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Teorias da

Aprendizagem
Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Teorias Contemporâneas
da Aprendizagem

• Aprendizagem no Século XXI;


• Aprendizagem ao Longo da Vida;
• Aprendizagem Social e Emocional;
• Aprendizagem Baseada em Problemas;
• Conexionismo e Redes Neurais;
• Conectivismo.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Apresentar e discutir os principais modelos e teorias sobre a aprendizagem humana desde
a década de 1990 até os dias atuais;
• Apresentar suas implicações e perspectivas futuras.
UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Aprendizagem no Século XXI


No século XXI, as tecnologias são cada vez mais avançadas e efêmeras. Em um
dia se compra um celular de última geração, e no outro já é possível que esse esteja
ultrapassado por um novo com muitos outros recursos inovadores. O mundo muda
muito rapidamente e mudam também as nossas formas de aprender e consumir
informações. Com recursos como a internet, consumimos informações com muito
mais agilidade e excesso do que em qualquer outro período da história. O mundo
está interconectado e eventos que acontecem em qualquer lugar do mundo são
imediatamente transmitidos, de modo que a informação chega e se modifica em
tempo real.

Pense em um homem que vivia no Brasil no século XVIII, sua vida era limitada
ao trabalho, provavelmente no campo, não frequentava escolas, não tinha e-mails,
televisão, celular, internet, rádio ou telefone. As informações que ele tinha acesso
depois da escola, se tivesse a sorte de ter frequentado alguma, eram normalmente
por conversas com outras pessoas ou nas missas nas igrejas. O conhecimento de que
ele dispunha era suficiente para se manter vivo, fazer seu trabalho, ganhar dinheiro,
se sustentar e cuidar da família. Um adolescente e até mesmo uma criança, naquela
época, já poderiam ter praticamente todo o conhecimento necessário para uma vida
típica e sem muitas inovações.

No século XXI, a vida é muito diferente. Ter um emprego as vezes não é o sufi-
ciente e muitas pessoas acabam tendo uma, duas, três ou quatro profissões diferentes.
Você mesmo pode ter mais de um emprego e ainda que já tenha finalizado seus es-
tudos na escola, está agora fazendo este curso. Ter uma profissão já não é mais algo
para a vida toda. Um carpinteiro sabia que seria carpinteiro até seus últimos dias e
talvez seu filho também, e assim por diante. Da mesma forma, um médico sabia que
seria médico até seus últimos dias e seus filhos provavelmente também. As profissões
eram vocações e duravam a vida toda. Hoje não mais, hoje um psicólogo pode ser
professor, psicólogo e ainda ter um canal no YouTube, por exemplo.

Nosso tempo é marcado por mudanças e incertezas constantes, o mundo e o


conhecimento são acessíveis e modificáveis de uma maneira que não ocorria há algu-
mas décadas. Nesse sentido, se convencionou usar a expressão mundo VUCA, para
se referir a essas características do mundo no século XXI. VUCA é um acrônimo em
inglês de Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexida-
de) e Ambiguity (Ambiguidade). A ideia de volatilidade se refere à velocidade, pois
tudo muda rapidamente atualmente. Incerteza se refere ao estado de constante mu-
dança das coisas, nada é permanente. Complexidade se refere ao fato de que mesmo
coisas que parecem simples são muito complexas e envolvem diferentes fatores, por
exemplo, a decisão de comer ou não carne envolve mais do que uma decisão pes-
soal, envolve questões políticas, filosóficas, nutricionais etc. Por fim, a ambiguidade
é uma consequência das características anteriores, vivemos em um contexto no qual
não existem respostas corretas, às vezes duas respostas contraditórias podem ser
válidas dependendo das argumentações (BIDARRA, 2019).

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A ideia do mundo VUCA reúne as principais características que definem o mun-
do em que vivemos no século XXI, um tempo marcado por mudanças constantes,
rápidas, e por incertezas. Originalmente, esse conceito foi empregado pelo exército
norte-americano, na década de 1990, para se referir a possíveis contextos de guerra.
Depois do atentado ao World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro
de 2001, esse termo passou a ser utilizado não apenas para cenários de guerra,
mas para definir toda a nossa sociedade. Em sociologia, o teórico polonês Zygmunt
Bauman (1925-2017) discutiu essas características da sociedade em nossos tempos,
empregando o termo “modernidade líquida”. Segundo ele, em nossa sociedade
atual, não temos mais certezas, pois tudo muda e tudo pode mudar a todo momento.

Café Filosófico sobre Bauman: diálogo da segurança e do efêmero, com Leandro Karnal.
Disponível em: https://youtu.be/LoxeltkRspY

Essa contextualização inicial serve para introduzirmos as mudanças que ocorrem


também nas teorias sobre a aprendizagem no século XXI. Nesta Unidade, discuti-
remos o que denominamos de teorias contemporâneas da aprendizagem. Definir o
que é contemporâneo não é tão simples quanto parece, não estamos falando apenas
de teorias que surgiram nos últimos meses ou anos, mas sim que compartilham de
certas características que são comuns às nossas sociedades nos dias atuais. Algumas
das teorias contemporâneas que discutiremos podem ter suas origens nas décadas de
1970 e 1980, mas elas ganharam mais força a partir da década de 1990, em que se
intensificaram as características que introduzem o século XXI, como os avanços das
tecnologias digitais e da internet.
Assim, para pensarmos no que é contemporâneo hoje, precisamos pensar em
como é a vida ao nosso redor. Quais são as principais características da contempora-
neidade? O que você efetivamente precisa aprender hoje? O que você aprende hoje
será sempre verdade? Será melhor do que o que se aprendia antes? Alguns de nós
nascemos na época em que Plutão era um planeta, e agora não é mais. Será que
continuaremos a mudar o que acreditamos ser verdade? Embora seja difícil respon-
der a essas questões, podemos com certeza afirmar que uma característica essencial
da contemporaneamente é que o conhecimento ou a verdade mudam muito rapida-
mente e, em uma velocidade que, muitas vezes, é difícil de acompanhar.
Será importante hoje que as crianças aprendam datilografia? Será importante me-
morizar datas e fatos quando se pode consultar a internet? Será importante saber para
que serve um cadeado para telefone ou uma ficha telefônica? Será importante saber o
que é um pager ou um telégrafo? Espero que você não precise consultar um volume
da Britânica ou da Barsa para saber o que são algumas dessas coisas, mas certamente
você poderá consultar o querido e indispensável Google. Para pensar em aprendi-
zagem no século XXI, precisamos pensar em como vivemos neste século. O que é
necessário aprender para viver no século XXI e para planejar o século XXII? Não é
necessário que aprendamos tudo o que a humanidade já desenvolveu ao longo de
toda a história, mas sim aquilo que será útil para esses novos tempos. Tempos incer-
tos e repletos de mudanças.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

“Uma teoria da aprendizagem para o futuro deve defender o ensino de uma prontidão para
responder, de maneira criativa, à diferença e à alteridade. Isso inclui a capacidade de agir
imaginativamente em situações de incerteza (ELKJAER, 2013, p. 91).”. Qual é a importância
do estudo da aprendizagem no século XXI? Nossas escolas e universidades estão formando
alunos para o século XXI? O que é preciso mudar?

Aprendizagem ao Longo da Vida


As teorias contemporâneas da aprendizagem têm como característica principal a
consideração desse contexto incerto, cheio de mudanças e tecnologias em que vive-
mos e que, portanto, deve considerar também as novas evidências científicas de que
dispomos sobre os processos cognitivos e mecanismos cerebrais envolvidos na apren-
dizagem. Muitas das teorias que já discutimos foram criadas antes que tivéssemos o
primeiro computador pessoal e a internet. Aquelas teorias foram feitas antes de o
homem ter ido à Lua e antes mesmo de que pudéssemos entender melhor o nosso
próprio cérebro. Não significa que hoje saibamos sobre todo o cérebro humano, mas
sabemos muitas coisas que foram descobertas, principalmente a partir da década de
1990, a chamada década do cérebro (RIBEIRO, 2013). Naquele período, o aumento
nos investimentos em pesquisas e os avanços na qualidade dos recursos tecnológi-
cos, como as técnicas de imagens, permitiram muitos avanços em neurociências.
Ainda há muito a descobrir, mas já sabemos muito sobre como ocorre a aprendiza-
gem em nosso cérebro.

De lá para cá, a vida mudou muito, o mundo se transformou e as tecnolo-


gias avançaram muito. Vivemos tempos líquidos, como afirma o filósofo Bauman
(2007), porque nada é feito para durar, tudo muda tão rapidamente que não temos
mais as certezas que nossos antepassados tinham sobre a vida. Se antes nossos
antepassados tinham a certeza da profissão para a vida toda, hoje não sabemos
como será o amanhã. A Modernidade é marcada por essas mudanças constantes.
No minuto em que nos acostumamos com uma tecnologia, surge uma nova e a
substitui. E assim também são substituídos empregos, profissões e tudo o mais.
Não basta mais apenas aprender no século XXI, é preciso aprender a aprender, e
aprender a mudar quando necessário.

Não podemos nos enganar e pensar que isso significa que não há mais regras,
fatos, ou que não devemos considerar o que já foi feito. Precisamos sim considerar
tudo o que já foi produzido, e criticamente analisar o que ainda é possível ser uti-
lizado hoje, o que podemos mudar, o que será necessário para lidar com o hoje e
enfrentar o futuro. Também não podemos pensar que as teorias clássicas da apren-
dizagem estavam completamente erradas e não tenham mais nenhuma validade.
Pelo contrário, elas continuam sendo muito importantes e são a base de muitas das
teorias contemporâneas. A diferença essencial entre elas é a contextualização e per-
tinência aos problemas e evidências contemporâneos.

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Nesse sentido, pensar sobre a aprendizagem hoje não pode ser apenas pensar em
aprendizagem como aquisição de conhecimentos. O conhecimento está disponível em
todos os lugares e vai se modificando o tempo todo. Hoje é preciso aprender como
continuar aprendendo e se atualizar continuamente. É preciso que possamos aprender
como localizar as melhores informações, distinguir entre o que é certo e o que não é. Ao
invés de apenas aprender fatos, é cada vez mais importante hoje aprender como localizar
esses fatos e pensar criticamente sobre eles. Não basta mais apenas aprender na escola o
que o professor diz e levar isso para toda vida. Precisamos aprender que a aprendizagem
continua por toda a vida e o que considerávamos como fato pode se modificar também.
Assim, é importante frisar que muitas das teorias clássicas tratavam mais da apren-
dizagem na infância e no período de escolarização. Nas teorias contemporâneas,
vamos pensar na aprendizagem ao longo da vida, no que é preciso aprender além
do que tradicionalmente aprendíamos nas escolas, o que será necessário para o
mercado de trabalho e a vida, em um futuro cada vez mais incerto. Como dito ante-
riormente, não aprendemos apenas na escola, mas sim em todos os lugares. Agora é
preciso enfatizar que não aprendemos também apenas durante o período da escola,
mas sim o tempo todo. E o que aprendemos, ou devemos aprender, pode mudar
sempre. As aprendizagens são duradouras, mas não são imutáveis. Nós podemos e
devemos mudar sempre que necessário.
No século XXI, é preciso estar preparado para se adaptar às mudanças e a esse
ritmo acelerado de obtenção de informações. Não basta mais ter feito um curso de
Office 98 para estar apto para o mercado de trabalho hoje se vão te exigir conheci-
mentos do Office 365 e sabe-se lá qual versão eles irão inventar em um futuro breve.
É por isso que a principal ideia que se discute nos dias atuais é a de um conceito que
surgiu na Europa ainda na década de 1970, mas se popularizou nos anos 1990: a
ideia de aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning). Entender a aprendiza-
gem ao longo da vida é pensar em uma educação que transcende os limites de ins-
tituições, idade e nível social, e que, portanto, deve ocorrer o tempo todo, de forma
perene, contínua (LONDON, 2011).
A ideia é superar visões anteriores que entendiam a aprendizagem como um pro-
cesso focal de aquisição de conhecimentos, expandindo a noção para a aprendiza-
gem contínua que engloba outros fatores que não apenas os cognitivos. Segundo
Jacques Delors, no relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, da Unesco
(1998), esse conceito de educação ou aprendizagem ao longo da vida é a chave que
abre as portas do século XXI, pois elimina a distinção tradicional entre a educação
formal inicial e a educação permanente (ou continuada). Delors enfatiza a importân-
cia da articulação de quatro pilares da educação para o século XXI que, segundo ele,
não estavam recebendo a mesma atenção no século XX, com a prevalência dos dois
primeiros sobre os dois últimos. Os quatro pilares são:
• Aprender a conhecer: é o processo de aquisição de saberes, o prazer de com-
preender, construir e reconstruir o conhecimento. Inclui também a capacidade
de aprender a pensar e não apenas reproduzir um pensamento.
• Aprender a fazer: é o processo de aprender habilidades e competências, saber
lidar com desafios e criar soluções para eles. Inclui também habilidades de boa
comunicação e relação interpessoal.

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• Aprender a conviver: inclui à capacidade das pessoas de compreender o outro,


de estabelecer vínculos sociais e gerenciar os conflitos.
• Aprender a ser: inclui o desenvolvimento integral da pessoa, de modo que ela possa
agir com cada vez mais autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal.
A proposta de Delors é que, ao se privilegiar de modo equilibrado todos os qua-
tro pilares do conhecimentos, não apenas o aprender a saber e o aprender a fazer,
se possa contribuir para o desenvolvimento integral da pessoa – espírito e corpo,
inteligência, sensibilidade, sentido estético, pensamento crítico, responsabilidade
pessoal e espiritualidade (DELORS, 1998). A Educação, no século XXI, precisa
se adequar a esse modelo que considera que o currículo deve ser suficientemente
flexível e abrangente para considerar as diferentes realidades socioculturais, antro-
pológicas, éticas, legais, dentre outras. Não basta apenas ensinar conhecimentos e
habilidades, mas sim competências para lidar com situações diversas em um mundo
que se transforma constantemente.
O termo competência tem sido definido de diversas maneiras, em síntese, é o
conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que o indivíduo detém para exe-
cutar uma determinada atividade com nível superior de desempenho. Esse conceito
foi inicialmente discutido pelo psicólogo Robert White (1959), que entendia compe-
tência como a capacidade de lidar com o meio ambiente, e que essa capacidade seria
desenvolvida em um processo exploratório e de aprendizado, envolvendo também
sentimentos e crenças. Mas foi no final dos anos 1990, nos EUA e na Europa, que a
ideia de educação por competências ganhou mais força. No Brasil, a palavra compe-
tências surgiu já em 1996, com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (LDB), que determina a criação de competências e diretrizes para o
ensino nacional. A ideia era que se considerasse não apenas o conhecimento teórico,
mas também a capacidade de interpretar e tentar solucionar problemas reais. Mais
recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também orienta os
currículos nacionais para a utilização do ensino por competências para o desenvol-
vimento educacional integral.
Nesse mesmo sentido, as teorias da aprendizagem também têm se modificado
no século XXI. Desde os anos 1970, notamos uma mudança progressiva na forma
como se produziam as teorias sobre a aprendizagem. As grandes abordagens teóri-
cas clássicas que apresentavam explicações gerais sobre a aprendizagem cederam
cada vez mais lugar para as teorias específicas que versam sobre a aprendizagem de
habilidades e competências. Já sabemos que essas macroteorias mais gerais foram
paulatinamente sendo substituídas por microteorias mais específicas. Isso não signi-
fica que as macroteorias não sejam mais estudadas, mas que elas servem como um
grande framework, uma moldura ou pano de fundo, para as novas microteorias.
Outra mudança importante é que as grandes teorias do século XX tratavam princi-
palmente da aprendizagem de crianças dentro e fora das escolas. Teóricos do desen-
volvimento como Piaget e Wallon descreviam especificamente como as crianças pro-
gridem por meio de diferentes estágios que abarcam do nascimento até a adolescência.
Desde os anos 1970, começamos a pensar na aprendizagem que vai além da infância,
justamente pensando nas características da aprendizagem ao longo da vida.

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Erik Erikson (1902-1994), por exemplo, criou a teoria psicossocial do desenvol-
vimento, de matriz psicanalítica, na qual descreve oito estágios do desenvolvimento,
que vão desde o nascimento até a morte. Os quatro primeiros estágios cobrem do
nascimento até a infância, o quinto estágio se refere à adolescência, enquanto os
três últimos apresentam as características de adultos até a velhice. Em cada estágio,
Erikson (1998) descreve as crises psicossociais que caracterizam cada um deles,
por exemplo, discutindo como na fase adulta há uma necessidade de se pensar
na profissionalização e na produtividade. A discussão sobre as especificidades da
aprendizagem de adultos, portanto, é mais recente, e normalmente está atrelada à
profissionalização e ao mercado de trabalho.
Malcolm Knowles (1913-1997), por exemplo, ainda nos anos 1970, também apro-
fundou os estudos sobre a aprendizagem de adultos utilizando o termo andragogia
no sentido de educação de adultos, em oposição à pedagogia, como o estudo da
educação de crianças. Ele destacou diferenças importantes na forma como adultos
aprendem de maneira distinta das crianças. Os adultos, normalmente, precisam en-
contrar utilidade no que será aprendido, relacionando com as situações reais do seu
cotidiano. Eles aprendem melhor quando os conceitos são apresentados de forma
contextualizada e com alguma utilidade prática, em geral, relacionada à sua profis-
são. Além disso, adultos são responsáveis por suas escolhas e, portanto, precisam
participar do processo de decisão sobre o quê e como aprender, para que a motiva-
ção seja intrínseca. É importante também considerar que os adultos já acumularam
muitas vivências e conhecimentos prévios que devem ser reconhecidos e valorizados
para que se possam introduzir conhecimentos novos (KNOWLES, 1970).
Segundo London (2011), as teorias da aprendizagem contemporâneas, de modo
geral, consideram sempre o paradigma de aprendizagem ao longo da vida. Esse
conceito está muito relacionado com a ideia de aprendizagem de adultos e de edu-
cação para o mercado de trabalho, devendo também ser entendido no sentido de
que aprendemos e continuaremos aprendendo desde a infância até a nossa morte.
A aprendizagem ao longo da vida deve ser entendida como a maneira pela qual in-
divíduos ou grupos adquirem, interpretam, reorganizam, mudam ou assimilam um
conjunto de informações, habilidades, competências e sentimentos ao longo de toda
a vida; é o desenvolvimento contínuo de conhecimentos e habilidades que as pessoas
experimentam após a educação formal e ao longo de suas vidas. A premissa dessa
perspectiva é a de que não é viável equipar os alunos nas escolas ou faculdades com
todo o conhecimento e habilidades que serão importantes para que prosperem ao
longo da vida. Assim, é necessário que as pessoas continuem a buscar novas apren-
dizagens e a aprimorar seus conhecimentos e habilidades para lidar com os desafios
que o mundo impõe.

A aprendizagem ao longo da vida requer a capacidade de aprender com as expe-


riências de vida. Por isso, uma das teorias que se destacam dentro dessa abordagem
é a Teoria da Aprendizagem Experiencial, desenvolvida por David Kolb (nascido
em 1939), desde a década de 1970. Essa teoria é baseada nos trabalhos de grandes
teóricos do século XX, como William James, John Dewey, Kurt Lewin, Jean Piaget,
Lev Vygotsky, Carl Jung, Paulo Freire, Carl Rogers, e outros. A proposta de Kolb

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também considera um equilíbrio entre a aprendizagem afetiva (emocional), compor-


tamental e cognitiva, o que é fundamental para as concepções contemporâneas de
aprendizagem. A experiência, nessa perspectiva, não é o conhecimento, mas sim a
base para a criação do conhecimento (ELKJAER, 2013).
A teoria da aprendizagem experiencial é holística, e define a aprendizagem como
o principal processo de adaptação humana envolvendo a pessoa como um todo.
Kolb considera que a aprendizagem é o processo pelo qual o conhecimento é criado
pela transformação da experiência. Dessa forma, ela se aplica não apenas na sala
de aula de educação formal, mas em todas as áreas da vida. O processo de aprender
com a experiência é onipresente, pois está presente na atividade humana em todos
os lugares e o tempo todo. A natureza holística do processo de aprendizagem signi-
fica que ele opera em todos os níveis da sociedade humana, desde o indivíduo aos
grupos, às organizações e à sociedade como um todo.
Kolb (1984) propôs que o processo de aprendizagem tem um ciclo contínuo de
quatro estágios: Experiência Concreta (agir), Observação Reflexiva (refletir), Concei-
tualização Abstrata (Conceitualizar) e Experimentação Ativa (aplicar). Segundo Kolb,
a aprendizagem pode começar por qualquer um desses estágios (Ver Figura 1), mas,
em síntese, podemos exemplificar que o ciclo de aprendizagem começa quando um
indivíduo se envolve em uma atividade; ele reflete sobre a sua experiência; e então
deduz o significado dessa reflexão; por fim, ele coloca em ação a percepção recém-
-adquirida por meio da modificação de um comportamento ou atitude. Sendo que
sempre será possível rever aquilo que já foi aprendido. Assim, para Kolb, o aprender,
em uma visão holística integrativa, combina a experiência, a percepção, a cognição
e o comportamento.

Testar implicações
de conceitos em Experiência
situações novas concreta

Formação de Observações e
conceitos abstratos reflexões
e generalizações
Figura 1 – Representação do ciclo de aprendizagem
Fonte: KOLB, 1984, p 21

Aprendizagem Social e Emocional


Além da perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, as abordagens contem-
porâneas da aprendizagem também têm enfatizado a importância da aprendizagem

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social e emocional ou da aprendizagem socioemocional. Como já mencionado
anteriormente, as abordagens teóricas no século XXI não são tão demarcadas quanto
eram as teorias do século XX. Abordagens como o behaviorismo, cognitivismo e
o construtivismo possuíam contornos mais delimitados, e mesmo quando teóricos
compartilhavam algumas ideias de diferentes abordagens, ainda assim era possível
classificar as suas teorias em uma ou outra abordagem. Esses limites têm sido cada
vez mais tênues, e atualmente os teóricos acabam transitando entre diferentes abor-
dagens, defendendo premissas gerais e outras específicas.

Saiba mais sobre algumas teorias contemporâneas da aprendizagem no livro de ILLERIS, K.


Teorias Contemporâneas da Aprendizagem. Porto Alegre: Penso, 2013.

Assim, os teóricos que defendem a importância da aprendizagem socioemocional


partem da premissa principal de que aprendemos através da interação com os ou-
tros; e não aprendemos apenas aspectos cognitivos, mas também aspectos afetivos e
volitivos. Essas ideias não são negadas por outros teóricos, como os que discutem a
importância da aprendizagem ao longo da vida, mas são, na verdade, ideias comple-
mentares, como na proposta de Kolb. Além disso, teóricos como Vygotsky, Bruner
e Bandura já haviam discutido, no século XX, sobre a importância das interações
sociais para a aprendizagem. Wallon e Rogers, por outro lado, também valorizavam
a aprendizagem da pessoa integral, incluindo não apenas cognição, mas emoção e
motivação. Ainda que, de modo geral, dava-se maior ênfase para os aspectos cogni-
tivos envolvidos na aprendizagem nas teorias clássicas.

Ao longo das últimas décadas, as escolas foram cada vez mais sendo requisitadas a
cumprir funções que vão além da ideia de apenas transmitir todo o saber culturalmente
acumulado e selecionado. As escolas passaram a ser entendidas como um espaço
de socialização, em que se deve promover de forma explícita os aspectos sociais e
emocionais do desenvolvimento de crianças e adolescentes. Assim, a aprendizagem
social e emocional foi ganhando cada vez mais interesse e espaço por sua potencial
contribuição para o desenvolvimento integral dos aprendizes, e pela necessidade de
que essas habilidades sejam utilizadas em um mundo VUCA. Como já discutimos,
hoje não basta mais apenas aprender a saber e aprender a fazer, mas também é
necessário aprender a conviver e aprender a ser, o que depende em grande parte de
habilidades socioemocionais (COSTA & FARIA, 2013).

As pesquisas mais recentes indicam que o desenvolvimento de competências socio-


emocionais das crianças é um fator crucial para o seu sucesso dentro e fora das escolas
(COLAGROSSI & VASSIMON, 2017). A aprendizagem social e emocional deve ser
entendida como um processo por meio do qual o aprendiz desenvolve a sua capacidade
de integrar o pensamento, a emoção e o comportamento para lidar com tarefas sociais
importantes em um mundo em constante transformação. Nesse sentido, a educação
não deve focar mais apenas em ensinar fatos e conhecimentos acadêmicos (cogniti-
vos), mas também em promover o desenvolvimento de competências (interpessoais)
que permitam aos alunos estabelecerem relações saudáveis, objetivos positivos e dar

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respostas adequadas às necessidades pessoais e sociais (Collaborative for Academic,


Social, and Emotional Learning – CASEL, 2005).

Dentre as diversas competências relevantes da aprendizagem social e emocional ou


socioemocional, destacam-se particularmente a autoconsciência, o autocontrole,
a consciência social, as competências de relacionamento interpessoal, e a to-
mada de decisão responsável (CASEL, 2005). Em síntese, essas competências
incluem a capacidade de as crianças entenderem as suas próprias emoções, apren-
derem a focar a atenção e a relacionarem-se bem com os outros, demonstrando em-
patia. Essas competências, por sua vez, devem potencializar um melhor ajustamento
e desempenho acadêmico, refletindo em comportamentos sociais mais positivos,
diminuição de problemas comportamentais e de estresse emocional, e melhores re-
sultados em avaliações e testes, de tal modo que, em última instância, essa visão ca-
pacita os alunos a se tornarem mais informados, responsáveis, empáticos, produtivos
e ativos na sociedade, promovendo a participação ativa na sociedade e a cidadania.

A aprendizagem socioemocional já havia sido estudada desde o início do século


XX. Piaget e Vygotsky, por exemplo, fizeram muitos estudos discutindo os aspectos
sociais e emocionais envolvidos na aprendizagem, embora focassem mais no aspecto
cognitivo em suas teorias. Wallon talvez seja o principal teórico a discutir a importân-
cia de se considerar a visão integral da pessoa em seus processos de aprendizagem.
Contudo, o tema da aprendizagem socioemocional começou a ganhar força nos
anos 1990. Estudos, como os de Howard Gardner, sobre as inteligências múltiplas,
e de Daniel Goleman, sobre a inteligência emocional, enfatizaram a importância de
regular as emoções como um importante componente da inteligência. Em 2000, a
Unesco reconheceu os quatro pilares da educação no século XXI, conforme discuti-
do no relatório de Delors. Entre eles, está previsto o desenvolvimento de habilidades
sociais e emocionais dos alunos.

Essa abordagem é especialmente importante porque destaca que não apenas


aprendemos aspectos cognitivos que envolvem a memória, atenção e resolução de
problemas. Nós também aprendemos sobre sentimentos, valores, emoções e também
somos influenciados por essas aprendizagens. As crianças precisam aprender sobre os
sentimentos e suas emoções desde cedo. Precisam aprender a identificar e nomear es-
sas emoções, aprender a desenvolver a autoconfiança e autoeficácia. A aprendizagem
socioemocional também é conhecida por outros termos, por exemplo: educação
de caráter, habilidades do século XXI, habilidades não cognitivas, soft skills. Esses
termos se baseiam em propostas teóricas ligeiramente diferentes e em conjuntos de
dados de pesquisa distintos, mas apontam na mesma direção da importância dessas
habilidades (COLAGROSSI; VASSIMON, 2017).

Outro aspecto que muitas vezes negligenciamos nos processos de aprendizagem


são os aspectos relacionais ou sociais, já que não podemos nos esquecer de que
tipicamente nós aprendemos com os outros. Bandura já havia mostrado em sua
teoria da aprendizagem social que boa parte do comportamento é aprendida pela
observação e pela imitação de outros. Vygotsky e Bruner enfatizavam o papel das
relações sociais na aprendizagem. Aprender a se relacionar e conviver com outros

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é fundamental para uma vida plena e para o exercício da cidadania em sociedades
democráticas contemporâneas.

Nesse contexto, os trabalhos de Daniel Goleman (nascido em 1946) sobre a inteli-


gência emocional são particularmente interessantes por definirem essa como a com-
petência relacionada a lidar com as emoções. O que inclui as capacidades de percepção
das emoções, o raciocínio por meio das emoções, o entendimento ou compreensão das
emoções e o gerenciamento das emoções. Goleman aponta que gerenciar os sentimen-
tos de maneira eficaz é tão importante quanto a inteligência geral de que um indivíduo
dispõe para aprender. Assim, ele enfatiza o papel fundamental de cinco competências:
autoconsciência, como a capacidade de reconhecer as próprias emoções; autorregu-
lação, como a capacidade de lidar com as próprias emoções; automotivação, como
a capacidade de se motivar e de se manter motivado; empatia, como a capacidade
de enxergar as situações pelas perspectivas dos outros; e habilidades sociais, como
o conjunto de capacidades envolvidas na interação social (GOLEMAN, 1995). Essa
proposta enfatiza a necessidade de que ao tratarmos de aprendizagem não podemos
apenas pensar nos aspectos cognitivos, mas também nos socioemocionais e volitivos.

Aprendizagem Baseada em Problemas


No século XXI, as diferenças entre as abordagens teóricas da aprendizagem estão
cada vez mais diluídas, várias premissas são aceitas e compartilhadas entre as diferen-
tes proposições teóricas. A importância de aprender ao longo da vida e de aprender
as competências socioemocionais, por exemplo, são bastante aceitas por diferentes
pesquisadores, psicólogos e educadores. As questões que surgem, então, são: como
promover esse tipo de aprendizagem? Como fazer com essas ideias de fato sejam
articuladas e promovam melhorias na qualidade da aprendizagem?

Assim, surge a proposta da aprendizagem baseada em problemas (em inglês


Problem-Based Learning – PBL), uma proposta teórica e metodológica que come-
çou na década de 1960 em escolas de medicina no Canadá. Embora seja uma pro-
posta com mais de 50 anos, ela tem se popularizado cada vez mais nas últimas dé-
cadas, principalmente como uma metodologia adotada em universidades brasileiras.
A premissa da aprendizagem baseada em problemas é que o aprendiz sempre deve
ser considerado como ativo e deve poder aprender resolvendo problemas específicos
propostos pelos professores. Esses, por sua vez, funcionam como mediadores do
processo de aprendizagem, criando condições e orientando os alunos para melhores
estratégias de resolução de problemas.

Essa proposta, portanto, tem muita relação com a abordagem construtivista.


A interação entre professores e alunos é entendida como fundamental, pois a ênfase
está na construção cooperativa do conhecimento a partir da tentativa de resolução
do problema. A ideia não é a de resolver o problema em si, mas sim de explorar as
possíveis estratégias usadas pelos alunos para solucionar esse problema. A proposta
dessa metodologia é seguir um fluxo no qual se inicia por um problema específico e,

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com base em seus próprios conhecimentos, os alunos começam a buscar ideias para
solucionar esse problema.
Nesse sentido, os alunos podem decompor o problema, identificar relações, funções,
estruturas, e com o auxílio do professor podem refletir sobre as melhores estratégias, e
decidir o que será possível fazer para solucionar o problema. A aprendizagem acontece
como consequência de todo esse processo. Dessa forma, pode-se realizar estudos indi-
viduais, grupos de discussões e registros de todo o procedimento. Por fim, é necessário
avaliar o trabalho desenvolvido e os resultados obtidos que deverão ser apresentados
para que se possa analisar os processos (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Como você pode imaginar, essa proposta se assemelha mais a uma metodologia
de ensino do que a uma teoria da aprendizagem. Contudo, ainda podemos dizer que
se trata de uma teoria da aprendizagem, pois se propõe a explicar como ela ocorre
por meio das tentativas de encontrar soluções para uma determinada situação em
que se está enfrentando. A ideia é de uma relação dialética entre ensino e apren-
dizagem, portanto, ao falar de como aprendemos, também podemos efetivamente
descrever de que maneira é mais efetiva a aprendizagem.

A proposta da ABP é tornar o aluno capaz de construir a aprendizagem conceitu-


al, procedimental e atitudinal por meio de problemas propostos que o expõe a situ-
ações motivadoras e o prepara para o mundo de trabalho. A ABP é muito discutida
no contexto do Ensino Superior como uma metodologia de aprendizagem ativa em
universidades. Essa discussão é ainda mais importante ao se considerar o mercado de
trabalho cada vez mais globalizado e competitivo e as novas gerações de estudantes
jovens que têm ingressado na universidade (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Essa abordagem é identificada também como uma das metodologias ativas de


aprendizagem. O objetivo dessas técnicas é o de ressaltar o papel central dos alunos
em seu processo de aprendizagem, criando situações e problemas baseados em situa-
ções reais para que o aluno possa ativamente se engajar na resolução e ser o respon-
sável pela construção de conhecimento. Nesse sentido, a aprendizagem baseada em
problemas tem como objetivo principal fazer com que os alunos possam aprender
por meio da resolução colaborativa de problemas e desafios apresentados pelo pro-
fessor. Diante de um determinado problema, eles poderão se valer de diferentes es-
tratégias e recursos tecnológicos, ou não, para explorar a questão, buscar entender o
que pode ser feito e criar novo conhecimento. Os professores auxiliam mediando a
aprendizagem, promovendo discussões, questionamentos e reflexões, motivando os
alunos a encontrarem suas próprias soluções.

Ainda no enquadramento das metodologias ativas, podemos ter variações da


ABP, por exemplo, a aprendizagem baseada em projetos. A diferença é que nessa
perspectiva os alunos devem trabalhar juntos para construir um projeto colaborativo
(ex.: construir uma horta orgânica). Isso pode ser observado, por exemplo, em uma
tendência chamada de movimento maker, que poderia ser traduzido pela ideia de
“faça você mesmo”. Por exemplo, para estudar sobre a importância das alavancas
em física, pode-se propor que os alunos construam diferentes alavancas e testem a
eficiência, requisitos e conceitos envolvidos.

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Outra forma de metodologia ativa é a aprendizagem entre times (Team Based
Learning – TBL), na qual criam-se equipes ou times dentro de uma mesma tur-
ma enfatizando a necessidade do trabalho em conjunto dentro de um mesmo time.
Os diferentes times podem ser responsáveis por um determinado projeto, problema
ou estudo de caso, e juntos devem buscar maneiras de resolver essa situação e pro-
duzir conhecimento de forma colaborativa. Além de possibilitar que os alunos apren-
dam a saber e a fazer, esse tipo de metodologia favorece o aprender a conviver e o
aprender a ser, pois essas situações possibilitam que os alunos reflitam sobre suas
próprias características individuais e em grupos, seus pontos fortes e fracos, e como
eles interagem com respeito à diversidade dos outros membros de seus times.
A aprendizagem baseada em problemas, ou essa concepção geral de metodolo-
gias ativas ajudam a repensar as situações de aprendizagem buscando transformar as
experiências em salas de aulas e mesmo em outros ambientes em que se tenham si-
tuações de aprendizagem. Ela integra conceitos de abordagens clássicas como o cog-
nitivismo e o construtivismo, e enfatiza a aprendizagem ao longo da vida, incluindo
também não apenas os aspectos cognitivos, mas a aprendizagem social e emocional,
estimulando o desenvolvimento de autonomia, resolução de problemas, tomada de
decisão, liderança, confiança, empatia, senso crítico, responsabilidade e cooperação
(BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

Conexionismo e Redes Neurais


Entre os anos de 1950 e 1960, surgiu um movimento nos EUA que introduziu
uma nova forma de se pensar a mente. Esse movimento reuniu pesquisadores de di-
ferentes áreas do conhecimento, como a Filosofia, Antropologia, Linguística, Psico-
logia e a Neurociência que adotaram uma nova e promissora metáfora para estudar
o psiquismo humano: a metáfora computacional. A ideia básica é a de que a mente
processa informações assim como um computador. Esse movimento ficou conhecido
como Revolução Cognitiva, por resgatar a possibilidade de investigações científi-
cas sobre os fenômenos mentais, o que era contrário ao paradigma predominante
da abordagem behaviorista, que focava os estudos do comportamento observável.
Nesse sentido, essa revolução também é chamada de contrarrevolução, por ser con-
trária ao movimento behaviorista que já era uma revolução por ter mudado o foco
da Psicologia do estudo da consciência para o estudo do comportamento observável
(VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2007).
O modelo computacional foi paulatinamente se tornando predominante na Psico-
logia, ainda que os avanços nas pesquisas em neurociências e as críticas aos limites da
ideia de processamento da informação de modo linear e sequencial foram impulsio-
nando o surgimento de novos modelos teóricos. Assim, a partir da década de 1980,
observou-se a emergência de outros modelos explicativos sobre a mente, que não
estavam em plena concordância com a metáfora computacional. Podemos dizer que
se tratava de uma segunda revolução cognitiva. Esse movimento reivindicava a ne-
cessidade uma compreensão mais holística da cognição, levando-se em consideração
principalmente a sua interface com os fenômenos culturais.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Nesse espaço da segunda revolução cognitiva, ganham espaço os modelos co-


nexionistas, que apregoam que a mente não funciona por meio de um conjunto de
regras fixas e lineares como se pensava até então, pois na verdade eles enfatizam os
padrões de neuroconectividade em uma ampla rede. Para os conexionistas, as infor-
mações não são processadas de forma linear, o funcionamento cognitivo deve consi-
derar um paralelismo no processamento de informações. A principal mudança é que
os modelos cognitivistas originais retratavam os seres humanos como “armazéns”
de informações, em que a aprendizagem ocorria de modo linear como uma entrada
e uma saída (input-output). Contudo, o cérebro na verdade processa as informações
de modo paralelo e distribuído em uma ampla rede de neurônios.

Assim, até meados da década de 1980, podemos classificar as teorias cognitivas


da primeira revolução como abordagens do processamento de informações. O en-
foque era de que a informação que chega até nós por meio dos órgãos de sentido é
processada pela mente como um computador processa informações em uma modelo
linear e sequencial. Com os avanços nas pesquisas em Neurociências, a Psicologia
foi remodelando e repensando esse modelo de entendimento e desenvolvendo o que
Rumelhart e McClelland (1986) chamaram de modelo de Processamento Paralelo
e Distribuído (PPD). Esse modelo indica que todas as informações que chegam até
nós, e mesmo as informações de que já dispomos em nossas memórias, são armaze-
nadas de forma distribuída em redes de neurônios, e o processamento da informação
ocorre não de forma linear, mas sim de forma paralela, em que várias informações
são analisadas ao mesmo tempo e de forma distribuída, diferentes unidades proces-
sam informações em diferentes sinapses e neurônios (Ver Figura 2).

Hidden
Input
Output

Figura 2

Na figura, cada círculo representa uma unidade de processamento, um neu-


rônio, que irá processar parte das informações paralelamente a outros neu-
rônios, de modo que múltiplos neurônios contribuem para o resultado final.

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Essa visão recebeu também o nome de modelo conexionista. É importante frisar
que aqui conexões são entendidas como as sinapses entre os neurônios, diferente-
mente do que Thorndike postulou como modelo conexionista no começo do século
XX, em que as conexões eram as associações entre estímulos e respostas. Esses mo-
delos também são conhecidos como modelos de “redes neurais” porque se baseiam
na arquitetura do cérebro, representando a informação e os “estados mentais” por
padrões de atividade distribuídos por uma rede de unidades simples ao invés de por
estruturas simbólicas discretas como nos modelos computacionais. Os modelos co-
nexionistas são predominantes atualmente e explicam a aprendizagem de humanos,
animais e máquinas (LEFRANÇOIS, 2019).

Segundo o paradigma conexionista, a aprendizagem ocorre por meio do pro-


cessamento distribuído e paralelo feito por várias unidades simples (neurônios) que
compõem uma rede neural. Ao receber um estímulo qualquer, essa informação é pro-
cessada por essa ampla rede via conexões (sinapses) até que se encontre um estado
estável no qual a informação encontra-se processada, isto é, aprendida. Aprender,
portanto, modifica as redes neurais permitindo que em situações futuras o processa-
mento seja feito de forma mais eficiente. Os modelos conexionistas têm sido muito
empregados para o estudo da inteligência artificial, pois com base em modelos de
redes neurais artificiais é possível demonstrar como ocorrem fenômenos de apren-
dizagem, como a super-regularização de verbos. Uma criança pode falar “Eu fazo”
ou “Eu fizi” porque tenta conjugar verbos irregulares de forma regular, aplicando a
mesma regra geral aos verbos irregulares. Os modelos conexionistas são eficazes em
demonstrar como isso funciona mesmo em máquinas, repetindo o mesmo padrão
em computadores que após “aprenderem” a conjugação de verbos regulares e serem
solicitados a conjugar verbos irregulares cometem os mesmos erros infantis, o que é
explicado pelas formas de processamento da informação que são análogas.

Conectivismo
O Conectivismo é uma das teorias mais recente sobre a aprendizagem, conhecida
como uma teoria para a “Era Digital”. A proposta do conectivismo é que as tecnolo-
gias digitais reorganizaram a forma como vivemos, nos comunicamos e aprendemos
(SIEMENS, 2004). Por ser tão recente, essa proposta ainda é bastante limitada e
questionada por suas proposições. A ideia aqui de conectividade é semelhante à ideia
de conexão dos modelos conexionistas, mas com o foco na conectividade em redes
cibernéticas, isto é, o mundo interconectado pela internet.

Segundo Prensky (2001), no século XXI, coexistem nativos digitais e imigrantes


digitais. Os nativos digitais, isto é, os nascidos após a década de 1980 têm formas
diferentes de ser, agir e pensar do que aqueles que nasceram antes dessa época.
Os nativos digitais vivem em um mundo cercado por novas mídias como blogs e
redes sociais, e convivem com mudanças tecnológicas com muito mais facilidade do
que os imigrantes digitais. Essas mudanças impactam também na forma como os
alunos aprendem e se interessam pela aprendizagem. O professor, por outro lado,

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

precisa muitas vezes enfrentar essa situação na qual ele não é mais a única ou prin-
cipal fonte de saber. O que o professor diz pode ser rapidamente contraposto com
uma simples pesquisa no Google ou outro site de buscas.

Segundo Siemens (2004), a tecnologia reorganizou o modo como vivemos, como


nos comunicamos e como aprendemos no século XXI. A aprendizagem ocorre de
várias maneiras, com destaque para a aprendizagem informal por meio de comuni-
dades de prática, redes pessoais e também atividades relacionadas ao trabalho. Não é
incomum que alguém queira aprender um determinado conteúdo hoje e procure, por
exemplo, vídeos no YouTube ou fóruns na internet que explicam e apresentam tuto-
riais sobre como fazer. A aprendizagem ocorre de maneira facilitada por diversos re-
cursos tecnológicos e de acordo com aquilo que o aprendiz quer aprender. Se um vídeo
não está claro ou não é empolgante é só trocar para o próximo, e assim por diante.

A ideia do Conectivismo é de que a aprendizagem não é mais uma atividade interna


e individual. As novas ferramentas de aprendizagem e mudanças ambientais modifi-
cam as formas de aprender. Assim, a aprendizagem pode residir fora do indivíduo,
pode ocorrer em comunidades, e aprender pode ser inclusive essa própria participa-
ção em comunidades. Tudo está interconectado e, por isso, a ideia de conectividade
aparece aqui não como conexões de redes neurais, mas como conectividade entre
redes cibernéticas, e a aprendizagem consiste na capacidade de circular por essas
redes (SILVA, 2014).

As teorias behavioristas, cognitivistas e construtivistas foram criadas em uma época em


que as tecnologias digitais ainda não eram tão impactantes para o estudo da aprendi-
zagem. Desde os anos 1990, temos visto muitas mudanças importantes com a expan-
são da internet e a evolução das tecnologias digitais. Assim, George Siemens (2005) e
Stephen Downes (2010) propuseram o conectivismo como uma nova forma de conce-
ber a aprendizagem, buscando explicar como as tecnologias da Internet criaram novas
oportunidades para as pessoas aprenderem e compartilharem informações na World
Wide Web e entre si. Essas tecnologias incluem navegadores da Web, e-mail, wikis,
fóruns de discussão online, redes sociais, YouTube e qualquer outra ferramenta que
permita aos usuários aprenderem e compartilharem informações com outras pessoas.

Uma característica fundamental do conectivismo é a de que muita aprendizagem


pode acontecer em redes de pares que ocorrem online. Na aprendizagem conecti-
vista, um professor orienta os alunos quanto às informações e responde a pergun-
tas-chave conforme necessário, a fim de apoiar os alunos na aprendizagem e no
compartilhamento por conta própria. Os alunos também são incentivados a buscar
informações por conta própria, online, e expressar o que encontram. Além disso,
a interação propiciada pela internet permite uma modalidade de ensino a distância
mais dinâmica, que investe em novas formas de aquisição de conhecimento. Elas
ultrapassam a relação professor e aluno, e se estabelecem também na troca de ex-
periências e aprendizado colaborativo, princípios fundamentais para a premissa da
aprendizagem ao longo da vida em um mundo cada vez mais VUCA.

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Em Síntese
No século XXI, coexistem facilidades e dificuldades para a aprendizagem. Se por um lado
temos muitos recursos tecnológicos e abundante acesso a informações, por outro lado nem
sempre podemos confiar nessas informações e elas se modificam o tempo todo. As teorias
contemporâneas da aprendizagem não são tão delimitadas quanto no século XX, elas fo-
cam em aspectos fundamentais para a aprendizagem, como a necessidade de que se
entenda a aprendizagem ao longo da vida e não apenas os aspectos cognitivos inerentes
a essa aprendizagem.
Nesse sentido, o resgate dos aspectos socioemocionais é importante e ganha contor-
nos adicionais com as possibilidades de aprendizagem em comunidades, em redes na
internet. É fundamental que ao pensarmos em aprendizagem no século XXI pensemos
também em como está o nosso contexto, quais são as habilidades necessárias para viver
nesse momento histórico e o que será necessário para o futuro.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Tempos líquidos
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2007.
A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos sobre desenvolvimento profissional
PIMENTEL, A. A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos
sobre desenvolvimento profissional. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 12, n. 2, p.
159-168, Ago. 2007.
Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo
SILVA, E. M. O. Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo.
Revista intersaberes, v. 9, n. 17, p. 68-80, 2014.
Uma análise das duas revoluções cognitivas
VASCONCELLOS, S. J. L.; VASCONCELLOS, C. T. de D. V. Uma análise das duas
revoluções cognitivas. Psicol. estud., Maringá, v. 12, n. 2, p. 385-391, Ago. 2007.

 Filmes
O Substituto (Detachment)
Apesar do dom de se apegar aos alunos, Henry escolhe ser professor substituto
para manter distância, mas essa barreira fica prestes a ser rompida ao começar a
trabalhar numa problemática escola pública. Ano: 2011. Direção: Tony Kaye.
https://youtu.be/s8AXzFF-bgs

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Referências
BAUMAN, Z. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2007.

BIDARRA, I. D. G. da S. A transformação digital do ensino e aprendizagem: de-


safios para uma nova morfologia da escola. Tese de Doutoramento em Ciências
da Educação. Universidade Católica Portuguesa. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10400.14/28068>.

BOROCHOVICIUS, E.; TORTELLA, J. C. B. Aprendizagem Baseada em Proble-


mas: um método de ensino-aprendizagem e suas práticas educativas. Ensaio: aval.
pol.públ.Educ., Rio de Janeiro , v. 22, n. 83, p. 263-294, 2014.

COLAGROSSI, A. L. R.; VASSIMON, G. A aprendizagem socioemocional pode


transformar a educação infantil no Brasil. Revista Construção Psicopedagógica,
25 (26): 17-23, 2017.

COLLABORATIVE FOR ACADEMIC, SOCIAL, AND EMOTIONAL LEARNING


(CASEL). (2005). Safe and sound: An educational leader´s guide to evidence-based
social and emotional learning programs – Illinois edition, 2005.

COSTA, A.; FARIA, L. Aprendizagem social e emocional: Reflexões sobre a teoria


e a prática na escola portuguesa. Aná. Psicológica, Lisboa, v. 31, n. 4, p. 407-424,
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DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO


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ELKJAER, B. Pragmatismo: uma teoria da aprendizagem para o futuro. In: ILLERIS, K.


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ERIKSON, E. H. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. 82. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

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pedagogy. New York: Association Press, 1970.

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handbook of lifelong learning. Oxford: Oxford University Press, 2011.

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UNIDADE Teorias Contemporâneas da Aprendizagem

PIMENTEL, A. A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos sobre


desenvolvimento profissional. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 12, n. 2, p. 159-168,
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WHITE, R. W. Motivation reconsidered: the concept of competence. Psychological


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