soluções salinas, quando utilizadas no tratamento do choque, causam


hemodiluição que tem como vantagens a diminuição na resistência periférica, na
viscosidade sangüínea e deslocam para a direita a curva de dissociação da
hemoglobina o que proporciona maior oferta de oxigênio aos tecidos. Este efeito
dilucional pode trazer, no entanto, sérias desvantagens como diminuição nas
proteínas totais a níveis críticos. A conseqüência mais séria parece ser o edema
pulmonar. A determinação das proteínas totais do plasma auxilia na escolha do tipo
e volume de solução requerida.
As soluções coloidais estão indicadas sempre que o nível de proteínas do plasma for
inferior a 3,5 g/dl. De modo geral é recomendado que na restauração da volemia
seja feita associação entre uma solução hidroeletrolítica balanceada e uma coloidal
na proporção de 3:1 ou 4:1. Desta forma serão repostos os volumes intravascular e
intersticial devido à rápida difusão da solução salina. Na rotina tem-se utilizado
Ringer lactato e sangue numa proporção de 3:1.

A literatura tem apresentado controvérsia sobre a utilização de solução de Ringer


lactato no tratamento do choque devido à hemodiluição e por fornecer lactato à um
paciente supostamente em acidose lática. Atualmente sabe-se que a hemodiluição
favorece a perfusão tecidual e que o lactato da solução de Ringer não causa
acidemia. Como a acidose lática resulta da hipoperfusão tecidual, o Ringer lactato
auxilia a combatê-la, pois melhora a perfusão capilar. Considerando, no entanto,
que a ação alcalinizante do lactato depende de sua metabolização no fígado e que
este estará comprometido no paciente em choque, deve-se associar o bicarbonato
de sódio para controlar a acidose se as medidas de ventilação e expansão da
volemia não forem suficientes.

Ainda que a literatura não recomende a associação de sangue conservado em


citrato com soluções contendo cálcio, trabalho recente tem demonstrado que a
transfusão de sangue conservado em citrato associado com o Ringer lactato não
apresenta indicação de interferência com o efeito quelante do citrato devido à baixa
concentração de cálcio na solução de Ringer. Recomenda-se, no entanto, evitar a
homogenização in vitro, administrando-as simultaneamente, mas em vasos
separados.

Pesquisas experimentais têm demonstrado excelentes resultados com o uso de


soluções hipertônicas como o cloreto de sódio, manitol e glicose no tratamento do
choque. Como solução emergencial de ressuscitação, o cloreto de sódio a 7,5%
(2400 mOsm/l) é eficiente com reposição equivalente a 4-8ml/kg do sangue
perdido. A velocidade de administração não deve exceder a 1ml/kg/min para evitar
efeito inotrópico negativo. A solução hipertônica aumenta a contratilidade do
miocárdio, mobiliza o líquido extracelular e através de receptores pulmonares inicia
uma resposta reflexa caracterizada por vasodilatação visceral e constrição pré-
capilar miocutânea. Devido a seu efeito transitório (30 a 60 minutos) deve ser
associada a uma solução coloidal. Está contra-indicada em pacientes desidratados.

A reposição de volume na terapia do choque deve ser feita em grande quantidade


porque pode haver perdas ocultas ou inaparentes, perda do tono vascular e da
integridade capilar que favorecem a fuga de líquido para o interstício. A velocidade
da adminstração das soluções é mais bem avaliada pela monitorização da pressão
venosa central. Durante a reposição ela deve alcançar no máximo 15 cm/H 2O no
cão e 25 cm H2O no cavalo em decúbito lateral, para que ao estabilizar fique dentro
dos parâmetros fisiológicos (-2 a +4 cm H 2O). Lembrar, no entanto, que a elevação
na pressão venosa não é proporcional ao volume de soluções salinas (sem poder
oncótico), pois estas se difundem rapidamente para o interstício. Pode ocorrer
edema antes que a pressão suba significativamente.

Em uma reposição de volume sem controle da pressão venosa o volume perdido


deve ser estimado clinicamente. O choque hemorrágico, por exemplo, se estabelece
quando houver perdas entre 30 e 40% da volemia. Ao compensá-la repor ao menos
o dobro do volume perdido. Procurar associar uma solução colóide com uma
cristalóide na proporção de 1:3. Por exemplo:

Cães e gatos: volemia = 10% do peso; no choque hipovolêmico a perda é de 30-


40% da volemia; repor 30ml/kg de sangue, ao qual se associa 90ml/kg de Ringer
lactato (administrar em vasos diferentes). Casos graves podem requerer duas a três
vezes o volume perdido (60-90ml/kg de sangue e 180 a 270ml/kg de Ringer lactato,
especialmente quando complicado por coagulopatia). Lembrar, no entanto, que a
reposição com soluções hidratantes e expansores do plasma deve ser feita com
cuidado em pacientes com hemorragia não controlada, pois pode aumentar o
sangramento por hemodiluição.

Bovinos e eqüinos: volemia = 8% do peso; no choque hipovolêmico a perda é de


30% da volemia; repor 25ml/kg de sangue e 75ml/kg de Ringer lactato.
Expansores do plasma como os polímeros de gelatina (Haemaccel®, Isocel®,
Polisocel®, Gelafundin®) ou hidroxietilamido (Haes-Steril® ou Plasmin®) são mais
seguros que os dextranos (Rheomacrodex®). Embora o hidroxietilamido seja
recomendado em dose de até 40ml/kg/dia, para os demais não deve exceder 22
ml/kg/dia, pois pode causar diluição nos fatores de coagulação, favorecendo
alterações na hemostasia.

O tempo e a velocidade de reposição das soluções, no choque, são avaliados


clinicamente aumentando ou diminuindo conforme as variações dos sinais físicos do
paciente. Como referência pode-se adotar o seguinte protocolo:

- um eqüino em choque deve receber 1ml/kg/minuto e 15 a 30 minutos após


reduzir para 0,5 a 0,25 ml/kg/minuto. Em casos muito agudos podem ser
necessários ao menos 50 ml/kg durante as primeiras duas a três horas;

- a quantidade média de volume para pequenos animais é de 3 ml/kg/minuto


durante 10 minutos baseando-se na pressão venosa central para mudar a
velocidade de administração.

Quando estiver indicada a transfusão de sangue, este deve ser colhido


imediatamente antes de ser administrado para evitar as complicações decorrentes
das alterações que ocorrem durante a estocagem em baixas temperaturas. O
protocolo de terapia ao choque hipovolêmico está resumido no quadro 3.10.

3.4.3 - Combater a acidose

A acidose pode ser respiratória, quando houver problema com a ventilação


pulmonar, ou metabólica nos casos de acúmulo de catabólitos ácidos decorrentes
do metabolismo tecidual anaeróbico.

A acidose respiratória será corrigida mediante a remoção da causa e incremento na


ventilação alveolar. A acidose metabólica pode ser corrigida com o
restabelecimento da perfusão tecidual e, se necessário, com bicarbonato de sódio.
Esta reposição é particularmente importante nas transfusões maciças de sangue
conservado em citrato que é mais ácido.

O bicarbonato de sódio é comercializado em várias concentrações. Na apresentação


a 8,4%, 1 ml é igual a 1 mEq, facilitando o cálculo de reposição. O volume a ser
Quadro 3.10 - Protocolo de
tratamento ao choque
hipovolêmico.
1. Remover o fator etiológico
administrado pode ser calculado com
Medidas temporárias auxílio da gasometria, baseado no
déficit básico conforme a seguinte
Medidas definitivas
fórmula:
2. Proporcionar ventilação adequada
NaHCO3 (mEq) = biopeso (kg) x 0,3 x
Higienizar e desobstruir as vias aéreas déficit de base.

Ventilar com oxigênio Por exemplo: um cão de 10 kg com


pHCO3 = 10 mEq terá um déficit de
3. Estabilizar a volemia base igual a 11,7 mEq (diferença entre
a concentração apresentada e a
- solução hidroeletrolítica balanceada fisiológica que é de 21,7 mEq para o
cão). Efetuando o cálculo:
cão: 60-90ml/kg/h
10 x 0,3 x 10 = mEq de NaHCO3.
gato:30-60ml/kg/h
No caso: 30 mEq. Utilizando-se a
bovino:30-40ml/kg/h
apresentação comercial a 8,4% serão
- Solução coloidal 30 ml.

+ Sangue O bicarbonato de sódio é um potente


alcalinizante e a dose, quando estimada
cão e gato: 20ml/kg/h clinicamente é de 1 a 2mEq/kg para o
gato e cavalo, e 2 a 4mEq/kg para o
eqüino: 15-25ml/kg/h cão e bovino, que deve ser diluída,
respectivamente, em 250, 3000, 250-
+ Expansor 1000 e 3000ml de Cloreto de sódio
cão: 10-20ml/kg/h 0,9% ou glicose 5%. A solução deve ser
administrada lentamente, em período
gato: 5-10ml/kg/h
não inferior a 2-4h. Para grandes
- salina hipertônica (7,5%) animais pode-se dissolver 0,25 g/kg de
bicarbonato de sódio em 3 a 5 litros de
cão e gato: 4-8ml/kg/h glicose 5% e dar por gotejamento
venoso em duas a três horas.
bovino: 4-5ml/kg em 5
minutos O bicarbonato de sódio não deve ser
administrado rapidamente devido ao
4. Administrar corticosteróide risco de arritmia cardíaca por excesso
- metilprednisolona succinato de sódio ou possibilidade de alcalose. A
de sódio alcalemia diminui a dissociação de
15-30mg/kg oxigênio pela hemoglobina e resulta em
menor oferta aos tecidos, agravando a
5. Profilaxia antimicrobiana hipóxia celular no choque. Atualmente é
aceito que a completa neutralização da
- ampicilina + ácido
clavulônico acidose é feita mediante correção da
15-20mg/kg causa básica que é a hipoperfusão
tecidual. As medidas iniciais na terapia
6. Tratar acidose persistente do choque devem consistir, portanto,
em ventilar e expandir a volemia.
- bicarbonato de sódio
1-4mEq/kg 3.4.4 - Terapia glicocorticóide

biopeso x 0,3 x DB = mEq

7. Medidas adjuntas ou
complementares
Como o choque representa um quadro grave de estresse não é surpresa o uso de
glicocorticóides em seu tratamento. Apesar de bastante pesquisada a validade de
sua aplicação ainda é discutida por alguns autores porque ainda não se sabe ao
certo se a recuperação do paciente deve-se ao seu uso ou ao conjunto de medidas
terapêuticas instituídas. O uso isolado de glicocorticóides é inadequado no choque.
Seus efeitos têm sido estudados com detalhes nos choques hemorrágico e séptico
sendo-lhes atribuídas várias vantagens (Quadro 3.11).

Pesquisas têm demonstrado que o nível de glicocorticóides está normal ou elevado


nas formas severas de choque. O uso de doses farmacológicas, portanto, não têm
razão de ser no paciente chocado. Para que sejam efetivas no combate à potente
ação adrenérgica e na profilaxia à formação da anafilotoxina devem ser usados em
doses maciças.

A metilprednisolona succinato de sódio (Solu-


Quadro 3.11 - Vantagens do medrol®) na dose de 15-30mg/kg é a mais
uso de indicada para o choque hemorrágico no cão (30
glicocorticóides mg/kg em grandes animais).
no choque.
Efeito inotrópico positivo sobre No choque vasculogênico a hidrocortisona
o coração succinato de sódio (Solu-cortef®) é absorvida
mais rapidamente sendo, portanto, mais
Diminuição na resistência indicada. A dose é de 50 mg/kg para pequenos
periférica animais e de 50 a 150 mg/kg em grandes
animais. Os fármacos veiculados em sal
Aceleração do ciclo de Krebs
succinato exercem maior proteção celular, pois
Aumento na atividade do 2,3 penetram no interior da célula e protegem
DPG diretamente os lisosomas, o que não acontece
com outros sais.
Estabilizar membranas
celulares A aplicação dos glicocorticóides deve ser
precoce para prevenir a liberação de enzimas
Prevenir adesividade lisosomais e corrigir a constrição
plaquetária e microcirculatória. Cabe lembrar, no entanto,
que deve ser precedida de reposição da volemia
formação de microtrombos porque ocorre aumento na capacitância
vascular devido a seu efeito na microcirculação.
Diminuir a transmissão
Para que sejam efetivos estes fármacos
simpática
requerem também a prévia correção do pH
Prevenir a formação da sangüíneo. A dosagem poderá ser repetida em
anafilotoxina. 4 a 6 horas enquanto persistirem os sinais de
choque, podendo ser suspensa abruptamente.

Raramente são observadas complicações como


hemorragia, arritmia, supressão da cortical adrenal, susceptibilidade à infecção pelo
uso de glicocorticóides no choque. Isto possivelmente seja explicado pelo curto
período de uso, pela associação antibiótica ou porque os sinais não sejam
detectados entre as várias complicações do choque.

3.4.5 - Terapia antibacteriana


Considerada uma medicação coadjuvante no tratamento do choque os
antibacterianos, principalmente antibióticos, podem ser usados profilaticamente na
terapia dos choques hipovolêmico, cardiogênico e vasculogênico ou como terapia
prioritária no choque séptico.

Em choques não bacterianos a isquemia em nível esplâncnico favorece o aumento


na produção de endotoxinas pelas bactérias existentes no tubo digestivo. Assim,
um choque puramente hemorrágico, por exemplo, pode tornar-se séptico
dificultando a recuperação. O uso de antibacterianos deve, pois, ser introduzido
precocemente no tratamento do choque, principalmente em se tratando de
etiologia séptica.

O antibiótico adequado deve ser bactericida, determinado pelo antibiograma e,


quando usado de forma terapêutica (choque séptico) por ao menos 5 a 7 dias.
Como a precocidade da medicação é vital, até que se obtenha o antibiograma
iniciar com um antibiótico que seja eficiente contra a maioria das bactérias
causadoras do choque séptico.

Escolher antibióticos de amplo espectro como a associação de ampicilina e ácido


clavulônico (Clavulin®, Clavamox®) e cefalosporinas (Ceftriaxona®,).
Aminoglicosídeos (Garamicina®) têm efeito hipotensor e nefrotóxico no choque e
só devem ser usados após estabilização da volemia e do débito urinário.

Fármacos sugeridos contra microrganismos Gram-: enrofloxacino, gentamicina,


amicacina, tobramicina; contra Gram+: ampicilina, cefazolina, cefoxitina,
imipenema; contra anaeróbios: clindamicina, metronidazole.

No choque séptico o índice de recuperação será significativamente maior se for


feita, além da dose inicial, a administração contínua do antibiótico indicado
conforme a seguinte fórmula:

mg/dia de antibiótico = biopeso (kg) x mg/kg x constante de eliminação x 24.

Por exemplo: administração de ampicilina sódica para um cão de 20 kg. A ampiclina


é indicada em dose de 20 mg/kg e tem constante de eliminação de 0,462 mg/h
(Quadro 3.12).

Assim:

mg/dia de ampicilina = 20 x 20 x 0,462 x 24= 4435,2 mg/dia.

Quadro 3. 12 - Dose e Constante de


eliminação (C.E.) de
alguns antibióticos

Fármaco Dose C.E.

Ampicilina 10-20 0,462


mg/kg

Carbenicilina 15 mg/kg 0,462

Cefalotina 35 mg/kg 1,386


Cloranfenicol 50 mg/kg 0,165

Cloxacilina 10 mg/kg 1,386

Gentamicina 4 mg/kg 0,462

Kanamicina 10 mg/kg 0,347

Oxacilina 10 mg/kg 1,386

Penicilina G K 200 000 1,386


UI/kg

Estreptomicin 20 mg/kg 0,277


a
Adaptado de Zaslow, 1984.
A dose calculada de antibiótico deve ser diluída em volume de solução salina
equivalente ao requerimento basal diário do animal (cão: 50 ml/kg/dia; gato: 70
ml/kg/dia; eqüino: 40 ml/kg/dia). No exemplo citado o requerimento basal é de
1000 ml/dia. Se for considerado que uma ampola de Amplacilina® de 10 ml contém
2000 mg, em determinada apresentação comercial, serão necessários 22,17 ml
desta para obter-se os 4435,2 mg necessários. Este volume, diluído em 1000 ml de
Ringer lactato, por exemplo, deve ser administrado por gotejamento venoso
durante 24 horas (0,7 ml/minuto ou 10 a 11 gotas/minuto). Este esquema deverá
ser repetido tantos dias quantos necessários para recuperar o paciente.
Considerar que a administração de antibióticos bactericidas no combate à Gran-
negativos durante o choque aumenta acentuadamente a liberação de endotoxinas
com a morte das bactérias. O resultado é uma alta mortalidade dos pacientes se
não forem associados glicocorticóides. No quadro 3.13 é apresentado o protocolo
de tratamento do choque séptico.

Além da associação de antibióticos e corticosteróides no choque séptico têm sido


testados outros fármacos. Dentre os antiinflamatórios não esteróides o flunixin
meglumine na dose de 1,0 mg/kg para o cão e 1,1 mg/kg para o potro tem se
mostrado eficiente na reversão de alterações hemodinâmicas degenerativas no
choque séptico experimental.
3.4.6 - Uso de fármacos vasoativos

Os fármacos vasoativos têm uso limitado e são contra-indicados como terapia


inicial a não ser nos choque vasculogênico ou cardiogênico. No choque
hipovolêmico devem ser empregados apenas como medida de apoio quando a
correção da volemia e demais procedimentos iniciais não restaurarem a
homeostase. O uso de constritores na fase inicial seria um contra-senso pois o nível
de catecolaminas é alto por ação simpática e o uso de vasodilatadores um erro fatal
devido ao aumento da capacitância vascular para um volume que já era
insuficiente. A administração de substâncias vasoativas no choque visa modificar a
resposta do organismo para restaurar a perfusão sangüínea através dos capilares
teciduais.
Quadro 3.13 - Protocolo de terapia ao
choque séptico.
1. Remover o fator etiológico

Higienização, drenagem excisão Antes de entrar em detalhes sobre os


principais fármacos vasoativos
Cultura do sangue, urina cateteres,
indicados no choque, convém lembrar
feridas
a distribuição dos receptores do
2. Estabilizar respiração sistema cardiovascular sobre os quais
eles atuam. São encontrados:
Priorizar oxigenoterapia
- -receptores inervados por fibras
Máscara, tenda,
simpáticas constritoras localizadas
Ventilação mecânica nas artérias e veias. São mais
encontrados no rim, pele, artérias
3. Estabilizar a volemia mesentéricas, artéria hepática, veia
porta, sistema músculo-esquelético e
raramente no miocárdio;
- Solução eletrolítica balanceada
+ Ringer lactato de sódio - -receptores não inervados que
respondem à isoprenalina e
cão: 60-90ml/kg/h adrenalina. Os receptores 1 estão
gato:30-60ml/kg/h localizados no coração e os 2mais
freqüentemente nas artérias músculo-
bovino:30-40ml/kg/h
esqueléticas e menos no sistema
- Solução coloidal arterial mesentérico e esplâncnico;

+ Sangue - -receptores, dilatadores, inervados


por fibras simpáticas dilatadoras cujo
cão e gato: 20ml/kg/h mediador é a acetil colina.
Provavelmente ocorram apenas no
eqüino: 15-25ml/kg/h sistema vascular dos músculos
esqueléticos;
+ Expansor
cão: 10-20ml/kg/h - receptores dopaminérgicos que
respondem especificamente à
gato: 5-10ml/kg/h estimulação da dopamina. Estão
localizados nas artérias mesentéricas
- salina hipertônica (7,5%)
e renais. Proporcionam vasodilatação.
cão e gato: 4-8ml/kg/h
A indicação para vasopressores no
bovino: 4-5ml/kg em 5 minutos choque é justificada na dinâmica
vasoplégica primária que ocorre nos
4. Terapia antiinflamatória choque alérgico, anafilático,
neurogênico, traumático e intoxicação
- Corticosteróide: por barbitúricos e fármacos
hipotensores. Os vasoconstritores
Hidrocortisona succinato de sódio -
mais utilizados são a adrenalina e a
50mg/kg
dopamina.
- AINS
3.4.6.1 - Adrenalina
Flunixin meglumine - 0,5-1,0mg/kg
A adrenalina estimula  e -
5. Terapia antimicrobiana receptores de modo não seletivo.
Assim, aumenta a freqüência sinusal,
- Antibiograma taxa de condução, força e contração

peso x dose x constante de


eliminação x 24

6. Tratar a acidose persistente


do miocárdio. Induz vasoconstrição da maior parte do leito vascular, dilatação das
arteríolas coronárias, pulmonares e dos músculos esqueléticos. Estes efeitos
cardiovasculares tornam a adrenalina o fármaco de escolha no tratamento de
reações anafiláticas agudas. A dilatação dos brônquios com simultânea constrição
das arteríolas bronquiais, induzidas pela adrenalina, são muito úteis no tratamento
do broncoespasmo por reações anafiláticas porque melhora a ventilação alveolar e
reduz a congestão da mucosa brônquica.

Esse fármaco é apresentado em ampolas de 1,0; 0,50 e 0,25 mg/ml. Pode ser
administrada por via venosa, cutânea, muscular, cardíaca e traqueal. Para
administrar via intra-traqueal a adrenalina deve ser diluída em proporção 1:3 em
água e injetada pelo tubo endotraqueal. A seguir insuflar os pulmões. A dosagem
em pequenos animais é obtida diluindo a apresentação 1:1000 em 1:10.000 da
qual administra-se 0,1 ml/kg (0,01 mg/kg). Para grandes animais a dose é de 0,01
ml/kg da diluição 1:1000 (0,01 mg/kg).

A adrenalina está contra-indicada em pacientes com disritmias cardíacas ou


anestesiados com ciclopropano ou anestésicos halogenados.

3.4.6.2 - Noradrenalina

A noradrenalina é um fármaco com potente ação  e fraca afinidade por -


receptores. É empregada exclusivamente como agente pressor em crises de
hipotensão para manter a perfusão tecidual. Tem ação constritora sobre a
capacitância vascular, efeito inotrópico positivo sobre o coração. A freqüência
cardíaca geralmente diminui por causa da resposta reflexa dos baroreceptores à
pressão sangüínea elevada.

A noradrenalina está indicada nos casos hipotensivos como choque neurogênico e


reações hipotensoras a certos fármacos como tranqüilizantes fenotiazínicos que
são -bloqueadores. Deve ser administrada continuamente devido à rápida
metabolização. Para administrar diluir 4 mg em 500 ml de glicose 5% e dar por
gotejamento venoso à 30 gotas/minuto (dose de 0,004-0,008 mg/min)
monitorizando os sinais físicos.

3.4.6.3 - A dopamina

Atua nos receptores dopaminérgicos 1 e 1 melhorando o índice cardíaco e o fluxo


sangüíneo renal. Seus efeitos são dose dependente:

- 2-5 µ/kg/min aumentarão o fluxo sangüíneo mesentérico e renal e a produção de


urina. Causa mínima alteração sobre o coração;

- 5-10 µ/kg/min aumenta o débito cardíaco, através de ação inotrópica e


cronotrópica. Pode haver aumento ou não da pressão sangüínea;

- > 20 µ/kg/min possui efeitos -adrenérgicos. Aumenta o índice cardíaco e a


resistência vascular periférica. Nesta dose possui efeitos similares à adrenalina.

A dopamina tem meia vida de  2 minutos e, portanto, precisa ser administrada por
gotejamento venoso contínuo. Ela tem sido utilizada como suplemento terapêutico
nos choque endotóxico, cardiogênico e hemorrágico. Pode ser diluída em solução
isotônica de cloreto de sódio, de glicose ou Ringer lactato. Bloqueadores alfa
Quadro 3.14 - Protocolo de
tratamento ao choque
anafilático.
1. Remover o fator etiológico
decrescem seu efeito pressor, bloqueadores
- Terapia emergencial beta diminuem seu efeito inotrópico, opiáceos
específica e derivados fenotiazínicos bloqueiam
receptores dopaminérgicos nos vasos renais e
antídoto
mesentéricos.
lavagem
O choque anafilático (Quadro 3.14), uma das
2. Proporcionar respiração formas de choque vasculogênico, ocorre com
adequada reação sistêmica aguda conseqüente à
introdução, em paciente sensibilizado, de um
- Higienizar e desobstruir
antígeno que interage com o anticorpo
vias aéreas
liberando mediadores farmacologicamente
- Ventilar ativos. Neste tipo de hipotensão o
medicamento prioritário é a adrenalina.
3. Administrar vasopressor Administrar por via venosa 0,1 ml/kg da
diluição 1:10.000 em pequenos animais ou
- Adrenalina 1:1000
0,01 ml/kg da diluição 1:1000 em grandes
0,01 – 0,05mg/kg cada 15 animais. A dose poderá ser repetida a
minutos intervalos de 15 ou 20 minutos. Associar
medidas de ventilação adequada e
- Dopamina estabilização da volemia. Para adequada
distribuição do vasopressor e para auxiliar a
5 – 10 g/kg/min perfusão tecidual é recomendada a
administração de uma solução coloidal
- Aminofilina
(Haemaccel) associada a uma
(broncoespasmo)
hidroeletrolítica balanceada (Ringer lactato®),
4 – 8mg/kg IV lentamente na proporção 1:3 em volume suficiente para
restabelecer a pressão no sangue.
4 Estabilizar a volemia
Estão indicados corticosteróides de absorção
rápida como a hidrocortisona succinato de
- Solução eletrolítica
sódio (50 mg/kg para cães e 50 - 150 mg/kg
balanceada para eqüinos) para bloquear a interação
+ Ringer lactato de sódio antígeno-anticorpo-complemento que forma a
anafilotoxina.
cão: 60-90ml/kg/h Pode ser feita injeção venosa de hidrocloreto
gato:30-60ml/kg/h de difenidramina (2 mg/kg) para bloquear os
receptores histaminérgicos. O animal deve ser
bovino:30-40ml/kg/h
mantido em observação até completa
- Solução coloidal (se recuperação.
houver nas proteínas totais)
3.4.7 - Medidas adjuntas ou complementares
+ Expansor São procedimentos indicados para atender aos
cão: 10-20ml/kg/h distúrbios que não respondem às medidas
básicas ou casos que requerem terapia
gato: 5-10ml/kg/h coadjuvante específica (Quadro 3.15).
5 Administrar corticosteróide 3.4.7.1 - Uso de diuréticos
- Hidrocortisona succinato de
sódio

50mg/kg

6 Profilaxia antimicrobiana

- Ampicilina + ácido
Quadro 3.15 – Medidas
complementares ou
coadjuvantes.
1 – Controlar arritmias
Após adequada reposição de volume o fluxo
oxigenoterapia urinário geralmente retorna aos parâmetros
fisiológicos. Quando a dinâmica circulatória
analgesia
for restabelecida, mantida estável e o débito
repor volume urinário não melhorar estão indicados os
diuréticos.
repor energia
É dada preferência a diurético osmótico como
2 – controlar coagulopatia o manitol. Os efeitos do manitol incluem
aumento do volume circulante pelo efeito
oxigenoterapia e fluidoterapia
osmótico, incremento no fluxo sangüíneo
à enfermidade desencadeante
renal e redução no edema celular. A dose de
sustentação aos órgãos alvo manitol é de 0,5 a 2,0 g/kg de biopeso em 24
horas.
repor plaquetas e ATIII
Pode ser utilizado como opção um salurético
heparinizar como a furosemida. Pode ser administrada
em dose inicial de 2 mg/kg podendo ser
3 – monitorar débito urinário (1- duplicada ou triplicada se não houver diurese.
2ml/kg/h) Os diuréticos estão indicados também nos
casos de choque com insuficiência cardíaca
dopamina (2-4g/kg/min)
congestiva ou reposição excessiva de volume
4 - monitorar sistema em que for observada elevação na pressão
gastrintestinal venosa e diminuição ou ausência de fluxo
Íleo: metoclopramida1- urinário.
2mg/kg/dia
3.4.7.2 - Terapia eletrolítica
Úlcera: sucralfate 0,25 – 1g
(gato, cão) Este procedimento não está indicado entre as
2-4g/450kg (eqüino) medidas fundamentais a serem tomadas no
paciente de choque porque a adequada
5 -lesões de reperfusão
reposição de volume (associação entre
alopurinol – 15-25mg/kg
solução coloidal e salina) e o retorno da
deferoxamina – 25-50mg/kg perfusão renal equilibram tais transtornos.

superóxido dismutase – A reposição inicial com solução eletrolítica


5mg/kg balanceada proporciona reposição de sódio
nas hiponatremias.
dimetil sulfóxido – 1g/kg
Uma boa diurese elimina o excesso de
manitol 1-2g/kg/dia potássio em caso de hipercalemia. Se o rim
estiver insuficiente e não responder aos
6 - nutrição
diuréticos osmóticos pode ser necessária a
requerimento energético +70% administração de cloreto de cálcio a 10%
para compensar os efeitos da hipercalemia.
NB = 70 x peso0,75 Lembrar que a hipercalemia no choque é
conseqüente à acidose. Uma vez controlada,
7 – cuidados de enfermagem o potássio tende a retornar para o meio
intracelular.
acomodar em cama macia
A hipocalemia é muito rara no choque. Como
monitorar cateteres e feridas as soluções eletrolíticas balanceadas são
pobres em potássio pode ser necessária a
alternar postura a cada 4h

fisioterapia

8 – avaliação laboratorial
administração de cloreto de potássio. Neste caso acompanhar a reposição com
eletrocardiografia ou administrar em dose nunca superior a 0,5 mEq/kg/h para cães
e 0,2 a 0,3 mEq/kg/h para gatos e cavalos. Certificar-se de que haja débito
urinário.

3.4.7.3 - Terapia anti-hemorrágica

A presença de coagulação intravascular disseminada no animal em choque


geralmente é indicação de irreversibilidade da síndrome.

Os princípios básicos desta terapia envolvem a melhora na perfusão tecidual,


combate à acidose, reposição dos fatores de coagulação, prevenção da formação de
trombos intravasculares e antagonização ou prevenção da fibrinólise secundária.

Para uma terapia eficiente da coagulopatia recomenda-se seguir obrigatoriamente a


seguinte seqüência de procedimentos: combater a isquemia tecidual; tratar o
estado trombótico; tratar o estado hemorrágico. Se não for seguido este esquema
seqüencial a terapia terá alto índice de falha e pode estimular a irreversibilidade da
síndrome.

A isquemia é controlada pela correção da hipoperfusão tecidual. Deve-se expandir a


volemia com solução hidroeletrolítica balanceada (Ringer lactato®) associada a
uma solução coloidal como os polímeros de gelatina (Haemacel ) em dose
equivalente à terapia do choque. Nos casos em que se suspeitar de acidose
metabólica grave administrar bicarbonato de sódio, diluído em solução salina, em
dose de 2 a 4 mEq/kg, ou conforme gasometria. Após expandir a volemia é
aconselhável associar corticosteróides (dexametasona: 4-11 mg/kg) devido ao seu
efeito vasodilatador. Recomenda-se ainda o uso de antibioticoterapia agressiva.

A terapia anticoagulante ao estado trombótico é efetuada com heparina


(Liquemine®) a qual inibe a interação da trombina com o fibrinogênio. É preciso
estar ciente de que este fármaco não altera o estado hemorrágico, mas afeta penas
a tendência à trombose que é a fase iniciante da CID. A heparina não lisa o trombo
já formado, tem pouco efeito na vigência da acidose e depende da concentração da
antitrombina sérica III que geralmente está deficiente na CID. A dose de heparina
pode seguir um dos seguintes esquemas:

5-10 UI/kg (mini dose) via subcutânea (SC), três vezes ao dia;

75 UI/kg, diluída em solução salina, a cada 4h, via intravenosa;

100-200UI/kg (baixa dose) via SC três vezes ao dia;

1000 UI/kg, via SC, a cada 12 h (essa via é contra-indicada no eqüino);

300-500 UI/kg (dose intermediária), via SC ou IV, três vezes ao dia;

750-1000 UI/kg (alta dose), via SC ou IV três vezes ao dia;

na fase crônica: 30 a 40 UI/kg, subcutânea, quatro vezes ao dia.

Atualmente é discutível essa freqüência de doses para a heparina, pois pode


acentuar a hemorragia. A dose deve ser calculada de maneira que o tempo de
sangramento mantenha-se duas e meia vezes o normal.
O tratamento do estado hemorrágico é feito mediante administração de sangue ou
plasma recém-colhido. A administração prévia à terapia anticoagulante é contra
indicada, pois oferece mais substrato para a coagulopatia de consumo. O volume
sangüíneo a ser administrado dependerá da resposta do paciente, requerendo
monitoração constante.

Nos casos de fibrinólise primária, além de combater o quadro isquêmico e de se


fazer a transfusão de sangue indica-se o uso de fármaco antifibrinolítico. O ácido
épsilon amino capróico (Ipsilon) atua prevenindo a ativação do plasminogênio em
plasmina. A dose pode ser:

- inicialmente 5 a 10 g via venosa lenta;

- a seguir 2 g/h durante duas a três horas;

- depois a cada 12 h repetir uma dose de 2 g/h.

O ácido épsilon amino capróico é eficiente também em aplicações tópicas nas


soluções de continuidade. Ao ser administrado por via parenteral, deve-se estar
atento pois pode causar hipotensão, trombose intravascular difusa e arritmias
cardíacas.

3.4.7.4 - Antiopióides

A naloxone (Narcan®) tem sido utilizada nos choques hemorrágico e séptico


experimentais como bloqueador das endorfinas as quais têm sido responsabilizadas
pela depressão de áreas cerebrais relacionadas com a regulação cardiovascular e a
dor.

Embora em trabalhos experimentais este fármaco tenha diminuído o índice de


mortalidade no tratamento do choque séptico, naquele hemorrágico não apresentou
vantagem quando comparado ao uso de solução de Ringer lactato, em um estudo
experimental. Para o cão a dose recomendada é de 2mg/kg/h.

3.4.7.2 - Antioxidantes
Órgãos e tecidos submetidos à isquemia requerem proteção às lesões de
reperfusão. A melhor maneira para evitar esse tipo de lesão, ainda é a profilaxia à
hipóxia isquêmica a qual deve ser feita por meio de adequada fluidoterapia.

Os chamados fármacos antioxidantes têm ação específica sobre


determinados eventos metabólicos: o alopurinol (Alopurinol® 15-25mg/kg) inibe a
xantina oxidase; o mesilato de deferoxamina (Desferal® - 25-50mg/kg/5min) é um
quelante de ferro; o dimetil sulfóxido (Dimesol® - 1g/kg/45min) e açúcar
hipertônico (Manitol® - 0,5-2,0g/kg) são captadores de radicais livres; a
superóxido dismutase (5mg/kg) destrói os radicais superóxidos.

3.4.7.5 - Anti-histamínicos

Estão indicados para bloquear os receptores histaminérgicos no choque anafilático.


É dada preferência a difenidramina (Solução injetável de difenidramina®) na dose
de 2mg/kg. A prometazina (Fenergan®) está contra-indicada devido a seu efeito -
bloqueador. Sua administração deve ser precoce para competir com a histamina
pelos receptores histaminérgicos.
3.4.7.6 – Protetores de mucosa
A mucosa gastrintestinal é facilmente comprometida pelo estresse, pela
alteração hemodinâmica e pelo uso de altas doses de antiinflamatórios. Deve ser
efetuada ausculta periódica do abdome para verificar presença de borborigmos,
pois o íleo adinâmico predispõe à ulceração. Para prevenir seu comprometimento
são recomendados: proporcionar alimentação enteral e associar metoclopramida
(1-2mg/kg/dia) para prevenir íleo adinâmico; utilizar um citoprotetor como o
sucralfate: 2 a 4g/450kg (eqüino); 0,25g (gato); 0,5g (cães 20kg) na freqüência: 2
a 3 vezes ao dia.
Antagonistas H2 [cimetidina (5-10mg/kg) ou ranitidina (2mg/kg)] não são
indicados pois alteram o pH gástrico e predispõe à colonização bacteriana.

3.4.7.7 - Terapia energética


Há um metabolismo hiperdinâmico, especialmente na sepse, que produz um
balanço nitrogenado negativo. Deve-se preservar a função e integridade do
intestino, melhorar a imunocompetência e proporcionar nutrição conforme o
requerimento. Adaptar tubo por gastrostomia (Filme gastrostomia) ou
jejunostomia, pois a alimentação enteral evita a translocação bacteriana e sepsia
secundária que se segue à falta de atividade intestinal.

Requerimento energético basal:

para animais entre 2 e 45kg: 30 x peso (kg) + 70 = kcal/dia

para animais 45kg: 70 x peso0,75 = kcal/dia

no paciente chocado esse requerimento aumenta em 75 a 100%.

A hipoglicemia pode ser corrigida administrando glicose + insulina + potássio, na


proporção respectiva de 3 g + 1 UI + 0,5 mEq por kg de peso, diluídos em 250 ml
de Ringer lactato, e administrado IV em 4 a 6 h.

Na reposição energética parenteral (indicada em patologia gastroduodenal), para


cada 100 kcal associar 6 g de aminoácidos para prevenir o balanço nitrogenado
negativo. Por exemplo: 6g aminoácido (24kcal) + 19g de glicose (76kcal).

3.4.7.8 - Cuidados de enfermagem

Acomodar o paciente em cama macia e limpa, alternando a postura a cada


4h; monitorar cateteres e sondas, fazendo cultura bacteriológica e higienização;
tratar as soluções de continuidade protegendo com bandagem; favorecer
evacuação e micção; instituir fisioterapia (movimentos de flexão e extensão dos
membros; massagem vigorosa em todo o corpo; tapotagem torácica para drenar
secreções); minimizar o estresse (especialmente pequenos animais); manipulação
carinhosa (conversa carícia); estimular visita do proprietário; diminuir luminosidade
(favorecer o sono).

3.4.7.9 - Aquecimento

Somente depois de adequada estabilização da volemia, pois o aquecimento precoce


ou muito rápido pode agravar a hipotensão. Evitar que a temperatura eleve-se mais
rápido que 1oC a cada 30 minutos. Utilizar cobertor ou colchonete térmico, estufa e
solução parenteral morna.
3.4.8 - Reanimação cardio-respiratória

O choque cardiogênico requer medidas imediatas de ressuscitação devido à


evolução aguda. Os sinais de falência cardíaca incluem:

- ausência de pulso arterial periférico e bulhas cardíacas;

- pela palpação pré-cordial não se detectam batimentos cardíacos;

- as pupilas estão dilatadas e fixas;

- há inconsciência, falta de reflexos;

- membranas estão pálidas ou cianóticas;

- respiração agônica ou apnéica;

- fluxo sangüíneo pobre. Não há sangramento em área operatória ou ferimento


recente e os tecidos têm aspecto cianótico.

Lembrar sempre que o paciente em parada cardio-respiratória não sobrevive mais


que 4 minutos, mesmo que se inicie ressuscitação efetiva após esse período. Tem
sido demonstrado que a hipotermia e/ou o uso de barbitúricos antes da
ressuscitação têm efeito significativo na recuperação de lesões do cérebro.

O objetivo principal da reanimação cardiopulmonar é prevenir a lesão cerebral


irreversível e restaurar o funcionamento efetivo do coração e pulmão. Os
procedimentos básicos de ressuscitação cardiopulmonar compreendem medidas de
apoio respiratório e circulatório:

- se o animal não estiver intubado proceder a intubação orotraqueal e


assegurar ventilação pulmonar. Fazer cinco movimentos insuflatórios antes de
iniciar a circulação artificial. Após, manter a freqüência de 12 movimentos/minuto.
Simultaneamente a estas medidas suspender a administração anestésica, elevar os
quadris e baixar a cabeça do paciente. Se a intubação for feita com o paciente em
decúbito dorsal ou esterno-abdominal a cabeça não deve ser elevada acima do
plano cardíaco durante a manipulação; estabelecer ventilação pulmonar,
preferencialmente, com alta concentração de oxigênio (com máscara: 3 a 5
litros/min para cães e gatos e 15 litros/min para eqüinos e bovinos);

- instituir massagem cardíaca externa (Filme reanimacardioresp). O paciente deve


ser colocado em decúbito dorsal ou lateral. Comprimir com uma ou ambas as mãos
a parede torácica superior contra a inferior. A compressão deve ser efetuada sobre
a 6a costela quando em decúbito lateral. Se for adotada bandagem compressiva do
abdome, maior fluxo sangüíneo será dirigido ao cérebro. Na massagem cardíaca
direta (recomendada em animais com mais de 20 kg) clampear ou comprimir
digitalmente a aorta torácica. A eficiência da massagem é comprovada pelo pulso
femoral correspondente a cada movimento;

a freqüência dos movimentos compressivos deve ser de 180 por minuto para
animais com menos de 5 kg; 160 movimentos por minuto naqueles de médio porte
e 140 por minuto naqueles de grande porte. Em bovinos e eqüinos a compressão
da parede costal só poderá ser efetuada com o ressuscitador montado sobre o
tórax;
a ventilação pulmonar deve ser de uma insuflação a cada 5 compressões se houver
um assistente. Caso contrário, dois movimentos respiratórios a cada 15
compressões. Simultaneamente providenciar à canulação de uma veia para
administração de volume (melhorar o retorno venoso) e fármacos. Estes
procedimentos de intubação e canulação de vaso devem ser adotados como rotina
em pacientes cirúrgicos, particularmente em animais de risco. Assim, se ganha
tempo nas medidas de ressuscitação. Cuidado com reposição excessiva em caso de
insuficiência cardíaca; iniciar com solução de Ringer lactato associando expansores
se houver diminuição nas proteínas do plasma.

Quadro 3.16 - Procedimentos


básicos indicados para
reanimação cardio-respiratória
1. Estabelecer ventilação
pulmonar

12 movimentos/minuto

2. Instituir massagem cardíaca


externa

Pressão sobre a 6ª costela

- 180/minuto: animais de
pequeno porte

- 160/minuto: animais de porte


médio

- 140/minuto: animais de grande


porte

* relação ventilação/massagem
cardíaca

1 ventilação : 5 compressões ou

2 ventilações : 15 compressões

3. Expandir a volemia

Haemaccel + Ringer lactato

proporção de 1:3

4. Estabelecer diagnóstico
diferencial

- Parada cardíaca

- Fibrilação ventricular
Segundo dados da literatura a massagem cardíaca externa em animais com mais
de 20 kg tem pouca eficiência, pois o coração não será adequadamente comprimido
entre as paredes costais quando da compressão manual.

Além dos cuidados básicos relacionados no Quadro 3.16 podem ser adotadas outras
medidas específicas. No caso há que se diferenciar entre parada cardíaca e
fibrilação ventricular. A diferenciação é possível somente por visualização direta ou
por meio de estudo eletrocardiográfico.

A parada cardíaca caracteriza-se por falta de atividade elétrica e contrátil do


coração. As células marca-passo do nodo sino-atrial não conseguem iniciar os
impulsos excitatórios e os mecanismos de escape, envolvendo os tecidos marca-
passo latentes do sistema cardíaco de condução, não desenvolvem o impulso.

Na fibrilação ventricular as ondas de excitação propagam-se livremente através da


massa muscular seguindo constantemente vias alternadas. Desta forma não é
possível uma contração ventricular coordenada e não haverá débito cardíaco. O
quadro 3.17 mostra o protocolo de ressuscitação cardio-respiratória.

Quadro 3.17 –Protocolo de ressuscitação cardio-respiratória


5min00s
0-30s
- Chefe de equipe
- Chefe da equipe e enfermeiro
Toracotomia no 5o espaço intercostal
Intubar e ventilar
Clampear aorta – pericardiotomia
- Assistente
- Assistente
Fazer anamnese
Continua ventilação pulmonar
Cinética do tauma
- Enfermeiro
Evolução
Monitora eficiência da massagem
Decisão a tomar
6min00s
1min00s
- Chefe de equipe
- Enfermeiro
Elege fluidoterapia e corticosteróide
Ventilação manual (11-
20mov/min) - Enfermeiro
- Chefe da equipe Salina 7,5% (5ml/kg)
Massagem torácica (100- Polímero de gelatina (10-20ml/kg)
200comp/min)
Metilprednisolona succinato de sódio
Contra-indicada em lesão (30mg/kg)
costal
7min00s
1min30s
- Chefe de equipe
- Assistente
massagem cardíaca
Informa decisão do proprietário
controla hemorragia
- Chefe da equipe e assistente
corrige lesão no trato respiratório
Ventilação, massagem, ECG,
dopler avalia função cardíaca (visual e ECG)

- Enfermeiro 7min30s

Adrenalina 1:1000 Intra - Chefe de equipe


traqueal
Elege terapia conforme ECG
0,2-0,4mg/kg
Desfibrilação direta
2min00s
0,2-05j/kg pequenos animais
- Assistente
50-100w/s grandes animais
Controla ventilação mecânica
- Enfermeiro
- Chefe equipe
Adrenalina 1:1000 (0,2-0,4mg/kg)
Cateter IV + Ringer lactato
(intensificar fibrilação)
Avalia pupila, pulso, pressão,
Na parada cardíaca a adrenalina induz a liberação de impulsos excitatórios a partir
do nodo sino-atrial. A massagem cardíaca deve continuar para que o fármaco
circule pelas coronárias. A menos que seja feita toracotomia ou pericardiotomia
deve-se evitar a injeção intra-cardíaca de adrenalina. Está comprovado que injeção
acidental deste fármaco no músculo cardíaco pode causar fibrilação irreversível. A
administração intratraqueal, intrapulmonar ou intraóssea é mais eficiente que por
flebocentese ou intracardíaca;

- administrar 0,1 a 0,5 ml de adrenalina em diluição 1:10.000 intra-cardíaca e


continuar a massagem cardíaca. Dá-se preferência à adrenalina porque a
noradrenalina (50 a 100 µg) pode intensificar a vasoconstrição periférica e reduzir a
perfusão tecidual.

- o bicarbonato de sódio não deve ser usado no início da reanimação cardio-


respiratória, pois tem sido associado com agudização da falência respiratória,
acidose celular paradoxal, hipernatremia severa e coma hiperosmolar. Deve ser
indicado pela gasometria. O combate ou prevenção da acidose deve ser iniciado
com uma solução hidroeletrolítica balanceada como o Ringer lactato;

- tem sido recomendada a administração de cloreto de cálcio (10 a 30


mg/kg) intravenoso ou intracardíaco para proporcionar maior passagem de cálcio
para a célula através de despolarização da membrana celular. Como a adrenalina
aumenta a permeabilidade da membrana celular ao cálcio seria obtido um
sinergismo que aumenta a disponibilidade de cálcio para contração das fibras do
miocárdio. A indicação para administração do cálcio deve ser restrita aos casos em
que a parada cardio-respiratória seja induzida por bloqueadores dos canais de
cálcio, como na sobredose de halotano.

O uso do gluconato de cálcio ou cloreto de cálcio na reanimação cardiopulmonar


oferece pobres resultados. Após a reperfusão de órgãos isquêmicos o cálcio penetra
na célula e atua como catalizador na formação de radicais superóxidos,
principalmente radicais hidroxila que são responsáveis por lesão de membranas,
rompem a fosforilação oxidativa e bloqueiam a produção e liberação de ATP
(trifosfato de adenosina) na mitocôndria. Estes superóxidos têm sido
responsabilizados por lesões do coração e cérebro reperfundidos;

- após restabelecimento dos batimentos cardíacos tem sido recomendado


iniciar o gotejamento venoso de isoproterenol (1 mg) diluído em glicose 5%. A
administração é feita em velocidade suficiente para obter freqüência cardíaca entre
80 e 140 batimetos/minutos. O isoproterenol aumenta a excitabilidade e força
contrátil do miocárdio incrementando a freqüência e débito cardíaco. Atualmente
não é mais indicado devido aos efeitos vasodilatador periférico (efeito ) e aumento
na demanda de oxigênio pelo miocárdio o que causa uma significativa diminuição
na efetividade da ressuscitação cardiopulmonar. É preferível o uso da dopamina se
houver necessidade de reverter bradicardias;
- se os batimentos cardíacos retornarem ao normal, mas o pulso femoral for fraco e
o animal se mantiver em oligúria, com volemia estável, iniciar o gotejamento
venoso de dopamina (50 mg) diluída em solução de Ringer lactato (500 ml). Em
dose inferior a 10 µg/minuto a dopamina causa dilatação seletiva dos vasos renais
e esplâncnicos diminuindo a isquemia visceral e aumentando o fluxo sangüíneo
para o rim e conseqüentemente o débito urinário do paciente em choque. Diluindo
10 ml de Revivan® (1 ml = 5 mg) em 500 ml de Ringer lactato, glicose 5% ou
cloreto de sódio 0,9% será obtida solução de 500 ml/50000 g (1 m l= 100 g), ou
seja a dose será 0,1 ml/kg/min (em equipo microgotas 1 ml = 60 gotas; equipo
gotas, 1 ml = 20 gotas).

- se persistir a parada cardíaca continuar a massagem e repetir a adrenalina. Fazer


injeção intracardíaca de 10 a 20 mEq de NaHCO3.

Na fibrilação ventricular (Filme fibrilacardiaca) deve-se tentar a cardioversão:

- tentar desfibrilação elétrica externa de 2-5 j/kg. Se houver necessidade dobrar a


carga em cada repetição.

Ao ser aplicada a cardioversão elétrica lembrar que:

- a aplicação direta sobre o miocárdio é mais eficiente;

- descarga inicial de 0,2-0,5 j/kg e dobrar a carga a cada nova tentativa, se


necessária;

- na desfibrilação externa ligar o cardioversor (Filme cardioversor), programar a


dosimetria, aguardar o sinal de carregado, acionar a tecla síncrono, posicionar um
eletrodo no 6o espaço intercostal esquerdo, próximo ao esterno e outro no 3 o ou
4o espaço intercostal direito em posição mais dorsal, afastar os componentes da
equipe de reanimação e acionar a descarga (Filme cardioversaoindireta).

- não havendo resposta administrar adrenalina intravenosa 0,05 ml/kg (5 g/kg) ou


intratraqueal (0,2 ml/kg) de uma solução 1:10.000.

- procurar combater a acidose com solução hidroeletrolítica balanceada. Se a


ressuscitação já se desenvolve a mais de 10-15 minutos pode-se utilizar o
bicarbonato de sódio (10 a 20 mEq);

- persistindo a fibrilação administrar 2 a 4 mg/kg de lidocaína por via venosa ou


intracardíaca (exceto para gatos);

- restabelecidos os batimentos cardíacos, mas o pulso continuar fraco iniciar o


gotejamento venoso de dopamina.

Se a cardioversão elétrica não for viável ou não obtiver sucesso, proceder


desfibrilação química com cloreto de potássio (1mEq/kg) e acetil colina (6mEq/kg).
Altas concentrações de potássio despolarizam o coração e os agonistas colinérgicos
hiperpolarizam-no, o que teoricamente resultaria em falta de excitabilidade
simultânea de todas as fibras do músculo cardíaco (despolarização do potássio),
seguida por restauração da excitabilidade (repolarização pela acetil colina). A acetil
colina, no entanto, tem acentuado efeito depressor sobre o nodo sino-atrial. Deve
ser considerado ainda que após esta tentativa de cardioversão química não se
conseguirá a desfibrilação elétrica. Como a acetil colina é difícil de ser encontrada
na forma comercializável no país, tem-se associado ao cloreto de potássio o cloreto
ou gluconato de cálcio, porém, com menor efeito.

As indicações para massagem cardíaca ou cardioversão direta são:

- toracotomia já efetuada ou em andamento:


- em caso de celiotomia que permita abordagem trans-diafragmática do coração;

- desfibrilação ou massagens externas ineficientes;

- presença de enfermidade que previna massagem externa.

Na massagem cardíaca direta os ventrículos são massageados por compressão da


face palmar dos dígitos. A compressão deve ser ritmada e suave tomando-se
cuidado para não comprimir a base do coração. A freqüência da massagem deve
ser 120 compressões/minuto. A desfibrilação elétrica direta deve ter descarga de
10-15 w/s. Os eletrodos devem ser adaptados firmemente em torno do coração
para que a descarga seja efetiva e evitar lesão do miocárdio (Filme
cardioversaodireta).

Quando a ressuscitação for efetiva têm sido recomendados um ou mais dos


seguintes medicamentos:

- dexametasona (4 mg/kg): para liberação do ATP mitocondrial, estabilização das


membranas, controle do edema cerebral e processo inflamatório do miocárdio;

- sulfato de atropina (0,08 mg) ou dopamina (2-5 g/kg/minuto) por gotejamento


lento para corrigir bradicardias;

- bretílio (25-50 mg/kg): para controle de taquicardias e possível recorrência de


fibrilação ventricular;

- lidocaína: (2-4 mg/kg em dose inicial e depois 50 g/kg/minuto gota a gota) para
prevenir taquicardia ventricular;

- bicarbonato de sódio (1 a 2 mEq/kg) para prevenir a acidose;

- manitol (1,0 g/kg) como diurético osmótico em caso de edema cerebral;

- tiopental sódico (5 a 15 mg/kg) para proteger o cérebro contra os efeitos da


hipoxemia.

As indicações para suspender os esforços de ressuscitação cardiopulmonar são:

- ausência de resposta ou o procedimento estender-se por mais de 60 minutos sem


resposta positiva;

- quando o proprietário for consultado e optar por suspender a ressuscitação;

- quando o paciente apresentar enfermidade


Quadro 3.18 - Sinais de terminal ou for detectada lesão cerebral
recuperação irreversível.
do choque.
3.5 - Sinais de Recuperação do choque
Normalização do pulso
 
femoral
 
Estabilização do ritmo
 
cardíaco
 
Retorno do débito urinário
 
Regularização da respiração
 
Reperfusão capilar
 
regularizada
Mucosas rosadas e brilhantes
Normotermia
* Confirmar por testes
laboratoriais
 
 
 
 
 
 
 
 
Na medida da eficiência do tratamento aquelas alterações detectadas quando do
diagnóstico do choque começam a ser corrigidas. Caso não ocorra essa involução o
choque pode ser irreversível ou a terapia inadequada.
No quadro 3.18 estão relacionados alguns sinais físicos indicadores de recuperação
do quadro de choque. é recomendável a confirmação laboratorial da verdadeira
condição física.
Finalmente deve ser considerado que o paciente de choque deve ser monitorizado
até 24 a 48 horas após recuperação. Determinados tipos de choque podem
apresentar recidivas com hipotensão significativa.

CAPÍTULO V
REGENERAÇÃO TECIDUAL
A maioria dos casos de traumatismos apresentados ao médico veterinário requer
tratamento de feridas. Cada uma delas apresenta particularidades dependendo do
tipo, localização e tecido envolvido. Neste capítulo serão apresentados os tipos de
feridas, uma breve revisão sobre o mecanismo de regeneração nos diferentes
tecidos e as medidas gerais indicadas para favorecer a cicatrização.
As feridas são caracterizadas como soluções de continuidade da pele ou mucosa, de
profundidade variável até aponeuroses, músculos, serosas ou órgãos internos.

4.1 - BIOLOGIA DAS INFECÇÕES CIRÚRGICAS

O processo da infecção envolve uma alteração nos mecanismos homeostáticos que


tendem a eliminar o agente infeccioso. Os mecanismos naturais de defesa do
organismo são os fatores locais e sistêmicos envolvidos na contensão e resolução
da infecção. São eles:

a) a resposta inflamatória;

b) os componentes humorais (imunoglobulinas);

c) o sistema fagocítico (neutrófilos e macrófagos);

d) imunidade celular mediada (linfócitos);

e) sistema do complemento.

O conhecimento desses mecanismos de defesa é necessário para saber os possíveis


defeitos que podem derrubar o equilíbrio entre bactéria e hospedeiro.
A resposta do hospedeiro ao agente invasor é governada pelas condições ativas das
portas de entrada (pele e mucosas) que proporcionam a primeira linha de defesa
do organismo:

- a pele oferece uma cobertura flexível para a superfície corporal. O ressecamento


oferecido pela camada de queratina e as secreções cutâneas que são bactericidas
ou bacteriostáticas protegem contra oStaphylococcus aureus que aí coexiste;

- o trato respiratório é protegido por secreções bronquiais que contêm IgA e cílios
os quais removem partículas estranhas da área brônquica;

- no trato digestivo o pH estomacal reduz o nível bacteriano e no intestino o


peristaltismo elimina os subprodutos não aproveitáveis e cuja permanência
favoreceria a proliferação bacteriana;

- a saliva e a lágrima possuem imunoglobulina A (IgA) com poder bactericida;

- a vagina da cadela apresenta intensa leucocitose, durante o estro, que protege


contra o pênis contaminado do macho por ocasião da cópula;

- a flora bacteriana normal de determinado tecido previne o estabelecimento de


bactérias patogênicas.

Passando a primeira linha de defesa, ou seja, após ultrapassar o epitélio cutâneo ou


mucoso, as bactérias localizam-se no meio extracelular onde estimulam o processo
inflamatório. Esta resposta inicia por ação de aminas vasoativas como a serotonina
e histamina, as quais potencializadas pelo sistema calicren-cininas induzem
aumento na permeabilidade vascular e na capacidade aderente das superfícies
endoteliais venulares. Assim os leucócitos, hemáceas e plaquetas tendem a
marginação vascular.

A vasodilatação, particularmente venular, permite transudação de plasma,


proteínas, anticorpos, complemento, água, eletrólitos e demais substâncias
humorais circulantes no local. O processo inflamatório fica localizado devido aos
coágulos de fibrina e edema que previnem a disseminação das bactérias através
dos capilares que drenam a região.

Para que ocorra a fagocitose, mecanismo de defesa celular, a bactéria deve ser
reconhecida como elemento estranho ao hospedeiro, por meio do sistema imune do
animal, particularmente o sistema humoral. As imunoglobulinas (anticorpos) são
sintetizadas pelo sistema linfóide em resposta a um estímulo antigênico específico.

Na presença de bactéria as imunoglobulinas, principalmente IgA e IgM, reagem


com a área antigênica específica da parede celular bacteriana. Esta união gera
alteração no anticorpo desencadeando o sistema do complemento que intensifica a
interação entre um antígeno específico e seu complemento. Um dos efeitos mais
importantes, quando da ativação do complemento, é o processo de opsonização do
anticorpo (IgG e o produto da cascata do complemento (C 3) na superfície
bacteriana, sensibilizando-a à fagocitose pelos neutrófilos e macrófagos.

A interação antígeno/anticorpo/ complemento libera substâncias quimiotáxicas que


atraem os leucócitos. Estes, entrando em contato com a bactéria opsonizada
fagocitam-na. Uma vez formado o fagossoma (com a bactéria) os grânulos
lisosomais convergem para a membrana do vacúolo, fundem-se a ele e liberam
suas enzimas as quais causam morte e digestão bacteriana.
Os polimorfonucleares predominam na fase inicial do processo inflamatório e, por
terem vida relativamente curta, devem ser repostos constantemente na área
inflamatória e na circulação. Quando morrem são fagocitados pelos macrófagos.

Os monócitos que chegam ao processo inflamatório tornam-se macrófagos com


propriedades fagocítica e bactericida e de vida longa. O monócito também requer
anticorpo e complemento para exercer a fagocitose.

Os macrófagos contêm estruturas lisosomais diferentes dos neutrófilos, com


quantidades relativamente pequenas de lisosima e fagocitina e um grupo de
proteínas com propriedade bactericida. Após fagocitose e digestão pelos
macrófagos os antígenos bacterianos sensibilizam os linfócitos regionais ou locais
para produção específica de anticorpos.

4.1.1 - Fatores sistêmicos que interferem com a resistência orgânica

A homeostase consiste nas respostas


Quadro 4.1 Fatores sistêmicos fisiológicas que fazem o meio interno
que afetam a resistência retornar ao estado normal após uma
orgânica. alteração como a infecção. A homeostase
constitui-se do equilíbrio entre:
idade estado de nutrição
microorganismo infectante, meio em que a
diabetes melito adrenocorticóides infecção se estabelece e os mecanismos de
defesa do hospedeiro, que controlam a
choque irradiação invasão das bactérias. Os fatores sistêmicos
que interferem com a resistência orgânica
malignidade esplenectomia (Quadro 4.1) são os seguintes:

queimaduras anestesia geral. Idade: animais jovens e velhos apresentam


maior incidência de infecção. Nos velhos
deve-se à diminuição na produção de
anticorpos. Nos jovens a capacidade fagocítica, de destruição bacteriana e
movimento amebóide dos neutrófilos é inferior ao adulto.

Estado de nutrição: apenas os extremos de obesidade e desnutrição interferem com


a resistência orgânica. Nos obesos o volume e fluxo sangüíneo por unidade de peso
estão diminuídos no tecido adiposo, que fica relativamente avascular. Animais
desnutridos e hipoproteicos têm deficiência na síntese de anticorpos. Na inanição a
atividade fagocítica está diminuída. A simples privação energética por alguns dias
não interfere.

Diabetes melito: o favorecimento à infecção ainda é controvertido. Parece ser


decorrência das complicações apresentadas pelo diabético. Testes in
vitro demonstram que há inibição de bactérias Gran negativas no plasma
suplementado com altos níveis de glicose. Por outro lado, o Diabetes está associado
a um defeito na mobilização dos leucócitos que pode ser corrigido controlando-se
os níveis de glicose. Os níveis elevados de glicose predispõem à hiperosmolaridade
e supercrescimento micótico, além de inibir a fagocitose.
Adrenocorticosteróides: em níveis fisiológicos são benéficos à resposta inflamatória.
Níveis baixos de esteróides diminuem a síntese de enzimas lisosomais nos
neutrófilos. Quando elevados inibem os mediadores que causam permeabilidade
capilar e, portanto, decrescem a liberação de células fagocíticas no processo
inflamatório.

Choque: lesões localizadas com infecção têm potencializado o risco de infecção pelo
choque hipovolêmico devido à redução na perfusão tecidual.

Irradiação: a contagem de leucócitos cai rapidamente após irradiação em todo o


corpo, mas retorna ao normal em semanas. Quando a irradiação for localizada pode
causar fibrose com diminuição na perfusão local. A irradiação sistêmica crônica
pode interferir com o metabolismo celular. Usada clinicamente os problemas são
raros.

Malignidade: o câncer está associado com alterações na imunidade celular mediada,


imunidade humoral, função fagocitária, resposta inflamatória e barreiras
anatômicas. O hospedeiro pode ser afetado quando forem utilizados agentes
quimioterápicos e antimetabólicos como terapia antineoplásica.

Esplenectomia: é discutível. Parece mais importante em jovens onde o baço é um


componente de maior importância do sistema histio-linfo-plasmocitário que no
adulto. Sua manutenção é importante para regulação da volemia nos casos de
hipotensão.

Queimaduras: afetam a maioria dos sistemas de defesa. Na porta de entrada (pele)


ocorre lesão mecânica com destruição do epitélio, expondo os tecidos sub-
epidermais. Nas barreiras das mucosas há decréscimo na IgA (saliva e lágrima) que
podem resultar em estomatite e conjuntivite. A queimadura provoca estase
venular, microtrombose e retarda a marginação leucocitária em nível vascular.

Anestesia geral: inibe a mobilidade dos leucócitos e a replicação celular. O


mecanismo quiomiotáxico é afetado por narcóticos, agentes voláteis de indução
anestésica e relaxantes musculares. Antibióticos como a ampicilina, cefazolina e
cefoxitina não têm causado interferência com a pressão sangüínea ou freqüência
cardíaca quando utilizados durante anestesia geral com halotano. Por outro lado, o
propofol, por ser uma emulsão lipídica, pode permitir crescimento bacteriano.
Soluções contaminadas podem favorecer a ocorrência de infecção cirúrgica.

4.1.2 - Fatores locais que interferem com a resistência orgânica

Os efeitos da interação entre a bactéria e o hospedeiro, embora sob influência


sistêmica, são determinados por fatores locais. Durante a cirurgia, ou após
traumatismo, as bactérias têm acesso aos tecidos normalmente assépticos do
hospedeiro devido à quebra nas barreiras naturais da pele e mucosas. Entre os
fatores locais que facilitam a infecção está incluído o estado anatômico e fisiológico
dos tecidos onde as bactérias penetram. A técnica e dedicação de cada cirurgião
são os fatores mais importantes na criação de uma ferida que seja inadequada à
proliferação bacteriana e na qual as defesas fisiológicas e os mecanismos
reparadores sejam preservados.
O quadro 4.2 mostra os principais
Quadro 4.2 Fatores locais que fatores locais que favorecem a
favorecem a infecção. instalação da infecção.

ESTADO ANÁTOMO-FISIOLÓGICO Relação bactéria resistência


orgânica: a simples presença de
RELAÇÃO BACTÉRIA/RESISTÊNCIA
bactéria em um tecido pouco
ORGÂNICA
significa. O número delas é
DIMINUIÇÃO NA PERFUSÃO importante. O nível crítico de
contaminação para que a infecção
tecido desvitalizado fio inadequado se estabeleça é de 105 a
6
10  microorganismos por grama de
sutura apertada corpo estranho tecido ou mililitro de líquido
biológico. Somente
esmagamento tecidual hematoma e
oStreptococcus beta-
coágulo
hemolíticus parece capaz de
hemorragia espaço morto anatômico causar infecção em níveis
inferiores. Existe um período crítico
FONTES BACTERIANAS de aproximadamente 4-5 horas
desde a penetração do inóculo
endógenas e exógenas.
bacteriano para que o número de
bactérias alcance o parâmetro
105/g de tecido ou ml de líquido
biológico.

Diminuição na perfusão da ferida: é imprescindível a preservação da vascularização


local para que haja oferta de oxigênio necessário aos processos metabólicos.

A presença de tecido desvitalizado, fio inadequado (tipo e diâmetro), suturas sob


tensão ou muito apertadas, corpos estranhos, esmagamento tecidual pelo uso
inadequado de pinças hemostáticas são fatores que prejudicam a vascularização
local.

Os hematomas e coágulos além de serem ótimo meio de cultura previnem, por


ação mecânica, a atuação dos mecanismos naturais de defesa no local da infecção.
A hemorragia e o hematoma aumentam significativamente a possibilidade de um
inóculo bacteriano causar infecção.

A presença de espaço morto anatômico propicia a formação de seroma o qual


favorece a proliferação bacteriana.

O ferimento causado por força compressiva (impacto) é 100 vezes mais sensível à
infecção que aquele por avulsão (arrancamento), pois ocorre ruptura de vasos na
pele e tecidos subjacentes. Tecidos desvascularizados por esmagamento têm
diminuição na liberação de imunoglobulinas e células leucocitárias, na área,
aumentando a chance de infecção.

Fontes bacterianas: o grau de contaminação bacteriana da área operatória, durante


uma intervenção, tem um efeito significativo sobre a infecção da ferida cirúrgica.

Os microorganismos que infectam as feridas cirúrgicas podem ser adquiridos de


fontes exógenas como ar, pessoal, instrumental, superfície externa do paciente, ou
endógena, quando as bactérias estão no paciente e penetram ativamente através
das bordas da ferida ou chegam de focos à distância, via sangüínea ou linfática,
devido a queda na resistência orgânica. A resposta vascular e linfática à inflamação
pode promover a transferência de bactérias para a ferida cirúrgica. Em humanos a
presença de infecção em áreas distantes do local de intervenção tem sido associada
com uma elevação de 300% na taxa de infecção da ferida cirúrgica e tem sido a
causa de infecção retardada em implantes prostéticos.

Bactérias endógenas e exógenas da flora cutânea são responsáveis pela maioria


das infecções nas cirurgias limpas. Estima-se que a cada hora 35.000 a 60.000
bactérias caem sobre o campo operatório. Um indivíduo na sala cirúrgica emite
5.000 a 55.000 partículas/minuto, dependendo de sua vestimenta e tempo
transcorrido desde o último banho.

O risco de infecção dobra a cada hora de tempo operatório. Isto parece estar
associado ao elevado número de bactérias endógenas e exógenas da flora cutânea
que contaminam a ferida cirúrgica e à diminuição na defesa tecidual local por
isquemia e ressecamento dos tecidos expostos.

A contaminação exógena é muito baixa quando for usada técnica asséptica e


empregada disciplina rigorosa na sala operatória.

4.2 - INFECÇÃO NOSOCOMIAL


As infecções adquiridas durante a internação hospitalar são denominadas
nosocomiais. Os microorganismos mais freqüentemente encontrados
são: Staphylococcus aureus, Streptococcus beta-
hemoliticus, klebsiella,Escherichia coli, Pseudomonas e Proteus que
apresentam índices variáveis de resistência aos antibióticos. Mais de 60% das
infecções diagnosticadas por cirurgiões veterinários têm significativa população de
bactérias anaeróbicas.
Na rotina hospitalar deve-se estar atento à transmissão de infecção de um animal
para outro (infecção cruzada) ou de um tecido para outro (auto-infecção) no
mesmo indivíduo. As vias aéreas superiores de pacientes hospitalizados podem ter
grande número de Streptococcus e Staphylococcus. O pessoal técnico do
hospital pode transmitir a infecção de um paciente para outro se não adotar
cuidados de assepsia no manejo dos animais e uso de instrumental (pinça,
termômetro) ou utensílios de limpeza. O contato direto com o paciente ou fômites
favorece a disseminação da infecção. Deve-se levar em consideração, ainda, que o
ar ambiental dos hospitais ou clínicas contém número significativo de partículas
potencialmente infectantes.
O prolongamento do período de internação pré-operatória aumenta
proporcionalmente o risco de infecção pós-cirúrgica devido à contínua aquisição,
pelo paciente, de bactérias nosocomiais patogênicas.

4.3 - DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO CIRÚRGICA


A infecção cirúrgica pode ser definida como um processo patológico causado pelo
crescimento de microorganismos nos tecidos.
O primeiro sinal de infecção cirúrgica é a hipertermia. Essa elevação na
temperatura deve ser relacionada à intensidade do trauma e o tempo transcorrido
desde a cirurgia. É fisiológica uma hipertermia moderada (elevação de 1 a 2 oC) em
cirurgias traumáticas, no primeiro e segundo dias de pós-operatório. Quando
persistir por mais de três dias é necessário averiguar possíveis complicações. O
paciente pode apresentar sinais sistêmicos como prostração, anorexia e polidipsia.
Nos casos de toxemia podem aparecer sinais de icterícia, uremia, disfunção
cardiocirculatória, na dependência dos órgãos ou sistemas comprometidos. A
leucometria seriada permite identificar a presença e eventual progressão da
infecção.
Como sinais locais de infecção cirúrgica podem ser encontrados edema de bordas,
pontos apertados, eritema, sensibilidade exagerada, drenagem de secreção serosa
ou serosangüínea pela linha de sutura, presença de seroma, endurecimento de
massas musculares na região e até supuração. As secreções devem ser colhidas e
encaminhadas para exames microbiológico e de sensibilidade microbiana.
As feridas cirúrgicas podem ser classificadas de diferentes maneiras, no entanto,
quando classificadas conforme o grau de contaminação bacteriana, permitem a
escolha de diferentes protocolos de controle ou prevenção da infecção. O Quadro
4.3 apresenta o esquema elaborado em 1964 pelo “Comitte on trauma of the
National Academy of Sciences - National Research Council, USA”.
Quadro 4.3. Classificação das intervenções cirúrgicas conforme o grau de
contaminação bacteriana.

Características
Tipo de ferida

cirúrgica

Cirurgia limpa Procedimentos eletivos onde a cicatrização ocorre por 1ª


intenção; ausência de dreno, trauma, infecção ou quebra de
assepsia; não há invasão dos tratos respiratório,
gastrintestinal, genito-urinário e orofaringe. Exemplos:
cirurgia estética de orelhas, ooforectomia e orquiectomia
eletiva em animal sadio.
Cirurgia de baixa Há invasão dos tratos respiratório, gênito-urinário,
contaminação gastrintestestinal sob condições controladas e sem
contaminação incomum como extravasamento de conteúdo
nos tecidos adjacentes. Exemplos: ovario-histerectomia
eletiva (Filme castraeletiva), lobectomia pulmonar,
gastrostomia, cirurgias nos tratos biliar ou urinário, na
presença de bile ou urina não infectadas.
Cirurgia Intervenção em ferida aberta, recente (menos de 4h) ou
contaminada incisão em tecido com inflamação não purulenta. Operações
com extravasamento de conteúdo digestivo; maior quebra na
assepsia (massagem cardíaca externa) ou penetração do trato
biliar ou urinário em presença de bile ou urina infectadas.
Cirurgia infectada
Envolve feridas traumáticas, com tecidos desvitalizados,
ou suja corpos estranhos, contaminação fecal; feridas com mais de 5h
de evolução e cirurgia onde são encontradas vísceras
perfuradas ou inflamação bacteriana aguda; presença de
supuração ou coleções purulentas como piometrites (Filme
piometrite).
4.4 - PRINCÍPIOS DA TERAPIA ANTIMICROBIANA EM CIRURGIA
Os antibióticos podem ser prescindidos, utilizados de forma profilática ou
terapêutica na cirurgia.

Atualmente tem-se abusado do uso de antibióticos peri-operatórios com a


finalidade de prevenir ou combater a infecção cirúrgica. Não raro, são utilizados de
forma errônea, sem considerar a indicação, dose e freqüência podendo causar
toxicidade ou resistência bacteriana.

A administração de fármacos a um paciente para prevenir a aquisição e


estabelecimento de microorganismos patogênicos é definida como quimioprofilaxia
antimicrobiana. Nessa situação a infecção ainda não está estabelecida. Esse
procedimento é, também, denominado terapia de antecipação. Tem como
vantagens o decréscimo na morbidade e mortalidade dos pacientes, reduz o tempo
de hospitalização e reduz o custo de internação. Além disso, diminui a quantidade
de antibiótico utilizado minimizando a resistência bacteriana e o risco de
superinfecção.

Nos princípios para utilização da profilaxia antimicrobiana em cirurgia, salienta-se a


importância de que o nível de antibiótico, nos tecidos, seja mantido durante o
período trans-operatório não se prolongando por mais que 3 a 6 horas no pós-
operatório, sendo tolerado um prolongamento de até 24h. Para o esquema
profilático, portanto, o antibacteriano deve ser administrado, por via venosa,
imediatamente antes da cirurgia (30 minutos) para alcançar nível tecidual
adequado no momento da intervenção. Durante o ato operatório deve ser mantida
a concentração inibitória mínima do fármaco, para controlar as bactérias
patogênicas sensíveis.

O antibiótico indicado para profilaxia efetiva deve ser: bactericida, ativo contra as
bactérias patogênicas mais prováveis de ocorrerem em determinada situação,
alcançar rapidamente alto nível tecidual, manter altas concentrações teciduais por
várias horas, não ser tóxico em doses terapêuticas, e ter espectro relativamente
amplo. Dentre as cefalosporinas, a cefalexina e a ceftriaxona são exemplos que
preenchem os critérios citados.

Experimentalmente, tem-se constatado que a gentamicina (2mg/kg) não alcança


concentrações adequadas na ferida operatória e a cefazolina (20mg/kg) e
ampicilina (10mg/kg) não mantêm as concentrações necessárias por mais que
2h30min e 2h respectivamente. Naquelas cirurgias mais prolongadas, portanto, há
necessidade de repetir a dose ao final do período efetivo de cada uma delas, ou
seja, para a cefazolina, por exemplo, deve ser administrada nova dose 2h30min
após a primeira, se o paciente ainda estiver sob intervenção cirúrgica.

O cirurgião pode prever ao tipo de bactéria contaminante mais provável, baseado


na localização da cirurgia ou ferida e selecionar o antibiótico mais apropriado
(Quadro 4.4). Por exemplo: cirurgias que não envolvam o trato gastrintestinal,
urogenital ou respiratório, têm risco de contaminação por Staphylococcus;
naquelas que invadam esses sistemas, a contaminação pode ocorrer por múltiplas
espécies de bactérias que são nativas nesses órgãos.

Quadro 4.4. Seleção de antibiótico para profilaxia em diferentes regiões.


Procedimento Bactéria Provável Antibiótico(s)
específico e Recomendado(s)
fator de risco

Cirurgia
torácica Staphylococcus Cefazolina
Bacilos Gran-
Intervenção
pulmonar

Intervenção
cardiovascular

Cirurgia Cefazolina
ortopédica
Staphylococcus Penicilina anti-
Prótese de estafilocócica
quadril

Osteossíntese
demorada

Cirurgia Cocos Gran+


Cefazolina;
gastroduodenal
Bacilos entéricos Gran- Ampicilina
Paciente de alto
risco

Cirurgia do Bacilos entéricos Gran-, anaeróbios


Cefazolina;
trato biliar (PrincipalmenteStreptococcus, Clostridium)
Ampicilina

Paciente de alto
risco

Bacilos entéricos Gran-, anaeróbios Metronidazole +


Cirurgia (PrincipalmenteBacteroides, Streptoccocus Enrofloxacino;
coloretal
Neomicina +
eritromicina, oral

Ovario- E. coli, Streptococcus, anaeróbios Cefoxitina;


histerectomia Cefotetan

Piometrite,
endometrite

Feridas Obrigatoriamente anaeróbios; Bactérias Clavamox;


profundas, facultativas Cefazolina
penetrantes
< 6h; por
mordida

Cirurgia Staphylococcus,Streptococcus, Ampicilina;


odontológica anaeróbios, bactérias facultativas Amoxicilina

DOW, 1994.

No Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)


tem sido utilizada a ampicilina sódica na dose de 20mg/kg nos tecidos moles,
administrada por via venosa, 30 minutos antes da cirurgia, nos casos em que se
indica a profilaxia antibiótica. Quando a cirurgia prolongar-se além do período
efetivo do fármaco (2h) a dose será repetida.

Nas cirurgias envolvendo o trato gastrintestinal, o esquema profilático sugere o


seguinte protocolo:
- cirurgias de esôfago, estômago e intestino delgado - 20-30mg/kg de cefalotina,
intravenosa, imediatamente após a indução da anestesia;

- cirurgias do intestino delgado baixo, ceco e colo - além do esquema anterior,


associar o metronidazole (30mg/kg), suspender a alimentação por 24 a 48 horas e
fazer enema 24 e 12h antes da cirurgia.

- cirurgias ortopédicas – cefalotina ou ceftriaxona.

Os erros mais comuns na profilaxia antimicrobiana incluem o uso de antibióticos em


cirurgias limpas, falha na escolha da via de administração apropriada, seleção de
antibióticos que são ineficientes contra a maioria das possíveis bactérias
contaminantes e administração por período prolongado além do necessário (>24h).

O uso profilático de antibióticos deve ser evitado nas seguintes situações:

- infecções víricas;

- em pacientes com Diabetes melito, enfermidade de Cushing, cardiopatia


congestiva com resistência bacteriana diminuída;

- pacientes com dispositivo intravenososo (catter), urinário (sonda vesical),


tubo de drenagem torácica ou drenos cirúrgicos;

- cirurgias limpas;

- cirurgias limpa-contaminadas em pacientes de baixo risco;

- lacerações simples com menos de 6h de evolução.

A terapia antimicrobiana consiste no uso de antibióticos para combater a infecção já


presente. Sempre que o antibiótico for indicado como medida terapêutica, o nível
adequado deve ser mantido por 5 a 7 dias ou até que os sinais de infecção
desapareçam. Nestes casos deve ser dada prioridade ao antibiograma na escolha
do fármaco mais adequado o qual deve ser administrado conforme a freqüência de
cada um (a cada 6, 8 12 ou 24 horas).
Quando houver presença de septicemia ou choque séptico, a terapia antimicrobiana
recomenda uma dose inicial do antibiótico, para alcançar os níveis necessários e
após fazer manutenção conforme a constante de eliminação do fármaco utilizado
(Quadro 4.5) que é aplicada na seguinte fórmula:

peso x mg/kg do antibiótico x constante de eliminação x 24h = mg/dia

Considerando como exemplo, um cão de 10kg que precisasse receber ampicilina


como terapia antimicrobiana em caso de septicemia:

- a dose inicial seria 200mg (20mg/kg) aplicada intravenosa;

- a dose de manutenção seria determinada pela seguinte fórmula:

Assim, no caso: 10 x 20 x 0,462 x 24 = 2217,6mg/dia;

- esta concentração calculada deve ser diluída no seu requerimento hídrico basal
(50ml/kg/dia). Para este cão, 500ml/dia;

- a concentração de antibiótico obtida (2217,6mg) será diluída nesta solução


(500ml) e dada por gotejamento venoso em 24h. (500ml ÷ 24h = 20,83ml/h ou
0,4ml/minuto).

Considerando a classificação das feridas baseado na densidade microbiana, pode


ser adotado o seguinte protocolo:

- ferida limpa: sem antibiótico;

Quadro 4.5. Dose e constante de eliminação de alguns


antibióticos.
Fármaco Dose Constante de
eliminação

Ampicilina 10-20mg/kg 0,462

Carbenicilina 15mg/kg 0,462

Cefalotina 35mg/kg 1,386

Cloranfenicol 50mg/kg 0,165

Cloxacilina 10mg/kg 1,386

Gentamicina 04mg/kg 0,462

Kanamicina 10mg/kg 0,347

Oxacilina 10mg/kg 1,386

Penicilina G K 200 000UI/kg 1,386

Estreptomicina 20mg/kg 0,277

Adaptado de ZASLOW, 1984.


- ferida limpa-contaminada: também não se usa antibiótico, a não ser nas
seguintes condições: cirurgias com duração de mais de 90 minutos,
pacientes sob alto risco de infecção (imunosuprimidos), condições que
favoreçam a infecção (idosos, obesos, enfermidade renal ou hepática
ou metabólica, neoplasia), fonte bacteriana já presente em outro local
(pioderma, piorréia, infecção do trato urinário);

- Ferida contaminada: esquema profilático;

- ferida suja ou infectada: terapêutico.

Este protocolo tem sido utilizado no Bloco Cirúrgico de Pequenos Animais, no


Hospital de Clínicas Veterinárias da UFSM. Em uma avaliação de 1923 intervenções
cirúrgicas, o índice de infecção hospitalar foi de 0,72% (14 casos). Este resultado
mostra a eficiência do protocolo, comparado com hospitais de Escolas Norte-
americanas de Medicina Veterinária onde o índice de infecção varia de 0,9 a 5,1%.
Como norma geral, antes de ser submetido à cirurgia, cada animal deve ser
avaliado clinicamente quanto às condições de volemia e hidratação. Nas cirurgias
eletivas as alterações devem ser compensadas no pré-operatório e nas
emergenciais durante o ato operatório e/ou pós-operatório imediato.

Animais encaminhados à cirurgia por apresentarem patologias consideradas


infectadas devem primeiro receber tratamento apropriado da infecção localizada
(por exemplo: limpeza e combate à infecção do ferimento) antes de serem
submetidos ao ato operatório. Nestes casos recomenda-se a colheita de material
para avaliação microbiológica e de sensibilidade antimicrobiana.

Os cuidados indicados nas infecções cirúrgicas locais consistem em ampla


tricotomia, na região, limpeza mecânica com gaze embebida em solução salina
adicionada de iodo povidine em concentração de 1:1000. Deve ser utilizado um
anti-séptico forte 3 a 4 vezes ao dia para controlar a infecção. A utilização de
açúcar granulado 4 a 6 vezes ao dia, nos primeiros dois a três dias, diminuindo
depois para três vezes ao dia, tem mostrado 100% de eficiência no controle da
infecção de feridas cirúrgicas e estimula a formação de tecido de granulação. Com
este procedimento, a maioria das infecções são controladas em 4 a 5 dias, sendo
indicada, então, a cirurgia corretiva ou pode ser estimulada a regeneração por
granulação.
Nas patologias de caráter emergencial, cuja intervenção seja caracterizada como
suja ou infectada (parto distócico enfisematoso), a antibioticoterapia deverá ser
iniciada já no trans-operatório. Nestes casos o antibiótico deve ser de amplo
espectro de ação atuando também em anaeróbicos.

O campo operatório deve sofrer ampla tricotomia e apropriada anti-sepsia com


degermantes adequados. O gluconato de clorexidina e o iodo polividona, associado
com lauril-éter sulfonato de sódio, possuem alta confiabilidade na degermação da
superfície de mucosas e da pele, na preparação pré-operatória.

Em todo ato operatório deve-se procurar seguir os princípios da cirurgia


atraumática preconizados por Halsted que consistem de: a) manuseio atraumático
dos tecidos; b) hemostasia cuidadosa; c) preservação da vascularização; d)
assepsia rigorosa; d) ausência de tensão nos tecidos; e) redução adequada dos
planos teciduais durante a síntese e obliteração do espaço morto anatômico.
Recomenda-se que o antibiótico não seja utilizado como substitutivo de medidas de
assepsia. Desculpas como falta de luvas, de sala ou instrumental adequado para
intervenções cirúrgicas não justificam. Atualmente os diferentes meios de assepsia,
a preparação de uma sala adequada ao ato operatório não são fatores limitantes. O
exercício da consciência cirúrica ainda é fundamental na prevenção da infecção.

CAPÍTULO V
REGENERAÇÃO TECIDUAL
A maioria dos casos de traumatismos apresentados ao médico veterinário requer
tratamento de feridas. Cada uma delas apresenta particularidades dependendo do
tipo, localização e tecido envolvido. Neste capítulo serão apresentados os tipos de
feridas, uma breve revisão sobre o mecanismo de regeneração nos diferentes
tecidos e as medidas gerais indicadas para favorecer a cicatrização.
As feridas são caracterizadas como soluções de continuidade da pele ou mucosa, de
profundidade variável até aponeuroses, músculos, serosas ou órgãos internos.

5.1 - Classificação das feridas


As feridas podem ser classificadas de diferentes maneiras (Quadro 5.1):
Quadro 5.1. Classificação das feridas.
Tipo Característica
1. Conforme a limpa
densidade baixa contaminação
microbiana contaminada
suja ou infectada.
2. Conforme a classe 1 (0 a 4 horas)
progressão da classe 2 (4 a 12 horas)
infecção classe 3 (acima de 12
horas).
3. Conforme fechadas (abrasão)
apresentação abertas (incisa, lacerada,
clínico-cirúrgica: punctória, penetrante,
acidente ofídico, arma de
fogo).
4. Conforme a traumática
causa atraumática.
Conforme as superficial
estruturas profunda
comprometidas
5.1.1 - Conforme a estimativa clínica da densidade bacteriana elas podem ser:
- limpa: é a ferida produzida pelo cirurgião, com bisturi, sem que haja quebra de
assepsia e sem envolvimento dos sistemas respiratório, genito-urinário, alimentar e
orofaringe;
- de baixa contaminação: é aquela ferida que ocorreu a menos de 4 horas, não
apresenta sujidades ou envolve os tratos respiratório, alimentar, gênito-urinário e
orofaringe;
- contaminada: é decorrente de trauma recente, há presença de inflamação não
purulenta e pode haver grande sujidade ou urina infectada na ferida;
- suja: existe a presença de inflamação bacteriana aguda, tem origem traumática e
ocorreu há mais de 12 horas. Pode haver presença de supuração.
5.1.2 - Conforme a progressão da infecção as feridas podem ser distribuídas em:
- classe 1: do tempo zero até quatro horas de evolução. Neste período há pouca
multiplicação bacteriana. Três horas após a agressão o tempo é considerado crítico, uma
vez que o número de bactérias na ferida aproxima-se perigosamente do índice acima de
105 bactérias/g de tecido (quantidade necessária para determinar a infecção);
 - classe 2: ferida com período evolutivo compreendido entre 4 e 12 horas após a
lesão, quando as bactérias começam a multiplicar-se mas ainda não são invasivas;
- classe 3: com evolução acima de 12 horas e já considerada infectada.
Esta distribuição é um tanto arbitrária e pode ser afetada pela natureza da ferida,
suprimento sangüíneo local e circunstâncias em que a ferida ocorreu. O médico
veterinário com experiência determinará facilmente estas variações.
5.1.3 - Conforme a apresentação clínico-cirúrgica as feridas podem ser:
- fechada: ocorre por contusão onde a pele ou mucosa são lesionadas mas
permanecem com integridade aparente. Pode alcançar tecidos conetivo, muscular,
tendíneo e ósseo. As formas mais comuns são as abrasões que resultam de
esmagamento ou fricção;
- aberta: estão incluídas neste grupo:
* lacerada (Figura 5.1): produzida por objetos pontiagudos que rasgam o tecido
formando bordas irregulares. Quando cutânea pode haver avulsão ou arrancamento
(Figura 5.2);

Figura 5.1 Ferida lacerada

Figura 5.2 Ferida por avulsão

* incisas (Figura 5.3): são soluções de continuidade lineares devidas a ação de


objetos cortantes;
 
Figura 5.3 Ferida incisa.

* penetrantes: solução de continuidade da pele e tecidos subjacentes alcançando


cavidades como abdome, tórax, seios, etc. Geralmente resultam em perfuração de
víscera, empiema ou evisceração;
* punctórias: são decorrentes de elementos perfurantes como cravos, pregos, estiletes e
espetos. São profundos e com pequena abertura superficial dificultando seu diagnóstico;
 * acidente ofídico: tipo de ferida punctória que resulta da ação de agentes
peçonhentos inoculados por serpentes;
* ferida por arma de fogo: tipo de ferida punctória ou penetrante causada por
diferentes tipos de projéteis.
5.1.4 - Dependendo da causa as feridas podem ser:- traumáticas: a solução de
continuidade é resultante da ação de um objeto agressor que atinge o animal ou a região
com impacto;
 - atraumáticas: o ferimento é produzido por objeto cortante, não agressor,
geralmente o bisturi em condições de assepsia.

.2 - Processo de cicatrização

O processo de reparação (Quadro 5.2) envolve uma série de alterações bioquímicas e


fisiológicas interrelacionadas. Fundamentalmente a cicatrização compreende quatro
fases: inflamação, desbridamento, proliferação e maturação.

5.2.1. Fase de inflamação (0 a 3 dias)

A reparação inicia logo após a injúria. Há vasoconstrição reflexa e oclusão dos


pequenos vasos (dura 5 a 10 minutos). Há acúmulo de plaquetas e deposição, de
coágulo de fibrina contendo emaranhado de hemácias e leucócitos. O coágulo formado
estabiliza as bordas da ferida. Na superfície as proteínas e fibrina formam crostas por
desidratação.

Quadro 5.2. Fases da cicatrização


Fases Característica

1. Fase de alteração de permeabilidade


inflamação (0 vascular
a 3 dias)
deposição de fibrina

exsudação e edema.

2. Fase de proliferação de
desbridament polimorfonucleares
atividade de linfócitos e
o(1 a 6 dias) macrófagos

ativação enzimática

limpeza ou supuração.

proliferação capilar
3. Fase de
proliferação (3 reabsorção de fibrina
a 14 dias) (fibrinólise)

proliferação fibroblástica

modificação na substância
básica

síntese de colágeno e
migração epitelial.
involução do número de
4. Fase de capilares e células
maturação aumenta o colágeno e
(14 dias a 1 resistência
ano)
contração da cicatriz.

A lesão celular promove liberação de histamina, cininas, prostaglandinas, enzimas


proteolíticas, agentes quimiotáxicos e mediadores macromoleculares, marginação e
diapedese leucocitária. Os líquidos deixam os vasos antes das células e tendem a
diluir substâncias tóxicas e favorecer a migração de células inflamatórias a partir dos
vasos.

5.2.2 - Fase de desbridamento (1 a 6 dias)

Inicia ao redor de seis horas após a lesão com proliferação de polimorfonucleares


neutrófilos que permanecem poucos dias e dos monócitos que permanecem até ser
completado o processo de reparação.

Os neutrófilos são necessários para a limpeza de feridas infectadas de vez que a


regeneração não ocorre até que a infecção seja controlada. Os neutrófilos fagocitam
microorganismos que degeneram e morrem. Quando sua membrana externa rompe,
o neutrófilo libera enzimas e fragmentos fagocitados. As enzimas atacam os
fragmentos celulares e facilitam a fragmentação dos restos necróticos pelos
monócitos. Na ausência de infecção a cicatrização progride mesmo sem a presença de
neutrófilos.

O monócito é essencial para a cicatrização. Sua atividade consiste em tornar-se


macrófago quando penetrar na ferida, fagocitar tecidos necróticos além dos
fragmentos que são parcialmente digeridos. Além de transformar-se em macrófago,
na fase de inflamação crônica, os monócitos podem coalescer formando células
gigantes multinucleadas, ou evoluir para células epitelióides e histiócitos. Servem
ainda, para atrair fibroblastos na ferida e, talvez, influenciá-los a sofrerem maturação
e sintetizar colágeno.

A presença de linfócitos na ferida pode ser indicativo de resposta imune a corpos


estranhos.
A fase de fragmentação no processo cicatricial pode ser prolongada e a reação celular
estar aumentada quando houver grande quantidade de tecido morto, corpos
estranhos e/ou excesso de material de sutura.

O líquido que escapa dos vasos combina-se com os leucócitos em migração e o tecido
morto formando o exsudato inflamatório que se acumula na área lesionada. Conforme
os polimorfonucleares morrem e sofrem lise o exsudato transforma-se em pús.

5.2.3 - Fase fibroblástica ou de proliferação (3 a 14 dias)

Inicia-se tão logo sejam removidos os tecidos necróticos, coágulos sangüíneos e


elementos estranhos. Ao terceiro ou quinto dia inicia a proliferação de fibroblastos e
angioblastos. A partir das células mesenquimais os angioblastos e fibroblastos migram
através dos filamentos de fibrina. Os fibroblastos e angioblastos sofrem orientação e
inibição de contato na superfície de proliferação. Há um aumento de
mucopolissacarídeos e proteínas solúveis precursoras do colágeno.
Subseqüentemente há o aparecimento de finas fibrilas de colágeno (secretadas pelos
fibroblastos) associada com rápido aumento na resistência elástica da ferida.

A fibrina desaparece com a deposição de colágeno. O novo colágeno pode ser


encontrado já no segundo dia após o início da reparação, alcançando o pico máximo
ao redor do quinto ao sétimo dia. Vai acumulando-se durante as três primeiras
semanas de cicatrização. Nesta forma, o colágeno existe quase como um gel.

Nos primeiros 3 a 4 dias uma ferida incisa apresenta a fibrina, novas fibras colágenas
e novos capilares em disposição paralela às bordas da ferida, devido a compressão
pela sutura e pela migração dos fibroblastos, a partir da derme e tecido subcutâneo.
Quando ocorrer perda de tecido a tensão nas bordas, pela elasticidade natural da
pele, distenderá o coágulo de fibrina que está aderido às bordas. Isto orientará os
componentes fibrinosos perpendicular às bordas e os fibroblastos migrarão seguindo
esta orientação.

A necessidade de oxigênio para movimentação, migração celular e síntese protéica é


responsável pelos brotamentos e crescimento neovascular da periferia para o centro
da ferida que geralmente é hipóxica.

Na superfície da ferida há migração epitelial sob o coágulo sangüíneo ou escara, a


partir do epitélio íntegro nas margens.

5.2.4 - Fase de maturação ou remodelação (14 dias a 1 ano)

A maturação da ferida inicia após a proliferação celular decrescer e está associada


com redução gradual no número e tamanho de fibroblastos e histiócitos no tecido de
granulação. Concomitantemente há um lento aumento na resistência elástica da
ferida devido ao incremento total de colágeno, interligação entre as fibras que
aumenta a espessura e compactação. A medida que progride a reparação os
fibroblastos e fibras colágenas alinham-se ao longo das linhas de tensão.

Várias colagenases atuam na dissolução do colágeno removendo fibras


desnecessárias e não funcionais. Inicialmente o tecido cicatricial é rosado e
hipertrófico (em animais sem pigmentação) devido a presença de vasos e células e
depois torna-se esbranquiçado e retraído conforme diminui o número de vasos e
células.
A migração epitelial cessa por inibição de contato.

5.3. - Tipos de cicatrização

Basicamente podem ser:


5.3.1 - Primeira intenção: este tipo de cicatrização ocorre quando houver união
imediata das bordas da ferida, evolução asséptica e cicatriz linear. As condições
requeridas são a coaptação das bordas e planos anatômicos. Evolui em 4 a 10 dias.
5.3.2 - Segunda intenção: as bordas da ferida não contatam entre si devido a
perda de tecido. O espaço é preenchido por tecido de granulação cuja superfície
depois epidermiza. Esse processo pode durar dias a meses.
O tecido de granulação é importante na cicatrização de feridas extensas pelas
seguintes razões:
- é extremamente resistente à infecção;
- o epitélio é capaz de migrar sobre sua superfície;
- supre os fibroblastos que produzirão colágeno para regeneração;
- o processo de contração que acompanha a cicatrização por segunda intenção
consiste na redução do tamanho de uma ferida aberta. Esta redução resulta de
movimentos centrípetos da pele que circunscreve a lesão em função da fibroplasia
no tecido de granulação.

5.4 - Cicatrização em particular


O princípio da cicatrização é comum a todos os tecidos, porém, cada um deles
apresenta particularidades próprias.
5.4.1 - Tecido muscular
O tecido muscular é altamente diferenciado e resistente ao traumatismo. O
mecanismo celular de regeneração deste tecido ainda não é inteiramente
conhecido. Parece que as células satélites que são estruturalmente indiferenciadas
e localizadas entre as membranas basal e plasmática, do músculo esquelético,
derivam em células precursoras mononucleares. Estas se multiplicam por mitose
formando miotubos dos quais se desenvolve a fibra muscular.
O músculo esquelético tem a capacidade para regenerar no sentido de fibras
secionadas cicatrizarem juntas, reconstituindo o aspecto histológico normal do
músculo. É incerto, no entanto, se a regeneração ocorre quando houver perda
significativa de massa muscular ou as miofibrilas forem comprimidas por tecido
fibroso. Pode ser retardada pelo afastamento ou interposição de outras estruturas.
A capacidade de regeneração do músculo é maior quando sua continuidade não for
totalmente interrompida como acontece em contusões ou esmagamentos. Nos
casos de ruptura ou secção com afastamento dos segmentos, ou no tratamento
tardio ocorre extensa fibrose.
Estudos sobre a regeneração do músculo liso em vísceras como a bexiga ou trato
gastrintestinal revelam que feridas musculares cicatrizam pela formação de
proteína fibrosa.
Na correção cirúrgica de lacerações ou rupturas de músculos flexores ou extensores
deve-se remover todo tecido alterado ou fibrótico. Como o tecido muscular tem
baixa sustentação da sutura, sob tensão, esta deve ser efetuada com um fio
inabsorvível como o mononáilon em pontos tipo Wolff unindo os dois segmentos.
Após é feita síntese da bainha muscular com o mesmo tipo de fio em sutura
contínua simples ou isolada. Para síntese da bainha recomenda-se fio no 000 ou
0000 para pequenos animais e n o 0 ou 00 para grandes animais. Na aproximação
dos planos musculares a sutura deve incluir a bainha muscular (Figura 5.6) e ter
diâmetro maior para evitar secção ou compressão de fibras. Indica-se fios n o 0 ou
00 para cães (Filme miotomiapectineo) e gatos e no 3 ou 4 para eqüinos e bovinos.
É vital a correção cirúrgica precoce, pois a demora favorece a ocorrência de
contratura muscular e compressão das miofibrilas pelo tecido fibroso.
5.4.2 - Fascia e aponeurose
Este tecido possui vascularização muito pobre, mas, apesar disso é altamente
resistente à tensão, infecção e contração. A cicatrização ocorre por síntese de
proteína fibrosa e deposição de colágeno. Por estas razões é um tipo de tecido cuja
cicatriz só completa sua resistência elástica ao redor de quatro meses após início da
regeneração. Assim é recomendado que nas fáscias e aponeuroses seja dada
preferência ao uso de fio inabsorvível como mononáilon. Quando o fio ou a síntese
forem inadequados, a deiscência ocorre comumente entre o 5 o e 8o dias de pós-
operatório.
5.4.3 - Tendão
Os tendões são estruturas formadas
por tecido conetivo denso compostos
de fibroblastos ou tenócitos e fibras
colágenas paralelas embebidas em
uma substância básica e no líquido
extracelular. As fibras de colágeno
formam feixes rodeados pelo
endotendão. O tendão é recoberto
por uma bainha fina de tecido
conetivo frouxo, o epitendão, que se
continua internamente com o
endotendão e externamente com o
paratendão. O paratendão recobre e
separa os tendões facilitando o
movimento deslizante. Nas áreas de
pressão o paratendão forma a bainha
sinovial.
O suprimento sangüíneo intrínseco do
Figura 5.6 - Sutura recomendada na
tendão é pobre. O terço proximal é
reconstituição de ruptura muscular
suprido por vasos extrínsecos da
junção teno-muscular e o terço distal
pela junção teno-óssea. O terço médio é suprido por vasos extrínsecos que passam
longitudinalmente pelo paratendão ou cápsula sinovial. Tendões recobertos por
paratendão são mais vascularizados que aqueles envolvidos em bainha sinovial.
Na primeira semana o processo cicatricial inicia com brotamentos capilares e
invasão de fibroblastos indiferenciados a partir do paratendão e tecidos adjacentes.
A partir do terceiro dia já ocorre síntese de colágeno pelos fibroblastos. Enquanto
aumenta o teor de mucopolissacarídeos na substância básica o colágeno sofre
polimerização agrupando-se em fibras orientadas ao acaso.
Na segunda semana de cicatrização a reação vascular alcança seu pico, como o
fazem a proliferação fibroblástica e produção de colágeno. Ao décimo dia esta
reação é 15 vezes maior e dos 14 aos 28 dias até 22 vezes maior.
Na terceira e quarta semanas as fibras de colágeno próximas às extremidades
seccionadas orientam-se longitudinalmente. Aquelas no centro da ferida cicatricial
permanecem desorganizadas e perpendiculares às linhas de estresse. Nesta fase já
existe uma maior resistência à tensão.
A partir da quarta semana até a vigésima ocorre o estágio de remodelação. Há
redução na massa cicatricial conforme as fibras de colágeno alinham-se ao longo do
eixo maior longitudinal de tensão. Esta organização que confere resistência à
tensão é dependente de movimentação do tendão para enfraquecer as aderências
aos tecidos adjacentes. Do 16o ao 35o dias alcança resistência de 2% do original
(200g/mm2). Do 35o ao 42o dias esta resistência já é de 5% (500g/mm 2) e a partir
daí chega até 130% (13000mg/mm2).
Em razão do comportamento cicatricial, vascularização deficiente e baixa
sustentação das suturas pelo alinhamento longitudinal das fibras, a cirurgia de
tendões requer os seguintes cuidados:
- minimizar a formação de fibras transversas, que causam aderência, através de
manejo atraumático. Neste caso, evitar o pinçamento do tendão. Repará-lo com
agulhas retas para manipulação (Figura 5.7a). Aparar com bisturi as extremidades
rompidas e irregulares, manter os tecidos úmidos com solução salina isotônica,
fazer hemostasia cuidadosa prevenindo a formação de hematomas e coágulos. É
fundamental prevenir a infecção. Se presente, deve primeiro ser tratada através de
debridamento e drenagem cuidadosa dos tecidos da ferida;
- a síntese do tendão deve ser
feita com fio inabsorvível
(mononáilon) fazendo sutura
tipo Bünell ou Kessler (Figuras
5.7b e 5.7c). O paratendão deve
ser suturado com pontos
simples isolados. Recomenda-se
fios 00 ou 000 para cães e gatos
e fios no 2 ou 3, para bovinos e
eqüinos. O paratendão pode ser
suturado com fio no 000 ou
0000. Os tecidos adjacentes
devem ser aproximados
adequadamente prevenindo
assim a formação de espaço
Figura 5.7 - Reparação de tendão utilizando morto anatômico. O fio também
duas agulhas retas para manipulação (a). deve ser inabsorvível para
Síntese tipo Bünell (b) ou tipo Kessler minimizar a reação inflamatória;
modificada (c) - no pós-operatório o membro
operado deve ser imobilizado
por 3 a 4 semanas. Deve-se ter em conta que durante este período a sutura não
deve sustentar sozinha o peso do animal durante o apoio. A imobilização é
fundamental. A partir da quarta semana a imobilização é removida iniciando-se
movimentos passivos das articulações adjacentes e deambulação. O exercício ativo
só está indicado a partir de 45 dias para cães e gatos e 120 dias para eqüinos.
Experimentalmente tem sido comprovado em cães que a ruptura do tendão de
Aquiles cicatriza com mínima formação de aderências aos tecidos adjacentes
quando submetido a irradiação "softlaser" Arseneto de Gálio (AsGa). A radiação
"laser" AsGA em dosimetria de 4 a 6 joules/cm 2, efetuada por 10 dias seguidos no
pós-operatório imediato melhora a vascularização sangüínea no local e modula a
formação de tecido colágeno, além de ter efeito antiinflamatório e analgésico.
5.4.4 - Peritônio
A reparação peritoneal traz como complicações as aderências que dificultam as
possíveis intervenções futuras. As causas destas aderências são a peritonite,
hemorragia, isquemia tecidual, corpos estranhos (fios de sutura, talco, antibiótico
em pó), trauma, fibrina, soluções hipo ou hipertônicas. Minimizada a ocorrência
destes fatores, durante a intervenção diminuem as possibilidades de aderências.
A cicatrização ocorre por proliferação mesotelial a partir das bordas da ferida e se
dá em 4 a 5 dias.
5.4.5 - Osso
A osteogênese ocorre a partir do periósteo e endósteo. As trocas químicas
verificadas durante a cicatrização diferem dos demais tecidos. A cicatrização
envolve as seguintes fases:
- formação do calo: ocorre formação de hematoma ao redor da fratura e edema de
tecidos moles. Na linha de fratura ocorre necrose óssea pelo comprometimento dos
vasos nos canais de Havers. Há deposição de fibrina que sofre penetração por
fibroblastos a partir do periósteo e endósteo;
- vascularização do calo: ocorre brotamento endotelial que invade a fibrina e
formação de tecido de granulação. Há hiperemia local e lise do osso necrosado. O
líquido intersticial torna-se carregado de sais e o pH acidifica.
- ossificação do calo: há multiplicação, e diferenciação dos fibroblastos ou
osteoblastos. Na presença de compressão e oxigenação adequada forma-se tecido
ósseo. Se houver compressão e deficiência de oxigênio forma-se tecido
cartilaginoso. Na presença de tensão e oxigenação é formado tecido fibroso. Há
síntese de substância osteóide (matriz) que posteriormente sofre mineralização. As
trabéculas ósseas proliferantes de cada segmento fraturado entrelaçam-se
formando união por osso esponjoso. O calo já é detectável pelos Raios-X;
- remodelação do calo: os canais de Havers sofrem remodelação. A reabsorção
osteoclástica está aumentada (100 mg/dia) e a formação osteóide diminuída (1
mg/dia). A deposição de sais de cálcio ocorre em áreas de compressão, carga
negativa e pH alcalino.
A maturação e remodelação óssea não se completam antes de dois anos. A
imobilização da fratura em determinado membro deve ser mantida ao menos 30
dias em animais jovens e 45 a 60 dias em adultos. Na adaptação de placas, o
implante só será removido em 4 a 6 meses.

5.5 - Fatores que afetam a cicatrização

Vários fatores podem favorecer, retardar ou prejudicar a cicatrização. Os mais


freqüentes (Quadro 5.3) são:

5.5.1 - idade e estado de nutrição: as feridas tendem a cicatrizar mais lentamente


em indivíduos idosos devido à diminuição da fibroplasia, proliferação celular, fatores
nutricionais e aumento na sensibilidade à infecção. Em animais jovens a
cicatrização ocorre mais rapidamente, mas as suturas podem não sustentar a
tensão ao serem fixadas na derme ou nos tecidos subcuticulares por serem friáveis.
Os tecidos de animais obesos também têm menor resistência e não seguram
adequadamente as suturas;

5.5.2 - anemia e suprimento sangüíneo: a anemia só interfere quando


acompanhada de hipovolemia. É necessário um suprimento arterial, venoso e
microcirculatório para ser oferecido oxigênio e nutrientes ao processo cicatricial.
Lesão de vasos regionais, pressão por tecido cicatricial novo ou antigo, bandagens,
moldes externos de imobilização muito apertados e suturas com nós muito
apertados interferem com o suprimento sangüíneo e retardam a cicatrização. A
hipovolemia, a vasoconstrição e o aumento na viscosidade sangüínea podem afetar
de modo significativo a tensão de oxigênio;
5.5.3 - desidratação e edema: a desidratação retarda a regeneração. o edema
moderado tem pouco ou nenhum efeito no ganho de resistência da ferida. Quando
acentuado, no entanto, tem efeito inibidor leve e temporário sobre a cicatrização,
provavelmente mais por efeito mecânico que bioquímico;

Quadro 5.3. Fatores que afetam a cicatrização.


SEQ Table \* ROMAN \r0 1. Fatores
Fatores locais sistêmicos

suprimento sangüíneo idade

corpo estranho estado


nutricional
movimento e trauma
adicional anemia

oxigenação hipoproteinemia

anti-séptico desidratação

seroma e hematoma antiinflamatório

edema antibiótico

bandagem temperatura

infecção vitaminas A, C,
E, K e complexo
radiação B

5.5.4 - hipoproteinemia: são necessários níveis adequados de proteína para


cicatrização. A função normal dos animais requer 1 g/kg/dia de proteína. Para
haver balanço, o nitrogenado positivo deve ser dado ao menos 2,2 mg/kg/dia. Em
adição dar 4,4 g/kg/dia de dextrose para energia e para que o animal não consuma
suas próprias proteínas na síntese para reparação tecidual. Todo animal sob
processo regenerativo deve ter dieta protéica incrementada;

5.5.5 - antibióticos: deve-se ter cuidado com o tipo de veículo do antibiótico, pois
pode dificultar mecanicamente a cicatrização quando aplicado topicamente, ou ter
ação citotóxica. Dar preferência àqueles em veículo aquoso. Da mesma forma, o
tipo de antibiótico deve ser escolhido cuidadosamente. Alguns trabalhos
experimentais têm demonstrado que a Penicilina e Neomicina aplicadas
topicamente não interferem com a cicatrização. Já a administração sistêmica do
Cloranfenicol tem retardado a regeneração de feridas cutâneas;

5.5.6 - antiinflamatórios: a fenilbutazona e aspirina em doses terapêuticas comuns


não interferem com a cicatrização. Os esteróides interferem de várias maneiras
com o processo cicatricial: provocam inibição dos processos associados com a
inflamação, supressão da fibroplasia, diminuição da proliferação capilar, inibição da
regeneração epidermal, retardam a contração e resistência elástica;
5.5.7 - temperatura: ambientes mornos favorecem o processo de cicatrização
enquanto o frio retarda-o. Estes defeitos decorrem da relação entre a temperatura
e o aumento ou diminuição no suprimento sangüíneo da ferida;

5.5.8 - vitaminas:

- vitamina A: é essencial à integridade epitelial;

- vitaminas do complexo B: são necessárias às funções celular e enzimática além


do metabolismo carbohidrato;

- vitamina C: necessária à regeneração epitelial e à formação da parede dos vasos;

- vitamina E: responsável pela estabilização das membranas. Altas doses retardam


a cicatrização e síntese do colágeno;

- vitamina K: é imprescindível na formação do coágulo que é integrante da


coagulação e cicatrização;

5.5.9 - corpos estranhos: se determinado corpo estranho estiver causando


irritação, a ferida não cicatriza até que o mesmo seja isolado ou removido. Podem
ser sujidades, coágulos, fios de sutura em excesso ou de diâmetro inadequado e
tecidos necrosados;

5.5.10 - movimento: a imobilização das feridas oferece uma melhor cicatrização e


mais rápida evolução principalmente em áreas de tensão como o olécrano, joelho e
calcâneo. Além disso, previnem a ruptura dos neocapilares, destruição dos grupos
de células reparadoras e o padrão de crescimento das novas fibras. Evita tensão na
reparação de músculo, tendão e ligamento. Por outro lado, a mobilidade (exercício,
fisioterapia) minimiza a ocorrência de balanço nitrogenado negativo, estimula a
circulação da região, combatendo a infecção e previne a atrofia dos músculos na
área, além de favorecer a drenagem linfática.

5.5.11 - trauma adicional: o trauma excessivo prolonga os primeiros estágios da


cicatrização, diminui o ganho de resistência à tensão, aumenta a possibilidade de
infecção e resulta em proliferação excessiva de tecido de granulação;

5.5.12 - oxigenação: é essencial ao metabolismo carbohidrato e protéico que


oferecem substrato à síntese do tecido cicatricial. O oxigênio atmosférico não é tão
importante como aquele fornecido pelo sangue através da microcirculação;

5.5.13 - anti-sépticos: alguns deles como o iodo povidine (Povidine ou


Dermoiodine), em diluição a 10% são tóxicos aos tecidos. A concentração de 0,1%
tem maior ação bactericida devido à grande quantidade de radicais iodo livres na
solução e não é tóxico;

5.5.14 - seromas e hematomas: coleções de sangue ou ao redor da ferida podem


retardar a cicatrização por separação mecânica dos tecidos e proporcionam
excelente meio para crescimento bacteriano. Quando volumosos podem determinar
pressão suficiente para interferir com o suprimento sangüíneo dos tecidos
adjacentes. Os seromas ocorrem em espaços mortos, tecidos ricos em linfáticos,
nas feridas com movimento das bordas e quando for colocada grande quantidade
de corpos estranhos na intimidade da ferida;
5.5.15 - bandagens: quando não aderentes são benéficas à regeneração acelerando
o processo cicatricial. Tem sido demonstrado que as células epiteliais movem-se
mais rapidamente entre duas superfícies úmidas. A bandagem úmida ou crosta
conferem maior proteção à migração das células epiteliais.

Bandagens aderentes são detrimentais à epitelização porque as células penetram


em seu interstício e são arrancadas quando da remoção da mesma. Este tipo de
bandagem está mais indicado quando a superfície da ferida apresentar tecido
desvitalizado o qual pode aderir e ser removido junto a cada troca da mesma;

5.5.16 - infecção: a infecção retarda a cicatrização por separação mecânica das


superfícies da ferida através de exsudação e por meio da produção de toxinas que
têm enzimas de ação específica. As mais comuns são:

- hialuronidase que favorece o desenvolvimento da infecção,

- colagenase que destrói e inibe a síntese do colágeno,

- fibrinolisina que destrói a fibrina e complica a primeira fase da cicatrização,

- coagulase que produz trombose nos vasos, e

- hemolisina que destrói a hemoglobina.

5.5.17 - radiação: alguns tipos de radiação como raios X e raios  interferem com o
metabolismo celular, proliferação de fibroblastos e decrescem o processo
inflamatório.

Atualmente tem se comprovado que a irradiação softlaser Arseneto de Gálio (AsGa)


e Hélio Neon (HeNe) têm acelerado o processo cicatricial em diferentes tecidos.
Este tipo de irradiação aumenta a concentração celular de energia nas células.
Dependendo da dosimetria programada o laser tem efeito antiálgico,
antiinflamatório e regenerativo.

5.6 - Princípios gerais para tratamento de feridas

Existem medidas gerais que podem ser adaptadas a maior parte das feridas. São
elas:

5.6.1 - Anestesiar o paciente e proporcionar ventilação adequada:

Determinadas feridas que ocorrem em áreas mais inervadas ou aquelas recentes


apresentam maior sensibilidade. Nestes casos pode ser necessária tranqüilização e
até anestesia geral para efetuar os cuidados tópicos. Inicialmente deve-se proceder
a avaliação sistêmica para verificar se o paciente tolera a anestesia e se apresenta
qualquer outra complicação como fratura ou lesão visceral. Em caso de dificuldade
respiratória ou hipoxemia há que se combater a causa e melhorar a ventilação
pulmonar. Se o paciente apresentar desidratação ou hipertensão deve-se proceder
à fluidoterapia pós-operatória.

5.6.2 - Remover os pelos e sujidades na ferida e adjacências:

Fazer tricotomia ampla e prevenir que caia pelo na ferida através de tamponamento
com gaze, sutura temporária das bordas ou aplicação de geléia solúvel em água
que será removida após a tricotomia. As sujidades e crostas que se aglutinem em
volta da ferida podem ser removidas com água e sabão e, se necessário, associar
escova macia (Filme higieneferida).

A ferida propriamente dita deve ser lavada abundantemente com solução salina
isotônica pura ou adicionada de 0,1% de iodo povidine (Povidine ou Dermoiodine).
As sujidades e tecidos necrosados superficiais são removidos com auxílio de gaze
umidecida. Não se recomenda a escovação direta, pois o trauma pode favorecer a
penetração bacteriana.

5.6.3 - Desbridamento da ferida:

Este procedimento visa à completa remoção de tecidos desvitalizados e a


prevenção e/ou combate à infecção. Os tecidos desvitalizados e/ou lacerados
devem ser removidos por desbridamento cirúrgico em planos anatômicos ou em
bloco (Figura 5.8). Após excisão é feita irrigação exaustiva com solução salina
isotônica na forma de jatos e sob pressão. Para tanto se faz orifício com agulha na
embalagem plástica da solução salina. Através de compressão do frasco é emitido
um jato de solução com pressão suficiente para remoção de corpos estranhos,
coágulos e fragmentos teciduais. Pode-se como alternativa utilizar seringa de 20 ou
50 ml adaptada em agulha 30-10 emitindo jatos mediante pressão no êmbolo
(Filme lavaferida). Este procedimento resulta em diminuição de até 75% das
bactérias contaminantes na área operatória.

Em caso de sangramento proceder hemostasia cuidadosa.

5.6.4 - Fechamento da ferida:

Ferida recente, com menos de 4 horas de evolução pode ser suturada (cicatriza por
primeira intenção). Nessas e nas feridas cirúrgicas eletivas sejam elas por estética
(Filme cirurgiaestetica), ou para remoção de tumores (Filme cirurgiareparadora) é
fundamental uma adequada redução dos planos anatômicos subjacentes,
principalmente se houver necessidade de usar retalhos de pele com deslizamento.
Em todos os casos é fundamental que se faça redução do espaço morto e da
tensão, o que evita deiscência ou que os fios cortem a pele.

Ferida traumática com evolução superior a 4 horas e/ou exsudativa pode ser
suturada, mas com adaptação de dreno.

Quando a ferida for suja ou


infectada, mas superficial,
primeiro deve ser combatida
a infecção para depois ser
efetuada a cirurgia. Neste
caso, após a tricotomia e
limpeza, deverá ser feita a
aplicação tópica de um
antibacteriano. Procurar
evitar o uso tópico de
antibióticos, pois facilita a
resistência bacteriana. O
Figura 5.8 Esquema representativo do açúcar granulado tem
desbridamento cirúrgico em bloco (A) seguido de
sutura plano a plano (B)
mostrado excelente ação bactericida, é estimulante da cicatrização além de ter
baixo custo e pode ser feito pelo proprietário, sob orientação. É recomendado o
preenchimento de toda a ferida com o açúcar, a cada 6 horas nos três primeiros
dias de pós-operatório e depois a cada 12 horas. Nas primeiras aplicações será
notada intensa exsudação em resposta à ação higroscópica do açúcar. A morte
bacteriana dá-se por plasmólise. Para que o açúcar permaneça na ferida é
necessária a adaptação de bandagem. Não há vantagem alguma na formação de
pasta com açúcar homogeneizado com solução furacinada ou qualquer outra
solução antibacteriana. O uso de outros anti-sépticos tópicos não supera a ação do
açúcar em termos de rapidez de evolução e sensibilidade bacteriana.

Combatida a infecção e na presença de tecido de granulação a ferida pode ser


reduzida cirurgicamente. Neste caso deve ser feito reavivamento de bordas e
síntese plano a plano.

5.6.5 - Uso de antibiótico parenteral:

A utilização parenteral de antibióticos deve ser baseada na classificação das feridas


conforme o grau de contaminação:
- ferida limpa: dispensável;

- ferida limpa-contaminada ou de baixa contaminação: profilático;

- ferida contaminada ou suja com sinais sistêmicos de infecção: esquema


terapêutico.

Este protocolo pode sofrer alguma variação em função do quadro geral do paciente
e apresentação da ferida.

Pacientes portadores de feridas com risco de tétano devem ser submetidos à


profilaxia apropriada.

5.6.6 - Adaptação de dreno:

5.6.6.1 - Indicações:

- quando o debridamento for incompleto e permanecerem corpos estranhos em


estruturas que não poderão ser removidas, como tendão e osso;

- quando houver inevitável contaminação maciça, como em feridas perianais ou


esofagotomia com regurgitamento no trans-operatório;

- em caso de espaço morto que não possa ser reduzido a fim de evitar acúmulo de
sangue, pús ou soro;

- quando houver viabilidade tecidual questionável.

5.6.6.2 - Princípios de adaptação (Filme dreno):

- manipulação asséptica com limpeza e troca de bandagem quando necessário;

- usar dreno o mais fino possível com o mínimo necessário de orifícios para permitir
drenagem adequada;

- evitar contato do dreno com grandes vasos e áreas de anastomose;


- as pontas do dreno devem sair por orifícios separados das bordas da ferida;

- prevenir prematura remoção ou perda do dreno pela colocação de um colar


Elizabethano e pontos de reparo na pele;

- o dreno deve ser removido tão logo sua característica seja alterada e/ou diminua
a drenagem indicando resolução do problema.

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