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Colonialidade Do Ser e Sustentacao Do Racismo Entendimento A Luz de Nelson Maldonado Torres
Colonialidade Do Ser e Sustentacao Do Racismo Entendimento A Luz de Nelson Maldonado Torres
Cristina Borges
Universidade Estadual de Montes Claros;cristinaborgesgirasol@gmail.com
RESUMO
O termo colonialidade do ser foi usado inicialmente por Walter Mignolo (2003, 2014,)
mas, é Maldonado-Torres quem busca fundamentá-lo colocando inicialmente a seguinte per-
gunta: ¿qué es la colonialidad? Sua resposta parte da distinção entre colonialismo e coloniali-
dade. O primeiro, enquanto uma relação política e econômica na qual a soberania de um povo
está em poder de outro povo, relação que pode transformar o último em um império ou não. Já
a colonialidade se refere a um padrão de poder mundial resultante do colonialismo e que não se
restringe a uma relação formal ou institucional de poder, pois se refere à forma como trabalho,
conhecimento, autoridade e intersubjetividade articulam-se através do mercado, do capital e da
ideia de raça. Padrão de poder que está presente em livros didáticos, nos critérios dos trabalhos
acadêmicos, na cultura, na autoimagem dos povos, nas aspirações humanas, nas relações entre
homens e mulheres, entre mulheres brancas e mulheres negras e em tantas outras hierarquias
da vida moderna.
Não se pode vislumbrar a colonialidade como um resíduo cultural desconsiderando o
contexto social e histórico em que foi gestada: a conquista e invenção da América. Nesse perí-
odo histórico, o capitalismo inicial conjugou-se com as formas de dominação e subalternização
usadas pelos europeus para manter sujeitos dominados , bem como para justificar tal domina-
ção.
Considerando o século XVI colonialidade se refere aos dois principais eixos do poder 2262
3 Ele se refere ao longo tempo que se dedica a estuda profundamente o pensamento de Martin Heidegger.
que se operou no inicio da construção da América e inauguração da modernidade europeia: a
codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça e a nova es-
trutura de controle do trabalho e seus recursos. Estrutura que associou a raça ao trabalho e aos
papeis sociais. Segundo Maldonado-Torres (2007, p.131),
Modernidade, portanto, torna-se uma autonarrativa europeia que exalta a cultura branca
afirmada, durante todo o colonialismo, como superior às demais culturas do planeta. A narrativa
ganha amplitude com a supremacia técnica dos europeus e desenvolvimento de processos de se-
dução das outras culturas. Mesmo diante de culturas com técnicas equiparadas às suas, a cultura
europeia ganha notoriedade enquanto cultura ideal na medida em que os europeus se tornam
os gestores do capital mundial. Esse fruto da exploração da América e África: exploração de
recursos naturais, da força de trabalho humana, da subalternização e opressão de seus saberes e 2263
conhecimentos, bem como inibição de seus padrões de expressão. Isso mediante violência físi-
ca e simbólica, aspectos que somados à exploração constituem a colonialidade, a face antiética
da Modernidade.
Entre Modernidade e colonialidade estabelece-se a diferença colonial, ou seja, a di-
ferença racial - com seus desdobramentos - entre colonizadores e colonizados, diferença que
também, segundo Mignolo (2003) é imperial e caracteriza-se pela heterogeneidade colonial:
as múltiplas formas de sub-alterización articuladas e que tem como base a ideia de raça. Isso
significa que se desenvolveram formas de desumanização baseada na ideia raça.
Nelson Maldonado-Torres alerta para as mudanças nas maneiras de desumanizar o ou-
tro segundo o tempo e o lugar. Entretanto, uma característica permanece: o negro e o índio são
categorias preferenciais de desumanização, mais uma sugestão da permanência da concepção
de graus de humanidade.
Idealizar graus de humanidade segundo a raça concede à colonialidade do poder uma
dimensão ontológica: a colonialidade do ser que se refere, segundo Maldonado-Torres (2007),
à experiência vivida de ser tomado como inferior. Para aclarar sobre isso o filósofo lança mão
do texto de Frantz Fanon Pele Negra, Máscaras Brancas (2008). Obra que chama a atenção
para o impacto do racismo na psique dos negros. O racismo, para Fanon, despersonaliza o negro
que persegue o embranquecimento estético e cultural. A busca pela pele branca é resultante da
alienação gerada pelo colonialismo e seu modus operandi, que rebaixava o negro em sua subje-
tividade tornando-o sub-humano, convencendo-o de que seus saberes e costumes são inferiores
e, demonstrando que os valores brancos/europeus devem ser o seu ideal. Afirma Fanon (2008,
p.132):
Enquanto ideologia transmitida em livros, manuais didáticos e através das mais variadas ex-
pressões artísticas o racismo atinge o próprio negro que acolhe os valores brancos. Esses lhe
parecem evoluídos com a promessa de ascensão a um grau mais alto de humanidade.
Inconformado com a máscara branca assumida pelo negro, enquanto negação da sua
cor de pele, Fanon alerta para as ideologias que ignoram a cor. Essas reforçam o racismo e
“embranquecem” o negro. O embranquecimento é desvio existencial que promove no negro
um deslocamento racial, pois busca aniquilar sua presença negra assumindo comportamentos
e costumes brancos. O auto racismo, estimulado pelos padrões de expressão europeus, reduz
em nível e grau a humanidade negra, principalmente quando comparada ao branco europeu
visto como expressão do ser humano universal. Como nos afiança Fanon (2008, p.28): [...] eu
começo a sofrer por não ser branco no mesmo grau que o homem branco impõe a discriminação
em mim, faz de mim um nativo colonizado, rouba-me todo valor, toda individualidade, diz-me
que sou um parasita no mundo[...]”. As diversas situações de auto racismo trazidas por Frantz
Fanon4 demonstram a violência simbólica da modernidade europeia que promove nos povos 2264
4 Vide seu livro “Pele Negra. Máscaras Brancas”.
negros inferiorizados a não aceitação da cor de sua pele. A não aceitação de si mesmo, a insa-
tisfação de ser negro.
Recorrer à Fanon (2008) foi um recurso de Maldonado-Torres para contextualizar uma
das formas de expressões da colonialidade do ser: a experiência vivida de ser negro e condena-
do à inferioridade pela modernidade. A perseguição ao embranquecimento expressa a dimensão
ontológica da colonialidade.
Mira ,un negro! (Fanon, 2008,) a frase marca o encontro entre sujeito imperial e sujeito
racializado e, a condição social e existencial do sujeito produzido pela colonialidade do ser.
Nesse encontro, não existe a frase: mira, un hombre! Ou mira, una mujer! Acrescenta Fanon
(2008, p.26):
A colonialidade do ser, portanto, denuncia que relações raciais são relações permeadas
pela ideia de existência de diferentes níveis de humanidade. Muito provavelmente, a certeza de
graus de humanidade explica as mais variadas tentativas históricas de demonstrar sua existência
tanto pela história quanto pela biologia, ou mesmo pela genética.
É verdade, adverte Maldonado–Torres (2007, p.127), que o racismo mudou, mas,
REFERÊNCIAS
5 Questão que não abordamos com a profundidade necessária neste texto, uma vez
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que não é sua temática.
_______________. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colo-
nialidade do saber, Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-americanas.
Buenos Aires: GLACSO, 2005.
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