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e o espelho sofiânico
de Boehme
Copyright© by EDITORA CAMPO MATÊMICO DO MESMO AUTOR
Proibida a reproduçao total ou parcial Ensaios
Le bégaiement des maîtres
Romances
Les instants décomposés,
Julliard, Paris, 1993.
FICHA CATALOGRÂFICA
D86 1 1
Dufour, Dany-Robert.
Lacan e o espelho sofiânico de B oehme /
Dany-Robert Dufour ; [traduçào de Procopio Abreu].
Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. lLUSTRAÇÂO DE CAPA
60 p. ; 20 cm. Gravura em cobre, de Johann
Georg Gichtel, da pagina-titulo
ISBN 85-8571 7-33-5
das Obras Completas de Jakob
Inclui bibliografia. Boehme, editadas em alemào em
Lacan
eo
espelho sofiânico
de
Boehme
Cou<p�
de- F'U!.ad
edito r a
5
* Em francês,{s]on. (NR)
8
Velasquez, As Meninas.
que apresentam o risco de projetar-nos no 1656
r �,
-
f
arquitexto. Corno freqüentemente em Lacan,
podemos identificar uma relaçao decisiva
-···-··--··
-----·-· - :.t
entre o enunciado da tese e as circunstâncias
13
14
0 narcisismo
10
Esta sublinhado no verbete de 1948, "L'agressivité en psychanalyse" (cf.
LACAN, Écrits, op. cit.) o carater "notavel" <las contribuiçôes de Wallon.
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HISTORIA DO ESPELHO Mas, para quem se mirou num e é impossîvel imaginar uma preciosa
Sabine Melchior-Bonnet espelho de Veneza, nenhuma sem o seu: o da duquesa de La
Imago comparaçào é possîvel: Francisco I, Vallière contém quatorze espelhos e
apaixonado par todas as novidades, supera o da duquesa de Bouillon. A
Um irresistîvel fascînio amante de luxa e de arte italiana, se Grande Mademoiselle no exîlio em
apressa em encomendar a seus Saint-Fargeau manda instalar
Durante todo o século XVI, espelhos ourives espelhos de Veneza. Em pequenos redutos em gabinetes e
de aço e espelhos de vidro sâo 15 32, Allard Plommyer entrega-lhe guarda-roupas onde logo lhe colocam
utilizados em conjunto. Em seus um espelho guarnecido de ouro e espelhos. "Em seus gabinetes
Brasi5es domésticos contendo a pedrarias. No ana seguinte, Jehan encantados, 0 tecido nào mais
decoraçào de uma casa honesta Grain fornece-lhe treze e, em 153 8 , encontra lugar / Todas as paredes dos
[Blasons domestiques contenant la Plommyer e Pouchet entregam-lhe quatro !ados, / estào de espelhos
décoration d'une maison honnête] mais onze. Um ünico desses incrustadas", observa Regnier
( 1 539), Gilles Corrozet junta numa espelhinhos corn sua moldura Desmarets. 0 inventârio de Fouquet
mesma admiraçâo o "espelho de aço preciosa custa 360 escudos de ouro. compreende uma impressionante
bem claro" e o "espelho de vidro bem A moda esta lançada, a necessidade coleçào de espelhos das mais
escuro''. Auxiliar precioso da luz e da criada, e vai custar à França somas diversas molduras, ouro, prata, prata
beleza, ocupa lugar de destaque na fabulosas, pois a carte nào resistirâ à dourada, marfim, escama de
mobîlia e oferece seu brilho em seduçào das novidades. 0 exemplo tartaruga. Mazarino, que também tem
residências parcarnente iluminadas: vem de cima. Catarina de Médicis, varias, os propôe coma prêmio de
"espelho de boa grandeza", insiste italiana ja familiarizada corn esses uma loteria. 0 gabinete do delfim,
Corrozet. A gravura, que acompanha tesouros, mandou instalar, ap6s a descrito par Félibien, contém "par
a primeira ediçâo, apresenta um morte de Henrique II, um célebre todos os !ados e no teto espelhos corn
espelho do tamanho de uma cabeça "gabinete de espelhos". Sobre a compartimentas e bordas douradas
montado sobre um pé bem alto e lareira, "via-se corn efeito um retrato sobre um fundo de marchetaria de
muito ornamentado, mas nâo se pode do falecido representado em ébano''. No gabinete do marechal de
distinguir de que matéria é feito. perspectiva num espelho" e, nas Lorges, sogro de Saint-Simon, a
Francisco I nào deixa, em 1533 e paredes, "cento e dezenove espelhos paisagem da colina de Montmartre
1534, de encomendar ainda a dois de planas de Veneza estavam embutidos repercute nas paredes corn a ajuda de
seus joalheiros, Guillaume Hotman e nos lambris do dito gabinete". "dois pares de espelhos''. Os
Allard Plommyer, quatro ou cinco No inventario ap6s o falecimento de inventârios do mobiliario da coroa
espelhos de aço de grande dimensào. Marguerite de Valois em 16 1 5 , sào feitos durante o reinado de Luîs XIV
Quase sempre os espelhos dos reis ou encontrados, na Rua de Seine, recenseiam quinhentos e sessenta e
dos prîncipes sào de prata ou de "quatro espelhos de cristal de rocha" très espelhos. As pessoas nào se
ouro, engastados em molduras guarnecidos de ouro, realçados de arruinam apenas pelas espelhos na
preciosas, coma o de Gabrielle lazulita e diamantes, dos quais um s6 parede, mas também pelas espelhos
d' Estrée, guarnecido de diamantes e vale 1500 libras. A rainha Anne j6ias, avaliados nos inventârios corn
rubis e avaliado em 750 libras em d' Autriche tem seu "quarto de os anéis e os colares, que fazem
1599. 0 espelho de cristal s6 espelho" no Louvre, onde suas damas freqüentemente parte dos mais
lentamente destrona - e apenas na de companhia a penteiam. Loucura suntuosos presentes de casamento, tal
aristocracia - o espelho de metal que pela espelho ! Toda a nobreza o exige. coma o de Isabelle de Saint
mais ou menas desaparece par Em 1 633, um baile é dada no Hotel Chamond, que o recebe em 1 6 1 0 do
completo dos inventarios no Ultimo de Chevreuse em presença da rainha pai, "cristalino embutido em ouro,
terça do século XVII. Mas par volta e a sala é decorada corn espelhos ornado de oito rosas de rubis", ou
de 1 652, em sua Perspectiva curiosa alternando corn as tapeçarias. Em ainda o dessa rica noiva cuja roupa
[Perspective curieuse] (1638), J.-F. 165 l , quando o arcebispo de Sens descreve o poema: "Os espelhos
Niceron da ainda uma receita para oferece uma festa à duquesa de moldados de vidros de Veneza/O
fabricar espelhos de aço côncavos Longueville, cinqüenta espelhos de leque de rendas, as abas à la Guise/
para fins experimentais. Um século Veneza embelezam a sala, o que nos Tantas correntes de hiâlito (pedra
mais tarde, um comerciante cuteleiro, vale alguns versos gozadores da negra de Gage) e tantos braceletes . . .".
J.-F. Perret, recebe um certificado da Muse historique, assinados par J. Quanta aos espelhos na cintura,
Academia Real de Ciências pois Loret que vê duplicarem-se "as presos a uma corrente, sào a Ultima
"conseguiu dar ao aço um polimento figuras/as caretas e as posturas/os moda: Corneille embeleza corn eles a
tao belo quanta o que da o prateado" risos, as graças, os encantos/os seios, bela Angélique (la Place royale,
e sua invençào é proposta àqueles as màos, os braços/dessa bela cabala/ 1635), Pascal observa "uma linda
que querem aprender a arte de que se festejava nessa sala". A moda donzela toda enfeitada de espelhos e
barbear-se sozinhos (a Pogonotomia). do gabinete dos espelhos causa furor correntes" e La Fontaine vê deles par
23
16
LACAN, Écrits, op. cit., "Le stade du miroir".
27
PANTARHEI
1mv·w.pet
Tudo passa.
[ ... ]
Heraclito, Fragmentas.
Nota de Marcel Conche, PUF, 1986.
�
18
Quando eu estava escrevendo este texto, minha suposiçào de um
conhecimento (ao menos indireta, via Koyré) de Boehme par Lacan era
somente te6rica. Ora, a comunicaçào par Mayette Viltard de um poema de
Lacan escrito em agosto de 1929 (ver anexo), no ano mesmo da publicaçâo da
tese de Koyré, parece-me trazer a esta hip6tese uma s6lida prova textuai. Sem
mesmo entrar no comentârio do poema de Lacan (que resta a ser feito), é
possfvel, sem grandes riscos interpretativos, notar que ele contém uma solene
declaraçào de intençâo de um homem que considera um espelho, o espelho das
"Coisas" (deslinatârio do primeiro verso), um espelho lfquido (cf. o "tudo
passa'' de Herâclito) que o poeta empreende atravessar: "Atravesso vossa
âgua", embora o poema receba por tftulo um sintagma bem singular, "Hiatus
irrationalis", para constituir uma espécie de "assinatura": esta expressào mesma
se encontra corn efeito em Koyré, por exemplo, pagina 156 e pâgina 497. 0
poema foi em seguida editado em 1933 na revista de poesia Le phare de
Neuilly, n° 3/4, 37.
p. (retomado no Magazine littéraire, n°121 , 1977,
em p.
1 1 .).
Obrigado, portanto, a Mayette Viltard par esta preciosa îndicaçào.
32
* HIATUS IRRATIONALIS
Choses, que coule en vous la sueur
ou la sève, / Formes, que vous
naissiez de la forge ou du sang, /
Votre torrent n ' est pas plus dense
que mon rêve; / Et, si je ne vous bats
d'un désir incessant, / Je traverse
votre eau, je tombe vers la grève I
Où m' attire le poids de mon démon
pensant. / Seul, il heurte au sol dur
sur quoi l' être s' élève, / Au mal
aveugle et sourd, au dieu privé de
HIATUS IRRATIONALIS sens. I Mais, sitôt que tout verbe a
péri dans ma gorge, / Choses, que
vous naissiez du sang ou de la forge,
Coisas, que corra em v6s o suor ou a seiva,
/ Nature, - je me perds au flux d ' un
Formas, que nasçais da fo rj a ou do sangue, élément: I Celui qui couve en moi, le
même vous soulève, / Formes, que
Vossa torrente nâo é mais densa do que meu sonho; coule en vous la sueur ou la sève, /
E, se nâo vos persigo corn u m desejo incessante, C'est le feu qui me fait votre
immortel amant.
Jacques LACAN.
Le phare de Neuilly, 1933.
33
ANTOINE FAIVRE
tudo parece apenas fnfimos deslocamentos ACESSO DO ESOTERISMO
OCIDENTAL
seguidos de subitas contradiç6es em meio a II
N rf Gallimard - Paris, 1996
repetiç6es infinitas ; e a tese de Koyré, na
[ . . ] Baader lembra que "substância"
.
medida em que segue passa a passa essa obra ( Wesen) e "imagem" (Bild) quase
sempre sao empregadas
em movimento, nao é um modela de leveza. indiferentemente por Boehme: toda
imagem, vimos neste, é substância
para aquilo de que ela se tomou a
Mas, como confirma o grande especialista do imagem e, ao mesmo tempo, acha-se
submetida ou subordina<la a essa
esoterismo ocidental, Antoine Faivre, num entidade. Bern mais, se é espiritual,
precisa de uma imagem substancial
livra recente 19 , "a imagem e o espelho" para realizar-se, para tomar-se
"efetiva". Inversamente, a imagem
continuam sendo as "duas noç6es-chave" que nao se toma substancial sem esse
espirito que ela reflete.
devem "servir de guia no pensamento volcânico [ . . ] A imagem vê-se conferir um
.
A FILOSOFIA D E JACOB BOEHME noçâo do Nada divino da rnistica essência [essência significa aqui:
alemà classica: nào mais que a rnistica potência da natureza]; ela é a
por Alexandre Koyré classica, alias, Boehme nào consegue eternidade, uma indeterminaçâo, uma
Paris, 1929, Vrin, 1979, 3' reediçào. ainda distinguir esse Absoluto paz etema e um repouso [ausência de
(trechos da p. 244 à p. 369) "absolutamente absoluto" do Absoluto movimento]".
enquanto fundo e fonte criadora de "Mas ja que o absoluto é assirn um
[ ... ] A tendência à mal)ifestaçào é tudo, nem, para falar a verdade, da infinito sem numero nem fundamento,
absolutamente geral. E por isso que o Divindade, essência comum das très sem começo nem fim, ele é como um
ser puro e absolutamente pessoas divinas, nem mesmo do Pai, espelho: 'ele é tudo e no entanto como
indeterminado e ilimitado deseja uma do Deus em si, do Deus nào revelado um nada; olha a si mesmo e nào
limitaçào para nela se revelar. Corn e desconhecida6. encontra nada senâo um A que é seu
efeito, o ilimitado e o indeterminado [ . . . ] Corn efeito, pensa Boehme (e olho. Ora, AV é o começo (origem)
se revelam e se manifestam no vamos agora, para dar ao leitor um etemo do s,er, principio etemo e fim
limitado e no determinado, seus exemplo do "estilo" de Boehme e para eterno'8. 'E assim que o Absoluto (o
contrârios. Assim, os contrarios se mostrar até que grau de clareza ele ja Ungrund) olha em si e se acha a si
chamam, se op6em, se condicionam e chegou, deixar ele proprio falar e mesmo. A esta embaixo e V esta em
se implicam. Nào se identificam, mas traduzir tanto quanto possfvel o texto cima, 0 é o olho: embora nào seja
em sua oposiçào revelam-se da questào), "toda vontade possui ainda ser, mas tal é a origem do ser.
mutuamente. Um so pode conseguir uma tendência a fazer ou a desejar Nâo é nem o baixo nem o alto, mas
exprimir-se e manifestar-se no outro e algo e nesta açào ou neste desejo a seu espelho em AV é assim uma visào.
pelo outro. 0 indeterminado aspira a vontade se reflete e se contempla". A Ora, ja que [no absoluto] nào hâ
um limite, nào para limitar-se todavia, vontade di vina, vontade e liberdade fundo, esse espelho é um tal olho 0, jâ
mas para revelar-se. Ele se opoe uma etema, "vê-se, pois, ela mesma, de que Deus diz ele mesmo: sou A e 0, o
determinaçào e um limite, para toda eternidade e nela mesma vê o que começo e o fim"'.
revelar-se e revel6-la ao mesmo é: faz para si mesma um espelho no [ ... ] A criaçào e a produçào do mundo
tempo; revelar-se nela e em relaçào a quai se mira" e, como nào pode nele é um Mysterium: como, corn efeito, a
ela. Ai esta o grande mistério do ser, encontrar outra coisa a nào ser si razào poderia compreender que algo
seu Mysterium Magnum: os mesma, toma-se ela mesma objeto de fosse ali onde nada era9? Mas, por
contrârios se implicam e permanecem seu proprio desejo: o desejo é assim a outro lado, esse mistério é nào so um
unidos em sua oposiçào reveladora. "segunda forma". "Ora, o desejo nào fato acontecido outrora, ele se cumpre
[ . . . ] Este termo novo é o famoso tem objeto e so pode desejar-se a si e se renova todos os dias e a todos os
Ungrund', termo que designa a mesmo". Faz para si entào um modelo instantes diante de nos e em nos'°- A
ausência total de determinaçào, de de sua vontade e o engendra nele passagem do um ao outro, o fato de
causa, de fundamento, de razào mesmo, o que produz nele uma que o um se di vide e se desdobra ao
( Grund'), que seriamos tentados a obscuridade, a quai nào é um produto mesmo tempo que permanece um, de
traduzir por Abismo, caso Boehme da vontade, mas do desejo; mas, uma que o um devém outro que si ao
nào continuasse a empregar ao mesmo vez mais, nào ha ainda nada senào o mesmo tempo que permanece si
tempo - e num sentido diferente - o desejo, que é uma fome, "poderia mesmo, é, evidentemente,
termo Abgrund, abismo sem fundo3. corner, nada corn o que poderia ter se Mysterium1 1 : mas vemo-lo cumprir-se
0 Abgrund, longe de designar a saciado, ja que tudo o que esta antes todos os dias diante de nos e vemo-lo
ausência pura e simples de todo do desejo lhe é inacessfvel" [fora do cumprir-se em nos mesmos.
fundamento e de toda determinaçào desejo, antes do desejo, hâ apenas a [ ... ] 0 objetivo desse desenvolvimento
no Absoluto, nào faz senào indicar a liberdade pura da vontade eterna], que era apenas, no pensamento de
falta de fundamento da existência e de "estando fora da Sucht [aspiraçào Boehme, estabelecer uma distinçào
centro de realizaçào nos seres que vital, busca ardente, desejo, fome] e, qualitativa no seio do Um, pois,
perderam seu proprio Grund.4 0 em relaçào ao desejo, é um nada, segundo o principio que ele formula
Abgrund, o abismo, designa assim no embora em si ele seja algo"7. "Mas intimeras vezes, o Um nào pode se
ser seu proprio nada, no quai esta este algo [a liberdade pura] nào é conhecer se nào se desdobrar ou se
sempre prestes a soçobrar, que busca ainda nada de determinado [nào é um nào se dividir em si mesmo"- Vimo-lo
engoli-lo e no quai ele tende a se objeto], nem de apreensfvel, nem, por desdobrar-se sob nossos olhos.
afundar. Ele designa igualmente o conseguinte, de conhecivel". Ele nào é [ . . . ] Definimos o Absoluto divino:
abisme ardente (jeuriger Abgrwui) da ser, jâ que, se o ser ja fosse, a vontade mistério que se revela a si mesmo; e
natureza e do mundo do primeiro indeterminada [a liberdade absoluta] vimos que essa manifestaçào é objeto
principio5• 0 Ungrund de Jacob é o "estaria em algo que nào seria ela de uma vontade: o Um absoluto quer
Absoluto absolutamente [seria determinado por algo ao invés conhecer-se, perceber-se e sentir-se.
indeterminado, o Absoluto livre de de ser o principio absoluto] e deveria Ele é portanto capaz de ver e de olhar;
toda determinaçào. Sua noçào sua existência mesma a esse ser". Por é, por conseguinte, um espelho e um
corresponde corn bastante exatidâo à outro lado, a vontade pura é "sem olho13, pois, diz Boehme, o que ele vê
37
d e uma emanaçâo, de uma expressâo Ela é dentro de si mesma uma luta; ela para si mesmo e se enche de si
ad extra. se op6e a si mesma, se vence e se mesmo, atraindo-se e roendo-se a si
[ ... ] Este espelho, este quarto termo domina, se op6e a seu meio e dele se mesmo. Assim, ele se toma "gordo e
que Deus se op6e para nele poder se separa. Ela é uma força que se op6e cheio", delimita-se e joga em si
refletir e nele se ver, para tomar assim uma outra força; sua existência é uma mesmo uma sombra, que o toma
plena consciência de si mesmo e, vitoria perpétua sobre o Nada, sobre a opaco, obscuro e tenebroso. Toda essa
posteriormente, poder realizar-se, traz Morte, sobre o Abgrund que busca operaçâo - inclusive a apariçào das
em Boehme os nomes mui venen\veis engoli-la e destruf-la. crevas - parece ela mesma bastante
de Sofia, Sabedoria divina, Virgem [ . . . ] Nâo é a vida que, ao engendrar-se obscura em Boehme. Por isso ela
eterna, Gloria e Esplendor de Deus. a si mesma, engendra a matéria de que sempre embaraçou os historiadores;
Existem no pensamento de Boehme ela precisa? E nâo cumpre ela este como, corn efeito, o vazio ao se
poucas idéias que tenham outro milagre, o grande milagre da aspirar pode se preencher, como a
desempenhado um pape! maior; transfiguraçâo, ja que ao incorporar a fome, "devorando-se", pode saciar-se?
existem poucas concepç6es que si a matéria ela a consome e a Boehme nâo explica isso em nenhum
tenham exercido uma infl uência mais transmuta em espirito? Assim, lugar, mas parece de fato que estamos
poderosa sobre a posteridade. Nâo portanto, a Natureza na doutrina de lidando aqui corn uma simples
existem absolutamente que sejam Boehme nào é outra coisa senao a abstraçào, corn um esquema tao
mais proteiformes. A sabedoria eterna vida e os aspectos paradoxais e pouco real quanto o era o esquema da
de Boehme é um olho e, ao mesmo contraditorios desta natureza se vontade limitando-se ela mesma pelo
tempo, o espelho no quai Deus se explicam, no fundo, pelo carater querer.
reflete: o mundo das idéias divinas, a paradoxal e contradit6rio da vida, que [ ... ] 0 desejo, dissemos, volta-se para
imagem etema do mundo; a revelaçâo ao mesmo tempo "separa" e "une", si mesmo e busca-se a si mesmo. Mas,
etema de Deus; a habitaçâo, o corpo e "destroi" e "engendra", op6e-se a si na verdade, ele nâo se encontra. Ele se
as vestes da Divindade. Ela é cada mesma e luta contra si mesma, persegue etemamente, fecha-se em si,
uma dessas coisas e todas a um so turbilhào etemo do Sim e do Niio, mas nâo pode "apreender-se". Ele é
tempo. Ela é - e é o que funda a vitoria etema sobre a morte que no um olho cheio de trevas, opaco e
unidade da concepçâo - o Objectwn, entanto ela traz em si, rio escoando no impenetravel para si mesmo. Ele se
o Gegenwwfeterno de Deus no quai e abismo do nada que o atrai e que ele persegue, mas foge de si também, pois
pelo quai este se reflete, se exprime e abre, ele mesmo, diante de si. "nâo lhe agrada nem um pouco, diz
se revela. Ela segue, por assim dizer, a [ . . . ] 0 desejo absoluto é um desejo no Boehme, ser assim roido, puxado e
evoluçâo imanenie de Deus, estado puro, é uma indigência ou uma comprimido". Ora, essa perseguiçào
transformando-se corn cada etapa deficiência, uma fome eterna, tao eterna, que é uma fuga eterna, é
atingida por esta evoluçâo; ela toma eterna quanto o proprio Absoluto (o circular: ela forma um turbilhào, uma
possfvel a Deus uma evoluçâo e, ao Ungrund) e quanto a vontade de que "roda" que faz o vazio dentro de si
mesmo tempo, um intermediario entre ele é eternamente o contrarium mesma.
Deus e a natureza. indispensavel. 0 desejo é uma [ ... ] Todas essas imagens encontradas
[ . . . ] Deus se concebe assim como um aspiraçào do vazio, do Abgrund em Boehme derivam, vemos bem, de
sujeito e se op6e a si mesmo, e em infinito. Ele é ele mesmo este uma unica e mesma realidade, mas
idéia, a idéia de algo que nâo seria ele, Abgrund, abismo sem fundo que todo elas desnorteiam por sua
de algo de que ele poderia distinguir ser traz em si e no quai ele se multiplicidade. Ora, Boehme lhes
se, de algo que possuiria um ser abismaria, se por um esforço acrescenta ainda as imagens tiradas da
particular. constante, nào o superasse. Ele é a alquimia. Segundo sua teoria - que é
[ ... ] Vamos dedicar a esta noçâo uma morte eterna, o verme roedor, a alias a teoria comum da alquimia de
seçâo inteira. Limitemo-nos a dizer angustia �tema que é a fonte e o fundo sua época - o fogo (a flama) engendra
aqui que a funçâo essencial da da vida. E esta, na doutrina de um espirito que por sua vez engendra
natureza divina é pennitir a Deus Boehme, sua verdadeira essência. e nutre o fogo, ou, mais exatamente
encontrar-se efetivamente e realizar-se Ora, um desejo é, necessariamente, ainda, o fogo engendra a luz, que
enquanto vida. Vida orgânica na desejo de algo; o vazio aspira ao pleno engendra o espfrito, o quai nutre o
medida em que se distingue e se op6e que poderia preenchê-lo; a fome busca fogo, e tudo forma o corpo do fogo
à vida pura do espirito: eis para um alimento. 0 desejo busca portanto que é a flama. Se levarmos em conta
Boehme o fundo e a fonte mesma da algo para atrai-lo para si e engoli-lo tudo isso, podemos nos fazer uma
realidade. A vida, grande magico que em si. Ele busca eternamente em tomo fraca idéia da grande variedade de
cria e engendra algo ali onde nada era; de si um ser qualquer, mas nâo acha sentidos que os mesmos termos
que, desenvolvendo-se, revela-se a si nada, ja que nao ha nada ainda que ele podem receber em Boehme, do
mesma engendrando seu proprio possa ejlcontrar, visto que nada é numero de aspectos nos quais podem
corpo e seu pr6p1io espirito, eis o ainda. E o ser que lhe falta e é por isso apresentar-se as oposiçoes entre
principium verdadeiro de tudo. A vida que ele o procura. "corpo" e "espirito", "espirito" e
realiza-se ela mesma: ela é causa sui. Nâo encontrando nada, ele se volta "natureza".
39
primeira desejo". eu [moi] superficial e exterior da vida l . 0 termo Ungrund (formado como
"E assim nasce no sofrimento amargo exterior, nâo o eu [moi] prafundo e Unding) nâo é, prapriamente falando,
a grande angustia, embora nâo haja verdadeirq que é nossa propria uma criaçâo verbal de Boehme; a
nada que sofra, mas é assim em si essência. E preciso fazer um retomo palavra jâ existia antes dele (cf.
mesmo e é sua propria vida; se nâo sobre si mesmo, é preciso reencontrar Grimm, Wtirterbuch, etc. s. v.), mas
fosse assim, o brilho da Majestade nâo e revivificar seu proprio centra , nâo tinha o sentido que Boehme lhe
seria tampouco; pois o um é a causa prafundo, seu eu [moi] espiritual. E deu. Ungrund quer dizer
do outra". preciso que o homem se retire em si primitivamente ausência de razâo,
"E é por isso que Deus é o que existe mesmo, que ele cesse de viver essa pseudo-razâo, pseudoprova; o proprio
de mais secreto e também o que é vida exterior, fragmentâria, que volte Boehme emprega-o às vezes neste
mais manifesta em Mysterium para dentro de si mesmo e sesse de ser sentido ao falar dos Ungriinde que os
Magnum. E o abismo também é um ele mesmo um fragmenta. E preciso "doutores" e os teologos trazem para
segredo, mas é tâo manifesta como a que ele apague a luzinha fragmentâria suas afirmaç6es gratuitas e falsas. 0
opacidade (as trevas) e a Quaal é e despedaçante da razâo exterior, que sentido especial que Boehme da a este
impenetravel até que a vontade nela <livide a unidade viva do espfrito termo é, corn toda evidência, derivado
mergulhe; é entâo que ela é sentida e numa multiplicidade sucessiva de <leste primeiro, mas Boehme amplia-o
percebida; é quando a vontade perde a momentos isolados, pois sâo a razâo, consideravelmente e lhe atribui um
luz [que ela estâ consciente da fragmento da inteligência, e seu valor ontologico. 0 Ungrund é o que
obscuridade na quai esta mergulhada], proprio eu [moi] exterior, fragmenta nâo é nada, nem mesmo fundamento,
e é este o fundamento da fé de seu eu [moi] verdadeiro que o , causa ou razâo de algo que seja. 0
verdadeira". "Assim, hâ um abismo impedem de se ver e de se conhecer. E Ungrund é também [algol que nâo
que se chamafundamento porque é preciso que ele se recrie e renasça para tem nem causa, nem fundamento,
uma condensaçâo das trevas na , que a luz espiritual, que é nem razâo. Sendo assim diferente de
Quaal, como uma causa da vida . . . E habitualmente obscurecida pela razâo tudo e separado de tudo, o Ungrund é
também um desejo e o desejo é uma natural, o faça assistir "em espfrito" a o absoluto (ab-solutum) em seu
busca que nâo pode entretanto nada seu proprio nascimento no nascimento sentido mais forte. Traduzimos
encontrar senâo um espelho e uma nele da razâo e do eu [moi] exterior. portanto o Ungrund por Absoluto.
similitude da Quaal obscura e terrivel Ele verâ entâo desenrolar-se nele e 2. Grund, em Boehme assim como em
[ espelho] onde nâo ha nada; pois é revelar-se a seu prop,rio pensamento o Schelling, designa a um so tempo a
uma figura do raio furioso ... e da mistério de seu ser. E assim que razâo de algo e sua causa; seu
potência terrfvel de Deus, segundo o veremos elevar-se à consciência e à fundamento ideal e seu fundamento
quai ele chama para si um fogo inteligência o fundo misterioso de real. Boehme poderâ portanto dizer
devorante e um Deus colérico e que o Ungrund encontra seu Grund
nosso ser e de nossa vida; e, ja que a
ciumento". na divindade luminosa, pois é ali que
luz espiritual que se acendera de novo
"Esse espelho é também sem jaz sua "razâo de ser": o Grund do
em nos nâo é outra coisa senâo a
fundamento, sem começo nem fim, e germe do ser é o ser. Por outra lado, o
encarnaçâo espiritual, o nascimento
tem mesmo assim um começo e um Ungrund que nâo é ser tem seu
fim etemos". de Deus na alma, chegaremos assim à Grund, fundamento causal e real de
"Assim, hâ no abismo absoluto um participaçâo na vida divina que se seu ser (de seu ser enquanto Deus,
espelho em que a Quaal vê a si expressarâ e se revelara em nos. enquanto ser acabado, jâ que o germe
mesma, e é igualmente uma figura e Entenderemos entâo em nos mesmos a é idêntico ao ser de que ele é o germe)
uma imagem da Quaal que estâ <liante grande lei do ser: todo ser aspira, corn na natureza ou na "colera" ardente do
da Quaal. Ela nada faz e nada efeito, à consciência e ao Centrum Naturae.
engendra, mas é uma Virgem da conhecimento de si. Todo ser é, em 3. Schelling (cf. Untersuchungen über
Quaal, na quai a colera do raio se vê sua essência, desejo de manifestaçâo e das Wesen der menschlichen Freiheit,
na infinidade e manifesta etemamente de revelaçâo e o proprio ser nâo passa Werke, BD. VII, p. 406 e seguintes,
suas maravilhas pelo espfrito amargo de uma manifestaçao ad extra de sua Stuttgart, 1 860) confundiu Ungrund
das essências que tem sua vida no propria essência. 0 mistério estâ no (o Absoluto absolutamente absoluto),
raio". fundo de todo ser, mas o ser do Urgrund (o Absoluto enquanto
[ ... ] Corn efeito, que sejamos mistério mistério é sua manifestaçâo; o fundamento e causa ultima das coisas)
para nos mesmos, que nâo possamos mistério permanece mistério, mas e Abgrund (abismo ardente e sem
compreender nem nosso proprio necessariamente, por si mesmo, ele fundo) e falsificou assim sua propria
nascimento à vida nem o nascimento busca revelar-se. A vida é mistério, compreensâo de Boehme assim como
da razâo em n6s, isso é apenas natural mas é j ustamente um mistério que se a dos historiadores que vieram apos
demais. A razâo natural, dirfamos · realiza ao se manifestar. A vida do ele. Apos e segundo ele todas as
hoje, é uma visâo apontada para a mundo é a manifestaçâo de sua pessoas falam do dunkler Ungrund, o
natureza e nâo para ela mesma. A essência e as Jeis do ser sâo as Jeis de que é um non-sens. 0 Ungrund nâo é
consciência natural nos da apenas o sua auto-revelaçâo. nem clara, nem obscura, mas, se fosse
41
FIGURA 1
Perspectiva acelerada:
La Scène de Troili, 1972
43
JURGIS BALTRUSAITIS
da realizaçao pelo desejo esta em perfeito
ANAMORFOSES OU
acordo corn o que o século XVI descobriu e T HAUMATURGUS OPTICUS
As perspectivas depravadas. II.
experimentou quanto às perspectivas
A junçâo entre as artes e a ciência
aceleradas (ou reduzidas) evidenciadas por ocorre na Italia na primeira metade
do século XV (Ghiberti, Alberti) e
Baltrusaitis: mediante a potência, "extens6es provoca uma admiravel floraçâo:
Piero della Francesca ( 1 469),
Leonardo ( 1 492), Jean Pélerin,
sem fim podem ser evocadas num espaço chamado Viator ( 1 505), Dürer
( 1525), Vignole ( 1 530- 1 540), Serlio
reduzido" 28 . ( 1 545), Barbara ( 1 559), Cousin
( 1560) aplicam metodicamente as
Essa criaçao realizante esta impregnada teorias matematicas e elaboram
procedimentos que dao soluçôes para
de Magia Divina. "A criaçao e a produçao do todas as formas. Todas as obras que
lhes sucedem exploram o fundo do
Renascimento. A perspectiva restitui
mundo é um Mysterium; como, corn efeito, a se coma uma racionalizaçâo da vista
e coma uma realidade objetiva, mas
razao poderia compreender que algo estivesse conservando ao mesmo tempo seu
lado falso. 0 desenvolvimento de sua
ali onde nada era? Mas, por outro lado, este técnica da meios novas a todos os
artiffcios. Extensôes sem fim podem
rnistério é nao s6 um fato acontecido outrora, ser evocadas num espaça reduzido.
As distâncias podem ser encurtadas.
A passe dos procedimentos de
ele se cumpre e se renova todos os dias e a representaçôes exatas conduz à
"Grande Ilusiio" multiplicadora dos
todos os instantes diante de n6s e em n6s. mundos facticios que habitou a
mente dos homens de todos os
A passagem do um ao outro, o fato de que o tempos, cuja diversidade e potência
F. Clerici deixou entrever numa
um se divide e se desdobra ao mesmo tempo coletânea sabia.
Uma vasta abside é simulada por
que permanece um, de que o um devém outro Bramante em Saint-Satyre de Milâo
( 1 482-1486), num espaça que tem
apenas 1 ,20m de profundidade. Os
que si ao mesmo tempo que permanece si encurtamentos precipitados da
cornija, dos caixotôes e das pilastras
mesmo é, evidentemente, Mysterium: mas de estuque e de barra cozido dâo a
impressao completa de uma peça
vemo-lo cumprir-se todos os dias diante de abobadada, mas, se quisermos
penetrar nela, chocamo-nos contra
n6s e vemo-lo cumprir-se em n6s mesmos uma parede. A igreja inteira é
abalada por esse trompe-l 'œil e tudo
[ . . . ]. É este o grande rnistério do ser, seu é colocado em duvida. A historia da
cena teatral é dominada no século
XVI pela problema desse
Mysterium Magnum: os contrarios se afastamento imaginârio. A impressâo
pode ser obtida nâo s6 pela
encurtamento apressado dos limites
28 J. B ALTRUSAITIS, Anamorphoses ou Thaumaturgus opticus - Les laterais, mas também pela elevaçao
1 9 84, 1 996 .
perspectives dépravées II. Flammarion, Paris, do horizonte. 0 mundo onde a
44
- .! -:"". •-
realidade e a ficçao acabam por se mais abrupto. Trata-se af,
confundir constitui-se provavelmente, de uma fantasia,
progressivamente. jogando corn o paradoxo, mas ela
Na interpretaçao de Serlio ( 1 545), reflete a concepçào fantasmag6rica de
retomada por Barbara ( 1 559), cenas uma ordem arquitetural.
tragicas, cômicas e satfricas de 0 procedimento contrario, encurtando
Vitruve, ha ainda justaposiçao do a perspectiva, ao fazer os objetos
espaça verdadeiro - antecena plana - parecerem mais pr6ximos do que
e do espaça ilus6rio - cena posterior estào pelo crescimento dos elementos
inclinada - corn os dois !ados afastados, é ensinado metodicamente
oblfquos acelerando a perspectiva, nos tratados de perspectiva. Dürer
onde os atores nao penetram. A ( 1 525) o explica para as colunas e
fronteira se atenua no teatro Olfmpico para as letras (fig. 2), Serlio ( 1 545),
de Vicence (Palladio e Scamozzi, sobre o aparelho de alvenaria. Nào se
1 5 80- 1 5 85) corn os tentaculos do trata, coma em Vitruve, do reforço de
ceniirio permanente, em declive, certos pontas. As dirnensôes de uma
formando sete bastidores de madeira mesma parte duplicam-se,
revestida de estuque desembocando decuplicam-se no topo. As bases de
na ' 'frons scenae" . Todos os detalhes uma parede aumentam à medida que
de arquitetura se encurtam coma na sobem. Os omamentos se alongam. As
abside de Mi!ao, acentuando o efeito espirais <las colunas torsas alongam
de fuga. 0 espaça ilus6rio e o espaça seu passo de cinco vezes na terceira
verdadeiro nela se comunicam volta. Embaixo, tudo aparece no
diretamente. Eles nao tardam a se entanto igualado, as dimensôes
fusionar, pela extensao sobre a estando fixadas pelo mesmo ângulo. 0
antecena, primeiramente das paredes raio visual nào é o condutor passivo
oblfquas (teatro de Sabbioneta por de uma sensaçào produzida por um
Scamozzi, 1 588- 1 5 89), depois do objeto. Ele o cria novamente ao
declive. No tratado de perspectiva de projetar na realidade suas formas
Sirigatti ( 1 596), a cena inteira é alteradas.
inclinada. Os atores nao se acham Um monumento antigo, o templo de
mais na realidade. Eles evoluem no Priena, dedicado por Alexandre a FIGURA 2
domfnio da ilusao. As cenas de Athenas Palia (335), ja tinha uma Perspectiva reduzida:
Furttenbach (c. 1 625), de Sabbatini inscriçào gravada corn letras Retificaçôes 6ticas
( 1 637) e de Troili ( 1 672) (fig. 1 ) aumentadas nas linhas superiores, em para uma coluna reta.
adotam o mesmo principio de conformidade corn o ângulo Dürer, 1 525
perspectivas aceleradas em toma da euclidiano, mas o sistema ali nào
representaçao viva. Conviria
deteriora profundamente as
pesquisar se disposiçôes semelhantes
proporçôes, ele as anula nos desenhos
nao intervêm também nos jardins e até
do século XVI, onde a potência de
nas composiçôes de arquitetura sobre
um terreno irregular. 0 teatro e a vida projeçào é concentrada, para a clareza
da demonstraçào, pelo deslizamento
sào constantemente entremeados
nessa época e alguns arranjos dos do ponta de vista em direçào a seu
ediffcios inspiram-se diretamente das objeto. Quanta mais pr6ximo ele esta,
formas teatrais. A colunata da Villa mais é baixo, mais os raios vao
Spada de Roma (c. 1638), construfda obliquamente, mais se prolongam as
por Francesco Borromini, produz o gradaçôes que eles delimitam sobre a
efeito de um longo tünel corn 8 metros elevaçào vertical. 0 resultado sào
apenas, aproximadamente, por uma medidas fantasticas. Restitufdo em
contraçào violenta das dimensôes: na seu rigor, o procedimento antigo
entrada 5,80m de altura por 3,50m de destr6i uma ordem da Antiguidade. 0
largura, na safda 2,45m por l m, sem desenho do aparelho é reproduzido
nada mudar no desenho dos por Polienus ( 1 628).
elementos. A perspectiva acelerada de [ ... ] As mesmas dilataçôes modelam o
uma rua da cena Olfmpica de Vicence crânio aleg6rico no quadro dos
é introduzida no ceniirio de habitaçào Embaixadores de Holbein, executado
sob um aspecta mais condensado e em Londres em 1 533.
45
1 0 mercurio dos alquimistas é um também o diabo, um e outro existem unidade divina absoluta e a
ser perturbador do quai s6 uma coisa no que lhes diz respeito. Deus é a unificaçào de todos os opostos em
é certa, é que ele nada tem em essência absoluta. Mas que essência Deus.
comum corn o mercurio vulgar. Na absoluta é que nào tenha nela toda [ . . . ] 1 3 1 4- 1 3 1 5
concepçào alquimica do mercurio realidade e em particular o mal? H a somente u m principio para operar
perpetua-se a tradiçào helenistica do Boehme visa por um lado conduzir a essa distinçào que faz corn que o um
deus Mercurio Hermes Thot,
= = alma do homem à vida, produzir esteja no outro como um nada e
personificaçào da fala e do nessa alma mesma a vida divina, esteja, no entanto; mas, de acordo
pensamento. intuir o conflito e a luta na pr6pria corn a propriedade daquilo em qu,e
2 Isto permite ligar o Mercurius ao alma e dela fazer o objeto de seus ele esta, ele nào esta manifesto1 • E
Verbo e estabelecer um vinculo entre trabalhos e de seus esforços: ele visa este ponto que é central em todo o
a alquimia e a teologia do Verbo. assim descobrir, precisamente a esforço de Boehme e na questào da
respeito desse conteudo, como é unidade de termos absolutamente
preciso conceber o mal no bem, ou o diferentes. 0 principio do conceito
mal a partir de Deus - uma questào esta inteiramente vivo em Boehme,
G. W. HEGEL do tempo presente. Mas como nào exceto que ele nào pode exprimi-lo
LIÇÔES SOBRE A HISTÔRIA possui o conceito, Boehme na forma do pensamento. Mas este
DA FILOSOFIA representa-se isso como um combate um (Einige) é, diz ele, diferenciado
terrivel, doloroso; tem-se um pela Quai; o que quer dizer que a
Torno 6. A filosofia moderna. sentimento de luta. Esta é umaforma Quai é precisamente a negatividade
(de Bacon ao "Século das Luzes") barbara de apresentaçào e de consciente de si, sentida. Tudo
traduçào e anotaçôes expressào - um combate de seu ser depende deste ponto: pensar o
de Pierre Garniron - Vrin 1 985. espiritual, de sua consciência corn a negativo como simples, embora ele
Ungua; e o sujeito desse combate é a seja ao mesmo tempo um oposto. A
[ ... ] 1 304 idéia mais profunda, que faz ver Quai é portanto esse dilaceramento
Jacob Boehme é o primeiro fil6sofo coma se unificam os apostas mais interior; mas ela é o simples. Da
alemào; o conteudo de seu filosofar é absolutos. (A fig ura à quai ele palavra Quai Boehme faz derivar
autenticamente alemào. 0 que toma recorre de modo mais imediato é o Quellen (surdir, jorrar), é um bom
Boehme tào notavel é o fato de pôr o Cristo e a Trindade: vêm em seguida jogo de palavras; a Quai, essa
principio protestante, ja mencionado, as formas qufmicas do mercurio, do negatividade, passa na vida, na
o mundo intelectual, em sua pr6pria salliter, do enxofre, do acre, do atividade: e é assim que Boehme
alma e de intuir, de saber e de ·sentir acido, etc.). Vemos nele a luta em associa essa palavra corn Qualitiit
em sua consciência de si o que estava vista de levar esses opostos à unidade (qualidade), de que ele faz Quallitiit2.
outrora além. Por um lado, a idéia e de liga-los -, mas nào para a razào A absoluta identidade das diferenças
geral de Boehme se mostra profunda pensante; existe ai um esforço esta portanto inteiramente presente
e s6lida; mas do outro, a despeito de prodigioso, selvagem e grosseiro da nele. Assim, Boehme nào representa
sua necessidade de determinaçào e de interioridade para recolher num Deus como a unidade vazia, mas
distinçào no desenvolvimento de suas unico todo o que se acha tào afastado como essa unidade dividindo-se ela
intuiçôes divinas do universo, a pelo aspecto e pela forma. Pela força mesma que é a dos opostos.
despeito da luta a que se entrega a de seu espirito, ele reune os dois [ . . . ] 1 3 3 1 -3 3
este respeito, ele nào chega à clareza opostos e os destr6i, assim fazendo E m Deus "todos o s espiritos triunfam
e à ordem. toda esta significaçào - este aspecto como um unico espfrito" e um
[ . . ] 1 306- 1 307
. de realidade que ambos têm. Mas, ao espirito suaviza e preza sempre o
0 objeto do cristianismo é a verdade, mesmo tempo, como ele apreende outro; nào é senào alegria e delicias.
o espirito, como vimos; a verdade esse movimento, essa essência do Em Deus as diferenças estào unidas.
esta para a fé enquanto verdade espfrito nele mesmo, logo, na Um espirito nâo fica ao lado do
imediata. A fé a possui, mas sem ter interioridade, a determinaçào dos outro, como as estrelas no céu. [ ... ] -
dela a consciência, o saber, sem sabê momentos se aproxima ainda mais da cada um é assim si mesmo
la como sua consciência de si; e forma da consciência de si, do que é · "totalidade" em Deus. "Um engendra
como o pensar, o conceito sào sem figura, do conceito. Para o outro" em si mesmo e "por si
essenciais na consciência de si - a resumir isto, Boehme lutou para mesmo"; é este o raio da vida
unidade dos opostos em Bruno -, é conceber, para entender em Deus o jorrando de todas as qualidades.
esta unidade que falta antes de tudo à negativo, o mal, o diabo. Boehme procurava portanto, ja que
fé. Seus momentos se dissociam em [ . . .] 1 3 1 0 Deus esta em tudo, apreender o mal
figuras particulares, em particular os A idéia fondamental d e Boehme no bem, o diabo em Deus; e este
momentos mais elevados: o bem e o consiste no esforço para manter todas combate é o carater geral de seus
mal, ou Deus e o diabo, Deus é, e as coisas numa unidade absoluta - a escritos e o tormento (Quai) de seu
47
Entre estes temas, alguns dos mais enquanto essência absoluta simples
nao é Deus absolutamente; nele nao
ha nada a ser conhecido. 0 que
importantes - notadamente os da imagem conhecemos é algo diferente - mas
este outra esta contido em Deus
forma, do desdobramento, do desejo, da mesmo, enquanto intuiçao e
conhecimento de Deus. Quanta ao
inversao - encontram-se no estâdio do segundo, Boehme diz que uma
separaçao deve ter se praduzido
espelho de Lacan. Durante muito tempo se nesse temperamentum. Ele diz
precisamente: Corn efeito, nenhuma
acreditou que estes temas vinham de Hegel. coisa pode revelar-se a si mesma
sem contrariedade; pois se ela nada
tem que lhe resiste, sem cessar ela
0 que nao é falso, desde que se saiba que o avança para fora e nao retorna em si
mesma. Mas se ela nao retorna em si
proprio Hegel os recebera de Boehme. B asta mesma, coma naquilo de que
originalmente saiu, entao ela nada
1er nas Liçoes sobre a historia da filosofia de sabe de seu estado-primitivo
( Urstand). Ele emprega Urstand
Hegel o capftulo bem elogioso sobre B oehme para substância; e é uma pena que
nao possamos mais empregar este
("o primeiro fil6sofo alemao") para termo assim como numerasos outras
termos pertinentes. "Sem a
contrariedade, a vida nao teria
compreender que nao é nada senao o tema nenhuma sensibilidade nem querer
nem eficacia, ela nao teria nem
boehmiano do desdobramento que é entendimento nem ciência. - Se o
Deus escondido, que é um ser e uma
encontrado, levado a novas conseqüências, vontade uns, por sua vontade nao
tivesse saîdo de si mesmo, da
nos três primeiros capftulos de A ciência eterna no seio do
Temperamentum para dirigir-se à
fenomenologia do espfrito. Em outras separatividade da vontade e nao
tivesse intraduzido esta
separatividade numa
palavras, o que Lacan encontra em Hegel via compreensividade (lnfasslichkeit3)"
(identidade) "para consti tuir uma
Koyré e Kojève sao, essencialmente, vida natural e criatural e a fim de
que esta mesma separatividade nao
esquemas boehmianos. estivesse em conflito na vida, como
48
a vontade d e Deus, que é somente da luz, pois o raio engendra a luz abandono e exprapriaçao", em
um, poderia lhe ser manifesta? Corno dele mesmo e ele é o pai do furar; "O caminho para ir a Cristo".
poderia haver um conhecimento de si pois o furar mora no raio enquanto 2. Von den drei Prinzipien Gdttlichen
mesmo numa vontade una?4". Corno semente no pai. E o mesmo raio Wesens.
se vê, Boehme esta infinitamente engendra também o tom ou som; o 3. Termo criado por Boehme.
acima da vazia abstraçao do Ser raio é de uma maneira geral o agente 4. Von gdttlicher Beschaulichkeit.
supremo, etc. gerador absoluto. 0 raio esta ainda Teoscopia. Da contemplaçao divina;
[ . . . ] 1340 ligado à dor; a luz é o princîpio de este livra é considerado coma sendo
"De uma ta! revelaçao das forças, na boa inteligência (das sich do ultimo ano de Boehme: 1624.
quai a vontade do um etemo se Verstiindigende). A geraçao divina é "Pois uma coisa que lem apenas uma
contempla, decorre a inteligência o surgimento do raio, da vida de vontade nao tem separatividade. Se
(Verstand) e a ciência do Ichts, ja que todas as qualidades. Tudo isso é ela nao sente uma contravontade que
a vontade eterna intui-se no lchts" tirado da Aurora. cause nela o impulsa do movimento,
(lchts é um jogo de palavras sobre Nas Questiones theosophicœ, ela nao se mexe; pois uma coisa nada
Nichts (nada), pois ele é Boehme emprega em particular para sabe a mais senao um. E .embora seja
precisamente o negativo; mas é ao o Separator, para esta oposiçao, boa em si mesma, nao conhece nem o
mesmo tempo o contrario de Nichts e também a forma do Sim e do Nao. mal nem o bem pois nada ha nela que
o !ch (eu) [moi] da consciência de si Ele diz: "O leitor deve saber que a tome sensîvel".
esta contido nele). 0 Pilho, o algo é todas as coisas consistem no Sim e 5 . Von gdttlicher Beschaulichkeit.
assim Eu [Moi], consciência, no Nao, sejam elas divinas, 0 proprio Hegel comenta o jogo de
consciência de si; o neutra abstrato é diabolicas, terrestres ou tudo o que palavras boehmiano sobre !ch (eu)
Deus, o recolhimento de si mesmo no quiserem. 0 um, enquanto o Sim, Ue moi], e Nichts (nada) [néant,
ponto do ser-para-si é Deus. 0 outra é somente força e vida e é a verdade rien]. Este paragrafo acaba (ap6s
é entao a imagem de Deus. Esta de Deus, ou o proprio Deus. Este Ichts) assim: "e, na sabedoria de
imagem (Ebenbildniss) é o "grande seria em si mesmo desconhecîvel alegria, da-se o ser de uma
mistério, Mysterium magnum, e nao haveria nele alegria ou similitude, de uma imagem".
enquanto criador de todos os seres e exultaçao, nem sensibilidade - vida - 6. Prasseguindo sua interpretaçao do
criaturas''; pois ele é o Separator (do sem o Nao. "No começo era a Pala" de Sao Joao,
todo) "na emanaçao da vontade que 0 Nao é o ob-jeto (Gegenwurj) do Boehme mostra que "assim coma o
toma separadora a vontade do um Sim ou da verdade (essa negatividade ser mental Gemüht do homem no
eterno - a separatividade na vontade é o princîpio de todo saber, de todo entendimento se dirige para um ob
de onde forças e prapriedades tiram compreender), a fim de que a jeto de uma semelhança corn a ajuda
sua origem (urstiinden)5. Este verdade seja manifesta e que seja dos sentidos ... , o ser mental Gemüht
Separator é institufdo administrador algo onde haj a um contrarium no etemo dirigiu-se pela Pala para na
(Amtmann) da natureza, pelo quai a quai o amor etemo seja atuante, separatividade Schiedlichkeit e esta
vontade etema govema todas as sensîvel, querente - e que seja para na aprapriatividade Annehmlichkeit
coisas, as faz, as forma e as molda"6. amar. E nao podemos no entanto coma em sua pr6pria inveja Lust e
[ . . . ] 1 349-55 dizer que o Sim esta separado do desejo Begierde . . . ); que a
0 ser-para-si, a percepçao-de-si, Nao, que sao duas coisas justapostas: sensibilidade Empfin dlichkeit da
Boehme o chama contraçao num eles nao sao, ao contrario, senao uma vontade pr6pria tem por fundamento
unico ponto. Isso é acridade, unica coisa, mas se separam eles o desejo, pois a vontade do Um
causticidade, penetraçao, furar; a este mesmos em dois princîpios eterno é insensfvel; e que esta se faz
dominio pertence a colera de Deus. (Anfiinge) e formam dois centras sensîvel exteriorizando-se em
Aî esta o conteudo do mal; Boehme onde cada um opera e quer em si prapriedades, e, por conseguinte, em
apreende aqui o outra de Deus em mesmo. multiplicidade infinita" ("pois cada
Deus mesmo. "Esta fonte pode ser prapriedade tem seu proprio
iluminada pela grande agitaçao, o 1. Von Wahrer Gelassenheit, 1673. sèparator"). "Mas", continua
grande levantamento. Pela contraçao 0 tftulo latino equivalente dado a Boehme, "a emanaçao prassegue . . .
é formado o ser ( Wesen) criatural, de este escrito é: De Aequanimitate, "Da até a espécie fgnea, na quai o U m
modo que um corpus celeste é igualdade da alma", a quai é corn etemo toma-se majestoso, toma-se
formado" apreensîvel. Mas se ela - a efeito a calma verdadeira, estavel, uma luz: é por af também que a força
acridade - "é iluminada pelo "die Wahrer Gelassenheit" etema se toma desejante e atuante, e
levantamento (o que so podem fazer resultando da renuncia à vontade que ela é a origem da vida sensfvel,
as criaturas que sao praduzidas do pr6pria e do abandono à vontade de ja que na Pala das forças em
salitter), é uma ardente veia-fonte da Deus, daî o tftulo dado a este texto emanaçao uma vida sensfvel eterna
cotera de Deus" que é formada. É por sua primeira traduçao francesa: tem sua origem. Pois se a vida nao
aqui o raio que jorra. "O raio é a mae "Da verdadeira equanimidade, dito o ti vesse sensibilidade, ela nao teria
49
Talvez sej a tempo de se dar conta de que nem querer nem açâo; mas o
tormento Peinen toma-a atuante e
querente; e a luz de um ta!
esse acesso a Boehme, bem longe de ter sido abrasamento pelo fogo toma-a
alegre, poi� ela é um balsamo para o
apenas indireto, foi amplamente facilitado tormento. E dessa açâo etema da
sensibilidade . . . que se origina no
pelo imponente trabalho de Koyré sobre mundo visivel corn todo seu
exército . . . , pois a etemidade de tal
Boehme. Mas continuamos nao sabendo açâo levando ao fogo, à luz e às
trevas dirigiu-se, corn o mundo
muito sobre essa relaçao; tomarei como visîvel, para um ob-jeto Gegenwurf
e instituiu o Separator de todas as
testemunho dessa ignorância o tratamento da forças da essência emanada pela
cobiça administrador da natureza . . . "
(reencontramos entâo o fim do
unica referência a Jacob Boehme que é paragrafo citado no texto hegeliano
acima).
encontrada nos Escritos (cf. "La direction de Observaremos o pape! fondamental
da noçâo de desejo, de cobiça,
la cure", 1 958, p. 5 93) . No indice, esta nesses textos de Boehme, noçâo que
nâo encontramos nas citaç6es e
referência se encontra sob a forma fantasista comentarios hegelianos acima.
•111
Este principio de precipitaçao é par exemplo muito audivel, pelas termos
mesmos, nesta passagem central do estadio do espelho: "O estadio do espelho
é um drama cujo impulso interna se precipita da insuficiência à antecipaçâo"
(sublinhado par mim). É este mesmo principio que encontramos mais tarde, da
"asserçào subjetiva antecipante'' (em outras palavras, "um ato") ao objeto
precipitado (ou reduzido) do quadro de Holbein, Os Embaixadores, esse crânio
da vanitas, comentado par Lacan na sessào do seminario de 2 6 de fevereiro de
1964.
51
52
nomeio. de minha parte, "unârio") aos dois livras que publiquei sobre esta
questiio: D-R. Dufour, Le Bégaie111e111 des 111aî1res ( 19 88 ), reeditado par
Arcanes, Estrasburgo. 1999 e Folie et Démocratie, essai s11r laforme unaire,
Gallimard, Paris, 199 6 .
53
Sébastien Stoskopff
Os cinco Sentidos, ou o Verao, 1 63 3
54
Além disso, ainda que fosse uma vozes da cultura e m geral, depois
repetiçao, também seria nova: um as grandes vozes deste século
novo contexto de enunciaçao agora terrninando, se encontraram
constitui um novo contexto para produzir afastamentos, efeitos
dial6gico, o que sempre produz um de sentido, resultados inesperados .
novo sentido"3 . E m resumo, nao posso 1er Lacan
Se Lacan se presta sem me dizer que Lacan era um
especialmente a esse tipo de lugar, uma espécie de "casa vazia",
analise, é porque durante todo 0 para retomar uma das metaforas
seu ensino, ele eminentemente preferidas dos estruturalistas, onde
deixou falar outras vozes nele. Que todas as vozes de pensamento em
tenha sabido, entre essas outras açao podiam vir falar - filosofia,
vozes, encontrar a sua pr6pria é literatura, poética, lingüfstica,
inegavel, mas s6 o pôde por ser teologia, matematicas, topologia . . .
primeiro um lugar onde a tradiçao Tendo chegado a este ponto,
letrada podia vir falar. parece-me possivel conjeturar que
Para rnim, o imenso interesse se o sujeito do ato fundador do
de Lacan nao reside, pois, nem um espelho e do lacanismo, Lacan ( o
pouco, no estabelecimento de um nome proprio), é um sujeito que,
texto monol6gico que jamais no ato, nao esta, é muito
existiu como tal e numa repetiçao provavelmente porque muitos
liturgica desse texto, mas no fato outros nele estao; entre os quais
de que Lacan é um desses lugares Boehme.
excepcionais onde as grandes Ainda às voltas corn estas
questôes, eu explicava ha pouco a
3Mari lia Amorim, Dialogisme et altérité en sciences
humaines, op. cit.. um amigo lacaniano que, quando
58