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CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM GEOGRAFIA NA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA: PRÁTICAS E REFLEXÕES


Marcone Denys dos Reis Nunes
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Geografia do Instituto de Geociências da
Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
mmdenys@msn.com

INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, é importante salientar o caráter embrionário da referida


pesquisa. As questões aqui explicitadas são parte de uma investigação inicial a partir de
uma pesquisa bibliográfica na área do currículo, nas leituras dos projetos pedagógicos e
de reconhecimento de curso da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e de outros
documentos disponibilizados pelos colegiados dos cursos de Geografia da referinda
universidade. Até aqui podemos afirmar que, diante do pouco que já foi analisado, há
uma perspecitva positiva para o desdobramento do trabalho, uma vez que há um leque
de possibilidades, embricações e situações a serem investigadas, questões variadas
dentro da complexidade teórica do currículo em todas as dimensões que ele pode nos
proporcionar.
O artigo traz uma breve explanação dessas possibilidades a partir do paradigma
curricular atual, sua complexidade teórica e metodológica para a construção do
conhecimento, tendo como pano de fundo a grande reforma curricular efetuada pela
UNEB no início dos anos 2000, tida como algo impactante do ponto de vista estrutural,
filosófico e político nas bases curriculares existentes até então. Apesar da reforma ter
ocorrido em vários cursos da universidade, por questões óbvias, nosso foco ficará
restrito aos cursos de Geografia. A grande questão que permeia nossa curiosidade é
apresentar as principais mudanças ocorridas de um currículo para outro, quais as forças
hegemônicas atuaram e com quais propósitos impulsionaram tais mudanças. Em quais
realidades esses currículos se inseriram ou se atenderam às demandas acadêmicas e da
sociedade para os objetivos aos quais ele se propôs, ou seja, esse currículo tido como
inovador, defendido por muitos como rizomático, é de fato o que se apresenta? São
perguntas importantes que talvez não tenham todas as respostas neste momento do
trabalho, mas imprescindíveis para traçarmos os caminhos lógicos da investigação sem
perder o foco dos nossos objetivos.
O trabalho encontra-se ainda em sua fase inicial e centrar-se-á na análise
bibliográfica sistemática, vislumbrando as idéias dos principais teóricos que tratam das
questões-chave desse trabalho, como por exemplo: fundamentos históricos,
epistemológicos, sociais, culturais e político-pedagógicos do currículo, currículo
universitário e formação docente e currículo e formação de professores nos cursos de
licenciatura em geografia. A leitura dessas obras abrirá um leque de possibilidades para
a definição/delimitação dos caminhos a serem percorridos e quais discussões se
adequam melhor à proposta.
As discussões acerca do currículo são fundamentais em qualquer área do saber,
pois não se trata apenas de um emaranhado de disciplinas ou componetes que se
entrecruzam ou não para “formar” o conjunto de saberes necessários a esta ou aquela
área do conhecimento. O currículo é o todo complexo, o tronco do conhecimento em
tudas as suas dimensões, ele não está restrito apenas aos conteúdos, mas a uma postura
de vida, à tomada de decisões, aos posicionamentos políticos e pedagógicos, bem como
ao processo de organização social como um todo. Por isto, neste aspecto, o currículo e a
Geografia estão intimamente ligados.
Nesta perspetiva, a pesquisa se debruçará sobre a organização curricular dos
cursos de Geografia da UNEB nos municípios de: Caetité, Jacobina, Santo Antônio de
Jesus e Serrinha. A partir de um currículo aberto proposto pela universidade.
Compreender, com base nas discussões de alguns téoricos da área curricular e do ensino
de Geografia, os reflexos na aprendizagem e na formação docente ao longo do processo
e disposição do seus espelhos e componentes curriculares, numa visão abrangente dos
agentes envolvidos no pensar e no fazer deste currículo, nas semelhanças e diferenças
aplicadas a cada realidade nos diferentes campi da UNEB, pois “de forma geral, a
educação e o currículo estão, sim, envolvidos com esse processo, mas ele é visto, ao
contrário do pensamento convencional, como fundamentalmente político” (MOREIRA;
SILVA, 2005, p. 26).
No ano de 2004 os cursos de licenciatura da UNEB passaram por um processo
de reformulação, dentre esses o Curso de Geografia, cujas alterações foram aprovadas
através da Resolução do CONSEPE nº 269/2004. Em função das diretrizes curriculares
emanadas do Conselho Nacional de Educação, sobretudo as referentes aos cursos de
formação de professores, a UNEB, no ano de 2003, deu início a um processo de
redimensionamento curricular, em que todos os cursos de Licenciatura por ela
oferecidos foram reformulados, originando novas matrizes curriculares e em alguns
casos, novos cursos/habilitações.
No caso do curso de licenciatura em Geografia, houve uma alteração na
distribuição dos componentes, de modo que os mesmos passaram a ser agrupados por
área de conhecimento, ou seja, por eixos temáticos. Uma das mudanças mais
significativas se deu nos componentes da área do ensino da geografia, estes sofreram
um aumento considerável na carga-horária e na sua distribuição durante os semestres do
curso. Anteriormente, essa área estava restrita a uma disciplina de 60h no 7º semestre
(Metodologia do Ensino de Geografia) e outra de 120h no 8º semestre (Estágio
Supervisionado em Geografia).
A diferenciação se deu justamente na maneira de pensar o ensino do curso de
licenciatura como algo que perpassa todo o período em que o estudante permanece na
instituição. Neste caso, segundo o novo currículo, os componentes curriculares estão
assim dispostos: nos quatro primeiros semestres (Prática de Ensino em Geografia I, II,
III e IV), e nos quatro últimos semestres (Estágio Supervisionado em Geografia I, II, III
e IV); todos com uma carga horária de 100h/aula. Sendo assim, o que antes se restringia
a um universo total de 180h/aula destinadas ao ensino da geografia, atualmente são
destinadas 800h/aula.
Outra característica desse novo currículo é a quebra de pré-requisitos de alguns
componentes curriculares, fato que tem gerado algumas discussões, elogios e críticas
por parte do corpo docente e discente da universidade e que merece um estudo mais
aprofundado.

1. PARA UM ENTENDIMENTO DA REFORMA

Analisando os projetos de reconhecimento de curso e dos projetos de


reformulação curricular e pedagógicos dos cursos de Geografia de três campi da UNEB:
Jacobina, Santo Antônio de Jesus e Caetité, observamos enunciados comuns a todos
eles, uma base teórica única com algumas poucas variações. Isto se deu porque os estes
departamentos formularam os seus projetos a partir de uma discussão coletiva comum,
ou seja, mesmo estando distantes geograficamente, compreenderam a importância de
que a reforma curricular no curso de Geografia se desse sobre uma base comum surgida
de dentro para fora, das demandas do curso como um todo, dentro de uma mesma
universidade multicampi.1
O texto introdutório traz algumas considerações importantes que valem a pena
serem ressaltadas aqui, de modo a nos permitir um melhor entendimento desse
processo. Segundo ele, toda a reforma tem sua base nas diretrizes nacionais de
reformulação dos cursos de licenciatura2, implementadas no segundo mandato do
governo FHC e amplamente discutidas no ambiente acadêmico nos anos que seguiram.
Não adentraremos mais profundamente na análise das diretrizes, pois acreditamos que
não seja esse o foco deste artigo.
Há uma clara preocupação com a organização entre forma e conteúdo
curriculares, pois os mesmos estão dispostos por competências e eixos temáticos para
atender aos requisitos propostos pelas diretrizes curriculares e pela atual reforma.
Segundo seus idealizadores, este currículo está pautado na construção autônoma,
produzido a partir das necessidades e dos interesses do profissional em formação. O

1
O Campus de Serrinha não participou desse processo de elaboração do projeto porque, neste
departamento o curso de Geografia ainda não tinha sido implantado efetivamente no período em que a
reforma foi discutida. Sendo o curso de Geografia de Serrinha o mais recente da UNEB.
2
Segundo o texto-base “Ele é composto por um conjunto de proposições e regulamentações que
redirecionam a formação docente.
denominam como currículo movente capaz de congregar todos os âmbitos do percurso
formativo acadêmico, extinguindo a concepção clássica de pré-requisito disciplinar.
Nesta nova organização, as disciplinas são substituídas pela ideia de componente
curricular, onde o pré-requisito é visto como uma noção equivocada e ultrapassada de
‘grade curricular’. Destacam que a proposta tem a pretensão de ser uma resposta
burocrática-acadêmica e, sobretudo, política, visando atender às demandas e
necessidades de transformação do ensino superior na referida instituição.
Em consonância com as ideias dos idealizadores deste projeto imaginamos que o
currículo há muito tempo deixou de ser apenas um emaranhado de notas, textos
escolhidos ou aglomerados de disciplinas de um programa de formação em qualquer
nível. O seu caráter técnico cedeu lugar para discussões mais aprofundadas de cunho
político, sociológico, cultural e ideológico. Para Moreira (2005), já se pode falar de uma
tradição crítica do currículo guiada por questões sociológicas e epistemológicas. Para
ele, questões do ‘como’ do currículo continuam importantes, com a ressalva de que elas
só adquirem sentido de dentro de um contexto pleo ‘porquê’ das formas de organização
do conhecimento. O currículo é visto, neste sentido, como artefato social e cultural,
colocado em posição de destaque em seu contexto histórico. Ele não é um elemento
inocente ou neutro de uma transmissão desinteressada do conhecimento social.
Como pensar a educação senão um conjunto de formas institucionalizadas de
transmitir cultura. “(...) A elaboração do currículo consiste numa seleção de elementos
da cultura, passíveis (e desejáveis) de serem ensinados/aprendidos na educação escolar”
(SAVIANI, 1998, p. 26). Os processos culturais pelos quais passam a sociedade estão
presentes na educação e no currículo num processo fundamentalmente político, num
movimento, que para a tradição crítica, denomina-se de política cultural, significando
que tanto a produção cultural quanto a sua contestação podem ocorrer simultaneamente.
Não existe uma cultura homogênea, unitária, e unanimemente aceita para ser
transmitida às gerações futuras através do currículo.
Para Pedra (1997), qualquer currículo traz a marca da cultura na qual foi
produzido. Para ele, é importante compreender que no currículo estão contidos muito
mais que os conteúdos que constituem as disciplinas. O currículo também abrange as
concepções de vida social e as relações sociais desta cultura. O campo da cultura e do
currículo se faz através de visões de mundo distintas, contestações, novas concepções
sobre a vida social, luta de classes e conflitos de várias ordens, portanto, não existe uma
separação entre a idéia de cultura e grupos ou classes sociais, pois “o currículo não é o
veículo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que
ativamente se criará e produzirá cultura” (MOREIRA, 2005, p.28).
E por último, relacionado às duas outras vertentes, o currículo pode ser
considerado um veículo de transmissão de poder, visto que alguns pensadores da teoria
crítica do currículo destacam como central o seu caráter fundamentalmente político.
Para Moreira (2005), os próprios conflitos gerados no seio da sociedade e nas relações
estabelecidas entre os indivíduos que a compõem, isto é, na forma como determinados
grupos são submetidos a regras, instituições, muitas vezes inerentes à vontade e ao livre
arbítrio em favor ou benefício de um outro grupo dominante, são manifestações claras
de poder. Apresenta-se através de linhas divisórias que separam os grupos sociais a
partir de delimitações, às vezes não tão claras, de classe, etnia, gênero, religião, etc.,
constituindo assim, tanto a origem quanto o produto das relações de poder,
caracterizando-se como a expressão dessas relações sociais. Apple (2005) concorda com
esse posicionamento quando afirma que:
O Currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos,
que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma
nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da
seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja
conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões
culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um
povo (APPLE, 2005, p. 59).

Muitas vezes pode-se reconhecer as relações de poder dispostas de forma


transversal no currículo, mas nem sempre é uma tarefa fácil identificá-las. O poder não
se manifesta de forma clara, é preciso compreender as forças que agem para que o
currículo se apresente da forma como aparece para nós, se perguntando a todo o
momento por que se manifesta de uma forma e não de outra. Muitas vezes atrelado aos
grupos dominantes ligados ao Estado, mas muitas vezes decorre de atitudes cotidianas
na escola, na sala de aula, através de posturas e procedimentos pedagógicos e
metodológicos, não tão perceptíveis e identificáveis. Pode haver, neste caso, uma
contradição ou pelo menos algumas ideias paradoxais neste projeto de reconhecimento
quando este traz explicitado em seu bojo as demandas dos professores e alunos, mas ao
mesmo tempo atende a uma exigência burocrática – o Estado – com suas diretrizes
nacionais, regulando as reformas e de certa forma “enquadrando” os ideais de
transformação esperados por ela. Assim, faz-se necessário pensarmos mais um pouco
sobre os desdobramentos multifacetados do currículo e suas implicações no cotidiano
acadêmico e nos cursos de formação de professores.

2. UMA REFORMA CURRICULAR OU UM CURRÍLO EM REFORMA?

Algumas temáticas atuais em relação ao currículo nos interessam sobremaneira


nesta pesquisa, uma vez que a análise de uma experiência curricular nova para a
formação de professores de Geografia na Universidade do Estado da Bahia, pode nos
revelar elementos importantes, de certo ineditismo para a comunidade acadêmica em
geral. Apesar da história do currículo nos levar ao questionamento e discussão da ordem
vigente, e a necessidade de um questionamento dos modelos curriculares apresentados
atualmente, parece-nos imutável um dos pontos centrais do assunto: a disciplinaridade.
O currículo continua sendo organizado em forma de gavetas do conhecimento, assim
como era desde o princípio. Mas a quebra das disciplinas com pré-requisitos e o
esfacelamento da grade currilar já não seria, por si só, um indicativo de uma mudança
estrutural significativa na nomenclatura e na organização do conhecimento?
Mudam-se as concepções, nomenclaturas, teorias, bases pedagógicas e até
nomes, mas de modo geral, ainda assistimos a produção do conhecimento
fundamentalmente centrado em disciplinas tradicionais. “Pesam, sem dúvida, na
evolução das disciplinas escolares, os interesses dos grupos dominantes na sociedade e a
forma como vêem o papel e a importância da educação” (SAVIANI, 1998, p.31).
Para Moreira (2005) e Saviani (1998), outras questões relevantes precisam ser
evidenciadas em qualquer estudo sobre currículo de curso de formação de professores.
Há uma certa indiferença da universidade e da escola em relação às formas pelas quais a
‘cultura popular’ se manifesta (TV, música, jogos eletrônicos, Internet) como parte
central e relevante da vida de crianças e jovens.
Pensando nisto, surge uma inquietação quanto aos programas de formação de
professores nas universidades brasileiras, especialmente nas de ensino público e gratuito
no contexto atual. Alguns questionamentos são inevitáveis como, por exemplo, o de
saber a quem serve um currículo de Geografia num curso de licenciatura numa
universidade estadual, como é o caso da UNEB na Bahia? Ideologicamente este
currículo foi pensado por aqueles que o colocam em prática hoje? Atende às
necessidades de uma multicampia complexa e extremamente difícil de gerir por conta
de questões geográficas, pedagógicas, políticas, etc.? Por todas estas questões, Giroux
& McLaren (2005), explicam que não é exagero afirmar que os programas de formação
de professores são concebidos para criar intelectuais que operam a serviço dos
interesses do Estado, e cuja função é primordialmente manter e legitimar o status quo.

2.1. E o que seria esse currículo, então?

Os estudos sobre o currículo demandam um acurado senso e percepção da


realidade, ainda mais quando esses estudos dizem respeito aos currículos de
universidades voltados para a formação de professores. Alguns aspectos são
especialmente relevantes a fim de compreender o todo do fazer pedagógico e ao mesmo
tempo não perder de vista a perspectiva crítica do currículo no que diz respeito às
dimensões relacionadas à cultura, o poder e a ideologia, ainda mais quando se trata da
Universidade do Estado da Bahia, uma das maiores universidades multicampi do Brasil,
com 32 departamentos espalhados por 27 campi, em quase todas as regiões
geoeconômicas do estado.
Neste aspecto, fica clara a diversidade e a complexidade enfrentada por qualquer
projeto a ser implementado dentro deste contexto. Como as discussões sobre currículo
na atualidade demandam o conhecimento de um leque de possibilidades teóricas para a
compreensão do termo e suas aplicabilidades numa dada realidade, faz-se necessária
uma análise, por exemplo, de temas mais recentes da teoria curricular, como o
multiculturalismo, questões de gênero e étnico-raciais, a partir da Resolução CP/CNE nº
1/2004, com fundamento no Parecer CP/CNE nº 3, de 10/3/20043, que obriga as
universidades a implantar, por exemplo, estas disciplinas em seus currículos de
formação.
Apesar de não haver uma discussão clara e explícita nos projetos que compõe a
reforma curricular em questão, há nas entrelinhas, de modo não muito claro, a ideia de
um currículo que expressa a inovação, a quebra de um paradigma do currículo
tradicional, pautado pela interdisciplinaridade, voltado para a emancipação de
educadores e alunos num contexto contemporâneo. O ponto de maior destaque
evidenciado no texto está na quebra dos pré-requisitos disciplinares, já citado aqui, a
organização dos conteúdos a partir das competências para aprender e ensinar e na
organização do conhecimento por eixos temáticos dentro do que propõe as diretrizes
curriculares para os cursos de licenciatura. Mas apenas essas características seriam
necessárias para abarcar toda a complexa discussão que envolve a temática,
caracterizando assim um currículo desta natureza como rizomático?
O aprofundamento desta temática torna-se necessária mais adiante para se traçar
um esboço mais acertivo e coerente com a realidade evidenciada. Para falarmos de
rizoma e sobretudo de rizoma na educação, necessitamos recorrer à obra de Deleuze e
Guattari (1995) e as contribuições imprescindíveis de Gallo (2003), a fim de
compreendermos melhor a questão. Estes teóricos, são respectivamente os criadores
dessa ideia de rizoma, mais precisamente dentro do universo da filosofia, pois não
foram os responsáveis por uma análise educacional de rizoma voltado à educação,
muito menos a de currículo, mas sua teoria pôde ser apropriada para as realidades
educacionais e para uma discussão interdisciplinar de currículo, abordando questões
bastante relevantes do ponto de vista de uma espistomologia para uma educação
curricular, feita com tanta propriedade pelo segundo teórico.

3
Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação, 2004. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf. Acesso em: 15/03/2013 às 10h51.
Gallo (2003) chama a atenção para a excessiva compartimentalização do
conhecimento no ensino na atualidade. Para ele, a organização curricular atual tem
proporcionado uma visão da realidade estanque, sem interconexão, isto tem dificultado
a compreensão do conhecimento com um todo integrado, como parte de um conjunto de
saberes produzidos pela humanidade. Propõe se pensar a educação pautada e organizada
em disciplinas de modo que o currículo permita a integração entre elas, a fim de
favorecer a compreensão da totalidade dos saberes produzidos pela humanidade
historicamente. Não crê que o prolema da discplinarização seja algo estritamente
pedagógico, apontando caminhos para uma discussão de uma epistemologia do
currículo para compreendermos tal complexidade.
Este teórico se vale discussões de Deleuze & Guattari (1995), utilizando a
metáfora da ‘árvore do saber’ para explicar como a ciência se estrutura e como o
conhecimento, tal qual o conhecemos está organizado a partir dessa concepção, onde o
tronco seria a prórpia filosofia e as outras ciências seriam as ramificações. Mas para ele,
não há, neste caso, o processo de integração dos saberes e do conhecimento, uma vez
que as ciências, apesar de se relacionarem-se todas com seu ‘tronco comum’, não
consigam se relacionar umas com as outras no contexto do paradigma em questão.
Trata-se do paradigma arborescente que implica na hierarquização do saber.
Deleuze & Guattari (1995), acreditavam que o conhecimento não pode ser estruturado,
entendido e organizado como uma árvore nos moldes da ciência moderna.
Apresentaram a ideia de rizoma para combater a compartimentalização do
conhecimento, acreditando que os saberes são adquiridos de maneira mais complexas e
menos hierarquizadas como se pensava até então. O rizoma como um emaranhado de
coisas, de possiblidades, de caminhos e de interconexões seria o oposto às formas
tradicionais de construção do conhecimento. Para eles:

O rizoma nele mesmo, tem forma muito diversas, desde sua extensão
superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em
bulbos e tubérculos. Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os
outros. (...) Um rizoma não cessaria de concectar cadeias semióticas,
organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências,
às lutas sociais (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p. 22-23).
Gallo ajuda-nos a compreender melhor a questão, afirmando que a imagem do
rizoma se difere da árvore pois não se presta nema a uma hierarquização nem a ser
tomada como um paradigma, porque não existe um rizoma, mas rizomas. Contrapõe o
paradigma, que é fechado, que paralisa o pensamento, o rizoma que está sempre aberto,
fazendo proliferar o pensamento. Deleuze & Guattari adotam seis princípios básicos que
regem o rizoma, dentre eles, destaca-se o princípio da multiplicidade. Segundo os
autores, as multiplicidades são rizomáticas, o que inevitavelmente acaba por evidenciar
uma pseudo-multiplicidade do paradigma arborescente (1995, p.23). “No rizoma são
mútliplas as linhas de fuga e portanto múltiplas as possibilidades de conexões,
aproximações, cortes, percepções etc.” (GALLO, 2003, p.95). É nesta busca e nestas
conexões, nestas formas de trânsito que podemos falar em transdisciplinaridade.
Diante das discussões aqui expostas é possível relacionar ou mesmo afirmar que
o currículo de Geografia da UNEB é rizomático ou apenas apresenta pressupostos e
açgumas características desta concepção, estando pautado muito mais nos moldes do
paradigma arborescente da ciência tradicional? Ainda é cedo para encontrar respostas
para todas estas indagações, mas uma coisa é clara e evidente até aqui: este currículo se
difere dos currículos anteriores, tanto no que diz respeito ao seu constructo teórico-
epistemológico quanto nas suas características estruturais. Se ele pode ser considerado
um currículo rizomática, ainda não podemos afirmar com toda veemência pelo pouco
tempo de aprofundamento da pesquisa. O importante é pensar como esta proposta de
reforma tem contribuído para a formação docente, para atender às demandas da própria
universidade, evidenciando os conflitos, os dabates, a retórica acerca de um projeto que
consiga dar conta dos anseios da comunidade acadêmica.

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A presente pesquisa não busca necessariamente apresentar um receituário para


resolver os problemas que por ventura sejam detectados no currículo do curso de
geografia e o seu comprometimento para formação dos professores dessa área. Nossa
preocupação maior é a de analisar, no âmbito da universidade, as características
principais desse modelo de currículo, suas bases político-filosóficas e sua aplicabilidade
nos departamentos da UNEB que possuem o curso de licenciatura em geografia.
Portanto, o principal resultado esperado é uma visão ampla e clara desse projeto
recentemente implantado, as possíveis fissuras, fragilidades pedagógicas, no que tange
ao conhecimento específico da geografia, bem como as experiências que vem dando
certo, principalmente quando nos referimos à tríade: ensino, pesquisa e extensão. Neste
sentido, o olhar aguçado e imparcial do pesquisador se faz necessário para o sucesso dos
resultados pretendidos.

4. BIBLIOGRAFIA

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currículo nacional? In: MOREIRA, A. F. B; SILVA, T. T. (orgs.). Currículo, cultura e
sociedade. – 8. ed. – São Paulo, Cortez, 2005, p. 59-91.
CALLAI, Helena Copetti. A formação do profissional de geografia. - Ijuí: Ed. Unijuí,
2003.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol.
1. – São Paulo: Ed. 34, 1995.
GALLO, Silvio. Deleuze & a educação. – Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
GIROUX, A. H; McLAREN, P. Formação do professor como uma contra-esfera
pública: a pedagogia radical como uma forma de política cultural. In: MOREIRA,
A. F. B; SILVA, T. T. (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. – 8. ed. – São Paulo,
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GRAMACHO, M. H. Currículo de licenciatura em geografia: horizonte de
possibilidades concretas ou de submissão. In: TRINDADE, G. A; CHIAPETTI, R. J.
N. (orgs.). Discutindo geografia: doze razões para se (re)pensar a formação do
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MOREIRA, A. F. B; SILVA, T. T. (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. – 8. ed. –
São Paulo: Cortez, 2005, p. 7-37.
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SP: Papirus, 1997.
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conteúdo/médico no processo pedagógico. – 4. ed. rev. e ampl. – Campinas, SP:
Autores Associados, 2003.

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