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Iviê A. M. Loureiro Gomes, Luciana Felix e Marcella Pâmela da Costa Silva

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Analistas de Operações Editoriais: André Furtado de Oliveira, Bryan Macedo Ferreira, Damares Regina Felício, Danielle Rondon
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Alvim, Arruda
Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de
conhecimento / Arruda Alvim. -- 17. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2017.

Bibliografia.
ISBN: 978-85-203-7076-6

1. Processo civil 2. Processo civil - Brasil 3. Processo de conhecimento


I. Título.

17-01549CDU-347.9(81)

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito processual civil


347.9(81)  2. Brasil: Processo civil 347.9(81)
Manual de Direito Processual Civil
Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento
17.ª edição revista, atualizada e ampliada
Arruda Alvim

© desta edição [2017]


Editora Revista dos Tribunais Ltda.
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Fechamento desta edição [XX.XX.2017]

ISBN 978-85-203-7076-6
Dedico esta obra à minha mulher,
Thereza Alvim,
e aos meus netos,
Rafael de Arruda Alvim Pinto,
Pedro de Arruda Alvim Wambier,
Henrique Leão de Arruda Alvim,
José Manoel de Arruda Alvim
e João Pedro Leão de Arruda Alvimw
Apresentação

Antes de tudo agradeço à minha mulher, Profa. Thereza Alvim, a revisão exausti-
va, excepcionalmente competente e absolutamente escrupulosa desta obra. E, também
a todos do Grupo de Apoio. À Revista dos Tribunais Thomson Reuters nas pessoas de
Marisa Harms e Cristiane Faria, meus melhores agradecimentos.
Esta obra teve dezesseis edições na vigência do CPC/1973. Foi agora inteiramente
remodelada, para esta nova edição à luz do CPC/2015.
Procurou-se referir a literatura sobre o CPC/2015, fazendo-se menção à jurispru-
dência sobre esse novo diploma existente; e, foram mantidas e aproveitadas obras es-
critas na vigência do CPC/1973 e jurisprudência, inteiramente ajustadas ao CPC/2015.
Esperemos que esta 17ª edição tenha o mesmo destino que as anteriores.
Arruda Alvim
Sumário

Apresentação.................................................................................................................... 11

1 – CONCEITO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E SUA


RELAÇÃO COM OS DEMAIS RAMOS DO DIREITO

1.1. Denominação e âmbito................................................................................................... 31


1.2. Princípios informativos do processo civil – lógico, jurídico, político e econômico......... 35
1.3. As relações entre o Direito Processual Civil e os demais ramos do Direito...................... 39
1.3.1. O processo civil e o Direito Constitucional........................................................ 39
1.3.2. O processo civil e o Direito Penal....................................................................... 43
1.3.3. O processo civil e o Direito Processual Penal...................................................... 44
1.3.4. O processo civil, o Direito Administrativo e o Direito Tributário........................ 46
1.3.5. O processo civil e o Direito Civil........................................................................ 48
1.3.6. O processo civil e o Direito Comercial................................................................ 48
1.3.7. O processo civil e o Direito Processual do Trabalho............................................ 50
1.3.8. O processo civil e os Direitos Humanos.............................................................. 50

2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL

2.1. Processo civil romano..................................................................................................... 52


2.1.1. Período das legis actiones................................................................................... 52
2.1.2. Período do processo formulário......................................................................... 53
2.1.3. Período da extraordinaria cognitio..................................................................... 53
2.2. Processo romano-barbárico............................................................................................ 54
2.3. O processo comum na Itália............................................................................................ 55
2.3.1. Período dos glosadores....................................................................................... 55
2.3.2. Período dos pós-glosadores................................................................................ 55
2.3.3. Período da jurisprudência culta......................................................................... 56
2.4. O processo comum na Alemanha.................................................................................... 56
2.5. O processo na Península Ibérica e suas implicações no Direito brasileiro....................... 57
2.5.1. As Ordenações – Especialmente as Filipinas...................................................... 58
2.6. O Brasil e sua legislação depois da Independência.......................................................... 58
2.6.1. O Regulamento 737........................................................................................... 59
14 Manual de Direito Processual Civil
2.6.2. A República e o processo civil – Os Códigos de Processo Civil Estaduais........... 59
2.6.3. A reunificação do processo civil – os códigos de 1939 e 1973............................. 59
2.7. A reelaboração dogmática do direito processual civil no século XX................................ 61
2.7.1. Autonomia do direito da ação............................................................................ 62
2.7.2. Moderna classificação das ações......................................................................... 63
2.7.3. O processo concebido como contrato ou quase contrato.................................... 64
2.7.4. O processo como instrumento predominantemente técnico.............................. 65
2.8. A fase contemporânea do processo civil brasileiro.......................................................... 66
2.8.1. Intersecção entre função cognitiva, executiva e cautelar.................................... 66
2.8.2. Insuficiência do processo individual à luz do direito material e da ascensão das
massas................................................................................................................ 69
2.8.3. Alterações no sistema processual em correspondência à ascensão de novos direitos
tuteláveis...................................................................................................................... 75
2.9. O Novo Código de Processo Civil................................................................................... 78

3 – Jurisdição

3.1. A Função Jurisdicional................................................................................................... 96


3.1.1. O Estado de Direito............................................................................................ 96
3.1.2. Natureza da função jurisdicional e suas características...................................... 100
3.1.3. Os princípios fundamentais da jurisdição.......................................................... 102
3.1.4. Jurisdição contenciosa e voluntária.................................................................... 105
3.1.5. Função jurisdicional e métodos alternativos de solução de conflitos................. 106
3.1.6. A reforma do Poder Judiciário............................................................................ 107
3.2. Jurisdição e sua função de controle................................................................................. 111
3.2.1. Inconstitucionalidade de lei declarada incidentalmente.................................... 112
3.2.2. O controle concentrado da constitucionalidade................................................. 114
3.2.3. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário................................. 122
3.3. Jurisdição e sua função uniformizadora.......................................................................... 125
3.3.1. A força da jurisprudência no CPC/2015............................................................. 125
3.3.2. Parâmetros para formar, aplicar e não aplicar decisões vinculantes.................... 129
3.3.3. Distinção, superação e adoção de decisões vinculantes...................................... 131
3.3.4. A organização e a indexação das decisões vinculantes........................................ 133
3.3.5. A repercussão geral............................................................................................ 134
3.3.6. A súmula vinculante.......................................................................................... 138

4 – Direito de Ação

4.1. A teoria da ação............................................................................................................... 142


4.1.1. Os conflitos de interesse e as respectivas soluções.............................................. 142
4.1.2. Noção de direito objetivo e de direito subjetivo.................................................. 143
4.1.3. A ação e o direito subjetivo no prisma judicial................................................... 145
4.1.4. Teoria civilista da ação........................................................................................ 149
4.1.5. A posição de Adolf Wach.................................................................................... 150
Sumário 15
4.1.6. A posição de Chiovenda..................................................................................... 151
4.1.7. Crítica às concepções clássicas sobre a ação....................................................... 153
4.2. Conceito de ação e condições para o seu exercício.......................................................... 155
4.2.1. Definição de ação............................................................................................... 155
4.2.2. As condições da ação em nosso Direito positivo................................................. 156
4.2.2.1. O interesse processual......................................................................... 159
4.2.2.2. A legitimidade para a causa................................................................. 161
4.2.3. O procedimento de verificação das condições da ação........................................ 162
4.2.4. As condições da ação e o mérito......................................................................... 164
4.2.5. A extinção por falta de condições da ação e a repropositura da demanda........... 165
4.3. A ação declaratória.......................................................................................................... 167
4.3.1. Particularidades da ação declaratória................................................................. 167
4.3.2. A ação declaratória incidental – sua função no CPC/1973 e o tratamento do tema
no CPC/2015.......................................................................................................... 171
4.4. A ação e o objeto do processo.......................................................................................... 174
4.4.1. O papel do “fato” na teoria da ação..................................................................... 174
4.4.2. Conceito de mérito............................................................................................. 177
4.4.3. Elementos da ação.............................................................................................. 178
4.4.3.1. As partes e sua identificação................................................................ 178
4.4.3.2. O objeto (o pedido)............................................................................ 179
4.4.3.3. Fundamento legal e causa de pedir..................................................... 181
4.4.4. Cumulação de pretensões (de pedidos).............................................................. 183
4.4.5. Concorrência de ações....................................................................................... 186

5 – Processo e os Pressupostos Processuais

5.1. A formação da relação jurídica processual...................................................................... 189


5.2. Pressupostos processuais da existência da relação jurídica processual............................ 191
5.3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual.............................. 195
5.4. Pressupostos processuais negativos................................................................................ 201

6 – As Normas Processuais Civis e os


Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc

6.1. Norma jurídica............................................................................................................... 202


6.2. Classificação das normas processuais civis..................................................................... 204
6.2.1. Norma cogente e norma dispositiva................................................................... 205
6.2.2. Norma processual e norma substancial.............................................................. 206
6.2.3. Normas de processo e normas de procedimento................................................ 207
6.3. As fontes da norma processual civil................................................................................ 214
6.3.1. Os chamados precedentes pelo novo CPC.......................................................... 215
6.4. Normas processuais na Constituição Federal................................................................. 216
16 Manual de Direito Processual Civil
7 – As Normas Fundamentais do Processo Civil

7.1. A função da Parte Geral e a estrutura dogmática do CPC/2015....................................... 222


7.2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição (art. 1º)........................................ 225
7.2.1. A remodelação do papel das constituições e o papel da magistratura e dos par-
lamentos............................................................................................................ 226
7.2.2. Modificação, no plano prático, do papel das constituições................................. 228
7.2.3. Impactos do constitucionalismo sobre o conceito e os objetivos da jurisdição.... 230
7.2.4. O impacto da constitucionalização do direito sobre a jurisprudência................. 231
7.2.5. Interpretação conforme a Constituição.............................................................. 233
7.3. A inércia e a inafastabilidade da jurisdição (arts. 2º e 3º)................................................. 234
7.3.1. Jurisdição e arbitragem...................................................................................... 236
7.3.2. A conciliação e a mediação................................................................................. 240
7.4. A duração razoável do processo (art. 4º)......................................................................... 242
7.5. A boa-fé processual (art. 5º)............................................................................................ 243
7.6. A cooperação processual (art. 6º)................................................................................... 247
7.7. A isonomia e a paridade de tratamento (art. 7º).............................................................. 250
7.8. A hermenêutica e a aplicação das leis processuais (art. 8º).............................................. 253
7.8.1. A interpretação das leis em geral........................................................................ 253
7.8.2. Interpretação da lei processual civil................................................................... 255
7.8.3. A hermenêutica conforme o art. 8º do CPC/2015............................................... 257
7.8.3.1. Especificamente: a proporcionalidade e a aplicação do direito pro-
cessual........................................................................................ 260
7.8.4. As fontes subsidiárias da norma processual civil................................................ 268
7.8.4.1. Analogia.............................................................................................. 269
7.8.4.2. Costume............................................................................................. 270
7.8.4.3. Os princípios gerais do Direito............................................................ 271
7.8.4.4. A jurisprudência e o processo civil...................................................... 274
7.9. O contraditório como influência e a necessidade de diálogo (arts. 9º e 10)..................... 276
7.10. Publicidade e motivação das decisões (art. 11)............................................................... 279
7.11. Ordem cronológica de julgamento (art. 12).................................................................... 281

8 – Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções

8.1. Funções do Poder Judiciário e funções judiciárias.......................................................... 283


8.2. Órgãos judiciários........................................................................................................... 284
8.2.1. Conselho Nacional de Justiça............................................................................. 286
8.3. Órgãos não judiciários com funções jurisdicionais......................................................... 287
8.4. Regimento dos tribunais................................................................................................. 288
8.5. Organização judiciária.................................................................................................... 289
8.6. Normas disciplinadoras da organização judiciária.......................................................... 290
8.7. Possibilidade de conflito entre as normas de organização judiciária e as leis de processo.... 291
8.8. Auxiliares da Justiça....................................................................................................... 293
8.9. A cooperação internacional e nacional............................................................................ 296
Sumário 17
9 – Competência

9.1. Jurisdição e competência: alguns aspectos introdutórios................................................ 298


9.2. Definição de competência............................................................................................... 301
9.2.1. Competência absoluta e competência relativa.................................................... 303
9.2.2. A competência como pressuposto processual.................................................... 304
9.2.3. Competência exterior e interior......................................................................... 308
9.3. Critérios para definição da competência......................................................................... 308
9.3.1. Competência internacional e interna................................................................. 308
9.3.2. A divisão tripartida da competência (os critérios objetivo, territorial e funcional)... 311
9.3.3. O critério objetivo em razão da matéria ou do valor da causa (a competência
objetiva)............................................................................................................. 312
9.3.4. O critério territorial (a competência territorial)................................................. 312
9.3.5. O critério funcional ou da função do órgão jurisdicional (a competência
funcional)................................................................................................. 314
9.3.6. Prevenção........................................................................................................... 315
9.4. A competência territorial e a definição do foro competente............................................ 317
9.4.1. Foro e juízo........................................................................................................ 317
9.4.2. Foro geral........................................................................................................... 318
9.4.3. Foros especiais................................................................................................... 320
9.4.4. Foro para as ações fundadas em direito real sobre imóveis................................. 320
9.4.5. O foro para as ações pertinentes à sucessão........................................................ 324
9.4.6. O foro do ausente............................................................................................... 326
9.4.7. O foro do incapaz............................................................................................... 326
9.4.8. O foro da União, dos Estados e do Distrito Federal............................................. 326
9.4.9. O foro para as ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhe-
cimento ou dissolução de união estável.............................................................. 327
9.4.10. O foro para as ações em que se pedem alimentos................................................ 327
9.4.11. Demais foros especiais........................................................................................ 328
9.5. A competência da Justiça Federal................................................................................... 329
9.5.1. As hipóteses de competência.............................................................................. 330
9.5.2. Casuística........................................................................................................... 336
9.5.3. A competência da Justiça Federal é absoluta...................................................... 338
9.5.4. Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.............. 339
9.6. A competência jurisdicional em se tratando de mandado de segurança.......................... 339
9.7. A competência em leis extravagantes.............................................................................. 340
9.8. Incompetência................................................................................................................ 343
9.8.1. Incompetência relativa....................................................................................... 343
9.8.2. Incompetência absoluta..................................................................................... 344
9.8.3. Perpetuatio iurisdictionis................................................................................... 347
9.9. Modificação da competência (conexão e continência de causas).................................... 349
9.9.1. Conexão de causas............................................................................................. 349
9.9.2. Continência de causas........................................................................................ 351
18 Manual de Direito Processual Civil
9.10. Conflito de competência................................................................................................. 352
9.10.1. Aspectos introdutórios....................................................................................... 352
9.10.2. O tratamento dado à matéria pelo nosso Código e entre tribunais estaduais...... 353
9.10.3. O procedimento do conflito de competência...................................................... 354

10 – Os Sujeitos do Processo

10.1. Introdução..................................................................................................................... 355


10.2. O juiz.............................................................................................................................. 355
10.2.1. Independência funcional e garantias do juiz..................................................... 355
10.2.2. A atuação do juiz na relação processual............................................................ 359
10.3. Conceitos de parte e de capacidade processual............................................................... 361
10.4. As regras do Direito Civil no tema da capacidade e o Direito Processual Civil................ 366
10.5. A capacidade de ser parte, a capacidade para estar em juízo, a legitimação processual e a
legitimidade ad causam.................................................................................................. 367
10.5.1. Os incapazes e sua representação em juízo........................................................ 369
10.5.2. O regime jurídico dos incapazes no Direito Processual Civil............................. 371
10.5.3. A colisão de interesses do incapaz e do representante....................................... 372
10.5.4. O curador especial............................................................................................ 373
10.5.5. Forma de ser sanada a incapacidade.................................................................. 378
10.5.6. A capacidade processual do marido e da mulher............................................... 379
10.6. Advogado....................................................................................................................... 381
10.6.1. Capacidade postulatória................................................................................... 381
10.6.2. A função do advogado....................................................................................... 385
10.6.3. A procuração e os poderes conferidos............................................................... 388
10.6.4. Deveres do advogado previstos no Código de Processo Civil............................ 391
10.6.5. Direitos do advogado previstos pelo Código de Processo Civil......................... 393
10.6.6. Honorários advocatícios sucumbenciais........................................................... 395
10.6.7. Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública........................................... 404
10.7. Ministério Público.......................................................................................................... 406
10.7.1. A atual função do Ministério Público................................................................ 406
10.7.2. Os princípios estruturais e os da atuação do Ministério Público....................... 407
10.7.3. O Ministério Público e sua posição político-jurídica......................................... 413
10.7.4. A atuação do Ministério Público....................................................................... 415
10.7.5. Hipóteses de intervenção do Ministério Público no Código de Processo Civil.... 418
10.7.6. A atuação do Ministério Público no processo.................................................... 424
10.8. Representação em Juízo das pessoas jurídicas................................................................ 424
10.8.1. Noções gerais.................................................................................................... 424
10.8.2. A representação da União.................................................................................. 425
10.8.3. A representação dos Estados federados e do Distrito Federal............................ 428
10.8.4. A representação dos Municípios....................................................................... 430
10.8.5. A representação das autarquias e demais entidades de caráter público criadas
por lei...................................................................................................... 431
Sumário 19
10.8.6. A representação das pessoas jurídicas de Direito Privado.................................. 432
10.8.7. A representação das paróquias da Igreja Católica.............................................. 436
10.9. Representação dos entes despersonalizados................................................................... 436
10.9.1. Introdução........................................................................................................ 436
10.9.2. A representação da massa falida........................................................................ 437
10.9.3. A representação das heranças jacente e vacante................................................ 438
10.9.4. A representação do espólio................................................................................ 439
10.9.5. A representação dos condomínios edilícios....................................................... 441

11 – Litisconsórcio e Ações para Anular Deliberações


de Sociedades e Temas Correlatos – Posição do Sócio em Demanda
Contra a Sociedade e a Figura do Litisconsórcio

11.1. Conceito de litisconsórcio.............................................................................................. 445


11.2. Classificação do litisconsórcio quanto ao momento de sua formação............................. 446
11.3. Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação (arts. 113
e 114) e o chamado litisconsórcio multitudinário (art. 113, § 1º)................................... 446
11.4. Classificação do litisconsórcio quanto à sorte no plano do Direito Material................... 448
11.5. Classificação do litisconsórcio quanto à posição, subjetiva ativa ou passiva, dos litiscon-
sortes no processo.......................................................................................................... 451
11.6. Litisconsórcio facultativo (art. 113)............................................................................... 451
11.6.1. Litisconsórcio facultativo baseado na comunhão de direitos ou de obrigações,
tendo em vista a lide (art. 113, I) ...................................................................... 452
11.6.2. Litisconsórcio facultativo baseado na conexão de causas (arts. 55 e 113, II)..... 453
11.6.3. Litisconsórcio facultativo baseado na afinidade de questões (art. 113, III)........ 454
11.7. Litisconsórcio necessário (arts. 114 e 115)..................................................................... 457
11.8. Litisconsórcio unitário (art. 116)................................................................................... 461
11.9. A posição do sócio em demanda contra a sociedade e a figura do litisconsórcio............. 463
11.10. Regime jurídico fundamental e especial do litisconsórcio.............................................. 473
11.11. A figura do litisconsórcio no sistema dos Juizados Especiais e no Código de Defesa do
Consumidor................................................................................................................... 479

12 – Intervenção de Terceiros

12.1. Introdução e razões de ser da intervenção de terceiros no processo................................ 481


12.2. Assistência..................................................................................................................... 482
12.2.1. Noções gerais sobre o instituto da assistência simples...................................... 482
12.2.2. A assistência simples e a assistência litisconsorcial: aspectos em comum.......... 484
12.2.3. A assistência simples e a assistência litisconsorcial: distinção........................... 485
12.2.4. A atuação do assistente simples......................................................................... 487
12.2.5. A atuação do assistente litisconsorcial.............................................................. 489
12.2.6. Efeitos da sentença sobre o assistente simples e o assistente litisconsorcial...... 490
12.2.7. O incidente de admissibilidade do assistente.................................................... 492
12.3. Denunciação da Lide...................................................................................................... 493
12.3.1. Noções gerais sobre o instituto e requisitos para sua admissão......................... 493
20 Manual de Direito Processual Civil
12.3.2. A hipótese do art. 125, I.................................................................................... 497
12.3.3. A hipótese do art. 125, II................................................................................... 498
12.3.4. O ingresso do denunciado................................................................................. 506
12.3.5. A posição do litisdenunciado............................................................................ 507
12.3.6. O comparecimento ou não do denunciado pelo autor....................................... 510
12.3.7. O comparecimento ou não do denunciado pelo réu.......................................... 511
12.3.8. As consequências da denunciação.................................................................... 514
12.3.9. A denunciação da lide na execução................................................................... 514
12.4. Chamamento ao processo.............................................................................................. 515
12.4.1. Finalidades e noções gerais do instituto............................................................ 515
12.4.2. As hipóteses de chamamento ao processo (art. 130 do CPC/2015)................... 517
12.4.3. Procedimento do chamamento e seus efeitos.................................................... 519
12.4.4. Hipóteses de não admissibilidade do chamamento........................................... 520
12.4.5. Chamamento ao processo e a ação declaratória................................................. 522
12.5. Desconsideração da personalidade jurídica.................................................................... 523
12.5.1. Noções gerais sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica...... 523
12.5.2. A desconsideração da personalidade jurídica requerida de forma incidental.... 532
12.5.3. A desconsideração da personalidade jurídica requerida na petição inicial........ 534
12.5.4. Procedimento para desconsideração da personalidade jurídica inversa............ 535
12.5.5. Efeitos da decisão que desconsidera a personalidade jurídica........................... 535
12.6. Amicus Curiae................................................................................................................. 536
12.6.1. Noções gerais sobre o amicus curiae................................................................. 536
12.6.2. Quem pode ser amicus curiae........................................................................... 539
12.6.3. Natureza jurídica do amicus curiae................................................................... 541
12.6.4. Requisitos para a admissão do amicus curiae..................................................... 542
12.6.5. A (ir)recorribilidade da decisão que admite ou inadmite o ingresso do amicus
curiae................................................................................................................ 543
12.6.6. Poderes do amicus curiae.................................................................................. 545
12.6.7. O amicus curiae e os julgamentos de casos repetitivos....................................... 546
12.6.8. Amicus curiae e a coisa julgada......................................................................... 547

13 – Atos processuais

13.1. Atos jurídicos e atos processuais.................................................................................... 549


13.2. Classificação dos atos processuais.................................................................................. 551
13.3. Forma dos atos processuais............................................................................................ 563
13.4. As nulidades dos atos processuais.................................................................................. 564

14 – Negócios Jurídicos Processuais

14.1. Conceito......................................................................................................................... 572


14.2. A busca da superação do embate entre o publicismo e privatismo: influência sobre a
disciplina dos negócios processuais no CPC/2015......................................................... 574
14.3. A cláusula geral sobre negócios processuais................................................................... 578
Sumário 21
14.4. Requisitos dos negócios jurídicos processuais................................................................ 581
14.5. O controle judicial dos negócios jurídicos processuais................................................... 583
14.6. Os limites dos negócios processuais............................................................................... 584
14.7. O calendário processual................................................................................................. 589

15 – Comunicação dos Atos Processuais

15.1. Considerações introdutórias.......................................................................................... 591


15.2. A citação......................................................................................................................... 593
15.2.1. Citação por correio........................................................................................... 597
15.2.2. Citação por oficial de justiça............................................................................. 603
15.2.3. Citação com hora certa..................................................................................... 604
15.2.4. Citação por Edital............................................................................................. 606
15.2.5. Citação pelo escrivão ou chefe de secretaria...................................................... 609
15.2.6. Citação nas ações de família.............................................................................. 609
15.2.7. Local da citação................................................................................................. 610
15.2.8. Impedimentos legais para a efetivação da citação.............................................. 611
15.2.9. Conceito de citação e suas consequências......................................................... 613
15.2.10. Efeitos da citação.............................................................................................. 615
15.2.11. A falta de citação............................................................................................... 616
15.2.12. Nulidade da citação........................................................................................... 617
15.3. As intimações................................................................................................................. 619
15.3.1. Peculiaridades formais da intimação................................................................. 621
15.3.2. A comunicação por fac-símile e similares (Lei 9.800/1999).............................. 624
15.3.3. O processo eletrônico – da Lei 9.800/1999 ao CPC/2015.................................. 626

16 – O Tempo e os Prazos no Processo

16.1. Prazos e preclusão.......................................................................................................... 638


16.2. Os princípios informativos do processo e os prazos....................................................... 638
16.3. Os princípios da utilidade, peremptoriedade e preclusão............................................... 640
16.4. Prazos e sua classificação................................................................................................ 650
16.5. Contagem dos prazos..................................................................................................... 653
16.6. Os prazos mais importantes........................................................................................... 656
16.7. Preclusão........................................................................................................................ 656
16.8. A interrupção da prescrição, a obstaculização da decadência e a prescrição intercorrente..... 662
16.9. Suspensão da execução e a prescrição intercorrente....................................................... 670

17 – As tutelas provisórias

17.1. Notas evolutivas: o surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973 e a sua importância


para a evolução das tutelas provisórias de urgência........................................................ 674
17.1.1. O surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973.......................................... 675
17.1.2. A distinção entre tutela cautelar e tutela antecipatória...................................... 681
22 Manual de Direito Processual Civil
17.1.3. A inserção da fungibilidade entre as tutelas de urgência no CPC/1973............. 687
17.1.4. A sistematização das tutelas provisórias no CPC/2015...................................... 689
17.2. Principais características das tutelas provisórias............................................................ 691
17.3. Disciplina geral das tutelas provisórias........................................................................... 693
17.3.1. Competência para conhecimento das tutelas provisórias.................................. 693
17.3.2. Impossibilidade de concessão ex officio das tutelas provisórias........................ 694
17.3.3. Possibilidade de revogação ou alteração das tutelas provisórias........................ 695
17.3.4. Fungibilidade entre as tutelas provisórias......................................................... 696
17.3.5. Efetivação das tutelas provisórias...................................................................... 697
17.3.6. Ausência de discricionariedade na verificação dos pressupostos às tutelas pro-
visórias.............................................................................................................. 701
17.4. Tutelas de urgência......................................................................................................... 704
17.4.1. Sistematização das tutelas de urgência.............................................................. 704
17.4.2. Pressupostos à concessão das tutelas de urgência.............................................. 704
17.4.3. Tutela de urgência e reversibilidade da medida................................................. 709
17.4.4. Responsabilidade pelos danos causados com a efetivação da tutela de urgência... 710
17.5. Tutela de urgência antecipada requerida em caráter antecedente................................... 712
17.6. A estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente......................................... 715
17.6.1. Síntese evolutiva do instituto e principais questões no direito pátrio................ 715
17.6.2. Pressupostos para a estabilização da tutela antecipada de urgência antecedente... 719
17.6.3. Estabilização e coisa julgada............................................................................. 726
17.6.4. Outras questões polêmicas sobre a estabilização da tutela................................ 729
17.7. Tutela de urgência cautelar requerida em caráter antecedente........................................ 731
17.8. A tutela antecipada de evidência..................................................................................... 735
17.8.1. Fundamentos da tutela de evidência e diferença entre tutela antecipada de
urgência e tutela antecipada de evidência......................................................... 735
18.8.2. Diferença entre tutela antecipada da evidência e julgamento antecipado de
mérito...................................................................................................... 736
17.8.3. Hipóteses de concessão e pressupostos da tutela antecipada da evidência........ 737

18 – Petição Inicial
18.1. Conceito, finalidade e importância da petição inicial..................................................... 740
18.2. Funções preparatórias e definitivas da petição inicial..................................................... 740
18.3. Conteúdo lógico-jurídico da petição inicial................................................................... 741
18.4. O conteúdo da petição inicial. Declaração de vontade e declaração de ciência nela con-
tidas................................................................................................................................ 741
18.5. Forma da petição inicial................................................................................................. 742
18.6. Requisitos da petição inicial........................................................................................... 743
18.7. Pedido............................................................................................................................ 748
18.7.1. Alteração ou aditamento do pedido e da causa de pedir.................................... 752
18.8. Momento do ajuizamento da ação, distribuição e registro da petição inicial.................. 752
18.9. Deferimento, emenda e indeferimento da petição inicial................................................ 755
18.10. Improcedência liminar do pedido............................................................................................ 759
Sumário 23
19 – Audiência de Conciliação ou Mediação

19.1. Mecanismos de autocomposição e Poder Judiciário....................................................... 762


19.2. Audiência de conciliação ou mediação........................................................................... 763
19.3. Procedimento................................................................................................................. 766

20 – Resposta Do Réu

20.1. Resposta e outras possíveis reações do réu diante da ação proposta pelo autor............... 768
20.2. Forma e início da contagem do prazo para contestação.................................................. 769
20.3. Analogia existente entre o direito de ação e o direito de defesa....................................... 770
20.4. Contestação.................................................................................................................... 770
20.4.1. Função processual da contestação e ônus da impugnação especificada dos
fatos.................................................................................................................. 770
20.4.2. Contestação e seu conteúdo processual............................................................ 772
20.4.3. Ainda sobre o conteúdo processual da contestação: especificamente a alegação
de incompetência.............................................................................................. 775
20.4.4. A contestação e seu conteúdo material: classificação da defesa de mérito em
direta e indireta................................................................................................. 777
20.4.5. Contestação, concentração da defesa e preclusão.............................................. 777
20.5. O impedimento e a suspeição do julgador...................................................................... 779
20.6. Reconvenção.................................................................................................................. 781
20.6.1. Possibilidade de ampliação subjetiva do processo na reconvenção................... 782
20.6.2. Procedimento da reconvenção.......................................................................... 784
20.6.3. Autonomia da reconvenção.............................................................................. 788
20.7. As questões prejudiciais suscitadas como espécie de resposta do réu e a subsistência da
ação declaratória incidental para as ações ajuizadas sob a vigência do CPC/1973.......... 788

21 – Revelia

21.1. Introdução..................................................................................................................... 790


21.2. A revelia no sistema do Código de Processo Civil e seus aspectos capitais...................... 790
21.3. Revelia e litisconsórcio................................................................................................... 795
21.4. Revelia e assistência........................................................................................................ 796
21.5. Revelia e reconvenção.................................................................................................... 796
21.6. Revelia e julgamento antecipado da lide......................................................................... 797
21.7. A revelia e os procedimentos especiais........................................................................... 798
21.8. Revelia e a citação ficta................................................................................................... 800

22 – Suspensão do Processo

22.1. Ideias gerais.................................................................................................................... 802


22.2. A suspensão necessária do processo............................................................................... 802
22.3. A suspensão facultativa do processo............................................................................... 807
24 Manual de Direito Processual Civil
23 – Saneamento e Organização do Processo

23.1. A fase de saneamento e organização do processo............................................................ 808


23.2. As providências preliminares......................................................................................... 808
23.3. O julgamento conforme o estado do processo................................................................ 810
23.3.1. A extinção do processo sem resolução de mérito – sentenças terminativas....... 810
23.3.1.1. O inciso I do art. 485......................................................................... 811
23.3.1.2. O inciso II do art. 485....................................................................... 811
23.3.1.3. O inciso III do art. 485...................................................................... 812
23.3.1.4. O inciso IV do art. 485...................................................................... 813
23.3.1.5. O inciso V do art. 485....................................................................... 813
23.3.1.6. O inciso VI do art. 485...................................................................... 814
23.3.1.7. O inciso VII do art. 485..................................................................... 814
23.3.1.8. O inciso VIII do art. 485................................................................... 816
23.3.1.9. O inciso IX do art. 485...................................................................... 817
23.3.1.10. O inciso X do art. 485....................................................................... 818
23.3.1.11. As consequências comuns aos diversos casos de encerramento do
processo sem resolução de mérito..................................................... 818
23.3.2. As decisões interlocutórias que extinguem parte do processo........................... 819
23.3.3. As sentenças resolutivas de mérito (definitivas) decorrentes de composição das
partes................................................................................................................ 819
23.3.4. As decisões interlocutórias que homologam composição das partes relativamente
a parcela do mérito............................................................................................ 820
23.3.5. As decisões definitivas que reconhecem a prescrição ou a decadência.............. 820
23.3.6. As decisões interlocutórias que reconhecem a prescrição ou a decadência quanto
à parcela do pedido........................................................................................... 820
23.3.7. As sentenças definitivas decorrentes do julgamento antecipado do mérito....... 820
23.3.8. As decisões interlocutórias decorrentes do julgamento antecipado parcial de
mérito............................................................................................................... 823
23.4. A decisão de saneamento e organização do processo...................................................... 824

24 – Teoria Geral da Prova

24.1. Conceito jurídico da prova, momentos da prova e procedimento probatório................. 828


24.1.1. A natureza das normas sobre provas................................................................. 828
24.1.2. Conceito de prova............................................................................................. 830
24.1.3. A prova, a persuasão racional e o problema da verdade..................................... 830
24.1.4. Objeto de prova................................................................................................. 832
24.1.5. Momentos da prova e procedimento probatório............................................... 834
24.1.6. Postulação das provas....................................................................................... 834
24.1.7. Admissão das provas......................................................................................... 835
24.1.8. Produção das provas......................................................................................... 836
24.1.9. Valoração das provas......................................................................................... 837
24.2. As provas e os princípios regentes do direito processual civil......................................... 837
Sumário 25
24.2.1. A prova e o princípio da liberdade, atipicidade ou não-taxatividade dos meios
de prova............................................................................................................ 837
24.2.2. A vedação das provas ilícitas como exceção ao princípio da liberdade dos meios
de prova............................................................................................................ 838
24.2.3. A prova e o princípio da persuasão racional...................................................... 840
24.2.4. A prova e o princípio dispositivo....................................................................... 842
24.2.5. A prova e o princípio da aquisição processual................................................... 842
24.3. Indícios e presunções..................................................................................................... 843
24.3.1. Diferença entre prova direta e indireta.............................................................. 843
24.3.2. Distinção entre presunção hominis e presunção legal....................................... 845
24.3.3. Presunção......................................................................................................... 845
24.3.4. Espécies de presunção....................................................................................... 846
24.3.5. As presunções legais......................................................................................... 847
24.3.6. As presunções do homem................................................................................. 848
24.3.7. Valoração das presunções hominis.................................................................... 849
24.3.8. A presunção hominis e a prova contrária.......................................................... 850
24.3.9. A prova prima facie........................................................................................... 851
24.3.10. A prova prima facie e o problema do ônus da prova.......................................... 852
24.4. Ônus da prova................................................................................................................ 852
24.4.1. Introdução........................................................................................................ 852
24.4.2. Distinção entre ônus, obrigação e dever............................................................ 853
24.4.3. O ônus perfeito e o ônus imperfeito.................................................................. 853
24.4.4. Correlação do ônus da prova com os princípios dispositivo e inquisitório........ 854
24.4.5. Fundamentos da repartição do ônus da prova................................................... 856
24.4.6. A sentença, o raciocínio do juiz e a função do ônus da prova............................ 857
24.4.7. A convenção das partes na distribuição do ônus da prova................................. 857
24.4.8. A alegação de fato modificativo, impeditivo ou extintivo e o ônus da prova de
acordo com a regra geral (estática) do art. 373, caput, do CPC/2015................ 858
24.4.9. A flexibilização do ônus da prova e a teoria das cargas dinâmicas probatórias... 858
24.5. Produção antecipada de provas...................................................................................... 862
24.5.1. Aspectos conceituais......................................................................................... 862
24.5.2. Hipóteses e características procedimentais....................................................... 864
24.6. Prova emprestada........................................................................................................... 866
24.6.1. Conceito e fundamentos da prova emprestada.................................................. 866
24.6.2. Natureza e eficácia da prova emprestada........................................................... 869
24.6.3. Pressupostos à prova emprestada...................................................................... 870
24.6.4. Questões problemáticas: a diversidade de juiz natural nos processos originário
e destinatário e suas implicações....................................................................... 873

25 – Provas em Espécie

25.1. Ata notarial..................................................................................................................... 878


25.2. Depoimento pessoal....................................................................................................... 880
26 Manual de Direito Processual Civil
25.2.1. Noções gerais.................................................................................................... 880
25.2.2. Interrogatório livre e depoimento pessoal (propriamente dito). Diversidade de
regimes jurídicos............................................................................................... 883
25.2.3. Definição........................................................................................................... 885
25.2.4. Recusa em depor e aplicação da pena de confesso............................................. 888
25.2.5. Procedimento do depoimento pessoal.............................................................. 889
25.2.6. Restrições a certos fatos (art. 388 do CPC/2015).............................................. 891
25.2.7. Depoimento pessoal e confissão........................................................................ 891
25.3. Confissão....................................................................................................................... 892
25.3.1. Noções gerais.................................................................................................... 892
25.3.2. Conceito de confissão....................................................................................... 892
25.3.3. Elementos da confissão..................................................................................... 895
25.3.4. Espécies de confissão........................................................................................ 895
25.3.5. Divisibilidade e indivisibilidade da confissão.................................................... 896
25.3.6. Efeitos da confissão........................................................................................... 896
25.3.7. Aspectos principais da confissão em nosso direito positivo............................... 897
25.3.8. Revogação ou anulação da confissão................................................................. 897
25.4. Prova documental.......................................................................................................... 897
25.4.1. Noções gerais.................................................................................................... 897
25.4.2. Definição de documento................................................................................... 899
25.4.3. Os autores intelectual e material do documento............................................... 899
25.4.4. O conteúdo e a eficácia do documento.............................................................. 899
25.4.5. A forma como sendo da substância do documento........................................... 902
25.4.6. O documento, em regra, é prova pré-constituída.............................................. 904
25.4.7. Classificação dos documentos. Aspectos gerais................................................ 905
25.4.8. Os documentos e a autenticidade...................................................................... 907
25.4.9. O documento e a extensão subjetiva de sua validade......................................... 908
25.4.10. As autoridades que são autoras materiais dos documentos............................... 908
25.4.11. Instrumentos e documentos particulares. Distinção específica......................... 908
25.4.12. O documento e sua data.................................................................................... 908
25.4.13. Validade e autenticidade. Distinção.................................................................. 909
25.4.14. O valor probante dos documentos.................................................................... 910
25.4.15. Exibição de documento ou coisa. Generalidades.............................................. 912
25.4.16. Espécies de ação de exibição e fundamento jurídico ao direito à exibição......... 914
25.4.17. As partes e sua legitimidade.............................................................................. 915
25.4.18. Os limites da ação de exibição de documento ou coisa...................................... 915
25.4.19. A recusa fundada de exibição............................................................................ 915
25.4.20. Efeitos sobre a parte, tendo em vista a não exibição.......................................... 916
25.4.21. Efeitos sobre terceiros, tendo em vista a não exibição....................................... 916
25.4.22. Os recursos....................................................................................................... 917
25.4.23. A produção da prova documental e o procedimento......................................... 917
25.5. Prova testemunhal.......................................................................................................... 919
Sumário 27
25.5.1. Noções gerais.................................................................................................... 919
25.5.2. Testemunha e parte. Distinção.......................................................................... 920
25.5.3. Testemunha e perito. Distinção......................................................................... 920
25.5.4. O valor da prova testemunhal........................................................................... 921
25.5.5. A técnica de inquirição...................................................................................... 922
25.5.6. O sujeito da prova testemunhal......................................................................... 925
25.6.7. Conceito de testemunha................................................................................... 926
25.5.8. A obrigação de testemunhar.............................................................................. 927
25.5.9. Quem pode ser testemunha.............................................................................. 931
25.5.10. Deveres e direitos da testemunha...................................................................... 940
25.5.11. O pedido e a admissibilidade da prova testemunhal.......................................... 941
25.5.12. Procedimento da prova testemunhal................................................................. 942
25.5.13. Local em que devem ser ouvidas as testemunhas.............................................. 945
25.5.14. A substituição de testemunhas.......................................................................... 946
25.6. Prova pericial................................................................................................................. 946
25.6.1. Conceito de perícia........................................................................................... 946
25.6.2. Cabimento da prova pericial............................................................................. 947
25.6.3. Momento do pedido da prova pericial............................................................... 950
25.6.4. O juiz e o resultado da perícia........................................................................... 951
25.6.5. Perícia. Requisitos e realização.......................................................................... 953
25.6.6. A perícia e o perito............................................................................................ 958
25.6.7. O perito e a sua responsabilidade...................................................................... 960
25.7. Inspeção judicial............................................................................................................ 961
25.7.1. Noções gerais.................................................................................................... 961
25.7.2. A participação de peritos na inspeção............................................................... 963
25.7.3. A presença das partes na inspeção..................................................................... 963
25.7.4. A documentação da inspeção............................................................................ 964

26 – Audiência de Instrução e Julgamento

26.1. Introdução..................................................................................................................... 965


26.2. Atos que antecedem a audiência..................................................................................... 967
26.3. A audiência de instrução e julgamento........................................................................... 967
26.4. Decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e os recursos cabíveis........ 969
26.5. O adiamento da audiência.............................................................................................. 970
26.6. Audiência e o problema do cerceamento de defesa......................................................... 971
26.7. Audiência e o comparecimento do Ministério Público................................................... 972

27 – Sentença

27.1. Generalidades sobre sentença........................................................................................ 974


27.2. Conceito de sentença..................................................................................................... 975
27.3. Natureza jurídica e efeitos da sentença........................................................................... 979
28 Manual de Direito Processual Civil
27.4. As oportunidades em que pode ser proferida a sentença................................................. 980
27.5. Sentenças processuais (terminativas) e de mérito (definitivas)...................................... 982
27.5.1. Sentenças terminativas..................................................................................... 983
27.5.2. Sentenças definitivas......................................................................................... 985
27.6. Sentenças classificadas por sua eficácia.......................................................................... 986
27.6.1. Sentença declaratória........................................................................................ 987
27.6.2. Sentença constitutiva........................................................................................ 989
27.6.3. Sentença condenatória...................................................................................... 990
27.6.4. Sentenças mandamentais e executivas lato sensu.............................................. 992
27.6.5. Sentenças dispositivas....................................................................................... 998
27.6.6. Sentenças complexas........................................................................................ 999
27.7. Intelecção da sentença e seus elementos......................................................................... 1000
27.7.1. Relatório........................................................................................................... 1001
27.7.2. Fundamentação................................................................................................ 1002
27.7.3. Estrutura e conteúdo básico da fundamentação................................................ 1005
27.7.3.1. A limitação à reprodução de ato normativo...................................... 1006
27.7.3.2. O emprego imotivado de conceitos jurídicos indeterminados.......... 1006
27.7.3.3. A fundamentação genérica............................................................... 1007
27.7.3.4. A falta de fundamentação-resposta................................................... 1008
27.7.3.5. A menção descontextualizada de precedente judicial....................... 1009
27.7.3.6. A não observância injustificada do precedente judicial..................... 1010
27.7.3.7. A analogia não fundamentada e a decisão diante de lacunas da lei.... 1011
27.7.4. O dispositivo e a essencialidade do conteúdo decisório da sentença................. 1013
27.8. A correlação entre pedidos, causas de pedir e sentença................................................... 1014
27.8.1. A sentença infra ou citra petita.......................................................................... 1014
27.8.2. A sentença extra petita...................................................................................... 1015
27.8.3. A sentença ultra petita....................................................................................... 1017
27.8.4. A sentença e o julgamento em face de pedido genérico..................................... 1018
27.9. A sentença e os fatos supervenientes à demanda............................................................ 1018
27.10. Correção de inexatidões e erros materiais....................................................................... 1023
27.11. A sentença coletiva......................................................................................................... 1026

28 – A Coisa Julgada

28.1. Noção de coisa julgada e seu valor na ordem jurídica..................................................... 1030


28.1.1. Coisa julgada formal e coisa julgada material.................................................... 1033
28.2. Limites da coisa julgada.................................................................................................. 1034
28.2.1. Limites objetivos da coisa julgada..................................................................... 1034
28.3. Efeitos da coisa julgada................................................................................................... 1044
28.3.1. Efeitos negativos da coisa julgada..................................................................... 1044
28.3.2. Eficácia preclusiva da coisa julgada material..................................................... 1045
28.4. Coisa julgada e relações jurídicas continuativas............................................................. 1048
Sumário 29
28.5. A chamada “relativização da coisa julgada”.................................................................... 1049
28.6. A coisa julgada coletiva.................................................................................................. 1051

Bibliografia....................................................................................................................... 1059

Índice legislativo........................................................................................................... 1121

Índice alfabético-remissivo....................................................................................... 1127


1
Conceito do Direito Processual Civil e sua
Relação com os Demais Ramos do Direito

1.1. Denominação e âmbito

Contemporaneamente, nossa disciplina é chamada Direito Processual Civil. Quer


entre nós, quer no Direito estrangeiro, é o nome usual. Antigamente, era utilizado o
nome de Direito Judiciário Civil, expressão hoje criticada pela circunstância de que não
abrange o processo de execução, que também é atividade jurisdicional. Dizia respeito,
o Direito Judiciário (por causa da origem do termo juditium), somente à atividade do
juízo, entendida esta predominantemente como atividade lógico-jurídica, declarató-
ria lato sensu da existência ou não do direito postulado, em especial no processo de co-
nhecimento. Por outro lado, a denominação é ampla demais, compreendendo outros
assuntos, como o da organização judiciária, por exemplo, a qual não se pode dizer inte-
grante do conceito de Direito Processual Civil, no que respeita à sua essência, embora
tradicionalmente venha sendo estudada nesta disciplina.
Para se delimitar o âmbito do processo civil, devemos tecer algumas considera-
ções propedêuticas,1 sendo necessário atentarmos para a circunstância de que este
ramo do Direito se destina somente à solução das “lides civis”. Assim, parece-nos
fundamental, para saber se se trata de uma lide civil, primeiramente identificar a
sua matéria. Para tanto, o critério mais preciso é o de trabalharmos por exclusão,
afastando, desde logo, do rol das lides civis as que se constituem atualmente na
matéria das jurisdições especiais, como militar [art. 122 et seq. da CF], trabalhis-
ta [art. 111 et seq. da CF] e eleitoral [art. 118 et seq. da CF]), pois estas se destaca-
ram, com o correr dos tempos, da chamada jurisdição comum, pela qual estavam
antes abrangidas.2

1. V. nosso Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento. São Paulo:
RT, 1972, vol. 1, p. 15 e especialmente p. 35 et seq. Mais amplamente, v. nosso Tratado de
direito processual civil, São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 1-141.
2. V. nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 69.
32 Manual de Direito Processual Civil

Desta forma, devemos, primeiramente, examinar se se trata ou não de uma lide in-
serida no rol de atribuições de uma das jurisdições especiais. Não se verificando esta
hipótese, caímos na jurisdição comum, com o que, todavia, não se terá, ainda, resolvi-
do de vez o problema, pois a jurisdição comum, a seu turno, encontra-se dividida em
dois grandes troncos: o civil e o penal.
Aqui, também, o critério a ser utilizado pelo intérprete é o mesmo. É mais fácil, se
houver dúvida, sabermos quando estamos em face de casos penais, pelos traços mar-
cantes que definem as figuras típicas no Direito Penal. Diante disso, podemos concluir
que, se, do fato ocorrido, o legislador fizer decorrer consequências jurídico-penais, ha-
vendo incidência de norma que o considere contravenção ou crime, ipso facto, estare-
mos no campo do processo penal e não no do processo civil. Portanto, se chegarmos
à conclusão de que não serão aplicadas, por meio do processo, normas materialmente
penais, concluiremos, por exclusão, que estamos diante de uma lide civil, entendida
esta expressão lato sensu.
Compilando os critérios, lide civil lato sensu será a lide não penal, que, concomi-
tante, não estiver englobada nas hipóteses de jurisdição especial. Isto significa que se
aplicará o processo civil para resolver essa lide (art. 16, do CPC/2015).3
A este propósito, é necessário se ter presente que a aplicação do Código de Processo
Civil, se houver lei específica, se fará apenas subsidiariamente. Se isto ocorrer, valerá o
sistema do Código de Processo Civil, em regra, exclusivamente naquilo que não colidir
com o que estiver especialmente disposto em tais múltiplas leis (por exemplo, o Dec.-lei
3.365/1941, no art. 42, diz que, omissa essa lei de desapropriação, aplicar-se-á o Código
de Processo Civil; semelhantemente, v. o art. 1.º da Lei 6.830/1980, quanto à execução
fiscal, o art. 19 da Lei 7.347/1985, em relação ao procedimento da ação civil pública, e
o art. 189 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a fa-
lência do empresário e da sociedade empresária). Nesses casos, portanto, é necessário
algum cuidado por parte do aplicador da lei.4-5

3. Isto não significa, no entanto, que o CPC/2015 não possa ser aplicado na solução de lides
não civis. Conforme previsto pelo art. 15 do CPC/2015, na ausência de normas que regulem
os processos eleitorais, trabalhistas e administrativos, as disposições do CPC/2015 serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente.
4. Nesse sentido: Humberto Theodoro Jr., Repercussões do novo Código de Processo Civil
no direito do trabalho. Revista Forense, vol. 420. Rio de Janeiro: Forense, jul/dez-2014,
p. 147/160.
5. Também, em matéria de aplicação subsidiária do CPC/2015, segundo comenta Guilher-
me Rizzo Amaral, o texto do art. 15 do CPC/2015 – “Na ausência de normas que regulem
processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente” – “em nada altera o estado das coisas anterior, em
que se reconhecia a aplicação subsidiária do CPC, como norma fundamental, a todo o
ordenamento jurídico, inclusive aos processos regidos por leis especiais.”. (cf. Comentá-
rios às alterações do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 79). Ainda a respeito desse art. 15,
interessante notarmos que o texto fala em aplicação “supletiva” e “subsidiária”, tratando,
ao menos aparentemente, de forma mais ampla o ponto. Em obra de coautoria de Teresa
Arruda Alvim Wambier (Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, 2ª ed.
Conceito do Direito Processual 33

Tradicionalmente, forma-se o processo em decorrência de alguém resistir, extra-


processualmente, à pretensão de outrem e este recorrer à ação, sendo a forma mais co-
mum de dar nascimento ao processo (ação condenatória).6 A resistência à pretensão,
obstando a submissão do interesse de um ao do outro, gera o conflito de interesses. Esse
conflito de interesses, ocorrido na vida social, é, por meio do pedido do autor, feito ao
Estado-juiz, trasladado da vida social, enquadrado num esquema jurídico e colocado
diante de uma autoridade imparcial, o juiz, que até este momento o ignorava. É a lide
ou o objeto litigioso.7 Para o juiz não interessa, propriamente, o conflito de interesses
(tal como sociologicamente preexistente à propositura da ação), mas, sim, como este
lhe é apresentado pelo autor em sua petição inicial (art. 319 do CPC/2015). A parte do
conflito de interesses não reduzida à lide é juridicamente irrelevante, mesmo porque
dela não pode o juiz conhecer (arts. 141 e 492 do CPC/2015).8
Além da ação condenatória, a depender da espécie de conflito de interesse exis-
tente, uma espécie de ação será exercida. Em sendo criada uma incerteza objetiva,
cabe ação declaratória de existência ou inexistência de relação jurídica e se o objeti-
vo for o da modificação, extinção ou “criação” de relação jurídica, constitutiva será a
ação. À primeira modalidade de ação pode seguir-se execução de sentença condena-
tória, a qual se consubstancia numa das possíveis espécies de título executivo, que,
no caso, é o judicial (art. 515, I, do CPC/2015). Como denominador comum, entre

rev., atual. e ampl., São Paulo: RT. 2016, p. 84), a diferença das aplicações é destacada,
mas é feita a crítica à opção adotada pelo legislador: “Não se trata somente de aplicar as
normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não
houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. A aplicação subsidiária
ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão
‘subsidiária’, de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob
outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um
sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. A aplicação
supletiva é que ocorre quando há omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocu-
pação com a própria expressão, precisão da linguagem, serve-se das duas expressões. Não
deve ter suposto que significam a mesma coisa, senão, não teria usado as duas. Mas como
empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o intérprete entender que é disso
que se trata. Na verdade, teria sido suficiente (e melhor) que o legislador se tivesse referido
apenas à subsidiariedade”. Sobre o tema, v. ainda, Edilton Meireles, O novo CPC e as regras
supletiva e subsidiária ao processo do trabalho, Revista de Direito do Trabalho, vol. 157,
p. 129-137, mai-jun/2014.
6. Cf. nosso Direito processual civil –Teoria geral do processo de conhecimento. São Paulo:
RT, 1972, vol. 1, p. 94, nota 105.
7. Sobre o tema, ver: Karl Heinz Schwab, El Objeto Litigioso en el Proceso Civil. Buenos Aires:
EJEA, 1968; Cândido Rangel Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, in: Fun-
damentos do Processo Civil Moderno, t. I. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 305-306.
8. Nesse sentido, é falha a distinção feita por Carnelutti, em Sistema di diritto processuale
civile, vol. 1. Padova: Cedam, 1936, p. 40, 231 e 250, entre lide total e parcial, pois o que
interessa é o que tenha sido trazido ao juiz, exclusivamente. Correto Liebman, em Estudos
sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1947, p. 114 et seq. Outrossim, no Di-
reito alemão, exaustivamente, demonstrou-se que o objeto litigioso do processo é o pedido
do autor.
34 Manual de Direito Processual Civil

estas três espécies de ações, deve haver ilícito imputado à conduta (omissiva ou co-
missiva) do réu.
Já se alguém for o beneficiário de título extrajudicial, proporá, verificado inadim-
plemento da obrigação (caracterizada ao nível do processo de execução), que esteja
configurada num documento a que a lei confira eficácia de título executivo (art. 784
do CPC/2015), a execução prescindindo do processo de conhecimento, para o fim
de formação do título. Todavia, como não poderia deixar de ser, pelo princípio do
contraditório, a defesa oponível tem a dimensão/profundidade de uma contestação
(art. 917, VI).
Podemos, então, definir o Direito Processual Civil como sendo o sistema de princí-
pios e normas que regulam o funcionamento da jurisdição civil, tendo em vista o exer-
cício do direito da ação e o direito de defesa, bem como a estruturação infraconstitu-
cional dos órgãos do Poder Judiciário e seus auxiliares – exceto o que respeita à organi-
zação judiciária – e, ainda, a disciplina de todos os casos de jurisdição voluntária9-10-11 e
os métodos de solução de conflitos que extrapolem a via judicial.

9. “Os procedimentos de jurisdição voluntária continuam previstos na Parte Especial do


CPC/2015 (arts. 719 e ss.) e, por meio deles, os juízes seguem exercendo a tutela assistencial
de interesses particulares e concorrendo, com a sua atividade, para o nascimento, a validade
ou a eficácia de atos da vida privada.” (Leonardo Farias Schenk in: Breves Comentários ao
Novo Código de Processo Civil. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier [et al.]. 2ª ed.
rev. e atual. São Paulo: RT, 2016, p. 113).
10. O CPC/2015 não repetiu o texto expresso do CPC/1973 que em seu art. 1º, dizia que “a
jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes”, mas em seu art. 719
prevê que “Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os proce-
dimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção. ”. Reconhece,
assim, a jurisdição voluntária, integrando tal matéria, sem dúvida, o rol daquelas tratadas
pelo Direito Processual Civil. Por isso que, com fundamento também nesse dispositivo,
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes asseveram que a atividade não contenciosa é
também jurisdição. Dizem: “O novo Código de Processo Civil não reedita tal dispositivo
[art. 1º do CPC/1973], provavelmente porque os autores do Anteprojeto não pretendiam
contemplar a jurisdição voluntária no sistema processual brasileiro, mas estabelece que,
‘quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos
de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção’ (art. 719). Diante disso, e
havendo procedimentos a observar (art. 719 ss.), estando presente o contraditório, devendo
ser motivadas as decisões e sentenças ali proferidas, operando o duplo grau de jurisdição
e prevalecendo os padrões citados pela garantia do devido processo legal, o que se tem
ali é autêntico exercício da jurisdição.” (v. Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 81).
11. Inaceitáveis, outrossim, as considerações tecidas por Carnelutti, em Istituzioni di diritto
processuale civile, 5ª ed., cap. II, n. 18, Roma: Foro Italiano, 1956, p. 17 et seq., preten-
dendo que na jurisdição voluntária haja “função preventiva” do processo. Os casos de
jurisdição voluntária são taxativos e, entre nós, como em todo o mundo ocidental, não
tiveram maior desenvolvimento, porquanto, no contexto de nossa civilização, é pequena
a esfera de ingresso do Estado no âmbito da liberdade individual. Entre nós, já ao final
do séc. XX, Celso Agrícola Barbi apontou a finalidade preventiva como característica da
jurisdição voluntária – Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1983, vol. 1, n. 9, p. 14.
Conceito do Direito Processual 35

1.2. Princípios informativos do processo civil – lógico, jurídico, político e


econômico
Os princípios informativos são regras predominantemente técnicas e, pois, desli-
gados de maior conotação ideológica, sendo, por esta razão, quase que universais. Já os
denominados princípios fundamentais do processo são diretrizes nitidamente inspi-
radas por características políticas, trazendo em si carga ideológica significativa, e, por
isto, válidas para os sistemas ideologicamente afeiçoados aos princípios fundamentais
que lhes correspondam. (Não estamos a falar, aqui, de princípios no sentido normativo
empregado pela contemporânea teoria do direito – estes, aliás, serão vistos mais adian-
te). Princípios informativos são da ordem dos “princípios gerais do direito”, tendo in-
fluência diversa sobre a dinâmica de funcionamento do sistema jurídico.12
Os princípios informativos, que, em verdade, se poderiam considerar quase que
axiomas, porque prescindem de demonstração maior, são os seguintes: a) lógico; b) ju-
rídico; c) político; e d) econômico.13
a) A estruturação do processo tem de ser lógica, pois atende a uma finalidade à qual
se devem dirigir de forma racional todos os atos processuais. A sentença (atividade in-
telectiva e volitiva), que é resultado destes atos, se dá no momento em que o juiz for-
mula uma norma concreta, geneticamente ligada aos textos normativos abstratos (lei,
doutrina, jurisprudência). O processo, em outras palavras, segue uma sequência lógica
que corresponde à atividade cognitiva do juiz. Como exemplo de dispositivo legal em
que existe, nitidamente, um reflexo deste princípio, veja-se o art. 337 do CPC/2015,
que estabelece uma ordem para a defesa do réu, devendo ser as questões preliminares
alegadas antes do mérito (ou da decisão que põe fim ao processo, sem apreciação do mé-
rito). Nisto está implicado, ao menos como princípio, deverem ser, as preliminares, deci-
didas anteriormente àquele (art. 938 do CPC/2015), da mesma forma que as decisões

12. Para uma correta diferenciação dos usos da palavra “princípio”, ver: Rafael Thomaz de Oli-
veira. Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008,
em especial p. 45 a 64. Ilustrativamente, Nelson Nery Júnior, em obra de referência sobre o
tema na doutrina brasileira, aponta as acepções utilizadas para conceituação do conteúdo
dos “princípios”: “Em virtude de estudos recentes de filosofia do direito, de teoria geral do
direito e de direito constitucional, acirrou-se a discussão a respeito dos conceitos e conteú-
dos de norma, princípio, regra, garantia e direito. Há as construções e sistematizações de
Peter Haberle, Robert Alexy, Ronald Dworkin, Carl Schmitt, José Joaquim Gomes Canotilho,
Virgílio Afonso da Silva, Friedrich Müller, Claus-Wilhelm Canaris, Karl Larenz, Josef Esser,
Niklas Luhmann, Eduardo García de Enterría, Karl Engish, Alf Ross, entre outros. Todas as
construções têm elementos positivos e elementos negativos, vantagens e desvantagens, que
podem adaptar-se ao direito positivo interno de um Estado ou não.”. (v. Princípios do processo
na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo), 12 ed. rev., ampl. e atual.,
São Paulo: RT, 2016). Ocupa lugar destacado, entre nós e fora do Brasil, a obra Teoria dos
Princípios, de Humberto Ávila, várias edições, ed. Malheiros.
13. Cf. Mancini, Commentario al Codice Sardo, vol. 2/10, em que originariamente expôs a de-
finição desses princípios. Sobre essa definição, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 1/54. São Paulo: RT, 1975; v. também nosso Tratado de direito processual
civil. São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 81.
36 Manual de Direito Processual Civil

interlocutórias, porque precedentes ao mérito, no Tribunal, devem ter o recurso que


lhe diga respeito (agravo de instrumento) apreciado antes do recurso da decisão final,
que é a apelação (art. 946 e parágrafo único, do CPC/2015).Quando não comportarem
agravo de instrumento, não precluem podendo ser devolvidas na apelação e/ou con-
trarrazões, mas decididas sempre antes da apelação, que, na maioria das vezes, devolve
o mérito do processo ao Tribunal. As alegações preliminares de contestação são, muitas
delas, correlatas ou correspondentes às hipóteses de extinção do processo sem resolu-
ção de mérito (art. 485, do CPC/2015), o que significa que, no plano lógico, a extinção
do processo sem resolução de mérito deve ser efetivada, obstando-se, desta forma, a re-
solução do mérito, eis que, incidente o art. 485, inexistiam (lato sensu) condições para
a decisão do mérito. Há, pois, na própria estrutura do sistema processual (entre as ale-
gações e tipos de decisões possíveis), uma ordenação lógico-positivo-jurídica das ques-
tões preliminares e de fundo, o que deve repercutir numa prioridade cronológica para o
julgamento das preliminares e apreciação dos recursos a essas relativos, em relação ao
julgamento do recurso relativo à decisão final.
b) Pelo princípio jurídico da legalidade, o processo tem de submeter-se a um or-
denamento preexistente e, se este se alterar estando em curso o processo, os atos já
realizados devem ser respeitados (art. 1.046 do CPC/2015, repetindo o art. 1.211, do
CPC/1973). Manifestação desse princípio, correlacionado com o direito intertempo-
ral, é a regra consistente em que a data da intimação da sentença determina o recurso
cabível, seu prazo, seu regime jurídico etc., tudo de acordo com a lei processual então
vigente. Não obstante, nada impede que o recurso seja manifestado antes da intimação,
desde que o advogado se dê por ciente da decisão, sentença ou acórdão (art. 218, §4º,
do CPC/2015).14 Vale dizer, há uma situação ou um direito processual adquirido ao re-
curso existente àquela data.15
c) A vitalidade de um dado sistema processual prende-se necessariamente a deter-
minadas premissas políticas, que informam o sistema e que devem ser conhecidas para
a feitura correta da lei e sua aplicação. Como exemplo, podemos apontar a indeclinabi-
lidade do dever de sentenciar (art. 140), que recolhe sua raiz do texto constitucional, no
próprio art. 5.º, XXXV, da CF. É preciso que se decida à luz e conforme o ordenamento,
o que responde também ao mesmo mandamento constitucional citado, o qual determi-
na não poder nenhuma lesão de direito, ou ameaça de lesão, ser subtraída à apreciação

14. O CPC/2015 encampa, dessa maneira, a posição de que não existe vício no ato “extempo-
râneo”. O STJ já havia adotado esta tese (STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1067981/SC, 3.ª T., j.
23.2.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 5.3.2010), porém decidia em sentido oposto (v.g.
STJ, AgRg no Ag 1324686/PR, 5ª T., j. 3.5.2011, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
30.5.2011).
15. Sobre o direito processual adquirido, ver: Galeno Lacerda, O novo direito de processo civil
e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 20; mais recentemente: Ana Beatriz
Ferreira Rebello Pregrave, O novo código de processo civil e os processos em curso: uma
teoria sobre o direito intertemporal no processo. Kindle, 2016, disponível em https://www.
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Conceito do Direito Processual 37

do Judiciário. Ora, se o juiz se negasse a decidir, ipso facto, por omissão estariam sendo
maculados o sentido e a função da norma constitucional, que garante a plenitude de
acesso ao Judiciário.
Para o Direito material existe o chamado princípio da plenitude lógica do ordenamen-
to jurídico, que significa estarem todas as condutas da vida social submetidas à ordem
jurídica (art. 5º da CF). Justapostamente e ao lado deste princípio, precisamente para
que não ocorram lesões, ou mesmo incertezas jurídicas objetivas, que não sejam repa-
radas ou suprimidas, respectivamente, há o chamado princípio de pleno acesso ao Judi-
ciário, estampado na regra, já citada, do art. 5.º, XXXV, da CF.
No Brasil, não é possível sustentarmos que um processo administrativo impeça o
acesso ao Poder Judiciário, principalmente em face do art. 5.º, XXXV, que alude tam-
bém a ameaça a direito e em que não há o adjetivo individual, qualificando os direitos
ameaçados ou ofendidos. Este direito à apreciação do Judiciário é reforçado pelos inci-
sos LV e LIV do mesmo art. 5.º em tela.
A não obrigatoriedade do exaurimento das vias administrativas apenas é ressal-
vada quando se trata dos feitos desportivos, conforme dispõe a própria Constituição,
nos §§ 1.º e 2.º do art. 217 e, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004, quanto
aos conflitos coletivos de competência da Justiça do Trabalho (art. 114, § 2.º da, CF).16
Pensemos, ainda no âmbito do esgotamento da via administrativa, na hipótese de
um ato administrativo ilegal que potencialmente ofenderia direito líquido e certo da
parte, mas que fosse ainda passível de ser vulnerado por meio de recurso com efeito
suspensivo, sem qualquer ônus para o recorrente. Se o recurso administrativo, para ser
interposto, estiver subordinado a oneração, há claramente negativa de acesso ao Judici-
ário. Mas, assim não sendo, como no caso do Mandado de Segurança, o que se verifica
é apenas o descabimento desta medida.17
Este raciocínio não se aplica se o ato da administração for um ato omissivo (v.g., re-
cusa de entrega de certidões), pois, em casos como este, mesmo tendo, em tese, efeito
suspensivo o recurso, a lesão – se for o caso – já se estará produzindo. Neste sentido a
Súmula 429, STF: “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não
impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”. Nesse caso,
não podemos falar em efeito suspensivo útil, desde que não se suspende omissão, e,
sim, ação. Ainda que utilizado o recurso administrativo, a omissão poderá perdurar.

16. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a constitucionalidade desse dispositivo,


tendo sido o Em. Relator para o acórdão das ADI 2.139-MC e ADI 2.160-MC, o Min. Marco
Aurélio, j. 13.5.2009, DJE 23.10.2009.
17. O inciso I do art. 5.º da Lei 1.533/1951 considerava esta uma das hipóteses de não cabimento
do mandado de segurança, disposição que foi mantida no inciso I do art. 5.º da Nova Lei
do Mandado de Segurança (Lei 12.016, de 07.08.2009). Se o recurso administrativo, sem
ônus, inibe os efeitos do ato, não há nem ameaça e muito menos lesão. Pelo menos não há
ainda, só podendo a lesão produzir-se se e quando vier a ser improvido o recurso.
38 Manual de Direito Processual Civil

O que podemos asseverar é que a exigência de que se esgote a via administrativa para
que só então possamos lançar mão do direito de ação, significa uma restrição ao direito de
ação, ainda que temporária. Mais recentemente o STF decidiu que é inconstitucional a exi-
gência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo.18
De toda forma, mesmo havendo lei que determine necessidade de tal exaurimento,
e diante de caso concreto “pendente” junto à Administração, o Poder Judiciário deverá
admitir tal postulação. Criaria esta lei, se não fosse considerada inconstitucional, pres-
suposto processual negativo, conduzindo o juiz, à sentença de indeferimento liminar
da petição inicial; ou, então, se o processo já se tivesse formado, teria o magistrado de
extingui-lo, sem resolução de mérito, sob o mesmo fundamento da existência de pres-
suposto processual negativo, o que é inadimissível.
d) Finalmente, pelo princípio econômico, evidencia-se a postura do legislador no
sentido de que com o mínimo de atividade desenvolvida consiga o máximo de rendi-
mento, respeitada sempre a incolumidade do direito à ação e à defesa e, pois, em ultima
ratio, do direito material que, eventualmente, esteja subjacente. Vejam-se, como exem-
plos os dispositivos do CPC/2015 nos quais se reflete o princípio citado, a exigência de
duração razoável do processo (arts. 4º e 139, II); de simplicidade e instrumentalidade
das formas (art. 188); de não haver nulidade sem prejuízo (arts. 276 e ss).
A própria concepção do processo, como um conjunto de atos, inseridos numa sucessão
de momentos, em que estes atos devem ser praticados, é indicativa de que o princípio da eco-
nomia processual também aí encontrou guarida. Examinem-se, por exemplo, os arts. 344
e 355, II do CPC/2015. Não sendo contestada a ação, reputar-se-ão verídicos os fatos ale-
gados pelo autor, o que pode ensejar modalidade de julgamento antecipado da lide, sendo
proferida sentença. Igualmente, se não houver necessidade de produção de outras provas,
isto é, se a causa estiver suficientemente instruída (art. 355, I, do CPC/2015), haverá jul-
gamento antecipado. Isto porque a produção de novas provas, como a realização da audi-
ência de instrução e julgamento liga-se à sua possível utilidade. Estando maduro o proces-
so que carece razão de novas provas, deve a sentença ser proferida sem a sua ocorrência.
Sistema um pouco diverso ocorre com os embargos à execução que, como se sabe,
têm formalmente conteúdo de ação autônoma, mas materialmente é defesa, no sentido
de reação a um ataque – consubstanciado na própria ação de execução de título extra-
judicial. Nesse caso, se não houver resposta aos embargos por parte do credor, não há
incidência do art. 344, do CPC/2015, porque nem mesmo a revelia destrói a presunção
de legitimidade do título executivo.19

18. “A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na


prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se,
assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente
para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1.699-41 – posteriormente convertida
na Lei 10.522/2002 –, que deu nova redação ao art. 33, § 2.º, do Dec. 70.235/1972” (STF,
ADIn 1.976/DF, 1.ª T., j. 28.3.2007, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.5.2007, p. 64).
19. Nesse sentido: STJ, REsp 885.043/RJ, 5.ª T., j. 13.12.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
DJ 07.02.2008. Em sentido contrário, com bons argumentos: José Carlos Barbosa Moreira,
O novo processo civil brasileiro, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 296.
Conceito do Direito Processual 39

A ação monitória (art. 700 e ss do CPC/2015), ao conferir executividade ao docu-


mento que embasa a ação, determinando o prosseguimento executivo na ausência de
embargos do devedor, é exemplo claro de aplicação do princípio da economia processu-
al e da efetividade do processo. Outro exemplo da utilização do princípio da economia
processual e do comprometimento e preocupação do legislador com a efetividade do
processo expressado agora, por meio de comandos mais flexíveis, é a fungibilidade en-
tre tutelas provisórias (art. 305, p. único, do CPC/2015, mantendo a regra do art. 273,
§7º, do CPC/1973).

1.3. As relações entre o Direito Processual Civil e os demais ramos do Direito


Apesar de o Direito Processual Civil ser autônomo em relação ao seu objeto, e, pois,
tendo em vista os demais ramos do Direito, não deixa de se interpenetrar com estes,
como procuraremos demonstrar.

1.3.1. O processo civil e o Direito Constitucional


A realização da justiça é por excelência uma atividade pública, praticada por um
dos poderes do Estado. Sendo assim, é compreensível que o processo civil radique seus
traços fundamentais no Direito Constitucional.
O Poder Judiciário enraíza-se na Constituição Federal e participa da natureza da
própria soberania nacional (v. art. 2.º, da CF/1988), exercendo função estatal. Os pon-
tos fundamentais da administração da justiça, do Poder Judiciário, da proteção ao juiz
como funcionário público com uma situação diferenciada que é e outros aspectos encon-
tram o seu traçado básico delineado na Constituição Federal e não pode, de forma al-
guma, ser desrespeitado pelas leis hierarquicamente inferiores à Constituição (arts. 92
et seq., da CF/1988).
Resta-nos, contudo, examinar quais os aspectos do processo civil que encontram
suas raízes na Constituição Federal.
Em primeiro lugar, verifiquemos a “ubiquidade”. Por este termo, entende-se que a
administração da justiça, no sistema jurídico brasileiro, alcança tudo e todos, garantia
que deflui do art. 5.º, XXXV, da CF/1988 e, também, infraconstitucionalmente positiva-
da no art. 3º do CPC/2015.20 Assim, diz-se, na Constituição Federal, que nenhuma le-

20. Em face da arbitragem, esse princípio tem contornos específicos. Para tanto, ver nosso artigo
Cláusula compromissória e compromisso arbitral: efeitos, Revista de Processo, vol. 101, São
Paulo: jan-mar/2001, p. 191-223. Encampando o nosso posicionamento, STJ, 3.ª T., REsp
712.566/RJ, j. 18.8.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 05.9.2005. Como já comentamos
em outra obra recente de nossa autoria, Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo:
RT, 2016, p. 53: “Importa notar que a redação do art. 3º do CPC/2015 propositalmente não
contrapõe a jurisdição à arbitragem. Nesse ponto, adotou o código uma posição melhor do
que a versão original do Anteprojeto do código, que dizia não ser excluída de apreciação a
lesão a direito, ‘ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral’. Ar-
bitragem aparecia, nesse sentido, como um contraponto à inafastabilidade da jurisdição, o
que não parece ser a melhor abordagem do tema. ”. E continuamos naquela oportunidade:
40 Manual de Direito Processual Civil

são ou ameaça de lesão a direito21 pode ser subtraída à apreciação do Judiciário (art. 5.º,
XXXV); ninguém pode sofrer, por exemplo, uma condenação civil sem ter tido sequer
a oportunidade de ser ouvido, pois, assim, está sendo a violada a Constituição Federal,
art. 5.º, XXXV c/c LIV e LV.
Em segundo, o de que todos são iguais perante a lei (art. 5.º, caput, e I, da CF/1988).
Inegavelmente isto implica que, no processo, as partes têm que ser tratadas com igual-
dade. Essa igualdade é estabelecida pelo legislador porque assume que os litigantes
são iguais, não havendo razão para favorecer um determinado autor em detrimento de
um determinado réu. A significação nuclear deste princípio é a de que todos os auto-
res sejam igualmente tratados (igualdade formal), o mesmo ocorrendo com todos os
réus, não implicando propriamente que o autor seja igual ao réu, com o qual concreta-
mente se defronta (igualdade substancial). A igualdade, do ponto de vista formal, até
agora considerada, prevê tratar igualmente, de um ponto de vista substancial, autor
e réu, de um mesmo processo, ensejando-se-lhes, real e concretamente, igualdade de
oportunidades.22A isonomia de tratamento, no mais, foi positivada como norma fun-
damental do processo civil pelo CPC/2015 (arts. 7º, 9º e 10, que serão vistos adiante).
Aprofundando a significação medular da igualdade, agora sob o ângulo substancial, leis
infraconstitucionais podem discriminar usando discrímen legítimo a partir da situação
concreta de desigualdade reconhecida, para determinadas categorias, procurando re-
verter a desigualdade concretamente existente. São casos em que a assumida igualdade
dos litigantes, pelo legislador, não se justifica, pela razão curial de que não são iguais.
É a situação de embate entre o “forte” e o “fraco”.

“Não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda, de
inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional; o poder-dever
do Estado remanesce, facultando-se às partes a utilização da arbitragem para os litígios pa-
trimoniais que envolvam direitos disponíveis e entre partes que sejam maiores e capazes. A
perspectiva de utilização da arbitragem, por seu caráter célere e informal, antes de reduzir,
amplia o espectro do acesso à justiça. ”
21. Se pelo texto constitucional está, no âmbito do acesso à justiça, garantida a situação de “ameaça
a lesão” (art. 5.º, XXXV), mostram-se incompatíveis com a Constituição Federal restrições a
situações de urgência. Essa é também a conclusão de Eduardo Arruda Alvim em obra dedicada
ao mandado de segurança: “Afigura-se-nos atritar com o Texto Constitucional o disposto no
art. 1º da Lei nº 8.437/92, no sentido do descabimento de medida liminar contra atos do Poder
Público em quaisquer ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que semelhante
providência não puder ser obtida via mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
Assim, também, o § 5º do art. 7º, da Lei nº 12.016/09, que estende as vedações relacionadas
com a concessão de liminares em mandado de segurança, à antecipação de tutela a que se
referem os arts. 273 e 461 do CPC. Mesmo porque, quaisquer limitações impostas por di-
plomas legais infraconstitucionais ao cabimento de liminar em mandado de segurança são,
segundo nosso entendimento, insofismavelmente inconstitucionais. Deste modo, segundo
nossa posição não é possível à lei infraconstitucional restringir as hipóteses de cabimento de
liminar em mandado de segurança”.(v. Mandado de segurança: de acordo com a lei federal
nº 12.016, de 07/08/2009, 3ª ed. ref. e atual., Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014,
p. 267-268.
22. V., a propósito, nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990, p. 106
et seq., e 114-117.
Conceito do Direito Processual 41

Encontra-se, em terceiro lugar, também na Constituição Federal, o enunciado de


que a instrução de qualquer processo, inclusive na esfera administrativa (art. 5.º, LV),
comportará necessariamente amplo contraditório, ampla defesa e meios e demais re-
cursos a isso inerentes.
Em quarto lugar, encontra-se na Constituição a correlação de dois princípios: estão
definidos e arrolados nela os tribunais que podem ter existência no Brasil (art. 92 da
CF) e a proibição expressa de existência de tribunais de exceção (art. 5.º, XXXVII,
da CF). Assim, no sistema jurídico brasileiro, somente é válida a aplicação de uma lei
por juiz ou tribunal que tenha sido previsto na Constituição Federal, ou cuja existên-
cia esteja etiologicamente ligada à Constituição.
O princípio do art. 5.º, XXXV encontra desdobramentos em outros enunciados que
enfatizam tal garantia. O art. 5.º, LXXVIII (inserido pela EC 45/2004) assegura “a razo-
ável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A pró-
pria Constituição contém normas que se voltam à realização deste desiderato, tal como
a regra de que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva
demanda judicial e a respectiva população”, e de que “a distribuição de processos será
imediata, em todos os graus de jurisdição” (CF, art. 93, XIII e XV, ambos acrescentados
pela EC 45/2004).23
De nada adiantariam essas garantias, se ao aplicador da lei não estivessem, também,
previstas proteções especiais, quer do ponto de vista funcional, quer do pessoal. Por
isso, encontra-se na Constituição uma série de normas que visam à proteção do juiz,
quer como juiz, quer como homem.
A primeira garantia da magistratura respeita à vitaliciedade (art. 95, I da CF/1988),
que representa um “direito ‘quase’ absoluto” ao cargo, com exceções (v. última parte do
art. 95, I, da CF/1988, em que se alude a “nos demais casos”, referindo-se às hipóteses
em que já há vitaliciedade).
A vitaliciedade é garantia mais ampla do que a da estabilidade, que é garantia dos
juízes, enquanto funcionários públicos que gozam de uma situação especial com vis-
tas a uma maior proteção do cargo. A estabilidade é significativa de garantia no serviço
público, ao passo que a vitaliciedade, é garantia mais profunda, porque diz com o pró-
prio direito ao cargo (cf. art. 57, da CF de 1891, preciso nesse sentido). Para os demais
integrantes da magistratura, quando e se nela ingressarem, a vitaliciedade ocorre com
a posse no cargo (v.g., o advogado ou membro do Ministério Público, que ingressa pelo

23. Sobre as alterações decorrentes da referida Emenda Constitucional merecem ser consultados,
com proveito, os seguintes trabalhos doutrinários: Breves comentários à nova sistemática
processual civil, de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel
Garcia Medina, 3ª ed., São Paulo: RT, 2005, em que, na primeira parte, são analisadas as
repercussões da Reforma Constitucional, em relação ao Direito Processual Civil; e Reforma
do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional 45/2004, São Paulo: RT,
2005, obra coletiva coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wam-
bier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octávio Campos Fischer e William Santos Ferreira, em que os
variados aspectos da Reforma Constitucional são profundamente analisados.
42 Manual de Direito Processual Civil

quinto constitucional em tribunais locais, ou o jurista escolhido para Ministro do Supre-


mo Tribunal Federal, dizendo a aludida exceção apenas com a magistratura de 1.º grau).
A inamovibilidade (art. 95, II) é significativa de que o juiz não poderá ser removido
contra a sua vontade, mesmo que sua recusa implique, eventualmente, a perda de uma
possível promoção. O direito à recusa se reconhece ao juiz porque significa praticamen-
te uma concretização inafastável do próprio princípio da inamovibilidade.
Caso não houvesse essa expressa garantia – da inamovibilidade –, o juiz, ou qual-
quer outro membro da magistratura, poderia facilmente ser objeto de pressão. E é tão
ampla essa garantia que assegura, o direito do juiz, do desembargador ou do ministro de
qualquer tribunal, de permanecer no seu cargo. Aos que ocupam órgãos colegiados, em
tribunais, é reconhecido o direito de permanecerem no órgão fracionário que ocupem.
A inamovibilidade comporta as restrições do art. 93, VIII, da CF/1988.
Diga-se, ainda, que, ao lado da perda do cargo, poderá o magistrado ser compulso-
riamente aposentado ou ser posto em disponibilidade “por interesse público”, por meio
de “decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacio-
nal de Justiça, assegurada ampla defesa” (art. 93, VIII, da CF/1988).
A irredutibilidade dos subsídios, que é a terceira garantia de que goza a magistra-
tura (art. 95, III); entretanto, pode significar muito pouco em um país inflacionário,
e quando, ocorrida a inflação, não se conceda o aumento do valor nominal da moeda
correspondente à desvalorização verificada. Este princípio, se adotado em sua pleni-
tude, tendo em vista o que por seu intermédio se persegue, implica a necessidade de,
além de não serem redutíveis, serem fixados numa “base mínima”, não prevista pela
Constituição Federal. Seria a “garantia econômica” da magistratura, que diz respeito
à independência econômica do juiz, em cuja razão se assenta, igualmente, a irredu-
tibilidade.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que a garantia da irredutibilidade de venci-
mentos não tem como corolário a revisão automática dos vencimentos dos magistrados,
em razão dos índices de desvalorização da moeda. Somente a lei de iniciativa do Poder
Executivo pode operar esse reajustamento.24
Considerando as relações do Direito Processual Civil com o Direito Constitucio-
nal, verifica-se que as implicações fundamentais destas relações são decorrentes dos
princípios normativos constitucionais que atingem o processo civil, aos quais este está
submetido, como o ordenamento jurídico todo.
Entretanto, devemos explicitar que tais relações se estabelecem, também, sob ou-
tro aspecto importante, no próprio plano do Direito Público. Efetivamente, a regra fun-
damental que preside a própria mecânica das funções básicas do Estado é a de que os
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são harmônicos e independentes entre si
(art. 2.º da CF/1988). Contudo, esses três poderes submetem-se aos ditames da Cons-
tituição, e, pela função natural e constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário,

24. STF, ADI 965-PE, Pleno, j. 03.08.1998, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 8.9.2000, p. 3.
Conceito do Direito Processual 43

é a ele que cabe controlar a medida de submissão dos poderes à Constituição Federal
(art. 5.º, XXXV, art. 102, III, a, ambos da CF/1988).25
O Poder Judiciário tem a tarefa primordial de fazer operar efeitos às leis, no bojo de
processos, quando sejam descumpridas (art. 5.º, II, da CF/1988) e a suprema missão
de garantir eficácia à Constituição. Toda e qualquer lei federal, estadual ou municipal,
que contrariar a Constituição Federal, não poderá ser aplicada pelo julgador. A decla-
ração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei federal poderá provir da
iniciativa do Presidente da República, e de todos aqueles a quem o art. 103, I a IX, da CF
atribui legitimidade para tanto, em processo autônomo e específico à obtenção de tal
declaração, ou, então, incidentemente, hipótese em que aos próprios litigantes assiste
o direito à arguição de inconstitucionalidade, como fundamento da ação ou da defesa.
Também é possível ao Supremo Tribunal Federal declarar a constitucionalidade de
ato normativo federal quando provocado pelo Presidente da República, Mesas do Sena-
do Federal ou da Câmara dos Deputados ou, ainda, pelo Procurador-Geral da Repúbli-
ca (art. 102, I, a, c/c art. 103 da CF). A tarefa do Judiciário, contudo, vai além. Também
o Poder Executivo deve viver no sistema da legalidade. Ao Poder Judiciário incumbe o
controle das atividades do Executivo: é o controle jurisdicional dos atos administrati-
vos, que existe tanto em face do Direito Constitucional, como do Direito Administra-
tivo e Processual Civil.26

1.3.2. O processo civil e o Direito Penal


O Direito Processual Civil passou por uma profunda evolução, desde os tempos
mais primitivos, em que a justiça era privada e de índole grupal, até nossos dias, em
que toda a tarefa da realização da justiça acabou sendo aglutinada em um organismo do
Estado (Poder Judiciário).
Nos tempos primitivos, a autodefesa era a maneira violenta de solução dos litígios.
Na maioria das vezes, segundo autores mais autorizados, como Ihering, o direito estava
ao lado daquele que vencia pela violência, embora realizando o direito pela força bruta

25. Sobre as modernas concepções a respeito da separação de poderes, ver: Antoine Garapon.
O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 48; Edinilson Donisete Machado.
Ativismo judicial: limites institucionais democráticos e constitucionais. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2011, p. 40. Lembramos, nesse ponto, as palavras de José Afonso da Silva, com
as quais concordamos, de que o postulado da separação dos poderes é verdadeiro dogma
constitucional. Cf. o autor a separação dos poderes “tornou-se, com a Revolução Francesa,
um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a se-
paração dos poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância
para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.” (v. Curso de direito constitucional
positivo, 36ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 111).
26. V. nosso Direito processual civil – Teoria Geral do Processo de Conhecimento, vol. 1, 8.ª parte,
São Paulo: RT, 1972, p. 277 et seq.; v. ainda Thereza Alvim, O ato administrativo irrevogável
e a coisa julgada – Distinções e aspectos comuns. Revista da Procuradoria-Geral do Estado
de São Paulo II/267 et seq.
44 Manual de Direito Processual Civil

pessoal; outras vezes, entretanto, não estava. Parece não haver dúvida de que predomi-
nava um “conúbio”, isto é, a força ao lado do direito. Era uma forma “tosca” e primiti-
va da realização do direito. O que há de fundamental, marcando o perfil da autodefesa
ou autotutela do direito, nessa antiga quadra histórica, é a insuscetibilidade da revisão
ulterior da conduta pela Justiça. Quer dizer, o indivíduo agia, autodefendia-se e, com
isto, resolvia de vez aquele conflito de interesses.
Atualmente, no art. 345 do Código Penal, lê-se que ninguém pode fazer justiça pelas
próprias mãos, ainda quando destinada a satisfazer pretensões legítimas, salvo quando
a lei o permita. Assim, aquele que deseja realizar seu direito terá de se dirigir ao Poder
Judiciário. Então, como primeiro postulado neste assunto, há vedação, como regra ge-
ral, da realização da justiça pelas próprias mãos. Entretanto, quer o Direito Civil, quer,
por implicação, o Direito Processual Civil, como o Direito Penal, estabelecem algumas
derrogações, no sentido de permitirem a autodefesa em determinados casos.
Assim, ante a contingência de uma parte sofrer um dano injusto, a lei permite que se
defenda exclusivamente para evitar esse dano (v. arts. 1.210, § 1.º, parte final e 1.283 do
CC/2002), não configurando, portanto, esse comportamento, como ato ilícito (art. 188,
I, CC/2002). São casos taxativos e excepcionais, e o fundamento da permissão da au-
todefesa é a impossibilidade de acesso imediato ao Poder Judiciário e recebimento da
tutela a tempo e utilmente.
Encontramos, também no campo do Direito Penal, a excludente de ilicitude quan-
do o ato tenha sido praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de um direito (art. 23 do CP). O
que há de fundamental na legítima defesa moderna, porém – e é neste ponto que difere
da legítima defesa antiga –, é sua possível revisão pela autoridade jurisdicional, o que
se afirma, mais uma vez, com fulcro no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, neste particular,
também na esteira do direito constitucional brasileiro precedente. É possível verificar-
mos, ulteriormente, se a legítima defesa se exerceu, ou não, dentro dos limites estabe-
lecidos em lei (o sentido da palavra moderadamente, no art. 25, do CP, e ainda, o teor do
art. 1.210, § 1.º – principalmente na parte final – do Código Civil).

1.3.3. O processo civil e o Direito Processual Penal


Sem embargo da diversidade de objetivos e pressupostos do processo civil e do pro-
cesso penal27 – matéria que não será objeto de aprofundamento nessa sede –, é inevitá-
vel que se relacionem quanto a diversos aspectos.

27. Tal diversidade é anotada pela unanimidade da doutrina, sendo indiferente a circunstância
de acatarem ou não a viabilidade de uma “teoria geral do processo” que abarque tanto o
processo civil quanto o penal – quanto ainda o administrativo. Assim, Grinover, Dinamarco
e Araujo Cintra defendem, com base na natureza igualmente una do poder estatal, sem com
isso deixarem de admitir que “a unidade fundamental do direito processual não pode levar
à falsa ideia da identidade de seus ramos distintos. Conforme a natureza da pretensão sobre
a qual incide, o processo será civil ou penal. Processo penal é aquele que apresenta, em
um dos seus polos contrastantes, uma pretensão punitiva do Estado. E civil, por seu turno,
Conceito do Direito Processual 45

Entre os diversos pontos de confluência entre as matérias, podem-se citar, por exem-
plo: a observância dos preceitos do direito processual civil quanto à prova do estado
das pessoas (art. 155, parágrafo único, do CPP) a necessidade de solução, no juízo cí-
vel, de questão prejudicial que verse sobre o estado civil das pessoas (art. 92 do CPP); a
suspensão do processo penal quando o reconhecimento da existência de infração penal
dependa de decisão sobre questão de difícil solução, diversa do estado civil, da compe-
tência do juízo cível, se neste tiver sido proposta ação para resolvê-la (art. 93 do CPP);
a regência, pelo direito processual civil, sobre o depósito e a administração de bens ar-
restados no juízo penal (art. 139 do CPP).
Outro aspecto em que se inter-relacionam o direito processual civil e o direito pro-
cessual penal diz respeito à possibilidade de transporte da prova realizada numa das es-
feras para a outra, desde que observados alguns parâmetros constitucionais e legais, a
saber: realização da prova em contraditório, entre as mesmas partes e com ampla possi-
bilidade de debates sobre a finalidade da prova no processo para o qual foi transportada,
preservando-se a liberdade de convicção do juízo que irá examiná-la.28 É possível, ain-
da, que o julgamento de ação cível guarde dependência em relação própria existência
do fato delituoso, então, a teor do art. 315 do CPC/2015, poderá o juízo cível sobrestar
o andamento do feito até que se pronuncie a justiça criminal, podendo, eventualmente
a questão ser resolvida incidentalmente (art. 315, §1º, do CPC/2015).
E, enfim, não podemos deixar de considerar as diversas disposições que assinalam a
repercussão civil da sentença penal condenatória, as quais podem ser encontradas tan-
to no Código Penal como no Código de Processo Penal e, também, no Código de Pro-
cesso Civil. É que, embora o Código Civil (art. 935) assinale, em linha de princípio, a
separação entre a esfera civil e penal, há casos em que não se pode afastar a influência
existente entre elas. Assim, por exemplo, constitui a sentença penal condenatória títu-
lo executivo judicial no juízo cível (art. 515, VI do CPC/2015), podendo o ofendido,
seu representante legal ou herdeiros promover-lhe a execução (art. 63 do CPP e art. 91,
I, do CP). Isso não impede, todavia, que, mesmo antes de proferida a sentença penal
condenatória, proceda o ofendido, o representante legal ou herdeiros ao ajuizamento

é o que não é penal e por meio do qual se resolvem conflitos regulados não só pelo direito
privado, como também pelo direito constitucional, administrativo, tributário, trabalhista
etc”. (Teoria geral do processo, pp. 54-55). Já Rogério Lauria Tucci defende a completa se-
paração entre direito processual civil e direito processual penal, tendo em vista a existência
de traços característicos que determinam a autonomia deste, determinando, na visão do
autor, a necessidade de reconhecimento de “autonomia e dignidade científica do Direito
Processual Penal” (Teoria geral do processo penal, pp. 32-51 e 53 s.). Mais modernamente
tratando do tema: Fredie Didier Jr., na obra Sobre a teoria geral do processo, essa desconhe-
cida. Salvador: Jus Podivm, 2012.
28. Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito processual, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1990, p. 1-16 e Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e
tributário, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 78 e ss. Esse último autor faz interessante abor-
dagem acerca da possibilidade de transporte, para o juízo cível, de provas invasivas da esfera
íntima e privada dos indivíduos realizadas excepcionalmente no processo penal mediante
autorização judicial, conforme previsão de leis processuais penais.
46 Manual de Direito Processual Civil

da ação cível para ressarcimento do dano, nos termos do art. 64, caput, do CPP, poden-
do o juiz, proposta a ação penal, suspender o andamento da ação cível até o julgamento
definitivo daquela (art. 64, Parágrafo único, do CPP).
Quanto à sentença absolutória, tendo em vista a separação das esferas civil e pe-
nal (art. 935 do Código Civil vigente), a coisa julgada por ela formada somente vin-
culará o juízo cível quando estiver comprovada a inexistência do fato (art. 386, I, do
CPP) ou que o réu não tenha concorrido para a prática da infração penal (art. 386,
IV, do CPP).29
Por outro lado, não tendo sido categoricamente reconhecida a inexistência material
do fato ou da autoria pela sentença absolutória, não se impedirá a propositura de ação
civil (art. 66 c/c 386, I e IV, do CPP). Também não impedirão a propositura da ação civil
o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; a decisão que
julgar extinta a punibilidade; a sentença absolutória que decidir que o fato imputado
não constitui crime (art. 67, incisos I a III, do CPP).

1.3.4. O processo civil, o Direito Administrativo e o Direito Tributário


As relações do Direito Processual Civil com o Direito Administrativo são muitas.
Podemos apontar, em primeiro lugar, a circunstância de que o processo civil não serve
tão somente à aplicação do Direito Civil, mas também do Direito Público em geral. O
processo civil é veículo de aplicação, nos casos contenciosos, resolvendo os conflitos
entre a Administração e o particular (como, v.g., nos casos de desapropriação judicial)
e os litígios entre a Administração e funcionários (lides administrativas).
Por outro lado, nos casos de jurisdição voluntária, é profundo o entrosamento do
processo civil e do Direito Administrativo, porquanto: 1.º formalmente temos uma

29. “A sentença penal absolutória, tanto no caso em que fundamentada na falta de provas para a
condenação quanto na hipótese em que ainda não tenha transitado em julgado, não vincula
o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato. O art. 935 do CC
consagra, de um lado, a independência entre a jurisdição cível e a penal; de outro, dispõe
que não se pode mais questionar a existência do fato, ou sua autoria, quando a questão se
encontrar decidida no juízo criminal. Dessa forma, tratou o legislador de estabelecer a exis-
tência de uma autonomia relativa entre essas esferas. Essa relativização da independência
de jurisdições se justifica em virtude de o direito penal incorporar exigência probatória mais
rígida para a solução das questões submetidas a seus ditames, sobretudo em decorrência
do princípio da presunção de inocência. O direito civil, por sua vez, parte de pressupostos
diversos. Neste, autoriza-se que, com o reconhecimento de culpa, ainda que levíssima, possa-
se conduzir à responsabilização do agente e, consequentemente, ao dever de indenizar. O
juízo cível é, portanto, menos rigoroso do que o criminal no que concerne aos pressupostos
da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes
em ambas as esferas. Além disso, somente as questões decididas definitivamente no juízo
criminal podem irradiar efeito vinculante no juízo cível. Nesse contexto, pode-se afirmar,
conforme interpretação do art. 935 do CC, que a ação em que se discute a reparação civil
somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória fundamentar-se,
em definitivo, na inexistência do fato ou na negativa de autoria”. (STJ, REsp 1.164.236-MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.2.2013).
Conceito do Direito Processual 47

modalidade de processo, ou, mais precisamente, de um procedimento civil (art. 16 do


CPC/2015), dado que exteriormente os casos de jurisdição voluntária fazem-se valer
por meio de um procedimento diante de um juiz, faltando-lhes, porém, o requisito
final da coisa julgada material;30 2.º substancialmente, contudo, a atividade desen-
volvida pelo juiz é, por excelência, de caráter administrativo, e não precipuamente
jurisdicional; 3.º ainda, a organização dos serviços da justiça (organização judiciá-
ria) são decorrentes de normas processuais civis lato sensu. São oriundas do próprio
Poder Judiciário, a quem compete organizar suas secretarias e serviços auxiliares e
os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correi-
cional respectiva (art. 96, I, b, da CF/1988). Segundo alguns, trata-se de normas mais
afetas ao Direito Administrativo.
Doutra parte, devemos ter presente que o processo civil é fonte subsidiária do pro-
cedimento administrativo, aplicando-se a este, com o caráter de subsidiariedade, os
princípios e normas daquele.31 Ainda por meio dele cobra-se o crédito tributário, para o
que há lei especial (Lei 6.830/1980), além de inúmeras outras hipóteses.32 Isso fica cla-
ro no art. 15 do CPC/2015, que expressamente diz ser o diploma processual civil fonte
supletiva e subsidiária aos processos administrativos.33
Pela Lei 9.784/1999, os princípios do processo, abrigados pela Constituição Fede-
ral, encontram-se recebidos pelos procedimentos administrativos federais em obedi-
ência, de resto, ao mesmo mandamento constitucional (princípios do contraditório e
ampla defesa, art. 5.º, LV, sublinhando-se ainda a referência na lei ao princípio da lega-
lidade – CF, art. 37, caput).34

30. V.Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 12/79, São Paulo: RT,
1982, comentários ao art. 1.111.
31. V.Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 29ª ed., n. 5, São Paulo: RT, 2004,
p. 42. V. também, expressamente o art. 15 do CPC/2015.
32. V. Eduardo Arruda Alvim, Mandado de segurança: de acordo com a lei federal nº 12.016,
de 07/08/2009, 3ª ed. ref. e atual., Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014, pp. 211-212.
33. “O tratamento que o novo Código deu a jurisprudência (arts. 926 a 928) também tem grande
importância no processo administrativo. Se, por um lado, já havia previsões da obrigato-
riedade da administração pública em observar os julgados no controle concentrado de
inconstitucionalidade (art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868), nas previsões das súmulas
vinculantes (art. 2. º da Lei 11.417/2006) e nas decisões interativas dos Tribunais (arts. 4. º,
XII e 43, da LC 73/1993, c/c com o art. 4.º, da Lei 9.469/1997), deverá, também, observar,
ao menos de forma persuasiva, as decisões resultantes do julgamento de recursos repetitivos
e do incidente de resolução de demandas repetitivas, ambos previstos na novel legislação
adjetiva civil.” (Teresa Arruda Alvim Wambier et. al., Breves Comentários ao Novo Código
de Processo Civil, 2.ed., rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 110).
34. É o que dispõe o art. 2.º da Lei 9.784/1999 (regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal), ao enunciar diversos princípios a que se submete a adminis-
tração federal, e, dentre esses os de que cogitamos, verbis: “Art. 2.º A Administração Pública
obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse
público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de: I – atuação conforme a lei e o Direito (...)”.
48 Manual de Direito Processual Civil

1.3.5. O processo civil e o Direito Civil


Profundas são as relações do processo civil com o Direito Civil. Desde logo, lembre-
mos, têm estes ramos do Direito até mesmo o adjetivo civil em comum. Podemos dizer,
grosso modo, que grande parte do direito substantivo privado (direito privado comum) é
constituída pelo Direito Civil, e que, por outro lado, o processo civil é o instrumento por
meio do qual os casos controvertidos dessa parte do direito substancial são resolvidos.
Há ainda dois aspectos importantes. O Direito Civil, pela circunstância de ser o mais
antigo ramo do Direito, é, inegavelmente, o mais densa e sistematicamente aperfeiçoado,
mesmo porque diz ele com o homem e toda sua multifacetada projeção na família e na so-
ciedade civil; tem em seu bojo a disciplina atinente ao domínio dos bens pelos homens e
o destino de tais bens após a morte. Nenhum ramo do Direito, em verdade, foi tão estuda-
do quanto o Direito Civil. Nessas condições, não é incomum os processualistas – mesmo
tendo presente que o Direito Processual Civil encarta-se no que se convenciona chamar
de Direito Público – ainda hoje, se sentem obrigados a ir buscar subsídios no Direito Civil,
mesmo tendo que constantemente fazer as necessárias adaptações, reelaborando a própria
configuração de muitos dos institutos. Por outro lado, instituto processual pode vitalizar
regras de direito civil, como se passa com as obrigações de fazer e de não fazer, à luz do dis-
posto no art. 497 do CPC/2015, e no art. 498, referente às obrigações de entrega de coisa.
Por outro lado, justamente pelo fato histórico de ser o mais antigo ramo do Direito,
aí se estudaram e se delinearam, com alto grau de perfeição, determinados institutos ju-
rídicos que, na verdade, não são propriamente institutos só do Direito Civil. Pode dizer-
-se que a chamada parte geral do Direito Civil, na verdade, não é só uma parte geral de
Direito Civil, mas sim uma teoria ou parte geral do Direito, e o é como direito positivo.
1.3.6. O processo civil e o Direito Comercial
O Direito Comercial é, segundo alguns, uma parte especial do Direito Civil; segundo
outros, constitui-se em disciplina autônoma. Pelo Código Civil de 2002, aprovado pela
Lei 10.406, de 10.01.2002, unificou-se, em parte, o Direito Privado, assimilando-se o di-
reito obrigacional comercial ao civil, constituindo-se, assim, um corpo de obrigações do
direito privado (v., na Parte Especial temos, lado a lado, o Livro I, tratando de toda a maté-
ria obrigacional, aí inserida a regulamentação de “Títulos de Crédito”; no Livro II, cuida-
-se do “Direito de Empresa”). De qualquer forma, porém, colocava-se ao lado do Direito
Civil, constituindo-se ambos nos dois grandes desdobramentos do Direito Privado, si-
tuação que foi substancialmente modificada com a entrada em vigor do Código Civil de
2002, que no art. 2.045, do Livro Complementar, nas Disposições Finais e Transitórias,
estabelece que “Revogam-se a Lei 3.071, de 1.º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte
Primeira do Código Comercial, Lei 556, de 25 de junho de 1850”. Verifica-se, com isto, o
que se tem designado como um “esvaziamento” normativo do direito comercial de forma
autônoma ao direito civil.35

35. Trata-se de uma tendência verificável nos países de tradição romanística, que consiste no
afastamento do modelo francês e a aproximação do modelo italiano, que consiste no esta-
Conceito do Direito Processual 49

Importante ressaltar, no entanto, que há um movimento visando a reversão da ten-


dência de junção das disposições de direito civil e de direito comercial em um único
diploma. Em 2011 foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1.572
de 201136 e, dois anos depois, em 2013, foi apresentado ao Senado Federal o Projeto de
Lei nº 487 de 2013,37 tendo ambos os projetos o objetivo de instituir um novo Código
Comercial, revogando as disposições do Código Civil que versam sobre a matéria. Des-
taca-se que o projeto que tramita na Câmara dos Deputados tem como base o trabalho
acadêmico “O Futuro do Direito Comercial” de autoria do professor Fábio Ulhoa Coe-
lho, sendo fruto do trabalho de uma Comissão de Juristas presidida pelo mencionado
professor, sendo de autoria do Deputado Vicente Candido.
Similarmente ao Direito Civil, o Comercial, nos casos concretos controvertidos,
vale-se do Direito Processual Civil. Relaciona-se com o Direito Processual, porquanto
diversos aspectos, exemplificativamente, como o da prova, são comumente regulados
no Código Comercial, ao lado da disciplina do Direito Processual e do Direito Civil.
Onde, porém, mais intensas se verificam as relações entre os dois ramos do Direito
é justamente na parte do Direito Comercial que trata da execução coletiva contra co-
merciantes insolventes, isto é, a parte do Direito falimentar. O Direito falimentar é, por
excelência, Direito Processual, ou, caso assim se preferir, Direito Processual em verda-
deira simbiose com o Direito substancial.
A lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de
devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade regida pelas leis comerciais, re-
vela à saciedade a importância do aspecto processual, e nela se encontram delineados
institutos para servir especificamente à falência, mas que, por sua natureza, são verda-
deiros institutos de Direito Processual.
Outras vezes, o legislador falimentar previu determinados institutos, sem, contu-
do, traçar o perfil de sua disciplina, o que é feito a partir do Código de Processo Civil.
Não há, na realidade, a apropriação de regras de Direito Processual Civil pelo Direi-
to falimentar, senão que, em face do que dispõe o art. 189 da Lei 11.101/2005, aplica-se
o CPC, no que couber, aos procedimentos previstos na nova Lei de Falências.38

belecimento de um regime geral de disciplina privada da atividade econômica, excetuado


apenas por certas modalidades de importância marginal. V. Fábio Ulhoa Coelho, Curso de
Direito Comercial, Vol. 1: direito de empresa, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 40.
36. V. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508884
– Acesso em 25/11/2016.
37. V. http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115437 – Acesso em
25/11/2016.
38. Quanto à aplicação dos princípios previstos no CPC à antiga Lei de Falências, que era
anterior ao CPC, afirmava J. A. Penalva Santos haver uma “forma integradora acessória” (A
lei de falências e o novo CPC, Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 12). A afirmação não era
considerada exata de forma absoluta – v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil e legisla-
ção extravagante – Anotações de jurisprudência e doutrina, São Paulo: RT, 1985, p. 676, 3;
681, 7.1; 683, 2; etc., para onde se remete o leitor e onde há um “perfil” jurisprudencial das
exceções à regra firmada.
50 Manual de Direito Processual Civil

A nova Lei de Falências, tal como a Lei revogada, tem dupla natureza: traz, de um
lado, normas de direito processual (ao dispor sobre a condução das falências e a recupe-
ração de empresas) e, de outro, regras de direito substancial (v.g., ao enunciar as hipó-
teses e condições em que as pessoas e sociedades estariam a merecer a tutela do Estado,
no sentido de promover e auxiliar na recuperação das mesmas).

1.3.7. O processo civil e o Direito Processual do Trabalho


O Direito Processual Civil também se relaciona com o Direito Processual do Tra-
balho, haja vista ser o processo comum (abrangendo, desta forma, quer o processo ci-
vil, quer o processo penal) fonte subsidiária do processo trabalhista (art. 769 da CLT;
CPC/2015, art. 15), sendo, portanto, aplicável sempre que não existir norma expressa,
relativa ao processo trabalhista, dispondo relativamente à matéria, e desde que não se-
jam contrariados os princípios consagrados pela CLT.39 Interessante notar que, no que
tange à execução trabalhista, há aplicação subsidiária das disposições constantes da Lei
de Execuções Fiscais (6.830/1980, conforme o art. 889 da CLT), aplicando-se as dis-
posições contidas no Código de Processo Civil somente naquilo que a referida lei for
omissa, assim como não contrariar, por óbvio, os princípios norteadores do processo
trabalhista. Nesse passo, convém apontar que o TST, por meio da Instrução Normativa
39/2016, dispôs, de forma não exaustiva, quais normas do CPC/2015 são ou não apli-
cáveis ao processo do trabalho.

1.3.8. O processo civil e os Direitos Humanos


O principal ponto de convergência entre processo civil e Direitos Humanos reside
na natureza universal daqueles que são denominados “princípios e garantias funda-
mentais do processo”.
Com efeito, ainda que não estivessem positivados na Constituição Federal de 1988,
os princípios da isonomia material, do juiz natural, da efetividade processual, do devi-
do processo legal e do acesso à justiça estariam assegurados aos cidadãos, no âmbito do
processo civil, por se tratar de princípios reconhecidos ao ser humano, independente-
mente do ordenamento nacional em que se insira, pois sua natureza e importância re-
clamam universalização. Prova disso é que esses princípios e garantias encontrarem-se
encartados em declarações e tratados internacionais, com destaque para a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 que, entre os arts. VI e XII, confirma o status
supraestatal de tais preceitos.
Dessa forma, antes de serem princípios e garantias constitucionais, os preceitos
mencionados, aplicáveis ao processo civil, constituem direitos humanos universal-
mente consagrados.

39. Amauri Mascaro Nascimento, A subsidiariedade do direito processual comum no processo


trabalhista, Revista de Processo, vol. 2, p. 230, Abr-Jun/1976; mais recentemente, Humberto
Theodoro Jr. Repercussões do novo código de processo civil no direito do trabalho. Revista
Forense, vol. 420. Rio de Janeiro: Forense, jul/dez-2014, pp. 147/160.
2
Evolução Histórica do
Direito Processual Civil

O processo contemporâneo deriva do processo romano – mais evoluído – e do ger-


mânico – ao contrário, pouco evoluído, pois servia um povo, então, primitivo. Do pon-
to de vista da formação histórica do jurista, principalmente, interessa o estudo do pro-
cesso civil a partir do Direito romano. São sabidas as razões e motivos, quer de ordem
histórica – em especial, a tradição cultural romana –, quer de ordem estritamente in-
telectual – alto grau atingido pelo Direito romano –, para que cuidemos de encarecer a
sua importância.
Podemos traçar o seguinte quadro da evolução histórica do Direito Processual Ci-
vil do Ocidente:
1.º) processo civil romano, de 754 a.C. a 568 d.C.;
2.º) processo civil romano-barbárico, de 568 a 1100, aproximadamente;
3.º) período da elaboração do processo comum, de 1100 a 1500, mais ou menos;
4.º) período moderno, de 1500 a 1868, antes da renovação dos estudos do Direito
Processual, a nosso ver iniciados com a obra de Oskar Bülow, precisamente em 1868;1
5.º) de 1868 até hoje, poderíamos considerar como o período contemporâneo, eis
que é o realmente relevante, tendo em vista o desenvolvimento dogmático e cientifico
do processo.
Entretanto, o período contemporâneo – é usualmente entendido, da data de 1868
até o fim da segunda guerra (1945). Julgamos que depois da Segunda Guerra Mundial
acentuou-se a ausência de dogmatismo, tendo em vista as carências de que, universal-
mente, se está ressentindo a distribuição da Justiça.
Ainda, aceitando o período contemporâneo como aquele que vem até hoje, dentro
deste último período, é possível fazer uma distinção de um momento histórico que
data de sessenta ou setenta anos atrás até os dias de hoje. Pode-se listar, recentemen-
te, como preocupações de todos os processualistas, governos, juízes e advogados, as

1. Oskar Von Bülow, Excepciones procesales y presupuestos procesales, trad. argentina, Buenos
Aires: Juridicas Europa-America, 1964.
52 Manual de Direito Processual Civil

tutelas provisórias, as ações coletivas, e o chamado direito jurisprudencial. Tratar-se-ia


de um período correspondente às novidades que estão incorporadas no CPC/2015
(Lei nº 13.105/2015).

2.1. Processo civil romano


O Direito Processual Civil romano teve três fases, cada uma delas com suas carac-
terísticas próprias, a saber:
a) período das legis actiones, de 754 a.C. até 149 a.C., aproximadamente;
b) período do processo formulário, de 149 a.C. até 209 d.C., fase esta coincidente
com a expansão territorial do Direito romano sobre toda a Península Itálica;
c) período da extraordinaria cognitio, de 209 até o fim do Império Romano, corres-
pondente à extensão do Direito Romano por sobre todo o Império (aproximadamente
568 d.C.).
Rapidamente, vejamos as características dessas fases do processo romano.

2.1.1. Período das legis actiones


O Direito romano era de formação eminentemente processual; ou seja, era da ativi-
dade jurisdicional do Estado romano que – em escala apreciável – se ia constituindo o
Direito Substantivo romano.
No sistema das ações da lei, havia verdadeira identificação da ação com a lei.2
Em virtude dessa verdadeira simbiose entre o direito e a ação (entre o jus e a actio),
clara se mostra a influência deste regulamento processual sobre a substância dos vários
institutos jurídicos.3 Diz-se mesmo que se pode ver no Direito romano, particularmen-
te no desta época, mais um sistema de ações do que de direitos.
Classificam-se as ações da lei da seguinte forma:
a) legis actio per sacramentum; b) legis actio per condictionem; c) legis actio judicis ar-
bitrive postulationem; d) legis actio per pignoris capionem; e e) actio per manus iniectionem.
A legis actio per sacramentum tinha caráter geral. As outras ações da lei tinham ca-
ráter subsidiário.

2. Cf. Cuenca, Processo civil romano, Buenos Aires: EJEA, 1957, n. 33, p. 39; especialmente
n. 179, p. 189. Confirma a criatividade da sentença, no Direito romano, Pietro Bonfante,
Istituzioni di diritto romano, § 7.º, p. 23, com afirmação a propósito do direito justiniano (v.
tb. § 1.º, p. 1); do mesmo autor, especialmente, a propósito da figura do pretor e a renovação/
criação do Direito, Bonfante, Storia del diritto romano, 5ª ed., Milano, 1912, vol. 1, cap. XV,
3, p. 263. Cons., por todos, Moreira Alves, Direito romano, Rio de Janeiro: Forense, 2000,
cap. XVIII, n. 123 et seq., p. 234 et seq.; v. tb. Max Käser, Das Römische Zivilprozeßrecht [O
Processo Civil Romano], München: Beck, 1966, I, §§ 3.º, p. 17 et seq., e, de um modo geral,
toda a obra. Nestas duas últimas obras encontra-se um panorama completo do processo
romano.
3. Cf. Correia e G. Sciascia, Manual de direito romano, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1953, § 40,
p. 93.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 53

A actio per sacramentum, grosseiramente comparada, seria aquela cujo procedimen-


to era o comum.
As demais dariam lugar a procedimentos diferentes, tal como ocorre atualmente,
de certa forma, com os procedimentos especiais.

2.1.2. Período do processo formulário


Passou, neste período, o processo, a ter uma base escrita, continuando, porém, a
ser predominantemente oral. Coincidiu com esta fase evolutiva do processo romano,
como já acentuamos, a expansão do Direito romano por toda a Península Itálica. Antes
dessa expansão, somente os romanos tinham o direito de invocar a jurisdição (isto é, o
magistrado), dado que o ius civile abrangia exclusivamente os romanos.
Com o expandir do Direito Romano, houve a necessidade de se criar uma nova ma-
gistratura, de molde a que o judiciário também se fizesse presente nessa expansão, ao
lado da conquista política. Surgiu o praetor peregrinus. Este não podia aplicar, aos não
romanos, a sistemática das legis actiones e, desta forma, se fez necessário um sistema
adequado à distribuição da justiça. Encontraram-se as fórmulas, fornecidas pelo pra-
etor àqueles que viessem submeter-lhe um conflito de interesses. Dados os evidentes
inconvenientes do sistema anterior, as fórmulas acabaram, inclusive, sendo estendidas
aos próprios romanos.
Esse novo sistema, adquirindo base escrita, deixou de ser sacramental, como era o
anterior.4

2.1.3. Período da extraordinaria cognitio


O processo chamado extraordinaria cognitio foi perceptivelmente marcado pelo
agigantamento do Estado-juiz e a consequente ingerência estatal no processo, desde o
início do litígio até a sentença final. Este tipo de procedimento foi a síntese de todo o
evoluir do processo romano, que se trasladou do campo do Direito Privado para inserir-
-se no campo do Direito Público e, consequentemente, inspirar-se, enquanto processo,
em seus princípios.
Acentuou-se o perfil do instituto da revelia: o não comparecimento do réu não mais
significava impedimento à constituição do juízo, nem à válida prolação da sentença.
Ou, em outras palavras, suficiente, para a formação do processo, era só a citação e não
o comparecimento.
O juiz, no Direito romano, exercia uma função pública, a jurisdictio, destinada à
realização do direito. Era o responsável pela decisão; daí dizer-se que ele era a viva vox
juris civilis.
As provas obedeciam à racionalidade, no sentido de servirem para convencer o juiz
da ocorrência dos fatos alegados. O Direito Romano regulava o ônus da prova, deven-

4. Cf. Cuenca, op. cit., n. 46, p. 53 (sobre o pretor, v. nota 46, retro).
54 Manual de Direito Processual Civil

do provar aquele que tivesse feito a alegação – ei qui dicit.5 Reconhecia-se ao réu o di-
reito à contraprova.
A sentença era uma decorrência da aplicação do direito aos fatos provados à luz das
provas apresentadas,6 e a valoração a estas atribuídas era eminentemente racional. A
sentença afetava tão somente as partes – facit jus inter partes.7 No CPC/2015 essa regra
está no art. 506, que se refere exclusivamente a que a sentença não prejudicará tercei-
ros, modificado o art. 472 do CPC/1973, que se referia a que a sentença não beneficia-
ria nem prejudicaria terceiros.
Esta fase do processo romano já não era predominantemente oral, e o processo pas-
sou a ser visto também como um veículo de realização do direito material (res in judi-
cium deducta).

2.2. Processo romano-barbárico


O processo romano-barbárico, nas regiões que viriam, mais tarde, a constituir a Itália,
pode ser dividido em três fases: a) “fase longobarda”; b) “fase franca” e c) “fase feudal”.
A primeira fase referida, a “longobarda” (568 a 774), deve seu nome à região de um
dos povos que fundou uma monarquia na Península Itálica – a Lombardia –, que foi o
primeiro a adotar um processo de tipo germânico.
O juiz nesse processo era o duque e, ao que tudo indica, além de ser um processo
vazado em sacramentalidade, o sistema probatório era o ordálico.
O escopo do processo germânico era o de reparar a violação do direito. Confundiam-
-se praticamente os processos civil e penal, no sentido de que a separação entre ambos
não era nítida. Praticamente inexistia, no processo germânico, uma fase declaratória; in-
gressava-se, desde logo, numa fase de realização do direito, hoje designada de execução.
Dominavam, nessa fase, os princípios da oralidade e publicidade.
Já no denominado “período franco” (774 a 900), houve fortalecimento do poder
real, sendo a autoridade judiciária o conde, nomeada pelo detentor do poder. O conte-
údo da sentença era fornecido pelos scabini, juízes populares, que permanentemente o
assessoravam. O procedimento passou a ser dinamizado pelo impulso oficial. As teste-
munhas mereciam especial respeito. Estabeleceu-se, também, o sistema da prova legal8
(prova graduada = valor da prova predeterminado na lei).
Nesta segunda fase (a “franca”), não se teve mais um processo do tipo estritamente
germânico, constatando-se, contrariamente, uma infiltração das leis romanas, através
da influência do Direito Canônico no processo leigo. Saliente-se, no entanto, que os re-

5. É considerável a similitude entre as linhas gerais de tal fase do processo romano e os sistemas
atuais, no que diz com o Direito brasileiro; v., sobre o ônus da prova, art. 373 do CPC/2015.
6. Arts. 370, e 489, II, do CPC/2015.
7. Art. 506 do CPC/2015.
8. Sobre o significado de prova legal, ver: Carlo Furno, Teoría de la prueba legal, Madrid: Revista
de Derecho Privado, 1954, p. 6 et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 55

presentantes do rei, os missi domini, tinham poder jurisdicional superior a toda a ma-
gistratura, colocados no mais alto patamar da sua hierarquia (774 a 900).
Na “fase feudal” (900 a 1100), coincidente com a estrutura político-jurídica do feu-
dalismo na Europa, houve um retrocesso em relação ao processo de tipo “franco”, que
era unitário, marcado pelas virtudes decorrentes da unificação política do Império Caro-
língio, que findou no ano 900. Com a atomização do poder político e a paralela divisão
da soberania, a mesma coisa ocorreu com o poder jurisdicional. Constatou-se acentu-
ada decadência dos institutos jurídicos. Refloresceu o duelo como forma de solução de
contendas. Verificou-se, com indesejável incidência, perjúrios e falsos juramentos, o
que desacreditou a prova testemunhal e o juramento. Decadente a jurisdição civil leiga,
atrofiou-se o seu âmbito e, proporcionalmente, aumentou o da jurisdição eclesiástica.

2.3. O processo comum na Itália9


Na Itália ou, mais precisamente, no lugar aonde viria a ser a Itália, desenvolveu-se o
chamado processo comum, manifestação de fenômeno maior, que foi o direito comum.
É usual a divisão dos períodos de formação do processo comum da seguinte forma:
a) período dos glosadores, de 1100 até 1271; b) período dos pós-glosadores, de 1271 a
1400; e, finalmente, c) período da jurisprudência culta, de 1400 (princípio) até 1500.

2.3.1. Período dos glosadores


Coincidentemente com o início da formação do processo comum, surgiram as uni-
versidades. A de Bolonha, desde logo, representou o primeiro grande centro de estudos
científicos sobre Direito. Trabalhou-se, então, sobre os textos romanos, especialmente
as Pandectas, e os juristas anotavam tais textos com as chamadas “glosas”.
Considera-se terminado o período dos glosadores no ano de 1271, com a publica-
ção da obra de Guilherme Duranti denominada Speculum Judiciale, onde se encontra
repositório integral de todo o processo de então. Nesta obra se retrata um tipo de pro-
cesso predominantemente romano.
Findo, ao menos do ponto de vista da rígida divisão da História, obrigada a fixar da-
tas, o período dos glosadores, abriu-se o dos pós-glosadores.

2.3.2. Período dos pós-glosadores


Criaram os pós-glosadores institutos jurídicos novos, o que inseriu, na evolução
histórica, elemento antes inexistente: a criação jurídica.
As características principais do processo da época dos pós-glosadores são: 1.ª) a
prova e a sentença obedeciam aos princípios romanos, ou seja, eram inspiradas na ra-
zão; 2.ª) consagrava-se a intervenção principal, de origem germânica; 3.ª) entendia-se

9. Consultar Friedrich Lent, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], 12. ed., § 100, p. 274-
275. Mais recentemente, cf. Othmar Jauernig, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil],
19. ed., § 99, p. 309-310, 1981.
56 Manual de Direito Processual Civil

a contestação da lide (litiscontestatio) como necessária para a instauração do juízo e,


consequentemente, para a prolação da sentença, o que representou retrocesso, já que
o que se considera, hoje, relevante na esteira de uma evolução, é que o réu seja cienti-
ficado e não que se manifeste, necessariamente; 4.ª) o impulso do processo foi deixado
às partes, o que, ulteriormente, veio a ser alterado pela adoção do princípio do impulso
oficial; 5.ª) além do processo ordinário, havia o processo sumário determinado e o in-
determinado; 6.ª) admitia-se a appellatio tertii, de origem francesa; 7.ª) a coisa julgada
passou a ter como fundamento a circunstância de valer por encerrar uma presunção da
verdade; 8.ª) o processo dividia-se em fases (positiones), estrutura esta que constitui o
fundamento remoto do instituto da preclusão, i. e., as positiones eram irreversivelmen-
te superadas, sem retorno à fase anterior; 9.ª) introduziram-se os juízos provocatórios,
cuja construção – embora indireta e complexa – destinava-se a dar ao processo uma
função meramente declaratória.
Deve ser referida, nesta fase, a constituição papal de Clemente V, de 1306, chamada
Clementina Saepe, cujos princípios se generalizaram rapidamente, determinando o uso
nos tribunais eclesiásticos de um processo sem formalidades, onde se decidisse simpli-
citer et de plano ac sine strepitu et figura iudici.

2.3.3. Período da jurisprudência culta


Depois da fase dos pós-glosadores, surgiu a da chamada jurisprudência culta, es-
tendendo-se à França e à Alemanha. Da escola francesa, há que se mencionar o nome
notável de Jacomo Cujácio, que trabalhou sobre as leis de Justiniano (“Institutas de
Justiniano”), fornecendo material de alto valor para seus contemporâneos e para os
que o sucederam.

2.4. O processo comum na Alemanha


Na Alemanha, ou mais precisamente, nas regiões que viriam ulteriormente a cons-
tituir a Alemanha, o processo italiano-canônico ingressou na vida jurídica simultane-
amente com o direito comum. Depois de algum tempo, desenvolveu-se o processo co-
mum como uma parte do direito comum.10
Deve-se dizer que o fenômeno da introdução do processo romano-canônico (co-
mum) na Alemanha implicou a diminuição da influência do processo local, o germâni-
co. A este fenômeno denominou-se “recepção”.
Em síntese, as características do processo comum, introduzidas na Alemanha, eram
as seguintes: 1.ª) no ano de 1495, constituiu-se o órgão jurisdicional supremo do Im-
pério, denominado Reichskammergericht; 2.ª) existiam, ademais, os juízes territoriais;
3.ª) o processo era escrito e não público; 4.ª) a Alemanha recebeu do processo italiano,
nesta primeira fase, o desenvolvimento processual per positiones, não adotando o princípio

10. Cf. Lent, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], 12ª ed. München-Berlin: 1965, p. 274-275,
sobre este assunto, Der Gemeine Prozeß [O processo comum], e Jauernig, Zivilprozeßrech
[Direito processual civil], München: CH Beck, 19ª ed., § 100, p. 310-311.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 57

da eventualidade (ou seja, o princípio segundo o qual todas as alegações hão de ser feitas
de uma vez só, sob pena de preclusão, isto é, sob pena de não mais poderem ser feitas).
O processo saxão inspirou-se, no entanto, em princípios diversos, sintetizados em
uma ordenança (Kursächsische Gerischtsordnung) do ano de 1622, que, de certa forma,
implicou avanço em relação à fase anterior. Dividia-se o procedimento em duas fases,
destinadas às alegações e às provas. O juramento ganhou singular prestígio, quando de-
ferido de uma parte à outra. Adotou-se, ademais, o princípio da eventualidade.
Duas ordenações alemãs ainda devem ser mencionadas: a ordenação saxônica de
1735 e a bárbara de 1753. Singularidades dignas de referência são as seguintes: a) a de-
manda apoiava-se sobre fatos e alegações; b) o réu tinha que apresentar sua defesa den-
tro de certo prazo; c) a sentença era proferida com base na prova colhida; d) o sistema
probatório, todavia, era o da prova legal, graduada, isto é, da prova que tem seu valor
previamente determinado em lei e cuja determinação vincula o julgador (princípio di-
ferente do livre convencimento, em que a margem de liberdade de valoração da prova é
ampla, princípio este aceito contemporaneamente, salvo poucas exceções expressas);
e) previam-se recursos.
O panorama da legislação prussiana corporificou-se no Corpus Juris Friedericia-
num, de 1781, e na Ordenança Geral sobre os Tribunais, de 1793. Suas características
fundamentais eram as seguintes: a) o domínio do juiz sobre o processo era praticamen-
te absoluto, adotado que foi o princípio inquisitório; b) como decorrência da adoção
deste princípio havia a fortíssima ingerência do magistrado na formação do material
probatório; c) as partes eram interrogadas pelo juiz; d) a representação das partes em
juízo não se fazia pelos advogados, mas por funcionários do governo, com esta função
específica; e) eliminou-se o princípio da eventualidade. No entanto, este sistema, con-
trastante com o restante de toda a evolução europeia, de índole liberal (pelo menos po-
tencialmente), pouco durou.

2.5. O processo na Península Ibérica e suas implicações no Direito brasileiro


Passemos agora a examinar a evolução do processo na Península Ibérica, pois nos
diz respeito mais de perto.
Alarico, rei visigodo, em 506, baixou a primeira lei de que se tem conhecimento,
depois da invasão dos bárbaros. Denominou-se esta lei Breviarium Alaricianum. Este
breviário não é senão uma recompilação de algumas leis romanas; quer dizer, o invasor
e dominador dobrou-se à cultura de origem romana e foi recolher nos povos conquis-
tados, em grande parte, as leis para regular suas condutas.
Alguns anos depois, em 693, baixou-se uma outra lei, revocatória da anterior, cha-
mada Fuero Juzgo ou Forum Juditium. Também esta é uma síntese do Direito romano,
muito toscamente estruturada. Não tinha havido, ainda, qualquer influência dos cos-
tumes germânicos, nem dos da própria região.
No ano de 711, os árabes invadiram a Península Ibérica, lá ficando até 1492. Esta
invasão dos árabes pouco representou do ponto de vista da cultura jurídica.
58 Manual de Direito Processual Civil

Em 1139, destacou-se na Península Ibérica o chamado Condado Portucalense, que


representou a base político-geográfica do que veio a ser Portugal.
O condado regeu-se pelo Forum Juditium, que o disciplinou antes de sua indepen-
dência.
Além do Forum Juditium, regeu-se pelas cartas forais, baixadas pelo poder real e que
se destinavam a regular determinados problemas locais.
Este era, mais ou menos, do ponto de vista legislativo, o panorama contemporâneo ao
nascimento de Portugal. Concomitantemente, como no resto da Europa, agigantava-se
a jurisdição eclesiástica. No século XIII, o rei de Portugal, D. Afonso III, que se educou
em Paris, onde já iam avançados os estudos do Direito romano, procurou de certa for-
ma reorganizar a justiça e o processo. Outro rei de Portugal, D. Diniz, fundou em 1380
a Universidade de Lisboa, que foi um grande centro de estudos jurídicos.

2.5.1. As Ordenações – Especialmente as Filipinas


Com isto, Portugal, solidificado como nação, expulsando, praticamente, os árabes
e já se aproveitando de certo caldeamento de cultura própria, tinha a base necessária
para sua primeira grande lei: as “Ordenações Afonsinas”, baixadas por D. Afonso V, em
1446. Essa lei vigeu até 1521, quando foi substituída pelas “Ordenações Manuelinas”,
baixadas pelo rei D. Manuel.
Finalmente, promulgou-se a última lei desses tempos mais antigos de Portugal: as
“Ordenações Filipinas”, que tiveram importância extraordinária, inclusive para o nos-
so Direito. Foram baixadas por D. Felipe II da Espanha, e I de Portugal. As Ordenações
Filipinas já apresentavam uma estrutura bastante moderna, se comparada com o que
havia antes. A parte processual (Livro Terceiro) dividia-se da seguinte forma: 1.ª) “fase
postulatória”, que se encontra nos Códigos modernos; 2.ª) “fase instrutória”, destina-
da à prova; 3.ª) “fase decisória”, destinada à decisão; 4.ª) “fase executória”, destinada
ao processo de execução.
Ao lado disto, regulava o processo ordinário, que era o processo comum, e ainda os
chamados processos sumários, empregados para alguns casos particulares, juntamente
com os chamados processos especiais, aplicáveis a determinadas ações.

2.6. O Brasil e sua legislação depois da Independência


O Brasil desvinculou-se politicamente de Portugal em 1822. Nesta época, vigiam em
Portugal as Ordenações Filipinas, que foram adotadas como lei brasileira pelo Decreto
de 20.10.1823. O Brasil, separando-se de Portugal, não tinha e nem podia ter, pela au-
sência de situação histórico-cultural produtora de normas, leis próprias. O que o Brasil
fez foi adotar, na sua integridade, as leis portuguesas, ressalvada a Constituição, que foi
feita logo em seguida (símbolo de que houvera independência política). As demais leis,
por sua vez, foram surgindo paulatinamente com o correr dos tempos.
A partir de 1823, as Ordenações Filipinas passaram a reger o processo civil no
Brasil.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 59

2.6.1. O Regulamento 737

Em meados do século XIX, precisamente em 25.11.1850, ocorreu um fato impor-


tante para o processo: fez-se um Código de Processo Comercial, que foi o Regulamento
737. Havia, então, a jurisdição comercial ao lado da jurisdição civil. As Ordenações Fi-
lipinas continuaram a reger a matéria de processo civil, enquanto o Regulamento 737
regia a de processo comercial.
Em 1871, o governo imperial encarregou o Conselheiro Ribas de consolidar as Or-
denações e as leis extravagantes, que, posteriormente à Independência, foram sendo
promulgadas pelo governo imperial, vindo, por uma resolução imperial de 1876, a ser
adotada, como lei processual, a Consolidação Ribas.
As Ordenações Filipinas, portanto, através da Consolidação Ribas, continuaram a
reger nosso processo civil até a proclamação da República.
Em seguida, houve dois fatos que tiveram grande repercussão no campo do Direi-
to. Em primeiro lugar, o Regulamento 737, que regia o processo comercial, passou a
ser aplicado, através do Dec. 763, de 1890, ao processo civil, com o que foram defini-
tivamente revogadas as Ordenações Filipinas em matéria processual civil. Além disso,
em 1891, foi promulgada a Constituição da República, manifestamente inspirada no
padrão da Constituição política dos Estados Unidos da América do Norte (induvidosa-
mente no que respeita à competência legislativa adjudicada aos Estados, desde então,
definidos como federados).

2.6.2. A República e o processo civil – Os Códigos de Processo Civil Estaduais

O Dec. 763, de setembro de 1890, estabelecia que o Brasil continuaria sendo regido,
quer em matéria civil, quer comercial, pelo Regulamento 737, enquanto cada um dos
Estados não baixasse o seu Código de Processo Civil próprio.
A partir de 1905, iniciou-se o movimento de codificações estaduais, sendo o Estado
do Pará o primeiro a baixar seu estatuto de processo civil, sem ser um código, porém. A
partir dessa data, vários Estados baixaram suas leis processuais, exceto o de Goiás. São
Paulo foi um dos últimos a promulgar a sua lei processual civil (1930).11 Dessa época,
merecem destaque, como bons códigos, o da Bahia – o melhor deles –, o de São Paulo,
o do Rio Grande do Sul e, ainda, o do Distrito Federal.

2.6.3. A reunificação do processo civil – os códigos de 1939 e 1973


Como as consequências decorrentes dessa fragmentação legislativa não foram
das mais positivas, já a Constituição de 1934 determinava, no art. 11 das Disposições
Transitórias, que o governo, uma vez promulgada a Constituição, nomearia uma co-
missão de três juristas, a fim de organizar um projeto de Código de Processo Civil e
Comercial.

11. Uma resenha dos Códigos Estaduais pode ser encontrada em Teresa Celina de Arruda Alvim
Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, 4ª ed., São Paulo: 2005, n.1.1.
60 Manual de Direito Processual Civil

Em consequência de um contragolpe de Estado, a Carta Constitucional de 1937


substituiu a Constituição de 1934. Reafirmou-se o propósito da reunificação do pro-
cesso, trazendo-se, ainda, uma inovação, que teve, por sua vez, reflexos no campo de
aplicação da Justiça: a supressão da Justiça Federal.
Quando da vigência da Carta Constitucional de 1937, vários projetos de Código
começaram a ser elaborados. Entretanto, aquele de Pedro Batista Martins, advogado de
renome, foi terminado antes dos outros e apresentado ao Ministro da Justiça. Esse pro-
jeto, que veio a ser o nosso Código de Processo Civil de 1939, foi totalmente revisado
pelo processualista, e então juiz, Guilherme Estellita.
No governo de Jânio Quadros, iniciou-se o trabalho de reformulação da legislação
brasileira. No campo do processo civil, foi elaborado o Anteprojeto do Prof. Alfredo
Buzaid (1964), o qual serviu por vários anos como obra doutrinária, enquanto passava
pelo crivo de Luís Antonio de Andrade e Luiz Machado Guimarães. Este último, depois
de sua morte, foi substituído por José Frederico Marques. Os revisores mantiveram a
essência do trabalho, mas as sugestões que fizeram, a seu turno, foram escassamente
aproveitadas.12 O anteprojeto foi enviado ao Congresso Nacional em 02.08.1972, atra-
vés da Mensagem 210 do Presidente da República. No Congresso, sob o n. 810, rece-
beu o projeto 339 emendas na Câmara dos Deputados e 674 no Senado, vindo, depois
de aprovado nas duas casas legislativas, a ser sancionado pelo Presidente da República
em 11.01.1973, tornando-se a Lei 5.869.
As principais mudanças instituídas por este Código ocorreram na parte referente
aos recursos.13 Foram, entretanto, mantidos os recursos dos processos regulados em
leis especiais. Subsistiu a legislação dos Estados, nos claros deixados pelo legislador
federal, devendo, entretanto, ser adaptados ao Código. A legislação dos Estados dizia
respeito às leis de organização judiciária e aos regimentos internos dos Tribunais, as
primeiras, leis propriamente, e os segundos, normas regimentais, enquanto editadas
por Tribunais estaduais.
Logo após o advento do CPC/1973 e ainda antes de sua entrada em vigor, veio à luz
uma lei (Lei 5.925/1973), modificando diversos dispositivos, à semelhança do que re-
centemente ocorreu com a Lei 13.256/2016, que alterou disposições do CPC/2015 antes
mesmo da sua vigência. Quanto ao CPC/1973, seguiram-se outras leis nesses 42 anos de
vigência (Lei nº 6.071/1974; Lei nº 6.314/1975; Lei nº 8.952/1994; Lei nº 10.444/2002;
Lei nº 11.232/2005; Lei nº 11.672/2008, dentre outras), que buscaram adaptá-lo me-
lhor às necessidades emergentes das alterações da vida em sociedade.
Em 24.12.1985 (p. 18.953-60), houve um Anteprojeto de Modificação do Códi-
go de Processo Civil, elaborado por ilustres juristas, antecedido de lúcida justificativa.
Este procurava introduzir no Código institutos modernos, viabilizadores de mais efeti-

12. Sobre o tema, consultar a Revista de Processo, n. 1/13 et seq., em que está publicado o
Parecer da Comissão Revisora sobre o Anteprojeto de Código de Processo Civil de 1973.
13. Consultar nosso estudo Dogmática jurídica e o novo Código de Processo Civil, na Revista
de Processo [RePro] n. 1, pp. 85, jan.-mar. 1976, et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 61

va tutela dos direitos, ao lado de simplificação geral, tudo sem quebra do sistema então
vigente. Em certa escala, o Anteprojeto serviu de inspiração às modificações que se fi-
zeram no sistema processual, as quais procuraram agilizar o processo, eliminando-lhe
pontos de estrangulamento, como disse, com propriedade, o Min. Sálvio de Figueiredo.14 
Interessante alteração da Lei 11.232/2005, que vale ser mencionada, é o acréscimo
de um parágrafo único ao art. 741 do CPC/1973, admitindo que em embargos do de-
vedor, na execução contra a Fazenda Pública, houvesse insurgência contra a decisão
(transitada em julgado) baseada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo
STF ou, ainda, em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Consti-
tuição Federal. Norma com conteúdo idêntico consta do § 1.º do art. 475-L, que trata
da impugnação, à execução de sentença, realizada sob o procedimento dos arts. 475-J
e ss., todos do CPC/1973.15
Grande parte das alterações legislativas citadas, em especial dos anos 2000 em dian-
te, foram inspiradas na mesma filosofia das minirreformas do Código que foram reali-
zadas na década de 90, com a identificação dos pontos de estrangulamento e apresen-
tação de soluções, com vistas a um processo mais efetivo.16

2.7. A reelaboração dogmática do direito processual civil no século XX


Para podermos compreender as bases epistemológicas que dão sustento à elaboração
do Código de Processo Civil de 2015, é preciso situar as recentes alterações no campo
da dogmática jurídica. Particularmente no ramo do Direito Processual Civil, na segun-
da metade do século XX, iniciou-se uma autêntica elaboração conceitual, que consistiu
em colocar as bases fundamentais para o estudo, verdadeiramente científico, ou havido
como verdadeiramente científico (= dogmático), desta disciplina.
Inegavelmente, o século XIX, antecedido pela Revolução de 1789, significou para o
Direito moderno um de seus momentos capitais. A Revolução Francesa foi o prólogo de
todo um ciclo histórico. Seguiram-se-lhe, no século XIX, em que teve início uma apurada
revisão de conceitos jurídicos, decorrentes da necessidade de se elaborar uma nova ordem,
compatível com os frutos e exigências da grande revolução, com mutações profundas.

14. Fazendo, de certa forma, uma comparação entre o Anteprojeto de 1985 e as leis acima
referidas, v., com proveito, Sérgio Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil, Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.
15. Sobre a defesa do executado com base na inconstitucionalidade da lei em que se baseia a
sentença exequenda, ver Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma
da coisa julgada – Hipóteses de relativização, São Paulo: RT, 2003, n. 2.3.3, p. e 72 ss.
16. Sobre estas reformas, encontramos excelentes obras, de obrigatória consulta, dentre as quais
vale referir a de Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia
Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, São Paulo: RT, 2005, e a
de William dos Santos Ferreira, Aspectos práticos e polêmicos da segunda etapa da refor-
ma processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002. Consulte-se, ainda, sobre esse mesmo
assunto, José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova reforma do CPC; Cândido Rangel
Dinamarco, A reforma da reforma, São Paulo: Malheiros, 2002; e Joel Dias Figueira Júnior,
Comentários à novíssima reforma do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002.
62 Manual de Direito Processual Civil

Apesar de o processo constituir uma disciplina autônoma nos dias de hoje, mercê
da evolução por que passou, ainda assim convive ele com o direito material, porque
tem, em certo sentido, natureza instrumental, destinada à tutela do direito substancial.
A convivência do processo com o direito material e, consequentemente, a influên-
cia deste sobre aquele, no século XIX, antes da revisão de conceitos por que passou, era
muito grande. O Direito Processual era classificado como mero compartimento do Di-
reito Civil, não passando de uma projeção deste.17
Nessa época, o processo vivia vergado ao peso do civilismo avassalador. O próprio
processo e sua dinâmica eram disciplinados por princípios de Direito Civil, quando,
cientificamente, hoje se entende que o processo, em si mesmo, deve ter seus próprios
princípios, que respondem aos fins propostos pelo legislador, de caráter eminentemente
público. A renovação conceitual, no âmbito do Direito Processual Civil, é que provocou
integral revisão dogmática, podendo, a rigor, ser dito que, na realidade, essa renovação
é que criou a dogmática processual, que antes era praticamente inexistente. Como con-
sequência disso, salientemos desde logo, ficou plenamente evidenciada a autonomia
deste ramo do Direito, enquanto disciplina autônoma.
Antes desta fase, era inevitável a predominância de um método acentuadamente
descritivo dos fenômenos judiciários, que se contentava com a contemplação dos usos
e praxes observados em juízo, sem uma preocupação de se identificar, por exemplo,
em que consistia o processo e a que regras haveria de se submeter para atingir o seu fim
(fins). O Direito Processual Civil, por conseguinte, era tido como o próprio Direito Pri-
vado, numa posição projetada em juízo.
A concepção de ação, àquela época, era a que identificava, apesar de leves discor-
dâncias entre os autores, o direito e a ação como expressões de uma única realidade.
Ora, a ação é o núcleo do processo; é em decorrência dela que este se formava e se forma.
Se ação e direito eram a mesma coisa, fatalmente, mercê desta premissa, tinha o processo
que ficar confinado a mero compartimento do Direito Privado. A ação era informada, acen-
tuadamente, por princípios de Direito Privado, porquanto era vista como se não passasse
de uma modificação exterior do direito subjetivo que, por seu intermédio, se fazia valer.

2.7.1. Autonomia do direito da ação


Chiovenda, ao pronunciar, em 1903, a célebre “prolusione bolognese”, fundou a
moderna escola processualista italiana, nela projetando os frutos dos precedentes es-
tudos alemães, como lealmente já afirmava, como premissa elementar de seu sistema,
a autonomia da ação.18 Este mesmo jurista, na sua última obra – Instituições de Direi-

17. Planiol, Traité élementaire de droit civil, 6ª ed. Imprenta: Paris, Libr. Générale de Droit et de
Jurisprudence, 1911, vol. 1, n. 26, p. 10.
18. Cf. Enrico Tullio Liebman, L’azione nella teoria del processo civile, Problemi del processo
civile. Nápoles: Morano Editore, 1962, Chiovenda, Saggi di diritto processuale civile, vol. 1,
Milano: Giuffrè, 1993, p. 3 et seq., trabalho intitulado L’azione nel sistema dei diritti (ensaio
do ano de 1903).
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 63

to Processual Civil –, em que sintetiza seu pensamento, coloca a ação como instituto já
processualmente configurado, afirmando-a independente do direito que ela se destina
a fazer valer (apesar de, ainda e de certo modo, permanecer ligado a ideias civilísticas).
A evolução do processo, com vistas à sua separação do direito material, para tornar-se
uma disciplina com foros de cientificidade, conduziu à chamada autonomia da ação, que
acabou desembocando na denominada teoria abstrata do direito de ação, assumida pelo
nosso Código de Processo Civil, à luz da formulação final de Enrico Tullio Liebman. O
que se pode dizer é que essa posição do direito de ação, que abstrai, ou mais precisamente,
que pretende abstrair o direito material, considerando-o, apenas, como hipótese possível,
com o que a ação é admissível, contribuiu para manter, na sombra, um possível floresci-
mento maior das tutelas diferenciadas. O contexto em que se construiu a figura da ação
foi o de dotá-la de uma amplitude que ocupou o espaço todo do processo de conhecimen-
to, sem maiores peculiaridades que se afeiçoassem aos processos sumários, admitindo-se
apenas se classificassem as ações pelos efeitos declaratório, constitutivo e condenatório.

2.7.2. Moderna classificação das ações


Ainda subsistem classificações feitas à base de critérios que pertencem “propriamen-
te ao direito substancial”, a saber: (a) ações reais e pessoais (arts. 46 e 47 do CPC/2015,
sobre competência); (b) mobiliárias e imobiliárias (art. 73, do CPC/2015, sobre a cita-
ção obrigatória de cônjuge).
A classificação das ações por critério autenticamente processual, feita com base nos
efeitos específicos que produzem, é a seguinte: (a) ações declaratórias, ou de mera de-
claração, que podem ser positivas ou negativas; (b) ações constitutivas ou desconstitu-
tivas; e (c) ações condenatórias.
Existe, na doutrina, tendência a se considerar haver outros dois tipos de sentenças,
ao lado das que antes mencionamos, que são as sentenças executivas lato sensu e as man-
damentais. Ambas têm como característica serem capazes de gerar, no mundo empírico,
alterações tendentes a satisfazer o credor in natura, independentemente do processo de
execução, porque o juiz, nestes casos, será dotado de poderes para tomar providências
(= determinar medidas de apoio) que acabam tendo por resultado levar o réu a cumprir o
mandamento (a ordem) contido na sentença. Há autores que utilizam indiferentemente
ambas as expressões: sentença mandamental e sentença executiva lato sensu. Outros fa-
zem distinção entre elas, dizendo que só nas executivas lato sensu, em face da definitiva
resistência do réu, no que tange ao cumprimento da ordem contida na sentença, pode o
juiz determinar providência equivalente. Nossa posição é no sentido de que estas sen-
tenças podem ser consideradas uma subespécie das condenatórias, embora reconhe-
çamos que, no contexto atual, venham efetivamente ganhando espaço e importância.
A classificação acima diz respeito às ações de conhecimento. Deve-se acentuar, to-
davia, que tradicionalmente as ações de conhecimento inserem-se nesta outra classifica-
ção maior, que, logicamente, a antecede, a saber: (a) ações de conhecimento; (b) ações
executivas, como por exemplo, ações fundadas em títulos extrajudiciais (art. 784 do
CPC/2015).
64 Manual de Direito Processual Civil

O novo código, por sua vez, situa a disciplina das medidas cautelares e antecipató-
rias no âmbito das tutelas de urgência e de evidência (arts. 294/311), eliminando, assim,
as ações cautelares. Com isso, as medidas cautelares e antecipatórias passam a integrar,
em grande parte, modalidades de tutela concedida no bojo das ações de conhecimento.

2.7.3. O processo concebido como contrato ou quase contrato


Em 1868, Oskar Bülow publicou célebre obra, intitulada Teoria das exceções dila-
tórias e dos pressupostos processuais, em que distinguiu, com nitidez, o direito material
controvertido e o processo, por meio do qual se resolvia a controvérsia. A relação ma-
terial litigiosa (res in judicium deducta) era, pois, algo de diferente da relação jurídica
processual (judicium). Esta conceituação foi de extraordinária importância, eis que o
processo ficou conhecido como verdadeiro “continente” e a lide como o seu “conteú-
do”. A partir desta distinção, passou-se a identificar, na principiologia do processo, a
predominância da marca do Direito Público.
Anteriormente ao aparecimento da obra de Bülow e dos frutos dela originados na
consequente reelaboração teórica do direito processual, era comum atribuir-se natu-
reza jurídica de contrato ao processo, ou de quase contrato, embora isto repugnasse à
mais elementar lógica jurídica e à própria operatividade do processo, como elemento
de coação, onde a sentença substitui a vontade dos litigantes e é a base da realização da
atividade coativa contra o vencido. Era, de fato, uma ideia antagônica à do poder esta-
tal, na medida em que esse também reside no processo, e, ainda, na medida em que é
vital ao desempenho da atividade jurisdicional. Pensamos que a ideia da natureza do
processo como contrato ou quase contrato reassumiu particular vigor – porque já fora
conhecida no Direito romano – no século XIX, em virtude da posição quase mística a
que se elevou, ao influxo das ideias de Rousseau, a figura do contrato, expressão práti-
ca do relevantíssimo papel da vontade na ordem jurídica.19
Conceber-se o processo como relação jurídica, desvinculada da relação jurídica
material naquela contida, somente foi possível depois da evolução doutrinária inicia-
da mercê da obra de Bülow. Esta notável obra, tanto mais notável porque assentada no
Direito romano,20“traduzido” para os tempos da época em que foi escrita, foi o ponto de

19. A tutela ressarcitória, que predominou largamente em todos os sistemas jurídicos, histori-
camente, pode ser explicada pela extensão reconhecida à vontade, por exemplo, nos casos
das obrigações de fazer e de não fazer, quando, ainda que em face de um ilícito, entendia-se
inviável coação pecuniária e psicológica sobre o devedor recalcitrante (diferentemente do
que se passa, atualmente, com as cominações de fazer, não fazer, e entregar coisa certa),
e tal ilícito era redutível ou se convertia sempre em perdas e danos. Isto porque a coação
pessoal era inaceitável (nemo ad factum potest cogi).
20. Rudolf von Ihering, na sua obra Der Kampf um’s Recht [A luta pelo direito], 4. ed., Viena:
Manz’sche, 1900, abordando uma das muitas implicações do direito romano, na Idade
Contemporânea, escreveu: “Wenn ich dasselbe in wenig Worte zusammendrängen soll, so
setzte ich den eingenartigen Charakter der gesammten Geschichte und Geltung des moder-
nen römischen Rechts in das eigenhümtliche, durch die Verhältnisse selber allerginds bis zu
einem gewissen Grade nothwendig gemachte Übergewicht der blossen Gelehnrsamkeit, über
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 65

partida para a autonomia do processo, tal como hoje entendida, e informa todo orga-
nismo processual, tal como consta nos Códigos modernos, principalmente a partir dos
Códigos de Processo Civil alemão e austríaco.

2.7.4. O processo como instrumento predominantemente técnico


Ultrapassada a fase “contratual” do processo, este veio a ser havido como um ins-
trumento de técnica jurídica, cujo escopo principal é a aplicação da lei a um caso con-
trovertido, não solucionado extraprocessualmente, e cuja solução é pedida pelo autor.
A circunstância de dizermos tratar-se de instrumento técnico não pode levar à desconsi-
deração dos valores subjacentes ao sistema jurídico, que devem ser realizados no plano
do direito, pois que permeiam o sistema e vitalizam as regras técnicas.
A tarefa do processualista, no trato de sua ciência e disciplina, é essencialmente a
de, aproveitando-se dos valores universais da ciência jurídica processual, objetivar a
simplificação desse instrumento “que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de
administrar justiça”.21 Na medida em que se atinja essa simplicidade, sem que dela de-
corra prejuízo para as partes litigantes, em função do amplo contraditório ao longo de
todo o evolver do processo, é que se estará dotando a Justiça de um instrumento real-
mente útil (= eficiente) e, portanto, digno de sua missão.
Nos dias correntes, dúvida alguma podemos levantar no sentido de que o proces-
so é um instrumento público e de que o Direito Processual Civil – apesar do respeito
devido às partes e ao princípio dispositivo – está inserido nos quadros do Direito Pú-
blico. Exemplos disto são: (a) o dever de comportamento ético e de boa-fé (art. 5º do
CPC/2015) e a responsabilidade pelo dano processual; (b) o impulso oficial do processo
já em curso (art. 2º do CPC/2015), em que se prescinde, fundamentalmente, da ativi-
dade dos litigantes; a amplitude dos poderes do juiz e a possibilidade de determinação
de providências sem pedido da parte.
Se o processo é meio a perseguir um fim – o que é aceito como axioma – é relevan-
te que a técnica seja elemento fundamental no tratamento da disciplina. O escopo do
processo é, na realidade, não exclusivamente a consecução de um interesse privado das
partes, mas principalmente de um interesse público de toda a sociedade.22

alle jene Factoren, wleche sont die Gestaltung und Entwicklung des Rechts bestimmen: das
nationale Rechtsgefühl, die Praxis, die Gesetzgebung” (edição bilíngue, Rio de Janeiro: Rio,
1978). Ou, no vernáculo, dessa edição: “Para resumir direi que a característica específica
da história e do conteúdo do direito romano moderno reside no predomínio singular, mas
até certo ponto determinado pelas circunstâncias, da simples erudição sobre os fatos que
via de regra determinam a evolução e a configuração do direito: o sentimento nacional da
justiça, a prática, a legislação” (op. cit., p. 84).
21. Alfredo Buzaid, Exposição de motivos ao Código de Processo Civil, Diário do Congresso
Nacional, p. 4.
22. Neste sentido, o entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque: “A ciência processual
foi construída visando à concepção de um instrumento apto a alcançar determinados ob-
jetivos. Como é natural em toda evolução, houve distorções que perduram até hoje. Urge
eliminá-las. Na medida em que, segundo se diz, ‘pretensão e água benta não fazem mal a
66 Manual de Direito Processual Civil

2.8. A fase contemporânea do processo civil brasileiro


2.8.1. Intersecção entre função cognitiva, executiva e cautelar
O processo civil de nossos dias encontra-se num estágio de modificação profunda,
na mesma esteira do que se tem verificado no mundo, consistente em colocar ao lado
do que se pode designar como processo civil clássico (em sua estrutura e funções) outros
instrumentos, destinados a fazer frente às necessidades, que não datam de hoje, mas
que são cada vez mais agudas, conduzindo a uma espécie de convivência entre o proces-
so civil clássico (já em si mesmo23intrinsecamente alterado, em decorrência do descarte
da inspiração individualista radical) e esse aparato hodierno.24
É necessário que tenhamos presente, na estrutura do que designamos de processo
clássico, as funções desempenhadas, rigidamente separadas, de que se constitui modelo
o CPC/1973, na sua estrutura originária. Ou seja, função de conhecimento confinada
ao segmento do processo de conhecimento, cautelar no âmbito do processo cautelar, e
execução (ou a realização do direito) dentro do espectro do processo de execução. Vale
dizer, os atos processuais previstos no processo de execução não podiam ser praticados
fora do segmento executório. A prática de tais atos processuais – podemos dizer – fica-
va atrelada ao segmento respectivo.
No sistema do CPC/1973 havia pontos ou setores de estrangulamento que deman-
dam alterações no sistema, porque deixaram de atender a expectativas sociais. É extre-
mamente útil termos presente a origem do sistema, que hoje se pode dizer clássico, a

ninguém’, apresenta-se agora mais uma tentativa, fruto de reflexões teóricas e da experiên-
cia concreta – dois elementos essenciais a qualquer construção que pretenda representar
efetiva contribuição ao desenvolvimento do direito processual. Se o processo tem natureza
pública, especialmente porque visa a alcançar objetivos de interesse público, importante
encontrar meios aptos a permitir que a relação processual desenvolva-se da maneira mais
adequada possível, possibilitando que o resultado seja obtido de forma rápida, segura e
efetiva. Para tanto, a eliminação de formalidades inúteis constitui dado a ser levado em
conta pelo legislador na regulamentação da técnica processual” (Efetividade do processo
e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).
23. Na verdade, a problemática contemporânea consiste em tentar equacionar os grandes as-
pectos referentes, principalmente, àquilo que, há menos de um século, em obra célebre, se
designou como sendo a ascensão (rebelião) das massas – v. Ortega y Gasset, La rebelión de
las masas, cap. I, p. 49, e em diversas outras obras, deste mesmo autor, dado que essa obra
e outras compõem uma parte central do pensamento do autor espanhol.
24. Já se disse, com razão, que nenhum aspecto ou ponto do direito contemporâneo encontra-se
imune a críticas – v. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Access to justice: the newest wave
in the worldwide movement to make rights effective [A mais recente onda no movimento
mundial para tornar efetivos os direitos], Buffalo Law Review, vol. 27, n. 2 e separata, p. 181;
este mesmo relatório antecede a obra coordenada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth,
Access to justice – A world survey [Acesso à justiça – Uma visão mundial], vol. 1, p. 1 e
separata. Estes temas são retomados na obra de Mauro Cappelletti, The judicial process in
comparative perspective [O processo judicial numa perspectiva comparativa], parte III, II,
letra b, sob ns. 1/5, p. 239 et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 67

sua contextura e o seu funcionamento (e como este deixou de ser satisfatório), o que se
justifica, tanto mais porque, ainda hoje, é o processo clássico o referencial permanente
do discurso sobre as mutações contemporâneas.
Para que bem possamos compreender esse sistema, tenhamos presentes as suas
grandes linhas.
A estrutura do sistema brasileiro previsto no CPC/1973, filiado ao continental eu-
ropeu, era modelada inicialmente em três segmentos: a) conhecimento; b) execução e
c) cautelar. Esta estrutura foi baseada em um sistema formado a contar do último quar-
tel do século XIX até, aproximadamente, o término da 2.ª Guerra Mundial, cuja preo-
cupação nuclear foi a de traçar o perfil dos institutos ou categorias jurídicas e idealizar
seu funcionamento harmônico e articulado. Trata-se de um conjunto de preocupações
às quais a ideia de instrumentalidade era apreciavelmente estranha. A forma de execução
praticamente predominante era a da tutela ressarcitória, o que equivale dizer quase sem-
pre execução por quantia certa, especialmente nas obrigações de fazer e não fazer, que,
inadimplidas, se convertiam em perdas e danos. Essa tutela ressarcitória encontrou no
art. 1.142 do CC francês o seu texto fundamental, que informou o sistema de outros
países, o qual dispõe: “Toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e da-
nos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (nemo ad factum potest cogi),
com o que também as obrigações de fazer e de não fazer eram, praticamente, sempre
conversíveis em pecúnia.
O que deve ser remarcado é que o processo civil baseado no modelo europeu aci-
ma indicado, repousava na tônica da condenação à qual se seguia execução consistente
em tutela ressarcitória. A execução prescindia da vontade do executado, sendo reali-
zada por sub-rogação (Chiovenda, Calamandrei, Carnelutti), ao lado da tipicidade dos
meios executivos.25
Atentemos para o papel inanimado do juiz, característica marcante deste sistema-
-modelo, tem origem na desconfiança em relação ao papel dos juízes no Ancien Régime,
de tal forma que haveria de prevalecer a letra da lei. Devemos ainda ter presente que,
paralelamente à evolução dessa fase, de forma congruente, pela posição da sociedade
em relação aos juízes, admitia-se apenas a interpretação literal (1840/1880) com o que
se objetivava jugular os juízes à letra da lei. Somente perto do fim do século XIX (1880)
passou-se a admitir a interpretação sociológica.26 Acentue-se a latere que, dentro dessa
visão da atividade jurisdicional, era inconcebível o reconhecimento ao juiz de um po-

25. Sobre a tipicidade e a atipicidade dos meios executivos, ver José Miguel Garcia Medina,
Execução civil – Teoria geral; princípios fundamentais, p. 396 e ss., com indicação de farta
bibliografia.
26. Foi somente na altura de 1880 que se falou, pela primeira vez, em interpretação teleológica
(Binding, penalista, Wach, processualista e Kohler, civilista), com o que a hermenêutica veio
a reconhecer mais espaço interpretativo ao juiz. Foram três juristas alemães que abriram
esse idêntico caminho, em época em que o prestígio da Alemanha veio a sobrepujar o da
França.
68 Manual de Direito Processual Civil

der cautelar geral. Mas, na fase liminar do século XX, devemos lembrar o pensamento
de Chiovenda, que pretendia válido já para a época, i.e., para o Código de Processo Ci-
vil italiano de 1865, extraído das medidas cautelares tipificadas, à luz do denominador
comum que nessas se continha, a existência de um poder cautelar geral. Conquanto
vencida sua opinião, ela se projetou para o futuro.27
O que deve ser sublinhado, ainda, é que a reação, talvez a mais expressiva, a este
sistema ocorreu na França, através das astreintes, o que configurou paradoxal pionei-
rismo (por causa do art. 1.142, do Code Civil) ou uma alteração nos rumos, originaria-
mente decorrente esse novo caminho de construção pretoriana pura (sem lei), ulterior-
mente consagradas pela Lei 72-626, de 14.07.1972, e, atualmente, pela Lei 91-650,
de 09.07.1991. A princípio, as astreintes abrigavam-se debaixo da regra do art. 1.142
do CC francês, vale dizer, submetiam-se ao quantum das perdas e danos, mas, suces-
sivamente, passaram a ter autonomia, i.e., a multa nada tinha mais a ver com perdas
e danos. 28
As funções realizáveis por cada segmento processual (conhecimento, execução e
cautelar) eram rigidamente distintas e estanques. A função de cognição tinha por fim
a declaração do direito; a cautelar, única e exclusivamente, produzir um efeito assecu-
ratório da possibilidade de realização prática ulterior, quando da procedência da ação,
o que excluía que se pudesse, cautelarmente, produzir um efeito idêntico àquele suscetível
de ser produzido pela procedência da ação.29 Não havia possibilidade de execução/reali-
zação do direito, sobreposta ou simultaneamente à fase ou no âmbito da fase de conheci-
mento; por isso que nem o era em segmento paralelo, mas contemporâneo ao desenro-
lar do conhecimento. Esta impossibilidade é que marcou as cautelares atípicas ou satis-
fativas, consideradas quase como uma anomalia. A realização do direito ou a execução,

27. Como ideia geral, asseverou Chiovenda que “il processo deve dare per quanto possibile
praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto de conseguire”
(Cf. Chiovenda, Dell’azione nascente dal contrato preliminare, Riv. Dir. Comm., 1911 e em
Saggi di diritto processuale civile, Roma, 1930, vol. 1, p. 110) e especificamente quanto à
sua opinião em relação ao poder cautelar geral, concluía: “Esiste dunque anche nella nostra
legge la figura generale del provvedimento provvisorio cautelare; è rimesso completamente
al giudice di stabilirne l’opportunità e la natura” (cf. Chiovenda, Istituzioni di diritto proces-
suale civile, Nápoles, 1935, vol. 1, p. 242).
28. No Brasil, nota-se a redação do art. 461, do CPC/73, atualmente presente no art. 497 do
CPC/2015. Essa modificação – originalmente trazida pela Lei 8.952/1994 – fez com que se
falasse em modificações do direito material por meio do processo, o que, todavia, se não
vale ou é verdadeiro no plano dogmático ou de vigência das leis, é verdadeiro no plano
pragmático.
29. Neste contexto é que é compreensível a existência, cada vez mais frequente, a contar de
umas décadas a esta parte, do que se convencionou chamar de cautelares satisfativas ou
atípicas. Designavam-se satisfativas porque não se podia cogitar de que uma medida cau-
telar, normalmente, pudesse ser satisfativa, função exclusivamente possível no processo de
execução; e diziam-se também atípicas, significando-se que, se houvesse satisfação, mercê
de uma medida cautelar, isto havia de ser tido como atípico. Cautelar satisfativa é expressão
em que o adjetivo praticamente colide com o substantivo cautelar.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 69

propriamente dita, eram sempre e necessariamente sucessivas ao término da cognição,


o que, como regra geral, pressupunha a ocorrência de coisa julgada, ou, ao menos, mais
raramente, a ausência de recurso com efeito suspensivo, (salvo, limitadamente, no caso
de execução provisória, em cujo âmbito não podemos chegar às últimas consequências).
Nisto estava implicada, como divisor de águas, entre cognição e execução ou realização
do direito, a ocorrência da coisa julgada. O máximo que se avançou nunca configurou
expressiva ou institucionalizadamente a possibilidade de produção de efeitos, a partir e
durante o processo de conhecimento.30

2.8.2. Insuficiência do processo individual à luz do direito material e da ascensão


das massas
Partindo-se de um tal processo como descrito acima, com os segmentos da fase de
conhecimento, cautelar e execução destinados às respectivas funções, sem que houves-
se a possibilidade de produção de efeitos apreciáveis fora da exclusiva fase executória,
esse fator foi identificado como de ineficiência ou ausência de efetividade do processo,
além de outros, a seguir elencados.
Os pontos nodais, porque constitutivos de setores de estrangulamento do processo
civil, que merecem destaque são os seguintes: 1.º) as custas judiciais, enquanto signifi-
cativas de óbice de acesso à Justiça;31 2.º) as Cortes menores, ou, mais especificamente
entre nós, os Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/1995),32 os Juizados Especiais Fede-
rais (Lei 10.259/2001) e os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009);
3.º) a “incapacidade” ou a “inabilitação” da parte, do ponto de vista de não se lograr
defender (="acionar" [ativamente] ou defender-se, se acionada), o que também se sedia
na temática do acesso à Justiça; 4.º) a definição dos interesses difusos ou coletivos, para
viabilizar que interesses e direitos, com nova configuração e fisionomia, podem vir a ser

30. A evolução que pode ser percebida, no direito luso e no brasileiro, foi a da compactação do
procedimento, com vistas a chegar-se a uma sentença mais rapidamente. Assim no despacho
saneador do Código de Processo Civil de Portugal, de 1939 (art. 514), de onde resultava até
a possibilidade de decisão da causa; congruentemente com essa tendência, no Código de
Processo Civil de 1939 (art. 294) tivemos o nosso despacho saneador, que evoluiu, depois
para o julgamento antecipado. Se a sentença de mérito podia ser proferida com maior
rapidez, sem lesão ao princípio do contraditório, o recurso que cabia tinha sempre efeito
suspensivo, o que afastava a possibilidade de produção de efeitos.
31. As condições de assistência judiciária gratuita no Brasil são semelhantes, por exemplo, ao
que ocorre na Alemanha (Birkl, Prozeßkostenhilfe Beratungshilfe Kommentar mit Einführung
und Gesetzestexten [Ajuda para as custas do litígio e auxílio de aconselhamento], Munique,
2. ed., A, 1, b, p. 14). Para uma análise mais ampla e compreensiva deste assunto, v. Mauro
Cappelletti, Proceso, ideologias, sociedad, Buenos Aires, 1974 (trad. arg. de S. Sentís Melendo
e Tomás A. Banzaf), seção 2.ª, p. 131-215.
32. Já na Lei 7.244/1984, ao lado da sumariedade, do informalismo e da oralidade, assentava-
se o procedimento nas tentativas de conciliação e, somente se inócuo se evidenciasse este
meio é que se deveria passar à atividade jurisdicional, intrinsecamente estatal (arts. 6.º e
7.º). Este ponto foi mantido na Lei 9.099/1995.
70 Manual de Direito Processual Civil

defendidos utilmente; 33-34 5.º) a conflituosidade intensa da sociedade contemporânea,


que está a exigir a idealização de outros meios de solução para muitíssimos dos confli-
tos, tais como a obtenção incentivada de transação. Ainda dentro do âmbito dessa confli-
tuosidade, identificam-se “atritos permanentes”, qualitativamente diferentes, que, de uma
parte, não deverão deixar de existir (porque isso se mostra impossível) e, por isso mes-
mo, não comportam uma pretensa “solução definitiva”, própria do processo estatal, que
os extinga. São, em verdade, tais conflitos/atritos representados por relações duráveis e
continuativas, que merecem ou precisam ser conservadas, ainda que ajustadas. Na verdade,
caracterizam-se por sintomas que devem ser superados ou resolvidos, e o grau de tensão
neles existente não pode conduzir a uma ruptura. Em realidade, configuram um grau
de litigiosidade com menor intensidade do que o clássico conflito de interesses propria-
mente dito, como também apresentam-se com tendência incontida à repetição. Tais são,
exemplificativamente, as dissensões ou tensões provocadas pelo valor crescente, em ter-
mos de valor nominal, das mensalidades escolares, reivindicações salariais outras, pela
mesma razão (mormente num país que, até há pouquíssimo tempo, caracterizava-se
como de inflação constante); assuntos relativos à vivência em fábricas e os pertinentes
à convivência em condomínios de apartamentos ou não. São de certa forma tensões ou
atritos provocados por uma instabilidade externa aos litigantes, como, por exemplo,
mais amplamente, a conjuntura econômica (ou, mais confinadamente, a vivência num
condomínio de apartamentos, ou não), mas dentro da qual, inevitavelmente, todos ou
muitos têm de viver. Para estas relações, preferíveis são organismos informais que exer-
çam funções de mediação constante entre os grupos opostos, pois, geralmente, tais ten-
sões são engendradas entre grupos que se opõem (ou dentro do próprio grupo), mas que
têm de inevitavelmente conviver próximos, como se percebe dos exemplos fornecidos.

33. Quanto às ações coletivas em relação às individuais, regidas pelo CPC, há que se considerar
algumas diferenças: o rol de legitimados para tais ações é diferenciado, nada tendo a ver com
a disciplina da legitimidade clássica; compativelmente com essa legitimidade, a coisa julgada
é erga omnes, com vistas a beneficiar, e não a inibir, ulterior ação individual, ainda que impro-
cedente aquela; se improcedente a ação coletiva, por falta de prova, havendo nova prova,
a própria ação coletiva com a mesma causa petendi pode ser reproposta, o que evidencia o
valor atribuído pelo legislador aos bens protegíveis por tais ações, ou seja, só diante do ilícito
“cabalmente” não comprovado é que haverá improcedência, sem ser por carência de provas
e, pois, sem a ulterior possibilidade de repropositura de outra ação coletiva, mas, ainda aqui,
não inibidas ações individuais ulteriores; as ações coletivas podem abarcar grande número
de eventuais beneficiários, o que contribui para a diminuição – em certa escala – do número
de processos; de outra parte, e, de certa forma inversamente ao que se acabou de afirmar,
são ações, as coletivas, que levam processos ao Judiciário, não passíveis de ser instaurados
antes da existência daquelas, vale dizer, aumentaram o acesso à Justiça
34. As ações coletivas vieram a criar um sistema coletivo, paralelo ao do Código de Processo
Civil, com vistas à proteção de determinados bens, nominalmente indicados. Essas ações
coletivas nasceram acopladas a uma forte proteção do direito material (proteção penal es-
pecífica e com a responsabilidade civil agravada, e, no Código de Defesa do Consumidor,
forte proteção contratual e de direito administrativo), e, no plano do processo, já nasceram
com a preocupação da cautelaridade e da possibilidade de tutela liminar do direito, o que
significa, praticamente, que nasceu tal sistema voltado para a finalidade de realização da
tutela específica, ficando em último plano o caminho da tutela ressarcitória.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 71

Estas verdadeiras premências, motivadoras dessas transformações, não datam de


hoje, senão que tiveram início perceptível principalmente depois da Segunda Guerra
Mundial, e, entre nós, mais recentemente. A literatura de direito processual, já na metade
do século XX, diagnosticava os problemas listados acima.35 Tanto na Europa, quanto
nos Estados Unidos, como aqui, verificaram-se pressões sociais pela reivindicação de
“novos” direitos e, bem assim, detectou-se – talvez com perplexidade inicial, ao me-
nos– a insuficiência dos instrumentos processuais existentes, de caráter estruturada-
mente individualista.36
No continente europeu, provavelmente já na década de 1920 ou antes, era detectável
o fenômeno da ascensão das massas,37 no sentido de que, com essa ascensão, já se per-
cebia a turbulência social que envolvia e acompanhava o fenômeno. As ditas “massas”
ascenderam principalmente por causa da Revolução Industrial, com o que, deixando de
integrar o rol dos que se encontravam nas periferias das sociedades e respectivas civili-
zações, iniciaram um processo para “forçar” a entrada nos quadros melhores da civilização,
com o que se colocou a insuficiência do aparato estatal, e bem assim do sistema tradicional.
Possivelmente um dos setores mais modificados no direito privado foi o obrigacio-
nal, em cuja raiz encontram-se em escala apreciável os mesmos fenômenos que leva-
ram à necessidade de reequacionamento dos instrumentos processuais, motivados pelo
mesmo valor axiológico: um reequilíbrio dos que se defrontam na ordem jurídica.38 Daí,

35. Sobre o tema, ver: Mauro Cappelletti e J. A. Jolowicz, Public interest parties and the active
role of the judge in civil litigation [Partes no interesse público e o papel ativo do juiz no litígio],
Milão, Giuffrè, 1975.
36. Nos Estados Unidos, já no final dos anos 1940 passaram a legislação e a doutrina a se preo-
cupar com estas questões (Mary Kay Kane, Civil Procedure [Processo Civil], cap. VIII, p. 253
et seq., St. Paul., Minn., 1985; Harold Koch, Kollektiver Rechtsschutz im Zivilprozeß (Die
class action des amerikanischen Rechts und deutsche Reformprobleme) [(As ações de classe
do direito norte-americano e o problema da reforma alemã)], Introdução, p. 9, Frankfurt
am Main, 1976). Mais recentemente, também no Brasil as inquietações foram assimiladas
pela comunidade jurídica. Ver, por todos: Rodolfo de Camargo Mancuso. Acesso à Justiça:
condicionantes legítimas e ilegítimas, 2º ed. São Paulo: RT, 2015.
37. A repercussão dos efeitos colaterais de um capitalismo sem barreiras gerou problemas ex-
tremamente sérios, mercê dos segmentos imensos da sociedade, que foram injustiçados. A
reação se fez produzir, tanto no campo do processo, mas, primariamente, através de proteção
do direito material. O Prof. Hein Kötz, nos seus comentários sobre as Normas Gerais de
Contratação [alemã], observa que essas normas, representadas pela lei de 09.12.1976, são
uma decorrência da Revolução Industrial – cf. Hein Kötz, Münchener Kommentar zum Bür-
gerlichen Gesetzbuch [Comentário de Munique ao Código Civil (alemão)], vol. 1, p. 1.616,
Munique, 1984.
38. V., a respeito, Karl Larenz, Bürgerliches Gesetzbuch, Einführung [Código Civil (alemão) –
Introdução], 29. Ed. Munique: CH Beck’sche, p. 12 et seq., item III, onde, entre outros as-
pectos, considera a posição do consumidor (p. 13) em face das emergidas forças do mercado
e do poder dos empreendedores, a demandar formas especiais de defesa. Também Jacques
Ghestin, no seu Traité de droit civil, vol. 2, p. 483 et seq., Paris, 1980, aborda o tema das
cláusulas abusivas; ver também: Jean Carbonnier Droit civil, 12. ed., p. 138, Paris, 1985;
Eike von Hippel. Der Schutz des Schwächeren [A defesa dos fracos], Tübingen, 1982; John
D. Calamari e Joseph M. Perillo, Contracts [Contratos], p. 8, New York, 1987.
72 Manual de Direito Processual Civil

por exemplo, as premissas que nortearam os trabalhos da Comissão de Juristas respon-


sável pelas modificações no Código de Processo Civil de 1973, e a introdução, em nos-
so sistema de direito positivo, de institutos como o da antecipação da tutela e uma mais
rígida e eficiente disciplina das obrigações de fazer ou não fazer.
Este fenômeno não é estranho aos países da América Latina, especialmente a contar
de uma ou duas décadas depois da Segunda Guerra Mundial, demora que se explica pelo
descompasso do desenvolvimento do capitalismo em nosso continente. Mais especialmen-
te no Brasil, simultaneamente ao fenômeno da ascensão das massas, verificou-se com
incrível intensidade a vinda de “peregrinos ascendentes” em verdadeiras populações
para os grandes centros. É um fenômeno que subsiste, diante de fluxo contínuo para os
grandes centros. Criaram-se megalópoles, as quais, correlatamente, vieram vertigino-
samente a perder a qualidade de vida.
Foi depois da Segunda Guerra Mundial que se veio a perceber, com maior nitidez,
pela sua gravidade e dramaticidade, os problemas que passaram a afligir as sociedades
existentes e respectivos governos, os quais podem, sinteticamente, ser surpreendidos
pelos seguintes indicativos: 1.º) desequilíbrio entre os litigantes, constantemente de-
frontando-se um forte com um fraco;39 2.º) precariedade, ou ausência mesmo, da possi-
bilidade de acesso à Justiça para um grande número de pessoas, porque: a) não sabem
que têm direitos; b) se, eventualmente, têm consciência de que os têm, todavia, não têm
condições de arcar com os custos de um litígio; e, c) em função de características, cada
vez mais acentuadas, das sociedades moldadas pelo sistema capitalista, em grande nú-
mero de hipóteses, muitos litígios acabam não sendo individualmente compensatórios,
mesmo que o lesado tenha consciência dos seus direitos, e “teoricamente” pudesse cogitar
arcar com os ônus de um litígio, como, exemplificativamente, nos casos de relações de con-
sumo.40 Consequentemente, a chamada igualdade formal constituiu uma grande vitória

39. Ainda que na Europa, já em fins do século passado, não fosse esse fenômeno estranho à
contextura social, o qual já encontrava algum remédio no sistema do Código de Processo
Civil austríaco, mercê do reconhecimento de um juiz ativo. O referido Código, na realida-
de, pode ser considerado um pálido e muito tímido prenúncio em relação às modificações
incomparavelmente mais profundas que vieram a ser exigidas e vieram paulatinamente a
ocorrer.
40. As sociedades contemporâneas engendraram lesão a determinados bens, em função da
necessidade de “abastecimento do próprio mercado”. O que se quer dizer é que todas as
sociedades contemporâneas exigem bens de consumo. É evidente que, isto ocorrendo,
coloca a todos nós como “consumidores necessários”. E, em realidade, não se conhece
outra solução. Paradoxalmente, talvez se pudesse dizer que ser “consumidor” é encontrar
um caminho (ou, ao menos, um “embasamento material”) de realização, o que não deixa
de ter, efetivamente, uma dose profunda de verdade. O processo de industrialização, de que
depende o mercado, todavia, acabou por lesar outros bens, como, exemplificativamente,
o meio ambiente. Se o consumo pode ser reputado um “bem” para a sociedade, é inapela-
velmente uma necessidade praticamente absoluta; de outra parte, em função do gigantismo
dos parques industriais requeridos para a produção de bens, verifica-se que da mesma
realidade geraram-se dois tipos de problemas: 1.º) a figura do consumidor e a percepção de
que este haveria de ter mais direitos em face do produtor (e, na verdade, em face da cadeia
de produção de bens), pois os Códigos tradicionais de direito privado (Códigos comerciais)
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 73

(senão o núcleo vitorioso da Revolução Francesa), mas nem por isto proporcionou esse
parâmetro formal uma almejada igualdade entre os homens,41 tal como se “prometia”
pela pregação ideológica liberal individualista.
Isto veio a significar que o sistema jurídico todo, que fora construído com respeito
às premissas de verdade do individualismo, o que, por isso mesmo, gerou profunda aver-
são pelo papel de grupos sociais, começou a ser posto em dúvida. O esquema originário do
processo civil e da ordem jurídica era aquele em que indivíduo se deveria defrontar com
indivíduo, ainda que um deles pudesse ser forte e outro fraco. O perfil do processo civil,
emergido do individualismo, se traduziu em institutos jurídicos que consideravam o
indivíduo, enquanto tal, agindo isoladamente. Isto quer dizer que esses ramos do Di-
reito Privado desconheciam, em suas fisionomias clássicas, outras realidades, que não
fossem o indivíduo. E mais, o ambiente em que deviam se confrontar os indivíduos era
o da liberdade absoluta, o que, diante de um crescente desequilíbrio entre eles, gerou o
predomínio dos fortes sobre os fracos e, daí, consequentemente, a necessidade de in-
tervenção do Estado.
A estrutura do Direito Privado e os próprios propósitos do legislador eram o de, con-
siderar somente o indivíduo isoladamente. Desta forma, nossos Códigos clássicos foram
diplomas feitos em favor dos investidores, que eram os indivíduos detentores de poder eco-
nômico e que, em função desse sistema, dele se utilizaram para a sua expansão econômica.
Por outro lado, a própria responsabilidade culposa do fabricante pelos produtos que
fabricava (ou pelos serviços que prestasse), por exemplo, não era uma modalidade de
responsabilidade, de um teor tal que viabilizasse, na ordem prática, que os compradores
pudessem efetivamente obter indenizações pelos produtos que adquirissem.42Somavam-

nada lhe outorgavam; e, como os consumidores são toda a sociedade, segue-se que tais
direitos somente podiam e podem ser utilmente realizados sob o ângulo ou mercê de um
instrumental de tratamento coletivo; 2.º) mas, o próprio sistema econômico instalado, se,
de uma parte, ‘satisfaz’, acaba, de outra banda, por vir a lesar o meio ambiente, o que, a seu
turno, corporificou outro direito – ao meio ambiente –, o qual, igual e compreensivelmente,
deve merecer um tratamento coletivo.
41. Ver: Jürgen Habermas, Mudança estrutural da esfera pública (investigações quanto a
uma categoria da sociedade burguesa), p. 100-102, Rio de Janeiro, 1984. O Estado so-
cial-democrata, mais interventor que o Liberal, presta-se a realizar a “justiça” diante do
“esvaziamento” da concepção liberal de dois dos seus elementos chaves: a) “a generali-
dade como garantia da igualdade”; b) “a correção”, isto é, “a verdade como garantia da
justiça”. Por conta disso, muitas vezes a lei trata desigualmente determinadas partes com
o objetivo de eliminar o desequilíbrio de posições jurídicas que lhes é imanente. É o caso
da regra do art. 6.º, VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em que se admite
a inversão do ônus da prova, por decisão do juiz, quando este constatar ser verossímil a
alegação, ou quando o consumidor for hipossuficiente. Se a força do consumidor é sem-
pre menor do que a do produtor (Eike von Hipel, Der Schutz der Schwächeren [A defesa
dos fracos], cit., p. 34), esta regra não só convive, mas efetiva materialmente aquilo que
formalmente está no art. 7º, do CPC/2015, no sentido de que o juiz deve tratar as partes
com isonomia.
42. Ver: Karl Thiere, Die Wahrung überindividueller Interessen im Zivilprozeß [A defesa dos
interesses supraindividuais no processo civil)], § 15, II, p. 296, Bielefeld, 1980.
74 Manual de Direito Processual Civil

-se, à luz deste exemplo, dois aspectos: 1.º) o tipo de responsabilidade, só por causa de
culpa, era em si mesmo – se comparado com a responsabilidade “objetiva” ou pelo risco
civil – inócuo; 2.º) cumulativamente a isto, havia que se considerar que, pelos incômodos,
dispêndios, perda de tempo etc., não se mostraria compensatória a demanda individual,
até mesmo supondo-se que o litigante individual (por exemplo, um consumidor) pudesse
resultar vitorioso.43
Quer para responsabilizar um vendedor por um vício (="vício" redibitório), pela
exiguidade do prazo decadencial, em que o vício oculto haveria de ser identificado,
quer ainda para pretender responsabilizar um fabricante, por um dano ocasionado pela
aquisição de um dado produto, é de se ter presente que os diplomas de direito material
não continham regras que ensejassem uma situação ou condições de viabilidade aceitável,
seja para o desfazimento da compra de um produto, seja para o caso em que se visasse
a reparação dos danos causados por este produto.
De outra parte, a evolução da sociedade veio a identificar outros bens jurídicos a
respeito dos quais se pode asseverar que, mais antigamente, eram praticamente ine-
xistentes ou, ao menos, eram desconsiderados pelas ordens jurídicas. De certa forma
podemos dizer que eram bens a respeito dos quais “não ocorriam problemas”. Tenha-
mos presente, por outro lado, que essas novas realidades, que vieram a obter guarida e
proteção por parte do direito contemporâneo – porque transformadas em bens objeto de
submissão à categoria dos interesses e direitos difusos –, em verdade, em tempos mais an-
tigos, eram muito menos duramente atingidas.
Estes bens são, v.g., os relativos ao meio ambiente,44 ao consumidor, a bens e direi-
tos de valor artístico, histórico,45 turístico e paisagístico, e, mesmo, à ordem econômi-
ca. Mais recentemente acrescentou-se ao rol de tais bens a possibilidade de proteção
a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, com o que constatamos uma abertura do
sistema jurídico a realidades antes não cogitadas pelo legislador. Da mesma sorte que
a legislação brasileira permite esta abertura da tutela destes interesses ou direitos difu-
sos, permite a responsabilização por danos morais e materiais a estes bens tutelados. Ou
seja, esta abertura vem a significar uma “válvula” num sistema jurídico que não mais se
reputa “fechado”, dado que está receptivo não só a interesses e direitos difusos, já dele
nominalmente constantes, bem como para quaisquer outros. O âmbito da tutela do di-
reito civil é diferente da tutela do meio ambiente, de que cogitamos. Na Itália isto res-
tou bem claro, ao se dizer que, “do ponto de vista civilístico, a disciplina do ambiente
se circunscreve à tutela da propriedade, tendo em vista imissões”.

43. V. Richard A. Posner, Economic Analysis of the Law [Análise econômica da lei], § 4.7, p. 80
et seq., Boston e Toronto, 1977.
44. Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
2005, passim).
45. V. La tutela dell’ambiente con particolare riferimento ai centri storici – Atti del convegno
tenuto a Firenze, 23-31 de outubro de 1976, Giuffrè, 1977, publicada nos “Quaderni” della
Rivista “Impresa, Ambiente e Pubblica Amministrazione.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 75

2.8.3. Alterações no sistema processual em correspondência à ascensão de novos


direitos tuteláveis
As primeiras grandes modificações sofridas pelo direito processual civil – sem ainda
serem consideradas incorporadas, ao sistema processual, das ações coletivas – consis-
tiram, fundamentalmente, nos seguintes pontos:
1.º) manter o modelo estrutural legado pelo século passado, ainda que com modi-
ficações alteradoras da fisionomia individualista, nele inseridas: a) o juiz não deve ser
um espectador do litígio, senão deve ser um juiz ativo, o que se traduz na possibilidade
de, em alguns casos, determinar a produção de provas, para que tenha condições de se
aproximar da verdade, da mesma forma que é ao juiz que cabe conduzir o processo;46 b)
o critério, mercê do qual deve o juiz apreciar as provas, é o do seu livre convencimento, o
que importa modificação do valor apriorístico que era atribuído a muitas provas, ainda
que o juiz intimamente pudesse estar convencido de não traduzirem elas a verdade; c)
distinguida a relação processual do seu conteúdo, aquela fica fundamentalmente sob
a fiscalização do juiz, quer no que diz respeito ao respectivo andamento, quer, ainda e
principalmente, no que atine com os requisitos gerais de sua formação, resguardando-se
espaço para as partes no que diz respeito ao objeto do litígio, propriamente dito;
2.º) se, de uma parte, estas alterações procuraram reequilibrar o processo tradicio-
nal, envergando o juiz com maiores poderes, de outra parte, não resolveram os proble-
mas maiores, consistentes na possibilidade de equacionar a defesa de várias situações
sociais: a) a dos mais enfraquecidos socialmente; b) daqueles que difusamente são os
“titulares” de determinados bens, tais como o meio ambiente, os bens estéticos, artísti-
cos etc., e, mesmo, a de titulares de quaisquer outros “interesses” que possam merecer
proteção jurídica; c) ainda, de ter presente que o consumidor estava inteiramente des-
protegido, pelo sistema individualista.
É certo que essas situações, se são diferentes no que diz respeito aos bens tutelados,
encontraram, no que diz respeito à sua proteção (em verdade, desproteção ou desconsi-
deração) pelo Direito e pelo direito processual clássico, um denominador comum. Ou
seja, “cumulava-se” ausência de proteção pelo direito material e pelo processual, para
todas estas situações.47 A dogmática tradicional não continha quaisquer parâmetros,
sequer de ordem histórica, em escala apreciável, para se construir um sistema que des-
se conta dessa resolução.

46. V., a respeito, Mauro Cappelletti, La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, trad. arg.,
estudo sob ns. 4 e 6, p. 119, notas 12, 13, 14 e 15, Buenos Aires, 1972; Arwed Blomeyer,
Zivilprozeßrecht – Erkenntnisverfahren [Direito processual civil – Processo de conhecimen-
to], 1963, 14, II, p. 68, fine; Barbosa Moreira, Revista de Processo [RePro], vs. 11/12, p. 180
(trabalho intitulado O juiz e a prova); Rolf Stürner, Die Richterliche Aufklärung im Zivilprozeß
[O dever jurisdicional do juiz ao esclarecimento], II, 3.º, p. 11 e notas de rodapé, Tübingen,
1982.
47. A falta de soluções normativas para problemas reais e atuais é bem tratada em Theodor
Viehweg, Topik und Jurisprudenz [Tópica e jurisprudência], Munique, com 1ª. ed. em 1954
e 5ª. ed. em 1973.
76 Manual de Direito Processual Civil

O primeiro passo em prol de remediar essa situação é que o direito defina, ou, ao
menos considere suscetíveis de proteção, os bens aqui mencionados. Ou seja, bens in-
diferentes ao direito, precisam passar a bens juridicamente considerados, dignos de
atenção do legislador em função de um valor axiológico antes não cogitado ou não per-
cebido. Uma segunda etapa decorre do fato de que o mero reconhecimento legislativo
é inócuo se, de outra parte, inexistirem instrumentos processuais eficientes para que
esse reconhecimento possa ser efetivado na ordem prática. Direito material e proces-
sual, conjuntamente portanto, precisam estar prontos para lidar com ditos bens jurídi-
cos. Sem a articulação do direito processual civil ao direito material, na ordem prática,
a proteção somente deste último revelar-se-ia sem grandes objetivos práticos, porque
não ancorada numa tábua de instrumentos destinados a tornar eficaz o direito material,
construída em torno de valores sociais contemporâneos, em que se pretende traduzir
um sentimento mais adequado de Justiça. 48
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública são re-
presentativos da forma como se procurou criar largas condições para a defesa de sujei-
tos hipossuficientes em juízo. Foi mercê da articulação das duas leis que se pôde dese-
nhar uma proteção processual sólida, em um microssistema de tutela coletiva.49 A tutela
“completa”, diga-se assim, dá-se com a conjugação de ambos os diplomas, através das
normas de reenvio insculpidas no art. 21 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 90 do
Código de Defesa do Consumidor. O art. 89 do texto original do Código de Defesa do
Consumidor, ademais, expressamente previa que as normas do Título III aplicar-se-iam
a outros direitos ou interesses, que não os decorrentes de relação de consumo, quando
tratados coletivamente. O dispositivo foi vetado50 pois, à época, a intenção legislativa
não era, claramente, a de extrapolar o âmbito das relações de consumo. Apenas com a
constatação da importância e do pioneirismo dessa inovação legislativa é que se pôde
afirmar a função processual coletiva do CDC em outras áreas de direito. Portanto, “o
veto presidencial pretendeu cortar essa extensão, mas não conseguiu atingir o objeti-

48. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 previu a criação da Defensoria Pública,
com a ambição de poder ver realmente institucionalizada a proteção aos incapazes de se
defenderem (art. 134 da CF/88). Ainda que isto se tenha constituído numa promessa do le-
gislador constituinte, revela-se, como indicativa de consciência plena do reconhecimento
dessa realidade, que parcelas imensas da população são “indefesas”, e evidencia que essa
mesma realidade foi digna da atenção do próprio constituinte. E essa promessa está se tor-
nando uma realidade no país.
49. Esse sistema “se apresenta, alegoricamente, como uma constelação, em que há um núcleo
formado por alguns textos básicos, e um entorno, formado por textos-satélites, estes contem-
plando matérias mais específicas” (Rodolfo de Camargo Mancuso. Manual do consumidor
em juízo. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 5). Ver ainda: Fredie Didier Jr.; Hermes Zaneti Jr. Curso
de direito processual civil. vol. 4. Salvador: JusPodivm, 2007, p. 49.
50. A mensagem de veto quis impedir que o CDC alcançasse “outras relações jurídicas não
identificadas precisamente e que reclamam regulação própria e adequada. Nos termos do
art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, deve o legislador limitar-se a
elaborar Código de Defesa do Consumidor”. O artigo 48 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias, por sua vez, diz: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias
da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 77

vo colimado”.51 É dessa maneira que os ditos bens jurídicos agora tutelados logram de
uma proteção processual “cumulativa”, vale dizer, seja através da utilização das ações
coletivas, tais como disciplinadas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
seja, ainda, pela própria procedência da ação civil pública.52
O nosso legislador constituinte, no próprio patamar constitucional, idealizou inú-
meros caminhos à tutela coletiva de direitos. Assim, o mandado de segurança, marcada-
mente nascido com caráter individualista, passou, à luz do disposto no art. 5.º, LXX, a
comportar, também, abertura à defesa coletiva (arts. 21 e 22 da Lei 12.016/2009). Ainda
que não expressamente, a mesma sorte foi reservada para o mandado de injunção pre-
visto no art. 5.º, LXXI (Lei 13.300/2016, art. 1º).53
No referente à ação de inconstitucionalidade, sofreu ela modificação operacional,
porquanto se abriu o espectro de legitimados, perante o Supremo Tribunal Federal, so-
mando-se à conhecida modalidade de controle concentrado o da inconstitucionalidade
por omissão (Constituição Federal de 1988, art. 102, § 2.º); mais ainda, previu-se que
os Estados Federados (art. 125, § 2.º) hajam de prever o mesmo sistema, para contro-
le das leis estaduais ou municipais, em face das Constituições dos respectivos Estados,
“vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”, o que é significati-
vo evidente desta socialização do processo de que estamos falando. Em que pesem as
críticas que lhe foram dirigidas, a ação declaratória de constitucionalidade, criada pela
Emenda Constitucional 3/1993, também deve ser entendida neste mesmo contexto po-
lítico, jurídico e social.
A Emenda n. 45, de 08.12.2004, inseriu várias disposições na Constituição Fede-
ral que se ajustam a estes ideais. Expressou-se a garantia à razoável duração do processo
(art. 5.º, LXXVIII).54 Ao mesmo tempo, estabeleceu-se que “o número de juízes na uni-
dade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva popula-
ção” (art. 93, XIII). Atendem à mesma aspiração os incisos XII e XV do art. 93, segundo
os quais a atividade jurisdicional será ininterrupta, e os processos deverão ser imedia-
tamente distribuídos, em todos os graus de jurisdição.

51. Ada Pellegrini Grinover, et. Al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 853.
52. Ver o que escrevemos, longamente, em nosso Código do consumidor comentado, p. 460
et seq.
53. Recentemente, a Lei 13.300/2016 positivou o cabimento do mandado de injunção coletivo
(art. 12), adotando o entendimento da jurisprudência do STF, que admitia a legitimidade ativa
dos sindicatos para instauração do mandado de injunção coletivo. “A jurisprudência do Su-
premo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad causam aos sindicatos para a instauração,
em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção coletivo” (STF, Pleno, MI
102/PE, rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, j. 12.02.1998, DJ 25.10.2002, p. 25). Igualmente:
STF, MI 689/PB, rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 07.06.2006, DJ de 18.08.2006. O PLC
18/15 contempla a disciplina do mandado de injunção individual e coletivo.
54. Sobre o tema, ver: José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual – Civil e penal, p. 87-88, item n. 3.5,
1998, RT; Luiz Flávio Gomes, O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos
e o direito brasileiro, p. 242-245, 2000, RT.
78 Manual de Direito Processual Civil

E, mais propriamente relacionado ao tema deste Manual, em novembro de 2009 foi


apresentado ao Senado Federal, o Projeto de Lei 498/2009, que propunha modificações
importantes ao Código de Processo Civil. O texto final desse Projeto, aprovado pelo Se-
nado Federal, foi remetido à Câmara dos Deputados (PL 7.584/2010) e posteriormente
apensado ao PL 8.046/2010 – então “Projeto de Novo Código de Processo Civil” – para
análise e deliberações conjuntas.
Dentre as modificações buscadas pelo PLS 498/2009, deve ser destacada a inserção
de um art. 273-A, com a seguinte redação “Art. 273-A. O juiz, verificando a existência
de diversos processos individuais propostos contra o mesmo réu, com identidade de
fundamento jurídico, notificará o Ministério Público a fim de que proponha, se cabí-
vel, ação coletiva; ajuizada esta, serão suspensos os processos individuais. Parágrafo
único. A suspensão do processo individual perdurará até o julgamento da demanda
coletiva em primeiro grau de jurisdição, facultado ao autor, comprovando graves pre-
juízos decorrentes da suspensão, requerer o prosseguimento da ação individual, caso
em que não se beneficiará do resultado da demanda coletiva.” A proposta desse novo
dispositivo estava alinhada com os desígnios de uniformização das decisões judiciais
e economia processual acerca de causas semelhantes, bem como buscava atender aos
propósitos do direito processual coletivo. A alteração não vingou pois o CPC/2015 op-
tou por um remédio semelhante: o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
(arts. 976 e ss).

2.9. O Novo Código de Processo Civil


O Código de Processo Civil de 2015, que de certa forma vem a coroar a evolução
histórica descrita até aqui, é o resultado de um Anteprojeto apresentado ao Senado Fe-
deral em 2009, e convertido em PLS 166/2010. O Anteprojeto foi elaborado por uma
comissão presidida pelo Min. Luiz Fux, então do Superior Tribunal de Justiça, e contou
com a relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, além de ter sido integra-
da por Adroaldo Furtado Fabrício, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto
Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto
dos Santos Bedaque, Marcus Vinícius Furtado Coelho e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro.
O PLS 166/2010 foi aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2010, nos ter-
mos do Parecer da Comissão Temporária da Reforma do Código de Processo Civil, re-
latado pelo Senador Valter Pereira. Na sequência, o Projeto foi encaminhado à Câmara
dos Deputados, onde recebeu o n. 8.046/2010. Seguiu-se a formação de uma Câmara
Especial destinada a proferir Parecer no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Para
auxiliar a Comissão Especial, foi nomeada uma Comissão de Juristas, que tive a hon-
ra de integrar, ao lado dos colegas Luiz Henrique Volpe Camargo, Paulo Henrique dos
Santos Lucon, Dorival Pavan, Sérgio Muritiba, Leonardo Carneiro da Cunha, Rinaldo
Mouzalas, Daniel Mitidiero, Alexandre Freitas Câmara e Fredie Didier Jr. Inúmeros ou-
tros juristas e componentes de diversos segmentos da sociedade contribuíram para o
debate amplo sobre diversos pontos do Projeto, nos moldes do que já havia sido feito
precedentemente, quando da tramitação do Projeto no Senado Federal.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 79

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados proferiu parecer favorável à apro-


vação de diversos dispositivos do PL 8.046/2010, apresentando, em setembro de 2012,
o substitutivo constante do Relatório do Deputado Sérgio Barradas.
Na sequência, em maio de 2013, o então relator da referida Comissão, Deputa-
do Paulo Teixeira, apresentou novo Relatório, com sugestão de algumas alterações ao
substitutivo apreciado pela Câmara dos Deputados em setembro de 2012. Em julho de
2013, a Comissão Especial apresentou novo substitutivo, e em novembro de 2014, já
novamente no Senado Federal, foi apresentado o Relatório Geral ao projeto, sob a rela-
toria do Senador Vital do Rêgo.
Após intenso debate nas casas Legislativas, o Relatório Geral foi aprovado e levado à
presidência da República tendo tido a numeração de Lei 13.105/2015, e foi sancionada
em 16.03.2015, com vacatio legis de um ano (art. 1.045 do CPC/2015).
A filosofia do CPC/2015, nas suas linhas mais gerais, é a seguinte: não se pretendeu
fazer uma mudança procedimental radical ou brusca, até porque as mudanças radicais
em direito geralmente não se justificam, e, se feitas, não geram resultados satisfatórios.
No entanto, nota-se uma significativa alteração de paradigma, de abordagem do direito
processual civil, o que torna o novo código um instrumento com potencial transforma-
dor sensivelmente diferenciado em relação ao CPC/1973.
De todo modo, foi procurado manter o que seria aproveitável do CPC/1973, e incor-
poradas novidades tendo em vista uma resposta mais atual aos problemas que afligem
os operadores do direito, especialmente o do gigantesco volume de processos, como,
ainda o da instabilidade da jurisprudência.
Desde o art. 1º, o CPC/2015 enfatiza o valor fundamental da Constituição, o que
representa um enfoque contemporâneo da temática do direito. Valeu-se, portanto, da
concepção de que os Códigos devem ser iluminados pelas Constituições.55
Além disso, da estrutura do CPC/2015 é extraída, em primeiro lugar a intenção de
imprimir-se maior organicidade e simplicidade à normativa processual civil e ao pro-
cesso, com o objetivo de fazer com que o juiz deixe, na medida do possível, de se pre-
ocupar excessiva e desnecessariamente com o processo, como se fosse um fim em si
mesmo, deslocando o foco da atenção do julgador para o direito material. Com isto,
pretende-se descartar uma processualidade excessiva, desvinculada do objetivo do di-
reito material, pois o processo é meio, mas o fim a ser atingido é a solução do litígio,
disciplinada pelo direito material.
Outro ponto importante a ser frisado é a extrema cautela do Código quanto à ênfase
e aprimoramento de um padrão bom de segurança jurídica, entendida como previsibi-
lidade do que se espera seja decidido e da estabilidade da jurisprudência. Foi buscado,

55. Sobre o tema da constitucionalização do processo e do direito em geral, cf. artigo de nossa
autoria, denominado “Processo e Constituição”, publicado em obra coletiva organizada por
Bruno Dantas, Eliane Cruxên; Fernando Santos e Gustavo Ponce Leon Lago (Constituição
de 1988: O Brasil 20 anos depois. A Consolidação das Instituições. 1 ed. Brasília: Senado
Federal Instituto Legislativo Brasileiro, 2008, v. 3, p. 388-483).
80 Manual de Direito Processual Civil

como veremos mais adiante, incentivar a uniformidade da jurisprudência e sua estabi-


lidade e, ao mesmo tempo, conferir maior rendimento (i.e., efetividade) a cada proces-
so, individualmente considerado.
Há mudanças estruturais interessantes, entre um e outro código. Como se sabe, o
Código de Processo Civil de 1973 contém cinco livros. O Livro I, intitulado “Do Proces-
so de Conhecimento”, que continha disposições correspondentes à parte geral, relati-
vas a temas como jurisdição, ação, partes e procuradores, competência, atos processu-
ais, tempo no processo, comunicação dos atos processuais etc. As normas que diziam
respeito propriamente ao processo de conhecimento somente tinham lugar após tais
disposições gerais, embora fossem todas integrantes do mesmo Livro I. Tais normas in-
cluíam, além dos preceitos pertinentes ao procedimento comum – ordinário e sumário
– em primeiro grau de jurisdição, na sua última modificação, a fase de cumprimento de
sentença, a disciplina da ordem dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação
às decisões judiciais (recursos e ação rescisória). O Livro II do CPC/1973 cuidava do
“Processo de Execução” (de que se destacou o que veio a compor a disciplina do cum-
primento de sentença), suas espécies e das defesas do executado; o Livro III, do “Pro-
cesso Cautelar”, incluía as medidas cautelares que podiam ser conhecidas no bojo do
processo de conhecimento (art. 798 e ss.); já o Livro IV disciplinava os “Procedimentos
Especiais”, de jurisdição voluntária e contenciosa; finalmente, o Livro V continha as
“Disposições Finais e Transitórias”.
O CPC/2015, por outro lado, é organizado de forma sensivelmente diversa. Primei-
ramente, é o código dividido em duas partes: a parte geral e a parte especial.
Do ponto de vista da organicidade, o CPC/2015 aprimorou a divisão do CPC/1973,
observando maior rigor técnico e metodológico. O CPC/2015 contém, na Parte Geral,
o Livro I, que cuida das normas fundamentais aplicáveis ao processo civil. O Livro II se
dedica à normatização atinente à ação, à jurisdição, bem como aos limites desta, regulan-
do a competência. O Livro III da Parte Geral trata dos sujeitos do processo, incluindo-se
aí a pluralidade de sujeitos em um mesmo polo da demanda, e também a forma como
terceiros podem intervir em relação jurídica processual alheia. Em seguida, o Livro IV
da Parte Geral dedica-se a regular os atos processuais, incluindo-se a forma como são
realizados, bem como o momento processual adequado, o lugar em que devem ser pra-
ticados e os prazos que devem ser observados. Trata-se também, neste Livro, da forma
de comunicação dos atos processuais e das nulidades que se podem fazer sentir no pro-
cesso. O Livro V, por sua vez, cuida da tutela provisória, incluída a relevante questão da
estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente. O derradeiro Li-
vro da Parte Geral, de número VI, dedica-se às normas atinentes à formação, suspensão
e extinção do processo. Basicamente, o que constava no Livro I do CPC/1973 passou
a integrar a Parte Geral do CPC/2015, fracionado, como dissemos, em seis livros. Essa
parte geral, aliás, representou na história do Direito uma conquista técnica e, portanto,
deve ser preservada e aprimorada.
Na Parte Especial do CPC/2015, trata o Livro I “Do Processo de Conhecimento” –
incluídos os procedimentos comum e especiais – e da fase de cumprimento da senten-
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 81

ça; o Livro II, disciplina a execução em suas diversas espécies, bem como as defesas do
executado; o Livro III cuida dos “Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação
das Decisões Judiciais”, onde incluem-se temas como a ação rescisória, a reclamação,
os recursos e assuntos afins. Por fim, incluiu-se o Livro Complementar, em que são tra-
tadas as “Disposições Finais e Transitórias”.
Comparativamente com o CPC/1973, a sistematização mostra-se muito mais cla-
ra e simplificada, uma vez que: a) destina toda a parte inicial do Código às normas
que compõem a parte geral, fracionada em seis livros, conferindo-lhes abordagem
correta do ponto de vista metodológico e ressaltando-lhes a importância; b) inclui os
procedimentos especiais no livro que trata “Do Processo de Conhecimento”, porque
aqueles se enquadram, rigorosamente, no âmbito deste; c) dedica um livro específi-
co ao processo nos tribunais e aos meios de impugnação às decisões judiciais, cujas
normas regentes, por suas peculiaridades, merecem ser tratadas de maneira aparta-
da às atinentes ao procedimento em primeiro grau; e, por fim d) deixa de atribuir na-
tureza típica e procedimento específico a determinadas medidas de cunho cautelar,
bem como de enquadrar as medidas cautelares no âmbito do “Processo Cautelar”,
que era disciplinado em livro próprio na lei passada (Livro III), salvo a disciplina dos
arts. 273 e 461 do CPC/1973; privilegia, desta forma, a instrumentalidade da tutela
de urgência (assim entendidas as medidas antecipatórias e acautelatórias), adequa-
damente regulada, em conjunto com a tutela da evidência, na Parte Geral (Livro da
Tutela Provisória) do novo Código de Processo Civil (arts. 294 a 311 do CPC/2015),
enquadrando-as como espécies de tutela jurisdicional que se submetem a um proce-
dimento e a princípios comuns.
Sob a perspectiva da segurança jurídica, dentre outras medidas, procura-se estabe-
lecer uma intensa necessidade de contraditório, à luz, evidentemente, de uma visão que
deflui da Constituição Federal. O CPC/2015 prevê, por exemplo, que mesmo as deci-
sões judiciais que independem de provocação das partes, a respeito de questões de or-
dem pública, devem ser precedidas de contraditório, com efetiva oportunidade de prévia
manifestação dos interessados (arts. 9º e 10 do CPC/2015). A exigência dessa medida –
que evidencia um dos ângulos do propósito legislativo de concretizar o princípio cons-
titucional do contraditório – aplica-se não apenas às decisões relativas a controvérsias
fáticas, mas também àquelas decisões que digam respeito a questões eminentemente
jurídicas. Nessa linha, o art. 10 do CPC/2015 é enfático ao vedar o juiz de decidir com
base em “fundamento” a respeito do qual “não se tenha dado às partes oportunidade de
se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Não se
trata, em absoluto, de desconsideração do princípio do “iura novit curia”, que permi-
te ao juiz decidir com base em fundamentos jurídicos não necessariamente invocados
pelas partes; trata-se, simplesmente, de facultar às partes interessadas a oportunidade
de se manifestar e influenciar a convicção judicial a respeito da aplicabilidade daquele
fundamento jurídico ou fático não invocado ou debatido nos autos. Evita-se, dessa for-
ma, que as partes sejam surpreendidas, no momento da decisão judicial, com um argu-
mento ou alegação de que não cogitaram, e cuja incidência ao caso poderia ser afastada
ou modificada se a matéria tivesse sido previamente debatida.
82 Manual de Direito Processual Civil

A imprescindibilidade de contraditório é enfatizada, ainda, v.g., no que diz respei-


to à desconsideração da pessoa jurídica, pois o art. 135 do CPC/2015 é explícito ao de-
terminar que o juiz só poderá desconsiderar a pessoa jurídica depois de observado o
princípio do contraditório.
Sob a ótica da simplificação, são diversos os aspectos que consagram a instrumen-
talidade processual. Procuraremos pontuar alguns deles.
O Código, com vistas à desburocratização cartorária, cuida de definir os atos ordi-
natórios a serem praticados pelo escrivão independentemente de determinação judicial
(art. 203, § 4º do CPC/2015), conforme já previa o art. 162, §4º do CPC/1973. Parale-
lamente, concede-se aos advogados a faculdade – ou mesmo o dever, em determinadas
hipóteses – de promover a intimação por correio da parte contrária, de testemunhas etc.
(assim, v.g., o arts. 269, § 1º e 455 do CPC/2015). Permite-se a utilização do processo
eletrônico, atribuindo a competência regulatória ao Conselho Nacional de Justiça e,
supletivamente, aos tribunais, (art. 196 do CPC/2015).
Concentra-se, ademais, a reconvenção na mesma peça processual em que é apre-
sentada a contestação, conforme prevê o art. 343, caput do CPC/2015, deixando de ser
necessária peça própria anteriormente exigida (cf. art. 299 do CPC/1973). Além disso,
previu-se a possibilidade de ampliação subjetiva da relação jurídica processual, na me-
dida em que é lícito ao reconvinte consorciar-se com terceiro, ou voltar-se contra o au-
tor da demanda e terceiro (art. 343, §§ 3º e 4º do CPC/2015), sendo-lhe permitido ainda
manejar pedido reconvencional mesmo que haja substituição processual (art. 343, §5º
do CPC/2015), alterando substancialmente a regra anteriormente contida no art. 315,
parágrafo único do revogado CPC/1973. Neste último caso, ter-se-á situação que até
então não se tinha no direito posto brasileiro: substituição processual no polo passivo
da ação reconvencional (art. 343, §5º, parte final, do CPC/2015).
Também simplificaram-se as hipóteses de intervenção de terceiros, desaparecen-
do, como modalidades interventivas, a oposição, que se tornou procedimento especial
(arts. 682 a 686 do CPC/2015), e a nomeação à autoria, situada com simplicidade no
plano da correção da legitimidade (art. 338 do CPC/2015).56
Algumas matérias, que, à luz do CPC/1973, eram objeto de incidentes processuais
específicos, como era o caso da impugnação ao valor da causa (art. 261 do CPC/1973),
passam, na redação do novo Código, a ser passíveis de postulação dentro da contesta-
ção, como preliminar, sem necessidade de incidente apartado com autuação em apen-
so (art. 293 do CPC/2015).57

56. Conforme a redação do Código: “Art. 338 “Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima
ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze)
dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu. Parágrafo único. Realizada a
substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu
excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este
irrisório, nos termos do art. 85, § 8o.”
57. Nos termos do CPC/2015: “Art. 293. O réu poderá impugnar, em preliminar da contestação,
o valor atribuído à causa pelo autor, sob pena de preclusão, e o juiz decidirá a respeito,
impondo, se for o caso, a complementação das custas”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 83

São eliminadas as exceções de suspeição e impedimento, dispondo o art. 146 do


CPC/2015 que tais matérias deverão ser arguidas mediante simples petição, acompanha-
da das respectivas provas documentais e/ou de rol de testemunhas, o que está, nitida-
mente, em consonância com a instrumentalidade que se pretende imprimir ao processo.
Além disso, a falsidade de documento deve ser suscitada na própria contestação,
na réplica ou no prazo de quinze dias, sucessivos à juntada do documento nos autos,
podendo a falsidade ser suscitada como questão incidental ou como questão principal,
recaindo sobre ela, neste último caso, a autoridade da coisa julgada (arts. 430 e 433 do
CPC/2015).
Muitos procedimentos especiais foram extintos pelo CPC/2015. Em contrapartida,
permitiu-se, por um dispositivo genérico, que a parte cumule pedidos subordinados, de
ordinário, a procedimentos diversos, valendo-se das técnicas especiais previstas para
os procedimentos especiais, de modo a tornar possível a cumulação de pedido que de-
mande procedimento comum com outro que permita a utilização de procedimento es-
pecial, desde que a adoção de ambos não se revele inapropriada, por incompatibilidade
(cf. art. 327, §2º do CPC/2015). Tal expediente presta-se a permitir a adequada tutela
das pretensões levadas a juízo, somado à instrumentalidade processual, não exigindo a
pluralização de relações jurídicas processuais.
Em resumo, fica estabelecido o uso do processo de conhecimento como processo
padrão, com muito mais intensidade do que no Código de 1973.
Há uma inovação no sistema das provas, diante da possibilidade de se antecipar a
produção de provas referentes a um possível litígio, como mera faculdade conferida às
partes, sem que esteja configurada situação em que haja risco de perecimento do obje-
to ou fonte de prova. Essa produção antecipada de provas – qualquer delas – terá lugar,
nos termos dos incisos II e III do art. 381 do CPC/2015, nos casos em que: “II – a prova
a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequa-
do de solução de conflito; ou III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou
evitar o ajuizamento de ação”.
A possibilidade de produção de prova antes da propositura do processo de conheci-
mento destinado ao reconhecimento de direitos, fora das hipóteses em que haja receio
de se tornar impossível ou muito difícil a verificação dos fatos na pendência de ação fu-
tura, traz consigo uma modificação paradigmática no instituto da prova. Em lugar de
se atribuir à atividade probatória a finalidade exclusiva de formar a convicção do juiz
sobre os fatos do litígio, passa-se a atribuir-lhe também a função de influenciar o pró-
prio juízo que fazem as partes das perspectivas de êxito num eventual processo judicial.
Esse novo propósito da atividade probatória, que, de certa forma, situa também as partes
como destinatárias da prova – ainda que com finalidade diferente da do juiz – tem como
objetivo prevenir a propositura de ações infundadas ou fadadas ao insucesso, porque
desprovidas de respaldo fático.
Por outro lado, se da análise feita pelas partes sobre a prova produzida antecipada-
mente não resultar que se evite o processo judicial, é bem possível que a produção an-
tecipada proporcione ao autor e ao réu melhor desempenho na defesa de seus direitos,
84 Manual de Direito Processual Civil

uma vez que suas alegações já estarão amparadas nos elementos probatórios colhidos.
Sob esse prisma, concretiza-se o objetivo jurídico do processo de, por meio do contra-
ditório e da busca da verdade, possibilitar a prolação de uma sentença justa e consen-
tânea com a realidade dos fatos.58
A ênfase à atividade das partes é também verificada no tratamento específico da prova
pericial. Diz o Código que o juiz pode dispensar a realização da perícia quando as partes,
na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos
ou documentos elucidativos que considerarem suficientes (art. 472 do CPC/2015). Há
também o dever de se realizar o que se pode chamar de uma perícia ex officio e ad even-
tum, ou seja, realizar uma perícia depois da juntada das peças dos assistentes técnicos
das partes, por força do disposto no art. 480 do CPC/2015.
Com foco na instrumentalidade e no cumprimento dos objetivos sociais do pro-
cesso, o novo Código prevê a atuação de conciliadores e mediadores (arts. 165 a 175),
acentuando a necessidade de magistrados, advogados, defensores públicos e membros
do Ministério Público estimularem a conciliação e a mediação (art. 3º, §3º) permitin-
do a atuação dos conciliadores e mediadores na audiência de conciliação ou mediação,
subordinando-a às diretrizes determinadas pelo Código e pela lei de organização judi-
ciária (art. 334, §1º do CPC/2015). Em consonância com a pressão social para que se
estendam as funções de mediador e conciliador às pessoas que não necessariamente
fossem bacharéis em direito,59 o CPC/2015 optou por exigir apenas a capacitação míni-
ma, de acordo com parâmetros curriculares estabelecidos pelo Conselho Nacional de

58. A produção antecipada de provas, independentemente da verificação de periculum in mora


e desvinculada da existência de um processo judicial foi amplamente defendida por Flávio
Luiz Yarshell (Antecipação da Prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova.
São Paulo: Malheiros, 2009). A ênfase na inclusão das partes como destinatárias da prova
e o consequente cumprimento dos objetivos social e jurídico do processo são a tônica da
obra, que não afasta, obviamente, a posição do juiz como destinatário da prova no processo
judicial; deixa apenas de considerá-lo como único destinatário (Yarshell, Antecipação da
Prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova). Esse posicionamento vai
ao encontro dos valores consagrados pelo processo civil contemporâneo, bem como da
mudança paradigmática sofrida no direito processual no que diz respeito à compreensão
do Estado como único responsável pela pacificação social. V. nessa linha, o que escrevemos
neste Manual de Direito Processual Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2013 (item 2-A, p. 46). Sobre
a produção de provas como atividade voltada às partes, v. ainda, a experiência inglesa da
fase de pre-action, relatada por Neil Andrews no artigo “The pre-action phase. General re-
port” – Common Law, publicado em obra organizada por Ada Pellegrini Grinover e Petrônio
Calmon, denominada Direito Processual Comparado – XIII Congresso Mundial de Direito
Processual.
59. Nessa linha, dispunha, por exemplo, Projeto de Lei da Câmara dos Deputados 4.827/1998,
de autoria da Deputada Zulaiê Cobra. Referido Projeto, posteriormente emendado e
substituído no Senado pelo PL nº 94/2002 “institucionaliza e disciplina a mediação, como
método de solução panprocessual dos conflitos”. Originariamente, o PL 4.827/1998 previa
a possibilidade de as partes escolherem como mediador judicial ou extrajudicial “qualquer
pessoa capaz e que tenha formação técnica ou experiência prática adequada a natureza do
conflito”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 85

Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça, como requisito necessário ao exercício


das funções em questão (art. 167, § 1º do CPC/2015). As linhas mestras distintivas da
conciliação e da mediação estão no art. 165, §§ 2º e 3º.60
Ainda no âmbito da instrumentalidade, dispõe o artigo 317 do CPC/2015: “antes
de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportuni-
dade para, se possível, corrigir o vício”. O dispositivo busca concretizar ao máximo a
economia processual, permitindo o prosseguimento do processo até então defeituoso,
ao propiciar a possibilidade de correção dos vícios existentes.
Permite-se o julgamento liminar de improcedência, independentemente de citação
do réu, quando a pretensão deduzida pelo autor contrariar: enunciado de súmula do
Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, acórdão proferido pelos
mencionados Tribunais em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firma-
do em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência,
enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local e também quando for
verificada desde logo a prescrição ou decadência (art. 332, I a IV e §1º do CPC/2015).
Trata-se de medida direcionada a contribuir para a solução do problema concernente à
sobrecarga de processos no Judiciário, podendo ser a decisão reconsiderada em 5 dias,
após interposta a apelação (art. 332, §3º, do CPC/2015).
Quanto à regra do art. 296 do CPC/1973, que permitia ao juiz reconsiderar a sen-
tença de indeferimento da inicial no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, esta é estendi-
da a qualquer das hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito (§ 7º do
art. 485 do CPC/2015). Além disso, há significativa ampliação do prazo, que passa de
48 (quarenta e oito) horas para 5 (cinco) dias.
Outro aspecto interessante do novo Código de Processo Civil é a eliminação das
cautelares nominadas. Evidentemente isso responde a uma tendência do direito bra-
sileiro, em que se expandiram as medidas cautelares e de urgência, de tal modo que
não mais se justificaria a manutenção de procedimentos cautelares típicos, diante
da grande liberdade para decidir, adjudicada ao Judiciário. O CPC/2015 consagra a
ampliação dos poderes concedidos aos magistrados na concessão de medidas desti-
nadas à tutela de urgência e da evidência, que, como já se disse, passam a ser trata-
das em conjunto.
A tutela de urgência e da evidência estão, sem dúvida alguma, entre os desafios con-
temporâneos atinentes à simplificação do processo e à efetividade. E, como se disse,
a simplificação dessas modalidades de tutela – voltada para a necessidade de conferir
soluções mais céleres e adequadas ao direito material versado no litígio – teve início

60. Dispõem o seguinte: “§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que
não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem. § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo
anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses
em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar,
por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
86 Manual de Direito Processual Civil

nas sucessivas reformas a que se submeteu o sistema do CPC/1973, desde 1994,61 com
a instituição da tutela antecipada.62 Tenha-se presente, aliás, que, embora a modalida-
de de tutela antecipatória mais frequentemente utilizada e difundida se refira às situa-
ções de dano ou risco de dano irreparável ou de difícil reparação (tutelas de urgência),
o CPC/1973, desde 1994, já previa, no inciso II do art. 273, modalidade de tutela da
evidência, fundada na verossimilhança da alegação e no propósito protelatório ou na
natureza abusiva da defesa do réu. Por outro lado, a tutela antecipada da parte incon-
troversa do pedido ou do pedido incontroverso (no CPC/1973, era prevista no art. 273,
§ 6º), foi corretamente alocada no art. 356, I do CPC/2015, por tratar de efetivo julga-
mento de mérito, ainda que parcial. Trata-se, como já se tratava ao tempo do CPC/1973,
do próprio provimento final – ainda que parcial – almejado.
Em suma, a principal diferença entre a tutela de urgência e a tutela da evidência re-
side no fato de que, em relação à tutela da evidência não se cogita da existência de peri-
culum in mora, tal como ocorre na tutela de urgência, pois se trata de situações em que
a evidência do direito já se encontra configurada nos autos. Também não há que falar,
propriamente, em fumus boni iuris, porquanto a ausência de defesa consistente (art. 273,
II do CPC/1973 e 311, I a IV do CPC/2015) denota uma probabilidade maior de suces-
so do autor que de sucesso do réu, sendo justificável a redistribuição do ônus do tempo
nesse caso, ainda que tal análise seja feita por meio de cognição meramente sumária,
apta, portanto, a ser alterada em momento posterior.
O CPC/2015 regula a tutela de urgência no art. 300, autorizando a exigência de cau-
ção real ou fidejussória pelo juízo, conforme o caso; já a tutela de evidência está pre-
vista no artigo 311, que estabelece como hipóteses para sua concessão: “I – ficar carac-
terizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”;
“II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver
tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”; “III – se
tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato
de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
cominação de multa”; ou “IV – a petição inicial for instruída com prova documental
suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova ca-
paz de gerar dúvida razoável”.
O inciso I do art. 311 do CPC/2015 corresponde ao inciso II do art. 273 do CPC/1973,
enquanto que os demais incisos do art. 311, a seu turno, não encontram anteceden-
te legislado no CPC/1973. O denominador comum que enlaça estas quatro hipóteses,
diferentes da tutela de urgência (tutela antecipada, propriamente dita), justificou esse
tratamento em separado.
Importante contribuição para o sistema das tutelas provisórias vem da necessida-
de de fundamentação analítica e exaustiva que o art. 489, § 1º do CPC/2015 estabelece

61. Cf. a Lei 8.952/1994, que atribuiu nova redação ao art. 273 do CPC/1973 e nele incluiu os
incisos I e II e os §§ 1º a 3º.
62. Cf. a Lei 10.444/2002, que, dentre outras modificações, acrescentou ao art. 273 do CPC/1973
os §§ 6º e 7º.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 87

para “qualquer decisão judicial”, sobretudo da regra segundo a qual não se considera
adequadamente motivada a decisão que “invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão” (inciso III). Espera-se, com isso, que deixem de ser prolatadas
decisões, infelizmente frequentes, que, ao deferir ou indeferir a antecipação de tutela,
não analisam as circunstâncias fáticas ou jurídicas da causa, limitando-se a afirmar que
estão “presentes/ausentes os requisitos legais”. Tal exigência se mostra acentuadamente
relevante, na medida em que a tutela de urgência satisfativa, quando requerida em ca-
ráter antecedente, pode tornar-se estável, diferentemente do que se podia observar no
sistema processual passado, ainda que de coisa julgada não se trate.
Quanto ao aspecto mencionado – da estabilidade das decisões que concedem tutela
de urgência antecipada antecedente –, não será preciso ab initio discutir o mérito, ten-
do em vista que não havendo interposição de recurso pelo réu, será o processo extinto,
na forma do art. 304, §1º do CPC/2015. Nessa hipótese o pedido principal, o mérito,
poderá ser formulado em nova ação, eis que não foi julgado. Havendo, por outro lado,
indeferimento da medida de urgência, poderá ser, ainda assim, deduzido o pedido prin-
cipal (arts. 303, §6º do CPC/2015). Nada obsta, que, indeferida a liminar, no que toca à
tutela de urgência cautelar, seja proposta a ação, ressalvadas as hipóteses de decretação
da prescrição ou decadência (art. 310 do CPC/2015).
Na realidade, relativamente às tutelas de urgência e de evidência, o que o CPC/2015
fez foi aprimorar as inovações inseridas no CPC/1973, e sistematizá-las de maneira mais
abrangente e correta, seguindo antiga sugestão feita em tese de lavra do Presidente da Co-
missão responsável pela elaboração do anteprojeto no Senado Federal, o Min. Luiz Fux.63
Esse é um dos inúmeros exemplos de hipóteses em que, conforme se assinalou de
início, o novo Código de Processo Civil não se pretende revolucionário – no sentido
de negar a sistemática até então vigente – mas se propõe, ao contrário, a utilizar de ma-
neira adequada e ordenada o que nela já se revelava útil aos desígnios contemporâneos
do processo civil.
Outro grande desafio a ser enfrentado pelo Código é o problema da justiça de massa,
ainda que o grosso da justiça de massa fique fora do código, com perfil diferente. Não é
possível exigir do magistrado um trabalho de artesão para enfrentar a enormidade de ações
repetitivas, com objetos semelhantes ou praticamente idênticos. Diante disso, o legislador
buscou uma solução para resolver esse problema, ou, ao menos, encaminhar rumos para
uma solução. Nela reside uma das grandes novidades do novo Código de Processo Civil.
No CPC/1973, a matéria era tratada no art. 285-A, aprimorado pelo art. 332 do
CPC/2015 e, no tocante aos tribunais superiores, Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça, respectivamente, as soluções encontradas consistiam na regulação
da repercussão geral e dos recursos repetitivos, com disciplinas diferentes, ainda que
animadas pelo mesmo denominador comum.
O CPC/2015 pretende desafogar o Judiciário em primeiro e segundo graus de ju-
risdição, a partir do que se denominou incidente de resolução de demandas repetitivas

63. Confira-se a obra Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: RT, 1996, passim.
88 Manual de Direito Processual Civil

(arts. 976 a 987 do CPC/2015). A disciplina aí encontrada parece-nos promissora, e


deverá aliviar a sobrecarga de ações repetitivas nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais
Regionais Federais. De acordo com os dispositivos do Código, o incidente de deman-
das repetitivas é admissível sempre que identificada multiplicidade de demandas sobre
uma mesma controvérsia, isto é, em idêntica questão de direito e, além disso, com o pe-
rigo de ofender a isonomia e a segurança jurídica, decorrente do risco de coexistência
de decisões conflitantes. Não é possível a instauração do incidente, vale o acréscimo,
quando a matéria já houver sido afetada por qualquer das Cortes Superiores, segundo a
sistemática dos recursos repetitivos (art. 976, §4º, do CPC/2015). O pedido de instaura-
ção do incidente será dirigido ao Presidente do Tribunal, pelo juiz ou relator, por ofício,
pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição (art. 977,
I a III, do CPC/2015). Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigato-
riamente (art. 976, §2º, do CPC/2015). A instauração e o julgamento do incidente serão
sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro ele-
trônico no Conselho Nacional de Justiça (art. 979, caput, do CPC/2015). Os tribunais
promoverão a formação e atualização de banco eletrônico de dados específicos sobre
questões de direito submetidas ao incidente, comunicando, imediatamente, ao Conse-
lho Nacional de Justiça, para inclusão no cadastro (art. 979, §1º, do CPC/2015). Após
a distribuição, o relator poderá requisitar informações ao órgão em cujo juízo tramita
processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestará em quinze dias, além
de suspender todos os processos, coletivos ou individuais, que versem sobre a mesma
questão jurídica, no âmbito de jurisdição do respectivo tribunal, intimando, ademais,
o Ministério Público para que, se assim entender por bem, manifestar-se no prazo de
15 (quinze) dias (art. 982, I a III, do CPC/2015).
O julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas competirá ao ór-
gão indicado pelo regimento interno de cada tribunal, ao qual se atribua a função de
uniformizar a jurisprudência do tribunal (art. 978, caput, do CPC/2015). Competi-
rá ao referido órgão, também, julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de
competência originária de que se tenha originado o incidente (art. 978, pár. único., do
CPC/2015). Na admissibilidade, o órgão competente considerará a presença dos requi-
sitos do art. 976 do CPC/2015 (art. 981 do CPC/2015). Antes de julgado o incidente,
serão ouvidas as partes do processo no qual se originou o incidente, eventuais interes-
sados, dentre os quais se podem incluir pessoas ou órgãos, tendo cada qual o prazo de
15 (quinze) dias para falar nos autos, inclusive com a possibilidade de juntada de do-
cumentos e requerimento de diligências hábeis a melhor elucidar a controvérsia jurídi-
ca a ser pacificada, posteriormente será dada vista ao Ministério Público, que falará no
mesmo prazo (art. 983, caput, do CPC/2015).
O art. 983, §1º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de designação de audiência pú-
blica, a fim de que sejam ouvidas pessoas com experiência e conhecimento na matéria,
estabelecendo-se a marcante presença dos amici curiae no julgamento do incidente de
resolução de demandas repetitivas, que são, por natureza, demandas de massa, atingin-
do, por óbvio, grande número de pessoas. Julgado o incidente, o tribunal fixará a tese
jurídica, que será observada em todos os processos – individuais ou coletivos – que cui-
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 89

dem de idêntica questão jurídica, e que tramitem na área de jurisdição do tribunal que
tenha fixado a tese. O art. 985, I, parte final do CPC/2015 inclui no rol de órgãos su-
bordinados à observância da tese fixada, os juizados especiais (estaduais ou federais),
ainda que suas decisões não estejam, de ordinário, subordinadas à revisão em grau re-
cursal pelo tribunal de justiça ou regional. Importante consequência prevista pelo novo
Código respeitante ao tema é o cabimento de reclamação contra a decisão judicial que
inobservar a tese fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985,
§1º do CPC/2015), ainda que a inobservância seja de juizado especial.
É um sistema que se aproxima do tratamento anteriormente existente, destinado
aos recursos com fundamento em idêntica questão de direito (“recursos repetitivos”)
perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C, § 1º a 9º, do CPC/1973), agora trans-
portado para os órgãos de segundo grau de jurisdição. Nessa linha, analogamente à
prerrogativa conferida ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça nos § § 1º e 2º do
art. 543-C do CPC/1973, o art. 982, I, do CPC/2015 dispõe que o relator “suspenderá
os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região,
conforme o caso”.
O que fez o Código foi estabelecer, para as demandas repetitivas, uma disciplina
análoga àquela referente aos procedimentos da repercussão geral nos recursos extra-
ordinários e do julgamento de “recursos repetitivos” no Superior Tribunal de Justiça.
Contribui-se para solucionar, a um só tempo, questões que afogam o Poder Judiciário
e isso é feito com consideração à uniformização das decisões judiciais.
Em relação à decisão de mérito, o CPC/2015, atentando à possibilidade de julga-
mento parcial, externado por decisão interlocutória, deixou de falar em “sentença”,
constante do art. 459 do CPC/1973, passando a determinar apenas que “o juiz resolve-
rá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pe-
las partes” (art. 490 do CPC/2015), de modo a não dar azo à errônea conclusão de que
apenas a sentença é capaz de resolver o mérito. O art. 489, §1º, II do CPC/2015 consa-
gra, ainda, um princípio de extrema importância, que determina a necessidade de a de-
cisão ser mais explícita e analítica, quando empregar conceitos juridicamente indeter-
minados, na medida em que considera não fundamentada a decisão quando “empregar
conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência
no caso”. Nesses casos, caberá ao juiz indicar as razões pelas quais verificou a necessi-
dade de aplicação dos conceitos juridicamente indeterminados ao caso concreto. Há,
com efeito, nas normas que consubstanciam conceitos juridicamente indeterminados
maior amplitude de deliberação adjudicada ao juiz, e, por isso mesmo, pode-se dizer
que dele se exige fundamentação mais minudente. Nesse ponto, o CPC/2015 revigo-
ra a garantia constitucional da fundamentação das decisões, em conformidade com as
exigências determinadas pela evolução do direito.
Outro problema que de certa maneira ficou resolvido pela jurisprudência do STJ é o
relacionado ao art. 268 do CPC/1973, no sentido de que se poderia entender quando o
julgamento tivesse sido pela extinção do processo sem resolução de mérito, a demanda
poderia vir a ser reproposta, pois não teria ocorrido coisa julgada. Enfrentou o CPC/2015
90 Manual de Direito Processual Civil

a questão relativa à possibilidade de se repropor ação idêntica àquela que havia sido ex-
tinta sem resolução de mérito, tendo em vista que tal teria sido alcançada pela coisa jul-
gada material, o que já decorreria de uma interpretação literal desse art. 268, CPC/1973.
Com efeito, segundo uma concepção tradicional, transitada em julgado uma sen-
tença que extinguisse o processo sem resolução de mérito teria decisão alcançada ape-
nas pela coisa julgada formal, de sorte que, nos termos do art. 268 do CPC/1973, teria
sido possível, em princípio, que a ação viesse a ser reproposta, em idênticos termos, o
que, sob certas circunstâncias, poderia ocasionar o exercício abusivo do direito de ação.
Como o art. 268 do CPC/1973 não mencionava a necessidade de correção do vício que
teria motivado a sentença terminativa como requisito para a repropositura da ação, para
obstar a persistência da repropositura da ação em que uma das partes padecia de ilegi-
timidade ad causam, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça veio a afirmar que a
ilegitimidade é tema que se confunde com o mérito.64
Embora divergindo da redação literal do art. 268 do CPC/1973, bem como do en-
tendimento do STJ sobre o direito de ação, o posicionamento pareceu-nos mais con-
sentâneo com as exigências éticas do processo.65
O CPC/2015 levou em consideração essa problemática e explicitou a necessidade
de, diante da prolação de sentença terminativa motivada pelo indeferimento da petição
inicial, cujas hipóteses se encontram no art. 330, pela ausência de qualquer dos pressu-
postos processuais de existência e validade do processo, pela ilegitimidade ou falta de
interesse processual, ou pela existência de convenção de arbitragem, corrigir-se o ví-
cio quando da nova propositura da ação (art. 486, § 1º, do CPC/2015). A modificação
oferece solução técnica e explícita quanto à necessidade de correção do defeito. Esta
solução é mais uma demonstração de que o legislador não pairou indiferente aos pro-
blemas que afligiam os Tribunais na aplicação do Código de Processo Civil revogado.
No que concerne à coisa julgada, houve uma aparente simplificação no tratamento
das questões prejudiciais, que, uma vez decididas, expressa e incidentemente no pro-
cesso, em preenchendo os requisitos especificados nos parágrafos do artigo 503, do
CPC/2015, passam a ser por ela abrangidas. À luz do Código revogado, a solução das
questões prejudiciais não era objeto de coisa julgada (art. 469, III), salvo quando, nos
termos do artigo 470 do CPC/1973, tais questões constituíssem objeto de ações decla-
ratórias incidentais. O CPC/2015 suprimiu, nessas hipóteses, a necessidade de pro-
positura de ação declaratória incidental, mas determina que a decisão que julgar total
ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites do pedido e das questões preju-
diciais expressamente decididas, desde que sobre elas se houver estabelecido contra-
ditório prévio e efetivo, o juízo for materialmente competente para julgar a questão e

64. Referimo-nos ao julgamento do Resp 160.850/SP, 4ª T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ
05.03.2001.
65. Conforme o que já havíamos nos manifestado anteriormente: “O art. 268, do CPC, a ile-
gitimidade e a ocorrência de coisa julgada: critérios de interpretação”. In: O terceiro no
processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao Professor Athos
Gusmão Carneiro (org.: Fredie Didier Jr. et al). São Paulo: RT, 2014. p. 124 e ss.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 91

forem elas imprescindíveis ao deslinde da controvérsia principal (art. 503, caput e §1º


do CPC/2015). Trata-se, portanto, da ampliação objetiva dos limites da coisa julgada.
Salientemos não ser possível aceitar a chamada ampliação subjetiva da res judicata.
Apesar da supressão dos termos “não beneficiando” na redação do art. 506 do CPC/2015,
antes constante do art. 472 do CPC/1973 (dispositivo equivalente), parece-nos não ser
possível a conclusão de que o terceiro poderá ser alcançado juridicamente pela coisa
julgada, ainda que esta o beneficie. O terceiro só poderá ser alcançado juridicamen-
te pela coisa julgada, que atinge a decisão da lide, se esta também lhe disser respeito.
Nessas condições, tão somente em estando um legitimado extraordinário (substituto
processual) atuando no processo por ele, será esse terceiro beneficiado pelo decidido
(limitado à lide).
Outro interesse que o terceiro pudesse ter, mesmo jurídico, estaria limitado ao inte-
resse do terceiro interveniente que não é atingido pela coisa julgada material que recai
sobre a decisão do pedido do autor da lide, mas na sua esfera jurídica faticamente pelo
decidido (assistente simples).
As inovações propostas para os recursos, analogamente àquelas referentes ao pro-
cesso em primeiro grau, orientam-se pela necessidade de racionalizar ao máximo o seu
processamento e julgamento, bem como de uniformizar a aplicação do direito e esta-
bilizar a jurisprudência, o que, respectivamente, valoriza a segurança jurídica e o pró-
prio princípio da igualdade de todos perante a lei (e, também, em face de decisões judi-
ciais). O CPC/2015 optou por suprimir modalidades recursais (embargos infringentes
[substituído por mecanismo que pretende fazer as vezes dos embargos infringentes] e
agravo retido), reduzindo as hipóteses de cabimento de alguns recursos (agravo de ins-
trumento), bem como por simplificar-lhes o procedimento.
O agravo de instrumento, cuja primeira das grandes reformas nasceu sob os auspí-
cios de ser uma alteração positiva no sentido da efetividade processual,66 revelou, nas
reformas subsequentes, a tendência à gradativa diminuição das hipóteses de seu cabi-
mento.67 Isso ocorreu em virtude do grande número de agravos interpostos contra de-
cisões interlocutórias, que acabou por transformar, na prática, os tribunais de apelação
em verdadeiros “tribunais de agravo”.

66. Referimo-nos à reforma veiculada pelas Leis 8.950/1994 e 9.139/1995, que viabilizaram
a distribuição do agravo de instrumento diretamente no Tribunal e a concessão de efeito
suspensivo pelo Relator.
67. Foio que ocorreu, fundamentalmente, com as modificações implementadas pela Lei
10.352/2001, que, na prática, inverteram a regra geral, até então vigente, do cabimento do
agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, diante da possibilidade de conversão,
pelo Relator, deste em agravo retido na quase totalidade dos casos. A Lei 11.187/2005 veio,
na sequência, para ‘complementar’ essas modificações, estipulando a obrigatoriedade de
tal conversão em todos os casos em que a decisão agravada não fosse suscetível de causar
à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação
e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. Estabeleceu, também, a irrecor-
ribilidade da decisão do relator que convertesse em retido o agravo de instrumento (cf. a
redação atribuída ao art. 527, II e parágrafo único do CPC 73).
92 Manual de Direito Processual Civil

De acordo com o texto do CPC/2015, o agravo de instrumento subsistirá, mas seu


cabimento estará restrito às decisões interlocutórias expressamente previstas na lei, onde
se inserem aquelas que dizem respeito a matérias relacionadas com tutelas provisórias;
com as decisões interlocutórias de mérito; com a rejeição à alegação de convenção de
arbitragem; com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica; com a re-
jeição do pedido de gratuidade judiciária ou acolhimento do pedido de sua revogação;
com a exibição ou posse de documento ou coisa; com a exclusão de litisconsorte; com
a rejeição do pedido de limitação de litisconsórcio; com a admissão ou inadmissão de
intervenção de terceiros; com o efeito suspensivo dos embargos à execução; com a re-
distribuição do ônus da prova; com a fase de liquidação e de cumprimento de sentença,
bem como no processo de execução e no de inventário. Notemos, por oportuno, que o
inciso XIII do art. 1.015 do CPC/2015 permite que outros casos previstos em lei sejam
objeto de irresignação imediata, por meio de agravo de instrumento, não se devendo
considerar como exclusivo o rol do referido dispositivo, muito embora seja imprescin-
dível, para o cabimento, a previsão legal, inclusive em obediência ao princípio da taxa-
tividade recursal. As demais questões, decididas por interlocutórias, não serão objeto
de preclusão, e haverão de ser alegadas, para fins de devolução ao Tribunal, ao ensejo
da interposição do recurso de apelação e/ou nas contrarrazões. Diante disso, foi abo-
lida pelo CPC/2015 a modalidade de agravo retido nos autos, prevista anteriormente
no art. 522 do CPC/1973. À luz do volume de agravos que aflige os Tribunais, parece
tratar-se de uma boa solução.
A esse respeito, importa acrescer, foi mantida pelo CPC/2015 (art. 937) a exclusão,
em regra, do agravo de instrumento como recurso apto a permitir a sustentação oral dos
advogados das partes, conforme previa anteriormente o art. 554 do CPC/1973, muito
embora tenha sido prevista exceção relativa às hipóteses em que o recurso se volte con-
tra decisão interlocutória que trate de tutela provisória.
Ainda na linha da simplicidade e da instrumentalidade, foi dispensado, pelo
CPC/2015, o juízo de admissibilidade da apelação em primeiro grau, anteriormente
previsto no art. 518, §§ 1º e 2º, do CPC/1973. A apelação será processada inicialmente
em primeiro grau, mas o juízo de admissibilidade será feito exclusivamente pelo tribu-
nal (art. 1.010, §3º do CPC/2015).68 A supressão do juízo de admissibilidade pelo ór-
gão “a quo” facilita muito o processamento do recurso, uma vez que, sendo do órgão
julgador do recurso a competência definitiva para tal juízo, evita-se a interposição de
recursos contra o juízo de admissibilidade negativo que venha a ser feito em primeiro
grau de jurisdição. Por outro lado, elimina-se a realização inócua ou inútil do juízo de

68. O texto é claro, uma ao definir que caberá ao juízo de primeiro grau apenas intimar a parte
contrária a apresentar contrarrazões, quer da apelação principal, quer da eventualmente
interposta na forma adesiva, cabendo, por consequência, unicamente ao tribunal de jus-
tiça ou tribunal regional federal, a depender da competência, o juízo de admissibilidade
da apelação: “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro
grau, conterá: § 3oApós as formalidades previstas nos §§ 1oe 2o, os autos serão remetidos ao
tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 93

admissibilidade positivo no órgão a quo, eis que está sujeito à confirmação ou à revo-
gação pelo Tribunal.
Extinguiram-se os embargos infringentes. A discussão sobre a manutenção dessa
modalidade recursal é anterior até mesmo à promulgação do Código de Processo Civil
de 1973, cujo Anteprojeto já não continha embargos infringentes, o que veio a ser inse-
rido por uma emenda feita no Congresso Nacional. Em contrapartida à supressão dos
Embargos Infringentes, estabelece, o novo Código, técnica de julgamento por meio da
qual, havendo voto vencido no julgamento do recurso de apelação, o julgamento deve
prosseguir com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a
possibilidade de inversão do resultado inicial (art. 942 do CPC/2015). Acrescente-se, ain-
da, que o voto vencido terá sempre que ser declarado e será parte integrante do acórdão,
inclusive devendo servir para fins de prequestionamento (art. 941, § 3º, do CPC/2015).
Algumas modificações sobre os recursos especial e extraordinário são especialmen-
te interessantes. Autoriza o Código que os Tribunais Superiores decidam o mérito de
um recurso desde que seja tempestivo, afastando causas formais de inadmissibilidade
que não sejam consideradas graves, ou determine sua correção, quando for possível.
Essa regra está no § 3º do art. 1.029 do CPC/2015. É possível traçar um paralelo entre
tal disposição e a aplicação daquilo que se denomina, no direito argentino, “gravidade
institucional” do recurso extraordinário.
 A “gravidade institucional” é um filtro à admissibilidade do recurso extraordinário
argentino, análogo ao da repercussão geral, entre nós. Está prevista no art. 280 do Có-
digo Procesal Civil y Comercial de la Nación argentino69 e, embora constitua um filtro
de admissibilidade recursal, historicamente, parece ter servido ao objetivo de superar
irregularidades formais quanto à admissibilidade do recurso extraordinário e permitir
a análise de questões que transcendam o interesse subjetivo das partes.70 Mas, atual-
mente, continua a haver transigência com os requisitos de cabimento, quando presen-
te a “gravidade institucional”, para a admissão de tais recursos extraordinários, sem
que isso afete o julgamento do mérito dos recursos extraordinários.71 A introdução, no

69. A dicção do artigo é a seguinte: “Art. 280. Cuando la Corte Suprema conociere por recurso
extraordinario, la recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su
sana discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso extraor-
dinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren
insustanciales o carentes de trascendencia.”
70. Isso pode ser extraído da obra de Fernando N. Barrancos Y Vedia, que escreveu sobre o
tema nos idos de 1960 até 31 de agosto de 1968, quando se teria formado a noção de
gravidade institucional. Posteriormente, com a Lei n.º 23.774, aprovada pelo Congresso
Nacional argentino em 5 de abril de 1990, passou a ser a “gravidade institucional” meio
legalmente estabelecido para rechaçar recursos que não fossem portadores desse requi-
sito. Ver: Recurso Extraordinario y “Gravedad Institucional”, Prólogo de Genaro R. Carrió,
pp. 7-11 e pp. 237-241.
71. Ver, no direito argentino, o excelente trabalho de Augusto M. Morello, editado logo após a
vigência da Lei 23.774/1990, La nueva Etapa del Recurso Extraordinario – El “Certiorari”, onde
faz, inclusive, remissões ao direito brasileiro, em relação à argüição de relevância (pp. 31,
81 e 82), mencionando monografia que escrevemos e que contribuiu, na Argentina, para
94 Manual de Direito Processual Civil

CPC/2015, da possibilidade de se superarem vícios de admissibilidade que não se repu-


tem graves parece seguir essa linha e permitir a análise de questões verdadeiramente re-
levantes à aplicação e uniformização da lei federal constitucional e infraconstitucional.
Verifica-se, também, que o CPC/2015 aumentou o âmbito de devolutividade dos re-
cursos especial e extraordinário, de forma que, no julgamento do recurso extraordiná-
rio ou especial estão os Tribunais Superiores autorizados a examinar os demais funda-
mentos levantados durante o processo, ainda que não abordados no recurso (art. 1.034,
parágrafo único do CPC/2015). Essa regra, semelhante às disposições concernentes ao
efeito devolutivo da apelação (art. 1.013, §2º do CPC/2015), afina-se com a necessida-
de de se analisarem, em sede recursal, todos os pedidos e fundamentos sucessivos, in-
dependentemente daqueles que tenham sido acolhidos no juízo de origem. É previsão
que, no fundo, ajusta-se ao princípio do contraditório, aqui entendido como a necessi-
dade de os Tribunais Superiores virem a responder à integralidade do que foi postulado,
como atendimento adequado do acesso à Justiça.
Quanto às questões repetitivas no âmbito dos recursos especial e extraordinário,
seu processamento e julgamento segue, tal como em segundo grau de jurisdição, o li-
neamento dos arts. 543, 543-A, 543-B e 543-C do CPC/1973, mas o novo Código sim-
plifica as disposições ali contidas, por unificar a regulamentação aplicável aos recursos
extraordinário e especial (arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015). Essa unificação também
se afigura salutar.
Em relação especificamente à segurança jurídica e à isonomia, o art. 926 do Código
dispõe: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra
e coerente.”. Considerando que a jurisprudência pode – e, em realidade, muitas vezes
precisa – mudar e que isso pode acarretar transtornos, o art. 927 em seu §3º estabelece,
com vistas a poderem ser atenuados esses inconvenientes: “na hipótese de alteração de
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou
daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos
da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”. O § 4º do art. 927 diz: “A
modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada
em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequa-
da e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da con-
fiança e da isonomia”. Este último texto é importante, porquanto essa fundamentação
adequada, i.e., mais minudente, visa a demonstrar que a modificação se operou por ne-
cessidade de reinterpretar a lei, e, não, por razões outras que não essa necessidade que
socialmente se tenha imposto.
Também, em atenção à segurança jurídica e à isonomia, prevê o caput do art. 927,
com bastante clareza, que os juízes e tribunais observarão a jurisprudência consolida-
da das Cortes. Com efeito, o novo Código não dá margem à inobservância das decisões
judiciais anteriores, ao menos quando não adequadamente fundamentada a sua não
aplicação, conforme prevê o art. 489, §1º, VI do CPC/2015.

a alteração legislativa (A arguição de relevância no recurso extraordinário. Rio de Janeiro:


Forense, 1988).
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 95

É perceptível a ênfase conferida ao peso e ao significado social da jurisprudência


dos tribunais, mormente sob a perspectiva da realização da isonomia e da segurança
jurídica. Isso se dá em todos os níveis, dos Tribunais Superiores aos órgãos de segundo
e primeiro graus. O objetivo que informa essas regras é exatamente concretizar melhor
os princípios da legalidade e da isonomia, no sentido de que se diz que, se a lei é igual
para todos, é importante também que as decisões judicias que interpretem a lei sejam
iguais para todos que estejam em idêntica situação.
Procurou-se oferecer uma visão do novo Código, mas seria impossível considerar
nesta sede todos os seus aspectos. Para terminar, diríamos que o CPC/2015 é bastante
bom, bem ordenado, impecavelmente bem redigido, sintonizado rigorosamente com
as necessidades contemporâneas, especialmente com o problema da justiça de massa,
com a simplificação do processo; ademais, a sociedade, durante o processo legislativo,
foi ouvida, tendo sido realizadas audiências públicas antes mesmo da entrega do Ante-
projeto de Código, elaborado por notável comissão de juristas, ao Presidente do Sena-
do, sucedendo-se outras audiências públicas, amplamente divulgadas e concorridas.
Em geral, deve ser ressaltado que os inumeráveis caminhos possíveis de soluções
que se encontram no novo Código buscam solucionar problemas atuais, que assolam
a Justiça brasileira. A promulgação de um novo Código de Processo Civil – conquanto
haja problemas paralelos outros, atinentes à estrutura do Judiciário, tais como aprimo-
ramento profissional de servidores e magistrados, adequação dos rendimentos, instala-
ções melhores, uso acentuado da informática – é um dos elementos que podem auxiliar
na melhoria da distribuição da Justiça e na aplicação do direito.
Recentes, diversas e profundas modificações foram trazidas para o corpo do Processo
Civil, tendo-se presentes, precisamente, estas preocupações; o novo CPC, como dito, as
incorpora e aprimora. Cada um dos pontos que envolvem as reformas e propostas para o
futuro será abordado, a tempo e modos oportunos, nos capítulos atinentes aos assuntos
respectivos que versa este Manual. A experiência de nossos Tribunais no cotidiano po-
derá demonstrar a efetividade do CPC vigente e sua correspondência com os pontos de
estrangulamento detectados no sistema que motivaram sua elaboração e transformação.
Com base nestas novas realidades, nestes novos mecanismos e institutos proces-
suais, bem como nas perspectivas de mudança, que afetam inexoravelmente o direito
material e, como visto acima, vice-versa, é que o Direito, hoje, deve ser pensado, inter-
pretado e aplicado.
3
Jurisdição

3.1. A Função Jurisdicional


3.1.1. O Estado de Direito
O Direito confundia-se, de início, com as regras de moral, religião e convivência.
Paulatinamente, porém, foram-se isolando as normas jurídicas e, exclusivamente com
elas, foram-se construindo os sistemas jurídico-positivos.
Antes dessa fase, por estarem amalgamadas as normas do ordenamento jurídico
com outras regras sociais, também a posição do juiz era confusa. Assim sendo, do pon-
to de vista subjetivo (identificação da autoridade judiciária), nos primórdios das socie-
dades, a autoridade judiciária não era exercida por uma pessoa que tivesse exclusiva-
mente essa função.
Por outro lado, foi muito longa a caminhada do homem para conseguir um juiz que
viesse aplicar imparcialmente a lei. Para que se conseguisse a realização da Justiça de
forma justa, entendendo-se, neste passo, por justa, a fiel observância das leis, neces-
sitou-se proteger o homem que a distribuía. Ainda, foi preciso especializar, no quadro
das funções estatais, a função por ele exercida, com o que, impedia-se a injunção dos
outros poderes, ou mesmo de indivíduos poderosos, sobre o Judiciário. Defendia-se a
pessoa do juiz, como imparcial e justo aplicador da lei, não em favor do homem-juiz,
porém em benefício da sua função e, pois, da sociedade. A generalidade das Constitui-
ções ocidentais, expressões do nosso sistema comum de vida, consagra garantias de or-
dem pessoal e funcional que asseguram a liberdade do juiz: são as chamadas garantias
fundamentais da magistratura.
Além dessas garantias de ordem pessoal, no próprio quadro das funções estatais,
há a tripartição de poderes, que nada mais significa do que tripartição de funções ine-
rentes ao poder. Com a tripartição, que é um critério orgânico representativo da impe-
netrabilidade de um poder no outro, assegura-se, ipso facto, a plenitude e a pureza do
exercício de cada função. 1

1. Como já dissemos em outra oportunidade “O Estado-de-direito foi, possivelmente, o mais


útil elemento à compreensão do fenômeno jurídico positivo e ao desenvolvimento da ciência
jurídica (...) O Estado moderno – Estado-de-direito – se caracteriza pela circunstância de
Jurisdição 97

No curso da História, nomeadamente depois da Revolução Francesa, especializou-


-se nos organismos estatais ocidentais o Poder Judiciário como estrutura independen-
te. O fundamento, no Direito antigo, da ordem jurídica e da própria realização da Jus-
tiça era o rei.2
Com a mudança, porém, do fundamento sobre o qual se assentava o Direito, que se
pretendeu veio a residir essencialmente na vontade do povo, o que, pelo menos, foi e
tem sido afirmado, a realização da Justiça passou a ser feita em nome da República, go-
vernada por leis elaboradas por mandatários do povo (democracia).
Ideia imediatamente decorrente desta é a da submissão dos juízes exclusivamente
à lei, como configurativa e albergadora da ideia do melhor modo de viver. O valor da
lei (legalidade) atinge no contexto social um autêntico apogeu (inclusive conforme o
art. 5.º, II, da CF/1988).
Em um único caso deve deixar de haver aplicação de uma lei ordinária ou de qual-
quer outra norma: quando haja incompatibilidade desta lei com a Constituição. Neste
caso, o Judiciário não aplica a norma e a declara, incidenter tantum, inconstitucional.
Mas, é evidente que, longe de constituir um desrespeito à lei, isto representa a mais alta
respeitabilidade ao próprio ordenamento, i. e., à Constituição, pois é desta que emana
a validade de toda a tessitura normativa que lhe seja inferior.
Modernamente, é universal a tendência de se entender como sendo Direito, unica-
mente, aquele emanado do Estado. O Direito seria, por assim dizer, a própria expressão
do Estado, que é a fonte única do Direito. Esta ideia, todavia, não é tida por verdadeira
por todos os autores.3
De outra parte, aceitou-se universalmente a ideia de que o Estado é uma pessoa po-
lítica e jurídica, qualificada e definida pela ordem jurídica por ele criada. Em virtude

sua ordem jurídica, depois de admirável evolução, assegurar os direitos, mais do que em
qualquer outro tipo de sociedade anterior. A submissão da soberania a uma disciplina jurídica
oriunda do corpo social, através de uma vontade idoneamente manifestada, denominam
os autores de racionalização do poder. O problema da racionalização do poder, estudado
do ponto de vista histórico-jurídico, afigura-se-nos encontrar seu termo inicial decisivo
na conhecida teoria da tripartição dos poderes (...). Apesar das diferenças existentes entre
o sistema inglês e o francês, inegavelmente foi o problema das funções estatais cujo mo-
delo histórico e concreto extraiu-se da Inglaterra e cuja difusão se deveu a Montesquieu,
que sensibilizou a todos a respeito do assunto (...) o fato histórico indiscutível e, portanto,
o dado básico do problema, é o de que a tripartição dos poderes consistiu, historicamente,
no mais perfeito instrumento de construção do Estado-de-direito (Legislativo, Executivo e
Judiciário).”(v. texto nosso que integrou o vol. 2 da coletânea Doutrinas Essenciais de Pro-
cesso Civil, intitulado “Da jurisdição – Estado-de-direito e função jurisdicional”, São Paulo:
Ed. RT, out. 2011, p. 332-333).
2. Mário Guimarães, O juiz e a função jurisdicional, Cap. I, n. 1, Rio de Janeiro : Forense, 1958,
p. 19 et seq.
3. Cf. R. V. Ihering, L’évolution du droit, trad, 3. ed. alemã por O. de Meulenaere, Paris : Librarie
A, Maresq, 1901, n. 145. Maurice Hauriou, Derecho público constitucional, 2. ed. trad.
espanhola, Madri : Reus, 1927, p. 313 et seq.; Jellinek, Teoria general del estado, trad. 2. ed.
alemã, Buenos Aires : s/d, p. 338.
98 Manual de Direito Processual Civil

da evolução desses dois dados do problema, atingiu sua pureza máxima o conceito de
Estado de Direito. O Estado de Direito foi, possivelmente, o mais útil elemento à com-
preensão do fenômeno jurídico positivo e ao desenvolvimento da ciência jurídica, por
intermédio de uma visão que empresta o mais alto significado à dogmática jurídica, já
a partir do patamar constitucional.
O que habilita o Estado a estabelecer normas jurídicas é o fato de ser o detentor da
soberania.
Os problemas mais agudos do Direito referem-se precisamente à limitação da sobe-
rania, exercida sobre todos os indivíduos.4 Assim, quando o Estado estabelece a regra
jurídica, traça os comportamentos lícitos entre particulares e as consequências respec-
tivas, do mesmo modo que define os ilícitos e as consequências que lhes são próprias.
No Estado de Direito, o próprio Estado submete-se à própria regra jurídica, dizen-
do-se, consequentemente, que o próprio Estado autolimita o seu âmbito de ação, den-
tro das balizas da lei.
A vida em sociedade gravita entre o indivíduo e a coletividade. Uni-los harmonio-
samente é uma tarefa árdua com que temos de nos defrontar.
O problema central relativo a este tema, como se constata, é o do estabelecimento
das relações entre a soberania e a liberdade daqueles sobre os quais ela atua.5
À submissão da soberania a uma disciplina jurídica oriunda do corpo social, por
meio de uma vontade idoneamente manifestada, denominam os autores de racionali-
zação do poder. O fenômeno da racionalização do poder, estudado do ponto de vista
histórico-jurídico, afigura-se-nos encontrar seu marco inicial decisivo e moderno na
conhecida teoria da tripartição dos poderes (ou, melhor dizendo, de funções, desde que
a soberania é una).
A aplicação dessa teoria foi o instrumento histórico, ou mais precisamente, um dos
caminhos, possivelmente o mais relevante e atuante, de que se serviu a burguesia para
se garantir contra o poder ilimitado do Estado e, simultaneamente, assumir o poder.
Vale dizer, contra a antiga feição do poder, que precedentemente se encontrava encar-
nado na nobreza. Consistiu tal “expediente”, que se generalizou, no Ocidente, histori-
camente, no perfeito instrumento de construção do Estado de Direito. Este foi, para os
juristas, o mais eficaz e lógico instrumento para a elaboração do Estado de Direito, ten-
do-se em vista as condicionantes históricas da época. Disto resultou ter sido o Estado
de Direito do liberalismo um Estado apequenado, deixando espaço amplo para a práti-
ca de uma concepção de liberdade, pelos indivíduos, que sucessivamente teve que ser
restringida, diante da circunstância de ter-se mostrado um ambiente em que a liberdade
do forte prevalecia sobre a suposta liberdade dos fracos, colocando segmentos vastos da

4. Cf. Jellinek, System der Subjektiven öffentlichen Rechte [Sistema dos direitos públicos sub-
jetivos], 2. tir., Tübingen : 1905, p. 41 et seq.
5. Cf., sobre o assunto, Agustín Gordillo, Princípios gerais de direito público, trad, Marco Aurélio
Greco, São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 65 et seq., em específico, p. 67 e 84.
Jurisdição 99

sociedade em permanente desvantagem. As origens desse descompasso ancoram-se na


Revolução Industrial, ocorrente nessa quadra histórica. A crescente proteção do fraco
contra o forte espalhou-se em todos os países.6
O Estado de Direito, aprimorado sob a égide da Justiça, é um dos elementos impor-
tantes, se não o mais importante, de todos os valores que são caros e indispensáveis à
nossa civilização. A preocupação da “Justiça”, oriunda dos pontos em que fracassou o
liberalismo, ensejou o que se convencionou chamar de “Estado do Bem-Estar Social”,
que representa uma evolução do Estado de Direito liberal.
Parece-nos que é impossível serem atingidas a verdadeira liberdade e a Justiça fora
do Estado de Direito (ao qual se agregam preocupações de ordem social), pois este é con-
cebido e estruturado de forma a reconhecer e dar realidade prática a uma filosofia, na
qual o homem é o valor substancial da sociedade.7
O Estado de Direito é aquele em que governantes e governados, desde que estabe-
lecida a regra jurídica com o consentimento destes, a ela estão obrigados.
No Brasil, o sistema de jurisdição é único, ou seja, aquele que recolheu sua marca
inconfundível na separação de poderes, no sentido de que, separadas organicamente
as funções estatais, teria de ficar afeto ao Poder Judiciário aquilo que, naturalmente,
segundo as condicionantes históricas contemporâneas às grandes e marcantes diretri-
zes criadoras do Estado moderno, lhe deveria caber. Assim, coube ao Poder Judiciário
a função de dizer o direito no processo de conhecimento e, quando necessário, de rea-
lizá-lo coativamente (processo de execução).
De nada adiantaria a simples manifestação do Estado dizendo o direito. É impres-
cindível que sua atividade se complete por meio da efetivação do direito declarado. Por
isso mesmo, o art. 4.º do CPC/2015 diz ser garantido a todos “o direito de obter em pra-
zo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
No Brasil, o sistema da separação das funções do Estado foi, desde a nossa primeira
Constituição republicana, adotado.8

6. É o que se remarca na literatura, em relação a importante lei alemã, que, na seara do direito
contratual, como decorrência da prática do liberalismo, resultou afetada, e, nessa lei se
procura consolidar essa proteção, já existente de longa data, todavia. O Prof. Hein Kötz
que escreveu sobre os §§ 1.º ao 9.º, da Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen
Geschäftsbedingunden (AGB-Gesetz), observa, expressivamente e com inteira razão, que
“Historisch sind AGB ein Kind der Industriellen Revolution des 19 Jahrhunderts” [“Historica-
mente é a Lei das Normas Gerais de Contratação um filho (nascido) da Revolução Industrial
do século 19”] – cf. Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Introdução,
função e significação prática das Normas Gerais de Contratação, 1, 3. ed., Munique: C. H.
Beck, 1993,, p. 1.797. Essa lei foi encartada no Código Civil, em vigor desde 01.01.2002,
nos seus §§ 305-310.
7. Cf. Legaz y Lacambra, Filosofia del derecho, Barcelona: Bosch 1953, p. 523.
8. Cf. Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, vol. 4/429, Rio de Janeiro:
Livraria Acadêmica, 1933; Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, São Paulo: Francisco Alves,
1915, p. 143 a 151.
100 Manual de Direito Processual Civil

3.1.2. Natureza da função jurisdicional e suas características


Afigura-se-nos que a função jurisdicional é de índole substitutiva. Se ela se desti-
na a solucionar um conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao Estado-juiz,
sob a forma e na medida da lide, deverá este afirmar, sentenciando, a existência de uma
vontade concreta da lei, favoravelmente àquela parte que seja merecedora da proteção
jurídica. Essa prestação jurisdicional, que soluciona a lide, para que seja realizada com
eficácia imutável, terá que ter validade e força absolutas, porquanto, se não as tiver, ain-
da perduraria o conflito. A vontade do Estado-juiz, então, substitui as vontades (confli-
tuosas) das partes. O que ocorre, em regra,9 é a substituição de uma atividade/vontade
privada por uma atividade pública, que é a “vontade da lei” a imperar.10
Todavia, para que tal substituição ocorra com eficácia imutável, como dito acima,
necessário se faz que uma qualidade seja agregada a essa atividade substitutiva, ou seja,
mais precisamente, que se some à autoridade da solução a qualidade de imutabilidade
da decisão de mérito, na sua parte decisória. O que caracteriza, na quase totalidade dos
casos, verdadeiramente essa qualidade da decisão – enquanto síntese da atividade ju-
risdicional, e, tendo em vista a parte dispositiva da decisão de mérito – é a autoridade
da coisa julgada.11

9. Para aqueles que, como nós, estão convencidos pela natureza jurisdicional da arbitragem,
esta substitutividade pode decorrer da atividade privada da lei à luz do entendimento do
árbitro. Sobre o tema, vide nosso artigo: Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, In:
Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a Lei
nº 13.129, de 26 de maio de 2016, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 133-144.
10. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, Trad. G. Menegale, 2. ed., São Paulo:
Saraiva, 1965, § 19, n. 140, p. 11, vol. 2. Sobre a doutrina italiana ver: Ovídio Araújo Bap-
tista da Silva, Curso de processo civil, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005; sobre a doutrina
de Chiovenda, p. 14 a 18; sobre a doutrina de Allorio, p. 18 a 20; e sobre a doutrina de
Carnelutti, p. 20 a 27. Ainda, mais recentemente, sobre a natureza substitutiva da função
jurisdicional v. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes: “Pelo aspecto técnico a ativida-
de jurisdicional é sempre substitutiva das atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, a
quem a ordem jurídica proíbe a autotutela. Seja quando o sujeito aspira a um bem negado
pela pessoa que lho podia dar (p. ex., pretensão a uma soma de dinheiro etc.), seja nos
casos em que o processo é o único caminho para obtê-lo (p. ex., anulação de casamento),
a atividade jurisdicional é sempre substitutiva de alguma atividade das pessoas. Os atos
excluídos de autotutela são substituídos pela atividade do juiz, que, com imparcialidade,
verifica se o sujeito tem ou não razão e, por ato seu, propicia-lhe a obtenção do bem na
primeira dessas hipóteses (cf. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 78-79); v. também, Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed. rev.
e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 34-35; ou, ainda, nas palavras de José Tesheiner e Rennan
Thamay “Na cognição, a jurisdição consiste na substituição de forma definitiva e obrigatória
da atividade intelectiva do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os
cidadãos, no afirmar existente ou não existente uma vontade concreta da lei concernente
às partes.” (Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 118-119).
11. Cf. José Frederico Marques, Ensaio sobre a jurisdição voluntária, 2. ed., São Paulo: Saraiva,
1959, p. 61; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 1/42, São Paulo: Ed.
RT, 1975,. V., também, nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: Ed. RT, 1990,
Jurisdição 101

Excepcionalmente, poderá o sistema jurídico estruturar-se de molde a que a ativi-


dade jurisdicional não fique revestida (em sua síntese final, que é a decisão) pela quali-
dade da coisa julgada. Os casos excepcionais, exatamente porque o são, servem apenas
para confirmar a regra geral.12 Ademais, mesmo nesses casos, a revisão que poderá ser
feita da sentença sê-lo-á sempre pelo próprio Judiciário e não por outro Poder.
As características marcantes da atividade jurisdicional são as seguintes:
(1.ª) A “terzietà” do juiz, que tem de ser desinteressado do litígio, conceito este uni-
versalmente aceito e tradicional, e há de ser, ele, ocupante de órgão constitutivo do Poder
Judiciário; daí, como consequência, afastar-se do processo o juiz impedido ou suspeito
(art. 144 e ss. do CPC/2015), pois o seu desinteresse (= imparcialidade) está compro-
metido; ademais, no caso de impedimento, a própria sentença, ou acórdão, é suscetível
de desconstituição por ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015).
(2.ª) O poder de que está investido este terceiro é o de aplicar a norma ao caso con-
creto, valendo a sua decisão irrefragavelmente. E, esgotados os recursos, a sentença/
acórdão valerá e será eficaz, adquirindo imutabilidade em sua parte dispositiva, fenô-
meno conhecido como coisa julgada, característica e qualidade da sentença.
O legislador, ao elaborar a lei, inova primariamente na ordem jurídica, pois toda lei
discrimina, traçando novas condutas, ao passo que o juiz, aplicando a norma jurídica já
existente apenas faz valer a norma anterior, aplicando-a ao caso concreto. Ou, em se pre-
tendendo sustentar, como muitos o fazem, com certa razão, que também o juiz inova ao
formular a regra jurídica concreta, é certo que o faz em sentido diverso ao do legislador.
(3.ª) Além desses dois elementos, é próprio da atividade jurisdicional o seu desen-
volvimento por meio de um contraditório regular, o que implica fundamentalmente,
além de outros aspectos, a obediência a um procedimento regular e preestabelecido.
(4.ª) Outra característica da atividade jurisdicional é o de sua inércia inicial (arts. 2.º
do CPC/2015), o que significa que só mediante solicitação da parte é que se instaura o

p. 62-63, vol. 1. Nesse sentido, também: “a coisa julgada pode, sim, funcionar como in-
dicativo da natureza jurisdicional de um ato. Observe-se: o ato administrativo não produz
coisa julgada (material); o ato jurisdicional pode produzi-la. Por isso, presente o efeito de
coisa julgada, pode-se afirmar que o ato jurisdicional.” (José Tesheiner e Rennan Thamay,
Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio
de Janeiro: Forense, 2016, p. 122). Ou, ainda, como diz Fredie Didier Jr. “a característica
que é exclusiva da jurisdição é a aptidão para a definitividade. Só os atos jurisdicionais
podem adquirir essa especial estabilidade, que recebe o nome de coisa julgada.” (cf. Curso
de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento, vol. 1, 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 164).
12. É certo que existem hipóteses em que não há coisa julgada, como por exemplo: nas relações
jurídicas continuadas, como é o caso das obrigações alimentares (art. 15 da Lei 5.478/1968),
no mandado de segurança, cuja decisão denegatória não tenha apreciado o mérito (art. 19
da Lei 12.016/2009 e Súmula 304, da jurisprudência dominante do STF), e na decisão de im-
procedência do pedido por falta de provas em Ação Civil Pública (art. 16, da Lei 7.347/1985)
e, de certa forma, no Código de Defesa do Consumidor (art. 103 da Lei 8.078/1990). Sobre
o tema, ver: Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa
julgada – Hipóteses de relativização, São Paulo: Ed. RT, 2003.
102 Manual de Direito Processual Civil

processo contencioso, e, ainda, somente por meio de pedido do interessado é que o juiz
pode agir no campo da jurisdição voluntária. A regra, pois, é a de que o Poder Judiciá-
rio somente age quando regularmente provocado. Desta forma, não pode um juiz, sem
pedido preordenado a tanto, instaurar um processo.

3.1.3. Os princípios fundamentais da jurisdição


A jurisdição ou a função jurisdicional (neste passo, usando as palavras como sinô-
nimas) nos Estados ocidentais contemporâneos, tal como é concebida no paradigma
do Estado de Direito, é informada por uma série de princípios que lhe dão fisionomia,
distinguindo-a da jurisdição de outras épocas.
O primeiro deles é o de que somente é juiz aquele terceiro desinteressado cuja com-
petência esteja prescrita em leis anteriores ao caso que seja por ele decidido. Em termos
de jurisdição estatal – que é a regra –, o juiz deverá ser integrante do Poder Judiciário.
É o princípio do juiz natural.13 Desta forma, na sistemática constitucional, juízes são
aqueles que, legalmente, ocupam os cargos nos juízos e tribunais, constitucionalmente
previstos (art. 92, I a VII, da CF/1988), cujos cargos tenham sido legitimamente criados
pela legislação própria e infraconstitucional.
Precisamente tendo em vista este princípio, agregam-se aos juízes, complementar-
mente, as garantias asseguradoras da imparcialidade. Tem, assim, o autor, por meio do
direito público subjetivo de ação que lhe foi conferido amplamente pelo Estado, um
direito em face do próprio Estado, e, correlatamente, um dever da parte deste para com
o indivíduo, de lhe prestar tutela (v. art. 5.º, XXXV, da CF/1988).14 Esta regra é válida
também para o réu no sentido de que a sua contestação (= questões aí suscitadas) have-

13. No particular, pertinente a análise de Nelson Nery Jr., segundo o qual, “o princípio do juiz
natural aplica-se apenas aos órgãos estatais da jurisdição (Poder Judiciário e Senado Federal,
nos casos da CF 52 I, e.g.), e não aos juízes instituídos por compromisso arbitral.”. (v. Prin-
cípios do processo na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo), 12. ed.
rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 201).
14. Cf. Alfredo Rocco, La sentenza civile, Milano: Giuffrè, 1962, n. 37, p. 83-88. No mesmo
sentido: segundo Nelson Nery Jr., por esse princípio “todos têm o direito de obter do Poder
Judiciário a tulela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional.
É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio”.
(v. Princípios do processo na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo),
12. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 210); cf. Cássio Scarpinella Bueno:
“Uma vez provocado, o Estado-juiz tem o dever de fornecer àquele que bateu às suas
portas uma resposta, mesmo que seja negativa, no sentido de que não há direito nenhum
a ser tutelado ou, bem menos do que isso, uma resposta que diga ao interessado que não
há condições mínimas de saber se existe, ou não, direito a ser tutelado, isto é, que não há
condições mínimas de exercício da própria função jurisdicional, o que poderá ocorrer por
diversas razões.” (v. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do
novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 40); cf. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes:
“Atualmente, além de uma garantia de mero ingresso no Poder Judiciário com suas preten-
sões em busca de reconhecimento e satisfação, aquele dispositivo constitucional representa
a garantia de outorga, a quem tiver razão, de uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e
tempestiva (Kazuo Watanabe), além de impedir a imposição de óbices ilegítimos à concessão
Jurisdição 103

rá também de ser objeto de decisão (art. 490 do CPC), e, bem assim, quaisquer outros
incidentes levantados pelo demandado.15
Mas este direito do jurisdicionado, de pedir tutela jurídica ao Estado e respectivo
dever deste em prestá-la, dependem de uma condição, que pode ser colocada também
como princípio da própria atividade jurisdicional, que decorre da necessidade de al-
guém acionar a jurisdição, princípio da inércia (art. 2º, do CPC/2015).
Este princípio vem expresso nas seguintes máximas latinas: nemo iudex sine actore
e ne procedat iudex ex officio. Significando que a inércia inicial da atividade jurisdicional
é um de seus princípios fundamentais (art. 2.º do CPC/2015). Nessas condições, para
que seja acionada a jurisdição, faz-se essencial a atividade da parte ou do interessado.
Depois, desenvolve-se o processo por impulso oficial. Isto quer dizer que não é neces-
sária a cada momento a presença da parte para requerer o andamento da causa, que se
dá oficialmente (embora não de forma total, como por exemplo na exigência de reque-
rimento para o início da fase de cumprimento de sentença: art. 513, §1º, do CPC/2015).
De quando em vez, no entanto, é saudável às partes requerer a prática de atos específi-
cos ou tomar outras providências para a movimentação do processo.
Ainda, acrescente-se a estes o princípio de que a jurisdição não pode ser delegada
ou transferida, sendo a prestação da tutela jurisdicional obrigação indeclinável do ór-
gão e pela pessoa que foi dela constitucionalmente investida (art. 2.º da CF/1988).16
Ao juiz, nomeado na conformidade de leis anteriores à causa em julgamento, válidas
e constitucionais, confere-se uma série de garantias, que não são pessoais propriamen-
te ditas, mas garantem o juiz tendo em vista a função que ele exerce na sociedade, qual
seja a de decidir unicamente subordinado à lei (arts. 95, I, II e III; 93, IX, da CF/1988;
v. item subsequente, a respeito das garantias).

da tutela eventualmente devida.” (v. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros,
2016, p. 54-55).
15. Sobre isso, v. Cássio Scarpinella Bueno: “É mais recente a inserção da defesa como um
dos institutos fundamentais do direito processual civil pela doutrina em geral. A iniciativa,
contudo, é mais que justificável diante do modelo constitucional do direito processual civil.
Ao lado da garantia constitucional do exercício do direito de ação prevista no inciso XXXV
do art. 5º da CF, há, na própria CF, a expressa garantia constitucional do contraditório e
da ampla defesa no inciso LIV do mesmo art. 5º. Se o contraditório e mais propriamente,
a (ampla) defesa do réu é a contrapartida do direito de ação do autor, a defesa só pode ser
entendida como o direito subjetivo público de o réu pedir, ao Estado-juiz, tutela jurisdicio-
nal, entendida a expressão no mesmo sentido que venho empregando: pedido de proteção
a um direito lesionado ou ameaçado que se afirma possuir mediante o exercício da função
jurisdicional.” (v. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo
CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 70). Uma análise mais aprofundada do tema está em na
obra de Heitor Vitor Mendonça Sica, O direito de defesa no processo civil brasileiro: um
estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011.
16. É possível, contudo, que as partes convencionem a solução pela via arbitral, desde que se
trate de litígio sobre direitos patrimoniais disponíveis, nos termos da Lei 9.307/1996, hipó-
tese que aparentemente constitui exceção à indelegabilidade da jurisdição. Na verdade é o
legislador que institui o sistema de arbitragem e o faz dentro de âmbito em que se exercita
a autonomia privada, ainda que submetidas as partes à decisão arbitral.
104 Manual de Direito Processual Civil

Como outro princípio de relevância atinente à jurisdição, devemos mencionar a


indeclinabilidade da prestação jurisdicional, já referida, correspondente ao direito de
ação como direito público subjetivo que é, atribuído a toda e qualquer pessoa. Se o in-
ciso XXXV do art. 5.º da CF/1988 enseja a todos os que estão sob a égide da jurisdição
brasileira o direito de a ela terem acesso, segue-se que esta há sempre de manifestar-se
sobre os pedidos que lhe são endereçados, embora este direito não se confunda com a
outorga da proteção pleiteada por aquele que teve a iniciativa de propor a ação.
Este princípio manifesta-se expressa e inequivocamente, também no nível da lei
ordinária, no art. 140 do CPC/2015, que prescreve: “O juiz não se exime de decidir sob
a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Verifica-se, pois, que,
embora não possa ser assegurado o direito à sentença favorável, existe o direito a uma
decisão ou sentença, mesmo que desfavorável, ou, então, que inadmita mesmo a ação
(= carência de ação – arts. 485, VI, e 337, XI, do CPC), ou, ainda, que dê pela invalida-
de do processo (v.g., art. 485, IV, do CPC). Há nestas últimas hipóteses um descompas-
so entre o que resulta da atividade jurisdicional e a expectativa do litigante vencido.
Por outro lado, a jurisdição é eminentemente ligada a um território no sentido de
que, como regra, as decisões judiciais nacionais têm sua validade e eficácia circuns-
critas ao território do próprio Estado brasileiro; quanto à possível validade e eficácia
de sentença brasileira fora do nosso território, hão de ser observados os pressupostos
de receptividade do ordenamento estrangeiro ao nosso direito, o mesmo ocorrendo na
hipótese inversa.17
De outra parte, salvo exceções expressas (como a do art. 23, I, do CPC/2015), a de-
cisão proferida em outro território e sob a égide de jurisdição estrangeira só produzirá
efeitos desde que homologada pelo STJ (art. 105, I, i, da CF/1988). É com a homologa-
ção que a sentença estrangeira adquire validade e eficácia em território nacional.
Finalmente, toda a atividade jurisdicional é realizada publicamente (art. 93, IX, da
CF/1988, art. 11, do CPC/2015), salvo exceções (art. 189 do CPC/2015). A publicidade
é havida como garantia para o povo de uma Justiça “justa”, que nada tem a esconder e,
por outro lado, é também garantia para a própria magistratura diante do mesmo povo,
pois, agindo publicamente, permite a verificação de seus atos.18
De acordo com a nova redação do art. 93, IX, da Constituição, pode “a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente

17. V. Arruda Alvim, Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento, vol.
2, 9.ª parte, São Paulo: Ed. RT, 1972.
18. V. nosso Curso de direito processual civil, vol. 1, n. 31, São Paulo: Ed. RT, 1971, p. 148;
consultar tb. Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, Genebra: L’Université,
1975, p. 339 e ss. Mais recentemente, como dizem Cândido Rangel Dinamarco e Bruno
Dinamarco “a publicidade dos atos processuais constitui projeção da garantia constitucional
do direito à informação” e mais “No que diz respeito ao conhecimento pelas partes e seus
patronos a publicidade dos atos do processo constitui apoio operacional à efetividade do
contraditório, dado que as reações das partes são condicionadas à ciência dos atos que lhes
dizem respeito.”. (v.. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 68).
Jurisdição 105

a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo


não prejudique o interesse público à informação”.19 A excepcionalidade de correr a causa
em segredo de justiça fundamenta-se em outros princípios, quais sejam os do decoro e
do interesse público, cujo valor e resguardo se sobrepõem à publicidade. Nas hipóte-
ses previstas no art. 189, I, do CPC/2015 admite-se a liberdade ampla de interpretação
do juiz em eleger as causas em que há necessidade de segredo,20 e, no inciso II, porque
possivelmente poderá haver um dano maior decorrente da publicidade do que o repre-
sentado pelo segredo de justiça.

3.1.4. Jurisdição contenciosa e voluntária


Desde que surja um conflito de interesses na vida social, cuja composição (= elimi-
nação) pelas partes não tenha sido possível, se houver pedido, impõe-se a intervenção
de uma ou mais pessoas desinteressadas no conflito (são as que ocupam os órgãos do
Poder Judiciário), para que se consiga a respectiva solução, de forma definitiva e estável
(coisa julgada – art. 502 do CPC/2015). Isto é, grosso modo, o processo contencioso,
visto pela sua função e pelo seu resultado.
A jurisdição voluntária, por sua vez, constitui-se em atividade intrinsecamente ad-
ministrativa, e não jurisdicional. 21 Trata-se da administração pública de interesses par-
ticulares, que cabe ao Poder Judiciário. Assim foi, historicamente, e é também no Di-
reito estrangeiro.
Pode-se dizer que a jurisdição voluntária é, nessa medida, uma anomalia no quadro
sistemático das funções estatais, atribuída que tem sido esta tarefa administrativa ao
Judiciário; isto porque a administração, num Estado de Direito, cabe primordialmente
ao Poder Executivo. A jurisdição voluntária cabe, entretanto, privativamente ao Poder
Judiciário.22

19. A respeito da nova redação do art. 93, IX, da CF/1988, v. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa
Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática
processual civil, 3. ed., São Paulo: Ed. RT, 2005.
20. Egas Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, n. 12, Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 23-24.
21. De acordo com nossa posição, v. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes “Existem situa-
ções conflituosas ou ao menos potencialmente conflituosas em que o juiz não é chamado
a dirimir diretamente um conflito mas a criar situações novas capazes de dar a desejada
proteção a um dos sujeitos ou a ambos, como que administrando os interesses de um ou
de todos. É o caso das situações descritas no art. 725 do Código de Processo Civil, como
a emancipação de um incapaz, a alienação de quinhão em coisa comum, a expedição de
alvará judicial etc. Tem-se nesses casos uma atividade judicial (de juízes) que tradicional-
mente a doutrina inclui no quadro da administração pública de interesses privados.” (Teoria
do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 80); Araken de Assis, para quem “em
casos tais, o Estado acomete ao órgão judiciário a tarefa de colaborar com os particulares,
resguardando os interesses privados, mas atendendo o interesse público.” (Processo civil
brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, vol. 1, São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 570).
22. V. nosso Curso de direito processual civil, vol. 1, n. 40, São Paulo: Ed. RT, 1971, p. 174.
106 Manual de Direito Processual Civil

A atividade de jurisdição voluntária, porque foi agregada à função jurisdicional, hoje


está formalmente integrada na disciplina do Direito Processual Civil, com peculiarida-
des próprias (v. arts. 719 e 725, particularmente, do CPC/2015).
Importante é saber que a jurisdição voluntária, por mais que se consubstancie em
atividade eminentemente administrativa, é, por força de lei e em decorrência de opção
político-legislativa, exercício de função jurisdicional. 23

3.1.5. Função jurisdicional e métodos alternativos de solução de conflitos


Se nos concentrarmos na essência da função exercida pelo processo civil – ressalva-
dos os procedimentos de jurisdição voluntária que, como assinalado, não se destinam

23. Assim, v. José Tesheiner e Rennan Thamay: “Modernamente, tende-se a considerar jurisdicional
também a jurisdição voluntária, como observa Carnelutti, pois o estudo comparativo da juris-
dição voluntária e da jurisdição contenciosa não só reforçou a opinião de que também aquela
é verdadeira e própria jurisdição, mas também apontou para a presença ou ausência de lide
e, portanto, para a presença de duas partes ou de apenas uma (ou melhor, de dois interesses
ou de um interesse único) como caráter diferencial entre uma e outra espécie de jurisdição.
Reconheceu-se, assim, que pode haver processo civil sem lide e, pois, com uma só parte (em
sentido “material”); e, assim como a jurisdição, dividiu-se o processo em “contencioso” e
“voluntário”. O processo voluntário, dessa forma, não mais considerado uma forma processual
anômala, mas como um dos dois tipos normais de processo civil.” (Teoria geral do processo:
em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016,
p. 128); cf. também Alexandre Freitas Câmara “A jurisdição voluntária é verdadeira atividade
jurisdicional (jurisdição stricto sensu), devendo o provimento de jurisdição voluntária ser
produzido através de um verdadeiro processo, em que sejam respeitadas todas as garantias
inerentes ao modelo constitucional do direito processual civil brasileiro. Haverá aí, e este é um
aspecto fundamental, um procedimento em contraditório.” (O novo processo civil brasileiro,
2. ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 35); e Araken de Assis, o qual, a nosso ver, bem
explora as razões para se chegar a tal conclusão “Segundo a opinião dominante na literatura
nacional, a atividade desempenhada pela autoridade judiciária nos feitos englobados na rubrica
‘jurisdição voluntária’ tem natureza administrativa. (...) A intervenção do órgão judiciário na
autonomia privada ostenta inequívoca natureza jurisdicional. Duas razões concorrem nesse
sentido (a) a existência de lide (v.g. interdição), mas entendido o fenômeno no sentido pre-
conizado anteriormente, ficando superada a objeção levantada a esse ponto específico; (b) a
distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária repousa na matéria, e, não, nas
características – afinal, aí também se verifica a palavra final do órgão judiciário. E mesmo os que
a consideram atividade administrativa não deixam de reconhecer que as respectivas normas
têm a natureza própria do direito público e função instrumental. As principais objeções à tese
jurisdicional não resistem a mais breve análise: (a) a predominância do caráter preventivo, e,
não repressivo, não serva para destituí-la da condição de jurisdição, porque a função cautelar é
eminentemente preventiva; (b) a natureza constitutiva do provimento do juiz, e, não, declarativa
(apesar de órgão judiciário realizar o direito objetivo na jurisdição voluntária) encontra-se em
outras resoluções contenciosas; (c) há partes no processo de jurisdição voluntária, porque há
pedido e figurantes na relação processual; (d) a ausência de coisa julgada, além de mostrar-se
controversa ante o disposto no art. 1.111 do CPC/1973 – embora não reproduzida em termos
genéricos, a disposição imunizava o provimento aos fatos supervenientes e tal sói ocorrer
a qualquer sentença transitada em julgado –, verifica-se, por igual, em alguns processos de
jurisdição contenciosa (v.g., na execução); (e) o órgão judiciário atua imparcialmente e tem
a palavra final no assunto.” (Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição
de conflitos, vol. 1, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 579-580).
Jurisdição 107

a solucionar litígios propriamente ditos – temos que seu objetivo primordial consiste
na resolução de conflitos de interesse por meio de uma atividade coativa que se substi-
tui à vontade das partes. Em princípio, o estudo do Direito Processual Civil destinava-
-se ao exame da consecução deste objetivo pela via judicial, até porque preponderava
o entendimento, hoje bastante questionado, de que a função jurisdicional deveria ser
exclusiva dos entes estatais.
Mais modernamente, no entanto, observa-se considerável evolução de outros me-
canismos de solução de conflitos, tais como a arbitragem, a mediação e a conciliação,
que escapam à via estritamente judicial.24
Devido aos reflexos da utilização destes meios alternativos de solução de conflitos
sobre o estudo do processo judicial, seja por contribuírem efetivamente com a função
estatal de pacificação social, seja pelo interesse na análise comparativa entre esses mé-
todos e a via judicial, verifica-se o crescente interesse da processualística moderna so-
bre o tema.
Em razão disso, evidencia-se o alargamento do objeto da ciência do Direito Proces-
sual Civil, antes entendida como o estudo dos princípios e normas atinentes ao processo
judicial (de jurisdição contenciosa e voluntária), de molde a abranger, hodiernamente,
as diversas formas de solução de conflitos existentes na sociedade, independentemente
de constituírem função jurisdicional.
Há reflexos, no próprio conceito de jurisdição, decorrentes do crescente interesse
na autocomposição e em meios consensuais de resolução de conflitos. O CPC/2015,
nessa medida, apresenta uma série de dispositivos que permitem concluir por uma
preferência – ou uma intenção fortemente manifestada – nas soluções não conflitivas.
Mais adiante, no capítulo referente às normas fundamentais do direito processual civil,
a conciliação e a mediação serão mais bem tratadas.

3.1.6. A reforma do Poder Judiciário


Pode-se dizer que há tempo apreciável cogitava-se no país de uma reforma do Po-
der Judiciário, que, ao menos em parte, se veio a concretizar com a Emenda Constitu-
cional 45/2004.25
As deficiências materiais do nosso Poder Judiciário são palpáveis em relação a al-
guns outros países, o que não significa, todavia, que os juízes, de uma maneira geral,
não trabalhem muito. A agilidade do nosso Poder Judiciário, com vistas a adequar-se a
uma economia mais moderna e com o fito de atender às necessidades desta e às expec-

24. Cf. Mauro Cappelletti, Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movi-
mento de acesso à justiça, Revista de Processo, 74/84-88. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun., 1994.
Para nós, o CPC/2015 claramente assimila essa tendência.
25. Esses trabalhos iniciaram-se com a Proposta de Emenda à Constituição 96-A, de 1992, de
autoria do Deputado Hélio Bicudo, projeto que foi remetido, em 30.06.2000, ao Senado
Federal, lá recebendo o número 29/2000. Essa PEC 29/2000 foi dividida em duas partes:
uma delas foi promulgada (EC 45/2004).
108 Manual de Direito Processual Civil

tativas sociais que existem, depende, principalmente, de mais verbas e de uma reestru-
turação funcional, especialmente à luz de critérios de organização racional do trabalho.
Isto, por ser verdadeiro, revela quão inócuas são determinadas críticas dirigidas ao
Poder Judiciário, pois a maioria dessas críticas não contém nelas embutidas qualquer
perspectiva de solução, o que revela serem produto de discurso demagógico.
O que efetivamente aflige, não somente ao Poder Judiciário, mas a nação toda, é a
própria situação em que se encontra o Estado brasileiro, isto é, o seu aparato estatal,
que se revela manifestamente insuficiente diante das solicitações feitas. Tratamos desse
assunto há quase vinte anos, e o que então se disse se revela inteiramente atual.26
Tendo presente a Emenda Constitucional 45/2004, devemos notar os seguintes as-
pectos mais relevantes:
Por meio do art. 2.º da Emenda, e inserindo no texto constitucional o art. 103-B, foi
criado o Conselho Nacional de Justiça e foram indicados os seus integrantes, que exer-
cem seu mister por dois anos, admitida uma recondução. Esse Conselho contribui para
aprimorar o funcionamento da Justiça, competindo-lhe (art. 103-B, § 4.º) controlar a
“atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres
funcionais dos juízes”, podendo vir a ter outras atribuições que lhe sejam “conferidas
pelo Estatuto da Magistratura”.27
Relativamente aos direitos, garantias e deveres de juízes e membros do ministério
público: (a) a EC 45 estabelece que a magistratura deve ter atividade ininterrupta, o
que se nos afigura correto e atende às expectativas sociais (art. 93, XII, da CF/1988); (b)
passa a ser exigido para o ingresso na carreira da magistratura e do ministério público
que o candidato tenha, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 93, I e art. 129,
§ 3.º, da CF/1988); (c) veda-se aos juízes o exercício da advocacia no juízo ou no tribu-
nal do qual se afastou, antes de decorrido o prazo de três anos contados do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneração (art. 95, parágrafo único, V); (d) alteração

26. “Se, no plano da ‘promessa da lei’, é grande a oferta, é certo, todavia, que essa ‘oferta’
somente será verdadeira dependentemente da atividade do Estado, o que inclui o Poder
Judiciário. Seria uma profunda inutilidade um trabalho deste jaez que, se alguma utilidade
puder ter, será a de comportar uma ‘leitura iluminada’ – ou, com mais precisão, lamenta-
velmente – ofuscada pela nossa realidade. Dissemos que toda a gama de direitos existentes,
processuais e materiais, necessitam de um Estado para torná-los existentes” (Anotações
sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao
lado da do direito material. Salvio de Figueiredo Teixeira (coord.). As garantias do cidadão
na justiça, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 184).
27. A constitucionalidade das atribuições do Conselho Nacional de Justiça já foi declarada
pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.367, rel. Min. Cezar Peluso: “são constitucionais
as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004,
instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Po-
der Judiciário nacional”. O julgado ressaltou a natureza estritamente administrativa – e não
jurisdicional – do Conselho Nacional de Justiça, além de haver assinalado a incompetência
daquele órgão para fiscalizar as atividades dos ministros do Supremo Tribunal Federal (ADI
3.367, j. 13.04.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 22.09.2006).
Jurisdição 109

nas regras para promoção de magistrados (art. 93, II), dispondo-se, ainda, que não será
promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo le-
gal, “não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão” (art. 93,
II, e). Ademais, no art. 95, parágrafo único, IV, veda-se ao juiz receber, em razão de seu
cargo e a qualquer título, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades (pú-
blicas ou privadas), com exceção das hipóteses já previstas em lei.
Na redação do art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, assegura-se – o que correlatamente
impõe o respectivo dever à magistratura – “razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”, o que, certamente, significa menos que essa
norma possa ser cumprida, mas implica, em verdade, que haverão de ser proporcionadas
condições melhores para a magistratura, pois, sabidamente, nossa sobrecarga de trabalho
é das maiores do mundo. Ainda, na vertente desse mesmo valor que se procura assegurar
– celeridade da atividade jurisdicional –, o art. 93, II, e, da CF/1988 estabelece, como nos
referimos, a inviabilidade de promoção do juiz que, injustificadamente, retiver autos em
seu poder, além do prazo legal, prescrevendo que só poderá devolvê-los ao cartório com
o despacho cabível ou com a decisão que haja de ser proferida. Esse texto, porém, faria
mais, ou, ao menos algum sentido, se existissem condições materiais para a sua realiza-
ção prática integral, ou, então, só terá sentido quando essas condições vierem a existir.28
No art. 5.º, § 3.º, da CF/1988 – ainda que o tema fuja da reforma do Judiciário –, den-
tro de determinadas condições, passou a ser atribuído aos “tratados e convenções in-
ternacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”, a equi-
valência ou a categoria jurídica de emendas constitucionais, com o que tais tratados e
convenções, que se situavam na hierarquia de lei ordinária, passaram a ser hierarquica-
mente privilegiados, dado que podem ser categorizados como emendas constitucionais.29

28. “Dada a profunda diversidade da performance da justiça nos vários quadrantes do Brasil,
a aferição do ‘prazo razoável’ será absolutamente diferenciada de Estado para Estado,
seja no âmbito da Justiça Estadual, seja no dos Tribunais Federais. De um modo geral, pela
inarredável falta constante de recursos materiais destinados ao Poder Judiciário, a justiça
no Brasil é lenta...” (José Rogério Cruz e Tucci. Duração razoável do processo, In: Araken
de Assis, Eduardo de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr., Rodrigo Mazzei, Teresa Arruda Alvim
Wambier e Thereza Alvim, Direito Civil e Processo: Estudos em Homenagem ao Professor
Arruda Alvim, São Paulo: Ed. RT, 1995, p. 1.086). Já Araken de Assis analisa a alteração
constitucional sob o enfoque das reformas na legislação processual para concluir que “as
reformas parciais, até agora, produziram escassos resultados concretos. E, desmoralizada
pelos fatos, a terapêutica tende a se esgotar e abalar os fundados anseios de simplicidade do
processo brasileiro. Não existe consenso quanto ao diagnóstico por falta de dados. Mas te-
me-se o consequente tratamento de choque se a realidade vier à tona” (Duração razoável
do processo e reformas da lei processual civil, In: Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda
Alvim Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José
Carlos Barbosa Moreira, São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 201).
29. É pertinente a anotação de José Miguel Garcia Medina no sentido do cabimento de recurso
extraordinário contra decisão judicial que contrarie tratados e convenções internacionais.
Por terem sido erigidos à categoria de emendas constitucionais, tais tratados e convenções
não se amoldam – como os demais – à hipótese de cabimento de recurso especial prevista
110 Manual de Direito Processual Civil

Ainda, na EC 45/2004, o art. 103-B, § 7.º, dispõe que “a União, inclusive no Distrito Fe-
deral e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e
denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou con-
tra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça”.
No que diz respeito à atividade jurisdicional propriamente dita, devem ser sublinha-
dos: (a) há previsão para a interposição de recurso extraordinário nos casos em que a
decisão recorrida “julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (art. 102, III,
d);30(b) delimitam-se as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, na redação
prevista para o art. 102, § 3.º, devendo-se, nesses casos de insurgência recursal, além
dos requisitos de cabimento, “demonstrar a repercussão geral das questões constitu-
cionais discutidas no caso”, de tal forma que, se estiver presente essa repercussão, além
dos demais requisitos de admissibilidade, é que terá cabimento o recurso. Esta medida
é digna dos maiores e melhores elogios, pois ajusta o cabimento dos recursos “extraor-
dinários lato sensu” às finalidades para as quais existem os Tribunais de cúpula, sendo
que o preenchimento deste novo requisito deve observar os termos da regulamentação
legal;31 (c) com a EC n. 3/93 foi alterada a redação da alínea a do inciso I do art. 102 da

no art. 105, III, a, da CF/1988, mas, isto sim, àquela inscrita na alínea a do art. 102, III, do
texto constitucional (José Miguel Garcia Medina, Variações recentes sobre os recursos ex-
traordinário e especial – Breves considerações, in Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda
Alvim Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José
Carlos Barbosa Moreira, São Paulo: RT, 2006, p. 1.051).
30. Ao analisar o dispositivo em foco, Leonardo Greco termina por concluir que “A Emenda
eleva ao grau de questão constitucional a chamada inconstitucionalidade reflexa. Resta saber
se o STF adotará a mesma orientação nas ações de controle concentrado” (A reforma do
Poder Judiciário e o acesso à Justiça, Estudos de direito processual, Campos de Goytacazes:
Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 583). Posição simétrica é a de José Miguel
Garcia Medina, que, amparado na doutrina argentina, classificou a hipótese da alínea d
como “questão constitucional complexa indireta”, a qual “ocorre quando houver conflito
entre normas infraconstitucionais, suscetível de violar o princípio da hierarquia das leis, tal
como traçada pela Constituição Federal” (Variações recentes sobre os recursos extraordi-
nário e especial – Breves considerações, In: Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José Carlos
Barbosa Moreira, São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 1.056).
31. A esse propósito escrevemos: “Avulta, por tudo quanto se disse, enormemente de impor-
tância o reflexo do conteúdo das soluções, em face de determinados pronunciamentos
jurisdicionais, diante da posição ocupada pelo Tribunal na estrutura do Poder Judiciário,
alojada no cume da sua pirâmide. Conquanto a validade e a eficácia das decisões seja,
normalmente, circunscrita às partes, as proferidas pelos Tribunais de cúpula transcendem
o ambiente das partes, e, com isto, projetam-se o prestígio e autoridade da decisão nos
segmentos, menor da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito, e, mesmo
em espectro maior, para a sociedade toda. É nesta segunda perspectiva, em grau máximo,
que se inserem, por excelência, as decisões do Superior Tribunal de Justiça. Sendo o mais
elevado Tribunal em que se aplica o direito federal infraconstitucional, ao afirmar a correta
inteligência do direito federal – e é sempre isso que afirma o STJ, e não outra coisa –, o valor
e o peso inerentes a tais decisões é enorme, por causa da posição pinacular do STJ. Esta é
a razão em virtude da qual tais pronunciamentos exorbitam do interesse das partes, proje-
Jurisdição 111

CF/1988, que passou a dispor competir ao STF: “A ação direta de inconstitucionalidade


de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalida-
de de lei ou ato normativo federal”; (d) passou-se a prever a existência de uma súmula
vinculante editada pelo STF, com efeito erga omnes (art. 103-A), cujo descumprimento
dá azo à reclamação;32 (e) altera-se o texto da alínea b no inciso III do art. 105 do texto
constitucional para: “b) Julgar-se válido ato de governo local contestado em face de lei
federal”; com o que se procura distinguir melhor a competência do STF e a do STJ, que,
à luz da atual letra d do inciso III do art. 102, levava a dúvida; (f) passa a constar do tex-
to constitucional que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão pú-
blicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação” (art. 93, IX); (g) prevê-se que o “nú-
mero de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial
e à respectiva população” (art. 93, XIII, da CF/1988); (h) há previsão de que os servi-
dores receberão delegação para a prática de atos administrativos e de mero expedien-
te sem conteúdo decisório (art. 93, XIV, da CF/1988); (i) dispõe-se que a distribuição
dos processos será imediata, em todos os graus de jurisdição (art. 93, XV, da CF/1988).
Pelo art. 4.º dessa EC 45/2004, foram extintos os Tribunais de Alçada, “passando os
seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a
antiguidade e classe de origem”.
Por derradeiro, há previsão no sentido de que os Tribunais Regionais Federais, os
Tribunais Regionais do Trabalho e os Tribunais de Justiça instalarão a justiça itinerante,
com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites
territoriais da respectiva jurisdição (arts. 107, § 2.º; 115, § 1.º; 125, § 7.º), bem como
de que esses Tribunais poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câma-
ras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as
fases do processo (arts. 107, § 3.º, 115, § 2.º; 125, § 6.º).

3.2. Jurisdição e sua função de controle


Foi visto no tópico acima que a primeira das grandes funções da atividade jurisdi-
cional é a de compor lides civis, com vistas à pacificação social. Essa atividade jurisdicio-
nal tem também a função de compor lides regidas por outros ramos do direito material.

tando-se para toda a sociedade a verdade do seu entendimento e nesta influindo (ver nosso
A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a
relevância das questões, que escrevemos a convite do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira In
STJ 10 anos: obra comemorativa: 1989-1999, Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999).
32. Pode-se, neste particular da cassação da decisão judicial, vislumbrar alguma inspiração nas
origens do Tribunal de Cassação francês, decorrente da Lei de 19.11.1790, cujo escopo,
no dizer de P. Foriers, era o de assegurar-se “um controle da lei, do seu conteúdo, de sua
observância por parte dos juízes de méritos, com o fito de salvaguardar a obra legislativa”,
vale dizer, com o objetivo de “proteger a lei” (v. Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova
retorica, n. 26, Milano: Giuffrè, 1996, p. 75).
112 Manual de Direito Processual Civil

Devem ser, no entanto, reconhecidas outras atribuições ao Judiciário. Uma delas,


de curial importância, é a do controle do exercício dos demais poderes, por meio de juí-
zos de constitucionalidade e da legalidade dos atos da administração. Fala-se, aqui, do
controle de constitucionalidade e do controle de atos administrativos.

3.2.1. Inconstitucionalidade de lei declarada incidentalmente


As Constituições podem ser consideradas como sendo a síntese da vida jurídica,
econômica e social de um povo. São cartas políticas que impõe normas fundamentais,
referenciais e limites ao legislador ordinário. Isto faz com que nasça a possibilidade de,
no plano real (= fático), surgirem normas ordinárias que venham a colidir com o texto
constitucional e que, portanto, não podem subsistir.
Deste contexto é que emerge a problemática atinente ao controle de constitucio-
nalidade das leis. É necessário corrigir a anomalia consistente em que o teor da norma,
fruto da vontade do legislador ordinário, contrarie norma emanada da vontade do cons-
tituinte, pois esta é a que deve prevalecer.
O sistema havido na Idade Contemporânea e ainda hoje como o mais racional, ado-
tado no Brasil, é o que se deduz da tripartição de poderes.
No Brasil, a atribuição de poder para declaração de inconstitucionalidade da lei é,
portanto, privativa do Poder Judiciário. Isto ocorre tanto quando se tratar de declara-
ção incidental quanto de principal, ou, por via direta,33 esta da competência exclusiva
do STF, tendo em vista leis ou atos normativos federais ou estaduais que sejam havidos
como inconstitucionais (art. 102, I, a, da CF/1988). Os Estados federados devem ins-
tituir esta ação para leis ou atos normativos estaduais ou municipais, que colidam com
as suas constituições estaduais (art. 125, § 2.º, da CF/1988).34
Qualquer órgão do Poder Judiciário, inclusive órgão monocrático de primeiro grau
de jurisdição, pode e deve dar pela inconstitucionalidade de lei, incidentalmente. Toda-
via, diante de um caso concreto, sendo possível, dever-se-á julgar a hipótese dos autos,
desde que haja outros fundamentos, sem enfrentar a questão da constitucionalidade.
Quanto à simples recusa de se cumprir leis havidas por inconstitucionais – o que já
se admitiu largamente entre nós –, atualmente, desde que exista a possibilidade de ini-

33. Consultar o trabalho de Celso Ribeiro Bastos sobre o Perfil constitucional da ação direta de
declaração de inconstitucionalidade, em RDP 22/78 (tese de doutoramento na PUC – SP),
São Paulo: Ed. RT, out.-dez., 1972; também sobre o controle abstrato de constitucionalidade
e a estabilidade das decisões proferidas nessa seara ver obra A estabilidade das decisões no
controle concentrado de constitucionalidade abstrato, de Rennan Faria Kruger Thamay, São
Paulo: Almedina, 2016.
34. Neste sentido, ADI 347, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20.09.2006, DJ de
20.10.2006; RE 421.256, j. 26.09.2006, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, DJ de 24.11.2006.
Já se decidiu, no entanto, que, havendo propositura simultânea de ADIn contra lei estadual
perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça, deve-se determinar a suspensão
do processo no âmbito da justiça estadual, até a deliberação definitiva do STF (STF, Pet.
2.701-AgR, rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, DJ 19.03.2004).
Jurisdição 113

ciativa para propositura da ação declaratória de inconstitucionalidade do Presidente


da República, da Mesa do Senado Federal, da Mesa da Câmara dos Deputados, da Mesa
da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, do Governador
de Estado ou do Distrito Federal, do Procurador-Geral da República, do Conselho Fe-
deral da OAB, de partido político com representação no Congresso Nacional e de confe-
deração sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, I a IX, da CF/1988),
tal descumprimento não se justifica. Acentuamos que, conquanto existam vários le-
gitimados, o STF interpreta essas diversas legitimidades tendo em vista a atividade de
cada um deles, o que envolve uma interpretação restritiva, consistente em que deve ha-
ver uma relação entre a postulação da lei inconstitucional e a atividade desenvolvida
pelo legitimado. Vale dizer, exige-se o que se pode designar como pertinência temática.
Possivelmente, as razões históricas recentes, no Brasil, que levaram à inclusão dos
incisos VII, VIII e IX no art. 103, decorreram dos papéis representados por estes novos
legitimados no segmento histórico que se convencionou chamar de “abertura política”,
pois o controle de constitucionalidade das leis é, sob certo aspecto, um meio processual
preordenado, também e principalmente, à defesa dos direitos “sociais” e que dizem res-
peito às liberdades públicas fundamentais.35 Acresce principalmente, ainda, estar pre-
visto pedido de medida cautelar em tal modalidade de ação (art. 102, I, p, da CF/1988;
art. 10 e ss. da Lei 9.868, de 10.11.1999).
Ressaltamos ainda que, mesmo havendo dúvida razoável a respeito da constitucio-
nalidade, deverá a lei ser aplicada, dado que não se “presume” a inconstitucionalidade.
À decretação de inconstitucionalidade, por juiz singular, quando da oportunidade
do julgamento de uma causa, denomina-se incidental, pela circunstância de o processo
não objetivar, precipuamente, essa decretação, a qual se coloca como fundamento do
pedido ou da defesa ou questão oficiosamente levantada pelo Judiciário e por ele resol-
vida, também como fundamento e, portanto, nesses casos, não fica esta decisão acober-
tada pela coisa julgada.
A questão da inconstitucionalidade deverá ser conhecida havendo, ou não, arguição
da parte. Este procedimento não é senão decorrência e aplicação, nas suas últimas con-
sequências, da regra de da mihi factum, dabo tibi jus. O juiz é obrigado a aplicar o direito,
e a regra jurídica ordinária que contravier a Constituição não é direito (v. abaixo, nota
37 súmula vinculante 10), pois, pela hierarquia das normas, é a norma constitucional
que terá irrefragavelmente de prevalecer sobre as infraconstitucionais, mesmo porque,
em tal hipótese, carece a infraconstitucional de legitimidade. Tendo isso em mente, no

35. A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas
das Assembleias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade,
vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência temática da norma impugnada
com os objetivos do autor da ação. Nesse sentido: ADIn 305, RTJ 153/428; ADIn 1.151,
DJ 19.05.1995; ADIn 1.096, LEX-JSTF 211/54; ADIn 1.519, j. 06.11.1996; ADIn 1.464,
DJ 13.12.1996 – Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os
objetivos da entidade de classe autora da ação direta” (STF, ADIn 1.507-MC-AgR, rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 06.06.1997).
114 Manual de Direito Processual Civil

entanto, o juiz que conhecer de forma oficiosa da possível inconstitucionalidade não


pode decretá-la sem antes ouvir as partes (art. 10, do CPC/2015).
Todos tribunais e o STF, assim, têm o poder-dever de decretar incidentalmente a
inconstitucionalidade da lei, valendo o mesmo que foi dito para os juízes singulares.
Quanto ao procedimento dessa decretação, nos tribunais, o art. 97 da CF/1988 exige
que a maioria absoluta dos membros do tribunal, ou do órgão especial, em que se levan-
tar ou for levantada de ofício a inconstitucionalidade, para que a lei possa ser tida como
inconstitucional, incidenter tantum36 (v. abaixo, nota 37, súmula vinculante 10). Trata-
-se de regra de competência absoluta (funcional) interna dos tribunais, com o que não
se retira tal poder dos juízes singulares. E, ademais, nem se retira o poder do órgão do
tribunal para o julgamento de questões outras, extrínsecas à da inconstitucionalidade.37

3.2.2. O controle concentrado da constitucionalidade


Há certas peculiaridades respeitantes ao controle concentrado de constitucionali-
dade que devemos sublinhar. Não se trata de um processo animado por interesses re-
ferentes às pessoas ou subjetivados, senão que é processo em que se colima, exclusiva-
mente, a defesa da Constituição vigente, enquanto possa ser violada pela normativida-
de ordinária.38 Diz-se, então, ser um processo objetivo ou um processo sem sujeitos, sendo
um instrumento envolto por caráter político.

36. Quanto a isso, veja-se o parágrafo único do art. 949 do CPC/2015: “Os órgãos fracionários
dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitu-
cionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal
Federal sobre a questão”.
37. O STF já entendeu o art. 97 da Constituição de maneira menos rígida naqueles casos em que
se encontram cumulativamente satisfeitos os seguintes requisitos: já tenha sido pronunciada a
inconstitucionalidade de determinado ato estatal pelo Pleno do STF e que já exista, no âmbito
do tribunal a quo, precedente plenário no mesmo sentido, ainda que desse pronunciamento
não tenha resultado o formal reconhecimento da inconstitucionalidade da regra questionada
(RE 190.725, rel. para o acórdão Min. Ilmar Galvão). Mais recentemente, decidiu-se que
“reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar –
afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos
alegadamente extraídos da Constituição” (RE 432.597-AgRg, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 18.02.2005). Atualmente, a questão é objeto da Súmula Vinculante 10, cujo enunciado
assim dispõe: “Viola cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracio-
nário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
38. Cf. Michel Temer. Elementos de direito constitucional, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1992,
p. 42: “Por esse meio objetiva-se obter a invalidação da lei, em tese. No debate posto na
ação direta de declaração de inconstitucionalidade não há caso concreto a ser soluciona-
do. Almeja-se expurgar o sistema de ato normativo que o contrarie, independentemente
de interesses pessoais ou materiais”. No mesmo sentido, v. Rennan Thamay “O controle de
constitucionalidade é a forma de se adequarem os atos normativos e as normas infracons-
titucionais à Constituição, por ser a Carta Política a norma nacional de maior hierarquia e
que dispõe, em caráter normativo geral, sobre todos os aspectos. Com efeito, o controle de
constitucionalidade pressupõe que a constituição é a norma mais importante de um país e,
Jurisdição 115

É um processo que se inicia por um requerimento, que não pode, todavia, ser con-
fundido com um pedido, tal como se faz no processo civil comum. Ademais disto, for-
mulada tal postulação, essa viabiliza ampla margem de exame da constitucionalidade,
dado que não há adstrição à ou às inconstitucionalidades apontadas nesse requerimen-
to, senão que, o pano de fundo é a Constituição toda.39
Se a ação é de inconstitucionalidade, julgada improcedente, por ser ação dúplice, o
resultado é o da afirmação da constitucionalidade. E isso é necessariamente feito à luz
da Constituição toda.
Ainda, e, conquanto tenha havido dúvidas no STF, assentou-se não haver possibi-
lidade de desistência desta ação direta, uma vez desencadeado o respectivo processo,
objetivo e abstrato.40
Seja em relação à ação direta de inconstitucionalidade, seja em relação à ação decla-
ratória de constitucionalidade, a Constituição Federal é o “pano de fundo” em relação ao
qual se avalia a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade. Daí a inviabilidade de
impugnação ulterior, como ainda, a extensão máxima da eficácia do que foi decidido,
vale dizer, essa ocorre em extensão máxima, e, não congruentemente com a função do
“pedido”, que não é pedido propriamente dito. Aquele que inicia a ação sobre a consti-
tucionalidade ou sobre a inconstitucionalidade é um substituto processual da sociedade.
E a extensão dos efeitos em todo o território, explica-se por ser um processo coletivo.
Diferentemente da decretação incidental de inconstitucionalidade, a ação direta de
inconstitucionalidade (art. 103 da CF/1988) é uma demanda declaratória, o que gerou
discussão relativa à possível retroatividade dos efeitos da sentença de procedência que
nela viesse a proferir. Isto foi bastante discutido em nossa literatura. Parte da doutrina
se inclinava pela posição segundo a qual a lei declarada inconstitucional nunca poderia
ter produzido efeitos. Parte outra da doutrina, porém, propugnava no sentido de que
fossem resguardadas as situações jurídicas, nascidas ao abrigo desta lei, de que fazem
parte indivíduos de boa-fé, após escoado o prazo para a propositura de ação rescisória.
No sentido do caráter declaratório e retroativo da declaração de inconstitucionalidade,
emitimos Parecer,41 que resultou acolhido pelo STJ.42

evidentemente em razão disso, deve ter protegidos sua supremacia e os direitos e garantias
dela decorrentes. Assim, controlar a constitucionalidade é, pois, verificar a adequabilidade
de determinada lei ou ato normativo para com a constituição, especificamente em seus
aspectos formais e materiais.” (A estabilidade das decisões no controle concentrado de
constitucionalidade abstrato, São Paulo: Almedina, 2016, p. 55).
39. “A delimitação do objeto da ação declaratória de constitucionalidade não se adstringe aos
limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes da controvérsia judicial
que o autor tem que demonstrar” (STF, ADC 1, rel. Min. Moreira Alves, DJ 16.06.1995).
40. STF, ADIn 164, rel. Min. Moreira Alves, DJ 17.12.1993. No mesmo sentido: STF, Pleno,
ADI-MC 892/RS; rel. Min. Celso de Mello; j. 27.10.1994; DJ 07.11.1997, p. 57230, STF,
Pleno, ADI-MC 1368/RS; j. 19.12.1995, rel. Min. Néri da Silveira DJ 19.12.1996, p. 51765.
41. Arruda Alvim. Soluções práticas de direito, vol. 1. São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 268-289.
42. Cf. Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 10, p. 164 e ss., especificamente p. 167,
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 93-PR, rel. Min. Armando Rollemberg.
116 Manual de Direito Processual Civil

Atualmente em face da Lei 9.868, de 10.11.1999, podemos dizer que essa questão
restou superada. Sublinhemos, desde logo, que o art. 11, §1º, assim dispõe: “A medida
cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o
Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa”. E, no § 2.º, em decorrên-
cia e congruência com o decidido em relação à suspensão liminar da lei, está dito que a
concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo
expressa manifestação em sentido contrário.43 E, por fim, em relação à ação direta de in-
constitucionalidade, dispõe o art. 27 da Lei 9.868: “Ao declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi-
cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
O que constatamos, portanto, é que a regra enseja flexibilidade em atenção aos refe-
renciais que do próprio texto constam. Parece ser a melhor solução.44
Percebemos, ainda, pela leitura desse art. 27 que subsiste a regra geral de que a in-
constitucionalidade compromete a lei desde o seu nascedouro; no entanto, pela maioria
qualificada de dois terços dos membros será possível alterar-se essa regra. Constata-
mos mais, que pelo art. 28, se incluem no regime desta lei, sobre constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, as hipóteses de interpretação conforme a Constituição e a decla-
ração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, com vistas à eficácia erga
omnes e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração
Pública federal, estadual e municipal.
A “interpretação conforme a Constituição”, que se encontra disciplinada nesta Lei
9.868/1999, deve ser compreendida e assimilada, mas não identificada, a um juízo de
inconstitucionalidade. Está implicado nesta modalidade de interpretação um juízo,
a respeito de uma norma, dele resultando a interpretação que se julga compatível com
a Constituição, e, paralelamente, afasta-se aquela (s) que não é compatível com a mes-
ma Constituição.45 Não é, para isso, necessário (e nem isso seria possível) modificar o
texto da norma. Ainda que a norma comporte mais de uma interpretação, a que não é
congruente com a Constituição haverá de ser afastada, o que é redutível a um juízo de in-
constitucionalidade sobre a lei, ou, mais precisamente, sobre um possível significado da
lei, dado que esse significado resulta incompatível com a Constituição.46 A tarefa do Su-

43. Não se trata, propriamente, de repristinação da lei precedente, pela razão de que, se a lei
ulterior e que teria revogado essa lei anterior, vem a ser havida como inconstitucional, essa
revogação, em realidade, não ocorreu.
44. Cf., na literatura recente, a obra Nulidades de processo e da sentença, 7. ed. rev. atual. e
ampl., São Paulo: Ed. RT, 2014, de Teresa Arruda Alvim Wambier, em que o tema é analisado
com profundidade.
45. Sobre a interpretação conforme e as sentenças interpretativas em geral, ver com grande
proveito: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2016,
p. 285-300.
46. V. a respeito, Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade – Aspectos jurídicos
e políticos, Capítulo IV, Secção II, § 1.º, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 294-295.
Jurisdição 117

premo Tribunal Federal, no caso, é a de perquirir com exaustão o significado da lei, in-
clusive em função de gênese, não podendo atribuir à lei significação que essa não tenha;
mas, tendo significação compatível com a Constituição, deverá reconhecer esse senti-
do, afastando o que não é compatível.
À disposição dos legitimados constitucionais está também a ação declaratória de
constitucionalidade (arts. 102, I, a, e § 2.º, e 103 da CF), cuja decisão produzirá eficácia
erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e
ao Poder Executivo, disciplinada também pela Lei 9.868/1999, juntamente com a ação
direta de inconstitucionalidade.
Devemos examinar, mais de espaço, o assunto da declaração incidental e da ação
direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade.
Os âmbitos de abrangência da ADI (assim como da ADC) e da declaração inciden-
tal são bastante diversos, como já apontou Nunes Leal: “não se pode pleitear a invalida-
de, em tese, de uma lei por ação ordinária. Essa limitação, operante em relação a qual-
quer processo judicial, não importa de que rito, resulta da própria natureza da função
jurisdicional”.47
Quando contrastamos, diretamente, a validade da norma infraconstitucional com
a norma constitucional, temos tipicamente juízo abstrato, seja na hipótese de ser plei-
teada a inconstitucionalidade, ou a constitucionalidade. Esse juízo envolve, sempre, a
comparação das normas, devendo a inferior ser compatível com a superior. Essa com-
patibilidade da norma inferior com a superior não se exaure na temática da (in)cons-
titucionalidade, pois, por ex., o decreto regulamentar tem de ser compatível com a lei
que regulamenta.
Esse tipo de juízo é próprio da ação direta de inconstitucionalidade “que, assim,
se restringe ao exame dos dispositivos (ou de partes deles) (...), cabendo-lhe (ao STF)
examinar as normas atacadas em face de toda a Constituição Federal”.48 A norma que
se pretende seja inconstitucional é um referencial pontual, ao passo que o seu exame é
feito tendo como pano de fundo a Constituição Federal toda, segundo este último en-
tendimento. Este afigura-se-nos o correto, diante da circunstância de a ação direta de
inconstitucionalidade ter de conduzir a um juízo positivo ou negativo, ou seja, a norma
é ou não é constitucional. Por outro lado, pode-se dizer que o exame da norma havida

47. Cf. Nunes Leal, Problemas de direito público, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 447-448.
Nessa mesma linha, ensina Celso Agrícola Barbi que, ainda quando se admite a utilização da
via mandamental contra leis de efeitos concretos ou autoexecutáveis, não se está atacando
diretamente a lei, senão que apenas se busca cortar seus efeitos dentro do caso concreto, in
verbis: “No caso, por exemplo, das leis autoexecutáveis, a sentença judicial não poderá ter
nunca o alcance de anular, aniquilar a lei, como não o poderia ter em relação a qualquer lei.
Seu efeito seria apenas de subtrair o autor da demanda aos efeitos da lei inconstitucional”
(Cf. Celso Agrícola Barbi, Do mandado de segurança, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980,
p. 148).
48. Cf. Min. Moreira Alves, A evolução do controle da constitucionalidade no Brasil, p. 9,
publicado em As garantias do cidadão na justiça, obra coletiva sob a coordenação do Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo: Saraiva, 1993.
118 Manual de Direito Processual Civil

como inconstitucional, em face do texto “x” ou “y”, poderá sê-lo em face do texto “z”.
E, esse exame em face de toda a Constituição deve ser, mutatis mutandis, a aplicação do
princípio iura novit curia, nessa modalidade de julgamento.
A inconstitucionalidade incidental só pode ser pedida como fundamento de uma
ação, em qualquer processo, e é decidida no seu âmbito, o qual, em relação à questão
da inconstitucionalidade, tem vida própria, constituindo-se a questão da inconstitu-
cionalidade numa prejudicial.49
Os pressupostos da declaração incidental são, no dizer do Professor Alfredo Buzaid,
os seguintes: “(a) a propositura de ação; (b) o exercício do poder jurisdicional; (c) o jul-
gamento da questão incidenter tantum, não podendo constituir objeto principal da causa,
nem ser pleiteada por ação direta; (d) o Judiciário só age por provocação do interessa-
do, jamais ex officio, não decidindo nunca em abstrato, mas sempre o caso concreto”,50o
que não significa que fique adstrito, todavia, ao texto constitucional havido como ferido.
Entretanto entendemos que o Judiciário em detectando ser o pedido (ou a defesa) in-
constitucional independe de provocação da parte para rejeitá-lo por esse fundamento.
Em nosso sistema positivo, no caso de declaração incidental de inconstitucionalida-
de, qualquer outro juízo pode, sobre a questão da inconstitucionalidade, decidir dife-
rentemente.
Ainda o mesmo jurista observa que no litígio constitucional, se o objeto do processo
fosse a lei, não o direito subjetivo da parte, poder-se-ia disciplinar diferentemente, exata-
mente como veio a acontecer com a ação declaratória (ou direta) de inconstitucionalidade,
“enquanto os juízes [na declaração incidental] resolvem in casu o direito do particular,
ameaçado ou violado por ato ilegal da legislatura ou do executivo, os efeitos do julgado
valem inter partes, não se estendendo erga omnes”.51
É importante discriminar um processo comum daquele em que se fere o juízo abs-
trato de inconstitucionalidade (ou abstrato de constitucionalidade). O processo co-
mum é construído sempre e indispensavelmente sobre fatos históricos,52 ao passo que
fatos tais são estranhos ao juízo de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
cingindo-se este à comparação entre a norma infraconstitucional e a constitucional,
a ver se aquela é compatível com esta, sendo que a ordinária recolhe sua validade da

49. Alfredo Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro,


n. 4, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 24, referindo farta doutrina, à p. 24, nota 13.
50. Cf. Alfredo Buzaid, op. cit., n. 29, p. 80. Ainda: “A autoridade da coisa julgada, que qualifica
a sentença, é restrita às partes. Até aí todos estão de acordo. A questão que surge é a de saber
se, por força da declaração de inconstitucionalidade, todos os juízes, em ações propostas
por litigantes alheios ao primeiro processo, estão obrigados a decidir do mesmo modo, ou se
lhes é lícito discrepar, julgando constitucional a lei e aplicando-a ao caso concreto (p. 82).
51. Buzaid, op. cit., n. 35, p. 87.
52. José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, São Paulo: Ed. RT, 1993,
p. 107-108. E ainda: Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, Porto Alegre:
S.A. Fabris, 1992, p. 81, além do nosso Direito processual civil – Teoria geral do processo
de conhecimento, vol. 2, São Paulo: Ed. RT, 1972, p. 41 e ss.
Jurisdição 119

constitucional.53 Nesse tipo de juízo há, apenas, o confronto de normas com vistas a
verificar e decidir se a norma inferior colide ou se choca com a constitucional.
Devemos distinguir, nitidamente, a respeito da eficácia de uma e de outra ação, ou, mais
precisamente, da decisão respectiva. A declaração incidental, restrita que é às partes, gera,
apenas, ineficácia da lei para um dado caso, e é exatamente por isso que se faz impres-
cindível identificar faticamente qual é esse dado caso.54A lei não valerá no âmbito desse
litígio (= litígio real e concreto). Na declaração incidental, uma vez declarada, há uma rela-
ção jurídica a ser fulminada, concretamente, mas a lei continua a ser havida como válida. 55
Se é próprio do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de lei, nem por
isto todos os seus órgãos podem fazê-lo da mesma forma e por meio do mesmo proces-
so. Todo e qualquer juiz pode declarar incidentalmente a inconstitucionalidade. Princi-
paliter, somente os tribunais para os quais foi estabelecida a competência, como o STF
e os Tribunais de Justiça, estes no que diz respeito a leis estaduais e municipais inconsti-
tucionais, umas ou outras, em face das Constituições estaduais respectivas. A declara-
tória de constitucionalidade, todavia, é de competência originária do STF.
A ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, e § 2.º, disciplinado pela
Lei 9.868, de 10.11.1999), diz respeito a “lei ou ato normativo federal”. Neste particular,
tem âmbito menor do que o da ação direta de inconstitucionalidade, que compreende
“lei ou ato normativo federal ou estadual”. Ambas, de toda forma, têm eficácia erga om-
nes e efeito vinculante. Isto significa que uma tal decisão não pode ser desobedecida,
por nenhum jurisdicionado, como, ainda, os próprios órgãos do Poder Judiciário e do
Executivo, nessas mesmas condições, a essa decisão estarão sujeitos.
A competência do Supremo Tribunal Federal para a declaração de constituciona-
lidade ou inconstitucionalidade – por meio de ADC ou de ADI – é exclusiva. Nenhum
outro órgão pode declarar em abstrato inconstitucionalidade de lei federal ou estadual
porque em colisão com a Constituição Federal.
Diferentemente e com âmbito restrito – como se disse –, é reconhecida a possibi-
lidade de declaração incidental a todo o Poder Judiciário, ou seja, todo e qualquer ór-
gão pode emitir pronunciamento declarativo de invalidade ou de ineficácia, restrito à
espécie submetida a julgamento, o que decorre, de um lado, da noção de Constituição
rígida e, de outro, da função do Judiciário de pronunciar o direito aplicável à espécie.56

53. É o que, ainda uma vez, a respeito dessa compatibilidade, ensina o Professor Alfredo Buzaid:
“uma lei é inconstitucional quando ela, no todo ou em parte, ofende a Constituição” (Buzaid,
op. cit., n. 12, p. 43).
54. Cf. Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, 3. ed.,
São Paulo: Ed. RT, 1992, p. 107.
55. Idem, p. 108, e José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, vol. 1, São
Paulo: Ed. RT, 1976, p. 23.
56. O mesmo não ocorre, de modo absoluto, em relação ao STJ: “Não se contesta que, no
sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais
órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a
inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso
120 Manual de Direito Processual Civil

Ao Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, por meio da ação


direta, cabe assegurar, com exclusividade, na sua máxima extensão de eficácia incidente
sobre todo o território da Federação, a compatibilidade do sistema jurídico infraconsti-
tucional com a Constituição mesma, com a possibilidade de extirpar, do ordenamento,
norma incompatível com a Constituição (leis federais e estaduais têm de ser compatí-
veis com a Constituição Federal).
Declarada que seja a norma inconstitucional, pela procedência dessa ação, ela não
poderá mais ser aplicada em todo o território nacional, precisamente porque a eficácia
de tal decisão é revestida pela eficácia erga omnes.
Disto se segue que se encontram em pauta, no juízo abstrato, isto é, pela ação de-
claratória de inconstitucionalidade, os seguintes valores fundamentais: (a) o controle
da constitucionalidade das leis, com vistas a assegurar, neste particular, o primado da
Constituição sobre todo o ordenamento que nessa encontra seus pressupostos de va-
lidade; (b) a necessária compatibilidade de uma lei (federal ou estadual) com a Cons-
tituição (Federal); (c) a lei que for declarada inconstitucional, em ação direta (isto é,
reconhecida como inconstitucional erga omnes), exige que tal decisão tenha validade e
eficácia em todo o território do País, não podendo haver fratura desse território, mercê do
atrofiamento dessa eficácia; (d) isto é assim porque a lei vale ou não vale, e, se era preor-
denada a valer em todo o território, neste haveria de ser aplicada, desde que ocorrentes
os respectivos pressupostos de sua incidência;57 (e) se se admitisse a inconstituciona-
lidade decretada para parte do território, infringidos estariam os princípios da própria
igualdade jurídica, como, ainda, isto envolveria insuperável contradição, pois que a lei
valeria para parte do território federal e para outra seria nula ou ineficaz por incons-
titucionalidade; (f) por isto, tratando-se de lei federal, é que há e tem de haver, nesse
caso, exclusividade da competência do Supremo Tribunal Federal, para que, só assim,
se possa concretizar na ordem empírica essa unidade de juízo sobre uma lei: saber se
é ela constitucional ou não e, se for, a decisão deve atingir a lei, em si mesma e, pois,
todo e qualquer destinatário; (g) o juízo, na ação direta de inconstitucionalidade, trata
“tão só de regra jurídica (de lei ou ato normativo federal ou estadual); portanto (...), o
art. 119, I, l [CF/67, redação dada pela EC 1/69], estabeleceu, pela primeira vez, a ação
constitutiva negativa por inconstitucionalidade, in abstracto, mas com legitimação ati-
va somente para o Procurador-Geral da República”;58 (h) como efeito absolutamente
indispensável da declaração de inconstitucionalidade de lei federal – no âmbito da ação

especial, é rever a decisão da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de


duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário
ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa” (STF, AI 145.589-AgR, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ 24.06.1994).
57. Por isso é que os Tribunais de Justiça dos Estados federados poderão declarar a inconstitucio-
nalidade das leis estaduais ou municipais em face de suas próprias Constituições (art. 125,
§ 2.º, da CF/1988), porque tais decisões valerão no âmbito do respectivo Estado federado.
58. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, vol.
4, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 44. Hoje, os legitimados para a ação direta encontram-se
nos incisos I a IX do art. 103 da CF/1988 (cf. redação dada pela EC 45/2004).
Jurisdição 121

direta de inconstitucionalidade – é reconhecido o efeito ou eficácia erga omnes, ou seja,


tal decisão atinge a todos em todo o território, em relação aos quais e ao qual estava a lei
vocacionada a incidir, não fosse a inconstitucionalidade.
A ação direta de inconstitucionalidade – tendo em vista a compatibilidade das leis
federais e estaduais com a Constituição Federal – é de competência exclusiva do STF.
Nesta ação, a inconstitucionalidade é discutida principaliter (art. 102, I, a, da CF/1988),
diferentemente da decretação incidental, em que a questão se põe como fundamento
(="causa" de pedir) e é decidida como questão incidente.59
Isto significa que, conquanto a inconstitucionalidade possa ser alegada incidenter
tantum, tal alegação só é admissível se o for em relação a um litígio, em si mesmo definí-
vel e diferente da arguição de inconstitucionalidade. Não é viável – salvo previsão espe-
cífica de competência para decidir em abstrato e instituição da ação a isso preordenada60
– uma arguição de inconstitucionalidade desconectada de um litígio.61 Diversamente,
o controle concentrado ou em abstrato baseia-se, justamente, na ausência de um litígio
concreto sobre cujos fatos se projeta o juízo de constitucionalidade.62
No controle concentrado fica inclusive diminuída a própria razão de ser do contra-
ditório, porque sobressai o interesse político na manutenção imaculada do primado da
Constituição sobre as leis ordinárias.
Instaurado o processo decorrente da propositura de ação direta de inconstitucio-
nalidade, é possível pedir-se a suspensão do texto havido por inconstitucional, poden-

59. A suspensão a que pode proceder o Senado Federal (art. 52, X, da CF/1988) é, ainda hoje,
discutida, no sentido de se saber se, essa suspensão que pode decorrer, exclusivamente, do
julgamento incidental de inconstitucionalidade pelo STF, confere publicidade ao julgamento,
ou, então, se inviabiliza, a partir da suspensão, a aplicação da lei, havida incidentalmente
como inconstitucional.
60. V. Min. Moreira Alves, A evolução do controle da constitucionalidade no Brasil, p. 9, publi-
cado em As garantias do cidadão na justiça, obra coletiva sob a coordenação do Min. Sálvio
de Figueiredo Teixeiral, São Paulo: Saraiva, 1993.
61. V. Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, atual. José
de Aguiar Dias, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 101, onde diz: “O que se infere daí é,
precisamente, que os tribunais não admitem a ação que tenha por fim, apenas, declarar a
inconstitucionalidade sem qualquer ligação com uma hipótese concreta. Mas, desde que
existe, ou possa existir, um litígio e que para sua decisão seja mister o exame da eficácia da
lei, pouco importa a forma processual adotada”.
62. O objeto da ação direta tem como “objeto a declaração de tal inconstitucionalidade, em
tese, independentemente de lesão a direito individual” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
Comentários à Constituição brasileira, vol. 2, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 211). Como
diz Rennan Thamay “vem o controle concentrado de constitucionalidade abstrato, típico
processo objetivo que se dará por meio de ações específicas que poderão questionar a
(in) constitucionalidade de atos normativos ou leis em face da constituição e, por vezes,
controlar o desrespeito a preceito fundamental e não pela via recursal (...). O processo de
controle de constitucionalidade consubstancia-se, por sua essência, em resolver ques-
tões que envolvam a norma ou, ainda, sua respectiva interpretação.” (A estabilidade das
decisões no controle concentrado de constitucionalidade abstrato, São Paulo: Almedina,
2016, p. 75-76).
122 Manual de Direito Processual Civil

do essa suspensão ser a partir da concessão da medida,63 ou mesmo para segmento de


tempo anterior, na hipótese em que, se assim não fosse, seria inútil a própria concessão
da liminar ex nunc. Vale dizer, se a norma impugnada se exauria no presente e se os seus
efeitos residiam no passado, era necessária a concessão da medida com caráter retroati-
vo, tendo em vista o momento de sua concessão.
Como se disse, a eficácia decorrente do julgamento da procedência de uma ação di-
reta de inconstitucionalidade deve ter eficácia erga omnes. Se a lei é suprimida do conjun-
to de normas constitutivas do direito infraconstitucional, porque não compatível com
a Constituição Federal, é certo que os efeitos emergentes de tal decisão – procedência
da ação declaratória de inconstitucionalidade de lei – têm necessariamente de atingir a
todos que estariam submetidos a essa lei. Invoquemos, neste passo, o argumento sólido
de que, se a lei inconstitucional é viciada, é certo que, assim decretada, não se concebe-
ria que todos deixassem de ser atingidos, respeitadas a s situações especiais.

3.2.3. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário64


Ao lado do controle de constitucionalidade, exercido pelo Poder Judiciário que fis-
caliza a atividade legislativa e sua pertinência com a Constituição, há o controle dos atos
administrativos, em especial emanados do Poder Executivo. Em nosso vigente sistema
jurídico, o juízo de legalidade dos atos administrativos compete ao Poder Judiciário,
sem que isto retire da Administração, o poder-dever de decretar a nulidade de seus pró-
prios atos administrativos, quando viciados. 65
A generalidade de nossa doutrina, bem como de nossa jurisprudência, entende que,
conquanto os atos administrativos estejam submetidos ao controle do Judiciário, o mé-
rito de tais atos é insuscetível de ser reexaminado, dado que constitui assunto exclusi-
vamente afeto à Administração Pública. Desta afirmação, ipso facto, conclui-se que o
Judiciário pode tão somente examinar o aspecto da legalidade do ato administrativo.

63. V. Michel Temer.Elementos de direito constitucional, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 45: “O
art. 102, I, “p”, estabelece a possibilidade de solicitação de medida cautelar nas representações
por inconstitucionalidade. Seu objeto é a paralisação da eficácia do ato normativo enquanto
a representação pender de julgamento. O pressuposto (implícito) do pedido é a ocorrência
de lesão irreparável às pessoas, à sociedade, à ordem, à segurança e à economia pública,
de modo a não poder aguardar-se o julgamento final e a suspensão de eficácia pelo Senado.
Somente será deferida se, no período que medeia entre a propositura da ação e a eventual
declaração de inconstitucionalidade, puder verificar-se a ocorrência de atos que impeçam,
após a declaração, a recomposição de direitos vulnerados. A concessão da liminar, no caso, é
exceção ao princípio segundo o qual os atos normativos são presumidamente constitucionais.
Sendo excepcional, a sua interpretação é restritiva. A regra é a não invalidação apriorística do
texto normativo. A concessão da liminar produz esse efeito antes da declaração definitiva”.
64. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 1, São Paulo: Ed. RT, 1975, p. 163
e ss.; mais recentemente, nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: Ed. RT,
1990, p. 165 e ss.
65. Esse é o conteúdo do enunciado da Súmula nº 473 do STF, in verbis, “A administração pode (na
realidade, deve) anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”.
Jurisdição 123

A afirmação é exata e recolhe seu fundamento primário e constitucional na própria se-


paração de poderes (art. 2.º da CF/1988), no sentido e com a função de que a cada “po-
der” está afeta uma determinada função, sem ingerência dos outros.
No entanto, parece-nos que alguns doutrinadores, como parte de nossos tribunais,
têm um conceito excessivamente amplo do que seja o mérito do ato administrativo.
Muitas vezes, diz-se que este ou aquele ato administrativo não pode ser alterado pelo
Judiciário, porque isto importaria em tocar-lhe no mérito (o que não é lícito); mas, na
verdade, o que ocorre é que, se bem examinada a hipótese, verificamos ser caso de le-
galidade e não propriamente de mérito. Por outras palavras, julgamos que, embora seja
rigorosamente exato dizer-se que o mérito não pode ser reapreciado pelo Judiciário – o
que importaria em invasão de poderes –, é possível reexaminar grande número de atos
administrativos sob o ângulo da legalidade.
Justifica-se esta orientação diante de uma primeira premissa, ou seja, à luz do que
dispõe a Constituição Federal (art. 5.º, XXXV), no sentido de que nenhuma lesão ou
ameaça a direito poderá ser subtraída à apreciação do Poder Judiciário.
A segunda premissa no trato do assunto é a de que, no que diz respeito à conveniência
ou à oportunidade do ato administrativo, quando, efetivamente, a lei deixe à discrição
larga do administrador, seus atos, ainda assim, não refugirão ao reexame pelo Judiciá-
rio. Isto porque caberá sempre ao Judiciário verificar se o administrador agiu dentro da
esfera estritamente legal, que lhe está definida, ou seja, dentro do âmbito da área efetiva-
mente discricionária; ou, diversamente, se praticou ilegalidade lato sensu (“abuso de po-
der”), ou, por outras palavras, se exorbitou, tendo agido arbitrariamente, desbordando,
assim, do âmbito legítimo de ajuizamento de situações em face da discricionariedade,
caindo no arbítrio e cometendo ilegalidade. Se, de um lado, nesta hipótese, a exclusivi-
dade no juízo de conveniência e oportunidade cabe, constitucionalmente, ao Executi-
vo, de outro, todavia, há de respeitar, tal juízo, os limites intransponíveis da legalidade.
É uniforme a nossa jurisprudência vedando o reexame pelo Poder Judiciário do
mérito dos atos administrativos, ou seja, o Judiciário, desde que o ato esteja conforme
à legalidade imposta ao administrador e por ele respeitada, não pode alterar o ato, sob
a justificativa de que outro seria melhor. E nem poderia ser diferente, diante do nuclear
princípio constitucional da separação dos poderes.66 O Judiciário, no caso, qualitativa-
mente exerce um poder diferente daquele que pratica o administrador. O Poder Judici-
ário deve identificar o mérito, circunscrevê-lo precisamente para a respeito deste não
se pronunciar, ou seja, não deve haver juízo sobre o mérito em si mesmo e intrinseca-
mente considerado.
O problema reside, porém, como vimos, na determinação exata da amplitude do
conceito de mérito do ato administrativo.Devemos trabalhar por um critério de exclu-
são, verificando o que pode ser reexaminado e o que constituirá no mérito.67

66. STF, RE 632853, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 23.04.2015.
67. Uma análise detalhada do suposto conteúdo da “discricionariedade administrativa” está
em Georges Abboud. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a
decisão judicial, São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 116-124.
124 Manual de Direito Processual Civil

Um primeiro problema que se coloca é o do merecimento de pena aplicada ao ser-


vidor público. A jurisprudência inclina-se pelo entendimento de que o juízo de valor
sobre a conduta do funcionário, para que se lhe aplique uma pena, é insuscetível de re-
exame pelo Judiciário.
Outro problema que tem suscitado diversas dúvidas em nossa jurisprudência e dou-
trina é o consistente em indagar da possibilidade de o Judiciário reexaminar as provas
produzidas no processo administrativo, em função das quais tenha sido o funcionário
punido. Atualmente, em face do disposto no art. 5.º, LV, da CF/1988, o entendimento
pela legitimidade do reexame, numa interpretação ampla do inc. LV, afigura-se-nos ter
restado indiscutível.
É errôneo argumentar que o Judiciário deve dispensar a análise do procedimen-
to do processo administrativo, em razão do art. 5, LV, da CF/1988 assegurar garantias
praticamente equivalentes às do processo judicial, do ponto de vista formal e dialético.
Em verdade, devemos ter liminarmente presente que no processo administrativo
não se têm as mesmas garantias, ao menos substanciais, que se têm no processo judicial,
pois: (a) é a própria Administração que julga, sendo ela parte e juiz ao mesmo tempo;
(b) a garantia do contraditório por vezes é menos ampla (embora não o devesse ser) do
que no processo judicial;68 a Lei 13.245, de 12 de janeiro de 2016, que deu nova reda-
ção ao texto do art. 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados, tem singular alcance, pois
explicitamente estende o princípio do contraditório a várias hipóteses, ao regular essa
parte do direito das partes e da atuação dos advogados; essa lei redimensiona correta-
mente o exercício da jurisdição, à luz de devido processo legal e do princípio do con-
traditório; os atos que não obedecerem a lei, serão nulos 69(c) não se pode esquecer que
o funcionário é sempre um subordinado da Administração, em virtude da hierarquia

68. Como mais um argumento irrefutável de que existe a aplicação do princípio do contraditório
também em procedimento administrativo, destaca-se a Súmula nº 343 do STJ, que prevê ex-
pressamente que: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do procedimento
administrativo disciplinar”. Lembre-se ao lado desse entendimento o da súmula vinculante
3, primeira frase: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação
de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.
69. Leiam-se os textos abaixo, parte do art. 1º da lei 13.245, que deu nova redação ao art 7º do
EOAB:
“Art. 7o..(...)
XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos,
em meio físico ou digital;
(...)
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nuli-
dade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos
os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indire-
tamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
Jurisdição 125

que, mesmo durante o processo, não desaparece. Assim, o processo administrativo é


uma garantia insuficiente para o funcionário que pode ter direito contra a Administra-
ção. Assim, o Judiciário poderá entender que a Administração respeitou o princípio da
legalidade, em nada alterando a situação emergente do procedimento administrativo,
mas poderá reexaminar o processo, provas e decisão.
Finalmente, desde que verifiquemos, num dado caso, ter sido deferido ao adminis-
trador, realmente, o poder de aferir da conveniência ou oportunidade da pratica de ato
administrativo, o que envolve caráter manifestamente subjetivo, nesta situação esta-
rá afastada a esfera de ação do Judiciário, desde que pela ação tivesse sido pretendido
substituir, o juízo do administrador. Aqui haverá mero interesse e não direito e não há,
pois, o que tutelar. Por outro lado, quer a oportunidade, quer a conveniência, originam-
-se, sob certo aspecto e em certa medida, do “subjetivismo”, e este será, certamente, do
administrador.
No entanto, desde que o ato administrativo possa ser encarado pelo prisma da le-
galidade, até em sua “justiça”, como no reexame das provas, incidirá sempre a ativida-
de controladora do Poder Judiciário, como decorrência inarredável de sua função nos
quadros do constitucionalismo.

3.3. Jurisdição e sua função uniformizadora


Neste capítulo estão descritas, sucintamente, duas funções básicas do exercício do
poder jurisdicional: a) a solução de casos concretos por meio da substituição da vonta-
de das partes por um comando imperativo que se torna imutável; e b) o controle da le-
galidade dos atos emanados pelos demais Poderes (Legislativo e Executivo).
Cabe, agora, tendo em vista a mudança de paradigma pela qual tem passado o siste-
ma jurídico brasileiro, listar uma terceira função, esta de cunho mais pragmático, mas
não menos essencial. Fala-se da atividade de uniformização da interpretação e da apli-
cação do Direito no Brasil, e da segurança jurídica proporcionada por uma jurisprudên-
cia estável, íntegra e coerente.
Após introduzirmos a respeito do papel que a jurisprudência assume, em especial
diante da vigência do CPC/2015, analisaremos com mais vagar os instrumentos típicos
do STF para o exercício da função uniformizadora: a repercussão geral (art. 102, §3º,
da CF/1988 e art. 1.035 do CPC/2015) e a súmula vinculante (art. 103-A, da CF/1988
e art. 927, II, do CPC/2015).

3.3.1. A força da jurisprudência no CPC/2015


De todas as modificações trazidas pelo CPC/2015, talvez a mais significativa e com
maior impacto no cotidiano forense seja a aposta feita no chamado direito jurisprudencial.
O comportamento reiterado das cortes superiores, e seus entendimentos consolidados,
ganham importância na medida em que passam a servir como um norte ao restante do
Poder Judiciário. Seja para aplicar uma tese firmada, seja para negar sua aplicação, os
juízes deverão, por força do CPC/2015, cumprir o dever de observar o direito jurispru-
dencial, não podendo dele se distanciar injustificadamente. A preocupação da doutrina e
126 Manual de Direito Processual Civil

da jurisprudência com a necessidade de uniformizar a aplicação do direito não é nova,70


embora apenas recentemente se tenha notado um movimento firme no sentido de dar
às decisões dos tribunais superiores força normativa, mais que meramente persuasiva.
A primeira grande razão pela qual a jurisprudência deve ser observada é o respeito à
chamada isonomia jurisdicional.71 Como se diz nos países de tradição jurídica do common
law, “like cases should be treated alike”, ou seja, casos semelhantes merecem respostas
também semelhantes do Poder Judiciário. Ou ainda, como reconhece Teresa Arruda Al-
vim, “O fato de o sistema “tolerar” decisões diferentes acerca de situações absolutamen-
te idênticas não significa que este fenômeno seja desejável”.72 Assim, os próprios tribu-
nais não devem apresentar comportamentos contraditórios ao analisar casos idênticos.
Como decorrência da isonomia é gerada a segurança jurídica, aqui entendida como
uma somatória entre estabilidade e previsibilidade das pautas de conduta do Judiciário.
O jurisdicionado, com efeito, deve poder minimamente antecipar quais os resultados
possíveis para a sua situação submetida a julgamento, e a jurisprudência desempenha
um papel fundamental nesse ponto. As alterações abruptas ou injustificadas de posicio-
namento dos tribunais não só surpreendem o cidadão, como também diminuem a cre-
dibilidade e a legitimidade dos pronunciamentos judiciais.73 Deve haver, na atividade
judicante, um mínimo de coerência para impedir o que a doutrina já chegou a chamar
de “jurisprudência lotérica”.74
Vivemos, no Brasil, um estágio bastante primitivo no que concerne à responsabili-
dade sistêmica do ato de julgar. Os julgados dos tribunais superiores tendem a não ser
respeitados, às vezes nem mesmo pelas próprias cortes que prolataram as decisões.75 O

70. Veja-se o trecho, ainda na década de 1950, de Leo Rosenberg: “la jurisprudencia de los
tribunales superiores sirve para dirigir y formar a los inferiores, para elevar su administra-
ción de justicia y unificar la aplicación del derecho” (Tratado de derecho procesal civil, t.
II. Buenos Aires: E.J.E.A., 1955, p. 353).
71. “O princípio da isonomia significa, grosso modo, que todos são iguais perante a lei, logo,
a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o prin-
cípio) devem fazer os tribunais, respeitando o entendimento tido por correto e decidindo
de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico.” (v. Teresa Arruda Alvim
Wambier e Bruno Dantas, Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos
tribunais superiores no direito brasileiro, 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT, 2016,
p. 124).
72. Teresa Arruda Alvim Wambier e Bruno Dantas, cit., p. 123.
73. “Não apenas o princípio da segurança jurídica, como visto, mas também o princípio da
lealdade e da boa-fé e da confiança legítima se oporiam e do modo mais cabal possível a que
uma mudança de orientação do Poder Judiciário na matéria viesse a ter tão gravosos efeitos”
(cf. Celso Antonio Bandeira de Mello. Segurança jurídica e mudanças de jurisprudência.
In Revista de Direito do Estado, n. 6, Rio de Janeiro, 2007, p. 335).
74. Eduardo Cambi. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, São Paulo: Ed. RT,
abr., 2001.
75. “No Brasil, parcela significativa dos juízes de primeiro grau de jurisdição e dos Tribunais de
Justiça e Regionais Federais não respeitam os precedentes do STJ. Na verdade, esses juízes
e tribunais sequer argumentam para deixar de aplicar uma decisão da Suprema Corte.
O próprio STJ tem entendimentos diferentes a respeito de casos iguais. Isso ocorre não só
Jurisdição 127

que o CPC/2015 busca, ao elevar a jurisprudência a um patamar central na sistemática


de desenvolvimento do direito, é justamente dar uniformidade à aplicação das leis e da
ordem jurídica. A ideia é de conferir previsibilidade aos jurisdicionados, remediando
uma certa anarquia interpretativa que é resultado da falta de observância, pelo Judiciá-
rio, de suas próprias decisões.
Para responder ao problema da falta de isonomia e de segurança jurídica, o Código
estabelece um sistema de vinculatividade de determinadas decisões, em três aspectos
diferentes. Em primeiro lugar, ordena aos tribunais “uniformizar sua jurisprudência e
mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926 do CPC/2015). Em segundo lugar, cria
técnicas novas para a uniformização da jurisprudência – em particular os incidentes de
assunção de competência (art. 947 do CPC/2015), de resolução de demandas repeti-
tivas (arts. 976/987 do CPC/2015), e a reformulação do julgamento de recursos espe-
ciais e extraordinários repetitivos (arts. 1.036/1.041 do CPC/2015). Em terceiro lugar,
e a partir dessa estabilidade, integridade e coerência, são impostos obstáculos procedi-
mentais ao trâmite de casos que contenham pretensões contrárias ao que já foi decidido
pelos tribunais. Há no CPC/2015 uma série de técnicas que visam a impedir a litigância
recalcitrante, garantindo uma duração menos prolongada às demandas cujo resultado,
por conta do posicionamento dos tribunais, já se pode antever.
O CPC/2015 adota um critério formal para a identificação de decisões vinculantes.
Não é o conteúdo das decisões que dá a elas sua normatividade elevada, mas sim a sua
própria imperatividade. Assim, o art. 927 prevê: “os juízes e os tribunais observarão” as
decisões elencadas. Observar, como dito acima, deve ser entendido no sentido de “le-
varão em consideração”, para seguir o entendimento do tribunal, o Judiciário deve ao
menos ter em conta a existência da jurisprudência. Afinal, distanciar-se do direito ju-
risprudencial requer que o julgador se desincumba de um ônus argumentativo específi-
co. Uma decisão que não leva em conta, ou que não justifica o porquê de não seguir um
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, não é consi-
derada como fundamentada (art. 489, §1º, VI do CPC/2015).
São considerados, então, vinculantes, as seguintes decisões ou textos normativos:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitu-
cionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de de-
mandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitu-
cional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Quanto ao rol, cabe fazer algumas considerações.

quando uma Turma diverge da outra. Uma mesma Turma, não raras vezes, não mantém es-
tável determinada decisão” (Luiz Guilherme Marinoni. A ética dos precedentes, São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 69).
128 Manual de Direito Processual Civil

A primeira delas é que as decisões do STF em controle concentrado e a súmula vin-


culante já são, por força do que diz a Constituição, de observância obrigatória por to-
dos os órgãos jurisdicionais do País, como vimos no tópico acima. Nesse ponto, não
há “novidade” no CPC/2015 quanto à vinculação – embora o código estabeleça, sim,
técnicas novas de utilização destas decisões ao longo do procedimento. Já os acórdãos
em incidente de assunção de competência, ou de resolução de demandas repetitivas e
em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos são parte dos novos
mecanismos de uniformização e estabilidade da jurisprudência. Só há sentido, no sis-
tema do CPC/2015, em criar estas técnicas se as decisões delas resultantes tiverem ob-
servância obrigatória. Assim, não sendo levadas em consideração podem ensejar recla-
mação (art. 927 e 988 do CPC/2015).
Já os enunciados de súmula do STJ e do STF, e a orientação do plenário ou órgão
especial dos tribunais, dão com o CPC/2015 um verdadeiro salto de normatividade.
Se durante a vigência do CPC/1973 a força destas decisões era meramente persuasiva,
com o código de 2015 elas tendem a se equiparar à súmula vinculante, sob a ótica de sua
obrigatoriedade em relação aos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário.76 Seguir
a orientação das súmulas e do órgão especial dos tribunais, de uma atitude sistemica-
mente desejada,77 passa a ser algo exigido por lei. Entretanto, como regra geral, a não
observância não dá ensejo a reclamação, mas ao recurso cabível.
Há alguns doutrinadores que opinaram contra a possibilidade da extensão do enten-
dimento firmado em caso piloto a casos iguais. Em se tendo em mente que a tarefa do Po-
der Judiciário é a de interpretar a lei e essa extensão significa que o caso piloto decidido
pelo órgão competente terá decidido também os outros casos, a solução final destes será
meramente material, ou seja, verificar a identidade e aplicar a resolução daquele órgão.
A doutrina costuma relacionar essa maior importância da jurisprudência como uma
influência dos sistemas jurídicos de Common Law, notadamente da Inglaterra e dos Es-
tados Unidos. Lá, vige a regra dos precedentes judiciais, que em alguma medida é repro-
duzida pelo CPC/2015.78 No entanto, não se pode dizer que as técnicas brasileiras são

76. A ressalva é importante porque, ao contrário dos demais enunciados sumulados, as Súmulas
Vinculantes são obrigatórias também perante os órgãos da Administração Pública, direta e
indireta (art. 103-A, da CF/1988).
77. “A despeito da inexistência de fundamento legal explícito para embasar tal raciocínio, dúvida
não há de que decorre ele de nosso sistema jurídico que não pode conviver com tamanho
desvio das decisões provindas das mais altas Cortes do país, justamente encarregadas pela
Lei maior de desenvolver a tarefa de controle da constitucionalidade (STF) e da legalidade
infraconstitucional (STJ)” (v. José Rogério Cruz e Tucci. O precedente judicial como fonte
de direito. São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 278).
78. No Brasil e nos países da cultura anglo-saxã, as razões que sustentam uma possível teoria
dos precedentes são semelhantes: “Igualdade (equity) no sentido de que todos devem
receber o mesmo tratamento do Poder Judiciário, de maneira que casos semelhantes rece-
bam respostas jurídicas equivalentes. Previsibilidade (predictability) enquanto se espera
que os juízes respeitem as regras e interpretações que já ficaram assentes, proporcionando
maior segurança jurídica. Economia (economy) por ser um sistema mais eficiente, já que
Jurisdição 129

próximas ou se assemelham a um sistema de precedentes, em especial pela raiz histórica


muito diversa relacionada a uma ou outra tradição jurídica.79 Embora essa correlação
seja um interessante ponto de partida para analisar o papel da jurisprudência no desen-
volvimento do Direito, é de se reconhecer que mesmo nos países de Civil Law o com-
portamento dos tribunais tem marcante importância, em especial como parâmetro in-
terpretativo, mesmo que não vinculante.80 De toda forma e com as devidas adaptações,
o CPC/2015 estabelece um regime de vinculação dos juízes às decisões judiciais de
cortes superiores – às quais podemos, no uso corriqueiro do cotidiano forense, chamar
de precedentes. Nesse aspecto, são “precedentes” (decisões formalmente vinculantes)
apenas os pronunciamentos que se enquadrarem no rol do art. 927 do CPC/2015, con-
jugado com o art. 988 do CPC/2015.

3.3.2. Parâmetros para formar, aplicar e não aplicar decisões vinculantes


Uma vez que o pronunciamento normativo constante do rol do art. 927 do CPC/2015
é editado, ele passa a influenciar outros casos imediatamente (salvo a possibilidade de
modulação de efeitos, conforme o art. 927, §3º). Por isso, a decisão que formalmente
é um precedente já nasce com força vinculante, e seus efeitos transcendem à mera so-
lução da lide concreta, posta a julgamento. Quando um tribunal edita um precedente,
já o faz consciente da sua aplicação futura a casos idênticos. Aí reside, sem sombra de
dúvida, uma responsabilidade muito grande e uma exigência na fundamentação ade-
quada das decisões.81
O primeiro momento importante na dinâmica de vinculatividade é o de formação do
precedente judicial, isto é, a prolação da decisão que deverá ser observada pelos juízes
e que virá a ter efeito vinculante para casos análogos. O interesse do código é fazer com
que o pronunciamento judicial que se torne precedente seja o mais completo e preciso

seguir um precedente seria mais simples do que criar um precedente, facilitando o trabalho
dos magistrados. Respeito (respect) na medida em que são valorizadas a experiência e a
sabedoria dos magistrados de gerações passadas e dos tribunais superiores (só este último
aspecto está presente na nossa disciplina)” (Cf. Rodrigo Jansen. A súmula vinculante como
norma jurídica. Revista dos Tribunais,838/49, São Paulo: Ed. RT, ago. 2005).
79. Sobre a diferenciação necessária entre jurisprudência e “precedentes”, ver: Lenio Luiz
Streck e Georges Abboud. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. E ainda: Evaristo Aragão Santos. Em torno
do conceito e da formação do precedente judicial. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (org.).
Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 137.
80. Como reconhece José Carlos Barbosa Moreira, “a jurisprudência nunca perdeu por completo
o valor de guia para os julgamentos. Ainda onde se repeliu, em teoria, a vinculação dos
juízes aos precedentes, estes continuaram na prática a funcionar como pontos de referência,
sobretudo quando emanados dos mais altos órgãos da Justiça” (v.Súmula, jurisprudência e
precedente: uma escalada e seus riscos InTemas de direito processual, nona série. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 300).
81. Federick Schauer, sobre o tema, nota que um Sistema de precedentes envolve uma respon-
sabilidade especial, por conta do poder das cortes de comprometer o futuro antes de que
cheguemos lá (v. Precedent, Stanford law review, v. 39, 1987, p. 573).
130 Manual de Direito Processual Civil

possível, facilitando sua aplicação futura. É nesse particular que se exige, da jurisprudên-
cia, manter-se estável, íntegra e coerente. As três expressões parecem ter quase o mesmo
sentido, mas têm âmbitos de atuação ligeiramente diferentes na sistemática processual.
Estabilidade deve ser entendida como a mais básica das exigências da jurisprudên-
cia. Estável é o comportamento que não se altera; são os posicionamentos reiterados dos
tribunais. No entanto, mesmo o mais estável dos entendimentos pode não representar
a mais adequada e permanente interpretação e aplicação do ordenamento, motivo pelo
qual a jurisprudência deve também ter integridade. Esse conceito, que doutrinariamen-
te remete a teóricos como Ronald Dworkin,82 demanda que os tribunais ao aplicarem o
direito conjuguem a análise do passado e, ao mesmo tempo, do futuro (backward and
forward-looking) da questão jurídica que está sendo debatida, para ter uma noção da to-
talidade do fenômeno jurídico, contextualizando-o com o momento presente em que
a decisão será prolatada. É íntegra a decisão que reconhece a história institucional de
uma determinada questão – não deixando de observar sua aplicação ao longo dos anos
– e projeta para o futuro seus possíveis efeitos. Dessa tarefa – que não é simples, tendo
em vista a importância da decisão que se torna paradigma para o futuro – surge o dever
de coerência, que se relaciona com os precedentes na medida em que exige uma cons-
tante interação entre textos normativos, comportamento jurisprudencial e doutrina.
É coerente a decisão judicial que, além de estável e íntegra, não deixa de observar todo
o ordenamento jurídico,83 especialmente para rebater argumentos contrários que po-
deriam fulminar a tese a ser fixada.
Tendo em vista as três exigências estabelecidas pelo art. 926 do CPC/2015, a fixação
de uma tese é tarefa que, para ser adequadamente cumprida, decorrerá de uma minucio-
sa fundamentação decisória. O disposto no art. 489, §1º do CPC/2015 deve ser observa-
do com a máxima atenção nas decisões-paradigma. Digamos inclusive, que o art. 489,
§1º, IV, no caso específico da decisão que forma um precedente, não é suficiente como
exigência de motivação. O inciso mencionado diz não ser considerada fundamentada
a decisão que não enfrentar todos os argumentos contrários à conclusão tomada, o que,
via de regra, exclui a necessidade de debater também todos os argumentos favoráveis.
Em relação à decisão que fixa um precedente, parece-nos, porém, dever ela discorrer
sobre todos os argumentos das partes, sejam eles contrários ou favoráveis à conclusão
adotada pela corte.
Isso se dá em respeito à completude que é ínsita à decisão com efeito vinculante.
Apenas casos concretos que foram objeto de amplo debate devem ser pinçados para
julgamento nas técnicas de causa-piloto, e, portanto, apenas formarão teses jurídicas as
questões que tiverem sido extensa e detalhadamente analisadas.84 O motivo pelo qual a

82. Em especial Ronald Dworkin. Law’s empire. Harvard University Press, 1986, p. 245 e ss.
83. Cf. Neil Maccormick. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 80 e
et. seq.
84. Cf. Antonio do Passo Cabral. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de pro-
cessos repetitivos. Revista de Processo, 231/201-223. São Paulo: Ed. RT, mai., 2014. E ainda:
“Definir uma tese sem que o assunto esteja amadurecido ou amplamente discutido acarreta
Jurisdição 131

escolha da causa-piloto é importante relaciona-se com a aplicação futura do preceden-


te que dela vem a ser extraído. Embora o critério para identificar o que é uma decisão
vinculante, no CPC/2015, seja meramente formal, é o conteúdo da decisão que vincu-
la; quer dizer, são os fundamentos utilizados pelo tribunal que devem ser observados
pelos intérpretes futuros.85
Os deveres de estabilidade, integridade e coerência exigem ainda que, na formação
e fixação de uma tese, o tribunal leve em consideração como a questão jurídica foi tra-
tada até então. Isto é, não pode o órgão deixar de considerar o comportamento do Ju-
diciário em relação àquele tema, quando for tomar a decisão que virá a ser vinculante.
Os motivos determinantes da decisão que fixa a tese deverão servir na aplicação da de-
cisão em outros casos. Para fazer uma analogia com o direito da Common Law, é preciso
que o juiz, ao aplicar uma tese, extraia dela suas razões de decidir, sua ratio decidendi.
Tudo aquilo que estiver contido na fundamentação da decisão-paradigma e que puder
ser eliminado sem prejudicar a conclusão adotada não é motivo determinante; é, ainda
na comparação com o Common Law, obiter dicta (ou: dito de passagem ou literalmente
dito para morrer).86 Os argumentos não determinantes não vinculam, e por isso precisam
ser diferenciados dos determinantes quando da aplicação da decisão-paradigma. Uma
vez fixada a tese, ela será aplicada aos processos que veiculem questões idênticas. A força
vinculante encontra-se prevista em vários dispositivos ao longo do código (por exemplo,
para o IRDR a aplicação está no art. 985, I e II; para os recursos repetitivos, no art. 1.040
do CPC/2015). Os parâmetros dessa aplicação são dados pelo art. 489, §1º, que dispõe
sobre como as decisões devem ser fundamentadas. É o que precisamos delinear a seguir.

3.3.3. Distinção, superação e adoção de decisões vinculantes


A maneira por meio da qual o CPC/2015 estabelece a vinculatividade dos pronun-
ciamentos listados no art. 927 é exigir dos juízes que, ao fundamentar suas decisões,
levem em consideração o direito jurisprudencial, seja para segui-lo, seja para rejeitá-lo
motivadamente. Tanto a decisão que se utiliza de um precedente, quanto a que justi-
ficadamente não o aplica, impõem ônus argumentativos dos quais o julgador se deve
desincumbir na fundamentação.
A regra geral é que questões idênticas devem receber tratamento idêntico. No caso,
então, da adoção de uma decisão com efeito vinculativo, o juiz deve demonstrar essa
identidade. Quer dizer, cabe à fundamentação da decisão deixar claro que o precedente

o risco de haver novos dissensos, com a possibilidade de surgirem, posteriormente, novos


argumentos que não foram debatidos ou imaginados naquele momento inicial em que,
previamente, se fixou a tese jurídica a ser aplicada a casos futuros” (v. Leonardo Carneiro da
Cunha. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto
de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, 193, São Paulo: Ed. RT, mar. 2011).
85. Cf. Luiz Guilherme Marinoni. Precedentes obrigatórios, 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013,
p. 472/475.
86. Para uma definição mais detalhada: Neil Duxbury. Nature and authority of precedent,
Cambridge University Press, Cambridge, 2008, p. 77.
132 Manual de Direito Processual Civil

invocado tem força normativa sobre aquela situação concreta, por ser com ela condizen-
te. Dessa forma, o art. 489, §1º, V do CPC/2015 diz que não é fundamentada a decisão
que invoca um precedente ou enunciado de súmula e não identifica seus fundamentos
determinantes, nem demonstra que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamen-
tos. O trabalho do julgador é duplo: em primeiro lugar, delimitará sobre o que se trata o
precedente invocado (= quais as questões decididas, e por quais motivos foram decididas
daquela forma). Em seguida, demonstrará que no caso concreto o que precisa ser deci-
dido se amolda à decisão-paradigma (ao conteúdo desta que constitua ratio decidendi).
O que dá legitimidade à decisão que se curva a um precedente, portanto, é o fato de que
a fundamentação evidencia a igualdade entre o caso sob julgamento e o caso invocado
com força vinculante. A ideia é evitar as decisões, infelizmente muito comuns, que se
limitam a transcrever ementas ou trechos de julgados sem cotejá-los analiticamente.87
Por outro lado, a não aplicação de um precedente conduz a uma argumentação
igualmente vinculada, de acordo com o art. 489, §1º, VI do CPC/2015. Para distanciar-
-se dos parâmetros vinculativos jurisprudenciais, o juiz tem que demonstrar uma dis-
tinção entre a tese firmada e a da hipótese objeto da aplicação. O cerne desta técnica de
não aplicação são conceitos anglo-saxões de distinguishing e de overruling, utilizados
no Common Law.88
A técnica de distinção é o exato oposto da identidade necessária para aplicar um
precedente. O julgador deve, nessa hipótese demonstrar na fundamentação que o caso
concreto não se amolda ao que foi decidido pelo órgão que fixou a tese. Ou ainda, que a
tese não tem normatividade sobre a situação sob julgamento, por tratar esta de questões
não idênticas, mas distintas, impossível seu agrupamento em uma mesma categoria,
seja por analogia, seja por interpretação extensiva. Nesta hipótese, é o próprio dever de
coerência e de integridade que ordena que a distinção seja feita, já que aplicar desme-
didamente precedentes judiciais é indesejável ao sistema.
A superação precisa ser vista com cuidado. Via de regra, tratar-se-á da mesma ques-
tão jurídica decidida (portanto não sendo cabível a distinção), cuja tese fixada se pode
ter tornado obsoleta ou incompleta com o passar do tempo. É dizer, na superação é re-
conhecido que, para o caso idêntico, outra conclusão, diferente da tese fixada, é mais
adequada ao momento e ao contexto jurídico do tempo da decisão.
É imprescindível que as teses que tenham efeito vinculante sejam submetidas a um
constante controle de contemporaneidade, para evitar uma certa cristalização da aplica-
ção do direito. O regime de precedentes serve para uniformizar, e não para engessar ou
imobilizar a atividade judicante. No entanto, deve ficar muito claro que a verdadeira su-
peração só ocorrerá quando o próprio órgão que fixou a tese rever sua posição. Até que

87. Uma crítica interessante a essa estandardização do direito pode ser vista em Dalton Sausen.
Súmulas, repercussão geral e recursos repetitivos: crítica à estandardização do direito, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
88. Noções mais profundas sobre esses conceitos são bem descritas em Rupert Cross e J. W.
Harris, Precedent in English law. 4. ed. Clarendon Press, Oxford, 1991, p. 69 e ss.
Jurisdição 133

isso ocorra, o precedente não pode deixar de ser aplicado sob o argumento de que a tese
deveria ser superada. O CPC/2015, assim, compele o julgador a reconhecer que, quan-
do estiver diante de algum dos pronunciamentos do art. 927, deve submeter-se ao que
o Tribunal competente tiver decidido a respeito da matéria a ser julgada. Por outro lado,
o que os juízes podem (e devem) fazer é alertar para a necessidade de que o precedente
seja superado. Fala-se aqui da chamada sinalização.89 Em resumo: apenas o órgão que
formou o precedente pode superá-lo. A técnica de alerta deve servir para que, gradual-
mente, o órgão fixador da tese reveja seu posicionamento.90 É de se esperar que, ao lon-
go do tempo, uma série de decisões que alertem ou sinalizem a necessidade de mudança
façam com que a questão chegue, novamente, a ser decidida pelo órgão que prolatou a
decisão-paradigma. Trata-se de uma dinâmica própria do direito, que apenas responde
aos fenômenos sociais e deles se origina. Quando, então, a corte alterar sua tese, é pre-
ciso ter cuidado pois será alterada a pauta de conduta que até então servia de parâmetro
decisório. As expectativas jurídicas, criadas até então, serão modificadas, o que requer
novamente do tribunal uma consciência e responsabilidade grandes. Para dar legitimi-
dade à alteração de tese, podem inclusive ser convocadas audiências públicas, e serem
ouvidos amicus curiae que possam contribuir para a rediscussão do tema (art. 927, §2º,
do CPC/2015). O código exige ainda que, na superação de qualquer um dos pronun-
ciamentos vinculantes, sejam respeitados os “princípios da segurança jurídica, da pro-
teção da confiança e da isonomia” (art. 927, §4º).
Por último quanto a esse ponto, releva notar que o CPC/2015 permite expressa-
mente a modulação de efeitos em relação à tese que for alterada (art. 927, §3º). Trata-se
da situação em que, para preservar a segurança jurídica (isto é, não frustrar pautas de
conduta e expectativas jurídicas já consolidadas), o tribunal pronuncia-se sobre a su-
peração do entendimento mas delimita temporalmente quando a força vinculativa vai
passar a produzir efeitos. Não quis o código estabelecer limites a essa modulação, para
permitir que cada caso concreto seja adequadamente decidido neste ponto. Em face
disso, sempre que o interesse social ou a proteção da confiança dos jurisdicionados exigir,
há decisão, superando a tese, mas desde logo determinando, momento diferente do da
decisão, a partir de quando essa alteração desbordará seus efeitos para o restante dos
casos idênticos e futuros.

3.3.4. A organização e a indexação das decisões vinculantes


Uma consequência direta da adoção, pelo CPC/2015, de critérios formais na identi-
ficação de decisões vinculantes, é a necessidade urgente de sua sistematização, de for-
ma a facilitar o trabalho de busca dos operadores do direito. De fato, não são os juízes
dos casos concretos que definirão se uma ou outra decisão de tribunal superior terá

89. Cf. Novo código de processo civil comentado por Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz
Arenhart e Daniel Mitidiero São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 494.
90. Sobre a técnica do julgamento-alerta, ver: Antonio do Passo Cabral. A técnica do julgamen-
to-alerta na mudança de jurisprudência consolidada. Revista de Processo, 221/13-48. São
Paulo: Ed. RT, jul., 2013.
134 Manual de Direito Processual Civil

força vinculante; é o próprio código que estabelece, de antemão, o que vincula e o que
é meramente persuasivo. Esta é uma característica marcante do sistema do CPC/2015,
que requer um esforço dos órgãos prolatores de decisões vinculantes, no sentido de dar
publicidade de forma organizada aos seus pronunciamentos.
A publicidade, estabelece o CPC/2015, deve ser promovida preferencialmente na
rede mundial de computadores, e os precedentes devem ser organizados “por questão
jurídica decidida” (art. 927, §5º). 91 A tarefa dos tribunais, portanto, será, além de fixar
teses a respeito de questões repetitivas, identificar seu objeto corretamente; isto é, de-
vem ser conjuntamente evidenciados o contexto fático em que a decisão foi prolatada,
e a interpretação dada ao ordenamento. Essa conjugação (tese jurídica e fatos sobre os
quais ela foi firmada) deve ser facilmente delimitada pelos interessados, afinal o dever
de coerência e de integridade exigem a observância dos precedentes tanto para adotá-
-los quanto para se distanciar deles. Do contrário, se a publicidade dos precedentes for
realizada dando ênfase apenas à questão de direito decidida, possivelmente perdurará a
situação muito frequente de textos de julgados que são apresentados em petições e em
decisões sem a devida contextualização ao caso concreto,92 o que dificulta sobremanei-
ra a fundamentação adequada.93
Esse possível uso desconectado de precedentes é mais perceptível em relação aos
enunciados de súmula (art. 927, IV, do CPC/2015), que consistem em textos curtos, re-
sumos do entendimento do tribunal com base em uma série de casos concretos anali-
sados anteriormente. Diferentemente, os outros pronunciamentos constantes do rol
do art. 927 são decisões com relatório, fundamentação e dispositivo, o que facilita a
busca pelo seu contexto fático. O CPC/2015, consciente dos riscos da má utilização de
precedentes, ordena que “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se
às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” (art. 926, §2º).

3.3.5. A repercussão geral


A partir da EC 45/2004, é pressuposto para a admissibilidade de qualquer recurso
extraordinário a demonstração, pela parte recorrente, da repercussão geral. O requisito

91. Como comenta Guilherme Rizzo Amaral, “A medida é fundamental para que os precedentes
possam ser conhecidos não apenas pelos julgadores que haverão de observá-los, como também
pelas partes, inclusive para que pautem suas relações até mesmo fora do processo, evitando-se
a instauração de litígios judiciais cuja solução já se mostra certa com base na aplicação do
precedente.” (v. Comentários às alterações do Novo CPC, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 949).
92. O alerta foi dado por Carlos Maximiliano: “Basta a consulta rápida a um índice alfabético
para ficar um caso liquidado, com as razões na aparência documentadas cientificamente. Por
isso, os repositórios de decisões em resumo, simples compilações, obtêm êxito esplêndido
de livraria” (v. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 181).
93. Maurício Ramires chama atenção para o fato de que a internet potencializa esse fenômeno:
“tornou-se muito fácil encontrar respostas para dilemas jurídicos através de consultas a me-
canismos eletrônicos de buscas de julgados na internet, bastando para isso digitar algumas
palavras-chaves e clicar um botão” (cf. Crítica à aplicação de precedentes no Brasil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 30).
Jurisdição 135

de admissibilidade previsto no § 3º do art. 102 da CF/1988 é, de certa forma, semelhan-


temente à arguição de relevância do recurso extraordinário antes da promulgação da
CF/1988. Prevê o mencionado § 3º que “no recurso extraordinário o recorrente deve-
rá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos
termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo
recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros”. Trata-se de uma condi-
cionante de admissibilidade que restringe qualitativa e quantitativamente a competên-
cia do STF, com o fito de limitar sua atuação exclusivamente a causas que transcendam o
interesse das partes. O preenchimento do conteúdo da repercussão geral envolve a aná-
lise de um conceito jurídico indeterminado,94 sendo, em consequência, consideravel-
mente flexível. Isto ocorre, pois os conceitos jurídicos indeterminados são expressões
linguísticas cujo referencial semântico não possui tanta nitidez e contornos totalmente
claros.95 O conceito jurídico indeterminado, assim como as cláusulas gerais, é uma es-
pécie de enunciação abstrata feita pelo texto normativo, que exige a valoração para que
o interprete possa preencher seu conteúdo.96
Cumpre ressaltar, no entanto, que o legislador constituinte derivado, ao incluir o § 3º
no art. 102 da CF/1988, atribuiu ao legislador ordinário a competência para regular a re-
percussão geral (utilizando-se dos vocábulos “nos termos da lei”). Diante do comando
constitucional, este editou a Lei nº 11.418/2006, que acrescentou os arts. 543-A e 543-
B ao CPC/1973, que atualmente correspondem aos arts. 1.030 e ss. do CPC/2015, tra-
tando da matéria. Na linha do que já previa o § 1º do art. 543 do CPC/1973, o art. 1.035,
§ 1º do CPC/2015 estabelece parâmetros gerais para o preenchimento do conteúdo da
repercussão geral, indicando que “será considerada a existência ou não de questões re-
levantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo”.
O STF, portanto, ao analisar a presença da repercussão geral, considera, eviden-
temente, as circunstâncias que envolvem o caso concreto, especialmente se a ma-
téria diz respeito a um grande espectro de pessoas ou a um largo segmento social;
se a decisão versa sobre assunto constitucional impactante ou sobre tema constitu-
cional muito controvertido; se contraria a orientação do STF; se o mérito diz res-
peito à vida, à liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalida-

94. V. nosso Novo contencioso cível, São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 518.
95. Teresa Arruda Alvim Wambier e Bruno Dantas, Recurso especial, recurso extraordinário e a
nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro: (de acordo com o CPC de 2015
e a Lei 13.256/2016, 3. ed. rev. atual e amp. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 209-210.
96. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de direito civil, vol. I, tomo I: teo-
ria geral do direito privado, São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 464. Destacam com maior precisão
os autores que: “Conceitos jurídicos indeterminados são palavras ou expressões indicadas
na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo
esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em
causa.” (p. 465).
136 Manual de Direito Processual Civil

de (em relação à aplicação de texto ou textos constitucionais) ou, ainda, a outros


valores conectados ao texto constitucional que se alberguem dentro da expressão
repercussão geral. 97
Importante destacar, no entanto, que em algumas hipóteses específicas o atendi-
mento ao pressuposto da repercussão geral é presumido pela legislação ordinária. É o
que ocorre, exemplificativamente, com o recurso extraordinário que impugna acórdão
que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou, ainda, acórdão que te-
nha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, nos termos do art. 97
da CF/1988 (art. 1.035, § 3º, I e II do CPC/2015). A despeito da revogação do inciso
II98 do § 3º do art. 1.035 do CPC/2015, o recurso que impugna acórdão que tenha sido
proferido em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas goza, também,
dessa presunção em razão do previsto no § 1º do art. 98799 do CPC/2015. Nestes casos,
a repercussão geral é presumida pelo texto normativo em razão das especificidades das
situações previstas abstratamente.
Ainda que constante do Código de Processo Civil, trata-se de uma disciplina geral,
ou seja, extravasa o âmbito do processo civil, aplicando-se, por exemplo, ao processo
penal. Em realidade disciplina-se no Código de Processo Civil a apreciação da reper-
cussão geral em relação a qualquer recurso extraordinário, independentemente da ma-
téria impugnada.
Impõe-se que a existência da repercussão geral seja analisada após a verificação dos
outros requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário. Nesse ponto, concor-
damos com Araken de Assis que pondera que a localização da repercussão geral como
requisito prévio de admissibilidade não se coaduna com a economia processual, pois,
enquanto os requisitos tradicionais do recurso extraordinário podem ser aferidos pelo
Tribunal de origem e, monocraticamente, pelo relator, a repercussão demanda pronun-
ciamento do órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal (e, nos casos de configura-
ção de inexistência de repercussão, no próprio Plenário).
Assim, independentemente da precedência desse requisito na escala de sua impor-
tância, dentre os demais pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário,
do ponto de vista econômico e procedimental, fica inviabilizada sua análise prioritaria-
mente a estes pressupostos.
Isso não afasta, contudo, a necessidade de o órgão a quo aferir a presença da alega-
ção e demonstração de repercussão geral (art. 1.035, §2º, do CPC/2015), por se tratar de

97. Arruda Alvim, A Emenda Constitucional 45 e a repercussão geral, RAP, n. 3, p. 226. V, tam-
bém nosso Novo contencioso cível, São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 518.
98. “§3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: [..] II – tenha
sido proferido em julgamento de casos repetitivos;”.
99. “Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,
conforme o caso.
§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão cons-
titucional eventualmente discutida.”
Jurisdição 137

requisito ínsito à regularidade formal do recurso. Pode-se dizer que historicamente o


recurso extraordinário, e, bem assim, o recurso especial, que daquele nasceu, foram e
são marcados pelo interesse público, no sentido de que só têm cabimento se se perceber
uma ofensa, respectivamente, à Constituição Federal ou ao direito federal. Devemos,
então, ter presente que o recorrente só pode obter sucesso perante o STF e também pe-
rante o STJ, quando se identificar violação à Constituição Federal ou à lei federal.
Sempre que houvesse (i) sucumbência e (ii) demonstração dessa lesão, haveria o re-
curso de ser admitido. Esta lesão sempre foi havida como condição ou requisito neces-
sário à admissibilidade do recurso extraordinário e do especial. Isto significa que, sem
estar demonstrada uma lesão ou uma possível lesão à ordem jurídica, não haveriam de
ser admitidos. A mera sucumbência, também necessária, é e sempre foi havida como
condição, mas insuficiente para a admissão do recurso. Esta circunstância demonstra
que historicamente esses recursos sempre se destinaram, também e fundamentalmente,
à proteção da ordem jurídica, e não apenas à reforma de decisões proferidas por Tribu-
nais de Justiça.
A decisão a respeito da existência de repercussão geral é irrecorrível e é da compe-
tência exclusiva do STF (§ 2º do art. 1.035 do CPC/2015), podendo ser proferida por
uma de suas Turmas. Ao reverso, a decisão que não reconhece a repercussão geral de-
verá ser do Pleno, devendo ser observado o quorum de dois terços dos seus membros
exigido constitucionalmente para o reconhecimento dessa inexistência de repercussão
geral (art. 102, § 3.º, da CF/1988).
Na análise da repercussão geral, pode ser admitida a participação de terceiros – ami-
cus curiae (art. 1.035, §4º, do CPC/2015). Os terceiros serão aqueles cujos interesses pos-
sam estar ligados à repercussão geral atribuída pelo postulante a determinado recurso
extraordinário. A previsão justifica-se precisamente porque, reconhecida a repercussão
geral, isso significa que o interesse no julgamento transcende os interesses subjetivos
dos litigantes. A lei não distingue se esses terceiros poderão manifestar-se em favor da
existência da repercussão geral e também pela sua inexistência. Como não há distinção,
parece ser possível que no âmbito da expressão “terceiros” compreendam-se também
os que possam entender que a causa é destituída de repercussão geral.
De outra parte, a interferência de “terceiros” deve cingir-se à manifestação atinen-
te à repercussão geral, não devendo ingressar, propriamente, na parte estritamente ju-
rídica do julgamento do recurso extraordinário. Poderão, por certo, a essa referir-se,
admitindo o provimento ou o desprovimento do recurso extraordinário, finalística ou
argumentativamente, com vistas a demonstrar os reflexos de uma ou outra situação
processual na comunidade.
Havendo verificação da existência da repercussão geral, serão suspensos todos os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem
no território nacional (art. 1.035, § 5º do CPC/2015). No entanto, caso o recurso sobres-
tado tenha sido interposto intempestivamente, o interessado poderá requerer ao presi-
dente ou ao vice-presidente do tribunal de origem para que exclua o recurso da decisão
de sobrestamento e o inadmita. Neste caso, deverá ser oportunizada a manifestação do
138 Manual de Direito Processual Civil

recorrente em 5 dias sobre o requerimento (art. 1.035, § 6º do CPC/2015). Em caso de


indeferimento do requerimento, caberá agravo interno (art. 1.035, § 7º do CPC/2015,
na redação atribuída pela Lei 13.256/2016).

3.3.6. A súmula vinculante


Assim como a repercussão geral, a súmula vinculante foi instituída pela EC 45/2004,
que introduziu o art. 103-A na CF/1988. Posteriormente, a Lei 11.417/2006 regulamen-
tou a matéria relacionada com as súmulas vinculantes editadas pelo STF.
De forma resumida, o STF poderá editar enunciados de súmula – mediante apro-
vação de dois terços de seus membros – que terão efeito vinculante em relação aos de-
mais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. Prevê o art. 103-A, igual-
mente, a possibilidade de sua revisão, e, bem assim, a hipótese do seu cancelamento. A
revisão envolverá uma modificação de entendimento do STF. O cancelamento decor-
rerá da edição de norma constitucional. Nada obstará que, sobre esse outro ou novo
texto, venha a ser editada nova súmula. Isto demonstra que a súmula vinculante tem
de guardar uma relação inafastável com os precedentes que a fundamentam – como,
inclusive e de maneira geral, ordena o art. 926, §2º, do CPC/2015: “Ao editar enun-
ciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
que motivaram sua criação”.
A súmula vinculante, para vir a ser editada, pressupõe determinadas condições, que
constam do § 1.º do art. 103-A da CF/1988, e, que são reiteradas no art. 2.º, caput e seu
§ 1.º, da Lei 11.417/2006. São essas condições ou circunstâncias precedentes à edição da
súmula vinculante que devem ter sido consideradas pelo STF: (a) deve haver reiteradas
decisões sobre a matéria da competência do STF, i.e., interpretação e aplicação de maté-
ria constitucional; (b) essas decisões reiteradas dizem respeito a decisões de Tribunais
outros, entre si, que não o STF, ou de colisão de decisões destes com as do STF, pois é da
existência de decisões diferentes, sobre o mesmo assunto, que se pode configurar “gra-
ve insegurança jurídica”; (c) também, coloca-se como elemento previsto a “relevante
multiplicação de processos sobre idêntica questão” (§ 1.º do art. 2.º); (d) como, ainda,
é possível editar-se a súmula se a divergência de entendimento ocorrer entre decisões
judiciárias e órgãos da administração pública.
As possíveis finalidades de súmula vinculante são as de estabelecer interpretação de
norma constitucional e âmbito de sua eficácia. É possível que uma súmula se restrinja
a uma dessas finalidades, ou, cumulativamente, possa dizer respeito a todas elas. Mas,
acima de tudo, e, como finalidade última, a súmula objetiva estabelecer certeza jurídica,
eliminando, com isso, a precedente incerteza e criando condições para resolver a mul-
tiplicação de processos, em que se manifeste expressivamente essa incerteza, que acaba
por criar segmentos indesejáveis de tumulto judiciário, de choques entre entendimen-
tos administrativos e os do Judiciário, e, pois, de insegurança jurídica. Essa certeza ju-
rídica emergente da súmula vinculante se projetará em relação aos órgãos judiciários e
também em relação à administração pública, direta e indireta, nas esferas de poder da
administração pública, nos níveis federal, estadual e municipal.
Jurisdição 139

Em todas as hipóteses que gravitam em torno da súmula vinculante, se não houver


sido formulada a sua edição, revisão ou cancelamento pelo Procurador-Geral da Repú-
blica, este será sempre ouvido (§ 2.º, art. 2.º). Com isto – como sempre ocorre com a
intervenção do Ministério Público – fica patenteado interesse público, em relação a tais
hipóteses, e, interesse público de âmbito nacional.
Quaisquer atos fundamentais relacionados com a súmula vinculante – edição, re-
visão ou cancelamento – comportará publicação em dois meios oficiais de comunica-
ção, do enunciado em que se expresse a súmula, ou seja, no Diário da Justiça em seção
especial e no Diário Oficial da União, a partir de cuja publicação o enunciado levará a
que essa súmula vinculante tenha a eficácia prevista (§ 4.º, art. 2.º). E, é dessa publica-
ção na imprensa oficial que a súmula vinculante passará a ter aplicação.
O art. 3.º da Lei 11.417/2006 elenca os legitimados para propor a edição, revisão ou
cancelamento de súmula vinculante. Deve-se ter presente que pelo § 2.º, do art. 103-A
da Constituição Federal, os legitimados para propor a ação direta de inconstituciona-
lidade, por esse texto constitucional, são legitimados natos para essa propositura, re-
visão ou cancelamento da súmula vinculante, sem prejuízo do disposto na nova lei.100
Ainda, deve-se acrescer que a súmula com efeito vinculante – em princípio, de efi-
cácia imediata – poderá ter essa eficácia restrita por decisão de 2/3 dos membros do STF,
o que ocorrerá “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interes-
se público”, como já mencionamos (art. 4.º). Esta norma do art. 4.º guarda similitude
com a do art. 27, da Lei 9.868/1999, já mencionado em tópico anterior sobre controle
de constitucionalidade, que dispõe sobre a modulação de efeitos. Todas essas disposi-
ções devem ser lidas em conjunto com os §§2º a 4º do art. 927 do CPC/2015, que gene-
ricamente fala da superação de precedentes judiciais.
O deslocamento da eficácia para momento ulterior à deliberação guarda certa simi-
litude com a noção da vacatio legis. A vacatio legis significa o tempo que vai da publica-
ção de uma lei até o momento em que ela inicia a sua eficácia, ou seja, o momento em
que essa lei terá vigência. Como a lei nova traz uma ordenação diferente da preexisten-
te, deve haver um tempo – maior ou menor, conforme a importância da lei que se tra-
duz num maior ou menor impacto na sociedade e órgãos, ao que deverá corresponder
tempo maior de vacatio – para proporcionar aos destinatários que se “acomodem” à sua
finalidade podendo vir a cumpri-la.
Se uma súmula vinculante representa a maneira adequada de ler um texto – ainda
que não seja ela mesma uma norma – é certo que, mutatis mutandis, provoca um impac-
to, algo similar ao da edição de um texto normativo legal. O dimensionamento desse
espaço vago ficará a critério do Pleno do STF.
A súmula e a súmula vinculante não inovam na ordem jurídica, no sentido de criar
originariamente um comando, tal como ocorre com a lei. É certo, no entanto, que o papel

100. Dispõe esse texto: “§ 2.º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,
revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor
a ação direta de inconstitucionalidade”.
140 Manual de Direito Processual Civil

da súmula como fonte de direito depende de uma releitura no conceito do exercício da


jurisdição, nos moldes do que vem sendo exposto neste capítulo até aqui. A jurispru-
dência, em especial os pronunciamentos qualificados (assim entendidos aqueles listados
no art. 927 do CPC/2015), têm o condão de impor determinadas condutas ao restante
do Judiciário, à Administração Pública, e aos jurisdicionados em geral. Essa constatação
aproxima o direito jurisprudencial da força normativa de que são dotados os textos de lei.
A súmula vinculante, em rigor, acaba por conter a interpretação de uma lei, a qual se
torna obrigatória. É evidente que essa interpretação, oriunda do mais alto Tribunal do
país, objetiva apenas atribuir à lei interpretada o seu entendimento adequado, de forma
obrigatória. O mandamento é o da lei e a interpretação obrigatória é da súmula. Há um
“afunilamento” hermenêutico realizado pelo STF, que indica uma ou mais interpreta-
ções adequadas para determinado texto de lei ou da Constituição.
Historicamente, as súmulas no direito brasileiro têm exercido uma função persua-
siva, altamente significativa, por meio da síntese do entendimento pacificado e assen-
tado dos Tribunais Superiores e também de segundo grau, representativo da interpre-
tação estabelecida por inúmeros precedentes cristalizados no verbete sumulado.101 É
mais do que jurisprudência dominante, porquanto a súmula acaba por representar um
“selo” significativo e formal de que é a jurisprudência reconhecidamente dominante.
No mais das vezes, a funcionalidade da súmula é a de traduzir o entendimento pacifi-
cado da lei.
É, todavia, juridicamente possível invocar-se entendimento diferente do sumulado,
ainda que, em termos práticos, isso seja muitas vezes inócuo, especialmente tendo em
vista a maneira como foi estruturado o CPC/2015 para impedir a litigância em descon-
formidade com enunciados de súmulas (vinculantes ou não). Em regra, não nos parece
compatível com o nosso sistema jurídico atribuir-se à súmula – sem ser vinculante –
uma eficácia que a “aproxime” da súmula vinculante, embora isso tenha praticamente
ocorrido no CPC/2015.
Em diversas passagens (v.g. arts. 332; 496, §4º; 932, IV e V, dentre outros), o CPC/2015
estabelece obstáculos ao prosseguimento do processo, em favor da parte cujas razões se
alinham ao conteúdo de súmulas não vinculantes. De certa forma, isso acaba por con-
ferir obrigatoriedade de observância, de forma semelhante ao que ocorre com as súmu-
las vinculantes. A diferença crucial – que de fato distancia enunciados de súmula vin-
culante, das “persuasivas” – é o cabimento de reclamação da decisão que não observar
súmula vinculante (art. 988, III do CPC/2015, e art. 7º da Lei 11.417/2006). A escolha
da reclamação se explica, sob o ângulo de ter sido desrespeitada decisão que haveria de
ter sido acolhida para aplicação em determinada hipótese.102

101. Cf. André Ramos Tavares, Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417,
de 19.12.2006, São Paulo: Método, 2007, p. 24.
102. V. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina,
Breves...cit., vol. 3, p. 278: “A reclamação está entre os feitos de competência originária
do STF e tem como objetivo preservar a competência desse tribunal e garantir a autorida-
Jurisdição 141

Já vai muito longe o ambiente em que teve prestígio a escola exegética, que circun-
dava a lei francesa de 19.11.1790, qual seja o do ápice da escola exegética, onde havia
sempre e rigidamente de prevalecer a vontade do legislador. Superou-se esse restrito
modo de pensar e quase inexistente modo de interpretação, passando a prevalecer a
vontade da lei, o que habilita o intérprete a uma atualização da lei, vocacionada a aten-
der à problemática contemporânea à sua aplicação, e não uma interpretação ancorada
na vontade do legislador, quando a editou.103
É preferível admitir a súmula vinculante, em assuntos de interesse nacional e cujas
dissidências possam causar verdadeira convulsão nos meios jurídicos e econômicos e/
ou um aumento descomunal de processos, do que não admiti-la. Isto porque é admis-
sível aceitar que as causas que poderiam ser objeto de súmula vinculante chegarão aos
Tribunais de cúpula, depois de muito tempo, para ser objeto de reforma de decisões que
contrariem o que esses Tribunais já hajam firmado. Indaga-se, então, por que aguar-
dar meses e anos para chegar-se ao mesmo resultado, e, nesse meio tempo, com dano
para a segurança e certeza jurídicas, e, comumente, no contexto de uma hipertrofia ou
sobrecarga brutal de processos? Não se justifica esse interregno se possivelmente a so-
lução final haverá de ser a que os Tribunais Superiores haja firmado como a correta.
Problema ulterior à edição da súmula vinculante é o de, eventualmente, essa súmula
comportar, a seu turno, dúvida quanto ao seu entendimento, o que, por certo, exigirá,
então, que seja interpretada. É certo, por isso mesmo, que alterado o texto constitucio-
nal, objeto da súmula, isso haverá de repercutir no enunciado da súmula vinculante.
Como, ainda, alterado o texto da lei objeto da súmula, normalmente, isso repercutirá
no enunciado correspondente.
A proposta de edição, revisão ou cancelamento não tem interferência nos processos
em que a mesma questão esteja sendo discutida (art. 6.º da Lei 11.417/2006). Enquanto
não se editar, rever ou cancelar (ou, mais precisamente, enquanto não se fizer publicar
o enunciado respectivo no diário oficial), prevalece a ordem jurídica sem se considerar
qualquer proposta.

de de suas decisões. Segundo o dispositivo ora comentado, a reclamação para o STF terá
também a função de corrigir decisões que desrespeitem as súmulas desse tribunal, o que,
de certo modo, já se poderia dizer estar incluído em desrespeitar suas decisões, já que uma
súmula consiste exatamente na cristalização de uma posição reiteradamente assumida em
decisões isoladas, em certo tribunal, sobre uma determinada questão jurídica”. Para uma
visão mais detalhada sobre a reclamação, ver: MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua
aplicabilidade para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Ed. RT, 2007.
03. v., sobre isto, Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova retorica. Milano: Giuffrè, 1979. vol.
1
39, n. 25, p. 71 e ss., sobre a escola da exegese; e, sobre a sua superação, v., amplamente,
Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, n. 4, especialmente p. 39-49.
4
Direito de Ação

4.1. A teoria da ação

4.1.1. Os conflitos de interesse e as respectivas soluções


A hipótese de dois ou mais indivíduos irredutivelmente se intitularem, em face e
com fundamento no mesmo ordenamento jurídico, como sendo aqueles a quem tal or-
denamento protege, num mesmo momento e tendo em vista o mesmo bem, leva inelu-
tavelmente à necessidade de resolver tal conflito.
Na vida social, são infinitamente mais comuns as hipóteses de respeito aos direitos
(interesses) alheios do que de sua violação. Assim, o direito civil diz que A é proprietá-
rio de um bem; ou que A tem um crédito contra B; ainda, que A, casado com C, diante
do comportamento do cônjuge, tem direito de exigir a guarda dos filhos, em caso de
separação, e a separação mesma, julgada em seu favor. Ora, em regra, a propriedade de
A é respeitada; normalmente, o seu crédito será satisfeito, como ainda, o cônjuge sem
razão, mais comumente, aquiesce numa separação consensual não se aventurando em
uma separação litigiosa.
Aqui, dizemos que o direito se encontra num “estado fisiológico”. Já, porém, quan-
do isto não ocorre, passamos a um “estado patológico”.Se é violado o direito de pro-
priedade de alguém, ou quando o devedor não paga, quer o proprietário, quer o credor
– que não podem agir manu militari, mesmo na defesa dos seus direitos, pois isto é cri-
me (art. 345 do CP) –, necessitam da intervenção do poder público (atualmente Poder
Judiciário) para restaurar-lhes a lesão sofrida, ou para aplicar a norma que já incidiu.
Este apelo à Justiça, é que é a ação, que leva à formação de um processo. 1
O Poder Judiciário age substituindo a vontade das partes pela resolução que a essas
se impõe, havendo de realizar o mandamento da lei. Assim, depois de definitivamen-
te findo um processo, valerá e será eficaz o que o Judiciário tiver decidido. Valerá, em

1. É o que diz Alexandre Freitas Câmara, no sentido de que “se extrai uma evidente ligação
entre ação e processo. É que o direito de ação se exerce no processo, atuando neste em
contraditório, de modo a buscar influir no resultado da atividade processual.” (v. O novo
processo civil brasileiro, 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 36).
Direito de Ação 143

suma, a aplicação da vontade da lei ao caso concreto, pois ter-se-á dado prevalência ao
interesse juridicamente protegido, sendo que se realizará completamente tal interes-
se definido como jurídico, mesmo coativamente, quando seja a hipótese de execução.
Quer a declaração (lato sensu) dos direitos, que se faz por meio da ação, num pro-
cesso (processo de conhecimento), quer a subsequente realização material do direito já
declarado (processo de execução ou fase executiva/cumprimento de sentença), supõe
sempre a figura do juiz. Há, desta forma, uma autêntica trilogia: ação, processo e juiz. 2

4.1.2. Noção de direito objetivo e de direito subjetivo


A ação deve ser considerada o próprio motor do organismo judiciário – pois este é,
pela sua natureza, inicialmente inerte – e deve, antes de ser estudada em si mesma, ser en-
focada em face do direito objetivo e ao lado do direito subjetivo. É o que faremos a seguir.
Pode-se definir o direito objetivo como sendo a regulamentação dos comportamentos
humanos, por meio de normas gerais e abstratas, apontando os referenciais e traçando
os limites do que está de acordo e do que não está de acordo com essa mesma ordena-
ção, e respectivas consequências, quer na hipótese dos comportamentos lícitos, quer
na dos ilícitos. O Direito, ao disciplinar tais comportamentos, considera os homens em
suas relações pessoais (conduta de uns em face de outros), bem como tendo em vista a
apropriação do homem sobre os bens existentes, com exclusão dos demais – sujeição
passiva universal, isto é, ao mesmo direito (conduta de um ou mais homens, tendo em
vista um direito exclusivo sobre um bem: direito real), e exclusão da interferência da
ação dos outros, em relação ao mesmo bem e ao direito absoluto que sobre ele incide
(valem estes direitos erga omnes) –, e ensejam ações adversus omnes (v.g., art. 1.228, ca-
put, do Código Civil, como exemplo fundamental).
O direito objetivo, assim e sinteticamente, constitui-se num quadro definidor das
situações juridicamente tuteláveis, desde que ocorrentes os pressupostos aí mesmo de-
finidos. Não nos esqueçamos, contudo, de que o direito objetivo deve ser compreen-
dido como um sistema, cuja característica principal é a da unidade, determinadora de
sua harmonia. As normas têm que ser sempre entendidas e aplicadas dentro do sistema
a que pertencem, o que implica sejam respeitados os princípios que o informam, rea-
lidade esta que se reflete nas normas constitutivas do sistema, tendo como matriz pri-
mária o Direito Constitucional.

2. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes “cons-
titui postulado clássico da teoria do processo a conformação tríplice da relação jurídica
processual. É absolutamente excluída a possibilidade de que as partes litiguem por si sós,
com suas próprias forças e segundo as regras que elas próprias estabeleçam, cumpram
ou deixem de cumprir – e ainda sem um diretor que comande e discipline esse combate.
Não é admissível pensar na relação jurídica processual somente entre autor e réu, sem o
juiz. (...) O caráter tríplice da relação jurídica processual (angular ou triangular) corres-
ponde, porém, apenas à sua estrutura subjetiva mínima. Não pode existir um processo
sem o juiz, sem um demandante ou sem um demandado, mas no entanto pode havê-los
em número superior.” (cf. Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 153-154).
144 Manual de Direito Processual Civil

O direito subjetivo3 supõe o direito objetivo. Se este, num dos seus aspectos, repre-
senta a atribuição de bens da vida a diversos sujeitos, desde que nestes sujeitos se re-
únam os respectivos pressupostos da atribuição de tais bens, o direito subjetivo, a seu
turno, significa a titularidade de uma situação jurídica. Ou, se se quiser, o direito sub-
jetivo é a própria individualização ou subjetivação concreta de um direito, atribuído a
alguém, que é o seu titular. O direito objetivo, como já o dissemos, é geral e abstrato:
atinge a todos e nele se formulam e descrevem hipóteses ideais. O direito subjetivo, ao
contrário, é particular e concreto; pertence a indivíduos determinados e a estes é atribu-
ído concretamente, em virtude da ocorrência de um ou mais fatos descritos pelo direito
objetivo ou que por ele sejam considerados relevantes para esse fim.
O direito objetivo contém sanções e utiliza-se ainda da “coerção”, mercê da qual se
concretiza a sanção, desde que se verifiquem os pressupostos da incidência desta últi-
ma, num dado caso concreto.
A sanção, num dos sentidos que a palavra comporta, é a consequência jurídica que
se segue ao descumprimento de uma norma jurídica. A norma jurídica, como regra ge-
ral, contém dois elementos fundamentais: (1.º) a parte em que define a conduta lícita
(preceito primário); (2.º) o outro aspecto, em que impõe uma sanção, em havendo des-
cumprimento do preceito primário.4
A sanção nos dias correntes é, ordinariamente, imposta concretamente pelo Poder
Judiciário, em função do exercício do direito de ação, desde que se verifique, afinal, ter
ocorrido a infringência ao preceito primário da norma jurídica. A Administração tam-
bém impõe sanções, muitas vezes, acompanhadas de coação, mas estas são suscetíveis
de revisão pelo Judiciário.
Verificamos, por estas observações, que a ação é essencial ao funcionamento da or-
dem jurídica, e isto porque, se não existisse, voltaria a ser usada a autodefesa ou a vin-
gança privada, que a lei veda (ressalvem-se as hipóteses excepcionais e expressas, em

3. Esta era precisamente a conceituação de Puchta (v. Lehrbuch der Pandekten [Manual das
Pandectas], Leipzig: Verlag von Johann Ambrosius Barth, 1856, vol. 1/28), que definia o
direito subjetivo como existente, nesse sentido objetivo, na hipótese de, por força do direito
objetivo, determinado objeto quedar-se sob o poder de alguém. Para outra posição, agora
de índole normativista, o direito subjetivo, todavia, seria apenas reflexo do dever jurídico
de alguém em face daquele que é (seria) o titular do que se designa como direito subjetivo
(Cf. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre [Teoria pura do direito], 2ª ed., Viena: edição Franz
Deuticke, 1960, p. 149; cf. tb., a respeito, Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito,
trad. da 2ª ed. alemã, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1982, p. 91). Kelsen, todavia, aceita
o conceito, em rigor, commoditatis causa, ou tendo-o como operacional. O que vale, no
entanto, é observar que se trata de conceito que, atualmente, é discutível, o que em outros
tempos inocorria.
4. Há quem entenda que a norma primária é que encarna a sanção e que suscita o dever jurídico,
e o dever jurídico é que se constitui na norma jurídica secundária (Cf. Hans Kelsen, Reine
Rechtslehre [Teoria pura do direito], 2ª ed., Viena: edição Franz Deuticke, 1960, p. 135 et
seq.; trad. portuguesa, 5ª ed., p. 190 et seq.; Recaséns Siches, Introducción al estudio del
derecho, 6ª ed., México, 1981, p. 123).
Direito de Ação 145

que a lei permite a autodefesa).Assim, nos casos de infração ao preceito primário da


norma jurídica, mercê da ação e por meio da figura do processo, pede-se a intervenção
do Poder Judiciário para, constatada a infração, impor-se ao réu a respectiva sanção.
Ou, se não é caso de sanção, fazer a aplicação da norma ao caso concreto controvertido,
regra essa de direito já objeto de incidência.
O ordenamento jurídico, assim, além de atribuir os bens da vida, contém elementos
(sanção e coerção) por meio dos quais se efetivam as tutelas jurídicas. Essa efetivação
é uma das grandes tarefas do processo, senão a principal.
A sanção, sob o prisma processual, é representativa da individualização e/ou con-
cretização da situação jurídica do réu para com o autor, nesta ótica de abordagem.
Se, entretanto, após a fixação definitiva da “obrigação” do réu – sendo já indiscu-
tível o direito do autor – verificar-se a recusa do réu em obedecer à sentença, surgirá a
figura da coerção. Esta figura pode surgir mesmo antes da definição imutável da obri-
gação do réu, nos casos de execução provisória, sejam os previstos no Código, sejam
os constantes do sistema.
A coerção é o quid essencial e definidor do processo de execução ou da fase execu-
tiva, em que não mais se apura, precipuamente, a existência do direito do autor, mas,
sim, se dá cumprimento ao mesmo, apesar da vontade do réu, ou melhor, contra a von-
tade do réu.5 A coerção, que pode inclusive consistir no emprego da força física por
determinação do Judiciário, é a base sobre a qual se assenta o processo de execução e,
também, das denominadas ações executivas lato sensu ou mandamentais (p. ex., na fase
executiva das ações reguladas pelos arts. 497 a 501 do CPC/2015).

4.1.3. A ação e o direito subjetivo no prisma judicial


Definirmos o que seja direito subjetivo é tarefa das mais árduas na Ciência do Direi-
to. Historicamente, foi depois do trabalho dos grandes juristas alemães do século XIX
– Savigny, Puchta e Ihering, dentre outros – que o conceito veio a assumir corpo, irra-
diando-se por todo o Direito, com significação e perfil razoavelmente claros. Por este
motivo, afiguram-se-nos importantes algumas considerações a respeito, sem o propó-
sito de, é evidente, dizer algo de novo ou definitivo.
Duas clássicas e fundamentais posições podemos, desde logo, pôr em evidência, a
respeito da natureza do direito subjetivo. Para Bernhard Windscheid, o direito subje-
tivo é “una podestà e signoria della volontà impartita dell’ordine giuridico”.6 O direito

5. Esta afirmação não deve ser entendida de forma absoluta, pois, na execução, é possível ao réu
(na verdade, executado) defender-se por meio dos embargos do devedor, mais amplamente
(art. 917 do CPC/2015), ou por meio da impugnação ao cumprimento da sentença, mais
restritamente (art. 525 do, §1º, CPC/2015), consoante seja a natureza do título exequendo
extrajudicial ou judicial, respectivamente; entretanto, a finalidade precípua da execução
não é a de se apurar o direito do autor (agora exequente), o que só ocorre incidentalmente.
6. Cf. Bernard Windscheid, Diritto delle pandette, trad. Carlo Fadda e Paolo Bensa, Turim: Un.
Tipografico Editrice, 1902, vol. 1, p. 169-170.
146 Manual de Direito Processual Civil

subjetivo seria, pois, um ato de vontade, concepção esta que deu nascimento à chama-
da teoria voluntarista do direito subjetivo.
Para Ihering, em contraposição, e atendendo às consequências lógico-jurídico-
-culturais decorrentes do seu pensamento, o direito subjetivo seria “um interesse juri-
dicamente protegido”.7 Ihering argumenta que o interesse constitui-se no móvel fun-
damental de toda pessoa humana. O agir humano não se explica por um “porquê”, mas
sim por um “para que fim”. Desta forma, o direito subjetivo reduzir-se-ia precisamente
ao interesse protegido pelo Direito, dizendo-se, nessa linha de pensamento, ainda hoje,
que o interesse juridicamente protegido é o próprio conteúdo do direito subjetivo, ou
que é o próprio direito subjetivo.
Quanto à teoria voluntarista, argumentou-se, para invalidá-la, que a vontade não
poderia ser erigida como caracterizadora da natureza do direito subjetivo, pois o menor
absolutamente incapaz e todos aqueles em relação aos quais o Direito não reconhece
qualquer efeito oriundo da manifestação de vontade, têm, sem embargo disto, reconhe-
cida a titularidade (="gozo)" de direitos subjetivos.
A nosso ver, tanto a vontade, quanto o interesse protegido, merecem consideração,
sob um prisma estritamente jurídico, isto é, depois de estabelecida a norma, vontade e
interesse passam a ser elementos do direito subjetivo na exata medida em que este os
considere. Se, rigorosamente, é o direito objetivo um antecedente do direito subjeti-
vo, ou, como se pode dizer, é formalmente sua fonte, sendo, portanto, a norma jurídi-
ca (direito objetivo) necessariamente um de seus elementos constitutivos, a vontade
do sujeito (ou de outrem por esse sujeito) como componente do direito subjetivo será
aquela a que a lei atribui determinados efeitos.
O interesse do sujeito em defender um bem ou uma situação terá que, antes de tudo,
ser conforme ao ordenamento. O direito objetivo, pois, é formalmente a fonte do direito
subjetivo. Substancialmente, depende ele da ocorrência de atos de vontade (como um
contrato) ou, então, de fatos jurídicos (como a morte).
Pelo contrato criam-se direitos e obrigações; há, nele, manifestamente, o papel
criador da vontade e do interesse, pois aquela foi dirigida em função deste. Outrossim,
mesmo na hipótese da morte, há também o papel da vontade, pois, se o herdeiro o de-
sejar, poderá renunciar à herança. Se nada disser, é porque concorda em recebê-la, e o
seu silêncio é expressão tácita, juridicamente relevante, de que lhe interessa a herança.
Parece-nos difícil desvincular a vontade do interesse, dado que ambos dão conteú-
do ao direito subjetivo.
Nesta posição encontramos Icílio Vanni, que afirmou serem vontade e interesse ele-
mentos inseparáveis do direito subjetivo.8

7. Cf. Ihering, Espírito do direito romano, trad. bras., Rio de Janeiro: Alba, 1943, n. 71, p. 227
et seq.; v. James Goldschmidt, Problemas generales del derecho, Buenos Aires: Depalma,
1944, p. 102, n. 121.
8. Cf. Icílio Vanni, Filosofia do direito, trad, da 3ª ed. italiana, São Paulo: P. Weiss, 1916, p. 76.
Direito de Ação 147

Giorgio Del Vecchio, considerando o assunto do direito objetivo, define-o como “a


coordenação objetiva das ações possíveis entre vários sujeitos, segundo um princípio
que as determina, excluindo-lhes os empecilhos”.9 Verificamos por esta concepção a
ratio essendi do Direito: é a de possibilitar a vida em sociedade, reduzindo ao mínimo os
atritos possíveis. Outros, nessa mesma linha, ligam o aspecto da obrigatoriedade do Di-
reito aos fins da vida social, consubstanciados na garantia, segurança e ordem sociais.10
Destas posições, e de quanto foi dito, podemos extrair as seguintes conclusões: (1.ª)
a norma jurídica (direito objetivo) é necessariamente um dos elementos do direito sub-
jetivo; (2.ª) sendo o direito objetivo – em si considerado – abstrato por definição, para
existir direito subjetivo é necessário que se verifique a ocorrência de um fato jurídico
(ato ilícito ou lícito, ou negócio jurídico, espécies de fato jurídico), a que o mesmo di-
reito objetivo atribua relevância.
Um dos aspectos dessa relevância é a proteção,11 e aí entramos na temática da ação.
Quem alude à proteção, fala em ação para proteger o direito.
A ação, considerada sob o prisma processual, como aqui se faz, não integra a figura
do direito subjetivo material. No entanto, como o ordenamento jurídico é necessaria-
mente unitário, no sentido de ser integralmente coordenado à atribuição e proteção de
direitos aos diversos sujeitos jurídicos, pode dizer-se que o direito subjetivo material
lesado, bem como a ação (processual), têm finalidades últimas voltadas ao mesmo ob-
jeto. Assim, o interesse (mediato) do titular do direito subjetivo material (do credor,
por exemplo) é o de receber o seu crédito (ver, na hipótese, satisfeito o direito subjeti-
vo de que é titular); outra não é a finalidade última da ação (interesse imediato, obter a
sentença condenatória que instrumentalmente o conduza à satisfação do interesse me-
diato – o crédito). Há somente uma diferença: a posição do titular do direito subjetivo
material – enquanto não ingresse em juízo – é uma; isto é, dirige-se ao seu devedor e
pede a este que cumpra a sua obrigação. No entanto, quando verificar que este não vai
fazê-lo, ajuizará contra o mesmo uma ação, objetivando conseguir judicialmente aqui-
lo que desejaria que tivesse acontecido extrajudicialmente, ou seja, naturalmente. Há,
pois, uma coincidência intencional de finalidades, havendo, todavia, uma diversidade
de meios, em função dos obstáculos que se colocam.
Devemos ter presente, todavia, que atribuindo o ordenamento jurídico o direito de
ação a toda e qualquer pessoa, desde que tal direito seja exercido em conformidade com

9. Cf. Giorgio del Vecchio, Lezioni di filosofia del diritto, Milão: Giuffrè, 1946, p. 197. É filiada
esta conceituação à de Kant, de que é quase cópia (Cf. I. Kant, Grundlegung zur Methaphisik
der Sitten [As bases da metafísica dos costumes]), tomo 41, Felix Mehler, 1952, p. 34.
10. Cf. Radbruch, Filosofia do direito, Coimbra: 1953, vol. 2/223.
11. Quem se refere à proteção poderá considerá-la normalmente como proteção ativa (direito
processual de ação). O tema comporta aprofundamento, v.g., como o de se saber se uma
obrigação natural, destituída de proteção ativa, ou se uma obrigação prescrita, em que há (se
patrimonial) direito de ação, extinguível por iniciativa do juiz (art. 332, §1º, do CPC/2015)
ou do devedor por alegação da prescrição, seriam tipicamente direitos subjetivos. Haveria,
aí, propriamente, direito subjetivo, ou, então, ao menos, estaria mutilado?
148 Manual de Direito Processual Civil

a lei, este direito de ação representa, de sua parte, um direito subjetivo, um direito sub-
jetivo processual (trata-se de conceito ainda mais discutível que o de direito subjetivo).
Assim, utilizando-se alguém do direito subjetivo de ação, nem por isso, fatalmen-
te, verá reconhecido o direito subjetivo material que afirma ter (pretensão). 12 Há, pois,
para a integração da figura do direito subjetivo material, se for ele contestado e subme-
tido à pendência judicial, um outro elemento: o indispensável reconhecimento judicial
do direito pretendido, por meio da procedência da ação. Consideremos o problema,
para facilitar, somente da perspectiva do autor.
Podemos dizer que o reconhecimento judicial é comumente desnecessário à confi-
guração do direito subjetivo. Desde que não haja contenda em juízo e estejamos diante
de um ato jurídico perfeito ou de uma situação jurídica subjetivada, acabada e estável,
o reconhecimento seria desnecessário. Se, porém, mesmo diante de um ato jurídico
perfeito ou de uma situação jurídica subjetivada, acabada e estável, houver contenda
judicial, o reconhecimento será necessário.
Também podemos dizer que a posição é contraditória. Responda-se, no entanto, que
considera-se o reconhecimento judicial sob um prisma prático; será ou não necessário
para a integração do direito subjetivo conforme penda ação ou não. Por isso, entende-
mos que os elementos do direito subjetivo são variáveis, dependendo do caso concreto
(pelo próprio titular ou por alguém a quem o direito empreste relevância para manifes-
tar vontade por outrem – o titular).
Não há aqui a pretensão de dar uma definição exata e final de direito subjetivo, mas
apenas externar, ainda que sucintamente, nossa posição atual, com o objetivo de forne-
cer uma visão íntegra do direito de ação e de onde este se confina com o direito material.
Sintetizando, como elementos do direito subjetivo, temos: (1.º) o direito objetivo, que
idealmente (hipoteticamente) o define para uma concretização, num dado sujeito; (2.º)
o(s) fato(s), em função do(s) qual(is) se diz ter nascido o direito subjetivo; (3.º) eventu-
almente, o reconhecimento judicial, quando se fizer necessário (compreende, para con-
figurar o “reconhecimento judicial”, não só a figura da ação, como também da decisão
favorável). Se a sentença não for favorável ao autor, ter-se-á declaração de inexistência do
direito do autor, igual, pois, à inexistência de direito subjetivo, infundadamente pretendido.
Como observemos acima, há muitos – e nós mesmos assim colocamos a questão –
que consideram os elementos vontade e interesse como relevantes na composição do di-
reito subjetivo (na exata medida em que a lei os considere relevantes). O assunto apre-
senta-se muito variado, tendo em vista os múltiplos direitos subjetivos existentes nos
sistemas jurídicos.

12. “Segundo o entendimento preponderante nos países de cultura processual romano-germâni-


ca, e especialmente no Brasil, a ação é o direito a obter do Estado-juiz um pronunciamento
a respeito de uma pretensão trazida a juízo (decisão de mérito), independentemente de
esse pronunciamento ser favorável ou desfavorável aquele que tiver o pedido. Tal é a teoria
abstrata da ação” (v. Cândido Dinamarco e Bruno Lopes, Teoria geral do novo processo
civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 153-154).
Direito de Ação 149

Dificilmente, porém, o papel da vontade será irrelevante para a existência do direi-


to subjetivo. Quer a vontade externada (pelo próprio titular ou por alguém a quem o
direito empreste relevância para manifestar vontade por outrem – o titular), quer, por
outro lado, o silêncio – que é também uma forma de manifestar a vontade, quando este
sentido lhe for dado pelo direito –, integram a figura do direito subjetivo, como um ele-
mento ao lado dos já mencionados.
O interesse, outrossim, é elemento do direito subjetivo. Mas não esqueçamos que
tanto a vontade como o interesse entram na composição do direito subjetivo na exata
medida em que a lei os considere relevantes, para configurar tal entidade.

4.1.4. Teoria civilista da ação


A teoria clássica respeitante à natureza da ação é a chamada teoria civilista ou ima-
nentista. Esta teoria vigorou durante todo o século XIX e deveu a sua existência à fase
evolutiva do processo em que este se encontrava verdadeiramente subordinado ao Di-
reito Civil, sendo concebido como apêndice deste.
Vivificavam, nos poucos princípios que informavam o processo civil de então, di-
retrizes marcadamente privatísticas. A superação desta teoria foi decorrência da pró-
pria autonomia do Direito Processual Civil, iniciada no último quartel do século XIX,
a qual veio dar fisionomia própria aos institutos do processo e, assim, uma nova confi-
guração e perfil à ação.
A teoria clássica quanto à natureza jurídica da ação identificava-a com o direito ma-
terial; uma e outro eram a mesma realidade, apenas apresentadas sob formas diversas.13
Esta posição que identifica o direito material com o direito de ação, vendo-os como dois
momentos de um mesmo fenômeno jurídico, em nosso sentir, não explicava racional-
mente um fenômeno comum na prática judiciária, que era o da ação infundada. 14
Tomemos o exemplo de alguém que demanda outrem e, na sentença final, verifica
o julgador que o autor não tinha razão (ação infundada). No entanto – e é aqui que re-

13. A respeito das posições mais claras e dominantes: F. Karl von Savigny, Sistema del diritto
romano attuale, trad, de Vittorio Scialoja, Turim: Un. Tipografico, 1896, § 59; Windscheid,
Diritto delle Pandette, trad. Carlo Fadda e Paolo Bensa, vol. 1, Turim: Un. Tipografico Editrice,
1902, § 44; G. F. Puchta, Lehrbuch der Pandekten [Manual das pandectas], Leipzig: Verlag
von Johann Ambrosius Barth, 1856, § 81; Galdi, no Comentário de Mancini, Scialoja e
Pisanelli, Commentario del Codice di Procedura Civile, Coordenado por Domenticantonio
Galdi, Nápoles: Stabilimento Tipografico del Classici Italiani, 1975, vol. 1, n. 385; Pescato-
re, em Sposizione compendiosa della procedura civile e criminale, Turim: Un. Tipografico
Editrice, 1864, p. 121; Joseph Unger, System des österreichischen allgemeinen Privatrechts,
Leipzig: Brietkopf und Härtel, 1876, vol. 2, § 113, n. 13; Mattirolo, nos seus Elementi di di-
ritto giudiziario civile, Torino: Fratelli Bocca, 1875, vol. 1, n. 21 (v. nosso Direito processual
civil – TGPC, vol. 1, São Paulo: RT, 1972, p. 97, nota 134).
14. Sobre isso, mais recentemente, v. comentários de Zulmar Duarte ao art. 17 do CPC/2015,
segundo o qual “a impropriedade da teoria é evidente, na exata medida em que deixa sem
explicação a improcedência do pedido, hipótese em que o acionante, por não ter direito,
seria destituído de ação.” (cf. Fernando da Fonseca Gajardoni [et al] Teoria geral do processo:
comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 102).
150 Manual de Direito Processual Civil

side a pedra de toque do problema, em regra – aquele que tem razão e o que não a tem
podem receber do Judiciário o mesmo tratamento, porque é impossível, liminarmente,
dizer quem tem e quem não tem dita razão.
É evidente, pois, que a teoria unitária não explicava a totalidade dos aspectos do
fenômeno.

4.1.5. A posição de Adolf Wach


Se percorrermos os olhos pela história do processo civil, e, em especial, se obser-
varmos os doutrinadores da teoria da ação, veremos que Adolf Wach seguramente re-
presenta o autor mais importante no evoluir moderno do conceito, no sentido de ter
abalado, antes de todos, os alicerces da teoria civilista. Mencionar, por outro lado, a
evolução da teoria da ação quer significar, antes de tudo, aludir a um caminho percor-
rido no sentido de demonstrar que a ação é um instituto autônomo do direito material.
Este é o aspecto primordial da questão.
Estabelecendo um contraste entre os conceitos dominantes antes do de Wach e o
deste jurista verificaremos que foi mercê das ideias expendidas em suas obras que se
conseguiu verdadeira e definitivamente superar a teoria civilista da ação, embora o con-
ceito de Wach, em si mesmo, não crie uma autonomia plena.
Verificou Wach, nitidamente, que, ao lado da ação condenatória – praticamente a
única tratada pela doutrina civilista –, existia outro tipo de ação: a declaratória. Mais
ainda, com fundamento na Exposição de Motivos do Código de Processo alemão, e ten-
do em vista, ainda, a Exposição de Motivos do Código Civil alemão, Wach deixou cla-
ro que o conceito de pretensão à declaração de forma alguma podia confundir-se com
o instituto da pretensão de direito material. Deixou claro que não é objeto da ação de-
claratória a prestação; trata desta última, tão somente, a ação condenatória.15
Constatou que a ação declaratória, julgada procedente por meio da sentença decla-
ratória, era insuscetível de execução, pois seu objetivo era, apenas, o de conseguir cer-
teza jurídica; ao passo que a ação condenatória, ao lado da obtenção da certeza jurídica,
tinha por finalidade principal a obtenção da sentença condenatória que, servindo de
título executivo, satisfaria, no seu direito, ao ganhador da demanda.
Este tipo de direito, de forma alguma, poderia confundir-se com qualquer categoria
do direito civil, sobretudo – acentuava Wach – porque era perfeitamente demonstrável
a existência de “direitos de ação”, independentemente dos direitos subjetivos privados
que devem ser protegidos por aqueles.
Assim definiu Wach a pretensão de proteção do direito (ação): “Direito relativamen-
te independente, que serve à manutenção da ordem concreta dos direitos privados, em
relação aos quais é um direito secundário e independente quanto aos seus requisitos”.16

15. Cf. James Goldschmidt, Teoría general del proceso, trad. da obra alemã, Barcelona: Editorial
Labor S.A., 1936, n. 14, p. 36.
16. Cf. Wach, La pretensión de declaración, Buenos Aires: EJEA, 1962, p. 51.
Direito de Ação 151

Verificamos que os traços essenciais e marcantes de seu pensamento são os seguin-


tes: (1.º) a ação é relativamente independente do direito material (substancial), que por
seu intermédio se pretende fazer valer; (2.º) é, assim, um direito secundário, dado que
supõe – na generalidade dos casos – um outro direito, o qual é, por sua vez, o direito
primário; (3.º) com este direito primário, porém, não se confunde, embora haja de re-
tratar qual seja esse direito. Esta afirmação é verdadeiramente axiomática, se tivermos
presente a hipótese da ação declaratória negativa, cujo pressuposto é a própria inexis-
tência de uma relação jurídica de direito material;17 (4.º) os requisitos do direito de ação
são determinados pelo direito processual; (5.º) a ação é bifronte, exercitável em duas
direções: (a) em face do Estado, a quem se pede prestação jurisdicional; (b) contra o
réu, obrigado a suportar a referida prestação.
Devemos salientar, ainda, que Wach já observara a impossibilidade de prescrição
da ação declaratória.18

4.1.6. A posição de Chiovenda


Foi Giuseppe Chiovenda o primeiro processualista que afirmou a autonomia da
ação na Itália,19 embora a sua teoria do direito de ação não o conceba como absoluta-
mente autônomo. 20
Seus estudos, porém, são de tal forma profundos, que as linhas mestras de seu pen-
samento a respeito – cuja última expressão se encontra nas suas Istituzioni di diritto pro-
cessuale civile – encontram adeptos até nossos dias. Desta forma, pela relevância de seu
pensamento, quer na Itália quer fora dela, é que suas ideias merecem ser consideradas
nos seus principais aspectos.21
A vontade concreta da lei, em regra, realiza-se independentemente do processo.
Se, porém, não há regular cumprimento da obrigação, ou se não é obedecida a lei que
incidiu, há necessidade do processo para traduzir, em ato, a vontade da lei. Segun-
do Chiovenda, o processo serve às duas grandes categorias de direito, a saber: (1.º) à

17. Mesmo na chamada ação declaratória negativa, ainda assim é necessário o retrato ou a
descrição da relação jurídico-material, cuja declaração, precisamente, é objetivada; do
contrário, seria impossível declarar-se a sua inexistência.
18. Wach, La pretensión de declaración, Buenos Aires: EJEA, 1962p. 69, com base na própria
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil alemão.
19. Liebman, L’Azione nella teoria del processo civile, Problemi del processo civile, Nápoles:
Morano Editore, 1962, p. 25; Sérgio Costa, Manuale di diritto processuale civile, Torino:
Torinese, 1955, p. 10.
20. “A autonomia da ação é demonstrada por Chiovenda de duas formas: a) pela diferença do
conteúdo entre a ação e o direito subjetivo. Este tende a uma prestação do devedor; aquela, a
uma atividade do órgão jurisdicional (...) b) pela indicação de casos em que há ação, embora
não haja direito subjetivo a ser satisfeito.” (V. José Tesheiner e Rennan Thamay, Teoria geral
do processo: em conformidade com o novo CPC, 2ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 158).
21. V. nosso Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. 1/302 et seq., e
nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1990 vol. 1, p. 368 et seq.
152 Manual de Direito Processual Civil

dos direitos ligados a um bem da vida, a serem alcançados, antes de tudo, mediante a
prestação, positiva ou negativa, do obrigado; (2.º) à dos direitos tendentes à modifi-
cação do estado jurídico existente (a rigor, preexistente, ex lege), os quais são os di-
reitos potestativos.22
Os direitos tendentes a uma prestação, por sua vez, subdividem-se em direitos obri-
gacionais (prestação positiva) e direitos reais (prestação negativa – abstenção de todos).
A ação, segundo Chiovenda, é um direito potestativo, e aqui reside a grande novi-
dade de seu pensamento. Os direitos potestativos têm a característica fundamental de,
por meio dos mesmos, poder alguém influir, com sua manifestação de vontade, sobre
a condição jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste. O direito potestativo
tem dois objetivos primordiais: (1.º) fazer cessar um direito ou estado jurídico existen-
te; (2.º) produzir um estado jurídico inexistente, e, nessa produção, compreende-se a
mera modificação.
Em certos casos, para atuar o direito potestativo, há necessidade de intervenção do
juiz;23 em outros, ao contrário, esta não é necessária. Assim, o poder de ação para Chio-
venda consiste no direito de conseguir uma atuação concreta da lei em face de um ad-
versário. Tal adversário “não é obrigado a coisa nenhuma diante desse poder: simples-
mente lhe está sujeito”.24
Com o exercício do direito a que corresponde a ação, a mesma se exaure.
Finalmente, há que se salientar, no pensamento de Chiovenda, o aspecto por ele
afirmado da autonomia da ação.
Considerando um primeiro ângulo do problema relativo à violação do direito e suas
consequências, precisa esse autor que, nesses casos, a ação se desprende do outro direito
subjetivo (real ou pessoal), oriundo daquela vontade da lei; são distintos os dois direi-
tos, conquanto possam coordenar-se a um idêntico interesse econômico.
Apesar desta coordenação à satisfação de um mesmo interesse, a ação e o direito sub-
jetivo têm vida e condições diferentes e conteúdo profundamente diverso. O direito ao
cumprimento da obrigação, por exemplo, mesmo depois do inadimplemento, conserva
a sua direção para a prestação do devedor. Já o direito de ação aspira conseguir o bem
garantido pela lei, por todos os outros meios possíveis. Desta forma, ação e obrigação
são, por consequência, dois direitos subjetivos distintos, que somente juntos e unidos
preenchem plenamente a vontade concreta da lei.

22. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969, vol. 1/36.
23. Quando ocorre a necessidade, ex lege, de intervenção do juiz, para o efetivo e real exercí-
cio de um direito potestativo, assemelham-se bastante o exercício do direito de ação (que
tenha à sua base um direito potestativo) e o direito de ação tendente a uma prestação do
obrigado. Diferenciam-se, isto sim, porque no potestativo, na hipótese tratada, coloca-se
como despicienda a vontade do que está sujeito à atuação do outro, ao passo que, no direito
tendente à prestação, poder-se-ia obter o que se obteria pela intervenção do Judiciário, se
o obrigado tivesse cumprido o que lhe incumbiria.
24. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969.
Direito de Ação 153

4.1.7. Crítica às concepções clássicas sobre a ação


Considerar-se a ação como direito concreto à tutela jurídica, ou como um direito
potestativo, tal como o fizeram Wach e Chiovenda, respectivamente, e seus seguidores,
deixou sem explicações satisfatórias uma série de fenômenos. 25
É fora de dúvida que a relação entre ação e direito subjetivo é um dos pontos pre-
sentes na generalidade das teorias a respeito da ação.26 A ratio essendi de toda teorização
consiste em lograr chegar ao escopo de se distinguirem tais realidades: o direito subje-
tivo material e o direito de ação.
No entanto, o que importa realçar é que tanto Wach quanto Chiovenda, em última
análise, condicionaram a própria existência do direito de ação àquela do direito subjeti-
vo, salvo enquanto peculiarizam o fenômeno da ação declaratória, e, em especial, a ação
declaratória negativa. Tanto Wach quanto Chiovenda, conquanto tenham considerado
a autonomia do direito de ação (o primeiro, em verdade, relativamente), foram claros
no sentido de que somente na sentença final é que efetivamente era possível apreciar a
existência ou não do direito de ação. Ainda, a existência do direito de ação seria cons-
tatada, desde que a ação fosse procedente. Assim, em última análise, existente seria a
ação, desde que existente o direito que lhe estava subjacente (direito material, em re-
gra). Havia, pois, ainda grande condicionamento da ação ao direito material.
Ora, se a ação somente existiria quando a sentença constatasse existente o direito
material ou subjetivo, as duas realidades (ação e o respectivo direito subjetivo) seriam
constatados no mesmo momento. No entanto, parece-nos que isso seria confundir a
fotografia com o fotografado, pois que, da mesma maneira que a fotografia não é o foto-
grafado, a ação não é o direito subjetivo. O que podemos dizer é que na ação se encon-
tra perfeitamente retratado ou definido o direito subjetivo como hipótese de trabalho,
mas este somente existirá quando a autoridade à qual se adjudicou competência diga
que existe; isto é, quando a ação julgada procedente se exaure.
Tal abordagem do problema, contudo, suscita uma dúvida ou deixa de responder
satisfatoriamente a uma questão medular. Como explicar e justificar toda a atividade
jurisdicional desenvolvida, para, somente a final, concluir se o autor tem ou não ação?

25. Como pondera Daniel Amorim Assumpção Neves “A teoria concreta do direito de ação
encontra-se superada, somente tendo interesse histórico. Nunca conseguiu responder a
dois questionamentos que demonstram sua impropriedade: (a) na hipótese de sentença
de improcedência há declaração de que o direito material alegado pelo autor não existe;
nesse caso, com a resolução do mérito desfavorável ao autor, não teria ele exercido o di-
reito de ação? (b) na hipótese de sentença de procedência na ação declaratória negativa,
quando o acolhimento do pedido do autor declara a inexistência do direito material; não
teria havido direito de ação nessa sentença de procedência do pedido. Como se nota com
facilidade nos dias atuais, a vinculação entre a existência de direito de ação e a existência
do direito material não consegue explicar algumas situações nas quais, apesar de inexistir o
direito material, não existe dúvida a respeito da existência do direito de ação.”. (v. Manual
de direito processual civil, 8ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 66-67).
26. Cf. Alexander Pekelis, em Nuovo Digesto Italiano, Turim: UTET, 1937, vol. 2, n. 3, verbete
“Azione”.
154 Manual de Direito Processual Civil

Não seria mais fácil e mais lógico entender-se – mais coerentemente com a realidade
dos fenômenos – que, nesta hipótese, a ação foi efetivamente exercida, independente-
mente do resultado, favorável ou desfavorável da demanda? Se a ação for julgada pro-
cedente, verificar-se-á que era fundada e que o autor tinha razão, ou seja, o seu pedido
era conforme o ordenamento jurídico. Se, ao contrário, constatar-se que a ação não ti-
nha fundamento, ter-se-á visto que era infundada e que ao autor, assim, não assistia ra-
zão. Neste segundo caso, porém, a ação foi plenamente exercida; verificou, apenas, que
inexistia qualquer direito subjetivo material a embasá-la.
A ação, pois, existe, mesmo prescindindo-se da existência do direito material. Pode
dizer-se que a ação é, per se, um direito subjetivo, ao lado do direito subjetivo material.27
É impossível, como regra, aferir-se liminarmente a viabilidade ou não do fundamen-
to da ação, e, mesmo que possível fosse, em certos casos, as regras do processo impedem
absolutamente tal aferição (sentença), salvo casos excepcionalíssimos (v.g., art. 332,
§1º). Juridicamente, é hipótese rara. No entanto, é possível fixarem-se umas tantas
condições, ou uns tantos requisitos (categorias jurídicas), para admitir-se o exercício
do direito de ação. Tais requisitos tradicionalmente denominam-se condições da ação,
que serão analisadas no próximo tópico. Se estiverem presentes, a ação ensejará uma sen-
tença de mérito, mesmo que desfavorável; caso contrário, será extinto o processo sem
resolução de mérito, inexistente, aqui, o próprio direito de ação.
O que interessa primordialmente é estudar a ação e construir uma teoria tendo em
vista sua finalidade, sempre em função do interesse público, e não focá-la unilateral-
mente, só da perspectiva do autor. Esta finalidade é o acionar da jurisdição, para a apli-
cação da lei. Esta aplicação da lei, obviamente, mesmo no caso do efetivo exercício de
ação improcedente, terá sido feita, pois se terá dado razão ao réu, e não ao autor.

27. Predomina, em doutrina, a teoria do direito abstrato: Liebman, L’azione nella teoria del
processo civile, Problemi del processo civile, Nápoles: Morano Editore, 1962, p. 22; Marco
Tullio Zanzucchi, Diritto processuale civile, 4ª ed., Milão: Giuffrè, 1962, vol. 1, n. 51, p. 56;
Ugo Rocco, Trattato di diritto processuale civile, Turim: UTET, 1957, vol. 1/260; José Alberto
dos Reis, Processo ordinário e sumário, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1928, vol. I/138
et seq.; Alfredo Buzaid, Da ação declaratória, São Paulo: Saraiva, 1943, n. 63, p. 85; José
Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. 2, Rio de Janeiro: Forense,
1966, n. 260, p. 15; Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil,
São Paulo: Saraiva, 1985, vol. 1, n. 112. Mais recentemente, v.g., podem ser referendadas
as seguintes obras que definem a ação como direito subjetivo distinto do direito material:
Eduardo Arruda Alvim, segundo o qual “Diz-se, coma certo, que a ação é, per se, um direito
subjetivo, ao lado do direito material. É, autonomamente, um direito subjetivo que visa
ao reconhecimento perante o Judiciário de uma afirmação de direito subjetivo” (v. Direito
processual civil, 5ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 161); e José Tesheiner e
Rennan Thamay, Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2ª ed. rev.,
atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173-174. Esses últimos autores, aliás, bem
explicam que “Para os efeitos de uma teoria geral do processo, que não se limite ao processo
civil, é preciso, no entanto, que se insista na ideia de que a ação é um poder, ou melhor, o
poder de provocar o exercício da jurisdição, podendo ou não revestir a qualidade de um
direito abstrato.”. E continuam: “Direito subjetivo é um poder, concedido a alguém, pelo
ordenamento jurídico, para a realização de um interesse seu.”.
Direito de Ação 155

Inegavelmente, tal direito abstrato de ação existe, aliás diversas Constituições são
expressas mesmo a respeito deste tipo de acesso ao Judiciário. Entre nós, o art. 5.º, XXXV,
da CF/1988, é expresso no sentido de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá
ser subtraída da apreciação do Judiciário. Assim, tal texto, longe de consagrar um di-
reito concreto, em nível constitucional, consagra, isto sim, autêntico direito abstrato de
agir, ou, então, um direito de petição.
O direito genérico de petição, expressamente consagrado em nossa Constituição
Federal, é o meio ou veículo revelador do direito de ação, já agora situado no plano
processual, à luz do preenchimento dos requisitos por esse sistema exigidos (art. 17 e
485, VI, do CPC/2015).28
O fato de alguém preencher as condições da ação não lhe confere igualmente o direito
de vitória, diversamente do que ocorre com a posição chiovendiana a respeito do tema.
A posição de Chiovenda, estudada sob o prisma das condições da ação, confirma o
que já se disse no sentido de que ela importa condicionar ou subordinar excessivamen-
te o direito de ação ao direito material que lhe estaria (e muitas vezes não está) subja-
cente. Isto é, reunidas as condições da ação, ipso facto, existindo a ação, teria o autor de
vencer a demanda, pois para Chiovenda seria condição da ação a própria existência do
direito subjetivo material.
Para nós, e, principalmente, para nossa lei vigente, contudo, basta haver requisi-
tos mínimos de admissibilidade jurídica do pedido do autor, aliada à legitimidade para
aquela causa e ao interesse processual, para que estejam preenchidas as condições de
exercício do direito subjetivo de ação.
Finalmente, lembremos que a ação está situada no campo do direito público e não
no direito privado, como normalmente ocorre com o direito material (Direito Civil ou
Comercial), e também que é por meio dela que se fazem valer normas de direito mate-
rial público. A ação está sempre e necessariamente, por definição, na órbita do direito
público, dado que é ao Estado que cabe – e em regra, só a ele – a distribuição da Justiça,
por meio da prestação jurisdicional.

4.2. Conceito de ação e condições para o seu exercício


4.2.1. Definição de ação
A ação deve ser precipuamente considerada na sua dinâmica, ou seja, supondo-se a
existência de um processo. A ação, como a totalidade dos institutos do processo, existe
necessariamente limitada no tempo; existe para se exaurir. Somente sobrevive ao processo
a coisa julgada material para resguardo do bem jurídico definido na sentença de mérito.
Podemos conceituar a ação da seguinte forma: é o direito constante da lei processual
civil, cujo nascimento (="exercício)" depende de manifestação da vontade de seu titu-

28. Para um desenvolvimento amplo a respeito do direito de ação constitucional, v., entre outros,
Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, São Paulo: RT,
1979, p. 36, além do nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990,
p. 370-376.
156 Manual de Direito Processual Civil

lar. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da
hipótese fático-jurídica nela formulada, a aplicação da lei (material). Esta conceituação
compreende tanto os casos referentes a direitos subjetivos, quanto, também, às hipóte-
ses de cogitação mais recente, referentes a interesses e direitos difusos, coletivos e in-
dividuais homogêneos. O texto que se segue, no entanto, circunscreve-se a considerar
o direito de ação principalmente tendo em vista a figura do direito subjetivo individual.
Quer os direitos materiais, quer os processuais, para se subjetivarem, isto é, para
serem direitos subjetivos, necessariamente pressupõem lei, que os defina previamen-
te. Assim, a ação é constante da lei processual, devendo esta traçar os seus requisitos
de exercício (condições da ação) e os efeitos jurídicos que, por intermédio daquela, se
poderão obter.
A ação, dissemos, depende de manifestação da vontade de quem venha a exercê-la.
Isto se prende, necessariamente, à própria natureza jurídica da jurisdição, que é uma
função estatal inicialmente inerte (art. 2º do CPC/2015). Sem a exteriorização da von-
tade do autor, não há ação.
Salientamos, ademais, que o escopo da ação é a obtenção da prestação judicial. É
importante ressaltar que, quando falamos em prestação jurisdicional – o que admite
seja favorável ou não –, estamos numa perspectiva que abrange as posições do autor e
do réu, e é acima de tudo centrada e derivada da função jurisdicional. Por outro lado,
se aludíssemos à prestação jurisdicional favorável, cair-se-ia na posição da teoria con-
creta à tutela jurídica: só teria ação aquele que tivesse razão.
Objetivou o legislador, ao instituir a ação, que seja ela o veículo para ser aplicada
a vontade concreta da lei à hipótese formulada pelo autor. Evidentemente, a aplicação
dessa vontade concreta da lei poderá ser favorável ou não a esse autor.
Dissemos, ainda, que a aplicação da vontade concreta da lei é feita diante de uma hi-
pótese fático-jurídica. Isto significa – como veremos adiante – que toda ação é oriunda
de fatos e que estes fatos, necessariamente, têm uma qualificação jurídica.

4.2.2. As condições da ação em nosso Direito positivo


De acordo com o que foi dito no tópico anterior a respeito das teorias clássicas da
ação, podemos observar que parte da doutrina vincula o exercício da ação completa-
mente à existência do direito subjetivo, e outra parte defende sua completa autonomia
e independência. São as teses concretistas e abstratas puras. Os problemas decorrentes
dessa abordagem extremada foram bem percebidos na primeira metade do século XX,
de forma a que se imaginasse uma via intermediária de tratamento do direito de ação,
apresentando-o como um direito abstrato, cujo exercício está condicionado à existência de
determinados requisitos mínimos de admissibilidade. São as chamadas condições da ação.
As condições da ação são categorias lógico-jurídicas existentes na doutrina e na lei
que, se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à decisão de mérito – ainda que
desfavorável. São condições de possibilidade da prestação de tutela jurisdicional.
As condições da ação, em nosso ordenamento jurídico, são o interesse de agir e a
legitimação para a causa, tendo deixado de sê-la no CPC/2015 a possibilidade jurídica do
Direito de Ação 157

pedido, como era no CPC/1973. 29 Com efeito, o art. 267, VI, do CPC revogado determina-
va que deveria ser extinto o processo, sem resolução de mérito, não estando presente
“qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e
o interesse processual”. O dispositivo correspondente no CPC/2015, art. 485, VI, ordena
a prolação de sentença, i.e., sem resolução do mérito, quando o juiz “verificar ausência
de legitimidade ou de interesse processual”.
Poderíamos dizer que a subtração da menção expressa a “condições da ação” tenha
significado o fim dessa categoria no direito brasileiro. Ainda mais, seria possível desen-
volver o argumento diante da supressão da categoria da “possibilidade jurídica do pe-
dido” no CPC/2015. De fato, parte da doutrina vem assim se manifestando, o que tem
gerado interessantíssimos debates na seara da teoria da ação.30 De nossa parte, neste
Manual, optamos por manter didática e cientificamente a categoria, como instrumento
autônomo que diz respeito à admissibilidade do exercício da ação. A supressão da pos-
sibilidade jurídica não implica, por si só, o extermínio dessa construção teórica histo-
ricamente marcante no direito positivo brasileiro. 31

29. Não se há mais falar em possibilidade jurídica do pedido, como inclusive já defendemos
no nosso Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. 1/316; no nosso
Tratado de direito processual civil, São Paulo: 1990, vol. 1, p. 380. O CPC/2015 faz unica-
mente alusão ao interesse de agir (arts. 17, 337, X e 485, VI). Sobre a supressão da condição
da possibilidade jurídica do pedido feita pelo CPC/2015, são pertinentes as ponderações
feitas por Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes, segundo os quais “a possibilidade
jurídica do pedido sempre foi alvo de inúmeras críticas, dada a dificuldade de ser traçada
uma distinção precisa entre a decisão que extingue o processo por impossibilidade jurídica
do pedido e a decisão de mérito que julga a demanda improcedente. Essas críticas foram
acolhidas pelo novo Código de Processo Civil, que não faz mais referência à possiblidade
jurídica entre as condições da ação, referindo apenas o interesse de agir e a legitimidade ad
causam (arts. 17, 330, incs. II e III, 337, inc. IX, e 485, inc. VI). Em fase ulterior de sua pro-
dução o próprio Liebman veio a repudiar a categoria jurídico-processual da possibilidade
jurídica como condição da ação no momento em que a legislação de seu país instituiu o
divórcio – o pedido de dissolução do vínculo conjugal era, na lição do Mestre, o principal
exemplo ilustrativo da carência de ação por falta de possibilidade jurídica.”. (v. Teoria geral
do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 116-117).
30. O debate sobre a alteração trazida pelo CPC/2015 teve destaque com o artigo de Fredie
Didier, Será o fim das condições da ação? Um elogio ao projeto do novo código de processo
civil. Revista de Processo, vol. 197. São Paulo: RT, jul/2011, p. 256. Em resposta, há artigo de
Alexandre Freitas Câmara, Será o fim da categoria ‘condição da ação’? Uma resposta a Fredie
Didier Junior, Revista de Processo, vol. 197. São Paulo: RT, jul/2011, p. 261/269. Em adição
ao debate, há um terceiro artigo de Leonardo Carneiro da Cunha, Será o fim da categoria
condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre
Freitas Câmara. Revista de Processo, vol. 198. São Paulo: RT, ago/2011, p. 227/236. Neste
último, o autor alinha-se com Fredie Didier Jr. ao defender a extinção das chamadas condições
da ação, posicionando o interesse processual e a legitimidade no campo dos pressupostos
processuais.
31. Compartilham do nosso entendimento, v.g. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes,
Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 116-118; Cássio Scar-
pinella Bueno, Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo
CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66: “O CPC/2015 aboliu, a um só tempo, a nomenclatura
158 Manual de Direito Processual Civil

Por possibilidade jurídica do pedido, portanto, enquanto condição da ação, enten-


díamos que ninguém pode intentar uma ação sem que peça providência que esteja, em
tese, prevista, ou que não encontre óbice no ordenamento jurídico material.32 Ocorre que

‘condições da ação’ e a ‘possibilidade jurídica do pedido’ como um dos pontos sobre os


quais deverá o magistrado se debruçar para viabilizar quem, autor ou réu, é merecedor de
tutela jurisdicional. Curioso é que o CPC de 2015, ao preservar a legitimidade e interesse
(art. 17), manteve incólume o funcionamento daquelas categorias, no que é suficientemente
claro o disposto no inciso VI do art. 485, isto é: quando o magistrado verificar que não há
interesse e/ou nem legitimidade – e se, por qualquer razão, não for possível o saneamento do
vício e/ou o seu esclarecimento –, ele não pode proferir decisão relativa ao reconhecimento
de quem faz jus à tutela jurisdicional ou, no jargão preservado pelo próprio CPC de 2015,
de mérito. Muito pelo contrário, ele deve proferir decisão obstativa daquela finalidade, a
chamada sentença terminativa, que não aprecia o mérito. É correto entender, portanto, que
a extinção da categoria das condições da ação é mais nominal do que, é isto que realmente
importa, substancial.”; Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo
código de processo civil: artigo por artigo, 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016,
p. 91-92; Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2ª ed., São Paulo:
Atlas, 2016, p. 37; Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de direito processual civil,
8ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 71: “A retirada do termo ‘condições da ação’ do Novo
Código de Processo Civil animou parcela da doutrina ao levantar a questão do afastamento
desse instituto processual de nosso sistema processual, de forma que o interesse de agir e
a legitimidade passassem a ser tratados como pressupostos processuais ou como mérito, a
depender do caso concreto. Essa parcela da doutrina entende que o Novo Código de Pro-
cesso Civil teria consagrado o binômio pressupostos processuais e mérito, e que, ao adotar
o binômio, as condições da ação não desapareceriam. É o conceito de ‘condição da ação’
que seria eliminado. Aquilo que por meio dele se buscava identificar continuaria obviamente
a existir. (...) Como a legitimidade e o interesse de agir dificilmente podem ser enquadrados
no conceito de pressupostos processuais, por demandarem análise da relação jurídica de
direito material alegada pelo autor, concluo que continuamos a ter no sistema processual
as condições da ação.”; Araken de Assis, Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos
e distribuição de conflitos, vol. 1. São Paulo: RT, 2016, §54.º, p. 646 e ss.; Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao código de processo civil, São Paulo: RT, 2015,
p. 236; Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 57ª ed., rev., atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 138 e ss., e Fernando da Fonseca Gajardoni [et.
al] Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense,
2015, p. 109; e José Tesheiner e Rennan Thamay, Pressupostos processuais e nulidades no
novo processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 65-66: “A expressão ‘condições da
ação’ não aparece no texto do CPC, que, todavia, exige interesse e legitimidade para a
postulação em juízo (art. 17). Indaga-se, então, se permanece a categoria das condições
da ação, imaginando-se, por exemplo, que o interesse e a legitimidade possam agora ser
considerados ‘pressupostos processuais’. (...) Ora, se há condições relativas ao processo,
desde Bülow estudadas sob o nome de “pressupostos processuais”, é natural que também
haja pressupostos da ação, as chamadas “condições da ação”. Se o autor postula em juízo
sem ter interesse nem legitimidade, há processo, mas não há ação. Enquadrar a legitimidade
e o interesse entre os pressupostos processuais implica confundir ação com processo. Negar
a existência de condições da ação implica negação do que a Lei afirma: a necessidade de
interesse e legitimidade para a postulação em juízo.”.
32. Assim, ilustrativamente, é o exemplo da falta de possibilidade jurídica do pedido a ação
declaratória para declarar meros (puros) fatos (cf. Arruda Alvim, Código de Processo Civil e
legislação extravagante – Anotações de jurisprudência e doutrina, anotações ao art. 4.º, n. 7,
Direito de Ação 159

o mesmo se pode dizer em relação ao interesse, que é intimamente vinculado à existên-


cia de previsão legal para o que se pede em juízo. Assim, se o autor objetiva, pela ação,
uma providência jurisdicional para a qual não existe previsão no ordenamento jurídico
positivo, pode-se dizer não haver interesse jurídico processual para o pedido realizado.
A exclusão da “possibilidade jurídica do pedido” não invalida a conclusão de que uma
tal demanda pode (e deve) ser extinta in limine, por carência de ação.

4.2.2.1. O interesse processual


O interesse de agir é, enquanto condição da ação, considerado sob o ângulo exclusi-
vamente processual. Trata-se de algo diverso do interesse substancial ou material, pois é
aquele que leva alguém a procurar uma solução judicial, sob pena de, não o fazendo, ver-
-se na contingência de não poder ver satisfeita sua pretensão (o direito por vir a ser afir-
mado), i.e., possível perda do interesse material (direito material de que julga ser titular).
O interesse de agir, normalmente, decorre da demonstração de que a outra parte
omitiu-se ou praticou ato justificador do acesso ao Judiciário. 33 Se isto pode ser aceito,
integralmente, em relação ao Direito Privado, parece-nos que, em face do Direito Pú-
blico, o problema se altera.
O interesse substancial é aquele diretamente protegido pelo direito material; é um
interesse de índole primária, dado que incide diretamente sobre o bem. Assim, por
exemplo, o interesse do proprietário, pela coisa de que tem o domínio, é utilizar-se da
mesma em função dos direitos que lhe são inerentes; o do credor, tendo em vista o seu

São Paulo: RT, 1985). Também, exemplificativamente, é completa e interessante a doutrina


de Eduardo Arruda Alvim: “Figuremos alguns exemplos de pedido juridicamente impossível.
Hipótese que se costumava referir (antes da Lei 7.250/84, que passou a admitir tal pretensão,
que se tornou, com muito mais razão, admissível em face do art. 227, § 6.º, da CF/88) era a
da Lei 883/49. Tal diploma vedava ação de reconhecimento de paternidade contra suposto
pai na constância de sociedade conjugal deste. Deste modo, pedido formulado nessas cir-
cunstâncias haveria de ser tido por juridicamente impossível. Outro exemplo muito referido
é o do pedido de divórcio, quando este não era previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
Exemplo atual de pedido juridicamente possível é encontrável no art. 48, caput do ECA (Es-
tatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90), com redação determinada pela recente
Lei 12.010/2009 (nova Lei de Adoção), cuja redação é a seguinte: “Art. 48. O adotado tem
direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo
no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”.
(v. Direito processual civil, 5ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 176-177).
33. Sobre conceito de interesse de agir v.: Cândido Dinamarco e Bruno Lopes: “O interesse de
agir é o núcleo do direito de ação. Está presente quando o provimento jurisdicional pos-
tulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante, operando uma melhora em sua
situação na vida comum – ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a
tutela jurisdicional. Por isso só se legitima o acesso ao processo e só é lícito exigir do Estado
o pronunciamento de mérito pedido na medida em que ele possa ter essa utilidade e essa
aptidão. Interesse, em direito, é utilidade”. (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 117); e José Tesheiner e Rennan Thamay, Pressupostos processuais e
nulidades no novo processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 69-72, onde se faz uma
abordagem completa da doutrina sobre o tema.
160 Manual de Direito Processual Civil

crédito, é o de recebê-lo. Se o primeiro (o dominus) puder fruir a coisa, alugá-la, dá-la


em usufruto etc., não há que cogitar de interesse processual; se o credor receber o seu
crédito, identicamente, não há que se pensar em interesse processual para acionar o seu
devedor, que já terá pago.
Quando, porém, ante o titular do direito – mais rigorosamente, da pretensão –, surge
um obstáculo impeditivo do gozo desse direito, ou da satisfação do mesmo, nasce um
outro interesse, diverso daquele primário. Trata-se de um interesse dirigido à supressão
do obstáculo, de molde a que o direito possa novamente ser objeto de gozo e utiliza-
ção normal. A este interesse secundário dá-se o nome de interesse processual. Interesse,
deriva de inter esse, estar entre o sujeito e o objeto desejado por ele, ser um obstáculo.
Sobre as hipóteses em que se considera configurado o interesse processual tem-se
estes exemplos, extraídos da jurisprudência:
“Não há interesse de agir quando do sucesso da demanda não puder resultar nenhu-
ma vantagem ou benefício moral ou econômico para o seu autor.”34
“Há interesse processual em ação declaratória de inexistência de relação jurídica
tributária.”35
“Não há interesse de agir por meio de habeas data se não se provar o indeferimen-
to de pedido de informações de dados pessoais, ou a omissão em atendê-lo (Súmula 2
do STJ).”36
“O advogado tem interesse de agir para promover ação contra aquele que o contra-
tou, quando denunciado unilateralmente o contrato de prestação de serviços, para re-
ceber pelos serviços prestados até o momento da rescisão.”37
“A existência de ação civil pública para a tutela de direitos individuais homogêneos
não afasta o interesse de agir para a ação individual.”38
“Ocorre o interesse processual, ou de agir, quando a satisfação do interesse subs-
tancial ou jurídico, tutelado pelo Direito, não puder ser alcançado sem o recurso à au-
toridade judiciária.”39
O conteúdo do interesse legítimo será econômico na medida em que o sistema ju-
rídico admitir tais ou quais pretensões de conteúdo econômico/pecuniário; será, por
outro lado, moral, na mesma medida da admissão, pelo mesmo sistema, de resguardo,
pelo processo, a tais ou quais pretensões de conteúdo não econômico.

34. STJ, REsp 264.676/SE, 5.ª T., j. 01.06.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 02.08.2004, p. 470.
35. STJ, REsp 746.897/MG, 1.ª T., j. 28.06.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 29.08.2005, p. 228.
No caso, cuidava-se de se saber se incidiria ICMS no transporte de mercadorias realizado
entre a matriz e as filiais.
36. STJ, AgRg no HD 116/DF, 1.ª S., j. 28.09.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 10.10.2005, p. 206.
37. STJ, REsp 402.578/MT, 4.ª T., j. 11.06.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.08.2002,
p. 221.
38. STJ, REsp 770.143/RS, 1.ª T., j. 27.09.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 17.10.2005, p. 228.
39. STJ, AgRg no REsp 721.358/CE, 5.ª T., j. 19.04.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 16.05.2005,
p. 409.
Direito de Ação 161

Vemos que os interesses substancial e processual são independentes, embora este


último surja da insatisfação do interesse substancial. É ele um interesse que há de ser
admitido com mais amplitude do que o interesse primário, e deste derivado, bastando
que haja a mera possibilidade da presença do direito material para a existência do de ín-
dole processual. Existindo o interesse processual, deverá o juiz admitir a ação. Para essa
admissão, terá o juiz que ter raciocinado sobre a possibilidade da presença do direito
material, o qual será, in concreto, constatado na sentença, à luz das provas, e sempre de-
pois de discussão.
Por fim, veja-se que existem certas particularidades no interesse de agir tendo em
vista as diferenças entre o Direito Público e o Direito Privado.
Quando emergente no campo do Direito Privado, o interesse de agir normalmente
dependerá de ter sido praticado algum ato, ou ter havido alguma omissão contra o Direito,
que se traduzirá na esfera jurídica do autor, no lastro do seu interesse de agir.
Já no Direito Público, diferentemente e na medida em que as regras são cogentes, o agir
da Administração está normativamente traçado, ainda que, de fato, a Administração não
tenha agido, vale dizer, não haja feito o que lhe impendia fazer. Nem pelo fato de a Adminis-
tração não ter agido – quando deveria te-lo feito –, isto retira do administrado o seu inte-
resse de agir. Se a Administração deve agir, e se o mandamento normativo é incontornável,
disto se segue que, por isso existe interesse de ir a juízo, quando a Administração, ainda que
não tenha praticado o ato, deva praticá-lo a qualquer momento, por imposição normativa. 40

4.2.2.2. A legitimidade para a causa


O art. 17 do CPC/2015 alude à legitimação para a causa. Faltando esta legitimação,
o juiz deverá indeferir liminarmente o pedido: caso não o faça, o réu poderá alegá-la,
antes de abordar matéria pertinente ao mérito, em sua contestação. O Código ressalta
assim a diferença existente entre as condições da ação e o mérito. Essa diferença veio a
sofrer reconstrução pretoriana pelo STJ, em relação ao julgamento em que se reconhe-
ça ilegitimidade ad causam.
A legitimatio ad causam não se confunde com a legitimação formal, também denomi-
nada ad processum ou, ainda, capacidade para estar em juízo (que é pressuposto proces-
sual). Nossa lei colocou a capacidade processual, em rigor, como gênero, e os diversos
outros aspectos como espécies que tal modalidade de capacidade assume.
Lendo-se o texto legal (arts. 17 e 330, II, do CPC/2015), porém, devemos ter presen-
te que só poderá haver dissociação das duas legitimidades quando isto for autorizado
por lei, como na representação, ou na substituição processual, o que decorre do art. 18.
Nessas condições, entendemos que tanto a legitimatio ad causam (condição da ação)
como a legitimação processual (pressuposto processual) estão presentes nos arts. 17 e
330, III, do CPC/2015.

40. Eduardo Arruda Alvim, Mandado de Segurança no Direito Tributário, capítulo referente ao
mandado de segurança preventivo, São Paulo: RT, 1997, p. 134 e ss.
162 Manual de Direito Processual Civil

O juiz deverá indeferir a inicial só quando a parte for manifestamente ilegítima; na


dúvida, deverá ser deferida. Lembremos, porém, que esse deferimento não cria preclu-
são para o juiz. Poderá, a decisão referente a essa questão, ser revista em qualquer grau
de jurisdição, eis que se trata de assunto sediado na própria existência do direito de ação
(legitimatio ad causam) ou assentado na existência e validade do processo (legitimação
ad processum). É certo que, se ocorrer indeferimento, o processo terá sido extinto sem
resolução de mérito, cabível recurso de apelação.
A legitimidade ad causam, uma das condições da ação – em face do direito positivo
brasileiro –é definida em função de elementos fornecidos pelo direito material (apesar
de ser dele, existencialmente desligada). A legitimatio ad causam é a atribuição, pela lei
ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou
situação jurídica, bem como a possível sujeição do réu aos efeitos jurídico-processuais e
materiais da sentença. Normalmente, no sistema do Código, a legitimação para a causa é
do possível titular do direito material (art. 18 do CPC/2015). Pode-se dizer que as condi-
ções da ação têm a posição de um direito, mas não podem ser havidas propriamente como
integrantes da categoria dos direitos; vale dizer, são consideradas como se direito fossem.
A legitimidade é ideia transitiva. Alguém só é legítimo em função de outrem; vale di-
zer, o perfil final da legitimidade exige a consideração do outro, ambos esses polos liga-
dos a uma situação legitimante. Esta realidade pode, muitas vezes, passar despercebida,
mas é verdadeira. Assim, o proprietário, que sofreu esbulho, será parte legítima ativa em
face de quem, efetivamente, esbulhou; o marido em relação à mulher, e vice-versa, para
solicitar separação; o credor em relação ao seu devedor (e não, por hipótese, em rela-
ção à sociedade de que faça parte o devedor), e assim sucessivamente. Ainda que ocorra
inversão dos “papéis de parte”, cogitando-se de que, o que era ou podia ser legitimado
ativo, possa vir a ser o passivo, nem por isso desaparece essa transitividade. É a legitimi-
dade atribuição da titularidade, tendo em vista uma dada relação ou situação jurídica.

4.2.3. O procedimento de verificação das condições da ação


Quanto ao procedimento de verificação das condições da ação, explicitamos o seguinte:
 Proposta a ação, o juiz deverá fazer um exame liminar para verificar se existe o in-
teresse processual e a legitimação para a causa, e indeferir a petição inicial (art. 330, II
e III, do CPC/2015). Caso o juiz não indefira liminarmente a petição, o réu terá oportu-
nidade, em sua contestação, de alegar, antes do mérito, a falta destas condições, ou de
uma delas (art. 337, XI, do CPC/2015). O juiz deve, então, dar quinze dias para que o
autor se manifeste (art. 351 do CPC/2015 – no CPC/1973, esse prazo era de dez dias).
A falta de qualquer das condições da ação será, então, causa para o julgamento conforme
o estado do processo, de conteúdo negativo para o autor, pois o art. 354 do CPC/2015
prevê que, ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 485 do CPC/2015, o juiz declarará
extinto o processo, sem julgamento do mérito.41

41. Já era assim no CPC 73. V. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. 1, t. 1/62, 1975.
Direito de Ação 163

Este primeiro juízo de admissibilidade da ação não cria preclusão para o juiz; vale
enquanto ele não decidir o mérito da causa. Poderá, outrossim, ser examinada em outro
grau de jurisdição. Embora já se tenha discutido a respeito de um possível limite tem-
poral para o reconhecimento de qualquer das condições da ação (bem como dos pres-
supostos processuais), o CPC/2015 é expresso: são matérias conhecíveis “em qualquer
tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado” (art. 485, §3º,
do CPC/2015). Eram especificamente neste sentido a maioria das decisões na vigência
do CPC/1973.42
No CPC/1973, poder-se-ia argumentar ter havido preclusão se não houvesse recur-
so da decisão dando por saneado o processo (agravo de instrumento). A questão muda
de figura, no entanto, diante do CPC/2015 e das hipóteses taxativas de cabimento do
recurso de agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC/2015). Com efeito, se for extinto
o processo sem julgamento de mérito o processo, caberá apelação (art. 1.009), ou mes-
mo agravo, se a extinção for parcial (art. 1.015, I, do CPC/2015). Já se o feito for dado
por saneado, não cabe agravo de instrumento ou, ao menos, não quanto ao reconheci-
mento do preenchimento das condições da ação. Não deve, portanto, ser reconhecida
a preclusão do direito de arguir carência de ação, até que ocorra o trânsito em julgado.
O que é necessário ter presente, todavia, é que as condições da ação são requisitos
de ordem processual, lato sensu, intrinsecamente instrumentais, e operam, em última
análise, para verificar se existe o direito de ação. Não encerram, em si, bem-fim; são re-
quisitos-meio para, admitida a ação, ser julgado o mérito43 (apesar de estudadas aqui

42. STJ, REsp 175.664/SP, 2.ª T., j. 03.02.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09.05.2005,
p. 321; STJ, REsp 218.689/RS, 4.ª T., j. 24.08.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves DJ
20.06.2005, p. 288; STJ, REsp 426.273/SP, 4.ª T., j. 11.06.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, DJ 01.07.2005, p. 538.
43. A esse respeito, diz Araken de Assis que “A função originária das condições da ação era a
de preencher as condições necessárias para o juiz declarar a existência e atuar a ‘vontade
concreta da lei’ invocada pelo autor, ou seja, pronunciamento favorável. Para essa finalidade,
mostrar-se-ia imprescindível a reunião simultânea de três condições: (a) a existência de uma
‘vontade da lei’, assegurando ao autor um bem e obrigando o réu a alguma prestação, (b) a
qualidade, vale dizer, a identidade do autor com a pessoa favorecida pela vontade da lei e
do réu com o obrigado, (c) o interesse em conseguir ‘o bem por obra dos órgãos públicos’.
(...) É diferente, todavia, o papel reservado às condições da ação no seio da teoria eclética.
O ponto de partida dessas teoria avulta no fato de o poder de provocar a jurisdição, incluído
no rol dos direitos fundamentais, e realmente genérico, indeterminado e inconsumível, não
obrigar o Estado a prestar jurisdição. O órgão judiciário somente responderá, prestando
jurisdição, à pessoa que, alegando algum direito passível de tutela, invocar e descrever
‘situação determinada e concreta’. A autêntica ação se expressa por um elo entre o ato de
provocação do órgão estatal e essa situação concreta. Esse vínculo particular assenta con-
dições da ação, encaradas como ‘as condições para que, legitimamente, se possa exigir, na
espécie, o provimento jurisdicional. Em outras palavras, faltando, em certo caso, ‘as con-
dições da ação ou mesmo uma delas (interesse e legitimidade de agir) dizemos que ocorre
‘carência de ação’ – expressão altamente imprópria –, devendo o juiz negar o julgamento
de mérito e então declarar inadmissível o pedido.”. (Processo civil brasileiro, vol. 1: parte
geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 646-647).
164 Manual de Direito Processual Civil

cronologicamente antes, é no processo que deverá o juiz examinar, anteriormente às


condições da ação, os pressupostos processuais da existência e da validade do proces-
so, continente da ação).

4.2.4. As condições da ação e o mérito


Parece-nos que a posição que considera as condições da ação como estranhas ao mé-
rito é tecnicamente a mais exata, e é a encampada pela lei (art. 485, VI do CPC/2015).
Para deferimento ou indeferimento do pedido, é preciso, antes de mais nada, que
tenha o magistrado condições de apreciar o mérito, sendo exigida, para tanto, a presen-
ça simultânea das condições da ação.
Se, eventualmente, entender o magistrado que não há interesse processual, não há
dúvida de que, no fundo, estará denegando o pedido em si mesmo, à luz da situação
apresentada e naquele momento. Apesar de se tratar de condição da ação pelo nosso Direi-
to positivo e doutrina, pode esta ser reproposta (art. 486, §1º, do CPC/2015), uma vez
corrigido o vício. Para proferir a decisão de extinção do processo, o magistrado sequer
terá tido necessidade de examinar os fatos da demanda, à luz das provas, senão à luz do
próprio e exclusivo relato feito pelo autor. Ter-lhe-á, normalmente, bastado o pedido e
respectiva causa petendi, idealmente considerados, representativos de formulação in-
compatível com a ordem jurídica.
Se o juiz não acolhe uma pretensão, por ausência de interesse de agir, em função
dessa decisão fica obstado o conhecimento do mérito. Por exemplo, o magistrado não
admite uma ação de cobrança, não porque afirma inexistir o direito de crédito, mas, sim,
porque não está vencida a dívida; terá o credor, certamente, ao que tudo indica, direito
de cobrar o seu crédito, quando este se vencer e não for pago. Nessa oportunidade, en-
tão, é que o magistrado verificará se existe ou não o direito do autor, o que constituirá
o exame do mérito.
O mesmo, acentue-se, deve ser dito quanto à legitimatio ad causam. Um indivíduo,
por exemplo, move uma ação de cobrança, para haver determinado crédito; o juiz en-
tende que ele é parte ilegítima porque, se existisse (mera hipótese) o referido crédito,
não caberia ao autor, mas sim à sociedade de que ele faz parte. Não se terá, então, de-
cidido a respeito da existência, ou inexistência, do crédito, mas sim, exclusivamente,
a respeito da titularidade do direito de cobrá-lo. O mérito, essencialmente, consiste na
existência ou inexistência do direito de crédito; todavia, para poder discutir a respeito
da sua existência ou não, necessário é que a condição jurídica do seu possível titular es-
teja preenchida, isto é, que esteja no processo o legitimado ad causam ativo.
Desta forma, tecnicamente são inconfundíveis, como categorias, as condições da
ação com o mérito da demanda. Aliás, os pressupostos processuais e as condições da ação,
presentes uns e outros, constituem uma categoria mais ampla, que toma o nome gené-
rico de requisitos da admissibilidade do julgamento do mérito.
O exame dos pressupostos processuais, pelo juiz, deve, lógica, jurídica e cronolo-
gicamente, anteceder ao próprio exame das condições da ação, pois dizem respeito à
existência e à validade do processo.
Direito de Ação 165

Devemos salientar, ademais, que as condições da ação, tanto quanto os pressupostos


processuais, são categorias eminentemente técnico-formais, o que significa que, con-
forme o ordenamento jurídico positivo, poderão ser construídas e consideradas algo
diferentemente. Poderão ser as condições da ação e os pressupostos processuais consi-
derados numa categoria mais ampla e única, a distinguir-se do mérito ou, então, como
fazem os italianos, e nós, brasileiros, considerar o assunto uma trilogia: os pressupostos
processuais, as condições da ação e, finalmente, o mérito.
Seja qual for a posição que tomemos a respeito das questões de admissibilidade de
julgamento de mérito, o que é importante observar é que “a questão de mérito” é, ge-
ralmente, a “questão principal” e a “última a ser decidida”.44
Já no Código de Processo Civil de 1973, pôs-se fim, em termos de Direito positivo,
à discussão do que é mérito. Os arts. 267 e 269 do CPC/1973, reproduzidos em gran-
de parte no CPC/2015 (arts. 485 e 487), distinguem as hipóteses em que há extinção
do processo sem resolução de mérito daquelas em que deve ser considerado resolvido
o mérito (= a lide). O Código vigente deixou claro que pressupostos processuais e con-
dições da ação não integram o mérito (art. 485, IV e VI, do CPC/2015).

4.2.5. A extinção por falta de condições da ação e a repropositura da demanda


Mesmo que em sede de admissibilidade, não há como negar que a aferição das con-
dições da ação depende de análise de questões substanciais, ainda que não configure
exame de mérito propriamente dito, nos termos do artigo 487 do CPC. Isso se deve ao
fato de as condições da ação dizerem respeito à viabilidade da solução de mérito, don-
de deflui que o exame de cada uma delas deverá amparar-se em questões substanciais,
embora com o mérito não se confunda.45
Em princípio, repetindo, as condições da ação não se confundem com o mérito;
contudo, em relação à ilegitimidade, há quem entenda diferentemente, pois para o di-
reito brasileiro, o mérito corresponde “à pretensão não satisfeita espontaneamente,
trazida pelo autor do plano material, mediante a demanda e sobre que incide a decisão

44. Cf. Alfredo Buzaid, O agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil, São Paulo:
Saraiva, 1946, p. 90 (a afirmação deste autor é mais radical; v. logo a seguir, todavia). Se
assim geralmente é, em face do Código de Processo Civil é possível que uma questão, que
não seja a última a ser hipoteticamente suscetível de ser decidida, ainda assim (nem pelo fato
de não ser a última, nem por isto deixará de se constituir numa decisão de mérito), como de
mérito é, exemplificativamente, a hipótese de se decidir pela prescrição ou pela decadência
(art. 269, IV, CPC 1973; art. 487, II, CPC 2015), que é o exemplo mais típico. O que parece
marcar o mérito, pelo sistema do Código de Processo Civil, é o prejuízo definitivo sobre o
bem jurídico objetivado pelo autor; ou a supressão do conflito (= lide), por outro ângulo.
45. Deve ser feita uma ressalva quanto à impossibilidade jurídica do pedido, já que, das duas,
uma: (a) ou se trata de condição da ação dispensável, pois se confunde, sob diversos aspec-
tos, com a questão da necessidade ou adequação do provimento, o que já está encetado
no interesse de agir; (b) ou cuida-se de questão afeta ao mérito, que deveria ser analisada
quando do julgamento antecipado da lide, ou nos moldes do art. 332, quando nessa hipótese
se enquadrar.
166 Manual de Direito Processual Civil

do juiz.”46 Entretanto, a res in judicium deducta, o objeto litigioso, concretamente não é


nessa oportunidade analisado à luz de cognição exauriente, mas tão somente para fim
de admitir a possibilidade de dizer respeito às partes.
Por esse motivo, a extinção sem resolução de mérito, que via de regra não impede a
repropositura da ação (art. 486 do CPC/2015), quanto às condições da ação e aos pres-
supostos processuais recebe tratamento diferente. Deve o autor, nesses casos, sanar o
vício que acometia a demanda para poder repropô-la. No caso de reconhecimento de
ilegitimidade, esta deve ser corrigida; do contrário, por mais que não haja de fato coisa
julgada material, existe um obstáculo legal ao prosseguimento da ação. 47
A solução do CPC/2015 é mais técnica do que outras já reconhecidas na jurispru-
dência, que inclusive falavam, erroneamente, em trânsito em julgado material da sen-
tença de extinção sem resolução do mérito.48
Agora, diante do art. 486, §1º, é de se esclarecer que a lei impede a repetição, expres-
samente, da propositura de demanda com o mesmo pedido, causa de pedir, e mesmas
partes, de ação já extinta onde sequer tenha sido seu mérito julgado, nas hipóteses dos
incisos I, IV, VI, VII do art. 485 do CPC/2015.
O que não se discute, portanto, é a impossibilidade de se repropor uma ação, após
decretada a extinção sem resolução do mérito da ação anterior, de sorte a reproduzir-se
integralmente a petição inicial formulada no primeiro processo sem qualquer esclare-
cimento ou modificação que tenha por objetivo sanar o vício que ensejou a primeira
extinção.49

46. José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 249.
47. Como bem relata Guilherme Rizzo Amaral “O art. 486 explicita o entendimento que já
vinha sendo adotado pelo STJ na sistemática anterior, no sentido de que, extinto o processo
sem resolução do mérito, somente poderia ser proposta nova ação se corrigidos tais vícios.
Tratando-se especificamente da extinção por falta das condições da ação, entendeu a Corte
Especial do STJ que a vedação da propositura de nova ação não se deve à existência de coisa
julgada material – o que inocorre na espécie, tendo o primeiro processo sido extinto sem
resolução de mérito, mas, sim, por força da preclusão consumativa e por um imperativo de
segurança jurídica. Assim, se o autor repetir a mesma ação, o processo deverá ser novamente
extinto, sem resolução do mérito. Alterada a causa de pedir ou alguma das partes, de forma
a se buscar a correção do vício anterior, processar-se-á a ação, sem prejuízo de se verificar
uma vez mais a ausência de alguma das condições da ação, a ensejar nova extinção do
processo. Suprido, no entanto, o vício anteriormente verificado, o novo processo poderá
prosseguir.”. (Comentários às alterações do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 585-586).
48. “Processual civil – Ilegitimidade passiva – Extinção do processo sem julgamento de mé-
rito – Indeferimento da inicial – Sentença sem recurso – Efeitos – Coisa julgada material.
A sentença que indefere a petição inicial e julga extinto o processo, sem o julgamento de
mérito, pela falta de legitimidade passiva para a causa, faz trânsito em julgado material, se
a parte deixar transcorrer em branco o prazo para a interposição do recurso cabível, sendo
impossível o novo ajuizamento de ação idêntica. Recurso especial conhecido e provido”.
(STJ, REsp 160.850/SP, 4.ª T., j. 17.10.2000, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 05.03.2001).
49. Nesse sentido: “A extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade ativa
ad causam, faz coisa julgada formal, impedindo a discussão da questão no mesmo processo,
Direito de Ação 167

A carência de ação, apesar de assentar-se em análise baseada em aspectos do direi-


to material, equivale à declaração de que, naquelas condições, não existe ou não pode
existir o direito de ação. A bem da verdade, independentemente da condição da ação
que tenha ensejado a sentença de carência, a mera repetição da demanda sem a corre-
ção do vício seria inconcebível. Vem em boa hora, portanto, a alteração do CPC/2015.

4.3. A ação declaratória


4.3.1. Particularidades da ação declaratória
Em face do que foi dito a respeito da teoria civilista da ação, na qual esta era mera-
mente a realização prática do direito material, lembremos de que os exemplos dados
pela doutrina eram invariavelmente de pretensões condenatórias. A ação declaratória,
hoje comumente utilizada, surgiu depois, em um estágio de relativa independência e
autonomia do direito de ação.
Já em face do CPC de 1939, a doutrina e a jurisprudência eram dúbias quanto à ad-
missibilidade da ação declaratória, quando tivesse havido violação de direito. Nós nos
colocávamos entre aqueles que admitiam a declaratória em tal situação. Outros enten-
diam que, por já se ter configurado violação ao direito, cabimento só tinha ação de cará-
ter condenatório.
Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, a dúvida deixou de existir,
pois se admitiu expressamente a ação declaratória, mesmo depois de violado o direito
(art. 4.º, parágrafo único, do CPC/1973). Vale lembrar que a sentença declaratória não
dava ensejo à execução de sentença (a não ser para custas e honorários – mas, quanto
a esta porção da sentença, a mesma era condenatória). Assim, o que foi declarado por
sentença, mesmo transitada em julgado, somente por meio de ulterior sentença conde-
natória poderia vir a ser executado.
Tínhamos, nesta hipótese, a seguinte sucessão de ações para se lograr a realização
do direito (entendida esta expressão como indo além da mera declaração): ação decla-
ratória, julgada procedente; a ação condenatória sucessiva àquela, partindo-se do pre-

mas não em outro feito, desde que a parte autora promova o saneamento da condição que en-
sejou a extinção da demanda anterior. Inexistência, na espécie, de correção. (REsp 897.739/
RS, 3ª T., j. 05.05.2011, rel. Min. Massami Uyeda,, DJe 18/05/2011). Na doutrina, também
assim se conclui. V.g.: Cássio Scarpinella Bueno “É importante ressalvar que a correção do
‘vício’ em relação à ilegitimidade ou à falta de interesse conduzirá, muito provavelmente,
à alteração da demanda inicial, o que basta para viabilizar a sua propositura.” (Manual de
direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva,
2015, 349); e Alexandre Freitas Câmara: “O pronunciamento judicial que não resolve o
mérito da causa, via de regra, não impede que a mesma demanda (com as mesmas partes,
a mesma causa de pedir e o mesmo pedido) seja novamente proposta (art. 486). Há casos,
porém, em que esta repropositura não será possível. (...) Assim também, no caso de extin-
ção por falta de pressuposto processual ou de ‘condição da ação’ a demanda só poderá
ser proposta novamente se o pressuposto faltante ou a ‘condição’ ausente for preenchida,
sanando-se o vício.” (O novo processo civil brasileiro, 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas,
2016, p. 272).
168 Manual de Direito Processual Civil

ceito constante da declaratória sentenciada e já revestida da autoridade de coisa julgada;


e, finalmente, a execução, fundada não na sentença declaratória, mas sim na sentença
condenatória. É claro que para ocorrer tal sucessão de ações – declaratória sucedida de
condenatória – seria necessário que o objeto da declaratória fosse um direito já violado,
pois, caso contrário, inocorreriam os seus pressupostos.
Tal caminho é evidentemente mais longo. O sistema do código permite o ajuizamen-
to da mera ação declaratória, ou então da própria demanda condenatória. Se, porém,
fosse movida a declaratória positiva ou negativa, 50 e tendo esta transitado em julgado,
não poderia a condenatória, posterior, alterar o que fora decidido por ter sido alcança-
da a decisão pela coisa julgada material. Nesta hipótese, somente acrescentaria a con-
denação (sanção) àquilo que havia sido declarado judicialmente.
A partir da Lei 11.232/2005, no entanto, esse raciocínio foi alterado, com a modi-
ficação do rol de títulos executivos judiciais. Com efeito, o art. 475-N, I, do CPC/1973
dizia ser exequível “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de
obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Ora, se a decisão que sim-
plesmente reconhece (ou seja, não ordena) a obrigação é passível de execução, a ação decla-
ratória prescinde do preceito sancionatório para ser objeto de cumprimento de sentença.
Atualmente, a questão é tratada no art. 515, I, do CPC/2015, de forma idêntica. De
fato, nada impede que a norma jurídica expressamente atribua à sentença declaratória
a qualidade de título executivo, como de fato veio a ocorrer. E também exigir-se o ajui-
zamento de uma ação condenatória, cujo conteúdo já está inteiramente predetermina-
do pela precedente sentença declaratória, violentaria o próprio sentido instrumental
do processo. Por outro lado, ao considerar-se título executivo judicial a sentença de-
claratória, não há violação alguma à situação da outra parte, que já se defendeu exaus-
tivamente e restou vencida.51
O art. 19, I, do CPC/2015, diz ser cabível ação que vise à declaração “da existência,
da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica”. Cinge-se, portanto, a ação
declaratória a uma relação jurídica. 52 Quer dizer, não se poderá discutir, na ação decla-

50. Sobre essa classificação, v. Fredie Didier Jr. “Observe-se que a ação meramente declaratória
pode ser positiva – quando se pretende a declaração da existência da situação jurídica – ou
negativa – quando se pretende a declaração da inexistência da situação jurídica. Alguns
exemplos: ação de usucapião, ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária,
ação declaratória de inexistência de união estável, consignação de pagamento etc.”. (Curso
de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento, 17ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 292).
51. Admitia-se, na recente jurisprudência do STJ, a eficácia executiva da sentença declaratória
para haver a repetição do indébito por meio de precatório: STJ, REsp 588.202/PR, 1.ª T.,
j. 10.02.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 25.02.2004, p. 123; esta orientação foi
ratificada em acórdão da 1.ª Seção: STJ, EREsp 502.618/RS, j. 08.06.2005, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 01.07.2005, p. 359 e, mais recentemente, em julgado da 2.ª T. (REsp
602.469/BA, j. 16.08.2007, rel. Min. Castro Meira, DJ 31.08.2007, p. 218).
52. Cf. Araken de Assis “Mediante força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação
da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da
Direito de Ação 169

ratória, a existência de mero fato, ressalvando-se, a respeito, a hipótese do inciso II do


art. 19, sobre a falsidade ou autenticidade do documento.53
Para efeito da propositura de ação declaratória, pouco importa ser o fato “juridica-
mente relevante”, só cabendo essa ação se o fato implicar em uma relação jurídica, ou
a ela der ou tiver dado nascimento. Nesse caso, mas em razão da relação jurídica, po-
derá vir a ser discutido o fato e respectiva relação jurídica dele resultante, por meio da
ação declaratória.
Assim, é correto o entendimento de que há interesse jurídico na utilização da ação
declaratória para que se declare judicialmente se houve união estável ou vida em co-
mum entre duas pessoas54 ou para que se repute válida ou inválida determinada cláusu-
la contratual (embora a cláusula, em si, não seja uma relação jurídica, a declaração so-
bre sua validade produz efeitos na relação jurídica contratual havida entre as partes),55
ou ainda para que se saiba da existência ou inexistência de relação jurídica tributária.56
Pelo contrário, é inadmissível pretensão declaratória na qual é pedida a interpre-
tação de determinada tese jurídica, ou de toda forma um pronunciamento sobre fato
que, embora relevante, não se prenda a uma relação jurídica cuja certeza se quer esta-
belecer em juízo.57

coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica.”. E continua o autor: “Neste


sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na
vida social: a certeza.” (Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de
conflitos, vol. 1. São Paulo: RT, 2016, p. 674-675). A esse respeito, ainda, importa notarmos,
como comenta Guilherme Rizzo Amaral, que a ação declaratória não “se cinge ao reconhe-
cimento da existência ou inexistência de relação jurídica, mas também, e principalmente,
aos contornos específicos dessa relação, caso existente.” (Comentários às alterações do novo
CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 83).
53. Sobre o tema: Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental, p. 54; Celso Agrí-
cola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 64, 1983 e em Ação declaratória
principal e incidental, p. 89; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil,
p. 94. Mais recentemente, v. Fredie Didier Jr. “Não se admite, ressalvada a ação sobre a
autenticidade do documento, ação meramente declaratória de fato. Não se permite a de-
manda ao Poder Judiciário para que ele declare que um fato ocorreu. Permite-se requerer
que o Poder Judiciário certifique a situação jurídica que tenha ou não tenha emergido de
um fato, mas não se admite pedir simples declaração da ocorrência ou não de um evento.”.
Ainda exemplifica o autor “Por exemplo: não se pode pedir para que o juiz declare o estado
de demência de alguém; pede-se que o magistrado, diante da demência, interdite o doente – e
é por isso que essa demanda é constitutiva, e não meramente declaratória, porque gera uma
situação jurídica nova, que é a incapacidade.” (Curso de direito processual civil: introdução
ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17ª ed., Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 294).
54. STJ, REsp 1305767/MG, 3ª T., j. 03.11.2015, rel. Min Ricardo Villas Boas Cueva, DJe
16.11.2015.
55. STJ, REsp 888.666/SE, 4ª T., j. 15.12.2015, rel. Min. Raul Araújo, DJe 01.02.2016
56. STJ, AgRg no REsp 1566746/PR, 2ª T., j. 17.12.2015, rel. Min. Humberto Martins,  DJe
10.02.2016.
57. A finalidade precípua da ação declaratória é a declaração da existência ou inexistência de
relação jurídica, e não a declaração de fatos, tampouco a interpretação de tese jurídica ou
170 Manual de Direito Processual Civil

Tanto a doutrina como a jurisprudência, há tempos e continuadamente58 não veem


nenhum óbice legal à cumulação de ação declaratória com condenatória ou com a cons-
titutiva, ou com ambas, desde que sejam obedecidos os requisitos específicos da cumu-
lação (art. 292, § 1.º, I a III, e § 2.º, do CPC/2015).
A ação declaratória é, em regra, imprescritível,59 mas não será de admitir-se a sobre-
vivência da ação quando faltar ao autor o interesse de agir, por encontrar-se prescrito o
crédito cuja declaração de existência persegue.60 A imprescritibilidade da ação declara-
tória decorre da presença ou da atualidade da incerteza jurídica objetiva, ou, da sua con-
tinuidade, encontrando-se na declaratória o veículo adequado à supressão dessa incer-
teza. Se, todavia, tivesse havido lesão, mas estivesse prescrita a ação condenatória, con-
quanto teoricamente a declaratória admissível, muito possivelmente será reconhecida
a prescrição, tal como ocorreria com ação condenatória, se houvesse sido esta proposta.
A ação declaratória de falsidade de documento (art. 19, II, do CPC/2015) é uma es-
pécie de ação declaratória própria, merecedora de estudo. A falsidade a que se refere a
lei é a material; não se trata, de falsidade intelectual ou ideológica,61 pois, neste caso,
terá havido uma manifestação de vontade, embora eivada de vício. Mas, nestas hipóte-
ses, não se trata de invalidar materialmente o documento, por falsidade, mas evidenciar
que não há correspondência entre a vontade e o seu retrato.62
Diversas decisões referem-se, com base em doutrina criticável, à ação declaratória,
como tendo sempre natureza de ação preventiva. É preciso, porém, compreender cor-
retamente o sentido da expressão, quando utilizada por tais decisões, porque poder-se-
-ia ser levado a confundi-la com processo preventivo, o que de forma alguma ocorre na
espécie. Usam do adjetivo preventivo com o intuito de evidenciar que, por meio da ação
declaratória, tem-se comumente o escopo de prevenir outros litígios, obtendo a declara-
ção do direito, de molde a que as partes possam, estabelecidos os seus direitos e obriga-
ções, comportar-se conforme tais regras. Assim, evitar-se-ia, por meio desta ação, uma
violação de direito, pois ela clarificaria, definindo nitidamente e de forma duradoura
as relações jurídicas. Evitaria, a ação declaratória, desta forma, a própria possibilidade

de questão de direito. (AgRg no REsp 1298646/SP, 3ª t., j. 03.12.2015, rel. Min. João Otávio
Noronha, DJe 10.12.2015)
58. Na jurisprudência: JUTACivSP 48/196; RT 529/174, 590/125 e 590/132. Na doutrina:
Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. 1/333, São Paulo: RT, 1975; mais
recentemente, cf. Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990, p. 400.
59. STJ, REsp 1.434.498/SP, 3ª T., j. 09.12.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 5.02.2015.
60. STJ, REsp 666.563/RJ, 2.ª T., j. 5.10.2004, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 29.11.2004,
p. 313; STJ, REsp 411.563/PR 3.ª T., j. 06.04.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ 10.05.2004,
p. 272. Acerca do tema, cf. julgado recente do STJ, REsp 859.745/SC, 1.ª T, j. 11.12.2007,
rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.03.2008.
61. STJ, REsp 234.809/RJ, 4.ª T., j. 25.04.2000, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.02.2001,
p. 121.
62. No sentido do texto, emitimos parecer, publicado sob o título “Arguição de falsidade”,na
Coletânea de Estudos e Pareceres, vol. 2, Parecer n. 3, São Paulo: RT, 1995.
Direito de Ação 171

de infração, bem como eventuais outras ações que poderiam ser propostas. Recaindo a
coisa julgada sobre as questões decididas, nesta medida, a eficácia (própria da declara-
tória) é tão definitiva quanto a da sentença das outras ações.
No CPC/2015 foi estabelecido um incidente para a resolução da arguição de falsi-
dade documental (arts. 430 a 433 do CPC/2015), prevendo-se inclusive que a questão
da falsidade pode ser suscitada “como questão principal” – isto é, como um dos pedi-
dos principais da demanda – quando a decisão constará da parte dispositiva da decisão
e sobre ela recairá a qualidade de coisa julgada material ou meramente questão preju-
dicial, caso em que não haverá formação de coisa julgada sobre a declaração a respei-
to da higidez do documento cuja falsidade se busca comprovar. O tema será mais bem
tratado no capítulo referente à prova documental.

4.3.2. A ação declaratória incidental – sua função no CPC/1973 e o tratamento


do tema no CPC/2015
O art. 5.º do CPC/1973 criou a chamada ação declaratória incidental, que, de forma
sucinta, teve o condão de fazer com que uma questão prejudicial fosse conhecida e jul-
gada como questão principal, com isso fazendo parte do thema decidendum assim atingi-
do pela coisa julgada material.
Pela sistemática do CPC/1973, a autoridade de coisa julgada recaia exclusivamen-
te sobre o decisum, ou seja, a parte decisória da sentença (art. 468 do CPC/1973); não
se estendendo aos motivos que haviam levado o juiz a decidir de uma dada forma, nem
à verdade dos fatos relevantes na determinação daquele julgamento, nem às questões
prejudiciais decididas, para que se pudesse chegar à sentença (v. art. 469, I, II e III do
CPC/1973).63
A coisa julgada limitava-se ao julgamento da lide, do mérito, tal como este havia sido
proposto, isto é, ao pedido do autor tal como formulado na inicial, desde que este fixasse
os limites da lide ou mérito (v., também, art. 141, CPC/2015).64 Entretanto, a parte (autor

63. V. Liebman, Efficacia ed autorità della sentenza, Milano: Giuffrè, 1962, n. 16.
64. Jurisprudência Mineira 4/387: “A sentença tem que ser conforme ao libelo, e ao juiz é de-
feso estatuir além dos limites do pedido” (TJ/MG-ApCív 6.418, rel. Des. Autran Dourado).
Similarmente, STJ, REsp 567.097/PR, 5.ª T., j. 25.05.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ
02.08.2004, p. 513. Na doutrina, cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia
Medina, O dogma da coisa julgada – Hipóteses de relativização, item 2.4, São Paulo: RT,
2003, intitulado “Pedido não feito e decidido; pedido feito e não decidido”. Igualmente,
sobre os limites objetivos da coisa julgada v. A coisa julgada no controle de constituciona-
lidade abstrato de Rennan Thamay, São Paulo: Atlas, 2015, item 2.10.2, p. 109 e ss. A esse
respeito, também: Guilherme Rizzo Amaral: “O CPC/1973 previa expressamente que não
fariam coisa julgada as questões prejudiciais (art. 469, III), salvo quando fossem objeto de
ação declaratória incidental (art. 470). Neste particular, a mudança proporcionada pelo
CPC atual é substancial”; Cássio Scarpinella Bueno, inclusive com crítica ao sistema do
CPC/1973, “Para o CPC de 1973, a questão prejudicial não transitava materialmente em
julgado, a não ser que o réu em contestação ou o autor na réplica apresentassem a chamada
‘ação declaratória incidental’. Sem essa iniciativa do réu ou do autor, a questão seria conhe-
cida e resolvida pelo magistrado, mas não seria decidida, e, por isso, era incapaz de transitar
172 Manual de Direito Processual Civil

ou réu) pelo sistema do CPC de 1973, por via de ação declaratória incidental, poderia
requerer ao juiz que julgasse, principaliter, questões prejudiciais.
A questão sobre a qual poderia ser requerida declaratória incidental seria aquela
cuja decisão poderia influenciar o julgamento da lide, ou seja, a questão prejudicial.
Dizemos questão na exata medida de ter sido controvertida e ser influente no teor do
próprio mérito.65
No CPC/1973, o autor requeria a declaração incidente em dez dias, a partir da con-
testação. Em relação ao réu, a lei não era explícita, (art. 297). Entendia-se, nesse caso,
ter ele o prazo da contestação. Contestando, faria controverso o ponto, transformando-
-o em questão, e, simultaneamente, poderia requerer a declaração incidente.
O requisito principal para que tal requerimento fosse admitido era que pudesse ser,
a declaratória incidental, objeto de ação autônoma.66 O réu ou o autor, em sendo criada
a controvérsia, poderia requerer declaração incidental.
Ocorrendo a propositura de ação declaratória incidental haveriam de estar duas li-
des formalmente unidas num só processo. Assim, para a propositura da ação declara-
tória incidental, o requerente deveria preencher também os pressupostos processuais
e condições da ação, que especificamente se refeririam à ação declaratória incidental,
além dos outros requisitos, a que já aludimos.
No CPC/2015 o tema foi remodelado. O art. 503, caput, do CPC/2015 estabelece
que “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da
questão principal expressamente decidida” (grifo nosso), dando a entender que, à seme-
lhança do que ocorria no CPC/1973, apenas o julgamento dos pedidos deduzidos pelas
partes, estaria alcançado pela coisa julgada material. Nesta linha, o art. 504 do CPC/2015
prevê, ainda, que não fazem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para de-
terminar o alcance da parte dispositiva da sentença” (inciso I), e “a verdade dos fatos,
estabelecida como fundamento da sentença” (inciso II).

materialmente em julgado. (...) O prezado leitor perceberá que a afirmação do parágrafo


anterior parece um jogo de palavras. Mais que isto: ela tem aparência de desperdício de
atividade jurisdicional, a conflitar, até mesmo, com o princípio da eficiência já que a falta
de coisa julgada não obstaculiza novas postulações idênticas e que, pelo menos em tese,
poderiam contrastar com a anterior, colocando em risco o próprio princípio da segurança
jurídica.” (Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC,
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 364-365).
65. Sobre o tema, ver: Thereza Alvim, Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São
Paulo: RT, 1977, p. 24; José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada.
Rio de Janeiro: Borsoi, 1967. E ainda: “Dentre as questões prévias, temos as preliminares
e as prejudiciais. As primeiras (preliminares) são aquelas que, cronologicamente, devem
ser decididas antes da questão seguinte, mas na decisão desta não influenciam. As últimas
(prejudiciais) são aquelas que têm de ser decididas antes e influenciam no quanto se irá de-
cidir depois. Somente as questões prejudiciais é que podem ser objeto de ação declaratória
incidental (Eduardo Arruda, Curso de Direito Processual Civil.5ª ed. rev. atual. e ampl., São
Paulo: RT, p. 498).
66. V. Thereza Alvim, op. cit., p. 99 et seq.
Direito de Ação 173

No CPC/2015, o § 1º do art. 503, entretanto, nesse passo diverge do código ante-


rior, pois estabelece a possibilidade de que “a resolução de questão prejudicial, decidida
expressa e incidentemente no processo” também se torne imutável por força da coisa
julgada, independentemente de pedido deduzido para tanto, desde que concorram al-
guns requisitos, explicitados em seus incisos. Se faz então necessário, primeiramente,
que da resolução daquela questão dependa o julgamento do mérito (art. 503, § 1º, I, do
CPC/2015), requisito que explicita a necessidade de que se trate, realmente, de questão
prejudicial ao pedido ou a algum dos pedidos, em havendo mais de um.
Sobre a análise da questão prejudicial, ainda, é preciso que tenha “havido contradi-
tório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia” (art. 503, § 1º, II, do CPC/2015
– grifo nosso). Exige a lei, neste ponto, que a questão prejudicial tenha sido objeto de
real debate entre as partes, não se contentando, com a mera oportunidade de manifes-
tação a seu respeito, para que possa haver coisa julgada sobre sua decisão.
Para que a coisa julgada possa recair sobre a decisão das questões prejudiciais, exige
o art. 503, § 1º, II, do CPC/15, algo mais que oportunidade de contraditório: é necessá-
rio que tenha havido efetiva manifestação das partes a seu respeito. Por tal razão é que,
ainda de acordo com o artigo citado, não pode haver coisa julgada sobre as questões
prejudiciais em caso de revelia do réu.67
Exige a norma processual, ainda, para que a decisão que resolva questão prejudi-
cial possa vir a se tornar imutável, que o juízo que a solucione seja competente “em ra-
zão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal” (art. 503, § 1º, III
do CPC/2015).
Ademais, o art. 503, § 2º, do CPC/2015 dispõe que a qualidade de imutabilidade não
recairá sobre a decisão que resolve questão prejudicial se houver “restrições probatórias
ou limitações à cognição” que prejudiquem a sua análise de forma adequada, ou seja, em
que a cognição não tenha sido exauriente.68

67. “Percebe-se a diferença significativa em relação ao regime jurídico da coisa julgada da


resolução das questões principais, que surge mesmo nos casos de revelia. O legislador foi
mais exigente para a formação da coisa julgada em relação à questão incidental, supondo,
certamente, que em relação a elas o debate não foi ou não teria sido tão intenso como ocor-
reria caso fosse uma questão principal” (Fredie Didier Jr.. In Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. Coord: Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 768-769).
68. “Andou bem o legislador em restringir a formação da coisa julgada à prejudicial em casos
em que tais limitações cognitivas e probatórias se nos apresentem, porque, pelo déficit
de contraditório, há possibilidade de que, se a mesma questão prejudicial fosse discutida
em outro procedimento mais completo, com cognição mais aprofundada, sem limitações
às alegações e à produção de prova, outra poderia ser a conclusão a respeito do tema. E
assim seria errado estabilizar a prejudicial, impedindo sua rediscussão em outro processo
em que não houvesse tais restrições. Não se justifica, nesse quadro, extensão da coisa
julgada às prejudiciais” (Comentários de Antonio do Passo Cabral In. Teresa Arruda Alvim
[et. al) (coords). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015,
p. 1293-1294.
174 Manual de Direito Processual Civil

Diante disso, é possível afirmar que no sistema do CPC/2015, desaparece a necessi-


dade da propositura de ação declaratória incidental para que a qualidade de imutabili-
dade recaia sobre a decisão que resolva a questão prejudicial.69 Nos termos do que dis-
põe a legislação processual, a coisa julgada recai sobre a decisão da questão prejudicial,
desde que preenchidos os requisitos legais.
Evita o CPC/2015, com isso, que uma questão que já foi decidida como prejudicial
em um determinado processo, venha ser objeto de novas discussões em outro proces-
so (como questão principal ou novamente como questão prejudicial). Privilegia-se, as-
sim, a segurança jurídica, na medida em que se limita a possibilidade de uma mesma
relação jurídica ser analisada em dois processos, conferindo-se, ademais, maior rendi-
mento aos processos.70
Importante ressalvar, finalmente, que, nos termos do art. 1.054 do CPC/ 2015, a
extensão da coisa julgada material às questões prejudiciais, nos termos acima indica-
dos, apenas se aplica aos processos propostos após a vigência do CPC/2015. Portanto,
quanto aos processos iniciados antes da vigência do CPC/2015, continua sendo apli-
cável o regime consagrado no CPC/1973, em que é necessária a utilização da ação de-
claratória incidental para que sobre decisão que resolve as questões incidentais possa
recair a coisa julgada material.

4.4. A ação e o objeto do processo


4.4.1. O papel do “fato” na teoria da ação
Toda ação é, necessariamente, oriunda de um ou mais fatos que tenham relevância
no mundo jurídico. Normalmente, no momento da ocorrência do fato ou fatos juridi-
camente relevantes, a norma jurídica incide. Há coincidência cronológica entre o fato

69. Falamos em fim da necessidade da propositura da ação declaratória incidental. Há na dou-


trina quem entenda que foi extinta tal ação: v. Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito
processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 364-366; e Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às alterações do novo CPC, São Paulo:
RT, 2015, p. 609.
70. Vale a leitura do que escreveu Teresa Arruda Alvim a respeito, quando o CPC/2015 ainda
estava em fase de tramitação legislativa, explicitando as razões pelas quais seria oportuna a
alteração do regime jurídico da coisa julgada: “Por diversas razões, nós entendemos ser esta
a melhor escolha. Duas delas merecem menção: a) não é lógico, e é contra o bom senso,
admitir haja dois entendimentos sobre a mesma causa petendi em duas ações diferentes,
para gerar consequências diversas; b) a regra vigente deixa a porta aberta para outras ações
futuras, em que a mesma causa petendi pode ser vista de outra maneira. Então, de fato, a
primeira ação não terá resolvido completamente (e para sempre) o problema basilar. Além
do mais, isso pode ocasionar a sobrecarga dos Tribunais” (“O que é abrangido pela coisa
julgada no direito processual civil brasileiro: a norma vigente e as perspectivas de mudan-
ça”. In: Revista de processo, n. 230. São Paulo: RT, 2014). Sustentando a necessidade de
ampliação dos limites objetivos da coisa julgada em relação ao CPC/73, vale conferir, com
muito proveito: Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Limites objetivos e eficácia preclusiva
da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 66-81.
Direito de Ação 175

e a incidência da regra de direito. Se aquele que deve sofrer os efeitos dessa incidência
passivamente os aceita, e, por exemplo, cumpre a sua obrigação, não surgirá qualquer
motivo relacionado com o processo. Se, porém, aquele ou aqueles que se devem sujeitar
aos efeitos oriundos do fato e da incidência da norma tentam subtrair-se aos mesmos,
surge, em regra, a figura do processo, que é iniciado por uma ação movida por quem se
apresenta como juridicamente digno de proteção jurídica.
Encarando a ação sob este prisma, que talvez seja o principal, verificamos que a ação
é um instrumento específico destinado a provocar, por meio do processo, e concretamen-
te, pela decisão de mérito, efeitos jurídicos. Objetiva ela justamente gerar os efeitos jurí-
dicos oriundos dos fatos (e da norma), que se constituem em seus fundamentos fáticos.
Essa consideração dá-nos a distinção entre incidência da lei e sua aplicação. A lei
incide no momento do fato; no entanto, não sendo ela obedecida, depois da sua inci-
dência, recorrerá o interessado à ação, que dá nascimento ao processo. O juiz, no pro-
cesso, se julgar procedente a ação, aplicará a lei, cuja incidência já terá anteriormente
ocorrido. Inversamente, desprovendo a ação, nem por isto deixará de aplicar a lei, mas
fá-lo-á favoravelmente ao interesse do réu.
A petição inicial, que retrata a ação em nosso Direito, encerra um silogismo do qual
se falará na devida oportunidade. Uma das partes deste silogismo (premissa menor) é
constituída pelos fatos. O relato dos fatos, na petição inicial, bem como na generalidade
dos sistemas jurídicos, é feito pelo autor. Em nosso Direito, não há absoluta adstrição
do juiz aos fatos alegados pela parte (art. 371 do CPC/2015). Há, todavia, que se enten-
der isto dentro dos princípios informadores do nosso processo, e, em especial, tendo
em vista o princípio dispositivo, estampado no art. 141, do CPC/2015.
Impõe-se, uma distinção essencial, cujo escopo reside em diferenciar o fato jurídi-
co dos fatos simples.71
Os fatos simples gravitam em torno do fato jurídico e não têm maior relevância, a
não ser que sejam considerados sempre com referibilidade àquele. O fato jurídico já é
aquele em que essencialmente se baseia o autor. Desta forma, quando alguém pede a
procedência da demanda de anulação de casamento, por exemplo, baseado em coação,
o fato jurídico é a coação. Fatos simples são aqueles que levam à conclusão de que efe-
tivamente ocorreu o fato jurídico. Em si mesmos, os fatos simples não têm maior rele-
vância e não são sequer objeto de qualificação jurídica pelo autor, nem necessitam sê-lo
pelo juiz na sentença. Já, porém, quanto ao fato jurídico, é essencial que seja ele juridi-
camente qualificado pelo autor, quando da propositura da ação. A adstrição do juiz ao
fato jurídico é decorrente do princípio dispositivo, mercê do qual há, no processo, que
se respeitar a vontade e as informações que a parte deseja trazer ao processo.

71. V. nosso Direito Processual Civil – Teoria geral do processo de conhecimento, vol. 2, São
Paulo: RT, 1972, p. 80, 81 a 94, 95 a 120; cf. Pontes de Miranda, Comentários ao Código
de Processo Civil de 1939, vol. 1, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 156; Schönke,
Derecho procesal civil, Barcelona: Bosch, 1950, p. 33; v., ainda, Chiovenda, Instituições
de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969, vol. 3/25; Chiovenda, Saggi di diritto
processuale civile, vol. 1, Milano: Giuffrè, 1993, p. 162.
176 Manual de Direito Processual Civil

Desta forma, os fatos que o juiz pode livremente considerar, mesmo independente-
mente de alegação da parte, são os fatos simples. Deve fazê-lo, para poder dar pela pro-
cedência ou não da demanda do autor, mesmo que ele não os alegue. Todavia, a conside-
ração de fatos pelo juiz encontra limite absoluto quando se tratar de fato(s) jurídico(s)
e. Existencialmente, porém, não há separação entre fato simples e fato jurídico, pois
este é aquele, só que devidamente qualificado.
As mesmas observações feitas para a estrutura silogística da petição inicial cabem para
a sentença.72 y 73 Existe manifesta correlação entre a petição inicial (“pedido, ação, preten-
são”) e a sentença, o que fica claro por vários artigos de lei, tais como o 141, o 492, caput,
do CPC/2015 no sentido de que, podendo o autor dispor do seu direito (“princípio disposi-
tivo”), o juiz não pode, absolutamente, considerar outros fatos jurídicos que não os dedu-
zidos pelo autor, como, ainda, não poderá proferir sentença diversa da solicitada, mesmo
que outros fatos jurídicos existam e que estejam provados; ainda, mesmo que seja possí-
vel outra decisão, diversa da pedida, que seja melhor para o autor, não poderá proferi-la.
Há, pois, correlação entre a inicial e a decisão de mérito, no sentido de a inicial pre-
definir o âmbito da atividade do juiz. Tal correlação, ademais, não pode ser quebrada,
pois não se pode acrescentar ao processo, depois de citado o réu, outro pedido (art. 329,
I, do CPC/2015), como, ainda, só excepcionalmente pode haver modificação do pedido.
Se tal se verificar, deverá haver correlação entre a petição inicial, já com o pedido
modificado, e a decisão de mérito.
O art. 371 do CPC/2015 dá direito ao juiz de apreciar a prova, impondo-lhe o poder-
-dever de atender “aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alega-
dos pelas partes”, só tem o sentido de que os fatos (leia-se, fatos simples) hajam de ser
considerados na linha do fato jurídico.
Como regra geral, a correlação, ainda assim, existe e subsiste apesar da redação e
sentido aparente do art. 371 do CPC/1973. Este, pois, só pode ser aplicado obediente-
mente à correlação a que se aludiu. O juiz, para usar dos poderes que lhe são conferidos
pelo artigo em comento, haverá de considerar sempre o âmbito da petição inicial e da
contestação e/ou reconvenção.
Desta forma, como regra geral, está claro que o juiz fica absolutamente adstrito ao fato
ou fatos jurídicos deduzidos pelo autor, ou seja, fica ele ligado indissoluvelmente ao pedi-
do e respectiva causa petendi, pois aquele é feito em função dos efeitos jurídicos atribuídos
aos fatos jurídicos. Daí, pois, as duas conhecidas máximas: ne eat iudex ultra petita par-
tium e sententia debet esse conformis libello. Se isto não ocorrer, a sentença sofrerá de vício.
As mesmas ponderações e implicações valem para o réu, levando-se em conside-
ração que quem formula o pedido e traça, portanto, os limites da lide é o autor, em re-
gra, não o réu.

72. Saliente-se que no silogismo judiciário é a premissa menor que informa e determina qual é
a premissa maior.
73. Quando se estiver em face de conceitos abertos, indeterminados, cláusulas gerais, não se
pode considerar propriamente um silogismo, tal como ocorre na subsunção.
Direito de Ação 177

4.4.2. Conceito de mérito


O conceito de mérito é congruente ao de lide, como ao de objeto litigioso. Já o disse
Liebman: é o pedido do autor que fixa o mérito. Nesse sentido, em obra clássica do Di-
reito alemão, se esclarece que o pedido (usa a palavra pretensão: Anspruch) é o mesmo
que mérito (usa a palavra significando objeto litigioso: Streitgegenstand).74
A nossa doutrina denomina de fundo de litígio, mérito ou lide aquilo que os alemães
chamam de objeto litigioso.
Para que possamos compreender de forma completa o assunto, é conveniente, neste
passo, sejam abordados os conceitos de questões preliminares e questões prejudiciais
(ambas estas espécies integram o gênero questão prévia).75
Há, no processo, determinados assuntos (pontos) que, se controvertidos, passam a
merecer a denominação de questões. Se a solução destas não influir na soluçãodo mé-
rito, de questões preliminares propriamente ditas se tratará. Como exemplo, temos a
competência do juízo.
Se, no entanto, da solução da questão depender o “como” será julgado o mérito
(possivelmente procedente ou improcedente), de questão prejudicial se tratará. Exem-
plo expressivo desta hipótese é a questão da filiação em relação à petição de herança.
Cumpre, ainda, notar que nem sempre as questões prévias (preliminares e preju-
diciais) o são em relação ao mérito (embora seja este o caso mais encontradiço, como
no segundo exemplo dado). Podem sê-lo em relação a outras questões, como no pri-
meiro exemplo.
A lide é conceito coincidente com a ideia de mérito, tal como delineado pelo autor,
e sobre sua decisão é que recairá a imutabilidade da coisa julgada.
Nessas condições, é na petição inicial que se encontram os elementos para identi-
ficar o objeto litigioso, pois o autor é que o fixa. O réu, por sua vez, fixa os pontos con-
trovertidos de fato e de direito, mas não aumenta o objeto litigioso, salvo se se servir de
reconvenção (na verdade, nestes casos, haverá duas lides e, pois, dois objetos litigiosos).
O juiz, ao julgar, aprecia e decide todas as questões que se encontram no processo
mas, ressalvadas as considerações feitas no tópico a respeito da declaração incidente,
somente sobre a solução respeitante ao objeto litigioso (lide) é que pesará a autoridade
de coisa julgada material (arts. 502 e 503 do CPC/2015).
Essa a razão de entendermos ser o objeto do processo mais amplo que o objeto li-
tigioso ou a lide.
Evidentemente, já que a lei o permite, por institutos como, por exemplo, a recon-
venção, e a declaratória incidente(no caso de falsidade documental), o processo é acres-

74. Cf. Karl Heinz Schwab, Der Streitgegenstand im Zivilprozeß [O objeto litigioso no processo
civil], Munique: Berlin: Beck’sche, 1954, p. 3.
75. Sobre o assunto, amplamente: Thereza Alvim, Questões prévias e limites objetivos da coisa
julgada, passim. São Paulo: RT, 1977.
178 Manual de Direito Processual Civil

cido de mais objetos litigiosos (= lides), e sobre esses, se julgados no mérito, também
pesará a autoridade de coisa julgada material.
Como o objeto litigioso ou lide é o mérito da ação, deve ser esta identificada, a fim
de que a atividade jurisdicional só seja prestada uma vez em relação à mesma pretensão.
Por meio dessa identificação impede-se que, já estando pendente uma ação, outra
igual seja proposta (litispendência), ou que, já havendo coisa julgada a respeito de de-
terminado objeto litigioso (= lide), seja movida nova e idêntica ação (= mesma ação,
em rigor, a mesma lide), a fim de que não existam decisões contraditórias e desperdício
da atividade estatal.

4.4.3. Elementos da ação


Na doutrina dos países latinos tradicionalmente fala-se em teoria das três identida-
des, para que possam ser identificadas as ações. O Direito brasileiro também seguiu essa
tradicional orientação, pois se lê no art. 337, § 2.º, do CPC/2015: “Uma ação é idêntica
a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. 76
Assim, para evitar decisões contraditórias, tem-se que coibir a pendência de ações
iguais e, para tanto, deve ser escolhida, como o fez nossa lei, uma teoria para a identifi-
cação das ações. O critério das três identidades, apesar de ter recebido crítica, é bastan-
te operativo e fornece claro esquema para essa tarefa.
Toda ação tem três elementos, mercê dos quais ela é identificável: partes, objeto (pe-
dido, diz nossa lei) e causa de pedir.

4.4.3.1. As partes e sua identificação


As partes identificam-se do ponto de vista jurídico, querendo-se com isto significar
que é fundamental constatar, para a identificação das partes, a qualidade jurídica em que
se apresentam. Poderá haver mudança de parte, fisicamente; no entanto, sob o prisma
jurídico, pode não haver alteração, não deixando de haver identidade de partes, como
no caso de sucessão por morte. Ademais, não se ignora que a mesma pessoa física poderá
litigar em processos diversos, ou no mesmo, em distintas posturas jurídicas.
Este fenômeno pode ocorrer, exemplificativamente, na hipótese de embargos de
terceiro. Ora, a própria parte pode também desempenhar papel de terceiro (como, por
exemplo, nos embargos de terceiro, conforme o art. 674, §2º, do CPC/2015). Assim, a
mesma parte, no mesmo processo, pode ter distintas qualificações jurídicas.
Por outro lado, se houver em dois processos inversão de posições, passando num
o autor a ser réu, e, o que era réu, a autor, se iguais forem os fatos e fundamentação ju-

76. Sobre os elementos da ação, v. Araken de Assis “A lei consagrou a teoria dos três elementos
– partes, causa de pedir e pedido (eadem personae, eadem res e eadem causa petendi).” (cf.
Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, vol. 1. São Pau-
lo: RT, 2016, p. 690-691); Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed. rev., atual. e
ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 218 e ss.; e Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito pro-
cessual civil:inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66-67.
Direito de Ação 179

rídica, subsistirá a identidade de partes, quer para fins de litispendência, quer para os
de coisa julgada.
Assim, por exemplo, se A move contra B uma ação condenatória, objetivando a co-
brança do crédito X, e, subsequentemente, B (agora como autor) move contra A (como
réu) uma ação declaratória negativa, objetivando negar a existência do mesmo crédito
X, há, certamente, identidade de partes, de causa petendi e de objeto, dado que a decla-
ração se compreende na condenação. O que importa, pois, no particular da qualidade da
parte, não é a posição em que esta se encontra – ativa ou passiva –, mas, sim, que em am-
bos os processos ela se apresente na mesma qualidade jurídica (com a mesma postura).
Acima de tudo, pois, interessa a posição jurídica e os fins a serem atingidos pela ação.

4.4.3.2. O objeto (o pedido)


Pretensão, no plano processual, é a afirmação de um direito. Quem pleiteia um di-
reito, afirma-o como seu. O Código Civil conceitua pretensão: “Art. 189. Violado o di-
reito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a
que aludem os arts. 205 e 206”.
Aquilo que está em dúvida, no litígio, é precisamente aquilo que foi afirmado pelo
autor: é o direito de que se diz titular.77
Disto se dessume que a perquirição de quais sejam os elementos da ação tem de ser
feita, precisamente, pelo exame da pretensão processual. O que está em jogo é, efetiva-
mente, o direito afirmado pelo autor.
Um ponto que a doutrina estrangeira tem discutido é o consistente na indagação
de integrar ou não a ação o objeto litigioso, para fins de identificação da ação, na teoria
da litispendência. Por outras palavras: mesmo se estivermos, em dois processos, diante
dos mesmos fatos, partes e fundamentações jurídicas (naturalmente contrapostas), se a
ação for diversa, sendo num deles declaratória e, no outro, condenatória, por exemplo,
haverá ou não identidade de objeto litigioso? O problema da ação é extrínseco ou não
ao objeto litigioso? Ou, tendo em vista a terminologia de nossa lei, a ação é relevante,
na teoria das três identidades, para solucionar os problemas a que se presta essa teoria?
Nossa opinião é a de que o objeto litigioso é integrado pelo tipo de ação na teoria da
litispendência. Por outras palavras, aqui, o objeto litigioso é resultante da pretensão (ma-
terial) e do tipo de ação (pretensão processual), no qual é ela feita valer. Desta forma, é
indispensável considerar-se o tipo de ação para se determinar se ocorre ou não identidade
de objeto litigioso. O problema é particularmente relevante na teoria da litispendência.
A identidade do objeto, já se disse, tal como a das partes, é dada pela pretensão pro-
cessual. Esta é o retrato do objeto litigioso, da lide ou do mérito, para usarmos a termi-
nologia tradicional de nosso Direito.

77. V. nosso Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento, São Paulo:
RT, 1972, vol. 1/58 e 2/16; Teresa Arruda Alvim Wambier, Omissão judicial e embargos de
declaração, São Paulo: RT, 2005, item 4..
180 Manual de Direito Processual Civil

Pelo exposto, vê-se que não se pode conceber no processo a pretensão como direi-
to material, exclusivamente – salvo com uma função e configuração completamente
diversas – e, nem mesmo, de acordo com muitos (Windscheid), como uma tendência
para subordinar a vontade de outrem ao próprio direito.
Já foi dito que o autor fixa, com seu pedido, o objeto litigioso, o mérito ou a lide,
sobre a qual irá incidir a decisão de mérito e a qualidade de imutabilidade dos efeitos
desta, ou seja, a coisa julgada material (que não deve ser confundida com a coisa jul-
gada formal, equivalente à “preclusão máxima”, isto é, à situação de imutabilidade só
dentro daquele mesmo processo, embora a coisa julgada material ocorra cronologica-
mente juntamente com a formal). Todavia, ao fixar o objeto litigioso, o autor delimita
a lide, ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve decidir, com força de coisa julgada, uma
vez que este não pode julgar extra, infra ou ultra petita (arts. 141 e 492 do CPC/2015).
Nessas condições, se o autor tiver proposto uma ação declaratória (genuinamente de-
claratória), não poderá o magistrado condenar o réu, pois os limites da lide já terão sido
fixados na petição inicial; o autor deseja tão somente a declaração de seu direito. Dife-
rentemente, se se tratar de uma ação declaratória que contenha elementos suficientes
para proporcionar o seu cumprimento (execução), tal como se a condenatória houves-
se sido proposta.
Nesse sentido é que dizemos que o tipo de tutela jurídica integra o objeto litigioso,
para efeito de identificação das ações, mas, lembremos, tendo em vista a litispendência
(termo usado aqui para significar a pendência simultânea de ações iguais).
Para os problemas oriundos da coisa julgada material já não interessa a ação, me-
diante a qual foi exercida a pretensão. Assim, julgada improcedente ação declaratória,
esta decisão, uma vez transitada em julgado, tem efeitos totais, vale dizer, compreen-
sivos e excludentes de ulterior e eventual ação condenatória (entre as mesmas partes,
com idêntica qualificação jurídica e a mesma causa petendi). Não poderá, portanto, sob
pretexto de não haver identidade de ações, mover ação condenatória contra o mesmo
réu, baseada nos mesmos fatos jurídicos e direito, pois este foi declarado inexistente.
Examine-se, agora, porque e em que medida o tipo de ação é importante na identi-
ficação de ações pendentes simultaneamente.
Problema que, desde logo, surge, é o de se saber se ação declaratória negativa movida
pelo devedor contra o credor impede que este cobre judicialmente este mesmo crédito.
O objeto litigioso, nele integrado o tipo de ação (para efeito, justamente, de verificar-
-se ou não a litispendência), não é idêntico ao da condenatória. O da ação condenatória
será maior, pois nesta se contém não só a declaração do direito ou declaração de certeza,
como o pedido de sanção contra o réu. Consequentemente, a ação declaratória negativa
do devedor não produz litispendência para a ação condenatória do credor, pois, nesta,
obterá ele não só a certeza jurídica como a condenação, sendo a ação julgada procedente.
Se se admitisse litispendência da declaratória para a condenatória, o prejuízo do
credor seria manifesto, pois que se procrastinaria indevidamente a prestação efetiva da
tutela jurisdicional. Seria necessário haver julgamento de improcedência da declarató-
ria, para só então admitir-se a ação condenatória.
Direito de Ação 181

Neste sentido e de certa forma, é assim que deve ser entendido o § 1.º do art. 784 do
CPC/2015, ao dispor que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante
do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
Já a ação condenatória ajuizada pelo credor inibe (= produz litispendência) a ação
declaratória negativa do devedor, pois seu pedido de declaração será satisfeito na pri-
meira ação: ou será devedor ou não o será.
Assim, a identificação das ações, quando tenha por escopo a eliminação de um de
dois processos, baseia-se nas pretensões de ambos, levando-se em consideração o tipo
de ação utilizado que, conforme a hipótese, poderá, ou não, produzir litispendência.
Essa identificação, no tema da litispendência, baseia-se em duas afirmações de di-
reito e nos pedidos que se pretendam fazer valer.
Dissemos que os elementos individualizadores da ação são: (a) as partes; (b) o objeto,
ou seja, o bem jurídico a respeito do qual se reclama uma providência jurisdicional; e (c)
a causa petendi, isto é, os motivos de ordem jurídica e de fato dos quais emerge o pedido.
Ora, o objeto pode ser classificado em “imediato”, que é o tipo de providência ju-
risdicional solicitada, e “mediato”, que é o próprio bem jurídico reclamado. O objeto
litigioso, nesse tema, abrange os dois tipos de objetos. Nossa lei não usa dessa termino-
logia, usando o mesmo pedido, desde que não usa da expressão objeto litigioso. Realmen-
te, a lei eliminou o problema da diversa abrangência que tem o objeto litigioso, tendo
seus termos igual alcance, visto que no pedido estão contidos tanto o objeto imediato
como o mediato (art. 337, §2º, do CPC/2015).

4.4.3.3. Fundamento legal e causa de pedir


Um ponto importante a ser ressaltado é que a fundamentação legal, isto é, a indi-
cação do artigo de lei aplicável – segundo entendimento do autor – à hipótese fático-
-jurídica deduzida é extrínseca à identificação de ações. Nada tem que ver com ela.78
Isto quer dizer que há liberdade para o autor, sem alterar a estrutura da demanda, de
mudar a fundamentação legal, a qual, rigorosamente, nem sequer precisa constar da petição
inicial;79 pela mesma razão, o juiz pode acolher a demanda fundando-se em lei diversa.80
Os fatos contidos na inicial, qualificados como causa petendi, constituem efetiva-
mente o fundamento jurídico da demanda. O autor deve demonstrar que os fatos des-
critos levam necessariamente à conclusão ou conclusões pedidas, isto é, à relação de
causa e efeito (no plano lógico e volitivo do autor) entre os fatos jurídicos e o pedido,
ou seja, os fatos e suas consequências.

78. Cf. Prieto Castro, Derecho procesal civil, n. 257, Zaragoza: Librería General. 1949,, p. 273;
Santiago Sentís Melendo, artigo sob o título Iura novit curia, em Revista de Derecho Procesal,
ano 1947, Buenos Aires: Ediar, 2.ª parte, p. 219.
79. V., modernamente, Fritz Baur, A dicção iura novit curia, trad. Arruda Alvim, na Revista de
Processo [RePro], vol. 3.
80. STJ, REsp 233.446/RJ, 4.ª T., j. 27.03.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
07.05.2001, p. 145.
182 Manual de Direito Processual Civil

Afigura-se-nos que a causa petendi é constituída pelos fatos e a respectiva fundamen-


tação jurídica. São os fatos jurídicos em virtude dos quais nasce o interesse de agir ou
mesmo a necessidade de agir, sob pena de ter, o autor, prejuízo.
Os fatos jurídicos são, então, aqueles em virtude dos quais entende o autor ser jus-
tificável o seu acesso ao Judiciário para pleitear uma dada providência prevista pelo or-
denamento e precisamente a que decorre dos efeitos jurídicos daqueles fatos.
 A causa petendi é complexa, no sentido de abranger todos os fatos jurídicos e respec-
tivos fundamentos. Por fatos jurídicos entendemos os de que dimanam consequências ju-
rídicas. Distinguem-se eles, como já tivemos oportunidade de observar, dos chamados
fatos simples, os quais, de per si, são insuficientes para gerar consequências jurídicas.
Levam estes, apenas, ao conhecimento pleno dos fatos jurídicos (qualificados aqueles
como tais), os quais não poderão, de forma alguma, ser mudados durante a demanda
(salvo modificação do conteúdo da petição inicial, conforme o art. 329 do CPC/2015),
o que já não ocorre com os simples.
A doutrina discute, e muito, a respeito da causa petendi nas ações reais.
Quanto às pessoais, não há praticamente dúvida no sentido de que, para identificar-
-se a ação, é necessário não só a menção ao negócio como à respectiva origem; daí haver
causa petendi próxima e causa petendi remota. Assim, se um indivíduo se diz credor de
outro, por mútuo, por exemplo, tem que indicar não somente o montante desse mútuo,
como também a forma de sua constituição; caso contrário, não será possível identificar
corretamente a ação pessoal, movida para cobrança desse mútuo.
Parece-nos que a argumentação de validade do direito real erga omnes não pode, ab-
solutamente, isentar o autor de demonstrar que o direito lhe cabe. Para tanto, de molde
a fazê-lo idoneamente, terá de declinar a respectiva origem.81
A conclusão correta é a de que, na ação de reivindicação, exemplificativamente, é
necessário, não só comprovar (prova legal) o fato atual da propriedade, devidamente
individuada e descrita a causa de aquisição, ao lado da posse ilegítima do réu. Vale di-
zer, não só a causa próxima (a propriedade, fato atual) como a causa remota (modo de
aquisição).82

81. Cf. Arruda Alvim, Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento,  vol.
2, 6.ª parte, São Paulo: RT, 1972, p. 83.
82. No sentido de nossa opinião, no Direito comparado: Prieto Castro, Derecho procesal civil,
t. I, § 63, Zaragoza: Librería General. 1949, n. 263, n. III, p. 256; Schönke, Derecho pro-
cesal civil, § 47, II, 4, alínea a, Barcelona: Bosch, 1950, p. 166; Schönke-Schöder-Niese,
Zivilprozessrecht [Direito Processual Civil], 8ª ed., § 47, III, 4, p. 214. Mais anteriormente,
entre nós, Paula Batista, Teoria e prática, § 187, n. 1, p. 178-179. Em nossa jurisprudência,
correto é o entendimento firmado, nesse sentido, pelo TJSP, RT 102/218. Fixa dito acórdão
que os autores hão não só de demonstrar que são titulares do domínio, como também de
quem houveram a coisa e como a houveram. Correta a posição, neste particular, de J. I.
Botelho de Mesquita, em trabalho publicado na Revista de Direito Processual Civil, n. 6,
p. 194, Saraiva. Incorreto o entendimento de Chiovenda, em Principi di diritto processuale
civile, § 12, p. 284, 1923. Cf. também STJ, REsp 195.476/MS, 4.ª T., j. 07.02.2002, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 15.04.2002, p. 221.
Direito de Ação 183

4.4.4. Cumulação de pretensões (de pedidos)


O instituto permissivo da reunião de mais de um pedido num só processo é inspira-
do na economia processual, pois, com menos trabalho, resolve-se mais de um assunto;
além disto, inspira-se no princípio dispositivo, dado que, diante da permissão legal, o
autor tem liberdade de cumular ou não esses pedidos.
O art. 327 do CPC/2015 permite a cumulação de pedidos em um único processo,
enquanto o art. 329 do CPC/2015 marca o limite temporal extremo para fazê-lo: antes
de ser efetivada a citação do réu. A lei processual usa da expressão “cumulação de pedi-
dos”, enquanto a usada pela doutrina e jurisprudência é “cumulação de ações”.
Os requisitos existentes na lei para a validade da cumulação são os seguintes: (a)
compatibilidade entre os pedidos; (b) serem abrangidos pela competência de um mesmo
juízo; e (c) que para todos os pedidos seja adequado o mesmo procedimento (art. 327
do CPC/2015). Caso não haja identidade de procedimento, ainda assim permite-se a
cumulação, desde que o autor aceite, para todos os pedidos, o procedimento comum,
sem prejuízo de que técnicas próprias dos procedimentos especiais afetos a um ou mais
pedidos sejam utilizados, pontualmente (art. 327, §2º, do CPC/2015).
Há que se admitir cumulação de execuções, em razão do que prevê expressamente
o art. 780 do CPC/2015. A este propósito o Superior Tribunal de Justiça, interpretando
o art. 573 do CPC/1973 (equivalente ao atual art. 780 do CPC/2015), já admitiu execu-
ção simultânea contra o devedor principal e os avalistas, tendo como base, respectiva-
mente, o contrato e notas promissórias emitidas em garantia de seu cumprimento em
decorrência da mesma dívida contratual.83 A 2.ª Seção desse Tribunal acabou por fixar
este entendimento em sua Súmula 27, redigida da seguinte maneira: “Pode a execução
fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao mesmo negócio”.84
Entretanto, devemos lembrar as ações a serem cumuladas, que não o tenham sido
inicialmente. Estas podem ser conexas ou continentes, com as pendentes (ou seja, quan-
do, respectivamente, lhes for comum o objeto ou a causa de pedir e quando houver iden-
tidade quanto às partes ou à causa de pedir, mas o objeto de uma abranger o da outra).
Nesses casos, deverá haver distribuição por dependência (art. 286, I, do CPC/2015);85

83. REsp 3.680, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 03.12.1990, citado em Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira, O STJ e o processo civil, Brasília: Brasília Jurídica, 1995, p. 390; no mesmo sentido,
mais recentemente: STJ, REsp 255.406/RJ, 3.ª T., j. 14.06.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ
01.07.2004.
84. Amplamente sobre o assunto, Arruda Alvim, Coleção Estudos e Pareceres, Direito Proces-
sual Civil, vol. 3, São Paulo: RT, 1995, p. 148-172. Parecer sob n. 9, em que se estuda o
“Litisconsórcio na execução, possibilidade de sua utilização passiva e cumulação objetiva
e subjetiva”,entre outros muitos assuntos.
85. Remarque-se que a atração dos processos, a exigir a distribuição por dependência, veri-
ficar-se-á ainda quando houver a desistência e renovação do pedido, e mesmo nos casos
de coincidência apenas parcial das partes. Sobre o assunto, cf. STJ, AgRg no Ag 541.621/
RJ, 4.ª T., j. 09.03.2004, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 12.04.2004, p. 215; STJ, REsp
766.930/RJ, 1.ª T., j. 01.09.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 26.09.2005, p. 257.
184 Manual de Direito Processual Civil

se tal não se tiver verificado, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes,
deverá, em regra, ordenar a reunião das ações para serem decididas simultaneamente
(arts. 55, 56 e 57, do CPC/2015).
Nos casos acima lembrados não haveria exatamente uma cumulação de pedidos,
nem posteriormente, pois estaremos em face de mais de uma ação, embora o efeito de
julgamento conjunto se produza igualmente, depois de ter havido simultaneus proces-
sus, a partir da junção ou reunião dos processos.
Os tipos mais comuns de cumulação são os seguintes: (a) cumulação inicial, que
se dá quando as ações são inicial e simultaneamente propostas, obedecido, inclusive,
o limite temporal do art. 329; (b) o fenômeno que é redutível a uma cumulação poste-
rior, quando a segunda ação é ajuizada posteriormente à primeira, já encontrando esta
pendente, o que se dá nos casos de conexão ou continência; (c) cumulação eventual de
ações, que é uma cumulação em sentido impróprio, ou diverso, em que uma delas é a
principal e a outra subsidiária, devendo esta última ser objeto de apreciação somente
no caso de a primeira não prosperar.
Aliás, determina expressamente o art. 326 do CPC/2015 que será lícito formular
mais de um pedido em ordem subsidiária,86 só conhecendo o juiz do posterior se não
acolher o anterior.
Quanto à cumulação eventual, o autor deseja primordialmente um determinado re-
sultado, nele acentuando sua vontade: é aquele contido no pedido anterior; é este re-
sultado, realmente, o que é desejado pelo autor. Se, todavia, for tido como inviável tal
resultado, mercê de deliberação judicial, já terá solicitado o autor, então, e já no mesmo
processo, que o juiz passe ao exame do pedido posterior, embora reportado à mesma
causa petendi. Há, portanto, dois pedidos, embora o primeiro deva, por vontade do au-
tor, se possível (isto é, se for julgado como fundado), excluir o segundo.87
Lembre-se ainda de que poderá o pedido ser alternativo, na forma do art. 325 do
CPC/2015, quando, pela natureza da obrigação, puder esta ser cumprida de mais de um
modo. Se a escolha do modo de cumprimento couber ao devedor, aplica-se o parágrafo.
único do art. 325, assegurando o juiz o modo que tenha sido escolhido pelo devedor.
Nos dois últimos casos citados, contudo, não há propriamente cumulação de pedi-
dos, ou, se existe, é num sentido diverso das demais hipóteses, como podemos ver do
exposto, pois, para haver cumulação, deve o autor ter mais de uma pretensão. Em nosso
modo de ver, o art. 326 do CPC/2015 configura, com mais rigor, hipótese de ações ou
pretensões concorrentes (havendo exclusão do posterior, se o anterior for conhecido).
Tratando do pedido, no art. 323 do CPC/2015, estabelece a lei processual que, a
ação tendo “por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas se-
rão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do
autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no
curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las”.

86. O CPC/1973, equivocadamente, falava em ordem “sucessiva”, o que não é o caso.


87. V. RT 544/93.
Direito de Ação 185

Resolveu, nessa conformidade, o Código vigente, um dos aspectos do problema, que


é o entendimento exato de que, na consignação em pagamento, é desnecessária referên-
cia expressa ou protesto, quanto ao direito de se consignarem as prestações que se fo-
rem vencendo, estando em curso a lide. Com o advento da Lei 8.245/1991, que regulou
as locações de imóveis urbanos, a mesma solução foi dada expressamente pelo art. 67,
III. Para as consignatórias em geral, reguladas pelo CPC/2015, é de ser observado o dis-
posto no art. 541, que se refere, expressamente, ao depósito das parcelas vincendas ao
longo da tramitação do processo.
A cumulação de ação demarcatória com queixa de esbulho já foi admitida,88 bem
como a demarcatória e a reivindicatória.89
Na ação objetivando a rescisão do contrato, tanto podem ser pedidas as perdas e
danos,90 como a reintegração de posse, desde que seja o pedido de reintegração deixado
para final, como consequência da decretação da rescisão. Semelhantemente, admitiu-se
cumulação de ação reivindicatória com ação de perdas e danos.91
A nossa jurisprudência já tem reiteradamente admitido “cumulação de ações” em
despejos de grandes edifícios, ou de despejos contra vários inquilinos, mesmo em pré-
dios diversos. O problema, porém, como adiante se verá, liga-se mais proximamente à
temática do litisconsórcio e não propriamente ao da cumulação de ações.
Já se admitiu, também, a cumulação de ação possessória com outra ação, que deva
obedecer ao procedimento ordinário; ocorrendo tal cumulação, ambas as ações have-
rão de ter o rito comum (art. 327, § 2º, do CPC/2015). No CPC/1973, a regra da opção
pelo procedimento ordinário era rígida, fazendo com que desaparecesse a possibilidade
de medida liminar típica da ação possessória, pela via do então vigente art. 928. 92Já no
CPC/2015, seja pela própria abrangência das tutelas provisórias de urgência (art. 300
do CPC/2015), seja pela flexibilidade do procedimento cumulado (art. 327, §2º, do
CPC/2015), a concessão liminar é plenamente possível.

88. RT 358/317 (entenda-se a cumulação admitida como sucessiva – Theodoro Júnior, op. ult.
cit., n. 135, p. 204-207 – no entanto, é superfetação, pois a procedência da demarcatória
envolve restituição.
89. Jurisprudência Mineira 19/78 (nesta hipótese é inviável a cumulação, pois, sendo a demarca-
tória ação do dominus, e, se procedente, implica restituição, descabe cumulação; ademais,
incogitável obtenção de liminar na possessória, por causa do seu rito especial – Theodoro
Júnior, op. ult. cit., n. 136, p. 207-209). Acerca do tema, cf. o seguinte julgado do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul: “Evidente que a procedência da ação demarcatória poderá
acarretar o acréscimo de área em favor de uma das partes, sem que isso configure a cumu-
lação de pedidos demarcatório e reivindicatório” (TJRS, AI 70020961744, 17.ª C. Cível, j.
14.08.2007, rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, DJ 27.08.2007).
90. STJ, AgRg no AgRg no AREsp 611.557/SP, 4ª T., j. 26.05.2015, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 02/06/2015; Alexandre de Paula, O processo civil à luz da jurisprudência, vol. 28/413,
1942, julgado 34.779.
91. STJ, REsp 84.790/SP, 4.ª T., j. 05.06.2001, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24.09.2001, p. 306.
92. Nesse sentido, ainda na vigência do código revogado: STJ, REsp 332.194/SP, 3.ª T., j.
20.11.2001, rel. Min. Menezes Direito, DJ 25.02.2002, p. 379.
186 Manual de Direito Processual Civil

Havendo cumulação, haverá, na verdade, duas lides e dois “méritos” a serem apre-
ciados pelo juiz. E tais lides, em regra, são independentes uma da outra. Desta for-
ma, a carência de ação, relativamente a uma das ações, v.g., por falta de interesse pro-
cessual, não contamina e nem impede o exame do outro (ou dos outros) pedido(s)
cumulado(s).

4.4.5. Concorrência de ações


A doutrina e a jurisprudência, tradicionalmente, aludem a concurso de ações, quan-
do, em verdade, parece-nos que, mais propriamente, deveriam referir-se a concurso de
pretensões.
Tendo em vista nossa posição, já firmada, no sentido de diferenciar as pretensões
de direito material da pretensão processual, temos, no caso, um concurso de preten-
sões processuais (ações), para a satisfação de um mesmo interesse material, fornece a
lei mais de um caminho, os quais, todavia, se excluem reciprocamente.
Diz-se concurso ou concorrência de ações (rectius, pretensões) justamente porque
elas concorrem, dirigem-se a uma mesma finalidade: a satisfação de um só interesse, o
que por vários modos é suscetível de ocorrer.
Diz-se, também, concurso eletivo de ações. Na hipótese do art. 326 do CPC/2015, a
eleição não se dá, definitivamente, antes do início do processo, senão que os dois pedi-
dos são feitos com base na mesma causa petendi, embora enfatizado o pedido anterior.
Trata-se, nesta hipótese, todavia, de cumulação eventual.
De várias formas pode-se apresentar o concurso de ações. Como exemplo, vejamos
as ações que cabem ao comprador de coisa recebida com vício ou defeito oculto, que a
tornem imprópria ao uso destinado. Estas existem para a satisfação do direito do com-
prador. Entretanto, pelo art. 442 do Código Civil, pode o adquirente, em vez de mover
a ação redibitória, enjeitando a coisa e rescindindo o contrato (art. 441 do Código Ci-
vil), reclamar abatimento no preço.93
Também o evicto, que não assumiu os riscos da evicção, pode optar, sendo a evicção
parcial, mas considerável, entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço
correspondente à sua perda (art. 455 do Código Civil).94

93. Se se pede a rescisão do contrato, a ação é constitutiva negativa, pois colima-se desfazer
o negócio; se, diferentemente, se solicita o abatimento do preço, a ação é constitutiva,
objetivando-se a alteração de um dos elementos da compra e venda, o preço. Conforme o
que se deseje, portanto, o efeito jurídico será diferente. No entanto, ou se pede uma coisa,
ou outra coisa. Assim é que, do ponto de vista jurídico, são esses pedidos excludentes, um
do outro. Depende-se da vontade do autor; porém, manifestada esta, pela eleição de uma
determinada ação, isto é, uma consequência jurídica específica, a outra – que teria sido
possível – fica lógica e juridicamente inviável, ou seja, está excluída pelo próprio direito.
94. A este tipo de concurso parte da doutrina denomina de concurso impróprio (cf. Pontes de
Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958, p. 395; Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, n.
149, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 200).
Direito de Ação 187

Por outro lado, pode o concurso de ações simultaneamente apresentar-se impróprio


e primeiramente como uma cumulação eventual (art. 326 do CPC/2015), para, depois,
haver concurso de ações propriamente dito. Esta pode ser tipicamente a hipótese do
art. 500 do Código Civil. Na aquisição de um imóvel, calculado o preço, determinando-
-se a área, se esta for inferior às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir
o complemento da área e, não sendo isso possível (cumulação eventual), pode ou re-
clamar a rescisão do contrato ou o abatimento proporcional do preço (concorrência de
pretensões, havendo, aqui, alternatividade – art. 325 do CPC/2015).
Há que se observar, o que é importante, que o pressuposto para todas as ações con-
correntes é sempre um só: uma determinada violação do direito, tal como descrita na lei.
A causa da pretensão é uma: variam, porém, os possíveis respectivos meios satisfativos.
Os problemas complexos, originados do chamado concurso de ações, dizem respei-
to tanto à teoria da litispendência, como à da coisa julgada.
Efetivamente, se ficarmos rigorosamente adstrito à chamada teoria das três identi-
dades, constataremos, à primeira vista, que ela não responde, de forma plenamente sa-
tisfatória, a tais aspectos. Em verdade, nas ações concorrentes, existe identidade quanto
às partes, bem como relativamente à causa petendi; todavia, o petitum (pedidos ou ob-
jetos imediatos), rigorosamente, é diverso.
No entanto, é pacífico em doutrina que, ajuizada uma ação concorrente, não pode-
rá ser ajuizada a outra, ou as outras, concomitantemente. Assim, se o comprador ajui-
zar ação, pedindo diminuição do preço da coisa que lhe foi vendida com defeito oculto,
certamente não poderá ajuizar ação pedindo a rescisão do negócio. Em face da teoria
das três identidades, interpretada literalmente, caberia, então, perguntar-se o porquê
da impossibilidade de propositura desta segunda ação, se, rigorosamente, de litispen-
dência não se trataria, pois os pedidos, em si mesmos, são diferentes.
Entretanto, pode-se dizer que, conquanto o pedido de diminuição de preço e o de
rescisão sejam coisas diversas, sob o prisma estritamente dos efeitos jurídicos, são equi-
valentes e idênticas as causae petendi.
Se a ação concorrente foi julgada procedente, obviamente exauriu-se, do ponto de
vista jurídico, o interesse do autor: a sua pretensão, que era fundada, recebeu senten-
ça favorável. Não tem mais o autor, por essa razão, direito à outra ação concorrente.95

95. Em rigor, não se deve afirmar que em relação à ação que não foi julgada houve coisa julgada.
A melhor explicação é a de que falta interesse, em relação a essa outra ação, se, hipoteti-
camente, vier a ser movida (este esclarecimento decorreu da leitura da obra de Eduardo
Talamini, Coisa julgada e sua revisão, São Paulo: RT, 2005, p. 69, nota 77). Em igual sentido,
Paulo dos Santos Lucon destaca que: “No caso de concurso de demandas é consagrada a
disciplina atribuída com o propósito de se evitar a que o relacionamento entre demandas
produza provimentos conflitantes e contraditórios. Nas hipóteses de efetiva satisfação de um
direito, extingue-se eventual interesse para o ajuizamento de outra demanda com o mesmo
propósito.” (Paulo Henrique dos Santos Lucon, Relação Entre Demandas, 1ª ed., Brasília:
Gazeta Jurídica, 2016, p. 117)
188 Manual de Direito Processual Civil

Por outro lado, suponha-se que a ação foi julgada improcedente, e isto terá ocorri-
do pela verificação de que não houve lesão alguma. Ora, como atrás verificamos, nas
ações concorrentes o fato jurídico é um só, conquanto as ações (= pretensões) que ela
permite, para a respectiva reparação, podem variar. Se foi verificado que a lesão inexis-
tia, curialmente, nenhum dos efeitos teria sido admissível.
Lembremos também da dualidade que existe entre a cambial e a respectiva relação
fundamental, isto é, o negócio de Direito Civil ou Comercial que levou o devedor da
cambial a emiti-la em favor do credor. Conquanto exista uma dualidade de realidades,
há unidade relativamente à existência de direito; há um só direito (se o título se en-
contrar em mãos do devedor e credor originários). A cambial, nessas condições, é tão
somente uma expressão da relação fundamental, tanto que é absolutamente pacífica a
doutrina do Direito Comercial, no sentido de que a emissão de cambial, em tais con-
dições, não produz novação alguma. Consequentemente, execução por título extra-
judicial, porventura movida com base na cambial, impede, pelo mesmo autor, a ação
relativa à relação fundamental, do mesmo modo que, se o credor optar pela ação or-
dinária, esta impede aquela, eis que lhe faltará o interesse jurídico, condição para que
pudesse usar do direito de ação.
5
Processo e os Pressupostos Processuais

5.1. A formação da relação jurídica processual

Como foi visto no resgate histórico feito no início deste Manual, já há muitas déca-
das não deve ser confundida a relação jurídica de direito material com a relação jurídi-
ca processual.1 Enquanto a relação jurídica de direito material constitui, normalmente,
a matéria do debate, a relação processual é onde aquela se contém.Mesmo na ação de-
claratória negativa, em que se objetiva negar a existência de uma relação jurídica mate-
rial, impende seja ela descrita, pois só assim poderá o réu defender-se, e, afinal, só em
face da prévia identificação da relação jurídica esta poderá ser tida como existente ou
como inexistente.
Podemos explicitar dizendo que a relação jurídica processual é o próprio proces-
so2-3 e só tem existência nos tribunais, isto é, mediante o uso do direito de ação. Nesta,

1. V. Oskar Bülow, La teoría de las excepciones procesales, y los presupuestos procesales, trad.
de Miguel Angel Rosas Lichtschein, Buenos Aires: Jurídicas Europa-America, 1964, p. 1-4.
2. “O processo é uma relação jurídica. Uma relação jurídica complexa: um autor, um juiz,
um réu. O autor é credor da sentença, ou seja, tem direito à prestação jurisdicional.
Nessa relação o juiz se apresenta tanto em face do autor quanto do réu como titular de
um poder: o poder jurisdicional, a que ambos se submetem, haja ou não ‘colaboração’.”
(José Maria Rosa Tesheiner e Rennan Faria Krüger Thamay, Teoria geral do processo: em
conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016,
p. 5).
3. Em sentido, em certa medida, diferente, para Alexandre Freitas Câmara, a concepção e teoria
da relação processual “pressupõe uma superioridade estatal na condição do processo que
é incompatível com a mais moderna concepção de Estado Constitucional.”. E continua: “O
que existe é um procedimento em contraditório destinado à construção dos provimentos
estatais, em que todos os sujeitos interessados participam, em igualdade de condições, na
produção do resultado. Este procedimento comparticipativo, policêntrico, que se desenvolve
em contraditório é, precisamente, o processo.” (O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2016, p. 26-27). Essas premissas estão presentes no processo como disposto na
Constituição e no CPC/2015, porém, nos parece, que isso não descaracteriza a existência da
relação jurídica processual. Pertine, aqui, a crítica de Araken de Assis à teoria do processo
como procedimento em contraditório. Segundo o autor, descabe essa posição “primeiro,
porque o procedimento administrativo, na ordem constitucional brasileira, também se sub-
190 Manual de Direito Processual Civil

se discute uma relação jurídica de direito material, o mérito, ou a lide, na terminologia


do Código vigente.
Aliás, justamente o isolamento da categoria dos pressupostos processuais4 consti-
tui-se num dos mais importantes elementos que serviram para a demonstração da au-
tonomia do processo.
Após esta fase da evolução do estudo do processo, deixou-se de lado toda uma
confusão procedimentalista (antes dela, só se estudavam os tipos de procedimento) e
a atenção dos processualistas voltou-se para a relação jurídica processual, tendo sido
desenvolvidos profundos estudos, que, por sua vez, se refletiram nas legislações mais
perfeitas, desde logo na alemã e, mais tarde, na austríaca.
O conceito de relação jurídica processual traduz-se, em última análise, como sendo
aquela relação jurídica formada entre o autor e o juiz, entre o juiz e o réu e entre o autor
e o réu.É uma relação trilateral. 5 A lei usa, normalmente, o nomen iuris de “processo”
para designá-la (v.g., arts. 2º, 313, 316, entre outros do CPC/2015).6
Alguns autores não concordam que a relação jurídica processual seja trilateral. 7
Nossa lei, contudo, adotou essa posição, pois, no art. 240 do CPC/2015, estabelece que
a citação válida (quando o réu, normalmente, toma conhecimento da ação que contra
ele foi proposta), mesmo se ordenada por juízo incompetente, induz litispendência,
torna a coisa litigiosa e constitui o devedor em mora. Quanto à interrupção da prescri-
ção, diferentemente do sistema processual de 1973, ela ocorre, nos termos do § 1º do

mete ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF/1988) e, assim, não se distinguiria do


processo perante o órgão judiciário; segundo, não descarta, mas supõe a teoria da relação
jurídica, razão pela qual o fenômeno, ao fim e ao cabo, reduz-se a esta categoria, que é a
única integrante da essência; terceiro, a dissolução do processo no gênero procedimento
aniquila os atributos da jurisdição, à semelhança do que ocorreu no regime nazista da
Alemanha no segundo quartel do século XX.” (Processo civil brasileiro, vol. 1: parte geral:
fundamentos e distribuição de conflitos, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 304).
4. O CPC/2015, como fez seu antecessor de 1973, também destaca os pressupostos processuais
como categoria (art. 485, IV), de modo que a presença dos pressupostos – ou ausência, no
caso dos pressupostos negativos – é premissa lógica e legal para resolução do mérito.
5. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de direito processual civil, vol.
único, 8. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 101.
6. V. Francesco Carnelutti, Instituciones del Proceso Civil, vol. 1, Trad. Santiago Sentis Melendo,
5. ed., Buenos Aires: EJEA, 1959, p. 289: “El proceso consiste en una actividad de las partes,
de los defensores, de los oficiales y de los encargados sobre las pruebas y sobre los bienes:
las partes proponen las demandas, los defensores escriben los escritos de comparecencia y
pronuncian los discursos, los jueces escuchan, interrogan, ordenan, deciden, los oficiales
judiciales notifican los actos, los secretarios forman los procesos verbales (levantan actas),
etc. La actividad total resulta de una combinación de actividades individuales. […] Se cons-
tituyen de este modo entre ellos relaciones jurídicas cuya pertenencia al proceso se indica
llamándolas relaciones jurídicas procesales. Tales relaciones pueden equipararse a vínculos
constituidos entre los diversos elementos del proceso; con el lenguaje de la anatomía se
podría decir que son los nervios del proceso.”
7. Nesse sentido, sustentando que o processo existe sem réu, Fredie Didier Júnior, Curso de
direito processual civil, vol. 1, 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 311.
Processo e os Pressupostos Processuais 191

art. 240 do CPC/2015, ou seja, com o despacho que ordena a citação, ainda que o juízo
seja incompetente, retroagindo à data de propositura da ação, ou seja, aquela do proto-
colo da petição inicial (art. 312, CPC/2015), conforme explicitado em item específico.8
O art. 312 do CPC/2015 diz considerar-se proposta a ação “quando a petição inicial
for protocolada”, ressalvando que a propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao
réu, os efeitos mencionados no art. 240 do CPC/2015 depois que for validamente cita-
do. Com a formação trilateral da relação jurídica, podemos dizer haver processo apto a
que nele possa ser prolatada decisão da lide.
Quer dizer, antes da citação, pelos próprios termos do art. 312 do CPC/2015, não há
coisa litigiosa e, se esta não existe, não há processo em relação ao réu. É a citação, ou o
comparecimento espontâneo do réu ao processo (art. 239, § 1º, do CPC/2015) que faz
completa a relação jurídica processual.
Na verdade, portanto, o momento do art. 312 do CPC/2015 é o início da relação
processual, que só se completará no momento a que alude o art. 240 do CPC/2015, isto
é, o da citação, ou de circunstância que lhe faça as vezes (= comparecimento espontâ-
neo do réu). Depois da propositura e antes da citação, no entanto, formado o processo
entre o autor e o juiz, poderá aquele solicitar, v.g., tutela provisória, inaudita altera pars,
a qual, se concedida, atingirá o réu, enquanto não modificada. É momento, pois, que
pode apresentar alta relevância.

5.2. Pressupostos processuais da existência da relação jurídica processual


Em primeiro lugar, examinaremos os requisitos para a existência da relação jurídi-
ca processual, ou os pressupostos processuais de sua existência. Note-se que quem fala
em existência não avança necessariamente sobre a validade. Ao contrário, é a validade
(ou a invalidade) que supõe a existência, necessariamente. Podemos, portanto, concluir
que a relação jurídica processual pode existir válida ou invalidamente, pois a validade
se coloca depois de constatada a existência.
Sob o ponto de vista da teoria do processo, há três requisitos para que uma relação
jurídica processual exista.9-10

8. Como diz Luiz Manoel Gomes Junior, “a finalidade do art. 312 do NCPC, é delimitar quando
deve ser considerada proposta uma determinada ação. A relevância é evidente, na medi-
da em que diversos prazos e direitos dependem deste marco temporal.” (comentários ao
art. 312 In: Teresa Arruda Alvim Wambier et al (coord.). Breves comentários ao novo código
de processo civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 843).
9. “A ausência de algum pressuposto de existência implica a própria inexistência jurídica do
processo. Dito de outro modo, faltando algum pressuposto de existência não se estará diante
de um verdadeiro processo.” (Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro,
2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 27).
10. A falta de qualquer dos pressupostos processuais de existência macula a existência do próprio
processo, podendo existir, nas palavras bem colocadas de Teresa Arruda Alvim Wambier,
somente “um simulacro de processo”. (Nulidades de processo e da sentença, 7. ed. rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 354).
192 Manual de Direito Processual Civil

a) O primeiro requisito para haver um processo e, por conseguinte, uma relação jurí-
dica processual, é o de haver uma demanda, traduzida numa petição inicial, mesmo que
seja esta inepta (arts. 319 e 330, I, CPC/2015). A palavra demanda está tomada aqui no
sentido de pedido, de pretensão que assumindo a forma escrita, que é a petição inicial.11
Não existe, assim, processo sem que haja iniciativa da parte (art. 2º do CPC/2015).12
Diz-se, por esse motivo, que o primeiro requisito para que o processo seja considerado
existente se prende a um princípio geral informador do Direito Processual Civil, que é
o princípio dispositivo, que significa estar à disposição da parte ou do interessado, o fa-
zer valer sua pretensão.O juiz, consequentemente, movimenta a máquina jurisdicional
ao influxo do pedido inicial, embora, depois de dinamizado o processo, o seu decorrer
seja animado pelo impulso oficial (art. 2º do CPC/2015).
Como já mencionado, não nos esqueçamos de que dizer: existência não indica por
si só, validade. Pode instaurar-se, assim, um processo mediante uma demanda inválida.
Será o caso de petição inicial inepta (art. 330, I do CPC/2015), o que se verá a seu tempo.
b) Outro requisito de existência da relação jurídica processual (processo) é a exis-
tência de jurisdição.13 A parte deve, portanto, formular o pedido a alguém investido de
jurisdição, vale dizer, a um órgão jurisdicional (juízo de direito ou tribunal), pois, mes-
mo se incompetente (inclusive absolutamente incompetente), processo haverá.
Nesta hipótese, ordenada e feita a citação, pelo menos se originarão efeitos civis
(art. 240, caput, 2.ª parte, do CPC/2015).
c) Não se pode dizer que já há processo íntegro, como relação trilateral, no sentido
prático e real, se não houver citação da parte contrária;14 afirmação diversa seria base-
ada em conceito estritamente técnico (desligado do Direito positivo brasileiro), e seria

11. A Lei 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
permite que o pedido seja formulado oralmente à Secretaria do Juizado (art. 14), devendo
ser reduzido a escrito. Essa disposição, em nosso sentir, deve ser aplicável, naquilo que não
colidir com regras específicas, às Leis 10.259/2001 e 12.153/2009, que regulamentam os
Juizados Especiais da Fazenda Pública nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
12. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “...nenhum processo pode ser instaurado sem a
provocação da parte interessada...” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual
civil – teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum, vol. 1, 57. ed. rev. e atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 144).
13. Sobre o tema de José Tesheiner e Rennan Thamay, afirmam: “Ter jurisdição é o primeiro
pressuposto relativo ao juiz. Trata-se de pressuposto de existência. ‘Juiz’ sem jurisdição não
é juiz. Como não há processo sem juiz, segue-se que é inexistente a ‘sentença’ proferida
pelo não juiz.” (Pressupostos processuais e nulidades no novo processo civil, Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 88). Cf. também Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil: introdu-
ção ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed., Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 311; Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed.,
São Paulo: Atlas, 2016, p. 27;
14. Nesse sentido: “Extinção do processo Ação de reintegração de posse. Falta de providências
tendentes à concretização da citação por edital determinada a encerrar hipótese de abandono
da causa, cuja consequência consiste no não preenchimento de pressuposto processual de
existência da relação jurídico processual trilateral – Inobservância da providência preconizada
pelo art. 267, § 1º do CPC, imprescindível na espécie – Error in procedendo caracterizado
Processo e os Pressupostos Processuais 193

válida apenas considerando o processo como relação bilateral entre autor e juiz. O que
podemos dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo,
pois há relação jurídica entre o juiz e o autor.15-16
A citação é o terceiro requisito para que se forme integralmente a relação jurídica
processual.17
Entretanto, temos que considerar um quarto requisito, que é o da capacidade pos-
tulatória.18 Neste passo, tendo em vista a sua imprecisão,19 registramos que o que desig-

Extinção prematura. Recurso provido.” (TJSP, AC 0005743-21.2010.8.26.0008, 32ª Câmara


de Direito Privado, j. 20.02.2014, rel. Des. Airton Pinheiro de Castro, DJe 20.02.2014).
15. Esta realidade, todavia, não significa que o processo nessas condições deixe de poder produzir
efeitos. Na realidade, os efeitos são possíveis, especialmente quando se concedem medidas
liminares. Nestas hipóteses verifica-se uma possível providência, com eficácia antes da cita-
ção, e com inversão da ordem normal do andamento do processo, por motivos justificáveis,
outorgada que pode ser uma dada proteção, procedendo-se, ulteriormente, à citação.
16. Admitindo nosso entendimento como correto: “Ora, a nulidade de citação atinge pressu-
posto processual de existência do processo: ‘não podemos dizer que já há processo íntegro,
como relação trilateral, e no sentido prático e real, se não houver ‘citação’ da parte contrária;
afirmação diversa seria baseada em conceito estritamente técnico (desligado do Direito
positivo brasileiro), e seria válida apenas considerando o processo como relação bilateral
entre autor e juiz. O que se poderia dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um
início do processo, pois há relação jurídica entre o juiz e o autor’ (Arruda Alvim, “Manual de
Direito Processual Civil”, vol. I, 9ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 436).”
(TJSP, AC 0015802-09.2008.8.26.0309, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 26.05.2015, rel.
Des. Gilson Delgado Miranda, DJe 28.05.2015).
17. Sobre a ausência de citação, são pertinentes aqui, novamente, as considerações feitas por
Teresa Arruda Alvim Wambier (Nulidades de processo e da sentença, 7. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 360-368). Ainda, também entendendo a citação como pressuposto
processual de existência ver a posição de Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito pro-
cessual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 202.
18. Já à época do CPC/1973, admitia o STJ a possibilidade de regularização, nos recursos
direcionados às instâncias ordinárias, da falta de procuração do advogado (a exemplo,
v. STJ, AgRg no AREsp 759.386/SP, 4ª T., j. 13.10.2015, rel. Min. Luís Felipe Salomão, Dje
23.10.2015). No entanto, em relação aos recursos dirigidos ao próprio STJ, a orientação
difere, como diz a Súmula 115: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por
advogado sem procuração nos autos”. A esse respeito, aliás, manifestou-se recentemente a
Corte, em recurso interposto contra decisão proferida antes da vigência do novo Código –
observando, portanto, o princípio do tempus regit actum – pela aplicabilidade da Súmula
115, ou seja, pela impossibilidade de regularização do vício em instância especial (STJ, AgInt
no AREsp 867.880/AM, 4ª T., j. 09.08.2016, rel. Min. Luís Felipe Salomão, Dje 16.08.2016).
O CPC/2015, porém, revoga esse enunciado, ao impor expressamente a concessão de prazo
para a regularização da capacidade postulatória mesmo em tribunais superiores (arts. 76,
caput e § 2º, e 932, parágrafo único).
19. Nesse sentido, comentando o art. 103 do CPC/2015, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria
Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello
afirmam: “Pensamos carecer de precisão a afirmação de que a capacidade postulatória é
pressuposto processual, pois, como dissemos, ao comentar os arts. 70 a 76, a expressão
capacidade não é a melhor, já que não basta que exista um advogado qualquer atuando no
processo: este há de ser advogado da parte, situação específica, que não se harmoniza com
o caráter genérico da expressão capacidade. Mas é a expressão que se usa correntemente.”
194 Manual de Direito Processual Civil

namos como capacidade postulatória, enquanto pressuposto processual de existência,


não é o mero poder do advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil postular em juízo, mas sim esse poder somado à delegação de poderes da parte
ao advogado, operada por meio de procuração ad judicia. Desde logo, porém, adiante-
-se que capacidade postulatória, para alguns doutrinadores, situa-se fora dos quadros
dos pressupostos processuais de existência. 20
Embora o art. 104, § 2º, do CPC/2015 fale em ineficácia, diferentemente do revo-
gado art. 37, parágrafo único, do CPC/1973, que falava em inexistência, mantemos o
entendimento segundo o qual a capacidade postulatória é pressuposto processual de
existência. Isto, porque, não sendo apresentada a procuração ad judicia, não estará pro-
vada a existência de outorga de poderes ao advogado para representá-lo em juízo. As-
sim, o ato de propositura da demanda não será um ato do autor que o advogado pre-
tende representar, logo, não haverá ato do autor, sendo, por isso mesmo, inexistente
juridicamente aquela petição inicial e a relação jurídica processual que com ela se pre-
tende estabelecer.21 Existirá ato jurídico, contudo, não será um ato do autor indicado
na petição inicial, mas sim um ato do advogado, que será responsável pelas despesas
e perdas e danos que gerar com esse ato (art. 104, § 2º, do CPC/2015). Segue-se, pois,
que a problemática da capacidade postulatória coloca-se como “preliminar” a todos os
outros problemas do processo.
Convém esclarecer que a capacidade postulatória, tratada nos arts. 103 et seq. do
CPC/2015, não deve ser confundida com a capacidade das partes ou capacidade do pró-
prio mandatário.
Devemos, ainda, salientar que a capacidade postulatória, se é requisito de existên-
cia da relação jurídica processual, no que diz respeito ao autor, não o é com pertinência
ao réu. A capacidade postulatória do réu é requisito para que ele se defenda em juízo,
mas não da existência da relação jurídica processual, que se forma com a sua citação
ou com o seu comparecimento (art. 239, caput e § 1º, do CPC/2015). Assim, caso o réu
apresente a contestação sem a procuração e não a junte no prazo designado pelo juiz,
ele será considerado revel (art. 76, § 1º, II, do CPC/2015) e o processo seguirá seu rumo.
O advogado coloca-se em situação especial no processo, pois, além de defender inte-
resses das partes, auxilia a própria Justiça (CF/1988, art. 133); aliás, a Lei 8.906/1994, em
seu art. 2º, § 1º, estabelece que o advogado presta serviço público e exerce função social.

(Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2. ed. rev., atual
e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 211).
20. Entre eles, podemos citar Ronaldo Cramer. Em suas palavras: “Para atuar em juízo, a parte
deve estar representada por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil. Essa exigência constituí a denominada capacidade postulatória, um dos pressupostos
processuais de validade que devem ser observados pelas partes.” (Comentários ao art. 104,
In: Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (Coord.). Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 175).
21. Nesse sentido, afirmam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que “Caso não
sejam ratificados, os atos praticados por advogados sem procuração serão tidos como ine-
xistentes.” (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 488).
Processo e os Pressupostos Processuais 195

Contudo, existem exceções à presença de advogado. Entre elas, podemos citar os ca-
sos dos Juizados Especiais (art. 9º da Lei 9.099/1995) e da Justiça do Trabalho (art. 791
da CLT), situações em que, excepcionalmente, não se exige capacidade postulatória
para intentar reclamações ou defesas.22
No processo há três ordens fundamentais de categorias de admissibilidade: a pri-
meira, como vimos, diz respeito à existência e validade do processo ou da relação ju-
rídica processual; a segunda, às chamadas condições da ação; e a terceira e última, ao
mérito (à lide).
Não é necessário entrar em pormenores para explicar que, antes de proferir sen-
tença, já deve ter o juiz verificado a existência jurídica processual e a sua validade, que,
inocorrentes, acarretarão respectivamente a inexistência jurídica da sentença e a sua
nulidade, e de todos os atos ali praticados. A validade é, assim, examinada em função
da sentença de mérito. Portanto, se não presentes os “pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo” (art. 485, IV, do CPC/2015), o juiz de-
verá proferir sentença de extinção do mesmo, sem resolução de mérito. Esta sentença,
normalmente, será prolatada como uma das modalidades de julgamento conforme o
estado do processo (art. 354 do CPC/2015), logo após a defesa ou a revelia (decurso in
albis do prazo para defesa, com ausência de contestação). Nada obsta, porém, que, se o
juiz, por lapso, deixar de fazê-lo nessa oportunidade, o faça ulteriormente. Deverá, ali-
ás, assim decidir tanto tendo havido alegação da parte quanto oficiosamente (art. 337,
§ 5º, e art. 485, § 3º, ambos do CPC/2015).23

5.3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual


É de toda conveniência serem examinados, depois da análise dos requisitos da exis-
tência do processo, os de sua validade, também chamados pressupostos processuais de
validade, cuja presença enseja na terminologia da lei, o “desenvolvimento válido e re-
gular do processo” (art. 485, IV, do CPC/2015).
1º) O primeiro requisito de validade é o da petição inicial regular, apta, portanto, a
produzir determinados efeitos. Tendo em vista a circunstância de o art. 330, § 1º, I a IV,
do CPC/2015, estabelecer os casos de inépcia, podemos dizer que apta é a petição que
não se encarta nesse dispositivo.
Conforme determina o art. 330, supra referido, será inepta a petição inicial faltan-
te o pedido ou a causa de pedir; na qual os fatos narrados não conduzam, logicamente,

22. V. sobre o jus postulandi no processo trabalhista: Amauri Mascaro do Nascimento, Elementos
de direito processual do trabalho, São Paulo: LTr, 1973, p. 123.
23. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a ausência de pressuposto processual
pode ser reconhecida de ofício, pois o tema integra o rol das matérias de ordem pública,
inclusive, pronunciamento judicial nesse sentido e nesses casos não implica violação à regra
de congruência. V., por exemplo, STJ, REsp 1.112.524/DF, C. Especial, j. 01.09.2010, rel.
Min. Luiz Fux, DJe 30.09.2010. No mesmo sentido, é o posicionamento do TJSP, v.g., TJSP,
Ag. de Instrumento 2224836-34.2014.8.26.0000, 6ª Câm. de Dir. Priv., j. 15.08.2016, rel.
Des. Percival Nogueira.
196 Manual de Direito Processual Civil

à conclusão querida; que não retrate pretensão amparada pelo Direito positivo ou que
contenha pedidos incompatíveis entre si, salvo nos casos autorizados por lei.
Percebendo o juiz, a qualquer momento, que a petição inicial é confusa, por não
conduzir a conclusão alguma, sendo, portanto, inepta, deverá obstar o prosseguimento
do processo. Contudo, nos casos de inépcia da inicial, o juiz deverá dar oportunidade
para que o autor a corrija. Em caso do vício não ser sanado, o processo deve ser extin-
to, sem resolução de mérito (art. 485, I, do CPC/2015). Isto, porque aqui se aplica o
caput do art. 321 do CPC/2015, segundo o qual o juiz deve determinar que o autor, no
prazo de 15 dias, emende ou complete a inicial, a fim de sanar os defeitos e irregulari-
dades capazes de dificultar o julgamento de mérito. Embora os vícios do art. 330, § 1º,
I a IV, do CPC/2015 impeçam o julgamento do mérito, ao invés de apenas dificultá-lo,
o art. 321 do CPC/2015 é completamente aplicável, tendo em vista que o Código, sem-
pre que possível, privilegia o julgamento de mérito, motivo pelo qual nos devemos va-
ler da interpretação extensiva.24
Assim, em caso da petição não apresentar os requisitos de validade, deve ser dada a
oportunidade para que o autor a conserte sob pena de, não o fazendo, vê-la indeferida.
Aqui cabe esclarecer que o juiz deverá indicar com precisão qual é o vício que deve ser
corrigido, por força da parte final do art. 321, caput, do CPC/2015.
Caso o autor não tome essa providência, a petição inicial será indeferida, o que dará
ensejo ao recurso de apelação (art. 331, caput, do CPC/2015). Se o autor recorrer, po-
derá o juiz, no prazo de 5 dias, se retratar. Não se retratando, o juiz mandará citar o réu
para que ele responda ao recurso (art. 331, § 1º, do CPC/2015).
Por outro lado, se o autor não recorrer, o réu será intimado do trânsito em julgado
da extinção do processo sem resolução do mérito (art. 331, § 3º, do CPC/2015). A pre-
visão é salutar, pois o registro ou a distribuição da petição inicial, ainda que inepta, tor-
na prevento o juízo (art. 59 do CPC/2015). Assim, caso o autor proponha novamente
a ação veiculada na petição inicial inepta, essa ação deverá ser processada e julgada no
juízo que julgou inepta essa petição inicial. É importante que o réu seja intimado do
trânsito em julgado da decisão justamente para em uma segunda ação, poder alegar a
prevenção do juízo, impedindo que o autor entre com petições iniciais ineptas até que
alguma delas seja distribuída a algum juízo de sua escolha, burlando o sistema de dis-
tribuição. Explicamos: se o réu não fosse intimado do trânsito em julgado, ele não te-
ria ciência da prevenção do juízo, pois, em caso de indeferimento da petição inicial por

24. Nesse sentido, afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “É certo que, no
modelo atual, a distinção perde grande parte do seu interesse, na medida em que, sempre,
deve o juiz antes de rejeitar a petição inicial permitir à parte que sane o defeito. Assim, tra-
tando-se de petição inicial que contenha defeitos que inviabilizem ou dificultem a análise
do mérito, as consequências são as mesmas: o juiz não poderá indeferir a petição inicial sem
dar à parte a oportunidade de sanar o problema, na forma do art. 321 do Código de Processo
Civil.” (Comentários ao art. 330, In: Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel
Mitidiero (Coord.). Coleção comentários ao Código de Processo Civil, v. 4. São Paulo: Ed.
RT, 2016, p. 462.).
Processo e os Pressupostos Processuais 197

inépcia, o réu sequer é citado. Assim, o autor poderia muito bem preparar uma petição
inicial inepta e, caso ela não fosse distribuída ao juízo que achasse mais conveniente,
permanecer inerte após a intimação para corrigir os vícios da peça, visando justamente
a extinção do processo sem resolução do mérito, para, posteriormente, protocolar ou-
tra petição inicial inepta, torcendo para que dessa vez ela fosse distribuída ao outro ju-
ízo, mais conveniente a seus interesses. Caso isto ocorresse, após a intimação, o autor
corrigiria o vício e veria seu processo ser julgado pelo juízo de sua escolha. Portanto, a
norma do art. 331, § 3º, do CPC/2015 visa a dar ciência ao réu para que este possa ale-
gar a prevenção do juízo, eventualmente, em uma segunda ação.
Neste passo, é necessário destacar um problema: nos casos de inépcia da inicial des-
critos nos incs. I e III do § 1º, do art. 330 do CPC/2015, em regra, não é possível saber
qual é a ação que o autor está pretendendo propor, uma vez que não está presente a trí-
plice identidade (partes, causa de pedir e pedido). No caso do inc. I, é nítido que não
há uma ação, visto que não está presente o pedido ou a causa de pedir. No caso do inc.
III, não se sabe se o que está em jogo são os fatos ou os pedidos (conclusão) formula-
dos. Tendo em vista essa situação, podemos fazer as seguintes perguntas: como pode-
mos falar que determinado juízo está prevento para conhecer uma determinada ação
que nunca foi proposta? O que ocorre se o autor não apresentar a causa de pedir ou o
pedido na inicial, justamente para burlar o sistema de distribuição, conforme explica-
do no parágrafo anterior?
Rigorosamente, a resposta para a primeira questão é “em regra, não podemos”. Não
há como determinado juízo estar prevento para processar e julgar uma ação se aquela
que teria dado origem à prevenção nunca foi proposta. Contudo, se o autor não apresen-
tar a causa de pedir ou então o pedido na petição inicial, e esta vier a ser julgada inep-
ta, o juízo que assim a julgou estará prevento para processar e julgar a segunda ação.
Entendimento contrário seria admitir que o autor pudesse escolher o juízo pelo qual
seria julgado, o que violaria o princípio do Juiz Natural e o Princípio da Imparcialida-
de da Jurisdição.
O primeiro requisito da validade da relação jurídica processual é, então, ser a de-
manda regular, conforme a lei e, portanto, apta em função dos reflexos que terá, para
ensejar a defesa e o proferimento de sentença.25

25. Ver, por exemplo, as seguintes decisões do TJSP: À luz do CPC/1973, “Apelação. Embargos à
execução. Ausência de pressuposto processual de validade (ausência de petição inicial apta).
O art. 736, § único, do CPC, prevê, expressamente, que os embargos à execução deverão ser
instruídos com cópias das peças processuais relevantes da ação de execução, dentre elas,
por óbvio, o título executivo, o que não ocorreu no caso em tela. Mesmo com a concessão
de prazo para que trouxesse aos autos cópia do título executivo, a Apelante quedou-se
inerte. Assim, não resta outra saída, senão reconhecer a falta de pressuposto processual de
validade (petição inicial apta), cuja ausência conduz à extinção do processo sem resolução
de mérito (CPC, art. 267, inc. IV). Sentença reformada de ofício. Recurso prejudicado.” (TJSP,
Ap. 0025229-50.2012.8.26.0451, 38ª C. de Dir. Priv., j. 05.02.2014, rel. Des. Eduardo Si-
queira) e, já na vigência do CPC/2015, v. “Processo Civil. Petição inicial apta que constitui
um dos pressupostos processuais de desenvolvimento e validade do processo. O artigo 330,
198 Manual de Direito Processual Civil

2º) A competência do juízo e a imparcialidade do juiz podem ser englobadas como


requisitos de validade do processo em função do órgão do Poder Judiciário e da pessoa
do juiz, respectivamente. Temos, assim, que considerar o problema da jurisdição, ao
qual já se aludiu, enquanto pressuposto processual de existência, agora nas suas conse-
quências mais específicas, ou seja, a jurisdição concretamente enfocada, a competência
que, então, diz respeito à validade da relação jurídica processual.
O processo deve ser examinado em função da validade dos atos, notadamente do
seu ato fundamental, que é a sentença proferida pelo juiz.
Dissemos que pode ser considerado existente um processo desde que se formule um
pedido a alguém regularmente investido da função jurisdicional, mas, para que nele
seja prolatada uma decisão de mérito se faz essencial tenha sido dada ciência ao réu. To-
davia, torna-se necessário, para a validade dos atos judiciais decisórios (art. 64, §§ 3º e
4º, do CPC/2015), que o órgão do Poder Judiciário seja competente, ou seja, possa exer-
cer a jurisdição naquele caso concreto, e, além disto, que o magistrado seja imparcial.
Enquanto o autor e o réu de uma demanda são partes interessadas, o juiz deve ser
imparcial, isto é, não pode pender nem para um lado, nem para o outro.26
Sendo possível a existência de parcialidade do juiz, pode a parte alegar no momento
adequado a suspeição ou o impedimento do juiz para proteger seu direito à imparciali-
dade, conforme os arts. 144 a 148 do CPC/2015.27

§1º, III, do Código de Processo Civil de 2015, repetindo o artigo 295, parágrafo único, II,
do CPC/1973 define, dentre várias possibilidades de inépcia da inicial aquela em que dos
fatos narrados não decorrer logicamente o pedido. Autor que alega seu direito à rescisão
contratual e reintegração na posse do imóvel em razão do descumprimento contratual por
parte da ré, mas, ao fim, pede o pagamento de vários valores, atinentes àquelas obrigações
descumpridas. Ausência de preenchimento do requisito processual de que da narrativa dos
fatos deve decorrer logicamente o pedido. Extinção do feito sem solução do mérito (artigo
267, IV, e 295, parágrafo único, II, do CPC/1973 e artigo 485, IV e 330, §1º, III, do Código
de Processo Civil de 2015). Recurso improvido.” (TJSP, Ap. 1015068-06.2014.8.26.0576,
4ª Câm. de Dir. Priv., j. 06.07.2016, rel. Des. Maia da Cunha).
26. Explicam Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da
Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello: “As partes têm direito ao julgamento da lide
por um juiz imparcial que conduza o processo e decida de forma independente, isenta e
impessoal. Trata-se de garantia própria do Estado Democrático de Direito e decorrência dos
princípios do juiz natural e da igualdade. O juiz não pode ter interesse pessoal e direto na
causa, que o leve a decidir, dessa ou daquela forma, a fim de favorecer ou prejudicar uma
das partes. (...) A imparcialidade do juiz é pressupostos processual de validade.” (Primeiros
comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 311-312).
27. Segundo Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes: “Com vista a
assegurar a lisura do juiz no exercício da jurisdição, ou a sua imparcialidade, a lei proces-
sual enumera situações em que ele deve afastar-se por iniciativa própria ou será afastado
pelo tribunal competente, por iniciativa de uma das partes – tais são, segundo um linguajar
corrente, o dever de abstenção por parte do juiz e o direito de recusa, outorgado pela lei às
partes. Todas as hipóteses descritas pelo Código de Processo Civil (arts. 144-145) têm em
comum a existência de algum envolvimento do juiz com alguma das partes ou com a própria
Processo e os Pressupostos Processuais 199

Cumpre, porém, ressaltarmos que o pressuposto processual da imparcialidade só não


estará presente se o juiz for impedido. A distinção entre os dois institutos é importante,
porque, enquanto a suspeição se assenta em vício que é resolvido ou é sanado no desen-
volvimento do processo, o impedimento não se convalida endoprocessualmente, dando
oportunidade, inclusive, à ação rescisória, caso a decisão de mérito proferida por juiz
impedido transite em julgado (art. 966, II, do CPC/2015).
Assim, sendo o juiz tão somente suspeito, deverá a parte alegar a suspeição no prazo
de 15 dias a partir de seu fato revelador (art. 146, caput, do CPC/2015); sendo hipótese
de impedimento, porém, a qualquer momento a parte poderá alegá-lo, por se tratar de
matéria de ordem pública, imune, portanto, à preclusão (art. 485, § 3º, do CPC/2015).
Assim, a competência do juízo e a imparcialidade do juiz (quando este for impedi-
do) são requisitos que devem ser preenchidos, a fim de que a sentença tenha validade.
Se não forem preenchidos, a sentença proferida por órgão (juízo) absolutamente in-
competente ou por juiz impedido será nula, isto porque, se o impedimento e a incom-
petência absoluta são motivos suficientes para cabimento de ação rescisória (art. 966,
II, do CPC/2015), há que se inferir que são, também, motivos de nulidade da sentença.
Com relação à competência, cabe observar que, ainda que o juízo seja relativa-
mente incompetente, considera-se presente o pressuposto processual da competência.
Este só se considerará como não tendo sido atendido se for caso de incompetência ab-
soluta. O regime da incompetência absoluta e do impedimento possuem características
em comum: sobre ambas as matérias não há preclusão, devem ser declaradas ex officio
(art. 485, § 3º, do CPC/2015) e dão ensejo à ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015).
3º) Para a validade da relação jurídica processual, de modo a permitir que o juiz
possa validamente entrar no mérito do processo, solucionando o conflito de interesses
levado a juízo, exige a lei que sejam, as partes, capazes.
Por pressuposto processual entende-se a capacidade de estar em juízo, também de-
nominada comumente, pela doutrina tradicional, de legitimação formal (legitimatio ad
processum) ou capacidade processual, conceitos que comportam distinção, todavia. Tem
capacidade para estar em juízo toda a pessoa que se acha no exercício dos seus direitos
(art. 70 do CPC/2015). Assim, aquele que, pelo Direito Civil, tem capacidade de gozo
e de exercício de direitos, tem capacidade para estar em juízo.
Todas as pessoas têm capacidade de gozo de direitos, mas nem sempre de exercício,
pelo que esta precisa ser integrada, na forma do Direito Civil encampado, nesse passo,
pelo processo. Assim, o menor, absolutamente incapaz, não tem capacidade para estar
em juízo, tendo-a, por ele, seu pai ou sua mãe, ou, ainda, o tutor (integração em grau má-
ximo). Aqueles que não têm capacidade plena, ou seja, aqueles que não têm capacidade
de exercício de direitos, deveriam ter sua capacidade integrada, em maior ou menor grau.

causa, o que desaconselha sua permanência no processo. A lei as distingue em casos de


impedimento e casos de suspeição do juiz, sendo aqueles suscetíveis de verificação obje-
tiva, e estes de conotação mais subjetiva.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 94-95).
200 Manual de Direito Processual Civil

A capacidade de estar em juízo não deve ser confundida com a legitimação para a
causa, também denominada legitimação material ou, ainda, legitimatio ad causam. Esta
é definida, normalmente, em função de elementos fornecidos pelo direito substancial.
A legitimatio ad causam consiste, quer no polo ativo, quer no passivo, na possibilidade
de a lide dizer respeito àquelas partes. O direito de ação cabe, assim, ao possível titu-
lar ativo, contra o possível titular passivo, da relação jurídica material. A legitimatio ad
causam é condição da ação e não pressuposto processual. Assim, se alguém tem plena
capacidade de exercício de direitos, terá capacidade para estar em juízo, mas nem por
isso terá legitimação para qualquer causa, pois só naquelas que lhe dizem respeito terá a
titularidade para atuar ativa ou passivamente. Se assim não fosse, qualquer pessoa po-
deria mover ação de separação judicial para uma esposa contra seu marido, por enten-
der que eles brigam muito, por exemplo.
Comumente, a legitimatio ad causam coincide com a legitimidade processual, que, a
seu turno, pressupõe a capacidade de estar em juízo (= processual). A legitimação pro-
cessual é a legitimidade para que as partes atuem em um processo em concreto. Na hi-
pótese de coincidência da legitimação processual com a legitimação ad causam, ambas
dirão respeito ao mesmo sujeito ou ente jurídico (= parte).
Entretanto, nem sempre a legitimação processual e a “legitimatio ad causam” se reu-
nirão no mesmo sujeito ou ente jurídico, como no caso dos menores absolutamente in-
capazes. Estes são representados em juízo por seus pais (art. 71 do CPC/2015). Então,
quem tem legitimidade ad causam é o menor, mas quem tem a legitimidade processual,
ou seja, quem atua no processo é o pai. Se se tratar de menor relativamente incapaz, há
de ser assistido.
Ausente a capacidade de estar em juízo e, consequentemente, a legitimidade pro-
cessual, o juiz deve ensejar sua regularização. No entanto, o prazo fixado pelo juiz, com
fulcro no caput do art. 76, do CPC/2015, para regularização das partes, é preclusivo.
Não suprida a falta no prazo marcado, incumbe ao juiz declarar extinto o processo sem
resolução de mérito, por falta de pressuposto processual. Aqui cabe esclarecer que, em
caso de falta capacidade de estar em juízo do réu, a providência caberá ao autor, que
deverá solicitar a citação do representante do réu. Uma interpretação equivocada do
art. 76, § 1º, II, do CPC/2015 poderia dar a entender que o réu sem capacidade de estar
em juízo é responsável por sanar o vício de representação, sob pena de revelia. Contu-
do, não faria sentido algum a lei cobrar alguma providência processual daquele que não
pode praticar ato processual.
Os pressupostos processuais relativos à pessoa do juiz e das partes são comumente
denominados pressupostos processuais subjetivos e, tendo em vista as partes e o juiz,
há que se distinguir entre os das partes e os do sujeito imparcial.
Foram expostos, até agora, os requisitos da existência da relação jurídica proces-
sual e os requisitos da validade dessa mesma relação. Constituem ambos os grupos dos
chamados pressupostos processuais positivos ou intrínsecos, sem os quais o processo
não poderá atingir sua finalidade, obtendo a sentença de mérito.
Processo e os Pressupostos Processuais 201

5.4. Pressupostos processuais negativos


Além dos pressupostos processuais considerados até aqui, existem outros que se
denominam pressupostos processuais negativos ou extrínsecos. Estes impedem a va-
lidade da relação jurídica processual, mas, como se situam fora do processo, são de-
nominados extrínsecos. São eles a litispendência, entendida aqui como duplicidade de
processos (identidade) e não como o fenômeno da instauração da relação jurídica pro-
cessual, e a coisa julgada.
Diz-se que a litispendência de um primeiro processo é um pressuposto processual
negativo para um segundo, com conteúdo idêntico, porque o segundo, mesmo preen-
chendo todas as condições de prosperar, em virtude de um elemento que lhe é extrín-
seco, isto é, pelo mero fato da existência de um primeiro processo igual, será trancado.
Então, a litispendência anterior é um pressuposto processual negativo, impedindo a
validade de uma segunda relação jurídica processual idêntica.
A coisa julgada é também pressuposto processual negativo ou extrínseco, porque
impede que um processo prospere em virtude da existência de coisa julgada anterior.
O Código vigente, no § 1º do art. 337, reza: “Verifica-se a litispendência ou a coisa
julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”. Mais especificamente, in-
dica o Código no § 3º que “há litispendência quando se repete ação que está em curso”
e no § 4º que “há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão
transitada em julgado”.
Saliente-se, contudo, que se pode ter formado coisa julgada se a lide já foi decidida em
definitivo, mesmo sem ter sido objeto de ação autônoma, mas em declaração incidente.
6
As Normas Processuais Civis e os Chamados
Precedentes Pelo Novo Cpc

6.1. Norma jurídica


A norma jurídica, em regra, é bilateral, pois ao mesmo tempo em que impõe deve-
res a uns, atribui faculdades, ou direitos, a outros.1
Uma norma jurídica (considerada em si mesma) não deve ser confundida com os
fatos naturais a que ela se refira. Por excelência uma norma estatui um dever-ser, ex-
pressão esta albergadora de todas as possíveis e multiformes funções normativas, quais
sejam: ordenar, conferir poderes, permitir e derrogar.
Lembre-se, ainda, de que a estrutura dos sistemas jurídicos contemporâneos e a téc-
nica daí decorrente aplicável ao Direito têm, como indispensável, a hierarquização das
normas jurídicas entre si, no sentido de que umas prevalecem sobre outras. E isto no
sentido de que, muitas vezes, quando alterada a norma superior, pode perder a inferior
a sua validade, quando aquela colida com esta, porque ocorre revogação. Sob outra an-
gulação – ao lado de ter de ser compatível com a norma superior –,2 podemos afirmar
que a norma inferior recolhe da superior a sua fonte de validade.
O ordenamento jurídico é constituído por leis ou normas jurídicas,3 em que se esta-
belece a conduta daqueles que estão sujeitos a esse ordenamento. Assim, ao ser definida

1. cf. Hans Kelsen, Allgemeiner Theorie der Normen, Viena: Manz’sche, 1979, p. 3, item VI,
fine [Teoria geral das normas] na tradução do Prof. José Florentino Duarte, p. 4; Salvatore
Foderaro, Il concetto di legge, Roma: Mario Bulzoni, 1971, § 3º, p. 23; Lourival Vilanova,
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo: RT, 1977, p. 34 e ss.; e em
Causalidade e relação no direito, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 55. A concepção da norma
processual albergando um dever-ser é bastante expressiva, nesta disciplina, pois que um
Código de Processo Civil é um modelo idealizado do que deve ocorrer em relação aos
processos. Um tal Código modela ou projeta a estrutura e o evolver dos processos.
2. A compatibilidade de uma norma com outra, que lhe é superior, para muitos constitui-se
num “elemento della legalità”, e esse “è veramente essenciale per la qualificazione della
norma giuridica positiva” (cf. Ferruccio Pergolesi, Saggi sulle fonti normative, Milão: Giuffrè,
1943, p. 22). Em relação à compatibilidade, ou não, de uma norma com a Constituição,
fala-se em constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
3. v. Santi Romano, L’ordinamento giuridico, 2ª ed. Firenze: Sanzoni, 1951, §§ 2º e 3º. As leis,
constitutivas de um sistema, encontram-se, justamente porque inseridas nesse sistema,
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 203

uma determinada conduta, também são estabelecidas as consequências da submissão e


da insubmissão ao seu comando. Esta é, em linhas gerais, a estrutura da norma jurídica.
Anote-se, ainda, a partir da visão unitária com que deve ser visualizado um sistema
jurídico, estes contêm imagens implícitas que permitem uma compreensão paradig-
mática do direito, em uma determinada época, variando de época para época, imagens
essas que se manifestam por expressões emblemáticas, tais como “ideal social” ou “mo-
delo social”, “visão social”, dentre outras.4 Essas imagens existem, também, no direito
processual civil, pois, contemporaneamente, uma das expressões mais utilizadas é a da
instrumentalidade do processo.5
O direito processual civil integra o ordenamento jurídico objetivo (direito positivo);
consequentemente, ele encontra sua expressão jurídica também nas normas jurídicas.
É justamente a norma processual civil, com as suas especialidades, o objeto deste capítulo.
Evidentemente, para conseguirmos perceber bem a norma processual civil e extre-
má-la da norma de Direito substancial, devemos tecer umas poucas considerações, das
quais decorrerão algumas distinções, para, depois, procurar estabelecer as consequên-
cias práticas que tais distinções acarretam na aplicação da lei processual civil e na do
Direito substancial.
Examinemos, com alguma detença, as peculiaridades da norma processual civil e
que tipo de atividade tem por objetivo provocar, no processo, estimulando os litigantes.
No processo civil, o fato do não cumprimento do mandamento da norma, funda-
mentalmente, liga-se à ideia de “ônus”. O ônus significa que aquele a quem é dirigida a
norma deve praticar o ato, conforme a determinação normativa, sob pena de, não o fa-
zendo, ou se praticá-lo mal, vir a sofrer, ele mesmo, normalmente, um dado prejuízo.6
Exemplos vários poderão ser apontados:
1º) o autor deve redigir corretamente sua petição inicial. Se não o fizer, após a opor-
tunidade de emenda (art. 321 do CPC/2015), será ela indeferida; isto significa que o juiz

submetidas a uma ideia de unidade, que marca os ordenamentos jurídicos (§ 4º, p. 12 e ss.).
Esse sistema, assim unitariamente compreendido, é informado por seus princípios guias,
sem os quais se torna difícil ou inseguro resolver os problemas – veja-se de Savigny, Vom
Beruf unserer Zeit fur Gesetzgebung und Rechtswissenschaft, Heidelberg: Mohr u. Zimmer,
1814, p. 22; na tradução espanhola, De la vocación de nuestro siglo para la legislación y la
ciencia del derecho, capítulo II, p. 51 e ss., esp. p. 57, s/d).
4. v. a respeito, Jürgen Habermas, Facticidad y validez – Sobre el derecho y el estado demo-
crático de derecho en términos de teoría del discurso, p. 473., enfaticamente trabalhada.
5. V. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo; v., também, Luiz Guilher-
me Marinoni, A tutela inibitória, individual e coletiva, 3ª ed., São Paulo: RT, 2003, na qual,
em relação ao que designa como processo civil clássico, apontando suas deficiências (ao
menos à luz das expectativas sociais vigentes – p. 19 e ss.) e fazendo eco a modificações
profundas, já objeto de consagração legislativa, entre nós – p. 22, 375 etc.; Marcelo Lima
Guerra, Execução indireta, São Paulo: RT, 1999; José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela
cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 3ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
6. Francesco Carnelutti, Sistema di diritto processual civile, vol. 2. Padova: Cedam, 1936, p. 73.
204 Manual de Direito Processual Civil

não pode ensejar a oportunidade de a parte corrigir o que pediu, alterando o pedido,
senão que há, apenas, de esclarecer aquilo que precedentemente já queria. Esta corre-
ção se realiza por causa da atividade jurisdicional e para que a outra parte possa com-
preender a demanda, mas não para “ajudar” o autor, pois do contrário essa conduta seria
infratora do disposto nos arts. 7º e 139, I, do CPC/2015; o juiz não deve auxiliar nenhuma
das partes, que são assumidas pelo legislador como iguais. Na redação do Anteprojeto
no Senado (junho de 2010) constava: “Art. 7º É assegurada às partes paridade de trata-
mento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defe-
sa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar
pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.” A parte grifada caiu, sob
o argumento de quebra da igualdade.
2º) ao réu incumbe responder à ação. Se não o fizer, incidirão, via de regra, os efeitos
da revelia (arts. 344 e 346 do CPC/2015). Do mesmo modo, se responder, mas deixar
de alegar a incompetência relativa, esta será prorrogada (arts. 64 e 65 do CPC/2015);
3º) na hipótese de pedido de tutela de urgência antecipada requerida em caráter
antecedente (art. 303 do CPC/2015) pela literalidade do texto legal, se a medida urgen-
te for concedida, incumbe ao réu recorrer e, em não o fazendo, o processo será extinto,
com a estabilização dos efeitos da medida favorável ao autor (art. 304, caput e § 1º, do
CPC/2015);
4º) aquele que perde a demanda e deixa de recorrer permite que se opere a imutabi-
lidade do comando da sentença de mérito perdida a chance de reforma.
Basicamente, portanto, toda a dinâmica do processo é ligada a essa ideia nuclear (rea-
lidade estimuladora), consistente em que, não praticado um ato, ou, se praticado incorre-
tamente, em regra, seguir-se-á um dano para aquele a quem incumbia a respectiva prática.
O processo nasce para terminar e vive numa dimensão temporal.7 Os atos processu-
ais das partes devem ser praticados dentro de lapsos temporais segmentados, em que se
subdivide aquela dimensão temporal maior, na qual a não prática do ato que deveria ser
realizado, porque à parte se enseja essa oportunidade ou chance, liga-se à ocorrência de
preclusão, salvo as exceções legais. Geralmente, porque a prática do ato seria útil à parte
que não o praticou, na medida em que efetivamente o ato fosse útil, decorre prejuízo pela
omissão. O prejuízo, porém, não é consequência absolutamente necessária da omissão.
É, v.g., possível, mesmo que o réu não conteste a ação, e, ainda, mesmo que seja julgada
antecipadamente (art. 355, do CPC/2015), venha a mesma a ser julgada improcedente.
Se o ato que deveria ter sido praticado o foi, igualmente, há preclusão (consumativa); se
o foi mal, não poderá igualmente vir a ser repetido em face da preclusão consumativa.

6.2. Classificação das normas processuais civis


Tratemos rapidamente da classificação das normas processuais civis. Classificam-
-se tendo em vista sua finalidade e sua origem.
Quanto à sua finalidade, as normas de processo civil podem ser de três espécies:

7. V. José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo, passim.


As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 205

a) normas processuais civis stricto sensu, que são aquelas diretamente ligadas ao processo
em si, regulando, por excelência, o processo contencioso, as atividades das partes, o reflexo
dessas atividades nas próprias partes e, eventualmente, sobre terceiros, o órgão jurisdicional
e sua atividade, bem como a atividade dos auxiliares da Justiça. A sede destas normas está no
Código de Processo Civil e leis extravagantes, isto é, no sistema geral das leis processuais;
b) as chamadas normas processuais civis estritamente procedimentais, que regulam
especificamente a forma do procedimento. Não são exclusivamente normas de Direito
Processual Civil, no sentido de regularem tão somente o processo contencioso. Aplicam-
-se não só a eles, mas também aos procedimentos de jurisdição voluntária.
c) normas processuais civis lato sensu são as que disciplinam e regulam a organização
judiciária de cada um dos Estados.
Quanto à origem, as duas primeiras espécies de normas processuais civis nascem,
em nosso sistema jurídico, do Poder Legislativo Federal.
As leis de organização judiciária são editadas pelos Poderes Legislativos, mas a partir
de proposta que compete privativamente aos respectivos tribunais superiores (art. 96,
II, a a d, da CF/1988).
Contudo, não se encontram fixados objetivamente os limites da organização judici-
ária no texto constitucional. Para esse efeito, há que se ter presente a Lei federal 5.621,
de 04.11.1970, que delimitou o campo de atuação das normas respeitantes à organiza-
ção judiciária dos Estados.

6.2.1. Norma cogente e norma dispositiva


Um primeiro aspecto que se deve ter presente, no estudo da norma processual civil,
é o de que ela é predominantemente uma norma de Direito Público e, de regra, norma
cogente ou de ordem pública. As normas processuais não se podem dizer estáticas, se-
não que se encontram inseridas num sistema por meio do qual se colima imprimir di-
namicidade sem retrocessos ao procedimento.
As normas jurídicas distinguem-se, sob o aspecto dos principais pressupostos de
sua incidência, em duas espécies: cogentes e dispositivas.
As “normas cogentes”, ou de “ordem pública”, desde que ocorram os pressupostos
de seu funcionamento, necessariamente incidem no caso concreto, uma vez verificados
no plano empírico os fatos a que se referem os seus elementos definitórios, independen-
temente da vontade dos interessados e mesmo contra tais vontades, que são impotentes
(= irrelevantes) para impedir sua incidência, a qual é, assim, inexorável.
Já as “normas dispositivas” ou “normas facultativas” são aquelas que incidem na
ausência de qualquer manifestação volitiva das partes em sentido contrário à norma, ou
cuja incidência pode ser afastada se as partes se manifestarem nesse sentido. Por outras
palavras, a vontade das partes pode afastar a incidência da norma dispositiva, a qual in-
cidirá se não se tiver estipulado diferentemente.8

8. A imperatividade é característica das normas jurídicas. Para poder explicar essa característica
em relação às normas dispositivas há quem afirme que os destinatários das normas disposi-
206 Manual de Direito Processual Civil

Tradicionalmente podemos dizer que as normas dispositivas existem no direito pro-


cessual civil com menos frequência que as cogentes, estas últimas sendo a maioria. É ca-
racterística da norma processual civil o não ser possível afastar sua incidência nem às
partes, nem ao juiz. Assim, estaria excluída a possibilidade de um processo convencional.
Essa ideia, no entanto, precisa ser mitigada, em especial tendo em vista a previsão
do CPC/2015 de que as partes podem vir a convencionar sobre modificações no proce-
dimento e também a respeito de seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais
(art. 190 do CPC/2015).9 Fala-se aqui da categoria dos negócios jurídicos processuais,
que merecerão tópico específico neste Manual, mais adiante.
O que se pode dizer desde já é que, a partir da permissão expressa de convenções
processuais, altera-se a conclusão de que o direito processual civil seria composto, es-
sencialmente, de normas cogentes, eis que é dado às partes, em comum acordo, dis-
por de regras procedimentais. Segue-se que a própria estrutura das normas de direito
processual fica também reformulada; em tese, o procedimento é cogente, salvo se as
partes, preenchidos os requisitos do art. 190, supracitado, não convencionarem de
forma diversa.
De toda maneira, além desta cláusula geral de negócios jurídicos processuais, o có-
digo prevê algumas convenções típicas, como a eleição de foro em casos de competência
relativa (art. 63) a suspensão do procedimento (art. 313, II), a distribuição de ônus de
prova (art. 373, §3º), a escolha de perito pelas partes (art. 471), dentre outras.

6.2.2. Norma processual e norma substancial


Diz-se geralmente – estabelecendo um contraste entre a norma de Direito substan-
cial ou material e a norma de Direito Processual Civil –, que, enquanto aquela é mate-
rial, esta é de natureza instrumental. Norma substancial traça conduta que diretamen-
te atinge os jurisdicionados; não respeitada há ilícito. O processo tem natureza instru-
mental, no sentido de que é por seu intermédio que é conseguido um bem da vida, o
qual privadamente não se logrou obter. Nesse sentido, podemos dizer um direito-meio,
não encerrando um fim em si mesmo.
Devemos dizer, ainda, que as normas do Direito Processual Civil objetivam, dentro
do processo e em função do resultado, tornar eficaz uma norma de direito substancial
ou material fora do processo. Os resultados objetivam produzir, em regra, efeitos no
mundo exterior ao próprio processo (efeitos da sentença), inclusive com a produção

tivas, porque podem ser afastadas pelos interessados (o que é comum em direito privado),
isso não acontecendo, resulta ser também o Estado, no sentido de que, se não afastadas
pelos interessados, essas haverão de ser imperativamente aplicadas (cf. Ferruccio Pergolesi,
Saggi sulle fonti normative, Milão: Giuffrè, 1943, § 8º, p. 17). Por outras palavras, se as partes
não houverem “disposto”, afastando a incidência de uma dada norma “dispositiva”, o que
poderiam ter feito, essa norma aplicar-se-á imperativamente, então.
9. Sobre o tema, v. com grande proveito, Antonio do Passo Cabral, Convenções processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016; José Carlos Barbosa Moreira, Convenções das partes sobre
matéria processual. Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 207

da coisa julgada material, sobre o decidido, e pela realização da eficácia do decisum por
meio da execução, quando for o caso.10
As normas de Direito Material retratam um interesse primário, ao passo que as nor-
mas de Direito Processual Civil expressam um interesse secundário. Tal interesse é, por
sua vez, derivado da existência de obstáculo ao gozo do interesse primário ou substan-
cial, que nasceu de uma lesão feita a esse interesse.11 Normas processuais, como aquelas
que constam do art. 497 e do art. 498 do CPC/2015, podem vivificar a execução especí-
fica em relação às obrigações de fazer e de não fazer e de entrega de coisa. As normas de
processo podem influir na eficácia das normas de direito material; mais precisamente,
podem vir a imprimir uma eficácia que, anteriormente, em termos práticos, estas últimas não
tinham.12 Vale dizer, as normas de direito material são dotadas, pela norma processual,
de uma sanção, consistente em conduzir inadimplementos ao adimplemento, mercê do
que se tem denominado de execução indireta.

6.2.3. Normas de processo e normas de procedimento


As normas de direito processual civil podem ser divididas ou classificadas também
de acordo com a sua referibilidade ao processo ou ao procedimento. É necessário consi-
derar, então, quais os traços distintivos entre processo e procedimento que justificam
essa divisão.
A CF/1988 modificou o sistema de legislação sobre processo civil, se for entendida
esta expressão stricto sensu e lato sensu. Em sentido estrito hão de se entender as normas
de processo ou as normas processuais. Lato sensu, devem ser compreendidas tanto as nor-
mas de processo quanto as regras procedimentais. À luz desta distinção, deve-se conside-
rar que toda a norma de processo demanda norma procedimental respectiva, no sentido de
que esta se constitui em condição essencial da funcionalidade daquela.
As normas de processo são de exclusiva competência da União, na forma do art. 22,
I, da CF/1988. Com as normas procedimentais, a mesma coisa ocorria precedentemente a
esta Constituição Federal. Após a Constituição Federal, não mais.
Isto porque a CF/1988, no seu art. 24, em seu inc. XI, disciplinando a competência
concorrente, de um lado, da União, e, de outro, dos Estados federados e do Distrito Fe-

10. O que se diz no texto não é aplicável à hipótese em que a tutela tenha sido antecipada, pois
se produzem efeitos antes da ocorrência da coisa julgada.
11. Acentua-se no direito processual civil contemporâneo a possibilidade de acesso à justiça
antes da ocorrência da lesão. A isto denomina-se ilícito de perigo, o qual, na medida em
que a lei ou o sistema jurídico tenha por idôneo um determinado perigo, proporciona a
solicitação de providência jurisdicional, por isso que está presente interesse de agir, mercê
do qual admite-se o acesso ao Judiciário, com vistas a inibir a ocorrência da lesão.
12. Lograr-se-á, na maioria das hipóteses, tutela específica em relação às obrigações de fazer e
de não fazer e de entrega de coisa, respectivamente, conquanto imodificados os textos do
Código Civil (em relação às obrigações de fazer, v. arts. 247 a 249; em relação às obrigações
de não fazer, v. arts. 250 e 251; e, finalmente, em relação à obrigação de entrega de coisa,
v. os arts. 233 a 246).
208 Manual de Direito Processual Civil

deral, prevê, viabilizando o exercício de competência legislativa concorrente, a matéria


relativa aos “procedimentos em matéria processual”. Esta competência concorrente, to-
davia, encontra discriminação constante do sistema desse art. 24 da CF/1988, ao distin-
guir entre normas gerais e não gerais, nessa matéria.
É certo que o procedimento, enquanto relativo a normas gerais, às quais alude os §§ 1º
e 4º do art. 24 da CF/1988, pode ser da competência da União, que, em tal caso, afasta-
rá a competência dos Estados federados e do Distrito Federal (art. 24, § 1º), não exclu-
ída a competência suplementar dos Estados, em relação a essas normas gerais (art. 24,
§ 2º). É relevante, portanto: 1º) tentar estabelecer em que se constitui e qual o âmbito
de abrangência da expressão procedimento, tal como utilizada no art. 24, XI, da Consti-
tuição Federal de 1988; 2º) de outra parte, como se podem distinguir e o que são normas
gerais de procedimento e normas não gerais de procedimento; e 3º) ter sempre presente que
a norma processual não deve ser confundida com a norma procedimental.
Estabelece o texto constitucional que a União, se regular assunto procedimental, deve,
exclusivamente, estabelecer normas gerais sobre procedimento (art. 24, § 1º, da CF/1988);
e, ademais, a competência da União não exclui (= não pode excluir) a competência suple-
mentar dos Estados federados e nem a do Distrito Federal, tendo em vista normas não ge-
rais de procedimento. Por outras palavras, as “normas não gerais sobre procedimento”,
editadas pela União, subsistem enquanto os Estados federados e o Distrito Federal não
venham a editar as suas respectivas normas regionais. Editadas que venham a ser estas,
revogarão as “normas procedimentais não gerais ‘da União’”. Esta última expressão, na
conjuntura e estrutura atuais, conduz a paradoxo, porquanto todas as possíveis regras
ditas “não gerais”, atualmente, são gerais, pela circunstância de que se constituem num
sistema com o atributo da uniformidade, e, pois, com aplicação uniforme em todo o terri-
tório nacional (dado que todas elas foram editadas pela União), inclusive neste CPC. De-
sempenham, por essa contingência, necessário papel de generalidade. É só a partir da
Constituição Federal de 1988 que poderá vir a ser regulado diferentemente o que disser
respeito a normas não gerais. Por outras palavras, a partir da CF/1988 nasceu a possibili-
dade de edição de normas não gerais, mas todas as que existiam no momento da promul-
gação dessa CF/1988 eram gerais, pelo fato de sua origem única e pela função desem-
penhada (regiam todo o processo e todo o procedimento, em todo o território nacional).
Se inexistir, todavia, (alguma) norma geral sobre procedimento, então, “os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades” (art. 24,
§ 3º, da CF/1988), o que significa que o Distrito Federal e os Estados-membros, dian-
te de tal “omissão”, ou, em face da inexistência de normas gerais sobre procedimento, te-
rão competência legislativa para editá-las, igualmente. Editarão, pois, em tal caso, de
“vácuo legislativo”, normas que valerão como gerais e não gerais sobre procedimento.
Mas, se supervenientemente vierem essas normas gerais sobre procedimento a ser edi-
tadas pela União, esta circunstância “suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for
contrário” (art. 24, § 4º, da CF/1988).
Isto quer dizer que, no vazio legislativo, ou, mais precisamente, na ausência de nor-
ma geral sobre procedimento, que não haja sido editada pela União, têm os Estados fede-
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 209

rados e o Distrito Federal, inclusive, competência para editar essas normas gerais sobre
procedimento. Estas expressões resultam ou acarretam, também, certo paradoxo. Pois,
emanadas estas normas gerais, na verdade, acabarão elas por vir a ser estritamente re-
gionais ou locais. Essas normas gerais sobre procedimentos – como se disse – em larga
escala já existem, e são representadas, principalmente, pelo que se contém, a propósito,
no Código de Processo Civil e na legislação extravagante, ainda que tenha sido o Código
de Processo Civil e essa legislação editados dentro do quadro de possibilidades dessa compe-
tência constitucional concorrente, ensejado e inaugurado pela CF/1988.
O primeiro discrímen que se tem de estabelecer, pois, é o que há entre normas proces-
suais, propriamente ditas, e normas procedimentais; e, num segundo momento, a diferen-
ça que há entre normas gerais de procedimento e normas procedimentais que não gerais.
Grande parte dessas normas gerais sobre procedimentos já existiam no CPC/73 e
em outras leis federais, antes de haver este quadro atual de competência legislativa ter
concorrente sido criado pela vigente Constituição Federal. A situação não se modifi-
cou com o vigente CPC.
Parece-nos que os temas relacionados com o direito de ação, as partes, as provas, a
sentença (= os requisitos de existência e de validade da sentença), nos seus elementos es-
senciais, não poderão ser entendidos como encartáveis na ideia de procedimento, pois
que, onticamente, têm de ser objeto de normas não gerais, inclusive pelo reflexo direto
de textos/valores constitucionais nesses institutos.13 Acentue-se, que na verdade, como
se acabou de dizer, esses temas, em escala apreciável, encontram-se delineados mesmo
no próprio texto da Constituição Federal. Este argumento demonstra que estão de tal

13. O mesmo se há de dizer em relação aos recursos, que “não podem ser criados ou extintos,
salvo por lei federal” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC, n. 5.4.1). Pode-se
dizer, sob este prisma, que também não pode lei estadual regular os efeitos dos recursos.
Assim, foi considerada inconstitucional Lei Estadual que “desobriga o servidor público de
restituir valores percebidos a título de vencimento ou vantagem, em liminar ou sentença de
mérito, quando não confirmada a decisão na instância superior” (STF, MC na ADIn 2.336/SC,
Pleno, j. 19.12.2000, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 09.03.2001, p. 102, g.n.). Não se considerou
inconstitucional, no entanto, norma estadual que estabelece a “previsão, no âmbito estadual,
do instituto da reclamação”, em razão de se ter considerado que “a natureza jurídica da
reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual” (STF,
ADIn 2.212/CE, Pleno, j. 02.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.11.2003, p. 11). Decla-
rou-se a inconstitucionalidade de Lei Estadual que estendia a competência por “prerrogativa
de foro” a delegados de polícia estadual (STF, ADIn 882/MT, Pleno, j. 19.02.2004, rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 23.04.2004, p. 6), mas, em julgado anterior, decidiu-se que “não se
mostra ofensivo à Carta preceito de Constituição Estadual que contempla os Procuradores
do Estado com a prerrogativa de foro, isto ao atribuir ao Tribunal de Justiça a competência
para processá-los e julgá-los nos crimes comuns e de responsabilidade. Se de um lado com-
pete à União legislar sobre direito processual – art. 22, I – de outro cabe às Constituições
dos Estados a fixação das competências dos respectivos Tribunais – art. 125, § 1.º, ambos
da Constituição Federal” (STF, MC na ADIn 541/DF, Pleno, j. 25.10.1991, rel. Min. Marco
Aurélio, DJ 14.02.1992, p. 1.165).Foi considerada inconstitucional lei estadual que disci-
plinava “matéria referente ao valor que deva ser dado a uma causa” (STF, ADIn 2.655/MT,
Pleno, j. 09.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 26.03.2004, p. 5).
210 Manual de Direito Processual Civil

forma permeados pela ideia de uniformidade, que o constituinte os gizou, em suas linhas
gerais, no próprio texto constitucional.
O direito de ação é o veículo configurativo do próprio retrato, i.e., da própria possí-
vel existência do Direito material; a disciplina referente à capacidade e à legitimação das
partes (sua capacidade, plena ou não), igualmente, não pode ser regulada em norma
procedimental, da mesma forma que não o pode a da legitimação para agir ou processual,
porque diz respeito à titularidade do possível direito subjacente à ação. A legitimação
processual ou para agir, a seu turno, e em realidade, regula a titularidade do direito de agir,
em juízo, pressuposto para o exercício do direito de ação.
Para se identificar, com alguma nitidez, o traço divisório entre as normas procedi-
mentais e processuais, é necessário que se levem em conta fundamentalmente dois pa-
râmetros: 1º) a estreita conexão que têm certas regras de processo com o direito mate-
rial, v.g., regras atinentes à legitimidade, à capacidade, às provas, o que, por si só, afasta
a possibilidade de os Estados federados legislarem quanto a essas matérias, que consis-
tem, pois, em normas processuais e não procedimentais; 2º) o princípio segundo o qual
todos são iguais perante a lei, pelo que as normas procedimentais não podem gerar di-
reitos diferentes, v.g., no Acre e em Santa Catarina.
A nosso ver, de acordo com estas balizas, normas procedimentais não gerais seriam
as que estabeleceriam novas formas de citação ou de intimação, normas respeitantes a
cartas precatórias, a cartas de ordem etc., aplicáveis sempre dentro do Estado federado
que as haja editado.
As regras de processo devem mesmo guardar simetria com regras de direito material,
e, no particular, os Estados federados e o Distrito Federal não têm competência para
legislar sobre o tema de direito material, direito civil, que está subjacente a todos esses
institutos. Se não guardarem simetria, todavia – o que não se contesta ser possível –, ha-
verá a regra (= norma processual) de ser editada pelo mesmo Poder Legislativo que pode
editar a norma de direito material, dado que, nessa hipótese, o sentido e a função da re-
gra processual se desviam dos parâmetros da regra de direito material. Esse “desvio” só se
pode verificar emergindo do mesmo Poder, que é o Congresso Nacional.14
Se assim não fosse, e se os Estados federados legislassem nesse campo, ipso facto, es-
tariam obliquamente disciplinando assuntos diferentemente do que o tivesse feito o di-
reito civil, e cuja disciplina desfiguraria a deste ramo, para o qual a competência legis-
lativa é exclusivamente da União (art. 22, I, da CF/1988).
As normas sobre provas dizem respeito à tradução ou à demonstração do Direito ma-
terial em juízo, e, pois, porque devem ser aptas a retratar o próprio Direito, se viessem a

14. É, exemplificativamente, o que se passa com o disposto na Lei 9.099/1995, em que, nesta lei
(art. 8º, § 2º) “disciplina a capacidade de estar em juízo de forma diferenciada em relação ao
processo civil tradicional (CPC) e ao CC” (v. a respeito, Joel Dias Figueira Júnior e Maurício
Antônio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais, 2ª ed. São
Paulo, 1997, comentários. ao art. 8º, n. 3, p. 170). Vale o texto deste art. 8º, § 2º, no âmbito
a que ele se destina, pois foi emanado do mesmo poder legislativo.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 211

ser objeto de disciplina procedimental, estar-se-ia, indiretamente, podendo fazer desapa-


recer situações de direito material, e estas variariam de um Estado federado para outro,
e entre esses e o Distrito Federal. As situações de direito material devem, necessaria-
mente, ter uniformidade, em relação às situações iguais; e quando o legislador federal
entender que não devem ter uniformidade, a ausência de uniformidade deve decorrer
da lei material federal, e, ainda aqui, haverá, certamente, de ser compatível com o prin-
cípio da igualdade de todos perante a lei, tendo em vista a gama de assuntos exclusiva-
mente adjudicados à competência legislativa da União.
É curial, pois, que as regras atinentes à essência da disciplina da prova não se en-
cartem no âmbito das possibilidades do mandamento do art. 24, XI, da CF/1988. Pa-
rece que um parâmetro ponderável, senão o mais relevante, para se traçar um limite ao
espectro das regras procedimentais, é o da regra constitucional do art. 5.º, caput. Ou
seja, se todos são iguais perante a lei, e se, correlatamente, não existe a competência dos
Estados federados para legislar sobre direito material (dentro das matérias arroladas no
art. 22 da CF/1988), disto se segue que as normas procedimentais não podem chegar
ao ponto de criar direitos diferentes nos Estados federados e no Distrito Federal, dentro
desse espectro do art. 22.
Há, pois, diferença profunda em comparação com o que existe nos Estados Unidos
da América do Norte. Como se disse, tais normas procedimentais gerais e não gerais exis-
tem em larga escala, donde, por esse fato, chegar-se-ia à conclusão de estar preenchido
esse espaço, e, aparentemente, encontrar-se reduzido o ambiente ou ter restado diminuí-
da a possibilidade de rendimento prático do § 3.º do art. 24 da Constituição Federal. No
entanto, é preciso distinguir, nesse conjunto de regras procedimentais, justamente as
regras procedimentais à luz das hipóteses possíveis para o exercício da competência con-
corrente, por isto que são aptas a comportar discriminação, e, por essência, são essas,
justamente, as regras não gerais.
Referíamos a aparentemente estar reduzido o ambiente, porque, em verdade, nem
pelo fato de existirem tais normas procedimentais, oriundas, todas elas, da União, ficou
vedado aos Estados federados e ao Distrito Federal que editem normas procedimentais
não gerais, pois que o farão dentro do âmbito de sua competência (exegese com fulcro
nos §§ 1º e 2º do art. 24 da CF/1988). E isto porque, se a União, dentro dessa com-
petência concorrente, deve – a partir da CF/1988 – limitar-se a editar normas gerais
(art. 24, § 1º), e se essas normas gerais não excluem a competência suplementar dos Es-
tados (art. 24, § 2º), disto se segue que, em se tratando de normas procedimentais, as que
sejam editadas pelos Estados federados e pelo Distrito Federal, terão a virtude de revogar
as precedentes normas procedimentais existentes, desde que, ontologicamente, possam
comportar distinções. Ou seja, desde que pela sua natureza sejam normas procedimen-
tais não gerais. E, de outra parte, dispõe o § 4º, do art. 24/CF: “A superveniência de lei
federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrá-
rio”. Isto porque à luz do § 3º do mesmo art. 24 está disposto: “Inexistindo lei federal
sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para aten-
der a suas peculiaridades”.
212 Manual de Direito Processual Civil

Caberá discriminar no quadro da legislação existente, e tendo em vista os seus ins-


titutos, identificar, agora, aqueles que, conquanto uniformemente disciplinados, podem
ensejar distinções, a partir de leis locais.
Sob outro ângulo, todavia, o reverso é que pode ser verdadeiro. Ou seja, são os Estados
federados que poderão exercer competência plena (isto é, compreensiva de normas pro-
cedimentais gerais e não gerais) quando inexistirem normas gerais sobre procedimento da
União (art. 24, § 3º). A União, todavia, não pode impedir que os Estados federados edi-
tem normas procedimentais, desde que sejam normas não gerais.
Por outras palavras, os Estados federados têm competência, para normas procedi-
mentais gerais, quando estas inexistam; suplementarmente e como têm sempre compe-
tência para editar normas não gerais, e, com isto, alterar regras preexistentes que, pela sua
natureza, sejam não gerais. Ou seja, é possível que os Estados federados façam aquilo que
a União pode(ria) fazer, mas não fez (editar normas gerais sobre procedimento); e, ain-
da, que estes e o Distrito Federal desfaçam o que a União já fez ou a respeito do que já
legislou, tendo em vista normas ontologicamente não gerais.
A União, a partir da Constituição Federal de 1988, deverá limitar-se à edição de nor-
mas gerais (art. 24, § 1º). Se se entende que o procedimento é a forma assumida pelo
processo, o encadeamento dos atos, fatos e negócios processuais, no que diz respeito à
forma, ao tempo e ao lugar, são estas realidades, as que dizem respeito tipicamente a atos
procedimentais, que podem assumir disciplinas em locais diferentes (i.e., podem ter aspec-
tos peculiares) e, como tais, reguláveis pelos Estados federados.
Poder-se-ão, inclusive, criar novas modalidades de citação ou de intimação, desco-
nhecidas da lei processual, desde que respeitados os princípios do art. 5.º, XXXV, LIV e
LV, da Constituição Federal de 1988, principalmente, entre outros; a mesma coisa se diga
quanto a cartas precatórias e a cartas de ordem. O tema relacionado com protocolo pode-
rá ser disciplinado por lei local.
A carta rogatória, porque representativa de uma expressão do Judiciário, enquanto
manifestando sua soberania (pois diz respeito à autoridade e à comunicação do Poder Judici-
ário nacional, como um todo), haverá necessariamente de ser disciplinada por lei federal.
É certo que um Estado federado não poderá impor a outro as suas normas procedi-
mentais, e, portanto, na hipótese de comunicação interestadual de atos processuais, tem
de prevalecer inteiramente a legislação federal. Por outras palavras, a comunicação de
Estado federado a Estado federado, e entre esses e o Distrito Federal, deve ser unifor-
me, e aí a regra tem de ser necessariamente da União (= norma procedimental geral).
Poderá haver, todavia, verdadeira adoção de normas de um Estado federado por outro,
quando, então, o conteúdo poderá ser aplicado, mas o será por virtude de um dado Es-
tado, mercê de sua própria autonomia normativa, i.e., por “ter encampado” normas de
outro, fazendo-as também suas.
Parece, como visto, também, que poderão ser criados, nos Estados federados e no
Distrito Federal, determinados procedimentos especiais, desconhecidos no sistema do
Código de Processo Civil [referimo-nos ao CPC/73], v.g., um procedimento especial, com
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 213

liminar, em ação de imissão na posse. Tratar-se-á, no caso, de abreviar no tempo a presta-


ção jurisdicional, e na realidade inexiste qualquer norma do Código de Processo Civil
a respeito. Não se estará, em realidade, alterando a substância do direito e nem estabe-
lecendo desigualdade entre uns e outros Estados federados e o Distrito Federal, senão
fazendo com que a prestação jurisdicional seja mais rapidamente prestada. Nesta últi-
ma hipótese, em editando a União regra jurídica diferente da que haja sido editada por
Estado federado ou pelo Distrito Federal, aplicar-se-á o § 4º do art. 24 da CF/1988, que
dispõe que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
lei estadual, no que lhe for contrário”.
Vale a pena colocar em destaque que o veto integral ao Projeto de Lei 95 de 1993
do Senado Federal (n. 3.588/1989 na Câmara dos Deputados), que adaptava normas
de direito processual ao disposto no inc. XI do art. 24 da Constituição Federal. O argu-
mento motivador do veto foi o de sua flagrante inconstitucionalidade. Os fundamentos
do veto merecem transcrição:
“Cabe, pois, fixar os conceitos de ‘Direito Processual’ e de ‘procedimento proces-
sual’, de modo a distinguir a competência privativa da União, da sua competência con-
corrente com os Estados. Direito processual, segundo informa a doutrina, é o conjunto
de princípios e normas jurídicas destinados a possibilitar a administração da Justiça,
enquanto que o procedimento processual é o modo pelo qual aqueles princípios e nor-
mas devem ser aplicados. Em suma, o Direito Processual constitui um todo do qual o
procedimento processual é uma das partes. Assim, tempo, lugar, prazos e comunicações
dos atos processuais, inclusive recursos, são induvidosamente matérias inseridas no âm-
bito da competência concorrente dos Estados federados, no que diz respeito às normas
não gerais, ao passo que prazos e comunicação dos atos processuais, inclusive recur-
sos, constituem matéria do Direito Processual, mas não do procedimento processual,
e, em consequência, matéria a ser disciplinada privativamente pela União, nos termos
do art. 22, I, da Constituição, salvo se mediante lei complementar autorizar os Estados
a legislar sobre questões específicas de Direito Processual (parágrafo único do art. 22 da
Constituição). Ora, pelos seus arts. 1.º e 3.º, o projeto de lei ordinária pretende deferir
aos Estados e ao Distrito Federal competência para legislar, precisamente, sobre essas
matérias, o que refoge aos mandamentos dos preceitos constitucionais transcritos. Ali-
ás, o Distrito Federal sequer poderia ser abrangido, pois à União cabe a administração
da Justiça do Distrito Federal e Territórios. Demais, trata-se de projeto de lei despicien-
do, isso porque o art. 24, XI, da Constituição é autoaplicável, independentemente de
lei federal regulamentadora, eis que a competência dos Estados emana do próprio tex-
to constitucional. Dessa maneira, impõe-se o veto total ao Projeto de Lei 95/1993, face
à sua inequívoca inconstitucionalidade”.15
No que diz respeito à “criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas
causas”, porque se utilizou no texto constitucional da expressão processo, isto pode-

15. <http://www.planalto.gov.br/ccivil/VETO_TOTAL/1995/Mv644-95.htm>. Acesso em


25.04.2016.
214 Manual de Direito Processual Civil

ria significar que as próprias normas gerais refugiriam do âmbito do art. 24, e, inteira-
mente, haveria a matéria de ser disciplinada por leis estaduais. Todavia, conquanto no
art. 24, X, esteja usada a palavra processo, esse art. 24, X – e, aí, a expressão processo –
não pode ser interpretada contra todo o sistema desse mesmo art. 24, e, ademais, com
ignorância da regra do art. 22, I, todos da Constituição Federal de 1988. Segue-se disto,
portanto, que nem pela circunstância de se ter utilizado o legislador da palavra proces-
so, no art. 24, X, e, no XI, procedimento, altera-se a competência legislativa dos Estados
federados para mais, tendo em vista o inc. X.
No Estado de São Paulo, reza a Constituição estadual de 1989, em seu art. 88: “A lei
disporá sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados de Pequenas Causas a
que se refere o art. 24, X, da Constituição Federal”. O que se verifica, em face do art. 24,
X, da Constituição Federal de 1988, é que houve uma adjudicação de competência aos
Estados federados e ao Distrito Federal, tendo em vista a “criação, funcionamento e pro-
cesso do juizado de pequenas causas; (...)”. A Constituição do Estado de São Paulo repe-
tiu a expressão processo, o que, certamente, não altera os quadros de sua competência,
que é concorrente.
Os arts. 24, X, e 98, I, ambos da Constituição Federal de 1988, indicam duas reali-
dades distintas. No art. 24, X, citado, verifica-se que o legislador constitucional assumiu
a existência dos juizados de pequenas causas; já, tendo em vista o disposto no art. 98, I,
citado, constata-se que, nesta hipótese, refere-se o texto a causas cíveis de menor comple-
xidade. Estas, como se percebe, não são aquelas (ou, ao menos, não devem ser aquelas)
que dizem respeito ao juizado de pequenas causas. No entanto, com a edição da Lei
9.099/1995, ao que tudo indica, acabaram por ser unificadas, claramente, as sistemáti-
cas dos juizados de pequenas causas e a dos juizados especiais de causas de menor com-
plexidade, ao menos naquelas relacionadas a matéria cível, isto porque foi revogada ex-
pressamente a Lei 7.244/1984 (art. 97 da Lei 9.099/1995) que regulava o processamento
perante os juizados de pequenas causas cíveis.

6.3. As fontes da norma processual civil


Um dos significados da palavra fonte é o de princípio ou causa de onde provêm
efeitos.16
Pode-se elaborar uma divisão tradicional das fontes do Direito em: dogmáticas, que
são as próprias leis, e históricas, que são representadas pelas leis revogadas.
Aspecto particularmente importante das fontes dogmáticas é aquele que estuda os
modos do nascimento do Direito Processual Civil, o que não se deve confundir com
seus modos de conhecimento, quando, então, estaríamos antes nas fontes de conheci-
mento do Direito Processual Civil.17

16. Laudelino Freire, Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, 1954, v. 3, p. 2.595.
17. Cf. José Frederico Marques, Instituições.. cit., vol. 1, n. 26, p. 58; n. 55, p. 124; v. também
Guasp, Derecho procesal civil, Madrid: Instituto de Estudios Politicos, 1962, n. 4, p. 43.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 215

Dividem, ainda, os juristas, as fontes em diretas e indiretas. Por fontes diretas,


devemos entender as leis, que são modernamente a fonte do Direito por excelência.
Alguns denominam as fontes diretas de fontes imediatas do Direito; nestas se inclui,
de acordo com o art. 140 do CPC/2015, a equidade, desde que haja previsão expressa
para a hipótese.
Nas fontes indiretas tradicionais. compreender-se-iam as fontes históricas, o Direi-
to comparado e a doutrina.

6.3.1. Os chamados precedentes pelo novo CPC


Some-se a estas fontes, mais modernamente, a força da jurisprudência, em espe-
cial aquela proveniente do entendimento de órgão especial de tribunal local ou de tri-
bunal superior. Como foi dito em tópico anterior a respeito da função uniformizadora
da jurisprudência, fica clara a aposta do CPC/2015 no comportamento dos tribunais
enquanto legítima fonte de expectativas jurídicas, e portanto, consequentemente, fon-
te também de normas de direito processual civil. Da conjugação, principalmente, dos
arts. 927 e 988, verifica-se o alto empenho do legislador na valorização do entendimen-
to dos tribunais superiores. No art. 927 determina-se a obediência por todos os órgãos
inferiores do Judiciário aos entendimentos aí indicados; e, no art. 988, para alguns des-
ses casos está prevista a reclamação em caso de não obediência. Para estes casos, isso
significa que tal entendimento se sobrepõe à lei, no sentido de que somente poderá ser
entendida à luz desse entendimento assim firmado pelo Tribunal Superior. Esses en-
tendimentos referir-se-ão a normas materiais, possivelmente em sua maioria e também
a normas processuais.
É grande o empenho do legislador a respeito da uniformidade da jurisprudência e à
sua estabilidade, devendo os Tribunais e juízes agirem em conformidade com essa meta
(art. 927, caput). A esses entendimentos dar-se-á publicidade, i. e., a jurisprudência do-
minante deve ser editada sob a fórmula de enunciados de súmulas (art. 927, § 1º). Os
enunciados dessas súmulas devem retratar/traduzir as circunstâncias fáticas constan-
tes dos precedentes, i. e., dos julgados que em conjunto e em síntese representam essa
jurisprudência dominante (art. 927. § 2º).
Isso tudo criará ordem, disciplina e dará genuíno rendimento ao princípio da igual-
dade de todos perante da lei (art. 5º, I, CF). Pois, se todos são iguais perante a lei, esse
mandamento adiantaria pouco, se a mesma lei em face de situações idênticas, fosse en-
tendida diferentemente.
O universo coberto por súmulas, enunciados, súmulas vinculantes é pequeno em
relação ao número imenso de hipóteses julgadas pelo Poder Judiciário. Não havendo
restrição real ao livre convencimento do magistrado. Em não havendo essa disciplina –
como é o caso de nossos dias – isso não significa que a causa ou os processos deixem de
ser decididos como entendem os Tribunais e os Tribunais Superiores. Só que isto ocor-
rerá ao longo do tempo com percalços, criando situações sociais altamente indesejáveis.
Esse denominado precedente do novo CPC tem em comum com o precedente do
direito inglês e norte-americano, apenas, o nome e o fim, ou seja, em todos os casos
216 Manual de Direito Processual Civil

prestigia-se uma uniformidade de entendimento. No mais, o nosso é criação da lei, di-


ferentemente do que nesses países ocorre.
Há argumentos que cumpre considerar.
Já se disse que esta disciplina é inconstitucional, porque um precedente seria equi-
valente a uma lei, o que não é verdade, porque o precedente aplica a lei, ao passo que
uma lei inova primariamente na ordem jurídica.
Mais ainda, os nossos Tribunais não são Tribunais de teses. No entanto, tanto o STF
quanto o STJ firmam entendimentos que sempre foram apreciavelmente seguidos. O
que o vigente CPC fez foi tornar obrigatória essa obediência, nos casos em que cabe re-
clamação.
Se cabe reclamação, isto significa que em relação aos casos onde deverá ser apli-
cado o entendimento do precedente, a questão já está decidida, justamente pelo pre-
cedente.
No moderno Estado de Direito se aceita como princípio nuclear da vida social o fato
de que a conduta dos jurisdicionados, de maneira geral, subordina-se à regra jurídica
emanada do Estado, mormente porque o próprio Estado fica a elas subordinado (espe-
cificidade que marca o Estado de Direito).
Pode-se asseverar, seguramente, que a plenitude logicamente necessária, ínsita ao
sistema jurídico, encerra um princípio, em grande escala, exato:18 o ordenamento ju-
rídico não contém lacunas. E diz-se isto porque o próprio ordenamento contém uma
mecânica tal, possibilitadora de fornecer outros elementos (analogia, costume, princí-
pios gerais de direito), que, apesar de não contemplarem expressamente dado caso, são
técnicas através das quais se revela a integridade do sistema ou, pelo menos, a possi-
bilidade de, por meio de elementos do próprio sistema, explicitar-se a sua integridade
(arts. 140 CPC e 4º da LINDB).19

6.4. Normas processuais na Constituição Federal


A Constituição Federal vigente, como nenhuma outra antes o havia feito, tratou de
matéria processual. Além das garantias constitucionais, que com maior detalhe neste
Manual serão tratadas juntamente das normas fundamentais do processo civil (arts. 1º
a 12 do CPC/2015).

18. Diz-se substancialmente exato porque, no nível de filosofia do Direito e de teoria geral do
Direito, principalmente, tem comportado discussão. Ocorre que ainda não foi substituído
por outro princípio que, com maior clareza e tanta operatividade, lhe fizesse as vezes.
19. O ângulo de descarte do individualismo tem integrado as variáveis na interpretação da nor-
ma, conforme enfatiza o Min. Sálvio de Figueiredo. V. RSTJ 26/378, especialmente p. 384,
na qual se lê: “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real,
humana, socialmente útil. (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a
lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais
atenda às aspirações da Justiça e do bem comum”. É certo que este entendimento diz, não
só com o processo, mas, também, com o direito material.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 217

Tem-se, por exemplo, o art. 5º, LVI, em que se estabelece que são inadmissíveis, no
processo, provas obtidas por meios ilícitos.20 O art. 5º, LXIX, refere-se ao mandado de
segurança, e o inciso subsequente, ao mandado de segurança coletivo, que pode ser im-
petrado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização,
entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.21
No inc. LXXI do art. 5º, criou a CF/1988 o instituto do mandado de injunção, ca-
bível quando a falta de regramento legal torne impossível o exercício dos direitos e li-
berdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania.22 O mandado de injunção, por certo, pode ter ‘caráter coletivo’,23 se os pres-
supostos necessários a isso se fizerem presentes (ver a Lei 13.300/16, art. 9º, § 1º, onde
esta prevista a possibilidade de “ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à deci-
são, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou
da prerrogativa objeto da impetração”.
Outro instituto introduzido no Direito brasileiro pela CF/1988 (art. 5º, LXXII e Lei
9.507, de 12.11.1997) é o habeas data, de que se pode servir a parte para assegurar o co-

20. Tem decidido o STF que “a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula
condenação se a sentença condenatória não se apoia apenas na prova considerada ilícita”
(STF, AgRg no AgIn 503.617, rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.02.2005, DJ 04.03.2005; neste
julgado, há referência a várias decisões no mesmo sentido). V., sobre o tema, o tópico espe-
cífico deste Manual.
21. Questão que sempre atormentou a jurisprudência e a doutrina desde a promulgação da
Carta de 1988 é a relativa à legitimidade para agir em se tratando de mandado de segurança
coletivo. O STF editou a Súmula 629, segundo a qual não se deve exigir, para a impetra-
ção da segurança coletiva, que se apresente “autorização”, nos termos do art. 5º, XXI (“a
impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos asso-
ciados independe da autorização destes”). Quanto a essa discussão, o art. 21 da Nova Lei
do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) filiou-se ao entendimento da jurisprudência
predominante no STF, referente à vinculação da legitimação dos partidos políticos à “defesa
de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”; já quanto
às organizações sindicais e entidades de classe, exige o dispositivo que o mandamus seja
proposto na defesa dos direitos da totalidade ou de parte dos membros, na forma do estatuto
e desde que pertinentes às finalidades,dispensando, em contrapartida, autorização especial.
22. Ao contrário da maior parte da doutrina, o STF reiteradas vezes entendeu que não era possível,
sem ofensa ao princípio da separação dos poderes, que o magistrado, dando pela procedência
do mandado de injunção, criasse qualquer norma, para o caso concreto, tida como faltante
para usufruto de dada garantia constitucional (STF, MI 584/SP, j. 29.11.2001, rel. Min. Moreira
Alves, j. 29.11.2001, DJ 22.02.2002). Constata-se, porém, uma considerável evolução desse
entendimento em matéria de injunção, conforme se verifica em especial no seguinte julgado
STF, MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 30.08.2007, DJe 29.11.2007. Já no âmbito das
ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, no julgamento da ADI 3.682, o STF “julgou
procedente ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional, e, por maioria, estabele-
ceu o prazo de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao
cumprimento da norma constitucional imposta pelo art. 18, § 4º, da Constituição Federal”.
23. STF, MI 278/MG, Pleno, rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, j. 03.10.2001, DJ 14.12.2001,
p. 28; STF, MI 485/MT, Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25.04.2002, DJ 23.08.2002.
218 Manual de Direito Processual Civil

nhecimento e a possibilidade de retificação de informações relativas à sua pessoa, dados


esses constantes de registros ou bancos de dados de entidades do governo ou de caráter
público. Necessário é que, para o cabimento do habeas data, tenha havido recusa da au-
toridade administrativa em fornecer informações (Súmula 2 do STJ).
Já o Capítulo III do Título IV da Constituição Federal trata amplamente do Poder
Judiciário. Sendo este uma das expressões da soberania nacional (art. 2º da CF/1988),
deve encontrar no estatuto político supremo do Estado as suas linhas mestras. Todavia,
encontramos na Carta Magna também normas processuais em sentido estrito, além das
normas de índole substancialmente constitucional (substancial e formalmente consti-
tucionais), quais sejam, as estruturadoras do Poder Judiciário. No art. 96, I, defere-se
aos tribunais, privativamente, competência para elaborar seus regimentos internos, ele-
ger seus órgãos diretivos, organizar os seus serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos
na forma da lei etc. No art. 99, assegura-se expressamente autonomia administrativa
e financeira ao Poder Judiciário e se determina que os tribunais deverão elaborar suas
propostas orçamentárias. Admite-se que os regimentos internos “estabeleçam” recur-
sos, v.g., como os de agravo regimental, na esteira e à semelhança do que consta das leis
processuais, que, no caso específico de que se cogita, é, por excelência, o recurso de
agravo (art. 96, I, a da CF/1988).
Os regimentos internos dos tribunais – além de outras garantias – são necessários à
autonomia da magistratura, dado que, sem autogoverno, não se pode falar em autonomia.
Nesse mesmo capítulo, no art. 97 da CF/1988, prescreve-se que somente pela maio-
ria absoluta de seus membros ou dos membros de órgão especial poderão os tribunais
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.24 Trata-se
de norma processual, dado que, a rigor, diz respeito à competência interna dos tribu-
nais, no julgamento respeitante à matéria constitucional.25 Esse órgão especial, ade-
mais, exercerá atribuições administrativas e jurisdicionais, que seriam da competência
do tribunal pleno (art. 93, XI, da CF/1988).
O art. 100 da CF/1988 disciplina o direito de ordem cronológica e consequente di-
reito de preferência daqueles que tiverem créditos contra as fazendas federal, estadual,
distrital e municipal, “em virtude de sentença judiciária”, sendo esta substancialmente
uma norma processual, formalmente inserta na Constituição.

24. Atualmente, a questão é objeto da Súmula Vinculante 10, de 2008, cujo enunciado assim
dispõe: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário
de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
25. O art. 949, p. único, do CPC/2015, na esteira do que já previa o art. 481 do CPC/1973,
diz não ser necessária a remessa à Turma competente quando “já houver pronunciamento
destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Na medida em que já
preexiste à arguição de inconstitucionalidade pronunciamento do próprio Tribunal ou do
STF, não tem sentido prático suscitar-se o mesmo incidente, para obter-se a mesma solu-
ção, no órgão plenário do Tribunal, para só depois o órgão fracionário menor decidir, mas
igualmente vinculado àquele pronunciamento. Nesse sentido: STF, AgRg no RE 440.458/
RS, 1.ª T., j. 19.04.2005, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.05.2005.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 219

O § 1º deste dispositivo, na redação conferida pela EC 62/2009, define os créditos


de natureza alimentícia e estabelece a preferência de pagamento destes créditos sobre
os demais, com exceção daqueles referidos no § 2º, quais sejam: “os créditos de natu-
reza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou mais na data de
expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da
lei”. Esses últimos “serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o
valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º [“obrigações
de pequeno valor] deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo
que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”. Ante-
riormente à promulgação da EC 62/2009, a redação do art. 100 e respectivos parágra-
fos que vigia era aquela atribuída pela EC 30/2000, segundo a qual os créditos de natu-
reza alimentar, então definidos no revogado § 1º-A do dispositivo, estariam excluídos
da ordem dos precatórios.26 Atualmente, a regra que determina a observância da ordem
cronológica dos precatórios comporta apenas uma exceção, introduzida com a promul-
gação da EC. 30/2000, e mantida pela redação atual do § 3º ao art. 100 (EC 62/2009),
segundo a qual não será exigida a expedição de precatórios para o pagamento de “obri-
gações definidas em lei como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer
em virtude de sentença judicial transitada em julgado”. Definiu-se que seriam consi-
derados de “pequeno valor”, para os fins dos arts. 100, § 3º, da CF/1988 e 78 do ADCT
(este último com eficácia suspensa, por força de liminar proferida nos autos das Medi-
das Cautelares nas ADIns 2356 e 2362), até que lei específica do ente o defina, os dé-
bitos ou obrigações consignados em precatório judiciário com valor igual ou inferior
a: “I – quarenta salários mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II – trinta salários mínimos, perante a Fazenda dos Municípios” (art. 87 do ADCT, com
a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 37, de 12.06.2002).27
Importante referir, ainda, que, por força de liminar proferida no Plenário do Supre-
mo Tribunal Federal, encontra-se com eficácia suspensa a novidade trazida pelo art. 2º
da citada Emenda Constitucional n. 30/2000, que conferiu nova redação ao art. 78 do
ADCT, para estabelecer a possibilidade de parcelamento dos valores constantes dos pre-
catórios judiciais. O texto do caput do art. 78 está assim redigido: “Ressalvados os crédi-
tos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata

26. O STF, mesmo antes da redação atual do art. 100 da CF/1988, considerou imprescindível
a inclusão em precatório de verbas alimentares, apenas que submetidas a uma ordem cro-
nológica específica (voto do Min. Celso de Mello no RE 169.799-7/SP DJU I, 20.06.1995,
p. 18.862-18.863). São neste sentido a súmula 655 do STF e 144 do STJ.
27. Com a criação dos Juizados Especiais da Justiça Federal pela Lei 10.259/2001, com com-
petência para as demandas envolvendo até 60 (sessenta) salários mínimos, nos casos de
obrigação de pagar quantia certa, uma vez transitada em julgado a decisão, “o pagamento
será efetuado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, por ordem
do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica
Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório” (art. 17, caput). Redação
semelhante consta do art. 13 da Lei 12.153/2009, que prevê a criação dos Juizados Especiais
da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal.
220 Manual de Direito Processual Civil

o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementa-


ções e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo,
os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de
ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real,
em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas,
no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos”.
De acordo com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, “o art. 78 do
ADCT, acrescentado pelo art. 2º da EC 30/2000, ao admitir a liquidação ‘em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos’ dos ‘precatórios pendentes
na data de promulgação’ da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário do preca-
tório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada [destacou-se]”.28
Mais recentemente, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade parcial da
EC 62/2009, no tocante a algumas regras instituídas para os precatórios no art. 100 da
CF, em especial nos §§ 9º, 10 e 15, bem como à integralidade do art. 97 do ADCT.
Entendeu-se, quanto aos §§ 9º, 10 do art. 100, inserido na CF pela aludida emen-
da, que a compensação obrigatória de crédito a ser inscrito em precatório com débitos
perante a Fazenda Pública consagra a superioridade processual da parte pública – no
que concerne aos créditos privados reconhecidos em decisão judicial com trânsito em
julgado – sem que tenha sido considerada a garantia do devido processo legal e de seus
principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa. Por tratar-se de “tipo uni-
lateral e automático de compensação de valores”, o disposto nos §§ 9º e 10 embaraçaria
a efetividade da jurisdição, desrespeitaria a coisa julgada e afetaria o princípio da sepa-
ração dos Poderes, além do princípio constitucional da isonomia, “uma vez que o ente
estatal, ao cobrar crédito de que titular, não estaria obrigado a compensá-lo com even-
tual débito seu em face do credor contribuinte.”29
No art. 101, refere-se a Constituição Federal ao STF, que é o órgão de cúpula do
Poder Judiciário nacional. Já, a seguir, no art. 102, I, com extensa redação, trata de sua

28. Ainda, foi entendido que o dispositivo viola “a independência do Poder Judiciário, cuja
autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de
julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra
a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei”. Por tais razões, concluiu-se
que a alteração constitucional afronta cláusulas pétreas (incs. III e IV do § 4º do art. 60 da
CF), concernentes à separação dos Poderes e aos direitos e garantias individuais. Foi deci-
dido, ainda, que, “Quanto aos precatórios ‘que decorram de ações iniciais ajuizadas até
31 de dezembro de 1999’, sua liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do
art. 5º da CF. Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que um certo número de
precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999, fique sujeito ao regime especial
do art. 78 do ADCT, com o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais e suces-
sivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os demais créditos sejam beneficiados com
o tratamento mais favorável do § 1.º do art. 100 da Constituição. Medida cautelar deferida
para suspender a eficácia do art. 2.º da EC 30/2000, que introduziu o art. 78 no ADCT da
Constituição de 1988”. (STF, Plenário, ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, Rel. p/ o ac. Min.
Ayres Britto, j. 25.11.2010, DJE 19.05.2011.).
29. STF, Plenário, ADIn 4.357 e ADIn 4.425, rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, j. 14.03.2013.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 221

competência originária; no art. 102, II, de sua competência recursal, por meio de recur-
so ordinário; e, no art. 102, III, finalmente, da competência para julgamento de recurso
extraordinário (normas processuais).
No art. 104, a Constituição Federal alude à composição do Superior Tribunal de
Justiça, órgão criado pela CF/1988. O art. 105, I, de a a i, prevê as hipóteses de compe-
tência originária; no art. 105, II, alistam-se as hipóteses em que a competência é de na-
tureza recursal (recurso ordinário), nas alíneas a, b e c; e, finalmente, no art. 105, III, a,
b e c, elencam-se outros casos de competência recursal (recurso especial).
No art. 106, a Constituição Federal estabelece quais são os órgãos que integram a
Justiça Federal. Cria, no inc. I, complementado pelo art. 27, § 11, do ADCT (em con-
formidade com a redação dada pela EC 73/2013), os Tribunais Regionais Federais, que,
de certa forma, substituem o antigo Tribunal Federal de Recursos, e se refere, no inc. II,
aos juízes federais, quando, tecnicamente, deveria referir-se a juízos federais de 1º grau
(pois, tecnicamente, os juízos é que são os órgãos, e não as pessoas físicas dos juízes).
Dentre os novos tribunais, criados pela Constituição Federal, os Tribunais Regio-
nais Federais são compostos de juízes, sempre que possível, da região relativa ao seu
âmbito de competência, sendo um quinto de sua composição formado de advogados
e membros do Ministério Público, em atividade e com mais de dez anos de carreira.
Os demais, serão juízes federais que ao tribunal ascenderão por promoção (antiguida-
de e merecimento, respectivamente).
No art. 108, I, alistam-se, nas alíneas a a e, as hipóteses de competência originá-
ria dos Tribunais Regionais Federais, e no art. 108, II, a sua competência recursal. No
art. 109 alistam-se as hipóteses de competência dos juízes federais de primeiro grau de
jurisdição, nos incs. I a XI e §§ 1º a 5º
A CF/1988 trata, ainda, da Justiça do Trabalho (arts. 111/116), Eleitoral
(arts. 118/121), e Militar (arts. 122/124).
As normas processuais citadas encontram-se no texto constitucional e consistem
nas chamadas fontes constitucionais-processuais, pois formalmente estão na Constitui-
ção e substancialmente versam sobre direito processual.
A inserção de normas processuais no corpo da Constituição dá margem a uma ob-
servação. Há, no caso, uma ampliação significativa do texto constitucional, abrangendo
também matérias que, sendo substancialmente processuais, são, porém, formalmente
constitucionais.
A razão é evidente. Deseja-se conferir a essas matérias uma rigidez idêntica à das nor-
mas substancialmente constitucionais. Assim, apesar de tais matérias não serem intrin-
secamente constitucionais, mas como integram o texto da Constituição, aproveitam-se
das virtudes das normas formalmente constitucionais.
7
As Normas Fundamentais do Processo Civil

7.1. A função da Parte Geral e a estrutura dogmática do CPC/2015

O1 CPC/1973 foi elaborado em um período no qual, entre nós, a teoria do direito


dava seus primeiros passos na superação do positivismo. Mais do que isso, o direito
processual civil vivenciava o ápice de seu desenvolvimento científico e da sua indepen-
dência epistemológica em relação ao direito privado. As preocupações de Alfredo Bu-
zaid, ao redigir, em 1965, o Anteprojeto do que veio a ser a Lei 5.869/1973, eram dar
coerência técnica ao direito processual, estabelecendo uma sistemática cientificamen-
te adequada. O CPC/1973, aliás, tem como característica marcante o apego à precisão
terminológica e ao cientificismo.
Com o passar das décadas – e em especial com a promulgação da Constituição Fe-
deral em 1988 –, foram necessárias reformas legislativas para dar ao sistema processual
mais dinamismo e efetividade. A introdução da antecipação de tutela (Lei 8.952/1994)
e da fase de cumprimento de sentença (Lei 11.232/2005) são exemplos da preocupação
dos juristas com a celeridade e desburocratização do processo. As muitas reformas das
últimas décadas, no entanto, tiveram como resultado o fato de que o CPC/1973 perdeu
seu aspecto uniforme, de verdadeiro código. A Lei 5.869/1973 transformou-se ao lon-
go do tempo, em um conjunto de disposições com ideais e filosofias diversas, sem uma
verdadeira unicidade.2
O primeiro aspecto a ser notado em relação ao CPC/2015, portanto, é a tentativa
de codificar novamente, isto é, de dar coerência a um texto de lei que, inevitavelmen-
te, tem um aspecto ideológico forte. O código é feito de opções legislativas e, portanto,

1. Ver o nosso Novo Contencioso Cível no CPC/2015. São Paulo: Ed. RT, 2016, item 1.
2. O alerta de Cassio Scarpinella Bueno é válido aqui: “Vale destacar que Código de Processo
Civil da atualidade não é – nem pode mais pretender ser – ‘código’, no mesmo sentido ideo-
lógico ou político daquele que era em 1973. O nome ‘código’ ainda utilizado largamente
justifica-se muito mais pela tradição, quiçá pelo costume, do que por uma opção ideológica
coerente” (Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual: teoria geral
do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 110).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 223

é resultado de um pensamento jurídico próprio do seu tempo, carregando consigo um


indubitável caráter histórico-cultural.
Entender o CPC/2015 é, então, antes de tudo, compreender que a sociedade sofreu,
como sói ocorrer, intensas modificações, que inevitavelmente geram repercussões di-
retas nas concepções dos ordenamentos jurídicos.
Dentre elas, podemos destacar de forma sintética: (a) a chamada “ascensão das mas-
sas” e a locomoção e surgimento de novos grupos sociais dentro de uma mesma socie-
dade, cada vez mais detentores de interesses juridicamente tuteláveis; (b) a imprescin-
dibilidade de utilização do Direito como sistema de controle social;3 (c) a necessidade
de reconstrução conceitual do Direito e superação – em largos e importantes setores do
Direito – das metodologias puramente dedutivas ou subsuntivas de sua aplicação4 (o
que mais à frente será relacionado ao atual estágio da hermenêutica jurídica processu-
al); (d) o problema da ineficiência da autoridade (e de falta de efetividade da Justiça).5
Some-se a isso a conclusão a que se chegou no Relatório Geral do Projeto de Lei
8.046/2010 (que, em conjunto com Projeto de Lei 166 de 2010 do Senado Federal re-
sultou no CPC/2015): o Brasil passou, nos últimos quarenta anos, por revoluções “nos
planos normativo, científico, tecnológico e social”. A revolução normativa tem a ver
com a promulgação da Constituição Federal (1988), do Código de Defesa do Consu-
midor (1990) e do Código Civil (2002), todos diplomas com grande influência sobre a
dinâmica processual. Por sua vez, a revolução científica é decorrente do aumento per-
ceptível de cursos jurídicos no País, disseminando o conhecimento e a divulgação de
ideias e teses novas no ramo do Direito. No plano tecnológico, destacam-se a criação de
mecanismos como o do processo eletrônico, que auxilia sobremaneira a administração
da Justiça. Por fim, as revoluções sociais guardam proximidade com o acesso à Justiça
(art. 5º, XXXV, da CF/1988) e com as modificações apontadas no parágrafo anterior re-
lativamente aos novos setores da sociedade detentores de direitos tuteláveis.
Essas constatações levaram a comunidade jurídica a perceber que o direito proces-
sual civil – como ramo intensamente prático do direito, que responde a anseios sociais
– precisava ser mais dinâmico e instrumental, inclusive reclamando a utilização de téc-
nicas que flexibilizem o procedimento por meio de cláusulas gerais e de textos mais
abertos, fluidos, e propositadamente menos rígidos, em sintonia com a mesma evolução
que se passou e se passa com o direito material. Assim, busca-se mais solucionar con-
flitos de interesse do que dar importância a métodos procedimentais. O código quer,
com efeito, que o foco de atenção do jurista seja o mínimo possível voltado ao próprio
processo, já que este serve como um veículo de realização/aplicação do direito material.

3. Tercio Sampaio Ferraz Jr, Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad,
1980. p. 7.
4. A necessária crítica à subsunção e ao silogismo é antiga (Philip Heck, Interpretação da lei.
São Paulo: Saraiva, 1947, p. 24 e ss.). Para uma abordagem mais atual, ver: Lenio Streck,
Hermenêutica jurídica e(m) crise. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 232.
5. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil. São Paulo: Ed. RT, 1990. vol. 1, pp. 110-
‑113.
224 Manual de Direito Processual Civil

Notemos, então, o que dispõe a exposição de motivos do CPC/2015, que acompa-


nhou o Anteprojeto apresentado ao Senado Federal, em 2009, sobre a intenção da Co-
missão de Juristas que formulou a codificação nova. Nesta, resumidamente se afirma
que o Código novo tem como objetivos: (a) estabelecer uma verdadeira harmonia entre
o direito processual e o direito constitucional; (b) simplificar e desburocratizar os ins-
trumentos à disposição do juiz para proferir decisões efetivas e próximas à realidade;
e (c) aproveitar ao máximo os atos processuais, buscando a resolução dos conflitos de
interesses; (d) valorizar o princípio da igualdade, primando para que situações fáticas
iguais ou equivalentes recebam soluções jurídicas harmônicas.
Para tanto, o CPC/2015 se inicia com uma Parte Geral, que em muito repete o que
já existia no CPC/1973 no início do Livro relativo ao Processo de Conhecimento. Trata-
-se de disposições que auxiliam o jurista a interpretar e aplicar o direito processual. Por
serem noções elementares, que dizem respeito a todo o restante do código, a boa técni-
ca legística indica ser acertada a decisão por separar o texto em parte Geral e Especial –
esta última contendo, verdadeiramente, os procedimentos e suas fases.6
É importante lembrar que a Parte Geral de uma codificação processual não implica,
de modo algum, estar o texto positivando uma Teoria Geral do Processo, eis que direi-
to positivo e teoria do direito desenvolvem-se em âmbitos eminentemente distintos do
conhecimento. Enquanto a teoria atua no plano epistemológico, fornecendo conceitos
para compreender o sistema, a Parte Geral é, desde já, parte do sistema, constituindo-
-se de uma série de noções gerais sobre o funcionamento do próprio código.7 Nesse
contexto, uma disposição constante da Parte Geral, por sua própria natureza, deve ser
aplicável a todo o restante do código, salvo disposição expressa em sentido contrário.8
As preocupações que levaram às novidades do CPC/2015 são decorrentes do atu-
al estágio em que se encontra a Administração da Justiça no Brasil. O anseio por um

6. “A parte geral pode conter normas que se aplicam além do veículo normativo a que per-
tençam. As regras da parte geral do Código Civil brasileiro, por exemplo, servem a todo o
direito privado brasileiro, e não apenas àquilo que pelo mesmo código foi regulado. É ‘geral’
também por esse motivo.” Fredie Didier Jr, Sobre a teoria geral do processo, essa desconhe-
cida. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 61.
7. “Teoria Geral e Parte Geral de forma alguma podem pretender ser a mesma coisa, nem mesmo
se podendo afirmar que a parte geral é a “sistematização” da teoria geral. Essas duas categorias
são desenvolvidas em planos distintos do conhecimento: uma (a teoria) no campo ideal da
epistemologia, elaborando conceitos a partir de descrições fenomenológicas da realidade;
outra (a parte geral) dentro do direito positivado, sendo eminentemente prescritiva e não
comportando teorizações muito abstratas que não sejam úteis à interpretação da própria lei
da qual faz parte (...)Não obstante, em certa medida existe uma íntima referibilidade entre
a dogmática e a teoria. Esta, como dito, alimenta aquela, que em sua parte geral poderá
dispor de enunciados (positivos, não meramente conceituais) úteis para a compreensão do
restante do texto normativo” (Leonard Ziesemer Schmitz, A teoria geral do processo e a parte
geral do novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, vol. 55. São Paulo: RT,
jul-set/2013, p. 329-359).
8. Essa é a conclusão a que chegou Franz Wieacker, analisando a Parte Geral do Código Civil
alemão (Franz Wieacker, A história do direito privado moderno. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010, p. 559-560).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 225

sistema processual mais célere e efetivo, em um contexto em que a teoria do direito e


da argumentação jurídica encontram-se em avançado desenvolvimento, resultou em
um código que chama para si responsabilidades de natureza programática, não so-
mente técnica ou procedimental. O CPC/2015 é notadamente uma lei que, para dar
coesão a si mesma, aposta na estruturação de princípios ou normas fundamentantes,
que devem servir à interpretação de todo o direito processual. Por esse motivo, os 12
primeiros artigos do CPC/2015 encontram-se sob a rubrica de normas fundamentais
do processo civil. Fundamentais no sentido de que, como as normas constitucionais,
são a síntese ou a matriz de todas as restantes disposições da lei, sendo que estas de-
vem poder ser sempre direta ou indiretamente reconduzidas àquelas.9 A importância
das normas fundamentais tem inclusive relação com a sua disposição topográfica, já
no início do texto, de forma a servir de parâmetro hermenêutico a todo o restante do
sistema. Segue-se, nesse ponto, a tendência adotada pelo Código de Processo Civil
francês que, em seus primeiros 24 artigos, dispõe sobre princípios diretores (princi-
pes directeurs du procès). Quanto ao código brasileiro, na feliz expressão de Humber-
to Theodoro Jr., as normas fundamentais do processo fazem uma amarração peda-
gógica10 entre o direito processual e a Constituição e revelam saudável preocupação
didática, pois que, se não existissem, a solução deveria ser a mesma ou aproximada-
mente a mesma.
A leitura do código, então, tem mais rigor lógico, iniciando-a das normas gerais
para as específicas. Os primeiros artigos do CPC/2015 têm, sobre o restante do código,
uma normatividade típica das regras e princípios constitucionais – aí reside sua natu-
reza fundamental. A escolha político-legislativa por elevar alguns dispositivos à con-
dição de normas fundamentais não exclui os princípios processuais tradicionalmente
consagrados pela doutrina. Ambos – princípios e normas fundamentais – têm influên-
cia sobre como se aplica o direito processual, e muitas vezes aparecem sobrepostos uns
aos outros, por terem conteúdo idêntico. Quer dizer, há outras normas que também são
fundamentais no sistema processual civil, além daquelas dispostas nos primeiros arti-
gos do CPC/2015. Sem prejuízo destas outras, vejamos o conteúdo dos doze dispositi-
vos cunhados como fundamentais.

7.2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição (art. 1º)


Se11 a linha mestra de trabalho na elaboração de um novo Código de Processo Civil
foi tornar o sistema processual mais rente à Constituição, o primeiro artigo do CPC/2015
é resultado desse esforço. A primeira norma fundamental do código estabelece que o

9. Gomes J. J. Canotilho e Vital Moreira, Constituição da república portuguesa anotada, Coim-


bra: Coimbra, 2014. vol. 1, p. 66; Ingo Wolfgang Saret, A eficácia dos direitos fundamentais.
12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 79.
10. Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015. vol. 1, p. 67.
11. Ver nosso artigo denominado Processo e constituição, In: Bruno Dantas, et. al. (org.). Cons-
tituição de 1988: o Brasil 20 anos depois. Brasília: Senado Federal, 2008, pp. 388-483.
226 Manual de Direito Processual Civil

processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas


constitucionais, observando-se as disposições do próprio código.
Ler o CPC à luz da Constituição não é uma novidade, tampouco uma imposição
surgida apenas com a CF/88. Não é de hoje que se tem a concepção de que as Consti-
tuições se sobrepõem ao direito ordinário. Em termos práticos, todavia, isso ocorreu
no sistema continental europeu somente no século XX. Cabe analisarmos como a mu-
dança no perfil das Constituições impacta, ou pode impactar, a hermenêutica dos tex-
tos infraconstitucionais.

7.2.1. A remodelação do papel das constituições e o papel da magistratura e dos


parlamentos
Como apontado, o fenômeno atualmente chamado de constitucionalização do di-
reito remete à tendência contemporânea de fazer atuar, no plano prático, a supremacia
constitucional. É importante, para compreender a evolução do direito constitucional,
frisar que, no plano teórico, desde muito antigamente se afirma que as Constituições se
sobrepõem ao direito ordinário; em termos práticos, todavia, ajustando-se a afirmação
teórica à sua realização prática, isso ocorreu no sistema continental europeu – diferen-
temente dos Estados Unidos, em que sempre as Constituições gozaram de grandeza te-
órica e prática – somente no século XX.
A preocupação com a efetivação das normas constitucionais deve-se, sobretudo, à
superação do modelo de Estado liberal-burguês, oriundo da revolução francesa e, cor-
relatamente, ao engrandecimento do papel do juiz nos ordenamentos de civil law.
As Constituições liberais protegiam o indivíduo contra o Estado, com o propósito
de assegurar o exercício da liberdade, de forma extremada. O instrumento fundamen-
tal de realização da liberdade foi a adoção do sistema da lei.
Transferido que foi o poder político do rei para o povo, a lei era tida como se real-
mente fosse a expressão da vontade geral. O papel dos juízes era apequenado, submis-
sos que estavam à letra da lei. Percebeu-se o predomínio dos Parlamentos, cujas leis,
em fins do século XVIII e no início do século XIX, eram insuscetíveis de serem sequer
interpretadas.
Nos pontos centrais do tecido legislativo, preponderavam normas mais minucio-
sas, com mais elementos definidores das situações e condutas em que deveriam incidir,
de tal sorte que essa técnica legislativa estabelecia condições normativas para melhor
controle do juiz, i.e., preponderância radical da mens legislatoris. Ainda que fossem uti-
lizados conceitos vagos, esses não se alojavam em pontos capitais do sistema jurídico,
diferentemente do que atualmente ocorre.
Nos momentos próximos do final do século XVIII em diante, negou-se ao juiz, se-
quer, a possibilidade de interpretação literal, a qual veio a ser admitida aproximada-
mente na altura da terceira década do século XIX. A desconfiança compreensível dos
legisladores franceses em relação aos juízes, porque oriundos da antiga nobreza, redu-
ziu a atividade jurisdicional a um âmbito estrito.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 227

A Corte de Cassação francesa nasceu como órgão anexo ou auxiliar do Corps Legis-
latif. Sucessivamente, veio a admitir-se a interpretação literal, e, por isso mesmo, ainda
ancorada na mens legislatoris.12 Deve-se ter presente que, no meio da década de 1880
cristalizou-se alteração de profundo significado, no que diz respeito à hermenêutica,
reconhecendo-se ao juiz um campo maior de atuação, falando-se, então, em interpre-
tação sociológica.13
Proximamente ao fim do século XIX, verificou-se a inviabilidade – porque não mais
atendia aos anseios sociais dominantes – de tal limitação interpretativa, passando-se
então, a cogitar de hermenêutica, gravitando, agora já não mais em torno da vontade
do legislador, senão que procurando entender a vontade da lei, i.e., passou-se a admi-
tir a interpretação teleológica.14 Essa mutação no âmbito da atividade cognitiva acabou
prevalecendo e esse entendimento, oriundo da Alemanha, explicava-se porque esta já
sobrepujava a França em prestígio no campo do direito.
Refere-se Mauro Cappelletti15 aos limites possíveis ou ao espectro limitado da inter-
pretação nessa época. Pode-se – no particular, atentos às origens do Tribunal de Cassa-
ção francês, decorrente da lei de 19.11.1790 –, dizer que o escopo da atividade jurisdi-
cional (no dizer de P. Foriers) era o de assegurar “um controle da lei, do seu conteúdo,
de sua observância (...) com o fito de salvaguardar a obra legislativa”.16 Em relação ao
que dissemos, devemos remarcar que o objetivo era o de preservar a lei, com o signi-
ficado perdurável e preciso tal como no momento em que havia sido editada. De certa
forma, nesse contexto, ficava fora da possibilidade de um controle eficiente tendo em
vista o referencial do direito constitucional. É o que observa Mauro Cappelletti, debi-
tando essa situação à ausência, na Europa, de um sistema eficaz de controle da consti-
tucionalidade.17

12. Sobre o tema, ver: Nestor Amilcar Cipriano, La ley y la palabra. Buenos Aires: Abeledo-perrot,
1968.
13. O pensamento do grande expoente da interpretação teleológica ou sociológica pode ser
visto em: Philip Heck, Interpretação da lei. São Paulo: Saraiva, 1947.
14. V., sobre isto: Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. portuguesa, tradução
da 6. ed. alemã (1991), Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997, pp. 42-43.
15. Cf.Mauro Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Com-
parado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992,
cap. I, § 4º, p. 40 e ss.
16. V. Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova retorica. Milano: Giuffrè, 1979, nº 26, p. 75.
17. Mauro Cappelletti, Le Pouvoir de Juges. Paris: Presses Universitaires d’Aix-Marseille e
Econômica, 1990. V. o estudo Le Pouvoir Judiciaire dans un État fédéral, p. 284, nota 4,
onde diz: “De même l’absence d’un contrôle judiciaire de constitucionalité a été l’une
des principales raisons qui ont rendu vain en Europe, au XIXème siècle et dans la première
moitié du XXème siècle les efforts faits pour assurer la suprématie du droit constitucionnel et
limiter de façon efficace les pouvoirs du Parlement” (v. também, no mesmo trabalho nota
17, p. 289, em relação à Suiça, onde há ausência de controle sobre a constitucionalidade,
senão que, apenas, há controle “sur la conformité des lois cantonales au droit fédéral”; e,
nota 28, p. 291, noticiando os esforços desenvolvidos na Áustria e Alemanha, esta com a
Constituição de Weimar, para colmatar a lacuna ou alterar essa situação).
228 Manual de Direito Processual Civil

Disse Georges Ripert que, com o Código de Napoleão, o reinado do direito começava
e que o Código Civil francês foi, durante muito tempo, havido como intangível, dizen-
do um outro autor que nesse Código somente se poderia tocar “com a mão trêmula”.18
A ideia de segurança ligava-se em grande parte à de previsibilidade e muito mais à de
manutenção do status quo.

7.2.2. Modificação, no plano prático, do papel das constituições


Se as primeiras constituições se preocuparam em proteger os indivíduos contra o
Estado, ocupando-se a lei infraconstitucional de impor o direito com maior segurança
e previsibilidade, posteriormente chegou-se à conclusão de que de uma atuação do Es-
tado nas sociedades não se poderia prescindir.19
Sucessivamente à ideologia do liberalismo – em que o Estado abdicava de interferir
na vida social –, surgiu a consciência de que determinadas situações haveriam de ser
protegidas, por obra do legislador. Isso passou a ser feito originariamente pelas pró-
prias constituições, com a previsão de proteção aos direitos sociais, abrigando os direi-
tos fundamentais oriundos das relações de trabalho, referentes à habitação, à saúde, e
à educação etc. E, nos dias contemporâneos, as constituições vieram a dotar o Estado
de instrumentos destinados a uma proteção maior de grande parte da sociedade e vie-
ram então ser consagrados os direitos relacionados ao meio ambiente, ao consumidor
e diversos outros, cuja titularidade é coletiva. Naturalmente, a previsão desses direitos
levou a mutações na legislação ordinária.
Diante da nova consciência do Ocidente em relação ao papel das Constituições –
exceção feita aos Estados Unidos, como já dito, que sempre tiveram consciência aguda
do significado prático de sua Constituição – os textos constitucionais passaram a ter
mais decisiva e prática influência na vida social, “jugulando mais intensamente” o di-
reito ordinário.
Acrescentaram-se a isso os sistemas de controle de constitucionalidade, em que se
veio a estabelecer a possibilidade de contraste das leis ordinárias com o texto constitu-
cional, com vistas à compatibilidade daquelas com este, e à supressão das leis inconsti-
tucionais. Em muitos casos, nos dias contemporâneos, ocorrem aplicações diretas dos
textos constitucionais. De fato, a jurisprudência vem, pouco a pouco, abrindo espaço
à aplicação imediata do direito constitucional às relações jurídicas em geral, inclusive
àquelas de caráter privado,20 podendo o século XXI ser marcado por essa característica

18. Georges Ripert, Le Déclin du Droit – Études sur la Legislation Contemporaine, Paris: LGDJ,
1949, n. 2, p. 2 e ss. V., a respeito: Georges Ripert, Le Déclin du Droit, cit., n. 2, p. 3.
19. Foram as Constituições de Weimar de 1919, e, antes, a Mexicana de 1917, que primeiro
consagraram direitos sociais.
20. Bons exemplos podem ser vistos em: Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalização do
direito. Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008,
n. 5.6.2.1 p. 93 e ss. O autor cita dois exemplos, ambos extraídos de julgados do Supremo
Tribunal Federal: a) aplicação direta do princípio do devido processo legal às relações pri-
vadas, em hipótese de expulsão sumária de membro de cooperativa (STF, RE 158.215, Rel.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 229

de aplicabilidade direta do texto constitucional.21 Por aplicabilidade direta – no sentido


por nós aqui adotado – designa-se a incidência dos direitos fundamentais sem qualquer
mediação legislativa, até mesmo sem a necessária intermediação judicial.22
Ainda quanto ao tema da aplicação direta das normas constitucionais, Virgílio Afon-
so da Silva23 anota uma preocupação específica no que concerne às relações entre par-
ticulares. Segundo o autor, é preciso notar que “O modelo de aplicabilidade direta dos
direitos fundamentais às relações entre particulares não implica que todo direito fun-
damental necessariamente seja aplicável a tais relações. A verificação dessa aplicabili-
dade deve ser individualizada e dependerá das características de cada norma de direito
fundamental. Nesse sentido, o que o modelo propõe é mais restrito do que se costuma
imaginar. Ele apenas sustenta que se o direito fundamental for aplicável às relações en-
tre particulares, então essa aplicabilidade será direta. Mas o modelo não exclui a possi-
bilidade de que alguns direitos sejam aplicáveis somente nas relações cidadãos-Estado”.
De toda forma, foi superado um profundo paradoxo, consistente em que os tex-
tos constitucionais –especialmente os instituidores de direito– careciam, praticamen-
te sempre, de regulamentação ordinária. Esse paradoxo consistia em que o legislador
ordinário continha o constituinte, salvo a hipótese deste mesmo subordinar a vigência
do texto constitucional a uma regulamentação infraconstitucional.
Houve, de fato, nesta época contemporânea, a prática da supremacia constitucio-
nal sobre as normas jurídicas, sob diversas perspectivas. À valorização da Constituição
seguem-se novos critérios e princípios hermenêuticos que propiciam formas de con-

Min. Marco Aurélio Mello, j. 7.6.1996); b) aplicação direta do princípio da igualdade às


relações de trabalho em favor de um funcionário de companhia aérea brasileiro, cujo plano
de carreira diferia daquele aplicado aos funcionários estrangeiros pela companhia (STF, RE
161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 19.12.1996).
21. Claus Wilhel Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2003.
Sobre o ponto, ver ainda: Luiz Guilherme Marinoni, Teoria Geral do Processo. São Paulo:
Ed. RT, 2010, item 6.6, pp. 77 e ss., especialmente pp. 82 e 83, n.r. 58 e 59. Isso, todavia,
exige a máxima cautela, devendo atentar para a observação de Robert Alexy, em Teoría
de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2001, p. 523. Diz este: “Se o Judiciário pretendesse resolver os conflitos privados valendo-se
apenas da Constituição, e, fazendo tábula rasa da legislação ordinária, ele agiria de forma
incompatível com a proteção da segurança jurídica”. Se o juiz assim agir, prossegue, “pesará
sobre ele o ônus da argumentação, pois terá de demonstrar que a solução alvitrada pelo
legislador não proporciona a tutela do direito fundamental exigida pela Constituição”.
22. “Aplicabilidade direta significa, desde logo, nesta sede – direitos, liberdades e garantias – a
rejeição da ‘idéia criacionista’ conducente ao desprezo dos direitos fundamentais enquanto
não forem positivados a nível legal. Neste sentido, escreveu sugestivamente um autor (K.
Krüger) que, na época atual, se assistia à deslocação da doutrina dos ‘direitos fundamentais
dentro da reserva da lei’ para a doutrina da reserva de lei dentro dos direitos fundamentais...
Significa também que eles [os direitos fundamentais] valem diretamente contra a lei, quando
esta estabelece restrições em desconformidade com a constituição (…)”. (V. José Joaquim
Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ed., 2. tir., Coimbra:
Almedina, 2003, Parte 4ª, cap. 3, p. 1.178).
23. A constitucionalização..., cit., p. 19, n. 6.5.1.
230 Manual de Direito Processual Civil

trole e efetivação das normas jurídicas à luz da Constituição. Correlatamente, os prin-


cípios consagrados na Constituição adquirem crescente importância e normatividade,
do que resultam: (a) o engrandecimento crescente e paulatino da figura do juiz (e, daí,
o engrandecimento do Poder Judiciário), sublinhando-se nesse contexto a significação
das supremas cortes; (b) a alteração paralela do tecido normativo, em que o legislador
acabou por modelar, em pontos centrais,24 o sistema jurídico, com a utilização de con-
ceitos vagos e de cláusulas gerais, objetivando atribuir ou liberalizar maior espaço para
o juiz, ao lado de imprimir ao sistema jurídico um sentido social, deliberadamente des-
conhecido nos quadros do liberalismo; (c) particularmente, maior conscientização do
papel da Constituição, com significação engrandecida do direito constitucional –ajus-
tando-se uma postura teórica com o seu exigente sentido prático–, que passa a subme-
ter mais rígida e eficazmente a legislação infraconstitucional.

7.2.3. Impactos do constitucionalismo sobre o conceito e os objetivos da


jurisdição
A evolução do constitucionalismo repercute diretamente na teoria geral do proces-
so; em especial, no próprio conceito de jurisdição. A função jurisdicional, comumente
definida como aquela de dizer o direito no processo de conhecimento e, quando neces-
sário, realizá-lo coativamente (processo de execução), deve, atualmente, ser compre-
endida de maneira mais ampla que a simples formulação da norma jurídica concreta, a
partir da lei abstrata. Não se pretende, com essa afirmação, refutar totalmente a concep-
ção de Chiovenda, pois a jurisdição visa, de fato, a aplicar e realizar o direito;25 apenas
se intenta demonstrar que a aplicação do direito ao caso é feita por um processo mais
complexo que a mera subsunção do caso concreto à lei abstrata e geral.
Contemporaneamente, a tarefa dos juízes não mais é vista, exclusivamente, como
só a de aplicar a lei dedutivamente (entenda-se isto como pura e simples “subsunção

24. Por exemplo, dois institutos centrais do Direito, a propriedade e o contrato. A propriedade
era considerada como direito absoluto (com significado ou pretenso significado no plano
do direito e enfático no plano ideológico ou da crença social), afirmado como posto prece-
dentemente ao Estado, ao qual incumbia respeitar e disciplinar, sem restringir; e o contrato,
em que avultava a vontade dos contratantes, valia como lei entre as partes e convivia num
ambiente de escassas normas de ordem pública e de uma noção radical de liberdade. Ambos
os institutos eram rigidamente disciplinados, a propriedade como direito absoluto e o con-
trato regrado pela vontade (o que é contratual, é justo [Fouillé]). Atualmente, a propriedade,
constitucionalmente garantida (art. 5º, XII, CF), implica para o proprietário o desempenho de
uma função social (CF, art. 5º, XXIII). No art. 1.228, § 1º, do CC são referidos diversos outros
direitos que interferem e delimitam o direito de propriedade. O direito de propriedade tem
de conviver com esses outros direitos. E o contrato, será legítimo quando a sua função social
seja observada (CC, art. 421), sob pena de nulidade (art. 2.035, parágrafo único). Este texto
se refere à função social do contrato através da qual não pode ser violada a função social
da propriedade, e, trata-se de uma hipótese de nulidade aberta, que atribui grande escala
de deliberação ao juiz.
25. Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, Trad. G. Menegale, 2. ed.,
São Paulo: Saraiva, 1965, vol. 2, § 19, n. 140, p. 11.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 231

do fato à norma/dedução do comando normativo”).26 A recomendação doutrinária en-


fatizada aos juízes, acompanhada dos valores que presidem nos dias correntes a aplica-
ção do direito, é a de que procedam à perquirição do valor de Justiça subjacente às nor-
mas (ainda que em relação às normas minuciosas isso compreensivelmente se faça em
menor escala) e, em aplicando-as, haverão de realizar esse valor [às vezes “quase que
apesar da norma”].27 Essa é uma tendência do direito contemporâneo, com particular
reflexo na atividade jurisdicional.
Nesse ponto, oportuna a afirmação de Montero Aroca de que, no processo civil, a
função jurisdicional deve se centrar em que o juiz é o último garante dos direitos que o
ordenamento jurídico confere ao indivíduo, com ênfase para os direitos fundamentais.28
Entre outros aspectos, a função jurisdicional é ampliada para comportar a análise
do alcance e significado dos conceitos jurídicos indeterminados, a efetivação das nor-
mas constitucionais – mormente dos princípios –, bem como o controle da validade e
eficácia das normas jurídicas em geral.

7.2.4. O impacto da constitucionalização do direito sobre a jurisprudência


Pode-se observar que a interpretação de textos de lei “conforme a Constituição” é
uma atividade que guarda relação estreita com novas feições da jurisdição, em especial
levando em conta um poder mais amplo conferido aos juízes na aplicação do Direito.
Consequência direta deste fato é o crescimento de importância do chamado direito ju-
risprudencial cujo objetivo é conferir mais segurança e isonomia aos jurisdicionados.
Não obstante, há que se concordar que os enunciados de súmula ou verbetes de ju-
risprudência, quando não muito bem aplicados, levam à possibilidade da mera transfe-
rência ao Judiciário dos poderes antes alocados no Legislativo.29 Por outro lado, o for-

26. Confira-se, entretanto, restringindo a missão dos juízes à estrita aplicação das leis: Helmut
COING, Grundzüge der Rechtsphilosophie [Linhas fundamentais da filosofia do direito]. 2. ed.
Berlim, Walter de Gruyter, 1969, p. 349; este mesmo autor, contudo, na 4.ª edição da mesma
obra [Berlim, 1985], mantendo o precedente ponto de vista, entende que o transcender à
aplicação da lei – o que, implicitamente aceita existir –, nos conduza um outro campo, qual
seja, o da criação do direito – no original [transcrito na 4ª edição, p. 342] “Damit befinde
ich mich aber nicht mehr im Bereich der Gesetzesanwendung, sondem, wie Gény richtig
ausgeführt hat, in einem ganz anderen Feld, nämlich dem der freien Forschung, die passande
Regel für den zur Entscheidung stehenden Fall sucht, also im Bereich der Rechtserschöpfung”.
27. V. Carleton Kemp Allen, Law in the making [A feitura da lei (inglesa)], 5. ed., Oxford: Claren-
don Press, 1951, p. 227, onde diz que os juízes hão de atentar para os princípios da razão,
da moralidade e da utilidade social, os quais são a fonte básica, não só no direito inglês,
como também, em todas as leis – no original: “To those principles of reason, morality and
social utility which are the fountain – head not only of English law but of all law”.
28. Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil. Navarra: Thomson Civitas, 2005, 4. ed.,
Cap. I, p. 44.
29. Deve-se ter presente o que ponderou Lenio Streck (Súmulas no Direito Brasileiro – Eficácia,
poder e função: A Ilegitimidade Constitucional do Efeito Vinculante, Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1995) quando argumenta que, por prestar muito mais à uniformização da
atividade interpretativa que à evolução do direito, a edição de súmulas de caráter obrigatório
232 Manual de Direito Processual Civil

talecimento da jurisprudência, nos moldes em que vem sendo implementado no novo


Código de Processo Civil30 e a partir dos influxos do sistema de common law, parece ser
uma contrapartida mais adequada, apta a refrear possíveis voluntarismos na aplicação
das normas jurídicas e, por que não dizer, a propiciar uma solução mais adequada aos
litígios sob a perspectiva da justiça. Acreditamos que isso ocorrerá sob a condição de
que os magistrados brasileiros efetivamente atentem, no momento da elaboração das
decisões, para os critérios que guiam a argumentação e interpretação dos precedentes.
Se, por um lado, o recrudescimento da atividade judiciária enfatiza a necessidade
de os magistrados aplicarem de forma livre e independente as normas ao caso específi-
co como requisito imprescindível à realização de justiça, por outro, reforça-se a neces-
sidade de imprimir-se alguma uniformidade a esta atividade dos magistrados, a fim de
prevenir incoerências e instabilidade no sistema.
A conscientização da importância do “precedente judicial”, ao mesmo tempo em
que propicia a evolução do direito vivo, sem a ambição de estrangulá-lo nos comparti-
mentos estanques dos códigos e das leis ordinárias, aproxima (mas não identifica) os
países de civil law daqueles de tradição angloamericana,31 no que concerne às técnicas
de argumentação e à forma de se conceber o raciocínio jurídico.
O que importa salientar – e esse parece ser o principal ponto de contato existente
com o sistema angloamericano – é que a tendência contemporânea de garantir estabi-
lidade na interpretação e aplicação do direito (stare decisis), atualmente reforçada pelo
constitucionalismo contemporâneo e pela maior abertura das normas jurídicas.
Um sistema que consagre maior liberdade ao magistrado para analisar o direito apli-
cável diante do caso particular deve, por isso mesmo, assegurar-se de que, num dado
momento histórico, situações fáticas semelhantes não sejam tratadas de maneira disso-
nante. O desprendimento dos textos herméticos e minuciosos da lei, e a desnecessidade
de regulamentação precisa e detalhada das normas constitucionais, não são atributos
indissociáveis de valores como segurança e previsibilidade.
O direito, para ser justo, deve acompanhar a evolução das relações sociais, da cultu-
ra, das tradições; mas não pode, num mesmo contexto jurídico e cronológico, permitir
a desigualdade no tratamento de casos semelhantes. O que ocorre, a partir do abando-

deve ser – como constitucionalmente é – medida extrema, de natureza excepcional, que o


pressupõe uma série de requisitos).
30. Conferir, exemplificativamente: arts. 926 a 928 do CPC/2015 (sobre o dever dos tribunais
de uniformizar sua jurisprudência, torná-la estável e, sobretudo, coerente); arts. 976 a 987
(do incidente de resolução de demandas repetitivas) e arts. 1.036 a 1.041, do CPC/2015 (do
julgamento dos recursos repetitivos).
31. Sem nos descurarmos da atenuação cada vez maior na divisão dos ordenamentos em famílias
– até porque os sistemas de precedentes angloamericanos não são idênticos em todos os
ordenamentos –, o fato é que, tradicionalmente, nos países de civil law, a lei ainda desem-
penha o papel de traçar a pauta de conduta dos cidadãos; nos sistemas de common law, esta
tarefa é desempenhada pelos precedentes (Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Interpretação
da lei e de precedentes: civil law e common law. Revista dos Tribunais, v. 893, mar-2010,
pp. 33 e ss.).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 233

no da concepção liberal, em que a previsibilidade estava contida nas prescrições gene-


ralistas e fechadas da lei – então compreendido como o texto de lei infraconstitucional
–, é uma maior abertura para o desenvolvimento do raciocínio jurídico a partir das hi-
póteses fáticas, com a fixação de novos parâmetros para a solução jurídica, igualmente
previsíveis, porém mais sensíveis às mutações sociais.
Em suma, a certeza permanece como um dos mais significativos valores funcionais
do direito.32 Verifica-se, porém, uma migração, da previsibilidade, antes encartada no
texto de lei ordinária, para o momento da aplicação do direito. Nos ordenamentos de
civil law, essa aplicação ocorre, sobretudo, mediante interpretação do comando nor-
mativo escrito.33
Todo esse aparato argumentativo que decorre da força normativa das Constituições
serve de instrumento para a estabilização da jurisprudência, comprometida com a busca
da tutela jurisdicional adequada. Ciente o julgador de que sua decisão poderá vir a ser
invocada como precedente, e dotado do instrumental argumentativo necessário para a
demonstração da ratio decidendi, aumentarão as possibilidades de justiça tanto na ela-
boração das decisões, como na sua utilização como precedentes.
Paralelamente, as técnicas de argumentação servem como mecanismo viabilizador
da evolução responsável do direito, por permitirem, observados certos critérios, o afas-
tamento dos precedentes em razão das diferenças existentes entre o previamente deci-
dido e o caso concreto em análise (distinguishing) ou pela superação do entendimento
em razão da evolução do direito (overruling).

7.2.5. Interpretação conforme a Constituição


De acordo com o que se pôde observar, a dita nova concepção do constitucionalis-
mo envolve, dentre outras, as seguintes preocupações: preservação da força normativa
das constituições, necessidade de levar os direitos fundamentais a sério, consolidação
do regime democrático e, por fim, a busca constante pelo aprimoramento do Estado
Constitucional de Direito.
O que ocorre é que o texto constitucional de 1988, inaugura no Brasil uma etapa
na qual se advoga um respeito maior aos direitos fundamentais. Em relação ao direito
processual civil, tem-se que o art. 5º da CF/88 desenha os contornos do sistema de ga-

32. Sob este ângulo,Mônica Sifuentes acrescenta: “A certeza vem ainda considerada em relação
à outra necessidade fundamental da experiência jurídica, a Justiça, princípio ao mesmo
tempo imanente e transcendente do direito. Se a justiça pressupõe certa ordem, a certeza
é condição para sua realização, de modo que, sob esse prisma, esses valores se integram,
como aspectos complementares da mesma realidade. Sendo a certeza um elemento essen-
cial à norma jurídica, uma lei ou ato normativo incerto conduz a uma situação contrária
ao direito, que impõe todo esforço no sentido de sua superação.” (Súmula Vinculante – Um
estudo sobre o poder normativo dos Tribunais, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 291, n. 4.5).
33. Essa observação se afigura relevante tendo em vista que, nos sistemas de common law, não
é incomum depararmo-nos com precedentes “puros”, que não sejam interpretativos da lei
ou da Constituição.
234 Manual de Direito Processual Civil

rantias fundamentais ao estabelecer o acesso à justiça, o devido processo legal, o direito


ao contraditório e à duração razoável do processo (art. 5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da
CF/88). Esse é o núcleo dos direitos fundamentais processuais da Constituição. Na re-
alidade, todos os princípios processuais são direta ou indiretamente reconduzíveis ao
devido processo legal; seriam, na verdade, dimensões do devido processo que atuam
em áreas específicas do procedimento.
A ideia mais importante no estudo da Constituição, tendo em vista sua colocação no
sistema jurídico, é precisamente sua posição hegemônica em face das demais normas
vigentes, consideradas todas sob a perspectiva da hierarquia entre elas existente. E para
que esta normatividade seja convenientemente defendida é necessário que as demais
normas se subordinem a ela, por imposição da própria Constituição.
Perceba-se, aliás, que a leitura, interpretação e aplicação de qualquer texto legal a
partir da Constituição não é uma opção dada ao jurista. Trata-se de uma imposição hie-
rárquica e normativa. Dessa forma, é de se enxergar com cautela as alegações de que ha-
veria, apenas mais recentemente, um movimento de constitucionalização dos diversos
ramos de direito privado e público, como se antes de 1988 a imposição constitucional
não existisse, e como se se tratasse de uma, dentre tantas teorias a ser adotada pelo ope-
rador do direito. O ordenamento jurídico no Estado Democrático de Direito, ou Esta-
do Constitucional (Verfassungstaat) é regido por um modelo constitucional, e não cabe
ao operador do direito distanciar-se dele. O que se pode afirmar, apenas, é que, em rea-
lidade, a intensidade do peso do Direito Constitucional sobre o ordenamento jurídico
assumiu significação expressiva com a CF/1988.
O que o art. 1º do CPC/2015 faz, então, é chamar a atenção para o fato de que é ina-
fastável dar atenção aos princípios e valores constitucionais, no âmbito do processo civil.

7.3. A inércia e a inafastabilidade da jurisdição (arts. 2º e 3º)


É característica básica do exercício da jurisdição sua própria inércia, no sentido de
que não cabe oficiosamente julgarem-se situações jurídicas sem que as partes tenham
submetido o conflito de interesses ao Judiciário. A inércia jurisdicional – assim como
princípio dispositivo, adiante mencionado – tem como base a autonomia privada. Tem o
indivíduo, como regra geral, o direito de decidir se exerce ou não o direito de ação para
ver reconhecido ou atuado seu direito material.34
Por isso mesmo, e repetindo o que estava disposto nos arts. 2º e 262 do CPC/1973,
dispõe o art. 2º do CPC/2015 que “o processo começa por iniciativa da parte e se desen-
volve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Dessa forma, não pode um
juiz, sem pedido preordenado a tanto, instaurar um processo sem provocação de uma
das partes. As exceções de que fala o artigo são, por exemplo, a possibilidade de instau-
ração ex officio do procedimento de restauração de autos (art. 712, caput, do CPC/2015)

34. Nesse sentido, considerando que o princípio dispositivo é uma faceta processual da auto-
nomia privada: Bento Herculano Duarte Neto; Paulo Henrique dos Santos Lucon; e, Sérgio
Torres Teixeira, Teoria geral do processo. 5. ed. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2012, p. 64.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 235

e do procedimento que visa a arrecadação de bens no caso de herança jacente (art. 738


do CPC/2015). São situações em que a própria lei estabelece a atuação oficiosa do Ju-
diciário, sem afetar a vida privada do cidadão.
Tirante esses casos excepcionais, o processo civil é regido pelo princípio dispositi-
vo, segundo o qual cabe às partes determinar quais pretensões serão submetidas à juris-
dição. O princípio dispositivo liga-se à inércia da jurisdição, mas é dever do juiz, como
condutor do processo (art. 139, caput, do CPC/2015) dar impulso ao mesmo uma vez
que este tenha tido início. Como manifestações do princípio dispositivo, temos que o
autor pode desistir da ação – por conta própria até a citação, e após, com a anuência do
réu, até que seja proferida a sentença ou decisão interlocutória de mérito (art. 485, §§ 4º
e 5º, do CPC/2015) –; pode ainda dispor do próprio direito material, isto é, renunciar à
pretensão sobre a qual se funda a ação (art. 487, III, c, do CPC/2015). Já o réu não pode
dispor da pretensão formulada pelo autor, mas a todo momento pode reconhecer a pro-
cedência do pedido formulado pelo autor (art. 487, III, a), bem como, com a concor-
dância do autor, desistir da ação que tenha formulado em reconvenção e, independen-
temente de concordância, renunciar à pretensão em que esta se funda.
Entre a inércia e a necessária atividade judicial para o regular desenvolvimento do
processo deve haver equilíbrio constante. Deve existir, como diz José Carlos Barbosa
Moreira, uma atenção grande à “divisão do trabalho” entre as partes e o juiz.35 Por isso,
a partir do momento em que é quebrada a inércia, cabe ao próprio Judiciário dar anda-
mento ao feito.
Em complemento ao conceito de inércia, há o de inafastabilidade, estampado no
art. 5º, XXXV da CF/88 e repetido no caput do art. 3º do CPC/2015: “Não se excluirá da
apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. O que este dispositivo traz é o di-
reito fundamental de acesso à Justiça, no sentido de que a todos é franqueado o direito
à obtenção de uma tutela jurisdicional adequada.
A inafastabilidade do exercício da jurisdição dá ao autor o direito público subjeti-
vo de ação; um direito a ser exercido em face do próprio Estado, e correlatamente um
dever do Estado de prestar tutela jurisdicional. Ainda, acrescente-se à ideia de inafas-
tabilidade que a atividade jurisdicional não pode ser delegada ou transferida, sendo a
prestação da tutela jurisdicional obrigação indeclinável do órgão e pela pessoa que foi
dela constitucionalmente investida (art. 2º da CF/1988). Dizer que a jurisdição é ina-
fastável implica, também, dizer que o juiz não pode se eximir de julgar um caso con-
creto por alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento (art. 140 do CPC/2015).
Verifica-se, pois, que, embora não se possa assegurar direito a sentença favorável, existe
o direito a uma decisão ou sentença,
Por meio desse direito pode-se garantir que não haverá situação jurídica não ju-
dicializável, o que já ocorreu, por exemplo, no art. 11 do AI-5 de 1968, que dispunha:

35. José Carlos Barbosa Moreira, O problema da “divisão do trabalho” entre juiz e partes: as-
pectos terminológicos. Revista de Processo, n. 41. São Paulo: Ed. RT, 1986, jan-mar/1986,
pp. 7/14.
236 Manual de Direito Processual Civil

“Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com


este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”.
O Estado Democrático de Direito não se coaduna com disposição dessa sorte. Decorre
ainda da garantia de inafastabilidade que não são legítimos os obstáculos infraconsti-
tucionais ao direito de ação. Isto não quer dizer que não pode haver requisitos condi-
cionantes ao exercício do direito de ação – como, por exemplo, a demonstração de le-
gitimidade e interesse (art. 17 do CPC/2015). O que se afigura inconstitucional é, por
exemplo, condicionar a ação judicial ao esgotamento da via administrativa (como ocor-
ria no art. 153, § 4º, da Constituição de 1967), ou impor valores altíssimos de custas,
dificultando ou impedindo o acesso ao Judiciário. É de se notar ainda que a lei fala em
lesão ou ameaça a direito, o que justifica a concessão de medidas liminares e de urgên-
cia para garantir e prevenir situações de injustiça e de contrariedade ao Direito. Des-
sa forma, é absolutamente legítima a previsão da tutela provisória (arts. 294 e ss. do
CPC/2015), seja por fundamento constitucional (art. 5º, XXXV), seja infraconstitucio-
nal (art. 2º do CPC/2015).

7.3.1. Jurisdição e arbitragem


Ao mesmo tempo em que o CPC/2015 estabelece como normas fundamentais a
inércia (art. 2º) e a inafastabilidade da jurisdição (art. 3º), deixa claro que “É permitida
a arbitragem, na forma da lei” (art. 3º, § 1º), com isto querendo fazer referência à Lei
9.307/1996, recentemente reformada pela Lei 13.129/2015.
Apresenta-se, então, a questão da arbitragem, em especial relativamente às suas si-
militudes e distinções em face do sistema de jurisdição pública e, por fim, do enquadra-
mento desta modalidade de solução de conflitos como atividade jurisdicional.36
Dentre as principais disposições contidas na Lei 9.307/1996, podem-se citar: (a) a
competência do árbitro para decidir sobre a existência, validade e eficácia da cláusula
compromissória e do contrato que contenha esta cláusula (art. 8º, páragrafo único, da
Lei 9.307/1996);37 e, consequentemente, a competência do árbitro para decidir sobre
o próprio cabimento da via arbitral;38 (b) a obrigatoriedade de se utilizar a via arbitral,

36. V. nosso artigo sobre o tema: Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, In Francisco
Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire (Org.), Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129
de 26-5.2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 133 e 144.
37. Sobre o tema, ver Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo. Um Comentário à Lei
9.307/96, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 37.
38. “O juízo arbitral é o local adequado para nele se discutirem as questões relativas à nuli-
dade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou
compromisso arbitral). (...) Nem se diga que esta sistemática ofenderia ao princípio previsto
no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, pois a nova Lei não afasta a possibilidade de se
discutir, em sede judicial, tais questões. Aqui, a opção do legislador foi a de privilegiar e
prestigiar o juízo arbitral para dirimir, no primeiro momento e com exclusividade, estas
questões, evitando o absoluto descrédito que poderia gerar, para a instituição de arbitragem
e para seu próprio procedimento, uma ação judicial para discutir a validade da convenção”
(Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Aspectos processuais da Nova Lei de Arbitragem, In Paulo
As Normas Fundamentais do Processo Civil 237

se uma das partes assim preferir, sempre que houver cláusula compromissória previa-
mente firmada para a solução de conflitos emanados daquela relação jurídica (art. 7º
da Lei 9.307/1996); (c) a desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral
(art. 18), cuja eficácia é equiparada, por lei, a título executivo judicial (art. 31); (d) a ri-
gidez das normas referentes à anulação da sentença arbitral, que somente pode ser des-
constituída nas hipóteses excepcionais arroladas no art. 32 da Lei 9.307/1996.
Já dentre as alterações à Lei de Arbitragem trazidas pela Lei 13.129/2015 tem-se:
(a) a possibilidade expressa de que a Administração Pública se utilize da arbitragem
(art. 1º, § 1º); (b) a interrupção da prescrição pela instauração de procedimento arbitral
(art. 19, § 2º); (c) a possibilidade, antes controversa, de concessão de medidas caute-
lares e satisfativas de urgência pelo juízo arbitral (arts. 22-A e 22-B); (d) a previsão de
carta arbitral (art. 22-C,), instituto que também encontra previsão no art. 260, § 3º do
CPC/2015; (e) a possibilidade de julgamentos parciais de mérito, assim como no art. 356
do CPC/2015 (art. 23, § 1º).
Não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda,
de inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional; o poder-
-dever do Estado remanesce, facultando-se às partes a utilização da arbitragem para os
litígios patrimoniais que envolvam direitos disponíveis e entre partes que sejam maio-
res e capazes (“pessoas capazes de contratar”, art. 1º da Lei 9.307/1996).
A perspectiva de utilização da arbitragem, por seu caráter célere e informal, antes de
reduzir, amplia o espectro do acesso à justiça, conforme já decidiu o próprio Supremo
Tribunal Federal.39 E, sendo este (o acesso à justiça) a maior preocupação com a pro-
cessualística dos dias atuais – dentro de cuja ideia é necessário que haja uma resposta
aos que precisam resolver conflitos –, parece-nos que o foco da finalidade da jurisdi-
ção, resolução de conflitos e aplicação do direito se deve sobrepor à titularidade para
exercê-la – que, em princípio, e na visão tradicional, seria do Estado, exclusivamente.
Nesse contexto, a maior parte da doutrina faz alusão à arbitragem como modalidade
jurisdicional,40 ao argumento de que o instituto exerce idêntica função e produz os mes-

Borba Casella et al. (coords.), Arbitragem: A Nova Lei Brasileira (9.307/96) e a praxe inter-
nacional, São Paulo: LTR, 1999, p. 144). O Superior Tribunal de Justiça analisa o art. 8.º sob
idêntica perspectiva: “A câmara arbitral é competente para decidir a respeito de sua própria
competência para a causa, conforme o princípio da Kompetenz-Kompetenz que informa
o procedimento arbitral. Precedente” (STJ, MC 13274/SP, j. 20.09.2007, Decisão da Min.
Nancy Andrighi); “16. Deveras, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, será
um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita
a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o art. 18 da Lei 9.307/1996, o que
significa dizer que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua
competência.17. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública,
o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a
respeito de sua competência” (STJ, AgRg no MS 11308/DF, j. 14.8.2006, rel. Min. Luiz Fux).
39. SE 5.206-AgR, j. 12.12.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30.4.2004.
40. Nesse sentido: Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo: um comentário à Lei
9.307/1996, p. 45/46; Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, legislação nacional e estrangeira
238 Manual de Direito Processual Civil

mos efeitos que a atividade jurisdicional do Estado, de sorte que o propagado “monopó-
lio estatal” não poderia justificar a exclusão da arbitragem do conceito de jurisdição.41
Anteriormente à vigência da Lei 9.307/1996 e com fundamento na soberania esta-
tal – atualmente questionada diante das transformações culturais que envolvem o fe-
nômeno da globalização –, havíamos manifestado entendimento no sentido da nature-
za eminentemente contratual do instituto da arbitragem, diversamente do que ocorria
com a jurisdição estatal, reflexo do poder soberano do Judiciário de dirimir conflitos.42
Contudo, a partir das inovações trazidas pela Lei 9.307/1996 que, no compasso de
transformações jurídicas mais abrangentes, conferiu ao árbitro amplos poderes para

e o monopólio jurisdicional, p. 21 e ss; Nilton César Antunes da Costa, Poderes do árbitro
– de acordo com a Lei 9.307/1996, p. 57 e ss; Uadi Lammêgo Bulos e Paulo Furtado, Lei da
Arbitragem comentada, p, 14 e ss).
Em sentido convergente, pelo alargamento do conceito de jurisdição com o fim de albergar
outros mecanismos de solução de conflitos, Carlos Alberto Salles: “A assimilação pelo sistema
jurídico brasileiro de mecanismos alternativos de solução de conflitos, como dito acima,
leva a uma nova consideração do próprio conceito de jurisdição. Por certo, a consideração
contemporânea desse instituto tenderá a ressaltar suas características de função e atividade
e abrandar sua consideração enquanto poder estatal. De fato, introduzindo-se no objeto
de estudo dos juristas e, em especial, dos processualistas novas formas de solução de contro-
vérsias, não inseridas na burocracia judiciária estatal, o enfoque da jurisdição naturalmente
recairá sobre sua função de pacificação social e atividade caracterizada enquanto método
de solucionar disputas” (Carlos Alberto Salles, Mecanismos alternativos de solução de con-
trovérsias, In Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (orgs.), Processo e
Constituição: Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira, São Paulo:
Ed. RT, 2006, p. 784).
41. “(...) A concepção formada pelo binômio monopólio jurisdicional x soberania nacional
já está sendo objeto de profunda análise, questionamento ou revisão pelos estudiosos da
matéria, porquanto os Estados precisam indistintamente adequar as suas respectivas Cartas
Constitucionais e começar a aprender a conviver com o fenômeno chamado ‘globaliza-
ção’ e intercâmbio de grandes blocos econômicos, pois o nosso planeta lentamente vai
se transformando numa grande aldeia, em que as primeiras linhas do chamado ‘direito
comunitário’ já foram traçadas e há muito os tribunais internacionais deixaram de ser uma
utopia para se transformar em realidade, como constatado na União Europeia, através da
Corte de Luxemburgo. (...) A magnitude do Estado-juiz deve residir na qualidade de suas
decisões, na rapidez da prestação da tutela oferecida e na satisfação efetiva do direito
subjetivo violado ou ameaçado do jurisdicionado; o exercício desse mister de grandeza
ímpar prescinde do sufocamento da jurisdição paraestatal, que aparece, neste cenário de
fim de século e início de milênio, como forte aliada na solução dos mais diversos conflitos
de ordem nacional e internacional. Trata-se do que podemos chamar de reengenharia das
jurisdições externa e interna” (Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem – Legislação Nacional
e Estrangeira e o Monopólio Jurisdicional, São Paulo: LTr, 1999, p. 29).
42. Dissemos, na ocasião, que “o juízo arbitral é um equivalente jurisdicional” e que o compro-
misso arbitral possuía natureza contratual. Entendíamos, ainda, que não havia litispendência
entre juízo arbitral e processo judicial, uma vez que somente o órgão jurisdicional deti-
nha a competência para decidir sobre a própria competência, que seria “expressão própria
da jurisdição, radicada na soberania, sendo esta, como se sabe, por natureza, inalienável”
(Arruda Alvim, Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo de Conhecimento, vol. II,
São Paulo: Ed. RT, 1972, p. 301-305).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 239

proferir sentença com eficácia de sentença judicial (art. 31) e para decidir, inclusive,
sobre a própria competência (art. 8º), parece-nos ter-se modificado profundamente o
panorama em que expressamos tal opinião.
Diante disso, a atividade do árbitro, que antes poderia ser considerada como “equi-
valente” jurisdicional, pode, atualmente, inserir-se no próprio conceito de jurisdição,
como espécie privada deste gênero.43
Para essa conclusão contribuem, além da mudança de paradigma já assinalada, com
enfoque na finalidade da jurisdição e na ampliação do acesso à justiça em detrimento
da titularidade estatal, as demais características da jurisdição, cuja presença se detecta,
em maior ou menor escala, no instituto da arbitragem: (a) a arbitragem é revestida de
substitutividade, já que o árbitro detém poderes para se sub-rogar à vontade das partes
e, dessa forma, aplicar o direito; (b) a sentença arbitral produz coisa julgada, de mol-
de que seus efeitos revestem-se da característica da imutabilidade, inerente à atividade
jurisdicional, que é definitiva por natureza; (c) o árbitro atua na qualidade de terceiro
desinteressado, satisfazendo o requisito da imparcialidade; (d) a despeito de não estar
investido de um cargo público, o árbitro, assim como o juiz, está investido de poderes
decisórios cuja eficácia equipara-se à sentença judicial; (e) é certo que a arbitragem deve
ser exercida em contraditório regular, muito embora o procedimento arbitral não seja
idêntico àquele estabelecido para o processo judicial; e, enfim, (f) a atividade do árbitro,
tanto como a do juiz, é inerte, pois depende de provocação dos interessados.
Porém, o que é importante compreender é que a discussão sobre a natureza jurídica
da arbitragem só terá relevância se acompanhada desta reflexão sobre o embasamento
ideológico e dos efeitos práticos das modificações implementadas pela disciplina legal
vigente.
E, ainda assim, é preciso que se tenha em mente que, mesmo entendendo-se, como
nós, pela natureza jurisdicional, cuida-se de espécie de jurisdição diversa daquela exer-
cida pelos órgãos judiciais. Daí falar-se em jurisdição privada.
É que, conquanto se assemelhem nos pontos relevantes para o enquadramento no
conceito de jurisdição, a arbitragem e o processo judicial possuem distinções que de-
vem ser enfatizadas.
A disciplina da arbitragem sofre algumas limitações comparativamente à do pro-
cesso judicial, em especial quanto à largueza da substitutividade. Apesar de ter função
adjudicatória, o árbitro limita-se a estabelecer as providências coercitivas (v.g. multa di-
ária, busca e apreensão, comparecimento de testemunha sob pena de condução coerci-
tiva etc.) ao cumprimento de suas decisões, mas realização prática de tais providências
em casos de descumprimento demanda, invariavelmente, a atuação judicial. Em suma,
o árbitro possui poderes para aplicar o direito ao caso concreto, mas, não, para praticar
atos executivos que se destinem ao cumprimento forçado da sentença arbitral.

43. v. artigo de nossa autoria: Sobre a natureza jurídica da arbitragem. In Francisco José Cahali,
Thiago Rodovalho, Alexandre Freire (org.), Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129, de
26-05-2015, São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 133-144.
240 Manual de Direito Processual Civil

Além disso, a arbitragem é disciplinada pelo direito público, porquanto objetiva à


resolução de conflitos e está inserida no direito processual civil, mas a ela se aplicam
também princípios e diretrizes privatistas, relativos à autonomia da vontade. Não há
como negar a grande ingerência de tais princípios sobre o procedimento arbitral, di-
versamente do que ocorre no direito processual, onde se verifica, em maior medida, a
presença de normas procedimentais de natureza cogente, cuja aplicação não pode ser
derrogada pelas partes, bem como a estrita observância das garantias formais atinentes
ao processo. Na arbitragem, ao contrário, ressalvadas as disposições da Lei 9.307/1996
acerca da validade da sentença, da cláusula compromissória e do compromisso arbitral,
o procedimento é de livre escolha das partes, sendo que a própria lei dispensa formali-
dades tidas como fundamentais ao processo judicial (como é o caso, por exemplo, do
direito ao recurso).
Tendo em vista tais distinções, é comum se aludir à arbitragem como modalidade
de jurisdição privada e ao processo judicial como jurisdição estatal, ou, simplesmen-
te, jurisdição.
As perspectivas para a utilização da arbitragem passam por uma mudança de menta-
lidade dos jurisdicionados, no sentido de assumirem, em determinados casos, uma pos-
tura mais conciliadora que combativa, onde prepondere a finalidade de obter uma res-
posta rápida e efetiva do juízo arbitral, cujo conteúdo as partes estejam propensas a
acatar para dar fim ao litígio. A arbitragem será sempre mais adequada quanto maior
for o interesse das partes em dirimir o conflito com o fim de dar continuidade à relação
jurídica existente entre elas, como é o caso, por exemplo, das sociedades comerciais,
cujas relações são continuadas e onde há interesse em que as divergências sejam solu-
cionadas por um expert de maneira a permitir o rápido prosseguimento as atividades
econômicas praticadas.
Além disso, a utilização da via arbitral se poderá prestar a contribuir, em parte, para
com a solução da crise do Judiciário atribuída ao excesso de causas em trâmite peran-
te este órgão.

7.3.2. A conciliação e a mediação


É decorrência do aumento de complexidade da sociedade um correspondente au-
mento de litigiosidade, em especial no contexto constitucional brasileiro em que é fran-
queado a todos o Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV). Quer dizer, uma consequência de a
jurisdição ser inafastável é a situação em que não se pode negar apreciação judicial de
todo e qualquer conflito de interesses. Não obstante, é saudável ao próprio sistema pro-
cessual incentivar que sejam criados ambientes não conflitivos de resolução de dispu-
tas, os chamados métodos de Alternative Dispute Resolution (ADR). Trata-se de técnicas
que levam à pacificação sem a utilização por inteiro da jurisdição estatal.
A conflituosidade exige a idealização de meios de solução que permitam a interven-
ção de leigos (no sentido de não togados) com vistas à obtenção incentivada de transa-
ção. Isto ocorrerá de forma argumentativa e bilateralmente didática, o que pode tornar
possível que os contendores mais facilmente cheguem a acordos, por compreenderem
As Normas Fundamentais do Processo Civil 241

ao menos parcialmente as razões do outro, ou por concluírem que a solução judicial


poderá não coincidir com aquilo a que aspiram. Ainda, dentro do âmbito dessa confli-
tuosidade, identificam-se relações jurídicas continuadas que geram, digamos, “atritos”
permanentes, que por sua natureza não se dissolvem com uma pretensa “solução defi-
nitiva”, própria do processo. São relações que merecem ou precisam ser conservadas,
embora com a pacificação de determinados aspectos ou situações. Na verdade, carac-
terizam-se por sintomas ou aspectos que devem ser superados ou resolvidos e, o grau
de tensão neles existente não pode ou não deve conduzir a uma ruptura, mostrando-se
que conservada a relação isso será melhor.
Já no CPC/73, o art. 125, IV, atribuía ao juiz a responsabilidade de “tentar, a qualquer
tempo, conciliar as partes”. Na mesma esteira, o código atribuía uma audiência prelimi-
nar (art. 331 do CPC/73) específica para a tentativa de resolução amigável do conflito,
e estipulou que na audiência de instrução e julgamento a primeira atitude do juiz deve
ser a busca da conciliação (art. 448). O que o CPC/2015 faz é incrementar as possibi-
lidades de solução dos casos concretos através de mediadores ou de conciliadores. As-
sim, já no art. 3º, § 2º, diz-se que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução
consensual dos conflitos”, e no § 3º, que as técnicas e métodos de solução consensual
devem ser estimulados por todos os sujeitos que participam do processo – juízes, ad-
vogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. Já no art. 139, V (par-
cialmente correspondente ao art. 125, IV, do CPC/73), diz que cabe ao juiz não apenas
tentar, mas “promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com
auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”.
Embora sejam funções substancialmente semelhantes, a mediação e a conciliação
apresentam certas distinções entre si (art. 165, §§ 2º e 3º, do CPC/2015).44 Nesse ponto,
um aspecto bastante inovador do CPC/2015 consiste em profissionalizar, regulamen-
tar a atividade do mediador e do conciliador (arts. 165 e ss., que classificam os media-
dores e conciliadores como auxiliares da Justiça). Até a promulgação do Código, era a
Resolução 125/2010 do CNJ (que estabelece uma política nacional para o tratamento
de conflitos no âmbito do Poder Judiciário) o diploma que mais diretamente regulava
os meios de solução de conflitos não litigiosos. Em junho de 2015, todavia, pouco mais
de três meses após a aprovação do CPC/2015, foi editada a Lei 13.140/2015, verdadeiro
marco legal da mediação no Brasil. Tendo isso em vista, é necessário, enxergar conjun-
tamente o CPC/2015 e a Lei 13.140/2015 como importantes passos rumo à superação
dos obstáculos tanto estruturais quanto culturais para a instalação de um sistema orga-
nizado de meios alternativos de solução de conflitos.
A aposta do CPC/2015 nos meios alternativos passa, inclusive, pela audiência de
conciliação ou de mediação (art. 334 – que será analisado mais adiante), a ser realizada
preferencialmente sem a presença do juiz, conduzida por mediadores ou conciliado-
res. Esta audiência será a regra geral, não sendo designada apenas em casos específicos.

44. Petrônio Calmon, Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense,


2007, pp. 119/144.
242 Manual de Direito Processual Civil

Isto requer, sem dúvida, uma reorganização ou aprimoramento da estrutura de admi-


nistração da Justiça.
É relevante notar que as técnicas alternativas de solução de conflitos apenas indire-
tamente servem para diminuir a carga de trabalho das cortes. Este é um efeito inegável
(uma vez que as causas submetidas a Câmaras de conciliação ou de mediação correspon-
dem a um acesso à Justiça sem o uso do Judiciário), mas o objetivo principal dos ADR
é oferecer a cada caso concreto um caminho para obtenção de uma resposta pacífica e
adequada. Quer dizer, o foco da mediação e da conciliação é resolver casos individuais,
e apenas mediatamente desafogar o Judiciário.45 Estabelece-se, assim, um sistema mul-
ti-portas de acesso à Justiça – não apenas em razão do exercício da jurisdição, é dado ao
cidadão obter a solução adequada ao seu caso, sendo-lhe disponibilizadas alternativas
consensuais que, uma vez homologadas judicialmente, formam coisa julgada material
e resultam em títulos executivos.

7.4. A duração razoável do processo (art. 4º)


A Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o art. 5º, LXXVIII ao texto cons-
titucional, estabelecendo a garantia da razoável duração do processo e dos meios que
garantam a celeridade da sua tramitação. Trata-se de uma consequência direta do de-
vido processo legal; afinal, para o processo, é imprescindível que não seja injustifica-
damente moroso.46
A ideia de duração razoável surge no Brasil como uma necessária resposta ao imen-
so volume de trabalho dos tribunais, que resulta quase que inescapavelmente na tra-
mitação lenta dos processos. Ainda mais, este princípio relaciona-se com a frequente
dificuldade de satisfação das pretensões submetidas ao Judiciário, uma vez que a mera
declaração do direito, sem sua realização, não é ainda a entrega da tutela jurisdicional.
E é tendo em vista essa situação que o art. 4º do CPC/2015 garante “o direito de obter
em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
O trecho final do artigo dá a necessária importância à adoção de meios adequados e
efetivos à realização prática dos direitos pleiteados. É tarefa do Poder Judiciário valer-se
de técnicas processuais aptas a dar à parte vencedora do litígio, na medida do possível,
exatamente aquilo que foi pleiteado. Exemplos de meios coercitivos para a obtenção de
satisfatividade são os arts. 497 a 500 do CPC/2015, que tratam da possibilidade de conces-
são da tutela específica (correspondente ao previsto nos arts. 461 e 461-A, do CPC/73).

45. “São numerosas as vantagens da conciliação. Ela permite a satisfação mais veloz do direi-
to das partes, evita a exaltação dos ânimos entre elas; é um fator de economia, visto que
ameniza, para as partes, as despesas do curso normal de um processo; permite o melhor
funcionamento do Poder Judiciário em outros feitos, pois diminui o trabalho dos juízes e dos
funcionários nas causas em que tem lugar” (Celso Agrícola Barbi. O papel da conciliação
como meio de evitar o processo e resolver conflitos. Revista de Processo, n. 39. São Paulo:
Ed. RT, jul-set/1985, p. 120).
46. Nas palavras já consagradas de Eduardo Couture: “en el procedimiento el tiempo es algo
más que oro: es Justicia” (Proyecto de codigo de procedimiento civil. Montevidéu: Imp.
Uruguaya, 1945, p. 37.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 243

Na realidade, não existe um princípio que ordene a celeridade processual. O pro-


cesso não precisa correr, sob risco de serem esquecidas ou abandonadas as garantias
do devido processo legal. A necessidade é a de que o procedimento dure apenas, e tão
somente, o tempo necessário. A duração razoável comporta, isto é, um “processo sem
dilações indevidas”.47 Esta é a meta de uma situação ideal.
A importância do tempo dentro do processo é uma preocupação crescente, em es-
pecial no atual contexto de rapidez e quase imediatidade da troca de informações em
meio virtual. Se outros setores da vida em sociedade aceleram o ritmo, é esperado pelo
jurisdicionado que a vida do processo tenha a mesma sorte – e daí podem surgir insatis-
fações generalizadas com o funcionamento do Judiciário e a administração da Justiça.
O ponto de equilíbrio, é sempre bom lembrar, deve ser o respeito ao devido processo
legal, cujas garantias implicam quase que inevitavelmente a prática de mais atos pro-
cessuais. Salvo exceções justificadas – como a concessão de medidas de urgência inau-
dita et altera pars –, é o devido processo, e não a celeridade, que deve ter prevalência.

7.5. A boa-fé processual (art. 5º)


É de se esperar, em um contexto ético, que os sujeitos do processo (aí compreendi-
dos o juiz, as partes, seus procuradores, terceiros intervenientes e todos que de alguma
forma intervenham no processo) não deverão apresentar comportamento desleal uns
para com os outros. Não obstante, o ambiente processual ser notadamente o de um con-
flito de interesses; autor e réu têm, quase que invariavelmente, vontades antagônicas,
e se um sagrar-se vencedor, o outro sucumbirá. Entre a proibição de atitudes antiéticas
e a impossibilidade de se exigir que uma parte auxilie os interesses da outra diretamen-
te, há no CPC/2015 a exigência de que “aquele que de qualquer forma participa do pro-
cesso deve comportar-se de acordo com a boa-fé” (art. 5º do CPC/2015).
Trata-se de algo semelhante, mas mais abrangente, que o dever de lealdade e boa-fé
processual do art. 14, do CPC/1973. Diz-se isso pois o dever de boa-fé atua em uma di-
mensão mais principiológica, e menos como regra processual. Quer dizer, o ambiente
processual, quando enxergado através do dever de boa-fé, cria nas partes e interessados
em um litígio de justas expectativas em relação a determinados comportamentos, evi-
tando surpresas ou armadilhas processuais. Na dimensão da confiança legítima (Ver-
trauensschutz), a boa-fé no processo pode ser um fator de garantia de segurança jurídi-
ca.48 O código quer, ao positivar o dever de boa-fé objetiva, dar importância à atividade
das partes no processo, em respeito inclusive à autonomia da vontade privada. Isso, pois
a evolução histórica da liberdade individual (em especial em direito privado) é acom-
panhada por mudanças no sistema jurídico no sentido de calibrar a desigualdade entre

47. A expressão é de José Rogério Cruz e Tucci, Garantias constitucionais da duração razoável
e da economia processual no projeto do código de processo civil. Revista de Processo, n.
192. São Paulo: Ed. RT, dez/2011, p. 193. Sobre o tema, ver ainda: Fredie Didier Jr, Curso
de direito processual civil, vol. 1, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 96.
48. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, O novo processo civil.
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 173.
244 Manual de Direito Processual Civil

contratantes; a evolução da liberdade de contratar foi construída na própria restrição


dessa liberdade.49 Nesse contexto ingressa o dever de boa-fé.
A boa-fé é instituto originário do direito privado, cuja origem na sua forma mais
concreta é o Código Civil Alemão (BürgerlichesGesetzbuch), de 1900. Trata-se de uma
cláusula geral que, no direito civil, situa-se no topo do direito das obrigações, no sen-
tido de que qualquer relação obrigacional deve depender da boa-fé dos participantes.50
No Brasil, a boa-fé obrigacional e contratual foi expressamente adotada nos arts. 113 e
422 do Código Civil. Considera-se, nessa seara, a boa-fé em sua dimensão objetiva, isto
é, se analisa o comportamento em si e sua manifestação exterior em relação aos demais
envolvidos em uma determinada situação jurídica.
Boa-fé objetiva é aquela em que o próprio sistema jurídico fornece parâmetros para
ser avaliada, o que certamente, facilita a tarefa do juiz e mesmo o próprio comporta-
mento das partes. Ao aludirmos à boa-fé objetiva, o que se quer dizer é uma modalida-
de de boa-fé objetivada na lei – mas que, necessariamente, também comporta interpre-
tação.51 A boa-fé é descrita na Alemanha (e no Brasil podemos utilizar conceito seme-
lhante) pela fórmula Treu und Glauben, que se traduz para o português em “lealdade e
crença”. Atua a boa-fé como uma regra de conduta na condução da vida em sociedade.
A influência da boa-fé no direito processual civil não é, também, uma novidade.
Apontando uma série de obras alemãs inclusive do século XIX, Menezes Cordeiro men-
ciona as principais dimensões da transposição da boa-fé para o processo: a proibição de
venire contra factum proprium, a proibição de abuso de poderes processuais, e a supres-
sio.52 Cabe analisar, com as adaptações necessárias, estes institutos.

49. Sobre o tema: Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, vol. 2, 13. ed. Munique: Beck, 1994,
p. 35 e ss.
50. Dieter Medicus, Schuldrecht I, Allgemeiner Teil. Munique: Beck, 2004, pp. 76-77.
51. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. II, 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1996,
p. 383. No âmbito do direito privado é enorme o papel da boa-fé, inclusive o de servir de
duto para a internação de valores constitucionais no âmbito do direito privado. Veja-se o
que diz o jurista Medicus: “Das BGB hat den Grundsatz von Treu und Glauben an die Spitze
des Schuldrechts gestellt: Alle Schuldverhältnisse sollten diesem Grundsatz unterstehen; es
sollte also keine strengrechtlichen Schuldverhältnissie mehr geben. (…) Allerdings ist die
Vorschrift nach 1948 eine neue Funktion zugewachsen: § 242 steht an erster unter derjenigen
Generalklauseln, mit derem Hilfe die Wertungen des Grundgesetz in das bürgerliche Recht
Eingang finden”) – em vernáculo:“O Código Civil colocou a cláusula geral da boa fé [ob-
jetiva] no topo do direito das obrigações. Todas as relações obrigacionais dependem dessa
cláusula geral; não deve mais haver relações obrigacionais insuscetíveis de alterações. (…)
De qualquer forma é a prescrição de 1948 [refere-se à Lei Fundamental de Bonn] que fez
nascer uma nova função: o § 242 assume o primeiro lugar e por seu intermédio penetram
no Código Civil os valores da Constituição”. V. Dieter Medicus, Schuldrecht I. Allgemeiner
Teil [Direito das Obrigações I. Parte Geral], Munique, ed. C. H. Beck, 2004, pp. 76-77; na
edição de 1984, Munique, C. H. Beck, § 16, 2, p. 63 – tradução nossa; destaques de ambos
os originais).
52. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Alme-
dina, 2001, pp. 375-379.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 245

O comportamento contraditório deve ser evitado por, de certa forma, trair legítimas
expectativas dos sujeitos participantes de uma relação jurídica processual. Por isso a
proibição de venire contra factum proprium, ou seja, de praticar ato contrário ao que in-
dica ato anterior da mesma parte. Essa situação supõe, então, dois comportamentos da
mesma pessoa, lícitos em si, e diferidos no tempo. A violação da boa-fé reside não no
ato em si, mas na contraditoriedade entre os atos praticados. É o caso do advogado que
tumultua o processo alegando nulidades contradizentes com o seu próprio compor-
tamento nos autos. Esse comportamento já foi cunhado pelo STJ de “nulidade de algi-
beira”, ou nulidade de bolso, e consiste na alegação de um vício procedimental, sem o
correspondente prejuízo, apenas como estratégia processual.53
É também a hipótese da parte que recorre de uma decisão, mesmo após ter praticado
atos que demonstraram sua conformidade com o conteúdo do que foi decidido (violan-
do inclusive o art. 1.000, parágrafo único, do CPC/2015). O Superior Tribunal de Justiça
aplica em larga escala a vedação de venire contra factum proprium, inclusive no âmbito
processual. E esta dimensão da boa-fé não é exclusiva das partes, tendo-se já decidido
pela nulidade de comportamento contraditório do próprio Judiciário.54
Já o abuso de direito, ou abuso de posições processuais, pode ser entendido como
o exercício ilegítimo ou irregular de um direito processual, com desvio da finalidade do
aludido direito ou em prejuízo de outro direito processual. Trata-se de conceito extraí-
do do âmbito do direito material,55 que, no processo, manifesta os seguintes elementos:
a aparência de legalidade do ato processual praticado; o objetivo diferente daquele que
se extrai da lei, o que desenha o desvio da finalidade; o prejuízo às garantias processu-
ais do adversário, em contrapartida a uma vantagem ao autor do abuso.56
A supressio, tradução do instituto alemão da “Verwirkung”, significa basicamente
a situação na qual um sujeito suscita no outro a confiança de que um direito não será

53. STJ, EDcl no REsp 1.424.304/SP, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.08.2014, DJe
26.08.2014. Essa constatação não é nova. Já Francisco Campos, que subscreve a exposição
de motivos do CPC/39, chega à constatação de que as nulidades podem ser alegadas como
“instrumento de chicana, das dilações e dos retrocessos processuais”.
54. Neste sentido cumpre destacar o interessante julgado do STJ: “Ao homologar a convenção
pela suspensão do processo, o Poder Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima expec-
tativa de que o processo só voltaria a tramitar após o termo final do prazo convencionado.
Por óbvio, não se pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato processual de ofício
– publicação de decisão – e, ademais, considerá-lo como termo inicial do prazo recursal.
Está caracterizada a prática de atos contraditórios justamente pelo sujeito da relação pro-
cessual responsável por conduzir o procedimento com vistas à concretização do princípio
do devido processo legal. Assim agindo, o Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest
venire contra factum proprium, reconhecidamente aplicável no âmbito processual” (STJ,
REsp 1306463/RS, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 04.09.2012, DJe 11.09.2012).
55. Rui Stoco, Abuso do Direito e Má-fé Processual. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 57; Helena
Najjar Abdo. Abuso do Processo. São Paulo: Ed. RT, 2007.
56. Felipe Scripes Wladeck, “Abuso quanto ao exercício do direito de demandar no Direito
Processual Brasileiro”. Revista Dialética de Direito Processual n. 96. São Paulo: Edições
Loyola, mar. 2011, p. 38-39.
246 Manual de Direito Processual Civil

exercitado, tendo em vista o longo transcurso de tempo sem o seu exercício. A boa-fé,
nessa dimensão, exige que a confiança da parte não seja quebrada, impondo-se a “ca-
ducidade” do direito, mesmo antes da prescrição da pretensão correspondente. No di-
reito privado alemão, o instituto da supressio serviu como uma proteção aos interesses
do devedor; no processo, pode servir como um equilíbrio necessário ao exercício de
posições processuais.
De nossa parte, e não obstante opiniões em sentido contrário, temos que a questão
da supressio em direito processual civil deve ser observada com cautela, tendo em vista
que o sistema de preclusões processuais já dá conta de resolver grande maioria destes
problemas.57 Quer dizer, a preclusão consumativa e lógica impedem, especificamente
no âmbito processual, a prática de atos repetidos ou contraditórios. E a preclusão tem-
poral decorre do prazo que a própria lei estabelece para a prática de determinado ato
processual. Já as situações que são alegáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição –
notadamente, as questões de ordem pública –, por isso mesmo não sujeitas à preclusão,
consubstanciam-se em matérias cuja importância transcende o interesse das partes.
Outro aspecto importante da proteção da confiança e do respeito às justas expecta-
tivas dos sujeitos no processo está no comportamento da própria jurisprudência, que
não pode ser fonte de insegurança jurídica. Conforme foi visto neste Manual, os tribu-
nais devem manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, do
CPC/2015). Com isso se quer exigir que qualquer alteração de entendimento deva ser
justificada e não abrupta. A adoção, pelo CPC/2015, de um sistema de precedentes com
força normativa exige, para garantir seu próprio bom funcionamento, que a superação
de teses jurídicas fixadas não seja inesperada. Nesse sentido, os próprios tribunais agem
em conformidade com a boa-fé, em respeito ao art. 5º do CPC/2015.
O art. 5º concretiza um princípio ético no processo civil, calcado na ideia de lealdade
processual que já constava do art. 14 do CPC/1973.58 Por este princípio objetiva-se coi-
bir a deslealdade e a má-fé dentro do processo, bem como evitar pretensões sem funda-
mento e o requerimento de provas e diligências inúteis ou desnecessárias. A parte que
se quiser valer do processo, sem atentar para a verdade, a lealdade e a boa-fé, arcará com
os prejuízos causados à parte adversa, pagando-lhe perdas e danos, honorários advo-
catícios e todas as despesas efetuadas. Via de regra, e pela forma como são dispostos os
arts. 5º e 80 do CPC/2015, é de se imaginar que o comportamento que viole o dever de
boa-fé processual incida em litigância de má-fé. No entanto, veja-se que os expedientes

57. É de se ponderar com Menezes Cordeiro, quando diz: “No direito português, não é de
introduzir a ideia de supressio processual: os poderes das partes vão sendo precludidos ao
longo do processo e o recurso é sempre via indicada para apreciar irregularidades do tribu-
nal” (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil. Coimbra:
Almedina, 2001, p. 803).
58. Sobre lealdade processual, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/117
et seq.; v. tb. trabalho do autor sobre “Resistência injustificada ao andamento do processo”,
em Revista de Processo 17/13; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo
Civil, p. 121 et seq.; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol.
1/139 et seq.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 247

processuais desonestos, desleais, para obter ganho de causa, podem ser apenados pelo
rol taxativo da lei, sem que isso seja uma decorrência direta da proibição de venire con-
tra factum proprium no processo, por exemplo. Quer dizer, a parte pode vir a não agir
conforme a boa-fé objetiva (art. 5º) e ainda assim não incidir em nenhuma das hipóte-
ses descritas pelo código para a aplicação da multa correspondente.
Em verdade, o que o texto do CPC/2015 exige é uma conduta leal, por inteiro. A le-
aldade e a boa-fé são princípios éticos do processo, de caráter ético, abrangentes de toda
atividade dos sujeitos processuais, desde o início, durante todo o procedimento, inclu-
sive no desdobramento recursal, como ainda no processo executório.
Vale notar ainda que o princípio da boa-fé no processo tem uma dimensão herme-
nêutica, no sentido de exigir que tanto os pedidos como as causas de pedir (art. 322,
§ 2º) quanto às decisões judiciais (art. 489, § 3º) sejam interpretados conforme a boa-fé.

7.6. A cooperação processual (art. 6º)


Por conta do ambiente de conflito de interesses que marca a relação processual, a
doutrina e a jurisprudência sempre se posicionaram no sentido de que uma parte não
poderia ser compelida a praticar atos em prol dos interesses de seu adversário. Notada-
mente nos procedimentos de jurisdição contenciosa, a vontade do autor é que o réu saia
perdedor, e vice-versa. A não ser de maneira ligeiramente utópica, não se pode imaginar
que uma parte coopere com a outra no sentido de colaborar para a satisfação dos interes-
ses do adversário.59 Dito isso, é preciso interpretar corretamente o art. 6º do CPC/2015,
que diz: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Essa ideia de cooperação ou co-
laboração tem sido trabalhada no direito civil há muito tempo.60
No direito material, a colaboração pode ser enxergada como um desdobramento da
boa-fé, pois nesse ramo jurídico os interesses podem ser convergentes. No direito das
obrigações, por exemplo, é objetivo mútuo o cumprimento ou adimplemento das dis-
posições de um contrato. Já o processo se instaura, via de regra, quando há uma crise

59. Assim, instituir um dever de cooperar não se trata “de uma visão romântica que induziria
a crença de que as pessoas no processo querem, por vínculos de solidariedade, chegar ao
resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Esta utópica solidariedade processual
não existe (nem nunca existiu): as partes querem ganhar e o juiz quer dar vazão à sua pesada
carga de trabalho” (Humberto Theodoro Jr., et al, Novo CPC – fundamentos e sistematização.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 60).
60. V. Adriano de Cupis, Nozioni elementari di diritto privato. Milão, 1978, p. 167. Remarca
que no direito obrigacional há mais manifestamente cooperação, ao passo que, nos direitos
reais é mais problemático falar-se em cooperação; esta, somente poderia ser entendida
como um dever de abstenção de caráter genérico. Sobre a temática da cooperação nos
direitos obrigacionais, v. Emilio Betti, Cours de Droit Civil Comparé des Obligations
[Curso de Direito Comparado das Obrigações], (1957-1958). Milão: Ed. Giuffrè, 1958,
capítulo I, intitulado La Coopération en tant que problème à resoudre par les rapports
d’obligation [A Cooperação enquanto problema a ser resolvido nas relações obrigacio-
nais], pp. 1 e ss.
248 Manual de Direito Processual Civil

do direito material, e consequentemente quando os interesses das partes não são mais
os mesmos. Como o próprio texto do art. 6º sugere, a cooperação objetiva a obtenção
de decisão de mérito justa e efetiva. Cooperar quer dizer trabalhar em prol da decisão
no caso concreto. Cooperar quer, no processo, significar não criar incidentes sem uti-
lidade, mas com o fito de tumultuar a posição da outra parte.
Já há algum tempo, a doutrina mais atenta fala de um princípio da colaboração pro-
cessual, ou ainda de um modelo cooperativo de processo.61 É disso que cuida o art. 6º,
talvez o artigo que mais concretize as aspirações ínsitas nas normas fundamentais do
CPC/2015. Até fins do século XIX, do ponto de vista da colocação do processo civil no
sistema jurídico, era essa disciplina encarada como um apêndice do direito civil. Dis-
so decorria que o processo submetia-se primordialmente aos princípios que informam
o direito privado, como a disponibilidade dos direitos. A evolução pela qual passou o
Processo Civil, enquanto disciplina de direito positivo, foi a de entendê-lo como maté-
ria autônoma em relação ao direito privado. Distinguiu-se, em fins da segunda metade
do século retrasado, com grande nitidez, o objeto do processo como sendo regulado
pelo direito público.
A herança da ciência processual brasileira é notadamente uma decorrência do pu-
blicismo, em que o direito processual adquiriu autonomia epistemológica e desligou-
-se do direito civil como um ramo jurídico autêntico. Isto deu dignidade ao estudo do
processo, porém, como consequência lógica causou afastamento do Direito Privado.
O juiz tornou-se protagonista do processo, o que significou um depósito desmedido
de responsabilidade na sua figura, fato que pode ser prejudicial especialmente em tem-
pos de altíssimo volume de trabalho. É importante perceber que o juiz é um dos sujei-
tos da relação processual. Sua importância e o seu papel estão na direção do processo
(art. 139 do CPC/2015), porém as partes devem, também, ser responsáveis pelo desen-
volvimento processual, influenciando eficazmente no conteúdo da sentença de méri-
to. Neste ponto reside parte da ideia de cooperação (que logo adiante será intimamente
relacionada com a de contraditório efetivo). É preciso resgatar no ambiente processual
o equilíbrio na “divisão do trabalho”. Mais ainda, é preciso criar uma comunidade de
trabalho (Arbeitgemeinschaft), na qual todos os sujeitos do processo cooperem para o
seu resultado. Quer dizer, busca-se reconhecer que no processo, o juiz deve dialogar
com as partes, pois nunca está só. O processo é uma conversação, consistente em ma-
nifestações e pronunciamentos; um intercâmbio de ataques e contra-ataques. Trata-se

61. Nesse sentido: Dierle José Coelho Nunes, Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá,
2008, pp. 239 e ss.; Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil, 2. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2011, p. 98 e ss.; Reinhard Greger, Cooperação como princípio processual. Revista de
Processo, n. 206. São Paulo: Ed. RT, abr/2012, pp. 123/124; Ada Pellegrini Grinover; Cândido
Rangel Dinamarco; Kazuo Watanabe (coords.), Participação e processo. São Paulo: Ed. RT,
1988; Fredie Didier Jr., Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil
português. Lisboa: Coimbra, 2010. Vale mencionar, ainda, na doutrina italiana, o pioneiro
estudo de Eduardo Grasso (La collaborazione nel processo civile. Rivista di diritto processuale.
Padova: CEDAM, 1966, pp. 580 e ss.).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 249

de um jogo argumentativo,62 do qual o juiz sem dúvida é partícipe com o poder de di-
rimir a discussão.
Dessa forma instauram-se bases democráticas no processo. Nesse sentido, a co-
operação deve ser entendida como um desdobramento do princípio moderno do
contraditório,63 no sentido de trazer o diálogo e o debate judicial para dentro do pro-
cesso. É possível identificar doutrinariamente alguns deveres64 correlatos à colabora-
ção processual.
Há antes de tudo um dever de esclarecimento. Ao juiz deve ser possível (e recomen-
dável) que verifique, com as partes, o conteúdo das suas manifestações, evitando que,
por exemplo, uma petição inicial seja indeferida por falta de um requisito, quando o
autor puder demonstrar seu preenchimento. É saudável que, antes de decisões que
possam causar prejuízos às partes, estas possam prestar esclarecimento sobre a sua si-
tuação jurídica.65
Há também um dever de consulta, que implica na intimação das partes para que se
manifestem sobre um determinado fundamento, inclusive jurídico, o que não colide
com o princípio iura novit curia, antes da prolação de uma decisão com base nesse mes-
mo fundamento. O dever de consulta será mais bem detalhado no tópico seguinte, que
trata do contraditório efetivo (arts. 9º e 10 do CPC/2015).
Em Portugal, o recentemente promulgado código de processo diz que “O juiz pode,
em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários
judicias, convidando-os a fornecer esclarecimentos sobre matéria de facto ou de di-
reito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resulta-
dos da diligência” (art. 7º, 2). Muitas vezes, as partes, seus procuradores e assistentes
técnicos, por terem interesse particular na causa, já se debruçaram de tal maneira so-
bre tais questões que possuem melhores condições de esclarecer quaisquer dúvidas
ou incertezas porventura existentes. Nesse contexto, não é recomendável ao órgão
judicial que julgue em situação de dúvida ou incompreensão sobre temas que as par-
tes podem aclarar.
O dever de prevenção ou advertência diz respeito à necessidade de o juiz alertar as
partes sobre eventuais insuficiências de suas alegações ou requerimentos, sem que isso
corresponda a uma violação ao princípio da imparcialidade. Exemplo claro de incidên-
cia desse dever ocorre quando o juiz adverte as partes sobre a possibilidade de vir a ex-
plorar, em sua decisão, determinada matéria de fato ou de direito, ainda que cognos-

62. Piero Calamandrei, Il processo come giuoco, Rivista di diritto processuale. Padova: CEDAM,
1950, pp. 26-27.
63. Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. Rio de Janeiro: Foren-
se, 2015, p. 81. No mesmo sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Amicus curiae no processo
civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 86-90.
64. Em grande parte desenvolvidos por Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo
civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997, pp. 62-67.
65. V. TJ/SP, Apelação Cível n. 0002044-39.2015.8.26.0366, 8ª Câmara de Direito Privado, j.
22.06.2016, des. Rel. Silvério da Silva, reg. 22.06.2016.
250 Manual de Direito Processual Civil

cível de ofício. Percebe-se, no ponto, a estreita relação entre o dever de cooperação e o


disposto no art. 10 do CPC/2015, adiante comentado.
Pode-se falar de um dever de prevenção ou de auxílio, que permita a correção de
vícios processuais pelas partes. Nesse sentido, cabe ao juiz determinar a emenda da pe-
tição inicial, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado (art. 321,
caput, do CPC/2015).
Nesse sentido, o juiz coopera com as partes, e estas com ele, tendo em vista que o
objetivo comum de todos é a obtenção de uma sentença de mérito rente ao Direito. Bem
compreendido o art. 6º, é possível falar da feição dada pelo CPC/2015 ao contraditório.

7.7. A isonomia e a paridade de tratamento (art. 7º)


Boa parcela da doutrina considera o contraditório o princípio mais importante do
processo.66 Podemos dizer ser a dimensão ou desdobramento mais importante do de-
vido processo legal.
Primeiramente, o código deixa clara a necessidade de se conferir às partes a chamada
paridade de armas, que resulta na isonomia dentro do processo, em decorrência direta
do art. 5º, caput, da CF/88. O CPC/2015 é expresso ao garantir tratamento igualitário
“em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos
ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais”; em todas as fases do processo
deve haver atenção ao equilíbrio entre os litigantes. O código é repleto de exemplos nos
quais podemos observar a paridade de tratamento, como a possibilidade de inversão do
ônus de prova (art. 373, § 1º, do CPC/2015), na qual se atribui à parte com mais con-
dições de realizar determinada prova o respectivo encargo. Nessa hipótese, a inversão
não poderá ser decretada se criar uma situação na qual a desincumbência do ônus for
excessivamente difícil (art. 373, § 2º), o que reforça o necessário balanceamento entre
os atos das partes em prol da igualdade entre elas. Outro exemplo de paridade de trata-
mento dado pela doutrina é a dilatação de prazos (art. 139, VI, do CPC/2015), quando
a manifestação de uma das partes depender da análise de vultosa quantidade de docu-
mentos juntados pela outra, o que pode vir a dificultar o exercício do contraditório.67
De forma ampla, podemos considerar que a isonomia jurisdicional apresenta três
dimensões, ou três momentos de influência que de certa maneira são conectados en-
tre si. O Estado deve garantir aos jurisdicionados igualdade de acesso aos instrumen-
tos processuais; igualdade de tratamento durante o curso do processo; e promover a
igualdade através do resultado do processo, em especial diante do conteúdo das deci-
sões judiciais. Quer dizer, não basta que a atividade judicial seja neutra e equidistante
em relação às partes – essa é apenas uma primeira dimensão da isonomia. É importan-
te, para dar cumprimento ao art. 7º do CPC/2015, que possíveis desigualdades sejam
imunizadas por meio do processo.

66. Leonardo Greco, Instituições de processo civil, vol. 1, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 514.
67. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 85.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 251

Veja-se que, em tese, quando a Constituição estabelece o princípio geral de igual-


dade (art. 5º, caput), o próprio Poder Legislativo é destinatário desse mandamento.68
A primeira das preocupações do texto constitucional é atingir a chamada “legalidade
isonômica”,69 e não apenas a aplicação isonômica da legalidade:
Sabe-se, então, que muitas vezes a violação à isonomia não vem da aplicação, nes-
se caso, mas sim da própria criação legislativa. É essa a igualdade na lei.70 O tratamento
diferenciado através da lei, por si só, não é inconstitucional. Muito pelo contrário, em
uma série de hipóteses é justamente a desigualdade por meio da lei que permite o atin-
gimento da igualdade. Pense-se por exemplo no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003),
na possibilidade de concessão de Justiça Gratuita (Lei 1.060/1950 e, recentemente,
arts. 98 a 102 do CPC/15), e no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
Temos situações de hipossuficiência material, nas quais busca-se, com a edição de leis,
atingir uma esperada isonomia.
No entanto, já há tempos a doutrina conceitua e a jurisprudência consolida, a ideia
de que além da mera igualdade “perante” a lei, o direito fundamental à isonomia garan-
te igualdade “na” lei, significando esta última uma fase mais adiantada e bem desenvol-
vida da definição de igualdade.71
Ora, de maneira sucinta pode-se dizer que “A igualdade é uma relação entre dois ou
mais sujeitos em razão de um critério que serve a uma finalidade”.72 Os passos que ne-
cessariamente devemos percorrer para chegar a uma conclusão no presente caso, por-
tanto, são, sucintamente, três: (a) verificar quem são os sujeitos equiparáveis; (b) de-
terminar qual o fator ou critério de desigualação e qual a relação lógica entre este fator
e a desigualação feita; (c) contrastar a desigualação com sua finalidade, diante de valo-
res protegidos pela Constituição.

68. “Não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da
igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em consequên-
cia, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa,
encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações”.
(Francisco Campos, Direito constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 30).
69. José Souto Maior Borges, A isonomia tributária na constituição de 1988. Revista de Direito
Tributário, vol. 64. São Paulo: Ed. RT, 1993, p. 13.
70. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2012, p. 417; Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2015, p, 383; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários
à constituição de 1946, vol. I, 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963, p. 165.
71. Nesse sentido, ver: San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei e due process of law. Problemas
de direito positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 53; Carmen Lúcia Antunes Rocha, O
princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 39; Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 32. ed. São Paulo: Saraiva, p. 281; Miguel
Seabra Fagundes, O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o poder legislativo.
Revista de direito administrativo, vol. 41. Rio de Janeiro: DASP, 1955, p. 12.
72. Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 43.
Sobre isso, ver: Roque Antonio Carrazza, O princípio da igualdade. Revista Justitia, n. 90,
jul/set 1975, p. 338.
252 Manual de Direito Processual Civil

Em primeiro lugar, portanto, tenhamos por certo que toda averiguação de igualda-
de pressupõe uma comparação. Algo só é igual, ou diferente, de outro algo.73 Não há
como se dizer, de uma pessoa ou um grupo de pessoas tomado isoladamente, que ele é
“igual”. A igualdade nunca é igualdade de um só.74
Ademais, o critério para a análise de uma legítima desigualdade deve levar em conta
qual é o fim desejado pela lei ou pelo juiz, na atividade de equiparar ou diferenciar su-
jeitos no processo. Deve-se considerar pertinente aquela medida de comparação ava-
liada por elementos cuja existência esteja relacionada com a promoção da finalidade
que justifica sua escolha.75
A legitimidade decorrente das disparidades de tratamento encontra justificativa,
portanto, no atendimento direto de um princípio ou de um objetivo constitucional.76
Abordagem semelhante é proposta por J. J. Canotilho, na forma das seguintes pergun-
tas: “1º) Existe uma igualdade de situações de facto jurídico-constitucionalmente per-
tinente? 2º) Estas situações de facto iguais foram tratadas de forma desigual em termos
que se considerem jurídico constitucionalmente pertinentes? 3º) Existe para a desi-
gualdade de tratamento de situações de facto iguais uma razão material suficiente?”77
De toda forma, o art. 7º do CPC/2015 serve, diante da sua natureza de norma fun-
damental, para orientar a paridade de tratamento – voltada para o atingimento de fins
também paritários – dentro do processo, assim evitando arbitrariedades ou disparida-
des ilegítimas.78

73. Maria Glória Garcia, Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005,
p. 46.
74. Fabio Konder Comparato, Precisão sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica. Revista
dos Tribunais, vol. 87. São Paulo: RT, abr/1998, p. 19.
75. Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 50. E
prossegue: “Há relação fundada entre a medida de comparação e a finalidade, quando há
uma correspondência que estatisticamente se sustenta entre a existência das propriedades
conotadas pela medida de comparação e os bens jurídicos cuja disponibilidade compõe o
estado ideal de coisas, representado pela finalidade” (p. 57).
76. “Uma disparità di trattamento si possa ritenere legittima se ed in quanto essa trovi giustifica-
zione in altro principio costituzionale; e questo può accadere poiché il legislatore ordinario
intende agevolare il raggiungimento di fini, che la stessa Costituzione prevede, avvalendosi
anche dello strumento tributario” (F. Batistoni Ferrara; M. A. Grippa Salvetti, Lezioni di diritto
tributario, parte generale, 2. ed. Torino: Giappichelli, 1993, p. 25).
77. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed. Coim-
bra: Almedina, 2012, p. 1.216.
78. Veja-se o que diz Luís Roberto Barroso: “O que o princípio da isonomia impede, efeti-
vamente, é que a ordem jurídica promova desequiparações arbitrárias, aleatórias ou mal
inspiradas. Será legítima a desequiparação quando fundada e logicamente subordinada a
um elemento discriminatório objetivamente aferível, que prestigie, com proporcionalida-
des valores abrigados no texto constitucional” (Igualdade perante a lei. Revista de Direito
Público, vol. 78. São Paulo: Ed. RT, p. 69). É exatamente o que, em obra clássica, preleciona
Celso Antônio Bandeira de Mello: “As discriminações são recebidas como compatíveis com
a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica
entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de
As Normas Fundamentais do Processo Civil 253

A imposição de tratamento isonômico é, ainda, importante no CPC/2015 em função


da força normativa de que passa a ser dotada a jurisprudência. Com efeito, os pronun-
ciamentos judiciais listados no art. 927 do CPC/2015 são de observância obrigatória, o
que cria situações em que teses jurídicas ditadas pelos tribunais vincularão julgadores
por todo o País. O sistema, para se manter dinâmico, permite a alteração de tese, caso as
circunstâncias fáticas e jurídicas assim recomendem, para que a jurisprudência mante-
nha-se íntegra e coerente (art. 926, caput, do CPC/2015). Nesse contexto, as teses ju-
rídicas que serão aplicadas com força normativa não podem ser fonte de desigualdade
entre litigantes; a mudança de jurisprudência não deve prejudicar quem tenha ingres-
sado antes ou depois no Judiciário. Por isso o CPC/2015 deixa expresso que “A modi-
ficação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em
julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada
e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confian-
ça e da isonomia” (art. 927, § 4º). Atente-se ainda para o disposto no § 3º. do art. 927,
como forma de atenuar ou eliminar o impacto provocado por mutação de entendimen-
to: “§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetiti-
vos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança
jurídica”. Os deveres de coerência e de integridade, então, relacionam-se diretamente
com a promoção da igualdade.79

7.8. A hermenêutica e a aplicação das leis processuais (art. 8º)


7.8.1. A interpretação das leis em geral
A interpretação das leis é assunto eminentemente ligado à teoria do conhecimento.
Sendo o conhecimento a apreensão de um objeto cognoscível, a interpretação, sob este
aspecto, diz respeito à necessidade de o intérprete conhecer, exatamente, qual o signifi-
cado da lei. Somente apreendendo-lhe o sentido é que poderá aplicá-la adequadamente
ao caso que lhe esteja submetido a julgamento.
Na interpretação judiciária reúnem-se, na mesma pessoa, o intérprete e o aplicador
da lei. Acontece, porém, que o juiz, ao interpretar a lei, age intelectivamente, ao passo
que, ao aplicá-la, age justamente em função dos poderes de que está investido, haven-
do de realizar, na espécie, a vontade da lei.

tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com
interesses prestigiados na Constituição” (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade,
3. ed, 20. tir.. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 17). E prossegue: “O critério especificador
escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer:
o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; toda via, necessita,
inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele
resulta” (pp. 38/39).
79. Sobre a coerência na atividade das cortes, ver: Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito,
3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1991, p. 326; Ronald Dworkin, Levando os direitos a
sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 24.
254 Manual de Direito Processual Civil

O trabalho do juiz, enquanto intérprete, após o conhecimento da hipótese concreta,


parte do texto a ela aplicável, perpassa pelo sistema (iluminado pela doutrina e pela ju-
risprudência) voltando novamente ao texto, para depois verificar sua incidência no caso
em espécie. É, portanto, um movimento circular.80 Efetivamente, ao cabo da tarefa inter-
pretativa, nada mais terá feito o juiz do que clarificar, nitidamente, o sentido, a extensão
e a amplitude do texto legal, em relação a um caso concreto a ser solucionado. Aí, em
nosso modo de ver, termina sua tarefa como intérprete. De certa forma, a tarefa do juiz,
enquanto intérprete, confunde-se com a do jurista, porque, em última análise, ambos
estão voltados ao conhecimento específico do significado e abrangência do texto legal.
O momento de interpretação da conduta descrita na lei é uno: o juiz age tão somente
perquirindo o que quer o legislador por meio da lei. Outro momento anterior, porém,
é o da verificação da conduta ocorrida. São duas realidades perfeitamente distintas, pelo
menos no plano lógico e intelectual.
O raciocínio do juiz, ao decidir uma controvérsia, como aplicador da lei, parte da rea-
lidade fática constante do processo para interpretá-la mediante e em função da lei. Desta
forma, a escolha do texto legal aplicável à espécie é feita tendo em vista o fato ocorrido.
Desde que identificada a lei, deverá o juiz constatar em que medida a conduta se ajusta
ou não a ela. É a conduta que se submete à lei (= é, em face da lei, valorada). A conduta
é apenas constatada como fato ocorrido na vida. Depois é examinada à luz do comando
da lei, sendo dela, então, extraídas as respectivas consequências.
Ainda na tarefa da interpretação da lei, como habitualmente se diz, tem-se de levar
em consideração diversos aspectos relevantes, que se colocam como autênticas pre-
missas ao correto equacionamento do assunto: 1º) a lei – entendida como sinônimo de
texto legal – é menor do que o Direito – entendido este último como sistema; 2º) há,
entre a lei e o Direito (= sistema), uma relação de parte para o todo; 3º) logo, a interpre-
tação da lei envolve, necessariamente, a consideração de todo o sistema, pois aquela há
de ser entendida à luz dos princípios informadores deste; 4º) assim, na interpretação
da lei processual civil, necessário será, além da consideração do próprio sistema pro-
cessual, ter em vista o que dispõem certas normas de sobredireito; principalmente, há
que se atentar para o art. 5º da LINDB, que dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, e outros dispositi-
vos similares. Muitas vezes, perceptivelmente, ainda, terá em vista o intérprete o próprio
sistema constitucional que, mesmo sob o prisma da hermenêutica, influi na tarefa de se
diagnosticar exatamente o sentido da lei.

80. Friedrich Müller, Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, pp. 252 e ss; E ainda:
“Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um pri-
meiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido
somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na
perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste
precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo cons-
tantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido”
(Hans-Georg Gadamer, Verdade e método, vol. I. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 356).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 255

Fixamos liminarmente estas observações pela circunstância de que nos parecem in-
discutíveis, independentemente do método usado e da escola a que se filie o intérprete.
Valem, pois, porque podem ser consideradas diretrizes universais.
Os métodos ou cânones de interpretação usualmente referidos são: 1º) o gramatical,
que atenta para o sentido literal (ou, mais amplamente, linguístico) das palavras, e que
é o mais precário e pobre de todos. Na verdade, a interpretação gramatical assimila-se
mais à ideia de pressuposto interpretativo do que à de método; 2º) o lógico, que se serve
da contribuição dos elementos da lógica, para a construção mental da inteligência do
preceito; 3º) o sistemático, que exige a consideração da lei sempre dentro do sistema de
que ela é, apenas, uma parte, embora a maior parte, pois a lei é a linguagem do Direi-
to; 4º) o histórico, que tem presente ser a lei o produto de uma vivência e experiência
humanas, nela sintetizadas. Para entender tal síntese existencial-histórica da lei, mui-
tas vezes será necessário remontar às causas que a determinaram; 5º) o teleológico, que
procura identificar qual é a finalidade da norma.81
Os métodos acima mencionados são, em nosso sentir, eminentemente técnicos e,
justamente por isso, universais.82 Devemos dizer, todavia, que o intérprete haverá con-
jugadamente de se servir de todos eles, pois são úteis à tarefa final: compreender a lei.

7.8.2. Interpretação da lei processual civil


A interpretação da lei processual civil, fundamentalmente, não difere daquela re-
servada a outras leis em geral.
Um aspecto particular que se pode apresentar na interpretação da lei processual ci-
vil, entretanto, é o de constatar, no caso, se estamos diante de uma lei processual civil
ou de uma lei do Direito Civil, apesar de esta, eventualmente, se encontrar num Código
de Processo Civil. Conforme a hipótese, poderá ou não haver esta ou aquela peculiari-
dade, na interpretação e aplicação de uma ou de outra lei.

81. É de se lembrar as palavras de Sidnei Agostinho Beneti acerca da interpretação das leis de
simplificação do CPC. Diz ele que “a interpretação das Leis de Simplificação Processual
não pode deixar de levar em conta que essas leis vieram para a simplificação e agilização
do procedimento, com que se garante o acesso efetivo à Justiça, de modo que, sempre que
necessária a interpretação de ponto aparentemente duvidoso nessas leis, é preciso não
esquecer que vieram elas para simplificar e agilizar, não para complicar e procrastinar” (A
interpretação das leis de simplificação do Código de Processo Civil, Revista do Advogado
da AASP, n. 46).
82. “Os métodos interpretativos aparecem definidos pelo imaginário jurídico, o ‘senso comum
teórico dos juristas’, como técnicas rigorosas, que permitem alcançar o conhecimento
científico do direito positivo. É notório sua conexão com a ideologia das distintas escolas
que conformam o pensamento jurídico. Assim, o método exegético, o método da escola
histórica, o método dogmático, o método comparativo de Ihering da segunda fase, o méto-
do da escola francesa, o método do positivismo sociológico e da escola de direito livre, o
teleológico vinculado à jurisprudência dos interesses, o método egológico e o tópico-retó-
rico, todos eles se relacionam com as escolas correspondentes, das quais, em alguns casos,
importaram o próprio título” (Luiz Alberto Warat, Introdução geral ao direito. Porto Alegre:
Fabris, 1994, p. 65).
256 Manual de Direito Processual Civil

As normas processuais, ao serem interpretadas, jamais poderão deixar de o ser de acor-


do com a finalidade do processo civil. Haver-se-á de ter presente que o processo civil não
é instrumento per se preordenado à constituição ou criação de direitos,83 como o é o Di-
reito material, e, ipso facto, a que se tire de alguém direito que tem, em razão do processo.
Há que se ter presente, como visto, que a inserção de uma norma num corpo de lei
não é, certamente, critério definitivo para determinar-lhe a natureza jurídica (proces-
sual ou material). É certo, porém, que a circunstância de uma norma estar no Código
de Processo Civil é elemento altamente indicativo de que teria os atributos próprios da
norma de processo.
Outro aspecto sabidamente importante no tema é o da existência de normas pro-
cessuais em corpos de leis que não o Código de Processo Civil, como é o caso da Cons-
tituição Federal, em que se regulam, por exemplo: 1º) o direito genérico de petição;
2º) o mandado de segurança; 3º) o recurso extraordinário; 4º) o recurso especial etc.
Ora, na interpretação de leis que eventualmente venham regulamentar o direito de pe-
tição e o mandado de segurança, deve-se, constantemente, ter presente a extensão que
a Lei Maior lhes deu, sob pena de se aplicar inconstitucionalmente a lei ordinária, prin-
cipalmente atrofiando o âmbito constitucional do instituto.84
Deve-se, na tarefa de interpretar a lei processual, ter presente, ainda, que, na ver-
dade, não se está interpretando a lei isoladamente, mas o Direito como um todo siste-

83. Em acórdão do STJ, em que se discutia a respeito da necessidade de audiência, consta do


voto do relator a frase correta, verbis: “Ademais, registro aos nobres pares que a irresigna-
bilidade da recorrente, neste particular, vem desacompanhada de qualquer demonstração
de eventual prejuízo que a não realização da audiência pudesse ter-lhe causado, preferindo
embasar o seu inconformismo em um mero aspecto formal que teria sido violado, como se
o processo fosse fonte autônoma de direito” (REsp 674-MS, 4ª T., j. 12.12.1989, rel. Min.
Fontes de Alencar; RSTJ 16/192).
84. O recurso especial e o recurso extraordinário são recursos constitucionalmente previstos
e não é possível, pela sua forma de interposição e processamento, que com isso se possa
fazer abortar ou restringir o cabimento desses recursos, nos casos em que, pela CF/1988,
têm eles cabimento. Esta ponderação tem alguma pertinência a propósito de uma das inter-
pretações surgidas com a edição da Lei 9.756/1998, que, dando nova redação ao § 3º do
art. 542 do CPC/1973, estabeleceu a modalidade de interposição retida desses recursos,
quando interpostos contra acórdãos que haviam decidido interlocutórias. Ora, é importante
ter presente que, conquanto retidamente interponíveis, não se modificaram as hipóteses de
cabimento, porque essas estão disciplinadas na Constituição. Se se fosse interpretar a inter-
posição retida à luz da mesma relação existente entre agravo retido e recurso de apelação,
na qual estava implicada que, não interposta a apelação, ou, se interposta, não viesse a ser
conhecida, ipso facto, o agravo retido não o seria, estar-se-ia fazendo com que a forma de
interposição e o mecanismo de conhecimento acabasse por suprimir recursos que constitu-
cionalmente são cabíveis. Desta forma, em relação a esses recursos, diferentemente do caso
em que a apelação era condição para o agravo retido ser conhecido, não poderia a forma
retida de interposição conter essa implicação, sob pena de entendimento inconstitucional.
No mesmo sentido, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Anotações a respeito da Lei 9.756, de
17 de dezembro de 1998, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com
a Lei 9.756/1998, p. 568; José Miguel Garcia Medina, O prequestionamento nos recursos
extraordinário e especial, n. 2.6.1.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 257

mático, embora com especial referibilidade a uma determinada lei que será a particu-
larmente aplicada.
Na interpretação do Direito Processual Civil há de se ter alguma cautela, tendo em
vista a índole e a natureza de sua função no sistema jurídico em geral.
A lei processual, como já se asseverou atrás, é de índole instrumental. Significa isto,
essencialmente, que deve ser distinguida da norma do Direito Material, porquanto é o
Direito Material que, à luz de certos acontecimentos da vida por ele definidos, “cria”
direitos, desde que, todavia, ocorram fatos subsumíveis às normas substanciais (mo-
delos legais). O processo per se, primária e originariamente, não tem função criadora
de direitos, ou, se se quiser, constitutiva de direitos. Segue-se, portanto, que toda inter-
pretação da norma processual terá de ser feita sempre com essa cautela, consistente em
que é próprio da função do Direito processual fazer valer o Direito material, objeto do
processo, mas não alterá-lo, dando ou tirando direitos, além e aquém dele.
Esta ponderação há de servir de alerta ao aplicador da lei.
Este é um dos aspectos mais importantes na hermenêutica e aplicação do Direito
Processual Civil e, por isso, não pode ser deixado de lado.

7.8.3. A hermenêutica conforme o art. 8º do CPC/2015


No campo da teoria do direito, não existe aplicação de lei sem interpretação. Sabe-
-se também que o ordenamento jurídico é mais que o corpo de leis – consiste também
da jurisprudência e de fontes textuais não normativas, como a doutrina. Os avanços da
hermenêutica jurídica e das teorias da argumentação espraiam-se também no campo do
direito processual. Afinal, o processo civil trata, justamente, da concretização (aplica-
ção) de leis de direito material, o que praticamente implica verbalizar o significado da
lei. É responsabilidade de todo jurista a atividade interpretativa/compreensiva do direito.
Importa reconhecer, sobre o tema, que a interpretação é algo inescapável. Não é dada a
opção de não interpretar; o direito só acontece, na prática, com a sua aplicação, que é ine-
vitavelmente dependente da interpretação. Daí se falar na importância da hermenêutica.85
É importante lembrar que o atual estágio das teorias da interpretação jurídica nos per-
mite superar a velha concepção de que através da hermenêutica o Judiciário revela o “ver-
dadeiro” sentido de uma lei. A atividade interpretativa requer a construção de respostas
adequadas para casos concretos, e não a repetição de fórmulas, enunciados teóricos a res-
peito de questões jurídicas. Em outras palavras, é preciso que o jurista tenha consciência de
que métodos abstratos não resolvem, por si só, lides individualizadas, cada qual com parti-
cularidades próprias. É imprescindível que, ao interpretar, dê-se à facticidade do caso sua
devida importância; do contrário, corre-se o risco de retornar à ideia de que toda lei tem um
significado único e verdadeiro, a ser “descoberto” pelo julgador no momento da decisão.86

85. Sobre os vários estágios da hermenêutica e sua recepção pela ciência do direito, ver: José
Lamego. Hermenêutica e jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 1990, pp. 172 e ss.
86. A importância da interpretação jurídica que não se submete a regras fixas, pré-estabelecidas,
está em: Friedrich Müller, Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, pp. 49 e ss.
258 Manual de Direito Processual Civil

Tendo isso em mente, o art. 8º do CPC/2015 estabelece alguns parâmetros de her-


menêutica no momento da aplicação das leis pelos juízes: “Ao aplicar o ordenamento
jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razo-
abilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. As diretrizes do dispositivo devem
ser analisadas individualmente, mas sua aplicação é sempre conjunta.
Antes de tudo, veja-se que não se trata de optar por atender a uns ou outros dos
standards do art. 8º. Eles incidem a todo o momento: uns em mais intensidade que ou-
tros a depender do caso concreto, mas incidem sempre. Cabe ao julgador, no corpo da
fundamentação da decisão, explicitar essa dimensão de incidência.
Assim, quanto aos “fins sociais” e às “exigências do bem comum”, deve-se compre-
ender a norma a partir de uma interpretação calcada nos valores do Estado Social, des-
prezando-se uma visão exclusivamente individualista, típica do liberalismo.87
Já a dignidade da pessoa humana é um vetor de interpretação inclusive da Consti-
tuição (art. 1º, III, da CF/88). Significa reconhecer a dimensão humanizada da aplicação
do direito, em detrimento da sua utilização mecanizada e meramente técnica. A neces-
sidade de reconhecimento desse princípio é consequência do legado dos autoritaris-
mos e absolutismos da primeira metade do século XX. O resultado devastador das duas
Grandes Guerras Mundiais, e o fato de que os ordenamentos de alguns países autori-
zaram, ainda que veladamente, as atrocidades cometidas, levou a comunidade jurídica
a perceber que aquilo que é jurídico pode muitas vezes não corresponder àquilo que é
Justo. Daí a se falar, com base nas ideias de Gustav Radbruch, que a aplicação do direito
positivo que se mostrar insuportavelmente injusta em um caso concreto há de ser cor-
rigida judicialmente para que a justiça prevaleça.88
Há componentes éticos que necessariamente devem fazer parte da interpretação do
direito; aí surge o respeito à pessoa na sua dignidade. A Declaração Universal dos Direi-
tos do Homem, de 1948, reforça que “todas as pessoas nascem livres e iguais em digni-
dade e direitos” (art. 1º), e dessa forma influencia os sistemas jurídicos dos Países que o
adotaram – que é o caso do Brasil – a elevar esse princípio a um patamar fundamental.89
Como exemplo legal de respeito à dignidade humana, veja-se a preferência na ordem
de pagamento de precatórios concedida aos créditos alimentares de que forem titulares

87. Mesmo considerando que a interpretação finalística da norma, mesmo no liberalismo, foi
compreendida como preferível àquela de índole gramatical, deve-se atentar para a diferença
do contexto em que se desenvolveu a expressão no âmbito das leis brasileiras. A propósito,
veja-se o que falamos sobre disposição legal semelhante, contida no art. 5º da Lei de Intro-
dução às Normas do Direito Brasileiro (anteriormente denominada Lei de Introdução ao
Código Civil – Decreto-Lei 4.657/42): Arruda Alvim, Comentários ao Código Civil brasileiro.
Volume XI, Tomo I (Livro Introdutório). Do direito as coisas. Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2009, p. 277.
88. Gustav Radbruch, Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 100 e ss.
89. Sobre o tema e a origem do princípio da dignidade da pessoa humana, ver: Jacques Maritain,
Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 259

pessoas com sessenta anos ou mais (art. 100, § 2º, da CF/88, hipótese introduzida pela
EC 62/2009). Já os julgadores, ao promoverem ou resguardarem a dignidade da pessoa
humana, devem atentar para as particularidades de cada caso, justificando a forma de
aplicação da lei para atender a esse princípio constitucional de dignidade.
Quanto à legalidade, à publicidade e à eficiência, quis o CPC/2015 fazer alusão ao
caput do art. 37 da CF/88, que trata dos princípios atinentes à Administração Pública.
Além destes, a Constituição fala da impessoalidade e da moralidade, que nem mesmo
precisariam ser repetidas no Código de Processo, pois são inerentes ao exercício da ju-
risdição. A referência à legalidade decorre diretamente do art. 5º, II, da CF/88 (“nin-
guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”),
pressuposto do Estado Democrático de Direito. A publicidade, que segue reproduzida
no art. 8º do CPC/2015, tem contornos específicos no art. 11, que será visto logo em se-
guida. Resta falar sobre o princípio da eficiência aplicado ao processo civil.
O Poder Judiciário, como um dos poderes da República, submete-se às imposições
constitucionais de funcionamento do Estado. É minimamente necessário à Adminis-
tração Pública que adote meios eficientes para atingir seus resultados. Eficiência, nesse
contexto, tem a ver com o atingimento de máximos resultados em um mínimo de atos
para tanto. Relaciona-se, porém não se confunde, portanto, com efetividade (art. 4º do
CPC/2015), que diz respeito à satisfação do direito em si.
O CPC/2015 prestigia a eficiência quando, por exemplo, torna obrigatória a reunião
de processos para julgamento conjunto, ainda que não sejam conexos entre si (art. 55,
§ 3º), mas possam gerar decisões conflitantes ou contraditórias. Em outras situações, o
código permite que as partes antecipem-se consensualmente na prática de atos que or-
dinariamente seriam judiciais. É o caso do saneamento consensual (art. 357, § 2º), no
qual a delimitação das questões controvertidas de fato e de direito é feito pelos litigantes
e, depois de homologada, vincula também o juiz. O mesmo ocorre na possibilidade de
que as partes escolham perito para a prova pericial já deferida (art. 471), caso em que
a prova substitui para todos os efeitos a perícia que seria realizada por expert nomea-
do judicialmente (art. 471, § 3º). São casos em que, além de privilegiar a autonomia de
vontade, o CPC/2015 propicia bons resultados – máximo aproveitamento no mínimo
possível de atos processuais.
A menção ao máximo aproveitamento remete-nos, ainda, à ideia, difundida no texto
do CPC/2015, de supressão de vícios processuais sanáveis em prol da obtenção, sempre
que possível, de sentenças de mérito. Quer dizer, o código fala de máximo aproveita-
mento do processo no sentido de que o esforço e o tempo gastos pelas partes e pelo Ju-
diciário possam ser úteis, e não sejam desperdiçados. Dessa forma, sempre que o mérito
de uma ação tiver condições de julgamento, não é dado ao juiz extinguir o processo sem
resolução do mérito. O art. 488 do CPC/2015 diz, expressamente: “Desde que possível,
o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria
eventual pronunciamento nos termos do art. 485”. Reside aí um conflito apenas apa-
rente entre a celeridade que resultaria da extinção do processo, e a eficiência decorren-
te de se obter, no caso, uma sentença passível de formar coisa julgada material. A opção
260 Manual de Direito Processual Civil

do CPC/2015 é a de, por vezes, retardar o fim do processo com a prática de um ou mais
atos processuais, para com isso garantir o rendimento máximo do próprio processo.90
Sobre o art. 8º do CPC/2015, vale fazer uma ressalva devido à grande abrangência
dos conceitos por ele tratados. Os princípios contidos no artigo devem ser observados
pelo juiz na aplicação do ordenamento, sem prejuízo de outros mandamentos consti-
tucionais. Não se trata de um rol taxativo. Além disso, é necessário ter cautela para não
transformar o art. 8º em um argumento para legitimar a não aplicação de regras jurídi-
cas. Os critérios interpretativos dispostos no CPC não autorizam a recusa de observân-
cia de regras legais;91 afinal, o juiz só se escusa de aplicar a lei justificadamente quando
exercer, sobre o texto legal em questão, alguma modalidade de controle de constitucio-
nalidade. Em outras palavras, para preservar o conteúdo do artigo, é imprescindível não
exagerar seu uso em situações que não reclamam sua aplicação. A menção desmedida
à dignidade da pessoa humana, ou à proporcionalidade e à razoabilidade, por exemplo,
pode ter o pernicioso efeito de afastar a credibilidade e o real valor normativo desses pos-
tulados, fazendo com que o artigo, tão importante, perca sua significância no sistema.92

7.8.3.1. Especificamente: a proporcionalidade e a aplicação do direito


processual
Diante da importância e da complexidade atinentes ao uso da proporcionalidade
mencionada pelo art. 8º do CPC/2015, tratemos do assunto de forma pormenorizada.
O surgimento de diversos direitos e garantias de índole constitucional, assim como
o soerguimento de outros a tal estatura, conduziu, o intérprete do direito à necessidade
de rever o modo de aplicação das normas infraconstitucionais, mediante interpretação
mais próxima, mais intensamente ligada à Constituição Federal.
Nesse contexto, os princípios constitucionais ganham especial relevo, tanto pelo re-
conhecimento de sua caracterização como verdadeiras normas, como também por sua
importância no âmbito da hermenêutica.93 Dentre todos os princípios constitucionais,
sublinha-se a importância do princípio da proporcionalidade, porquanto se destina à
própria aplicação do direito (particularmente o constitucional, e, também o infracons-
titucional), influindo seus critérios na interpretação dos demais princípios e das regras.

90. Leonardo Carneiro da Cunha, A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo código
de processo civil brasileiro. Revista de Processo, n. 233. São Paulo: Ed. RT, jul/2014, p. 74.
91. Este alerta está também em: Humberto Theodoro Jr, Curso de direito processual civil, vol. 1,
56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 90.
92. Sobre a perda de “positividade” dos princípios pelo seu abuso cotidiano, ver: Eros Roberto
Grau. Por que tenho medo dos juízes. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 22.
93. No Brasil, as novas concepções dos princípios como normas efetivas e as técnicas para sua
aplicação e diferenciação das regras jurídicas têm como principais referências as obras de
Robert Dworkin (Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977) e
Robert Alexy (Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos
e Constitucionales, 2001), amplamente utilizadas pelos estudiosos brasileiros na análise da
nova hermenêutica constitucional.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 261

De fato, o princípio da proporcionalidade constitui-se num genuíno epílogo do


grau de influência das constituições sobre os ordenamentos jurídicos, ao permitir que
se identifiquem parâmetros mais profundos e sofisticados de interpretação e controle
da validade das normas jurídicas. Esses consistem em que, a partir da previsão consti-
tucional de determinados direitos, particularmente valorizados – os direitos fundamen-
tais, principalmente – não é legítimo, por inconstitucionalidade, ao legislador ordinário
estabelecer restrições injustificáveis em relação àqueles.94-95
O princípio (ou máxima) da proporcionalidade se conecta estreitamente com a te-
oria dos princípios. Desdobra-se, segundo Robert Alexy, em máximas parciais, quais
sejam, a da (i) adequação, a da (ii) necessidade (postulado do meio mais benigno) e a
da (iii) proporcionalidade em sentido estrito.96 O autor fala em três graus de verificação
da intervenção de um princípio na resolução de um caso. No primeiro grau (da adequa-
ção), determina-se a intensidade da incidência da norma. No segundo (da necessidade),
aborda-se a importância dos fundamentos que justificam essa incidência. Somente no
terceiro grau (da proporcionalidade stricto sensu) realiza-se uma ponderação, no sen-
tido de sopesamento entre princípios em conflito.97 Essa atividade intelectiva permite
a correta aplicação do direito, diminuídas as arbitrariedades na argumentação judicial.
A proporcionalidade e a razoabilidade são máximas que determinam a forma de
aplicação dos direitos fundamentais pelo Estado. Embora muitas vezes sejam tratados
como sinônimos ou correlatos, são coisas diversas,98 que no entanto almejam uma fi-
nalidade comum. É por isto que, alguns autores, comparando o chamado princípio da
razoabilidade com o princípio da proporcionalidade, afirmam que este vai além do que
aquele alcança,99 pois no campo do princípio da proporcionalidade não se exige apenas

94. V. a obra de Teresa Aguado Correa, O princípio da Proporcionalidade no Direito Penal.


Madrid: EERSA, 1999, ed. passim.
95. Claus-Wilhelm Canaris (Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina,
2003, tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto), refere-se a inumeráveis
exemplos assentados, total ou parcialmente, no critério da proporcionalidade. Nesta obra
o autor aborda assuntos, também, estribado no critério de “princípio da insuficiência”, ou
seja, quando o legislador ordinário se omite em disciplinar aquilo que deveria tê-lo feito,
ou, fazendo-o, o faz insuficientemente em relação à significação e à grandeza do direito
fundamental. Como exemplo, indique-se o que está às pp. 91 e seguintes, tendo em vista a
relação entre a Constituição e o direito ordinário, à luz de pretensão de filho, nascido fora
de casamento, dirigida contra a sua mãe, com vistas à obtenção de dados de identidade
sobre a pessoa do seu pai biológico. Às pp. 92 e 93 são sopesados todos os valores em jogo,
ponderando o autor, em que medida “o resultado depende de considerações situadas ao
nível do direito civil, e não de uma ponderação de direitos fundamentais especificamente
jurídico-constitucional” (p. 93, fine).
96. Robert Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos
e Constitucionales, 2001, cap. III, 8, p. 111.
97. Robert Alexy, Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 68.
98. Virgílio Afonso da Silva, O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, vol. 798. São
Paulo: Ed. RT, abr/2002, pp. 23-50.
99. Helenilson Cunha Pontes, O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário, São Paulo:
Dialética, 2000, pp. 190-191.
262 Manual de Direito Processual Civil

que a atuação estatal e a decisão jurídica sejam razoáveis, mas que sejam os melhores
meios de maximização das aspirações constitucionais.
Dizer que os direitos fundamentais devem ser garantidos de maneira proporcional
significa entender a própria proporcionalidade em sua dupla dimensão: proibição de
proteção insuficiente (Untermassverbot) e proibição de proteção em excesso (Übermas-
sverbot). A compreensão proporcional dos direitos fundamentais é dever do Estado, que
não pode nem se omitir de garanti-los, tampouco exceder na sua proteção, violando
outras garantias.100 A tarefa da proporcionalidade é dar ao legislador infraconstitucio-
nal e aos julgadores os parâmetros de aplicação das leis. Fala-se de uma regra (da pro-
porcionalidade) sobre o uso de outras regras; uma diretriz para a promoção de direitos
fundamentais.
Já a razoabilidade tem outro espectro de atuação, também no que diz respeito à pro-
moção e respeito aos direitos fundamentais. Trata-se de uma regra destinada também
ao legislador infraconstitucional, no sentido de exigir compatibilidade entre o meios
e as finalidades da aplicação do direito. Agir de forma razoável é valer-se de técnicas e
meios legítimos para alcançar os fins da própria lei. Assim, por exemplo, diante da fa-
culdade dada ao juiz de dilatar prazos processuais ou alterar a ordem de produção dos
meios de prova (art. 139, VI, do CPC/2015), é possível flexibilizar o procedimento ten-
do em vista sua aplicação razoável. Em determinadas situações a produção probatória
na ordem estipulada pelo código pode não demonstrar ser o método mais afinado ao
caso concreto. Daí o papel representado pela razoabilidade, de permitir uma atuação
judicial no sentido de calibrar a aplicação do direito ao caso concreto.
Tanto proporcionalidade quanto razoabilidade servem de parâmetros calibradores
da aplicação do direito, no sentido de filtrar a interpretação e a hermenêutica para a
produção de resultados mais adequados à Constituição. São, conforme diz Luís Rober-
to Barroso, parâmetros de valoração dos atos do Poder Público.101 A finalidade almeja-
da é o equilíbrio entre o exercício do poder estatal e a preservação dos direitos funda-
mentais do homem.102
A busca de uma resposta justa decorrente de um processo adequado é o elo entre
proporcionalidade e devido processo legal. Como diz Gilmar Ferreira Mendes, “o de-

100. Claus-Wilhelm Canaris, Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 161 e ss.
101. “O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para
aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico:
a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um
conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão exclusivamente subjetiva.
É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o
que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores
vigentes em dado momento ou lugar.” (Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da
Constituição, Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. São Paulo:
Saraiva, 1996, pp. 205-206).
102. Maria Rosynete Oliveira Lima, Devido Processo Legal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1999, pp. 273-276.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 263

senvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado


constitucional autônomo que tem sua sede material na disposição constitucional que
disciplina o devido processo legal (art. 5º, LIV)”; (...) “de maneira inequívoca a possi-
bilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade
(inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausên-
cia de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o
ônus imposto ao atingido)”.103
Conforme ainda ressalta Gilmar Ferreira Mendes,104 subsidiado por forte aparato
doutrinário alemão, o pressuposto da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas
interventivas adotadas pelo Estado se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos.
O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)
significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente
eficaz na consecução dos objetivos pretendidos, e, que, portanto, o meio gravoso con-
cretamente utilizado não merece censura.
Um juízo correto sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa
ponderação entre o significado da intervenção para o fim a ser atingido e os objetivos
perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito).
Parece-nos legítimo dizer que, por causa do princípio da proporcionalidade, os textos
constitucionais se “engrandeceram”, dentro de um contexto mais amplo e crescente
de maior significação, de tal forma que as leis disciplinadoras de direitos fundamentais
haverão de concretizar mandamentos constitucionais precisamente à luz da dimensão
neles cunhada.
Deve-se acentuar, nesse itinerário, marcado pelo crescente engrandecimento da fi-
gura do juiz e do Poder Judiciário, mais “próximos” do direito constitucional, que o que
se verificou foi uma constante e crescente abertura para uma maior proteção jurisdicio-
nal, fazendo-se com que cada vez mais pudessem estar à disposição do juiz, no plano do
processo, instrumentos mais ajustados à realização do Direito, da restauração do ilícito
que houvesse ocorrido e mesmo de caminhos novos para evitar que o ilícito ocorresse
ou que se repetisse, e, quando verificado, que viesse a ser minimizado.
Ressalte-se, todavia, que não se trata de uma abertura à discricionariedade judicial,
o que equivaleria a transferir a discricionariedade política do parlamento – positivismo
exegético e primado da lei – para o Judiciário, legitimando, de igual forma, arbitrarie-
dades. Parece-nos que a possibilidade de interpretação não se confunde com o caráter
discricionário da aplicação do direito – sendo, ao contrário, a hermenêutica um modo
de fechamento dos sentidos interpretativos, e não de sua abertura.105

103. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório de Juris-


prudência IOB, n. 23/94, 1ª quinzena de dezembro de 1994: 469/475.
104. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo: Celso Bastos Editor,
1998, p. 39.
105. Lenio Streck, Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: Luigi Ferrajoli; Lenio
Streck; André Karam Trindade (org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo:
um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, pp. 90-91. Sobre
264 Manual de Direito Processual Civil

As teorias instrumentais, como a de Alexy, racionalizam o processo decisório e per-


mitem o seu controle. Não são, é verdade, construções teóricas livre de críticas,106 mas
o fato é que a mera preocupação com a argumentação lógica e, pois, com o fundamen-
to racional das decisões fundadas em princípios, já desponta como aspecto central no
Estado Democrático de Direito. Há, nesse ponto, na fuga à ideia de discricionariedade
judicial, uma forma de controle do subjetivismo das decisões judiciais.
Isto porque, precisamente, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, o que
se colima, talvez primordialmente, é um radical primado, por método refinado, da Cons-
tituição, em especial no que concerne aos direitos fundamentais.
Constituiu-se, nesse contexto, o princípio da proporcionalidade como que – segun-
do nos parece –, um coroamento de toda essa evolução, numa de suas facetas, conso-
lidando-se teoria particular da validade das normas infraconstitucionais, com vistas a
um maior e mais eficiente resguardo de direitos fundamentais, que não devem ser “ar-
ranhados” ou “minimizados”, pela legislação ordinária, não compatível com a grande-
za desses direitos, tais como tenham sido cunhados na Constituição.107 Trata-se de um
rigoroso resguardo desses direitos.
Proporcionou-se, assim, um critério representativo de uma sintonia fina entre tex-
tos constitucionais em que se preveem direitos fundamentais, viabilizando que se iden-
tifiquem ou que se flagrem inconstitucionalidades – menos evidentes, ou, em tempos
passados, menos detectáveis, ou, então havidas mesmo como inexistentes – decorren-
tes do descompasso entre o significado albergado pelo texto constitucional e não cor-

o tema, com grande proveito, ver: Georges Abboud, Processo constitucional brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 2016, item 1.1, pp. 55 e ss.
106. Ideias contrárias à dos degraus de verificação da proporcionalidade podem ser encontradas
em Lenio Streck, Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, cap. 4, pp. 57 e ss;
ainda: Ronald Dworkin, A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 148; Rafael
Thomaz de Oliveira, Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008; Humberto Bergmann Ávila, Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros,
2012.
107. Nesse sentido, ainda esta vez, Lenio Streck: “Trata-se, enfim, segundo o jurista italiano (Fer-
rajoli), de um câmbio revolucionário de paradigma no Direito: alteram-se em primeiro lugar,
as condições de validade das leis que dependem do respeito já não somente em relação às
normas processuais sobre a sua formação, senão também em relação às normas substantivas
sobre seu conteúdo, isto é, dependem de sua coerência com os princípios de justiça esta-
belecidos pela Constituição; em segundo lugar, altera-se a natureza da função jurisdicional
e a relação entre o juiz e a lei, que já não é, como no paradigma juspositivista, sujeição à
letra da lei qualquer que seja o seu significado, senão que é uma sujeição, sobremodo, à
Constituição que impõe ao juiz a crítica das leis inválidas através de sua reinterpretação em
sentido constitucional e sua declaração de inconstitucionalidade; em terceiro, altera-se o
papel da ciência jurídica, que, devido ao câmbio paradigmático, resulta investida de sua
função à não somente descritiva, como no velho paradigma paleojuspositivista, senão crítica
e construtiva em relação ao seu objeto; crítica em relação às antinomias e às lacunas da
legislação vigente em relação aos imperativos constitucionais, e construtiva relativamente
à introdução de técnicas de garantia que exigem para superá-las; altera-se, sobremodo, a
natureza mesma da democracia.” (Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, 4. ed., cit., pp. 48 –49).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 265

retamente compreendido ou obedecido pelo legislador ordinário. Por outras palavras,


entende-se, hoje, que tais valores constitucionais tem de ser considerados e ser eficazes
na inteireza com que hajam sido assumidos e protegidos pela Constituição, havendo,
por isso, para o conteúdo da lei ordinária, critérios preordenados a que isso não ocorra.
Objetiva-se que não haja restrições a direitos fundamentais desnecessariamente,
i.e., que a disciplina, por lei ordinária, não seja inadequada à preservação da inteireza
de tais direitos; eventuais delimitações haverão de considerar o equilíbrio ou a propor-
cionalidade entre dois direitos fundamentais.
Em decorrência, o Judiciário deve ser considerado também, senão fundamental-
mente, como uma longa manus expressiva do constituinte, na fiscalização dessa rigorosa
congruência entre as leis ordinárias concretizadoras de mandamentos constitucionais
em relação ao que a Constituição, a respeito, dispõe. O princípio da proporcionalidade
presta-se, sob essa ótica, a balizar a validade das normas infraconstitucionais quando,
através destas, se estabeleçam restrições desnecessárias ou desproporcionais a direitos
e garantias de índole constitucional.
Um dos primeiros,108 senão o leading case no Brasil, a respeito de referência ao prin-
cípio da proporcionalidade, então rotulado de “razoabilidade” ocorreu no julgamento
pelo STF da Representação por Inconstitucionalidade 930-DF, julgada em 05.05.1976,
relator para o acórdão Min. Rodrigues Alckmin. Dizia respeito à disciplina por lei da
profissão de corretor, tendo sido havida, essa disciplina, como injustificável (= injustifi-
cavelmente, desarrazoadamente restritiva). Consta do acórdão a indagação: “Que adian-
taria afirmar livre o exercício de qualquer profissão, se a lei ordinária tivesse o poder de
restringir tal exercício, a seu critério e alvitre, por meio de requisitos e condições que
estipulasse, aos casos e pessoas que entendesse”. Tratava-se de disciplinar a profissão
de corretor para cujo exercício não era e não é, sequer exigida “capacidade técnica”, o
que tornava sem sentido determinadas exigências da lei.
Antes disso, em 1968, analisou-se o art. 48 do Dec.-lei 314, de 1967. O STF reco-
nheceu que a restrição aí contida revelava-se desproporcional (excedente, ou, descabida-
mente excedente, aos efeitos da condenação), dado que se proibia que o acusado de prá-
tica contra a Segurança Nacional desempenhasse qualquer atividade profissional pú-
blica ou privada.109
Já mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a arguição de incons-
titucionalidade do art. 5º, e seus parágrafos e incisos, da Lei 8.713, de 30.09.1993, dis-
ciplinadora da participação de partidos políticos nas eleições presidenciais, utilizou-
-se do princípio da razoabilidade (assim nominado no acórdão), ou seja, decidiu que a

108. Antes desse pode-se identificar o julgamento pelo STF do RE 18.331, rel. Min. Orozimbo
Nonato, RF 145/164 et seq. (1953), que versava sobre o poder de taxar, devendo-se também
fazer menção à Representação 1.077, em que se enfrentou os limites da taxa judiciária, com
largo desenvolvimento (RTJ 112/58-59, STF, rel. Min. Moreira Alves).
109. STF, RE 18.331, j. 21.09.1951 e HC 45.232, rel. Min. Themístocles Cavalcanti, RTJ 44,
p. 327-328.
266 Manual de Direito Processual Civil

Lei 8.713 feria o princípio constitucional do devido processo legal (esse princípio abar-
ca a falta de razoabilidade de uma norma): (a) consta do voto do Min. Moreira Alves:
“Por isso mesmo já houve quem dissesse que é um modo de a Suprema Corte americana
ter a possibilidade de certa largueza de medidas para declarar a inconstitucionalidade
de leis que atentem contra a razoabilidade”; (b) são – os textos em causa, da Lei 8.713
– dispositivos de exceção, ou seja, continua o voto, “(…) partem de fatos passados, já
conhecidos pelo legislador quando da elaboração da lei, para criar impedimentos futuros
e, portanto para cercear a liberdade desses partidos políticos” (ADIn 855, RTJ: 152, p. 455
e ss.); (c) questiona o Min. Moreira Alves se seria possível estabelecerem-se restrições
ao pluripartidarismo, deixando de enfrentar a questão, na hipótese, porque rigorosamente
impertinente, mas concluindo: “Fico apenas nesse outro que é o da falta de razoabilida-
de desse princípio”. Outro caso, de que foi relator o Min. Moreira Alves foi o da Repre-
sentação 1.054 (RTJ 100/967), em que se arguiu de inconstitucionalidade o art. 86 do
então vigente Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – a revogada Lei 4.215, de
27.04.1963 – em que se estabelecia incompatibilidade para advocacia de magistrados,
membros do Ministério Público e de outras categorias, durante os dois anos seguintes,
a contar da aposentadoria. O relator argumentou que essa restrição não era aceitável,
sob ângulo algum de avaliação, e, que, portanto, na realidade, o significado prático da
lei era manifestamente discriminatório, sem razão alguma.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – que rigorosamente
se tem utilizado mais do nomen iuris do princípio da razoabilidade –, bem por isso, tem
censurado a validade jurídica de atos estatais que, desconsiderando as limitações inci-
dentes sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões
de razoabilidade e que se revelem destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos
inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas.110
De outro lado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem prestigiado normas que
não se revelam arbitrárias ou irrazoáveis em suas prescrições, em suas determinações
ou em suas limitações: “A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazo-
abilidade, ajusta-se ao princípio do devido processo legal, analisado na perspectiva de
sua projeção material (substantive due process of law). Essa cláusula tutelar, ao inibir os
efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que
a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencial-
mente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repou-
sar em juízo meramente político ou discricionário do legislador”.111
Vejamos a hipótese em que colidiriam dois direitos fundamentais, compatibilizados
ou acomodados tendo em vista o princípio da proporcionalidade, vale mencionar caso
julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Na ADIn 855/PR MC, j. 01.07.1993, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.1993 estão claramente presentes a liberdade de comércio
e o direito do consumidor.

110. ADIn 1.063-DF MC, j. 18.05.1994, rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.04.2001; ADIn 1.158-
AM MC, j. 19.12.1994, rel. Min. Celso de Mello, DJ 26.05.1995.
111. ADIn 1.407-DF MC, j. 07.03.1996, rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 267

Deflui do v. acórdão proferido na referida ADIn 855-2, onde francamente o Supre-


mo Tribunal Federal fundamentou acórdão com lastro no princípio da proporcionali-
dade, ao ensejo da suspensão liminar de vigência de lei de Estado federado, em que se
disciplinava matéria de consumo. De uma parte, sustentou-se a competência da União
para a disciplina do assunto (ainda que houvesse competência concorrente do Estado
federado), arguição esta que refoge do assunto aqui tratado; como, também, constituiu-
-se fundamento do v. acórdão a violação do princípio da proporcionalidade (v. acórdão,
item 6º, do relatório, e, item 4º do voto de relator). Em relação ao aspecto atinente ao
princípio da proporcionalidade fundamentou-se em que as despesas que estavam im-
plicadas se cumprida a lei local, em decorrência das inovações por ela impostas, seriam
“onerosas e de duvidosos efeitos úteis”.
Tratava-se de lei local, disciplinadora de consumo, em que se impunha, para a troca
domiciliar de botijões de gás, que houvesse sempre pesagem “à vista do consumidor”,
tanto do botijão recolhido, quanto do entregue (da súmula da lei). Para isto haveriam
os entregadores de “portar balança apropriada para essa finalidade”.
Devemos ponderar, contudo, que o controle ensejado pelo princípio da proporcio-
nalidade não se restringe à análise abstrata das normas, por ser possível que, no plano
concreto, uma norma formalmente válida (i.e. constitucional, em tese) possa infringir
a Constituição quando aplicada a uma hipótese específica.
Para essas hipóteses de inconstitucionalidade da aplicação da norma em casos espe-
cíficos, devem ser aplicadas as teorias relativas à ponderação das normas constitucionais,
que possibilitam a análise da constitucionalidade das normas em cada caso específico,
por um processo intelectual que tem como fio condutor o princípio constitucional da
proporcionalidade ou da razoabilidade.112
A título exemplificativo, Luís Roberto Barroso identifica alguns dos principais te-
mas constitucionais cujo equacionamento depende da ponderação de valores – ou
seja, da utilização dos parâmetros ofertados pelo princípio da proporcionalidade –,
que bem ilustram a importância da proporcionalidade como balizadora da atividade
judicial: “(i) o debate acerca da relativização da coisa julgada, onde se contrapõem o
princípio da segurança jurídica e outros valores socialmente relevantes, como a justi-
ça, a proteção dos direitos da personalidade e outros; (ii) o debate acerca da denomina-
da ‘eficácia horizontal dos direitos fundamentais’, envolvendo a aplicação das normas
constitucionais às relações privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a
efetivação dos direitos fundamentais; (iii) o debate acerca da liberdade de imprensa,
liberdade de expressão e o direito à informação em contraste com o direito à honra, à
imagem e à vida privada”.
O que se percebe é que, por um lado, a incidência do princípio da proporcionalida-
de amplia a margem de atuação do órgão jurisdicional na aplicação do direito – que, há
muito, deixou de refletir a previsão fria da lei infraconstitucional –, e, por outro, for-

112. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 301.
268 Manual de Direito Processual Civil

nece ao juiz parâmetros que, embora não possam ser considerados totalmente objeti-
vos, reduzem significativamente a subjetividade da interpretação das normas jurídicas.
Desse modo, o controle da validade e eficácia das normas jurídicas, bem como
a análise do alcance e significado dos princípios jurídicos e dos conceitos jurídicos
indeterminados, se devem orientar pelos critérios de adequação e necessidade pre-
cedentemente descritos, de forma a evitar-se o sacrifício desnecessário de direitos e
garantias constitucionais em detrimento de valores menos relevantes, inclusive no
plano do processo.

7.8.4. As fontes subsidiárias da norma processual civil


Todo sistema jurídico é tido como pleno, isto é, não contém (="não" deve conter)
lacunas, as quais são, por definição, lógica e juridicamente impossíveis. Aceita esta po-
sição para raciocinar, embora filosoficamente e no plano da teoria do direito seja dis-
cutível e efetivamente seja discutida, mas, é esta posição assumida, a mais operativa.
O sistema jurídico regula integralmente a vida jurídica daqueles que a ele estão sub-
metidos, prescrevendo, assim, o lícito e o ilícito, bem como as respectivas consequências
jurídicas para todos os setores da atividade humana. Abarca toda a conduta humana.
A distinção entre ilícito e lícito, integrando, estes, o Direito e aquele não, é feita pela
doutrina tradicional. O ilícito não se encontra fora do Direito, mas também integra o
sistema, tal como o lícito. A lembrança desta distinção tradicional entre o lícito e o ilí-
cito é, todavia, pelo menos altamente operacional, principalmente porque são levados
ao Poder Judiciário, quase sempre, atos ilícitos, objetivando-se a concretização das con-
sequências jurídicas respectivas. Tais consequências, precisamente pela verificação do
ilícito, não poderiam ser obtidas sem o concurso indispensável do Poder Judiciário, que
tais hipóteses resolve precisamente aplicando o Direito.
Mas, ao qualificarmos o sistema jurídico como pleno e ao afirmarmos, com ênfase,
este aspecto do sistema jurídico, surge-nos, imediatamente, a ideia ou o problema das
assim chamadas lacunas da lei (o art. 4º da LINDB).
Verifica-se, em todos os ordenamentos jurídicos, a existência de vazios que, à pri-
meira vista, não estariam regulamentados. Isto significa que pode parecer haver aspec-
tos da vida social sem direitos e deveres.
Fontes subsidiárias do Direito são, portanto, os instrumentos de que se serve o pró-
prio legislador, para que, não prevendo a lei especificamente todas as hipóteses, não
seja prejudicada a ideia vital e realidade matriz do sistema, qual seja, a da plenitude do
ordenamento jurídico (art. 5º, II, da CF/1988, devendo ser vislumbrada, no lugar de
lei, a ideia de ordenamento jurídico ou sistema jurídico).
Assim, por mais incansável que seja a busca deste objetivo, um ideal de plenitude
jurídica é impossível. A vida humana não é passível de ser integralmente abrangida ou
açambarcada por um mero sistema normativo, enquanto se pretender lê-lo exaurido nos
textos de lei. De outra parte, os Códigos assumiriam indesejável complexidade, seriam
descomunalmente grandes e não teriam, portanto, operatividade.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 269

O Código de Processo Civil, no caput do art. 140, estabelece: “O juiz não se exime


de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O cos-
tume (“norma costumeira”) está previsto sucessivamente à lei e à analogia, o que sig-
nifica ser indubitável constituir-se a lei na fonte primordial do Direito. Isto fica claro
se atentarmos para que a fonte produtora fundamental do sistema é a lei, o que há de
se concluir a começar pelo próprio enunciado constitucional (art. 5º, II, da CF/1988).
O costume só será, pois, usado quando lacunosa a lei escrita, e isto ocorrendo quan-
do não seja ainda viável a analogia, eis que nosso sistema processual é receptivo ao seu
uso, transformando-o em “norma costumeira”, tendo, dessa forma, bafejado o costu-
me com juridicidade.
Existe uma hierarquia entre a analogia, o costume e os princípios gerais de direito,
no sentido de que não, exemplificativamente, deve ser usado um costume se a solução
pela analogia for possível.
O art. 126 do CPC/1973 referia-se, na mesma ordem, às fontes discriminadas no
art. 4º da LINDB. O correspondente do CPC/2015 (art. 140) não traz a mesma disposi-
ção. De toda forma, é razoável que se aplique a analogia, prioritariamente ao costume,
porquanto a analogia é uma solução que decorre do próprio sistema, isto é, trata-se de
resolver o problema à luz do que foi querido, embora não explicitamente, pelo próprio
legislador. É, pois, em última análise, uma solução mais próxima do Direito escrito, e,
assim, mais próxima da ideia matriz de todo o nosso sistema, consistente, essencial-
mente, em que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em
virtude de lei, e, por outro lado, que responde melhor ao princípio da igualdade de to-
dos perante a lei = sistema jurídico (art. 5º, caput, da CF/1988). Às situações análogas
aplica-se a regra próxima, tal como consta da lei, o que conduz a uma maior e possível
igualdade de todos perante o sistema. Já – se omissa a lei –, em aplicando os costumes,
variáveis ao longo do País, resolver-se-iam questões idênticas por normas costumeiras
diferentes, o que não condiz com o art. 5º, caput, da CF/1988. O costume, pois, só será
aplicado se impossível a aplicação analógica de uma lei.113
7.8.4.1. Analogia
A analogia representa uma técnica de autointegração do Direito, porque decorre de
uma lógica interna, que se contém no próprio ordenamento jurídico, não se servindo o
aplicador da lei de elementos situados fora dele, ditos extrassistemáticos, no que diz
com a sua origem substancial: o costume nasce do povo e não do Direito positivo; este,
formalmente, pode torná-lo jurídico. É o próprio ordenamento jurídico que, por meio
de princípio lógico, permite seja encontrada a solução para um determinado caso que
o sistema positivo não resolve expressamente. Entretanto, há uma solução no sistema
legislado, precisamente porque esse sistema prevê um modus operandi para a lacuna
da lei, donde, então, devemos considerar a possível lacuna da lei, mas não do sistema.

113. A redação primitiva do CPC/1973 dava precedência aos costumes em vez da analogia, mas,
mesmo antes de ter vigência, a Lei 5.925/1973 a alterou para voltar ao sistema do art. 4º da
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
270 Manual de Direito Processual Civil

Não podemos, ainda, deixar de diferenciar a analogia da interpretação extensiva.


Na analogia, parte-se de duas situações: uma, regulada por determinada norma;
outra, que não foi sequer cogitada pelo legislador. Devido, precisamente, à analogia
entre as duas situações, aplica-se, então, a norma às duas, ou seja, à situação expressa-
mente prevista e à situação que, embora não prevista, é similar àquela que o é. Na ana-
logia, pois, há duas situações: a prevista e a que lhe é análoga, ou seja, o fato ou a si-
tuação análoga.
Na interpretação extensiva, o intérprete parte de uma só norma, por meio da delimi-
tação de seu âmbito, procurando fixar seu significado e abrangência. Assim, uma inter-
pretação é extensiva, quando o legislador disse menos do que tinha a intenção de dizer,
ou seja, quando há uma desconformidade entre o pensamento do legislador (o que quer
o legislador) e a própria norma, onde o legislador disse menos do que queria ter dito.
Na interpretação extensiva, delimita-se bem a situação mal definida pela norma
(mandamento), não havendo situação externa a esta. Lendo-se extensivamente, verifi-
car-se-á que a situação está dentro do próprio mandamento.

7.8.4.2. Costume
O costume, para poder vir a ser juridicamente relevante, tem de contar com dois
elementos: um exterior e outro interior.
Como elemento exterior, é entendido o fato de o costume ter de se constituir num
hábito, num uso, isto é, tem que se traduzir na vida por meio de determinados atos cons-
tante e sistematicamente praticados.
A diferenciação (psicológica) entre o costume e o hábito está no elemento interior
e caracterizador do costume, peculiar somente a este.
O elemento interior do costume é de percepção mais ou menos delicada, e é deno-
minado opinio necessitatis (correspondente ao porquê do agir habitual, que se expressa
na conduta submetida ao costume).
A opinio necessitatis poderia ser descrita como a correspondência do comportamento
exterior a uma convicção individual coincidente com o coletivo, ou seja, que a prática
do mesmo decorre e responde a uma necessidade jurídica, tal como se fosse lei escrita.
Quem assim age, está convencido de que obedece regra de direito, e, bem assim, sendo
este, também, o modo de pensar da sociedade na qual existe o costume.
Nas legislações modernas, o costume, para ter função jurídica, necessita de mais
de um requisito, que é a respectiva relevância a ele emprestada pelo Direito positivo, o
que exige, para sua aplicação, uma lacuna na lei, a inviabilidade de aplicação analógica
da lei e a compatibilidade do costume com o resto do ordenamento jurídico positivo.
A cultura jurídica nos países de tradição civilista, e notadamente também no Bra-
sil, convive com a ideia de que só é Direito, é dizer, só tem força normativa, aquilo que
emana do Estado. Não há dúvida, pois, que, dia a dia, cada vez mais se atrofia a função
do costume, como elemento diretamente criador de direito. Surgem, então, os proble-
mas consistentes em se estabelecer em que medida o costume pode valer.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 271

Em última análise é a lei (fonte formal), como norma legislada, e conforme o dese-
je o legislador, que empresta vitalidade jurídica aos costumes (“norma costumeira”).
Não é possível, portanto, de forma alguma, um pretenso costume infringir um prin-
cípio do ordenamento jurídico positivo. Se isto ocorrer e se a solução via analógica não
tiver sido possível, haver-se-á de recorrer aos princípios gerais de direito, eis que, coli-
dente o costume com o ordenamento, não poderá ser validamente invocado.

7.8.4.3. Os princípios gerais do Direito


Os princípios gerais do Direito constituem-se no ponto final das fontes subsidiá-
rias em nosso Direito positivo, “fechando” o sistema jurídico (esta última ideia não é
pacífica), ou seja, é a “norma de encerramento” do preenchimento das lacunas. Repre-
sentam as fronteiras extremas do ordenamento jurídico, pois até regras e princípios do
Direito comparado podem validamente ser invocados, porque virtualmente assumidos pelo
nosso ordenamento.
Para a detecção dos princípios gerais do Direito, ou, eventualmente, do princípio
geral de direito que rege o caso concreto, teremos que proceder, em primeiro lugar, a
uma análise do sistema jurídico nacional.
Importa indagar, a esta altura, a respeito do ponto mais difícil do problema, a saber,
qual é a metodologia adequada à percepção desses princípios gerais do Direito. Para a
construção científica, é recomendado: a) em primeiro lugar, que o trabalho se faça em
torno do sistema jurídico positivo, equivale dizer, do sistema jurídico nacional, no sen-
tido de aí identificar e recolher o princípio geral de direito respectivo; b) depois, se esta
pesquisa não produzir resultados, recorre-se às leis científicas do Direito, isto é, à Ciên-
cia do Direito; c) se nem mesmo mediante essa “ordem crescente de generalização” for
resolvido o problema, é recomendado passar à “filosofia do Direito, que, com o Direito
natural, reúne os princípios primeiros e fundamentais inspiradores de todos os ramos
da ciência jurídica, formando a unidade do conhecimento do Direito”.114
O jurista deve, então, proceder, em primeiro lugar, a sucessivas abstrações no pró-
prio Direito positivo; nada conseguindo, o intérprete deveria ir ao encontro de “cer-
tos princípios da razão jurídica natural, com os quais a tendência idealista identifica
os princípios gerais do Direito”.115 A construção teórica a que se aludiu, efetivamente,
parece-nos exata, dado que se afina, inclusive, com as noções fundamentais da filosofia
perene, no que diz respeito às suas relações com as demais ciências.116

114. Cf. Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, vol. 1, Belo Horizonte: Max Limonad, 1952,
p. 314.
115. Cf. Nicolau Nazo, Os princípios gerais do direito, p. 60.
116. Para uma análise ampla do papel que desempenham, modernamente, os princípios jurídi-
cos, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Controle das decisões judiciais por meio de recursos
de estrito direito e de ação rescisória, São Paulo: Ed. RT, 2002, n. 1.2, pp. 57 e ss.; e, mais
recentemente, da mesma autora, Omissão judicial e embargos de declaração, São Paulo:
Ed. RT, 2005, n. 1.1, pp. 33 e ss.
272 Manual de Direito Processual Civil

Em relação especificamente ao direito processual civil, têm-se alguns princípios


gerais próprios, além dos chamados princípios informativos. Fala-se aqui de princípios
não propriamente no sentido normativo empregado mais modernamente; os princípios
gerais do direito são, em verdade, conceitos que fornecem diretrizes de compreensão
do sistema jurídico. Não atuam no campo pragmático, como os princípios normativos,
mas sim no âmbito teórico, com o objetivo de colmatar “lacunas” interpretativas e pre-
servar a plenitude do ordenamento jurídico.117 Em relação ao direito processual civil,
alguns princípios gerais mais importantes são os seguintes.
1º) O da bilateralidade da audiência, significativo de que o réu tem de ser citado para
ser válido o processo (art. 239, caput, do CPC/2015) e de que ambas as partes (autor e
réu) têm, durante todo o procedimento, igualdade de oportunidades, conforme inclu-
sive o art. 7º do CPC/2015. Este princípio opõe-se ao inquisitório;
2º) Princípio dispositivo, que se expressa no fato de o processo começar por iniciati-
va da parte, conforme o art. 2º do CPC/2015 (regra válida para a jurisdição voluntária,
também, embora nesta possa agir, além do interessado, eventualmente, o Ministério
Público – art. 720) e de que, no processo, regra geral, as partes podem dispor do direi-
to material que vão fazer valer em juízo (arts. 487, III, e 391). Este princípio opõe-se
ao da indisponibilidade. Desta enunciação decorre que: a) o autor é quem fixa a lide
(art. 141), e o réu, por sua vez, levanta questões gerando controvérsia; b) a este deline-
amento bilateral fica o juiz vinculado (ne eat iudex ultra petita partium; sententia debet
esse conformis libelo – art. 492), pois deverá conceder, ou não, ao autor, só o que lhe foi
solicitado, como ainda solucionar as questões trazidas pelo réu ao processo, em função
do bem jurídico pedido pelo autor, o que, todavia, não o inibe de formular, ele próprio,
as suas questões – dentro do âmbito estrito da necessidade de decidir sobre o processo,
a ação e a respectiva lide, ou seja, na medida em que isto se coloque como conditio sine
qua non a que possa o juiz decidir;118 c) o juiz, ademais, deverá julgar, com apoio não
só nas alegações das partes, como também na prova trazida aos autos (secundum alle-
gata et probata; actore non probante reus absolvitur), sendo-lhe vedado proferir decisão
com base em fundamento sobre o qual as partes não tiveram a oportunidade de debater
(art. 10 do CPC/2015).

117. “Os princípios aparecem, neste caso, como axiomas de justiça necessários a partir dos
quais se realiza a dedução. Desse modo, é possível dizer que eles funcionavam de maneira
teórica e metodológica para reunir pelo menos duas exigências para concretização da
completude axiomático-dedutiva do sistema: em primeiro lugar, a plenitude normativa,
sendo articulados para colmatar os espaços vazios do sistema em caso de lacunas; em
segundo lugar, reduzindo eventuais contradições que pudessem surgir da interpretação
abstrata das disposições normativas do sistema jurídico codificado” (Rafael Thomaz de
Oliveira, Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008, pp. 50-51).
118. Quanto às ações que versem obrigações de fazer, não fazer e de entrega de coisa, é fa-
cultado, porém, ao juiz, conceder ex officio providências diversas daquelas requeridas
pelo autor, desde que assegurem o resultado prático equivalente ao pedido, na esteira
do que dispõe o art. 497 do CPC/2015 e conforme dispunham os arts. 461 e 461-A do
CPC/1973.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 273

3º) Princípio do impulso processual pelas partes, não acolhido entre nós, significativo
de que o processo não só é iniciado pela vontade das partes, como seu desenvolvimen-
to fica a depender dessa mesma vontade. Os dois primeiros princípios são adotados no
processo moderno; o do impulso das partes, contudo, é geralmente adotado só no que
tange ao início do procedimento – propositura de ação –, pois o impulso ulterior é oficial.
4º) Princípio da oralidade,119 em virtude do qual o juiz deverá colher, ele próprio
(art. 456), o depoimento das partes e das testemunhas (art. 361, II), tendo, então, a
oportunidade de sentir-lhes a honestidade ou as dúvidas e hesitações, aspectos, em re-
gra, irredutíveis à documentação. Daí a utilidade da colheita e avaliação da prova por
aquele que for julgar. A razão de ser deste princípio é a de que se obtém melhor avalia-
ção, porque melhor percebida pelo juiz que julga a prova que ele mesmo colheu; diz,
pois, com uma melhor qualidade da Justiça.
Alguns autores, contudo, entendem esse princípio mais rigidamente. Para Eduar-
do Couture, num sistema jurídico-processual regido pelo princípio da oralidade, os
atos processuais orais que se praticam através da escrita “se reduzem ao estritamente
necessário”.120 Decorrem deste princípio alguns subprincípios, que se colocam mesmo
como requisitos de operatividade do princípio da oralidade, sendo-lhe, nessa medida,
essenciais e, pois, de grande importância. São os da imediação, da concentração dos atos
processuais (art. 365), da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, e da identi-
dade física do juiz, que no CPC/2015 deixa de contar com texto expresso, como havia no
CPC/1973 (art. 132) e, mais rigidamente, no direito anterior (art. 120 do CPC/1939).121
Pelo primeiro e pelo último, temos que o juiz (que irá julgar) deverá colher as provas
sem a intermediação de quem quer que seja. Já por concentração entende-se a proxi-
midade necessária dos diversos atos processuais, em especial os instrutórios, para que
o juiz (coletor da prova e julgador, ele mesmo) possa valer-se da impressão deixada no

119. Consultar, a esse respeito, Peter Arens, Mündlichkeitsprinzip und Prozeßbeschleunigung


[Princípio da Oralidade e Princípio da Celeridade no Processo Civil], Zivilprozeß [Di-
reito Processual Civil], Berlim: J. Schweiter, 1977, p. 19 et seq., cap. III. Especialmente,
p. 17, na qual se observa que a oralidade se limita ao mesmo juízo, como ainda que
não abrange todo o processo; por outro lado, a oralidade entrosa-se com o princípio da
publicidade (p. 13, § 2º); e a parte escrita do processo envolve uma preparação para o
desenvolvimento da oralidade (p. 19). Saliente-se que no direito brasileiro a parte escrita
é importante, entre outros motivos, por causa das preclusões que ocorrem com relação
à atividade das partes. A parte escrita do processo, por outro lado, limita e estratifica o
contraditório. V. ainda Fritz Baur, Wege zu einer Konzentration der mündlichen Verhan-
dlung im Prozeß [Caminho para a concentração da instrução oral no processo], Berlim:
Walter de Gruyter & Co., 1966, p. 1, cap. I, especialmente. No Brasil, ver: Zulmar Duarte
Oliveira Jr., O princípio da oralidade no processo civil: quinteto estruturante. Porto Alegre:
Núria Fabris, 2011.
120. Cf. Eduardo Couture, Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires: Depalma,
1951, p. 199.
121. Sobre o subprincípio da identidade física do juiz, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, São Paulo: Ed. RT, 1975, vol. 1/65, e Tratado de direito processual civil, São
Paulo: Ed. RT, 1990, vol. 1/94.
274 Manual de Direito Processual Civil

seu espírito (sem se esquecer) pelos testemunhos e depoimentos, a ponto de o ideal ser
a unidade da audiência (art. 365).
O mal expressado subprincípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias
representa a impossibilidade de se usar, para as decisões proferidas no curso do procedi-
mento (precisamente, durante a instrução oral), de um recurso que o paralise, ou seja,
para que este princípio seja levado a efeito, não se pode recorrer das interlocutórias.
Esta regra vale para todas as decisões interlocutórias, mas, para as proferidas dentro do
segmento representado pela instrução oral, a regra fundamenta-se na razão de ser da
própria concentração dos atos processuais. Assim, fica justificada a regra do art. 1.015
do CPC/2015, pela qual apenas algumas decisões comportam recurso de agravo de ins-
trumento (em regra sem efeito suspensivo), não estando as demais decisões sujeitas à
preclusão imediata, podendo ser discutidas ao fim do procedimento, em sede de apela-
ção (art. 1.009, § 1º). É de se notar que este princípio não é afetado pela atribuição de
efeito suspensivo ao recurso de agravo, cabível das decisões interlocutórias (art. 995,
parágrafo único, do CPC/2015). Isto porque tal efeito suspensivo só obsta a eficácia da
decisão agravada, mas não interrompe o procedimento, em si mesmo.
O subprincípio da identidade física do juiz, que já havia sido atenuado com a promul-
gação do Código de Processo Civil de 1973, foi praticamente abandonado no CPC/2015,
uma vez que o juiz que inicia a instrução, mas não a termina, não julga necessariamente
a lide. Neste sentido, já eram claros o texto da lei e a jurisprudência, negando qualquer
vinculação ao juiz promovido, transferido ou aposentado. Em tais casos, não podiam
pairar dúvidas de que seu sucessor recebia os autos, podendo prosseguir na audiência
ou fazendo repetir as provas que entendesse necessárias.
7.8.4.4. A jurisprudência e o processo civil
Há, quanto aos temas da jurisprudência e do processo civil, em nosso modo de ver,
uma particularidade interessante a ser evidenciada. Queremos lembrar que o proces-
so civil está sempre e indissoluvelmente ligado à atividade dos tribunais; não podemos
conceber, sequer teoricamente, o processo civil desligado dela. Só por mera separação
mental é possível conceber-se o processo, e o próprio direito material, desvinculado do
pensamento resultante da atividade judicante, em todas as suas facetas e graus, espe-
cialmente dos graus superiores da atividade jurisdicional.
Todas as elaborações teóricas do processo têm de ter, sempre, como elemento vital
no equacionamento final e último do problema e respectiva solução, a autoridade judi-
ciária, a figura mais eminente do processo. O processo é impensável prescindindo-se da
atividade jurisdicional. A sua razão de ser é servir de instrumento àqueles que pedem
justiça; e quem a distribui, por meio do processo, são os magistrados e os tribunais. São
os magistrados que dão o perfil último, eficaz e concreto da lei.
A elaboração legislativa, as cogitações puramente acadêmicas, os livros de doutri-
na, os livros de comentários de leis, o ensino da disciplina, tudo, em suma, dirige-se ao
processo como meio, e quem diz a última palavra sobre tudo são os tribunais. E a últi-
ma palavra reiterada e uniforme dos tribunais é expressa numa linguagem que foi con-
vencionado, tradicionalmente, dar o nome de jurisprudência.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 275

Jurisprudência é termo que comporta diversos significados. No entanto, não se


pode dizer serem equívocos, mas análogos, pois todos os sentidos têm ligação entre si.
A importância da jurisprudência no sentido delimitado na ciência do processo é, pois,
indiscutível. A lei processual civil ou o processo, só se realiza, só é eficaz, nos tribunais.
Fora dos tribunais, a eficácia da lei processual é irrealizável. Nem mesmo o jurista, pre-
tensa e exclusivamente teórico do processo, dela pode prescindir, mas, pelo contrário,
também este terá de considerá-la, fundamentalmente, nas suas cogitações, sob pena de
sua produção estar destinada ao vácuo de uma visualização estritamente lógica, mas
desligada dos múltiplos fatos da vida corrente, de cuja indispensável consideração re-
sulta o perfil da norma, tal como ela é e será efetivamente aplicada. A referência à ju-
risprudência é a ela diretamente feita apenas no sentido de se endereçar, tal menção,
à lei, tal como constantemente vem sendo entendida, salvo hipóteses absolutamente
excepcionais de autêntica criação pretoriana. Todos os estudiosos do processo têm de
trabalhar no laboratório obrigatório por que passam as leis do processo: os tribunais.
A jurisprudência, contudo, nos sistemas de Direito escrito e de origem europeia
continental, não pode ser considerada, dogmaticamente, como fonte de direito, sequer
para os próprios tribunais.
Essa afirmação, no entanto, em face das modificações implementadas pelo CPC/2015
(em especial pelo art. 927), subsiste como verdadeira, embora seja reduzida a muito pouco.
De um rigoroso ponto de vista técnico-jurídico, nenhum juiz poderá ou deverá di-
zer que decide um caso, de tal ou qual forma (embora isto ocorra muitas ou muitíssi-
mas vezes), em sentido contrário à lei, porque a jurisprudência é tal ou qual; isto não se
constitui, tecnicamente, entre nós, em fundamento jurídico de sentença ou decisão, o que
se faz commoditatis ou brevitatis causa.
O juiz, no entanto, pode perfeitamente basear-se em jurisprudência para decidir – e
assim o permitem, mediante certas balizas, os incs. V e VI do art. 489, § 1º, do CPC/2015.
É comum que o juiz cite a jurisprudência do tribunal que integra, ou mesmo de
outros tribunais, que lhe sejam hierarquicamente superiores ou não, para reforçar as
conclusões de sua decisão, pois nenhum advogado, ou outro profissional que trabalhe
efetivamente com o Direito, ficará satisfeito com a sua interpretação pessoal da lei, e,
por isso mesmo, normalmente, não se contentará com a inteligência pessoal do juiz a
respeito da lei, desacompanhada do confronto com a inteligência que outros tenham
dado à mesma, ou seja, a inteligência da lei, que se consubstancia na jurisprudência.
Assim, devemos considerar que há mais de 40 anos o STF instituiu o sistema de sú-
mulas, que se constituem em sínteses de sua própria jurisprudência, enunciadas em tex-
to, com o objetivo de tornar claro e límpido o sentido de uma lei ou hipótese, emergida
de interpretação reiterada e cristalizada do sistema, normalmente de ocorrência prática,
rotineira e a respeito da qual haja uma série muito grande de entendimentos no mesmo
sentido. O direito jurisprudencial não é novidade no Brasil.
Tendo em vista essa tendência, o próprio legislador processual civil previu técnicas
de “uniformização da jurisprudência”, com a preocupação de conferir à lei uma única
276 Manual de Direito Processual Civil

significação, dado que a ideia de que a lei nasce vocacionada a gerar um só entendimen-
to, é antiga. No fundo, a uniformização (entendida a expressão lato sensu) deve operar
um papel de recondução da inteligência da lei a um único entendimento, diante do fato de
que, na sua aplicação, acabam ocorrendo diversificados entendimentos. Remete-se, aqui,
ao que foi dito a respeito da função uniformizadora da Jurisdição, no tópico específico.

7.9. O contraditório como influência e a necessidade de diálogo (arts. 9º e 10)


Na divisão de trabalho entre partes e juiz (sujeitos da relação jurídica processual),
temos que ao autor cabe formular pretensões; ao réu, deduzir fundamentos de defesa, e
ao juiz, dirigir o processo e proferir decisões. Nessa perspectiva é que se enquadra o clás-
sico brocardo da mihi factum, dabo tibi ius – as partes narram os fatos, e o juiz dá o direito.
A dinâmica na qual as partes podem até indicar as teses jurídicas que embasam suas
narrativas fáticas, mas apenas ao juiz é dada a responsabilidade de determinar as razões de
direito aptas a solucionar o caso concreto, pode contribuir para o fenômeno das decisões
solitárias (para a doutrina italiana, decisões de terza via). São casos em que a decisão ju-
dicial é construída com pouca ou nenhuma atenção para o raciocínio desenvolvido pelas
partes. Os argumentos dos litigantes não são levados em consideração, e a fundamentação
das decisões limita-se aos motivos de convicção do próprio julgador a respeito da causa.
Trata-se de decisão cujo fundamento é, em verdade, surpresa para as partes. O modelo de
direito processual civil que se busca criar com a edição do CPC/2015 é, por suas próprias
premissas e pela busca de um modelo cooperativo de direito processual, refratário a essa
possibilidade. De nada adianta exigir boa-fé e, principalmente, cooperação dos sujeitos
processuais, se for considerada legítima uma decisão judicial que se distancia daquilo
que foi debatido pelas partes, o que diminui o papel auxiliar dos próprios litigantes na
solução do caso concreto. A decisão judicial perde legitimidade democrática se for fa-
cultado ao julgador repetir teses jurídicas, sem se ater às alegações de direito dos autos.
Em outros países, este problema foi bem percebido. O art. 16 do CPC francês122 es-
tabelece que o juiz deve observar, ele mesmo, o princípio do contraditório. Isto signi-
fica, ainda de acordo com a lei francesa, que o juiz não pode utilizar, em sua decisão,
motivos, explicações ou documentos invocados por uma parte se a respeito deles não
houve debate em contraditório. Também é vedado fundamentar decisões com questões
de direito suscitadas de ofício, sem antes intimar as partes para se manifestar sobre elas.
Com isso, toda decisão passa a ser o resultado de um diálogo entre partes e juiz. Seme-
lhante disposição encontra-se no §139 (3) do CPC alemão,123 que além do conteúdo do

122. «O juiz deve fazer observar e observar ele mesmo, em quaisquer circunstâncias, o princípio
do contraditório. Ele não pode deixar de apreciar, na sua decisão, os meios, explicações e
os documentos invocados ou produzidos pelas partes quando estas tenham estado aptas
para debater com base no contraditório. Ele não pode fundamentar sua decisão sobre meios
(argumentos) de direito utilizados oficiosamente sem ter previamente convidado as partes
a que apresentassem suas observações» (tradução nossa).
123. “O juiz deve chamar a atenção e levar em conta (berücksichtigen) as reflexões das partes
que digam respeito (hinsichtlich) a decisão de ofício que produza“ (tradução nossa). Sobre
As Normas Fundamentais do Processo Civil 277

código francês diz que o tribunal deve chamar a atenção das partes para questões que
podem ser decididas de ofício. O que estas disposições trazem é a chamada vedação de
decisões-surpresa.
Muito semelhante à noção de cooperação é o dever de advertência (Hinweispflicht),
segundo o qual o juiz deve alertar as partes e seus procuradores a respeito da direção
do raciocínio que está sendo construído, evitando, assim, decisões equivocadas porque
amparadas em alegações e argumentos mal compreendidos.124 O que se pode notar é
um movimento, em especial na doutrina,125 no sentido de retirar a legitimidade das de-
cisões judiciais que não sejam fruto de um debate efetivo entre os sujeitos do processo.
Quando a decisão limita-se a um monólogo do julgador consigo mesmo, seu conteúdo
fica limitado a uma só perspectiva, enquanto o diálogo – que resulta da construção dia-
lética de ideias – amplia o quadro de análise.126 Por esse motivo, o CPC/2015 adota ex-
pressamente um conceito de contraditório como garantia de influência, de forma que é
direito das partes ver suas razões levadas em consideração pelo órgão jurisdicional no
momento da decisão. Até mesmo – e principalmente – para não acatar os fundamentos
das partes, deve o juiz pronunciar-se sobre eles na fundamentação, mesmo porque, em
regra, os motivos de uma decisão são mais importantes para o sucumbente do que para
o vencedor da demanda.
O art. 9º do CPC/2015 estabelece que não se proferirá decisão contra uma das partes
sem que esta seja previamente ouvida. Trata-se de evitar que a parte seja surpreendida
com um pronunciamento a seu desfavor, sem a possibilidade de apresentar razões que
poderiam infirmar as conclusões da decisão judicial. Não basta ao juiz ouvir a parte a
favor de quem a decisão será proferida; é necessário e recomendado que o prejudicado
pela decisão seja ouvido. Aí reside o contraditório como influência.
As exceções ao art. 9º são situações em que justificadamente a lei permite pronun-
ciamentos liminares: tutela provisória de urgência (art. 300, do CPC/2015), hipóteses
específicas de tutela de evidência (art. 311, II e III), e a expedição de mandado monitório
(art. 701). Não se trata de violar o direito ao contraditório, mas de diferi-lo em prol do
predomínio momentâneo de outra garantia processual – a da efetividade do processo.
De maneira ainda mais profunda, o art. 10 estabelece que “O juiz não pode decidir,
em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha

o tema, ver: Welder Queiroz dos Santos, A vedação à prolação de decisão surpresa na Ale-
manha. Revista de Processo, n. 240. São Paulo: Ed. RT, fev/2015, pp. 425/435.
124. Peter Murray; Rolf Stürner, German civil justice. Durham: Carolina Academic Press, 2004,
pp. 163 e ss.
125. Dentre as contribuições mais recentes, ver: Humberto Theodoro Jr.; Dierle Nunes, Uma
dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro. Revista de Processo,
n. 168. São Paulo: Ed. RT, fev/2009, pp. 107/141; Antonio do Passo Cabral, O contraditório
como dever e a boa-fé objetiva. Revista de Processo, n. 126. São Paulo: Ed. RT, ago/2005,
pp. 59/81; Nicola Picardi, Audiatur et altera pars. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile, vol. 57. Milano: Giuffrè, mar/2003, pp. 7/22.
126. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, O juiz e o princípio do contraditório. Revista de processo,
n. 71. São Paulo: Ed. RT, jul-set/1993, pp. 31/38, p. 31.
278 Manual de Direito Processual Civil

dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício”. Fica aí consagrada a dimensão do contraditório que garante às
partes a participação efetiva para o conteúdo da decisão.
É de se perceber que o artigo busca ser o mais abrangente possível. A vedação de de-
cisão-surpresa é uma norma fundamental que atinge todos os julgadores, em qualquer
grau de jurisdição, e diz respeito a qualquer fundamento possivelmente invocado nas
decisões. Não há, no CPC/2015, a possibilidade de se decidir sobre questão que não foi
objeto de intimação para manifestação das partes.127 As cortes devem dar conhecimento
aos litigantes sobre quais os possíveis aspectos abarcados pela futura decisão. Não po-
derá o magistrado escolher livremente os argumentos que serão analisados na decisão;
ele fica condicionado à atividade argumentativa das partes.
O artigo se aplica, ainda, às matérias conhecíveis de ofício. Sim, pois o fato de uma
determinada questão ser considerada de ordem pública não retira seu caráter de sur-
presa em relação às partes. Não se trata, em absoluto, de revogação do princípio do iura
novit curia (“a corte conhece o direito”), que permite ao juiz decidir com base em fun-
damentos não invocados pelas partes; trata-se, simplesmente, de facultar às partes inte-
ressadas oportunidade de se manifestar e influenciar a convicção judicial a respeito da
aplicabilidade daquele fundamento, jurídico ou fático, não invocado ou debatido nos
autos. Evita-se, dessa forma, que as partes sejam surpreendidas, no momento da deci-
são judicial, com um argumento ou alegação de que não cogitaram, e cuja incidência
ao caso poderia ser afastada ou modificada, se a matéria tivesse sido previamente deba-
tida.128 O juiz, então, continua tendo o poder de aplicar o direito ao caso concreto, ape-
nas que agora condicionado à prévia oitiva das partes, que podem influenciá-lo sobre o
acerto ou o desacerto da sua conclusão.129-130
Veja-se ainda que a necessidade de intimação, do debate prévio não implica uma
tomada de posição pelo juiz, ou uma predisposição a julgar de determinada maneira.
Esta crítica poderia surgir nas matérias de ordem pública: imagine-se que o réu não te-
nha alegado ilegitimidade ativa, e que portanto tampouco tenha o autor reforçado sua
legitimidade. O juiz que conhece da matéria, e decide ouvir as partes antes de extinguir
o feito por ilegitimidade, não está manifestando um suposto pré-julgamento ao indicar o

127. V. TJ/SP, AgIn 2210702-31.2016.8.26.0000, 20ª Câm. de Dir. Priv., j. 07.11.2016, rel. Des.
Correia Lima, reg. 10.11.2016 e TJ/SP, AgIn 2089952-97.2016.8.26.0000, 18ª Câm. de Dir.
Priv., j. 02.08.2016, rel. Des. Roque Antonio Mesquita de Oliveira, reg. 02.08.2016.
128. V. TJ/SP; Ap 4008194-85.2013.8.26.0576, 8ª Câm. de Dir. Priv., j. 01.07.2016; rel. Des.
Silvério da Silva; reg. 01.07.2016. No entanto, não reconhecendo a nulidade de penhora
determinada sem a oitiva da parte contrária vide: TJ-SP, AgIn 2137806-87.2016.8.26.0000,
20ª Câm. de Dir. Priv., j. 24.10.2016, rel. Des. Álvaro Torres Júnior, reg. 27.10.2016.
129. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, O novo processo civil.
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 182.
130. Já é possível observar diversas decisões dos tribunais observando o mencionado preceito.
Neste sentido: TJ/SP, AgIn 2095514-87.2016.8.26.0000, 29ª Câm. de Dir. Priv.; j. 10.08.2016;
rel. Des. Silvia Rocha. TJ/SP, Ap 1001155-12.2014.8.26.0008, 18ª Câm. de Dir. Priv.; j.
22.09.2016, rel. Des. Roque Antonio Mesquita de Oliveira.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 279

vício às partes. Pelo contrário, ele está possibilitando ao próprio prejudicado uma legíti-
ma oportunidade de argumentar em sentido contrário e demonstrar a sua legitimidade.131
Os arts. 9º e 10 do CPC/2015, em conjunto com o art. 6º, modificam sobremaneira
a dinâmica de funcionamento das manifestações das partes em relação às decisões ju-
diciais. Trata-se de verdadeiras regras orientadoras do processo civil; daí o aspecto de
fundamentalidade que justifica seu posicionamento dentre as normas iniciais do código.

7.10. Publicidade e motivação das decisões (art. 11)


É do texto constitucional (art. 93, IX) que “todos os julgamentos dos órgãos do Po-
der Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulida-
de”, sendo efetivamente uma garantia constitucional.132 O caput art. 11 do CPC/2015
repete na íntegra este dispositivo, de modo que cabe à doutrina e à jurisprudência in-
terpretar a publicidade e a motivação como normas fundamentais da Constituição, e
também do sistema processual civil.
Toda a atividade jurisdicional é realizada publicamente, salvo exceções previstas em
lei. A publicidade é havida como garantia para o povo de uma Justiça “justa”, que nada
tem a esconder e, por outro lado, é também garantia para a própria magistratura dian-
te do mesmo povo, pois, agindo publicamente, permite a verificação de seus atos. De
acordo com o texto constitucional, pode a lei impor limitações em determinados casos,
quando haverá sigilo de conteúdo e de tramitação dos processos (art. 93, IX da CF/88).
A excepcionalidade de correr a causa em segredo de justiça fundamenta-se em nome
de outros princípios, quais sejam os do decoro e do interesse público, cujo valor e res-
guardo se sobrepõem à publicidade. Nas hipóteses previstas no art. 189, I, do CPC/2015,
admite-se a liberdade ampla de interpretação do juiz em eleger as causas em que há ne-
cessidade de segredo, e, no inciso II, porque possivelmente poderá haver um dano maior
decorrente da publicidade do que o representado pelo segredo de justiça. Na verdade,
a própria CF (art. 93, IX, 2ª parte) abre uma exceção a este princípio, quando diz que
a lei pode, se o interesse público exigir, limitar a presença, em determinados atos, às
partes e seus advogados, ou somente a estes, “em casos nos quais a preservação do di-
reito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à infor-
mação” (art. 93, IX, 2ª parte, na redação da EC 45/2004).133 O Código de Processo Civil
abre taxativamente duas exceções: correm em segredo de justiça os processos em que

131. O exemplo e a conclusão são de Cândido Rangel Dinamarco, O princípio do contraditório


e sua dupla destinação. In: Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, pp. 131.
132. Nelson Nery Júnior, Os Princípios do Processo na Constituição Federal, 12. ed., revista,
atualizada, e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei 13.105/2015), São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 318.
133. A respeito: Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia
Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, São Paulo: Ed. RT, 2005,
pp. 32 e ss., e Fernando Sacco Netto, Análise das novas redações dos incisos IX e X do
art. 93 da Constituição Federal de acordo com a EC 45, in Teresa Arruda Alvim Wambier
280 Manual de Direito Processual Civil

o exigir o interesse público (aqui tem-se um caso de interpretação de conceito vago, de-
vendo o juiz avaliar caso a caso, concretamente considerado) e os que dizem respeito
a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos
e guarda de menores134 que, em ultima ratio, também seriam casos em que o interesse
público autorizaria o segredo de justiça.
A publicidade no processo assume uma dupla função. Antes de tudo, um aspecto
interno, que dá aos sujeitos da própria relação processual ciência sobre os atos prati-
cados. Além disso, uma dimensão externa, permitindo o controle da sociedade sobre a
atuação do Judiciário
Ligado ao dever de publicidade dos atos há o de motivação de toda e qualquer de-
cisão judicial. É a definição clássica da razão de ser da fundamentação: dar publicidade
ao que foi decidido, para evitar arbitrariedades e possibilitar o manejo de recursos.135
Quer dizer, a necessidade de que os provimentos judiciais sejam fundamentados é de-
corrência direta da garantia do devido processo legal, afinal não há como verificar o
eventual “acerto” ou “desacerto” de uma decisão senão pela análise de seus fundamen-
tos. Disso se extrai que a fundamentação tem relação intrínseca com a legitimidade do
funcionamento do Judiciário.
É interessante notar, nesse ponto, que o CPC/2015 dá especial atenção ao conteú-
do da fundamentação das decisões judiciais. O art. 489, § 1º, diz não ser considerada
fundamentada a decisão que não preencher uma série de requisitos mínimos de le-
gitimação. O pronunciamento que incidir em alguma das situações descritas no dis-
positivo legal é nulo. Por exemplo, é imprescindível que a motivação não seja uma
mera reprodução dos argumentos favoráveis à conclusão de quem profere a decisão.
Não basta que o juiz desenvolva uma linha de raciocínio que corrobore ou sustente o
seu posicionamento sobre uma determinada matéria. Não basta, também, que anali-
se apenas as provas cujo conteúdo confirma a decisão. A fundamentação legítima no
CPC/2015 é a que analiticamente rebate, um a um, os argumentos capazes de contra-
riar a tese defendida (art. 489, § 1º, IV). Somente assim se pode garantir que a legiti-
midade sobressai do diálogo.
Mais adiante neste Manual, quando forem abordadas a sentença e a sua motiva-
ção, será visto que o código busca, na fundamentação, o chamado controle externo de

et alii (coords.), Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional


45/2005, São Paulo: Ed. RT, 2005, pp. 243 e ss.
134. Como bem observa Fernando Sacco Neto: “A intimidade e a privacidade representam um
espaço existencial ao qual o ser humano tem o direito de manter reservado. Trata-se de as-
suntos envolvendo vida privada e familiar e que, em princípio, não devem estar acessíveis
a estranhos” (op. cit., p. 251).
135. José Rogério Cruz e Tucci. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva,
1987. No mesmo sentido: José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria
da constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 651; Michele Taruffo. La motivazione della
sentenza. In: Luiz Guilherme Marinoni (coord.). Estudos de direito processual civil em ho-
menagem ao prof. Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2005, p. 166.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 281

conteúdo,136 consistente na possibilidade de que não apenas as partes, mas todo e qual-
quer interessado tenha condições de realizar um controle sobre a aplicação do direito a
um determinado caso concreto. É nesse contexto que a fundamentação deve ser com-
preendida como uma norma fundamental: na medida em que permite a análise sobre
a legitimidade democrática – aí levada em conta a cooperação e o contraditório efetivo
de uma decisão (arts. 6º e 10 do CPC/2015).

7.11. Ordem cronológica de julgamento (art. 12)


Por último no capítulo que trata das normas fundamentais do processo, há o art. 12
do CPC/2015, que estabelece um critério cronológico para a ordem de julgamento dos
processos que se encontrarem conclusos para sentença. Trata-se não tanto de uma nor-
ma fundamental, mas de uma regra de gestão a ser observada pelos cartórios judiciais
e pelos julgadores.
É tendência dos modernos sistemas de administração da Justiça instituir técnicas de
gestão dos processos (case management), que podem contribuir para o melhor funcio-
namento das unidades judiciais.137 Trata-se de estabelecer prioridades de julgamento, e
de utilizar os serviços judiciais em prol do maior resultado possível com o menor esfor-
ço financeiro e de pessoal – privilegiando, inclusive, a eficiência (art. 8º do CPC/2015).
O juiz que, fazendo as vezes de gestor da sua própria unidade judicial, “administra” os
processos sob sua responsabilidade, pode vir a obter resultados melhores do que o julga-
dor despreocupado com essa questão. Ao largo da possibilidade de gestão, o CPC/2015
optou por adotar um único e fixo critério de gestão, que é a ordem cronológica de con-
clusão para julgamento. Assim, dentre os processos aptos a serem julgados, deve-se
respeitar a sequência em que foram conclusos. Não há, portanto, flexibilização das téc-
nicas de gestão que eventualmente cada julgador poderia vir a utilizar em relação aos
seus processos. A disposição do CPC/2015, tida por parte da doutrina como inconsti-
tucional e prejudicial à própria gestão de processos,138 é vista por outros como um “ar-
tigo polêmico, mas necessário”.139
Registre-se, oportunamente, que a Lei 13.256/2015 alterou a redação do caput do
art. 12 do CPC/2015, ao substituir a expressão “deverão obedecer” por “atenderão,
preferencialmente”, o que denota a ideia de uma relativa flexibilidade conferida aos

136. José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
estado de direito. In: Temas de Direito Processual: segunda série. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 90. Ainda: Michele Taruffo, La motivazione della sentença civile. Padova: Cedam,
1975, p. 167-168.
137. Sobre o funcionamento da gestão na Inglaterra e na Itália, por exemplo, ver: Marco Bonci,
Active case management. Revista de Processo, n. 219, São Paulo: mai/2013, pp. 225/237.
138. Fernando da Fonseca Gajardoni, et. al, Teoria geral do processo: comentários ao CPC de
2015. São Paulo: Forense, 2015, pp. 72-76.
139. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Comentários ao art. 7º. In: Teresa Arruda Alvim Wambier,
et. al. (coords.), Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 89.
282 Manual de Direito Processual Civil

magistrados. A partir da nova redação do caput, a regra deverá ser interpretada como
uma diretriz que, justificadamente, pode ser afastada. Parece-nos, portanto, que a mo-
dificação da redação não permite ao magistrado afastar a ordem cronológica sem qual-
quer justificativa.
O fato é que a regra do art. 12, embora limite de certa forma os poderes do juiz de ge-
renciar sua unidade de trabalho, cria uma regra isonômica para todo o País, e pode servir
para impedir tratamento privilegiado a determinados casos em detrimento de outros.140
É importante notar que as decisões interlocutórias não se submetem à regra crono-
lógica. Apenas os processos já conclusos devem respeitá-la. Em outras palavras, a or-
dem é para decisões de mérito, tão somente. Cada unidade judicial deve manter à dis-
posição de qualquer interessado uma lista atualizada contendo a ordem de processos
aptos a julgamento (art. 12, § 1º). O próprio artigo lista um rol de exceções, contendo
casos que não precisam estar submetidos à ordem cronológica (art. 12, § 2º). São jul-
gados fora da ordem, por exemplo, os processos decididos em bloco para aplicação de
tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 12, § 2º, II), as decisões
que extinguem o processo sem resolução de mérito, e as decisões monocráticas de re-
lator em tribunal (art. 12, § 2º, IV). Escapam também da ordem as preferências legais,
como prioridade de tramitação do Estatuto do Idoso (art. 71 da Lei 10.741/2003) e do
Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 152, parágrafo único, da Lei 8.069/1990).
Uma conclusão a que podemos chegar sobre a ordem cronológica é a de que não
haverá mais possibilidade de as partes influenciarem na rapidez com a qual casos con-
cretos serão julgados. Tampouco a matéria tratada nos casos pode significar a decisão
mais ou menos célere – salvo exceções do próprio art. 12 do CPC/2015. Não é possível,
através de requerimento da parte, que seja subvertida a lista dos processos a serem jul-
gados (art. 12, § 4º).
É de se notar, por fim, que quando for necessário reabrir a fase instrutória para di-
ligências de qualquer espécie, depois de cumpridos o ato ou os atos, o processo retor-
na ao lugar em que estava na lista originalmente (art. 12, § 5º). A garantia que decorre
deste artigo é, portanto, o tratamento isonômico. O critério, embora fixo e simplista,
induz à uniformidade de tramitação dos processos.

140. Nesse sentido, falando do art. 12 como “repulsa ao tratamento privilegiado”: Humberto
Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 95.
8
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções

8.1. Funções do Poder Judiciário e funções judiciárias


Ao Poder Judiciário cabe, especificamente, exercer a função jurisdicional. Entretan-
to, lhe são afetas outras atribuições que não são jurisdicionais e que dizem respeito,
por assim dizer, aos seus serviços e que recebem o nome de atos ou funções judiciárias,
como as de natureza eminentemente administrativa e normativa. O art. 96, I, a, da CF,
por exemplo, é expresso quanto às atividades dessa natureza, segundo o qual compete
aos tribunais, entre outras funções, eleger seus presidentes e demais titulares de sua di-
reção, elaborar seus regimentos internos e organizar seus serviços auxiliares.
Os órgãos do Poder Judiciário são os juízos do primeiro grau de jurisdição e os
tribunais, esses considerados em seu todo, como órgão pleno, ou em suas subdivi-
sões como órgãos fracionários. A razão de ser da existência dos tribunais decorre de
sua previsão legal (constitucional) e por proporcionarem as condições para realiza-
ção prática do princípio do duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, cabe aos tribu-
nais, em regra, a revisão das decisões já proferidas em primeiro grau (juízo singular)
por meio dos recursos, o que constitui sua competência funcional (competência hie-
rárquica, que é absoluta – vejam-se os arts. 44, 62 e 63 do CPC/2015 e normas de or-
ganização judiciária).
Há casos, porém, de competência originária dos próprios tribunais, quando os pro-
cessos são aí diretamente instaurados. Nesses casos, porém, não significa o afastamen-
to do referido princípio do duplo grau de jurisdição. Esse preceito assume, tão somente,
outra fisionomia. Depois da causa ser julgada no tribunal, há, em tese, a possibilidade
de ser ela submetida a novo julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Su-
premo Tribunal Federal (ainda que, em ambos os casos, se trate de recursos de estrita
revisão e cujo cabimento fica adstrito a pressupostos rígidos). Além disso, é possível a
interposição de recurso ordinário constitucional que não tem, diferentemente do recur-
so extraordinário (CF, art. 102, III, a-d, na redação da EC 45/2004) e do recurso especial
(CF, art. 105, III, a-c), fundamentação vinculada, permitindo, por assim dizer, a revisão
ampla e livre da causa. Assim, nas causas de competência originária dos tribunais não
se pode sustentar qualquer ofensa ao duplo grau de jurisdição, em especial pela previ-
284 Manual de Direito Processual Civil

são expressa desse recurso ordinário em sede constitucional (art. 102, II e art. 105, II)
de fundamentação livre.
No mais, cumpre ressaltar que o CPC/2015 explicitou outra função dos tribunais,
qual seja a de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente
(art. 926), como, aliás, já dissemos com mais vagar quando do estudo do instituto da
jurisdição.

8.2. Órgãos judiciários


Feitas essas considerações, passamos ao exame de quais são os órgãos judiciários.
Temos a justiça comum e a justiça especial. A justiça comum subdivide-se em jus-
tiça penal e justiça civil lato sensu. Subdivide-se, também, em Justiça Federal e Justiça
Estadual. A justiça especial, por sua vez, compreende a justiça trabalhista, a militar e a
eleitoral. É assim denominada por ser uma justiça com competência especial, para cer-
tas causas, para cujas soluções sejam respectivamente aplicáveis o Direito Trabalhista,
o Militar e o Eleitoral.
Como examinaremos em item próprio, a competência da Justiça Federal é estabe-
lecida ratione personae, isto é, quando a União, por sua Administração direta ou indi-
reta, e ainda empresas públicas da União assumirem posição processual, de autora ou
ré, ou forem interessadas, como opoente ou assistente, salvo as de falência (aqui, por
identidade de razões, compreendida a insolvência civil), as de acidentes de trabalho, as
eleitorais e as militares (art. 109, I, da CF). Quanto às execuções contra devedor insol-
vente, subtraem-se da Justiça Federal, por interpretação extensiva do próprio art. 109,
I, da CF, e por causa do previsto no art. 45, I, do CPC/2015, segundo o qual “Tramitando
o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se
nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou
conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro
interveniente, exceto as ações: I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e
acidente de trabalho.”
Dentre as muitas novidades trazidas ou assumidas pela CF de 1988, estão os juiza-
dos especiais, órgãos judiciários cuja função é a de julgar causas de menor complexidade,
e que são compostos de juízes togados, ou togados e leigos, e os juizados de pequenas
causas, estes já preexistentes à referida CF (art. 98, I e 24, X, da CF, respectivamente).
Estas disposições constitucionais concretizaram-se na Lei 9.099, de 26.09.1995, que
acabou por unificar claramente a sistemática dos Juizados de Pequenas Causas com os
Juizados Especiais (ao menos aqueles com competência para matéria cível) – foi revogada
expressamente a Lei 7.244/1984 (revogação ocorrida pela Lei 9.099/1995, art. 97), que
regulava o processamento perante os Juizados de Pequenas Causas Cíveis. As referidas
disposições constitucionais também se concretizaram na Lei 10.259, de 12.07.2001,
que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Mais
recentemente, ainda, a Lei 12.153/2009 instituiu, no âmbito do sistema dos Juizados
Especiais Estaduais e do Distrito Federal, os Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 285

Além dos órgãos judiciários civis de primeiro e segundo graus de jurisdição, fede-
rais e estaduais, temos o Superior Tribunal de Justiça, criado pelo art. 104 da CF. Sua
função, sob certo aspecto, está no resguardo do direito federal (infraconstitucional),
tendo absorvido parte da antiga competência do Supremo Tribunal Federal em relação
às matérias não constitucionais, antes desta competência começar a angustiar-se pro-
gressivamente.1
Finalmente, também temos o Supremo Tribunal Federal que se sobrepõe a todos
esses órgãos e cuja primordial função é de ser o guardião da Constituição, portanto, da
viga mestra do sistema jurídico e político do País. Nessa ótica, a Corte está assentada no
cume do Poder Judiciário.2 Porém, quando falamos do direito federal infraconstitucio-
nal, a última palavra interpretativa cumpre ao Superior Tribunal de Justiça. O mesmo
se observa com relação às Justiças Especiais militar, eleitoral e trabalhista, cumprindo
a última palavra, respectivamente, ao Superior Tribunal Militar, ao Tribunal Superior
Eleitoral e ao Tribunal Superior do Trabalho. Em síntese, verificamos uma divisão de
competência entre altos tribunais do País. Ao STF, foi atribuída a jurisdição constitu-
cional, em grande escala, e ao STJ o pronunciamento final sobre os assuntos de direito fe-
deral infraconstitucional no âmbito da Justiça Comum.
Especificamente, compete ao STF processar e julgar originariamente determinadas
matérias que, pela sua gravidade, não devem ser examinadas por outros juízes ou tri-
bunais (art. 102, I, da CF).
Em recurso ordinário, sua competência limita-se às cinco principais hipóteses pre-
vistas no art. 102, II, da Carta Magna,3 ou seja: habeas corpus, mandado de segurança,
habeas data, mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Supe-
riores, se denegatória a decisão,4 e crimes políticos.

1. Mais amplamente, sobre o assunto, cf., do autor, O antigo recurso extraordinário e o recurso
especial (na Constituição de 1988), publicado em obra coletiva sob a coordenação do Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva,
1991, p. 145-161.
2. Dos vários estudos realizados sobre o tema, pode ser posto em destaque aquele empreendido
pelo Min. Carlos Mário Velloso, O Supremo Tribunal Federal: Corte Constitucional,publicado
em sua coletânea Temas de Direito Público, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, pp. 91-121.
3. A mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não tem mais admitido a
fungibilidade entre o recurso especial e o recurso ordinário constitucional, taxando a in-
terposição de um pelo outro de erro grosseiro (cf. AgRg no REsp 1511786/RS, 5.ª T., j.
01.12.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 09.12.2015; RO no AREsp 709.592/
MG, 5.ª T, j. 19.11.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 25.11.2015; AgRg no
AREsp 474.764/GO, 1.ª T., j. 03.09.2015, rel. Min. Olindo Menezes, DJe 15.9.2015; AgRg
no AREsp 513.840/GO, 1.ª T., j. 03.09.2015, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
22.9.2015; AgRg no AREsp 461835/GO, 2.ª T., j. 25.03.2014, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 31.03.2014. No Supremo Tribunal Federal, também se entende pela inaplicabilidade
do princípio da fungibilidade recursal em relação aos recursos ordinário e extraordinário
(cf. ARE 673.726 AgR/RO, 2.ª T., j. 10.09.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 01.10.2013).
4. A expressão decisão denegatória para os fins de interposição do recurso ordinário, na leitura
do Superior Tribunal de Justiça, compreende tanto a que indefere a petição inicial do autor (cf.
286 Manual de Direito Processual Civil

Em recurso extraordinário, julga o STF causas que podem afetar a própria Cons-
tituição Federal, mas não as estaduais, e nem se pronuncia sobre lei municipal, em si
mesmas. Assim, caberá recurso extraordinário das causas decididas em um único ou úl-
timo grau de jurisdição por outros tribunais (art. 102, III), quando a decisão recorrida
contrariar dispositivo da própria Constituição (alínea a), ou declarar a inconstitucio-
nalidade de tratado ou lei federal (alínea b), ou julgar válida lei ou ato do governo local
contestado em face da Constituição (alínea c), ou julgar válida lei local contestada em
face de lei federal (alínea d, inserida pela EC 45/2004).
Além da atuação recursal, a Corte tem competência para realizar o controle con-
centrado de constitucionalidade. Nesse sentido, está prevista no § 1.º do art. 102, da
CF/1988, a competência do STF para apreciar a arguição de descumprimento de pre-
ceito fundamental dessa Constituição, tal como disciplinado na Lei 9.882/1999. Igual-
mente, prevê o art. 102, I, a, da CF, a competência do STF para apreciar a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (Lei 9.868/1999).

8.2.1. Conselho Nacional de Justiça


O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional 45/2004, tam-
bém é órgão integrante do Poder Judiciário com atribuições de natureza administrativa
(art. 103-B da CF). Nos termos do § 4.º, caput, do art. 103-B, compete ao Conselho Na-
cional de Justiça “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”. Além das atribuições previstas
nos incisos do referido parágrafo, o texto constitucional possibilita a previsão de outras
que venham a ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura (art. 103-B, § 4.º).
A composição do Conselho Nacional de Justiça é híbrida. Seus 15 membros são pro-
venientes dos mais variados segmentos ligados à justiça e não apenas do Poder Judici-
ário. Além de Ministros dos Tribunais Superiores, desembargadores, juízes estaduais e
federais, que sejam pontualmente indicados, o CNJ é composto por membros do Mi-
nistério Público, advogados e cidadãos de “notável saber jurídico e reputação ilibada,
indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”. Seus membros
têm mandato de dois anos, admitida a recondução.
Devemos enfatizar a natureza estritamente administrativa do Conselho, tal como
salientou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.367, proposta pela As-
sociação Nacional dos Magistrados. Assim, não pode o CNJ exercer ou interferir no
exercício da atividade jurisdicional.

AgRg no AREsp 466.419/GO, 2.ª T., j. 18.08.2015, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe
27.08.2015; AgRg no AREsp 467.332/GO, 2.ª T., j. 18.08.2015, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Dje 24.11.2015), como a que extingue o feito sem resolução do mérito por outro
motivo (cf. RMS 37.775/ES, 4.ª T., j. 06.06.2013, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 02.09.2013;
AgRg no RMS 29.616/MG, 5ª. T. j. 23.06.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
29.06.2015), como, ainda, a que rejeita total ou parcialmente seus pedidos e, portanto, o
mérito da ação (cf. AgRg no AREsp 649.118/GO, 2.ª T., j. 28.04.2015, rel. Min. Herman
Benjamin, DJe 01.07.2015).
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 287

No julgamento da referida ADI 3.367, da relatoria do Min. Cezar Peluso, o Plenário


do Supremo Tribunal Federal, por sete votos a quatro, reputou constitucionais as nor-
mas que, introduzidas pela EC 45/2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional
de Justiça.5 De acordo com o voto do Ministro Relator, tais normas não afrontam a se-
paração e independência dos Poderes (art. 2.º da CF), uma vez que as atividades admi-
nistrativas do Conselho não interferem na atividade jurisdicional. No que diz respeito
à presença de não magistrados na composição do CNJ, frisou-se a necessidade de erra-
dicar o corporativismo. Nesse ponto, restaram vencidos o Min. Carlos Velloso e a Min.
Ellen Gracie, para quem a presença de membros do Ministério Público, advogados e ci-
dadãos violaria a independência do Poder Judiciário. Prevaleceu, ainda, a tese de que a
submissão do Judiciário dos Estados ao CNJ não fere o pacto federativo (art. 18 da CF).
O Conselho, assim como os órgãos dos Judiciários Estaduais, pertencem ao Poder Ju-
diciário nacional, e não à União.
No mesmo sentido e em certa medida, a natureza administrativa do CNJ foi também
reafirmada no julgamento da ADI nº 4.638 ajuizada pela Associação dos Magistrados
Brasileiros, por meio da qual se questionou a Resolução nº 135 do Conselho que ver-
sava sobre a uniformização das normas relativas ao procedimento administrativo dis-
ciplinar aplicável aos juízes. 6
Em decorrência da índole administrativa do Conselho Nacional de Justiça, tem-se a
possibilidade de controle jurisdicional de seus atos, nos termos do art. 102, I, r, primeira
parte, da CF, introduzido pela EC 45/2004.7 Em que pese tal distinção, há que se regis-
trar o entendimento contrário consignado pelo Min. Marco Aurélio, no voto vencido
no julgamento da mencionada ADIn 3.367, verbis: “Não podemos ser ingênuos a ponto
de acreditar que a atividade a ser desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça não
repercutirá no ofício judicante, que é exercido por homens, e circunstâncias externas
acabam por repercutir na formalização de decisões”. Em síntese, o reconhecimento da
constitucionalidade das normas reformadoras que instituíram o Conselho Nacional de
Justiça não afasta a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, da observância de determi-
nados limites ao exercício das atribuições previstas pela EC 45/2004, a serem traçados
casuisticamente, de forma incidental.

8.3. Órgãos não judiciários com funções jurisdicionais


Como dissemos, os juízos e os tribunais são os órgãos do Poder Judiciário, porém
não se pode esquecer que, excepcionalmente, as funções judiciárias são também exer-
cidas por órgãos não judiciários.
Existe atividade jurisdicional deferida pela Constituição, quer a Federal quer a Esta-
dual, a órgãos não integrantes do Poder Judiciário, como, v.g., o art. 51 da CF, segundo o

5. ADI 3.367, j. 13.4.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 22.9.2006.


6. ADI 4.638, j. 29.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 30.10.2014.
7. Por isso mesmo, pontua Eduardo Arruda Alvim, que por não se revestirem de caráter juris-
dicional, as decisões do CNJ não possuem o atributo da imutabilidade, não havendo que
se falar em coisa julgada material (Direito Processual Civil, p. 75).
288 Manual de Direito Processual Civil

qual, “Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar, por dois terços
de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da
República e os Ministros de Estado (...)”; e o art. 52, também da CF, “Compete privati-
vamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da
República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Co-
mandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza
conexos com aqueles;8 II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Fede-
ral, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade; (...). Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcio-
nará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que
somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo,
com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções judiciais cabíveis”.

8.4. Regimento dos tribunais


Além da função jurisdicional, que lhe é própria, exerce o Poder Judiciário outras
atribuições como mencionamos no início do capítulo. Possui também as funções nor-
mativas e administrativas que asseguram a independência do magistrado em face dos
outros Poderes do Estado possibilitando o autogoverno do Judiciário.
A função normativa desse Poder consiste principalmente na possibilidade de os
tribunais elaborarem seus próprios regimentos. Esses não são leis, no sentido técnico
presente no art. 59, III, da Constituição Federal, pois não são emanados do Poder Le-
gislativo. Não por outra razão, não estão contidos na enumeração taxativa desse arti-
go. Entretanto, são normas abstratas e gerais elaboradas pelos tribunais, conforme o
previsto constitucionalmente no art. 96, I, segundo o qual “Compete privativamente:
I –  aos tribunais: a) (...) elaborar seus regimentos internos, com observância das nor-
mas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e
o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”. Aliás, cum-

8. Na experiência político-jurídica nacional, há caso de destaque no qual teve o Supremo


Tribunal Federal de resolver diversas das questões atinentes ao tema da instauração de pro-
cesso contra Presidente da República. Dentre os diversos posicionamentos então firmados
ao longo de todas as ações judiciais interpostas, de interesse o destaque da seguinte: “À
Câmara dos Deputados, compete, nos termos do art. 51, I, da Constituição, por dois terços
de seus membros, autorizar a instauração de processo por crime de responsabilidade, que
deverá tramitar no Senado Federal (juízo de pronúncia) até julgamento final. A lei tida como
recepcionada, em grande parte, pela nova ordem constitucional para disciplinar o processo
e o julgamento do impeachment é a Lei 1.079/1950” (este entendimento é referido no MS
21.564/DF, j. 23.09.1992, rel. p. o acórdão Min. Carlos Velloso, RDA 192/211). Mais recen-
temente, diante da conjuntura política nacional, a Corte revisitou a matéria no julgamento
da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 378, rea-
firmando o rito para julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade
(ADPF-MC 378/DF, j. 17.12.2015, rel. Min. Roberto Barroso, DJe 8.3.2016).
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 289

pre apontar que os regimentos internos, ao disciplinarem procedimento, haverão de ser


compatíveis com as normas de processo (e com as garantias processuais das partes).

8.5. Organização judiciária


A organização judiciária é essencial. Na sua falta, o Poder Judiciário não poderia
materialmente funcionar. Tal organização, como é curial, varia em parte, dependente-
mente da estrutura, necessidades e possibilidades de cada Estado federado.
De um modo geral, podemos dizer que as normas de organização judiciária visam
a disciplinar as condições materiais para o exercício da função jurisdicional, atribuindo
funções e competência aos órgãos monocráticos ou colegiados. Estabelecem regras so-
bre a constituição desses juízos. Além disso, regulam a organização, classificação, disci-
plina e atribuições dos serviços auxiliares da Justiça, como os prestados pelos escrivães,
chefes de secretarias, oficiais de justiça, peritos, depositários, mediadores, conciliado-
res, entre outros (art. 149 do CPC/2015).
A distribuição da autoridade judiciária é feita geralmente em função da matéria (li-
des civis e lides penais), do valor das causas e das funções exercidas pelos juízes e tri-
bunais (competência funcional), sempre respeitada a disciplina constitucional e a do
CPC/2015 (arts. 42 e seguintes). A organização judiciária estadual disciplina também
os requisitos essenciais ao funcionamento dos órgãos, quer no que tange à pessoa dos
seus ocupantes e à ligação (estatutária ou não) entre o agente e o órgão, quer no que diz
respeito aos vários auxiliares da Justiça.
Nesse contexto, o art. 96 da CF assume notória importância, pois nele estão pre-
vistos os elementos que a Justiça imprescindivelmente necessita, em sua estrutura, para
poder funcionar.
Assim, em relação à estrutura dos tribunais, em si mesmos considerados, tendo em
vista a sua competência e o funcionamento dos respectivos órgãos judiciários e adminis-
trativos, a organização judiciária é disciplinada em seus respectivos regimentos internos
(art. 96, I, a, da CF). Também compete privativamente aos tribunais a organização de suas
secretarias (art. 96, I, b, da CF) e organizar os serviços auxiliares e dos juízos que lhes fo-
rem vinculados, inclusive a atividade correcional (art. 96, I, b, da CF). Aos tribunais, ain-
da, cabe prover, na forma prevista na Constituição Federal, os cargos de juiz de carreira da
respectiva jurisdição (art. 96, I, c, da CF), da mesma forma que lhes cabe, privativamen-
te, propor a criação de novas varas judiciárias (art. 96, I, d, da CF). Igualmente, o provi-
mento de cargos, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, respeitado o
§ 1.º do art. 169 da CF, também cabe privativamente aos tribunais, especialmente os car-
gos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança, tais como sejam defi-
nidos em lei (art. 96, I, e, da CF).
Nessa mesma linha, vale apontar que a matéria da competência interna dos tribu-
nais é regulada tanto pela Constituição do Estado federado, quanto pela lei processual
e pela lei de organização judiciária. O texto constitucional (art. 96, I a III) estabelece
que compete aos tribunais “eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos in-
290 Manual de Direito Processual Civil

ternos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes,
dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais
e administrativos” (art. 96, I, a, da CF). A competência interna de cada tribunal deverá
ser disciplinada por ele mesmo (art. 96, I, a, CF), em seu regimento interno.
Por outro lado mas também em relação à organização judiciária, conforme o mes-
mo art. 96 da CF, mas precisamente quanto ao disposto no seu inc. II, compete privati-
vamente ao Supremo Tribunal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça pro-
por ao Poder Legislativo respectivo as seguintes matérias: “a) a alteração do número de
membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração
dos seus serviços auxiliares e dos Juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixa-
ção do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde
houver; (...) d) a alteração da organização e da divisão judiciárias”. Sempre observados,
como já dito, os limites do art. 169 da CF.
Também temos a organização judiciária estruturada em âmbito estadual, cujos as-
pectos já estão, em linhas gerais, esboçados na Constituição Federal. Assim, em tudo
o que se refira à organização judiciária, os estados só poderão inovar respeitando as
linhas fundamentais do texto constitucional que a ele diz respeito e o que dispuzer o
Estatuto da Magistratura (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman – Lei Com-
plementar nº 35/1979), que complementa as disposições constitucionais. Dessa forma,
para dar fisionomia ao aparelho judiciário, traçar-lhe os aspectos indispensáveis ao seu
funcionamento, disciplinar as relações existentes entre os próprios órgãos competen-
tes do organismo, proporcionar as condições materiais imprescindíveis ao funciona-
mento da Justiça, regular as relações dos órgãos judiciários, bem como dos próprios ór-
gãos auxiliadores com outros órgãos da Administração Pública, deve existir respeito às
normas constitucionais, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e às leis processuais.

8.6. Normas disciplinadoras da organização judiciária


A divisão do Poder Judiciário em vários órgãos é imposição da natureza das coisas.
A extensão territorial, a capacidade limitada dos homens e outros fatores acarretam,
imperiosamente, a necessidade da divisão.
As considerações que fazemos aqui têm o objetivo de evidenciar o âmbito de vali-
dade da lei federal, das normas de organização judiciária e, ainda, dos preceitos conti-
dos nos regimentos internos dos tribunais. Cada uma dessas normas, como se viu, tem
o seu campo de ação e âmbito de validade. A cada uma dessas categorias, por assim di-
zer, cabe a disciplina de uma parte da organização judiciária. Nesse sentido, precisamos
distinguir, com nitidez, a esfera em que devem agir o legislador federal e os tribunais.
Isto é, as linhas divisórias entre o que só pode ser tratado por lei federal e sobre o que
podem versar os regimentos internos, ou seja, o que se compreende na expressão orga-
nização e divisões judiciárias.
Pois bem. A Constituição Federal, no seu art. 22, I, estabelece a competência da
União para legislar sobre processo. Por outro lado, repetimos, a mesma Constituição,
no seu art. 96, II, d, atribui aos Estados competência para organizarem as suas justiças.
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 291

Esse dispositivo não pode ser entendido sem consideração dos demais textos, constan-
tes do mesmo art. 96.
Cumpre, então, definir o que é lei do processo e o que é lei de organização judiciária.
As leis do processo são as que regulam a atividade jurisdicional, criando todos os
seus instrumentos essenciais de ação e regrando o respectivo funcionamento, toda ela
globalmente, destinada à realização do direito objetivo, tendo em vista as lides trazidas
à apreciação do Poder Judiciário, ou, segundo a fórmula de Chiovenda, à atuação da
vontade concreta da lei. Em outros termos: “As leis de processo têm por objetivo regu-
lamentar a jurisdição para que o Estado, através do juiz, possa aplicar o direito objeti-
vo a casos particulares”.9 Tudo aquilo que diga respeito à tutela do direito invocado, à
apreciação desse direito, à produção de provas que objetivem demonstrar esse direito,
é matéria de processo.
Diferentemente, as leis de organização judiciária são exclusivamente da competên-
cia dos Estados e Distrito Federal. Não regulam a atividade jurisdicional, mas a forma
pela qual os órgãos judiciários se constituem e de que modo eles se devem reger admi-
nistrativamente.
Não se deve esquecer que é possível aos Estados federados e, bem assim, ao Distri-
to Federal, editarem normas procedimentais não gerais, para adaptarem e completarem
as normas de processo e normas procedimentais gerais, tendo em vista as peculiaridades
locais, tudo nos termos do art. 24, §§ 1.º e 4.º, da CF. Essas normas complementares
possíveis por esse art. 24 são diferentes das normas de organização judiciária. Elas com-
pletam as regras jurídicas necessárias ao funcionamento da atividade jurisdicional, em
si mesma considerada.
No mais, em que pesem tais distinções, não é demais relembrar que tanto a lei do
processo quanto às da organização judiciária devem estar conformes aos preceitos
da Constituição Federal que, sobre uma e outra, prevalecem. Assim, como é sabido,
qualquer lei de processo que seja contrária à Constituição é inconstitucional, o mesmo
acontecendo em relação às de organização judiciária. Igualmente, a inconstitucionali-
dade também estará presente se a lei do processo regular matéria relativa à organização
judiciária, e vice-versa, pois a competência privativa e absoluta do Estado, nessa maté-
ria, é determinada pela Constituição Federal.

8.7. Possibilidade de conflito entre as normas de organização judiciária e as


leis de processo
É possível a existência de conflitos entre as referidas normas de organização judici-
ária, que regulamentam a forma pela qual se constituem os órgãos judiciários, e as leis
de processo, especialmente, o Código de Processo Civil. Isso ocorre, especialmente, na
matéria relativa à competência.

9. José Frederico Marques, Organização judiciária e processo, Revista de Direito Processual


Civil 1/19-20.
292 Manual de Direito Processual Civil

Analisaremos o tema adiante, porém, desde já, podemos definir a competência como
sendo uma fronteira ao exercício da atividade jurisdicional, delimitando o que cabe a
cada um dos órgãos do Poder Judiciário. Trata-se de matéria disciplinada por regras que
traçam os limites – não exclusivamente no sentido geográfico – dentro dos quais a ati-
vidade jurisdicional de certo órgão pode ser exercida.
Para sabermos qual o órgão competente para julgar determinado processo é opera-
ção que passa por várias fases que transitam entre as interpretações de normas proces-
suais e normas de organização judiciária: (i) devemos verificar primeiro qual a justiça
competente; (ii) a segunda fase é a respeitante à verificação do foro da causa; (iii) de
posse desses dois dados, isto é, a justiça e o foro competentes, cabe, ainda, indagarmos
qual o juízo competente, o que deve ser buscado nas normas existentes sobre organi-
zação judiciária.
A partir dessas fases podemos traçar limites e soluções ou prevalências em caso de
possíveis conflitos. A primeira fase é matéria de direito constitucional, onde as Justiças
comum (Estadual e Federal) e especiais são primordialmente delimitadas. A segunda
fase diz respeito à lei processual, especialmente, mas não exclusivamente, o que está
previsto no CPC/2015. A terceira fase, por sua vez, é matéria a ser buscada nas normas
de organização judiciária. Tais normas fixam as divisões do território em comarcas ou
seções (Justiça Federal) e o número de juízes de cada comarca – matérias estas eminen-
temente ligadas à organização material da Justiça.
As normas de organização judiciária poderão estabelecer, ainda, mais de um juiz
competente para funcionar em um mesmo processo, como aliás viabiliza o próprio
art. 44 do CPC/2015. Podem, assim, tratar da matéria de competência funcional, isto
é, a delimitação da competência do magistrado tendo em vista a especificidade de sua
função, como explicaremos melhor adiante. Conflitos entre a lei processual e as nor-
mas de organização judiciária também podem eventualmente surgir nessa seara. Na vi-
gência do CPC/1973, por exemplo, as normas de organização judiciária eram limitadas
pelo princípio da identidade física do juiz (art. 132), de modo que o juiz que concluísse
a audiência também deveria concluir a instrução e julgar a lide, salvo se fosse convoca-
do, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado. Não podia,
dessa forma, norma de organização judiciária estabelecer que o juiz que concluísse a
audiência seria um e o juiz que julgasse a lide seria outro.
Na vigência do CPC/2015 esse limite não mais se verifica, já que o diploma pro-
cessual não mais adota esse preceito. No entanto, nada impede que novos confli-
tos semelhantes se apresentem casuisticamente, justificando a referência que aqui
fizemos.
Qualquer norma de organização judiciária deve respeitar dois pontos: (i) jamais, a
pretexto de preencher lacunas, será possível a deformação dos institutos do processo,
ou, ainda, ir contra lei federal, sob pena de inconstitucionalidade; e (ii) por outro lado,
mesmo havendo lacuna e existindo regra, em lei de organização judiciária, somente des-
tinada a suprir essa lacuna, na hipótese de vir a ser editada lei federal sobre o assunto,
imediatamente esta terá prevalência.
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 293

8.8. Auxiliares da Justiça


Também são importantes para a estruturação e regular atuação do Poder Judiciá-
rio as funções dos auxiliares da Justiça. A administração da Justiça depende não só da
atividade do juiz, que é sua figura central, como também de seus auxiliares. Assim, es-
tabelece o art. 149 do CPC/2015: “São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atri-
buições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe
de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete,
o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista
e o regulador de avarias.”.
Tradicionalmente, encontramos serventuários (lato sensu), tanto ligados à própria
Administração (escrivães, funcionários públicos), como autônomos, ou seja, serven-
tuários que não são funcionários em sentido estrito, apesar de terem suas funções, re-
gime de trabalho e disciplinar, progresso na carreira, entre outros, disciplinados pelas
normas de organização judiciária de cada Estado.
Passaremos ao exame de quais são os principais auxiliares da Justiça.
As três principais figuras, que se podem reputar essenciais no juízo, são o escrivão,
o chefe de secretaria e o oficial de justiça. Rigorosamente, nenhum juiz poderia exercer
suas funções, se não tivesse, pelo menos, esses três auxiliares.
Ao escrivão ou ao chefe de secretaria10 incumbem primordialmente, no cartório li-
gado ao juízo, funções como: documentação dos atos processuais, ou seja, lavratura de
assentadas, termos de audiência, depoimentos a serem reduzidos a escrito, atos de jul-
gamento; redação de ofícios, mandados, cartas precatórias, entre outros; fornecer certi-
dões de atos ou termos do processo; a prática de atos meramente ordinatórios, conforme
ato regulamentar do juiz; e a movimentação da relação jurídica processual (arts. 152 e
153 do CPC/2015). Em síntese, sob esse aspecto, podemos dizer que o escrivão e o che-
fe de secretaria têm uma função interna, pois todo o trabalho deles se desenvolve no
cartório, junto ao juiz e às partes.
Já o oficial de justiça, ao contrário do que ocorre com o escrivão e o chefe de secre-
taria, tem função precipuamente externa, ou seja, realiza todos os atos judiciais que se
tenham de operar fora das dependências do fórum ou tribunal, por determinação do
magistrado.
Segundo o art. 154 do CPC/2015, incumbe ao oficial de justiça fazer as citações,
prisões, arrestos e demais diligências próprias de seu ofício; executar as ordens do juiz
a que estiver subordinado; entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
auxiliar o juiz na manutenção da ordem; efetuar avaliações quando for o caso; e certi-
ficar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes,
na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber. Todos esses atos deve-

10. O cargo de chefe de secretaria é vinculado, primordialmente, à organização judiciária da


Justiça federal. Antes mesmo do CPC/2015, suas atribuições já eram delineadas na Lei de
Organização Judiciária da Justiça Federal nº 5.010 de 1966 (art. 36, I e 41).
294 Manual de Direito Processual Civil

rá o oficial de justiça praticar pessoalmente, em princípio, e, no caso das citações, pri-


sões, penhoras, arrestos e outras diligências que lhe são próprias, deve cumpri-las na
presença de duas testemunhas.
Devemos acentuar que, com o aumento das atividades decorrentes da distribuição
da Justiça, o escrivão e o chefe de secretaria, por sua vez, terão de ter auxiliares, os quais
poderão ser funcionários públicos, no caso de cartórios oficializados, ou empregados
do próprio escrivão, se, por hipótese, se tratar de serventia de justiça não oficializada,
não mais existente no Estado de São Paulo.
De forma semelhante, nos tribunais, também há órgãos que possibilitam o funciona-
mento da Justiça nesse grau de jurisdição. O principal órgão auxiliar é a secretaria de cada
tribunal, onde o auxiliar de destaque é o secretário do tribunal, existindo também ofícios,
com escrivães e demais auxiliares.
Além dos escrivães, chefes de secretaria e oficiais de justiça, há os outros auxiliares da
Justiça elencados no art. 149 do CPC/2015, cujas funções devem ser explicadas.
Pois bem. O contabilista ou contador sempre teve um papel de importância palpá-
vel. Sua incumbência fundamental é a de fazer o cálculo aritmético do quantum corres-
pondente a qualquer direito ou obrigação, sempre a mando do juiz. O CPC/2015 a ele
se refere expressamente, não só no art. 149, mas também, v.g., no art. 524, §2º, para ve-
rificação dos cálculos no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de
obrigação de pagar quantia certa, e no art. 638, §1º, em que a mando do juiz o conta-
bilista realiza cálculos atinentes aos tributos devidos no processamento do inventário.
Ao distribuidor incumbe, obrigatoriamente, repartir as causas entre os juízos e re-
gistrá-las (arts. 284 e 285 do CPC/2015), bem como proceder anotações pertinentes ao
processo como, v.g., alteração nominal das partes que integram o processo e a instauração
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, §1º, do CPC/2015).
O depositário público é órgão auxiliar do juízo a que se vincula, sendo que nor-
malmente um depositário serve a diversos juízos, sendo responsável perante os juízos
cujas ordens há de cumprir. Semelhante à figura do depositário, é o papel exercido pelo
administrador, não por outra razão ambos estão previstos na mesma Seção do Capítu-
lo do CPC/2015 dedicado aos auxiliares. Cumpre ao depositário e ao administrador a
guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados
(art. 159 do CPC/2015). Pode o juiz, ainda, por indicação do depositário ou adminis-
trador, nomear prepostos (art. 160, parágrafo único, do CPC/2015). Se agirem com
dolo ou culpa, causando prejuízo, responderão civilmente à parte, além de perderem o
direito à remuneração, sem, todavia, perderem o direito de reembolso pelo que efetiva-
mente despenderam em função da tarefa que lhes foi cometida (art. 161 do CPC/2015).
O perito, ao seu turno, é a pessoa dotada de conhecimentos técnicos ou científicos
próprios de sua especialidade. Ao juiz, apesar de ter conhecimento de determinados
assuntos, não compete por sua função, colher diretamente certos dados e chegar, tec-
nicamente, a determinadas conclusões, como nos casos em que a demanda verse so-
bre problemas contábeis, econômicos, de engenharia, etc. Para isso, há de funcionar o
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 295

perito, assistindo o juiz, devendo diligenciar para cumprir tal ofício público (art. 157
do CPC/2015). Há, necessariamente, de prestar informações verdadeiras, sob pena de
inabilitação sucessiva por dois a cinco anos para funcionar em outras perícias (art. 158
do CPC/2015), além da responsabilidade penal em que incida eventualmente (art. 342
do CP).
O intérprete ou tradutor será nomeado para auxiliar o magistrado quando for neces-
sário traduzir documento redigido em língua estrangeira, passar para o português de-
clarações de pessoas que não conhecerem o idioma nacional – lembrando que em todos
os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo (art. 192 do CPC/2015) –
ou, ainda, realizar a interpretação simultânea dos depoimentos de partes e testemunhas
com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasileira de Sinais ou
meio equivalente (art. 162 do CPC/2015). Há situações, porém, em que, conquanto em
si mesmo, pelos seus conhecimentos, alguém que pudesse vir a servir de intérprete ou
tradutor não possa vir a sê-lo como determina assim o art. 163 do CPC/2015: (i) os que
não tenham a livre administração de seus bens, vale dizer, para ser intérprete, este de-
verá ser maior e capaz, além de possuir dotes especiais; (ii) se tiver sido arrolado como
testemunha, ou se servir como perito no processo; (iii) finalmente, se estiver inabilitado
ao exercício de tal função, por sentença penal condenatória, enquanto os efeitos dessa
perdurem. Como o intérprete e o tradutor exercem função auxiliar do juiz, aplicam-se-
-lhes, também, as restrições dos arts. 157 e 158 do CPC/2015, seja o mesmo oficial ou
não. O intérprete ou tradutor, portanto, há de agir idoneamente, isto é, há de traduzir
com veracidade o que lhe incumbe fazer, pois que, se agir com dolo ou culpa, incide nas
penalidades a que alude o art. 158.
Os mediadores e conciliadores judiciais são auxiliares do juízo que têm por função
tentar promover a solução consensual dos conflitos, ou seja, facilitar a autocomposição
pelas partes (art. 3º, §3º, do CPC/2015). Auxiliarão o órgão julgador nas oportunidades
que surgirem para adoção de tais métodos, v.g. na audiência de conciliação ou media-
ção a ser designada após a propositura da demanda no procedimento comum (art. 334
do CPC/2015) ou nas audiências de mediação e conciliação a serem promovidas nas
ações de família (art. 694 e 695 do CPC/2015). Os conciliadores atuarão preferencial-
mente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir
soluções para o litígio, já os mediadores atuarão preferencialmente nos casos em que
tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliando-as a compreender as questões
e os interesses em conflito, de modo que elas possam solucioná-lo por si mesmas após
o restabelecimento da comunicação (art. 165, §§2º e 3º do CPC/2015). Sobre o media-
dor cabe ainda referência à Lei da Mediação nº 13.140/2015 que procurou traçar co-
mandos mais claros à atividade.
Cabem, ainda, breves explicações sobre as funções auxiliares do partidor e do re-
gulador de avarias. Ao partidor cumpre auxiliar o juiz na organização da partilha em
procedimento de inventário judicial, esclarecendo, entre outras coisas, as dívidas aten-
didas, a meação do cônjuge, a meação disponível e os quinhões hereditários (art. 651
do CPC/2015). Ao regulador de avarias, por sua vez, cabe o trabalho técnico e especia-
296 Manual de Direito Processual Civil

lizado de avaliação das avarias grossas11 (art. 707 e seguintes do CPC/2015).12 Consi-


derando que sua função muito se assemelha ao trabalho do perito, aplicam-se-lhe as
disposições pertinentes à atuação pericial (arts. 156 a 158 e 711 do CPC/2015).

8.9. A cooperação internacional e nacional


A administração da Justiça e sua atividade também dependem diretamente da cola-
boração entre os diversos órgãos judiciários que a integram. Nesse sentido, o CPC/2015
dispõe expressamente sobre a cooperação internacional (arts. 26 a 41) 13 e sobre a coo-
peração nacional (art. 67 a 69).
Entendemos por cooperação internacional aquela praticada entre autoridades brasi-
leiras e órgãos judiciários estrangeiros, com a finalidade de realizar a citação, intimação
ou notificação judicial e extrajudicial, para colheita de provas e obtenção de informa-
ções, homologação e cumprimento de decisão, concessão de medida judicial de urgên-
cia, para obter assistência jurídica de alguma forma ou qualquer outra medida judicial
ou extrajudicial não vedada pela lei brasileira (art. 27 do CPC/2015).
A colaboração deverá, a priori, ser regida por tratado de que o Brasil faça parte. Se
esse inexistir dar-se-á a colaboração por reciprocidade após manifestação diplomática
(art. 26 do CPC/2015). Dentre alguns mecanismos possíveis para viabilizar esse inter-
câmbio de informações ou providências, a lei processual prevê expressamente a possi-
bilidade de realização de auxílio direto (art. 28 a 34 do CPC/2015) e também se refere
à carta rogatória como meio de comunicação dos atos processuais (arts. 36 e 237, II,
do CPC/2015).
A cooperação nacional, por sua vez, se dá entre órgãos judiciários brasileiros da
Justiça estadual ou federal, especial ou comum, entre todas as instâncias, inclusive os
tribunais superiores (art. 67 do CPC/2015). Tem por escopo precípuo a facilitação da
prática de atos processuais que dependam da atuação de órgão judiciário diverso da-
quele em que tramita o processo principal.

11. Por avarias grossas devem ser compreendidas todas aquelas hipóteses elencadas no art. 764
do Código Comercial e que perfazem situações práticas do transporte marítimo.
12. V. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo: RT, 2015, pp. 1535-1544.
13. Sobre a cooperação internacional, Araken de Assis bem avulta sua importância ao dizer que
“o mundo contemporâneo apresenta várias e impactantes facetas. A eficiência dos meios
de comunicação facilitou o contato das pessoas naturais e jurídicas, domiciliadas em Países
diferentes e de nacionalidades heterogêneas. Relações outrora lentas e difíceis tornaram-se
instantâneas. Os efeitos dessa rede mundial de relações intersubjetivas não se restringem,
absolutamente, ao território de um país. A globalização exige o reconhecimento recíproco
dos negócios privados, seja qual for o lugar da contratação, a uniformidades de tratamento
jurídico, e, principalmente, a colaboração entre jurisdições e as autoridades administrativas
de países diferentes. A este fenômeno dá-se o nome de cooperação jurídica internacional.”
(Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São
Paulo: RT, 2015, p. 605).
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 297

Para tanto, os órgãos judiciários podem praticar auxílio direto, reunião ou apensa-
mento dos processos, prestar informações ou, ainda, atos concertados, isto é, atos pro-
cessuais estabelecidos conjuntamente entre juízos distintos para a comunicação de ato,
obtenção e apresentação de prova, efetivação de tutela provisória, adoção e efetivação
de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas, facilitação de
habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial, para centralização de pro-
cessos repetitivos e execução de decisão jurisdicional.
Todas essas tarefas, por assim dizer, estão dispostas no rol do §2º do art. 69 do
CPC/2015, o qual deve ser compreendido de forma não exaustiva. A cooperação ou a
realização de atos concertados entre órgãos judiciários é medida de facilitação da prá-
tica de atos processuais, visando, em última análise, a melhor prestação jurisdicional.
Sendo assim, possível ou necessária a atuação conjunta de juízos distintos, ainda que
em hipótese alheia ao previsto no referido dispositivo, deve ser viabilizada a colabora-
ção. Aliás, é o que se extrai do art. 68 do CPC/2015, segundo o qual “Os juízos pode-
rão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual.”.
9
Competência

9.1. Jurisdição e competência: alguns aspectos introdutórios


O poder ou a função jurisdicional, ou, ainda, a jurisdição, enquanto poder-função
enraizado na própria soberania (art. 2º da CF/1988) é naturalmente abstrato. A juris-
dição se estrutura e se concretiza precisamente em função das regras do instituto da
competência (lato sensu). A extensão geográfica, a diversidade dos ramos do Direito e,
ainda, a hierarquia existente entre os órgãos do próprio Judiciário exigem a especiali-
zação dos órgãos constituintes da função jurisdicional do Estado.
Pela competência, atribui-se a função jurisdicional a um ou mais órgãos do Poder
Judiciário,1 o que possibilita a determinado ou a determinados órgãos (quando mais de
um órgão for abstratamente competente) o exercício desse poder-função com exclusi-
vidade, a partir do momento em que nele se fixe a competência, com a propositura da
ação (art. 312 do CPC/2015) e com a ocorrência da prevenção (art. 59 do CPC/2015).2
A competência é, pois, a decorrência de uma especificação gradual e sucessiva do poder
jurisdicional, que possibilita a sua concretização em um dado órgão do Poder Judiciá-
rio, de acordo com uma espécie ou mais de causas.
Sabemos que o Poder Judiciário, sobretudo nos Estados modernos, tem necessaria-
mente que se subdividir numa multiplicidade de órgãos. Somente assim, é possível ao

1. Como explica Humberto Theodoro Júnior, a “competência é justamente o critério de distribuir


entre os vários órgãos judiciários as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.”
(Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 56ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 187).
2. A prevenção, em primeiro grau de jurisdição, significa a fixação da competência, num dado
juízo, através de ato concreto. Diferentemente do CPC/1973, o CPC/2015 adota critério
único para determinação da prevenção do juízo, ou seja, existindo a possibilidade de mais
de um órgão judiciário competente para apreciar determinada ação, será competente aquele
ao qual primeiro tiver sido distribuída a demanda (art. 59 do CPC/2015). Como comenta
Luiz Dellore “era bem conhecido, no sistema anterior, o aparente conflito entre os artigos
106 e 219, dispositivos que traziam regras distintas para a fixação da prevenção – e que
estava pacificado pela jurisprudência do STJ, mas ainda assim trazia dúvidas e debates no
cotidiano forense. Com o CPC/2015, o problema está felizmente superado.” (comentário
ao art. 59 in: Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Forense,
2015, p. 206, organizada por Fernando Gajardoni).
Competência 299

Estado atender à necessidade de realização da justiça (outorga de tutela jurídica) em


relação aos que a ele acodem.
Antes da análise da competência interna, i.e., que consiste em que indaguemos e de-
terminemos qual o órgão da jurisdição do país que é competente, registre-se que a com-
petência está primariamente estabelecida no plano internacional. O estabelecimento da
regra, ou regras, de competência internacional é decorrência direta do poder soberano
do Estado. Estudaremos esse tema em tópico próprio adiante.
Passemos, então, à análise dos principais pontos atinentes à competência interna.
Já a partir da própria Constituição, por mais de um critério, podemos identificar as
grandes divisões por meio das quais a competência começa a ser delimitada.
A Constituição adota um primeiro critério material (ou seja, em razão da matéria
a ser tratada ou pelas consequências jurídico-materiais que o sistema normativo subs-
tancial atribui a um fato), determinando que a causa ficará afeta a uma das justiças es-
peciais, isto é, à militar (art. 124 da CF/1988), à eleitoral (art. 121 da CF/1988, segundo
o qual lei complementar disporá acerca da organização e da competência dos tribunais,
dos juízes e juntas eleitorais) ou, ainda, à do trabalho (art. 114, caput, da CF/1988).
Se a lide não couber dentro de uma dessas hipóteses de Justiças especiais ou ma-
térias especiais, cair-se-á na Justiça comum, podendo ser causa afeta à Justiça Federal
(art. 109, I a XI, da CF/1988, como mais para adiante detalharemos) ou à Justiça Esta-
dual, e, ainda, à Justiça cível ou penal.
Definida a Justiça comum cível Federal ou Estadual pelos critérios constitucionais,
o estabelecimento do juízo competente passa a ser considerado também no patamar do
Código de Processo Civil. Assim, os problemas da competência, propriamente ditos, no
âmbito do Código (arts. 42 e ss. do CPC/2015) pressupõem que já esteja identificada a
Justiça (“jurisdição-competência”) comum ou especial, e, dentro de um gênero maior
denominado Justiça comum, entre Justiça Federal e Estadual.
Como mencionamos, as Justiças especiais são escolhidas pelo critério material (nor-
ma aplicável), e a Justiça Federal por esse critério material, (v.g., art. 109, V, VI e VII da
CF/1988) e também pelo critério ratione personæ, ou seja, em razão da pessoa envolvida
(v.g., art. 109, I e II da CF/1988). Cumpre observar que a competência da Justiça Federal,
em certo sentido, tem prevalência inclusive sobre a competência das chamadas Justiças
especiais, pois conflitos poderão surgir, em especial, com relação à competência da Jus-
tiça do trabalho. Tanto é assim que quaisquer causas, propostas perante outros juízos,
desde que nelas intervenha a União, seja como assistente, seja como opoente, ipso facto,
passam a ser da competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). Ou, mesmo se
intervier empresa pública federal, como assistente, a competência é da Justiça Federal.
Esse fenômeno é conhecido como deslocação da competência. Fala-se em certo sen-
tido porquanto a regra é a de que não devem existir conflitos (ao menos, conflitos re-
ais). A cada Justiça cabe o que, segundo os pressupostos respectivos, lhe seja atribuí-
do. Todavia, se concretamente existir conflito, e desde que verificado o pressuposto do
art. 109, I, da CF/1988, a solução será a deslocação da competência para a Justiça Fe-
300 Manual de Direito Processual Civil

deral. Em realidade, o que se verifica, efetivamente, é que se terá configurado hipótese


de incompetência absoluta da outra jurisdição, devendo, por isso mesmo, a causa ser
remetida à Justiça Federal. Por outro lado, ainda que na Constituição Federal de 1988
não exista texto legal similar ao da CF/1969, referentemente à deslocação da compe-
tência, esta implicação decorre necessariamente do sistema existente, diante da com-
petência absoluta da Justiça Federal em relação à Estadual.
Ainda em relação à possibilidade de deslocamento da causa, também se observa di-
nâmica distinta entre a Justiça Federal e a competência dos chamados juízos especiali-
zados das capitais dos Estados. Enquanto na Justiça Federal desloca-se a causa inclusive
e se necessário para outro foro, só haverá deslocamento para o juízo especializado da
capital do Estado se a competência – pelas regras do Código de Processo Civil – for
também da capital. Isto é, em caso de eventual conflito entre Vara especializada e Vara
comum em um mesmo Município, aquela será competente, deslocando-se a causa. To-
davia, diferentemente do que ocorre com a Justiça Federal, caso exista vara especializa-
da na capital do Estado, mas a competência seja de outro município, nesse a causa deve
ser processada, inexistindo o deslocamento.
Soma-se a esses critérios a chamada competência territorial, ou seja, a distribuição,
em uma perspectiva horizontal, dos órgãos judiciários no território.
O território do Estado federal brasileiro divide-se em diversos Estados federados.
Esses, por sua vez, do ponto de vista jurisdicional, são subdivididos em comarcas, onde
existem os juízos de primeiro grau de jurisdição, de igual ou diversa atribuição. Além
disso, em cada Estado federado há um órgão que “rejulga” quase todas as causas de pri-
meiro grau (Tribunal de Justiça), em virtude de sua competência hierárquica recursal
(competência funcional).
Também se verifica que, a existência de um volume mais significativo de lides de de-
terminada matéria (família, registros públicos etc.) implica, no plano da competência –
sobretudo nas comarcas de maior movimento – a especialização dos juízos (origem dos
chamados juízos especializados referidos em epígrafe), com o que temos a competência
material, i.e., determinados juízos resultam competentes em decorrência da matéria ou do
assunto a eles exclusivamente adjudicado, tratando-se de hipótese de competência que,
se violada, gerará incompetência absoluta. Exemplo: as causas nas quais consta a Fazenda
pública, nas comarcas de menor movimento, estão elas contidas na competência dos juí-
zos cíveis; nas de maior movimento, especialmente a(s) da(s) capital(is), inserem-se nos
chamados juízos especializados, cuja competência é determinada ratione personæ. Isto é,
desde que neles intervenha o Estado (pela sua Administração direta ou indireta) ou o Mu-
nicípio, e desde que o foro seja o da capital, serão da competência dos juízos especializados.
É o caso, v.g., das varas da Fazenda Pública localizadas na cidade de São Paulo, compe-
tentes tanto para assuntos envolvendo o Estado federado quanto o Município da Capital.
Ainda, quanto à chamada hierarquia, que é melhor traduzida no mundo jurídico
pelas expressões competência funcional ou critério funcional para definição da com-
petência, temos a determinação da competência precipuamente em virtude da função
exercida pelo órgão, como será melhor detalhado em tópico próprio.
Competência 301

9.2. Definição de competência3


Competência é a atribuição a um determinado órgão do Poder Judiciário daquilo
que lhe está afeto, em decorrência de sua atividade jurisdicional específica normalmen-
te excluída a competência simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder (ou, a
fortiori, de outro poder). A competência é a jurisdição para o caso específico.4
Ao falarmos em atividade jurisdicional específica e para sua caracterização, é curial
que aí sejam compreendidos sempre os três critérios utilizados para sua definição, quais
sejam: o territorial, o objetivo e o funcional. Mesmo porque esses critérios determinati-
vos da competência estão sempre presentes, todos para a determinação da competência,
salvo raríssimas exceções. Essa atividade jurisdicional específica resulta e é identificada
como epílogo da consideração dos critérios de determinação da competência. Isso fei-
to, fixaremos a competência pela prevenção (em primeiro grau, art. 59 do CPC/2015).
Em outras palavras, em um primeiro momento a competência é apurada pela análise
conjunta dos três critérios apontados. Feito isso e existindo dois ou mais órgãos judici-
ários com avaliação coincidente nos três critérios, isto é, com a mesma atividade juris-
dicional específica, será competente aquele prevento.
Competência é atributo de órgão judiciário (juízo, tribunal, câmara etc.) e não do
juiz que o integra. Nessa conceituação compreendem-se: (i) os critérios de determina-
ção da competência (o critério objetivo em razão da matéria ou do valor da causa, o cri-
tério territorial ou de foro e o critério funcional) – que não estão expressamente assim
denominados pela Lei, mas podem ser aferidos a partir das hipóteses esmiuçadas pelo
CPC/2015 – e (ii) a prevenção enquanto critério de fixação de competência. Conside-
ramos, assim, a prevenção no conceito e como critério de definição de competência.
Para determinar a competência, todos esses critérios (territorial, objetivo, funcio-
nal e da prevenção) devem ser sempre e simultaneamente utilizados. Não podemos
prescindir de qualquer um deles. Mesmo quando dizemos que estamos em face de
um problema concreto de competência, vale dizer, o de encontrar o órgão dito com-
petente ou o juízo competente, dentre vários com a mesma competência, para apre-
ciar determinada causa, esse possível conflito se pode resolver pela identificação do
juízo prevento.

3. Sobre a definição de competência, v. José de Moura Rocha, A competência e o novo Código


de Processo Civil, 1976, p. 25 et seq.; Revista de Processo (RePro) 4/38-67.
4. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes conceituam que: “Compe-
tência é a quantidade de jurisdição cujo exercício a lei ou a Constituição atribui a um órgão
jurisdicional – ou, como se costuma dizer, ela é a medida da jurisdição. Assumido que esta,
como expressão do poder estatal, é una e tão indivisível quanto este, vê-se que somente o
seu exercício é distribuído, e não ela própria. Cada juiz, de qualquer grau, em qualquer das
variadas Justiças de que se compõe o Poder Judiciário brasileiro, exerce a mesma jurisdição
que os demais juízes do país exercem, mas o faz no campo limitado da distribuição de seu
exercício, ou seja, nos limites das causas, incidentes ou recursos que lhe atribui a Consti-
tuição Federal ou a lei.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 103).
302 Manual de Direito Processual Civil

Prevenção pode ser entendida como o resultado de um ato jurídico realizado no pro-
cesso, a que a lei empresta a relevância de ligar uma causa a um determinado órgão judi-
ciário dentre diversos órgãos igual e abstratamente competentes. Ela se verifica, como
regra geral, com o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59 do CPC/2015),
como veremos em ponto próprio a ela dedicado. Esse critério também se aplica em se
tratando de reunião de causas conexas, eis que, como dispõe o art. 58 do CPC/2015,
elas serão reunidas no juízo prevento.5
Além dos critérios já mencionados (territorial, objetivo, funcional e, no caso ima-
ginado também o da prevenção) não podemos deixar de considerar os critérios de mo-
dificações da competência relativa (arts. 54 a 63 do CPC/2015), bem como, ainda, as
modalidades da declaração de incompetência (arts. 64 a 66 do CPC/2015).
Ainda dentro do tema da definição de competência, precisamos distinguir a incompe-
tência do impedimento, porque esse não é defeito respeitante ao órgão jurisdicional, mas
sim pertinente à pessoa física que integra o órgão em sua relação com uma das partes.
Na incompetência, desde que reconhecida pelo próprio juiz integrante do órgão,
ou pelo tribunal, é indeclinável a transferência da causa do órgão incompetente para o
competente; no impedimento, a causa permanece no mesmo órgão, devendo, porém, ser
substituído o juiz (o agente), pois o defeito, no caso, diz respeito à sua pessoa (art. 146,
§§1º e 5º do CPC/2015).
No mais, importa observarmos que o conceito de competência não é exclusivo ou
próprio do Direito Processual Civil, mas existe nos demais ramos do Direito. É uma
ideia concernente à teoria geral do Direito.
Na Administração, por exemplo, existem os órgãos competentes, significando-se
com isto que só a tais e quais órgãos atribui-se poder para a prática de atos próprios da
Administração. Trata-se, pois, aqui, da concretização do poder de administrar em um
ou mais de um órgão integrante da Administração.
Outrossim, ao Poder Legislativo cabe a função específica de fazer leis. No entanto,
à União cabe legislar sobre determinados assuntos, aos Estados federados sobre outros,
etc. Ora, essa delimitação, ou atribuição de matéria sobre a qual incida a legislação, é

5. Importa dizer que o CPC/2015, diferentemente do fez seu antecessor de 1973, unifica os
critérios de configuração da prevenção. Vale lembrar, para o CPC/1973, considerava-se
prevento, como regra geral, o juízo em que se efetivava a citação (art. 219 do CPC/1973),
e, no caso de prevenção para o fim de reunião de causas conexas aquele que houvesse
despachado em primeiro lugar (art. 106 do CPC/1973). A esse respeito, comenta Bruno
Silveira de Oliveira que “Sob a égide do CPC/2015, portanto, pouco importa que as
demandas conexas tramitem no mesmo foro ou em foros distintos: prevento será aquele
perante o qual se der o registro ou a distribuição da primeira demanda (entre as conexas)
proposta. A anterioridade na propositura (em verdade, no registro ou na distribuição) é
critério sem dúvida mais adequado e mais intuitivo do que a anterioridade no despacho
da inicial (critério adotado pelo art. 106 do CPC/1973) ou do que a precedência na
realização válida da citação (critério consagrado no art. 219 do CPC/1973).” (ver Tere-
sa Arruda Alvim [et al] coord. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil,
p. 244-245).
Competência 303

uma função ou um aspecto da competência, a que se denomina – se enfocada às avessas


– de inconstitucionalidade (por ausência de competência legislativa), i.e., inconstitu-
cionalidade numa de suas espécies. Se a União legisla sobre assunto que, constitucio-
nalmente, cabe ao Estado federado legislar, tê-lo-á feito inconstitucionalmente, porque
sem competência para tanto.

9.2.1. Competência absoluta e competência relativa


Pertine ao estudo, considerações sobre a distinção entre competência absoluta e
relativa, dado que, embora o CPC/2015 tenha aproximado em alguns aspectos as con-
sequências da inobservância de tais regras (v.g. art. 64, § 4º), em alguns pontos a lei
ainda manteve de forma importante a diferenciação, como, v.g. conservando a hipóte-
se de rescisória (art. 966, II).
Por razões de ordem pública, a lei elege dois critérios (competência em razão da
matéria e competência funcional) e trata de forma rígida as regras a eles vinculadas,
de modo que as razões de ordem pública prevalecem frente à vontade das partes (v. art. 62
do CPC/2015). Nesses casos, define-se a competência como absoluta.
De outra parte, para outros critérios (competência territorial e competência em ra-
zão do valor da causa), o fenômeno é, por assim dizer, visto sob uma outra ótica, preva-
lecendo o interesse das partes (v. art. 63 do CPC/2015). Nesses outros casos, define-se
a competência como relativa.
Como bem sintetiza Athos Gusmão Carneiro “em certos casos as regras de compe-
tência visam atender primacialmente ao interesse das partes, quer facilitando ao autor
o acesso ao Judiciário, quer propiciando ao réu melhores oportunidades de defesa. Te-
mos, então, casos de competência relativa. (...) Em outros casos, as regras de compe-
tência são motivadas por considerações ligadas principalmente ao interesse público de
uma melhor administração da Justiça. Cuida-se, aqui, de competência absoluta, que é
indisponível às partes, e se impõe com força cogente ao juiz.”6-7
Temos que a distinção importa, verdadeiramente, em função das possíveis conse-
quências do não respeito às regras de competência que, tecnicamente, é reconhecido
como incompetência do juízo, a qual, respectivamente aos critérios determinantes de
sua configuração, subdivide-se em incompetência absoluta ou incompetência relativa.

6. Cf. Jurisdição e competência: exposição didática: área do direito processual civil, 15. ed.
atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 103. V. a esse respeito também Patrícia Miranda Pizzol,
A competência no processo civil, São Paulo: RT, 2003, p. 249 e ss.
7. Essa mesma ideia pode ser verificada, mais recentemente, em Daniel Assumpção Neves,
Manual de direito processual civil, 8. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 156-157; Cândido
Dinamarco e Bruno Lopes, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 106-105; Araken de Assis, Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos
e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 1.022 e ss.; Fredie Didier Jr., Curso de
direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de co-
nhecimento, 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 203; e Alexandre Freitas Câmara, O
novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 54.
304 Manual de Direito Processual Civil

O tema será objeto de item próprio adiante (v. item 9.8 e seus subitens), porém, já
aqui, parece-nos oportuno, se não aprofundá-los, ao menos mencionarmos as diferen-
tes decorrências da existência de um e de outro vício.
Tratando-se da inobservância das regras de competência absoluta, temos que as
razões de ordem pública que fundamentam tais preceitos foram igualmente inobser-
vadas. Disso decorre que o vício pode ser alegado em qualquer tempo e grau de juris-
dição e deve ser declarado de ofício pelo juiz (art. 64, § 1º, do CPC/2015). Igualmente,
como já epigrafamos, permite, esse vício, a propositura da ação rescisória (art. 966, II, do
CPC/2015). Além disso, a alteração da regra de competência absoluta é exceção expres-
sa à aplicação do princípio da perpetuatio jurisdcitionis (art. 43 do CPC/2015, in fine).8
Em contrapartida, se se tratar de inobservância das regras de competência relativa,
temos que, se essa não for alegada no momento legal para tanto (preliminar de contes-
tação – art. 337, II, do CPC/2015), o problema está superado no processo. O sistema
processual faz com que a competência seja prorrogada, ou seja, o juízo que era, origi-
nalmente, relativamente incompetente passará a ser definitivamente competente.

9.2.2. A competência como pressuposto processual


Há ainda um ângulo preambular, na temática da competência, importante para o
correto equacionamento do juízo competente. Este ângulo importa termos presente
que, para a identificação do juízo competente, devemos considerar todos os critérios
existentes simultaneamente.
Em obra nossa – fazendo lugar comum à doutrina nacional, antiga e atual, e à dou-
trina estrangeira – afirmamos que “todos os critérios de classificação da competência,
basicamente, partem dos elementos componentes do processo”, e esses critérios são,
fundamentalmente, os da competência objetiva (expressão compreensiva da determi-
nação da competência por critério material e por valor), territorial, funcional e da pre-
venção, como dito anteriormente. Sucessivamente, analisando-se cada um dos critérios,
quando se chega ao da competência funcional, já escrevemos que esse critério de de-
terminação da competência parte de outra perspectiva do fenômeno e coexiste com os
demais critérios de determinação da competência.
Como síntese de todo esse pensamento, em outra oportunidade já estudamos mais
minudentemente esse ponto, com vistas a aprofundar o tema.9 Lá discorremos a respei-
to “da relevância de todos os critérios simultaneamente usados para a determinação da
competência”. No texto, escrevemos o seguinte: “Outra questão altamente relevante
a ser considerada é a de saber se a determinação da competência interna pode ser feita
à luz do critério da competência territorial e material, exemplificativamente, prescin-

8. V. a esse respeito Teresa Arruda Alvim [et. al], Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 123.
9. Cf. Arruda Alvim, estudo intitulado Anotações sobre o tema da competência, Estudos de
direito processual em homenagem a José Frederico Marques, p. 98-99 (destaques da trans-
crição).
Competência 305

dindo-se para isto, v.g., do critério da competência funcional. Este, ainda na mesma hi-
pótese, só viria a ser influente no momento da interposição dos recursos, suponha-se,
do juízo de primeiro grau de jurisdição para o segundo grau de jurisdição. Na verdade,
para que se afirme ou para que se diagnostique, na competência interna, se um dado
juízo é competente, hão de estar presentes sempre e simultaneamente os três critérios”.
Em sequência ao texto supracitado, há transcrição da obra de Rosenberg-Schwab,
precisa e exatamente nesse mesmo sentido, o que é indicativo do caráter pacífico do
entendimento. Dizem estes autores o seguinte: “Essas três formas de determinação
da competência precisam comparecer em conjunto, de tal forma que se possa dizer que
um determinado órgão (esse ou aquele juízo) é para uma dada causa competente” (des-
taques da transcrição).10
A doutrina, habitualmente, categoriza os pressupostos processuais como sendo os
requisitos respeitantes à existência e à validade da relação jurídica processual. Por tal
motivo, devem ser, como regra geral, objeto de exame antes das condições da ação e,
com mais razão ainda, antes do mérito (arts. 485 e 354 do CPC/2015).11
Como dissemos no item precedente, a competência é a jurisdição para o caso específico,
ou, por outras palavras, a concretização do poder jurisdicional em determinado órgão
judiciário, cujo juiz tem poder para processar a causa e julgá-la (art. 42 do CPC/2015).
É ela, pois, um requisito que diz respeito a um dos elementos do processo: ao órgão ocu-
pado pelo juiz. O valor atribuído pelo sistema jurídico à competência deve ser estimado,
acima de tudo, pelo critério do exame das consequências advindas da não ocorrência de
competência, i.e., pelas implicações oriundas da infração às regras da competência. Ou
seja, pelo consequente poder-se-á determinar, claramente, o antecedente.
O CPC/1973 preceituava em seu art. 113, § 2º que: “Declarada a incompetência ab-
soluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competen-
te”. Não havia, assim, a necessidade de declaração expressa de nulidade, uma vez que
esta, ex lege, decorria do próprio reconhecimento da incompetência absoluta. Era ne-
cessário, apenas, que fossem identificados quais os atos decisórios, já nulos. Além dis-
so, estabelecia a incompetência absoluta como vício a justificar a rescisão da sentença
proferida por juízo em tal condição (art. 485, II, do CPC/1973).
O CPC/2015, ao menos parcialmente, trata de forma diferente a questão. Fala em par-
cial diferença por que a hipótese de ação rescisória é mantida (art. 966, II, do CPC/2015),

10. No original lê-se: “Diese drei Bestimmungsgründe müßen zusammentreffen, damit man
sagen darf, diese Behörde (dieses Gericht) sei für dieses Verfahren in dieser Sache zuständig”
(da obra Zivilprozeßsrecht, § 30, I, 3, p. 123).
11. Sobre o tema, cf. também Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sen-
tença, n. 1.2.2, p. 42 e ss.: “Os pressupostos processuais consistem no primeiro momento
lógico merecedor da atenção do juiz. São elementos cuja presença é imprescindível para
a existência e para a validade da relação processual e, de outra parte, cuja inexistência é
imperativa para que a relação processual exista validamente, no caso dos pressupostos pro-
cessuais negativos. A existência jurídica e a validade da relação processual são requisitos
para que se possa pensar na possibilidade de uma sentença de mérito.”
306 Manual de Direito Processual Civil

como será melhor referido em seguida. Porém não mais se presumem nulos os atos de-
cisórios praticados pelo juízo incompetente, sendo essa talvez a maior novidade em
relação tema da competência. Segundo o § 4º do art. 64 do CPC/2015 “salvo decisão
judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida por juí-
zo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.12-13
Da leitura do dispositivo, pode-se concluir com duas assertivas: (i) que as decisões pro-
feridas pelo juízo incompetente, ainda que eivadas de tal vício, podem ser aproveitadas,
equiparando-se com o trato dado pelo CPC/1973 à incompetência relativa14 e (ii) o juízo
competente não precisa, embora seja recomendável, se manifestar expressamente, alte-
rando o decidido ou reafirmando a decisão prolatada pelo juízo incompetente anterior
– o que se apreende da expressão se for o caso. Assim, recebido o processo, pode o juiz,
competente para apreciá-lo, silenciar ou manifestar-se a favor do decidido, hipóteses
nas quais conservar-se-ão seus efeitos, ou manifestar-se contra o já decidido, cessando
os seus efeitos. Esta hipótese terá aplicação na remessa da causa do juiz absolutamente
incompetente para o competente.
Adota-se, com contornos amplos nesse ponto, a teoria da translatio iudicii, isto é, a
continuidade do processo iniciado no juízo incompetente perante juízo próprio, com
a conservação ou aproveitamento dos efeitos produzidos pelos atos processuais prati-
cados anteriormente.
Viabiliza-se, assim, nas palavras de Leonardo Greco, a projeção dos efeitos das pre-
clusões já consumadas e dos direitos subjetivos processuais anteriormente adquiridos,
bem como o resguardo de faculdades decorrentes de atos ou fases anteriormente con-
solidadas, ocorridos no processo no juízo absolutamente incompetente que subsistem
no competente. Como exemplo, podemos pensar que no juízo absolutamente incom-
petente se tenha saneado o feito, e nessa oportunidade se tenha operado a distribuição
dinâmica do ônus da prova, invertendo-o (arts. 357 e 373, § 1º, do CPC/2015). Se, após,

12. O CPC/2015, nesse ponto, encampa iniciativa de parte da doutrina nacional preocupada em
evitar o desperdício da atividade jurisdicional. V., a esse respeito, Cássio Scarpinella Bueno,
Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 118. Igualmente, v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual
civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 259.
13. Como pontua Leonardo Faria Schenk “o legislador acolheu a teoria da preservação da vali-
dade dos atos processuais praticados perante o juízo absolutamente incompetente (art. 64,
§4º). O processo retomará o seu curso perante o juízo competente, preservando-se, em
princípio, todos os efeitos processuais e substanciais dos atos processuais praticados no
juízo incompetente, com a projeção das preclusões já consumadas, dos direitos subjetivos
processuais anteriormente adquiridos e a conservação, nas fases sucessivas, das faculdades
decorrentes de atos ou fases anteriores, ainda que não previstas no procedimento adequado.”
(comentários ao art. 64 in: Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil, coorde-
nação Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al.]. São Paulo: RT, 2016, p. 255-256).
14. No original lê-se: “Diese drei Bestimmungsgründe müßen zusammentreffen, damit man
sagen darf, diese Behörde (dieses Gericht) sei für dieses Verfahren in dieser Sache zuständig”
(da obra Zivilprozeßsrecht, § 30, I, 3, p. 123).
Competência 307

esse mesmo juízo reconhecer-se incompetente, encaminhando os autos ao juízo de com-


petência absoluta para apreciar a demanda, salvo decisão em contrário (art. 64, § 4º, do
CPC/2015), conservar-se-á a distribuição do ônus da prova nos moldes feitos.
No entanto, como pontuamos, o CPC/2015 mantém a hipótese de cabimento de
ação rescisória para rescindir decisão de mérito prolatada por juiz absolutamente in-
competente (art. 966, II, do CPC/2015). Em outras palavras, a incompetência absolu-
ta é vício tamanho que justifica a rescisão da decisão. Desta forma, com a manutenção
dessa possibilidade, não padece dúvida: no Direito brasileiro, a competência “absoluta”
continua sendo pressuposto processual de validade. Não se altera, portanto, essa na-
tureza da competência absoluta e não há prorrogação de competência. O juízo incom-
petente não se torna competente, apenas há a possibilidade de conservação dos efeitos
das decisões por ele proferidas.
Posto isso, concluímos: (i) a competência absoluta é pressuposto processual de vali-
dade; (ii) verificada a incompetência absoluta, inclusive de ofício, o juízo incompetente
deve encaminhar o processo para o juiz competente; e (iii) conservam-se no juízo rece-
bedor, salvo decisão em contrário, a ser proferida após regular contraditório (art. 9º do
CPC/2015), os efeitos das decisões proferidas anteriormente pelo juízo incompetente,
bem como os efeitos delas decorrentes.
No mais, com relação à hipótese de cabimento da ação rescisória, importa uma ob-
servação. Suponhamos que em nenhum momento a incompetência absoluta tenha sido
reconhecida, não se cogitando da aplicação da regra do art. 64, § 4º, e que a sentença
tenha sido proferida, assim, por juiz absolutamente incompetente. Com o trânsito em
julgado, a decisão nula passará a ser rescindível pelo prazo de dois anos, contados do
trânsito em julgado da última decisão do processo (art. 975 do CPC/2015).
A sentença rescindível, contudo, antes do julgamento que venha dar pela proce-
dência da ação rescisória, opera todos os efeitos.15 Ainda, se não for proposta oportu-
namente a ação rescisória, a sentença proferida por juiz absolutamente incompetente
terá, para todos os efeitos, validade e eficácia.
Diferentemente, a incompetência relativa não pode sequer ser objeto de considera-
ção no quadro dos pressupostos processuais. Isso porque, se o réu não alegá-la na con-
testação (art. 64, caput e 337, II, do CPC/2015) e o juiz não a reconhecer previamente
à citação, nos termos do art. 63, § 3º, do CPC/2015, a consequência será a prorrogação
da competência (art. 65 do CPC/2015). A incompetência que sobrevive, viciando a re-
lação jurídica processual, mesmo após o prazo da contestação, e consequentemente a
sentença e atos decisórios é a incompetência absoluta, salvo se, logicamente, o processo
for encaminhado ao juízo competente, quando atos anteriores poderão ser invalidados
(art. 64, § 4º, do CPC/2015).

15. Pode-se cogitar do pedido de tutela provisória de urgência antecipatória, dentro de uma
ação rescisória, com vistas à antecipação de um dos possíveis efeitos emergentes do acór-
dão de procedência da rescisória. Neste caso, devemos de entender “operarem-se todos os
efeitos”, com este eventual temperamento, que pode bloquear praticamente toda a eficácia
da decisão de mérito em relação à qual foi proposta ação rescisória.
308 Manual de Direito Processual Civil

9.2.3. Competência exterior e interior


Em outra perspectiva, podemos também encarar o instituto da competência sob
dois outros aspectos primordiais: (a) seu aspecto exterior, que até aqui em sido objeto
de consideração e (b) seu aspecto interior, que é de suma importância especialmente
nos órgãos colegiados, em razão de seus órgãos fracionários.
Quem alude à competência sob o aspecto exterior considera um órgão no contexto
ou conjunto de funções que ele tem dentro do Poder Judiciário, ou seja, a visão do órgão
judiciário para com os demais, do confronto de uns com outros. A partir dessa análise,
isto é, da observação exterior dos órgãos judiciários identifica-se o que cabe a cada um
deles, enquanto órgãos abstratamente competentes.
De outro lado, está a visão interna dos órgãos judiciários. Surge, então, assunto de
relevância, principalmente para os órgãos do segundo grau de jurisdição, qual seja,
o da divisão interna da competência do Tribunal. É o que se denomina “competência
interior”, ou seja, não se considera mais o órgão como um todo, no seu confronto com
os demais (competência exterior); mas, sim, considera-se o órgão internamente den-
tro do Tribunal que é competente. Definida a competência do órgão judiciário em re-
lação aos demais, passa-se aos problemas que afetam a divisão da competência dentro
dele próprio.
Se se tratar de órgão monocrático, será em regra, ocupado por uma só autoridade-
-juiz. O órgão judiciário monocrático, porém, também poderá ser ocupado por mais
de um magistrado, hipótese em que haverá, então, uma divisão interna de serviço ou de
tarefa. Essa realidade, no entanto, não configura, propriamente, um assunto relaciona-
do com o tema da competência. Se se tratar de órgão colegiado, definida sua competên-
cia, deverá ser analisado interiormente, por assim dizer, para a distribuição das causas
corretamente entre cada um de seus órgãos fracionários.

9.3. Critérios para definição da competência


9.3.1. Competência internacional e interna
O primeiro critério para definir a competência é a identificação de que se trata de
competência (i) internacional ou (ii) interna.
A internacional, disciplinada antes pela Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro, depois pelos arts. 88 a 90 do CPC/1973, hoje é tratada nos arts. 21 a 25 do
CPC/2015.
O art. 21 estabelece a competência da autoridade judiciária brasileira, quando o réu,
qualquer que seja sua nacionalidade, for domiciliado no Brasil (I) ou aqui tiver de ser
cumprida a obrigação (II), ou, ainda, se a ação se originar de fato ocorrido ou ato pra-
ticado no Brasil (III).
O art. 22, ao seu turno, estabelece que também compete à autoridade judiciária bra-
sileira processar e julgar as ações de alimentos, quando o credor tiver domicílio ou re-
sidência no Brasil ou quando o réu mantiver vínculos no país, tais como posse ou pro-
Competência 309

priedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos (I), as


ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou
residência no Brasil (II), e as ações em que as partes, expressa ou tacitamente, se sub-
meterem à jurisdição nacional (III). Sobre essa última hipótese, por submissão expressa
deve ser compreendida qualquer disposição das partes, v.g., por contrato, optando pela
jurisdição nacional. Por submissão tácita, 16 parece ser a situação em que proposta a ação
no juízo brasileiro, esse, antes sem competência para a causa, passa a tê-la se o réu não
alegar o vício no prazo próprio da contestação (arts. 25 e 337, II do CPC/2015). Essa úl-
tima afirmação é confirmada pelo art. 25 do CPC/201517 – que permite que haja contrato
internacional optando pela competência jurisdicional de país estrangeiro, com exclu-
são da nacional –, pois prevê que a autoridade judiciária brasileira só não será compe-
tente para o julgamento da ação se o réu arguir na contestação a cláusula de eleição de
foro exclusivo estrangeiro, o que significa que se este nada alegar, se prorrogará a com-
petência da autoridade judiciária brasileira.
O art. 23, por sua vez, dispõe que compete à autoridade judiciária brasileira, com
exclusão de qualquer outra – em seguida justifica-se o destaque textual – conhecer de
ações relativas a imóveis situados no Brasil (I), em matéria de sucessão hereditária, pro-
ceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situa-
dos no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha
domicílio fora do território nacional (II), e, em divórcio, separação judicial ou dissolu-
ção de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular
seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (III).
Pelo texto legal, assim como à luz do CPC/1973, verificamos casos de competência
concorrente e casos de competência exclusiva. Entendemos dessa forma, pelo nítido contras-
te existente dentro do sistema, pois que o art. 23, como destacamos, prevê o que com-
pete com exclusividade à autoridade brasileira. Assim, as causas elencadas nos arts. 21
e 22 são de competência concorrente. As listadas no art. 23, de competência exclusiva.
Isso é importante, sobretudo, em razão do regime aplicado a cada uma das situações,
notadamente, porque apenas a competência concorrente pode ser afastada pela von-

16. Nesse sentido, comentando o art. 22, III, do CPC/2015, Cândido Rangel Dinamarco afirma
que “Na interpretação desse dispositivo percebe-se que ele contém desde logo a aceitação
da competência do juiz brasileiro por dois daqueles modos, ou seja, (a) pela eleição de foro
e (b) pela omissão do réu em recusar a jurisdição brasileira logo em sua primeira manifes-
tação no processo.” (Instituições de direito processual civil: volume I. 8. ed., rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 515). No mesmo sentido: “Logicamente, o art. 22, III, CPC,
depende da existência de cláusula de eleição de foro que escolha a jurisdição brasileira
como competente ou, ao menos, a não oposição de cláusula de eleição de foro que esco-
lha outra jurisdição para certa controvérsia, ‘prorrogando-se’ a jurisdição nacional.” (Luiz
Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, Novo código de processo civil
comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 124).
17. “Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento
da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato in-
ternacional, arguida pelo réu na contestação.”.
310 Manual de Direito Processual Civil

tade das partes,18 justamente por isso o art. 25, § 1º, do CPC/2015 deixa claro que não
se aplica a cláusula que elege foro exclusivo estrangeiro nas hipóteses de competência
exclusiva da Justiça brasileira. Além disso, também devemos concluir e apontar, ante
o texto do art. 24 do CPC/2015, que as ações relativas à matéria de competência con-
corrente, em curso perante tribunais estrangeiros, não produzem litispendência para
o Poder Judiciário brasileiro, como deixa claro o art. 24 do CPC/2015.Assim, poderão

18. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça tem admitido como válida a cláu-
sula de eleição de foro em caso de competência concorrente entre a jurisdição brasileira
e estrangeira. Por exemplo, relacionam-se os seguintes julgados proferidos recentemente,
ainda à luz do CPC/1973: “Recurso Especial. Processual civil. Competência internacional.
Controvérsia entre conhecido jogador de futebol (Robinho) e a empresa Nike acerca das
obrigações contraídas em ‘contrato de futebol’. Competência concorrente. Foro de eleição.
Justiça holandesa. Contrato paritário. Inexistência de assimetria. Cláusula contratual. Eleti-
va de foro alienígena admitida. Autonomia da vontade. (...) 2. Em sendo paritária e, assim,
simétrica a relação negocial estabelecida entre conhecido jogador de futebol e empresa
multinacional do ramo dos artigos esportivos, contrato cujo objeto, ademais, relaciona-se
à cessão dos direitos de uso de imagem do atleta, não é possível qualificá-la como relação
de consumo para efeito de incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor.
3. Regulada pelo disposto no art. 88 do CPC/73, a competência internacional na espécie
evidencia-se como concorrente, revelando-se possível a eleição, mediante cláusula prevista
no negócio jurídico qualificado pelas partes como "contrato de futebol" (contrato de patro-
cínio e cessão de uso de imagem), do foro alienígena como competente para a solução das
controvérsias advindas do acordo. Precedente da Colenda 4ª Turma. 4. Caso concreto em
que a obrigação principal contraída no acordo não deveria ser cumprida exclusivamente
no Brasil. 5. Suscitada a incompetência da Justiça brasileira pela parte demandada em
momento oportuno, correta a decisão de extinção do feito, sem resolução de mérito,
diante da derrogação, pelas partes, com base em sua autonomia privada, da competência
da Justiça brasileira e da eleição da Justiça holandesa para dirimir eventuais controvérsias.
(STJ, REsp. 1518604/SP, 3ª T., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 15.03.2016, DJe
29.03.2016); e “Recurso Ordinário em ação cautelar preparatória proposta em face do es-
tado estrangeiro (CF, arts. 109, II, c/c 105, II, c). Processual civil. Competência internacional
(CPC, arts. 88 a 90). Licitação internacional. Contrato para execução de obras de edificação
imobiliária no Brasil. Sociedade empresária brasileira e estado estrangeiro. Competência
concorrente da Justiça Brasileira. Cláusula eletiva de foro alienígena admitida. Possibilidade
de ajuizamento da ação no Brasil. Competência relativa (Súmula 33/STJ). Recurso Provido.
1. As regras de competência internacional, que delimitam a competência da autoridade
judiciária brasileira com relação à competência de órgãos judiciários estrangeiros e inter-
nacionais, estão disciplinadas nos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil – CPC. Esses
dispositivos processuais não cuidam da lei aplicável, mas sim da competência jurisdicional
(concorrente ou exclusiva) do Judiciário brasileiro na apreciação das causas que indicam.
2. O art. 88 trata da denominada competência concorrente, dispondo sobre casos em que
não se exclui a atuação do juízo estrangeiro,podendo a ação ser instaurada tanto perante
juízo brasileiro quanto diante de juízo estrangeiro. Sendo concorrente, a competência
pode ser alterada pela vontade das partes, permitindo-se a eleição de foro. 3. O art. 89
trata de ações em que o Poder Judiciário brasileiro é o único competente para conhecer e
julgar a causa, com exclusão de qualquer outro. É a denominada competência exclusiva,
hipótese em que a escolha do foro estrangeiro será ineficaz, ainda que resulte de expressa
manifestação da vontade das partes.(...)” (STJ, RO 114/DF, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, j.
02.06.2015, DJe 25.06.2015).
Competência 311

existir duas ações idênticas em curso simultaneamente, uma perante tribunal estran-
geiro e outra perante a justiça brasileira, ocasião em que valerá a sentença que primeiro
alcançar a coisa julgada, devendo a estrangeira (se assim tiver sido) ser regularmente
homologada (art. 24, parágrafo único, do CPC/2015).19 Contudo, conforme o próprio
art. 24 ressalva, havendo tratado internacional ou acordo bilateral em vigor no Brasil
que disponha em sentido contrário, a propositura da ação perante tribunal estrangeiro
induzirá litispendência, impedindo que outra ação idêntica tramite na justiça brasilei-
ra simultaneamente a que tramita no tribunal estrangeiro20.
Devemos acentuar que o Código de Processo Civil disciplina quando um litígio se
insere na jurisdição nacional, concorrentemente com a estrangeira (arts. 21 e 22), ou
quando exclusivamente encartado na jurisdição nacional (art. 23). Problema distinto é
o relacionado com o se saber qual a norma jurídica aplicável, pois poder-se-á, por exem-
plo, aplicar norma estrangeira por juiz nacional. A lei aplicável é assunto do Direito In-
ternacional Privado, com atenção especial à já referida Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, mais precisamente, por seus arts. 7º ao 11.

9.3.2. A divisão tripartida da competência (os critérios objetivo, territorial e


funcional)
Após identificarmos se a causa é de competência internacional ou interna, devemos
passar para os demais critérios de classificação da competência. Todos eles, basicamen-
te, partem dos elementos componentes do processo. O CPC/2015 assim reconhece e
adota três critérios básicos para a configuração da competência.
São, assim, três divisões básicas: (i) a competência objetiva – embora a lei não se uti-
lize deste adjetivo – disciplinadora da competência de juízo, compreende a competên-
cia determinável em razão da matéria (absoluta, art. 62 do CPC/2015) ou em razão do
valor da causa (relativa, art. 63 do CPC/2015); (ii) a competência territorial (relativa,
art. 63 do CPC/2015) reguladora da competência do foro e (iii) a competência funcional
(absoluta, art. 62 do CPC/2015). Neste passo, vale ressaltarmos que essas três perspec-
tivas, juntamente com a prevenção, devem ser analisadas sempre e simultaneamente
na definição do juízo competente.

19. No mesmo sentido: “Quanto às causas da competência concorrente do juiz brasileiro (art. 21-­
‑22) prevalecerá a sentença que passar em julgado em primeiro lugar – o que significa que a
auctoritas rei judicate deve prevalecer perante a ordem jurídica brasileira mesmo que obtida
no exterior – segundo o Supremo Tribunal Federal, ainda quando a sentença proferida em
outro país não haja ainda sido homologada no Brasil. Dessa premissa decorre também a
inadmissibilidade no Brasil de demandas idênticas a outra já julgada no exterior por sentença
passada em julgado.” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil:
volume I. 8. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 520).
20. É o que diz Araken de Assis: “A circunstância de os arts. 21 e 22 do NCPC permitir à jurisdição
brasileira concorrer com a estrangeira suscita a questão relativa à tramitação, simultânea,
ou não, de ação idêntica em outro País. O art. 24 do NCPC enfrentou os problemas daí
originados, outorgando-lhes solução categórica” (v. obra Processo civil brasileiro, volume
I: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 600).
312 Manual de Direito Processual Civil

9.3.3. O critério objetivo em razão da matéria ou do valor da causa (a


competência objetiva)
A competência objetiva é aquela determinada pelo conteúdo, objeto ou matéria do
processo e pelo valor pecuniário atribuído à causa ou ao objeto do processo.
Quanto à matéria,21 trata-se de competência absoluta e, como já dissemos em mo-
mentos anteriores, existe algumas primeiras divisões básicas entre Justiça Comum e
Especial (trabalhista, militar e eleitoral), e dentro da comum, entre matéria civil e cri-
minal. Além disso, em dadas causas, ainda observar-se-á divisão entre Justiça Estadual
e Federal, conforme já dissemos. Ao CPC/2015 e às normas de organização judiciária
que o complementam compete o trato da matéria cível (art. 44 do CPC/2015).
Pode existir, ainda com relação à matéria do processo, subdivisões. Por exemplo:
se formos à Capital do Estado de São Paulo (ou a outras capitais), verificaremos que as
varas de família e sucessões decidem sobre direito de família e sobre matéria sucessó-
ria. Constataremos também que, ao lado dessas varas de família e sucessões, há as varas
cíveis às quais cabe decidir, sobretudo, o que diz respeito à remanescente matéria civil
(lato sensu). É possível, ainda, que o objeto do processo sirva de parâmetro para defini-
ção do juízo competente entre o foro central e os foros regionais.
Com relação ao valor da causa – competência relativa – esse será inicialmente apon-
tado pelo autor na petição inicial (art. 319, V, do CPC/2015) ou pelo réu na reconvenção,
de forma atenta aos critérios determinados pelo Código (arts. 291 e ss.). Esse valor será
corrigido de ofício pelo juiz, quando verificar que o valor não corresponde ao conteúdo
patrimonial em discussão ou ao conteúdo patrimonial perseguido pelo autor (art. 292,
§ 3º, do CPC/2015), ou a requerimento do réu, em preliminar de contestação, sob pena
de preclusão (art. 293 do CPC/2015). De todo modo, o que precisamos aqui assinalar
é que o valor da causa é critério de definição da competência.

9.3.4. O critério territorial (a competência territorial)


A competência territorial, por sua vez, parte da premissa lógica de que todo órgão
jurisdicional naturalmente supõe um território sobre o qual é exercida a função juris-
dicional (v. art. 236 do CPC/2015, que confirma essa ideia). No campo da competência
territorial, o que importa, acima de tudo, é encontrarmos o chamado foro (territorial-
mente) competente, que é o lugar onde alguém deve ser demandado (arts. 44 e seguin-
tes do CPC/2015).
Aqui, por questões didáticas, convém registrarmos que judiciariamente os territó-
rios dos Estados Federados são divididos em comarcas. Estas podem corresponder a um

21. Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. 1, 11. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 148: “A competência em razão da matéria, que se informa pela
classificação de direito material que se dá à pretensão deduzida, também é regulada, em prin-
cípio, pelas normas de organização judiciária. De um modo geral, é meio de se especializar
a justiça, criando-se varas exclusivas para a apreciação de pedidos que se relacionam com
determinado ramo de direito público ou privado. É o caso das varas de família, da Fazenda
Pública, de falências e concordatas, registros públicos etc.”.
Competência 313

ou mais municípios, sendo que, até dezembro de 1983, os foros em São Paulo corres-
pondiam a comarcas. Hoje, porém, as comarcas podem conter mais de um foro. Exem-
plificativamente, podemos citar a comarca da capital de São Paulo que abrange os foros
regionais e o central (art. 1º da Lei nº 3.947/1983 do Estado de São Paulo).
O juiz somente pode julgar um processo ocupando juízo que seja competente, ou
seja, desde que ocupe órgão ao qual tenha sido deferido poder jurisdicional específico
para uma dada causa. Além disso, o juiz de um dado foro só pode praticar atos válidos
dentro dos limites territoriais desse mesmo foro.
A competência territorial tem grande importância no primeiro grau de jurisdição.
No segundo, tem menor destaque. O Tribunal de Justiça tem jurisdição em todo o terri-
tório estadual, não surgindo aí, portanto, maiores problemas. Entretanto, se a todos os
tribunais dos Estados federados cabe julgar recursos, essa competência funcional (hie-
rárquica) liga-se à territorial, no sentido de que o recurso deve ser dirigido ao tribunal
situado no Estado onde está o juízo monocrático de primeiro grau.
No que diz com os foros regionais, embora dividido o território da comarca em
foros, a competência de cada vara situada em determinado foro é, em regra e co-
mumente, extensiva a todo o território da comarca no seguinte sentido: o juízo de
determinado foro regional pode praticar atos e diligências em toda comarca, desde
que nos feitos de sua competência. Assim, a competência do foro regional é deter-
minada pela delimitação geográfica de sua região, mas a jurisdição do magistrado se
exerce sobre toda a comarca, regras essas compatíveis com o art. 236 do CPC/2015.
Por consequência, são desnecessárias requisições por carta ou utilização de meca-
nismos de cooperação. A divisão regional da comarca da cidade de São Paulo pare-
ce exemplificar bem o que foi aqui dito. Podemos pensar em uma ação possessória
imobiliária em que se busca a reintegração da posse de imóvel situado na região do
Foro Regional de Pinheiros. Conforme regra do art. 47 do CPC/2015, tal ação será
proposta no referido foro regional, porém isso não impede que o juízo determine a
intimação de testemunha residente no Foro Regional do Jabaquara sem a necessi-
dade de carta precatória.
Os Tribunais Regionais Federais, por sua vez, têm jurisdição – pertinente às causas
de competência federal (art. 109 da CF/88) –sobre toda a região a que estão vinculados.
A disciplina é tratada nos arts. 107 e 108 da Constituição Federal.
Originariamente, compete aos TRF processar e julgar (i) os juízes federais da área
de sua região de jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, bem
como os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justi-
ça Eleitoral; (ii) as revisões criminais e as ações rescisórias propostas em face de sen-
tenças proferidas pelos seus próprios membros ou pelos juízes federais de sua região;
(iii) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de
juiz federal de sua região; (iv) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz
federal; e (v) os conflitos de competência, positivos ou negativos, entre juízes federais
vinculados à sua região.
314 Manual de Direito Processual Civil

Contemporaneamente, temos cinco Tribunais Regionais Federais com jurisdição,


respectivamente, sobre cinco regiões, cada qual com a área territorial a ela vinculada.22-23

9.3.5. O critério funcional ou da função do órgão jurisdicional (a competência


funcional)
A competência funcional coexiste com as demais formas de determinação da com-
petência. É um critério, em regra, aplicável fundamentalmente em momentos distintos
dos anteriores. Leva em consideração, precipuamente, a função do órgão jurisdicional.
Tal critério está presente tanto em primeiro quanto em segundo grau. Assim, diri-
gimo-nos ao juízo monocrático, pois sabemos que a eles cabe a função de conhecer as
causas em primeira mão. Dirigimo-nos aos tribunais, por sua vez, porque sabemos que
a eles cabem, fundamentalmente, a função de rever o julgamento das causas, identifi-
cando erros de procedimento ou rejulgando as demandas (por meio de recursos). Diri-
gimo-nos aos tribunais também para apreciação das causas conhecidas como de com-
petência originária, como, v.g., a ação rescisória (art. 966 e ss. do CPC/2015).
Em outras palavras, será competente, funcionalmente falando, aquele juízo, mono-
crático ou colegiado, a quem caiba o exercício de determinada função. Inclusive, nessa
classificação, podemos identificar a chamada competência recursal, a qual é determi-
nada pelo realce do critério da hierarquia, ou seja, a posição hierárquica dos tribunais,
acima dos juízos de primeiro grau de jurisdição, com a função de rever, por via recursal,
as decisões aí proferidas. Quer dizer, os outros critérios de identificação da competên-
cia (objetivo – matéria e valor da causa – e território), são relegados a um segundo pla-
no – salvo, excepcionalmente, se houver regra expressa em sentido diverso, como, v.g.,
o disposto no art. 109, § 4º da CF/1988, levando-se em conta, predominantemente, a
função do órgão de segundo grau. Nesse sentido, podemos dizer que o critério hierár-
quico ou a competência funcional hierárquica é espécie do gênero maior critério fun-
cional ou competência funcional, valendo lembrar que, como vimos, esse também está
presente no primeiro grau de jurisdição, onde inexiste hierarquia.

22. Detalhamos: 1ª Região corresponde às áreas dos estados federados do Acre, Amapá.
Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia,
Roraima e Tocantins, bem como do Distrito Federal; 2ª Região corresponde às áreas dos
estados federados do Rio de Janeiro e Espirito Santo; 3ª Região corresponde às áreas dos es-
tados federados de São Paulo e Mato Grosso do Sul; 4ª Região corresponde às áreas dos
estados federados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e 5ª Região corresponde
às áreas dos estados federados do Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Sergipe. Em 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 73 que determina a
criação de quatro novos TRFs, o que totalizaria, portanto, nove Regiões. Porém, logo após,
foi proposta contra a emenda a ação direta de inconstitucionalidade de nº 5.017
23. Em 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 73 que determina a criação de quatro
novos TRFs, o que totalizaria, portanto, nove Regiões. Porém, logo após, foi proposta contra
a emenda a ação direta de inconstitucionalidade de nº 5.017 pela Associação Nacional dos
Procuradores Federais – ANPAF. O Supremo Tribunal Federal, então, deferiu pedido liminar
suspendendo os efeitos da emenda. O mérito da ação ainda não foi julgado pelo plenário
da Corte.
Competência 315

Em competência funcional, cabe aos Tribunais Regionais Federais, como já men-


cionamos, julgar as situações referidas no inc. I, do art. 108. De outra parte, em grau re-
cursal, atuarão os TRFs nas causas decididas pelos juízes federais de sua região ou pelos
juízes estaduais que tenham atuado no exercício da competência federal (cf. art. 109,
§ 3º, da CF/88).
Ainda reputamos relevante mencionar que, no âmbito das causas de competência
dos Juizados Especiais Federais (aquelas de competência da Justiça Federal de até ses-
senta salários mínimos) a Lei nº 10.259/2001 instituiu a Turma Nacional de Uniformi-
zação (art. 14, § 2º). A essa compete julgar pedido de uniformização de interpretação
de lei federal fundado em divergência entre decisões de turmas recursais das diferentes
regiões (mesmas regiões relativas à divisão territorial de jurisdição dos Tribunais Re-
gionais Federais) ou decisão de turma recursal que contrarie súmula ou jurisprudência
dominante do Superior Tribunal de Justiça.

9.3.6. Prevenção
Como vimos ao propormos uma definição para competência, a prevenção é crité-
rio a ser utilizado nessa tarefa. Se a análise de todos demais critérios (separação entre
competência internacional e interna, critério objetivo, critério territorial e critério fun-
cional) resultar em mais de um órgão judiciário igual e abstratamente competente, o
critério da prevenção determinará a ligação da causa a um desses órgãos.
Assim, poderíamos separar por fases a identificação do órgão competente. Primei-
ro devemos verificar se a causa deve ser apreciada por órgão nacional ou internacional.
Ato  contínuo, se a solução houver sido pela Justiça nacional, dentre os órgãos judiciários
nacionais, será necessário analisar qual tem competência para julgar a matéria daquele
determinado valor, em determinado território e de acordo com suas funções. Por último,
se o resultado das fases anteriores indicar mais de um órgão competente, deverá julgar
a causa aquele que, pelas circunstâncias legais, é considerado prevento. A prevenção,
por assim dizer, é critério atuante na terceira fase de identificação do juízo competente.
Conceitualmente, portanto, entendemos a prevenção como critério de definição
da competência que surge como o resultado de um ato jurídico realizado no processo,
a que a lei empresta a relevância de ligar uma causa a um determinado órgão judiciário
dentre diversos órgãos igual e abstratamente competentes. Há um ato do processo e em
razão desse o órgão judiciário passa a ser competente, distinguindo-o dos demais que
poderiam igualmente sê-lo.
O CPC/1973 definia que esse ato era a citação (art. 219 do CPC/1973). Desse modo, o
juízo que primeiro ordenasse a citação ficava prevento e, consequentemente, competen-
te para julgar a causa. O CPC/2015, diferentemente, não mais adota a citação como ato
determinante da prevenção, mas atos, por assim dizer, anteriores. Segundo seu art. 59,
será prevento o órgão judiciário (juízo) no qual foi primeiramente registrada a petição
inicial ou para o qual essa foi primeiramente distribuída.
Essa disposição parece de fácil inteligência, mas soa-nos necessário explicar uma
distinção sutil, mas importante entre as expressões registro e distribuição, sobretudo
316 Manual de Direito Processual Civil

para tentar explicar porque o legislador fez questão de elencar ambas. Há, ainda, uma
fase anterior a essa consubstanciada no protocolo da petição inicial. Diante desse con-
texto, entendemos que é relevante explicar a dinâmica da apresentação da causa, por
assim dizer, ao Poder Judiciário, especialmente para identificação do juízo prevento.
O ato do protocolo pode ser entendido como a entrega física ou envio eletrônico
da petição inicial para o Poder Judiciário, competindo ao advogado do autor fazê-
-lo no exercício de sua capacidade postulatória. É, portanto, o primeiro ato de apre-
sentação da causa. O registro, em sequência, se dá com a autuação da petição inicial
pelo escrivão ou chefe de secretaria (art. 206 do CPC/2015). Nesse segundo mo-
mento, a causa é registrada nos sistemas de controle do Poder Judiciário, receben-
do sua numeração. A distribuição dar-se-á se, em um mesmo foro, mais de um juízo
for abstratamente competente para a causa proposta (art. 284 do CPC/2015), sendo,
assim, um terceiro ato possível no caminho da apresentação da causa. Importa lem-
brarmos, ainda, que se tratando de autos eletrônicos, nos termos do art. 10 da Lei nº
11.419/2006, com o protocolo, a autuação – por consequência o registro – se dá de
forma automática, oportunidade na qual o advogado já receberá o número de regis-
tro atribuído ao processo (Res. nº 185/2013 do CNJ), praticamente confundindo os
atos em um único momento.
Por essa dinâmica, percebe-se que ora o registro definirá a prevenção, ora a dis-
tribuição o fará. Não por outra razão o art. 59 do CPC/2015 utiliza-se da partícula ou.
O registro definirá o foro prevento se for o caso de foros igualmente competentes. Nes-
sa hipótese, será prevento o foro em que a petição inicial foi autuada e registrada em
primeiro lugar, física ou eletronicamente. Por exemplo, podemos pensar no protocolo
de duas petições iniciais, uma junto ao foro central de São Paulo outra no foro regional
de Santana. Será competente o foro em que a peça exordial for autuada e registrada em
primeiro lugar, desde que tenha competência. Por outro lado, a distribuição importará
para a prevenção e definição do juízo competente se estivermos diante de dois ou mais
juízos pertencentes ao mesmo foro, ou seja, sujeitos ao mesmo e prévio ato de autua-
ção e registro. Nessa segunda hipótese, será prevento e, portanto, concretamente com-
petente o juízo para o qual a causa foi primeiramente distribuída.
Não esqueçamos da possibilidade de prevenção em segundo grau de jurisdição para
o conhecimento do recurso. Ficará prevento o relator para o qual tiver sido distribuído
o primeiro recurso interposto no processo (art. 930, parágrafo único, do CPC/2015),
que pode, v.g., ser um agravo de instrumento contra decisão que denegou tutela provi-
sória ou, mesmo o recurso de apelação contra sentença. Também observamos a fixação
da competência pela prevenção no julgamento dos recursos excepcionais, seja na dis-
tribuição do recurso para o ministro relator, seja para o relator designado para apreciar
pedido de concessão de efeito suspensivo formulado no período compreendido entre
a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição (art. 1.029, § 5º, I,
do CPC/2015).
Observamos, ainda, o fenômeno da prevenção no caso do procedimento da tutela
antecipada requerida em caráter antecedente, em especial, caso operada a estabilização
Competência 317

nos moldes do art. 304 do CPC/2015. Se, durante o prazo de dois anos subsequentes,
quaisquer das partes quiser demandar a outra para rever, reformar ou invalidar a tute-
la antecipada concedida, o fará perante o juízo que deliberou anteriormente sobre essa
tutela provisória (art. 304, § 4º, do CPC/2015). Se não for verificada a estabilização, o
processo continua junto ao juízo onde o pedido antecedente foi proposto, aplicando-
-se as regras gerais de prevenção. O mesmo dar-se-á no caso de pedido de tutela de ur-
gência cautelar antecedente, no qual o órgão judiciário que apreciou o pedido de tutela
provisório apreciará o pedido principal.

9.4. A competência territorial e a definição do foro competente


O conceito de foro competente está atrelado à ideia da competência territorial e pode
ser dividido em foro geral e foros especiais. Desse modo, para definição da competên-
cia ou, em outras palavras, qual (ou quais) órgão judiciário está investido na atividade
jurisdicional específica para a demanda, quando da análise do critério da competência
territorial, será avaliado se a demanda está vinculada ao foro geral ou possui circuns-
tâncias que implicam o processamento em algum foro especial.

9.4.1. Foro e juízo


Antes de discorrermos sobre os foros geral e especiais, reputamos importante a dis-
tinção entre os conceitos de foro e juízo. Eles não se confundem. 24
Ao se dizer que o foro de uma comarca é o competente, quer-se dizer que, pelos es-
tudos das regras especiais e das gerais, chega-se à conclusão de que a demanda tem que
ser ajuizada nessa comarca. Uma comarca poderá ter dentro dela diversos foros e estes,
por sua vez, diversos juízos, inclusive com competência territorial própria e excludente
da de outros, como é o caso dos foros regionais (Estado de São Paulo), ou regiões (Rio de
Janeiro). Na realidade, competente(s) será(ão) o(s) juízo(s) situado(s) nesse foro. As-
sim, primeiro se determina o foro competente. Feito isso e se for o caso, determina-se o
juízo competente, dentre os vários que se situam na área desse foro, o que no mais das
vezes se dá pelo critério da prevenção.
Juízo (embora seja termo equívoco) é o nome técnico que tem o órgão judiciário
no campo do processo. Juízo, portanto, é uma das células constitutivas do Poder Judi-
ciário, sendo o nome do órgão jurisdicional, no contexto orgânico dos serviços em pri-
meiro grau de jurisdição. Pode haver, então, diversos juízos cíveis ou vários órgãos cí-
veis que, abstratamente, tenham poderes iguais, situados na área de influência do foro
competente. Cada juízo é, portanto, uma das células jurisdicionais operativas e com-

24. Essa é uma preocupação também externada na obra de Cândido Rangel Dinamarco e Bruno
Vasconcelos Carrilho Lopes segundo os quais “Há certas palavras de uso corriqueiro no trato
da competência e da organização judiciária que, por despreparo ou talvez por desatenção,
não raro são empregadas de modo inadequado, às vezes pelo próprio legislador. Para o
bom entendimento entre quem as usa e quem as ouve ou lê é muito conveniente fixar bem
os conceitos, para evitar mal-entendidos.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 106).
318 Manual de Direito Processual Civil

petentes, dentro do mesmo foro25 e para a sua fixação, quando houver diversos juízos
competentes, inicialmente determina a lei que seja efetuada uma distribuição (art. 284
do CPC/2015), cristalizando-se a competência (art. 43 do CPC/2015). Liga-se a causa
ao juízo nessa oportunidade, fixando a competência.
Muitas vezes, um só juízo decide a respeito de toda e qualquer lide, sejam elas cri-
minais ou civis, sejam estas de Direito privado ou público. A determinação da compe-
tência dos juízos decorre, do ponto de vista material, da definição desses poderes pelas
leis de organização judiciária: é competência de atribuições (funcional e material) e,
portanto, de caráter absoluto. Assim, se indagarmos qual é o juízo civil, a resposta será
dada pela lei de organização judiciária, tendo em vista a determinação da matéria que
efetiva e concretamente se insere na competência de um ou mais juízos, sendo que um
mesmo juízo poderá ser o competente para matéria civil e criminal. Igualmente, para
sabermos qual é a competência dos juízos cíveis do Fórum João Mendes Júnior, na Ca-
pital do Estado de São Paulo – foro central da capital, por exemplo, e a dos foros regio-
nais (regiões, no Estado do Rio de Janeiro), é assunto que também se resolve pelas leis
de organização judiciária.
Além dos juízos cíveis do Fórum Central, na Comarca de São Paulo, existem outros
juízos a que se atribui competência sobre diversas matérias. Trata-se da competência
ratione materiae e, pois, absoluta. Ao lado desses juízos, que se devem dizer órgãos or-
dinários da justiça comum, encontramos os chamados juízos especiais. Trata-se aqui,
normalmente, de competência ratione personae, como dos juízos da Fazenda Pública
do Estado de São Paulo.
Tais órgãos especiais, conquanto integrantes da justiça comum, têm atribuições es-
peciais. Assim, os juízos da Fazenda Pública têm a atribuição de julgar as causas relati-
vas ao Estado e ao Município, tendo em vista a qualidade da parte. Trata-se de compe-
tência funcional, absoluta, desde que o foro seja o da capital do Estado.

9.4.2. Foro geral


Como regra geral, para determinação da competência territorial, dispõe o art. 46 do
CPC/2015 que as ações fundadas em direito pessoal ou em direito real sobre bens mó-
veis serão propostas no foro do domicílio do réu.26 O art. 46, referindo-se a domicílio,

25. Por essa razão, portanto, não se admite o estabelecimento de cláusula de eleição “de juízo”,
mas tão somente “de foro”. Nesse sentido, assim já decidiu o TJ/SP: “Lei processual civil
que autoriza as partes a eleger o foro de determinada Comarca, mas nunca o Foro Regional
dentro de uma mesma Comarca, tema que diz respeito à repartição do serviço forense entre
diversas unidades – Questão de ordem pública e insuscetível de derrogação pela vontade
dos contratantes” (TJ/SP, AgIn 399.782.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Priv., j. 11.08.2005, rel. Des.
Francisco Loureiro).
26. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 216: “O foro comum ou geral para todas as causas não subordinadas a foro especial
é o domicílio do réu (NCPC, art. 46), regra que se aplica inclusive às pessoas jurídicas (art. 53,
III). Vale dizer que, em princípio, qualquer réu tem o direito de ser demandado na comarca
Competência 319

regula o foro geral principal, ou seja, a regra preponderante ou principal de que o réu
será demandado em seu domicílio.
Na realidade, a ação só será movida no foro domiciliar – só será utilizada a regra ge-
ral pertinente à competência territorial – se, para a hipótese, não se configurar o cabi-
mento de nenhum foro especial. O foro especial terá preferência ao foro domiciliar, de-
vendo-se interpretar a expressão “em regra” do texto do art. 46, como “ordinariamente,
comumente”. Portanto, de um ponto de vista dogmático, o art. 46 deverá ser aplicado
quando não estiverem configurados os pressupostos para a aplicabilidade das normas
atinentes aos foros especiais.
Temos, além desta regra principal e primeira, outras regras gerais, aplicáveis tam-
bém se a demanda versar sobre direito pessoal ou real mobiliário, as quais disciplinam
os chamados foros gerais subsidiários, aplicando-se sucessivamente: (i) tendo o réu mais
de um domicílio, será demandado no foro de qualquer um deles (art. 46, § 1º); (ii) se
incerto ou desconhecido seu domicílio, ele poderá ser demandado no foro de onde for
encontrado ou no foro do domicílio do próprio autor (art. 46, § 2º) – hipótese clara de
foros concorrentes; (iii) se o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será
proposta no foro do domicílio do autor, e, se esse também residir fora do Brasil, qualquer
foro será territorialmente competente (art. 46, § 3º); (iv) se existirem dois ou mais réus
com domicílios diferentes, a ação será proposta, à escolha do autor, no foro de qualquer
um deles; e (v) tratando-se de execução fiscal, essa será proposta, alternativamente, no
foro do domicílio do réu, de sua residência ou, ainda, no lugar onde for encontrado.
Sobre o foro geral, ainda entendemos que duas observações são relevantes, uma
quanto ao chamado foro de eleição (art. 63 do CPC/2015) e outra pertinente às tutelas
de urgência requeridas em caráter antecedente.
Com o chamado foro de eleição, teremos mais uma vez o fenômeno de foros concor-
rentes. Serão igualmente competentes o domiciliar, tal como vem disciplinado no art. 46
do CPC/2015, e o foro de eleição. Nada impede que haja mais de um foro de eleição.
Por isso é que, mesmo havendo foro de eleição, não há inibição de propositura da ação
no foro do domicílio.27 As partes podem livremente modificar a competência territorial
ou em razão do valor, elegendo o foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e
obrigações, desde que o faça de forma escrita e expressamente relacionada a negócio ju-
rídico (art. 63, caput e § 1º, do CPC/2015). Diferentemente, as competências em razão da
matéria, da pessoa ou da função não podem ser convencionadas (art. 62 do CPC/2015).

ou na seção judiciária em que é domiciliado, se não há, em razão da matéria, competência


especial diversa.”.
27. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ausente manifesto prejuízo, é possível
o ajuizamento da ação do foro do domicílio do réu (regra geral do art. 46 do CPC/2015),
mesmo se foi estipulado foro de eleição previamente. A exemplo: “Processo civil. Recurso
Especial. Ação de rescisão contratual. Promessa de compra e venda. Imóvel rural. Exceção
de incompetência. Foro de eleição. Ajuizamento no foro do domicílio do réu. Possibilidade.
Ausência de prejuízo. (...) 4– Na eleição de foro, tal circunstância não impede seja a ação
intentada no domicílio do réu, inexistente alegação comprovada de prejuízo. Precedentes..”
(STJ, REsp 1.433.066/MS, 3ª T., j. 20.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.06.2014).
320 Manual de Direito Processual Civil

Quanto à tutela de urgência requerida em caráter antecedente, de natureza antecipada


ou cautelar (arts. 303 a 310 do CPC/2015), retomamos ao já estudado critério da preven-
ção para definição da competência. O art. 299, segunda parte, do CPC/2015 é claro em
determinar que a tutela provisória antecedente – a qual só poderá ser fundada na urgên-
cia – será requerida ao juízo competente para conhecer do pedido principal.28 Os crité-
rios para definição da competência para ambos os pedidos são, portanto, os mesmos.29
Fixa, por prevenção, a competência do juízo que apreciou a tutela de urgência ante-
cedente para também apreciar o pedido principal, porque se supõe que esse juízo já terá
conhecimento dos fatos e, assim, terá também melhores condições para manter ou re-
vogar a tutela provisória previamente estabelecida e para julgar a questão de fundo, pois
ambas se originam do mesmo quadro fático. Não por outra razão, aliás, a continuidade
do processamento, por assim dizer, dos pedidos de tutelas de urgências antecedentes
se dá no próprio juízo que apreciou tais requerimentos. Essa continuidade é excepcio-
nada em caso de estabilização da tutela antecipada, porém, também nesse caso, o juízo
fica prevento para apreciar a ação que busque rever, reformar ou invalidar a tutela con-
cedida (art. 304, §§ 2º e 4º, do CPC/2015).

9.4.3. Foros especiais


Os chamados foros especiais têm como aspecto comum a já referida aptidão para
afastar o foro geral (art. 46 do CPC/2015), sejam suas regras gerais ou subsidiárias (art. 46,
§§ 1º a 5º). Em outras palavras, todos esses critérios devem ceder diante dos chamados
foros especiais que são fixados com base em outros critérios. Presentes tais determinan-
tes, é competente o foro especial. O CPC/2015 trata dos foros especiais em seus arts. 47
a 53, conforme detalhado na sequência.

9.4.4. Foro para as ações fundadas em direito real sobre imóveis


Prevê o art. 47 que “para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é compe-
tente o foro de situação da coisa.” Trata-se da primeira regra especial de definição do
foro competente na competência territorial.

28. Tratando-se de ação de competência originária de tribunal ou de recurso o pedido de tu-


tela provisória será apreciado, em regra, pelo tribunal competente para apreciar o mérito
(art. 299,parágrafo único, do CPC/2015). Mais precisamente, cumprirá ao relator do recur-
so, apreciar o pedido (art. 932, II, do CPC/2015). Se o pedido de efeito suspensivo estiver
atrelado a recurso especial ou extraordinário, a apreciação competirá: (i) ao presidente ou
vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do
recurso e a publicação de sua admissão; (ii) ao relator do recurso no respectivo tribunal su-
perior, no período entre a publicação de sua admissão no tribunal local e sua distribuição; e
(iii) ao relator do recurso, se esse já foi distribuído (art. 1.029, § 5º, I, II, III do CPC/2015). Tal
dispositivo, cuja redação advém da alteração realizada pela Lei nº 13.256/2016, encampa
o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal que também era de aplicação no
Superior Tribunal de Justiça (Súmulas nº 634 e nº 635 do STF).
29. V. sobre a regra geral de competência nas cautelares, cujo conteúdo, nesse ponto, guarda
similitude com as tutelas de urgência requeridas em caráter antecedente conforme CPC/2015:
Humberto Theodoro Júnior. Processo cautelar, 22. ed. São Paulo: Leud, 2005. p. 110 e ss.,
itens 78 a 84.
Competência 321

A razão para as ações reais imobiliárias serem ajuizadas no foro da situação da coisa
é a necessidade que tem o juízo de ficar mais próximo do bem imóvel, sobre o qual versa
o litígio, para se realizarem rápida, eficaz e economicamente as diligências necessárias.
Busca-se, desse modo, benefício para a atividade processual e para o resultado do processo.
Entretanto, o art. 47 do CPC/2015, assim como fez o art. 95 do CPC/1973, não pre-
viu como sendo absolutamente necessária essa proximidade, estabelecendo que algu-
mas ações reais imobiliárias podem ser propostas em foro diferente do local da coisa
(no domicílio do réu ou no foro eleito), desde que o litígio não recaia sobre direito de
propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras, bem como
nunciação de obra nova (art. 47, § 1º, do CPC/2015). Em todos esses últimos casos ar-
rolados é imprescindível a proximidade da coisa ao juízo, hipóteses nas quais se trata
de competência funcional e absoluta. Isso é reiteradamente reconhecido, aliás, pelo Su-
perior Tribunal de Justiça,30 e é o correto entendimento encampado pelo § 2º do art. 47.
Não caracterizadas essas hipóteses, como dissemos, é possível a eleição do foro,
ou, ainda, será competente o foro do domicílio – aplicando-se as regras do art. 46 do
CPC/2015. Inclusive, em caso de foro de eleição, esse não prevalece sobre o foro da si-
tuação da coisa, sobrepondo-se a regra do art. 47, caput. A eleição do foro é viável esta-
belecendo-se por vontade mais um foro competente. Não por outra razão já decidiu o
Superior Tribunal de Justiça que é possível o foro de eleição se não for o caso de direito
de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação
de obra nova – hipóteses nas quais é vedado escolher-se outro foro.31 Em contraparti-
da, na Corte também já se decidiu pela possibilidade e prevalência do foro de eleição se
a ação possessória decorreu de relação de direito pessoal surgida em consequência de
contrato,32 pois não se trataria de ação possessória pura.
Além dessa regra geral para ações reais imobiliárias, há outras regras específicas que
tangenciam o disposto no art. 47 que devemos mencionar.
A ação de consignação em pagamento, que não verse sobre locação – que tem discipli-
na própria e diversa –, deve ser ajuizada no local do pagamento (art. 540 do CPC/2015).
As ações para obter a anulação e a nulidade de contrato de compra e venda de bem
imóvel e as ações para outorga de escritura definitiva, deverão ser ajuizadas no domicí-
lio do réu. Observamos, assim, a regra geral do foro domiciliar.
A ação de anulação de escritura e registro imobiliário, diferentemente, deve ser pro-
posta no foro da situação da coisa objeto da escritura. 33

30. STJ, REsp 1.193.670/MG, 3ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe
09.02.2015; STJ, REsp 1.433.066/MS, 3ª T., j. 20.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJe 02.06.2014; STJ, CC 111.572/SC, 2ª S., j. 09.04.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
15.04.2014.
31. STJ, REsp 1.374.593/SC, 2ª T., j. 05.03.2015, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 01.07.2015.
32. STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1.192.342/MG, 4ª T., j. 02.09.2014, rel. Min. Marco Buzzi, DJe
16.09.2014.
33. V. decisão do STJ no sentido de que a competência para apreciação da ação que visa a nu-
lidade de compra e venda firmada por incapaz e a nulidade do registro público é absoluta
322 Manual de Direito Processual Civil

Nos casos das ações de execução hipotecária e todas as demais ações reais imobili-
árias, não abrangidas pelas proibições da parte final do art. 47, § 1º, do CPC/2015, ve-
rificamos o fenômeno da competência concorrente.34 Assim, nesses casos, a ação pode
ser ajuizada no domicílio do réu ou no da situação da coisa.
A ação para pedir redução do preço por vício de bem imóvel adquirido não é ação
real sobre bem imóvel, mas tipicamente ação pessoa, não sendo, destarte, de se lhe apli-
car o art. 47 do CPC/2015.
A ação de indenização por apossamento administrativo e as ações possessórias ficam,
em face dos princípios firmados e explicitados, sujeitas à regra do art. 47 do CPC/2015.35
A ação voltada à anulação de contrato de compra e venda de direitos possessórios
pode ser proposta no foro da situação da coisa. Esta tese é válida, desde que esta ação
seja cumulada com ação reintegratória, pois nessa se discute, efetivamente, a posse.36

do foro do local da coisa (STJ, REsp 1.193.670/MG, 3ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe 09.02.2015). Segundo trecho do voto do Min. Relator, “embora se
discuta o fato de que o contrato de compra e venda de bem imóvel teria sido firmado por
pessoa incapaz, pleiteia-se a nulidade do registro público, haja vista que constitui consectário
lógico do reconhecimento da existência de vício de consentimento anterior.” e “ação que
visa desconstituir registro de escritura de compra e venda de bem imóvel deve ser julgada
e processada na comarca em que situada a coisa a fim de evitar o comprometimento da se-
gurança e da publicidade que o próprio registro busca, por força de lei, estabelecer para
adquirentes, vendedores e demais interessados.”.
34. Assim já se posicionou o STJ: “Processo civil. Recurso Especial. Ação de cancelamento
de hipoteca e penhora c.c. declaração de nulidade de cláusula contratual. Modificação
de competência. Continência. Prevenção. Competência absoluta do foro da situação do
imóvel. Inexistência. (...) 2. Na hipótese de o litígio versar sobre direito de propriedade,
vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a
ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na comarca em que situado o
bem imóvel, porque a competência é absoluta. Por outro lado, a ação, ainda que se refira
a um direito real sobre imóvel, poderá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu
ou, se o caso, no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhum daqueles direi-
tos especificados na segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência
relativa. (...)” (STJ, REsp 1.051.652/TO, 3ª T., j. 27.09.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
03.10.2011). No mesmo sentido: STJ, CC 111.572/SC, 2ª S., j. 09.04.2014, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 15.04.2014.
35. STJ, CC 35.937/DF, 2ª Seção, j. 23.06.2004, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ
23.08.2004, p. 116. STJ, REsp 660.094/SP, 3ª T., j. 25.09.2007, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJ 08.10.2007 p. 261. Na doutrina: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Pro-
cesso Civil, p. 427, 1983; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
1/326, 1976.
36. Caso a ação verse tão somente sobre a nulidade de cessão da posse, é caso de competência
relativa e concorrente entre o foro da situação da coisa e o foro do domicílio do réu. Assim,
versando sobre os artigos do CPC/1973: “Processo civil. Conflito de competência. Ação anu-
latória. Escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios. Direito pessoal.
Direito real imobiliário. Competência do foro do domicílio do réu. Artigos analisados: art. 95
e 100 do CPC. 1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de cessão e transferência
de direitos possessórios, ajuizada em agosto de 2009, da qual foi extraído o presente con-
flito de competência, concluso ao Gabinete em 07.05.2010. 2. Discute-se a competência
Competência 323

A ação de adjudicação compulsória tem caráter real, sujeitando-se, portanto, à regra do


art. 47 do CPC/2015,37 salvo se envolver situação de falência ou recuperação judicial,
em que o juízo falimentar será competente por vis attractiva.38
Tratando-se de demanda de competência da Justiça Federal, como, v.g., ação rei-
vindicatória proposta contra a União e demais entidades listadas no caput do art. 45 do
CPC/2015, aplicam-se as regras do art. 47 e 51, parágrafo único, do CPC/2015, sendo
competente a seção ou subseção judiciária da Justiça Federal com atribuição jurisdi-
cional sobre a área em que se localiza a coisa.
Finalmente, aspecto importante é sabermos se a infringência da regra do art. 47,
ajuizando-se a demanda no domicílio do réu, quando deveria ter sido ajuizada no foro
da situação da coisa, gera incompetência relativa ou absoluta. Claro está que o problema
se apresenta com relação às ações a que o art. 47 veda a eleição de foro ou a preferência
pelo foro do domicílio do réu (art. 47, § 1º, in fine). Tratando-se de situação diversa das
vedadas nem em incompetência relativa podemos falar, pois temos aí, claramente, ca-
sos de competência concorrente.
Mas, o que ocorreria se o autor ajuizasse uma ação no foro do domicílio do réu, ver-
sando essa, v.g., sobre direito de propriedade, hipótese na qual o CPC/2015 veda a es-
colha de foro, estabelecendo ser competente o forum rei sitae? Primeiramente, devemos
dizer que, em nosso entender e como dispõem o § 2º do art. 47, trata-se de competência
funcional e absoluta. Partindo dessa constatação, estar-se-á diante de situação de incom-
petência absoluta, improrrogável, portanto. Vício este que, se não corrigido durante o
processamento da demanda com o envio dos autos ao foro competente – da situação da
coisa (art. 64, § 3º, do CPC/2015) –, dará ensejo à rescisão da sentença transitada em
julgado, por meio de ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015).

para julgamento de ação declaratória de cessão de direitos possessórios, considerando o


disposto no art. 95 do CPC e a existência de outras duas ações, em que se discute a posse do
bem, e que tramitam no foro da situação deste. 3. A partir da exegese da norma do art. 95
do CPC, na hipótese do litígio versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão,
posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a ação correspondente
deverá necessariamente ser proposta na comarca em que situado o bem imóvel, porque
a competência é absoluta. 4. Por outro lado, a ação, ainda que se refira a um direito real
sobre imóvel, poderá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu ou, se o caso, no
foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhum daqueles direitos especificados na
segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência relativa. 5. Na hipótese,
conforme apontado pelo juízo suscitante, o litígio analisado não versa sobre nenhum direito
real imobiliário, mas sobre a eventual nulidade da escritura de cessão de posse de imóvel,
por razões formais. Aliás, é importante mencionar, nesse contexto, que nem mesmo a posse
do imóvel é objeto da presente ação. 6. Não há competência absoluta do foro da situação
do bem para o julgamento da presente ação, sendo inaplicável o art. 95 do CPC. A compe-
tência é relativa, devendo ser fixada de acordo com as regras do art. 100 do CPC. (...)”(STJ,
CC 111.572/SC, 2ª S., j. 09.04.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 15.04.2014).
37. STJ, AgRg no REsp 773.942/SP, 3ª T., j. 19.08.2008, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 05.09.2008.
38. STJ, CC 39.112/GO, 2ª S., j. 25.11.2009, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 18.12.2009; TJ-SP,
Apelação nº 1001888-12.2014.8.26.0223, 5ª Câm. de Direito Privado, j. 20.04.2016, rel.
Des. A.C. Mathias Coltro.
324 Manual de Direito Processual Civil

9.4.5. O foro para as ações pertinentes à sucessão


Outra exceção à regra geral do foro domiciliar (art. 46 do CPC/2015), prevista em lei,
é a do foro do domicílio do autor da herança, que vem expressa no art. 48 do CPC/2015,
segundo o qual “o foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é competente para
o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vonta-
de, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o
espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro”.
Como lemos, abre-se, nesse foro, o inventário, arrecadam-se os bens, faz-se a partilha
e se cumprem as disposições de última vontade, onde era domiciliado o de cujus. Mais
ainda, todas as ações relativas à herança deverão ser aí ajuizadas,39 salvo, como entende
o Superior Tribunal de Justiça, se já encerrado o inventário e homologada a partilha.40
Entendemos por ações relativas à herança aquelas em que o espólio é réu, mesmo que o
óbito tenha ocorrido no estrangeiro. A herança é uma universalidade de direito e, des-
de que o objeto da demanda seja a ela relativo, a ação deve ser proposta no mesmo foro
onde se abriu o inventário, enquanto a herança permanecer indivisa. Nesse caso, a he-
rança será a ré. Por essa razão, v.g., ações que versem sobre a inclusão de bens, ou sobre
a inclusão ou exclusão de herdeiros devem ser ajuizadas no foro do domicílio do autor
da herança, citados todos os herdeiros.
Por se tratar de matéria relativa à competência territorial, a infração à regra que de-
termina este foro, gera o vício de incompetência relativa;41 portanto, não sendo alegada
a incompetência na forma da lei, isto é, na contestação (art. 337, II, do CPC/2015) no
prazo de 15 dias (art. 335 do CPC/2015), estará sanado o vício, por força da prorroga-
ção tácita.

39. “Se o título executivo extrajudicial que subjaz à ação de execução para entrega de coisa
incerta elegeu foro para dirimir litígios deve ele prevalecer sobre a competência especial,
mas relativa do foro do inventário, prevista no art. 96 do CPC” (STJ, REsp 420.394/GO, 3.ª
T., j. 19.09.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 04.11.2002, p. 203).
40. Nesse sentido: “Conflito negativo de competência. Ação de petição de herança. Prévia
ação de investigação de paternidade pendente de julgamento. Inventário concluído. Re-
gra especial de competência (CPC, art. 96). Vis attractiva. Não incidência. (...) 2. A regra
do art. 96 do CPC determina que: "o foro do domicílio do autor de herança, no Brasil, é o
competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições
de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha
ocorrido no estrangeiro."3. Essa regra especial de fixação de competência, entretanto, não
incide quando já encerrado o inventário, com trânsito em julgado da sentença homolo-
gatória da partilha. Precedente. (...)” (STJ, CC 124.274/PR, 2ª S., j. 08.05.2013, rel. Min.
Raul Araújo, DJe 20.05.2013).
41. Nesse sentido, comentando o art. 48 do CPC/2015, Luiz Dellore afirma: “4. Competência
territorial. A regra deste artigo é de competência territorial, portanto relativa (CPC/2015,
artigo 63). Sendo assim, não se tratando de competência absoluta, se a ação for ajuiza-
da no domicílio do réu e este não impugnar a competência, haverá prorrogação, com
julgamento por esse próprio juízo. 4.1. Vale destacar que não cabe ao juiz decretar a
incompetência relativa de ofício.” (in: Teoria geral do processo: comentários ao CPC
de 2015: parte geral, coordenação Fernando da Fonseca Gajardoni [et. al.]. São Paulo:
Forense, 2015, p. 185).
Competência 325

Prova-se o domicílio do de cujus, via de regra, pela declaração na certidão de óbito.


No entanto, diante de prova documental robusta contrária ao certificado, não deverá
tal declaração ser aceita. Vale salientarmos que, mesmo pairando dúvida relativamente
ao domicílio do autor da herança, deve o juiz determinar seja comprovado idoneamen-
te o fato do domicílio. Deverá, nesse caso, ser regularmente processado o inventário e,
somente na hipótese de prova clara e demonstrativa de que o de cujus não era domici-
liado no local abrangido pelo âmbito da competência do juízo, perante o qual a incom-
petência seja alegada, é que deverá o juiz dar-se por incompetente.
Finalmente, dizemos que a competência do foro da herança permanece até o momen-
to em que a herança mantém-se como uma universitas iuris. Depois da homologação da
partilha (e, pois, partilhados os bens entre o cônjuge supérstite e os herdeiros e/ou lega-
tários), estes deverão ser acionados individualmente segundo as regras gerais, prescin-
dindo-se daquela do art. 48 do CPC/2015. Essa, aliás, é a já mencionada posição do STJ.
Ocorrendo abertura de dois processos de inventário, relativos ao mesmo óbito, apli-
car-se-á a regra da prevenção, mesmo para juízos que tenham a mesma competência
territorial, quando a prevenção será para aquele local em que a petição inicial foi pri-
meiramente distribuída (art. 59 do CPC/2015).
Se o de cujus não tiver domicílio certo quando de seu falecimento, o CPC/2015 pre-
vê algumas hipóteses de foros especiais subsidiários em relação ao foro especial do ca-
put de seu art. 48. Assim: (i) tendo deixado bens imóveis, será competente o foro em
que esses estão situados (art. 48,parágrafo único, I, do CPC/2015); (ii) tendo deixado
bens imóveis em foros diferentes, qualquer desses será competente – foros concorrentes
(art. 48, parágrafo único, II, do CPC/2015); e (iii) não tendo deixado bens imóveis, será
competente o foro de qualquer dos bens imóveis – também foros concorrentes (art. 48,
parágrafo único, III, do CPC/2015).
A fim de não deixarmos de abordar problemas que podem surgir, consideremos a
hipótese, não ventilada expressamente no art. 48, de um brasileiro ou estrangeiro, sem
domicílio certo, que faleça fora do território nacional, deixando bens móveis no Brasil
em lugares diferentes. Em nosso entender, o foro competente para o inventário seria
concorrente, ou seja, em qualquer dos lugares onde estivessem situados os bens móveis
(inteligência com base no art. 48, parágrafo único, III, do CPC/2015).
Mesmo que, sobre bens de estrangeiro, no seu país de origem, tenha sido feito in-
ventário, deixando ele bens no Brasil, ainda que não se trate de bens imóveis, o juízo
da comarca em que se localizam o bem ou os bens é que será o competente para o res-
pectivo inventário. Isto porque compete à autoridade judiciária brasileira, com exclu-
sividade, proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, mesmo sendo
“o autor da herança estrangeiro e tenha domicílio fora do território nacional” (art. 23,
II, do CPC/2015). Se, por acaso, forem bens localizados em comarcas diversas, não ha-
vendo domicílio certo, também estaremos ante hipótese de foros concorrentes, fixado
o foro e juízo pelas regras da perpetuatio iurisdictionis e da prevenção.
Em face das regras fixadas, em virtude da interpretação desse art. 48 do CPC/2015,
cumpre verificarmos algumas situações de importância prática.
326 Manual de Direito Processual Civil

As demandas movidas pelo espólio não ficam sujeitas à regra do art. 48, que não se
refere à hipótese de o espólio ser autor, quando valerão as regras gerais.42
No caso da arrecadação de bens da herança considerada jacente, essa deve ser pro-
cedida no foro do domicílio do de cujus, como expressamente determina o art. 738 do
CPC/2015, assim como já dispunha o art. 1.142 do CPC/1973.
A competência para a ação voltada à sub-rogação de vínculo de bens imóveis parti-
lhados em inventário é a do juízo através do qual foi o mesmo processado.

9.4.6. O foro do ausente


O art. 49 contém outra regra especial alteradora do foro geral da competência. Dis-
põe a respeito do foro competente para a propositura de ações em que o réu seja pessoa
declarada ausente por decisão judicial. O foro competente é o do seu último domicílio.
Declarada a ausência nos casos previstos em lei, o juiz mandará arrecadar os bens
do ausente, nomeando-lhes curador (art. 744 do CPC/2015). Dispõe o CPC a respei-
to do que pode ocorrer depois da arrecadação: “Art. 745. caput. Feita a arrecadação, o
juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a
que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde
permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da
comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando
a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens”. E, presentes os re-
quisitos legais, poderá ser requerida a conversão em sucessão definitiva (art. 745, § 3º,
do CPC/2015). A sucessão provisória ou definitiva com relação ao ausente será proces-
sada no foro de seu último domicílio.

9.4.7. O foro do incapaz


O art. 50, apesar de sua posição no Código, dentre os foros especiais, não representa,
propriamente, alteração da regra geral da competência. Estabelece que “a ação em que o
incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente”.
Na realidade, esse artigo segue a regra geral de a ação ser proposta no domicílio do
réu, uma vez que o domicílio do incapaz é o de seu representante, conforme o art. 76,
parágrafo único, do Código Civil. Assim, propondo-se a ação no domicílio do repre-
sentante ou assistente, nada mais se está fazendo do que propor a ação no domicílio,
que é, também, o do incapaz.

9.4.8. O foro da União, dos Estados e do Distrito Federal


O art. 51 e seu parágrafo único, do CPC/2015, dispõem que “é competente o foro
de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União” e “se a União for a de-

42. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 432/433. Na jurisprudência: STJ, 2.ª Seção, CC 799/DF, j. 13.12.1989,
rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 12.03.1990, p. 1.697.
Competência 327

mandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência


do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respec-
tivo ente federado.”.
Como veremos no ponto atinente à competência da Justiça Federal, o texto do art. 51
repete o já previsto nos §§ 1º e 2º do art. 109 da Constituição Federal. Trata-se, portan-
to, de regra especial que também afasta o foro geral do art. 46 do CPC/2015.
Paralelamente, o art. 52 e seu parágrafo único, do CPC/2015, dispõem que “é com-
petente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distri-
to Federal.” (regra geral), e “se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação
poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que
originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado”.

9.4.9. O foro para as ações de divórcio, separação, anulação de casamento e


reconhecimento ou dissolução de união estável
O art. 53, I, contém mais uma regra especial, que, aliás, apresenta duas mudanças
sensíveis e dignas de nota com relação ao art. 100, I, do CPC/1973.
Primeiramente, o texto do CPC/2015 é, do ponto de vista material, por assim dizer,
mais completo que seu antecessor. Fala-se agora não mais só em “ação de separação
dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento”. O texto
do art. 53, I, do CPC/2015 também dispõe sobre o “reconhecimento ou dissolução de
união estável”. É equiparação das mais felizes, pois, as razões que justificam a especia-
lidade de foro para lides atreladas ao matrimônio guardam, na medida em que se veri-
ficam, natureza similar àquelas pertinentes à união estável.
Em segundo lugar, no regime do CPC/1973, era competente o foro da residência da
mulher e, como dissemos anteriormente, compreendíamos facilmente a intenção de
proteger a mulher, considerada pela lei de então como a parte menos favorecida ou mais
fraca. No CPC/2015, essa intenção de proteção é transferida ao filho ou filhos incapa-
zes do casal, assim qualificados de acordo com a lei civil. Assim, segundo seu art. 53,
I, será competente, de forma sucessiva, o foro do domicílio do guardião do filho inca-
paz em primeiro lugar, se esse inexistir, o foro do último domicílio do casal e, por fim,
o foro do domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal.
A incompetência oriunda do fato de não terem sido respeitados os foros especiais
para tais ações, como já se defendia nas edições anteriores, é relativa, por se tratar
de competência territorial, não podendo, portanto, ser conhecida de ofício pelo juiz
e devendo ser alegada pelo réu na contestação, sob pena de preclusão (art. 337, II e
§ 5º, do CPC/2015).

9.4.10. O foro para as ações em que se pedem alimentos


O art. 53, II, do CPC/2015 traz mais uma regra que afasta a da norma geral de com-
petência, pois estabelece que as ações em que se pedem alimentos devem ser propostas
no domicílio ou residência do alimentando.
328 Manual de Direito Processual Civil

Tudo que dissemos sobre o inciso I tem aplicação aqui. A lei teve em mira proteger a
parte presumidamente mais fraca. Entretanto, se esta parte quiser renunciar ao seu foro
privilegiado, isto é admissível por tratar-se de competência territorial.
Interessante questão que surge diz respeito ao foro competente para o cumprimen-
to de sentença que estabelece a pensão alimentícia ou para executar o título executivo
de idêntico conteúdo. À luz do CPC/1973 decidiu o Superior Tribunal de Justiça que
o foro competente para execução da sentença que fixa a pensão era do domicílio do ali-
mentando, ainda que a sentença tivesse sido proferida em foro diferente. Prevalecia,
assim, a regra o art. 100, II, do CPC/1973 sobre aquela antes prevista no art. 575, II,
também do CPC/1973.43
Mais recentemente, contudo, aquela mesma Corte entendeu que caberia ao alimen-
tando definir a competência para o processamento da execução da pensão entre (i) o
foro do seu domicílio ou residência, (ii) o juízo que proferiu a sentença exequenda,
(iii) o juízo do local onde se encontram bens do alimentante sujeitos à expropriação ou
(iv) o juízo do atual domicílio do alimentante. 44 Esse parece ser o entendimento apli-
cável representando o último entendimento em relação ao CPC/2015, aplicando-se a
regra contida em seu art. 516, parágrafo único, dando-se o cumprimento nos termos
dos arts. 528 e seguintes.

9.4.11. Demais foros especiais


O art. 53, III, do CPC/2015 alíneas a e b, estabelece regras para fixação do local onde
deve ser demandada a pessoa jurídica: o local de sua sede, ou o local da agência ou su-
cursal; na hipótese da alínea b, as obrigações tenham sido contraídas pela pessoa jurí-
dica, em relação à sucursal ou agência. A regra prevista na alínea a, no entanto, não se
aplica necessariamente quando se tratar de ação de reparação de dano, devendo ser ob-
servado também a regra do inc. IV, a, do mesmo artigo.
A alínea c, por sua vez, estabelece que, no caso de sociedade ou associação ré, sem
personalidade jurídica, será competente o foro do lugar onde exerce suas atividades.
A alínea d, ao seu turno, prevê o foro do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita como
competente para apreciar a ação que busca o seu cumprimento.
A alínea e, do art. 53, III, repete a situação anteriormente existente nos casos dos fo-
ros para as ações de divórcio entre outros e o foro do alimentando, estabelecendo que,
no caso de causa que verse sobre direito do idoso previsto no respectivo estatuto (Lei
10.741/2003), será competente o foro do lugar da residência do idoso. Busca-se, evi-
dentemente, privilegiar a parte presumidamente mais frágil.

43. STJ, REsp 223.207/MG, 3.ª T., j. 18.05.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ
16.08.2004; STJ, REsp 436.251/MG, 3.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Antônio de Pádua Ribei-
ro, rel. p/ o Acórdão Min. Nancy Andrighi, DJ 29.08.2005, p. 329, Revista Forense, v. 383,
p. 354.
44. STJ, CC 118.340/MS, 2ª S., j. 11.09.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.09.2013, Infor-
mativo nº 531.
Competência 329

No caso de ação para reparação do dano oriundo de ato praticado em razão do ofí-
cio da serventia notarial ou de registro, será competente o foro do lugar onde se situa
sua sede (art. 53, III, f, do CPC/2015).
Os incs. IV e V, apresentam outras três regras especiais que também prevalecem so-
bre a regra geral (art. 46 do CPC/2015). São competentes: (i) o foro do lugar do ato ou
fato para a ação de reparação de dano e em que for réu administrador ou gestor de negó-
cios alheios; e (ii) o foro do domicílio do autor ou do local do fato para a ação de repa-
ração de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

9.5. A competência da Justiça Federal


A Carta Constitucional de 1937 havia abolido a Justiça Federal, e a Constituição de
1946, apesar de ter criado o Tribunal Federal de Recursos (TFR), silenciou a respeito
de qual seria seu primeiro grau de jurisdição. Assim, todas as causas eram julgadas pela
Justiça Estadual comum, em órgãos especializados conhecidos como juízes da Fazenda
Nacional. Em um segundo momento, subiam para o antigo TFR por meio de recursos.
O primeiro grau de jurisdição da Justiça Federal foi restabelecido pela Revolução de
1964 (Ato Institucional 2 e Emenda 16 à Constituição de 1946), dela tratando a Cons-
tituição de 1967, nos arts. 118 e 119, e a Constituição Federal de 1967 com a Emenda
1/1969, nos arts. 123 e 126, modificados o art. 123 e seu parágrafo único, o art. 124 e
seu parágrafo único, e os arts. 125, V, VIII e IX, e 126, alterado, inclusive, o número da
Seção, que veio a ser a IV, do Capítulo VIII (“Do Poder Judiciário”). Com a recriação
da Justiça Federal de primeiro grau, houve uma integral sobreposição do Tribunal Fe-
deral de Recursos (TFR) aos juízes federais, estabelecendo-se um sistema harmônico
com o tradicional sistema da justiça estadual.
Hoje, de acordo com a redação da CF vigente (art. 106), os órgãos judiciários da Jus-
tiça Federal são os Juízos de primeiro grau ou Juízes Federais e os Tribunais Regionais
Federais. Extinguiu-se, pois, com a nova Constituição, o Tribunal Federal de Recursos,
tendo sido este tribunal praticamente substituído por esses novos Tribunais Regionais
Federais, cuja jurisdição se distribui atualmente em cinco regiões.45 Assim, a organização
judiciária da Justiça Federal é, basicamente, oriunda da União (Lei 5.010/1966 – norma
de organização judiciária federal que permanece vigente, na medida em que não confli-
ta com a nova Constituição) e coexiste com as organizações judiciárias estaduais, cada
uma se reportando aos seus respectivos órgãos.
De forma introdutória, podemos dizer que a competência da Justiça Federal é estabe-
lecida ratione personae 46ou em razão da matéria, ou seja, do objeto de que trata o processo.

45. Foi promulgada Proposta de Emenda Constitucional pelo Congresso Nacional em 2013,
aumentando de cinco para nove o número de Tribunais Regionais Federais e respectivas
regiões. Porém, a alteração que resultou na Emenda Constitucional nº 73/2013, é questiona-
da na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.017 e encontra suspensa pelo deferimento
da cautelar pleiteada. Remanescem, ao menos por ora, os cinco tribunais e cinco regiões.
46. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 224 e 225, item 172: “Os
juízes federais de primeiro grau foram instituídos, mui especialmente, para constituírem os
330 Manual de Direito Processual Civil

Será competente a Justiça Federal quando a União, por sua Administração direta
ou indireta, e ainda empresas públicas da União assumirem posição processual, de au-
tora ou ré, ou forem interessadas, como assistentes, salvo as de falência, as de acidentes
de trabalho, as eleitorais e as militares (art. 109, I, da CF/1988). Já antes do CPC/2015,
também subtraia-se da Justiça Federal as causas de insolvência civil, dadas as idênticas
razões. Quanto às execuções contra devedor insolvente, subtraem-se da Justiça Federal
em interpretação extensiva dada ao próprio art. 109, I, da CF/1988, como será adian-
te detalhado.
Observamos, assim, que o critério ratione personae está atrelado à participação da
União, suas empresas públicas, entidades autárquicas, fundações e conselhos de fisca-
lização (art. 109, I, primeira parte, CF/1988 e art. 45, caput, do CPC/2015) e o critério
com relação à matéria está no afastamento dos casos elencados na segunda parte do inc.
I do art. 109 da CF/1988 e nos incs. I e II do art. 45 do CPC/2015.
Além da mencionada hipótese, o critério ratione personae também é utilizado para
determinar a Justiça Federal como competente para apreciar as causas entre Estado es-
trangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente
no Brasil (art. 109, II, da CF/1988) e os mandados de segurança e os habeas data contra
ato de autoridade federal (art. 109, VIII, da CF/1988).
Já o critério com relação à matéria, definindo a competência da Justiça Federal,
também está presente em outros incisos do referido art. 109. Desse modo, também em
razão do objeto sobre o qual versa o processo, serão competentes os órgãos judiciários
federais para apreciar as causas fundadas em tratado ou contrato da união com Estado
estrangeiro ou organismo internacional (III), as causas relativas a direitos humanos,
no caso de graves violações a tais direitos (V-A e § 5º), a execução de carta rogatória e
de sentença estrangeira, bem como as causas referentes à nacionalidade e à naturaliza-
ção (X) e a disputa sobre direitos indígenas (XI).

9.5.1. As hipóteses de competência


Como visto, a jurisdição constitucionalmente deferida à Justiça Federal, em maté-
ria cível, é a seguinte:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas47 em que a
União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição

órgãos jurisdicionais competentes para processar e julgar as lides em que sejam interessados a
União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, Estados estrangeiros, organismos
internacionais. Daí a sua competência, quase toda ela, se verificar em razão das pessoas. E
tal é a relevância dessa competência dos juízes federais, que a própria Constituição Federal
dedicou-lhe disposições expressas, impedindo que a lei ordinária regulasse a matéria”.
47. A expressão causa abrange, também, os casos de jurisdição voluntária. Esse já é o entendi-
mento há muito consolidado nos Tribunais Superiores, v. 2.ª S., j. 14.12.1990, rel. Min. Athos
Carneiro, fixando o seguinte: “A expressão causa, que 475 está no art. 109, I, da Constituição
Federal, abrange os processos de jurisdição voluntária”. Do mesmo modo: STJ, CC 41.790/SP,
1.ª S., j. 10.8.2005, rel. Min. Denise Arruda, DJ 05.09.2005, p. 198; STJ, REsp 436.583/RN,
Competência 331

de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de traba-


lho48 e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, II – as causas entre Estado
estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente
no País;49 III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estran-
geiro ou organismo internacional; V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se
refere o § 5º deste artigo; VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato
de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; XI –
a disputa sobre direitos indígenas. § 1º As causas em que a União for autora serão afo-
radas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. § 2º As causas intentadas
contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor,
naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja
situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. § 3º Serão processadas e julgadas na jus-

6.ª T., j. 16.03.2004, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 10.05.2004, p. 353. Nesse sentido,
também, v. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos e
distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 1032.
48. Segundo a Súmula 15, do STJ, editada antes da Emenda Constitucional 45/2004, “compete à
Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente de trabalho”, o que de-
corre do texto expresso do art. 109, I, da Constituição Federal. Após a Emenda Constitucional
45/2004, porém, o assunto ganhou novos contornos, na Constituição e na jurisprudência dos
Tribunais Superiores. A nova redação do art. 114, VI, da CF/1988 estabelece que “compete
à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...); VI – as ações de indenização por dano moral
ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Inicialmente, o STF inclinou-se no sentido de que a competência continuaria sendo da Justiça
Estadual, a despeito da nova redação do referido dispositivo constitucional (cf. STF, AgRg
no RE 441038/MG, 2.ª T., j. 22.3.2005, rel. Min. Celso de Mello, DJ 8.4.2005, p. 36, em
que são citados precedentes proferidos após a EC 45/2004), no que foi acompanhado pelo
STJ (cf. STJ, CC 49.812/PR, 2.ª S., j. 22.6.2005, rel. Min. Castro Filho, DJ 1.8.2005, p. 314;
STJ, AgRg no AgRg no CC 47.305/RJ, 2.ª S., j. 25.5.2005, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ
29.8.2005, p. 144; STJ, REsp 742.515/MG, 4.ª T., j. 28.6.2005, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJ 15.8.2005, p. 331).
O STF, contudo, alguns meses depois, no julgamento do CC 7.204 (j. 29.06.2005, rel. Min.
Carlos Britto, Informativo do STF 394), “por maioria, definiu a competência da justiça
trabalhista, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, para julgamento das ações de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho”. Diante
desta nova orientação do STF, a jurisprudência mais recente do STJ também se modificou
(cf., dentre outros, os seguintes julgados: STJ, CC 118.763/PR, 2ª S., j. 27.11.2013, rel.
Min. Luís Felipe Salomão, DJe 10.12.2013; STJ, REsp 861.458/BA, 4ª T., j. 21.06.2011,
rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 16.08.2011). Assim, a Súmula 15 do STJ deixou de
ser observada pelo STJ, prevalecendo o entendimento de que compete à Justiça especial
do Trabalho o julgamento de tais ações indenizatórias, como aliás está cristalizado na
Súmula Vinculante nº 22 do STF.(“Justiça do Trabalho é competente para processar e
julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente
de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda
não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda
Constitucional 45/2004”). É essa a leitura, inclusive, que deve ser emprestada ao inc. I,
do art. 45 do CPC/2015.
49. Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo: RT, 2003, p. 215-217.
332 Manual de Direito Processual Civil

tiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que fo-
rem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja
sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que ou-
tras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. § 4º Na hipótese
do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal
na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. § 5º Nas hipóteses de grave violação de
direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos huma-
nos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça,
em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal” (inc. V-A e § 5º inseridos pela Emenda Constitucional 45/2004).
Nessas condições, mesmo as autarquias federais e empresas públicas, desde que
partes, isto é, como autoras, rés, assistentes, farão com que a causa deva ser processada
e julgada por juízes federais (exegese com base no art. 109, I, da CF/1988). Somam-se
a elas as fundações federais e os conselhos de fiscalização de atividade profissional,50
conforme expressamente acrescenta o art. 45, caput, do CPC/2015. Basta, aliás, que a
União e as demais referidas entidades aleguem interesse no processo51 para que esse
seja deslocado para a Justiça Federal. Essa é a única competente para aferir esse interes-
se, mesmo que ele não venha a existir, como bem reconhece a Súmula nº 150 do STJ,
segundo a qual “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse ju-
rídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas”.52Ao contrário, se desaparece a razão de ser da competência da Justiça Federal,

50. Nesse ponto, o CPC/2015 reconhece e positiva o que já era entendimento jurisprudencial.
Inclusive, a exemplo, é a Súmula nº 66 do STJ, editada em 1992, segundo a qual “compete
à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por conselho de fiscalização
profissional.”.
51. Esse interesse deve ser real, não de simples colaboração, de modo que a sentença diretamente
favoreça a União ou entidade, ou implique-lhes prejuízos.
52. No mesmo sentido: “Processual Civil e Administrativo. Ausência de indicação, no Recurso
Especial pela alínea "c", dos dispositivos tidos por violados. Súmula 284/STF. Ação de in-
denização securitária. Mutuários do sistema financeiro da habitação. Pedido de ingresso
da Caixa Econômica Federal. Alegação de comprometimento do fundo de compensação
de variações salariais – FCVS. Competência. Juízo Federal. Súmula 150/STJ (...).2. Nos
casos em que empresa pública federal, como a Caixa Econômica Federal, pede o ingresso
no feito que tramita na Justiça Estadual, cabe à Justiça Federal apreciar a pretensão, con-
forme a regra consagrada na Súmula 150/STJ: "compete à Justiça Federal decidir sobre
a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas
autarquias ou empresas públicas". 3. Não se está, no caso, definindo a admissão ou não
da CEF no feito, mas tão somente estipulando quem deve resolver a questão. Uma vez
esgotada essa discussão com o trânsito em julgado da decisão da Justiça Federal, o feito
deve permanecer nela se o entendimento for pela existência do interesse jurídico da CEF,
ou ser remetido à Justiça Estadual se a conclusão for pela exclusão da CEF do processo.”
(STJ, AgRg no AREsp 759.052/PR, 2.ª T., j. 17.11.2015, rel. Min. Herman Benjamin, DJe
04.02.2016); STJ, AgRg no CC 136.692/SP, 1ª S., j. 11.03.2015, rel. Min. Herman Benja-
min, DJe 04.08.2015.
Competência 333

os autos deverão retornar à Justiça de onde vieram,53 é o entendimento que encampa o


art. 45, § 3º, do CPC/2015 segundo o qual “o juízo federal restituirá os autos ao juízo
estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for ex-
cluído do processo.”. Se houver citação da União, mas se esta declinar do seu interesse,
não se justifica a competência da Justiça Federal.54
Do âmbito da própria Justiça Federal, como vimos, foram excluídos os processos
de falência – compreenda-se, aqui também, a execução contra devedor insolvente, por
via de interpretação extensiva –, as ações de acidentes de trabalho e as causas sujeitas à
Justiça Eleitoral ou do Trabalho (art. 109, I, da CF/1988). Os processos de insolvência,
aliás, assemelham-se aos de falência (art. 109, I, da CF/1988) e, por essa razão, entende-
-se lícito interpretar-se a exceção como abrangente daqueles também. Esse entendimen-
to é afinado com o sentido da exceção constitucional, em que só se alude, literalmente,
à falência. Leia-se, portanto, no texto constitucional, concurso universal de credores, a
recuperação judicial e outros procedimentos a ela atrelados, em todas as formas regu-
ladas pela Lei 11.101/2005.
O CPC/2015 consolidou esses e outros entendimentos já firmados com relação à
competência da Justiça Federal. Dispõe em seu art. 45 que “Tramitando o processo pe-
rante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele inter-
vier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho
de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interve-
niente, exceto as ações: I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente
de trabalho; II – sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho.”. Repete-se, assim, o
disposto no art. 109, I, da CF/1988 e acrescenta-lhe, legitimamente, a competência da
Justiça Federal se estiverem envolvidas fundações e conselhos de fiscalização de ativi-

53. É o que firma o STJ, na Súmula nº 224, segundo a qual: “Excluído do feito o ente federal,
cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal res-
tituir os autos e não suscitar conflito”. No mesmo sentido, posiciona-se o STJ na parte da
seguinte ementa: “Se a entidade de direito público federal for excluída da relação jurídica
processual, o processo retornará à competência da Justiça Estadual” – CC 71/PB, 2.ª S., j.
28.06.1989, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ 2/255. Do mesmo modo, ainda, o mais recente
julgado: “Tributário. Agravo Regimental no Conflito de Competência. Simples Nacional.
Exclusão do regime especial. Imputada ao estado da Bahia. Art. 41 da LC 123/06. Inexistência
de obrigatoriedade de participação da União em todos os feitos que discutem o Simples
Nacional. 1. O juízo federal (suscitado) excluiu a União do polo passivo, reconhecendo
tratar-se de parte ilegítima para figurar na relação processual, nos termos do art. 267, VI,
do CPC, remetendo o feito para a Justiça Estadual, eis que remanesceu na qualidade de réu
apenas o Estado da Bahia, sendo certo, de outro giro, que o ato de exclusão da contribuinte
do Simples Nacional decorreu de decisão administrativa imputada tão somente ao órgão
fazendário baiano. 2. Desse modo, correto se afigurou o ato declinatório de competência
subscrito pelo Juízo Federal (...)” (STJ, AgRg no CC 134.627/BA, 1ª S., j. 12.11.2014, rel.
Min. Sérgio Kukina, DJe 18.11.2014).
54. Sobre o tema da modificação de competência diante da intervenção da União e as demais
entidades a ela atreladas v. Leonardo Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 13ª
ed. reformulada, Rio de Janeiro: Forense, 2016.
334 Manual de Direito Processual Civil

dade profissional, bem como afasta-a nos casos de recuperação judicial e insolvência
civil. Além disso, prevê o art. 51 do CPC/2015 que é competente o foro do domicílio do
réu para as causas em que a União for autora. Se a União for ré, no entanto, são concor-
rentes os foros do domicílio do autor, do fato que deu origem a demanda, da situação
da coisa ou do Distrito Federal (art. 51, parágrafo único, do CPC/2015).
O Distrito Federal, aliás, assemelhado ao Estado-membro, por ser uma pessoa
jurídica de direito público interno, ativo e passivo de direitos e de deveres, como tal
não tem foro estabelecido pela CF/1988, cabendo à Justiça comum processar e jul-
gar as ações em que o mesmo figure como parte, assim como suas autarquias e em-
presas públicas.
É importante, desde logo, remarcarmos que os critérios de determinação da com-
petência relativos à Justiça Federal são os que do texto constitucional constam. Além
disto, como visto, compete à Justiça Federal que decidir a respeito do interesse ratio-
ne personæ que se constitui em critério de determinação de sua competência. Ademais
disto, mas por razão análoga, critérios de alteração da competência do Código de Pro-
cesso Civil somente poderão ser utilizados se essa aplicação for compatível com o re-
gramento constitucional. Por isso, não se cogita de qualquer inconstitucionalidade no
art. 45 do CPC/2015 já que as hipóteses ali versadas, como visto, estão de forma con-
sentânea com o Texto Constitucional.
Além das hipóteses dos incisos do art. 109 da CF/1988, os critérios de determi-
nação da competência da Justiça Federal também estão previstos nos seus §§ 1º e 2º.
O art. 109, § 1º, da CF/1988 dispõe: “As causas em que a União for autora serão aforadas
na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte”. Já as intentadas contra a União
poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor e naquela em
que se verificou o ato ou fato que deu origem à demanda, ou na qual esteja situada a
coisa, ou, ainda, no Distrito Federal (art. 109, § 2º, da CF/1988). As causas propostas
perante outros juízes, se a União nelas intervier passarão a ser da competência do juí-
zo federal respectivo.
Os referidos §§ 1º e 2º do art. 109 da CF/1988 tratam de competência territorial, po-
rém se está em face de uma competência constitucionalmente estabelecida. Verifica-se,
aliás, que no art. 109, § 2º, da Lei Magna preveem-se casos de foros de competência con-
corrente. As ações em que a União for autora, ré ou interveniente deverão ser propostas
na capital da seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. As intentadas contra
a União serão aforadas na seção judiciária (definida no art. 110, da CF/1988) em que
for domiciliado o autor, ou, ainda, onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem
à demanda, ou, ainda, onde esteja situada a coisa, ou, finalmente, no Distrito Federal
(art. 109, § 2º, da CF/1988). Como se vê, neste art. 109, § 2º, os foros são concorren-
tes, o que significa que, movida a ação em qualquer um deles, terá sido bem ajuizada,
operando-se a respectiva prevenção – observa-se aqui mais um exemplo da prevenção
como critério de definição da competência como pontuado anteriormente. Apesar de
concorrentes ditos foros, fixados que o foram na Constituição, não podem ser afasta-
dos pela vontade das partes, seja por eleição de outro foro, diverso dos previstos, seja
Competência 335

pela “suposta” omissão de tal alegação na contestação (art. 337, II, do CPC/2015), irre-
levante na espécie, pois se trata de incompetência absoluta, com relação a qual não se
opera a preclusão (art. 337, § 5º, do CPC/2015).
Também entendemos importante a referência à regra do art. 109, § 3º, segundo o
qual processar-se-ão na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou be-
neficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado,
sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal. A parte final desse § 3º do
art. 109 admite que, se existente Justiça Federal na sede da comarca, a lei estabeleça que
outras causas possam aí ser processadas e julgadas. Quer isto dizer que leis anteriores à
CF/1988 e compatíveis com essa parte do texto continuam válidas.
O recurso, que no caso couber, deverá ser interposto para o Tribunal Regional Fe-
deral, correspondente à área da jurisdição do juiz de primeiro grau (art. 109, § 4º, da
CF/1988). Nesse caso, o §3º investe, excepcionalmente, o órgão judiciário estadual de
jurisdição federal, justificando tal correspondência recursal. Diferentemente, será a hi-
pótese em que o juízo estadual atuar sem investidura em jurisdição federal, como, v.g.,
no caso de ausência das matérias previstas no §3º ou no caso da propositura da ação
em inobservância das hipóteses dos incs. do art. 109. Presente tal situação, o recurso,
a teor da Súmula nº 55 do STJ, será de competência do Tribunal de Justiça com compe-
tência no respectivo estado.55
Lembramos, ainda, que essa previsão genérica do art. 109, § 3º, in fine substitui,
em certa medida, os antigos arts. 125, § 3º, da revogada Constituição Federal de 1967
(redação originária) e 126 (redação atribuída pelas EC 1/1969 e EC 7/1977), em que se

55. Diz a Súmula nº 55 do STJ que: “Tribunal Regional Federal não é competente para jul-
gar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal.”.
Exemplifica-se bem a questão, nas seguintes decisões do próprio STJ: “Processo Civil.
Conflito de Competência. Execução. Embargos à arrematação. Empresa pública federal.
CONAB. Carta precatória. Sentença proferida pelo juízo estadual. Recurso. Súmula nº
55 do STJ. Competência do juízo estadual. 1. Considerando que na hipótese em análise
o recurso de apelação se voltou contra a sentença que pôs fim aos embargos à arremata-
ção, proferida por Juízo estadual que não se encontrava investido na jurisdição federal,
em razão da falta da justiça especializada na respectiva comarca, nos termos do § 3º
do art. 109 da CF/88, fica clara a competência do Tribunal de Justiça gaúcho para apre-
ciação do recurso de apelação, nos termos da Súmula nº 55 do STJ: Tribunal Regional
Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não
investido de jurisdição federal. 2. Conflito de competência conhecido para declarar
competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (STJ, CC 144.784/RS,
2ª S., j. 09.03.2016, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 14.03.2016); e “Agravo Regimental
no Conflito de Competência. Pretensão indenizatória formulada em face de empresa
pública federal. Atuação do juízo estadual fora das hipóteses de delegação previstas
no art. 109, §3º, da CF. Competência do tribunal ao qual vinculado o juízo prolator da
decisão para o exame do recurso de apelação. Conflito conhecido para declarar a com-
petência do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Agravo Regimental desprovido.”
(STJ, AgRg no CC 121.351/AL, 2ª S., j. 26.09.2012, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
DJe 01.10.2012).
336 Manual de Direito Processual Civil

permitia que a ação fiscal e outras fossem promovidas, nas comarcas do interior, onde
tivesse domicílio a outra parte, perante a Justiça Estadual.
Justamente, em função desse permissivo constitucional, prevê-se, no Código de Pro-
cesso Civil de 2015, como já o fazia o CPC/1973, que a execução fiscal “será proposta
no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”
(art. 46, § 5º, do CPC/2015). A Lei 6.830/1980 disciplina toda a matéria referente à exe-
cução, porém não regulou a competência territorial (art. 5º), aplicando-se, para tanto, as
regras do CPC/2015.

9.5.2. Casuística
Além das hipóteses referidas no tópico anterior, existem outras estabelecidas pela
doutrina e jurisprudência em que as competências das Justiças Federal e Estadual são
delimitadas. É relevante que elas sejam citadas, sobretudo por exemplificarem bem os
critérios que até aqui estudamos. Considerando o papel constitucional do Superior
Tribunal de Justiça para dirimir conflitos de competência (art. 105, I, d, CF/1988) e a
relevância mais contundente que seu padrão decisório assume com o CPC/2015, con-
siderar-se-á primordialmente o estabelecido na Corte.
Iniciando com entendimentos sumulados, compete ao foro da situação do imóvel
apreciar a ação de usucapião especial, ainda que presente a União ou qualquer de seus
entes (Súmula nº 11 do STJ). Não se trata, propriamente, de conflito entre Justiça Fe-
deral e Estadual e, no mais das vezes, existirá seção judiciária federal com atribuição
sobre a área que se situa o imóvel; conjugam-se as regras do art. 109, I, da CF/1988 e
do art. 47 do CPC/2015.
Compete à Justiça Federal processar e julgar causa relativa à mensalidade escolar,
cobrada por estabelecimento particular de ensino (Súmula nº 34 do STJ). A esse enun-
ciado são somados o entendimento da Corte de que a competência da Justiça Federal
se caracteriza, principalmente, pelo critério ratione personae, o critério em razão da
matéria e o critério relacionado ao instrumento processual utilizado pela parte. Assim,
a questão da competência para apreciar temas relacionados com as universidades tem
sido tratada nos seguintes contornos:56(a) se a demanda for proposta por mandado de
segurança contra ato de dirigente da universidade pública federal ou universidade par-
ticular, que atua em atribuição delegada pelo Estado, será competente a Justiça Fede-
ral; (b) se a demanda for proposta por mandado de segurança contra ato de dirigente de
universidade pública ou privada0 estadual ou municipal, componentes do sistema esta-

56. Tais critérios foram assim delineados no julgamento do STJ, CC 108.466/RS, 1ª S., j.
10.02.2010, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.03.2010. No mesmo sentido: STJ, REsp
1.453.852/GO. 4ª T., j. 27.10.2015, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 20.11.2015; STJ,
REsp 1.257.629/SC, 2ª T., j. 20.02.2014, rel. Min. Og Fernandes, DJe 19.03.2014; STJ
REsp repetitivo 1.344.771/PR, 1ª S., 24.04.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
DJe 02.08.2013; STJ, REsp 1.295.790/PE, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 12.11.2012; STJ, REsp 1.307.973/PE, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 12.11.2012.
Competência 337

dual de ensino, que atua em atribuição delegada pelo Estado, será competente a Justiça
Estadual; (c) se a demanda for proposta por meio de tutela de urgência requerida em
caráter antecedente ou pelo procedimento comum de conhecimento e a ação indicar a
União ou quaisquer de suas autarquias e fundações, ou se essas manifestarem seus in-
teresses, será competente a Justiça Federal em ratione personae; e (d) se a demanda for
proposta por meio de tutela de urgência requerida em caráter antecedente ou pelo pro-
cedimento comum de conhecimento e a ação não indicar a União ou quaisquer de suas
autarquias e fundações, ou se essas não manifestarem seus interesses, será competente
a Justiça Estadual em ratione personae.
Nos termos da Súmula 82 do STJ, “compete à Justiça Federal, excluídas as recla-
mações trabalhistas, processar e julgar os feitos relativos a movimentação do FGTS”.
­Assim, ressalvada a competência da Justiça especial trabalhista (art. 114 da CF/1988),
demandas sobre a movimentação dos valores vinculados à conta do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço – FGTS como, v.g., naquelas em que se pleiteia a liberação dos valo-
res para uso em situações não previstas estritamente na lei (art. 20 da Lei nº 8.036/1990).
Destaca-se, aqui, também o critério ratione personae, já que é atribuição legal da Cai-
xa Econômica Federal ser agente operador do fundo (art. 4º da Lei nº 8.036/1990).
Por idênticas razões, “compete à Justiça Federal ou aos juízes com competência dele-
gada o julgamento das execuções fiscais de contribuições devidas pelo empregador ao
FGTS” (Súmula nº 349 do STJ).
Também compete à Justiça Federal, igualmente em clara observância do critério
ratione personae, “processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional
do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério
do Exército” (Súmula nº 324 do STJ); apreciar demandas em que a União intervenha
como sucessora da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), implicando o imediato des-
locamento da competência, ainda que tenha sido proferida eventual sentença pela Jus-
tiça Estadual (Súmula nº 365 do STJ); ou, então, apreciar demanda “em que se discute
a ausência de ou o obstáculo ao credenciamento de instituição particular de ensino su-
perior no Ministério da Educação como condição de expedição de diploma de ensino a
distância aos estudantes” (Súmula nº 570 do STJ).
Além de enunciados sumulados, verifica-se outras situações exemplificativas em
que o Superior Tribunal de Justiça também delimitou as competências das Justiças Fe-
deral e Estadual, v.g., compete à Justiça Estadual processar e julgar demandas que têm
por objeto obrigações decorrentes dos contratos de planos de previdência privada fir-
mados com a Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social (REFER) (STJ, REsp
repetitivo 1.187.776/MG, 2ª S., j. 11.12.2013, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
DJe 03.02.2014); compete à Justiça Estadual apreciar demanda em que se busca o re-
conhecimento de união estável para viabilizar pleito futuro de concessão de benefício
previdenciário (STJ, RMS 35.018/MG, 5ª T., j. 04.08.2015, rel. Min. Gurgel de Faria,
DJe 20.08.2015); compete à Justiça Federal apreciar ação de busca e apreensão de me-
nor que tenha sido retida ilicitamente no Brasil, com fundamento na Convenção de
Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (art. 109, III, da
338 Manual de Direito Processual Civil

CF/1988) (STJ, CC 132.100/BA, 2ª S., j. 25.02.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJe 14.04.2015, Informativo nº 559); compete à Justiça Estadual processar e julgar ação
proposta em face de sociedade de economia mista, ainda que se trate de instituição fi-
nanceira em regime de liquidação extrajudicial, sob intervenção do Banco Central (STJ,
REsp 1.093.819-TO, 4ª T., j. 19.03.2013, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 09.04.2013,
Informativo nº 519); compete à Justiça Federal apreciar pedido de reconhecimento de
nulidade de registro de marca, em razão do interesse do Instituto Nacional da Proprie-
dade Industrial – INPI (STJ, REsp 1.188.105/RJ, 4ª T., j. 05.03.2013, rel. Min. Luís Fe-
lipe Salomão, DJe 12.04.2013, Informativo nº 519); compete à Justiça Estadual proces-
sar e julgar ação que objetiva a complementação de benefício previdenciário em face de
entidade fechada de previdência privada (STJ, REsp 1.242.267/ES, 4ª T., j. 04.12.2012,
rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.03.2013, Informativo nº 510); compete à Justiça Federal
processar e julgar mandado de segurança impetrado contra presidente de subseção da
OAB (STJ, AgRg no REsp 1.255.052/AP, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Humberto Mar-
tins, DJe 14.11.2012, Informativo nº 508).

9.5.3. A competência da Justiça Federal é absoluta


A jurisdição da Justiça Federal é de regime absoluto,57-58 sendo, portanto, impror-
rogável.59 Como já dissemos, é pressuposto processual de validade, inclusive, é hipóte-
se de cabimento de ação rescisória para rescindir decisão de mérito prolatada por juiz
absolutamente incompetente (art. 966, II, do CPC/2015). Em outras palavras, a ino-
bservância da competência da Justiça Federal – incompetência absoluta – é vício que
justifica a rescisão da decisão. Inversamente, cumpre-nos dizer, o mesmo ocorre com a
inobservância da competência da Justiça Estadual, justificando-se também a rescisão
da decisão nesta hipótese.
A possibilidade prevista no art. 64, § 4º, do CPC/2015 não trata de prorrogação. A
permissão da continuidade do processo iniciado no juízo absolutamente incompeten-
te perante juízo próprio, com a conservação de todos os efeitos produzidos pelos atos
processuais praticados anteriormente – teoria da translatio iudicii, é situação distinta.
O juízo absolutamente incompetente não se torna competente, sendo possível a decre-

57. V. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. 1, p. 43 e 44.
58. Essa é o entendimento, aliás, das mais altas cortes do país: STF, EDcl no AgRg no RE 808.513/
SP, 2ª T., j. 08.03.2016, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 13.04.2016; STF, HC 116.862/SC,
2ª T., j. 10.12.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 03.02.2014; STF, HC 113.845/SP, 2ª T.,
j. 20.08.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 05.09.2013; STJ, AgRg no CC 124.862/SP, 1ª
S., j. 24.02.2016, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 15.03.2016; STJ, CC 136.303/TS,
1ª S., j. 09.12.2015, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 10.02.2016; STJ, AgRg no REsp
1.472.329/CE, 2ª T, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 05.11.2015; STJ, EDcl no
REsp 1.195.063/PR, 2ª T., j. 27.10.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 12.11.2015; STJ,
AgRg no AREsp 458.311/RJ, 2ª T., j. 27.03.2014, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe
02.04.2014.
59. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz
do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 122.
Competência 339

tação de ofício da incompetência a qualquer tempo, dentro do prazo da rescisória, e a


rescisão da decisão de mérito transitada em julgado (v. item 9.2.2).

9.5.4. Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal


Em atenção ao que já estabelecia a Constituição Federal, em seu art. 98, I, foi pro-
mulgada, posteriormente, a Lei nº 10.259/2001, através da qual foram instituídos os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
Ao Juizado Especial Federal Cível foi conferida competência para “processar, con-
ciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários
mínimos, bem como executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001),
expressamente excluídas: a) as causas a que se refere o art. 109, incs. II, III e XI, da
CF/1988, as ações de mandado de segurança, desapropriação, divisão e demarcação,
ações populares, execuções fiscais e de improbidade administrativa, bem como as ações
que versem direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º,
§ 1º, I); b) ações que versem bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas
federais (art. 3º, § 1º, II); c) ação para a anulação ou para o cancelamento de ato admi-
nistrativo federal, não incluídos nesta exceção os atos de natureza previdenciária e de
lançamento fiscal (art. 3º, § 1º, III); e, ainda d) que visem a impugnar pena de demissão
que haja sido imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a
militares (art. 3º, § 1º, IV).
Ressaltamos que o próprio legislador, a fim de dissipar eventuais incertezas acerca da
aplicação dessa lei, estabeleceu expressamente que, “no foro onde estiver instalada Vara
do Juizado Especial, a sua competência é absoluta” (art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259/2001).60
No mais, importa mencionar que os recursos contra decisões proferidas pelos Jui-
zados Especiais Federais serão apreciados por Turmas Recursais instituídas e vincula-
das ao Tribunal Regional Federal, sendo compostas não por desembargadores, mas por
três juízes federais designados. Além disso, para fins de unificação de entendimento
jurisprudencial e adoção de padrão decisório nacional sobre os temas de competência
dos juizados federais, a Turma Nacional de Uniformização – TNU, também criada pela
Lei nº 10.259/2001, onde se processa o incidente de uniformização de interpretação de
lei federal (art. 14 da Lei nº 10.259/2001).

9.6. A competência jurisdicional em se tratando de mandado de segurança


Em mandado de segurança individual ou coletivo a competência é determinável
ratione personæ e ratione muneris, ou seja, em razão da pessoa e por causa da função

60. Nesse sentido: “Processual civil e administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial.
Competência. Juizado Especial Federal. Valor da Causa. Súmula 83/STJ. 1. A jurisprudência
desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a competência atribuída aos Juizados
Especiais Federais é absoluta, a teor do art. 3º, §3º, da Lei n. 10.259/01, a ser determinada
em conformidade com o valor da causa. (...)”(STJ, AgRg no REsp 1.546.549/RS, 2ª T., j.
24.11.2015, rel. Min. Diva Malerbi, DJe 16.12.2015).
340 Manual de Direito Processual Civil

exercida. A competência é definida tendo em vista a jurisdição a que está submetida a


autoridade impetrada.61-62
Ainda a esse respeito, cumpre atentar que, nos casos de ato de autoridade pratica-
do no exercício de competência delegada, o mandado de segurança deve ser impetra-
do contra a autoridade que recebeu a delegação, conforme preceitua a Súmula nº 510
do STF. Ademais, a lei considera federal a autoridade coatora se as consequências de or-
dem patrimonial do ato impugnado tiverem de ser suportadas pela União ou entidade
por ela controlada (art. 2º da Lei nº 12.016/2009).
Desse modo, sendo a competência definida em função da autoridade coatora, que
pratica o ato coator ou se omite, trata-se evidentemente de competência funcional e,
por isso mesmo, tem natureza absoluta, não podendo ser prorrogada e deve ser reco-
nhecida de ofício pelo Judiciário.

9.7. A competência em leis extravagantes


Para a apreciação de ação civil pública, a competência será do foro do local onde
ocorrer ou onde potencialmente ocorrerá o dano – essa segunda hipótese, ganha relevo,
na propositura de tutela de urgência (art. 2º da Lei 7.347/1985). Trata-se, no entendi-
mento do Superior Tribunal de Justiça, da adoção de competência territorial funcional,
e, assim, de natureza absoluta.63

61. Por isso mesmo, a teor do art. 109, inc. VIII, da Constituição Federal, quando a autoridade
coatora for autoridade da Administração Pública Federal, a competência será da Justiça
Federal, ao passo que, em se tratando de autoridade da Administração Pública Estadual ou
Municipal, a competência será da Justiça Estadual. Sobre o tema manifestou-se, exaustiva-
mente, Athos Gusmão Carneiro, quando deixou anotado: “As regras de competência encon-
tram-se na Constituição Federal, em Constituições Estaduais, nos Códigos de Organização
Judiciária e Regimentos Internos dos Tribunais. Assentam tais regras, fundamentalmente,
não na natureza da lide ou da pretensão deduzida no writ, mas, sim, estão em função da
qualificação da autoridade coatora, se autoridade de nível federal, ou de nível estadual
ou municipal, e ainda em função da hierarquia de tal autoridade”. Prosseguindo em sua
exposição, o precitado Ministro escreve o seguinte: “Cabe à Justiça Estadual conhecer dos
mandados de segurança impetrados contra ato de autoridade estadual ou municipal. Tam-
bém, nestes casos, apresenta-se preponderantemente o critério da hierarquia – competência
ratione muneris – da autoridade dita coatora. Sendo a autoridade impetrada Juiz de Direito
diretamente vinculado ao Tribunal de Justiça local, irrelevante será a matéria discutida para
deslocar a competência para a Justiça Federal: permanece competente a Justiça Estadual
(STJ, CC 3.081, rel. Min. José de Jesus, j. 23.03.1993, RSTJ, 47/28)”.
62. Por exemplo: STJ, AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.366.615/CE, 2ª T., j. 23.06.2015, rel.
Min. Humberto Martins, DJe 24.11.2015.
63. Essa é a decisão proferida no AgRg nos EDcl no Conflito de Competência nº 113.788/DF:
Administrativo. Agravo regimental no conflito negativo de competência. Ação civil pública.
Desocupação de área localizada no aeroporto internacional do galeão. Local do dano. Art.
2º da lei 7.347/85. Competência da justiça federal do Rio de Janeiro. agravo não provido. 1.
hipótese de ação civil pública ajuizada na seção judiciária do Rio de Janeiro, na qual o Mi-
nistério Público Federal propôs contra a empresa Aata Drogaria Ltda., com o objetivo de ver
desocupada a área situada no Aeroporto Internacional do Galeão. 2. O art. 2º da Lei 7.347/85,
que disciplina a Ação Civil Pública, estabelece que ações da norma elencada "serão propostas
Competência 341

O Código de Proteção e de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), do mesmo


modo, dispõe a respeito: “Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é com-
petente para a causa a Justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o
dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Fede-
ral, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de
Processo Civil aos casos de competência concorrente”. A competência fixada no art. 93
é absoluta no plano da legislação ordinária,64 à semelhança do referido anteriormente
com relação à apreciação da ação civil pública.
Este dispositivo regula a competência para ações a título coletivo65 referentes à de-
fesa de interesses individuais homogêneos, mas ressalva a competência da Justiça Fe-
deral, que é competência disciplinada na Constituição. A competência virá a ser a da
Justiça Federal quando propuser a ação a União, ou as entidades referidas no art. 109,
I, da CF/1988, ou, então, quando na ação estas últimas vierem a intervir, provocando
o fenômeno da alteração ou deslocamento da competência da Justiça Estadual para a
Justiça Federal. Ressalvadas as hipóteses de competência da Justiça Federal, é ela da
Justiça local (dos Estados federados ou do Distrito Federal, na forma do que deflui do
art. 93, caput, do CDC).

no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e
julgar a causa". 3. No caso em exame, verifica-se que o objeto da demanda é a desocupação de
área irregularmente ocupada pela ora agravante, em razão de extinção de contrato de concessão
de uso firmado com a Infraero, localizada no Aeroporto Internacional do Galeão, na cidade
do Rio de Janeiro. 4. Na hipótese de ação civil pública, a competência se dá em função do
local onde ocorreu o dano. Trata-se de competência absoluta, devendo ser afastada a conexão
com outras demandas. (...) (STJ, AgRg nos EDcl no CC 113.788/DF, 1ª S., j. 14.11.2012, rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 23.11.2012). Igualmente: “Recurso especial. Processual civil.
Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Competência territorial funcional.
Natureza absoluta. Aplicação do art. 2º da lei da ação civil pública. Instalação de novas varas
federais. Circunscrição que abrange o local do aventado dano. Exceção ao princípio da per-
petuatio jurisdictionis. Regra do art. 87 do CPC. Recurso especial provido para determinar a
redistribuição do feito a uma das varas federais da subseção judiciária de feira de Santana/BA. 1.
É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento de propositura de
ação civil pública para apuração de improbidade administrativa, aplicando-se, para apuração
da competência territorial, a regra prevista no art. 2o. da Lei 7.347/85, que dispõe que a ação
deverá ser proposta no foro do local onde ocorrer o dano (AgRg no AgRg no REsp. 1.334.872/
RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 14.08.2013). 2. Trata-se de uma regra de competência
territorial funcional, estabelecida pelo legislador, a par da excepcionalidade do direito tutelado,
no intuito de facilitar o exercício da função jurisdicional, dado que é mais eficaz a avaliação
das provas no Juízo em que se deram os fatos. Destarte, tem-se que a competência do local
do dano é funcional e, portanto, de natureza absoluta. (...)” (STJ, REsp 1.068.539/BA, 1ª T., j.
03.09.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03.10.2013).
64. Dizer-se que se trata de competência absoluta significa que esse regime prevalece nesse
plano, mas não pode afastar regras constitucionais, que prevalecem, se for o caso. Em outras
palavras, aplica-se a Constituição Federal e não a lei ordinária se tipificada a hipótese de
incidência de regra constitucional.
65. Sobre a competência nas ações coletivas ver: Ricardo de Barros Leonel, Ações coletivas: nota
sobre competência, liquidação e execução, Revista de Processo (RePro) 132/36-43; Luiz
Manoel Gomes Júnior, Curso de direito processual civil coletivo, capítulo VI, p. 121-134.
342 Manual de Direito Processual Civil

Tratando-se de dano de âmbito local, a competência é determinada pelo local onde


esse ocorreu ou onde poderá vir a ocorrer (art. 93, I, do CDC). Nos casos de danos de âm-
bito regional ou nacional, diferentemente, o foro competente será o da capital do Esta-
do ou do Distrito Federal. Nessa última hipótese, fala-se em âmbito regional ou nacio-
nal, porque o dano transcende a área estadual. É dano, assim, que se estende para além
dos limites de um Estado federado (art. 93, II, do CDC). Quando transcender a área de
uma dada Comarca, tratar-se-á de dano regional66 – uma outra espécie de dano regio-
nal, por assim dizer, um dano regional circunscrito ao âmbito de um Estado federado.
Nesse caso, a competência para a causa será do foro da capital do Estado.
A ação popular,67 regulada pela Lei 4.717/1965, disciplina o tema da competência
da seguinte forma: “Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para
conhecer da ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judici-
ária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao
Estado ou ao Município. § 1º Para fins de competência, equiparam-se a atos da União,
do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou manti-
das por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de
que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em
relação às quais tenham interesse patrimonial. § 2º Quando o pleito interessar simul-
taneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das
causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Municí-
pio, será competente o juiz das causas do Estado, se houver. § 3º A propositura da ação
prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intenta-
das contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos (...).” Seguem-se as regras
gerais de competência, como se percebe, do art. 5º, caput. Assim, por essa razão, uma
ação popular que envolve o Presidente da República processa-se em primeiro grau de
jurisdição.68 À ação popular aplica-se a regra da prevenção do art. 59 do CPC/2015, se
várias são movidas contra os mesmos réus.

66. Nesse sentido, é oportuno citar a lição de Rizzato Nunes: “O legislador consumerista, quando
fez referência à região, certamente estava preocupado com um dano que se alastrasse por
várias cidades, e por não ser possível determinar um local, município ou comarca especí-
fica, preferiu que a demanda fosse ajuizada na Capital do Estado. As dúvidas surgirão, mas
podemos afirmas por tudo o que dissemos que, em se tratando de várias cidades de um
mesmo Estado, o foro da Capital deste será o competente. Se envolver cidades de mais de
um Estado, qualquer dos foros das capitais será competente, concorrentemente. Se não se
tratar propriamente de região composta de várias cidades, mas apenas duas, por exemplo,
qualquer delas terá foro competente, também concorrentemente. E atingindo a chamada
região metropolitana, o foro competente será o da capital respetiva.” (Rizzato Nunes, Co-
mentários ao código de defesa do consumidor, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 962).
67. V. Flávia Regina Ribeiro da Silva, Ação popular ambiental – primeiras abordagens. Ação
popular – aspectos relevantes e controvertidos, item 4.3, p. 110-115.
68. RTJ 121/17, Pleno, j. 18.02.1987, rel. Min. Moreira Alves, onde acertadamente se nega pos-
sível analogia entre competência do STF para mandado de segurança (prevista no art. 119,
CF/1969) e a ausência de competência do STF, no caso. Mais recentemente: STF, Pet 5.859
AgR/DF, Tribunal Pleno, j. 25.11.2015, rel. Min. Celso de Mello, DJe 15.12.2015.
Competência 343

Pela Lei 9.099/1995, em que se dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis, são es-
ses competentes para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor
complexidade, quais sejam aquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário
mínimo, as enumeradas no art. 275, II, do CPC/1973 – que continuam aplicáveis aos
juizados (art. 1.063 do CPC/2015), a ação de despejo para uso próprio – limitadas ao
valor do quarenta vezes o salário mínimo e excluindo-se as ações de despejo por falta
de pagamento (Lei nº 8.245/1991), e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor
também não excedente ao referido.
Semelhantemente, como já foi referido quando do estudo da competência da Justiça
Federal, a Lei nº 10.259/2001 instituiu os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justi-
ça Federal. A esses foi conferida competência para “processar, conciliar e julgar causas
de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como
executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, Lei nº 10.259/2001), expressamente excluí-
das as hipóteses enunciadas nos incs. I a IV do § 1º deste mesmo dispositivo.
Essa competência, onde houver Juizado Especial Federal, é absoluta, diz a lei. Dis-
põe-se no art. 3º, § 3º, da Lei 10.259/2001, que: “No foro onde estiver instalada Vara
do Juizado Especial, a sua competência é absoluta”. O mesmo se diga com respeito ao
Juizado Especial da Fazenda Pública, onde houver, conforme se extrai do art. 2º da Lei
12.153/2009, verbis: “É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública pro-
cessar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”.

9.8. Incompetência
9.8.1. Incompetência relativa
Verificamos, até agora, que, para se resolver o problema da competência territorial,
existe uma regra geral (art. 46, caput, do CPC/2015), que contém um critério-chave de
determinação da competência e outras quatro regras subsidiárias (art. 46, §§ 1º, 2º, 3º,
4º e 5º do CPC/2015).
Consideramos, também, que, ao lado desse critério, e com prioridade sobre o mes-
mo, podemos determinar a competência por meio de regras especiais, visto que as re-
gras gerais, quer a principal, quer as subsidiárias não exaurem os critérios de determi-
nação da competência. Acentue-se, ainda, que essas regras especiais prevalecem sobre
a geral, pois, caso contrário, os foros especiais não teriam razão de ser. Esses existem
por uma razão que, no entender do legislador, deve prevalecer sobre a outra, que ins-
pirou a regra geral.
A parte, dando preferência à regra geral, infringindo assim a regra especial, que seria
aplicável à hipótese, dá nascimento a um vício de competência, pois propôs a demanda
em foro relativamente incompetente. Inversamente, propondo ação perante um foro
especial, quando a deveria ter proposto no foro geral, será hipótese, igualmente, de in-
competência relativa – ambos casos de (in)competência territorial.
As regras de competência podem ser infringidas, gerando dois tipos de vícios, com
consequências jurídicas distintas. O primeiro vício é denominado de incompetência re-
344 Manual de Direito Processual Civil

lativa e o segundo incompetência absoluta. No primeiro caso, o vício da competência é


necessariamente superado no curso do processo se a parte-ré não suscitá-lo em preli-
minar de contestação (art. 337, II, do CPC/2015) ou o Ministério Público não o fizer
quando atuar na causa (art. 65, parágrafo único, do CPC/2015). Inclusive, se isso não
for feito, há a prorrogação de competência (art. 65, caput, do CPC/2015). Aqui convém
apontar que no sistema do CPC/1973, a forma de arguição da incompetência relativa
era a exceção, contudo, tal forma não é prevista pelo o CPC/2015, devendo a incom-
petência relativa ser alegada em preliminar de contestação (art. 337, II, do CPC/2015),
conforme já adiantado.
Via de regra, a incompetência relativa não pode ser conhecida ex officio pelo juiz,
conforme determina o art. 337, § 5º, do CPC/2015. Contudo, uma exceção à regra está
prevista no art. 63, § 3º, do CPC/205, segundo o qual poderá o juiz, antes da citação, de-
cretar a incompetência territorial relativa de ofício, se entender que a cláusula de eleição
de foro é abusiva. Seria, v.g., a situação em que há cláusula de eleição de foro inserida em
contrato de adesão e em decorrência da qual há o reconhecimento da hipossuficiência
da parte e comprovação de dificuldade do acesso à Justiça.69
Dessa forma, o que se verifica é que, sendo relativa a incompetência, o sistema pro-
cessual faz com que essa seja prorrogada (art. 65 do CPC/2015), caso a alegação desse
vício não seja feita, como visto, na contestação. Assim, a prorrogação de competência
significa que o juízo, que era de início relativamente incompetente, terá tido sua com-
petência prorrogada, passando a ser competente, com o desaparecimento do vício pro-
cessual. O juízo que originariamente seria o competente nada mais terá que ver com o
processo, firmando-se definitivamente a competência do juízo onde foi proposta a ação.

9.8.2. Incompetência absoluta


Passemos agora a analisar como o CPC/2015 trata a incompetência absoluta. Dis-
põe a respeito o § 1º do art. 64, estabelecendo que “a incompetência absoluta pode ser
alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício”. Na mes-
ma linha, o art. 342, II, do CPC/2015 estabelece que “depois da contestação, só é líci-
to ao réu deduzir novas alegações quando competir ao juiz conhecer delas de ofício”.
Como se vê, a alegação da incompetência absoluta pode ser feita por qualquer das par-
tes ou intervenientes a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, não havendo

69. Como, aliás, recentemente decidiu o STJ à luz do art. 112, parágrafo único, do CPC/1973:
“Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Comprovação da tempestividade do
Recurso Especial em Agravo Regimental. Suspensão do expediente forense. Possibilidade.
Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Competência. Declaração de ofício. Nulidade
de cláusula de eleição de foro. Contrato de adesão. Existência. Abusividade reconhecida.
Súmulas n. 5, 7 e 83 do STJ. (...) 3. É possível a declaração de ofício de incompetência baseada
no art. 112, parágrafo único, do CPC na hipótese de reputada inválida a cláusula de eleição
de foro pactuada em contrato de adesão quando há reconhecimento da hipossuficiência da
parte e comprovação da dificuldade de acesso à Justiça. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 732.047/
SC, 3ª T., j. 01.12.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 11.12.2015).
Competência 345

preclusão sobre a matéria. Aliás, a incompetência absoluta pode ser alegada até mesmo
depois do trânsito em julgado da sentença, como fundamento de ação rescisória, com
base no art. 966, II, do CPC/2015.
A incompetência material (ratione materiae) é aquela verificada em razão da matéria
não caber dentro das atribuições de um determinado juízo (trata-se de incompetência
de juízo). Ou seja, não se observa quais matérias determinado juízo está jurisdicional-
mente apto a apreciar, como, v.g., a propositura de causa cível em juízo criminal. Quan-
to às causas cíveis e a competência material, cumpre-nos dizer, ainda, que, tratando-se
de causas que versem sobre determinadas matérias, há varas (juízos) especializadas,
cuja competência é absoluta, exatamente porque ratione materiae (ex.: varas de famí-
lia, registros públicos etc.).
Nesse passo, é fundamental registrarmos que a competência dos chamados foros re-
gionais na comarca de São Paulo é absoluta, ainda que se trate de competência territorial
e de competência em razão do valor da causa. Esse entendimento pode ser estendido
aos foros regionais de outras Comarcas ou circunscrições judiciárias, pois a existência
dos foros regionais é, claramente, decorrente de razões de ordem pública, no sentido
de: (i) distribuir melhor a Justiça, em localidades de grandes dimensões, sem que essa
estrutura seja passível de fácil alteração; e (ii) colima proporcionar um acesso mais cô-
modo à Justiça, com vantagens para todos os jurisdicionados.
A esse propósito, aliás, é necessário sempre ter presente que, caso se admitisse a
preferência pelo foro central, em detrimento dos foros regionais, é provável que muitos
particulares, e principalmente pessoas jurídicas, tendo em vista a sua estrita comodi-
dade, ajustassem em contrato a “eleição do foro central”, e o poderiam fazer, por exem-
plo, em detrimento constante do interesse do outro contratante. Parece, portanto, ape-
sar dos aparentes entraves exegéticos que se colocam diante do aplicador da lei (isto é,
o Código de Processo Civil, que no art. 63 define a competência territorial e por valor
como relativas), não podemos admitir, como regra corrente, na dinâmica da vida judi-
ciária, a eleição do foro central, por exemplo, em detrimento de um dado foro regional.
70
Inclusive, conclusão diferente dessa, implicaria por certo desmontar o sistema de
divisão interna estabelecido nas normas de organização judiciária, com infração à lei.
Em rigor, como no caso da função desempenhada pelos foros regionais, não podemos
deixar de reconhecer que a divisão de determinada comarca ou circunscrição implica
competência de atribuições.
Assim, cada foro regional possui sua competência territorial, não podendo ser rea-
lizado negócio jurídico que altere a competência de um foro regional para outro. Con-
tudo, a competência dos foros regionais não engloba as ações de usucapião, as retifi-

70. Nesse sentido, aliás, decide o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como, v.g., nos
seguintes julgados: TJSP, CC 0080078-59.2015.8.26.0000, Câmara Especial, j. 16.05.2016,
rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci; TJSP, CC 0022147-98.2015.8.26.0000, Câmara
Especial, j. 09.05.2016, rel. Des. Lídia Conceição; TJSP, Ag. 2005571-59.2016.8.26.0000,
16ª C. Direito Privado, j. 26.04.2016, rel. Des. Miguel Petroni Neto; e TJSP, Ag. 2240103-
12.2015.8.26.0000, 3ª C. Direito Privado, j. 12.04.2016, rel. Des. Beretta da Silveira.
346 Manual de Direito Processual Civil

cações de áreas (art. 4, I, a, 2ª parte, da Lei 3.947/1983), o registro e cumprimento de


testamentos ou codicilos e os respectivos inventários ou arrolamentos e a arrecadação
da herança jacente (art. 4, III, a e b, 2ª parte, da Lei 3.947/1983), além de ser limitada
às causa de até 500 salários mínimos (art. 54, I, da Resolução 2/76 do TJSP), ressalva-
das as hipóteses descritas no art. 4, I, a a d, da Lei 3.947/1983 do Estado de São Paulo.71
Não se enquadrando a situação nessas hipóteses e sendo a causa superior a tal limite, o
foro central será competente para a causa.
Quanto à sentença proferida por um juiz absolutamente incompetente, essa será
eficaz quando transitar em julgado. Em regra, não se lhe pode impedir o cumprimento
e até mesmo seu cumprimento provisório. Não se lhe pode impedir até mesmo a produ-
ção de outros efeitos, que não digam respeito à execução propriamente dita. Essa sen-
tença, no entanto, como já frisamos em vários momentos nesse capítulo, é rescindível
por meio da ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015), sendo possível evitar seu cum-
primento e demais efeitos com o pedido e concessão, nessa ação, de tutela provisória.
Ainda que não transite em julgado, será igualmente eficaz a sentença prolatada por juízo
absolutamente incompetente se o recurso não tiver efeito suspensivo (art. 1.012, § 1º,
I a VI, do CPC/2015), produzindo-se desde logo os efeitos da decisão.
Se, porém, tiver sido interposta apelação contra a sentença proferida por juiz abso-
lutamente incompetente, prolongando-se o processo, melhor seria que o tribunal cor-
rigisse o vício de ofício (art. 64, § 1º, do CPC/2015). O vício poderá, portanto, ser ale-
gado pela parte recorrente como matéria preliminar devendo ser decidida, desde logo,
quando da apreciação do recurso, ou, se não constar do recurso, poderá ser alegada de-
pois de sua interposição, até em sustentação oral, mas sempre antes do término do jul-
gamento. Mesmo que não haja alegação, pode o tribunal, sobretudo, o relator agir ofi-
ciosamente, devendo intimar as partes para que se manifestem previamente no prazo
de 5 dias (art. 933 do CPC/2015).
No mais, importa ressaltarmos que reconhecida a incompetência absoluta –pelo
juízo de primeiro grau ou em sede de recurso pelo tribunal– aproveitam-se, inclusive,
os atos decisórios, conservando-se seus efeitos (art. 64, § 4º, do CPC/2015), até deci-
são por juízo competente.
Assim, temos, por exemplo, no julgamento da apelação, estando a causa madura
para julgamento, tanto que já foi sentenciada, parece-nos ser possível que o tribunal

71. “Artigo 4º – A competência de cada foro regional será a mesma dos foros distritais existentes,
com os acréscimos seguintes e observados, no que couber, os demais preceitos em vigor:
I – em matéria cível, independentemente do valor da causa:
a) as ações reais ou possessórias sobre bens imóveis e as de nunciação de obra nova, exclui-
das as ações de usucapião e as retificações de áreas, que pertencem às Varas de Registros
Públicos; b) as ações de recisão e as de adjudicação compulsória, fundadas em compromisso
de compra e venda; c) as ações de procedimento sumaríssimo, salvo as de acidentes do
trabalho e as do interesse das Fazendas Públicas; d) as ações baseadas no direito securitário,
quando relacionadas com matérias ou procedimentos da competência dos foros regionais,
excluidas as do interesse das Fazendas Públicas;”.
Competência 347

decida desde logo o mérito. Afiguram-se, nesse cenário, duas situações possíveis: (i) se
os dois juízos de primeiro grau de competências conflitantes, por assim dizer, estive-
rem submetidos ao mesmo tribunal, esse reconhece o vício e já julga o mérito recursal.
Porém, se o juízo com competência absoluta não estiver a ele submetido, como v.g. no
caso de conflito entre as Justiças Estadual e Federal, o próprio tribunal também não será
competente, cumprindo-lhe remeter os autos.

9.8.3. Perpetuatio iurisdictionis


A perpetuatio iurisdictionis significa a cristalização e subsistência no plano do proces-
so dos elementos de fato e de direito, inclusive do próprio critério legal, com base nos
quais a competência foi determinada. Trata-se de instituto afeto à competência relativa
e tão somente a essa. A lei, ao dizer que “determina-se a competência no momento do
registro ou distribuição da petição inicial”, quer dizer que, uma vez proposta a ação, os
critérios legais utilizados e os elementos de fato, subsumidos aos legais, para sua determi-
nação, perduram daí em diante, “sendo irrelevantes as modificações do estado de fato
ou de direito ocorridas posteriormente” (art. 43 do CPC/2015). Excepcionalmente, es-
sas modificações serão relevantes se implicarem em supressão de órgão judiciário ou
alteração de competência absoluta, como, v.g., em razão da matéria (art. 43, in fine).
A perpetuatio iurisdictionis pertence à categoria dos institutos que têm por finalida-
de especial a proteção à parte ativa do processo (autor). O instituto prende-se, em par-
ticular, à necessidade de estabilidade da competência de foro, e, assim, uma vez deter-
minada e fixada esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são
irrelevantes em sua estabilidade. Tal regra é aplicável a todos os processos.
A problemática da determinação da competência passa por dois aspectos. Como já
se viu, o primeiro aspecto diz respeito aos critérios de sua determinação e fixação. No
caso concreto, será necessário indagar por qual ou quais elementos do processo a com-
petência será determinada. Assim, por exemplo, os elementos das ações pessoais in-
dicam que, como regra (art. 46 do CPC/2015), essas são movidas no domicílio do réu.
Um segundo aspecto diz respeito à estabilidade dessa competência. Em outras pa-
lavras, importa sabermos se, alterada a situação de fato em função da qual se determi-
nou a competência, ela influi ou não em uma possível redeterminação da competência.
A resposta é negativa. O que se objetiva, em nosso diploma processual civil, bem como
na generalidade dos diplomas do Direito comparado, é, por excelência, a defesa da po-
sição do autor, enquanto demandante, bem como o próprio rendimento da atividade
processual, pois se a competência fosse alterada a cada mudança no plano dos fatos,
faltaria ordem e rendimento ao processo.
As alterações na competência poderiam ocorrer em virtude de fatos ou do próprio
direito. Conforme o art. 43 do CPC/2015, já por vezes referido, são irrelevantes as
mudanças posteriores à propositura da demanda e que decorrem dos fatos em função
dos quais foi determinada inicialmente a competência. Dessa forma, por exemplo, se
o réu mudar de domicílio após a propositura da ação e a fixação da competência no
domicílio anterior não implica na mudança do foro competente para aquele do novo
348 Manual de Direito Processual Civil

domicílio. 72 Ou então, v.g., se a coisa, objeto material do processo, aumentar intrin-


secamente de valor, nem por isso altera-se o valor da causa. O valor da causa, aliás, é
sempre fixado contemporaneamente à época da propositura da ação.
Temos a incidência do princípio da perpetuatio iurisdictionis, também, quando da
ocorrência de mudanças legislativas que afetem a competência.
Como exemplo dessa hipótese de alteração legislativa, podemos pensar na já men-
cionada mudança feita pelo CPC/2015 pertinente ao foro para as ações de divórcio,
separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável
(art. 53, I, do CPC/2015). Na vigência do CPC/1973, como vimos, dispunha o art. 100,
I, daquele diploma que era competente o foro da residência da mulher para a ação de se-
paração dos cônjuges e a conversão deste em divórcio, e para a anulação de casamento.
O CPC/2015, diferentemente, segundo seu art. 53, I, “para a ação de divórcio, separação,
anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução da união estável” é competente
o foro “(a) de domicílio do guardião de filho incapaz; (b) do último domicílio do casal,
caso não haja filho incapaz; e (c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no
antigo domicílio do casal”. Assim, exemplificativamente, se a ação foi proposta, durante
a vigência do CPC/1973, na residência da mulher, a vigência do CPC/2015 com a refe-
rida mudança na regra de competência não altera competência territorial relativa, pois
aplicável o princípio da perpetuatio, mantendo-se a competência territorial do juiz do
foro da residência da mulher para as ações propostas anteriormente.
Entretanto, quando alterada a lei que regulamenta a competência absoluta (em ra-
zão da matéria ou a funcional), não se verifica a perpetuatio iurisdictionis, uma vez que
tal competência é estatuída atendendo a uma série de requisitos e objetiva a defesa de
determinados valores, entre outros os de ordem pública. Portanto, tratando-se de com-
petência absoluta não se aplica o princípio da perpetuatio iurisdictionis. É o conteúdo
que se extrai do mencionado art. 43 do CPC/2015: “Determina-se a competência no
momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as mo-
dificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando su-
primirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.”. Como comentam
Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], “as exceções à regra da perpetuatio jurisdictionis
são duas (i) supressão do órgão judiciário, caso em que terá que existir a atribuição de
competência a outro órgão jurisdicional, ou (ii) a entrada em vigor de regras que alte-
rem a competência absoluta (material ou funcional)”.73
Ao presente item, ainda dizem respeito duas observações. A primeira no sentido de
que a perpetuatio iurisdictionis, como já mencionado no item 9.2.2., não se confunde

72. A esse respeito já entendeu o STJ que, tratando-se de relação continuativa de prestação de
alimentos e tendo em vista o interesse superior do alimentando, é possível a mitigação
do princípio da perpetuatio iurisdictionis. (STJ, CC 114.461/SP, 2ª S., j. 27.06.2012, rel.
Min. Raul Araújo, DJe 10.08.2012).
73. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual.
e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 123.
Competência 349

com a regra prevista no art. 64, § 4º, do CPC/2015. Ali se determina o aproveitamen-


to dos atos do juízo incompetente, inclusive decisórios. Na perpetuatio iurisdictionis, o
juízo que poderia ser inicialmente incompetente, passa a gozar de competência quan-
do o vício não é oportunamente alegado, desde que se trate de incompetência relativa.
A segunda observação, atrelada à anterior, implica reconhecer que se a incompetência
relativa for arguida no momento próprio da contestação (art. 337, II, do CPC/2015) e
acolhida pelo juízo, não se aplica a regra da perpetuatio iurisdictionis. Isso porque, em
tal caso, o juiz enviará a causa ao juízo de outro foro, que será o competente, e, só en-
tão, nesse segundo momento, ocorrerá a perpetuatio.

9.9. Modificação da competência (conexão e continência de causas)


9.9.1. Conexão de causas
A primeira possibilidade de modificação da competência que estudaremos é a co-
nexão de causas que, ao lado da continência, tem por principal objetivo evitar decisões
contraditórias e prejuízos ao exercício da atividade jurisdicional.74
Assim o que nos interessa primordialmente para uma abordagem teórica da cone-
xão de causas é estabelecer se uma ação é ligada a outra ação, a ponto de a decisão de
uma influir na da outra. Nesse caso, sendo isso abstratamente possível, os ordenamen-
tos jurídicos preveem fórmulas para afastar a perspectiva de um conflito de decisões
que poderão ser contraditórias, como diz expressamente o § 3º do art. 55 do CPC/2015.
A lei investiu o juiz do poder de reunir processos – modificando a competência – que
possam, eventualmente, produzir decisões que não se conciliem caso sejam julgados
separadamente. Nesse sentido, reconhece o STJ que a conexão de causas tem por fina-
lidade precípua evitar decisões contraditórias.75 Assim, considerando as causas à luz da

74. Na expressão utilizada por Paulo Lucon em trabalho acadêmico afeto ao tema, “o espírito
que permeia todas as hipóteses de conexão é evitar provimentos contraditórios ou confli-
tantes em razão de as demandas reclamarem a solução de questões comuns ou idênticas.”
(Paulo Henrique dos Santos Lucon, Relação entre demandas, Brasília: Gazeta Jurídica, 2016,
p. 83-84).
75. Por exemplo: “Recurso Especial. Medida cautelar de sequestro vinculada à ação declaratória
de extinção de condomínio florestal. Efeito translativo. Instância especial. Inaplicabilidade.
Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. Conexão reconhecida. Inexistência de
obrigatoriedade de julgamento conjunto. (...) 5. Segundo a jurisprudência desta Corte, a
reunião dos processos por conexão configura faculdade atribuída ao julgador, sendo que o
art. 105 do Código de Processo Civil concede ao magistrado certa margem de discriciona-
riedade para avaliar a intensidade da conexão e o grau de risco da ocorrência de decisões
contraditórias. (...)” (STJ, REsp 1.366.921/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; STJ, REsp 1.484.162/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; STJ, EDcl no REsp 1.394.617/SC, 1ª T., j. 13.05.2014, rel.
Min. Ari Pargendler, DJe 20.05.2014; e STJ, CC 126.601/MG, 1ª S., j. 27.11.2013, rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe 05.12.2013). Sobre a amplitude do conceito de conexão, já
nos manifestamos em parecer publicado em nossas Soluções Práticas de Direito: pareceres.
Volume I, p. 675 e ss.
350 Manual de Direito Processual Civil

teoria da tríplice identidade,76 vislumbrada a possibilidade de contradição, devem elas


ser reunidas no juízo prevento (art. 58 do CPC/2015), ou seja, naquele em que uma das
causas foi registrada ou distribuída em primeiro lugar (como explicamos no item 9.3.5).
Há, em segundo lugar, um outro fundamento a recomendar a reunião dos processos:
é o da economia processual. Se dois processos são parcialmente idênticos, a apreciação
de ambos, num só juízo, trará economia, pois as provas poderão ser produzidas uma só
vez (e não em duplicata). Do mesmo modo, a parte comum a ambos será apreciada so-
mente uma vez e pelo mesmo juiz, e não duas vezes por juízes diversos.
A conexão não é um critério de determinação de competência e sim um fator que
pode eventualmente gerar alteração da competência, critério esse que se aplica somen-
te quando a competência seja suscetível de alteração, ou seja, quando se tratar de com-
petência relativa (art. 54 do CPC/2015).77
Pois bem. Existirá conexão de causas ou ações quando lhes for comum o pedido ou
a causa de pedir (art. 55, caput, do CPC/2015).
Basta, portanto, a identidade de um único elemento constitutivo da ação para que
estejamos diante da conexão, o que faz com que os processos possam ser reunidos e
mereçam um julgamento conjunto.
É possível, nessa acepção, haver conexão de causas ainda quando inexista identi-
dade de partes no processo.
Reputamos relevante nessa oportunidade apontar as alterações substanciais opera-
das na matéria pelo texto do CPC/2015.
A primeira delas diz respeito a alteração – ou a nosso ver aperfeiçoamento – do
conceito legal de conexão de causas. Dizia o art. 103 do CPC/1973 que se reputavam
conexas duas ou mais ações, quando lhes fosse comum o objeto ou a causa de pedir.
Na vigência do Código anterior, dizíamos que o objeto do processo – que compreende
também as questões suscitadas pelo réu, é diferente de objeto litigioso. Este é a lide ou o
mérito fixado exclusivamente pelo pedido do autor. Parecia-nos que o CPC/1973 quis
fazer referência à lide e não ao objeto do processo. É mais precisa e elogiável a redação
do art. 55, caput, do CPC/2015 se comparada ao seu antecessor.
A segunda alteração consiste na supressão do verbo pode no novo texto legal (art. 55,
§ 1º, do CPC/2015). Sustentamos já na primeira edição dessa obra (vol. 1, p 184) que
o vocábulo “pode” (art. 105 do CPC/1973) era impróprio. Desde que constatados os
pressupostos da conexão, era inexorável a reunião de processos. Então, haveríamos de
entender esse “pode” como significando deve.

76. V. Edward Carlyle Silva, Conexão de causas, sobre a tríplice identidade ou a teoria tradicional
envolvendo a teoria de Matteo Pescatore (p. 63 a 70); as críticas quanto à teoria tradicio-
nal (p. 70 a 74); a teoria de Francesco Carnelutti (p. 74 a 79); e a contribuição de Enrico
Redenti (p. 79 a 82).
77. STJ, CC 41.953/PR, 1.ª S., j. 25.08.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 13.09.2004,
p. 165; STJ, MS 9.299/DF, 1.ª S., j. 23.06.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ
20.09.2004, p. 178; e STJ, CC 126.601/MG, 1ª S., j. 27.11.2013, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 05.12.2013.
Competência 351

O § 1º do art. 55 do CPC/2015 não utiliza mais o pode, mas determina que “os pro-
cessos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta”. Porém, de todo modo,
reconhecemos a existência de grande diversidade de influência recíproca entre ações,
o que torna mais operativo e funcional entendermos pela possibilidade de avaliação,
caso a caso, pelo juiz do grau ou intensidade da conexão e da utilidade da reunião das
causas em juízo único. O dispositivo traz, como já reconhecia o STJ,78 uma faculdade
para o magistrado atuar de acordo das circunstâncias de cada caso concreto.
Porém, não entendemos que essa liberdade é plena a ponto de implicar a não junção
dos processos, quando for intensa a conexão (v.g., identidade de pedidos e causa peten-
di), ou quando houver real utilidade na junção de ambas as causas, ou, ainda, quando
estejam aproximadamente no mesmo momento ou estágio processual. Inversamente,
o juiz terá maior margem de decisão, quando for mais tênue a conexão e quanto menor
a utilidade perceptível de se reunirem as ações.
Assim, se os resultados das sentenças a serem proferidas separadamente por juízos
distintos poderão ser totalmente antagônicos, não há liberdade para o juiz não determi-
nar a conexão. Se não determinar a junção poderá comprometer, até mesmo, a certeza
que há de emergir da função jurisdicional, diante do possível conflito prático de deci-
sões, ou seja, decisões que seriam praticamente inconciliáveis.
No mais, devemos assinalar que se houve a determinação da reunião das causas, o
correto é julgá-las conjuntamente, como aliás bem determina a parte inicial do § 3º do
art. 55 do CPC/2015. Embora possam existir decisões que sejam até logicamente incom-
patíveis, mas não incompatíveis (e, por isso mesmo, sobreviveriam ambas, sem antagonismo
prático insolúvel), não é esta situação desejada pelo sistema e é essa uma das razões que
levaram o legislador a fixar a regra da reunião de causas conexas para julgamento con-
junto. Como já observamos, a reunião das causas deverá ter lugar se houver utilidade,
no sentido da economia processual, ou outro motivo para a junção. Por isso, v.g., se uma
das causas for complexa e já estiver madura (pronta para julgamento), não há porque
reuni-las. Do mesmo modo, não há que se falar em conexão entre duas causas, estan-
do uma delas já julgada, conforme expressamente excepciona a parte final do § 1º do
art. 55 do CPC/2015, encampando, inclusive, entendimento da Súmula nº 235 do STJ.79

9.9.2. Continência de causas


Outra causa modificadora da competência é a continência (art. 56 do CPC/2015).
Estaremos diante da continência quando duas ações têm as mesmas partes, a mesma
causa de pedir, mas o pedido de uma delas tem conteúdo mais amplo (causa continen-

78. STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 677.314/DF, 4ª T., j. 04.02.2016, rel. Min. Raul Araújo, DJe
22.02.2016; STJ, AgRg no REsp 1.204.934/RJ, 1ª T., j. 14.04.2015, rel. Min. Benedito Gon-
çalves, DJe 23.04.2015; STJ, REsp 1.366.921/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; e STJ, REsp 1.496.867/RS, 3ª T., j. 07.05.2015, rel. Min. João
Otávio Noronha, DJe 14.05.2015.
79. Súmula nº 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já
foi julgado”.
352 Manual de Direito Processual Civil

te), abrangendo o da outra (causa contida). Nesse caso, as ações também devem ser
reunidas, sob os mesmos fundamentos que ensejam a reunião das ações conexas, quais
sejam a ideia de se evitar decisões contraditórias e de que não se desenvolva uma ativi-
dade processual inútil.
Conquanto coincidentes os fundamentos, a continência apresenta certa dinâmi-
ca própria entre as causas continente (maior e mais abrangente) e a contida (menor).
Se a causa continente for proposta antes da contida, não devemos falar em reunião
dos processos, como bem determina o art. 57 do CPC/2015. O ajuizamento posterior
da causa menor, englobada pela anterior, implicará o reconhecimento de que a causa
menor já estava pendente, isso, claro, se já tiver ocorrido a citação na causa continente,
uma vez que é a citação que induz litispendência (art. 240 do CPC/2015), e se houver
identidade integral entre a causa contida e a parte da causa continente correspondente.
Nessa hipótese, o tratamento jurídico a ser dado não será o de junção das causas e mo-
dificação da competência, mas sim o da litispendência, que tem por consequência a ex-
tinção da segunda ação sem resolução do mérito (art. 485, V, do CPC/2015).
Já na hipótese cronológica inversa, ou seja, se a ação contida (a menor) for proposta
antes da ação continente (a maior), elas devem ser reunidas no juízo prevento (art. 58
do CPC/2015), à semelhança do que se verifica com a conexão e com os mesmos tempe-
ramentos observados no item anterior. Em realidade, nessa segunda situação, cumpre-
-nos observar que a ação continente, não deveria ter sido proposta, no que tange à parte
idêntica à ação menor e contida, já em curso, sendo a solução efetivamente correta, em
face dessa identidade “plena”, a da litispendência parcial da causa continente (art. 337,
§§ 1º e 3º do CPC/2015), o que terá como consequência a extinção da ação continente
sem resolução do mérito, no que for idêntica à ação contida.
Inegavelmente, os fenômenos da conexão, da continência e da litispendência têm um
elemento comum: a pendência simultânea de dois ou mais processos com lides conexas
ou idênticas. Porém, em que pese isso, o sistema fornece, por assim dizer, uma solução
prática distinta para cada um dos institutos. Tratando-se de conexão, dever-se-ão reu-
nir os processos, nos moldes que pontuamos no item precedente; solução semelhante
se dá na hipótese de continência, com as ressalvas que fizemos há pouco; porém, se for
caso de litispendência, o processo em que tiver ocorrido primeiro a citação será o que
prevalecerá,, devendo o outro ser extinto sem resolução do mérito.

9.10. Conflito de competência


9.10.1. Aspectos introdutórios
Ao tratarmos das situações de incompetência absoluta e relativa, fizemos referên-
cia à possibilidade do vício ser arguido em preliminar de contestação (art. 337, II, do
CPC/2015), hipótese na qual o juízo processante poderá reconhecer-se incompetente,
determinando o encaminhamento dos autos ao juízo competente. Como vimos tam-
bém, tratando-se de incompetência absoluta isso também é possível ainda que as partes
nada aleguem, pois é matéria apreciável de ofício pelo magistrado, sobre a qual não se
opera a preclusão (arts. 64, § 1º, e 337, § 5º, do CPC/2015)
Competência 353

No entanto, é possível a configuração de outras duas situações. Pode ser que um de-
terminado juízo entenda ser competente para julgar uma causa e que outro juízo tam-
bém entenda ser competente para julgar a mesma causa. Cria-se, assim, um verdadeiro
conflito positivo de competência, pois dois juízos se entendem competentes para uma
mesma causa. Temos, então, dois juízos que têm ou podem ter, abstratamente, jurisdi-
ção para apreciar a ação, mas que disputam, precisamente, a competência para apreciá-
-la (jurisdição para essa determinada causa).
De forma antagônica, podemos ter um conflito negativo de competência. Nessa outra
hipótese, os dois juízos não entender ser competentes, mas ao contrário, os dois juízos
entendem que não têm competência para julgar uma determinada causa.

9.10.2. O tratamento dado à matéria pelo nosso Código e entre tribunais estaduais
O Código de Processo Civil de 2015 regula a matéria em seu art. 66. Há, pelo texto
legal, conflito de competência quando (i) 2 ou mais juízes se declaram competentes –
conflito positivo de competência –, (ii) 2 ou mais juízes se consideram incompetentes
– conflito negativo de competência –, e (iii) entre 2 ou mais juízes surgir controvérsia
sobre a reunião ou separação de processos.
O inc. III desse art. 66 do CPC/2015, continua insistindo em um erro, que já veri-
ficávamos nos Códigos de 1939 e 1973. Essa terceira hipótese, em bem da verdade, é
redutível a um conflito positivo ou negativo, ou seja, é redutível aos fenômenos que es-
tão descritos no art. 66, I e II, do CPC/2015. Exemplificativamente: no juízo A pendem
duas causas, X e Y. O juízo B entende-se competente em relação a uma delas, a causa Y.
Nesse caso, como vemos, se perfaz em rigor um conflito positivo de competência: dois
juízes se entendem competentes para julgar a mesma causa Y. Em razão dessa dispu-
ta, os juízos discordam da separação de causas. Essa discordância, portanto, não é uma
terceira hipótese de conflito, mas a consequência de um conflito positivo de competên-
cia. O juízo A, que entende ser competente, discordando da separação, e o juízo B, que
também entende ser competente, pretendendo a separação dos processos, com o envio
da causa Y do juízo A para o juízo B, separando-a da causa X.
De outra parte, a reunião de processos também perfaz, em última análise, um con-
flito negativo de competência, indicando, mais uma vez, a redundância presente no inc.
III do art. 66 do CPC/2015. Por exemplo: no juízo A, pende um processo Y, no juízo B,
pendem dois processos X e Z. Entende o juízo B que um dos processos ali pendentes, o
processo Z, deverá ser objeto de reunião ao processo Y pendente no juízo A, diante da
existência conexão entre as causas Y e Z. O juízo A, ao contrário, entende inexistir co-
nexão no caso, e, por essa razão, o processo deverá permanecer no juízo B sem a reunião
dos feitos. Toda a situação caracteriza, assim, um verdadeiro conflito negativo de com-
petência negativo, já que tanto o juízo A como o B entendem ser incompetentes para
apreciar o processo Z.
Após essas considerações, importa-nos analisar a quem compete apreciar e dirimir
tais conflitos de competência.
354 Manual de Direito Processual Civil

Se o conflito de competência se estabelecer entre juízos de primeiro grau de juris-


dição, será competente para dirimi-lo o Tribunal a que estiverem vinculado os órgãos
de primeiro grau. Ao STJ, por sua vez, cabe resolver conflitos: (i) entre quaisquer tribu-
nais – Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais; (ii) entre tribunais e juízes
a eles não vinculados; e (iii) entre juízes vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, d,
da CF/1988). O que importa, nessa dinâmica, é que, para resolver efetiva e eficazmente
o conflito, a autoridade que o resolva deve ter poder para obrigar as duas ou mais auto-
ridades conflitantes a aceitarem a decisão por ela proferida. determinada causa.

9.10.3. O procedimento do conflito de competência


Inicialmente, cumpre-nos apontar quem tem legitimidade para suscitar o conflito
positivo ou negativo de competência. Muito bem, nos termos do art. 951 do CPC/2015,
tais conflitos podem ser suscitados por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou
pelo juiz. O magistrado, aliás, deve fazê-lo se receber o processo do juízo que declinar a
competência e entender que também não é competente, salvo se atribuí-la a outro juí-
zo (art. 66, parágrafo único, do CPC/2015).
Com relação ao procedimento do conflito de competência, em si considerado, pode-
mos dividi-lo em cinco momentos distintos, tal como disciplinado no CPC/2015: (i) o
da instrução, que deve ser feita, inicialmente, por aquele que o suscitar (arts. 951 a 953
do CPC/2015); (ii) o da distribuição, subsequente ao suscitamento do conflito; (iii) o
que o relator determinará a oitiva dos juízes em conflito ou, se um deles for suscitan-
te, apenas do suscitado, bem como poderá determinar de ofício ou a requerimento das
partes o sobrestamento do processo e o juízo que apreciará eventuais medidas urgentes
(arts. 954 e 956 do CPC/2015); (iv) o que será ouvido o Ministério Público no prazo de
5 dias, logo após a oitiva dos juízes; e (v) o do respectivo julgamento.
O CPC/2015 é omisso quanto à possibilidade de interposição de recurso contra de-
cisão que julgar o conflito, assim como já era o CPC/1973. Posto isso, entendemos que
são incabíveis recursos, salvo o recurso extraordinário, o recurso especial – pois a fonte
normativa desses é a Constituição Federal e se a decisão contrariar, respectivamente, a
Constituição Federal ou lei federal, ele poderão ser interpostos – e os embargos de de-
claração que são cabíveis contra qualquer decisão judicial, para resolver obscuridades
ou contradições, suprimir omissão e corrigir erro material (art. 1.022 do CPC/2015).
10
Os Sujeitos do Processo

10.1. Introdução
Pela expressão sujeitos do processo1 entendemos concretamente todos aqueles que
figuram na relação jurídica processual. Assim, incluem-se dentre os sujeitos do proces-
so o juiz, que é o sujeito imparcial; as partes propriamente ditas (aí incluídos autor(es)
e réu(s); e terceiros.
Devemos estudar cada uma das figuras que podem atuar no processo, separadamente.

10.2. O juiz
O juiz deve ser considerado, num sentido lato da expressão, funcionário público.
No entanto, as peculiaridades respeitantes à sua posição e, em especial, à sua função são
tantas, que o distanciam muito do funcionário público comum e do regime jurídico a
que este se submete.
O primeiro aspecto a ser considerado, com relação à posição do juiz, sob o ponto de
vista de sua função, implica o estudo do Direito Constitucional. Tão importantes são
determinadas garantias do juiz, justamente as que a extremam da figura do funcionário
público comum, que o legislador houve por bem inserí-las no texto constitucional, na
linha de longa tradição histórica.

10.2.1. Independência funcional e garantias do juiz


Em nosso Direito Constitucional, gozam os juízes de garantias asseguradoras de sua
independência, e delas já se tratou, se bem que sucintamente, ao analisar as relações en-
tre o processo civil e o Direito Constitucional. Estas garantias asseguram indiretamente
a operatividade da regra que estabelece a independência do Poder Judiciário. O pensa-
mento comum dos constitucionalistas ocidentais aponta três garantias da magistratura:2
(1.ª) a vitaliciedade; (2.ª) a inamovibilidade; e (3.ª) a irredutibilidade de subsídio.

1. V. sobre sujeitos do processo: Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT,
1971, p. 485; v., mais recentemente, Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, São
Paulo: RT, 1996, vol. 2, comentários ao art. 7.º.
2. Castro Nunes, Teoria e prática do Poder Judiciário, Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo,
1943, p. 93 e ss., sobre as garantias fundamentais da magistratura.
356 Manual de Direito Processual Civil

A “vitaliciedade” é característica inerente à judicatura, entre nós, constituindo-


-se em princípio político-jurídico essencial à independência do Judiciário no contexto
das funções estatais. A vitaliciedade é adquirida, no primeiro grau de jurisdição, após
dois anos de exercício. No entanto, mesmo durante esse período, não pode o juiz per-
der o cargo, senão por deliberação do tribunal a que estiver subordinado (art. 95, I, da
CF/1988). Para os que ingressam como membros do Ministério Público ou advogados
pelo quinto constitucional, a vitaliciedade é adquirida com a posse no cargo. O juiz é
vitalício na magistratura e concretamente no seu cargo, salvo se perder essa qualidade
por sentença judicial (art. 95, I, última parte, da CF/1988). Fica indissoluvelmente liga-
do ao seu cargo e, se este for extinto, ficará em disponibilidade remunerada se o desejar.
A “inamovibilidade” (art. 95, II, da CF/1988) comporta entendimento o mais amplo
possível, ou seja, não podemos fazer exceção ao princípio, aceitando exclusivamente
as exceções legais (rectius: constitucionais). A inamovibilidade tem o seu perfil cons-
titucional, abaixo analisado, nos arts. 95, II, e 93, VIII, da CF/1988. Daí dizer-se que a
inamovibilidade somente comporta regramento excepcional ao princípio no nível do
Direito Constitucional, eis que é garantia constitucional, de tal maneira que, se houver
eventuais exceções, devem ser previstas na Constituição. As hipóteses de interesse pú-
blico, que geram remoção do magistrado, implicam “transferência do juiz”, pois, nesta
hipótese, não perde o poder jurisdicional, senão que o exercerá em outro juízo (se for
juiz de primeiro grau), ou, se for membro de tribunal, em outro órgão fracionário do
tribunal. Com a disponibilidade (também prevista no art. 93, VIII, da CF/1988), per-
derá o juiz, temporariamente, o poder jurisdicional, o que leva a que se constituam em
exceções à inamovibilidade.
Hipótese que não consiste propriamente em afronta à regra da inamovibilidade é a
prevista no art. 235 do CPC/2015. Quando o juiz tenha excedido prazo previsto em lei,
o que pode implicar que, mediante representação das partes ou do Ministério Público,
ao Presidente do Tribunal de Justiça, uma vez distribuída a representação, instaure-se
procedimento para apuração de responsabilidade, e o relator, conforme as circunstân-
cias, avoque os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para de-
cidir a causa. Independentemente da providência do art. 235, pode ocorrer que nada
seja decidido a respeito da eventual transferência do juiz (assunto que poderá, ou não,
estar em pauta) e, bem assim, de sua disponibilidade.
Neste caso, embora não se altere o poder jurisdicional, em si mesmo, este é alterado
para aquela dada causa. Isto porque o juiz – ainda que mantida sua inamovibilidade –
perde o poder específico para julgar uma determinada demanda. Esta exceção, que ri-
gorosamente afeta o sentido absoluto da inamovibilidade, justifica-se pelo fundamento
respectivo – excesso de prazo –, apesar de não constar do texto constitucional, expressis
verbis. Aduza-se, ademais, que a inamovibilidade colima proteger o juiz contra pressões
ilegítimas que, para lograrem seus fins; aquelas desestabilizariam o exercício da função,
removendo-o; não é, por certo, o que ocorre na hipótese do art. 235. Acentue-se que um
desembargador (do Tribunal de Justiça), ou de outro Tribunal, não tem inamovibilidade
somente no tribunal, mas a tem na própria câmara ou turma que integre.
Os Sujeitos do Processo 357

Além disso, a inamovibilidade implica que, desde que o sistema jurídico-proces-


sual atribua uma causa a um dado magistrado, este deverá necessariamente julgá-la.3
A inamovibilidade poderá deixar de existir se ocorrer: (a) a remoção do magistrado,
de qualquer grau de jurisdição (art. 93, VIII, da CF/1988); (b) ou a sua disponibilidade
(também tratada pelo art. 93, VIII, da CF/1988), esta com vencimentos proporcionais
ao tempo de serviço.
Estas providências, que atingem a inamovibilidade, deverão ter como fundamento
o interesse público, e a deliberação só ocorrerá com o voto de dois terços dos membros
efetivos do respectivo tribunal, assegurando-se ao magistrado ampla defesa (art. 93,
VIII, da CF/1988).
A irredutibilidade de subsídio (art. 95, III, da CF/1988) é uma garantia que restou
bastante esvaziada, pois se solidificou o entendimento de que a revisão dos salários dos
magistrados não deve ocorrer de forma automática, o que em épocas de inflação com-
promete significativamente esta garantia. O âmbito desta garantia foi reduzido à expres-
são nominal dos salários dos magistrados.
A importância da figura do juiz nas sociedades ocidentais conduzem a diversos sis-
temas de recrutamento. No sistema brasileiro, tradicionalmente, o ingresso na carreira
de magistrado, para o cargo inicial, faz-se por concurso público de provas e títulos, sen-
do que a nomeação haverá de obedecer à ordem de classificação. Pela Constituição Fe-
deral de 1988 restou estabelecido que a Ordem dos Advogados do Brasil haverá de par-
ticipar do concurso em todas as suas fases (art. 93, I, da CF/1988). A vitaliciedade do
juiz em primeiro grau (art. 95, I, da CF/1988) só é suscetível de ser adquirida depois
de dois anos de efetivo exercício. A perda do cargo, enquanto não vitaliciado o juiz, de-
pende de deliberação do Tribunal a que ele esteja vinculado, e depois do vitaliciamen-
to, de sentença judicial transitada em julgado (art. 95, I). A vitaliciedade nos Tribunais,
daqueles que não pertenciam antes à magistratura, decorrerá do fato da posse no cargo
de desembargador ou ministro.
Verifica-se que, no Brasil, a função jurisdicional é representativa de uma carreira,
ainda que a significação de carreira diminua em relação aos Tribunais e tendo em vista os
que aí ingressam, sem antes pertencerem à magistratura.
Há países em que os critérios de segurança do juiz – nestas expressões estando sem-
pre fundamental e indissociavelmente implicada a segurança da sociedade – variam.
Na França, o critério é o de nomeação.
Nos Estados Unidos, predomina ao menos quantitativamente o critério de eleição.
Informa-se que os juízes federais são nomeados.4 O sistema de nomeação pelo Executi-

3. Tenhamos presente que o significado da garantia constitucional não é o de impedir a mo-


vimentação dos agentes nos cargos, isto é, não se tem por fim impedir que os magistrados
saiam de um juízo para outro. O objetivo é defendê-los contra o seu desalojamento do cargo,
o qual tenha por fim específico impedi-los de decidir determinada causa.
4. V. a obra de Henry J. Abraham, The judicial process, 6ª ed., New York-Orford: Orford Uni-
versity Press, 1993, que no capítulo dois trata com grande amplitude do assunto. A escolha,
358 Manual de Direito Processual Civil

vo, todavia, é precedido de consultas políticas institucionalizadas que significam mui-


to em favor dos que sendo nomeados.5 Ao lado de informações solicitadas a membros
do congresso, que significam muito, há um comitê, desde 1946, que igualmente pesa
nas indicações.6
No que diz respeito às eleições – que valem para os demais magistrados – são elas
largamente adotadas na maioria dos Estados federados dos Estados Unidos da Améri-
ca.7 A média de permanência nos cargos é de seis a dez anos, havendo casos de quinze
anos (o, que, – parece-nos – elimina apreciavelmente a cogitação de que haveria uma
possibilidade de subsistir a influência de quem houvesse concorrido para a eleição).
Há Estados que adotam o que se pode dizer um sistema misto, entre a nomeação e o
sistema de eleição, como é o caso da Califórnia em que – exceção feita aos juízes de pri-
meiro grau, em que a nomeação do governador é livre – para a Suprema Corte e para a
Corte de Apelação, o governador nomeia ad referendum da Comissão Judicial de Indi-
cações. Esta nomeação vale até que se siga aprovação pelo eleitorado, para um período
de doze anos (ou, menos, conforme o tempo precedente de exercício em decorrência
da nomeação estatutária). Esta tem poder de veto, tendo isso ocorrido uma única vez.
Esse sistema influenciou outros Estados, que o seguiram.
A Constituição brasileira assegura a não existência de tribunais de exceção e a am-
pla defesa aos acusados (art. 5.º, XXXVII e LV, garantia esta completada pela regra do
art. 5.º, LIII), garantindo expressamente, também, que a instrução criminal seja contra-
ditória (art. 5.º, LV) e observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando
esta agravar a situação do réu (art. 5.º, XL).
Aproximadamente no mesmo sentido da Constituição anterior, porém mais ampla-
mente, o legislador complementa tais garantias quando, no art. 5.º, XXXV, afirma que
não pode ser excluída da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a
direito. Dissemos mais amplamente porque a Constituição Federal anterior não men-
cionava expressamente a ameaça de lesão a direito e aludia a direito individual (art. 153,
§ 4.º, da CF/1969), sendo que a atual refere-se exclusivamente a direito, ampliando, as-
sim, consideravelmente, o espectro de abrangência desse dispositivo. O art. 5.º, LXXVIII,

todavia, tem sido “delegada”, possivelmente de maneira informal a auxiliares diretos e da


confiança do Presidente (pp. 22-23). Em relação aos juízes federais informa que, em 1992,
os 1.000 magistrados existentes haviam sido nomeados pelo Presidente da República.
O número de pessoas que “gravitam” em torno de problemas judiciários, e, principalmente,
administrativos excede, todavia, o número de 1.000 (idem, p. 22, nota quatro).
5. Idem, p. 23-25.
6. Trata-se do American Bar Association’s fifteen member Commitee on Federal Judiciary, que
antes da nomeação é “largamente utilizado”. Ainda que esse comitê não “gere” nomes, avalia
e é veículo poderoso e respeitado nessa avaliação, havendo, inclusive, notas atribuídas, e
recomenda sempre advogados “com experiência”, geralmente de 15 anos (idem, p. 26-27).
7. Idem, p. 34, onde informa que em 1970, 82% dos Estados federados adotava o sistema
eleitoral, variando, todavia, também, as formas. Há eleições pelo eleitorado ou pelo legis-
lativo; há Estados em que se deve demonstrar uma ligação partidária (partisan ticket) e em
outros não.
Os Sujeitos do Processo 359

estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável


duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Esta dis-
posição pode ser considerada, sob certo ponto de vista, desdobramento do princípio in-
serido no art. 5.º, XXXV.
Desse mesmo dispositivo da Lei Magna deflui a necessidade, também, do contraditó-
rio no processo civil, e, especialmente, do disposto no art. 5.º, LIV. Isto porque, se não se
ensejasse ao réu a possibilidade de ser idônea e exaurientemente ouvido, e, se resultasse
de um tal processo a sua condenação ou perda de seus bens, estar-se-ia, em princípio,
ferindo-lhe um direito individual, o que esbarra na redação do art. 5.º, XXXV, c/c o inciso
LIV. Deduzido deste princípio, o Código de Processo Civil de 2015 consagra a regra de
que o regular prosseguimento do processo depende da citação inicial (art. 239, caput).8

10.2.2. A atuação do juiz na relação processual


O juiz, em consequência de sua posição, situa-se, na relação processual, acima das
partes e desinteressadamente. Assim, dirige o processo baseado na lei, devendo agir im-
parcialmente. Na condução do processo, exerce diversos poderes, se bem que tenha de-
veres, em contrapartida.
Dividem-se os poderes do juiz em poderes jurisdicionais (de proferir sentenças,
decisões interlocutórias e despachos, conforme o art. 203 do CPC/2015) e poderes de
polícia (arts. 139, VII, e 360).
Os primeiros compreendem todos os atos, desde a formação da relação jurídica pro-
cessual, até a sentença, ato por meio do qual o juiz “põe fim à fase cognitiva do procedi-
mento comum, bem como extingue a execução” (art. 203, § 1º do CPC/2015) decidindo
ou não o mérito. Os poderes de polícia compreendem os poderes exercidos pelo juiz, não
como autoridade judicante, mas simplesmente como autoridade, dado que ao juiz, con-
tinuamente, são levados problemas oriundos do exercício dos trabalhos forenses.9
O art. 139 do CPC/2015 arrola as atribuições do juiz, enquanto figura que, na ex-
pressão da lei, “dirige” o processo. Destaca-se, como novidade em relação ao código de
1973 (art. 125)10, o poder de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, man-
damentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem ju-
dicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (art. 139, IV).
Trata-se de verdadeira cláusula geral executiva, que possibilita decisões de caráter man-
damental voltadas à melhor solução do litígio, diante das peculiaridades de cada caso.11

8. Veja-se, sobre a citação como pressuposto processual de existência, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7ª ed., rev., ampl. e atual, São Paulo: RT,
2014, p. 354 a 368.
9. V. José de Moura Rocha, Há poder de polícia no art. 445 do Código de Processo Civil, Revista
de Processo (RePro) 6/27.
10. Um tosco esboço de fortalecimento dos poderes do juiz encontra-se no CPC 73, no seu
art. 14, V, com a redação dada pela lei 10.358, de 27/12/2001.
11. “Há de ser rejeitado com veemência o formalismo oco e vazio, que desconhece o concreto e
deixa de fazer justiça. A organização do processo e sua ordem, por sua vez, também não são
360 Manual de Direito Processual Civil

O CPC/2015 positiva também a possibilidade de que o juiz flexibilize o procedimento,


dilatando prazos, e alterando a ordem de produção probatória, por exemplo (art. 139,
VI), embora isso já fosse possível na vigência do código revogado.12
De resto, os poderes descritos no art. 139 concretizam o que, em outros locais do
código, é exigido de forma diversa. Assim, por exemplo, assegurar às partes igualda-
de de tratamento (arts. 7º e 139, I); velar pela duração razoável do processo (arts. 4º e
139, II); promover sempre que possível e a qualquer tempo a autocomposição (arts. 3º,
§§2º e 3º, e 139, V).
Por outro lado, é permitido pelo CPC/2015, que atos meramente ordinatórios, tais
como “juntada e a vista obrigatória” independam de despacho, havendo de ser pratica-
dos pelo servidor (art. 203, § 4.º). O ato, assim, é nitidamente ato de mero expediente e
sem caráter decisório (CF/1988, art. 93, XIV). No entanto, reclamando a parte, tais atos
haverão de ser revistos pelo juiz, hipótese em que poderá configurar-se uma decisão.
Dentre os deveres do juiz, há alguns que afetam a própria função que ele iria roti-
neiramente desenvolver no processo, ou seja, desligam o juiz do processo a que ele nor-
malmente estaria ligado. Assim, por exemplo, o dever de o juiz abster-se de funcionar
no processo, no qual seja tido como suspeito (arts 145), ou impedido (art. 144). Trata-
-se, nestes dois casos, de um dever que decorre de relação da própria pessoa do juiz para
com uma das partes, ou para com ambas, não tendo em vista o órgão por ele ocupado.
É, além de um dever funcional, um dever pessoal, decorrente da incompatibilidade de
sua pessoa, à luz das hipóteses descritas no CPC, tendo em vista relacionamento de ma-
gistrados, entre si, em órgãos colegiados, motivos estes aplicáveis a todos os sujeitos
imparciais do processo, aí incluídos os membros do Ministério Público e auxiliares da
justiça (art. 148).13
Outro dever existente para o juiz, e que tem a virtude de desligá-lo do processo, é o
da verificação da incompetência absoluta do órgão por ele ocupado. Embora o proble-
ma da competência seja relativo ao órgão e, portanto, implique o desligamento da cau-
sa do órgão, como consequência desliga o juiz da causa também.
Desde que o juiz constate a incompetência absoluta do órgão por ele ocupado, deve-
rá imediatamente, mesmo que não tenha havido qualquer arguição nesse sentido, dar-
-se por incompetente.14 Trata-se, em princípio, de matéria de defesa (art. 337, II), mas

destituídos de conteúdo. Assim, se o juiz preservar as garantias das partes, vedado não lhe
é adotar um ponto de vista mais maleável, adaptando o direito e o sistema ao caso, quando
necessário para vencer o formalismo, obstaculizador da justiça na hipótese concreta” Car-
los Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 213.
12. Sobre o tema, ver: Fernando da Fonseca Gajardoni, Flexibilização procedimental: um novo
enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, 2ª ed. São Paulo: Atlas,
2008.
13. cf. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 6, 1-139, em que se analisam
os arts. 134 ao 137 do CPC/1973.
14. Neste sentido, v. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, 3ª
ed. ver. e atual, Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 486.
Os Sujeitos do Processo 361

a omissão da parte não inibe o conhecimento oficioso (art. 337, §5º). A hipótese, no


entanto, é diversa se se tratar de incompetência relativa, quando a arguição da parte é
imprescindível para que o juiz se dê por incompetente. Caso o réu se omita na contes-
tação, ocorre a prorrogação da competência (art. 65).15
O juiz deve obedecer, ainda, à indeclinabilidade da jurisdição (arts. 3º e 140), e ao
princípio da correlação, decidindo a lide (o mérito) nos limites propostos pelas partes
(art. 141).

10.3. Conceitos de parte e de capacidade processual


A capacidade de ser parte decorre da ordem jurídica atribuir a um ente, por ela tam-
bém definido – geralmente às pessoas físicas e jurídicas – direitos e obrigações, na or-
dem do direito substancial. A existência de parte pressupõe vida para a pessoa física.
Todavia, é possível que um dado ente, ao qual o direito atribua relevância jurídica,
seja parte, embora não seja pessoa física, nem jurídica, mas que possa assumir direitos
ou ficar devedor de obrigações, e, assim, podemos recordar, por exemplo, a massa fali-
da e a massa decorrente da declaração de insolvência. São, tais entidades, propriamen-
te, sujeitos de direitos e obrigações, mas não propriamente como o são as pessoas físi-
cas e jurídicas; todavia, têm capacidade de ser parte (porque praticam atos da vida civil
e comercial) e, em juízo, serão representadas, na falência, pelo administrador judicial
(arts. 75, V, do CPC e 22, III, n, da Lei 11.101/2005)16 e na insolvência pelo administra-
dor da massa insolvente.17 Casos há que, apesar da ausência de personalidade jurídica,
mas diante da existência de patrimônio e da demanda repercutir, em tal patrimônio,
tem sido reconhecida personalidade judiciária. 18

15. O entendimento correto foi sufragado pelo STJ, tendo em vista a sua Súmula 33, redigida
nos seguintes termos: “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício” (DJU
29.10.1991, p. 15.312). Nesse sentido: STJ, REsp 642.479/SC, 1.ª T., j. 05.08.2004, rel. Min.
José Delgado, DJ 27.09.2004. Na doutrina: Cândido Rangel Dinamarco, Declaração ex
officio da incompetência relativa, Ajuris 17/142; José Carlos Barbosa Moreira, Pode o juiz
declarar de ofício a incompetência relativa?, RP 312/19.
16. O CPC/1973 fazia referência ao “síndico” (art. 12, III). Com a Lei 11.101/2005, a figura do
síndico foi substituída pela do administrador judicial, encargo que pode ser exercido inclusive
por pessoa jurídica especializada. Na lei em referência, o art. 21 dispõe: “O administrador
judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de
empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. Parágrafo único. Se o administrador
judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o
nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação
judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz”.
17. Embora não conste expressamente do art. 75 do CPC/2015, uma vez declarada a insolvência
civil, a massa insolvente passará a ser gerida pelo administrador conforme art. 761, I do
CPC/1973, ainda vigente em razão do disposto no art. 1.052 do CPC/2015.
18. Na RSTJ 18/503, REsp 5.790, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, ver ementa de acórdão mostra
ter sido decidido que “a Caixa de Previdência dos Advogados de São Paulo não tem perso-
nalidade jurídica, órgão que é do IPESP. A lei, no entanto, dotou-a de autonomia financeira
e patrimônio próprio. A ação de que trata o processo repercutirá nesse patrimônio, por força
362 Manual de Direito Processual Civil

Os conceitos de parte e de capacidade processual são disciplinados por normas cogen-


tes, muito embora se reporte o Direito Público às regras de Direito Privado (igualmente
cogentes, neste particular), em grande medida, assumindo-as (art. 70, do CPC/2015).
Tanto no Direito Privado, quanto no processo, são normas cogentes e, portanto, inder-
rogáveis.
As pessoas físicas, maiores e capazes, que têm capacidade de exercício de direitos,
por força do direito civil, terão, em regra, capacidade plena, e assim poderão, por si, es-
tar em juízo.
O início da personalidade civil do homem, e, portanto, a capacidade de ser parte,
começa com o nascimento, muito embora, desde a concepção, a lei resguarde os direitos
do nascituro (art. 2.º do CC/2002). Assim, é possível que se aja em nome do nascituro,
considerando-o como parte, representando-o o pai, ou a mãe, se só esta tiver o poder
familiar, ou o curador (art. 1.779 do CC/2002).
Trataremos, agora, mais especificamente, da capacidade de estar em juízo, que, para
o maior e capaz, leva a que possa estar em juízo, por si só.
O Código de Processo Civil de 2015 prescreve no art. 70 que “toda pessoa que se
encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.
Utilizando-se da expressão toda pessoa, quer significar que não há distinção alguma,
suscetível de impedir que alguém exercite seus direitos, processualmente, exceto as res-
trições apontadas pela própria lei, que se justificam diante da falta de discernimento dos
que não têm capacidade plena de exercício de direitos, quer na órbita processual, quer
também na esfera do Direito Civil (v.g o menor de 16 anos, considerado pela legislação
civil como absolutamente incapaz). Nestes casos, a capacidade para ser plena há de ser
integrada pela representação ou assistência (v. art. 71, do CPC/2015).
A lei, explicitando quem pode ir a juízo, refere-se à pessoa física, não só com capa-
cidade de gozo, mas, também, com capacidade de exercício de direitos. A capacidade de
direito (ou de gozo) é própria, mas não exclusiva, do homem, no sentido de centralizar-
-se em qualquer ente um foco de direitos (e obrigações), desde que a ordem jurídica o
considere como tal.
Assim, alguém tem capacidade para estar em juízo, quando, podendo exercer legi-
timamente seus direitos, na esfera do Direito Material, poderá ser validamente citado
como réu em processo contra ele movido, ou, por sua vez, mover ação contra outrem.
Utilizando-se a lei da expressão que se encontre indica que a parte deve ter capaci-
dade atual, isto é, que deve ser maior e capaz, no momento em que pratica qualquer ato
processual. A maioridade acarreta, em regra, a capacidade plena (v. art. 5.º do CC/2002).
Ademais, serão capazes, em regra, os deficientes intelectuais e mentais, conforme dis-
posto no art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), havendo, no

da legislação. Urge, por isso, reconhecer-lhe personalidade judiciária”, o que se justificou


pela analogia com as figuras do espólio, a herança jacente e a massa falida (recurso especial
não conhecido).
Os Sujeitos do Processo 363

entanto, possibilidade de limitação desta por decisão judicial que institua a curatela,
que afetará os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85
do mencionado Estatuto). A limitação imposta pela decisão que define a curatela ine-
gavelmente terá reflexos no âmbito processual, sendo necessária a presença do curador
para a prática dos atos processuais.
Assim, todo aquele que se encontra no exercício de seus direitos tem capacidade
para estar em juízo, ou seja, para atuar, agir no processo.
Todavia, não basta ter capacidade para estar em juízo, a fim de poder atuar em todo
e qualquer processo, sendo essencial que lhe seja acrescida a legitimação, a qualifica-
ção de processual.
Esta resulta da titularidade subjetiva da lide, da perspectiva do poder atuar no pro-
cesso. Não é a titularidade da lide em si, que se encontra no campo das condições da
ação: a lide deve dizer respeito a autor e réu, como condição do exercício do direito de
ação e do agir processual.
Parte, por outro lado, é aquele que pleiteia a tutela jurisdicional, bem como aquele
contra quem essa tutela é pedida.19 O conceito de parte é eminentemente processual,
resultando da “simples afirmação da ação/pretensão”. Decorre do fato da propositura
da ação.20
O que é relevante para determinar quais são as partes é o fato de alguém pedir algo,
por meio do processo, contra outrem. Se lhe for reconhecida a legitimidade (ativa no
caso do autor e passiva no caso do réu), de parte legítima se tratará; caso contrário, será
parte ilegítima; isto é, quem é tido por parte ilegítima não terá deixado de ser parte. Essa
ilegitimidade deve levar à extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI
do CPC/2015). O réu, a seu turno, que entenda ser parte ilegítima, terá, porém, legiti-
midade, pelo menos, para arguir a sua ilegitimidade.
Diferem entre si os conceitos de parte, parte legítima e parte vencedora. O conceito
de parte expressa a realidade representada pelo fato, que se origina da afirmação feita
pelo autor, considerando-se com direito à ação em função de uma pretensão, atribuindo
ao demandado a qualificação de réu. Deriva, exclusivamente, pois, de uma afirmação.
Já o segundo conceito acrescenta ao primeiro um atributo jurídico: o da legitimida-
de. Daí as ideias possíveis de parte legítima e ilegítima.
O conceito de parte legítima está situado tanto no campo dos pressupostos proces-
suais como no das condições da ação.
A legitimação para a causa (legitimatio ad causam) constitui-se na própria titularida-
de subjetiva (ativa) da lide, figurando como réu aquele a quem a lei submeta aos efeitos

19. Sobre o conceito de parte: v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2,
p. 9 e, também do autor, o antigo Tratado de direito processual civil cit., vol. 2, comentários
ao art. 7.º. Consultar, também: Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, As partes no processo civil,
RBDP 12/109; José Augusto Delgado, Sujeitos do processo, RePro 30/61.
20. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1965, vol. 2, p. 235.
364 Manual de Direito Processual Civil

da sentença proferida no processo (legitimação ad causam passiva). Serão partes legíti-


mas, portanto, aquelas a que a lide disser respeito. Esta é a legitimação ad causam que
se situa no âmbito das condições da ação.
Como regra geral, será parte legítima ativa aquela a quem a lei atribua a titularidade
da lide; e, do ponto de vista passivo, será aquela que, em regra, se julgada procedente a
ação, deverá ser afetada pela eficácia de sentença a ela contrária.
A legitimação processual já se situa no campo dos pressupostos processuais, eis que
diz respeito ao atuar no processo.
Pode agir processualmente aquele que tem capacidade para estar em juízo, mas só
poderá fazê-lo em processo cuja relação jurídica lhe diga respeito.
Essas legitimações nem sempre coincidem apesar de estarem ligadas à lide. Assim,
pode o titular da lide não agir no processo, e sim outro por ele, seu substituto proces-
sual ou legitimado extraordinário por ele.
Tanto a legitimação processual quanto a “ad causam” estão intimamente ligadas à
lide, à afirmação de direito retratado no processo.
Contudo, enquanto a legitimatio ad causam diz respeito à titularidade da lide, em si
considerada, a legitimação processual diz respeito à possibilidade de agir no processo
em razão de a lide lhe dizer respeito (a legitimação ordinária) ou se estiver legitimado
por força de lei a atuar naquele processo (legitimação extraordinária).
Conforme o CPC/2015, art. 18 (art. 6º do CPC/1973), ninguém poderá pleitear em
nome próprio direito alheio, “salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Por-
tanto, poderá haver descoincidência entre a titularidade da lide e a legitimação processual.
Na hipótese de substituição processual, a relação a ser estabelecida, entre o autor
(substituto processual) e o réu, por exemplo, carece ser esclarecida. E isto no sentido
de que a temática das condições da ação será reportada ao substituído processual, no sen-
tido de que a lide a ele respeita, e não ao seu substituto.
O substituto deverá evidenciar que tem tal qualidade em relação ao substituído.
A legitimidade é ideia que há de ser aferida em face da realidade concreta, pelo menos
concreta, como hipótese de trabalho.
A capacidade de estar em juízo é um atributo ou uma qualidade imanente à pessoa,
ao passo que a legitimidade conduz ao estabelecimento de uma relação, inserida numa
realidade concreta, como dissemos.
Além de a legitimidade encontrar-se a partir de uma realidade concreta, deve-se acen-
tuar que a legitimidade se estabelece transitivamente. Vale dizer, alguém será parte legí-
tima em relação a um determinado outrem e em função de certo objeto; e inversamente.
A legitimidade ad causam, no processo, é sempre significativa de que entre autor e
réu encontra-se delineada (= descrita) uma relação jurídica, a qual, se aceita pelo ma-
gistrado, coloca-se como dado hipotético suficiente para a admissibilidade da ação.
Isto não significa, necessariamente, que a relação jurídica material, descrita no pro-
cesso, efetivamente exista, senão que é ela admitida (salvo na ação declaratória negativa,
Os Sujeitos do Processo 365

em que é descrita, mas negada), à luz de elementos provisoriamente aceitos, os quais,


em definitivo, serão apreciados na sentença.
A legitimidade, ainda, pode ser estabelecida em face da negação da existência de uma
relação jurídica, como na hipótese de ação declaratória negativa. Ainda, aqui, todavia,
há que se admitir que a relação jurídica, que o autor pretenda que inexiste, terá nascido
de incerteza jurídica criada pelo réu. Há, portanto, sempre, uma relação ou, se se quiser,
há uma imputação direcionada a alguém que seja baseada em fatos alegados, ou emer-
gida dos fatos alegados pelo autor. Deve ser descrita a relação jurídica que se predente
não existir. Ou ainda, outra hipótese, diz com o modo de ser de uma relação jurídica, o
que exige a descrição da relação jurídica que se tem que não está correta e a que se pre-
tende estar correta (art. 19, I, CPC 2015).
Finalmente, parte vencedora, da perspectiva do autor, será aquela que vier a ter a sua
ação julgada procedente. Do ponto de vista do réu, inversamente, será ele parte vence-
dora, em caso de improcedência da ação.21
Para a própria existência do processo (da relação processual) há sempre a necessi-
dade de dois sujeitos parciais (autor e réu), com interesses contrapostos (princípio da
dualidade das partes), e de um sujeito imparcial, que é o juiz.
Acrescente-se que, se de um lado, é o processo construído sobre um sistema de duas
partes, por outro, não é possível um processo com mais de duas partes antagônicas. As
duas partes são necessárias e suficientes, não sendo desnaturado o princípio com a for-
mação de litisconsórcio ativo ou passivo.
Do princípio da dualidade de partes,22 ensejador da indeclinável necessidade de ha-
ver dialeticidade no processo, seguem-se algumas consequências práticas relevantes.
Assim, é inviável juridicamente demanda de uma filial contra outra filial, porquan-
to, em última análise, constituem-se em expressões práticas de uma mesma pessoa
jurídica; é inviável ação de todos os integrantes de uma sociedade contra essa mesma
sociedade, dado que, em última análise, os autores é que constituem a ré. Já, diversa-
mente, têm-se admitido demandas de autarquia federal contra a União, muito embora,
substancialmente, os interesses encarnados por estas entidades sejam os mesmos, em
ultima ratio. Todavia, como têm personalidades jurídicas diversas, é dogmaticamente
aceitável que litiguem.
Já por outro lado, ocorrendo confusão entre autor e réu, tendo em vista uma dada
obrigação, sobre que se litigue (art. 381, do CC/2002), tal fato deve levar, ao nível do
processo, a que haja extinção deste sem resolução de mérito, justamente porque desa-

21. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p 13.
Mais recente e amplamente, v. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. 2,
comentários ao art. 7.º.
22. Sobre o princípio da dualidade de partes, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil co-
mentado vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p. 19. Também, v. Arruda Alvim, Tratado de direito
processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao
45), São Paulo: RT, 1996, comentários ao art. 7.º.
366 Manual de Direito Processual Civil

parecem as duas partes antagônicas. Nesse ponto, embora o CPC/2015 não tenha repro-
duzido o art. 267, X, do CPC/1973, que falava especificamente da confusão entre autor
e réu, a conclusão deve ser a mesma, extinguindo-se o feito sem resolução de mérito.
Além da dualidade, atua o princípio da igualdade das partes (art. 7º). Esta igualda-
de de partes diz-se precipuamente, ou, pelo menos, há de ser formalmente respeitada,
no sentido de que sempre aos autores cabem os mesmos direitos e deveres (ônus), e aos
réus, da mesma forma. Não quer ela significar, e nem isso é possível, obviamente, que o
autor tenha num dado processo, exatamente, os mesmos direitos que o réu.
Sem embargo de a igualdade ser praticamente a formal, advirta-se que, na medida
do possível, dever-se-á propender pela igualdade substancial, ou seja, um dado autor
deve ter as mesmas condições (prazos, oportunidades etc.) que o réu, seu antagonista.
Na dúvida, ademais, a igualdade substancial há de ser respeitada.

10.4. As regras do Direito Civil no tema da capacidade e o Direito Processual


Civil
Há uma influência decisiva das regras de capacidade civil sobre as de capacidade
para estar em juízo. Existem, no entanto, distinções dignas de observação.
Assim, podemos dizer: a) será processualmente capaz, todo aquele que tiver capaci-
dade jurídica de exercício de direitos, conceito este que pressupõe a capacidade de gozo
de direitos (v.g. art. 5.º do CC/2002); b) nesta noção, incluem-se os homens e mulheres
maiores e capazes (inclusive os deficientes mentais e intelectuais, salvo se houver limi-
tação estabelecida no processo que institua a curatela nos termos do art. 85 do Estatu-
to da Pessoa com Deficiência), bem como as pessoas jurídicas; c) no entanto, as socie-
dades de fato são também ativa e passivamente capazes, do ponto de vista processual,
embora não tenham personalidade jurídica, em face do Direito Civil (art. 75, § 2.º, do
CPC; art. 45, do CC/2002).
É certo que é possível haver capacidade de exercício de direitos de outrem, sem ca-
pacidade de gozo, relativamente aos mesmos direitos, tal como se verifica quando o pai
representa o filho. Este tem o gozo dos direitos e aquele os exercita, embora num regi-
me jurídico especial.
Constatamos, portanto, que a capacidade de ser parte é uma realidade jurídica que
corresponde a se ter aptidão, pelo direito material, para ser sujeito ativo e passivo de
direitos e obrigações; outra coisa é a capacidade para estar em juízo (e desta deflui a le-
gitimação processual), embora ambas sejam pressupostos processuais.
Ainda, no conceito de capacidade de ser parte, insere-se a realidade de que será pos-
sível não ter personalidade jurídica, de Direito Civil, mas tê-la, no campo do processo,
como no caso da sociedade de fato ou irregular, que, embora não tenham personalida-
de jurídica, na esfera do Direito Civil ou Comercial, têm capacidade, pelo nosso Direito
Processual, de serem partes ativa e passiva (art. 75, IX). É, também, o caso das entida-
des e órgãos da administração pública direta ou indireta que podem agir em juízo em prol
de consumidores, ainda que sem personalidade jurídica. Isto ocorre por exemplo, por
força do art. 82, III, da Lei 8.078/1990, CDC.
Os Sujeitos do Processo 367

Parte, pois, em sentido processual23 é, em regra, o que pede e aquele contra quem se
pede no processo, como já vimos, e que arcará com a sucumbência. Parte, em sentido
substancial, para quem aceite esta distinção, hoje superada, é de quem se afirma (subs-
tituição processual) ser o titular do direito material. Substituto processual seria parte
processual, e parte substancial seria o substituído.
Nossa lei processual (art. 121), designando autor e réu como partes principais, ipso
facto, denominou o assistente simples de parte não principal. Quanto ao atuar do assis-
tente simples foram estabelecidos limites (art. 122), ao passo que o assistente litiscon-
sorcial, porque parte como veremos, recebe o tratamento de litisconsorte, se ingressar
no processo, no plano do processo, no que diz com seus poderes e deveres e a respeito
da eficácia da sentença e da coisa julgada (art. 124).24

10.5. A capacidade de ser parte, a capacidade para estar em juízo, a legitimação


processual e a legitimidade ad causam
Como visto, a capacidade de ser parte, a capacidade para estar em juízo, a legitima-
ção processual e a legitimidade ad causam são conceitos que não se confundem, embo-
ra alguns deles pareçam, sobrepostos.
A capacidade de ser parte é a aptidão para ter direitos e obrigações, tal como adju-
dicada a um sujeito de direito (pessoas físicas e jurídicas, entes despersonalizados).
Por sua vez, a capacidade para estar em juízo decorre da possibilidade concedida
pelo ordenamento jurídico daquele que tem capacidade de ser parte, que tenha tam-
bém a de exercício de direitos, o que deflui do conceito de capacidade do direito civil,
ou seja, em regra, os maiores e capazes detém esta capacidade. Neste sentido prevê o
CPC/2015 que “toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capaci-
dade para estar em juízo”. Tendo capacidade para estar em juízo poderá a parte, atuar
e praticar a integralidade dos atos sem a necessidade de integração da sua capacidade
(v.g representação ou assistência)25.
Já a legitimidade processual, na linguagem corrente da doutrina, significa que al-
guém pode, idoneamente, instaurar um determinado processo, porque além de maior
e capaz (art. 70, do CPC/2015), tem autorização do ordenamento jurídico para tanto.
A legitimação processual decorre, ou tem como pressuposto a capacidade de estar em
juízo, manifestando-se, concretamente, no processo, agindo em face dos fatos alegados.
Salientamos que a legitimação processual diz respeito ao agir em determinado proces-

23. Sobre a longa evolução do conceito de parte, como sendo o de parte processual, v., am-
plamente, Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de
Processo Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), São Paulo: RT, 1996..
24. Ver, com proveito, cf.: Da assistência litisconsorcial no Código brasileiro, por Thereza Alvim,
Revista de Processo (RePro) 11, p. 45; Assistência litisconsorcial, por Ovídio A. Baptista da
Silva, Revista de Processo (RePro) 30, p. 9, RBDP 42/87; Sobre o assistente litisconsorcial,
por Luiz Guilherme B. Marinoni, Revista de Processo (RePro) 58, p. 250.
25. V. nosso Tratado de Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo
Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), São Paulo: RT, 1996 p. 14-18.
368 Manual de Direito Processual Civil

so. Normalmente têm essa capacidade aqueles a quem a lide diz respeito. Todavia (em
cada caso concreto), o direito pode possibilitar ir a juízo defender, em nome próprio,
direito alheio. Nessa hipótese, também há essa legitimação processual, nesse passo ex-
traordinária. Trata-se de um pressuposto processual (subjetivo e respeitante à validade
do processo), que, se inocorrente, deverá, sendo manifesto, levar ao próprio indeferi-
mento da inicial (art. 330, II); ou, então, não tendo isto ocorrido, ulteriormente deverá
haver a extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 485, VI).
Doutra parte o art. 330, II, refere-se à ilegitimidade ad causam e ad processum do autor,
enquanto o art. 485, IV, refere-se à ilegitimidade processual, que, detectada no curso do
processo, acarreta sua extinção sem resolução de mérito, pois o juiz não resolverá o mé-
rito se verificar ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do
processo, o que ocorre se as partes não estiverem aptas a dar origem e desenvolvimento ao
processo em nome próprio. Por sua vez, o art. 485, VI do CPC/2015, trata da extinção do
processo, expressamente, faltante condição da ação, interesse jurídico e/ou legitimidade “ad
causam” que se detecta ao verificar que a lide não pode vir a dizer respeito aquelas partes.
Por outras palavras, a capacidade para estar em juízo do maior e capaz nada mais
é do que a trasladação de sua capacidade de exercício dos direitos, tal como disciplina
o Direito Civil, para o campo do processo e, daquela, concretizada e admitida no pro-
cesso, ter-se-á a legitimação processual. Todo aquele que, na vida privada, tem o livre
exercício dos seus direitos, será processualmente capaz para agir. É o que decorre do
art. 70, como regra geral.
Quando se diz que alguém tem capacidade para ser parte legítima, supõe-se, neces-
sariamente: 1) que tem capacidade para estar em juízo (pressuposto processual) e que
tem, in concreto, legitimação para o processo; 2) como também que está preenchida a
legitimatio ad causam (legitimação para a causa – uma das condições da ação). Quem
é parte legítima, portanto, observadas as demais condições da ação e os outros pressu-
postos processuais positivos, em regra, e, inocorrentes quaisquer pressupostos proces-
suais negativos, tem direito à sentença de mérito, mas que não deverá, só por isso e ne-
cessariamente, lhe ser favorável.
Pode ocorrer que determinadas pessoas sejam consideradas precisamente, como
decorrência da função que ocupam, representantes de figuras jurídicas que, embora
desprovidas de personalidade, propriamente dita, têm capacidade de ser parte, como
se dá com o inventariante, o administrador judicial, e partes serão o espólio e a massa
falida, respectivamente etc.
Foi a teoria da representação, basicamente, a adotada pelo legislador (v. art. 75, ca-
put), e não a teoria do órgão, segundo a qual aquele que age é considerado como ver-
dadeiro órgão.26

26. A teoria do órgão não comporta, nesta sede, desenvolvimento compatível com as dimensões
do trabalho. Todavia, no que diz com a “representação” do Estado e da massa falida, a teoria
do órgão nos parece a mais adequada, à luz do regime jurídico, e não em face da letra da
Lei.
Os Sujeitos do Processo 369

Assim, por exemplo, tratando-se de sociedade empresária extinta por sentença pro-
ferida em ação de falência ou em procedimento judicial de qualquer outra espécie, de-
vem ser citados não os ex-sócios, mas o respectivo administrador judicial ou liquidante.
Entretanto, se a sociedade entrar em liquidação ou for dissolvida na pendência da lide,
devem ser citados para o processo os seus sócios. É hipótese análoga, juridicamente idên-
tica, em sua essência, à de que a ação, entre pessoas físicas, supõe que essas estejam vivas.
Outro exemplo nesse tema é a admissão de personalidade judiciária de consórcios
de empresas, para fins de demandarem e serem demandados em juízo, como decidiu o
Superior Tribunal de Justiça. Na ocasião, foi esclarecido que “há determinadas pesso-
as que, não obstante a falta de personalidade jurídica, podem figurar como sujeitos da
relação processual por uma questão de conveniência, nos termos do CPC, art. 12, inc.
VII” (CPC/1973). Dessa forma, o dispositivo em questão diferencia a personalidade ju-
rídica de direito material da personalidade judiciária, que permite que os entes despro-
vidos de personalidade jurídica demandem e sejam demandados.27 

10.5.1. Os incapazes e sua representação em juízo


O sistema processual do Código de Processo Civil, explicitamente, acolheu (= as-
sumiu) os limites relativos à capacidade, constantes da lei civil (art. 71 do CPC/2015).
Por outras palavras, quando há representação e assistência, na órbita do Direito Civil,
para fins de integração da capacidade jurídica de exercício de direito (capacidade pro-
cessual incompleta, a ser completada pela representação ou assistência), também tais
fenômenos, simetricamente, ocorrerão, no campo do processo, se o incapaz ingressar
em juízo, ativa ou passivamente.
O sistema do Direito Civil, neste particular, é de fundamental importância para o
processo civil, dado que os casos de integração subjetiva da capacidade processual en-
contram seu embasamento no Direito Civil.
O absolutamente incapaz, de uma forma geral e absoluta, nada pode fazer de váli-
do, quer na esfera civil, quer na esfera do processo. Já o relativamente incapaz tem a sua
capacidade reduzida ou incompleta; não, porém, inexistente.28

27. “1. Processual civil. Capacidade de ser parte. Entes sem personalidade jurídica. Possibilidade
(CPC art. 12, VII). 2. Direito civil. Contrato. Natureza jurídica. Arrendamento e locação. In-
terpretação de contrato e reexame de prova. Impossibilidade. 1. Os entes sem personalidade
jurídica de direito material podem ser parte no processo para demandar e serem demandados,
a teor do CPC, art. 12, inc. VII, pois tal dispositivo trata do instituto da personalidade judiciá-
ria. 2. Para se descobrir a natureza jurídica do contrato, é necessário interpretar cláusulas do
contrato e reexaminar provas, o que não é cabível nesta Corte, Súmulas 5 e 7. 3. Recurso não
conhecido” (REsp 147.997/RJ, 5.ª T., rel. Min. Edson Vidigal, j. 15.04.1999, DJ 17.05.1999
p. 223, JSTJ vol. 6 p. 355). No mesmo sentido: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery,
Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 395).
28. A incapacidade relativa é completada pela assistência. Segue-se, portanto, que existe capa-
cidade. Sendo assim, não pode o pai que assiste (= há de assistir) ajuizar ação em nome de
filho, sem qualquer interferência deste: igualmente, se o filho for sujeito passivo de ação,
deverá também ser citado – é este o significado do art. 1.634, VII, do Código Civil – v. Athos
370 Manual de Direito Processual Civil

A representação, na esfera do processo civil, significa que o absolutamente incapaz,


não tendo capacidade processual alguma, mas exclusivamente capacidade de gozo de
direitos (dado que a personalidade jurídica é capacidade de gozo no plano do Direito
Material), não pode, processualmente, agir em hipótese alguma, per se, seja como au-
tor, réu, assistente etc.
Por esta circunstância, a ordem jurídica confere a outrem, desde logo e normalmen-
te ao pai e à mãe, porque detentores do poder familiar, o direito de acionar a jurisdição,
movendo, em nome do absolutamente incapaz, as ações que este não pode mover, ou de-
fendendo-o em ações que contra ele sejam movidas, ou, ainda, ingressando como repre-
sentante do menor, na qualidade de terceiro interveniente nas causas em que este tenha
interesse jurídico de agir, integrando, desta forma, a capacidade processual que o menor
não tem, totalmente (representação), ou a tem parcialmente (assistência). No entanto,
há de se ter presente que, em última análise, é ao menor, titular de pretensão material,
que alcançarão os efeitos jurídicos oriundos do processo, favoráveis ou desfavoráveis.
A figura da assistência a que também se refere o art. 71 significa, praticamente, que
o assistido é a parte, como ainda que tem conjuntamente com o assistente o poder de
agir, porque o seu poder de agir em juízo é atrofiado. O poder de agir do menor assis-
tido é irremediavelmente incompleto, somente completando-se com a presença con-
junta do assistente.
A mesma sistemática há de ser aplicada em relação aos deficientes mentais e in-
telectuais. Afinal, embora estes sejam considerados, em regra, capazes pelo ordena-
mento jurídico brasileiro (art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência), em deter-
minadas circunstâncias estão sujeitos à curatela, que afetará somente os atos relacio-
nados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85 do Estatuto da Pessoa
com Deficiência). Diante disso, havendo curatela estabelecida que envolva o objeto
da lide, necessária a presença do curador, que deve agir em conformidade com o es-
tabelecido na sentença que a instituiu, podendo representar ou assistir o curatelado,
conforme o caso.
A Lei processual, em seu art. 76, prescreve que, verificada a incapacidade processual
ou a irregularidade da representação das partes, o juiz deve suspender o processo, mar-
cando prazo razoável para ser sanado o defeito, mandando intimar aquele que deveria
suprir a irregularidade.29 O prazo fixado pelo juiz para regularização da representação
das partes é preclusivo. Não suprida a falta no prazo marcado, incumbe ao juiz decla-
rar extinto o processo, por nulidade, sem resolução de mérito por falta de pressuposto
processual (art. 76, § 1º, I),30 e, tratando-se de terceiro, será este excluído do processo
(art. 76, § 1º, III).

Gusmão Carneiro, O novo Código de Processo Civil nos tribunais do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, t. I, 1976, julgado 0017, p. 25-26.
29. TRF 4.ª R., AgIn 2003.04.01.028716-5/PR, rel. Des. Federal Fábio Rosa, DJU 14.01.2004,
p. 261.
30. Celso Agrícola Barbi, op. cit., p. 165.
Os Sujeitos do Processo 371

Por outro lado, constitui cerceamento de defesa o fato de o juiz mandar desentra-
nhar liminarmente a defesa, que não veio acompanhada do instrumento de mandato,
sem a concessão de oportunidade para a regularização do processo. Em face da siste-
mática vigente e da possibilidade do julgamento de mérito (art. 488, do CPC/2015), o
juiz não deve extinguir o processo por defeito de representação antes de ensejar à parte
suprir a irregularidade.

10.5.2. O regime jurídico dos incapazes no Direito Processual Civil


Os incapazes, no processo, não podem agir e, portanto, não podem estar em juízo
por si próprios; não têm, por isso, possibilidade de constituir advogado. A atribuição
deste poder é conferida, pela ordem jurídica, a outrem. Se existir poder familiar, será
quem o exerça quem representará o menor em juízo.
O filho, absolutamente incapaz, é representado em juízo pelos pais. É o que dizem os
arts. 71 do CPC/2015 e 1.690 do CC/2002. Em face do que dispõe o art. 5.º, I, da Cons-
tituição Federal, o art. 21 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
e o art. 1.631 do CC/2002, o pai e a mãe exercem, em condições de igualdade, o poder
familiar. Havendo discordância de um deles, o outro pode recorrer à autoridade judici-
ária competente, para solucionar a divergência. A mencionada Lei 8.069/1990 revogou
também o art. 380 do CC/1916 que dispunha caber ao “marido” (leia-se “pai”) o exer-
cício do poder familiar “com a colaboração da mulher” (leia-se “mãe”). Hoje, como se
disse, esse poder é exercido por ambos, igualmente, e é o que consta atualmente do Có-
digo Civil. Portanto, à luz da sistemática vigente, poderá a mãe ou o pai representar o
filho, indiferentemente, mesmo quando não ocorrentes as hipóteses dos incisos I a III
do art. 251 do CC/1916, que eram os únicos casos, à luz do Código Civil revogado, além,
é claro, da morte do pai, em que à mulher passava a caber o exercício do poder familiar
e, portanto, também a representação dos filhos menores incapazes.
O absolutamente incapaz será representado pelo seu tutor, quando não o seja pelo
pai ou pela mãe (art. 71 do CPC/2015 e arts. 1.728, incisos I e II, e 1.747, I, do CC/2002).
Já o relativamente incapaz será assistido, pelo pai ou pela mãe, nas mesmas hipóteses
em que o absolutamente incapaz é representado, como, ainda, será assistido pelo tutor,
nos casos em que o absolutamente incapaz é representado. O maior, porém, incapaz,
será assistido pelo seu curador, o que ocorre, por exemplo, com os ébrios habituais, os
viciados em tóxicos e os pródigos (art. 4º, II e IV do CC/2002).
Existe manifestamente uma correspondência entre o direito ou a pretensão do inca-
paz e o poder exercido pelo seu representante, no plano e ao nível do processo. Existe,
ademais, uma relação que vincula o representante ao representado, e vice-versa.
Os maiores de 16 anos e menores de 18, os ébrios habituais, os viciados em tóxi-
cos, assim como os pródigos e os que, por causa transitória ou permanente, não pude-
rem exprimir a sua vontade (art. 4.º do CC/2002) por sua vez, têm capacidade limitada
para estar em juízo. O mesmo aplica-se em relação ao deficiente intelectual ou mental
submetido à curatela quando o objeto da lide for atingido pela decisão que a instituiu.
372 Manual de Direito Processual Civil

Há, portanto, de estar presente o curador nas demandas especificas que versem sobre
direitos patrimoniais e negociais, se este for o caso.
Quando o menor não tiver representante legal, manda a Lei que se lhe nomeie um
curador especial, nos termos do art. 72.31
A expressão representante legal aqui é empregada como gênero, abrangendo tanto a
figura do assistente do relativamente incapaz, quanto a do representante do absolutamen-
te incapaz e a do próprio curador ou tutor (v. arts. 1.690, 1.747 e 1.778, do CC/2002),
inclusive, ao nosso ver, do curador nomeado nos termos do Estatuto da Pessoa com De-
ficiência. A figura do curador especial, nesta hipótese, tem por finalidade fazer as vezes
do representante legal (art. 72, I, 1.ª frase).32

10.5.3. A colisão de interesses do incapaz e do representante


Também deve haver nomeação de curador especial, se caso a pessoa com restrições
à sua capacidade, conquanto tenha “representante legal” (isto é, o pai, a mãe ou o tutor
de menor, seja o curador do maior), tem interesses colidentes com os de seu “represen-
tante” (art. 72, I).33
Existe colisão de interesses, por exemplo, se representante e representado são pro-
prietários, em condomínio, de uma gleba de terra indivisível e o representante pretende
vendê-la, sem atentar para a vantagem ou desvantagem da venda para o representado.34
Também deverá haver nomeação de curador especial, quando o réu for citado por
edital ou com hora certa e permanecer revel e, ainda, quando o réu estiver preso, nes-
te caso seja revel, ou não. Não quando alguém, citado por hora certa, contesta, cien-

31. Sobre curador especial, v. Fredie Didier Jr., Regras processuais no novo Código Civil (aspectos
da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual), p. 129.
32. Cf. Clito Fornaciari Júnior, Curador especial, Revista de Processo n. 1 jan-mar. 1976, p. 185.
33. O STJ já decidiu que “o curador ad litem, inclusive quando integrante do Ministério Público
(CPC, art. 9.º, parágrafo único), representa com plenitude a parte (quer demandante, quer
demandada), considerada merecedora de especial tutela jurídica, cabendo-lhe impugnar
as decisões judiciais tanto mediante recursos, como utilizando ações autônomas de impug-
nação, tais como o mandado de segurança contra ato judicial” (RSTJ 46/521, MS 1.768/RJ,
4ª T., j. 23.03.1993, rel. Athos Carneiro, DJU 19.04.1993). Doutra feita, o mesmo STJ (RSTJ
57/409, REsp 37.652-1, 3ª T., 30.09.1993, rel. Costa Leite, DJU 25.10.1993), que o curador
especial tem, também, legitimidade para os embargos do devedor, referidos no voto outros
precedentes, no mesmo sentido:STJ, REsp 9.961/SP, 4ª T, j. 31.10.1991, rel. Min. Athos
Carneiro, DJU 02.12.1991; REsp 23.495/RJ, 4ª T., j. 09.02.1993, rel. Min. Barros Monteiro,
05.04.1993 e REsp 32.623/RJ, 4ª T., j. 04.05.1993, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 31.03.1993
(rev. cit., p. 410). Nesse sentido é a doutrina: Cândido Dinamarco, Fundamentos do processo
civil moderno, São Paulo: RT, 1986, p. 330; José Raimundo Gomes da Cruz, A Curadoria à
Lide no Processo de Execução, RT 528/279.
34. Lígia Maria Bernardi, O curador especial no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1985, p. 202. Semelhantemente: “Se o pai de herdeira menor está sendo demandado
pelo espólio, em processo no qual denunciou a lide à mesma filha, há manifesta colisão de
interesses que obriga o Juízo a dar a esta curador especial” (TJSP, AgIn 84.333-4, 2.ª Câm.
Dir.Priv., São Caetano do Sul, j. 09.02.1999, rel. Cezar Peluso, v.u.).
Os Sujeitos do Processo 373

te que ficou a respeito da ação, com a citação com hora certa, mas o faz fora do prazo.
Nesta hipótese, os efeitos da revelia se encontram produzidos e, de qualquer forma, se
não houve o contraditório, isto se deu por perda de prazo, pelo próprio interessado, ou
seja, pelo próprio revel.35
Se o menor solicita alimentos de seu pai, outrossim, configura-se conflito de inte-
resses, havendo necessidade de nomeação de curador especial, pois ao pai não é dado
representar seu filho contra si próprio, eis que tem de se defender na referida ação. O
mesmo se dá quando houver, mesmo em tese, conflito de interesses entre pai e filho
menor com respeito a futura partilha.

10.5.4. O curador especial


O curador especial, a que se refere o art. 72, distingue-se nitidamente do cura-
dor civil, que é nomeado em atenção à necessidade de completar a capacidade para a
finalidade da realização de negócios de índole privada, ainda que, um e outro, encon-
trem sua razão de ser na mesma circunstância: a situação diferenciada daquele em prol
de quem atuam, ainda que o façam em planos diferentes. O curador especial representa
o curatelado.36
A expressão representante legal é, neste art. 72, I, empregada como gênero, abran-
gendo tanto a figura do assistente do relativamente incapaz, quanto a do representante
do absolutamente incapaz, mas não a do curador. Constata-se, portanto, que a figura do
curador especial, nesta hipótese, tem por finalidade fazer as vezes do representante legal.
O curatelado, neste caso, poderá ter tido representante legal e tê-lo perdido; como
também poderá nunca tê-lo tido, hipótese em que também será o caso de nomeação de
curador especial,37 desde que surja processo em que este incapaz tenha de intervir, seja
como autor, réu ou assistente.
O objetivo basilar da atuação do curador especial é estabelecer (na verdade, restabe-
lecer ou proporcionar) um equilíbrio no processo, pela circunstância de uma das partes
que litiga ou contra quem se litiga não estar, de fato, normalmente equilibrada, em rela-
ção à outra. Por isso é que esta nomeação foi estabelecida pelo legislador. Segue-se dis-
to que não se trata, propriamente, de aparente vantagem, senão que de fazer funcionar
a figura do curador especial, de que trata este art. 72, em situações que, em si mesmas,
já se encontram previamente desequilibradas. Este critério, que é comparativo, tem em
vista a situação de uma parte que, considerada em relação à outra (quando esta tiver
capacidade “plena”), deve ser havida como apequenada, na sua capacidade de agir. Es-
tas considerações não exaurem, todavia, a ratio legis da existência da figura do curador,

35. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo
Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), comentários ao art. 9.º.
36. Diferentemente, fixando-lhe a natureza de substituto processual, cf. RSTJ 47/272, rel. Barros
Monteiro. No mesmo sentido deste entendimento, cf. Antonio Cláudio da Costa Machado,
A intervenção do Ministério Público no Processo Civil brasileiro, Sâo Paulo: Saraiva, 1989,
p. 152.
37. É o que expressamente dispõe o art. 142, parágrafo único, do ECA.
374 Manual de Direito Processual Civil

pois que, ainda que incomumente, poderão não existir as circunstâncias de desequilí-
brio, e, sem embargo disto, deverá haver a nomeação.
Como se disse, as razões de existência da figura não se exaurem neste apequena-
mento do curatelado, os quais poderão sequer estar presentes, mas existem outros fun-
damentos pelos quais se nomeia curador especial. O fundamento último, e essencial –
não se descartando do anterior, perceptível na maioria dos casos –, é o de que, mesmo
objetivamente, i.e., em si mesma considerada, a parte não reúne condições para litigar. O
que se quer dizer é que, se dois menores, nas condições descritas no art. 72, I, litigarem
– não se podendo, neste caso, cogitar propriamente de reequilíbrio – sem embargo, am-
bos deverão ter o seu curador especial. Isto vem a significar que essa situação é objetiva-
mente indicativa de que tais incapazes não reúnem condições objetivas (em si mesmas
avaliadas e não comparativamente ao outro litigante) para desempenho processual, in-
dependentemente de se comparar a situação de um menor, v.g., com a do outro, seu an-
tagonista (ex adverso), se este for maior e capaz.
As hipóteses de necessidade de nomeação, por outro lado, compreendem quaisquer
casos de limitação da capacidade e quaisquer formas ou modalidades de possíveis conflitos
de interesses, entre representante e representado, que, ocorrentes, devem determinar a
nomeação de curador. Este curador deverá, sempre, funcionar efetivamente, e não optar
por atuar, ou não, reduzindo-se a sua nomeação à mera formalidade. 38
O não cumprimento da norma referente à nomeação de curador especial, em re-
gra, conduz à nulidade, “retroativamente” até à revelia, inclusive, devendo-se nomear
curador para que conteste.39 Ou seja, o segmento do processo, em que já deveria ter sido
nomeado curador especial, e tendo isto não ocorrido, é que padece de nulidade. Deci-
são há que, em demarcatória, onde houve citação por edital, sem comparecimento de
confrontantes assim citados e, nomeado curador especial, somente muito tempo depois,
tendo em vista aquele momento em que isto deveria ter ocorrido, deu-se pela validade
de segmento processual, mesmo antes dessa nomeação, laborando-se em equívoco.40
Na verdade, tipificando-se hipótese de nomeação de curador especial, este deverá ter
sido nomeado imediatamente após à configuração da revelia e do não comparecimen-
to ao processo, desse revel, e, em sendo réu preso, sempre, quer apresente este defesa,
ou não.41

38. Cf. Antonio Cláudio da Costa Machado, A intervenção do Ministério Público no processo
civil brasileiro, p. 163; Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de
Janeiro: Forense, 1974, p. 367.
39. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1973,
vol. 1, p. 293, n. 12, entendendo, corretamente, tratar-se de nulidade.
40. TJSC – Jurisprudência Catarinense 45, esp. p. 183, 195 e 200, argumentando-se que, como
o Código de Processo Civil não prevê o momento da nomeação, bastará que o seja antes da
sentença.
41. Corretamente e diferentemente da nota anterior, pelo mesmo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (Jurisprudência Catarinense 46/330-331), decidiu-se pela nomeação de curador,
tendo em vista embargos de terceiro, opostos por incapazes, em ação demarcatória, para
a qual não haviam sido citados. Determinou-se que fossem corretamente citados e que se
Os Sujeitos do Processo 375

É necessário, todavia, situar adequadamente a finalidade da nomeação.


Esse curador é obrigado a defender aquele pelo qual atua; é-lhe vedado opinar ou
manifestar-se contrariamente a esse, pois que, do contrário, esse estaria literalmente inde-
feso.42 Consequentemente, não está o curador autorizado à prática de atos de disposição
dos direitos materiais do curatelado.
Cabendo ao curador especial atuar amplamente na defesa, é-lhe permitido inclusi-
ve reconvir e apresentar embargos à execução, se for o caso.43

lhes nomeasse curador especial, diante da mera possibilidade de colisão dos interesses dos
menores incapazes com seus representantes legais.
42. Nesse sentido, amplamente: Maria Lúcia L. C. de Medeiros, Da revelia sob o aspecto da
instrumentalidade, São Paulo: RT, 2003, n. 3.1.1, p. 135; Por outro lado, assinala Eduardo
Arruda Alvim: “o não oferecimento de contestação pode até acarretar sanção administrativa
ao curador especial, se pertencente a organismo público, mas jamais implicará a ocorrência
de revelia”, pois, de outra forma, “estaria inutilizada a própria razão de ser da regra constante
do inc. II do art. 9.º do CPC, que prevê a necessidade de nomeação de curador especial em
tais hipóteses” (Direito Processual Civil, p. 335).
43. Na vigência do CPC/1973, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no seguinte
sentido: “De acordo com o disposto no art. 9.º, inciso II, o juiz dará Curador Especial ao
revel citado por edital. E, se a lei determina que, nesta hipótese, seja nomeado Curador
Especial e não restringe o exercício do ‘múnus público’, não deve o intérprete restringir.
O pressuposto é de que o Curador Especial deve assegurar os interesses do réu fictamente
citado, exercitando defesa. Aliás, não fosse assim, o art. 300 do Código de Processo Civil, não
disporia que ‘compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa’, permitindo
além das defesas processuais (CPC, art. 301), utilizar-se da reconvenção (CPC, art. 315)
(...) A propósito, a doutrina e a jurisprudência já revelaram a possibilidade de o Curador
Especial apresentar embargos do devedor. Dada a similitude com a reconvenção, não se
pode deixar de admitir que, no caso concreto, a reconvenção guarda conexidade com a
ação principal, ou seja, há vínculo entre elas, quanto ao objeto e a causa de pedir, reunindo,
portanto, os requisitos essenciais à sua viabilidade. Ademais, não custa salientar, os fatos
invocados como defesa na ação principal, serviram de fundamento do pedido reconven-
cional, aumentando, destarte, a convicção favorável à manutenção da decisão agravada“
(TJSP, Ap. com Rev. 911837000, Rel. Des. Artur Marques, j; 20.02.2006). Para Humberto
Theodoro Jr., ao curador especial cabe a “ampla defesa da parte representada”, podendo
apresentar “contestação, exceção e reconvenção, se encontrar elementos para tanto, pois a
curatela especial dá-lhe poderes de representação legal da parte, e tudo o que diga respeito
ao processo e à lide nela debatida”. Na opinião do autor, apenas seria vedada ao curador
especial a prática de atos de disposição (Curso de Direito Processual Civil, 49. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 85-86). Em sentido divergente, quanto à reconvenção: Eduardo
Arruda Alvim entende que o mesmo raciocínio destinado aos atos de disposição de direito
material se aplica à reconvenção, que não pode ser promovida pelo curador especial (Direito
Processual Civil: processo de conhecimento, 2. ed., p. 335). Similarmente, Nelson Nery Jr.
e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário à jurisprudência sobre o tema, explicam em
que a situação da reconvenção seria distinta da dos embargos de devedor, pois os embargos
– conquanto constituam ação autônoma – seriam a única defesa do executado, enquanto
a reconvenção seria modalidade de ataque em sentido estrito. Já quanto à denunciação da
lide em virtude de evicção (art. 70, I, do CPC), entendem ser possível o oferecimento pelo
curador especial, pelo risco de se entender que esta seria a única forma permitida para o
exercício do direito de regresso – segundo os autores (Código de Processo Civil comentado,
10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 196).
376 Manual de Direito Processual Civil

A este tema outras leis se referem, v.g., o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/1990), ao disciplinar a atividade do juiz, em esfera não necessariamente civil
(art. 148, parágrafo único, letra f), lhe defere competência para “designar curador es-
pecial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimen-
tos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente”, à luz
da ocorrência do que está disposto no art. 98, desta mesma lei.44
Dirimindo dúvidas a respeito de quem poderia ser curador, diz o CPC/2015 (art. 72, pár.
único), que “a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.
Diante do CPC revogado, afirmávamos nas edições anteriores deste Manual que,
mesmo existindo membro do Ministério Público que pudesse funcionar, mas já não
ocupante de cargo de curador de ausentes e incapazes, sempre se entendeu, predomi-
nantemente, que o juiz não ficava obrigado a nomear tal agente, senão que poderia no-
mear advogado. Dizíamos que ficava, sim, vinculado o juiz, quando especificamente
existia o referido cargo.
No Estado de São Paulo, por exemplo, entretanto, a função do curador da lide dei-
xou de ser atribuição do Ministério Público, passando a ser mister de advogados, no-
meados, caso a caso, pelo juiz oficiante (Lei Complementar Estadual 667/1991, cujo
art. 16 extinguiu os cargos de Promotor de Justiça Curador Judicial de Ausentes). To-
davia, a Lei Complementar Federal 80/1994, que organizou a Defensoria Pública da
União, do Distrito Federal e dos Territórios, além de dar normas gerais para sua organi-
zação nos Estados, prescreve em seu art. 4.º, XVI, ser função institucional da Defenso-
ria Pública atuar como curador especial nos casos previstos em lei, dentre eles o art. 72
do CPC/2015. Enquanto não havia sido instalada aquela Defensoria, por exemplo, no
Estado de São Paulo, prevalecia o comando do art. 10 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias da Constituição do Estado que atribuía o exercício da função dos
defensores à Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado
ou, ainda, por advogados contratados ou conveniados com o Poder Público através da
Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
Originalmente, portanto, o curador especial não precisava ser advogado. Aliás, o
representante legal de quem este curador especial fazia as vezes também podia não ser
advogado. Um e outro deviam constituir advogado.45 Atualmente, no entanto, conside-
rando que os curadores serão Defensores Públicos e, ainda, que o art. 26 da Lei Com-
plementar 80/94 dispõe que somente poderá ingressar na carreira de Defensor Públi-
co aquele que, no momento da inscrição, possuir registro na Ordem do Advogados do
Brasil, devemos concluir que o curador especial deve ser advogado.

44. Observa-se apenas que, pelo Estatuto citado, com vistas ao âmbito de sua aplicação, inexiste
coincidência rigorosa, tendo em vista a idade, com a incapacidade relativa e absoluta do
Código Civil (v. CC, arts. 3.º e 4.º, e Estatuto, art. 2.º, em que se define “criança” e “adoles-
cente”).
45. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. II, comentários ao art. 9.º (RT, 1996);
Clito Fornaciari Júnior, Curador especial, Revista de Processo (RePro) 1/185; Hélio Tornaghi,
Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 1976, v. 1, p. 114 1/114.
Os Sujeitos do Processo 377

Atualmente, portanto, nomeado o curador especial, a sua atuação será fiscalizada


e complementada pela atuação do Ministério Público. Até porque, nitidamente, com a
promulgação da Lei Complementar Federal 80, as duas funções estão claramente dis-
tinguidas. Por esta mesma razão é que não podem prevalecer as dúvidas existentes no
sistema anterior no sentido de que a atuação de membro do Ministério Público como
curador supriria, ou não, a necessidade, em algumas causas específicas, da presença do
Ministério Público, ora como fiscal da lei, ora como parte.
O curador especial deve cobrir toda a atividade jurídica desenvolvida no procedi-
mento em que é parte o curatelado. Terá a totalidade dos poderes processuais que teria
o representante legal, dado que sua função deve fazer as vezes daquela do representante
legal. Pouco importa que o representante legal seja o pai, ou que seja a mãe; de qualquer
forma o curador haverá de atuar no lugar e desempenhar a função que seria do repre-
sentante legal e, assim, terá todos os poderes que incumbiriam àquele.
Se a lei estabelece, para o juiz, o dever de nomear curador especial, nas hipóteses do
art. 72, do CPC/2015, seja este o Defensor Público ou quem lhe faça as vezes enquanto
não estiverem efetivamente implantadas as defensorias públicas, segue-se que a falta
de tal figura no processo deverá levar à nulidade deste, ou do segmento processual, em
que deveria ter estado presente essa figura, se isso não ocorreu; a nulidade, todavia, de-
verá ser decretada somente se tiver havido prejuízo para o incapaz. Donde, se inocorrer
prejuízo, não será hipótese de ser decretada a nulidade.
Assim, deve-se recolher do art. 72 do Código, neste particular, o sentido e espírito
destinados à proteção do sujeito em decorrência de um defeito da capacidade proces-
sual, ou de representação, cujo reflexo é a cominação da nulidade do processo.
De outra parte, havendo interesses de incapazes, deve estar necessariamente pre-
sente e integrar o processo o Ministério Público46. Isto não afeta a nulidade decorrente
da ausência de curador especial. São duas nulidades distintas, até porque, como visto,
funções atribuídas a pessoas distintas.
Quanto ao art. 72, II, duas questões relevantes se colocam. Desde logo, deve-se sa-
lientar que tanto bastará que alguém esteja preso, mesmo apresentando defesa (respon-
dendo à ação), para dever ter curador especial.47 Outro aspecto relevante é saber se, no
processo de execução de título extrajudicial, aquele que, citado por edital ou por hora
certa, tem direito a curador especial, para o fim de que este embargue a execução.
Do ponto de vista formal e estrutural do processo, tendo-se em vista que os embargos
do devedor constituem uma ação (e sobre ela operando-se coisa julgada), certamente a
resposta seria negativa. No entanto, pensamos que, à luz do princípio do contraditório,
de índole constitucional mesmo, tais considerações não poderão ser levadas a tal ponto,
de vulneração de um valor maior e substancial. Ademais, o conteúdo dos embargos do
devedor (ainda que processualmente seja ação), é, basicamente, coincidente com maté-

46. Sobre o tema vide o capítulo sobre o Ministério Público.


47. Deve-se consignar, no entanto, que necessário será que o réu esteja efetivamente preso. V:
Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. 2, comentários ao art. 9º.
378 Manual de Direito Processual Civil

ria própria de defesa, o que confirma o entendimento de que deve haver curador espe-
cial. Nesse sentido consolidou-se a jurisprudência do STJ, que culminou com a edição a
Súmula 196: “Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel,
será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos”.48
Por fim, e já desde a Lei 11.232/2005 – que introduziu o chamado cumprimento de
sentença, eliminando a necessidade de instauração de nova relação processual tenden-
te à satisfação do direito reconhecido, dentre outros, na sentença civil que reconhece a
existência da obrigação de pagar quantia certa –, parece-nos que o curador especial, no-
meado na fase cognitiva, continua a exercer o seu mister também na fase executiva do
procedimento, exatamente em razão da unicidade procedimental existente. Não deve
haver, portanto, até mesmo por razões ligadas ao princípio da economia processual e
por interpretação teleológica, que se falar em nova tentativa de localização do réu, para
depois, em caso negativo, se nomear novo curador.

10.5.5. Forma de ser sanada a incapacidade


Não sendo suprida a incapacidade das partes ou estando sua representação (lato
sensu) irregular, o juiz deverá marcar prazo razoável para ser sanado o defeito, durante
o qual ficará suspenso o processo e, após o qual, se não cumprido o despacho, decre-
tará o magistrado a extinção do processo, se a providência couber ao autor; se ao réu,
reputá-lo-á revel, e, se ao terceiro, este será excluído do processo ou considerado revel,
dependendo do polo em que se encontre (art. 76, § 1º, I a III, do CPC/2015).
No caso do processualmente incapaz, por exemplo, que seja erradamente citado,
pois citado deveria ter sido o processualmente capaz (seu representante), é indispensável
que este (o processualmente capaz) seja efetivamente atingido pela comunicação do
juiz, porquanto, só atingido, terá possibilidade de defender o réu, processualmente in-
capaz. Desde que efetivamente atingido, porém, conforme sua diligência, poderá ou não
ser aplicado o art. 76, § 1º, II. 49
Novidade interessante diz respeito à aplicação do regime de saneamento do vício
de incapacidade nos tribunais superiores. Na vigência do CPC/1973, tanto o STJ quan-
to o STF haviam formado entendimento de que o então vigente art. 13 não se aplicaria
nas instâncias extraordinárias.50 No entanto, acreditamos que no CPC/2015 a limitação
deixe de existir. Em primeiro lugar, pois o próprio código estabelece que, se quando da
verificação da falta de capacidade o processo estiver “em fase recursal perante tribunal
de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior”, o relator deixará de conhe-
cer do recurso ou determinará o desentranhamento das contrarrazões, a depender do

48. Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, 1977, p. 137-8, que dá notícia (p. 138,
notas 439-440).
49. V. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. 2, São Paulo: RT, 1996, comentários
ao art. 13.
50. No STJ: AgInREsp 493224/RS, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, DJU 19.12.2003; no STF: RE-E-
Dcl-AgRg, 2.ª T., 281287/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.04.2003.
Os Sujeitos do Processo 379

polo processual em que se verificar o vício, apenas após descumprida a determinação


de saná-lo. Ademais, diante da expressa possibilidade de correção de vícios sanáveis
pelos tribunais superiores (art. 1.029, § 3º, do CPC/2015), a jurisprudência precisará
se adequar e oportunizar a correção.
Será o juiz que, diante das circunstâncias do processo, deverá estabelecer o prazo
para ser sanada a falta, sempre tendo em vista o critério de utilidade às partes. Se a in-
timação disser respeito ao Ministério Público, o agente cujo órgão deva funcionar no
processo, deverá ser pessoalmente intimado (art. 180 do CPC/2015).51

10.5.6. A capacidade processual do marido e da mulher


A capacidade processual das pessoas solteiras, viúvas, e divorciadas, é plena, e ou-
tro tanto ocorre com as casadas. Com relação aos casados há uma limitação bilateral, ou
seja, a capacidade processual tanto do marido como da mulher é limitada pela do outro,
desde que as ações digam respeito à matéria discriminada no art. 73 do CPC/2015. O
artigo coloca em pé de igualdade a posição do marido e da mulher, no que tange à pos-
sibilidade de um ou outro, independentemente de autorização, demandar a respeito de
direitos pessoais. Consequentemente, a mulher e, assim também, o homem, poderão
demandar sozinhos naqueles casos de direitos pessoais em relação aos quais tenham
capacidade de exercício de direitos. As restrições para as pessoas casadas, portanto, são
exclusivamente aquelas do art. 73, nas quais um cônjuge precisa oferecer a chamada
outorga uxória ao outro.
O objetivo do art. 73, § 1º, I a IV, é a defesa do patrimônio do casal, no sentido de
que as ações hão de ser movidas contra ambos, devendo, portanto, ser sujeitos passivos
das ações, marido e mulher, nos casos discriminados pelo legislador. Segue-se, portan-
to, que um complementa a capacidade processual do outro, em função da própria inca-
pacidade substancial específica para o caso concreto.
É evidente que, na medida em que a negativa do consentimento ou da autorização
se faça sem um motivo justificado, indo ao desencontro dos interesses do casal, esta au-
torização poderá ser suprida pelo juiz na forma do art. 74, para regularizar o polo ativo
do processo.
Incidem na esfera de abrangência do art. 73, caput, as hipóteses de ações que versem
sobre direitos reais imobiliários, exigindo a presença do marido e da mulher. Já nas ações
possessórias, como ordena o art. 73, § 2º, “a participação do cônjuge do autor ou do réu
somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado”.52
Note-se, a respeito deste dispositivo, que não foi criada qualquer regra que generalize o
litisconsórcio (litisconsórcio necessário, portanto) entre os cônjuges. Pelo contrário, o
sentido do dispositivo é inverso: versa sobre a dispensabilidade da participação do côn-

51. Também os membros da Advocacia-Geral da União deverão ser intimados pessoalmente


em qualquer caso.
52. A fortiori, desnecessária se faz a citação em se tratando de união estável, cf. STJ, REsp
596276-SC, j. 03.05.2005, rel. Min. Castro Filho, DJ 23.05.2005, p. 274.
380 Manual de Direito Processual Civil

juge do autor ou do réu em todas as ações possessórias, excetuados os casos de com-


posse ou de atos praticados por ambos.
Assim, devemos considerar como integrantes do conceito de imóveis três espécies
de bens: em primeiro lugar, aqueles que são imóveis por natureza; em segundo lugar,
aqueles que são imóveis por uma situação momentânea de imobilidade, aliada a uma
definição legal, assim como as árvores, os frutos pendentes, na forma do art. 79 do
CC/2002; em terceiro lugar, aqueles que o são por estrita definição legal, como nas hi-
póteses do art. 80 do CC/2002.
Por sua vez, o elenco dos direitos reais é o constante da legislação civil, abrangen-
do o Código Civil e a legislação esparsa. Inexistem direitos reais que não sejam criados
por lei, o que indica um sistema taxativo. Devemos citar, como direitos reais, o caso do
compromisso de compra e venda de imóvel para pagamento em prestações, desde que
inscrito (segundo muitos, negócio obrigacional com transcendência real), e que passou
a constar do rol do Código Civil (art. 1.225, VII); o compromisso do imóvel não lotea-
do, desde que inscrito, tudo na forma dos arts. 5º e 22 do Dec.-lei 58, de 10.12.1937, e
arts. 5º e 22 do Dec.3.079, de 15.09.1938; e, ainda, para os não loteados, a Lei 649, de
11.03.1949. A promessa de cessão de compromisso, quando inscrita, também confere
o mesmo direito real (“em rigor, obrigação com transcendência real”) a que se refere o
art. 22 do Decreto-lei 58/1937, tudo nos termos do art. 69 da Lei 4.380, de 21.08.1964.
Outra modalidade de direito real é a propriedade fiduciária, tal como prevista no
arts. 1.361 a 1.368 do CC/2002.Estas referências não exaurem as hipóteses existentes
de direitos reais, mas para ter essa categoria precisam ser criados por lei.
Deve-se remarcar, contudo, que a exigência de consentimento ou autorização do
outro cônjuge, de que trata o art. 73 do CPC/2015, está dispensada nos casos de matri-
mônio sob o regime de separação total de bens. Por mais que a redação do CPC/2015
faça menção apenas à separação de bens, por uma interpretação teleológica parece-nos
ficar igualmente dispensada a outorga uxória nas hipóteses de matrimônio com parti-
cipação final nos aquestos, havendo acordo antenupcial dispondo sobre a questão (dis-
pensa de consentimento do cônjuge nos casos de alienação ou oneração de bem imóvel).
No litisconsórcio necessário unitário passivo, em princípio e como regra geral, su-
bordina-se a eficácia da sentença à presença de todos os réus no processo respectivo;
do contrário será nula a decisão prejudicial, sendo pois lícito atacar a validade e a efi-
cácia da sentença. A sanção decorrente de ausência do consentimento do outro cônju-
ge para demandar, nas ações em que isto é necessário, conforme o art. 73, ou também a
ausência da providência a que se refere o art. 74 será, necessariamente, a invalidação do
processo (art. 74, parágrafo único, combinado com o art. 115, ambos do CPC/2015).
No entanto, é evidente que se dessume do texto do parágrafo único do art. 74 que
não é uma nulidade insanável, porque o juiz deverá tomar a providência de determinar
a regularização desta integração da capacidade processual. Entretanto, o fato de se tra-
tar de nulidade sanável não a desfigura enquanto nulidade absoluta. De regra, as nu-
lidades processuais, mesmo as absolutas, são sanáveis, diferentemente do que ocorre
com o direito civil.
Os Sujeitos do Processo 381

Destaca-se que o suprimento judicial a que se refere o art. 74 é obtido através de pro-
cedimento de jurisdição voluntária (art. 719 e ss.). O juiz não deverá admitir a recusa ao
consentimento, suprindo-o, portanto, quando a solicitação feita pelo outro cônjuge se
respalde no que – segundo o que entender conveniente e oportuno – se tenha por uma
conduta sensata e razoável e que, possivelmente, trará benefícios à família.

10.6. Advogado53
10.6.1. Capacidade postulatória54
A Constituição Federal de 1988 dispõe, no seu art. 133, que “O advogado é indis-
pensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei” (g.n.).
Isto significa que a postulação em juízo, ativa ou passivamente ou, ainda, na hipótese de
intervenção de terceiros, será normalmente realizada por intermédio de advogado. É certo
que essa regra não obsta a ocorrência do julgamento da lide em caso de revelia, visto
que o instituto não é incompatível com o “devido processo legal” (art. 5º, LIV; v. tb. o
art. 5º, LV, da CF/1988). O imprescindível é que o ingresso em juízo, ou seja, a postu-
lação se faça por intermédio de advogado, sendo excetuadas apenas algumas situações
previstas expressamente em legislações específicas55.

53. Cumpre ressaltar que o advogado não é propriamente sujeito do processo, mas age em nome
das partes ou terceiros, integrando sua capacidade postulatória.
54. Cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7ª
ed., rev, ampl. e atual, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, item 1.2.1, p. 44 et
seq.
55. À luz da ADIn 1.127-8, que suspendera a eficácia de diversos dispositivos da Lei 8.906/1994
(atual Estatuto da OAB), incluindo seu art. 1.º, e muito embora referida ação direta tenha
restado prejudicada quanto ao ponto, o fato é que o art. 133, da Constituição Federal, não
tem a extensão e o absolutismo que originariamente se lhe pretendia emprestar. Por isto é
que – diferentemente do que havíamos afirmado, e convencidos do nosso desacerto – as
disposições da Lei 7.244/1984, vigentes à época do julgamento daquela cautelar, e referentes
à Consolidação das Leis do Trabalho (art. 791, caput e §§ 1.º e 2.º), em realidade, não são
incompatíveis com o art. 133, citado. Resta saber, todavia, se o art. 9.º da Lei 9.099/1995,
que, para as causas cíveis de menor complexidade, exige a representação por advogado
naquelas causas que excedam a vinte salários mínimos, será tido, ou não, como inconsti-
tucional diante deste precedente. Melhor seria, parece-nos, que o legislador mais recente
se tivesse limitado a indicar o dever do magistrado de alertar as partes acerca da conve-
niência do patrocínio do advogado quando a causa recomendar (Lei 9.099/1995, art. 9.º,
§ 2.º), não se referindo à obrigatoriedade da presença do causídico, mormente por critério
econômico que não guarda, necessariamente, qualquer relação com a complexidade da
causa. Nos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001), pensamos ser possível sustentar
a dispensa de advogado, desde que observado o limite estatuído pela Lei 9.099/1995, de
20 (vinte) salários mínimos (v., com proveito, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias
Figueira Júnior, Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de
10.07.2001, p. 184 e ss). Tal possibilidade foi admitida – de maneira ainda mais ampla, porque
até o limite de 60 salários mínimos – pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
3.168: “Ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiais federais. Lei 10.259/2001,
382 Manual de Direito Processual Civil

Em consonância com o disposto na Constituição Federal, a lei exige que seja im-
plementado, no processo, o requisito da chamada capacidade postulatória, isto é,
para que a parte (autora) possa ingressar em juízo, bem como realizar os demais atos
do processo, deverá ter outorgado procuração a um advogado, legalmente habilitado
(art. 104 do CPC/2015), que poderá praticar os atos processuais necessários à defe-
sa dos direitos.
Quanto ao réu, a lei também exige que qualquer ato processual, como a apresen-
tação da defesa, deverá ser realizado por advogado regularmente habilitado (art. 104
CPC/2015). Esta regra, porém, não significa que o réu somente será atingido pelos efei-
tos da ação contra ele movida se tiver constituído advogado, pois, uma vez citado vali-
damente (art. 239 do CPC/2015), tanto bastará para que fique vinculado ao processo e
aos efeitos da decisão que aí seja proferida.
A presença de advogado para o autor é requisito, assim, para a propositura da ação,
mas não é para o réu, quanto à sua vinculação ao processo.
A legitimidade processual pressupõe sempre a capacidade para estar em juízo mes-
mo que integrada por assistente ou representante, respectivamente, para os relativa ou
absolutamente incapazes (art. 71 do CPC/2015), pressupõe sempre a capacidade de ser
parte; no entanto, a capacidade de ser parte, aliada à legitimidade processual, não são
suficientes, como se depreende do art. 103 do CPC/2015, para habilitar a alguém prati-
car per se atos processuais, salvo se esse for advogado e invocar essa qualidade. Nestas
condições, deve estar presente, também, a capacidade postulatória, ou seja, quem age
em juízo deve estar legalmente habilitado para tanto.
Nada impede, entretanto, que alguém com capacidade de ser parte e processual, te-
nha capacidade postulatória. O diretor ou representante legal de uma pessoa jurídica,

art. 10. Dispensabilidade de advogado nas causas cíveis. Imprescindibilidade da presença


de advogado nas causas criminais. Aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995. Interpretação
conforme a Constituição. É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes
a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados es-
peciais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal
já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo,
portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante os
juizados especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem comparecer
pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não
ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3.º da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo
da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9.º da Lei 9.099/1995. Já quanto aos
processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imperativo
que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a
oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos
quadros da Ordem dos Advogados do Brasil ou defensor público. Aplicação subsidiária do
art. 68, III, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme, para excluir do âmbito de incidência
do art. 10 da Lei 10.259/2001 os feitos de competência dos juizados especiais criminais da
Justiça Federal.” (STF, Pleno, ADI 3.168, j. 08.06.2006, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de
03.08.2007). Cf., sobre o tema: Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil, 5ª ed., rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 641 e ss.
Os Sujeitos do Processo 383

sendo advogado, em função dos amplos poderes que detém, poderá advogar em nome
da empresa, representando-a postulatoriamente.56
O advogado deve juntar aos autos prova do mandato recebido (art. 104 do CPC/2015
e art. 5º da Lei 8.906/1994), que pode ser outorgado por instrumento público ou par-
ticular (art. 105 do CPC/2015). Trata-se de uma exigência legal, visto que “o advo-
gado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato” (art. 5º, caput da Lei
8.906/1994).57 y 58
A lei processual civil determina que, sem o instrumento de mandato, não se pode
sequer distribuir a petição inicial (art. 287 do CPC/2015), salvo as exceções expressas
na própria lei, quais sejam: a) quando o requerente postular em causa própria (art. 104,
parágrafo primeiro do CPC/2015) hipótese em que, então, deverá obedecer ao dispos-
to no art. 106, I, do CPC/2015 (declarar na petição inicial ou na contestação seu ende-
reço, número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade
de advogados da qual participa para o recebimento de intimações, se for o caso); b) em
casos especiais (art. 104 do CPC/2015), para evitar prescrição ou decadência e para a
prática de atos reputados urgentes; e, c) quando a lei especial ou extravagante, expres-
samente, o permitir, como, v.g., na hipótese de quem se disser credor de alimentos, caso
em que pode comparecer a juízo, pessoalmente ou, então, acompanhado de advogado
(Lei 5.478/1968, art. 2.º, caput).
Na hipótese da postulação para evitar a prescrição ou decadência, bem como para
a realização de atos reputados como urgentes, o advogado deverá realizar a juntada
do mandato procuratório dentro de 15 dias (art. 104 do CPC/2015 e Lei 8.906/1994,
art. 5.º, § 1.º), os quais são prorrogáveis por outros 15 dias. Caso não seja realizada a
juntada da procuração no prazo estabelecido, nem na eventual prorrogação judicial,
serão havidos por ineficazes59 os atos não ratificados nos referidos prazos, responden-
do o advogado pelas despesas e perdas e danos, nos termos previstos no art. 104, § 2º
do CPC/2015.60

56. STJ, REsp 102.539/SP, 1.ª T., j. 12.11.1996, rel. Min. Gomes de Barros, DJ 16.12.1996,
p. 50.779; TJSP, AC 9147535-62.2009.8.26.0000, 19ª Câmara de Direito Privado, j.
26.10.2010, rel. Des. Mauro Conti Machado, DJe. 06.12.2010; RT 493/100; RJTJSP 44/78.
57. Pela lei anterior podia o mandato ser conferido “por termo nos autos” (art. 70 da Lei 4.215/1963);
ou poderá mesmo sê-lo oralmente, como permite o art. 9.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995 – regra
igualmente aplicável no âmbito dos Juizados Federais (v. art. 1.º, Lei 10.259/2001) –, para
as ações processadas perante o Juizado Especial Cível (de Pequenas Causas), a exemplo
do que já dispunha o diploma antecedente (cf. Lei 7.244/1984, que regulava o Juizado de
Pequenas Causas, art. 9.º, § 3.º).
58. Observe-se que a Lei 9.469/1997 estabelece que “a representação judicial das autarquias e
fundações públicas por seus procuradores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos
respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato” (art. 9.º).
59. O art. 37, parágrafo único do CPC/1973 previa que os atos “serão havidos por inexistentes”.
60. STJ, REsp 146.479/RS, 3.ª T., j. 03.11.1998, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 29.03.1999; TJSP,
AC 3000187-46.2013.8.26.0116, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 15.07.2016, rel. Des.
Cesar Luiz de Almeida, DJe. 15.07.2016; TJSP, AC 1000083-35.2016.8.26.0326, 13ª Câmara
de Direito Público, j. 05.10.2016, rel. Des. Djalma Lofrano Filho, DJe. 06.10.2016; TJSP,
384 Manual de Direito Processual Civil

A ratificação dos atos, todavia, não precisa ser expressa, mas há de ser inequívoca
ou decorrer de comportamento inequívoco.
Constitui cerceamento de defesa decisão judicial que determine o desentranhamen-
to liminar da defesa apresentada, porque não esteja acompanhada de instrumento de
mandato, sem a concessão de oportunidade para a regularização. Essencial é que seja
observado, pelo menos, o prazo legal de 15 (quinze) dias, em que o advogado se tenha
obrigado a juntar o instrumento aos autos (art. 104 do CPC/2015 e art. 5.º, § 1.º, daLei
8.906/1994, e art. 70 da Lei 4.215/1963, revogada).
Já se decidiu ser válida a audiência a que o procurador judicial compareceu, sem
procuração nos autos, não tendo ratificado ulteriormente os atos praticados, sob o fun-
damento de que a parte, ao comparecer à audiência, acompanhada pelo advogado, ter-
-lhe-ia conferido mandato verbal.61 O STJ, no entanto, já se manifestou em sentido di-
verso, fundamentando que a legislação processual admite, tão somente, o mandato, na
forma escrita, por instrumento público ou particular.62
No chamado Juizado Especial Cível, instituído originalmente pela Lei 7.244/1984
(que o nominava de Juizado Especial de Pequenas Causas), referido expressamente pela
Constituição Federal de 1988 e hoje regulado, em conjunto com os Juizados Especiais
Criminais, pela Lei 9.099, de 26.11.1995, está estabelecido um sistema processual ex-
tremamente simplificado, acentuadamente inspirado pelos princípios enunciados no
art. 2º do atual diploma (art. 62 para as causas penais), quais sejam os da oralidade, sim-
plicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Diante disso, ao contrário do previsto na legislação processual ordinária, no âmbi-
to dos Juizados Especiais Cíveis é admitida a outorga de mandato verbal, em razão de
disposição legal expressa (art. 9º, § 3º da Lei 9.099/1995), salvo em caso de necessida-
de de outorga de poderes especiais. Assim, apesar de, em regra, o mandato judicial ser
restrito à forma escrita, a exigência formal não é extensível aos Juizados Especiais Cí-
veis, inclusive Federais em razão da aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995 (art. 1º da
Lei 10.259/2001).
Remarque-se, ainda, que a presença do advogado é obrigatória, no âmbito dos Jui-
zados Especiais, nas impugnações às decisões, tal como consta do art. 41, § 2º, da Lei
9.099/1995, inteiramente aplicável também aos Juizados Especiais Federais. A presen-

AC 1089043-34.2014.8.26.0100, 21ª Câmara de Direito Privado, j. 14.07.2016, rel. Des.


Silveira Paulilo, DJe. 14.07.2016.
61. RJTJSP 82/205 (m.v.). A solução firmada, no entanto, não se ajustava ao art. 37, parágrafo
único (equivalente ao art. 104 do CPC/2015), e nem se enquadrava no disposto no art. 70
da Lei 4.215/1963, que admitia esse mandato apenas e quando houvesse termo nos autos.
Entretanto, pela ausência de prejuízo, era correta a posição majoritária, no sentido de não
dever conduzir à nulidade a inobservância da forma.
62. “A representação em juízo se faz por instrumento formal de procuração, inservível para
substituí-lo ata de audiência onde consta que o representante legal da empresa estava
acompanhado por seus advogados” (STJ, AgRg no Ag 388.274/DF, 4.ª T., j. 04.12.2001, rel.
Min. Passarinho Júnior, DJ 18.03.2002, p. 264).
Os Sujeitos do Processo 385

ça do advogado (ou defensor público, se o acusado não nomear procurador de sua con-
fiança) também é obrigatória para as causas penais, ex vi do art. 68 da mesma lei.
A justiça, nesse sistema, haverá de ser gratuita, em primeiro grau de jurisdição (Lei
9.099/95, art. 54; Lei 7.244/1984, art. 51), devendo, entretanto, todas as custas incidi-
rem na hipótese de interposição de recurso para o segundo grau de jurisdição, excetu-
ado o caso de beneficiário da assistência judiciária (Lei 9.099/1995, art. 54, parágrafo
único). Nos Juizados Especiais da Justiça Federal também há isenção do pagamento de
despesas no primeiro grau de jurisdição, com a ressalva prevista no art. 12, § 1º, da Lei
10.259/2001. Desejando a parte recorrer da decisão proferida, se deverá submeter aos
preceitos dos arts. 42, § 1º, e 54, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, inteiramente apli-
cável aos Juizados Federais, devendo realizar o recolhimento do preparo, que compre-
ende todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas no primeiro grau de
jurisdição. Excluem-se dessa regra aqueles que gozam do benefício da gratuidade, bem
como a União, suas autarquias e fundações e, ademais, a pessoa jurídica que vier a repre-
sentar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (art. 24-A, da Lei 9.028/1995,
na redação da MP 2.180-35/2001).
A regra geral, portanto, é que a parte, seja qual for a posição processual (autor, réu,
exequente, executado, interessado, dentre outras) quando objetivar postular em juízo,
deverá fazê-lo necessariamente representada por advogado, exceto, nas hipóteses legais
que dispensem expressamente esta representação.

10.6.2. A função do advogado


Hoje, a função do advogado é considerada constitucionalmente como sendo essen-
cial à realização da Justiça, e é ele “inviolável por seus atos e manifestações no exercício
da profissão, nos limites da lei”.63
Apesar das louváveis intenções do constituinte e do avanço que representa este dis-
positivo, do ponto de vista de serem proporcionadas condições para uma justiça de me-
lhor qualidade, saltam aos olhos os defeitos de redação do referido dispositivo da Cons-
tituição Federal, em que se alude, por exemplo, a que o próprio advogado é inviolável,
e não seus direitos, a agir e a manifestar-se no exercício da profissão, nos limites da lei.
O advogado tem a função de representar a parte em juízo (representação postula-
tória), como decorre do art. 103, caput, do CPC/2015 (v. Lei 8.906/1994, art. 5.º; na lei
anterior e revogada, 4.215/1963, art. 70). Esta representação, não é demais lembrar, não
se confunde com aquela tratada no art. 75 do CPC/2015, pois os representantes a que se
refere esse artigo (representantes da União, Municípios, autarquias, fundações, massas

63. Esta cláusula, referida no art. 133 da Constituição e reproduzida na Lei 8.906/1994 (art. 2.º,
§ 3.º), teve indeferido pedido de suspensão liminar de sua eficácia normativa formulado
na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127-8 (j. 06.10.1994 – DJU I 29.06.2001,
p. 27.595/27.596), sendo a julgada improcedente a ação em relação ao mencionado § 3º
em 17/05/2006 por unanimidade do pleno do Supremo Tribunal Federal (j. 17.05.2006, DJe
10.06.2010).
386 Manual de Direito Processual Civil

falidas, heranças jacentes, espólios, pessoas jurídicas, sociedades e associações irregu-


lares e condomínio), devem, também, constituir advogado. Ademais a representação, a
que se refere o art. 71 do CPC/2015, respeita à integração da capacidade processual do
absoluta e relativamente incapaz. Esta modalidade de representação hauriu seus pressu-
postos no Direito Civil (art. 71 do CPC/2015 – “na forma da lei”), pois a lei processual
o encampa. Já a representação por intermédio de advogado diz respeito à exigência de
que, regra geral, qualquer pessoa, para postular em juízo, deverá constituir advogado.
Para ser advogado, é imprescindível a inscrição nos quadros da Ordem dos Advo-
gados do Brasil (Lei 8.906/1994, art. 3.º; anteriormente, art. 67 da Lei 4.215), que vale
para todo o País64 e em quaisquer graus de jurisdição (art. 5.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994;
anteriormente, art. 70, § 3.º, da Lei 4.215).
O profissional constituído, que postula em juízo, deverá estar regularmente inscri-
to na Ordem dos Advogados do Brasil, tal como determina a Lei 8.906/1994, art. 3.º,
caput (anteriormente, Lei 4.215, de 27.04.1963, art. 67), sendo necessário, ainda, que
não ocorra qualquer suspensão ou impedimento65 de exercer a profissão, bem como
que o patrono da parte não esteja licenciado ou exercendo atividade incompatível com
a advocacia (Lei 8.906/1994, art. 4.º, parágrafo único).66
A suspensão, nos termos do disposto na Lei 8.906/1994, art. 35, II c/c o art. 37, § 1º67
(art. 76 da Lei 4.215/1963), gera proibição ao exercício da advocacia, equivalendo à
falta de inscrição na Ordem (art. 4º, parágrafo único, da Lei 8.906/1994, onde se esta-
belece a nulidade para os atos praticados por quem estiver suspenso). O mesmo dispo-
sitivo comina pena de nulidade aos atos praticados pelos bacharéis suspensos ou não
inscritos (Lei 8.906/1994, art. 4º, caput e parágrafo único). O caso será o de falta de re-

64. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2, p. 261.


65. V. Lei 8.906/1994, arts. 27 e 28, sobre incompatibilidade, e art. 30, sobre impedimento.
66. Nesse sentido: Cássio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil,
vol. 1, p. 223: “Em determinadas situações, o advogado passa a exercer atividade incompa-
tível com o exercício da advocacia, quando lhe passa a ser vedada integralmente a atuação
como advogado. Em outros casos, a vedação é parcial, dando ensejo ao impedimento do
exercício da advocacia. As hipóteses de incompatibilidade são as descritas no art. 28 da
Lei 8.906/94; as de impedimento estão listadas no art. 30 do mesmo Estatuto. Em quaisquer
destas hipóteses, a ‘capacidade postulatória’ do advogado deixa de existir e, por isto, na
exata medida em que a prática de qualquer ato, judicial ou extrajudicialmente, reclame-a,
a pessoa precisará dos préstimos de um advogado. Os eventuais atos praticados por advo-
gado impedido (nos limites do impedimento), suspenso, licenciado ou que passar a exercer
atividade incompatível com a advocacia são (devem ser considerados) de acordo com o
parágrafo único do art. 4.º da Lei 8.906/94, nulos”.
67. O art. 37 da Lei 8.906/1994 discrimina outras hipóteses, procurando individualizar a pena,
i.e., a duração da suspensão, variável em conformidade com a falta e tendo em vista um ca-
ráter de coerção indireta (art. 37, § 2.º c/c art. 34, XXI e XXIII); no caso de inépcia profissional,
haverá a pessoa de submeter-se a novo exame de habilitação, e, até que o faça, não pode
praticar atos (art. 37, § 3.º c/c art. 34, XXIV). Na hipótese do art. 37, § 1.º, sem correlação
direta com a falta, a pena de suspensão deverá ser individuada de 30 dias a 12 meses. Essa
pena aplica-se à atividade em todo o território nacional (art. 37, § 1.º, Lei 8.906/1994, texto
este que é, em parte, uma regra geral, quanto à suspensão).
Os Sujeitos do Processo 387

presentação postulatória, em se tratando de suspensão,68 o que não se confunde com


a irregularidade desta (v.g quando há equívoco na sucessão de substabelecimentos, de
modo que o advogado praticante do ato não tinha poderes para tal), sendo inaplicável,
por isso, o art. 76 do CPC/2015.
Tendo o advogado sua inscrição em determinado Estado, nada obsta que advogue
em outro, sem inscrição suplementar, sendo esta, exclusivamente, matéria interna da
entidade legalmente encarregada da fiscalização do exercício da profissão.69
Admitia-se, na vigência da Lei 4.215/1963, que o ato praticado por estagiário, des-
de que devidamente ratificado por advogado, ambos inscritos, portanto, constituía-se
em ato válido.70 A Lei 8.906/1994, a seu turno, não permite que o estagiário, ainda que
regularmente inscrito, pratique atos no processo sem que esteja acompanhado de ad-
vogado. Em acórdão da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AgIn
244.306-1/São Paulo, j. 18.04.1995, v.u.) decidiu-se, com base nos comentários que Pau-
lo Luiz Neto Lôbo fez à nova lei, que, “ao contrário do Estatuto anterior, que permitiu
o exercício pelo estagiário dos atos não privativos de advogado, o novo Estatuto faculta
ao estagiário (regularmente inscrito na OAB) exercer todos os atos, desde que acompa-
nhado necessariamente por advogado, e sob responsabilidade deste. Assim, não é mais
possível que o estagiário exerça os atos isoladamente, por mais simples que sejam, sem
autorização expressa do advogado. (...) Assim, todos os atos profissionais e peças pro-
cessuais deverão ser realizados com a participação do advogado, embora possam con-
ter, também, o nome, o número de inscrição e a assinatura do estagiário. A ausência do
advogado gera nulidade do ato e responsabilidade disciplinar para ambos, em virtude
da infração de norma estatutária expressa”.
Importante destacar que o Regulamento Geral do Estatuto da OAB, aprovado pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em 04 de julho de 1994, que teve
como Relator Paulo Luiz Netto Lôbo, especificou em seu art. 29, que o estagiário de
direito pode praticar isoladamente alguns atos, como: a) retirar e devolver autos em
cartório, assinando a respectiva carga; b) obter junto aos escrivães e chefes de secreta-
ria certidões de peças ou autos de processo em curso ou findos; c) assinar petições de

68. Cf..: TJSP, AC 0002217-33.2014.8.26.0355, 22ª Câmara de Direito Privado, j. 04.08.2016,


rel. Des. Alberto Gosson, DJe. 05.09.2016
69. A Lei 8.906/1994, no seu art. 10, § 2º, dispõe: “Art. 10. A inscrição principal do advogado
deve ser feita no Conselho Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio
profissional, na forma do Regulamento Geral. (...) § 2º Além da principal, o advogado deve
promover a inscrição suplementar nos Conselhos Seccionais em cujos territórios passar a
exercer habitualmente a profissão, considerando-se habitualidade a intervenção judicial
que exceder de cinco causas por ano”.
70. Relativamente aos proibidos de advogar, tem o STF entendido não serem nulos os atos quando
haja inscrição na Ordem dos Advogados (RTJ 60/197, RTJ 77/995, RF 143/118). Ademais, “o
instrumento de mandato, conferido a estagiário, possibilita a sua atuação como advogado no
feito, após a sua graduação e inscrição nos quadros da OAB, sem que haja necessidade de
que lhe seja outorgada nova procuração” (STJ, AgRg no Ag 613.422/SP, 2ª T., j. 03.02.2005,
rel. Min. Eliana Calmon, DJ 28.02.2005, p. 292).
388 Manual de Direito Processual Civil

juntada de documentos a processos judiciais e administrativos; e d) atos extrajudiciais,


quando receber autorização ou substabelecimento do advogado.
Assim, sendo o estagiário mandatário em conjunto com o advogado ou, ainda, caso
tenha recebido substabelecimento ou autorização deste, poderá realizar isoladamente
alguns atos específicos, sem que isto implique em nulidade.71 Todos os demais deverão
ser realizados conjuntamente.
O CPC/2015 inovou ao prever a possibilidade de realização da carga dos autos por
pessoa (não inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil) credenciada pelo advogado
ou pela sociedade de advogados, implicando este ato na intimação de qualquer deci-
são contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação (art. 272, § 6º do
CPC/2015). Nesta hipótese, portanto, a intimação poderá ser considerada realizada em
razão de ato (carga dos autos) de pessoa não cadastrada na Ordem dos Advogados do
Brasil como advogada e sem procuração nos autos, desde que haja o requerimento prévio
do credenciamento do preposto para a retirada dos autos (art. 272 § 3º do CPC/2015),
tratando-se de mais uma exceção à regra geral.

10.6.3. A procuração e os poderes conferidos


A forma de se conferir poder ao advogado, no processo civil, é por instrumento pú-
blico ou particular de mandato (procuração), nos moldes previstos pelas normas do
CPC/2015. Supletivamente, porém, devem ser aplicadas as disposições atinentes ao con-
trato de mandato, constantes do Código Civil, em razão do previsto pelo seu art. 692:
“O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da
legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código”.
O instrumento particular poderá ser conferido por todas as pessoas jurídicas de di-
reito privado e entes despersonalizados, pelas pessoas capazes, pelos menores devida-
mente representados ou assistidos, bem como pelos interditados devidamente repre-
sentados por seu curador (art. 654 do CC). A exceção fica por conta dos analfabetos e
os que não tenham condição de assinar, hipótese em que obrigatoriamente a procura-
ção deverá ser conferida por instrumento público.72
A procuração deverá conter o nome do advogado, o número de inscrição na Or-
dem dos Advogados do Brasil e o seu endereço profissional completo (art. 105, § 2º
do CPC/2015) e, caso integre uma sociedade de advogados também deverá conter o
nome desta, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e o seu endere-
ço completo (art. 105, § 3º do CPC/2015). A procuração deverá ser assinada pela parte
outorgante no caso de capacidade plena, em conjunto com seu assistente em caso de
incapacidade relativa e unicamente pelo representante, tutor ou curador em caso do

71. Vide: Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36-37
72. Sobre o tema v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral
do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum; Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 323.
Os Sujeitos do Processo 389

absolutamente incapaz. Em se tratando de pessoa jurídica ou ente despersonalizado


com capacidade processual, a procuração deverá ser assinada pelo seu representante
legal (art. 75 do CPC/2015).
Não prevalece mais a necessidade de reconhecimento de firma originalmente pre-
vista pelo CPC/1973 – tida, com razão, como superfetação desnecessária e anacrônica
por muitos – quando o mandato é outorgado ao advogado por instrumento particu-
lar (art. 105 do CPC/2015, que manteve a desnecessidade após a redação dada pela Lei
8.952/1994 ao art. 38 do CPC/1973).
Na procuração, o advogado poderá receber poderes gerais e especiais (art. 105 do
CPC/2015). Como apontado, no âmbito dos Juizados Especiais, pela Lei 9.099/1995, a
exemplo do que já dispunha a revogada Lei 7.244/1984, os poderes gerais podem aqui
ser oralmente conferidos (art. 9.º, § 3º, de ambos os diplomas, preceito aplicável aos
Juizados Federais, cf. art. 1º da Lei 10.259/2001).
A procuração ad judicia, ou a procuração geral para o foro (art. 105 do CPC/2015;
Lei 8.906/1994, art. 5º, e, anteriormente Lei 4.215/1963, art. 70, § 3º), tem a finalidade
de evidenciar a extensão dos poderes do mandante e habilita o profissional à prática de
todo e qualquer ato relacionado com o processo, e mesmo outros, se não houver restri-
ção. Diante disso, a procuração ad judicia outorgada na fase de conhecimento abrange
todas as fases do processo, inclusive a fase recursal e de cumprimento de sentença, ex-
ceto na hipótese de haver disposição expressa em sentido contrário, devendo a restrição
constar do próprio instrumento de mandato (art. 105 § 4º CPC/2015).
Assim, pode oferecer reconvenção no bojo da contestação, o advogado do réu, sem
que necessariamente tenha recebido, para tanto, poder especial. Isto porque a finalida-
de última e intencional da reconvenção é a de uma “defesa”, sendo uma nova ação pro-
posta no mesmo processo. Ademais, o art. 105 do CPC/2015 não excepciona o caso da
reconvenção como ato com que dependa de poder especial.
Entretanto, uma ação rescisória, exemplificativamente, não pode ser proposta por
advogado que só tenha recebido poderes para o processo em que tenha sido proferida a
sentença (ou acórdão) de mérito que se pretenda rescindir, e isto porque a ação rescisó-
ria leva à formação de um novo processo. Neste caso, portanto, é necessária a apresen-
tação de uma procuração com poderes específicos para a ação rescisória ou com pode-
res gerais de representação.
Os poderes gerais contidos na cláusula ad judicia não permitem ao advogado receber a
citação inicial, confessar, reconhecer o pedido formulado pelo autor, transigir, desistir da
ação, renunciar ao direito o qual se funda a ação, receber e dar quitação, firmar compro-
misso e assinar declaração de hipossuficiência econômica73 (art. 105 do CPC/2015). Para
a prática desses atos exige a lei que ao profissional sejam outorgados poderes especiais.74

73. Restrição incluída pelo na parte final do art. 105 do CPC/2015, que não estava prevista no
CPC/1973.
74. Sobre os atos que exigem poderes especiais, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 2, p. 277; mais recentemente, v. nosso Tratado de direito processual civil,
comentários ao art. 38.
390 Manual de Direito Processual Civil

Excepcionalmente, tratando-se de reconvenção, o autor-reconvindo será intimado


na pessoa de seu procurador (art. 343 § 1º do CPC/2015) para contestá-la; outro tan-
to se dará com a oposição (art. 683, parágrafo único do CPC/2015) e com os embargos
de terceiro (art. 677 § 3º do CPC/2015) em que os opostos e os embargados serão cita-
dos na pessoa dos respectivos advogados, salvo, quando estes não tiverem advogados
devidamente constituídos nos autos. Conquanto de efetiva citação se trate, far-se-á na
pessoa dos advogados que, nestes casos, têm poderes ex lege para receber “citação”. O
modus faciendi é, no entanto, o da intimação ao advogado.
Ademais, para a desistência de recurso, devem-se exigir poderes especiais, mesmo
porque, em última análise, estar-se-á obliquamente reconhecendo o pedido ou renun-
ciando a um direito (rectius, pretensão – art. 487, III, “a)” e “c)”), apesar de não ser este
um reconhecimento, puro e simples,75 ou uma mera renúncia.
O mandato cessará: a) pela revogação ou pela renúncia; b) pela morte ou interdição
de uma das partes; e c) pelo termino do prazo (caso conste do instrumento de manda-
to) ou pela conclusão o seu objeto (v.g extinção do processo com o exaurimento do que
fora previsto no mandato, com o encerramento do cumprimento de sentença após a sa-
tisfação integral da condenação), conforme previsto pelo art. 682, incisos I a IV, do CC
e art. 111 do CPC/2015. Na hipótese “b”, caso haja mais de um advogado constante do
instrumento de mandato, a cessação dar-se-á apenas em relação ao advogado falecido,
interditado, permanecendo vigente o mandato em relação aos demais advogados cons-
tantes da procuração (art. 112, § 2º do CPC/2015, aplicável analogicamente).
Se renunciar ao mandato, deverá o advogado provar que notificou o mandante, isto
é, a parte para a qual advoga, de seu intento, a fim de que esta nomeie substituto. Sem
embargo disto, ficará, nos dez dias seguintes, responsável pelo patrocínio da causa, desde
que necessário para evitar prejuízo à parte, conforme previsto pelo art. 112 do CPC/2015
(equivalente ao art. 45 do CPC/1973, após a redação atribuída pela Lei 8.952/1994). Na
redação primitiva do estatuto processual de 1973, sempre interessante a lembrança, o
mandatário notificava o mandante valendo-se da própria máquina judiciária, e perma-
necia no patrocínio da causa pelo prazo de dez dias, salvo se antes do transcurso deste
lapso outro advogado o sucedesse. Patentes as modificações dos dispositivos, portanto,
com destaque à maior agilidade do texto atual.
Apenas será dispensada a comunicação da renúncia ao mandato caso a procuração
tenha sido outorgada a vários advogados e a parte continuar representada por outro ou
outros, apesar da renúncia (art. 112, § 2º do CPC/2015). Assim, se a parte tiver outor-
gado procuração a diversos procuradores de um único escritório e um deles o deixar,
renunciando a todos os poderes recebidos, não será necessária a notificação e a con-
fecção de uma nova procuração, pois os demais advogados constantes do instrumento
permanecerão como patronos da causa.
Ainda, é direito de a parte revogar o mandato (art. 111 do CPC/2015), devendo, em
regra, constituir outro profissional, para que assuma o patrocínio da causa. Segundo o

75. Nesse sentido: Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 13ª Ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2006, 181, fine, p. 333.
Os Sujeitos do Processo 391

Código Civil (v. o art. 687),76 a juntada de instrumento de mandato aos autos significa
que o anterior foi revogado. Caso não seja constituído novo advogado no prazo de 15
dias, deverá se seguir o procedimento especificado no art. 76 do CPC/2015, conforme
dispõe o art. 111, parágrafo único do CPC/2015, ou seja, o juiz deverá suspender o pro-
cesso e designar prazo razoável para que seja sanado o vício, aplicando as sanções pela
omissão em conformidade com a fase da demanda.
Exemplificativamente, caso a demanda esteja em fase de conhecimento, em primeiro
grau de jurisdição, e o autor não constituir novo advogado no prazo indicado, o proces-
so será extinto sem resolução de mérito (art. 76, § 1º, I do CPC/2015). Por sua vez, se o
réu deixar constituir novo advogado no prazo legal, este será considerado revel (art. 76,
§ 1º, II do CPC/2015). Tratando-se de terceiro, este será considerado revel ou excluído
do processo, dependendo da sua posição processual (art. 76, § 1º, II e III do CPC/2015).
Estando o processo em fase recursal, não será conhecido o recurso, se a providência
couber ao recorrente ou, ainda, será determinado o desentranhamento das contrarra-
zões se a providência couber ao recorrido (art. 76, § 2º, I e II do CPC/2015).
No caso de morte ou incapacidade do procurador e, ainda, não havendo outros ad-
vogados na procuração, o juiz deverá intimar a parte para que constitua novo advoga-
do no prazo de 15 dias. Caso não seja constituído novo procurador no prazo indicado,
o processo será extinto sem resolução de mérito (caso o autor seja o representado), ou
ordenará o prosseguimento do processo à revelia do réu, se o procurador deste for o fa-
lecido (art. 313, § 3º do CPC/2015).
Se o advogado estiver incompatibilizado77 para o exercício da advocacia em deter-
minada causa, poderá validamente substabelecer a procuração recebida. Isto é, a in-
compatibilidade não compromete a possibilidade de transferência dos poderes, senão
que impede que os poderes sejam, pelo incompatibilizado, realizados.

10.6.4. Deveres do advogado previstos no Código de Processo Civil

O exercício da advocacia está disciplinado no Estatuto da Ordem dos Advogados do


Brasil – OAB, Lei 8.906/1994, contendo, a mencionada norma, a previsão de diversos
direitos e deveres ao advogado. Inobstante isso, o CPC/2015 especifica alguns deveres
e obrigações que deverão ser observados pelos advogados no exercício do mandato ju-
dicial e quando postularem em causa própria.
Como já apontado, é dever do advogado exibir nos autos procuração devidamente
firmada pelo representado, que contenha o número de inscrição perante a Ordem dos

76. Cf. o art. 1.319 do CC/1916.


77. As incompatibilidades encontram-se na Lei 8.906/1994, arts. 27 e 28, sendo que no último
definem-se determinadas funções públicas como incompatíveis com a advocacia, exceto
no que diz respeito a essas funções (procuradores-gerais, advogados gerais, defensores ge-
rais e dirigentes jurídicos da administração pública direta, indireta e fundacional, os quais,
nos termos do art. 29 da mesma lei, “são exclusivamente legitimados para o exercício da
advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura”).
392 Manual de Direito Processual Civil

Advogados do Brasil – OAB, o seu endereço completo (art. 105, § 2º do CPC/2015) e, caso
este integre uma sociedade de advogados, o seu número de inscrição perante a Ordem
dos Advogados do Brasil– OAB e o seu endereço completo (art. 105, § 3º do CPC/2015).
Assim como as partes, devem os advogados observar o princípio da lealdade processual,
tendo a obrigação de: a) expor os fatos em juízo conforme a verdade; b) não formular qual-
quer pretensão ou apresentar defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento;
c) não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à de-
fesa do direito; d) cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória
ou final, e não criar embaraços para sua efetivação; e) declinar, no primeiro momento que
lhes couber falar nos autos, o endereço residencial e profissional onde receberão intima-
ções, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária
ou definitiva, e) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso
(art. 77, incisos I a VI do CPC/2015). Vale para todos que participem do processo, seja
a que título for, o mandamento que impõe a observância da boa fé (art. 5º, CPC/2015).
Ao advogado que postular em causa própria o CPC/2015 determina mais especi-
ficamente que este, na inicial ou na contestação, deve indicar: a) o seu endereço; b),
o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; e, ainda, c) o nome
da sociedade de advogados da qual participa (se o caso) – (art. 106, I do CPC/2015).78
Certamente, a interpretação a se dar ao dispositivo, que prevê este dever, há de ser ex-
tensiva às peças inaugurais da oposição, da assistência e, ainda, demais hipóteses em
que figure como interessado.
Se indicação do endereço não se fizer, o juiz mandará que seja feita; se não for su-
prida a omissão dentro de 5 dias, será indeferida a petição (arts. 106, § 1º, e 330, IV do
CPC/2015). Constando o endereço do advogado de papel impresso por ele utilizado,
cumprida está a exigência legal, pois restarão atingidas as finalidades e os objetivos da lei.
As exigências do art. 106 do CPC/2015, bem como a do art. 77, V do CPC/2015
(que se referem à indicação do endereço do advogado) são absolutamente imperativas
nos casos em que as intimações devam ser feitas por carta registrada ou pessoalmen-
te (art. 273, I e II do CPC/2015), ou seja, quando inviável a intimação eletrônica e na
comarca não houver diário oficial. Essa exigência, todavia, que já foi absoluta para al-
gumas comarcas do primeiro grau de jurisdição (em situações específicas em que não
haja diário oficial, hipótese cada vez mais remota no judiciário brasileiro), não o é mais
nessa intensidade, para as comarcas em que há diário oficial e no segundo grau de ju-
risdição, quando as intimações usualmente são feitas pela imprensa oficial (arts. 272 e
273, caput, 1.ª parte, do CPC/2015).
O dever de informar qualquer alteração de endereço (arts. 77, V e 106, II do
CPC/2015), já pressupõe o processo em curso, ou seja, a modificação de qualquer en-
dereço há de ser imediatamente comunicada ao escrivão.
Essencial ressalvar que as intimações, no curso do processo, devem ser feitas aos
advogados das partes e não a estas, pois lhes falta a capacidade postulatória. Por exce-

78. Sobre a obrigatoriedade do endereço na petição inicial, v. trabalho de Celso Antonio Rossi,
publicado em RT 479/247 e RF 254/465.
Os Sujeitos do Processo 393

ção, se a intimação deve ser feita pessoalmente à parte, que deixa de tomar providên-
cia, deve-se, com base neste fato, concluir que se configurou o abandono do processo,
que será extinto, então, sem resolução de mérito (casos dos incisos II e III do art. 485
do CPC/2015). Diante disso, mostra-se justificável a exigência da informação do ende-
reço, tanto das partes, como do advogado.
Estando o processo em curso e não tendo o advogado comunicado a mudança do
seu endereço, a lei reputa como válidas as intimações enviadas ao endereço primitiva-
mente constante dos autos (art. 106, § 2º do CPC/2015). Disto decorre que se seguem
a elas as consequências jurídicas possíveis e inerentes à validade das intimações, como
perda dos prazos e preclusões respectivas.
Como já mencionado, o advogado deve, ainda, continuar representando o mandante
nos 10 dias seguintes à renúncia ao mandato (art. 112, § 1º do CPC/2015),79 pratican-
do os autos que se mostrarem urgentes, se necessário, caso não seja constituído outro
advogado neste ínterim.
O advogado tem o dever também de restituir os autos em cartório no prazo legal
(art. 234 do CPC/2015), ficando sujeito à penalidade caso não cumpra sua obrigação.80-81

10.6.5. Direitos do advogado previstos pelo Código de Processo Civil

O advogado tem direito de examinar, em cartório do fórum e secretaria de tribunal,


mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, seja de natureza civil, criminal,

79. V. acerca da renúncia ao mandato: Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol.
2/336 et seq.; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1/207.
80. Em virtude da redação do art. 475-J do CPC 73, que, em sua 1.ª parte, previa que “caso
o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o
efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no
percentual de dez por cento”, decidiu o STJ, 3.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros,
que a responsabilidade pela multa, no caso de não ser noticiado o trânsito em julgado a seu
cliente, deverá recair sobre o advogado. Merece destaque trecho do voto proferido no REsp
954.859/RS, j. 16.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 252, apesar de entendermos que talvez o
acórdão não devesse ter avançado na questão da responsabilidade do advogado, uma vez
que podem ocorrer diversas circunstâncias que não conduzam a tal responsabilidade, que
devem ser examinadas caso a caso:
“Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argu-
mento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado
ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações
é o advogado. “O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para
tal intimação, o que já deveria bastar. Os arts. 236 e 237 do CPC [73] são suficientemente
claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o
constituiu. Cabe a ele comunicar [ao] seu cliente de que houve a condenação. Em verdade,
o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que
se prepare e fique em condições de cumprir a condenação. “Se o causídico, por desleixo,
omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo”.
81. Na Lei 8.906/1994, em seu art. 34, XXII, qualifica-se esse comportamento como constitutivo
de infração disciplinar (art. 34, XXII – “reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos
com vista ou em confiança”).
394 Manual de Direito Processual Civil

trabalhista, militar ou administrativa, independentemente da fase de tramitação, sen-


do assegurada a obtenção de cópias e o registro de anotações (art. 107, I, primeira par-
te, do CPC/2015).
A permissão de retirar os autos, sem procuração, constante do art. 89, XVIII, da Lei
4.215/1963, fora revogada pelo art. 40 do CPC/1973, que previa que, somente com pe-
tição acompanhada de procuração, o juiz poderia deferir a retirada dos autos, quando
extinto o processo.82 Posteriormente a Lei 8.906/1994, art. 7º, XVI, voltou a conferir ao
advogado o poder de retirar autos de processos findos, sem procuração, pelo prazo de
10 dias, salvo as hipóteses do § 1º desse art. 7º, quais sejam: a) processos sob segredo
de justiça; b) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração
ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório,
secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido
de ofício, mediante representação ou a requerimento da parte interessada.
Ao amplo direito do advogado de examinar qualquer processo, como vimos pela lei
8.906/1994, o art. 107, I, primeira parte do CPC/2015, abre uma exceção, quando se
tratar de processos que tramitem em segredo de justiça (art. 189, § 1º do CPC/2015).
Somente os advogados regularmente constituídos no feito poderão consultar os proces-
sos: a) em que o interesse público ou social exija o sigilo; b) que versem sobre casamen-
to, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda
de criança e adolescente; c) em que constem dados protegidos pelo direito constitucio-
nal à intimidade; e d) que versem sobre arbitragem, inclusive sobre o cumprimento de
carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada
perante o juízo (art. 189, incisos I a IV do CPC/2015).
Como procurador, além de poder requerer vista dos autos pelo prazo de cinco dias, o
advogado pode retirar os autos do cartório ou secretaria, sempre que neles lhe competir
falar por determinação do juiz e nos casos previstos em lei (art. 107, II do CPC/2015 e
Lei 8.906/1994, art. 7º, XV). O direito de examinar os autos, retirando-os do cartório,
é prerrogativa inerente ao próprio ofício do advogado, garantia maior do exercício de
sua profissão, não lhe podendo ser subtraída sob nenhum pretexto, exceto quando hou-
ver previsão legal, não se subordinando tal direito sequer à demonstração de interesse.83
Os autos não poderão ser retirados de cartório nas hipóteses: (a) quando não con-
tiverem determinação de vista para o advogado; (b) quando, apesar da concessão de
vista, o prazo for comum, e uma das partes se recusar a firmar o acordo para divisão do
prazo ou se mostrar inviável a retirada em conjunto; (c) quando não puder ser dada
vista, como quando tenham sido os autos enviados à mesa para julgamento de recurso.
Na segunda hipótese, cabe ressaltar que, para a obtenção de cópias, não é necessário
acordo, sendo possível a cada procurador retirar os autos pelo prazo de duas a seis ho-
ras (art. 107, § 3º do CPC/2015).

82. V. JUTACivSP 55/228; RT 509/186.


83. RT 527/59. Na RTJ 107/192, o STF decidiu que o direito de ter o advogado vista dos autos,
fora de cartório, não pode ficar ao nuto do escrivão.
Os Sujeitos do Processo 395

Feito acordo entre os advogados e retirados os autos em prazo comum, o primeiro


dos procuradores que tiver tido acesso aos mesmos, se não os restituir quando deveria
tê-lo feito, fará incidir o art. 221 do CPC/2015, configurando-se o obstáculo que devol-
verá à outra parte ou a quem de direito, o prazo, no que o mesmo tenha sido excedido.
Caso o advogado, a quem se deferiu vista dos autos fora do cartório ou secretaria,
não realize a devolução no prazo legal ou estabelecido pelo juiz, poderá qualquer in-
teressado exigir a intimação do patrono para a devolução dos autos (art. 234, § 1º do
CPC/2015). Se devidamente intimado84, o advogado não devolver os autos no prazo
de três dias, perderá o direito de retirada do processo por força do § 2º do art. 234 do
CPC/2015 (§ 1º, 3, do art. 7.º, Lei 8.906/1994), bem como incorrerá em multa no valor
correspondente à metade do salário mínimo vigente. A vedação de retirada dos autos
alcança, também, o escritório integrado pelo advogado punido.
Verificada a demora na devolução, após a devida intimação, o fato deverá ser comu-
nicado pelo juízo à seção da Ordem dos Advogados do Brasil para instauração de pro-
cedimento disciplinar, bem como aplicação da multa cominada.
O CPC/1973 previa que contra despacho que proíbisse ao advogado a vista dos au-
tos fora do cartório o recurso cabível – já se decidiu – era o de agravo de instrumento,
descabendo a interposição de mandado de segurança.85 Todavia, admitia-se que, se essa
decisão pudesse ser entendida como significativa da regra geral, havendo urgência con-
sistente em poder esse ato judicial ferir direito líquido e certo da parte, evidentemente
caberá mandado de segurança. Considerando o rol restritivo previsto para o cabimen-
to do agravo de instrumento no CPC/2015 (art. 1.015) e, ainda, que a hipótese em co-
mento não se enquadra diretamente em nenhuma delas, será necessária a modificação
do entendimento, no sentido de que deverá ser cabível o mandado de segurança caso a
decisão seja proferida na fase de conhecimento, bem como agravo de instrumento nas
fases de liquidação de sentença, cumprimento de sentença, processo de execução e no
processo de inventário (art. 1.015 do CPC/2015).

10.6.6. Honorários advocatícios sucumbenciais


O Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/1994, em seu art. 22, prevê a existência de três
espécies distintas de honorários advocatícios, quais sejam: a) os convencionais; b) as
sucumbências; e c) os arbitrados judicialmente. Embora todos tenham como objetivo
a remuneração do labor realizado pelo advogado, eles não se confundem, visto que têm
origem e regramentos distintos.

84. V. TJSP, AI 2013164-42.2016.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Público, j. 25.04.2016, rel.


Des. Vera Angrisani, DJe. 25.04.2016, em que restou claramente consignado que: “Embora
restituídos os autos fora do prazo, a aplicação do art. 234, e seus parágrafos, do CPC/2015
só tem lugar depois de intimado o advogado a restituir os autos no prazo legal.”. V. também:
TJSP, AI 2239571-04.2016.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 13.12.2016, rel.
Des. Giffoni Ferreira, DJe. 14.12.2016
85. TJSP, MS 233.941, 6.ª Câm. Cív., rel. Euler Bueno, v.u., 30.08.1974.
396 Manual de Direito Processual Civil

Os honorários convencionais são aqueles resultantes de disposição negocial havi-


da entre o advogado e o seu cliente, usualmente formalizada por um contrato escrito
de honorários advocatícios. Decorrem, portanto, de uma relação jurídica que envolve
a parte e seu advogado, sendo os honorários a contrapartida pecuniária pelos serviços
contratados. Embora o montante dos honorários seja fixado por negociação, as partes
devem observar as diretrizes fixadas pela entidade fiscalizadora (Ordem dos Advoga-
dos do Brasil – OAB), especialmente a tabela de honorários elaborada pelo Conselho
Seccional (art.58, V da Lei 8.906/1994), constituindo a cobrança de valores inferiores
(o advogado não deve cobrar aquém de um mínimo, o que seria indicativo de concor-
rência desleal) ou superiores aos limites estabelecidos infração ética disciplinar, puní-
vel com censura (art. 36, III da Lei 8.906/1994)86
Eventualmente, caso não haja contrato de honorários advocatícios firmado entre as
partes, é possível a propositura de uma demanda judicial com o objetivo de fixação dos
honorários do advogado devidos pelo patrocinado em razão do labor realizado (art. 22
§ 2º da Lei 8.906/1994). Neste caso haverá o arbitramento pelo juízo do montante de-
vido pelo cliente em razão dos serviços jurídicos prestados. Estes honorários são deno-
minados pela Lei 8.906/1994 de honorários por arbitramento.
Por fim, há os honorários advocatícios advindos da sucumbência, que têm como
fundamento o princípio da causalidade, estando ligados ao dever, daquele que foi der-
rotado na demanda, de suportar as consequências decorrentes do resultado, sendo obri-
gado ao pagamento das verbas de sucumbência, incluídos entre elas, os honorários ad-
vocatícios sucumbenciais, despesas e custas processuais87.
Os honorários advocatícios sucumbenciais não se confundem, portanto, com os
contratuais e com os arbitrados, sendo que sua exigibilidade não está vinculada com
a previa existência de relação contratual havida entre o advogado e aquele que tem o
dever de pagar os honorários, bem como ao patrocínio realizado sem a prévia fixação
de remuneração. Sua exigibilidade decorre de dispositivo expresso de lei (art. 85 do
CPC/2015), em razão do resultado obtido na demanda.
Os honorários advocatícios sucumbenciais são direito do advogado, tendo natureza
alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho
(art. 85, § 14 do CPC/2015). A exemplo do que previa o CPC/1973, o CPC/2015 expres-
sa que a sentença condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários ao advogado
do vencido (art. 85 do CPC/2015), passando estes a compor o título judicial. Percebe-se
que os honorários advocatícios sucumbenciais decorrem do êxito obtido na demanda
judicial, remunerando o patrono por seu labor realizado no decorrer da tramitação da
fase processual. São devidos honorários ainda que o advogado esteja atuando em causa

86. Vide: LÔBO, Paulo Luiz Netto, Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3ª ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 277
87. Thiago Rodovalho, O novo CPC e os Princípios Inerentes à Fixação de Honorários Advocatí-
cios, in Marcos Vinícius Furtado Coelho e Luiz Henrique Volpe Camargo (Coordenadores),
Honorários Advocatícios, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 2; Coordenador Geral
Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2015. p. 64
Os Sujeitos do Processo 397

própria (art. 85 § 17 do CPC/2015), visto que há, inegavelmente, um labor realizado,
ainda que em proveito próprio.
Como a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios resulta de dispo-
sitivo legal expresso (art. 85 do CPC/2015), não há necessidade de pedido na petição
inicial, contestação ou em petições posterirormente apresentadas, sendo uma conse-
quência objetiva da derrota.
Tenha-se presente que, apesar da clareza do dispositivo, em não tendo havido men-
ção expressa na decisão acerca da condenação em honorários advocatícios, não podem
os mesmos ser considerados como implícitos na decisão. Diante disso, caso a decisão
transitada em julgado tenha sido omissa quanto ao direito aos honorários advocatícios,
prevê expressamente o CPC/2015 que será cabível ação autônoma de conhecimento,
em face do vencido, para a definição do montante dos honorários e sua consequente
cobrança (§ 18 do art. 85 do CPC/2015). Restou superado, portanto, o entendimento
exposto na Súmula 453 do Superior Tribunal de Justiça que previa que: “Os honorários
sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser co-
brados em execução ou em ação própria”.
Com a nova disposição, não há qualquer dúvida em relação cabimento da ação para
arbitramento. Apesar da possibilidade dos honorários serem arbitrados judicialmente,
estes não perdem o seu caráter sucumbencial, não se confundindo com os honorários ar-
bitrados judicialmente quando não houver contrato escrito (art. 22 da Lei 8.906/1994).
Assim, enquanto a primeira espécie de honorários acima indicada tem origem na su-
cumbência ocorrida no processo, a segunda tem origem na prestação de serviço realiza-
do pelo advogado, cujo valor não foi previamente previsto pelo cliente e seu advogado.
O quantum dos honorários advocatícios variará entre 10% e 20% sobre o valor da
condenação, o proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado atribuído à causa (art. 85, §2º do CPC/2015, equivalente ao § 3.º do art. 20
do CPC/1973).
Para a fixação do percentual dos honorários devem ser observados: a) o grau de zelo
do profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e a importância da cau-
sa; d) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
Tais percentuais limitativos, no entanto, poderão legitimamente não ser observa-
dos, tratando-se de causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou,
ainda, quando o valor da causa for muito baixo, hipóteses em que o juiz deverá fixar o
valor dos honorários por apreciação equitativa (art. 85, § 8º do CPC/2015). É bastante
difícil precisar quando uma causa é de pequeno valor, para os fins do § 8.º do art. 85 do
CPC/2015. Essa tarefa deve ser desempenhada pela elaboração doutrinária e pela cons-
trução jurisprudencial, esta última diante de cada caso concreto.88
Considerando as características acima indicadas dos honorários sucumbenciais,
pode haver decisão condenando a parte vencida em honorários advocatícios e ao paga-

88. Neste sentido, v.: Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1/168; Luís
Antônio de Andrade, Aspectos e inovações do Código de Processo Civil, p. 12.
398 Manual de Direito Processual Civil

mento de cláusula penal estipulada em contrato, tendo em vista, basicamente, as dife-


renças essenciais entre ambas,89 orientação esta já encampada e pacificada pelo STF.90
Afinal, enquanto a primeira verba decorre de dispositivo legal expresso, a segunda tem
origem em um negócio jurídico celebrado pelas partes.
Nas ações de responsabilidade civil por ato ilícito contra a pessoa (responsabilida-
de extracontratual), com prestações sucessivas, os honorários devem ser calculados
tomando-se por base o montante das prestações vencidas acrescidas de 12 (doze) par-
celas vincendas (art. 85, § 9º do CPC/2015). Assim, aliás, já se decidia no âmbito do
CPC/1973, em razão da interpretação do art. 20 § 5º do CPC/1973.91
A Lei 1.060/1950 previa um limite de 15% para fixação dos honorários advocatí-
cios quando o condenado fosse beneficiário da justiça gratuita, na forma do disposto no
art. 11, § 1.º.92 O CPC/2015 revogou a mencionada disposição extravagante, não exis-
tindo mais qualquer limitação à condenação do beneficiário à justiça gratuita. Ressal-
va-se, no entanto, que caso o vencido seja beneficiário da justiça gratuita, as obrigações
decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva da exigibilidade. As
mencionadas verbas somente poderão ser executadas se, nos cinco anos subsequentes
do trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de
existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.
Passado o prazo mencionado acima, restarão extintas as obrigações a que foi condena-
do o beneficiário (art. 98, § 3º do CPC/2015).
Há hipóteses em que, justificadamente, se admitia, no âmbito da vigência do
CPC/1973 a fixação da verba honorária em percentual mais baixo do que os 10%, a que
se referia o seu o art. 20, § 3º. Assim, na decisão que dava pela carência de ação, era re-
conhecido como legítima a fixação dos honorários em percentual inferior a 10%, uma
vez que, se a honorária colimava remunerar o advogado, o seu quantum ligava-se ao
trabalho desenvolvido, que, nesta hipótese, teria sido pequeno,93 havendo-se de enten-
der o limite mínimo de 10% (art. 20, § 3º do CPC/1973, equivalente ao art. 85, § 2º do
CPC/2015) como necessariamente incidente quando a hipótese fosse de procedência-
-improcedência. Igualmente, e pela mesma razão já se entendeu que, sendo indeferida a
petição inicial, liminarmente, não se justificaria, sequer, a condenação em verba hono-

89. No mesmo sentido: Arnoldo Wald, A cumulação de cláusula penal e dos honorários do
novo CPC, Revista de Processo (RePro) 6/41; RTJ 98/848, 99/947, 100/374 e 101/1.327;
STJ, REsp 3.841/MG, 3.ª T., j. 27.08.1990, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 24.09.1990, p. 9.981;
RT 570/208; RT 562/208; JUTACivSP 81/144; Yussef Said Cahali, Honorários advocatícios,
3. ed., item 89, p. 447 et seq.; do mesmo, Ajuris 20/181 e RT Informa 247/7.
90. V. STF, Súmula 616: “É permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de
advogado, após o advento do Código de Processo Civil vigente”(CPC/1973).
91. STJ, REsp 390.050/SP, 3.ª T., j. 06.04.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ 26.04.2004, p. 165;
RT 562/260, em. (com farta citação de jurisprudência); STJ, REsp 737.708/CE, 4.ª T., j.
12.06.2007, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 13.08.2007 p. 374.
92. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 21.03.2005, p. 422; RJTJSP 40/71.
93. RJTJSP 41/99; RJTJSP 42/98; Yussef Said Cahali, Honorários advocatícios, 99, p. 481 et seq.
Em sentido contrário: Anais Forenses do Estado de Mato Grosso 40/347.
Os Sujeitos do Processo 399

rária advocatícia, uma vez que não terá havido trabalho algum a ser remunerado.94 Da
mesma forma, tendo havido revelia, mas, apesar disto, se o resultado fosse de improce-
dência, nem por isto haveria condenação em honorária.95 O art. 85, § 6º do CPC/2015
mudou parcialmente o posicionamento acima ao prever que os critérios estabelecidos
pelo código aplicam-se independentemente do conteúdo da decisão, inclusive nos casos
de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito (art. 85, § 6º do CPC/2015).96
Diante disso, independentemente do conteúdo da decisão, os honorários devem ser ar-
bitrados em montantes que correspondam entre 10% e 20% da condenação, do provei-
to econômico ou do valor da causa.
Ao que nos parece, no entanto, considerando a redação do caput do art. 85 do
CPC/2015, parte do posicionalmento anteriormente consolidado deve ser mantido. Ao
que tudo indica, o caput contém um requisito essencial para a condenação em honorá-
rios de sucumbência, qual seja, de que a parte vencedora tenha (ou já tenha tido) advo-
gado devidamente constituído nos autos, após citação ou comparecimento espontâneo,
(v.g. art. 76, § 2º, I e II do CPC/2015). Não seria o art. 85 § 6º do CPC/2015 aplicável ao
indeferimento da petição inicial (arts. 485, I, cc 330, I, II, III e IV do CPC/2015) caso
ocorresse antes da constituição de patrono pela parte contrária. Do contrário, estar-se-ia
admitindo o enriquecimento sem causa do advogado que sequer foi constituído, permi-
tindo-lhe o recebimento de honorários de sucumbência sem qualquer labor.
Por outro lado, havendo apelação contra a decisão que indefere a petição e, sen-
do o réu devidamente citado e tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto
(art. 331, § 1º do CPC/2015), de rigor o arbitramento de honorários advocatícios nos
termos previstos pelo art. 85, § 2º do CPC/2015, considerando que, neste caso, há labor
do advogado que enseja a condenação.
Em caso de perda do objeto da demanda, os honorários serão devidos por quem
deu causa ao processo (art. 85, § 9º do CPC/2015)97. Havendo desistência, renúncia ou

94. Nesse sentido, Arquivo Forense 65/161; RT 561/114. Mas, “indeferida a petição inicial e
intimado o réu para oferecer contrarrazões à apelação, se este comparece, oferecendo-as,
são cabíveis honorários advocatícios em razão do princípio da causalidade” (STJ, REsp
593.867/SC, 3.ª T., j. 24.08.2004, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 27.09.2004, p. 358).
95. STJ, REsp 609.200/RS, 5.ª T., j. 03.08.2004, rel. Min. Felix Fischer, DJ 30.08.2004, p. 327.
96. Esta modificação parece significar que os percentuais hão sempre de ser aplicados, podendo-
se ir de 10% para 20%, mas não aplicar aquém de 10%. Com isto decisões que nos casos
de carência utilizavam percentual inferior a 10% não mais devem ser proferidas.
97. Entretanto necessário o destaque de que o TJSP recentemente decidiu, em ação que versava
sobre o fornecimento de medicamentos, que não seria o caso de condenar a parte ré (Fa-
zenda Pública) ao pagamento de honorários de sucumbência, quando há perda do objeto
em razão do óbito do autor em caso de remota possibilidade de êxito na demanda. Afastou
o tribunal a condenação da parte ré ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados
em primeira instância considerando que “se na hipótese de julgamento do processo com
resolução de mérito os requeridos não seriam condenados ao pagamento de honorários
advocatícios, com maior razão afasta-se tal condenação na hipótese de extinção sem reso-
lução de mérito, não havendo que se falar em aplicação do princípio da causalidade no caso
dos autos. Este princípio não pode ser aplicado em completa abstração, sendo necessário
400 Manual de Direito Processual Civil

reconhecimento do pedido, a sentença que realizar a homologação deverá responsa-


bilizar a parte que renunciou, desistiu ou reconheceu o pedido ao pagamento dos ho-
norários advocatícios e das despesas processuais (art. 90 do CPC/2015, equivalente ao
art. 26 do CPC/1973). Sendo parcial a desistência, a renúncia e o reconhecimento do
pedido, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parce-
la reconhecida, à qual se renunciou, ou da qual se desistiu (art. 90, § 1º do CPC/2015).
Em todos esses casos deverá ser observado os parâmetros do art. 85, § 6º do CPC/2015.
No entanto, se o réu reconhecer a procedência do pedido na fase de conhecimento
e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários se-
rão reduzidos pela metade (art. 90, § 4º do CPC/2015). Esta última hipótese visa a pri-
vilegiar a parte que, diante da demanda, sabendo que o resultado provavelmente não
lhe será favorável, opta por reconhecer a procedência do pedido, dando-lhe cumpri-
mento espontâneo, contribuindo com a celeridade na resolução da demanda e com a
economia processual, a exemplo do que já ocorria com a Ação de Execução na vigência
do CPC/1973 (art. 652-A, parágrafo único do CPC/1973, equivalente ao art. 827, § 1º
do CPC/2015).
Também serão devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimen-
to de sentença provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não e nos recursos
interpostos (art. 85, § 1º CPC/2015). Importante a menção de que a orientação em re-
lação ao cumprimento de sentença, embora não fosse expressa no CPC/1973, já esta-
va sendo adotada pelo STJ, nada obstante o sincretismo processual que caracterizava
as ações condenatórias após as modificações implementadas pela Lei 11.232/2005,98-99

respaldo na legitimidade e certeza de uma pretensão resistida.” (TJSP, Apelação nº 1012176-


23.2015.8.26.0566, 2ª Câmara de Direito Público, j. 19.12.2016, des. Rel. Vera Angrisani).
98. Cumprimento de sentença – Honorários advocatícios – Cabimento. São devidos honorá-
rios advocatícios no pedido de cumprimento de sentença (STJ, REsp 987.388/RS, 3.ª T., j.
24.03.2008, rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, DJe 26.06.2008). O argumento do Vo-
to-Vista, proferido pela Min. Nancy Andrighi, e que levou o Relator, Eminente Min. Humberto
Gomes de Barros a modificar o voto antecedentemente proferido, é no sentido da necessidade
de fixação de honorários para os atos praticados pelo advogado posteriormente à prolação
da sentença. Em contrapartida, remanesce o entendimento de que os honorários arbitrados
na sentença de desapropriação já abrangem o cumprimento dos precatórios, porquanto se
trata de processo sincrético onde a fase de execução/cumprimento é, regra geral, inerente ao
procedimento e não tem o condão de constituir nova relação processual: Processual civil –
Administrativo – Desapropriação indireta – Condenação de honorários advocatícios em sede
de execução – Impossibilidade – Satisfação sincrética – Precatório – Novel cumprimento
de sentença ratio essendi do art. 27 do Dec.-lei 3.365/1941. 1. Os honorários advocatícios
fixados na ação de desapropriação são servis à cobertura dos serviços do profissional da
advocacia até o efetivo levantamento do preço, por isso que não há que se cogitar de suposta
execução judicial a embasar novas verbas, a eventual discussão superveniente acerca do
valor do precatório. 2. Deveras aquele que litiga em face da Fazenda Pública tem ciência
que, por força de regra constitucional, salvante algumas exceções, a satisfação do julgado
opera-se de forma sincrética, via precatório, sem que a isso corresponda novel relação pro-
cessual, de resto extirpada do nosso ordenamento com o advento do novel “cumprimento
da sentença”. 3. Sobressai inequívoca essa ratio essendi do disposto no Decreto-lei 3.365,
Os Sujeitos do Processo 401

tendo o CPC/2015 salutarmente afastado quaisquer possíveis dúvidas existentes acer-


99

ca do cabimento. Nos casos previstos pelo art 85, § 1º do CPC/2015, a condenação de-
verá ser cumulativa, atribuindo-se um percentual (dentro dos limites do art. 85 § 2º do
CPC/2015) para cada fase processual, que ao final resultará no montante total devido
a título de honorários100.
Deve ser feita a ressalva, no entanto, em relação aos honorários devidos em razão da
interposição de recurso. Embora o tribunal, ao julgar o recurso, possa majorar os ho-
norários advocatícios fixados anteriormente, é vedado expressamente que o cômputo
geral da fixação dos honorários devidos ao advogado vencedor (ou ainda quando hou-
ver sucumbência reciproca) ultrapasse os limites estabelecidos no art. 85, §§ 2º e 3º do
CPC/2015 (art. 85, § 11 do CPC/2015). Assim, embora permitida a majoração em fase
recursal, o cômputo total deve obedecer aos limites impostos para a fase em que se en-
contra, usualmente de conhecimento. Melhor dizendo, em se tratando de um caso em
que a fazenda pública não é parte (visto que para esta há um regramento legal próprio),
o limite para a fase de conhecimento é de no mínimo 10% e no máximo 20% do valor da
condenação, do benefício econômico ou do valor atribuído à causa, podendo o tribunal
alterar o montante dentro destes parâmetros (v,g. tendo o primeiro grau arbitrado os
honorários em 10%, poderá o Tribunal elevá-los até 20%). Ademais, importante ressal-
tar que, segundo o Enunciado Administrativo nº 7, emitido pelo Superior Tribunal de
Justiça, “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de
março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais,
na forma do art. 85, § 11 do novo CPC”.101
Exceção em relação aos percentuais previstos no art. 85, § 2º do CPC/2015 pode
ser encontrada nas disposições relativas às ações de execução por quantia certa. Nessas

de 21 de junho de 1941, em seu art. 27, verbis: “O juiz indicará na sentença os fatos que
motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens
para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua
situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos
últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao
réu. (...) § 1.º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço
oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados
entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4.º do art. 20
do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento
e cinquenta e um mil reais).4. Precedentes: REsp 401018/ES, DJ 29.08.2005; REsp 673572/
RS, DJ 18.04.2005; REsp 487535/SP, DJ 28.02.2005; REsp 656960/PB, DJ 01.07.2005. 5.
Recurso Especial desprovido (STJ, REsp 743.618/SP, 1.ª T., j. 06.02.2007, rel. Ministro Luiz
Fux, DJ 01.03.2007, p. 232).
99. Súmula 517 do STJ: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença,
haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se
inicia após a intimação do advogado da parte executada”.
100. V. TJSP, ED nº 1034786-88.2016.8.26.0100/50001, 5ª Câmara de Direito Privado, j.
19.12.2016, des. Rel. James Siano.
101. Assim tem se posicionado o TJSP: ED nº 0006085-23.2012.8.26.0053/5000, 7ª Câ-
mara de Direito Público, j. 19.12.2016, des. Rel. Magalhães Coelho; ED. nº 1019211-
40.2015.8.26.0564, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 19.12.2016, des. Rel. James Siano.  
402 Manual de Direito Processual Civil

demandas, deverá o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar, de plano, os honorários


advocatícios em 10 % sobre o débito executado, a serem pagos pela parte executada
(art. 827 do CPC/2015). Igualmente ao que já previa o CPC/1973, havendo pagamen-
to integral do débito no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será
reduzido pela metade (art. 827, § 1º do CPC/2015). Legítima, nesse caso, a estipulação
dos honorários em montante inferior à regra geral estabelecida.
No entanto, em caso de oferecimento de embargos e sendo estes improcedentes,
poderá haver a majoração do montante até o limite de 20% sobre o valor executado.
Ademais, ainda que não ocorra a oposição de embargos, poderá o juiz, ao final do pro-
cedimento executivo, levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado, decidir
pela majoração dos honorários até o limite legal de 20% do valor executado (art. 827,
§ 2º do CPC/2015). O novo monte deverá ser acrescido ao valor do débito principal,
para todos os efeitos legais (art. 85, § 13 do CPC/2015).
Havendo litisconsórcio passivo ou ativo, deverão ser divididos proporcionalmen-
te as custas e os honorários advocatícios entre as partes sucumbentes (art. 87, caput do
CPC/2015), devendo a sentença distribuir expressamente a responsabilidade patrimonial
entre as partes. Sendo omissa a sentença em relação à divisão, haverá responsabilidade solidá-
ria pelo pagamento das despesas e dos honorários advocatícios (art. 87, § 2º do CPC/2015).
Na vigência do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça, havia editado a súmula
nº 306, indicando a possibilidade de compensação de honorários em caso de sucum-
bência recíproca. Mas especificamente fixou o tribunal o seguinte entendimento: “Os
honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recípro-
ca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legi-
timidade da própria parte”. Duvidoso o posicionamento da mencionada súmula, visto
que esta previa a possibilidade de compensação de créditos que pertencem a credores e
devedores diversos, o que estaria em desconformidade com instituto da compensação
prevista pelo Código Civil (arts. 386, 380). O legislador, encampando o posicionamento
da doutrina, dispôs em sentido contrário à súmula, expressando que é “vedada a com-
pensação em caso de sucumbência parcial” (art. 85, § 14 do CPC/2015).
Com isso restou reafirmado o entendimento de que os honorários advocatícios cons-
tituem direito autônomo do advogado, compondo seu patrimônio e não do seu cliente.
Diante disso, havendo sucumbência recíproca, os honorários deverão ser calculados em
conformidade com a proporção do objeto da demanda que a parte contrária sucumbiu.102
No entanto, sendo a sucumbência mínima para uma das partes, deverá a outra res-
ponder por inteiro pelas custas e pelos honorários advocatícios (art. 86, parágrafo úni-
co do CPC/2015). A definição da sucumbência mínima dependerá de uma análise ca-
suística, considerando o objeto da demanda levada em juízo e o conteúdo da decisão
judicial que resolveu o mérito.

102. Sobre o tema v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral
do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum; Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 300.
Os Sujeitos do Processo 403

Considerando que se trata de um direito autônomo do advogado, tem este a facul-


dade de apresentar, isoladamente, cumprimento de sentença em seu nome em rela-
ção ao tópico da decisão que versa sobre os honorários sucumbenciais (art. 22 da Lei
8.906/1994). Se preferir, no entanto, poderá promover o cumprimento em nome da
parte, podendo ser, inclusive, em conjunto com o cumprimento de sentença relativo à
condenação principal. Nesse sentido pacificou o STJ o entendimento de que o advoga-
do e as partes possuem legitimidade concorrente para promover a execução dos hono-
rários advocatícios103.
Igualmente poderá ser interposto recurso em face da decisão que arbitrar os hono-
rários pelo próprio advogado autonomamente (defendendo interesse próprio), ou ain-
da, em nome da parte que este representa, usualmente em conjunto com a impugnação
dos demais tópicos da decisão104.
Entretanto, deve ser realizada a ressalva de que, ainda que o recurso seja interposto
unicamente em nome do representado beneficiário da gratuidade da justiça, caso este
verse unicamente sobre honorários advocatícios, a gratuidade não se aplica, salvo se o
próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade (art. 99, § 5º do CPC/2015),
pois este será o único beneficiário do provimento do recurso.105
Já se decidiu que, quando o juiz, na condenação de honorários advocatícios, faz re-
ferência ao valor da causa, haver-se-á de levar em consideração o valor da causa, quan-
do de sua propositura.106 Este entendimento não é o correto, tanto mais gravemente
errôneo na proporção de uma inflação maior. Admitida a realidade de se tomar o valor
da causa como base para a condenação, o que não se afeiçoa à lei (tendo em vista to-
das as hipóteses de base para incidência do percentual), sem embargo, ainda assim, a
conclusão não está correta, pois esse valor deve ser corrigido. O entendimento acabou
mostrando-se minoritário, sendo editada a Súmula 14 do Superior Tribunal de Justiça,
consolidando jurisprudência maciça de nossos tribunais, enunciada nos seguintes ter-
mos: “Arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a
correção monetária incide a partir do respectivo ajuizamento”. Por sua vez, os juros de
mora serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão107.
No mais, quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios
incidirão somente a partir da data do trânsito em julgado da sentença ou decisão (art. 85,
§ 16 do CPC/2015), incidindo a atualização desde o seu arbitramento108.

103. STJ, REsp 1.596.062/SP, 2ª T. j. 07.06.2016, rel. Min. Diva Malerbi; STJ, REsp 1169967/RS,
2ª T., j. 19.08.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.09.2010..
104. STJ. REsp. 910.226/SP, 4ª T. j. 02.09.2010, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 15.09.2010;
105. Importante ressaltar que o STJ entendia de maneira diversa: REsp 1.596.062/SP, 2ª T. j.
07.06.2016, rel. Min. Diva Malerbi.
106. TJP. Apelação nº 1024408-02.2014.8.26.0405, 28ª Câmara Extraordinária de Direito Pri-
vado, j. 13.12.2016, des. Rel. Paulo Alcides; STJ, EREsp 659.296/DF, 1.ª S., j. 28.09.2005,
rel. Min. José Delgado, DJ 24.10.2005, p. 163.
107. STJ. REsp 1257257/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 03.10.2011
108. STJ, EDcl no REsp 916.064/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, DJe 01.10.2008
404 Manual de Direito Processual Civil

10.6.7. Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública


O CPC/1973 continha disposições pouco minuciosas acerca da fixação dos honorá-
rios advocatícios nas causas em que a Fazenda Pública fosse parte. Previa o art. 20, § 4º
do CPC/1973 que nas causas em que fosse vencida a Fazenda Pública, e nas execuções
embargadas ou não, os honorários seriam arbitrados consoante apreciação equitativa
do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b, c do § 3º do mesmo artigo 20 (a – grau de
zelo do profissional; b – o lugar da prestação de serviço; c – a natureza e a importância
da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço). Não
havia um parâmetro efetivo para a condenação ao pagamento dos honorários, havendo
considerável liberdade para o juiz fixá-los, em conformidade com a sua análise da de-
manda. Ademais, o dispositivo não guardava igualdade entre os procuradores das partes
envolvidas no processo, visto que, para a parte contrária (que não a Fazenda Pública),
deveriam ser aplicadas as demais regras do art. 20, especialmente o seu § 3º (fixação dos
honorários entre 10% a 20% sobre o valor da condenação ou sobre o valor da causa).
O CPC/2015 mudou consideravelmente a realidade, tendo previsto de forma mais
completa e objetiva os parâmetros para a fixação dos honorários advocatícios nas de-
mandas em que a Fazenda Pública seja parte. A nova legislação não estabeleceu igual-
dade entre as causas que têm como partes apenas particulares e as causas em que pelo
menos uma parte é a Fazenda Pública (visto que algumas das porcentagens previstas
no § 3º são inferiores às estabelecidas na regra geral do § 2º do art. 85 do CPC/2015).
Apesar disto, não se pode negar que o art. 85 do CPC/2015 proporciona igualdade entre
as partes da demanda, visto que novos parâmetros também devem ser aplicados para a
parte contrária (particular) que foi condenada ao pagamento de honorários caso tendo
sido vencedora a Fazenda Pública.
Quando o código utiliza a expressão Fazenda Pública, contida no § 3º do art. 85,
esta refere-se à União, aos Estados, aos Municípios e suas respectivas autarquias e fun-
dações109, da mesma forma que – em algumas decisões – se compreendem as empresas

109. Leonardo José Carneiro da Cunha esclarece que “A expressão Fazenda Pública identifica-se
tradicionalmente com a área da Administração Pública que trata da gestão de finanças, bem
como da fixação e implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda
Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o
termo Erário, representando aspecto financeiro do ente público. Não é por acaso a utiliza-
ção, com frequência, da terminologia Ministério da Fazenda ou Secretaria da Fazenda, para
designar, respectivamente, o órgão despersonalizado da União ou do Estado responsável
pela política econômica desenvolvida pelo Governo.
O uso frequente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-lo num sentido
mais lato, traduzindo a atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão
Fazenda Pública contém significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude à
Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo de Estado em juízo ou
do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo. [...]
Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União,
aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações.
(A Fazenda Pública em Juízo, 8ª Ed. São Paulo: Didática, 2010. p. 15.)
Os Sujeitos do Processo 405

públicas;110 ao contrário, não se compreendem as sociedades de economia mista, pois,


se escolhida foi a forma de direito privado, inclusive com a presença de capital privado,
não se justifica o aludido favor legal do § 3º do art. 85.
Nestas causas, para fins de fixação dos montantes devidos a título de honorários
advocatícios, deverão ser observados os mesmos critérios especificados nos incisos do
§ 2º do art. 85, ou seja: I – grau de zelo do profissional; II – o lugar da prestação de ser-
viço; III – a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o
tempo exigido para o serviço.
A grande diferença, que é a efetiva novidade sobre o tema no CPC/2015, está na
tabela progressiva criada para a indicação dos percentuais de honorários que servirão
como parâmetro para a fixação do montante final dos honorários advocatícios nestes
tipos de causa, com variação das porcentagens em razão do valor da causa ou do pro-
veito econômico obtido.
A tabela prevê a variação dos percentuais na seguinte proporção: I – mínimo de 10
% (dez) e máximo de 20% (vinte) sobre o valor da condenação ou do proveito econô-
mico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos; II – mínimo de 8% (oito) e máximo
de 10% (dez) sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; III – míni-
mo de 5% (cinco) e máximo de 8% (oito) sobre o valor da condenação ou do proveito
econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil)
salários-mínimos; IV – mínimo de 3% (três) e máximo de 5% (cinco) sobre o valor da
condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mí-
nimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos; e V – mínimo de 1% (um) e máximo
de 3% (três) sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de
100.000 (cem mil) salários-mínimos (incisos I a V do § 3º do art 85 do CPC/2015). Os
honorários resultarão da soma obtida em todas as faixas progressivas.
Os percentuais acima devem incidir progressivamente, sendo de rigor a observa-
ção da primeira faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim, su-
cessivamente (art. 85, § 5º do CPC/2015). Tratando-se, exemplificativamente, de uma
condenação de 250.000 salários mínimos, incidirá a primeira faixa sobre 200 salários
mínimos (10 a 20%); a segunda faixa sobre o montante de 1.800 salários mínimos (8%
a 10%); a terceira sobre 18.000 salários mínimos (5% a 8%); a quarta sobre 80.000 sa-
lários mínimos (3% a 5%) e; por último, a quinta faixa sobre o valor restante, ou seja,
150.000 salários mínimos (1% a 3%).
Os percentuais acima indicados necessariamente deverão ser aplicados desde logo
quando a sentença for líquida (art. 85, § 4º, I, do CPC/2015) e, não sendo o caso, a

110. STJ, EREsp 200.828/DF, 1.ª S., j. 25.05.2000, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 01.08.2000,
p. 186. Em sentido contrário: 1.º TACSP [extinto], ApCív 203.289/São Paulo, 3.ª Câm.,
29.05.1974, v.u., rel. César de Moraes,; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado,
vol. 2/192 (com ponto de vista contrário ao texto, onde, todavia, se expressa a opinião então
dominante).
406 Manual de Direito Processual Civil

definição ocorrerá quando liquidado o julgado (art. 85, § 4º, II do CPC/2015). Com-


plementarmente destaca-se que, como os parâmetros percentuais têm como base o
valor em salários mínimos (de 200 salários a 100.000 salários), deve ser utilizado
o montante do salário mínimo vigente na data em que foi proferida a sentença líqui-
da ou, se o caso, na data em que for proferida a decisão de liquidação (art. 85, § 4º,
IV do CPC/2015).
Excepcionalmente, não serão devidos honorários advocatícios na fase de cumpri-
mento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje a expedição de precatório, sal-
vo se houver impugnação, quando haverá direito aos honorários específicos para esta
fase (art. 85, § 7º do CPC/2015).

10.7. Ministério Público


10.7.1. A atual função do Ministério Público
O Ministério Público, atualmente, encontra sua disciplina fundamental – além da-
quela constante da CF/88 – na Lei Complementar 75/1993, a qual dispõe sobre a orga-
nização, atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, e na Lei 8.625/1993,
que é a Lei Orgânica do Ministério Público, que, por sua vez, dispõe sobre normas
gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. No Estado de São Pau-
lo, ademais, a Lei Complementar estadual 734/1993 disciplina o Ministério Público
Estadual.
São variadas as opiniões a respeito do Ministério Público e de quais sejam as suas
características fundamentais e definidoras dentro do organismo estatal.
A literatura jurídica não aborda de forma abundante a influência das modernas
transformações do Estado na estrutura e na função do Ministério Público, tema este
que deveria ser alvo de maior atenção por parte da doutrina, devido à sua importância.
No antigo Direito francês, os membros da instituição eram autênticos advogados do
rei e, com o fortalecimento da monarquia, representaram o significativo papel de agen-
tes do poder real perante as Cortes.
Com a Revolução Francesa e a queda das monarquias, desapareceu a pretensa identi-
dade entre o rei ou monarca e o Estado. O Estado oriundo da Revolução Francesa, espe-
cialmente o Estado de Direito, é aquele em que, pelo menos formalmente, se encontram
sintetizados os interesses de toda a sociedade, principalmente quando se asseguram os
interesses das minorias, por meio da respectiva representação política e consequente in-
fluência na vida estatal. Logo, diante desse panorama, não tinha mais cabimento falar-se
em Ministério Público como representante dos interesses do rei ou da Coroa, pois, sob
esta nova perspectiva, os interesses do Estado coincidiam com os do povo.
Temos, então, em apertada síntese, a influência das transformações do Estado na
instituição do Ministério Público.111

111. V. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, vol. 1, 109, São Paulo: RT, 1971, p. 552;
Código de Processo Civil comentado, vol. 3, São Paulo: RT, 1975, p. 384 et seq.
Os Sujeitos do Processo 407

Mais nítida e clara se tornou a finalidade do Ministério Público. Passou esse, assim,
a ser representante da “sociedade”, ou, mais precisamente, dos superiores e indispo-
níveis interesses (sociais e individuais) da sociedade perante os tribunais, nos quadros
“da defesa da ordem jurídica” e “do regime democrático” (arts. 127, caput, da CF/1988
e 176 do CPC/2015).
Tanto é verdadeira essa evolução – ao menos no Direito brasileiro –, que a Cons-
tituição de 1988, ao contrário das anteriores, criou a Advocacia-Geral da União
(arts. 131/132), que tem como função, precipuamente, a representação da União, judi-
cial ou extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo. Desta forma, desvinculou-se o Ministério Público desta
função de agir em nome da União Federal em juízo ou fora dele. Aliás, o art. 129, IX, da
atual Constituição, veda expressamente a representação judicial e a consultoria de en-
tidades públicas pelo Ministério Público.
Na esfera penal, em grande escala, cabe-lhe o exercício e a titularidade da ação penal.
Coube, pela Constituição Federal de 1988, ao Ministério Público, zelar integralmente,
junto à Justiça, pelo cumprimento da lei, pois esta é, por definição, a expressão dos inte-
resses comuns de todos os membros integrantes da sociedade (bem comum). Hoje está
o Ministério Público tratado, pelo texto constitucional, dentre as “funções essenciais à
Justiça” (no Título IV, Capítulo IV, Seção I, da CF/1988).

10.7.2. Os princípios estruturais e os da atuação do Ministério Público


O Ministério Público é uno e indivisível, tendo os seus membros autonomia fun-
cional (art. 127, § 1º, da CF/1988, que alude à independência funcional e à indivisibili-
dade do MP). A indivisibilidade diz respeito a “cada MP”, ou seja, ao federal e a cada
um dos estaduais, porque é essa indivisibilidade presidida pela noção de comando.
Atualmente, pela Lei Complementar 75/1993 (art. 4º), e pela Lei Orgânica Nacional
do Ministério Público, Lei 8.625/1993 (art. 1º, parágrafo único), encontram-se igual-
mente consagrados esses princípios. Deflui disso que todo ele é dirigido por uma von-
tade superior. Como expressão dessa independência funcional, dispõe o art. 127, § 2º,
da CF/1988, que lhe “é assegurada autonomia funcional e administrativa”, e, respei-
tado o art. 169 do texto constitucional, pode propor ao Poder Legislativo a criação e
extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de
provas e de títulos, o que se encontra previsto, igualmente, na Lei Complementar Fe-
deral 75/1993 (art. 22).
Dizendo-se que o Ministério Público é uno e indivisível, e que, quando um agente
seu se manifesta no cumprimento de dever funcional, não o faz, na realidade, em nome
próprio, mas de toda a instituição, isto equivale a dizer que tal manifestação compro-
mete todo o organismo. Essa unidade, como já dissemos, diz respeito a cada Ministé-
rio Público, federal e estaduais, não podendo ser aqui vislumbrada uma unidade da
instituição como um todo, no âmbito nacional. Devemos ressaltar, porém, que, com a
Emenda Constitucional 45/2004, que inseriu na Constituição Federal o art. 130-A, ve-
mos que o tratamento dispensado considera o Ministério Público como uma unidade,
408 Manual de Direito Processual Civil

i.e., tendo em vista os objetivos a serem atingidos pelo Conselho Nacional do Ministé-
rio Público– CNMP.
O CNMP sobrepõe-se às diversas divisões do Ministério Público, tendo em vista
e limitadamente aos fins que deve atingir. Daí necessariamente havemos de concluir
que este princípio da unidade permeia a instituição e informa a atuação dos órgãos do
Ministério Público, especialmente do ponto de vista da subordinação. Tinha-se pre-
sente que o chefe do Ministério Público teria o poder de avocar, para si, as funções
de seus subordinados (princípio da devolução). Por outro lado, e com fundamento na
mesma ideia, poderia determinar a substituição de um membro do Ministério Públi-
co por outro (princípio da substituição). O que contava, acima de tudo, era a manifes-
tação do Ministério Público como organismo, de modo que, havendo discordância
entre seus órgãos inferiores e o superior, teria de prevalecer a opinião discricionária
deste.112 Podemos dizer, porém, que os princípios da devolução e da substituição não
encontram aplicação contemporaneamente, visto que colidem com o princípio do
promotor natural. Houve, ao nosso ver, uma evolução na interpretação dos disposi-
tivos constitucionais.
O princípio do promotor natural se encontra disposto no art. 128, § 5º, I, b, da
CF/1988, que prevê a garantia da inamovibilidade, e também, no art. 38, II, da Lei Or-
gânica do Ministério Público, que repete a garantia da inamovibilidade no âmbito in-
fraconstitucional. Assim, aos membros do Ministério Público é garantida a inamovibi-
lidade, salvo por motivo de interesse público113, mediante decisão do órgão colegiado
competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros114,
assegurada ampla defesa (art. 128, § 5º, I, b, da CF/88).
Trata-se de uma garantia constitucional que tem como principal objetivo a mitiga-
ção do poder de designação por parte do chefe do Ministério Público e dos seus órgão
superiores, garantindo também ao jurisdicionado que ele será processado pelas auto-
ridades competentes, previamente estabelecidas pelas leis processuais e de organiza-
ção judiciária.115 Assim, além da garantia do jurisdicionado de ser julgado por um juiz

112. Neste sentido se manifestou a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, consignando o


Ministro Moreira Alves que “O Ministério Público é uno e pode, portanto, seu Chefe
avocar qualquer processo ou designar promotor para que nele ofereça denúncia” (RT
553/428)
113. Conforme comenta José Adércio Leite, “O interesse público, que se pode identificar com o
interesse institucional primário, mas nunca como pena ou perseguição, deve ser manifesto
e submetido à contradita, não bastando o simples querer do colegiado”. (José Adércio Leite
Sampaio, Comentário ao art., 128 in J.J. Gomes Canotilho... [et. al.] Comentários à Consti-
tuição Brasileira: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1.526.)
114. A redação originária da Constituição Federal de 1988 previa o quórum de dois terços,
entretanto a Emenda Constitucional 45/2005 alterou este para maioria absoluta.
115. Nelson Nery Júnior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª Edição, revisada,
atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei n.13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 204.
Os Sujeitos do Processo 409

natural, prevê a norma constitucional, que o membro do Ministério Público que for
exercer o seu papel no processo, também o deverá ser.116
Já houve considerável controvérsia no Supremo Tribunal Federal sobre a existência
e aplicabilidade do princípio do promotor natural, em razão da sua contraposição aos
princípios da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, estes sim previstos
de forma mais clara pelo art. 127, § 1º, da Constituição Federal. A premissa de que o
Ministério Público é uno e indivisível poderia levar à conclusão de que o Chefe do Par-
quet, ou seu órgão superior (CNMP), se poderia utilizar indiscriminadamente do prin-
cípio da substituição para garantir que determinado posicionamento específico reflita
sua posição, o que, em nosso ver, entendemos inadequado.117 Abaixo indicamos alguns
dos posicionamentos já tomados pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 1992, no julgamento do Habeas Corpus 67.759, de Relatoria do Ministro Celso
de Mello, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, deliberou sobre a existência do princí-
pio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro, tendo o órgão divergido
de forma acentuada sobre o princípio.
A divergência instaurada deu-se em relação à existência e o alcance do princípio,
posicionando-se os Ministros da seguinte forma: a) O Ministro Celso de Mello, apesar de
reconhecer a existência do princípio, posicionou-se no sentido de que este não poderia
ser imediatamente aplicado, exigindo intermediação legislativa118; b) Os Ministros Se-
púlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso reconheceram o princípio, indicando
que este independe de intermediação legislativa, tendo aplicabilidade imediata sobre
o caso julgado; c) O Ministro Sydney Sanches rejeitou a existência explícita ou implí-
cita do princípio, argumentando que ele não resulta dos princípios da independência
funcional e da inamovibilidade, admitindo, no entanto, a possibilidade da “adoção” do
princípio mediante lei (Lei Orgânica do Ministério Público), indicando que para ele se-
ria a previsão do princípio “salutar para a instituição e para os jurisdicionados”; d) e os

116. Araken de Assis, Processo Civil Brasileiro, Vol. II: parte geral: institutos fundamentais: Tomo
1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.150
117. Hugo de Nigro Mazzilli indica que: “Nesta ocasião, ficou bem claro que se deseja a pre-
valência do princípio do promotor natural, segundo o qual a lei é que deve discriminar
previamente as atribuições do órgão ministerial, não se aceitando designações ilimitadas e
discricionárias só a pretexto da unidade e da chefia da instituição.” Mais adiante preceitua:
“O verdadeiro fundamento da inamovibilidade não repousa apenas na impossibilidade de
afastar o membro do Ministério Público do seu cargo, mas também e principalmente visa
proteger suas funções” (Hugo de Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério: análise da
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 8.625 de 12 de fevereiro
de 1993. 2ª Ed. revista, ampliada, e atualizada à luz da LOMPU, da LONMP e da LOEMP,
Saraiva, p. 173)
118. Destacou mais especificamente o Ministro que: “Inobstante reconheça imanente ao novo
regramento constitucional pertinente ao Ministério Publico o princípio do Promotor Natu-
ral, não vislumbro, na situação concreta emergente destes autos, hipótese que enseje a sua
atuação, pois o sentido desse postulado exige, para que se lhe dê aplicabilidade, a edição
de ato legislativo.”
410 Manual de Direito Processual Civil

Ministros Paulo Brossard, Octaviano Gallotti, Néri Silveira e Moreira Alves rejeitaram
expressamente a existência do princípio.119-120-121
Em 2008, a Segunda Turma do Supremo Tribunal, ao julgar o Habeas Corpus 90.277-
DF, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, negou a existência do princípio do promotor
natural, com base em dois precedentes do próprio tribunal, quais sejam, o já mencio-
nado Habeas Corpus 67.759 (rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.1992, DJU 01.07.1993)
e o Habeas Corpus 84.468-ES (rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, j. 07.02.2006, DJe
29.06.2007). Diante dos posicionamentos anteriores do tribunal, consignou a Ministra
que “Não há como se cogitar da existência do princípio do promotor natural no orde-
namento jurídico brasileiro.” Ademais, restou expresso no mencionado acórdão que,
ainda que o caso fosse julgado partindo do pressuposto da existência do princípio do
promotor natural, no caso concreto não haveria qualquer ato que indicasse a sua inob-
servância, visto que, durante todo o processamento do feito foram observados os pro-
cedimentos de distribuição, versando a controvérsia tão somente sobre a utilização do
critério numérico ou de ordem de ingresso para a distribuição.
Há duas ressalvas que devem ser realizadas em relação ao mencionado julgado. Ocor-
re que o julgamento teve como premissa a existência de dois julgamentos anteriores do
Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexistiria no ordenamento jurídico pátrio
o princípio do promotor. O primeiro deles é o mencionado HC 67.759-RJ. Entretanto,

119. Ementa do Acórdão: "Habeas corpus" – Ministério público – Sua destinação constitucional
– princípios institucionais – A questão do promotor natural em face da Constituição de 1988
– Alegado excesso no exercício do poder de denunciar – Inocorrencia – Constrangimento
injusto não caracterizado – Pedido indeferido. – O postulado do Promotor Natural, que se
revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designa-
ções casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse
princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro
do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente
do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver
atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de
critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse
princípio assenta-se nas clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos
membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do
Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer
a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros
Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Divergência,
apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade
da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro Celso De Mello);
incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros Se-
púlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso). – Reconhecimento da possibilidade de
instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). –
Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros
Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri Da Silveira e Moreira Alves.  
120. STF, HC nº 67.759-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.1992, DJU. 01.07.1993
121. V. Nelson Nery Júnior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª Edição, revisada,
atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei n.13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 205.
Os Sujeitos do Processo 411

já mencionado, o julgamento caminha exatamente no sentido contrário, de reconhe-


cer a existência do princípio do promotor natural, sendo que o resultado negativo de
concessão decorreu da ausência da verificação, no caso concreto, da existência de pro-
motor de exceção, bem como da impossibilidade de aplicabilidade direta do princípio,
sem a edição de lei ordinária que atribua os seus contornos.122
Por sua vez, o segundo julgado é o Habeas Corpus nº 84.468-ES (rel. Min. Cezar Pe-
luso, 1ª Turma, j. 07.02.2006, DJe 29.06.2007). Do mencionado julgado, no entanto,
não é possível abstrair diretamente a inexistência do princípio do promotor natural.
Ocorre que o caso concreto não envolvia a substituição de promotor titular e sim a de-
legação de competências penais do Procurador-Geral da República aos Subprocurado-
res Gerais da República, hipótese prevista expressamente no parágrafo único do art. 48
da Lei Complementar nº 75/1993,123 tratando-se de designação realizada nos termos
legalmente previstos. Em razão da permissão legislativa é que não foi reconhecido o
desrespeito ao promotor natural, não havendo qualquer conclusão no acordão que in-
dique a sua inexistência.
Parece-nos, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus
90.277-DF, acabou partindo de premissas equivocadas para a chegar à conclusão da ine-
xistência do princípio no ordenamento jurídico brasileiro.
Posteriormente, em 2011, a Segunda Turma do mesmo Tribunal Superior re-
conheceu, por unanimidade, ao julgar o um agravo regimental no Habeas Corpus
102.147, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o princípio do promotor natural.
Consignou o mencionado ministro que: “Em suma: o que se mostra relevante acen-
tuar, analisada a questão sob a perspectiva do postulado em causa, é que o princípio
do Promotor Natural impede que o membro do Ministério Público venha a ser arbi-
trariamente afastado do desempenho de suas atribuições nos procedimentos em que
ordinariamente oficie (ou em que deva oficiar), exceto por relevante motivo de in-
teresse público, por impedimento ou suspeição ou, ainda, por razões decorrentes de
férias ou de licença.”124-125

122. Neste sentido também apontam Nelson Nery Júnior (Princípios do Processo na Constituição
Federal, 12ª Edição, revisada, atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples
e vinculantes) e com o novo CPC (Lei n. 13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tri-
bunais, 2016. p. 205.) e Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de Direito Processual
Civil – Volume Único. 8ª – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 37).
123. “Art. 48. Incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o Superior Tribunal
de Justiça: I – a representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, no
caso de recusa à execução de lei federal; II – a ação penal, nos casos previstos no art. 105,
I, "a", da Constituição Federal. Parágrafo único. A competência prevista neste artigo poderá
ser delegada a Subprocurador-Geral da República.”
124. STF, HC 102.147 AgR, Min. Celso de Mello, j. 01.03.2011. DJE. 18.03.2011
125. Posteriormente, no entanto, o Supremo Tribunal acabou por entender que o princípio possui
natureza legal e, apenas reflexamente constitucional, deixando o tribunal de se manifestar
sobre a matéria ante a previsão expressa da Lei Orgânica do Ministério Público (art. 38,
inciso II). Neste sentido Ag.Reg. na Petição nº 5.951-RJ, Rel. Min. Dias Toffoli. J. 03.05.2016,
DJU 01.06.2016.
412 Manual de Direito Processual Civil

Considerando os argumentos acima indicados, bem como o conteúdo dos julgados do


Supremo Tribunal Federal, parece-nos adequada a conclusão de que é possível abstrair o
princípio do ordenamento jurídico, devendo este ser observado126. Diante disso, a aplicação
desse princípio, por exemplo, proíbe a indicação de membro do MP ad hoc para determina-
do caso especificamente individualizado e a realização de substituições arbitrárias ou com
objetivos ocultos, afastando, assim, a possibilidade de se admitir a figura de uma espécie
“promotor de exceção”, designado especificamente para atuação em uma situação concreta.
Qualquer hipótese de substituição deve ser fundamentada em questões de interesse
público, respeitando os ditames do ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de con-
trariá-lo, maculando o devido processo legal. Diante disso, serão lícitas, por exemplo,
as substituições, designações e delegações realizadas pelo Procurador-Geral de Justiça,
nas hipóteses previstas em legislação especial (v.g Lei 8.625/1993 – Lei Orgânica Na-
cional do Ministério Público), bem como as delegações previstas no ordenamento (v.g.
Lei Complementar 75/1993).127
Os princípios antes referidos dizem respeito à atuação do Ministério Público como
órgão ou, mais precisamente, como organismo, junto ao Poder Judiciário. Trataremos,
agora, daquelas regras e princípios que informam a vida interna do organismo.
Pela Constituição Federal vigente (art. 128, § 1º), a nomeação do Procurador-Ge-
ral da República deve ocorrer “dentre integrantes da carreira”, maiores de trinta e cin-
co anos, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, “para mandato de
dois anos”, admitida uma recondução. Ademais e principalmente, na forma do § 2º, do
art. 128, da Constituição Federal, “a destituição do Procurador-Geral da República, por
iniciativa do Presidente da República, deverá ser precedida de autorização da maioria ab-
soluta do Senado Federal”.
Com este sistema, constatamos autêntica independência do Ministério Público, in-
clusive em relação ao Poder Executivo. O mesmo sistema, mutatis mutandis, foi adotado
pelo Estado de São Paulo (Constituição do Estado de São Paulo, art. 94, II, e Lei Com-
plementar Estadual 734/1993, art. 10), na linha do que consta do art. 128 da CF/1988.
Verificamos, portanto, que, ao lado da autonomia funcional do membro do Minis-
tério Público, encontram-se poderes existentes, adjudicados ao chefe do Parquet, em
nome da unidade do Ministério Público, os quais, sem arranhar a autonomia funcional,
indicam o prevalecimento da unidade da instituição, mercê da possível substituição do
que estiver atuando, o que ocorrerá sempre e também em nome do interesse público.
Cada Parquet tem o seu chefe, e este tem poderes de direção e inspeção. Com os
poderes de direção, dirige a instituição, imprimindo-lhe os rumos mais adequados ao
cumprimento de sua missão; munido dos segundos, mantém permanentemente a dis-
ciplina da mesma, na linha de nossa tradição.

126. V. Nelson Nery Júnior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª Edição, revisada,
atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei n. 13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 205.
127. V. Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil – Volume Único.
8ª – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 37
Os Sujeitos do Processo 413

A disciplina infraconstitucional do Ministério Público da União encontra-se esta-


belecida por lei complementar, no que diz respeito à organização, às atribuições, e, bem
assim, no atinente ao estatuto de cada Ministério Público (art. 128, § 5º, da CF/1988).
Nessa disciplina encontram os seus integrantes as garantias constantes das letras a a c
do inciso I do § 5º do art. 128, quais sejam, as da vitaliciedade, da inamovibilidade e da
irredutibilidade de subsídio.
Em atenção aos ditames constitucionais (art. 128, § 5º), foi editada a Lei Comple-
mentar Federal 75/1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do
Ministério Público da União. Anteriormente, já havia sido editada a Lei 8.625/1993, que
instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e estabeleceu as normas gerais
para a organização do Ministério Público dos Estados.
De acordo com a Lei Complementar 75/1993, é vedado ao membro do Ministério
Público receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens
ou custas processuais; exercer a advocacia; exercer o comércio ou participar de socie-
dade comercial, exceto como cotista ou acionista; exercer, ainda que em disponibilida-
de, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; exercer atividade político-
-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

10.7.3. O Ministério Público e sua posição político-jurídica


Quanto à natureza jurídica da instituição, doutrinariamente, discute-se ainda a exata
situação do Ministério Público no organograma do Estado. Debateu-se profundamente
o assunto, quando da elaboração da Constituição italiana de 1947, prevalecendo, afi-
nal, a posição de que o Ministério Público é órgão do Poder Executivo,128 posição essa
vitoriosa também entre nós, no sistema constitucional anterior. Na Constituição brasi-
leira anterior, o Ministério Público era tido expressamente como órgão do Executivo,
como se colhe dos arts. 94-96 daquela Carta, localizados estes dispositivos no interior
do Capítulo VII, dedicado ao Poder Executivo.
Se examinarmos rapidamente as legislações mais antigas, e que incidentalmente re-
feriam-se ao Ministério Público – embora não com este nome – verificaremos que seus
membros eram manifestamente confundidos com os advogados ou procuradores do Es-
tado. De certa forma, esta confusão, existente nesse estágio histórico, era perfeitamen-
te explicável, diante da circunstância, já por nós ventilada, de que, originariamente, os
interesses do rei seriam os interesses da sociedade. Numa fase mais adiantada, porém,
conquanto o Poder Executivo já tivesse seus advogados para defendê-lo, estes e os mem-
bros do Ministério Público submetiam-se a uma única chefia: a do Poder Executivo.
Preponderava absolutamente, pois, o interesse do Poder Executivo.129

128. Cf. Vicenzo Carullo, La Costituzione della Repubblica Italiana, 1960, vol. 2. Consultar os
arts. 107, 2.ª al., 108, 2.ª al. e 112, da Constituição italiana de 1947.
129. Cf. Sílvio do Amaral, Subtração do Ministério Público ao campo do Poder Executivo, RT
190/19.
414 Manual de Direito Processual Civil

Isto é que não se repetiu na Carta de 1988. Com efeito, na Constituição Federal
vigente (v. arts. 127-130-A da CF), o Ministério Público está colocado no Título IV,
do Capítulo IV, Seção I, “Das Funções Essenciais à Justiça”. Porque em sendo o Minis-
tério Público um organismo integrado do Poder Executivo, necessariamente haveria
de ser obediente às regras fundamentais, inspiradoras deste Poder. Como se consta-
ta, pela Constituição Federal de 1988, alojado que está, ao lado do Poder Judiciário, e
constituindo-se a sua atuação em função essencial à Justiça, modificou-se, para melhor,
a sua posição.
Por meio da atividade do Ministério Público, defende-se o interesse da sociedade
mercê de rigoroso cumprimento da lei, havida como um mandamento que deve ser
cumprido, porque consubstanciador das regras pelas quais se proporciona a consecu-
ção do bem comum.
Ora, o Ministério Público dificilmente poderia atingir a meta de fiscal da ordem ju-
rídica do regime democrático e dos interesses e direitos sociais indisponíveis (art. 176 do
CPC/2015), se lhe cometessem a tarefa de defender, como advogado, os interesses do
Estado. O advogado, em regra, defende certos interesses, sustentando-os como eminen-
temente jurídicos. O Ministério Público, porém, quando se manifesta, não está pro-
priamente defendendo interesses personalizados, como os de um indivíduo, ou de uma
pessoa jurídica; ao contrário, propugna pelos interesses sociais e individuais indispo-
níveis, que, em certa medida, são impessoais. Daí o grande valor das manifestações do
Ministério Público.
Sob esta ótica político-institucional, a Constituição Federal vigente adjudica am-
plas atribuições ao Ministério Público, no art. 129 da CF/1988.130 Não há dúvida de
que é difícil, até mesmo teoricamente, dizer que um agente integrante de um orga-
nismo, como o Ministério Público que integrasse o Poder Executivo, pudesse a ele se
contrapor, em determinadas circunstâncias, na pessoa de seu chefe. Todavia, a inde-

130. Quais sejam: “(...) I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei [esta
função é tradicional]; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos [estas funções dos incisos II e III demonstram a alta relevância social, ativa, do
que foi atribuído ao Ministério Público]; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou
representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisi-
tando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respec-
tiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior [trata-se do § 5.º do art. 128]; VIII – requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos
de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas,
desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129 da CF/1988; no mesmo sentido, v. os
arts. 5.º e 6.º da Lei Complementar 75/1993 e o art. 25 da Lei 8.625/1993).
Os Sujeitos do Processo 415

pendência do Ministério Público outro significado não poderá ter, senão de, em cer-
tos momentos, poder contrapor-se ao próprio Poder Executivo. Esta posição foi aceita
pela vigente Constituição.
Finalmente, é fora de qualquer dúvida a independência do Ministério Público rela-
tivamente ao Judiciário, ante as disposições constitucionais que o regularam.
Assim, não resta dúvida que, diante da Constituição Federal de 1988, a posição do
Ministério Público na estrutura organizacional do Estado é sui generis, sendo efetiva-
mente autônoma e independente das demais funções estatais.

10.7.4. A atuação do Ministério Público


O Ministério Público atua no processo civil de duas formas: ora como parte (art. 177
do CPC/2015), exercendo o direito de ação, ora como fiscal da ordem jurídica (art. 176
do CPC/2015).
Para a compreensão da atividade do Ministério Público devemos ter em vista suas
funções institucionais, constitucionalmente asseguradas e, bem assim, as diversas leis
existentes, que, em parte, já significam concreção dessas suas atribuições. Certamente,
outras leis serão editadas, para, no plano infraconstitucional, dar-se consecução ao que
está previsto na Constituição Federal de 1988. 131
Na primeira hipótese, i.e., como parte, o Ministério Público, como órgão do Estado,
está legitimado a invocar a tutela jurisdicional, sempre que isso se mostre necessário
para o cumprimento de suas atribuições constitucionalmente estabelecidas, como se
dá, por exemplo, na ação de nulidade de casamento (art. 1.549 do CC/2002); na ação
de perda ou suspensão do poder familiar (art. 1.637 do CC/2002); na ação rescisória
(art. 967, III, do CPC).
Respeitante a esta matéria há de sempre ser examinado o aspecto da legitimidade,
bem como ser constatada a presença das demais condições da ação. Assim, a jurispru-
dência se havia consolidado no sentido de que o Ministério Público não é parte legí-
tima para ingressar em juízo com ação de alimentos em nome do menor, mormente

131. Como comenta Teresa Arruda Alvim Wambier “O art. 176 do NCPC, que não conta
com disposição correlata no CPC/73, reflete, em nível legislativo infraconstitucional, as
atribuições constitucionalmente conferidas ao MP na CF em seu art. 127. É o Ministério
Público (MP) um órgão de Estado atuante na defesa da ordem jurídica e na fiscalização
do cumprimento da lei no Brasil. O MP é o exercente de funções essenciais à justiça,
conforme prevê a CF/88, não contando com vinculação a qualquer dos poderes do Es-
tado, sendo, portanto, independente e autônomo. O MP conta com orçamento, carreira
e administração próprios. E tem como incumbência institucional zelar pelo patrimônio
nacional, público e social, em que se incluem o patrimônio cultural, o meio ambiente,
os direitos e interesses da coletividade (direitos transindividuais), as disposições legais
aplicáveis à família e aos incapazes, os direitos dos indígenas, do idoso etc.”. (Teresa
Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 367-368). Em sentido
semelhante, ver Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às alterações do novo CPC, São
Paulo: RT, 2015, p. 271.
416 Manual de Direito Processual Civil

estando este sob o poder familiar.132 Todavia, o STJ alterou seu entendimento, admi-
tindo a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar ação de alimentos inde-
pendemente do exercício do poder familiar pelos pais.133 Ao lado disso, recentemen-
te, tem prevalecido a tese da legitimidade ativa do Ministério Público também para a
defesa dos direitos individuais indisponíveis de hipossuficientes, ainda que relativos
a pessoa determinada.134
No que diz respeito à legitimação ativa do Ministério Público para intentar ações,
cabe fazer uma digressão para tratar sucintamente dos interesses transindividuais,135-136
e notadamente os difusos, isto é, aqueles que não têm titulares definidos ou definíveis
a priori, ex lege. Como visto nos primeiros capítulos deste Manual, atualmente se em-
presta especial atenção a fenômenos coletivos, de massa. Em face dessa circunstância,
vêm ganhando relevo e adquirindo contornos jurídicos os interesses coletivos. Exem-

132. 6. Nesse sentido: Araken de Assis, Substituição processual, Revista Dialética de Direito
Processual, n. 9, dez. 2003. Refutando a tese da ilegitimidade irrestrita do Ministério Público
para a defesa dos direitos individuais indisponíveis do menor e do idoso, Robson Renault
Godinho argumenta pela possibilidade de ajuizamento de ação individual quando se ve-
rifique situação de risco ou abandono suscetível de autorizar a substituição processual (O
Ministério Público como substituto processual no processo civil, p. 37 e ss.).
133. Nesse sentido, sob regime dos recursos especiais repetitivos restou decidido: “Direito da
criança e do adolescente. Ação de alimentos. Legitimidade ativa do Ministério Público. Di-
reito individual indisponível. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do
CPC. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, aprovam-se as seguintes teses: 1.1. O Ministério
Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou
adolescente. 1.2. A legitimidade do Ministério Público independe do exercício do poder
familiar dos pais, ou de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da
existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca. 2. Recurso especial não provi-
do.” (STJ, REsp 1327471/MT, 2.ª Seção., j. 14.05.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe
04.09.2014).
134. Os acórdãos dizem respeito, em sua maioria, ao direito à saúde – hipóteses de pretensão
ao fornecimento de medicamentos e à prestação de assistência à saúde dos menores e
dos idosos – e ao direito à creche, no caso dos menores (STJ, REsp 822712/RS, 1.ª T., j.
04.04.2006, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.04.2006, p. 196; STJ, REsp 984.430/RS,
2.ª T., j. 23.10.2007, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22.11.2007, p. 238; STJ, AgRg
na MC 14.096/PR, 2.ª T., j. 03.06.2008, rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado
do TRF–1.ª R.), DJe 19.06.2008; STJ, REsp 899.820/RS, 1.ª T., j. 24.06.2008, rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJe 01.07.2008).
135. A esse respeito, ver: Clarissa Diniz Guedes. Legitimidade ativa e representatividade na ação
civil pública. Rio de Janeiro: GZ, 2012.
136. De acordo com a doutrina nacional autorizada, “No âmbito cível, uma das mais relevantes
atividades desempenhadas pelo MP é a atinente à defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis” (Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código
de processo civil: artigo por artigo, 2. ed. ver., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 368).
Igualmente, José Tesheiner e Rennan Thamay dizem que “O Ministério Público tem tido seu
desempenho destacado pela propositura de ações visando à proteção de interesses difusos”
(Teoria geral do processo em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio
de Janeiro: Forense. 2016, p. 48).
Os Sujeitos do Processo 417

plos desses interesses são os ligados à conservação da salubridade do ambiente, ao bom


atendimento ao consumidor, à qualidade de vida, à informação correta e atual etc.137
O Ministério Público deve atuar não só na defesa dos interesses difusos, como
também na dos coletivos e na dos direitos individuais homogêneos. Embora parte da
doutrina estabeleça sinonímia entre as expressões interesses difusos, coletivos, su-
pra ou metaindividuais, a posição correta é a de que interesses difusos são diferentes
dos coletivos.138
Aqui, devemos chamar atenção para o seguinte: a redação do art. 81 do CPC/73
dava a entender que o Ministério Público só teria legitimidade ativa nos casos previstos
em lei, ou seja, que a interpretação deveria ser sempre restritiva. O art. 177 do CPC/15
de outro lado, afastou qualquer possibilidade de interpretação restritiva do espectro de
atuação do Parquet na proteção dos direitos tutelados pela CF/1988, ao reiterar que “O
Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições
constitucionais”.139-140 Nesse sentido, importante levarmos em consideração a indepen-
dência funcional que possui o Ministério Público, considerando que este pode identifi-
car os casos em que sua atuação é necessária, ainda que o faça indo além de seu espaço
mínimo de atuação, que seria, no caso, a lei infraconstitucional. A Constituição Federal
confiou também ao Parquet ampla competência para atuar na defesa, em âmbito cível,
de interesses sociais e individuais indisponíveis.141
A atuação do Ministério Público é intimamente ligada à Lei 7.347/1985, disciplina-
dora da ação civil pública. Pela redação original do art. 1.º deste diploma, tutelavam-se
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, ao lado e sem prejuízo da ação popular. Pos-
teriormente, neste rol foi inserida a possibilidade de propositura desta ação por infração

137. V., como exemplo, o texto de Nelson Nery Junior, Responsabilidade civil por dano ecológico
e ação civil pública, Justitia 126/168.
138. Uma das expressões possíveis de atuação do Ministério Público está no Código de Proteção
e Defesa do Consumidor (art. 51, § 4.º), em que é facultado a qualquer consumidor ou en-
tidade que o represente requerer ao Ministério Público que ingresse em juízo objetivando
seja “declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou
de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”.
139. Como diz Guilherme Rizzo Amaral, o CPC/2015 fez uma “adequação do dispositivo que
trata do exercício da atuação do Ministério Público como parte.”, (Comentários às alterações
do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 273).
140. Para Cássio Scarpinella Bueno, não poderia se esperar outra postura do legislador: “O
art. 177, ocupando-se com a atuação do Ministério Público como parte, prescreve que a
instituição “exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucio-
nais’. Também aqui, não se poderia esperar algo diverso, sob pena de agressão ao ‘modelo
constitucional’, sendo decisivo, para a devida compreensão do dispositivo, o alcance do
art. 129 da CF e as possibilidades de atuação do Ministério Público, inclusive (e sobretudo)
no plano do processo coletivo.” (Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado
à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 178).
141. Cf. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional,
10. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1034.
418 Manual de Direito Processual Civil

da ordem econômica e da economia popular (atualmente dispostas na Lei 12.529/2011),


bem como por danos à ordem urbanística, e a norma de encerramento constante do in-
ciso IV, que permite o uso da ação civil pública para tutelar qualquer outro interesse
difuso ou coletivo, ou homogêneo (acrescida pela Lei 8.078/1990, Código de Defesa do
Consumidor).
Não é difícil, portanto, perceber a abrangência de incidência desta lei. Estão le-
gitimados para sua propositura, além do Ministério Público, os três poderes políti-
cos, autarquias e entidades paraestatais, associações civis, desde que preenchidos os
requisitos constantes da lei e, ainda, as Defensorias Públicas (art. 5º, incisos I a V, da
Lei 7.347/1985).142 Não sendo o promovente da ação, o Ministério Público deverá in-
tervir obrigatoriamente (art. 5º, § 1.º), assumindo a titularidade ativa na hipótese de
desistência (art. 5º, § 3º). Preocupou-se o legislador, ainda, com a facilidade do “aces-
so” ao Ministério Público para que possa, se for o caso, desencadear a ação (art. 6º).
O princípio da unitariedade se ostenta no art. 9.º, §§ 1º a 3º, e o da substitutividade
no art. 9º, § 4º.
Acompanhando esta mesma evolução legislativa sobre o assunto, o Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078/1990) dá maior funcionalidade à ação civil pública e, à sua
semelhança, criou um vasto sistema de proteção ao consumidor, franqueando ampla-
mente a titularidade ao Ministério Público para agir judicialmente (art. 82, I, do CDC)
na tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Parece-nos, todavia, que, outorgando-se, ex lege, legitimidade ao Ministério Público,
também haver-se-á concorrentemente de conferir legitimidade a grupos sociais devida-
mente organizados (= havendo uma operativa subjetivação, para o exercício da ação),
definidos os interesses difusos ou coletivos, para a mesma finalidade. Foi esta a orien-
tação do legislador constitucional, dado que estabeleceu, no art. 129, § 1º, da CF/1988,
que “a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não
impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição
e na lei”. Nesse sentido a legislação ordinária prevê a legitimação das associações civis
para propor as ações coletivas (vg. Lei da Ação Civil Pública – Lei 7.347/1985 e Lei do
Mandado de Segurança – Lei 12.016/2009).

10.7.5. Hipóteses de intervenção do Ministério Público no Código de Processo Civil


Atuando como interveniente, fiscal da ordem jurídica, as hipóteses que ensejam
a presença do Ministério Público no processo encontram-se previstas no art. 178 do
CPC/2015. Nos seus incisos, o artigo prevê a intervenção do Ministério Público, ta-

142. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público propôs Ação Direta de Incons-
titucionalidade contra a nova redação do inciso II do art. 5.º da Lei da Ação Civil Pública, na
redação conferida pela Lei 11.448/2007, ao argumento que o dispositivo impugnado viola
o disposto nos arts. 134 e 5.º, LXXIV, da CF/1988. A Ação Direta de Inconstitucionalidade,
no entanto, foi julgada improcedente pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF, ADI
3943/DF, Tribunal Pleno, j. 07.05.2015, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 06.08.2015), restando
pendente, ainda, a análise de Embargos de Declaração opostos em face da decisão colegiada.
Os Sujeitos do Processo 419

xativamente, ou seja, trata-se de atividade nitidamente vinculada, o que leva à con-


clusão de que pouquíssimas dúvidas poderão surgir a respeito do cabimento ou não
da intervenção.
Quanto ao art. 178, I, de possibilidade de intervenção quando houver “interesse pú-
blico ou social”, 143-144 destaca-se a independência funcional do Ministério Público, eis
que é sua a competência para determinar se há necessidade de intervir. Pode-se falar,
inclusive, de interesse patrimonial da Administração, como exemplo de interesse pú-
blico. O que o CPC/2015 faz é tão somente disciplinar a atuação prevista nos arts. 127
e 129 da CF/88.
Efetivamente, quando a lei se refere à existência de interesse público, evidenciado pela
natureza da lide ou pela qualidade da parte, cria para o Ministério Público, ao verificar
a hipótese em que deve intervir, certa margem de liberdade para adaptar este conceito
vago (o de interesse público) às hipóteses concretas. Trata-se de técnica diferente da-
quela de que se serviu o legislador, no inciso II do mesmo artigo, em que a numeração
é feita específica e taxativamente.
Parece-nos que esta necessidade de interpretação do conceito cabe à instituição do
Ministério Público, e não ao Poder Judiciário, em última análise. 145-146
É possível concluirmos, então, que a participação do Ministério Público no proces-
so em face da existência de interesse público, demanda dualidade de vontades, ou seja, a
aceitação tanto do Ministério Público quanto do Poder Judiciário, não podendo, con-
sequentemente, a participação ser imposta pelo juiz, até mesmo em razão do princípio
da independência.

143. Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, “o interesse público ou social que justifica a
intervenção do MP traduz-se na circunstância de a relação jurídica posta em juízo envolver
não apenas interesses individuais, porém interesses que digam respeito a toda a coletivida-
de, vale dizer, interesses supraindividuais que estejam associados ao bem comum.” (Teresa
Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 370).
144. V. Arruda Alvim, Antônio César Peluso, Clito Fornaciari Júnior, Luiz Sérgio de Sousa Rizzi
e Thereza Alvim, Interpretação do art. 82, III, do CPC, Revista de Processo [RePro] 3/136.
(Debate de 23.08.1975 do Vº Curso de Especialização em Direito Processual Civil, por nós
coordenado e realizado pelo Setor de Especialização da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo).
145. Nesse sentido, aliás, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em
acórdão assim ementado “Usucapião. Órgão do Ministério Público que, através de seus
agentes, deve decidir pela intervenção da instituição no processo. Independência funcio-
nal.” (v. TJSP, Apelação nº 0017942-51.2011.8.26.0037, 7ª C. de Dir. Priv., j. 08.09.2016,
rel. Des. Luiz Antonio Costa). Destaca-se, ainda, trecho do acórdão: “insta frisar que o
Ministério Público se manifestou às fls. 194, porém, não se manifestou acerca do pedido
de intervenção ministerial em todos os atos do processo. Tal comportamento do Ministério
Público não caracteriza qualquer vício formal na condução do processo, na medida em que
a instituição, através dos seus agentes, goza de autonomia funcional para decidir acerca de
sua intervenção no processo.”.
146. RT 572/53; semelhantemente, cf. STJ, REsp 195.218/RN, 2.ª T., j. 18.08.2005, rel. Min.
Castro Meira, DJ 19.09.2005, p. 241.
420 Manual de Direito Processual Civil

Destarte, se o Ministério Público quiser ingressar no processo e o juiz entender di-


ferentemente, prevalecerá o entendimento do juiz, ressalvada, logicamente, a possibili-
dade de recurso em face de tal decisão, sendo certo que sua participação somente ocor-
rerá se, em grau de recurso, a decisão for modificada; já, em situação diversa, ou seja,
caso o juiz entenda que ele deve entrar, e, ainda, o Ministério Público entender diversa-
mente, então, não entrará. Há, nesta hipótese, que se cogitar de aplicar analogicamente
e mutatis mutandis o disposto no art. 28 do CPP, podendo o juiz, no caso de considerar
improcedentes as razões invocadas, informar o Procurador-Geral, para que este, se for
o caso, designe outro órgão do Ministério Público para atuar147.
A existência de interesse público faz com que os direitos em jogo se tornem, em
maior ou menor grau, indisponíveis. Esta indisponibilidade pode ser fruto do interesse
público ligado ao sujeito titular do interesse, como, v.g., a propriedade do menor ou do
Estado (a propriedade, em si mesma, não é direito indisponível, mas pelo fato de ser do
menor ou do Estado torna-se indisponível, porque o seu titular dela não pode dispor,
salvo lei permissiva para disponibilidade pelo Estado), e pode ocorrer a indisponibili-
dade do bem jurídico, ou seja, do direito em si mesmo considerado, sem que se tenha
de atentar a quem seja seu titular, como, por exemplo, o matrimônio.
Não se deve confundir a expressão interesse público, constante desse dispositivo
legal, com interesse do Estado, inclusive por conta do parágrafo único do art. 178 do
CPC/2015, que diz expressamente: “A participação da Fazenda Pública não configu-
ra, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público”, positivando o que já diz
a jurisprudência.148 –149 Considerando o inciso sob exame concretamente, podemos

147. Em sentido diverso, no sentido da não aplicabilidade do art. 28 do CPP no âmbito civil,
posiciona-se Arakén de Assis, Processo Civil Brasileiro, Vol. II, T. I: Parte Geral: institutos
fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.152
148. STJ, REsp 640.412/SC, 1.ª T., j. 19.05.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 13.06.2005, p. 176; STJ,
REsp 676.707/DF, 2.ª T., j. 07.04.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 30.05.2005, p. 316; REsp
490.726/SC, 1.ª T., j. 03.03.2005, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 21.03.2005, p. 219; AgRg no
REsp 278.770/TO, 2.ª T., j. 17.10.2002, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 05.05.2003, p. 239;
RTJ 94/396 e 94/899; RT 518/209, 519/228, 524,214 e 539/211; Anais Forenses do Estado
do Mato Grosso 43/288. Decidiu-se não caber ao Ministério Público, como fiscal da lei,
velar pelos interesses das pessoas jurídicas de Direito Público, senão que, apenas, no caso,
pela correta aplicação da lei, e, menos ainda, suprir as omissões dos procuradores de tais
entidades (STJ-RT 671/210).
149. Nesse sentido, ainda, são de pertinência relevante as ponderações feitas por Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno Lopes, segundo os quais “o interesse público cujo zelo a Constituição
atribui ao Ministério Público não é o interesse do Estado ou de qualquer pessoa jurídica
de direito público, cujo patrocínio a própria Constituição lhe proíbe (art. 129, inc. IX). O
interesse público que lhe cumpre tutelar é o interesse público primário, ou seja, o interesse
da sociedade em si mesma, ou do Estado pro populo, e não do Estado promo domo sua. É
uma distorção institucional a defesa dos interesses patrimoniais dos cofres do Estado pelo
Ministério Público, e foi por ter consciência dessa distinção que o novo Código de Processo
civil estabeleceu que ‘a participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese
de intervenção do Ministério Público.”. (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 102).
Os Sujeitos do Processo 421

dizer que é possível abranger, também, casos em que o Estado seja, sob qualquer das
formas de que se pode revestir, titular do direito em jogo. Mas não só. O discrimen do
significado desta expressão, enquanto ensejadora de intervenção obrigatória do Mi-
nistério Público, é a repercussão social. Assim, podemos até conceber hipótese em que
o órgão do Ministério Público tenha de opinar contra a pessoa jurídica de direito pú-
blico envolvida na lide, e a favor do interesse público da sociedade, sempre verifican-
do que haja fiel cumprimento da lei, pois esta é a sua função e o sentido do art. 178,
III do CPC/2015, o que está em sintonia com o quanto dito precedentemente sobre a
previsão das funções institucionais cometidas ao Ministério Público pela atual Cons-
tituição Federal.
Será obrigatória a intervenção do Ministério Público também nas causas em que
houver interesse de incapazes (art. 178, II), não importando ser o incapaz autor ou réu.
Havendo, contudo, incapazes em ambos os polos do processo, se a intervenção do Mi-
nistério Público é obrigatória como instituição, nem por isso haverá a necessidade de
tantos membros quantos forem os incapazes cujos interesses estiverem em conflito.
Isso significa que, via de regra, nas ações voltadas à nulidade de doação entre maiores e
capazes, não deve o Ministério Público intervir.
Quando a lei se refere, no art. 178, II, ao interesse de incapaz, não o faz casuística,
mas genericamente. 150 O Ministério Público usará de lato poder interpretativo para ve-
rificar haver, ou não, interesse de incapaz que justifique a sua intervenção como fiscal
da lei. Determinará, assim, o verdadeiro alcance da norma. 151
De fato, aludindo genericamente a interesse de incapaz, pode a lei acobertar hipó-
teses as mais variadas e diversas, como aquela em que é parte o espólio e há herdeiros
menores. Especificamente quanto aos interesses do menor, além da regra geral aplicável
à defesa dos interesses do incapaz, hão de ser observadas as disposições específicas do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069./1990), relativas à intervenção neces-
sária do Parquet, anteriormente à concessão ou revogação de determinadas medidas – é
o caso, por ex., da revogação da guarda, para a qual é exigida a oitiva prévia do Minis-
tério Público (art. 35) ou ainda do deferimento da inscrição de interessados no registro
de adoção, que deve ser antecedido de consulta ao Ministério Público (art. 50, § 1º).
Para entendermos o sentido do disposto no art. 178, II, do CPC/2015, é preciso ter-
mos em mente que o incapaz, ainda que assistido ou representado, poderá não encon-

150. “Por incapazes deve-se entender todo aquele que não disponha de capacidade plena para
os atos da vida civil, seja em caráter absoluto, seja em caráter relativo.” (Teresa Arruda Alvim
Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo,
2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 370).
151. A esse respeito, em situação concreta em que a autora apesar de analfabeta e com defi-
ciência motora e da fala decidiu o TJSP pela desnecessidade de intervenção do Ministério
Público dado que constava dos autos certidão de oficial de justiça atestando, com fé pública,
que a parte havia compreendido perfeitamente o ato processual praticado (v. Apelação nº
1016594-36.2014.8.26.0114, 38ª C. de Dir. Priv., rel. Des. Achile Alesina). Respeitou-se,
nesse caso, a finalidade última da norma, dado que ausente a incapacidade do ponto de
vista material, ausente a imposição legal pela intervenção do parquet.
422 Manual de Direito Processual Civil

trar, por meio de quem o represente ou assista, uma defesa parificada a que uma pessoa
capaz de exercitar seus direitos normalmente desenvolveria. Essa a ratio da preocupa-
ção do legislador em resguardar definitivamente, do ponto de vista processual, e por
implicação reflexa desta atividade, o direito substancial desses interessados, por inter-
médio da atividade fiscalizadora do Ministério Público. 152
Essencial, neste momento, ressaltar uma peculiaridade relacionada aos deficientes
intelectuais e mentais. Conforme concluído oportunamente, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência previu expressamente que estes são capazes civilmente. Diante disso, pa-
rece-nos que a intervenção do Ministério Público nos processos que envolvem os seus
interesses não é mais obrigatória. Nesse caso, a legislação processual parece ter ado-
tado integralmente a definição de incapacidade prevista nas normas direito material,
não realizando qualquer ressalva específica que implique em uma conclusão distinta.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, apresar de prever a participação do Ministério
Público em algumas questões relativas ao deficiente, não contém nenhum dispositivo
que indique a participação obrigatória do Ministério Público em todas as ações que ver-
sem sobre os interesses dos deficientes, ainda que submetidos à curatela. Diante disso,
a participação estaria restrita a ação que define a curatela e a tomada de decisão apoiada
(art. 79, § 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146 de 2015 – bem como
art. 1.783-A, § 3º e 4º do Código Civil), e às ações públicas, coletivas ou individuais,
que versem sobre a deficiência (art. 5º da Lei nº 7.853 de 1989). Na última hipótese, no
entanto, é necessário que o objeto discutido no processo seja relacionado à deficiência.
Esta conclusão claramente é prejudicial aos interesses do deficiente, visto que este,
ainda que submetido à curatela, não contaria com a participação obrigatória do Ministé-
rio Público como fiscal do ordenamento jurídico nos processos em que é parte. Embora
bem intencionado, o legislador pátrio, ao buscar estabelecer uma igualdade de tratamen-
to, acabou, indiretamente, maculando algumas disposições protetivas antes existentes.
A existência potencial de vulnerabilidade do deficiente mental ou intelectual, no
entanto, pode levar a jurisprudência a a interpretação mais elástica do termo “incapaz”
previsto pelo art. 178, inciso II do Código de Processo Civil, para admitir a participação
obrigatória do Ministério Público nas ações em que seja parte pessoa com reduzido discer-
nimento (antes considerada civilmente incapaz). A interpretação, embora fundamenta-
da, não nos parece ser efetivamente aquela que decorre diretamente das normas vigentes.
Igualmente, deve o Ministério Público fazer observar as normas do Estatuto da Pes-
soa Com Deficiência (Lei 13.146/2015), tomando as medidas necessárias para a garan-
tia dos direitos previstos no Estatuto (art. 79, § 3º).

152. Como exemplifica Teresa Arruda Alvim, pode ser que o incapaz sequer faça parte da deman-
da e mesmo assim se justifique a intervenção do Ministério Público “é o que se dá, exempli
gratia, na ação de divórcio em que litigam marido e mulher e exista prole: os menores, pese
não serem parte da ação de divórcio, serão afetados pela decisão nesta proferida no que se
relaciona ao regime de guarda e visitações.” (Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros
comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: RT, 2016, p. 370).
Os Sujeitos do Processo 423

Por fim, prevê o inciso III do mesmo art. 178, que será obrigatória a intervenção do
Ministério Público, nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana153
É importante, ainda, salientar que o Ministério Público, quando atua no processo
com base no art. 178 do CPC/2015, deve fiscalizar, acima de tudo, a exata aplicação da
lei. Assim, se intervier na causa porque, por exemplo, haja interesse de menor em jogo,
não deverá opor-se necessariamente à pretensão contra o menor formulada, a não ser
que haja razão para tanto. Inexistindo razão, não há porque fazê-lo,154 pois sua atuação,
como custos legis, deve ter o caráter, em certa escala, de imparcialidade.
Notemos que, de acordo com os arts. 84 e 246 do CPC/1973, a simples falta de in-
tervenção do Ministério Público importaria nulidade do feito. Por outro lado, o art. 279
do CPC/2015 prevê a nulidade, que no entanto, só poderá ser decretada a partir da in-
timação do próprio Parquet para que diga a respeito da existência, ou não, de efetivo
prejuízo pela sua não participação (art. 279, §2º). Assim incide a máxima de que os atos
processuais só são nulos quando houver prejuízo, em consonância com o que, no tema,
já há tempos decide a jurisprudência.155
Afinando-se com a jurisprudência dominante, será nula a causa em que somente
venha a ocorrer a intervenção do Ministério Público em segundo grau, desde que a de-
cisão tenha sido, por exemplo, contra o menor, pois terá havido prejuízo.156 O critério
correto, é o de relacionar a equação do problema em função do possível prejuízo.

153. Note-se que o CPC/1973 previa apenas a intervenção do Ministério Público, como fiscal
da lei, nos litígios coletivos que envolviam a posse de terra rural, tendo sido incluída, no
CPC/2015, a hipótese de intervenção nos litígios coletivos que envolvam a posse de terra
urbana.
154. TJ/SP, RT 108/204 e 326/123. Decidiu o STJ que “não está obrigado o representante do
Ministério Público a manifestar-se, sempre, em favor do litigante incapaz. Estando conven-
cido de que a postulação do menor não apresenta nenhum fomento de juridicidade, é-lhe
possível opinar pela sua improcedência” (STJ, REsp 135.744/SP, 4.ª T., j. 24.06.2003, rel.
Min. Barros Monteiro, DJ 22.09.2003, p. 327).
155. Cf. “Processual civil. Ação indenizatória. Autores menores. Ministério Público. Ausência
de intimação da sentença. Julgamento da apelação desfavorável. Ocorrência de prejuízo.
Nulidade. Ao Ministério Público compete intervir nas causas nas quais há interesses de
incapazes, tendo direito a ser intimado de todos os atos do processo, sob pena de nulidade.
O reconhecimento do vício, porém, é condicionado à existência de prejuízo. (STJ, REsp
1319275/PB, 2ª T., j. 10.11.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 18.11.2015).
156. Por outro lado, “a intervenção do Ministério Público em segundo grau de jurisdição, sem
arguir nulidade nem prejuízo, supre sua ausência na primeira instância, afastando a nulidade
do processo” (STJ, REsp 221.962/BA, 3.ª T., j. 18.03.2004, rel. Min. Gomes de Barros, DJ
12.04.2004, p. 204, g.n.). Assim: “(…) este Superior Tribunal de Justiça, em homenagem ao
princípio da economia e celeridade processual, vem decidindo que a não intervenção do
Parquet no primeiro grau de jurisdição, por força de lei, tem-se por suprida com a sua integra-
ção à lide em segunda instância, desde que não ocasione às partes prejuízo, o que, no caso
dos autos, inexistiu. Precedentes: REsp 271.680/CE, rel. Min. José Delgado, DJU 09.04.2001;
REsp 549.707/CE, rel. Min. Franciulli Netto, DJU 09.05.2005; REsp 604.264/RN, rel. Min.
Castro Meira, DJU 01.02.2006; MC 10.651/SP, rel. Min. Castro Meira, DJ 30.03.2006” (STJ,
REsp 847.365/PA, 1.ª T., j. 24.10.2006, rel. Min. José Delgado, DJ 20.11.2006).
424 Manual de Direito Processual Civil

10.7.6. A atuação do Ministério Público no processo


Sobre a atuação do Ministério Público no processo, devemos dizer que pode reque-
rer provas; apresentar quesitos; tem direito a ser intimado para falar após a apresen-
tação de memoriais pelas partes, etc. 157 Cumpre, ainda, notarmos que a intervenção,
muitas vezes, poderá não ser exigida inicialmente, mas supervenientemente, em vindo
a se configurarem os pressupostos da intervenção.
Finalmente, a parte contrária ao interesse do menor não poderá, em hipótese al-
guma, ser responsabilizada pela desídia do órgão do Ministério Público. A responsabi-
lidade poderá ser meramente funcional, do agente do Ministério Público, para com a
cúpula ou chefe do Parquet.
O Ministério Público poderá, seja qual for a forma de sua atuação, recorrer das de-
cisões proferidas no processo (art. 996, do CPC/2015), mas não tem interesse em re-
correr, quando atua como fiscal da lei, sempre que nenhuma utilidade poderá advir em
favor da parte que reclama sua atuação.158
Sempre que o agente do Ministério Público, no exercício de suas funções, proceder
com dolo ou fraude, será civilmente responsável, sendo que, no Estado de São Paulo, a
Lei Complementar 734/1993 (art. 250) é expressa nesse sentido.

10.8. Representação em Juízo das pessoas jurídicas


10.8.1. Noções gerais
As pessoas jurídicas, ao lado da personalidade jurídica e da capacidade civil, pos-
suem capacidade para estar em juízo (v. art. 70, e art. 75, incisos I a IV e VIII, todos do

157. Sobre as despesas processuais referentes às medidas requeridas pelo Ministério Público e o
CPC/2015, v. artigo de Ricardo de Barros Leonel intitulado Ministério Público e despesas pro-
cessuais no novo Código de Processo Civil, Revista de Processo, vol. 249/2015, p. 173-186.
158. Cf. Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil, vol. 1, 11. ed., São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 108. No entanto, já decidiu o STJ que “a legitimidade do Ministério Público
para apelar das decisões tomadas em ação de investigação de paternidade, onde atua na
qualidade de custos legis (CPC, art. 499, § 2.º), não se limita à defesa do menor investigado,
mas do interesse público, na busca da verdade real, que pode não coincidir, necessariamen-
te, com a da parte autora. (...) Destarte, decretada em 1.º grau a revelia do investigado, mas
sem que qualquer prova da paternidade ou elementos de convicção a respeito tenham sido
produzidos nos autos, tem legitimidade e interesse em recorrer da sentença o Ministério
Público” (STJ, REsp 172.968/MG, 4.ª T., j. 29.06.2004, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior,
DJ 18.10.2004, p. 279). Seguindo essa linha de raciocínio, o STJ considerou o Ministério
Público parte legítima para recorrer de acórdão que deferiu aos avós pedido de guarda de
menor, por ausência de condições da mãe verdadeira de manter a criança, refutando, assim,
o argumento da ilegitimidade do Parquet para apelar contra sentença que “defere guarda do
menor visando protegê-lo”: “(...) É matéria solidamente assentada a faculdade de o Ministé-
rio Público recorrer nos processos que atua como fiscal da lei, ainda que silentes as partes.
Art. 499, § 2.º, do Código de Processo Civil e Súmula 99 do Superior Tribunal de Justiça. 2.
O Ministério Público como fiscal da lei, atua na defesa do interesse público, decorrendo,
então, do prévio reconhecimento do interesse de agir a outorga da legitimação (...)” (STJ, REsp
269.121/MG, 4.ª T., j. 07.08.2003, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 18.08.2003, p. 209).
Os Sujeitos do Processo 425

CPC/2015) e agem no processo por meio de seus órgãos representativos, por meio dos
agentes que os ocupam.159 O Código de Processo Civil disciplina a matéria ao nível do
processo, deixando os problemas de representação não processual à legislação de di-
reito material.
A representação, de que trata a lei, abrange tanto posição ativa como passiva, isto
é, tanto para ser autora, como para ser ré, e ainda, assistente do autor ou do réu, ter-
ceiro embargante etc. De um modo geral, esta representação é instituída conferindo
a plenitude dos poderes necessários ao desempenho da defesa e do ataque no plano
do processo.
Pelo Código Civil de 1916 (art. 20, § 2º), negava-se às sociedades, carentes de regis-
tro, ou de autorização, “personalidade judiciária ativa”, e por isso não eram considera-
das como pessoas jurídicas. Lembremos, ainda, o art. 18 do CC/1916 (v. art. 45 do Có-
digo Civil de 2002), que colocava a autorização, se fosse o caso, e o registro das pessoas
jurídicas de direito privado como condições de sua existência. Ocorre, todavia, que o
Código de Processo Civil de 1973, no seu art. 12, inciso VII, ao tratar da representação
ativa e passiva, admitia que a sociedade, ainda que despida de personalidade jurídica,
estivesse em juízo, como autora ou ré, representada “pela pessoa a quem couber a ad-
ministração dos seus bens”. Verificou-se, portanto, uma alteração do art. 20, § 2º, do
então vigente CC/1916, pelo art. 12, VII, do CPC/1973. O Código de Processo Civil de
2015 mantém esta opção legislativa no art. 75, inciso IX.
A regra do Código de Processo Civil, portanto, estabelece que entidades de fato (=
sociedades sem personalidade jurídica) tenham os mesmos predicados, no campo pro-
cessual, que as sociedades regularmente constituídas.

10.8.2. A representação da União


A Constituição de 1967 havia deferido, na linha então de nossa tradição legislativa,
ao Ministério Público federal, a representação da União em juízo (art. 138, § 2.º), po-
dendo a lei cometer esse encargo, nas comarcas do interior, aos respectivos Ministérios
Públicos locais.160

159. A Lei que institui os Juizados Especiais Cíveis (e os Juizados Especiais Criminais) – Lei
9.099/1995 – estabelece que a pessoa jurídica, ou firma individual, será representada,
se o desejar (art. 9.º, § 4.º), por preposto credenciado. A mesma regra já era constante do
art. 9.º, § 4.º, da revogada Lei 7.244/1984, que regulava o Juizado Especial de Pequenas
Causas. Verifica-se, nestes dois diplomas, no que diz respeito à pessoa jurídica, uma forma
simplificada de representação, sendo suficiente documento idôneo do representante legal
àquele a quem credencie. Lembre-se que as disposições da Lei 9.099/1995 são inteiramente
aplicáveis, no que não colidirem com a Lei 10.259/2001, aos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais da Justiça Federal. A propósito, essa lei expressamente dispõe: “As partes poderão
designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”.
160. Sobre a representação da União em juízo, v.: Arruda Alvim, Código de Processo Civil co-
mentado, vol. II, São Paulo: RT, 1984; mais recentemente, Arruda Alvim, Tratado de direito
processual civil, São Paulo: RT, vol. II, comentários ao art. 12; Hélio Tornaghi, Comentários
ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, vol. I, p. 125.
426 Manual de Direito Processual Civil

Com a EC 1/1969, todavia, não foi deferida explicitamente a representação da União


ao Ministério Público federal, muito embora o § 2º do art. 95 da CF/1967, com a reda-
ção atribuída pela mencionada emenda, tivesse prescrito que, nas comarcas do interior,
a União poderia ser representada pelo Ministério Público estadual.
O Ministério Público federal, entre nós, exercia três funções, sendo a primeira ver-
dadeiramente própria do Ministério Público, tendo em vista os princípios universais
que informam a instituição, qual seja, a de fiscal da lei; a segunda, igualmente própria
do Ministério Público, dizia com seu dever de propor ações para as quais, ex lege, esti-
vesse legitimado; a terceira – dizia com a representação da União – não lhe era própria,
à luz do critério da compatibilidade desta última função com as demais. A função im-
própria, justamente a da representação, ou seja, a função de advogado da União, era re-
presentativa do grosso da atividade do Ministério Público federal.
Sanando essa impropriedade a Constituição Federal de 1988, nos arts. 131 et seq.,
previu a Advocacia-Geral da União, órgão cuja função precípua é a de representar a União,
judicial e extrajudicialmente, vedando, explicitamente, que o Ministério Público repre-
sente judicial ou extrajudicialmente as pessoas jurídicas de Direito Público (CF, art. 129,
IX). Em nível infraconstitucional, a previsão da representação judicial da União pela
Advocacia-Geral da União se encontra no art. 75, I, do CPC/2015.
A Advocacia-Geral da União foi regulamentada pela Lei Complementar 73/1993.
Dentre as funções atribuídas ao Advogado-Geral da União (art. 4º), podem ser destaca-
das as seguintes: representação da União junto ao Supremo Tribunal Federal (inciso III);
defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade [e de constitucionalidade, acres-
centamos], a norma legal ou ato normativo objeto da impugnação (inciso IV); apresen-
tar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República, relativas a medidas
impugnadoras de ato ou omissão presidencial (inciso V); desistir, transigir, acordar e
firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente
(inciso VI); assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, ela-
borando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes (inciso VII); as-
sistir e assessorar o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos
da Administração (inciso VIII); sugerir ao Presidente da República medidas de caráter
jurídico reclamadas pelo interesse público (inciso IX); fixar a interpretação da Cons-
tituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida
pelos órgãos e entidades da Administração Federal (inciso X); unificar a jurisprudência
administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias
entre os órgãos jurídicos da Administração Federal (inciso XI); editar enunciados de
súmulas administrativas, resultantes de jurisprudência iterativa dos tribunais (inciso
XII); dentre outras.
A Lei 9.028/1995, por seu turno, dispõe sobre o exercício das atribuições institu-
cionais da Advocacia-Geral da União em caráter emergencial. Seus principais pon-
tos de destaque são os seguintes: “Aos titulares dos cargos de Advogado da União, de
Procurador da Fazenda Nacional e de Assistente Jurídico das respectivas carreiras da
Advocacia-Geral da União incumbe representá-la judicial e extrajudicialmente, bem
Os Sujeitos do Processo 427

como executar as atividades de assessoramento jurídico do Poder Executivo, conforme


dispuser ato normativo do Advogado-Geral da União” (art. 21, com o texto da Medida
Provisória 2.180-35/2001). Além dos aspectos de organização interna do serviço, a Lei
9.028 cria todo um sistema de enlaçamento entre os Procuradores Regionais da União e
os “representantes judiciais da União”, cabendo àqueles a “coordenação das atividades
das Procuradorias da União localizadas em sua área de atuação” (art. 3º, com a redação
da Medida Provisória 2.180-35). Caberá a todos os órgãos ou entidades da União for-
necer os elementos de fato e de direito para que seja viável a prestação de informações
em mandados de segurança, habeas corpus ou habeas data impetrados contra autorida-
de federal (art. 4º). Dispõe, ademais, que a intimação de membros da Advocacia-Geral
da União deverá ser efetivada pessoalmente, inclusive aos “representantes judiciais da
União” designados pelo art. 69 da Lei Complementar 73/1993 (art. 6º).
Importantes alterações foram implementadas na Lei 9.028/1995 pela Medida Pro-
visória 2.180-35. Dentre elas, merecem destaque:
a) a possibilidade de o Advogado-Geral da União avocar, ou integrar e coordenar,
os trabalhos de órgão jurídico de empresa pública ou sociedade de economia mista, a
se desenvolverem em sede judicial ou extrajudicial, nas hipóteses que possam trazer
reflexos de natureza econômica (ainda que indiretos) ao erário federal (art. 8º-C, acres-
cido pela MP 2.180-35);
b) a criação, no âmbito da Procuradoria-Geral da União, da Coordenadoria de Ações
de Recomposição do Patrimônio da União, “com a finalidade de recuperar perdas pa-
trimoniais sofridas pela União, à qual incumbe também a execução de títulos judiciais
e extrajudiciais, inclusive os expedidos pelo Tribunal de Contas da União” (art. 8º-E,
inserido pela MP 2.180-35);
c) a expressa autorização conferida à Advocacia-Geral da União para assumir, por
meio de suas Procuradorias, temporária e excepcionalmente, a representação judicial
de autarquias ou fundações públicas nas hipóteses em que o artigo enuncia (art. 11-A,
caput e incisos), esclarecendo o § 1º desse mesmo dispositivo que a representação judi-
cial extraordinária aqui prevista poderá ocorrer por solicitação do dirigente da entidade
ou por iniciativa do próprio Advogado-Geral da União;
d) pelos termos do art. 11-B, igualmente acrescido pela MP 2.180-35, a represen-
tação judicial da União, relativamente aos assuntos confiados às autarquias e funda-
ções federais relacionadas no Anexo V da Lei 9.028, passa a ser feita diretamente pelos
órgãos próprios da Advocacia-Geral da União, permanecendo as atividades de con-
sultoria e assessoramento jurídicos sob a responsabilidade dos Órgãos Jurídicos da-
quelas entidades.
e) a incumbência, delimitada pelo art. 11 da MP 2.180-35 de que a Advocacia-Geral
da União adote medidas na esfera administrativa para a solução de controvérsias entre
entes da Administração indireta, e entre aqueles e a União (art. 11, parágrafo único).
Esta possibilidade originou a criação, em 2007, através do Ato Regimental n. 5/2007,
da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), que aten-
de a estas finalidades.
428 Manual de Direito Processual Civil

Mais recentemente, a Lei 10.480, de 02.07.2002, dentre outras providências, criou


a Procuradoria-Geral Federal, assegurando-lhe autonomia administrativa e financeira,
e dispondo que a mesma ficaria vinculada à Advocacia-Geral da União (art. 9.º), res-
ponsável por sua supervisão.
Pelo texto do seu art. 10, caput, dispõe-se: “À Procuradoria-Geral Federal compete
a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as
respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez
e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-
-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial”. Esse diploma estabe-
lece, ademais, que às atividades de consultoria e assessoramento serão aplicáveis o dis-
posto no art. 11, da Lei Complementar 73/1993 (art. 10, § 1º, da Lei 10.480/2002).161
Integram a Procuradoria-Geral Federal as Procuradorias, Departamentos Jurídi-
cos, Consultorias Jurídicas ou Assessorias Jurídicas das fundações e autarquias fede-
rais, “como órgãos de execução desta, mantidas as suas atuais competências” (art. 10,
§ 2º, da Lei 10.480/2002).
Pelo § 3º do art. 10, a seu turno, ficou estabelecido que “serão mantidos, como Pro-
curadorias Federais especializadas, os órgãos jurídicos de autarquias e fundações de
âmbito nacional”, reservando ao Advogado-Geral da União a indicação, nos termos
da lei em referência, das autarquias e fundações de âmbito nacional (art. 10, § 10, da
Lei 10.480/2002). E, ainda, pelo parágrafo único do art. 14, dispôs-se: “A representa-
ção judicial exercida pela Advocacia-Geral da União na forma dos arts. 11-A e 11-B da
Lei 9.028, de 12 de abril de 1993, acrescentados pela Medida Provisória 2.180-35, de 24
de agosto de 2001, poderá ser gradualmente assumida pela Procuradoria-Geral Federal,
conforme ato do Advogado-Geral da União, observado o disposto no § 8º do art. 10.”.
Por essa mesma Lei 10.480/2002, criou-se o cargo de Procurador-Geral Federal, “de
natureza especial, privativo de Bacharel em Direito de elevado saber jurídico e reconhe-
cida idoneidade”, como se infere do art. 11.

10.8.3. A representação dos Estados federados e do Distrito Federal


Os Estados, a que se refere também o inciso II do art. 75 do CPC/2015, são os Es-
tados-membros, todos eles tendo igualdade jurídica, entre si, sendo representados da
mesma forma pelos seus procuradores, independentemente de procuração.162 Assim,

161. Sendo que “a representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procu-
radores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe
da apresentação do instrumento de mandato”, nos termos do que preceitua o art. 9.º, da Lei
9.469/1997.
162. Conforme jurisprudência do STJ, “Os procuradores dos Estados estão desobrigados de pro-
var sua capacidade postulatória, pois trata-se de delegação de poderes decorrentes de suas
nomeações. Assim, não se há de exigir, como obrigatória, cópia da procuração no agravo de
instrumento.” (STJ, 2.º T., AgRg no Ag 1.403.339/PR, rel. Min. Castro Meira, j. 09.08.2011,
DJe 30.08.2011). No mesmo sentido, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery, “Os procuradores das pessoas jurídicas de direito público não necessitam de mandato
Os Sujeitos do Processo 429

há que se recorrer à lei de direito material de cada um dos Estados, para determinar a
quem incumbe, no campo do processo civil, a função de representação.
No Estado de São Paulo isto vem disciplinado a partir da própria Constituição Es-
tadual. O Estado é representado em juízo por seus procuradores (= procuradores do
Estado), nos termos dos arts. 98 e 99, I, da Constituição do Estado de São Paulo. Tem
sido entendida como correta a utilização da expressão Fazenda Pública estadual para
designar o Estado-membro como parte em ação judicial, uma vez que a Fazenda Pú-
blica estadual nada mais é do que o Estado-membro visualizado pelo ângulo financei-
ro.163 A Fazenda do Estado, em São Paulo, é, outrossim, representada junto ao Tribu-
nal de Contas por Procuradores designados pelo Procurador-Geral do Estado (Cons-
tituição do Estado de São Paulo, art. 99, III). O Tribunal de Contas, por sua vez, se for
a juízo, será também representado pela Procuradoria-Geral do Estado, através do seu
órgão competente.
Ao contrário do que era verificável antes da Constituição Federal de 1988,164 as Cons-
tituições dos Estados federados distinguiram, nitidamente, entre o Ministério Público
e as Procuradorias-Gerais do Estado. Isto porque, como já observamos, veda o texto da
Constituição Federal de 1988 a representação judicial ou a consultoria jurídica de en-
tidades públicas pelo Ministério Público (art. 129, IX).165
O Distrito Federal é a sede territorial da União, onde se localiza a capital da Repú-
blica Federativa do Brasil. O Distrito Federal não se equipara aos Estados-membros,

especial para agir em juízo, pois pela nomeação para o cargo estão, ipso facto, investidos do
poder de representação.” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015).
163. RTJ 102/245.
164. À guisa de exemplo histórico, consultar as seguintes Constituições Estaduais, anteriores à
Constituição Federal de 1988: GO, arts. 59-61 (com a redação atribuída pela Emenda nº 1
de 17 de outubro de 1969); MG, arts. 152-162; PA, arts. 101-103; e SC e arts. 146-154..
165. Ver, por exemplo, as seguintes Constituições Estaduais promulgadas no ano de 1989: AC,
art. 106 et seq. para o Ministério Público e art. 119 et seq. para a Procuradoria-Geral do
Estado; AM, art. 84 et seq. para o Ministério Público e art. 94 et seq. para a Advocacia (Pro-
curadoria)-Geral do Estado, art. 94 et seq.; BA, art. 135 et seq. para o Ministério Público e
art. 140 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; CE, art. 129 et seq. para o Ministério
Público e art. 150 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; ES, art. 113 et seq. para o
Ministério Público e art. 122 para a Procuradoria-Geral do Estado; GO, art. 114 et seq. para
o Ministério Público e arts. 118-119 para a Procuradoria-Geral do Estado; MG, art. 119 et
seq. para o Ministério Público e art. 128 para a Advocacia (Procuradoria)-Geral do Estado;
MS, arts. 126 et seq. para o Ministério Público e arts. 144 et seq. para a Procuradoria-Geral
do Estado; PB, arts. 125 et seq. para o Ministério Público e art. 132 et seq. para a Advocacia
(Procuradoria)-Geral do Estado; PE, art. 67 et seq. para o Ministério Público e art. 72 para a
Procuradoria-Geral do Estado; PR, art. 114 et seq. para o Ministério Público e art. 123 para a
Procuradoria-Geral do Estado; RJ, art. 170 et seq. para o Ministério Público e arts. 176 et seq
para a Procuradoria-Geral do Estado; RN, art. 82 et seq. para o Ministério Público e art. 86
et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; RS, art. 107 et seq. para o Ministério Público
e art. 114 et seq. para a Advocacia (Procuradoria)-Geral do Estado; SP, art. 91 et seq. para o
Ministério Público e art. 98 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado.
430 Manual de Direito Processual Civil

tendo regime jurídico próprio, mas pela lei processual deve ser representado pelos seus
procuradores, tal como os Estados (art. 75, II, do CPC/2015).
A única novidade que o Código de Processo Civil de 2015166 trouxe, respeitantemen-
te à representação dos Estados e do Distrito Federal, é a previsão do §4º do art. 75, que
permite que os Estados e o Distrito Federal ajustem compromisso recíproco, mediante
convênio firmado pelas respectivas procuradorias, para prática de ato processual por
seus procuradores em favor de outro ente federado. Sendo assim, havendo convênio
firmado entre a Procuradoria do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Estado do Rio
de Janeiro, esta poderá representar em juízo o Estado de São Paulo no processo que tra-
mita na Justiça Estadual do Rio de Janeiro. A finalidade do referido dispositivo é evitar
gastos desnecessários dos Estados e do Distrito Federal com os custos de se manter es-
truturas de suas respectivas procuradorias em diversos locais,167 o que é absolutamente
razoável, tendo em vista a dimensão continental do território brasileiro.

10.8.4. A representação dos Municípios


Deferiu o Código, no inciso III do art. 75, competência concorrente ao prefeito e ao
procurador para representar o Município.168-169 O prefeito não tem necessariamente ca-

166. Diz-se em relação ao CPC/1973, pois, conforme aponta Wilson Medeiros Pereira, “A previsão
do §4º do dispositivo do NCPC em comento já vinha ocorrendo. Em abril de 2011 foi assinado
um Termo de Cooperação Técnica entre as Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito
Federal.” (Coordenação Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; Larissa Clare Pochmann da
Silva; Marcelo Pereira de Almeida. Novo Código de Processo Civil: comparado e anotado.
Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2015. p. 67).
167. Neste sentido: “A inovação é boa e busca, além da celeridade processual, a eficiência e eco-
nomia (com redução de custos operacionais de se manter uma estrutura em diversos locais
do país).” (Comentário de Luiz Dellore; Fernando da Fonseca Gajardoni...[et.al.]; Teoria geral
do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 242); “O
parágrafo quarto traz interessante novidade, que merece aplausos, pois tem o potencial de dar
mais fluidez aos processos e não gerar despesas que poderiam ser evitadas.” (Coordenação
Teresa Arruda Alvim Wambier...[et.al.]. Primeiros comentários ao novo código de processo
civil: artigo por artigo. 2. Ed. ver. atual e ampl. São Paulo: RT, 2016. p. 76).
168. Conforme explica Luiz Dellore, a distinção entre o inciso III e o I do art. 75 do CPC/2015
“se deve especialmente ao fato de existir municípios em que as procuradorias não estão
devidamente organizadas...” (Fernando da Fonseca Gajardoni...[et.al.]; Teoria geral do pro-
cesso: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 75), motivo
pelo qual o prefeito poderá representar o Municípios.
169. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em decisão ementada da seguinte maneira:
“Processual civil. Município. Representação em juízo. Prefeito ou procurador. Art. 12, II, do
CPC. I – O Município será representado em juízo, ativa e passivamente, por seu prefeito ou
procurador (art. 12, II, do CPC). II – Prefeitura Municipal e Município são expressões que,
na prática, se equivalem para designar as circunscrições territoriais autônomas em que se
dividem as unidades federativas. O uso da primeira pela segunda não constitui irregularidade
capaz de invalidar o processo, mormente quando, por decisão judicial, determinou-se a
retificação. III – Recurso conhecido e provido” (REsp 36.896-0/RJ, j. 02.08.1994, Rel. Min.
Waldemar Zveiter, em Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 29). No
mesmo sentido: STJ, 1.ª T., REsp 493.287/TO, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 8.3.2005, DJ
Os Sujeitos do Processo 431

pacidade postulatória, mas pode constituir advogado, sendo o caso. Já o procurador


haverá de ter capacidade postulatória, além da representação.170

10.8.5. A representação das autarquias e demais entidades de caráter público


criadas por lei
Diferentemente do CPC de 1973, o CPC de 2015 passa a prever, em seu art. 75, IV,
a representação em juízo da autarquia e da fundação de direito público por aquele que
for designado pela lei do ente federado. Normalmente, o representante está previsto na
lei do ente federado que criou a autarquia ou fundação, contudo, nada impede que ele
esteja previsto em outra lei do ente federado que não seja a criadora. O dispositivo, na
realidade, não trouxe nenhuma inovação para o cotidiano forense, visto que a repre-
sentação dessas pessoas já era regulada pela lei do ente criador.
A representação das autarquias compete aos seus respectivos procuradores desig-
nados para tanto pela lei de seu ente criador, sendo que, nos termos da Súmula nº 644
do STF “Ao titular do cargo de procurador de autarquia não se exige a apresentação de
instrumento de mandato para representá-la em juízo”.171 No particular, cumpre refe-
rir que a Lei 10.480/2002, que criou a Procuradoria-Geral Federal, a esta incumbiu a
tarefa da representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas fe-
derais (art. 10).172

25.4.2005, p. 224; STJ, 1.ª T., AgRg no AgIn 741.593/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.5.2006, DJ
8.6.2006, p. 132. O STJ decidiu, também, que não há necessidade de juntada de instrumento
de procuração aos autos em caso de representação do Município em juízo por procurador
municipal, utilizando-se do art. 334, IV, do CPC/1973 para demonstração de presunção que
envolve a dita representação. (STJ, 2ª T., AgRg nos EDcl no Ag 1097282/SP, Rel. Min. Castro
Meira, j. 28.4.2009, DJe 13.5.2009).
170. Já se decidiu que é nula a citação realizada na pessoa do procurador jurídico do Município:
TJSP, 9.ª Câm. Dir. Priv., AgIn 125.115-4, Catanduva, des. rel. Ruiter Oliva, j. 23.11.1999.
Em sentido contrário, já se pronunciou o TJMG: “O procurador-geral do município, regu-
larmente investido no cargo, detém poderes para representar a pessoa jurídica de direito
público interno em juízo, não havendo falar que o exercício de cargo em comissão lhe retire
os poderes de representação da pessoa jurídica de direito público, tampouco em nulidade
no recebimento do mandado de citação” (TJMG, Ap. 1.0080.05.001142-0/001, rel. Des.
Edgar Penna Amorim, j. 1.3.2007, DJ 6.6.2007, disponível em http://www.tjmg.gov.br). O
Superior Tribunal de Justiça também reconhece os poderes do procurador municipal para
receber a citação: “Processual civil. Embargos à execução. Citação. Procurador municipal.
Desnecessidade de poderes especiais. Art. 12, II, do CPC. 1. Da exegese do art. 12 do CPC
verifica-se não ser necessária a concessão de poderes especiais ao procurador do Municí-
pio para receber a citação em nome da Municipalidade. 2. Recurso especial parcialmente
provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Estadual, visando a continuidade
do julgamento” (STJ, 2.ª T., REsp 419.092/PB, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 2.3.2004, DJ
26.4.2004, p. 159). É esta a posição que nos parece a correta.
171. A situação é semelhante a dos procuradores dos Estados, Distrito Federal e Municípios;
contudo, foi objeto de Súmula do STF, enquanto a dos citados entes federativos foi objeto
de acórdãos.
172. Em consonância com a Lei Complementar 73/1993, a representação das autarquias e fun-
dações públicas federais competia aos seus respectivos órgãos jurídicos (art. 17), vindo a
432 Manual de Direito Processual Civil

10.8.6. A representação das pessoas jurídicas de Direito Privado


As pessoas jurídicas, tal como as define o Código Civil,173 serão representadas por
quem seus atos constitutivos designarem; entretanto, caso não haja esta designação,
serão representadas pelo seu diretor (art. 75, VIII, CPC/2015).
Mesmo que a diretoria esteja com seu mandato expirado, enquanto não houver re-
novação ou eleição de outra, ela continuará a representar validamente a sociedade até
que, em assembleia geral, seja eleito novo corpo dirigente.174
Assim, em primeiro lugar, há que se verificar se existe designação estatutária e, sub-
sidiariamente, inexistindo aquela, a representação se fará por seus diretores, ou seja,
por aqueles que ocupam os cargos de direção.
A lei não exige, contudo, que a pessoa comprove a sua condição de representante da
pessoa jurídica com a juntada de exemplares dos estatutos, competindo assim, à parte
que impugnar a qualidade de representante afirmada no processo, o ônus da prova de
inidoneidade dessa representação.175

Lei 9.028/1995 a dispor que ficaria autorizada a “Advocacia-Geral da União a assumir, por
suas Procuradorias, temporária e excepcionalmente, a representação judicial de autarquias
ou fundações públicas nas seguintes hipóteses: I – ausência de procurador ou advogado;
II – impedimento dos integrantes do órgão jurídico” (art. 11-A). E, por essa mesma Lei
9.028/1995, dispôs-se, no art. 11-B, caput, o seguinte: “A representação judicial da União,
quanto aos assuntos confiados às autarquias e fundações federais relacionadas no Anexo
V a esta Lei, passa a ser feita diretamente pelos órgãos próprios da Advocacia-Geral da
União, permanecendo os órgãos jurídicos daquelas entidades responsáveis pelas respectivas
atividades de consultoria e assessoramento jurídicos”. Era o caso, por exemplo, do INSS,
cuja representação competia à AGU. Para os titulares de cargo de procurador de autarquia,
igualmente, não se exige a apresentação de mandato (STF, súm. 644).
173. Observe-se que o rol de pessoas jurídicas de direito privado do Código Civil (art. 44) foi am-
pliado pelas Leis 10.825/2003 e Lei 12.441/2011, que lhe acresceram incisos e parágrafos,
passando a compreender as organizações religiosas (inciso IV), os partidos políticos (inciso
V) e as empresas individuais de responsabilidade limitada (inciso VI).
174. 1.º TARJ, citado por Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 6ª. ed.,
São Paulo: RT, 1994, n. 504, p. 128.
175. “De acordo com a jurisprudência do STJ, a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurí-
dica apenas é imprescindível caso haja fundada dúvida sobre a validade da representação
em juízo.” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1343777/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 5.3.2015,
DJe 16.3.2015) Neste mesmo sentido, “Descabido o não conhecimento da apelação da
pessoa jurídica ré por falta de juntada aos autos de cópia do contrato social, se inexiste
fundada dúvida acerca da regularidade da representação da empresa em juízo. Possibili-
dade, ademais, se fosse o caso, de ser determinado o suprimento documental, nos termos
do art. 13 do CPC” (STJ, REsp 621.861, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 19.5.2005,
DJ 20.6.2005, p. 290). Cf. também RF 254/330, 2.ª col., em. RF 258/308; AFMT XXXVIII
291 e 312 (todos do TJMT); JTACivSP 66/99; RT 523/139 (fixando existir poder oficioso
do magistrado, se entender seja o caso), posição última correta (embora não colidente
com as anteriores), em face dos arts. 13, caput e inciso I, 267, VI, 267, § 3.º. Theotônio
Negrão (Código de Processo Civil... cit., p. 85), menciona que o STJ não tem exigido que
a pessoa jurídica prove, desde logo, a regularidade de sua representação (REsp 9.651/SP,
j. 10.9.1991, DJU I, 23.9.1991, e EDcl no REsp 30.337-4/ES, j. 26.6.1993, DJU 2.8.1993).
Os Sujeitos do Processo 433

Via de regra, a citação será pessoal, sendo, no entanto, permitida sua realização na
“pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessa-
do.” (art. 242, caput, do CPC/2015). Contudo, não se encontrando o citando,176 “a cita-
ção será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando
a ação se originar de atos por eles praticados.” (art. 242, §1º, do CPC/2015).
Neste passo, convém apontar que, quando a citação da pessoa jurídica for realiza-
da pelo correio, terá aplicação a regra do art. 248, § 2º, do CPC/2015, segundo o qual
“sendo o citando pessoa jurídica, será válida a entrega do mandado a pessoa com po-
deres de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo
recebimento de correspondências.”,177 pouco importando se a ação é fundada ou não
em atos praticados por estes sujeitos.
Segundo o art. 75, IX, do CPC/2015, a sociedade e a associação irregulares podem
agir ativa ou passivamente em juízo. O referido dispositivo possui redação diferente à
do seu correspondente no CPC/1973.178 Ao invés de se referir às sociedades sem perso-
nalidade jurídica, ele se refere apenas às sociedades irregulares. A nova redação poderia
trazer interpretação equívoca para aqueles que classificam as sociedades sem persona-
lidade jurídica em irregulares e de fato.
Na sociedade irregular existe um prenúncio de constituição, como a organização
por escrito, a montagem dos dispositivos dos estatutos etc.; entretanto, se o contrato
não é registrado na Junta Comercial (art. 45 do CC), trata-se de uma sociedade irre-

Entretanto, havendo dúvida razoável, anota aquele autor, deverá o juiz determinar que seja
feita essa prova (RT 601/66) por quem impugna a regularidade da representação (RJTJESP
106/233 e RJTAMG 26/362). A ressalva acerca da dúvida razoável sobre a regularidade
da representação é também assinalada pelo STJ (STJ, 2.ª T., REsp 659.148/SP, Rel. Min.
Eliana Calmon, j. 2.2.2006, DJ 6.3.2006, p. 320; STJ, 2.ª T., REsp 723.502/PI, Rel. Min.
Humberto Martins, j. 7.2.2008, DJ 28.2.2008, p. 86).
176. O art. 242, §1º, do CPC/2015 utiliza o termo “ausência do citando. Contudo, o emprego
da palavra não foi feito no sentido técnico. Nesse sentido: “A ausência do réu referida pela
norma, não é no sentido técnico, uma vez que nessa hipótese ele seria representado pelo
curador de ausentes. Cuida-se de ausência no sentido prático, em que o réu não é localizado
para receber a citação e não há certeza acerca de quando ele será localizado.” (Comentário
de José Alexandre Manzano Oliani. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier...[et.al.].
Breves comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. ver. e atual. São Paulo: RT, 2016.
p. 733); “A ausência não deve ser considerada, aqui, como ausência em sentido técnico –
neste caso, a representação caberia a seu curador –, mas sim em sentido prático, ou seja, de
pessoa fora do domicílio.” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 785).
177. O CPC/1973 não previa a validade da entrega do mandado de citação ao funcionário respon-
sável pelo recebimento de correspondências, contudo, a jurisprudência já vinha admitindo
esta entrega como válida. O CPC/2015 positivou a orientação da jurisprudência, adotando
expressamente a teoria da aparência. É o que concluem Nelson Nery Junior e Rosa Maria
de Andrade Nery: “A norma adotou, expressamente, a teoria da aparência.” (Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 785).
178. Art. 12, VII, do CPC/1973: “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: as sociedades
sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens;”.
434 Manual de Direito Processual Civil

gular. A sociedade de fato, por sua vez, é aquela que existe como puro fato, em face do
direito material e à luz de interpretação confinada ao mesmo, independentemente de
qualquer documentação.
Embora o art. 75, IX, do CPC/2015 refira-se apenas às sociedades irregulares, não
devemos entender que a sociedade de fato foi excluída do rol do art. 75, isso porque a
classificação das sociedades sem personalidade jurídica em irregular e de fato é uma
classificação doutrinária, que não foi adotada pelo legislador do CPC de 2015. Sen-
do assim, ao nos referirmos à sociedade irregular, estamos englobando também a so-
ciedade de fato.
Às sociedades e associações irregulares o Direito Material nega personalidade jurí-
dica; no entanto, a lei processual admite que sejam sujeitos ativos ou passivos de uma
ação, ponto em que, portanto, se verifica haver discrepância entre o Direito Material e
o Processual, na medida em que o princípio observado é o de que, havendo personali-
dade no plano do Direito Material, ipso facto, essa realidade se projeta no processo, por-
que é por este assumida, mas não vice-versa.179

179. É possível que a lei faça depender do tempo de existência de uma entidade, para, só depois
de certo lapso, admitir-lhe representatividade. A esse respeito já escrevemos o seguinte: é o
que se passa com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor e com a Lei da Ação Civil
Pública. “Em relação às associações, legitimadas para a defesa dos interesses e direitos nas
hipóteses dos incisos I, II, e III, do art. 81, parágrafo único (arts. 91 e 102 deste Código),
poder-se-á prescindir do requisito da anualidade de sua pré-constituição (mas não da sua
constituição regular, enquanto pessoa jurídica), com relação às ações do art. 91 et seq., ou
seja, para a hipótese do art. 81, parágrafo único. O texto legal refere a manifesto interesse
social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, o que conduz à conclusão de
que esta ação envolve responsabilidade civil. No entanto, como, sucessivamente e depois
da disjuntiva ou, o mesmo texto (art. 82, § 1.º, da Lei 8.078/1990; e Lei 7.347/1985, art. 5.º,
§ 4.º, nesta introduzido pela Lei 8.078/1990, art. 113) refere-se à relevância do bem jurídico
a ser protegido, isso vem a significar que não somente quando se trate de responsabilidade
civil há a possibilidade de dispensa dessa constituição há pelo menos um ano. Isto ocorrerá,
se ingressarem em juízo, antes desse prazo ânuo, desde que compareçam um dos seguintes
valores a serem resguardados: manifesto interesse social, traduzível pela dimensão do dano,
como, exemplificativamente, um dano de abrangência nacional deverá, em princípio, con-
duzir a essa dispensa. Ou, diz mais este § 1.º do art. 82, pela característica do dano, como,
exemplificativamente, se se tratar de um dano em expansão. Se o texto se tivesse atido a essas
restrições, poder-se-ia limitar a aplicabilidade desse § 1.º.Ocorre que esse texto refere-se,
ainda, à relevância do bem jurídico a ser protegido, como, por exemplo, quando se tratar
de saúde, como já se remarcou; ou, mais acentuadamente, da possibilidade de perigo de
vida ou vidas. Como, neste parágrafo primeiro do art. 82, o Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, depois de uma vírgula, alude à relevância do bem jurídico a ser protegido,
essa hipótese, com esse conceito-valor, transcende inelutavelmente ao âmbito da ação do
art. 81, parágrafo único, III. Leva este entendimento – ademais do que se disse – a que o
requisito ânuo pode ser desconsiderado, também, em relação às hipóteses dos incisos I e II
do parágrafo único do art. 81 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Por outras
palavras, “dimensão ou característica do dano” são hipóteses mais relacionadas com parte
do conteúdo do inciso III do parágrafo único do art. 81, o que já não ocorre, com exclusi-
vidade, com a hipótese da relevância do bem jurídico. Este é um valor geral, aplicável aos
incisos I e II, e, ainda, a outras hipóteses, do inciso III, todos do parágrafo único do art. 81.
Os Sujeitos do Processo 435

Representará, ativa e passivamente, a sociedade e a associação irregulares, aquele a


quem, em verdade, caiba a administração de seus bens, conforme determina a parte fi-
nal do art. 75, IX, do CPC/2015.180
A lei processual refere, no art. 75, a que a pessoa jurídica estrangeira será represen-
tada por aquele que esteja à testa (seu “representante ou administrador”) de sua filial,
agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil.181 Neste passo, convém mencionar que
“O gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira
a receber citação para qualquer processo” (art. 75, § 3º, do CPC/2015).182
Será nacional uma sociedade desde que constituída em conformidade com as leis
brasileiras e tenha sua sede e administração localizadas no País, conceito válido em face
da lei do processo, embora revogado pela Emenda Constitucional 6/1995 o art. 171, I,
da CF, que conceituava empresa.
Basicamente, a sociedade estrangeira, não devidamente regularizada em face do
Direito nacional, é uma sociedade irregular; e tudo aquilo que se diz a respeito desta é
aplicável também a tais sociedades estrangeiras, mesmo porque não há distinção en-
tre os nacionais e os estrangeiros, e, no particular, ademais, não tendo distinguido a lei
processual, não cabe ao intérprete distinguir.
Outrossim, no caso de falência de sociedade comercial, esta é representada ativa e
passivamente pelo administrador judicial (art. 75, V, do CPC/2015 e arts. 21 e 22, III, n,
da Lei 11.101/2005).

Por certo, necessário será que, em todas as hipóteses, essa realidade seja reconhecida pela
autoridade judiciária.
As expressões flexíveis da lei, que se utiliza de conceitos vagos, virão a ensejar aos juízes
uma larga margem de apreciação valorativa. Essa mesma possibilidade de dispensa da pré-
constituição veio a ser estabelecida para a Lei 7.347, de 24.07.1985, na forma do § 4.º, ao
art. 5.º desta, tal como foi acrescentado pelo art. 113 do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, para a legitimidade das associações que atuem no âmbito desta última lei.
Os critérios de dispensa válidos para o Código de Proteção e Defesa do Consumidor são os
mesmos que para essa Lei 7.347, de 24.07.1985.” (v. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo
Alvim e James Marins, Código do Consumidor comentado e legislação correlata, São Paulo:
RT, 1991, p. 185 a 186).
180. RT 476/153.
181. O art. 42 do Código Civil preceitua: “São pessoas jurídicas de direito público externo os
Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”.
A respeito, decidiu o STJ que “somente os chefes de missão diplomática detêm legitimidade
para as demandas em que os interesses do País a que pertencem e representam estejam em
discussão perante a Justiça brasileira, limitando-se os representantes consulares às ativida-
des de cunho eminentemente comercial e administrativo” (STJ, RO 40/PR, Rel. Min. Castro
Filho, j. 28.9.2004, DJ 18.10.2004, p. 263).
182. Opina-se na doutrina tratar-se de uma presunção absoluta. “A presunção de autorização
para o gerente da filial ou da agência receber citação, a que alude o art. 75, §3.º, CPC, é
absoulta, não admitindo prova em contrário. O fim que a anima é a facilitação do acesso
à justiça, tornando menos complicado o curso de ações contra as pessoas jurídicas estran-
geiras.” (Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo código
de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 159).
436 Manual de Direito Processual Civil

Finalmente, diga-se que é legal a outorga de mandato, pelo órgão representativo de


pessoa jurídica. Esse mandatário, a seu turno, poderá constituir advogado, na defesa
dos interesses da sociedade.183

10.8.7. A representação das paróquias da Igreja Católica


As paróquias da Igreja Católica e demais instituições eclesiásticas têm, como cor-
porações, personalidade jurídica,184 estando, destarte, habilitadas a demandar e a serem
demandadas, sendo, então, representadas, ativa e passivamente, pelo seu pároco185, vi-
gário186 ou representante, em conformidade com as normas de direito canônico que as
disciplinam.
Vale ressaltar que a Igreja e suas instituições, conquanto não mencionadas expres-
samente no Código Civil de 1916, já eram consideradas pessoas jurídicas de direito
privado, conforme previsto pelo Decreto nº 119-A, de 1890. Posteriormente, o Códi-
go Civil de 2002, reconhecendo esta personalidade, veio a prever no inciso IV do seu
art. 44, que são pessoas jurídicas de direito privado as organizações religiosas. Mais re-
centemente a mencionada personalidade foi reafirmada pelo art. 3º187 do acordo entre o
Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da
Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008,
que adentrou em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 7.107 de 11 de
fevereiro de 2010.188

10.9. Representação dos entes despersonalizados


10.9.1. Introdução
Em regra, só possuem capacidade de ser parte aqueles que possuem personalidade
jurídica, que, em suma, é a capacidade de ser titular de direitos e obrigações. Entretan-
to, o legislador, atento à circunstância de que poderão surgir vários conflitos de inte-
resses relacionados com entes sem personalidade jurídica, entendeu por bem atribuir
a alguns desses entes a capacidade de ser parte.

183. JTACivSP 92/200-2.


184. Vide nosso Tratado de direito processual civil, 2ª edição, São Paulo: RT, 1996, vol. II, co-
mentários ao art. 12, p. 326..
185. Dispõe o Código Canônico que: “Em todos os assuntos jurídicos o pároco representa a
paróquia, nos termos do direito; vele por que os bens da paróquia sejam administrados nos
termos dos câns. 1281-1288.”(Cân. 532).
186. TJSP, Ap 242.863, Orlândia, 4.ª Câm.Cív., rel. Carlos A. Ortiz, 22.5.1975, v.u.
187. “Art. 3º A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e
de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o
direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como
Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais
ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações
Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de
Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.”
188. Acordo aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 698, de 7 de outubro de 2009.
Os Sujeitos do Processo 437

Assim, o art. 75 do CPC/2015 reconhece a capacidade de ser parte à massa falida, à


herança, ao espólio e ao condomínio. Esse mesmo dispositivo determina que tais entes
devem ser representados em juízo, respectivamente, pelo: administrador judicial; cura-
dor; inventariante; administrador ou síndico. Neste passo, convém mencionar que o
art. 75, IX, do CPC/2015 também reconhece expressamente que outros entes organiza-
dos sem personalidade jurídica serão representados em juízo pela pessoa responsável
pela administração de seus bens.
Portanto, em relação aos entes despersonalizados, podemos afirmar que o art. 75
do CPC/2015 possui duas funções. A primeira é reconhecer a capacidade de ser par-
te a determinados entes despersonalizados. A segunda é indicar quais serão os re-
presentantes desses entes em juízo, visto que eles não possuem capacidade de estar
em juízo. 189

10.9.2. A representação da massa falida


A massa falida, de cuja representação trata o inciso o art. 75, V, do CPC/2015,190 é
uma universalidade de bens e, por definição, indivisível. Seu conceito é de direito ma-
terial empresarial. Registre-se que a representação da massa falida também está regula-
da na Lei nº 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial e extrajudicial e o pro-
cesso de falência.
A massa falida surge com a falência, que ocorre quando prolatada a sentença decla-
ratória de falência. Nesse instante, perde o devedor o direito de administrar os bens e
deles dispor. É essa sentença que marca o momento em que nasce, para aquele patri-
mônio sujeito à execução coletiva, um novo estado jurídico, desafetando-o da anterior
titularidade do falido, tal como rapidamente esboçamos.
Nessa mesma sentença o juiz deverá nomear o administrador judicial que repre-
sentará a massa falida (art. 99, IX, da Lei nº 11.101/2005). Assim, não é tecnicamente
correto dizer-se que o administrador judicial representa processualmente o falido: na
realidade, representa a massa falida (art. 22, III, n, da Lei 11.101/2005).191-192 O admi-

189. Aqui cabe esclarecer a diferença entre capacidade de ser parte e capacidade de estar em
juízo. A primeira diz respeito à possibilidade de algum sujeito (pessoa ou ente despersona-
lizado) ocupar a posição de parte (autor ou réu) no processo, enquanto que a segunda se
refere à possibilidade da parte atuar no processo por si só, ou seja, praticar atos processuais
sem depender de outro sujeito, o que só poderá aquele que tiver capacidade de exercício
de direito (art. 70 do CPC/2015).
190. V. Arruda Alvim. Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. II, p. 88, e,
mais recentemente, Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1996, vol. II, comen-
tários ao art. 12 do CPC/1973.
191. “Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além
de outros deveres que esta Lei lhe impõe: (...) III – na falência: (...) n) representar a massa
falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente
ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores; (...).”
192. Tal como ocorria, no particular, com o síndico, na vigência do Dec.-lei 7.661/1945 (art. 63,
XVI), revogado pela Lei 11.101/2005, referida no texto. Corretamente, decidiu-se, à luz
438 Manual de Direito Processual Civil

nistrador judicial age como representante da massa falida e, como sua função decorre
de um imperativo legal, poderá ele até mesmo agir contra o falido, o que evidencia que
age em função de um verdadeiro múnus público. É nomeado pelo juiz para auxiliar a
Justiça, tendo deveres inerentes ao seu cargo, não é sucessor do falido na administra-
ção, eis que seu atuar decorre da lei.
Um ente semelhante à massa falida é a massa do devedor insolvente; contudo, am-
bos não se confundem. Conforme já explicado, a massa falida é a universalidade de bens
que eram de titularidade de uma sociedade empresária que faliu, enquanto que a massa
do devedor insolvente é o conjunto de bens, excluídos os direitos não patrimoniais e os
bens impenhoráveis, da pessoa insolvente que não exerce atividade empresária. A mas-
sa falida decorre da sentença que declara a falência da sociedade empresária, enquanto
que a massa insolvente decorre da execução civil contra devedor insolvente, a partir da
sentença declaratória da insolvência.
O Código de Processo Civil de 2015 não aludiu ao administrador da massa in-
solvente, contudo, por força de seu art. 1.052, continua vigente o Título IV do Livro
II do CPC/1973 (arts. 748 a 786-A), que disciplina, entre outras coisas, a adminis-
tração da massa insolvente. Assim, na sentença que declarar o devedor insolvente,
deverá o juiz nomear o administrador da massa, que deverá ser um dos maiores cre-
dores (art. 761, I, do CPC/1973), cuja função, entre outras, será representar a massa
em juízo ativa e passivamente, podendo, para tanto, contratar advogado (art. 766,
II, do CPC/1973).
Registre-se que, assim como o administrador judicial não é representante do fali-
do, o administrador da massa não é representante do devedor insolvente, mas sim da
massa insolvente. 193

10.9.3. A representação das heranças jacente e vacante


As heranças jacente e vacante, de cuja representação cuida o inciso VI do art. 75 do
CPC/2015, encontram-se, respectivamente, definidas nos arts. 1.819, 1.820 e 1.823 do
Código Civil.

da lei anterior, mas adotando-se solução adequada à Lei 11.101/2005, que “a empresa
executada após a decretação de sua falência é parte ilegítima para figurar como polo ativo
ou passivo em ação judicial, cabendo ao síndico nomeado a representação da massa
falida no processo, ou a advogado contratado por este” (TRF-3ªR., Apelação 433.515, j.
19.03.2003, rel. Des. Cecília Marcondes, DJ 23.04.2003). No mesmo sentido, já entendeu
o STJ pela ilegitimidade passiva da pessoa jurídica em ação proposta após a decretação
da falência, v. STJ, REsp 1359259/SE, 2ª T., j. 07.03.2013, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 13.03.2013. A mesma Corte, também já decidiu mais recentemente que
a pessoa jurídica cuja falência foi decretada pode intervir no feito como assistente, v.
STJ, AgRg no REsp 1.234.247/SC, 4ª T., j. 02.02.2016, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe
05.02.2016.
93. Nesse sentido, entende o STJ pela manutenção da capacidade processual do devedor in-
1
solvente, podendo, inclusive, arguir a suspeição do credor indicado para administrador da
Os Sujeitos do Processo 439

O espólio é representado pelo seu inventariante (arts. 75, VII, e 618, I, do CPC/2015).


Sendo dativo o inventariante, todos os herdeiros e sucessores do de cujus deverão ser
intimados nos processos em que o espólio for parte. A herança, por sua vez, seja ela ja-
cente ou vacante, terá um curador. Nesse passo, convém mencionar que o CPC/2015,
na seção que regula o processo de arrecadação da herança jacente, não fala expressa-
mente a quem cabe nomear o curador da herança, contudo, o art. 744 do CPC/2015 diz
textualmente que cabe ao juiz nomear curador na forma da seção anterior, que é a que
regula o processo de arrecadação. Além disso, tendo em vista que em caso de herança
jacente o juiz deve iniciar de ofício o processo de arrecadação dos bens, conforme de-
termina o art. 738 do CPC/2015, tendo-se como consequência que tal nomeação cabe
ao juiz competente para processar arrecadação.
A figura da herança jacente precede à da vacante. Dispõe o Código Civil que, não
havendo testamento e não havendo herdeiros legítimos notoriamente conhecidos, a
herança é jacente, cabendo, então, sua guarda, conservação e administração a um cura-
dor (art. 1.819 do Código Civil e art. 739, caput, do CPC/2015). Por fim, se praticadas
todas as exigências legais e nenhum herdeiro se habilitar no processo de arrecadação
dos bens da herança, será declarada a vacância da herança, declaração esta que somente
será feita depois de um ano da conclusão desse processo. Outrossim, a herança vacan-
te será administrada por um curador. Em ambas as hipóteses, este curador é responsá-
vel por representar a herança em juízo, ativa e passivamente (arts. 75, VI, e 739, §1º, I,
ambos do CPC/2015).

10.9.4. A representação do espólio


A representação do espólio é vinculada à abertura de inventário, em que é nomeado
um inventariante.194 A representação do espólio difere, portanto, da representação da
herança, seja jacente ou vacante. Encontra o assunto sua disciplina nos arts. 75, VII, e
618 do CPC/2015, onde está determinado que incumbe ao inventariante a função de
representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele.195 O inventariante

massa insolvente. Nesse sentido, v., por exemplo: REsp 1.315.421/MG, 3ª T., j. 18.12.2014,
rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 05.02.2015.
194. Enquanto não formalizado o inventário e não prestado o compromisso pelo inventariante,
o espólio será representado por administrador provisório (arts. 613 e 614 do CPC/2015).
Decidiu-se, por outro lado, à luz do CPC/1973, que, “não obstante constituir-se em regra
processual a representação judicial do espólio por seu inventariante, nos termos do art. 12,
V, do CPC, nada impede que, ocorrendo a morte de qualquer das partes, seja procedida a
habilitação direta dos herdeiros, com espeque nos arts. 43, 1.056, II, e 1.060, I, do estatuto
processual vigente” (TRF-4ªR., Apelação 686.545, j. 14.12.2004, rel. Des. Thompson Flores
Lenz, DJ 12.1.2005).
195. Com acerto, já se entendeu ser “sanável a falta de representação do espólio, por seu inventa-
riante” (STJ, REsp 331.071/PR, 4ª T., j. 09.11.2004, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 07.03.2005).
Do mesmo modo, v. TJSP, Ag. de Instrumento 0022286-89.2011.8.26.0000, 10ª C. de Dir.
Priv., j. 10.12.2013, rel. Des. João Carlos Saletti; TJSP, Apel. 9264213-97.2008.8.26.0000,
16ª C. de Dir. Priv., j. 22.05.2012, rel. Des. Candido Alem.
440 Manual de Direito Processual Civil

somente deixará de representar o espólio se a lide disser respeito pessoalmente a deter-


minado herdeiro196.
O art. 617 do CPC/2015 estabelece o rol daqueles que podem ser nomeados inven-
tariante. No regime do CPC/1973, a ordem em que vinham dispostas essas pessoas não
era absoluta. Entretanto, o art. 617, ao utilizar o termo “na seguinte ordem”, não deixa
dúvida de que a ordem em que os sujeitos são arrolados pelo dispositivo deve ser obser-
vada pelo juiz na nomeação do inventariante.197Por outro lado, em face de circunstân-
cias concretas que desaconselham a observância da ordem estabelecida no dispositivo
em tela, encontra-se na jurisprudência, já a luz do novo sistema processual, acórdãos
no sentido de que a ordem não é absoluta. 198
O inventariante dativo é o judicial ou a pessoa idônea, estranha ao processo, nome-
ada pelo magistrado (art. 617, VII e VIII, do CPC/2015). Neste passo, convém registrar
que, da leitura dos incisos do art. 617 do CPC/2015, se nota que o inventariante dativo
não possui nenhum vínculo com o falecido, uma vez que não é herdeiro nem meeiro
dele. Justamente por isso faz sentido a lei, em algumas ocasiões, atribuir tratamento di-
ferente ao inventariante dativo.
Sendo o inventariante herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil), não será
essencial a intimação dos demais herdeiros, nos processos em que o espólio seja parte.
Contudo, caso o representante do espólio seja o inventariante dativo, os sucessores do
falecido deverão ser intimados em todos os processos que o espólio for parte, conforme
determina o art. 75, §1º, do CPC/2015.
O inventariante dativo, justamente por ser estranho à herança, não tem legitimidade
para representar ativa ou passivamente o espólio, tendo em vista ações que a este digam
respeito.199Quando a questão que se apresentar disser respeito à formação do litiscon-
sórcio entre os herdeiros (sucessores), este será facultativo unitário. Facultativo porque

196. Cf. TJSP, EI 9096379-84.1999.8.26.0000, 3ª Câmara de Férias Janeiro, j. 28.11.2000, rel.


Des. Itamar Gaino, DJe. 14.12.2000; TJSP, AC 9248382-14.2005.8.26.0000, 11ª Câmara
de Direito Privado, j. 18.08.2011, rel. Des. Gilberto dos Santos, DJe. 19.08.2011.
197. Concordando que deve ser observada a ordem estabelecida no art. 617 do CPC/2015, v.
Artur César de Souza, Código de processo civil, anotado, comentado e interpretado: parte
especial (arts. 318 a 692), vol. 2, São Paulo: Almedina, 2015, p. 1.471.
198. TJSP, AI 2136952-93.2016.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 07.10.2016, rel. Des.
Beretta da Silveira, DJe. 07.10.2016; TJSP, AI 2084427-37.2016.8.26.0000, 10ª Câmara de
Direito Privado, j. 07.10.2016, rel. Des. Paula Lima, DJe. 07.11.2016.. O desentendimento
irremovível entre os herdeiros há de levar à nomeação de inventariante dativo (art. 617,
VIII, do CPC/2015; v. também: RTJ 71/881; RT 478/221). De maneira semelhante, TJSP, AI
2173302-80.2016.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 24.10.2016, rel. Des. Carlos
Alberto de Salles, DJe. 24.10.2016; TJSP, AI 2260948-65.2015.8.26.0000, 9ª Câmara de
Direito Privado, j. 20.09.2016, rel. Des. Galdino Toledo Júnior, DJe. 20.09.2016.
199. Contra: RJTJSP 44/263; idem, Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1983; conforme o texto: Pontes de Miranda, Comentários
ao Código de Processo Civil, t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 327. Vide também: TJSP,
AI 2109099-12.2016.8.26.0000, 36ª Câmara de Direito Privado, j. 12.09.2016, rel. Des.
Jayme Queiroz Lopes, DJe. 12.09.2016.
Os Sujeitos do Processo 441

o herdeiro intimado poderá ingressar no processo, ou não, a depender de sua vontade.


Doutra parte, é unitário, pois só uma lide será decidida.
Convém aqui atentar para a seguinte ponderação, feita por Eduardo Arruda Alvim:
quando a lei expressamente previr a legitimação extraordinária de um dos possíveis li-
tisconsortes, em virtude de a decisão da lide vir a ser uniforme para todos eles, estará
excluída a obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, pois se tratará de litisconsór-
cio facultativo unitário.200
Tais lições se aplicam, como elucida o citado autor, por exemplo, quando não há
necessidade de litisconsórcio entre os herdeiros se a ação tiver por objetivo a defesa da
universalidade da herança contra terceiros. Isso se deve à circunstância de estar previs-
ta a legitimação extraordinária nos arts. 1.824, 1.825 e 1.827 do Código Civil, que per-
mite a qualquer dos coerdeiros reivindicar a universalidade da herança ao terceiro que
indevidamente a possua.
Enfim, observadas algumas peculiaridades, a representação do espólio pelo inven-
tariante é a regra geral nas ações que tenham curso após a abertura do inventário e an-
tes da homologação da partilha.
Como o espólio ainda se encontra indiviso, as consequências jurídicas específicas
refletir-se-ão, desde logo, sobre ele e apenas posteriormente, com a partilha, é que elas
repercutirão, individualmente, nos patrimônios dos herdeiros, que aí terão suas confi-
gurações concretas, justamente com o desaparecimento da universitas iuris.
Com o trânsito em julgado da partilha dos bens, o espólio não mais poderá propor
ações e nem ser acionado.201

10.9.5. A representação dos condomínios edilícios


O condomínio, a que se refere o inciso XI do art. 75 do CPC/2015, é aquele criado em
decorrência de edificações ou incorporações imobiliárias, onde há, além das unidades
autônomas e individuadas, as partes comuns. O assunto é disciplinado pelo Código Ci-
vil (arts. 1.331 a 1.358).
Neste passo, convém apontar a divergência existente na doutrina sobre a abrangência
do art. 75, XI, do CPC/2015. Enquanto alguns autores entendem que o referido dispo-
sitivo engloba tanto o condomínio edilício quanto o condomínio voluntário, regulado
pelos arts. 1.314 a 1.326 do Código Civil, outros entendem que o dispositivo abrange
apenas o condomínio edilício, posição que reputamos correta.

200. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT,
2013, p. 244.
201. JTACivSP 60/255. Decidiu-se que, nesse caso, “considera-se regular a representação ativa
do espólio quando a viúva e todos os herdeiros se habilitam pessoalmente em juízo, inde-
pendentemente de nomeação de inventariante quando o inventário já tenha se encerrado
ou não exista” (STJ, REsp 554.529, j. 21.6.2005, rel. Min. Eliana Calmon,, DJ 15.8.2005,
p. 242).
442 Manual de Direito Processual Civil

Entre os autores que dão maior abrangência ao art. 75, XI, do CPC/2015 estão Pon-
tes de Miranda,202 Araken de Assis,203 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart,
Daniel Mitidiero,204 Renato Beneduzi,205 e Robson Renault Godinho.206
Discordando desses autores, podemos citar Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de An-
drade Nery, que entendem que o condomínio a que se refere o art. 75, XI, do CPC/2015
é apenas o edilício.207 Celso Agrícola Barbi, a luz do art. 12 do CPC/1973, tem esse mes-
mo entendimento.208

202. Ao tratar do art. 12 do CPC/1973 (correspondente ao art. 75 do CPC/2015), Pontes de Mi-


randa refere-se ao condomínio voluntário e edilício (Pontes de Miranda, Comentários ao
Código de Processo Civil, Tomo I: arts. 1.º a 45. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 431 a 434).
203. “No condomínio clássico (art. 1.314 do CC) pode acontecer a impossibilidade do uso e
gozo conjunto da coisa. A administração da propriedade comum, neste caso, caberá ao
administrador, escolhido pela maioria (art. 1.323 do CC), o qual ostentará a capacidade
processual. Por esse motivo, seguramente, o inc. XI do art. 75 alude ao ‘administrador’,
abrangendo, nesta última figura, a situação comentada. É impossível restringir a regra ao
condomínio horizontal.” (Araken de Assis, Processo civil brasileiro, volume II: parte geral:
institutos fundamentais: Tomo 1. São Paulo: RT, 2015, p. 132).
204. “O condomínio, por fim, qualquer que seja sua espécie, será representado pelo seu admi-
nistrador ou síndico.” (Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero,
Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 160).
205. “Ao tratar da representação processual do condomínio, o inciso XI faz referência primeiro
ao condomínio voluntário e depois ao condomínio edilício. Isso porque a representação
processual do condomínio voluntário é realizada por um administrador, escolhido pelos
condôminos ou mesmo presumido em função do exercício da administração sem a oposição
dos demais, enquanto a representação processual do condomínio edilício compete a seu
síndico eleito pelos condôminos em assembleia.” (Renato Resende Beneduzi in: Comentário
ao Código de Processo Civil: artigos 70 ao 187. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni;
Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. São Paulo: RT, 2016, p. 74).
206. “Por fim, o condomínio será representado pelo síndico ou administrador, que pode ou
não ser um condômino, na forma dos art. 1.323 e 1.324, CC.” (Robson Renault Godinho
in: Comentários ao novo Código de Processo Civil. Coordenação Antonio do Passo Cabral;
Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 137).
207. “A norma não regula a representação do condomínio tradicional de direito civil, que não
tem administrador nem síndico (v., v.g., CC 1314 caput).” (Nelson Nery Júnior; Rosa Maria
de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 394 e
395).
208. “O item IX considera como parte o condomínio, mas não deixou expresso se se trata apenas
do relativo aos edifícios com unidades isoladas, a que o art. 22, § 1.º, alínea ‘a’, da Lei n.º
4.591, de 16 dezembro de 1964, atribuiu essa capacidade, ou se incluiu também o con-
domínio comum, regido pelos art. 623 e segs., do Código Civil [de 1916]. Parece-nos que
a interpretação deve ser no sentido de abranger apenas a primeira modalidade, seguindo,
pois, o direito anterior. Esse tipo de condomínio, surgido com o crescimento das populações
urbanas, que trouxe a necessidade de prédios, de salas e de apartamentos, com proprietários
autônomos, é de operação complexa, envolvendo despesas comuns e frequentes, com ele-
vadores, áreas comuns, fachadas; exigindo orçamento periódico, arrecadação das cotas dos
condôminos, etc. Por isto, é preciso ter um administrador permanente, o qual, muitas vezes,
tem de ingressar em juízo para receber as contribuições dos condôminos, ou para defesa
contra reclamações decorrentes de acidentes com elevadores, de pretensões de empregados
Os Sujeitos do Processo 443

Conforme explicamos, o art. 75 do CPC/2015, no que se refere aos entes desper-


sonalizados, tem duas finalidades. Uma delas é atribuir capacidade judiciária (capaci-
dade de ser parte) a entes que não possuem personalidade jurídica, enquanto a outra
é indicar quem os representará em juízo. Considerando essa primeira finalidade, re-
putamos incoerente atribuir a capacidade de ser parte ao condomínio voluntário, uma
vez que essa espécie de condomínio não possui a mesma proximidade a uma pessoa
jurídica que tem o condomínio edilício. Conforme explica Celso Agrícola Barbi (ver
nota de rodapé nº 7), o condomínio edilício sempre engendra despesas comuns, por
exemplo, com a manutenção de elevadores, com a limpeza do edifício, com a seguran-
ça, etc., o que legitima a sua capacidade de ser parte, pois no dia a dia atua quase que
como uma pessoa jurídica, possuindo até mesmo CNPJ. Contudo, o condomínio vo-
luntário não possui tal peculiaridade, motivo pelo qual não faria sentido atribuir a ele
a capacidade de ser parte.
Além disso, o próprio Código Civil trata de maneira distinta a representação do con-
domínio voluntário em relação à representação do condomínio edilício. Os artigos que
tratam da representação do condomínio voluntário (arts. 1.323 a 1.326) não falam de
maneira expressa que compete ao administrador representar em juízo o condomínio,
diferentemente do art. 1.348, II, que diz textualmente que compete ao síndico repre-
sentar em juízo, ativa e passivamente, o condomínio edilício.
Por fim, admitir que o art. 75, XI, do CPC/2015 se refere ao condomínio voluntário
conduz à conclusão de que não é necessário citar todos os proprietários em eventual
ação movida contra o condomínio, caso algum condômino seja administrador, ainda
que por presunção (art. 1.324 do CC), pois ele teria capacidade, atribuída pelo art. 75,
XI, de representar o condomínio.
Por esses motivos, consideramos que a melhor interpretação é a que restringe o ter-
mo “condomínio” do art. 75, XI, do CPC/2015 apenas ao condomínio edilício.
Havendo litígios a respeito das unidades autônomas, cada titular será parte legíti-
ma para propor ações e a elas responder, pois se submetem ao regime jurídico-material
de propriedade autônoma (art. 1.331, §1º, do Código Civil). Eventual condomínio in-
cidente sobre a mesma unidade autônoma – v.g., dois coproprietários sobre a mesma
unidade – reger-se-á pelos arts. 1.314 a 1.330 do Código Civil e não pelas normas que
regulam o condomínio edilício.

de sua limpeza e conserva, e outras. Enquanto isto, o condomínio do Código Civil funciona
em bases simples, geralmente não tem administrador, e este não tem o nome de síndico. A
defesa dos condôminos tem meios próprios, exercendo-se, em geral, contra os que detêm a
coisa comum. Para isto, qualquer condômino é legitimado, na forma do art. 623, item II, do
Código Civil, o que facilita sobremaneira a defesa. Atribuir-lhe um representante especial,
na pessoa de um administrador, seria forçar a nomeação dessa figura, que, como já se disse,
normalmente não existe na prática desse condomínio. Por todos esses motivos, entendemos
que o item IX só se refere ao condomínio de edifícios com unidades autônomas, regulado
na citada Lei n.º 4.591 de 1964.” (Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo
Civil. vol. I. 2ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 147 e 148).
444 Manual de Direito Processual Civil

Há partes de edifício ou incorporação, que são de uso comum (art. 1.331, §2º e §5º,
do Código Civil). Para a defesa dos interesses de tais partes comuns do condomínio, com
o sentido e função descritas no Código, elege-se um síndico, que, além de representar
o condomínio fora do processo, tem legitimidade para fazê-lo em juízo (art. 1.348, II,
do Código Civil). Conforme explicamos, é a esse síndico ou administrador que se refere
o art. 75, XI, do CPC/2015.
O condomínio edilício, assim, será sempre representado em juízo pelo administra-
dor ou pelo síndico. O condomínio, na realidade, é propriamente o “sujeito do direito”,
porque assim dispõe a lei do processo, embora seja ente despersonalizado, em face do di-
reito material. O condomínio habilita a que o administrador ou síndico, eleito de acor-
do com a convenção, possa representá-lo.
Vale ressaltar, não há, evidentemente, que confundir este tipo de condomínio com
a figura de condomínio (tradicional), expressão do condomínio de direito real, quando
todos os condôminos deverão ser citados sempre como litisconsortes passivos neces-
sários, se sujeitos passivos da ação. Caso se promova ativamente a ação, aplicar-se-á o
art. 1.314 do Código Civil,209 relativo a domínio ou posse, sendo cada condômino parte
legítima per se e pelos demais.210
Se existir de fato um condomínio edilício, mas não existir síndico eleito, o processo
civil atribui no plano processual, legitimação para o processo a fim de representar o con-
domínio àquele que, de fato, o administre. Assim, “registrada a convenção, o condomínio
será representado pelo síndico; não registrada, será representado pelo administrador”.211
Por outro lado, em face de haver um síndico eleito e uma administradora de condo-
mínio, só ao primeiro caberá a representação em juízo do condomínio.212-213

209. Assim já entendia o STJ na vigência do anterior Código Civil: “Nunciação de obra nova.
Ação intentada por condômino contra terceiros. Pretensão dos réus de que sejam chama-
dos ao processo os demais condôminos. Litisconsórcio necessário ativo. Não é o caso da
necessidade, porque a lei permite que a ação seja proposta por qualquer um dos donos.
Exemplos: arts. 623-II, 634, 892 e 1.580, parágrafo único, do Cód. Civil. É excepcional o
litisconsórcio necessário ativo. Hipótese em que não se ofendeu o art. 47 do Cód. de Pr.
Civil. Recurso especial de que a Turma deixou de conhecer” (STJ, REsp 33.726/SP, 3ª T., j.
09.11.1993, rel. Min. Nilson Naves, DJ 06.12.1993, p. 26.663).
210. Trata-se de hipótese em que a lei estabeleceu a legitimidade ativa extraordinária de cada
condômino para a defesa dos interesses dos demais, razão por que estaria dispensado o
litisconsórcio necessário. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil,
5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 244.
211. STJ, REsp 445.693/SP, 3ª T., j. 06.03.2003, Rel. Min. Nancy Andrighi,, DJ 23.06.2003, p. 356.
212. JTACivSP 36/181. Mas, “mesmo após o término do mandato do síndico continuará ele re-
presentando o condomínio como administrador até a realização de assembleia e eleição de
novo síndico, desde que não haja oposição dos demais condôminos” (TRF-3ªR., Apelação
821.818, j. 01.06.2004, rel. Des. Johonsom di Salvo, DJ 31.08.2004).
213. V. o que a respeito de órgãos da administração, sem personalidade jurídica, está dito no
Capítulo anterior, tendo em vista a Lei 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Con-
sumidor).
11
Litisconsórcio e Ações para Anular
Deliberações de Sociedades e Temas Correlatos
– Posição do Sócio em Demanda Contra a
Sociedade e a Figura do Litisconsórcio

11.1. Conceito de litisconsórcio


Apesar do encampado princípio da bilateralidade de partes, costuma-se explicar
o litisconsórcio como pluralidade de partes quando, em verdade, são várias pessoas
exercendo o papel de parte ativa ou passiva. Normalmente, há nos processos um autor
litigando contra um réu, disputando sobre uma única lide, ou objeto litigioso único, a
respeito da qual existem questões a serem resolvidas, sejam de fato ou de direito, ou de
ambas as espécies, antes do mérito. Poderá haver um autor contra um réu e mais de uma
lide (art. 327 do CPC/2015), hipótese em que é imprescindível a observância dos requi-
sitos especiais relativos à cumulação de pedidos (art. 327, § 1º, I a III do CPC/2015).
Poderá haver também mais de um autor – litisconsórcio ativo, ou, então, um autor
contra vários réus – litisconsórcio passivo, ou, ainda, haver vários autores contra vários
réus – litisconsórcio misto. Trata-se do instituto do litisconsórcio, cuja característica mar-
cante é a da existência de pluralidade de pessoas, num mesmo polo do processo – ou em
ambos os polos do processo – no papel de parte ativa ou passiva.
O significado de pluralidade de partes, como é usado, é representativo de que, em
certos processos, vários litigantes se encontram num dos polos da relação jurídica pro-
cessual, existindo entre eles certo grau de afinidade, variável em sua intensidade, sob
múltiplos aspectos (arts. 113, I a III, e 114, caput, do CPC/2015)1 chegando até a iden-
tidade da lide (litisconsórcio unitário).

1. Sobre o conceito de litisconsórcio, v., longamente, Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p. 361 et seq.; Celso Agrícola Barbi, Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. 1, São Paulo: Forense, 1983, p. 257-258. –Sobre o mesmo
conceito também discorrem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mi-
tidiero, para quem, a caracterização da cumulação subjetiva como litisconsórcio é preciso
certo grau de afinidade de interesses. Dizem esses autores: “Comumente, tende-se a definir
446 Manual de Direito Processual Civil

11.2. Classificação do litisconsórcio quanto ao momento de sua formação


O litisconsórcio poderá ser inicial ou ulterior, conforme se constitua ele com a pro-
positura da ação ou posteriormente.
O litisconsórcio será ulterior, comumente, quando necessário (simples ou unitário),
e não tiverem sido citados todos os litisconsortes, que já deveriam ter sido citados ou ter
comparecido ao processo (art. 115, parágrafo único, do CPC/2015). Nessa hipótese, o
juiz, munido dos poderes que a lei lhe atribui, deverá determinar ao autor que requei-
ra a citação de todos os que devem ser litisconsortes necessários, ausentes até então.
Quanto à ausência do litisconsorte passivo necessário, se for constatado o vício des-
de logo, quando da propositura da ação, o juiz deverá marcar prazo para o autor saná-lo,
indeferindo a petição inicial diante do descumprimento da decisão judicial2 (arts. 115,
parágrafo único e 321 do CPC/2015).

11.3. Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade ou não de sua


formação (arts. 113 e 114) e o chamado litisconsórcio multitudinário
(art. 113, § 1º)
Tendo em vista os requisitos ou pressupostos de formação do litisconsórcio, pode-
mos classificá-lo em necessário e facultativo, isto é, considerando-se a liberdade que a
lei defere ao autor em formá-lo ou não.

o litisconsórcio como a presença de mais de um sujeito em um dos polos do processo.


Porém, é preciso distinguir o litisconsórcio da simples pluralidade de partes ou cumulação
subjetiva. Ocorrerá pluralidade de partes ou cumulação subjetiva no processo quando se
tiver, em um dos seus polos, mais de um autor ou mais de um réu. Para que essa cumulação
possa caracterizar-se como litisconsórcio, porém, é preciso que semelhante multiplicidade
de sujeitos encontre-se vinculada por certo grau de afinidade de interesses.” (v. Novo curso
de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2, 2.ed. rev.,
atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 90-91). Do mesmo modo, explicam Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno Lopes: “Em sentido bem amplo, é a conexidade entre as pretensões que
conduz à admissibilidade do litisconsórcio – conceituada ela como a relação de semelhança
entre duas ou várias demandas que tenham um ou mais elementos constitutivos em comum,
sem terem todos. Essa relação entre demandas, que reflete a complexidade legitimadora do
próprio instituto do litisconsórcio e é seu fundamento sistemático, é tomada pelo Código de
Processo Civil.” (v. Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 157).
No mais, é, em certa medida, a ideia apresentada por Humberto Theodoro Júnior, segundo o
qual “o que justifica o cúmulo subjetivo, in casu, é o direito material disputado tocar a mais
de um titular ou obrigado, ou é a existência de conexão entre os pedidos formulados pelos
diversos autores ou opostos aos diversos réus.” (v. Curso de direito processual civil – Teoria
geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol.
1, 56. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 333).
2. STJ, REsp 242.260/SC, 4.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.09.2004, DJ 22.11.2004,
p. 345; STJ, REsp 493.679/RS, 2.ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 16.11.2004, DJ
17.12.2004, p. 483; STJ, AgRg no RMS 27.720/RJ, 6ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, DJe 21.05.2015; STJ, AgRg no AREsp 1.181.273/PB, 4ª T., j. 08.05.2014, rel.
Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 29.05.2014; TJSP, Apel. 0210868-98.2010.8.26.0100, 1ª
C. Dir. Priv., j. 09.12.2014, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy.
Litisconsórcio e Ações para Anular 447

Diz-se necessário o litisconsórcio em duas hipóteses: quando a lei assim determi-


nar ou pela natureza da relação jurídica controvertida, ou seja, se a lide disser respeito
a mais de uma pessoa. A presença conjunta dessas pessoas no polo ativo ou passivo é
indispensável nesse caso, pois, não se considera completa a parte, ativa ou passiva, sem
que todos os que devam ser litisconsortes integrem o respectivo polo da relação jurídi-
ca processual. Diferentemente, no litisconsórcio facultativo, quando pode o litiscon-
sórcio ser formado ou não.
Assim, na facultatividade para a formação do litisconsórcio, em regra, não há lide
única ou determinação legal para ser formado o litisconsórcio.
Veremos a diferença entre litisconsórcio unitário e simples na sequência desse capítu-
lo, mas, desde já, importa mencionarmos que o CPC/2015 confere consequências dis-
tintas a cada um. Se a relação processual disser a respeito a uma só lide – litisconsórcio
unitário – a não integração de um dos litisconsortes necessários resulta na nulidade da
sentença (art. 115, I, do CPC/2015), salvo em caso de legitimação extraordinária. Di-
versamente, se a decisão não tiver que ser uniforme para todos os que deveriam ser li-
tisconsortes – litisconsórcio simples – a sentença será ineficaz para aquele que não com-
pôs a relação jurídica processual (art. 115, II, do CPC/2015)3.
No litisconsórcio facultativo, a vontade relevante para sua formação, ou não, é, a
princípio, a do autor. Mas a formação do litisconsórcio ativo ou passivo não pode com-
prometer o andamento do processo, tumultuando-o. Esse é o limite legal existente para
a vontade do autor, dado que, se a junção de diversos autores no polo ativo da relação
processual ou de diversos réus no passivo puder afetar a rápida solução do litígio ou di-
ficultar a defesa, ela poderá ser limitada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte
(art. 113, § 1º do CPC/2015).4-5 Não havendo essa limitação, é irrelevante a mera von-
tade do juiz, que não pode impor ou vetar a formação de litisconsórcio facultativo, seja
no polo ativo, seja no passivo.6
Esse litisconsórcio recebe o nome de multitudinário, estando regulado nos pará-
grafos do art. 113 do CPC/2015. O § 1º indica que esta limitação pode ocorrer “na fase

3. Assim já pensávamos ao tempo do CPC/1973: Coleção Estudos e Pareceres Direito Civil.


São Paulo: RT, 1995, p. 121-130. De igual modo, a jurisprudência: TJ-SP, AP 0003083-
11.2013.8.26.0344, 4º C., j. 05.11.2015, rel. Maia da Cunha, DJe 10.11.2015.
4. O CPC/2015, nesse ponto, encampou entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça,
como, v.g., STJ, AgRg no AgRg no REsp 1.452.805/PR, 2.ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Hum-
berto Martins, DJe 09.02.2015; STJ, REsp 1.215.569/AL, 1ª T., j. 16.12.2014, rel. Min. Sérgio
Kukina, DJe 19.12.2014; e STJ, AgRg no Ag 1.204.636/RJ, 2.ª T., j. 27.04.2010, rel. Min.
Eliana Calmon, DJe 11.05.2010.
5. Cássio Scarpinella Bueno, a esse respeito, diz que “impõe a limitação do litisconsórcio
quando não se confirmar, no caso concreto, a pressuposição de que o litígio conjunto tornará
mais eficiente a atuação do Estado-juiz sem prejuízo das garantias inerentes aos litigantes,
inclusive a ‘ampla defesa’.” (v. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado
à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 141).
6. RTJ 77/898 e 84/267; STJ, REsp 524.903/PR, 1.ª T., Rel. Min. José Delgado, j. 22.06.2004,
DJ 16.08.2004, p. 136; RDDP, vol. 19, p. 165.
448 Manual de Direito Processual Civil

de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução”, enquanto o § 2º indica o


efeito de interrupção dos prazos para manifestação ou resposta, que recomeçará a cor-
rer da intimação da decisão que o solucionar..

11.4. Classificação do litisconsórcio quanto à sorte no plano do Direito Material


Quanto à sorte dos litisconsortes relativamente à decisão no plano do direito mate-
rial, pode-se classificar o litisconsórcio em simples ou unitário. Será unitário o litiscon-
sórcio quando a demanda, porque única, deva ser decidida de forma uniforme para to-
dos aqueles a quem a lide diz respeito, que deveriam figurar no mesmo polo da relação
processual,7 eis que se trata de uma só lide a ser solucionada jurisdicionalmente. Será
simples o litisconsórcio, como vimos, se na relação jurídica processual contiver várias
lides a serem julgadas.
Esta a diferença entre litisconsórcio necessário simples e unitário, já ressaltada em
sede doutrinária à luz do CPC/19738.O litisconsórcio unitário é, atualmente, definido
pelo art. 116 do CPC/2015: “O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da re-
lação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litiscon-
sortes”. Corrigiu-se, assim, a possibilidade de confusão entre os conceitos de litiscon-
sórcio necessário e unitário, que poderia resultar da redação do art. 47 do CPC/1973.
Verificamos que os critérios que definem a necessariedade e a unitariedade do litis-
consórcio são diferentes. Por um lado, a lei pode exigir que várias pessoas integrem a

7. Sendo unitário o litisconsórcio, o resultado favorável do recurso interposto por apenas um


deles a todos aproveita (art. 1.005 do CPC/2015). Nesse sentido, impedindo a produção
de efeitos deletérios a todos os litisconsortes unitários diante da não juntada de cópia da
procuração por um deles, STJ, AgRg no REsp 1.579.221/GO, 1ª T., j. 12.04.2016, rel. Min.
Regina Helena Costa, DJe 19.04.2016; STJ, REsp 573.312/RS, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j.
21.06.2005, DJ 08.08.2005, p. 183; STJ, REsp 154509/SC, 1.ª T., Rel. Min. Garcia Vieira,
j. 07.05.1998, DJ 19.10.1998, p. 28, RSTJ, vol. 183, p. 203. O mesmo não ocorre em se
tratando de litisconsórcio simples, cf. STJ, RMS 15.354/SC, 5.ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves
de Lima, j. 26.04.2005, DJ 01.07.2005, p. 561. No sentido de que o comparecimento de
um dos litisconsortes unitários aproveita aos demais: STJ, REsp 614.766/MA, 1.ª T., Rel. Min.
Luiz Fux, j. 05.09.2006, DJ 21.09.2006, p. 216; e, ainda, de que a comunhão de interesses
autoriza o aproveitamento das manifestações: STJ, AgRg no REsp 744.446/DF, 2.ª T., Rel.
Min. Humberto Martins, j. 16.10.2007, DJ 10.12.2007, p. 357 – no caso, a irregularidade
na representação de um dos litisconsortes não o impediu de aproveitar os efeitos do recurso,
pelo fato de o outro recorrente estar com a procuração regularizada.
8. “Examina-se o litisconsórcio unitário, independentemente do necessário, por não serem
figuras confundíveis entre si. (...) Assim, a classificação do litisconsórcio em facultativo e
necessário obedece ao critério da liberdade de sua formação, vale dizer, ausência, ou não, da
imposição de sua formação por força de lei. Diversamente, a classificação do litisconsórcio
em simples e unitário é, indiscutivelmente, ligada à afirmação de direito feita pelo autor, a
sua pretensão.” (Thereza Alvim, O direito processual de estar em juízo. São Paulo: RT, 1996,
p. 150). Trata-se de distinção há muito consolidada na doutrina. Por todos, Alexandre Frei-
tas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007, p. 181; José Carlos Barbosa Moreira, O litisconsórcio e seu duplo regime. In: Direito
processual civil. Rio de Janeiro: Borsói, 1971.
Litisconsórcio e Ações para Anular 449

relação processual. É o caso, por exemplo, da ação de usucapião de bem imóvel, na qual
o art. 246, §3º, do CPC/2015 estabelece a necessariedade de citação de todos os confi-
nantes do imóvel usucapiendo. Não é imperioso que a decisão dessa ação seja a mesma
em relação aos vizinhos do imóvel usucapiendo, mas é imprescindível que todos estejam
presentes na relação processual, por determinação legal. Por outro lado, quando dois
ou mais sujeitos são titulares de uma só lide, a decisão é incindível entre eles. O foco do
litisconsórcio unitário é a unidade da qual deriva a impossibilidade de que as pessoas
integrantes do mesmo papel de parte recebam tratamento diferente umas das outras.
O que configura o litisconsórcio unitário é, portanto, termos no processo, pluralidade
de pessoas exercendo o mesmo papel de parte e uma só lide, pertencendo a todos. 9-10
No litisconsórcio unitário, a normalidade do funcionamento da atividade jurisdi-
cional é a de que realmente todos os litisconsortes unitários, situados em um dos polos
do processo ou ambos, tenham sorte efetivamente idêntica no plano do direito material,
ou melhor, sejam alcançados, de igual maneira, pela solução da lide. Todavia, a essência
da unitariedade significa ou é redutível a que a ação deva ser contra ou a favor dos litis-
consortes unitários. Isto é, essencialmente, há de ser julgada procedente ou improceden-
te, podendo, dessa forma, a sorte no plano do direito material variar, em certa medida.
Exemplo disso é o art. 1.561 do Código Civil.11A identidade total da sorte do litiscon-
sorte, definida pela sentença, no plano do direito material é, entretanto, a regra geral.
No litisconsórcio simples, por sua vez, há a possibilidade de que um e outro litiscon-
sorte tenham sortes diversas no plano do direito material. São os exemplos menos com-
plexos de pluralidade de partes, como nos casos em que um mesmo evento tenha causado

9. O litisconsórcio unitário se caracteriza, assim e para efeitos da decisão a ser proferida, pelo
fato de que todas as pessoas presentes no mesmo polo da relação processual são como se
fossem uma única parte, v.g., não vemos os autores A, B e C separados em face do réu D,
mas somente uma parte autora em face de D.
10. Como comenta Luiz Dellore, o critério para identificação da unitariedade do litisconsórcio é
a natureza da relação jurídica, ou seja, quando o juiz tem de decidir a lide de forma uniforme
em relação a todos os litisconsortes. O autor, ainda, fornece dois exemplos interessantes, bem
diferenciando os litisconsórcios simples e unitário. Como exemplo do litisconsórcio simples,
“vale imaginar uma demanda indenizatória em virtude de um “engavetamento” em que dois
motoristas que sofreram dano acionam, em um único processo (litisconsórcio facultativo
ativo) o réu, causador do acidente. Conforme a prova dos autos, poderá o juiz julgar o pedi-
do procedente para ambos ou procedente para um e improcedente para o outro.”. Já como
exemplo do litisconsórcio unitário, seria o caso em que “o MP ingresse em juízo buscando
a anulação de um contrato celebrado entre o Poder Público e uma empreiteira. Ora, é certo
que a decisão para o Estado e para a empresa terá de ser a mesma. Não há como o contrato
ser anulado para um e não para o outro contratante. Assim, ou válido o contrato para ambos
(pedido do MP improcedente), ou nulo para ambos (pedido do MP procedente).” (v. Teoria
geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 391).
11. “1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da senten-
ça anulatória. § 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus
efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé
ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.”
450 Manual de Direito Processual Civil

danos a mais de uma pessoa e as vítimas tenham decidido ingressar conjuntamente com
ação indenizatória, mesmo tendo cada uma sofrido danos de natureza e grau diversos.
Em tais hipóteses, não há uma pluralidade de pessoas no papel de parte e uma só lide,
mas diversas pessoas, cada qual com sua lide, integrando o mesmo polo processual. 12
Uma importante consequência de o CPC/2015 ter expressamente admitido a existên-
cia do litisconsórcio unitário (quando, como vimos, o CPC/1973 parecia mencionar esta
espécie juntamente com o necessário) é perceber-se que apenas no caso de unitariedade os
litisconsortes não agem autonomamente. A regra geral em relação à pluralidade de partes
é que os litisconsortes são considerados como litigantes distintos (art. 117 do CPC/2015).
Integram o mesmo processo, mas compõem lides diversas. A exceção é justamente a do
litisconsórcio unitário. Nesse caso, os atos de um litisconsorte não podem vir a prejudi-
car os demais. Notam-se exemplos disso na desistência da ação ou de recurso, casos em
que o ato de um dos litisconsortes unitários, sem a anuência expressa dos demais, não
tem eficácia. Quer dizer, enquanto todos os litisconsortes unitários não agirem conjun-
tamente, os atos processuais não podem prejudicar os que não agiram, por isso o ato pra-
ticado é ineficaz, mas poderão, contudo, beneficiá-los (art. 117 do CPC/2015).13 O texto
do art. 117, mantém a vedação de que os atos e omissões do litisconsorte unitário prejudi-
quem os demais, permitindo, porém, que sejam estes beneficiados pela atuação daquele.
Note-se, todavia, que não só no litisconsórcio unitário poderá ocorrer que a atuação de
um litisconsorte beneficie os demais; também no litisconsórcio simples isso pode ocorrer,
quando, por exemplo, a mencionada atuação se referir a questão comum aos litisconsor-
tes simples. Assim, por exemplo, mesmo na hipótese de revelia de um litisconsorte sim-
ples, a contestação dos demais pode aproveitar quanto à impugnação dos fatos comuns.
Cotejando-se as duas classificações, temos que o litisconsórcio poderá ser necessá-
rio-simples, necessário-unitário e facultativo-simples e facultativo-unitário (mais raro
na prática),14-15 conforme veremos mais adiante.

12. Revisitando o exemplo da nota 7, se A, B e C são autores em face de D, vemos A, B e C em


face de D. Cada um tem uma lide para com D, de modo que cada relação jurídica pode ser
decidida de uma forma: as três procedentes, as três improcedentes, ou, ainda, apenas uma
ou duas procedentes.
13. Eis o que dizíamos em nosso Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 1975, vol.
2, p. 422.
14. V. para a posição na vigência do CPC/1973, Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado,
São Paulo: RT, 1975, vol. 2, p. 345 et seq., em que se ressalta, principalmente, a autonomia
do litisconsórcio unitário. Adotando expressamente esta classificação: Clito Fornaciari Júnior,
Reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo: RT, 1977, p. 23. Esse particular é também
observado por Ovídio Baptista da Silva, que considera “dado indiscutido pela doutrina o fato
de poder o litisconsórcio necessário ser dividido em duas classes, uma onde o litisconsórcio
é dito simples, e outra envolvendo o litisconsórcio unitário”; além de serem admissíveis as
figuras do litisconsórcio facultativo simples e do litisconsórcio facultativo unitário (Curso de
direito processual civil, vol. 1, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 245-246). Cf., ainda, Luiz Fux,
Curso de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 270.
15. Na linha do escrevemos nesse capítulo, em nossa opinião, dispensa-se a necessariedade da
integração de todos os litisconsortes na relação processual – e, por consequência, ilide-se a
Litisconsórcio e Ações para Anular 451

11.5. Classificação do litisconsórcio quanto à posição, subjetiva ativa ou


passiva, dos litisconsortes no processo
O litisconsórcio será ativo quando houver pluralidade de autores; será passivo quan-
do houver pluralidade de réus; será misto quando houver pluralidade de demandantes
e de demandados.

11.6. Litisconsórcio facultativo (art. 113)


O art. 113 do CPC/2015 indica as hipóteses de litisconsórcio facultativo, prescre-
vendo que duas ou mais pessoas podem litigar conjuntamente em três hipóteses básicas:
a) se entre elas houver comunhão de direitos ou obrigações relativas à lide; b) se entre
as demandas de um e outro litigante houver conexão pelo pedido ou pela causa de pe-
dir; e c) quando houver afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.16
Destarte, a ratio essendi do litisconsórcio facultativo se relaciona, por vezes, com a
economia processual,17-18-19 evitando múltiplas demandas. A doutrina sempre reconhe-
ceu a utilidade do litisconsórcio, que consubstancia a possibilidade de, em uma só de-
cisão, resolverem-se diversas lides, evitando-se decisões logicamente contraditórias.20
Até mesmo o litisconsórcio facultativo haverá de comportar enquadramento no âm-
bito do art. 113 do CPC/2015. Isso quer dizer que, para ser formado, haverá de existir a
vontade do autor ou dos autores de formá-lo, mas enquadrável na previsão legal. Por isso é
que, fora dessas hipóteses – do art. 113, e ainda que se trate de pretensão à formação de
litisconsórcio facultativo, é inviável pretender-se instaurá-lo.21

aplicação do art. 115, I, do CPC/2015 – se, embora unitária a lide, for caso de legitimação
extraordinária. A esse respeito, v. item pertinente à posição dos sócios.
16. Luiz Dellore elogia a supressão de um inciso no art. 113 do CPC/2015, quando comparado
com o art. 46 do CPC/1973, uma vez que o art. 46, II, do CPC/ 1973 trazia uma redundância
(v. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense,
2015, p. 765).
17. Cf. Monteiro Aroca, La intervención adhesiva simple, Barcelona: Hispano Européia, 1972,
n. 5-A,.p. 16. Entre nós, principalmente, senão exclusivamente, no que diz respeito ao
litisconsórcio facultativo, v. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio. 8ª. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 59.
18. Para Araken de Assis, a economia processual é um dos vetores das finalidades da demanda
conjunta. (v. Processo civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais, vol. 2, São Paulo:
RT, 2015, p. 224).
19. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu como salutar a forma-
ção do litisconsórcio facultativo em prestígio aos princípios da economia e da celeridade
processual (TJRS, Ag. de Instrumento 0076946-47.2016.8.21.7000, 3ª C. Cível, j. 07.07.2016,
rel. Des. Matilde Chabar Maia).
20. Cândido Rangel Dinamarco. Litisconsórcio. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 69 e ss..
21. 2.º TACivSP, RT 549/159; TFR, RJTR 53/44 (em mandado de segurança, em que se pondera
que, em realidade, o que se deseja é “fruir” da mesma distribuição e competência, mercê do
“expediente” do ingresso de litisconsorte facultativo ulterior); semelhantemente, decidiu-se
que o litisconsórcio facultativo ulterior, caso admitido, “implicaria violação ao princípio
do juiz natural, uma vez que se estaria possibilitando à parte escolher o julgador que, pelo
452 Manual de Direito Processual Civil

A facultatividade do litisconsórcio do art. 113 incide naquela situação em que o au-


tor, por sua deliberação ajustada à lei (desde que inocorrentes quaisquer das circuns-
tâncias do §1º do art. 113 do CPC/2015), inclui vários réus num só processo, ou, então,
em que vários autores comparecem, por escolha deles mesmos, como litisconsortes ati-
vos, para demandar um só réu, ou, ainda, em que vários autores comparecem em juízo
para demandar vários réus.
A circunstância de a lei utilizar-se, no art. 113, da palavra quando significa funda-
mentalmente que existe taxatividade nos casos de litisconsórcio, ainda que meramente
facultativo, ou seja, inviável será pretender o autor demandar vários réus em casos in-
suscetíveis de ajustamento a uma das hipóteses do art. 113. A liberdade, pois, que existe
para o autor, trazida na palavra “podem”, do art. citado, encontra limites intransponíveis
na lei, tendo-se sempre em mente o disposto no art. 113, caput e respectivos parágrafos.22
Vejamos em seguida as várias hipóteses de litisconsórcio facultativo simples. Os litis-
consortes deverão, em regra, ser tratados autonomamente em relação à parte adversária
comum, na forma do art. 117 do CPC/2015. Aplicação desse princípio é o tratamento
não necessariamente igualitário, tendo em vista a sucumbência em honorários, na medi-
da em que a sorte de tais litisconsortes tenha sido diferente no plano material.

11.6.1. Litisconsórcio facultativo baseado na comunhão de direitos ou de


obrigações, tendo em vista a lide (art. 113, I)
Haverá comunhão de direitos ou de obrigações, quanto, tendo em vista o mesmo ob-
jeto de direito, diversos sejam os seus titulares. 23
É o que ocorre, exemplificativamente, quando está presente o instituto da solidarie-
dade ativa ou passiva. Como se sabe, na solidariedade há pluralidade de credores (soli-
dariedade ativa) ou pluralidade de devedores (solidariedade passiva), ou, ainda, plura-
lidade de credores e devedores (solidariedade mista).24 Os créditos e os débitos solidá-

menos a princípio, seria consentâneo com sua tese” (STJ, REsp 111.885/PR, 2.ª T., Rel. Min.
Laurita Vaz, j. 13.11.2001, DJ 18.02.2002, p. 281).
22. Já se decidiu, em sede de Recurso Especial, ser inadmissível litisconsórcio ativo facultativo
entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual em Ação Civil Pública,
por não haver, no caso, conjugação de interesses afetos a cada um deles. Precisamente,
faltou ao órgão ministerial federal, interesse específico federal a justificar sua integração a
lide, em contraposição aos princípios da economia e celeridade processuais que informam
a formação do litisconsórcio (STJ, REsp 1.254.428/MG, 3ª T., j. 02.06.2016, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJe 10.06.2016).
23. Diferentemente, Cássio Scarpinella Bueno entende que a hipótese do art. 113, I, do CPC/2015
diz respeito a litisconsórcio necessário, porque, segundo o autor, “se entre duas ou mais pessoas
‘houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide’ (e ‘lide’, deve ser entendida
como sinônimo de relação de direito material subjacente ao processo ou de mérito), elas deverão
litigar em conjunto a não ser que haja norma que autorize o contrário, nos precisos termos do
art. 18, isto é, quando for autorizada a legitimação extraordinária.” (v. Manual de direito proces-
sual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 141).
24. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de direito civil: direito das obri-
gações, vol. II, São Paulo, RT, 2015, p. 193.
Litisconsórcio e Ações para Anular 453

rios correspondem à mesma relação jurídica obrigacional,25 havendo unidade prestação


(art. 26426 do Código Civil), ainda que divisível, e pluralidade de sujeitos.
Diante disso, processualmente, na solidariedade ativa há mais de um credor legitima-
do a exercer individualmente em juízo o direito ao cumprimento integral da obrigação
solidária. Isto não impede, no entanto, que todos os credores optem por, conjuntamen-
te, acionar o devedor, formando um litisconsórcio ativo facultativo simples.
Situação parecida ocorre com a solidariedade passiva, em que há diversos devedo-
res. Tem, assim, o credor, direito subjetivo de pleitear individualmente o cumprimen-
to de apenas um ou alguns dos obrigados, ou conjuntamente, em um único processo,
de todos os devedores. Ter-se-á, neste caso, litisconsórcio passivo facultativo simples.
Percebe-se, portanto, que apesar de haver uma única prestação a ser cumprida, diversos
são os legitimados ativos, passivos ou ambos, conforme o caso. 27-28-29-

11.6.2. Litisconsórcio facultativo baseado na conexão de causas (arts. 55 e 113, II)


O CPC/2015, em seu art. 55, definiu o que é conexão de causas, dispondo: “Reputam-
-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”.30
Se duas ou mais pessoas tiverem ações (= lides) que se liguem pela conexão, pode-
rão valer-se do instituto do litisconsórcio.
O litisconsórcio facultativo pela conexão de causas baseia-se no princípio da eco-
nomia processual e no intuito de serem evitadas decisões que, se fossem proferidas se-
paradamente, poderiam ser, pelo menos, parcial e eventualmente contraditórias.31 –32

25. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Tomo XXII, 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi,
1958, p. 326 e 334.
26. Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou
mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
27. Demonstrando que a solidariedade não implica na formação de litisconsórcio necessário,
cf. STJ, REsp 1462820/RJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 04.12.2014, DJe 12.12.2014.
28. STJ, REsp 1.515.710/RJ, 3ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellize, DJe 02.06.2015.
29. A doutrina apresenta ainda, como hipóteses de litisconsórcio facultativo por comunhão de inte-
resses: aquele formado pelos coproprietários (condôminos) que reivindicam o bem – hipótese
em que a facultatividade decorre de disposição legal específica (legitimação extraordinária) –V.
Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 470; Renato
Resente Beneduzi, Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 70 ao 187, São Paulo, RT,
2016 (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil; V. 2/ Coordenação Luiz Guilherme
Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero); e Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade
Nery, Comentários ao Código de Processo Civil de 2015,São Paulo: RT, 2015, p. 512; Alexandre
Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2ª ed. ver. atua. São Paulo: Atlas, 2016, p. 81.
30. STJ, REsp 705.899/PB, 1.ª T., Rel. Min. José Delgado, j. 07.06.2005, DJ 01.07.2005, p. 422.
Para configurar-se a conexão, suficiente é a conexão pelo pedido ou pela causa de pedir,
desnecessária a identidade das partes (Boletim do TFR-3.ª R. 9/74).
31. TRF–4.ª R., AgIn 10493602/RS, Rel. Des. Valdemar Capeletti, j. 16.03.2005, DJ 20.04.2005,
p. 970.
32. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 513.
454 Manual de Direito Processual Civil

11.6.3. Litisconsórcio facultativo baseado na afinidade de questões (art. 113, III)


A afinidade de questões, por um ponto comum de fato ou de direito, enseja, também,
o litisconsórcio facultativo, de conformidade com o inciso III do art. 113 do CPC/2015.
Por isso é que, em demanda numerosa, mas cujas soluções solicitadas sejam fundadas
na mesma e idêntica legislação, admite-se litisconsórcio.33– 34-35
Aqui o vínculo é mais tênue do que aquele que motiva as duas outras hipóteses de
litisconsórcio do art. 113 do CPC/2015, passando a doutrina a denominá-lo litiscon-
sórcio “impróprio”. 36-37
O sentido real do texto da lei é o de que, havendo identidade parcial dos fundamen-
tos da ação (= lide), seja de fato, seja de direito, de um litisconsorte com a de outro, jus-
tifica-se o processo com pluralidade de partes, justamente porque haverá comunhão
na produção e na realização da prova, bem como no próprio exame da causa pelo juiz,
e, em síntese, estará sendo atendido o princípio da economia processual.
Atualmente, proposta a ação e preenchidos os pressupostos do art. 113, III, do
CPC/2015 – desde que inocorrentes as excludentes do §1º deste dispositivo, hão os réus
de ficar submetidos ao litisconsórcio, se assim pretender o autor.
O réu, da mesma forma como não pode recusar o litisconsórcio facultativo legitima-
mente formado pelo autor – vale dizer, sem que a hipótese incida em uma das causas de

33. 1.º TACivSP, RT 652/83.


34. Exemplo apresentado por Humberto Theodoro Júnior auxilia bem na compreensão da
hipótese: “Se, por exemplo, vários contribuintes são ameaçados de lançamento de um
mesmo tributo ilegal, para cada um deles haveria um fato jurídico distinto, que poderia ser
apreciado separadamente em ações individuais. Mas as pretensões de evitar o lançamento
iminente teriam fundamento numa questão jurídica igual para todos, pois a ilegalidade do
tributo seria a mesma. Numa medida de economia processual, as várias ações poderiam ser
cumuladas num só processo, em litisconsórcio ativo contra a Fazenda Pública.” (v. Curso de
direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento
e procedimento comum, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 338).
35. Outro exemplo que podemos pensar é o caso em que vários donos de estabelecimento de
comércio de produtos para animais de estimação, conquanto não prestem serviços próprios
de médico veterinário, são autuados pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária por
não possuírem um profissional da área em atuação no local. Nesse caso, seria legítimo
por afinidade de questões, que os vários proprietários demandassem, facultativamente,
em litisconsórcio ativo em face da referida entidade de classe. Por exemplo, v. TRF1, Apel.
2007.38.00.005420-2, 8ª T., j. 07.11.2008, rel. Juiz Conv. Cleberson José Rocha, DJF1
05.12.2008.
36. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 471.
37. “Obviamente, a existência de um ponto de fato ou de direito em comum entre as partes não
é suficiente a ensejar o litisconsórcio quando esse ponto for meramente circunstancial ou
secundário. O ponto que autoriza o litisconsórcio é o ponto principal, que sustenta com
preponderância a posição jurídica das partes.” (V. Luiz Guilherme Marinoni, et al., Novo
curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2, 2. ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 93).
Litisconsórcio e Ações para Anular 455

desmembramento constantes do §1º do art. 113 –, não pode impor a formação do litis-


consórcio facultativo, obrigando o autor a demandar contra quem não pretendia, ressal-
vando-se, contudo, a hipótese de figura diversa, qual seja, a do chamamento ao processo.
Examinemos esse tema..
O texto do art. 113, III, do CPC/2015 como os demais, inadmite a recusabilidade,
mas devemos atentar respeitantemente à incidência da hipótese descrita no §1º deste
dispositivo.
O problema dos fundamentos de fato ou de direito localiza-se na causa petendi, não
constituindo o pedido, mas de utilidade para identificá-lo. Isso deve ser havido sempre
como dado presente.
A afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito, manifestamente,
é o fundamento (laço) mais tênue, dos legalmente previstos, para se terem por conec-
tadas causas, pois que, somente em face disso, se forma o litisconsórcio. Sem embargo
disso, foi erigida, em igualdade de condições, com as demais hipóteses, para justificar
o litisconsórcio (art. 113, III, CPC/2015).
Importa identificar o que seja tecnicamente questão, observando-se, no entanto, que
a expressão utilizada não é a ideal.
Tanto bastará, pelo texto em análise, que exista afinidade de questões, por “um pon-
to” comum, de fato “ou” de direito. Desnecessária, portanto, é a identidade da questão de
fato ou a identidade da questão de direito, entre um e outro litisconsorte. Tanto basta-
rá que, em face da questão de fato ou da questão de direito, haja um ponto comum, para se
configurar a possibilidade de litisconsórcio.
Para a hipótese do art. 113, III, constitui-se a questão na dúvida, de fato ou de di-
reito, que tem que ser resolvida na mesma sentença, que resolve as diferentes lides dos
litisconsortes. A sorte, no plano do direito material, poderá ou não ser diferente, pois
os fundamentos deduzidos por um dos litisconsortes, embora ligados aos do outro por
esse ponto comum, não são idênticos.38
No caso de cumulação imprópria de pedidos – também denominada cumulação
eventual (art. 326 do CPC/2015) – formulados contra diferentes réus, há certa contro-
vérsia sobre a viabilidade do litisconsórcio.39 Como explicaremos em momento opor-
tuno, a cumulação imprópria ou eventual refere-se à hipótese em que o autor formula

38. Nessa linha, já se decidiu que “o autor pode acionar vários réus, ainda se formulados pedidos
cumulativos contra réus distintos”. (STJ, REsp 204.611/MG, 4.ª T., j. 16.05.2002, rel. Min.
Cesar Asfor Rocha, DJ 09.09.2002, p. 229).
39. A doutrina denomina tal hipótese “litisconsórcio sucessivo” ou “eventual”. Sobre o tema, cf.
artigo de Rodrigo Mazzei, “Litisconsórcio Sucessivo: Breves considerações”, publicado na
obra coletiva Processo e Direito Material (organizada por Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei),
Salvador: JusPodivm, 2009, pp. 223-245. V. também Araken de Assis, Processo civil brasileiro:
parte geral: institutos fundamentais, vol. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 229; e Eduardo Arruda
Alvim, Direito Processual Civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 232.
456 Manual de Direito Processual Civil

mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em


não podendo acolher o anterior. Não se trata propriamente de cumulação de pedidos,
pois a incompatibilidade entre as pretensões exclui a possibilidade de serem acolhidos,
concomitantemente, todos os pedidos formulados. O STJ já se pronunciou sobre a via-
bilidade da formação de litisconsórcio em ação anulatória de débito tributário em des-
favor de determinado Município, com pedido sucessivo de repetição de indébito contra
outro Município, acolhendo, desta sorte, a viabilidade de incluir-se no polo passivo do
feito litisconsortes com interesses conflitantes.40
As questões que devem guardar afinidade para efeito do disposto no art. 113, III,
constituem-se na dúvida a respeito de fundamento de fato ou de direito do pedido. Con-
sideremos, neste momento, as chamadas questões de fundo, pois são dessas que trata
o art. 113, III, supra mencionado. Não se refere esse inciso às chamadas questões pro-
cessuais ou de trâmite.
Devemos atentar que o conceito de lide ou objeto litigioso 41 distingue-se do con-
ceito de questão. Lide é a própria expressão do conflito de interesses, tal como retratada
no processo, ao passo que questão é a dúvida, levantada pelas partes ou, originariamente,
até pelo juiz, a ser resolvida antes da possível resolução da lide, ou, segundo a termino-
logia, a nosso ver inadequada, de Carnelutti, à composição da lide (eis que o Judiciário
não compõe a lide, soluciona).
É próximo o art. 113, III, atual – como o eram os dispositivos do CPC/1973 (art. 46,
IV) e do CPC/1939 (art. 88, caput) – do CPC italiano (art. 103).
O significado do inciso III, do art. 113 do CPC/2015, é, na realidade, a possibilida-
de de formação de litisconsórcio facultativo simples em havendo, nos fundamentos de
cada lide, circunstância – de fato ou de direito – comum a ser considerada e valorada
pelo julgador. 42 Questão só surge, tecnicamente, com a contestação, mas aqui o ter-
mo deve ser encarado sob o prisma de afinidade circunstancial dos fundamentos, o que
será necessário e suficiente à admissão do litisconsórcio. Não se trata, in casu, pois, das
questões emergidas da contestação dos litisconsortes passivos, ou do réu contra litis-
consortes ativos.
Devemos, na exegese do art. 113, III, do CPC/2015, estabelecer o exato significado
da palavra questões. A Calmon de Passos pareceu que o sentido de tal expressão (referia-

40. Consta da ementa do julgado que: “...O conflito de interesses entre os Municípios de Jun-
diaí e São Paulo não representa empecilho à inclusão de ambos os entes na demanda na
qualidade de litisconsortes passivos, sendo igualmente certo, sublinhe-se, que esta situação
de antagonismo é intrínseca ao litisconsórcio eventual. (...)” (STJ, REsp 727233/SP, 2.ª T., j.
19.03.2009, rel. Min. Castro Meira, DJe 23.04.2009).
41. Lide, mérito, pedido e objeto litigioso são ideias substancialmente iguais, ao passo que objeto
do processo é tudo aquilo que integra e compõe o processo, e, portanto, inclui, também, a
defesa (= contestação) e as questões suscitadas pelo réu.
42. É possível que o próprio juiz “levante questões” para resolvê-las. Não é, nesse sentido,
todavia, que o termo está usado no texto.
Litisconsórcio e Ações para Anular 457

-se ele ao art. 88, 3.ª hipótese, do Código de 1939) era o de causas.43 Diverso, todavia,
era o entendimento de Guilherme Estellita 44.
O sentido real da lei é o de que, havendo identidade de questões nos fundamentos
da ação de um autor com a do outro, justifica-se haja litisconsórcio, justamente porque
haverá comunhão na produção e na realização da prova, bem como no exame da cau-
sa pelo juiz, e, em síntese, estar-se-á atendendo ao princípio da economia processual.
Desta forma, pois, a palavra questão não foi tecnicamente usada, pois, tecnicamen-
te, significa afirmação de direito que resulta controvertida.

11.7. Litisconsórcio necessário (arts. 114 e 115)


Haverá litisconsórcio necessário por disposição de lei, ou pela natureza da relação
jurídica (art. 114, caput, 1.ª parte, do CPC/2015), e, diante de tais hipóteses, todos os
litisconsortes hão de ser citados, tendo em vista a norma do art. 114, caput, 2.ª parte, do
CPC/201545-46, mas mais corretamente seria dizer que todos os que devam ser litiscon-
sortes hão de estar presentes no processo.
Assim, o juiz não poderá dispensar o litisconsórcio quando a lei processual, ainda
que encartada no Código Civil, prescrever sua formação necessária, devendo, até mes-
mo, determiná-la ex officio (art. 115, pár. único. do CPC/2015), o que, assim, indepen-
de sequer de requerimento, por se tratar de matéria de ordem pública.47

43. Cf. José Joaquim Calmon de Passos, Do litisconsórcio no Código de Processo Civil, São
Paulo: Forense, 1979, p. 46.
44. Cf. Guilherme Estellita, Do litisconsórcio no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1955, p. 179.
45. Cf., também, José Miguel Garcia Medina, “Litisconsórcio necessário ativo: interpretação e
alcance do art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil”, Doutrinas Essenciais de
Processo Civil, vol. 3, Out.2011.
46. V. Alexandre Freitas Câmara, segundo o qual a necessariedade decorre da legitimidade ad
causam ser plúrima: “O litisconsórcio é necessário quando sua formação é essencial para
que o processo atinja seu fim normal. Resulta a necessariedade do litisconsórcio do fato de
em alguns casos a legitimidade ad causam ser plúrima, isto é, pertencer a um grupo de pes-
soas, de modo tal que só estará presente no processo a parte legítima se todo o grupo, com
todos os seus integrantes, estiver reunido no processo. Pense-se, por exemplo, no caso do
Ministério Público ajuizar demanda que tenha por objeto a decretação de nulidade de um
casamento (art. 1.549 do CC). Pois neste caso a legitimidade passiva é do casal. Perceba-se:
nenhum dos cônjuges sozinho é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda de
anulação de casamento proposta pelo Ministério Público. Só é parte legítima, neste caso,
o casal. Impõe-se, então, a presença de ambos os cônjuges no processo, sob pena de faltar
uma das ‘condições da ação’, não sendo possível chegar-se ao exame do mérito da causa
se o vício não for corrigido.”. (v. O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas,
2016, p. 81). Ainda que se trate de litisconcórcio unitário, a sorte poderá não ser idêntica
no plano dos efeitos da sentença, por causa da boa ou má fé (v. art. 1.561, e §§ 1º e 2º, do
Código Civil).
47. STJ, AgRg no ARESp 829.583/RJ, 1ª T., j. 03.03.2016, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 09.03.2016;
STJ, REsp 1.415.262/PR, 2ª T., j. 09.06.2015, rel. p. acordão Min. Assusete Magalhães, DJe
458 Manual de Direito Processual Civil

Quanto à não integração do contraditório por todos aqueles que devem integrar a
relação jurídica processual, devemos observar que para o litisconsórcio necessário pas-
sivo, seja ele unitário ou simples, se não integrada, é fora de dúvida que o juiz poderá
determinar ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, sob
pena de extinção do processo48-49. Já no polo ativo, em sendo o litisconsórcio necessário,
na exata razão da necessariedade, deverá, também, ser integrado. Se o litisconsórcio,
nessa última hipótese, porém, for simples, a decisão judicial somente alcançará aque-
les que estiveram no processo.
Em se tratando, de litisconsórcio necessário unitário, contudo, faltante a integra-
ção do polo ativo, em havendo decisão judicial, esta será nula (item I do art. 115 do
CPC/2015).
A lei só se reporta, aparentemente, à integração do contraditório por ato do autor,
consequentemente, requerendo a citação dos litisconsortes réus.
Tal disposição legal parece transportar-nos à afirmação, já feita em relação ao
CPC/1973, de que, quanto ao polo ativo, ninguém poderia ser obrigado a ir a juízo. Ora,
nesse passo, se faz essencial cotejarmos os princípios constitucionais incidentes na hi-
pótese, ou seja, do acesso à justiça como o princípio dispositivo ou todos os outros que
poderiam aqui ser invocados.
O acesso à justiça, fundamento e consequência essencial do devido processo legal,
é inafastável, pelo que se conclui que, a vontade de um dos titulares de afirmação de di-
reito não pode obstar o acesso à justiça de outros dos cotitulares. Essa a razão de o autor
poder requerer a citação dos cotitulares da lide, eis que por meio do instituto jurídico
da citação é convocado tanto o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação
jurídica processual. (art. 238 do CPC/2015).
A necessariedade, como vimos, é acrescentada e se impõe em havendo unitariedade
– uma lide só a ser julgada, prevendo o CPC/2015 que “A sentença de mérito, quando
proferida sem a integração do contraditório, será: I – nula, se a decisão deveria ser uni-
forme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo” (art. 115, caput e I).
Todavia, é útil observarmos que casos há em que inexiste essa integração e a sen-
tença será válida, quando aquele ou aqueles que estão no processo são legitimados or-

01.07.2015; STJ, AgRg no REsp 1.211.517/RJ, 5ª T., j. 25.09.2012, rel. Min. Laurita Vaz, DJe
02.10.2012; eSTJ, AgRg no REsp 1.249.185/PR, j. 23.08.2011, rel. Min. Herman Benajmin,
DJe 08.09.2011.
48. STJ, AgRg no AgRg no REsp 1.064.919/PR, 6ª T., j. 14.10.2014, rel. Min. Nefi Cordeiro,
DJe 10.11.2014; STJ, REsp 242.260/SC, 4.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.09.2004,
DJ 22.11.2004, p. 345; STJ, REsp 493.679/RS, 2.ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
16.11.2004, DJ 17.12.2004, p. 483; STJ, RMS 4.834/RJ, 3.ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, j. 03.05.2005, DJ 30.05.2005, p. 356.
49. TJSP, Ag. de Instrumento 2225567-93.2015.8.26.0000, 3ª C. de Dir. Priv., j. 23.02.2016,
rel. Des. Carlos Alberto Salles; TJSP, Apel. 1045676-57.2014.8.26.0100, 9ª C. de Dir. Púb.,
j. 19.08.2015, rel. Des. Oswaldo Luiz Palu; e TJSP, Apel. 1011857-13.2013.8.26.0053, 2ª
C. de Dir. Púb., j. 10.06.2014, rel. Des. Renato Delbianco.
Litisconsórcio e Ações para Anular 459

dinários (por si) e legitimados extraordinários (pelos ausentes). A legitimação extraor-


dinária vem prevista de forma indireta pelo art. 18 do CPC/2015, in verbis, “ninguém
poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordena-
mento jurídico. ” É o caso do disposto no art. 1.314, caput, do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela
exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender
a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la” (grifos nossos). O CPC/1973,
por sua vez, autorizava a legitimação extraordinária por força de lei, isto é, “quando
autorizado por lei” (art. 6º).
Mais uma vez devemos classificar o litisconsórcio já que do texto legal pouco po-
demos, para tanto, utilizar. Embora não haja previsão legal, quer taxativa, quer exem-
plificativa, na lei material ou na processual, salvo a do art. 114 do CPC/2015, toda vez
que uma ação, pela natureza jurídico-material da relação jurídica a ela subjacente, tiver
de ser proposta por ou contra vários réus, porque a sentença haverá de dar sorte igual
aos litisconsortes, haverá litisconsórcio necessário-unitário (salvo, cumpre-nos frisar, ex-
cepcionalmente, em casos de legitimação extraordinária).
No litisconsórcio necessário por disposição do ordenamento jurídico, devemos
atentar:1º) tanto à lei processual que dispõe, genericamente, sobre o litisconsórcio; e 2º)
quanto à lei material ou processual que, especificamente, preveja a hipótese concreta.
Já nessa hipótese, mais amplamente designável como sendo de litisconsórcio necessário
simples, conquanto obrigatória seja a citação de todos os litisconsortes, nem por isto a
sentença há de lhes dar sorte igual, no plano do processo e do direito material.
No litisconsórcio decorrente da indispensabilidade da propositura da demanda con-
tra todos, porque a todos diz respeito a relação jurídica, a lei processual dispõe que, toda
vez que a sentença tenha, à luz dessa hipótese, necessariamente que produzir efeitos
em face de diversas pessoas, todas deverão integrar a relação jurídica processual. Nesse
caso, o que incumbe ao juiz é verificar se estão presentes no processo todos aqueles que
serão afetados pela sentença, de modo uniforme. Não ocorrendo isso, deverá determi-
nar a respectiva integração ao processo, mesmo ativamente, e, passivamente, por certo,
sob pena de, não cumprida essa sua determinação in tempore (arts. 115, parágrafo úni-
co, e 485, X, CPC/2015), vir a dar pela extinção do processo sem resolução de mérito. 50

50. O Instituto Brasileiro de Resseguros, na conformidade do que dispunha o art. 68 do Decre-


to-lei 73/1966 (revogado pela Lei Complementar 126/2007), seria litisconsorte necessário,
nas ações de seguro, sempre que tivesse responsabilidade no pedido. Chegou-se a discutir,
depois da vigência do Código de Processo Civil de 1973, por causa do instituto da denun-
ciação da lide, se se teria alterado a posição do Instituto Brasileiro de Resseguros, ao que
respondeu negativamente a 3.ª Turma do STJ (REsp 45.914, Rel. Min. Waldemar Zveiter,
RSTJ 66/436).A 4.ª Turma seguiu orientação diversa, ao entender que a figura correta seria
a denunciação à lide, nos termos do CPC e, posteriormente, com a promulgação da então
vigente Lei 9.932/1999 (revogada pela LC 126/2007), que teria corrigido a impropriedade
do Dec.-lei 73/1966: STJ, REsp 40911/MG, 4.ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 5.4.1994,
DJ 9.5.1994, p. 10877, LEXSTJ, vol. 45 p. 321, RSTJ, vol. 48, p. 292; STJ, REsp 125.573/PR,
4.ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 7.6.2001, DJ 24.9.2001, p. 307, RSTJ, vol. 156, p. 331.
460 Manual de Direito Processual Civil

Mais do que em razão de mera oportunidade ou conveniência, repousa a institui-


ção do litisconsórcio necessário em motivos de segurança e prestígio da própria ativi-
dade jurisdicional. 51-52
Mesmo em caso de litisconsórcio necessário simples, a participação de todos os li-
tisconsortes no processo é indispensável. Nesse caso será ineficaz a sentença proferida
sem a presença de todos,53 em relação a esses ausentes, referindo-se a lei à própria pro-

Assentou também a 4.ª Turma o entendimento de que haveria preclusão da matéria. Assim,
não poderia o réu alegar nulidade ou ineficácia da sentença se, no prazo da contestação,
não houvesse declarado a existência de participação do Instituto Brasileiro de Resseguros
na soma reclamada nem requereu a citação do ressegurador: STJ, REsp 36.671/GO, 4.ª T.,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 21.6.1994, DJ 15.8.1994, p. 20338; STJ, REsp
256.274/SP, 4.ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 26.9.2000, DJ 18.12.2000, p. 204.
Na 3.ª Turma prevaleceu o entendimento precedente, no sentido de que, “consoante ju-
risprudência sedimentada nesta Corte, a posição do Instituto de Resseguros do Brasil, nas
ações relativas à cobrança de seguro, é de litisconsorte necessário, quando participe em
percentual da soma reclamada, podendo responder, portanto, diretamente ao segurado”
(STJ, REsp 556.201/PA, 3.ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 29.3.2005, DJ 2.5.2005, p. 339; STJ,
REsp 791.030/RS, 3.ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 13.12.2005, DJ 22.5.2006, p. 200). No
sentido da desnecessidade da formação do litisconsórcio e da ausência de nulidade ou ine-
ficácia se, ao tempo da prolação da sentença, o Dec.-lei 73/1966 já estivesse revogado, com
o que não se pode concordar, já que, à luz da legislação então vigente, o processo teria se
desenvolvido invalidamente desde a citação: STJ, REsp 647.377/RS, 3.ª T., Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 25.4.2006, DJ 8.5.2006, p. 200. Tenhamos presente que esta regra não tinha
aplicação, tratando-se de seguro obrigatório de danos ocasionados por veículos, tendo em
vista a disciplina da Lei 6.194/1974. E tal acontece porque o caput do art. 5.º da Lei citada
dispõe: “O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente
e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro
(...)”. (RT 458/180).
51. A jurisprudência tem estabelecido haver litisconsórcio necessário nos seguintes casos: na
ação ordinária de extinção de condomínio (Bol. AASP 1.151/8); na execução de dívida
hipotecária contra mais de um devedor (JTACivSP 53/23); na ação revocatória contra marido
e mulher que alienaram fraudulentamente todos os seus bens, e contra todos aqueles que
participaram de um determinado ato ou atos referentes às disposições de um determinado
bem (RF 269/309); na ação investigatória de paternidade, sendo já falecido o indigitado
pai, entre os herdeiros necessários (RT 541/99); na ação anulatória de compra e venda de
imóvel, entre todos aqueles que nela intervieram (RT 534/71); na ação anulatória de testa-
mento, entre os herdeiros testamentários, legatários, testamenteiros e outros beneficiados
(RT 524/119); na ação de apuração de haveres proposta por espólio de sócio falecido, entre
sócio sobrevivente e a sociedade (RJTJSP 90/381); da mesma forma, na ação de nulidade
de título de crédito sacado sem causa, entre o autor e os endossatários, mormente se se
pretende desconstituir os endossos afirmando-se conluio (REsp 17.830/PR, Rel. Min. Dias
Trindade, DJ 6.4.1992, v. Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, op. cit.,
p. 71);
52. É, igualmente, caso de litisconsórcio necessário para o que participou de processo prece-
dente se se pretender alterar o resultado nascido daquele processo (TJMG Jurisprudência
Mineira 107/240, em que cônjuge sobrevivente e meeiro é litisconsorte necessário, na ação
de anulação de partilha), por meio de ação rescisória.
53. STJ, EDcl no REsp 297.872/AM, 5.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15.04.2003, DJ
16.06.2003, p. 366; STJ, MC 9.275/AM, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.04.2005, DJ
Litisconsórcio e Ações para Anular 461

vidência de extinção do processo (art. 115, parágrafo único, do CPC/2015), se tiver sido


descumprida a ordem judicial de citação dos “litisconsortes” (no polo ativo e passivo)
ainda não presentes, como se disse. Fique frisado: o que a lei processual exige é que o
autor forneça os meios necessários para que a citação dos litisconsortes necessários seja
efetuada.54 Somente sua inércia é que poderá levar à extinção do processo.
Doutra parte, em se tratando de litisconsórcio necessário unitário também a pre-
sença de todos os possíveis litisconsortes é necessária, sob pena de nulidade da decisão
judicial, quer no polo ativo, como passivo.
Outrossim, o comparecimento do litisconsorte necessário, na fase recursal, “su-
prindo” a falta de citação, não convalida o processo ou a sentença, pois ao litisconsor-
te caberia o direito de apresentar suas alegações de mérito ou deduzir suas alegações
preliminares no próprio juízo originário a fim de que fossem devidamente submetidas
ao duplo grau de jurisdição, a não ser que haja manifestação expressa de aceitação do
processo, se o bem for disponível e a capacidade processual admitir tal disposição (ne-
gócio jurídico processual).

11.8. Litisconsórcio unitário (art. 116)


Ao tratarmos do litisconsórcio necessário já nos alongamos também em relação ao
unitário; contudo, como o artigo do CPC/2015 cuida especificamente da unitariedade
repisaremos os principais tópicos relativamente à matéria.
No litisconsórcio unitário existe, por definição, a imprescindibilidade de decisão
uniforme, no plano do direito material, para todos os que no processo figurem como li-
tisconsortes, no sentido de a ação dever ser julgada procedente para todos ou haver de
ser julgada improcedente para todos os litisconsortes. 55

23.05.2005, p. 148. No mesmo sentido era a jurisprudência oriunda do STF, cf. se noticia
abaixo. RTJ 95/742; RT 508/202; Jurisprudência Mineira 59/26 e 73/63. É, v.g., em hi-
pótese de litisconsórcio necessário simples, relacionado com sentença que reconheceu
a usucapião, mas para cujo processo não foi o proprietário citado e nem compareceu
ao mesmo, pacífico o entendimento do STF no sentido de que a sentença é ineficaz em
relação ao proprietário, subsistindo, ipso facto, o direito de propriedade, oponível erga
omnes (RE 96.696, RTJ 104/830; ERE 96.696, RTJ 108/732; mais antigamente, servindo
de paradigma: RE 63.677, RTJ 50/50). Nesse preciso sentido emitimos Parecer publicado
na RePro, vol. 41.
54. Assim já decidiu o STJ, no período de vigência do CPC/1973: “Promover a citação, como
consta do art. 47, parágrafo único, do CPC, significa requerê-la e arcar com as despesas da
diligência; não significa ‘efetivá-la’, pois no direito processual brasileiro a citação é feita pelo
sistema da mediação (...)” (RMS 42/MG, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 11.12.1989, citado
por Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, Brasília: Brasília Jurídica, 1995,
p. 69). No mesmo sentido: STJ, RMS 4.127/SC, 6.ª T., Rel. Min. Paulo Medina, j. 23.03.2004,
DJ 26.04.2004, p. 218.
55. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 530; comentários de Luiz Fux e Rodrigo Fux in Breves co-
mentários ao novo Código de Processo Civil, de coordenação de Teresa Wambier e outros,
2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 420; comentários de Luiz Dellore, Teoria geral
462 Manual de Direito Processual Civil

Quando aludimos a “decidir o mérito de modo uniforme” (art. 116, caput, CPC/2015),


significamos que é decisão uniforme para todos aqueles que, em um dos polos da rela-
ção jurídica processual, se encontram litisconsorciados.
O que parece, pois, essencialmente definidor do litisconsórcio unitário é que, em hi-
pótese alguma, ter-se-á tal figura, quando a sentença puder decidir como procedente
ou improcedente para alguns dos litisconsortes e não para outros.
De um modo geral, durante a vigência do CPC/1973, muitos autores conside-
ravam o litisconsórcio unitário como uma espécie de litisconsórcio necessário, sen-
do esse último gênero. As suas espécies seriam, portanto, o litisconsórcio simples e
unitário.56
Essa posição doutrinária costuma-se afirmar que se deve, em grande parte, à confu-
são conceitual provocada pela redação do art. 47 do CPC/1973, que trazia, num mesmo
dispositivo, aspectos referentes ao litisconsórcio necessário e ao unitário.
Afigurava-se-nos, no entanto, desde esse período, que a posição correta57 é a de se
considerar o litisconsórcio unitário como figura autônoma e não embutida e não de-
pendente do litisconsórcio necessário, embora isso usualmente ocorra, é certo.58-59 Ao

do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 391; e
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 158.
56. Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, São Paulo: Leud,
1974/1975, p. 59.
57. Cf. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, op. cit., vol. 1, n. 105, p. 513; Arruda
Alvim, Código de Processo Civil comentado, op. cit., vol. 2, p. 387 et seq.; José Carlos
Barbosa Moreira, Litisconsórcio unitário, Rio de Janeiro: Forense, 1972, n. 143, p. 227;
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., vol. 1, n. 307,
p. 279 et seq.; Cândido R. Dinamarco, Direito processual civil, op. cit., n. 93, p. 146;
Litisconsórcio, op. cit., p. 114, 1984 e, mais recentemente, na 8. ed. desta obra, São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 141 a 148,. Parece-nos que aí se julga que entendemos ser o
litisconsórcio unitário espécie do necessário. Não é exato esse sentir. (Cf. nosso Código de
Processo Civil comentado cit., vol. 2, p. 348, letra d, intitulada Litisconsórcio facultativo
unitário; v., longa e extensamente, p. 387 et seq., n. 42 sob o título Litisconsórcio unitá-
rio – Reconstrução da figura). Não é, pois, tal o nosso pensamento, que, salvo engano,
nos foi atribuído; foi sempre diferente, de resto, nosso pensamento, já constante de nosso
Curso de direito processual civil, cit., vol. 1, p. 512 (litisconsórcio necessário) e p. 513
(litisconsórcio unitário).
58. Tem-se considerado corretamente, por exemplo, o caso do litisconsórcio necessário unitá-
rio na ação pauliana, em que devem ser citados todos os participantes do ato impugnado
e o adquirente do bem (TJSP, AgIn 15.256-1, 3.ª Câm., v.u., Rel. Des. Jurandyr Nilsson j.
22.9.1981; TJSC, Ap 20.173, 1.ª Câm., v.u., Rel. Des. João Martins j. 9.12.1983,). Mais
recentemente, o TJSP tem decidido no mesmo sentido: JTJ 130/250; RT 559/113.
59. Inexiste, entretanto, litisconsórcio necessário entre os condôminos na ação em que se visa
à anulação de convenção condominial movida contra o condomínio (STF, AgRg no AgIn
76.551-4, 2.ª T., v.u., Rel. Min. Djaci Falcão j. 11.09.1979). Não há, também, litisconsórcio
necessário entre os filhos do casal em ação em que se vise à retificação de assento de óbito,
apenas em relação ao nome da esposa, ainda que o nome destes tenha sido registrado com
Litisconsórcio e Ações para Anular 463

litisconsórcio unitário acresceu o legislador a qualificação de necessário em face de sua


natureza, uma só lide e vários titulares.
O CPC/2015, que disciplina o litisconsórcio necessário nos arts. 114 e 115, desta-
cando o litisconsórcio unitário no art. 116, consagra nosso posicionamento. Em regra,
o litisconsórcio unitário é também necessário, salvo, excepcionalmente, se permitida
a legitimação extraordinária.
Assim, podemos ter um litisconsórcio facultativo unitário, como, por exemplo,
quando um herdeiro reivindica a herança (art. 1.791, parágrafo único, do Código Civil,
que expressamente remete às regras aplicáveis ao condomínio – art. 1.314). Não é ne-
cessário o litisconsórcio de todos os herdeiros, podendo a demanda ser movida por um
ou por alguns dos herdeiros, por força de lei e não obrigatoriamente por todos, mas a
decisão há de ser uniforme para todos, pois a propriedade sobrevive para todos, ou não
(cf. legitimação extraordinária, v. item pertinente à posição dos sócios).
Há litisconsórcio necessário e unitário, por exemplo, na ação movida pelo Ministé-
rio Público visando à declaração de nulidade de casamento com base nos arts. 1.548 e
1.549 do Código Civil. É imprescindível que a demanda seja movida contra o marido e
contra a mulher, pois a decisão inexoravelmente deve ser uniforme, pois o casamento
ou vale para marido e mulher, ou não vale para marido e mulher. Sem embargo da ne-
cessidade de a sentença ser pela procedência ou pela improcedência da ação contra am-
bos, é possível que, no plano do direito material, haja certa variação de efeitos outros,
que não digam com a nulidade decretada, em relação aos ex-cônjuges, expressamente ad-
mitida pelo art. 1.561 do Código Civil.
Outro exemplo de litisconsórcio unitário e necessário refere-se à ação anulatória de
contrato administrativo em que haja beneficiários do negócio jurídico, independen-
temente de se tratar de ação individual ou coletiva (ação popular, ação civil pública,
mandado de segurança coletivo), pelo fato de se verificar o interesse jurídico dos bene-
ficiários do ato de figurar como réus.60

11.9. A posição do sócio em demanda contra a sociedade e a figura do


litisconsórcio
Os sócios da sociedade não são litisconsortes necessários da pessoa jurídica que
veio a ser regular e validamente citada para a demanda em que se pretende a declaração

base no incorreto nome da mãe (TJSP, Ap 47.507-1, 2.ª Câm., v.u., Rel. Des. Sydney Sanches,
j. 3.8.1984).
60. A este propósito indica Hely Lopes Meireles: (...) Mandado de segurança. Litisconsórcio
passivo necessário. Licitação. Nulidade do processo. Intimação da impetrante para sanar a
falha. ‘Nas impetrações em que há beneficiários do ato ou contrato impugnado, esses bene-
ficiários são litisconsortes necessários, que devem integrar a lide, sob pena de nulidade do
processo’ (Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurança, 16.ª edição, Malheiros, p. 51)”.
Neste sentido: STJ, REsp 209.111/MG, 2.ª T., Rel. Min. Franciulli Netto, j. 15.03.2001, DJ
15.10.2001, p. 255.
464 Manual de Direito Processual Civil

de nulidade de assembleia e/ou de cláusula estatutária de sociedade civil ou comercial


aprovada em assembleia.
Não há nessa hipótese formação de um litisconsórcio entre a sociedade, pessoa ju-
rídica, e os sócios/membros/associados, não colhendo o argumento de que a esfera jurí-
dica desses seria atingida da mesma e idêntica forma que a da pessoa jurídica, pois não
existe essa identidade de situações.
Só existe litisconsórcio necessário quando a lei o estabeleça ou se tratar de uma só
lide a ser julgada. No caso, essa previsão normativa não existe nem se trata de exigên-
cia de direito material. No caso concreto não é próprio, sequer, pretender que entre a
pessoa jurídica e o sócio haja um litisconsórcio unitário, porquanto, à luz do disposto
no art. 20, caput, do CC/1916, sem equivalente no Código Civil atual (mas o princípio
prevalece), distinguem-se pessoa jurídica e seus membros.
Nenhuma modificação se opera diretamente no patrimônio dos sócios em decorrên-
cia do reconhecimento e declaração de nulidade de assembleia ou da nulidade de cláu-
sula estatutária, proposta contra a sociedade. Há, contudo, a possibilidade do ingresso
dos sócios no processo como assistentes simples, pois a decisão judicial os alcançará
como fato na sua esfera jurídica.
Examinemos, então, para melhor confortar o que é por nós aqui desenvolvido (com
base em literatura unânime, brasileira e italiana), o que tem sido pronunciado pela dou-
trina e jurisprudência, em casos muito similares, e outros, juridicamente idênticos, à
hipótese aqui considerada, e nos quais se reconhece a legitimidade da ausência de litis-
consórcio necessário no polo passivo de demanda em que se pretende a discussão sobre
a validade de cláusula social ou de assembleia social.
A posição no direito brasileiro é basicamente a seguinte, a qual encontra a doutrina
italiana como pano de fundo de forma coincidente.
Tratando-se de ação visando à anulação de deliberação assemblear em condomínio,
neste sentido vieram a manifestar-se os C. Tribunais Superiores, STF e STJ, afastando a
necessidade de integração do polo passivo pelos condôminos:
“Litisconsórcio necessário. Inexistência. Anulação de convenção condominial.
Na ação que visa à anulação de convenção condominial, movida contra o condomí-
nio, os condôminos não são litisconsortes necessários, não havendo obrigatorieda-
de de sua citação para validade do processo” (STF, AgRg no AgIn 76.551-4, 2.ª T., j.
11.09.1979, v.u., rel. Djaci Falcão, citado em Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim
Wambier, Assistência – Litisconsórcio: Repertório de Jurisprudência e Doutrina, RT,
1986, p. 193-195).
De igual modo, confira-se o que veio a ser decidido pelo STJ: “(...) Em se tratan-
do de anulação de assembleia geral de condôminos, deve a ‘organização’ ser chama-
da para responder a ação, uma vez que ela é que suportaria os efeitos de uma possível
modificação na sua estrutura se vingar o mencionado pedido de anulação. A respeito
do tema, esclarece o Professor João Batista Lopes: ‘A invalidade das deliberações (ca-
sos de nulidade ou anulabilidade, e não de inexistência) deve ser pleiteada por ação
Litisconsórcio e Ações para Anular 465

constitutiva negativa intentada contra o condomínio representado pelo síndico. (...)


Legitimado passivo é o condomínio, representado pelo síndico, como foi dito, sendo
dispensável a citação dos demais condôminos, porquanto não há falar em litisconsór-
cio necessário’” (STJ, REsp 112185/RJ, 4.ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DJU 08.09.1998, p. 67)61.
Nesse preciso sentido veio a decidir o Tribunal de Justiça do Distrito Federal que,
“em demanda objetivando a nulidade de Assembleia de Associação de Classe, têm le-
gitimidade para estar em juízo, no polo ativo, os integrantes da mesma e, no polo pas-
sivo, a Entidade”.
Ou seja, o que se decidiu foi que, no caso de vir a ser proposta ação objetivando a
declaração de nulidade de decisão assemblear de uma sociedade (lato sensu), será legi-
timada passivamente para respondê-la apenas e tão somente a organização, a socieda-
de, afastando-se a hipótese de ser litisconsórcio passivo necessário.
Nesse rumo, aliás, mas agora tratando de sociedades eminentemente comerciais – o
que robora a argumentação precedente –, há inumeráveis decisões reconhecendo que,
em ação de nulidade de deliberação tomada em assembleia de sociedade por ações, é ré
somente a sociedade e que não são litisconsortes passivos necessários os acionistas. 62
Nessas decisões, o que se reconheceu foi a ausência de litisconsórcio necessário (en-
tre a sociedade e os acionistas) para figurar no polo passivo em ação proposta por único
acionista impugnando a validade de assembleia realizada63.
Nesse mesmo rumo, prelecionou Fábio Konder Comparato: “Cuidando-se de ação
que visa a declaração de nulidade de assembleias gerais de companhias, ela só pode ser
proposta contra estas, não contra seus acionistas”.64 Nesse mesmo sentido, confira-se
Priscila Corrêa da Fonseca, que sustenta: “Sujeito passivo da suspensão de deliberações
sociais será, destarte, sempre a sociedade, jamais, advirta-se, aqueles que com seus vo-
tos contribuíram para formar a vontade social”.65
Lembremos, ainda, Scorza:
“La persona giuridica, non avendo una vita naturale propria in modo da poter dar
luogo a manifesazioni di volontà, esercita la capacità d’agire mediante gli organi – uffici
e persone fisiche – la cui attività dal punto di vista formale è unicamente attività della

61. v. João Batista Lopes, Condomínio, 6. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 115-119.
62. Nesse sentido, aliás, v. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 531.
63. Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação Cível
85.120-1 (decisão da 5.ª Câmara Civil, RJTJESP 109/142) fundamentou-se, basicamente, “no
fato de que a natureza jurídica da relação de direito material envolvida não estaria a impor
o litisconsórcio necessário, pois que em jogo (diretamente) estão os interesses da sociedade
e apenas indiretamente os das pessoas físicas atingidas ou favorecidas”.
64. Parecer publicado na RT 507, jan. 1978, p. 46.
65. Priscila Corrêa da Fonseca, Suspensão de deliberações sociais, São Paulo: Saraiva, 1986,
p. 105.
466 Manual de Direito Processual Civil

persona giuridica. L’organo è parte della persona e non ha giuridica a sè: non è titolare
di diritti, bensi di competenze, cioè della possibilità di esercitare diritti che sono della
persona giuridica della quale l’organo è parte e neppure è titolare di poteri giuridici nei
confronti della persona giuridica (...) mentre l’attività dell’organo à sempre e soltanto
attività della persona giuridica”.66
Convém salientar, ademais, como registramos acima, que as regras atinentes à legi-
timidade ativa e passiva (em ação de anulação de deliberação assemblear) aplicam-se
a todas as sociedades, e não apenas às comerciais. Até porque, nada obstante a relação
envolvida na demanda em apreço ser de direito civil, o tratamento processual a ser dis-
pensado será precisamente o mesmo.
Uma vez impugnada determinada disposição estatutária de uma associação em ação
contra ela movida, nascerá para o sócio ou associado o interesse jurídico para intervir no
processo, se quiser, na qualidade de assistente simples, não de litisconsorte, pois a lide
traz, como parte passiva, exclusivamente a associação – ou sociedade –, consequente-
mente só ela será alcançada pela coisa julgada material. Isso, justamente porque a solu-
ção da lide afetará diretamente apenas a pessoa jurídica (associação ou sociedade), mas
indiretamente como fato a esfera jurídica dos associados (ou sócios).
Examinamos, até aqui, a propositura de ações contra as pessoas jurídicas, firmando
posição de que a lide, nessas hipóteses, dirá respeito tão somente à sociedade responsá-
vel pelo ato, contrato, estatutos, enfim, todo o atuar que a ela cabe, independentemen-
te das pessoas dos sócios.
Dificuldades respeitantes ao litisconsórcio, aqui, não surgem.
Todavia, no polo ativo, dessas mesmas ações, o problema pode vir a revestir-se de
sérias proporções.
A primeira questão a ser solucionada, que já abordamos e para a qual apontamos
nossas conclusões, é a que resulta da necessariedade no polo ativo de uma demanda,
argumentando-se que vigorando o princípio dispositivo, o acesso à Justiça não poderia
ser coacto, consequentemente, antes de mais nada, não seriam consideradas as hipóte-
ses de litisconsórcio necessário ativo, simples e mesmo unitário. 67
Contudo, em sendo a necessariedade imposta por lei não há como fugir à sua in-
cidência mesmo no polo ativo. Verificamos que da lei, ou seja, do parágrafo único do

66. V. Bernardino Scorza, L’ecesso di potere come causa di invalidità delle deliberazioni d’as-
semblea delle anonime, Rivista di Diritto Commerciale,vol. 31, Parte 1, p. 655-6, apud
Priscila Corrêa da Fonseca, Suspensão de deliberações sociais, São Paulo: Saraiva, 1986,
p. 105.
67. Alexandre Freitas Câmara, v.g., é partidário dessa posição. Para o autor “O litisconsórcio
necessário é sempre passivo. Não existe litisconsórcio necessário ativo, por ser esta figura
que atenta contra a lógica do sistema processual brasileiro. Isso se diz porque o direito pro-
cessual civil brasileiro está construído sobre dois pilares de sustentação: o direito de acesso
ao Judiciário e a garantia da liberdade de demandar.”. (v. O novo processo civil brasileiro,
2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 81).
Litisconsórcio e Ações para Anular 467

art. 115 do CPC/2015, nada consta quanto à integração da relação jurídica processual


no polo ativo, só no passivo, determinando, o juiz, que o autor requeira a citação “de
todos que devam ser litisconsortes.”.
A citação, de acordo com o art. 238, do mesmo código, não é usado somente para
integrar o polo passivo, mas é o “ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou
o interessado para integrar a relação processual.”, ajustando-se perfeitamente seu em-
prego a fim de cientificar da demanda aqueles que devem integrar o processo por força
de lei, e dizemos mesmo no polo ativo.
É inafastável essa conclusão em face especialmente da preconizada nulidade da
sentença faltante alguém que deveria ter sido litisconsorte ativo e não o foi (art. 115,
I do CPC/2015). Ora, ninguém pode por seu atuar ou não agir impedir, quem deve-
ria ser litisconsorte unitário, de ir a juízo, impedido seu acesso à justiça, como dis-
semos. Ademais, trata-se de nulidade, matéria de ordem pública, devendo ser resol-
vida de ofício.
Ter nosso sistema jurídico encampado o princípio dispositivo não obsta que ele seja
cotejado e sopesado em face dos outros princípios constitucionais. Assim, o princípio
primeiro do acesso à Justiça, amparado e resultante direto do devido processo legal, faz
cair por terra a peremptoriedade na aplicação do princípio dispositivo, que assim não
fosse, impediria, no caso em espécie, o acesso à Justiça. Isso porque, em havendo ne-
cessariedade, um dos titulares da lide (unitária ou simples) não querendo vir a juízo,
impediria o acesso à Justiça de seus pares, o que é juridicamente impossível de aceitar,
eis que o princípio constitucional restaria de todo violado.
Examinemos a situação atual em face do CPC/2015 e dessa assertiva.
O art. 114 do CPC/2015 estabelece que o litisconsórcio será necessário por dispo-
sição de lei ou quando pela natureza da relação jurídica (lide) a eficácia da sentença de-
pender da citação de todos os que devam ser litisconsortes.
Por outro lado, explicitando o que é unitariedade prevê que essa ocorre se, pela na-
tureza da relação jurídica, a lide tiver que ser julgada de modo uniforme para todos os
litisconsortes (art. 116 do CPC/2015).
Ora, esses são precisamente aqueles litisconsortes cuja presença é essencial para
que a sentença surta efeitos. Ainda mais, a não integração do contraditório traz, se-
guindo o art. 115 do CPC/2015, a nulidade da decisão judicial em hipótese de uni-
tariedade.
Nosso raciocínio conduz à inexorável conclusão de que todo litisconsórcio uni-
tário, quer no polo ativo, quer no polo passivo, é também necessário (salvo se possí-
vel a legitimação extraordinária), eis que, assim não sendo, haveria ensejo a decisões
contraditórias, até conflitantes. A essa grave resultante da unitariedade, se fosse fa-
cultativa, poderia ser acrescido o desperdício da atividade jurisdicional, a violação à
regra de competir ao Judiciário não decidir lides já decididas, a inexequibilidade dos
julgados, etc.
468 Manual de Direito Processual Civil

Essa conclusão, ou regra de que a unitariedade determina a necessariedade, é res-


salvada nas hipóteses de legitimação extraordinária. 68-69-70 O sistema jurídico previu a
extensão subjetiva do decisum, consequentemente da coisa julgada material ao estabe-
lecer que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando au-
torizado pelo ordenamento jurídico.” (art. 18 do CPC/2015).
Disciplina esse artigo, em linhas gerais, mas peremptórias, de uma maneira geral, o
instituto da legitimação extraordinária.
Para que alguém possa acionar a jurisdição (acesso à Justiça) é necessário que, além
de ser plenamente capaz, seja parte legítima para agir no processo relativamente àquela
lide. Assim, v.g., um pai não pode ir a juízo para pedir a anulação de um contrato cele-
brado pelo filho capaz, pois a lide não lhe diz respeito.
Por outro lado, se a lide disser respeito a mais de uma pessoa ou a várias pessoas,
todas elas devem agir conjuntamente no papel de parte, autora ou ré. Essas situações,
entretanto, nem sempre se solucionam facilmente e, em razão disso, por força do insti-
tuto da legitimação extraordinária uma só pode ir a juízo, por si, como legitimado ordi-
nário, e autorizado pelo sistema jurídico pelos outros, como legitimado extraordinário,
para que o decidido alcance todos aqueles a quem a lide diz respeito. É o caso, v.g., um

68. De acordo com nossa posição: Humberto Theodoro Júnior: “A figura do litisconsórcio facul-
tativo unitário, implicitamente incluída no art. 116 do NCPC, tem como função resolver a
situação daqueles casos previstos no direito material em que a relação jurídica é incindível,
mas a legitimação para discuti-la é atribuída por lei a mais de uma pessoa, que pode agir indi-
vidualmente, provocando solução judicial extensível a todos os cointeressados.” (v. Curso de
direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum, vol. 1, 56 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 347);
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes: “O litisconsórcio unitário será em princípio também
necessário, mas sem sempre: é o que ocorre, p. ex., nas causas para as quais a lei estabelece
uma legitimidade extraordinária concorrente – mais de um sujeito é autorizado a atuar em
juízo, cada um deles em nome próprio mas todos no interesse de um só e mesmo terceiro. A
lei não exige que atuem em conjunto, o que significa que não é necessário o litisconsórcio
entre eles: só proporão em conjunto se assim preferirem.” (v. Teoria geral do novo processo
civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 159); Cássio Scarpinella Bueno: “Embora excepcional-
mente, contudo, há casos em que [...] o litisconsórcio facultativo será unitário, que é o que
ocorre sempre que houver a possibilidade de atuação de um legitimado extraordinário ou
substituto processual em juízo ao lado do substituído.”. (v. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 142);Fredie Didier Jr.,
Curso de direito processual civil, vol. 1, Salvador: JusPodivm, 2015, p. 464-465; e Alexandre
Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 85.
69. Entende de forma diferente Araken de Assis, para quem “afigura-se obrigatória a participação
de todos os litisconsortes unitários ou, havendo preterição, jamais haverá sentença válida.”.
(v. Processo civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais, vol. 1, tomo 2, São Paulo:
RT, 2015, p. 246).
70. É o caso, por exemplo, da hipótese de promoção da denominada ação social pelos acionistas
de sociedade anônima que, em nome próprio, o faz em defesa das afirmações de direitos e
de interesses da companhia, nos termos do art. 159 da Lei da Sociedade Anônima. V., por
exemplo, STJ, REsp 1.515.710/RJ, 3ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
02.06.2015.
Litisconsórcio e Ações para Anular 469

compossuidor defender a posse por todos os seus pares e outras hipóteses, todas con-
sagradas expressamente em lei.
As circunstâncias de haver, por expressa disposição de lei, possibilidade de defen-
der em juízo afirmação de direito alheia, em nome próprio (legitimação extraordiná-
ria), em hipóteses ocorrentes de unitariedade, ilide a incidência do inciso I, do art. 115
do CPC/2015. Esse estabelece a nulidade da sentença de mérito que deveria ser unifor-
me em relação a todos “que deveriam ter integrado o processo”, na medida em que não
precisariam tê-lo integrado por disposição expressa de lei. Conserva-se a unitariedade,
mas a integração de todos os titulares é facultativa, pois qualquer um deles pode estar
em juízo por si e pelos demais.
Solucionadas essas questões, resta-nos verificar a doutrina estrangeira que, salien-
ta a situação, por exemplo, do sócio alcançado pela decisão da lide contra sociedade,
apesar de deixarmos claro que, para nós, esse atingimento é na sua esfera jurídica como
fato não como coisa julgada. Nesse sentido, diferentemente da legislação estrangeira
a seguir elencada, entendemos que o sócio ou associado pode figurar como assistente
simples na demanda de outrem em face da sociedade.
No direito comparado encontramos expressa referência ao alargamento da eficácia
da sentença, de forma a atingir as pessoas dos sócios. Dispõe o art. 61, 1, do Código das
Sociedades Comerciais de Portugal o seguinte:
“(...) 1 – A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a
favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não
tenham intervindo na ação” (grifo nosso).71-72
O art. 61, 2 (desse Código das Sociedades Comerciais), a seu turno, reza: “A de-
claração de nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa-fé por

71. O Código das Sociedades Comerciais, de Portugal, disciplina, entre outras, as sociedades por
quotas de responsabilidade limitadas. Esse Código das Sociedades Comerciais foi aprovado
pelo Dec.-lei 262/1986, de 2 de setembro, e republicado no Dec.-lei 76-A/2006, cf. a obra
de Pinto Furtado, Deliberações dos sócios. Dispositivo similar ao do art. 61, n. 1 e 2, do
Código das Sociedades Comerciais de Portugal, é o do art. 122 da lei espanhola de socie-
dades anônimas (Real Decreto 1564/1989, versão corrigida em 01.01.1990): “Art. 122. 1. A
sentença que julgue procedente a ação de impugnação produzirá efeitos em relação a todos
os acionistas, mas não afetará os direitos adquiridos por terceiros de boa-fé em consequência
da deliberação impugnada”, determinando-se, no n. 2, o registro da sentença que declare
a nulidade de uma deliberação registrável, no registro do comércio, e o Boletim Oficial do
Registro Mercantil publicará um extrato. O n. 3 desse art. 122 dispõe que: “3. No caso de
a declaração impugnada ter sido registrada no registro comercial, a sentença determinará
também o cancelamento de sua inscrição, assim como a dos assentos posteriores em con-
tradição com ela”. A Lei Alemã das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada
foi a inspiradora da lei portuguesa (v. Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Coimbra:
Livraria Almedina, 1993, p. 528).
72. Na doutrina portuguesa, trazendo à colação jurisprudência do STJ de Portugal, no mesmo
sentido, v. L. P. Moitinho de Almeida, Anulação e suspensão de deliberações sociais, Coim-
bra: Coimbra Editora, 1990,p. 48, sublinhando, ainda que, “à ação declaratória de nulidade
correspondente o processo declarativo comum”.
470 Manual de Direito Processual Civil

terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação; o conheci-


mento da nulidade ou da anulabilidade exclui a boa-fé”.73-74
A eficácia abrange tanto quem votou a favor quanto quem votou contra a delibe-
ração, pois não existe no texto qualquer distinção, como, ainda, compreende-se como
possível eficácia da sentença, que reconheça a inexistência do ato (de deliberação); ade-
mais, o n. 1 do art. 61 disciplina efeitos internos, isto é, a serem produzidos dentro da
sociedade, ao passo que, no n. 2, regulam-se efeitos externos.75
A lei portuguesa deixa claro como a decisão referente à sociedade alcança os sócios,
ou seja, a lide não é deles, mas seus efeitos os alcançam na esfera de sua ligação jurídi-
ca da sociedade.
O Código Civil italiano, por sua vez, no seu art. 2.377, dispõe: “A anulação da deli-
beração tem efeito relativamente a todos os sócios e obriga os administradores a adotar
todas as providências consequentes, sob a responsabilidade própria. São, em todos os
casos, ressalvados os direitos adquiridos de boa-fé por terceiros com base nos atos rea-
lizados em execução da deliberação”.
O eminente processualista Proto Pisani, analisando com meticulosidade o direi-
to italiano – escrevendo obra justamente permeada pela preocupação do princípio do
contraditório –, nega que, na hipótese, se pudesse cogitar de outro legitimado que não a so-
ciedade/associação, e, ao comentar o art. 2.377 do Código Civil italiano, afirma-o como
constituindo uma disciplina tipo para reger quaisquer hipóteses, desde as sociedades
por ações, valendo para pessoas jurídicas em sentido estrito, e, até mesmo, para orga-
nizações sociais ou de comunhão em estado embrionário.76
Essa situação – em conformidade com o ensinamento do processualista – aplica-se
às hipóteses de ações de comunheiros para anular deliberações da maioria, numa co-
munhão; ações de condôminos em que impugnem deliberações de assembleias condo-

73. É manifesto que o fim dessa norma – análoga à da alínea 3.ª do art. 2.377 do Código Civil
italiano – objetiva proteger terceiros que negociam com a sociedade. Veja-se a respeito
Francesco Galgano. Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’edonomia, la
societá per azoini,vol. 7, Padova: Cedam, 1984, p. 218. Valoriza-se a responsabilidade da
sociedade em relação a terceiros de boa-fé, que com a sociedade hajam se relacionado.
74. Acentua-se, ainda, que essa proteção dos terceiros é menos uma proteção que nestes encontra
o seu fim, mas o que realmente se objetiva é, no fundo, a proteção da própria sociedade,
à luz do art. 2.332 do Código Civil italiano. Veja-se, a respeito, Francesco Galgano, idem,
p. 218. O que se quer dizer é que, minimizando as possíveis ações de terceiros, contra a
sociedade – desde que estejam de boa-fé – garante maior estabilidade aos negócios sociais,
ou seja, valoriza-se “l’interesse della classe imprenditoriale, alla piú intensa valorizzazione
possibile del capitale”.
75. Cf. Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, op. cit., p. 528-529.
76. V. Andrea Proto Pisani, Appunti seui rapporti tra i limiti soggetivi di eficaccia della sentenza
civile e la garanzia constitucionale del diritto di difesa, Napoli: Jovene, s/d, n. 14 do trabalho,
p. 941, no original: “Questo rilievo mi sembra di notevole importanza inquanto consente
di ritenere che la disciplina dettada dell’art. 2.377 con riferimento alla società per azioni
sai una disciplina tipo, applicabile anche quando non si sai alla presenza di una persona
giuridica in senso stretto, ma di organizazzione o di comunità allo stato embrionale, in fieri”.
Litisconsórcio e Ações para Anular 471

miniais, ações de sócios em que impugnem balanço final de liquidação, dizendo que se
deve aplicar a tais hipóteses “uma disciplina análoga à descrita precedentemente [refe-
re-se ao art. 2.377 do Código Civil italiano] e às sociedades por ações”.77
O que se sublinha, para sustentar que a eficácia de tais decisões transcende os li-
tigantes, é o interesse geral da comunidade em ver resolvida a validade/invalidade do
ato.78 Entretanto, o que alcança a comunidade, em geral, não é a coisa julgada material,
mas os efeitos por ela produzidos. Sendo um ato assemblear declarado nulo, por deci-
são judicial, trânsita em julgado, seus efeitos se projetam na comunidade.
Uma das explicações para justificar a eficácia em relação a todos os sócios – desig-
nada por Paolo Luiso como uma das “proposizioni fondamentali” – é projetar-se o prin-
cípio do valor absoluto da sentença no campo da eficácia da sentença, ou seja, descar-
tar-se a preocupação dessa eficácia em relação aos limites subjetivos, e centrar-se nos
seus limites objetivos, ou seja, “la sentenza decide dal rapporto dedotto in giudizio, e
solo di questo; ma entro tali limiti oggetivi, essa vale erga omnes, nel senso che deve esse-
re rispettata da tutti coloro che si riferiscono all’esistenza o inesistenza di questo rapporto
per fondare su di esso una propria domanda o una propria difesa”.79 Outro autor, Federi-
co Carpi, ao lado de, em sua obra, referir-se ao critério de ter-se como referencial o que
tenha sido decidido (= a relação individualizada), para avaliar os terceiros que resultam
atingidos pelos efeitos da sentença,80 fornece critério dentro do qual se acomoda a hi-
pótese ora considerada, e com a solução aqui propugnada, coincidente, de resto, com
as doutrinas brasileira e estrangeira.
Redenti, na sua obra clássica e específica sobre o tema, vale dizer, quando escreve
sobre Il giudizio civile com pluralità di parti, enfrenta o assunto de ação contra socieda-
de e a situação dos sócios quando trata da casuística, no Capítulo II, n. 42, p. 55, prin-
cipalmente.
Como primeiro exemplo dessa série – casuística –, aborda o seguinte: “Como exem-
plos típicos podem-se ter como presentes (...) a decisão de anulação (sob ou por opo-
sição) de uma deliberação ilegal de assembleia social (...)” (op. cit., p. 56; original em
nota).81 A solução que dá à eficácia da decisão, nesse caso, é a seguinte (p. 57):

77. V. Proto Pisani, idem, n. 14, p. 941-942.


78. Cf. Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, vol. 2, Trad. da 5. ed. alemã pela Dra.
Ângela Romear Vera. Buenos Aires: EJEA, 1955, p. 482, e ainda cf. Pinto Furtado, Delibera-
ções dos sócios, cit., p. 532.
79. Cf. Francesco Paolo Luiso, Principio del contraddittorio ed efficacia della sentença verso
terzi, Milão: Giuffré, 1981, p. 200.
80. Cf. Federico Carpi, L’efficacia ultra partes della sentenza civile, Milão: Giuffré, 1974, n. 4,
p. 13.
81. Diz Enrico Redenti, no seu Il giudizio civile com pluralità di parti, Milano: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1960, n. 42, p. 55, 56 e 57: “42. Un primo e carateristico gruppo si ha in quei casi
in cui la legge ammette che un provvedimento giurisdizionale possa annullare o modificare
un ato od una formazione di volontà di un ente collettivo o di un suo organo o sostituirsi
ad un suo mancato atto o mancata formazione di volontà, ad instanza di più soggetti, i cui
interessi siano pregiudicati di fatto, per riflesso, dall’atto impugnato o dagli atti a cui la
472 Manual de Direito Processual Civil

“42. Tem-se um primeiro e característico grupo nos casos em que a lei admite que
decisão judicial possa anular ou modificar um ato ou a formação de uma vontade de um
ente coletivo ou de órgão seu, ou substituir-se a um ato não praticado ou a uma vonta-
de de formação não produzida, por pedido de mais de um sujeito, cujos interesses são
prejudicados de fato, por reflexo, pelo ato impugnado ou pelos atos cuja impugnada
formação de vontade do ente ou do órgão tendia ou da falta de um ou de outro. Como
exemplos típicos podem ter-se presentes, por isso, a decisão de anulação (sob oposi-
ção) de uma deliberação ilegal de assembléia social ou decisão (...). A estas hipóteses
devem ser equiparadas as decisões para a anulação de deliberações (provvedimenti) que
vinculam uma universalidade de pessoas, por pedido de alguma dessas.
“(...)
“A decisão judicial nesses casos [de anulação de ato assemblear] vincula mecanica-
mente o ente, ficando sem [necessidade de] qualquer outra providência [ou, medida]
(‘senza altro’), (...) substituído [o ato anulado]. Com isto a decisão opera necessariamen-
te com efeitos reflexos em relação a todos quantos sejam interessados de fato, dado ser ne-
cessariamente único o ato, precisa e justamente porque e como se operava em relação ao
único ato ou à formação da vontade que essa (a decisão) substitui ou cancela (anula).
Também a decisão que, por hipótese, dê pela improcedência da demanda, é necessa-
riamente única e também essa tem efeitos reflexos em relação a todos os interessados”.
Na densa obra sobre o estudo do processo litisconsorcial no direito italiano, esse en-
sinamento é retomado, no mesmo sentido. Afirma-se que, em relação à demanda propos-
ta por um acionista, voltada ou à declaração de nulidade, ou à anulação de deliberação
assemblear de sociedades por ações, ou, então, à nulidade da sociedade mesma, o que se
tem, em relação aos sócios, é o efeito reflexo, referindo-se o autor – Sérgio Menchini –
aos efeitos reflexos ou aos efeitos estendidos da coisa julgada (Rechtskrafterstreckung).82

impugnata formazione di volontà dell’ente o dall’organo tendeva o dalla lamentata mancanza


dell’uno o degli altri. Como esempli tipici possono tenersi presenti, per intanto, il giudizio di
anullamento (su opposizione) d’una deliberazione illegale d’assemblea sociale o il giudizio
per l’inscrizione delle liste elettorali d’un cittadino omesso o cancellato o casi simili. A questi
vanno equiparati i giudizii per l’annullamento di provvedimenti che vincolano una università
di persone, ad instanza di alcuna di esse, lese per riflexo nei loro interessi, es. l’annulamento di
un regolamento da parte della IV sez. del Consiglio di Stato. Il provvedimento giurisdizionale
in questi casi vincola meccanicamente l’ente, rimanendo senz’altro sostituito alla sua volontà
oppure cancellando per l’avvenire del novero dei fati giuridicamente rilevanti una sua
formazione o manifestazione di volontà. Con ciò il provvdimento opera necessariamente
con effeti riflessi per tutti quanti gli interessati di fatto per essendo necessariamente unico,
appunto precisamente perchè e come operava ed era unico l’atto o la formazione di volontà
che esso sostituisce o cancella (annulla). Anche il provvedimento che, per avventura, respinga
la domanda è necessariamente único ed anch’esso ha effetti (riflessi) per tutti gli interessati,
nel senso que conterrà soltanto la dichiarazione che l’atto impugnato non è attaccabile (o
non è provato che lo sia) e com ciò lascia in vigore l’atto stesso per tutti gli interessati, si
ch’esso preclusa o meno ulteriori impugnative da parte di esse”.
82. V. Sérgio Menchini, Il processo litisconsortile, struttura e poteri delle parti, Milão: Giuffrè,
1993,vol. 1, p. 451-452, nota 136.
Litisconsórcio e Ações para Anular 473

As conclusões citadas em relação ao direito italiano, especialmente, aplicam-se, em


nosso sentir, ao direito brasileiro.
A anulação de ato assemblear, por exemplo, só pode ter como ré, a sociedade, não
sendo os sócios integrantes do polo passivo; são terceiros em relação à lide, que, por te-
rem interesse na solução que os atingirá como fato na sua esfera jurídica83, podem, em
tese, ingressar no processo como terceiros, assistentes simples. Afinal, a decisão dessa
lide expandirá seus efeitos para os órgãos da sociedade e seus sócios, mas a coisa julga-
da não lhes diz respeito. Parece-nos, ademais, que pelo ordenamento jurídico brasileiro
o acionista poderá ser legitimado a agir contra a sociedade atacando os atos da mesma,
sem a necessidade de trazer como litisconsortes seus pares,84 bem como sem a necessi-
dade de citá-los para integrar a relação processual.

11.10. Regime jurídico fundamental e especial do litisconsórcio


O art. 117 do CPC/2015 estabelece a regra fundamental que rege a independência
dos litisconsortes, uns em relação aos outros, pois que serão eles considerados, “em suas
relações com a parte adversa, como litigantes distintos”. 85 Isso significa que, regra ge-
ral, cada litisconsorte defronta-se com o adversário comum a todos, autonomamente,
o que, por sua vez, implica que os atos de um litisconsorte não influem na esfera do ou-
tro ou dos outros 86 (v.g., art. 391, caput, do CPC/2015).
O regime jurídico do litisconsórcio unitário é especial, o que é salientado de manei-
ra mais aclarada no CPC/2015. O significado prático da diminuição da independência
entre os litisconsortes é o de que os atos dos que são diligentes acabam aproveitando
aos inertes, como nas hipóteses de recurso (art. 1.005 do CPC/2015), o que decorre da
própria circunstância de a sentença ter de ser igual para todos os que estão litisconsor-
ciados. 87-88Assim, se não houvesse aproveitamento, tal fato levaria o juiz a poder deci-

83. Neste sentido, aliás, tem se posicionado a jurisprudência. V. TJSP, Ap. 0005241-


87.2013.8.26.0037, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13.06.2016, des. Rel.
Ramon Mateo Júnior, DJe. r. 14.06.2016.
84. V. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, 8ª ed. revista e atualizada, São Paulo: Ma-
lheiros Editores, 2009, p. 228.
85. V. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito pro-
cessual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol. 1, 56 ed. rev., atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 349).
86. Cf. Alexandre Freitas Câmara, “incumbe ao juiz, ao julgar a causa, examinar separadamente
a situação de cada um dos litisconsortes.” (v. O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2016, p. 85).
87. Como explica, Araken de Assis o regime procedimental atinente ao litisconsórcio unitário
“repousa na imperativa necessidade de outorgar à lide solução homogênea.” (v. Processo
civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais, vol. 1, tomo 2, São Paulo: RT, 2015,
p. 254).
88. STJ, REsp Repetitivo 1.091.710/PR, Corte Especial, j. 17.11.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe
25.03.2011; STJ, AgRg no REsp 1.579.221/GO, 1ª T., j. 12.04.2016, rel. Min. Regina Helena
Costa, DJe 19.04.2016.
474 Manual de Direito Processual Civil

dir diversamente, o que é juridicamente impossível. Entretanto, os atos que envolvem


eventual disposição de direito, como a confissão, ou efetiva disposição de direito, como
o reconhecimento jurídico do pedido, conquanto sejam atos válidos, em si mesmos,
tendo em vista o litisconsorte que os tenha praticado, serão ineficazes 89quer para quem
praticou o ato, quer em relação aos demais, e, também, tendo em vista o adversário co-
mum. A eficácia só pode decorrer do fato de todos os litisconsortes unitários pratica-
rem o ato e no mesmo sentido.
O âmbito de aplicação do art. 117 do CPC/2015 é, inicialmente, o do litisconsórcio
simples, seja facultativo ou necessário. Refoge do seu espectro, portanto, o litisconsórcio
unitário, vez que, nesses casos, “os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros,
mas os poderão beneficiar” como estabelece in fine o mesmo artigo. 90
A circunstância de serem autônomos os litisconsortes no litisconsórcio facultativo
simples e no litisconsórcio necessário simples implica, ademais, o seguinte: (i) cada li-
tisconsorte poderá escolher seu advogado, embora isso possa ocorrer no litisconsórcio
unitário, mas, nesse caso, as postulações ficam circunscritas à razão mesma de ser desse
tipo de litisconsórcio; (ii) igualmente, há autonomia no que diz respeito ao mérito, pois
há mais de uma lide e pode haver diversidade no que diz com o teor da sentença de mé-
rito (em rigor, existencialmente mais de uma).
Por outro lado, cada um terá um exame específico tangentemente aos pressupostos
processuais, que individualmente respeitem a cada um, e este aspecto vale para todos os
tipos de litisconsórcio. Mas, mesmo no litisconsórcio unitário, faltando um pressuposto
processual, ainda que apenas para um dos litisconsortes, isto deverá ser individualmente
corrigido, como na hipótese, v.g., de um menor – desacompanhado de seu pai – compa-
recer a juízo. Se não for corrigida a falha, isso contamina todo o processo.
A regra fundamental – embora não absoluta, no evolver do processo – a informar
estruturalmente o litisconsórcio, de todas as espécies, é a da unidade procedimental.
Conquanto existam várias relações jurídicas processuais, no litisconsórcio simples
são todas enlaçadas pelo mesmo procedimento – manifestação exterior das relações
processuais – que é uma só. Por essa razão é que, se um litisconsorte contestar a ação,
tal fato, do ponto de vista procedimental, aproveita a todos (art. 345, I, do CPC/2015),
pois o juiz não poderá prolatar sentença, em julgamento antecipado, tendo em vista que
um litisconsorte tenha contestado a ação, embora outro não o tenha.
Quando da oportunidade procedimental única vier a ser proferida a sentença, tra-
tando-se de litisconsórcio facultativo simples, como também no litisconsórcio neces-
sário simples, e tendo em vista os fatos comuns, haverá de atender à prova feita pelo

89. Neste sentido: Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, cit., p. 26; José
Carlos Barbosa Moreira, Litisconsórcio, cit., n. 45, p. 76.
90. Nesse contexto, aliás, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, como recurso especial re-
petitivo e representativo da controvérsia, que a não juntada de instrumento de mandato no
recurso por um dos litisconsortes não implica o não conhecimento dos recursos dos demais,
ainda que em regime especial do litisconsórcio unitário. (STJ, REsp Repetitivo 1.091.710/
PR, Corte Especial, j. 17.11.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 25.03.2011).
Litisconsórcio e Ações para Anular 475

contestante, que, precisamente por serem comuns os fatos, beneficiará os demais, se


for o caso. De outra parte, todavia, tendo em vista os fatos não comuns, deverá aplicar-se
o art. 344 do CPC/2015 àquele(s) litisconsorte(s) que não contestou(taram) o pedido.
Isso, porém, deverá ser feito sempre numa mesma sentença. Pode, ou melhor, deve ha-
ver discriminação no juízo de mérito, em função da atividade de cada um, embora deva
esse ser pronunciado no mesmo instante cronológico, para todos os litisconsortes. Se for
possível, no entanto, julgamento antecipado para todos, deverá o juiz, então, proferi-lo.
A peculiaridade do regime do litisconsórcio unitário consiste em que os atos de ata-
que ou defesa dos litisconsortes atuantes sempre beneficiam os inativos, sendo irrele-
vante uma deficiente atuação individual.
No litisconsórcio unitário, o que existe é um só objeto litigioso, ou lide, a que es-
tão agregadas as várias partes litisconsorciadas. Assim, os atos isolados, desde que pre-
enchidos os seus respectivos pressupostos de validade, serão reputados válidos, como
se dá com a confissão do litisconsorte, por exemplo, num litisconsórcio unitário, que,
sendo válida, não poderá ser retratada, porque o confitente tenha meramente muda-
do de opinião. Poderá o confitente revogá-la (rectius, anulá-la), o que é coisa diferente.
No entanto, os conceitos de validade e eficácia hão de ser distinguidos. Se é válida,
por isso mesmo, não pode ser retratada. Todavia, a validade não leva, em havendo uni-
tariedade, à sua eficácia, e isso porque a eficácia da mesma é condicionada, pelo sistema,
a que todos confessem ou venham a confessar, ao lado daquele que já o fez.
Como se disse da indivisibilidade da lide, no litisconsórcio unitário, emerge a des-
consideração da atividade ou inatividade dos litisconsortes, como litigantes distintos,
fazendo o sistema com que os atos benéficos de um deles, ou de mais de um, sejam apro-
veitáveis a todos, se necessário, em nome e teleologicamente tendo em vista a possível
decisão uniforme futura.
A atividade de um litisconsorte, todavia, seja qual for sua categoria, não pode pre-
judicar a situação de outro.
Tendo em vista a imprescindibilidade da mesma sorte, no plano do direito material,
a ser dada a todos os litisconsortes unitários, é irrelevante que algum deles tenha perdi-
do prazo para recorrer, por exemplo, para o fim de se pretender que isso o prejudique.
Isso em nada poderá prejudicá-lo, pois como a sua sorte não poderá ser diversa da dos
outros,por isso que a ele aproveitam os recursos apresentados pelos demais (art. 1.005
do CPC/2015).91 Assim, e só por esse motivo, deve ser “representado” pelos demais.92

91. Nesse sentido: STJ, REsp 573.312/RS, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.06.2005, DJ 08.08.2005,
p. 183; STJ, REsp 154509/SC, 1.ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, j. 07.05.1998, DJ 19.10.1998,
p. 28, RSTJ, vol. 183, p. 203; STJ, AgRg no REsp 744.446/DF, 2.ª T., Rel. Min. Humberto
Martins, j. 16.10.2007, DJ 10.12.2007, p. 357 – nesse último caso, a irregularidade na
representação de um dos litisconsortes não o impediu de aproveitar os efeitos do recurso,
pelo fato de o outro recorrente estar com a procuração regularizada.
92. Cf. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, cit., vol. 1, n. 105, p. 513; Arruda Alvim,
Código de Processo Civil comentado, cit., vol. 2, p. 395. Tenhamos presente, apenas, que a
palavra “representação”, neste passo, é utilizada com alguma impropriedade técnica, pois,
476 Manual de Direito Processual Civil

Já no litisconsórcio simples, seja ele necessário ou não, o recurso de um litisconsorte


não aproveita ao outro (salvo em hipótese circunstancialmente encartável no art. 1.005,
parágrafo único), vigorando aí a regra geral, segundo a qual os litisconsortes são con-
siderados como partes distintas em relação aos demais litigantes.93 Assim é que, numa
ação de usucapião movida contra diversos proprietários, a hipótese é de litisconsórcio
necessário simples, sendo julgada procedente contra todos, só poderão, eventualmente,
obter reforma os que tenham recorrido. Os recursos de alguns, pois, não aproveitarão
aos demais, pois os objetos são diversos.
Será correta, por outro lado, a sentença que tiver dado pela procedência contra uns,
e não contra outros, desde que ocorrentes os pressupostos de procedência contra uns e
inocorrentes para os demais, pois que inexiste, na espécie, unitariedade.
A confissão, como regra geral existente no tema do litisconsórcio, dessumível do
art. 117 do CPC/2015, faz prova tão somente contra o confitente, não prejudicando nem
beneficiando os demais litisconsortes (art. 391, caput, do CPC/2015).94
A confissão, havendo unitariedade, será válida em si mesma considerada; entretan-
to, sua eficácia estará a depender de confissão igual dos demais litisconsortes.
A confissão em litisconsórcio unitário, pois, tem valor de mera declaração, se feita
por só um litisconsorte, não sendo prova apta a embasar, por si só, a decisão da causa,
pois não pode prejudicar os demais litigantes litisconsorciados e, por outro lado, tem a
demanda de ser decidida de modo uniforme para todos os litisconsortes, o que a torna
mesmo inaproveitável com relação ao próprio confitente.95
Com relação ao litisconsórcio simples, seja necessário, seja facultativo, não há ne-
cessariamente a decisão de ser no mesmo sentido, embora deva ela ser prolatada na
mesma oportunidade.
Finalmente, já foi decidido corretamente que, tratando-se de litisconsórcio passivo
facultativo simples, o autor pode desistir da ação com relação a um dos litisconsortes,
sem que os demais a tanto se possam opor.96

rigorosamente, de representação não se trata. Trata-se de benefício da atividade de um em


relação à situação do outro.
93. José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 13 ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2006, vol. 5, n. 213, p. 385-386; Sergio Bermudes, Comentários ao Código
de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 1977, vol. 7, n. 84, p. 112-113, 1977. Cf.,na jurispru-
dência: STJ, RMS 15.354/SC, 5.ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 26.04.2005, DJ
01.07.2005, p. 561; e TJSP, Ag. de Instrumento 0232034-64.2011.8.26.0000, 6ª C. de Dir.
Púb., j. 13.02.2012, rel. Des. Reinaldo Miluzzi.
94. Sobre o problema da confissão no litisconsórcio, Moacyr Amaral Santos, Comentários ao
Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1982, vol. 4, n. 91, p. 106.
95. Cf. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, cit., vol. 2, p. 397.
96. Decidiu-se, corretamente, que “a desistência da ação quanto a alguns corréus somente exige
a anuência destes [isto é, daqueles em relação aos quais está se operando a desistência],
dispensando a dos demais” (TJSP, Ap.Civ. 63.484-4/SP, 9.ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Brenno
Marcondes, j. 4.5.1999).
Litisconsórcio e Ações para Anular 477

Por outro lado, o litisconsorte passivo simples que confessar, desde que os fatos não
sejam comuns aos demais, terá quase sempre – ainda que não necessariamente – a de-
manda julgada contra si, prejudicando sua ação ou a sua defesa; já os demais litigantes
em nada serão afetados, pois o juiz deverá decidir a lide com base nas provas pelos mes-
mos produzidas. O “prejuízo” advindo da confissão ficará circunscrito tão somente ao
confitente, não prejudicando nem beneficiando os demais.
Havendo litisconsórcio, seja unitário ou simples, e tendo algum dos litisconsortes
permanecido revel, a contestação dos demais faz com que possam não se operar, pelo
menos, os efeitos procedimentais da revelia, afastando assim a incidência do art. 355,
II, do CPC/2015.97 O mesmo se diga tangentemente ao art. 341 do CPC/2015.
Do ponto de vista procedimental ou, mais especificamente, do ponto de vista de dar
andamento ao processo, em função da maior ou menor atividade, inexiste qualquer vin-
culação entre os litisconsortes, valendo a regra para todas as espécies de litisconsórcio
(art. 118 do CPC/2015).
De outra parte, se existe desvinculação total, devemos considerar que a eventual
responsabilidade de determinado tipo de ato praticado– mesmo no litisconsórcio ne-
cessário unitário – há de ser individualizada. Assim, se um litisconsorte, impulsionan-
do o processo, pratica ato que o caracterize como litigante de má-fé (por exemplo, hi-
pótese do art. 80, V ou VI, do CPC/2015), as consequências jurídicas emergentes serão
estritamente subjetivas.
O fundamento inspirador da regra geral, ou seja, da independência dos litisconsor-
tes, é o princípio da liberdade (art. 118, 1.ª parte, do CPC/2015), desde que respeitada
a comunicação dos atos processuais, devendo-se, pois, dar ciência dos atos praticados
aos demais colitigantes (art. 118, 2.ª parte, do CPC/2015).
A comunicação dos atos processuais, praticados por um litisconsorte, deverá ser feita
ao procurador do outro, ou aos procuradores dos outros litisconsortes, e não às próprias
partes. Deve-se, ainda, ter presente que, havendo vários litisconsortes, com diversos
procuradores, pertencentes aos quadros de escritórios de advocacia distintos, os prazos
para manifestação serão contados em dobro, independente de requerimento (art. 229
do CPC/2015), exceto em processos que tramitem em autos eletrônicos (art. 229, §2º

97. Entendendo aplicável o art. 345, I, somente ao litisconsórcio facultativo-unitário, ou


necessário-unitário, bem como ao litisconsórcio simples apenas na medida em que os
fatos forem comuns: Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo: RT,
1977, p. 87; Calmon de Passos entende aplicável o art. 345, I, apenas quando se estiver
diante de fatos comuns (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 3/442-443). O
que nos parece é que, procedimentalmente, seja qual for o tipo de litisconsórcio, incide
o art. 345, I. No que pertine ao mérito, dever-se-á verificar se, sendo diversos os fatos,
é possível que, na sentença, sejam considerados diversamente. Esta nota se refere ao
CPC, observando-se que o CPC/73 tinha texto igual (art. 320). O art. 345 acrescentou um
item IV, que não interfere nos exemplos e argumentação, mas expressa doutrina anterior
corrente.
478 Manual de Direito Processual Civil

do CPC/2015).98-99 Nessa situação, mesmo que somente um dos litisconsortes venha


a recorrer, ainda assim o prazo para esse terá sido em dobro. Computar-se o prazo em
dobro vale, também, para a hipótese em que o litisconsórcio haja sido formado mercê
de denunciação da lide.100
A propósito, estabelece a Súmula 641 do STF que “não se conta em dobro o prazo
para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”.101 No mesmo sentido
é a jurisprudência do STJ.102
Caso se configure a revelia de um dos litisconsortes, sem que tenha constituído ad-
vogado nos autos, já decidiu o STJ pela inaplicabilidade do prazo em dobro previsto no
art. 191 do CPC/1973, hoje no art. 229 do CPC/2015, “salvo se, ainda na fluência do prazo
simples para o recurso, ele apresenta-se no processo com procurador distinto do que já
atua como defensor do outro litisconsorte que contestou, o que inocorre na espécie”.103
Devemos observar, ademais, que o problema surgirá, justamente, no caso de haver
litisconsórcio com procuradores diferentes, dado que, se tiverem o mesmo procurador,

98. A fluência do prazo em dobro independe de prévio requerimento dos interessados. Cf., a este
respeito, STJ, REsp 60.098-7/PR, 4.ª T., v.u., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.06.1995,
deram provimento, DJU, I, 14.08.1995, p. 24.031. No mesmo sentido, mais recentemente:
STJ, REsp 268.260/SP, 5.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 13.03.2002, DJ 20.05.2002,
p. 174; STJ, REsp 713.367/SP, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.06.2005, DJ 27.06.2005,
p. 273; TJSP, Apel. 0002853-67.2009.8.26.0292, 2ª C. de Dir. Empresarial, j. 17.03.2014,
rel. Des. Ricardo Negão; e TJSP, Apel. 1001340-82.2015.8.26.0568, 11ª C. de Dir. Priv., j.
02.06.2016, rel. Des. Gilberto dos Santos.
99. Na doutrina, v. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo
curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2, 2.ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 97).
100. STJ, REsp 25.519-7, 3.ª T., Rel. Min. Nilson Naves, RSTJ 48/292, constando de parte da
ementa que “na denunciação da lide, a posição do denunciado pelo réu é a de litisconsorte
do denunciante”. O litisdenunciado equipara-se ao litisconsorte, ainda que só “para efei-
tos estritamente procedimentais”. Decidiu-se, mais recentemente, que “a contestação da
litisdenunciada não está alcançada pelo prazo em dobro previsto no art. 191 do Código de
Processo Civil” (STJ, REsp 594.875/SP, 3.ª T., Rel. Min. Menezes Direito, j. 16.12.2004, DJ
09.05.2005, p. 394). Isso acontece porque tal prazo corre apenas para o denunciado; caso,
diversamente, houvesse mais de um denunciado, com mais de um procurador, haveria de
incidir a regra do art. 229 (antigo art. 191). Por outro lado, uma vez integrado ao processo,
incide o art. 229 em relação aos demais prazos processuais, que corram para o denuncian-
te e para o denunciado (cf. STJ, REsp 145.356/SP, 4.ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j.
02.03.2004, DJ 15.03.2004, p. 274).
101. Sessão plenária de 24.09.2003, DJ 09.10.2003, p. 2.
102. STJ, EREsp 222.405/SP, Corte Especial, Rel. p/ ac. Min. Ari Pargendler, j. 15.12.2004, DJ
21.03.2005, p. 201; STJ, AgRg no Ag 389.714/RJ, 4.ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira, j. 23.10.2001, DJ 04.02.2002, p. 409; STJ, EDcl nos EDcl no REsp 287.299/CE, 3.ª T.,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.08.2008, DJe 05.09.2008; STJ, AgRg no AREsp 584.131/
RS, 2ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 06.02.2015.
103. STJ, REsp 157.744/SP, 4.ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 29.10.1998, DJ 01.02.1999,
p. 203; RSTJ, vol. 117, p. 437; STJ, REsp 1.039.921/MG, 3.ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, j.
26.06.2008, DJe 05.08.2008.
Litisconsórcio e Ações para Anular 479

o ato praticado tê-lo-á sido em nome de todos. No entanto, se apenas o litisconsorte que
interpôs o recurso especial poderia recorrer do despacho de inadmissão, não há cogitar
de dobra de prazo para o agravo de instrumento a que se refere o art. 1.042 do CPC/2015,
como já decidiu, corretamente, a 3ª Turma do STJ, ainda na vigência do diploma anterior.104

11.11. A figura do litisconsórcio no sistema dos Juizados Especiais e no Código


de Defesa do Consumidor
O sistema dos Juizados Especiais – que compreende as Leis 9.099/1995 (Juizados Es-
peciais Estaduais), 12.153/2009 (Juizados Especiais da Fazenda Pública) e 10.259/2001
(Juizados Especiais Federais) – admite expressamente o litisconsórcio.
Na Lei 9.099/1995, em que se disciplinam os Juizados Especiais Estaduais, pelo seu
art. 10, é admitido o litisconsórcio, e, como a lei não distingue, é este admitido em qual-
quer de suas modalidades. Veda-se, todavia, pelo mesmo art. 10, “qualquer forma de in-
tervenção de terceiro”. Quando esse texto estabelece que “não se admitirá, [...], qualquer
forma de intervenção de terceiro [...]”, há de ser entendido como inadmitindo, também,
que terceiro seja admitido no processo, como nos casos de denunciação ou chamamento.
Aplicáveis tais regras aos Juizados da Fazenda Pública, previstos na Lei 12.153/2009,
e aos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei 10.259/2001, pois, como já salien-
tamos, o quanto está disposto na Lei 9.099/1995 tem inteira aplicabilidade para ambas
as leis – exigindo-se, para tanto, que não haja colidência entre os dispositivos nelas ins-
critos com a Lei 9.099/1995 (v. o que consta do art. 27 da Lei 12.153/2009 e do art. 1.º
da Lei 10.259/2001).
Abordemos, em sequência, o sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumi-
dor (Lei 8.078/1990).
A expressão “litisconsorte” utilizada no art. 94 do CDC não equivale, rigorosamen-
te, ao litisconsorte do Código de Processo Civil. Na realidade, esse “litisconsorte” do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor é alguém que ingressa, individualmente,
no âmbito de uma ação coletiva. A figura de litisconsorte exige, pelo menos, similitu-
de de situações jurídicas e a atuação de um litisconsorte é igual à do outro, inclusive no
plano da legitimidade. Sabe-se, nessa linha, que esse “litisconsorte” do Código de Prote-
ção e Defesa do Consumidor não pode ter a iniciativa dessa ação coletiva. Parece, por-
tanto, que essa figura é nominada como sendo a de um litisconsorte, por assemelhação.
Todavia ele é consorte na lide. A decisão judicial atingirá sua esfera jurídica, seja
procedente ou improcedente, impossibilitando sua ação autônoma.

104. Cf. AgRg no AgIn 51.555-9/SP, j. 22.11.1994, Rel. Min. Costa Leite, DJU 19.12.1994,
p. 35.313, negaram provimento, v.u. Pelo mesmo fundamento, a 3.ª T. do STJ rejeitou os
segundos embargos de declaração opostos no REsp 4.148-0/SP, cuja ementa frisou: “Se
apenas um dos litisconsortes manifestou recurso especial, tornou-se singelo, a partir daí, o
prazo para interposição de qualquer outro recurso, não se verificando a dobra de prazo de
que trata o art. 191 do CPC” (v.u., Rel. Min. Costa Leite, j. 26.9.1995, DJU, I, 23.10.1995,
p. 35.660-35.661).
480 Manual de Direito Processual Civil

Por outro lado, deve-se acentuar o seguinte: a) esse “litisconsorte” tem que, liminar-
mente, comprovar a sua qualidade, ou seja, que está abrangido pela situação retratada
na ação coletiva, com fundamento legal no art. 81, parágrafo único, III, do CDC; b) essa
admissão pode ser questionada, pela parte contrária, como também – julgamos – pelo
próprio autor da ação coletiva (pois se trata de tema inserido na oficiosidade dos pode-
res do juiz), como ainda, pelo Ministério Público; isso ocorrendo, deverá haver uma de-
cisão que resolva essa questão da admissibilidade; c) admitido que seja o seu ingresso,
sua situação, em relação à da ação coletiva, será a da unitariedade, porquanto, ou a de-
manda será julgada procedente, aproveitando-se-lhe os efeitos, na forma do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor ou, d) ao reverso, se improcedente, será, inclusive,
esse litisconsorte alcançado pela autoridade da coisa julgada (art. 103, §2º, do CDC).
Na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), dispõe-se, por texto nela introdu-
zido pelo art. 113 da Lei 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor),
no seu art. 5.º, § 5.º: “Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Pú-
blicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de
que cuida esta Lei”. A facultatividade decorre da circunstância de que cada Ministério
Público pode agir per se, e, pois, se se litisconsorciam, isto quer dizer que o fazem vo-
luntariamente, ou seja, porque a lei isso lhes faculta. O disposto no art. 113 do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor é aplicável à Lei da Ação Civil Pública, em face do
disposto no art. 90, daquele diploma.
12
Intervenção de Terceiros

12.1. Introdução e razões de ser da intervenção de terceiros no processo


Nas relações jurídicas processuais, parte é todo sujeito que deduz pedido ou todo
sujeito em face de quem o pedido é deduzido.1 O autor, ao formular a petição inicial, e
o réu, ao apresentar a defesa, manifestam-se precipuamente sobre o objeto do proces-
so, ou seja, sobre o mérito da demanda. Consequentemente, terceiros são todos aque-
les que não são parte, embora possam ter interesse em integrar ou participar da relação
jurídica processual.
A intervenção de terceiros é hipótese distinta do litisconsórcio, eis que o litiscon-
sorte é parte. Verifica-se a intervenção de terceiro quando alguém ingressa, como coad-
juvante da parte em processo pendente. 2
Em razão da possibilidade de que outras pessoas, que não as partes, sejam faticamen-
te atingidas pela decisão de mérito respeitante a um caso concreto, o sistema processual
prevê algumas situações em que terceiro, que tenha interesse jurídico na decisão, pos-
sa ingressar no feito e dele participar ativamente. Há que se verificar, para tanto, que o
interesse do terceiro seja jurídico a fim de poder permiti-lo no processo em curso, não
bastando o interesse econômico, financeiro, afetivo ou de qualquer outra natureza me-
ramente fática.3 O CPC no seu art. 121 considera, à semelhança do CPC 73 (arts. 52, 53)

1. Esse é o conceito de parte que podemos chamar de clássico (Giuseppe Chiovenda. Institui-
ções de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. vol.
2, p. 234). Já Liebman define as partes como “os sujeitos do contraditório instituído perante
o juiz, ou seja: os sujeitos do processo diversos do juiz, para os quais este deve proferir seu
provimento” (Enrico Túlio Liebman. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. e notas
de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005. vol. 1, p. 123). Essa segunda
concepção é a seguida, v.g., por Alexandre Freitas Câmara (v. O novo processo civil brasi-
leiro, 2. ed., 2016).
2. V. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e
ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 352.
3. Nesse sentido, é a posição do Superior Tribunal de Justiça já à luz do CPC/1973 que repu-
tamos perfeitamente aplicável, v.g., STJ, AgRg no Ag 1.294.382/SC, 4ª T., j. 10.05.2016, rel.
Min. Marco Buzzi, DJe 17.05.2016; STJ, AgRg no AREsp 195.013/SP, 3ª T., j. 03.05.2016,
rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 09.05.2016; STJ, AgRg no AREsp 392.006/PR, 2ª T.,
482 Manual de Direito Processual Civil

o assistente simples como parte não principal, a despeito de às partes não ser acrescida a
qualificação de principal. Em relação ao assistente litisconsorcial diz o art. 124 do CPC
que deve ser considerado “litisconsorte da parte principal”. O interesse do terceiro, se
pode classificar de jurídico, em razão de a solução da lide poder alcançar como fato sua
esfera jurídica. São irrelevantes pois, para o direito, os terceiros que são alcançados de
fato, sem que haja qualquer tipo de influência nas suas esferas jurídicas.4
Com o advento do CPC/2015, algumas alterações foram realizadas nas hipóteses
de intervenção de terceiros.
Inicialmente, cabe-nos observar que a oposição, que anteriormente figurava como
primeira modalidade de intervenção de terceiros, passou a ser considerada procedimento
especial, disciplinada nos arts. 682 a 686 do CPC/2015. Doutra parte, a nomeação à au-
toria também deixou de ser espécie de intervenção de terceiro, figurando como técnica
de correção do polo passivo (arts. 338 e 339 do CPC/2015), instituto que, em verdade,
já consubstanciava correção da legitimidade passiva. Nesse caso, o réu afirma ser parte
ilegítima e indica quem deveria integrar, no seu lugar, o polo passivo da demanda. Em
relação a este último instituto simplificou-se o sistema.
A assistência, que no CPC/1973 vinha disciplinada junto ao litisconsórcio, apesar
de se tratar de intervenção de terceiro, propriamente dita, hoje recebe tratamento aná-
logo ao de 1973. Também recebe o tratamento de intervenção de terceiro os institutos
da denunciação da lide e do chamamento ao processo Ainda, o CPC/2015 passa a con-
siderar como espécie de intervenção de terceiro a desconsideração da personalidade ju-
rídica e o amicus curiae.

12.2. Assistência
12.2.1. Noções gerais sobre o instituto da assistência simples
A assistência vem disciplinada nos arts. 119 e 123 do CPC/2015. Trata o instituto
da modalidade mais típica de intervenção de terceiro. Por meio do instituto da assis-
tência simples, terceiro pode ingressar em processo alheio para defender o interesse de
uma das partes, eis que a sentença a ser proferida no processo pode vir a ter influência,
como fato, na sua esfera jurídica.

j. 05.11.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12.11.2013; STJ, AgRg nos EREsp
1.262.401/BA, C. Especial, j. 25.04.2013, rel. Min. Humberto Martins, DJe 10.05.2013,
Informativo nº 521.
4. A esse respeito, explica Thereza Alvim: “Classificar-se-ão os terceiros, levando em considera-
ção, quer o processo, quer a decisão nele proferida. São irrelevantes para o direito processual
civil, os terceiros totalmente desinteressados, estranhos à relação jurídica processual, ao
objeto do processo e ao aí decidido. Estes, apesar do desinteresse, são alcançados como
todos pela eficácia natural da decisão, devendo respeitá-la, mas, não estão e nunca estarão,
jungidos à coisa julgada material. Igualmente são irrelevantes para o direito os terceiros que
são alcançados de fato pela decisão da lide, na sua esfera também de fato, sem que haja
qualquer tipo de influência nas suas relações jurídicas, nas suas esferas jurídicas. São inte-
resses de fato.” (v. O direito processual de estar em juízo, São Paulo: Ed. RT, 1996, p. 187).
Intervenção de Terceiros 483

Referido interesse nasce se a decisão judicial sobre a lide puder vir a afetar a esfera
jurídica desse terceiro, ou seja, relação jurídica desse terceiro com uma das partes, pos-
sibilitando seu ingresso no processo como assistente simples. A relação jurídica desse
assistente será faticamente atingida, mas, será jurídico seu interesse, eis que esse atin-
gimento fático o será em relação jurídica sua que não consta do processo. O assistente
simples, em ingressando no processo, será alcançado também pela justiça da decisão,
salvo se puder alegar qualquer das hipóteses excludentes previstas nos incisos I e II do
art. 123 do CPC/2015.
Ser alcançado pela justiça da decisão não significa o atingimento desse terceiro (as-
sistente simples) pela coisa julgada material, já que essa alcança a decisão da lide, que,
em si mesma, não lhe diz respeito. O que o alcança é o decidido em função das razões
do próprio decidido, a causa de pedir acatada pela decisão judicial. Essa, por força do
princípio do deduzido e dedutível, resta imutável para as partes, mas tão somente quan-
to àquela lide, contudo, para o assistente simples a causa de pedir transmudada em ra-
zão do decisum, se torna imutável em todo e qualquer processo.
Em face do exposto acima, devemos, nessa oportunidade, salientar que terceiros
podem ser admitidos em processo alheio tenham eles interesse jurídico quer na solu-
ção dessa lide alheia quer na fundamentação que será adotada para tal solução. Assim,
v. g., em ação de anulação de escritura, movida por A contra B, por fraude do tabelião,
tem ele, tabelião, interesse em ingressar nessa ação como assistente simples, lutando
pela manutenção da validade da escritura, porque se for esta anulada por ter ele agido
fraudulentamente (não tendo ele as excludentes legais) sua fraude restará decidida em
relação a todo e qualquer processo.
Já o sublocatário consentido pode ingressar em ação de resolução de contrato de
locação, movida pelo locador contra o locatário, eis que resolvida a locação se extingue
a sublocação. Nesta hipótese, como veremos, a fundamentação do decisum não afetará
o terceiro, mas a decisão em si, em sua eficácia natural, atinge a sua esfera jurídica (da
sublocação consentida).
Já observamos que o interesse jurídico justificador do ingresso do terceiro como
assistente simples deve ser aferido em função de a decisão judicial, como um todo ou
sua fundamentação, poder afetar, ou não, sua esfera jurídica. Assim, o interesse moral,
religioso etc., não justifica a admissão da assistência simples.
O puro e estrito interesse econômico também não habilita o ingresso em processo
alheio. 5
A distinção entre interesse jurídico do assistente simples e o mero interesse de fato
é delineada por Eduardo Arruda Alvim, para quem “o interesse jurídico necessário ao
acolhimento do pleito de assistência deve ser identificado a partir da potencialidade
de a decisão afetar relação jurídica de que seja titular o assistente”. Ainda segundo este
autor, configuram exemplos de interesse ditado pela potencialidade de influência da

5. V. STJ, AgRg nos EREsp 1.262.401/BA, C. Especial, j. 25.04.2013, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 10.05.2013, Informativo nº 521.
484 Manual de Direito Processual Civil

sentença sobre a esfera jurídica do assistente: (i) o interesse da usufrutuária de deter-


minado imóvel em intervir como assistente (simples) dos filhos, donatários, em ação
de revogação de doação, movida pelo ex-marido, doador do referido imóvel, contra os
filhos, por ingratidão (art. 555 e ss. do CC), hipótese em que a revogação do contrato
de doação atingiria reflexamente a esfera jurídica da mãe, usufrutuária; (ii) o interesse
do segurador para intervir como assistente do segurado em demanda movida contra
este, caso em que a assistência simples é justificada ante o disposto no art. 776 do CC.6
Quanto às hipóteses de interesse meramente de fato, referido autor apresenta, como
exemplo, a hipótese em que o credor acredita ter interesse em intervir em ação de co-
brança que seja movida contra o devedor, tendo em vista a possibilidade de diminuição
patrimonial desse último. Nesse caso, não há interesse jurídico a justificar a assistência,
mas tão somente um interesse de puro fato, pois a eventual diminuição do patrimônio do
devedor seria, faticamente, desfavorável ao credor,7 mas não afetaria relação jurídica sua.
A intervenção do terceiro como assistente ocorre se alguém tiver interesse jurídi-
co em que a sentença seja favorável a uma das partes e é cabível “em qualquer procedi-
mento” de conhecimento, “e em todos os graus de jurisdição” (art. 119 do CPC/2015).
Conforme já pontuado por nós, o principal objetivo da assistência é a obtenção de uma
sentença favorável ao autor ou ao réu a depender do interesse envolvido, razão pela qual
o instituto da assistência está diretamente atrelado à fase de conhecimento do processo.
Na fase de cumprimento da sentença ou na execução, é regra a impossibilidade de
intervenção do terceiro, pois nessa hipótese, não há que se falar em prolação de sen-
tença de mérito.

12.2.2. A assistência simples e a assistência litisconsorcial: aspectos em comum


A assistência, seja simples ou litisconsorcial, tem cabimento desde a citação do réu
até o momento em que ocorra o trânsito em julgado. Isso significa que poderá haver as-
sistência até perante o STJ ou o STF.
O ingresso de qualquer tipo de assistente se poderá verificar em qualquer momento,
variando apenas e sempre o tipo de atividade por ele exercida, dado que na assistência
simples, a atividade é de caráter subordinado à do assistido, ao passo que na assistência
litisconsorcial a atividade processual é praticamente independente.
O termo final para a admissão da assistência, em primeiro grau, normalmente, é ter
sido proferida sentença de mérito. No entanto, se o assistente não ingressar no feito em
primeiro grau, será possível seu ingresso em segundo grau de jurisdição, e, até mesmo,
como se acentuou, na instância extraordinária.
Tanto o assistente simples, quanto o litisconsorcial, submetem-se à competência
do juízo em que pende a causa, exceção feita à hipótese em que a União, entidade au-
tárquica ou empresa pública federal manifeste seu interesse jurídico, quando os autos

6. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT,
2013, p. 259.
7. Ibidem.
Intervenção de Terceiros 485

serão remetidos à Justiça Federal para avaliar a existência ou não do interesse jurídico
invocado. 8-9 Intervindo o Estado ou o Município, conquanto não se altere o foro, de-
verá ser alterada a competência do juízo, para juízo especializado, sempre dentro do
mesmo foro.
Qualquer assistente pode arguir a incompetência absoluta, que diga respeito à lide
já proposta.
Semelhantemente, como o sistema jurídico há de conferir a todos os sujeitos do
processo um juiz imparcial, na medida em que haja impedimento, é possível a arguição
desse vício também pelo assistente, tanto o simples, quanto o litisconsorcial, quer tendo
em vista relação do assistente com o juiz, ou, até mesmo, em relação às partes e ao juiz.
Quanto às alegações relacionadas à falta de pressupostos processuais intrínsecos
ou positivos, ou ao levantamento de objeções com base na existência de pressupostos
processuais extrínsecos ou negativos, quais sejam, a litispendência ou a coisa julgada,
têm ambos os assistentes o direito de deduzir essas questões, podendo, inclusive, o juiz
conhecer delas de ofício (art. 337, §5º, do CPC/2015).
Igualmente, a falta de quaisquer das condições da ação, deve ser levantada, se não
o for pelo réu, por seu assistente, seja simples ou litisconsorcial, ainda, considerando
que se trata de matéria que pode ser decidida ex officio. Pela mesma razão, os assistentes
poderão alegar a inconstitucionalidade da lei em que se fundamenta o pedido da parte
contrária, ou discutir, enquanto assistentes do réu, tal assunto.
Em relação às questões que podem ser decididas de ofício, não há que falar na su-
bordinação dos atos do assistente simples à vontade do assistido, na exata medida em
que constituem matéria de ordem pública.
Por fim, o assistente, simples ou litisconsorcial, é, pelo nosso sistema, condenado
nas custas na exata proporção da atividade que tenha exercido (art. 94 do CPC/2015).

12.2.3. A assistência simples e a assistência litisconsorcial: distinção


Cada espécie de assistência tem fisionomia própria.
O instituto da assistência simples configura-se, principalmente, pela atuação do assis-
tente como auxiliar da parte (art. 121, CPC/2015) e pela necessidade da presença do inte-
resse jurídico para que este possa ingressar no processo alheio (art. 119, caput, CPC/2015).
A redação do art. 121 do CPC/2015 trata o sujeito que tem interesse em assistir a uma
das partes, como auxiliar da “parte principal”. Ora, o termo principal, como já tivemos
a oportunidade de verificar, poderia ter sido subtraído da redação do novo Código10,
eis que dá a entender que temos no processo uma parte principal, consequentemente

8. Discorremos a esse respeito no capítulo dedicado à competência, precisamente no item


pertinente à competência da Justiça Federal.
9. É o que reconhece a Súmula nº 150 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “Compete
à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença,
no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.”.
10. Falamos a esse respeito no Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo: RT, 2016, p. 97.
486 Manual de Direito Processual Civil

a que a auxilia seria parte secundária. Entretanto, o assistente simples não é parte, tal
como o são autor e réu, pois a lide não lhe diz respeito.
O objetivo da assistência simples é o de que o assistente, como terceiro juridicamen-
te interessado, se agregue a uma das partes, no intuito de que a sentença lhe seja favo-
rável. Para intervir no processo, o terceiro deverá evidenciar, desde logo, a dimensão
concreta do seu interesse a justificar sua intervenção,11 salvo quando esta já esteja cla-
ramente definida em lei. 12. Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, exige-se a
“potencialidade de a decisão judicial a ser proferida repercutir sobre sua esfera jurídica,
afetando, assim, uma relação material que não foi deduzida em juízo.”. 13
Diferentemente, na assistência litisconsorcial, se no polo ativo, existe pretensão do
terceiro como se por ele tivesse sido deduzida a lide, estando o assistido agindo além de
legitimado ordinário, por si, mas, também como legitimado extraordinário, enquanto
não ocorre o ingresso do assistente litisconsorcial. Em outras palavras, referido terceiro
também se afirma titular do direito discutido em juízo.
Em consonância com o disposto no art. 124 do CPC/2015, o assistente litisconsor-
cial tem relação jurídica com o adversário do assistido. Existe, portanto, conflito de in-
teresses entre o terceiro, que pode vir a ser assistente litisconsorcial, e a parte que ocupa
o outro polo processual (adversária da parte assistida). Dessa forma, o assistente litis-
consorcial é o sujeito que poderia ter sido litisconsorte facultativo unitário inicial e não
o foi. 14 Sua ausência, todavia, não invalida o processo, diferentemente do que se passa
com a ausência do litisconsórcio unitário, mas necessário.
A assistência litisconsorcial é verificada, por exemplo, nas hipóteses do condômi-
no e do compossuidor, quando a lei civil confere legitimidade a um só condômino ou a
um só possuidor para reivindicar ou defender a posse, o bem em condomínio ou o bem
em composse. Se assim é, observamos que alguém tem legitimidade extraordinária –
por permissão legal dos arts. 1.314, caput, e 1.199, ambos do Código Civil, em exceção
à regra do art. 18 do CPC/2015, – para litigar sozinho e, ao mesmo tempo, levar a juízo
interesse ou afirmação de direito alheio, no caso, os interesses ou afirmações de direito
dos outros condôminos ou compossuidores, que poderiam ter ingressado no processo
inicialmente como partes ou posteriormente como assistentes litisconsorciais.

11. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 3, São Paulo: RT, 1976, p. 33-34.
12. Como, v.g., na hipótese do interesse dos sublocatários nas ações de despejo em que são par-
tes o locador e o locatário (art. 59, §2º, da Lei nº 8.245/1991). Nessa situação, existem duas
relações jurídicas distintas: (i) a relação de locação entre o locador A e o locatário B; e (ii) a
sublocação entre o locatário B e o sublocatário C. Existindo processo entre A e B que verse a
locação, C poderá intervir no feito como assistente simples, pois tem interesse jurídico em que
a sentença seja favorável a B, pois a sublocação poderá vir a ser afetada pela decisão proferida
a respeito da locação, o que qualifica seu interesse como jurídico. A Lei 8.245 estabelece
nesse § 2º, do art. 59 que sempre se dê ciência ao sublocatário da ação de despejo.
13. STJ, REsp nº 1.344.292/SP, 3ª T., j. 01.03.2016, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJe
09.03.2016.
14. V. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5.ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed.
RT, 2013, p. 266.
Intervenção de Terceiros 487

Nesse exemplo, tais pessoas podem ingressar no processo na qualidade de assisten-


tes litisconsorciais; contudo, mesmo que não o façam, serão diretamente atingidas pela
coisa julgada material (assunto discutível), pois a relação jurídica é una e incindível,
enquanto os que estão no processo agem em nome próprio e como legitimados extra-
ordinários pelos que estão fora. Na ausência de autorização excepcional – legitimação
extraordinária – todos os titulares da relação jurídica deveriam, necessariamente, inte-
grar a relação processual, requisito indispensável à formação da coisa julgada.
Em síntese, na assistência simples a relação do assistente é com a pessoa a quem as-
siste e a solução da lide afetará indiretamente a relação jurídica entre o assistente sim-
ples e o assistido. Já na assistência litisconsorcial, o assistente tem relação jurídica com
o adversário da parte a quem assiste, que tem legitimidade extraordinária para levar a
juízo o direito do substituído (o que pode ingressar no processo como assistente litis-
consorcial). O assistente simples almeja que uma das partes seja vencedora por se be-
neficiar indiretamente por essa vitória; o assistente litisconsorcial, por sua vez, tem in-
teresse porque será alcançado diretamente na sua esfera jurídica pela decisão da lide do
assistido e seu adversário.
Por essas diferenças essenciais, as atuações processuais do assistente simples e do
assistente litisconsorcial também são diferentes, como detalharemos a seguir.

12.2.4. A atuação do assistente simples


Muito embora a lei trate o assistente simples como auxiliar da “parte principal”, já
nos posicionamos no sentido de que não podemos considerar o assistente como “par-
te”, da mesma forma que o são o autor e o réu15.No entanto, o código diz que o assisten-
te simples “exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais
que o assistido” (art. 121, caput, do CPC/2015). Essa equivalência de atividade entre
assistente e assistido, porém, é só aparente, eis que o assistente simples pode atuar no
processo, mas sempre respeitando a vontade do assistido. Assim, pode recorrer mesmo
que o assistido não o tenha feito, porém não lhe é lícito recorrer se o assistido tiver re-
nunciado ao recurso ou dele desistido.
Prescrevendo a lei que o assistente é um auxiliar da parte, sua atuação somente po-
derá consistir em atos que auxiliem e nunca que prejudiquem a posição do assistido. Os
atos eventualmente prejudiciais à parte que sejam praticados pelo assistente simples
não terão validade e eficácia reconhecidas pelo sistema jurídico. Somente as atitudes
benéficas é que aproveitam; na assistência simples não pode o assistente agir descon-
formemente com aquilo que deseja o assistido. Afinal, o objetivo da assistência simples
é dar mais razão ao que alega em juízo o assistido.16

15. Em sentido contrário: Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 1976. vol. 1, p. 223; José Frederico Marques, Manual de direito processual civil. São
Paulo: Saraiva, 1983. vol. 1, p. 297, n. 244.
16. Nesse mesmo sentido, v. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero.
Novo curso de processo civil – tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2,
488 Manual de Direito Processual Civil

Ademais, a regra do art. 121 do CPC/2015 precisa ser conjugada com a do seu parágrafo
único: “Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será con-
siderado seu substituto processual”. Observemos, nesse ponto, que o CPC/1973 tratava
a questão de forma diferente, dispondo em seu art. 52, parágrafo único, que o assistente
nessas hipóteses atuaria como “gestor de negócios”, o que não reputávamos adequado.
Essa figura remete aos arts. 861 a 875 do CC, que não têm verdadeira relação com o tipo
de atividade, no caso, do assistente simples. Por outro lado, a atuação do assistente, sendo
revel ou omisso o assistido, é semelhante à atuação do substituto processual, que defende
direito alheio em nome próprio, sendo correta a alteração promovida pelo novo Código. O
direito discutido na demanda em que o assistido é revel não é de titularidade do assistente
simples, no entanto, sua eventual contestação evita os efeitos da revelia em relação ao réu.
O CPC/1973, aliás, mencionava apenas a revelia, não se referindo a outros atos que
o assistente poderia praticar quando houvesse omissão da parte. A alteração realiza-
da pelo novo código significa que poderá o assistente simples não só praticar atos que
a parte principal não praticou, mas também substituir a parte ao longo do processo,
quando esta for omissa.
Qualquer ato de disposição praticado pela parte assistida não pode ser impedido
pelo assistente interveniente. Nesse contexto, o réu pode reconhecer a procedência do
pedido; o autor pode desistir da ação, ou renunciar ao direito sobre o qual ela se fun-
da; e ambas as partes podem transigir, sem que o assistente simples possa impedir, até
mesmo, aliás, não se pode opor à extinção do processo (art. 122 do CPC/2015). Sendo
extinto o processo, cessará a atividade do assistente simples ou ficará prejudicado o pe-
dido de ingresso de terceiro na qualidade de assistente.
Da mesma maneira, é vedado ao assistente simples realizar qualquer transação refe-
rente ao objeto do litígio, que diz respeito ao assistido. Ainda, é proibido qualquer ato
de disponibilidade, como o reconhecimento jurídico do pedido.17 Por parte do assis-
tente do autor não pode também, e pelas mesmas razões, haver renúncia à pretensão.
Nesses casos, diferentemente do assistente litisconsorcial, o assistente simples carece
de titularidade sobre o bem disputado (lide), e, portanto, não tem legitimidade para a
prática de tais atos.
Pode o assistente simples argumentar, oferecer razões e deduzir argumentos pró-
prios, além de participar ativamente da produção de provas, formulando quesitos para
a prova pericial ou atuando nas audiências. Além disso, é permitido ao assistente sim-
ples sempre requerer a produção de provas que julgue pertinentes, salvo aquelas com
as quais o assistido expressamente não concorde.
O assistente simples também pode alegar a incompetência absoluta do juízo. Por ou-
tro lado, a princípio, a alegação de incompetência relativa não pode ser feita em contrarie-
dade com o manifestado pela parte assistida ou mesmo incompatível com a sua atuação.

São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 95; e Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. vol. 1,
17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 484-485.
17. V. Clito Fornaciari Jr. Reconhecimento jurídico do pedido. São Paulo: Ed. RT, 1977. p. 31.
n. 12.
Intervenção de Terceiros 489

Outra questão relevante à atuação do assistente simples, diz respeito à possibilida-


de deste interpor os recursos cabíveis contra as decisões proferidas no processo que in-
tervém. Nesse sentido, considerando seu papel auxiliar no feito, a vontade de recorrer
do assistente simples também depende da manifestação de vontade do assistido; assim,
caso a parte assistida manifeste expressamente o desejo de não recorrer, não pode o as-
sistido interpor recurso, contrariando-a. Prevalece, então, o entendimento presente no
STJ no sentido de que somente a vontade expressa do assistido contrária à continuidade
da relação processual afasta o interesse recursal do assistente simples. 18
Em contrapartida, há julgados em sentido sensivelmente diferente, segundo os quais
não é necessária a expressa opção do assistido em não recorrer, bastando sua omissão
ou não interposição do recurso cabível. 19 Entendemos, como já ficou claro, diferente-
mente, ou seja, que o assistente simples poderá praticar atos que a parte principal não
praticou, suprindo quaisquer omissões, conforme se pode extrair da redação do art. 121,
parágrafo único, do CPC/2015. Nesse sentido, reputamos possível o recurso do assis-
tente simples se o assistido não recorrer e, ao mesmo tempo, não se manifestar expres-
samente no sentido de que não deseja recorrer.

12.2.5. A atuação do assistente litisconsorcial


Como já conceituamos, o assistente litisconsorcial é aquele que poderia ter sido litis-
consorte em litisconsórcio unitário facultativo e não o foi. Dessa forma, caso seja admi-
tido no processo, este será considerado litisconsorte. Segundo o art. 124 do CPC/2015,
“considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sempre que a sentença influir
na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido.”
Em razão disso, suas faculdades processuais são amplas, podendo praticar todos os
atos que a parte assistida poderia em seu benefício, inclusive contra a vontade dessa. Os
limites fundados na dependência ou na relação de auxiliaridade, verificadas entre o as-
sistido e o assistente simples, não se aplicam ao assistente litisconsorcial. Nas palavras
de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, o assistente litisconsorcial age com
“independência e autonomia relativamente à parte assistida.”. 20
Desse modo, o assistente litisconsorcial, entre outras coisas, (i) poderá requerer
provas que entenda pertinentes, ainda que o assistido não as queira; (ii) poderá arguir
a incompetência relativa; e (iii) poderá recorrer autonomamente, não importando a
eventual manifestação expressa do assistido no sentido de que não deseja que se recorra.
Além disso, o assistente litisconsorcial terá de participar dos atos de disposição pra-
ticados pela parte assistida, podendo impugnar eventual transação ou desistência. Essas

18. STJ, EREsp 1.068.391/PR, Corte Especial, j. 29.08.2012, rel. p. ac. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 07.08.2013.
19. V., por exemplo: STJ, AgRg no REsp 1.068.391/PR, 1ª T., j. 05.11.2009, rel. Min. Denise Arru-
da, DJe 27.11.2009; e TJRJ, Apel. 0358907-33.2013.8.19.0001, 23ª C. Cível, j. 25.05.2016,
rel. Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello, DJ 02.06.2016.
20. V. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 543.
490 Manual de Direito Processual Civil

só serão eficazes se contarem com a anuência do assistente litisconsorcial, do mesmo


modo que ocorre com os litisconsortes unitários, se um deles pretender dispor do pro-
cesso, eis que essa é a qualidade do assistente litisconsorcial.
Essa diferença em relação ao assistente simples ocorre justamente porque na assis-
tência litisconsorcial os efeitos da sentença entre as partes principais afetam diretamente
a relação jurídica do assistente litisconsorcial com o adversário do assistido. Sua lide está
em juízo, de modo que se o assistido perder a ação, o assistente litisconsorcial também a
terá perdido. Aliás, se o assistente litisconsorcial deduzisse sua lide, ‘seria ela idêntica à
da parte assistida’ e, mesmo se não tivesse ingressado no processo, os efeitos das decisões
de mérito o atingiriam, dada a natureza material da situação existente e a consequen-
te relação de unitariedade entre ele e o assistido. Em tudo, o assistente que ingressa na
modalidade litisconsorcial equivale a, ou melhor, é litisconsorte unitário do assistido.

12.2.6. Efeitos da sentença sobre o assistente simples e o assistente litisconsorcial


Conforme pontuamos na introdução do tema, a razão de ser da possibilidade de in-
gresso do assistente para defender afirmação de direito do assistido decorre da influên-
cia que a sentença, a ser proferida no processo, venha a ter sobre sua esfera jurídica. O
assistente simples é atingido de fato em sua relação jurídica com o assistido, por isso seu
interesse é jurídico. Caso se tratasse de interesse meramente de fato, como já vimos,
não se justificaria a assistência. Repetindo os exemplos, são atingidos puramente de
fato, impossibilitados do uso do instituto da assistência simples, o credor que assiste a
possibilidade de diminuição patrimonial do devedor, sem poder intervir na ação de co-
brança, e o acionista que pode ter diminuído o valor de sua ação sem poder intervir no
processo em que a sociedade, que integra, é demandada.
Todavia, um sublocatário (em sublocação consentida) poderá ingressar em processo
onde o locador postula a rescisão do contrato de locação, como assistente simples, eis que
a solução da lide afetará faticamente sua esfera jurídica (a do contrato de sublocação).
O assistente litisconsorcial é atingido juridicamente tal como o assistido. Quem pode
ser assistente litisconsorcial é alcançado pela coisa julgada material, tenha ele intervin-
do no processo ou não, já que o assistido – parte no processo (que poderia ter sido seu
litisconsorte unitário) – tem legitimidade extraordinária para, defender afirmação de
direito do terceiro, além da sua.
Em relação especificamente ao assistente simples, o CPC/2015 prevê expressamen-
te que uma vez transitada em julgado a decisão no processo em que houve interven-
ção, “este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão. ” (art. 123).
A justiça da decisão não alcança a própria decisão, mas sua fundamentação isto é, o
direito, os fatos e, curialmente, a respectiva prova, tais como apurados e definidos pelo
juiz num processo em que o assistente simples esteve presente e que teve liberdade de
atuação. Não podem ser, assim, desconhecidas as provas que se hão de impor em quais-
quer processos ulteriores, em o que foi assistente seja parte e em relação a cujo proces-
so ocorreu trânsito em julgado. A relevância da figura da justiça da decisão, pois, é a de
Intervenção de Terceiros 491

que, tendo havido processo anterior, tanto a prova, como os respectivos fatos, tais como
provados e tidos por verídicos, ou seja, a fundamentação do decidido no processo em
que houve a assistência, terão de ser respeitados pelo juiz em um segundo processo, no
qual o que foi assistente seja parte, salvo se presentes as hipóteses descritas nos incisos
I e II do art. 123 do CPC/2015.21
A lei, não poderia incluir o assistente simples nos limites subjetivos da coisa julga-
da, tendo em vista que essa diz respeito à lide das partes. Entretanto, na exata medida
em que o terceiro ingressa em processo alheio, o faz por ter interesse jurídico em que
uma das partes tenha ganho de causa, eis que essa decisão alcança faticamente sua es-
fera jurídica, a fundamentação dessa decisão se torna para ele imutável, a não ser que
apresente algumas das excludentes expressas na lei. A ideia de fazer referência à justiça
da decisão decorre da participação ativa do assistente no processo em que esteve presen-
te. Se o terceiro pode alegar fatos e produzir provas, que foram corretamente apurados
pelo juiz, esses não podem ser desconhecidos e se devem impor em processo ulterior,
do qual ele, que fora assistente simples, seja parte.
Assim, exemplificativamente, é possível que o tabelião ingresse como assistente sim-
ples em processo em que se pede a anulação de uma escritura, sob fundamento de fraude
por ele praticada. O objeto do processo ou mérito ali discutido diz respeito à validade
da escritura. Se esta for anulada, é possível que a parte assistida pelo tabelião – que de-
fendia a validade do documento – se sinta prejudicada e ingresse como ação indeniza-
tória em face do antigo assistente, o tabelião. Nesse segundo processo, o dolo, por força
da justiça da decisão não mais poderá ser discutido, salvo se presentes as situações ex-
cepcionais dos incisos do art. 123 do CPC/2015, como já observado. De certa forma, a
vinculação da decisão que se opera em relação ao assistente simples é ainda mais ampla
do que para as próprias partes, já que para essas a motivação não fica acobertada pela
coisa julgada (art. 504, I, do CPC/2015), sendo tão somente alcançadas pelo deduzido
e o dedutível, como já observado.
Assim, aquele que atuou como assistente simples fica impedido de rediscutir a fun-
damentação do decidido em processo alheio, a não ser que apresente as excludentes
constantes do art. 123, do CPC/2015.Essa disposição estava presente no CPC/1973,
mas hoje podemos, até mesmo, ligá-la à dimensão do contraditório. Alguém, não tendo
conhecimento de fatos ou provas não utilizados pela parte assistida, por dolo ou culpa
dessa e que, portanto, não foram objeto de cognição judicial no processo, onde atuou
como assistente simples, pode livremente alega-los ou produzi-los em ações por ele ou
contra ele movidas.
Referida questão da justiça da decisão não tem relação e não se aplica à assistência
litisconsorcial. No CPC/1973 isso poderia gerar alguma confusão a um olhar menos

21. Art. 123. Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este
não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que:
I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi
impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; II – desconhecia a existência
de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.
492 Manual de Direito Processual Civil

atento, já que a regra do seu art. 55 fazia referência genérica ao “assistente”, sem especi-
ficar de qual espécie se tratava. O novo CPC elide qualquer dúvida, ao disciplinar o tema
dentro da seção própria ao assistente simples. Na verdade, mesmo à luz do CPC/1973,
não poderíamos concluir de forma diferente, uma vez que o assistente litisconsorcial
tem natureza, sem dúvida, de parte, sendo atingido pela coisa julgada material.

12.2.7. O incidente de admissibilidade do assistente


Para ambas as espécies de assistência, o procedimento de ingresso do terceiro no
processo alheio ocorre da mesma forma, por meio de petição endereçada ao juízo com-
petente.
Na admissibilidade da assistência, além de se verificar a regularidade do pedido de
ingresso, é preciso verificar se a sentença a ser proferida no processo pode afetar o que
pretende ser assistente simples (art. 119 do CPC/2015), ou se pode dizer respeito à re-
lação jurídica existente entre o que pretende ser assistente litisconsorcial e o adversário
do que poderá vir a ser assistido (art. 124 do CPC/2015). Em síntese, faz-se necessária
a demonstração do interesse jurídico a justificar a intervenção.
Em caso negativo, ou se a peça apresentar defeitos e irregularidades capazes de di-
ficultar o entendimento do interesse do assistente, bem como de qual modalidade de
assistência se trata, deverá o magistrado aplicar, analogicamente, a regra do art. 321 do
CPC/2015, determinando que o terceiro emende ou complete a petição no prazo de 15
dias. Se isso não for cumprido, a petição do terceiro terá de ser indeferida (art. 321, pa-
rágrafo único, do CPC/2015). Nessa última hipótese, poderá o terceiro interpor recur-
so de agravo de instrumento (art. 1.015, IX, do CPC/2015).
Se não for o caso de rejeição liminar, o juiz dará ciência às partes que, em 15 dias
(art. 120 do CPC/2015), poderão impugnar o ingresso do terceiro. Tanto a parte que
seria assistida como o adversário dessa podem alegar a falta de interesse jurídico do ter-
ceiro ou qualquer outro fundamento que o impeça de ingressar no feito. Apresentada
a impugnação, o magistrado deverá decidir a respeito imediatamente, sem a suspen-
são do processo (art., 120, par. único, do CPC/2015), diferentemente do que dispunha
o CPC/1973, em que o pedido era autuado em apenso, sendo facultada a produção de
provas.22
No mais, não podemos deixar de analisar a questão atinente à falta de impugnação,
ou seja, se nenhuma das partes apresentar impugnação ao ingresso do terceiro no pro-
cesso em 15 dias, se isso vincularia o juiz à aceitação do pedido de ingresso do assis-
tente. Somos da opinião de que a análise deve ser feita a partir da existência ou não de
interesse jurídico, não dependendo de impugnação.

22. Art. 51 do CPC/1973: “Não havendo impugnação dentro de 5 (cinco) dias, o pedido do
assistente será deferido. Se qualquer das partes alegar, no entanto, que falece ao assistente
interesse jurídico para intervir a bem do assistido, o juiz: I – determinará, sem suspensão
do processo, o desentranhamento da petição e da impugnação, a fim de serem autuadas
em apenso; II – autorizará a produção de provas; III – decidirá, dentro de 5 (cinco) dias, o
incidente.”.
Intervenção de Terceiros 493

Ocorre que o Código, no mencionado art. 120, diz que não havendo impugnação,
“o pedido do assistente será deferido, salvo se for o caso de rejeição liminar”. Dessa
parte final se extrai nossa conclusão, de que é lícito ao juiz verificar, de ofício e de for-
ma liminar, se o terceiro tem interesse jurídico na causa, realizando o controle do seu
ingresso no processo.

12.3. Denunciação da Lide


12.3.1. Noções gerais sobre o instituto e requisitos para sua admissão
O instituto da denunciação da lide23 é a forma reconhecida pela lei como idônea para
trazer terceiro ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte,24 autor e/ou réu, visan-
do a eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro figuraria, en-
tão, como réu. Por isto mesmo, é que o denunciado em relação ao denunciante é réu. O
direito de regresso, ocorrendo a denunciação, deverá ser resolvido no mesmo processo.
A denunciação da lide é instituto por meio do qual terceiro (litisdenunciado ou de-
nunciado) ingressa no processo a pedido da parte (litisdenunciante ou denunciante)
– autor e/ou réu, com o objetivo de eliminar eventuais ações regressivas futuras. Esse
terceiro é aquele em face de quem a parte denunciante poderá vir a ter afirmação de di-
reito de regresso que poderia vir a ser deduzida em ação autônoma.25 A denunciação da
lide, portanto, é instituto que tem por escopo evitar essa ação futura, resolvendo o di-
reito de regresso no mesmo processo e, para tanto, introduzindo outra ação na relação
jurídico processual, aquela que se forma entre denunciante e denunciado.
A denunciação da lide pode ser requerida pelo autor na petição inicial26 ou pelo
réu na contestação (art. 126 do CPC/2015). Independentemente de quem a requeira, a

23. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol.3, p. 235 et seq.; Hélio Tornaghi,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 257 et seq.; Cândido Rangel Dinamar-
co, Direito processual civil, p. 153 et seq.; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. 1, p. 331 et seq.; Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de
Processo Civil, p. 70 et seq.
24. Diz-se a pedido da parte, porque a denunciação não poderá ser oficiosamente determinada,
tanto que se lê no art. 71, caput, 1.ª parte, que “a citação do denunciado será requerida”.
Nesse sentido: STJ, REsp 49.180/DF, 3.ª T., j. 26.08.1996, rel. Min. Menezes Direito, DJ
01.12.1997, p. 62.736. Assim também: RT 502/109, 611/26 e RJTJSP 126/297.
25. Na definição de Athos Gusmão Carneiro, a denunciação da lide é “uma ação regressiva
in simultaneus processus, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como
denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória,
pretensão de reembolso, caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ação principal”.
(Intervenção de terceiros. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 97). Para Cândido Rangel Dina-
marco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, a “denunciação da lide é uma demanda
dependente da principal proposta por autor ou réu em face de terceiro na qual se postula
um direito de regresso.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 162).
26. Já se decidiu, v.g. pela preclusão no caso de requerimento da denunciação da lide por parte
do autor em sede recursal (TJMG, Apelação Cível 5683861-45.2009.8.13.0145, 15ª C. Cível,
j. 01.03.2016, rel. Des. Mônica Libânio, DJ 11.03.2016).
494 Manual de Direito Processual Civil

denunciação tem natureza jurídica de ação. O terceiro ou litisdenunciado ingressa no


processo porque em face dele são formulados pedidos.
Dever-se-á atentar que, para ter cabimento a denunciação da lide, haverão de estar
presentes os pressupostos processuais e condições da ação, que à denunciação digam
respeito.
Deve ficar bem claro, que, com a admissão da denunciação, teremos duas ações
tramitando simultaneamente. Duas lides em uma mesma relação jurídica processual.
Uma, a principal, movida pelo autor contra o réu – partes originárias do processo e
uma segunda, movida pelo denunciante em face do denunciado.27 Essa segunda ação
corresponde àquela na qual o direito de regresso poderia futura e autonomamente
ser exercido. Contudo, se a primeira ação proposta em face do réu-denunciante for
julgada improcedente, saindo esse como vencedor, inexistirá pretensão regressiva.
Não por outra razão, a lei é expressa em dispor que “se o denunciante for vencido na
ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide.” (art. 129 do
CPC/2015).
Correlatamente, já se decidiu ser incabível a denunciação da lide diante da existên-
cia de cláusula contratual excluindo expressamente os denunciados da obrigação.28 A
Lei 8.078/1990, CDC, veda a possibilidade da denunciação da lide pelo comerciante,
ressalvando a viabilidade de ajuizamento de ação de regresso autônoma, quando do tér-
mino do processo, com base nesse Código, facultado, para essa, o prosseguimento nos
mesmos autos (Lei 8.078/1990, arts. 13, parágrafo único e 88).29 Idem para o caso do
art. 101, II, daquele diploma legal.30
Admite-se, a título de exemplo, que determinado indivíduo, como autor, proponha,
contra outrem, ação reivindicatória. Se o autor vier a ganhar a ação reivindicatória, tendo
o réu denunciado àquele de quem adquirira o imóvel, em princípio, haverá de ser julgada
procedente a denunciação (art. 125, I, do CPC/15), responsabilizando-se o litisdenun-
ciado pela evicção (art. 447 do CC/2002). Igualmente, caso seja julgada improcedente a
ação reivindicatória, em que o réu se defendeu como proprietário e denunciou a lide a
quem lhe alienara o imóvel, haverá a denunciação de ser extinta sem resolução do mé-
rito, por falta de legitimidade ad causam do denunciante. Atualmente, pelo CPC/2015,
não mais é admitida a denunciação da lide em caso de posse. Essa hipótese foi retira-
da desde o texto do Projeto de Novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010, em sua

27. Segundo Thereza Alvim, a denunciação da lide introduz na relação jurídica processual outra
lide, aquela que se forma entre denunciante e denunciado. (v. O direito processual de estar
em juízo, São Paulo: Ed. RT, 1996, p. 198).
28. RT 588/131. No mesmo sentido: RJTJSP 51/52.
29. V., amplamente, Thereza Alvim, Código do Consumidor comentado, p. 412 et seq. O STJ é
pacífico no entendimento de que descabe a denunciação da lide nos contratos de consumo
(STJ, AgRg no REsp 1340395/MS, 2.ª T., j. 18.04.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
DJe 23.04.2013).
30. V., idem, p. 455 et. seq.
Intervenção de Terceiros 495

última redação). O art. 125 admite a denunciação da lide apenas nos casos equivalentes
aos incisos I e III do art. 70, do CPC/1973.
Da mesma forma o segurado pode denunciar à seguradora, salvo se por cláusula
contratual, exemplificativamente, estiver prevista a irresponsabilidade da seguradora
no caso em que se pretende denunciar; o empregador ao seu empregado, quando de-
mandado o primeiro em virtude de ato praticado pelo empregado; o proprietário ao
construtor ou ao engenheiro etc.
Ainda quanto ao cabimento da denunciação da lide no Projeto de Novo Código de
Processo Civil, o PLS 166/2010, do Senado Federal, havia mantido essa modalidade
interventiva sob a denominação “denunciação em garantia”, disciplinada subsequente-
mente às normas relativas ao chamamento ao processo. Com as modificações feitas pela
Câmara dos Deputados no PL 8.046/2010, o instituto retornou como “Denunciação da
lide”. É de se notar, ainda, que foi retirada do texto normativo a expressão “obrigatória”,
presente no CPC/1973, que deu margem a tantas discussões versantes à imprescindibi-
lidade da utilização dessa modalidade interventiva para o fim de se exercer o direito de
regresso. Assim, o Projeto dizia ser “admissível” a denunciação, e não mais obrigatória,
tendo sido essa a redação que ficou constante do art. 125 do CPC/15.
Rigorosamente, a expressão obrigatória, no sentido de que, não feita a denuncia-
ção, haveria perda do direito regressivo (se porventura existisse), teve significação ou im-
plicação de perda somente na hipótese do art. 70, I.31-32 Nos casos dos incisos II e III, a

31. À luz do CPC/1973, Cassio Scarpinella Bueno afirmava: “O correto é afirmar que a ‘obriga-
toriedade’ da denunciação da lide só é cogitável em casos em que se questiona a respeito
da evicção. Mesmo assim, entretanto, não há como olvidar que, em nome de um princípio
jurídico – o que veda o locupletamento ilícito –, a rigidez que decorre do texto do art. 450
do novo Código Civil vem sendo amenizada, tolerando-se que, não obstante a falta de
denunciação, possa o interessado recobrar o preço da coisa evicta” (Partes e terceiros no
processo civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 212).
32. Quando do julgamento do REsp 880.698-DF, a 3.ª T. do STJ (10.04.2007, DJU 23.04.2007),
rel. Min. Nancy Andrighi, teve como possível a propositura de ação pelo evicto para recobrar
o preço da coisa, mesmo tendo deixado de denunciar a lide ao alienante. “Conforme posto
no acórdão recorrido, o STJ já pacificou entendimento no sentido de que o “direito que o
evicto tem de recobrar o preço, que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado,
de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa” (REsp
255.639⁄SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11.06.2001). Em julgado mais re-
cente, o mesmo deslinde: “Civil e processual – Ação de indenização contra os alienantes por
evicção sofrida pelo autor – Prequestionamento insuficiente – Súmula 211-STJ. Denunciação
à lide – Matéria não suscitada, eficazmente, em 1.º grau. Descabimento da discussão, em
2.ª instância. Tema deficientemente agitado. Denunciação, ademais, desnecessária. (...) II.
Desnecessária a denunciação à lide do antigo alienante do imóvel para que o evicto possa
dele reivindicar indenização, em ação própria, quando condenado a pagar àquele a quem
vendeu o valor despendido pela perda patrimonial sofrida, ante a invalidade do título de
propriedade (...)” (REsp 66.558⁄SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 01.07.2005). Nesse
mesmo sentido, ainda, os seguintes precedentes: REsp 9.552⁄SP, rel. Min. Nilson Naves, DJ
03.08.1992; REsp 22.148⁄SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 05.04.1993; REsp 132.258⁄RJ,
rel. Min. Nilson Naves, DJ 17.04.2000.
496 Manual de Direito Processual Civil

não denunciação implicaria, exclusivamente, a não apreciação da pretensão que teria


o réu, no mesmo processo; podendo, no entanto, mover, depois, a ação regressiva.33-34
Notemos que a denunciação da lide pode ser praticamente vantajosa, inclusive sob
o aspecto da economia processual.
Em ação reivindicatória, seriam cogitáveis duas atitudes: a) aguardar-se a decisão da
primeira causa, para, conforme o resultado, isto é, se favorável ao autor, voltar-se o então
réu, agora autor, noutra ação, contra o responsável pela evicção, solução já adotada em mo-
mento anterior no direito brasileiro (art. 101 do CPC/1939); ou b) diferentemente, desde
logo trazer ao processo o responsável para que, figurando na qualidade de litisconsorte da
parte que o denunciou em relação à parte contrária comum, respondesse pela evicção, na
ação de denunciação. Era esta a solução da sistemática do CPC/1973, com obrigatoriedade
(art. 70, I e caput), sob pena de perda da pretensão à evicção (art. 456 do CC/2002). Hoje a
sistemática é a mesma; entretanto, o uso do instituto de denunciação da lide é uma facul-
dade eis que o art. 125 do CPC/2015 é expresso ao dizer que “é admissível a denunciação
da lide (...)”, o que significa facultatividade no uso do instituto. Tanto é assim que foi ex-
pressamente revogado o art. 456, do Código Civil de 2002 pelo art. 1.072 do CPC/2015.
A consequência prevista pelo direito civil, pela não denunciação, era não mais poder
exercer o direito oriundo da evicção, em face dos termos do art. 456, do CC/2002. Tanto
o art. 456, citado, quanto o art. 1.116, do CC/1916, condicionavam que, para o exercício
do direito derivado da evicção, era necessário que tivesse ocorrido a denunciação da lide
(o Código de 1939 referia-se à notificação do litígio). A jurisprudência do STJ já pres-
cindia desse requisito. Parece-nos ter sido uma “solução mais justa”, ainda que, na ação
regressiva fosse possível que, pela ausência de cientificação do litígio e demonstrando o
alienante que teria tido elementos úteis para a improcedência da ação movida contra o
adquirente, deveria este fracassar no seu direito de regresso. O que o STJ afirmou é que,
não denunciada a lide, ficaria o réu da ação reivindicatória, que contra ele tivesse sido pro-
posta, privado do título executivo, que derivaria da improcedência e o habilitaria a reali-
zar, desde logo, o seu direito contra o adquirente, se houvesse sido denunciado (esta era
havida pelo STJ como a consequência específica da não denunciação da lide). O caminho
firmado pelo STJ foi “mais justo”, ainda que atritasse, em certa escala, com a letra da lei.
Questão interessante que mereceu a atenção da maior parte de nossos doutrinado-
res é a consistente em saber se é possível a denunciação sucessiva.35

33. Cf. STJ, REsp 328.284/RJ, 2.ª T., j. 26.04.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ
06.06.2005, p. 245; REsp 66558/SP, 4.ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em
02.06.2005, DJ 01.07.2005 p. 537. Cf. também STJ, REsp 15.714, rel. Dias Trindade, RSTJ
37/499, em que há referência ao AgIn 1.670-SP, rel. Sálvio de Figueiredo, e ao REsp 1.296,
rel. Athos Carneiro, este último publicado em O processo civil no STJ, coletânea coordenada
por Sálvio Figueiredo Teixeira, p. 89.
34. No sentido de que na hipótese do inciso III, do art. 70, inocorrente a denunciação, não há perda
de direito. Nesse sentido: STJ, REsp 661.696/PR, 2.ª T., j. 20.09.2005, rel. Min. Eliana Calmon,
DJ 10.10.2005, p. 311, RSTJ 9/262, REsp 565-RJ, 4.ª T., j. 26.09.1989, rel. Min. Bueno de Souza.
35. Admitindo a denunciação: RJTJSP 78/253, JUTACivSP 89/81, JC 19-20/311. Contra: RT
775/281. Na doutrina: Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II,
Intervenção de Terceiros 497

Sustentávamos, anteriormente, a inviabilidade da denunciação sucessiva, em face do


texto do art. 73 do CPC/1973, pois, ao invés de aí se aludir à citação, falava-se em intimação.
No entanto, modificamos nosso ponto de vista, aderindo à corrente absolutamente majoritária
e passamos a admitir a denunciação sucessiva, na convicção de que essa diferenciação não
poderia conduzir à distinção por nós precedentemente feita;sem embargo salientamos que
a denunciação não poderia levar a delongas a dano do autor, principalmente.36 Em sede
doutrinária, com o fito de obviar a demora decorrente de denunciações sucessivas, pro-
pugnava-se pela denunciação coletiva, isto é, a denunciação da lide não somente ao alienan-
te como, igualmente, na mesma ocasião, a “todos os antecessores na cadeia dominial”.37
Essas divergências exigiram um posicionamento no Projeto de Novo Código de
Processo Civil. Com efeito, o § 2.º do art. 125 do PL 8.046/2010, admitia “uma única
denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato
na cadeia dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denun-
ciado sucessivo promover nova denunciação”. Rejeitava-se, assim, a denunciação “co-
letiva” e, no caso de o denunciado sucessivo ter direito de regresso contra um terceiro,
este deveria exercê-lo por ação autônoma. Tal disposição encontra-se encampada pelo
CPC/2015 que, no parágrafo 2º do art. 125, admite uma única denunciação sucessi-
va, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou
quem for responsável por indenizá-lo, se vencido na ação principal.

12.3.2. A hipótese do art. 125, I


O inciso I do art. 125 define a denunciação como uma faculdade, concedida ao adquiren-
te de denunciar a lide ao alienante (que lhe transferiu o domínio), na ação em que terceiro
reivindica a coisa, a fim de que este possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam.38

p. 128, Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 81; Hélio
Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 265-266; Moacyr Amaral Santos,
Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 2, p. 32-3; Celso Agrícola Barbi, Comentários
ao Código de Processo Civil, p. 347-348, 1983; Sergio Sahione Fadel, Código de Processo
Civil Comentado, t. I, p. 180; Humberto Theodoro Júnior, Processo de conhecimento, vol.
1, p. 170 e Curso de direito processual civil, p. 141-142, 1985; Norberto Carride Júnior, Da
denunciação da lide, p. 52; Aroldo Plínio Gonçalves, Da denunciação da lide, p. 299 et
seq.; Sydney Sanches, Denunciação da lide, p. 182 et seq. (embora considere relevante o
posicionamento contrário citando, especialmente, a opinião de Arruda Alvim); José Frederico
Marques, Manual de direito processual civil, vol. 1, p. 290. V. em sentido contrário: Celso
Araújo Guimarães, Da denunciação da lide, p. 57, n. 7.
36. Nesse sentido: TRF-1.ª R., AgIn 476044, j. 04.06.2004, rel. Des. Daniel Paes Ribeiro, DJ
28.06.2004 p. 64; JTJ 195/230. No fundo ocorre a possibilidade de o juiz avaliar a situação,
tal como se admitiu, com base no art. 125, I, em relação ao litisconsórcio multitudinário,
antes da inserção do parágrafo único, ao art. 46 (Lei 8.952/1994).
37. V. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Sobre o chamamento à autoria, artigo publicado na Revista
do Instituto dos Advogados do Paraná, 1979, n. 1, e na Ajuris, 25/22. Este entendimento
foi acolhido, expressamente, pelo STJ quando do REsp 4.589/PR, rel. Min. Athos Carneiro
(RSTJ 27/303, em especial, p. 311).
38. Hipótese que comporta denunciação da lide, com base no art. 70, I, é a da responsabili-
dade decorrente de mandato em causa própria, e não simplesmente ad negotia, em que o
498 Manual de Direito Processual Civil

Na transferência da propriedade, o transmitente é responsabilizado ex lege pela evic-


ção, salvo disposição expressa em sentido contrário, sendo responsável, no caso de evic-
ção, pela restituição integral do preço ou das quantias pagas e, ainda pela indenização
do adquirente pelos demais danos, nos termos do art. 450 do CC/2002. Assim, caso o
adquirente esteja ameaçado no desfrute desse direito, deve denunciar a lide àquele de
quem adquiriu o direito; e não o fazendo ficará privado da obtenção de título executivo
que deveria ter origem no mesmo processo.

12.3.3. A hipótese do art. 125, II


O inciso II do art. 125 prevê a denunciação da lide àquele que estiver obrigado, por
lei ou contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda,
seja ele autor ou réu.
Já se decidiu, numa linha restritiva de interpretação do inciso III do art. 70 do
CPC/1973, cujo teor equivale ao do inciso II do art. 125 do CPC/2015, que se o Muni-
cípio é acionado por indústria, pela reparação de prejuízos resultantes de invasão, em
seu estabelecimento, por águas pluviais canalizadas não poderá denunciar a lide à em-
presa que executou os serviços das galerias pluviais, (ainda que) alegando a existência
de cláusula contratual, fixadora da responsabilidade da empreiteira perante terceiros,
pela má qualidade das obras.39 No caso, negou-se a denunciação sob o fundamento da
necessidade de intromissão de novo fundamento, ausente na demanda originária. Ad-
mitiu-se, nessa decisão, ser cabível a denunciação estritamente decorrente da lei ou do
contrato, enquanto, na hipótese, o fundamento da denunciação foi o da imperfeição
do serviço. Este entendimento, chamado de restritivo – e que não se nos afigura a me-
lhor interpretação em face do direito brasileiro – busca inspiração na distinção, feita
pela doutrina italiana, entre garantias próprias e impróprias.40 A hipótese aqui exami-

mandante confere poderes para alienar imóvel, declarando o recebimento do preço, isento
de prestações de contas, passando assim o procurador a agir realmente em seu próprio inte-
resse e por conta própria (hipótese julgada pelo STJ, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ 27/303).
O mandado in rem suam é suficiente para que o mandatário efetivamente aliene, agindo
em nome próprio, conforme ensinam Serpa Lopes, Curso de direito civil, vol. 4, n. 593 e
Orlando Gomes, Contratos, n. 288. Desta forma, aplica-se o art. 70, I a outras hipóteses
em que, transferido o domínio, essa transferência vem a ser frustrada (cf. Athos Carneiro,
Da intervenção de terceiros, n. 16.2, e Sydney Sanches, Denunciação da lide, Revista de
Processo (RePro) 34/51).
39. RJTJSP 79/285; no mesmo sentido: Vicente Greco Filho, A denunciação da lide: sua obriga-
toriedade e extensão. Justitia 94/13; do mesmo autor e no mesmo sentido, Direito Processual
Civil Brasileiro, vol. 1, p. 151.
40. Conforme nosso texto: Milton Flaks, Denunciação da Lide, cit., § 32, n. 145, p. 170 et seq.;
Aroldo Plínio Gonçalves, Da denunciação da lide, p. 240 e 70, esp, 1983. Diferentemente,
adotando posição restritiva (como em RJTJSP 79/285), v. Sydney Sanches, Denunciação da
lide no direito processual civil brasileiro, n. 7.6, 1, p. 118 et seq., 1984. Esta posição – ve-
dando a denunciação da lide quando há necessidade de introdução de fundamento novo
para sua solução – tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, como demonstram o
AgIn 56.108-9/SP, j. 03.11.1994, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, I, 08.11.1994, p. 30.211,
Intervenção de Terceiros 499

nada diz respeito a julgado sob a égide do CPC de 1973, mas considerações relevantes
devem ser trazidas para hoje.
Como será visto a seguir, a aplicabilidade desta distinção como critério isolado para
afastar a denunciação da lide calcada em garantia imprópria não se coaduna sequer com
o ordenamento italiano, do qual foi importada dita classificação. Além disso, parece-
-nos que, em linha de princípio, tal distinção não encontra apoio no direito brasileiro.
Esclareça-se que o direito italiano regula a matéria nos arts. 32 e 106 do Codice di Pro-
cedura Civile. E, como será explicado adiante, de acordo com a doutrina italiana, a ga-
rantia própria reflete uma situação de conexão objetiva com a causa principal. Ou seja:
o fundamento do pedido da ação secundária, de garantia, deve, de alguma forma, poder
ser extraído do fundamento da defesa da causa principal. Já a garantia imprópria cor-
responde àquela hipótese em que não há qualquer identidade ou ponto em comum en-
tre os fundamentos (títulos) que originaram as demandas; sendo totalmente distintas
as relações jurídicas em que se baseiam a demanda principal e a demanda de garantia.41
Tal diferenciação encontrou alguma ressonância prática no Brasil, e esse sistema é
chamado à colação – em tríplice equívoco – com a finalidade de excluir, do âmbito da de-
nunciação da lide, a chamada garantia imprópria.
A verificação do equívoco incorrido na adoção, entre nós, desta classificação, deman-
da exame do Direito italiano, em que se faz essa distinção, pois: 1.º) no próprio sistema
positivo italiano a distinção não se presta a afastar a cumulatividade da ação de garantia
imprópria no mesmo juízo, donde ser improcedente sua invocação, em si mesma ou como
modelo, dado que a tal discrimen não autoriza o direito italiano (independentemente de
se aceitar a distinção teórica entre garantia própria e imprópria); 2.º) o Direito brasilei-
ro (ainda que aceite, igualmente, a distinção entre garantia própria e imprópria), em si
mesmo interpretado, inadmite a invocação da natureza imprópria da garantia como crité-
rio suficiente para excluir o cabimento da denunciação da lide. A interpretação decorre:
a) tanto da letra da lei (arts. 125, II, do CPC/2015), que não enseja se afaste a garantia
imprópria como base e fundamento à denunciação da lide; b) como, ainda, da interpreta-
ção sistemática do próprio direito brasileiro, como se procurará, a seguir, evidenciar; 3.º)

e o REsp 49.418-4/SP, j. 14.06.1994, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (em Sálvio de
Figueiredo, O STJ e o Processo Civil, p. 82-83), e vem sendo reafirmada em julgados mais
recentes (cf., dentre outros, STJ, REsp 142.934/SP, 4.ª T., j. 21.10.2004, rel. Min. Barros
Monteiro, DJ 17.12.2004, p. 547; STJ, AgRg no REsp 727.276/RJ, 4.ª T., j. 07.04.2005, rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJ 02.05.2005, p. 377.
 Humberto Theodoro Júnior (cf. Curso de direito processual civil, 49. ed., vol. 1, n. 115-A, fine,
p. 131-132) aplaude a evolução da jurisprudência brasileira, no abandono da injustificada
interpretação restrita. Fazemos notar, entretanto, que a jurisprudência do STJ, como visto
precedentemente, tem se desenvolvido no sentido contrário, ainda que por fundamento
diverso: não se deve permitir, nestes casos, a denunciação da lide por importar em agressão
à economia processual, vetor que deve ser prestigiado por este instituto.
41. Cf. Carpi – Colesanti – Taruffo, em Commentario breve al Codice di Procedura Civile, nos
comentários ao art. 32 do Código de Processo Civil italiano, como remissões doutrinárias,
pp. 56-57.
500 Manual de Direito Processual Civil

consequentemente, temos que: a) tomou-se o direito italiano para se pretender fazer uma
distinção que, no plano do processo, mesmo na Itália inexiste; b) desta forma o sistema
italiano serve de argumento para se admitir a garantia imprópria – como se demonstra-
rá – no bojo da denunciação da lide, uma vez que a ação de garantia imprópria é reunida
no juízo da ação principal, no direito italiano; c) se assim não fosse, ‘ad argumentandum’,
ainda assim, não se poderia encampar, de maneira ampla e irrestrita, um sistema aliení-
gena, com desatenção à letra da lei (do direito brasileiro – art. 125, II, do CPC/2015) e,
na maior parte dos casos, com descuido manifesto da interpretação sistemática a que se
haja de submeter o exame do CPC.
Para que possamos compreender a impossibilidade de se aplicar – de forma genera-
lizada e irrefletida – a diferenciação entre garantias próprias e impróprias no direito bra-
sileiro, é preciso ter presentes os contornos dessa distinção no ordenamento italiano.
A propósito do tema, a distinção teórica que se nos afigurou a mais clara (ainda que
não idealmente completa) é a encontrada na obra de Salvatore Satta (iluminando a dou-
trina italiana existente), quando alude à garantia própria como aquela inerente, ou, se se
quiser, necessariamente dedutível, da pretensão do autor, na ação principal. Por exem-
plo, alude à evicção, como decorrência natural, isto é, legal ou sistemática da possibilidade
da perda da ação reivindicatória. Outras hipóteses seriam constitutivas de garantia im-
própria, ou garantia simples, como as denomina esse mesmo autor.
Temos para nós que a garantia própria envolve, com a hipotética propositura da
denunciação, na realidade, um verdadeiro juízo analítico, realizado na denunciação,
em relação à ação principal; vale dizer, suficiente será desdobrar no bojo da denunciação
o fundamento da ação principal, para se chegar à identificação do fundamento da ação de
garantia (garantia própria). Por outras palavras, em face de uma ação reivindicatória,
está embutida, pelo próprio sistema jurídico, a ideia de garantia pela evicção; donde,
então, proposta a denunciação, com fulcro no art. 125, I, do CPC/2015 nada mais esta-
rá fazendo o réu-denunciante que explicitar volitivamente essa possibilidade jurídica,
certamente porque deseja vê-la apreciada.
No entanto, devemos dizer que o texto brasileiro não autoriza, em si mesmo – e, de
modo geral, nem sistematicamente –, essa distinção. O nosso texto é amplo e o art. 125,
do CPC/2015, alude à lei e ao contrato. Diga-se, ainda, que no próprio direito italiano
considera-se a ação do segurando contra o segurador como significativa de garantia im-
própria, hipótese que, entre nós, muitos juristas têm considerado, a nosso ver em equí-
voco, como representativa de garantia própria.42
Nesse passo, imperioso ressaltar que, na interpretação do art. 32 do Código de Pro-
cesso Civil italiano, admitem a doutrina e a jurisprudência a junção da ação principal
com a ação de garantia – ainda que imprópria – perante o mesmo juízo, desde que ve-
rificada coincidência de competência para as demandas, ou, ainda, quando se trate de
hipótese em que a regra de competência para a demanda secundária (de garantia impró-

42. Cf., v.g., Sydney Sanches, Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro, n. 7.7.7,
p. 125.
Intervenção de Terceiros 501

pria) possa ser flexibilizada.43 Em verdade, abandonou-se a própria interpretação literal


do dispositivo da lei italiana, pela qual a garantia imprópria “legitima la chiamata e la
riunione delle cause solo quando lo stesso giudice è competente”, a fim de permitir a modi-
ficação da competência para processamento da ação secundária de garantia imprópria,
que é atraída para o juízo da causa principal.44
Esse, pois, o panorama, doutrinário e jurisprudencial, atual, do Direito italiano.
Parece, portanto, que nem sequer a “fonte” em que se inspiraram os propugnadores
da interpretação restritiva do art. 70, III, CPC/1973, hoje, art. 125, II do CPC/2015, os
autoriza a “trasladar” para o direito brasileiro esse critério, restritivo, pois não é esse o
que predomina no direito italiano, ao que se soma não ter sido essa suposta distinção,
na nossa lei, senão que claramente repelida.
Se, no direito italiano, a única restrição à propositura da demanda de garantia impró-
pria é rarissimamente atinente à competência, esta, no direito brasileiro, não só inexiste,
como ainda, ao contrário, pela regra do art. 61, do CPC/2015, fixa-se a regra de que o juiz
da causa principal é competente não só para a ação principal, como para as acessórias.

43. Cf. Corte de Cassação, 12.07.1947, sob n. 739 e Salvatore Satta, Comentario al Codice di Pro-
cedura Civile, Livro I, comentários ao art. 32, p. 140-141; ainda, de certa forma, distinguindo,
Rocco, Trattato di diritto processuale civile, vol. 2, Cap. VII, § 3.º, p. 123, n. 4; Sérgio Costa,
Manuale di diritto processuale civile, Cap. IV, n. 140, p. 200, em que admite, inclusive para
a “garanzia impropria”, que a causa relativa a esta seja proposta perante o mesmo juízo (da
causa principal), desde que haja coincidência de competência de foro, para as duas ações
(a principal e a da garantia imprópria); ou, então, desde que, propostas separadamente,
possam ser reunidas (no juízo da causa principal) – v. p. 200, nota 138, farta jurisprudência
da Corte de Cassação, nesse sentido. É torrencial e monolítico o entendimento da Corte de
Cassação italiana no sentido da cumulação da garantia imprópria no mesmo juízo: a) na
garantia imprópria, cumulam-se as ações (principal e da garantia imprópria), desde que
competente o juízo, pelo valor para a segunda (CC, 14.03.1963, n. 620; CC, 08.07.1961);
b) o art. 32 (CPC it.) encontra aplicação, inclusive, em matéria de seguro. A cláusula sobre
competência é irrelevante, no contrato de seguro, já que essa cláusula de alteração da
competência territorial não prevalece (CC, 10.06.1960, n. 1.554; 21.06.1956, n. 2.206;
29.09.1954, n. 3.162); c) igualmente, admitindo a garantia imprópria no juízo da causa
principal, ainda que, ou verbis “anche se eccede [a causa da garantia imprópria] la sua [do
juízo da causa principal], competenza per valore” [conjugação dos arts. 32 CPC it. e 1917
CC it.], (CC, 22.01.1959, n. 146), e muitíssimas outras hipóteses (cf. Laporta, Tamburrino e
Greco, Codice di Procedura Civile e Legge Fallimentare, vol. 1, anotações ao art. 32, CPC
it., p. 297 et seq., significando a abreviação CC, Corte de Cassação). Deve ser consultada a
mesma obra, a propósito do art. 106, CPC it., vol. 1., p. 991 et seq., com jurisprudência no
mesmo sentido, reportada agora ao aludido art. 106.
44. É o que se extrai de obra mais recente (do que a de Salvatore Satta), dirigida por Enrico Al-
lorio, o Commentario del Codice di Procedura Civile, nos comentários ao art. 32, parte que
coube ao jurista Giuseppe Franchi, em que se examinam as múltiplas hipóteses (inclusive
reguladas por leis especiais, v.g., circulação de veículos, transportes, responsabilidade nu-
clear etc.), e da mesma forma se observa que se modifica a competência, inobstante se trate
de garantia imprópria, atraída a causa, referente a essa garantia, ao juízo da causa principal
(verbis: “La giurisprudenza ha rittenuto che nonostante la garanzia impropria la competenza
si spostasse” – v. na op. cit. n. 4, do art. 32, sob a rubrica “La garanzia semplice. La garanzia
impropria”, p. 314 et seq., esp. p. 316).
502 Manual de Direito Processual Civil

Deve-se, pois, dizer o seguinte: 1.º) no próprio direito italiano, mesmo a interpre-
tação mais ortodoxa e restritiva da lei autoriza a reunião de causas se o juiz for o com-
petente para a causa principal e para a causa representativa de garantia imprópria; 2.º)
no direito brasileiro, o art. 61 é expresso a respeito da mesma competência do juiz da
causa principal e para as acessórias; 3.º) se, no art. 61, do CPC/2015, se alude à ação
principal, é porque existe a que não é principal, e, entre estas, está a de garantia, a qual
pode pender simultaneamente com a principal, ponto que não parece suscitar maiores
dúvidas. Acrescente-se que a regra do art. 61, do CPC/2015, é significativa de compe-
tência absoluta, porque funcional. Ademais, de tudo quanto foi dito, sentido prático al-
gum teria inadmitir-se a denunciação em todos os casos rotulados como garantia im-
própria (ainda que a lei mesmo, no particular, não distinga), se a ação em que se pede o
objeto da garantia imprópria pode ser movida separadamente e há de pender no juízo
da outra ação, a principal. Assim, ainda que esta distinção exista no sistema jurídico, é ela
irrelevante, todavia, para se pretender inadmitir a denunciação da lide, pela chamada ga-
rantia imprópria; 5.º) é, em princípio e de modo geral, incabível a interpretação a que
se designou de restrita, porque, se a ação de garantia é aquela claramente dedutível da
ação anterior, se a lei brasileira utilizou-se da figura do contrato para admitir a denun-
ciação, segue-se que o contrato é sempre, necessariamente – existencialmente e por de-
finição – desligado e não decorrente da ação que tenha sido anteriormente proposta.
Quer parecer, portanto, que se a lei brasileira alude a contrato (entre a parte e outrem
– terceiro), isto significa que – bem ou mal – não há que se adotar interpretação restri-
tiva. O contrato é, no caso, necessariamente, representativo de outro(s) fato(s) que não
decorrente(s) da ação principal.
Dentre as hipóteses mais comuns de aplicação deste dispositivo, temos aquele em
que o causador de danos, a outrem, amparado por seguro, seja obrigatório ou facultati-
vo, denuncia, então, a lide à companhia seguradora.45 Esta deverá arcar com a indeniza-

45. RT 477/112 e 481/98; RJTJSP 40/72; TJSP, Ap 240.743, 1.ª Câm. Civ., j. 11.03.1975, v.u, rel.
Moretzsohn de Castro. Negando a possibilidade da denunciação no seguro facultativo – RT
470/99. Na doutrina: Celso Agrícola Barbi, que negava a possibilidade de denunciação nas
hipóteses de seguro, mudou de posição, na ed. de 1983 de seus comentários, passando a
admiti-la (Comentários ao Código de Processo Civil, n. 408, p. 341-2).
Mais recentemente, predomina, no STJ, a orientação segundo a qual “em ação de indeni-
zação, decorrente de acidente de trânsito, movida contra empresa que explora serviço de
transporte coletivo de passageiros é inadmissível a denunciação da lide à seguradora, uma
vez que inexiste relação de garantia própria entre a empresa denunciante e a seguradora” (STJ,
REsp 401.487/SP, 3.ª T., j. 30.08.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.10.2002, p. 226). No
mesmo sentido, STJ, AgRg no Ag 587.845/SP, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJ 06.12.2004, p. 297; STJ, REsp 228800/DF, 4.ª T., j. 06.12.1999, rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, DJ 21.02.2000, p. 134).
Diversamente, considera-se “cabível a denunciação à lide de empresa seguradora que, por
força de contrato, se acha obrigada a dar cobertura à ré em caso de acidente de trabalho
pelo qual responda civilmente a segurada, e se tal ato não causa prejuízo à autora” (STJ, REsp
439.788/SP, 4.ª T., j. 26.08.2003, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 29.09.2003, p. 256).
Nesse caso, pode a seguradora “ser condenada, direta e solidariamente, com o réu” (STJ, REsp
188.158/RS, 4.ª T., j. 15.06.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.07.2004, p. 197).
Intervenção de Terceiros 503

ção, até o limite contratual, caso a demanda vingue contra o segurado.46 Já se admitiu,
em equívoco, recusa da seguradora à denunciação da lide, por ser a responsabilidade
desta em quantia inferior à pretendida pelo autor da inicial.47
Já se decidiu também que, no caso de a empresa de transporte de passageiros ser acio-
nada para indenização por acidente, poderá denunciar a lide à seguradora.48 Da mesma
forma, em ação indenizatória movida por vítimas de danos contra empresa construtora
de rede coletora pode esta denunciar a lide à sua seguradora para cobertura dos riscos
de sua atividade.49
Cumpre, ainda, ressaltar que, já se tem decidido, que a responsabilidade da segu-
radora perante o beneficiário do seguro nada tem a ver com o seu direito de cobrar da
cosseguradora a parte que lhe toca no pagamento, razão pela qual, neste caso, não se
tem admitido a denunciação da lide pela seguradora à cosseguradora.50

Tem-se decidido, contudo, que não pode a seguradora denunciar a lide ao “terceiro suposta-
mente causador do acidente, por buscar inserir controvérsia nova, inteiramente dissociada da
relação contratual objeto de debate na ação de cobrança em comento” (STJ, REsp 198.688/
SP, 4.ª T., j. 07.11.2002, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 10.02.2003, p. 212).
46. RF 251/205. No mesmo sentido, RJTJSP 62/214 (tendo sido decretada à revelia da segu-
radora).
47. RJTJSP 42/104.
48. RF 258/253; RT 522/93; em sentido contrário, “Em ação de indenização, decorrente de
acidente de trânsito, movida contra empresa que explora serviço de transporte coletivo de
passageiros é inadmissível a denunciação da lide à seguradora, uma vez que inexiste relação
de garantia própria entre a empresa denunciante e a seguradora” (STJ, REsp 401.487/SP, 3.ª
T., j. 30.08.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.10.2002, p. 226);
Ainda, em situação semelhante: “Responsabilidade civil – Seguro – Acidente de trânsito que
resulta em óbito – Ação indenizatória ajuizada por descendentes de passageira de ônibus
falecida – Denunciação da lide da seguradora pela empresa de transportes – Apólice com
cláusula expressa de exclusão de cobertura de indenização por danos morais – Ressarci-
mento indevido – Súmula 402 do Superior Tribunal de Justiça – apelo provido. O seguro por
dano pessoal inclui o dano moral. No entanto, quando a apólice limitar ou particularizar os
riscos do seguro, não responderá por outros o segurador (CC/1916, art. 1.460). O contrato
de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de ex-
clusão" (Súmula 402 do STJ) (TJSC, Apelação Cível n. 2006.018809-6, 4.ª Câm. Dir. Púb.,
j. 22.07.2010, rel. Des. Rodrigo Collaço)..
49. RJTJSP 61/145.
50. RT 539/107. Assim também: “Agravo de Instrumento – Denunciação da lide – Contrato de
cosseguro – Responsabilidade isolada – IRB – Direito de regresso. Incabível é a denunciação
da lide pela seguradora líder à cosseguradora, uma vez que o contrato de cosseguro não
gera solidariedade entre elas, devendo cada uma responder por sua cota isoladamente.
Deve-se admitir a denunciação da lide ao IRB, a fim de a seguradora garantir seu direito de
regresso” (TJMG, AgIn 1.0702.06.290185-6/001, j. 28.08.2007, rel. Fabio Maia Viani; DJ
21.09.2007); “Cosseguro – Denunciação da Lide – Inadmissibilidade – Recurso improvido.
Inexistente vínculo de solidariedade entre cosseguradoras, não há que se falar em direito
de regresso a justificar denunciação da lide (TJSP, AgIn 1076822900, 35.ª Câm.de Dir.Priv.,
j. 18.12.2006, rel. Des.Egidio Giacoia). Diversamente: “Agravo de Instrumento – Seguros –
Ação de cobrança – Contrato de cosseguro – Denunciação à lide – Cabimento – Agravo de
instrumento provido” (TJRS, AgIn 70016386534, 5.ª Câm. Cív. DJ 15.08.2006).
504 Manual de Direito Processual Civil

Há decisões corretas admitindo que o preponente possa denunciar a lide ao prepos-


to na ação de reparação de danos em acidente de veículos causada por este.51
Outra hipótese também bastante frequente é a de a Fazenda Pública trazer ao pro-
cesso seu funcionário que, tendo agido com culpa ou dolo, tenha causado, no exercício
de suas funções, danos a outrem, e a ação haja, com um desses fundamentos (dolo ou
culpa), ou mesmo só com base no art. 37, § 6.º, da CF/1988, sido proposta só contra a pes-
soa jurídica de direito público.52 Essa hipótese merece análise mais detida, porquanto,
embora a posição que sustentamos seja a de que, em linha de princípio, o art. 125, II,
do CPC/2015 repeliu a restrição da denunciação da lide calcada em fundamento novo,
diverso daquele que motivou a ação principal, não se podem ignorar as situações – ain-
da que excepcionais – em que a natureza imprópria da garantia, em conjunto com outros
argumentos jurídicos, inviabiliza a denunciação.
Referimo-nos aos casos em que a diversidade de fundamentos entre a ação principal
e a ação de garantia possa vir a prejudicar o exercício de direito de defesa pelo réu-de-
nunciante; em tais hipóteses, se os direitos defendidos pelo denunciante forem indis-
poníveis, afigura-se-nos defensável a tese da inaplicabilidade da denunciação da lide.
Quanto a esse aspecto, modificamos parcialmente nosso entendimento anterior para
aderir a alguns dos argumentos que restringem a denunciação da lide pela pessoa jurí-
dica de direito público, em ação movida por falta cometida por funcionário seu.
Advirta-se, desde já, que essa modificação de posicionamento não implica a aceitação
da natureza imprópria da garantia como elemento que, isoladamente, possa conduzir ao
indeferimento da denunciação em todo e qualquer caso. É preciso, como se disse, que se
agreguem outros fatores, os quais, em conjunto com a natureza imprópria da garantia,
poderão, eventualmente, inviabilizar o cabimento da denunciação.
Explica-se.
A corrente contrária à possibilidade de denunciação da lide pela pessoa jurídica
de direito público tem como argumento o de que, enquanto a pretensão indenizatória,
nestas hipóteses, se funda na responsabilidade objetiva do Estado (CF/1969, art. 107
– CF/1988, art. 37, § 6.º), a denunciação da lide ao funcionário só poderia, em tese, se
fundar na responsabilidade subjetiva do denunciado, o que demonstra, em última aná-
lise, terem as referidas pretensões (a indenizatória e a denunciação) títulos distintos.
Ademais – argumenta-se – só se admite a denunciação da lide nos casos de garantia au-

51. RT 493/82, 505/95 e 584/145; JUTACivSP 69/179, 72/82 e 86/154. Contra: RT 475/97,
501/199, 502/102, 503/88 e 504/231; RJTJSP 45/234. Decidiu recentemente o STJ que
“o entendimento pretoriano, em princípio, não admite lide entre o autor e o terceiro, com
afastamento do denunciante. Mas, em certos casos, o réu tem direito de chamar ao processo
o terceiro que culposamente concorre para o evento”. Nesse caso, “a denunciação da lide
nos casos de acidente de trânsito deve prosperar, como acentuam doutrina e jurisprudência,
quando comprovada a culpa exclusiva do preposto da empresa denunciada e sua obrigação,
derivada da lei, de indenizar” (STJ, REsp 155.224/RJ, 4.ª T., j. 09.03.2004, rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJ 01.07.2004, p. 196).
52. RT 518/99; Revista de Processo (RePro) 21/310; RJTJSRS 108/298; JUTARS 54/333.
Intervenção de Terceiros 505

tomaticamente decorrente de lei ou do contrato, sendo vedada a intromissão de funda-


mento, não constante da ação originária.53 Como regra, títulos distintos não obstariam
o uso do instituto da denunciação da lide, não sendo vedada a “intromissão de funda-
mento não constante da ação originária”, excepcionando-se os casos de Pessoas Jurídi-
cas de Direito Público em face de direitos indisponíveis.
O que nos parece é que o argumento da intromissão de fundamento novo não tem,
por si só, a procedência que a ele se pretende emprestar como já salientamos. Dessa
forma, se houver ação movida contra o Estado, por culpa ou dolo do funcionário, pode
haver denunciação da lide (arts. 125, II, do CPC/2015 e 37, § 6.º, da CF/1988).54 No
entanto, se ação se fulcrar em responsabilidade objetiva, em tendo de ser a denuncia-

53. A tendência predominante, na jurisprudência mais recente do STJ, é no sentido de que a


denunciação, no caso, não é obrigatória ou, ainda no sentido de haver nulidade no deferi-
mento da denunciação fundado no prejuízo ao direito indisponível de uma das partes: REsp
620.829/MG, 1.ª T., j. 21.10.2004, rel. Min. Luiz Fux, DJ 22.11.2004, p. 279; REsp 237.180/
RN, 2.ª T., j. 26.04.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22.08.2005, p. 184; STJ,
REsp 661.696/PR, 2.ª T., j. 20.09.2005, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 10.10.2005, p. 311; STJ,
REsp 606.224/RJ, 1.ª T., j. 15.12.2005, rel. Min. Denise Arruda, DJ 01.02.2006, p. 437).A
evolução da jurisprudência a respeito foi assim delineada, em julgamento recente: “Embora
seja o preposto estatal também legitimado para responder pelo dano, sendo diferentes as
suas responsabilidades, a do Estado objetiva e a do preposto subjetiva, caminhou a juris-
prudência por resolver em primeiro lugar a relação jurídica mais facilmente comprovável,
ressalvando-se a ação de regresso para apurar-se a responsabilidade subjetiva do preposto
estatal” (STJ, REsp 489.511/SP, 2.ª T., j. 22.06.2004, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 04.10.2004,
p. 235).Cf. também RJTJSP 82/259, acórdão relatado pelo então Des. Sydney Sanches, v.
tb. sua obra Denunciação da Lide no direito processual civil brasileiro, p. 121-123, 1984.
No mesmo sentido: RTJ 100/1.352 e 106/1.054; RT 529/81; RJTJSP 51/72 e 58/65. Cf., no
entanto, nota-se seguinte: Sob a égide da Carta Constitucional de 1988, já teve o STF opor-
tunidade de se manifestar de idêntica maneira. Em longo “despacho” proferido na Ação
Cível Originária 460-8/DF, o Ministro Celso de Mello, com base nos precedentes veiculados
em RTJ 106/1.054 e 100/1.352, bem como nas lições doutrinárias de Sydney Sanches já
citadas, indeferiu o requerimento da União Federal de denunciação da lide (fundada na
responsabilidade objetiva do Estado) ao servidor público que, como alegado, teria provocado
acidente e danos ao patrimônio do Distrito Federal (DJU I, 31.10.1994, p. 29.406).
54. O Superior Tribunal de Justiça (Seções de Direito Público), por exemplo, tem admitido a
denunciação da lide nestes casos, como estão a evidenciar o REsp 35.853-1/SC (1.ª T., j.
24.08.1994, v.u., rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 12.09.1994), no qual, inclusive, se
firma a tese – atualmente vencida – de que a denunciação da lide pelo Estado nos casos do
art. 37, § 6.º, da CF/1988, é um dever, não mera faculdade (citando outro precedente da
mesma 1.ª T. neste sentido: 31.583-2/SP); e o REsp 23.453-4/SP (1.ª T., j. 09.11.1994, v.u.,
rel. Min. Demócrito Reinado, DJU 28.11.1994), citando os seguintes precedentes: REsp
15.614/SP e 4.338/SP, ambos da 2.ª T. daquele tribunal e REsp 16.024/DF e 37.215-1/SP,
estes da 1.ª T. Em todos estes casos, claramente as duas Turmas de Direito Público do Superior
Tribunal de Justiça sustentaram o cabimento da denunciação da lide ao funcionário público
naqueles casos de ação indenizatória movida contra o Estado, fundada aquela na existên-
cia de dolo ou culpa do agente estatal, nos termos do referido dispositivo constitucional.
Nenhum dos acórdãos, entretanto, revela se a ação foi proposta com fundamento único
na responsabilidade objetiva do Estado o que, a nosso sentir, inviabilizaria o cabimento da
litisdenunciação..
506 Manual de Direito Processual Civil

ção, necessariamente, pelo fundamento da culpa, não deverá ser necessariamente feita
pelo Estado – ainda que esse possa denunciar a lide, isto poderá vir a importar que o Es-
tado, ainda que indiretamente, viesse agravar a sua própria situação, enquanto réu, pois
denunciaria com base em tipo de responsabilidade (culpa), sobre a qual normalmente
haveria de diligenciar para provar (isto, no pressuposto de que a ação tenha sido estri-
tamente promovida com base em responsabilidade objetiva), no mesmo processo, o que
acarretaria que estaria “trabalhando” contra si próprio, enquanto réu. Efetivamente, se
vier a ser comprovada a culpa do funcionário, ainda que por diligência do Estado, ipso
facto, estará, a fortiori, provada a ação principal contra ele próprio. Vale recordar que
esta possibilidade – se admitida – vulneraria, embora indiretamente, o princípio da in-
disponibilidade dos bens estatais.55
Por isso, deve-se concluir que, em casos tais, a restrição ao cabimento da denuncia-
ção da lide não decorre, nessas hipóteses, pura e simplesmente, da natureza imprópria
da garantia, senão que decorre da natureza imprópria da garantia associada a outro fator
determinante, que é a necessidade de se viabilizar a defesa dos direitos indisponíveis.
No entanto, se houver evidência da culpa, e, portanto, diante do juízo a esse respeito,
feito pelo Estado, como a não denunciação somente faria demorar o ressarcimento do
mesmo Estado, este deverá proceder à denunciação.

12.3.4. O ingresso do denunciado


No Direito brasileiro, só tem cabimento a denunciação da lide a quem não for par-
te, como regra geral.
De forma correta, porém, já decidiram o STJ e o TJSP pela admissibilidade da de-
nunciação da lide a litisconsorte passivo.56
Uma vez solicitada, quer pelo autor, quer pelo réu, a denunciação, o assentimento,
tolerância ou oposição meramente volitiva da parte contrária ao litisdenunciante é su-
pérfula ou inoperante. Certamente poderá, a parte contrária, objetivamente e do ponto
de vista jurídico, demonstrar a inocorrência dos pressupostos de denunciação da lide;
isto lhe é lícito fazer, conquanto a lei não tenha disciplinado, tal incidente, consideran-
do, especialmente, o disposto no art. 10 do CPC/2015. Se não for acolhida a impugnação
da parte à denunciação da lide, haverá uma decisão interlocutória, agravável de instru-
mento (art. 1.015, IX do CPC/2015); e, se acolhida tal impugnação, ao que pretendia
denunciar, caberá o mesmo recurso.

55. Entendimento convergente com o nosso é esboçado por Eduardo Arruda Alvim, ao anotar
que, se “o Estado for demandado por responsabilidade objetiva, parece ser inviável a de-
nunciação. Se se admitisse, nesta última hipótese, a denunciação, estar-se-ia admitindo
que o Estado, ao procurar demonstrar a culpa do funcionário, agisse contra seus próprios
interesses, pois o reconhecimento dessa culpa acarretaria, ipso facto, sua responsabiliza-
ção, atentando contra o princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Ademais disso,
estar-se-ia introduzindo na denunciação fundamento novo (culpa do funcionário), o que
corrobora a conclusão de que a denunciação, nesses casos, não deve ser aceita”(Direito
Processual Civil, 2. ed., p. 247).
56. RJTJSP 83/207 e RT 575/113 (há votos vencidos).
Intervenção de Terceiros 507

Da lei processual não consta, expressamente, a possibilidade de o juiz rejeitar li-


minarmente a denunciação da lide. Evidentemente, porém, se o uso desse instituto
não encontrar amparo legal algum, sendo meramente protelatório, parece-nos ser po-
der-dever da autoridade judiciária sua rejeição liminar.57 Não poderá, entretanto, em
tal momento apurar o magistrado o mérito da denunciação, no caso concreto, mas
simplesmente há de decidir se está sendo usado o instituto em conformidade com as
disposições processuais, bem como à luz dos pressupostos de direito material invo-
cados. Nada impede que, admitida liminarmente a denunciação da lide, venha pos-
teriormente o juiz a inadmiti-la, por descabida, tendo em vista a impugnação do de-
nunciado. Inexiste para o magistrado preclusão a respeito, da mesma forma que não
ocorre preclusão para inadmitir ação que tenha sido anteriormente admitida (art. 485,
§ 3.º. do CPC/2015).
De tal decisão denegatória caberá agravo de instrumento, pelas próprias razões de
admissibilidade deste e não apelação, pois, apesar de no mesmo processo poder-se já
solucionar a ação regressiva, esta encontra-se inserida dentro do processo principal.58
Todavia, se, em superior grau de jurisdição, mercê de recurso, for admitida a denuncia-
ção, terão que ser repetidos todos os atos praticados, pois como o litisdenunciado irá
atuar no processo como litisconsorte do denunciante, na ação principal, por isso não
será obrigado a receber o processo no estado em que se encontra, por força do indefe-
rimento injustificado do requerimento de sua citação.
O prazo para o réu denunciar a lide é o prazo de sua contestação, e, posteriormen-
te, não mais lhe será permitido denunciar a lide. Por isso já se decidiu que em denun-
ciação requerida depois da contestação (dois meses), ainda que citado, o denunciado
pode ser excluído da lide.59
Deve ter prosseguimento o processo, se a citação dos denunciados não for promo-
vida pelo denunciante, no prazo marcado pelo juiz.60
Se a denunciada for a Fazenda Pública, o prazo para contestar é dobrado, por força
do que dispõe o art. 183 do CPC/2015.

12.3.5. A posição do litisdenunciado


Cumpre, neste passo, determinar, com respeito à exegese do art. 125 do CPC/2015,
a posição, em rigor, posições, em que o denunciado da lide se coloca. É figura proces-
sual bifronte.
Em nosso direito, afigura-se-nos que, sendo citado, o denunciado assume a po-
sição de parte. Isto porque se coloca como litisconsorte do litisdenunciante, e litis-
consorte é parte. Denunciante e denunciado são, portanto, litisconsortes, em face do
adversário comum e tendo em vista o objeto (lide) da ação principal. Deve-se dizer

57. V. RT 518/69; não é opinião pacífica.


58. A respeito, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, item 7.3.
59. RT 563/97 (no caso concreto, não houve insurgência do adversário).
60. RT 506/101 (v., a respeito, o que se diz no n. 85, infra).
508 Manual de Direito Processual Civil

que, enquanto litisconsorte do denunciante (art. 125, I, do CPC/2015), conquanto seja


parte e litisconsorte, não está diretamente em jogo, nessa lide (do autor contra o réu,
tendo em vista a ação principal), um bem jurídico que lhe diga respeito, a lide não é
sua. Está em juízo na ação principal defendendo em nome próprio direito alheio, as-
sim age como legitimado extraordinário pelo litisdenunciante. A função do denun-
ciado, neste ângulo, é a de litigar conjuntamente com o réu-denunciante, no sentido
de objetivar a improcedência da ação principal, porquanto, a procedência, configura-
-se como pressuposto a que, então e sucessivamente, venha em si mesma ser apreciada a
denunciação da qual é réu e onde, aqui sim, existe pretensão contra ele. Errôneo, pois,
cogitar-se de o litisdenunciado poder ser condenado em face do autor,61 embora haja
jurisprudência no sentido de que é possível a condenação direta do denunciado, so-
lidariamente com o denunciante.62
O litisdenunciado, a seu turno, tendo em vista a denunciação da lide que lhe foi feita
(citação), é réu, parte passiva, em face do litisdenunciante. Isto significa que a relação
jurídica processual constituída a partir da ação original tem independência da outra
relação jurídico-processual, que se instaura, mercê da denunciação da lide. Ademais,
as pretensões são diversas, constituindo-se aquela em função de que se instaura a pri-
meira relação jurídico-processual, num dos casos que levam à aplicação das hipóteses
definidas nos incisos I e II, do art. 125 do CPC/2015. Assim, a pretensão que leva à ins-
tauração da segunda relação jurídico-processual é, a seu turno, representativa da pos-
sível responsabilidade do litisdenunciado (pretendida responsabilidade), diretamente
para com o litisdenunciante.
Feita a citação do denunciado, produzem-se, em relação a ele, os efeitos: 1.º) litispen-
dência (efeito processual); 2.º) coisa litigiosa; 3.º) sua constituição em mora (art. 240,
caput, do CPC/2015). Pelo disposto no art. 240 do CPC, verifica-se uma profunda mu-
dança na tradição do direito posto no Brasil. 63 O referido dispositivo rompe a tradição

61. RSTJ 25/426, REsp 6.793, rel. Barros Monteiro, cuja ementa reza: “Na denunciação da
lide promovida pelo réu, é inadmissível a condenação direta do denunciado a compor os
prejuízos reclamados pelo autor, sem apreciação da lide principal”; no mesmo sentido, RT
629/216-217 (“o denunciado não pode ser condenado diretamente a compor os prejuízos
reclamados pelo autor”). É pressuposto da denunciação a existência de relação jurídica
entre denunciante e denunciado – RSTJ 67/441, rel. Waldemar Zveiter, constando do voto
que “a tese acolhida pelo aresto tem o aval de precedente de minha relatoria, qual seja, no
REsp 3.814-SP, em que, na ementa, se concluiu que, não havendo relação jurídica entre
litisdenunciante e litisdenunciado, não há como se admitir o pedido de denunciação da
lide, e tal relação entre o litisdenunciante réu e o litisdenunciado terceiro há de existir no
plano do direito material”.
62. STJ, REsp 211.119/ES, 2.ª T., j. 17.05.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.06.2005,
p. 181; STJ, REsp 275.453/RS, 3.ª T., j. 22.02.2005, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ
11.04.2005, p. 288; REsp 188.158/RS, 4.ª T., j. 15.06.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJ 01.07.2004, p. 197.
63. Veja-se o que escrevemos ampla e exaurientente sobre o tema, em nossa Teoria Geral do
Processo de Conhecimento, São Paulo, 1972, Revista dos Tribunais, vol. I, Parte Quarta, III,
onde se estuda a citação, inclusive senão principalmente sob sua evolução histórica.
Intervenção de Terceiros 509

que perdurou até o art. 219 do CPC/1973. A interrupção da prescrição passou a decor-


rer do despacho que ordena a citação (art. 240, §1º, do CPC/2015), e, se obedecida a
exigência do § 2º, do art. 240, essa data passa a ser, não a do despacho, senão que a data
da propositura da ação.
 Quanto à prevenção, não há que considerá-la, pois o juízo já está prevento e a com-
petência para as ações de garantia e outras é a mesma das ações principais (art. 61 do
CPC/2015).
Se assim é, segue-se que é fora de dúvida que a pretensão consubstanciada na de-
nunciação da lide tem independência existencial, tendo em vista a pretensão deduzi-
da em primeiro lugar, com base em qualquer um dos incisos do art. 125 do CPC/2015.
Entretanto, se há essa existência distinta, há unidade procedimental, devendo, am-
bas, marcharem pari passu em todos os pontos recebendo, a final, sentença formalmen-
te unitária.
Poderá haver extinção do processo da denunciação da lide, sem resolução de mé-
rito, desde que, exemplificativamente, o litisdenunciante desista da ação (art. 485, § 4º
do CPC/2015), para o que, certamente, necessita da concordância do litisdenunciado,
se oferecida a contestação. Ainda que a denunciação da lide seja extinta, remanesce a
ação principal.
Já, diversamente, existe entre a pretensão principal e a que enseja a denunciação da
lide, com base nos incisos I e II, do art. 125 do CPC/2015, verdadeira prejudicialidade.
Isto porque é pressuposto essencial da procedência da ação sucessiva (não autônoma),
consubstanciada na denunciação da lide, que seja julgada procedente a ação origina-
riamente movida e motivadora da ação de garantia.
Se a denunciação tiver sido feita pelo autor, a improcedência da ação principal é que
poderá levar à procedência da denunciação. A responsabilidade do litisdenunciado reco-
lhe, no caso de denunciação feita pelo réu, na procedência de tal ação, um pressuposto
que se pode dizer, efetivamente, constituinte, em parte, de tal responsabilidade. Para a
denunciação feita pelo autor, como vimos, inverte-se o raciocínio.
Todavia, tal como na prejudicialidade, consubstanciam-se a improcedência (no caso da
denunciação feita pelo autor) e a procedência (quando se trate de denunciação feita pelo
réu) em pressuposto essencial e necessário, porém, não suficiente à procedência da denun-
ciação. E isto porque, conquanto procedente a ação de reivindicação, por exemplo, nem
por isso decorrerá inexoravelmente o direito do litisdenunciante-réu. É perfeitamente
possível que, mesmo procedente a primeira ação, venha a segunda a ser julgada impro-
cedente, por ter, por exemplo, o comprador desistido dessa garantia, o que é possível
(art. 447 do CC/2002).64 Inversamente, porém, tal já não será possível, ou seja, desde
que improcedente a ação movida com base em qualquer um dos incisos do art. 125 do
CPC/2015, ipso facto, será sempre inviável ao juiz dar pela procedência do ressarcimen-
to ao denunciante-réu.

64. Cf. art. 1.107, caput, do CC/1916.


510 Manual de Direito Processual Civil

Se o juiz dá pela carência da ação, por reconhecimento da ilegitimidade passiva ad


causam do réu denunciante, deverá este ser condenado pelo reembolso das verbas de
sucumbência em favor do denunciado (art. 129, do CPC/2015).65 Igualmente, se o de-
nunciante for vencedor, a ação de denunciação da lide não terá o seu pedido analisado,
visto que prejudicado o pedido regressivo, devendo o denunciante ser condenado ao
pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado (art. 129, parágrafo
único, do CPC/2015).

12.3.6. O comparecimento ou não do denunciado pelo autor


O litisdenunciado pelo autor, comparecendo, estabelece a lei, poderá assumir a po-
sição de litisconsorte do denunciante e acrescentar novos argumentos à petição inicial
(art. 127 do CPC/2015). A norma parece prever essa condição para sua ligação ao pro-
cesso. Entretanto, tal se dá pela só citação do denunciado, quer pelo autor, quer pelo
réu, quando este já se torna réu da ação regressiva e litisconsorte do denunciante (legi-
timação extraordinária), podendo ser abrangido pelo decidido, se for o caso, indepen-
dentemente de seu comparecimento66 (essa abrangência se refere à coisa julgada mate-
rial, pois essa alcança o comando decisório da lide e não diz respeito à esse legitimado
extraordinário). A lei, quer significar que, comparecendo, o litisdenunciado poderá
agir, aditando a petição inicial, pois é litisconsorte. Caso não compareça, nem por isso
deve-se entender ineficaz a denunciação da lide.
Se comparecer e aditar a petição inicial, a argumentação relativa à lide do denuncian-
te não mais terá o perfil inicial que lhe havia dado o autor, porém, aquele que lhe tenha
agora emprestado o litisdenunciado. O aditamento à petição inicial é significativo de
que há de serem levados em consideração os argumentos do litisdenunciado, sem que
seja alterada a estrutura que o litisdenunciante conferiu à lide, não podendo, portanto,
ser modificado o pedido e a causa de pedir, o que alteraria a lide.
O réu deverá ser citado, constando do mandado, se for o caso, o aditamento que te-
nha sido feito (art. 127, do CPC/2015), e deverá contestar a inicial aditada. Na medida
em que haja eventual desconformidade argumentativa entre a petição inicial, origina-
riamente redigida pelo autor, e o aditamento, feito pelo litisdenunciado, deverá ser re-
batido também o aditamento.

65. RJTJSP 79/181. O STJ já decidiu que, “tratando-se de garantia simples ou imprópria, em
que a falta de denunciação da lide não envolve perda do direito de regresso, o denunciante
arcará com os honorários do advogado do denunciado [mesmo em hipótese de vitória do
denunciante na demanda principal]. Não assim, entretanto, na hipótese prevista no art. 70,
I, do CPC, quando os honorários serão suportados pelo vencido na demanda principal”
(REsp 51.457-6/RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 29.08.1994, em Sálvio de Figueiredo, O
STJ e o processo civil, p. 85). No mesmo sentido, RSTJ 9/262, rel. Bueno de Souza, quanto
a que, na hipótese do art. 70, III, não há perda do direito, se inocorrente a denunciação.
Mais recentemente, cf. STJ, AgRg no Ag 569.044/RS, 4.ª T., j. 22.06.2004, rel. Min. Aldir
Passarinho Júnior, DJ 16.11.2004, p. 291; STJ, REsp 258.335/SE, 2.ª T., j. 14.12.2004, rel.
Min. Castro Meira, DJ 21.03.2005, p. 305.
66. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 3, p. 309.
Intervenção de Terceiros 511

O fato de o litisdenunciado comparecer dá-lhe o direito de agir como litisconsorte,


implicando justamente por isto em discutir, o melhor possível, com o adversário co-
mum – o réu da demanda proposta pelo autor – para, vencendo esta, ipso facto, ver-se
exonerado da denunciação. Enquanto denunciado (e, pois, réu), deverá contestar a de-
nunciação da lide.
O denunciado, pelo autor, apesar de não ser expressa a lei, pode eventualmente com-
parecer no processo, para, só e exclusivamente, impugnar sua responsabilidade, enten-
dendo não ser ele responsável pela evicção, ou por perdas e danos, com o objetivo de o
denunciante não conseguir fazer prevalecer sua pretensão. Cremos que tal atitude não
levará o litisdenunciado a aditar a petição inicial; não o exime, todavia, da abrangência
do decidido, se assim o vier a entender o juiz. De outra parte, em razão de ser litiscon-
sorte, pode a qualquer momento atuar no processo, como tal,67 mesmo que não tenha
aditado a inicial e/ou contestado a ação, ou seja, a denunciação da lide.
O TJRJ já decidiu que o denunciado pelo autor tem também legitimidade para im-
pugnar o valor da causa,68 Visto que este pode, por exemplo, influenciar diretamente
na sua atuação (v.g. recolhimento de custas) e, também no montante da condenação
regressiva (v.g. honorários advocatícios fixados com base no valor da causa – art. 85,
§2º, do CPC/2015).

12.3.7. O comparecimento ou não do denunciado pelo réu

Trata o art. 128, do CPC/2015, da denunciação da lide pelo réu e dos caminhos que
o denunciado pode tomar.
O réu deverá lançar mão do instituto dentro do prazo para a resposta, não o libe-
rando, a denunciação, de seu outro ônus, o de responder à ação que contra ele tenha
sido proposta, pois são atividades distintas, e o réu não contestando a ação, será revel
(art. 344 do CPC/2015).69
A lei processual prevê várias atitudes que podem ser tomadas por aquele que é de-
nunciado pelo réu. A primeira delas é a de contestar, passando, desde o momento da ci-
tação, a agir como litisconsorte do réu em relação ao autor. Diz a lide respeito ao denun-
ciante e, como se está em face de uma lide só, a atuação se desenvolve em regime de
unitariedade, tendo em vista o adversário comum e a ação/lide principal.
A contestação do réu, por outro lado, convive com a do denunciado, que haverá
de contestar, tanto a ação principal, quanto a denunciação. Se a denunciação tiver sido
feita pelo réu, na hipótese de procedência da ação principal, essa procedência se co-
loca como pressuposto à apreciação (eventual procedência), a seu turno, da denun-
ciação da lide.

67. Do mesmo sentir: José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, n. 239, p. 291.
68. RT 529/237.
69. No mesmo sentir: Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, p. 142.
512 Manual de Direito Processual Civil

Há, entre litisdenunciante e litisdenunciado, regime unitário, assimilável ao do li-


tisconsórcio unitário,70no que diz com a ação principal 71, como observamos por estarmos
em face de uma só lide, porém na ação de denunciação da lide, diversamente, são litisde-
nunciante e litisdenunciado, antagonistas (autor e réu). O denunciado, não contestan-
do, será revel. Mas, nem pelo fato de ser revel, art. 344, do CPC/2015, é, nesse contex-
to, cogitável que se lhe aplique o efeito da revelia, para o fim de julgamento antecipado
(art. 355, II, do CPC/2015), dado que a procedência/improcedência da ação principal
(conforme o caso), é que habilita o magistrado à apreciação da denunciação. O art. 344,
citado, no entanto, poderá ser aplicado, conforme as circunstâncias, na sentença final
(ou na sentença que, antecipadamente também julgue a ação principal). E isto para o
fim de se terem como verdadeiros os fatos embasadores da denunciação. Poderá, nessa
sede de sentença final (ou, no julgamento antecipado das duas ações – principal e de
garantia), se for o caso, aplicar-se o art. 341, do CPC/2015.
Aliás, após a citação, o denunciado é sempre considerado parte, alegando, porém, o
denunciado ser parte ilegítima, deverá o magistrado, desde logo, decidir o incidente de
ilegitimidade do denunciado, inclusive, ex officio. Se isso inocorrer, entretanto, a decisão
será na sentença, quando o juiz, depois de julgar a ação principal, julgará a denunciação.
O inciso II do art. 128, do CPC/2015, alterando a legislação anterior, prevê hipóteses
em que pode o denunciante não prosseguir na defesa eventualmente oferecida, até abster-
-se de recorrer, restringindo sua atuação na regressiva, quando o denunciado for revel.
Ora, a revelia, para o denunciado pelo réu, opera-se pelo transcurso do prazo para
contestação, mesmo que haja manifestação expressa de sua vontade, a fim de negar a
qualidade que lhe está sendo atribuída, e desde que a alegação de ilegitimidade não seja
acolhida.
Se, ainda, o denunciado comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atri-
buída, caberá, igualmente, ao denunciante prosseguir na defesa; e o denunciado se tor-

70. O TJSP já decidiu que se o réu alega ser parte ilegítima e ao mesmo tempo denuncia à lide ao
verdadeiro responsável, e este, aceitando a litisdenunciação, contesta o pedido formulado
pelo autor, passando à condição de litisconsorte passivo, não há prejuízo em que a sentença
dê pela carência de ação, em relação ao denunciante, e pela procedência ou improcedência,
quanto ao denunciado (RJTJSP, 101/144). Aproximadamente nesse sentido acentuou-se no
STJ, ou seja, “o acórdão que define como litisconsorcial a relação do litisdenunciado com o
réu litisdenunciante não contraria o art. 75, I, do CPC” (ementa – RSTJ 40/544). No entanto,
parece-nos que razão assiste ao voto vencido, pois que no acórdão veio a se atribuir dire-
tamente o ônus da responsabilidade, com exclusão do denunciante, o qual, na hipótese,
assim o foi porque não verificada a tradição do bem adquirido. A posição que, no plano
dogmático, nos parece a correta é a do Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 40/546, verbis: “A meu
ver, entretanto, esta expressão, não muito feliz, só pode ser entendida dentro do contexto
em que foi regulamentado o instituto. Interessa ao denunciado opor-se à pretensão formu-
lada pelo adversário do denunciante, mas, tão só e exclusivamente, na medida em que essa
demanda é prejudicial à outra e, julgada improcedente a ação originária, ficará prejudicada
a litisdenunciação”.
71. Como consequência, incide, no particular, o disposto no art. 509. Cf. STJ, EDcl no REsp
226.326/SP, 3.ª T., j. 17.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 12.06.2000, p. 108.
Intervenção de Terceiros 513

nará, da mesma forma, seu litisconsorte (no resultado do processo principal), salvo se
o juiz o excluir do processo. A jurisprudência tem entendido que, negando o litisde-
nunciado a qualidade que lhe é atribuída, o juiz deverá decidir a controvérsia daí de-
corrente, entendimento correto, pois pertine, tal arguição, aos próprios pressupostos
justificadores, ou não, da denunciação.72
Se o denunciado negou, indevidamente, a qualidade que lhe foi atribuída, legalmen-
te, pelo denunciante, estará eventualmente agindo de má-fé, e esta poderá ser apurada
no processo em que é parte. Pela má-fé, poderá responder (art. 81, do CPC/2015) po-
dendo, até mesmo, ser apenado de ofício pelo juiz.
O inciso III do art. 128, do CPC/2015, refere-se à hipótese de o denunciado con-
fessar os fatos alegados pelo autor, na ação principal. Como já nos manifestamos, em
outra oportunidade, apesar de a lei usar da expressão “confessar os fatos alegados pelo
autor”, deverá ser considerada como também incluída, neste inciso, a hipótese de reco-
nhecimento jurídico do pedido.73
Mas, como a citação da denunciação acarreta a formação de um litisconsórcio uni-
tário, entre litisdenunciante e litisdenunciado, relativamente à ação principal, nenhum
desses atos, se praticados por um só dos litisconsortes, produzirá efeitos jurídicos que
lhe seriam próprios.74
Se, porém, o denunciado pelo réu confessar, ou “reconhecer juridicamente o pe-
dido do autor”, o litisdenunciante poderá estar de acordo com ele, extinguindo-se a
ação principal com resolução do mérito e, se for o caso, continuará a da denunciação
até ser julgada.
Todavia, será facultado ao litisdenunciante, se, por exemplo, tiver predominan-
temente interesse, no próprio bem da vida, objeto do litígio, ou, por exemplo, se des-
confiar da solvabilidade do litisdenunciado, contra quem pediu perdas e danos, o di-
reito de continuar na defesa, a fim de lutar pelo seu direito, na ação principal e na de
denunciação.
Lembremos, ainda, que, mesmo tendo o litisdenunciado confessado os fatos ale-
gados pelo autor, esse litisdenunciado pode continuar no processo para negar os efei-
tos jurídicos de tais fatos. Nessas condições, voltamos a observar que, apesar de a lei
referir-se, expressis verbis, à confissão, abrange também o reconhecimento jurídico do
pedido. Entretanto, igualmente relembramos que, estes atos praticados por um só dos
litisconsortes são, conquanto válidos, inoperantes processualmente, dado que esta-
mos em face de regime unitário. Todo ato dispositivo de direito no regime unitário fica
condicionado à aquiescência de todos os litisconsorte(s) para ser eficaz, ou será apenas

72. Revista de Processo (RePro) 6/307, em. 59; RJTJSP 38/62.


73. Também neste sentido: Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, p. 40,
1977. O nomen iuris é utilizado com alguma impropriedade, porquanto, no caso, em rea-
lidade, a lide (a da ação principal) não respeita, propriamente, ao que reconhece, que é o
denunciado.
74. Sydney Sanches, Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro, n. 9.45, p. 223.
514 Manual de Direito Processual Civil

uma mera manifestação que, quando da prolação da sentença, será sopesada pelo juiz
no conjunto das provas.

12.3.8. As consequências da denunciação


Havendo denunciação, tanto pelo autor como pelo réu, haverá regime unitário con-
tra a parte adversa e, na denunciação, o denunciado será réu. A sentença será formal-
mente una, mas conterá, na verdade, duas decisões, já se tendo decidido pela nulidade
da sentença omissa quanto a uma das lides.75
Nessas condições, deve-se entender que a sentença que julgar procedente a ação,
havendo denunciação da lide por parte do réu, decidirá a ação principal e a responsa-
bilidade ou não do litisdenunciado. Da mesma forma, já que a própria lei dá direito ao
autor de usar do instituto da denunciação da lide, se a ação principal for julgada improce-
dente, também deverá ser decidida a lide respeitante ao direito do litisdenunciado. Res-
peitando o princípio do devido processo legal, mas atendendo à economia processual,
inspiradora, aliás, da existência do próprio instituto da denunciação da lide, o parágra-
fo único do art. 128, do CPC/2015, determina que procedente o pedido da ação princi-
pal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o
litisdenunciado, nos limites da condenação na ação regressiva.
Já observamos que na ação principal o litisdenunciado agirá como litisconsorte do
litisdenunciante e será unitário o litisconsórcio em razão de uma só lide estar sendo ob-
jeto da ação principal. Igualmente salientamos que nessa ação o litisdenunciado atua
como legitimado extraordinário, na exata medida que a lide não é dele. Portanto, a deci-
são da lide principal não o alcançará com a força de coisa julgada material, mas o atinge
como julgamento da ação prejudicial (inter alios) à ação de denunciação.

12.3.9. A denunciação da lide na execução


No processo de execução descabe denunciação da lide, que é instituto próprio do
processo de conhecimento.76
Basta assinalar que a denunciação da lide acarreta, sendo decidida conjuntamen-
te com a ação principal, que, por uma mesma sentença que julgue procedente a ação
principal, aí se haja de declarar, também, “conforme e, se for o caso”, o direito do de-

75. Nesse sentido, STJ, REsp 843.392/MT, 3.ª T., j. 25.09.2006, rel. Min. Ari Pargendler, DJ
23.10.2006, p. 313; e TJSP, AP 0007026-71.2009.8.26.0604, 33ª Câmara de Direito Privado,
j. 29.06.2015, rel. Mario A. Silveira, DJe 02.07.2015.
76. Pelo descabimento da denunciação da lide em ação de execução: 1.º TACSP [extinto], Ap
262.922, 3.ª Câm., j. 28.11.1979, rel. Arruda Alvim, v.u.; RT 504/173, 521/197 e 562/112;
JUTACivSP 49/98, 60/129 e 69/68; Bol. da AASP 1.153/15; RTJ 93/917; JC 48/148. Na dou-
trina, no mesmo sentido: Sydney Sanches, Denunciação da lide no direito processual civil
brasileiro, p. 146; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 352;
Milton Flaks, Denunciação da lide, p. 188-191.Admite-se a denunciação, no entanto, em
embargos de terceiro: STJ, REsp 161.759/MG, 3.ª T., j. 03.05.2005, rel. Min. Antônio de
Pádua Ribeiro, DJ 13.06.2005, p. 287.
Intervenção de Terceiros 515

nunciante em face do que tenha sido denunciado. Consequentemente, formam-se dois


títulos sentenciais (ou podem ser formados) da ação principal e do denunciante contra
o denunciado, o que é função específica do processo de conhecimento.
Já na ação de execução realiza-se praticamente o título executivo, e a impugnação
à execução apresentada pelo devedor objetiva desconstituí-lo. Há, desta forma, visceral
incompatibilidade entre o instituto e a execução, no sentido de ser inviável, em sede de exe-
cução, denunciar a lide.

12.4. Chamamento ao processo


12.4.1. Finalidades e noções gerais do instituto
O chamamento ao processo é uma das formas de ingresso do terceiro em processo
de conhecimento alheio77. Sua finalidade é a de que o chamado, por meio de manifesta-
ção de vontade do réu, originariamente demandado, se coloque ao seu lado como litis-
consorte, ficando, assim, no processo, também na condição jurídica de réu do mesmo
autor.78 A ampliação do polo passivo é um poder outorgado ao réu. 79
O art. 130 do CPC/2015 elencando as hipóteses de admissibilidade do instituto con-
tém três incisos que apresentam um elemento comum. Aquele que chama outrem no
processo, na realidade, não tem pretensão a fazer valer em relação ao chamado; apenas
entende que este tem, tanto quanto ele, ou mais (como no caso de chamamento do de-
vedor principal – art. 130), obrigação de responder em face do autor. Tanto o chamante
quanto o chamado se colocam no processo como litisconsortes facultativos passivos,
por obra do chamamento.
O chamamento ao processo consiste em providência exclusiva do polo passivo da
demanda e só é possível se o chamante tiver legitimidade passiva.Assim, por meio de
manifestação de vontade do, originalmente demandado, o terceiro chamado é coloca-

77. O que se afirma no texto é a viabilidade de chamamento em processo de conhecimento. Se


se tratar, no entanto, de chamamento originário em processo de execução de título extra-
judicial, como em execução por aluguéis, pretender o fiador chamar o seu afiançado, dito
“chamamento” é incabível. Igualmente, citado em execução, o fiador não pode chamar o
afiançado e demais fiadores.
78. Como assinala Fredie Didier Jr. a principal finalidade do chamamento “é alargar o campo de
defesa dos fiadores e dos devedores solidários, possibilitando-lhes, diretamente no processo
em que um ou alguns deles forem demandados, chamar o responsável principal, ou os cor-
responsáveis ou coobrigados, para que assumam a posição de litisconsorte, ficando todos
submetidos à coisa julgada.” (v. Curso de direito processual civil, vol. 1, 17. ed., Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 508).
79. Comenta Sandro Gilbert Martins que o chamamento ao processo é “benefício concedido
exclusivamente ao réu devedor solidário de, em processo de conhecimento, requerer a
ampliação do polo passivo da demanda original, a fim de que um ou mais codevedores ou
corresponsáveis solidários sejam ele (réu) litisconsortes e, por conseguinte, se submetem à
eventual formação do título executivo judicial.” (v. Breves comentários ao novo Código de
Processo Civil, coord. por Teresa Arruda Alvim Wambier e outros, 2. ed. rev. e atual., São
Paulo: RT,. 2016, p. 449).
516 Manual de Direito Processual Civil

do ao seu lado como litisconsorte, ficando no processo também na condição jurídica


de réu do mesmo autor.
É situação típica de litisconsórcio facultativo passivo, 80 pois a integração no proces-
so, ou não, do terceiro é opção conferida ao réu pela lei. Este pode suportar a demanda
e suas consequências sozinho ou requerer a participação ao seu lado de quem também
pode suportá-las. Nem disposição legal nem a natureza da relação jurídica controvertida
impõe a necessariedade de formação do litisconsórcio – caso em que, diferentemente,
estaríamos diante de litisconsórcio passivo necessário.
Ainda em sede dessas considerações iniciais, importa-nos dizer que, via de regra, as
hipóteses que permitem o chamamento se perfazem em ações condenatórias, razão pela
qual, a nosso ver com correção, o Superior Tribunal de Justiça inadmite o chamamento
em processo de execução. 81-82
No contexto de acidente com veículo, exemplificativamente, é possível que o moto-
rista de veículo locado, demandado por causa da responsabilidade por acidente, chame
ao processo a empresa locadora do automóvel, pois essa, nos termos da Súmula nº 492
do STF83 é solidariamente responsável por danos provocados a terceiros.84
Semelhantemente, também é a hipótese em que o imóvel tenha mais de um locatá-
rio. Os dois ou mais locatários são solidariamente devedores das obrigações pertinentes
à locação, podendo o autor demandar contra qualquer um deles e o locatário demanda-
do chamar ao processo o outro ou os demais.
Lembremos, ainda, a hipótese de ação de obrigação de fazer em que se busca o for-
necimento de medicamentos pelo sistema único de saúde em que, conforme entendi-

80. Assim, já decidiu o STJ em recurso especial repetitivo: “Processual civil. Recurso especial
sub ao regime previsto no artigo 543-C do CPC. Resgate de empréstimo compulsório
sobre energia elétrica. União Federal. Responsabilidade solidária. Litisconsórcio passivo
facultativo. Competência. Justiça estadual. 1. A solidariedade obrigacional não importa
em exigibilidade da obrigação em litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC), mas antes
na eleição do devedor pelo credor, cabendo aquele, facultativamente, o chamamento ao
processo (art. 77 do CPC). [...]” (STJ, RESp 1.145.146/RS, 1ª S., j. 09.12.2009, rel. Min. Luiz
Fux, DJe 01.02.2010). Igualmente, v. STJ, REsp 1.370.125/PR, 4ª T., j. 05.11.2015, rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, DJe 15.12.2015.
81. Nesse sentido, v.g., v. STJ, REsp 70.547/SP, 5ª T., j. 05.11.1996. Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, Dj 02.12.1996, p. 47.700; STJ, AgRg no Ag 703.565/RS, 4ª T., j. 20.11.2012, rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, Dje 04.12.2012.
82. Ilustrativamente, também são exemplos os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São
Paulo: TJSP, Apelação 0002557-32.2015.8.26.0390, 22ª C. Dir. Priv., j. 30.06.2016, rel. Des.
Sérgio Rui; TJSP, Apelação 1108513-17.2015.8.26.0100, 18ª C. Dir. Priv., j. 21.06.2016, rel.
Des. Hélio Faria; TJSP, Apelação 0010656-05.2010.8.26.0248, 25ª C. Dir. Priv., j. 12.05.2016,
rel. Des. Carmen Lúcia da Silva; e TJSP, Ag. Instrumento 2227924-46.2015.8.26.0000, 23ª
C. Dir. Priv., j. 27.01.2016, rel. Des. J. B. Franco de Godoi.
83. Súmula nº 492: “A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o
locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.”
84. A exemplo, v. TJMG, Ag. de Instrumento 1.0074.15.005189-9/001, 17ª C. Cível, j. 01.06.2016,
rel. Des. Leite Praça, DJe 14.06.2016.
Intervenção de Terceiros 517

mento firmado no STF, há obrigação solidária entre todos os entes federativos. 85 Nesse
caso, pode o autor, facultativamente, demandar todos os entes federativos, territorial-
mente atrelados à sua localidade, ou somente um deles. Por essa razão, entende o STJ
que o chamamento ao processo da União, em demanda proposta em face do Município,
Estado ou Distrito Federal, é providência possível, mas não impositiva. 86

12.4.2. As hipóteses de chamamento ao processo (art. 130 do CPC/2015)


Como referimos, há três hipóteses que viabilizam o chamamento ao processo. Pas-
semos a examiná-las.
A primeira delas (art. 130, I, do CPC/2015), diz respeito à figura do fiador. Por esse
dispositivo, é possível ao fiador, se demandado originariamente, chamar ao processo o
devedor principal – o afiançado. O art. 130, I, disciplina no processo civil o denominado
benefício de ordem previsto no Direito Civil (art. 827 do CC). Verificamos que o Direito
Civil, no artigo citado, confere ao fiador o direito de não sofrer execução, decorrente
do não pagamento de dívida pelo afiançado, salvo quando exausto o patrimônio desse.
Portanto, no sentido posto pela lei civil, verificamos que a responsabilidade do fiador
traz a característica de subsidiariedade.
Nessa hipótese, o afiançado é trazido ao processo desde logo e em não se podendo
insurgir contra o chamamento que lhe faz o fiador, deve necessariamente ser abrangi-
do pelos efeitos da decisão proferida sobre as responsabilidades dos obrigados, se pro-
cedente a ação. Caso seja julgada procedente a demanda, será o afiançado condenado
como responsável pela dívida da mesma forma que será o fiador. O benefício de ordem
será verificado, em termos práticos, quando da execução – compreendido na expres-
são também o cumprimento da sentença – se ela for promovida pelo credor em face do
afiançado e do fiador nos termos dos arts. 794 do CPC/2015 e 827, parágrafo único, e
828, ambos do CC.
Observamos, portanto, que a responsabilidade do fiador, tanto no Direito Civil
quanto no Direito Processual, é, em regra geral (art. 827 do CC), responsabilidade sub-
sidiária. O chamamento ao processo é, portanto, mecanismo previsto em lei para que o
fiador faça valer essa subsidiariedade.
Para ser arguido o benefício de ordem, no cumprimento da sentença ou execução,
é necessário que o fiador e o afiançado constem do título executivo. Ambos têm de ter
integrado a relação processual na fase de conhecimento. Em outras palavras, o chama-
mento ao processo é pressuposto do exercício do benefício de ordem pelo fiador no

85. V. v.g., STF, ARE 894.0085 AgR/SP, 1ª T., j. 15.12.2015, rel. Min. Roberto Barroso, DJe
16.02.2016.
86. Nesse sentido, firmou-se o entendimento em recurso repetitivo STJ, EDcl no REsp 1.203.244/
SC, 1ª S., j. 09.03.2016, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 25.05.2016, Informativo nº 490.
Do mesmo modo: STJ, AgRg no REsp 1.574.121/PI, 1ª T., j. 03.03.2016, rel. Min, Sérgio
Kukina, DJe 09.03.2016; STJ, AgRg no REsp 1.571.601/PI, 2ª T., j. 03.03.2016, Min. Herman
Benjamin, DJe 24.05.2016; e STJ, AgRg no AREsp 693.018/SC, 2ª T., j. 06.08.2015, rel. Min.
Og Fernandes, DJe 19.08.2015.
518 Manual de Direito Processual Civil

cumprimento da sentença ou na execução. Se o afiançado não for chamado ao proces-


so, não constará da condenação e, por consequência, lhe faltará a qualidade de devedor
ou legitimado passivo da execução (art. 779, I, do CPC/2015).
Ainda que não tenha benefício de ordem a seu favor – como se caracterizadas as
hipóteses do art. 828 do CC, o fiador também poderá chamar o afiançado ao processo.
Porém, o fiador, antes responsável subsidiário, será devedor principal. Nessa segunda
situação, se o fiador satisfizer o credor integralmente, se poderá valer do disposto no
art. 132 do CPC/2015, como explicaremos melhor, adiante.
A segunda hipótese de chamamento ao processo (art. 130, II, do CPC/2015) disci-
plina a situação em que há vários fiadores como garantes de determinada dívida, quando
apenas um deles foi originalmente demandado. A lei faculta, então, a esse demandado
chamar os demais fiadores ao processo.
O fiador chamado ao processo, citado, torna-se litisconsorte passivo e poderá, a seu
turno, chamar os outros fiadores ao processo.
Se esse fiador não chamar o outro fiador ou os outros fiadores ao processo, ele ficará
prejudicado por não obter, na mesma sentença, título executivo contra os demais, não
chamados. Se, diferentemente, proceder o chamamento ao processo, os chamados cons-
tarão igualmente do título executivo judicial ali formado, permitindo que o fiador que
pagar execute o que lhe devem os demais, sem necessidade de novo processo (art. 132
do CPC/2015). Qualquer fiador só poderá ser executado pela sentença se tiver inte-
grado a fase de conhecimento, sendo o chamamento ao processo meio apto para tal. 87.
Por fim, na terceira hipótese de chamamento ao processo (art. 130, III, do CPC/2015),
a lei processual civil cuida de modo geral das situações de solidariedade passiva. Assim,
será possível o chamamento se, com suporte do direito material, verificarmos que há
devedores solidários e um ou alguns deles foram demandados por obrigação comum.
Nesse caso, quem for demandado poderá chamar ao processo o outro devedor ou ou-
tros devedores.
As obrigações, de uma maneira geral, são representativas de vínculos jurídicos, que
se colocam entre dois polos, em que se situam o sujeito ativo e o sujeito passivo. Essa é
a maneira comum e usual de se apresentarem as obrigações.
Na solidariedade, no entanto, podem existir dois ou mais sujeitos de um, ou de am-
bos os lados da relação obrigacional. Se existirem vários sujeitos do lado ativo, teremos
a solidariedade ativa. Se existirem vários sujeitos do lado passivo, teremos a solidariedade
passiva. É possível, embora não comum, que exista solidariedade ativa e solidariedade
passiva, quando, então, denominamos de solidariedade mista.
A hipótese do inc. III do art. 130 do CPC/2015 diz respeito à solidariedade passi-
va, sendo possível, facultativamente, que outro devedor solidário ou todos os devedo-
res solidários sejam trazidos ao processo. Passarão a figurar ao lado daquele devedor

87. Esse entendimento já era enunciado pelo STJ, nos termos de sua Súmula nº 268 e o CPC/2015
manteve em seu art. 513, §5º.
Intervenção de Terceiros 519

demandado originariamente como litisconsortes facultativos, tendo, portanto, direi-


to de se defender nesse mesmo processo, podendo inclusive deduzir defesas pessoais
contra o credor comum.

12.4.3. Procedimento do chamamento e seus efeitos


O chamamento ao processo tem oportunidade específica para ser feito, sob pena de
preclusão. O prazo para o réu promover o chamamento ao processo – lembrando que
se trata de faculdade a ele conferida – é o prazo para resposta.88
Requerido o chamamento, o juiz só poderá indeferi-lo (i) se ficar evidenciado que
a situação não se ajusta às hipóteses do art. 130 do CPC/2015, ou (ii) se o requerimen-
to formulado pelo réu importar a formação de litisconsórcio facultativo multitudiná-
rio (art. 113, § 1º, do CPC/2015),o que poderá ser requerido por uma das partes ou
estabelecido de ofício. Do indeferimento, o recurso cabível é o agravo de instrumento
(art. 1.015, IX, do CPC/2015).
O juiz não deve admitir o chamamento ao processo nos casos em que isto possa im-
portar a formação de litisconsórcio multitudinário, em decorrência do número exces-
sivo dos chamados. Isso porque, em tal hipótese e, tendo em vista que o chamamento
ao processo, quando efetivado, é redutível à formação de litisconsórcio facultativo, do
lado passivo, e que o art. 113, § 1º, possibilita ao juiz que limite o litisconsórcio mul-
titudinário, em tais casos e por esse fundamento, deve não ser admitido. O art. 113,
§ 1º, ao dispor que o “juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo”, envolve os po-
deres de obstar e também o de desmembrar a junção dos litigantes, nos casos de ter-se
configurado a hipótese de litisconsórcio multitudinário. Outrossim, se, mesmo assim,
for admitido o chamamento, qualquer dos chamados poderá formular pedido de des-
membramento alegando (e demonstrando) a configuração do litisconsórcio multitu-
dinário e a dificuldade no exercício de defesa, ou, ainda, o comprometimento da rápida
solução do litígio; o juiz também poderá agir de ofício. Lembremos, por oportuno, que
“o requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que
recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.” (art. 113, § 2º, do CPC/2015).
Sendo admitido e ordenado o chamamento, os chamados serão citados para inte-
grarem o processo como litisconsortes passivos. Também terão, evidentemente, prazo
para resposta. Distintamente do que previa o CPC/1973, o processo não será suspenso.
A lei silencia quanto à possibilidade de chamamento ao processo, sucessivo. Já, ao
tratar da denunciação da lide, como vimos, a lei foi expressa, admitindo-a sucessiva-
mente por uma só vez.
Parece-nos que esse silêncio possibilita que, no prazo da resposta, um chamado ao
processo possa chamar outro fiador, devedor solidário ou o próprio devedor, por for-
ça da economia processual. Atentemos para a circunstância de todos deverem estar na

88. Assim, por exemplo, é inviável o chamamento em fase recursal. V. TJSP, Ag. de Instrumento
2067359-74.2016.8.26.0000, 2ª C. Dir. Púb., j. 30.06.2016, rel. Des. Cláudio Augusto
Pedrassi.
520 Manual de Direito Processual Civil

sentença que, se de procedência, valerá como título executivo para o réu que saldar a
dívida, não sendo o devedor principal. Ademais, não há introdução de outra lide no
processo, mas somente de litisconsortes.
Todavia, a sucessividade do uso do instituto nos parece poder levar a um tumulto
processual, dificultando a defesa e/ou prolongando demasiadamente o processo, eis que
cada chamado teria seu prazo de resposta e respectivo prazo para usar do chamamento,
o que seria de difícil viabilidade. Nessas condições, a admissão ou não do uso chama-
mento sucessivo deve ser aferida e decidida pelo juiz, ex officio ou a requerimento das
partes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Para a clareza da situação, recordemos que a sentença proferida no processo de co-
nhecimento em que foi feito o chamamento, que julgar procedente a ação, condenará os
devedores e valerá como título executivo para o credor. Se, após a fase de conhecimen-
to, um dos devedores, seja o fiador ou o devedor solidário, saldar a dívida, essa mesma
sentença também já valerá para ele como título executivo (art. 132 do CPC/2015). 89
Pode o fiador ou o devedor solidário que satisfizer sozinho a obrigação, então, desde
logo e sem novo processo, exigi-la por inteiro do devedor principal ou na proporção
que couber a cada um dos codevedores.
Por isto se pode dizer que o art. 132 envolve, em parte, uma sentença condicional, pois
só, se e quando aquele que, já condenado, satisfizer a dívida, poderá voltar-se contra o que
fora seu litisconsorte. Essa condicionalidade é decorrente da eficácia natural da sentença
(por virtude do art. 132), eis que o juiz, na sua sentença, não precisará ter sido explícito.

12.4.4. Hipóteses de não admissibilidade do chamamento


Um rápido exame do processo de execução de título extrajudicial demonstra, desde
logo, a inaplicabilidade do chamamento a essa modalidade de processo.90 Em primei-
ro lugar, o título extrajudicial engendra processo de execução, com executividade de
índole definitiva, podendo essa, no entanto, ser paralisada, mercê do recebimento dos
embargos do devedor com atribuição de efeito suspensivo. Não há sentença na execu-
ção, mas nos embargos.

89. Nesse sentido, Luiz Dellore diz que o “grande objetivo do chamamento é já obter, logo após
o pagamento da dívida, título executivo contra o devedor principal ou contra os coobrigados
em suas quotas-partes, evitando-se que, para cobrança do débito, haja necessidade de novo
processo de conhecimento.” (v. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015:
parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p 431).
90. Neste sentido, na doutrina do CPC 73: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. I, n. 440, p. 363; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado,
vol. III/333; Antônio Cezar Peluso, Revista de Processo (RePro) 1/189; Antonio Rodrigues
Porto, Do chamamento ao processo no novo CPC, RT 458/262; Athos Gusmão Carneiro,
Denunciação da lide e chamamento ao processo, Ajuris 21/44; Humberto Theodoro Júnior,
Intervenção de terceiros no processo civil: denunciação da lide e chamamento ao processo,
Revista de Processo (RePro) 16/55-6; atualmente, Sandro Gilberto Martins, Comentário ao
art. 131, in Breves comentários ao novo código de processo civil. Coordenadores Teresa
Arruda Alvim Wambier... [et al.]. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 451.
Intervenção de Terceiros 521

Logo, não se forma novo título executivo no processo de execução de título extra-
judicial; apenas realizam-se praticamente os efeitos necessários à realização do direito
estampado no título executivo que instrui o pedido. O título, no processo de execu-
ção, o antecede. No caso de chamamento ao processo, no bojo de ação de conhecimen-
to, forma-se um título executivo, não só contra o primitivo réu, como também contra
aquele que venha a ser chamado.
Em síntese, inexiste sentença sobre a pretensão executiva no processo de execução
de título extrajudicial; já sobre a ação condenatória, em função da qual há chamamen-
to, existe sentença, e com as peculiaridades, tal como a disciplina a lei.
Finalmente, cabe mencionarmos o argumento consistente em correlacionar o § 2º
do art. 794 do CPC/2015, constante nas disposições do processo de execução de título
extrajudicial, com o sistema instituído nos arts. 130 a 132 do CPC/2015. Ora, o § 2º do
art. 794 dispõe: “O fiador, que pagar a dívida poderá executar o afiançado nos autos do
mesmo processo”. É evidente que o art. 794 há de ser lido, tendo-se uma visão integra-
da desse § 2º, com a cabeça do artigo. O pressuposto de aplicação do § 2º do art. 794 diz
respeito a hipóteses de o fiador ser executado. Se tal ocorrer, assiste-lhe, no processo de
execução de título extrajudicial, o denominado benefício de ordem, admitindo a norma
legal, em seu caput, que bens livres e desembargados do devedor sejam nomeados. É cer-
to que, enquanto esse mesmo art. 794, no seu § 1º, dispõe que, sendo insuficientes os
bens do devedor, certamente ficarão sujeitos à execução os bens do fiador. Aí está niti-
damente delineado o caminho da realização da responsabilidade subsidiária do fiador
e a forma através da qual pode ele fazer valer seu benefício de ordem. Ora, o art. 794, te-
leologicamente, é um dispositivo similar ao art. 132, mas é aquele que disciplina a sub-
sidiariedade da posição da responsabilidade do fiador. O STF, que inicialmente admitia
o chamamento no processo de execução de título extrajudicial,91 parece ter firmado o
entendimento – esse sim correto – de que não é cabível o chamamento ao processo nas
execuções cambiais.92 No mesmo sentido decidiu o STJ.93
Ainda, o avalista não pode chamar ao processo de execução de título extrajudicial
os demais coobrigados.94 Na execução contra fiador, não cabe o chamamento ao pro-
cesso da massa falida do devedor afiançado.95
Tal como ocorre em relação ao processo de execução de título extrajudicial, não cabe
chamamento ao processo na ação monitória, a requerimento do réu que não embargou,

91. RTJ 82/324, 85/317 e 86/283.


92. RTJ 90/566 e 1.028, 91/283, 752, 1.168, 93/327 e 923. No mesmo sentido: JUTACivSP
59/183, 60/186 e 61/158.
93. STJ, REsp 70.547/SP, 5.ª T., j. 05.11.1996, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 02.12.1996,
p. 47.700. Mais recentemente, no mesmo sentido: “Este Superior Tribunal tem se posicionado
no sentido de não ser cabível o chamamento ao processo em fase de execução. Precedentes
do STJ” (STJ, AgRg no Ag 703.565/RS, 4.ª T., j. 20.11.2012, rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
DJe 04.12.2012).
94. RT 548/250, em., e 554/226: JC 48/152.
95. RT 562/57.
522 Manual de Direito Processual Civil

já que, caso não sejam opostos embargos na ação monitória, essa “converte-se” em exe-
cução de título judicial (art. 701, § 2º, do CPC/2015).96

12.4.5. Chamamento ao processo e a ação declaratória


Outro aspecto que nos incumbe considerar é o de saber se é possível o chamamen-
to ao processo só em ações condenatórias, ou se também o uso do instituto é viável em
ações declaratórias. Ou seja, cogitamos efetivamente se é possível, em sendo movida
uma ação contra qualquer um dos sujeitos indicados nos incisos I, II ou III, do art. 130
do CPC/2015, de índole declaratória positiva, que esses demandados originalmente
possam requerer o chamamento ao processo para que o devedor principal ou os demais
devedores solidários também constem da sentença declaratória da obrigação.
O sentido prático do chamamento liga-se à ideia de: (i) constituição de título executivo;
e (ii) que será objeto de sub-rogação por parte do que pagar. Toda esta estrutura indica que
o chamamento deve ser viável diante da iminência ou diante da possibilidade da formação
do título executivo, ou seja, no bojo do processo em que possa haver sentença condenatória.
Sustentávamos que, se a ação fosse meramente declaratória, faltaria ao réu origina-
riamente demandado interesse jurídico em chamar ao processo os demais, porquanto
não poderia ele ser executado sucessivamente ao término do processo de conhecimen-
to, em que a ação declaratória fosse julgada procedente.
No entanto, considerando o decidido pelo STJ no julgamento do REsp. 588.202/PR,97
o art. 475-N, I, inserido pela Lei nº 11.232/2005 no CPC/1973, e, principalmente, o
art. 515 do CPC/2015 que considera título executivo judicial “as decisões proferidas
no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação”, 98 é possível, sustentar

96. Nesse sentido, STJ, REsp 337.683/ES, 4.ª T., j. 02.05.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 10.03.2003, p. 226, Informativo nº 132.
97. No referido julgamento, foi decidido que “Tem eficácia executiva a sentença declaratória
que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica
ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até
porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena
de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente.” (STJ,
REsp 588.202/PR, 1ªT., j. 10.02.2004, rel Min. Teori Albino Zavascki, DJ 25.02.2004).
98. Segundo Sérgio Seiji Shimura, “para superar divergências doutrinárias, o NCPC alude à
decisão judicial que reconhece a exigibilidade, deixando de lado a locução reconheça
a existência da obrigação. Com efeito, a expressão ‘exigibilidade’ confere mais força e se
apresenta mais rente à executividade do título, visto que a obrigação exigível engloba e
pressupõe a existência da dívida. Outrossim, fica mais nítida a intenção do legislador de
deixar positivado e superar a discussão a respeito de a sentença ‘meramente’ declaratória
se constituir em título executivo. Dessa forma, se a decisão, após amplo contraditório, reco-
nhecer a obrigação das partes, definindo e fixando o tipo de obrigação, há título executivo
judicial (exemplo: na ação de revisão de cláusula contratual ajuizada pelo devedor, se a
decisão, após regular contraditório, vier excluir determinado valor e fixar o montante devido,
tal pronunciamento configura título executivo a favor do réu, credor).” (Breves comentários
ao novo código de processo civil. Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.].
2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 1393 e 1394).
Intervenção de Terceiros 523

que o réu em ação declaratória pode chamar ao processo as figuras referidas no art. 130
do CPC/2015, já que a sentença declaratória poderá valer como título executivo, nos
termos do mencionado art. 515.

12.5. Desconsideração da personalidade jurídica


12.5.1. Noções gerais sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica
O CPC/2015 disciplina, nos seus artigos 133 a 137, novo procedimento especifi-
camente dedicado à desconsideração da personalidade jurídica e, também, à chamada
desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Antes de tratarmos propriamente do processamento desse incidente e, até mesmo, de
como se processa a desconsideração quando essa é requerida junto à petição inicial, repu-
tamos relevante trabalhar algumas noções imprescindíveis à compreensão do instituto.
Aliás, a importância dessa breve introdução é consubstanciada no §1º do art. 133
do CPC/2015 que bem reservou ao Direito Material a tarefa de definir a desconsidera-
ção da personalidade jurídica e estabelecer os pressupostos legais a ela pertinentes.99
Cumpre à lei processual, assim, apenas regulamentar o procedimento jurisdicional por
meio do qual ela será concretamente verificada.
O entendimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica passa, de
forma indissociável, pela compreensão de que o patrimônio e a personalidade da pessoa
jurídica e de seus sócios são distintos. Não se confundem, ou ao menos, não se deveriam
confundir.A pessoa jurídica é dotada de personalidade própria,100 apta, portanto, a ser
titular de direitos e obrigações,101 assim como seus sócios, normalmente, também o são.

99. Cf. Alexandre Freitas Câmara, “sendo o Código de Processo Civil o natural repositório das
normas gerais do direito processual civil, andou bem o texto legal em evitar que para ele se
trouxessem disposições que, na verdade, dizem respeito a outras áreas do conhecimento
jurídico (art. 133, §1º). É que os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica
devem ser estabelecidos pelo Direito Material, e não pelo Direito Processual, cabendo a este,
tão somente, regular o procedimento necessário para que se possa verificar – após amplo
contraditório – se é ou não caso de desconsiderar-se a personalidade jurídica, tendo-a por
ineficaz. Respeita-se, assim, o fato de que os diversos ramos do Direito Material estabelecem
requisitos distintos para que se desconsidere a personalidade jurídica, cabendo verificar, em
cada caso concreto, qual ramo do Direito Material que rege a causa.” (v. O novo processo
civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 95-96).
100. Para Marçal Justen Filho, a criação da personalidade jurídica é exemplo da noção de sanção
positiva proposta por Norberto Bobbio, isto é, a função promocional do direito, por meio
da qual o Estado incentiva os indivíduos atuantes em prol do novo. Como diz o autor, a
personificação jurídica “trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca
conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração
da riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afigura-se um resultado desejável não
em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso
cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa
não apenas aos particulares mas ao próprio Estado.” (v. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 49).
101. V. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC, de Letícia Arenal
e Silva e Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima: “A pessoa jurídica é uma ficção jurídica
524 Manual de Direito Processual Civil

Cumpre lembrar, entre nós, o art. 20, caput, do Código Civil de 1916 que dispunha:
“As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Esse texto punha
à evidência e demonstrava a manifesta distinção, decorrente de lei, entre pessoa jurídi-
ca e seus membros.
Embora revogado, sem dispositivo equivalente no Código Civil vigente, o princípio
dali extraído prevalece. A regra da autonomia entre a pessoa jurídica e pessoas físicas
que a compõem subsiste amplamente no sistema jurídico. A própria existência da des-
consideração da pessoa jurídica (especialmente no art. 50 do Código Civil e no art. 28
do Código de Defesa do Consumidor) pressupõe que essa configure uma realidade in-
confundível com a das pessoas que a compõe. 102-103
Dessa distinção, resulta que, em regra, o patrimônio da pessoa jurídica não respon-
de pelos deveres e obrigações contraídas pelas pessoas naturais que a integram e, igual-
mente, essas não respondem pelos atos daquela. No entanto, há situações que, como
explica João Casillo, essa distinção é “utilizada com o intuito de fugir às finalidades im-
postas pelo Direito”.104-105
Por meio de uma construção inicialmente jurisprudencial, notadamente no direito
estrangeiro, passou-se a admitir que essa personalidade jurídica fosse desconsiderada no
caso concreto. Aponta-se no direito norte-americano a primeira experiência nesse sen-
tido, em 1809, no caso Bank of The United States vs. Devenaux, quando, para fins de de-
finição de competência, foi considerada a cidadania estadual dos indivíduos que com-
punham a sociedade bancária, desconsiderando a pessoa jurídica do banco.

desenvolvida com a finalidade de segregar o patrimônio da pessoa física e destiná-la para


que determinada sociedade possa desenvolver uma atividade – civil ou mercantil. [...]
Existia o receio de que as pessoas não se lançassem a novos empreendimentos, pendente a
possibilidade de comprometerem boa parte – senão todo – de seu patrimônio pessoal. Assim
a criação da pessoa jurídica permitiu a segregação de patrimônio entre as pessoas físicas
(sócios) e jurídicas, não respondendo os primeiros pelos riscos assumidos pelas segundas,
e vice-versa.” (artigo que compõe obra coordenada por Thereza Alvim [et. al] O Novo Có-
digo de Processo Civil Brasileiro – Estudos dirigidos: Sistematização e Procedimentos, Rio
de Janeiro: Forense, 2015).
102. V. artigo nosso escrito em homenagem ao Prof. Giuseppe Tarzia, A posição dos sócios e
associados em relação a ações movidas contra as sociedades e associações de que façam
parte, publicado também na Revista Autônoma de Processo, vol. 2, 2007.
103. Cf. Ernesto Lopes Ramos, Desconsideração da personalidade jurídica, Dissertação de Mes-
trado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1995, p. 31-32).
104. v. Desconsideração da pessoa jurídica, Doutrinas Essenciais de Direito Civil, vol. 3, São
Paulo: RT, Out.2010, p. 925)
105. Como bem conclui J. Lamartine, em vasta obra sobre o tema intitulada A dupla crise da
pessoa jurídica, as técnicas de disregard ou de Durchgriff são o mais agudo sintoma de crise
de função da pessoa jurídica. Diz o autor que “Elas denunciam a existência de um desvio
do instituto – da função que lhe foi assinalada pelo legislador. E, ao mesmo tempo, visam
evitar – principalmente ao servirem de inspiração à interpretação de algumas normas legais
específicas – o surgimento concreto de novos casos de desvio.” (v. A dupla crise da pessoa
jurídica, São Paulo: Saraiva, 1979, p. 608).
Intervenção de Terceiros 525

Desenvolveu-se, então, a teoria da disregard of legal entity, assumindo contornos


mais concretos a partir dos julgamentos que se seguiram, desconsiderando a persona-
lidade jurídica, por exemplo, em casos de fraudes. Assim, também, foi a experiência
jurisprudencial inglesa. 106-107
Em que pesem essas primeiras manifestações, foi o autor alemão Rolf Serick que
– no direito continental europeu – procurou delimitar e sistematizar os pressupos-
tos de aplicação da teoria da desconsideração em obra intitulada Rechtsform und Re-
alitât juristicher Personen. 108 Para ele, que foi um dos mentores da teoria – pode-se:
(i) aplicar a teoria da desconsideração, quando há utilização abusiva da pessoa jurí-
dica, com o intuito de fugir à incidência da lei ou de obrigações contratuais, ou cau-
sar fraudulentamente danos a terceiros; (ii) desconhecer a autonomia subjetiva da
pessoa jurídica, quando tal seja necessário para impedir violação de normas de direi-
to societário; (iii) também aplicar normas baseadas em atributos ou capacidade ou
valores humanos à pessoa jurídica, desde que não exista qualquer contradição entre
a finalidade de tais normas e a função da pessoa jurídica à qual são as mesmas apli-
cadas; para determinação dos pressupostos normativos, é possível considerar as pes-
soas físicas que agem por intermédio da pessoa jurídica; e, ainda, (iv) se, por meio
da pessoa jurídica, oculta-se o fato de que as partes envolvidas no negócio, são, em
verdade, o mesmo sujeito, desconhecer a personalidade jurídica da pessoa, quando
deva ser aplicada a norma relativa à diferenciação ou identidade das partes do negó-
cio jurídico, e não seja admissível a extensão de tal entendimento à diferenciação ou
identidade apenas jurídico-formal. 109
No direito italiano, destaca-se a obra Il Superamento dela Personalità Giuridica dele
Società di Capital nella “Common Law” e nella “Civil Law”, de Piero Verrucoli. Indica o
autor, cinco situações que justificariam o superamento della personalità giuridíca: (i) em
função da realização direta dos interesses próprios do Estado, como aqueles de natu-
reza tributária; (ii) a repressão de fraudes à lei; (iii) a repressão de fraudes contratuais;

106. Sobre a evolução histórica e experiência no direito comparado, v. João Casillo, Desconsi-
deração da pessoa jurídica, p. 926-930; e J. Lamartine Corrêa de Oliveira, A dupla crise da
pessoa jurídica, São Paulo: Saraiva, 1979.
107. Menciona-se com destaque o caso Salomon vs. Salomon & Co. de 1897, no qual o comercian-
te Aaron Salomon constituiu uma Company junto com outros seis membros de sua família,
mas concentrando quase a totalidade das quotas em suas mãos. Com o passar do tempo, a
sociedade formada passou a atrasar os pagamentos, entrando em liquidação na sequência.
Um dos liquidantes, então, sustentou jurisdicionalmente que a empresa ainda era, na ver-
dade, a própria pessoa de Aaron Salomon, o que foi acolhido em 1ª instância, inaugurando
a disregard doctrine naquele país (v. Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12, Dez.1969).
108. V. Rolf Serick, Rechtsform und Realität Juristischer Personen: Ein rechtvergleichender Beitrag
zur Frage des Durchgriffs auf die Personen oder Gegestände hinter der juristischen Person.
Berlin, W. de Gruyter, Tübingen, J.C.B. Mohr, 1955, obra consultada em italiano Forma e
realtá della persona giuridica, trad. De Marco Vitale, Milano: Dott. A. Giuffrè, 1966.
109. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica no direito alemão v. J. Lamartine Corrêa
de Oliveira, A dupla crise da pessoa jurídica, São Paulo: Saraiva, 1979, p. 294 e ss.
526 Manual de Direito Processual Civil

(iv) a realização de interesse de terceiros por causas anteriores; e (v) a realização de in-


teresse dos sócios individualmente.110
Na doutrina brasileira, entre outras, são destacadas as obras de Rubens Requião111
e Fábio Konder Comparato. Para esse último, aliás, a desconsideração da personali-
dade jurídica deve fundar-se em aspectos objetivos, especialmente pela constatação
concreta da confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e as pessoas naturais que a
compõe. 112 Esse critério veio a ser adotado expressamente por nosso Código Civil de
2002 (art. 50).
Desconsiderar a personalidade jurídica significa apreciar a situação concreta como se
a pessoa jurídica não existisse.113 A personalidade jurídica será ineficaz. Com a descon-
sideração, a pessoa jurídica é desconsiderada para o caso em apreciação, atribuindo a
titularidade das obrigações, condutas e eventuais responsabilidades aos sócios, no que
diz respeito à responsabilização patrimonial.
Na chamada desconsideração da personalidade jurídica inversa, é feito, por assim di-
zer, o caminho contrário, também desconsiderando a personalidade jurídica, mas para
atingir o patrimônio dessa, atribuindo-lhe a responsabilidade patrimonial que, a priori,
pertencia apenas às pessoas que a compõe.
Reputamos relevante notar que desconsiderar a pessoa jurídica é diferente de atos
de despersonalização. Naquela, reconhece-se a existência e validade da pessoa jurídica,
mas, para determinado caso em concreto e excepcional, em que os requisitos legais es-
tão configurados, ela será ineficaz, como se não existisse. Na despersonalização, diver-
samente, a pessoa jurídica deixa de existir enquanto ente autônomo e é desconstituída
para todos os casos existentes e futuros, precisamente, pela falta inicial ou posterior de
condições legais de existência ou validade.114 Nessa segunda situação a inexistência é,
em geral, consequência direta da desconstituição da personalidade.

110. Piero Verrucoli, Il Superamento della Personalità Giuridica dele Società di Capital nella
“Common Law” e nella “Civil law, Milano: Giuffrè, 1964, p. 195.
111. Cf. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista
dos Tribunais 410/12, Dez.1969. Essa obra, aliás, como o próprio autor noticia foi conside-
rada pela Comissão Revisora do Código Civil presidida por Miguel Reale, inspirando o então
art. 49 do anteprojeto, dispositivo hoje consagrado no art. 50 do Código Civil. (v. Rubens
Requião, Curso de direito comercial, vol. 1 São Paulo: Saraiva, 1986, p. 285).
112. V. O poder de controle na sociedade anônima, 3. ed. rev., atual. e corr., Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1983. Diz o autor: “A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada
é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa
corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois, em matéria empresarial, a
pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador,
que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o na prática, não se
vê bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra
puramente unilateral.”. (p. 343-344).
113. V. Marçal Justen Filho, Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
São Paulo: RT, 1987, p. 55.
114. Cf. Fábio Comparato, O poder de controle na sociedade anônima, 3. ed. rev., atual. e corr.,
Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 283.
Intervenção de Terceiros 527

Também não devemos confundir a desconsideração com a situação em que a pessoa


jurídica foi desativada ou teve encerradas suas atividades.115
As circunstâncias que justificam a desconsideração se perfazem, ao menos no mau
uso da pessoa jurídica.116 Como já tivemos oportunidade de dizer, em parecer de nossa
autoria,117 temos que a aplicação da teoria da desconsideração não pode acarretar, em
termos práticos, a extinção da pessoa jurídica. O que deve ocorrer é, especificamente, sua
desconsideração para um determinado fim 118 – o que se dá, em termos procedimentais,
pelos arts. 133 a 137 do CPC/2015 – e não sua despersonalização total;e, mais, só pode
ser cogitada à luz da prova específica e concreta do desvio da pessoa jurídica. É preciso
ter presente que a desconsideração ocorra à luz das regras de direito material aplicadas
pelo juiz, ou seja, há uma interação das regras materiais e processuais.119
Tenha-se presente a garantia constitucional da propriedade privada, estampada
nos arts. 5º, XXII, e 170, II, da CF/1988. O direito de propriedade assegurado consti-
tucionalmente é todo e qualquer direito patrimonial sobre bem corpóreo, incorpóreo,
direito real, garantido ao seu titular, impedindo que terceiros façam de sua proprieda-
de qualquer uso, por mínimo que seja. O que o texto garante é a atribuição do direito
patrimonial a seu titular.
Há que se observar que a personalidade jurídica é verdadeiro desdobramento da
inafastável garantia constitucional da propriedade privada, não podendo haver sua des-
consideração simplesmente, v.g. para averiguar fraudes.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em verdade, surgiu como
uma solução a ser utilizada, quando empregado o instituto da personalidade jurídica,
visando fins condenáveis pelo direito, ou seja, fins incompatíveis com os fins de sua
própria criação, causando prejuízo ao direito de terceiros. Isso porque, sua finalidade
como um instrumento para obtenção de resultados proveitosos para toda sociedade,

115. A esse respeito, já decidiu o TJSP que não se cogita de desconsideração da personalidade
jurídica se a pessoa jurídica já foi desativada com sua dissolução e liquidação regular (Ag.
de Instrumento 2094200-09.2016.8.26.0000, 23ª C. de Dir. Priv., j. 13.07.2016, rel. Des.
José Marcos Marrone).
116. Seguindo a doutrina de Marçal Justen Filho, o correto para verificação da devida, ou inde-
vida aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é buscar, em cada
ramo do direito, como é que ela se dá (ou daria) para não se cometer qualquer espécie de
equívoco quanto aos princípios regentes respectivos. (v. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 100-101.
117. V. Teoria da desconsideração da pessoa jurídica In Soluções Práticas, vol.3, São Paulo: RT,
2011, p. 153 e ss.
118. A esse respeito, como diz Rubens Requião, “não se trata, é bom esclarecer, de considerar
ou declarar nula a personificação, mas torna-la ineficaz para determinados atos.” (Curso de
direito comercial, vol. 1 São Paulo: Saraiva, 1986, p. 283.
119. Veja-se o trabalho intitulado “O procedimento de desconsideração da personalidade jurídica
no novo código de processo civil: uma análise da interação entre as regras processuais e
materiais do instituto”, de autoria de Bruno Dantas, Alexandre Reis Siqueira Freire e Leonardo
Albuquerque Marques, na obra coletiva O Novo Código de Processo Civil – Impactos na
Legislação Extgravagante e Interdisciplinar, São Paulo, Saraiva 2015, págs. 15-31.
528 Manual de Direito Processual Civil

em casos tais, terá sido desvirtuada. Na verdade, busca-se por intermédio da teoria da
despersonalização, uma solução justa, para os problemas decorrentes do uso abusivo
do instituto da pessoa jurídica, problemática comum à luz do princípio básico da dis-
tinção entre pessoa jurídica e seus membros componentes, bem como, da separação
patrimonial entre esses.
Somente, portanto, em casos excepcionais se pode superar a distinção patrimonial
entre a pessoa jurídica e as pessoas que a compõe.120-121-122 Portanto, ao aplicar-se a te-
oria da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se verificar atentamente, se
estão presentes os pressupostos reconhecidos pela doutrina como ensejadores de sua
aplicação, para, somente depois, em caso de resposta afirmativa, proceder-se à sua efe-
tiva aplicação, sempre com muita cautela.
No direito brasileiro e, sobretudo, para fins de compreensão do fenômeno no âm-
bito processual, destacam-se dois dispositivos: os já referidos arts. 50 do Código Civil e
28 do Código de Defesa do Consumidor. Além desses, existem outras hipóteses, como,
v.g., em situações afetas ao direito ambiental, 123 tributário e trabalhista.
Segundo o art. 50 do Código Civil para fins de desconsideração da personalidade
jurídica impõe-se a observância concreta de abuso da personalidade jurídica124 que se

120. Essa á posição, aliás, consolidada no Superior Tribunal de Justiça: STJ, REsp 1.493.071/SP, 3ª
T. 24.05.2016, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 31.05.2016.; STJ, REsp 1.311.857/RJ,
3ª T., j. 13.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.06.2014; STJ, AgRg no REsp 1.378.736/
SC, 2ª T., j. 22.04.2014, rel. Min. Humberto Martins, DJe 05.05.2014; STJ, REsp 1.346.464/
SP, 3ª T., j. 01.10.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.10.2013; STJ, REsp 1.199.211/SP,
3ª T., j. 28.02.2012, rel. p. acórdão Min. Massami Uyeda, DJe 06.06.2012.
121. Já em 1969, Rubens Requião assim alertava: “Quando propugnamos pela divulgação da
doutrina da desconsideração da pessoa jurídica em nosso direito, o fazemos invocando
aquelas mesmas cautelas e zelos de que a revestem os juízes norte-americanos, pois sua
aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem
a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consumação.” (v. Abuso de direito e
fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12,
Dez.1969).
122. Cf. Luciano Amaro, “a desconsideração da pessoa jurídica é uma técnica casuística.”. (v.
Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito
do Consumidor, RDC 5/1993, Jan.1993).
123. Por exemplo, é a possibilidade disposta na Lei nº 9.605/1998, cujo art. 4º admite que “po-
derá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”.
124. Na doutrina, v. Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica
(disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12, Dez.1969; Ernesto Lopes Ramos: Des-
consideração da personalidade jurídica, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 1995, p. 511); Marçal Justen Filho, Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 119-126; Bruno Garcia Redondo,
Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais e processuais civis In obra
coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil desafios e perspectivas, São
Paulo: Atlas, 2012, p. 109-110; e Daniel Monteiro Peixoto, Desconsideração da persona-
lidade jurídica em matéria tributária, abuso de direito e conceitos jurídicos fundamentais,
Revista Tributária das Américas, vol. 7, Jan.2013.
Intervenção de Terceiros 529

caracteriza, exemplificativamente, (i) pelo desvio de finalidade da pessoa jurídica, isto


é, a utilização da pessoa jurídica para fins diversos para os quais ela foi viabilizada pelo
Direito, quando a prática do ato é admitida no sistema jurídico, mas é realizada com
objetivos outros que não os previstos, em prejuízo de outrem; ou (ii) pela confusão pa-
trimonial, ou seja, pela promiscuidade, por assim dizer, entre os patrimônios da pessoa
jurídica e das pessoas que a compõe, de modo que passa a ser difícil ou impossível vi-
sualizar com clareza a separação do que pertence a quem. 125
São situações em que a autonomia da pessoa jurídica é utilizada de modo abusivo,
por meio de atos fraudulentos. Caracterizam-se, especialmente, pela confusão dos pa-
trimônios da pessoa jurídica e dos sócios para evitar que determinados bens fiquem su-
jeitos à execução. Não basta, assim, ao menos nas relações civis, que o patrimônio da
pessoa jurídica seja insuficiente para solver a dívida, se não ficar demonstrada algumas
das situações descritas em lei.
Nas relações de consumo, ao seu turno, a desconsideração da personalidade jurí-
dica é possível se “em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.”
ou ainda “quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade
da pessoa jurídica provocados por má administração.” (art. 28 do CDC).
Como comentamos em obra em coautoria com Thereza Alvim, Eduardo Arruda
Alvim e James Marins, 126 o Código de Defesa do Consumidor, atendendo à realidade
social, de imperiosidade da busca do responsável por prejuízos, transformou em lei a
teoria da desconsideração da pessoa jurídica em se tratando de relações de consumo.
A incidência desse artigo pressupõe, em primeiro lugar, o prejuízo do consumidor,
o que se apreende da locução “em detrimento do consumidor”. Igualmente, impõe-se
que a desconsideração tenha sido solicitada jurisdicionalmente, pois a lei indica o juiz
como a única autoridade competente para tanto.
A prática do ato deve consubstanciar abuso de direito ou excesso de poder ou infra-
ção à lei ou ato ilícito ou, por fim, violação dos estatutos ou contrato social.
Ocorre abuso de direito nas relações de consumo se o fornecedor, por lei ou emba-
sado no sistema jurídico, ou por força dos estatutos ou contrato social, puder praticar
determinado ato, mas o faça de molde a prejudicar o consumidor. Ocorre o excesso de

125. Para Bruno Garcia Redondo, a confusão patrimonial se caracteriza “quando os sócios,
administradores ou associados utilizam, em proveito próprio, os bens e recursos da pessoa
jurídica, em verdadeira ‘promiscuidade’ entre os bens da sociedade e os de seus repre-
sentantes. Exemplos comuns de confusão patrimonial extraídos da prática forense são os
casos em que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso,
revelando a inexistência de distinção, no plano patrimonial, entre essas pessoas (o que
pode ser verificado, v.g., por meio da escrituração contábil ou da movimentação de contas
de depósito bancário), ou então quando bens de sócios estão registrados em nome da so-
ciedade, ou vice-versa.” (v. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais
e processuais civis In obra coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil
desafios e perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, p. 110-111).
126. Cf. Código do consumidor comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 1995.
530 Manual de Direito Processual Civil

poder se quem pratica o ato, em tese, encontra amparo no sistema jurídico para praticá-
-lo, mas ultrapassa os limites desse poder, prejudicando outrem, no caso o consumidor.
Por outro lado, para compreender os atos como infração à lei ou violadores dos estatutos
ou contrato social, devemos ter como premissa a interpretação da lei, do estatuto e do
contrato, de modo que a inobservância do ali contido passa não só pelo texto expres-
so, mas também pelo conteúdo e finalidades que dele são extraídas. Ademais, pratica o
fornecedor ato ilícito se seu ato for assim qualificado por qualquer lei. 127
Observamos, portanto, que entre as teorias adotadas pelo Código Civil e pelo Códi-
go de Defesa do Consumidor existe neste uma maior gama de hipóteses em comparação
àquele, tornando mais viável, na prática, a desconsideração. Por essa razão, chama-se a
teoria adotada pelo CC como teoria maior, por meio da qual é mais difícil a caracteriza-
ção da hipótese de desconsideração, e a do CDC como teoria menor. 128-129
No entanto, em que pese o reconhecido avanço da doutrina da desconsideração,
inexistia na legislação brasileira, até a promulgação do CPC/2015, qualquer regulamen-
tação a respeito do procedimento que deveria ser seguido para desconsiderar a perso-
nalidade jurídica.
Essa lacuna no ordenamento era objeto de preocupação, dado que a aplicação do
instituto se dava de forma casuística, em trâmites dos mais diversos. Isso resultava, por
vezes, na desmedida ou inadequada aplicação do instituto e em prejuízos de diferentes
ordens, desde a inviabilização do efetivo ressarcimento de credores até a inobservância
concreta do devido processo legal e do contraditório na privação de bens de terceiros.130

127. A esse respeito, v. Rizzato Nunes, Comentários ao código de defesa do consumidor, 8. ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 468 e ss.; Luciano Amaro, Desconsideração
da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor,
RDC5/1993, Jan.1993; e também Ernesto Lopes Ramos, Desconsideração da personalidade
jurídica, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1995,
p. 487 e ss.
128. V. nosso Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo: RT, 2016, p. 109-111; Bruno
Garcia Redondo, Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais e proces-
suais civis In obra coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil desafios
e perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, p. 107-111); Flávio Tartuce, O novo CPC e o direito
civil, Rio de Janeiro: Gen-Método, 2015 e Letícia Arenal e Silva e Marcelo Chiavassa de
Mello Paula Lima, Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC,
In Thereza Alvim [et. al] O Novo Código de Processo Civil Brasileiro – Estudos dirigidos:
Sistematização e Procedimentos, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 207-210.
129. Essa é também a terminologia adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, por exem-
plo: STJ, AgRg no AREsp 679.682/SP, 3ª T., j. 23.06.2016, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe
01.07.2016; STJ, REsp 1.486.478/PR, 3ª T., j. 05.04.2016, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseve-
rino, DJe 28.04.2016; STJ, REsp 1.111.153/RJ, j. 06.12.2012, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 04.02.2013; e STJ, REsp 1.200.850/SP, 3ª T., j. 04.11.2010, rel. Min. Massami Uyeda,
DJe 22.11.2010.
130. Sobre as dificuldades resultantes da ausência de procedimento legal e específico, v. Ale-
xandre Freitas Câmara: “Importante, ainda, é registrar que este incidente vem assegurar o
pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à descon-
sideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via
Intervenção de Terceiros 531

Não à toa, já em 2008, foi proposto o Projeto de Lei nº 3.401/2008 na Câmara dos De-
putados objetivando regulamentar o procedimento de desconsideração.131
É grande, portanto, o mérito do CPC/2015 em ter regulamentado, de forma minu-
ciosa, um procedimento (arts. 133 a 137) para a desconsideração da personalidade jurí-
dica ou inversa. 132 Ele deve ser necessariamente observado para tal finalidade, seja pelas
próprias razões que motivaram sua previsão na lei processual, seja porque o Código de
forma esparsa assim determina, como, v.g., ao prever a possibilidade de ajuizamento de
embargos de terceiro por quem vier a sofrer constrição judicial de seus bens por força
de desconsideração e não fizer parte do incidente (art. 674, § 2º, III) ou, de forma solar,
no art. 795, caput e § 4º: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas
da sociedade, senão nos casos previstos em lei.” e “Para a desconsideração da persona-
lidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.”.

era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso da desconsideração inversa)


sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório, do processo de formação
da decisão que define sua responsabilidade patrimonial, o que contraria frontalmente o
modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão
que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilida-
de de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial.” (v. O
novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 95). v. também Olavo de
Oliveira Neto,O perfil das novas formas positivadas de intervenção de terceiros no Projeto
do CPC: desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae, In O direito de estar
em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem à Thereza Alvim, São Paulo: RT, 2014,
p. 550).
131. Já em trâmite no Senado Federal sob nº 69/2014, parece-nos que o projeto perdeu objeto
pela exaustiva regulamentação do tema no CPC/2015. De todo modo, para fins de registro
da preocupação sobre a lacuna legislativa, justificou-se o projeto nos seguintes termos: “A
falta de um rito procedimental que assegure o exercício do contraditório, tem ocasionado
uma aplicação desmensurada e inapropriada da ‘Disregard Doctrine”, sendo frequente a
sua utilização em hipóteses outras, como nos casos de mera responsabilidade subsidiária e
de solidariedade, decisões muitas vezes reformadas pelos Tribunais Superiores, em prejuízo
do próprio instituto. Daí porque a matéria está a exigir diploma processual próprio em que
se firmem as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica possa e deva
ser decretada. Em suma, o presente Projeto de Lei, de natureza eminentemente adjetiva,
pretende estabelecer regras processuais claras para aplicação do instituto da desconside-
ração da personalidade jurídica, além de assegurar o prévio exercício do contraditório em
hipóteses de responsabilidade pessoal do sócio por débito da pessoa jurídica. Ou seja, não
se pretende aqui estabelecer pressupostos materiais ou mesmo limitar as hipóteses em que
a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer, mas, tão somente, instituir um
rito procedimental, aplicável a toda e qualquer situação onde seja necessário ‘levantar o
véu’ da pessoa jurídica, de modo a trazer segurança e estabilidade às relações jurídicas
empresariais.”.
132. V. José Tadeu Neves Xavier: “A inovação é de extrema importância e representa verdadeira
dobra histórica no percurso que vem sendo trilhado pela teoria da desconsideração da per-
sonalidade jurídica no âmbito interno. Com essa atitude o legislador processual preenche
sensível lacuna que vinha acompanhando as discussões sobre a maneira adequada de tratar
processualmente a prática de atos de abuso da personalidade jurídica, bem como sobre a
fixação de suas consequências no âmbito da tutela jurisdicional.” (A processualização da
desconsideração da personalidade jurídica, Revista de Processo, vol 254, p. 157, Abr.2016).
532 Manual de Direito Processual Civil

Nesse ponto, importa mencionarmos que o CPC/2015 destoa da posição do Supe-


rior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos interpostos até a vigência do novo
Código, segundo a qual dispensava-se a citação dos sócios que se poderiam defender
apenas após a desconsideração decretada, ferindo os princípios da ampla defesa. 133
Feitas as considerações iniciais que julgamos relevantes, passemos à análise do pro-
cedimento para desconsideração em si considerado.

12.5.2. A desconsideração da personalidade jurídica requerida de forma incidental


O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é cabível em sede de pro-
cesso de conhecimento, no cumprimento de sentença, ou em processo de execução de título
extrajudicial, em qualquer de suas fases (art. 134 do CPC/2015). Inclusive, pode ser feito
se os autos tramitarem originariamente ou em grau recursal nos tribunais, cuja avalia-
ção competirá expressamente ao relator (art. 932, VI, do CPC/2015).
Nos termos do art. 134, § 4º, do CPC/2015, no requerimento se deve demonstrar o
“preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da persona-
lidade jurídica”. Entendemos que essa previsão deve ser lida com prudência, no sentido
de que cabe, ao postulante, a alegação de circunstâncias que, de acordo com a lei, pode-
riam levar à desconsideração da personalidade jurídica, já que sua correta demonstração
pode ser feita por meio da produção de provas ao longo do incidente.
Instaurado o incidente, suspende-se o curso do processo principal nos termos do
art. 134, §3º, do CPC/2015.
A lei processual impõe que a instauração do incidente seja imediatamente comunica-
da ao distribuidor que procederá às anotações pertinentes (art. 134, § 1º, do CPC/2015),
em especial, a existência do incidente de desconsideração e as pessoas ali envolvidas.
Tal providência extrapola a mera finalidade de organização administrativa processual
e é de suma importância, sobretudo, para que terceiros tomem ciência de que pende in-
cidente e que há a possibilidade de desconsideração e consequente responsabilização
patrimonial do requerido,134 bem como a declaração da ineficácia da alienação e onera-
ção de bens (art. 137 do CPC/2015).

133. Por exemplo: STJ, REsp 1.545.817/SP, 4ª T., j. 19.04.2016, rel. Min. Raul Araújo, DJe
27.05.2016; STJ, REsp 1.412.997/SP, 4ª T., j. 08.09.2015, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 26.10.2015; STJ, AgRg na MC 24.127/SP, 4ª T., j. 07.05.2015, rel. Min. Marco Buzzi,
DJe 14.05.2015; STJ, AgRg no REsp 1.182.385/RS, 4ª T., j. 06.11.2014, rel. Min. Luís Felipe
Salomão, DJe 11.11.2014; e STJ, REsp 1.096.604/DF, 4ª T., j. 02.08.2012, rel. Min. Luís
Felipe Salomão, DJe 16.10.2012.
134. Cf Alexandre Freitas Câmara, “Essas anotações têm por fim permitir que terceiros, estranhos ao
processo, tomem conhecimento do fato de que está pendente o incidente, o que poderá levar
ao reconhecimento da responsabilidade patrimonial do requerido (seja ele sócio, no processo
em que a sociedade é demandada, seja a sociedade, no caso de desconsideração inversa).
Só assim se poderá viabilizar a incidência da regra extraída do art. 137, por força da qual as
alienações ou onerações de bens realizadas pelo requerido já poderão ser consideradas em
fraude de execução após a instauração do incidente. É que não se pode considerar fraudulento
o ato se seu beneficiário não tinha ao menos a capacidade de saber que o incidente estava
Intervenção de Terceiros 533

Sua instauração pode ser pleiteada pela parte interessada, ou pelo Ministério Públi-
co, nos casos em que lhe couber intervir no processo.
Feito o pedido de desconsideração é possível a rejeição liminar se lhe faltar aptidão
para o processamento da desconsideração, seja porque este apresenta defeitos ou irre-
gularidades, seja porque há manifesta ilegitimidade daqueles cujo patrimônio se bus-
ca (art. 134, § 4º, do CPC/2015), como, v.g., se for requerida a desconsideração para
responsabilizar pessoas que não compõe os quadros da sociedade. Nessas hipóteses,
deve o juiz determinar a emenda ou a complementação do requerimento (art. 321 do
CPC/2015). Se não cumprida a diligência, deve o requerimento ser rejeitado com a con-
sequente inadmissão do incidente por meio de decisão interlocutória, da qual caberá
recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC/2015). 135
Admitido o processamento do incidente, será determinada a citação do sócio para
se manifestar e requerer a produção das provas que entender pertinentes no prazo de
quinze dias (art. 135 do CPC/2015). Efetuada a citação, o sujeito, cujo patrimônio se
busca atingir, terá oportunidade para se defender de alegações de fraude, desvio patri-
monial etc., que, no entender do requerente deveriam levar à desconsideração da per-
sonalidade jurídica.
Cumpre-nos dizer, também, que, apesar de não existir previsão legal expressa a res-
peito, a não apresentação de defesa, produz efeitos equivalentes ao da revelia, sendo con-
siderados verdadeiros os fatos afirmados pelo requerente a respeito da desconsideração.136
É interessante notar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídi-
ca provoca verdadeira intervenção de terceiro no feito que, a partir do momento em que
for citado passa a ser parte no processo. Não por outra razão é que mereceu, a matéria,
regulamentação, no CPC/2015, entre os capítulos que compõem o título relativo à in-
tervenção de terceiros.
Nessa linha de raciocínio, vale dizer que os efeitos das decisões proferidas no inci-
dente somente podem alcançar o sócio ou a pessoa jurídica, respeitado o contraditório,
tal como deflui do sistema e vem expresso no art. 135 do CPC/2015. Assim, integram
ambos a relação processual.
Apresentadas as alegações do sócio, será feita a produção das provas necessárias.137
A princípio, o ônus da prova é atribuição de quem requereu a medida, mas nada im-

instaurado. Preserva-se, assim, um entendimento que já há muito consolidado, no sentido


de que só pode cogitar de fraude de execução se o adquirente do bem (ou o beneficiário da
oneração) tinha conhecimento da pendência do processo judicial contra o responsável.” (v.
O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 98).
135. De acordo com nossa posição, Alexandre Freitas Câmara diz que o magistrado deverá
fazer juízo de admissibilidade prévio à instauração do incidente (v. O novo processo civil
brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 97).
136. V. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015,
p. 211.
137. Cf. Cássio Scarpinella Bueno, “as razões de direito material que justificam a responsabiliza-
ção do sócio pela pessoa jurídica (e vice-versa, no caso da ‘desconsideração inversa’) sejam
534 Manual de Direito Processual Civil

pede que se proceda sua inversão ou dinamização, nos termos do art. 373, §1º, do
CPC/2015. 138
Produzidas as provas, o juiz resolverá o incidente por meio de decisão interlocutória
(art. 136 do CPC/2015), contra a qual será cabível o recurso de agravo de instrumento
(art. 1.015, IV, do CPC/2015). Se, todavia, o incidente tramitar no tribunal, a compe-
tência para apreciá-lo, como vimos, é do relator, cuja decisão será recorrível por agravo
interno (art. 136, parágrafo único, do CPC/2015).
É relevante notarmos a possibilidade do requerimento de tutela de urgência ou evi-
dência junto ao pedido de desconsideração, cujos pressupostos para a concessão da
medida deverão ser avaliados nesse contexto. Assim, para a tutela de urgência, deverá
o magistrado avaliar se são prováveis os fundamentos de direito, bem como se há perigo
de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC/2015), circunstâncias
que justificam negar concretamente os efeitos da personalidade jurídica. Do mesmo
modo, para a concessão da tutela de evidência, deverá avaliar se as hipóteses dos incisos
do art. 311 estão caracterizadas, como, v.g., no caso em que o requerente da medida fi-
zer prova documental suficiente da confusão patrimonial e contra essa o requerido não
oponha prova apta a gerar dúvida razoável (art. 311, IV, do CPC/2015 e art. 50 do CC).
No processo principal, embora este fique suspenso enquanto tramitar o inciden-
te (art. 134, § 3º, do CPC/2015), poderá ser requerida a tutela provisória de urgência,
já que atos dessa natureza podem ser realizados durante a suspensão do feito (art. 314
do CPC/2015).
Assim, como dissemos, o procedimento dos arts. 133 a 137 do CPC/2015 deve ser
necessariamente observado.

12.5.3. A desconsideração da personalidade jurídica requerida na petição inicial


Pode o autor, já na petição inicial, requerer a desconsideração, caso em que o su-
jeito cujo patrimônio se busca atingir será citado com os demais réus (art. 134, §2º, do
CPC/2015). Não há, nessa hipótese, intervenção de terceiros, mas, na verdade, a for-
mação inicial de litisconsórcio passivo.
Não será instaurado o incidente e não se suspende o processo, conforme a ressalva
que consta da parte final do §2º do art. 134 do CPC/2015. Um mesmo processo servirá,
portanto, para o julgamento do mérito da causa e para a resolução da questão concer-
nente à desconsideração da personalidade jurídica.
Como no incidente, os sócios têm o direito de defesa em 15 dias, oportunidade na
qual poderão desconstruir as teses apresentadas pelo autor, tentando, especialmente,

apuradas (e decididas) em amplo e prévio contraditório. Típico caso de transporte escorreito


das realidades materiais para dentro do processo.” (v. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 158).
138. V. André Roque, Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015, São Paulo: Méto-
do, 2015, p. 438 e Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às alterações do Novo CPC, São
Paulo: RT, 2015, p. 211.
Intervenção de Terceiros 535

demonstrar a inexistência dos pressupostos de Direito Material que justificariam a que-


bra excepcional da regra de separação patrimonial.
Em regra, a desconsideração será decidida juntamente com os pedidos principais
na sentença. No entanto, entendemos que, se a questão da desconsideração já puder
ser decidida antes, é recomendável que o seja, desde logo, resolvida por decisão inter-
locutória – recorrível por agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC/2015). Busca-
-se evitar, dessa forma, que o sócio ou os sócios tenha(m) de esperar toda tramitação
do feito para, só então, ver definida se tem (têm) ou não responsabilidade patrimonial
sobre a dívida da pessoa jurídica.

12.5.4. Procedimento para desconsideração da personalidade jurídica inversa


De acordo com o sugerido pela própria denominação, permite-se que se faça o ca-
minho inverso, desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir seus próprios
bens, estendendo-lhe a responsabilidade patrimonial que seria só dos sócios. No caso,
as mesmas razões teóricas e pressupostos legais da desconsideração da pessoa jurídica
servem de base para a desconsideração inversa. 139
O Direito Material brasileiro não previu expressamente tal hipótese, mas ela já era
admitida pela doutrina e pela jurisprudência. Nesse sentido, destacam-se decisões do
STJ admitindo o alcance do patrimônio da pessoa jurídica se observado que foi utiliza-
da de forma abusiva.140
Não há diferenças procedimentais em relação ao processamento da desconsidera-
ção da personalidade jurídica. À inversa são aplicadas as mesmas disposições (art. 133,
§ 2º, do CPC/2015).

12.5.5. Efeitos da decisão que desconsidera a personalidade jurídica


Desconsiderada a personalidade jurídica, ou seja, reconhecida a presença dos pres-
supostos legais que autorizam tal conclusão, a pessoa jurídica e a separação patrimonial
dela decorrente serão consideradas ineficazes para o caso.
Os atos de alienação ou oneração de bens praticados pelos sócios ou pela pessoa
jurídica serão caracterizados como fraude à execução e ineficazes para o requerente da
desconsideração, retroativamente ao momento em que foram citados para integrar o
feito (art. 792, § 3º, do CPC/2015). 141

139. v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito pro-
cessual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol. 1, 56. ed. ver., atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 398.
140. A exemplo, v.: STJ, AgRg no AREsp 792.920/MT, 3ª T., j. 04.02.2016, rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, DJe 11.02.2016; STJ, REsp 1.549.478/PR, 2ª T. j. 03.09.2015, rel. Min Herman
Benjamin, DJe 10.11.2015; STJ, REsp 1.236.916/RS, 3ª T., j. 22.10.2013, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 28.10.2013 e STJ, REsp 948.117/MS, 3ª T., j. 22.06.2010, rel. Min. Nancy An-
drighi, DJe 03.08.2010.
141. Cf. Luís Alberto Reichelt, A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo
código de processo civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor, Revista de
536 Manual de Direito Processual Civil

É relevante notarmos que não se trata de anulação das alienações ou onerações, elas
apenas não terão o condão de prejudicar o requerente, de modo que, ainda que os bens
permaneçam no patrimônio do terceiro adquirente, poderão ser atingidos pela execu-
ção forçada. Trata-se, assim, de nítido caso de responsabilidade patrimonial de sujeito
que não é devedor (art. 790, VII, do CPC/2015).
12.6. Amicus Curiae
12.6.1. Noções gerais sobre o amicus curiae
Embora a intervenção do amicus curiae, ou “amigo da corte”, não seja novidade no
direito brasileiro, o CPC/2015 foi o primeiro diploma legal a tratar expressamente e de
forma generalizada desta modalidade de intervenção de terceiros142. Dessa forma, dispõe
o art. 138 que: “O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade
do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se,
solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especia-
lizada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.”
Mesmo antes do CPC/2015, a figura amicus curiae já estava presente na legislação
esparsa. A título de exemplo, destaca-se a intervenção nas ações do controle concentra-
do de constitucionalidade, em especial no § 2º, art. 7º da Lei 9.868/99, que trata da ação
direta de inconstitucionalidade. Admitia-se também a intervenção do amicus curiae na
ação declaratória de constitucionalidade (art. 20, § 1º da Lei 9.868/99) e na arguição
de descumprimento de preceito fundamental (art. 6º, § 2º da Lei 9.882/99), sendo que
já se observava a relevância da matéria, sendo necessária a representatividade adequada.
Não estabelece, porém, a lei, a indicação exata daquele que deve figurar como amicus
curiae, estando ampliada a possibilidade a todos que, no caso concreto, tiverem condi-
ções de participar da formação da convicção do julgador ou do tribunal. 143

Direito do Consumidor, vol. 98, p. 249, Mar.2015: “Um dos grandes riscos à efetividade da
desconsideração da personalidade jurídica é o de esvaziamento do patrimônio dos bens do
sócio ou pessoa jurídica contra quem se pretende redirecionar o processo. Buscando coibir a
prática de condutas tendentes a esse indesejável resultado, dispôs o art. 137 que acolhido o
pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens, havia em fraude à execução,
será ineficaz em relação ao requerente. [...] Como se vê, criou-se dinâmica na qual o aco-
lhimento do pleito de desconsideração da personalidade jurídica produz efeitos de maneira
retroativa, de modo que a alienação de bens do sócio ou da pessoa jurídica em face da qual
se busca a responsabilização, quando realizada após a citação do réu que se pretende tenha
sua personalidade jurídica desconsiderada, não operará qualquer efeito perante o autor.”.
142. A resolução n. 390 de 2004 do Conselho da Justiça Federal fez referência expressa ao ami-
cus curiae, dispondo o art. 23, § 1º que: “As partes poderão apresentar memoriais e fazer
sustentação oral por dez minutos, prorrogáveis por até mais dez, a critério do presidente.
§ 1º O mesmo se permite a eventuais interessados, a entidades de classe, associações, orga-
nizações não-governamentais, etc., na função de “amicus curiae”, cabendo ao presidente
decidir sobre o tempo de sustentação oral.”
143. Nesse sentido, v. Fredie. Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 522.
Intervenção de Terceiros 537

Apesar da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constituciona-


lidade receber, hoje, mais destaque na doutrina e jurisprudência brasileiras, a primeira
aparição desta figura no Brasil se deu com a edição da Lei 6.616/78, que incluiu o art. 31
à Lei 6.385/76, o qual determinou a obrigatoriedade da intimação a Comissão de Va-
lores Mobiliários (CVM) para que apresente parecer ou esclarecimentos em processos
judiciais que tratem de temas afetos à sua competência144.
Na mesma linha, o art. 118 da Lei 12.529/11145 determinou que o Conselho Admi-
nistrativo de Defesa Econômica (CADE) deve ser intimado a se manifestar em todos os
processos em que se discuta a aplicação da referida lei. Ressaltamos, nesse particular,
que o dispositivo confere ao CADE a qualificação de assistente, o que não nos parece
ajustado, eis que o assistente, ainda que simples, passa a ter vinculação ao julgamento
do feito, que, como fato, afeta sua esfera jurídica. Inapropriado seria dizer, ademais, que
o CADE poderia vir a ser alcançado pela justiça da decisão, conforme previa o art. 55
do CPC/1973 e prevê o art. 123 do CPC/2015, que disciplina o atingimento do terceiro,
que ingressa no processo como assistente simples, pela fundamentação do “decisum”.
Descabe, assim, denominar-se o amicus curiae assistente simples. Se este o fosse teria
interesse na solução da lide ou na fundamentação da decisão judicial, por poder vir a
ser atingido na sua esfera jurídica, como fato, não juridicamente, o que no caso, não
ocorre. O amicus curiae, por sua vez, é convidado ao processo por seus conhecimentos
relativos aos fatos da demanda, notadamente em razão de sua competência técnica para
debater a questão em tela.146
Por essa razão, a Lei 9.469/97 estabelece a possibilidade da intervenção da União
em causas em que figurem como partes entidades da administração pública indireta,
em processos com os quais guarde interesse meramente econômico. Em tais casos, será
possível o esclarecimento de questões jurídicas ou fáticas, podendo inclusive, a União
apresentar documentos e memoriais. Concebe o dispositivo, além disso, que poderão
as entidades até mesmo recorrer da decisão, hipótese em que haverá deslocamento de
competência, por passarem elas a ser consideradas como partes do processo. Essa in-
tervenção não se pode classificar como assistência, na exata medida de o interesse ser
meramente econômico, como dissemos.
A despeito de a intervenção das entidades públicas guardar certa relação com a inter-
venção do amicus curiae, no tocante ao espectro de poderes atribuídos, certo é que disso
também não se trata. Isso porque o interesse que justifica a intervenção das entidades
é econômico, ao passo que aquele que permite o ingresso como amicus curiae é institu-

144. “Art. 31 – Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competên-
cia da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer
parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.”
145. Tal previsão já advinha da Lei 8.884/94, em seu art. 89.
146. O próprio Supremo Tribunal Federal já tratou por assistente simples aquele terceiro que é
admitido nos autos para promover a pluralização do debate e influenciar na construção da
decisão judicial, sem qualquer interesse jurídico direito ou indireto na lide a ser julgada.
É o caso, v.g., da Questão de Ordem no RE 550.769-6/RJ, j. 28.02.2008, rel. Min. Joaquim
Barbosa.
538 Manual de Direito Processual Civil

cional, ou seja, as entidades públicas podem ser afetadas economicamente pela decisão
do processo em que intervêm, tendo, portanto, interesse no julgamento do caso em si.
O amicus curiae, por outro lado, não pode ter sua esfera jurídica atingida sequer indire-
tamente, interessando a ele a formação da tese jurídica que será adotada pela decisão.
Além disso, a intervenção das entidades de que trata a lei 9.469/97, quando por
elas interposto recurso, leva à alteração de competência, eis que, como já observamos,
a partir da interposição passam a ser consideradas pela lei como partes do processo,
afastando-se ainda mais do amicus curiae, que é terceiro, mesmo após ser deferido seu
ingresso no feito. Aliás, a própria previsão de legitimidade recursal às entidades as afas-
ta da figura do amicus curiae, já que para esta não há tal previsão expressa (art. 138 do
CPC/15). A Lei 9.469/97 trata, em verdade, de modalidade anômala de ingresso de en-
tidade pública no processo. 147
O CPC/2015, como já observamos, é o primeiro diploma legal brasileiro que traz a
intervenção do amicus curiae no processo civil como um instituto, isto é, com campo de
aplicação a qualquer caso, independentemente da natureza da ação, deixando de estar
restrito apenas às hipóteses expressamente previstas pela legislação anterior ao CPC/15,
como naquelas em que se discute o direito de concorrência, as questões afetas à CVM
ou se exerce o controle de constitucionalidade, e outras hipóteses.
Os amici curiae são admitidos no processo para prestar informações ou esclareci-
mentos ao juízo singular ou colegiado, quando em discussão matéria relevante, que
transcenda o interesse particular dos litigantes, com o intuito claro de influenciar o jul-
gador na construção de sua decisão. A função dos amici curiae se pode relacionar tanto
aos fatos, quanto ao próprio embasamento jurídico de que se valerá o magistrado para
julgar a causa.
Sua intervenção se justifica por evidenciar valores sociais, enriquecendo o contra-
ditório, não bastando ao atingimento da decisão mais acertada que ouvir-se tão somen-
te as partes litigantes. Nessa exata medida, questões relevantes passam a ser dialogadas
com a sociedade e não apenas com as partes do processo, admitindo-se, para tanto, a
intervenção do amicus curiae. 148-149
Sua intervenção, além disso, pode ocorrer em qualquer processo, independentemen-
te do rito processual ou mesmo da fase em que se encontra o feito, desde que ainda seja

147. Em igual sentido: Fredie. Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 532.
148. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae e a Evolução do Direito Processual Civil Brasileiro
in Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; Teresa Arruda Alvim Wambier (organizadores). O
Processo em Perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. 1ª Ed. São Paulo: RT,
2013, p. 128.
149. Carlos Del Prá, também nesse sentido, destaca a necessidade de que se supere a limitação
em qualquer julgamento, que é a impossibilidade de que o julgador absorva todas as variadas
concepções existentes acerca da matéria a ser julgada, de modo que o amicus curiae vem,
realmente, a contribuir com a construção da decisão judicial mais afinada com a realidade
social. (O princípio do Máximo Rendimento: amicus curiae e audiências públicas in Revista
de Processo. Vol. 224, São Paulo: RT, out/2013, p. 77).
Intervenção de Terceiros 539

útil ao juízo a contribuição que puder prestar o amicus curiae, esbarrando somente na
limitação lógica para o momento de intervenção. Este é o da prolação da decisão, já que
sendo o amicus curiae, efetivamente, aquele que busca influenciar a formação da deci-
são, após esta, perde sentido a sua intervenção. É, aliás, o que já vinha sendo entendido
pelo Supremo Tribunal Federal,150 no sentido de que só se admite o ingresso de amicus
curiae até o momento em que o relator do processo o encaminha à mesa de julgamento.
Tal entendimento, parece-nos, deverá ser seguido pelos demais tribunais e juízos singu-
lares, já que seria inócuo o deferimento de intervenção posterior à prolação da decisão.
Diante disso, proferida a sentença, só poderá haver ingresso de amicus curiae após
deferimento, pelo relator, do recurso de apelação eventualmente interposto pela parte
sucumbente e, de igual modo, remetidos os autos à mesa de julgamento do tribunal lo-
cal, isto é, quando já houver sido proferido o voto do relator, só poderá haver ingres-
so de amicus curiae perante os tribunais superiores, caso haja interposição de recursos
excepcionais.
Ressalva devemos fazer, contudo, com relação à possibilidade de oposição de embar-
gos de declaração contra a sentença ou acórdão (cf. arts. 1.022 e seguintes do CPC/15),
ou interposição de agravo interno, em caso de julgamento monocrático pelo relator
(art. 1.021 do CPC/15). Em casos tais, já teria sido proferida a decisão, mas restariam
questões a serem corrigidas, seja em razão da omissão, da contradição ou da obscuridade.
Não devemos descartar, de plano, a possibilidade de ingresso do amicus curiae nes-
se momento processual, em que pendem de julgamento os embargos de declaração ou
o agravo interno, já que decisão deverá ser proferida, em complemento à primeira, de
tal forma que no caso concreto será possível verificar a necessidade de que se prestem
informações fáticas ou se defenda tese de interesse do terceiro.
Além disso, quando se tratar de julgamento colegiado, será possível a admissão de
amicus curiae quando houver pedido de vista por algum dos demais julgadores, já que
nesse caso o processo é retirado de pauta, sendo remetido novamente à mesa julgadora
após a análise do juiz (nos casos de colégios recursais dos juizados especiais) desem-
bargador ou ministro que tenha pedido vista dos autos.

12.6.2. Quem pode ser amicus curiae


O amicus curiae, diz o art. 138, caput do CPC/15, será pessoa natural, jurídica, órgão
ou entidade especializada, que tenha interesse na formulação da tese jurídica que se for-
mará no processo, exigindo a lei que tenha representatividade adequada.
Nesse tocante, vale dizer, não é de representação ou substituição processual que cuida
a norma do art. 138 do CPC/15. A representatividade adequada diz respeito à capacidade
objetiva do terceiro em contribuir com o julgador na solução do conflito. As pessoas na-
turais, para que ingressem no processo como amicus curiae, devem manter relação com

150. Nesse sentido, v. RE 677.730/RS, j. 28.08.14, rel. Min. Gilmar Mendes, ao argumento de
que quando da liberação dos autos para inclusão em pauta de julgamento, a decisão já está
formada para o relator, perdendo relevância a intervenção do amicus curiae.
540 Manual de Direito Processual Civil

a questão debatida no processo, seja quanto aos fatos sobre os quais devem incidir as
normas, seja quanto à própria tese jurídica que se formará. É o caso, pois, do interesse
manifestado por renomado professor de biologia, especializado na fauna de certa loca-
lidade, quando em causa ação indenizatória movida contra certa sociedade empresária
a quem se reputa a responsabilidade pela morte de animais da localidade. Em tal hipó-
tese, parece ser de grande utilidade ao magistrado a admissão no processo do referido
professor, pois este poderá trazer esclarecimentos respeitantes à matéria controvertida.
Por outro lado, a hipótese de ingresso de pessoa jurídica em demanda alheia na
qualidade de amicus curiae torna imperativa a existência de pertinência temática entre
o interesse institucional da pessoa jurídica e a causa de pedir presente no processo, sem,
todavia, dizer respeito a direito propriamente seu, direto ou indireto. Isto é, a relação
deve ser com os objetivos institucionais da pessoa jurídica, e não com os direitos dela
própria,151 de tal forma que o julgamento não deve afetar as relações jurídicas do tercei-
ro direta ou indiretamente.
O amicus curiae, então, não tem interesse particular na lide, não busca que autor ou
réu sagrem-se vitoriosos, sendo ele imparcial (a ponto de se aplicar até mesmo regras
de suspeição e impedimento, previstas nos arts. 144 e seguintes do CPC/15).152 Busca,
o amicus curiae, apenas que a decisão se amolde àquilo que entende correto, com base
nos fins institucionais a que se dedica. Sua relação, portanto, é unicamente com a tese
jurídica, e não com a parte.
Atentemos, nesse particular, que se houver interesse jurídico próprio do terceiro, em
razão da influência da solução da lide na relação jurídica mantida entre ele e a parte que
assiste, eis que o resultado da demanda o atingirá faticamente e na sua esfera jurídica,
será impossível o deferimento de intervenção como amicus curiae. É dizer: em tais cir-
cunstâncias o terceiro terá interesse próprio em que autor ou réu saiam vitoriosos. Em
casos tais, por haver interesse jurídico do terceiro, deverá ele ingressar no feito na qua-
lidade de assistente simples.153
Questão que se põe, então, é se entes despersonalizados, como a massa falida, o es-
pólio ou o condomínio, apenas para citar alguns exemplos, a quem a lei confere capa-
cidade para estar em juízo (cf. art. 75 do CPC/15), podem ingressar em determinado
processo na qualidade de amicus curiae.
Parece-nos, que demonstrada na prática a existência de representatividade adequada,
por parte de ente despersonalizado, é possível sua admissão como amicus curiae, inexis-
tindo razão jurídica a se descartar, de plano, sua possível intervenção.

151. Nesse sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um
terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 147.
152. A esse respeito, cf. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro:
um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 534.
153. Sobre isso, também Antonio do Passo Cabral, Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus
curiae, um terceiro especial. Uma análise dos institutos interventivos similares – o amicus
e o vertreter des öffentflichen interesses. In. Revista de Processo. Vol. 117, São Paulo: RT,
set/2004, p. 15/16.
Intervenção de Terceiros 541

Verificamos, além disso, que sendo a intervenção do terceiro provocada pelas partes
ou solicitada pelo magistrado, não estará o terceiro obrigado a ingressar no feito como
amicus curiae, porquanto impõe a lei a cooperação de terceiros apenas em ocasiões pon-
tuais (cf. arts. 378 e 380 do CPC/2015), como no caso das testemunhas, além de ser
claro o caput do art. 138 do CPC/15 ao estabelecer que o juiz solicitará informações, e
não determinará que sejam prestadas. 154 Cabe ao terceiro que se vê chamado a processo
alheio, a fim de atuar como amicus curiae, analisar a viabilidade de seu ingresso, fazen-
do-o de acordo com a sua livre vontade.
Ingressando o terceiro no processo como amicus curiae, dispõe o § 1º do art. 138 do
CPC/15 que não haverá alteração de competência em razão da pessoa do amicus curiae,
de tal modo que mesmo passando, por exemplo, a Agência Nacional de Telecomunica-
ções (ANATEL) a atuar como amicus curiae em processo que se encontra pendente de
julgamento perante a Justiça Estadual, não haverá remessa dos autos à Justiça Federal,
a quem compete julgar ações em que seja autora, ré, assistente ou oponente autarquia fe-
deral em questão, na forma do art. 109, inciso I da Constituição Federal, o que se justi-
fica, pelo fato do amicus curiae não se enquadrar em qualquer dessas hipóteses.

12.6.3. Natureza jurídica do amicus curiae


A análise do instituto dos amici curiae torna imprescindível a compreensão de sua
natureza jurídica.
O amicus curiae é terceiro, estranho à lide em que pretende ingressar, ou lhe for so-
licitado o ingresso, para o fim de colaborar com o juízo (singular ou colegiado) na for-
mação de sua convicção. Sua atuação se pode relacionar ao esclarecimento de fatos ou
mesmo ao emprego de fundamentos que tenham aptidão de influenciar o convenci-
mento do julgador.
Amicus curiae, portanto, não é parte, 155 já que seu conceito – de índole eminente-
mente processual – restringe-se àquele que pede tutela jurisdicional do Estado e aquele
contra quem a tutela é requerida,156 e que vem a integrar o processo por direito próprio,
via de regra. O amicus curiae não pleiteia a tutela jurisdicional e nem a tem contra ele
requerida, atuando tão somente no esclarecimento de fatos e na defesa de tese que lhe
seja relevante em razão de seus fins institucionais.
O amicus curiae, portanto, é terceiro que ingressa no processo alheio com o intuito
de prestar informações fáticas ou jurídicas ao julgador, a fim de influenciar (sem dar

154. Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al. (coor-
denadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015,
p. 444/445. V. também: Fábio Caldas de Araújo, Intervenção de Terceiros, São Paulo: Editores
Malheiros, 2015, p. 222.
155. Em sentido contrário, revendo o posicionamento adotado nas edições anteriores de sua
obra, passando a afirmar que o amicus curiae será parte no processo, Fredie Didier Jr., Curso
de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 524.
156. Já nos debruçamos sobre o conceito de parte, cf. nosso Manual de Direito Processual Civil.
14ª Ed. São Paulo: RT, 2011, p. 547.
542 Manual de Direito Processual Civil

ao termo qualquer carga pejorativa, é claro) seu julgamento. Tal interesse, como já se
expôs, não é próprio – direto ou indireto – como os demais terceiros a quem a lei pro-
cessual confere a prerrogativa de ingressar em processo de outrem, mas institucional,
ligando-se apenas à tese jurídica que se formará no processo, e não aos efeitos práticos
da decisão, os quais atingem as partes.

12.6.4. Requisitos para a admissão do amicus curiae


O art. 138 do CPC/15 estabelece que poderá ser admitida esta modalidade de in-
tervenção de terceiros em determinado processo quando houver relevância da matéria,
especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia.
Desde já convém notar que o emprego da locução “ou” revela a alternatividade dos
requisitos, bastando ao seu deferimento que apenas um deles esteja presente.
A relevância da matéria e a repercussão social da demanda caracterizam, juntas, a
transcendência do debate, superando o interesse exclusivo daqueles que litigam no pro-
cesso. A relevância da matéria se refere à possibilidade de que determinada causa posta
a julgamento trate de questão acentuadamente importante à ordem jurídica,157 impon-
do, na prática, que outros elementos de fato ou de direito sejam levados aos autos para
análise do julgador. Assim, mesmo que a tese firmada na decisão proferida não tenha
aptidão para ser aplicada desde logo a outras demandas, a importância de seu objeto
tornaria relevante a intervenção do amicus curiae, como se pode verificar, v.g, no con-
trole de constitucionalidade.
Ao lado da relevância da matéria, está a repercussão social da decisão, que se relaciona
à amplitude de sua aplicação, como se dá nos julgamentos de casos repetitivos (inciden-
te de resolução de demandas repetitivas ou recursos especial e extraordinário repetiti-
vos, cf. art. 928 do CPC/15). Nestes casos, ter-se-á na decisão proferida a produção de
efeitos que certamente superam os interesses das partes do processo em que é prolatada.
Há, por sua vez, o requisito da especificidade do tema de que trata a demanda, que
revela a impossibilidade do magistrado dominar absolutamente todas as matérias que
possam interferir na resolução da lide. Tratam-se, então, das hipóteses em que conhe-
cimentos específicos são imprescindíveis ao deslinde da controvérsia.
Os requisitos elegidos pelo art. 138, caput do CPC/15 não são, como dissemos, cumu-
lativos, mas sim alternativos, de modo que presentes quaisquer deles, será possível a in-
tervenção do amicus curiae, que será provocada ou voluntária.
Dessa forma, é possível que o terceiro que tenha interesse em participar do proces-
so na qualidade de amicus curiae, requeira seu ingresso. De outro lado, as próprias par-
tes do processo podem vir a requerer a intervenção do amigo da corte ao juiz da causa
(ou ao relator), que poderá também, mesmo de ofício, determinar seu ingresso no feito,
certamente quando vislumbrar a necessidade de informações outras que não aquelas

157. V. Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al.
(coordenadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT,
2015, p. 441.
Intervenção de Terceiros 543

já presentes nos autos para a formação de sua convicção. De todo modo, é imprescin-
dível, em qualquer caso, que se oportunize às partes manifestarem-se sobre o ingresso.
Salientemos que quando requerido o ingresso pelo terceiro ou pelas próprias par-
tes, a literalidade do art. 138, caput do CPC/15 aponta para a conclusão de que não fica
o julgador vinculado ao seu deferimento, eis que é claro ao estabelecer que o juiz pode-
rá solicitar ou admitir o ingresso do amicus curiae.
Questionamos, todavia, se realmente se trata de facultatividade concedida ao julgador.
Muito embora o amicus curiae tenha a função de conceder melhores subsídios para a for-
mação da convicção quanto aos fatos e fundamentos presentes na demanda judicial, im-
pondo, a princípio, a conclusão de que só poderia intervir se o magistrado efetivamente
tivesse necessidade de esclarecimentos, certo é que sobre o juiz recai o dever de proferir
a melhor decisão possível, ou seja, deve buscar a decisão que melhor se amolde ao direi-
to. Se a intervenção do amicus curiae torna mais completo o contraditório, mais efetivo, é
possível dizermos que é dever do magistrado admiti-lo, como forma de guiar o julgamento
à justa conclusão, caso se faça presente algum dos requisitos objetivos em perspectiva, e
não haja relevante motivo, em sentido contrário, a justificar sua não admissão no processo.
Para que haja o indeferimento do pedido de ingresso do amicus curiae (por reque-
rimento deste terceiro ou das próprias partes), é necessário que o juízo indique o não
preenchimento dos requisitos elencados pelo art. 138 do CPC/15 (relevância da maté-
ria, repercussão social ou especificidade da matéria), ou a ausência de representativi-
dade adequada.

12.6.5. A (ir)recorribilidade da decisão que admite ou inadmite o ingresso do


amicus curiae
Caso esteja presente no processo algum dos requisitos indicados em tópico próprio,
poderá o julgador deferir o ingresso do terceiro. Essa decisão será irrecorrível, conforme
prevê expressamente o caput do art. 138 do CPC/15.
Razão há para a vedação à interposição de recurso contra a decisão que solicita o in-
gresso do amicus curiae, já que, ordinariamente, seu ingresso em determinado processo
o foi após exame do preenchimento dos requisitos ensejadores da intervenção, não ten-
do o condão de causar às partes qualquer tipo de dano, eis que a permissão de sua atu-
ação será restrita aos poderes conferidos pelo magistrado. Além disso, o amicus curiae
não busca o sucesso ou insucesso das partes. O que busca o amicus curiae é enriquecer
o contraditório, defendendo tese que se reputa relevante aos seus fins. A admissão ou
não do amicus curiae sequer será devolvida ao tribunal competente para julgar recurso
interposto contra a sentença, já que a expressa vedação à recorribilidade contempla ex-
ceção ao art. 1.009, § 1º do CPC/15.
Em determinados casos, todavia, é possível verificarmos hipóteses em que o ingres-
so de amicus curiae cause dano às partes do processo, como na hipótese de haver multi-
plicidade desarrazoada de terceiros que pretendam ingressar no feito, a fim de defender
teses ou esclarecer fatos. Em casos tais, certamente haverá prolongamento da tramita-
ção da demanda, já que será preciso que o julgador se pronuncie sobre os fundamentos
trazidos pelos amici curiae, a teor do que dispõe o art. 489, § 1º, inciso IV do CPC/15.
544 Manual de Direito Processual Civil

Em hipóteses como esta apresentada, será necessário ponderar o benefício do ingres-


so do amicus curiae – que privilegia o contraditório, de origem constitucional – com os
prejuízos dele decorrentes – como a violação à duração razoável do processo e à econo-
mia processual, também com previsão na Constituição Federal – tendo-se sempre em
conta que a razoável duração do processo não se amolda apenas à rápida tramitação dos
processos, devendo sempre considerar a imperiosa qualidade da decisão.158
Nestes casos, concluímos que o pronunciamento judicial que defere o ingresso de
amicus curiae pode vir a causar dano às partes, embora não seja regra geral. Ainda que
se trate de exceção, é imperioso reconhecer a necessidade de ser recorrível tal decisão
interlocutória.
Sendo vedada a interposição de recurso contra tal decisão (mesmo em apelação ou
em suas respectivas contrarrazões), somada à taxatividade relativa ao cabimento de re-
cursos, parece-nos acertado dizer, a princípio, que será caso de impetração de mandado
de segurança (demonstrados os requisitos autorizadores) contra a decisão que admite o
ingresso de terceiro no processo, na qualidade de amicus curiae, caso tal admissão cau-
se dano a uma ou a ambas as partes da demanda, cabendo ao tribunal competente para
julgar o mandado de segurança realizar a ponderação entre o contraditório (efetivo), e
a duração razoável do processo e economia processual, por exemplo.
De outro lado, o CPC/15 silencia quanto à recorribilidade da decisão que indefere o
ingresso de terceiro como amicus curiae, já que trata de forma expressa apenas do defe-
rimento da intervenção, fazendo incidir, portanto, o art. 1.015, inciso IX, o qual prevê
a admissibilidade de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que admite
ou inadmite a intervenção de terceiros no processo civil, que se aplica ao amicus curiae
por estar previsto no título que trata das modalidades de intervenção. 159-160
Assim, apenas a admissão do ingresso de amicus curiae excetua a regra do art. 1.015,
inciso IX do CPC/15, mantendo-se incólume com relação ao indeferimento do pedido.
Além disso, se a inadmissão decorrer de pronunciamento do relator, caberá agravo in-
terno, na forma do art. 1.021 do CPC/15.
Importante que destaquemos que razão não haveria à irrecorribilidade do pronun-
ciamento jurisdicional que inadmite o ingresso de amicus curiae em processo alheio,
pois o intuito do art. 138 do CPC/15 é justamente permitir a ampliação do debate rela-
tivo a temas de relevância ímpar, com vistas à mais justa decisão. Por essa razão, mos-

158. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae e a Evolução do Direito Processual Civil Brasileiro in
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes;Teresa Arruda Alvim Wambier (organizadores). O Processo
em Perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. 1. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 129.
159. Entendendo pela inaplicabilidade do dispositivo: Eduardo Talamini, Comentários ao artigo
138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al. (coordenadores). Breves Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 444.
160. Entendendo também pela recorribilidade da decisão que indefere o ingresso de amicus
curiae, ainda que sob a ótica da Lei 9.868/99 e antes da aprovação do texto do CPC/15:
Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, O princípio do Máximo Rendimento: amicus curiae e
audiências públicas in Revista de Processo. Vol. 224, São Paulo: RT, out/2013, p. 77.
Intervenção de Terceiros 545

tra-se incompatível com o sentido da norma aplicar extensivamente a irrecorribilidade


prevista para a admissão de ingresso do terceiro à sua inadmissão.
Portanto, da decisão que admite o ingresso de amicus curiae no processo não caberá re-
curso, aplicando-se à inadmissão o art. 1.015, inciso IX do CPC/15, em caso de julgamento
por juízo singular, ou o art. 1.021, em caso de julgamento por relator, ressalvando-se des-
de logo a possibilidade, no caso concreto, de se verificar a existência de dano pela admis-
são de amicus curiae, hipótese em que será possível o manejo de mandado de segurança.

12.6.6. Poderes do amicus curiae


O art. 138, § 2º do CPC/15 deixou ao julgador deferir o ingresso do amicus curiae no
processo (a pedido da parte ou de ofício), e a fixação exata dos poderes que lhe cabem.
Ressalvou apenas, no § 1º, que o amicus curiae não tem legitimidade recursal ampla,
restringindo-se apenas aos embargos de declaração.161 Tal regra apenas não se aplica,
vale destacar, aos amici curiae que vierem a intervir em incidentes de resolução de de-
mandas repetitivas (art. 138, § 3º, CPC/2015),.
Portanto, poderá o magistrado atribuir ao amicus curiae tão somente a faculdade de
opor embargos de declaração, justificada pela sua própria natureza integrativa,162 sendo
cabíveis recursos outros apenas nas hipóteses dos chamados casos repetitivos.
De outro lado, mostra-se como limite aos poderes do amicus curiae a possibilidade
de se manifestar sobre fato ou tese jurídica no prazo de 15 (quinze) dias de sua intima-
ção, devendo a manifestação versar sobre a matéria que afeta o interesse institucional
do amicus curiae. Admitir, por exemplo, que o amicus curiae se debruce sobre questões
diversas aproximaria seus poderes aos das partes, afastando-se da finalidade do institu-
to, que é ampliar o contraditório no tocante às questões relevantes.
Não poderá o juiz ou relator, portanto, conferir ao amicus curiae prerrogativa menor
do que a manifestação em 15 (quinze) dias, se contar da intimação, e maior do que a opo-
sição de embargos de declaração (ressalvados os casos repetitivos), sendo a ele permitido
autorizar a sustentação oral pelo terceiro ou mesmo a produção de provas, tudo em con-
formidade com os fins institucionais a que se dedica o que pretende ser amicus curiae.
De modo geral, é preciso que os poderes conferidos ao amicus curiae sejam direta-
mente ligados à defesa de sua manifestação sobre os fatos e sobre a tese jurídica, sob
pena de torna-la inócua do ponto de vista de que se não for dada a ele a possibilidade de
debater amplamente a questão que transcende o interesse das partes, pouca relevância
terá sua intervenção. 163

161. A disposição acolheu, em parte, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de


que o amicus curiae não tem legitimidade para interpor recurso, por ter função de “subsidiar o
órgão julgador com esclarecimentos de ordem técnica” (ADI 4.277/DF, j. 05.11.14, rel. Min.
Luiz Fux). No mesmo sentido, ADI 3.615-7/PB – ED, j. 17.03.08, rel. Min. Cármen Lúcia.
162. Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al. (coorde-
nadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 445.
163. A esse respeito, cf. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro:
um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 557.
546 Manual de Direito Processual Civil

12.6.7. O amicus curiae e os julgamentos de casos repetitivos


O CPC/15, ao tratar da vinculatividade de certos pronunciamentos judiciais, do
incidente de resolução de demandas repetitivas e dos recursos especial e extraordiná-
rio repetitivos, previu a possibilidade de realização de audiências públicas e a admis-
são de terceiros que possam apresentar memoriais e mesmo realizar sustentação oral
por ocasião da sessão de julgamento, buscando, com isso, influenciar no processo de
construção da decisão judicial. Embora com previsão específica, trata-se de interven-
ção de amicus curiae.
Os arts. 983 e 984, inciso II, alínea b, estão inseridos no contexto do incidente de
resolução de demandas repetitivas, estabelecendo o primeiro que o relator deverá ouvir
não apenas as partes do caso-piloto, mas também os terceiros que possam ter interesse
na fixação da tese jurídica, permitindo-se a eles que se manifestem por escrito, no pra-
zo de 15 dias, ou mesmo em sustentação oral, pelo prazo de 30 minutos (dividido entre
todos os terceiros que atuem no feito), mediante inscrição com antecedência mínima
de 2 dias, perante o órgão julgador quando da sessão de julgamento. 164
Também o art. 1.038, inciso I do CPC/15, ao tratar do julgamento de recursos excep-
cionais repetitivos, prevê expressamente a intervenção de terceiro interessado – dentre
os quais se inclui o amicus curiae – quando houver relevância da matéria e de acordo
com o regimento interno do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justi-
ça. Parece-nos, convém desde logo destacar, que a despeito do dispositivo tratar apenas
da relevância da matéria e da previsão no regimento interno das cortes superiores, são
plenamente aplicáveis os requisitos alternativos do art. 138 do CPC/15.
O art. 927, §2º do CPC/15, ao tratar da alteração de tese que tenha, pela nova siste-
mática, efeito vinculante em relação aos demais órgãos judiciários, faculta a admissão de
terceiros no processo – clara hipótese de amicus curiae – bem como oportuniza a realiza-
ção de audiências públicas,165 em que também se manifestam verdadeiros amici curiae. 166
Em todos os casos, o objetivo do CPC/15 é justamente ampliar o debate, prevendo
normas especiais que reforçam a necessidade de intervenção de amici curiae no proces-

164. A legitimidade do amicus curiae para realizar sustentação oral já havia sido reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das Questões de Ordem na ADI 2.675/PE
(rel. Min. Carlos Velloso) e na ADI 2.777/SP (rel. Min. Cezar Peluso), julgadas em 27.11.2003
(cf. Mendes, Gilmar Ferreira. Controle Abstrato de Constitucionalidade: comentários à Lei
9.868/99. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 241/242.
165. Tratando da importância da audiência pública no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade, indicando que em tal ato é oportunizado aos terceiros que prestem
esclarecimentos ao órgão judiciário, v. Anna Candida da Cunha Ferraz; Fernanda Dias
Menezes de Almeida. O Constitucionalismo Contemporâneo na Recente Jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal In Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 71.
São Paulo: RT, jun/2010, p. 22/23 e Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. Vol. 7,
São Paulo: RT, ago/2015, p. 331/332.
166. No mesmo sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Novo Código de Processo Civil Anotado. 1ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 573.
Intervenção de Terceiros 547

so, concedendo à decisão a maior legitimidade democrática possível, possibilitada pela


ampliação do contraditório e, pois, pelo diálogo com a sociedade.
Justificável a especial atenção dada pelo CPC/15 ao instituto do amicus curiae nos
casos repetitivos e na formação de pronunciamentos que tenham efeitos vinculantes.
No IRDR e nos recursos repetitivos, são firmadas as teses jurídicas que serão aplicadas a
casos pendentes e futuros, na forma do art. 927, inciso III do CPC/15, o que desde logo
impõe a conclusão de que haverá, sempre, repercussão social da matéria a ser julgada,
tornando imprescindível o debate da questão com a sociedade, dando à decisão (e bem
por isso, à própria tese adotada) legitimidade democrática. 167
Além disso, a modificação do entendimento do Judiciário também necessita de es-
pecial atenção no tocante à amplitude de debate, porquanto ao se fixarem como vincu-
lantes certos pronunciamentos judiciais, passam eles a ser pautas de conduta da socie-
dade, isto é, passam os indivíduos a guiar seus atos pelo posicionamento do Judiciário.
Por ter, o pronunciamento, grande reflexo social (cumprindo o requisito de repercus-
são social da decisão, previsto pelo art. 138 do CPC/15), também quando da sua altera-
ção, é imperioso que sejam ouvidas pessoas que tenham condições de contribuir para
a construção da nova decisão, rediscutindo a matéria.
Nas três hipóteses, em que pese ter o CPC/15 tratado da possibilidade de inter-
venção de amicus curiae, parece-nos caso de aplicar a mesma regra já indicada por
ocasião da análise da intervenção prevista genericamente no art. 138: trata-se de
poder-dever do julgador a admissão ou solicitação de intervenção do amicus curiae,
porquanto a pluralização do debate propicia a decisão mais legítima, mais afina-
da com o direito e, pois, com a sociedade, asseverando-se a questão pelo fato de se
tratarem de pronunciamentos com efeitos vinculantes a outros órgãos judiciários.
Com isso, deverá ser sempre deferida a intervenção de amicus curiae no julgamen-
to de casos repetitivos e na alteração dos pronunciamentos judiciais vinculantes,
sempre que demonstrada a representatividade adequada, já que a repercussão social
da decisão é incontestável.

12.6.8. Amicus curiae e a coisa julgada


O amicus curiae não integra a lide. Seus poderes são limitados pelo órgão ju-
risdicional e o interesse autorizador de seu ingresso nos autos é institucional, não
sendo próprio dele. Com isso, embora amplie a discussão sobre a matéria, o amicus
curiae não participa com integralidade do processo, limitando-se à medida de sua
autorização.
Tal terceiro não se relaciona, portanto, com o elemento objetivo da lide, logo com
a coisa julgada, porquanto a ele interessa tão somente a tese jurídica, e não o objeto da

167. Também entendendo pela necessidade de ampliação do debate no julgamento de IRDR


(aplicável, por certo, aos recursos excepcionais repetitivos): Eduardo Cambi; Mateus Vargas
Fogaça, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no Novo Código de Processo Civil
in Revista de Processo. Vol. 243. São Paulo: RT, mai/2015, p. 344.
548 Manual de Direito Processual Civil

demanda. De igual modo, não está ele inserido no elemento subjetivo da decisão judi-
cial, portanto, da coisa julgada, justamente por não ser parte.
Assim, o amicus curiae se encontra enquadrado no conceito de terceiros a que alude
o art. 506 do CPC/15, a ele não dizendo respeito a coisa julgada.168

168. Nesse sentido: Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Wambier, Teresa Arruda
Alvim, et al. (coordenadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São
Paulo: RT, 2015, p. 445.
13
Atos processuais

13.1. Atos jurídicos e atos processuais


Fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o Direito,1 mesmo que
seja fato ilícito.
Há dois significados de relevância para o Direito: 1º) num primeiro e usual signi-
ficado, relevante é o fato (lícito ou ilícito) ao qual o Direito liga consequências jurídi-
cas; 2º) num outro sentido, cronológica e antecedente ao anterior, e para o legislador,
principalmente, nenhum fato é irrelevante, na medida em que, ao editar a lei, conside-
ram-se todos os fatos, emprestando-se a alguns consequências jurídicas e a outros não.
Neste segundo significado, nada é irrelevante para o legislador, enquanto, nesse
momento pré-jurídico, considera-se a totalidade dos fatos da realidade social, para, su-
cessivamente, discriminar aqueles aos quais se seguem consequências jurídicas e aos
quais estas não se seguem.
Os fatos jurídicos que produzem ou podem produzir efeitos no processo (fatos ju-
rídicos processuais em sentido amplo) podem ser classificados sob dois prismas dis-
tintos: 1º) aqueles que dependem da vontade humana, chamados de atos processuais,
que podem ser unilaterais ou bilaterais, sendo, nesse último caso, chamados de negó-
cios jurídicos processuais; 2º) os que independem da vontade humana (fato processu-
al, v.g., a morte do litigante ou do seu procurador, art. 313, I, e o caso do art. 313, VI,
ambos do CPC/2015).
O que interessa, porém, é procurar estudar o ato processual, e quem diz ato, ne-
cessariamente, liga-o à vontade humana. Sem vontade humana e, pois, sem anterior
consciência e sucessiva volição, não se pode dizer que, juridicamente, haja a prática
de um ato. O ato jurídico e, assim, o ato processual, é normalmente a exteriorização
de uma vontade. Esta vontade tem como pressuposto, e é decorrente de que só os
maiores e capazes podem ter volição no processo e, como regra, são os que podem
estar em juízo (art. 70 do CPC/2015). Os incapazes hão de ser representados ou as-
sistidos, na forma da lei civil (art. 71 do CPC/2015). A esse passo, à semelhança do
que previa o CPC/1973, o CPC/2015 se reporta à lei civil, assumindo-lhe os concei-

1. V. nosso Curso... cit., vol. I, n. 94, p. 427.


550 Manual de Direito Processual Civil

tos básicos.2 Representantes, de um lado, e assistentes e assistidos, de outro, nessas


condições diferenciados, poderão praticar atos processuais.
Importante o destaque de que, em razão da Lei 13.146 de 06 de julho de 2015 (que
instituiu o Estatuto da Pessoa Com Deficiência), os deficientes mentais e intelectuais
ganharam um regramento jurídico próprio, passando a serem considerados capazes para
a prática dos atos civis, tais como para o casamento, a constituição de união estável, a
adoção, guarda e outros (art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência).3 Excepcional-
mente, no entanto, poderão ser submetidos à curatela, que afetará somente os atos de na-
tureza patrimonial e negocial,4-5 sendo proporcional às necessidades e às circunstâncias
de cada caso, devendo perdurar pelo menor tempo possível (art. 84, § 3º do Estatuto da
Pessoa com Deficiência). Diante disso, a prática dos atos processuais por parte dos que
se encontrem nestas circunstâncias deverá seguir o previsto na legislação civil especial,
devendo ser observados os termos fixados na decisão judicial que definiu a curatela.
Em edições passadas, sustentávamos que, para um ato ser considerado processual,
ele necessariamente deveria ser praticado no processo, ou trazido a este. Contudo, alte-
ramos nosso posicionamento no sentido de que podem ser praticados atos processu-
ais fora do processo, não deixando de ser um ato processual aquele praticado fora do
processo e a ele não levado. Aqui convém esclarecer que entendemos que levar o ato ao
processo é apenas uma condição para que tal ato tenha eficácia na relação jurídica pro-
cessual, assim, por exemplo, existindo cláusula de eleição de foro, se o réu não levá-la
ao Judiciário, em preliminar de contestação, a competência do juízo relativamente in-
competente será prorrogada, conforme determina o art. 65, caput, do CPC/2015. Todo
e qualquer ato relativo ao processo, mas materialmente elaborado antes de seu início ou
fora dele, somente produzirá efeitos, precisamente, quando for constituído o processo
e a ele levado. É neste sentido que se há de ler o art. 200, caput, do CPC/2015, que prevê
que “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade
produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos proces-
suais”. Esse dispositivo há de ser interpretado como significando que os atos produzem
imediatamente efeitos processuais, desde que trazidos ao processo, e não a partir das
manifestações unilaterais, ou mesmo bilaterais (negócios jurídicos processuais), antes
de levadas ao juiz. Na mesma linha que o citado art. 64, confirma esse entendimento
o art. 337, § 6º, do CPC/2015, segundo o qual “a ausência de alegação da existência de

2. O Código Civil de 2002 dispõe que “a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos,
quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (art. 5º, caput).
3. V. Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Estatuto da
Pessoa com Deficiência Comentado artigo por artigo. Salvador: Jus Podivm, 2016. p. 43.
4. Neste sentido é a redação do art. 85 do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
5. Pertinente o destaque do pensamento de Maurício Requião, que destaca que: “A mudança
apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ater
a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que
venha ele a ser submetido ao regime da curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condi-
ção de incapaz.” (Maurício Requião, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e
Interdição. Coordenador Fredie Didier Jr. – Salvador:Juspodivm, 2016. p. 162).
Atos processuais 551

convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da juris-


dição estatal e renúncia ao juízo arbitral”. Ou seja, a convenção de arbitragem não pro-
duzirá efeito no processo se não for levada a ele.
Tratando-se de negócio jurídico, avulta o papel da interpretação, com pertinência à
vontade dos integrantes de tal negócio. O que caracteriza o ato processual, fundamen-
talmente é, pois, sua aptidão para produzir efeitos no processo e justamente o efeito
que produzirá em relação aos atos que se lhe seguirem, se for ato de constituição. Ao
contrário, porém, em se tratando, exemplificativamente, de ato de cessação da relação
jurídica processual, será justamente este o efeito que será produzido pela homologação,
quando a lei a exija, como ocorre com a desistência da ação, nos termos do parágrafo
único do art. 200 do CPC/2015.
Ligando-se o ato processual, sempre, ao processo, podemos extrair dessa circuns-
tância peculiaridades que o caracterizam.
Quando o ato processual é praticado dentro do processo – salvo em parte, o ato de
propositura da ação – de maneira alguma se apresenta no mundo jurídico de forma iso-
lada, pois é interligado, quer ao seu antecedente, quer ao seu consequente. Normal-
mente, o ato processual praticado no processo encontra no antecedente o seu pressu-
posto e, por sua vez, é o estágio necessário para que se pratique o ato que se lhe seguirá.
A razão de os atos processuais endoprocessuais apresentarem-se interligados prende-
-se à circunstância de que são praticados visando a um fim comum: preparam o caminho
necessário à prolação da sentença. Vinculam-se, pois, pelo fim que por eles se colima.
Das características de interligação e vinculação pela finalidade dessume-se uma ter-
ceira: a interdependência entre eles.
Essa interdependência é muito importante para a validade do processo. Aliás, fala-se
comumente em validade do processo; no entanto, pensamos ser mais exato falar, não em
validade de atos processuais ou de um determinado ato ou segmento processual, mas
na nulidade, que pode macular um segmento processual, quando este venha depois de
um ato nulo. Veremos a serventia desta característica, na medida em que determina-
dos atos processuais dependam de um anterior: se este não tiver valor, necessariamen-
te os dele dependentes e a ele posteriores não o terão (art. 281, 1ª frase, do CPC/2015).
A interdependência, usualmente, implica em que, nulo um ato, todo o segmento pro-
cessual, que lhe é lógica e cronologicamente posterior, e que dele dependa, nulo será.6

13.2. Classificação dos atos processuais


Embora já tenhamos apresentado nossa classificação e compreensão de ato jurídi-
co processual, devemos esclarecer que o tema é controvertido na doutrina, motivo pelo

6. Exemplifica Teresa Arruda Alvim Wambier: “Assim ocorre, por exemplo, com uma sentença,
em que o juiz decide dois pedidos, que poderiam ter sido formulados em ações diversas.
A nulidade de um dos capítulos da sentença não prejudica a parte ‘boa’, que deve ser con-
servada, visto que da parte defeituosa não depende.” (Teresa Arruda Alvim Wambier et. al.
(coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo:
Ed. RT, 2016. p. 784).
552 Manual de Direito Processual Civil

qual procuramos sintetizar algumas das diversas correntes existentes na literatura mo-
derna e clássica, sem a pretensão, contudo, de esgotar o tema, tarefa que transbordaria
a finalidade deste trabalho.
Há considerável consenso na doutrina de que a classificação dos atos jurídicos pro-
cessuais sofre grande influência da classificação de ato jurídico da teoria geral do direi-
to, isto porque os atos do processo são espécies de ato jurídico.7 Assim, na medida em
que, na teoria geral do direito, ato jurídico é espécie de fato jurídico em sentido amplo,
devemos fixar o conceito de fato jurídico processual em sentido amplo.
De uma maneira geral, os processualistas conceituam fato jurídico processual como
aquele acontecimento, decorrente ou não da vontade humana, que produz efeito sobre
alguma relação processual.8 Fato jurídico processual, neste conceito, deve ser entendido
como fato jurídico processual em sentido amplo. Aqui convém esclarecermos que repu-
tamos que o fato jurídico processual em sentido amplo é o acontecimento que produz
ou tem aptidão para produzir algum efeito sobre alguma relação processual. Conforme
explicamos, poderá existir ato processual (espécie de fato jurídico processual) que po-
derá não ter eficácia em determinada relação processual, por não ter sido a ela levada,
como no caso da cláusula de eleição de foro ou convenção de arbitragem.
Há, salvo uma ou outra exceção, certo consenso na doutrina de que fato jurídico
processual em sentido estrito é o acontecimento da natureza que produz efeito na rela-
ção jurídica processual, tais como: a morte da parte, o atingimento de idade que enqua-
dre a parte no conceito de idoso etc.
Neste ponto, convém mencionar que há doutrinadores que não adotam esta classifi-
cação, pois entendem que os acontecimentos classificados como fatos jurídicos proces-
suais são exteriores ao processo e que por isso não podem sequer serem considerados
fatos jurídicos processuais, tornando sem sentido a expressão fatos jurídicos processu-
ais em sentido estrito. 9 Esses doutrinadores partem da premissa de que os fatos jurídi-

7. Alguns doutrinadores falam expressamente sobre essa influência da teoria geral do direito,
enquanto que, da leitura das obras de outros, essa influência se verifica de maneira implíci-
ta. Nesse sentido: Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm,
2016. pp. 44 e 45; Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero de
Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. pp. 476, 477 e 479; Araken de Assis, Processo
civil brasileiro: volume II: parte geral: institutos fundamentais: Tomo 1. São Paulo: Ed. RT,
2015. p. 1272; referindo-se a teoria geral do direito civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
de Andrade Ney. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 712.
8. Nesse sentido, afirma Carnelutti, “Os fatos processuais, por sua vez, são uma espécie de
fatos jurídicos, denotados pelo fato da mudança jurídica, que o fato produz, referir-se a uma
relação processual” (Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil, v. 1. Trad. Adrián
Sotero de Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 476).
9. Entre eles, está José Joaquim Calmon de Passos. Em suas palavras, “no processo, somente
atos são possíveis. Todos os acontecimentos naturais apontados como caracterizadores de
fatos jurídicos processuais são exteriores ao processo e, por força dessa exterioridade, não
podem ser tidos como fatos integrantes do processo, por conseguinte, fatos processuais”
(José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades
processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 64 e 65). Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Atos processuais 553

cos processuais em sentido amplo devem necessariamente ocorrer dentro do processo,


posição que não reputamos correta.
Antonio do Passo Cabral leciona que “os fatos jurídicos processuais em sentido am-
plo dividem-se em fatos jurídicos processuais stricto sensu, cujos suportes fáticos pres-
cindem de qualquer ato humano, e atos jurídicos processuais lato sensu, estes últimos
podendo ser subdivididos em atos jurídicos processuais stricto sensu, em que a vontade
é um elemento importante para a estrutura do ato, mas sem determinar o conteúdo efi-
cacial; e os negócios jurídicos processuais”,10 destacando, em seguida, que estes últimos
são os atos cujos efeitos que produzem (ou poderão vir a ser produzidos) no processo,
podem ser escolhidos em função da vontade do sujeito que os pratica.11
Semelhantemente, Leonardo Carneiro da Cunha entende que, entre as espécies de
fatos jurídicos processuais em sentido amplo, encontram-se os fatos jurídicos proces-
suais em sentido estrito, os atos-fatos jurídicos processuais, os atos jurídicos proces-
suais em sentido estrito e os negócios jurídicos12. Entretanto, destaca-se que o autor
não faz referência expressa aos atos jurídicos processuais em sentido amplo, como o
faz Antonio do Passo Cabral, apesar de incluir em sua classificação o ato jurídico pro-
cessual em sentido estrito.
Pontes de Miranda conceitua ato-fato jurídico como sendo os “atos humanos, em
que não houve vontade, ou dos quais se não leva em conta o conteúdo de vontade,
aptos, ou não, a serem suportes fáticos de regras jurídicas”.13 Tendo como base a teo-
ria de Pontes de Miranda, Leonardo Carneiro da Cunha admite como espécie de fato
jurídico processual em sentido amplo o ato-fato jurídico processual.14 Entretanto,
existe uma divergência na posição da doutrina sobre a existência ou não de atos-fatos

Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero também entendem que os fatos que ocorrem fora do pro-
cesso não podem ser processuais, pois conceituam fatos jurídicos processuais como “os
acontecimentos da vida processual que acabam por criar, modificar ou extinguir situações
processuais e que possuem o processo como espaço próprio de ocorrência.” (Luiz Guilherme
Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil: tutela dos
direitos mediante procedimento comum. v. II. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2016, p. 115). Em sentido contrário, afirma Fredie Didier Jr., “Não há fato jurídico processual
que não se possa relacionar a algum processo (procedimento), mas há fatos jurídicos pro-
cessuais não integrantes da cadeia procedimental, desde que ocorridos enquanto pendente
o procedimento a que estejam relacionados ou se refiram a procedimento futuro.” (Fredie
Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 374).
10. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 45.
11. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49.
12. Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro.
In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord). Negócios Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, pp. 28 a 34.
13. Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. t. I,. 2ª ed. Rio da Janeiro: Borsoi,
1954, p. 83.
14. “Por sua vez, o ato-fato é, como se viu, um ato humano em que a vontade é irrelevante. Há,
no processo, atos-fatos. A revelia é um ato-fato. É irrelevante saber se o réu quis ou não deixar
de contestar.” (Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo
554 Manual de Direito Processual Civil

jurídicos processuais. Antonio do Passo Cabral rejeita essa espécie de fato jurídico
processual em sentido amplo. Em síntese, o autor afirma que o conceito de ato-fato
confunde intenção e vontade – o que, para ele, na seara do Direito Penal, há muito já
foi distinguido –, e, com isso, parece desconsiderar que a vontade está presente nos
atos jurídicos em geral, inclusive os processuais, além de entender que a vontade ser
desconsiderada, porque irrelevante, vai contra o CPC/2015, que adota a sistemática
de cooperação, boa-fé e o regramento formal, que exigem a consideração da vonta-
de do sujeito.15 Além disso, o referido jurista também afirma que há uma incoerência
na adoção do ato-fato, isto porque, segundo ele, ato-fato não admite desfazimento,
o que torna a categoria contraditória às teses mais contemporâneas sobre preclusão,
que admitem a superação da preclusão se ficar comprovado que a omissão não era
imputável à parte.16
A discussão respeitante ao conceito de ato processual é ainda maior que a discus-
são sobre a existência ou não de atos-fatos jurídicos processuais. Contudo, é pacífico
que o ato jurídico processual será sempre humano e deverá produzir efeitos na relação
jurídica processual. Neste passo, ressaltamos que, para nós, o ato processual poderá
produzir efeitos no processo ou então ter apenas aptidão para tanto. Sobre esse concei-
to, a doutrina diverge nos seguintes pontos: 1º) na necessidade do ato ser praticado ou
não em sede processual ou ainda, caso praticado fora do processo, se deve ou não ser
levado a ele; 2º) na necessidade do ato praticado ser ou não praticado por sujeitos da
relação processual; 3º) e na necessidade ou não do ato ser praticado no processo pelos
sujeitos processuais.17

civil brasileiro. In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord.). Negócios
Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 33).
15. Em suas palavras, “Em nosso sentir, trata-se de uma categoria doutrinária estranha, com
nomenclatura confusa, e que parte de premissas, com a devida vênia, antiquadas. De um
lado, parece esquecer que a vontade é um elemento presente nos atos jurídicos em geral e
também nos processuais... Além disso, o conceito de ato-fato confunde vontade e intenção...
No direito penal, e.g., há muito já se distingue entre vontade e intenção... Pregar contra a
vontade nos atos processuais, ou imaginar que, aqui e ali, arbitrariamente, a vontade possa
e deva ser ‘desconsiderada’ porque ‘irrelevante’ parece-nos um fragmento teórico não
consentâneo com o Direito do séc. XXI e que contraria o sistema do CPC/2015, em que a
cooperação, a boa-fé e o respeito ao autorregramento formal exigem consideração da von-
tade dos agentes.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm,
2016. pp. 45 e 46, nota de rodapé n. 10).
16. Para o autor, “No mais, não se diga que o ato-fato não admite desfazimento porque nele a
vontade seria irrelevante. Tomemos a perda de um prazo, ou a falta de preparo, constante-
mente referida pelos defensores do ato-fato: as mais contemporâneas teses sobre a preclusão
admitem a superação da preclusão se ficar comprovado que a omissão não era imputável
à parte. Se o preparo não foi realizado porque o expediente bancário já tinha se encerrado
no último dia do prazo, p.ex., o juiz pode superar a preclusão, desfazendo-lhe os efeitos,
em atenção à vontade real do litigante.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 46, nota de rodapé n. 10).
17. Pedro Henrique Nogueira e Fredie Didier Jr. resumem, em parte, a controvérsia, nos se-
guintes termos: “pode-se arrumar a divergência doutrinária em quatro correntes: a) alguns
entendem que é suficiente o produzir efeitos no processo para que o ato seja havido como
Atos processuais 555

Entre os juristas que entendem que o ato jurídico, para ser também processual, deve
ser praticado no bojo do processo podemos citar Cândido Rangel Dinamarco,18 Hum-
berto Theodoro Júnior19 e José Joaquim Calmon de Passos20. De outro lado, entendendo
que é irrelevante a circunstância de o ato jurídico ser praticado dentro ou fora do pro-
cesso para que seja considerado um ato jurídico processual,, estão, entre outros, Fran-
cesco Carnelutti,21 Antonio do Passo Cabral,22 e Fredie Didier Júnior.23

processual; b) há quem o vincule aos sujeitos da relação processual: apenas o ato por eles
praticado poderia ter o qualificativo de processual; c) há também os que exigem tenha sido
o ato praticado no processo, atribuindo à sede do ato especial relevo; d) há quem entenda
que ato processual é o praticado no procedimento pelos sujeitos processuais (conceito mais
amplo do que o de sujeitos da relação processual)”. (Pedro Henrique Pedrosa Nogueira e
Fredie Didier Jr. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
p. 31).
18. Cândido Rangel Dinamarco conceitua ato jurídico processual como “conduta humana vo-
luntária, realizada no processo por um dos seus sujeitos e dotada da capacidade de produzir
efeitos sobre este.” (Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. v. II.
São Paulo: Malheiros, 2001. p. 470). Aqui convém adiantarmos que possivelmente o autor
altere seu conceito de atos jurídicos processuais, considerando que nesta obra ele descon-
siderava a existência de negócios jurídicos processuais e que em obra mais recente (Teoria
geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 187) ele admite a existência.
19. Humberto Theodoro Júnior afirma que para “ter-se ato processual, em sentido próprio, é
necessário que o ato tenha sido praticado no processo, com efeito imediato sobre ele, e
que, ainda, somente possa ser praticado no processo.” (Humberto Theodoro Júnior. Curso de
Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum. v.. I. 56 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 462).
20. Segundo José Joaquim Calmon de Passos, “Atos processuais, por conseguinte, são os atos
jurídicos praticados no processo pelos sujeitos da relação processual ou pelos sujeitos do
processo, capazes de produzir efeitos processuais e que só no processo podem ser prati-
cados” (José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma Teoria das Nulidades Aplicadas às
Nulidades Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p 53).
21. Francesco Carnelutti afirma que “Ato processual, por sua vez, é uma espécie de ato jurídico,
denotada pelo caráter processual da mudança jurídica, em que se resolve a juridicidade do
fato, isto é, o efeito jurídico do fato material. Considerando esse critério, para estabelecer
a qualidade processual de um ato jurídico é necessário determinar se é ou não processual
a relação jurídica que resulta constituída, substituída ou modificada pelo ato. Portanto, a
processualidade do ato não se deve ao seu cumprimento no processo, mas a seu valor para
o processo. Assim ocorre que um ato realizado fora do processo pode ser processual (por
exemplo, o compromisso ou a convenção relativa à competência) e, vice-versa, um ato rea-
lizado no processo pode não ser processual (por exemplo, a renúncia ou o reconhecimento
da pretensão).” (Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. v. 1. Trad. Adrián Sotero
de Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 477).
22. Para Antonio do Passo Cabral, “O ato processual, portanto, é o ato jurídico que produz ou
é apto a produzir efeitos no processo.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 48).
23. Segundo Fredie Didier Jr., “Todo ato humano que uma norma processual tenha como apto
a produzir efeitos jurídicos em uma relação jurídica processual pode ser considerado como
um ato processual. Esse ato pode ser praticado durante o itinerário do procedimento ou
fora do processo. A “sede” do ato é irrelevante para caracterizá-lo como processual. Nessa
acepção, reconhecidamente ampla, são atos processuais a sentença e o consentimento do
556 Manual de Direito Processual Civil

Dinamarco entende que é necessário que o ato seja praticado no processo, uma vez
que a prática de um ato processual só pode ser realizada por aquele que figure na relação
processual. Ou seja, ele entende que, para um sujeito poder praticar um ato jurídico que
afete determinada relação jurídica, este sujeito deve estar inserido nela. 24
Francesco Carnelutti não vislumbra relevância no critério da sede do ato jurídico
para considerá-lo processual, bastando o fato da “mudança jurídica, que o fato produz,
referir-se a uma relação processual”.25 De forma parecida Fredie Didier Jr., mencionan-
do a existência de divergência de entendimentos, afirma que, “como se trata de discus-
são doutrinária, não há concepção certa ou errada”,26 adotando o conceito que leva em
consideração apenas a produção de efeitos no processo, por lhe parecer resolver a maio-
ria dos problemas sobre o tema. Antonio do Passo Cabral também reconhece a diver-
gência doutrinária e adota o critério da produção ou aptidão para produção de efeitos
na relação jurídica processual.27
Os mencionados juristas, que falam em ato jurídico processual como apenas aquele
ato jurídico praticado no bojo do processo e que produza efeito na relação jurídica pro-
cessual, não falam em ato jurídico processual em sentido amplo, provavelmente porque
não consideram espécies de atos jurídicos processuais.
Antonio do Passo Cabral, por sua vez, entende que os atos jurídicos processuais em
sentido amplo podem ser de duas espécies, que são os atos jurídicos processuais em sen-
tido estrito e os negócios jurídicos. O que, para ele, difere uma espécie da outra é a pos-
sibilidade da vontade do agente definir os efeitos do ato. Em suas palavras, “Enquanto
nos atos processuais em sentido estrito, a vontade do agente é considerada na escolha
entre praticar ou não o ato, não controlando, todavia, seu conteúdo eficacial, nos ne-

cônjuge (art. 73, CPC; art. 1.647, Código Civil), a citação e a transação extrajudicial para
encerramento do processo, a ouvida de uma testemunha e a outorga de uma procuração
judicial etc.” (Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito pro-
cessual civil, parte geral e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm,
2015. p. 374).
24. É o que se extrai do seguinte trecho: “Todos os atos do processo são atos dos sujeitos pro-
cessuais. Essa é uma decorrência natural da condição de sujeitos, uma vez que, perante o
direito em geral, só o é quem figura na relação jurídica, tendo qualidade para realizar os
atos inerentes a ela. Assim como só pode vender aquele que seja dominus e só exercem o
pátrio-poder os genitores, só realizam atos processuais os sujeitos do processo.” (Cândido
Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001.
p. 467). Como já havíamos ressalvado, possivelmente o autor altere seu conceito de atos
jurídicos processuais, considerando que na obra Teoria geral do novo processo civil ele
admite a existência de negócios jurídicos processuais, o que poderá fazê-lo reformular a
sua classificação de atos jurídicos processuais.
25. Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero de Witt Batista. São
Paulo: Classic Book, 2000. p. 477
26. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 373.
27. Para Antonio do Passo Cabral, “O ato processual, portanto, é o ato jurídico que produz ou
é apto a produzir efeitos no processo” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 48).
Atos processuais 557

gócios jurídicos processuais a vontade é relevante tanto na opção por praticar ou não o
ato como na definição dos seus efeitos.”.28 Fredie Didier Jr. também adota o gênero ato
jurídico processual em sentido amplo.29 Conforme já mencionado, Antonio do Passo
Cabral e Leonardo Carneiro da Cunha divergem na existência ou não de ato-fato jurídi-
co processual, sendo que este entende que existe, 30 enquanto aquele entende que não.
Em obras anteriores à vigência do CPC/2015, Cândido Rangel Dinamarco negava
existência de negócios jurídicos processuais e, diante disso, não apresentava em sua
classificação a divisão mencionada acima.31 Contudo, diante da previsão constante do
art. 190 do CPC/2015, que veio a admitir expressamente os negócios jurídicos no âm-
bito processual, já indicou o autor, em recente obra, que a modificação legislativa tor-
nou viável a existência dos negócios jurídicos processuais,32 o que poderá levá-lo a re-
formular sua classificação.

28. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49. No
mesmo sentido, afirma Leonardo Carneiro da Cunha: “Já os atos processuais em sentido
estrito são manifestações ou declarações de vontade em que a parte não tem qualquer mar-
gem de escolha da categoria jurídica ou da estruturação do conteúdo eficacial da respectiva
situação jurídica. São em geral, atos de conhecimento ou de comunicação, como, por
exemplo, a citação, a intimação, a confissão e a penhoras.” (Leonardo Carneiro da Cunha.
In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord.). Negócios Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015. p. 34).
29. “Há os atos jurídicos processuais em sentido estrito, como a citação, a atribuição de valor à
causa, a juntada de documentos, a penhora, a confissão, a intimação etc.” (Fredie Didier Jr.
Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo
de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 375). Em relação a Leonardo
Carneiro da Cunha, ver nota de rodapé n. 14, retro.
30. Fredie Didier Jr. também entende que existem atos-fatos jurídicos processuais. Fredie Di-
dier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. v. 1. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 375.
31. Em suas palavras, “E forte a doutrina, na negativa da existência de negócios jurídicos pro-
cessuais. Incluir-se-iam nessa categoria os acordos quanto à competência, os direcionados
à modificação da distribuição do ônus da prova (CPC, art. 333, par.) ou mesmo a convenção
arbitral (lei n. 9.307, de 23.9.96 – Lei da Arbitragem – art. 3º e art. 19, par.)? Deve prevalecer
a resposta negativa, porque o processo em si mesmo não é um contrato ou negócio jurídico
(supra, n. 387) e em seu âmbito inexiste o primado da autonomia da vontade: a lei permite
a alteração de certos comandos jurídicos por ato voluntário das partes mas não lhes deixa
margem para o auto-regramento que é inerente aos negócios jurídicos. A escolha voluntária
não vai além de se direcionar em um sentido ou em outro, sem liberdade para construir
o conteúdo específico de cada um dos atos realizados. Ou seja, podem os sujeitos optar
pelo processo arbitral mas não podem regular eles próprios esse processo, seu cabimento,
eficácia da sentença arbitral, sua exequibilidade etc.; podem inverter convencionalmente o
ônus probatório mas não lhes é lícito ir além dos limites postos pela lei nem estabelecer por
si próprios as consequências de seu descumprimento, agravando-as ou minorando-as em
contraste com a lei; podem escolher o foro, mas não podem ditar regras sobre o regime do
foro escolhido (se de competência absoluta ou relativa) etc.” (Cândido Rangel Dinamarco.
Instituições de Direito Processual Civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 469).
32. “Dois dispositivos de expressiva relevância metodológica contidos no novo Código de
Processo Civil tornaram viável no direito brasileiro a realização de negócios jurídicos
processuais de forma genérica e desvinculada de hipóteses específicas. Tais dispositivos
558 Manual de Direito Processual Civil

Os atos processuais também podem ser classificados usando-se de um critério sub-


jetivo, isto é, tendo em vista aquele que pratica o ato. Sob a luz desse critério, o ato jurí-
dico processual pode ser: a) ato judicial e b) ato postulatório das partes (igualmente de
terceiros intervenientes no processo). Como atos judiciais são considerados não só os
atos do juiz (stricto sensu), como os dos auxiliares da Justiça (lato sensu).33
O escrivão ou chefe de secretaria pratica atos de documentação (art. 206 do
CPC/2015) ao longo de todo o procedimento (art. 207 do CPC/2015). O andamento
do processo, do ponto de vista material, repousa no escrivão ou no chefe de secretaria
(art. 208 do CPC/2015), descrevendo a lei o modus faciendi de tais atos, cuja prática lhe
incumbe (art. 209 do CPC/2015), como, ainda, o que se lhe não permite (art. 211 do
CPC/2015), sendo-lhe lícito usar da taquigrafia, da estenotipia ou de qualquer outro
meio idôneo de documentação (art. 210 do CPC/2015).34 São estes os atos do auxiliar
principal do juiz, sem o qual haveria muita dificuldade para haver possibilidade mate-
rial de andamento do processo.
O § 4º do art. 203 do CPC/2015, assim como já o fazia o § 4º do art. 162 do CPC/1973,
determina que o servidor, de ofício, pratique atos meramente ordinatórios que indepen-
dam de despacho, como a juntada de peças aos autos e a vista obrigatória, sendo que
tais atos serão revistos pelo juiz quando necessário.
Afigura-se-nos relevante o critério subjetivo que distingue os atos do juiz dos das
partes, pois, efetivamente, não se confundem. Este, aliás, é o sistema adotado pela le-
gislação de 1973 e de 2015, que, no Capítulo I do Título I (que trata dos atos processu-
ais) do Livro IV da Parte Geral, dedica a Seção III aos atos das partes (arts. 200 a 202),
a IV aos atos do juiz (arts. 203 a 205)35 e a V aos do escrivão e aos do chefe de secretaria
(arts. 206 a 211). Porém, conforme aponta Humberto Theodoro Júnior,36 tal classifica-
ção é incompleta, na medida em que não abrange os atos processuais dos peritos, tes-
temunhas, arrematantes, depositário etc.
O critério objetivo, contudo, apesar de menos didático, é mais científico, pois tem
como base o ato em si mesmo considerado e a função operativa por ele exercida no pro-

oferecem significativas aberturas para que as partes ajustem entre si os modos como o pro-
cesso se realizará, afastando-se dos standards gerais e abstratos da lei e configurando um
novo regramento concreto ditado pelas vontades convergentes de ambas.” (Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria geral do novo processo civil. São
Paulo: Malheiros, 2016. p. 187).
33. O Código de Processo Civil de 1939 denominava frequentemente de atos judiciais os atos
que, na realidade, eram atos processuais. Consultem-se, por exemplo, a respeito, os arts. 5.º,
56 e 800, parágrafo único, do CPC de 1939.
34. No Estado de São Paulo, o uso de estenotipia em audiência, para redução a termo dos atos
processuais, já era permitido desde a edição da Lei Estadual 3.947/1983, art. 12.
35. Embora o nome da seção se refira aos pronunciamentos do juiz, diferentemente do previsto
no CPC/1973, tais pronunciamento não deixam de ser atos jurídicos processuais.
36. Em suas palavras: “Não se pode deixar de consignar, todavia, que outras pessoas também
praticam, ou podem praticar, atos jurídicos no curso do processo, como oficias de justiça,
depositários, peritos, testemunhas, leiloeiros, arrematantes, etc., o que, sem dúvida, torna
incompleta a classificação dos Códigos.”
Atos processuais 559

cesso. Dentre os atos da parte, há declarações unilaterais e bilaterais, conforme aponta


o art. 200, caput, do CPC/2015, de onde se colhem as seguintes regras: as chamadas de-
clarações unilaterais incluem os atos de postulação, propriamente ditos, como, ainda,
as meras manifestações de vontade. Já as declarações bilaterais de vontade não se cons-
tituem, tecnicamente, em atos processuais, porém em negócios jurídicos processuais.
Exemplo de declaração unilateral encontramos no art. 487, III, a, do CPC/2015 do pon-
to de vista passivo, qual seja, o ato de reconhecimento da procedência do pedido, que
leva à extinção do processo, com resolução de mérito e coisa julgada. Do ponto de vista
do autor, existe a renúncia ao direito (rectius, “à pretensão”), que conduz, outrossim, à
mesma consequência (art. 487, III, c), do CPC/2015. Como negócio jurídico processual
(“declaração bilateral de vontade”), encontramos a transação, que é meio de extinção
do processo, com resolução de mérito, revestida também da autoridade da coisa julga-
da. A transação é, de um lado, regrada no Direito Civil, e, de outro, repercute no pro-
cesso (arts. 840 a 850 do CC/2002;37 e, no CPC/2015, art. 487, III, b, especificamente).
Dentre os atos unilaterais, porém, os mais importantes são os chamados atos de pos-
tulação. Podem ser subclassificados tendo em vista o autor e o réu, fundamentalmente.
Da perspectiva do autor, o ato fundamental é a petição inicial, dando início ao pro-
cesso deduzindo o pedido e especificando sua ação (art. 319 do CPC/2015), devendo
observar os requisitos definidos na lei processual, juntando os documentos a que se
refere o art. 320 do CPC/2015. Caso tal ato seja praticado inadequada ou incompleta-
mente, o juiz, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado, deverá
abrir prazo de 15 dias para o autor emendar ou completar a petição inicial, sob pena de
indeferimento (art. 321 e parágrafo único do CPC/2015). O art. 329, I, do CPC/2015,
também possibilita ao autor, antes de efetivada a citação e independentemente da von-
tade do réu, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir. No regime do CPC/1973 o
autor podia apenas aditar o pedido antes de realizada a citação. Certamente, o norte que
conduziu o legislador a esta alteração foi o princípio da economia processual. Porém,
diferentemente do sistema processual de 1973, no regime do CPC/2015, havendo reve-
lia, o autor não poderá modificar o pedido ou a causa de pedir, pois não persiste no atual
sistema processual a autorização antes prevista no art. 321 do CPC/1973. A mudança
do pedido ou de sua causa petendi só poderá ser feita, depois da citação, com o consenti-
mento do réu e se realizada antes do saneamento do processo (art. 329, II do CPC/2015)
Verifica-se, portanto, que a petição inicial é o edifício fundamental do processo, e
é sobre o conflito de interesses quanto ao bem jurídico aí pretendido que se pronun-
ciará a sentença, e será sobre a decisão, nela contida, que pesará a autoridade da coisa
julgada material.
Do ponto de vista do réu, assiste-lhe o direito de apresentar defesa, cujos atos po-
dem ser assim elencados: 1º) ao réu assiste o direito de discutir, em preliminar de con-
testação, a incompetência absoluta e relativa (arts. 335, 337 e 64 a 66), sendo que tal
meio processual, se não utilizado opportuno tempore, leva à preclusão, salvo no caso de

37. Cf. arts. 1.025 a 1.036 do CC/1916.


560 Manual de Direito Processual Civil

incompetência absoluta, porquanto incumbe ao juiz, de ofício, conhecer de toda a ma-


téria (arts. 337, § 5º, e 485, § 3º, do CPC/2015), exceto as hipóteses de compromisso
arbitral, que, se não alegado, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo
arbitral, pois o réu terá preferido a via judicial à extrajudicial, à semelhança do que se
terá verificado com o autor, pois foi este que, ignorando o compromisso, terá proposto
a ação (art. 337, § 6º, do CPC/2015); e, não se conhece de ofício incompetência relativa;
2º) Também poderá o réu arguir o impedimento ou suspeição do juiz, devendo fazê-lo
no prazo de 15 dias contados do conhecimento do fato (art. 146, caput, do CPC/2015),
sob pena de preclusão, quando for caso de suspeição. Não haverá preclusão em caso
de impedimento, pois se trata de matéria de ordem pública, podendo ser conhecida de
ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º, do CPC/2015). Comporta
ação rescisória causa decidida por juiz impedido (art. 966, II, primeira hipótese).
No regime do CPC/1973, autor e réu podiam utilizar-se da ação declaratória inci-
dental para o fim de formar coisa julgada sobre a decisão de questão prejudicial; contu-
do, no regime do CPC/2015 essa ação declaratória incidental foi substituída pela regra
do art. 503, § 1º, do CPC/2015, que aboliu a referida ação. 38 Os demais atos de postu-
lação constituem-se nas bases de recursos, utilizáveis quando da prolação das decisões
interlocutórias que se enquadrarem no rol do art. 1.015 do CPC/2015 e da sentença,
com ou sem resolução de mérito.
Os terceiros intervenientes, como na assistência simples (com poderes processuais
subordinados ao da parte assistida), têm poderes mais limitados; na assistência litiscon-
sorcial (com poderes iguais ao da parte), eis que o assistente litisconsorcial é litiscon-
sorte; no chamamento ao processo, há litisconsórcio passivo facultativo ulterior, sendo
tão legítimo para figurar na relação processual quanto o réu inicialmente demandado,
motivo pelo qual poderá postular como se fosse réu desde o início do processo. Ao de-
nunciado à lide também cabem atos de postulação, tendo em vista sua situação.
Como atos do juiz, a lei distingue, nitidamente, a sentença (art. 203, § 1º, do
CPC/2015), pronunciamento que com base nos art. 485 ou 487 do CPC/2015 põe fim
à fase de conhecimento do processo, das decisões interlocutórias (art. 203, § 2º, do
CPC/2015), e todos os demais pronunciamentos com natureza decisória. O critério do
CPC/2015 é, portanto, excludente: o ato do juiz que servir para resolver questões inci-
dentes, mas não se definir no conceito de sentença, é decisão interlocutória. Já os des-
pachos (art. 203, § 3º do CPC/2015), também de maneira excludente, são os demais
pronunciamentos, que por não se prestarem a decidir conteúdo algum, objetivam ape-
nas impulsionar e dar andamento ao processo. A distinção entre decisão interlocutória
e despacho (ou seja, a presença ou ausência de “natureza decisória”) pode ser aferida
na existência de prejuízo às partes.39 Um pronunciamento que causa gravame proces-

38. A ação declaratória incidental subsiste para a obtenção de coisa julgada na hipótese de
incidente de falsidade (art. 430, parágrafo único c/c art. 19, II).
39. A propósito, a orientação do STJ: “Processo civil. Decisão interlocutória. Despacho.
Distinção. Doutrina. Despacho que determina a intimação da parte. Ausência de con-
Atos processuais 561

sual não é meramente um despacho. É importante estabelecer esta distinção, pois dos
despachos não cabe recurso (art. 1.001 do CPC/2015), enquanto que das interlocutó-
rias cabe, nas hipóteses arroladas pelo art. 1.015 do CPC/2015, agravo de instrumento
e, nas demais interlocutórias, impugnação em preliminar de apelação (art. 1.009, § 1º,
do CPC/2015.
Convém mencionar que o caput do art. 459 do CPC/1973 autorizava o juiz, nos ca-
sos de extinção do processo sem resolução do mérito, a fundamentar a sentença de for-
ma concisa, ao lado do art. 165 do CPC/1973, que autorizava que as decisões, que não
fossem sentenças ou acórdãos, pudessem ser fundamentadas de modo conciso. Porém,
referidas autorizações foram suprimidas no CPC/2015, sendo que, de acordo com o
art. 11, caput, do CPC/2015, “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário se-
rão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
Correlacionam-se os ns. 1 a 5 com os ns. I a V, abaixo, representando os ns. 1 a 5 des-
pachos de mero expediente e os ns. I a V as respectivas decisões interlocutórias.
Assim, são despachos de mero expediente: 1º) o mandar assinar termo de caução;40
2º) o ordenar a ida dos autos ao contador para que procedesse à liquidação de senten-
ça, modalidade de liquidação extinta pelo advento da Lei 8.898/1994, em sistemáti-
ca que assim se manteve com a alteração da Lei 11.232/2005, ainda sob a vigência do
CPC/1973;41 3º) o determinar nova ida dos autos ao contador (idem 4º);42 4º) a conver-

teúdo decisório e de gravame. Art. 162, §§ 2º e 3º, CPC. Recurso desacolhido. I. Nos
termos dos §§ 2º e 3º do art. 162, CPC, ‘decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz,
no curso do processo, resolve questão incidente’ e ‘são despachos todos os demais atos
do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito
a lei não estabelece outra forma’. II. A diferenciação entre eles reside na existência ou
não de conteúdo decisório e de gravame. Enquanto os despachos são pronunciamentos
meramente ordinatórios, que visam impulsionar o andamento do processo, sem solu-
cionar controvérsia, a decisão interlocutória, por sua vez, ao contrário dos despachos,
possui conteúdo decisório e causa prejuízo às partes. III. O pronunciamento judicial
que determina a intimação da parte, como no caso, onde inocorre excepcionalidade,
é meramente ordinatório e visa impulsionar o feito, sem causar qualquer gravame”
(STJ, REsp 195.848/MG, 4ª T., j. 20.11.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
18.02.2002, p. 448).
40. 1º TACSP, 2ª Câm. Civ., AgIn 205.687, j. 25.09.1974, rel. Ferreira Prado, v.u.
41. TJSP, 2ª Câm. Civ., Ap. 238.274, rel. Macedo Bittencourt, v.u., 18.02.1975; 2º TACSP, 1ª
Câm., AgIn 18.517, rel. Nóbrega de Salles, v.u., 17.09.1974; 2º TACSP, Ap. 20.089, rel. Luiz
Francisco, v.u., 13.08.1974; RT 521/135; JUTACivSP 74/382; STJ, 4ª T., REsp 326.057/RJ,
rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 02.09.2002, p. 193). Entretanto, “não se enquadra em
tal conceito a decisão que impõe comandos minudentes para feitura da conta, contra a qual
é cabível o recurso de agravo” (STJ, 2ª T., REsp 421.913/RS, j. 25.10.2005, rel. Min. Castro
Meira, DJ 14.11.2005, p. 238). O art. 604 do CPC/1973, que havia sido alterado pela Lei
8.898/2004, foi revogado pela Lei 11.232/2005, que inseriu o art. 475-B, que tem o mesmo
conteúdo do revogado art. 604.
42. TJSP, 1ª Câm. Civ., AgIn 236.201, rel. Andrade Junqueira, v.u., 27.08.1974; 1º TACSP, 2ª
Câm., AgIn 202.269, rel. Ferreira Prado, v.u., 24.04.1974; TJSP, 4ª Câm. Civ., AgIn 234.857,
Rio Claro, rel. Médici Filho, v.u., 27.07.1974; RT 536/138.
562 Manual de Direito Processual Civil

são do julgamento em diligência;43 5º) a nomeação de perito para apurar o valor real da
causa em face da impugnação.
A essas hipóteses – todas elas colhidas na jurisprudência – seguem-se as respecti-
vas decisões interlocutórias, correlatas, a saber: I – a decisão interlocutória que tenha
a caução por prestada, ou não; II – a homologação de conta (no sistema anterior à Lei
8.898/1994, que, na vigência do CPC/1973, extinguiu a liquidação por cálculo);44 III –
idem, homologação de conta (idem, IV); IV – a decisão ulterior que julgará a causa ou o
incidente, em função do qual se deu a conversão em diligência; V – a decisão que aceite,
ou não, a impugnação ao valor da causa, depois de realizada a prova pericial.
A este critério pragmático, todavia, haver-se-á de ponderar que, mesmo quando se
possa reputar, num primeiro exame, um ato do juiz como sendo despacho de mero ex-
pediente, se se demonstrar, no entanto, o prejuízo, descaracterizado estará como tal, e
haverá de ser reputado como uma decisão interlocutória, passível, portanto, de ser vul-
nerada através de agravo, desde que se enquadre no rol do art. 1.015 do CPC/2015 ou
que seja proferida em fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença
(art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015).
Assim é que o mandar prestar caução poderá tipificar-se como decisão interlocutó-
ria, desde que aquele que deva prestá-la entenda não estar obrigado, ao passo que já a
mera determinação de assinatura de termo de caução será despacho de mero expediente.
Em síntese, em face do critério supra, colhido da jurisprudência, haver-se-á de exa-
minar o ato sob a ótica do prejuízo, que é punctus pruriens atinente ao tema, vale dizer,
é pelo prejuízo presente que um ato judicial, que não coloque fim à fase cognitiva do
procedimento comum e que não extinga a execução, haver-se-á de reputar como uma
decisão interlocutória.
Uma das classificações objetivas mais aceitáveis dos atos processuais é a que os vi-
sualiza ao longo de todo evolver do processo.
Esta classificação tem por base as diversas fases do procedimento, desde a sua for-
mação até a sua extinção.
Dividem-se, segundo este critério, os atos processuais em três grandes classes, a sa-
ber: I – os atos de iniciativa das partes, precipuamente; II – os de desenvolvimento, das
partes e do juiz; e III – os atos de conclusão do juiz, salvo os casos do art. 487, III, a, b
e c, do CPC/2015.
Evidentemente, desde logo se verifica que a parte mais complexa dessa classifica-
ção diz respeito justamente aos atos de desenvolvimento, porquanto os de iniciativa
confundem-se, em grande parte, com os atos de constituição ou formação da relação
processual, e os da terceira categoria, com os atos finais do processo,45 a saber, sentença
(nas suas várias modalidades) que resolva, ou não, o mérito.

43. RT 583/168.
44. Cf. nota 41, supra.
45. Cf. Arruda Alvim, Curso... cit., vol. I, § 7º, n. 94, p. 441.
Atos processuais 563

13.3. Forma dos atos processuais


Forma, em Direito, é fruto da necessidade de a manifestação de vontade obedecer
a certos moldes, quando o próprio sistema define o modelo a ser seguido. Sendo a for-
ma necessária imposta por lei, a manifestação, somente assim revestida, em princípio,
produziria os efeitos jurídicos desejados. No entanto, como se verifica, este enunciado
não é absoluto, sofrendo profundas atenuações, que tornam mais flexível a regra. O Di-
reito não pode, todavia, de forma alguma, viver desvinculado de um certo formalismo.
Ora, seria difícil, para não dizer impossível, prescindir-se totalmente da forma. Re-
almente, muitas manifestações de vontade, quer das partes, quer do juiz, devem reves-
tir-se de uma determinada forma, dada a sua importância. Muitas vezes, é tal a impor-
tância desta que, diante da hipótese de não ser obedecida, o ato não produzirá efeitos
jurídicos. Não é somente no campo do processo que isto acontece; porém, o formalis-
mo é aqui muito importante.
Em casos como o da propriedade, fora do processo, mas com repercussão neste,
tem-se exemplo expressivo. Aplica-se ao caso o art. 406 do CPC, o qual dispõe o se-
guinte: “Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhu-
ma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. Assim, aquele que
não tiver título de domínio não será reputado proprietário. No Código Civil, a regra é
a aquisição da propriedade por meio do registro do título de domínio (art. 1.245, ca-
put, do CC/2002). No art. 1.245, § 1º, do CC/2002 há a expressa referência a que “en-
quanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como
dono do imóvel”.46
Há, nestas hipóteses, um rigorismo tal do legislador do Direito material, que o pró-
prio conteúdo do ato jurídico (de Direito material) é revelado exclusivamente pela sua
forma (única forma de que se pode revestir). Sem forma, aqui, não há conteúdo, do pon-
to de vista jurídico (forma dat esse rei).
O formalismo, na prática de determinados atos, é condição essencial para a convi-
vência social ordenada e, portanto, para uma vivência jurídica estável, a fim de que o
Direito se apresente certo e seguro.47
Mas no processo civil vigora o princípio da liberdade das formas, quando a lei não
estabelecer forma alguma (art. 188, 1ª parte, do CPC/2015 – regra geral – forma livre).
Em outras palavras, se a lei não determina a forma que o ato deve ter, ele poderá ser
praticado de qualquer forma. Além disso, ainda que a lei estabeleça determinada forma
para a prática de algum ato, se este vier a ser praticado de outro modo e atingir a sua fi-
nalidade, ele deverá ser considerado válido (art. 188, 2ª parte, do CPC/2015).

46. Cf. arts. 530, I; 531 e 533 do CC/1916.


47. Para uma análise mais ampla do formalismo à luz do paradigma constitucional vigente, cf. a
obra de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil. Proposta de um
formalismo valorativo. Enfatizando a importância do formalismo na proteção da segurança
e liberdade das partes contra o arbítrio do juiz, v. Antonio do Passo Cabral, Nulidades no
Processo Moderno.
564 Manual de Direito Processual Civil

A forma em algumas circunstâncias tem mais ou menos relevância, motivo pelo qual
o sistema processual em algumas ocasiões determina que o ato seja praticado de deter-
minada forma sob pena de nulidade e em outras, contudo, determina a forma, mas não
atribuí a pena de nulidade para o caso dela não ser observada.
Deste modo, correlacionemos a forma dos atos processuais com os reflexos, maio-
res ou menores, do descumprimento do formalismo, na validade ou invalidade do ato.
Sintetizando, pois: 1º) em princípio, é livre a forma (princípio da liberdade das formas
– art. 188 do CPC/2015; 2º) em alguns casos, porém, o legislador estabelece uma de-
terminada forma, sem, contudo, cominar expressamente a pena de nulidade para a sua
não observância; 3º) finalmente, o legislador, noutras hipóteses (as mais raras), dada a
suprema relevância do ato ou atos, determina expressamente a forma de que se devem
revestir e, não sendo obedecida, nega-lhes a produção de efeitos, isto é, aplica-lhes a pena
de nulidade (arts. 279 e 280 do CPC/2015). Contudo, devemos atentar que o CPC/2015
suprimiu o trecho “sem cominação de nulidade” do antigo art. 244 do CPC/1973, atu-
al art. 277 do CPC/2015, o que nos leva a entender que, se a lei prescreve determinada
forma, cominando ou não pena de nulidade, e o ato é praticado de outra forma. mas
atinge sua finalidade, o ato será considerado válido.48
A Lei 11.419/2006 buscou regulamentar e implementar no Poder Judiciário o proces-
so eletrônico, permitindo que atos processuais fossem praticados mediante a utilização
de sistemas de meios eletrônicos. O novo Código de Processo Civil de 2015, por sua vez,
dedicou a seção II do Capítulo I à prática eletrônica dos atos processuais, contudo, não
revogou a Lei 11.419/2006. Sendo assim, tanto o CPC/2015 quanto a Lei 11.419/2006
regulam o processo eletrônico.
Porém, convém esclarecer que o CPC/2015 não manteve o previsto no parágrafo
único do art. 154 do CPC/1973. Isto porque o CPC/2015 atribuiu ao CNJ a tarefa de re-
gulamentar, em âmbito nacional, a prática e a comunicação oficial de atos processuais
por meio eletrônico, visando a padronização, o quanto possível, do processo judicial
eletrônico, permitindo apenas que os Tribunais regulamentem supletivamente a práti-
ca e a comunicação oficial de atos processuais (art. 196 do CPC/2015).

13.4. As nulidades dos atos processuais


Antes de abordarmos o tema das nulidades processuais, convém que esclareçamos
não serem os princípios de Direito Privado os que efetivamente norteiam o sistema das
nulidades processuais. Como já se frisou, o processo civil faz parte do Direito Público e
é daí que recolhe seus princípios fundamentais. Do Direito Privado conservam-se a ter-

48. Nesse sentido, afirmam Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo
Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello: “Cumprida a finalidade do ato,
passa a ser irrelevante ter ou não ter sido observada a forma prescrita em lei. 1.2. A novidade
trazida pelo NCPC consiste em dizer expressamente que a norma se aplica ainda que se
trate de nulidade cominada. De fato, subtraiu-se do texto ‘sem cominação de nulidade’.”
(Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. Teresa Arruda
Alvim Wambier et al. (Coord.). 2 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 511).
Atos processuais 565

minologia e a circunstância de as nulidades serem vícios mais graves que as anulabili-


dades, contando aquelas com regime jurídico mais rígido.49
É verdade que os processualistas, habitualmente, procuram subsídios no Direito
Civil. Mas isto se deve à circunstância de se tratar do mais antigo dos ramos do Direito,
visto como um todo. Entretanto, no estágio atual de desenvolvimento do processo civil
enquanto ciência, parece não ter sentido querer trazer ao seu campo próprio, integral-
mente, os princípios do Direito Civil, até porque é ele o grande ramo do Direito Privado.
Antes de verificarmos o sistema de nulidades adotado pela nossa lei processual, con-
vém que salientemos quais os princípios informadores do tema.
Tendo-se em vista que a forma no processo não se constitui num fim, deve o tema
das nulidades ser informado pelo chamado princípio da instrumentalidade, que consis-
te em que as formas, no processo, são meros meios para se atingir finalidades. Atingidas
estas, ainda que as formas não tenham sido obedecidas, não haverá vício.
Aplicando-se o princípio da instrumentalidade das formas, tem-se que não é nula a
audiência, se o advogado é intimado por carta enviada a endereço errado, mas teve ele
conhecimento da designação.50 Também já se decidiu que a adjetivação imprópria não
inutiliza a ação, se o pedido é claro e compreensível.51
Este princípio já era adotado pelo Código de 1939 e pelo Código de 1973, sendo
compatível com as mais modernas tendências do processo civil, em geral.
Assim como o Código de 1973, o vigente albergou também, além do princípio da
instrumentalidade, o da forma livre. Assim, não havendo forma específica prevista em
lei, o ato pode ser praticado sem formalidade alguma, desde que alcance seu objetivo.
Por outro lado, só se decreta nulidade por desatendimento à forma se esta consequên-
cia for expressamente prevista e se o ato não atingir a sua finalidade.
O art. 188 do CPC/2015, conquanto disciplinando os atos em geral, não se reporta
à nulidade, porquanto albergou, como dissemos e reiteramos, o princípio da forma li-
vre ou da instrumentalidade. O que importa é que ditos atos alcancem o que lhes é es-
sencial (finalidade essencial).

49. Ampla e exaurientemente sobre o tema, v. monografia exemplar: Nulidades do processo e


da sentença, de Teresa Celina de Arruda Alvim Wambier, 7. ed., 2014.
50. TJ/SP, 4.ª Câm. Civ., Ap. 243.326, Jundiaí, rel. Oliveira de Andrade, v.u., 12.06.1975.
Semelhantemente, não se considerou nula a citação se erroneamente realizada através
de “mandado de intimação”, se, a despeito disso, tal mandado tenha preenchido todos
os requisitos do mandado de citação (STJ, 3ª T., REsp 468.249/SP, j. 05.08.2003, rel. Min.
Nancy Andrighi, DJ 01.09.2003, p. 281); considerou-se válida a intimação, em caso em que,
embora tenha havido erro de grafia do nome das partes, tal equívoco não tenha impedido
que o ato alcançasse sua finalidade (STJ, 3ª T., REsp 295.276/SP, j. 15.05.2003, rel. Min. Ari
Pargendler, DJ 23.06.2003, p. 351).No entanto, “não tem eficácia a publicação de nota de
expediente com o nome incompleto do advogado, a dificultar sua identificação nos sistemas
informatizados” (STJ, 4ª T., REsp 78.766/BA, j. 13.02.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 08.04.1996, p. 10.476).
51. RT 570/258.
566 Manual de Direito Processual Civil

Apesar do princípio da liberdade de forma, onde há a mais ampla autonomia, exi-


ge-se, mesmo nesses casos, que o ato processual contenha seus elementos essenciais.
Se lhe faltar algum elemento, dependendo da importância de que seja merecedor,
sua ausência pode gerar desde uma anulabilidade, até o vício mais grave, que é o da ine-
xistência. Assim é que uma sentença sem fundamentação é nula, e a doutrina é quase
unânime em admiti-lo.52
Há, ainda, dependente do princípio anterior, o princípio segundo o qual não há nu-
lidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), cuja aplicação em nossa lei se encontra
no art. 282, § 1º, do CPC/2015.53
Ainda inspirado nessa mesma ideia, surge o interesse dominante do sistema, e en-
campado pelo legislador, em se conservar a substância do ato processual e fazer com
que ele valha e seja eficaz, mesmo que a forma não esteja rigorosamente conforme à
descrita pela lei (ao ato-modelo, descrito na lei), mesmo para certos atos, para os quais
se preveem modelos. Daí, pois, seguir-se o princípio da conservação dos atos, que con-
siste numa espécie de orientação no sentido de se fazer com que ele valha e seja eficaz,
mesmo que a forma não esteja rigorosamente conforme à lei, e mesmo que o ato pade-
ça de outros vícios de natureza formal. Existe, efetivamente, forte tendência, quer no
âmbito legal, quer no jurisprudencial, no sentido de que os atos sejam conservados, de
que não se decrete nulidade. Exemplos legais dessa tendência são os arts. 76, 321, 938,
§ 1º e 1.029, § 3º,54 todos do CPC/2015.
No regime do CPC/1973, o STF e o STJ não admitiam a aplicação do art. 13 desse
diploma – atualmente previsto no art. 76 do CPC/2015 – quando do manejamento de re-
cursos especiais e extraordinários, vale dizer, perante a instância extraordinária.55 Con-

52. STJ, RMS 16.121/RJ, 5ª T., j. 03.02.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26.04.2004, p. 180;
STJ, 3ª T., REsp 259.875/SP, j. 19.04.2001, rel. Min. Menezes Direito, DJ 25.06.2001, p. 172
– e uma sentença a que falte decisório é inexistente (Rodriguez, Nulidades procesales, p. 60).
53. Cf. Arruda Alvim, Curso... cit., vol. I/444 et seq., e José Frederico Marques, Instituições de
direito processual civil, n. 483, p. 410, referindo-se ao art. 278, § 2º, símile deste artigo no
CPC de 1939.
54. Sobre o tema, v. excelente artigo de Thereza Alvim, Possibilidade de saneamento do processo
em segunda instância: notas introdutórias e suas implicações, Atualidades do processo civil,
pp. 447 e ss.
55. Neste sentido, cf. STJ, AgRg no AgIn 663.875/SP, 1ª T., j. 06.09.2005, rel. Min. Luiz Fux,
DJ 26.09.2005, p. 206; STJ, AgRg no AgIn 668.875/RS, 2ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 26.09.2005, p. 321; STJ, AgRg no AgRg no REsp 717.445/PR, 1ª T., j.
18.08.2005, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 05.09.2005, p. 280. Neste sentido, também,
é o AgIn 57.158/RS (j. 25.10.1994), relatado longamente pelo Min. Sálvio de Figueiredo com
base em voto anterior proferido nos EDiv 14.827-8/MG, quando cita diversos precedentes
daquela Corte, todos no mesmo sentido (DJU I 03.11.1994, p. 29.804-29.806). No STJ, o
caso também é tido como de inexistência, como demonstra a Súmula 115 daquela Corte,
nos seguintes termos: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado
sem procuração nos autos” (DJU I 08.11.1994, p. 30.187).No STF, igualmente, ambas as
Turmas têm entendido inaplicável o art. 13 do CPC na instância rara, tendo como inexis-
tente o recurso interposto por aquele que não tem procuração. À guisa de ilustração, cf.
Atos processuais 567

tudo, entendemos que tal posicionamento deve ser superado à luz do art. 1.029, § 3º,
do CPC/2015, segundo o qual “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua cor-
reção, desde que não o repute grave”.
Na jurisprudência tem-se que a sentença ultra petita, ao invés de ser anulada pelo
tribunal, deverá ser reduzida aos limites do pedido.56
Tendo em vista o CPC/1973, os tribunais decidiam que não era nula a citação, se o
mandado não contivesse a advertência prevista no antigo art. 285 do CPC/1973, hoje
prevista no art. 250, II, do CPC/2015, apenas não ocorrendo o efeito da revelia.57 Enten-
demos que esse posicionamento dos tribunais deve ser mantido, tendo em vista que não
houve alteração que nos leve à interpretação diferente e que esse posicionamento privi-
legia o princípio da instrumentalidade das formas e o princípio da celeridade processual.
Já se decidiu que a sentença não deverá ser considerada nula, ainda que não conte-
nha a assinatura do juiz, se, por outros meios, puder comprovar-se-lhe a autenticidade.58
Mais recentemente, contudo, decidiu-se que tal sentença é juridicamente inexistente.59
Se a sentença estiver fundamentada em leis erradas, descabe sua anulação, devendo
ser corrigida pelo tribunal, no particular.60
Outro aspecto que pode ser enfocado, ainda no tema das nulidades dos atos proces-
suais, é o da validade do ato, em si mesmo indiscutível, praticado em momento inade-
quado, como, v.g., se o for durante as férias forenses, sem que o devesse ter sido, nesse
lapso temporal, praticado. No regime do CPC/1973 havia muita discussão sobre esse
tema, porém, tendo em vista o disposto no art. 218, § 4º, do CPC/2015, entendemos
que a discussão foi superada, pois referido dispositivo expressamente admite como
tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo. Neste passo, convém men-
cionar que o novo diploma processual também acabou com a discussão sobre a possi-
bilidade ou não de interpor recurso antes do julgamento dos embargos de declaração

RE 180.377-1/SP, j. 30.11.1994, rel. Min. Celso de Mello (DJU, I, 09.12.1994, p. 34.132).


V., também RTJ 132/450, citada no acórdão. Mais recentemente, no mesmo sentido, RE
281287-RJ, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.02.2003, DJ 04.04.2003, p. 52.
56. RJTJSP 49/129; Revista de Processo 4/406, em. 193; STJ, 1ª T., REsp 374.966/SC, j. 15.08.2002,
rel. Min. Francisco Falcão, DJ 21.10.2002, p. 281.
57. RT 496/119 e 537/128; JUTACivSP 43/81; Revista de Processo 4/379, em. 28. Contra: RT
473/191, 481/133, 482/168, 486/108, 497/120, 503/163, 505/88 e 510/217; TRF-1.ª Reg.,
ApCív 200001990995181, j. 27.10.2004, rel. Gilda Sigmaringa Freitas, DJ 01.12.2004,
p. 29.
58. 2º TACSP, 2ª Câm. Civ., Ap. 155.380, j. 18.04.1983, rel. Moraes Salles, v.u.
59. TRF-1ª Reg., Ap.Cív. 199901001087390, j. 28.10.2003, rel. João Carlos Mayer Soares, DJ
20.11.2003, p. 117.
60. 2º TACSP, Ap. Sum. 129.997, 9ª Câm. Cív., j. 27.04.1983, rel. Vallim Belocchi, v.u. Não se
considera nula, por ausência de motivação, a decisão erroneamente fundamentada: STF,
AgIn 426.981-AgRg, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 05.11.2004; STF, AI 410.898-AgR, rel.
Min. Cezar Peluso, DJ 16.04.2004; STF, AI 402.819-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
05.09.2003.
568 Manual de Direito Processual Civil

e a necessidade de sua ratificação. O art. 1.024, § 4º, do CPC/2015 dispõe que “caso o


acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embarga-
da, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o
direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no
prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declara-
ção”. Ao passo que “se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a
conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publi-
cação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado indepen-
dentemente de ratificação” (art. 1.024, § 5º do CPC/2015). Sendo assim, resta supera-
da a Súmula 418 do STJ. Vale lembrar que no regime do CPC/1973 já se entendia que
os atos processuais praticados nas férias, em causas que nelas não tinham andamento,
não eram nulos, se não acarretassem prejuízo às partes.61
As nulidades são de caráter estrito e não devem ser pronunciadas, salvo prova de
prejuízo.62 Como exemplos de que não há nulidade sem prejuízo tem-se que, se não ad-
veio prejuízo da decisão que indefere a produção de prova, porque a parte a quem esta
nulidade aproveitaria venceu a demanda, esta não há de ser decretada63 como ocorre
no processo em que se disputou algum direito relativo a menor, que foi favorecido pela
decisão, pois em tal processo não haverá razão para a decretação de nulidade, diante
da ausência de prejuízo. Da mesma forma, a respeito da ausência de citação do cônju-
ge, em ação em que esta era necessária, não deve ser decretada nulidade, se a decisão
foi favorável à parte que a alega, que, portanto, não teve prejuízo.64 Incide, no caso, o
art. 282, § 2º, do CPC/2015.65
A lei, mesmo prescrevendo a forma, não adota, como já se observou, o princípio da
exigência absoluta de obediência a ela (art. 277 do CPC/2015). Coincide esta orienta-
ção ou é sintônica com aquela da liberdade de formas, embora esta segunda posição seja
mais liberal. Assim, mesmo desobedecida a forma, poderá o ato ser considerado válido,
isto é, poderá produzir efeitos: a) quando, praticado de outro modo, tiver atingido sua
finalidade – entre o modelo não obedecido e a finalidade, prevalece esta última, se atin-
gida (art. 277 do CPC/2015); nessa linha, é correta a asserção consistente em que os atos
processuais para os quais a lei exige forma especial serão considerados válidos quando,
praticados por outra forma, tenham atingido seu fim (art. 188 do CPC/2015), não se
lhes decretando, em tal caso, a nulidade (art. 277 do CPC/2015); b) quando o pedido de
decretação da nulidade for feito pela parte que lhe deu causa (art. 276 do CPC/2015); c)

61. VI ENTA – conclusão 49 – v.u., in RT 580/297.


62. 1º TACSP, Ap. 206.725, 6.ª Câm., j. 29.10.1974, rel. Carlos Antonini, v.u., In: Jurandyr Nil-
sson, Nova jurisprudência de processo civil, vol. I/219.
63. 1º TACSP, Ap. 291.722-SP, 3.ª CE, j. 06.12.1981, rel. José Osório, v.u.
64. 1º TACSP, 5ª CC, Ap. 202.792, Guaratinguetá, rel. Machado Alvim, v.u., 19.06.1974.
65. Cf., a respeito, STJ, 1ª T., EDcl no REsp 581.846/SC, j. 02.08.2005, rel. Min. José Delgado, DJ
29.08.2005, p. 150; STJ, 1ª T., AgRg no REsp 712.269/SC, j. 28.06.2005, rel. Min. Luiz Fux,
DJ 22.08.2005, p. 140; STJ, REsp 633.469/BA, 2ª T., j. 23.11.2004, rel. Min. Castro Meira,
DJ 14.02.2005, p. 178.
Atos processuais 569

quando não prejudicar a parte (art. 282, § 1º, do CPC/2015); d) quando o juiz puder de-
cidir do mérito a favor da parte a quem aproveitaria a declaração da nulidade (art. 282,
§ 2º, do CPC/2015); e) quando o ato puder ser aproveitado (art. 283 do CPC/2015).
O Código vigente cuida das nulidades nos arts. 276 a 283, exclusivamente, ou pre-
cipuamente, sob o ângulo formal. Cuida do assunto, portanto, a nossa lei, de forma
bastante incompleta.66
Esses artigos sugerem, vistos por outra perspectiva, que interessa primordialmen-
te, no ato processual, o seu fim, o qual, uma vez atingido, faz com que não se justifique
a decretação de nulidade do ato, mesmo se desconforme ao modelo (art. 277). De ou-
tra parte, mesmo que não tenha o ato produzido os efeitos a que se destinava, deixa-
-se à parte interessada a opção de arguir ou não a nulidade, desde que, evidentemente,
não se trate de nulidade absoluta, decretável de ofício. Dizemos que só a ela interessa,
pela circunstância de o art. 276, in fine, negar àquele que praticou o ato nulo, o direito
de arguir-lhe a nulidade, o que é uma trasladação, para o campo processual, da regra,
ou do princípio, de que ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. O fundamento
último desta regra é o de que se deve entender que, em face do disposto no art. 276 do
CPC, quem causou a nulidade não poderá argui-la, pois estaria se beneficiando de sua
própria torpeza. Assim, o advogado que impede a citação, induzindo o oficial de justi-
ça a não realizá-la, já se decidiu, fica impedido de arguir esta nulidade.67 Contudo, se se
tratar, por exemplo, de publicação de editais para realização de praça, que é matéria de
ordem pública, e, na medida em que afeta terceiros, deve ser declarada a nulidade do
ato, apesar de arguida por quem deu causa.68 Isto porque o princípio segundo o qual não
se pode alegar a própria torpeza em seu benefício não se aplica às nulidades absolutas.
Aliás, no processo civil, à diferença do que ocorre no Direito Civil, tanto as nulida-
des quanto as anulabilidades se sanam. 69 Estas, se não arguidas, sanam-se no mesmo
processo em que se produziram; aquelas, em princípio, no prazo de dois anos a contar
do trânsito em julgado da última decisão de mérito, que pos fim à causa em que tiveram
lugar. Quer dizer, uma vez ultrapassado o prazo para eventual ação rescisória (art. 975,
caput, do CPC/2015), não há que se falar em nulidade, pela sua convalidação através
do tempo. Na verdade, o único tipo de vício que não se sana, nem com o esgotamen-

66. É de se registrar a colocação feita por Egas Moniz de Aragão (Comentários ao Código de
Processo Civil, v. II – arts. 154 a 269, p. 258), no sentido de que o estudo das nulidades dos
atos processuais “é um dos mais árduos capítulos do Código. Tanto faz que seja encarado
por um de seus ângulos, as dificuldades são grandes e pouco variam”.
67. TJMT, AgIn 2.571, 1ª CC, rel. Licínio Carpinelli Stefani, v.u., 14.09.1981. A tese firmada
não é a correta, porquanto a parte (se em nada tiver contribuído para o fato) não pode ficar
prejudicada. Cf. também STJ, 1ª T., REsp 551.959/RS, j. 07.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ
06.06.2005, p. 181; STJ, EDcl no AgRg na AR 2.374/ES, 1ª Seção, j. 12.02.2003, rel. Min.
Eliana Calmon, DJ 07.04.2003, p. 211.
68. TJRS, Ap. 22.487, 2ª Câm. Civ., rel. Júlio Martins Porto, v.u., 29.05.1974, In: Jurandyr Nilsson,
op. cit., vol. I/275.
69. Sobre a matéria, v., amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e
da sentença, itens 2.1 e 2.2, pp. 127 e ss.
570 Manual de Direito Processual Civil

to do biênio decadencial para a propositura da ação rescisória, é a inexistência, que é a


deformação tal do ato que sequer se pode dizer ter sido praticado. Devem-se considerar
como inexistentes, v.g., os processos que se tenham constituído a despeito da ausência
de pressupostos processuais de existência – como a existência de um pedido, de juris-
dição ou de citação.
A respeito das características de interligação e interdependência dos atos processu-
ais mencionadas no início deste capítulo, é de se notar que os efeitos danosos da nuli-
dade não contaminam o processo mais do que o absolutamente necessário. Tanto o é,
que segundo o art. 282, caput, do CPC/2015, pronunciando o juiz a nulidade, deverá
expressamente dizer quais atos ela atinge, tomando as necessárias providências para a
regularização do processo (repetição ou retificação dos atos). O que se nota, em verda-
de, é uma técnica e um esforço acentuados no CPC/2015 para a preservação e a máxima
utilidade do processo, impedindo sempre que possível sua extinção sem resolução de
mérito ou a invalidação de atos processuais. Assim por exemplo, nos casos de incom-
petência absoluta, salvo decisão judicial em sentido contrário, os atos e decisões pro-
feridos têm sua eficácia conservada até que outros sejam proferidos em seu lugar pelo
juízo competente (art. 64, § 4º, do CPC/2015). No CPC/1973, era esta a regra quanto à
incompetência relativa, mas no caso da absoluta o processo era tido por nulo como um
todo (art. 113, § 2º, do CPC/1973).
Hoje, a parte interessada na decretação da nulidade dos atos deverá alegá-la na pri-
meira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena de preclusão (casos
de nulidade relativa). Não se tratando, pois, de nulidade absoluta, e não tendo sido ale-
gada pelos interessados, quando estes tiveram oportunidade de fazê-lo, não é de se re-
conhecer a nulidade invocada.70 Todavia, tratando-se de nulidade sobre a qual o juiz
deve manifestar-se de ofício (casos de nulidade absoluta), não prevalece tal preclusão
(art. 278, caput e parágrafo único, do CPC/2015).
O art. 278, caput, do CPC/2015 que disciplina a matéria, foi inspirado, entre ou-
tros princípios, no da lealdade71 processual, no sentido de ser desleal deixar o proces-
so andar e guardar uma “arma”, para só usá-la ulteriormente, ao que, todavia, se obsta.
Nossa jurisprudência anterior inclinava-se, também, por considerar haver preclu-
são nos casos de nulidade relativa, caso a parte falasse nos autos debatendo o mérito e,
somente em outra oportunidade, quando em virtude de resultado desfavorável, viesse
a argui-la.72 O princípio, pois, era o mesmo que o cristalizado no art. 278 do CPC/2015.
Nosso sistema processual prevê as nulidades absolutas, que são aquelas que po-
dem ser decretadas de ofício e que não se submetem à preclusão (art. 278, parágrafo
único, do CPC/2015), e as nulidades relativas, que são aquelas que devem ser alegadas

70. STJ, AgRg no Ag 448.699/SP, 1ª T., j. 12.05.2005, rel. Min. Denise Arruda, DJ 20.06.2005,
p. 124; STJ, AgRg no REsp 361.319/SC, 2ª T., j. 09.11.2004, rel. Min. Eliana Calmon, DJ
13.12.2004, p. 275; STJ, REsp 337.865/AL, 5ª T., j. 25.05.2004, rel. Min. Felix Fischer,
DJ 28.06.2004, p. 381.
71. RTJ 35/94 e 57/660.
72. RTJ 53/325; Revista de Jurisprudência 20/264.
Atos processuais 571

na primeira oportunidade em que couber a parte falar nos autos, sob pena de preclu-
são (art. 278, caput, do CPC/2015). Neste passo, convém esclarecer que, endoproces-
sualmente, sempre as nulidades relativas se sanam, seja pela correção do vício ou pela
preclusão da arguição do vício, ao passo que as nulidades absolutas podem ou não ser
sanadas endoprocessualmente. Não sendo corrigida a nulidade absoluta, a parte pre-
judicada poderá ingressar com ação rescisória visando a desconstituir a decisão gerada
nesse processo viciado, contudo, transcorrido o prazo para ajuizamento da ação resci-
sória, se esta não tiver sido proposta, a nulidade absoluta se sanará.
Neste passo, convém esclarecer que no regime do CPC/1973 a jurisprudência já
admitia que as nulidades absolutas, tais como a ausência de intimação do Ministério
Público (art. 246, caput, do CPC/1973 – atualmente art. 279, caput, do CPC/2015) ou
a intimação realizada sem observância das prescrições legais (art. 247 do CPC/1973 –
atualmente art. 280 do CPC/2015), se convalidassem. Assim, a intervenção da Procu-
radoria da Justiça em segundo grau evitava a anulação de processo no qual o Ministério
Público não tivesse sido intimado em primeiro grau, desde que não houvesse prejuízo ao
interesse do tutelado.73 O CPC/2015 adotou expressamente a posição da jurisprudência
no § 2º do art. 279, privilegiando a norma segundo a qual não há nulidade sem prejuízo.

73. VI ENTA – conclusão 42, m.v. Nesse sentido: RT 582/212, em. Contra: Boletim da Associação
dos Advogados de São Paulo 1.308/12. A opinião expressada no texto depende, por certo,
do exame cabal da hipótese, pois que, se se constatar que algum ato postulatório haveria
de ter sido praticado em primeiro grau, e não o foi, a hipótese será de anulação, desde que
patenteado o prejuízo (ou o possível prejuízo).
14
Negócios Jurídicos Processuais

14.1. Conceito
No plano do direito material, os atos jurídicos bilaterais que consistem em decla-
rações de vontade objetivando consequências jurídicas determinadas são chamados
negócios jurídicos. Já no que toca o processo, se podem denominar negócios jurídicos
processuais.1 Essa nomenclatura, que respeita à terminologia clássica da teoria geral
do direito, não é única no direito brasileiro. Pode-se falar, com efeito, de acordos ou
convenções processuais,2 termos que, inclusive, são mais adequados, já que, ao con-
trário do que se passa, em geral, com os negócios jurídicos de direito privado (con-
tratos), que resultam de interesses contrapostos, gerando situações jurídicas anta-
gônicas (crédito-débito), o acordo de vontades no processo decorre, normalmente,
de interesses convergentes das partes, levando à criação de uma disciplina processual
comum aos litigantes.3

1. O que caracteriza os negócios jurídicos processuais e os diferencia dos atos processuais em


sentido estrito é, justamente, o controle de seu conteúdo eficacial, observada a margem de
disposição estabelecida pela lei ou pelo ordenamento. Nesse sentido: v. Paula Sarno Braga.
Primeiras reflexões sobre uma teoria do fato jurídico processual – plano da existência. In:
Fredie Didier Jr,; Marcos Ehrhart Jr.(coords). Revisitando a teoria do fato jurídico: homena-
gem a Marcos Bernardes de Mello. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 466-477; Antonio do Passo
Cabral. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 49.
2. Cf. José Carlos Barbosa Moreira. Convenções das partes sobre matéria processual. In: Temas
de direito processual, 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984. Já para Antonio do Passo Cabral
as convenções processuais são subespécies dos negócios jurídicos processuais, caracte-
rizadas por sua natureza plurilateral (Cf. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm,
2016, p. 51).
3. Neste sentido, vale mencionar a lição de Antonio do Passo Cabral: “As palavras ‘acordo’ ou
‘convenção’ expressam uma união de vontades quanto ao escopo do ato praticado, mas
se opõem à noção de contrato porque não há necessidade de que os objetivos, a causa ou
os interesses sejam diversos ou contrapostos. No acordo ou convenção, é possível que as
vontades se encontrem para escopos comuns ou convergentes” (Convenções processuais:
entre publicismo e privatismo, Tese apresentada para o concurso de livre-docência na
Universidade de São Paulo. São Paulo: 2015. p. 43; id., Convenções processuais. Salvador:
Juspodivm, 2016, p. 55).
Negócios Jurídicos Processuais 573

Conforme demonstramos no capítulo anterior, a doutrina processual sempre dis-


cutiu qual seria o critério determinante para a definição de atos processuais, de que são
espécies os negócios jurídicos processuais.4 O principal questionamento que se apre-
senta, nessa perspectiva, é sobre a suficiência da sede processual para a definição de tais
atos. Alguns autores, como Salvatore Satta e Calmon de Passos sustentavam que o ato
processual só poderia ser compreendido como elemento do processo, sendo irrelevante,
para sua definição, o resultado ou efeito que produz.5 Outros, como Enrico Tullio Lieb-
man e José Frederico Marques adotaram um critério misto: para o fim de considerar-se
um ato jurídico como processual, seria necessário a) que pertencesse ao processo; e b)
produzisse efeitos diretos e imediatos sobre a relação processual.6
Sempre nos pareceu correta a utilização, para os atos processuais em geral, de
ambos os elementos: a sede em que são praticados e os efeitos que produzem os atos
processuais. Contudo, conforme já explicado, alteramos nosso posicionamento no
sentido de que podem ser praticados atos processuais fora do processo, não dei-
xando de ser um ato processual aquele praticado fora do processo e a ele não leva-
do. Levar o ato ao processo é apenas uma condição para que tal ato tenha eficácia
na relação jurídica processual. Parece-nos que os negócios jurídicos processuais
são espécies de negócios jurídicos, que se caracterizam, porém, como processuais
por terem como finalidade produzir efeitos em um processo, presente ou futuro.7-8
Como exemplos de negócios jurídicos processuais praticados fora da sede proces-

4. Sobre o tema, confira-se a exposição de José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma
teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2009,
p. 45-51.
5. V. Salvatore Satta. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Milano: Vitta e Pensiero, 1031,
p. 48; id., Direito processual civil, v. I, trad. e notas de Ricardo Rodrigues Gama, Campinas:
LZN, 2003, p. 277; José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades
aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 46.
6. “O processo tem início, caminha e se encerra através de diferentes atos de seus sujeitos, e
que são os atos processuais. Estes se distinguem dos atos jurídicos em geral pelo fato de per-
tencerem ao processo e de exercerem um efeito direto e imediato sobre a relação processual,
constituindo-a, impulsionando-a ou extinguindo-a. Em outras palavras, os atos processuais
são os atos do processo.” (Cf. Enrico Tullio Liebman, Manual de direito processual civil. 3ª
ed.. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 285.
V., ainda, em sentido análogo: José Frederico Marques. Manual de direito processual civil.
v. 1. 9. ed.. Campinas: Millenium, 2003, p. 409.
7. É esta, também, a definição de Leonardo Greco. Os atos de disposição processual – primeiras
reflexões. Revista Quaestio Iuris, v. 4, 2011, p. 722.
8. Em virtude de tal peculiaridade, Couture considerava os atos de disposição processual como
atos “para-processuais”: “Ficam, via de regra, na periferia do processo e, sob um ponto de
vista estritamente processual, poder-se-ia prescindir dêles. Entretanto, suas consequências
refletem-se sôbre a constituição, o desenvolvimento ou a conclusão do processo.” Prossegue
o autor, afirmando que “muitos dêsses atos [de que seriam exemplos a conciliação, a transa-
ção e a convenção de arbitragem] têm por objeto, justamente, prescindir do processo” (Cf.
Fundamentos do direito processual civil, tradução de Rubens Gomes de Souza, São Paulo:
Saraiva, 1946, p. 113).
574 Manual de Direito Processual Civil

sual podem ser citados a cláusula de eleição de foro, a convenção arbitral e o pac-
tum de non petendo.
São, pois, negócios ou convenções processuais aqueles atos jurídicos nos quais as
partes convencionam sobre situações jurídicas ocorrentes em uma relação jurídica pro-
cessual. Mesmo que a declaração de vontade tenha sido dada antes do processo, se ela
se destinar a ter eficácia na relação processual, trata-se de negócio jurídico processual.

14.2. A busca da superação do embate entre o publicismo e privatismo:


influência sobre a disciplina dos negócios processuais no CPC/2015

Parte da doutrina, sobretudo precedentemente ao CPC/2015, defendia não ser pos-


sível a realização de negócios processuais, ao argumento de que, no processo, é a lei que
determina as consequências dos atos jurídicos, enquanto nos negócios a pressuposição
é que as próprias partes estipulem estas consequências.9
Todavia, esse entendimento sempre foi ressalvado por aqueles que, como nós,10 en-
tendiam que a natureza pública do processo não obstava o exercício da autonomia pri-
vada nesta sede;11 o princípio dispositivo, aliás, constitui clara demonstração do con-
trário. O art. 158 do CPC/1973 (cujo conteúdo equivale ao do art. 200 do CPC/2015)
já aludia, aliás, às declarações bilaterais de vontade das partes, admitindo que estas pu-
dessem, conjuntamente, praticar atos no processo (ou fora dele, com vistas a ter eficá-
cia sobre a relação processual), de forma a constituir, modificar ou extinguir situações
jurídicas processuais. Exemplo típico dessa espécie de ato, a transação, que é homolo-
gada por sentença, extinguindo o processo com resolução de mérito (art. 269, III, do
CPC/1973 e art. 487, III, b, do CPC/2015).12

9. V. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil, 6. ed, v. II. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 480 e ss.. Assim também se manifestavam, antes do CPC/2015: Alexan-
dre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil. v. 1. 24. ed.. São Paulo: Atlas, 2013;
Daniel Mitidiero. Comentários ao Código de Processo Civil. t. 2. 1. ed.. São Paulo: Memória
Jurídica, 2005; José de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2006, p. 242.
10. Sobre o tema, e mais especificamente, quanto à validade do pactum de non petendo já
nos pronunciamos no sentido de que: “lei infraconstitucional não pode obstar o acesso
à Justiça, mas o particular, dentro do âmbito de sua esfera e no exercício legítimo de sua
autonomia privada, pode legitimamente assim pactuar.” Em defesa desse posicionamento,
argumentamos, ainda, que “a arbitragem é, ainda, mutatis mutandis, uma forma de resol-
verem-se pendências igualmente válida, assentando-se também na autonomia privada.”
(Ver o nosso Soluções práticas de direito: pareceres. v. II. Direito Privado I. São Paulo: RT,
2011, p. 987-988). A possibilidade de celebração de convenções, sobretudo as típicas, já
era por nós admitida em nosso Tratado de direito processual civil, v. 2. São Paulo: RT, 1996,
p. 383/384.
11. V., sobre o tema: José Carlos Barbosa Moreira. Convenções das partes sobre matéria pro-
cessual. In: Temas de direito processual, 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
12. Para isso já alertava Rogério Lauria Tucci. Negócio jurídico processual. Enciclopédia Saraiva
de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 54, p. 190 e ss.
Negócios Jurídicos Processuais 575

Entretanto, essa questão vem sendo muito discutida recentemente, em outros pa-
íses13 e no Brasil.14 Foi o debate entre publicismo e privatismo,15 cujo cerne constitui,
justamente, a análise dos limites do papel do juiz e das partes no processo, que trouxe
novos argumentos a propósito do tema.
De fato, em virtude da obra de Oskar Büllow16 e da influência da ZPO austríaca de
1895 (obra de Franz Klein), podemos afirmar que a concepção de processo civil de ín-
dole predominantemente privatista, visto como coisa das partes, foi gradativamente
substituída por uma perspectiva pública, que valorizava o papel do Estado e a autono-
mia da relação processual. Dessa modificação paradigmática advieram o incremento
dos poderes judiciais e a indisponibilidade das normas processuais (e procedimentais),
reduzindo-se a margem de dispositividade das partes.17 Por isso, até bem pouco tempo
atrás, a questão dos negócios processuais poderia ser representativa de uma nostalgia
dessa visão já antiquada, privatista, da jurisdição.

13. Na França: Loïc Cadiet. Le conventions relatives au procès en droit français: sur la con-
tractualisation du règlement des litiges. Revista de Processo, ano 33, v. 160, p. 61-82, jun.
2008. Na Itália: Federico Carpi. Introduzione. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008; Remo Caponi.
Autonomia privata e processo civile: gli accordi processuali. Rivista trimestrale di diritto
e procedura civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008;
Giorgio de Nova. Accordi delle parti e decisione. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008. Na Alemanha:
Cristoph A. Kern, Procedural Contracts in Germany, In: Antonio do Passo Cabral; Pedro
Henrique Nogueira. Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 179-192; Peter Schlosser. Einverständliches Parteihandeln im deutschen
Zivilprozess. In: Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios Processuais,
Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 105-119.
14. Cf. Diogo Resende de Almeida. Contratualização do processo. Das convenções processuais
no processo civil. São Paulo: LTr, 2015; CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 49; Robson Renault Godinho. Negócios processuais sobre o
ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
15. Cf., sobre o tema: Juan Montero Aroca (coord.). Proceso Civil e Ideología: un prefacio, una
sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006; Leonardo Greco. Pu-
blicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, n. 164, outubro-2008, p. 29-56.
16. V. Oskar Bülow. La teoría de las excepciones procesales, y los presupuestos procesales. trad.
Argentina. Buenos Aires, 1964.
17. A evolução não é linear nem foi pacífica, consoante se extrai das afirmações de Barbosa
Moreira (Privatização do processo? Temas de Direito Processual. 7ª série. São Paulo: Sarai-
va, 2001, p. 12): “Vale a pena recordar que, em época não muito distante – e à qual vai a
nossa dando a impressão de querer assemelhar-se por mais de um prisma –, o processo civil
costumava ser visto como ‘coisa das partes’. Tal concepção, que prevaleceu na Europa até a
primeira metade do presente século, ligava-se naturalmente à filosofia liberal individualista
de que se impregnavam os sistemas políticos então dominantes, e encontrava alento numa
peculiaridade do processo civil, como o concebiam e disciplinavam os países europeus:
a de ter por exclusivo objeto litígios atinentes a relações jurídicas de direito privado – ao
contrário, assinale-se, do que sucede entre nós. Daí a difundida convicção de que ele devia
sujeitar-se à ‘soberania das partes’ – reflexo do princípio da autonomia da vontade, entendido
em termos praticamente absolutos. À luz de certos aspectos da recente evolução histórica,
não será de estranhar que a alguns sorria a ideia de ressuscitar essa moda.”
576 Manual de Direito Processual Civil

No entanto, a experiência jurídica e a dogmática ao longo dos últimos anos, so-


bretudo a partir da segunda pós-guerra,18 fizeram com que a processualística retomas-
se questões notadamente privatistas e enxergasse nelas possíveis vantagens – como
o autorregramento da vontade na relação processual.19 Não faz mais sentido, diga-se,
a contraposição entre público e privado na qual este soa como antigo e aquele como
novo, no processo. Tal despolarização já ocorre no âmbito macroscópico, aplicando-
-se, até mesmo, ao direito administrativo;20 no campo do processo, é justificada pelo
argumento de que a busca do exercício democrático dos direitos fundamentais não
pode ser inviabilizada por uma defesa exacerbada da natureza pública do processo.21
Ainda, tem-se criticado a ideia de que o processo deve servir, exclusiva ou primodial-

18. “Com a reconstitucionalização da Europa ocidental após o término da 2ª Guerra Mundial,


caracterizada pelo abandono da absoluta supremacia do interesse público sobre o interesse
individual e pelo primado da dignidade humana e dos direitos fundamentais, não é mais
possível continuar a submeter as partes no processo civil ao predomínio autoritário do juiz,
sendo imperiosa a reconstrução do sistema processual sob a perspectiva dos cidadãos que
acodem ao juiz para obter a tutela dos seus direitos subjetivos, respeitados o princípio dis-
positivo e a autonomia privada. ” (v. Leonardo Greco, Publicismo e privatismo no processo
civil. Revista de Processo, n. 164, out. 2008, p. 32).
19. A expressão de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado. Tomo III. Rio de Janeiro: Borsói,
1954, Capítulo XI, §§ 254 e ss., p. 54 e ss.) foi adaptada e vem sendo correntemente utilizada
na doutrina processual. V. Nesse sentido: Paula Sarno Braga. Primeiras reflexões sobre uma
teoria do fato jurídico processual – plano da existência. In: Fredie Didier Jr,; Marcos Ehrhart
Jr. (coords). Revisitando a teoria do fato jurídico: homenagem a Marcos Bernardes de Mello.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 466-477.
20. “A maleabilidade do direito público tem conduzido à proposta de uma recomposição geo-
métrica da relação entre Administração e administrado, fazendo com que a verticalidade
estrita (a ordem, o comando, ou a imposição) ceda espaço a uma construção mais horizontal
(o diálogo, a participação ou a concertação). Conferindo novo status ao jurisdicionado e
novas linhas à ação estatal, insere-se aí uma defesa da ‘consensualidade administrativa’;
de uma maior aproximação entre Poder Público e indivíduo (visto como cidadão); enfim,
de uma Administração que não apenas impõe, mas também dialoga e compõe” (Sérgio
Cruz Arenhart; Gustavo Osna. Os ‘acordos processuais no projeto de CPC. – aproximações
preliminares. In: Darci Guimarães Ribeiro; Marco Félix Jobim (org.). Desvendando o novo
CPC. Livraria do Advogado, 2015, p. 141).
21. Essa é a opinião de Juan Montero Aroca (El proceso civil llamado ‘social’ como instrumento
de ‘justicia’ autoritária. In Juan Montero Aroca (coord.), Proceso civil e ideologia, p. 149),
para quem a supremacia do interesse público no processo estaria a respaldar, inclusive,
prerrogativas autoritárias do juiz, típicas de uma estrutura estatal de igual natureza. Parece-
nos, contudo, que não há correlação necessária entre autoritarismo estatal e incremento
dos poderes judiciais, na justa medida em que a atuação do Judiciário pode servir de li-
mite aos demais poderes. Demonstram-no, com exemplos históricos: José Carlos Barbosa
Moreira. Privatização do processo? Temas de Direito Processual. Sétima série. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 12 e Leonardo Greco. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista
de Processo, n. 164, out. 2008, p. 29-56. Afigura-se-nos, ainda, que nem toda forma de
protagonismo judicial se converte em prejuízo à imparcialidade ou autoritarismo no âmbito
judicial. Há situações, como no caso de processo que envolva direitos indisponíveis ou
partes vulneráveis, em que a atuação judicial visa, justamente, à preservação da autonomia
das partes.
Negócios Jurídicos Processuais 577

mente, à aplicação do direito objetivo, relegando-se os direitos subjetivos a um plano


secundário.22
O publicismo exacerbado é que caminha para ser mitigado,23 até mesmo por algu-
mas das premissas metodológicas do CPC/2015 – em especial os deveres fundamentais
de boa-fé (art. 5º) e cooperação (art. 6º).
Com a previsão expressa, no art. 190 do CPC/2015, de negócios processuais atípicos,
esse modo de abordar o tema precisa ser revisto. Até mesmo a expressão acordo proces-
sual conteria, para a doutrina clássica, termos contraditórios entre si, já que o proces-
so é o ambiente do dissenso, e não do consenso.24 Nesse contexto, a visão do processo
como algo não cooperativo (em detrimento do art. 6º do CPC/2015), distanciando o
juiz das partes e o processo do direito material, legou ao sistema processual o dogma da
irrelevância da vontade em relação à prática de atos processuais.25
Como já antecipamos, em outros países estas questões têm sido debatidas. Na Itá-
lia, por exemplo, os acordos processuais de modificação de procedimento precisam,
para valer, de previsão legal.26 Já na França, como veremos logo adiante, o processo re-
cebe contornos notadamente privatistas, bem como na Alemanha, que admite contra-
tos processuais (Prozessverträge).
Embora a discussão a respeito das convenções processuais se tenha acentuado nos
últimos anos, não se trata de uma novidade. Atos de disposição das partes sobre seus

22. Em visão crítica ao que denomina hiperpublicismo, ressalta Antonio do Passo Cabral (Con-
venções processuais, op. cit., p. 108-109) que: “Além de essas formulações hierarquizarem
os escopos do processo, fazendo com que os interesses públicos suplantem os interesses
privados, mesmo ao chegar no ‘escopo jurídico’, o publicismo não se orienta aos jurisdi-
cionados. Não se fala da tutela dos ‘direitos subjetivos’, mas da concretização da lei, i.e., a
aplicação do ordenamento objetivo. O sujeito, portanto, surge apenas indiretamente, como
titular beneficiado pela aplicação da norma. Parece-nos, data venia, um excesso publicita.
A metáfora de Cipriani é interessante e deve ser lembrada: se o processo fosse um hospital,
seria construído e organizado para os médicos, não para os doentes.” A referência contida
no texto pode ser encontrada em: Franco Cipriani. Il processo civile italiano tra efficienza e
garanzie. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, n. 4, 2002, p. 1250.
23. De forma análoga, no âmbito do direito civil, é o privatismo que vem sendo mitigado, o que
reforça a tese da despolarização. Vide, a propósito, o que escrevemos em: Arruda Alvim. A
função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais, v. 815, set. 2003.
p. 11-31.
24. “El acuerdo procesal es algo más que un oxímoron? Podemos hacernos esta pregunta ya
que la expresión ‘acuerdo procesal’ como expresión más general de convención relativa al
proceso, en la que ele acuerdo procesal no es más que una variante, combina dos nociones
que parecen oponerse en todo desde el primer momento, si se quiere definir el proceso
como un desacuerdo” (Cf. Loic Cadiet. Los acuerdos procesales en derecho francés. Civil
procedure review, v. 3, ago-set. 2012, p. 3.)
25. V. Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro.
Disponível em: [ https://www.academia.edu/10270224/Neg%C3%B3cios_jur%C3%AD-
dicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro]. Acesso em 10.08.2015).
26. Remo Caponi. Autonomia privata e processo civile: gli accordi processual. Civil procedure
review, v. 2, jul-set. 2010, p. 45.
578 Manual de Direito Processual Civil

direitos processuais e acordos cujo objeto são situações jurídicas no processo, existem
no CPC/1973 em diversos momentos. Veja-se, como exemplo, a possibilidade de con-
venção sobre: distribuição de ônus de prova (art. 333, parágrafo único, do CPC/1973);
suspensão do processo (art. 265, II, do CPC/1973); adiamento de audiência de instru-
ção e julgamento (art. 453, I, do CPC/1973); realização de liquidação por arbitramen-
to (art. 475-C, I, do CPC/1973), dentre outras. Além de reproduzir estas hipóteses,27 o
CPC/2015 apresenta ainda outras possibilidades, como a escolha convencional do pe-
rito (art. 471) e a delimitação, pelas próprias partes, dos pontos controvertidos de fato
e de direito sobre os quais recai o saneamento do processo (art. 357, § 2º).

14.3. A cláusula geral sobre negócios processuais

Vimos no tópico acima que não é incomum a lei processual dispor sobre a possibili-
dade de as partes realizarem convenções, não só sobre o mérito da demanda, mas sobre
o procedimento em si. É, possível, ainda, que tais negócios processuais incidam sobre
direitos, faculdades, poderes e ônus das partes. Isso decorre do princípio dispositivo,
que dá origem, de acordo com a doutrina nacional, ao princípio do autorregramento 28
da vontade no âmbito do processo.
Ainda, a possibilidade de celebração de convenções atípicas fortalece a autonomia
da vontade no âmbito do processo, confirmando a tendência de se romper com a dico-
tomia existente entre o publicismo e o privatismo, a partir da construção de um proces-
so civil de natureza cooperativa.29
O CPC/2015, quanto a isso, traz uma grande novidade no art. 190,30 estabelecendo
uma cláusula geral que permite às partes entabularem negócios processuais atípicos,

27. V., no CPC/2015, os arts 373, § 3º (distribuição do ônus da prova); 313, II (suspensão do
processo); 362, I (adiamento da audiência de instrução e julgamento); 509, I (liquidação
por arbitramento).
28. “O princípio dispositivo estabelece a disponibilidade sobre a cognição e decisão a respeito
do direito material. E o princípio do debate atribui às partes direitos fundamentais proces-
suais. Por isso, não é propriamente a liberdade contratual do direito privado que justifica a
autonomia das partes no processo. Como o processo é um ambiente publicizado, no qual
a liberdade contratual encontra limitações, é a combinação entre o princípio dispositivo
e o princípio do debate que permite justificar a autonomia das partes” (Antonio do Passo
Cabral. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm: 2016, p. 141).
29. Veja-se, a propósito, o item 11.2 dos Princípios do Processo Civil Transnacional da UNI-
DROIT: “as partes dividem com o tribunal o encargo de fomentar uma decisão justa, eficaz
e razoavelmente rápida do litígio” (disponível em: [http://www.unidroit.org/english/princi-
ples/civilprocedure/ali-unidroitprinciples-e.pdf]. Acesso em 12.06.2016). Também o art. 6º
do CPC/20015 alude à cooperação entre o juiz e as partes. Para Antonio do Passo Cabral,
“a atipicidade dos acordos processuais falará a favor de uma releitura do papel das partes
na condução do procedimento, podendo funcionar como limite ao exercício abusivo ou
excessivo de poderes oficiosos pelo juiz” (Convenções processuais. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 148).
30. Diz o artigo: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito
às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às es-
Negócios Jurídicos Processuais 579

isto é, cujo conteúdo não está previsto ou elencado legislativamente. Dá-se às partes o
poder de flexibilizar o procedimento de acordo com o caso concreto. É preciso analisar
os elementos deste dispositivo.
Em primeiro lugar, exige a lei que o processo que dará sede à celebração do negócio
jurídico tenha por objeto direitos que admitam autocomposição. Tal exigência tem por
fundamento a diretriz, presente no direito, de que não é possível transigir a respeito de
direitos indisponíveis. Por esse mesmo motivo não há audiência de conciliação ou me-
diação, se o direito não é renunciável ou negociável (art. 334, § 4º, II, do CPC/2015).
É preciso atentar, todavia, para o fato de que, à luz das teorias que analisam a efeti-
vação dos direitos fundamentais, a própria noção de indisponibilidade comporta gra-
dações, na medida em que a autonomia da vontade, associada a outros valores, como a
celeridade na concretização dos direitos, podem determinar a necessidade de disposi-
ção, em alguma medida, dos direitos materiais ou processuais. Nesse passo, há quem
aluda a uma espécie de crise conceitual no âmbito do processo – e fora dele –, quanto à
definição de diversos institutos, como a ordem pública, os direitos indisponíveis, as nor-
mas cogentes etc.31 Veja-se, contudo, que mesmo aqueles que relativizam tais conceitos
admitem a existência de um núcleo intangível, essencial, estabelecido pelo próprio di-
reito constitucional como insuscetível de renúncia – e, portanto, indisponível.32
De qualquer modo, o CPC/2015, à semelhança do que faz a lei de arbitragem (art. 1º
da Lei 9.307/96) não aludiu expressamente à questão da disponibilidade do direito, mas
apenas à possibilidade de que este venha a ser objeto de transação. É suficiente, portanto,
para fins de se celebrar uma convenção processual, que o direito admita autocomposição.

pecificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres


processuais, antes ou durante o processo.”
31. V., sobre o tema: Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm,
2016, op. cit., p. 295 e ss..
32. Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 335 e ss.
E, no âmbito do direito constitucional: Virgílio Afonso da Silva. O conteúdo essencial dos
direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de direito do Estado,
ano 1, n. 4, out-dez. 2006, principalmente p. 42-43, em que adere à teoria relativista, assim
explicitada: “Segundo essa versão [relativista], a garantia do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais nada mais é do que a conseqüência da aplicação da regra da proporcionalidade
nos casos de restrições a esses direitos. Ambos os conceitos – conteúdo essencial e propor-
cionalidade – guardam uma íntima relação: restrições a direitos fundamentais que passam no
teste da proporcionalidade não afetam o conteúdo essencial dos direitos restringidos. É nessa
característica que reside o caráter relativo da proteção ao conteúdo essencial. Isso porque a
definição desse conteúdo não é baseada simplesmente na intensidade da restrição, ou seja,
uma restrição não invade o conteúdo essencial simplesmente por ser uma restrição intensa.
À intensidade da restrição são contrapostos os graus de realização e de importância dos
outros princípios envolvidos no problema. Por isso, uma restrição que possa ser considerada
como leve pode, mesmo assim, segundo uma teoria relativa, ser encarada como invasão
do conteúdo essencial de um direito: basta que não haja fundamentação suficiente para
ela. Nesse sentido, restrições não fundamentadas, mesmo que ínfimas, violam o conteúdo
essencial a partir das premissas relativistas. E violações às vezes mais intensas podem ser
consideradas constitucionais, i.e., não violadoras do conteúdo essencial.”
580 Manual de Direito Processual Civil

A ressalva é importante pelo fato de que, por mais paradoxal que possa parecer, há
direitos ditos indisponíveis suscetíveis de serem transacionados, ao menos em relação a
alguns de seus aspectos. Exemplo disso é o que se verifica com o direito à pensão ali-
mentícia que, conquanto indisponível, admite negociação concernente ao seu valor.
Note-se, ainda, uma importante diferença entre dispor completamente de um di-
reito e negociar a respeito de questões procedimentais que versem sobre esse mesmo
direito. Nesse sentido, existe a possibilidade de que o Ministério Público firme Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) em ação civil pública33 que trate de direito difuso,
por excelência indisponível;34 o objetivo desse instituto é, justamente, o de adequar a
conduta do potencial violador desse tipo de direito à lei, para o que se determinam pra-
zos e se especificam condutas a serem praticadas. De forma análoga, a Lei de Arbitra-
gem permite, a partir de alteração implementada pela Lei 13.129/2015, a utilização da
via arbitral para resolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º,
§ 1º, da Lei 9.307/1995).
Ao aludir a direitos que admitam autocomposição, a redação do dispositivo recomen-
da, justamente, a necessidade de interpretação e discussão sobre a questão. Como a ma-
téria é correlata aos limites de disponibilidade de cada direito, a definição do objeto da
convenção remanesce como matéria extremamente complexa. De todo modo, se pode
dizer ser inviável a celebração de convenção processual em ações de reconhecimento
de paternidade, ou de interdição, por exemplo.
Ressalte-se, ainda, que a disponibilidade do direito material não encerra, necessaria-
mente, a disponibilidade de todo e qualquer direito processual; 35 o que não se permite

33. Veja-se, sobre o tema, bem como sobre a natureza jurídica (transação, negócio jurídico ou
reconhecimento de conduta ilícita) do compromisso de ajuste de conduta: Geisa de Assis
Rodrigues. Ação civil pública e termo de ajuste de conduta. Teoria e prática. Rio de Janeiro:
Gen-Forense, 2006, p. 204 e ss.; Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, A proteção dos interesses
difusos através do compromisso de ajustamento de conduta, tese aprovada no 9º Congresso
Nacional do Ministério Público, em Salvador, 1992.
34. Vale dizer, inclusive, que a Resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Pú-
blico recomenda que o órgão ministerial firme convenções processuais (art. 15), deixando
claro, inclusive, que podem “ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento
de conduta” (art. 17). Sobre o assunto, vale conferir, com grande proveito: Antonio do Passo
Cabral. A resolução nº 118 do Conselho Nacional do Ministério Público e as convenções
processuais. In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, p. 541 e ss.
35. Em sentido contrário à previsão do CPC/2015, Antonio do Passo Cabral defende a ausência
de correlação necessária da indisponibilidade do direito material com as prerrogativas
processuais e vice-versa: “De um lado, a disponibilidade sobre o direito material não gera
necessariamente a disponibilidade sobre o processo ou sobre a tutela jurisdicional desses
mesmos direitos. Os interesses materiais em disputa podem ser indisponíveis, mas ainda
assim as partes podem acordar sobre inúmeros aspectos processuais, como a eleição de
foro, redistribuição de ônus da prova, suspensão do processo, dilação de prazos, preclusões
e formalidades dos atos do processo. Pensemos em um litígio envolvendo um incapaz: seria
inadmissível uma convenção que alterasse prazos para ampliá-los em favor do incapaz?”
(Convenções processuais, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 298).
Negócios Jurídicos Processuais 581

é o contrário, i.e., que, sendo o objeto do processo um direito insuscetível de transação,


sejam celebrados negócios jurídicos processuais atípicos.
No tocante ao objeto dos negócios jurídicos processuais, dispõe o art. 190 do
CPC/2015 que poderão consistir em: a) mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa; b) convenções sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais.
Quanto à primeira possibilidade – mudanças no procedimento para ajustá-lo às es-
pecificidades da causa – a doutrina tem denominado de flexibilização procedimental
voluntária,36 em detrimento daquela imposta pelo juiz, que pode ser chamada de adap-
tabilidade judicial.37 Trata-se aqui de as partes estabelecerem, por exemplo, prazos di-
latados para a prática de determinados atos processuais (vinte dias para contestar; dez
dias para manifestação sobre documentos), ou de preverem antecipadamente que as
alegações finais serão apresentadas por memorial, e não em audiência.
As convenções a respeito das atitudes das partes no processo podem ser diversas es-
pécies: por exemplo, pode haver acordo sobre rateio de despesas processuais (ao invés
de arcar o sucumbente, sozinho), ou ainda uma convenção que limite o número de tes-
temunhas arroláveis por cada parte (alterando, para o caso, o limite do art. 357, § 6º).
As duas espécies de negócios jurídicos – os que alteram o procedimento e os que
dispõem sobre atitudes das partes – são muito semelhantes entre si, e frequentemente
uma convenção processual terá consequências tanto procedimentais quanto compor-
tamentais.
No tocante ao momento em que são celebradas, conforme já antecipamos, o
CPC/2015 permite, acertadamente, que os negócios processuais consistam em declara-
ções de vontade anteriores ou concomitantes à formação da relação jurídica processu-
al. Pode ocorrer (e, acreditamos, frequentemente ocorrerá) que o próprio instrumento
contratual onde se preveja a relação de direito material já contenha as cláusulas de efi-
cácia sobre o futuro e eventual processo a ser instaurado. É o caso das cláusulas de elei-
ção de foro (art. 63 do CPC/2015), exemplo de negócio processual típico anterior ao
processo. Nada impede, no entanto, que durante o trâmite da demanda sejam entabu-
lados acordos, por exemplo, na audiência de conciliação e mediação ou durante a fase
de saneamento e organização do processo.

14.4. Requisitos dos negócios jurídicos processuais


As convenções processuais submetem-se aos requisitos de validade comuns aos ne-
gócios jurídicos em geral, como a capacidade das partes, a licitude do objeto e a obser-
vância de forma prescrita ou não vedada em lei.
É necessário observar, ainda, se as partes manifestaram sua vontade de forma, efeti-
vamente, livre e consciente. Caso contrário, verificado algum vício do consentimento,

36. Cf. Fernando Gajardoni. Flexibilização procedimental. São Paulo: Atlas, 2008, p. 215 e ss.
37. V. Guilherme Peres de Oliveira. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento
pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013.
582 Manual de Direito Processual Civil

como aqueles previstos pelo Código Civil (arts. 138 a 157), é possível a invalidação do
acordo, como se verá adiante.
Merece especial atenção a alusão, feita no art. 190 do CPC/15, à necessidade de que
sejam tais negócios celebrados por pessoas plenamente capazes. Tal previsão conduz à
indagação sobre as consequências de acordo processual celebrado por incapaz, mesmo
estando regularmente representado ou assistido.38 Parece-nos ponderável o raciocínio
de que a disposição do art. 190 do CPC/15 estabelece hipótese de nulidade processual,
que pelo direito processual – e à luz de seus princípios – deve ser interpretada.
Logo, o negócio celebrado por – absolutamente ou relativamente – incapaz, devida-
mente representado ou assistido, existe e será reputado válido. A nulidade do negócio
apenas será decretada, no caso específico, se houver prejuízo ao incapaz.39-40
Há certa discussão sobre a necessidade de que o juiz homologue os acordos proces-
suais para que eles tenham eficácia. É claro que o juiz deve, sempre, realizar, mesmo
de ofício, o controle de legalidade e validade sobre os acordos (art. 190, parágrafo úni-
co, do CPC/2015), como veremos logo adiante. A questão, no entanto, se põe quanto
à possível eficácia antes mesmo, ou independentemente, do contato do juiz com o ne-
gócio processual. Sobre isso, a regra geral do código é que os atos das partes, mesmo as
declarações bilaterais de vontade, produzem a constituição, modificação ou extinção

38. O código faz menção expressa a partes plenamente capazes (art. 190, do CPC/2015), do que
se infere que eventual nulidade decorreria de convenções celebradas pelas partes absoluta
ou relativamente incapazes (arts. 3º e 4º do CC/2002), ainda que assistidas ou representadas.
A lei processual se refere, portanto, à capacidade de exercício de direitos e deveres, definida
no âmbito do Direito Civil. Em interpretação diversa, afirma Pedro Henrique Nogueira que:
“A incapacidade de que cuida o dispositivo em comento é a processual. Por isso, aqueles
que, a despeito de possuírem capacidade plena no direito civil, estejam desprovidos de plena
capacidade processual (por exemplo, o réu preso ou o civilmente incapaz representado, mas
com representante em situação de colisão de interesses) não podem ser sujeitos de negócios
processuais ou de convenções sobre o processo. O processualmente incapaz, desde que
representado, pode celebrar negócios processuais. A pessoa portadora de deficiência tem
capacidade para celebrar negócios processuais; quando o portador de alguma deficiência
estiver submetido à curatela que alcance a representação para a prática do ato de dispo-
sição sobre o direito litigioso, é possível a celebração de negócio processual, fazendo-se
representar por seu curador (Lei 13.146/2015)” (Pedro Henrique Nogueira. Comentário
ao art. 190. In Teresa Arruda Alvim Wambier [coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo
código de processo civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 633).
39. Em conformidade com o texto: Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria
processual: rumo a uma nova era? In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira.
Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 74.
40. De forma semelhante, defendendo a possibilidade de celebração de negócios jurídicos
processuais por pessoas incapazes na perspectiva do direito civil, conquanto sua capacidade
de estar em juízo seja integrada pela presença do assistente ou representante, e desde que o
resultado da convenção favoreça a parte vulnerável: Antonio do Passo Cabral. Convenções
processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 276-266; Leonardo José Carneiro da Cunha.
Comentário ao art. 190. In Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coord.). Comentários
ao novo Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.
Negócios Jurídicos Processuais 583

de direitos imediatamente (art. 200 do CPC/2015). Quer dizer, não há, como regra, a
necessidade de chancela judicial para que surtam efeitos.
Houve quem defendesse que quaisquer declarações bilaterais de vontade, para te-
rem validade e eficácia, necessitariam de um pronunciamento judicial integrativo.41
Todavia, pela redação do art. 190 do CPC/2015 fica evidente que prevaleceu o entendi-
mento de que tal homologação só seria necessária nas hipóteses exigidas por lei,42 como
é o caso da desistência da ação (art. 200, parágrafo único, do CPC/2015, cuja redação
reproduz o conteúdo do art. 158, parágrafo único, do CPC/1973). Nesse sentido já se
havia consolidado a jurisprudência à luz do CPC/1973, ao se posicionar no sentido de
que a transação realizada entre as partes produz efeitos imediatos sobre a relação jurídi-
ca material, prestando-se a homologação judicial ao objetivo de encerrar o processo.43

14.5. O controle judicial dos negócios jurídicos processuais


Seguindo a concepção do CPC/2015 de respeitar o autorregramento da vontade, em
especial quando o tema são negócios processuais, o espaço para que o juiz recuse sua
aplicação é consideravelmente estreito. Trata o código, no art. 190, parágrafo único, de
três situações bastante específicas nas quais pode haver invalidação de um acordo pro-
cessual. Vale dizer que, em todos estes casos, caberá ao juiz “de ofício ou a requerimen-
to” controlar a validade da convenção.
Nulidade – caso não estejam presentes os requisitos de existência e de validade do
negócio jurídico (partes capazes, objeto lícito e forma não prescrita em lei), a conven-
ção deve ser invalidada, como todo outro negócio jurídico. Os requisitos, neste parti-
cular, devem ser os do art. 166 do Código Civil.
Cuidando-se, porém, de um negócio jurídico de natureza processual, há que se aten-
tar para o regime jurídico que este ramo do direito estabelece para as nulidades, espe-
cialmente para a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas. Deste modo,
ainda que descumprido um determinado requisito de validade da convenção processu-
al, não há que se decretar a sua nulidade se não houver prejuízo ao interesse a ser pro-
tegido por aquela específica formalidade. Imagine-se, por exemplo, um acordo proces-
sual firmado por menor não representado ou assistido, que redistribui o ônus da prova
de modo favorável ao incapaz; nesta hipótese, fica claro que a convenção não trouxe
qualquer prejuízo aos interesses do incapaz, não havendo razão para a sua invalidação.

41. V. José. Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades
processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 69; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade
Nery. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 761.
42. Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz. Comentário ao art. 200. In Teresa Arruda Alvim Wambier
[coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. e atual.,
São Paulo: RT, 2016, p. 655; Pedro Henrique Nogueira. Comentário ao art. 190. In Teresa
Arruda Alvim Wambier [coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo código de processo
civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 631.
43. STJ, 2ª T., REsp 866.197/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18.02.2016, DJe
13.04.2016.
584 Manual de Direito Processual Civil

Inserção abusiva em contrato de adesão – os contratos de adesão, que preveem cláu-


sulas pré-estabelecidas, que comportam pouca ou quase nenhuma possibilidade dis-
cussão pela parte hipossuficiente, são alvo de proteção especial pela lei, diante da fa-
cilidade com que podem receber disposições abusivas. O Código de Defesa do Consu-
midor estabelece o conceito (art. 54, caput) e o regime jurídico aplicável aos referidos
contratos (art. 54, § 1º a § 4º; art. 18, § 2º, do CDC); em complementação, o CC/2002
prevê critérios para a interpretação de tais contratos com vistas a preservar a igualda-
de entre as partes (arts. 423 e 424 do CC/2002). É importante notar, neste ponto, que
a simples inserção de cláusula de acordo processual em contrato de adesão não é moti-
vo suficiente para a sua invalidação, sendo necessário, como se pode ver da redação do
art. 190, parágrafo único, do CPC/2015, a presença de abusividade.
Manifesta situação de vulnerabilidade – a vulnerabilidade a que se refere o disposi-
tivo ocorre em situações de manifesto desequilíbrio entre as partes, sobretudo do ponto
de vista técnico. Nestes casos, é possível que uma das partes aceite dada convenção pro-
cessual sem ter a exata noção dos prejuízos que podem ser causados à defesa de seus
interesses em juízo.
Nesse sentido, esclarecedora a lição de Flávio Luiz Yarshell, para quem “a eventual
preponderância de um dos sujeitos não deve resultar em regras a ele favoráveis e desfa-
voráveis ao adversário”;44 o que importa notar, aqui, é que as desigualdades existentes
no plano substancial não podem refletir no processo de forma a viabilizar negócios ju-
rídicos celebrados em detrimento da parte mais fraca.
Nesse contexto, merecem especial atenção as situações em que uma das partes firma
acordo processual desacompanhada de advogado. Se, por um lado, é certo que a presen-
ça do procurador não é requisito para a validade da convenção – vez que, a rigor, não se
trata de ato postulatório –, parece claro, por outro, que, nestes casos, é grande a chance
de que, por não deter conhecimento técnico, a parte acabe por dispor de seus direitos
processuais sem ter a completa noção das consequências de seus atos.

14.6. Os limites dos negócios processuais


Tema de grande relevância que diz respeito aos acordos processuais é a limitação do
seu objeto. Deve-se inquirir: até que ponto podem as partes substituírem-se à lei na es-
tipulação de novas regras de procedimento ou de diferentes ônus, poderes, faculdades
e deveres? A doutrina e a jurisprudência deverão gradualmente construir os contornos
destes limites, mas cabe reconhecer que há, de plano, duas restrições claras: a) em rela-
ção à atividade judicial; e b) em relação ao devido processo legal.
Em primeiro lugar, note-se que as partes podem convencionar a respeito dos seus
ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Entretanto, no que toca ao órgão ju-
risdicional, tem-se que, embora possa chancelar e concordar com a implementação do

44. Cf. Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova
era? In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 69.
Negócios Jurídicos Processuais 585

negócio, não pode ser atingido sobremaneira pelos efeitos dos acordos das partes. O juiz
não é parte integrante do negócio jurídico processual. Em outras palavras, não há con-
trole sobre a conveniência do negócio; apenas sobre sua validade. A grande dificuldade
consiste, nesse ponto, em precisar que tipo de interferência das convenções bilaterais
sobre a atividade judicial não pode ser admitida.
Há posições doutrinárias que entendem haver a possibilidade de negócios pluri-
laterais com a participação do juiz – e, quanto a estes, resta o julgador obrigado, pois
também teria concorrido para elaborar e implementar a solução alcançada.45 Todavia,
temos para nós que é inadmissível o julgador participar de um acordo processual que é
das partes. Entretanto, esse nosso posicionamento não obsta a que o juiz controle a va-
lidade das convenções, concorde com a fixação de datas para a prática de atos processu-
ais e seja alcançado pelas consequências do acordado (cf. art. 356, § 2º, do CPC/2015),
em algumas hipóteses, como a que prevê a alteração de prazos.
É o que ocorre com a questão da calendarização (art. 191 do CPC/15), que aborda-
remos adiante. Nesses casos, há exigência expressa da concordância do juiz.
No entanto, quanto aos negócios bilaterais, que são o objeto do art. 190 do
CPC/2015, pensamos que a atividade judicante não pode ser desfigurada pela auto-
nomia privada das partes. Tomem-se como exemplos os acordos processuais que ver-
sam sobre a instrução processual. Seria lícito, questiona-se, às partes, convencionar
de antemão que, se houver ajuizamento de demanda por descumprimento de deter-
minado contrato, não será permitida a realização de prova pericial? Tal acordo limita
os ônus probatório dos litigantes, mas atinge diretamente também o material fático
(e, neste caso, técnico) sobre o qual o juiz se debruçará para pronunciar o julgamen-
to de mérito. A doutrina, em pontos como esse, tende a se dividir entre posições mais
e menos liberais.
No direito alemão, a título de exemplo, convenções que limitem a atividade pro-
batória não impedem que o juiz, oficiosamente, decrete a sua produção. Quer dizer, o
acordo tem o efeito de impedir que as partes postulem pela produção da prova, mas não
pode haver negócio processual influindo e limitando o convencimento judicial.
No Brasil, a solução não parece ser a mesma: muito embora a lei preveja possibili-
dade de produção de provas ex officio (art. 370 do CPC/15), sempre entendemos que a
atuação oficiosa do juiz deveria ser supletiva à atividade das partes, somente se justi-
ficando: a) nas hipóteses de manifesta disparidade de armas; b) nos casos que versem
direitos indisponíveis e c) em situações nas quais o juiz já disponha de algum indicati-
vo da prova a ser produzida (v.g. testemunha ou documento referidos por uma das par-
tes) para esclarecer os fatos que as partes não demonstraram. Dessa forma, parece-nos
que há, em princípio, possibilidade de acordo pela não produção de provas em sede de
processo que verse direitos disponíveis, limitando-se a cognição do juiz pelo consenso e

45. Em sentido contrário, entendendo que órgão judicial jamais é parte de acordos processuais:
Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais: entre publicismo e privatismo, p. 236-
239; id., Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 223-226.
586 Manual de Direito Processual Civil

pela conveniência das partes.46-47 Não se pode, todavia, chegar ao extremo de se permi-
tir uma convenção que excepcione, por exemplo, a proibição de utilização de provas
ilícitas (art. 5º, LVI, da Constituição Federal), porque, em tal caso, estar-se-ia incorren-
do em disposição desarrazoada do devido processo legal.48-49
Nesses casos, a convenção que proíba a parte de praticar determinado ato (como
requerer a produção de certa prova) não altera, verdadeiramente, o procedimento. Um
acordo dessa espécie apenas impõe à parte que adote um específico comportamento
dentre vários que lhe seria lícito adotar. Quer dizer, são cláusulas que não alteram o pro-
cedimento verdadeiramente, mas apenas restringem a atuação das partes, obrigando-as
a um comportamento dentre vários possíveis.50 De toda forma, são os ônus das partes,
e não os poderes-deveres do juiz, que são negociados.

46. Em conformidade com o texto: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria Oliveira.
Curso de direito processual civil, v. II, 10ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 90 e 91; id.,
Curso de direito processual civil, v. II, 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 94-95 citando
diversos exemplos. Em sentido aparentemente oposto, por entender que, num ordenamento
que adota a busca da verdade com um de seus pilares, não poderiam as partes dispensar o
juiz da atividade instrutória, estabelecendo, por exemplo, a dispensa de um meio de prova
no processo: V. Michele Taruffo. Verità Negoziata? Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008, p. 92.
47. Naturalmente que, sendo verificada qualquer das hipóteses mencionadas, como é o caso
da hipossuficiência técnica de uma das partes, tal solução não se aplicará. Esse ponto foi
alvo das ponderações de Leonardo Greco, cujo posicionamento é semelhante ao nosso:
“Se o juiz não deve transformar-se num investigador sistemático, sob pena de pôr em risco
a sua imparcialidade, por outro lado não deve ele deixar de ir em busca da verdade quando,
sabedor de que ela se encontra ao seu alcance, as partes não a tiverem trazido ao processo
em razão de deficiência no exercício do seu direito de defesa. Admitir que a liberdade das
partes de dispor dos seus interesses pudesse forçar o juiz a aceitar como verdadeiros fatos
absolutamente inverossímeis, seria transformar o juiz num fantoche, demolir a confiança da
sociedade na justiça e colocá-la a serviço da simulação e da fraude. Aceitar que, diante da
insuficiência probatória decorrente da iniciativa deficiente das partes, devesse o juiz lavar
as mãos, seria desobrigá-lo de exercer a tutela efetiva dos direitos dos seus jurisdicionados,
deixando-os entregues à própria sorte e contentando-se com uma igualdade das partes
meramente formal.” (Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, n. 164,
out. 2008, p. 46).
48. De acordo: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga. Carta psicografada como fonte de prova no
processo civil. Repro, n. 234, ago. 2014.
49. Concordamos, no particular, com as seguintes conclusões de Antonio do Passo Cabral: “As
partes não podem, através de convenções processuais, dispor sobre prerrogativas do juiz.
Toda vez que o magistrado forem atribuídas iniciativas independentes da atuação das partes,
o juiz poderá atuar, a despeito de também ter o dever de dar cumprimento às convenções
das partes. Mas se os poderes do juiz forem subordinados pelo agir das partes, é possível
que o exercício da autonomia, por meio dos acordos, reduz ou impeça a atuação judicial.”
(Convenções processuais: Salvador: JusPodivm, 2016, p. 226).
50. “Neste caso, o acordo não altera as regras processuais como tais. Ele apenas exige um certo
comportamento da parte quando as regras processuais permitem à parte agir de mais de um
modo. Em outras palavras, o acordo permanece nos limites das regras processuais e apenas
estipula um certo comportamento dentro da gama de possíveis comportamentos permiti-
Negócios Jurídicos Processuais 587

É de se notar, quanto a isso, que o CPC/2015 parece estar situado em um meio termo
entre a irrelevância da vontade das partes e a prevalência completa do seu autorregra-
mento. Na França, por exemplo, onde o ambiente processual é nitidamente mais priva-
tista que o brasileiro, o código prevê expressamente a possibilidade de acordos que res-
trinjam ou estendam os poderes do juiz. O art. 12, § 2º51 do CPC francês diz que o juiz
é dono da qualificação jurídica dos fatos, sem se atentar expressamente ao nomen juris
atribuído pelas partes.52 No entanto, é possível que as partes entabulem contrato sobre
a qualificação jurídica dos fatos ocorridos no caso, hipótese em que o juiz fica adstrito
a essa qualificação. Quer dizer, as partes podem definir as consequências jurídicas de
seus atos, impedindo o julgador de distanciar-se destas consequências convencionadas,
sobre as quais as partes decidiram limitar o debate. No extremo oposto está o art. 12,
§ 4º53 do CPC francês, que permite também um contrato entre as partes para atribuir ao
juiz a condição de um “amigável compositor” da lide (amiable compositeur). O juiz não
fica adstrito à lei, e se situa em um cômodo vazio legal,54 podendo julgar por equidade.
Segundo Loïc Cadiet a limitação sobre o debate pode significar, ainda, que as partes,
em uma demanda que verse sobre o cumprimento de um contrato de compra e venda,
restrinjam o debate a respeito da validade do mesmo contrato. No Brasil, uma convenção
deste tipo é possível através do chamado acordo de saneamento (art. 357, § 2º do CPC/15),
negócio processual típico que, todavia, exige homologação judicial para ter eficácia.
De todo modo, ainda que seja difícil, neste momento, precisar quais são os exatos
limites da negociação processual, pode-se dizer que os acordos que limitarem desarra-
zoadamente os poderes inerentes à atividade jurisdicional são inválidos, e extrapolam
o previsto no art. 190 do CPC/2015, que, aliás, cuida de convenções sobre processo e
procedimento, mas não sobre a jurisdição.55

dos pela lei processual”. (Christoph Kern. Procedural contracts in Germany. In Antonio do
Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 84 – tradução nossa).
51. ‘[o juiz] não pode modificar a denominação ou o fundamento jurídico, desde que as partes,
em virtude de um acordo expresso e relativo a direitos de que tenham a livre disposição, o
tenham ligado por qualificações e pontos de direito em relação aos quais elas entendem
limitar o debate’ (tradução nossa).
52. Essa regra equivale à diretriz iura novit curia, segundo a qual o Judiciário não fica limitado
ao direito alegado pelos litigantes (embora, no Brasil, a regra sofra a exigência de prévia
intimação das partes, conforme o art. 10 do CPC/15).
53. ‘’Nascido o litígio as partes podem também nas mesmas matérias e sob a mesma condição,
conferir ao juiz a missão de decidir como árbitro que decide por equidade, com a reserva de
cabimento de apelação, salvo se expressamente renunciaram o uso deste recurso” (tradução
nossa).
54. Loic Cadiet. Los acuerdos procesales en derecho francés. Civil procedure review, v. 3, ago-
set. 2012, p. 21.
55. De forma análoga, também não se pode admitir a celebração de acordos que gerem pre-
juízos a terceiros, tais como os exemplificados por Antonio do Passo Cabral: “convenções
pelas quais as partes alteram o local dos atos processuais para for a da sede do juízo, o que
levaria juízes e servidores a deslocarem-se, com evidentes custos de transporte; convenção
588 Manual de Direito Processual Civil

Já em outro aspecto, por mais amplas que possam ser as convenções processuais,
não podem resultar em violação ao núcleo essencial das garantias processuais constitu-
cionais e infraconstitucionais. Isto é, as convenções processuais não podem macular de
forma absoluta e desproporcional o devido processo legal.56
Pense-se em primeiro lugar nos acordos sobre prazos processuais. A sua dilatação,
quando convencionada, não oferece maiores problemas, já que o próprio juiz pode ofi-
ciosamente aumentar prazos (art. 139, VI, do CPC/2015). A questão permanece sobre
negócios que prevejam a redução do tempo disponível para a desincumbência de ônus
processuais. É possível estabelecer, de antemão, que o prazo para contestar uma ação
será de dez dias, ou que a manifestação sobre documentos juntados pela parte contrá-
ria é de três dias? A resposta, em tese, é afirmativa. Não há impedimento legal para con-
venções desta natureza. O que não pode ocorrer é que, por conta da redução, restem
violados direitos como o do contraditório. Se, em um caso concreto, configurar-se essa
violação, não pode prosperar o negócio jurídico.
Por outro lado, como já dissemos, não é possível, de modo algum, que sejam firma-
das convenções visando a possibilitar o uso de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI da
CF/88), ou, ainda, que permitam a prolação de decisões judiciais não fundamentadas,
ou restrinjam a publicidade do processo fora das hipóteses legais (art. 93, IX, da CF/88).
Nessa mesma linha, exemplificativamente, a doutrina já identificou como limites –
não exaustivos – à convenção procedimental das partes: a) exclusão ou restrição da in-
tervenção do Ministério Público, quando esta é determinada por lei ou pela Constitui-
ção; b) a alteração de regras cuja inobservância conduz à incompetência absoluta; c) a
disposição sobre normas de organização judiciária; d) a dispensa das partes dos deveres
à litigância proba; f) a criação de sanções processuais por atos atentatórios à dignidade
da justiça ou por litigância de má-fé; g) a criação de recursos não previstos em lei; h) a
criação de hipóteses de ação rescisória e de outras medidas tendentes a desconstituir a

que impusesse audiência por videoconferência utilizando tecnologia de última geração


não disseminada nas serventias judiciárias; ou ainda acordos que determinassem horários
de audiência antes ou depois do horário de funcionamento ordinário do fórum, impondo
custos de segurança, limpeza, energia elétrica e outros.” (Convenções processuais. Salvador:
JusPodivm, 2016, p. 329).
56. Mesmo para aqueles que enfatizam a maleabilidade dos direitos fundamentais – carac-
terística que, de fato, lhes é inerente – concordam nesse ponto: “Seria impensável uma
disposição ou renúncia absoluta e incondicional às garantias fundamentais do processo.
Até mesmo os meios extrajudiciais de solução de conflitos, como a arbitragem, onde se
aceitam maiores renúncias à ação e ao processo estatal, a compreensão disseminada é a
de que os diretos fundamentais processuais não podem ser totalmente abandonados. Vale
dizer, procedimentos deformalizados de solução de solução alternativa não significam au-
sência total de ordenação, previsibilidade e garantias próprias do devido processo. Assim,
mesmo nestes procedimentos, devem-se respeitar princípios processuais básicos como
boa-fé, independência e imparcialidade do terceiro decisor (árbitro, p. ex.), contraditório,
dentre outros” (v. Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 336).
Negócios Jurídicos Processuais 589

coisa julgada e i) a dispensa do requisito do interesse processual;57 j) a dispensa da ca-


pacidade postulatória; l) a desnecessidade de segredo de justiça; m) o afastamento da
possibilidade de o juiz julgar, em qualquer caso, com base nas regras de distribuição
do ônus da prova.58
Há, porém, inúmeras questões polêmicas que afligem a doutrina, tais como os limi-
tes e possibilidades de convenções em matéria probatória59 e recursal60.

14.7. O calendário processual

Prevê o art. 191 do CPC/2015 a possibilidade de as partes e o juiz, de comum acor-


do, fixarem calendário para a prática de atos processuais. Cuida-se, a calendarização,
de tema afeto aos negócios jurídicos processuais, embora seja possível a elaboração do
calendário sem qualquer outra flexibilização procedimental ou disposição de ônus, fa-
culdades ou direitos processuais.
Trata o calendário da programação dos atos processuais a partir de datas-limites
que, em geral, podem comportar a modificação do procedimento pelas partes e pelo
juiz, nos limites do art. 190, caput, do CPC/2015. Assim, a partir da petição inicial, a
contestação, a réplica, a produção de provas e a realização de audiências poderão dar-
-se em termos fixados pelas partes, semelhantemente ao que ocorre em procedimen-
tos arbitrais.
Dessa forma, está-se diante de uma técnica de gestão processual praticada pelas par-
tes sob a vigilância do juiz, que se limita homologar o acordo, não integrando a manifes-
tação de vontade.61 Contudo, é possível dessumir da redação do art. 191 do CPC/2015
a possibilidade de concorrência da vontade do juiz,62 sem, contudo, implicar a imposi-
ção de sua autoridade para o fim de estabelecer unilateralmente o calendário. Diz o § 1º

57. Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era?
In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 73.
58. Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 269-271.
59. Cf. Robson Renault Godinho. A possibilidade de negócios jurídicos em matéria probatória.
In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 407-416.
60. Paulo Mendes de Oliveira. Negócios processuais e o duplo grau de jurisdição In Antonio
do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 417-441; Júlia Lipiani; Marília Siqueira. Negócios jurídico processuais sobre a
fase recursal. In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, p. 445-478.
61. “Juiz não ‘participa’ do acordo sobre calendarização. Ele se submete ao calendário se o
homologar, mas essa homologação é apenas um elemento integrativo de eficácia do negócio
jurídico. (Eduardo José Fonseca da Costa, Calendarização processual. In Alexandre Freire,
et. al. (org.) Novas tendências do processo civil, v. 1 Salvador: JusPodivm, 2014.
62. É possível, por exemplo, que seja o juiz a sugerir os prazos estabelecidos, e é mesmo neces-
sário que a designação de certos atos observem, por exemplo, as limitações impostas pela
pauta de audiências daquele juízo.
590 Manual de Direito Processual Civil

do citado art. 191 que o calendário vincula as partes e o juiz, e que os prazos nele pre-
vistos somente poderão ser alterados em casos excepcionais, devidamente justificados.
Através do calendário, pode haver dilatação ou redução de prazos processuais – ten-
do sempre em mente o que foi dito acima sobre a violação do devido processo legal. A
principal vantagem do calendário processual é a facilidade de gestão da unidade judi-
cial, pois a partir da fixação das datas, dispensa-se a intimação das partes para a prática
de atos processuais ou realização de audiências (art. 191, § 2º). Isso significa, na prática
forense, que o controle dos processos calendarizados poderá ocorrer com uma agenda,
não necessariamente através da movimentação dos autos (mesmo que eletrônicos) de
um a outro local.63 Economizam-se dessa maneira os serviços necessários à intimação,
e facilita-se o serviço cartorário.
O momento adequado para o estabelecimento de um calendário, imagina-se, é o da
audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC/2015), quando esta for rea-
lizada.64 Nada impede, no entanto, que o autor proponha o calendário – ou sugira a sua
realização – já na petição inicial, ou o réu na contestação, ou ainda que ambas as partes
apresentem em juízo uma manifestação conjunta. É de se imaginar, ainda, se é possível
que o próprio juiz sugira às partes os termos do calendário. O texto do art. 191 pare-
ce permitir essa possibilidade, e uma vez que todos concordem com as datas fixadas, o
acordo processual deve ser considerado válido.
A inovação trazida pelo calendário vem, naturalmente, acompanhada por alguns
desafios, a começar pelo da adaptação da logística cartorária ao sistema de agendamento
dos atos processuais. O maior obstáculo a ser superado diz respeito, contudo, à modi-
ficação da mentalidade dos profissionais do direito no sentido de deixar de aguardar o
impulso judicial para o prosseguimento do feito, utilizando-se uma programação pre-
viamente estabelecida.
Por fim, diga-se que o acordo dos sujeitos do processo a respeito do calendário vin-
cula as partes e o juiz, e apenas causas excepcionais supervenientes podem alterar os
termos previstos (art. 191, § 1º, do CPC/2015). Naturalmente, pode haver descum-
primentos justificados, na prática intempestiva de determinados atos. Apenas no caso
concreto poder-se-á analisar a justificação suficiente para as modificações do acordo
processual. Do contrário, caso se trate de descumprimento injustificado, ter-se-á como
extemporânea a prática do ato.

63. “A chamada calendarização processual altera completamente as rotinas cartoriais e a forma


de gestão da vara judicial. Quando se está diante de autos em papel, p. x., não há mais sentido
em que os cadernos processuais migrem de escaninho em escaninho segundo uma lógica
de evolução topológico-temporal e sob o controle de fichamentos físicos ou eletrônicos. Em
verdade, o instrumento central de controle do expediente cartorial passa a ser uma agenda”
(Eduardo José da Fonseca da Costa. Calendarização processual In Antonio do Passo Cabral;
Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 357).
64. É a opinião de Pedro Henrique Nogueira. Comentários ao art. 191. In Teresa Arruda Alvim
Wambier, et. al. (coords.). Breves comentários ao novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 595;
2. ed., 2016, p. 635.
15
Comunicação dos Atos Processuais

15.1. Considerações introdutórias


A citação e a intimação são espécies do gênero comunicação dos atos processuais.
Consistem tais institutos nos meios pelos quais se comunicam no processo os respecti-
vos atos. O CPC/1973 referia-se às “comunicações dos atos”, distribuindo tais catego-
rias em comunicação “por ordem judicial” ou “requisição por carta”. O CPC/2015, por
sua vez, ao prever a comunicão dos atos processuais, apenas refere que o cumprimento
deverá ser realizado por ordem judicial (art. 236 do CPC/2015), o que não afasta a clas-
sificação anteriormente existente, visto que os §§ 1º e 2º tratam também da requisição
por carta, que invariavelmente, decorre de uma ordem judicial.
Quando a lei se refere a mandado judicial, significa que há uma ordem direta do juiz ao
oficial de justiça a ele subordinado (art. 250, VI do CPC/2015). O mandado, portanto, é
o instrumento por meio do qual são conferidos poderes ao oficial de justiça para cumprir
uma determinada citação ou intimação1. Havendo carta de ordem, carta rogatória, preca-
tória ou arbitral, haverá sempre uma solicitação de um órgão jurisdicional para outro, sendo
que, na hipótese de carta rogatória, o órgão jurisdicional a que se destina a solicitação será
estrangeiro. Este órgão há de ser considerado na sua competência externa, isto é, solicita-se a
algum órgão jurisdicional de país estrangeiro que cumpra a ordem, e não diretamente a este
ou àquele juiz, o que diria respeito à competência interna; já em se tratando de solicitação
dentro do Brasil, haverá de se dirigir ao órgão jurisdicional, indicando-se-lhe especificamente
a competência interna. Mas, caso se trate de solicitação feita de um tribunal a outro, certa-
mente solicitar-se-á ao presidente do tribunal e não a qualquer órgão interno, de tal tribunal.
Por sua vez, estaremos diante de uma carta de ordem se o juiz for “subordinado”
(isto é, for de gradação jurisdicional inferior ao tribunal, porquanto verdadeira subor-
dinação, em sentido hierárquico-administrativo puro, inexiste no Judiciário). A carta
rogatória, por sua vez, trata de meio de comunicação entre a autoridade judiciária es-

1. V. Helena Abdo, Comentário n° 3 ao Art. 250 do Código de Processo Civil in Breves Comen-
tários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr.,
Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016,
p. 741.
592 Manual de Direito Processual Civil

trangeira e a nacional. Finalmente, nos demais casos no âmbito do Poder Judiciário,


a maneira de comunicação entre órgãos será a carta precatória. Será caso de se enviar
carta precatória, de juízo a juízo, se, por exemplo, a citação do réu houver de se efeti-
var em outra comarca, que não aquela em que foi proposta a ação. Se, no entanto, se
tratar de comarcas contíguas e de fácil comunicação, e naquelas que se situam na mes-
ma região metropolitana, desnecessária será a carta precatória, podendo o oficial de
justiça de uma comarca proceder à citação na outra (art. 255 do CPC/2015).2 Esta ex-
ceção enseja alguma liberdade para o juiz que, motivadamente, será examinada caso a
caso.3 O art. 255 do CPC/2015 se aplica, ademais, à citação, intimações, notificações,
penhoras e quaisquer atos executivos.4
Importante novidade é a previsão da carta arbitral, idealizada para que o Poder Judici-
ário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato
objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral5. A inovação é um
relevante mecanismo para a efetivação das decisões proferidas pelo juízo arbitral, visto que
o ordenamento jurídico não lhe atribuiu competência para a efetivação de suas decisões,
especialmente aquelas relativas à tutela de urgência (agora expressamente previstas pelo
art. 22-A da Lei de Arbitragem – Lei 9.307/1996 – após as modificações realizadas pela Lei

2. Para efeito de citação por Oficial de Justiça nos termos do art. 255 do CPC/2015 (citação
em comarcas contíguas) a Resolução nº 742/2016 do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo regulamentou a citação, no âmbito do tribunal, nas comarcas agrupadas (art. 5º) e
foros regionais (art, 4º), especialmente na região metropolitana de São Paulo, visando deixar
mais claro os casos em que os Juízos deverão praticar diretamente os atos e diligências do
processo e quando deverão deprecá-los.
3. Sobre o assim chamado “poder discricionário da autoridade judiciária” e a crítica que se
faz ao uso desta nomenclatura em sede da teoria geral do processo, v. nosso Arguição de
relevância no recurso extraordinário, p. 15 et seq., e, amplamente, Teresa Celina de Arruda
Alvim Wambier, Medida cautelar, mandado de segurança e ato judicial, 3ª ed., São Paulo:
RT, 1994, p. 121 et seq., e, Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito
direito e de ação rescisória, São Paulo: RT, 2002, pp. 350-388, e Os agravos no CPC brasi-
leiro, São Paulo: RT, 2005, n. 5.4.2. Esta “discricionariedade”, in casu, respeita à facilidade
da comunicação.
4. O CPC/1973 apenas mencionava os atos de citação e intimação, porém já havia inter-
pretação extensiva no sentido de que seria cabível a penhora nas comarcas contíguas,
o que acabou sendo adotado expressamente no CPC/2015. Neste sentido, antes mesmo
da modificação legal: RT 504/166; JUTACivSP 47/60 (m.v.), 62/108 e 72/217, admitindo
a aplicação do art. 230 à penhora. Na doutrina: Humberto Theodoro Júnior, Código de
Processo Civil anotado, Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 156. Em sentido contrário: J. C.
Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p. 240; Contra, em parte: JUTACivSP 63/72 (também publicada em Revista de Processo
[RePro] 19/298).
5. Carlos Augusto de Assis destaca, ainda, que até mesmo a condução coercitiva de testemu-
nha pode ser efetivada via carta arbitral (Carlos Augusto de Assis, Comentário ao art. 248,
José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano,
Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo Civil Anotado, 1ª ed.
Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 374).
Comunicação dos Atos Processuais 593

13.129/2015)6. O instrumento da carta arbitral, além de previsto pelo CPC/2015, encontra


disciplina na Lei de Arbitragem no seu art. 22-C (também incluído pela Lei 13.129/2015),
que resguarda sua confidencialidade de tramitação, caso haja estipulação neste sentido na
convenção de arbitragem (art. 22-C, parágrafo único, da Lei 9.307/1996).7
São requisitos da carta de ordem, precatória e rogatória, a indicação dos juízos de origem
e de cumprimento do ato, inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento
de mandato conferido ao advogado, menção do ato processual que lhe constitui o objeto
e, finalmente, o encerramento com a assinatura do juiz. A carta arbitral, além de obedecer
a estes requisitos, deverá ser instruída com a convenção de arbitragem e com as provas de
nomeação do árbitro e a aceitação de sua função (art. 260, § 3º, do CPC/2015), para que
seja possível a efetiva aferição da existência da jurisdição arbitral por parte do requisitante.8
Sendo recebidas as cartas, o juiz apenas poderá recusar o seu recebimento caso a carta
não esteja revestida dos requisitos legais acima indicados (art. 267, I do CPC/2015), caso
lhe falte competência (art. 267, II do CPC/2015) e, caso o juiz tenha dúvidas respeitantes
à sua autenticidade (art. 267, III do CPC/2015). Na hipótese de incompetência, o juiz de-
precado poderá remeter a carta ao juízo ou tribunal competente (art. 267, parágrafo úni-
co, do CPC/2015). Em todas as hipóteses a decisão deverá ser motivada (art. 267 caput
do CPC/2015), como, aliás, deve ser qualquer decisão judicial. Afinal, o juízo deprecado
não exerce controle do provimento jurisdicional, ficando sua recusa restrita ao descum-
primento dos requisitos formais legalmente previstos9, sendo o mencionado rol taxativo10.

15.2. A citação
A citação, no direito brasileiro, é ato judicial, espécie de ato processual, sendo orde-
nada pelo juiz, sendo que toda a atividade que a antecede é realizada em juízo, pelo juiz
e pelos auxiliares da justiça, cumprindo ordens daquele.
A existência da citação, no início de cada ação, prende-se ao princípio da bilatera-
lidade da audiência, sendo uma exigência impostergável para a existência do processo

6. Sobre as modificações promovidas pela Lei 13.129/2015 na Lei de Arbitragem vide: Francisco
José Cahali; Thiago Rodovalho; Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a lei 13.129 de
26-05-2015. São Paulo: Saraiva, 2016.
7. Sobre a confidencialidade e publicidade nos atos relacionados ao juízo arbitral vide: José
Miguel Júdice, Confidencialidade e Publicidade. Reflexão a propósito da Reforma da Lei de
Arbitragem (Lei n. 13.129 de 25 de maio de 2015). In Francisco José Cahali; Thiago Rodo-
valho; Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a lei 13.129 de 26-05-2015. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 297 a 311.
8. Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.). Primeiros Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 260, p. 495.
9. Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Comentário ao art. 267 do Código de Processo de 2015 in
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte
de Oliveira Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo:
Forense, 2015, p. 786
10. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo
Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 285.
594 Manual de Direito Processual Civil

(em relação ao réu) a fim de que nele seja solucionado a lide (vide arts. 238, 330, 332
do CPC/2015). Antes da citação do réu já existe relação jurídica processual (processo)
tanto que pode esta ser extinta por improcedência liminar do pedido ou indeferimento
da petição inicial, por exemplo.
Tanto o autor quanto o réu devem ser devidamente ouvidos para terem suas razões
sopesadas pelo órgão julgador. Ora, o réu só poderá ser ouvido se tiver ciência da ação
que contra ele é movida e, a forma reconhecida como hábil a tanto, pelo sistema, é a ci-
tação, se bem que o comparecimento espontâneo do réu supre a sua falta ou nulidade
(art. 239, §1.º, do CPC/2015), fluindo, a partir desta data, o prazo para a apresentação
de contestação ou de embargos à execução. O comparecimento consubstancia a finali-
dade última da citação11, qual seja, a de dar ciência ao interessado da demanda e possi-
bilitar o exercício pleno do contraditório.12
Diversamente do CPC/1973, que preceituava que o réu deveria ser chamado aos au-
tos para o fim de “se defender” (art. 213 do CPC/1973), a redação do CPC/2015 apre-
senta uma evolução nos termos técnicos utilizados na conceituação, especificando que
a citação é “o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para in-
tegrar a relação processual” (art. 238 do CPC/2015). A alteração revela que o réu, exe-
cutado e o interessado são chamados para integrar a relação jurídica processual e não
para meramente se “esquivar” da pretensão em face dele exercida.13 A opção do códi-

11. STJ, AgInt no REsp 1.581.770/MS, 4ª T. j. 04.10.2016, rel. Min. Marco Buzzii, DJe 10.10.2016;
STJ, AgRg no Resp 1.483.563/SP, 3ª T. j. 10.03.2016, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
DJe 28.03.2016; STJ, EDcl na Pet 2516/DF 3ª Seção. j. 28.02.2007, rel. Min Arnaldo Esteves
Lima, DJ 26.03.2007; STJ, REsp 512.946/RJ, 3.ª T., j. 22.06.2004, rel. p/ acórdão Min. Nancy
Andrighi, DJ 30.08.2004, p. 281; STJ, REsp 514.304/MT, 3.ª T., j. 02.12.2003, rel. Min. Castro
Filho, DJ 19.12.2003, p. 460.
12. Neste sentido: “Um dos atos processuais mais relevantes é o ato da comunicação ao réu
(ou, como disposto no art. 238 ora estudado, ao executado ou ao interessado) de que foi
proposta ação judicial que diz respeito. Essa é a finalidade última do ato citatório: dar ciência
a alguém de que houve o pedido formulado perante o judiciário em seu desfavor (no caso
do réu ou executado) ou relativo a interesses seus no caso dos interessados).” (Teresa Arruda
Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil.
2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 458.)
13. Sobre a mudança, Antonio Carlos Marcato destaca que: “Ao estabelecer, em seu art. 213,
que a citação é ato pelo qual o réu ou interessado é chamado a defender-se, o CPC omite, de
um lado, a figura do executado e limita, de outro, as finalidades desse ato de comunicação
processual. Correta, portanto, a dicção do art. 238 do NCPC, ao dispor que a citação é o
ato pelo qual se convoca o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação proces-
sual. [...] Há, ainda, a possibilidade de vir a ser necessária a citação de terceiro estranho ao
processo, como no caso daquele que tenha a posse ou o documento a ser exibido em juízo
(art. 401). Finalmente, nem sempre o citando será chamado a defender-se, na dicção do
art. 213, mas sim para exercer outro direito ou faculdade, como, por exemplo, na execução
de alimentos fundada em título executivo extrajudicial, em que o executado é citado para,
no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento das prestações já vencidas antes do início da
execução e as que vierem a vencer no curso dela, provar que as quitou ou, então, justificar
a impossibilidade de quitá-las (NCPC, art. 911, caput, CPC, art. 733 e §§)“ (Antonio Carlos
Marcato, comentário ao art. 238 do CPC/2015 Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis,
Comunicação dos Atos Processuais 595

go é saudável, pois coloca as partes em pé de igualdade no diálogo realizado através do


contraditório.14 Diante desta nova vertente, o próprio direito de defesa passa a ser en-
tendido também como possibilidade de obter a tutela jurisdicional, já que a improce-
dência do pedido do autor leva à satisfação, ao menos em parte, dos interesses do réu.
A alteração na terminologia utilizada também visa a trazer coerência ao sistema pro-
cessual, visto que foi adotada, como regra geral no procedimento comum, a posterga-
ção do início do prazo para apresentação da resposta, devendo esta ser oferecida 15 dias
após a realização audiência de conciliação ou mediação, caso não haja transação que
englobe a totalidade do objeto da demanda (art. 334 c/c 335, I, do CPC/2015) ou, se o
caso, 15 dias após o protocolo pela parte ré do pedido de cancelamento da audiência de
conciliação já devidamente designada nos termos legais (art. 335, II, do CPC/2015).15
Adequada, portanto, a modificação da redação da lei, visto que, em geral, as partes deve-
rão ser citadas para comparecer à audiência de conciliação (art. 250, IV, do CPC/2015)
e não para apresentarem imediatamente a peça defensiva, salvo nas hipóteses legais em
sentido diverso (v.g arts. 334 § 4.º, 683, parágrafo único, do CPC/2015).
Assim, interessa salientarmos que é pela citação que as partes e os interessados, têm
ciência da ação que foi ajuizada, sendo convocados para integrar a relação processual, nos
termos legalmente previstos, em conformidade com o procedimento adotado na demanda.
A citação poderá ser feita pelo correio, pelo oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de
secretaria16, por meio eletrônico17 ou por edital.18
O comum é que ela seja feita pelo correio, pessoalmente ao réu, ao seu represen-
tante, ou, ainda, ao seu procurador (art. 242 do CPC/2015), desde que devidamente
autorizados. No silêncio da lei, no sentido de aí se dispor sobre uma modalidade espe-
cial de citação, diante de determinados pressupostos ou situações excepcionadas pelo
legislador, é de se realizar a citação pelo correio, que é a regra geral (art. 247 do CPC
de 2015). Trata-se da forma prioritária da citação, sendo vantajosa por diversas razões
como o reduzido custo e a relativa rapidez para sua efetivação.19

Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (Coordenadores), Comentários ao Código


de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 307.)
14. A este propósito já havíamos nos manifestado neste sentido em nosso Novo Contencioso
Cível no CPC/2015, São Paulo: RT, 2016, p. 199.
15. Mas especificamente sobre o tema vide o capítulo sobre Audiência de Conciliação e Me-
diação.
16. Hipótese acrescentada pelo CPC/2015: “Art. 246. A citação será feita: [...] III – pelo escrivão
ou pelo chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório”.
17. Nesse caso a citação está regulamentada pela Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a infor-
matização do processo judicial.
18. Relata Cassio Scarpinella Bueno que “no projeto da Câmara, chegou a se cogitar da inclusão
de a citação ser feita também pelo oficial de registro de títulos e documentos, o que não foi
aprovado pelo Plenário da Câmara e, tampouco, consta do novo CPC” (Cassio Scarpinella
Bueno, Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 190)
19. Antonio Carlos Marcato, comentário ao art. 247 do CPC/2015 in Angélica Arruda Alvim,
Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (Coordenadores), Comen-
tários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 318)
596 Manual de Direito Processual Civil

No caso das empresas públicas e privadas (exceto as microempresas e empresas de


pequeno porte), a citação se realizará preferencialmente pela forma eletrônica. Para tanto,
estas devem manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeitos
de recebimento de citações e intimações (art. 246 § 1º do CPC/2015). O cadastro deve
ser realizado no prazo de 30 dias, contados a partir da entrada em vigor do CPC/2015,
ou, da inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, caso seja posterior à vigência
(art. 1.051 do CPC/2015), perante o juízo em que tenham sede ou filial.
Também devem realizar o cadastro, para fins de citação eletrônica, a União, os Es-
tados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas entidades da administração
indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, no prazo de
30 dias contados da entrada em vigor do CPC/2015. Não sendo realizada a citação na
forma eletrônica, ela deve ser endereçada à advocacia pública responsável pela repre-
sentação judicial de cada ente (art. 242, § 3.º do CPC/2015)20.
O CPC/2015, no entanto, não previu expressamente qualquer sanção pelo desres-
peito ao comando legal (realização do cadastro para recebimento de citação eletrônica),
o que poderá diminuir a efetividade da regra.21
O menor púbere deverá ser pessoalmente citado, além da citação endereçada e feita
a seu responsável. Ambos devem ser citados pessoalmente, e, inocorrente essa hipóte-
se, isto acarretará a nulidade do processo.
Quanto à comunicação da reconvenção, bem como da oposição, serão feitas na pes-
soa dos advogados do autor reconvindo e dos opostos (arts. 343, § 1.º e 683, parágrafo
único do CPC/2015), respectivamente, preferencialmente por publicação em órgão ofi-
cial. Na hipótese de a oposição ser deduzida em processo principal que corra à revelia
do réu, será este citado pessoalmente, pelas formas ordinariamente previstas.
Igualmente, o art. 677, § 3.º, do CPC/2015 especifica que a citação nos embargos
de terceiro, será feita diretamente à parte apenas se o embargado não tiver procurador
constituído nos autos da ação principal, devendo ser, em regra, realizada em nome do
advogado constituído nos autos.
Excepcionalmente, portanto, será realizada a citação por oficial de justiça, com hora
certa e por edital, nas circunstâncias que serão estudadas nos tópicos próprios, sendo
regra geral a citação pela via eletrônica e por correio.

20. Corretamente ressalva Cassio Scarpinella Bueno que, “não havendo tal órgão – como sói
ocorrer com municípios e entidades administrativas – a citação deverá ser feita na pessoa
de quem represente o réu, observando-se o disposto nos incisos III e IV do art. 75.” (Cassio
Scarpinella Bueno, Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 189)
21. Daniel Amorim Assumpção Neves critica a ausência de sanção legal pelo descumprimento,
afirmando que: “somente se lamenta que o Novo Código de Processo Civil não tenha previsto
qualquer espécie de sanção às pessoas jurídicas que deixarem de cadastrar se endereço
eletrônico, sendo tal omissão apontada por parcela da doutrina como indicativo de ser
duvidosa a efetividade da importante novidade legislativa” (Daniel Amorim Assumpção
Neves, Manual Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 567.)
Comunicação dos Atos Processuais 597

15.2.1. Citação por correio


A citação será feita pelo correio quando não ocorrentes uma das causas inibitórias
constantes dos incs. I a V do art. 247 do CPC/2015,22 quais sejam: nas ações de estado;23
quando for ré pessoa incapaz; quando for ré pessoa de direito público; quando o réu
residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; e quando o
autor, por motivo justificado, requerer seja procedida a citação de outra forma.
Ao nosso ver, a restrição do art. 247, II, do CPC/2015 (quando o citando for incapaz)
também deve englobar o deficiente mental ou intelectual que não tem plenas condições de
compreensão do conteúdo do mandado de citação, bem como de suas consequências. Embora
capaz, nos termos do art. 6.º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), o de-
ficiente pode ter menor discernimento, sendo-lhe vedado, inclusive, em algumas hipóteses,
praticar alguns atos da vida civil definidos na decisão que instituiu curatela (art. 85 do Esta-
tuto da Pessoa com Deficiência). Afinal, a doutrina já havia indicado que o termo “incapaz”
previsto na alínea b do art. 222 do CPC/1973 (equivalente ao art. 247, II, do CPC/2015) não
se restringe ao civilmente incapaz, devendo ser estendido, também, nesta categoria, aquele
que não tem condições de compreender adequadamente o conteúdo da carta escrita, como
o analfabeto, o deficiente visual, dentre outros.24 Não vemos razão, portanto, para interpreta-
ção diversa vigência do CPC/2015, como, alías, já se vem posicionando parte da doutrina.25

22. Antes das modificações introduzidas no sistema processual civil de 1973 pela Lei 8.710/1993,
em geral mantidas no CPC/2015, a citação somente poderia ser feita pelo correio quando,
cumulativamente, o réu fosse comerciante ou industrial domiciliado, acionado no Brasil,
e a demanda respeitasse à sua profissão ou atividade (art. 222, com a redação original),
devendo tal modalidade ser requerida, pelo autor, expressamente com a petição inicial.
23. Já se decidiu, à luz da redação atribuída pela Lei 8.710/1993 do art. 222 do CPC/1973, que
não pode ser realizada pelo correio a citação em ação de investigação de paternidade, por
ser esta ação de estado, fazendo incidir, portanto, a vedação legal: TJDF, 2.ª T., 13.02.1995,
v.u., rel. Des. Paulo Evandro, IOB 3/11.197.
24. Assim pontuava Egas Dirceu Moniz de Aragão na vigência do CPC/1973, pregando uma in-
terpretação extensiva da interpretação do termo incapaz, quando se referia à citação. Assim
pontuava o autor: “a interpretação do sentido que deve ter o vocábulo incapaz empregado
no texto em foco impõe ao hermeneuta que não se atenha literalmente às regras gerais sobre
capacidade civil das pessoas, com que se preocupa a legislação material; exige-lhe considerar
motivos de oportunidade e conveniência de realizar-se a citação inicial pelo correio, no que
concerne às pessoas que lhe pareçam incapazes para o efeito processual a que o ato visa. A
análise da disposição contida na letra b não pode prescindir do subsídio fornecido pela regra
do art. 226, I, que determina ao oficial de justiça ler o mandado ao citando e, como óbvio,
explicar-lhe o respectivo significado (v. o n. 268). Por isso o conceito de ‘incapaz’ para os fins
previstos na disposição em foco não coincide com a noção que lhe é peculiar nas leis materiais.
Deflui da norma em exame, portanto, que no conceito processual de incapazes estão abrangidos
todos os que não possam, seja qual for o motivo, apreender adequadamente a correspondência
de que são destinatários e seu conteúdo” (Egas Dirceu Moniz Aragão, Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. II, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 193-194). Em igual sentido
também na vigência do CPC/1973: Daniel Francisco Mitidiero (Comentários ao Código de
Processo Civil, Tomo II, (Arts. 154 a 269), São Paulo: Memória Jurídica, 2005, p. 313).
25. No mesmo sentido, já na vigência do CPC/2015: Fredie Didier Jr. na vigência do CPC/2015
(Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
598 Manual de Direito Processual Civil

Importante modificação foi a exclusão dos processos de execução do rol de exceções


à citação por correio, como ocorria anteriormente na vigência do CPC/1973. Uma das
razões da previsão do código anterior era a possibilidade de realização, incontinente,
da penhora de bens em caso de inadimplemento do débito no prazo legal. A sistemá-
tica permitia que fosse entregue um único mandado ao oficial de justiça, que servia à
citação e à eventual penhora. A exclusão poderá trazer mais economia e celeridade aos
procedimentos executivos, especialmente nos casos em que a citação deve ser realiza-
da em comarcas distintas da que foi distribuído o processo.
Uma vez deferida a citação por correio, o escrivão ou o chefe da secretaria remete-
rá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz, sendo-lhe comunicado,
ainda, o prazo para a resposta, o juízo e cartório, com o respectivo endereço (art. 248
do CPC/2015). O mandado deverá conter, ainda, a data, horário e local da audiência
designada, se o caso, devendo o réu ser citado com antecedência mínima de 20 dias da
data da audiência (parte final do art. 334 e 250, IV do CPC/2015).
Ademais, o § 3.º do art. 248 do CPC/2015 determina que, nos processos de conhe-
cimento, a carta de citação deverá seguir os requisitos do art. 250 do CPC/2015 (que in-
dica os requisitos formais do mandado de citação por oficial de justiça). Assim, a exem-
plo do que ocorre com a citação por oficial de justiça, na carta de citação no processo de
conhecimento, além dos requisitos acima, deve constar, necessariamente: a) os nomes
do autor e do citando e seus respectivos domicílios e residências; b) a finalidade da ci-
tação, com todas as especificações da petição inicial, bem como o prazo para contestar
(nos casos legalmente previstos), sob pena de revelia, ou para embargar a execução;
c) cópia do despacho ou da decisão que deferir a antecipação de tutela (se o caso); e, fi-
nalmente, d) a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria de que o subscreve por
ordem do juiz (art. 250, I, II e V, do CPC/2015).
A carta de citação deverá ser registrada para entrega ao citando, exigindo o carteiro,
ao fazer a entrega, que aquele assine o recibo (art. 248, § 1.º do CPC/2015).
A regra é de que a citação há de ser feita pessoalmente (art. 242 do CPC/2015), ao ci-
tando, ou, então, ao seu representante26 ou mandatário com poderes especiais. Coloca-
-se, entretanto, algumas exceções abaixo destacadas.

cesso de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, p. 615) e Luiz Guilherme Marinoni,
Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil Comentado. São
Paulo: RT, 2015, p. 274-275.
26. O art. 75 do CPC/2015 estabelece que serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II – o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; III – o Município, por seu prefeito
ou procurador; IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente
federado designar; V – a massa falida, pelo administrador judicial; VI – a herança jacente
ou vacante, por seu curador; VII – o espólio, pelo inventariante; VIII – a pessoa jurídica, por
quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por
seus diretores; IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem
personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens; X – a pessoa
jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou
Comunicação dos Atos Processuais 599

Na ausência do citando27, poderá ser entregue a carta de citação na pessoa do seu


mandatário (sem poderes especiais), administrador, preposto, ou gerente, quando a
ação se originar de atos por eles praticados (art. 242 § 1.º do CPC/2015).
Também será considerada válida, no caso da citação de pessoa jurídica, a entrega da
carta de citação à pessoa com poderes de gerência geral ou de administração, ou, ain-
da, a funcionário responsável pelo recebimento das correspondências (art. 248 § 2º do
CPC/2015). Nesta hipótese inexiste a restrição em relação à vinculação do objeto da de-
manda com o terceiro, como na hipótese anterior (art. 242 § 1º do CPC/2015). A inova-
ção, em relação ao CPC/1973, fica a cargo da possibilidade do recebimento ser realizado
pela pessoa responsável pelo recebimento da correspondência, pois não é exigível que
os funcionários dos correios saibam exatamente quais são os poderes dos funcionários
das pessoas jurídicas no momento da entrega das correspondências oficias28. Esta hipó-
tese, porém, há muito já era aceita por parte da jurisprudência brasileira29.
Igualmente, há previsão específica em relação aos processos que envolvem contratos
de locação de imóveis. Na hipótese do locador se ausentar do Brasil, sem cientificar o
locatário de que deixou, na localidade em que estiver situado o imóvel, procurador com
poderes para receber citação, poderá ser citado na pessoa do administrador do imóvel
encarregado do recebimento dos aluguéis, que será considerado habilitado para repre-
sentar o locador em juízo (art. 242 § 2º do CPC/2015)30.

sucursal aberta ou instalada no Brasil; XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico. § 1º


Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo
no qual o espólio seja parte. § 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não
poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada. § 3º O gerente de
filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação
para qualquer processo. § 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso
recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente fe-
derado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias.
27. O termo ausência não deve ter a conotação técnica da palavra, ou seja, do instituto
regulado no Capítulo II, Titulo I, do Livro I do Código Civil de 2002, porquanto, nesta
hipótese, o ausente deveria ser pelo curador de ausentes conforme especificado pelos
art. 22 e 23 do codex. Neste sentido; José Alexandre Manzano Oliane, Comentário n°
2 ao Art. 242 do Código de Processo Civil in Breves Comentários ao Novo Código de
Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno
Dantas (coordenadores). 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 733; e Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT,
2015, p. 785.
28. Irapuã Santana, Comentário ao Art. 248 do Código de Processo Civil, in Angélica Arruda
Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (Coordenadores),
Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 321
29. Vg. REsp nº 11.914/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 31.10.1991;
30. Anota Cassio Scarpinella Bueno que “O § 2º acabou recebendo acréscimo no Projeto da
Câmara no sentido de considerar o administrador do imóvel encarregado de receber os
aluguéis ‘habilitado para representar o locador em juízo’. Trata-se de nova (e muito interes-
sante) hipótese de substituição processual (art.18). (Cassio Scarpinella Bueno, Novo Código
de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 189.)
600 Manual de Direito Processual Civil

Inovou o Código de Processo Civil de 2015 em relação à citação das partes ou inte-
ressados que são residentes ou domiciliadas em condomínios edilícios ou em loteamen-
tos fechados com controle de acesso. Preveem os arts. 248, § 4º e 252, parágrafo único,
do CPC/2015, que, nestas hipóteses, será considerada válida a entrega do mandado a
funcionário da portaria responsável pelo recebimento da correspondência. A disposi-
ção legal permite que a citação se dê em pessoa diversa da citada, sendo afastada a pes-
soalidade do ato de citação, com a presunção do recebimento pela parte interessada. A
partir de então, o funcionário da portaria, responsável pelo recebimento da correspon-
dência, que não possui qualquer relação direta de mandato, representação, gestão ou
de emprego com o citando (visto que é o funcionário do condomínio ou do gestor do
loteamento), poderá receber citação em seu nome, sendo de sua integral responsabili-
dade o encaminhamento ao destinatário.
A alteração foi no sentido do que já previa o art. 22 da Lei 6.538/197831, que dispõe
sobre o serviço postal, em relação aos objetos de correspondência endereçados às uni-
dades autônomas dos condomínios. Mais especificamente preceitua o artigo que “os
responsáveis pelos edifícios, sejam administradores, os gerentes, os porteiros, zeladores ou
empregados são credenciados a receber objetos de correspondência endereçados a qualquer
de suas unidades, respondendo pelo seu extravio ou violação”.
A modificação da legislação processual, de certa forma, é controversa, visto que, a
doutrina e a jurisprudência brasileiras haviam caminhado no sentido de que, nas de-
mandas regidas pelo CPC/1973, a citação postal da pessoa física deveria ser efetivamente
comprovada, dependendo sua validade da assinatura do aviso de recebimento da carta
pelo destinatário. Com exemplo, cita-se que o Superior Tribunal de Justiça, quando da
vigência do Código de Processo Civil de 1973, já entendeu, em algumas oportunidades,
que a citação, mesmo sendo realizada nos condomínios e loteamentos com controle
de acesso, deve ser pessoal. Mais especificamente, no julgamento do EREsp 117.949/
SP, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que admitir-se a presunção de recebimen-
to da carta de citação, deixando ao citando o encargo de provar o seu não recebimento,
não se coadunaria com a natureza do ato citatório, com riscos de lesão gravíssima ao
demandado, “considerando a deficiência dos chamados serviços de portaria nos edifícios
condomínios”.32
Mostrava-se presente nas demandas que evolviam a controvérsia a preocupação em
relação ao ônus da prova, em face da dificuldade na produção da prova de que a cita-
ção não foi efetivamente recebida, ou seja, da prova da inocorrência de um fato. Dian-
te disso, as decisões caminharam no sentido de atribuir à parte contrária da demanda,
interessada no reconhecimento da validade da citação, o ônus da prova em relação à

31. Neste sentido indica Helena Abdo, Comentário nº 3 ao Art. 248 do Código de Processo Civil
in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier,
Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. São Paulo: RT,
2016, p. 741.
32. STJ, REsp 117.949/SP, rel. Min. Carlos Alberto, DJ 26.09.2005.
Comunicação dos Atos Processuais 601

demonstração da efetiva ciência por parte do citando33. Caso não houvesse elementos
que indicassem a ciência da demanda, deveria ser reconhecida a invalidade da citação
realizada pelo correio.
No entanto, a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça não era unís-
sona neste sentido, sendo possível encontrar julgados em sentido diverso, reconhecen-
do a validade da citação.34 Não raras, também, eram as decisões de Segunda Instância
que reconheciam a validade das citações realizadas por correio, quando assinadas pe-
los funcionários responsáveis pelo recebimento das correspondências de condomínios
edilícios e loteamentos fechados, ainda na vigência do CPC/197335.
Cumpre atentar, ademais, para a ressalva de que o Superior Tribunal de Justiça tam-
bém já se havia posicionado de modo favorável à possibilidade de recebimento da ci-
tação por terceiros, no endereço da parte interessada, para demandas que seguissem o
procedimento da Lei 6.830/1980, que trata das Execuções Fiscais, visto que o art. 8º da
norma especial não exigia que o recebimento fosse em nome do demandado, bastan-
do a entrega realizada no endereço do executado.36 Diante desta decisão, apontam al-
guns autores37 que o óbice restava unicamente relacionado à literalidade do art. 223 do
CPC/1973, que estaria agora superado no caso dos condomínios e loteamentos fechados.
Diante da clareza do CPC/2015, que contém uma disposição legal específica para a
citação de pessoas físicas em condomínios edilícios e loteamentos fechados com con-
trole de acesso, a orientação jurisprudencial provavelmente será pacificada, para admi-
tir uma presunção iuris tantum de que a citação nestes casos é valida, sendo transferido
ao citado o ônus de comprovar qualquer possível invalidade existente.
O funcionário do condomínio ou loteamento fechado, no entanto, não estará obriga-
do ao recebimento, podendo recusá-lo, se declarar, por escrito, que o destinatário da cor-

33. STJ, REsp 164.661/SP, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ. 16.08.1999, constando
no voto do relator que: “Se o recebimento da carta citatória for assinado por outra pessoa,
que não o próprio citando, e não havendo contestação, o autor tem o ônus de demonstrar
que o réu, ainda que não tenha assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe
foi ajuizada”.
34. STJ, REsp 373.841/SP, 3.ª T. j. 14.05.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 24.06.2002
35. TJ/SP, EDecl 0001120-68.2016.8.26.0309/5000, 32.ª Câmara de Direito Privado, j.
17.11.2016, rel. Des. Ruy Coppola, TJ/SP, AI 2131234-18.2016.8.26.0000, 30.ª Câmara
de Direito Priv j. 05.10.2016, rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti, registrado em 12.10.2016; TJ/
SP, Ap 0010275-58.2010.8.26.0066, 30.ª Câmara de Direito Privado, j. 16.12.2015, rel.
Des. Maria Lúcia Pizzotti; registro 18.12.2015; TJ/SP, AI 0200870-47.2012.8.26.0000, 5.ª
Câmara de Direito Privado, j. 24.10.2012, rel. Des. J.L Mônaco da Silva; TJ/SP, AI 0030706-
64.2003.8.26.0000, 5.ª Câmara (Extinto 2º Tac), j. 10.03.2004. rel. Des. Pereira Calças,
registro 19.03.2004;
36. REsp 989.777/RJ, 2.ª T. j. 24.06.2008, rel. Min. Eliana Calmon, DJE 18.08.2008 e REsp
713.831/SP, j. 19.05.2005, publicado em 01.08.2005,
37. Neste sentido Irapuã Santana, comentário ao art. 248 do Código de Processo Civil, in
Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite
(Coordenadores), Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo:
Saraiva, 2016. p. 321
602 Manual de Direito Processual Civil

respondência está ausente (art. 248, § 4º, parte final, do CPC/2015). Está previsto, por-
tanto, um impedimento ao recebimento da citação, caso, por exemplo, o demandado se
tenha mudado ou esteja ausente do imóvel, o que impediria o encaminhamento da carta
pelo responsável, em tempo hábil, à parte a que se destina. A afirmação do funcionário da
portaria de que o destinatário está ausente possui uma presunção relativa de veracidade,
apontando alguns autores que poderá ser infirmada pelo próprio funcionário do correio38.
Ademais, necessário destacar que o funcionário responsável pelo recebimento das
correspondências pode não ter ciência de que o morador demandado está ausente, seja
em razão da falta de comunicação do morador à administração do condomínio ou do
loteamento (afinal, não se pode presumir que o residente tem a obrigação de informar
todos os seus planos de viagem ou ausência à administração do condomínio ou do lo-
teamento fechado), seja em razão do funcionário não ter condições de acompanhar a
movimentação do dia a dia do morador citando, ou em razão de, seus habituais horá-
rios de entrada e saída ocorrerem em turnos distintos.39
O CPC/2015, ao prever expressamente esta possibilidade de efetivação da citação,
não afastou o risco de equívoco já demonstrado. Porém, o comando normativo esta-
tuiu uma presunção iuris tantum, antes inexistente, que poderá ser desconstituída pelo
interessado demandado, sendo seu ônus demonstrar que não recebeu a citação, jun-
tando, por exemplo, documentação que demonstre, de forma hábil, que estava fora do
país; que não estava residindo no imóvel; que estava ausente por longo período; que
houve extravio da correspondência, dentre outras situações que deverão ser analisadas
casuisticamente. 40

38. Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código
de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793. Comentário 6º ao art. 248.
39. Daniel Amorim Assumpção critica o procedimento previsto pelo CPC/2015, destacando
algumas dúvidas que podem surgir em razão da nova previsão legal: “Essa realidade é ex-
cepcionada pelo art. 248, § 4º, do Novo CPC ao prever que, nos condomínios edilícios ou
nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da
portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar
o recebimento, se declarar, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está
ausente. Tenho extrema dificuldade em imaginar o preenchimento dos requisitos legais no
caso concreto, sendo difícil de acreditar que o carteiro tenha conhecimento de tais requisitos
e os transmita ao funcionário da portaria. E ainda que isso ocorra, pergunta-se: exatamente
como deve o carteiro materializar a declaração por escrito pelo funcionário da portaria de
que o réu não está? E caso exista realmente a declaração, como o carteiro deverá proceder
para que ela seja juntada aos autos? (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual Direito
Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 560)
40. Diante disso, Carlos Augusto de Assis destaca que: ”é natural que a prática acabe gerando
alguma confusão, sobretudo no começo da aplicação do CPC/2015. Recomenda-se que
as normas regulamentares dos condomínios sejam bastante minuciosas para não acarretar
inconvenientes para os moradores, com possíveis repercussões para o próprio condomínio.
Normalmente os condomínios edilícios têm um caderno de controle de correspondências
registradas. A presença deste tipo de controle será ainda mais necessária. Ademais, seria
oportuno estabelecer regra interna no sentido de que o morador, quando for se ausentar
por alguns dias, deve comunicar formalmente à portaria tal fato.” (Carlos Augusto de Assis,
Comunicação dos Atos Processuais 603

Há, portanto, para os casos indicados acima, autorização legal para recebimen-
to de citação por carta (arts. 242, caput, segunda parte e §§ 1º e 2º, 248, §§ 1º e 2º do
CPC/2015)41, embora confinada a certos e determinados atos, em conformidade com
as hipóteses legais indicadas.

15.2.2. Citação por oficial de justiça


Não sendo hipótese de a citação pelo correio (art. 247, I a IV, do CPC/2015) ou re-
querendo justificadamente o autor que seja efetivada de outro modo (art. 247, V do
CPC/2015), ou ademais, quando se tenha frustrado a citação postal e, nas outras hipó-
teses legalmente cabíveis, faz-se a citação por mandado e por ordem do juiz (arts. 249 e
250 do CPC/2015), entregue ao oficial de justiça, para que o cumpra.
O mandado de citação por oficial de justiça deve necessariamente conter: (a) os
nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios e residências; (b) a finali-
dade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como
menção do prazo para contestar, sob pena de revelia (caso não seja realizada a audiên-
cia de conciliação) ou para embargar à execução; (c) a aplicação de sanção para o caso
de descumprimento da ordem, se houver (como, por exemplo, no caso da concessão
de tutela de urgência); (d) a intimação do citando para comparecer, acompanhado de
advogado ou defensor público, à audiência de conciliação ou mediação, com a menção
do dia, da hora e do lugar do comparecimento, se o caso; (e) a cópia da petição inicial,
do despacho ou da decisão que deferir a tutela provisória; e, finalmente, (f) a assinatu-
ra do escrivão ou do chefe de secretaria de que o subscreve por ordem do juiz (art. 250,
I a VI, do CPC/2015).
O oficial de justiça, ao encontrar o citando, deverá ler o mandado e entregar-lhe a
contrafé, portando por fé se esta foi recebida ou recusada. Na primeira hipótese deverá
obter a nota do ciente; na segunda, deverá certificar a recusa (art. 251, III)42.

Comentário ao art. 248, José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de
Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo
Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 374).
41. Após realizar diversos questionamentos acerca do procedimento, Daniel Assumpção indica
que se trata de uma nova modalidade de citação ficta, expressando que: “São realmente
muitas dúvidas práticas a respeito do preenchimento dos requisitos previstos em lei, mas
sendo realizada a citação via postal nos termos do art. 284, § 4.º, do novo CPC, ter-se-á uma
singular hipótese se citação ficta, porque nesse caso não se pode dizer que o réu tenha, com
certeza, ciência da existência do processo. E tampouco pode se fazer uma analogia com a
ficção jurídica criada para a citação da pessoa jurídica prevista no art. 248, § 2.º do novo
CPC. Não vejo como comparar o risco assumido pela pessoa jurídica em colocar funcio-
nário incapacitado para receber a correspondência e a relação existente entre condômino
e o porteiro. Tratando-se de citação ficta, caso o réu não apresente defesa por advogado
devidamente constituído a ele será indicado curador especial que terá o múnus público
de elaborá-la (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual Direito Processual Civil. 8ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 560).
42. Na vigência do CPC/1973, já se decidiu que a só inobservância do disposto no art. 226, III,
do CPC/1973 (obter a nota de ciente, ou certificar que o réu não a apôs no mandado) não
604 Manual de Direito Processual Civil

A citação pessoal também poderá ser feita na pessoa do representante legal ou pro-
curador do citando, mas, na ausência do citando, poderá ser realizada a citação na pes-
soa do seu mandatário (sem poderes especiais), administrador, preposto, ou gerente,
quando a ação se originar de atos por eles praticados (art. 242, § 1º, do CPC/2015), bem
como do locador que se ausentar do país na pessoa do administrador do imóvel respon-
sável pelo recebimento dos aluguéis (art. 242, § 2º, do CPC/2015).
Como ato processual que é, a citação se deve realizar nos dias úteis, quais sejam, os
dias em que há expediente forense43, das 06 às 20 horas (art. 212, caput, do CPC/2015).
Podem ser concluídos após as 20 horas aqueles atos, inclusive a citação, que já estejam
sendo praticados e cuja cessação possa prejudicar a diligência ou, ainda, causar gra-
ve dano. Excepcionalmente e mediante autorização do juiz, poderá realizar-se aos do-
mingos e feriados ou fora do horário estabelecido pela lei, tendo-se presente, todavia,
o art. 5º, XI, da CF/1988 (art. 212, e § 2º do CPC/2015).

15.2.3. Citação com hora certa


Ao lado do caso de citação feita pelo correio e daquela pessoal efetivada pelo oficial
de justiça, por excelência caracterizadas como citação real, consagra nosso legislador,
desde que ocorrentes os respectivos pressupostos, a chamada citação ficta. A citação
ficta difere da realizada pelo correio e da realizada pessoalmente pelo oficial de justiça
porque, enquanto na citação realizada por carta citatória ou por mandado há certeza ju-
rídica de que realmente o réu foi inteirado da demanda, tal não se dá com a citação ficta.
A citação com hora certa é, por excelência, uma modalidade de citação ficta. Esta
modalidade pode ser legitimamente levada a efeito, desde que haja suspeita fundada de
ocultação por parte do réu, justamente no sentido e com o intuito de evitar a citação.
Quando, porém, a ausência do citando revelar-se normal e compatível com suas condições
de vida, não deve ocorrer a suspeita de ocultação que justifique a citação por hora certa.
Esta modalidade de citação, além da necessária suspeita de ocultação, exige que o
oficial de justiça tenha estado no domicílio ou na residência do citando por duas vezes,
não o tenha encontrado (art. 252 do CPC/2015). Diante disto, intimará qualquer pes-
soa da família deste, ou a qualquer vizinho, na falta de alguém da família, de que voltará
no dia seguinte imediato, na hora designada, para citá-lo.44 Se realmente houver dúvida
quanto à ocultação, o que depende da avaliação no caso concreto, é hipotese de nulidade.

sugeria a inexistência, nem produziria nulidade da citação, o que, cautelosamente, em face


da regra do art. 247 do CPC/1973, expressamos à época deveria ser tida como a opinião
correta (RT 580/164:); no mesmo sentido: RF 254/331. Contra: RJTJSP 64/191. Considerando
que os dispositivos correspondentes no CPC/2015, mantêm exatamente a mesma redação e
o mesmo espírito, entendemos que a opinião anteriormente expressada pode ser mantida.
43. Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código
de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 730. Comentário nº 2 ao art. 212.
44. Destaca-se que o STJ já reconheceu a nulidade de processo, a partir da citação, pelo fato de
o oficial de justiça não ter esclarecido, na certidão, os horários em que esteve à procura da
citanda..: Entendeu a corte que “é nula a citação feita por hora certa se o oficial de ­justiça
Comunicação dos Atos Processuais 605

Tratando-se de condomínios edilícios ou loteamentos fechados com controle de


acesso, também será válida a intimação, mencionada acima, feita a funcionário da por-
taria responsável pelo recebimento da correspondência (art. 252, parágrafo único, do
CPC/2015), a exemplo do que está previsto também para o recebimento da carta de ci-
tação (art. 248, § 4º, do CPC/2015).
No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de outro despacho,
deverá comparecer para realizar a citação, pessoalmente, caso o citando aí esteja. Caso
este não esteja presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência,
dando por feita a citação, ainda que haja indícios de que este se tenha ocultado em outra
comarca, seção ou subseção (art. 253, § 1º, do CPC/2015). Após os atos destacados aci-
ma, deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, decla-
rando-lhe o nome, independentemente da intimação do dia anterior, certificando poste-
riormente todos os acontecimentos que compuseram o ato (art. 253, § 3º, do CPC/2015).
Importante, também, a ressalva de que a citação será efetivada mesmo que a pessoa
da família ou vizinho esteja ausente, ou, embora presente, se recuse a receber o manda-
do (art. 253, § 3º, do CPC/2015). Exige o CPC/2015 que o oficial de justiça faça constar
do mandado a advertência de que será nomeado curador especial para o citando, caso
se verifique a ocorrência da revelia (art. 253, § 4º, do CPC/2015).
Da ocorrência deverá o escrivão cientificar o réu, o executado, ou o interessado, no
prazo de 10 dias, contado da juntada do mandado aos autos, através de carta, telegrama
ou correspondência eletrônica (art. 254 do CPC/2015), não importando, contudo, a re-
ferida carta a dilatação do prazo, cujo termo a quo é o da juntada do mandado, e, assim,
em nada interfere na fluência do prazo para a resposta do réu. Sua expedição, contudo,
é obrigatória e indispensável.45-46
Uma vez realizada a citação com hora certa, permanecendo o citando revel, é de se
lhe nomear curador especial (art. 72, II, do CPC/2015) para contestar a ação proposta,
e representar os interesses na demanda enquanto não constituído advogado pela par-
te. A curatela deverá ser exercida pela Defensoria Pública (art. 72, parágrafo único, do
CPC/2015). Não tem este curador o ônus de impugnar especificamente os fatos aduzi-
dos pelo autor, podendo, destarte, contestar por negativa geral.47

deixa de consignar na certidão os horários em que realizou as diligências” (STJ, REsp 468.249/
SP, 3.ª T., j. 05.08.2003, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01.09.2003, p. 281). Neste sentido
também: Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, p. 618.
45. REsp 1403912/RJ, REsp 687.115/GO, 3.ª T. rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.2007,
DJ 01.08.2007; STJ, REsp 468.249/SP, 3.ª T., j. 05.08.2003, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ
01.09.2003, p. 281.
46. V. TJ/SP, Ap 1008519-16.2015.8.26.0003, 30ª Câmara de Direito Privado, j. 09.11.2016,
rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti, registro 17.11.2016, em que foi considerado regular o rece-
bimento da carta pelo porteiro de condomínio edilício em razão do conteúdo do art. 248
§ 4.º do CPC/2015.
47. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/35; Tratado de direito processual
civil, vol. 2, comentários ao art. 9.º; Rita Gianesini, Da revelia no processo civil, p. 96-104
606 Manual de Direito Processual Civil

15.2.4. Citação por Edital


Outra forma de citação ficta prevista na legislação processual civil é a chamada citação
por edital. É realizada a citação por edital quando for desconhecido ou incerto o citando,
quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o mesmo. Assim,
a citação por edital somente se realiza, quando inviabilizadas as outras modalidades.48
A modalidade de citação por edital pressupõe: a) a afirmação feita pelo autor ou cer-
tificada pelo oficial de justiça, de que o citando está em lugar incerto e não sabido, ou
que o próprio citando é desconhecido ou incerto (arts. 256, I, II, e 257, I, do CPC/2015);
b) ou, então, a afirmação ou a certidão do oficial de justiça no sentido de que o citando
está em local inacessível (art. 256, I, parte final, do CPC/2015), considerando-se ina-
cessível também, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de
carta rogatória (art. 256 § 1º do CPC/2015)49.
Sendo realmente inacessível o local onde está o citando (inclusive no caso do § 1º
do art. 256 do CPC/2015), a notícia da citação deverá ser divulgada pelo rádio, se na
comarca houver emissora de radiodifusão (art. 256, § 2º, do CPC/2015)50.
Dadas essas circunstâncias, poderia o réu vir a alegar, dolosamente, a não ocorrên-
cia dos pressupostos exigidos para a citação por edital, tais como descritos no art. 256,
I e II, do CPC/2015. Por dolo, neste passo, pode se entender a constatação de que a par-
te autora sabia da inverdade do que dizia, objetivando prejudicar o adversário, apro-
veitando-se das consequências da ausência eventual. Comprovado o dolo, incorrerá a
parte na multa de cinco salários-mínimos, em benefício do seu antagonista (art. 258,
caput, e seu parágrafo único do CPC/2015).
Além das sanções processuais acima indicadas, havendo inverdade nas declarações
relacionadas às circunstâncias que levaram à citação por edital, será considerada nula

e Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 943. Comentários 6 e 7 ao art. 341
48. André Roque, Comentários ao art. 256 do Código de Processo Civil de 2015, in Fernando
da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral. São Paulo: Forense,
2015, p. 759.
49. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery indicam, ainda, que “Tem-se por inacessível o réu que
encontra-se em local não alcançado pela rede de transporte habitual ou que se encontra
em país que recusa o cumprimento de cartas rogatórias” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793.
Comentário 4 ao art. 256)
50. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery criticam a ausência de previsão da veiculação da noticia
pela internet, pontuando que: “A notícia da citação por rádio é a maneira de viabilizar a
apresentação do réu. O artigo falha quando deixa de mencionar a internet como meio viável
de informação da citação, especialmente no caso em que o réu se encontra em país que
recusa o cumprimento da rogatória, em website local, e não apenas naquele atrelado ao
tribunal a que se subordina o juízo (CPC/257). (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793. Comentário 4
ao art. 256)
Comunicação dos Atos Processuais 607

a citação (art. 280 do CPC/2015), devendo ser realizada uma nova tentativa de citação,
nos termos legalmente previstos, caso a parte prejudicada não tenha comparecido aos
autos, suprindo esta necessidade (por exemplo, quando a inverdade nas alegações do
autor for demonstrada por um corréu)51.
Incumbe ao autor, que afirmou encontrar-se o citando em lugar incerto e não sabi-
do, explicar e comprovar, na medida do possível, que realmente ignorava seu paradei-
ro, quando da citação por edital. Ademais, recomenda-se que o autor realize todos os
atos necessários para tentar localizar o citando, especialmente a busca de informações
por meio dos convênios celebrados pelo Poder Judiciário para a troca de informações,
como o INFOJUD e o BACENJUD, bem como a expedição de ofícios e demais atos que
se mostrem pertinentes, conforme exija o caso concreto. 52-53
O importante é que no momento da citação estejam presentes todos os requisitos
legais. No entanto, se o citando, à época da citação, tinha domicílio conhecido, deve
ser reconhecida a nulidade da citação por inobservância dos requisitos legais (art. 280 do
CPC/2015).
Também está prevista a publicação de edital para as ações de usucapião de imóvel,
na ação de recuperação ou substituição de título ao portador e, ainda, em qualquer ação

51. V. Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo
Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: RT, 2016, p. 131.
52. É possível encontrar na jurisprudência mais recente a possibilidade da citação por edital
após o exaurimento de todos os meios de localização do réu/executado: STJ, AgRg no AREsp
119.396 2ª T., j. 13.3.2016, rel. Min. Assusete Magalhães. DJ. 17.3.2016; STJ AgRg no AREsp
682.744, 3ª T. j. 14.11.2016, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 1.12.2015; STJ AgRg no
REsp 1.559.927, 2ª T. j. 19.11.2015, rel. Min. Humberto Martins, DJ 27.11.2015; STJ, REsp
653.480/MG, 2.ª T., j. 1.9.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 17.10.2005 p. 258;
STJ REsp 684.811/MG, 5.ª T., j. 9.8.2005, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 5.9.2005 p. 469; STJ, AgRg
no REsp 597.981/PR, 1.ª T., j. 1.6.2004, rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.6.2004, p. 203. Todavia,
se não forem esgotados todos os meios, nula será considerada a citação: TJ/SP, Apelação nº
0047193-14.2010.8.26.0114, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 10.11.2016, rel. Des. Bonilha
Filho, registro. 11.11.2016; TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 0141521-07.2012.8.26.0100,
25ª Câmara de Direito Privado, j. 5.5.2016, rel. Des. Hugo Crepaldi. registro 5.5.2016. V.
também: Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 257, p. 491.
53. Nos termos já decididos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é de rigor a realização
de todos os atos necessários e aptos a esgotarem os meios para encontrar a parte, dentre eles,
a expedição de ofícios para a DRF, empresas de telefonia, SERASA, INFOJUD, BACENJUD,
RENANJUD, repartições públicas, concessionárias de serviços públicos, entre outros (TJ/SP,
Agravo de Instrumento nº 2043960-84.2014.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, j.
09.04.2014, rel. Des. Bonilha Filho). Todavia, a mesma câmara com a mesma composição
de julgadores, em momento posterior, decidiu que é possível a citação por Edital ainda que
não tenham sido realizadas as pesquisas pelos sistemas Infojud e Bacenjud para a obtenção
de possíveis endereços, quando a parte requerente não tiver conhecimento do número de
CPF/MF da parte requerida, visto que, a ausência do documento inviabilizaria a pesquisa
(TJ/SP Ap. Apelação nº 0010995-26.2009.8.26.0562, 26ª Câmara de Direito Privado, j.
17.12.2016, re. Des. Bonilha Filho).
608 Manual de Direito Processual Civil

em que seja necessária, por determinação legal, a provocação de interessados incertos


e desconhecidos, para participação no processo (art. 259, I, II e III do CPC/2015). Há,
no mais, outras situações em que é necessária a publicação de edital, como na recupe-
ração judicial e na falência (arts. 52, § 1º e 99, parágrafo único da Lei 11.101/2005),
bem como na ação de insolvência (art. 761, II, do CPC/1973, que é aplicável em razão
do disposto no art. 1.052 do CPC/2015).54
O modus faciendi da citação por edital será pela publicação do edital na rede mun-
dial de computadores, no sítio eletrônico do respectivo tribunal e na plataforma de edi-
tais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos (art. 257, II, do
CPC/2015), sob pena de invalidade da mesma. O novo procedimento de publicação é
muito mais simples e econômico para o demandante, se comparado com previsto no
CPC/197355, em que era necessária a publicação do edital no órgão oficial e pelo menos
duas vezes em jornal local, onde houvesse (art. 232 do CPC/1973). O prazo do edital
variará entre 20 a 60 dias, a critério do juiz, fluindo da data da única publicação, ou, ha-
vendo mais de uma, da primeira (art. 257, III, do CPC/2015)56.
Diferentemente do previsto no CPC/1973 (art. 232, III), a publicação em jornal local
de ampla circulação pode ser também determinada a critério do juiz (art. 257, parágra-
fo único, do CPC/2015), podendo também ser utilizados outros meios, considerando
as peculiaridades da comarca, da seção ou da subseção judiciárias.
A exemplo do que ocorre com a citação por hora certa, uma vez efetivada a citação
por edital, permanecendo o citando revel, deve ser nomeado curador especial (art. 72,
II, do CPC/2015) para contestar a ação proposta e representar os interesses na deman-
da, enquanto não constituído advogado pela parte. A curatela deverá ser exercida pela
Defensoria Pública (art. 72, parágrafo único, do CPC/2015), não tendo o curador o ônus
de impugnar especificamente os fatos aduzidos pelo autor, podendo, destarte, contes-
tar por negativa geral.57

54. Destacam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero que estas
modalidades são classificadas como citação por edital essencial, visto que ela decorre da
especificidade do direito material debatido em juízo, sendo essência do procedimento que
visa a sua tutela. Nas demais hipóteses, em que o edital não decorre do procedimento es-
pecificamente previsto, mas sim pelas circircunstâncias relacionadas à citação (v.g réu em
local incerto e não sabido), ter-se-á a citação por edital acidental. (Luiz Guilherme Marinoni,
Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos
mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016,
p. 131.
55. André Roque, Comentários ao art. 256 do Código de Processo Civil de 2015, in Fernando
da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral. São Paulo: Forense,
2015, p. 773.
56. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo
Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: RT, 2016, p. 131.
57. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/35, Tratado de direito processual
civil, vol. 2, comentários ao art. 9.º, Rita Gianesini, Da revelia no processo civil, p. 96-104
Comunicação dos Atos Processuais 609

15.2.5. Citação pelo escrivão ou chefe de secretaria


A citação poderá ser realizada pelo próprio escrivão ou chefe de secretaria caso o
citando compareça em cartório. Esta hipótese ocorre quando o citando comparece ao
fórum para compulsar os autos, para ter ciência do conteúdo da demanda. Neste caso o
comparecimento e a ciência deverão ser certificados nos autos, começando a fluir o pra-
zo para resposta a partir da data da ocorrência da citação (art. 231, III, do CPC/2015).58

15.2.6. Citação nas ações de família


As formas de citação por correio e por oficial de justiça, em geral, devem atender ao
requisito da pessoalidade da citação, pois, nesses casos, embora por veículos processu-
ais diversos (o correio está servindo de veículo processual), ficará o demandado efeti-
vamente inteirado da demanda (arts. 250 e 251, I, do CPC/2015). O código, portanto,
parte sempre da premissa de que o ato citatório deverá, sempre que possível, inteirar o
demandado de todo conteúdo da demanda.
Entretanto, a premissa acima encontra uma exceção no CPC/2015. Nos casos de
família, considerados estes os processos contenciosos de divórcio, separação, reconhe-
cimento e extinção de união estável, guarda, visita e filiação (art. 693 do CPC/2015), o
instrumento de citação conterá apenas os dados necessários à audiência de conciliação
e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurando, no entanto, ao
réu, o direito de examinar o conteúdo do processo a qualquer tempo (art. 695, § 1º, do
CPC/2015), não havendo prejuízo ao contraditório59. Busca-se, neste caso, evitar que
a ciência dos fatos alegados na petição inicial prejudique a realização de composição
amigável60, bem como resguarda a intimidade das partes envolvidas na demanda61-62.

e Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 943. Comentários 6 e 7 ao art. 341
58. O CPC/1973 não previa expressamente a citação pelo escrivão ou chefe de secretaria, em-
bora a hipótese fosse admitida na prática forense, especialmente considerando que havia
previsão específica para a realização da intimação pelo escrivão ou chefe de secretaria
(art. 238 do CPC/1973). v. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do Novo
CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 324.
59. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015.
p. 751.
60. Cristiano Chaves de Farias, comentário ao Art. 695 do Código de Processo Civil, in Angélica
Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (Coordena-
dores), Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Saraiva,
2016. p. 796.
61. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793; e André Vasconcelos Roque, Comentários ao art. 694 do
Código de Processo Civil de 2015, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André
Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte, Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sen-
tença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2016. p. 1.178.
62. Guilherme Rizzo Amaral indica, ainda, como justificativa para a ausência dos dados, o res-
guardo da intimidade das partes perante terceiros como o oficial de justiça ou alguém que
610 Manual de Direito Processual Civil

15.2.7. Local da citação


Quanto ao local em que deva ser citado o réu, o art. 243, caput, do CPC/2015 dis-
ciplina a matéria, prevendo o que se poderia denominar de “mobilidade do mandado”,
pois a citação “poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado
ou o interessado”. Evidentemente que essa regra tem maior aplicação nas hipóteses em
que a citação (ou intimação) por correio tenha sido frustrada (v.g art. 249 do CPC/2015),
já que não compete ao carteiro localizar o réu em outro lugar que não o endereço cons-
tante da carta citatória. Neste sentido, a carta precatória também é dotada de mobili-
dade, prevendo o art. 262 do CPC/2015 que esta tem o caráter itinerante, devendo ser
encaminhada se necessário, a juízo diverso do que dela consta, a fim de ser praticado o
ato, devendo as partes ser intimadas da sua movimentação.63
O militar poderá ser citado, se em serviço ativo, na sua unidade (em que estiver ser-
vindo, que é o seu domicílio necessário, nos termos do art. 76 do CC/2002), se não for
conhecida a sua residência ou nela não for encontrado (art. 243, parágrafo único, do
CPC/2015).
Após alterações trazidas pela Lei 8.710/1993 ao sistema da comunicação dos atos pro-
cessuais do direito processual civil brasileiro, mantidas em seu espírito pelo CPC/2015,
não mais podem subsistir as dúvidas ocorrentes no passado a respeito da possibilidade
de a citação pelo correio poder ser feita a réu domiciliado além dos limites da jurisdição
do juízo onde tramita a causa.64 Novamente, como na redação vigente no momento da
revogação do CPC/1973, o próprio caput do art. 247 do CPC/2015 é claro ao prescrever
que “a citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país”.

venha a receber a citação pelo réu. V. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações
do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 751.
63. Destaca Paulo Osternack Amaral que “o regramento ora positivado infirma o entendimento
já manifestado pelo STJ, segundo o qual não seria necessária a intimação das partes acerca
da alteração do destinatário da carta – bastado a intimação da sua expedição –, pois seria
o ônus das partes o acompanhamento da tramitação das cartas (STJ, RHC 13.466/SP, 6ª T.,
j. 17.12.2002, rel. Min Fernando Gonçalves, DJ 17.02.2003, p. 368). Com efeito, a regra
contida no parágrafo único do art. 262 do CPC/2015 é mais adequada e consentânea com
as garantias constitucionais do processo. (Paulo Osternack Amaral, Comentário n° 2 ao Art.
262 do Código de Processo Civil in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil,
Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coorde-
nadores). 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016, p. 757)
64. Para fins ilustrativos desta controvérsia, no sentido de que era possível ao juiz determinar
a citação pelo correio além dos limites de sua jurisdição, cf.: JUTACivSP 52/67, 54/25,
65/109, 68/20 e 84/26; RT 522/138 e 537/157. V., ainda, a opinião do autor manifestada por
ocasião da realização do V Curso de Especialização em Direito Processual Civil/PUC-SP,
em 21.10.1975, publicada na Revista de Processo [RePro] 5/177, e também a concl. VI, por
maioria, do Simpósio de Curitiba/1975; RT 482/270. Em sentido contrário: Clito Fornaciari
Júnior, Citação pelo correio, Revista de Processo [RePro] 3/40 e 5/178 (aqui em opinião
manifestada por ocasião da realização do V Curso de Especialização em Direito Processual
Civil/PUC-SP, 21.10.1975); Carlos Alberto Chaves, Da citação postal, RT 520/42; Alcides
de Mendonça Lima, Direito processual civil, p. 39. Na jurisprudência, v. RT 519/109.
Comunicação dos Atos Processuais 611

15.2.8. Impedimentos legais para a efetivação da citação


Estabelece a lei que não será feita a citação em determinadas circunstâncias, visan-
do, com isto, preservar as pessoas, enquanto estejam em determinados locais ou parti-
cipando de determinados atos; no entanto, a citação será possível, mesmo nestes casos,
para evitar perecimento de direito. Não será citado: (a) quem esteja participando de
qualquer ato de culto religioso; (b) o cônjuge, companheiro ou parente do morto, no
dia do falecimento e nos sete dias subsequentes; (c) os noivos, nos três dias seguintes
ao casamento; (d) os doentes em estado grave – (art. 244, I, II, III e IV, do CPC/2015)65.
Note-se que a citação será possível, mesmo nesses casos, para evitar perecimento de di-
reito – como no caso em que prazo prescricional ou decadencial se operaria se não fos-
se efetuada a citação válida.
O código ainda indica que não deve ser feita a citação se for verificado que o réu
não é “mentalmente capaz” ou está “impossibilitado de recebê-la”, o que se justifica,
dado que a citação tem por objetivo provocar ou estimular o réu, a que, inteirando-
-se do que contra ele se pede, tome as providências que entenda necessárias para res-
guardar os seus direitos (art. 245 do CPC/2015). É imprescindível que a pessoa cita-
da tenha condições de tomar efetiva ciência, isto é, compreender que contra ele foi
ajuizada determinada ação.
Essencial a ressalva de que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, buscando pro-
mover a igualdade entre os sujeitos com deficiência mental ou intelectual, previu que
estes possuem capacidade para a realização dos atos da vida civil (art. 6º do Estatuto
da Pessoa com Deficiência)66. Apesar de serem considerados capazes pelo direito po-
sitivo, nos parece essencial que seja observado o procedimento previsto no art. 245
do CPC/2015 (inicialmente previsto para ser adotado em relação aos citados “inca-
pazes”), para que a citação atinja sua finalidade última e sejam resguardados os inte-
resses do citando.67 Afinal, permanece existente no ordenamento jurídico brasileiro a

65. O inc. I do art. 217 do CPC/1973, antes da edição da Lei 8.952/1994 lhe atribuir nova
redação, continha uma regra no sentido de que também não poderia ocorrer a citação do
funcionário público na repartição em que trabalhasse, salvo a ocorrência do caso excep-
cional já apontado. O CPC/2015, acompanhando o espirito da Lei 8.952/1994, também
não previu a hipótese como impedimento à citação.
66. Maurício Requião, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e Interdição. Coor-
denador Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 162
67. Alexandre Câmara destaca que: “[o] art. 245, § 3 º, o qual deve ser interpretado à luz do
Estatuto da Pessoa com Deficiência, por força do qual pessoas mentalmente enfermas que
sejam capazes de expressar vontade passam a ser tratadas como pessoas capazes, motivo
pelo qual se deve interpretar este dispositivo no sentido de que ele se refere a pessoas que não
tenham condições – ainda que civilmente capazes – de compreender a citação” (Alexandre
Câmara, O Novo Processo Civil Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 142). Em sentido
parecido, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da
Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello apontam que: “a expressão ‘mentalmente
incapaz’, evidentemente, refere-se àquele que não tem discernimento suficiente, em virtude
de qualquer deficiência mental perene (síndrome de Down, por exemplo) ou passageira
612 Manual de Direito Processual Civil

possibilidade de submissão do deficiente à curatela, para proteção dos seus próprios


interesses, caso a deficiência demande esta necessidade (art. 84, § 1º, do Estatuto da
Pessoa com Deficiência), o que evidencia a necessidade de proteção destes sujeitos
pelo sistema jurídico.
Diante disso, suspeitando o oficial de justiça de que o citando é deficiente mental
ou intelectual, não tendo condições de compreender corretamente os termos da cita-
ção, deve abster-se de realizar a citação, descrevendo minuciosamente a ocorrência68.
Não se trata, entretanto, do réu que já tem um curador nomeado nos termos do art. 84,
§ 4.º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência (ou nos termos do Código Civil, em caso
da sentença ser anterior à vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência), visto que,
neste caso, a citação deverá observar o que restou especificado na sentença, devendo
ser realizada na pessoa do curador.
A suspeita deve ser verificada por médico nomeado pelo juiz, mediante exame e
laudo, apresentável dentro de 5 (cinco) dias (art. 245, § 2.º, do CPC/2015), parecendo-
-nos adequado que, conforme o caso, a avaliação seja realizada por equipe multipro-
fissional e interdisciplinar (art. 2.º, § 1º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência). Será
dispensada a nomeação, no entanto, caso uma pessoa da família do citando apresente
declaração de médico ou de equipe multiprofissional e interdisciplinar que ateste a au-
sência de discernimento impedindo a realização da citação pessoal (art. 245 § 3.º, do
CPC/2015). Se for positivada a redução no discernimento, deverá o juiz nomear cura-
dor (art. 245, § 4º, do CPC/2015), nos moldes da lei civil (atentando-se especialmente
ao disposto no art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), embora sem o caráter
da definitividade desta, sendo, então e sucessivamente, feita a citação do réu na pessoa
do curador (art. 245, § 5º, do CPC/2015). Trata-se, porém, de curador nomeado para
aquele caso específico e só terá lugar após a constatação por parte do médico, e não por
parte do oficial de justiça.
Se, contudo, for feita a citação ao deficiente mental ou intelectual que não tenha o
discernimento adequado e, tratando-se de hipótese de curatela nos termos do art. 85
do Estatuto da Pessoa com Deficiência, anula-se o processo a partir da citação, inclusi-
ve, devendo o réu, após obedecidas as formalidades legais, ser citado na pessoa de seu
curador (art. 245, § 5º, do CPC/2015). A observação é válida, também, se a citação ori-
ginariamente foi determinada pelo correio e se veio a verificar, posteriormente, que o
citando não tinha o discernimento adequado à época da prática daquele ato (incidiria,
na hipótese, ainda que a posteriori, a vedação do art. 247, II, do CPC/2015).

(crise de abstinência de um toxicômano, v.g.) que lhe restrinja ou anule a compreensão das
coisas. ” (Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 245, p. 475)
68. Neste sentido: José Alexandre Manzano Oliani, Comentário nº 1 ao Art. 245 do Código de
Processo Civil in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. rev. e
atual. São Paulo: RT, 2016, p. 735
Comunicação dos Atos Processuais 613

15.2.9. Conceito de citação e suas consequências


A citação é ato de fundamental importância, quer pela circunstância de, por seu in-
termédio, instaurar-se o processo, em relação ao citando (relação jurídica processual
trilateral), quer pelos efeitos que produz (art. 240, caput, do CPC/2015), ressalvando-
-se o comparecimento espontâneo do réu (art. 239, § 1º, do CPC/2015).
Só com a citação pode-se falar em processo juridicamente existente como ambiente
adequado para produzir sentença de mérito, com exceção da improcedência liminar
do pedido (art. 332 c/c art. 487, I, CPC/2015) e do pronunciamento da decadência e da
prescrição (arts. 487, II e 332, § 1º, do CPC/2015), quando o réu é beneficiado.
Documentada a citação nos autos, isto é, juntado o aviso de recebimento, quando
a citação é realizada por correio, ou, sendo por oficial de justiça, juntado o mandado
cumprido aos autos (na forma do art. 231, I e II, respectivamente, do CPC/2015), nas
hipóteses em que não está prevista a realização da audiência de conciliação ou media-
ção, como nas demandas em que não se admite autocomposição e nos procedimentos
especiais (v.g. art. 334, § 4º e art. 678 do CPC/2015), tem o réu o prazo de 15 (quinze)
dias para apresentação da resposta (art. 335 caput, e inc. II do CPC/2015). ressalvadas
as hipóteses dos arts. 180, 183 e 186 e do CPC/2015 (prazo em dobro para o Ministério
Público e para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público e, ainda, para a Defensoria Pública). Exceção
ao prazo de 15 dias para a resposta do réu é aquela prevista no art. 229 do CPC/2015,
ou seja, de que terão prazo dobrado para se defender, recorrer e falar em geral nos au-
tos, os litisconsortes com procuradores diversos, desde que estes sejam de diferentes
escritórios de advocacia. 69 Salutar o tratamento mais detalhado do prazo diferenciado
no CPC/2015, restando esclarecido que: (a) os procuradores necessariamente têm que
ser de escritórios de advocacia distintos; (b) que a contagem em dobro do prazo cessa
se, havendo apenas dois réus, é oferecida a defesa apenas por um deles; e, finalmente
(c) que o prazo em dobro não se aplica aos processos eletrônicos, visto que inexistente
qualquer empecilho de acesso ao processo integral através dos sistemas dos tribunais
de forma concomitante por todos os advogados.70
Quanto ao termo inicial do prazo para a resposta, existem inúmeras peculiaridades
que merecem breve referência. O termo inicial do prazo para a resposta é disciplinado
pelo art. 335 do CPC/2015, podendo ser: (a) da audiência de conciliação ou de media-
ção, ou da última de conciliação (quando houver mais uma sessão destinada à conci-

69. Nesse sentido já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça à luz dos dispositivos do
CPC/1973: STJ, AgInt no AREsp 751.490/MS, 2.ª T. j. 16.06.2016, rel. Min. Assusete Maga-
lhães, DJe 24.06.2016; STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 690.857/PR, 3.ª T. j. 10.05.2016. rel.
Min. Marco Aurélio Belize, DJe 04.03.2016.
70. Antes mesmo da vigência do CPC/2015, alguns julgados apontavam no sentido de que o
art. 191 do CPC/1973 não seria aplicável aos processos que tramitavam pela via eletrônica.
Neste sentido: REsp 1.488.590/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 14.04.2015,
DJe 23.04.2015 e AI 0084668-50.2013.8.26.0000, TJ/SP, 30ª Câmara de Direito Privado, j.
31.07.2013.
614 Manual de Direito Processual Civil

liação e à mediação – conforme possibilitado pelo art. 334, § 2º, do CPC/2015), quan-


do qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
(b) do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou mediação
apresentado pelo réu (condição prevista pelo art. 334, § 6º, do CPC/2015)71; (c) da
juntada aos autos do aviso de recebimento, quanto a intimação realizou-se por correio,
da data da juntada aos autos do mandado cumprido pelo oficial de justiça; (d) da data
da ocorrência da citação quando se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria;
(e) do dia seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação for por edi-
tal; (f) do dia seguinte à consulta ao teor da citação, ou ao termino do prazo para que
a consulta se dê, quando a citação for eletrônica; e, finalmente, (g) da data da juntada
do comunicado da realização da citação por carta precatória (art. 232 do CPC/2015)72
y 73e, em sua ausência, da data da juntada da própria carta precatória aos autos.
No caso de pluralidade de partes e, não sendo o caso de realização de audiência de
conciliação (v.g. art. 334, § 2º, do CPC/2015), o início do prazo se dará: a) para cada um
dos réus, da data de apresentação do seu respectivo pedido de cancelamento de audiência
(art. 335, § 1º, do CPC/2015); b) quando ocorrer litisconsórcio passivo em causas que
não admitam autocomposição e o autor desistir da ação em relação a um réu ainda não
citado, o prazo para resposta ocorrerá da data da intimação da decisão que homologar
a desistência (art. 335, § 2º, do CPC/2015); c) após completado o ciclo de todas as cita-
ções, com a juntada do último comprovante ou mandado (art. 231, § 1º, do CPC/2015),
hipótese em que não é necessária a intimação comunicando a juntada aos autos do úl-
timo mandado de citação cumprido, para que se desencadeie o prazo para a resposta.
No processo de execução, quando houver mais de um executado, o prazo para ofe-
recimento dos embargos à execução é computado de forma independente para cada
um, contando-se a partir da juntada do respectivo comprovante de citação, exceto na
hipótese de cônjuges e companheiros, quando o prazo será contado a partir da juntada
do último comprovante de recebimento (art. 915, § 1º do CPC/2015).
Por outro lado, o fato de o advogado do réu com poderes específicos ter retirado os
autos de cartório antes da juntada do mandado de citação cumprido faz com que se ini-
cie o prazo, conforme previsto no art. 231, inciso VIII do CPC/2015.74 A regra, a nosso
ver, pode ser aplicada para a hipótese em que o aviso de recebimento ainda não conste
dos autos.

71. Mas especificamente sobre o tema vide o capítulo sobre Audiência de Conciliação e
­Mediação.
72. Art. 232. Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização
da citação ou da intimação será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juiz
deprecado ao juiz deprecante.
73. A hipótese do início do prazo para contestação, contado do início da comunicação da cita-
ção realizada por carta precatória, já estava prevista no CPC/1973, mais especificamente no
art. 738, § 2.º, com a redação atribuída pela Lei 11.382, de 2006, sendo, no entanto, restrita
ao processo de execução. O CPC/2015 ampliou a hipótese para os demais procedimentos.
74. Antes previsão expressa da hipótese no art. 231 inciso VIII do CPC/2015, já se decidiu nesse
sentido: RJTJSP 44/237.
Comunicação dos Atos Processuais 615

Na hipótese de a citação se dar por edital, o prazo fixado para o edital não se con-
funde com o prazo para a resposta do réu, entendendo-se que o prazo para a resposta
tem início quando findo o prazo de divulgação do edital75 (art. 231, IV, do CPC/2015)
que se refere ao fim da “dilação assinada pelo juiz”).
Prudente a ressalva de que, na vigência do CPC/1973, a jurisprudência conside-
rava, como justa causa para fins de prorrogação do prazo da defesa/resposta, o lapso
cartorário consistente na anotação, no mandado de citação, de prazo maior do que
aquele de que disporia o réu para responder à ação.76 Agrega-se como argumento que
a menção ao prazo para defesa no mandado era obrigatória, sob pena de nulidade,
conforme dispunha o art. 225, inciso II do CPC/1973 (equivalente ao que prevê o
art. 250, inciso II do CPC/2015), sendo que qualquer equívoco que traga prejuízo às
partes deve gerar nulidade. Outrossim, nos parece que o espírito do CPC/2015 refor-
ça este entendimento, especialmente considerando os princípios da boa-fé processual
(expressado, por exemplo no art. 5º, atingindo a todos que participam do processo)
e cooperação entre todos os sujeitos do processo (art. 6º do CPC/2015)77, devendo-
-se, excepcionalmente, considerar o prazo diferenciado constante no mandado para
fins de tempestividade.

15.2.10. Efeitos da citação


A citação inicial válida produz os seguintes efeitos: a) completa a formação do pro-
cesso, agora em relação ao réu, pois ele já existia entre o autor e o juiz, como relação
bilateral (art. 312, primeira parte do CPC/2015); ou, então, triangulariza a relação jurí-
dica processual; b) e, especificamente, ainda que determinada por juiz incompetente,
produz os efeitos discriminados no art. 240, caput, do CPC/2015, quais sejam, induz
litispendência (vedando o ajuizamento de outra demanda com as mesmas partes, pe-
dido e causa de pedir), faz litigioso o bem da vida em disputa e constitui o devedor em
mora (este efeito pode preceder a citação, conforme tenha sido o caso – v.g. arts. 394 a 398
do CC – afinal, este efeito da citação pressupõe que o réu não estivesse em mora quando da
propositura da ação)78.

75. V. André Roque, Comentário ao art. 231 do Código de Processo de 2015 in Fernando da


Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira Jr.,
Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015,
p. 715. e Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso
de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 131.
76. Revista de Processo [RePro] 4/401, em.; RT 495/90, 509/200, 525/142 e 541/119; JUTACivSP
58/152 e 86/83; RTJ 97/1.291.
77. Sobre a aplicação do princípio da boa-fé processual aos julgadores vide: STJ, EDcl no
AgRg no REsp. nº 1.394.902/MA, 1º T., j. 04.10.2016, rel Min. Regina Helena Costa, – rel.
p. Acórdão Min. Gurgel de Faria, DJU 18.10.2016.
78. Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol. I, 56ª ed. rev., atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 555.
616 Manual de Direito Processual Civil

A prevenção (= fixação da competência) no CPC/1973 era considerada um dos efei-


tos da citação válida, no caso de conflito entre juízos de comarcas diversas (art. 219,
primeira parte do CPC/1973), ou, ainda, como um dos efeitos do despacho inicial para
os juízes da mesma comarca (art. 106 do CPC/1973). Atualmente, no CPC/2015, a pre-
venção passa a ser considerada um dos efeitos do registro ou da distribuição da petição
inicial (art. 59). O critério parece mais adequado79, visto que não depende de qualquer
ato posterior à propositura da demanda, seja em relação à serventia ou ao próprio juízo.
Assim, com o mero registro ou a distribuição da petição inicial (usualmente eletrôni-
cos), dá-se a prevenção. Não há prevenção, entretanto, quando o juízo é absolutamente
incompetente (caso reconhecida essa incompetência) e, ainda, quando o juízo é relati-
vamente incompetente (em não se prorrogando a competência).
O CPC/1973 previa originalmente como um dos efeitos da citação a interrupção
da prescrição (art. 219). O efeito interruptivo da prescrição operava-se ainda quando a
citação fosse determinada por juiz incompetente. O mesmo ocorria em relação à obs-
taculização da decadência.
Contudo, o CPC/2015 rompeu de vez com a tradição do direito processual civil,80
deixando de indicar a interrupção da prescrição entre os efeitos da citação, prevendo
que “a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que
proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação” (art. 240,
§ 1º do CPC/2015), restando expresso, ainda, que “o efeito retroativo a que se refere o
§ 1º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei.”
Diante das disposições legais, não é mais possível falarmos em interrupção da pres-
crição como efeito da citação. Ainda há, no entanto, uma relação daquela com a cita-
ção, visto que a interrupção somente se opera em a parte autora, dentro do prazo de 10
(dez) dias, tomando as providências necessárias para a viabilização da citação (art. 240,
§ 2º do CPC/2015).81

15.2.11. A falta de citação


A citação é ato essencial do processo (art. 239, caput do CPC/2015), sendo a lei vi-
gente expressa a respeito, prescrevendo ser necessária a citação no início do processo,
sob pena de inexistência do mesmo. Conforme dissemos anteriormente, processo sem
citação (ou com citação nula somada à revelia) é juridicamente inexistente.

79. Neste sentido: Bruno Silveira de Oliveira, Comentário ao Art. 59 do Código de Processo Civil
in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier,
Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coord). 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 733.
80. O art. 202, I, do Código Civil prevê que a interrupção da prescrição se opera pelo despacho
que determina a citação, ainda que o juízo seja incompetente. Em suas palavras: “Art. 202. A
interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho
do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo
e na forma da lei processual;”.
81. Mais especificamente sobre a interrupção da prescrição e a obstaculização da decadência
vide item próprio no capítulo Tempo e Prazo do Processo.
Comunicação dos Atos Processuais 617

Na hipótese de falta de citação e não tendo havido manifestação alguma do réu,


a sentença proferida não terá valor jurídico (v. arts. 525, § 1º, 535, I do CPC/2015).
Não há preclusão no que diz com a arguição da falta de citação, ou de sua nulidade
(art. 280 do CPC/2015), desde que o processo tenha corrido à revelia. Mesmo após
o transcurso do prazo para a ação rescisória, pode tal vício ser alegado em embargos
do devedor na execução da sentença proferida no processo viciado, ou até mesmo
por simples petição, ou, se houver interesse jurídico, em ação própria (= ação decla-
ratória dessa inexistência).
A apresentação da defesa, no entanto, supre a própria citação, porque, mesmo não
tendo sido feita a citação, a apresentação indica que a demanda chegou ao conheci-
mento do réu (art. 239, § 1º do CPC/2015). Entretanto, o réu poderá comparecer a juí-
zo tão somente para alegar a falta de citação. Desde que o juiz venha a reconhecer que,
na realidade, não houve citação, considerará, então, citado o réu. O art. 214, no § 2º
do CPC/1973, referia-se apenas à nulidade; entretanto, indicávamos que deveria men-
cionado dispositivo abranger não só as hipóteses de nulidade propriamente dita, como
também de ausência de citação, tendo a redação do § 1º do art. 239 do CPC/2015 abran-
gido ambas hipóteses, quais sejam, a falta e a nulidade da citação.
O projeto de Lei nº 166/2010, orginalmente aprovado no Senado dispunha que, “O
comparecimento espontâneo do réu ou executado supre a falta ou nulidade da citação,
contando-se a partir de então o prazo para contestação ou embargos à execução”. O ter-
mo “a partir de então”, deixava menos claro qual seria exatamente o início do prazo para
contestar, se o da intimação ao procurador da parte respeitante à decisão que reconheceu
a falta de citação ou se, literalmente, do próprio comparecimento espontâneo do réu.
Essa última hipótese, foi acatada pelo CPC/2015, já que o § 1º do art. 239 agora tem
a seguinte redação: “o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a
falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de
contestação ou de embargos à execução”. Assim, o réu ou executado terá de manifestar-
-se nos autos para arguir a nulidade e, logo em seguida a essa arguição, sem ao menos
saber do pronunciamento do juízo, oferecer contestação ou os embargos à execução.
Embora a redação da versão anterior do projeto não fosse a mais clara, a interpre-
tação dada ao dispositivo era mais adequada, em relação a essa recente modificação: o
prazo para a resposta seria contado a partir da intimação a respeito da decretação de nu-
lidade da citação. Assim seria possível dar ao réu, ou ao executado, a garantia do con-
traditório efetivo.
Ademais, o § 2º do art. 239 estipula que, uma vez rejeitada a arguição de nulidade,
no processo de conhecimento, o réu será considerado revel, e, no de execução, o feito
terá seguimento.

15.2.12. Nulidade da citação


A citação é nula quando se realiza em desconformidade com a lei (art. 280 do
CPC/2015). Será nula, v.g., quando a forma de citação eleita não corresponder aos
618 Manual de Direito Processual Civil

pressupostos fáticos que autorizam a escolha do meio pelo qual foi feita, desde que
não alcance seus efeitos práticos e se verifique prejuízo. Por exemplo, quando o ci-
tando é o Estado, a falta de advertência no mandado de citação quanto às consequên-
cias da falta de contestação é um defeito inócuo, para o fim do art. 344 do CPC/2015
(revelia), pois não incide na hipótese; irrelevante, pois, tenha sido, ou não, observa-
do o art. 250, II do CPC/2015 (exigência que do mandado conste a menção do prazo
para contestar).
Há posições, no sentido de que a ausência desta advertência torna nula a cita-
ção e impede, a fortiori, que se produza(m) o(s) efeito(s) da revelia. Neste caso a lei
comina de nulidade.82 Se a ação, pois, não vier a ser contestada, haverá revelia e, em
nosso sentir, nulidade (desde que ocorrente prejuízo). A fortiori, incogitável a incidên-
cia do art. 344 do CPC/2015, da revelia, para cuja incidência e consequente aplicação
se faz essencial que tenha sido observado o disposto no art. 250, II do CPC/2015. Invi-
ável em face da peremptoriedade do art. 280, do CPC/2015, fazer a distinção entre
a não observância das prescrições legais. O critério central, todavia, para bem decidir
é o do prejuízo, inafastável como diretriz imanente à solução correta embora com refe-
ribilidade a hipótese particular.
De qualquer forma, e, como regra, inocorrente prejuízo, não há que se dar pela nulida-
de , especialmente considerando o disposto nos arts. 239 § 1º e 282, § 1º do CPC/2015,
83

em relação ao prejuízo e ao comparecimento espontâneo. Assim, v.g., mais antigamente


já se entendia que não ocorria qualquer prejuízo, se o citando, dentro do prazo, com-
parecesse e apresentasse defesa. De qualquer forma, se houver nulidade, a atividade do
juiz sempre foi e é oficiosa, e essa nulidade haverá de ser sempre decretada.
Entretanto, mesmo que irregular a citação, se tiver conseguido preencher a sua fi-
nalidade, não se deverá decretar a nulidade do processo.84

82. Neste sentido há tempos se consolidou a jurisprudência do STJ: REsp 10.137/MG, rel. Min.
Athos Carneiro, DJ 12.08.1991; REsp 30.222-9/PE, rel. Min. José Dantas, DJ 15.02.1993;
REsp 35.250-9/MA, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 30.08.1993, todos citados por Sálvio
de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 184-185., caminhando a jurisprudência
atual o mesmo posicionamento, inclusive referindo às decisões do STJ. Neste sentido vide: TJ/
SP, Apelação nº 0002393-90.2008.8.26.0106, 12ª Câmara de Direito Privado, j. 13.05.2015,
rel. Des. Cerqueira Leite, DJe 01.06.2015. Em sentido diverso, no entanto, já decidiu o STJ,
deixando de reconhecer a nulidade pois a empresa ré é de grande porte, com departamento
jurídico, representação judicial adequada e grande quantidade de processos em andamento
na justiça. Restou consignado na ementa do mencionado acórdão que: “A decretação de
nulidade seria admissível caso comprovado o dano a quem o suscita. Ocorreria, por exem-
plo, na hipótese de réu humilde, sem experiência da lide jurisdicional, que eventualmente
tardasse a procurar aconselhamento especializado de advogado”(REsp 1.130.335/RJ, 2ª T.
j. 18.02.2010, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.03.2010
83. V. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo:
RT, 2014, pp. 128 –181, especialmente pp. 169– 173.
84. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 824, Comentário ao art. 280.
Comunicação dos Atos Processuais 619

15.3. As intimações
Intimação, segundo a definição do art. 269 do CPC/2015, é o ato pelo qual se dá ci-
ência a alguém dos atos e dos termos do processo. Impõe o CPC/2015 que as intimações
realizem-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.
Diante da preferência adotada, impõe o § 1º do art. 246 do CPC/2015 que as em-
presas públicas e privadas têm que manter cadastro nos sistemas de processo em au-
tos eletrônicos, para efeitos de recebimento de citações e intimações, as quais serão
efetuadas preferencialmente por este meio. Igualmente também estão obrigados a
manter o cadastro o Ministério Público e a Defensoria Pública (paragrafo único do
art. 270 do CPC/2015). Apenas estão dispensadas desta obrigação as microempresas
e as empresas de pequeno porte, em razão de disposição legal expressa (art. 246 § 1º
do CPC/2015).
Excetuada a intimação eletrônica, ainda em implementação pelos tribunais, pode-
-se dizer que, quase sempre, as intimações são feitas aos advogados, pois são esses que
possuem aptidão para a prática de atos processuais85. No entanto, a lei contempla algu-
mas hipóteses em que a intimação deve ser feita à parte, pessoalmente, como se dá com a
intimação prevista no § 1.º do art. 485 (intimação para promover o andamento do pro-
cesso sob pena de extinção, no prazo de 5 dias).86
Se, porventura, a intimação foi feita pessoalmente à parte, quando deveria ter sido
ao advogado, e se não se tomam as providências nela recomendadas, não se pode, com
base neste fato, computar o prazo de abandono do processo, vindo-se a extingui-lo sem
resolução de mérito.
As intimações são feitas no curso do processo, quando não realizadas por meio ele-
trônico, pela publicação no órgão oficial da Justiça (art. 272, caput do CPC/2015), que,
atualmente, pode ser inclusive o Diário Oficial Eletrônico. Caso seja inviável a intima-
ção eletrônica e ainda não houver na localidade publicação em órgão oficial, terá o es-
crivão ou chefe de secretaria de intimar de todos os atos do processo pessoalmente os
advogados das partes, se tiverem domicílio na sede do juízo (art. 273, I do CPC/2015),
ou por carta registrada com aviso de recebimento, caso o domicílio profissional do ad-
vogado seja fora do juízo (art. 273, II do CPC/2015).
A intimação do Ministério Público também deverá ser feita pessoalmente (art. 180,
caput cc § 1º do art. 183), havendo a impossibilidade acima. O início do prazo para o
Ministério Público se inicia a partir da intimação. Para este fim, a jurisprudência do STF
considera que “a entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público,
formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar

85. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 809, Comentários ao art. 269.
86. Sob a égide do CPC/1973 foram proferidas, inclusive, decisões que admitem a intimação
por edital por aplicação analógica dos arts. 231 a 233 do CPC/1973 (que previam as hipó-
teses de citação por edital). (JUTACivSP 87/52, 302 e 432. Ainda: RT 648/151; JTA 90/395
e 104/194.)
620 Manual de Direito Processual Civil

a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial”,87 sendo esta orientação
acompanhada pela jurisprudência do STJ, conforme se extrai da ementa de julgado
proferido pela Corte Especial: “A entrega de processo em setor administrativo do Mi-
nistério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal,
cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial.”88 O § 6º
do art. 272 do CPC/2015 veio consolidar este entendimento, considerando válida a in-
timação realizada em razão da retirada dos autos de cartório por pessoa credenciada.
No entanto, já se decidiu antes da Constituição Federal de 1988, corretamente, a
nosso ver, pela desnecessidade da intimação pessoal quando o Ministério Público atu-
ava como procurador judicial da União,89 pois nesta hipótese a sua função era a de um
advogado. Todavia, ainda que funcionando como advogado, haveria de ser pessoalmen-
te intimado em execução fiscal (art. 25 da Lei 6.830/1980).90
Lembremos, todavia, que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
como visto longamente nos capítulos anteriores, já não é mais possível que a represen-
tação judicial ou extrajudicial da União (ou de qualquer outra pessoa de direito público)
possa ser feita pelo Ministério Público. Para tal finalidade, a mais recente Carta Cons-
titucional criou a Advocacia-Geral da União. Seus membros, como determina o art. 6º,
caput, da Lei 9.028/1995, deverão ser intimados dos atos processuais pessoalmente.
Os prazos para a prática de atos têm início da intimação ou notificação (art. 230,
caput, do CPC/2015), aplicando-se a regra da exclusão do dia do início e inclusão do dia
final. Consideram-se realizadas as intimações, ademais, no primeiro dia útil seguinte,

87. STF, RE 213121 AgR/SP, 1ª T. j. 21.10.2008, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 06.03.2009. No
mesmo sentido: STF, HC 83.255/SP, j. 05.11.2003, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.03.2004,
p. 38; STF, RHC 81.787/SP, j. 06.09.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 23.09.2005, p. 16.
88. STJ, AgRg no EDcl no REsp 1420425/SC, 2ª T. j. 01.03.2016, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 08.03.2016. Cf. também:STJ, CE, Rel. Min. Castro Meira, AgRg nos EREsp 403.153/
SP, j. 02/08/2010, DJe 23/08/2010; STJ, REsp 628.621/DF, Corte Especial, j. 04.08.2004,
rel. Min. Menezes Direito, DJ 06.09.2004, p. 155; STJ, EREsp 337.052/SP, Corte Especial,
j. 17.11.2004, rel. Min. Felix Fischer, DJ 14.03.2005, p. 180; STJ, EREsp 261.949/SP, 3.ª S.,
j. 14.02.2005, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 02.03.2005, p. 185; STJ, REsp 633.537/
MS, 1.ª T., j. 12.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.05.2005, p. 183; STJ, REsp 598.524/
PR, 1.ª T., j. 27.04.2004, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 17.05.2004, p. 153. Importante, no
entanto, ressaltar o entendimento contrário de Hugo Nigro Mazzili que, com base na Lei
Complementar 75/1993, afirma que “O direito de receber intimação pessoal é norma pre-
vista na LONMP e já provinha da legislação processual codificada; aplica-se a qualquer
processo e grau de jurisdição (LC 75/1993, art. 18, II, h). Tal privilégio processual se justifica
pelas peculiaridades da instituição, sem violar o princípio da igualdade das partes. Como a
intimação será pessoal, não é contada a partir do recebimento dos autos pela secretaria da
promotoria ou da procuradoria, mas sim da ciência pessoal do promotor ou do procurador”
(cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, p. 332).
89. Revista de Processo [RePro] 24/264, em. 69; RTJ 95/445 e 101/306; RJTJSP 89/336. V. TFR,
Súmula 117.
90. Já se decidiu – basicamente com fundamento em razões de ordem prática, tidas por intrans-
poníveis, e, assim, configuradoras de não se estar vulnerando a ratio legis desse art. 25 – pela
inaplicabilidade em segundo grau de jurisdição. (RJTJSP 74/130, RJTJSP 83/247.)
Comunicação dos Atos Processuais 621

se tiverem ocorrido em dia que não tenha havido expediente forense, (arts. 216 e 224 do
CPC/2015). Diversamente do que ocorre com a citação, havendo mais de um intimado
o prazo deverá ser contado individualmente (art. 231, § 2º do CPC/2015).
Em respeito à economia e à celeridade processual, o CPC/2015 atribuiu, ao advoga-
do da parte, a faculdade de realizar a intimação do patrono da parte contrária por meio
de correio, devendo juntar aos autos cópia do ofício de intimação e do aviso de rece-
bimento (art. 269 § 1º do CPC/2015). Referido oficio deverá necessariamente ser ins-
truído com cópia do despacho, da decisão ou da sentença (art. 269 § 2º do CPC/2015)
Deve ser observada, a exemplo do destacado em relação à citação, a determinação do
art. 229 do CPC de 2015, ou seja, terão prazo dobrado para se defender, recorrer e falar
em geral nos autos, os litisconsortes com procuradores diversos, desde que estes sejam
de diferentes escritórios de advocacia e que os autos não sejam eletrônicos.
O CPC/2015, no art. 683, pár. único, alude à citação dos opostos – autor(es) e réu(s)
da demanda principal – na pessoa dos respectivos advogados91, ao passo que, atinente-
mente à reconvenção, no art. 343 § 1º do CPC/2015, refere-se à intimação do autor re-
convindo, na pessoa do advogado por este último constituído. Todavia, apesar da dis-
crepância terminológica, dado que, num artigo (683, parágrafo único, do CPC/2015),
fala-se em citação na pessoa do advogado, e noutro (343 § 1º do CPC/2015) alude-se à
intimação de que foi “oferecida a reconvenção”. Trata-se, em ambos os casos, na realida-
de, de propositura de ações. Efetivamente, num e noutro caso, o que se verifica é a pro-
positura da ação, e dita citação na pessoa dos advogados dos opostos (exceto no caso de
uma das partes requeridas não ter advogado devidamente constituído nos autos, quando
será feita de acordo com as regras gerais), bem como a decorrente do oferecimento da
reconvenção, operando a intimação efeitos próprios da citação (v. art. 240 do CPC).92

15.3.1. Peculiaridades formais da intimação


No que diz respeito aos principais problemas que existem respeitantemente aos re-
quisitos e à validade e à eficácia das intimações, diga-se o que se sege.
Para a validade da intimação da sentença, não é necessário que o escrivão a trans-
creva em sua integridade, sendo suficiente que, com clareza, precise o resultado favorá-
vel ou desfavorável à parte intimada, orientação válida, na medida em que não se tenha
omitido qualquer ponto essencial identificador, precisamente, do resultado.93
Havendo pedido expresso para que as comunicações processuais sejam feitas em nome
de algum ou alguns advogados indicados, seu desatendimento implicará em nulidade

91. V. Rodrigo Otávio Baroni, Comentário ao art. 683, in José Roberto Cruz e Tucci, Manoel
Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro
Gilbert Martins, Código de Processo Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico,
2016, p. 947.
92. Sobre o tema vide: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo:RT, 2015, p. 793
93. Revista de Processo [RePro] 5/375, em. 187.
622 Manual de Direito Processual Civil

(art. 272 § 5º do CPC/2015). O CPC/2015 também prevê expressamente que os advoga-


dos podem requerer que, na intimação a eles dirigida, figure apenas o nome da sociedade
a que pertencem, desde que devidamente registrada na Ordem dos Advogados do Bra-
sil (art. 272 § 1º do CPC/2015)94, sendo nula a intimação realizada de maneira diversa.
Todavia, a omissão do nome de um dos advogados na intimação tratar-se-á, no má-
ximo, de irregularidade, quando a parte for representada por diversos advogados e não
houver pedido para intimação em nome de um deles95. Assim, também válida e eficaz
é a intimação feita em nome do advogado que substabeleceu em favor de outro, com
reserva de poderes.96 Possível concluir, portanto, que se não houver sido feito requeri-
mento para que a publicação seja feita em nome de um determinado advogado, incogi-
tável pensar-se em nulidade97.
A grafia do nome das partes constantes da intimação não deve conter abreviaturas
(art. 272 § 3º do CPC/2015), a exceção das hipóteses de segredo de justiça, conforme
já consagrado na prática forense98. Da mesma forma, o nome do advogado deve ter sido
publicado corretamente e de forma completa, visto que a incorreção pode inviabilizar

94. Pontua Flávia Hellmeinster Clito Fornaciari Dórea que não poderá ser requerida a intimação
conjunta dos advogados e da sociedade. (Flávia Hellmeinster Clito Fornaciari Dórea, Co-
mentário ao art. 272 in José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de
Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo
Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 397).
95. RTJ 76/308, 79/590, 85/542, 88/614, 90/105, 100/755 e 106/277; RT 541/281; RJTJSP
43/187. TJSP; STJ, HC 224.523, 6ª T. j. 15.08.2013, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
DJe. 23.08.2013; STJ, AgRg no AG 1.058.865/RS, 4ª T. j. 17.03.2009, rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJe. 30.03.2009; STJ, AgRg no REsp 677.830/SC, 1.ª T., j. 02.06.2005, rel. Min.
Luiz Fux, DJ 27.06.2005, p. 254; STJ, REsp 216.886/SP, 2.ª T., j. 16.12.2004, rel. Min. Castro
Meira, DJ 18.04.2005, p. 244.
96. TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2169916-42.2016.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Pri-
vado, j. 15.9.2016, des. Rel. Francisco Occhiuto Júnior, DJe 20.9.2016; Revista de Processo
22/248.
97. “Se não existe requerimento no sentido de as publicações veicularem o nome de determinado
advogado, dentre os constituídos, descabe cogitar da pecha de nulidade quando grafado o
nome de qualquer deles” (STF, AgRg em RE 130.725-2/RJ, j. 02.02.1995, rel. Min. Marco
Aurélio, RT 722/242). Neste sentido também, STF, RMS 22068/DF, 1ª T, j. 06.09.1996, rel.
Min. Ilmar Galvão, DJu 06.09.1996. No âmbito do STJ: “I. Esta Corte firmou entendimento
no sentido de que havendo pedido expresso para que as intimações sejam feitas em nome
de advogados substabelecidos, o seu não atendimento acarreta nulidade. II. Entretanto, no
caso em tela, restou consignado no v. Acórdão recorrido que inexiste prova de requerimento
de intimação exclusiva em nome de um dos causídicos. Para modificar as conclusões con-
signadas no Acórdão impugnado, seria necessário reexaminar o conjunto fático-probatório
dos autos, o que é vedado em sede de Recurso Especial (Súmula 7/STJ) III. Havendo vários
procuradores constituídos, é valida a intimação feita em nome de apenas um deles. (STJ,
3.ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, AgRg no Ag 1176384/RS, j. 27.10.2009, DJe 06.11.2009). Em
igual sentido: TJMG, Agravo de Instrumento nº 0024272-27.2013.8.11.0000, 2ª Câmara
Cível, j. 24.06.2013, rel. Des. Maria Helena Gargaglione Póvoas, DJe 30.07.2013.
98. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil – São Paulo: RT, 2015, p. 810, comentário ao art. 272.
Comunicação dos Atos Processuais 623

a ciência da intimação (art. 272 § 4º do CPC/2015).99 Há julgado interessante do STJ,


sobre o assunto, no sentido de que, ainda que sutil o erro, ocorre nulidade, visto que “o
exercício da advocacia nos grandes centros, como São Paulo, Santos e Belo Horizonte,
pressupõe a utilização dos serviços prestados por empresas especializadas na leitura do
Diário Oficial, que efetuam a busca de intimações, quer pelo meio físico quer por via
da internet, com base no nome do advogado. Essa é a realidade atual, que não pode ser
desprezada”.100 A decisão, embora acertada, não era pacífica na vigência do CPC/1973,
tendo os tribunais decidido que os equívocos de grafia de pequena monta e que não in-
viabilizassem o reconhecimento, pelo procurador, de seu próprio nome, não gerariam
nulidade.101 Os mencionados §§ 3º e 4º do art 272 do CPC/2015 solucionaram qualquer
controvérsia, evidenciando a necessidade de identificação completa do nome das par-
tes e dos seus advogados, garantindo uma maior segurança nas comunicações dos atos
processuais, ainda mais considerando que grande parte dos advogados, atualmente, uti-
lizam serviços de buscas de publicações que têm como parâmetros termos previamente
indicados (v.g o nome completo do advogado e respectiva OAB102), que poderiam deixar
de identificar publicações em razão de equívocos na grafia dos nomes.
Não é valida a intimação feita ao estagiário de direito, ainda que devidamente ca-
dastrado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ocorre que, com a edição
da Lei 8.906/1994 (art. 3º, § 2º), restou vedado o exercício ao estagiário de qualquer
ato de postulação em juízo sem que estivesse acompanhado do advogado, não lhe sen-
do permitido, ordinariamente, receber intimações em nome do advogado103. Ressalva
deve ser feita em relação ao § 6º do art. 272 do CPC/2015, visto que este considera que
a carga dos autos realizada por pessoa credenciada a pedido do advogado, da Advoca-
cia Pública, da Defensoria Pública ou do Ministério Público, implica na intimação de

99. Destaca-se que o CPC/1973 previa apenas que deveria constar os nomes das partes e de
seus advogados “suficientes para sua identificação” (art. 236, §1º do CPC/1973). Diante
disso, não eram incomuns as jurisprudências que consideravam válida a intimação ainda
que a nomenclatura não fosse completa. Neste sentido: RSTJ 13/421, REsp 4.052, 2.ª T., rel.
Min. Vicente Cernicchiaro, em que foi omitido “Júnior” do nome do advogado, tendo sido
decidido, pelo tribunal local, que essa omissão era irrelevante.
100. STJ, RMS 15.298/SP, 2.ª T., j. 22.04.2003, rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha,
DJ 26.04.2004, p. 155. Afirma-se, ainda, no referido julgado, que “é dever do Estado-juiz,
enquanto entidade monopolista da prestação jurisdicional, intimar a parte corretamente”.
101. “Processual civil. Agravo regimental na petição no recurso especial. Intimação. Erro na grafia
do nome do advogado. Possibilidade de identificação do feito. Ausência de prejuízo. Não
se deve declarar a nulidade da publicação de acórdão do qual conste, com grafia incorre-
ta, o nome do advogado se o erro é insignificante (troca de apenas uma letra) e é possível
identificar o feito pelo exato nome das partes e número do processo." (STJ, AgRg na Pet no
REsp 1138757/SP, 1.ª T., j. 19.08.2010, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 26.8.2010).
102. Antes da vigência do CPC/2015 o STJ tinha decidido em julgamento de recurso repetitivo
que a ausência da OAB do advogado da parte da intimação não gera sua nulidade, sendo
suficientes os nomes das partes e dos respectivos advogados. (REsp 1.131.805/SC, Corte
Especial, j. 03.03.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 08.04.2010.)
103. Sobre o tema vide o capítulo sobre o advogado.
624 Manual de Direito Processual Civil

qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação. Para
tanto é necessário, no entanto, que o requerimento do cadastramento do preposto seja
realizado previamente (art. 272 § 7º do CPC/2015). Assim, caso o estagiário ou, ainda,
qualquer preposto do advogado, realize a carga dos autos, será considerado o ato da
carga como intimação válida.
Se as intimações se fazem por aviso de recebimento e passam a ser feitas por pu-
blicações, deverão, desta mudança, ser intimados os advogados de fora da comarca, e,
bem assim, os da própria comarca; aqueles por aviso de recebimento (art. 273, II do
CPC/2015) e estes pelo escrivão (art. 273, I do CPC/2015). A partir de tais intimações,
as subsequentes, pelo novo sistema, serão válidas. Do contrário, não se poderá empres-
tar validade (e nem eficácia) às intimações que venham a ser feitas pela nova e diversa
modalidade.104 Trata-se de uma consequência dos princípios da boa-fé e da cooperação
processual, que também vinculam o Poder Judiciário e seus membros.105
O art. 274 parágrafo único do CPC/2015 estabelece, explicitamente, uma presunção
de validade para as intimações feitas ao endereços constantes dos autos, fluindo o prazo
a partir da juntada aos autos do comprovante de recebimento. A parte fica incumbida,
portanto, de atualizar qualquer eventual mudança de endereço, sob pena de ser aplica-
da a presunção legalmente prevista.

15.3.2. A comunicação por fac-símile e similares (Lei 9.800/1999)


Atualmente a utilização da tecnologia para a realização de atos processuais resta
incorporada à prática forense, especialmente em razão da implementação do processo
eletrônico, que já é uma realidade no Poder Judiciário brasileiro. No entanto, a trans-
missão de dados eletrônicos para a realização dos atos processuais foi controversa no
início da sua utilização, especialmente quando a questão não estava efetivamente regu-
lada em lei ou regulamentada.
Embora o instrumento do fac-simile, objeto principal da Lei nº 9.800/1999, esteja em
crescente desuso, principalmente em razão das novas modalidades de comunicação ele-
trônica, mais modernas e eficazes, ainda é relevante o seu estudo, pois ainda há pertinên-
cia na sua utilização, principalmente no que tange aos processos que ainda tramitam de

104. A modificação do sistema por meio do qual vinham sendo feitas as intimações, para outro
sistema, deverá ser comunicada ao advogado. Assim, se as intimações são feitas por carta,
com aviso de recebimento, alterando-se tal forma de comunicação, para intimação pela
imprensa local, disso haverá o advogado de ser intimado, para, somente depois dessa in-
timação, ganharem validade e eficácia as intimações pela imprensa. Do contrário, haverá
manifesta modificação de um sistema, no qual se confiava, para outro sistema, cuja própria
existência haverá de ser tida como ignorada pelo(s) advogado(s).
105. STJ, REsp 1.394.902, 1ª T. j. 04.10.2016, rel. Min. Regina Helena Costa, rel. do acórdão,
Min. Gurgel de Faria, DJe 18.10.2016. Destacou o Ministro Gurgel de Faria que o CPC/2015
trouxe uma série de inovações, dentre “elas um sistema cooperativo processual – norteado
pelo princípio da boa-fé objetiva –, no qual todos os sujeitos (juízes, partes e seus advogados)
possuem responsabilidades na construção do resultado final do litígio.”
Comunicação dos Atos Processuais 625

forma física, especialmente para questões urgentes que necessitam de celeridade ou para
casos em que o patrono não tem possibilidade de realizar o ato de forma imediata direta-
mente perante o órgão competente (v.g. a limitação geográfica imposta em razão do pa-
trono ter seu escritório em comarca fora da região abrangida pelo protocolo integrado).
Desde o início da utilização dos meios eletrônicos de transmissão de dados, princi-
palmente, do fac-símile ou fax, verificou-se resistência de nossos Tribunais, compreen-
sível e aceitável, na medida em que, não disciplinado o assunto, sua utilização acarre-
taria insegurança relacionada aos atos praticados. Somente por meio de lei poder-se-ia,
com apreciável margem de segurança, admitir a utilização de sistemas de transmissão
de dados para a prática de atos processuais. Precedentemente, as posições eram con-
flitantes, predominantemente pela não legitimidade da utilização, principalmente, do
fac-símile ou fax.106A Lei nº 9.800/1999 veio a pacificar qualquer discussão relacionada
à questão ao prever a possibilidade da prática de alguns atos processuais com auxílio
do fac-símile ou fax, especialmente a transmissão de documentos por este sistema.107
Se a transmissão pelo sistema da Lei 9.800/1999 for feita antes do término do prazo,
os originais poderão ser entregues tendo como termo ad quem o quinto dia depois do tér-
mino do prazo respectivo.108 Salvo se para o ato que foi praticado não houver prazo, como,
no caso, de petição inicial, hipótese em que, então, os originais deverão ser entregues em
até cinco dias da transmissão da mesma. Coloca-se, aqui, o problema de saber se se exclui
ou não o dia (= data) da transmissão. A nossa tendência é a de entender que não se exclui,
pois, ainda que se pudesse sustentar estar-se aqui, de certa forma, diante de um prazo ju-
dicial (art. 2º), a redação da lei é clara, em sentido contrário. Refere-se à entrega dos origi-
nais “até 5 (cinco) dias da data da recepção do material” (art. 2º, parágrafo único, in fine).
Afigura-se-nos que o ato ou a petição escrita objeto de transmissão fica subordina-
da a uma situação resolutória, ou seja, transmitidos e entregues os originais tempesti-
vamente, o ato valerá da data da transmissão.
Pela Lei 9.800/1999, passa-se a admitir o fac-símile ou outro meio similar de trans-
missão de dados e imagens, tendo em vista “atos processuais que dependam de peti-
ção escrita” (art. 1º), o que não levará ao desrespeito de cumprimento dos prazos, com
necessária entrega dos originais em até cinco dias após o término do prazo (art. 2.º)109;

106. Cf. na RT 728/122-127 trabalho de Ellen Gracie Northfleet, intitulado A Utilização do fax
no Poder Judiciário, com a jurisprudência indicada no texto, publicada na Secção Jurispru-
dência Selecionada, no mesmo volume, p. 105 e ss.
107. Há de se destacar, no entanto que a aplicabilidade do sistema depende da existência de
aparelhagem dos órgãos judiciários (art. 5.º da Lei 9.800/1999), que, em os tendo, deverão
dar à publicidade ao fato e disciplinar como será recebida a transmissão.
108. STJ, EDcl no AgRg na Pet 3.934/MG, Corte Especial, j. 21.09.2005, rel. Min. Ari Pargendler,
DJ 17.10.2005, p. 159; STJ, EDcl no AgRg no AgIn 657.574/SP, 4.ª T., j. 15.09.2005, rel. Min.
Jorge Scartezzini, DJ 17.10.2005, p. 303; STJ, EDcl no REsp 733.896/PR, 2.ª T., j. 15.09.2005,
rel. Min. Castro Meira, DJ 10.10.2005, p. 339.
109. V. AgRg no AREsp 686.672/MA, 1ª T. j. 1.06.2015, rel. Min. Olindo Menezes (Desb. Con-
vocado do TRF 1ª Região), Dje. 26.06.2015.
626 Manual de Direito Processual Civil

mesmo para os atos não sujeitos a prazo, a regra do art. 2.º, caput, há de ser observada
(art. 2.º, pár. único).110
A qualidade e a fidelidade do que for transmitido correrão por conta da parte que
se utilizar do meio de transmissão (art. 4.º, caput, da Lei 9.800/1999).111 Deverá haver
coincidência entre o meio utilizado por fac-símile e o original ulteriormente apresenta-
do, pois, do contrário, será o litigante considerado como de má-fé (art. 4.º, pár. único,
da Lei 9.800/1999). É hipótese em que a conduta de litigância de má-fé está objetiva-
mente definida.
Havia polêmica, na jurisprudência recente, sobre a admissibilidade da prática de
atos processuais por meio de correio eletrônico (e-mail).112 Ao que parece, no entanto,
embora o e-mail pudesse ser considerado uma forma de comunicação similar ao fac-sí-
mile, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça acabou caminhando
no primeiro sentido, adotando a tese de que a faculdade prevista pela Lei nº 9.800/1999
não é extensível àquele, tendo a controvérsia sido relativamente pacificada.

15.3.3. O processo eletrônico – da Lei 9.800/1999 ao CPC/2015


Ao contrário do CPC/1973, o CPC/2015 já foi devidamente aprovado tomando
como base uma realidade em que o processo judicial eletrônico já resta devidamen-
te regulamentado e implementado em diversas Comarcas e Tribunais. Diversos são

110. Rejeitou-se reclamação, em razão da não juntada dos originais no prazo de cinco dias (STJ,
Rcl 1.693/RJ, 3.ª T., j. 24.08.2005, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 21.09.2005, p. 126).
111. STJ, AgRg no AREsp. 719.586/RS, 4ª T. j. 08.03.2016, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe.
15.03.2016; STJ, AgRg no AgIn 668.875/RS, 2.ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJ 26.09.2005, p. 321.
112. Orientava-se parte da jurisprudência do STJ no sentido de que “a utilização do correio
eletrônico na interposição de recursos ainda não possui regulamentação e nem mesmo
técnica específica para atestar a idoneidade do documento e de seu subscritor nesta Corte,
não sendo adequado invocar a Lei 9.800/1999 para justificar tais casos”. (STJ, AgRg nos EDcl
no AgRg no REsp 644.765/RS, 5.ª T., j. 26.04.2005,rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.05.2005,
p. 331. No mesmo sentido: STJ, AgRg no AgIn 632.346/MG, 4.ª T., j. 17.02.2005, rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ 21.03.2005, p. 398; STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no AgIn 604.640/
MG, 3.ª T., j. 17.03.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 11.04.2005, p. 292; STJ, AgRg no
REsp 652.325/SC, 2.ª T., j. 04.11.2004, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.02.2005,
p. 183.). Em sentido contrário, existiam decisões afirmando que “o correio eletrônico (e-mail)
é sistema de transmissão de dados e imagens similar ao fac-símile, motivo pelo qual permitida
a sua utilização para a apresentação de petição escrita, na forma da Lei 9.800/1999”.(STJ,
AgRg no REsp 660.369/RS, 1.ª T., j. 08.03.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.03.2005, p. 215.
No mesmo sentido: STJ, EDcl no AgRg no REsp 658193/SC, 5.ª T., j. 15.03.2005, rel. Min.
Gilson Dipp, DJ 04.04.2005, p. 342; STJ, AgRg no REsp 691.728/SC, 1.ª T., j. 03.03.2005,
rel. Min. José Delgado, DJ 04.04.2005, p. 215). Observa-se, neste julgado, que “a interposi-
ção de recurso, nos termos facultados pela Lei 9.800/1999, em seu art. 2.º, atribui à parte a
total responsabilidade pela entrega dos originais ao órgão judiciário”. Por outro lado, havia
entendimento intermediário, no sentido de que o e-mail pode ser utilizado, desde que para
transmitir imagens digitais do documento original impresso e assinado. (STJ, AgRg no REsp
594.352/SP, 3.ª T., j. 17.02.2004, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 22.03.2004, p. 308.)
Comunicação dos Atos Processuais 627

os preceitos que indicam a adequação a esta realidade, havendo, inclusive, uma seção
própria no CPC/2015 destinada à prática eletrônica dos atos processuais (Seção II, do
Capítulo I, do Título I, do Livro IV – arts. 193 a 199). Ademais, diversos outros dispo-
sitivos do CPC/2015 também fazem referência à realização dos atos pela forma eletrô-
nica, restando expresso em diversos momentos a sua preferência em relação às formas
anteriormente usuais.
A atual preferência decorre de uma continua evolução na previsão legal dos atos
processuais eletrônicos, que resultou em todo arcabouço normativo que conjuntamen-
te rege a realização dos atos processuais na forma eletrônica. O CPC/2015 não esgotou
a matéria, tendo pressuposto a existência de uma série de previsões normativas que o
precederam e continuam vigentes (como a Lei 11.419/2006), tendo silenciado em al-
guns momentos evocando a aplicação das demais disposições e, em outros, tendo re-
produzido de forma idêntica ou similar os respectivos comandos. Pertinente, portanto,
o destaque quanto às demais normas jurídicas aplicáveis para, então, realizar-se uma
análise do CPC/2015.
Como indicado acima, a Lei 9.800/1999 possibilitou a utilização dos meios eletrô-
nicos para a realização de alguns atos processuais, entretanto, esta utilização ainda era
consideravelmente restrita, importando necessariamente na repetição do ato na forma
tradicional, observando as formalidades legais (v.g a obrigatoriedade do encaminha-
mento da petição física no prazo de 5 dias após a remessa do documento eletrônico).
Importante modificação em relação à realização de atos processuais de forma inte-
gralmente eletrônica foi a inserção, pela Lei nº 11.280/2006 de 16 de fevereiro de 2006,
do parágrafo único ao art. 154 do CPC/ 1973. O referido páragrafo. especificou que “os
tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comu-
nicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de
autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de
Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”.113
Com esta alteração, buscou-se regulamentar e implementar, no âmbito dos Tribu-
nais, de forma completa a prática dos atos processuais eletrônicos, o que por muitos já
vinha sendo adotado, consoante demonstram os julgados citados acima, que, em certa
medida, admitiram tal prática, mas, ainda, de forma restrita e condicionada.
De qualquer forma, a regra introduzida no código revogado, veio a representar um
verdadeiro indicativo da necessidade de modernização do Poder Judiciário, por meio
do uso da velocidade da internet para a prática da maioria dos atos processuais, con-
tribuindo, assim, para a diminuição da quantidade enorme de papéis, que, literalmen-

113. Cf., a respeito, a Medida Provisória 2.200-2, de 24.08.2001, que instituiu a ICP-Brasil. De
acordo com o art. 10, § 1.º da referida Medida Provisória, “as declarações constantes dos
documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação
disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários” (cf.
art. 219, caput, do CC/2002). Também regulamentam a atuação da ICP-Brasil os Decs. 6.605,
de 15.10.2008 e 3.996, de 31.10.2001.
628 Manual de Direito Processual Civil

te, ainda abarrotam o fórum e dificultam, e muito, a agilidade da prestação da tutela


jurisdicional.114Ainda assim a normatização não se mostrava completa e adequada.
Somente com a Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006 é que efetivamente se regu-
lamentou de forma completa a informatização do processo judicial, permitindo a sua
tramitação de forma integralmente eletrônica. A Lei 11.419/2006, oriunda de projeto
de lei do ano de 2001, regula inteiramente o que foi designado como processo judicial
eletrônico, a ser aplicado aos processos civil, penal e trabalhista, como, também, aos
juizados especiais e em qualquer grau de jurisdição (art. 1.º, § 1.º), e, que deverá vir a
ser praticado com a quase exclusão do sistema tradicional.
A mencionada lei alterou profundamente o CPC/1973, na medida em que previu
a informatização do processo,115 modificando a redação de alguns de seus artigos116, a
fim de viabilizar a utilização de meio eletrônico, ao lado de outras providências. Em
rigor, o objetivo central dessa lei é o de substituir inteiramente a tradicional utilização
de papel por comunicação eletrônica autêntica, isto é, com validade jurídica como tal,
porque legalmente disciplinada a atividade.
A vigente Lei 11.419/2006 pressupõe precedente regulação da infraestrutura neces-
sária relacionada aos documentos eletrônicos, objeto da Medida Provisória 2.200-2, de
24 de agosto de 2001,117 em que se instituiu “a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasi-

114. Sobre o tema, cf. Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues, A terceira
etapa da reforma processual civil, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 36 e 37.
115. Pelo que consta do art. 1.º, caput, da Lei 11.419/2006, “o uso de meio eletrônico na trami-
tação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será
admitido nos termos desta Lei”.
116. Algumas das novas redações foram as seguintes:“Art. 38. (...) Parágrafo único. A procuração
pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certifica-
dora credenciada, na forma da lei específica.” “Art. 154. (...) § 2.º Todos os atos e termos do
processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico,
na forma da lei.” “Art. 164. (...) Parágrafo único. A assinatura dos juízes, em todos os graus
de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei.” “Art. 169. (...) § 1.º É vedado
usar abreviaturas. § 2.º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os
atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados
de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante
registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de se-
cretaria, bem como pelos advogados das partes. § 3.º No caso do § 2.º deste artigo, eventuais
contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento da realização
do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a alegação
e a decisão no termo.”
117. Em realidade, a Lei 9.800/1999, foi a primeira a admitir, de maneira expressa, a prática
de atos processuais (v.g., protocolo de petições) por meio da utilização do aparelho de fax
ou similar (e-mail) (art. 1.º da referida Lei), exigindo, contudo, o protocolo e apresentação
em juízo do respectivo original no prazo de 5 (cinco) dias contados do término do prazo
legal. Mais tarde, a Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, permitiu
o peticionamento eletrônico e também a intimação pelo meio eletrônico, e o fez mediante
o § 2.º do art. 8.º, in verbis: “Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes
e de recepção de petições por meio eletrônico”. No ano de 2006, por obra da Lei 11.280,
Comunicação dos Atos Processuais 629

leira – ICP-Brasil”118, “para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica


de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habili-
tadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas
seguras” (MP 2.200-2, art. 1.º).119 A Lei 11.419/2006, no fundo, estabelece que a ativida-
de jurisdicional, e também a de postulação, passará a observar esse processo eletrônico.
Importante o destaque que o art. 18 da Lei 11.419/2006 atribuiu aos órgãos do Po-
der Judiciário (especialmente aos Tribunais Estaduais, Federais e Superiores) o poder
de regulamentação complementar da norma no âmbito das suas competências, à luz de
regras estabelecidas e a serem estabelecidas levando em conta as disponibilidades ma-
teriais. Assim, a normatização complementar ficou, inicialmente, afetada a cada tribu-
nal, mas dependente da legislação federal existente reguladora da matéria, bem como
das disponibilidades técnicas e materiais que possam ser proporcionadas.
Com base na nova lei foram realizados os primeiros avanços na implementação efe-
tiva do processo judicial eletrônico no âmbito do STF e do STJ, visto que, além da cria-
ção dos Diários Eletrônicos, fora sendo introduzido, gradualmente, um sistema de tra-
mitação de processos eletrônicos, que incluiu, nos termos da Lei 11.419/2006, a pos-
sibilidade de peticionamento e comunicação de atos processuais eletronicamente. No
STF, tal sistema está disciplinada na Resolução 427/2010 (em vigor, com as alterações
realizadas pelas Resoluções 442/2010, 476/2011, 489/2012 e 490/2012)120; no STJ, o
processo eletrônico foi instituído e regulamentado pela Resolução 1/2010, modificada
pela Resolução nº 14/2013 (revogada), sendo atualmente regulamentado pela Resolu-
ção STJ/GP nº 10/2015.
 Tal regulamentação dos Tribunais Superiores observou – como devem observar as
regulamentações introduzidas no âmbito de quaisquer outros tribunais – os requisitos
estabelecidos pela Lei 11.419/2006 e pela MP 2.200-2/2001. Estes requisitos básicos,
sinteticamente enunciados, que haverão de ser proporcionados para comunicações
eletrônicas válidas e para um processo eletrônico válido, são os seguintes: a) autenti-

ao art. 154 do CPC/1973 foi acrescentado um parágrafo único, dispondo: “Os tribunais, no


âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos
atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integri-
dade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira
– IPC-Brasil”.
118. O ICP-Brasil estabeleceu as condições de legalidade dessas comunicações; legalidade no
sentido de atribuir autenticidade a elas, validade e eficácia. É o ICP-Brasil um conjunto de
técnicas, práticas e procedimentos, a ser implementado pelas organizações governamentais e
privadas brasileiras, com o objetivo de estabelecer os fundamentos técnicos e metodológicos
de um sistema de certificação digital baseado em chave pública, e, essa nomenclatura está
na MP 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
119. A MP 2.200-2/2001 instituiu a “Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)”,
estabelecendo que a função primordial desta seria a de organizar o processo de certificação
digital dos documentos eletrônicos em todo o País (art. 1.º).
120. A mencionada Resolução foi antecedida pelas Resoluções 344/2007, 350/2007 e 417/2009,
já revogadas.
630 Manual de Direito Processual Civil

cidade; b) integridade dos documentos; c) assinatura eletrônica; d) valor probante da


assinatura equiparado ao da assinatura física; e) criptografia, uma técnica que consiste
na aplicação de um padrão de transformação de dados através de operações matemáti-
cas, de maneira a torná-los inacessíveis a quem não possua conhecimento apropriado
para sua tradução.
Posteriormente, no entanto, o CPC/2015 veio a atribuir ao Conselho Nacional de
Justiça-CNJ a competência para regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos
processuais por meio eletrônico121 e velar pela compatibilidade dos sistemas, discipli-
nando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos, restando aos tribu-
nais, entretanto, a regulamentação suplementar do assunto (art. 196 do CPC/2015).
Tratando-se de poder regulamentar, evidentemente não será possível a inovação em re-
lação à legislação positiva, não sendo possível a criação de direitos e deveres diversos
dos já previstos, tendo caráter eminentemente técnico-científico.122
A criptografia, no caso, é baseada no uso de chaves, que conferem efetiva seguran-
ça aos documentos eletrônicos, ao tornar o documento acessível apenas àqueles que
possuem a chave adequada para acessá-los. Essas chaves se constituem em códigos. Há
a chave privada e a chave pública. A chave privada fica na posse de quem vai receber a
informação e sua função é a de descriptografar o que está criptografado para ter acesso
ao conteúdo. A chave pública permite o acesso de qualquer um e sua função é a de crip-
tografar a informação; é de domínio público. Cada destinatário tem a sua chave públi-
ca, a qual criptografa as informações que somente serão abertas através da chave priva-
da do destinatário. A chave pública fica ou é residente numa entidade que funcionará
como certificadora e provedora das chaves. Em rigor, o que existe é um par de chaves
para cada destinatário – pública e privada.
A criptografia, portanto, é representada por uma sequência de operações matemá-
ticas destinadas a ocultar a informação, para normalmente destiná-la a fins de armaze-
namento e de transferência de dados.
O sistema deverá proporcionar autenticação do conteúdo e identificação do que for-
mou o documento. Deverá proporcionar impedimento de rejeição, ou seja, se o docu-
mento foi idoneamente remetido, não poderá ser rejeitado pelo destinatário (acentue-se

121. Destaca Guilherme Rizzo Amaral que: “Dada a especificidade das regras que tratam da prá-
tica e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e, em especial, dados
os constantes avanços da tecnologia da informação, não seria adequado regulamentar na
lei processual os modos específicos de comunicação oficial de atos processuais por meio
eletrônico. É fácil ver que tal medida engessaria os mecanismos de comunicação por meio ele-
trônico, contrastando com a velocidade dos avanços tecnológicos com a morosidade do
processo legislativo. Por essa razão, o legislador estabeleceu a competência do CNJ e, em
caráter supletivo, dos tribunais, para regulamentar a matéria e paulatinamente irem incorpo-
rando os avanços tecnológicos à regulamentação”. (Guilherme Rizzo Amaral, Comentários
às Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 298.)
122. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo
Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015. p. 247 e Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às
Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 298.
Comunicação dos Atos Processuais 631

que, se o envio é feito pelo sistema de criptografia, só por isso haverá impedimento de
rejeição). Deverá proporcionar privacidade, ou seja, ter a capacidade do sistema ocul-
tar o conteúdo, salvo para o(s) destinatário(s).
A assinatura digital será certificada pelo autenticador – de certa forma é “outra cha-
ve”; e essa autenticação imprimirá autenticidade em relação ao que formou o documen-
to e é o seu signatário. A certificação será efetivada por empresa credenciada ou cadas-
trada junto à ICP-Brasil.
A Medida Provisória 2.200-2/2001 estabelece no seu art. 10: “Art. 10. Consideram-
-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos ele-
trônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º As declarações constantes dos docu-
mentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação
disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários,
na forma do art. 131 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil”.
A esse art. 131 do Código Civil precedente corresponde o art. 219 do vigente Códi-
go Civil, que dispõe: “As declarações constantes de documentos assinados presumem-
-se verdadeiras em relação aos signatários” (caput).
E também na legislação processual há dispositivo correspondente que dispõe sobre
a veracidade de declarações constantes de documentos particulares. O art. 408, caput,
do CPC/2015 (equivalente ao art. 368 do CPC/1973) reza que: “As declarações cons-
tantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se
verdadeiras em relação ao signatário”.
Com uma breve análise da Lei 11.419/2006, é possível perceber que esta, procura
disciplinar quase que inteiramente – ressalvadas as competências dos Tribunais, em as-
pectos complementares – o processo eletrônico. Disciplina, também, as condições de
implantação do sistema, como, ainda, as hipóteses em que o processo eletrônico não
pode ser utilizado.
A utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais haverá de obser-
var o que se contém nessa Lei 11.419/2006 (art. 1º; v. também o art. 8º caput e parágra-
fo único, podendo ser os autos total ou parcialmente digitais; todos os atos processuais
serão eletronicamente assinados, na forma do previsto nesta lei). Em sentido próximo,
especifica o CPC/2015 que “os atos processuais podem ser totalmente ou parcialmente
digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e vali-
dados por meio eletrônico, na forma da lei” (art. 193 do CPC/2015)
Aplicar-se-á a todo o Poder Judiciário (art. 1º, § 1º da Lei 11.419/2006) e, por este
sistema, serão feitas as comunicações de atos processuais em geral (art. 4º e ss.), estan-
do nessa lei definidos os conceitos fundamentais do sistema (art. 1º, § 2º, I, II e III Lei
11.419/2006), como também referido o requisito para a assinatura digital, que será au-
têntica, prevendo-se cadastro do usuário no Poder Judiciário, aspecto último este que
demandará disciplina complementar pelos órgãos respectivos (art. 1º, § 2º, III, a e b da
Lei 11.419/2006). Além da sua aplicação ao Poder Judiciário, o CPC/2015 veio a prever
632 Manual de Direito Processual Civil

que há de se estender a realização dos atos eletrônicos, no que for cabível, à prática dos
atos notariais e de registro (art. 193, parágrafo único do CPC/2015).
O sistema haverá de proporcionar sigilo (em relação aos dados que necessitem), iden-
tificação e autenticidade das comunicações, podendo os órgãos do Judiciário criar cadas-
tro único (art. 2º, §§ 2º e 3º da Lei 11.419/2006). Em complemento, prevê o CPC/2015
que, o registro do ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que aten-
derão aos requisitos da autenticidade, integralidade, temporalidade, não repúdio, con-
servação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada
a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente (art. 196 do CPC/2015).
Igualmente, os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos
autos (quando não for o caso de segredo de justiça), acesso e participação das partes e
de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as
garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibili-
dade e interoperacionalidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder
Judiciário administre no exercício de suas funções (art. 194 do CPC)123.
O ato processual será havido como realizado no momento (dia e hora) do envio e
haverá protocolo eletrônico de sua prática, a ser entregue ou liberado para o que prati-
cou o ato (art. 3º, caput da Lei 11.419/2006). Se a petição enviada destinar-se ao cum-
primento de prazo ou o ato haja de ser praticado dentro de determinado prazo, esse
terminará no último momento do dia (meia-noite) (arts. 3º, parágrafo único, e 10, § 1º
da Lei 11.419/2006), sendo considerado o horário vigente do juízo perante o qual o ato
deve ser praticado (art. 213, parágrafo único do CPC/2015). Assim, se o advogado esti-
ver laborando em local com fuso horário distinto do da comarca em que o feito tramita
(o que é perfeitamente possível com o processo eletrônico), este deve sempre observar
o fuso horário do juízo do feito para fins de tempestividade.124
Os Diários Oficiais eletrônicos também estão disciplinados na norma, sendo a sua
implementação de competência dos Tribunais, basicamente para as mesmas finalida-
des atualmente desempenhadas pelos Diários Oficiais tradicionais anteriormente exis-
tentes (art. 4º, caput da Lei 11.419/2006), devendo este ser o meio de comunicação e
informação eletrônico substitutivo de “qualquer outro meio e publicação oficial, para
quaisquer efeitos legais”, salvo a necessidade de intimação ou vista pessoal (art. 4º,
§ 2º da Lei 11.419/2006), especialmente no que tange aos despachos, as decisões in-
terlocutórias, os dispositivos das sentenças e as ementas dos acórdãos (art. 205 § 3º do
CPC/2015). Nesta hipótese, considerar-se-á a data de publicação como sendo o primei-
ro dia útil subsequente ao da disponibilização da informação no Diário (art. 4º, § 3º da

123. Sobre a publicidade dos autos processuais eletrônicos vide: Teresa Arruda Alvim Wambier,
[et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo:
RT, 2016, Comentários ao art. 194, p. 406.
124. V. André Roque, Comentário ao art. 213 do Código de Processo de 2015 in Fernando da
Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo: Forense,
2015, p. 678.
Comunicação dos Atos Processuais 633

Lei 11.419/2006), mas os prazos terão início no primeiro dia útil seguinte ao conside-
rado como a data da publicação (art. 4º, § 4º da Lei 11.419/2006 e art. 224, §§ 2º e 3º
do CPC/2015).
Aos que se cadastrarem será possível que as intimações sejam feitas “em portal pró-
prio”, dispensada a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico (art. 5º, caput da
Lei 11.419/2006). Por outras palavras, o cadastramento proporcionará intimação indi-
vidualizada ou personalizada – “em portal próprio” –, o que dispensará a leitura do Di-
ário Oficial eletrônico e terá validade. O cadastro, como dito, é obrigatório, a partir do
CPC/2015, para a União, os Estados, o Distrito Federal, as entidades da administração
pública indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública, as
empresas públicas e privadas (exceto as micro empresas e empresas de pequeno porte),
conforme especificado pelos arts. 246 §§ 1º e 2º, 1050 e 1051 do CPC/2015.
Dispõe o § 1º do art. 5º da Lei 11.419/2006 o seguinte: “§ 1º Considerar-se-á rea-
lizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da
intimação, certificando-se nos autos a sua realização”. Se a consulta ocorrer em dia não
útil, prorrogar-se-á a data da intimação para o primeiro dia útil seguinte (art. 5º, § 2º da
Lei 11.419/2006), mas a consulta deverá ser feita em até 10 dias corridos, contados do
envio da intimação, sob pena de, então, vir a considerar-se a intimação realizada auto-
maticamente “na data do término desse prazo” (art. 5º, § 3º da Lei 11.419/2006 – vide
também art. 231, V do CPC/2015).
A própria Fazenda Pública será intimada na forma do art. 5º, e valerá como intima-
ção pessoal (art. 5º, § 6º da Lei 11.419/2006 cc art. 246 § 2º do CPC/2015). Em casos
urgentes, em que a intimação realizada pela forma acima possa causar prejuízo, ou se
for evidenciada burla ao sistema, o juiz poderá determinar seja realizada de outra for-
ma (art. 5º, § 5º da Lei 11.419/2006). Rogatórias, precatórias, cartas de ordem e a carta
arbitral, e, de um modo geral, “todas as comunicações oficiais” entre órgãos do Judici-
ário, e as deste em relação aos demais Poderes, utilizar-se-ão preferencialmente deste
sistema (art. 7.º da Lei 11.419/2006 e art. 264 do CPC/2015), devendo, independente-
mente da via que forem transmitidas, respeitarem os requisitos que lhes são próprios.125
Em relação à disciplina do processo eletrônico (Capítulo III da Lei 11.419/2006),
acentue-se o seguinte. Intimações, citações e notificações serão feitas com base nesta
lei (art. 9º, caput da Lei 11.419/2006 e art. 246, V do CPC/2015). Dever-se-á viabilizar
o acesso à íntegra do processo, isso valerá como “vista pessoal” para todos os efeitos
legais (art. 9º, § 1º da Lei 11.419/2006). Se tecnicamente inviável a utilização do meio
eletrônico para a realização de citação, intimação ou notificação, serão esses atos pra-
ticados “segundo as regras ordinárias”, digitalizado o documento físico, o qual deverá
ser posteriormente destruído (art. 9º, § 2º da Lei 11.419/2006). Ou seja, nesta hipótese,

125. Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Comentário ao art. 264 do Código de Processo de 2015 in
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte
de Oliveira Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo:
Forense, 2015, p. 782.
634 Manual de Direito Processual Civil

seguido o sistema tradicional, ulteriormente o documento ou os documentos utilizados


serão incorporados em meio eletrônico.
A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das pe-
tições em geral, em formato digital, poderão ser feitas diretamente pelos advogados,
públicos ou privados, sem necessidade de intervenção do cartório ou secretaria, com
autuação automática, mediante recibo eletrônico de protocolo (art. 10, caput da Lei
11.419/2006 e art. 228 § 2º do CPC/2015), embora este procedimento não seja regra
em todos os sistemas implementados. Uma vez juntada a petição, deverá o serven-
tuário remeter os autos conclusos no prazo de um dia (art. 228 do CPC/2015), ten-
do visado o legislador restringir o tempo de permanência dos autos aguardando um
simples andamento.126
Se o sistema tornar-se indisponível, por motivo técnico, o prazo se prorrogará até
o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema (art. 10, § 2º da Lei 11.419/2006
e art. 224 § 1º do CPC/2015).
Documentos com garantia de origem e do signatário serão considerados originais
para todos os efeitos legais (art. 11, caput da Lei 11.419/2006 e art. 425, V do CPC/2015),
estando o emitente sujeito à responsabilidade penal e civil.127 Extratos digitais e docu-
mentos digitalizados, anexados aos autos, têm a mesma força probante que os originais,
ressalvada a alegação motivada de adulteração antes ou durante o processo de digitali-
zação (art. 11, § 1º da Lei 11.419/2006 e 425, VI do CPC/2015). A arguição de falsida-
de seguirá as regras do CPC/2015, mas será processada eletronicamente (art. 11, § 2º
da Lei 11.419/2006).
Os originais dos documentos digitalizados (referidos no § 2º do art. 11 da Lei
11.419/2006) deverão ser preservados por seu detentor até o trânsito em julgado, ou, se
admitida, até o termo final do prazo de ação rescisória (§ 3º do art. 11 da Lei 11.419/2006
e art. 425 do CPC/2015). Se tecnicamente inviável a digitalização de documento, esse
deverá ser entregue em cartório; contar-se-á o prazo da data do envio da petição eletrô-
nica; dentro em dez dias deverá ser feita a entrega em cartório, e será devolvido à parte
quando do trânsito em julgado (§ 5º, do art. 11 da Lei 11.419/2006).
A conservação dos autos poderá ser, total ou parcialmente, por meio eletrônico
(art. 12, caput da Lei 11.419/2006). Deverão esses autos eletrônicos estar protegidos

126. Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 228, p. 446. Pontuam
os autores sobre a disposição que “de fato, vemos com desagradável frequência processos
estacionados por dias, semanas, meses, quiçá anos sem qualquer movimentação. Evidente-
mente, a responsabilidade por tal descalabro atualmente verificado não pode ser atribuída ao
serventuário em caráter de exclusividade; de todo modo, o artigo em análise contém prazos
exíguos (o que está correto, a nosso ver) e bastante claros para o serventuário, prazos estes
que deve server à brevidão destas nefastas zonas mortas processuais que se estabelecem
corriqueiramente no processamento das ações.
127. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil – São Paulo: RT, 2015, p. 1046, comentários ao art. 425.
Comunicação dos Atos Processuais 635

por meio de sistemas de segurança, e bem assim a sua armazenagem, desnecessária a


formação de autos suplementares (§ 1º do art. 12 da Lei 11.419/2006).
Se autos eletrônicos houverem de ser transmitidos a outro juízo em que não haja esse
sistema, proceder-se-á à impressão e serão autuados na forma do art. 206 do CPC/2015
(equivalente ao 166, do CPC/1973), aplicável essa regra para causas de natureza crimi-
nal, trabalhista ou de juizado especial. Nesta hipótese, feita a autuação, o processamen-
to será o tradicional, ou seja, “seguirá a tramitação legalmente estabelecida para os pro-
cessos físicos” (§ 4º do art. 12 da Lei 11.419/2006). O § 5º do art. 12 da Lei 11.419/2006
estabelece: “§ 5º A digitalização de autos em mídia não digital, em tramitação ou já ar-
quivados, será precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal
das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se
manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documen-
tos originais”. Por este texto se verifica a intenção de que aquilo que não esteja digitali-
zado possa vir a sê-lo, ensejando às partes a possibilidade de manutenção de algum ou
de todos os documentos originais, para os fins que lhes interessem.
O aporte de meios instrutórios poderá ser determinado pelo magistrado em meio
eletrônico (art. 13, caput da Lei 11.419/2006). O CPC/2015 também prevê a possibli-
dade de produção de provas de forma digital (seja em processos que tramitam fisica-
mente ou digitalmente).
Cadastros públicos, tais como conceituados no § 1º do art. 13 da Lei 11.419/2006, são
os existentes em concessionárias de serviço público ou empresas privadas, contendo in-
formações indispensáveis ao exercício da atividade judicante, ou os que venham a existir.
Recomenda-se (art. 14, caput da Lei 11.419/2006) que preferencialmente se utilize
programas com código aberto, acessíveis sem interrupção pela rede mundial de computa-
dores, priorizada a sua padronização. No párágrafo único do art. 14 da Lei 11.419/2006,
se estabelece que os sistemas deverão procurar identificar os casos de prevenção, litis-
pendência e de coisa julgada, o que remete, principalmente, para os fins objetivados
pelo art. 286 do CPC/2015 (distribuição por dependência).
A parte deverá informar, ao distribuir, na petição inicial de qualquer ação judicial,
o número do cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, perante a Receita Federal, con-
forme a hipótese, salvo se isso comprometer o acesso à justiça, hipótese em que há dis-
pensa dessa informação (art. 15, caput, da Lei 11.419/2006), estabelecendo, ainda, o
CPC/2015 que as partes, além, de indicarem o número do cadastro deverão informar
o endereço eletrônico (e-mail) na qualificação, sendo que sua ausência não será cau-
sa de indeferimento da petição inicial se a obtenção das informações tornar impossí-
vel ou excessivamente oneroso o acesso à justiça (Art. 319, § 3º)128. Para fins análogos

128. O que é salutar, afinal “não é difícil imaginar que em muitos casos se esta necessidade fosse
absoluta, o acesso à justiça estaria sendo negado. Basta pensar-se no singelo exemplo de
um acidente de veículos. Como o autor saberia o endereço eletrônico [..]?” (Teresa Arruda
Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil.
2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 319, p. 606.
636 Manual de Direito Processual Civil

na área criminal, os membros do Ministério Público ou autoridades policiais deverão


identificar suas comunicações com os números de registros dos acusados no Instituto
Nacional de Identificação do Ministério da Justiça, se houver (art. 15, parágrafo único
da Lei 11.419/2006).
A informatização se estende à livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do
Poder Judiciário, que poderão ser gerados e armazenados por meio totalmente eletrô-
nico (art. 16 da Lei 11.419/2006).
O CPC/2015 avança de forma contundente na busca do acesso à justiça ao estabele-
cer que as unidades do Poder Judiciário deverão manter gratuitamente, à disposição dos
interessados, equipamentos necessários: a) à prática dos atos processuais; b) à consul-
ta e ao acesso ao sistema e aos documentos deles constantes (art. 198 do CPC/2015)129.
No mesmo sentido, prevê o art. 199 a obrigação do Poder Judiciário assegurar às pesso-
as com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao
meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos proces-
suais e à assinatura eletrônica.130
Por fim, “ficam convalidados os atos processuais praticados por meio eletrônico até
a data de publicação desta Lei, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha
havido prejuízo para as partes” (art. 19 da Lei 11.419/2006). Igualmente o CPC/2015
também contém uma norma específica que dispõe nesse sentido, restando claro que “Os
atos processuais praticados por meio eletrônico até a transição definitiva para certifica-
ção digital, ficam convalidados, ainda que não tenham observado os requisitos mínimos
estabelecidos por este Código, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha
havido prejuízo à defesa de qualquer das partes” (art. 1.053 do CPC/2015). Assim, con-
siderando a instrumentalidade das formas, importante a disposição final, garantindo
que visou a garantir a integral validade das normas que foram editadas.

129. O art. 18 da Resolução 185 do CNJ, que dispõe sobre o acesso ao sistema do Processo Judicial
Eletrônico, prevê em seu art. 18 que: “Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário que utilizarem
o Processo Judicial Eletrônico – PJe manterão instalados equipamentos à disposição das
partes, advogados e interessados para consulta ao conteúdo dos autos digitais, digitalização
e envio de peças processuais e documentos em meio eletrônico. § 1º Para os fins do caput,
os órgãos do Poder Judiciário devem providenciar auxílio técnico presencial às pessoas com
deficiência ou que comprovem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Redação dada
pela Resolução nº 245, de 12.09.16). § 2º Os órgãos do Poder Judiciário poderão realizar
convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou outras associações representa-
tivas de advogados, bem como com órgãos públicos, para compartilhar responsabilidades
na disponibilização de tais espaços, equipamentos e auxílio técnico presencial.”
130. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2016), também contém uma série de
disposições relacionadas ao acesso à justiça das pessoas com deficiência (especialmente
os arts. 79 a 83), prevendo, por exemplo, que “o poder público deve assegurar o acesso da
pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,
garantindo, sempre que requeridos, adaptações e recursos de tecnologia assistiva.” (art. 79).
Sobre o tema vide: Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista
Pinto, Estatuto da Pessoa Com Deficiência Comentado, Salvador: Ed, Juspodivm, 2016,
p. 213 a 237.
Comunicação dos Atos Processuais 637

A transmissão de dados por meio eletrônico é, enfim, uma realidade presente no sis-
tema judiciário e, o CPC/2015 demonstra uma nítida preferência pela realização de atos
judiciais eletronicamente. Assim, observando-se o disposto acima, além do processo
preferencialmente tramitar eletronicamente, existindo os meios necessários, a citação
poderá ser feita por meio eletrônico; a carta de ordem e a carta precatória serão transmi-
tidas eletronicamente; as intimações serão realizadas, preferencialmente e sempre que
possível, por meio eletrônico; enfim, poderão ser realizados por meio eletrônico todos
os atos que sejam compatíveis com esse sistema.
16
O Tempo e os Prazos no Processo

16.1. Prazos e preclusão


O tempo constitui-se numa das dimensões fundamentais da vida humana. Desta
forma, sabendo-se que o homem vive no tempo e está continuamente envolvido pelo
Direito, este considera também o problema do tempo, dedicando-lhe atenção especial.
Se isto é verdadeiro para o Direito em geral, maior é a importância do tempo no pro-
cesso, pois este se constitui numa realidade jurídica que nasce, para se desenvolver e mor-
rer. Tudo isto, evidentemente, acontece no tempo, em função de um começo, desenvol-
vimento e fim. Daí porque são, minuciosamente, fixados os prazos processuais para a
prática dos atos, como também criadas as preclusões.
Constituem-se os prazos processuais e as preclusões em dois aspectos através dos
quais se exterioriza a disciplina do tempo no processo, em função da ideia de que o pro-
cesso deve marchar em direção à sentença, irreversivelmente.
Em face da marcada preocupação teleológica, na estruturação dos atos do proces-
so, é preciso que a lei crie condições para que o processo atinja o seu fim. Esta a razão
da existência dos prazos processuais.
Assim, se existe um dado prazo para a prática de um ato processual, ou seja, um li-
mite temporal fixado na lei para a prática do ato, havendo, portanto, um termo inicial
e um termo final, conclui-se que, de regra, se não praticado o ato nesse lapso tempo-
ral (="prazo)," não mais poderá este ser praticado (art. 218, caput, e, especificamente,
arts. 223 e 507, todos do CPC/2015).
A circunstância de se verificar, por exemplo, preclusão para a parte – v.g., no que diz
respeito à exceção de suspeição – impede que a mesma argua, como direito seu, tal fato.
No entanto, o juiz, nesta hipótese, não é atingido por essa preclusão, pois é seu dever,
se o for, dar-se por suspeito (art. 145, caput e § 1º, do CPC/2015).
O Código atual trata dos prazos, em sua Parte Geral, no Livro IV, Título I, Capítu-
lo III (arts. 218 a 232), sob a epígrafe “Dos prazos”, disciplinando os prazos das partes,
juízes e demais membros que funcionam na distribuição e realização da Justiça.

16.2. Os princípios informativos do processo e os prazos


Dois princípios informativos do processo refletem-se profundamente no tempo e nos
prazos. São os princípios da paridade de tratamento e da brevidade, que vão ao encontro
O Tempo e os Prazos no Processo 639

do princípio da economia processual.1 O princípio da paridade de tratamento inspira-


-se em princípio político-jurídico fundamental do Direito moderno: o da igualdade de
todos perante a lei. Se todos são constitucionalmente iguais perante a lei (art. 5.º, caput,
da CF/1988 e art. 139, I, do CPC/2015), no processo, o legislador processual tem, ne-
cessariamente, que propiciar um tratamento igual aos autores, de um lado, e aos réus,
de outro, ou seja, todos os autores serão igualmente tratados, e, assim, todos os réus
(igualdade formal), tendendo, o quanto possível, atualmente, para a própria igualdade
entre o autor e o réu, antagonista daquele (igualdade substancial).
O princípio da brevidade, porém, parte de perspectiva diversa. Muitos processua-
listas entendem que o processo é indiscutivelmente um mal. O alongamento desneces-
sário deste, sem finalidade alguma, a não ser a do próprio prolongamento, constitui-se
em mal ainda maior.2
Ora, o princípio da brevidade encontra sua inspiração política precisamente nessa
observação da realidade. Deve o processo – que se constitui, sob certo aspecto, num mal
– ser suprimido do cenário jurídico o mais rapidamente possível. Tal princípio, apesar
de inspirado em razões diferentes e visando a fins diversos, coincide, em sua aplicação
prática, com outro princípio informativo do processo, que influi nos prazos, que é o da
economia processual. Este último princípio faz com que não deva haver desperdício
de atividade jurisdicional. Assim, podendo esta ser prestada em menor tempo (e com
menor número de atos), tal deverá ocorrer. Tanto o princípio da paridade de tratamen-
to quanto o da brevidade e o da economia processual têm que ser considerados sob dú-
plice aspecto.
O primeiro é o metajurídico, ou seja, como princípio dirigido ao legislador, parti-
cularmente, enquanto legisla sobre processo. Este deverá, o quanto possível, aprimorar
ao máximo a igualdade das partes no processo, procurando, sob todos os aspectos, dar
aos litigantes, sempre, uma igualdade de oportunidades. Outrossim, deve ser sempre
marcante a preocupação do legislador processual em abreviar – sem prejuízo do conte-
údo (="plenitude" de contraditório bilateral) – as estruturas do processo, procurando
simplificá-las o mais possível. Como princípio positivo geral, adotava-o o CPC/1973
(art. 125, I).
A paridade de tratamento, e, consequentemente, a economia processual, estão re-
tratadas na lei, devendo, como tais, ser aceitas, com as qualidades e defeitos porventura
existentes na norma positiva.
Assim, por exemplo, temos como exceção aparente ao princípio da paridade de
tratamento, em nossa lei processual, o art. 180 do CPC/2015, que atribui ao Ministé-
rio Público o prazo em dobro para manifestar-se nos autos, e o art. 183 do CPC/2015,
que atribui a todos os entes federativos, suas respectivas autarquias e fundações de di-

1. V. nosso Curso de direito processual civil, cit., vol. I, n. 96, p. 450; Código de Processo Civil
comentado, cit., vol. I, p. 53; mais recentemente, nosso Tratado de direito processual civil,
cit., vol. I, p. 82.
2. Cf. Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, vol. I, § 1.º, VI, p. 8.
640 Manual de Direito Processual Civil

reito público, prazo em dobro para manifestar-se nos autos. Moacyr Amaral Santos, já
ao referir-se ao art. 32 do CPC/1939, cujos artigos correspondentes atualmente são os
arts. 180 e 183 do CPC/2015, entendia que este era um artigo derrogador do princípio
da paridade de tratamento, com o que não concordávamos em face do Código de 1973
e não concordamos agora em face do Código de 2015.3
Nossa posição origina-se da própria conceituação de “paridade”. Esta consiste em
tratar os iguais de forma igual. Ora, os arts. 180 e 183 do Código vigente não retratam
partes em posições iguais; portanto, elas devem, ou pelo menos podem, por lei, receber
tratamento diferente.

16.3. Os princípios da utilidade, peremptoriedade e preclusão


Estes princípios podem ser considerados como informativos da teoria dos prazos,
desde que o são da mecânica do andamento dos processos.
O princípio da utilidade significa que, conquanto atendendo à exigência de brevi-
dade fixada pelo legislador para a generalidade dos prazos processuais, tais prazos têm
que ser úteis, ou seja, têm de corresponder à finalidade para a qual foram criados (v.
art. 221 do CPC/2015). Liga-se à ideia de utilidade, ainda, o art. 222, caput e §§ 1º e 2º,
do CPC/2015.
Durante a vigência do CPC/1973, ao lado do princípio da utilidade, existia o prin-
cípio da continuidade dos prazos, previsto no art. 178 do referido diploma, segundo o
qual os prazos não se interrompiam nos feriados. Contudo, nesse ponto o CPC/2015
operou uma drástica ruptura, à luz do que dispõe o seu art. 219, que determina que os
prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão compu-
tados apenas nos dias úteis. Dessa forma, um prazo de cinco dias iniciado na quinta-
-feira correrá na sexta-feira, será suspenso do sábado até o domingo, e tornará a cor-
rer na segunda-feira, vencendo-se na quinta-feira seguinte. Portanto, não há mais em
nosso ordenamento jurídico o princípio da continuidade dos prazos no processo civil.
Neste passo, convém salientar que, durante a vigência do CPC/1973, havia uma dis-
cussão respeitante à possibilidade de equiparação dos feriados contínuos às férias fo-
renses, o que tinha por consequência a suspensão dos prazos processuais já iniciados.
Posicionávamo-nos no sentido de que os feriados contínuos não poderiam ser equipa-
rados às férias forenses, salvo nos casos que em que a lei assim determinasse, observada
as restrições do art. 93, XII, da CF. Este também era o entendimento do STJ.4 Contudo,

3. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 1985, vol. I, n. 225, p. 333.
Sobre o art. 188, v. J. C. Barbosa Moreira, O benefício da dilação de prazo para a Fazenda
Pública, Revista de Processo (RePro) 1/51; Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil. 5
ed. n. 3.1, p. 130. No sentido por nós sustentado, cf. STJ, REsp 24.196/SP, 3.ª T., j. 27.10.1992,
rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 30.11.1992, p. 22.611.
4. RT 578/171; JUTACivSP 76/129; é a posição do STF: RTJ 78/156, 106/632, 113/924, 115/486
e 116/828; JSTF 79/237 (também o RE 94.120, referido nesta publicação) e RT 643/202; do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: RJTJESP 76/235, 91/220 e 124/349; dos extintos
Tribunais de Alçada Civil de São Paulo: JTA 86/439, 109/448 e 121/246; e do STJ: RSTJ 45/234;
O Tempo e os Prazos no Processo 641

tal discussão foi superada devido à previsão do art. 219 do CPC/2015, que determina a
suspensão dos prazos processuais, contados em dias, nos dias não úteis, o que inclui os
feriados, sejam eles contínuos ou não.
De acordo com o art. 93, XII, da Constituição Federal, na redação da EC 45/2004,
“a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tri-
bunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense
normal, juízes em plantão permanente” (g.n.). Sendo assim, apenas os Tribunais Supe-
riores poderão gozar de férias coletivas, também chamadas de férias forenses.
Tendo em vista que os atos processuais de que trata o art. 214, I, do CPC/2015 ge-
ralmente não são praticados por Tribunais Superiores e que no âmbito dos tribunais re-
gionais e estaduais não há mais férias forenses, nos termos do citado art. 93, XII, da CF,
entendemos que o referido artigo, ao se referir às “férias forenses”, na realidade se refere
à suspensão do curso do prazo processual do dia 20 de dezembro ao dia 20 de janeiro,
prevista no art. 220, caput, do CPC/2015, também chamada de recesso forense. Damos
a mesma interpretação ao termo “férias forenses” do art. 215, caput, do CPC/2015, uma
vez que os incisos do referido artigo arrolam processos que geralmente não tramitam
nos Tribunais Superiores.5 Entendimento diverso negaria eficácia prática aos referidos
dispositivos, visto que seriam raras as oportunidades de serem aplicados no âmbito

RT 686/203 e 689/275 e o REsp 56.799-8/RS (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU,
I, 20.02.1995, p. 3.194, não conheceram, v.u.), ementado de forma bastante esclarecedo-
ra desta tese: “Segundo entendimento jurisprudencial firmado pelas 3.ª e 4.ª Turmas, que
compõem a Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, a fluência dos prazos
não se suspende durante os feriados, nem mesmo durante aqueles contíguos às férias, que
imediatamente as antecedam ou sucedam”. Cf., ainda, RF 298/190 e RT 552/86, 558/148,
569/122 571/137 e 598/241.
5. Nesse sentido: “E, conforme sustentamos acima, não há mais, em geral, a figura das férias
forenses em regra, tornando indevida sua referência genérica no art. 215 do NCPC, e o
afirmamos por duas razões: a primeira decorre da expressa extinção das férias forenses pela
EC 45/2004 em primeiro e segundo graus, que deu redação neste sentido ao art. 93, XII,
da CF; a segunda, decorre do fato de que nas férias forenses não havia prática de qualquer
atividade jurisdicional, ao passo que nos períodos de recesso não há fluência de prazos,
nem realização de audiências e julgamentos de segundo grau, nem publicação de atos
processuais, porém deve haver atividade forense (há juízes atuando, há serventuários em
atividade etc.). 1.10. Com a extinção das férias forenses em primeiro e segundo graus por força
da EC 45/2004, portanto, os tribunais estaduais e federais estabelecem não férias forenses,
porém, literalmente, estabelecem recesso judiciário quando das festividades de fim de ano,
sem publicações de atos processuais, sem audiências, julgamentos, porém mantendo-se
os serviços forenses ativos. Esta é a maneira de compatibilizar o art. 215 sob comento com
o art. 93, XII, da CF, estabelecente da ininterruptibilidade da atividade jurisdicional. 1.11.
Assim, opinamos, pelas razões acima, no sentido de que, no art. 215 do NCPC, onde se lê
‘férias forenses’, deve ler-se ‘suspensão do curso do processo’, em alusão ao que dispõe
o art. 220 a seguir comentado.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.]. 2. Ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: RT, 2016. p. 431); “Pode-se ler recesso em lugar de “férias” no art. 214,
caput, sem prejuízo terminológico... O art. 215 estipula as causas que, a despeito do reces-
so, tramitam normalmente, ou seja, não se suspendem pela superveniência do recesso, ou
nele podem iniciar sem ficarem aguardando o fim do período de paralisação temporária
642 Manual de Direito Processual Civil

dos Tribunais Superiores. Além disso, dizer que os arts. 214 e 215 do CPC/2015 não se
aplicam ao recesso forense é o mesmo que dizer que nenhum processo, que dependa
da prática de um ato processual para ter andamento, tramitará no período de suspen-
são dos prazos processuais previsto no art. 220 do CPC/2015. Isto porque, se não en-
tendermos que os arts. 214 e 215 do CPC/2015 se aplicam ao recesso forense, via de re-
gra, não haverá autorização legal para excepcionar a suspensão de que trata o art. 220
do CPC/2015, o que feriria o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º,
XXXV, da CF/1988), uma vez que os casos urgentes não poderiam ser tutelados pelo
Judiciário, situação esta que poderia acarretar o perecimento de direito.
Conforme mencionado, o art. 220, caput, do CPC/2015 determina a suspensão do
curso do prazo processual desde o dia 20 de dezembro até o dia 20 de janeiro. Essa sus-
pensão era uma reivindicação da classe dos advogados, pois existem muitos advogados
que não possuem colegas para substituí-los por determinado período, o que os impedia
de tirar férias, no regime do CPC/1973. Contudo, de nada adiantaria o curso dos prazos
processuais estar suspenso se, durante o recesso forense, fossem realizadas audiências
e sessões de julgamento. Justamente por isto o art. 220, § 2º, do CPC/2015, impede a
realização de audiências e sessões de julgamento durante esse período.
A EC 45/2004 extinguiu as férias forenses, motivo pelo qual não se pode confundi-
-las com o recesso previsto pelo art. 220 do CPC/2015. A diferença entre ambos é a de
que durante as férias forenses não havia nenhuma atividade jurisdicional, ao passo que
durante o recesso do art. 220, caput, do CPC/2015 os juízes, os membros do Ministério
Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exer-
cem suas atribuições normalmente, conforme determina o art. 220, § 1º, do CPC/2015.
No ano de 2005, o Conselho Nacional de Justiça editou a Res. 8, que criou a pos-
sibilidade de suspensão do expediente forense e dos prazos processuais no âmbito das
Justiças Estaduais, conforme regulamentassem os Tribunais de Justiça dos Estados, no
período de 20 de dezembro a 6 de janeiro. Referida resolução foi revogada pela Resolu-
ção 244 do CNJ,6 que trata do mesmo tema, supostamente, à luz do CPC/2015. Contu-

e parcial da atividade judicante.” (Processo civil brasileiro. Vol II. Tomo I. Araken de Assis.
São Paulo: RT, 2015. p. 1393 a 1396).
6. O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições
legais e regimentais,
CONSIDERANDO que o inciso I do art. 62 da Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, estabelece
feriado na Justiça da União, inclusive nos Tribunais Superiores, nos dias compreendidos
entre 20 de dezembro e 6 de janeiro;
CONSIDERANDO que a existência de critérios conflitantes quanto à suspensão do expe-
diente forense gera incerteza e insegurança entre os usuários da Justiça, podendo, inclusive,
prejudicar o direito de defesa e a produção de provas;
CONSIDERANDO que o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional é garantido, ainda
que suspenso o expediente forense, no período noturno, nos fins de semana e nos feriados,
por meio de sistema de plantões judiciários;
CONSIDERANDO a nova redação da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, atual Código
de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016 e suspende os prazos pro-
cessuais na forma prevista no seu art. 220;
O Tempo e os Prazos no Processo 643

do, reputamos que esta resolução é ilegal, uma vez que seu art. 1º prevê a possibilidade
dos Tribunais de Justiça dos Estados suspenderem o expediente forense, o que bate de
frente com o previsto no já mencionado art. 220, § 1º, do CPC/2015.
Conforme explicado, o previsto no art. 215 do CPC/2015 regula o recesso forense.
Sendo assim, à luz das hipóteses mencionadas no referido artigo, tem-se que os respec-
tivos processos têm curso no recesso forense, a saber: a) os procedimentos de jurisdição
voluntária, que no CPC/2015 estão disciplinados nos arts. 719 à 770 (Capítulo XV, do
Título III do Livro I, da Parte Especial); b) outros procedimentos, em quaisquer proces-
sos, desde que “necessários à conservação de direitos” e que, se não praticados, “pude-
rem ser prejudicados pelo adiamento” (o recesso) (art. 215, I, do CPC/2015); c) ainda,
as ações de alimentos (art. 215, II, primeira parte, do CPC/2015), e nos processos de no-
meação ou remoção de tutores e curadores7 (art. 215, II, segunda parte, do CPC/2015);

CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no Ato Normativo 0004213-20.2016.2.00.0000


na 19ª Sessão Virtual, realizada em 6 de setembro de 2016;
RESOLVE:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados poderão suspender o expediente forense, con-
figurando o recesso judiciário no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, garantindo
atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de sistema de plantões.
Parágrafo único. Os tribunais regulamentarão o funcionamento de plantões judiciários, de
modo a garantir o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional, com ampla divulgação e
fiscalização pelos canais competentes, observados os termos da Resolução CNJ 71, de 31
de março de 2005.
Art. 2º O recesso judiciário importa em suspensão não apenas do expediente forense, mas,
igualmente, dos prazos processuais e da publicação de acórdãos, sentenças e decisões, bem
como da intimação de partes ou de advogados, na primeira e segunda instâncias, exceto
com relação às medidas consideradas urgentes.
§ 1º O período equivalente ao recesso para os órgãos do Poder Judiciário da União cor-
responde ao feriado previsto no inciso I do art. 62 da Lei 5.010/66, devendo também ser
observado o sistema de plantão.
§ 2º A suspensão prevista no caput não obsta a prática de ato processual necessário à pre-
servação de direitos e de natureza urgente.
Art. 3º Será suspensa a contagem dos prazos processuais em todos os órgãos do Poder
Judiciário, inclusive da União, entre 20 de dezembro a 20 de janeiro, período no qual não
serão realizadas audiências e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do Código
de Processo Civil, independentemente da fixação ou não do recesso judiciário previsto no
artigo 1º desta Resolução.
Parágrafo único. O expediente forense será executado normalmente no período de 7 a 20 de
janeiro, inclusive, mesmo com a suspensão de prazos, audiências e sessões, com o exercício,
por magistrados e servidores, de suas atribuições regulares, ressalvadas férias individuais e
feriados, a teor do § 2º do art. 220 do Código de Processo Civil.
Art. 4º Ficam revogadas as Resoluções CNJ 8, de 29 de novembro de 2015 e 241, de 9 de
setembro de 2016.
Art. 5º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
7. Conforme aponta Estefânia Viveiros, a segunda parte do II do art. 215 do CPC/2015 é repeti-
tiva, pois “... no inc. II, consta do rol das causas de nomeação ou remoção de tutor e curador,
que, na verdade, torna-se dispensada porque está incluída no procedimento de jurisdição
644 Manual de Direito Processual Civil

d) mais ainda, na forma do art. 215, III, do CPC/2015, todas as causas que a lei venha a
determinar. Neste passo, convém ressaltar que o art. 174, II, do CPC/1973 referia-se à
lei federal, não apenas à lei. Sendo assim, considerando que os Estados e o Distrito Fe-
deral possuem competência para legislar sobre procedimentos em matéria processu-
al (art. 24, XI, da CF), entendemos que no regime do CPC/2015 a lei estadual poderia
eleger outras circunstâncias em que o processo não seria suspenso no recesso forense.8
Na vigência do CPC/1973, afirmávamos que a ação de alimentos não tinha curso
nas férias, pois o art. 174, II, do CPC/1973 falava em alimentos provisionais e não em
ação de alimentos, possuindo o tutelado apenas o direito à concessão dos alimentos
provisórios, por força do art. 174, I, 2º frase, do CPC/1973 e do art. 4º da Lei 5.478, de
25.07.1968. Contudo, uma vez concedido, o processo permanecia suspenso até o reini-
cio das atividades do Judiciário. Hoje, tendo em vista que o art. 215, II, do CPC/2015 re-
fere-se à ação de alimentos, resta certo que esta ação não se suspende no recesso forense.
O antigo art. 174, I, 2ª frase do CPC/1973 previa que poderiam ser praticados atos
necessários à conservação de direitos, durante as férias, quando tal direito pudesse ser
prejudicado se o ato fosse praticado apenas depois do término das férias. Com base
neste dispositivo, o Judiciário entendia que poderia conceder a medida liminar nas
ações possessórias, que não tinham curso nas férias, se fosse o caso.9 Igualmente, a li-
minar em embargos de terceiro.10 A mesma coisa se diga a respeito da liminar em man-
dado de segurança.11 Entretanto, referidas situações são típicos casos de tutela de ur-
gência, motivo pelo qual entendemos que tais casos se devem enquadrar no art. 214,
II, do CPC/2015 e não no art. 215, I, 2ª parte, do CPC/2015 – que correspondente ao

voluntária que já tem previsão no inc. I do referido artigo.” (Breves comentários ao novo
código de processo civil. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et.al.]. Comentário
de Estefânia Viveiros. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 688).
8. Nesse sentido: “Embora o Código anterior mencionasse a lei federal como a credenciada a
definir as causas de curso em férias, observava José Frederico Marques, que sua interpretação
deveria ser ‘no sentido de que não ficaram privados os Estados de também indicarem causas
e processos que possam correr durante as férias, além daqueles indicados e apontados na
lei federal de processo civil’. Para tanto, o legislador estadual terá em vista ‘os interesses
locais do serviço judiciário e seu andamento’. A tese do processualista referido foi enca-
mada pelo novo Código, já que o inciso III do art. 215 remete à lei definir as causas que
possam correr em férias, sem qualifica-la de lei federal apenas. Ademais, a Constituição
permite aos Estados legislar supletivamente sobre procedimentos judiciais (CF, art. 24, XI),
o que, sem dúvida, abrange a enumeração de feitos que podem ocorrer em férias.” (Curso
de direito processual civil. vol I. Humberto Theodoro Júnior. 57. ed., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. 518); “A redação atual, retirando o adjetivo “federal”, preserva a
competência do legislador estadual – em matéria de procedimento, competência legislativa
concorrente, a teor do art. 24, XI, da CF/1988 (retro, 103) –, no âmbito da Justiça Comum,
de estipular causas de tramitação obrigatória no recesso.” (Processo civil brasileiro. Vol II.
Tomo I. Araken de Assis. São Paulo: RT, 2015. p. 1397).
9. VI ENTA, conclusão 45, v.u., em RT 580/297; RT 505/83 e 537/108; RJTJSP 49/197.
10. RT 512/199; JUTACivSP 42/24 e 42/112.
11. Simpósio de Curitiba, conclusão LXXVII, em RT 482/270; VI ENTA, conclusão 41, v.u., em
RT 580/297; JUTACivSP 54/181.
O Tempo e os Prazos no Processo 645

art. 174, I, 2º frase, do CPC/1973 –, além disso, o art. 215, I, 2ª parte, do CPC/2015 fala


em procedimento, não em atos. Portanto, tal dispositivo terá aplicação se apenas for
necessário que o procedimento não se suspenda para que o direito seja conservado, o
que raramente acontecerá, pois, via de regra, bastará a concessão da tutela de urgên-
cia para se conservar o direito.
O art. 214, I, do CPC/2015, por sua vez, prevê que, durante o recesso forense e os
feriados, poderão ser praticados os atos previstos no art. 212, § 2º, do CPC/2015, que
são as citações, intimações e penhoras.
Além dos casos previstos no Código de Processo Civil de 2015, a legislação deter-
mina que correm durante o recesso forense: os processos falimentares ainda regidos
pelo art. 204 do revogado Dec.-lei 7.661/1945 (cf. art. 192 da Lei 11.101/2005, a qual
revogou o referido Dec.-lei), mas não as causas em que sejam partes concordatária ou
falida;12 as desapropriações (art. 39 do Dec.-lei 3.365/1941); as renovatórias de locação
e as revisionais ainda regidas pelo art. 35 do revogado Dec. 24.150/1934. Atualmente,
com o advento da Lei 8.245, de 18.10.1991, acolhendo-se, certamente, substancial cor-
rente jurisprudencial,13 da qual compartilhávamos nas edições anteriores deste manu-
al, todas as causas relativas à locação de imóveis urbanos (comerciais ou residenciais)
e regidas por aquele novo diploma legal têm curso durante as férias (art. 58, I, da Lei
8.245/1991). Convém apontar que os dispositivos citados, embora se refiram às férias
forenses, se aplicam ao recesso forense, isto porque só se referem às férias forenses por-
que foram elaborados antes da EC 45/2004.
Não tinham, antes da EC 45/2004, e continuam não tendo curso nas férias, nos Tri-
bunais Superiores: a ação de depósito,14 as execuções fiscais,15 a ação de divórcio,16 o
prazo recursal nos processos de separação judicial,17 a ação de prestação de contas,18 o
pedido de alvará de separação de corpos,19 a ação de nunciação de obra nova; somente
sendo possível nas férias: o embargo liminar da obra,20 a ação de retificação e alteração

12. RJTJSP 59/155.


13. RTJ 103/711; RT 534/168, 545/149, 565/149, 580/186, 581/152 e 581/160, em.; JUTACivSP
52/215, 73/393, 80/201. O entendimento, todavia, não era unânime, como demonstram os
acórdãos veiculados em RT 520/258, 533/200 e 549/157, em sentido oposto. Para as ações
de despejo, entendendo-se que as mesmas não deveriam correr durante as férias forenses
(o que não prevalece desde a promulgação da Lei 8.245/1991), cf. RT 524/185, 538/166 e
550/141; JTACivSP 59/337, 60/229 e 66/192.
14. RT 530/229 (“a exceção mencionada no art. 173, II, do CPC, não se estende a ações judiciais
a que se refere o inciso, mas, sim, especificamente, a atos processuais”).
15. RTJ 97/839, 98/481 e 101/808; RT 549/106, em.; 522/256 e 579/99, em.; JUTACivSP 48/100;
50/75 e 67/84.
16. RT 570/64.
17. RT 539/87.
18. JUTACivSP 62/117.
19. RJTJSP 71/210.
20. RTJ 100/426; RT 525/103; RJTJSP 63/86, 66/181 e 69/243.
646 Manual de Direito Processual Civil

de registro,21 os processos de inventário,22 os mandados de segurança,23 os embargos de


terceiro,24 a execução,25 de retenção em reivindicatória,26 a ação de alimentos27 e a ação
revisional de alimentos.28 Em quaisquer hipóteses, incidindo o art. 174, I, 2ª parte, to-
davia, o ato deve ser praticado.
Há, pois, que se distinguir uma dualidade de situações: a) há os processos que cor-
rem nas férias (os de jurisdição voluntária – todos os demais, mencionados no CPC –
art. 174, I, 1ª frase, e II, e outros que a lei federal determine – art. 174, III); b) e os que
não correm nas férias, que são os restantes.
Portanto, a exceção prevista pelo art. 174, I, 2ª frase, só se aplica a estes últimos: só
poderão ser praticados atos, durante as férias, nos processos que não têm curso de fé-
rias – o que é a regra geral – com o intuito de se prover à conservação de direito. Essa
exceção, evidentemente, não diz respeito aos processos que não se suspendem com a su-
perveniência de férias, pois que, nesses casos, praticam-se todos os atos, normalmente.
Como se disse, tais princípios, atualmente, aplicam-se apenas aos processos que
tramitam perante os Tribunais Superiores. Enquanto a demanda tiver curso perante os
Juízos de primeiro grau e os Tribunais de segundo grau, incide a regra do art. 93, XII,
da Constituição, a que nos referimos acima.
Segundo o art. 224, § 1º, do CPC/2015, “Os dias do começo e do vencimento do pra-
zo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o
expediente for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indispo-
nibilidade da comunicação eletrônica.”. Com efeito, na vigência do CPC/1973, tanto
o início quanto o término do prazo que caíssem em feriado consideravam-se prorroga-
dos até o primeiro dia útil (art. 184, § 1º, I e II, do CPC/1973), contudo, na medida em
que o início e o término dos prazos processuais, contados em dias, jamais poderão cair
em feriados, uma vez que somente são contados em dias úteis (art. 219 do CPC/2015),
não há que se falar em prorrogação do prazo. Justamente por isso o art. 224, § 1º, do
CPC/2015 não faz referência aos feriados.
Ainda em relação à prorrogação do prazo processual prevista no art. 224, § 1º, do
CPC/2015, convém apontar que esse dispositivo trouxe importante alteração ao prever

21. TJSP, Ap. 241.533, 2.ª Câm.Civ., 12.08.1975, rel. Lafayette Salles Júnior, v.u.
22. RT 542/69 e 604/47. Contra: RF 264/255.
23. RT 524/92, 540/104 e 588/103; RJTJSP 64/197, 69/126 e 70/241; JUTACivSP 57/51; VI ENTA,
conclusão 41, v.u., em RT 580/297. Em sentido contrário, STJ, REsp 489.903/RS, 1.ª T., j.
08.04.2003, rel. Min. José Delgado, DJ 02.06.2003, p. 209.
24. RT 524/145; JUTACivSP 58/259.
25. RTJ 97/302 e RT 604/147. Deve-se atentar que, no caso, “o processo de execução segue
o mesmo rito da ação de conhecimento na qual se originou o título executivo” (STJ, REsp
401.018/ES, 2.ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 29.08.2005,
p. 239).
26. RT 579/101, em.
27. RJTJSP 45/160 e 70/206.
28. RJTJSP 60/39.
O Tempo e os Prazos no Processo 647

que os prazos processuais serão prorrogados para o primeiro dia útil seguinte, se o dia de
seu começo ou de seu vencimento coincidir com o dia em que o expediente for iniciado
depois do horário normal. A alteração é relevante na medida em que o STJ considerava a
quarta-feira de cinzas dia útil, com exceção dos casos em que não houvesse expediente
forense,29 pouco importando se o expediente iniciasse no horário habitual ou não. Sen-
do assim, com o advento do CPC/2015, reputamos superado este entendimento do STJ.
Por outro lado, “considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte
ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico” (art. 224, § 2º, do
CPC/2015), sendo irrelevante se na data da disponibilização o expediente forense iniciou
ou terminou em horário não habitual. A contagem do prazo, por sua vez, terá início no
primeiro dia útil seguinte ao da publicação (art. 224, § 3º, do CPC/2015), portanto, se
uma sentença for disponibilizada na segunda-feira, a contagem do prazo para recorrer
começará apenas na quarta-feira. Convém destacar que é a contagem do prazo que tem
início no primeiro dia útil seguinte ao da publicação e não o prazo em si. Conforme ex-
plica Cândido Rangel Dinamarco,30 diferentemente do art. 184, § 2º, do CPC/1973, o
art. 224, § 3º, do CPC/2015 esteve atento a esta diferença, uma vez que se refere à con-
tagem do prazo, enquanto que aquele se referia apenas ao prazo, dando a entender que
o prazo começava a correr no primeiro dia útil após a intimação (publicação), o que é
errado hoje e já era no CPC/1973, pois o dia do começo do prazo é a data de sua publi-
cação (art. 231, VII, do CPC/2015).
De outra parte, tendo o Código regulado toda a matéria dos prazos, a disciplina
está toda nele. De tal forma, pois, o fechamento do fórum ou o encerramento antecipa-
do do expediente não acarreta, ante o Código de Processo Civil, a devolução dos dias
em que isto se deu na contagem do prazo, encontrando-se revogada, neste ponto, a Lei
1.408/1951.31

29. “Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Intempestividade. Não
conhecimento. 1. O prazo para interposição do agravo regimental é de 5 (cinco) dias, a
teor do que dispõe o art. 545 do CPC, começando a fluir do dia seguinte ao da publicação.
2. Em regra, a quarta-feira de cinzas é considerada dia útil para fins de contagem de prazo
recursal, apesar da limitação do expediente forense ao turno vespertino. 3. No caso concreto,
o regimental foi interposto após o transcurso do prazo legal, portanto, é intempestivo. 4.
Agravo regimental não conhecido.” (AgRg no AREsp 305170/PE, rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, 4.ª T., j. 01.03.2016, DJe 04.03.2016)
30. “Ao estabelecer que ‘salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo
o dia do começo e incluindo o dia do vencimento’ o art. 224 do novo CPC esteve atento a
distinção entre os conceitos de fluência do prazo e de sua contagem. O velho Código de
Processo Civil confundia tais conceitos, p.ex., no dispositivo segundo o qual ‘os prazos so-
mente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação’ (CPC/1973, art. 184, § 2.º).
Não. Eles começam a correr no dia da intimação e sua contagem é que terá início no primeiro
dia útil que vier. Foi portanto correta e oportuna a redação trazida pelo Código.” (Candido
Rangel Dinamarco. O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil
vigente, Revista de Processo (RePro), São Paulo, Ed. RT, ano 40, n. 247, set. 2015. p. 99).
31. STF, RE 80.291/SP, 1.ª T., 11.03.1974, rel. Min. Xavier de Albuquerque, v.u., RTJ 75/577;
nosso Código de Processo Civil comentado, vol. I, p. 90; Jacy de Assis, Proc. Ord., 1975,
p. 49.
648 Manual de Direito Processual Civil

Se houver justa causa para o ato não ter sido praticado, dever-se-á devolver o prazo
(art. 223, § 2º, do CPC/2015). Já se reputou justa causa (art. 223, § 1º, do CPC/2015),
para fins de prorrogação de prazo, o lapso cartorário consistente na anotação no man-
dado de citação de prazo maior do que aquele de que disporia o réu para contestar a
ação que se lhe propõe.32 Similarmente, já se considerou justa causa o erro contido em
“informações prestadas pela rede de computadores operada pelo Poder Judiciário”, já
que estas “são oficiais e merecem confiança”.33
Conquanto a solução seja a correta, não se trata propriamente de justa causa, pois
o fato descrito não se ajusta ao art. 223, § 1º, do CPC/2015 mesmo porque esse fato não
impediria, propriamente, a prática do ato. No entanto, há indução em erro, por obra
da Justiça, o que justifica a solução dada (a parte, como tal, não sabe Direito). Já se en-
tendeu como hipótese de justa causa para tal finalidade a necessidade de o advogado
de uma das partes ser submetido a cirurgia de emergência34 e, similarmente, a doença
do advogado, atendendo-se, todavia, nesta última hipótese, às circunstâncias do caso

32. 2.º TACivSP, AgIn 23.986/SP, 2.ª Câm., 11.12.1974, rel. Barros Monteiro Filho, v.u., JUTA-
CivSP 84/83. Mais recentemente, contudo, sem referir-se à justa causa, STJ, REsp 805.592,
2.ª T., j. 07.08.2008, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 22.08.2008.
33. O STJ entendia que, por conta da natureza meramente informativa dos dados processuais
disponibilizados pela internet, os casos de perda prazo por conta de informações equivo-
cadas não caracterizavam justa causa: STJ, REsp 514.412/DF, 3.ª T., j. 02.10.2003, rel. Min.
Castro Filho, rel. p/ acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 09.12.2003, p. 285; STJ,
1.ª T., AgRg no AgIn 847.376/RS, j. 05.06.2007, rel. Min. Denise Arruda, DJ 02.08.2007,
p. 376; STJ, AgRg nos EREsp 514.412/DF, Corte Especial, j. 29.06.2007, rel. Min. Luiz Fux,
DJ 20.08.2007, p. 229; STJ, 1.ª T., AgRg no AgIn 934.846/DF, j. 20.05.2008, rel. Min. José
Delgado, DJe 23.06.2008. Nessa linha, o STJ também entendia que não era considerada
justa causa informação equivocada prestada por pessoa jurídica prestadora de serviço de
informações processuais, alheia ao Poder Judiciário (STJ, AgRg no AgIn 985.969/RS, 1.ª
T., j. 26.08.2008, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 03.09.2008). Contudo, em recentes
julgados o STJ alterou seu entendimento, passando a entender que há justa causa quando
os dados disponibilizados pela internet induzem a parte a erro: STJ, REsp 1.438.529/MS, 2.ª
T., j. 24.04.2014, rel. Min Humberto Martins, DJe 02.05.2014; STJ, AgRg no Ag 1.361.859/
PR, 4.ª T., j. 25.02.2014, rel. Min Raul Araújo, DJe 01.04.2014.
Quanto à informação prestada pelo cartorário que se equivoca quanto à contagem ou ao
lapso temporal previsto na lei, segue-se a linha do que foi decidido no REsp 151.601/DF (4.ª
T., j. 07.05.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 22.06.1998, p. 92), no sentido de
não se considerar justa causa, “a impedir a prática do ato no momento oportuno, o equívoco
de certidão cartorária em relação ao procedimento adotado e ao início do prazo recursal,
atestando coisa diversa do que preceitua a lei” (assim: STJ, AgRg no AgIn 733.514/PR, 3.ª
T., j. 18.10.2007, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 31.10.2007, p. 320). Seguindo
essa orientação, asseverou-se, em acórdão relatado pelo Min. Aldir Passarinho Junior, que
a informação equivocada constante do site de Tribunal acerca da juntada do mandado não
exime o advogado de verificar os autos in loco. No caso, porém, mesmo que ausente a justa
causa, o ato de juntada do mandado foi considerado inexistente, por ter sido praticado por
estagiário de direito, afastando-se a revelia (STJ, REsp 1.020.729/ES, 1.ª T., j. 18.03.2008,
rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 19.05.2008).
34. Veja-se, nesse sentido, acórdão do TJSP, Ag 9023080-25.2009.8.26.0000, 10.ª Câmara de
Direito Privado., j. 29.09.2009, rel. Des. Testa Marchi, DJe 08.10.2009; RT 613/128, em.
O Tempo e os Prazos no Processo 649

concreto, isto é, à inconveniência (senão impossibilidade) de a parte nomear outro pro-


curador para prática de dado ato processual, sem que tal prática não configurasse trair
a confiança de seu constituído.35
Outras hipóteses semelhantes, todavia, não foram consideradas justa causa. Não
caracteriza, por exemplo, justa causa, autorizando a dilatação do prazo, a doença em
pessoa da família da parte,36 e, como regra, tampouco a só moléstia ou doença do ad-
vogado, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto.37 No âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, tem-se excluído a justa causa nos casos em que a greve dos funcio-
nários dos Correios inviabilize a chegada do original da peça recursal ao protocolo no
prazo de cinco dias que prevê a Lei 9.800/1999 (“Lei do Fax”).38
O legislador considera a peremptoriedade dos prazos, que consiste, exatamente, na
circunstância de que, atingido o termo final do prazo, sem que tenha sido praticado o
ato, extinta, irremediavelmente, estará a oportunidade de praticá-lo.
Finalmente, a preclusão temporal é o “fato” processual da não prática de um ato
processual dentro do prazo em que este deveria ter sido praticado, não podendo mais
sê-lo, passando-se ao estágio subsequente do procedimento.
Mais adiante discutiremos a preclusão, contudo,, não deixamos de referi-la aqui por
ser princípio que informa e assegura praticamente a teoria dos prazos.
Por fim, convém acentuar que, assim como o princípio da continuidade dos pra-
zos, no CPC/2015 não há mais o princípio da inalterabilidade dos prazos, segundo o

35. STJ, EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 609.426/MS, 4.ª T., j. 20.08.2015, rel. Min. Luís Felipe
Salomão, DJe 31.08.2015; RSTJ 42/145. Semelhantemente, cf. STJ, REsp 627.867/MG, 1.ª
T., j. 11.5.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 14.06.2004, p. 184; STJ, AgRg no REsp 533.852/
RJ, 3.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 05.09.2005, p. 398.
36. Ementário de Jurisprudência do Estado do Ceará 11/298.
37. JUTACivSP 80/145. Ainda: “Ademais, o atestado médico trazido pelo advogado do agravante,
deficiência de vitamina A com xerose conjuntival, não atesta a incapacidade de peticionar ou
mesmo de substabelecer o mandato.” (STJ, AgRg no AREsp 398.005/PR, 5.ª T., j. 07.11.2013,
rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 14.11.2013);“(...) Não configura justa causa a perda do prazo
recursal por parte do advogado doente, quando este foi capaz de peticionar, ainda enfermo,
pedindo a devolução do prazo recursal. Portanto, tinha condições de substabelecer, para que
outro profissional praticasse o ato (...)” (STJ, AgRg no AgIn 816.528/RJ, 5.ª T., j. 14.08.2007, rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 24.09.2007, p. 359); “(...) Atestado em nome do advogado não
constitui justa causa, quando não for o único procurador instituído pela parte” (STJ, AgRg no
AgIn 917.824/RJ, 3.ª T., j. 07.02.2008, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 05.03.2008).
38. “Agravo regimental no agravo de instrumento. Decisão que se mantém por seus próprios
fundamentos. 1. Sendo a tempestividade de recurso interposto perante o Superior Tribunal
de Justiça aferida pela data do protocolo da petição na secretaria da Corte, não se configura
como justa causa a ocorrência de greve na Empresa dos Correios para a interposição tardia
do recurso. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”(STJ, AgRg no AgRg no AgIn
517.053⁄RJ, 6.ª T., j. 16.10.2003, rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 16.05.2005, p. 429). Em sentido
convergente: STJ, EDcl nos EDcl no REsp 962.766⁄ES, 2.ª T., j. 06.12.2007, rel. Min. Castro
Meira, DJ 17.12.2007, p. 165; STJ, AgRg no AgIn 1.021.343/SP, 4.ª T., j. 24.06.2008, rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJ 01.07.2008, p. 1; EDcl no AgRg no AREsp 222.142/RJ,
2.ª T., j. 18.12.2012, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 15.02.2013.
650 Manual de Direito Processual Civil

qual os prazos processuais não podiam, via de regra, serem modificados. O CPC/1973
abria exceções a essa inalterabilidade apenas para os prazos dilatórios (arts. 181 e 182
do CPC/1973). O CPC/2015, por sua vez, prevê a possibilidade de alteração de qual-
quer prazo processual, seja ele dilatório ou peremptório (art. 139, VI, art. 190, art. 191
e art. 222, § 1º, todos do CPC/2015).

16.4. Prazos e sua classificação


O art. 182, 1ª parte, do CPC/1973 estabelecia uma distinção entre prazos peremp-
tórios e dilatórios. Segundo o referido dispositivo, era defeso às partes, ainda que todos
estivessem de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios. Contudo, a regra
da inalterabilidade era excepcionada pela 2ª parte do art. 182, que previa a possibilida-
de de o juiz, nas comarcas onde fosse difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos
(acrescendo-lhes até 60 dias) para a parte. O art. 182, parágrafo único, do CPC/1973,
por sua vez, previa que quaisquer limites para quaisquer prazos fixados em lei poderiam
ser excedidos, em caso de calamidade pública. Sendo assim, pela análise do texto legal,
só podíamos chegar à conclusão de que prazos peremptórios e dilatórios se distinguiam
pela possibilidade de serem só os últimos alteráveis pela vontade das partes.
Entretanto, o CPC/2015 alterou consideravelmente as disposições sobre prazos. O
art. 190, caput, do CPC/2015 prevê a possibilidade das partes, plenamente capazes, es-
tipularem mudanças no procedimento, se o processo versar sobre direitos que admitam
autocomposição o que significa que as partes podem alterar prazos, dilatando-os ou
os reduzindo, ainda que previstos em lei. O art. 191, caput, do CPC/2015, a seu turno,
permite que o juiz e as partes fixem calendário para a prática de atos processuais, alte-
rando, portanto, os prazos processuais (art. 191, § 1º, do CPC/2015).
Diante desses dispositivos, parte da doutrina questiona se o conceito de prazos
peremptórios foi ou não alterado pelo CPC/2015. Contudo, devemos enfatizar que o
art. 190, caput, do CPC/2015 não permite que todos os prazos sejam alterados pelas
partes, mas apenas aqueles dos processos que versem sobre direitos que admitem au-
tocomposição e desde que as partes deste processo sejam plenamente capazes.39 Por-
tanto, ainda existem prazos que não podem ser alterados pelas partes. Além disso, o
art. 191, caput, do CPC/2015 não faculta apenas às partes alterarem os prazos processu-
ais por meio do calendário processual, o que é facultado é o estabelecimento do calen-
dário processual em acordo com o juiz, ou seja, não são as partes que alteram os prazos,
mas sim as partes e o juiz. Sendo assim, rigorosamente, reputamos correto afirmar que
ainda existem prazos peremptórios no conceito que a doutrina atribuia na vigência do
CPC/1973, isto é, prazos que não podem ser alterados pelas partes.
Segundo o art. 222, § 1º, do CPC/2015 “ao juiz é vedado reduzir prazos peremp-
tórios sem anuência das partes.”. Considerando que persiste no ordenamento jurídi-

39. Observação deve ser feita nessa oportunidade sobre o plenamente capaz, entendendo tal
como preceituado no art. 70, do CPC/2015. Ou seja, é aquele que pode exercer seus direitos,
complementada, na forma da lei, se for o caso, sua capacidade.
O Tempo e os Prazos no Processo 651

co o conceito de prazo peremptório do CPC/1973 e interpretando o § 1º do art. 222


do CPC/2015 inversamente, poderíamos concluir que é permitido ao juiz reduzir, sem
anuência das partes, qualquer prazo processual que seja dilatório.40 Contudo, tal inter-
pretação seria absurda, uma vez que traria grande insegurança às partes nos processos
em que fosse permitida a aplicação do art. 190 do CPC/2015, pois os prazos processuais
nestes processos são dilatórios. Justamente por isso, entendemos que onde está escrito
prazos peremptórios no art. 222, § 1º, do CPC/2015 deve ser lido prazo próprio.41A dis-
tinção entre prazo peremptório e prazo dilatório não se projetou na doutrina no sentido
de fornecer critérios para que se possam afastar os prazos peremptórios dos dilatórios;
assim, como diz Egas Moniz de Aragão, “qualquer tentativa de enumerá-los conduziria
ao casuísmo, e à jurisprudência caberá a construção casuística das soluções”.42
Apesar dessa afirmação, entendemos, naturalmente, que, em função da interpreta-
ção das normas fixadoras dos prazos, saber-se-á se estes são peremptórios ou dilatórios.
Exemplificativamente, podemos citar como peremptórios: o prazo de 15 dias para a
resposta do réu (arts. 335, caput, I a III, § 1º e § 2º, do CPC/2015); o de 15 dias para ale-
gar a suspeição do juiz (arts. 146 do CPC/2015); o de 15 dias para recorrer (art. 1.003,
§ 5º, do CPC/2015) etc. Há que correlacionar a inteligência do assunto com uma inter-
pretação sistemática.
Ao jurista não incumbe, em princípio, o classificar, em si mesmo, assunto que, com
mais propriedade, deve ficar afeto à casuística. A esta, todavia, compete fornecer regras
de interpretação, e estas regras hão de respeitar a função dos prazos, à luz de uma visão
sistemática do Código.
Desta forma, seguem-se os seguintes parâmetros, que valem como diretrizes gerais,
a saber: 1º) o prazo para contestação é peremptório, porque se lhe segue a revelia, de-
pois da qual veda-se peremptoriamente a dedução de qualquer outra alegação, exceto

40. Nesse sentido: “Para não dizer que o Novo CPC aboliu, por completo, a distinção entre os
prazos dilatórios e os peremptórios, observe-se que o §1.º, do art. 222 traz regra segunda a
qual ao juiz é vedado reduzir prazos peremptórios sem anuência das partes. Lido em sentido
contrário, está o dispositivo a autorizar a modificação de prazos peremptório com a anuência
das partes, bem como a modificação, sem qualquer necessidade prévia de anuência, dos
prazos dilatório.” (Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior. Coordenação Teresa Arruda
Alvim Wambier... [et.al]. Breves comentário ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. e
atual. São Paulo: RT, 2016. p. 703.).
41. Nesse sentido: “2. Redução. Embora o novo Código aluda a prazos peremptórios o correto
seria aludir a prazos próprios, isto é, prazos cuja inobservância gera preclusão. Nesses casos,
o juiz só poderá reduzir os prazos próprios com expressa anuência das partes (art. 222, § 1º,
do CPC).” (Luiz Guilherme Marinoni. Sérgio Cruz Arenhart. Daniel Mitidiero. Novo código
de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 258).
42. Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 98-99. A conclusão do Simpósio de
Curitiba (conclusão XIII, RT 482/270), no sentido de que os prazos dilatórios são disciplinados
por norma dispositiva, e os peremptórios por norma cogente, igualmente, a nada leva.
Na verdade, trata-se de enunciado lógico, a partir dos diferentes sentidos de dilatório e
peremptório, a que se seguem normas de rigidez (peremptórias e dilatórias), igualmente
distintas, sem que, todavia, se tenha esclarecido quais sejam uns e outros prazos.
652 Manual de Direito Processual Civil

as ressalvas dos incisos do art. 342, do CPC/2015; 2º) o mesmo se diga atinentemente à


resposta do réu (onde se compreende a própria contestação), pois, à ausência de exceção
de incompetência, se segue prorrogação de competência (art. 65 do CPC/2015); 3º) o
prazo para recorrer, porquanto, não interposto o recurso cabível, ter-se-á coisa julgada
ou preclusão (arts. 503 e 507, respectivamente; e, ainda, o art. 505, todos do CPC/2015).
Agregue-se, ainda, que o prazo para oposição de embargos do devedor é peremptó-
rio, mesmo porque se trata de prazo decadencial.43
Se tiver havido, legitimamente, suspensão, por se ter estado diante de prazo dilató-
rio, não se haverá de computar nem o dia da suspensão e nem o da intimação, em de-
corrência da qual se determinará o curso do prazo.44
Há duas outras correntes: 1ª) exclui-se o dia em que se verificou a suspensão, mas se
inclui o dia da intimação de continuação do curso do prazo;45 2ª) inversamente, inclui-
-se o dia da suspensão e se exclui o dia da intimação,46 posição que temos por correta.
Consideramos dilatório o prazo para falar nos autos, pela própria redação do art. 218,
§ 3º, do CPC/2015, mesmo fixando a lei prazo para a manifestação da parte contrá-
ria, como nos arts. 437,§ 1º, 351 e 352, nos casos de indicação de assistentes técnicos
(art. 465, § 1º) etc. As partes poderão, nessa conformidade, de comum acordo, modifi-
car, reduzindo ou prorrogando, os prazos dilatórios, mas não os peremptórios.
Para validade deste acordo entre as partes é necessário: a) que seja feito antes de
vencido o prazo legal; b) que se funde em motivo legítimo. O juiz, caso homologue o
acordo, fixará a data do vencimento do prazo.
Havendo prorrogação de prazo, evidentemente, as custas com a demora serão acres-
cidas e correrão por conta da parte em favor de quem foi o prazo alongado. Se a prorro-
gação tiver sido por acordo e houver acréscimo de custas, ambas as partes arcarão com
as mesmas.
Os prazos são, ainda, suscetíveis de serem classificados segundo diversos critérios.
Assim, classificam-se os prazos em: 1º) legais, que são fixados por regra geral (art. 218,
caput, do CPC/2015), e judiciais (art. 218, § 1º, do CPC/2015) ou convencionais (arts. 922
e 313, II, do CPC/2015); 2º) comuns e particulares; 3º) próprios e impróprios.
Os prazos legais são os estatuídos na lei (art. 218 e demais artigos que especifica-
mente disciplinam os prazos). Sem determinação legal expressa ou fixação pelo juiz, o
prazo será de cinco dias úteis, nos termos do art. 218, § 3º, do CPC/2015.
Parece-nos que a denominação de prazos judiciais deve ficar reservada para desig-
nar os prazos suscetíveis de serem fixados pelo juiz.47

43. TRF-1.ª R., AgIn 200301990027188, 7.ª T., j. 11.2.2004, rel. Des. Luciano Tolentino Amaral,
DJ 02.03.2004, p. 47.
44. RTJ 84/925 e RT 509/167 (esta posição é a fixada nos votos vencidos).
45. RTJ 84/925; RT 509/167.
46. RTJ 86/632, 95/739 e 106/770; STJ, AgRg no AgIn 638.501/RS, 2.ª T., j. 04.08.2005, rel. Min.
João Otávio de Noronha, DJ 29.08.2005, p. 282.
47. José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, cit., vol. II, n. 447, p. 354;
Couture, Fundamentos de derecho procesal civil, p. 175.
O Tempo e os Prazos no Processo 653

Prazos comuns são os que existem, simultaneamente, para ambas as partes. Por
exemplo, o prazo comum de apelação, em virtude de sucumbência recíproca. Prazos
particulares, ao contrário, são aqueles existentes para uma só das partes, por exemplo:
1º) a sucumbência de uma só delas – só a parte sucumbente apelará; 2º) o prazo para
contestação e para reconvenção – é só o réu que se defende. Se, porém, várias pessoas
ocuparem a mesma posição, por exemplo, se forem vários os réus ou os sucumbentes,
o prazo será também considerado comum. Se tiverem advogados diferentes, de escri-
tórios de advocacia distintos, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para responder,
recorrer e falar nos autos (art. 229 do CPC/2015).
Dizem-se prazos próprios os que efetivamente implicam uma consequência pro-
cessual específica. Assim, quem não contesta no prazo é revel; quem não apela permite
que se forme coisa julgada etc.
Já os prazos impróprios são aqueles que não acarretam, com a não prática do ato
que neste espaço de tempo deveria ser praticado, uma consequência processual. São os
prazos que existem para o juiz, lato sensu (art. 227 do CPC/2015), e para os serventu-
ários da Justiça. As consequências do descumprimento de tais prazos são de natureza
eventual e meramente administrativa (arts. 233 a 235 do CPC/2015).

16.5. Contagem dos prazos


A regra fundamental da contagem dos prazos é a da exclusão do dia do início do
prazo e inclusão do dia do respectivo vencimento (art. 224 do CPC/2015). Desta for-
ma, exclui-se o dia do início, em regra, o da publicação, e inclui-se o do vencimento.48
A intimação tem por finalidade proporcionar conhecimento de um ato processual.
Daí, portanto, se tiver sido realizada a intimação, por intermédio de Diário da Justiça,
se a data da edição for descoincidente com a data da circulação, certamente, valerá a
data da circulação.49
Caso a intimação seja feita mediante veiculação em Diário Oficial eletrônico, consi-
derar-se-á a data de publicação como sendo o primeiro dia útil subsequente ao da dis-
ponibilização da informação no Diário (art. 224, § 2º, do CPC/2015), de sorte que os
prazos terão início no primeiro dia útil seguinte ao considerado como a data da publi-
cação (art. 224, § 3º, do CPC/2015).

48. STJ, REsp 172.186/SP, 4.ª T., j. 17.10.2002, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24.02.2003, p. 235.
49. STJ, REsp 183.946/SP, 5.ª T., j. 16.03.2000, rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.04.2000, p. 106.
No mesmo sentido, RTJ 106/323. Por votação unânime, o Tribunal Regional Federal da 5.ª
Região também entendeu no sentido de que só pode ser vigente a lei quando o órgão oficial
que a veicula tenha efetivamente circulado. O acórdão, citando precedente do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, firmou posicionamento no sentido de que a publicação dos atos
integra o próprio processo legislativo. Sua relevância não é imperceptível, já que o objeto da
controvérsia era, precisamente, se determinada lei tributária, editada em 31.12.1991 – Lei
8.383 –, poderia viger naquele mesmo ano, sem ofensa ao princípio da anterioridade cons-
titucionalmente assegurado, diante da circulação do Diário Oficial somente em 02.01.1992
(AMS 33.525/AL, rel. Juiz Hugo Machado, j. un., 18.11.1993, Boletim da Associação dos
Advogados de São Paulo n. 1.868, p. 321-j).
654 Manual de Direito Processual Civil

Caso se trate de prazo para a prática de ato que demande intimação pessoal da par-
te – como ocorre, por exemplo, na intimação para cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, a teor do que se extrai da Súmula 410 do STJ –, aplica-se o disposto no
art. 224, caput e parágrafos, do CPC/2015. Em se tratando de prazo recursal, a matéria
é disciplinada especificamente pela regra do art. 1.003, caput, do CPC/2015, segundo
a qual “O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a
sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Pú-
blico são intimados da decisão”, o que, em geral, é feito mediante divulgação no Diário
Oficial, ou, ainda, em audiência, conforme o § 1.º do citado art. 1.003.
No regime do CPC/1973, quando o recurso a ser interposto destinava-se a impug-
nar decisão concedida liminarmente e inaudita altera parte, controvertia-se a jurispru-
dência quanto a: a) utilizar a norma específica do art. 242 do CPC/1973 para determi-
nar que se contasse o prazo a partir da data em que a parte havia recebido o mandado
ou ofício de citação, ou b) contar o prazo a partir da data da ciência pelo procurador da
parte acerca do conteúdo da decisão, o que poderia ocorrer pelo comparecimento es-
pontâneo (mediante juntada de procuração ou contestação aos autos) ou com a junta-
da do mandado ou ofício de citação, devidamente cumprido, aos autos. Prevalecia esse
último entendimento, conforme se extrai da jurisprudência do STJ: “(...) 1. O termo a
quo do prazo para interposição de agravo de instrumento, instituído pelo art. 522 do
CPC, contra liminar concedida inaudita altera pars, começa a fluir da data da juntada
aos autos do mandado de citação, exceto na hipótese de comparecimento espontâneo
aos autos ou retirada do mesmo de cartório, pelo advogado da parte, formas de inequí-
voca ciência do conteúdo da decisão agravada, fluindo a partir daí o prazo para a in-
terposição do recurso” (STJ, REsp 853.831/SP, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 15.05.2008,
DJe 04.08.2008); “Tratando-se de liminar concedida liminarmente, sem a justificação
prévia, o prazo para a interposição do agravo de instrumento flui a partir da juntada
do mandado citatório devidamente cumprido ou da juntada do aviso de recebimento
da citação pelo correio” (STJ, REsp 599.420/SP, 4ª T., rel. Ministro Barros Monteiro, j.
06.12.2005, DJ 20.03.2006 p. 280).
O art. 1.003, § 2º, do CPC/2015 positivou expressamente parcela do posicionamen-
to dominante no STJ, preceituando que “aplica-se o disposto no art. 231, incisos I a VI,
ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida anteriormente à
citação.”, contudo, curiosamente o inciso VIII do art. 231, que trata da intimação por
meio da retirada dos autos em carga, foi excluído da previsão do § 2º do art. 1.003. Dian-
te dessa circunstância poderíamos cogitar que a retirada dos autos em carga pelo advo-
gado do réu prejudicado pela liminar inaudita altera parte não implica na intimação do
réu e o consequente início do prazo. Contudo, tal conclusão não faz sentido diante do
princípio da instrumentalidade das formas e do art. 239, § 1º, do CPC/2015 que prevê
o suprimento da citação do réu por seu comparecimento espontâneo ao processo, por-
tanto, reputamos que o prazo para recorrer da decisão proferida antes da citação se deve
iniciar no dia da carga dos autos realizada pelo réu, se esta ocorrer antes das hipóteses
dos incisos I a VI do art. 231 do CPC/2015.
O Tempo e os Prazos no Processo 655

Já se tem decidido que, realizada a intimação no domingo, o prazo começa a correr


na segunda-feira, e não na terça.50
Outra orientação, que, no fundo, se filia ao mesmo princípio ou razão de ser que a
imediatamente anterior, é a que estabelece que, havendo a intimação no sábado, o en-
tendimento é o mesmo. Assim, quando a intimação é realizada no sábado, o prazo co-
meça a correr na segunda-feira imediata.51
Quando a intimação é realizada na sexta-feira, o termo inicial para contagem é a
segunda-feira imediata (cf. Súmula 310 do STF).52
O que se considera útil para o dia do começo do prazo, quanto à intimação judicial, é
a existência de expediente forense, pois sua ausência torna o dia equivalente ao feriado.53
A luz do CPC/1973, os prazos fixados por horas se submetiam à aplicação da regra
geral contida no art. 184 deste diploma, ante a falta de disposição expressa regulamen-
tadora.54 Sendo assim, considerando que o CPC/2015 não regulamentou a matéria, re-
putamos aplicável a regra geral do art. 224 do CPC/2015 – correspondente ao 184 do
CPC/1973 – aos prazos fixados em horas,
O prazo decadencial é improrrogável – tem-se decidido e nós já assim pensamos –,
não havendo, portanto, razão para que se lhe aplique, quanto à prorrogação, a sistemá-
tica do Código de Processo Civil.55
No entanto, hoje afigura-se-nos correto o entendimento de que, se o termo final de pra-
zo recair em dia não útil, prorrogar-se-á até o primeiro dia útil seguinte, mesmo que seja de
decadência dito prazo. Do contrário, haveria amputação do prazo (reduzir-se-ia sua utilida-
de). Por outro lado, não se trata, propriamente, de prorrogar o prazo, senão que de se reco-
nhecer da impossibilidade da prática do ato processual, utilmente, no último dia do prazo.
Daí é que, embora já tenhamos pensado diferentemente, acreditamos que esta é a orienta-
ção correta,56 que inclusive foi expressamente adotada pelo CPC/2015 em relação ao pra-
zo de propositura da ação rescisória. Segundo o art. 975, caput, do CPC/2015, “O direito
à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão
proferida no processo”, enquanto que o § 1º desse artigo determina que “prorroga-se até o
primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar
durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense”.
Quanto à intimação realizada em véspera de feriado, o primeiro dia do prazo será
o primeiro dia útil subsequente, conforme determina o art. 224, § 3º, do CPC/2015.57

50. JUTACivSP 78/93.


51. RJTJSP 63/217, 77/211; RT 555/131; JUTACivSP 78/93, 80/208.
52. STJ, AgRg no AgIn 623.411/GO, 4.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 19.09.2005,
p. 333. Cf. também RTJ 95/186 e 95/739; RJTJSP 44/219 e 44/218.
53. RT 568/94 e 589/119; JUTACivSP 80/57.
54. RJTJSP 87/192; RTJ 108/433.
55. Revista de Processo (RePro) 22/242.
56. RTJ 108/1.085.
57. RTJ 95/1.310.
656 Manual de Direito Processual Civil

16.6. Os prazos mais importantes


O CPC/2015 estabelece regra importante para o caso de não estar o prazo especifi-
camente previsto em lei ou de o juiz não o haver assinado: a parte deverá praticar o ato
no prazo de cinco dias (art. 218, § 3º).
Os principais prazos estabelecidos pela lei são os seguintes: a) para contestar e
alegar a incompetência relativa, 15 dias (arts. 335, 64 e 65); b) para alegar a suspeição
do juiz, 15 dias (arts. 146), sendo que tal alegação suspende a fluência do processo
(art. 313, III) até que o relator determine se o incidente terá ou não efeito suspensi-
vo (art. 146, § 2º); c) para apresentação do rol de testemunhas, até 15 dias (art. 357,
§ 4º), omitindo-se o juiz, o prazo será de 5 dias (218, § 3º); d) para indicação de as-
sistente técnico e apresentação de quesitos, 15 dias a contar da intimação do despa-
cho de nomeação do perito (art. 465, § 1º); e) para interpor os recursos de apelação,
agravo de instrumento, agravo interno, recurso ordinário, recurso especial, recur-
so extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de di-
vergência, 15 dias (art. 1.003, § 5º); f) para interpor embargos de declaração, 5 dias
(art. 1.023, caput).
Não deverá haver restrição de espécie alguma ao lapso temporal de que dispõe a
parte. Assim, o prazo para recebimento do recurso extingue-se no último minuto do
expediente do cartório do dies ad quem58 ou, se tratando de processo eletrônico, “até
as 24 (vinte e quatro) horas do último dia do prazo” (art. 213, caput). Quando a lei
não fixar prazos, o juiz o fará atendendo à complexidade do ato (rectius, do ato a ser
praticado) (art. 218, § 1º, in fine). Vale dizer que, se lacunosa a lei, poderá o juiz fixá-
-los (“determinará os prazos”, diz o art. 218, § 1º). Se não o fizer, incide o art. 218,
§ 3º, do CPC/2015.

16.7. Preclusão59
A preclusão interfere em toda a dinâmica do andamento processual. Ela é a espi-
nha dorsal do processo, no que respeita ao seu andamento, pois é o instituto através do
qual, no processo, se superam os estágios procedimentais, e não deixa de ser também
um instituto propulsionador da dinâmica processual, na medida em que for acatada
pela legislação positiva.
A espécie de preclusão mais importante é a temporal, e é por isto que tratamos do
tema dentro do item relacionado com o tempo no processo.
A preclusão, para ser corretamente entendida, pressupõe o entendimento do con-
ceito de ônus.

58. TRF-4.ª R., AgIn 9404561673-RS, j. 25.05.1995, rel. Des. Luiza Dias Cassales, DJ 21.06.1995.
Note-se que, no caso, não se aplica o horário previsto no art. 172 do CPC/1973 (cf. STJ, REsp
9.636/SP, 4.ª T., j. 28.05.1991, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 01.07.1991, p. 9.202).
59. Sobre o tema, cf. amplo estudo realizado por Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no
CPC, cit., item 8. V. também o estudo monográfico de Heitor Mendonça Sica (Preclusão
processual civil).
O Tempo e os Prazos no Processo 657

A ideia de ônus60 consiste em que a parte deve, no processo, praticar determinados


atos em seu próprio benefício; consequentemente, se ficar inerte, possivelmente esse
comportamento acarretará efeito danoso para ela. A figura do ônus, aliada à da preclu-
são, faz com que a parte saia de sua inércia e atue utilmente no processo, resultando dis-
to, se for o caso, uma colaboração forçada da parte com a própria autoridade judiciária.
O processo se traduz em uma relação jurídica processual que vive e progride sem-
pre, no tempo, visando à sentença. É um meio para a obtenção da aplicação da lei a um
caso concreto controvertido, que só é eficaz nos tribunais. Pela razão de o processo viver
no tempo, segue-se a consequência necessária da existência da preclusão temporal, ex-
pressamente prevista no art. 223, caput, do CPC/2015. A participação dos sujeitos pro-
cessuais, na movimentação dessa relação jurídica processual no tempo, se faz também
por meio dos ônus processuais que, uma vez não cumpridos pelos interessados, fazem
nascer as respectivas preclusões.
A relação jurídica processual é triangular (autor, juiz e réu), complexa (envolve uma
série de atos, ônus e faculdades) e unitária. Justamente por ser a relação jurídica proces-
sual unitária, ocorrendo uma preclusão na relação, tal preclusão fica valendo até final,
ou seja, até a sentença, não podendo, de forma alguma, ser desconhecida pelo juiz (se
à atividade jurisdicional disser respeito) ao prolatar sua decisão.61
Hipótese em que inocorre preclusão é a disciplinada pelo art. 485, § 3º, pois, antes
da sentença de mérito, nem pelo fato de o juiz dar por presentes as condições da ação,
e inocorrente recurso, ficará, para ele, preclusa a questão.62

60. O ônus distingue-se da obrigação, pois, nesta, o devedor sofrerá, no plano lógico (do
dever-ser do direito), as consequências de inadimplemento, embora, praticamente, isto
possa, eventualmente, inocorrer. Já com relação ao ônus, nem mesmo no plano lógico são
inexoráveis as consequências, pois alguém poderá não ter contestado, mas, nem por isto,
haverá, necessariamente, de perder a demanda, a qual poderá ser julgada improcedente.
61. É possível que a parte alegue tempestivamente a suspeição do juiz e, nesta hipótese, ve-
rificar-se-á, para a parte, preclusão. Isto não significa, todavia, que o juiz fique impedido
de dar-se por suspeito, com fulcro no art. 145, parágrafo único. Poderá, inclusive, haver
descoincidência de motivos (o que a parte alegaria e o que terá levado o juiz a dar-se por
suspeito), o que é irrelevante e nem se ficará sabendo. No entanto, o que releva frisar é que
se a parte fica inibida de afastar o juiz, este, todavia, não fica – por causa da omissão da
parte – inibido de se desligar do processo, sponte sua.
62. STJ, REsp 236.844/SP, 5.ª T., j. 03.02.2000, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 13.03.2000,
p. 193; Revista de Processo (RePro) 6/318, em., 125; RTJ 94/445; RT 480/158, 490/138,
508/165, 509/91 e 557/103; RJTJSP 72/679 e 85/185; JUTACivSP 40/184, 48/234, 50/242,
66/35 e 73/165. Simpósio de Curitiba, conclusão XV, RT 482/270; VI ENTA (firmou tese,
quanto às condições da ação ‘ conclusão 9, por maioria) em RT 580/297; STJ, AgRg no AgIn
332.188/RJ, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.06.2001; STJ, RMS 14.399/RJ, 2.ª T., rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJ 10.10.2005; STJ, AgRg no REsp 678.131/MG, 3.ª T., rel.
Min. Ari Pargendler, DJ 21.11.2005; STJ, REsp 847.390/SP, 1.ª T., rel. Min. Teori Zavascki, DJ
22.03.2007; STJ, REsp 670.233/RN, 4.ª T., j. 04.03.2008, rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJe 16.06.2008; STJ, REsp 1.004.910/RJ, 4.ª T., j. 18.03.2008, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJe 04.08.2008. Em sentido contrário: RT 571/201 e 526/107, em.; RJTJSP 62/29 e 70/159;
Arquivo Forense 63/102.
658 Manual de Direito Processual Civil

A preclusão, saliente-se, não se confunde com as sanções processuais. Sanção é a con-


sequência jurídica, subsequente ao não cumprimento da norma jurídica. Já a preclusão
temporal deriva da não prática de um ato, no prazo em que ele deveria ter sido pratica-
do. Acontece que, na sanção, supõe-se uma obrigação que, não cumprida a tempo, sê-
-lo-á, depois, normalmente, mercê da aplicação da sanção. Ou, ainda, é a consequência
à infração de um dever jurídico.
A sanção origina-se do não cumprimento de uma obrigação, como, por exemplo, a da
testemunha que se recusa a depor e é obrigada, posteriormente, a fazê-lo. Já a preclusão
deriva da não prática de ato no prazo em que a parte deveria tê-lo praticado: decorrido,
v.g., o prazo para a contestação, ou para solicitar o depoimento pessoal, a parte não mais
poderá contestar ou lograr o depoimento.63
A preclusão, outrossim, não se confunde com a decadência. A decadência é um pra-
zo estabelecido pela lei para o próprio exercício de uma pretensão ou (mesmo por ajus-
te) para exercer um determinado poder. Ocorrendo a decadência, isto é, verificando-se
que não foi utilmente usado dentro de determinado prazo, o direito, estará o mesmo
definitivamente morto (se, porventura, tivesse existido).
A preclusão, ademais, não se confunde com a prescrição. Esta é também um prazo,
dentro do qual, eficientemente, pode ser exercitado o direito de ação. Se não for este
usado dentro desse prazo útil, entender-se-á, segundo a teoria civilista, a ação está pres-
crita, embora o direito, desmunido de ação, exista. Em termos práticos, porém, dificil-
mente prosperará a pretensão, já que, atualmente, da prescrição deverá o juiz conhecer
ex officio, cf. art. 487, II, do CPC/2015. Esse texto rompe com uma longa tradição, em nos-
so Direito. Contudo, embora deva conhecer ex officio, o juiz precisará sempre mandar
ouvir as partes, 64 inclusive a que poderá vir a ser beneficiada com o decreto de prescri-
ção (art. 10 do CPC/2015). O Código Civil estabelece de maneira expressa que o que
se extingue pela prescrição é a pretensão material, e não a ação, nos seguintes termos:
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.65

63. Nem pelo fato de ter ocorrido preclusão para a parte, relativamente, v.g., à oitiva de uma
testemunha, que fora arrolada, necessariamente deixará ela de ser ouvida. No entanto, se
o for, sê-lo-á, não porque a parte a isso tenha direito, que não tem, por causa da preclusão,
mas porque o juiz poderá determinar a oitiva, em face do disposto no art. 370 do CPC/2015.
64. Nesse sentido: “Apelação cível Resolução de contrato de compra. Reconhecimento da
prescrição (ex-officio) Juntada com a apelação da notificação extrajudicial mostrando a
interrupção da prescrição. Decisão que indeferiu a petição inicial sem conferir oportunidade
a autora. Regra prevista expressamente nos artigos 9 e 10 do novo CPC sentença anulada.
Recurso provido (Voto 10364)” (TJSP, AC 0002044-39.2015.8.26.0366, 8ª Câmara de Direito
Privado, j. 22.06.2016, rel. Des. Silvério da Silva, DJe 22.06.2016).
65. Aplaudindo a inovação, Barbosa Moreira anota o seguinte: “O texto básico é o do art. 189.
Nas várias disposições específicas do art. 206, distribuídas por cinco parágrafos, coerente-
mente, está dito que o que prescreve é ‘a pretensão’, não a ação.
“Inspira-se tal entendimento, sem sombra de dúvida, no direito alemão. O § 194 do Bür-
gerliches Gesetzbuch, com toda a clareza, aponta a pretensão (Anspruch) como o objeto
O Tempo e os Prazos no Processo 659

Possivelmente falar-se em prescrição da ação ligava-se à ideia que perdurou durante


todo o século XIX de que o direito e a ação eram a mesma coisa. Havia uma variação gran-
de de nomenclatura, mas o cerne era essa identidade afirmada. 66 Ainda aqui, todavia, havia
paradoxo, pois que se a ação estava prescrita, não se poderia considerar existente o direito
– pois essencialmente eram a mesma coisa, apenas com apresentações diferentes –, pois
passava-se o contrário, ou seja, o direito subsistia e podia ser utilizado em defesa.
Ademais, em princípio, a prescrição e a decadência ocorrem extraprocessualmente
(em regra, são decretados no processo), enquanto que a preclusão ocorre, sempre e ne-
cessariamente, no âmbito do processo.
A preclusão, como se viu, não é pertinente à existência ou inexistência de um di-
reito subjetivo, mas, sim, às faculdades e aos poderes processuais, embutidos nos ônus
que lhes sejam respectivos.
Da mesma forma, é inconfundível a preclusão com as nulidades. Uma vez ocorrida a
preclusão, no processo, os respectivos efeitos são aí inelimináveis (dentro do âmbito da
preclusão). É um fato processual que não poderá ser desconhecido e, necessariamen-
te, se refletirá na sentença, possivelmente de forma negativa e em desfavor daquele em
relação a quem se operou a preclusão. Já a nulidade, é sanável (art. 277 do CPC/2015).
Por outro lado, as nulidades (pelo menos as nulidades de forma) surgem de uma deso-
bediência ao modelo legal (mesmo que isso ocorra, porém, se o ato tiver atingido o seu
fim, nem por isso deverá ser declarado nulo). A preclusão temporal, a seu turno, como
dissemos, origina-se da não prática do ato, que deveria ter sido praticado. Assim, quan-
to ao problema atinente à ouvida de testemunha, cabe à parte contrária, na primeira
oportunidade em que se manifestar no processo, após sua ocorrência, alegar a nulidade
consistente no fato de a testemunha não ter sido arrolada oportunamente. Caso não se
insurja nesta oportunidade, há preclusão e tal vício se reputa sanado.67
A preclusão, outrossim, distingue-se da coisa julgada. A primeira é a perda da possi-
bilidade de praticar um ato dentro do processo, com efeito a ele limitado. A coisa julgada
formal é representada pela impossibilidade de modificação do resultado do processo,
nele mesmo, porque esgotados ou não oferecidos os recursos cabíveis contra a senten-
ça. À coisa julgada formal geralmente está ligada a coisa julgada material, mas não ne-

da prescrição (Verjährung). Na ideia de pretensão está ínsita a de exigência: o titular da


pretensão exige que alguém faça ou deixe de fazer algo.“(...) A posição adotada parece-nos
fundamentalmente correta. Ela retira, antes de mais nada, toda e qualquer base ao grave
equívoco de supor que a prescrição extinga a ação. É certo que a tese já não se compadecia
com o nosso direito positivo: bastará lembrar o texto do art. 269, IV, do Código de Processo.
De qualquer modo, é confortador ver corrigido o erro do diploma de 1916” (O novo Código
Civil e o direito processual, disponível em [http://www.amaerj.org.br/], não paginado – acesso
em 16.09.2004).
66. Veja-se a ampla documentação em nossa obra Teoria Geral do Processo de Conhecimento,
São Paulo, 1972, ed. da Revista dos Tribunais, vol. Iº, p. 97, nota 134.
67. 1.º TACivSP, Ap. 202.755, São José do Rio Preto, 2.ª Câm., 08.05.1974, rel. Felizardo Calil,
v.u. Semelhantemente, STJ, AgRg no REsp 517.425/CE, 1.ª T., j. 04.12.2003, rel. Min. Fran-
cisco Falcão, DJ 22.03.2004, p. 222.
660 Manual de Direito Processual Civil

cessariamente. A sentença, pois, por meio da coisa julgada formal, torna-se imutável
no próprio processo. Como a coisa julgada formal pode resultar da preclusão para a in-
terposição de um último recurso cabível, em tese, diz-se, habitualmente, que ela con-
substancia a “preclusão máxima”.
Sem embargo de a coisa julgada formal originar-se da preclusão, que se substancia
na não interposição do recurso, ambas não se confundem. A preclusão diz respeito ao
não uso do recurso, ao passo que a coisa julgada formal encerra e fecha a fase de conhe-
cimento do processo, pondo-lhe um ponto final.
A preclusão comporta diversas classificações. A mais comum é a que a divide em: a)
temporal, a mais importante (="comum);" b) lógica; e c) consumativa.
Diz-se temporal a preclusão quando um ato não é praticado no prazo existente para
a respectiva prática e, por essa circunstância, não mais pode ser realizado.
Diz-se lógica a preclusão quando um ato não mais pode ser praticado,68 pelo fato
de se ter praticado outro ato que, pela lei, é definido como incompatível com o já rea-
lizado, ou que esta circunstância deflua inequivocamente do sistema. A aceitação da
sentença envolve uma preclusão lógica de não recorrer. Assim, quando a parte toma
conhecimento da sentença, vindo até a pedir sua liquidação, aceita-a tacitamente, não
mais lhe sendo dado recorrer.
Fala-se, finalmente, em preclusão consumativa, quando se pratica o ato processual
previsto na lei. Não será possível, depois de consumado o ato, praticá-lo novamente.
A preclusão lógica, rigorosamente, é também consumativa. Vale dizer, a circuns-
tância de a prática de um ato processual se ter verificado envolve consumação. Tal con-
sumação (no contexto da preclusão lógica) quer dizer que o mesmo ato não pode ser
repetido e que, ainda, outro ato ou outros atos, que pudessem ter sido praticados, no
lugar daquele, não mais poderão ser praticados.
Consideremos, afinal, uma hipótese de preclusão temporal.
O que se procura evidenciar, em relação ao instituto da preclusão, é que, em se ve-
rificando oportunidade para uma dada providência, esta não poderá vir a ser tomada
quando, de forma idêntica, repetir-se essa “mesma oportunidade”, porque, em realida-
de, não será mais a mesma oportunidade. Esta segunda oportunidade é apenas aparen-
te, dado que, não tomada a providência, na primeira oportunidade, em relação a esta
“segunda oportunidade”, já terá ocorrido preclusão.
A hipótese, exemplificativamente, é a que segue.
Vejamos um acórdão no qual foi julgada apelação, em relação a qual foram inter-
postos os embargos de declaração com caráter infringente, opostos por interessados,

68. 2.º TACivSP, Ap. 19.153/SP, 5.ª Câm., 14.08.1974, rel. Edgard de Souza, v.u.
Ocorre também preclusão lógica se se aceita o juízo (v.g., contestando a ação), e, posterior-
mente, se se pretende – ainda que no prazo de 15 dias – levantar a suspeição do juiz (era
expresso o art. 186 do CPC de 1939). Cf. também STJ, EDcl no REsp 618.642/MT, 1.ª T., j.
08.03.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 18.04.2005, p. 218.
O Tempo e os Prazos no Processo 661

afirmando-se, terceiros prejudicados. O teor desse acórdão é rigorosamente igual, no


que diz respeito a esses que se intitulam prejudicados, a sentença proferida no prece-
dente julgamento da ação em primeiro grau.
É assente que o prazo e demais condições e requisitos de recorribilidade para recur-
so de terceiro são rigorosamente os mesmos que as condições e requisitos (inclusive o
do prazo) existentes para as partes.69-70
Se o prazo recursal e todas as condições de recorribilidade existem tanto para as partes
quanto, igualmente, para terceiros prejudicados – ou para aqueles que assim se julgam –,
disto deflui que, por exemplo, embargos de declaração com caráter infringente, opostos
somente ao acórdão da apelação, são intempestivos, se a mesma situação já ocorrera.71
Em realidade, o gravame ou prejuízo que teriam sofrido os que se intitulam terceiros
prejudicados ocorreu quando do julgamento da ação no primeiro grau. Consequente-
mente, teria sido desse momento que haveriam de ter recorrido. Não o podem fazer agora,
quando se repete e se reitera o mesmo e idêntico suposto e alegado gravame ou prejuízo,

69. José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, em comen-
tários ao art. 499, n. 163, fine, p. 294) ensina: “Entre nós, as vias recursais que se abrem ao
terceiro prejudicado são sempre e apenas as mesmas concedidas às partes, os pressupostos
de cabimento da apelação, do agravo, dos embargos, do recurso extraordinário (ou especial),
não são, para o terceiro prejudicado, diferentes, do recurso extraordinário (ou especial) da
parte (...).” No mesmo sentido, escreve Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito
processual civil, cit., 1985, vol. I, p. 96), dizendo que “ao terceiro prejudicado cabe recorrer
nos prazos estabelecidos para as partes”.
70. No sentido da identidade do prazo para as partes e para terceiro prejudicado é uniforme a
jurisprudência: a) TJRJ, AgIn 8.832, rel. Des. Felisberto Ribeiro, Adcoas, 1985, n. 102.794
e em Alexandre de Paula, CPC anotado, julg. n. 78, p. 1966; b) em julgado do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, publicado na Jurisp. Cat. 62/102, Ap 28.284, j. 21.06.1988, rel. Des.
Napoleão Amarante, lê-se: “O prazo de recurso para o terceiro prejudicado não fica aberto
indefinidamente, como se a qualquer tempo pudesse interpor a sua irresignação”; c) “o prazo
para a interposição de recurso de terceiro prejudicado é igual ao das partes, contando-se a
partir da mesma data” (acórdão unânime, TJSP, AgIn 70.286-1, 1.ª Câm.Civ., j. 04.02.1986,
rel. Luis de Macedo, RT 606/95 e RJTJESP 104/316, e em Alexandre de Paula, op. cit., julg.
89, p. 1.967); d) “(...) o terceiro interessado não pode ter mais prazo para qualquer recurso
do que a parte vencida” (trecho do voto extraído do acórdão unânime proferido pelo TJSP,
Ap 67.482-1, 6.ª Câm.Civ., rel. Des. Gonçalves Santana); e) ainda do TJSP colhem-se, entre
outros, os seguintes julgados, seguindo essa mesma orientação: Ap.Cív. 285.603, rel. Des.
Campos Gouvêa, RJTJESP 65/170; e AgIn 241.688, rel. Carlos Antonini, RT 477/116.
71. Nesse sentido também é uníssona a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça: a) “Re-
curso. Terceiro. O prazo para recurso de terceiro é o mesmo das partes, não sendo de se
aceitar o entendimento de que só começaria a fluir quando tivesse ciência da decisão, o que
poderia protrair indefinidamente o trânsito em julgado” (AgRg no AgIn 51.691-1/MT, rel. Min.
Eduardo Ribeiro, DJU 28.11.1994); b) “Recurso. Terceiro prejudicado. Prazo. Termo inicial.
O dies a quo do prazo é igual ao das partes, não se podendo admitir que o prazo somente
começaria a fluir quando o terceiro tivesse ciência da decisão, circunstância que protrairia
indefinidamente o trânsito em julgado. Recurso especial conhecido, mas improvido” (REsp
82.191/SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 09.06.1997, p. 25545); c) “Processo civil. Recurso.
Terceiro. O prazo para o terceiro interpor recurso é o mesmo das partes. Recursos conhecido
e provido” (REsp 74.597/BA, rel. Min. Costa Leite, DJU 18.12.1995).
662 Manual de Direito Processual Civil

ou seja, quanto se repete a mesma situação. Do contrário estariam libertos de preclusão,


diferentemente do que se passa em relação às partes. Se, como diz Barbosa Moreira, “as
vias recursais que se abrem ao terceiro prejudicado são sempre e apenas as mesmas con-
cedidas às partes (…)”, é curial e evidente que, também para o terceiro prejudicado existe
preclusão. Do contrário, o terceiro prejudicado teria mais vantagens do que a própria par-
te. A esse propósito diz ainda Barbosa Moreira: “O estatuto de 1939 concedia ao terceiro
prejudicado, em certas hipóteses, prazos especiais para recorrer (art. 815, §§ 1º e 2º). No
atual, desapareceu essa peculiaridade: o terceiro tem sempre prazo igual ao da parte”.72
Se o prejuízo decorre de decisão de mérito, que a esses terceiros, que se intitulam ter-
ceiros prejudicados, foi desfavorável, isso já ocorrera quando do julgamento da ação no
primeiro grau. Sendo assim, a insurgência – somente ao ensejo do acórdão da apelação,
resulta ser extemporânea, pois com este acórdão se reitera e se repete situação precedente.
Do contrário, admitir-se-ia o ingresso de terceiros prejudicados, que como tais se inti-
tulam, a qualquer momento, ainda que, precedentemente ao ingresso, já houvesse de-
cisão que pudesse justificar esse ingresso, ou seja, que lhes houvesse prejudicado, se-
gundo alegam.
O que ocorre é que falta condição de admissibilidade em relação ao recurso dos que
alegam ter sido prejudicados pelo acórdão da apelação, dado que perderam o prazo para
essa alegação, que haveria de ter sido feita em relação à v. sentença em que se julgou a
ação no primeiro grau, precisamente porque, já então, tinham a mesma e idêntica con-
dição que somente nesta oportunidade se atribuem. Vale dizer, direito ao recurso inter-
posto contra o v. acórdão desta apelação, não têm esses recorrentes.
Disto tudo resulta que, se os que se julgam terceiros prejudicados não recorrem na
primeira oportunidade em que se configura o que alegam ser prejuízo, não o podem fa-
zer numa segunda ou terceira oportunidade, em que se repita esse prejuízo, em nome
da preclusão temporal.

16.8. A interrupção da prescrição, a obstaculização da decadência e a


prescrição intercorrente
A posição do atual do direito brasileiro, implica admitir que, fica interrompida a
prescrição pelo despacho que ordena a citação, retroagindo a interrupção à data da pro-
positura da ação.73

72. Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol. V, em comentários ao
art. 508, n. 208, p. 376. Neste mesmo sentido o entendimento expressado por Sérgio Bermudes:
“O prazo deferido ao terceiro para recorrer é o das partes. O terceiro não goza de qualquer
privilégio. O Código atual retirou do terceiro os benefícios que lhe eram concedidos nos pa-
rágrafos do art. 815 do diploma anterior” (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol.
VII, p. 61). Esse também o pensamento de Humberto Theodoro Júnior: “O prazo do terceiro,
para recorrer, é o mesmo da parte a que ele assiste, muito embora não tenha o assistente, in
casu, recebido qualquer intimação da decisão. O dies a quo, portanto, fixa-se pela data da
intimação da parte assistida” (Curso de direito processual civil, vol. III, p. 987, n. 746).
73. Sobre a interrupção da prescrição, cf, mais amplamente: Arruda Alvim, Prescrição intercor-
rente, in Mirna Cianci (coord.), Prescrição no novo Código Civil, p. 27-56.Trabalho escrito
O Tempo e os Prazos no Processo 663

O CPC/2015 difere parcialmente do CPC/1973, no que tange à forma prevista para


a interrupção da prescrição. No sistema anterior – na linha da tradição do nosso direi-
to –, constava expressamente que a citação válida produzia efeitos civis, quais sejam o
de interromper a prescrição e o de tornar a coisa litigiosa, além dos efeitos processu-
ais mencionados no art. 219 do CPC/1973. Em complemento, no § 1º do art. 219 esta-
va disposto que “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
Significava que o ato interruptivo, decorrente da citação, ficava condicionado a que o
interessado promovesse a citação no prazo e na forma da lei processual, à vista dos §§ 2º
e 3º do art. 219 do CPC/1973. Esta sistemática foi modificada com CC/2002, que pre-
vê que a prescrição é interrompida com o despacho do juiz, que ordenou a citação, des-
de que, naturalmente, se aperfeiçoe esta nos moldes (prazo e forma) da lei processual.
Por sua vez, prevê o CPC/2015 que a interrupção da prescrição, operada pelo des-
pacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente (em atenção
ao disposto no art. 202 do CC), retroagirá à data da propositura da ação (art. 240, § 1º,
do CPC/2015), ou seja, o seu protocolo. Diante disso, não consta mais entre os efeitos
da citação (art. 240 do CPC/2015), a interrupção da prescrição, restando claro que esta
é operada pelo despacho que ordena a citação, retroagindo seus efeitos à data da propo-
situra da ação (§ 2º do art. 240 do CPC/2015).
Entretanto, para que os efeitos da interrupção da prescrição sejam retroativos à data
da propositura da ação é necessário que o autor adote, em dez dias, as providências ne-
cessárias para viabilizar a citação (art. 240, § 2º, do CPC/2015), realizando todos os atos
necessários, como o recolhimento das custas destinadas à citação e o fornecimento das
cópias necessárias. Tendo realizado os atos que lhe competiam, a demora na realização
da citação, que não lhe seja atribuível, especialmente a ligada à demora do serviço ju-
diciário, não o prejudica, operando-se o efeito retroativo.
A solução do direito brasileiro é a de que, sucessivamente a essa interrupção, co-
meça novamente o curso prescricional, com o que se descarta a ideia de que o seu curso
fica suspenso; mas, tendo isto ocorrido em processo pendente, esse novo curso come-
çará “(…) do último ato [praticado no processo] para interromper a prescrição”. Isto
significa que, pendente o processo em que normalmente se praticam sucessivos atos
processuais, não se haverá de cogitar da ocorrência da prescrição; poderá vir a ocorrer
a prescrição, se nesse processo não se praticar ato algum, por período igual ou supe-
rior ao do prazo prescricional em questão. Ainda que a inércia continuada seja bilate-
ral ou de todos que estejam no processo, isso prejudicará o autor e beneficiará o réu. A
prescrição interrompe-se no curso do processo por prática de ato seja do autor, seja do
réu. Se o réu praticar atos, mas o autor, apesar de instado à prática do que lhe incumbe,
nada fizer, configurar-se-á situação de inércia que, se continuada e por prazo superior
ao prazo da prescrição, conduzirá à prescrição intercorrente.
Deve-se dizer que este sistema se estende, também, à decadência, ainda que, como se
sabe, a decadência não seja, propriamente, objeto de interrupção, senão que a sua ocor-

quando da vigência do CPC 73; é útil diante do fato de a prescrição ser regulada pelo direio
material.;
664 Manual de Direito Processual Civil

rência é obstada. Isto significa que, mutatis mutandis, quando o direito positivo estabe-
lece que a prescrição será interrompida, haver-se-á de ler, em relação à decadência, que,
proposta tempestivamente a ação, i.e., antes de consumar-se a decadência, resulta exercido
o direito utilmente. Aduza-se, ainda, que a decadência a que possa estar sujeito um dado
direito e sua respectiva pretensão, exercitável por meio de processo, não é suscetível
de ser obstada fora do processo, tal como ocorre com a prescrição; ou seja, não se obsta
essa decadência para, aproveitando-se dessa circunstância, ulteriormente, vir-se a im-
pedi-la, agora, por intermédio de processo judicial.
O efeito retroativo de interrupção da prescrição e obstativo da decadência, já cau-
sou diversas controvérsias jurídicas nos sistemas processuais. No sistema precedente
ao CPC/1973 se discutia justamente a interrupção pela citação, em função da antecipa-
ção do efeito interruptivo para o despacho do juiz, desde que o autor promovesse os atos
que lhe incumbiam.74 Dissemos, em obra escrita em 1972, que essa “orientação [era]
rigorosamente conforme os princípios, pois a razão pela qual se antecipa a interrup-
ção da prescrição é a mesma por que se deseja impedir a decadência. E a identidade de
tratamento, além dessa igualdade de motivos, é tanto mais compreensível, se atentar-
mos para a realidade da dificuldade [então] existente em se distinguir um instituto do
outro”,75 dificuldade essa que resultou sensivelmente minorada com o Código Civil de
200276, que regulou de forma mais clara e adequada os institutos.

74. No sistema anterior determinou-se que se aplicasse o art. 166 do CPC de 1939 “a todos os
casos previstos no art. 178 do Código Civil [de 1916] e aos demais casos de prescrição e
prazos extintivos previstos em lei”.
75. Cf. Arruda Alvim, Teoria geral do processo de conhecimento, vol. 1, p. 325. Os colchetes
foram acrescentados.
76. Há outro sistema, adotado em diversos países, em decorrência do que a propositura da ação
interrompe a prescrição, como, ainda, impede ou suspende o curso da prescrição. É este
o sistema italiano, tanto no Código de Processo Civil de 1865 quanto no atual. Em relação
ao sistema processual de 1865, ensinava Chiovenda que o não curso da prescrição era,
tipicamente, “un effetto della litspendenza” (cf. Saggi di diritto processuale civile, I, n. 2, a,
p. 278). No direito italiano vigente, rege este assunto o Código Civil, no seu art. 2.945 – Effetti
e durata dell’interruzione, dispondo na sua segunda alínea: “Se l’interruzione è avvenuta
mediante uno degli atti indicati dai primi due commi dell’art. 2.943, la prescrizione non
corre fino al momento in cui passa in giudicato la sentenza che definisce il giudizio (Cod.
Proc. Civ. 324)”.Está disposto, ainda no Código Civil, o seguinte: “Art. 2.943 – Interruzione
da parte del titolare. La prescrizione è interrotta (1.310) dalla notificazione dell’atto con il
quale si inizia un giudizio, sia questo di cognizione (Cod. Proc. Civ. 163, 638) ovvero con-
servativo (Cod. Proc. Civ. 670 e seguente, 688, 700, 703) o esecutivo (Cod. Proc. Civ. 474 e
seguenti)”. No direito alemão, da mesma forma, pelo § 211, primeira parte, do seu Código
Civil: “A interrupção por propositura da ação dura até que o processo seja decidido em de-
finitivo ou, de outro modo, despachado”. Mas a segunda alínea do mesmo § 211 reza: “Se
o processo vier a cessar em consequência de uma transação ou pela circunstância de que
não se dá a ele prosseguimento, terminará a interrupção com o último ato processual das
partes ou do juízo. À nova prescrição, começando depois da terminação da interrupção, será
interrompida [por sua vez] pela circunstância de que uma das partes deu prosseguimento
de novo ao processo, do mesmo modo como pela propositura da ação” (tradução do Pro-
fessor Souza Diniz, Código Civil alemão traduzido para o português, edição da Record). A
O Tempo e os Prazos no Processo 665

Desta forma, o fato da interrupção da prescrição está ligado, da mesma forma que o
exercício tempestivo da ação, obstando a decadência. É certo, por isso que, se a senten-
ça vier a ter conteúdo declaratório negativo, ou seja, em razão de o autor não ter direito,
não terá tido significado prático falar-se em interrupção da prescrição ou que a decadên-
cia do direito foi obstada. Salvo, parece, se essa sentença declaratória negativa, vier a ser
rescindida (em rescisória com pedido cumulado de novo julgamento), quando então,
deverá vir a ser considerada a primitiva interrupção, pela propositura da ação no pro-
cesso precedente (cuja sentença veio a ser rescindida), o que será útil na hipótese de,
nesta rescisória, se vier a dar pela procedência do pedido.
Quaisquer possíveis dúvidas em relação à extensão dos efeitos retroativos do des-
pacho inicial à decadência, existente no sistema processual anterior, em razão dos ter-
mos do art. 220 do CPC/1973 (que explicitava que o disposto no art. 219 – interrupção
da prescrição – se estendia a todos os prazos extintivos previstos em lei), foram inte-
gralmente sanadas pelo § 4º do art. 240 do CPC/2015, o qual evidencia que “o efeito
retroativo a que se refere o § 1º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos”.
Assunto paralelo ao da prescrição intercorrente é o que se liga à indagação das re-
percussões decorrentes da circunstância de o art. 202, caput, do CC/2002 admitir uma
única interrupção da prescrição (“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente
poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: (...)”).
A questão pode ser desenvolvida – servindo-nos do exemplo a seguir indicado – a
partir da consideração da hipótese de uma prescrição de cambial ter sido interrompida,
à luz do disposto no inciso III do art. 202 do CC/2002. Se pode ser interrompida uma
única vez, poderíamos cogitar que essa interrupção inviabilizaria uma ulterior inter-
rupção, qual viria a ser, a que decorresse da propositura de ação, cuja interrupção, ago-
ra, operar-se-ia à luz do inciso I do art. 202. Consequentemente, se se viesse a entender
que a interrupção operada à luz do inciso III do art. 202 exauriria a possibilidade de
interrupção, impedindo outra (que seria a do inc. I do art. 202, isto é, agora no âmbi-
to do processo), é certo que não se poderia vir a considerar que, sucessivamente a esta
última interrupção, na pendência de um processo, destinado à cobrança executiva da
cambial, não se pudesse aplicar a regra do parágrafo único do art. 202 (“A prescrição
interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do
processo para a interromper”).

parte final da segunda alínea desse § 211 bem explicita a regra do art. 202 do nosso Código
Civil, na parte em que o regime com este coincide. No direito português, por sua vez, o
tema é atualmente regulado no Código Civil nos seguintes termos: “Art. 323.º (Interrupção
promovida pelo titular) 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial
de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja
qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. E a sus-
pensão da prescrição está prevista no art. 327: “Art. 327.º (Duração da interrupção) 1. Se a
interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral,
o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão
que puser termo ao processo” (v. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª
Edição Revista e Ampliada, Lisboa: Ediforum – Edições Jurídicas LDA, 2014, p. 610-611).
666 Manual de Direito Processual Civil

Ou seja, por raciocínio absurdo, concluiríamos, em face da situação imaginada, que


o processo que viesse a ser intentado teria de terminar em três anos, sob pena de pres-
crição. Nossa impressão, todavia, é que dificilmente se deverá interpretar assim, pois,
se assim fosse, a interrupção – em tal hipótese – não teria maior utilidade.
O entendimento que parece ser o correto é o de que a interrupção, que só pode ser
feita uma vez, refere-se à interrupção fora do âmbito do processo (ainda que concordemos
que poderia ser aparentemente argumento contrário, qual seja, o de que no inciso I do
art. 202 se trata de interrupção no processo, previsão essa que está no mesmo patamar e
com aparente identidade de função relativamente às outras hipóteses). Entendemos que
a interrupção feita fora do processo é que pode ser feita somente uma vez. Sendo assim,
interrompida a prescrição no caso do inc.III, por protesto cambial, pode ser promovida a
ação de execução; com a citação, será, novamente, interrompida a prescrição, e, no cur-
so do processo, aplicar-se-á o parágrafo único do art. 202, 2ª parte (“A prescrição inter-
rompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo
para a interromper”); ou seja, a cada ato do processo interrompe-se novamente. De res-
to, parece curial que a interrupção realizada fora do processo destina-se, exata e precisa-
mente, a que, ainda que correndo novamente a prescrição, possa-se promover processo
judicial. Outro raciocínio, por isso mesmo – na imensa maioria das hipóteses –, reduziria
à inutilidade essa interrupção ocorrida fora do processo.
Cremos que a regra de interrupção somente uma vez não se aplica à possibilidade
ulterior de interrupção, na forma do inc. I do art. 202, e nem ao andamento do proces-
so, o que deflui do próprio parágrafo único do art. 202. Pensamos assim porque, se in-
terrompida a prescrição, no caso do inc. III do art. 202, a finalidade única desta inter-
rupção seria para o fim de que se pudesse promover a ação. E, se assim é, promovida a
ação, aplicar-se-ia a segunda parte do parágrafo. único do art. 202.
Há, no direito brasileiro antigo, precedente de direito positivo, previsto em lei es-
pecial, no Dec. 20.910/1932, o qual regulava o assunto nos seus arts. 8º e 9º (“Art. 8º
A prescrição somente poderá ser interrompida uma vez. Art. 9º A prescrição interrom-
pida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do
último ato ou termo do respectivo processo”). A interpretação legítima desses arts. 8º e
9º é a de que era possível uma única interrupção, recomeçando a prescrição pela meta-
de do prazo; mas, referindo a parte final do art. 9º que recomeçaria também “do último
ato ou termo do respectivo processo”, nisto está implicado o seguinte: 1º) era possível
uma interrupção, fora de um processo; 2º) mas podia ser promovido ulteriormente o
processo, pois, do contrário, a frase final do art. 9º ficaria sem sentido. Aí estava previsto
que a “nova prescrição” será contada pela metade do prazo prescricional previsto para
a hipótese, diferentemente do que está no Código Civil de 2002.
Por fim, deve-se acentuar que a única e exclusiva finalidade de ser interrompida uma
prescrição, fora do âmbito de um processo, é para que, possivelmente, venha este a ser
proposto. Assim sendo, este é o entendimento que entendemos correto.
Outro ponto que deve ser considerado diz respeito à necessidade, ou não, de ini-
ciativa da parte, para poder vir a ser decretada a prescrição intercorrente. Cabe cogitar
o seguinte.
O Tempo e os Prazos no Processo 667

O § 5º do art. 219 do CPC/1973 (na redação da Lei 11.280/2006) estabelecia que “o


juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. A mesma Lei 11.280/2006 revogou o art. 194
do CC/2002, que dispunha: “Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de
prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz” (g.n.). O CPC/2015 não alterou
a questão, indicando que a prescrição e a decadência podem ser reconhecidas de ofício
e implicam na resolução do mérito (art. 487, II, do CPC/2015), podendo, inclusive, im-
plicar na improcedência liminar do pedido (§ 1º do art. 332 do CPC/2015).
Disso decorre que, a partir das alterações da Lei 11.280/2006, que foram mantidas
no CPC/2015, o juiz haverá de reconhecer a prescrição intercorrente, independente-
mente da condição jurídica do sujeito favorecido.
O reconhecimento da prescrição não pode ocorrer, no entanto, sem que antes seja
oportunizada a manifestação das partes (parágrafo único do art. 487 do CPC/2015), em
respeito ao contraditório, salvo no caso de improcedência liminar.
O art. 166 do CC/1916 dispunha: “Art. 166. O juiz não pode conhecer da prescrição
de direitos patrimoniais, se não foi invocada pelas partes”. E, o revogado § 5º do art. 219
do CPC/1973 estabelecia: “§ 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá,
de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”.
Parece, portanto, à luz do que estabelecia a redação do § 5º do art. 219 do CPC/1973,
bem como o que prescreve o art. 487, II, do CPC/2015, que não mais existe utilmente –
dentro deste tema –, para fins de se admitir atividade ex officio, ou não, a distinção entre
direitos patrimoniais e não patrimoniais.
Ademais, a mudança decorrente do § 5º do art. 219, mantida pelo legislador de 2015,
também foi, de certo modo, um pouco prejudicial para o sistema ou para a sua compre-
ensão, feita sem a devida cautela, em relação ao direito substancial, onde predomina a
autonomia da vontade. Por mais bem intencionada que possa ter sido a reforma opera-
da pela Lei 11.280/2006, a tentativa de modificar a concepção histórica do instituto da
prescrição esbarra em sérios argumentos que se opõem à sua aplicação incondicional.
Parece nunca ter sido reconhecido um interesse público que justificasse o fato de que
a arguição da prescrição de direitos patrimoniais deixasse de residir, em regra, no poder
dispositivo das partes, passando a admitir, em qualquer hipótese, a atividade oficiosa
do juiz. Aparentemente, não há explicação para essa invasão da esfera pública sobre a
privada, diminuindo o espaço desta.77
A celeridade processual, por si só, não consegue fundamentar a alteração de cate-
goria da prescrição,78 deixando ela de ser exceção, e passando a ser tida como conteúdo
de uma objeção.
Para a litispendência, quando foi alçada de exceção para objeção, havia uma justifi-
cativa forte para a mudança. Isto porque ela, com o advento da compreensão de que a

77. V. Arruda Alvim, Lei 11.280, de 16 de Fevereiro de 2006 (análise dos arts. 112, 114 e 305, do
Código de Processo Civil; análise do § 5.º do art. 219, do Código de Processo Civil), Terceira
Etapa da Reforma do Código de Processo Civil – Estudos em homenagem ao Ministro José
Augusto Delgado, p. 53-66.
78. Cf. Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 66.
668 Manual de Direito Processual Civil

prestação da tutela jurisdicional é voltada ao interesse público, passou a ser encartada


no campo dos pressupostos processuais, onde a atividade do juiz passou a ser reconhe-
cida como sendo de ofício, já que é ele que tem o dever de vigiar a regularidade formal
do processo.
Coisa diversa se passa com a prescrição, instituto tipicamente de direito material,
cujo conhecimento do juiz sempre esteve vinculado a uma exceção substancial, residen-
te no poder de iniciativa da parte.
De fato, antes das alterações da Lei 11.280/2006, configurando-se pelo decurso do
tempo a prescrição intercorrente, deveria o réu argui-la, justamente porque de exceção se
tratava. Atualmente, o juiz pode decretá-la ex officio, aplicando o art. 487 do CPC/2015,
dando às partes oportunidade de manifestação, o que já se dava com a prescrição ocor-
rida no âmbito da Lei 6.830/1980, à luz da nova redação do seu art. 40, § 4º, decorrente
da Lei 11.051/2004.
Este art. 40, § 4º, da Lei de Execução Fiscal assegura, expressamente, a necessida-
de de prévia oitiva da Fazenda Pública (sendo excepcionalmente dispensada apenas
em casos de pequeno valor, conforme prescreve o § 5.º do mesmo dispositivo), antes
do juiz decretar, de ofício, a ocorrência de prescrição intercorrente. Tal indispensável
ressalva, agora constante do parágrafo único do art. 487 do CPC/2015, também deve
ser seguida pelo juiz, em respeito ao direito ao contraditório (podendo a parte interes-
sada demonstrar a sua inocorrência) e, também, ao de renúncia à prescrição, previsto
no art. 191 do CC/2002.
Com efeito, a possibilidade de optar pela renúncia da prescrição é direito ma-
terial do devedor, só tendo validade depois que a prescrição estiver consumada.
Portanto, o art. 191 do CC/2002 impõe, para a sua aplicabilidade, que seja ouvido
aquele a quem a prescrição beneficiaria. Do contrário, o processo estaria retirando
direitos, ao invés de concretizá-los. Em outra oportunidade, já tecemos considera-
ções a respeito do tema:
“Se a Lei 11.280/2006 revogou o art. 194 do Código Civil, assumindo para o siste-
ma em geral o que veio a estar no § 4º do art. 40 da Lei 6.830/1980 (aqui claramente só
em relação à prescrição intercorrente), por inclusão deste § 4º pela Lei 11.051/2004,
há texto do Código Civil que não resultou revogado, e diante dessa modificação suge-
re alguma consideração. Deve-se observar que esse § 4º disciplinou precipuamente o
fenômeno da prescrição intercorrente, tanto que esta se inicia com a determinação de
arquivamento (não definitivo do processo). Já o § 5º do art. 219, com a redação dada
pela Lei 11.280, de 2006, abrange a possibilidade de decretação da prescrição ocorri-
da antes do início do processo, como, também, a prescrição intercorrente, ainda que o
texto esteja colocado dentre os possíveis efeitos ocasionados pela propositura da ação
e a manifestação do juiz em relação à ocorrência da prescrição.
Cabe ter presente o art. 191 (‘Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa
ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se
consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatí-
veis com a prescrição’).
O Tempo e os Prazos no Processo 669

Se este texto vige, é necessário compatibilizar o espaço por ele ocupado com a regra
do art. 219, § 5º, tal como decorrente da Lei 11.280. Essa compatibilidade deve, con-
quanto o juiz haja de decretar de ofício a prescrição, demandar audiência do interessa-
do, antes dessa decretação da prescrição, porquanto a prescrição, depois de consuma-
da, pode ser renunciada. Se houver ou se pode haver renúncia à prescrição, por aquele
a quem essa beneficiaria, é certo que o juiz não deverá decretar a prescrição ou não deve
deixar de ouvir o interessado. Isso porque a regra do art. 219, § 5.º, do Código de Pro-
cesso Civil aplica-se, também, à prescrição intercorrente. Deve-se sublinhar que, con-
quanto o art. 219, § 5.º tenha estabelecido atividade oficiosa, é, no caso, atividade que
pode ser obstada pela vontade do beneficiário da prescrição.
Pode haver interesse na renúncia à prescrição, o que, antes da regra do art. 219, § 5º,
tal como consta da Lei 11.280, manifestava-se pela não utilização da exceção de prescri-
ção, na hipótese de uma renúncia tácita.
É possível que alguém seja demandado por determinado débito, em relação ao qual
seja evidente a prescrição. Mas é possível que esse alguém nada deva e que a ele seja
preferível uma decisão de improcedência da ação, por este fundamento. Do contrário,
se fosse decretada a prescrição, poderia vir a ser rotulado como mau pagador, beneficiado,
apenas, pela ocorrência de prescrição”.79
Outrossim, as partes, também deverão ser intimadas pelo juiz para se pronunciar
a respeito da prescrição intercorrente, já que, além da possibilidade de ter acontecido
alguma causa suspensiva ou interruptiva, a prescrição é um fato extintivo de sua pre-
tensão. Destarte, em respeito ao direito fundamental ao contraditório (art. 5º, LV, da
CF/1988), determinam os arts. 10 e 487 parágrafo único do CPC/2015 que as partes se-
jam ouvidas. Tudo isso evidencia a necessidade de prudência do juiz, para se forrar em
relação a uma análise prematura da questão.80
Com efeito, o art. 487, II, do CPC/2015 exige uma interpretação sistemática, com-
patível com as garantias constitucionais do processo e com o regime da prescrição es-
tabelecido pelo Código Civil. E tal exegese só será possível se o juiz ensejar, antes da
pronúncia ex officio da prescrição, a manifestação de ambas as partes.81
Do contrário, se o magistrado não permitir a oitiva de ambas as partes antes de decre-
tar a prescrição, perpetrará um flagrante desrespeito ao direito fundamental do devido
processo legal.82 Em suma, tanto o autor quanto o réu, bem como interessados, devem
ter a oportunidade de se manifestar a respeito da prescrição. O art. 487, II, do CPC/2015
necessita ser aplicado em conformidade com as normas prescricionais do Código Civil
(arts. 189 a 206) e com as garantias constitucionais do processo.

79. Arruda Alvim, Prescrição intercorrente, in: Mirna Cianci (coord.), Prescrição no novo Código
Civil, p. 30-33. O texto citado entre aspas foi levemente alterado, para maior clareza.
80. Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier Wambier e José Miguel Garcia
Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, p. 45, vol. 2.
81. V. Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 41-69.
82. Idem, p. 67.
670 Manual de Direito Processual Civil

16.9. Suspensão da execução e a prescrição intercorrente


Outro ponto que merece ser destacado, na temática da prescrição, diz respeito à
suspensão da ação de execução, em virtude da ausência de bens do devedor e a consi-
deração de saber se, durante essa suspensão, corre ou não prescrição, e, se afirmativa
a resposta, poder-se-ia ter, durante a suspensão, a consumação da prescrição intercor-
rente. No sistema do Código de Processo Civil, disciplina o assunto seu art. 921, III, do
CPC/2015: “Art. 921. Suspende-se a execução: III – quando o executado não possuir
bens penhoráveis.”
Estando regulado o assunto também, no procedimento de execução fiscal,83 no
art. 40 da Lei das Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980): “Art. 40. O juiz suspenderá o
curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre
os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º
Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da
Fazenda Pública. § 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja locali-
zado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos
autos. § 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão de-
sarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4º Se da decisão que ordenar
o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda
Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
§ 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispen-
sada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato
do Ministro de Estado da Fazenda” (redação do § 4º de acordo com a Lei 11.051/2004;
§ 5º acrescentado pela Lei 11.960/2009).84

83. São os seguintes os pontos que espelham a orientação atual do Superior Tribunal de Justiça
a respeito: a) REsp 543.913, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux: 1. o art. 40 da Lei 6.830/1980 tem de
ser entendido em harmonia com o art. 174 do Código Tributário Nacional; havendo colisão,
este deve prevalecer sobre aquele; 2. o mero despacho ordinatório da citação se submete,
principalmente, ao regramento do art. 219, § 4.º, do CPC, no que está implicada interpre-
tação sistemática do art. 8.º, § 2.º da Lei 6.830/1980, com o texto do CPC; 3. se o processo
ficar paralisado por mais de 5 anos, ocorre a prescrição, aí citados os REsp 188.963-SP e
255.118-RS, da 1.ª T., e o REsp 123.392, da 2.ª T.; b) substancialmente análogo é o REsp
570.771-SP, rel. Min. José Delgado, analisado abaixo; c) REsp 300.366, 6.ª T., j. 11.03.2003,
rel. para o acórdão Min. Vicente Leal, similar no que diz respeito aos fundamentos que devem
comparecer para configurar-se prescrição intercorrente, no caso não acolhida (o recurso
especial não foi conhecido).
84. Controverte-se, no STJ, sobre a aplicabilidade imediata § 4.º do art. 40 da Lei 6.830/1980
(parágrafo este que, como se mencionou acima, foi inserido pela Lei 11.051/2004) às exe-
cuções fiscais iniciadas antes de sua vigência. Em sentido afirmativo: “1. A jurisprudência
do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição
intercorrente em matéria tributária não podia ser declarada de ofício. 2. O atual § 4.º do art. 40
da LEF (Lei 6.830/1980), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6.º), viabiliza a
decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser
previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas
ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem
aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso” (STJ, REsp 735.220/RS, 1.ª
O Tempo e os Prazos no Processo 671

O CPC/1973, no caso, referia-se apenas, à suspensão do curso da execução. A Lei


6.830, antes da alteração trazida pela Lei 11.051/2004, referida acima, era mais “radi-
cal”, e do entendimento desta decorria que a suspensão da execução não prejudicaria o
credor, no que estava induvidosamente implicado que não correria sobrepostamente ao
período de suspensão a prescrição intercorrente. Mas este texto já estava sendo entendi-
do em função do disposto no art. 174 do CTN.
Atualmente, o art. 187, caput, do CTN, com a redação da LC 118/2005, prescreve:
“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores
ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamen-
to”, o que parece afastar a necessidade de um procedimento de insolvência. É, pois, a
situação descrita no art. 40 da LEF, qual seja a de não se encontrarem bens, situação co-
mum, a solução de suspensão é a solução cabível. A suspensão do procedimento de exe-
cução, e como decorrendo da lei, por isso, o não curso da prescrição, indefinidamente,
era mandamento que parece não se justificar. Acorrendo a isso, a Lei 11.051/2004 dis-
pôs que, em tal hipótese, ocorre prescrição, inclusive, devendo ser objeto de atividade
ex officio do magistrado, como se observou acima.
As circunstâncias e os valores que se encontravam subjacentes à regra do art. 40 da
Lei 6.830/1980 são os seguintes: a) o credor agiu e interrompeu a prescrição; b) não
pode agir sucessivamente porque não há bens a serem penhorados, e, tendo-se em vis-
ta que a execução há de se realizar sobre bens integrantes do patrimônio do devedor; c)
o não agir, na hipótese, não significa inércia e, portanto, obsta-se a ocorrência da pres-
crição intercorrente; d) identificado bem ou bens do devedor, a execução continuará.
O que já não era aceito era a aplicação do art. 40, da Lei 6.830/1980, na medida em que
se entendia colidir com o disposto no art. 174 do CTN, o que efetivamente ocorre. O
art. 40, caput, em sendo suspensa a execução, acarreta, pelo que aí mesmo se dispõe, a
suspensão do curso da prescrição. O problema que demandava ser solucionado, pos-
sivelmente, por lei (e o foi, pela Lei 11.051/2004), era o de não haver bens, e o credor,
por isso mesmo, “nada teria a fazer”, situação essa que não se poderia traduzir propria-
mente por inércia. Essa possível inatividade poderia vir a ser tomada como inércia, e
quando o CTN, no seu art. 174, caput, dispõe que ocorre prescrição em cinco anos, por
certo, se encontra aí albergada a realidade de que essa inatividade seja suscetível de ser
confundida com inércia real.
O que se colocava, era saber se, no sistema comum, disciplinado pelo art. 791, III, do
CPC/1973, a solução era a mesma. Se assim fosse, estar-se-ia admitindo a analogia de uma

T., j. 03.05.2005, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 16.05.2005, p. 270; g.n.). Em sentido diverso:
“5. A inovação legislativa produzida com a redação dada pela Lei 11.051/2004 ao art. 40,
§ 4.º, da LEF apenas gera efeitos em relação a execuções fiscais iniciadas após a sua entrada
em vigor, vez que condicionada à regra do tempus regit actum. 6. Impossibilidade de, na
hipótese dos autos, se dar efeito retroativo à nova redação dada pela Lei 11.051/2004 ao
art. 40, § 4.º, da LEF, que permitiu a decretação ex officio da prescrição intercorrente pelo
juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública” (STJ, REsp 758.566/RS, 2.ª T., j. 13.09.2005, rel.
Min. Eliana Calmon, DJ 03.10.2005, p. 229).
672 Manual de Direito Processual Civil

norma especial, que é a da Lei das Execuções Fiscais, a colmatar lacuna do direito comum.
O que nos pareceu, ainda que houvesse opiniões discrepantes,85 é que, em princípio, a solu-
ção deveria ser a mesma, desde que não houvesse inércia do credor e autor. Ou seja, não se jus-
tifica que, suspensa a execução por ausência de bens penhoráveis, e não podendo o credor
agir ou não tendo como agir (mesmo porque o art. 793 do CPC/1973, durante esse perío-
do, vedava a prática de atos86), que, a partir dessa suspensão corresse simultânea e sobrepos-
tamente a esse segmento de suspensão de prazo prescricional, que viria a concretizar uma
prescrição intercorrente. Desta forma, então, enquanto não localizados bens em nome do
devedor, encontrar-se-ia o credor em uma posição de impossibilidade de dar seguimento ao
feito; a prescrição, portanto, não haveria de fluir contra aquele que não pode agir. Não po-
der agir, por óbice, é noção ou circunstância que inviabiliza a ideia de inércia. A solução do
CPC/1973 é a da insolvência, que pode ser requerida tanto pelo credor quanto pelo devedor.
Neste sentido, inclinava-se decisivamente o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, consoante se infere de trechos de alguns julgados, cujas ementas estão a seguir
transcritas: “Direitos civil e processual civil. Processo de execução. Título de crédito.
Execução. Prescrição intercorrente. Execução suspensa. CPC, arts. 791 e 793. Impos-
sibilidade de fluência do prazo. Precedentes. Recurso provido. Estando suspensa a exe-
cução, não corre o prazo prescricional, ainda que se trate de prescrição intercorrente”.87
“É indiscrepante a jurisprudência da Corte sobre a não existência da prescrição inter-
corrente, suspenso o feito por falta de bens penhoráveis, se o exequente não deixou de
adotar as diligências possíveis para o andamento da execução”.88
E, em sentido semelhante, o STJ reconheceu: “A prescrição intercorrente se con-
suma na hipótese em que a parte, devendo realizar ato indispensável à continuação do
processo, deixa de fazê-lo, deixando transcorrer o lapso prescricional”.89

85. Argumenta-se, nesse sentido, que o art. 40 da Lei 6.830/1980 deve ser interpretado em harmo-
nia com o sistema jurídico e especialmente com o art. 174 do CTN, em razão do que não se
deveria admitir que a ação para a cobrança do crédito tributário tivesse um “prazo perpétuo”.
Assim, o STJ já observou que: “O art. 40, da Lei 6.830/1980, nos termos em que foi admitido
no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impos-
tos pelo art. 174, do CTN. Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário
a prescrição indefinida” (trechos extraídos da ementa tirada do acórdão do REsp 570.771/
SP, rel. Min. José Delgado, DJU 19.12.2003, p. 371). Neste acórdão são citados os seguintes
precedentes: EREsp 36.855, REsp 4.488 (neste último, a citação por edital verificou-se quando
já prescrito o direito, à luz do art. 174 do CTN); o REsp 99.867/SP, 1.ª T., j. 30.04.1984, rel.
Min. Néri da Silveira, aplicado o art. 174 do CTN, dando por prescrito o direito, porquanto o
credor (Estado de São Paulo) não diligenciou na forma dos §§ 3.º e 4.º, do art. 219, do CPC).
86. “Art. 793. Suspensa a execução, é defeso praticar quaisquer atos processuais. O juiz po-
derá, entretanto, ordenar providências cautelares urgentes”, regra específica do processo
de execução que repete, fundamentalmente, a regra que já consta do art. 266, do mesmo
diploma (“Art. 266. Durante a suspensão é defeso praticar qualquer ato processual; poderá
o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano irreparável”).
87. REsp 85.053/PR, 4ª T., j. 10.03.1998, rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJU 25.05.1998.
88. REsp 241.868/SP, 3ª T., j. 26.10.2000, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU
11.12.2000.
89. REsp 474.771/SP, 6.ª T., j. 04.02.2003, rel. Min. Vicente Leal. Frisa-se no acórdão que a
prescrição intercorrente é aquela que se consuma quando a parte, “devendo realizar ato
O Tempo e os Prazos no Processo 673

O CPC/2015 acabou por simplificar a controvérsia jurídica, pois disciplinou os


efeitos da suspensão do processo em relação à prescrição, adotando um critério pare-
cido com o da Lei 6.830/1980. No art. 921 do CPC/2015, equivalente ao art. 791 do
CPC/1973, restou especificado que a suspensão da execução, quando o executado não
possuir bens penhoráveis, deverá ocorrer durante o prazo máximo de um ano, durante
o qual se suspenderá a fluência do prazo da prescrição (art. 921, § 1º, do CPC/2015).
Decorrido o prazo de um ano, sem que seja localizado o executado, ou que sejam
encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos, voltando a
correr o prazo prescricional (art. 921, § 2º do CPC/2015). A legislação processual civil,
portanto, acolhendo o disposto na norma especial, optou por prever uma suspensão da
prescrição, sendo esta, no entanto, restrita a um lapso temporal previamente especifi-
cado de um ano. Decorrido este prazo, a prescrição voltaria a ser contada, sem a neces-
sidade de intimação da parte credora.90

indispensável à continuação do processo, deixa de fazê-lo, deixando transcorrer o lapso


prescricional”.
90. Sobre o tema o vide o recente julgado do STJ: REsp 1.620.919/PR, 4ª T. j. 10.11.2016. rel.
Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.12.2016.
17
As tutelas provisórias

17.1. Notas evolutivas: o surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973 e a


sua importância para a evolução das tutelas provisórias de urgência
Há, nos últimos tempos, no Brasil, de uma forma especial, uma tendência acentu-
ada de, por intermédio da lei – na medida em que a lei pode realmente constituir-se
numa variável em favor da celeridade do processo, especialmente com vistas à satisfação
do autor –, engendrarem-se institutos com a finalidade de precipitar no tempo a satisfa-
ção da pretensão. A decisão proferida dentro de um sistema, mais célere, em que se prescin-
da de audiência, sem lesão às partes, corresponde à ambição generalizada de uma justiça
mais célere. A demora dos processos é um mal universal.1 Essa tendência continuada dos
legisladores, em tentar agilizar o alcance da prestação jurisdicional, tem sido a resposta
correspondente ao grande aumento do acesso à Justiça, mercê do qual o aparato estatal
tradicional não tem logrado atender com a rapidez desejável.2
Como pormenorizaremos mais adiante, a antecipação dos resultados práticos do
provimento final se justifica por dois fundamentos: a) o primeiro, por não ser razoável
exigir do requerente, que muito provavelmente tem razão – e, nessa perspectiva alu-

1. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7ª ed. São Paulo: RT,
2002, p. 100/101.
2. É vasta a literatura revelando a universalidade do tema, no que diz respeito à sensação, senão,
mesmo, à clara percepção do descompasso existente entre as sociedades civis e os seus
aparatos estatais. O que varia é a extensão real do problema, a que é geralmente correlato
o grau de insatisfação. V. a respeito Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Access to justice: a
world survey. Alphen Aan Den Rijn: Sythoff And Noordhoff, 1978, que é o relatório geral
sobre o assunto, elaborado à luz das múltiplas informações dos relatores nacionais; ainda,
Mauro Cappelletti, Access to Justice and the Welfare State, com a assistência de John Weiner
e Monica Seccombe, Sijthoff: European University Institute, 1981; Mauro Cappelletti e Bryant
Garth, Finding an appropriate compromise: A comparative study of individualistic models
and group rights in civil procedure. Civil Justice Quarterly 2, april 1983, p. 111 s; Pode-se
dizer que esta referência bibliográfica, iniciada em função de se terem tornado agudas as
pressões com o descontentamento dos grupos sociais, revelou-se interminável e se iniciou
aproximadamente umas duas décadas depois da Segunda Guerra Mundial. Na América
Latina, é digno de leitura o trabalho de Roberto O. Berizonce et alli, La Justicia entre dos
épocas. La Plata: Libreria Editora Platense, 1983, capítulo II.
As tutelas provisórias 675

dimos a uma probabilidade forte de previsibilidade do resultado final –, que aguarde o


desfecho do processo ou da fase de conhecimento para obter a satisfação de seu direi-
to (tutela da evidência); b) e o segundo, de que o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação de um direito provável do requerente também autoriza sua satisfação ante-
cipada (tutela da urgência). Em ambos os casos, estamos falando de providências que
concedem, provisoriamente, o direito do requerente, o que poderá ser confirmado ou
não em ulterior decisão de mérito definitiva.
Paralelamente, ao lado dessa aspiração geral à celeridade da satisfação do direito ma-
terial, tornou-se ainda mais aguda a necessidade de tutelas de urgência de cunho con-
servativo (cautelares), com vistas a preservar a utilidade prática do provimento final.
Atualmente, o CPC/2015 sistematiza as tutelas provisórias da seguinte forma: pri-
meiramente, subdivide-as em tutelas provisórias de urgência e de evidência (art. 294);
em seguida, desmembra aquelas (as tutelas provisórias), em provimentos de natureza
antecipatória e cautelar (art. 294, parágrafo único).
Antes, porém, de chegar a tal configuração – de que nos ocuparemos mais adiante –,
é preciso ressaltar que, sob a égide do CPC revogado o processo civil brasileiro percor-
reu um longo caminho, que teve início com a regulamentação, apenas, da tutela caute-
lar (de forma geral – art. 798 do CPC/1973 – ou mediante a previsão de cautelares típi-
cas – arts. 813 a 873 do CPC/1973) e culminou com o acréscimo da previsão genérica
da possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, com diversas peculia-
ridades (arts. 273 e 461 do CPC/1973).3

17.1.1. O surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973


Foi, justamente, a partir da constatação de que a prestação jurisdicional, quando é
entregue tardiamente, equivale à frustração, ao menos parcial, do direito da parte – e,
por conseguinte, do próprio acesso à justiça, que se passou a reformar o CPC/1973 em
busca de um sistema de Justiça mais célere e eficaz. Por isso a Lei 8.952/1994 modificou
a redação do art. 273 do CPC/1973 e inseriu a possibilidade de que fossem antecipados
os efeitos da tutela pretendida pelo autor, se cumpridos determinados requisitos. Tais
requisitos são as condições para que haja segurança na cognição judicial, impedindo
que decisões sejam proferidas sem indícios ou provas mínimas do direito do autor. Essa
lei deu nova redação ao art. 461.
Até antes da edição da reforma de 1994 do CPC/1973, a antecipação, dentro do pro-
cesso, do resultado final pretendido, fosse de forma integral ou apenas parcial, já era ad-
mitida no ordenamento pátrio, alavancada por jurisprudência pretoriana – a exemplo
do que já ocorria na Itália – mediante a extensão do alcance e da finalidade das medidas
cautelares, prática a que se convencionou denominar utilização “anômala” das caute-

3. Sobre o tema, vide o que escrevemos em: Arruda Alvim, A evolução do direito e a tutela
de urgência. Revista Jurídica, ano 57, vol. 378, abril –2009, Porto Alegre: Notadez, 2009,
pp. 11-38.
676 Manual de Direito Processual Civil

lares.4 Giuseppe Tarzia observou, na última década do século XX, que uma tônica que
permeou a reforma italiana, no que diz respeito ao processo de cognição de primeiro
grau, foi a de imprimir-lhe a máxima eficácia possível.5
Essa tendência, que, entre nós, resultou na previsão expressa da antecipação de tutela
(art. 273 do CPC/1973; art. 294-304 do CPC/2015), é resultado de uma evolução iniciada no
direito processual civil há mais de dois séculos, no período da implantação do Estado Liberal.6
Nesse particular, Roger Perrot observa que as demandas do século XIX, tais como
questões referentes ao direito de propriedade, sucessão ou atinentes aos regimes matri-
moniais, não exigiam um processo cautelar expedito e permitiam que se esperasse uma
solução final, até por tempo dilatado.7 A ordem jurídica do liberalismo fora instituída
com os olhos voltados para a burguesia emergente que, naturalmente, possuía recur-
sos bastantes para suportar a espera da sentença e da coisa julgada. Para a classe social
dominante fazia-se preferível aguardar desfecho seguro do processo do que obter, com
celeridade, soluções provisórias – e meramente assecuratórias – passíveis de revogação
posterior, mesmo porque, agregue-se, a burguesia desejava sempre certeza jurídica, o
que rigorosamente não se coaduna com medidas provisórias. O procedimento comum
ordinário tinha ampla aplicação e sua sistemática atendia aos interesses dominantes.
Em autores franceses clássicos, acentua-se que não se verificou, nesse período, ne-
nhum desenvolvimento específico nas medidas provisórias em geral. Diz-se, mais, que
somente com a alteração do tipo de civilização e, principalmente, com a passagem de
uma sociedade predominantemente agrária para uma sociedade industrial, veio a alte-
rar-se a própria filosofia das tutelas provisórias.8
Em outras palavras, o burguês modelou o sistema jurídico em prol de sua atuação
e dos seus interesses que, somente com a evolução gradativa das relações econômicas
e sociais, passou a demandar tutelas de urgência.

4. “A ausência de um instrumento adequado, antes do advento da antecipação de tutela,


levou a que ações cautelares, em muitos casos, fossem utilizadas visando não ao mero
acautelamento da afirmação de direito do requerente na ação principal, mas sim, à verda-
deira antecipação dos efeitos da própria sentença de mérito. Muitas vezes, diante de uma
situação de urgência, considerando, ainda, a ausência de um instrumento apropriado para
esse fim, o juiz se via, antes da Lei 8.952/1994, levado a conceder, via cautelar, provimento
jurisdicional que, de regra, ele só poderia dar ao requerente após cognição exauriente, na
ação principal” (Eduardo Arruda Alvim, Antecipação da tutela, Curitiba: Juruá, 2011, p. 18).
5. Cf. Giuseppe Tarzia, Il Nuovo Processo Cautelare, Padova: CEDAM, 1993, n. 4, p. XXIX.
6. A propósito da reforma italiana, que também teve funda motivação por causa do tema da
urgência, é enfatizado em texto, altamente elucidativo, de Piero Pajardi, que, não incomu-
mente, muitos procedimentos cautelares “siano in realtà, sempre in via di fatto definitivi”
(I provvedimenti d’urgenza nel processo civile, la giurisdizione cautelare e d’urgenza –
­Articolo 700, 2. ed, Milão: Il Sole 24 Ore Pirola, 1989, p. 11 et seq.).
7. Cf. Roger Perrot, Les Mesures Provisoires en Droit Français. In: Les Mesures Provisoires en
Procédure Civile [Atti del Colloquio Internazionale, Milão, 12/13 outubro 1984], Giuffrè:
Milão, 1985, aos cuidados de Giuseppe Tarzia, p. 152/153.
8. Cf. Roger Perrot, Les Mesures Provisoires en Droit Français, nº 1, p. 151.
As tutelas provisórias 677

E, se a evolução das relações econômicas e sociais demandou certo período de tempo,


a absorção dos novos valores no âmbito do direito processual – e a decorrente expansão
das medidas de urgência – demandou um processo de conscientização igualmente gradual.
A evolução das tutelas de urgência implicou, além da alteração de valores do âmbito do
processo – tais como a noção de tutela preventiva do dano, em lugar da tutela meramen-
te ressarcitória e a sobrelevação da efetivação imediata do direito em certo detrimento do
valor segurança, que em determinadas situações se revela inútil ou insuficiente à conse-
cução de uma solução justa –, uma alteração no próprio modo de encarar a lei e o direito.
A necessidade dessa evolução foi também percebida no direito processual civil italia-
no, em que evoluiu a interpretação em torno do art. 700 do vigente CPC italiano, origi-
nariamente confinado à cautelaridade (estrita cautelaridade), para vir a abarcar também
a antecipação de tutela ou de direitos. A maior difusão desse tipo de tutela partiu de so-
luções jurisprudenciais que conferiram interpretação inovadora às normas do Código.9
Antes disso, ainda na segunda metade do século XIX, entreviu-se, na Itália, um po-
der geral da cautela, que poderia ser exercido mediante a observância dos requisitos do
fumus boni iuris e do periculum in mora, a serem aferidos concretamente pelo juiz quan-
do não houvesse previsão de processo cautelar típico para a hipótese.10
Com o Código de Processo Civil italiano de 1865 (revogado), escasso na disciplina das
medidas cautelares, atrofiou-se o quadro precedente, chegando-se a discutir se as inibitórias
subsistiriam, ou não.11 A jurisprudência, todavia, inclinou-se, por fim, pela possibilidade de
concessão de algumas medidas, em nome e por causa da boa administração da justiça, fun-
damentalmente, através de uma interpretação extensiva das regras referentes ao sequestro.12
Como conclusão expressiva desse período, pode-se dizer que os tribunais sentiam que
o sistema positivo era insuficiente, na medida em que somente se disciplinavam as me-
didas cautelares típicas e, por isso mesmo, havia exigência de “criar um terreno cautelar

9. Edoardo Ricci, A tutela antecipatória no direito italiano. Revista de Direito processual civil.
Vol. 4. Curitiba: Gênesis, 1997, p. 126-127.
10. Giovanni Arieta, I Provvedimenti d’Urgenza – ex art. 700 C. P.C, I, CEDAM: 1985, 3, p. 9.
Outro autor refere-se a esse mesmo ponto cogitando do risco que consistiria desnaturarem-se
as medidas cautelares, se satisfativas, opinião de que não se comunga – v. Francisco Ramos
Mendez, Las mesures provisoires indéterminées dans le procès civil espagnol, Les mesures
provisoires en procédure civile. [Atti del Colloquio Internazionale, Milão, 12/13 out. 1984,
n. 2], Milão: Giuffrè, 1985, p. 191, fine.
11. Possivelmente as opiniões que propendiam pela não extensão ou aplicação analógica, mutatis
mutandis, de outros procedimentos típicos de que a lei tratava, para abranger hipóteses não
previstas, tinham como raiz evitar que através de normas vagas de conteúdo, o juiz tivesse
maiores poderes, como os que tem hoje. A negação de tais tarefas ao juiz assentava-se na
concepção de legalidade, nos quadros do liberalismo e no temor de uma maior adjudicação
de poderes ao juiz. Para um panorama mais completo da evolução da tutela de urgência,
à luz das concepções políticas e ideológicas de cada momento histórico, cf. nosso artigo A
evolução do direito e a tutela de urgência. Revista Jurídica, ano 57, vol. 378, abril –2009,
Porto Alegre: Notadez, 2009, pp. 11-38.
12. Cf. Giovanni Arieta, op. cit., I, 3, p. 10, esp. p. 11.
678 Manual de Direito Processual Civil

mais amplo no qual o juiz pudesse mover-se à vontade, evitando-se impropriedades”.13


Na doutrina italiana, anteviu-se um poder geral de cautela, dissociado da estrita tipici-
dade das cautelares. Chiovenda afirmou, independentemente do acerto de sua opinião
em relação ao regime jurídico que lhe servia de base de raciocínio (o revogado Código
de Processo Civil italiano, de 1865), que: “existe portanto também na nossa legislação
a figura genérica do provimento provisório cautelar; incumbe ao juiz estabelecer-lhe a
natureza e oportunidade”.14 Do conjunto de disposições então vigentes – continuava
Chiovenda – haver-se-ia de extrair a existência de um poder cautelar geral que permi-
tia ao juiz estabelecer, conforme as circunstâncias, o melhor modo de conservar o sta-
tus quo, tendo em vista, de um lado, o receio de lesão ao direito tutelado, e, de outro, os
danos que eventualmente poderiam ser provocados pela própria medida assecuratória.
Essa posição, desde logo, todavia, não predominou.
De todo modo, as manifestações de Chiovenda e a propensão jurisprudencial à con-
cessão de cautelares atípicas – ainda que de maneira excepcional –, podem ser conside-
radas um prognóstico do que sucederia na virada do Estado Liberal para o Estado So-
cial, quando o poder geral de cautela veio a tornar-se imprescindível.
No Código de Processo Civil italiano vigente previu-se o poder geral de cautela (art. 700)
e a partir da metade do século XX, remarcou-se o aumento da cautelaridade, de que, uma
das variáveis é a necessidade da “ “effettività della tutela giurisdizionale”.15 Seguindo essa
linha evolutiva, ulteriormente, a partir da reforma de 1990, previram-se, no CPC italiano
(arts. 186-bis e 186-ter) específicas hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela, em que o
juiz pode determinar, na pendência do processo: a) o pagamento de quantias não contesta-
das pelo réu ou b) o pagamento de quantia ou a entrega de bens diante da presença de de-
terminados requisitos (prova escrita, nos termos do art. 634 do CPC italiano). Nesse pon-
to, embora haja discussões a respeito da natureza desses provimentos – se se trata de efetiva
tutela antecipada (de natureza provisória, portanto) ou de julgamento definitivo antecipa-
do de mérito –, o fato é que tais dispositivos reforçaram o intento do legislador de atribuir
maiores poderes ao juízo de primeiro grau, ora oportunizando a executividade de decisões
proferidas no curso da fase cognitiva, ora atribuindo executividade imediata às sentenças.16-17
Entre nós, também na segunda metade do século XX, à semelhança do que ocorreu
no direito italiano, o CPC/1973, conquanto ainda pautado no modelo clássico herda-
do do liberalismo, previu expressamente a utilização um poder geral de cautela pelo

13. Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di Diritto Processuale Civile. Napoli: Jovene, 1935, vol. I,
p. 242.
14. Cf. Giuseppe Tarzia, Il Nuovo Processo Cautelare, Padova: CEDAM, 1993, La Tutela Cautelare,
p. XXII.
15. Cf. Giuseppe Tarzia, Il Nuovo Processo Cautelare, Padova: CEDAM,1993, La Tutela Cautelare,
p. XXII.
16. Sobre o tema, vide: Luigi Paolo Comoglio, Conrado Ferri, Michele Taruffo, Lezioni sul pro-
cesso civile, seconda edizione: Bologna: Il Mulino, 1998, pp. 683 e ss.
17. Ainda, o art. 186-quater, inserido naquele diploma no ano 1995, reforçou essa tendência
de atribuir maior eficácia ao procedimento de cognição ordinário. Cf. Edoardo Ricci, A
Tutela Antecipatória Brasileira Vista Por Um Italiano. Revista de Direito Processual Civil. V.
7. Curitiba: Genesis, 1996, p. 702.
As tutelas provisórias 679

juiz (art. 798), a depender da verificação de critérios cuja apreciação deveria ser feita
in concreto (fumus boni iuris e periculum in mora). Esse poder geral, que não excluiu a
previsão de medidas cautelares típicas, abriu caminho para a utilização “promíscua”,
“atípica” ou “anômala” do processo cautelar com vistas a conceder ao requerente, mais
que medidas assecuratórias da eficácia do resultado do processo principal, ou seja, a
tutela preventiva do próprio direito material. Daí viriam a se desenvolver as mais diver-
sas modalidades de tutela de urgência hoje utilizadas.
Paralelamente, verificou-se, em nossa civilização, autêntica multiplicação de situ-
ações de emergência, pelos multiformes danos que podem ocorrer.
O Estado Social reservou – sobretudo às minorias não privilegiadas – a proteção de
bens jurídicos considerados essenciais à dignidade humana, dentre os quais sobressaem
os direitos à vida, à saúde, à educação, à moradia e ao trabalho. Tais direitos revelaram-
-se, muitas vezes, insuscetíveis de proteção pela via da tripartição rígida e clássica do
processo, cujos segmentos estanques (conhecimento, execução e cautelar), impossibi-
litavam a produção de efeitos apreciáveis fora da fase executória.18
Cada vez mais, punham-se à disposição do juiz instrumentos ajustados à realiza-
ção do direito, à restauração do ilícito que houvesse ocorrido e para evitar que o ilícito
ocorresse ou se repetisse, e, quando verificado, fosse minimizado.
É esse o contexto que informa, precipuamente, o disposto no inciso I, do art. 273,
do CPC/1973 e art 461, § 3º, que instituiram a tutela antecipada no ordenamento jurí-
dico positivo.
O que se quer dizer é que aquele a que poderíamos denominar de mode-
lo tradicional predominante,19i.e., o processo com a necessária instrução oral, em

18. Sobre o tema, cf.: Arruda Alvim, Direitos sociais: qual é o futuro? In: Superior Tribunal de
Justiça: Doutrina: edição comemorativa, 20 anos. Brasília: STJ, Via Lettera, 2009.
19. Por modelo tradicional entende-se o processo ordinário (principalmente o com audiência). A
insuficiência deste modelo pode-se dizer universalmente reconhecida e proclamada: v. Fritz
Baur, A tutela jurídica mediante medidas cautelares, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1985,
§ 1.º, II, 1, p. 12,. Por elementos externos – diga-se assim – delimita-se o âmbito do § 940 do
Código de Processo Civil alemão, em que, há muito, permite-se ao juiz, provisoriamente,
disciplinar uma relação jurídica controvertida, principalmente quando se tratar de relações
continuativas, desde que necessária a medida para evitar prejuízos, ameaças por atos de força
“ou por outros motivos” (v. Baumbach e outros, Zivilprozeßordnung, Munique: Beck’sche, 1986,
comentários ao § 940, p. 2.097; Zoller e outros, Zivilprozeßordnung, 14ª ed.. Köln: O. Schmidt,
1984, p. 2.237. A possibilidade de ficar a parte praticamente satisfeita com a medida cautelar
já era aventada por Ferruccio Tommaseo, Provvedimenti d’urgenza, Padova: Cedam, 1983.
vol. 1, p. 7. A mesma situação foi proclamada, por todos, ainda que com discursos diferentes.
V.: a) Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari (Milão: Giuffrè, 1990, trabalho intitulado La
tutela cautelare, n. I, p. XXV); b) id., Il Nuovo Processo Cautelare (Padova: CEDAM, 1993, p.
XXXIII,; c) destaca-se a obra de Marco Sica, Effettività della tutela giurisdizionale e provvedi-
menti d’urgenza – Nei confronti della Pubblica Amministrazione, Milão: Giuffrè, 1991, p. 1-12;
d) Andrea Proto Pisani, Chiovenda e la tutela cautelare, Rivista di Diritto Processuale, ano 23,
n. 1, 1988, p. 16 et seq.. No direito norte-americano, a injunction é editada, geralmente, por
corte de equidade, objetivando estabelecer uma conduta para os litigantes ou quase litigantes
(os que virão a ser partes, no processo principal), para vedar ou permitir fazer alguma coisa.
680 Manual de Direito Processual Civil

audiência20, com sentença sucessiva à audiência, quando só então se definirá a pretensão


do autor, mas cuja eficácia da sentença viabilizadora da execução, ou realização concre-
ta do direito nela definido, depende, ainda, do julgamento de recurso ou recursos, teve,
a partir de então, o seu espectro de abrangência diminuído.
Uma primeira linha de concretização de tal tendência evolutiva foi na trilha de en-
sejar a possibilidade de ser proferida sentença, no âmbito do processo ordinário, inde-
pendentemente de audiência, nas hipóteses em que, bem sopesada a finalidade a que
se destinaria a audiência, esta não tinha razão de ser. Tratava-se do julgamento anteci-
pado da lide (art. 330 do CPC/1973), denominado, no CPC/2015, julgamento anteci-
pado do mérito (art. 355). Essas hipóteses, no entanto, apenas eliminaram a realização
de audiência, onde esta, realmente, não tinha razão de ser. Dentro deste quadro, pois,
não haveria, sequer, que se cogitar de uma possível lesão ao princípio do contraditório.
Já em relação à tutela antecipatória, a possibilidade de tal lesão comparece mais pro-
ximamente, exatamente porque, nesse instituto, admite-se seja proferida a decisão, com
acolhimento da pretensão do autor, no processo em que, pelo próprio sistema do insti-
tuto, a instrução ainda não está terminada. Por isso é que o legislador foi cuidadoso, e,
bem assim, deve ser cauteloso, o aplicador da lei. Diz-se cuidadoso porque a Constitui-
ção Federal consagra o princípio da bilateralidade da audiência, o qual deve presidir o
desenvolvimento do processo todo (art. 5.º, LV), como, também, até com certa repetiti-
vidade, garante constitucionalmente que ninguém será privado de seus bens (e de sua
liberdade), “sem o devido processo legal” (art. 5.º, LIV). Por causa desses mandamen-
tos, deve-se ter presente que o juiz, para antecipar a tutela, deverá realmente constatar
a probabilidade do direito, nas perspectivas fática (probatória) e jurídica.
Deve o aplicador da lei, ainda, ao lado dos textos citados, ter presente o art. 5.º, XXXV,
da Constituição Federal, o qual deve ser considerado também; e, se o réu houver feito
arguição consistente de fato, que se contraponha às alegações do autor, e tiver prova que
seja relevante, a bem da sua defesa, ainda a ser produzida, não deverá ser antecipada a
tutela.21 Assim é que o juiz haverá de agir atendendo ao velho e nunca desgastado valor
da prudência, que é uma das mais relevantes virtudes que pode ter um juiz, a informar
a sua atividade jurisdicional.

Na Inglaterra não é, na praxe, conteúdo de um writ, senão que decorre de ordem da Corte. A
utilização, no direito norte-americano, é imensa e variadíssima (v. Bouvier’s law dictionary and
concise encyclopedia, 8ª ed.: Nova York: William S. Hein & Company, 1984, v. 2, p. 1.569).
20. Na Alemanha Ocidental, bem no fim da década de 1960, percebeu-se que o princípio da
oralidade, manifestamente excelente, em relação “ao produto final”, com sua carga “ótima
de convicção”, tendo em vista ensejar uma cognição dos fatos de padrão superior, deveria
sofrer temperamento, “ajudado” mais pela escritura no processo. Vejam-se, a respeito, as
obras de Peter Arens, Mündlichkeitsprinzip und Prozess Beschleunigung im Zivilprozess,
Berlim: J. Schweiter, 1977,especialmente capítulos VI e VII, p. 33-35 e 35 et seq., respec-
tivamente; Fritz Baur, Wege zu einer Konzentration der mündlichen Verhandlung, Berlim:
Walter de Gruyter & Co.,1966, p. 9.
21. Fritz Baur, em Wege zu einer Konzentration..., p. 9, observa que a rapidez do processo nunca
poderá vir a implicar o desrespeito ao princípio do contraditório.
As tutelas provisórias 681

O nomen iuris do instituto, tutela antecipatória,22 revela que poderá ser concedida a
própria tutela (rectius, os efeitos da tutela), tal como constante no pedido, acolhendo-o
totalmente ou em parte, e que essa poderá ser concedida antes do momento normal para
a sua concessão.23 Referimo-nos a “momento normal”, pois, se concedida antecipada-
mente a tutela, determinava o CPC/1973 que o processo prosseguiria, a fim de se pro-
latar a sentença (art. 273, § 5.º do CPC/1973). Entretanto, à luz do CPC/2015, é possí-
vel que a tutela antecipada seja concedida de forma antecedente (sem o ajuizamento de
ação com pedido de solução de mérito definitivo) e que, após a decisão sobre esta, não
haja pedido de sentença de mérito pelo requerente, nem pelo requerido. De qualquer
modo, terá havido a satisfação do direito fora do “momento normal” para a concessão
da medida, que é a decisão (em geral, a sentença) definitiva de mérito.
Na vigência do CPC/1973, a tutela antecipatória foi regulamentada no âmbito do
processo de conhecimento e, mais especificamente, do procedimento comum ordinário.
À outra modalidade de tutela provisória que conhecemos, qual seja, a tutela cautelar, era
reservado um Livro e um processo específico, de modo que, em princípio, para aquele
que pretendesse obter a tutela cautelar far-se-ia necessário instaurar um processo au-
tônomo. Essa exigência foi, gradativamente, cedendo lugar à aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas e, ao depois, à fungibilidade entre as medidas de natureza
cautelar e antecipatória (§ 7º do art. 273 do CPC/1973, incluído pela Lei 10.444/2002).

17.1.2. A distinção entre tutela cautelar e tutela antecipatória


Como já explicitamos, a tutela cautelar era disciplinada, no CPC/1973, no âmbito do
chamado “Processo Cautelar”, de modo que, em princípio, somente por esta via se poderia
obtê-la. Essa ideia inicial, de prever um procedimento específico para a concessão de medi-
das cautelares (regulado no Livro III do CPC/1973), amparadas pelo poder geral de cautela
do juiz (art. 798 do CPC/1973) ou, ainda, pela previsão de cautelares típicas (como, por
exemplo, o arresto – arts. 813 e ss., do CPC/1973 e o sequestro (arts. 822 e ss., do CPC/1973),
tinha por objetivo destacar e privilegiar as modalidades de tutela diferenciada.24
No entanto, essa necessidade de se instaurar um processo para a obtenção de uma
medida cautelar revelou-se uma formalidade desnecessária, o que ocasionou discussões

22. Pode-se dizer que, entre nós, a inspiração próxima, no direito positivo, do sistema do art. 273
do CPC/1973, com a redação da Lei 8.952/1994, e especialmente do art. 461, está no art. 84,
§ 3.º, do CDC. V. o que a esse respeito escrevemos em Código do Consumidor comentado,
2ª ed., São Paulo: RT, 1995, comentários ao art. 84, p. 394-403.
23. Vale dizer, trata-se concretamente de hipótese em que deverá, normalmente, ser realizada
a audiência, mas em que o risco de alteração do que terá sido decidido (basicamente, em
virtude de modificação do quadro probatório), quando da concessão da tutela, é mínimo,
e sempre a tutela adjudicada ao autor haverá de ser reversível (art. 273, § 2.º do CPC/1973,
equivalente ao art. 300, § 3º, do CPC/2015).
24. Andrea Proto Pisani (Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro. Studi
di diritto processuale del lavoro. Milano: Giuffrè, 1977, pp. 65 e ss.) já realçava a necessi-
dade de técnicas processuais diferenciadas para atender aos distintos desígnios do direito
material, quebrando-se, com isso, o modelo único do procedimento ordinário.
682 Manual de Direito Processual Civil

sobre a possibilidade de concessão de medidas cautelares no bojo do próprio proces-


so de conhecimento. Embora tal entendimento tenha prevalecido, ainda assim, houve
quem defendesse que, nesta sede, somente a tutela antecipada poderia ser concedida,
de modo que as providências de natureza cautelar somente poderiam ser obtidas no
âmbito de ações cautelares.
Nesse contexto, foram amplamente debatidos em sede doutrinária e jurispru-
dencial os traços distintivos e aproximativos entre os provimentos cautelares e
antecipatórios.25-26 A principal diferença entre eles sempre foi apontada como o cará-
ter satisfativo dos provimentos de natureza antecipatória.27 Enquanto as medidas cau-
telares buscam assegurar o resultado útil do processo, isto é, são instrumentais e ser-
vem, apenas indiretamente, para que o objeto da demanda não pereça,28 a antecipação
de efeitos da tutela representa a satisfação do próprio objeto pedido, entregue anteci-
padamente à parte que requer.
Desse modo, as medidas provisórias de natureza cautelar são provimentos judiciais
que servem para garantir que os meios necessários a que o processo atinja seu resul-
tado útil não pereçam. O objeto da medida cautelar não é a composição da lide em si,
mas algo acessório a ela.29 No processo cautelar dos arts. 796 e seguintes do CPC/1973,
a sentença não visava à entrega definitiva do bem da vida disputado.30

25. V. Carlos Augusto de Assis, A antecipação da tutela, São Paulo: Malheiros, 2001, itens 3.3
a 3.5, p. 119 a 133.
26. Sobre a relevância da distinção, já questionava Barbosa Moreira: “Um ponto merece res-
salto: a preocupação, intensa em setores doutrinários, de estabelecer critérios rigorosos
de distinção entre as medidas cautelares e as antecipatórias. Não será um tanto exagerada
tal preocupação? A ela – já se observou – permanece praticamente indiferente a doutrina
italiana, pouco propensa a reputar absurda a coexistência, na mesma medida, de traços
de acautelamento e de traços de antecipação. O fato é que nem sempre se consegue riscar
com facilidade e exatidão a linha divisória entre os dois terrenos. E, bem pesadas as coisas,
talvez nem sequer valha a pena fazer grandes esforços nesse sentido, sobretudo depois que
a Lei nº 10.444/2002, no § 7º que aditou ao art. 273, [do CPC/1973], consagrou autêntica
fungibilidade entre providências cautelares e antecipatórias, autorizando o juiz a conceder
àquele título providência requerida a este outro.” (Tutela de urgência e efetividade do direito.
Temas de direito processual. Oitava Série. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 101). Trataremos
da fungibilidade a que alude o autor no tópico subsequente.
27. Para José Carlos Barbosa Moreira: “A própria ciência processual reconhece hoje que muito
do que se tentou fazer em matéria de distinção rigorosa, de quase que separação absoluta
entre institutos, na verdade, constituía uma preocupação metodologicamente discutível e,
em certos casos, francamente equivocada, porque há sempre uma passagem gradual de
uma realidade a outra, e quase sempre se depara uma espécie de zona de fronteira, uma
faixa cinzenta, que nem o mais aparelhado cartógrafo saberia dizer com precisão em qual
dos dois terrenos estamos pisando” (A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do
Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 81, p. 201.).
28. Piero Calamandrei, Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari. Padova:
CEDAM, 1936, passim.
29. Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela. 12ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 24.
30. Sobre isso, ver Eduardo Arruda Alvim. Antecipação de tutela. Curitiba: Juruá, 2011, p. 163 e ss.
As tutelas provisórias 683

Já a antecipação dos efeitos da tutela tem natureza satisfativa, no sentido de que an-
tecipa no tempo a entrega do bem da vida almejado pela parte que requer. Através do
deferimento de uma medida antecipatória, são trazidos para o início do processo efeitos
que só viriam a existir quando da prolação da sentença favorável. Se o conteúdo desta
for diferente da decisão antecipatória, esta deve ser desfeita. Se impossível, cabem per-
das e danos. Em caso de bem jurídico especialmente prezável (saúde, salvar a vida), não
há de se cogitar de reversibilidade dos efeitos.
A busca por uma tutela cautelar reside no receio de que quando a sentença vier a ser
proferida, seus efeitos não sejam mais úteis. Tome-se um exemplo que configure  situ-
ação de arresto (art. 813 do CPC/1973). A intenção desta medida é apreender judicial-
mente bens que serão futuramente passíveis de saldar a dívida que vier a ser declarada
por sentença, quando uma das partes se comporta no sentido de ocultá-los ou aliená-
-los. O que o requerente da medida quer não é o bem da vida em si (a dívida discutida),
mas obter meios de garantir que o processo atinja seu resultado útil. Isto é, caso o deve-
dor aliene todos os seus bens, mesmo com a sentença declarando a dívida, condenando
o devedor, esta não terá como ser executada, frustrando as expectativas do vencedor.
Já na tutela antecipada, o que o requerente busca é a satisfação do direito em si,
agora, não apenas a garantia de que poderá satisfazê-lo no futuro. A medida cautelar é,
por definição, provisória; a tutela antecipatória é provisória, mas tende a ser definitiva.
Aquela será superada com a sentença final, i.e., será por esta “absorvida”; já a tutela an-
tecipatória carrega a expectativa de vir a ser confirmada pela sentença final. Trata-se, com
efeito, de necessidades diferentes, motivo pelo qual o legislador oferece técnicas dife-
rentes para concedê-las.31
A principal semelhança entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória consiste em
que ambas podem ser concedidas em situações de urgência, isto é, quando, presentes
outros pressupostos, seja observada uma situação em que a demora do provimento final
gere à parte risco de dano irreparável ou difícil reparação. As espécies de danos a serem
verificados, nos dois tipos de provimento, é que se podem se distinguir.
O que nos parece é que o dano a ser obstado por medida cautelar, não satisfativa,
é aquele normalmente provocado por uma parte, em detrimento da outra, desequili-
brando uma relação que, precedentemente, se baseava numa igualdade, de que havia
a legítima e defensável expectativa de subsistir assim durante a duração do processo.
Esse dano decorre normalmente de comportamento ilícito da outra parte, ou de uma
situação por esta criada, engendrando, gerando, com isso, uma situação de desigualda-
de e quebrando a precedente situação de estabilidade e igualdade, existentes no plano
empírico ou prático, em cuja situação de estabilidade se esperava fosse desenrolar-se o
processo. Conecta-se, este tipo de dano, geralmente, a uma conduta, em si mesma ilíci-

31. “Técnica processual: essa expressão deve ser compreendida como o conjunto de soluções
adotadas pelo legislador processual para regular o método de trabalho denominado pro-
cesso” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela provisória. Revista do advogado, n. 126.
São Paulo: AASP, 2015, p. 140).
684 Manual de Direito Processual Civil

ta, cujos efeitos devem ser impedidos pela medida cautelar. Mais comumente, a medida
cautelar é usada pelo autor, em decorrência de conduta ilícita do réu, a qual se constitui
na causa petendi da medida cautelar; ou seja, nessa conduta, configura-se o periculum
in mora e, se vier a ter efeitos, configurar-se-á o dano, insuscetível de ser reparado des-
de logo. Refeita ou restaurada a situação das partes que veio a ser equilibrada através da
concessão da cautelar, ipso facto, esse dano desaparece.32 Assim, por exemplo, no âm-
bito do CPC/1973, a medida cautelar típica do arresto dependia, dentre outros possíveis
requisitos, da demonstração de tentativa do devedor de ausentar-se ou de alienar seus
bens no intuito de deixar de responder por determinada dívida. 
Já o dano que se pretende evitar com o provimento antecipatório é de caráter dife-
rente. Este não decorre, necessariamente, de conduta da outra parte, nem é restaurável
pela concessão de uma cautelar. Poderá nascer durante o curso do processo, indepen-
dentemente de tal conduta. Para a configuração desse dano, é suficiente a resistência da
contraparte à pretensão do requerente, ao que se somará a ocorrência do dano e o que
haverá de ser examinado caso a caso.
Pode-se dizer, em princípio, que em relação à tutela antecipatória a possibilidade
de tal lesão comparece mais contundente que em relação à cautelar, exatamente por-
que naquela admite-se o acolhimento da pretensão do autor em um processo no qual a
instrução ainda não está terminada. Antecipar efeitos da tutela significa adiantar-se ao
momento no qual, via de regra, haveria segurança e cognição suficientes para definir o
vencedor da demanda. Por isso é que o legislador foi cuidadoso, e, bem assim, como já
dissemos, deverá sê-lo o aplicador da lei. Nem por isso, porém, poderão ser descartadas
hipóteses de cautelares em que o risco indireto ao bem jurídico material, decorrente da
possível inutilidade do provimento final, venha a ser mais gravoso que o risco de algu-
ma medida antecipatória. Nesse passo, podemos exemplificar os casos em que a con-
duta do réu, no sentido de dissipar seus bens para fugir à responsabilidade de execução
futura, permita antever um prejuízo patrimonial imensurável ao autor, o que justifica a
concessão de medidas cautelares drásticas, tais como o arresto de bens e o bloqueio de
contas bancárias. Em contrapartida, é possível vislumbrar medidas antecipatórias que,
embora concedam provisoriamente o bem da vida pretendido ao final do processo, são
motivadas por um periculum de menor potencial lesivo. Isso acontece, por exemplo,
em casos em que a tutela antecipada é concedida, mediante caução real ou fidejussó-
ria, para o levantamento de valor inferior àquele mencionado no exemplo antecedente.
Quanto à hipótese de tutela antecipatória fundada na evidência do direito, o que se
pode dizer da conduta ou do comportamento da outra parte é que não se trata de uma
conduta ativa, alteradora do mundo empírico, senão que uma resistência exacerbada
– e para esta finalidade ativa – e em que se contém o abuso do direito de defesa ou o in-
tuito manifestamente protelatório.

32. V., a respeito, Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari, (Milão: Giuffrè, 1990, trabalho
intitulado La tutela cautelare, n. I, p. XVII); id., Il nuovo processo cautelare, Padova: CEDAM,
1993.
As tutelas provisórias 685

Diferem, ainda, as cautelares e antecipatórias, no que diz respeito ao caráter de pro-


visoriedade. A medida cautelar é, por definição, provisória; a tutela antecipatória é pro-
visória, mas tende a tornar-se definitiva. Aquela será superada com a sentença final, i.e.,
será por esta “absorvida”; a tutela antecipatória carrega a expectativa de vir a ser confir-
mada pela sentença final.
Com efeito, a medida cautelar é, por implicação sistemática, sempre provisória, ao
passo que a tutela antecipatória pode resultar em ter sido provisória, já que pode ser modi-
ficada ou revogada; mas pode-se dizer que, conquanto a provisoriedade seja à tutela an-
tecipatória também inerente, inumeráveis vezes a tutela antecipada valerá em definiti-
vo. A tutela cautelar é necessariamente provisória, ou é intrinsecamente provisória.33-34
A despeito das distinções apontadas, quando se trata da tutela de urgência, as simi-
litudes entre cautelares e antecipatórias, seja no que concerne à natureza, seja no que
concerne aos pressupostos, dificultam sua distinção. Quanto à natureza, devemos regis-
trar que o caráter dito assecuratório das medidas cautelares, ao viabilizar a utilidade do
provimento final, garante, muitas vezes, indiretamente, o bem da vida pretendido pelo
requerente. Por isso, é possível afirmar que a diferença entre as medidas é, em verda-
de, de gradação, e não reside propriamente na sua essência.35 O mesmo pode ser dito
quanto ao requisito da urgência: em princípio, o pressuposto da urgência e do risco de

33. V., a respeito, Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari, (Milão: Giuffrè, 1990, La tutela
cautelare, n. I, p. XVI); na edição de Il nuovo processo cautelare, Padova: CEDAM, 1993,
p. 29, Milão, 1993, em que diz que o provimento cautelar é provisório porque destinado a
se exaurir quando for emanada a decisão sobre o mérito da controvérsia, ao passo que os
provimentos provisórios não cautelares, categoria coincidente com aquilo a que Chiovenda
denominava de “accertamenti con prevalente funzione esecutiva”, em realidade, significam
“decisão [que] aspira a se tornar definitiva”. Este discrímen ilumina os traços distintivos mais
relevantes entre as medidas cautelares e antecipadas
34. No mesmo sentido, mas dissentindo da terminologia, por entender que a tutela cautelar
é temporária (tem duração limitada no tempo), ao passo que apenas a antecipatória seria
provisória (no sentido de aspirar à definitividade), cf. Lopes da Costa, Medidas preventivas –
medidas preparatórias – medidas de conservação. Imprensa Oficial, 1953, pp. 12-20. Assim,
também, Calamandrei: “O conceito de provisoriedade é diverso daquele de temporariedade.
Temporário é o que não dura para sempre, que tem por si mesmo duração limitada. Provisório,
por sua vez, é aquilo que é estabelecido para durar até quando não sobrevenha determinado
evento sucessivo.” (Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari. Padova:
CEDAM, 1936, p. 25/26 – tradução nossa).
35. “A diferença entre as medidas cautelares e antecipatórias urgente não é qualitativa, mas
quantitativa. É perceptível certa gradação na carga antecipatória nas medidas de urgências
não tendentes a se tornar, por si só definitivas – mesmo aquelas pacificamente tidas como
conservativas. Por exemplo, a medida cautelar de arresto, conquanto não adiante o próprio
resultado prático do provimento principal, funciona como antecipação de uma parte da
atividade executiva destinada a efetivar aquele resultado, uma vez que precipita alguns
efeitos da penhora [...]. Obviamente, é pequeno o grau de antecipação aí encontrado – de
modo que não há como negar sua natureza preponderantemente conservativa.” (Eduardo
Talamini, Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo Civil: a estabilização
da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro. Revista de processo, vol.
209, pp. 17-18).
686 Manual de Direito Processual Civil

dano, na tutela cautelar, está relacionado ao processo e à demora do provimento final, já


na tutela antecipada, ele se refere, em princípio, ao próprio direito material, que estaria
sob risco de perecimento. Porém, também essa distinção encontra uma zona cinzenta,
na justa medida em que, muitas vezes, é difícil dissociar o aspecto acautelatório da sa-
tisfação do próprio direito.36
Nesse passo, a doutrina enumera muitas hipóteses que ilustram a dificuldade de
identificar o tipo de tutela de urgência que se requer. Pensemos, por exemplo, nas me-
didas de urgência que suspendem a eficácia de atos jurídicos determinados, como é o
caso da suspensão de deliberação de assembleia societária ou, ainda, na suspensão de
protesto.37 Como elucida Talamini, concernentemente ao primeiro exemplo, poder-se-
-ia defender, das duas, uma: ou essa medida serviria apenas para conservar determina-
do estado fático-jurídico até a emissão do resultado final ou estaria adiantando um dos
resultados práticos da anulação da assembleia geral, que “seria o impedimento de que
ela produzisse efeito”.38 Idêntico raciocínio pode ser aplicado à sustação de protesto:
ao suspender referido ato, assegura uma situação fático-material que viabilizará a utili-
dade do provimento final; entretanto, a medida também gera, por si só, um dos efeitos

36. Como já expusemos, é afirmação comum – e, em realidade, universal e verdadeira – a de


que a medida cautelar objetiva e tem como fim precípuo o de evitar o dano (Cf. Calaman-
drei, Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, Padova: CEDAM,
1936, p. 18, em que diz que o periculum in mora “é o perigo do dano na demora da decisão
definitiva: um dano que é evitado” com uma medida cautelar. Não será fácil distinguir-se
entre o dano, evitável por uma medida cautelar lato sensu, e aquele que somente poderia
ser obstado pela tutela antecipatória de urgência). Ocorre-nos dizer o seguinte: suponha-
se uma pessoa que foi operada por um médico e que, em decorrência da operação, teve
a sua situação agravada, e, mais do que isto, crescentemente agravada. Não há, no caso,
medida cautelar lato sensu suscetível de evitar o dano, senão que, somente dando-se pela
procedência de um pedido de indenização, virá essa pessoa a ter numerário suficiente
para operar e tentar corrigir a sua situação, para que esta deixe, ao menos, de agravar-se.
É claro que, ainda aqui, colocar-se-á o problema consistente em saber se essa vítima, para
levantar o numerário, que haja sido depositado em juízo pelo réu, deverá, ou não, prestar
caução. Esta solução aqui propugnada é expressamente reconhecida no direito inglês (v.
Vicenzo Varano, Appunti sulla tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con particolare
riferimento all’interlocutory injunction, Les mesures provisoires en procedure civile [Atti del
Colloquio Internazionale, 12/13 out. 1984], n. 1, p. 236; um dos textos que embasa essa
possibilidade é amplo e consta do Supreme Court Act of 1981 (art. 37), em que se diz que
os poderes da Alta Corte permitem a essa que faça o que entender “just and convenient to
do (...)” (art. 37, 1); e o art. 37, 2, dispõe que a Corte pode emanar ordens incondicionais
ou em termos e condições tais que julgue justas (A. Howarth; Stephen Wilson. Statutes on
English legal system. Londres: Blackstone’s, 1989, p. 208).
37. Eduardo Talamini, Medidas urgentes (‘cautelares’ e ‘antecipadas’): lei 10.444/2002 e o início
de correção de rota para um regime jurídico. Revista dialética de direito processual. Vol.
2. São Paulo: Dialética, 2001, passim, com diversos exemplos doutrinários. Antes disso, o
exemplo já tinha sido aventado por João Batista Lopes, A tutela antecipada no direito pro-
cessual civil brasileiro, 2ª ed., Saraiva: São Paulo, 2003, p. 166.
38. Eduardo Talamini, Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo Civil: a es-
tabilização da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro. Revista de
processo, vol. 209, p. 17.
As tutelas provisórias 687

almejado pelo pedido principal (geralmente declaratório de inexistência do débito),


que é a impossibilidade de se protestar o título.
Há uma linha tênue entre as feições das duas medidas, porém se há de concluir que
o que importa, do ponto de vista da garantia constitucional à tutela jurisdicional, é que
não sejam lesados direitos futuros por conta da demora resultante do processo.39

17.1.3. A inserção da fungibilidade entre as tutelas de urgência no CPC/1973

Em virtude da já mencionada proximidade entre os institutos, bem como da dificul-


dade de se diferenciá-los em diversas situações, muitas vezes pode ocorrer coincidência
entre as finalidades práticas de uma medida cautelar e de uma medida antecipatória. A
frequente confusão entre elas, decorrente da natureza limítrofe de certas situações fáti-
cas, ocasionava, muitas vezes, o indeferimento da medida cautelar pleiteada, ao argu-
mento de que se tratava de tutela antecipatória e vice-versa.
A própria dificuldade de se diferenciarem os tipos de provimento gerava um cer-
ceamento ao direito do jurisdicionado à obtenção da tutela de urgência.40 Tal levou o
legislador a admitir a fungibilidade do pedido antecipatório para o cautelar, o que foi
feito por meio da Lei 10.444/2002, que acrescentou, ao CPC/1973, o § 7º do art. 273.
Referido dispositivo, que demonstrou o comprometimento do nosso legislador com a
efetividade e com a instrumentalidade do processo, tratava de hipótese em que a medi-
da cautelar tivesse sido requerida como antecipação de tutela, permitindo a concessão
daquela desde que presentes os pressupostos respectivos. 41-42 Todavia, apesar da reda-
ção da lei, desde o início, a doutrina não descartou a hipótese diametralmente oposta:
quando a medida antecipatória fosse requerida sob o nomen iuris de cautelar, poderia –
como ainda pode – o juiz conceder a tutela antecipada, desde que verificados os requi-
sitos do art. 273 do CPC/1973.

39. Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. IV, 5ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 136.
40. “A ciência processual – melhor dizendo: a ciência jurídica – precisa aceitar o fato de que,
em alguns assuntos, não lhe é dado fixar marcos de perfeita nitidez entre áreas limítrofes. E,
às vezes, não é útil sequer tentar fazê-lo.”(José Carlos Barbosa Moreira. Efetividade e técnica
processual. In: Temas de Direito Processual. Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 104).
41. “§ 7.º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar,
poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em
caráter incidental do processo ajuizado”.
42. TJSP, AgIn 270.167.4/1, 1.ª Câm.Dir.Priv., j. 12.11.2002, v.u., rel. Guimarães e Souza: “Agra-
vo de instrumento – Interposição contra ato judicial que indeferiu pedido de antecipação
de tutela pleiteado na petição inicial – Cabimento. Hipótese em que não presente a prova
inequívoca da possibilidade da rescisão unilateral do contrato. Inteligência do art. 273
do Código de Processo Civil. Fungibilidade do pedido. Admissibilidade, conforme a Lei
10.444, de 07.05.2002. Presentes os requisitos próprios da medida cautelar para garantir a
eficácia da decisão a ser proferida a final. Fumus boni iuris e periculum in mora. Concessão
da liminar em providência cautelar, conforme o § 7.º, do art. 273 do Código de Processo
Civil. Recurso provido.”
688 Manual de Direito Processual Civil

Passou-se a adotar tese de que a fungibilidade43 deveria ser permitida em ambos os


sentidos, se presentes os pressupostos exigidos para a substituição de uma medida de
urgência por outra.44
O que se pode dizer é que há uma fungibilidade “de duas mãos”, ou de “mão dupla”45;
tanto a medida cautelar pode ser convertida em antecipatória, quanto esta naquela. Esta
fungibilidade é tanto mais útil e jurídica por estarmos em face de assunto relacionado
com acesso à justiça em casos graves, ou seja, em casos urgentes.
O exame da possibilidade dessa conversão deve ser feito ex officio pelo juiz. O obje-
tivo é dotar o magistrado de poderes amplos para, em situações de urgência, evitar que
um simples engano formal prejudique o autor, tolhendo-o de seu direito fundamental
à efetividade do processo. Assim, desde que presentes os pressupostos da tutela anteci-
pada ou da medida cautelar, é imperiosa a concessão da tutela de urgência, ainda que o
autor se tenha formalmente equivocado em seu pedido.
Trata-se, pois, de inequívoco dever do juiz de “aproveitar” o requerimento de pro-
vidência cautelar ou antecipatória, adequando-o, diante do erro de postulação do au-
tor. Nesse passo, observamos que, em certa escala, o próprio erro de forma não tem sig-
nificação mais expressiva em prejuízo do direito, tendo em vista o que já constava nos
arts. 250 e 244 do CPC/1973 (que equivalem, respectivamente, aos arts. 283 e 277 do

43. Sobre o tema,cf.: Teresa Arruda Alvim Wambier, O princípio da fungibilidade sob a ótica da
função instrumental do processo. Revista dos Tribunais, v. 821, pp. 61-64. Ainda: Eduardo
de Avelar Lamy. Princípio da fungibilidade no processo civil. São Paulo: Dialética, 2007.
44. Cf. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, 9ª ed.. São Paulo: RT, 2006, p. 460, nota 49 ao art. 273 do CPC: “A
recíproca é verdadeira. Caso o autor ajuíze a ação cautelar incidental, mas o juiz verifique
ser caso de tutela antecipada, deverá transformar o pedido cautelar em pedido de tutela
antecipada. Isso ocorre, por exemplo, quando a cautelar tem natureza satisfativa. Dado que
os requisitos da tutela antecipada são mais rígidos que os da cautelar, ao receber o pedido
cautelar como antecipação de tutela o juiz deve dar oportunidade ao requerente para que
adapte o seu requerimento, inclusive para que possa demonstrar e comprovar a existência
dos requisitos legais para a obtenção da tutela antecipada. A cautelar só deverá ser indeferida
se não puder ser adaptada ao pedido de tutela antecipada ou se o autor se negar a proceder
à adaptação”.
45. “Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso
significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um”. (Cândido Rangel
Dinamarco, A Reforma da Reforma, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 92). Cogita-se,
desse modo, de um duplo sentido vetorial da fungibilidade. Na jurisprudência: Agravo de
instrumento. Agravante que nos autos de ação de anulação de ato jurídico c/c reconhecimento
de partilha de bens e sobrepartilha pleiteia antecipação de tutela para bloqueio de ativos e
quotas empresariais com o intuito de garantir a efetividade do provimento jurisdicional. Tutela
antecipada com caráter de cautelar. Duplo sentido vetorial. Possibilidade de concessão de
medida cautelar incidentalmente em processo de conhecimento. Código de Processo Civil,
art. 273, § 7º. Não comprovação por parte da agravante acerca da existência dos requisitos
da relevância do fundamento da demanda (fumus boni iuris) e do perigo de ocorrência de
dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). Recurso desprovido. (TJ-SC,
2ª Câmara de Direito Civil, – AI: 320961 SC 2009.032096-1, Rel. Nelson Schaefer Martins,
j. 12.8.2010).
As tutelas provisórias 689

CPC/2015). Deve prevalecer sobre tal erro a busca de um provimento célere e capaz de
evitar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da CF/1988).
A fim de ilustrar a aplicabilidade ampla do princípio da fungibilidade, podemos citar
a jurisprudência do STJ que, à luz do CPC/1973, admitia amplamente a incidência do
art. 273, § 7º em hipóteses como: a) a de requerimento de sustação de protesto;46 b) a de
liminar para fins de trancamento ou prosseguimento de concurso público;47 c) a de cau-
telar visando à manutenção de relação contratual diante da notificação do contratante
manifestando a ausência de interesse na preservação do contrato,48 entre diversas outras.

17.1.4. A sistematização das tutelas provisórias no CPC/2015


O tema das medidas de urgência e de evidência foi amplamente discutido no pro-
cesso de reforma do Código de Processo Civil. Sabidamente, o pano de fundo da elabo-
ração do anteprojeto é a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional, e a melhor
sistematização da questão das tutelas antecipadas foi um ponto central dos debates em
todas as versões do projeto. Muitas foram, aliás, as modificações de redação e estrutu-
ra, propostas pelas casas legislativas, referentes à tutela antecipada e aos procedimen-
tos cautelares.49
Do ponto de vista da nova sistematização, destacam-se alguns aspectos principais.
Em primeiro lugar, diversamente do que ocorria com o CPC/1973, que dedicava
um livro específico ao processo cautelar, o CPC/2015 agrupou, num só gênero, as tute-
las cautelares e antecipatórias. Rompeu-se, dessa forma, definitivamente, com o dogma
da necessidade de um processo autônomo para o fim de se obter uma medida de cará-

46. “1. Cuida-se, na origem, de ação cautelar de sustação de protesto na qual se decidiu ser
impossível seu manejo para suspender os efeitos de protestos já efetivados. 2. A duplicata é
um título causal, sendo necessária a existência de efetiva relação jurídica subjacente para
que o credor possa emitir o título. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com
fundamento no poder geral de cautela e no princípio da fungibilidade entre as medidas
cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela, aliados à aparência do bom direito e à
prestação de contracautela, admite a utilização da medida cautelar para suspensão dos efeitos
do protesto quando já efetivado. 4. O resultado da análise do negócio jurídico vinculado
às duplicatas emitidas pode influenciar no reconhecimento da legalidade do título protes-
tado ou na extensão do débito, de forma que o ajuizamento da cautelar objetiva assegurar
o resultado útil da ação principal. Precedentes. 5. No caso, cabível a suspensão dos efeitos
dos protestos efetivados, em virtude de questionamentos judiciais acerca da própria relação
contratual vinculada e do oferecimento de caução no importe de R$ 6 milhões. 6. Posicio-
namento em harmonia com julgamento da Segunda Seção (REsp 1.340.236/SP, Rel. Min.
Luiz Felipe Salomão), sob o rito do art. 543-C do CPC. 7. Recurso especial provido. (STJ, 3ª
T., REsp 1549896/PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20.10.2015, DJe 09.11.2015).
47. STJ, 1ª T., AgRg no Ag 1333245/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.09.2011, DJe
21.09.2011.
48. STJ, 3ª T., EDcl no AREsp 232.553/MA, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 20.11.2012, DJe 06.12.2012.
49. Para um panorama histórico, cf. nosso Manual de direito processual civil, na 16ª ed. (São
Paulo: RT, 2013, Segunda Parte, n. 152-A, pp. 920-921), em que traçamos a evolução das
versões do PLS 166/2010 (intitulado PL 8.046/2010 na Câmara dos Deputados).
690 Manual de Direito Processual Civil

ter cautelar.50 Trata-se, como visto, de tendência já verificada sob a égide do CPC/1973,
sobretudo à luz do art. 273, § 7º, daquele diploma.
No âmbito das cautelares, observa-se, ainda, o fim das medidas típicas ou no-
minadas, regulamentadas de forma específica no CPC/1973, tal como eram o arres-
to (arts. 813 e ss. do CPC revogado) e o sequestro (arts. 822 e ss.). Essa mudança é
alvo de elogios por parcela da doutrina, tendo em vista que a previsão de requisitos
e hipóteses restritas para tais medidas – a menos que fosse vista de forma meramen-
te exemplificativa51 – era encarada como um obstáculo ao exercício do poder geral
de cautela (art. 798 do CPC/1973). De fato, a previsão, para o arresto, das exigên-
cias de prova literal, liquidez e certeza da dívida, limitava as hipóteses de proteção
ao crédito.52-53
Ao agrupar as tutelas cautelares e antecipatórias no mesmo gênero (denominado
tutela provisória), o CPC/2015 situou-as no âmbito da Parte Geral, modificando a loca-

50. Seguiu-se, nessa linha, a tendência evolutiva no sentido de abolir a divisão estanque do
processo civil brasileiro, em que à tutela cognitiva correspondia à necessidade de um
processo de conhecimento, à tutela executiva, um processo autônomo de execução, e, à
tutela cautelar, um processo de natureza cautelar. Sobre isso: Arruda Alvim, Anotações so-
bre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nós: Evolução
da cautelaridade e suas reais dimensões em face do instituto da antecipação de tutela. As
obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominantes na evolução de nossos dias. Revista
de Processo, n. 97, 2000, p. 53.
51. Ovídio Baptista da Silva, A ação cautelar inominada no direito brasileiro, Rio de Janeiro:
Forense, 1991, pp. 239-240, Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar, São Paulo: LEUD,
1994, p. 190).
52. Carlos Augusto de Assis, Reflexões sobre os novos rumos da tutela de urgência e evidência
no Brasil a partir da Lei 13.105/2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi
Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org) Coleção Novo CPC. Doutrina selecionada. V. 4. Pro-
cedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. 2ª ed.. Salvador: Jus Podivm,
2016, p. 63. Esse autor pondera, todavia, que “a ausência das cautelares típicas pode deixar
muito vaga a apreciação dos elementos para concessão de certas medidas”, o que poderia
“representar um risco em se tratando de cautelares que implicam maior gravame para o
requerido (o próprio arresto seria um exemplo).” (idem, ibidem). De todo modo, o autor
avalia positivamente abolição das medidas cautelares típicas, porquanto a alteração concede
maior flexibilidade ao magistrado na concessão das tutelas cautelares.
53. Tanto assim que a jurisprudência já vinha se referindo ao poder geral de cautela para fins
de concessão da medida, muito embora ela estivesse tipificada no CPC/1973: “(…) Arresto.
Dívida líquida e certa. Inexistência. Ação de despejo em trâmite. Garantia da eficácia da
decisão a ser proferida no processo de conhecimento. Ação cautelar inominada. Poder geral
de cautela. Possibilidade. Precedentes. Agravo não provido. 1. É admissível o ajuizamento
de ação cautelar inominada em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do
CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta
pelo autor, caso lhe seja favorável. Precedentes. 2. O acórdão atacado reconheceu a exis-
tência dos requisitos autorizadores do deferimento da tutela cautelar. Assim, para se con-
cluir em sentido contrário, como ora perseguido, mostra-se necessária a análise do acervo
fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 3. Agravo regimental a
que se nega provimento.” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 479.770/MG, Rel. Min. Raul Araújo, j.
14.04.2015, DJe 06.05.2015).
As tutelas provisórias 691

lização do CPC/1973 – nele, as cautelares possuíam, como dito, Livro próprio (Livro
III) e a tutela antecipatória era regulada no bojo do procedimento comum ordinário.
Dessa forma, tais providências podem ser concedidas em sede de procedimento autô-
nomo, dispensando-se, em alguns casos e mediante determinadas circunstâncias, a ins-
tauração de um processo de conhecimento com vistas à decisão definitiva do mérito da
controvérsia referente à tutela provisória (vide, mais adiante, o tópico sobre a Estabili-
zação da tutela antecipada).
Observe-se, por fim, que a tutela provisória fundamentada na evidência do di-
reito, antes regulada no art. 273, inc. II, do CPC/1973 teve suas hipóteses amplia-
das pelo art. 311 do CPC/2015. Se, antes, a tutela da evidência era concedida ape-
nas na hipótese de abuso do exercício do direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do réu, atualmente, a lei processual prevê, além desta (art. 311, I, do
CPC/2015), três situações em que a medida deverá ser concedida, quais sejam: a) a
hipótese de existência de prova documental robusta caracterizadora de situação
fático-jurídica acobertada por jurisprudência firme de tribunais superiores fixada
em casos repetitivos ou súmula vinculante (art. 311, II);  b) a situação de pedido de
entrega de bem em decorrência de contrato escrito de depósito (art. 311, III); c) a
hipótese de prova documental robusta de situação fática de que decorre necessaria-
mente o direito do autor, a que o réu não tenha oposto prova capaz de gerar dúvida
razoável (art. 311, inciso IV).
Por outro lado, o CPC/2015 corrigiu o equívoco, que já apontávamos prece-
dentemente, de tratar o julgamento do pedido incontroverso (na hipóteses de pe-
didos cumulados) ou da parte incontroversa de um dos pedidos como antecipação
de tutela. Tal hipótese, antes prevista no art. 273, § 6º, do CPC/2973, podia induzir
o intérprete a acreditar que o julgamento fundado na incontrovérsia teria natureza
antecipatória e, portanto, provisória e revogável. A previsão do julgamento anteci-
pado parcial de mérito, no art. 356 do CPC/2015, deixa claro que se trata, ao revés,
de julgamento definitivo de mérito, embasado em cognição exauriente e, portanto,
de natureza definitiva.

17.2. Principais características das tutelas provisórias

Sob a classificação “Tutelas Provisórias”, há outras subdivisões, previstas no art. 294,


caput e parágrafo único, do CPC/2015. A primeira, referente ao fundamento da medida,
que pode ser de urgência ou de evidência (art. 294, caput). A segunda, que, a partir do
critério relativo à natureza jurídica da medida, desmembra as tutelas de urgência em cau-
telares e antecipatórias (art. 294, parágrafo único). Por fim, refere-se o CPC/2015 a uma
terceira classificação, atinente ao momento da concessão da medida, conforme seja esta
concedida em caráter antecedente ou incidental. Como veremos mais à frente, a despeito
de uma disciplina comum, pertinente às tutelas provisórias, tais categorias merecerão
tratamento específico em alguns pontos.
692 Manual de Direito Processual Civil

Há que se entender a expressão “Tutelas provisórias” no sentido de tutelas temporá-


rias de um provável direito54 e não necessariamente no sentido de tenderem a ser subs-
tituídas por uma solução de natureza definitiva.
São, assim, as tutelas provisórias, passíveis de revogação ou modificação a qualquer
tempo (art. 296 do CPC/2015), mediante decisão fundamentada, salvo se, no caso da
tutela antecipada de urgência, esta tiver se tornado estável. Justamente por isso, estão
sujeitas ao regime de cumprimento provisório de sentença (art. 297, parágrafo único,
do CPC/2015).
Ainda, uma característica essencial às tutelas provisórias consiste na sumariedade
da cognição mediante a qual são proferidas as decisões que as concedem. Referimo-nos,
nesse ponto, à superficialidade da atividade cognitiva, sob a perspectiva dos elemen-
tos fático-probatórios e dos argumentos jurídicos que poderiam embasar sua decisão.55
E assim é porque, devido às exigências de celeridade56 que fundamentam as medidas
provisórias, autoriza o legislador amenizar-se o contraditório e a cognição exauriente
para efeito de propiciar ao autor o bem da vida ou o acautelamento do processo em um
prazo razoável.57
As principais diferenças entre cognição sumária e exauriente podem ser assim re-
sumidas: a) em sede de cognição exauriente há plena realização do contraditório pre-
viamente à decisão de mérito, enquanto no modelo de tutela sumária há a possibilidade

54. Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de
2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo.
(org), Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provi-
sória e direito transitório, p. 189). No mesmo sentido: “Significa essa provisoriedade, mais
precisamente, que as tutelas têm duração temporal limitada àquele período de pendência
do processo, conservando sua eficácia também durante o período de eventual suspensão da
ação, salvo decisão judicial em contrário (art. 296, parágrafo único).” (Humberto Theodoro
Jr., Curso de direito processual civil, vol. I. 56ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 604).
55. Cf. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil. 4ª ed.. Saraiva: São Paulo: 2012, passim.
56. Observa-se, nesse particular, que, embora não haja o pressuposto do periculum in mora para
a concessão das tutelas de evidência, também elas são justificadas pela importância do fator
tempo no processo contemporâneo, na medida em que não se pode impor ao autor o ônus
da demora de um provimento jurisdicional quando este tiver elevadíssima probabilidade
de êxito.
57. Não há que se confundir, porém, a tutela baseada em cognição sumária (não exauriente)
com o procedimento de natureza sumária, que muitas vezes comporta cognição plena e
exauriente. A diferença fundamental entre eles consiste em que, na cognição sumária ou
não exauriente, o juiz decide sem que às partes tenha sido oportunizado o fornecimento
de possíveis informações, argumentos e elementos probatórios necessários à compreensão
plena da controvérsia e, portanto, à formação de um juízo de certeza. Tal resulta num juízo
de mera probabilidade ou, quando muito, de evidência, ainda insuficiente para a prolação
de sentença. Já no que diz respeito ao procedimento sumário, cuida-se de procedimento
mais célere e concentrado, em que os atos processuais são praticados num espaço de
tempo mais curto, normalmente em audiências que reúnem atos concernentes a diversas
etapas processuais, sem que haja, necessariamente, limitações no âmbito do material a ser
conhecido e analisado pelo juiz.
As tutelas provisórias 693

de postecipação do contraditório, i.e., o juiz decide primeiro, sem ouvir o réu ou, antes
de se completar a atividade probatória, relegando o debate a um momento posterior;
b) na cognição exauriente e plena o juiz domina todos os elementos de fato e de direito
que gravitam em torno do litígio, permitindo-se ampla produção de provas em busca
do alto grau de certeza para o acertamento judicial; c) com o trânsito em julgado, aos
provimentos de cognição plena e exauriente se atribui a autoridade de coisa julgada, ao
passo que nos de cognição sumária não são acobertados pela coisa julgada.58
Ademais, devemos registrar que, para conceder, modificar ou revogar qualquer me-
dida provisória, deve a decisão ser fundamentada “de modo claro e preciso”, como de-
termina o art. 298 do CPC/2015. Essa exigência, todavia, não estabelece propriamente
um critério distintivo entre as decisões sobre tutela de urgência e os demais provimentos
judiciais, mas há o dever de motivação. Frequentemente, o pedido de tutela provisória
ocorre no início da lide, alegando-se urgência e solicitando-se mesmo que seja ouvida a
parte contrária antes da decisão. Isso torna o trabalho do aplicador da lei uma atividade
bastante delicada, e por esse motivo é indispensável que o juiz indique de modo claro
e preciso as razões do seu convencimento.59

17.3. Disciplina geral das tutelas provisórias


Em decorrência das características comuns supra apontadas, as tutelas provisórias se
submetem a um regime geral (arts. 294 a 299 do CPC/2015), aplicável, especialmente,
no que tange: a) à competência para sua análise e concessão; b) à necessidade de reque-
rimento para sua concessão; c) à possibilidade de revogação; d) à fungibilidade entre as
tutelas provisórias; e) à forma de sua efetivação f) à responsabilização pelos danos de-
correntes desta efetivação e g) à ausência de discricionariedade do juiz, propriamente
dita, na verificação dos pressupostos legais à sua concessão; g1) o que é deferido ao juiz
é um espaço maior, pois os conceitos são vagos (v. infra e nota 84).
Analisemos, pormenorizadamente, alguns desses aspectos.

17.3.1. Competência para conhecimento das tutelas provisórias


No que tange à competência para conhecimento das tutelas provisórias, estabelece
o art. 299, caput, do CPC/2015 que estas serão requeridas perante o juízo da causa e,
quando se tratar de medida antecedente, serão requeridas perante o juízo competente
para conhecer do pedido principal.

58. Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de ur-
gência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org),
Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, p. 74. Para essa diferenciação, os autores recorrem à doutrina de An-
drea Proto Pisani e Remo Caponi (Lineamenti di diritto processuale civile. Napoli: Jovene,
2001, p. 18).
59. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Antecipação de tutela. Curitiba: Juruá, 2010,
p. 109/110; Marcos Antônio Benasse, Tutela antecipada em caso de irreversibilidade. Cam-
pinas: Bookseller, 2001, p. 138.
694 Manual de Direito Processual Civil

Já o parágrafo único dispõe que, ressalvados os casos em que a lei disponha de forma
diversa, será competente para analisar a tutela provisória, em sede recursal e no bojo das
ações de competência originária dos tribunais, o órgão competente para apreciar o mérito.
O dispositivo guarda correspondência parcial com o que estabelecia, para as cau-
telares, o art. 800 do CPC/1973,60 bem como correlação com o disposto no art. 61 do
CPC/2015.61
Excetuam-se à regra do art. 299 as hipóteses de concessão de tutela de urgência
(efeito suspensivo) em sede de recurso especial e extraordinário, por serem regidas pelo
disposto no art. 1.029, § 5º, do CPC/2015, na redação atribuída pela Lei 13.256/2016.62

17.3.2. Impossibilidade de concessão ex officio das tutelas provisórias


A adstrição do juiz ao pedido e à atividade jurisdicional é condicionada pelo prin-
cípio dispositivo. Desse modo, não há que se cogitar da concessão de tutela provisória
independentemente de requerimento expresso do autor.63 y 64
É preciso, entretanto, salientar, quanto às tutelas provisórias, que essa adstrição ao
princípio dispositivo se verifica dentro do espectro de possibilidades, autorizando-se,
pelo poder geral de cautela, maior liberdade de interpretação do juiz no que diz respeito
à solução tendente à realização da medida ou do resultado prático equivalente. Está-se,
porém, no âmbito das formas de efetivação do provimento e, não, no pedido de tutela
jurisdicional propriamente dito.

60. “Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias,
ao juiz competente para conhecer da ação principal. Parágrafo único. Interposto o recurso,
a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.952,
de 13.12.1994)”
61. “Art. 61.A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal.”
62. “§ 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso
especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respec-
tivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso
e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016); II – ao relator, se já distribuído o recurso;
III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido
entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim
como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037. (Redação dada
pela Lei nº 13.256, de 2016).”
63. No sentido do texto: “A tutela provisória (cautelar ou antecipatória) é caracterizada pela
inércia, sob pena de violação à independência e imparcialidade do órgão jurisdicional.”
(Leonardo Greco, A tutela da urgência e da evidência no Código de Processo Civil de 2015.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org),
Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e
direito transitório. Salvador: JusPodvm, 2016, p. 189).
64. Cf. TJSP, AI 2174090-94.2016.8.26.0000, 35ª Câm. Dir. Priv., j. 05.12.2016, rel. Des. Artur
Marques, DJe. 05.12.2016; TJSP, AI 2201002-31.2016.8.26.0000, 9ª Câm.Dir. Púb., j.
09.11.2016, rel. Des. Carlos Eduardo Pachi, DJe. 10.11.2016.
As tutelas provisórias 695

Ademais, no caso da tutela antecipatória, há uma adstrição rígida ou “subsuntiva


ao pedido”; comparece, pois, a adstrição tradicional ao princípio dispositivo, no que
tange à providência a ser antecipada. Quanto ao modo de efetivação, cuida-se de ma-
téria contida no poder geral de cautela do juiz, que lhe permite adotar as providências
necessárias à satisfação do direito do autor.
Já nas cautelares, conquanto subsista essa adstrição ao pedido, deve ela ser entendi-
da à luz da permissão dada ao juiz de determinar, provisoriamente, as medidas que jul-
gar necessárias quando existir periculum in mora, a fim de atender aos objetivos de acau-
telamento do requerente. Nesse caso, por se tratar de medida instrumental, não haverá
risco de extrapolar os limites da pretensão de direito material. Entendemos, porém,
que o juiz deverá ser sempre provocado, limitando-se o poder cautelar à possibilidade
de determinação da providência mais adequada a tutelar a situação trazida pela parte.

17.3.3. Possibilidade de revogação ou alteração das tutelas provisórias


Conforme já explicitamos, uma das características das tutelas provisórias diz res-
peito à possibilidade de sua modificação ou revogação a qualquer tempo (art. 296 do
CPC/2015). Isso se deve, justamente, à limitação temporal da eficácia dessas medidas.
Enquanto a tutela provisória de natureza antecipatória (fundada na urgência ou na evi-
dência) tende a se tornar definitiva, a tutela provisória de índole puramente cautelar
tende ao desaparecimento, após o esgotamento de sua utilidade.65
Desse modo, todas as tutelas provisórias, sejam elas concedidas mediante decisões
interlocutórias (como ocorre, em geral, na fase de conhecimento) ou na própria senten-
ça (a fim de se lhe atribuir, por exemplo, eficácia imediata, ou mesmo de acautelar sua
exequibilidade), são passíveis de modificação ou revogação, até que se profira o provi-
mento final ou, no caso da tutela provisória concedida na sentença, até que se julgue
eventual recurso ou transcorra in albis o respectivo prazo.
Desse modo, poderá ocorrer que, com o decurso do tempo, as circunstâncias que
hajam motivado a concessão da medida se desconfigurem, de modo a autorizar a sua
revogação ou mesmo a sua adaptação ao novo contexto fático-jurídico. Tal pode ocor-
rer em virtude do aprofundamento da cognição, bem como diante de modificação do
entendimento dos Tribunais sobre determinada questão jurídica.
Devemos salientar que, por serem as tutelas provisórias fundadas em juízo de cog-
nição sumária, é dever do juiz revogá-las ou modificá-las, ex officio, a partir do conhe-
cimento de novos elementos. Isso porque, embora o magistrado esteja adstrito ao prin-
cípio dispositivo no momento da concessão da medida, uma vez formulado o pedido
de tutela provisória, a possibilidade de alteração decorrerá da natureza do provimento.
Contudo, essa atuação oficiosa do magistrado deve ser ressalvada nos casos de tu-
tela antecipatória estabilizada, pois, para esses casos, o CPC/2015 (art. 304, §§ 2º a 5º)

65. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 959.
696 Manual de Direito Processual Civil

prevê a necessidade de nova demanda para a anulação, revogação ou modificação da


tutela estabilizada.66 Tem-se, aqui, uma atenuação da característica da provisoriedade.

17.3.4. Fungibilidade entre as tutelas provisórias


Do mesmo modo que o CPC/1973, estabelece o art. 305, parágrafo único, do
CPC/2015, a fungibilidade entre as tutelas provisórias de natureza cautelar e antecipa-
tória concedidas em caráter de urgência.
Contudo, enquanto no CPC/1973 a verificação dessa fungibilidade dependia da
presença dos pressupostos para a medida correta (art. 273, §7º), no CPC/2015, a iden-
tidade entre os pressupostos67 de uma e de outra medida torna desnecessária tal exi-
gência. Essa unificação dos requisitos das tutelas de urgência certamente facilita a apli-
cação da fungibilidade.
A fim de atingir os desígnios de instrumentalidade e efetividade da tutela jurisdi-
cional, o exame da possibilidade dessa conversão deve ser feito ex officio pelo juiz. As-
sim, o art. 305, parágrafo único, do CPC/2015, determina que, se o autor requerer uma
medida cautelar que tiver natureza de medida antecipada, o juiz deve seguir o proce-
dimento desta, e não daquela. Aqui, tal qual no CPC/1973, o juiz é dotado de poderes
amplos para, em situações de urgência, evitar que a dificuldade de categorizar a medida
prejudique o autor, tolhendo-o de seu direito fundamental à efetividade do processo.
Também sob a égide do CPC/2015 a fungibilidade é uma via de mão dupla, no sentido
de que tanto poderá ser concedida uma medida antecipatória erroneamente requerida
sob a denominação de cautelar, como esta poderá ser concedida se, por um equívoco,
for requerida a título de tutela antecipada.
O que importa é que o requerente, individuando de forma precisa a lide, – o pedido
e as causas de pedir – tenha condições de apontar qual é o provimento urgente, dando
lastro jurídico às suas alegações. Sendo verificada a urgência e a probabilidade do direi-
to, a medida deve ser deferida.

66. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 960. V., ainda, Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código
de Processo Civil de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas
Buril de Macedo. (org) Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais,
tutela provisória e direito transitório, p. 193.
67. Desse tema trataremos mais adiante, quando cuidarmos dos pressupostos das tutelas de
urgência. Por ora, pode-se adiantar que os pressupostos referidos consistem na probabilidade
do direito e no perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo proveniente da espera
do provimento final. A propósito do tema, embora não haja unanimidade, concordamos
com parcela da doutrina que entendeu ser elogiável a simplificação. Assim, por exemplo:
Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de ur-
gência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org)
Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e
direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 82.
As tutelas provisórias 697

Grande parte das dúvidas que surgiram em relação à fungibilidade no código de


1973 tendem a desaparecer com o CPC/2015. Isto, porque não há mais distinção en-
tre um “processo cautelar” e um provimento incidental de antecipação de tutela, como
havia. Ambas as medidas são requeríveis e deferíveis no bojo de um processo ou em
caráter antecedente, sem prejuízo de que se altere o procedimento para se adequar ao
provimento. De igual forma, como já salientamos, não existem mais requisitos distin-
tos – ao menos nominalmente – como no código passado. No CPC/1973 previa-se, de
um lado, a exigência de prova inequívoca e verossimilhança das alegações (art. 273), e
de outro, em fumus boni iuris (art. 798); agora, deve-se examinar apenas a probabilidade
do direito (art. 300, do CPC/2015).
Um ponto sensível, atinente à fungibilidade entre as tutelas provisórias, diz respeito
à possibilidade de se deferir tutela de urgência requerida a título de tutela da evidência
e vice-versa. Trata-se de situação não prevista pelo legislador, mas que poderá se reve-
lar frequente na praxis jurídica. 68 No entanto, será necessária a observância dos pres-
supostos da medida correta.
Essa posição nos parece acertada, mormente se considerarmos os poderes de dire-
ção e adaptação do processo reservados ao juiz no CPC/2015 (art. 139, IX). Há que se
levar em conta, ainda, o argumento de que “o processo civil de resultados não se coa-
duna com o formalismo na tutela provisória”.69

17.3.5. Efetivação das tutelas provisórias


Tanto as medidas de caráter antecipatório como as de cunho conservativo (caute-
lares) necessitarão de providências práticas para sua efetivação, o que, por óbvio, de-
vem ser realizadas de imediato. Observamos, quanto a isso, que não há total incompa-
tibilidade entre a regra da suspensão da eficácia na pendência do recurso de apelação
e a eficácia imediata dos provimentos provisórios.70 Obviamente, o ideal seria que o
Código tivesse aderido à regra da eficácia imediata da sentença, como se previa na re-
dação original do Anteprojeto e tal como induz a crer o art. 995,71 do CPC/2015. Have-
ria, assim, perfeita sincronia ideológica entre as tutelas provisórias e definitivas, no que
tange à valorização da atividade do juiz de primeiro grau e à importância do tempo no
processo. Contudo, o fato de a apelação ter, em regra, efeito suspensivo (art. 1.012, ca-
put, do CPC/2015,72 que reproduz o caput do art. 520 do CPC/1973), apesar de criticá-

68. Defendendo tal possibilidade, e acrescendo que “a diferença de procedimento não deverá
ser um obstáculo” à conversão: Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 966.
69. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 966.
70. Essa parece ser a opinião de Edoardo Ricci, A tutela antecipatória no direito italiano. Revista
de Direito processual civil. Vol. 4. Curitiba: Gênesis, 1997.
71. “Art. 995.Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão
judicial em sentido diverso.”
72. “Art. 1.012.A apelação terá efeito suspensivo.”
698 Manual de Direito Processual Civil

vel, não representa incoerência com a possibilidade de efetivação imediata das tutelas
provisórias, visto que estas são proferidas mediante pressupostos específicos de urgência
ou evidência que se agravam com a injustiça da espera do requerente (cujo direito está
em periclitação ou é tão evidente que não justifica o ônus da espera). Prova disso é que
tais medidas podem ser concedidas no âmbito da própria sentença para excetuar a re-
gra geral, imprimindo-lhe eficácia imediata.
Com efeito, seria despida de qualquer sentido a possibilidade de se determinar uma
medida em caráter provisório, mediante cognição sumária, se esta não pudesse ser cum-
prida antes do momento considerado “normal” que, em geral, corresponde ao trânsito em
julgado da decisão final. Devemos lembrar, ainda, que haverá casos em que, devido à esta-
bilização da tutela antecipada e extinção do processo, o provimento final sequer será profe-
rido, o que reforça a necessidade de cumprimento imediato dos provimentos provisórios.
De acordo com o art. 297, caput, do CPC/2015, a efetivação das tutelas provisórias
terá natureza provisória e será realizada pelas medidas consideradas adequadas pelo
juiz73. Acresce, ainda, o parágrafo único do citado dispositivo prevendo que “a efeti-
vação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório
da sentença, no que couber”. Por outro lado, o art. 519, que trata do cumprimento de
sentença, estabelece que as disposições relativas a esta fase também se aplicam à tutela
provisória, “no que couber”.
Houve, portanto, uma conexão das regras sobre a efetivação da tutela antecipatória
com outros textos do CPC, revelando-se a complementaridade dos dispositivos, com o
nítido escopo de tornar o processo mais efetivo, por meio do encurtamento do tempo
entre a decisão dada pelo juiz e o seu resultado prático no mundo dos fatos.74
As disposições dos arts. 297, caput e parágrafo único, e 519 do CPC/2015 consa-
gram a atipicidade dos meios executivos no âmbito das tutelas provisórias.75 A alusão,
no caput do art. 297, às medidas que o juiz considerar “adequadas”, confere ao magis-
trado uma margem de flexibilidade para determinar de que meios executivos se irá va-
ler, independentemente de previsão legal taxativa.
Assim, portanto, os dispositivos relativos ao cumprimento de obrigações de pagar,
de entregar coisa e de fazer podem ser aplicados, indistintamente, a tais modalidades

73. Cf. TJSP, AI 2174090-94.2016.8.26.0000, 35ª Câm.Dir. Priv. j. 05.12.2016, rel. Des. Artur
Marques, DJe. 05.12.2016); TJSP, AI 2133622-88.2016.8.26.0000, 13ª Câm. Dir. Priv., j.
21.09.2016, rel. Des. Nelson Jorge Júnior, DJe. 21.09.2016
74. Sobre o tema, cf. Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação de tutela na Lei
10.444, de maio de 2002, in Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim (coords.), Inovações
sobre o direito processual civil: tutelas de urgência, p. 3-14.
75. “Com exceção da execução contra a Fazenda Pública, o novo Código quebrou integralmente
o sistema de tipicidade da técnica processual, permitindo o emprego do meio executivo
mais adequado em toda e qualquer situação substancial (art. 139, IV).” (Daniel Mitidiero.
Comentários ao art. 297 do CPC/2015. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alli. Breves
comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 823 – os
destaques são do autor).
As tutelas provisórias 699

de obrigações, desde que se verifique a dita adequação ao caso específico. Esse já era o
nosso entendimento à luz do CPC/1973, embora o art. 273, § 3º, não chegasse a ser tão
explícito quanto a essa questão.76
Com efeito, existe uma fungibilidade dos meios coercitivos voltados à atuação ju-
risdicional do requerimento relativo à tutela provisória, a fim de permitir que o magis-
trado consiga adaptar o tipo de providência jurisdicional solicitada à proteção efetiva
do pedido mediato, o qual representa o bem da vida desejado pelo autor.
Logo, mesmo quando se tratar, por exemplo, de tutela provisória que determine o
pagamento de quantia certa, é possível que não se verifique a viabilidade de se aplicar
o disposto nos arts. 520 a 522 do CPC/2015. Justamente por isso, a lei atribuiu flexibi-
lidade para o juiz na idealização de meios e caminhos para a realização, no plano práti-
co, das medidas provisórias.
De fato, sempre nos pareceu que, pela gravidade das situações que se encerram com
a concessão de medidas provisórias para impor pagamento em quantia, o rito da exe-
cução provisória se revelava, no mais dos casos, ineficaz. Por isso, o rumo a ser seguido
pelo juiz deve – na efetivação de provimento de urgência para pagamento de determi-
nada quantia certa – se aproximar do rito de uma tutela específica ou da obtenção do
resultado prático equivalente, principalmente nas situações de iminente risco à vida ou
grave risco à saúde. Assim, além da possibilidade de impor multa diária ao réu (astrein-
tes), poderá o juiz bloquear valores em contas bancárias realizar a busca e apreensão de
bens e até mesmo expedir ofício ao Ministério Público, se houver descumprimento da
ordem judicial, para que seja apurada a prática de crime de desobediência (art. 330 do
Código Penal).77

76. V., a esse propósito, o que dissemos em nosso Manual de direito processual civil, 16ª ed.,
São Paulo: RT, 2013, n. 147, pp. 891-892. No mesmo sentido, cf. primoroso trabalho de
Eduardo Arruda Alvim, Antecipação da tutela, Curitiba: Juruá, 2011, p. 130. Observe-se,
contudo, que este não era o entendimento predominante. Como explica Daniel Mitidiero:
“No desenho original do Código Buzaid, tínhamos um sistema rígido de correlação entre
os tipos de obrigação e os tipos executivos. As Reformas introduziram um sistema parcial-
mente maleável, permitindo o emprego de técnicas executivas atípicas para cumprimento
das situações substanciais consubstanciadas em um fazer, não fazer e no direito à coisa”
(Daniel Mitidiero. Comentários ao art. 297 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et alli. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed.. São Paulo: RT, 2016,
p. 823 – destaques do autor). À luz desse posicionamento, não era possível a fixação de
astreintes para o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa. Todavia, já defendíamos
tal possibilidade tendo em vista a natureza excepcional das tutelas de urgência.
77. Sobre o tema, cf., amplamente, Paulo Afonso Brum Vaz, O contempt of court no novo
processo civil, Revista de Processo, ano 29, n. 118, p. 167: “O descumprimento de ordem
judicial, em princípio, caracteriza o delito de prevaricação (art. 319 do CP), se a conduta
for praticada por funcionário público no exercício da função, ou crime de desobediência
(art. 330 do CP), quando se trate de crime de particular contra a Administração. A grande
discussão que se trava diz respeito à possibilidade de ser decretada a prisão em flagrante
daquele que descumpre decisão mandamental final ou antecipatória da tutela, qualquer
que seja a sua espécie (genérica ou específica). A primeira questão que se põe, quanto à
prisão em flagrante, é se pode ser ela decretada por juiz cível. A jurisprudência, quase que
700 Manual de Direito Processual Civil

Já quando se tratar de hipóteses de provimento que determine obrigação de fazer ou


de não fazer, será aplicável o art. 536 do CPC/2015, que propicia a tutela específica das
obrigações, autorizando o magistrado a “determinar as medidas necessárias à satisfação
do exequente”. E, por fim, se for o caso de forçar o réu a entregar coisa móvel ou imó-
vel antecipadamente, os mecanismos a serem utilizados são os que constam no art. 538.
Tais providências, tendentes à obtenção da tutela específica ou do resultado prático
equivalente, poderão ser determinadas de ofício pelo juiz, ou mediante requerimento
da parte (art. 536, caput, art. 537 e art. 538, caput e § 3º, todos do CPC/2015). Não há
que se cogitar, quanto a isso, de ofensa ao princípio da demanda, tendo em vista que o
juiz não estará definindo o objeto da tutela requerida, mas, tão somente, viabilizando,
a partir de meios executivos diretos (sub-rogatórios) e indiretos (meramente intimida-
tórios), a efetivação dos provimentos de natureza provisória.
Desse modo, o legislador colocou à disposição do juiz diversos instrumentos para a
completa satisfação do direito material, como, por exemplo, a imposição de multa diária
para coagir o réu ao cumprimento da decisão, ou mesmo a determinação de outras medi-
das necessárias para a real efetivação das obrigações de fazer e não fazer e de entrega de
coisa (i.e., apreender bens, remover coisas e pessoas, desfazer obras, impedir qualquer
atividade nociva à saúde ou ao meio ambiente, em todas elas até mesmo com apoio de
força policial, se não houver o cumprimento por parte do réu). Aqui também, se ocorrer
o fracasso de todas essas medidas coercitivas, como último recurso, será possível reme-
ter ao Ministério Público cópia dos autos, com as informações necessárias para a propo-
situra de ação penal por desobediência à ordem judicial (art. 536, §1º, do CPC/2015).78

de forma uníssona, tem entendido que somente o juízo criminal é que pode decretar a prisão
em flagrante (...). Dessarte, ao juiz do cível incumbe apenas determinar a extração de cópias
das peças dos autos e remessa para o Ministério Público, a fim de que tome as providências
cabíveis, nos termos do art. 28 do CPP”.
78. A previsão legal expressa dessa medida afasta eventuais discussões sobre a possibilidade
de cumulação da sanção criminal com sanções de natureza processual, sejam estas de
ordem coercitiva (astreintes) ou punitivas (art. 77, IV e § 1º, CPC/2015). Embora se trate
de medidas de natureza diversa, o que viabiliza, a nosso ver, sua imposição cumulativa, a
jurisprudência havia se consolidado no sentido oposto, admitindo, porém, a cumulação,
em casos de previsão legal expressa, por entender que, somente nesses casos, estará confi-
gurada a tipicidade. Assim, por exemplo: “Existindo na ordem judicial, como ocorre no caso
concreto, previsão de sanção específica para a hipótese de descumprimento (multa diária),
não se configura o crime de desobediência, em razão da sua atipicidade. Precedentes desta
Corte e do STF. 3-Recurso provido em parte apenas para trancar a ação penal em relação
ao crime de desobediência.” (STJ, RHC 68.228/PA, 6ª T., Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, j. 26.04.2016, DJe 04.05.2016). Sobre a independência das sanções – inclusive no
que tange ao contempt of court, previsto no art. 77, IV e § 1º, do CPC/2015 –, cf. Nelson
Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Deixar de cumprir os provimentos judiciais ou
criar embaraço à sua efetivação, descumprindo-se o dever estatuído no art. 77, IV, constitui
ato atentatório ao exercício da jurisdição (contempt of court). Essa infração pode ensejar
reprimenda nas esferas civil, penal, administrativa e processual, além da multa fixada nos
próprios autos onde ocorreu o contempt (...)” (Código de Processo Civil comentado, 16ª
ed., São Paulo: RT, 2016, p. 446).
As tutelas provisórias 701

A flexibilidade normativa que foi posta pela lei em mãos do juiz atende aos recla-
mos doutrinários de tutela efetiva dos direitos fundamentais,79 registrados, inclusive,
no âmbito do direito comparado.80 O largo espaço de escolha e deliberação reservado
ao juiz é justificado pelo fim a ser atingido, a saber: a efetividade, a realização no mun-
do empírico, em tempo curto, daquilo que tenha sido decidido. E a natureza do poder
utilizando pelo magistrado para efetuar tais deliberações aproxima-se, a nosso ver, da
discricionariedade no que tange à forma de efetivação da tutela, lembrando sempre que
permanece o juiz adstrito ao resultado final pretendido pelo autor.81
Ressalte-se, por fim, que é objetiva a responsabilidade civil do beneficiado pela tutela
provisória, como, aliás, sempre ocorreu com a do requerente das medidas cautelares (art. 811
do CPC/1973). Tal responsabilização, por ser objetiva, independe de culpa ou dolo do au-
tor – em relação aos danos ocasionados ao réu pela medida –, podendo dar ensejo, se for
constada que era indevida, a indenização e a restituição das partes ao estado anterior. Não
sendo possível esta restituição, restará ao réu pleitear o ressarcimento dos danos causados.82

17.3.6. Ausência de discricionariedade na verificação dos pressupostos às tutelas


provisórias
Oportunamente, analisaremos os pressupostos para a concessão das tutelas provi-
sórias de urgência e de evidência, quando será possível constatar que sua definição de-
pende da análise de alguns conceitos jurídicos indeterminados, tais como os de proba-
bilidade do direito, risco de irreversibilidade do provimento, abuso do direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu, entre outros.
Cumpre-nos advertir, quanto a esse aspecto, que a circunstância de se ter o legis-
lador utilizado de diversos conceitos torna complexa a interpretação e a aplicação dos
textos legais, além do sentido que se teria conferido à expressão “larga margem de po-
der” ao juiz.83

79. V. Marcelo Lima Guerra. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil.
São Paulo: RT, 2002, passim.
80. Cf. Michele Taruffo, A atuação executiva dos direitos: perfis comparados. In: Processo civil
comparado. Ensaios. Trad. e org. de Daniel Mitidiero. Madri/Barcelona/Buenos Aires/São
Paulo: Marcial Pons, 2013, pp. 85 e ss.. Para este autor, as questões de completude e eficácia
da tutela executiva encontram soluções por duas vias: a) uma, consistente no “princípio da
adequabilidade”, há muito aplicado nas cortes estadunidenses na escolha dos instrumentos
adequados à necessidade do caso concreto e b) outra, consubstanciada no caminho da
generalização da astreinte seguido pelo ordenamento francês. Como podemos facilmente
perceber, o CPC/2015 seguiu a trilha de ambas as tendências.
81. Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação de tutela na Lei 10.444, de maio de
2002. In: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim (coords.), Inovações sobre o direito processual
civil: tutelas de urgência, Rio de Janeiro: Forense (em coedição com a Fadisp), 2003, p. 5.
82. Sobre o tema, v. Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 9ª ed., São Paulo: RT,
2006, p. 216-218.
83. Referimo-nos no texto à “larga margem de poder” como sendo representada pela maior
latitude de interpretação, que resta adjudicada ao magistrado, na concessão da tutela pro-
702 Manual de Direito Processual Civil

No entanto, não se deve dizer que o juiz haverá de aplicar tais conceitos vagos dis-
cricionariamente.84 Ocorre que a discricionariedade, propriamente dita, qual seja, aquela
naturalmente existente nos atos administrativos discricionários, não é compatível com
a atividade jurisdicional. Afinal, mesmo um ato administrativo discricionário, quando
é objeto de apreciação pelo poder judiciário, possui um núcleo, que é o mérito do ato
administrativo, que não deve ser objeto, sequer, de manifestação pelo Poder Judiciário.
85
Logo, o juiz deve apenas verificar se o administrador praticou o ato adstrito ao âmbito
de possibilidades emergentes da regra discricionária em que se pautou, em função da
competência que lhe foi adjudicada. Daí é que se diz – com infelicidade, talvez – que o
ato discricionário (genuinamente discricionário) enseja diversificadas soluções, obvia-
mente diferentes, e que, em face de qualquer uma delas, satisfeita estará a ordem jurídica.
Isso, em geral, somente tem algum sentido, se considerarmos esse enunciado tendo
em vista a apreciação jurisdicional do ato administrativo. Vale dizer, na interrelação en-
tre Administração e Poder Judiciário. Se o ato administrativo discricionário puder ser
reapreciado internamente, dentro do âmbito da própria administração, é certo que os
escalões superiores alterarão, e, até radicalmente, o ato, na medida em que entendam
que o seu conteúdo não traduziu o que é mais conveniente e oportuno para a administra-
ção, na perseguição do interesse público.
Se, no entanto, tal ato for apreciado pelo Poder Judiciário, como este não tem com-
petência para substituir-se ao administrador, para o fim de dizer o que é conveniente e
oportuno, por isso e nessa conjuntura, diz-se que o ato poderia ter sido a ou b, se a ou b
apresentarem-se como soluções possíveis à luz do espectro da regra de direito. Como o
Judiciário somente examina a legalidade do ato, se este, como ocorreu, está dentro do
âmbito da legalidade, a solução do administrador é válida. Se, de outra forma ou com
outro conteúdo, houvesse sido concretizado o ato, e se esta outra forma ou conteúdo,
igualmente, fossem possíveis à luz da mesma norma e esta outra forma ou conteúdo
foram os escolhidos pelo administrador a quem, com exclusividade, cabe dizer da con-
veniência e da oportunidade, no caso, certamente, o Judiciário dirá, também, que o ato
é válido. Mas isto não é rigorosamente equivalente a dizer-se que há real e autêntica in-
diferença pelo conteúdo do ato, desde que afeiçoado à lei.

visória. Não se trata, todavia, de uma autêntica margem de poder, tal como ocorre com o
fenômeno da discricionariedade, a que é estranho ao instituto da tutela provisória (não é
incomum, todavia, o uso da expressão discricionariedade –“discrezionale”-, neste campo,
o que, no entanto, constitui-se em erro (v., utilizando-a, entre muitos outros, o excelente
trabalho de Vicenzo Varano, Appunti sulla tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con
particolare riferimento all’interlocutory injunction, Les mesures provisoires en procedure
civile [Atti del Colloquio Internazionale], cit., n. 2 e 3, p. 237 e 241).
84. Entretanto, valendo-se desta expressão (“poder discricionário”), v.g., já decidiu a 8.ª Câm.
de Dir. Público do TJSP, no julgamento do AgIn 11.560-5, 8.5.1996, rel. Des. Celso Bonilha.
85. V. a nossa obra, Arguição de Relevância no Recurso Extraordinário, onde procuramos de-
tidamente fazer a distinção entre a interpretação de conceito vago e discricionariedade,
propriamente dita, na Análise do Instituto, Segunda Parte.
As tutelas provisórias 703

No campo das tutelas provisórias não há que se cogitar de discricionariedade, senão


que da interpretação de conceitos vagos e da interpretação de expressões difíceis para se de-
terminar a delimitação correta do seu campo de abrangência. Precisamente por esta técni-
ca de linguagem à qual é impelido o legislador atual para regrar as constantes mutações
sociais, é patentemente difícil, senão impossível, antecipar-se grande parte do que virá a
ser efetivamente o objeto deste tipo de tutela. Deve-se dizer que há estágios da cognição
de um objeto que, no limiar da observação do mesmo, são necessariamente imperfeitos
ou “inacabados”. Hartmann, estudando os momentos e os perfis da cognição, ensina
que existe um estado em que o conhecimento é representativo de uma postura de apro-
ximação a um quadro futuro, em que, só então, será retratada a totalidade do objeto, ao
que, sinteticamente, designa como progresso no conhecimento.86
O que deve ocorrer, quando a realidade da vida vier a preencher o sentido amplo dos
textos legais, é a interação entre os conceitos da expressão normativa e a significação da
lei, o que levará a que sejam vistos como “conceitos paralelos”, indicativos praticamente
da mesma relação, observando-se de um ponto de vista (na coisa, v.g., a realidade social
e os problemas por ela criados) e de outra visualização (no texto), a interação que há
entre ambos. Diz-se expressivamente, em obra de hermenêutica escrita em nossa épo-
ca de mutações constantes: “Uma coisa será vista ‘como’ o sentido de um texto, e [a seu
turno] o texto, como a expressão dessa coisa”.87
Ressalta neste instituto menos um método subsuntivo, senão que se aproxima do
estilo tópico, em que, da realidade e da problematicidade social, tira o legislador moti-
vação para tentar solucionar. Mas, exatamente porque a realidade é difusa e não rigoro-
samente dimensionada, a técnica utilizada se baseia em textos que comportam grande
latitude de interpretação, mercê do que se verificará só depois de algum tempo e, cres-
centemente, o verdadeiro âmbito da norma. Diz-se que, sem embargo disto, “quando se
logra a estabelecer um sistema dedutivo, a que toda a ciência, do ponto de vista lógico,
deve aspirar, a tópica tem de ser abandonada”.88
Toda interpretação que se extrai dos textos da tutela provisória está inserida naqui-
lo que nos revela a sociologia do direito, ou seja, diante da existência de “uma reação
do Direito às modificações sociais, através de mecanismos de configuração variada”,
de modo “a poder o Direito, o sistema jurídico e o aparato estadual recuperar a sua cor-
respondência para com a sociedade”.89
De outra parte, por mais complexa ou árdua que seja a interpretação dos conceitos
utilizados, comportam eles revisão por recursos, inclusive, por recurso especial, pois,

86. V. Nicolai Hartmann, Grundzüge einer Metaphysik der Erkenntnis, 4. ed., Berlim: Walter de
Gruyter & Co., 1949, capítulo 5, letra i, p. 58.
87. Cf. Joachim Hruschka, Das Verstehen von Rechtstexten – Zur hermeneutischen Transposi-
tivität des positiven Rechts, Munique: C. H. Beck, 1972, capítulo V, p. 40.
88. V., sobre o assunto, a obra fundamental de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz, 5ª
ed., Munique: C. H. Beck, 1974, § 3.º, p. 44.
89. V. Klaus A. Ziegert, Zur Effektivität der Rechtssoziologie: die Rekonstruktion der Gesselschaft
durch Recht, Stuttgart: Ferdinand Enke, 1975, n. 2.13.3, p. 33.
704 Manual de Direito Processual Civil

trata-se, pura e simplesmente, de verificar se a lei foi interpretada corretamente. Vale


dizer, deverá ser o tribunal mais elevado do País para interpretar o direito federal, in-
fraconstitucional – o Superior Tribunal de Justiça –, que haverá de dizer se a hipótese
concreta está, ou não, encartada no sistema e na lei.

17.4. Tutelas de urgência


17.4.1. Sistematização das tutelas de urgência
Como já mencionamos, o CPC/2015 simplificou o tratamento das tutelas de urgên-
cia, subdividindo-as em cautelares e antecipatórias, mas unificando os pressupostos à
sua concessão (arts. 300 a 302, do CPC/2015). Apesar disso, estabeleceu algumas di-
ferenças procedimentais entre elas, dedicando capítulos distintos para os procedimen-
tos da tutela antecipada antecedente (arts. 303-304) e da tutela cautelar antecedente
(arts. 305-310). Entre tais diferenças, destaca-se a estabilização da tutela antecipatória
antecedente, de que trataremos mais adiante (art. 304).
Nos próximos tópicos, cuidaremos, primeiramente, das disposições comuns relativas
ao tema e, posteriormente, dos aspectos procedimentais específicos de cada modalidade.

17.4.2. Pressupostos à concessão das tutelas de urgência


A duração de todo e qualquer processo causa um “dano marginal”, no dizer de mui-
tos juristas.90 O contraditório pleno, no âmbito do processo comum, que leva a essa de-
mora danosa do processo, exige instrumentos que permitam a mitigação do tempo ne-
cessário a esse contraditório complexo – sem lhe suprimir os elementos essenciais –,
quando configurados os pressupostos da urgência ou, como veremos adiante, quando
configurada a evidência do direito.
O art. 300 do CPC/2015 estabelece dois pressupostos à concessão da tutela de
urgência, sendo indiferente sua natureza cautelar ou antecipatória. São eles: a) a
probabilidade do direito; e b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do proces-
so. Trata-se, na verdade, da conjugação de elementos que sempre estiveram, de uma
forma ou de outra, em maior ou menor medida, presentes nas disposições legais a res-
peito do tema.
No CPC/1973, o art. 798 já previa que, para a concessão de medidas cautelares, era
necessário que o requerente demonstrasse a plausibilidade do direito alegado (fumus
boni iuris) e o perigo resultante da demora na concessão da medida (periculum in mora).91
De forma semelhante, o art. 273 do CPC/1973 exigia, para que fosse concedida a ante-
cipação da tutela, prova inequívoca da verossimilhança da alegação e fundado receio de
dano irreparável. Porém, a redação desse último dispositivo (art. 273 do CPC/1973),

90. Cf. Andrea Proto Pisani, La nuova disciplina del processo civile, Napoli: Jovene, 1991, p. 296.
91. “É o perigo em si mesmo, referido à possibilidade de uma perda, sacrifício ou privação de
um interesse juridicamente relevante e não o perigo de um retardamento na prestação ju-
risdicional” (Ovídio Baptista da Silva, As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil. 3ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 28).
As tutelas provisórias 705

aliada ao fato de que, na tutela antecipada, a providência concedida se confunde, to-


tal ou parcialmente, com o objeto do próprio pedido do autor, levou a que se concluís-
se que, para sua concessão, o juízo de probabilidade deveria ser mais contundente do
que aquele exigido para as medidas cautelares. Em relação às hipóteses abrigadas pelo
art. 461, do CPC/1973, no seu § 3º, referiu-se o legislador a que “havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final”, era o caso de concessão liminar da tutela, com
ou sem justificação prévia.
A unificação dos pressupostos, pelo CPC/2015, mereceu aplausos por parte da-
queles que consideravam extremamente complexa a tarefa de diferenciar, na prática,
os pressupostos das duas modalidades de tutela de urgência.92 No entanto, há quem
critique a identidade de pressupostos à concessão de providências cautelares e an-
tecipatórias, ao argumento de que não se pode impor os mesmos requisitos para a
tutela cautelar (conservativa) e para a tutela antecipada (satisfativa), “sem atentar
para a diversidade de consequências práticas e jurídicas que advêm de uma medida
neutra, como é a conservativa, e de uma medida de mérito, que é a antecipação da
tutela substancial.”93
De nossa parte, embora já nos tenhamos manifestado no sentido de que o grau de
cognição da tutela antecipatória deveria ser mais profundo ou menos superficial que o
juízo cognitivo em sede cautelar,94 é certo que o fizemos à luz do CPC/1973, tendo em

92. C.f. Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de
urgência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org).
Coleção novo CPC. Doutrina selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, Salvador: JusPodivum, 2016, p. 82). No sentido de ser louvável a
unificação, por facilitar o manejo dos institutos processuais pelo advogado: Nelson Nery
Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2015, p. 871.
93. Humberto Theodoro Jr., Primeiras considerações sobre o Projeto do Novo Código de Processo
Civil. Revista Síntese de direito civil e processual civil, v. 66, jan-fev. 2012, p. 8. Posterior-
mente à promulgação do CPC/2015, o mesmo autor, em seu Curso de direito processual
civil (54ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, n. 438), fala em unidade ontológica das tutelas
sumárias, mas ressalta a variabilidade de intensidade dos requisitos, a ser analisada in con-
crecto, conforme a medida a ser concedida. Ainda, com uma visão crítica da identidade de
requisitos, quando contraposta às diferenças procedimentais: André Luiz Bäuml Tesser, As
diferenças entre a tutela cautelar e antecipação de tutela no CPC/2015, In:, Fredie Didier
Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org). Coleção novo CPC.
Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório,
Salvador: JusPodivum, 2016, p. 33, em que afirma padecer a nova legislação do “mal da
bipolaridade”: “Ao mesmo tempo em que indica não haver necessidade de estabelecimento
da diferença entre cautelar e tutela antecipada, no que tange aos seus requisitos positivos de
concessão, ressalta ser muito importante a distinção entre aquilo que considerou espécies
do gênero tutela provisória de urgência, especialmente a partir da possibilidade ou não de
estabilização dos efeitos da medida concedida e, também, com a adoção de procedimentos
diferenciados”.
94. Cf. Arruda Alvim, Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas no processo
hodierno entre nós. Revista de processo, v. 97, pp. 51-106.
706 Manual de Direito Processual Civil

vista a redação do art. 273. Entediamos que se tratava de uma questão de gradação, ten-
do em vista que os requisitos eram, ontologicamente, os mesmos.95 y 96
De todo modo, é importante termos presente que, à luz do CPC/1973 a doutrina
sempre se questionou se os requisitos das cautelares e das antecipatórias eram ou não
os mesmos, de sorte que é provável que a unificação trazida pelo art. 300 do CPC/2015
não venha a dissipar totalmente as dúvidas sobre o tema.
O que se pode afirmar é que os seguintes fatores autorizam a concessão de tutelas
provisórias de urgência, de cunho cautelar ou antecipatório: a) a probabilidade da-
quilo que alega o requerente (probabilidade do direito), e b) o perigo de dano para o
autor, caso tenha que aguardar pela sentença final e, ainda, pelo julgamento da apela-
ção com efeito suspensivo, para, só então, realizar o direito que lhe foi reconhecido.
É evidente estar subjacente a este dano a própria ideia de utilidade da prestação ju-
risdicional, a qual, se vier a ser outorgada ao autor somente a final, depois da audiên-
cia, ou mesmo que o seja em julgamento antecipado [mas com realização só depois
do julgamento do(s) recurso(s) com efeito suspensivo], poderá vir a concretizar-se
só no momento em que o dano a ser evitado, pelo processo, por este não possa mais
vir a ser obstado.97 Por isso mesmo, refere-se o CPC/2015 ao perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo.
No que concerne ao pressuposto da probabilidade do direito, a parte interessada em
uma medida de urgência deve demonstrar, por meio de alegações e provas, que seu di-
reito é plausível (provável), e que é mais vantajoso ao processo conceder a medida, do
que não concedê-la. Se restar abalada a convicção do juiz, ou esta não estiver formada
satisfatoriamente, isto revela ser possível que a parte contrária tenha razão, e, se é assim,
a pretensão do requerente poderá vir a ser havida como infundada. Se a dúvida existir
a priori, não é caso de concessão de tutela de urgência, salvo se o bem jurídico ameaça-
do representar, se não protegido, um dano de grandes proporções, ou melhor, se puder
levar ao perecimento de direito fundamental (direito à vida ou à saúde, por exemplo).

95. Dissemos, à época, que: “Pela opinião uniforme os requisitos da tutela antecipada são mais
robustos – pois, há maior intensidade na exigência em relação à aparência do direito, i.e.,
verossimilhança é requisito mais denso do que fumus boni iuris – do que em relação aos da
cautelar, ainda que, em rigor e fundamentalmente, se trate de uma questão de grau. Se os
requisitos são ontologicamente os mesmos, o que se há é de reconhecer que a intensidade,
do mesmo requisito, por ser menor comporta a medida cautelar e não a tutela antecipada”
(Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação da tutela na Lei 10.444, de maio
de 2002. In: Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência, Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 7).
96. Para Eduardo Arruda Alvim (Tutela antecipada, op. cit., item 3.2), embora os requisitos das
cautelares e antecipatórias fossem diversos no plano teórico – o que decorria da literalidade
do art. 273, I, do CPC/1973 –, sua mensuração, no plano prático, era de difícil distinção.
97. Referimo-nos a uma tutela específica que tenha sido pedida, pois que, mesmo que inviável
a tutela específica, certamente a esse autor caberiam perdas e danos. Mas parece restar
evidente que o objetivo do legislador, com a antecipação de tutela, foi o de colimar que a
própria pretensão, tal como tenha sido pedida, possa vir a ser assim satisfeita.
As tutelas provisórias 707

Quanto ao periculum in mora, devemos observar que, mesmo nas hipóteses de tu-
tela antecipatória, não diz necessariamente respeito ao risco de “perecimento do obje-
to” caso não seja antecipada a tutela. O texto do art. 300, caput, do CPC/2015, não faz
maiores distinções.98 Esse dano pode ser externo à pretensão, no sentido de ser um dano
a ser evitado com o seu acolhimento. Assim, v.g., numa ação para entrega de coisas cer-
tas, tais como máquinas vitais para a própria sobrevivência econômica da empresa-au-
tora, de nada adiantará, por hipótese, obter sentença de procedência quando a empresa
já estiver insolvente de fato ou, efetivamente, falida. Tais máquinas podem representar
a própria revitalização da empresa-autora, e, ficando caracterizado também o pressu-
posto da probabilidade do direito, é certo que será hipótese de adiantamento da tutela.
Dever-se-á, no caso, contra-garantir o réu, que será despojado da posse das máquinas.
O dano diz respeito à situação financeira e econômica da empresa-autora e a pre-
tensão, sendo objeto de tutela antecipatória, constituir-se-á no meio para, possivelmente
obstar a ocorrência desse dano.
Devemos salientar que, na análise da viabilidade de concessão de uma tutela de ur-
gência, o juiz trabalha sempre com elementos não exaurientes. O dilema do juiz será o
de proteger ou não o direito do autor, que corre o risco de perecer. Por que deverá dei-
xar de proteger o autor, se lhe parece que o réu não tem razão?
Um critério do qual o juiz poderá servir-se é o mesmo adotado para as situações
excepcionais em que é autorizada a tutela de urgência de caráter irreversível no plano
prático (v., infra, “Tutela de urgência e reversibilidade da medida”). Deve-se utilizar a
proporcionalidade para sopesar as posições do autor e do réu, visualizando essas posi-
ções depois de imaginar os efeitos da concessão da tutela, tais como incidiriam sobre as
situações de um e de outro. Trata-se de um critério limite, porque, se não fosse conce-
dida a medida, e se isso causasse ao réu um prejuízo maior do que a sua não concessão
ao autor, à luz desse referencial, não deverá o juiz conceder a tutela de urgência.99-100
Esse é outro exercício mental a ser feito pelo juiz. Via de regra, aquele que requer
uma tutela de urgência precisa, o quanto antes possível, de uma ordem que obrigue a
parte contrária a uma atitude – seja de pagar quantia certa, entregar coisa, fazer ou de

98. Também não as fazia o texto do art. 273, I, do CPC/1973.


99. O mesmo adiantamento possível da eficácia do provimento final dizendo-se a respeito da
antecipação da execução que “la mesure conservatoire ou provisoire permet d’anticiper
l’exécution à un moment où il n’y a pas encore lieu de prendre une mesure exécutoire” – v.
Francisco Ramos Mendez, Les mesures provisoires indéterminées dans le procès civil espag-
nol, Les mesures provisoires en procédure civile [Atti del Colloquio Internazionale], n. 2, letra
c, p. 191. É conveniente que isto possa ocorrer, mas deve ser compreendido inteiramente,
pelo que o texto citado deve ser inteiramente lido.
100. O critério do prejuízo (balance of convenience) existe no direito inglês com fisionomia,
no entanto, algo diversa, qual seja, há de examinar-se a situação de concessão da tutela ao
tutor (injunction), tendo em vista a hipótese imaginada de o réu sair-se vencedor no juízo
de mérito (v. Vicenzo Varano, Appunti sulla tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con
particolare riferimento all’interlocutory injunction, Les mesures provisoires en procédure
civile [Atti del Colloquio Internazionale], n. 5, p. 244).
708 Manual de Direito Processual Civil

não fazer. Assim, o requerente suporta o ônus do tempo do processo, no sentido de que,
enquanto não lhe for concedido o que pede, é ele quem sofre as consequências fáticas da
relação jurídica entre as partes. Caso a medida seja deferida, a parte contrária ao cumprir
a sua obrigação passa a suportar o ônus do tempo, ou seja, é o seu interesse que estaria
sendo desprestigiado. Há aí uma balança em que pesam, de um lado, os interesses do
autor, e de outro os do réu.101 O deferimento de uma tutela provisória significa anteci-
par no tempo os efeitos do julgamento final ou garantir que eles possam ser implemen-
tados futuramente (no momento adequado), e com isso definir quem deverá suportar
o ônus do tempo até este julgamento final.102
De acordo com a urgência verificada no caso concreto, a medida poderá ser con-
cedida sem a oitiva da parte contrária. Tal possibilidade, a despeito de expressamen-
te prevista no art. 9º, I, do CPC/2015, não deixa de ser excepcional, por ser necessário
que institutos como este respeitem o princípio da bilateralidade da audiência,103 que
é exigência constitucional. Sob o prisma da Constituição, o contraditório prévio deve
ser a regra geral, e sua postergação, a exceção. Sendo assim, o que nos parece é que, se
o juiz verificar, na hipótese concreta, que a oitiva da parte requerida poderá agravar ou,
mesmo, consumar o prejuízo do requerente, é certo que deverá antecipar a tutela sem
audiência prévia daquela.
Vale dizer, ainda que se possa satisfazer o autor antes daquele que seria o momento
normal (comparativamente ao momento indicado no âmbito da estrutura clássica do
processo), é necessário que sejam respeitados determinados limites em relação à posição
do réu. Oferecer ao réu a oportunidade de apresentar a sua versão dos fatos e, inclusi-
ve, de contraditar as provas do autor, auxilia o debate e dá maiores subsídios para que a
que a tutela de urgência seja analisada de forma adequada. Nessa linha, não raras vezes
o juiz, ao se manifestar sobre um pedido de tutela de urgência, afirma que aguardará a
contestação do réu para deferir ou indeferir o requerimento. Deve-se ter presente, to-
davia, que quando o autor requer o deferimento de medida de urgência, o faz na expec-
tativa de que seja concedido imediatamente, e não para que seja apreciado futuramente.
Pode ocorrer, ainda, que o tempo transcorrido até que a manifestação do réu seja
juntada aos autos e esteja disponível para análise judicial seja fulminante à pretensão do
autor. Para esses casos, o art. 300, § 2º, do CPC/2015, possibilita outra solução: a opor-

101. V.g. STJ, 3ª T., AgRg na MC 16.021/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, (Des. Convocado do
TJ/RS), j. 13.10.2009, DJe 23.10.2009.
102. Vale lembrar que, como o autor pretende, de modo geral, a modificação da realidade
vigente, o réu, em contrapartida, tende a buscar mecanismos de manter o status quo (Italo
Andolina, “Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale.
Milano: Giuffrè, 1983, p. 24).
103. “O sacrifício do contraditório, portanto, deve ser apenas e tão somente para evitar o sacrifício
da própria tutela jurisdicional efetiva, diante de uma premente necessidade advinda de uma
situação de urgência.” (Robson Renault Godinho, Comentários ao art. 300. In: Antonio do
Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 474).
As tutelas provisórias 709

tunidade de justificação prévia por parte do autor. Trata-se de uma hipótese em que juiz
requisita esclarecimentos à parte que requereu a tutela de urgência, ou mesmo  designa
audiência visando à demonstração, por meio de testemunhas, da presença dos requisi-
tos necessários à tutela de urgência. O objetivo é, de forma célere, obter elementos de
fato suficientes para poder analisar o pedido de tutela provisória.
Serve, pois, a justificação, para aquelas hipóteses em que a probabilidade do direito não
tenha sido demonstrada de forma suficiente pelo autor. Haverá casos, inclusive, em que
o juiz poderá ouvir as testemunhas do autor e solicitar esclarecimentos antes mesmo da
oitiva do réu, tendo em vista a possibilidade concreta de que o conhecimento, por este,
do pedido de tutela provisória, possa vir a frustrar os objetivos pretendidos pelo autor.

17.4.3. Tutela de urgência e reversibilidade da medida


Se, por um lado, a concessão das tutelas de urgência é pautada no acesso à justiça
e na possibilidade proteção tempestiva de direitos fundamentais que venham a sofrer
lesão ou ameaça de lesão (art. 5º, XXXV, da CF/1988), por outro, o juízo de cognição
sumária a que se submetem tais medidas ocasiona, como já dissemos, certa preocupa-
ção com os prejuízos eventualmente acarretados ao réu em caso de revogação da deci-
são concessiva da tutela. Tendo em vista tal possibilidade, a lei proíbe a concessão de
tutela de urgência quando houver “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”
(art. 300, § 3º, do CPC/2015, análogo ao art. 273, § 2º, do CPC/1973).
Esse requisito negativo da “irreversibilidade dos efeitos da decisão” deve ser enten-
dido como uma “impossibilidade de restabelecimento da situação anterior caso a deci-
são antecipada seja reformada".104
A reversibilidade é necessária até mesmo pela regra do art. 5.º, LIV e LV, da CF/88,
pois, se irreversível fosse, alguém restaria condenado sem o devido processo legal e sem
a garantia do contraditório.105 Mas poderá ser mitigada a regra geral quando o bem da
vida a ser protegido tenha uma grandeza superior.
A irreversibilidade deve ser compreendida sob a perspectiva da “realizabilidade prá-
tica do direito”; essa irreversibilidade pertence, pois, ao plano prático, e não ao plano
normativo, onde opera o atributo da revogabilidade. Assim, pode ocorrer que a provi-
dência determinada a título de tutela de urgência se revele irreversível, tendo em vista a
impossibilidade de retorno das coisas ao status quo ante. Isso não afasta a possibilidade
de revogação da decisão que a tenha concedido. No plano normativo, é quase106sempre

104. Cf. Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência: fundamentos da tutela antecipada.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 350.
105. Cf. “Trata-se de verdadeiro pressuposto negativo, que quer inibir a antecipação de tutela
no caso do que é comumente chamado de periculum in mora inverso” (Cassio Scarpinella
Bueno, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 226).
106. Excetuam-se as hipóteses de estabilização da tutela, quando já tenha passado o prazo
decadencial de dois anos (art. 304, § 2º, do CPC/2015), findo o qual não se pode obter a
modificação dos efeitos da tutela antecipada.
710 Manual de Direito Processual Civil

possível a revogação ou modificação de medida provisória; já no plano da vida, nem


sempre se logrará obter o retorno ao estado anterior.
A regra geral, porém, é a de que apenas aquilo que puder ser integralmente reverti-
do pode ser objeto de concessão de tutela de urgência. São exemplos típicos de tutelas
reversíveis a entrega de um bem que pode ser devolvido, a obrigação de não fazer que
possa ser retomada pelo réu, dentre outras condutas que podem restabelecer a situação
anterior à medida.
Em tese, a reversibilidade não deve corresponder à solução em perdas e danos ao
depois da decisão que venha a revogar a tutela de urgência. No entanto, em casos ex-
tremos – que não são raros –,107 de perecimento da pretensão do autor ou de dano que só
com a medida pode ser evitado, a solução que poderá corretamente vir a ser adotada é
de assumir o risco das perdas e danos.
Essa regra geral de reversibilidade tem sido acatada pelos tribunais, em especial pelo
STJ.108 No entanto, e em situações absolutamente excepcionais, deve ceder em face de um
bem jurídico de significação maior. Incide aí um necessário juízo de proporcionalidade
entre direitos fundamentais que podem vir a ser lesados e o direito (também fundamen-
tal) à tutela jurisdicional efetiva definitiva concedida após o devido processo legal.109
Assim, em casos extremos, de perecimento da pretensão do autor ou de dano que só
com a antecipação da tutela pode ser evitado, a solução que poderá corretamente vir a
ser a adotada é a de resolver-se o assunto até assumindo o risco das perdas e danos.110

17.4.4. Responsabilidade pelos danos causados com a efetivação da tutela de


urgência
Como dissemos, a parte que requer a concessão de tutela de urgência assume os riscos
decorrentes da sua eventual futura reversão. Se, por exemplo, o réu foi obrigado a entre-

107. Neste sentido, reconhecendo-se que a hipótese é de efetiva emenda: Teresa Arruda Alvim
Wambier... [et al.] coordenadores, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil:
artigo por artigo, 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 562.
108. Até por isso, na ocasião da introdução desta exigência no Código revogado, o art. 273, § 2º,
do CPC/1973, mereceu críticas por autorizada parcela da doutrina pátria: “Neste particular
revela-se a distância do legislador para com a vida fenomênica, que ditou a necessidade da
tutela antecipada pelo uso promíscuo da providência cautelar. É que não atentou para o fato de
que, na grande maioria dos casos da prática judiciaria, as situações de urgência que reclamam
a antecipação de tutela geram, inexoravelmente, situações irreversíveis, porque encerram casos
em que a satisfação deve ser imediata, como v.g., aquela em que é autorizada uma viagem,
uma cirurgia, a inscrição imediata em um concurso etc.” (Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela
da evidencia: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 339).
109. “O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de
irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz ante-
cipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda,
o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente” (STJ, 1ª S., REsp 1401560/MT, Rel.
Min. Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, j. 12.02.2014, DJe 13.10.2015).
110. Teori Zavascki, Antecipação de tutela, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 102.
As tutelas provisórias 711

gar determinado bem que estava em sua posse, e a sentença decidiu em sentido contrário,
no sentido de que o bem jamais deveria ter saído da posse do réu, é o autor quem deve ar-
car com os danos sofridos durante o transcurso do processo por essa decisão provisória.
Por se tratar de matéria tão delicada e de contornos tão imprecisos, é facultado ao
juiz exigir da parte requerente, para conceder a tutela, caução real ou fidejussória apta
a ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer (art. 300, § 1º, do CPC/2015).111
Essa contracautela é faculdade ensejada ao juiz, que se mostra muito salutar, tendo em
vista que, caso a medida de urgência não seja revogada, o autor não será prejudicado.
Por outro lado, se, no caso da tutela antecipada, esta não for concedida, pode vir a
ocorrer dano ao autor, pela demora de aguardar a sentença final, e ainda possivelmente
o seguimento de recursos com efeito suspensivo, para só então poder realizar o direito
que lhe foi reconhecido. Já no caso da medida cautelar, pode ocorrer de a não conces-
são gerar a inutilidade do resultado final. Em ambos os casos, a espera poderá ser irre-
parável ao direito do autor, e só então ficará evidenciado que, desde o início, deveria
ter sido concedida a medida provisória. Eis a dificuldade de se lidar com o instituto das
tutelas de urgência.
O CPC/2015, sobre isso, estabelece que independentemente da reparação por dano
processual – isto é, daquele decorrente do ônus do tempo do processo – a parte respon-
de pelo prejuízo decorrente da efetivação da tutela de urgência em algumas situações.
A mais natural delas é o caso de sentença desfavorável, isto é, a decisão prolatada em
sentido contrário à tutela antecipada (art. 302, I). O mesmo ocorre se, ainda antes da
sentença, cessar a eficácia da medida (art. 302, III). Fica aqui claro que a efetivação
da tutela ocorre por conta e risco do requerente. Embora o código silencie a respeito, é
de se concluir que a responsabilidade aí deve ser objetiva, independentemente da de-
monstração de culpa.112
Se a tutela for concedida em caráter antecedente, isto é, antes mesmo da formulação do
pedido principal (isto será visto logo em seguida), e o autor não fornecer os meios para a
citação do réu em cinco dias, deve responder também pelo tempo da demora (art. 302, II).
Por óbvio, se o réu ainda não integrou o polo passivo da demanda e já tem contra si uma
tutela provisória, tem seguramente toda a urgência de tomar ciência dos autos e oferecer
defesa. Se o autor der causa à demora nesse procedimento, é ele quem responde pelo atraso.
Por último, se a decadência ou a prescrição vierem a ser reconhecidas (art. 302, IV),
deve também o autor ser responsabilizado pelos danos que a tutela de urgência cau-
sar ao réu. Assim, se o autor não tinha pretensão ou direito a pleitear a medida – ante a

111. Sobre a irreversibilidade da medida e a possibilidade de ponderação, cf., entre muitos:


Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil
de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo.
(org).. Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 191.
112. Para Calamandrei (Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, Padova:
Cedam, 1936, n. 8, pp. 74-75), a caução funciona como uma “cautela da cautela”, ou uma
“contracautela”.
712 Manual de Direito Processual Civil

prescrição ou a decadência –, não há sentido algum em permitir que ele se beneficie do


tempo em que durou a eficácia da medida
O parágrafo único do art. 302 estipula, ainda, que sempre que possível a indeniza-
ção será liquidada nos próprios autos em que a tutela foi concedida, simplificando o
procedimento e evitando que uma nova ação tenha que ser movida.

17.5. Tutela de urgência antecipada requerida em caráter antecedente


No CPC/1973, o requerimento de tutela antecipatória dependia da instauração, pré-
via ou concomitante, de processo de conhecimento que visasse à resolução definitiva
de mérito. Existente o processo, a antecipação de tutela poderia ser concedida a qual-
quer tempo, sendo o ajuizamento da petição inicial, referente a tal processo, a primeira
oportunidade para sua postulação. Nesse ponto o CPC/2015 apresenta uma inovação
significativa, possibilitando que a satisfação do direito ocorra mesmo antes de se fazer
pedido de provimento exauriente de mérito. Trata-se da tutela antecipada requerida
em caráter antecedente, disposta nos arts. 303 e 304, do CPC/2015.
Em busca da celeridade na concessão da tutela de urgência, permite-se que a peti-
ção inicial se limite à indicação do pedido de tutela final, com a exposição simplificada
da situação litigiosa, nos limites em que se revele possível demonstrar a probabilidade
do direito e o perigo de dano.
Nessa hipótese, em que a petição não conterá necessariamente a fundamentação
aprofundada do pedido em si, visando, precipuamente, à demonstração dos requisitos
para a concessão da tutela de urgência, deverá o autor deixar claro que se pretende valer
do procedimento simplificado da tutela antecipatória em caráter antecedente (art. 303,
§ 5º, do CPC/2015). Do contrário, poderia o juiz confundir a mera indicação do pedido
e de seus fundamentos com a própria formulação do pedido de mérito.113
Desse modo, pode o autor sumarizar o pedido, comprometendo-se a futuramente
complementá-lo.
Embora a petição em que se requer a tutela antecedente trate apenas da exposição
da urgência, há por parte do autor o exercício do seu direito de ação. Por esse motivo,
o autor deve, desde o início, atribuir valor à causa (art. 303, § 4º do CPC/2015), a ser
calculado em relação ao pedido final. Também por isso a cobrança de custas e despesas
iniciais ocorrerá já em função da primeira petição inicial, e quando do possível adita-
mento não haverá cobrança de novas custas (art. 303, § 3º do CPC/2015). Os efeitos
decorrentes do ajuizamento deste pedido de tutela antecipada situam-se na propositura
dela mesma (ou seja, com o seu protocolo, segundo o art. 312 do CPC/2015).
O juízo a ser feito para deferir ou indeferir uma medida dessa espécie não deve ser
diferente do que normalmente ocorre em medidas de urgência, conforme foi exposto

113. Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 217/234. Em sentido contrário, defendendo hipóteses de responsabilidade subjetiva:
Daniel Mitidiero, Antecipação de tutela, 2ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 162.
As tutelas provisórias 713

nos tópicos acima. Caso haja plausibilidade naquilo que vem alegado e a urgência for
de fato iminente, a medida há de ser deferida com a mitigação da bilateralidade. Com
o deferimento, a produção de efeitos é imediata, e o autor deve aditar a petição inicial
em quinze dias (art. 303, § 1º, I, do CPC/2015), complementando sua argumentação,
juntando os demais documentos que não digam respeito somente à urgência, e reque-
rendo a confirmação final da tutela concedida.
Existe, em relação ao aditamento, um ônus do qual se deve desincumbir o autor.
Afinal, a tutela antecipada é sempre provisória, e só poderá ser confirmada e tornada
definitiva caso seja julgada por sentença. É normalmente de seu interesse que o proces-
so tenha início e que a lide seja julgada. Assim, o não aditamento no prazo de quinze
dias – ou em prazo maior que o juiz venha a fixar quando deferir a antecipação de tu-
tela – gera inevitavelmente a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 303,
§ 2º, do CPC/2015).
Não prevê o CPC/2015 a possibilidade de aditamento, no idêntico prazo de quinze
dias, no caso de haver sido indeferida a tutela antecipada. Nem por isso se poderá ex-
cluir tal hipótese, tendo em vista o princípio da igualdade. A prerrogativa de prosseguir
no processo em busca da solução definitiva de mérito deve ser concedida tanto ao autor
que tenha sua tutela antecipada concedida como àquele cujo pleito antecipatório haja
sido liminarmente rejeitado e, não sendo o caso de se aplicar o art. 303, § 1º, I, deve-se
aplicar o art. 321, para que sejam preenchidos os requisitos para o prosseguimento do
feito pelo procedimento comum.
Ademais, como é da natureza das tutelas provisórias, e a teor do art. 300, caput, do
CPC/2015, há possibilidade de concessão da tutela de urgência a qualquer tempo. Nada
impede, portanto, que ocorrido o indeferimento inicial da tutela antecipatória e, poste-
riormente, quando do aditamento da petição e da complementação dos elementos pro-
batórios, verifique-se a superveniência dos pressupostos à concessão da medida. Tratar-
-se-á, no entanto, de concessão de tutela antecipatória de urgência incidental, visto que
não havendo a concessão inicial da tutela e tendo sido aditada efetivamente a petição
inicial, haverá prosseguimento do feito pelo procedimento comum.
Por outro lado, o art. 303, § 6º, do CPC/2015, prevê a possibilidade de emenda à ini-
cial no prazo de cinco dias, caso o juiz entenda pela inexistência de elementos para a
concessão da tutela antecipada. Da dicção literal do dispositivo extrai-se que a emenda
serviria para fornecer ao julgador novos subsídios para embasar a reapreciação da tutela
de urgência. Em acréscimo, a falta de previsão, no art. 303, § 1º, do CPC/2015, de um adi-
tamento à inicial na situação em que a tutela antecedente tenha sido indeferida, poderia
conduzir à ilação de que as providências (a emenda, prevista no art. 303, § 6º, e aditamento
do art. 303, § 1º, I) seriam equiparáveis.114 Contudo, algumas impropriedades revelam o

114. Neste sentido expressou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao reverter uma decisão
interlocutória que determinou o processamento pelo rito do procedimento de requerimento
em caráter antecedente, sem haver pedido expresso e tendo sido apresentados os pedidos
principais. Consignou-se no acórdão que: “portanto, nula é a decisão recorrida quanto aos
714 Manual de Direito Processual Civil

equívoco da conclusão: a primeira, atinente à expressão utilizada no próprio texto legal


(“emenda”), tecnicamente utilizada para indicar as hipóteses em que a petição padeça de
vício cuja correção se revele imprescindível ao prosseguimento do processo; a segunda,
relacionada à exiguidade do prazo, para efeitos de aditamento com a finalidade de reque-
rer a tutela definitiva de mérito; e a terceira, concernente à já mencionada desigualdade
dos prazos estabelecidos para o referido aditamento (na hipótese de deferimento da me-
dida, o prazo seria de quinze dias; sendo esta indeferida, reduzir-se-ia para cinco dias).
Concluímos, assim, que a mencionada emenda somente se pode referir à necessi-
dade de correção dos vícios inviabilizadores da análise do requerimento de tutela de
urgência. Possivelmente, ao aludir à ausência de “elementos para a concessão de tutela
antecipada”, o legislador se tenha referido à falta da simples invocação dos pressupos-
tos inerentes a tal medida, ou a algum vício de forma facilmente sanável, como a apre-
sentação de determinado documento, referido na própria inicial.115-116
Ademais, como dito, sendo corrigido eventual vício (ou sendo este exclusivamente
relacionado à concessão do pedido liminar) e não sendo concedida a tutela provisória,
deve ser dada possibilidade ao autor de aditar, efetivamente, a inicial, no prazo de 15
dias, com base no disposto no art. 303, § 1º, I, do CPC/2015 (aplicável analogicamen-
te), para que complete a petição inicial com todos os requisitos necessários à resolução
do mérito da causa. Ter-se-ia, assim, o aproveitamento do processo, ainda que, de iní-
cio, estivessem ausentes os requisitos à concessão da tutela antecipada.
Logo, sendo ou não deferida a tutela de urgência, havendo o autor aditado a peti-
ção inicial, o réu será citado (art. 303, § 1º, II, do CPC/2015) e intimado da data de au-

efeitos da antecipação de tutela atribuídos pelo MM. Juízo a quo no molde previsto no artigo
304,§ 1º,do novo CPC, porquanto extra petita.”(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2159562-
55.2016.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 04.10.2016, des. Rel. Mourão Neto,
DJe 13.10.2016.
115. Assim nos posicionamos, em princípio, em nosso Novo Contencioso Cível no CPC/2015.
São Paulo: RT, 2015, p. 183. Esta é a posição, ademais, de: Daniel Mitidiero (Comentários
ao art. 303. in: Teresa Arruda Alvim Wambier, et. al. (coords). Breves comentários ao novo
código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 787, 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 832);
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 294 ao 333; v. 4 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 182); Lúcio Grassi
de Gouveia, (Comentários ao art. 303, in Agélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo
Arruda Alvim e Georde Salomão, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Sa-
raiva, 2016, p. 394), e; Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga. Rafael Alexandria de Oliveira.
(Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias,
decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10ª ed., Salvador:
Editora JusPodivm, 2015, p. 603).
116. Há quem diga, antes da vigência do CPC/2015 e da sua aplicação pelos tribunais, que
aprioristicamente é possível defender a juridicidade de ambas as posições, cabendo ao
magistrado “esclarecer no que consiste precisamente a emenda da inicial por ele pretendida,
justificando o seu entendimento: trata-se de reforçar o pedido de tutela antecipada [...] ou,
diferentemente, trata-se de deixar de lado aquele pedido antecedente, em prol da tutela
final” (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,
2015, p. 232).
As tutelas provisórias 715

diência de conciliação ou mediação. Desse ponto em diante, o processo segue normal-


mente, e o prazo para contestação será contado de acordo com o art. 335 do CPC/2015.
Ainda, tendo sido deferida a tutela antecipada, deixando o réu de impugná-la por meio
do recurso,117 a tutela antecipada se tornará estável, eliminando-se seu caráter provisório.

17.6. A estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente

17.6.1. Síntese evolutiva do instituto e principais questões no direito pátrio


Há algum tempo, se tem observado que determinadas espécies de tutelas de urgên-
cia são aptas a assegurar ao interessado, pelo menos na perspectiva fática, o gozo defi-
nitivo e irreversível do direito pleiteado. Essa situação sempre preocupou os juristas,
pois a solução, em princípio simplesmente provisória do litígio, adquiria estabilidade
equiparável àquela que teria a solução final.118
Esse fenômeno se verificava com frequência nos juízos de primeiro grau, em casos
como os de fornecimento de tratamento médico, realização de cirurgias urgentes, de-
terminação de matrícula em instituição de ensino etc. Em tais hipóteses, de um modo
geral, o autor se satisfazia com a providência prática concedida provisoriamente, o que
levava os magistrados a concluírem que a proteção jurisdicional se teria exaurido. E,
embora não se pudesse falar, tecnicamente, em ausência de interesse processual – já
que a definição do direito, em sede de cognição exauriente, ainda poderia ser necessá-
ria e útil119 – os juízes prolatavam sentença terminativa ao argumento de que a medi-

117. Arts. 304 e 1.015, I, do CPC/2015.


118. Cf.José Carlos Barbosa Moreira, Tutela de urgência e efetividade do direito. In: Temas de
direito processual. Oitava série. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 101.
119. De fato, do ponto de vista processual, a necessidade e utilidade da prestação jurisdicional
estão atreladas, no processo de conhecimento, às correlatas necessidade e utilidade na
definição da incerteza do direito. Desse modo, a providência prática concedida em sede
de tutela de urgência, ainda que irreversível e satisfativa no plano fático, não seria apta a
desfazer esse interesse. Lembramos, ainda, que o direito de ação é titularizado, sob o prisma
da iniciativa, pelo autor; contudo, a partir do momento em que é citado, possui o réu idêntico
interesse na prestação jurisdicional, de modo que também faz jus a um provimento definitivo
sobre o mérito da causa. Logo, embora possa haver, faticamente, a perda do interesse das
partes no prosseguimento do feito, esse interesse perdido não é, rigorosamente, o interesse
processual, senão que se trata de um interesse comum, motivado por razões internas do
sujeito. É mais uma motivação interna para prosseguir no pedido de julgamento definitivo.
Logo, a conduta correta do juiz não seria extinguir o processo por perda superveniente do
objeto, mas, sim, intimar autor e réu para verificar se há consenso quanto à desistência
da ação. Ainda, em caso de desistência, afigura-se-nos correto o entendimento de que a
verba sucumbencial deve ser paga pela parte requerida, se demonstrado que a providência
urgente não se implementaria sem a decisão judicial. Assim: “Apelação cível. Ação civil
pública c/c tutela antecipada. Pleito de fornecimento de tratamento médico urgente. Tutela
antecipada concedida. Posterior pedido de desistência ante o cumprimento da liminar de
caráter satisfativo e irreversível. Extinção do feito com fulcro no art. 267, inciso VIII, c/c § 4º
do mesmo artigo do Código de Processo Civil. Condenação em custas e despesas proces-
suais. Aplicação do princípio da causalidade. Sentença mantida. Recurso conhecimento e
716 Manual de Direito Processual Civil

da satisfativa e irreversível ocasionava a perda do objeto. Com isso, de um modo geral,


conformavam-se as partes, já que: por um lado, ficava o autor “dispensado” do ônus de
prosseguir na fase de conhecimento, para a qual poderia estar desmotivado, e, de outro,
facultava-se ao réu, se assim desejasse, a possibilidade de promover uma ação própria,
pleiteando, inclusive, a responsabilidade de ser indenizado pelas perdas e danos pro-
venientes do cumprimento da medida indevidamente decretada.120 Outras, vezes, eram
interpostos recursos e, em algumas ocasiões, confirmadas as sentenças terminativas,121
embora na jurisprudência predominasse o entendimento de que a tutela provisória de-
veria ser confirmada ou revogada por sentença, salvo desistência do autor, mediante
concordância do réu.122
Como vimos acima, ao criar uma medida que permite o requerimento antecedente
da tutela de antecipada sem impor ao autor o ajuizamento prévio ou concomitante da
ação de conhecimento, o CPC/2015 resolveu esse problema. Caso a medida seja con-
cedida, tem o autor um prazo para aditar a petição inicial, complementando-a, a fim de
requerer o provimento de mérito definitivo.

provido. Aplica-se o Princípio da Causalidade no presente caso, devendo o apelante arcar


com o pagamento dos ônus sucumbenciais, uma vez que restou comprovada nos autos a
necessidade do fornecimento urgente do tratamento médico pleiteado pela apelada a fim
de evitar o agravamento do quadro clínico do interessado. Logo, resta configurada a res-
ponsabilidade do apelante em arcar com os ônus sucumbenciais, notadamente porque
a apelada somente ajuizou medida judicial ante a inércia, por parte do ente público, em
fornecer a tratamento médico da forma mais célere possível. (TJ-PR, 5ª Câm. Cív. 8750521
PR 875052-1, Rel. Luiz Mateus de Lima, j. 24.7.2012).
120. José Carlos Barbosa Moreira, Tutela de urgência e efetividade do direito. In: Temas de direito
processual. Oitava série. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 101.
121. “Ação ordinária. Colação de grau. Participação de aluno reprovado em uma matéria.
Cerimônia realizada. Perda de objeto da ação. (...) 1. A tutela antecipada que garante ao
aluno, ainda que reprovado, a participação na cerimônia de colação de grau da turma,
tem caráter irreversível na medida em que, uma vez realizada a cerimônia com a partici-
pação pretendida, não há mais como restabelecer o status quo ante. Uma vez realizada a
cerimônia, com a participação da autora, a ação perde (...) o seu objeto....”(TJMG, Apel.
Cív.1.0024.08.956874-5/001, Rel. Des. Wagner Wilson, 16ª Câm. Civ., j. 2.12.2009).
122. “(...) O cumprimento da liminar não acarreta a perda do objeto ou a falta superveniente do
interesse de agir”. (TJRS, 22ª C.Cível, Rel. Apel. 70050145267, Maria Isabel de Azevedo
Souza, j. 31.7.2012); “Ação de obrigação de fazer. ECA. Pedido de vaga em creche e em
estabelecimento público de ensino. Direito à educação. Dever do município. Pedido de
extinção do processo com fundamento no art. 267, inc. IV, do CPC. Descabimento. Conde-
nação do município ao pagamento de honorários para Defensoria Pública. Cabimento. 1.
O fato de ser deferida a antecipação de tutela e ter sido cumprida a obrigação, não enseja
a extinção do processo por perda do objeto, mas a procedência, confirmando a tutela an-
tecipada, porquanto a prestação jurisdicional foi imprescindível para assegurar a matrícula
de que necessitava o autor. 2. Constitui dever do Município assegurar às crianças o acesso
à educação, cabendo-lhe garantir vaga na rede pública ou, então, na rede privada, às suas
expensas. 3. Mostrando-se adequada ao NCPC a verba remuneratória destinada ao FADEP
estabelecida na sentença, descabe modificá-la. Recurso desprovido.” (TJRS, Apel. Cív. nº
70069931772, 7ª Câm. Cív. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 27.7.2016; DJ
3.8.2016).
As tutelas provisórias 717

Isso, entretanto, não foi o suficiente para o legislador. À autonomia da tutela agre-
gou o CPC/2015 a estabilidade dos efeitos do provimento antecipado. A estabilização
é um instituto novo no ordenamento pátrio (art. 304 do CPC/2015), embora já estuda-
do pela doutrina,123 por influência do direito italiano e francês. Atualmente, é também
previsto no ordenamento português, que lhe atribui, inclusive, força de coisa julgada.124
De acordo com o Código, se o réu não interpuser recurso contra a decisão conces-
siva da tutela antecipada, a medida se tornará estável. O processo será, então, extinto,
mantendo-se os efeitos da medida (art. 304, §§ 1º e 3º, do CPC/2015). A partir daí, qual-
quer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar
a tutela antecipada estabilizada (art. 304, § 2º, do CPC/2015). Diz, ainda, o CPC/2015,
que esse direito de propor a ação revocatória (para rever, reformar ou invalidar a tutela
estabilizada) extingue-se no prazo de 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que
extinguiu o processo. Por fim, o legislador trata de esclarecer algo que, como expore-
mos, não está assim tão claro: dispõe o art. 304, § 6º, do CPC/2015, que a estabilidade
se refere aos efeitos da decisão, e que esta não produz coisa julgada.
Essas são as linhas gerais do instituto, cuja ideia já vinha sendo concretamente
amadurecida há décadas, sob a vigência do CPC/1973. Naquele contexto, já haviam
sido propostos projetos de lei ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual),
primeiramente, pela professora Ada Pellegrini Grinover (1997) e, posteriormente
(2005), por um grupo constituído por esta e pelos professores Kazuo Watanabe, Luiz
Guilherme Marinoni e José Roberto dos Santos Bedaque. Esses projetos atribuíam ao
instituto feições diferentes daquelas contidas no art. 304 do CPC/2015.125 Realçamos,
entre elas, a previsão de que, se as partes não propusessem a ação de conhecimento
no prazo de sessenta dias após a preclusão da decisão concessiva, a estabilidade da tu-
tela antecipatória adquiriria status de coisa julgada, tal como ocorre, atualmente, no
direito português.
Nas versões iniciais do Projeto de CPC, ainda no Senado – PLS 166/2010 (art. 280)
– já não se falava em coisa julgada, mas, tão somente, na estabilização. E, para ocorrer
a estabilização, seria necessária a ausência de impugnação (e não, apenas, especifica-
mente, de recurso), pelo réu, da decisão concessiva. Por outro lado, a eficácia da medi-
da (e, pois, a estabilização), perduraria por prazo indeterminado, até que adviesse uma
decisão definitiva de mérito. Ainda, essa previsão se aplicava não apenas à tutela ante-
cipatória de urgência, mas também às tutelas cautelares.

123. Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua estabiliza-
ção. Revista de processo, vol. 121, mar/2005, p. 11-37; José Roberto dos Santos Bedaque.
Estabilização das tutelas de urgência. In: Flavio Luiz Yarshell; Mauricio Zanoide Moraes
(org.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005,
p. 660 e ss.
124. Art. 369º, 1, do CPC Português de 2013, que comentaremos oportunamente.
125. Para melhor compreensão desses projetos, cf. Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional
diferenciada: a antecipação e sua estabilização. In Revista de Processo, Vol. 121, São Paulo:
RT, 2005, p. 11-37.
718 Manual de Direito Processual Civil

Na Câmara dos Deputados, houve algumas alterações quanto ao tema. O PL


8.046/2010 previu a estabilização como consequência da ausência de interposição, pelo
réu, do recurso cabível contra a decisão concessiva da tutela de urgência (antecipada ou
cautelar). Estabeleceu, ainda, o prazo de dois anos para a ação revocatória (art. 305),
sem nada esclarecer sobre a existência ou não de coisa julgada.
Das redações dos Projetos à versão final do CPC/2015, verificaram-se modificações
quanto a alguns pontos sensíveis, abaixo elucidadas: a) quanto ao tipo de contumácia exi-
gida como pressuposto à estabilização, i.e., se a falta de impugnação, em sentido amplo,
seria suficiente para tal ou se há exigência de que a contumácia se referisse, especifica-
mente, ao recurso, devendo ser interpretada na sua literalidade; b) se seria suficiente a
previsão da estabilização para a tutela antecipada, sem prejuízo da confusão conceitual
que se pudesse verificar, em muitos casos, desta com a tutela cautelar; c) quanto a exis-
tência, ou não, de coisa julgada a partir da expiração do prazo para a ação revocatória,
a despeito da previsão legal expressa em sentido contrário.
Ainda, podemos extrair dessa análise evolutiva a principal consequência da estabi-
lização, que é a de inverter o ônus do contraditório. Essa técnica, utilizada na ação mo-
nitória, consiste em, a partir de determinados requisitos que reforcem a probabilidade
do direito126 e mediante cognição sumária, garantir ao interessado a eficácia plena de
seu direito desde que a contraparte tenha sido contumaz.
A inversão do ônus do contraditório decorre do fato de que, ante a inércia do réu –
que, no caso da tutela antecipada no CPC/2015, é consubstanciada pela falta de recurso
–, concede-se ao autor a fruição imediata dos resultados práticos pretendidos, ao mes-
mo passo em que se transfere ao réu o encargo da argumentação relativa à inexistência
do direito do autor (questão de fundo), a partir de ação própria. Desse modo, se, an-
tes da tutela de urgência, caberia ao autor a propositura de ação de conhecimento, bem
como o ônus de aguardar a prolação de sentença definitiva de mérito e sua confirmação
em eventual apelação, para, só então, obter os efeitos pretendidos no plano empírico, a
partir da concessão da tutela antecipada, todos esses ônus se transferem para o réu, que
terá que suportar o encargo, enquanto perdura contra si a eficácia da medida. A doutri-
na pátria chega a falar em “ônus da instauração do processo de cognição exauriente”,127
já que, de fato, não é apenas o contraditório que se inverte, mas a própria necessidade
de propor a ação de conhecimento para obter a definição do direito. No direito portu-
guês, a legislação denominou essa técnica de “inversão do contencioso” (CPC Português
de 2013, art. 364º, 1).

126. Na ação monitória, o requisito que reforça a probabilidade do direito é a existência de


um título (“prova escrita que não configure título executivo”) ou uma prova documentada
advinda de procedimento de antecipação de prova, nos termos do art. 700, caput e § 1º do
CPC/2015.
127. Eduardo Talamini, Tutela de urgência no projeto de novo Código de Processo Civil: a es-
tabilização da medida urgente e a "monitorização" do processo civil brasileiro. Revista de
Processo, v. 209, jul/2012, p. 25.
As tutelas provisórias 719

O que o legislador pretende é reforçar, de forma ainda mais contundente, algo que
diz respeito a toda e qualquer medida provisória: sua concessão inverte a polaridade do
ônus do tempo no processo, no sentido de que o réu, contra quem for deferida a medida,
deverá arcar com os prejuízos que possam decorrer do transcurso do tempo até a sen-
tença definitiva.
Outra questão interessante quanto à  estabilização da tutela antecipada consiste em
que esta também abala os principais alicerces conceituais da tutela de urgência, consubs-
tanciados no binômio sumariedade da cognição – provisoriedade do provimento. Jus-
tamente por ser decidida em sede de cognição sumária, a tutela antecipada é provisória
e pode ser revogada, alterada ou anulada a qualquer tempo, até que advenha a sentença
de mérito. Essa relação, por muitos considerada necessária e inevitável, é afetada a par-
tir do momento em que se determina a conservação dos efeitos da decisão, ressalvada a
propositura de ação revocatória no prazo de dois anos. E, ainda mais grave: mesmo que
não se possa falar em coisa julgada, é certo que, com o decurso do prazo de dois anos
a que alude o art. 304, § 5º, do CPC/2015, o nexo necessário entre cognição sumária e
revogabilidade é definitivamente rompido. Retomaremos esse assunto quando tratar-
mos da relação entre estabilização e coisa julgada.
Vejamos, ainda, alguns aspectos procedimentais que geram perplexidade, no que
tange à estabilização.
Conforme já expusemos, dispõe a lei (art. 304 do CPC/2015),128 que, uma vez con-
cedida a tutela antecipada, se o réu não interpuser recurso contra a decisão, a medida
se tornará estável. Na sequência, determina o § 1º do dispositivo que a não impugnação
da medida por meio de recurso, importa na extinção do processo, com a manutenção es-
tabilizada da medida concedida.

17.6.2. Pressupostos para a estabilização da tutela antecipada de urgência


antecedente

Para que se possa falar em estabilização parece-nos ser necessário, que tenham
ocorrido os seguintes pressupostos: a) indicação expressa do autor que pretende bene-
ficiar-se do art. 303 do CPC/2015;129 b) o deferimento de tutela antecipada130 em cará-

128. O caput do art. 304, do CPC/2015, diz que “a tutela antecipada, concedida nos termos
do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo
recurso”.
129. Diversamente do que ocorre no direito brasileiro, o CPC de Portugal (2013) faz menção
expressa à necessidade de requerimento do autor quanto à consolidação da medida a partir
da “inversão do contencioso” (art. 369º, I).
130. No sentido de que a estabilização deveria se aplicar às medidas cautelares: Leonardo Greco,
A tutela da urgência e a tutela da evidência Leonardo Greco, A tutela no Código de Processo
Civil de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de
Macedo. (org). Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada v. 4. Procedimentos especiais,
tutela provisória e direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 189.
720 Manual de Direito Processual Civil

ter antecedente;131 c) deferimento de tutela antecipada sem a oitiva da outra parte; d) a


inércia do réu em impugnar, via recurso, a decisão concessiva da medida de urgência.
Vejamos cada um deles.
a) Indicação expressa do autor no sentido de pretender a estabilização. O autor, con-
forme previsto no § 5º do art. 303, do CPC/2015, que pretende seja aplicado o benefício
da tutela antecipada, deve indicar na petição inicial que dele pretende valer-se.
Ao se manifestar pela utilização do mecanismo da estabilização, o autor deixa claro
que se satisfará com a tutela antecipada, caso não haja recurso do réu. Com isso, abre
mão, pelo menos naquele procedimento, da cognição exauriente, bem como se subme-
te ao prazo extintivo de dois anos para o ajuizamento desta.132
De outra parte, o réu, ciente da opção do autor pela estabilização, ficará advertido
das consequências da não interposição de recurso contra a antecipação da tutela. Se
não houver manifestação do autor pela estabilização, livre estará o réu para deixar de
interpor o recurso, sem consequências mais drásticas que a manutenção provisória da
medida, fiando-se, das duas, uma: i) em que o recurso trará aos autos novos elementos,
capazes de infirmar os pressupostos inicialmente vislumbrados pelo juiz e autorizar a
revogação da tutela antecipada, já que esta não será estável; ii) na possibilidade de, ao
final do processo, caso a tutela antecipada venha a ser confirmada, interpor recurso de
apelação, que abarcará também, a medida de urgência.

131. A despeito da ausência de previsão legal, Bruno Garcia Redondo (Estabilização,


modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais
controvérsias, Revista de Processo, v. 244, p. 173) defende a estabilização em tutela
antecipada concedida em caráter incidental. Eduardo Talamini critica a opção legis-
lativa de excluir as medidas incidentais, mas explica que a disciplina do Código não
autoriza interpretação em contrário: “As disposições sobre estabilização dos efeitos da
medida antecedente, tal como postas, são incompatíveis com o regime das medidas
incidentais – tal como acontece na Itália, por exemplo (art. 669-octies, settimo comma,
do CPC italiano). Mas isso dependeria de regras específicas que definam parâmetros
de estabilização compatíveis com a estrutura e a dinâmica do processo de cognição
exauriente já em curso. (...)”.(Tutela de urgência no projeto de novo Código de Processo
Civil: a estabilização da medida urgente e a "monitorização" do processo civil brasileiro.
Revista de processo, v. 209 jul/2012, pp. 30-31).
132. “Sem expresso requerimento do autor não é possível estabilizar os efeitos da tutela.” (Daniel
Mitidiero, Comentário ao art. 303 do CPC/2015. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER
JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de
Processo Civil. 2ª ed.. São Paulo: RT, 3016, p. 832. Tal exigência decorre do fato de as técni-
cas previstas nos arts. 303 e 304 do CPC/2015 constituem benefícios ao autor, que “tem o
direito de se sujeitar aos riscos e aos custos inerentes ao prosseguimento do processo para
exercício da cognição exauriente, face ao legítimo interesse em obter uma tutela final apta
a formar coisa julgada material.” Desse modo, não se poderia “obrigar o autor a se contentar
com uma tutela provisória ‘estabilizada’ apta a ser desafiada por demanda contrária movida
pelo réu no processo original nos termos do art. 304, §5º” (Heitor Mendonça Sica. Doze
problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. In:
DIDIER JR., Fredie (coord.); FREIRE, Alexandre; PEIXOTO, Ravi; MACEDO, Lucas Buril de.
(org). Coleção novo CPC. Doutrina selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 239).
As tutelas provisórias 721

Aqui, cumpre-nos chamar a atenção para um problema relativo ao prazo para adi-
tamento da petição inicial (art. 303, § 1º, I, do CPC/2015).
De acordo com a concepção e com os objetivos do instituto, em caso de a tutela anteci-
pada vir a ser concedida pelo juiz, a estabilização será incompatível com tal aditamento. Isso
porque, como já dissemos, a tutela só se tornará estável se o processo for extinto, nos ter-
mos do art. 304, § 1º, do CPC/2015. Logo, não há possibilidade de o processo prosseguir se,
concedida a tutela, o réu deixar de interpor recurso, estabilizando-se os efeitos da medida.
Diante disso, não se vê razão para que o legislador tenha estabelecido para o adita-
mento um prazo tão exíguo que sequer permite que o autor tenha prévia ciência sobre
eventual inércia do réu em interpor recurso. Examinemos, pois, esse problema de ope-
racionalização da tutela estabilizada.
Em conformidade com os arts. 303 e 304 do CPC/2015, a partir da ciência da de-
cisão que concede a medida antecipada antecedente, tanto o autor quanto o réu pre-
cisam se desincumbir de determinado ônus: o autor deve aditar sua petição inicial e o
réu deve recorrer.
Será preciso definir qual inércia prevalece, se a do autor ou a do réu, pois a consequ-
ência do não aditamento da petição inicial é a extinção do processo, sem resolução de
mérito, enquanto a consequência do não oferecimento de recurso é a extinção do pro-
cesso com a conservação dos efeitos da medida, pela estabilidade que sobre ela recaí.
Assim, ambas as situações – a falta de aditamento e a falta de recurso – culminam na ex-
tinção do processo, com consequências distintas. Doutrinariamente, tem-se defendido
tanto a prevalência da estabilização,133 quanto que a tutela provisória deve ser cassada.134
A crítica que surge decorre do fato de que o prazo para o autor se inicia imediata-
mente após a publicação da decisão, enquanto o do réu deverá após a citação. O que
deverá mais comumente, ocorrer antes, então, é a atitude do autor, que terá o ônus de
aditar seu pedido (sob risco de ver extinto o processo sem julgamento do mérito) sem
saber, ainda, qual será a atitude do réu, ou mais especificamente, se haverá estabiliza-
ção. Da maneira como foi disciplinada a matéria parece haver uma incongruência com
o propósito da estabilização de tutela.135 O ideal seria que, a partir da concessão da me-
dida provisória, o réu fosse citado e, apenas após o decurso do prazo para recorrer, se
iniciasse o prazo para o autor aditar a peça inicial, se o caso. Afinal, o autor optou pelo
procedimento monitorizado do art. 303 do CPC/2015, o que indica poder, naquele mo-
mento, ter interesse em uma tutela meramente estabilizada, de cognição não exauriente.

133. Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria de Oliveira. Curso de direito processual
civil, vol. II, 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 610; Robson Renault Godinho, Comen-
tários ao art. 304. In: Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao
novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 479;
134. Fernando da Fonseca Gajardoni,. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015:
parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 893.
135. Bruno Garcia Redondo, Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência
antecipada antecedente: principais controvérsias. Revista de processo, v. 244, jun/2015,
p. 176.
722 Manual de Direito Processual Civil

Parece-nos, ademais, inadequada a solução encontrada na doutrina, de se permitir


que o autor opte pela estabilização ou pelo prosseguimento do feito, após a verificação
da inércia do réu.136 Nesse caso, o réu poderia ter que atuar sem ter condições de avaliar
as consequências da não interposição de recurso, o que, muitas vezes, conduziria à in-
terposição de recurso apenas por precaução, sem interesse, propriamente, na reforma
ou invalidação da decisão. Nesse passo, devemos salientar que o intento do legislador
parece ter sido o oposto, a saber: erigir a conduta (ou a inércia) do réu a fator determi-
nante da estabilização da medida.
Afigura-se-nos que a mais adequada solução para compatibilizar os desígnios da
estabilização da tutela com o procedimento estabelecido em lei dependerá da atitude
do juiz que, tendo diante de si um pedido antecipatório antecedente, com o esclareci-
mento do autor de que se pretende valer da estabilização, deverá assinalar para este um
prazo de aditamento consideravelmente superior ao prazo de agravo de instrumento
(art. 1.003, § 5º, do CPC/2015) ou de outro recurso cabível, quando o caso. Diz-se “con-
sideravelmente” superior porque, para fins de decidir se adita ou não a petição inicial,
deverá o autor, além de ter ciência da interposição do recurso, tomar conhecimento de
seu conteúdo, a fim de verificar, por exemplo: se o recurso é parcial ou integral, já que,
no primeiro caso, poder-se-á entender que a parte não impugnada da tutela se estabili-
zou; se o recurso, interposto por um litisconsorte passivo, é útil e pode ser aproveitado
pelos demais etc..
À primeira vista, pode parecer que ao juiz não seria possível designar tal prazo, pela
imprevisibilidade da data em que virá a ocorrer a citação e a intimação do réu sobre a de-
cisão antecipatória. Porém, devemos ter presente que o art. 303, § 1º, I, do CPC/2015,
alude ao prazo de quinze dias ou “outro prazo maior que o juiz fixar”. É possível, por isso,
cogitar de um prazo que não seja nominalmente maior (como ocorreria, v.g., se o juiz fixas-
se um prazo de vinte, trinta ou até sessenta dias), mas que tenha um dies a quo posterior
àquele previsto no inciso II do § 1º do art. 303 – i.e., a data da intimação da a concessão da
medida. Nesse caso, poder-se-ia cogitar, por exemplo, de um prazo de quinze dias, a ser
contado da intimação do autor sobre a interposição de eventual recurso pelo(s) réu(s).
b) Deferimento de tutela antecipada em caráter antecedente. A utilidade maior do
instituto será, sem dúvida, nos pedidos prestacionais, de entrega de coisa certa, e de
obrigação de fazer ou de não fazer. Por outro lado, também para o réu há vantagens em
não recorrer da decisão que concedeu a tutela provisória, extinguindo o processo, em
especial quando forem remotas suas chances de sagrar-se vencedor ao final do procedi-
mento ordinário. Ademais, com a estabilização o réu evita de arcar com custas proces-
suais e honorários advocatícios em patamar mais elevado.

136. “Parece-nos que o aditamento da inicial só deveria ser exigido após a constatação da não
apresentação de recurso contra a decisão antecipatória de tutela, quando se estabilizariam
os seus efeitos. O autor, então, teria a oportunidade de decidir entre (a) ficar com os efeitos
da estabilização da tutela; ou (b) aditar a inicial para que a questão seja definitivamente
decidida (Fernando da Fonseca Gajardoni, et. all. Teoria geral do processo: comentários ao
CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 893).
As tutelas provisórias 723

c) Quanto à modalidade de inércia do réu, é preciso questionar se quando o código se re-


porta a recurso (art. 304 do CPC/2015), quer significar apenas o agravo de instrumento, já
que há previsão específica para esta hipótese no art. 1.015, I, do CPC/2015137, sem prejuízo
da possibilidade de agravo interno, em se tratando de decisão monocrática de relator, bem
como demais recursos cabíveis, conforme o caso. Em princípio, a redação do dispositivo é
bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras
manifestações do réu que signifiquem a quebra da sua inércia e a impugnação da decisão
que concedeu a medida podem evitar a extinção do processo. Note-se, no entanto, que o
CPC/2015 não exige o provimento do recurso, mas sua mera interposição – quer portanto,
uma atitude qualificada do réu. Não é suficiente para impedir a estabilização, mero reque-
rimento; é necessário recurso, que, como dito, nem sempre será o agravo de instrumento.
Pense-se, por exemplo, na tutela provisória urgente antecedente que não for concedida em
primeiro grau. Se o autor interpuser agravo de instrumento, a eventual decisão monocrática
do tribunal pode ser impugnada por meio de agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) para
que não se estabilize. O mesmo vale para a reclamação (art. 988), que ostenta natureza de
sucedâneo recursal, quando a decisão impugnada contrariar jurisprudência vinculante.138
Questão interessante surge se o réu se antecipar e, ao invés de interpor o recurso
cabível no prazo legal, desde logo opta por oferecer sua contestação. Ocorre que o pro-
cedimento previsto nos parágrafos do art. 304 do CPC/2015, indica, em sua interpre-
tação literal, que prazo para o aditamento (art. 303, § 1º, I) e o prazo para interposição
do recurso (art. 303, § 1º, II) têm termos iniciais distintos. Diante disso, considerando
a cronologia dos autos processuais que se sucederem depois da concessão da tutela an-
tecipada em caráter antecedente (especialmente: i) a intimação do autor por meio de
diário oficial eletrônico da decisão concessiva da tutela antecipada – termo inicial para o

137. Nesse sentido: “ANTECIPAÇÃO DE TUTELA –Aplicação do efeito suspensivo –Impossibi-


lidade –Pedido de não exclusão do nome da agravada dos órgãos de restrição de crédito
–O agravante não trouxe indícios da legalidade do referido contrato, deixando de juntar
qualquer documento que comprovasse –Decisão mantida –Recurso não provido* *ESTA-
BILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA – A interposição de agravo de instrumento contra
a decisão que conceder a tutela antecipada é hábil a evitar a estabilização –Inteligência
dos arts. 303,304,994 e 1015, I, do NCPC – Decisão mantida –Recurso provido” (TJSP, AI
2125373-51.2016.8.26.0000, 21ª Câm. Dir. Priv., j. 01.09.2016, rel. Des. Maia da Rocha,
DJe. 01.09.2016); TJSP, AI 2230997-89.2016.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Privado, j.
06.12.2016, rel. Des. Jacob Valente, DJe. 06.12.2016
138. Embora a reclamação não obste o trânsito em julgado da decisão, cuida-se de ação autô-
noma que pode conduzir à observância do quanto decidido pelos Tribunais, modificando,
assim, a decisão impugnada. Produz, portanto, quanto ao seu resultado, efeitos semelhantes
aos recursais. Observe-se que a reclamação deve ser ajuizada antes do trânsito em julgado
ou da preclusão (art. 988, § 5º, do CPC/2015, na linha do que já havia sumulado o STF no
enunciado 734 e, mais especificamente, quanto à preclusão, na esteira do que já decidiu
o STF na Rcl 2517 AgR, Rel.Min. Roberto Barroso,1ª T., j. 5/8/2014, DJe 26.9.2014). Con-
tudo, poderá a reclamação ser admitida se, uma vez ajuizada antes do trânsito em julgado,
sobrevier, na pendencia da referida ação, a preclusão ou o trânsito em julgado da decisão
impugnada (STF, Rcl 509/MG, Pleno, j. 17.12.1999, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU
04.08.2000).
724 Manual de Direito Processual Civil

prazo de 15 dias ou prazo maior que o juiz fixar para aditar a petição inicial; e, ii) citação
do réu para comparecer à audiência de conciliação e intimação da decisão concessiva
da tutela antecipada – termo inicial para interposição do recurso cabível, usualmente,
o agravo de instrumento, cujo prazo para interposição é de 15 dias), é possível que no
momento que o réu for citado e intimado já conste dos autos o aditamento, sendo-lhe
viável no plano fático oferecer a contestação.
Surge a dúvida, neste caso, se a contestação seria suficiente para obstar a estabiliza-
ção e a consequente extinção do processo, viabilizando o prosseguimento da demanda
pelo rito comum. Sobre o tema, a doutrina ainda não se posicionou com unidade, ha-
vendo duas correntes que têm maior notoriedade.
Parte da doutrina compreende que o instrumento hábil a impedir a estabilização é a
interposição do recurso cabível (usualmente o Agravo de Instrumento).139 Diante disso,
qualquer outra providencia não seria suficiente para o prosseguimento da demanda, visto
que o CPC/2015, em seu art. 303, estabelece que, havendo a estabilização, o processo deve-
rá ser extinto. Partindo-se deste pressuposto, a apresentação da contestação seria inócua.
Diversos são os argumentos que podem ser elencados neste sentido. Como já men-
cionado, redação do dispositivo que disciplina este momento do procedimento ora es-
tudado é relativamente clara ao prever que apenas a apresentação do “respectivo recur-
so” em face da decisão antecipatória impede a estabilização e a consequente extinção
do processo. Lembremos, outrossim, que, consoante já se observou na síntese evoluti-
va do instituto, a redação originária do PLS 166/2010 previa a ausência de impugnação
da medida como pressuposto à estabilização, o que veio a ser modificado na Câmara
dos Deputados (art. 305 do PL 8.046/2010). O texto de lei aprovado (art. 304, caput, do
CPC/2015) seguiu expressamente o entendimento da Câmara, de forma que ampliar o
pressuposto da inércia do réu em recorrer da medida geraria grande insegurança jurí-
dica e inviabilizaria o instituto, que já se apresenta extremamente complexo.
Por outro lado, importante o destaque de que outra parcela da doutrina compre-
ende que a interpretação do dispositivo não deve ser literal.140 Dentre os argumentos

139. Neste sentido: Alexandre Freitas Câmara, O Novo Processo Civil Brasileiro, 2ª Ed. rev. e atual.
São Paulo; Atlas, 2016, p. 162-163; Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do
Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. 406-407; Dario Ribeiro Machado Júnior, Guilherme Kro-
nemberg Hartmann, Erik Navarro Wolkart, Sofia Temer, Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues,
Rodrigo Gismondi e Gustavo Quintanilha Telles de Menezes, Novo Código de Processo Civil,
São Paulo: Forense, 2015, p. 171; Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil,
Vol. 1, 56ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 661 – (Importante ressaltar
que o último o autor interpreta que o aditamento da petição inicial somente deve ocorrer
após a interposição do recurso de agravo de instrumento pelo réu, devendo ser os prazos
sucessivos e não cumulativos como interpreta parte da doutrina. O destaque é importante,
pois o autor entende que sequer poderia haver contestação antes da estabilização, visto
que o aditamento com a apresentação do pedido final somente ocorrerá, após o prazo para
interposição do recurso cabível, tão somente se houver a sua interposição);
140. Daniel Mitidiero, Comentário ao Art. 304, in Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.], coor-
denadores, São Paulo: RT, 2015, p. 789; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
As tutelas provisórias 725

que são elencados, pode-se destacar o de que o réu, ao apresentar a contestação ou uma
mera impugnação, não teria restado inerte, tendo evidenciado a sua oposição ao pro-
vimento liminar, o que justificaria o prosseguimento do feito. Diante disso, não seria
adequado interpretar literalmente o dispositivo legal, devendo ser o termo “recurso”
lido como “qualquer oposição” ou “impugnação”. Ademais, argumenta-se que o réu,
ao apresentar contestação, teria manifestado sua pretensão de obter um julgamento de
mérito definitivo, o que impediria a extinção do processo neste momento inicial, em
que não há cognição exauriente. Complementa-se, finalmente, como argumento que
se baseia no respeito à celeridade e economia processual. Pontua-se que não seria razo-
ável obrigar a parte, que já manifestou que pretende a solução da lide ao apresentar sua
contestação, a dar início a outro processo, pagando custas, movimentando novamente
a máquina judiciária, sendo que as questões controvertidas podem ser solucionadas no
próprio processo já iniciado.
Optamos, nesse ponto, conforme expressando em obra de nossa autoria141, pelo
entendimento que privilegia a tomada de posição do legislador e que, dentro do seu es-
pectro de objetivos. alarga a possibilidade de estabilização, permitindo que se conserve
a eficácia enquanto não for desconstituída por ação de cognição plena.142 Neste caso,
ademais, o acesso à justiça e o direito de ação estão preservados (ainda que para seu exer-
cício seja necessária uma nova demanda, nos termos do § 2º do art. 304 do CPC/2015).
Por outro lado, temos consciência de que a exigência de que o réu interponha recurso,
a fim de obstar a estabilização da tutela, dificulta a adoção dessa técnica nos Juizados
Especiais Cíveis, em que não há, como regra, recurso imediato contra as decisões inter-
locutórias; trata-se, contudo, como já se disse, de opção clara do legislador.143

Comentário ao art. 304, in Luiz Guilherme Marninoni, Comentários ao Código de Processo


Civil: artigos 294 ao 333 – Vol. 4, São Paulo: RT, 2016 p. 184-185; Cássio Scarpinella Bue-
no, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 232-233; Leonardo
Ferres da Silva, Tutela Provisória: tutela de urgência e tutela de evidência do CPC/1973
ao CPC/2015, São Paulo: RT, 2015 (Coleção Libman/ coordenação Teresa Arruda Alvim
Wambier e Eduardo Talamini), p. 221; Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria
de Oliveira, Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão,
precedente, coisa julgada e tutela provisória, Vol. 2, 10ª ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015,
p. 609; Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, Andre Vasconcelos Roque e Zulmar
Duarte de Olliveira Jr. Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015, São Paulo:
Forense, 2015, p. 899-900
141. Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo: RT, 2016, p. 185.
142. Dierle Nunes e Érico Andrade. Os contornos da estabilização da tutela provisória de ur-
gência antecipatória no novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr. (coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org).
Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e
direito transitório, p. 83.
143. Excetuam-se, todavia, os Juizados Especiais Federais e os Juizados Especiais da Fazenda
Pública, em que há disposições expressas (art. 5° da Lei n° 10.259/2001 e art. 4° da Lei n°
12.153/2009, respectivamente) no sentido do cabimento do agravo de instrumento. E, mes-
mo no âmbito dos Juizados Estaduais Cíveis, regidos pela Lei 9.099/1995, há que registrar
o entendimento de alguns colégios recursais, no sentido do cabimento do agravo de instru-
726 Manual de Direito Processual Civil

17.6.3. Estabilização e coisa julgada


Questão polêmica, e de extrema relevância, diz respeito à “definitividade” que surge
da decisão estabilizada. Qual seria o caráter ou a natureza jurídica dessa estabilidade,
uma vez transcorridos os dois anos de prazo para a reforma da medida? Já menciona-
mos que, até a penúltima versão do texto do CPC/2015 (Projeto de Lei n. 8.046/2012,
da Câmara dos Deputados), não havia alusão à coisa julgada nos dispositivos que trata-
vam da estabilização da tutela. Com o objetivo de esclarecer o ponto, o legislador acres-
ceu o § 6º ao art. 304 no texto final do CPC/2015, com a seguinte redação: “A decisão
que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos
só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajui-
zada por uma das partes”.
Nesse aspecto, seguiu o caminho diametralmente oposto ao das propostas apresen-
tadas no Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP.144 O mesmo se diga quanto
ao direito português, cujo art. 371º, I (CPC Português de 2013) estabelece, como con-
sequência da não propositura, pelo réu, de ação destinada a impugnar a existência do
direito do autor, a “pena de a providencia decretada se consolidar como composição
definitiva do litígio”.145
No entanto, a despeito dos antecedentes históricos e do paralelo com o ordenamen-
to português – cuja técnica de encurtamento procedimental mediante “monitorização”
é muito semelhante àquela adotada nos arts. 303 e 304 do CPC/2015 –, o certo é que
o CPC/2015 adotou uma posição clara no sentido de que a decisão provisória estabili-
zada não reúne condições de formar coisa julgada.146 Desse modo, adotou-se a mesma
técnica lusitana, de inversão do contraditório ou monitorização, sem, contudo, atribuir à
estabilização as mesmas consequências estabelecidas pelo legislador português. A so-
lução, quanto à coisa julgada, mais se aproxima do sistema francês de référés (484 a 492
do Code de Procédure Civile francês), em que esta não se verifica.147

mento nas hipóteses cogitadas. Assim, por exemplo, o Enunciado nº 02 do I Encontro do


Primeiro Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Capital do Estado de São Paulo:
"É admissível, no caso de lesão grave e difícil reparação, o recurso de agravo de instrumento
no juizado especial cível".
144. Sobre isso, ver o que dissemos em “Síntese evolutiva do instituto e principais questões no
direito pátrio”, supra.
145. A propósito, lê-se, na doutrina portuguesa: “A expressão ‘a providência decretada se con-
solidar como composição definitiva do litígio’ apenas pode significar que aquela adquire
a qualidade de caso julgado material absoluto, (...). Por isso, passa a valer como título exe-
cutivo judicial com força executiva não provisória e passível de ser suficiente para registro,
nomeadamente.” (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil. Volume I. Arts. 1º ao 545.
2ª ed., Coimbra: Coimbra, 2015, p. 320).
146. Eduardo Talamini, Tutela de urgência no projeto de novo Código de Processo Civil: a es-
tabilização da medida urgente e a "monitorização" do processo civil brasileiro. Revista de
processo, v. 209, jul/2012, p. 23.
147. Giovanni Bonato, I référés nell’ordinamento francese, In: Antonio Carratta (a cura di), La
tutela sommaria in Europa – Studi, Napoli: Jovene, 2012, p. 59. Observamos, contudo, que,
As tutelas provisórias 727

Atribuímos tal solução ao fato de não se tratar, tal decisão, essencialmente, de uma
decisão de mérito, 148 mas dos possíveis efeitos que resultariam da procedência do pedi-
do. Ainda, devemos registrar, a solução legal se justifica ante à incompatibilidade entre
cognição sumária e coisa julgada material.149
Não podemos deixar de ponderar, por outro lado, que, após a estabilização quali-
ficada, decorrente da expiração do prazo de dois anos previsto no § 5º do art. 304 do
CPC/2015, não mais se poderá rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada. Cria-se,
dessa maneira, uma nova espécie de estabilidade processual, diferente das preclusões e
da coisa julgada. A eficácia da medida, após os dois anos, não pode ser alterada sequer
mediante propositura de nova ação, e no entanto não se pode dizer ter-se formado coisa
julgada material. Isso, pela razão, repitamos, desta incidir exatamente nos efeitos que
adviriam do mérito sobre cuja decisão recairia coisa julgada material.
Por outro lado, parte da doutrina é levada a crer que, malgrado a dicção do texto legal dis-
ponha expressamente em contrário, a estabilização coincide com a coisa julgada material.150
Entretanto, a estabilidade do art. 304 do CPC/2015, em verdade, não tem a mesma
natureza jurídica da coisa julgada material. Esta qualidade de imutabilidade que recai

naquele sistema, a estabilização pode ser “desfeita” em prazo indeterminado, o que, certa-
mente, deverá observar os prazos extintivos do direito material, quando houver. Essa solução,
quanto ao prazo da estabilização, é também adotada no sistema italiano (art. 669-octies do
CPC italiano). Sobre o tema, cf. Lea Querzola, La tutela antecipatória fra il procedimento
cautelare e giudizio di merito. Bologna: Bononia University Press, 2006, p. 250 e ss..
148. A coisa julgada material, como se sabe, só recai sobre decisões de mérito. Assim dispõe o
CPC/2015: “Art. 502, Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável
e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”
149. Diz Leonardo Greco que há uma correlação natural entre coisa julgada e cognição exau-
riente, razão porque a necessidade de adequação da tutela às necessidades do caso, com
a consequente sumarização dos procedimentos cognitivos, não pode ser entendida “como
aceitação de que o legislador possa definir que o provimento final deva estar apto à coisa
julgada, independentemente da extensão cognitiva por ele mesmo propiciada, porque o
litigante tem direito a que sua causa seja apreciada com toda a amplitude cognitiva e absoluto
respeito a todas as garantias constitucionais do processo.” (Cognição sumária e coisa julgada.
Revista eletrônica de direito processual, n. 10, julho a dezembro de 2012, disponível em
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/20351/14692). No mesmo
sentido, Eduardo Talamini, Tutela de urgência no projeto de novo Código de Processo Civil:
a estabilização da medida urgente e a "monitorização" do processo civil brasileiro. Revista
de processo, v. 209, jul/2012, p. 28.
150. “Passados dois anos da ciência da decisão que extinguiu o processo, incorrerá em decadência
do direito de propor a ação revocatória (§ 5º) ou seja, sobrevirá efetivamente a coisa julgada”
(Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil
de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo.
(org).. Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela pro-
visória e direito transitório, p. 193). V., sobre o tema, do mesmo autor: cognição sumária e
coisa julgada. REDP, n. 10, julho a dezembro de 2012, especialmente à p. 300, onde deixa
claro que não concorda com a solução adotada. E, ainda: Araken de Assis, Processo Civil
Brasileiro. Vol. II. Tomo II. 1 ed.. São Paulo: RT, 2015, p. 608, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery,
Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed.. São Paulo: RT, 2015, p. 864.
728 Manual de Direito Processual Civil

sobre o comando da decisão judicial de mérito para determinadas situações; aquela é


uma preclusão sobre a eficácia de um provimento não-meritório extraído de cognição
sumária.151
A estabilização não se confunde com coisa julgada material, esta ostenta os efeitos
negativo e positivo. A tutela estabilizada, certamente, não possui essa feição positiva,152
e, de certo modo, tem a eficácia negativa limitada aos efeitos práticos do provimento an-
tecipatório, nos estritos limites almejados na tutela de urgência. 153
O efeito negativo da coisa julgada é diverso e consiste na impossibilidade de, a par-
tir da formação da coisa julgada, propor ação idêntica, que seria aquela que, a rigor,154
é composta pelos mesmos e idênticos elementos (partes, pedido e causa de pedir) da
causa antecedente. Nesse sentido é que se diz que a coisa julgada material é pressupos-
to processual negativo, cuja existência impede o exame de mérito de processo poste-
rior (art. 485, V, do CPC/2015), que veicule ação idêntica àquela já decidida definitiva-
mente pelo Judiciário.
Veja-se, ainda, que da coisa julgada se irradia uma eficácia preclusiva, que impede
a rediscussão de alegações e argumentos que serviriam a amparar a defesa ou o funda-
mento da demanda já julgada. Tais argumentos e alegações – deduzidos ou não pelas
partes –, não poderão ser suscitados perante o Judiciário somente com vistas a modi-

151. “A eficácia da sentença deve, lógica e praticamente, distinguir-se da sua imutabilidade.


Aquela pode definir-se genericamente como um comando, quer tenha o fim de declarar, quer
tenha o de constituir ou modificar ou determinar uma relação jurídica. (...) Esse comando, na
verdade, ainda quando seja eficaz, não só é suscetível de reforma por causa da pluralidade
de instâncias e do sistema dos recursos sobre que está o processo construído, mas ainda está
exposto ao risco de ser contrariado por outro comando, pronunciado também por um órgão
do Estado. (...) Assim, a eficácia da sentença não pode por si só impedir que o juiz posterior,
investido também ele da plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença,
de reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo diferente. Somente uma razão de utilidade
política e social (...) intervém para evitar essa possibilidade, tornando o comando imutável
quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a preclusão dos recursos contra a
sentença nele pronunciada. Nisso consiste, pois, a autoridade de coisa julgada, que se pode
definir, com precisão, como imutabilidade do comando emergente de uma sentença.(...)”
(Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença (com aditamentos relativos ao
direito brasileiro). 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense,1981, § 3º, n. 15, pp. 51-55). Cf., sobre o
ponto e sobre outras questões afins: Thereza Alvim, Questões prévias e os limites objetivos
da coisa julgada. São Paulo: RT: 1977, cap. X, pp. 48 e ss..
152. De forma análoga: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria de Oliveira. Curso
de Direito Processual Civil. 10ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 612.
153. Concluindo no mesmo sentido: Heitor Mendonça Sica. Doze problemas e onze soluções
quanto à chamada estabilização da tutela antecipada. In: Alexandre Freire, et al. (coords.).
Doutrina selecionada, vol. 4. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 187.
154. Diz-se, a rigor, em virtude das possíveis atenuações, observadas sob determinadas circuns-
tâncias, sobretudo no processo coletivo, à regra da tríplice identidade. Sobre o tema, v. o
que escrevemos em: Coisa julgada nas ações coletivas e identidade de causas entre ação
civil pública e ação popular. In: MILARÉ, Édis. Ação civil pública após 30 anos. São Paulo:
RT, 2015.
As tutelas provisórias 729

ficar o resultado de mérito alcançado e já revestido pela coisa julgada. A chamada efi-
cácia preclusiva da coisa julgada obsta a rediscussão das questões deduzidas e também
daqueles dedutíveis, por se considerarem preclusas (efeito preclusivo da c. j.) tais ques-
tões. É importante, portanto, ter presente, que a eficácia preclusiva, como o próprio
nome diz, é uma modalidade de preclusão, decorrente da coisa julgada, mas com ela não
se confunde.¿ 155 ¿Observa-se, claramente, que esse fenômeno pressupõe os anteriores
(eficácia positiva e negativa da coisa julgada), e não pode, por isso, se ajustar à ideia de
estabilização da tutela antecipada.
Dessa forma, por mais que se possa, em princípio, verificar similitude entre a estabili-
zação da tutela antecipada e a formação de coisa julgada, temos que esta última somente
se forma após a prolação de decisão de mérito proferida mediante cognição exauriente.

17.6.4. Outras questões polêmicas sobre a estabilização da tutela


A dificuldade de se distinguir, no plano prático, os efeitos gerados pela estabilização
da tutela e aqueles inerentes à coisa julgada, certamente ocasionará uma série de dúvidas.
Algumas delas já podemos antever; outras, surgirão no curso da aplicação do instituto.
Uma indagação importante diz respeito à possibilidade de ajuizamento de ação res-
cisória contra a decisão que tenha se estabilizado de forma qualificada, i.e, após o de-
curso do prazo para o ajuizamento de ação destinada a rever, reformar, alterar ou inva-
lidar a tutela antecipada (art. 304, § 5º, do CPC/2015). Em princípio, o fato de a ação
rescisória só ser oponível, como regra geral, para desconstituir a coisa julgada material,
poderia obstar tal solução; contudo, no atual CPC, há autorização para a rescisão de
provimento judicial que, embora não seja de mérito, impeça a propositura de nova de-

155. Sobre a diferenciação entre os limites objetivos da coisa julgada, e sua eficácia preclusiva,
vejamos a lição de Luiz Machado Guimarães, em estudo pioneiro sobre o assunto, tratan-
do, à época, do art. 287, parágrafo único, do CPC/39: “Apenas a questão que é objeto do
decisum, e não aquelas que constituam suas premissas, adquire a autoritas rei iudicatae.
Estas premissas são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, mas não adquirem,
elas próprias, autoridade de coisa julgada. Podem por isso, tais questões ser ressuscitadas em
novo processo cujo objeto seja diverso do objeto do processo pendente. Só na hipótese de
novo processo visando diminuir ou extinguir os efeitos da anterior sentença imutável, não
poderão aquelas questões ser novamente suscitadas. Não somente as questões efetivamente
suscitadas (o ‘deduzido’), como também as que poderiam ter sido suscitadas (o ‘deduzível’),
são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, se bem que não adquiram elas próprias
e per se a autoridade de coisa julgada” (Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. In: Estudos
de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969, p. 21-22
e). No mesmo sentido: “A coisa julgada obsta a que questões, distintas da principal (mérito)
que pudessem influir no julgamento da lide, mesmo que delas não se tenha cogitado no
primeiro processo, possam ser rediscutidas, pelo menos com vistas à modificação do quanto
se tenha previamente decidido. É a chamada eficácia preclusiva da coisa julgada (...). Isto
não quer dizer que se consideram decididas tais questões prejudiciais (das quais antes não
se cogitou) (...). O que sucede (...) é que não poderão ser levantadas questões não suscitadas
em tempo oportuno, visando ao acolhimento ou à rejeição do pedido já julgado.” (Eduardo
Arruda Alvim, Angélica Arruda Alvim. Apontamentos sobre a coisa julgada no Código de
Processo Civil. Revista Forense, 415, p. 75-90, 2012).
730 Manual de Direito Processual Civil

manda (art. 966, § 2º, I, do CPC/2015). Isso exigiria, porém, a configuração de uma das
hipóteses previstas nos incisos do art. 966 do CPC/2015. Ademais, o § 5º do art. 304 do
CPC/2015, que previu o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada está-
vel, no prazo de dois anos, nada mais é que um equivalente à ação rescisória.
Problema de difícil solução diz respeito ao questionamento sobre a possibilidade de
estabilização da tutela em causas que versem direitos indisponíveis ou em processos ur-
gentes preparatórios contra a Fazenda Pública.156 Trataremos de ambos conjuntamente,
por entender que a justificativa para tal questionamento só pode ser comum, a saber, a
indisponibilidade dos direitos (no caso da Fazenda Pública, somente existente quando
se trate de interesse público primário, e não meramente econômico).
Sobre isso, parece-nos relevante lembrar que o CPC/2015, na linha do CPC/1973,
prevê diversos dispositivos que estabelecem a presunção de veracidade de fatos ou direi-
tos não impugnados como consequência da inércia da parte. Assim ocorre com o ônus da
impugnação especificada, com os efeitos da revelia, com a dispensa de provas relativa-
mente a fatos incontroversos e com o julgamento antecipado de mérito total ou parcial.
Todavia, devemos ressalvar que essas regras são fundadas na premissa de um pro-
cesso civil que se desenvolve entre partes iguais e relativamente a direitos disponíveis, o
que nem sempre ocorre. Com base nisso, a própria lei excepciona as presunções decor-
rentes do ônus da impugnação especifica dos fatos pelo réu (art. 302, I, do CPC/1973;
art. 342, I, do CPC/2015) e do efeito material da revelia (art. 320, II, do CPC/1973;
art. 345, II, do CPC/2015), em casos que versem direitos insuscetíveis de confissão (i.e.,
direitos indisponíveis). Quanto à dispensa de provas referentes a fatos incontroversos
(art. 334, III, CPC/1974; art. 374, III CPC/2015), é certo que, como vimos defendendo
há tempos, somente se pode verificar dita presunção se: os fatos forem verossímeis, os
direitos não forem indisponíveis e se não houver indicativo de prova a ser produzida nos au-
tos ex officio pelo juiz. Como o julgamento antecipado de mérito é hipótese que decor-
re da dispensa de provas sobre fatos incontroversos, afigura-se-nos aplicável o mesmo
raciocínio ao disposto nos arts. 355 e 356 do CPC/2015 (que equivalem, parcialmente,
ao art. 330 do CPC/1973).
Dispõe o 304, § 2º do CPC/2015 que qualquer das partes pode mover a demanda
“com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”.  Não
parece, pois, tratar-se, necessariamente, de uma ação para exaurir a cognição que foi in-
terrompida pela estabilização.157 O texto indica que a ação autônoma serve para reana-

156. Sobre o tema, v. Eduardo Talamini, Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo
Civil: a estabilização da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro.
Revista de processo, vol. 209, p. 26.
157. Em sentido contrário, denominando-a “ação exauriente”: Daniel Mitidiero. Comentários
ao art. 304. In: Teresa Arruda Alvim Wambier, et. alli. (coords.). Breves comentários ao novo
código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 789. No direito português, o que se prevê,
antes do prazo de 60 dias, é a necessidade de ação de cognição exauriente e, findo o prazo
fixado por lei, opera-se a coisa julgada. V., a propósito: Rui Pinto, Notas ao Código de Pro-
cesso Civil. Volume I. Arts. 1º ao 545. 2ª ed., Coimbra: Coimbra, 2015, pp. 319 e ss..
As tutelas provisórias 731

lisar a concessão da medida, culminando em uma decisão que a mantém, reforma ou


invalida.158 Na sequência, porém, o § 3º do art. 304 alude à conservação dos efeitos da
tutela antecipada enquanto não revista, reformada ou invalidade por decisão de mérito
proferida na ação de que trata o § 2º. Apesar disso, parece-nos que nada obsta que a re-
forma ou invalidação da tutela antecipada ocorra por meio de outra medida, igualmen-
te provisória, tendo em vista: a) os fundamentos constitucionais das tutelas provisó-
rias (acesso à justiça e efetividade), já tratados neste capítulo; b) a ausência de vedação
legal nesse sentido.
A redação do art. 304, § 2º CPC/2015 estabelece que qualquer das partes poderá
mover outra ação tendo por objeto rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada já
estabilizada. O próprio texto legal indica o objeto da demanda. Assim, não há como en-
tender que poderia vir a ser, necessariamente, o exaurimento da cognição do processo
onde foi concedida a medida. De qualquer forma, até que seja proferida decisão nesta
nova ação, a medida estabilizada conserva seus efeitos (art. 304, § 3º), do que se con-
clui que, nesse caso, a antecipação da tutela ganha ares de definitividade. Há aqui um
distanciamento do tratamento dado em geral às medidas de urgência, pois nestas, ime-
diatamente após a sua concessão, o processo segue até receber uma sentença, que po-
derá ou não confirmar a medida e, aí sim, decidir de forma definitiva a lide. Já estando
a tutela estabilizada, o processo não continua, mantendo-se os efeitos de uma tutela
eminentemente sumária.
Nada obsta, contudo, que a ação de cognição exauriente se preste a rever, reformar
ou invalidar a tutela antecipada já estabilizada.
Contudo, segundo o art. 304, § 5º, o prazo para mover a demanda específica de que
fala o art. 304, § 2º, é de dois anos, contados da ciência (publicação) da decisão que ex-
tinguiu o processo. Quer parecer que se trata de um prazo decadencial, pois após trans-
corrido, o que perece é o direito a rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada.
Assim, a partir da concessão da tutela antecipada antecedente, se o réu não apre-
sentar tempestivamente recurso haverá uma espécie de imutabilidade do provimento
(restará estável), só podendo ser desfeito ou invalidado se quaisquer das partes ajuizar
a demanda específica, prevista no § 2º do art. 304, CPC/2015.

17.7. Tutela de urgência cautelar requerida em caráter antecedente


Diversamente do que ocorre com a tutela antecipada antecedente, a tutela cautelar
antecedente já vinha prevista expressamente no CPC/1973 (art. 796) de modo que não
constitui novidade no sistema processual civil. No CPC/2015, isso se repete; a tutela

158. Em sentido aparentemente conforme, denominando-a “ação revocatória”: Leonardo Greco,


A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2015. In: Fredie
Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org). Coleção
Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e direito
transitório, v. 4. 2ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2016, pp. 189.
732 Manual de Direito Processual Civil

cautelar pode ser requerida isoladamente (art. 305) ou de forma conjunta com o pedi-
do principal (art. 308, § 1º).
Na verdade, a razão de ser da tutela cautelar justifica a sua possibilidade anteceden-
te. Se há perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, existe a necessidade de
requerer a tutela cautelar.
O procedimento da tutela cautelar antecedente, no CPC/2015, não difere muito
do que já previam os arts. 798 e seguintes do CPC/1973. A petição inicial observará os
mesmos pressupostos indicados para a medida antecipatória antecedente, e deve ser 
limitada a indicar qual é o direito que se busca assegurar (isto é, no que reside a caute-
laridade no caso concreto), além de demonstrar os dois requisitos gerais de concessão
dessa tutela provisória, que são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo (art. 305, caput, do CPC/2015). A probabilidade do direi-
to diz respeito à viabilidade do pedido principal a ser formulado; o risco de dano diz
respeito à própria utilidade do processo, tendo em vista a natureza eminentemente ins-
trumental das cautelares.
Recebida a petição inicial, o réu será citado para apresentar defesa em cinco dias
(art. 306).159 Caso deixe de oferecer contestação, dar-se-á a revelia, considerando-
-se aceitos pelo réu os fatos como apresentados pelo autor, e seguindo-se o imediato
julgamento do feito (art. 307). Se for apresentada defesa, o procedimento a seguir
será o comum. Se não for apresentada defesa, poderão ser presumidos verdadeiros
os fatos alegados a fim de se manter, a medida cautelar deferida (i.e., haverá reve-
lia quanto ao pedido de natureza cautelar – art. 307 do CPC/2015). Tal inércia não
poderá, no entanto, ser considerada para efeitos de julgamento do mérito, quando
deverá ser oportunizada plena defesa ao réu, sem qualquer influência da inércia re-
lativamente à cautelar.160
O procedimento cautelar é bastante resumido, limitado à petição inicial, defesa,
apresentação sumária de provas e julgamento final. No momento de decidir, o juiz ve-
rificará se é cabível conceder a tutela cautelar – em outras palavras, se é adequado defe-

159. “O réu deverá ser citado para resposta, e não para a conciliação, nos moldes do art. 334 do
CPC, o que não se coaduna com a celeridade e a urgência do processo cautelar. É certo que
não existe impedimento para a audiência de conciliação; contudo, ela deverá ser posterior
à efetivação da medida de cautela, quando realizada”. (Fábio Caldas, Curso de processo
civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 1.005).
160. Assim já se entendia à luz do CPC/1973: “AÇÃO CAUTELAR – Sustação de protesto – Re-
velia – Julgamento antecipado – Possibilidade – Resultado da ação cautelar que não vincula
o julgamento do mérito da ação principal – Nulidade – Não reconhecimento: – Diante
da revelia em ação cautelar de sustação de protesto, é possível o julgamento antecipado da
lide, observando-se que o resultado da ação cautelar não vincula o julgamento do mérito
da ação principal, não havendo nulidade a ser reconhecida. Recurso não provido.” (TJSP,
13ª Câm. Dir. Priv., Apel. 00044850320148260180 SP 0004485-03.2014.8.26.0180, Rel.
Des. Nelson Jorge Jr., j. 09.3.2016, DJ 9.3.2016. Assim, também:TJSP, 15ª Câm. Dir. Priv.,
Apel. 90758274920098260000 SP 9075827-49.2009.8.26.0000, Rel. Des. Alexandre
Marcondes, j. 26.3.2013,DJ 28.3.2013.
As tutelas provisórias 733

rir uma medida que possa prejudicar o réu, em prol de assegurar que o pedido principal
do autor, não pereça, inutilizando os efeitos do julgamento de mérito.
A tutela antecedente tem um caráter preparatório em relação ao pedido principal.
Serve, como dito, para assegurar uma situação jurídica. É natural, portanto, que uma
vez deferida, caiba ao autor dar início à ação principal, formulando seus pedidos e apon-
tando causas de pedir. O prazo ser formulado o pedido principal nos mesmos autos é
de trinta dias, contados da efetivação da medida cautelar (art. 308 do CPC/2015). Isso
quer dizer que não basta apenas a concessão da medida; é necessário que os efeitos prá-
ticos dela decorrentes tenham início.161 Assim, se o conteúdo da medida liminar for a
ordem de sequestro de determinados bens, até que o sequestro tenha sido consumado
e efetivado, não há que se falar no início do prazo para a apresentação do pedido prin-
cipal. Vale aqui o que foi dito acima sobre a efetivação das tutelas provisórias: se for ne-
cessário, o juiz deverá ordenar o cumprimento da tutela através dos meios disponíveis,
inclusive podendo solicitar força policial como auxílio.
Em trinta dias, portanto, o autor deve formular seu pedido ou pedidos, nos mesmos au-
tos do procedimento cautelar. Não há, como no CPC/1973, a necessidade de que o proces-
so se inicie em autos independentes. A medida antecedente, no CPC/2015, é incorporada
pelo processo principal inclusive fisicamente, facilitando e economizando o procedimento.
Quando da apresentação da petição inicial requerendo tutela cautelar antecedente,
o autor deverá já indicar quais serão os pedidos a serem futuramente formulados. Essa
indicação faz parte da demonstração de qual o direito, que será assegurado, através da
medida cautelar. Assim, no momento em que a demanda for ajuizada, o autor reafirmará
esses mesmos pedidos. Nada obsta, no entanto, que formule outros pedidos cumulati-
vos, que à época do requerimento antecedente não eram necessários ou não guardavam
relação com a tutela cautelar. No procedimento cautelar antecedente, a exposição sumá-
ria que o autor fará da lide principal será limitada a uma menção da causa de pedir, dos
fundamentos do pedido. É facultado, porém, ao autor aditar a causa de pedir quando
apresentar o pedido principal (308, § 2º, do CPC/2015). Essa possibilidade visa a dar
ao autor mais condições de fundamentar sua ação, evitando que toda a fundamentação
deva já ser referida no momento da cautelar antecedente.
Como o réu já foi citado para responder ao pedido antecedente, já tomou ciência
da existência do processo. Assim, a partir do aditamento, o réu será meramente intima-
do da data da audiência de conciliação (art. 308, § 3º, do CPC/2015), sem necessidade
de nova citação. Se por qualquer dos motivos do art. 334, § 4º, não houver a audiência,
a contestação relativa ao pedido principal será apresentada nos prazos do art. 335, e o
procedimento comum seguirá seu curso.

161. De forma análoga, ainda na vigência do CPC revogado: “Agravo regimental no recurso
especial. Processo civil. Cautelar preparatória. Prazo para ajuizamento da ação principal.
Data da efetivação da liminar. Precedentes. 1. O prazo para a propositura da ação principal
conta-se a partir da efetivação da medida cautelar preparatória pleiteada e não da respectiva
intimação. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1410830/PR, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 26.5.2015, DJe 2.6.2015).
734 Manual de Direito Processual Civil

Uma vez concedida, a tutela cautelar conserva seus efeitos até que seja confirmada ou
revogada por sentença de mérito no processo. No entanto, o código estipula hipóteses nas
quais a eficácia deve cessar. A primeira e mais óbvia delas é o caso de o autor não formular,
em trinta dias, o pedido principal (art. 309, I, do CPC/2015). Se a razão de ser da tutela
cautelar é garantir o resultado (favorável) de um futuro provimento de mérito, o desin-
teresse do autor em deduzir o pedido principal demonstra que a tutela cautelar, em si, já
não tem mais por que se prolongar no tempo, prejudicando o réu desnecessariamente.
Outra hipótese, correlata à primeira, é a de a medida ter sido concedida, mas não ti-
ver ainda sido efetivada em trinta dias (art. 309, II do CPC/2015). Aqui, fala-se da não
efetivação por culpa exclusiva do requerente, e não pela morosidade do Poder Judiciá-
rio. A ideia é sancionar o autor por permitir que a medida cautelar perca a eficácia, por
desídia ou negligência sua. O réu não pode ser prejudicado ou aguardar indefinidamen-
te até que o autor tenha interesse em promover a efetivação da medida. Isso fica mais
evidente quando se constata que a medida cautelar tem, em princípio, urgência na sua
consumação, sob pena de perder eficácia.
Por último, se no julgamento do pedido de mérito a medida cautelar vier a ser re-
vogada, por sentença de mérito, também perderá sua eficácia. Se o processo for extinto
sem resolução de mérito, ou se o pedido a que se referiu a cautelar for julgado impro-
cedente, seus efeitos também não se poderão prolongar, e a eficácia da medida cessará
(art. 309, III do CPC/2015).
Também como forma de sanção ao autor desidioso, fica ele impedido de renovar o
pedido de tutela cautelar antecedente, se já lhe tiver sido deferido anteriormente e a sua
eficácia houver cessado. Afinal, a tutela jurisdicional já lhe foi prestada, faltando-lhe in-
teresse jurídico para solicitá-la novamente, salvo se por outro fundamento (pár. único, do
art. 309). Não que sobre as medidas provisórias cautelares recaia a autoridade de coisa jul-
gada material,162 mas há um impedimento lógico à repropositura da demanda na qual as
mesmas causa de pedir e pedido seriam levadas a juízo, o que fica expressamente vedado
pela lei (art. 309, parágrafo único, do CPC/2015). Não é exceção o caso de o autor apresentar
novo fundamento, eis que, nessa situação não se fala verdadeiramente do mesmo pedido.
Caso a tutela cautelar requerida venha a ser julgada improcedente, o pedido que pe-
rece é apenas o provisório; nada podendo influenciar o julgamento dos pedidos princi-
pais,  do mérito da ação. Aí reside a acessoriedade da tutela cautelar. Por isso mesmo, o
art. 310 do CPC/2015 deixa expresso que “o indeferimento da tutela cautelar não obs-
ta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se
o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição”. As
exceções apontadas pelo artigo são as únicas nas quais, mesmo no julgamento provisó-
rio, o juiz tem a faculdade de reconhecer que o autor não tem pretensão ou direito de
requerer o que virá a ser postulado na ação principal. Assim, apenas nessas situações,
ficará ele impedido de promover a demanda.

162. Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, Coisa julgada. Belo Horizonte: Forum, 2008, pp. 121/169.
As tutelas provisórias 735

Por fim, devemos salientar que, devido às dificuldades práticas de se distinguirem as me-
didas cautelares das medidas antecipatórias, em certos casos, aplicar-se-á a fungibilidade en-
tre elas. Ainda assim, haverá, já no início do procedimento, a necessidade de uma definição,
por parte dos juízes e tribunais, sobre a natureza de determinadas providências, que even-
tualmente se encontrem na zona nebulosa entre as medidas conservativas e as satisfativas.
E assim é porque o procedimento das antecipatórias antecedentes é, como já acentuamos
(v., supra, “tutela antecipada antecedente”) profundamente marcado pela possibilidade de
estabilização da tutela, a qual, de acordo com a lei, não se aplica às cautelares antecedentes.

17.8. A tutela antecipada de evidência

17.8.1. Fundamentos da tutela de evidência e diferença entre tutela antecipada


de urgência e tutela antecipada de evidência
 A tutela antecipada de evidência, regida pelo art. 311 do CPC/2015, está, tanto
quanto a tutela antecipada de urgência, fundada na necessidade de redistribuição justa
do ônus do tempo no processo. A diferença principal entre elas consiste em que, nas tu-
telas de urgência, está presente uma situação aguda, em que o direito agonizante esteja
sob o risco de  não vir a ser realizado no plano prático caso o autor tenha que aguardar
o decurso da fase de conhecimento. Já a tutela de evidência se caracteriza pela verifica-
ção de um direito “cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou
impassíveis de contestação séria”.163 Diante desse direito tão evidente é que a lei auto-
riza o juiz, de forma excepcional e observados determinados pressupostos, a conceder
provisoriamente a satisfação do autor, em caráter antecipatório.164
Na tutela antecipada de evidência, não há que se falar em urgência, no sentido de
se evitar um dano imediato ao direito material do autor,165-166 senão que o fator tempo

163. Luiz Fux. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 313.
164. Importante a ressalva, no entanto, que Humberto Theodoro Júnior defende que há no orde-
namento jurídico brasileiro algumas hipóteses de medidas cautelares fundados tão somente
na evidência, como as hipóteses do arts. 545, § 1º,643, parágrafo único, 627, § 3º e 830 do
CPC/2015, bem como a prevista no art. 100, § 6º da CF/1988. (V. Humberto Theodor Júnior,
Curso de Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum, Vol.
I, 56ª Ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 677.
165. Bruno Vinicius da Rós Bodart, Tutela de evidência. São Paulo: RT, 2014, p. 133. Ainda: “a
tutela da evidência tem como objetivo não propriamente afastar o risco de um dano econô-
mico ou jurídico, mas, sim, o de combater a injustiça suportada pela parte que, mesmo tendo
a evidência de seu direito material, se vê sujeita a privar-se da respectiva usufruição, diante
da resistência abusiva do adversário. [...] Favorece-se a parte que à evidência tem o direito
material a favor de sua pretensão, deferindo-lhe tutela satisfativa imediata, e imputando o
ônus de aguardar os efeitos definitivos da tutela jurisdicional àquele que se acha em situação
incerta quanto à problemática juridicidade da resistência manifestada” (Humberto Theodoro
Jr., Curso de direito processual civil, vol. I. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 597).
166. A propósito, o caput do art. 311 do CPC/2015 dispõe que “A tutela da evidência será con-
cedida independente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo.” (grifamos).
736 Manual de Direito Processual Civil

é considerado sob o prisma da injustiça de se submeter o autor, que muito provavelmente


– evidentemente – tem razão, à espera do provimento final de mérito e, quiçá, do julga-
mento de recursos com efeito suspensivo.

18.8.2. Diferença entre tutela antecipada da evidência e julgamento antecipado


de mérito
Antes de analisarmos as hipóteses que, de acordo com o CPC/2015, autorizam a
concessão de tutela de evidência, é importante afastarmos eventual confusão entre esse
instituto e o julgamento antecipado do mérito (art. 355 do CPC/2015). A distinção é im-
portante porque, em certas situações concretas, pode surgir dúvida se o mais correto
seria a simples antecipação dos efeitos da tutela, com base na evidência, ou, então, a an-
tecipação do próprio julgamento do mérito.
Neste ponto, deve-se ter em conta que a resolução do mérito, propriamente dita,
pressupõe o exaurimento da cognição, ou seja, exige que o juiz já esteja em condições de
julgar o pedido inicial procedente ou improcedente. Tal situação, como se vê do art. 355
do CPC/2015, pode decorrer tanto da desnecessidade da produção de qualquer outro
elemento probatório além daqueles que constam dos autos (inciso I), e quando da re-
velia do réu, hipótese em que, não tendo sido controvertidos os fatos alegados pelo au-
tor em sua inicial, não há o que ser provado (inciso II). Já nas hipóteses de tutela de evi-
dência, os pedidos ainda não se encontram em condições de julgamento, pelo fato de ser
ainda necessária a produção de provas visando à elucidação das questões de fato por-
ventura surgidas no processo. Diante, todavia, da grande probabilidade de que o autor
se sagre, no futuro, vencedor da demanda, permite-se, nos casos descritos no art. 311
do CPC/2015, a inversão do ônus do tempo do processo por meio da antecipação dos
efeitos da tutela.167
Desse modo, se o juiz vier a entender que o processo apresenta condições para jul-
gamento antecipado, não deverá ele ter nenhuma dúvida a respeito da suficiência da
instrução. A instrução estará completa, pois tudo deverá resolver-se pelo exame de do-
cumentos ou, então, estar-se-á diante de um processo em que somente existem questões
de direito. O julgamento antecipado deve ser visto como o epílogo de uma evolução, em
que se veio a prescindir de audiência, nos casos em que esta efetivamente não se justifi-
ca. Trata-se de evitar a realização de audiências vazias de conteúdo. Diferentemente, na

167. Neste sentido, sobre a diferença acima apontada, vale conferir o que escreve Humberto
Theodoro Jr.: “A tutela da evidência não se confunde, na estrutura do novo Código, com
um julgamento antecipado da lide. A medida é deferida sumariamente, em alguns casos de
maior urgência, até sem audiência da parte contrária, mas não impede o prosseguimento
do feito, para completar-se o contraditório e a instrução probatória. A provisoriedade da
tutela da evidência é, aliás, o traço comum que o novo Código adotou para qualificar as
tutelas de urgência e da evidência, como espécies do mesmo gênero, ao qual se atribuiu o
nomen iuris de tutelas provisórias” (Curso de direito processual civil. vol. I, 56ª ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 675). No mesmo sentido, ainda: Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, v. II. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 369-371; Nelson Nery Jr.; Rosa
Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 871).
As tutelas provisórias 737

hipótese de evidência, ao ensejo da concessão da tutela antecipada, não se encontrará in-


teiramente completa a instrução existente, de sorte que, possivelmente, haverá produção
de provas em audiência para o fim de se proferir, ao final, a decisão definitiva de mérito.

17.8.3. Hipóteses de concessão e pressupostos da tutela antecipada da evidência


As hipóteses de tutela de evidência – que coincidem com os pressupostos para a sua
concessão – estão definidas nos incisos I a IV do art. 311 do CPC/2015.
A primeira das hipóteses de tutela de evidência é a situação em que fica caracteriza-
do o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (art. 311,
I). Nesses casos, o juiz haverá de ter presente a ausência de plausibilidade da defesa
apresentada, pois o réu estará extrapolando seu direito ao contraditório, de forma a re-
tardar o curso do processo. De forma semelhante, o réu poderá não só apresentar defe-
sa inconsistente, como também oferecer obstáculos com o único objetivo de protelar o
andamento processual. Ainda que originariamente a defesa estivesse revestida de plau-
sibilidade, durante o processo, com incidentes e expedientes, poder-se-á caracterizar a
situação de abuso de direito de defesa.
A contestação que contiver, propositadamente, argumentos inconsistentes e proli-
xos, na qual forem arguidas inúmeras preliminares sem fundamento, pode ser conside-
rada abuso do direito de defesa, se ficar caracterizado que o réu, em verdade, não tem
matéria de defesa a apresentar. Já o manifesto propósito protelatório pode existir, por
exemplo, no requerimento de provas que, se deferidas e produzidas, mostrarem-se ir-
relevantes para o deslinde do caso. Qualquer atitude do réu que signifique resistência
injustificada ao andamento normal do processo pode ser interpretada como um com-
portamento com propósito protelatório.
Uma das hipóteses específicas de defesa inconsistente é a de que, em processo onde
se discute uma questão já decidida de forma pacífica pelos tribunais superiores, o réu
insiste em reiterar argumentos já rechaçados por aquelas cortes. Para a situação há pre-
visão específica de concessão de tutela da evidência: o art. 311, II, autoriza a concessão
de tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em sú-
mula vinculante”. Ao longo de todo o CPC/2015, o legislador quis deixar clara a inten-
ção de evitar litigância desnecessária – assim entendida a persistência de argumentos
infundados e a continuidade de processos nos quais se discutem questões já decididas
reiteradamente pelos tribunais superiores. Por casos repetitivos deve-se entender, a teor
do art. 928 do CPC/2015, as decisões proferidas em incidente de resolução de deman-
das repetitivas, bem como em recursos especial e extraordinário repetitivos. Em todas
essas hipóteses, a corte superior já analisou uma série de casos idênticos e determinou
qual a correta interpretação de uma questão jurídica. A repetição de argumentos já en-
frentados não tem razão de ser; o réu está aí abusando do seu direito de defesa.168

168. “Quando a demanda versa sobre questão pacificada por precedente judicial obrigatório,
há a facilitação de provimento concedendo a tutela de evidência. A fixação de determinada
738 Manual de Direito Processual Civil

A terceira hipótese prevista pelo art. 311 é bastante específica. Diz o inciso III deste
artigo que a tutela de evidência será concedida quando “se tratar de pedido reipersecu-
tório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que
será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”. O
caso é de contrato de depósito no qual o bem litigioso não tenha sido entregue a quem
de direito. A prova documental que for suficiente para comprovar esse fato será bastan-
te para que, mesmo sem urgência, seja determinada a entrega.
Por último, será possível conceder tutela provisória baseada somente na evidên-
cia do direito quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente
dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de ge-
rar dúvida razoável” (art. 311, IV, do CPC/2015). Trata-se de uma hipótese um pouco
mais branda do que ocorre quando uma parcela dos pedidos feitos pelo autor torna-se
incontroversa, o réu sequer apresentando impugnação a respeito.
No CPC/1973, o art. 273, § 6º possibilitava a antecipação de efeitos da tutela quanto
à parcela incontroversa do pedido. A discussão doutrinária que surgiu dava conta que,
em realidade, não se tratava de antecipação de tutela, senão que de verdadeira decisão
de mérito. Como à época do CPC/1973 a discussão sobre as sentenças parciais de mérito
era ainda muito polêmica, a questão continuou sendo debatida.169 O CPC/2015, no en-
tanto, possibilita expressamente o julgamento parcial de mérito, justamente nos casos
em que o pedido for incontroverso (art. 356, I). Assim, a hipótese aqui tratada de tutela
de evidência não deve ser confundida com a sentença parcial.170 Valem, nesse ponto, as
mesmas considerações acima feitas a respeito do julgamento antecipado do mérito: na
hipótese de julgamento antecipado parcial (art. 356 do CPC/2015), pode-se dizer que
está exaurida a cognição, ao menos em relação alguns dentre os pedidos formulados
pelo autor, ou, ainda, quanto a parte de um dos pedidos formulados.
Já na tutela de evidência com base no art. 311, IV, do CPC/2015, não há julgamen-
to definitivo ainda.171 O que existe são afirmações de fato do autor, comprovadas docu-

ratio decidendi por tribunal superior restringe as possibilidades argumentativas e, com isso,
torna pouco provável o sucesso da parte que litigue em sentido contrário” (Lucas Buril de
Macêdo, Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. Revista de
processo, v. 242, abr/2015, p. 534).
169. A propósito do tema, v. o que dissemos no item “O Julgamento conforme o estado do pro-
cesso”, capítulo “Saneamento e organização do processo”.
170. “A tutela da evidência não se confunde, na estrutura do novo Código, com um julgamento
antecipado da lide. A medida é deferida sumariamente, em alguns casos de maior urgência,
até sem audiência da parte contrária, mas não impede o prosseguimento do feito, para com-
pletar-se o contraditório e a instrução probatória. A provisoriedade da tutela da evidência
é, aliás, o traço comum que o novo Código adotou para qualificar as tutelas de urgência e
da evidência, como espécies do mesmo gênero, ao qual se atribuiu o nomen iuris de tutelas
provisórias” (Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, v. I. 56ª ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 675); No mesmo sentido: Leonardo Greco, Instituições de processo
civil, vol. II. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 369-371.
171. “A tutela da evidência sugere sumariedade ‘formal’, como pretendem alguns, vale dizer:
o procedimento comprimido, que pode ordinarizar-se conforme o juízo considere ou não
As tutelas provisórias 739

mentalmente, a respeito das quais o réu não conseguiu apresentar versão convincente.
Assim, se o réu, em contestação, for inconvincente, mas mesmo assim restar dúvida
quanto ao que tiver alegado o autor, não é o caso de conceder a tutela de evidência. Nos
termos do código, a tutela só poderá ser concedida se, após a apresentação de defesa, o
réu não tiver conseguido gerar dúvida razoável sobre a veracidade daquilo que alegou
o autor. Em outras palavras, o pedido do autor (ou um dos pedidos feitos) pode ter sido
controvertido, mas os fatos que baseia o pedido não foram suficientemente controver-
tidos. Diz-se isso, pois se o próprio pedido não tiver sido impugnado, a solução poderá
ser decisão parcial de mérito, encerrando o processo quanto a essa questão.

evidente o direito alegado. Assim, pleiteada a tutela da evidência e deferida a liminar ante-
cipatória, o demandado será citado para oferecer a sua defesa, quando, então, será obser-
vada a necessidade de prosseguir-se para reversão ao estado anterior ou fixação de perdas
e danos. Indeferida a tutela pela falta de evidência, prossegue-se, nos mesmos autos, para a
dissipação dessa incerteza com as etapas necessárias ao descobrimento da verdade.” (Luiz
Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 310).
18
Petição Inicial

18.1. Conceito, finalidade e importância da petição inicial


O processo civil se inicia pela vontade do autor (art. 2º do CPC/2015), embora o
impulso para seu desenvolvimento sucessivamente seja oficial (idem, art. 2º), quase que
integralmente.1 Tal início se consubstancia na propositura da ação, retratada na petição
inicial, quando protocolada, fixando-se aí, indelevelmente, regra geral, os próprios li-
mites da lide (art. 312 e art. 141 do CPC/2015).2
Logo, pode ser dito que a petição inicial é o ato escrito que instaura o processo, a
partir da provocação do autor, que invoca a prestação jurisdicional. Além de instaurar o
processo, a petição inicial tem, como já se disse, a relevante finalidade de fixar os limi-
tes objetivos (pedido e causa de pedir) e subjetivos (partes) da prestação jurisdicional.3
Assim, será a petição inicial que definirá os contornos da solução de mérito (prin-
cípio da adstrição do juiz ao pedido). Em outras palavras, a sentença de mérito e a coisa
julgada dirão respeito às partes e ao pedido reconhecido pela causa de pedir veiculados
na inicial.

18.2. Funções preparatórias e definitivas da petição inicial


A petição inicial, quanto aos reflexos que gera no processo, pode ser enfocada sob
os seguintes aspectos: 1º) procedimentalmente, ela inicia, protocolada, o processo, quan-
do se efetiva a propositura da ação (art. 312 do CPC/2015), e, nesse sentido, pode-se
dizer que a sua função é preparatória, pois inaugura o processo que se vai desenvolver;
2º) em certa medida, porém, traz ao processo elementos definitivos, visto que: a) o ob-

1. V. art. 485, II e III, do CPC/2015, nos quais há exceções ao caráter desse impulso.


2. V. a exceção do art. 329 do CPC/2015, que permite a alteração e o aditamento do pedido
e da causa de pedir, bem como o art. 1.014 do CPC/2015, que autoriza, já na apelação, a
alegação de questões de fato ainda não suscitadas por motivo de força maior.
3. Sem prejuízo da possibilidade de aditamento ou alteração dos limites objetivos, nos termos
do art. 329 do CPC/2015, bem como de ampliação ou modificação das partes (limites sub-
jetivos), o que pode ocorrer na hipótese do art. 338 do CPC/2015 e em algumas hipóteses
de intervenção de terceiros.
Petição Inicial 741

jeto litigioso (= lide-mérito) do processo é definido pela inicial e, como regra, não sofre
mutações (exceção: v. art. 329 do CPC/2015); b) os elementos subjetivos do processo –
autor e réu – outrossim, permanecem, em regra, os mesmos (v. art. 108 do CPC/2015).4

18.3. Conteúdo lógico-jurídico da petição inicial


Na estrutura da petição inicial, na verdade, pode-se distinguir, nitidamente, a peti-
ção inicial em seus aspectos formal e substancial.5 A petição inicial, formalmente, con-
siste em elemento de natureza processual; o elemento substancial, nela contido, na lide
(objeto litigioso).
A petição inicial, em sua parte substancial – isto é, no libelo – encerra um silogis-
mo. Nela se contém a afirmação de fatos, os quais são premissa menor do silogismo; os
fundamentos jurídicos, que são a premissa maior. E, tendo-se em vista determinados
fatos, afirmados como juridicamente fundados no ordenamento, ter-se-á finalmente a
conclusão do silogismo, o pedido.6-7
No entanto, a jurisprudência já decidiu que não é inepta a petição inicial, quando,
apesar de não ser um modelo de técnica, permite, sem dificuldades, a preparação da
defesa pelo réu.8 Da mesma forma, o uso impreciso da linguagem técnica não deve pre-
judicar o direito da parte, quando a sua intenção é facilmente apurável.9

18.4. O conteúdo da petição inicial. Declaração de vontade e declaração de


ciência nela contidas
A manifestação de vontade contida na petição inicial tem direção dúplice: de um
lado, e primordialmente, objetiva uma providência jurisdicional, a que se dá o nome de
pedido imediato; de outro lado colima, justamente através do acolhimento do pedido
imediato, a obtenção da satisfação da pretensão. O primeiro visa à própria sentença e
seus efeitos; o segundo visa à obtenção do bem da vida pleiteado. Essa vontade cristali-
zada na inicial delimita o juiz em sua atividade (arts. 141 e 492, caput, do CPC/2015).

4. Sobre a sucessão das partes no processo, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comen-
tado, São Paulo: RT, 1975, v. II/291 e ss., bem como o nosso Tratado de direito processual
civil, São Paulo: RT, 1996, comentários aos arts. 41 e 42.
5. Esse aspecto substancial também recebe, tradicionalmente, o nome de ”libelo” – v., sobre
o libelo, Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT, 1972, v. II, n. 118,
§§ 1.º, 2.º e 3.º, p. 6 e ss.
6. Cf. Rosenberg, Die Beweislast, 5. ed., Munique: CH Beck’sche, 1965, p. 6.
7. Com a utilização de conceitos vagos, indeterminados e cláusulas gerais fica difícil ou inviável
mesmo falar-se propriamente num silogismo. Por outro lado, sabe-se que no silogismo a
extensão da maior (que é a lei ou o ordenamento) é mais extensa que a da menor (os fatos).
No entanto, no silogismo judicial há uma interação entre a menor e a maior, porquanto é a
menor que informa qual será a maior.
8. “Não é inepta a petição inicial onde foi feita descrição suficiente dos fatos que servem de
fundamento ao pedido, ensejando ao réu o pleno exercício de sua defesa” (STJ, AgRg no
AgIn 447.331/SP, 3ª T., j. 28.06.2005, rel. Min. Gomes de Barros, DJ 15.08.2005, p. 300).
9. RF 254/330.
742 Manual de Direito Processual Civil

A declaração de ciência se consubstancia num relatório dos fatos ocorridos, que são,
precisamente, os fatos constitutivos do pedido. Este relato dos fatos delimita, também,
a atividade judicante (art. 141 do CPC/2015).

18.5. Forma da petição inicial


A ação e o pedido nela contido, no processo civil brasileiro, exteriorizam-se tais como
venham retratados na petição inicial, preenchidos os requisitos formais do art. 319 do
CPC/2015, ao lado dos substanciais (art. 319, III e IV), bem como observado o art. 320
do CPC/2015, quando for o caso.
Lembremos que o nome que se dá à ação na petição inicial não a caracteriza. Por
exemplo, tendo o autor deixado claro que pretendia a indenização estimada no pedi-
do, pouco importa que tenha dado à ação o nome de “ação de cobrança”, em nada fi-
cando afetada sua pretensão.10 Da mesma maneira, atendendo à máxima de que ao juiz
cabe dizer o direito aplicável à espécie (da mihi factum, dabo tibi jus), não é considerada
inepta a inicial que não contenha o fundamento legal do pedido. O argumento utiliza-
do, nesse sentido, pela jurisprudência à luz do CPC/1973 (art. 282, III), e válido à luz
do CPC/2015 (art. 319, III). Ocorre que os fundamentos jurídicos do pedido, exigidos
pela lei, não se confundem com a indicação de dispositivo legal. 11
Nessa oportunidade, devemos observar que: 1) a petição inicial é peça escrita,12 que
deve preencher determinados requisitos formais e substanciais (art. 319 do CPC/2015);
2) à ação, nela consubstanciada, tem por escopo provocar efeitos jurídicos, concreti-

10. STJ, REsp 1.346.477/SC, Decisão Monocrática, rel. Min. Humberto Martins, j. 28.09.2012,
DJe 08.10.2012; STJ, AResp 102082, Decisão Monocrática, rel. Min. Benedito Gonçalves,
j. 02.08.2012, DJ 09.08.2012.
11. STJ, REsp 1.140.420/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 26.04.2011, DJe
05.05.2011. Cf. também: STJ, 3ª T., REsp 1.215.294/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cue-
va, j. 17.12.2013, DJe 11.02.2014; STJ, 3ª T., Resp 1.208.207/RN, rel. Min. João Otávio
de Noronha, j. 24.03.2015, DJe 27.03.2015. Sobre o tema, conferir, na doutrina: Teresa
Arruda Alvim Wambier, Vinculação do juiz aos pedidos e o princípios do iura novit curia.
In: Daniel Mitidiero; Guilherme Rizzo Amaral (coord.). Processo civil: Estudos em ho-
menagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012,
p. 459 e ss.
12. Pela Lei 9.099/1995 (art. 14) admite-se, no âmbito dos juizados especiais, que o pedido seja
oral. O intuito do legislador, decorrente da própria razão de ser desses juizados, é o da sim-
plicidade. Anote-se, também, que no art. 14, § 1.º, II, há referência, apenas, a fundamentos
(e não a fundamentos jurídicos). No § 3.º desse art. 14, está estabelecido que “o pedido oral
será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas
ou formulários impressos”. O pedido oral deverá ser formulado pelo próprio autor, vale
dizer, exige-se a pessoalidade – v., mais amplamente, Joel Dias Figueira Júnior e Maurício
Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à Lei dos Juizados Cíveis e Criminais, São Paulo: RT,
1995, p. 116-117. No tocante ao pedido a ser apresentado perante os Juizados Federais,
aplicar-se-á o disposto no art. 14 da Lei 9.099/1995, porquanto absolutamente compatível
com os ditames da Lei 10.259/2001 (v. sobre a matéria Fernando da Costa Tourinho Neto e
Joel Dias Figueira Júnior, Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: comentários à Lei
10.259, de 10.07.2001, São Paulo: RT, 2002, p. 234 e ss.).
Petição Inicial 743

záveis apenas na sentença (declaratória, constitutiva ou condenatória13), salvo quando


se tratar de caso de antecipação de tutela concedida liminarmente, em caráter de ur-
gência ou de evidência (arts. 300 e 311 do CPC/2015), de tutela cautelar, com liminar
concedida (arts. 300 e 301 do CPC/2015), ou de ação de execução, destinada à prática
de atos materiais; 3) na inicial, ainda, está contida a pretensão, que é a afirmação do di-
reito do autor.

18.6. Requisitos da petição inicial


Qualquer abordagem dos requisitos da petição inicial deve ser precedida pela men-
ção ao princípio da liberdade das formas, lembrando sempre que os atos processuais
independem, como regra, de forma determinada (art. 188, caput, primeira parte, do
CPC/2015). Logo, os requisitos e formalidades exigidos pela lei para a elaboração da
petição inicial são exigências mínimas, sem as quais, em princípio, a peça não está apta
a ser recebida. Todavia, há que se ressaltar que, pelo princípio da instrumentalidade das
formas, ainda que a lei preveja determinada forma para a prática dos atos processuais
– como é o caso da forma escrita e do atendimento aos requisitos da inicial –, somente
serão reputados inválidos os atos que não atinjam a respectiva finalidade (art. 188, ca-
put, parte final, CPC/2015, a contrario sensu).
Assim, embora todos os requisitos que são previstos para a petição inicial (art. 319
e 320 do CPC/2015) sejam importantes, hão de ser analisados, sempre, com os olhos
voltados para as respectivas finalidades, sem o que resultam em formalidades desne-
cessárias.14
A procuração que há de acompanhar a petição inicial deve conter os elementos de iden-
tificação do advogado, à luz do disposto no art. 105, §§ 1º ao 3º, valendo para a prática de
todos os atos, também compreendida a fase de cumprimento de sentença (art. 105, § 4º).
Esta exigência está reiterada no art. 287, caput, e, no seu parágrafo único (incs. I a III).
O art. 106 do CPC/2015 obriga o advogado a indicar seu endereço se postulante em
causa própria, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da
sociedade da qual participa, se for o caso, para o recebimento de intimações sob pena de
indeferimento da petição inicial, se, pelo juiz, ordenado a tanto, descumprir a ordem.
O requisito do inc. I do art. 319 do CPC/2015 diz respeito à exigibilidade de indica-
ção do juízo a que é dirigida a petição inicial. Alguns dos demais elementos da petição
inicial fornecem os meios indispensáveis à verificação da competência do foro e do ju-
ízo, tais como o domicílio das partes, matéria e o valor da causa.
O inc. II, por sua vez, indica a necessidade de serem devidamente identificadas as
partes – elementos subjetivos da ação. Tal indicação servirá: 1º) para se verificar a legi-

13. Neste caso, pode ser necessário, caso o preceito condenatório não seja cumprido espon-
taneamente, a abertura da fase de cumprimento de sentença para o fim de obter, no plano
prático, os efeitos desejados.
14. Nessa linha, dispõem, exemplificativamente, os §§ 1º a 3º art. 319 do CPC/2015, referente-
mente ao inc. II do referido artigo. As normas ali contidas, todavia, bem se aplicam a todos
os requisitos da inicial.
744 Manual de Direito Processual Civil

timação processual ativa e passiva; 2º) ainda, para se constatar haver legitimação para
a causa, ativa e passiva. Esse requisito tem, ainda a utilidade de permitir a citação dos
réus, bem como a intimação pessoal das partes quando tal se fizer necessário. Eis a ra-
zão de a lei exigir os nomes, prenomes, domicílio e residência do autor e do réu. Ainda,
a indicação do estado civil e da profissão são determinantes para diversos fins, que não
apenas identificação. Assim, nas ações que versem direitos reais imobiliários, o fato de
a parte ré ser casada em comunhão de bens estabelece a necessidade da formação de li-
tisconsórcio no polo passivo (art. 73, § 1º, I, do CPC/2015) e, no curso do processo, a
profissão ou o estado das partes podem ser utilizados para justificar uma escusa na con-
vocação para depor (art. 388, I, do CPC/2015).
O CPC/2015, inovando em relação ao art. 282, II, do CPC/73, acresceu à identifi-
cação das partes a indicação da existência de união estável, do número de inscrição no Ca-
dastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica e o endereço eletrô-
nico. Obviamente, tais exigências, como todas as demais, devem ser analisadas à luz da
instrumentalidade das formas, não se justificando, por exemplo, o indeferimento da
petição inicial quando, apesar da ausência de indicação do número do CPF, e sendo im-
possível obter tal informação, a parte puder ser perfeitamente identificada. Nesse sen-
tido, dispõem os §§ 1º a 3º do art. 319 do CPC/2015.
O inc. III do art. 319 exige, para aptidão da inicial, que se indiquem claramente quais
são os fatos e os respectivos fundamentos jurídicos do pedido. A referência feita pelo
legislador a fatos (“fatos jurídicos”) demonstra que o sistema adotou a teoria da subs-
tanciação (relação jurídica ou conflito de interesses imantado ou emergente de fatos), que
se opõe à da individualização (relevante seria só a relação jurídica, praticamente prescin-
dindo-se dos fatos).
Uma das consequências práticas importantes decorrentes da adoção da teoria da
substanciação, – em nosso sentir a única realizável ou “verdadeira” – é a de que, embo-
ra modificando o autor o nome da ação, mas baseando-se nos mesmos fatos, não pode-
rá ele propor outra vez a ação, porque será caso de litispendência e, se a ação primitiva
estiver ainda em curso, ou, então, haverá coisa julgada, em a primeira decisão já tendo
transitada em julgado. Outra consequência, decorrente desta, é que a alteração dos fa-
tos que fundamentaram a pretensão podem vir a caracterizar uma alteração nos pedidos
deduzidos e, portanto, uma modificação na própria ação, pois a relação jurídica, por si
só, não é suficiente – como seria na teoria da individualização – para definir o pedido.15

15. Processual civil. Causa de pedir. Conteúdo. Limites. Qualificação jurídica dos fatos narrados
na petição inicial. Julgamento extra petita. Inexistência. – O processo civil brasileiro é regido
pela teoria da substanciação, de modo que a causa de pedir constitui-se não pela relação
jurídica afirmada pelo autor, mas pelo fato ou complexo de fatos que fundamentam a preten-
são que se entende por resistida. A alteração desses fatos representa, portanto, mudança na
própria ação proposta. – O juiz pode decidir a causa baseando-se em outro dispositivo legal
que não o invocado pela parte, mas não lhe é dado escolher, dos fatos provados, qual deve
ser o fundamento de sua decisão, se o fato eleito for diferente daquele alegado pela parte,
como fundamento de sua pretensão. – Inexiste julgamento extra petita quando se empresta
qualificação jurídica diversa aos fatos narrados pelo requerente (STJ, REsp 1043163/SP, 3ª
T., j. 01.06.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.06.2010).
Petição Inicial 745

O inc. IV do art. 319 alude ao pedido, com as suas especificações. O pedido deve


ser certo e determinado (arts. 322 e 324, caput, do CPC/2015), podendo, entretanto, ser
formulado genericamente, nas hipóteses dos incisos I a III do § 1º do art. 324. Poderá
também ser o pedido formulado alternativamente, atendendo à natureza da obrigação
(art. 325 do CPC/2015).
O inc. V do art. 319 estabelece a necessidade de menção, em todas as ações, do seu
respectivo valor. O valor da causa, entre outras finalidades, serve, muitas vezes, para a
aferição da própria competência da autoridade judiciária. Aliás, a lei processual, a respei-
to, dispõe no art. 291 do CPC/2015: “A toda causa será atribuído valor certo, ainda que
não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.” E, no art. 292 do CPC/2015:
“O valor da causa constará sempre da petição inicial (...)”. O requisito da indicação do
valor da causa, porém, conquanto tenha a importância mencionada, não é essencial
à identificação da ação, mas pode ser relevante para a determinação da competência.
O valor da causa deverá ser: a) na ação de cobrança de dívida, a soma do principal
e dos encargos vencidos até a propositura da ação; b) se o pedido versar sobre negó-
cio jurídico (sua existência, validade, cumprimento, modificação ou rescisão), o pró-
prio “valor do contrato” ou da parte controvertida; c) nas ações de alimentos, a soma
de doze prestações mensais, pedidas pelo autor; d) na ação de divisão e de demarcação
(arts. 588 e 574, respectivamente, do CPC/2015), e na de reivindicação, o valor será o
de avaliação do bem objeto do pedido; e) nas ações indenizatórias, o valor é o quantum
pretendido pelo autor, e é de se notar que mesmo quando for requerida condenação por
danos morais e não houver desde logo a quantificação exata do valor pretendido, é im-
prescindível ao menos indicar aproximadamente esse valor; f) havendo cumulação de
pedidos, somam-se os valores de todos eles; g) no caso de pedidos alternativos – dese-
ja-se o pedido A ou o B – o valor será o do maior; d) havendo pedido subsidiário, o valor
será o do pedido principal, isto é, o do que se deseja, pois que o subsidiário só será con-
cedido se o principal não puder sê-lo. Estas são as hipóteses dispostas no código (nos
incs. do art. 292 do CPC/2015), o que não exclui que a legislação extravagante também
estabeleça valores de causa específicos para determinadas ações.16
Se forem pedidas prestações vencidas e vincendas (isto é, as que venham a vencer
a partir da propositura de ação), o valor da causa levará em consideração todas elas
(art. 292, § 1º). Se, todavia, o contrato ou a obrigação for por tempo indeterminado, ou,
ainda, por tempo superior a um ano, o valor das prestações vincendas “será igual a uma
prestação anual” (art. 292, § 2º). Se, por outro lado, o período das prestações vincendas
for inferior a um ano, o valor destas “será igual à soma das prestações”.
O valor da causa é fixado na petição inicial e prevalece, desde que não seja impug-
nado (v. art. 293 do NCPC), ou não seja aceita a impugnação. O juiz poderá também

16. Nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação,


revisionais de aluguel e renovatórias de locação, fundadas na Lei 8.245, de 18.10.1991, o
valor a ser atribuído à causa é de 12 vezes o valor do aluguel (art. 58, III), exceto na hipótese
de ações de despejo de imóvel ocupado por empregado fundadas na rescisão do contrato
de trabalho (art. 47, II, daquele diploma), em que o valor deverá ser de três salários mínimos
vigentes à época do ajuizamento.
746 Manual de Direito Processual Civil

corrigir o valor oficiosamente (art. 292, § 3º do NCPC). A impugnação deve ser arguida
em preliminar de contestação (art. 293 do CPC/2015), diferentemente do que consta-
va do CPC/73, onde havia autuação em apenso do incidente de impugnação, com pro-
cedimento próprio (art. 261 do CPC/73). No CPC/2015 o juiz decide a matéria assim
que a preliminar for arguida.
Além das decisões mencionadas, entendemos como sendo correto o valor da causa,
exceção à restrição feita no texto: em embargos de terceiro, o do bem objeto de embar-
gos; na ação quanti minoris, o da indenização estimada pelo autor para compensar o va-
lor do efeito que impede a integral utilização do bem; na ação que versa sobre parte de
cotas de sociedade anônima, o valor desta parte das cotas; na ação de dissolução total
de sociedade, o montante do capital social, e não a parcela desse capital representado
pelas cotas dos sócios dissidentes da maioria social;17 na ação de sonegados, o valor do
bem que se deseja seja restituído ao acervo hereditário para posterior sobrepartilha; na
ação declaratória, o valor da relação jurídica cuja existência se quer afirmar ou negar;18
na execução, o do título; já nos embargos à execução, o valor será o do benefício eco-
nômico visado pelo embargante.
O inc. VI do art. 319 do CPC/2015 estabelece a obrigatoriedade de o autor indicar
as provas que pretende produzir durante o processo. É suficiente a indicação das provas
que serão produzidas, dispensando-se a especificação da identidade das testemunhas.
O STJ consolidou o entendimento, à luz do CPC/73, de que o protesto geral, por to-
dos os meios de prova em direito permitidos, é válido.19 A posição, embora não ortodoxa,
torna “flexível” a exigência do inc. VI do art. 282 do CPC/73, cuja redação é equivalente
ao disposto no art. 319, VI, do CPC/2015. Com isso, posterga-se para o saneamento o
momento determinante para o requerimento de produção de provas.
Do CPC/2015 extrai-se que audiência prévia de conciliação ou mediação de que trata
o art. 334 do CPC/2015 é de designação obrigatória,20 sendo requisito da petição inicial
a manifestação do autor sobre seu interesse ou não na realização da audiência prelimi-
nar (art. 319, VII, CPC/2015). Em verdade, o que o CPC/2015 exige é que, optando pela

17. STJ, 4ª T., REsp 605.325/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 12.09.2006, DJ 02.10.2006.
18. STJ, 2ª T., REsp 734.029/RS, rel. Min. Castro Meira, j. 06.09.2005, DJ 03.10.2005, p. 220; 3ª
T., REsp 702.409/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.02.2006, DJ 20.02.2006, p. 335; 2ª T.,
AgRg no REsp 1.534.174/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 18.08.2015, DJe 25.08.2015.
19. “1. O requerimento de provas divide-se em duas fases: (i) protesto genérico para futura es-
pecificação probatória (CPC, art. 282, VI); (ii) após eventual contestação, quando intimada
a parte para a especificação das provas, que será guiada pelos pontos controvertidos na
defesa (CPC, art. 324). (CPC, art. 324). (...)” (STJ, 4ª T., AgRg nos EDcl no REsp 1.176.094/
RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.06.2012, DJe 15.06.2012).
20. Essa obrigatoriedade é, no entanto, alvo de crítica e de interpretação diversa por Ana Candida
Menezes Marcato (Audiência de conciliação ou mediação do art. 334 do NCPC: facultativa
ou obrigatória? Afronta à voluntariedade da mediação? In: Cianci, Mirna et. al. (coord.).
Novo código de processo civil: impactos na legislação extravagante e interdisciplinar. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 41-49), que analisa a questão à luz do princípio da voluntariedade
da mediação.
Petição Inicial 747

não realização de referida audiência, o autor se manifeste na inicial; caso contrário, não
havendo oposição, e sendo admissível a autocomposição, o juiz designará a audiência.21
Com o intuito de deixar inequívoco o intuito do autor de propor ação contra o réu,
o CPC/73 estipulava a necessidade do requerimento da citação do réu (art. 282, VII, do
CPC/73). Essa disposição, no entanto, acaba por ser inócua por sua obviedade. Acerta-
damente, o Novo CPC excluiu essa exigência.22
É de se registrar, ainda, que o art. 330, § 2º do CPC/2015, estabelece um requisito
específico para a inicial, relativa aos litígios que tenham por objeto obrigações decor-
rentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil. Nos termos do dis-
positivo, “o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratu-
ais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso.” Dispõe,
ainda, o § 3º do aludido dispositivo, que, na hipótese do § 2º, o valor incontroverso de-
verá continuar a ser pago no tempo e modo contratados. Tais exigências merecem al-
guns apontamentos críticos.
Em primeiro lugar, como já assinalamos, o conteúdo do art. 330, § 2º, apresenta
feições de um requisito específico para determinadas petições iniciais. Sendo assim, te-
ria sido melhor não posicioná-lo no art. 330 do CPC/2015. Em verdade, o que está dis-
posto nesse parágrafo é uma exigência a ser cumprida e conferida antes do ato judicial
previsto no próprio caput do art. 330 do CPC/2015, ou seja, o indeferimento da inicial.
Seria mais adequado que o novo dispositivo figurasse mais como um inciso ao art. 319,
uma vez que dispõe sobre o conteúdo essencial da petição inicial.
O artigo, por outro lado, foi inserido no CPC com redação que pode dar azo a dúvi-
das. O texto é expresso em exigir que o autor, nos casos específicos de que trata o dis-
positivo, discrimine qual o valor incontroverso do débito e quais obrigações pretende
controverter. Isso pode significar que o titular de uma pretensão em face de instituição
financeira – e o artigo trata justamente dessas situações, abrangendo contratos de em-
préstimo, financiamento ou de alienação de bens – deva, obrigatoriamente, deduzir, além
daquilo que pretende, aquilo que não pretende, fugindo, de certa forma, à lógica proces-
sual civil tradicional. Ademais, a correta delimitação do objeto da lide é, desde sempre,
um requisito da petição inicial (art. 282, IV, do CPC/73 e art. 319, IV, do CPC/73), não
se mostrando necessário que o autor decline, expressamente, quais obrigações não se-
rão discutidas, cabendo ao réu deduzir essas questões como matéria de defesa.

21. Nesse sentido: Leonardo Greco, Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, v. 2, p. 24; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil. Salvador: Podivm, 2015, v.
I (Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento), p. 555-­556.
22. “O Código de 2015 não mais inclui o requerimento de citação do réu como requisito da
petição inicial, porque essa não é a única maneira de patentear a intenção do autor de instau-
rar em face do réu um processo judicial. Se o autor, mesmo não requerendo solenemente a
citação do réu, deixou expressa, por meio de todo o conteúdo de sua petição, a sua intenção
de promover um processo em face do réu, esse requisito foi preenchido, ainda que o autor
não tenha formalmente requerido a citação do réu (…). O importante é que da petição inicial
resulte, inequivocamente, o objetivo do autor de instaurar um processo judicial.” (Leonardo
Greco, Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. 2, p. 23).
748 Manual de Direito Processual Civil

Registre-se, ainda, que o § 3º do dispositivo contém regra de direito material civil já
existente no CC/2002, desnecessária, pois, sua inclusão no texto do CPC.
Por fim, o art. 320 do CPC/2015 estabelece a necessidade de se instruir a inicial
com os “documentos indispensáveis” à propositura da ação. Trata-se dos documen-
tos que a lei exige para a propositura da ação, como é o caso da procuração (art. 104,
com a ressalva do § 1º, do CPC/2015), bem como daqueles que se constituem em
prova legal23 do fato constitutivo do direito do autor, como é o caso da certidão de
casamento em ação de divórcio. Há, hipóteses em que a própria jurisprudência de-
fine documentos indispensáveis, consoante ocorre com as ações de repetição de
indébito de tributos que comportem por sua natureza, transferência do respectivo
encargo financeiro, em que a prova do status de contribuinte é considerada indis-
pensável à demonstração da legitimidade ativa (construção em torno do art. 166 do
CTN). 24 Naturalmente, se o autor não apresenta documento essencial à propositura
da ação, deve o juiz sinalizar essa falta, oportunizando emenda à inicial (art. 321 do
CPC/2015, adiante referido). 25 E, mesmo na hipótese de o juiz não se dar conta do
vício, prosseguindo o processo sem o documento inicial, tem-se entendido, à luz do
contraditório participativo (ou da cooperação) que o juiz permita a juntada, a qual-
quer tempo, do referido documento, desde que não se verifique prejuízo ao direito
de defesa do réu.26

18.7. Pedido
Tendo em vista ser o pedido definitivamente fixado na petição inicial – salvo a mo-
dificação do mesmo ou da causa de pedir, (que implica tratar-se de outro pedido) (v.
adiante) –, devemos analisá-lo, mais minudentemente. O seu estudo é feito, basicamen-
te, do ponto de vista do autor.

23. Adota-se aqui a expressão prova legal para designar a única prova que, de acordo com a lei
material, pode demonstrar determinado ato jurídico (cf. art. 406 do CPC/2015).
24. STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 596.463/PR, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 14.04.2015, DJe
23.04.2015.
25. Esse o entendimento consolidado à luz do art. 283 do CPC/73: “Nos termos do disposto no
art. 283 do Código de Processo Civil, o autor deverá apresentar com a inicial os documentos
indispensáveis à propositura da ação. Entretanto, se a parte não detiver a posse da referida
documentação, poderá o juiz requisitá-la, de ofício ou a pedido da parte, nos moldes do
art. 130 do CPC.” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp 492.868/SP, rel. Min. Og Fernandes, j. 11.12.2012,
DJe 07.02.2013).
26. Veja-se, exemplificativamente: “Apelação cível. Ação de cobrança. Cotas condominiais. Réu
revel. Sentença de improcedência com fulcro no art. 269, I, do CPC. Irresignação do autor.
1. Apelante que não instrui a inicial com documento essencial à propositura da demanda. 2.
Princípio da Cooperação. A cooperação processual traduz-se na atuação do juízo visando
evitar a decretação de nulidades e, principalmente, a prolação do juízo de inadmissibilida-
de. 3. Princípios do devido processo legal e da economia processual. 4. Sentença anulada
para permitir ao autor a juntada do documento que comprove a propriedade do imóvel em
questão. Recurso Provido.” (TJRJ, 11ª Câm. Cív., Apel. 0480349-97.2012.8.19.0001, Des.
Rel. Fernando Cerqueira Chagas, j. 03.09.2014, DJ 08.09.2014, fls. 225/229).
Petição Inicial 749

À imprescindibilidade de formulação do pedido, aliado às suas especificações, alu-


de o art. 319, IV, do CPC/2015. E, nos arts. 322 ao 329 do CPC/2015, disciplinou o le-
gislador, amplamente, o pedido.
O pedido representa os tipos de bens jurídicos desejados pelo autor. Pode-se falar
em pedido imediato e em pedido mediato.
O pedido imediato (tipo de providência jurisdicional solicitada, isto é, declaração,
constituição/desconstituição ou condenação do réu que, nesta medida, determina a nature-
za da ação) é aquele que, desde logo, diretamente se deseja; é o pedido dirigido ao Poder
Judiciário, no sentido de que outorgue a tutela jurisdicional especificamente solicitada.
Já o chamado pedido mediato representa o bem jurídico material (bem da vida) sub-
jacente ao pedido imediato. O pedido mediato, portanto, representa o que o autor dese-
ja (interesse do autor), em detrimento do interesse do réu e o imediato “como” o autor
deseja. O pedido mediato evidencia o objeto litigioso, ou a lide (terminologia do Códi-
go), ou ainda, o mérito.
O pedido (art. 322, caput, do CPC/2015) deve ser certo, ou seja, há de ser especifi-
cado, com nitidez, qual o bem jurídico desejado pelo autor. Deve, também, o pedido,
ser determinado (art. 324, caput, do CPC/2015), no sentido de ser possível identificar o
bem jurídico especificado pelo autor.
Entretanto, admite a própria lei que, em certas hipóteses, seja o pedido genérico, ex-
cepcionando, assim, regra de que o pedido deve ser determinado. São elas: 1º) em sen-
do ações universais, assim como, exemplificativamente, na ação de petição de herança,
desde que seja inviável ao autor a individuação do bem ou bens, ou quando não haja por
que proceder à individuação, pedirá este, então, uma parte da herança; 2º) nas deman-
das em que não se pode saber, ab initio, o quantum relativo a todas as consequências de
um ato ou fato ilícito. Como exemplo, cite-se o de um acidente a respeito do qual ine-
xistam condições de se arrolar a totalidade dos gastos referentes a despesas hospitala-
res, porque a vítima deve permanecer hospitalizada muito tempo; 3º) ainda, quando a
própria determinação do valor da condenação “depender de ato que deva ser praticado
pelo réu” (v. art. 324, § 1º, I, II e III, do CPC/2015).
Observe-se que as exceções contidas no art. 324 não eliminam a certeza do pedido,
pois o autor há, sempre, que identificar claramente a lide, indicando a natureza do bem
jurídico pretendido, ainda que não seja possível individualizá-lo ou quantificá-lo com
exatidão, nas hipóteses referidas dos incs. I a III do art. 324, § 1º, do CPC/2015.
O pedido poderá ser, diz o art. 325, caput, do CPC/2015, alternativo, quando o seja
a natureza da obrigação a ele subjacente (v. arts. 252 a 256, do Código Civil), isto é, na
hipótese de a obrigação poder ser cumprida de mais de um modo.
A respeito dos pedidos alternativos, inova o CPC/2015 ao permitir, no parágrafo
único do art. 326, a formulação de pedidos alternativos independentemente da natu-
reza da obrigação a eles subjacente. Faculta-se, assim, ao autor, a ampla possibilida-
de de formular pedidos alternativos, para que o juiz acolha apenas um. Essa espécie
de pedido ocorre, principalmente, nos casos versantes os chamados novos direitos,
750 Manual de Direito Processual Civil

que podem ser satisfeitos de mais de uma forma. A propósito, veja-se o exemplo, for-
necido por Leonardo Greco, da nocividade ao meio ambiente de determinada ativi-
dade, a qual pode ser reprimida por mais de um meio, seja pelo fechamento de uma
fábrica, seja pela substituição de insumos poluentes ou pela instalação de filtros nas
suas chaminés.27
Ainda, poderá haver formulação de pedido em ordem sucessiva (cumulação eventu-
al), em que o autor pede algo que deseja, em primeiro lugar; se, todavia, não puder ob-
ter esse algo, já terá formulado outro pedido – sucessivamente àquele – para que o juiz
o aprecie já na mesma sentença, tendo negado o pedido precedente.
Certamente, se puder atender positivamente ao primeiro pedido, o segundo, ipso
facto, estará prejudicado. Um exemplo é a hipótese de pedido de anulação de casamen-
to, que, se não atendido, habilitará o juiz a examinar o pedido de divórcio, outrossim,
formulado na mesma petição inicial. Nesta hipótese, o valor da causa reger-se-á pelo
art. 292, VIII, do CPC/2015.
Além de formular pedidos alternativos e subsidiários, é facultado ao autor a sim-
ples cumulação de pedidos independentes entre si e que reclamam, cada um, análise
individualizada pelo órgão julgador. Em verdade, cada pedido poderia ser veiculado
através de uma ação autônoma, motivo pelo qual fala-se aqui em verdadeira cumulação
de ações. As únicas exigências para que se possa cumular pedidos são: a) que os pedi-
dos sejam compatíveis entre si, até porque a incompatibilidade gera automaticamente
a inépcia da inicial (art. 330, § 1º, IV do CPC/2015, como veremos a seguir); b) que o
juiz seja competente para conhecer de todos os pedidos; e c) que o tipo de procedimen-
to escolhido seja adequado para todos os pedidos ou se os diversos procedimentos cor-
respondentes a cada pedido puderem ser reduzidos ao procedimento comum (art. 327,
§ 1º, I, II e III, e §2º, do CPC/2015).
Dispunha o CPC/73 que a exegese do pedido deveria ser restritiva (art. 293 do
CPC/73), de modo que, ressalvadas algumas poucas hipóteses legais e jurisprudenciais,
o juiz não poderia extrair da petição inicial nada além do pedido explicitamente formu-
lado pelo autor. O CPC/2015, diversamente, estabelece que os pedidos devem ser in-
terpretados no conjunto da postulação e de acordo com o princípio da boa-fé (art. 322,
§ 2º, do CPC/2015). Ainda assim, há que se ter cuidado, porquanto a natureza expressa
do pedido constitui a principal garantia, tanto à defesa do réu, como para a imparcia-
lidade do juiz.28
Assim, sem prejuízo daquilo que possa ser entendido como pedido extraído do
“conjunto da postulação” ou da interpretação conforme a “boa-fé”, a lei elenca algu-

27. Leonardo Greco, Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, v. II,
p. 13-14.
28. A propósito desse § 2º do art. 322, escreve Cássio Scarpinella Bueno (Novo código de pro-
cesso civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 240) que “representa verdadeiro desafio
para o dia-a-dia forense, que, com certeza, renderá ensejo a interessantíssimas discussões
não só sobre o que se pediu, mas também sobre o que se podia ou não ser julgado e, em
última análise, sobre o que transitou ou não transitou materialmente em julgado”.
Petição Inicial 751

mas hipóteses em que o juiz pode extrair algo a mais do pedido (pedidos implícitos).
De acordo com o § 1º do art. 322 do CPC/2015, compreendem-se no principal os juros
legais,29 a correção monetária30 e as verbas de sucumbência.31
Quando se tratar de obrigações periódicas (a serem periodicamente solvidas; de trato
sucessivo), “essas serão [todas] consideradas incluídas no pedido, independentemen-
te de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a
obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las”
(art. 323 do CPC/2015). Trata-se, pois, de conteúdo virtual do pedido, ex lege, neste
caso. Não cumprindo durante o curso do procedimento tais obrigações, o réu do pro-
cesso (isto é, o devedor), seja não pagando, seja não consignando, a sentença, as inclui-
rá na condenação, enquanto durar a obrigação. Significa isto: a) a sentença abrangerá
as prestações que se tenham vencido antes do início do processo, como as que vençam
durante o curso do processo e que não tenham sido pagas ou consignadas; b) ademais,
deverá condenar o devedor ao pagamento das que se vençam ulteriormente à própria
prolação da sentença, embora tais prestações, posteriores, somente sejam suscetíveis
de viabilizar execução quando dos respectivos vencimentos, e, se, então, forem inadim-
plidas. Nos casos da letra a, pode, desde logo, ser iniciada a execução; no caso da letra
b, há que se aguardar os respectivos vencimentos e inadimplementos, para após, tendo
por base a sentença (título judicial), promover-se a execução.
Tratando-se de obrigação indivisível, o pedido formulado por alguns credores apro-
veita àquele que não foi parte (art. 328 do CPC/2015), o qual poderá receber sua parte,
desde que, a final, sejam “deduzidas as despesas na proporção de seu crédito” (art. 328,
in fine). Para o conceito de obrigação indivisível, há que se ter presente a disciplina res-
pectiva (arts. 257 a 263, do Código Civil).
De modo diverso do que dispunha o CPC/73 em seu art. 287, o CPC/2015 não tra-
tou do chamado “pedido cominatório” como uma espécie de pedido implícito, que fu-
giria ao rigor da exigência de formulação expressa dos pedidos. Isso se deve, possivel-
mente, ao fato de que a cominação de sanção ao descumprimento de um dever, seja ele
referente à prática ou abstenção de um ato, não configura propriamente um pedido de

29. Assim também dispunha a parte final do art. 293 do CPC/73. Cf., ainda, a Súmula 254 do
STF, que diz: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial
ou a condenação”.
30. Assim já entendia a jurisprudência, à luz do CPC/73 (RT 537/158 e 171, 560/131; RJTJSP
61/50; JUTACivSP 72/93; STF, Juriscível 92/192; STJ, REsp 720.851/RS, 2ª T., j. 15.09.2005,
rel. Min. Castro Meira, DJ 10.10.2005, p. 335), que não dispunha expressamente sobre a
questão. A partir da vigência da Lei 6.899/1981, o direito à correção monetária passou a
decorrer de lei.
31. Em verdade, a condenação à verba sucumbencial deve ser fixada de ofício pelo juiz,
consoante se extrai dos arts. 82, §2º e 85, caput, do CPC/2015 (e já se extraía do art. 20 do
CPC/73). Por isso, entende Leonardo Greco (Instituições de direito processual civil. Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II, p. 17) não se tratar de pedido implícito, já que o autor
não pode voluntariamente excluir essas verbas (Instituições de direito processual civil. Rio
de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II, p. 17).
752 Manual de Direito Processual Civil

prestação jurisdicional; é, antes disso, um mecanismo destinado ao cumprimento for-


çado do comando da sentença e, portanto, uma forma de garantir a efetivação da deci-
são judicial. Assim, mostra-se suficiente o tratamento da matéria no capítulo referente
ao cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer e de entrega
de coisa (especificamente: art. 536, caput e § 1º, do CPC/2015), como aliás, já ocorria
nos arts. 461 e 461-A e respectivos parágrafos, do CPC/73.

18.7.1. Alteração ou aditamento do pedido e da causa de pedir


Na sistemática do CPC/2015, antes da citação do réu é lícito ao autor alterar ou adi-
tar (i.e., formular pedido que omitira na inicial) o pedido ou a causa de pedir, indepen-
dentemente de consentimento do réu, correndo por conta daquele as custas acresci-
das em razão desta iniciativa (art. 329, I, do CPC/2015). Após a citação, a alteração ou
aditamento dependerá do consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante
manifestação deste no prazo mínimo de 15 dias e facultado o requerimento de prova
suplementar (art. 329, II, do CPC/2015).
Havemos de ter presente, todavia, que haverá estabilização da demanda – nenhu-
ma alteração poderá ser admitida – após o saneamento do processo, como determina o
art. 329, II, do CPC/2015.

18.8. Momento do ajuizamento da ação, distribuição e registro da petição


inicial
De acordo com o CPC/2015, considera-se proposta a ação no momento em que a
petição inicial é protocolada (art. 312 do CPC/2015). No CPC/73, este momento era o
da distribuição da petição.
A alteração é significativa, tendo em vista que diante do gigantesco volume de pro-
cessos com que lida o Judiciário atualmente, muitas vezes o tempo que transcorre en-
tre o protocolo e o efetivo registro e distribuição de uma petição inicial pode frustrar
determinadas situações jurídicas.
Nesse ponto, atentamos, ainda, para o seguinte: a informatização dos processos e o
uso de meios eletrônicos de comunicação transforma a distribuição processual em um
ato sucessivo ao protocolo feito digitalmente.
O CPC/2015 estabelece, inclusive, que a distribuição poderá ser feita por meio ele-
trônico (art. 285 do CPC/2015). Essa, no entanto, não é ainda a realidade de gestão
processual em todo o território brasileiro; daí a importância de o Novo CPC realizar a
alteração do art. 313, tendo em vista que em certas localidades ainda há a demora entre
o protocolo e a distribuição física de uma petição inicial.
A importância de saber qual o exato momento de se ter como proposta a ação são
os efeitos de ordem processual daí decorrentes. O art. 43 do CPC/2015 diz que “deter-
mina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial.”.
Já o art. 59 dispõe que “o registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento
o juízo”. A prevenção, portanto, não ocorre simultaneamente à propositura da ação.
Petição Inicial 753

Outra consequência da propositura da ação é a data de interrupção da prescrição e


demais prazos extintivos previstos em lei, que, embora ocorra no momento do despa-
cho que ordena a citação, mesmo ordenada por juiz incompetente, retroage à data de
propositura da ação (art. 240, §§ 1º e 4º, do CPC/2015), logo do protocolo, devendo,
para tanto, a citação se concretizar no prazo de 10 dias (art. 240, § 2º, do CPC/2015).
Observamos, todavia, que a parte não poderá ser prejudicada pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário (art. 240, § 3º, do CPC/2015). Assim, se o prazo
de 10 (dez) dias, previsto para a citação (art. 240, § 2º, do CPC/2015), for descumprido
por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não se justifica o reconhecimento da
consumação da prescrição, aplicando-se a retroatividade à data da propositura (art. 240,
§ 1º, do CPC/2015). Esse é o entendimento do STJ na sua súmula 106 da jurisprudên-
cia predominante, que sobrevive.
Todos os processos que se instauram estão sujeitos a registro (art. 284 do CPC/2015),
e, nos foros onde houver mais de uma vara ou de um juízo,32 deverão ser distribuídos. Se
existir um único juízo, tanto bastará o mero registro (art. 284 do CPC/2015).
A distribuição, que é a designação, entre vários, do juízo que processará a causa,
deve ser feita alternada e aleatoriamente, obedecendo-se a rigorosa igualdade (art. 285
do CPC/2015). Isso se aplica à chamada distribuição originária.
Pode ocorrer, ainda, de ser a distribuição feita por dependência (art. 286 do
CPC/2015), o que ocorre por força da continência (art. 56 do CPC/2015) ou da cone-
xão (art. 55 do CPC/2015) com ações pendentes. A verificação de tais circunstâncias
determinará a distribuição para o juízo em que se processa a causa precedente. Nessas
hipóteses, se inobservada a distribuição por dependência, é possível que incida, ulte-
riormente, o disposto no art. 55, § 3º do CPC/2015, que determina a reunião das causas
de ofício pelo juiz.
Também serão distribuídas por dependência as causas que reiterem pedidos cujos
processos já tenham sido extintos sem resolução do mérito, ainda que tenha havido
parcial alteração do polo ativo ou do polo passivo (art. 286, II, do CPC/2015). Nesse
caso, a competência por prevenção será do juízo para o qual foi distribuída originaria-
mente a causa precedente. Trata-se de preceito que busca facilitar a concentração das
ações idênticas num mesmo juízo.
O inc. III do art. 286 do CPC/2015 introduz no processo civil hipótese nova, crian-
do norma de prevenção para os casos em que se verifique o risco de decisões contradi-
tórias ou conflitantes, ainda que não haja conexão ou continência entre os processos.
A inserção desta hipótese é mais do que justificável, e segue a linha da jurisprudência33
e da doutrina34 no que concerne à ampliação do conceito de conexão para finalidade de

32. O art. 284 do CPC/2015, tal como o art. 251 do CPC/73, erra ao se referir a juiz e não a juízo.
33. Cf. STJ, CComp 127.109/AM, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, j. 26.06.2013,
DJe 01.07.2013; STJ, CComp 37.805/CE, 2.ª S., j. 23.06.2004, rel. Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ 01.07.2005, p. 362.
34. Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2008,
p. 164.
754 Manual de Direito Processual Civil

reunião de causas. A inclusão, feita pelo CPC/2015, da continência, por sua vez, resulta
da finalidade buscada pelo instituto e das mesmas razões invocadas ao ampliar o con-
ceito de conexão objetivando a reunião de causas.
Com efeito, o fato de o CPC/73 não ter dispositivos expressos como os arts. 55,
§ 3º e 286, III, do CPC/2015 não obstou a compreensão mais ampla do fenômeno co-
nexão, que passou a ser aplicado com o fito de evitar a prolação de decisões contra-
ditórias ou conflitantes. Já foi observado, em diversas oportunidades, que o risco de
decisões contraditórias constituía a própria razão de ser da reunião dos processos co-
nexos, sem que fosse necessária, para que se declarasse a conexão de causas, a estrita
identidade de pedidos ou causas de pedir. 35 O que o CPC/2015 fez foi eliminar qual-
quer dúvida sobre essa possibilidade de reunião quando haja risco de decisões con-
traditórias ou conflitantes.
Na distribuição, dever-se-á verificar se a petição inicial está acompanhada do ins-
trumento de mandato (art. 287 do CPC/2015), salvo nas hipóteses definidas nos incs.
I, II e III do mesmo artigo.
É, ainda, direito do advogado, da Defensoria Pública, do Ministério Público ou da
própria parte, o de fiscalizar a distribuição (art. 287 do CPC/2015), como, por outro
lado, qualquer erro, ou mesmo a própria falta de distribuição, há de ser corrigida ou de-
terminada, oficiosamente, pelo juiz, ou a requerimento (art. 288 do CPC/2015), para
que se supra a falha.
Também deverão ser registradas a reconvenção, intervenção de terceiro, ou qual-
quer outra hipótese de ampliação objetiva do processo, por ordem do juiz, que, neste
caso, atuará de ofício (v. art. 286, parágrafo único, do CPC/2015). Caso haja mais de
uma vara o registro dará lugar à distribuição.
Pelo registro ou pela distribuição o juízo se torna prevento, e é fixada a competên-
cia do juízo. Doutra parte, estabelece o CPC/2015 que o juiz, de ofício ou a requeri-
mento do interessado, corrige o erro ou compensa a falta de distribuição (art. 288 do
CPC/2015). Pode ocorrer que o despacho do juiz anteceda à distribuição (v.g., em caso
de urgência), a qual, todavia, em seguida, deverá ser feita, em havendo mais de um juí-
zo. Normalmente, porém, haverá registro e distribuição, ou só registro, quando houver
um só juízo e/ou um só escrivão, e, depois, ter-se-á o despacho.
Caso a parte autora, após a intimação na pessoa de seu advogado, não promova o
preparo do processo em até 15 (quinze) dias, será cancelada a distribuição (art. 290 do
CPC/2015), cancelando-se também os efeitos decorrentes do ajuizamento (art. 43 do
CPC/2015 e outros de índole civil, v.g., arts. 1.601, parágrafo único, e 560, do CC),36 pois
será havido como extinto o processo, sem resolução de mérito. Sob a égide do CPC/73,
o Superior Tribunal de Justiça havia consolidado o entendimento de que o prazo de 30

35. Cf. nossas Soluções práticas (pareceres). Volume I. São Paulo: RT, 2011, p. 683-684 e, ainda,
nosso Manual de direito processual civil, 16. ed., São Paulo: RT, 2013, Primeira Parte, item
105, p. 386.
36. Cf. arts. 345 e 1.185 do CC/1916.
Petição Inicial 755

dias a que se referia o art. 257 contava-se da distribuição, independentemente de inti-


mação do autor.37
Quanto ao tema ainda, note-se que aparentemente a ausência de distribuição não
encontra cominada qualquer nulidade. Todavia, se houvesse tolerância habitual para
com a falta de distribuição, seria o próprio caos na organização judiciária.

18.9. Deferimento, emenda e indeferimento da petição inicial


Sucessivamente ao registro e à distribuição, a petição inicial será encaminhada ao
cartório respectivo, para autuação, e, depois, deverá ser objeto de apreciação por parte
do juiz. Se não tiver havido distribuição, por desnecessária (em face da existência de
apenas uma Vara), depois do registro e da autuação irá ao magistrado.
Em regra, o despacho que ela recebe é o despacho de deferimento, que: a) determina,
normalmente, a citação do réu; b) em não se tratando de direito indisponível, no qual
não é possível a autocomposição pela natureza do que é discutido, designa audiência de
conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC/2015, que representa uma novidade em
relação ao CPC/73); c) pode, se for o caso, conceder liminar solicitada pelo autor; d) e,
ainda, conforme a hipótese, principalmente tratando-se de procedimentos especiais,
pode o juiz determinar outra providência, além da mera citação.
Todavia, pode ocorrer uma das hipóteses previstas no art. 330 do CPC/2015, isto é,
que falte à petição inicial um requisito que, sequer, a habilite à providência de citação do
réu. Estar-se-á diante de hipóteses de indeferimento da inicial. No CPC/2015, a conse-
quência de se indeferir a petição inicial é a extinção do processo sem resolução do mé-
rito (art. 485, I, do CPC/2015), o que não impede nova propositura da ação com a cor-
reção dos vícios que levaram originalmente ao indeferimento (art. 486 do CPC/2015,
com as ressalvas do § 1º).
O pronunciamento do juiz que, nos termos referidos, resolvendo ou não o mérito
da causa é considerado sentença, nos termos do § 1º do art. 203 do CPC/2015 e, como
tal, é atacável por recurso de apelação (art. 1.009 do CPC/2015).
Antes do indeferimento da petição inicial, no entanto, verificando o magistrado que
a petição inicial não preenche os requisitos legais mínimos ou que apresenta irregulari-
dades capazes de dificultar o julgamento de mérito, deve aplicar a regra do art. 321 do
CPC/2015, possibilitando ao autor a oportunidade de corrigi-la, no prazo de 15 (quinze)
dias. Ressalte-se que a oportunidade de emenda à inicial é direito do autor, e não mera
opção do juiz.38 Além de propiciar tal correção, deve o juiz, nos termos do dispositivo
citado, fundamentar a decisão a partir da indicação precisa do que deve ser corrigido

37. Trata-se de julgado proferido em sede de julgamento de recursos repetitivos (STJ, REsp
1.361.811/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, j. 04.03.2015, DJe
06.05.2015.
38. Assim já se entendia à luz do CPC/73:“ (...) Nos termos dos arts. 284, caput e parágrafo único,
e 295, inciso VI, do CPC, o juiz não poderia extinguir o processo de imediato e sem a oitiva
do autor com base em irregularidades sanáveis, somente cabendo tal providência quando
756 Manual de Direito Processual Civil

ou completado. Daí se extrai que: a) o chamado despacho de emenda à inicial é verda-


deira decisão judicial e, como tal, deve ser fundamentado; b) a fundamentação, como é
intuitivo, não se pode limitar à invocação do art. 321 do CPC/2015, devendo particu-
larizar os vícios constantes da inicial, a fim de propiciar, ao autor, real oportunidade de
modificar a petição inicial.
Tal exigência já pode ser extraída do princípio constitucional da fundamentação das
decisões (art. 93, IX, do CPC/2015). Contudo, o fato de o CPC/2015 dispor expressa
e especificamente sobre essa exigência revela sua faceta pedagógica em relação à vira-
da paradigmática do direito constitucional e à necessidade de se fazer aplicar, no plano
prático, a força normativa dos princípios constitucionais.
Apenas no caso de não atendimento à decisão de emenda à petição inicial merecerá
ela ser indeferida. Isso decorre, também, do disposto no art. 317 do CPC/2015, segun-
do o qual “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à
parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício”.39
Em se tratando de vícios que, à primeira vista e de acordo com a análise judicial,
sejam insuscetíveis de conserto, não será o caso de aplicação do disposto no art. 321
do CPC/2015; todavia, antes de proceder à extinção do processo, deverá o juiz opor-
tunizar ao autor eventuais esclarecimentos ou argumentações que possam dissuadi-lo
do convencimento inicialmente formado sobre a existência do vício. Essa oitiva pré-
via do autor decorre dos arts. 9º e 10 do CPC/2015 e, mais amplamente, do contradi-
tório participativo (para alguns, da cooperação)40 Considerando que o juiz deve estar
em permanente diálogo com as partes, e superada a visão do magistrado como um ser
sobrenatural, de conhecimento e sapiência superiores, este deve estar aberto à possibi-

não atendida a determinação de emenda da inicial.” (STJ, 4ª T., REsp 1.143.968/MG, rel.
Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.02.2013, DJe 01.07.2013).
39. Diversamente do CPC/73, o novo Código explicitou a necessidade de, proferida sentença
terminativa fundada em ilegitimidade ad causam ou falta de interesse processual, corrigir-se
o vício quando da nova propositura da ação. Como dissemos em nosso Manual de direito
processual civil (16. ed. São Paulo: RT, 2013, Primeira Parte, n. 21-B), a modificação proposta
oferece solução mais técnica e explícita quanto à necessidade de correção do defeito que
motivou a primeira ação, que coincide com a posição atual do Superior Tribunal de Justiça
no julgamento do EResp 160.850/SP, rel. Min. Edson Vidigal, rel. p/acórdão Min. Salvio de
Figueiredo Teixeira (Corte Especial, j. 03.02.2003, DJ de 29.09.2003, reafirmado em diversos
acórdãos ulteriores).
40. “Antes da decretação de qualquer invalidade processual, tem o órgão jurisdicional que colher
a impressão das partes a propósito da relevância da infração à forma apontada no processo.
Deve possibilitar às partes que influenciem a sua valoração do vício do ato processual.
Trata-se de evidente dever de consulta do juiz para com as partes. Semelhante postura evita
a surpresa, reforçando a confiança das partes no Estado-juiz, sobre estimular uma decisão
mais atenta às variegadas feições que eventualmente possa assumir o problema debatido em
juízo. Postura, aliás, que denota uma efetiva paridade na condução do processo pelo órgão
jurisdicional antes da assimétrica imposição da decisão. Qualquer decretação de invali-
dade processual sem o prévio diálogo com as partes é ineficaz dentro de um processo civil
de estrutura cooperativa”. (Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil (pressupostos
sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009, p. 121).
Petição Inicial 757

lidade de ser demonstrado um equívoco quanto à insanabilidade ou à inexistência do


vício inicialmente detectada.
As causas de indeferimento da petição inicial previstas no art. 330 do CPC/2015
são: a ilegitimidade, a falta de interesse, o não preenchimento dos requisitos formais dos
arts. 106 e 321 e a inépcia, tal como definida no art. 330, § 1º, incs. I a IV, do CPC/2015.
O Código considera inepta a inicial quando: a) não houver pedido, hipótese em que
o juiz não poderá sequer apreciá-la, tendo em vista a inércia da jurisdição; b) quando,
embora feito o pedido, não sejam indicados seus fundamentos jurídicos (causa de pedir),
por exemplo, quando alguém diz que é credor de outrem, mas não indica a origem do seu
crédito; c) quando o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que
é permitido o pedido genérico (art. 324, § 1º, incs. I, II e III, do CPC/2015); d) quando
a petição inicial for ilógica, ou seja, quando a narração dos fatos não levar logicamen-
te à conclusão, ao pedido formulados; f) quando, embora existentes os pedidos, sejam
eles incompatíveis, no sentido de simultaneamente se excluírem, ressalvadas apenas as
hipóteses de pedidos alternativos e subsidiários que, em rigor, não são incompatíveis.
Devemos considerar, ainda, inepta a petição inicial quando, embora haja pedido e
causa de pedir, a maneira como a peça foi redigida torne obscura, quase impossível, a
sua compreensão. Quando, porém, a má redação dada à inicial não impede que se vis-
lumbre a verdadeira natureza do feito ajuizado, nem dificulte a defesa do réu, a juris-
prudência há décadas vem decidindo que não se deve, conquanto reconhecendo-se o
defeito de postulação, sacrificar o exame do direito perseguido.41
Sob a égide o CPC/73, no caso de o pedido ser “juridicamente impossível”, a petição
seria considerada inepta e, portanto, indeferida (art. 295, I, conjugado com o parágrafo
único, III, CPC/73). A doutrina referia-se à impossibilidade jurídica quando, pelo exame
da inicial, verificava-se que o sistema jurídico não albergaria a pretensão deduzida pelo
autor, aprioristicamente, pela exposição do próprio autor. Pelo fato de que essa análise
quase que invariavelmente se confundia com o julgamento do próprio mérito e do que
era pedido pelo autor, a categoria da “possibilidade jurídica” foi retirada do CPC/2015.42
Há ainda uma última hipótese de indeferimento da petição inicial, que diz respeito
a um caso específico não relacionado com os demais – a situação de ações que busquem
a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação de bens.
Nesses casos, consoante já se assinalou, o autor deverá discriminar as obrigações con-
tratuais que pretende controverter, e quantificar o valor incontroverso do débito, sob

41. “A inicial só deve ser considerada inepta quando ininteligível e incompreensível, porém,
mesmo confusa e imprecisa, se permite a avaliação do pedido, há que se apreciá-la e jul-
gá-la” (STJ, REsp 640.371/SC, 1.ª T., j. 28.09.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 08.11.2004,
p. 184).“De acordo com a jurisprudência desta Corte, não há falar em inépcia da petição
inicial quando possível a identificação da narração dos fatos, das partes, do pedido e da
causa de pedir”. (STJ, 6ª T., AgRg no Ag 807.673/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
j. 05.05.2009, DJe 18.05.2009).
42. Uma análise concisa e acurada dessa alteração está presente em Fredie Didier, Será o fim
das condições da ação? Um elogio ao projeto do novo código de processo civil. Revista de
processo, vol. 197, jul. 2011, p. 256.
758 Manual de Direito Processual Civil

pena de a petição inicial ser considerada inepta (art. 330, § 2º do CPC/2015 já aborda-
do quando tratamos dos requisitos da petição inicial).
Essa exigência específica serve, sobretudo, para os titulares de pretensão em face de
instituição financeira, mormente em contratos de empréstimo, financiamento e de con-
tratos anexos à alienação de bens.43 Na realidade, se a correta identificação do objeto da
lide é desde sempre requisito da petição inicial (art. 319, III e IV do CPC/2015, como
vimos acima), o dispositivo apenas reforça que, para o específico caso de contratos de
revisão de empréstimos financeiros, o autor deve distinguir exatamente aquilo que pre-
tende do que não pretende, ou seja, as obrigações que não serão controvertidas. A novida-
de (do art. 285-B do CPC/73, reproduzida no citado art. 330, § 2º, do CPC/2015) conso-
lidou o que já há algum tempo a jurisprudência vem exigindo em casos dessa espécie.44
O momento do indeferimento ocorre justamente quando a petição inicial for recebida
pelo juiz. Parece que, efetiva e propriamente, indeferir a inicial no curso do processo (quando
ela já terá sido deferida) não seria a terminologia mais correta. Entretanto, embora não mais
com fundamento nos arts. 485, I, e 330, do CPC/2015, ao juiz é dado extinguir o processo
sem resolução de mérito por outros fundamentos (v.g., art. 485, IV, do CPC/2015, que se re-
fere à ausência de pressupostos de constituição e validade do processo, de que é exemplo a
petição inicial válida), pois, de regra, não há preclusão nem para as partes, nem para o juiz,
quanto às matérias constantes do art. 330, em si mesmas e intrinsecamente consideradas (e o
processo haverá de ser obstado, ainda que não mais sob forma de indeferimento da peça
exordial, principalmente por superação do próprio instante cronológico).45
Como já foi assinalado, cabe recurso de apelação contra a sentença que indefe-
rir a inicial (arts. 485, I c/c 1.009, do CPC/2015). Com a apelação do autor, deverá, se
for o caso o magistrado se retratar de sua decisão no prazo de cinco dias (art. 331 do
CPC/2015). Na negativa da reforma pelo juízo de primeiro grau, o juiz mandará citar46

43. Essa previsão já existia na Lei 10.931, de 02.08.2004, no seu art. 50, caput: “Art. 50. Nas
ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento
ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações
contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob
pena de inépcia”. Os §§ 1º ao 5º deste art. 50 contém regras de direito material relacionadas
com o assunto do caput.
44. Já há algum tempo esse entendimento vem sendo consolidado pela jurisprudência. Cite-se,
exemplificativamente, o enunciado n. 34 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambu-
co, exatamente neste sentido: “A petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do
contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas,
juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência
de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida”.
45. Cf. STJ, REsp 1.062.996/PR, 4ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09.03.2010, DJe
26.04.2010. Na doutrina, v. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da
sentença, 7. ed. São Paulo: RT, 2014, item 1.3.
46. Apesar de o código utilizar a expressão “citação”, segundo alguns, em boa técnica processual, o
que ocorre na espécie é a intimação do réu, a fim de informá-lo dos atos e termos de um processo
que, nitidamente, lhe favorece (art. 269 do CPC/2015).Tratar-se-ia de autêntico ônus processual,
sem maiores efeitos pelo descumprimento. Isso foi visto – à luz do CPC/73 – como uma falta
de técnica por Glauco Gumerato Ramos, Resolução imediata do processo, em Daniel Amorim
Petição Inicial 759

o réu para responder o recurso (art. 331, § 1º, do CPC/2015). Provida a apelação, o pra-
zo para apresentação de resposta, pelo réu, terá início à data da intimação da decisão do
retorno dos autos à origem (art. 331, § 2º, do CPC/2015). Se, todavia, não for interpos-
ta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.

18.10. Improcedência liminar do pedido


Diferentemente da análise de deferimento ou indeferimento da inicial, há hipóteses
nas quais o que foi pedido é manifestamente improcedente, de forma que é possível sen-
tenciar com julgamento de mérito de forma liminar, já no momento do recebimento da
inicial. A improcedência liminar foi inserida, ainda no CPC/73, por meio do art. 285-A
daquele código, segundo o qual poderia o juiz proferir sentença, sem citar o réu, quando
a matéria fosse unicamente de direito e já houvesse, no juízo, “outras sentenças de total
improcedência, em outros casos idênticos”. Estabelecia o referido dispositivo legal que,
neste caso, poderia o juiz reproduzir “o teor da [sentença] anteriormente prolatada”.
Dentre as muitas controvérsias que surgiram a partir da promulgação deste dispo-
sitivo, a principal delas dizia respeito à falta de técnica na sua redação, pois a mera exis-
tência de uma sentença anterior em caso idêntico não seria suficiente para permitir o
atropelamento do devido processo legal e o julgamento liminar de improcedência do
pedido.47 Diante disso, a jurisprudência acabou se posicionando48 no sentido de que a

Assumpção Neves [et al.], Reforma do CPC, São Paulo: RT, 2006, p. 394-395. Expõe: “Embora
fale a lei em ‘citação’, o mais correto será considerar que o réu será intimado para responder ao
recurso de apelação. O legislador não se pautou pela melhor técnica. Por definição do próprio
CPC, a citação é ato pelo qual se chama o réu a juízo para se defender (art. 213 do CPC). Ora,
se não foi preciso chamá-lo a juízo para se defender, tendo em vista que defesa nenhuma seria
necessária para a resolução imediata, qual a lógica de se proceder à ‘citação’ apenas para cumprir
um ônus processual tal como é o oferecimento de contrarrazões?”. O que nos parece, todavia, é
que o principal objetivo da citação é ligar o réu ao processo, porquanto a esse não estaria ligado o
réu, senão por esse ato (salvo comparecimento espontâneo). Em realidade, essa citação, prevista
no art. 331, § 1º, não se circunscreve, apenas, à finalidade de responder o recurso; a partir desse
ato de comunicação, o réu toma conhecimento e integra o processo, na condição de sujeito
passivo. Nesse sentido, nos manifestamos na 16ª edição de nosso Manual de direito processual
civil (São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte, item 93, p. 738), revendo posicionamento anterior.
47. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, p. 371, onde se lê o seguinte:
“O juiz não está adstrito a julgar com base em referido dispositivo, podendo determinar a
citação do réu, por entender, por exemplo, que, apesar de haver precedentes similares do
próprio juízo, a situação específica se reveste de alguma peculiaridade, ou mesmo pode
ter havido mudança da posição precedente. Também não nos parece que o dispositivo em
questão deva ser aplicado nas hipóteses em que o entendimento do juízo se revele contrário
à posição do tribunal local e, com muito mais razão, quando essa incompatibilidade se
der com a orientação dos tribunais superiores”. Assim também, Luiz Guilherme Marinoni e
Sérgio Cruz Arenhart, para quem “não há qualquer lógica em admitir que o juiz possa julgar
conforme o que decidiu em casos idênticos quando o tribunal ao qual é vinculado já firmou
jurisprudência dominante ou editou súmula em sentido contrário” (Manual do processo de
conhecimento, 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 113).
48. “(...) Sentença liminar de improcedência. Art. 285-A do CPC. Necessidade de conformidade
com o entendimento do tribunal local e dos tribunais superiores. 1. Sentença de improce-
760 Manual de Direito Processual Civil

aplicação do art. 285-A, com a consequente improcedência liminar do pedido, só se-


ria possível quando o entendimento do juiz singular estivesse em conformidade, tan-
to com a posição do Tribunal local (Estadual ou Regional Federal), quanto do tribunal
Superior (Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal). A isso, a dou-
trina deu o nome de exigência de dupla conformidade. Se a orientação do magistrado
colidisse com o posicionamento dos órgãos hierarquicamente superiores, o artigo não
deveria ser aplicado.
Considerando que as reformas do sistema jurídico-processual demostraram eviden-
te preferência pelos entendimentos sumulados ou, até mesmo, manifestados por juris-
prudência dominante (cf., por exemplo, art. 518, § 1º, e art. 557, ambos do CPC/73),
e seguindo a linha mestra do CPC/2015 de imprimir mais segurança jurídica a partir
do respeito às decisões dos tribunais superiores, o art. 332 do CPC/2015 dá um passo
adiante do art. 285-A do CPC/73, e estabelece outras hipóteses nas quais, quando não for
necessária a fase instrutória, o pedido poderá ser julgado liminarmente improcedente.
Assim, o processo não terá seguimento, com julgamento de mérito de improcedên-
cia, quando o pedido contrariar: a) súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Supe-
rior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firma-
do em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
d) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. Estão inseridas, ain-
da, entre as hipóteses de improcedência liminar do pedido, as de decretação liminar de
prescrição ou decadência (art. 332, § 1º, CPC/2015), consideradas pelo CPC/73 como
casos de indeferimento da inicial. A solução do CPC/2015 de deslocar tais hipóteses
para o art. 332 é rigorosamente correta, visto que não se trata, a aferição de prescrição
ou decadência, de detecção de meros vícios formais, mas de verdadeira improcedência.
O que a alteração busca é dar efetividade aos arts. 926 e 927 do CPC/2015, que tra-
tam da obrigatoriedade de vinculação aos precedentes judiciais. A lógica é a de que, se
tais decisões são de observância impositiva, dar prosseguimento a pedidos manifesta-
mente contrários a elas significaria um desperdício da atividade jurisdicional. Há de se
ter em mente, portanto, que apenas quando a questão jurídica for tida como idêntica
àquela decidida ou sumulada pelo tribunal superior, é que se poderá falar em improce-
dência liminar. A identificação do que vêm a ser “casos idênticos” se deverá servir das
noções de ratio decidendi e obiter dicta, importadas dos sistemas de direito anglo-saxão.
Ratio decidendi diz respeito à essência da questão jurídica decidida, isto é, são os argu-
mentos sem os quais não é possível chegar à conclusão do que foi decidido. Já obiter dic-

dência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC que, embora esteja em consonância com
a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem. 2. O art. 285-A
do CPC constitui importante técnica de aceleração do processo. 3. É necessário, para que
o objetivo visado pelo legislador seja alcançado, que o entendimento do Juiz de 1º grau
esteja em consonância com o entendimento do Tribunal local e dos Tribunais Superiores
(dupla conforme). 4. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ, 3ª. T., REsp 1.225.227/
MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.05.2013).
Petição Inicial 761

ta é o que possa constar de uma decisão, mas que não se terá colocado como necessário
para decidi-la. Curialmente, não se trata de hipótese de causas idênticas (inaplicável o
art. 337, § 2º), mas de causas em que os fundamentos se repetem, e os pedidos são seme-
lhantes (na terminologia da lei, casos idênticos).
Sobre esse tema, é preciso apontar que nem sempre é adequado que um provimento,
mesmo que a favor do réu ainda não citado, seja dado sem possibilidade de sua manifes-
tação nos autos. Diz-se isso por conta da noção de contraditório efetivo, estampada nos
arts. 9º e 10 do CPC/2015. No caso da improcedência liminar, se por exemplo a causa
de pedir for alterada a ponto de permitir a nova propositura da ação, apenas então o réu
terá oportunidade de falar em sua defesa; essa nova ação e o tempo despendido entre a
propositura da demanda original e a efetiva convocação do réu poderiam ser evitados,
caso o juiz, antes de determinar a improcedência liminar, oportunizasse o contraditório.
Assim como nos casos de indeferimento da inicial, quando da improcedência limi-
nar, o autor poderá apelar, e o juiz terá a faculdade de se retratar em cinco dias. Caso se
retrate, dará prosseguimento citando o réu para a defesa de mérito; do contrário, deter-
minará também a citação, mas para que apresente resposta à apelação, remetendo-a ao
tribunal para julgamento.
19
Audiência de Conciliação ou Mediação

19.1. Mecanismos de autocomposição e Poder Judiciário

Um dos diferenciais trazidos pelo CPC/2015 em relação ao CPC/1973 é a previsão


da audiência de conciliação ou mediação. Trata-se de medida que incorpora a tendência
nítida no Código, de estimular a utilização de técnicas e instrumentos de autocompo-
sição. 1 Essas duas técnicas – mediação e conciliação – vêm referidas no início do CPC
(art. 3º, § 3º), o que demonstra a ênfase com que são previstas pelo legislador. O desta-
que conferido à conciliação e à mediação é fruto da conscientização da necessidade de
se romper com o dogma de que a justiça só pode ser implementada pelo Judiciário. Em-
bora se possa afirmar que as técnicas de conciliação e mediação podem, em tese, evitar
ou encurtar o processo judicial, o certo é que, atualmente, tais mecanismos são tratados
sob a perspectiva da necessidade de se oferecer efetiva solução a determinados conflitos.
O que se busca, com o estímulo à conciliação e mediação, não é apenas desafogar o
Judiciário, mas também oferecer formas diferenciadas de solução de conflitos.
Por tal razão, o Estado estabeleceu formas institucionais para o emprego dos métodos
autocompositivos: primeiro, a partir da Resolução nº 125, de 2010, do CNJ, que instituiu
nos Tribunais os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC),2
e, depois, o CPC/2015, que prevê a realização de uma audiência de conciliação ou me-
diação antes mesmo da abertura do prazo para a resposta do réu. A Lei 13.140/2015 re-
forçou a tendência, ao dispor sobre a mediação judicial nos arts. 24-29.3
Com isso, os métodos de autocomposição, antes considerados predominantemente
alternativos ao Poder Judiciário, são por ele incorporados, na expectativa de que possam
ser oferecidas aos jurisdicionados as mais diversas possibilidades de solução de confli-

1. Sobre esse tema, vide Thereza Alvim, O direito de família e o novo CPC. Revista do IBDFAM,
março de 2016.
2. Veja-se que o Capítulo I da Resolução trata “Da política pública de tratamento adequado
dos conflitos de interesses”.
3. Lei que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias
e sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração publica.
Audiência de Conciliação ou Mediação 763

tos. Passa-se, então, a aludir a uma política pública de incentivo e aperfeiçoamento dos
mecanismos consensuais de litígios.4
Nessa linha, tem-se a previsão da audiência de conciliação ou de mediação (art. 334
do CPC/2015).

19.2. Audiência de conciliação ou mediação


A audiência de conciliação ou mediação deve ser designada pelo juiz concomitante-
mente à citação e, consequentemente, no momento anterior à resposta do réu, com no
mínimo trinta dias de antecedência. Somente será designada a audiência de conciliação
ou mediação quando o litígio admitir autocomposição (art. 334, § 4º, II, do CPC/2015),
caso contrário o réu será citado para apresentar resposta no prazo legal.
No sistema anterior (CPC/1973), havia a previsão da tentativa de conciliar as partes
em audiência específica (audiência preliminar – art. 331 do CPC/1973), que ocorria na
fase de saneamento. Porém, a possibilidade de dispensa dessa audiência (art. 331, § 3º, do
CPC/1973), associada a outros fatores, sobretudo de ordem cultural,5 acabou por determi-
nar a escassez das hipóteses em que, de fato, a audiência preliminar era designada. Entre
os fatores que possivelmente conduziram a essa realidade podemos citar: a) o momento
da realização da audiência, imediatamente posterior à fase postulatória, em que se contra-
põem – muitas vezes de forma hostil – as principais teses do autor e do réu; b) o fato de que
a tentativa de conciliação era implementada, como regra, pelo juiz da causa, não necessa-
riamente a pessoa mais qualificada para este mister e c) a ausência de acolhimento, na prá-
tica, do princípio da oralidade pelos ordenamentos de civil law, como é o caso do Brasil.6
O tratamento conferido à audiência de conciliação ou mediação do CPC/2015 pa-
rece se afastar desses obstáculos, por várias razões. É importante ter presente as dife-

4. Fala-se em Tribunais Multiportas, em alusão à ideia de Frank Sander, segundo a qual as portas
correspondem a técnicas diversas de solução de conflitos, cada uma adequada ao tipo de
problema apresentado. Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução
do tribunal multiportas. In: Rafael Alves de Almeida;Tania Almeida; Mariana Hernandez
Crespo(org.). Tribunal multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de
solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 30-32. Para uma distinção entre
a ideia original e sua implementação em terras brasileiras, sobretudo no que tange ao papel
do Judiciário, veja-se o seguinte trabalho: Stela Tannure Leal, Mediação e Judiciário no TJ-RJ:
caminhos e descaminhos da institucionalização. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal Fluminense: Niterói, 2016, p. 11 e ss.
5. Cf. Kazuo Watanabe, “Cultura da sentença e cultura da pacificação”. In:Achille Saletti.
(Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pelegrini Grinover. 1ª ed.. São Paulo: DPJ,
2005, v., p. 684-690.
6. Nesse sentido: Bruno Cavallone, Forme del procedimento e funzione della prova (ottant’anni
dopo Chiovenda), Rivista di diritto processuale, ano LX, Padova: Cedam, 2006, p. 417-432,
especialmente p. 422; Dierle José Coelho Nunes, Processo jurisdicional democrático. Uma
análise das reformas processuais. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74 e 98; Clarissa Diniz
Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os processos
civil e penal. Tese de doutoramento defendida na Universidade de São Paulo, orientador
Prof. José Rogério Cruz e Tucci, 2013, p. 47, 158 e ss.
764 Manual de Direito Processual Civil

renças entre uma e outra modalidade de auxílio para eventual autocomposição, o que
está previsto no art. 165, §§ 2º e 3º: “§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente
nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções
para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou inti-
midação para que as partes conciliem. § 3º O mediador, que atuará preferencialmen-
te nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará os interessados
a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo
restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais
que gerem benefícios mútuos”.
O réu será citado, via de regra, não para apresentar defesa (como ocorria no
CPC/1973), mas para comparecer à audiência de conciliação (art. 303, II, do CPC/2015).
A partir da sua citação, poderá apresentar em petição simples sua manifestação pelo
desinteresse na audiência, com até dez dias de antecedência. Já o autor deverá indicar
na petição inicial seu desinteresse na autocomposição (art. 334, § 5º, do CPC/2015).
A forma como estão dispostas estas regras, e sua respectiva interpretação literal,
parece evidenciar que, se ambas as partes não se manifestarem pela não realização da
audiência esta ocorrerá. A oportunidade de soluções amigáveis dos conflitos incluiria a
presunção legal de que em qualquer conflito de interesse, no qual se discutam direitos
suscetíveis à autocomposição, se ambas as partes não se opuserem de forma expressa,
há potencial interesse em conciliar.
De certa maneira, não deixa de ser curiosa a opção legislativa que parece obrigar
uma parte, relutante, a dirigir-se à audiência que tem como objetivo chegar a uma so-
lução consensual.7 Entretanto, parte da doutrina, como nós, defende, desde já, a inter-
pretação do dispositivo no sentido de que se uma das partes manifestar desinteresse na
conciliação, a audiência não deve ser designada.8-9

7. A essa conclusão chegou, também, Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual
civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 272; No mesmo sentido, Ana Candida Menezes Marcato
(Audiência de conciliação ou mediação do art. 334 do NCPC: facultativa ou obrigatória?
Afronta à voluntariedade da mediação? In: Mirna Cianci et. al. (coord.). Novo código de
processo civil: impactos na legislação extravagante e interdisciplinar. Vol. 1. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 41– 49), que analisa a questão à luz do princípio da voluntariedade da
mediação.
8. Por todos, ver o seguinte trecho: “Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo ‘ambas’,
deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se rea-
lizará se qualquer das partes manifestar, expressamente, seu desinteresse na composição
consensual. (...) É que um dos princípios reitores da mediação é o da voluntariedade, razão
pela qual não se pode obrigar qualquer das partes a participar, contra sua vontade” (Ale-
xandre Freitas Câmara. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 199). No
mesmo sentido: José Miguel Garcia Medina, Direito Processual Civil Moderno. São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 534; Cassio Scarpinella Bueno. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed.
Volume único. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 295.
9. Em sentido contrário: Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56ª
ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 779; Luiz Guilherme Marinoni, Novo curso de
processo civil. Vol. II: Tutela dos direitos mediante procedimento comum, São Paulo: Ed. RT,
Audiência de Conciliação ou Mediação 765

Dizemos isso em razão de que se empregássemos a interpretação literal da lei, ou


seja, a possibilidade de a lei estabelecer que a audiência apenas não ocorreria se ambas
as partes se manifestassem expressamente pela sua não realização, tolheríamos a liber-
dade do jurisdicionado em relação a seus interesses disponíveis, obrigando-o a discutir
possibilidade de acordo com a parte adversa, ou, pelo menos, a comparecer à formali-
dade que objetiva discutir uma possível composição, sob pena de multa, o que este já
revelou que não quer. Acrescente-se, ainda, que realização de um ato processual que
sabidamente será inócuo (ante a manifestação expressa de uma das partes no sentido de
que não tem interesse na celebração de acordo) contrariaria os princípios da celeridade
e da economia processual. Diante disso, se apenas o autor, ou apenas o réu demonstrar
interesse na resolução amigável, parece-nos ser despicienda a audiência.
Assim, entendemos que deve o juiz dispensar a audiência de conciliação ou de me-
diação diante de circunstâncias fáticas que evidenciem ser improvável a composição.
Neste caso estariam respeitados a liberdade individual, a livre manifestação da vontade
individual, bem como os princípios da celeridade e economia processual.
Nos casos de litisconsórcio unitário, essa situação tem aspectos práticos específicos.
Prevê o CPC/2015 que todos os litisconsortes devem manifestar desinteresse na rea-
lização da audiência (art. 334, § 6º). Ocorre que o litisconsorte, ou litisconsortes, que
comparecerem não poderão, sem a presença de todos os demais, transigir a respeito de
um direito que é uno. Inviável, portanto, a realização da audiência de conciliação ou
de mediação se um dos litisconsortes manifestar desinteresse. Neste caso, igualmente,
é possível e recomendável que o juiz dispense a realização da audiência, diante das cir-
cunstancias fáticas e, em face da liberdade individual e do respeito ao princípio da livre
manifestação da vontade individual. Tendo sido mantida a audiência de conciliação ou
mediação, o não comparecimento injustificado de um dos litisconsortes prejudica não
somente a si (a quem será cominada multa), mas aos demais, que não poderão realizar
qualquer acordo ou composição amigável.
Diversamente, em se tratando de litisconsórcio simples, as partes são consideradas
como litigantes distintos, visto que há lides diversas. Neste caso, seria justificável a ma-
nutenção da audiência de conciliação ou mediação nos termos previstos pelo art. 334
do CPC/2015, pois viável a composição, ainda que não englobe integralmente todo o
objeto do processo.
O desinteresse das partes não precisa ser justificado, bastando seja mera alegação da
parte. Já por outro lado, quando a audiência estiver designada, o não comparecimento
injustificado é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, punível com multa de
até dois por cento do valor da causa, que é revertida em favor da União ou do Estado, e

2015, p. 174; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 624-625, bem como o enunciado 62 da Enfam (Escola Nacional de Formação
de Magistrados): “Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização
da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a
manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa
de que trata o art. 334, § 8º.”
766 Manual de Direito Processual Civil

não da parte contrária (art. 334, § 8º do CPC/2015). Há aplicação de multa sempre que
não houver motivo de força maior ou considerado motivo justo, pelo juiz.
Vejamos que a audiência de conciliação ou mediação é realizada pela figura do
conciliador ou mediador (v. arts. 165 a 175 do CPC/2015), fora do ambiente propria-
mente judicial (art. 165 do CPC/2015 se refere aos centros judiciários de solução consen-
sual de confitos) e em caráter estritamente confidencial (art. 166, caput e §§ 1º e 2º do
CPC/2015), mediante expressa admissão da aplicação de técnicas negociais (art. 166,
§ 3º, do CPC/2015), sem que tais estratégias possam, posteriormente, vir a ser inter-
pretadas como admissão de fatos ou reconhecimento de direitos. Examinando-se os
dispositivos relativos à audiência de conciliação ou mediação verificamos que, nesse
passo, usou o legislador outra forma de buscar a mencionada mudança de mentalidade
sobre os meios de autocomposição, sob a perspectiva do estímulo e, não, da coerção.
Além disso, o conciliador ou mediador deve ser capacitado e estar inscrito em cadas-
tro nacional e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, nos
termos da lei processual (art. 167) e em conformidade com parâmetro curricular defi-
nido pelo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça (art. 167, § 1º, do CPC/2015).
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao momento da audiência de conci-
liação ou de mediação, que é designada após o recebimento da petição inicial e antes
do prazo para a apresentação de resposta pelo réu. Nesse ponto do processo, ainda não
terá sido instaurado propriamente um litígio com argumentos contrapostos. Verifica-
-se aqui, o aspecto positivo de evitar o ambiente beligerante que pode surgir ao longo
do processo, reunindo as partes para uma tentativa de solução consensual já de início,
embora haja quem se manifeste criticando o momento de realização da audiência.10

19.3. Procedimento
Consoante já assinalamos, estabelece o CPC/2015 que a condução da audiência
deve ser feita pelos mediadores e conciliadores (art. 334, § 1º), dispensado o juiz dessa
tarefa. Não se trata de “aliviar” a carga de trabalho do juiz, mas de evitar que o julgador
da causa tome contato com as partes no ambiente de composição amigável, que é ines-
capavelmente sujeito a alegações e negociações entre as partes que fogem ao objeto do
processo. Muito frequentemente, a dinâmica da audiência de conciliação ou de media-

10. “O ambiente propício para a negociação ou o acordo não se forma necessariamente no mo-
mento processual agendado para a audiência preliminar ou para a audiência de conciliação
ou mediação, parecendo-me que, enquanto as partes não colocam todas as provas, não são
capazes de avaliar as probabilidades de vencer ou de perder, indispensáveis para estimulá-las
ou não à negociação. Sou mais favorável a uma conciliação conduzida paralelamente ao
andamento do processo judicial do que à realização dessa tentativa em um momento deter-
minado do processo. A tentativa de conciliação no curso do processo pode transformar-se
em um pretexto para retardar o andamento ou a solução do processo judicial. Quem acha
que tem razão, deve ter o direito de alcançar com celeridade o provimento jurisdicional de
tutela do seu direito material.” (Leonardo Greco, Instituições de processo civil. Introdução
ao direito processual civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, capítulo 1, item 1.3.4,
p. 23).
Audiência de Conciliação ou Mediação 767

ção é mais emotiva que racional ou jurídica. Serão levados em consideração, pelas par-
tes, questões pessoais e até fatos que podem servir de barganha, de estratégia entre elas
para alcançar uma solução consensual ao caso. Vige o princípio dispositivo, em sua es-
sência, e também os imperativos da confidencialidade e da informalidade (art. 166 do
CPC/2015). Quer-se, aqui, manter a discussão sobre o mérito protegido para que seja
apreciada por um sujeito imparcial – o juiz, na eventualidade de não se chegar a um
acordo na conciliação ou mediação.
Para dar cumprimento ao que foi dito acima, o próprio CPC/2015 estabelece como
auxiliares da justiça as figuras do conciliador e do mediador (art. 165), que devem res-
peitar o sigilo das informações que são trocadas entre as partes na audiência de conci-
liação ou de mediação (art. 166, § 1º).
Poderá haver mais de uma sessão de audiência, se a primeira não for suficiente para
se alcançar a composição amigável (art. 334, § 2º). O CPC/2015, de fato, estimula esse
tipo de comportamento, em detrimento de soluções dadas pelo Poder Judiciário – que,
no entanto, ocorrerão sempre que não houver acordo. O desdobramento da audiência
em várias sessões é prática muito comum quando se cogita da mediação. Por ser a me-
diação um instrumento considerado mais adequado ao tratamento de conflitos presen-
tes em relações de natureza continuada, que demandam a implementação de soluções
harmoniosas para a convivência futura das partes, exige maior aprofundamento nas re-
lações preexistentes ao conflito, bem como maior sensibilidade por parte do mediador
na tentativa de alcançar a justiça coexistencial.
Apesar da relativa liberdade concedida ao conciliador e ao mediador no que diz
respeito ao tempo e aos prazos da audiência, há um limite máximo de 60 dias entre a
realização da primeira e da última sessão (art. 28 da Lei 13.140/2015, que revogou o
art. 334, § 2º, do CPC/2015), o que indica que o legislador não se descurou da preo-
cupação com a duração razoável do processo. Há também uma limitação mínima de
20 minutos de duração das sessões de audiência isoladamente consideradas (art. 334,
§ 12, do CPC/2015).
Há necessariamente o acompanhamento das partes por advogado (art. 334, § 9º,
do CPC/2015), e as partes podem constituir representante com poderes para transigir
(art. 334, § 10, do CPC/2015).
Se houver acordo, este será reduzido a termo e homologado por sentença, sobre a
qual recairá autoridade de coisa julgada. Se, pelo contrário, não houver autocomposi-
ção, o dia útil seguinte ao da última sessão de audiência será o primeiro do prazo para
apresentação de contestação.
20
Resposta Do Réu

20.1. Resposta e outras possíveis reações do réu diante da ação proposta pelo
autor
O réu pode responder à ação proposta pelo autor de duas formas: apresentando
defesa e ou reconvindo. No CPC/15, todas as defesas, bem como a reconvenção (ação
proposta pelo réu contra o autor, no mesmo processo que a ação originária), são apre-
sentadas na peça de contestação.
No CPC/1973, a contestação e a reconvenção eram apresentadas em peças autôno-
mas, já que, substancialmente, diferem em seu conteúdo. A simplificação do CPC/15,
entretanto, elimina esse formalismo. Ainda assim, é importante diferenciar: substan-
cialmente, a contestação é a peça de defesa do réu; já a reconvenção não contém uma
defesa, senão que uma nova ação, proposta pelo réu contra o autor. O fato de se encon-
trarem, ambas, na mesma peça processual, não modifica sua natureza jurídica: tanto
a contestação como a reconvenção são modalidades de resposta do réu, ainda que só
a primeira configure uma defesa propriamente dita; enquanto a segunda se relacio-
na com verdadeiro exercício do direito de ação por provocação do réu, que formula
pedido de tutela jurisdicional contra o autor, ampliando os limites objetivos da rela-
ção jurídica processual, que passa a ter duas ou mais lides. Algumas vezes, ademais,
implicará a reconvenção também na ampliação dos limites subjetivos da relação ju-
rídica processual, quando o réu propor a reconvenção em face do autor e de terceiro
(art. 343, § 3º do CPC/2015).
No CPC/1973, algumas defesas eram apresentadas fora da peça de contestação. Isso
ocorria com as arguições de incompetência relativa, de suspeição e de impedimento –
enquadradas nas exceções previstas nos arts. 304 e ss. do CPC/1973 – com a impugna-
ção ao valor da causa (art. 261, CPC/1973) e com a impugnação à assistência judiciária
(art. 4º, § 2º, da Lei 1.060/1950, mantido pelo CPC/1973 e revogado pelo art. 1.072, III,
do CPC/2015). Todas essas defesas, que eram autuadas em separado à luz do CPC/73,
compõem a peça contestatória do CPC/2015.
O réu se abstendo quanto ao ônus de apresentar contestação (no sentido substan-
cial), dá ensejo à revelia que tem como principal efeito, em regra, a presunção de serem
verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, salvo as exceções do art. 345 do CPC/2015,
Resposta Do Réu 769

e desde que efetivamente presentes os pressupostos de incidência do art. 344 do CPC/2015.


Esse assunto será do tratado oportunamente.
Por outro lado, poderá o réu aceitar os fatos e suas consequências jurídicas, renden-
do-se ao mesmo, ou seja, reconhecendo juridicamente o pedido formulado pelo autor.1
Se o réu contestar alguns fatos e outros não, aplicar-se-á quanto àqueles o art. 341 do
CPC/2015, salvo se ocorrerem quaisquer das exceções do próprio art. 341 e desde que
os fatos não especificamente contestados se revistam de credibilidade.

20.2. Forma e início da contagem do prazo para contestação


A contestação deve ser apresentada em petição escrita, por via física ou eletrônica,
conforme a natureza do processo. Em geral, é apresentada para o juiz da causa, mas, ex-
cepcionalmente, havendo alegação de incompetência, poderá ser apresentada no domi-
cílio do réu, tornando mais acessível o exercício do direito de defesa. Nesse caso, o juiz
da causa será comunicado imediatamente, de preferência por meio eletrônico (art. 340
do CPC/15) e a audiência de conciliação e mediação será suspensa até que este decida a
questão. Esse procedimento será minudenciado mais adiante, neste capítulo.
No CPC/15, o prazo do réu para contestar é, via de regra,2 de 15 dias. Porém, a data
de início dessa contagem pode variar conforme as situações apresentadas no processo.
Como regra geral, prevê o CPC/2015 que o réu será citado para comparecer à au-
diência de conciliação ou de mediação, que pode, por sua vez, se desmembrar em mais
de uma sessão (art. 334, caput e § 2º, do CPC/2015). Realizada a audiência, o prazo de
contestação tem início a partir da referida data, ou da data da última sessão, se houver
mais de uma (art. 335, I, do CPC/2015).
Se, todavia, não for o caso de realização da audiência, o prazo de contestação terá
como termo a quo a data do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de con-
ciliação ou mediação apresentado pelo réu, quando esta tiver sido previamente desig-
nada (arts. 335, II c/c art. 334, § 4º, I e § 5º, do CPC/2015). Havendo vários réus, dispõe
o § 1º do art. 335 do CPC/2015 que o termo inicial será, para cada um dos réus, a data
da apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência.3Por sua vez,
não tendo sido designada audiência de conciliação ou mediação, o prazo terá início a
partir da citação, hipótese em que se aplicará o disposto no art. 231 do CPC/2015. Des-
se modo, havendo mais de um réu, a data de início do prazo será correspondente à da

1. Sobre o assunto, v. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo:
Ed. RT, 1977.
2. Diz-se via de regra tendo em vista as excepcionalidades previstas no próprio Código, tais
como os prazos em dobro para litisconsortes com procuradores diferentes, de escritórios de
advocacia distintos (art. 229 do CPC/15), para o Ministério Público (art. 180 do CPC/15), para
a Fazenda Pública (art. 183 do CPC/15) e para a Defensoria Pública (art. 186 do CPC/15).
3. No sentido de ser anti-isonômica tal disposição, entendendo que todos os réus deveriam ter
o mesmo prazo para contestar a partir do conhecimento do fato de que não haverá audiência
de conciliação, pelo protocolo do ultimo pedido de cancelamento, cf., Leonardo Greco,
Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, vol. II, p. 50.
770 Manual de Direito Processual Civil

juntada do último mandado ou aviso de recebimento positivo da citação (art. 231, § 1º,


do CPC/2015). Ainda, havendo mais de um réu e desistindo o autor em relação a um
deles, ainda não citado, o prazo para contestação correrá da data da intimação da deci-
são que homologar a desistência (art. 335, § 2º, do CPC/2015).

20.3. Analogia existente entre o direito de ação e o direito de defesa


A ação e a contestação se baseiam num mesmo interesse substancial: o autor preten-
de que o réu seja submetido ao seu interesse, que é por ele definido como jurídico, e o
réu, contrariamente, deseja que o seu interesse não sucumba, por causa da prevalência
daquele do autor. O processo, pois, encerra um conflito de interesses tal como retratado
na lide, e o retrato deste conflito encontra-se cunhado na petição inicial; e, na contes-
tação do réu, levantam-se questões, de fato e/ou de direito, preordenadas a evidenciar
que ao autor não assiste razão.
Quer a ação, quer a defesa, ligam-se a situações materiais nelas retratadas. Têm em
comum o seu objetivo imediato, que é o de pretenderem a prestação da tutela jurisdi-
cional, constituindo-se, ambas, em direitos processuais subjetivos. Entretanto, diferem
no seu pedido mediato, uma vez que, enquanto a finalidade da contestação, no que diz
respeito ao mérito, praticamente é sempre única – obtenção de uma sentença declarató-
ria negativa –, os objetivos da ação variam muito. As ações podem almejar tutelas de-
claratórias (positivas ou negativas), constitutivas ou desconstitutivas, condenatórias,
ou ainda tutelas mandamentais, que ordenem uma prestação positiva ou negativa (as
decisões relativas às obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa são tratadas espe-
cificamente, nos arts. 497 a 501 do CPC/2015).
Somente quando a resposta do réu veicula também a reconvenção, ou quando a lei au-
toriza a formulação de autênticos pedidos na contestação4 haverá outras espécies de pedi-
do (declaratório positivo, constitutivo ou condenatório). Nesses casos, porém, o pedido
formulado não se considera, substancialmente, contestação, tratando-se de propositura
de ação pelo réu na peça contestatória. Trata-se de conteúdo diverso da defesa, coinciden-
temente contido na mesma petição, para privilegiar a simplificação dos atos processuais.

20.4. Contestação
20.4.1. Função processual da contestação e ônus da impugnação especificada
dos fatos
O réu, contestando o mérito, ou seja, o pedido formulado pelo autor, não enrique-
ce ou aumenta juridicamente a lide, ou, segundo terminologia também difundida en-

4. Vide:art. 556 do CPC/15 – caráter dúplice da ação possessória; art. 544, parágrafo único e


555, do CPC/15 – caráter dúplice da ação consignatória, em geral; Lei 8.245/1991, art. 72,
caput c/c o art. 52, II – pedido de uso próprio do prédio pelo locador (réu); Lei 8.245/1991,
art. 72, § 4º – pedido de fixação de aluguel provisório pelo réu durante a tramitação da ação
renovatória; Lei 9.099/1995, art. 31, caput – pedido contraposto nos Juizados Especiais
Cíveis etc.
Resposta Do Réu 771

tre nós, o objeto litigioso.5 Todavia, deve impugnar especificamente os fatos (ônus da
impugnação específica), sob pena de incidir o art. 341, caput, do CPC/2015, que esta-
belece a presunção de veracidade dos fatos não impugnados.
Ressalvemos, contudo, as exceções expressamente previstas nos incisos I, II e III
do referido artigo, quais sejam: se não for admissível, a respeito dos fatos alegados pelo
autor, a confissão; se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público
que a lei considera da substância do ato; e, finalmente, se os fatos alegados pelo autor
estiverem em contradição com a defesa em seu conjunto. Ainda, de acordo com o pa-
rágrafo único do art. 341, a regra quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos
não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.
Esse rol de exceções, previsto nos incisos e parágrafo único do art. 341 do CPC/2015,
não pode ser considerado exaustivo. Há outros fatos que, conquanto não impugnados
pelo réu, não podem ser considerados verdadeiros. Constituem exemplos de tais hipó-
teses os fatos inverossímeis6-7 e os fatos contrários a fatos notórios,8 pela razão de que o
juiz não poderá presumir verdadeiros fatos manifestamente contrários à racionalidade
lógica ou às regras da experiência.9 Tal implicaria a possibilidade de julgamento mani-
festamente contrário a verdade dos fatos, por aplicação de presunção relativa que, no
caso concreto, revela-se artificial e desconectada da realidade.
Se o réu apresenta defesa no sentido de formular nova versão dos fatos que envol-
vem a lide, ou mesmo de negar sua eficácia jurídica, não há que se aplicar a presunção
de veracidade, porquanto terá sido cumprido o ônus da impugnação específica.
De outra parte, em face do art. 341, caput, 2.ª frase, do CPC/2015, os fatos não im-
pugnados se presumem verdadeiros, e não há, portanto, necessidade de produção de
provas, impondo-se, como regra geral, o julgamento antecipado da lide. Os fatos não
impugnados, assim, sendo suficientes para tornar crível o que alegou o autor, podem levar
à procedência da ação, se o pedido tiver respaldo no ordenamento jurídico.

5. Cf. Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, São Paulo: José Bushatsky,
1976, p. 136.
6. Veja-se que o próprio CPC/15 (art. 345, IV), afasta a presunção de veracidade dos fatos in-
verossímeis não contestados pelo réu quando trata dos efeitos da revelia. Por identidade de
razão, a eles não se pode aplicar a presunção de veracidade decorrente do descumprimento
do ônus da impugnação específica.
7. Sobre o tema, cf. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., 2013, p. 446-447.
8. Leonardo Greco (Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II,
p. 60) exemplifica a hipótese com a narrativa de um autor que, na causa de pedir, alega ter se
encontrado com o réu numa loja num centro comercial de São Paulo aos 25 de dezembro,
data em que o comércio não funciona normalmente. Trata-se de fato que contraria outro,
notório, porque indiscutível dentro de determinada comunidade, e que, por isso, não merece
ser presumido verdadeiro, devendo ser comprovado pelo autor.
9. De acordo com esse entendimento: Teresa Arruda Alvim Wambier; Maria Lúcia Lins Con-
ceição et. al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil (artigo por artigo),
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 342.
772 Manual de Direito Processual Civil

Mas a regra firmada no art. 341 do estatuto processual – à qual a lei chama de pre-
sunção de veracidade dos fatos não impugnados –, não impede o juiz de analisar os fatos
alegados, bem como a prova trazida pelo autor, à luz do princípio da persuasão racional
(art. 371 do CPC/2015 – a ser analisado no âmbito do direito probatório).10
A contestação, no mérito, contrapõe-se à essência da petição inicial, sob um ou dois
aspectos: 1º) juridicamente, será sempre contrária à inicial, pois, se não o fosse, contes-
tação deixaria de ser; 2º) a sua conclusão jurídica contrária (pelo menos praticamente)
à inicial poderá também ser antecedida de um relato de fatos diversos dos constantes
da inicial (art. 341) ou não, pois poderá haver concordância quanto aos fatos, total ou
parcialmente,11 mas, haverá sempre de expressar discordância quanto às consequências
jurídicas que se pretende sejam deles extraídas.

20.4.2. Contestação e seu conteúdo processual

As questões processuais, discriminadas no art. 337 do CPC/2015, deverão ser ale-


gadas pelo réu também na contestação – embora sem a implicação de preclusão, salvo
no que diz respeito ao compromisso arbitral e à incompetência relativa (art. 337, § 5º,
do CPC/2015) –, antes de entrar na discussão do mérito.
Por serem alegadas no início da peça contestatória, são também denominadas pre-
liminares, i.e. questões cuja análise precede as demais, do ponto de vista lógico. Serão
peremptórias ou dilatórias, conforme seu objetivo seja a extinção do processo ou a sim-
ples correção de um vício, respectivamente. Por isso, é possível dizer, v.g., que a argui-
ção de litispendência – que tem o objetivo de extinguir o processo – é defesa processual
peremptória, ao passo que a alegação de conexão, com o fito de reunir as causas perante
o juízo prevento, é defesa processual de natureza dilatória.
O fato de o art. 337 do CPC/2015 prever – como, aliás, já fazia o art. 301, caput, do
CPC/1973 –, que as preliminares devem ser alegadas “antes de discutir o mérito”, não
torna inválida a contestação que desrespeita essa ordem. Contudo, trata-se de regra que
dirige logicamente o discurso do réu, tornando mais clara sua defesa.
As preliminares, segundo o art. 337 do CPC/2015, são as seguintes:
a) inexistência ou nulidade da citação, o que terá impedido que se tenha formado
a relação jurídica processual trilateral, ou implicará que se tenha formado de maneira
viciada (art. 337, I, do CPC/2015); sendo, portanto, incabível decisão de mérito;
b) incompetência absoluta e relativa (art. 337, II, do CPC/2015), sendo esta, caso
não alegada, sujeita à preclusão (isto é, à prorrogação da competência – art. 65 do

10. STJ, 3ª T., AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp 634.841/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
j. 05.05.2015, DJe 19.05.2015.
11. V. O nosso Direito processual civil: teoria geral do processo de conhecimento, São Paulo:
Ed. RT, 1972, vol. I/117 e ss., vol. II/218 e ss.
Resposta Do Réu 773

CPC/2015), e aquela alegável em qualquer grau de jurisdição e pronunciável de ofício


(art. 64, § 1º, do CPC/2015);12
c) incorreção do valor da causa (art. 337, III, do CPC/2015);13
d) inépcia da petição inicial, que poderia ter sido uma das causas mesmo de inde-
ferimento liminar da petição inicial, nos casos previstos no art. 330 e no seu parágrafo
único, do CPC/15 (art. 337, IV, do CPC/2015);
e) perempção da ação, que é a impossibilidade de demandar, em decorrência de três
extinções do mesmo processo sem resolução de mérito por abandono de causa, com
base no art. 485, V, do CPC/2015 (arts. 337, V, e 486, § 3º do CPC/2015);
f) litispendência, ou seja, a existência de dois processos pendentes, com o mesmo
pedido, entre as mesmas partes e igual causa de pedir. A definição de litispendência é
dada pelo próprio código; o art. 337, § 3º, diz que “há litispendência quando se repete
ação que está em curso”, e o § 2º do mesmo artigo esclarece que são ações idênticas as
que possuem as “mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. A ação
repetida, onde ocorre litispendência e na qual isso será alegado, merece ser extinta sem
resolução de mérito (art. 485, V, do CPC/2015);
g) coisa julgada, ou seja, a existência de uma decisão judicial transitada em julgado
sobre a mesma lide isto é causa idêntica à atual em curso (art. 337, § 4º; v. tb. art. 485,
V, ambos do CPC/2015) consequentemente, impossibilitando a segunda ação.
h) conexão, que é o liame existente entre dois processos, por terem o mesmo pe-
dido ou a mesma causa de pedir. O juiz, neste caso, deve ordenar a reunião de ambos
os processos. Compreende o inciso VIII do art. 337 do CPC/2015, por interpretação
extensiva, o direito de alegar a continência quando a causa contida penda anterior-
mente à causa continente, embora esta última hipótese do fenômeno seja redutível
a litispendência parcial. Além disso, o § 3º do art. 55 do CPC/2015 dispõe que, mes-
mo sem haver conexão, deverão ser reunidas para julgamento as “ações que possam
gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididas se-
paradamente”. Acreditamos que também é possível alegar estas hipóteses de neces-
sidade de reunião de processos (ex vi do art. 286, III, do CPC/2015) não só os casos
típicos de conexão;
i) incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização, que, na
realidade, impedem a formação válida da relação processual, devendo o juiz providen-
ciar a regularização, à luz do disposto no art. 76, caput, do CPC/2015, sob pena de ter

12. Nesse ponto, é interessante perceber a modificação em relação ao CPC/73. Naquele código,
apenas a incompetência absoluta era tratada como questão preliminar ao mérito, enquanto
a relativa dava causa à instauração de um incidente, ou uma exceção processual (art. 112
do CPC/73). A unificação do meio de arguir as espécies de incompetência deu-se com o
intuito de simplificar o procedimento para a sua declaração (art. 64 do CPC/15). Este ponto
será melhor tratado logo adiante.
13. Também essa questão, no CPC/73, era alegável por incidente processual próprio (art. 261
do CPC/73).
774 Manual de Direito Processual Civil

de extinguir o processo, sem resolução de mérito (art. 485, IV, do CPC/2015), devendo


haver atividade oficiosa a respeito de todas estas questões;
j) convenção de arbitragem, expressão decorrente da Lei 9.307/1996, que na expres-
são compreende a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, a matéria que,
se não for alegada pela parte, precluirá não podendo ser conhecida oficiosamente pelo
juiz (art. 337, § 6º do CPC/2015).
k) a ausência de legitimidade ad causam ou de interesse processual, que no CPC/1973
já eram tratadas como condições da ação e cuja ausência dava e ainda dá motivo à carên-
cia da ação (art. 301, X daquele código). Tais alegações poderiam ter sido também causa
de indeferimento liminar da inicial (v. art. 330, II e III, do CPC/2015), o que demonstra
que não há preclusão quanto ao “indeferimento” ulterior da petição inicial, embora não
seja indeferimento in limine litis (arts. 337, XI; 337, § 5º, e 485, § 3º, todos do CPC/2015);
l) falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como requisito de procedi-
bilidade. Um exemplo típico é o do art. 486, § 2º do CPC/2015, que trata dos casos nos
quais o autor tenha dado motivo anteriormente à extinção do processo sem resolução
de mérito. Nesses casos, a petição inicial só será despachada se o próprio autor provar
o pagamento das custas, bem como o dos honorários advocatícios a que foi condenado.
Sem essa condição preliminar, não há como dar continuidade ao processo, e cabe ao réu
alegar esse fato nesta fase preliminar de contestação;
m) indevida concessão do benefício de gratuidade da justiça. Nesse ponto, há a re-
vogação dos arts. 6º e 7º da lei 1.060/1950, que previam a autuação em separado da im-
pugnação à justiça gratuita. Assim como ocorre no CPC/2015 em relação à correção do
valor da causa, se o réu discordar da concessão de gratuidade da justiça, deverá alegar
na peça de contestação, para decisão imediata a respeito.
Como percebemos, do elenco das preliminares contidas no art. 337, o CPC/2015,
com o intuito de eliminar os incidentes processuais e simplificar os procedimentos exis-
tentes no CPC/1973, extinguiu tanto a exceção de incompetência relativa quanto as im-
pugnações ao valor da causa e a concessão de gratuidade da Justiça. Assim, nos incisos
II, III e XIII do referido artigo, foram acrescentados como matérias alegáveis prelimi-
narmente ao mérito, em contestação: a incompetência relativa, a incorreção do valor da
causa, e a indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça.
Já assinalamos que, como regra geral, as matérias alegáveis com fulcro e fundamen-
to nos incisos do art. 337 do CPC/2015 levam à extinção do processo, sem resolução de
mérito. Todavia, se tiver sido alegada incompetência absoluta ou relativa, não se terá dita
extinção, mas a remessa dos autos ao órgão competente (art. 64, § 1º, do CPC/2015).
Na hipótese de alegação de conexão (art. 337, VIII, do CPC/2015), sendo acolhida,
isto levará à remessa dos autos ao órgão prevento (art. 59 do CPC/2015). Acolhida a ale-
gação de conexão ou decorrente sua contestação da atividade oficiosa do juiz, portanto,
e também o próprio procedimento, isto leva à junção de processos e, sucessivamente,
ao simultaneus processus (unidade procedimental), perante o órgão ao qual tenha sido
remetida a causa conexa.
Resposta Do Réu 775

Se existir causa prejudicial, deverão as implicações respectivas ser, desde logo, tra-
zidas ao juiz, seja uma causa prejudicial penal já pendente, o que poderá levar ao sobres-
tamento da causa civil (art. 315 do CPC/2015), seja uma prejudicial de índole também
civil (art. 313, V, a e b, do CPC/2015), o que deverá implicar a suspensão do processo
cuja relação jurídica depende da outra (a prejudicial), e em que tenha sido suscitada a
questão prejudicial.
Há uma novidade interessante, quanto às matérias preliminares, trazida pelo
CPC/2015, especificamente no que diz respeito ao réu alegar não ser ele parte legíti-
ma para figurar no polo passivo da ação (art. 338 do CPC/2015). Em primeiro lugar, o
art. 339 CPC/2015 ordena que o réu indique, quando tiver conhecimento, quem deve-
ria ter sido acionado em seu lugar e, caso o autor aceite essa substituição, deverá alterar
a petição inicial em quinze dias (art. 339, § 1º, do CPC/2015). Trata-se, na realidade, de
um alargamento e de uma simplificação do que era a nomeação à autoria no CPC/1973
(arts. 62 a 69 daquele código). A nomeação era tratada como espécie de intervenção de
terceiro, o que é equivocado, pois em verdade é caso de correção do polo passivo; isto
foi adequado no CPC/2015. Além disso, a indicação do verdadeiro legitimado caberá em
qualquer hipótese, não apenas quando o demandado “detiver a coisa em nome alheio”
– por isso a maior abrangência do instituto. O autor reembolsará o réu quanto às des-
pesas deste em função da sua equivocada participação no processo (art. 338, parágrafo
único, do CPC/2015), porém se o réu tiver conhecimento de quem é o legitimado pas-
sivo e não o indicar, arcará com os prejuízos decorrentes desta não indicação (art. 339,
caput, do CPC/2015). Dessa forma, evita-se a extinção do feito e a propositura de nova
ação, sempre que for possível aproveitar os atos já praticados.

20.4.3. Ainda sobre o conteúdo processual da contestação: especificamente a


alegação de incompetência
A incompetência do juízo onde foi proposta a ação recebe tratamento ligeiramente
diferente no CPC/2015 em relação ao CPC/1973. A principal diferença está em que, no
CPC/2015, tanto a incompetência absoluta quanto a relativa são alegáveis como matérias
preliminares à contestação (art. 64 do CPC/2015). A antiga “exceção de incompetência”
(arts. 112, 304 e 307 do CPC/1973) desaparece como tal, facilitando o procedimento.
Assim, a contestação que tiver a alegação de incompetência relativa pode ser pro-
tocolada no foro de domicílio do réu, e haverá comunicação desse fato ao juiz da causa
(art. 340, § 1º, do CPC/2015). Se houver sido designada audiência de conciliação, a re-
alização desta será suspensa, e uma nova data será designada apenas quando a compe-
tência for definida (art. 340, §§ 3º e 4º, do CPC/2015). A contestação será submetida a
livre distribuição ou, se o réu houver sido citado por meio de carta precatória, juntada
aos autos dessa carta, seguindo-se a sua imediata remessa para o juízo da causa (art. 340,
§ 1º do CPC/2015), a quem compete a análise da alegação da incompetência.
A regra legal torna mais fácil para o réu excepcionar o juízo, já que permite a ele
oferecê-la no juízo de seu próprio domicílio. É de se notar que o dispositivo se aplica
776 Manual de Direito Processual Civil

também para os casos em que o processo tramita num estado brasileiro diverso daque-
le onde o réu deveria ter sido demandado.
Caso a alegação de incompetência seja acolhida os autos serão remetidos ao juízo
competente (art. 64, § 3º, do CPC/2015); caso contrário, continuarão no próprio juízo.
Há, ainda, hipótese de modificação da competência que pode ser alegada como in-
competência relativa, quando as partes tiverem convencionado cláusula de eleição de
foro (art. 63 do CPC/2015). Antes da citação do réu, o juiz pode, de ofício julgar abusiva
a cláusula, determinando a remessa dos autos ao juízo do domicílio do réu (art. 63, § 3º,
do CPC/2015). Uma vez citado, cabe ao réu alegar a possível abusividade da cláusula no
mesmo prazo da contestação, “sob pena de preclusão” (art. 63, § 4º, do CPC/2015). Não
alegada a abusividade, considera-se inexistente qualquer vício maculando o contrato,
o que significa dizer que a cláusula de eleição foi considerada válida e eficaz. Nesta hi-
pótese, a lei determina a manutenção da vontade das partes, ou seja, deverá prevalecer
a competência do foro eleito no contrato. Assim, é correto afirmar que existiam, desde
o início, dois foros concorrentemente competentes para o julgamento da lide.
Salientamos não ser tecnicamente correto – ou, ao menos, que não se coaduna com
o sistema da competência relativa em relação a vício aí existente – dizer que havia um
vício e que pelo silêncio do magistrado e do réu o mesmo foi sanado. O que ocorre, na
verdade, é que tanto o juiz quanto o réu consideraram válida e eficaz a cláusula de elei-
ção de foro. Se a cláusula foi considerada válida e eficaz, não havia vício e, de rigor, nada
havia propriamente a prorrogar. Tratou-se de foro concorrente e validamente pactuado
em cláusula contratual. De fato, apesar de o art. 65 do CPC/2015 afirmar que há a pror-
rogação da competência, isso não é bem o que acontece, pois o juiz era desde o início
competente, por meio da válida e eficaz cláusula de eleição de foro.14
Aliás, o direito privado pauta-se pela autonomia da vontade, permitindo que as par-
tes optem por eleger, em seus contratos, o foro que melhor lhes convenha. Desse modo,
não existindo nenhum prejuízo para o direito fundamental de defesa do réu, é tida como
legítima a cláusula de eleição de foro.
Como já assinalamos, no CPC/2015 não há exigências formais específicas para a
alegação de incompetência relativa; diversamente, o CPC/1973 exigia a arguição em
peça separada, denominada exceção de incompetência, que seria autuada em apenso
(arts. 304 a 307 do CPC/1973). Ainda assim, substancialmente a incompetência relati-
va difere da absoluta, devendo esta ser conhecida de ofício e suscitada a qualquer tempo
(art. 64, § 1º, do CPC/2015). Já a competência relativa não deve ser apreciada oficiosa-
mente (art. 337, § 5º do CPC/2015), ressalvado o caso da cláusula de eleição de foro co-
mentado acima. Ao lado disso, a incompetência relativa se sujeita, sempre, à preclusão
(arts. 63, § 4º e 65 do CPC/2015), o que não acontece com a absoluta, suscetível de ser
arguida até mesmo em ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015).

14. José Manoel de Arruda Alvim Netto, Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006. In: Terceira
Etapa da Reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Ministro José
Augusto Delgado. Salvador: Jus Podivm, 2007.
Resposta Do Réu 777

Consideramos incompetência relativa, a determinada em razão do território – ex-


ceto do art. 51 do CPC/2015, que trata do poder público como parte e é regido pelos
arts. 109 e 110 da CF/1988 –, bem como também relativa é a determinada em razão do
valor da causa, salvo se este implicar, porque excedente ao limite legal, deslocamento
da competência de algum Foro Regional para o Foro Central, ou, ainda, quando se tra-
tar de competência dos Juizados Especiais Federais (art. 3º da Lei 10.259/2001) ou dos
Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 2º da Lei 12.153/2009), onde estes Juiza-
dos já estiverem instalados.

20.4.4. A contestação e seu conteúdo material: classificação da defesa de mérito


em direta e indireta
Consoante assinalamos, após a alegação dos vícios processuais, deve o réu invocar
as defesas substanciais de fundo ou de mérito.
Nesse passo, importa considerar como tais as defesas que, suscitando questões de
fato ou de direito visam a influenciar o conteúdo do julgamento do mérito, o que pode
ser feito de várias formas e enseja a classificação da defesa de mérito em defesa direta e
indireta. Quando há negativa do fato constitutivo do direito do autor ou de sua eficácia
jurídica, diz-se que a defesa de mérito é direta. Já quando o réu, sem necessariamente
negar o fato constitutivo do direito do autor e sua eficácia jurídica, invoca outro fato,
impeditivo, modificativo ou extintivo15 do direito do autor, diz-se que a defesa de mé-
rito é indireta.
Como exemplo de fato impeditivo do direito do autor podemos citar a exceção do
contrato não cumprido, invocada em ação de cobrança de prestação contratual, bem
como o direito de retenção de benfeitorias, em ação que, a qualquer título, vise à reto-
mada da posse de imóvel. O parcelamento da dívida pode ser considerado fato modi-
ficativo do direito do autor, enquanto a prescrição é típico exemplo de fato extintivo.
Essa classificação será relevante para o fim de se estabelecer a distribuição do ônus
da prova, quando se tratar de aplicação da regra geral prevista no art. 373 do CPC/15.
O tema será abordado oportunamente.

20.4.5. Contestação, concentração da defesa e preclusão


A concentração da defesa determina que o réu apresente em sua contestação toda a
matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna os pedidos
do autor. Disso decorre a regra geral segundo a qual, apresentada a contestação, ter-se-
-á preclusão consumativa, obstando que lhe seja alterado o conteúdo,16 salvo a hipótese

15. Para um conceito de cada uma dessas categorias, cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de
direito processual civil, tradução da 2ª ed. por J. Guimarães Menegale, 3ª ed. brasileira, São
Paulo: Saraiva, 1969, vol. I, p. 7-9.
16. “Agravo no agravo de instrumento. Previdenciário. Administrativo. Processual civil. Con-
testação. Princípio da eventualidade. Preclusão consumativa. 1. Conforme o princípio da
eventualidade, compete ao réu, na contestação, alegar todas as defesas contra o pedido
778 Manual de Direito Processual Civil

de modificação do libelo (art. 329 do CPC/15), a qual, se admitida, haverá de ensejar,


nessa medida, nova resposta e, pois, nova contestação referente ao âmbito do que tenha
sido modificado.
Assim, deve o réu apresentar, simultaneamente, toda a defesa processual e material.
Não é possível, por exemplo, arguir a defesa processual e, apenas após sua rejeição pelo
juiz, enveredar pela defesa de mérito.
A concentração da defesa viabiliza o desenvolvimento do processo em conformi-
dade com o princípio da lealdade, evitando-se a fragmentação dos argumentos e, com
isso, sua manipulação estratégica ou, ainda, a protelação do feito.17 É plenamente ra-
zoável que o réu argua em sua defesa matérias que não possam ser acolhidas concomi-
tantemente – é o caso, por exemplo, das defesas processuais que objetivam extinção do
processo (peremptórias) e as defesas de mérito. Aplica-se a regra da eventualidade ou
subsidiariedade, deixando clara a ordem de anterioridade das alegações.18 O que não se
nos afigura concebível, e pode, inclusive, comprometer a credibilidade da defesa do réu,
é a apresentação de argumentos defensivos que se revelem incoerentes entre si. Desse
modo, em princípio, não se mostra coerente arguir, em defesa de mérito, a inexistência
do contrato e o pagamento das parcelas pactuadas. Todavia, não há qualquer incoerên-
cia em, no mesmo caso, invocar a eventualidade para dizer que, ainda que o contrato
existisse, as parcelas estariam prescritas.19
A concentração se aplica à defesa e à reconvenção, que devem ser apresentadas em
conjunto (no CPC/2015, na mesma peça processual, inclusive). Sob a égide do CPC/1973,
já se entendia aplicável a preclusão consumativa para o fim de obstar a reconvenção
após a contestação, o que decorria do art. 299 do CPC/1973.20 No CPC/2015, com muito

do autor, sob pena de preclusão. 2. In casu, matéria somente ventilada na apelação, não
se tratando de matéria de ordem pública, opera-se a preclusão. 3. Agravo regimental a que
se nega provimento.” (STJ, 6ª T., AgRg no Ag 588.571/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina
(desembargador convocado do TJ/RS), j. 21.06.2011, DJe 01.07.2011. Assim também:
STJ, 3ª T., EDcl no AgRg no REsp 1504986/SC, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 16.06.2015, DJe
26.06.2015.
17. Cf., no mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero
(Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo:
Ed. RT, 2015, vol. 2, p. 180), para quem “a regra da eventualidade constitui uma densifica-
ção do direito fundamental à segurança jurídica processual, na medida em que visa evitar
surpresas ao longo do seu desenvolvimento”.
18. Sobre a classificação das questões arguidas pelo réu, cf. Thereza Alvim, Questões prévias e
limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Ed. RT, 1977 capítulos III-VI, p. 11-30.
19. Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (op. cit., p. 180), a
defesa incoerente viola os deveres de boa-fé e veracidade (art. 5º do CPC/15), com o que,
via de regra, concordamos. Há que se ter presente, todavia, o largo espectro de possibili-
dades de atuação das partes, sem que seja possível generalizar sem risco de incorrer em
equívocos. O próprio exemplo por nós fornecido no texto, de defesas incoerentes, quais
sejam, as alegações de inexistência de contrato e pagamento das parcelas, será infeliz se o
pagamento alegado tiver sido realizado pela via da compensação.
20. STJ, 1ª T., AgRg no REsp 935.051/BA, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.09.2010, DJe 30.09.2010.
Resposta Do Réu 779

mais razão, aplicar-se-á tal entendimento, já que a reconvenção está inserida na própria
peça contestatória (art. 343 do CPC/2015).
Se não apresentada contestação, ter-se-á preclusão temporal e aplicação, eventual-
mente, dos efeitos da revelia (art. 344 cc art. 345, I a III, ambos do CPC/2015).
Poderá, entretanto, qualquer das partes fazer alegações concernentes a direito ou
fato superveniente, ou seja, aquele que tiver ocorrido após a contestação (art. 342, I, do
CPC/2015). Devemos observar que não precluirão as matérias que deva o juiz conhe-
cer de ofício (art. 342, II, do CPC/2015), bem como, se, por disposição expressa em lei,
puderem ser formuladas mesmo depois da contestação (art. 342, III, do CPC/2015),
v.g., a alegação de prescrição (art. 193, do Código Civil) ainda, nos casos dos incisos IV,
V, VI e IX do art. 485 (art. 485, § 3º, do CPC/2015), e, ademais, no caso de impedimento
(art. 144 do CPC/2015), para o qual a falta de alegação, no momento da contestação,
não faz com que haja preclusão, pois é assunto residente nos poderes oficiosos do juiz.

20.5. O impedimento e a suspeição do julgador


O réu, na oportunidade de dar sua resposta, poderá não se preocupar inicialmen-
te com as matérias preliminares da contestação e tampouco com o mérito, e ao invés
disso alegar vício que afeta a relação jurídica processual referentemente à sua principal
figura: o juiz, ou o órgão de que seja ele o agente. Fala-se, nesse caso, das hipóteses de
impedimento e de suspeição. É importante salientar que o impedimento e a suspeição
configuram, ao mesmo tempo, questões que podem ser arguidas como defesa do réu
ou como matéria de interesse do autor. Assim, ambas as partes podem provocar o inci-
dente de impedimento ou suspeição.
No CPC/1973, a suspeição e o impedimento estavam dispostos juntamente da in-
competência relativa, em categoria denominada de exceções. O réu poderia arguir, por
meio de exceção, esses vícios em relação ao órgão julgador, e o processo principal seria
suspenso até que se decidisse o incidente (arts. 304 a 306 do CPC/1973). No entanto,
vimos acima que a incompetência relativa passou a ser considerada questão preliminar
à contestação. Dessa forma, o CPC/2015 trata apenas dos incidentes de impedimento e
de suspeição, porém abandona a categoria das “exceções”, por mais que o procedimen-
to seja ainda semelhante ao do CPC/1973.
A partir do momento em que a parte (autor ou réu) venha a tomar conhecimento do
fato que possa dar ensejo quer ao impedimento (art. 144), quer à suspeição (art. 145),
terá quinze dias para alegá-lo ao juiz, que poderá aceitar a recusa da parte e submeter os
autos a seu substituto legal, ou então autuar a petição em apartado para que o incidente
seja decidido pelo tribunal (art. 146, § 1º, do CPC/2015).
O relator do incidente poderá recebê-lo com efeito suspensivo ou não, e, neste úl-
timo caso, o processo principal voltará a correr independentemente da decisão sobre
suspeição ou impedimento (art. 146, § 1º, do CPC/2015). Caso seja atribuido efeito
suspensivo, diz o inciso II do art. 146, § 2º, do CPC/2015 que o processo permanecerá
suspenso até o “julgamento” do incidente. Há que se considerar, porém, que a parte só
780 Manual de Direito Processual Civil

terá condições de praticar os atos processuais cujo prazo havia sido sobrestado – como
é o caso da contestação – a partir da data em que for intimada da referida decisão, no ju-
ízo para onde se remeteram os autos.21
Verificando ser improcedente a alegação de impedimento ou suspeição, o tribunal
rejeitá-la-á (art. 146, § 4º, do CPC/2015); acolhida a alegação, o tribunal remeterá os
autos ao substituto legal, condenando o juiz nas custas, se se tratar de impedimento ou
de manifesta suspeição (art. 146, § 5º, do CPC/2015).
Reconhecido o impedimento ou a suspeição, deverá o próprio tribunal fixar o mo-
mento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado (art. 146, § 6º, do CPC/2015) e de-
cretar a nulidade dos atos do juiz que tenham sido praticados quando já presente o mo-
tivo de impedimento ou suspeição (art. 146, § 7º, do CPC/2015).
Há uma distinção visível no texto do código entre suspeição e impedimento.22 Em
ambos os casos o juiz é tido como parcial no tratamento das partes, porém a suspeição
é gerada por elementos que se expressam em motivos eminentemente subjetivos, ao
passo que no impedimento os fatos são de caráter objetivo. O impedimento é mais fa-
cilmente identificável (mais nitidamente caracterizado) e, sendo mais grave, vicia até
mesmo a própria coisa julgada, dando fundamento e oportunidade à ação rescisória
(v. art. 966, II, do CPC/2015).
Embora o código não traga diferença de tratamento entre estes vícios, é de se enten-
der que enquanto a suspeição é arguível apenas no prazo disposto pela lei sob pena de
preclusão, o mesmo não ocorre com o impedimento, que pode ser alegado a qualquer
momento. Isso se dá em face de as hipóteses elencadas no art. 144 do CPC/2015 de im-
pedimento do julgador comprometerem de forma insanável a imparcialidade, pressu-
posto processual de validade da relação processual.
Assim, o juiz que deveria ter sido considerado suspeito mas não o foi em decorrên-
cia da não alegação da parte poderá decidir a lide, e sua sentença será plenamente vá-
lida, pois o vício se convalida pela preclusão. Por outro lado, o fato de haver preclusão
não inibe o próprio juiz de se dar por suspeito a qualquer tempo.
Quando o Código confere ao juiz o direito de apresentar, dentro de 15 dias, as ra-
zões pelas quais discorda de seu próprio impedimento ou suspeição, inclusive poden-
do arrolar testemunhas (art. 146, § 1º do CPC/2015), está obedecendo ao princípio do
contraditório, dando oportunidade a que o juiz se defenda. É de se notar quanto a isso
que, se houver dúvida quanto à suspeição ocorrente, deve o juiz dar-se por suspeito,
por ser a imparcialidade condição essencial à distribuição da justiça.

21. Era esse o entendimento adotado para a exceção de incompetência no CPC/73, plenamente
aplicável ao incidente de impedimento ou suspeição sob a égide do CPC/15. Cf. STJ, 4ª T.,
REsp 973.465/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.10.2012, DJe 23.10.2012.
22. Sobre a distinção entre impedimento e suspeição, v. José Manoel de Arruda Alvim Netto,
Código de Processo Civil comentado, São Paulo: Ed. RT, 1981, vol. VI, p. 56, 58-59, 91-93.
Resposta Do Réu 781

20.6. Reconvenção
O réu poderá, ao ensejo da sua resposta, reconvir ao autor, movendo contra o autor
uma ação de conhecimento.
O instituto da reconvenção, nova ação que é movida pelo réu contra o autor, no mes-
mo processo de conhecimento em que este propôs a sua contra o réu, gera cumulação
de ações. Na segunda ação, passa o réu a se denominar reconvinte e o autor reconvindo.
Sua admissibilidade enseja ao réu uma forma mais ampla, e transcendente da sua defe-
sa, a ponto de passar ao ataque.
O instituto da reconvenção inspira-se, essencialmente, no princípio da economia
processual, já que, na prática, o que há são duas ações contrapostas, conexas por con-
traposição e unidas procedimentalmente, havendo produção simultânea das provas e
debates conjuntos. A reconvenção também propicia um julgamento harmonioso das
causas contrapostas, tendo em vista a conexão – em sentido amplo – que, por lei, é ex-
pressamente admitida.
Prevê o art. 343, do CPC/2015 que “é lícito do réu propor reconvenção para mani-
festar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”
Ora, processos existem nos quais poderá haver risco de prolação de decisões conflitantes
ou contraditórias, caso sejam decididos separadamente, mesmo sem conexão estrito sen-
su entre eles (art. 55, § 3º, CPC/2015) razão pela qual a lei prevê julgamento conjunto.
Por outro lado, ao adotar o instituto da reconvenção, pode parecer que o código só
possibilitou seu uso havendo conexão em sentido estrito. Tal posicionamento, porém,
se nos afigura em desacordo com o artigo 55 do CPC/2015, citado, e afronta orientação
que parece defluir do sistema, qual seja, a de oferecer às partes soluções para os confli-
tos de interesse o mais amplamente possível, o que resulta inelutavelmente da qualidade
de coisa julgada material a recair sobre a decisão das questões prejudiciais, em determi-
nadas hipóteses e presentes certos requisitos, mesmo sem pedido expresso a respeito.
O pedido principal e a reconvenção serão julgadas conjuntamente, salvo na hipó-
tese de julgamento parcial de mérito; no CPC/1973 havia previsão expressa nesse sen-
tido (art. 318 daquele código), porém no CPC/2015 a mesma conclusão se extrai, eis
que a reconvenção é proposta nos autos do processo principal e em face do preceitua-
do no art. 55, que determina a reunião de ações conexas para julgamento simultâneo.
Os pressupostos processuais específicos da reconvenção assentam-se no princípio
de que é necessário haver compatibilidade entre a reconvenção e a ação, no sentido de
que ambas se desenvolvam harmonicamente, sem que a segunda possa entravar ilegi-
timamente a primeira. Podem-se enumerar como tais: a) o pressuposto da identidade
de rito comum, da compatibilidade entre os procedimentos, em caso de cabimento de
reconvenção em procedimento especial; b) a competência absoluta do juízo para julgar
ambas as causas; c) o pressuposto da utilização da reconvenção por quem seja parte prin-
cipal; d) a existência de processo pendente, e e) a conexão, em sentido lato, da reconven-
ção com a ação originária ou com fundamento da defesa (art. 55 e 343 do CPC/2015).
782 Manual de Direito Processual Civil

A reconvenção tem cabimento no processo de conhecimento se de rito comum, pois


aí existe uma pretensão à sentença definidora de direito; diferentemente, no processo
de execução de título extrajudicial, por exemplo, eis que os embargos à execução obje-
tivam somente desconstituir o título executado. Veja-se, no entanto, que é admitida a
reconvenção na ação monitória (art. 702, § 6º, do CPC/15), uma vez que os embargos
monitórios fazem com que o processo siga o rito comum. É, inclusive, expressamente
dado ao réu da ação monitória que, em embargos, deduza matéria alegável como maté-
ria de defesa no procedimento comum (art. 702, § 1º, do CPC/2015).
Em ações de rito especial, sempre que houver verdadeira contestação (e não apenas
embargos ou impugnações com cognição limitada), é de se admitir a reconvenção. É
cabível, por exemplo, nas ações de consignação em pagamento, de alimentos, de exo-
neração de alimentos, de despejo, e nas ações declaratórias. Por outro lado, não se ad-
mite reconvenção nas ações tipicamente dúplices, em que a improcedência do pedido
do autor significa exatamente a procedência em relação ao réu. É o caso das ações pos-
sessórias e da renovatória de locação; nestes casos, a reconvenção não desempenharia
papel prático algum, pois o autor da ação reconvencional padeceria de interesse de agir,
eis que já dispõe de autorização legal para formular pedido em sede de contestação.23
Ainda, na reconvenção o autor e o réu deverão manter a qualidade jurídica da ação
originária; logo, se o autor da ação primitiva demandou como substituto processual,
só poderá ser demandado em ação reconvencional nessa qualidade (art. 343, § 5º, do
CPC/2015).

20.6.1. Possibilidade de ampliação subjetiva do processo na reconvenção


Já dissemos que é pressuposto da reconvenção que ela seja proposta por quem é
parte principal. Sob a égide do CPC/1973, havia dissenso na jurisprudência e na dou-
trina sobre a necessidade de manutenção, rigorosamente, das mesmas partes da ação
principal na reconvenção – com a inversão, por óbvio, das posições do autor e do réu.
A grande polêmica dizia respeito à possibilidade de ampliação dos limites subjeti-
vos do processo, ou seja, à possibilidade de formação, na reconvenção, de litisconsór-
cio (ativo ou passivo) com um terceiro que ainda não houvesse ingressado no processo.
O STJ se posicionou poucas vezes sobre o assunto, chegando a admitir, sob a égide
do CPC/73, a introdução de novo integrante no processo pela via da reconvenção, com
a ressalva de que isso só poderia ocorrer: a) se este novo integrante fosse alguém que
poderia ter figurado como litisconsorte na ação originária ou, ainda, b) quando os di-
reitos e obrigações em causa derivassem do mesmo fundamento de fato ou de direito. 24

23. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 475.
24. STJ, 4ª T., REsp 147.944/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 18.12.1997, DJ 16.03.1998. Esse
julgado foi invocado para defender a desnecessidade da ampliação subjetiva em decisão
monocrática proferida pela Min. Maria Thereza de Assis Moura (STJ, AI nº 1.005.976 – SC
(2008/0017323-0), j. 05.09.2011).
Resposta Do Réu 783

A doutrina apresentava os mais variados posicionamentos: desde aquele que exigia


a identidade mínima de partes, no sentido de que só o réu (ou, pelo menos, um dos réus,
em caso de litisconsórcio) da ação originária pudesse figurar como reconvinte e só o au-
tor (ou um dos autores, em caso de litisconsórcio) pudesse figurar como reconvindo,25
até aquele que admitia a ampliação subjetiva do processo mediante inserção de novo
integrante com a reconvenção.26 De forma intermediária, havia aqueles que defendiam
ampliação apenas em caso de litisconsórcio unitário e de conexão de causas,27 não es-
quecendo os que defendiam que as hipóteses de litisconsórcio facultativo deveriam ser
filtradas à luz de critérios relacionados ao bom desenvolvimento do processo28 (o que,
aliás, estava e está previsto expressamente em lei – art. 46, parágrafo único, do CPC/1973
e art. 113, § 1º, do CPC/2015).
O CPC/2015 parece ter solucionado a questão, ao permitir expressamente a propo-
situra da reconvenção contra o autor e terceiro (art. 343, § 3º, do CPC/2015), bem como
ao autorizar que seja a ação reconvencional proposta pelo réu em litisconsórcio com ter-
ceiro (art. 343, § 4º, do CPC/2015). Todavia, remanescem algumas críticas doutrinárias
à insuficiência do texto legal, pelo fato de a lei não haver distinguido as hipóteses de li-
tisconsórcio necessário e facultativo, simples e unitário e, ainda, por não haver restrin-
gido a ampliação subjetiva aos casos de conexão com a ação primitiva.29 Por outro lado,

25. Assim entendiam José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, Rio de Janeiro:
Gen-Forense, 2008, p. 44; Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 93; Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil,
5ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 471; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
Curso de processo civil: processo de conhecimento, 9ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2011, vol.
2, p. 147; Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, Curso avançado de processo civil:
teoria geral do processo e processo de conhecimento, 15ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2015, vol.
1, p. 507.
26. Cf. Cândido Rangel Dinamarco, (Instituições de direito processual civil, 6 ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 527-528), para quem “a admissibilidade da reconvenção subjetivamente
ampliativa é expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional, procurando
extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de fornecer.” Ver, ainda,
Heitor Mendonça Sica (O direito de defesa no processo civil brasileiro, São Paulo: Atlas,
2011, p. 293-295), com vasta argumentação, fundada, entre outros, na isonomia: se ao autor
é facultado litigar em litisconsórcio ou propor ação contra mais de um réu, da limitação da
demanda do réu, por conveniência da celeridade, ofenderia a paridade de armas.
27. Essa a posição de Fredie Didier Jr. et. alii., Curso de direito processual civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 11ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2009, vol, I, p. 494-­
‑495.
28. Cf. Luis Guilherme Adair Bondioli, Reconvenção no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 109-114.
29. Cf., nesse sentido, a posição de Fredie Didier Jr. à luz do CPC/15: Fredie Didier Jr. e Paula
Sarno Braga, Ampliação subjetiva do processo e reconvenção (art. 344, §§ 4º e 5º, do Pro-
jeto de Novo CPC. In: Alexandre Freire, Bruno Dantas e outros (org.). Novas tendências do
processo civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil, vol. III, Salvador:
Jus Podivm, 2014, p. 41-44; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil: introdução
ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm,
2015, vol. I, p. 658-659.
784 Manual de Direito Processual Civil

pode-se considerar solucionada a questão, tendo em vista, justamente, a ausência de


restrições legais. A ampliação será cabível para qualquer modalidade de litisconsórcio e
mesmo nos casos em que a reconvenção seja proposta com fundamento na conexão com
a defesa do réu.30 A única restrição viável seria, em caso de litisconsórcio facultativo, a
inadmissibilidade de sua formação pelo fato de “comprometer a rápida solução do lití-
gio ou dificultar a defesa ou cumprimento da sentença” (art. 113, § 1º, do CPC/2015).

20.6.2. Procedimento da reconvenção


Conquanto a vantagem da reconvenção seja a de ser processada simultaneamente
com a ação, ela é autônoma, em sua existência. Se o réu não a apresentar no prazo de sua
resposta, poderá mover contra o autor ação autônoma. O processamento e o julgamento,
nessa hipótese de não uso da reconvenção, que teria tido cabimento, e de propositura
de ação conexa, porém, deverão ter os processos reunidos para julgamento conjunto,
sempre que possível, e igualmente com fundamento no art. 55, § 3º, do CPC/2015.31
É importante deixar claro que a reconvenção está sujeita a todos os requisitos e exi-
gências de uma petição inicial. Deve, portanto, seguir o que dispõem os arts. 319 e 320
do CPC/2015, deduzindo pedidos na forma dos arts. 322 e ss. do CPC/2015, sob pena
de indeferimento da petição inicial (art. 330 do CPC/2015).
Assim, nos pressupostos de admissibilidade de resolução de mérito da reconvenção,
compreendem-se: 1º) os pressupostos processuais, em geral; 2º) os pressupostos pro-
cessuais específicos, isto é, os exigíveis para a reconvenção; 3º) as condições da ação
(isto é, as da reconvenção).
Se para a inicial há um exame perfunctório, de cognição superficial, não criando
para o juiz preclusão alguma, o qual, assim, poderá rejeitar a ação posteriormente, a
mesma coisa ocorre para a reconvenção.

30. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Ed. RT, 2015, vol. 2,
p. 186.
31. A jurisprudência consolidada à luz do CPC/73 confere certa margem de liberdade ao juiz para
a análise dos benefícios da reunião de causas conexas. É possível, devido à discrepância entre
os estágios processuais de duas causas conexas (v.g., se uma estiver na fase de citação e outra
já tiver sido instruída), que o magistrado opte pela tramitação independente. Nesse sentido:
“A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a reunião de ações conexas para
julgamento conjunto constitui faculdade do magistrado, pois cabe a ele gerenciar a marcha
processual, deliberando pela conveniência, ou não, do processamento e julgamento simul-
tâneo.” (STJ, AgRg no REsp 1204934/RJ, 1ª T., rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 14.04.2015,
DJe 23.04.2015). Também à luz do CPC/73, foi sumulado o entendimento segundo o qual “A
conexão não determina a reunião de processos, se um deles já foi julgado” (Enunciado 235
do STJ). O art. 55, § 1º do CPC/15 traz expressamente a ressalva correspondente à Súmula
235 do STJ, de modo que não há que se cogitar da reunião de causas conexas se uma já tiver
sido sentenciada. Quanto às demais situações, deverão ser analisadas pela jurisprudência,
que, certamente, deverá sopesar os valores mais caros para a sistemática processual: de um
lado, a celeridade na tramitação das causas e, de outro, a segurança e uniformidade nas
decisões sobre temas conexos.
Resposta Do Réu 785

Em princípio, a reconvenção deve ser proposta na própria peça contestatória, a


teor do que dispõe o art. 343, caput, do CPC/2015. Porém, nada obsta que se a propo-
nha em peça separada, desde que, havendo contestação, sejam ambas apresentadas em
conjunto. O que o CPC/2015 objetivou foi simplificar o procedimento existente à luz
do CPC/1973, seguindo a tendência de não exigir peça autônoma, desde que não haja
prejuízo à compreensão do conteúdo da reconvenção.32 Aliás, parece-nos correto en-
tender que, se na contestação estiver inequivocamente embutido pedido reconvencional,
sem, contudo, ter esse nomen iuris, tal circunstância não impede a admissibilidade da
reconvenção.
O CPC/1973 exigia a apresentação simultânea da contestação e da reconvenção.
O entendimento predominante era o de que, apresentada uma dessas peças, ainda que
antes do término do prazo de 15 dias para a resposta do réu, a possibilidade de apre-
sentar a outra estaria atingida pela preclusão consumativa.33 Como o CPC/2015 prevê
a propositura da reconvenção na própria peça contestatória (343, caput, do CPC/2015),
parece-nos que a exigência de apresentação conjunta de ambas as respostas permanece,
de sorte que, apresentada a contestação ainda que antes do término prazo, estará pre-
clusa a possibilidade de apresentar reconvenção e vice-versa.
A despeito da matéria não ser pacífica na vigência do CPC/1973,34 o CPC/2015
é expresso em permitir a reconvenção mesmo sem o oferecimento de contestação

32. Na doutrina (sob a égide do CPC/73): Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito
processual civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 521; Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2011, vol. II, p. 62. Na jurisprudência,
exemplificativamente: “O simples fato de a parte, por equívoco, ter apresentado a contes-
tação, a reconvenção, a impugnação ao valor da causa e a impugnação do benefício da
gratuidade judicial em arquivo digital único, não pode constituir motivo para admitir, tão
somente, a regularidade da primeira e negar processamento às demais formas de resposta.
Já constitui entendimento assente de que, em se tratando de autos físicos, a contestação e
a reconvenção, apresentadas em peça únicas devem ser aproveitadas, entendimento que
deve ser aplicado também em relação aos demais incidentes; tratamento que também deve
ser adotado em relação aos autos digitais, e com maior razão, dada a natural dificuldade
de adaptação de todos os profissionais à nova sistemática de trabalho. É a solução que me-
lhor atende ao princípio da instrumentalidade das formas e até mesmo aos princípios do
contraditório e do devido processo legal.” (TJSP. 31ª Câm. de Dir. Privado, rel. Des. Antonio
Rigolin; j. 15.04.2014).
33. “A contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente, ainda que haja
prazo para a resposta do réu, sob pena de preclusão consumativa. Precedentes do STJ (...).”
(STJ, 1ª T., AgRg no REsp 935.051/BA, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.09.2010, DJe 30.09.2010). Há,
porém, precedente do próprio STJ no sentido contrário (Resp 132.545-SP, rel. Min. Waldemar
Zveiter, j. 19.02.1998, DJU 27.04.1998), o qual, embora antigo, vem sendo invocado pela
recente jurisprudência dos tribunais. Nesse sentido: TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Giffoni Ferreira, AI 2116598-81.2015.8.26.0000, j. 04.08.2015.
34. Parcela da doutrina não admitia o oferecimento de reconvenção sem contestação,
por entender que aquela pressupunha esta, tanto que o art. 299 do CPC/73 exigia a
apresentação simultânea de ambos (cf., nesse sentido: Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2011, p. 62). Em oposição, aqueles
que defendiam a possibilidade de reconvir sem contestar – posição encampada pelo
786 Manual de Direito Processual Civil

(art. 343, § 6º, do CPC/2015). Fica assim ressaltada a independência e a autonomia


dos pedidos reconvencionais, por mais que possa ter ocorrido a revelia. Ressalte-se,
desde já, que a ocorrência de revelia, nesse caso, não implicará, necessariamente, seu
efeito material, eis que a presunção de veracidade dos fatos é relativa, e deve ser afas-
tada se o contrário resultar do conjunto de alegações e provas do processo (art. 345,
IV, do CPC/15). Assim, embora, em princípio, o réu revel que reconvém esteja sujei-
to ao efeito do art. 344 do CPC/2015, pode ocorrer de as alegações e provas aduzidas
na reconvenção desmentirem os fatos alegados na inicial da ação originária. Isso por-
que, apesar de ser tecnicamente correto dizer que a reconvenção não se confunde com
a defesa, seria um contrassenso se concebêssemos que o juiz pudesse, num mesmo
processo, presumir verdadeiro um fato porque não contestado na ação originária e,
ao mesmo tempo, reputá-lo inexistente na ação reconvencional, devido às alegações
e provas existentes nessa última.35
Na reconvenção, em face do que expressamente dispõe o art. 343, § 1º, do CPC/2015,
faz-se uma exceção à regra geral, de que toda demanda é, necessariamente, precedida
de citação (art. 238 do CPC/2015). Não há, do ponto de vista formal, citação, senão in-
timação do reconvindo, na pessoa do seu advogado (art. 343, § 1º, CPC/2015). E tal é
assim disciplinado porque, ao ser oferecida a reconvenção, o autor já está no processo,
bastando para impugná-la a intimação de seu procurador. Entretanto, apesar de se tratar
de intimação e não de citação, esta circunstância só diz respeito a aspectos da forma de
se levar a efeito o ato de comunicação, pois que os efeitos produzidos pela “intimação”
ao reconvindo são, em princípio, os elencados no art. 240 do CPC/2015, que se refere
especificamente à citação.
Assim, a reconvenção, sendo uma ação, produz determinados efeitos jurídicos ma-
teriais, a que alude a lei processual, bem como os processuais, tais como a litispendên-
cia, e torna a coisa litigiosa. Todavia, não há que se falar em prevenção, como também
não há que se cogitar de perpetuatio iurisdictionis (art. 43 do CPC/2015), uma vez que
a reconvenção se submete à competência do juízo da ação principal.

CPC/15 – argumentavam tratar-se de duas modalidades de resposta relativamente inde-


pendentes entre si e com finalidades e configurações distintas (cf., nessa linha, Cândido
Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros,
2009, p. 529).
35. No sentido do texto: “1. A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação, en-
seja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser
infirmada pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência
automática dos pedidos iniciais. 2. A decretação da revelia com a imposição da presunção
relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial não impede que o réu exerça o
direito de produção de provas, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase
instrutória. 3. No caso, a apresentação de reconvenção, ainda que sem o oferecimento de
contestação em peça autônoma, aliada ao pedido de produção de provas formulado em
tempo e modo oportunos impedia o julgamento antecipado da lide. 4. Recurso especial não
provido.” (STJ, 3ª T., REsp 1335994/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12.08.2014,
DJe 18.08.2014).
Resposta Do Réu 787

A resposta à reconvenção deverá ocorrer também em 15 dias. O conteúdo dessa res-


posta inclui a contestação no seu sentido substancial, bem como cabíveis intervenções
de terceiros eventuais.
Diversamente do que dispunha o CPC/1973, que aludia apenas à contestação do recon-
vindo (art. 316 do CPC/1973), o CPC/2015 faz menção expressa à resposta, sem dúvida
mais abrangente. Com isso, reaviva-se o debate relativamente à possibilidade de recon-
venção sucessiva, contra a qual nos insurgíamos,36 mas que, por outro lado, já vem sendo
sustentada por diversos juristas.37 Os argumentos desfavoráveis à reconvenção proposta
pelo reconvindo consistem no excessivo comprometimento da celeridade, na possível
dificuldade de tramitação do feito, bem como na impossibilidade de o autor-reconvinte
ampliar os limites da ação originária, pela via da reconvenção. Já aqueles que defendem a
reconvenção sucessiva se concentram nos benefícios do julgamento conjunto, na isono-
mia processual – no sentido de que o reconvindo deve ter direito a uma resposta tão am-
pla quanto à do réu na ação originária – e na ideia de que o processo deve servir ao réu tan-
to quanto serve ao autor,38 posição essa que atualmente nos parece a que mais se coaduna
com a orientação do CPC/2015, eis que se quisesse, a lei, vedar a reconvenção da recon-
venção o teria feito expressamente como o fez na ação monitória, conforme art. 702, § 6º.
A falta de contestação à reconvenção, induz a revelia do reconvindo; nem sempre, po-
rém, poderão operar-se os efeitos que dela decorrem, previstos no art. 344 do CPC/2015.
São pertinentes as cautelas na aplicação dos efeitos da revelia à ação reconvencional,
tendo em vista que, se o conteúdo da reconvenção for antagônico ao da ação originária,
ficará afastada a presunção (sempre relativa) de veracidade.39
Se não for o caso de extinção precoce da reconvenção, com ou sem resolução de mé-
rito (arts. 332, 355 e 485 do CPC/2015) ou de julgamento parcial de mérito (art. 356 do

36. José Manoel de Arruda Alvim Netto, Manual de direito processual civil. São Paulo: Ed. RT,
2013, Segunda Parte, n. 120, p. 836. No mesmo sentido: Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção
no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 176.
37. Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, 6ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, vol. III, p. 526-527) adota essa posição, embora com a ressalva de que a
reconvenção não pode servir para que o autor-reconvinte amplie o objeto da ação originária,
comprometendo a estabilização da demanda. Do mesmo modo. Luiz Guilherme Marinoni
e Sérgio Cruz Arenhart admitem a reconvenção em sede de ação reconvencional, no caso
desta última ter sido proposta com base no fundamento da defesa do réu-reconvinte: “Isto
porque, nesse caso – mas não no outro, em que a reconvenção tem por base a conexão com
a ação principal –, o réu traz material fático totalmente novo ao processo, podendo surgir
daí o interesse do autor-reconvindo em apresentar, sobre esse novo material, também sua
pretensão” (Manual do processo de conhecimento, p. 156).
38. cf. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 6ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, vol. III p. 515.
39. “Esta Corte possui entendimento de que, na revelia, a presunção de veracidade é relativa, de
forma que a sua ocorrência conduz à procedência do pedido se, com as provas dos autos, o
magistrado se convencer da existência dos fatos alegados e não contestados. Entendimento
que se aplica à reconvenção. Precedentes. (...)” (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 439.931/SP, rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20.11.2012, DJe 26.11.2012).
788 Manual de Direito Processual Civil

CPC/2015), deverão as causas tramitar simultaneamente, o que imprime maior eficiên-


cia ao processo: as providências preliminares e o saneamento serão feitos em conjunto,
bem como a instrução probatória (prova pericial, audiência de instrução para a presta-
ção de depoimento pessoal, oitiva de assistentes técnicos, peritos etc.).
Ao final, será prolatada sentença que disponha sobre ambas as causas (ação origi-
nária e reconvencional).

20.6.3. Autonomia da reconvenção


Como já foi dito, a reconvenção terá seu mérito analisado conjuntamente com o
da ação originária, a fim de propiciar um julgamento harmonioso a ambas. Porém, isso
não afasta a autonomia da ação reconvencional.
Em virtude dessa autonomia, a extinção de uma das causas – originária ou recon-
vencional – sem ou com resolução do mérito não obstará o prosseguimento do processo
quanto à outra (art. 343, § 2º, do CPC/15). A decisão que extingue a ação originária ou
a reconvencional, prosseguindo o processo quanto à outra, é decisão de natureza inter-
locutória, passível de agravo de instrumento (art. 354, parágrafo único do CPC/2015).
É possível, ainda, que a reconvenção seja objeto de improcedência liminar (art. 322
do CPC/2015), prosseguindo, da mesma forma, o processo quanto à ação originária.
Também nessa situação a decisão terá natureza interlocutória e o agravo de instrumen-
to será cabível (art. 1.015, II, do CPC/2015).
A nosso ver, devido à autonomia da ação reconvencional, nada obsta a que se pro-
ceda ao seu julgamento antecipado do mérito, caso verificada uma das hipóteses legais,
ainda que a ação originária haja de ser instruída. A rigor, tratar-se-á de hipótese de jul-
gamento antecipado parcial do mérito, pois nem todos os pedidos do processo terão
sido analisados; aplicar-se-á, por conseguinte, o disposto no art. 356, caput, I e II, do
CPC/2015, sendo a decisão passível de agravo de instrumento (arts. 356, § 5º, e 1.015,
II, do CPC/2015).

20.7. As questões prejudiciais suscitadas como espécie de resposta do réu e a


subsistência da ação declaratória incidental para as ações ajuizadas sob a
vigência do CPC/1973
O regime dos limites objetivos da coisa julgada sofreu modificações no CPC/2015
(como será visto mais adiante em momento oportuno), de forma que é agora possível
que ela abranja também questões prejudiciais decididas incidentalmente no processo
(art. 503, § 1º, do CPC/2015), independentemente de ação declaratória incidental, e
até mesmo de pedido.
Tendo em vista a existência de disposição transitória do CPC/2015 (art. 1.054) que
estabelece a aplicabilidade da regra do art. 503, § 1º apenas aos processos iniciados após
a vigência do mencionado Código, parece correto concluir que a ação declaratória inci-
dental remanescerá útil numa quantidade considerável de processos nessas condições.
Resposta Do Réu 789

Tem-se, portanto, que, objetivando o réu imprimir segurança jurídica a uma ques-
tão prejudicial, haverão de ser consideradas as seguintes hipóteses: a) se o processo teve
início antes da vigência do CPC/2015, será necessária a propositura de ação declarató-
ria incidental, com a formulação expressa de pedido de prestação jurisdicional para o
fim de declarar a existência ou inexistência de relação jurídica ou, conforme o caso, a
autenticidade ou falsidade de documento; b) já se o processo teve início após a vigên-
cia do CPC/2015, não haverá necessidade de pedido expresso, pois se da questão pre-
judicial depender o julgamento do mérito e se a seu respeito tiver havido contraditório
prévio e efetivo, a decisão que a julgar tem força de lei, ou seja, sobre a mesma (sobre
seu comando) recairá a qualidade de imutabilidade da coisa julgada material (art. 503,
§ 1º, do CPC/2015).
Sob a égide do CPC/1973, é interessante notarmos que, caso o réu se utilizasse da
ação declaratória incidental, no prazo da resposta, tal fato produziria litispendência
para o autor, que, então, não se poderia dela utilizar. E isto ocorria pela circunstância
de que, proposta a declaratória incidental pelo réu, ipso facto, o autor teria atingido o
objetivo que viria a ter, se ele mesmo a propusesse: produção de coisa julgada sobre a re-
lação subordinante ou prejudicial. Assim, a ação declaratória incidental, proposta pelo
réu, produzia litispendência, tanto para a ação declaratória incidental do autor, como
para ação autônoma que quisesse o autor propor.
Entretanto, devemos observar que o CPC/2015 traz consigo a dificuldade de esta-
belecer-se qual o momento em que nasce a litispendência impeditiva, por exemplo, de
uma das partes promover ação autônoma versante a questão prejudicial.
Contudo, citada a parte contrária (também da ação originária), pode, ou não, ela
pedir a junção dos processos para julgamento conjuntos. Descaberia ou não, na hipóte-
se concreta, pedido de extinção do processo por litispendência (anterior), em face exa-
tamente de não termos no CPC/2015 claro o momento em que foi induzida a mesma.
O objetivo precípuo da ação declaratória incidental era o de, elevando a relação jurí-
dica subordinante à categoria da causa petendi, subjacente à ação, tal como proposta pelo
autor, inseri-la no poder dever do juiz de decidir a respeito, recaindo sobre essa decisão
a qualidade de coisa julgada material. (art. 470; v. tb. art. 469, III, todos do CPC/1973,
aplicáveis aos processos iniciados sob sua vigência, por força do art. 1.054 do CPC/2015).
A propositura da ação declaratória incidental, portanto, não alteraria a tarefa cogni-
tiva do juiz, porquanto, proposta ou não, o juiz já deveria conhecer da relação jurídica
subordinante, mesmo porque esta se coloca lógica, jurídica e cronologicamente como
antecedente necessário à solução da relação jurídica subordinada.
Tratando-se de hipótese de processo iniciado sob a vigência do CPC/2015, descabe
a ação declaratória incidental, na exata medida de o réu, em sua resposta, controver-
ter a relação jurídica prejudicial, e sendo a questão objeto de amplo contraditório, sem
aplicação de qualquer limitação probatória ou cognitiva, sua solução produzirá coisa
julgada como se tivesse sido formulado pedido declaratório a respeito.
21
Revelia

21.1. Introdução
Constituída a relação jurídica processual, surge, durante todo o desenvolver do pro-
cesso, uma série de ônus, quer para o autor, quer para o réu.
Distingue-se o ônus da figura da obrigação, porquanto na obrigação – entre outras
características – a prática do ato objetiva “favorecer” a outra parte, ao passo que o ônus
se caracteriza, precisamente, pela circunstância de que a prática do ato reverterá, em re-
gra, em benefício exclusivo daquele que o pratica, ou, eventualmente e quase sempre,
prejudicará quem não o praticou, ou quem o tenha praticado mal.
Um dos ônus existentes no processo para o réu é o de contestar a ação proposta, im-
plicando o seu descumprimento em revelia.1
O legislador reservou o nome de revelia, ao descumprimento pelo réu, enquanto ao
do autor, contumácia.2
O termo contumácia, no entanto, pode ser empregado como gênero e designa a ina-
tividade do autor e do réu, sendo a revelia uma espécie, a qual se deve usar para desig-
nar a inércia do réu, validamente citado, em contestar, no prazo legal.

21.2. A revelia no sistema do Código de Processo Civil e seus aspectos capitais


A revelia consiste na não apresentação de contestação, por parte do réu citado re-
gularmente, no prazo legal.3

1. Sobre a revelia, consultar: Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo:
RT, 1977 e id. Revelia. Revista de Processo109/221, ano 28, jan.-mar./2003; Arruda Alvim,
O gestor de negócios e o curador especial diante da revelia do assistido, Revista de Proces-
so 10/217, ano III, abr.-jun./78 e id. A revelia e a ação declaratória incidental, Revista de
Processo 10/213; ano III. São Paulo, RT, abr.-jun./78; Alcides de Mendonça Lima, A revelia
nos embargos do devedor,Ajuris 27/153, 1983; Artur Cesar de Souza, Contraditório e re-
velia (perspectiva crítica dos efeitos da revelia). São Paulo: RT, 2003; Maria Lúcia L. C. de
Medeiros, A revelia sob o aspecto da instrumentalidade. São Paulo, RT, 2003; Humberto
Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos. São Paulo: Atlas, 2006.
2. V.Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 54 e et. seq.
3. V. Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de Almeida (Curso
avançado de processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, vol. I,p. 383): “A revelia pressupõe
Revelia 791

Assim, é considerado revel aquele que não apresentou contestação, ainda que, even-
tualmente, tenha comparecido, através de advogado legalmente habilitado; o só fato de
existir nos autos procuração a advogado, outorgada pelo réu, não descaracteriza a revelia.
Nesse ponto, deve-se por em relevo a lição de Rita Gianesini,4 para quem, deve ser
considerado revel: “aquele que não comparece em juízo e não apresenta contestação;
aquele que comparece em juízo – junta tão somente o instrumento de mandato – e não
contesta; aquele que comparece em juízo e apresenta contestação sem anexar o instru-
mento de mandato e, intimado, não regulariza a situação; aquele que comparece em
juízo, mas apresenta contestação intempestiva; aquele que comparece em juízo e apre-
senta outra modalidade de resposta que não seja a contestação.”
Por outro lado, se o réu comparece ao processo, no sistema do Código de Processo
Civil, sem se fazer acompanhar de advogado, da mesma forma é revel,5 pois, por si só,
não poderá o réu contestar a ação por falta de capacidade postulatória, em regra. Há de
se observar, todavia, o disposto no art. 76, caput, do CPC/2015, que autoriza a sanação
do vício em prazo razoável. Assim, somente se descumprida a determinação judicial
de correção do defeito é que se terá a decretação da revelia (art. 76, caput, § 1º, II, do
CPC/2015).
Da revelia decorrem duas consequências fundamentais: a primeira consiste em que,
contra o revel, correrão os demais prazos, independentemente de intimação, a partir da pu-
blicação de cada ato decisório no órgão oficial, enquanto não tiver advogado nos autos
(art. 346, caput, do CPC/2015).
Se, no entanto, o revel, por advogado constituído nos autos, intervier no processo,
passará a ser intimado dos atos processuais realizados a partir de então (cf. art. 346, ca-
put e parágrafo único, do CPC/2015).
A necessidade de intimação do revel que tenha patrono nos autos tem como fun-
damento jurídico as exigências constitucionais do contraditório e da ampla defesa, as
quais não podem, dentro de um Estado Democrático de Direito, ser subtraídas dos li-
tigantes, em processo judicial e administrativo (art. 5.º, LV, da Constituição Federal).
Observe-se, ainda, que a regra do art. 346, caput, do CPC/2015 deve ser “atenuada”,
atendendo-se ao disposto no art. 329, II, ou mesmo, ao próprio sistema do Código de
Processo Civil. Assim, por força da interpretação do art. 329, II, do CPC/2015, o autor
não poderá alterar o pedido e ou a causa de pedir, sem promover nova citação do réu,
mesmo revel, e, havendo nova citação, assiste ao réu o direito de contestar, sem, toda-
via, romper a revelia anterior, restringindo-se sua contestação à parte em que houve
modificação de libelo, e desde que o revel com tal modificação mesmo que não tenha
contestado, seu advogado passará a ser intimado de todos os atos referentes ao processo.

citação válida. Se nula ou inexistente a citação, o vício alcança todos os atos processuais
subsequentes, e, por isso, não se falará em revelia”.
4. Revelia, Revista de Processo 109.222. São Paulo: Ed RT, jan.-mar., 2003.
5. Revista de Processo 2/361, em 165; RF 246/359; RJTJSP 63/134. Na doutrina: Rita Gianesini,
op. cit., p. 107 et seq.
792 Manual de Direito Processual Civil

Existem outros casos em que se haverá de dar nova oportunidade ao réu para mani-
festação: a) deverá o réu ser intimado para falar a respeito do pedido de desistência do
autor, relativamente à ação (art. 485, §4º, do CPC/2015); b) deverá ao réu ser comuni-
cado o pedido de exibição de documento ou coisa, formulado pelo autor; c) deverá ser
intimado para prestar seu depoimento pessoal; d) finalmente, deverá ser intimado para
a prática de ato ou abstenção de fato que tenha sido pedido pelo autor.
Enquanto não tiver advogado nos autos, não haverá intimação do réu revel; porém,
este poderá intervir no processo a qualquer momento, mas sempre o receberá no estado
em que se encontrar (art. 346, parágrafo único do CPC/2015).
O comparecimento do revel ao processo, porém, não faz com que possa alegar toda
a matéria relativa à contestação, dado que, tendo perdido o prazo para contestar, a gran-
de parte da matéria suscetível de ser rebatida ficou preclusa. Basicamente, o que não
pode mais ser discutido são os fatos próprios da contestação, para que se contrapuses-
sem àqueles invocados pelo autor, com o objetivo de os seus efeitos desaparecerem ou
serem neutralizados. Pode o revel, contudo, discutir qualquer matéria que o juiz deva
conhecer de ofício.
Como segunda consequência da revelia, esta de transcendental importância, temos
que os fatos afirmados pelo autor presumir-se-ão (= poderão ser presumidos) verdadeiros
(art. 344 do CPC/2015), desde que: a) não se trate de litígio respeitante a direito indis-
ponível, 6 b) as alegações do autor não se refiram a fatos inverossímeis ou contraditórios
com a prova dos autos, ou c) essas alegações não se refiram a fatos a respeito dos quais
a lei exija prova por instrumento público (casos de prova indisponível) ou, ainda, desde
que d) havendo pluralidade de réus, nenhum deles tenha contestado.
Observe-se que a revelia não dispensa o autor de demonstrar os fundamentos fáti-
cos de sua pretensão, para que possa a mesma ser reconhecida por sentença.
Assim, nas ações de estado, como no caso da investigação de paternidade, não basta
a revelia para prosperar a pretensão dos autores, pois, como os direitos sobre que ver-
sam essas ações, de regra, são indisponíveis, é imprescindível a prova por parte do au-
tor, devendo a demanda ser julgada improcedente se resultar, do conjunto das provas,
insustentável o pedido.7 A propósito da necessidade de se analisar o conjunto proba-
tório, deve-se mencionar que a própria presunção estabelecida no parágrafo único do
art. 2.º-A, da Lei 8.560/1992, incluído pela Lei 12.004/2009, depende da apreciação em
conjunto com os demais elementos probatórios: “A recusa do réu em se submeter ao
exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em

6. Moacyr Amaral Santos, (Primeiras linhas de direito processual civil. 23; ed. São Paulo: Saraiva,
2004, vol. 2, p. 243): “Os fatos, em relação aos quais não se admite confissão, independem
de impugnação (Cód. cit., art. 302, n. I). Ora, ‘não vale como confissão a admissão em juízo,
de fatos relativos a direitos indisponíveis’ (Cód. cit., art. 351). A presunção de veracidade
dos fatos, por falta de contestação, consiste num efeito equivalente ao da confissão. Daí
aquela presunção não ocorrer quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis”.
7. RT 482/219 e 512/250; RJTJSP 38/141.
Revelia 793

conjunto com o contexto probatório”. Esta regra representa um “aprofundamento” do


disposto no art. 231, do Código Civil, para a hipótese de investigação de paternidade.8
Por outro lado, como regra geral, incidirá o inciso II do art. 345 do CPC/2015 quan-
do se tratar de ação movida contra pessoa jurídica de direito público, por entender-se
que estas atuam em defesa do interesse público; não, porém, quando o interesse versa-
do for disponível, meramente patrimonial.9 Não se confunde, dessa forma, o interesse
econômico da administração com o interesse público.10
 Em se tratando de mandado de segurança dirigido contra pessoa de direito públi-
co (ou quem lhe faça as vezes), é ônus do impetrante fazer prova de seu direito líquido
e certo, não podendo decorrer estes pressupostos essenciais do cabimento do writ da
ausência ou intempestividade de informações da autoridade coatora.

8. Assinale-se que, embora a Súmula 301 do STF também mencione a “presunção juris tantum”
de paternidade, decorrente da recusa na realização dos exames de DNA, a maioria dos
precedentes que a originaram fazem referência ao fato de que, nos casos julgados, a recusa
injustificada do suposto pai em submeter-se aos exames apenas veio a corroborar os demais
elementos probatórios e deve ser analisada em conjunto com estes elementos Cf., exemplifi-
cativamente: Resp 460.302, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, j. 28.10.2003, DJ 17.11.2003; REsp
409285/PR, 4.ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.05.2002, DJ 26.08.2002. Nesse
sentido, o entendimento do próprio STJ, ao aplicar a referida Súmula: “As ações de investi-
gação de paternidade são de estado e versam sobre direitos indisponíveis, com profundas
consequências na vida de ambas as partes envolvidas, por isso que o princípio processual da
eventualidade sofre mitigações em casos desse jaez. (...) No caso ora em julgamento, inexistiu
notícia alguma acerca de provas adicionais produzidas em todo o curso do processo, seja por
parte do autor, do réu ou mesmo de ofício, pelo juízo. O fundamento da sentença para negar a
produção de prova testemunhal residiu unicamente no fato de que esta não possuía ‘força de
afastar a presunção criada por força de lei, cujas consequências, aliás, foram expressamente
cientificadas por este juízo’. (...) A Súmula 301/STJ prevê expressamente que a presunção
decorrente da recusa ao exame de DNA é relativa (...) Não se pode atribuir à recusa ao teste
de DNA consequência mais drástica que a própria revelia do réu – situação em que o pedido
não pode ser julgado procedente de plano –, cabendo ao autor a prova mínima dos fatos
alegados. (...) Nos termos do art. 2º-A, parágrafo único, da Lei 12.004/2009 e dos reiterados
precedentes desta Corte, a presunção de paternidade deve ser apreciada dentro do contexto
probatório coligido nos autos.(...)” (STJ, 4ª T., REsp 1281664/SP, rel. Min. Marco Buzzi, rel. p/
Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 23.10.2014, DJe 05.02.2015).
9. Assim, na jurisprudência: “Processual civil. Embargos de declaração em recurso especial.
Art. 535 do CPC. Omissão. Responsabilidade civil do estado. Rebelião em presídio. Morte
de agente penitenciário. Efeitos da revelia. Violação ao artigo 320 do CPC. Inocorrência
1. O julgamento antecipado da lide posto madura a causa, ainda que em face do Estado,
não implica presumir verdadeiros os fatos em face da Fazenda Pública em contravenção
ao disposto no artigo 320, II, do CPC. 2. A indenização devida por força da Teoria do Risco
Administrativo caracteriza o interesse do Estado em não adimpli-la como interesse público
secundário, ao qual não se destina a interdição do artigo 320, II, do CPC. 3. Embargos de
declaração rejeitados”. (STJ, 1ª T., EDcl no REsp 1046519/AM, rel. Min. Francisco Falcão,
rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. 16.12.2008, DJe 10.6.2009).
10. Cf., na doutrina, a diferenciação entre interesse público e interesse do Estado: Eduardo Ar-
ruda Alvim, Direito processual civil. 5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 488; Cândido Rangel
Dinamarco, Instituições de direito processual civil. 6ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2009, vol.
III, n. 1125, p. 564-565.
794 Manual de Direito Processual Civil

Outro aspecto que temos de considerar, haurido do art. 344 do CPC/2015, é o de


que são reputados verdadeiros os fatos, o que não implica, contudo, que a demanda seja
necessariamente ganha pelo autor, pois daqueles fatos, ainda que devam ser considera-
dos verídicos, segundo a lei, poderão não decorrer as consequências tiradas pelo autor,
como poderão eles não encontrar apoio em lei,11 o que, então, levará, apesar da revelia,
a um julgamento de improcedência.12
A vitória do autor, assim, não é inexorável, como se houvesse uma relação de causa
e efeito entre a não contestação e a procedência da ação.13
Em primeiro lugar, poderá ocorrer qualquer uma das exceções, aludidas nos inci-
sos I a IV, do art. 345 do CPC/2015, como visto. Mesmo, entretanto, que inocorram tais
exceções, a procedência ainda não será inexorável, porque, conquanto aceitos os fatos,
as consequências jurídicas deles solicitadas podem ser inviáveis: por outras palavras,
quando não se subsumam os referidos fatos a normas de que se pretendam as consequ-
ências jurídicas pedidas.
A função do art. 344 do CPC/2015, pois, mais precisamente, circunscreve-se à even-
tual supressão do segmento probatório, subsequente à fase postulatória, se o juiz, autorizado
a isso ex lege, entender que um ou outro fato, ainda não especificamente provados, são de-
dutíveis, seguramente, da prova que existe, ou, de forma muito excepcional, são dedutíveis
da narração, com leve início de prova; vale dizer, tê-los-á como efetivamente ocorridos.
Já em 1974 nosso pensamento era o seguinte: “O art. 319 não pode ser aplicado fa-
voravelmente no que diz respeito às soluções de fato, quando estas não se revestirem do
requisito da credibilidade”.14 Neste preciso sentido é o inciso IV do art. 345 do CPC/2015.
Assim, também, o art. 20 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) contém res-
salva no sentido de não se operar o efeito material da revelia (presunção de veracidade
dos fatos alegados) se “o contrário resultar da convicção do juiz”.

11. V. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento.
5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 133; Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 487.
12. No mesmo sentido: Rita Gianesini, op. cit., p. 105. Há precedentes do STJ neste sentido: “A
falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor.
Não, entretanto, a que necessariamente deva ser julgada procedente a ação. Isso pode não
ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às consequências jurídicas pretendidas,
seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifi-
quem” (REsp 14.987/CE, 3.ª T., j. 10.12.1991, rel. Min. Eduardo Ribeiro, deram provimento
ao recurso, v.u., DJU 17.02.1992, p. 1.377, 2.ª col. em.). No mesmo sentido: STJ, REsp
94.193/SP, 4.ª T., j. 15.09.1998, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 03.11.1998, p. 140.
13. V. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 223: “O sinônimo de revelia era procedência da ação? Com
o passar dos anos, porém, restou cristalino o entendimento de que a mentira processual não
pode gozar de proteção, que o magistrado não deve se contentar com a verdade formal,
mas deve ir em busca da verdade real, no sentido de que o juiz deve ser um participante
no processo, deve estar convencido de que o fato constitutivo do autor está efetivamente
provado e não por presunção deva ser admitido como verdadeiro”. Em realidade, pensamos
que ocorrendo revelia e sendo verossímeis os fatos, deve ocorrer o efeito da revelia.
14. Revista de Processo 2/245.
Revelia 795

Já sob a égide do CPC/1973, a natureza relativa da presunção de veracidade resul-


tante da revelia estava pacificada na jurisprudência pátria, que entendia pela impres-
cindibilidade da apreciação da compatibilidade entre a prova existente nos autos e as
afirmações do autor. Tem decidido o STJ que: “A presunção de veracidade dos fatos ale-
gados pelo autor em face da revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstân-
cias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz”.15

21.3. Revelia e litisconsórcio


No litisconsórcio necessário, em que há a imprescindibilidade da presença de todos
os litisconsortes no processo, tanto no unitário quanto no simples, pois, nesta hipótese,
a lei não distingue (art. 345, I, do CPC/2015) e, assim, em função justamente da regra
do inciso I do art. 345, não serão considerados verdadeiros os fatos alegados pelo autor,
desde que algum dos litisconsortes os tenha contestado. Neste caso, portanto, a reve-
lia de um litisconsorte, se outro ou outros tiverem contestado, não lhe trará qualquer
prejuízo,16-17 embora tendo em vista apenas os fatos comuns ao contestante e ao revel.
Na opinião de Pontes de Miranda, não há dúvida quanto à não incidência do efeito
material da revelia havendo litisconsórcio unitário e litisconsórcio necessário. Quanto
ao litisconsórcio facultativo, não se aplicaria a presunção de veracidade, na medida em
que a contestação do litisconsorte pudesse ser útil ao demandado revel. 18

15. STJ, REsp 434.866/CE, 4.ª T., j. 15.08.2002, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 18.11.2002 p. 227.
No mesmo sentido: “A caraterização de revelia não induz a uma presunção absoluta de
veracidade dos fatos narrados pelo autor, permitindo ao juiz a análise das alegações for-
muladas pelas partes em confronto com todas as provas carreadas aos autos para formar
o seu convencimento.” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1194527/MS, rel. Min. Og Fernandes, j.
20.08.2015, DJe 04.09.2015) Cf., ainda: STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 537.630/SP, rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.06.2015, DJe 04.08.2015).
16. Entendemos necessariamente aplicável o art. 345, I, do CPC/2015, somente ao litisconsórcio
facultativo unitário, ou necessário-unitário, bem como ao litisconsórcio simples, mas apenas
na medida em que os fatos forem comuns.
17. Cf. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 224: “Trata-se de litisconsórcio – pluralidade de sujeitos no
polo passivo. Obviamente o litisconsórcio unitário está contemplado no dispositivo porque
a sorte tem que ser igual no plano do direito material para todos, como no caso de anulação
de casamento, anulação de deliberação de assembleia.“Todavia, podemos, tranquilamen-
te, acrescentar nesta hipótese também o litisconsórcio simples, quer o necessário, quer o
facultativo, desde que os fatos sejam comuns a todos. Assim, se um dos devedores solidários
alegar a inexistência da dívida ou o pagamento integral, esta defesa a todos aproveita. Se,
porém, um dos devedores solidários alegar a sua ilegitimidade de parte passiva, o mesmo
não ocorre porque o acolhimento da defesa só a ele beneficia”. Discorda-se, apenas, do
exemplo do casamento, pela circunstância de que, à luz do art. 1.561, § 1.º do Código Civil
(a que correspondia o art. 221, parágrafo único, do Código Civil de 1916), há diferença em
relação aos efeitos. Ou mais precisamente: a procedência ou improcedência diz respeito a
ambos; já o restante da sorte no plano do direito material poderá variar em conformidade
com a existência de boa-fé ou não.
18. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., revista e aumentada.
Atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1996. t. IV,p. 200/201.
796 Manual de Direito Processual Civil

Há que se ressaltar, ainda, que o efeito da revelia que é objeto de ressalva no art. 345
do CPC/2015 se refere à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. No to-
cante à desnecessidade de intimação do revel que não tenha advogado constituído nos
autos, permanece incidindo o disposto no art. 346 do CPC/2015, de sorte que os prazos
correrão independentemente de intimação.19
Desse modo, ainda que ao réu revel, sem advogado constituído nos autos, possam
aproveitar os argumentos de defesa alegados por litisconsorte passivo que tenha apre-
sentado contestação tempestiva e regularmente (art. 345, I, do CPC/2015), de sorte a
afastar a presunção de veracidade preceituada no artigo 344 do CPC/2015, é de se notar
que os prazos processuais correrão independentemente de intimação. A intimação do
revel da sentença correrá a partir da publicação da sentença no órgão oficial (art. 346
do CPC/2015).

21.4. Revelia e assistência


Na hipótese de o assistido ser revel, dispõe o art. 121, parágrafo único, do CPC/2015,
que o assistente será considerado um substituto processual, devendo atuar em nome
próprio para defender o direito da parte assistida. Se o assistente simples “contestar”
no prazo da contestação do assistido, estará elidida a revelia deste último. Outro tanto
diga-se quanto à mesma hipótese, tratando-se de assistência litisconsorcial, quando,
então, o problema resolve-se em face dos princípios atinentes ao litisconsórcio, eis que
o assistente litisconsorcial é litisconsorte do assistido.

21.5. Revelia e reconvenção


A reconvenção consubstancia uma demanda movida pelo réu contra o autor, na
oportunidade de responder à pretensão deste. Ao estudar a reconvenção, foi visto que o
autor da causa principal será intimado para responder à pretensão do réu (art. 343, §1º
do CPC/2015). Caso, entretanto, o autor-reconvindo não impugne a reconvenção, não
poderá alegar, depois do prazo da impugnação, quaisquer outros fatos que porventura
fossem úteis à rejeição da reconvenção. Os efeitos da revelia não são, contudo, automá-
ticos; apenas se aplicarão aos fatos que não contrariem os alegados pelo autor recon-
vindo na causa primeira.20-21 Assim, terá incidência o art. 344 do CPC/2015, só tendo em
vista os fatos não comuns à ação ou à defesa.

19. “O réu que não constituiu advogado, e cuja revelia não foi declarada, por força da aplicação
do art. 320, I, do CPC, não desfruta do direito de ser pessoalmente intimado com relação
à sentença e outros atos processuais, pois o efeito da revelia circunscreve-se à matéria de
fato, vale dizer, à veracidade dos fatos alegados pelo autor” (TJSP, AgIn.1175866003, 34.ª
Câm. de Dir.Priv., j. 25.06.2008, rel. Des. Antonio Benedito do Nascimento).
20. Nesse sentido: Rita Gianesini, Da revelia... cit., p. 114; Fredie Didier Jr., Curso de direito
processual civil: Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conheci-
mento. 17ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 670.
21. “Recurso especial. Ação declaratória. Reconvenção. Ausência de contestação. Revelia.
Presunção relativa. Produção de provas. Possibilidade. Julgamento antecipado da lide.
Revelia 797

Noutras palavras: se a reconvenção não for contestada, presumir-se-ão verdadeiros


os fatos afirmados pelo réu-reconvinte, desde que não se contraponham ao que foi ale-
gado na ação originária. E assim é porque “a ação e reconvenção serão julgadas simul-
taneamente, sendo incindível quer a instrução, quer a decisão, pelo que o comporta-
mento do autor-reconvindo na ação por ele proposta e as provas que nela ou em função
dela tenha produzido terão, necessariamente, que influir sobre a aplicação do art. 319
[correspondente ao art. 344 do CPC/2015] na espécie.” 22-23
Com efeito, não pode o juiz se convencer da inexistência de um fato, tal como per-
ceptível dos autos na ação originária, e presumi-lo existente na ação reconvencional,
devido à não contestação do reconvindo nesta última. Tal comportamento violaria a co-
erência e a própria busca da verdade, valor tido como fundamental para a sentença justa.

21.6. Revelia e julgamento antecipado da lide


Esgotado o prazo para manifestação do réu, o escrivão fará os autos conclusos ao
juiz. Este verificará se ocorreu o efeito da revelia (art. 344 do CPC/2015). Tendo ocor-
rido, conhecerá diretamente do pedido, proferindo julgamento conforme o estado do
processo. Assim, não haverá saneamento, produção de provas, audiência de instrução e
julgamento etc.; o processo será julgado de acordo com os elementos trazidos pelo autor
na oportunidade em que propôs a ação (arts. 348 e 355, II, do CPC/2015).
Pode o juiz, no entanto, determinar a produção de provas com base no art. 370 do
CPC/2015. Não se acredita, porém, que os poderes instrutórios do juiz sejam ilimitados. 24

Cerceamento de defesa. 1. A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação,


enseja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser
infirmada pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência
automática dos pedidos iniciais. 2. A decretação da revelia com a imposição da presunção
relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial não impede que o réu exerça o
direito de produção de provas, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase
instrutória. 3. No caso, a apresentação de reconvenção, ainda que sem o oferecimento de
contestação em peça autônoma, aliada ao pedido de produção de provas formulado em
tempo e modo oportunos impedia o julgamento antecipado da lide. 4. Recurso especial não
provido”. (STJ, 3ª T., REsp 1335994/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12.8.2014,
DJe 18.8.2014).
22. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 326.
23. “O convencimento do juiz, para decidir ação e reconvenção, deve ser coerente e único em
relação aos fatos que sejam relevantes e pertinentes para ambas as ações, pouco importando
tenham eles sido comprovados em função da demanda principal ou do litígio reconvencio-
nal” (Idem ibidem). No mesmo sentido: Fredie Didier Jr.: “Se o autor reconvindo for revel na
reconvenção, mas a reconvenção for conexa à ação principal de molde a que o julgamento
de ambas passe pela apreciação da existência de fatos comuns, o juiz, pelo princípio da
comunhão da prova, não poderá presumir existentes, para fins da reconvenção fatos que
foram não ocorridos por conta da instrução probatória ocorrida na ação originária” (Curso
de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. vol. 1, 9ª
ed.. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 498).
24. No mesmo sentido, escrevendo à luz do CPC/1973: Rita Gianesini, Revelia cit., p. 226: “Na
hipótese de não se convencer, o juiz não aplicará o efeito da revelia – não reputará verdadeiro
798 Manual de Direito Processual Civil

Muita discussão doutrinária existe, e é grande a divergência na jurisprudência no


que diz respeito às limitações da atividade do réu revel, que comparece ao processo,
especificamente no que tange à produção de provas. É induvidoso que essa produção
é possível, como já sumulou, inclusive, o Supremo Tribunal Federal;25 a dúvida recai
sobre os fatos a serem provados pelo revel. A tendência dominante é a de que o revel
possa apenas produzir contraprovas dos fatos alegados pelo autor (já que ele não fez
alegações, pois não contestou).26 Por isso mesmo, é imprescindível que o revel que te-
nha patrono constituído nos autos seja intimado da produção de provas, sob pena de
cerceamento do direito à defesa.27
Se tiver havido revelia, mas não o efeito a que alude o art. 344 do CPC/2015, deve-
rá o autor, então, especificar as provas que pretende produzir, se ainda não as tiver in-
dicado (art. 348 do CPC/2015), sendo estas, em regra, deferidas total ou parcialmente
no saneamento.

21.7. A revelia e os procedimentos especiais


A revelia, nos procedimentos especiais, tem, geralmente, consequências similares,
com as suas peculiaridades. Senão, vejamos.
Na ação de exigir contas, havendo revelia, procede-se tal qual no procedimento co-
mum (art. 550, §4º, do CPC/2015), julgando-se antecipadamente a lide se ocorrente,
efetivamente, uma das hipóteses dos incisos do art. 355 do CPC/2015.
Nas ações possessórias, no que se refere à de manutenção e à de reintegração de pos-
se, a contestação ou não, implica, igualmente, que a causa siga o procedimento comum
(art. 566 do CPC/2015); na do interdito proibitório a implicação é a mesma (art. 568
do CPC/2015).
O mesmo se dá com as ações de demarcação e divisão de terras particulares (arts. 578
e 598 do CPC/2015); com os embargos de terceiro (art. 679 do CPC/2015) e com o pro-
cesso de restauração dos autos (art. 714, § 2.º, do CPC).
No processo de habilitação, a revelia impõe a decisão imediata (art. 691 do CPC/2015
– em interpretação a contrario sensu), eis que o pedido de habilitação é decidido ime-
diatamente a não ser que haja provas a produzir.

o fato afirmado pelo autor – e determinará a realização de prova. Isto porque, nos termos do
art. 130 c/c o art. 324, ambos do CPC, pode de ofício determinar a produção de provas que
entender necessárias. É o poder instrutório do juiz. É a busca da verdade real. Os limites que
devem ser impostos a essa atividade só poderão ser definidos no caso concreto. Concordamos
que o juiz tenha poderes instrutórios, todavia não de forma irrestrita ou ilimitada”.
25. Súmula 231 do STF: “O revel, em processo civil, pode produzir provas, desde que compareça
em momento oportuno”.
26. Decidiu o STJ que, “(...) A produção de provas pelo revel depende de seu requerimento antes
de encerrada a fase instrutória, da análise de sua pertinência, limitada à desconstituição
dos fatos afirmados na inicial. (...) (STJ, 4ª T., REsp 734.328/RN, Rel. Min. Raul Araújo, j.
18.11.2014, DJe 18.12.2014).”
27. Cf. STJ, 2ª T., REsp 1330058/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20.06.2013, DJe
28.06.2013.
Revelia 799

Um caso interessante de revelia, ou seja, de ausência de defesa (em sentido lato) está
no art. 701, §2º, do CPC/2015. Segundo este dispositivo, não oferecendo o réu embar-
gos no prazo de quinze dias (art. 701, caput, do CPC/2015) à ação monitória, o manda-
do injuncional expedido in limine constituir-se-á de pleno direito em título executivo
judicial, independentemente de qualquer formalidade. Nessa hipótese, tem-se que a
ausência de defesa do réu dará ensejo à formação de título executivo judicial (cum gra-
nu salis: procedência da ação), desde que seja evidente o direito do autor (art. 701, ca-
put, do CPC/2015), e conquanto não ocorrentes vícios quanto aos pressupostos pro-
cessuais (positivos e negativos), condições da ação ou outras matérias conhecíveis de
ofício pelo juiz.
A respeito da revelia em ação rescisória, à luz do CPC/1973 nosso entendimento já
era o de que não incidia o efeito da revelia, sendo inaplicável o art. 319 do CPC/1973
(análogo ao art. 344 do CPC/2015) à ação rescisória. Assim também, o prof. José Carlos
Barbosa Moreira, para quem, “sendo indisponível o iudicim rescidens, não pode o réu
reconhecer validamente o pedido de rescisão” e, por igual razão, a revelia não produz,
na rescisória, o efeito da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.28 Assim
tem entendido o Superior Tribunal de Justiça.29
Em ação que vise à tutela cautelar, o requerido será citado para, no prazo de cin-
co dias, contestar o pedido, apresentando as provas que entenda necessário produzir.
Caso não conteste o pedido, serão considerados aceitos os fatos alegados pelo reque-
rente, devendo o juiz decidir no prazo de cinco dias (arts. 306 e 307 do CPC/2015).
Essa aceitação dos fatos, todavia, passará sempre pelo exame do poder de convicção
que carreguem, segundo o juiz, mas a revelia é fator indicativo da ausência de razão, e,
deve ter o seu peso.
Os fatos que serão tidos como verdadeiros, em regra, são somente aqueles referen-
tes ao periculum in mora e ao fumus boni iuris, e não os relativos ao pedido dedutível de
processo de conhecimento.30
Embora a contestação apresentada no processo cautelar não possa fazer as vezes, ou
valer como a contestação que seria apresentada no processo dito principal, parece-nos
que, normalmente, aquela contestação retira dos fatos alegados pelo requerente, e, suces-

28. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ª ed., vol. 5., Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 193-194. No mesmo sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil. 5ª ed.. São
Paulo: RT, 2013, p. 588-589.
29. STJ, AR 3.341/SP, 3.ª S., j.14.12.2009, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 01.02.2010.
Assim, também: “A revelia, na ação rescisória, não produz os efeitos da confissão (art. 319
do CPC) já que o judicium rescindens é indisponível, não se podendo presumir verdadeiras
as alegações que conduziriam à rescisão. Deve o feito ser normalmente instruído para se
chegar a uma resolução judicial do que proposto na rescisória.” (STJ, 3ª T., REsp 1260772/
MG, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05.03.2015, DJe 16.03.2015).
30. Cf. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 230: “No processo cautelar a revelia, nos termos do
art. 803 do CPC, só tem implicações neste processo, não se irradiam, ou não tem influência
no processo principal”.
800 Manual de Direito Processual Civil

sivamente, reiterados pelo autor, a verossimilhança de que haveriam de se revestir, impe-


dindo que, na demanda principal, se aplique o art. 344 do CPC/2015, pura e simplesmente.
Ora, se há identidade entre fatos, os alegados para o afastamento da medida cau-
telar e aqueles que seriam hábeis a afastar a procedência do pedido na ação prin-
cipal, não há que se falar em incidência do efeito material da revelia, por força do
disposto no inciso IV do art. 345 do CPC/2015. A controvérsia criada na cautelar
estende-se à ação principal, sob pena de violação à busca da verdade. Nesse senti-
do já se vinha posicionando a jurisprudência sob a égide do CPC/1973, à míngua
de disposição expressa.31
Assunto que tem merecido solução correta é o respeitante à indagação consisten-
te em se saber se há, ou não, o efeito da revelia, na hipótese de ausência de impugnação
aos embargos de devedor (art. 920 do CPC/2015).32 A solução correta é, de forma prati-
camente pacífica, no sentido de não ocorrência do efeito da revelia.33 Não será, por certo,
esta omissão do embargado que implicará reduzir a nada o título executivo. Este, por
sua vez, é fato bastante para retirar pretendida verossimilhança aos fatos constantes dos
embargos (é raciocínio similar à hipótese de revelia em ação rescisória).

21.8. Revelia e a citação ficta


Tendo sido o revel citado por edital ou com hora certa, modalidades de citação fic-
ta, conforme já vimos, deverá o juiz dar ao réu curador especial, com plenos poderes
processuais. Nesta hipótese, apesar de existir a revelia, não se pode falar em efeitos da
revelia34 e, tampouco, em julgamento antecipado da lide.35 Também não há que se fa-
lar em desnecessidade de intimação do réu para o cumprimento de sentença transitada
em julgado; conforme já decidiu STJ; tal comunicação é necessária, ainda que ocorra
de forma ficta.36
Não sofre, o curador especial, as limitações que suporta o procurador da parte. Não
tem aquele, por exemplo, o ônus de impugnar especificamente os fatos (art. 341, pará-
grafo único, do CPC/2015).

31. STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 256.821/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 20.02.2014,
DJe 06.03.2014.
32. Sobre a falta da impugnação aos embargos à execução, ver: Paulo Henrique dos Santos
Lucon,Embargos à execução. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2001,p. 295 a 298 (ainda que em
obra escrita sob a égide do CPC/1973).
33. “A ausência do oferecimento de impugnação aos embargos à execução não induz os efeitos
da revelia, já que cabe ao executado a comprovação quanto à ineficácia do título exequen-
do. Precedentes.” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 576.926/SP, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j.
12.2.2015, DJe 26.2.2015).
34. V.Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1975, vol. 2, comentários
ao art. 9.º; J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, p. 362 a 405.
35. TJPR, RT 693/197.
36. STJ, 3ª T., REsp 1009293/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.04.2010, DJe 22.04.2010.
Revelia 801

Tratando-se de réus incertos, citados por edital, mas que não compareçam ao pro-
cesso, não é necessária a nomeação de curador especial para a defesa de seus eventuais
interesses.37

37. TJRJ, AI 0010397-94.2015.8.19.0000, 22ª Câm. Cív., j. 10.03.2015, des. rel. Carlos Santos
de Oliveira, DJe. 12.03.2015; TJSP, AgIn 2036546-69.2013.8.26.0000, 10ª Cam. Dir. Priv.,
j. 11.03.2014, rel. Des. Carlos Alberto Garbi; TJES, AC 35020189151 ES, 3ª Câm. Cív., j.
22.06.2004, rel. Des. Rômulo Taddei Pub. 10.08.2004. Com argumentação cabal e defini-
tiva, v.Nelson Luiz Pinto, Da ação de usucapião, São Paulo: RT, 1991, cap. V, n. 8, esp. nota
162, p. 94,Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 263-264.
22
Suspensão do Processo

22.1. Ideias gerais


A suspensão do processo consiste em sua paralisação temporária, mantendo-se, na-
turalmente, os efeitos decorrentes da pendência da relação jurídica processual, sendo
vedada a prática de atos processuais que não os de caráter urgente.
O Código de Processo Civil 2015 refere-se ao instituto da suspensão do processo em
seus arts. 313 a 315. No art. 313 elenca as hipóteses em que ela ocorre, no art. 314 pon-
tua a proibição da prática de qualquer ato processual durante a vigência da suspensão
e no art. 315 disciplina a suspensão atinente ao exame do mérito dependente “de veri-
ficação da existência de fato delituoso”. Ressaltamos, nesse ponto, que não há propria-
mente dependência do juízo cível em relação ao pronunciamento da Justiça criminal.
Aferimos isso, principalmente, a partir da leitura do § 1º do art. 315, segundo o qual,
se a ação criminal não for proposta no prazo de 3 meses, contados da intimação da sus-
pensão, o juízo cível examinará a questão incidentalmente.
A suspensão do processo poderá ser necessária ou facultativa. As hipóteses de suspen-
são necessária são as elencadas nos incs. I, III, IV, V, VI, e VII do art. 313 do CPC/2015.
Destacamos a inserção de nova hipótese de suspensão necessária com relação à admissão
do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 313, IV, e 982, I, do CPC/2015).
De outro lado, é hipótese de suspensão facultativa do processo a elencada no inc. II do
art. 313 (por convenção das partes).
Observemos que os atos urgentes, ou seja, aqueles tendentes a resguardar direitos
em via de perecimento, não são alcançados pela suspensão, podendo ser praticados nor-
malmente durante esse período. Já entendíamos dessa forma na vigência do CPC/1939,
que não trazia previsão expressa nesse sentido. O CPC/1973, ao contrário, previu ex-
pressamente tal ressalva (art. 266 do CPC/1973). O CPC/2015, por sua vez, mante-
ve a possibilidade da adoção de medidas excepcionais a fim de evitar dano irreparável
(art. 314 do CPC/2015).

22.2. A suspensão necessária do processo


Como vimos em epígrafe, a suspensão do processo deverá necessariamente ocorrer:
Suspensão do Processo 803

(i) Pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu
representante legal, ou de seu procurador (art. 313, I, do CPC/2015).1
Falecendo a parte, o juiz suspenderá o processo nos termos do 313, § 1º, do CPC/2015.
Caso não haja pedido de habilitação, deverá, de ofício, abrir oportunidade para que a
habilitação seja requerida pelos interessados (arts. 313, § 2º, I e II, e 688 do CPC/2015).
Além disso, é necessária a suspensão do feito se sobrevier a ausência de discerni-
mento da parte, como, v.g., se a parte tornar-se deficiente mental ou intelectual no cur-
so do processo, oportunidade na qual esse deverá ser suspenso para que, eventualmen-
te, possa ser regularizada a curatela, nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 84 do Estatuto da
Pessoa com Deficiência.
Analogamente ao que ocorre com a morte de pessoa física, a extinção de pessoa ju-
rídica também é considerada causa de suspensão do processo.2
Observe-se, ainda, sobre o falecimento da parte, que, nos casos em que o direito
discutido em juízo for intransmissível, a morte do autor, na fase de conhecimento, oca-
sionará a extinção do processo (art. 485, IX, do CPC/2015) sem julgamento do mérito.
No caso de falecimento do advogado da parte, ainda que iniciada a audiência de ins-
trução e julgamento, o juiz dará 15 dias para que esta promova a substituição. Encer-
rado esse prazo, sem que tenha havido a providência, o juiz adotará uma das seguintes
providências: (i) se faleceu o advogado do autor, extinguirá o processo sem resolução
do mérito; ou (ii) se faleceu o advogado do réu, ordenará o prosseguimento do proces-
so à sua revelia (art. 313, § 3º, in fine, do CPC/2015).
A nosso ver com acerto, o Superior Tribunal de Justiça entende que a suspensão
se dá a partir da morte da parte. Os atos praticados no processo, a partir de então, se-
rão nulos desde a data do falecimento, em sendo comprovado prejuízo a uma das par-
tes, assim, aproveitam-se integralmente os atos praticados antes da morte da parte ou
de seu procurador, bem como os atos praticados desde então, se inexistente prejuízo.3
(ii) Quando for arguida a suspeição ou impedimento do juiz (art. 313, III, do
CPC/2015), o processo é suspenso por estar em jogo a própria imparcialidade do juiz,
condição de validade do processo.
(iii) Se for admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR
(art. 313, IV, do CPC/2015), serão necessariamente suspensos os processos pendentes,

1. V. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, 18ª ed., vol. II, São Paulo: Saraiva,
2007, p. 63 a 65.
2. Nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de
conhecimento, 5. ed., São Paulo: RT, 2006, p. 199, nota de rodapé; Fredie Didier Jr., Curso
de Direito processual civil, vol. I, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 751.
3. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.313.970/TO, 4ª T., j. 23.02.2016, rel. Min. Marco Buzzi,
DJe 26.02.2016; STJ, EDcl no AgRg no AREsp 273.247/SP, 4ª T., j. 21.05.2013. rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, DJe 28.05.2013; STJ, AgRg no AREsp 723.889/RJ, 4ª T., j. 15.12.2015,
rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 01.02.2016; e STJ, AgRg do AREsp 759.411/DF, 2ª T., j.
27.10.2015, rel. Min. Humberto Martins, DJe 12.11.2015.
804 Manual de Direito Processual Civil

individuais ou coletivos que tramitam no Estado ou na região de competência do Tri-


bunal julgador (art. 982, I. do CPC/2015).
No caso, admite-se o incidente quando houver efetiva repetição de processos, que
contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa
à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, I e II, do CPC/2015). A suspensão se justifi-
ca pela influência direta do resultado do julgamento da questão de direito no incidente
em relação aos processos pendentes.4 A falta dessa providência implicaria a fragilização
do IRDR, pois a continuidade dos processos influenciáveis, por assim dizer, poderia vir
a ter como resultado diversas decisões de conteúdo diferente. A suspensão tem por es-
copo último promover a uniformidade das decisões.
(iv) Quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da de-
claração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto prin-
cipal de outro processo pendente (art. 313, V, a, do CPC/2015).
Assim, suspende-se o processo se a decisão do mérito depender de decisão a ser
proferida sobre o objeto principal de outro processo já pendente.5-6 A suspensão, nes-

4. V. os comentários de Bruno Dantas segundo o qual “A suspensão visa impedir que, concomi-
tantemente à análise e julgamento do IRDR, outros processos – individuais ou coletivos – ou
recursos continuem sendo processados. Trata-se de medida relevante tanto pelo aspecto da
economia processual quanto também por garantir a concretização da isonomia em todos os
casos idênticos já existentes.” (Teresa Arruda Alvim Wambier...[et al], Breves comentários
ao novo Código de Processo Civil, 2. ed. rev. e atual., 2016, p. 2288).
5. De acordo com grande parte da doutrina, o dispositivo trata, mais especificamente, de
questão prévia de natureza prejudicial (prejudicialidade externa). Como explica Thereza
Alvim (Questões prévias e coisa julgada, São Paulo: RT, 1977, p. 15), na linha de José Carlos
Barbosa Moreira (Questões prejudiciais e coisa julgada, Rio de Janeiro: Borsoi, 1967, p. 22;
29-30), as questões prévias se desmembram em preliminares e prejudiciais, sendo que a
diferença entre elas seria a seguinte: enquanto aquelas tornam dispensável ou impossível a
solução de outra questão subsequente, estas, as prejudiciais, influenciam e predeterminam o
sentido em que outra questão será decidida. Recentemente, Fredie Didier Jr. (Curso de direito
processual civil, 18. ed., Salvador: JusPodivm, 2016, vol. I, pp. 754-755), que também adere
às concepções citadas, assume que a questão prévia, a que se subordina, de alguma forma,
o julgamento da causa suspensa, poderia ser tanto de natureza preliminar como de natureza
prejudicial. No sentido de que o dispositivo em questão (art. 313, V, a, do CPC/15) trataria de
prejudicialidade externa, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015: “O caso do CPC 313, V, a descreve situação
na qual existe uma relação de prejudicialidade entre dois processos, a qual, na doutrina
italiana (no caso do CPC ital. 295, semelhante ao dispositivo ora em comento), costumava
ser visualizada apenas quando o efeito jurídico, cuja avaliação representa o antecedente
lógico da pronúncia, possa ser objeto de um juízo autônomo e se refira apenas em parte
aos elementos constitutivos do direito que é feito valer em juízo. Esse é um dos requisitos
necessários para o reconhecimento da suspensão em casos que tais, além de alguns outros:
a causa prejudicial deve estar pendente; os sujeitos, em ambos os processos, devem estar
legitimados à participação nas ações e estas devem ter sido promovidas em presença de
legítimo interesse.”
6. Assim já decidiu recentemente o STJ: “Processo civil. Agravo Regimental no Agravo Regimen-
tal no Agravo em Recurso Especial. Imissão na posse. Anulatória de execução extrajudicial.
Suspensão do Processo 805

se caso, nunca poderá exceder um ano como preceitua o art. 313, § 4º, primeira parte,
do CPC/2015.
Importa lembrarmos, como salienta Paulo Lucon, que a suspensão do processo, dian-
te do retardamento do processo e do prejuízo inerente à duração razoável do processo, é
medida revestida de excepcionalidade a ser utilizada como ultima ratio. Dessa forma, sen-
do possível a reunião dos processos para julgamento conjunto, essa deve ser priorizada. 7
(v) Quando não puder ser proferida sentença, senão depois de verificado determinado
fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo (art. 313, V, b, do CPC/2015).
Nessa hipótese, requisitada a prova por carta precatória, rogatória ou por auxílio
direto, em mecanismo de cooperação, somente será suspenso o processo se as cartas ou
o auxílio tiverem sido requeridos antes da decisão de saneamento e a prova for impres-
cindível (art. 377, caput, do CPC/2015). Essa ressalva legal tem por objetivo concreti-
zar a celeridade exigida pelo art. 5º, LXXVIII, da CF/1988, determinando que somente
haverá a suspensão do trâmite procedimental quando o magistrado considerar a prova
imprescindível para o julgamento da causa. Assim, mesmo que a parte tenha requerido a
carta precatória ou a rogatória antes de o juiz sanear o processo, a prova a ser produzida
deve ser tida como fundamental ao desfecho da lide a justificar a suspensão do processo.
Também nesse caso, a suspensão não poderá exceder um ano (art. 313, § 4º, pri-
meira parte, do CPC/2015).

Prejudicialidade. Possibilidade. Decisão mantida. 1. Consoante previsto no art. 265, IV, a,


do CPC, suspende-se o processo quando o julgamento depender da resolução de questão
debatida em outro feito. A norma busca evitar a existência de decisões colidentes. 2. É possível
o reconhecimento de prejudicialidade externa entre as demandas anulatória de execução
extrajudicial e petitória. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(STJ, AgRg no AgRg no AREsp 429.064/MG, 4ª T., j. 04.08.2015, rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, DJe 13.08.2015). Do mesmo modo: STJ, REsp 1.409.256/PR, 3ª T., j. 08.04.2014,
rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 29.04.2014; e STJ, CC 128.239/MG, 1ª S., j. 09.04.2014, rel.
Min. Herman Benjamin, DJe 17.06.2014).
7. Diz Paulo Henrique dos Santos Lucon: “A suspensão por prejudicialidade tem dois objetivos
claros e relacionados entre si e com o tema central da relação entre demandas: prestigiar a
economia processual e evitar julgados contraditórios ou conflitantes envolvendo um mesmo
ponto controvertido por meio da coordenação de decisões relativas a situações jurídico
substanciais ligadas por nexos de prejudicialidade-dependência. Apesar de tais conside-
rações, é preciso ter em mente que a suspensão do processo por prejudicialidade externa
é episódio anômalo e extraordinário, pois representa uma restrição a direitos fundamentais
de uma das partes litigantes, consistente no seu direito à inafastabilidade da tutela jurisdi-
cional e o direito à tutela jurisdicional em tempo razoável – por isso a suspensão, qualquer
que seja ela, representa uma crise no processo. A suspensão, seja por prejudicialidade ou
não deve ser uma última alternativa, mesmo quando se verifica a presença de uma relação
de antecedência lógica necessária, que somente será determinada na hipótese de não
se afigurar possível a reunião das demandas em processos simultâneos. A suspensão é a
última ratio se não se afigurar possível a reunião dos processos para julgamento conjunto.
A reunião e suspensão são diretivas sucessivas: esta somente ocorrerá se aquela não for
possível.” (v. Paulo Henrique dos Santos Lucon, Relação entre demandas, Brasília: Gazeta
Jurídica, 2016, p. 132).
806 Manual de Direito Processual Civil

(vi) Por motivo de força maior (art. 313, VI, do CPC/2015). Nessa hipótese, a sus-
pensão do processo deverá perdurar, enquanto existir o motivo de força maior.
(vii) Quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da nave-
gação de competência do Tribunal Marítimo (art. 313, VII, do CPC/2015).
(viii) Nos demais casos previstos no CPC ou em qualquer outra lei federal. Incluem-
-se, exemplificativamente, nesse dispositivo: a suspensão decorrente de instauração de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 3º, do CPC/2015);
a atribuição de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525,
§ 6º, do CPC/2015) ou aos embargos à execução (art. 919, § 1º, do CPC/2015); a con-
cessão de medida de urgência, pelo STF, em sede de ação direta de inconstitucionali-
dade ou ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999), com o
objetivo de suspender a tramitação ou julgamento dos feitos que envolvam a aplicação
da lei ou ato normativo cuja constitucionalidade seja impugnada ou afirmada nas refe-
ridas ações; a admissão de Recursos Extraordinários ou Especiais repetitivos, quando
serão suspensos todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam
no Estado ou na região, quando selecionados pelo presidente ou vice-presidente do tri-
bunal de origem (art. 1.036, § 1º, do CPC/2015) e, ainda, todos os processos, individu-
ais ou coletivos pendentes, que versam sobre a questão e tramitam no território nacio-
nal quando proferida a decisão de afetação pelo tribunal superior (art. 1.037, inciso II
do CPC/2015), e a suspensão determinada pelo disposto no art. 315 do CPC/2015, de
que trataremos a seguir.
(ix) Quando o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de
fato delituoso. Nesses casos, estabelece o art. 315 que o juiz poderá determinar a sus-
pensão do processo até que se pronuncie a jurisdição criminal.
À primeira vista, poderíamos acreditar8 que referida disposição estivesse incluída
na previsão da alínea a do art. 313, V, do CPC/2015. Todavia, referido dispositivo exi-
ge a pendência de processo que verse questão subordinante à resolução do mérito, ao
passo que o art. 315 se refere à verificação de fato delituoso que pode ainda não ter sido
objeto da propositura da ação penal.
Cuida-se de regra que já poderia ter sido extraída do art. 110 do CPC/1973, com al-
gumas modificações. A primeira delas diz respeito ao prazo de suspensão para aguardar
a propositura da ação penal: no CPC/1973, deveria o processo ficar suspenso por até 30
(trinta) dias, contados da intimação do ato de suspensão (art. 110, parágrafo único);
já no CPC/2015, o prazo é estendido para 3 (três) meses (art. 315, § 1º). Como a regra
do art. 110 do CPC/1973 estava situada entre as normas de competência, e não havia
disposição expressa sobre o limite temporal para a suspensão, cogitava-se de prazo in-
determinado, até que se pronunciasse (definitivamente) a justiça criminal. O art. 315,
§ 2º, do CPC/2015 conduz, porém, a uma nova situação: o processo civil deverá ficar
suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, findo o qual, inexistindo manifestação

8. Como faz Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, Salvador: JusPodivm,
2016, p. 757.
Suspensão do Processo 807

definitiva da justiça criminal, vigorará a independência entre as jurisdições (art. 935


do CC), ficando o juízo cível livre para solucionar incidentalmente, naquele âmbito, a
questão relativa ao fato delituoso.

22.3. A suspensão facultativa do processo9


O processo também poderá ser suspenso por convenção entre as partes, pelo prazo
de até seis meses (arts. 313, II, e § 4º, in fine, do CPC/2015). 10 Encerrado o prazo, o es-
crivão ou chefe de secretaria fará os autos conclusos ao juiz e esse determinará o pros-
seguimento do processo (art. 313, § 5º, do CPC/2015).
Essa hipótese se justifica pela oportunidade que é conferida às partes para que, du-
rante a suspensão da causa, possam chegar, eventualmente, a outro acordo, esse con-
cernente ao mérito da demanda.11

9. Caso de interesse sobre a facultatividade da suspensão do processo, ainda que alheia ao


corpo do Código de Processo Civil, é aquele regulado pelo art. 104 do Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078/1990), verbis: “Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos
I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais,
mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III
do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida
sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da
ação coletiva”. Sobre o assunto, discorremos longamente em nosso Código do Consumidor
comentado, 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, p. 487-492, ao qual remetemos o leitor.
10. Assim, v.g., “Processo Civil. Suspensão do processo. Convenção das partes. Limite tem-
poral. Artigo 265 do CPC. 1. Embora a lei confira o direito de as partes convencionarem a
suspensão do processo, este é limitado pela disposição do § 3º do artigo 265 do CPC e tal
limite funda-se na necessidade de que as pendências judiciais não se perpetuem, sobretudo
diante da garantia constitucional dirigida a todos (não exclusivamente às partes processuais)
da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
2. Encerrado o prazo de seis meses, imediatamente os autos devem ir conclusos para o ma-
gistrado para que este restabeleça o curso do procedimento.” (STJ, AgRg no REsp 1231891/
PR, 2ª T., j. 07.02.2013, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 18.02.2013).
11. A suspensão por convenção das partes é direito subjetivo dessas (v. Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015,
p. 875).
23
Saneamento e Organização do Processo

23.1. A fase de saneamento e organização do processo


O Saneamento é a fase do processo que tem início ao final da fase postulatória e
precede a fase de instrução. É composto, conforme a situação concreta ou “conforme o
caso” (art. 347), pelas alternativas das Providências Preliminares, do Julgamento con-
forme o Estado do Processo e do Saneamento propriamente dito.
O que se objetiva com essa fase é: a) integralizar o contraditório iniciado na fase pos-
tulatória – o que se dá, em grande medida, com as providências preliminares –; b) ve-
rificar as possibilidades de extinção prematura do processo, com ou sem resolução de
mérito – o que ocorre se houver julgamento conforme o Estado do Processo –; e, ainda,
c) organizar o processo e sanar as irregularidades existentes, preparando-o para a ins-
trução – saneamento propriamente dito.
A preparação para a instrução compõe o saneamento e consiste em: a) estabelecer as
questões que serão objeto de prova; b) definir a distribuição do ônus da prova, quando
for o caso de sua flexibilização ou de convenção a respeito; e, c) abrir oportunidade às
partes para requerer e justificar os meios de prova que pretendem produzir.

23.2. As providências preliminares


Após o prazo para a contestação, tenha ou não o réu apresentado resposta, o juiz
pode determinar, conforme o caso, uma série de providências para o fim de integralizar
o contraditório. Essas providências preliminares estão arroladas de forma exemplifica-
tiva e não exaustiva nos arts. 347 a 353 do CPC/2015.
Tais providências preliminares têm em mira a manutenção do processo “sob o efeti-
vo crivo do contraditório e colimam, por exemplo, impedir que o juiz sentencie o pro-
cesso sem que o autor seja ouvido, a respeito de determinado fato impeditivo do pedi-
do, que possa ter sido levantado pelo réu”.1
Com efeito, entre as possíveis situações que podem ocorrer no momento das pro-
vidências preliminares está a alegação pelo réu, em contestação, de um fato impediti-

1. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013,p. 505.
Saneamento e Organização do Processo 809

vo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Diante de tal alegação, terá o autor
um prazo de 15 dias para manifestar-se sobre a contestação (art. 350 do CPC/2015) e
produzir provas. O mesmo ocorre quando o réu oferece defesa processual (art. 351 do
CPC/2015). A doutrina convencionou denominar réplica esta manifestação do autor
sobre a contestação.
Ficando a contestação do réu confinada tão somente à insurgência contra os fatos
deduzidos pelo autor, ou tão somente contra as consequências jurídicas pedidas por
este, mas sendo acompanhada de prova documental, é de se ensejar ao autor oportu-
nidade de manifestar-se com fundamento no art. 437, § 1º, do CPC/2015, cuja ino-
bservância acarreta nulidade do decidido. Esse entendimento, consolidado na juris-
prudência à luz do CPC/1973,2 sempre nos pareceu correto.3 Com efeito, se o juiz, ad-
mitindo a produção de documentos novos, profere sentença sem dar oportunidade à
parte contrária de sobre eles se manifestar, não há como considerar válida a decisão. A
jurisprudência ressalva, todavia, as hipóteses em que o conteúdo do documento não
teve influência sobre a decisão,4 algo que, a depender das circunstâncias, pode ser ex-
tremamente complexo de se avaliar. Esse entendimento, todavia, está em consonân-
cia com a busca da prestação jurisdicional célere e eficaz, sem prejuízo de dever ser
adotado com cautela.
Outra providência preliminar que pode ser tomada pelo juiz consiste na decretação
ou não dos efeitos da revelia, quando o réu tenha deixado de oferecer contestação. Sendo
a hipótese de incidência do efeito material da revelia, que é a presunção de veracidade
dos fatos alegados pelo autor, o juiz poderá julgar antecipadamente o mérito da causa,
passando ao julgamento conforme o estado do processo (art. 355 do CPC/2015). Se,
por alguma razão, não for o caso de aplicação desta presunção, deverá o autor demons-
trar os fatos constitutivos de seu direito, e o processo passará então para a fase instru-
tória, podendo o réu intervir nos termos do art. 349 do CPC/2015. Tal possibilidade já
era aceita pela jurisprudência à luz dos Códigos de 1939 e 1973, consolidada na súmula
231 do STF: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em
tempo oportuno”. Essas provas destinam-se a combater o(s) fato(s) constitutivo(s) ale-
gados pelo autor e não são destinadas a provar direito do réu, pois este não contestou.5
Ainda em sede de providências preliminares – em verdade, no curso de todo o pro-
cesso e, sobretudo, na fase de saneamento –, deverá o juiz determinar a correção de ví-

2. Cf., STJ, 2ª T., REsp 1.086.322/SC, rel. Min. Humberto Martins, j. 18.06.2009, DJe 01.07.2009.
3. Na doutrina: Arruda Alvim. A nulidade da sentença por infração ao art. 398 do CPC. Revista
de Processo 3/214, ano I. São Paulo: Ed. RT, jul.-set./1976; Moacyr Amaral Santos. Comen-
tários ao Código de Processo Civil. v. IV. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 254.
4. STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 655.928/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.09.2015,
DJe 11.09.2015; STJ, Corte Especial, EAREsp 144.733/SC, rel. Min. Humberto Martins, j.
06.08.2014, DJe 15.08.2014.
5. A propósito da produção de provas pelo revel e das controvérsias que suscita, cf. Cristiane
Druve Tavares Fagundes, A revelia no novo Código de Processo Civil. In: Fredie Didier (org.
geral) e Lucas Buril de Macedo. Coleção novo CPC. Doutrina selecionada. 2. Procedimento
comum. Salvador: Juspodivm, 2016, pp. 236-237.
810 Manual de Direito Processual Civil

cios e irregularidades eventualmente existentes no processo (v. g. determinar a regula-


rização da capacidade postulatória se verificar algum defeito na procuração outorgada
ao advogado de uma das partes), a fim de evitar a prática de atos inúteis ou inválidos.
Como dito, as providências preliminares não estão previstas no Código de forma
exaustiva e, tampouco, na ordem cronológica que devem ocorrer. Sua utilização, bem
como a adoção de outras providências não previstas expressamente na fase de sanea-
mento, dependerá das circunstâncias e das necessidades do processo. O que importa
é que o juiz seja orientado pelos objetivos de complementar o contraditório e sanar os
vícios existentes.
As providências preliminares visam a expungir do processo os vícios que este possa
apresentar; para tanto, o juiz, após o transcurso do prazo para resposta, quando houver
irregularidades ou nulidades sanáveis, mandará supri-las, fixando para a parte interes-
sada prazo não superior a 30 dias (art. 352 do CPC/2015).
Após as providências preliminares, terá lugar o julgamento conforme o estado do
processo.

23.3. O julgamento conforme o estado do processo


O CPC/2015 – tal como, fazia o CPC de 1973 – denomina de “julgamento confor-
me o estado do processo” as possibilidades de pronunciamento do juiz na fase de sane-
amento, algumas delas acarretando a extinção prematura do processo.
As decisões proferidas no julgamento conforme o estado do processo se podem en-
quadrar nas seguintes categorias: a) sentenças terminativas (não resolutivas de mérito);
b) decisões interlocutórias que extinguem parte do processo (não resolutivas de méri-
to); c) sentenças definitivas (resolutivas de mérito) decorrentes de composição entre
as partes; d) decisões interlocutórias que homologam composição parcial; e) sentenças
definitivas que reconhecem a prescrição ou a decadência; f) decisões interlocutórias
que reconhecem a prescrição ou a decadência quanto a parcela do pedido; g) senten-
ças de mérito decorrentes do julgamento antecipado; h) decisões interlocutórias que
resolvem parcialmente o mérito em julgamento antecipado parcial de mérito, e i) de-
cisão saneadora.

23.3.1. A extinção do processo sem resolução de mérito – sentenças terminativas


As sentenças terminativas que são aquelas proferidas em qualquer das hipóteses
do art. 485 do CPC/2015 ou em quaisquer das hipóteses esparsamente previstas como
causas obstativas do conhecimento do mérito e consequente extinção do processo. São
proferidas quando se verificar um vício processual insanável ou quando a correção do
vício não tenha sido promovida pelo autor no momento ou prazo devidos. São situa-
ções anômalas, pois o objetivo da jurisdição é a resolução do mérito da causa. Porém,
como se sabe, pode o juiz, por medida de economia processual, extinguir o processo
que não reúna as condições e pressupostos mínimos à resolução do mérito. E a fase de
saneamento é um dos momentos adequados para fazer esta verificação, impedindo-se
a dilação probatória inútil e desnecessária.
Saneamento e Organização do Processo 811

O nosso atual CPC/2015 dispõe, em dez incisos, no art. 485, sobre as hipóteses em


que caberá o encerramento do processo, sem resolução de mérito.

23.3.1.1. O inciso I do art. 485


A primeira hipótese de encerramento do processo, sem que haja um pronunciamen-
to judicial sobre o mérito, vem disciplinada no art. 485, I. O processo será encerrado
sem resolução do mérito quando o juiz indeferir a petição inicial.
Na realidade, neste dispositivo, o processo vem considerado como relação bilateral
(não abrangendo o réu), uma vez que ainda não existe em relação ao réu, pois somente
se triangulariza com a citação inicial válida, o que não se realiza havendo indeferimen-
to da petição inicial.
A petição inicial poderá ser indeferida nas hipóteses contempladas nos arts. 321,
parágrafo único, e 330 do CPC/2015, quais sejam, por não preencher seus requisitos
legais, ou apresentar defeitos ou irregularidades não sanadas, que dificultem o julga-
mento final (art. 321). Nas hipóteses dos arts. 319 e 320, devem ser corrigidos os defei-
tos ou as irregularidades pelo autor (art. 321), e só se inocorrente tal hipótese incidirá
o art. 321, parágrafo único (indeferimento da petição inicial).
De outra parte, são hipóteses de indeferimento da petição inicial a inépcia, a falta
de interesse processual, a manifesta ilegitimidade da parte, o não atendimento às pres-
crições dos arts. 106 e 321.
Em todos esses casos, o juiz procederá ex officio, uma vez que ainda não foi citado o réu.
Da decisão de indeferimento da petição inicial, bem como de todas as demais sen-
tenças terminativas, caberá apelação, sendo facultado ao juiz, em cinco dias, retratar-se
de sua decisão (art. 331, caput, do CPC/2015). Não se retratando o juiz da decisão de
indeferimento, será determinada a citação do réu para responder ao recurso do autor
(art. 331, § 1º, do CPC/2015).

23.3.1.2. O inciso II do art. 485


Apesar de o andamento do processo dever ser ordenado pelo juiz de ofício (art. 2º,
2ª parte, do CPC/2015), muitas vezes o processo permanece parado aguardando algu-
ma providência das partes, e os incisos II e III do art. 485 são indicativos de que o impul-
so oficial não é absoluto. Outras vezes, as próprias partes poderão convencionar a sus-
pensão do processo (art. 313, II, do CPC/2015). Em qualquer dos dois casos (arts. 485,
II, e 313, II), o processo não poderá ficar paralisado indefinidamente. Constatando tal
paralisação, na hipótese de acordo entre as partes, quando esta ultrapassar seis meses,
proceder-se-á na forma do § 5º do art. 313; na hipótese do inciso II do art. 485, quando
por negligência das partes o processo ficar parado por mais de um ano, o juiz intimará
as partes para, em cinco dias, cumprirem as providências de que o processo está caren-
te. Caso não o façam o juiz declarará extinto o processo sem resolução do mérito, con-
denando as partes, proporcionalmente, nas custas (art. 485, §§ 1º e 2º).6

6. Uma vez que ambas as partes são, nesse caso, consideradas negligentes pelo abandono do
processo, não há que se falar em sucumbência. Nesse sentido, à luz do CPC/1973: “Decor-
812 Manual de Direito Processual Civil

No caso do art. 313, II, do CPC/2015, findo o prazo da suspensão, aplicado o art. 313,


§ 3º, é possível – conforme a hipótese – que venha a ser aplicado o inciso III do art. 485
do CPC/2015, ou, então, se não incidente a regra do inciso III, poderá vir a ser aplicado
o inciso II do mesmo art. 485.

23.3.1.3. O inciso III do art. 485


O inciso III contempla a hipótese de negligência tão somente do autor encarregado
de promover algum ato ou realizar alguma diligência, a respeito da qual se tenha omi-
tido. Neste caso, ainda, deverá o juiz dar-lhe 5 dias para realizar a diligência, para, so-
mente após este prazo, extinguir o processo, condenando-o nas custas, nos honorários
de advogado e nas despesas (art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC/2015).
Justifica-se a intimação pessoal à parte, conforme reza o § 1º do art. 485 – insuficien-
te, para a extinção do processo, a mera intimação ao seu advogado –, pelo fato de que, ve-
rificando-se efetiva omissão, tudo indica que a intimação ao advogado seria inócua, uma
vez que por sua inércia é que terá havido a omissão. Ou seja: porque a parte não pode ser
surpreendida pela inércia de seu advogado, a intimação às partes, nesta hipótese do in-
ciso III, bem como na do inciso II, ambos do art. 485, é indispensável e deverá ser feita
pessoalmente à parte (art. 485, § 1º).7
No caso de a parte não ser localizada, há decisões no sentido de que a intimação po-
derá ser realizada por meio de editais,8 do contrário, perpetuar-se-ia a omissão e a pen-
dência do processo, sem andamento. Não obstante tais decisões, em razão do quanto
consta no art. 274, parágrafo único do CPC/2015, parece não mais justificar-se a inti-
mação por meio de editais, exatamente devido à presunção legal lá consignada, ou seja,
caso as partes não atualizem seus endereços, presumem-se válidas as intimações e quais-
quer comunicações dirigidas ao endereço declinado no processo.
Um dos problemas mais importantes que se coloca é o referente à possibilidade ou
não de o juiz, de ofício, extinguir o processo, verificando a inércia só do autor.9
Após oferecida a contestação, o juiz não poderá decretar a extinção de ofício, em face
da caracterização da hipótese do inciso III do art. 485, pois, caso assim procedesse, seria
bastante fácil ao autor burlar a exigência de aceitação, pelo réu, para desistir da ação,
bastando-lhe, para conseguir a desistência a que se opõe o réu, abandonar o processo

rendo a extinção do processo de negligência de ambas as partes (art. 267, II), as custas são
rateadas entre elas e não há condenação em honorários de advogado (STJ, REsp 435.681/
ES, 3ª T., j. 19.10.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 26.10.2010).
7. Este também é o entendimento predominante no STJ à luz do CPC/1973 (art. 267, incisos II e
III): STJ, 2ª T, REsp 1.463.974/PR, rel. Min. Humberto Martins, j. 11.11.2014, DJe 21.11.2014;
STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 339.302/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 20.08.2013, DJe 05.09.2013.
8. STJ, 2ª T., REsp 1.148.785/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23.11.2010, DJe
02.12.2010.
9. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Abandono de causa no novo Código de Processo Civil,
Revista Forense 254/171; José de Moura Rocha, O abandono no novo processo civil brasi-
leiro, Revista Forense 268/59.
Saneamento e Organização do Processo 813

(art. 485, § 5º do CPC/2015).10 Nesse sentido, ainda na vigência do CPC/1973, foi edi-
tada a Súmula 240 do STJ, segundo a qual “a extinção do processo, por abandono da
causa pelo autor, depende de requerimento do réu”.

23.3.1.4. O inciso IV do art. 485


Faltando os requisitos de constituição e desenvolvimento válido do processo, o juiz
deverá extingui-lo sem resolução do mérito. Na primeira hipótese, faltando os requi-
sitos de constituição do processo, na realidade o processo não existe, não é senão apa-
rência; na segunda, existe o processo, mas ele não é válido.
Nestas hipóteses, deverá o juiz conhecê-las de ofício, independentemente de ma-
nifestação do réu e em qualquer grau de jurisdição. A oportunidade primeira de o réu
falar sobre a ausência de tais pressupostos é na contestação, alegando-a antes de entrar
no mérito, como preliminar.
Sendo extinto o processo sem resolução de mérito, pela falta de pressuposto proces-
sual, em decorrência de fato superveniente, cada parte arcará com as despesas que reali-
zou, ou relativas aos atos que praticou no processo, dado inexistir vencido ou vencedor.11

23.3.1.5. O inciso V do art. 485


O inciso V enumera três hipóteses, que, uma vez ocorrentes, fazem com que se ex-
tinga o processo: a perempção, a litispendência e a coisa julgada.
Sabemos que, mesmo extinto ou perempto o processo, a parte poderá voltar a pe-
ticionar sobre o mesmo objeto, em outro processo. Se o autor, todavia, der causa a três
extinções do processo por inércia, o que ficará perempto será o próprio direito de ação,
pois não mais poderá pedir providência jurisdicional referente àquele direito (art. 486,
§ 3º, do CPC/2015).
Outra causa enumerada no inciso V é a litispendência. Esta se constitui na existên-
cia de dois processos, com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedi-
do, simultaneamente produzindo efeitos, o que contraria a economia e a certeza judi-
ciária. Nesta hipótese, o segundo processo, qual seja, aquele em que se deu a citação
posteriormente, deverá ser extinto sem resolução de mérito (art. 240 do CPC/2015).12

10. V.neste sentido já apontavam antes da modificação: José de Albuquerque Rocha, Extinção
do processo, Revista de Processo 2/327. Assim já decidiu o STJ. Cf. REsp 40.210-7/RJ, rel.
Min. Costa Lima, DJ 07.03.1994, em Sálvio de Figueiredo Teixeira, op. cit., p. 224, e REsp
20.408-6/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 01.06.1992 (op. cit., p. 223), em
que se anota, a respeito, que é “inadmissível presumir-se desinteresse do réu no prossegui-
mento do feito”.
11. “À luz do princípio da causalidade, extinto o processo sem julgamento do mérito, decor-
rente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à
extinção do feito deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios.” (STJ, 1ª T., REsp
1.055.175/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 08.09.2009, DJe 08.10.2009.
12. Amplamente sobre o tema, v. Arruda Alvim, Ensaio sobre a litispendência no direito proces-
sual civil (trabalho que foi publicado como Direito processual civil: teoria geral do processo
de conhecimento. São Paulo: Ed. RT, 1972, v. 2.).
814 Manual de Direito Processual Civil

Por fim, a coisa julgada, é a existência de um processo com lide idêntica à de outro,
assim tendo o mesmo pedido, pela mesma causa de pedir entre as mesmas partes; en-
tretanto, diferentemente da litispendência, já terá sua decisão final de mérito transita-
do em julgado.
Em todas essas hipóteses, a parte deverá alegar quer a ocorrência da perempção, quer
a de litispendência, ou mesmo a de coisa julgada, sob pena de responder pelas custas, a
que seu retardamento der causa, mas deverá o juiz conhecer de tais questões ex officio,
sem qualquer manifestação da parte interessada, e, conforme o caso, poderá fazer inci-
dir o art. 80 do CPC/2015.

23.3.1.6. O inciso VI do art. 485


O inciso VI estabelece como causa de extinção do processo a ausência de legitimi-
dade ou de interesse processual. O inciso I do mesmo art. 485 também estabelece ocor-
rer a extinção do processo, sem resolução do mérito, com o indeferimento da petição
inicial, e entre as causas de indeferimento da petição inicial encontra-se a ausência de
qualquer das condições da ação (como, aliás, se vê expressamente no art. 330, caput, e
§ 1º). Estaria sendo a lei redundante?
Não, pois, no inciso I, trata-se de um exame que deve ser feito, à luz da evidência, li-
minarmente, e, no inciso VI, de um exame que há de ser feito a qualquer tempo, devendo
o réu, ao constatar a inexistência do interesse de agir ou a ilegitimidade da parte, alegar
esses vícios, podendo, porém, o juiz conhecê-los ex officio (art. 485, § 3º, do CPC/2015).
Há mesmo coincidência ontológico-jurídica entre os fundamentos do inciso VI do
art. 485 e os do art. 330, inciso III. A função jurídica do art. 330 é permitir decisão in li-
mine litis, em face da evidência, mas não criadora de preclusão (inibitória, portanto),
vedando que, ulteriormente, seja decidida a questão contrariamente ao deferimento li-
minar da petição inicial, este sim consumado, até mesmo pela natureza das coisas.
É importante notar o cuidado do legislador ao redigir o novo Código de Processo
Civil, nesse ponto. O art. 485, VI, do CPC/2015, dispõe que o mérito não será julgado
quando o órgão jurisdicional “verificar ausência de legitimidade ou de interesse pro-
cessual”. Com isso, está-se explicitamente retirando a “possibilidade jurídica do pe-
dido” como uma condição da ação, ou, ainda, estar-se-ia superando e abandonando a
categoria “condições da ação”, enquanto uma classificação do fenômeno processual,
dentro da teoria da ação.13

23.3.1.7. O inciso VII do art. 485


O inciso VII determina que é causa de extinção do processo, sem resolução de mé-
rito, a existência de convenção de arbitragem ou o reconhecimento, pelo juízo arbitral, da
própria competência.

13. Sobre o tema, repetindo o que parte da doutrina já afirmava há alguns anos, v. Fredie Didier
Jr. Será o fim da categoria “condições da ação”? Um elogio ao projeto do novo Código de
Processo Civil. Revista de Processo, vol. 197, jul/2011, p. 256.
Saneamento e Organização do Processo 815

Convenção de arbitragem, segundo o art. 3º da Lei 9.307/1996, é tanto a cláusula


compromissória quanto o compromisso arbitral.
O compromisso arbitral é a convenção pela qual as partes submetem um litígio à ar-
bitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (Lei 9.307/96,
art. 9º, caput), enquanto a cláusula compromissória, como diz o art. 4º, caput, deste
mesmo diploma legal, “é a convenção através da qual as partes em um contrato com-
prometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente
a tal contrato”.
Válida, diante dos conceitos empregados pela lei, portanto, a distinção que já fazí-
amos, doutrinariamente, de que o compromisso arbitral é realidade distinta da cláusula
compromissória. O compromisso é um negócio jurídico de direito material, obstativa de
uma renúncia à atividade jurisdicional do Estado (Lei 9.307/96, art. 9º); já a cláusula
compromissória, diferentemente, é uma cláusula (propriamente dita), ou parte acessória
de um contrato, isto é, uma obrigação, significativa de que se recorra ao Poder Judiciário.
O compromisso e a cláusula compromissória implicam na renúncia à atividade es-
tatal. No entanto, há que ser corretamente entendida a validade e a eficácia dessa renún-
cia. Assim, sendo, um e outro, se não forem alegados como preliminar de contestação, no
prazo de 15 dias (art. 337, X, do CPC/2015, que, com a Lei 9.307/1996, também se re-
fere, amplamente, ao gênero “convenção de arbitragem”), tal significará que a aludida
renúncia (à atividade estatal) não virá a produzir efeitos. Essa conclusão é explicitada
no art. 337, § 6º, do CPC/2015.14
A parte final do inciso VII do art. 485 do CPC/2015, que determina a extinção do
processo sem resolução do mérito quando “o juízo arbitral reconhecer sua competência”,
está diretamente relacionada ao disposto no art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96.
Esse dispositivo estabelece a competência do árbitro para decidir sobre a existência,
validade e eficácia da cláusula compromissória e do contrato que contenha esta cláu-
sula e, consequentemente, a competência do árbitro para decidir sobre o próprio cabi-
mento da via arbitral.15

14. “§ 6o A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista


neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral”.
15. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro bem analisou este ponto: “O juízo arbitral é o local ade-
quado para nele se discutirem as questões relativas à nulidade, invalidade ou ineficácia da
convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral). (...) Nem se
diga que esta sistemática ofenderia ao princípio previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal, pois a nova Lei não afasta a possibilidade de se discutir, em sede judicial, tais
questões. Aqui, a opção do legislador foi a de privilegiar e prestigiar o juízo arbitral para
dirimir, no primeiro momento e com exclusividade, estas questões, evitando o absoluto
descrédito que poderia gerar, para a instituição de arbitragem e para seu próprio procedi-
mento, uma ação judicial para discutir a validade da convenção” (Paulo Cezar Pinheiro
Carneiro, Aspectos processuais da Nova Lei de Arbitragem. In: Paulo Borba Casella et al.
(coords.), Arbitragem: A Nova Lei Brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, São Paulo:
LTR, 1999, p. 144). Carlos Alberto Carmona comunga do mesmo entendimento: “Caberá,
portanto, ao árbitro decidir se o ato das partes que estabelece sua própria competência tem
816 Manual de Direito Processual Civil

23.3.1.8. O inciso VIII do art. 485


O CPC/2015 coloca entre as causas de extinção do processo sem resolução do mérito
a desistência da ação, por parte do autor. Neste caso, o autor abre mão do seu direito de
ação atual, mas não do seu direito material alegado (= pretensão material), que poderá
tentar fazer valer extrajudicialmente ou mesmo, repropor a ação, nos moldes do art. 486.16
A possibilidade de desistência da ação, sem audiência do réu, encontra seu termo
final no momento em que oferecida a contestação, após o que só poderá o autor desistir da
ação com o consentimento do réu (art. 485, § 4º).
O réu, todavia, não pode se opor injustificadamente à desistência manifestada pelo
autor.17

ou não eficácia. Se o árbitro decidir pela nulidade da convenção de arbitragem, proferirá


sentença terminativa (o laudo, portanto, terá conteúdo meramente processual)” (Carlos
Alberto Carmona. Arbitragem e processo: Um Comentário à Lei 9.307/1996. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 37).O Superior Tribunal de Justiça analisa o art. 8º sob idêntica
perspectiva: “A câmara arbitral é competente para decidir a respeito de sua própria com-
petência para a causa, conforme o princípio da Kompetenz-Kompetenz que informa o
procedimento arbitral. Precedente” (STJ, MC 13.274/SP, j. 20.09.2007, decisão da Min.
Nancy Andrighi); “16. Deveras, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral,
será um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará
sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96,
o que significa dizer que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições
na sua competência.17. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela
pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem
decide a respeito de sua competência” (STJ, AgRg no MS 11308/DF, j. 28.06.2006, rel.
Min. Luiz Fux).
16. A contraposição entre renúncia ao direito material e desistência da ação pode ser verificada
na jurisprudência do STJ, donde se extrai o seguinte: “A desistência da ação é instituto de
natureza eminentemente processual, que possibilita a extinção do processo, sem julga-
mento do mérito, até a prolação da sentença. Após a citação, o pedido somente pode ser
deferido com a anuência do réu ou, a critério do magistrado, se a parte contrária deixar de
anuir sem motivo justificado. A demanda poderá ser proposta novamente e, se existirem
depósitos judiciais, estes poderão ser levantados pela parte autora. Antes da citação o autor
somente responde pelas despesas processuais e, tendo sido a mesma efetuada, deve arcar
com os honorários do advogado do réu”. (...) A renúncia é ato privativo do autor, que pode
ser exercido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente da anuência da
parte contrária, ensejando a extinção do feito com julgamento do mérito, o que impede a
propositura de qualquer outra ação sobre o mesmo direito. É instituto de natureza material,
cujos efeitos equivalem aos da improcedência da ação e, às avessas, ao reconhecimento do
pedido pelo réu. (...)” (STJ, REsp 555.139/CE, 2ª T., j. 12.05.2005, rel. Min. Eliana Calmon,
DJ 13.06.2005, p. 240).
17. Esse o entendimento consagrado à luz do CPC/1973: “Desistência da ação após decorrido
o prazo para resposta (§ 4º do artigo 267 do CPC). Consoante cediço nesta Corte, após o
oferecimento da resposta, o autor não pode desistir da ação sem o consentimento do réu,
devendo eventual recusa, contudo, ser devidamente fundamentada, não bastando a simples
discordância, a fim de se afastar inaceitável abuso de direito. Precedentes. Incidência da
Súmula 83/STJ.” (STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1.520.422/DF, rel. Min. Marco Buzzi, j. 23.06.2015,
DJe 01.07.2015.
Saneamento e Organização do Processo 817

Nas hipóteses de desistência da ação, incumbe ao autor, naturalmente, arcar com


as despesas processuais e, no caso de o réu ter comparecido nos autos por meio de
advogado devidamente constituído, serão devidos pelo autor honorários advoca-
tícios.18

23.3.1.9. O inciso IX do art. 485


Toda vez que uma dada ação for considerada, por força de lei, intransmissível, fa-
lecendo o titular do direito invocado, haverá a extinção do processo, sem resolução do
mérito.19
No entanto, tratando-se de ações de natureza patrimonial, a morte do titular faz
com que a própria ação seja transmissível aos sucessores ou ao espólio, operando-se,
outrossim, a sucessão no processo (art. 110).
A jurisprudência tem entendido que a morte de um dos cônjuges é caso de extinção
do processo, nos casos de separação judicial20 ou consensual,21 bem como nos casos de
divórcio22 e de anulação de casamento.23
Também é caso de extinção do processo de interdição,24 se vier a falecer o interditan-
do, e de ação de cobrança de benefício previdenciário, se falecer o beneficiário.25 Ainda,
se a obrigação for personalíssima e vier a falecer o réu.26
Ocorrendo o falecimento do impetrante de mandado de segurança, inocorrente a
sucessão no direito líquido e certo, não será possível a habilitação de seus herdeiros,
dado o caráter mandamental da sentença concessiva do writ,27 e, ainda, tendo em vista
a pessoalidade do que se postulava. Estes casos são representativos de perda do objeto da
ação proposta.

18. STJ, 4ª T., REsp 111.966/MG, j. 15.02.2000, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 10.04.2000,
p. 92.
19. Decidiu-se, no entanto, que, em ação de alimentos em que tenha falecido a credora, “ven-
cido o réu no litígio, tanto que condenado ao pagamento das parcelas vencidas até a data de
falecimento da autora, são cabíveis os honorários de advogado, nos termos do disposto no
art. 20, § 3º, do CPC” (STJ, REsp 215.659/SP, 4ª T., j. 16.12.2003, rel. Min. Barros Monteiro,
DJ 05.04.2004, p. 266).
20. RT 471/100; RJTJSP 39/29.
21. RT 541/72.
22. RT 582/47; RJTJSP 89/226.
23. RT 486/49.
24. Revista de Processo 6/316, em. 114.
25. TRF-3.ª Reg., j. 22.10.2002, ApCív 190601, rel. Des. Carlos Loverra, DJ 19.11.2002, p. 205.
26. RT 492/77; RF 255/300.
27. RT 90/125 (os efeitos patrimoniais poderão ser reclamados pelos herdeiros na via ordiná-
ria). Idêntica orientação está consignada nos seguintes acórdãos: STJ, RMS 2.415/ES, 6ª T.,
j. 10.09.1996, rel. Min. Vicente Leal, DJ 21.10.1996, p. 40.271; STJ, REsp 89.882/MG, 5ª
T, rel. Min. Edson Vidigal, j. 17.11.1998, DJ 14.12.1998, p. 266; STJ, MS 6.594/DF, 3ª S., j.
22.03.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 18.09.2000, p. 88; STJ, MS 11.448/DF, 3ª
S., j. 10.05.2006, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 14.06.2006, p. 192.
818 Manual de Direito Processual Civil

23.3.1.10. O inciso X do art. 485


Finalmente, o Código genericamente estabelece que se extingue o processo sem
resolução do mérito nos demais casos nele previstos. Trata-se de hipóteses disciplinadas
em disposições esporádicas do CPC/2015, todas ensejadoras do encerramento do pro-
cesso, sem que se conheça do mérito da causa. Dentre elas, apontemos a hipótese do
parágrafo único do art. 115, do CPC/2015.28

23.3.1.11. As consequências comuns aos diversos casos de encerramento do


processo sem resolução de mérito
Nas dez hipóteses expressamente disciplinadas pelo art. 585 do CPC/2015, bem
como nas demais por este esparsamente previstas como causas obstativas do conheci-
mento do mérito e consequente extinção de processo, vislumbramos algumas conse-
quências comuns, entre elas a extinção do processo não impede que a ação seja nova-
mente proposta (art. 486, caput, do CPC/2015). Mas a propositura da nova ação depen-
de, nos termos do Código, da correção do vício que levou à sentença sem resolução do
mérito (art. 486, § 1º).
Deve-se ponderar, contudo, que dificilmente haverá como sanar alguns desses ví-
cios – de que são exemplos a coisa julgada, a ilegitimidade e a falta de interesse proces-
sual –, sem alterar os elementos da ação. 29 Nesse caso, não haverá, propriamente, nova
propositura, mas a propositura de ação nova, diversa da anterior, porque modificado(s)
algum(ns) dos seus elementos. Contudo, sempre será possível ajuizar a mesma ação,
acompanhada de esclarecimentos, correções e/ou provas que permitam sanar o vício
do processo anterior – como se dá, exemplificativamente, com a regularização da ca-
pacidade de estar em juízo – aplicando-se o disposto no art. 486, § 1º, do CPC/2015.
No caso específico da litispendência, por exemplo, consoante explica Eduardo Ar-
ruda Alvim, a regra geral é a da impossibilidade de propor novamente uma ação que te-
nha sido extinta por já existir processo pendente que veicule causa idêntica. Todavia,
caso a primitiva ação, que ensejou a extinção da segunda, venha a ser extinta sem reso-
lução de mérito, “nada obsta a que o pedido seja renovado numa terceira ação, desde
que, claro está, tendo sido sanado o vício que havia levado à extinção daquela primeira
ação sem resolução do mérito”.30
A previsão de regularização do vício que tenha ensejado a sentença terminativa
não vinha expressa no CPC/1973 (art. 268), mas a doutrina e a jurisprudência já eram
assentes no sentido de que a “repropositura” autorizada pelo Código não era “auto-

28. “Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor
que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar,
sob pena de extinção do processo”.
29. A esse propósito, já vínhamos afirmando, no item 122-B da Primeira Parte de nosso Manual
de direito processual civil (v. a 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013), a dificuldade de repropositura
da ação em caso de extinção do processo por ilegitimidade ad causam.
30. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 677.
Saneamento e Organização do Processo 819

mática”, 31 dependia de sanação do defeito que tivesse ensejado e extinção do proces-


so sem resolução de mérito. A previsão do art. 486, § 1º, do CPC/2015, veio a conso-
lidar essa exigência.
A segunda consequência da extinção do processo com base em qualquer das hipó-
teses do art. 485 do CPC/2015 é de que deve arcar com as custas e despesas processuais
a parte que deu causa à extinção do processo, ou as duas, proporcionalmente, quando
ambas concorreram para a sua extinção.

23.3.2. As decisões interlocutórias que extinguem parte do processo


Em algumas situações, as hipóteses do art. 485 atingem apenas parte da relação pro-
cessual. É o que ocorre, por exemplo, se um dos litisconsortes passivos é parte ilegítima,
caso em que o juiz proferirá uma decisão que reconheça tal vício. O mesmo se dá se o
autor desiste apenas de parte da ação proposta, prosseguindo o processo relativamente
ao conteúdo restante da ação.
Nesses casos, justamente por não ter havido extinção do processo, a decisão é in-
terlocutória e, por força do art. 354, parágrafo único e, do art. 1.015, VII do CPC/2015,
passível de agravo de instrumento.
Cuida-se de decisão interlocutória cujo conteúdo pode ser enquadrado em qual-
quer das hipóteses dos incisos do art. 485 do CPC, sem que tenha o condão, porém, de
extinguir o processo, que prosseguirá em relação ao que não foi atingido pela decisão.

23.3.3. As sentenças resolutivas de mérito (definitivas) decorrentes de


composição das partes
Nem toda sentença resolutiva de mérito importa na solução da lide pelo Poder Ju-
diciário em substituição à vontade das partes (jurisdição). Há a hipótese de sentenças
definitivas decorrentes de composição entre as partes. Nesse caso, não é o juiz, sujeito
imparcial e alheio à relação jurídica material, que impõe às partes a solução alcançada.
A sentença judicial pode se limitar a homologar alguma das hipóteses de autocom-
posição (arts. 354 e 487, III, do CPC/2015): reconhecimento da procedência do pedido
pelo réu; renúncia ao direito sobre que se funda a ação pelo autor e transação das partes.
Na sistemática do CPC/2015, a autocomposição deve ser valorizada e encorajada
(vide, a propósito, o art 3º, §§ 1º e 2º, do CPC/2015), sempre que tal método se revele
o mais adequado à solução do conflito em questão.
Obviamente a renúncia, o reconhecimento do pedido e a transação podem ocorrer
em qualquer fase do processo, mas o momento do saneamento é especialmente opor-
tuno, em virtude do encerramento da fase postulatória. Com os argumentos iniciais já
expostos, as partes já podem, em certa medida, antever quais serão os pontos fortes e
fracos das posições que sustentam. Ainda, já é possível prever os possíveis desgastes da
fase instrutória, o que, por vezes, serve de estímulo à celebração de acordo.

31. . Exemplificativamente: STJ, 4ª T., REsp 1.215.189/RJ, rel. Min. Raul Araújo, j. 02.12.2010,
DJe 01.02.2011.
820 Manual de Direito Processual Civil

Cabe ao magistrado, aos advogados e demais profissionais envolvidos na causa aler-


tar as partes para as vantagens de uma solução autocompositiva nessa fase do processo.

23.3.4. As decisões interlocutórias que homologam composição das partes


relativamente a parcela do mérito
A consciência de que a via adjudicatória nem sempre conduz à solução adequada
dos conflitos autoriza, também, a celebração, no curso do processo, de autocomposi-
ção referente a apenas parcela do mérito, quando, então, a decisão homologatória será
de natureza interlocutória. Igualmente, nesta hipótese o processo terá prosseguimento
para a resolução do que não foi abarcado pela decisão.

23.3.5. As decisões definitivas que reconhecem a prescrição ou a decadência


As sentenças que reconhecem a prescrição ou a decadência (arts. 354 e 487, II, do
CPC/2015) correspondem a hipóteses mais específicas de improcedência do pedido.
São, portanto, resolutivas de mérito.
Podem ser proferidas ainda na fase de saneamento quando a verificação dessa situ-
ação não dependa de provas. E é o que frequentemente ocorre com a prescrição e a de-
cadência, em que basta a verificação do decurso dos prazos legais desta natureza.

23.3.6. As decisões interlocutórias que reconhecem a prescrição ou a decadência


quanto à parcela do pedido
Quando o reconhecimento da prescrição ou da decadência disser respeito apenas a
uma parte do pedido, estar-se-á diante de decisão de natureza interlocutória, porquan-
to o processo prosseguirá quanto ao restante do mérito.
A fase de saneamento é oportuna para a constatação de tal circunstância, evitando-
-se a instrução probatória quanto à parcela do pedido atingida pela prescrição.

23.3.7. As sentenças definitivas decorrentes do julgamento antecipado do mérito


As sentenças definitivas decorrentes do julgamento antecipado do mérito32 têm
lugar em duas hipóteses distintas: a) quando não houver necessidade de produção de
outras provas (art. 355, I, do CPC/2015); b) quando ocorrer a revelia e o efeito da reve-

32. O CPC/1973 se referia ao julgamento antecipado da lide (Livro I, Título VIII, Capítulo V, Seção
II, art. 330); o CPC/2015 alterou a denominação do instituto para julgamento antecipado do
mérito (art. 355), o que foi elogiado por parte da doutrina: “Considerando as insuficiências
do conceito [de lide], o cujo teor eminentemente sociológico inviabilizava sua aplicação ao
processo civil, fez bem o Código de Processo Civil de 2015 ao substituí-lo, referindo-se ao
julgamento antecipado do mérito. Com efeito, o que importa no processo não é o conflito
entre autor e réu tal como se deu no meio social, mas sim o pedido, que equivale ao mérito
do processo.” (Ricardo Alexandre da Silva, Comentário ao art. 355 do CPC/2015. In: Teresa
Arruda Alvim Wambier, et alli. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 1.020).
Saneamento e Organização do Processo 821

lia, sem que haja requerimento de prova pelo revel, na forma do art. 349 33 (arts. 355, II, e
344 do CPC/2015).
O julgamento antecipado do mérito é determinado pela desnecessidade ou irrele-
vância da audiência para produção de provas. Este entendimento vem claro na interpre-
tação do inciso V do art. 357 do CPC/2015, ao se referir à designação da audiência de
instrução e julgamento, se necessária. Esta expressão, parece-nos, diz com a necessida-
de de produção de provas em audiência de instrução e julgamento. Assim sendo, deve-se
ter o julgamento antecipado porque a questão de mérito se resume na aplicação da lei
ao caso concreto, já definido pela ausência de qualquer controvérsia em torno dos fa-
tos ou, então, porque, apesar da existência de questões de fato que dependam de prova,
essa prova não é oral e nem há prova pericial a ser realizada em audiência de instrução,
por ser exclusivamente documental, por exemplo.
Em suma, no caso do inciso I do art. 355 do CPC/2015, a desnecessidade de prova
ocorrerá quando as alegações forem insuscetíveis de prova (porque incontroversas, por
exemplo) ou, ainda, por já terem sido produzidas todas as provas admissíveis. Nessas
condições, não pode o juiz proceder ao julgamento antecipado do mérito com base nas
provas existentes, se houver alguma possibilidade de se produzir prova oral ou pericial
sobre fatos relevantes. Em casos tais, o indeferimento de prova que tenha aptidão para,
em tese, influir no convencimento do juiz, com o posterior julgamento antecipado de
mérito, corresponderia verdadeira violação ao direito à prova.34-35
Em muitas hipóteses, a jurisprudência considera nula a sentença proferida em sede
de julgamento antecipado, pelo fato de as partes terem requerido a produção de provas

33. . “Art. 349. Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor,
desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis
a essa produção.”
34. Cf., nesse sentido: Arruda Alvim, Questões controvertidas sobre os poderes instrutórios
do juiz, a distribuição do ônus probatório e a preclusão pro judicato em matéria de prova.
In:, Fredie Didier Jr.; José Renato Nalini; Glauco Gumerato Ramos; Wilson Levy (coord).
Ativismo e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013, pp. 97-110; Luiz Guilherme
Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso de direito processual civil.
Tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: Ed. RT, 2015, pp. 226-­
‑227; Clarissa Diniz Guedes; Stela Tanure Leal. “O cerceamento do acesso à prova devido
à confusão entre planos de admissibilidade e valoração do material probatório”. Revista de
Processo 240, Jan– 2015, pp. 15-40; Lisandra Demari. “Juízo de relevância da prova”. Prova
Judiciária: Estudos sobre o novo direito probatório. Coordenado por Danilo Knijnik. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007; Sérgio Mattos. O juiz é destinatário da prova: porta
aberta para o arbítrio? In: Daniel Mitidiero e Guilherme Rizzo Amaral (Coord). Processo
civil. Estudos em homenagem a Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012,
pp. 447-458.
35. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, Segunda
Parte, item 173, pp. 951 e ss. Já entendíamos, à luz do CPC/1973 (art. 330), que o julgamento
antecipado da lide deveria ser acompanhado das cautelas necessárias no que diz respeito à
verificação da completude da instrução probatória, a fim de evitar prejuízos às partes e até
cerceamento ao direito de defesa.
822 Manual de Direito Processual Civil

admissíveis.36 Mais grave ainda é a situação em que, tendo indeferido a prova – admis-
sível – requerida pela parte autora, o juiz julga o pedido improcedente por insuficiên-
cia de provas.37
Também já se anulou julgamento quando a parte, embora tenha requerido julgamen-
to antecipado da lide, formulou também pedido subsidiário, no sentido de que, acaso se
reputassem insuficientes as provas dos autos, fosse realizada a prova oral em audiência.
No caso, o juiz de primeiro grau, entendendo pela suficiência das provas constantes nos
autos, julgara antecipadamente a lide, em favor do autor; porém, em sede de apelação, a
sentença foi reformada, julgando-se improcedente o pedido por serem insuficientes as
provas dos fatos constitutivos de direito. Interposto recurso especial contra o acórdão
da apelação, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, como o autor havia formulado
pedido subsidiário de produção de provas, com a respectiva especificação dos meios de
prova, o julgamento de improcedência pelo Tribunal cerceara o direito à ampla defesa,
fazendo-se necessário o retorno dos autos à origem para proceder à dilação probatória.38
Há outras hipóteses em que o julgamento antecipado toma como premissa básica
questão cronologicamente anterior ou até mesmo questão prejudicial ao exame dos de-
mais aspectos da lide. É o caso, por exemplo, de julgamento antecipado da ação de co-
brança de aluguéis fundado no reconhecimento da inexistência de contrato de locação,
tendo em vista a prova documental ou, ainda, do julgamento antecipado de ação indeni-
zatória por responsabilidade civil embasado na prova documental de inocorrência dos
fatos constitutivos narrados na inicial. Em ambas as hipóteses, se o Tribunal competen-
te para o julgamento da apelação entender, quando do julgamento do recurso, que os
fundamentos da sentença estariam equivocados (i.e., entender pela existência de con-
trato de locação, no caso da ação de cobrança ou pela ocorrência dos fatos constituti-
vos que embasaram a ação indenizatória), e, se os demais aspectos da lide demandarem
dilação probatória (para verificar, por exemplo, se houve pagamento da dívida, no caso
da ação de cobrança de aluguéis, ou se houve culpa ou dolo do agente, na hipótese de

36. “Processo civil. Provas. Cerceamento. O julgamento antecipado da lide sem que a instrução
seja a mais ampla possível cerceia indevidamente a atividade probatória da parte. Recurso
especial conhecido e provido” (STJ, REsp 487.955/MG, 3ª T., j. 08.02.2008, rel. Min. Ari
Pargendler, DJe 09.04.2008). E, em outra hipótese, em que o Tribunal entendeu essencial a
produção de prova pericial indeferida pelo juízo de primeiro grau: “Julgamento antecipado
da lide, desconsiderando o pedido de produção de provas, inclusive a pericial, sob o argu-
mento de que as teses e provas apresentadas seriam suficientes para a completa definição
dos limites dos pedidos e seus efetivos contornos (...)” (STJ, 3ª T., REsp 1.546.147/SC, rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06.10.2015, DJe 19.10.2015).
37. “O Superior Tribunal de Justiça, em interpretação do disposto nos arts. 330, I, e 333, I, do
Código de Processo Civil, já decidiu que há cerceamento de defesa quando o tribunal julga
improcedente o pedido por ausência de provas cuja produção, no entanto, foi indeferida
no curso do processo.” (STJ, 3ª T., REsp 1.502.989/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
13.10.2015, DJe 19.10.2015). Assim, também: STJ, 4ª T., AgRg no AgRg no AREsp 646.263/
SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 17.09.2015, DJe 25.09.2015).
38. STJ, REsp 50.467/SP, 3ª T., j. 12.09.1994, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 17.10.1994, p. 27.893;
RDTJRJ, vol. 21, p. 16; REVFOR, vol. 330, p. 306.
Saneamento e Organização do Processo 823

ação de responsabilidade civil), deverá o Tribunal determinar a remessa dos autos ao


juízo de origem para que sejam produzidas provas quanto aos aspectos remanescentes
da lide, sob pena de cerceamento de defesa. Isso porque, em casos tais, a convicção do
juiz da desnecessidade de produção de provas, está atrelada ao fundamento utilizado
na sentença, de sorte que, modificado aquele fundamento, é possível que as questões
subsequentes da lide não sejam eminentemente de direito e que, sendo controvertidas,
demandem produção de provas.
Por outro lado, sendo o caso, o juiz deve julgar antecipadamente o mérito, razão
pela qual, inclusive, já se anulou decisão que determinara a produção desnecessária de
prova pericial, quando se tratava de questão eminentemente de direito. Por entender
ser o julgamento antecipado da lide uma necessidade, o Superior Tribunal de Justiça
confirmou integralmente o acórdão que anulara a decisão interlocutória de primeiro
grau, tendo em vista a desnecessidade da prova designada e a imprescindibilidade do
julgamento antecipado.39
Já o julgamento antecipado amparado no inciso II do art. 355 do CPC/2015 depen-
de não apenas da ocorrência da revelia, mas da verificação de seu efeito material (i.e.,
aplicabilidade, ao caso concreto, da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor) e da inexistência de comparecimento posterior do réu, acompanhada de pedido
de produção de provas (art. 349 do CPC/2015).
Assim, se é fato que, por força do art. 344 do CPC/2015, a revelia faz com que os
fatos deduzidos pelo autor sejam tidos como verdadeiros, devem-se ressalvar as cau-
sas excludentes previstas no Código (art. 345) ou decorrentes da própria natureza dos
fatos, ou de circunstâncias da própria narração do acontecer histórico. Caso não se
apliquem tais ressalvas, o julgamento antecipado deve ocorrer porque não existe mais
controvérsia em torno dos fatos, bastando unicamente ao juiz fazer com que a lei seja
aplicada aos mesmos.
Da sentença proferida com julgamento antecipado do mérito caberá o recurso de
apelação, pois trata-se de decisão que põe fim à fase de conhecimento do processo.
23.3.8. As decisões interlocutórias decorrentes do julgamento antecipado parcial
de mérito
Inovação do CPC/2015 é a hipótese de julgamento antecipado parcial de mérito que,
no CPC/1973, encontrava-se, de alguma forma, regulamentada, porém sob a veste de
tutela antecipatória da parte incontroversa do pedido ou do pedido incontroverso, ain-
da que fosse decisão de mérito (art. 273, § 6º, do CPC/1973).
Essa hipótese, conforme já defendíamos,40 representa a possibilidade de cisão do ato
decisório, independentemente da forma prevista no CPC/1973. Trata-se de verdadeira
quebra do princípio da unicidade da resolução de mérito, em favor do julgamento ime-
diato e célere das questões que se encontrem maduras.

39. STJ, 1ª T., REsp 797.184/DF, j. 25.03.2008, rel. Min. Luiz Fux, DJe 09.04.2008.
40. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte,
item 148.
824 Manual de Direito Processual Civil

Corretamente, o art. 356 do CPC/2015 tratou da questão como julgamento parcial


de mérito, que terá lugar quando um ou mais pedidos formulados ou parcela deles: a)
mostrar-se incontroverso; b) estiver em condições de imediato julgamento, nos termos
do art. 355 do CPC/2015 (que trata do julgamento antecipado do mérito).
Embora a decisão tenha o conteúdo de sentença (art. 487 do CPC/2015), ela não põe
fim à fase de conhecimento, sendo considerada decisão interlocutória passível de impug-
nação por agravo de instrumento, nos termos do art. 356, § 5º, do CPC/2015. O CPC/2015
toma posição, nesse ponto, dispondo que o julgamento parcial é impugnável por agravo
de instrumento (art. 356, § 5º), por mais que certa corrente doutrinária tenha defendi-
do na vigência do CPC/1973, após as modificações realizadas pela Lei 11.232/2005 uma
“apelação por instrumento”,41 como híbrido recursal aplicável à espécie.
Sendo condenatória a decisão parcial de mérito, a parte do processo que tenha sido
decidida mediante julgamento antecipado se sujeita à liquidação e à execução provi-
sórias.42 Uma vez transitada em julgado referida decisão, tem-se a formação da coisa
julgada material e a possibilidade de execução definitiva, independentemente do pros-
seguimento da fase de conhecimento do processo relativamente ao restante do mérito.

23.4. A decisão de saneamento e organização do processo


Por fim, não ocorrendo extinção do processo ou seu julgamento antecipado deverá
o juiz, proferir decisão de saneamento do processo, devendo ficar decididas as questões
tratadas nos incisos I a IV do art. 357 do CPC/2015.
A última possibilidade de julgamento conforme o estado do processo é o saneamen-
to propriamente dito, que tem lugar quando, não sendo cabível nenhuma das hipóteses

41. Discordando da possibilidade de “apelação por instrumento”, e abordando as diversas


posições da doutrina, v. Teresa Arruda Alvim Wambier, O agravo e o conceito de sentença.
Doutrinas essenciais de processo civil. v. 6. São Paulo: Ed. RT, out/2011, p. 495. No sentido
do texto, por entender, na linha do que prevê o CPC/2015, tratar-se de decisão interlocutória,
passível de agravo de instrumento: Ricardo Alexandre da Silva, Comentário ao art. 356. In:
Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil.
2. ed., revista e atualizada. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 1.027; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016,
p. 1054).
42. Curiosamente, o § 2º do art. 356 do CPC/2015 autoriza a execução provisória independen-
temente de caução, deixando claro que a decisão que antecipa o julgamento do mérito tem
eficácia imediata. Isso contrasta com o disposto no art. 1.012, do CPC/2015, que estabelece
o efeito suspensivo ope legis da apelação: ou seja, enquanto a decisão interlocutória de
mérito tem eficácia imediata por força do citado art. 356, § 2º, a sentença fica com a eficácia
suspensa na pendência do recurso de apelação. Observe-se, ainda, que mesmo nos casos
em que se atribua efeito suspensivo à apelação (art. 1.012, caput, incisos I e VI e §§ 3º e
4º, do CPC/2015, o cumprimento provisório da sentença dependerá de caução nos casos
previstos no art. 520, IV, do CPC/2015, o que não está previsto no tocante às interlocutórias
de mérito. Sobre tais incongruências, veja-se: Thiago Ferreira Siqueira, O julgamento anteci-
pado parcial de mérito no novo Código de Processo Civil brasileiro. In: Fredie Didier Jr. (org.
geral) e Lucas Buril de Macêdo. Coleção novo CPC. Doutrina selecionada. 2. Procedimento
comum. Salvador: Juspodivm, 2016, pp. 427-437.
Saneamento e Organização do Processo 825

do art. 357 do CPC/2015, com ou sem resolução de mérito, será o caso de o juiz proferir
a decisão de saneamento e organização do processo, por escrito ou mediante o sanea-
mento compartilhado, conforme a complexidade da causa (art. 357, § 3º do CPC/2015).
Também no caso de a decisão amparada nas hipóteses do art. 357 do CPC/2015 não
extinguir o processo, porque relativa a apenas parcela do processo, deverá o juiz proce-
der ao saneamento e organização do mesmo, numa das formas sobreditas.
Na decisão de saneamento e organização do processo são resolvidas se existentes,
as questões processuais pendentes. É desta regularização que trata o saneamento pro-
priamente dito, mas há diversos outros objetivos que devem ser atingidos nesta fase,
visando, precipuamente, a preparar o processo para a fase instrutória e para a sentença.
Por isso, na decisão saneadora também são delimitadas, de pronto, as questões de
fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando o juiz os meios de pro-
va admitidos à luz do requerimento das partes. Ademais, é definida a distribuição do
ônus da prova, se for o caso (art. 373, § 1º, do CPC/2015), observado o art. 357, III c/c
o art. 373 do CPC/2015 e, ainda, são delimitadas as questões de direito relevantes para
a decisão do mérito – o que é feito em observância ao contraditório preventivo. Será,
também, designada a audiência de instrução e julgamento, se necessária a produção de
prova oral (arts. 357, V e 361, caput, do CPC/2015).
Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará pra-
zo comum não superior a 15 dias para que as partes apresentem rol de testemunhas
(art. 357, § 4º do CPC/2015). Se for determinada a realização de prova pericial, o juiz
nomeará de, pronto, perito especializado no objeto da perícia, estabelecendo, desde
logo, o calendário para sua realização (art. 357, § 8º do CPC/2015).
Note-se que a delimitação das questões de fato e de direito a que se referem os inci-
sos II e IV do art. 357 do CPC/2015 pode ser feita de maneira consensual pelas partes.
Uma vez homologada tal delimitação, o acordo vincula as partes e o juiz (art. 357, § 2º
do CPC/2015). Trata-se de forte tendência do CPC/2015 à admissão de convenções que
versem questões processuais, a exemplo do que se extrai do art. 190, caput: “Versando o
processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes
estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.43
Uma vez realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos
ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna es-
tável (art. 357, § 1º do CPC/2015).

43. Sobre o tema, consulte-se: Leonardo Greco, Os atos de disposição processual – primeiras
reflexões. Revista Quaestio Iuris, vol. 4, 2011, pp. 722 e ss.; Leonardo Faria Schenk, O
Julgamento Conforme o Estado do Processo no Novo Código de Processo Civil. Primeiras
Impressões. Revista Eletrônica de Direito Processual Civil, Vol. XIV, pp. 263 e ss., disponível
em [http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/14540/11013]; Antonio
do Passo Cabral, Convenções processuais entre publicismo e privatismo. Tese (livre-docên-
cia). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2015; id., Convenções processuais,
Salvador: Juspodivm, 2016.
826 Manual de Direito Processual Civil

Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o


juiz designar audiência para a realização do saneamento em cooperação com as partes
(art. 357, § 3º do CPC/2015), oportunidade em que as convidará a integrar ou esclarecer
suas alegações. Isto é um reflexo do princípio que está no art. 378 (dever de colaborar,
a que todos estão sujeitos, especialmente as partes). Nesse caso, o rol de testemunhas
deve ser levado pelas partes na própria audiência (art. 357, § 5º do CPC/2015).
O contato direto entre o juiz e as partes na audiência destinada ao saneamento, para
efeito de sanear as irregularidades processuais e delinearem-se os aspectos fáticos re-
levantes e controvertidos, bem como para estabelecer os meios de prova pertinentes à
demonstração das alegações das partes, já foi apontado pela doutrina como fator de de-
sestímulo à interposição de recursos contra as decisões interlocutórias proferidas nes-
ta fase. O argumento é no sentido de que o diálogo entre o juiz e as partes facilitaria a
compreensão das questões expostas, de forma a viabilizar-lhes uma solução adequada e
satisfatória, porque construída num processo de colaboração.44 Nessa linha, Luiz Gui-
lherme Marinoni e Daniel Mitidiero entendiam, à luz do CPC/1973, ser mais adequado
que “a atividade de organização do processo (sanação de vícios processuais e prepara-
ção da prova) ocorra oralmente, em que as partes e o juiz possam dialogar e participar
ativamente na definição destas questões”.45
De fato, a audiência é um momento importante que, se bem conduzido pelo juiz, cria
espaço para um contato mais direto do magistrado com as partes e seus procuradores,
justamente naquela “delicada fase do saneamento, em que, com a verificação da ausên-
cia de vícios processuais relevantes, ou com sua correção, se definem os limites dentro
dos quais deve permanecer a discussão no processo, mediante a fixação dos pontos so-
bre os quais incidirá a atividade probatória”.46 Trata-se, ainda, do momento ideal para
a realização do contraditório preventivo, permitindo ao juiz dialogar com as partes re-
lativamente às questões de direito relevantes para a solução da causa.

44. Luiz Rodrigues Wambier, A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), Revista de Processo
80/31; id., A audiência preliminar como fator de otimização do processo (O saneamento
compartilhado e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes), Revista da
Escola Nacional de Magistratura, vol. 1, n. 2, out. 2006, p. 100-107; id. e Rita de Cássia
Correa de Vasconcelos, A eliminação da audiência preliminar no Projeto de Novo Código
de Processo Civil – a disciplina prevista no “Relatório-Geral Barradas,” In: Alexandre Freire,
Bruno Dantas e outros (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto
do novo Código de Processo Civil, v. III, Salvador: Juspodivm, 2014, p. 41-44; Fredie Didier
Jr., Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. Salvador: Juspodivm, 2015, vol. I, pp. 531 e ss., Paulo Hoffman,
Saneamento Compartilhado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, passim.
45. O projeto de CPC – crítica e propostas. São Paulo: Ed. RT, 2010, p. 121. Além dos autores
citados na nota precedente, são defensores fervorosos da oralidade no saneamento os pro-
fessores Cândido Rangel Dinamarco (A reforma do Código de Processo Civil, São Paulo:
Malheiros, 1995, pp. 119 e ss.) e Leonardo Greco (O saneamento do processo e o Novo
Código de Processo Civil, Revista Eletrônica de Direito Processual. vol. VIII. Jul-dez de 2011,
disponível em [http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/issue/view/596], p. 566
e ss.).
46. Luiz Rodrigues Wambier, A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), cit.
Saneamento e Organização do Processo 827

Registre-se, por fim, que o saneamento tem a natureza de uma decisão interlocutó-
ria, e como tal há que ser fundamentada (v. art. 93, IX, da CF, reportando-se, generica-
mente, a todas as decisões emanadas do Poder Judiciário).
O saneamento e organização do processo tem a natureza de uma decisão meramente
interlocutória e, no sistema do CPC/2015, é impugnável, como regra, em sede de pre-
liminar de apelação, a ser interposta após a prolação da sentença (art. 1.009, § 1º, do
CPC/2015). Todavia, a depender do conteúdo da decisão, poderá ser cabível agravo de
instrumento, se a lei assim dispuser expressamente. É o que ocorre, por exemplo, com
a decisão relativa ao ônus da prova (art. 1.015, XI, do CPC/2015).
24
Teoria Geral da Prova

24.1. Conceito jurídico da prova, momentos da prova e procedimento


probatório
24.1.1. A natureza das normas sobre provas
A prova é um dos capítulos do Direito Processual. As normas que disciplinam as
provas não pertencem exclusivamente ao campo do Direito Material, o que se daria
se seu objetivo único fosse o convencimento da parte contrária e não o do juiz, que é
o destinatário direto da prova. A maior parte da disciplina das provas é regulada pelo
Direito Processual Civil, salvo no caso das provas legais e de alguns outros aspectos.
Mas, à modalidade de prova legal, o CPC/2015 se reporta às leis de Direito Material,
sua sede própria.
Posicionava-se Pontes de Miranda, na antiga polêmica a respeito da natureza jurí-
dica da prova, pela sua natureza híbrida, também no sentido de que: “A prova de ne-
nhum modo se reduz ao direito processual. (...) O direito processual é o direito de apli-
cação das regras jurídicas, com a promessa de atender à tutela jurídica, a que o Estado
se vinculou. A prova, no processo, é o que concorre para que o juiz, ao aplicar a lei, fi-
que certo de que está a prestar, com exatidão, o que prometera: a tutela jurídica. O do-
cumento, por exemplo, de ordinário só diz o que o direito material exigiu ou permitiu.
Quase sempre, toda a eficácia do documento proveio do direito material (instrumento
público, particular com exigência de número de testemunhas, ou, por vezes, reconhe-
cimento de firma). No direito processual, o que prova é o que tem, por si só, eficácia de
provar. No direito processual, a prova é para se chegar à certeza, uma vez que a litigio-
sidade leva a ter-se de afastar a dúvida. Se o documento é perfeito, perante o direito ma-
terial, basta ele para que nenhuma dúvida se tenha. Se se diz, na lide, que a firma não
é da pessoa vinculada ao negócio jurídico, ou ao ato jurídico, a dúvida leva ao exame
e as provas que se produzirem são para os resultados processuais. No plano do direito
processual, importa o que está provado no direito material. Se divergência ou vacilação
surge, o juiz tem de buscar o que seja verdade, respeitadas as regras de direto material
e conforme lhe impõem as regras de direito processual. O juiz tem que chegar a uma
conclusão, a um resultado suficiente e entregar, com exatidão, a prestação judicial de
tutela jurídica, que cabe ao Estado. Há a prova pré-constituída, a prova que é do direi-
Teoria Geral da Prova 829

to material, eficácia dos seus fatos, e o direito processual a recebe e, após recebê-la, ao
precisar de convencer-se, atende ao que o direito material e o direito processual exigi-
ram ou permitiram”.1
Com relação à postura do juiz diante do exame das provas, o CPC/2015 encampou o
princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional (art. 371 do CPC/2015),
respeitados os limites intransponíveis das provas legais (v.g., art. 215 do Código Civil) e,
em certa escala, os limites das provas escritas (provas literais – art. 415 do CPC/2015).
Relativamente às provas legais haverá, apenas, de constatar, o juiz, se a prova existe ou
não, e, existindo validamente, não poderá deixar de emprestar-lhe o valor a ela atribu-
ída pela ordem jurídica.
A liberdade de convencimento do juiz, tanto no CPC/1973 como no CPC/2015,
existe e é no sentido de não estar o magistrado, via de regra, vinculado a regras que pre-
estabeleçam ou hierarquizem o valor dos elementos extraídos de cada meio de prova.
Não se trata, por óbvio, de uma liberdade irrestrita, no sentido da desnecessidade de
parâmetros lógico-racionais a guiar a conclusão do juiz a respeito dos fatos. Ao contrá-
rio, esses parâmetros são exigidos e devem constar expressamente da fundamentação
da decisão – daí as expressões livre convencimento motivado ou persuasão racional.
Oportunamente, será retomada a abordagem desse tema.
À luz dessa perspectiva é que o juiz pode atribuir o valor que tiver por adequado às
provas e sua liberdade se manifesta até em poder (= dever) deferir ou não a produção
delas, ou seja, admiti-las ou não – caso em que também deverão ser observados deter-
minados parâmetros, mais adiante analisados.
Pertencem ao Direito Material as regras formativas dos atos jurídicos (prova literal),
como, ainda, o valor jurídico respectivo de tais provas.
Desta forma, a teoria da prova, predominantemente, vem regulada no Código de Pro-
cesso Civil, quanto aos seus tipos (= meios de prova); à sua admissibilidade (pelo juiz),
reportando-se a tais normas; à sua produção (pelas partes, e, excepcionalmente, pelo
juiz – art. 370 do CPC/2015); e, ainda quanto ao ônus da prova (v. art. 373 do CPC/2015
– atividade dos litigantes) e sua valoração (art. 371 do CPC/2015), que são assuntos in-
trinsecamente processuais; já quanto ao tema relativo às provas legais, aloja-se a disci-
plina nos Códigos de Direito Material, donde, então, pertencer o assunto à teoria geral
do direito, pois, sediada a matéria no Direito Material, repercute no processo.2

1. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. IV, 1996, p. 245-247.


2. Para Leonardo Greco, “o processo estudaria apenas os meios e o modo como o conheci-
mento dos fatos é produzido como premissa necessária da sentença judicial, estabelecendo
ainda, juntamente com o direito material e em benefício deste, algumas regras mais ou
menos interventivas na sua investigação ou na sua avaliação” (O conceito de prova, Estudos
de direito processual, Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2005,
p. 423-424). Noutro artigo publicado na obra precitada, Leonardo Greco adverte que a
discussão acerca da natureza jurídica do instituto é estéril, e que o que é relevante é ter
consciência de que o Código de Processo Civil de 1973 já havia acolhido, no art. 332, os
meios de prova previstos em leis substanciais. Acrescenta que, “sobrevindo a Constituição
830 Manual de Direito Processual Civil

24.1.2. Conceito de prova


Há diversos conceitos jurídicos de prova, visto que a prova é, ao mesmo tempo, meio,
resultado e atividade. Os meios de prova são os instrumentos pelos quais se busca de-
monstrar a verdade de determinados fatos. Assim, por exemplo, a prova testemunhal, a
prova pericial e a prova documental. A prova como resultado destes meios, i.e., conduz
à conclusão relativa à ocorrência ou não dos fatos objeto de prova. E a atividade pro-
batória consiste na realização da prova em si, principalmente pelas partes e pelo juiz.
Em resumo, pode-se afirmar que a prova consiste nos meios, definidos pelo direito
ou contidos por compreensão num sistema jurídico como idôneos a convencer (prova
como resultado) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade de de-
terminados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade, principal-
mente dos litigantes (prova como atividade).
A prova é direito fundamental das partes, que emana do princípio do contraditório
(art. 5º, LV, da Constituição) e do decorrente direito que estas possuem de influir no
convencimento do juiz.3

24.1.3. A prova, a persuasão racional e o problema da verdade


A verdade, no processo, deve ser sempre buscada pelo juiz, mas o direito, embora se
preocupe com a busca da verdade, não a coloca como um fim absoluto em si mesmo. Ou
seja, o que é suficiente, muitas vezes, para a validade e a eficácia da sentença é a verossi-
milhança dos fatos. O que se pretende significar é que, conquanto o escopo do juiz haja
de ser a descoberta da verdade, este fim não é absoluto, no sentido, v.g., de que, se um pro-
cesso tiver tido sua prova mal avaliada, deixe a decisão nele proferida subsistir, pois a má
apreciação da prova não enseja cabimento ou não é fundamento para ação rescisória.

de 1988, o Brasil reconstrói seu Estado de Direito, adotando como pedra fundamental o
primado dos direitos fundamentais”, dentre os quais se destacam o direito ao amplo acesso a
um tribunal independente previamente instituído pela lei para a tutela de direitos lesados ou
ameaçados de lesão, o direito à intimidade e à vida privada, à ampla defesa e ao contraditório
no âmbito do processo – cuja concreção depende da igualdade concreta, do contraditório
participativo e do mais amplo respeito à dignidade humana, claramente representado pela
proibição de provas ilícitas” (A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de
1973 ao novo Código Civil, Estudos de direito processual, p. 357-358). Assim, conclui,
as disposições sobre provas, independentemente de constarem da lei processual ou da lei
material, devem observar os preceitos constitucionais, de modo que, no entendimento de
Leonardo Greco, as novas regras sobre o tema, constantes do Código Civil de 2002, devem
ser interpretadas “de modo a assegurar a mais ampla eficácia das garantias fundamentais
do processo, constitucionalmente reconhecidas, pois, se isso não for possível, deverão se
repudiadas por inconstitucionalidade.” Por isso, as normas materiais não necessariamente
se sobrepõem às processuais e vice-versa, e as normas posteriores não podem ser tidas como
revogadoras das normas já vigentes senão após uma análise de sua constitucionalidade e
do âmbito exato de aplicação (A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de
1973 ao novo Código Civil, Estudos de direito processual, p. 358-359).
3. No particular, veja-se: Luigi Paolo Comoglio. Le prove civili. Terza edizione. Torino: UTET,
2010, p. 40.
Teoria Geral da Prova 831

Se este é o entendimento que prevalece, quer isto dizer que a ordem jurídica convive
com e alberga decisões menos exatas (não desejáveis, mas toleráveis) quanto à apreciação
da prova, ou seja, quanto à “verdade” (inexata verdade) apurada. 4
Quando se trata de bens indisponíveis, procura-se, de forma mais acentuada, fazer
com que, o quanto possível, o resultado obtido no processo seja o mais aproximado da
verdade material.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça preconiza – e preconizava, já em 1996 –,
maior iniciativa probatória do juiz na busca da verdade real, quando se trata de interes-
se público. Tal orientação aponta para uma tendência, hoje crescente, de se privilegiar
a busca da verdade no processo em detrimento do princípio dispositivo, que atribui às
partes o papel de requerer e produzir as provas necessárias à formação do convenci-
mento judicial acerca dos fatos. A defesa da ampliação da iniciativa probatória do juiz
– especialmente em casos que envolvam o interesse público ou em que se detecte ma-
nifesto desequilíbrio socioeconômico ou técnico-processual entre as partes – ampara-
-se no argumento de que a atuação de ofício do magistrado não ofenderia o princípio
da imparcialidade, mas, antes, cuidaria de equilibrar as partes do litígio, colocando-as
em pé de igualdade, o que aumentaria as chances de alcançar uma solução mais próxi-
ma da verdade e, portanto, mais justa.5

4. Para uma leitura aprofundada acerca dos questionamentos de ordem filosófica e técni-
co-processual que envolvem a descoberta da verdade, são altamente recomendáveis as
obras de Michele Taruffo, em que se analisam as teorias que rejeitam a verdade real como
objetivo do processo, na convicção de que a eficácia do processo exigiria restrições de
tal porte à investigação dos fatos que não se poderia equiparar a verdade processual à
verdade buscada, por exemplo, na pesquisa científica. Analisa também as concepções
que se respaldam na busca da legitimação pelo procedimento, segundo as quais, para
o cumprimento do objetivo da tutela jurisdicional, bastaria a observância das normas
formais destinadas à solução de conflitos. Nessa linha, o conteúdo das decisões judiciais
e a coincidência entre os fundamentos da sentença e a verdade dos fatos ocorridos seria
irrelevante para o escopo do direito processual. Na visão crítica de Taruffo, o adversarial
system norte-americano se encartaria nessa filosofia, ao delegar às partes a tarefa de
instruírem o feito, vedada a iniciativa probatória do juiz (Michele Taruffo, Verità e pro-
babilità nella prova dei fatti. In: Fredie Didier e Eduardo Ferreira Jordão (orgs.), Teoria do
processo: panorama doutrinário mundial, Salvador: JusPodivm, 2008, p. 669). V., também,
La prueba de los hechos (Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta,
2002), do mesmo Taruffo (título no original: La prova dei fatti giuridiche), especialmente
no Capítulo I, intitulado “Prueba y verdad en el proceso civil”, p. 21-88, onde se discorre
mais amplamente sobre o tema. E, entre nós, cf. a análise feita por Marinoni, Arenhart e
Mitidiero no Novo curso de direito processual civil. Tutela dos direitos mediante proce-
dimento comum. Vol. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 242 e ss., onde abordam “a verdade e a
função da prova”.
5. “O Julgador deixou de ser mero espectador da batalha judicial, passando a assumir uma
posição ativa que lhe permita determinar a produção de provas, mormente como no caso
em que se cuida de ação de estado, o autor é menor impúbere e beneficiário da Assistência
Judiciária. Entendimento que se aplica também ao segundo grau de jurisdição. Precedentes
do STJ. Recurso especial conhecido e provido para, convertendo-se o julgamento em dili-
gência, ordenar a realização do exame de DNA. (STJ, 4ª T., REsp 218.302/PR, rel. Min. Barros
832 Manual de Direito Processual Civil

Precisamente, porém, porque existe esta preocupação com a descoberta da verdade


material, é que o sistema fundamental de apreciação das provas é denominado de per-
suasão racional ou livre convencimento motivado por parte do juiz.
O magistrado não mais fica jungido às provas, cujo valor probante tenha sido pre-
viamente estabelecido no sistema, pois, em regra, não mais há provas aprioristicamente
valoradas. Tem o juiz liberdade, como regra geral, de valorar as diversas provas e até de
mandar completá-las, desde que isto seja necessário ao seu convencimento, nos casos
em que a atividade produtora da prova, pelos litigantes, não resolva suficientemente as
questões de fato.
A exceção, neste contexto, é o fenômeno da prova legal, ou seja, a prova que, uma
vez produzida, já encontra na própria lei a respectiva valoração (é uma valoração to-
talmente atribuída pelo próprio legislador), bem como as suas consequências, que se
impõem ao juiz.
A regra geral, quanto aos documentos, é a de que a prova há de ser produzida no pro-
cesso em que vai ser sentenciado (art. 371 do CPC/2015). Excepcionalmente, admite-se
a chamada prova emprestada (art. 372 do CPC/2015). Assim, havendo a observância do
contraditório, e presentes os requisitos: a) identidade da relação fática; e b) as mesmas
partes, deve-se admitir, em princípio, a prova produzida em outro feito, ou seja, pro-
va emprestada, tanto mais admissível quanto mais difícil a sua realização. A respectiva
valoração, todavia, poderá, dependentemente do poder de convicção que carreguem,
sofrer esta ou aquela restrição.

24.1.4. Objeto de prova


Constituem objeto de prova os fatos pertinentes (que pertencem) ao litígio e rele-
vantes para a solução da causa. De um modo geral, somente são objeto de prova os fa-
tos controvertidos, isto é, aqueles que são afirmados por uma parte e impugnados pela
parte contrária.
Normalmente, não são objeto de prova os fatos que vêm arrolados no art. 374 do
CPC/2015, ou, ainda, a respeito dos quais a lei dispense a prova específica do fato. Como
fatos que levam à desnecessidade de atividade probatória de acordo com o CPC/2015,
temos:
1. Os fatos notórios: são acontecimentos concretos e específicos cuja notoriedade dis-
pensa a prova por aquele que os alegou (art. 374, I, do CPC/2015), tendo em vista a eco-
nomia processual. Não faria sentido determinar a prova de fato cuja ocorrência pode
ser facilmente verificada pelo juiz.
Não é fácil a conceituação de fato notório. De regra, dá-se-lhe uma definição formal,
que leva a uma petição de princípio, dado que se diz que fato notório é o que não pre-
cisa ser provado, sem, todavia, descrever tal realidade, em si mesma. O que é relevante,

Monteiro, j. 02.12.2003, DJ 29.03.2004, p. 244). V. também: STJ, 4ª T., REsp 1.229.905/MS,


rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.08.2014, DJe 02.09.2014.
Teoria Geral da Prova 833

pois, é endereçarmo-nos para uma definição substancial. Parece que os pontos cardeais
são os seguintes: 1º) não se circunscreve a notoriedade a um dado lugar, embora o tem-
po nela possa influir, pois o que já foi notório poderá deixar de o ser; 2º) a notoriedade,
pois, deve abarcar, pela sua evidência, todos os membros do Judiciário, assim como,
também, a média dos homens cultos; 3º) não se confina, portanto, nessa linha, a um só
dado grau de jurisdição, mas há de abranger todos aqueles por onde possa tramitar a
causa; 4º) por notório, no entanto, não se haverá de entender o que seja efetivamente
conhecido, senão o que possa, facilmente e com segurança, ser conhecível, de tal arte
que o juiz, v.g., com acesso a qualquer livro de história ou de geografia, possa se inteirar
do fato, que, por constar de qualquer livro, é seguramente notório; 5º) deve ser conhe-
cido o fato, tendo em vista um padrão médio de cultura, de que participa também o juiz,
e, justamente por isto, não se encontrará o juiz psicologicamente inibido em fazer uso
de seu conhecimento, como aconteceria se conhecimento privado fosse.
Afigura-se-nos, ainda, que no conceito de fato notório está contida, também, a fi-
gura designada no Direito comparado por notoriedade judicial, ou seja, aquele ou aque-
les fatos de que o juiz, em decorrência de sua função, tem conhecimento seguro. Neste
caso, menos em função de qualquer conhecimento privado, senão com fulcro na noto-
riedade judicial, poderá dar por conhecido o fato, indicando a fonte, para conferência
de sua assertiva.
2. Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, desde que a
demanda seja relativa a bem ou direito disponível.
Esta é, certamente, uma regra geral. Quer o art. 374, II, do CPC/2015 significar que
ditos fatos confessados, em princípio, desnecessitam de outra prova, além da própria
confissão. Obviamente, porém, o juiz não está obrigado a valorar positivamente a con-
fissão, se outros meios de prova, já existentes indicarem o contrário. Do mesmo modo,
se, no curso do processo, surgir prova que desminta o fato confessado (v.g., no caso de
documento superveniente), não estará o juiz adstrito ao teor da confissão. Assim, é em
virtude do princípio do livre convencimento motivado (v. infra).
Se os direitos forem indisponíveis, a confissão da parte contrária não dispensará ou-
tros meios de prova, visto que o art. 392 do CPC/2015 estabelece a sua inaptidão. Des-
ta forma, ainda que haja confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis, deverá ser
considerado todo o conjunto probatório, na resolução do mérito..
3. Os fatos admitidos como incontroversos no processo (inc. III do art. 374), sendo es-
tes não necessariamente os confessados (por via de confissão, judicial ou extrajudicial),
mas simplesmente com o(s) qual(is) concorda o adversário de quem os alegou. No caso,
podem ser admitidos só pelo silêncio, isto é, mesmo os não contestados.
4. Os fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade: no
CPC/2015 milita a “presunção” legal de veracidade dos fatos não contestados pelo réu
(art. 341 CPC/2015), nos moldes e com as cautelas já expostas, e tendo-se presente tam-
bém a regra do art. 345, caput e incs. I a IV, do CPC/2015. Em relação a esta hipótese de-
ve-se ter presente que dar-se-á por provado o fato presumido, mas o fato de que emerge
a presunção deve ser provado.
834 Manual de Direito Processual Civil

Ainda, podemos apontar dentre os fatos que, por não serem controversos, dispen-
sam a prova:
1. Os fatos inconcludentes, que, com ou sem prova, seriam irrelevantes para o proces-
so, servindo, a prova, se realizada, unicamente para protelá-lo, sem utilidade alguma;
são estes o contrário dos fatos relevantes.
2. Os fatos intuitivos, que são aqueles perceptíveis pela experiência comum ao juiz
e aos demais homens.
3. Os fatos indeterminados, que, por não se fixarem na realidade espacial ou tempo-
ral, não podem, logicamente, ser objeto de atividade probatória.
4. Os fatos absolutamente negativos. Hodiernamente e de forma pacífica, a afirmação
de que os fatos negativos não necessitam ser provados vem perdendo o valor, uma vez que
poderão, ou melhor, deverão ser provados, quando uma parte, negando o(s) afirmado(s)
pela outra, a seu turno, fizer uma afirmação de fato (positivo), contrária e excluden-
te do fato, por essa razão negado, caso em que o ônus da prova será bilateral. Somente
os “fatos” absolutamente negativos, as negativas absolutas ou as indefinidas é que são
insuscetíveis de prova, por quem as tenha feito; aqui, o ônus é só de quem alegou o fato.
Os fatos constituem-se no meio através do qual se traçam nitidamente os contornos
da situação ou relação jurídica, que será decidida pelo juiz.

24.1.5. Momentos da prova e procedimento probatório


Consideram-se momentos da prova as etapas em que se desenvolve a atividade pro-
batória, promovida pelos litigantes, sob a vigilância do juiz. Os momentos da prova se
consubstanciam, em verdade, num autêntico procedimento probatório, com sua estru-
tura própria, isto é, uma sucessão rigorosamente ordenada, que atinge os litigantes, de-
terminando-lhes a lei como devem agir, de molde a que consigam desincumbir-se do
ônus de provarem os fatos que lhes interessam.
Por procedimento probatório deve-se entender o conjunto das disposições, inse-
ridas no procedimento, que dizem respeito à atividade probatória. Tais disposições e
seus respectivos momentos podem ser alvo de flexibilização pelo juiz (art. 139, VI, do
CPC/2015) ou por convenção das partes (190 do CPC/2015), para o fim de adequar a
instrução às necessidades do conflito.
Pode-se desmembrar o procedimento probatório em quatro fases: a fase postulató-
ria (em que as partes e interessados requerem a produção da prova); a fase de admissi-
bilidade (em que o órgão judicial defere ou indefere a produção da prova requerida); a
fase de produção (em que os meios de prova são realizados no processo) e a fase de va-
loração (em que o juiz analisa os elementos de prova e lhes atribui o devido valor, che-
gando a uma conclusão sobre os fatos discutidos no processo).

24.1.6. Postulação das provas


As partes, enquanto conhecedoras dos fatos e maiores interessadas na solução do
litígio, são as principais responsáveis pela iniciativa probatória. Há, porém, a possibili-
Teoria Geral da Prova 835

dade de postulação por terceiros interessados – como é o caso do assistente simples –,


bem como de determinação judicial da produção de provas, esta última independente-
mente de requerimento (i.e., ex officio).
A possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício ou a requeri-
mento das partes está prevista no art. 370 do CPC/2015, que corresponde ao disposto
no art. 130 do CPC/1973. À luz do texto normativo, a doutrina tende a ampliar cada
vez mais os poderes instrutórios do juiz, embora, a iniciativa instrutória do juiz tenha
natureza supletiva e subsidiária, apontando que o juiz só deve determinar a produção
de prova de ofício nas seguintes situações: se os direitos versados na causa forem indis-
poníveis (hipótese, ao nosso ver, que deve ser aplicada com cautela); quando uma das
partes for hipossuficiente (opinião prevalecente, de que não comungamos)6; quando
o contexto dos autos trouxer à tona a existência de uma fonte de prova acessível (por
exemplo, no caso de uma testemunha referida por outra, ou mencionada num docu-
mento); ou, quando apesar da prova produzida, não conseguir formar seu convenci-
mento, restando ainda dúvida sobre o contexto fático.
O primeiro momento de postulação dos meios de prova, dá-se, mediante mera indica-
ção: 1) com a petição inicial (art. 319, VI, do CPC/2015); 2) com a contestação (art. 336
do CPC/2015); 3) e/ou com a reconvenção (art. 343 do CPC/2015).
O segundo momento da postulação coincide com aquele em que o órgão judicial
fará o juízo de admissibilidade das provas. Isto normalmente se dá na fase de saneamen-
to e organização do processo (art. 357 do CPC/2015).

24.1.7. Admissão das provas


Tendo em vista ser a prova um direito fundamental, e considerando o princípio da não
taxatividade ou da liberdade dos meios de prova, as partes têm direito de empregar todos
os meios lícitos de prova, ainda que não especificados em lei, para demonstrar os fatos
que fundamentam sua pretensão ou defesa (art. 369 do CPC/2015).
Portanto, para ser lícita, a prova não precisa estar prevista na lei; basta que não viole
a lei ou a Constituição (art. 5º, LVI, da Constituição). Desse modo, sua admissão e pro-
dução não deve ofender outros direitos fundamentais como, por exemplo, a privacida-
de, a honra ou a intimidade de alguém.
Ainda quanto ao tema das provas ilícitas, predomina na jurisprudência pátria o en-
tendimento de que a ilicitude da prova contamina todas aquelas que lhe são derivadas.7

6. Pela redação do Projeto do CPC de junho de 2010, no Senado, constava seguinte texto,
que veio a desaparecer na parte sublinhada, na versão final aprovada do CPC/2015, sendo
elemento significativo em relação ao nosso entendimento:
“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e
faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência
técnica.”
7. STF, Segundo HC 69.912/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.12.1993, DJU 25.03.1994;
STJ, AgRg no Ag 42.325-5/GO, rel. Min. Antônio Torreão Braz, DJ 13.12.1993.
836 Manual de Direito Processual Civil

Exemplo de prova ilícita por derivação consiste na juntada de documento cuja existên-
cia foi descoberta mediante depoimento de testemunha submetida a tortura. A prova
documental é formalmente regular e perfeita, mas a origem é ilícita.
Em geral, a admissão de provas ilícitas e de provas ilícitas “por derivação” conduz
à nulidade do processo e da sentença. Quando, porém, se verificar que, apesar de ad-
mitidas tais provas, o resultado delas decorrente não foi determinante para a convicção
judicial ou, ainda, que esta teria sido alcançado, inevitavelmente, por outros meios (lí-
citos) de prova, não se declarará a nulidade.
Além da ilicitude, a principal limitação à admissibilidade da prova é a de que ao juiz
e às partes não é dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso.
Nesse ponto, cabe ao juiz impedir as diligências probatórias inúteis ao respectivo objeto
(art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), que, aliás, são também procrastinatórias. Por
provas inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), são
aquelas que não dizem respeito a fatos pertinentes e relevantes para a solução do litígio,
e que não têm potencialidade de influenciar a conclusão sobre os fatos.
Sendo desnecessária a produção de novas provas, o juiz proferirá, desde logo, o jul-
gamento antecipado do mérito (art. 356 do CPC/2015).

24.1.8. Produção das provas


A produção ou realização das provas ocorre precipuamente na audiência de instrução
e julgamento, ou, excepcionalmente, em outro momento, mas quase sempre depois do
saneamento. Excepciona-se a esta regra a prova documental, em geral admitida e produ-
zida no momento da propositura da ação ou da apresentação de defesa, mediante jun-
tada do documento aos autos, quando da petição inicial ou contestação. Há, portanto,
uma sobreposição de momentos, quais sejam, o da produção da prova se dá quando da
respectiva admissão, salvo a hipótese de ulterior desentranhamento.
A prova pericial deve ser produzida, normalmente, no interregno que vai do sanea-
mento até 20 dias antes da realização da audiência (art. 477 do CPC/2015).
A inspeção judicial se pode dar a qualquer momento, porque decorre da necessida-
de de exame, pelo juiz, de fatos (arts. 481 e 484 do CPC/2015) que interessam à decisão
da lide. Todavia, afigura-se-nos que, normalmente, o juiz deverá realizar a inspeção de-
pois de efetivada atividade probatória precedente, dado que não é função rotineira do
juiz determinar este tipo de prova. Sem embargo de dever ser esta a regra normal e usu-
al de conduta do magistrado, nada impedirá, havendo motivos para agir diversamente,
que o faça. O modus procedendi encontra-se definido nos arts. 481 ao 484 do CPC/2015.
O desenvolvimento cronológico da produção da prova, em audiência, previsto no
art. 361, incs. I ao III, do CPC/2015, determina a colheita das provas orais, preferen-
cialmente, nesta ordem: primeiramente, o perito e os assistentes técnicos prestarão os
esclarecimentos requeridos a respeito dos laudos e pareceres técnicos; na sequência,
prestarão os depoimentos pessoais o autor e depois o réu, e, por fim, serão inquiridas
as testemunhas arroladas pelo autor e pelo réu. A despeito desta previsão, o próprio
Código admite a alteração da ordem de produção dos meios de prova, adequando-os
Teoria Geral da Prova 837

às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito


(art. 139, VI, do CPC/2015).
Conquanto a prova oral deva, como regra geral, ser produzida em audiência, peran-
te o juiz da causa, possível é que isto não ocorra. Fogem a esta regra geral os arts. 453,
449, parágrafo único, e 454 do CPC/2015, que dispõem: 1º) quando as testemunhas
prestarem depoimento antecipadamente (art. 453, I); 2º) quando as testemunhas forem
inquiridas por carta (art. 453, II), o que se deverá verificar antes da audiência de instru-
ção e julgamento, mas não de forma absolutamente necessária; 3º) normalmente, ainda,
quando as testemunhas, por motivo de doença, ou outro igualmente relevante, estive-
rem “impossibilitadas de comparecer em juízo” (449, parágrafo único, do CPC/2015),
valendo esta exceção para o depoimento pessoal; 4º) quando a testemunha for alguma
das autoridades de que tratam os incs. I a XII do art. 454 do CPC/2015, deverão ser in-
quiridas em sua residência ou onde exercem sua função.
Prevê, ainda, o CPC/2015, que “A oitiva de testemunha que residir em comarca, se-
ção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada
por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de
sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da
audiência de instrução e julgamento” (art. 453, § 1º, do CPC/2015). Para tanto, os juí-
zos deverão manter equipamento para transmissão dos sons e imagens (art. 453, § 2º, do
CPC/2015), valendo tais regras para o depoimento pessoal (art. 385, § 3º, do CPC/2015).
24.1.9. Valoração das provas
Com relação à postura do juiz diante do exame das provas, já assinalamos que o
CPC/2015 encampou, como os Códigos precedentes, o princípio do livre convencimen-
to motivado ou da persuasão racional.8
O sistema da apreciação livre e racional das provas decorre justamente da preocu-
pação com a descoberta da verdade; o magistrado não pode estar jungido a provas cujo
valor probante tenha sido previamente estabelecido no sistema, pois, em regra, não mais
há provas aprioristicamente valoradas. Tem o juiz liberdade, como regra geral, de va-
lorar as diversas provas e até de mandar completá-las, desde que isto seja necessário ao
seu convencimento, nos casos em que a atividade produtora da prova, pelos litigantes,
não resolva suficientemente as questões de fato.
24.2. As provas e os princípios regentes do direito processual civil
24.2.1. A prova e o princípio da liberdade, atipicidade ou não-taxatividade dos
meios de prova
A possibilidade de produção de prova constitui direito fundamental, proveniente do
contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), eis que a parte tem direito de defender sua afirma-

8. Sobre alguns problemas culturais que resultam na antecipação da valoração da prova para o
momento da admissibilidade, Stela Tannure Leal, “Prova relevante X ‘cognição suficiente’:
da necessidade da reconstrução de conceitos em matéria probatória para a emersão do
contraditório como influência” Revista Eletrônica de Direito Processual. n. 13. Disponível
em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11937/9348.
838 Manual de Direito Processual Civil

ção de direito, provando.9 Disso decorre que a admissão dos meios de prova requeridos
pelas partes deve ser ampla, ou seja, a lei não pode limitar, desarrazoadamente, o exer-
cício do direito à prova pelas partes. Do contrário, estará impedindo os jurisdicionados
de tentar influir na decisão judicial, em franca violação ao contraditório.
Nesse sentido, dispõe o art. 369 do CPC/2015, na linha do que já estabelecia o
art. 332 do CPC/1973, que “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, para
provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente
na convicção do juiz.” Tal enunciado normativo consagra o chamado princípio da li-
berdade, atipicidade ou não-taxatividade dos meios de prova, que nada mais é que um
dos reflexos do status constitucional do direito à prova.
Deve-se ter presente que se provam fatos, e que a prova não diz respeito à compro-
vação do direito, salvo na hipótese do art. 376.
A liberdade dos meios de prova consiste, portanto, em vedar ao juiz a inadmissão
da prova ao argumento da ausência de previsão legal da espécie probatória requerida
pela parte.
Não será por ter sido o legislador omisso a respeito, ou então porque, à época em
que foi feita a lei, se desconhecia, cientificamente, um meio de prova, que este não de-
verá ser admitido. O que interessa é que o meio seja jurídico – isto é, não repelido pelo
sistema, mas harmônico com este – como também moralmente lícito.10
As limitações à admissão da prova não estão, pois, relacionadas à existência de pre-
visão legal de determinado meio de prova. São admissíveis também, como o próprio
art. 369 do CPC/2015 dispõe, as que sejam compatíveis com a moral.
Ainda, é possível afirmar, por tudo o que já se expôs a respeito do objeto da prova
(v. item retro), que tais limitações dizem respeito à existência de fato controvertido (via
de regra), pertinente e relevante. Nesse sentido, pode o magistrado indeferir as provas
inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), que são
aquelas que não dizem respeito a fatos pertinentes e relevantes para a resolução do lití-
gio, e que não têm potencialidade de influenciar a conclusão sobre os fatos.

24.2.2. A vedação das provas ilícitas como exceção ao princípio da liberdade dos
meios de prova
A Constituição Federal tem textos expressos relativos às provas ilícitas: o art. 5º,
LVI, contém a proibição geral da utilização de provas ilícitas; o inc. X do mesmo artigo
protege a intimidade, privacidade e a honra, que são direitos fundamentais frequente-
mente ofendidos pelo uso de provas invasivas e, finalmente, o inc. XII, regulamentado

9. Luigi Paolo Comoglio, La garanzia costituzionale dell’azione e il processo civile. Padova:


CEDAM, 1970, p. 148 e ss.
10. Quer dizer, então, que a despeito do rol dos meios de prova também traçado pelo art. 212
do Código Civil, admitem-se outros meios de prova, além dos lá e aqui previstos (= provas
inominadas).
Teoria Geral da Prova 839

pela Lei 9.296/1996, tutela especificamente o sigilo das comunicações, ressalvando a


possibilidade de interceptação de conversação telefônica para fins de investigação e ins-
trução criminal, mediante autorização judicial (CF, art. 5º, inc. XII: “é inviolável o sigilo
da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefôni-
cas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”).
De acordo com o dispositivo constitucional e, também, com a Lei 9.626/1996, as
exceções são aplicáveis apenas no âmbito criminal, pelo que controverte a doutrina so-
bre a possibilidade de se transportarem para o processo civil as interceptações telefô-
nicas, judicialmente autorizadas no âmbito do processo penal, em conformidade com
os pressupostos legais.11
Devemos, porém, atentar para a exclusão, do conceito de interceptação – e, portan-
to, de prova ilícita –, da gravação feita por um dos interlocutores. Nessa linha, a juris-
prudência do STF a respeito do tema assentou que “a gravação de conversa entre dois
interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de
documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente
quando constitui exercício de defesa”12 Tal relevante distinção já vinha sendo observa-
da pelo STJ: “A gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores não é inter-
ceptação telefônica”13 Por tal razão, a gravação de conversa por um dos interlocutores
pode vir a ser admitida no âmbito do processo civil, cuja controvérsia diga respeito às
partes interlocutoras.
Observemos, por outro lado, o posicionamento no sentido de que “a quebra do si-
gilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das li-
nhas chamadas e recebidas, não se submete à disciplina das interceptações telefônicas
regidas pela Lei 9.296/1996 (que regulamentou o inc. XII do art. 5º da Constituição Fe-
deral) e, ressalvadas constitucionalmente, tão somente na investigação criminal ou ins-
trução processual penal”.14 Advirtamos, contudo, que o fato de tais dados não estarem

11. No sentido da licitude desta prova emprestada: José Carlos Barbosa Moreira, A Constituição
e as provas ilicitamente obtidas, Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva,
1997, pp. 117 e 118; Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga,
Curso de Direito Processual Civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente,
coisa julgada e tutela provisória. v. II. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 101 e 133 e ss. No sen-
tido oposto, pela ilicitude: Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 79; Luiz Flávio Gomes, Finalidade da interceptação telefônica e
questão da prova emprestada. Repertório IOB de Jurisprudência, v. 4/97, p. 75; Eduardo
Talamini. Prova Emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação Legislativa,
v. 35, n. 140, Brasília, out-dez. 1998, 157-158.
12. STF, AgRg no AgIn 503.617, 2ª T.,, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 04.03.2005; g.n.
13. STJ, 5ª T., REsp 214.089/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 16.03.2000, DJ 17.04.2000.
O entendimento consignado no acórdão permanece inalterado: (4ª T., AgRg no Ag 962.257/
MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 10.06.2008, DJe 30.06.2008; 4ª T., AgRg nos EDcl
no REsp 815.787/SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 14.05.2013, DJe 27.05.2013.
14. STJ, 5ª T., EDcl no RMS 17.732/MT, j. 23.08.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.09.2005; STJ,
6ª T., HC 247.331/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 21.08.2014, DJe 03.09.2014.
840 Manual de Direito Processual Civil

incluídos na vedação concernente às interceptações telefônicas no processo civil, não


exclui, em definitivo, a possibilidade de ser considerada ilícita a prova obtida a partir
desses meios, pelo fato de que, analisadas as circunstâncias do caso e os bens jurídicos
em jogo, se possível concluir estarmos admitindo sacrifício excessivo ao direito à pri-
vacidade e a intimidade do sujeito contra quem se produz a prova.
Ainda quanto ao tema das provas ilícitas, predomina na jurisprudência pátria o en-
tendimento de que a ilicitude da prova contamina todas aquelas que lhe são derivadas.
Conquanto seja uma questão extremamente difícil e efetivamente controvertida, não
só entre nós, como no direito e na própria casuística do direito comparado,15 já nos in-
clinávamos, mesmo sob a égide da Constituição Federal revogada, pela linha de racio-
cínio adotada pelo STF, hoje reafirmada e acolhida, também, pelo STJ,16
Em geral, a admissão de provas ilícitas e de provas ilícitas “por derivação” conduz à
nulidade do processo e da sentença. Quando, porém, for possível verificar que, apesar
de admitidas tais provas, o resultado delas decorrente não foi determinante na convic-
ção judicial ou, ainda, teria sido alcançado, inevitavelmente, por outros meios (lícitos)
de prova, não se declarará a nulidade.17

24.2.3. A prova e o princípio da persuasão racional


Consoante já foi assinalado, a expressão “livre convencimento motivado” designa
um sistema em que o juiz não esteja vinculado a regras preestabelecidas a respeito do
valor a ser atribuído às provas.
Contudo, tal não significa que o juiz esteja liberado da justificativa de seu convenci-
mento a respeito dos fatos que embasam a decisão. E essa justificativa, exposta na fun-
damentação, deve vir amparada em critérios lógico-racionais, sendo inconcebível uma
conclusão fática extraída de elementos externos aos autos.
Com efeito, o princípio do contraditório18 impede o juiz de se valer do conhecimen-
to privado de fatos ou características morais ou sociais das partes na decisão da causa.
As partes devem ter direito a participar nas fases de admissão e produção da prova, de
forma a contribuir para o seu resultado e de influenciar na respectiva valoração. Essa

15. Cf. v.g., Alberto Monton Redondo, Los nuevos medios de prueba y la posibilidad de su uso
en el proceso (con especial referencia a las grabaciones magnetofónicas a la eficacia de las
pruebas ilícitamente conseguidas), Salamanca: 1977, passim.
16. Cf., pro exemplo, STJ, 6ª T., HC 186.118/RS, rel. Min. Sebastião Reis Júnior,j. 05.06.2014,
DJe 29.10.2014.
17. José Carlos Barbosa Moreira, A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Temas de Di-
reito Processual: sexta série. Saraiva: Rio de Janeiro, 1997 p. 114-115. Para Danilo Knijnik (A
prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 23-24) a questão
é mais complexa, por ser impossível identificar, na motivação da decisão, os elementos de
prova que tenham sido determinantes na formação do convencimento judicial.
18. Sobre as razões da vedação à utilização da ciência extraprocessual do juiz (considerada como
mais abrangente que a ciência privada por este autor), confira-se Ettore Dosi, Sul principio
del convincimento del giudice nel processo penale. Milano: Giuffrè, 1957, Primeira Parte,
III, p. 14.
Teoria Geral da Prova 841

limitação não é observada no princípio do livre convencimento puro e simples (ou ínti-
ma convicção), mas, apenas, no livre convencimento motivado ou persuasão racional.
Há, ainda, outras limitações à convicção judicial a respeito dos fatos, tais como
aquelas amparadas em provas suspeitas (v.g., a suspeição do perito ou de testemunhas)
ou ilícitas.
Tais características já se verificavam à luz do CPC/1973, diferenciando o chamado
“livre convencimento motivado” da íntima convicção do juiz ou julgamento por cons-
ciência, historicamente conhecidos como sistemas em que o juiz possui liberdade ili-
mitada para a formação de sua convicção.
Contudo, o art. 131 do CPC/1973, ao aludir à apreciação livre da prova, ensejava
má compreensão,19 o que, certamente, motivou a redação do art. 371 do CPC/2015. Re-
ferido dispositivo expressa melhor a ideia de persuasão racional – que, diga-se de pas-
sagem, não decorre simplesmente dos códigos, mas da vinculação do convencimento
do juiz às provas produzidas por força do contraditório, bem como da necessidade de
fundamentação das decisões judiciais.
Parece-nos, entretanto, que, a rigor, os sistemas do livre convencimento motivado e da
persuasão racional se identificam, mormente quando se tem consciência de que decor-
rem muito mais dos princípios constitucionais do que dos dispositivos presentes nos
códigos de processo civil. A segunda denominação é, porém, preferível à primeira, que
pode dar ensejo ao arbítrio decorrente de interpretações equivocadas.
Em síntese, a persuasão racional observa as seguintes diretrizes gerais: o juiz deve
ater-se aos fatos debatidos, se deve valer apenas dos conhecimentos fáticos processual-
mente adquiridos, vedada a utilização da ciência privada, deve levar em consideração
todo o material probatório (ou seja, todos os elementos de prova), todo o conhecimen-
to extraído processualmente e deve motivar seu convencimento.20
Por fim, especificamente quanto à vedação do conhecimento privado do juiz, há que
se ressaltar que dessa proibição se excetuam as máximas da experiência comum e técni-
ca21 e os fatos notórios.22 E assim é porque, nesses os casos, embora o juiz se utilize de
um conhecimento que não é extraído necessariamente dos autos, esse conhecimento é
compartilhado por toda a sociedade num determinado contexto histórico e cronológico.

19. Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de Direito Pro-
cessual Civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela
provisória. v. II. Salvador: Podivm, 2015, p. 102.
20. Ettore Dosi, Sul principio del libero convincimento del giudice nel processo penale, op. cit.,
Terceira Parte, III, p. 69.
21. As máximas de experiência, que serão oportunamente referidas (capítulo sobre a Prova
Pericial) são regras de cunho abstrato que completam a moldura da lei, no sentido de
expressarem uma referibilidade da lei à realidade sobre a qual ela incide, tendo em vista
o que a experiência comum (leis físicas, da medicina, da biologia etc.), necessariamente
generalizada, significa de verdadeiro. Nessa medida, assimilam-se mais à norma do que ao
fato, muito embora sejam extraídas do mundo empírico.
22. Sobre os fatos notórios, vide o que dissemos no capítulo sobre o Conceito de Prova, item
referente ao objeto da prova.
842 Manual de Direito Processual Civil

24.2.4. A prova e o princípio dispositivo


Em face do que dispõe o art. 370 do CPC/2015, a única limitação à atividade do juiz
com relação à atividade instrutória é a de que a ele não é dado ir além do tema proba-
tório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso, nem infringir o princípio do ônus (subjeti-
vo) da prova.
Se, de um lado, pode o juiz, licitamente, adentrar a atividade probatória, tendo em
vista a necessidade da prova para a formação de sua convicção, deverá sempre fazê-lo
subsidiariamente, não suprindo as omissões da parte inerte. É justamente neste passo
que deverá aplicar as regras respeitantes ao ônus da prova. Deve-se ter presente que o
juiz deverá sempre formar seu julgamento em função dos fatos provados e apreciá-los
livremente, salvo o(s) caso(s) do art. 406 do CPC/2015. Somente diante da incerteza da
prova produzida ou sua insuficiência para o julgamento da causa é que deverá o juiz inter-
ferir na esfera probatória. Esta insuficiência ou incerteza, no entanto, não pode decorrer da
inércia das partes em se desincumbir do ônus probatório. O ônus da prova, em nossa opinião,
é caminho normal para a solução das lides.
Além do dever de o juiz vedar a procrastinação do feito, cabe-lhe impedir diligên-
cias probatórias inúteis ao respectivo objeto (art. 370, parágrafo único), que, aliás, são
também procrastinatórias. Desta forma, não há disponibilidade quanto aos meios de
prova, no sentido de a parte poder impor ao juiz provas por ele reputadas inúteis (relati-
vamente a fatos alegados, mas não relevantes), como procrastinatórias (relativamente
à produção de provas sem necessidade de expedição de precatória ou rogatória, mas,
antes, por outro meio mais expedito).
De qualquer forma, é fundamental que se tenha presente, em face dos poderes do
art. 370 do CPC/2015, que o juiz nunca pode agir em favor de uma das partes, determi-
nando realização de prova que só a uma delas interessa, pois, se o fizesse, quebraria a
paridade de tratamento e ignoraria as disposições atinentes ao ônus da prova. Poderá
fazê-lo ante sua indispensabilidade em função da sentença que deve necessariamente
proferir, ou desde que o material probatório esteja confuso ou insuficiente, apesar da
atividade probatória já desenvolvida pelos litigantes. 23

24.2.5. A prova e o princípio da aquisição processual


Há que se dizer, ainda, que o processo contemporâneo é informado pelo chamado
princípio da aquisição processual. Por este princípio, deve o juiz fundamentar a decisão

23. Em julgado interessante, o STJ assim decidiu: “1. Não se conhece de recurso especial in-
tentado contra acórdão que transformou o julgamento de apelação em diligência para que
nova perícia seja realizada a fim de ser encontrado o real valor da indenização reconhecida
como devida ao exequente. (...) 4. Acórdão de segundo grau que reconheceu ser impossível,
com base nos trabalhos periciais existentes nos autos, a fixação de um julgamento equâni-
me, capaz de dar cumprimento ao acórdão. 5. Aresto baseado em fatos que entendeu, de
modo incensurável, que os trabalhos periciais realizados contêm falhas impossibilitadoras
de determinar-se o real valor da indenização reconhecida em juízo” (STJ, REsp 648.474/SP,
1ª T., j. 16.11.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 17.12.2004, p. 458).
Teoria Geral da Prova 843

na prova dos autos, pouco importando quem a tenha produzido (art. 371 do CPC/2015);
a prova pertence ao processo e será, pelo seu valor intrínseco, sopesada pelo juiz, inde-
pendentemente de se ter originado da atividade deste ou daquele litigante, ou mesmo
de sua atividade oficiosa como juiz.
Diante do princípio da aquisição processual ou da comunhão nos resultados da pro-
va, cujo pressuposto é a existência de prova nos autos, nos casos em que tenha sido produ-
zida pela parte a quem prejudica, não se aplicará o ônus da prova, pois o juiz julga com
base no art. 371 do CPC/2015, que pressupõe prova sem considerar a sua origem, des-
ta ou daquela parte, sendo de se consignar por isso que o termo ônus objetivo24 é infe-
liz, não devendo ser usado. Isto porque, se há comunhão nos resultados da prova, num
caso concreto, não há que se falar em ônus. Demais disso, o ônus é, por natureza, emi-
nentemente subjetivo e relacionado com o agir ou com o não agir, bem ou mal sucedi-
do de um litigante.
O princípio da aquisição processual admite que uma parte, em última análise, pro-
duza prova contra si mesma. Se a prova realizada por um litigante for favorável ao outro
e constar do processo, deverá o juiz tomar conhecimento da mesma podendo, se for o
caso, julgar contra aquele litigante. Na apreciação das provas abstrai-se, sua origem.

24.3. Indícios e presunções


24.3.1. Diferença entre prova direta e indireta
A prova classificada como direta traduz objetivamente, perante o juiz, a ocorrên-
cia de um fato.
A prova tida por indireta ou lógica o é, precisamente, por não se retratar nela mesma
o fato probando; pelo contrário, retrata-se nela, apenas, um outro fato, a que muitos de-
nominam de fato auxiliar, fato base ou fato indiciante, o qual levará à percepção do fato
probando (fato principal, controvertido nos autos).
A presunção, tanto a legal quanto a hominis, situa-se precisamente na esfera das cha-
madas provas indiretas, exatamente porque uma e outra demandam elaboração mental
para conduzir o magistrado ao fato probando.25

24. Veja-se sobre a origem do termo ônus objetivo: Alfredo Buzaid, Do ônus da prova, Revista
de Direito Processual Civil (1964), v. 4, n. 17/19, p. 16-17 e n. 27.
25. Toda classificação (em Direito ou fora dele) parte de um (alguns) determinado(s) critério(s),
que haverá(ão) de informá-la. Encerrará uma verdade, ou melhor, uma utilidade, na medida
em que os objetos classificados se ajustem ao(s) critério(s) eleito(s), ou não. Assim, a própria
prova direta (documental, testemunhal) implica intermediação entre o meio de prova e o fato
(quais sejam, o documento e a testemunha). Dessa forma, sob outro critério, prova direta
seria, exclusivamente, a inspeção judicial [e, mesmo nesta, se houver auxílio de perito(s)],
terá havido a intermediação intelectiva e explicativa entre o fato, diretamente observado, a
sua compreensão; vale dizer, a explicação fornecida pelo(s) perito(s). Rigorosamente direta,
portanto, seria a inspeção, desacompanhada de perito(s)]. Aceitando-se, todavia, que a
prova testemunhal ou documental seja prova direta também (ao lado da inspeção judicial),
neste Capítulo, em face de tal critério, trata-se das provas indiretas. Sobre a distinção entre
844 Manual de Direito Processual Civil

Os indícios e presunções hominis (também denominadas comuns, simples ou do


homem), geralmente, só exercerão papel relevante, no campo da valoração probatória,
quando se demonstrar que não é possível trazer ao juiz o fato probando em si, mercê da
prova direta.
Esta afirmação, relativa à eficácia das provas indiretas deve ser entendida em ter-
mos. A avaliação das provas é extremamente complexa, mas é informada por um objeti-
vo único: a descoberta do acontecer histórico, ou seja, a verdade dos fatos, para, assim
identificados, servirem de base à decisão. Para a obtenção dessa verdade, em face das
provas existentes, o legislador, como regra geral, atribuiu ao juiz a atividade de avaliação
da prova. Este “apreciará a prova constante dos autos”, e, mais ainda, “indicará na decisão
as razões da formação de seu convencimento...” (art. 371 do CPC/2015).
No entanto, de outra parte, certas limitações à livre valoração racional devem ser
observadas,26 entre as quais se incluía, até recentemente, aquela prevista no art. 230 do
CC/2002,27 expressamente revogada pelo CPC/2015 (art. 1.072, II).
O que se deve ter presente, no entanto, é que a utilização dos indícios e presunções
é tarefa que demanda o maior cuidado do magistrado, pois é representativa de um dos
aspectos delicados da prova, ou, mais precisamente, da avaliação da prova.28
Há que se observar, todavia, que, quando se tratar de simulação ou outro vício de ato
ou negócio jurídico,29 a prova indiciária revela-se mais adequada. No que diz respeito à
generalidade dos fatos, porém, o ideal é obter-se a respectiva prova direta.

prova direta e indireta, v.: Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário: Rio
de Janeiro: Forense, 2007, p. 26; Federick Schauer, Profiles, probabilities and stereotypes,
London: The Belknap Press of Harvard University Press, 2003, p. 92-107.
26. Assim, exemplificativamente: 1ª) o documento público (art. 405 do CPC/2015) que, com fé
pública, prova o seu conteúdo, e, bem assim, os fatos verificados na presença do escrivão,
tabelião, ou funcionário, e que, como tais, tenham sido declarados, por essas autoridades;
2ª) a mesma prova fazem os documentos a que se refere o art. 425, I a VI, do CPC/2015; 3ª)
se a lei exigir, como único meio possível, determinado meio de prova, só este poderá ser
usado (art. 406 do CPC/2015; v.g., alguém somente será proprietário, se comprovar existir
transcrição em seu nome na hipótese do art. 1.245 do CC/2002, ainda que se trate de pre-
sunção legal relativa); 4ª) se, na prova da obrigação, houver exigência legal de prova escrita,
havendo começo de prova por escrito, poder-se-á, então, complementá-la com outra prova,
especialmente a testemunhal (art. 444 do CPC/2015).
27. “As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova
testemunhal”.
28. De forma análoga, cf. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
Novo curso de processo civil. v. 2. Tutela dos direitos mediante procedimento comum. São
Paulo: RT, 2015, p. 292-293
29. Outras situações há em que a jurisprudência tem aceito a prova indiciária como suficiente
a indicar um fato. Assim, por exemplo, tem se entendido que a inatividade de empresa e a
ausência de seu funcionamento no endereço constante dos registros oficiais, devidamente
atestada pelo oficial de justiça, faz presumir a dissolução irregular da sociedade. Nesse
sentido, com referência a diversos precedentes: STJ, AgRg no REsp 1.527.224/SC, 2ª T., rel.
Min. Assusete Magalhães, j. 06.08.2015, DJe 14.09.2015. Temos para nós que tal entendi-
mento deve ser adotado com a necessária cautela que é inerente à prova indiciária, tendo
em vista a necessidade de se atentar, sempre, para o conjunto probatório.
Teoria Geral da Prova 845

Indícios e presunções encontram-se, pois, como regra geral, numa posição subsi-
diária relativamente à prova direta.
O indício é o fato provado que, estando na base do raciocínio do juiz, leva a que este
creia (como acreditaria qualquer homo medius) que tenha ocorrido outro fato (o fato
principal ou fato probando). É, pois, o indício, o fato auxiliar, do qual se pode extrair
o fato base, que é aquele que constitui objeto de controvérsia. A este raciocínio se dá o
nome de presunção hominis.
Deste conceito estão excluídas as presunções legais (relativas ou absolutas), sobre
as quais falaremos adiante.

24.3.2. Distinção entre presunção hominis e presunção legal


As presunções hominis têm lugar toda vez que a lei não as assumir de forma expres-
sa, estão implicitamente autorizadas pelo art. 375 do CPC/2015, ao referir-se à possi-
bilidade de o juiz fazer uso das “regras da experiência comum subministradas pela ob-
servação do que ordinariamente acontece”.30
Existem casos, todavia, em que a lei, dada a frequência com que ocorriam, encam-
pou especificamente certas presunções, transformando-as, por isso, de presunções ho-
minis em presunções legais.
Nas presunções legais, tem-se um fato provado (que seria o indício, mas, no caso de
a presunção ser legal, recebe o nome de fato auxiliar, ou fato base), e um fato que se tem
por provado (presumido), em função de ter sido aquele (o indício) efetivamente pro-
vado. A existência do fato presumido é o aplicador da lei levado a considerar, porque se
provou (diretamente) o fato auxiliar, mas, desta vez, não só porque o fato probando nor-
malmente teria ocorrido (como seria na presunção hominis) mas, sim, por força de lei.
Ambos os fatos (auxiliar e principal) vêm referidos pela lei, ao contrário do que ocorre
na presunção hominis.
Há uma gradação de força entre as presunções. A presunção hominis, baseada em
indícios, é a mais fraca, em princípio. A mais forte delas é a presunção legal absoluta, à
qual não se pode furtar o juiz, pois não se admite prova em contrário desde que prova-
do o fato auxiliar ou básico.

24.3.3. Presunção
A presunção, genericamente considerada, constitui-se num processo lógico-jurídi-
co, admitido pelo sistema para provar determinados fatos. Por esse processo, uma vez

30. Sobre as regras da experiência, cf. Friederich Stein, El conocimento privado del Juez. In-
vestigaciones sobre el derecho probatorio en ambos os procesos. Trad. de Andrés de La
Oliva Santos. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra S.A, 1973, p. 22 e ss., Adroaldo
Furtado Fabrício, Fatos notórios e máximas da experiência. In: Flávio Luiz Yarshell; Maurício
Zanoide Moraes. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo:
DPJ, 2005, p. 430-441; José Carlos Barbosa Moreira, As presunções e a prova. Temas de
direito processual. Primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 55 e s.
846 Manual de Direito Processual Civil

conhecido determinado fato auxiliar (indício), admite-se como verdadeiro um outro


fato, que é desconhecido, e que é (este último) o inserido no objeto da prova.

24.3.4. Espécies de presunção


As presunções, quanto à sua divisão, tendo em vista a origem, dizem-se presunções
simples (comuns ou do homem) e presunções legais (ou de direito), como já se men-
cionou. Diz-se que as primeiras são aquelas decorrentes do raciocínio comum do ho-
mem, em considerar verdadeiro um fato, por inferência de outro fato.
As legais, conquanto o raciocínio seja o mesmo, são aquelas decorrentes de criação
legal e, por isso, o próprio raciocínio está traçado na lei.
As presunções legais, no que tange aos seus efeitos, emergentes da lei, subdividem-
-se em absolutas e relativas.31-32
Nas absolutas, desde que provado pelo beneficiário o fato base ou auxiliar, a infe-
rência legal terá que ser necessariamente extraída, não restando possibilidade alguma
de o juiz deixar de atender à presunção tal como consta da lei, ou seja, o fato presumi-
do haverá de ser reputado verdadeiro. Justamente por isso não poderá a parte contrária
provar contra a presunção absoluta, isto é, contra o resultado da presunção absoluta. É
certo, todavia, que a parte que vai sofrer o efeito inamovível de veracidade de fato pre-
sumido absolutamente deve direcionar seus esforços no que respeita à demonstração

31. Na presunção relativa, provado o fato auxiliar ou base, o fato probando será tido por ver-
dadeiro. Por isto, conquanto deva haver atividade probatória, esta não necessita (por parte
do beneficiário da presunção) de se endereçar para o fato presumido, tanto bastando que o
fato auxiliar seja provado. Verbi gratia, se o devedor pretende ter pago a nona prestação (é
a prestação que se discute) e juntar o recibo da décima, por força do art. 322 do CC/2002,
a nona será tida como paga. No entanto, apesar disto, é possível ao credor comprovar que,
conquanto esteja paga a décima, a nona prestação não se encontra paga. A atividade do
devedor pode se endereçar só para o fato auxiliar, ao passo que a do credor há de se dirigir,
necessariamente, para o fato presumido, diante da circunstância de estar provado o fato
auxiliar.
Já se tratando de presunção absoluta, provado o fato auxiliar, é juridicamente irrelevante a
prova da inocorrência do fato presumido, que, no sistema jurídico, será sempre tido como
existente e verdadeiro (v.g., art. 174 do CC/2002). Daí não há de ser admitida mesmo tal
prova.
Desta forma, no campo da presunção absoluta a atividade probatória deve-se exercer, de
lado a lado, exclusivamente, tendo em vista o fato auxiliar. Ainda que se pudesse comprovar
a inexatidão do fato presumido, apesar da existência do fato auxiliar, valeria a verdade do fato
presumido; leva esta proposição jurídica à conclusão da inutilidade, e, portanto, inadmissibi-
lidade de qualquer atividade probatória, tendo em vista o fato probando, propriamente dito.
32. É de se registrar que Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito processual civil,
23. ed. Atual. Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 2, p. 512) acresce às
presunções legais mais uma categoria, qual seja, as presunções mistas ou intermediárias.
Segundo o referido autor, tais presunções são aquelas estabelecidas pela própria lei, mas
que admitem prova em sentido contrário; porém, não será qualquer prova capaz de afastar
a presunção, mas apenas e tão somente aquelas referidas e previstas na própria lei [v.g.,
art. 1.545 e 1.597 do CC/2002 (art. 203 e 338 do CC/1916)].
Teoria Geral da Prova 847

da inocorrência do fato auxiliar ou base. A atividade probatória, portanto, cifrar-se-á em


torno do fato que leva à presunção absoluta. Se a parte conseguir provar não ter ocorri-
do o fato base, ipso facto, não poderá ser invocada a presunção.
É nesse sentido que se haverá de entender o disposto no art. 374, IV, ou seja, “não
dependem de prova” (art. 374, caput) os fatos a respeito dos quais milita a presunção
legal de existência ou veracidade, o que vale dizer que o fato auxiliar ou base, que leva
à presunção, tem de ser objeto de prova. Sob este aspecto, poder-se-ia dizer que a pre-
sunção absoluta, tendo em vista os seus predicados, é quase uma das espécies da prova
legal; será uma prova legal lógica.
Já a presunção relativa pode ser afastada por prova em contrário, realizada pela ou-
tra parte, inclusive quanto ao fato presumido. Ela confere ao seu beneficiário o favor de
que, uma vez provado o fato do qual se vai, ex lege, inferir o outro (que é o probando),
seja este havido como verdadeiro. Todavia, permite que a parte contrária demonstre
que, conquanto provado o fato de que se vai extrair a inferência ou ilação conducen-
te à veracidade do fato probando, tal inferência ou ilação não corresponde à realidade.
O comportamento dos litigantes, dessa forma, em face das presunções relativas, é
algo diverso daquele pertinente às presunções absolutas.
Nas presunções relativas, desenvolve-se atividade probatória – tal como em face das
absolutas – tendo em vista o fato auxiliar ou fato base. Tanto aquele que é o possível benefi-
ciário da presunção relativa quanto seu antagonista devem envidar esforços para eviden-
ciar a ocorrência ou a inocorrência do fato base. Se, todavia, ficar comprovada a ocorrên-
cia do fato base, e, portanto, aquele que é o beneficiário de tal circunstância ficar numa
situação privilegiada, pois, se deverá ter, afinal, e, em princípio, como verídico o fato pre-
sumido, nem por isto terá, todavia, a seu favor, uma situação indestrutível. E isto porque
a atividade probatória do seu adversário poderá se dirigir à comprovação de que, apesar
de provado o fato auxiliar ou base, ainda assim o fato presumido inocorreu. A presun-
ção relativa, portanto, leva a que, mesmo evidenciado o fato base ou auxiliar, admita-se
prova de inocorrência do fato presumido, atividade certamente a cargo daquele que so-
frerá os efeitos legais desfavoráveis decorrentes, ex lege, da existência do fato presumido.

24.3.5. As presunções legais


As presunções legais historicamente são originadas das presunções comuns, que,
num dado instante, ou seja, naquele em que sejam consideradas ou assumidas pelo le-
gislador, passam a ter força impositiva para o juiz, desde que se verifiquem os pressu-
postos de aplicabilidade das presunções (prova do fato auxiliar).
Não é grande o número de presunções legais absolutas (iuris et de iure) no Direito
brasileiro. Como exemplo, podem ser apontadas as seguintes: no CC/2002, arts. 163,
174, 574, 659; v. também, a Lei 8.245/1991, art. 46, § 1º, para a locação de imóveis re-
sidenciais urbanos, e art. 50, caput, para a locação de imóveis urbanos para temporada.
Todas estas hipóteses não admitem prova em contrário, tendo em vista o fato presumido.
Se provado o fato auxiliar, é inexorável que o fato probando (= absolutamente presu-
mido) seja tido como verdadeiro.
848 Manual de Direito Processual Civil

A atividade da parte contrária se desenvolverá, apenas, na tentativa de demonstra-


ção de que o fato auxiliar não ocorreu.
Vejamos alguns exemplos de presunções legais relativas: CC/2002, arts. 232, 322,
324, 500, § 1º, 581, 1.201, 1.203 e 1.231; CCo, art. 457.33 Estas admitem prova em con-
trário, no sentido de que, embora ocorrido o fato auxiliar, não se terá verificado o fato
presumido.
Geralmente, as leis, considerando as hipóteses de presunções legais relativas, utili-
zam-se da expressão “salvo prova em contrário” e similares.
Determina o art. 375 do CPC/2015 ao juiz, finalmente, que, na hipótese de inexis-
tência de normas jurídicas específicas, aplique as regras de experiência comum, tendo
em vista o que ordinariamente acontece, e mesmo as regras de experiência técnica, se
delas tiver conhecimento coincidente com aquele que seja reputado comum e susce-
tível de dispensar perícia. Se, todavia, não tiver tais conhecimentos, ou se os tiver, por
qualquer razão particular, mas a média dos magistrados não os tiver, deverá, igualmen-
te, ordenar a perícia.

24.3.6. As presunções do homem


A presunção hominis significa que existirá uma verdade relativamente a um fato
probando (intuído) decorrente de um fato (provado), presumido pelo juiz, coincidente
com aquela perceptível pelo comum dos homens; é, todavia, uma verdade que não se
encontra definida em lei. O juiz, aceitando uma praesumptio hominis, aceitá-la-á, preci-
samente porque ela expressa algo comum, habitual, e que normalmente ocorre.34
Mesmo que nas presunções hominis exista certa liberdade, pois o único limite exis-
tente para o juiz é a sua racionalidade, o seu bom senso e a sua crítica, não se pode falar,
de forma alguma, em presunção hominis de grau absoluto e nem mesmo de grau relati-
vo. É bem verdade que o art. 375 do CPC/2015 prescreve ao juiz que, sendo o caso, use
de sua experiência comum.

33. Mesmo que se pudesse entender, como faz Fabio Ulhoa Coelho (Código Comercial anotado,
p. 130), que o art. 457 do CCo não teria sido recepcionado pelo art. 178, § 2º, da CF/1988, que
dava a definição de navio brasileiro, tal entendimento não deve prevalecer diante da revogação
daquele dispositivo constitucional pela Emenda Constitucional n. 7, de 15.08.1995, nada
dispondo a atual redação do art. 178 e respectivo parágrafo único da Constituição Federal
sobre a definição de navio brasileiro. Assim, prevalece a disciplina do registro das embarcações
de acordo com o que dispõe a Lei 7.652/1988. O art. 5º, parágrafo único, deste diploma traz
uma presunção legal relativa ao prescrever que “presume-se proprietário a pessoa física ou
jurídica em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o caso”.
34. Como exemplo dessa percepção de uma consequência habitual que gere presunção, v.,
do STJ: “O nexo de causalidade entre os danos suportados pelo autor e a conduta ilícita
dos requeridos já restou suficientemente apreciado alhures. A existência de danos morais
é também incontroversa, na medida em que é de presunção hominis que a lesão grave de
membro, inequivocadamente, causa-lhe lesões de ordem íntima, subjetiva, referente às
tristezas e sentimentos de inferioridade que a própria debilidade lhe trará, prejudicando-o
em sua vida familiar e social” (STJ, AgRg no REsp 914.936/MG, 1ª T., j. 05.02.2009, rel. Min.
Luiz Fux, DJe 18.02.2009).
Teoria Geral da Prova 849

No entanto, devemos considerar que a ideia de experiência comum é, em si mesma,


um conceito vago que, embora suscetível de interpretação, não se reveste da certeza e da
univocidade das revisões legais das presunções relativas ou das absolutas.
No campo das presunções do homem, do ponto de vista lógico, é perfeitamente
possível que, provado um fato, se chegue à conclusão da ocorrência de outro e, ainda,
deste, pelo mesmo tipo de raciocínio, que se admita outro fato. A doutrina, porém, de
um modo geral, tem repelido tal possibilidade.35
Entretanto, no Direito brasileiro, deve-se admitir, diante da amplitude do art. 371
do CPC/2015, a presunção de presunção, em nosso sentir. Dever-se-á, todavia, racioci-
nar com a maior precisão e com redobrada cautela.36
24.3.7. Valoração das presunções hominis
O problema da valoração das presunções do homem envolve maior delicadeza de
raciocínio, o que já não ocorre com as legais, uma vez que, nestas, a atividade mental
do juiz é definida, e, assim, limitada pelo legislador. Desta forma, o que importa apenas
é constatar-se a ocorrência do fato auxiliar.
As presunções do homem não vêm definidas pelo Direito. Assim, cabe à doutrina
determinar os requisitos necessários à admissão de tais presunções. Fala-se, geralmen-
te, em requisitos da gravidade, da precisão e da concordância.37
Por gravidade deve-se entender a intensidade da convicção provocada no juiz.
Em face do requisito da precisão, torna-se necessário que o juiz extraia consequên-
cias precisas, claras e efetivamente possíveis do fato, e não consequências insuscetíveis
ou muito pouco possíveis de serem dele extraídas.
O requisito da concordância consiste na reunião de diversos indícios, conducentes
todos a uma conclusão: admissão de um fato não provado, mas perfeitamente presumí-
vel (= possível logicamente).
Na hipótese de atos jurídicos viciados, tais como a fraude, a simulação e, em geral,
os atos de má-fé, como dispunha o art. 252 do Código de 1939, há de se admitir a prova

35. Sustentam a impossibilidade de se extraírem presunções das presunções (prova indiciária


de segundo grau): Danilo Knijinik, A prova nos juízos cível, penal e tributário, op. cit., pp. 59
e ss.; Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili, Terza edizione. Torino: UTET Giuridica, 2010,
pp. 671; Gian Franco Ricci, Le prove atipiche, Milano: Giuffrè, 1999, p. 334; Nevio Scapini,
La prova per indizi nel vigente sistema del processo penale, Milano: Giuffrè, 2001, p. 56;
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero, Novo código de processo
civil comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 400.
36. No sentido do texto: Clarissa Diniz Guedes, Persuasão Racional e limitações probatórias:
enfoque comparativo entre os processos civil e penal. Tese de Doutorado. Orientador: Prof.
José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: USP, 2013, p. 362-363, com referência a exemplos.
37. A respeito do tema, confiram-se os comentários de Mario Conte, (Commentario al codice
civile (a cura di Paolo Cendon). Artt. 2697-2739. Milano: Giuffrè, 2008. p. 281-302) e de
Michele Taruffo (La prova nel processo civile, Milano: Giuffrè, 2012, p. 1103 e ss.). Tais re-
quisitos são expressamente previstos no art. 2729, primeiro parágrafo, codice civile italiano:
“Le presunzioni non stabilite dalla legge sono lasciate alla prudenza del giudice, il quale
non deve ammettere che presunzioni gravi, precise e concordanti”.
850 Manual de Direito Processual Civil

por indícios e presunções hominis, ou, na verba legis, “por indícios e circunstâncias”. É
claro que, para tal finalidade, úteis serão os indícios e circunstâncias que levam às pre-
sunções hominis, justamente porque tais atos não se praticam às claras, e, assim, bastan-
te difícil é a prova direta dos mesmos. Ainda, útil era o critério constante do art. 253 do
Código de 1939, tangentemente à apreciação dos indícios, ou seja, que “o juiz conside-
rará livremente a natureza do negócio, a reputação dos indiciados e a verossimilhança
dos fatos alegados na inicial e na defesa”, que, embora não seja previsto de forma ex-
pressa pela lei atual, pode-se considerar como ainda aplicável.
Duas novidades do Código Civil, que tangenciam o problema das presunções e que
têm grande aplicação no terreno da investigação de paternidade, merecem ser referi-
das. Uma delas é o art. 231, segundo o qual a parte que se nega a submeter-se a exame
médico não poderá argumentar com a ausência dessa prova, decorrente de sua recusa.
E, ainda, o art. 232, pelo qual se permite ao juiz equiparar a recusa ao exame, à prova
que se pretendia obter com a realização da perícia médica. Há, neste sentido, uma au-
torização legal para que o juiz proceda a um raciocínio por presunção, que não é abso-
luto, mas passível de ser afastado por prova em contrário do investigado.38 Súmula do
STJ é expressa ao referir-se à presunção relativa.39 Conquanto a súmula 301 refira-se a
presunção relativa, há na doutrina opinião valiosa de que trataria, a recusa, num indí-
cio conducente à convicção de que há paternidade.40

24.3.8. A presunção hominis e a prova contrária


Se a parte contrária pediu a aplicação de uma presunção hominis, deverá o adver-
sário tentar neutralizar as consequências possivelmente decorrentes da utilização de
tal presunção.
Poderá, assim, provar contrariamente ao próprio indício ou indícios, diligencian-
do no sentido de demonstrar que tal fato ou fatos indiciários não aconteceram. Se, po-
rém, entender que tal caminho não será frutífero, deverá, mesmo assim, procurar pro-
var que, embora devidamente provado o indício ou indícios, nem por isso o fato (= a
conclusão de fato) que se pretende deles extrair deverá ser aceito. Para tanto, poderá

38. Sobre o tema, ver: Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei (coords.), Prova, exame médico e
presunção – O art. 232 do Código Civil. Salvador: Podivm, 2006.
39. “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade”.
40. Confira-se, neste sentido, artigo de José Carlos Barbosa Moreira “La negativa de la parte
a someterse a una pericia médica (Según el nuevo Código Civil Brasileño), In: Temas de
Direito Processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 159-166, onde se explica que
a introdução do dispositivo no Código Civil veio para aclarar a situação de dúvida gerada
pela orientação do Supremo Tribunal Federal acerca da impossibilidade de compelir o réu
em ação de investigação de paternidade a realizar o exame de DNA (STF, Pleno, HC 71.373,
rel Min. Francisco Rezek, j. 10.11.1994). Observa, ainda, o citado autor, que o preceito legal
estabelece que a conduta processual da parte pode, neste caso, funcionar como um indício,
hábil a fundamentar uma presunção judicial. No mesmo sentido: Fredie Didier Jr., Rafael
Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 260-261.
Teoria Geral da Prova 851

lograr mesmo fazer contra o “fato presumido” a prova contrária. Tal atitude é a mais
indicada, certamente, pois, logrando êxito, cairá por terra a própria possibilidade de
invocação da presunção.

24.3.9. A prova prima facie


Deve-se ao Direito alemão, do início do século XX, a criação teórica da chamada
prova prima facie, destacando o fenômeno do quadro das presunções, onde, diante da
não percepção da possível autonomia da figura, encontra-se encravado.
Enquanto na presunção, provado o fato x (fato auxiliar), admite-se como verdadeiro
juridicamente o fato y (fato presumido), na prova prima facie, provado um determinado
fato, ipso facto, essa mesma prova traz ou carrega consigo uma consequência jurídica,
esta última não autonomamente provada, mas embutida ou imanente no fato provado.
Desde logo, parece-nos legítimo dizer que a admissibilidade da prova prima facie,
geralmente vislumbrada em ações de responsabilidade civil, deve ficar condicionada à
dificuldade de provar-se o nexo de causalidade (v.g., culpa ou dolo) entre o fato e a con-
sequência que acarreta.
Divide-se o entendimento dos juristas no sentido de entenderem a prova prima fa-
cie como encartada no ônus da prova,41 ou, então, no campo da valoração da prova,42
ou, ainda, poderá ser assimilada a uma presunção hominis.43
Com efeito, a partir de exemplos concretos (colhidos da jurisprudência alemã, mas
aplicáveis à nossa realidade e ao nosso Direito), poder-se-á extrair o conceito que nos
interessa. Se um veículo, dirigido em estrada sem defeito algum, bate em uma árvore
(ou em um muro), desse fato emerge a culpa de quem dirigia; se há derramamento de
óleo numa estrada, provocado por uma fábrica, ipso facto, a conduta foi culposa e é atri-
buível à fábrica; se, depois de uma operação há uma hemorragia, com abertura de cor-
te (16 cm por 8 cm), sem que o paciente tenha para isso contribuído, segue-se que houve
culpa do médico.44
O que nos parece é que, provado um determinado fato, a batida no muro, o derra-
mamento de óleo e a hemorragia consequente à operação, encontra-se imantado, em tais
fatos, o da culpa.
A ideia de que este tema se situaria no ônus da prova parece-nos mais aceitável do
que a de que se inseriria na valoração da prova. São duas visualizações, todavia, com-
patíveis com o tema. No entanto, o encarte na temática do ônus afigura-se-nos mais
correto, porque a vítima, em tais casos, teria o ônus de provar apenas: a) o desastre na

41. V. Fritz Baur, Zivilprozessrecht (Direito processual civil), 167, p. 158.


42. V. Rosenberg-Schwab, Zivilprozessrecht (Direito processual civil), 10. ed. Munique:
Beck’sche, 1969, § 114, 3.
43. V., a propósito: Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso
de direito processual civil, v. 2, Salvador: JusPodivm, 2015, p. 74; Eduardo Cambi, A prova
civil: admissibilidade e relevância, São Paulo: RT, 2006, p. 385 e ss.
44. Exemplos colhidos em Fritz Baur, Zivilprozessrecht. Frankfurt am Main: Metzner, 1985, n.
167, p. 158.
852 Manual de Direito Processual Civil

estrada; b) o derramamento de óleo; e c) a hemorragia, com o que, ipso facto, teria pro-
vado a culpa, realidade imanente ao próprio fato provado. A mesma coisa se diga de ob-
jeto caído (ou jogado) de um prédio e que tenha ferido alguém. Bastará provar a que-
da (tenha sido atirado ou tenha caído), que estará provada a culpa. Eventualmente, o
ônus da prova contrária será, de outra parte, extremamente difícil. É possível, no entan-
to, provar que o apartamento de onde caiu o objeto havia sido assaltado (apesar de bem
fechado, tendo sido rendido o zelador ou guarda), e que foram os ladrões que teriam
deixado cair o objeto.
Se se encarta no ônus da prova, no entanto, coloca-se como modalidade particular-
mente acentuada de presunção hominis, no sentido de defluir claramente do fato mesmo a
culpa, ou dolo, que serão os critérios legais geradores de responsabilidade civil.

24.3.10. A prova prima facie e o problema do ônus da prova


Na prova prima facie, a parte contrária demonstrará apenas que, conquanto aquelas
consequências pudessem ser extraídas dos fatos, no caso específico não se verificaram.
Assim, a parte que seria considerada como tendo agido culposa ou dolosamente, evi-
denciando que assim não agiu, ficará isenta de qualquer responsabilidade.
Há, pois, com a prova prima facie,45 verdadeira inversão de ônus da prova.

24.4. Ônus da prova


24.4.1. Introdução
Aplica-se a teoria do ônus da prova a todos os processos, atendidas, certamente, as
peculiaridades de cada um. As regras do ônus da prova se destinam aos litigantes do
ponto de vista de como se devem comportar, à luz das expectativas (ônus) que o pro-
cesso lhes enseja, por causa da atividade probatória.
O juiz, como é imparcial, não deve influir na conduta dos litigantes, salvo se, ex-
cepcionalmente, tiver que atribuir o ônus da prova de modo diverso do que estabelece
a regra geral (art. 373, §§ 1º e 2º do CPC/2015) ou se tiver que decidir sobre a validade
da convenção celebrada pelas partes a respeito do tema (art. 373, § 3º, do CPC/2015).
Em ambos os casos, o risco de imposição, a uma das partes, de um ônus probatório ex-
cessivamente difícil de ser cumprido justifica a ingerência judicial, pois o desequilíbrio
decorrente de tais situações pode ocasionar até mesmo a nulidade do processo, ofenden-
do, por exemplo, o principio do contraditório.
Para as partes, as regras sobre distribuição do ônus da prova funcionam como uma
espécie de distribuição de riscos. Determinam estas regras quem sofrerá a consequên-
cia negativa decorrente da insuficiência probatória.
Como regra geral, o CPC/2015 estabelece que incumbe o ônus da prova: ao autor,
quanto ao fato constitutivo do seu direito (v.g., a sua propriedade e lesão, posse e turba-

45. Sobre o assunto, consultar Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT,
1972, v. 2, Cap. XXX, p. 443 et seq.
Teoria Geral da Prova 853

ção ou esbulho; locação e infração etc.); ao réu, quanto à existência de fato impeditivo
(v.g., não está em mora, porque sua prestação depende de prestação do autor), modifi-
cativo (v.g., falta de requisito do negócio jurídico em que se estriba o autor, ou a situação
em que se baseia o autor se alterou) ou extintivo (v.g., pagamento, remissão e, comu-
mente, decadência) do direito do autor (art. 373, caput e seus incisos, do CPC/2015).46

24.4.2. Distinção entre ônus, obrigação e dever


A distinção que se afigura primordial é a de que a obrigação pede uma conduta cujo
adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o outro polo da relação
jurídica. Havendo omissão do obrigado, este será ou poderá ser coercitivamente obrigado
pelo sujeito ativo. Já com relação ao ônus, o indivíduo que não o cumprir sofrerá, pura
e simplesmente, em regra, as consequências negativas do descumprimento, que recai-
rão sobre ele próprio. Aquela é essencialmente transitiva e o ônus só o é reflexamente.47
Outra distinção importante que cabe fazer entre ônus e obrigação é a circunstância
de esta última ter um valor e poder, assim, ser convertida em pecúnia, o que não ocor-
re no que tange ao ônus.
Há, ainda, uma terceira figura, a do dever (stricto sensu). Além de não ser conversí-
vel em pecúnia, tem como característica básica a “perpetuidade”, ao contrário do ônus
e da obrigação, que se esgotam com o seu cumprimento.
Exemplo de dever processual é o da boa-fé (art. 5º do CPC/2015).

24.4.3. O ônus perfeito e o ônus imperfeito


O ônus da prova não é tão inexorável como outros. Se alguém não prova o fato de
que depende o seu direito, se normalmente perderia a demanda, é possível, todavia,
que o seu adversário desavisadamente prove esse fato e, fatalmente, isto o aproveita
(art. 371 do CPC/2015).
Já o ônus de recorrer de uma sentença totalmente contrária, onde não haja duplo
grau de jurisdição obrigatório, é quase absoluto, pois, nessa hipótese, é provável a con-
solidação do decidido. Quase absoluto mesmo cabendo recurso. Em rigor, é apenas se-
guro que recorrendo se evite, desde logo, ou que se atrase, a consolidação da decisão.
Parece-nos, pois, cabível a distinção, no sentido de que se terá ônus perfeito quan-
do, do descumprimento de uma atividade processual, necessariamente decorre uma
consequência jurídica danosa. O indivíduo que perdeu a demanda tem o ônus de re-

46. Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco. Teoria geral do processo. 23. ed. São
Paulo: Malheiros, 2007, n. 228.
47. Cf. Marici Giannico, A prova no Código Civil: natureza jurídica, A prova no código civil:
natureza jurídica. São Paulo: Saraiva, 2005, n. 20, p. 95: “Como é intuitivo, os ônus diferem
substancialmente das obrigações e dos deveres. Enquanto o descumprimento de um ônus
não causa mal algum nem frustra expectativas de outras pessoas, a inobservância de uma
obrigação ou de um dever contraria o direito e, portanto, deve ser sancionada de forma a
propiciar ao prejudicado resultado idêntico que seu cumprimento espontâneo produziria”.
854 Manual de Direito Processual Civil

correr. Se não o fizer, consolidar-se-ão os efeitos do decidido. Já não se constitui em um


exemplo de ônus perfeito a revelia: o réu tem o ônus de contestar a ação, mas, caso não
a conteste, nem sempre se reputarão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 344
do CPC/2015 e exceções previstas no art. 345), como ainda os fatos constitutivos do
pedido deverão ser críveis. Normalmente, advirão daí consequências de transcendental
importância no campo do processo. Conclui-se, portanto, que o ônus será imperfeito
quando, em verdade, a consequência danosa for possível, mas não necessária.

24.4.4. Correlação do ônus da prova com os princípios dispositivo e inquisitório48


A incidência dos princípios dispositivo e inquisitório no processo civil é tema que,
há tempos, tem afligido os juristas, por repercutir nos limites da atuação das partes e do
juiz.49 No campo do direito probatório, verifica-se esse embate com intensidade ainda
maior. Frequentemente, observa-se que a ideia de busca da verdade é associada à conces-
são de maiores poderes probatórios ao juiz, o que não se afigura necessariamente correto.
Em linha de princípio e em termos ideais, deve haver uma relação teleológica en-
tre prova e verdade.50 Isso porque a garantia do direito das partes só pode ser alcançada
de forma justa se a premissa fática da sentença judicial guardar correspondência com a
verdade. Nessa medida, o convencimento do juiz se deve basear nessa correspondência
entre a realidade fenomênica e os elementos probatórios extraídos do processo. Embo-
ra se tenha consciência da falibilidade humana, em nenhuma hipótese admite-se que
o convencimento judicial seja dissociado, em termos finalísticos, da busca da verdade.
Em suma: a verdade é, sim, um valor perseguido no processo, sobretudo na atividade
probatória.
Por outro lado, o processo civil comporta um largo âmbito de dispositividade, o que
limita – mas não inviabiliza – a busca da verdade. A primeira limitação imposta pelo
princípio dispositivo refere-se aos limites da demanda, que precisam ser respeitados
na atividade probatória. É dizer: somente constituem objeto de prova as questões que
tenham relação com a discussão travada entre as partes em juízo. Ao juiz não é dado ir
além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso.
Assim, também, a generalidade das ordens jurídicas positivas, adotando o princípio
dispositivo, aceita, correlatamente no campo da prova, o ônus da prova como um dos

48. A propósito deste tema, cf. nossa publicação: Arruda Alvim, Questões controvertidas sobre
os poderes instrutórios do juiz, a distribuição do ônus probatório e a preclusão pro judicato
em matéria de prova. In: Fredie Didier Jr.; Glauco Gumerato Ramos; Wilson Levy,. (Org.).
Ativismo Judicial e Garantismo Processual. 1ed.Salvador: Podivm, 2013, v. 1, p. 97 e ss.
49. Cf., sobre o tema: Juan Montero Aroca, (coord.), Proceso civil e ideologia: un prefacio, una
sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: ed. Tirant lo blanch, 2006; Leonardo Gre-
co, Publicismo e Privatismo no processo civil. Revista de Processo [RePro], n. 164, ano 33,
out. 2008, p. 29-48; Barbosa Moreira, Neoprivatismo no processo civil. Revista de Processo
[RePro] n. 122, p. 9-21.
50. Em sentido contrário: Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil. 4. ed. Navarra:
Thomson Civitas, 2005, p. 45, para quem a busca da verdade não pode ser a função do
processo civil.
Teoria Geral da Prova 855

elementos primordiais na distribuição do dever às partes, determinando essa ordem ju-


rídica quem, quando e como deve trazer a prova, de tais e quais fatos.
Por isso, o art. 370 do CPC/2015 somente poderá ser corretamente aplicado pelo
juiz nas hipóteses em que não seja especificamente o caso de aplicação do ônus da pro-
va e desde que haja um fato incerto, e esta incerteza seja emergente da prova já produzi-
da e não de eventual omissão de uma das partes. O art. 370, pois, aplicar-se-á como um
posterius à insuficiência da prova produzida. Como já asseverado a busca da verdade no
processo civil é um dos objetivos almejados, mas não o único, de sorte que essa busca se
submete às restrições determinadas pelo ordenamento jurídico,51 sendo o ônus da pro-
va o caminho natural para a resolução da lide caso a ausência de elementos suficientes
decorra da inércia de uma das partes.52-53
Nada obstante considerações diversas, é de se ressaltar que têm preponderado, cada
vez mais, algumas condutas oriundas de uma ideia não individualista do processo, e,
mais, que o processo não deve ser sede da perda de direito,54 nem, correlatamente, da
atribuição injustificada de bem jurídico. Assim, a hipótese de o magistrado verificar
que a parte não provou porque não tinha direito. Na verificação para tanto, ingressam
vários fatores, até a intuição, não terá o juiz, nesse caso, dificuldade de resolver o qua-
dro pelo ônus da prova; se, todavia, à luz das mesmas motivações, chegar à convicção
de que pode, com grau acentuado de convicção, haver perda de direito e atribuição de

51. Nesse sentido, confira-se a seguinte obra: Jordi Ferrer Beltrán, Prova e verità nel diritto.
Bologna, Società editrice il Mulino, 2004, passim.
52. Existe, atualmente, uma tendência no sentido de se hipertrofiar o poder do juiz, no que diz
com sua atividade ex officio – inspirada, acredita-se, por uma concepção não individualista
de Justiça –, e, correlatamente, minimizar a importância da eventual inércia do litigante
que não tenha diligenciado na atividade probatória. Exemplo desta orientação é a posição
assumida por Barbosa Moreira (O juiz e a prova, Revista de Processo [RePro] 35/178 et
seq., especialmente p. 180, 1978), e que já assim se manifestara em relatório ao Congresso
Internacional realizado em 1977, na Bélgica – cf. Walther J. Habscheid, As bases do Direito
Processual Civil (trad. de Arruda Alvim). Revista de Processo [RePro] 11-12/117 et seq.,
1978, v. especialmente, p. 143, 8, letra b, nota 176; igualmente é a tendência denunciada
pelo relator italiano, a esse Congresso, Nicòlo Trocker (op. ult. cit., 143, 177). Lembra-se,
no relatório geral, o novo Code de Procédure Civile francês que, em seu art. 7º, alíneas
2 e 9, possibilita poder oficioso ao juiz, e o § 139 do CPC alemão, no sentido de que o
juiz tem o dever de colocar questões para relacionamento do litígio. No entanto, e, em
síntese, se conclui: a) que sempre o discrímen superior será o da imparcialidade do juiz;
b) de qualquer forma, é inviável cogitar-se da existência de um processo suscetível de ser
qualificado como “inquisitório” na Europa Continental (op. ult. cit., conclusões do relator
geral, p. 143-144).
53. Sobre as principais teorias acerca do ônus da prova, v. Alfredo Buzaid, Do ônus da prova.
Revista de Direito Processual Civil, vol. IV/6– et seq., 1964. Na doutrina clássica italiana, v.
Gian Antonio Micheli. L’onere della prova. Padova: Cedam, 1966.
54. A servir de supedâneo, todavia, a esta linha em que avançam muitas opiniões, devemos
recordar o CPC da Colômbia que, em seu art. 6º, prescreve que, atinentemente à interpre-
tação da norma processual, o critério superior e intransponível é o de que o processo não
serve à criação de direitos (e, logicamente, não se presta à supressão de direito de quem o
tenha).
856 Manual de Direito Processual Civil

bem jurídico “indevidamente” à outra parte, possivelmente, e, cada vez mais, interpre-
tar-se-á o sistema atrofiando-se o espaço do art. 373 do CPC. Desta forma, portanto,
acredita-se que, apesar das interpretações que podem ser dadas sendo viável e não ha-
vendo prejuízo à imparcialidade, o juiz não deixará de ordenar a realização de prova,
ainda que omisso o litigante, se se convencer de que haverá perda de direito.
Os critérios que poderão ser utilizados pelo magistrado para exercer esse poder
subsidiário deverão basear-se: na prova já produzida (que poderá trazer alusões a ou-
tras fontes e meios de provas, tais como testemunhas referidas, informações de acesso
público ou em poder de terceiros etc.), na condição paritária ou não das partes, na na-
tureza indisponível dos direitos versados em juízo e na eventual impossibilidade de os
fatos subjacentes à causa serem objeto de confissão. Acredita-se que qualquer desses
critérios autoriza a iniciativa probatória do juiz, em busca de uma premissa fática ver-
dadeira, apta a embasar uma sentença justa.
Afigura-se que, desta forma, podem ser equilibradas, de um lado, a autonomia e li-
berdade das partes quanto à forma de defender os próprios direitos fundamentais e, de
outro, a possibilidade ou necessidade de intervenção judicial para solução da lide, por-
quanto o juiz só intervirá em caso de estrita necessidade.

24.4.5. Fundamentos da repartição do ônus da prova

Acredita-se serem os seguintes os fundamentos ou princípios gerais do Direito que,


particularmente, informam a teoria do ônus da prova: 1º) o da igualdade da posição
dos litigantes; 2º) o de se imprimir “autorresponsabilidade” aos litigantes, princípio em
verdade dessumido do primeiro; assim, por exemplo, o litigante que não age diligen-
temente, dentro dos prazos (preclusão temporal), é responsável pelas consequências
advindas da sua inércia, ou seja, deve suportar o que possa decorrer da omissão. Justifi-
ca-se a expressão “autorresponsabilidade”, no sentido de que alguém é “responsável”
pelos seus atos ou omissões. É certo, porém, que o sentido tradicional de responsabi-
lidade é o de dirigir-se a outrem, e, pois, supõe outra pessoa.
O que informa a regra geral da distribuição do ônus da prova é a facilidade que in-
dica quem deve provar.
Apesar da regra geral disposta no caput do art. 373 do CPC/2015, as partes podem
convencionar sobre a distribuição diversa do ônus da prova, toda vez que a demanda
não versar sobre bem ou direito indisponível e desde que não fique sobremaneira difi-
cultado a uma das partes conseguir provar os fatos (art. 373, § 3º, do CPC/2015). Ainda
aqui transparece o critério da facilidade. 55

55. Para uma abordagem atual sobre a convenção sobre os ônus da prova, recomenda-se a
leitura de Robson Renault Godinho, A autonomia das partes no projeto ao novo código de
processo civil: a atribuição convencional do ônus da prova. In: Alexandre Freire et. al. (org.).
Novas tendências do processo civil (estudos sobre o projeto de Novo Código de Processo
Civil). v III. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 557-590; Rinaldo Mouzalas e, Jaldemiro Rodri-
gues de Ataíde Júnior, Distribuição do ônus da prova por convenção processual. Revista de
Teoria Geral da Prova 857

24.4.6. A sentença, o raciocínio do juiz e a função do ônus da prova


De um modo geral, pode-se dizer que, recaindo sobre uma das partes o ônus da pro-
va relativamente a tais e quais fatos, não cumprindo esse ônus e inexistindo nos autos
quaisquer outros elementos, pressupor-se-á um estado de fato contrário a essa parte.
Assim, quem deveria ter provado e não o fez, perderá, em regra, a demanda.
Ademais, tendo o réu negado a existência do fato do qual nasceria sua obrigação,
incumbe ao autor o ônus da prova, sob pena de improcedência do pedido.56
Outrossim, havendo impugnação da validade de documento particular, ao impug-
nante compete o ônus da prova, sob pena de não ser acolhida sua arguição.
Dos exemplos citados, extrai-se a conclusão, amparada em Leo Rosenberg, de que
a regra relativa ao ônus da prova tem caráter complementar ao raciocínio do juiz e ao
princípio da persuasão racional. Em verdade, diz o mesmo autor, “o domínio do ônus
da prova começa ali onde o domínio da livre apreciação termina”.57

24.4.7. A convenção das partes na distribuição do ônus da prova


Viu-se, anteriormente, que o ônus da prova incumbe ao autor e ao réu, conforme a
distribuição do art. 373 do CPC/2015. Entretanto, as partes poderão, antes ou durante
o processo, convencionar distribuição diversa, toda vez que a demanda não versar so-
bre bem ou direito indisponível e desde que não fique sobremaneira dificultado a uma
das partes conseguir provar os fatos (art. 373, § 3º).
No caso de bem indisponível, como a ordem jurídica só vulnerará o bem indispo-
nível diante da verificação dos pressupostos da legitimidade de tal ocorrência, não será
possível que, não provados os pressupostos, haja sentença contrária ao referido bem.
Ou se provam os pressupostos, ou a sentença terá de ser contrária àquele que preten-
der vulnerar o referido bem. Assim, se se tratar de anulação de casamento, não é pos-

Processo. v. 240, fev. 2015, p. 399-421; Lucas Buril de Macêdo, Negócio processual acerca
da distribuição do ónus da prova. Revista de Processo. v. 241, mar. 2015, p. 463-487.
56. “É da parte autora o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 333,
I, do CPC [de 1973]. Assim, no caso em comento, pretendendo o autor a declaração de
nulidade da transferência do veículo, caberia a ele demonstrar o vício de consentimento
que contaminou o negócio jurídico celebrado com os recorridos. (...)” (STJ, 4ª T., AgRg no
AREsp 665.862/MG, rel. Min. Raul Araújo, j. 25.08.2015, DJe 16.09.2015).
57. Leo Rosenberg, La carga de la prueba. Traducción de la tercera edición de la obra alemana “Die
Beweilast” (1951) de Ernesto Krotoschin, Buenos Aires: EJEA, 1956, § 6, p. 56-57. O trecho
completo, na versão castelhana, é o seguinte: “La apreciación libre de la prueba y la carga de la
prueba dominan dos terrenos que si bien están situados muy cerca uno del otro, están separados
claramente por límites fijos. La apreciación libre de la prueba enseña al juez a obtener libremente
la convicción de la verdad o falsedad de las afirmaciones sostenidas y discutidas, en el proceso,
del conjunto de los debates, a base de sus conocimientos de la vida y de los hombres; la carga
de la prueba le enseña a hallar la solución cuando la libre apreciación de la prueba no ha dado
ningún resultado. El dominio de la carga de la prueba comienza allí donde termina el dominio de
la libre apreciación de la prueba; si el juez atravesó este último sin poder encontrar la solución,
la carga de la prueba le da lo que la libre apreciación de la prueba le negó”.
858 Manual de Direito Processual Civil

sível que o autor convencione com a ré que, alegados certos fatos, seriam eles tidos por
verdadeiros, salvo se a ré provasse serem inverídicos. É evidente que a omissão da ré, in
casu, levaria à anulação do casamento, sem que os respectivos pressupostos de direito
material estivessem efetivamente comprovados. Ainda, em sendo o bem indisponível,
tal convenção ofenderia a ordem jurídica, em ponto que não pode ser afetado, pois, di-
reta ou indiretamente, não pode haver disposição do bem.
Quanto ao inc. II do art. 373, a admissibilidade de convenção, nos casos em que
muito difícil fosse à parte a prova, significaria que a ordem jurídica estaria transigindo
com convenções, que, em última análise, acabariam fazendo com que muitos direitos
– mesmo disponíveis – perecessem em caso de litígio, o que é inadmissível. Se a parte
quer transigir, que o faça, mas não se reconhece validade a convenções dificultadoras do
exercício do direito, pois isto importaria usar ou erigir o processo como elemento con-
tributivo de álea, e, nessa medida, até eventualmente obstativo do exercício do direito.

24.4.8. A alegação de fato modificativo, impeditivo ou extintivo e o ônus da prova


de acordo com a regra geral (estática) do art. 373, caput, do CPC/2015
Se o autor vem cobrar uma dívida em juízo e a parte contrária admite que deve, mas
opõe um fato extintivo à cobrança, a esta (parte que alegou) incumbe provar a extinção
da obrigação.58 Quando o réu, por exemplo, alega pagamento em ação na qual lhe está
sendo cobrada uma dívida, é seu o ônus da prova.59
Aliás, é esta a orientação do Código de Processo Civil, na regra geral sobre a distri-
buição do ônus da prova: “O ônus da prova incumbe: (...) ao réu, quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (art. 373, II).
Assim, reconhecido o fato constitutivo, cabe ao réu a prova do fato excludente ou
extintivo, pois aquele passará a ser fato incontroverso, porque como tal admitido no
processo (art. 374, III, do CPC).
Quando a contestação é apresentada pelo curador especial, que se limita à negativa
geral, o ônus da prova compete ao autor.60

24.4.9. A flexibilização do ônus da prova e a teoria das cargas dinâmicas


probatórias
Até aqui, discorreu-se sobre a regra geral respeitando ao ônus da prova, contida no
caput do art. 373 do CPC, que reproduz o disposto no art. 333, caput, do CPC/1973.

58. STJ, REsp 759.056/PR, 1.ª T., j. 06.09.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005, p. 255; TJSP,
RT 181/323.
59. Assim, “(...) A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato ex-
tintivo do direito do autor, seja porque é necessário evidenciar a solutio, demonstrando o
cumprimento da obrigação.” (STJ, 3ª T., RHC 38.233/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha,
j. 18.02.2014, DJe 28.02.2014).
60. Afirma-se, em julgado do TJPR, que “a contestação apresentada por curador especial, dado
ao revel citado por edital, ainda que por negação geral, torna os fatos controvertidos, não
estando o autor isento do ônus da prova quanto aos constitutivos do seu direito” (TJPR, ApCív
150379-7, j. 08.03.2005, rel. Des. Roberto de Vicente).
Teoria Geral da Prova 859

Contudo, é de se consignar que esta regra não considera as circunstâncias concretas da


causa que, algumas vezes, se aplicadas poderiam vir a ocasionar iniquidades na apli-
cação do ônus da prova. Por isso, a regra estática, fundamentada em critérios gerais e
abstratos que podem não se verificar no caso concreto, sempre foi alvo de preocupação
pela doutrina e jurisprudência. Isso ocorria porque, eventualmente, a distribuição pré-
-estabelecida em lei com base na posição das partes e nos fatos a serem provados pode
estabelecer uma prova extremamente difícil ou até impossível de ser realizada para o
sujeito onerado.
Amparada na preocupação histórica com a prova diabólica (de realização impossível
ou muito difícil por uma das partes), a Teoria da Carga Dinâmica das Provas, desenvol-
vida pelo argentino Jorge W. Peyrano,61 permite a flexibilização das regras relativas ao
ônus da prova com base nos princípios da igualdade, da lealdade e da cooperação pro-
cessual. Concede-se ao juiz, por esta teoria, a possibilidade de modificar a distribuição
do ônus probatório previsto na regra estática sempre que, no caso concreto, tal regra
geral possa conduzir à dificuldade ou impossibilidade de uma das partes se desincum-
bir do ônus que lhe tenha sido atribuído legalmente.
Trata-se de teoria expressamente acolhida pelo CPC vigente, que permite ao juiz,
por decisão fundamentada, atribuir o ônus da prova de modo diverso do previsto na
regra geral do art. 373, caput e incisos, “nos casos previstos em lei ou diante de peculia-
ridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir
o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato con-
trário” (art. 373, § 1º, do CPC/2015).
De fato, a nova legislação adotou, expressamente, um sistema flexível da distribui-
ção das cargas probatórias, de sorte que o critério da maior ou menor facilidade do liti-
gante na produção da prova integra a sistemática pátria, concedendo-se ao magistrado
certa margem de liberdade para analisá-lo, à luz das circunstâncias legais.

61. A teoria, em si, não poderia ser atribuída à originalidade do citado doutrinador argentino,
pois, como observa Robson Renault Godinho (A distribuição do ônus da prova na perspectiva
dos direitos fundamentais. In: Camargo, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares
de direito constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 293-
311 p. 307), há registros bem fundamentados de que o critério orientador da teoria das
cargas dinâmicas data de épocas mais remotas. De acordo com a pesquisa empreendida
por Godinho, para alguns doutrinadores, como Alexandre Câmara e Maximiliano García
Grande, as raízes da teoria poderiam ser entrevistas na obra de Bentham, e, no âmbito do
direito argentino, há notícia de que já em 1957 a Corte Suprema da Argentina teria decidido
com base em critérios “dinâmicos”. Contudo, conclui o citado autor, “não se pode deixar de
reconhecer a importância da formulação e da divulgação das ideias que decorreram dessa
formulação doutrinária para o incremento do debate sobre a distribuição do ônus da prova”
(op. cit., p. 307-308).
São as seguintes as fontes citadas pelo autor, cuja leitura é recomendável: Jorge W. Peyrano
(dir.), Inês Lépori White (coord.), Cargas probatorias dinámicas, Buenos Aires: Rubinzal-Cul-
zoni, 2004; Maximiliano García Grande. Las Cargas Probatorias Dinámicas: inaplicabilidad,
Rosario: Juris, 2005; Alexandre Freitas Câmara, Doenças preexistentes e ônus da prova: o
problema da prova diabólica e uma possível solução, Revista Dialética de Direito Processual,
n. 31, out. 2005.
860 Manual de Direito Processual Civil

Observe-se, no entanto, que a mitigação das regras estáticas de distribuição do ônus


da prova se deve operar excepcionalmente e ser analisada fundamentadamente, com
extrema cautela pelo magistrado. Nesse sentido, Danilo Knijnik esclarece que “o ônus
dinâmico não pode ser aplicado para simplesmente compensar a inércia ou a inativida-
de processual do litigante inicialmente onerado, mas, única e exclusivamente, para evi-
tar a formação da probatio diabolica diante da impossibilidade material que recai sobre
uma das partes, à luz do fato e da sintaxe da norma”.62 Ainda, não é suficiente susten-
tar que uma parte está em melhor posição para a produção da prova se, por outro lado,
não estiver demonstrada a impossibilidade ou dificuldade extrema da parte onerada.63
Antes do CPC/2015, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), já previa
de maneira expressa a possibilidade de se inverterem as regras relativas ao ônus proba-
tório em favor do consumidor, com o fim de garantir o acesso à justiça, desde que de-
monstradas a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das alegações (art. 6º,
VIII, do CDC). Na vigência do CPC/1973, ao contrário, se exigia a interpretação cons-
titucional dos dispositivos relativos à distribuição do ônus da prova para o fim de per-
mitir a inversão do ônus da prova.64

62. Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007,
p. 180.
63. Nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni, Novo curso de processo civil. v II: Tutela dos direitos
mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015, p. 267-268. Diversamente, adotan-
do a interpretação literal do art. 373, § 1º, do CPC, Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de
Oliveira e Paula Sarno Braga (Curso de Direito Processual Civil, v. II: Teoria da prova, direito
probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Podivm,
2015, p. 128) admitem a possibilidade de inversão do ônus da prova mediante a verificação
de apenas um dos requisitos: a prova diabólica ou a maior falcilidade de obtenção da prova
do fato contrário.
64. Note-se, todavia, que, já em 1996, o STJ prolatou acórdão inspirado na teoria das cargas
dinâmicas, levando em consideração o critério da disponibilidade do litigante para a pro-
dução da prova (STJ, REsp 69.309/SC, 4ª T., j. 18.06.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 26.08.1996, p. 29688, JBCC, v. 194 p. 55; LEXSTJ, v. 89, p. 155; RSTJ, v. 87, p. 287).
Em sede doutrinária, já se podia extrair a seguinte argumentação “As regras do ônus da
prova devem se coadunar com os princípios que regem o direito processual. É impossível
assegurar a igualdade das partes e o devido processo legal, na medida em que se exige de
uma das partes algo que ela não pode fazer, e ao mesmo tempo, sujeitá-la a uma decisão
desfavorável em decorrência dessa situação. Seria uma iniquidade”. Prossegue, ponderando
que “é o próprio Código de Processo Civil que proíbe às partes que a convenção sobre a
distribuição do ônus da prova possa tornar excessivamente difícil a uma delas o exercício do
direito (...). Ora, se a lei proíbe, no campo do direito disponível, a convenção que resultar
em excessiva dificuldade para uma das partes produzir a prova de fatos relevantes, como
admitir que o legislador possa fazê-lo?” (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Acesso à Justiça –
Juizados Especiais Cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do
processo, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 75).
Humberto Theodoro Jr. também registrava o abrandamento doutrinário-jurisprudencial
ao sistema legal do ônus da prova, especialmente em ações de responsabilidade civil
decorrentes da prestação de serviços técnicos, aludindo à distribuição dinâmica do ônus
probatório (Curso de direito processual civil, v. I, 49. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2008,
p. 431). Leonardo Greco, com apoio em Taruffo (Presunzioni, inversioni, prova del fato.
Teoria Geral da Prova 861

Parece, como já dito, que em qualquer das hipóteses de flexibilização do ônus pro-
batório, seja no CPC/73, no atual CPC, ou no CDC (art. 6º, VIII), não se pode entender
a inversão como automática, pois depende da verificação dos requisitos respectivos. Do
contrário, aplicam-se as normas gerais estáticas.
A inversão somente será automática quando se tratar de hipótese em que a lei ob-
jetivamente estatui, como é o caso do art. 38 do CDC, que dispõe: “O ônus da prova da
veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as pa-
trocina”. Nesse caso, como já se expôs noutra ocasião, ao réu-patrocinador, que em re-
gra será o fornecedor, é a quem sempre caberá provar que a publicidade foi coincidente
com o produto, ou seja, retratou ela fielmente os atributos, de que o produto é, efetiva-
mente, portador”.65 A existência de norma específica a estabelecer esse ônus da prova
[i.e., basta se configurar a hipótese de invocação de publicidade enganosa para se ope-
rar essa inversão (ou aparente inversão) quanto à veracidade da informação], reforça o
argumento de que, ao revés do que se possa crer, a genuína inversão prevista no inc. VIII
do art. 6º do CDC não é automática para todas as relações de consumo.
Quanto ao momento adequado à inversão do ônus da prova pelo juiz, extrai-se, da
redação da parte final do § 1º do art. 373 do CPC/2015, que prevaleceu o entendimen-
to segundo o qual a decisão que a determina deverá reservar espaço útil para a realiza-
ção da prova, sob pena de se desconsiderar o princípio fundamental do contraditório.
Ora, com efeito, se redistribuído o ônus da prova, há de se ensejar àquele, sobre quem
veio caber o ônus, oportunidade útil para que desse se desempenhe. E, na hipótese de
a inversão não ser determinada ensejando essa oportunidade – v.g., momento imedia-
tamente anterior à prolação da sentença –, isso violará o contraditório; é por isso que
uma inversão deve sempre levar à exigência de o juiz, então, abrir espaço para que haja
desempenho possível por aquele a quem veio a caber o ônus. Nessa hipótese, o juiz não
deverá prolatar a sentença, mas ensejar esse espaço àquele a quem determinou houves-

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Giuffrè, Milano, ano XLVI, 1992, p. 733 e
ss.), fazia menção a teorias análogas, que justificavam a flexibilização das regras sobre o
ônus da prova, como a da Anscheinsbeweis (prova da aparência) ou a da Wahrcheinlichkeit
(juízo de verossimilhança), que, mediante presunções simples, conduzem à inversão do
ônus da prova em inúmeras situações. Chamava a atenção para o critério da disponibilidade
probatória acolhido pelo direito espanhol e conclui que, em nosso ordenamento, há pos-
sibilidade de inversão do ônus da prova mesmo fora das hipóteses do art. 6º, VIII, do CDC,
sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, o magistrado puder vislumbrar que
as regras ortodoxas do ônus da prova acarretam dificuldade excessiva a uma das partes no
exercício de seu direito (A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil,
Estudos de direito processual, Campos dos Goytacases: Editora da Faculdade de Campos,
2005, p. 369). Para Robson Renault Godinho, a inversão do ônus da prova fora das relações
de consumo, com base na Teoria das Cargas Dinâmicas da Prova, decorre dos princípios
da igualdade, lealdade, boa-fé e veracidade, solidariedade, devido processo legal e acesso
à justiça (A distribuição do ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais. In: Ca-
margo, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares de direito constitucional: direitos
fundamentais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 306).
65. José Manoel de Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim, Thereza Alvim e James Marins, Código
do Consumidor comentado, p. 93.
862 Manual de Direito Processual Civil

se de provar, antes de prolatar efetivamente a sentença. É justamente nesse sentido que


dispõe o CPC/2015, com a exigência de se dar à parte oportunidade para desempenho
adequado do ônus que lhe for atribuído.

24.5. Produção antecipada de provas


24.5.1. Aspectos conceituais
Atualmente, verifica-se o gradativo rompimento de alguns dogmas precedentemen-
te arraigados em matéria probatória.
O primeiro, já referido quando do estudo do princípio da aquisição processual, diz
respeito ao destinatário da prova. A partir da compreensão da prova como direito fun-
damental, não se pode mais entender o juiz como seu único destinatário, uma vez que
a atividade e o resultado da prova passam a se dirigir, em grande medida, às partes.
A compreensão da prova como direito também influencia na superação da ideia de
uma estrita vinculação entre prova e julgamento estatal,66 admitindo-se, contempora-
neamente, a existência de um direito à prova autônomo à existência de uma relação
processual.
O requerimento de produção antecipada de provas, então, visa justamente a garantir
à parte seu direito fundamental à produção de prova sobre fatos justificadamente rele-
vantes, em algumas hipóteses independentemente da existência de um processo (atu-
al ou futuro). O requerimento do art. 381 do CPC/2015 serve, tão somente, para as três
primeiras fases do procedimento probatório: postulação, admissão e produção,67 sem
que seja necessária ou possível a valoração do material obtido.
A produção antecipada de prova pode ter caráter cautelar ou autônomo. No caso
da produção antecipada cautelar, há a necessidade de indicação de um processo atual
ou futuro (art. 381, I, do CPC/2015), com indicação do risco de perecimento da prova.
Quando se cogita do exercício do direito autônomo à prova, a indicação do interesse na
produção desta se adstringe à necessidade de esclarecimento de algum fato.68

66. Cf. Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo
à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 23-26, para quem essa vinculação arbitrária, porque
desconsidera a relevância do papel “que a prova – entendida como demonstração ou até
mesmo experimentação – desempenha relativamente aos sujeitos da relação material, atual
ou potencialmente conflituosa; inclusive antes da instauração do processo declaratório
de direito” (op. cit., pp. 25-26). Para este autor, portanto, “embora a prova seja instituto de
direito processual, é perfeitamente possível sua formação fora do processo; e – com maior
razão – fora do processo ‘principal’(...)” (op. cit., p. 26).
67. Assim, de certa forma, já se entendia, sob a égide do CPC/1973, a respeito da cautelar an-
tecipatória de prova: “Na ação cautelar de produção antecipada de prova é de se discutir
apenas a necessidade e utilidade da medida, sendo incabível o enfrentamento de questões de
mérito, que serão dirimidas na apreciação da ação principal, se e quando esta for proposta.
(...) admitindo-se que as possíveis críticas aos laudos periciais sejam realizadas nos autos
principais, oportunidade em que o Magistrado fará a devida valoração das provas” (STJ, 3ª
T., REsp 1.191.622/MT, rel. Min. Massami Uyeda, j. 25.10.2011, DJe 08.11.2011).
68. Como explica Leonardo Greco: “O interesse de agir é muito tênue, mas existe. O requerente
não está obrigado a afirmar ou a demonstrar a necessidade de produção de prova para dela
Teoria Geral da Prova 863

Ora, com efeito, se a produção antecipada da prova, nas hipóteses desvincula-


das do periculum in mora (art. 381, II e III, do CPC/2015), decorre da configuração
constitucional do direito autônomo à prova, é certo que, em princípio, sempre have-
rá interesse na verificação de uma situação de fato ou na situação de uma coisa. As-
sim, a menos que haja abuso no exercício do direito à prova, é correto afirmar, como
faz Flávio Luiz Yarshell,69 que em tais casos a antecipação integra a própria garantia
constitucional. E assim é porque, para entender desnecessária a prova seria preciso
negar a ideia de que as partes têm o direito de analisar seus ônus e suas chances em
juízo e, nessa medida, buscar caminhos – não necessariamente judiciais – para solu-
cionar suas questões.70
A antecipação de provas não é novidade do CPC/2015, tendo o CPC/73 disciplinado
parcialmente o instituto dentre as medidas cautelares típicas (art. 846 e ss. do CPC/73,
cujos objetivos correspondem aos da hipótese do art. 381, I, do CPC/2015). Nesse caso,
trata-se de técnica com natureza jurídica eminentemente assecuratória de um direito a
ser percebido no futuro, assumindo o caráter conservativo de impedir que uma situação
de fato pereça antes que se possa, sobre ela, produzir a respectiva prova.71
Por outro lado, a antecipação da prova independentemente da configuração da ur-
gência – i.e., indepentemente da demonstração de risco de perecimento do objeto ou
fonte de prova – é medida relativamente nova. Diz-se relativamente nova por ser possí-
vel compará-la – conquanto não com o mesmo destaque e importância atribuídos pelo
CPC/2015 – com o procedimento especial de justificação, previsto nos arts. 855-860 do
CPC/73.72 Esse procedimento de jurisdição voluntária foi incorporado pelo CPC/2015
(art. 381, § 5º) e bem poderia ser utilizado, na vigência do CPC/73, para os fins citados
nos incisos II e III do art. 381 do CPC/2015. Não foi, contudo, instituído com essa fi-
nalidade e teve escassa utilização na vigência do CPC revogado. Também no caso dos
incs. II e III do art. 381 há finalidade conservativa, mas não, necessariamente, de um
direito futuro, e sim do direito à prova em si mesmo considerado.

extrair em seu benefício algum efeito jurídico imediato. No entanto, ninguém pode usar de
um procedimento judicial para fins ilícitos ou para molestar judicialmente a outrem. Por isso,
o já citado art. 382 exige que o requerente exponha sua intenção em petição circunstancia-
da. Embora o requerente não tenha o ônus de demonstrar desde logo se a prova pretendida
tem alguma finalidade prática ou jurídica, o interesse de agir corresponde à não manifesta
ilicitude da prova constituenda e à hipotética possibilidade, ainda que remota, de que ela
possa ter alguma utilidade lícita para o requerente.” (Instituições de direito processual civil.
v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 129).
69. Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo
à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 340.
70. Idem ibidem.
71. Nesse sentido: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao código de processo civil,
v. VIII, t. II, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 232; Fabrizio Careletti; Francesca Magi,
I provvedimenti di istruzione preventiva. In: TARZIA, Giuseppe (org.). Il nuovo processo
cautelare. Padova: Cedam, 1993, p. 126.
72. No mesmo sentido: Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil. v. II, Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 73.
864 Manual de Direito Processual Civil

24.5.2. Hipóteses e características procedimentais


Pelo princípio da liberdade ou não taxatividade dos meios de prova (art. 369 do
CPC/2015), a antecipação da prova pode se dar por todos os meios, típicos ou não, de
prova, nas hipóteses referidas no art. 381 do CPC/2015.
A prova pode ser antecipadamente produzida quando “haja fundado receio de que
venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência
da ação” (art. 381, I, do CPC/2015). Trata-se, como assinalado, da hipótese de produ-
ção antecipada em caráter cautelar, que já existia no CPC/73. Se um local ou objeto a
ser examinado por perito está perecendo, ou se uma testemunha está acamada em grave
estado de saúde, pode ser impossível realizar a prova futuramente, sendo indicada a sua
realização, o quanto antes, para salvaguardar o direito que, possivelmente, é subjacen-
te ao fato a ser provado. Nesses casos a justificativa para a produção antecipada é algo
semelhante ao “risco ao resultado útil do processo” de que fala o art. 300 do CPC/2015.
Ocorre que há situações em que a parte tem interesse exclusivamente na produção
da prova, não necessariamente para conservar um direito futuro. Como já se frisou, fa-
la-se, nesses casos, de um direito autônomo à própria prova, não vinculado ao direito
material.73 É possível antecipar a produção da prova, então, também quando “a prova a
ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado
de solução de conflito” (art. 381, II, do CPC/2015), ou quando “o prévio conhecimento
dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação” (art. 381, III, do CPC/2015).
Tome-se como exemplo um exame pericial com o objetivo de avaliar o valor do aluguel
de determinado imóvel comercial. O resultado da prova pode justificar ou evitar que
uma ação revisional de aluguel seja movida, ou ainda fazer com que as partes acordem
na novação dos termos do contrato de maneira consensual.
Uma vez que a prova, por força do princípio da aquisição processual (art. 371 do
CPC/2015), pertence às partes e ao processo, não há relação alguma entre a titularida-
de de sua produção e o resultado que venha a ter a demanda proposta com base nela. O
juiz que atua no procedimento antecipado não tem, portanto, competência para valo-
rar a prova, o que justifica não haver prevenção entre uma e outra ação (art. 381, § 3º
do CPC/2015). O juiz, na produção antecipada, não tem contato com o resultado da
prova, vedando o código, inclusive, que ele se pronuncie sobre a ocorrência do fato
provado ou sobre as consequências jurídicas da prova (art. 382, § 2º, do CPC/2015).
A sentença que se segue é meramente homologatória e atesta que a prova foi produzida,
tão somente, de modo que não é ele necessariamente o competente para conhecer da
causa que venha a existir.74

73. Para uma visão profunda sobre o tema, ver: Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem
o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 346 e
ss; ainda: Galeno Lacerda, Comentários ao código de processo civil, v. VIII, t. I, 1. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 8-11.
74. Nesse sentido, a propósito do procedimento cautelar: Ovídio Araújo Baptista da Silva, Do
processo cautelar, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 369. O Novo CPC, contudo, não
Teoria Geral da Prova 865

O procedimento da produção antecipada de provas é relativamente simples, deven-


do o requerente justificar seu pedido e mencionar quais os fatos sobre os quais a prova
recairá. Não há exigência alguma de que uma ação principal venha a ser movida, sob
pena de “ineficácia” do procedimento antecipado; não há, portanto, natureza pura-
mente cautelar no instituto em comento.75 Deve-se privilegiar sempre o contraditório,
determinando o art. 382, § 1º, do CPC/2015, que todos os interessados na produção da
prova ou no fato a ser provado sejam citados. Afinal, a instrução da prova deve ocorrer
em diálogo,76 e a prova produzida pode servir a qualquer dos participantes do procedi-
mento probatório e não apenas àquele que o instaurou. O que não é possível, por outro
lado, é a discussão sobre eventual “mérito”77 (que, por ora, sequer existe) decorrente
do fato provado; o contraditório deve restringir-se à participação na produção da prova.
Nos casos de antecipação cautelar (art. 381, I, do CPC/2015), a discussão abrange,
para fins de admissibilidade da prova, a questão relativa ao requisito da urgência (peri-
culum in mora) na produção da prova.
E, mesmo nos casos de exercício do direito autônomo à prova (art. 381, II e III, do
CPC/2015) haverá cognição, ainda que limitada. Isso porque, em todas as hipóteses
de antecipação de prova haverá conhecimento das questões relativas à admissibilidade
da prova, sobretudo na perspectiva de sua licitude. E, ainda, haverão de ser analisadas
questões relativas ao modo de produção da prova, que deve ser regular e não pode ofen-
der o contraditório.
Se a prova for produzida de forma irregular, com violação a direitos fundamentais,
haverá óbice intransponível para sua utilização em todo e qualquer processo. Além dis-
so, ficarão inviabilizados os objetivos de autocomposição, fundamentação adequada
de eventual demanda e prevenção de processos desnecessários. E assim será porque, se
a prova não for devidamente produzida, não terão os interessados condições de verifi-
car as reais perspectivas de um processo futuro e os benefícios de eventual conciliação.
Também não será possível, muitas vezes, vislumbrar a melhor forma de fundamentar
sua demanda ou defesa. Menos possível ainda será, a partir de um procedimento pro-
batório injusto, evitar a propositura de ação futura.
Por tais razões, não há como concordar com o argumento de que a prova anteci-
pada é desprovida de contraditório78 ou mesmo com a afirmação de que não há pro-

faz alusão a esse pronunciamento, o que deverá ser resolvido na praxis judiciária. Parece,
contudo, que a presença ou ausência de tal homologação não produzirá qualquer efeito
que não o de sinalizar o desfecho da realização a medida.
75. Fabrizio Careletti; Francesca Magi, I provvedimenti di istruzione preventiva. In: Giuseppe
Tarzia (org.). Il nuovo processo cautelare. Padova: Cedam, 1993, p. 133.
76. Francesco Carnelutti. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 184.
77. Nos casos de antecipação cautelar (art. 381, I, do CPC/2015), o que se discute é a presença
do periculum in mora, sem que se faça um juízo sobre a existência do direito material dis-
cutido no processo principal.
78. Como parece, em princípio, entender Leonardo Greco (Instituições de direito processual,
v. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 129), embora admita a possibilidade de colabo-
866 Manual de Direito Processual Civil

priamente produção de prova nesse procedimento.79 Há, naturalmente, procedimen-


to probatório, ainda que desvencilhado de um processo (como é o caso dos incs. II e
III). Sendo assim, a postulação, admissão e a produção da prova devem observar de-
terminados requisitos, ainda que não sejam os mesmos a serem aferidos num even-
tual processo futuro.
Conclui-se, portanto, que a vedação de valoração da prova (art. 382, § 2º, do
CPC/2015), dirigida ao juiz da produção antecipada, não exclui a cognição sobre as
questões atinentes à admissibilidade e produção. Desse modo, afigura-se extremamen-
te limitadora a vedação prevista no § 4º do art. 382 do CPC/2015, na justa medida em
que o indeferimento parcial da prova (v.g., o indeferimento de quesitos ao perito, inda-
gações à testemunha ou mesmo o indeferimento de uma testemunha específica), pode,
obviamente, prejudicar o exercício do direito autônomo à prova. No caso da produção
antecipada cautelar, o prejuízo poderá ser ainda maior, tendo em vista o risco de pere-
cimento da fonte ou objeto de prova.

24.6. Prova emprestada


24.6.1. Conceito e fundamentos da prova emprestada
Pelo princípio da não taxatividade dos meios de prova (art. 366, CPC/2015), e tendo
em vista o status de direito fundamental que a prova assume no ordenamento contem-
porâneo, a convicção do juiz deve ser formada por meios reconhecidamente idôneos,
mesmo não especificados pelo Código de Processo Civil.80
Por esse raciocínio, em princípio, será sempre admissível, num processo, a prova
produzida em outra sede que, por alguma razão, seja útil à instrução da causa. Trata-se
da prova emprestada, que consiste no transporte da prova de um processo para outro,

ração e participação do interessado na produção da prova e afirme que “a cognição que o


juiz exerce nesse procedimento é apenas a aquisição do conteúdo das provas produzidas
para conservá-las”. Dessa forma a afirmação subsequente, no sentido da ausência de con-
traditório, pode referir-se à ausência de contraditório quanto ao mérito de uma causa e não
necessariamente a ausência em absoluto de contraditório.
79. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni (Curso de processo civil. v. 2: Tutela dos direitos
mediante procedimento comum, São Paulo: RT, 2015, p. 308) afirma que a produção da
prova se dará apenas em processo futuro, afirmativa que não parece se coadunar com
a ideia de que a prova se dirige também às partes, desvinculadamente de um processo
judicial. A produção antecipada é realizada justamente com o objetivo de propiciar a
valoração do material obtido pelos interessados e, com isso, propiciar a escolha entre
várias opções. Podem os interessados optar pela conciliação, pela propositura de uma
ação ou, ainda, podem ser dissuadidos de debater determinada questão em juízo ou fora
dela.
80. A esse respeito, assim nos manifestamos: “Não será por ter sido o legislador omisso a res-
peito, ou então porque à época em que foi feita a lei se desconhecia, cientificamente, um
meio de prova, que este não deve ser admitido. O que interessa é que o meio seja jurídico
– isto é, não repelido pelo sistema, mas harmônico com este – como também moralmente
lícito” (Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: RT, 2013, segunda parte, n.
178, p. 965).
Teoria Geral da Prova 867

aproveitando-se, desse modo, a atividade probatória realizada em outro processo. Fala-


-se, também, em circulação probatória81 ou em traslado82 da prova.
A utilização da prova emprestada fundamenta-se, em primeiro lugar, no próprio
direito à prova, bem como no fato de que, pelo princípio da instrumentalidade das for-
mas, a inobservância, no processo destinatário, do procedimento inicialmente previsto
para determinado meio de prova (v.g. documental, testemunhal, pericial etc.) não deve
servir de pretexto para sua inadmissibilidade.83 Tal se justifica porque a prova constitui
um direito fundamental. Por isso, mesmo antes do CPC/2015, a doutrina e a jurispru-
dência já acatavam amplamente a possibilidade de se transferir a prova produzida num
processo para outro, desde que atendidos certos pressupostos, concernentes, sobretu-
do, à observância do contraditório. Disso trataremos mais adiante.
Ainda, a possibilidade de circulação da prova baseia-se no princípio de economia.84
Devemos sempre ter presente que a repetição de uma prova já produzida (como de
qualquer outro ato processual) traz prejuízos para a administração da justiça e para as
partes. Perde-se tempo e a tutela jurisdicional mais tardiamente será prestada. A repeti-
ção exige que se dispenda nova atividade judiciária em detrimento de outros serviços.
A doutrina italiana admite, há muito, a utilização da prova emprestada, ao argumen-
to de que se poderia enquadrar no conceito de prova atípica, num sentido mais amplo
do termo, referente ao aspecto procedimental.85 Por esse raciocínio, a atipicidade estaria
no modo de incorporação da prova ao processo, e não, necessariamente, na ausência de
previsão legal de determinado meio de prova. Exemplifique-se: a prova testemunhal,

81. Cf., na doutrina italiana: Maria Cristina Vanz, La circolazione della prova nei processi civili.
Milano: Dott. A. Giuffrè, 2008.
82. José Carlos Barbosa Moreira, Provas atípicas. Revista de Processo, n. 76, out-dez. 1994,
p. 114-126.
83. Tal afirmativa só não estará correta se a inobservância do procedimento gerar prejuízo ao
contraditório ou a outro direito fundamental que se sobreponha aos direitos protegidos pela
produção da prova, caso em que ocorrerá a ilicitude da prova emprestada.
84. Nesse sentido, explicando que a prova emprestada evita a repetição de ato já praticado: Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Dalla Bernardina de Pinho (coord.), Novo Código de
Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) anotado e comparado. Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 259, em comentário ao art. 372 do CPC/2015.
85. Explica a doutrina que a atipicidade probatória pode dizer respeito: a) de um lado, à ver-
dadeira e própria fonte probatória do convencimento do juiz, que não esteja prevista ou
disciplinada pela lei; b) de outro, ao modo, ao método ou à forma de aquisição ou produção
de uma prova, que difira ontologicamente dos procedimentos típicos. Quanto a esta última
hipótese, a atipicidade seria admitida desde que não afetasse o contraditório e outros direitos
fundamentais tutelados pelo procedimento probatório. Cf., sobre o tema: José Carlos Barbosa
Moreira, Provas Atípicas. Revista de Processo. v. 19, n. 76, p. 114-155; Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira, Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo valorativo, 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 212 (mencionando o debate sobre prova livre ou regulada na
Suíça e Alemanha, que não abrange o sentido de prova prevista ou não prevista em lei, mas
sim de um “modo” de formação); Gian Franco Ricci, Le prove atipiche, Milano: Giuffrè,
1999, p. 43, Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili, Terza edizione, Torino: UTET Giuridica,
2009, p. 52-55.
868 Manual de Direito Processual Civil

quando transferida de um processo para outro, não observa novamente o procedimento


oral para a oitiva da testemunha; o que se traslada é o termo de depoimento desta. Logo,
tem-se um procedimento diverso daquele previsto na lei para a finalidade de se produzir
essa prova. Trata-se, claramente, de transformar uma prova constituenda (a ser produzi-
da no processo, no caso, com base na oralidade e na presença da fonte de prova perante
o juiz) em prova pré-constituída (preexistente ao processo, sob a forma de documento).
No Brasil, anteriormente ao CPC/2015, já era possível – como de fato ainda é –, fun-
damentar o empréstimo da prova em princípios constitucionais, tais como a economia
e a celeridade processual. Porém, o direito fundamental à prova e, por decorrência, a
atipicidade dos meios de prova, constituem, decerto, o principal argumento a justificar
a circulação probatória.
Atualmente, a lei processual brasileira prevê expressamente a possibilidade de em-
préstimo da prova (art. 372 do CPC/2015),86 portanto que não há necessidade de se re-
correr ao princípio da atipicidade dos meios de prova (art. 369 do CPC/2015). De qual-
quer modo, subsiste o direito à prova como fundamento constitucional da possibilida-
de de empréstimo da prova, bem como o princípio de economia processual, à luz dos
quais deverá ser analisada a regra do art. 372 do CPC/2015.
Com base em fundamentos semelhantes aos que citamos para o ordenamento bra-
sileiro, a prova emprestada é admitida no processo civil de muitos ordenamentos latino
americanos87 e na maioria dos europeus continentais de origem latina,88 esteja ou não
expressamente prevista em lei.

86. “Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atri-
buindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.
87. Jairo Parra Quijano comenta o art. 185 do CPC colombiano (“Prueba trasladada. Las pruebas
practicadas válidamente en un proceso podrán trasladarse a otro en copia auténtica y serán
apreciadas sin más formalidades siempre que en el proceso primitivo se hubieren practicado
a petición de la parte contra quien se aducen o con audiencia de ella”). Esse autor explica
que o valor a ser atribuído à prova emprestada deverá observar a persuasão racional (“las
reglas de la sana critica”). Para Quijano, é possível, a despeito da dicção legal, o traslado
de prova pericial de um processo para outro, inclusive quando da perícia não houver par-
ticipado a parte prejudicada pela prova. Nesse caso, porém, o juiz valorará as provas no
conjunto probatório e, se possível, utilizará uma diligência mais recente para interpretar os
fatos (Manual de derecho probatorio, 15. ed., Bogotá: Librería ediciones del profesional ltda.,
2006, pp. 191-193). Cf., ainda, Ana Giacometto Ferrer, Teoría general de la prueba judicial,
Bogotá: Imprenta Nacional de Colombia, 2003, p. 51-52; 68, onde se avalia tal norma à luz
da imediatidade, concluindo-se no sentido de que a celeridade e a economia processuais
deveriam, nesses casos prevalecer. Um dos argumentos utilizados no texto consiste no fato
de que, na Colômbia, os juízes costumam delegar a atividade instrutória. De forma análoga
ao direito colombiano, há previsão expressa do traslado de prova no CPC peruano, art. 198
(“Eficacia de la prueba en otro proceso. Las pruebas obtenidas válidamente en un proceso
tienen eficacia en otro. Para ello, deberán constar en copia certificada por el auxiliar juris-
diccional respectivo y haber sido actuadas con conocimiento de la parte contra quien se
invocan. Puede prescindirse de este último requisito por decisión motivada el juez.”)
88. Sobre o direito italiano, vide nota de rodapé n. 7, supra. No direito português, há previsão
expressa da prova emprestada (art. 421º do CPC de 2013), com a redução de sua eficácia
Teoria Geral da Prova 869

24.6.2. Natureza e eficácia da prova emprestada


Uma vez observados os pressupostos legais, a que faremos alusão mais adiante, a
prova emprestada ingressa no processo destinatário sob a forma de documento, mas
preserva a natureza (testemunhal, de depoimento pessoal, pericial ou outra) que lhe é
intrínseca, que corresponde ao meio de prova utilizado na sua produção, no processo
originário. Logo, não se trata, propriamente, de prova documental, mas de prova (tes-
temunhal, depoimento pessoal, pericial ou qualquer que seja sua natureza originária)
documentada.
Quanto à sua eficácia ou força probatória, deverá ser analisada pelo juiz do proces-
so destinatário, de acordo com a persuasão racional e a partir dos elementos obtidos do
contraditório. Nesse caso, terá havido o contraditório prévio, na formação da prova, no
processo originário, e o contraditório posterior, quando da juntada do documento (prova
emprestada), ao processo destinatário. Todos os argumentos coligidos em ambas as fases
(processo originário e destinatário) serão considerados pelo juiz da nova causa, que não
estará atrelado à conclusão alcançada pelo juízo anterior, do qual foi importada a prova.
Dizemos que a prova emprestada é prova documentada e não propriamente docu-
mental, pois o juiz não poderá olvidar, quando da sua valoração, o meio pelo qual foram
extraídas as informações das respectivas fontes de prova (testemunhas, partes, objeto
periciado etc.). Ora, se para a produção da prova testemunhal, no primeiro processo,
foram observados a oralidade, a presença do juiz, o contraditório em audiência e todas
as demais garantias inerentes a esse meio de prova, não poderá o juiz valorar o produto
dessa prova emprestada tal como se fosse um simples documento.
Nesse ponto, concordamos com Eduardo Talamini, para quem o fato de a prova
emprestada ingressar no segundo processo sob a forma de documento não conduz à
conclusão de que esta tenha o valor probatório de mero documento. Ao contrário, terá
a prova emprestada “a potencialidade de assumir exatamente a eficácia probatória que
obteria no processo em que foi originariamente produzida”,89 observada, obviamente,
a livre persuasão racional do juiz no segundo processo.

comparativamente aos demais elementos probatórios. Cf.: José Lebre de Freitas, A ação
declarativa comum – à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3. ed., Coimbra: Coimbra,
2013, p. 222. No direito espanhol, todavia, autorizada doutrina entende, para as provas
orais, que a prova emprestada só poderia ser utilizada quando impossível sua repetição no
segundo processo, sob pena de violação da imediatidade e do contraditório (Juan Montero
Aroca, La prueba en el proceso civil, 4. ed., Navarra: Civitas, 2005, p. 144).
89. Eduardo Talamini, Prova emprestada no processo civil e penal. Revista de Informação Legis-
lativa. v. 35, n. 140, Brasília, out-dez 1998, p. 146. Por tal razão, conclui esse autor: “Ficou
superada a concepção de que a prova emprestada receberia, quando muito, valor de docu-
mento, ‘prova inferior’ ou ‘ato extrajudicial’. O juiz, ao apreciar as provas, poderá conferir
à emprestada precisamente o mesmo peso que esta teria se houvesse sido originariamente
produzida no segundo processo. Eis o aspecto essencial da prova trasladada: apresentar-
se sob a forma documental, mas poder manter seu valor originário. É tal diversidade que
confere à prova emprestada regime jurídico específico – o qual não se identifica com o da
prova documental nem com o da prova que se emprestou, em sua essência de origem. Bem
870 Manual de Direito Processual Civil

Salientamos que não se pode confundir a eficácia concreta ou o valor atribuído à


prova, que é sua força probatória in concrecto, com essa eficácia potencial, que decorre
da natureza do meio de prova, tal como produzido no processo originário. A doutri-
na costuma afirmar que a prova emprestada preserva a “eficácia” da prova produzida
no processo originário;90 com isso, todavia, não se quer referir à preservação do valor
probatório concretamente atribuído pelo juiz no processo precedente, do qual se tras-
ladou a prova.
Quando dizemos que a prova emprestada possui o “mesmo valor” ou “eficácia” que
teve no processo originário, não queremos dizer que o juiz do segundo processo deva
valorá-la de igual forma à que fez o juiz do primeiro processo. Isso ofenderia o princípio
da livre persuasão racional. O juiz do processo destinatário não está vinculado ao con-
vencimento do juiz do processo em que a prova foi produzida no que concerne à verifi-
cação ou não do facto probando; o que se quer dizer com “mesma eficácia probatória” ou
“mesmo valor” é que a prova emprestada, apesar de apresentada na forma documentada,
preserva a mesma natureza do processo em que foi constituída.91 Assim, se o termo de
depoimento da parte é transportado para outro processo, essa prova documentada terá
a natureza de depoimento pessoal também no processo destinatário. O mesmo se diga
quanto ao laudo pericial, hipótese em que a prova documentada permanecerá com a
natureza de perícia e assim por diante. Desse modo, por serem de idêntica natureza as
provas originária e emprestada, diz-se – um pouco equivocadamente, do ponto de vista
técnico – que o valor ou eficácia potencial da prova são os mesmos. Mas é preciso ficar
claro que o juiz preserva o direito de valorar livremente os elementos probatórios, desde
que observados parâmetros lógicos-racionais. Assim, o que se traslada de um processo
a outro é o elemento probatório dos primeiros autos, devidamente documentado, e não a
conclusão do juiz originário sobre os fatos. Quanto a tais fatos, deverá o próprio juiz da
segunda causa decidir, independentemente da conclusão a que chegou o juiz anterior.

24.6.3. Pressupostos à prova emprestada


Sempre se entendeu que requisito essencial da prova emprestada é o respeito ao con-
traditório.92 Esse preceito foi positivado no art. 372 do CPC/2015, segundo o qual o juiz

por isso, o traslado de prova documental já apresentada em outro processo não constitui
‘prova emprestada’”.
90. V., por exemplo, a transcrição da nota de rodapé supra.
91. Em sentido aparentemente contrário: STJ, 3ª T., REsp 683.187/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi,
j. 08.11.2005, DJ 15.05.2006, em que se ressaltou a possibilidade de impugnação da
autenticidade do laudo, nos termos do art. 390 do CPC/1973 (equivalente ao art. 430 do
CPC/2015). No entanto, o próprio julgado reforça a natureza originária da prova, ao ressal-
tar que as partes produziram a prova, no primeiro processo, em contraditório. Isso indica,
obviamente, ter sido observado o contraditório inerente ao meio de prova pericial.
92. Eduardo Couture, também admitindo amplamente a prova emprestada, chama a atenção: “El
problema no es tanto un problema de formas de la prueba, como un problema de garantías
del contradictorio” (Eduardo Couture, Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos
Aires: Depalma: 1951, p. 160).
Teoria Geral da Prova 871

poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, desde que observa-
do o contraditório. E, para que tenhamos como observado esse princípio, é imprescin-
dível a verificação: (i) da identidade da relação fática e (ii) da identidade de partes, ou,
pelo menos, a identidade da parte contra quem a prova é produzida no processo que a
toma de empréstimo.93
A valoração da prova emprestada, todavia, poderá, dependentemente do poder de
convicção que carregue, sofrer esta ou aquela restrição. Assim, como já dissemos, o juiz
não é obrigado a atribuir à prova emprestada idêntica valoração à que lhe atribuiu o juízo
perante o qual foi produzida.94 É o que expressamente estabelece o art. 372 do CPC/2015,
ao dispor que o juiz atribuirá à prova emprestada “o valor que considerar adequado”.
Em princípio, ressalvada a situação da prova documental95 e de outros meios de pro-
va que admitam “contraditório integral posteriormente à sua produção”,96 não podemos
concordar com a assertiva de que seria desnecessária a participação do prejudicado em
processo anterior, sendo suficiente sua manifestação posterior ao traslado da prova.97 A
economia processual não pode suplantar a necessidade de contraditório prévio, quan-
do este é possível. A propósito, é importante observarmos que o contraditório exercido

93. Nesse sentido, já pudemos nos manifestar, Manual de direito processual civil cit., n. 176,
p. 964-965.
94. É possível, inclusive, que baseie sua conclusão em outros elementos probatórios. Assim: STJ,
4ª T., REsp 910.888/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.12.2009, DJe 02.02.2010.
95. “Essa prova – não importa o momento em que tenha sido produzida – sempre admite que as
partes possam exercer seu direito de contraditório – seja pela produção de prova contrária,
seja pela impugnação de seu teor ou das suas formalidades. Em relação a tal meio de prova
não há dificuldade em aceitar o empréstimo, ressalvados os casos em que outras garantias
possam interferir em seu traslado.” (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Da-
niel Mitidiero, Novo curso de processo civil – Tutela dos direitos mediante procedimento
comum, v. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 287).
96. Bem como de outros meios de prova que, igualmente, (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo curso de processo civil – Tutela dos direitos mediante
procedimento comum, v. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 287), como ocorre com a ata notarial.
97. Em convergência com o nosso posicionamento, cf. Eduardo Talamini, Prova emprestada
no processo civil e penal, Revista de Informação legislativa, v. 35, n. 140, Brasília, out-dez
1998, pp. 148-149, onde cita doutrina e jurisprudência em sentido contrários, das quais
discordamos, pelas razões expostas no texto. No sentido de que a prova emprestada deve
ser admitida ainda que num processo em que figurem partes diversas, cf.: “(...) Em vista das
reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa
seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contradi-
tório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem
partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa
razoável para tanto. (...) Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório
é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, asse-
gurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova
e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo.” (STJ, Corte Especial, EREsp
617.428/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.06.2014, DJe 17.06.2014). Endossando este
último posicionamento: Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira,
Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 134.
872 Manual de Direito Processual Civil

sobre a prova documentada, i.e., já produzida e transformada em documento (v.g., ter-


mo de depoimento da parte ou de testemunha, laudo pericial), não se confunde com o
contraditório exercido durante a formação dessa prova, que consiste na possibilidade de
estarem presentes as partes, seus procuradores e, no caso da perícia, respectivos assis-
tentes técnicos, com a finalidade de ativamente participarem, a partir da formulação de
perguntas ou quesitos, bem como das respectivas impugnações, entre outros direitos.
Somente em hipóteses extremas, em que a repetição da prova seja impossível ou
muito difícil, como é o caso da perícia (direta ou indireta) sobre o objeto que tenha pe-
recido, parece-nos razoável que o juiz proceda a um juízo de proporcionalidade, ten-
do em vista os direitos protegidos a partir da produção da prova. Logo, não é suficiente
que a prova seja irrepetível ou de impossível ratificação; é preciso, ainda, que a supres-
são do contraditório se justifique diante da relevância do bem jurídico protegido com
a produção da prova emprestada.
Podemos concluir, portanto, que a identidade de partes – ou, pelo menos, a pre-
sença da parte prejudicada pela produção da prova98 – em ambos os processos consti-
tui, regra geral, pressuposto à observância do contraditório a que se refere o art. 372 do
CPC/2015, somente dispensado nas hipóteses supracitadas (provas pré-constituídas,
como é o caso da documental e da ata notarial e provas irrepetíveis).
Por outro lado, parece-nos correta a afirmação de que a mera participação dos inte-
ressados no processo originário não satisfaz a exigência de contraditório, prevista pelo
art. 372 do CPC/2015. É preciso verificar em que termos essa participação ocorreu, pois
é possível que, devido às características do processo originário, tenha havido limitações
ao contraditório e à própria atividade cognitiva do juiz, as quais, naquele primeiro pro-
cesso, poderiam ser consideradas plenamente lícitas.99 É o caso, por exemplo, do em-
préstimo de elementos probatórios extraídos de um processo no qual as partes tenham,
por comum acordo (art. 190 do CPC/2015) limitado, de alguma forma, o objeto ou os
meios de instrução probatória, ou, ainda prova produzida em procedimento de juris-

98. “Essa importação não precisa ser requerida por quem tenha sido parte – um terceiro pode
pedir o empréstimo da prova; o que é preciso é que aquele contra quem se pretende utilizar
a prova tenha participado da sua produção” (Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael
Alexandria de Oliveira, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016,
p. 134).
99. O que restringe as possibilidades de circulação probatória entre processos de natureza
diversa são as peculiaridades da regulação jurídica da prova, sobretudo no que diz respeito
às limitações impostas em cada sede. Nesse sentido: “O que parece determinante para o
exercício devido do direito à prova, nesses casos, é identificar as peculiaridades relativas a
cada instrução, iniciando, é claro, pelo bem jurídico tutelado, mas tendo em mente, sobretu-
do, aspectos estritamente processuais, tais como: a estrutura da relação jurídico processual,
os poderes do julgamento, as regras de distribuição ou atribuição do ônus probatório, as
limitações à admissibilidade e à produção de meios de prova e de investigação, a eficácia
que lhes é atribuída, bem como o padrão de constatação exigido para a formação do con-
vencimento judicial” (Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias:
enfoque comparativo entre os processos civil e penal, Tese de doutorado. Orientador: José
Rogério Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 285).
Teoria Geral da Prova 873

dição voluntária, em que os fatos não tenham sido profundamente investigados.100 Em


tais hipóteses, o transporte da prova para o segundo processo não poderá ser realizado
sem prejuízo ao contraditório.
Questão correlata à observância do contraditório no processo para fins de transpor-
te da prova diz respeito à necessária identidade de fato ou de fatos a serem provados no
primeiro e no segundo processo. Obviamente, só terá havido, no processo originário,
contraditório útil para efeito de permitir o transporte da prova para o processo desti-
natário se coincidirem os fatos em ambos os processos. Desse modo, não basta que as
partes envolvidas tenham ampla participação na produção da prova emprestada no pro-
cesso originário, nem que esteja presente em ambos os processos a parte desfavorecida
pela prova. É preciso, ainda, que tal participação diga respeito ao questionamento que
é objeto de prova no processo destinatário.101

24.6.4. Questões problemáticas: a diversidade de juiz natural nos processos


originário e destinatário e suas implicações
Um pressuposto que a doutrina tradicionalmente indicava para o transporte
da prova de um processo a outro era a identidade de juiz competente, considerado
como o juiz natural de ambas as causas. Tal pressuposto, já se argumentou, teria in-
terligação com o princípio do contraditório, por se entender que este só se poderia
formar perante o juiz da causa; tanto assim que, ainda que a prova fosse produzi-
da com a participação das partes, a ausência do juiz natural, constitucionalmente
competente para o conhecimento do processo destinatário, impossibilitaria a con-
validação do vício.102
Esse argumento, todavia, não é mais sustentável na atualidade, na justa medida em
que se consolidou a tendência contrária, da convalidação dos atos praticados por juiz

100. Este último exemplo foi fornecido por Eduardo Talamini (Prova emprestada no processo civil
e penal. Revista de Informação Legislativa. V. 35, n. 140, Brasília, out-dez. 1998, p. 149).
Este autor alerta, ainda, para as hipóteses em que as limitações cognitivas do processo
originário decorrem de sua própria natureza (civil, penal, administrativa, trabalhista etc.),
tendo em vista que diferentes tipos de processo estabelecem restrições diversas à busca da
verdade. Assim, diz Talamini, a nosso ver, com acerto, não seria admissível, por exemplo,
o transporte de uma prova produzida pelo autor num processo civil em que o réu tenha
ficado revel para um processo penal em que figure no polo passivo o mesmo réu (idem
ibidem).
101. Cf.: STJ, 2ª T., AgRg no AREsp 693.084/RJ, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 10.03.2016, DJe
17.03.2016 (hipótese em que se manteve a inadmissibilidade de prova pericial emprestada
tendo em vista a diversidade das questões a serem analisadas pelos peritos).
102. “O princípio [do juiz natural], em nosso direito, garante que ninguém será subtraído ao
seu juiz constitucional, cujo poder de julgar derive de fontes constitucionais. Não será juiz
natural, portanto, o juiz constitucionalmente incompetente, e o processo por ele instruído
e julgado deverá ser tido como inexistente. Assim, paralelamente, os atos processuais pra-
ticados em outro processo, perante autoridade judicial que não é o juiz competente para a
causa, ficarão desprovidos de qualquer eficácia, não podendo valer em processo distinto.”
(Ada Pelegrini Grinover, Prova emprestada, Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 4,
out. 1993, p. 63).
874 Manual de Direito Processual Civil

absolutamente incompetente,103 desde que verificada a ausência de prejuízo à finalida-


de dos referidos atos (princípio da instrumentalidade das formas – art. 283, parágrafo
único, do CPC/2015,104 que equivale ao disposto no art. 154 do CPC/1973). Isso pode
ser extraído do disposto no art. 64, § 4º, do CPC/2015,105 que reflete tendência preexis-
tente na doutrina e na jurisprudência, segundo a qual a unidade da jurisdição viabiliza-
ria o empréstimo da prova, independentemente do juízo em que tivesse sido produzida.
A ideia de que a diversidade de juiz natural, por si só, macularia de nulidade os atos
processuais praticados e, bem assim, inviabilizaria a prova emprestada, foi, gradati-
vamente, substituída pela noção de aproveitamento desses atos, quando válidos para
ambos os processos, em prol da ampliação do acesso a justiça.106 No que diz respeito à
circulação da prova, portanto, eventual invalidade será determinada, não pela diversi-

103. Veja-se que, mesmo na vigência do CPC/1973, que determinava a nulidade dos atos deci-
sórios praticados perante o juízo absolutamente incompetente (art. 113, § 2º, do CPC/1973),
a jurisprudência já admitia a possibilidade, excepcional, da concessão de tutela de urgên-
cia por juiz absolutamente incompetente, com posterior convalidação da medida. Nessa
linha, exemplificativamente: “Processual civil. Recurso especial. Mandado de segurança
originário. Incompetência absoluta reconhecida pelo Tribunal de Justiça. Determinação de
remessa dos autos para o juiz de primeira instância. Art. 113, § 2º, do CPC. Liminar mantida
até nova manifestação do juízo competente. Possibilidade. Poder geral de cautela. Arts. 798
e 799 do CPC. 1. Recurso especial no qual se discute a validade da decisão proferida pelo
Tribunal de origem que, não obstante tenha reconhecido sua incompetência absoluta para
apreciar o mandado de segurança originário, manteve o provimento liminar concedido até
nova ulterior deliberação do juízo competente, a quem determinou a remessa dos autos. 2.
A teor do art. 113, § 2º, do CPC, via de regra, o reconhecimento da incompetência absoluta
do juízo implica na nulidade dos atos decisórios por ele praticados. Entretanto, tal dispositivo
de lei não inibe o magistrado, ainda que reconheça a sua incompetência absoluta para julgar
determinada causa, de, em face do poder de cautela previsto nos arts. 798 e 799 do CPC,
conceder ou manter, em caráter precário, medida de urgência, para prevenir perecimento de
direito ou lesão grave e de difícil reparação, até ulterior manifestação do juízo competente,
o qual deliberará acerca da subsistência, ou não, desse provimento cautelar. Nessa mesma
linha: REsp 1.273.068/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 13/09/2011.3.
Recurso especial não provido.” (STJ, 1ª T., REsp 1.288.267/ES, rel. Min. Benedito Gonçalves,
j. 14.08.2012, DJe 21.08.2012).
104. “Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não
possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se obser-
varem as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados
desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.”
105. “§ 4o Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão
proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo
competente.”
106. “Se todos os juízes são titulares do mesmo poder jurisdicional, o direito de acesso ao direito
exige o máximo aproveitamento possível dos atos praticados pelo juiz incompetente perante
o juiz competente, bem como dos atos do procedimento inadequado no procedimento
adequado, preservando-se efeitos de direito processual e de direito material dos atos do
juízo ou do procedimento primitivo viciado, na medida em que são compatíveis com as
regras vigentes no juízo ou no procedimento apropriados, servindo utilmente à mais ampla e
efetiva tutela do direito material das partes.” (Leonardo Greco, Translatio iudicii e reassunção
do processo, Revista de Processo, v. 166, dez. 2008, p. 11).
Teoria Geral da Prova 875

dade de juízos constitucionalmente competentes no processo originário e no processo


destinatário, mas pela diversidade de garantias estipuladas para cada tipo de processo.
Assim, como já dissemos, pode ocorrer de o processo originário possuir maiores
limitações cognitivas e ao contraditório, caso em que estará inviabilizado o transporte
da prova. Hipótese análoga diz respeito à prova emprestada de processo originário de
natureza civil que inviabilize a realização de direitos fundamentais inerentes ao proces-
so destinatário, de natureza penal. Assim, por exemplo, não se pode transferir o depoi-
mento pessoal do réu no processo civil para o processo penal, como se de interrogatório
se tratasse. Com efeito, enquanto no depoimento pessoal obtido em sede civil a parte
tem o ônus de responder às perguntas formuladas, sob pena de confissão ficta (art. 385,
§ 1º, do CPC/2015), no processo penal, o réu é interrogado com a finalidade de exer-
cer seu direito de defesa, observado o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, da CF/1988 e
art. 186, caput e parágrafo único, do CPP), 107 que inclui a impossibilidade de se presu-
mir verdadeira a acusação caso seja exercido este direito se silenciar-se. Logo, não seria
possível transferir o depoimento do réu de um processo a outro, suprimindo as garan-
tias inerentes a este último.
Desse modo, embora a circulação de provas entre processos de natureza distinta seja
plenamente possível, deve-se atentar para as discrepâncias existentes entre esses proces-
sos, no tocante aos direitos fundamentais primordialmente tutelados e, por decorrência,
também no que se refere à regulação jurídica da prova, suas limitações e possibilidades.
No direito português, as hipóteses de que cogitamos – nas quais o segundo processo,
para o qual se transporta a prova, oferece às partes garantias superiores às do primeiro –,
encontram previsão legal expressa. De acordo com art. 421º do CPC Português de 2013,
em tais casos, a eficácia probatória da prova é reduzida à de “mero princípio de prova”.108
Trata-se de questão extremamente complexa já que, muitas vezes, a regulação legal ou
constitucional do segundo processo pode determinar a ilicitude de um meio de prova
que, no processo originário, seja legal ou constitucionalmente permitido. Nessas hipó-
teses, o que nos parece é que, em princípio e de um modo geral,109 a prova é ilícita, pois

107. Redação determinada pela Lei 10.792/2003. A impossibilidade de valoração negativa do


silêncio já havia sido aventada pela jurisprudência brasileira (Cf., STJ, 5ª T., Resp 363.548/
SC, rel. Min. Felix Fischer, j. 02.05.2002, REVFOR 368/392).
108. “A prova invocada no segundo processo tem, em princípio, o mesmo valor (de prova legal
ou de prova livre) que tinha no primeiro. Mas, se o segundo processo oferecer às partes
garantias superiores às do primeiro, a eficácia da prova neste produzida é reduzida à de
mero princípio de prova. Por princípio de prova entende-se um resultado insuficiente para
a prova do facto, mas suscetível de, combinado com o de outros meios de prova que sejam
produzidos no processo, a ela conduzir; trata-se dum contributo para o resultado probatório
final sem força autónoma, mas concretamente relevante quando os meios de prova com
que se combine não sejam, por si só, suficientes para gerar no julgador a convicção de que
o fato probando se verificou.” (José Lebre de Freitas, A ação declarativa comum – à luz do
Código de Processo Civil de 2013, 3. ed., Coimbra: Coimbra, 2013, p. 222).
109. Como veremos a seguir, há uma ressalva quanto às hipóteses de transporte do resultado
de interceptações telefônicas do processo criminal para outros processos, quando se trate
de processos que versem as consequências de um mesmo ato ilícito.
876 Manual de Direito Processual Civil

ofende as garantias constitucionais do segundo processo, de modo que de nada adian-


taria reduzir seu valor probatório; a violação à Constituição remanesceria.
Exemplo emblemático de transporte de provas entre processos com regulação jurídica
diversa da disciplina probatória refere-se à obtenção de informações sigilosas, mediante in-
terceptação telefônica, para fins de investigação criminal ou instrução criminal (art. 5º, XII,
da CF/1988 e Lei 9.296/1996), com posterior transporte para o processo civil. De um modo
geral, a jurisprudência admite esse transporte, desde que o bem jurídico material tutelado
em todos os processos seja análogo,110 e conquanto observados o contraditório, a ampla de-
fesa, além de todos pressupostos específicos para a produção da prova.Assim, permite-se
que o resultado de interceptação, judicialmente autorizada em sede de investigação ou pro-
cesso criminal por crime de improbidade, seja transportado para uma ação civil pública de
improbidade desde que observados o contraditório e ampla defesa no processo originário, o
que, acreditamos, pressupõe que tais processos tenham como causa de pedir o mesmo fato.111
Esse entendimento, segundo o qual se admite a importação, para o processo civil,
de uma prova, produzida excepcionalmente em sede penal, que não poderia ter sido
produzida originariamente naquela sede (civil), é controverso. A jurisprudência pre-
dominante defende admissibilidade de empréstimo ao argumento de que o direito à
privacidade e à inviolabilidade das comunicações (art. 5º, incs. X e XII, da CF/1988),
já teria sido violado no primeiro processo, em que a prova foi produzida validamente.
Tal orientação é seguida por parcela considerável da doutrina, segundo a qual o aten-
dimento aos pressupostos à prova emprestada permitiria sua livre utilização, indepen-
dentemente das exigências do processo destinatário.112

110. O STF consolidou esse entendimento (embora com algumas divergências) no Inq 2424 QO-
QO, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, DJe 23.08.2007. As divergências
podem ser extraídas: do voto vencido do Min. Marco Aurélio no referido Inq 2424 QO-
QO, e dos votos vencidos do Min. Napoleão Nunes Maia Filho no MS 16.418/DF, rel. Min.
Herman Benjamin, j. 08.08.2012, DJe 24.08.2012 e no MS 15.787/DF, rel. Min. Benedito
Gonçalves, j. 09.05.2012, DJe 06.08.2012, ambos da 1ª Seção do STJ.
111. STJ, 2ª T., REsp 14.47.157/SE, rel. Min. Humberto Martins, j. 10.11.2015, DJe 20.11.2015.
Também se admite a utilização de prova emprestada, advinda de interceptação telefônica, no
âmbito do processo administrativo disciplinar: “Analisando outros processos administrativos,
decorrentes da mesma operação policial, esta Corte firmou a orientação de que é admissível
o uso de interceptações telefônicas, na forma de provas emprestadas, derivadas de processo
penal, desde que tenha havido autorização judicial para tanto, como na hipótese dos autos,
bem como que tenha sido dada oportunidade para o contraditório em relação a elas, como de
fato verifica-se da leitura do processo administrativo. Precedentes: MS 17.536/DF, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe 20.4.2016; MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
DJe 15.9.2014; MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20.3.2014.” (STJ, 1ª S.,
MS 17.538/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10.08.2016, DJe 22.08.2016); “O
Superior Tribunal de Justiça entende que é admitida a utilização no processo administrativo
disciplinar de ‘prova emprestada’ devidamente autorizada na esfera criminal, desde que
respeitado o contraditório e a ampla defesa, como ocorreu no caso dos autos, conforme
consignado expressamente pelo aresto recorrido”. (STJ, 2ª T., REsp 1.570.427/RN, rel. Min.
Herman Benjamin, j. 07.06.2016, DJe 02.09.2016).
112. “Uma vez rompido o sigilo, e por conseguinte sacrificado o direito da parte à preservação da
intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de arrombar-se
Teoria Geral da Prova 877

Devemos ressaltar, todavia, a tese contrária, no sentido de que a autorização excep-


cional de tais provas invasivas, estabelecida pela Constituição exclusivamente para fins
criminais, tem por fundamento um juízo prévio de ponderação e proporcionalidade
feito pelo próprio constituinte, cuja ampliação, na prática, pode gerar muitas distor-
ções. De acordo com parcela da doutrina, esta finalidade não poderia ser desvirtuada.113
Prevalece, contudo, como já dissemos, a orientação de que se o fato a ser apurado nos
processos penal e civil disserem respeito, por ex., ao mesmo ato ilícito, poderá a prova
ser aproveitada neste último, ainda que tenha sido autorizada com a finalidade crimi-
nal prevista na Constituição. Tal posicionamento só se justifica, para nós, nos casos em
que, voltando-se a prova emprestada a um processo civil de natureza punitiva (como
é o caso das ações de improbidade), o bem jurídico protegido da prova invasiva puder
ser sobreposto à proteção constitucional da privacidade das comunicações (art. 5º, XII,
da CF/1988).114
Por fim, é importante frisarmos, que todas essas controvérsias dizem respeito às
provas que demandam a realização do contraditório para a sua formação (provas cons-
tituendas), porquanto, como já dissemos, não há sentido em discutir a questão quanto
às provas que somente admitem o contraditório posterior à sua formação (provas pré-
-constituídas), como é o caso do documento e da ata notarial.

o cofre já aberto. Mas por outro lado talvez se objete que assim se acaba por condescender
com autêntica fraude à Constituição. A prova ilícita, expulsa pela porta, voltaria a entrar pela
janela...” (José Carlos Barbosa Moreira, A constituição e as provas ilicitamente adquiridas,
Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 120). Cf., no mesmo
sentido: Ada Pellegrini Grinover, O regime brasileiro das interceptações telefônicas. A mar-
cha do processo.São Paulo: Forense Universitária, 2000, pp. 117-118; Nelson Nery Júnior,
Princípios do processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9. ed.
São Paulo: RT, 2009, p. 264; 268; Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de
Oliveira, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 136.
113. Luiz Flávio Gomes,Finalidade da interceptação telefônica e questão da prova emprestada.
Repertório IOB de Jurisprudência, v. 4/97, p. 75; Vicente Greco Filho, Interceptação tele-
fônica. Considerações sobre a Lei 9.296/1996. 2. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 39-40; Eduardo Talamini, Prova Emprestada no processo civil e penal, op. cit., v. 140,
p. 157-158; Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque
comparativo entre os processos civil e penal, Tese de doutorado. Orientador: José Rogério
Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 285 e ss.
114. “Se existe, ou não, algum interesse público transcendente, que, ligando-se a consequências
de outra qualificação jurídico-normativa do mesmo ato ilícito objeto da investigação crimi-
nal, mereça sobrepor-se mais uma vez, agora na esfera da instância não penal competente,
à garantia de uma intimidade já devassada, para efeito de aplicar ao autor daquele ato, por
conta da sua simultânea ilicitude doutra ordem, a sanção legal não penal que lhe convenha
ou corresponda, a título de resposta estratégica do ordenamento à transgressão de norma
jurídica de taxonomia diversa.” (extraído do voto do relator no STF, Inq 2424 QO-QO, rel.
Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, Dje 23.08.2007 – destacou-se).
25
Provas em Espécie

25.1. Ata notarial


A ata notarial é meio de prova antes considerado atípico, por não se encontrar ex-
pressamente admitida no CPC/1973.1 Foi inicialmente prevista no art. 7º, III, da Lei
8.935/1994, com o objetivo de autorizar o notário a atestar a veracidade de fatos ocor-
ridos em sua presença. É atualmente disciplinada como meio de prova pelo art. 384 do
CPC/15, que assim estabelece no caput: “A existência e o modo de existir de algum fato
podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata
lavrada por tabelião”.
Já foi definida, em sede doutrinária, como “o instrumento público através do qual
o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e
o traslada para seus livros de notas ou outro documento”.2
A ata notarial se distingue da escritura pública pelo fato de que o objeto desta são os
atos e negócios jurídicos, ao passo que aquela se refere a fatos presenciados pelo notário.3
Trata-se, em verdade, de um misto de documento público e testemunho oficial do
tabelião, que pode conter a apreensão de fatos ou dados, tais como: a) o conteúdo de e-
-mails ou sites da internet; b) o conteúdo de programas de televisão; c) quaisquer outros
dados representados por som ou imagem gravados em arquivos eletrônicos (art. 384,
parágrafo único, do CPC/15); d) estado de imóvel no momento da vistoria; e) o conte-
údo de declarações feitas diante do tabelião etc..

1. Em certa medida no CPC 73 era possível declaração do escrivão, tabelião ou funcionário de


atos ocorridos em sua presença (“Art. 364. O documento público faz prova não só da sua
formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que
ocorreram em sua presença”).
2. Leonardo Brandelli, Ata notarial. In: Leonardo Brandelli (coord.) Ata notarial. Porto Alegre:
Sérgio Fabris, 2004, p. 44.
3. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, Vol. III: Parte Especial – procedimento comum (da
demanda à coisa julgada). p. 494; Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero, Curso de Processo Civil. Volume II: Tutela dos direitos mediante procedimento
comum. São Paulo: RT, 2015, p. 390.
Provas em Espécie 879

Especialmente quanto ao último objeto citado, há que se atentar para o risco de que
a ata notarial venha a substituir a prova testemunhal, mormente quando a preservação
do caráter oral e contraditório na produção desta prova se revelem fundamentais ao
esclarecimento dos fatos.4 Haveria, assim, um risco de a ata notarial substituir a prova
testemunhal, o que leva parcela da doutrina a recomendar o uso residual do meio de
prova previsto no art. 384 do CPC/15.5
Há que se notar, por outro lado, que a substituição da declaração escrita de testemu-
nha pela produção oral da prova já é uma tendência verificada em outros países de civil
law, consoante se verifica, por exemplo, das inovações recentes dos códigos de proces-
so civil italiano (art. 257 – bis, decorrente de alteração implementada no ano de 2009)
e português (art. 518º do CPC de 2013).6
Embora o depoimento escrito não apresente os mesmos contornos da ata notarial
(em geral pode ser feito mediante respostas a questionários e preenchimento de formu-
lários enviados pelo juízo à testemunha, sem prejuízo da oitiva), sua utilidade é análo-
ga, já que visa à “objetivação das questões submetidas à apreciação judicial com a con-
sequente otimização da proposição e produção de provas, evitando que o processo se
desenvolva com a prática de atos inúteis decorrentes de proposições jurídicas, fáticas e
probatórias imprecisas”. Os riscos, todavia, desta objetivação e otimização da prova a
ser produzida, consiste na supressão do contraditório dirigido à prova, consistente na
necessária participação das partes e do juiz no momento exato da produção probatória,
i.e., o contraditório deve incidir no ato da elaboração do depoimento e não a posteriori,
sobre a prova pré-constituída documentalmente (com ou sem ata notarial).7
Ainda, mesmo no que diz respeito aos demais exemplos de atas notariais – como é o
caso das atas que descrevem o conteúdo de e-mails, sites da internet e programas de televi-
são –, é importante ressaltar que esse meio de prova não possui caráter técnico ou científico.

4. Nesse sentido, adverte Araken de Assis (Processo civil brasileiro, Vol. III: Parte Especial – pro-
cedimento comum (da demanda à coisa julgada). p. 495), que a ata notarial “aumentará a
tendência já excessiva de o juiz, assoberbado por quantidade invencível de feitos, sublimar
a necessidade de prova oral e, destarte, abster-se de designar audiência de instrução. Em
outras palavras, submetendo-se a ata notarial ao regime comum da prova documental,
tout court, a juntada desse documento de conteúdo heterogêneo e dotado do prestígio do
tabelião, ensejará o julgamento antecipado do mérito (art. 355, I).”
5. Idem ibidem.
6. André Vasconcelos Roque; José Aurelio de Araújo et. alli. A reforma do direito probatório no
processo civil brasileiro – terceira parte. Anteprojeto do Grupo de pesquisa “Observatório das
Reformas Processuais” Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Revista de processo, vol. 242, Abr. 2015, pp. 91-164.
7. Cf., sobre o tema: Mario Chiavario. La riforma del processo penale. Torino: UTET, 1988, p. 169.
Clarissa Diniz Guedes. Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processos civil e penal. Tese de doutorado. Orientador: Professor Doutor José Rogério
Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, pp. 259; 273 analisa a questão sob o prisma
dos processos civil e penal, explicitando a tendência mais marcante da doutrina processual
penal em preservar este contraditório durante a formação da prova oral, em contraposição à
maior aceitação da prova documentada (declaração pré-constituída) no âmbito da doutrina
processual civil.
880 Manual de Direito Processual Civil

Com isso se quer dizer que o notário apenas atesta os fatos que presencia a partir dos meios
tecnológicos citados, sem expressar qualquer opinião que demande conhecimento técni-
co ou especializado, v.g., sobre a autenticidade do material analisado. Portanto, não estará
dispensada a produção de prova pericial se pairarem dúvidas sobre fatos dessa natureza.
Por fim, deve ser ressaltado que a mesma presunção de veracidade que recai sobre
os documentos públicos em geral, em decorrência da fé pública do agente responsável
pela sua lavratura, deverá recair sobre a ata notarial.
Estar inserida no contexto do sistema da persuasão racional, a ata poderá ser livre-
mente valorada pelo juiz, no conjunto probatório, considerando-se parâmetros lógico-
-racionais, tais como o fato atestado pelo tabelião, os limites da cognição do tabelião so-
bre o fato e as possibilidades de erro na apreensão do fato. E assim é porque a presunção
de veracidade de que gozam as declarações de agentes públicos deve ser considerada
em relação às condições do caso específico,8 tendo em vista que a percepção do agente
público é tão suscetível a falhas como a de qualquer outra pessoa.9

25.2. Depoimento pessoal


25.2.1. Noções gerais
O depoimento pessoal é a oitiva da parte, solicitada pela outra parte (art. 385 do
CPC/2015),10-11 ou determinada ex officio pelo juiz, a ser realizada perante o juiz (art. 385),

8. Cf. STJ, 3ªT., AgRg no REsp 281.580/RJ, Rel. Min. Castro Filho, DJ 10.9.2007). No mesmo sentido:
STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1389193/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 11.11.2014, DJe 15.12.2014.
9. Cf. Mario Conte. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo
Cendon. Milano: Giuffrè, 2008, p. 56.
10. “(...) Apelante que insiste na oitiva do seu próprio depoimento pessoal Depoimento pessoal que,
via de regra, é fonte probatória a favor da parte contrária – Não cabe à parte requerer seu próprio
depoimento pessoal. (...) No que concerne ao depoimento pessoal, segundo determinação do
art. 343 [CPC 73] do Código de Processo Civil, compete a cada parte requerer o depoimento
pessoal da outra. Dessa forma, conclui-se que, na realidade, o depoimento pessoal faz prova
à parte contrária, que efetivamente o requereu e que, caso deferido o depoimento, procederá
com o interrogatório. Isto é, cabia à ré, se interessada, requerer o depoimento pessoal da
autora, mas não cabia à apelante requerer o próprio depoimento.” (TJSP, 4ª Câm. de Dir. Priv.,
Apel. 0001631-43.2011.8.26.0244, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 13.9.2012); “Não houve
cerceamento de defesa no presente caso, vez que, por primeiro, ‘não cabe à parte requerer o
próprio depoimento pessoal.’ (RT 722/238, RJTJESP 118/247).(…).” (TJSP, 9ª Câm. Dir. Priv.,
Apel. 9222175-07.2007.8.26.0000 Rel. Des. Piva Rodrigues, j. 14.2.2012) “(...)o artigo 385
do Código de Processo Civil expressamente dispõe que: ‘cabe à Parte requerer o depoimento
pessoal da outra Parte, a fim de que esta seja interrogada na Audiência de Instrução e Julgamento,
sem prejuízo do poder do Juiz de ordená-lo de ofício.’ No caso, constata-se que não houve
requerimento da parte contrária para Depoimento Pessoal da Autora, e ainda, que o Pleito
formulado não necessitava da produção de outras provas, bastando as já existentes no Feito.”
(TJSP, AC 1033597-04.2014.8.26.0114, 30ª Câm. Dir. Priv., j. 14.12.2016, rel. Des. Penna
Machado, DJe. 14.12.2016); em semelhante sentido: TJSP, AC 1008864-61.2016.8.26.0224,
20ª Câm. Dir. Priv., j. 07.11.2016, rel. Des. Roberto Maia, DJe. 07.11.2016.
11. Em sede doutrinária: Fabio Tabosa (In: Antonio Carlos Marcato. Código de processo civil
interpretado. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 1093-1094); Fredie Didier Junior, Rafael Alexan-
Provas em Espécie 881

devendo, para tanto, ser intimada, e, para que se lhe aplique a pena de confesso, deverá
do mandado de intimação constar a advertência do § 1.º do art. 385. 12 Deve-se proce-
der à tomada do depoimento pessoal, solicitado pela parte,13 sendo defeso ao advogado
da parte que vai depor fazer-lhe perguntas.14
Como regra geral, praticamente absoluta, somente poderá a própria parte depor. O
depoimento, portanto, justamente porque pessoal é, em regra, insuscetível de “delega-
ção”. E isto se deve à circunstância de ter o litigante o ônus de prestar depoimento por
ser conhecedor dos fatos dos quais podem ser extraídas consequências jurídicas, nor-
malmente contra ele e, ainda, pode ser sabedor dos fatos que ele próprio alegou, con-
trapondo-se ao seu adversário. Sentido prático algum teria, na verdade, admitir-se que
o litigante delegasse a outrem a tarefa de depor, pois: a) este alguém não poderia co-
nhecer tão bem os fatos, como o litigante; b) de outra parte, ainda, poderia delegar tal
tarefa a alguém altamente experimentado na vivência forense e, assim, frustrar-se-iam
os objetivos em função dos quais se disciplina o depoimento pessoal.
Constata-se, desta forma, que a pessoalidade é praticamente essencial aos fins coli-
mados pelo legislador, tendo em vista o depoimento pessoal.
Problema que diz respeito à questão da pessoalidade é o de saber se é possível algum
procurador prestar depoimento. Afigura-se que, tratando-se de demandas entre pessoas
físicas, a vedação é absoluta,15 justamente porque comparecem, em tal tipo de deman-

dria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil. vol. 2, Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 150, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
Novo curso de processo civil. Vol. II: A tutela dos direitos mediante procedimento comum,
São Paulo: RT, 2015, p. 330.
12. “– É pressuposto para a aplicação da pena de confesso, prevista no § 2.° do art. 343, do CPC,
que a parte seja previamente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida do risco de
aplicação da pena”. (STJ, 3ª T., REsp 702.739/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão
Min. Ari Pargendler, j. 19.9.2006, DJ 2.10.2006). “(...) A aplicação da pena de confesso deve
pressupor intimação pessoal e com advertência, nos exatos termos do artigo 343, § 1º, do
CPC-1973, aqui aplicável (correspondente ao artigo 385, § 1º, do CPC-2015) (...)(TJSP, AC
0031213-50.2002.8.26.0100, 31ª Câm. Dir. Priv., j. 26.07.2016, rel. Des. Antonio Rigolin, DJe.
26.07.2016). Cf.: TJSP, AC 0007591-73.2012.8.26.0428, 33ª Câm. Dir. Priv., j. 07.11.2016,
rel. Des. Mario A. Silveira, DJe. 07.11.2016; TJSP, AC 1005216-73.2016.8.26.0224, 13ª Câm.
Dir. Priv., j. 09.09.2016, rel. Des. Nelson Jorge Júnior, DJe. 09.09.2016
13. O interrogatório a que se alude no art. 139, VIII, é informal, poderá ser assistido pelo ad-
vogado da parte e pelo do adversário (se for o caso), não se lhe aplicando os §§ 1.º e 2.º do
art. 385 do CPC/2015.
14. V. Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense,
1982. vol. 4, 71, b, fine, p. 86; Luiz Guilherme Marinoni, Comentários ao código de pro-
cesso civil, v. 5, t. 2, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 68, Fredie Didier Jr.,
Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, vol. 2,
op. cit., p. 159. Na jurisprudência, v. RT 578/93; TJSP, 30ª Câm. Dir. Priv., Apel. 9119988-
81.2008.8.26.0000, Rel. Des. Edgard Rosa, j. 16.3.2011; o TJSP, em recente julgado, reco-
nheceu a validade do depoimento pessoal mesmo quando haja formulação de perguntas
pelo causídico: TJSP, AC 3001538-50.2013.8.26.0279, 5ª Câm. Dir. Públ., j. 06.06.2016,
rel. Des. Nogueira Diefenthaler, DJe. 14.06.2016
15. Na doutrina: José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Campinas:
Millennium, 2000, vol. 3, item 800, p. 402: “Só as partes é que podem prestar depoi-
882 Manual de Direito Processual Civil

da, para depor sobre fatos de que tenham ciência própria, sob pena de confissão.16-17 No
entanto, quando se tratar de demandas movidas contra ou por pessoas jurídicas, con-
forme o caso, as soluções poderão variar.
Conforme o tamanho de uma sociedade, civil ou comercial, é evidente que aquele
que a deve formalmente representar em juízo, ou seja, quem os seus estatutos designem,
ou o seu diretor, justamente porque é grande, poderá desconhecer as circunstâncias e
peculiaridades do caso a ser esclarecido em juízo. Na verdade, nesta hipótese, será pre-
cisamente outra pessoa aquela que estará de posse do conhecimento dos fatos, de forma
direta e efetiva. Segue-se disto que, exatamente porque tal pessoa reúne o conhecimento
dos fatos, é que deverá depor, e não aquele que os desconhece. É com esse depoimento
que se logrará obter, eventualmente, esclarecimentos úteis ao dilucidamento dos fatos,
e, até a própria confissão, que terá sido provocada. Por isso se conclui que os órgãos re-
presentativos das pessoas jurídicas podem delegar o depoimento pessoal a prepostos.18
Tal representante será admitido pelo juiz, a seu critério, mas, para tanto, deverá estar

mento pessoal. Como o próprio nome o indica, o ato é da própria pessoa chamada a
depor, pelo que não é admissível o depoimento pessoal mediante procurador ou por
intermédio de mandatário judicial. Nem mesmo com poderes expressos poderia o ad-
vogado comparecer em nome da parte, quando esta chamada a depoimento pessoal,
para, como nuncius, confessar os fatos ou algum dos fatos da demanda. O depoente vai
a juízo para ser interrogado; e apesar de se tentar muitas vezes, com esse ato, a obtenção
de uma confissão parcial ou completa das alegações do adversário, o certo é que pode
o depoente ser indagado a respeito de circunstâncias da causa (mesmo que confesse
e ainda que não confesse), que sejam úteis esclarecer para o juiz conseguir convicção
segura da lide e respectivas controvérsias”. No mesmo sentido: Fredie Didier Jr., Rafael
Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, vol. 2, op.
cit., p. 152. Contrariamente, porém, ao argumento de que se trata de uma outra maneira
de se compreender o depoimento pessoal ou, ainda, de prova atípica, na qual a parte
vem a juízo para narrar ou esclarecer o que ocorreu ou deixou de ocorrer: Cássio Scar-
pinella Bueno, Manual de direito processual civil. Volume único. 2ª tiragem. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 320.
16. Exatamente nesse sentido, STJ, REsp 623.575/RO, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 07.03.2005, p. 250.
17. Em sentido contrário: Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual
civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 1, p. 484, Gisele Fernandes Góes, Comentário ao
art. 385 do CPC/2015, In: Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. (coords). Breves comentários ao
novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.049. Na jurisprudência, admitindo-
se o depoimento por intermédio de procurador: v. TJSP, AC 0001560-79.2011.8.26.0296,
4ª Câm. Dir. Priv., j. 02.10.2014, rel. Des. Enio Zuliani, DJe. 02.10.2014; TJRO, REEX
00235816720148220001, 2ª Câm. Especial, j. 05.07.2016, rel. Des. Walter Waltenberg
Silva Júnior, DJe. 18.07.2016
18. STJ, REsp 191.078/MA, 3.ª T., j. 15.09.2000, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 09.10.2000,
p. 142.; “(...) colheu-se depoimento os depoimentos pessoais da preposta da autora, do
preposto da ré e ouvida uma testemunha arrolada pela autora, Sr. Rogério Antônio da Silva,
por meio de sistema audiovisual, consoante faculta o art. 417 do CPC.” (TJSP, AC 1016932-
73.2015.8.26.0114, 22ª Câm. Dir. Priv., j. 30.06.2016, rel. Des. Roberto Mac Cracken, DJe.
06.07.2016); cf. TJSP, AC 0031494-32.2004.8.26.0004, 13ª Câm. Dir. Priv., j. 12.08.2016,
rel. Des. Alfredo Attié, DJe. 12.08.2016;
Provas em Espécie 883

sempre devidamente documentado, inclusive e sempre com poderes para confessar;19


isto é, se confessar, este fato acarretará as consequências normais ou próprias daquela
confissão, sem que se possa discutir a legitimidade de tal representante.
Temos para nós, que nessa escolha interfere certa margem de interpretação do juiz,
com vistas à escolha da situação (da representação) que se mostre adequada à hipótese, cons-
tando se, no caso concreto, deverá admitir outrem, que não aquele estatutariamente de-
signado, ou, à falta deste último, do diretor de sociedade que, ex lege, deve representá-
-la. Nesta linha, ainda, insere-se o direito de a parte contrária solicitar o depoimento de
quem não tenha sido estatutariamente designado ou de quem não seja diretor, exem-
plificativamente, como, ainda, da própria sociedade demandada explicar ao juiz que o
diretor, ou quem tenha sido estatutariamente designado para a representação judicial,
nada sabe diretamente do assunto.
É certo que o juiz deverá agir com extrema cautela, dentro dos limites desta inter-
pretação, atentando, em específico, para o sentido limitativo do texto, em que se disci-
plina a representação das pessoas jurídicas. Mas é evidente, todavia, que errará quan-
do, diante de uma macrossociedade, pretender que o seu diretor venha depor quando
este nada saiba diretamente do assunto, ao passo que determinado funcionário, por hi-
pótese, esteja absolutamente inteirado dos fatos, por conhecimento próprio e direto.
Cumpre, agora, passar à distinção do chamado interrogatório livre em face do de-
poimento pessoal, propriamente dito (arts. 139, VIII e 385, respectivamente).

25.2.2. Interrogatório livre e depoimento pessoal (propriamente dito).


Diversidade de regimes jurídicos
Na linha do que já dispunham os códigos anteriores (art. 117 do CPC/39 e art. 342
do CPC/1973), o CPC/2015 admite o interrogatório das partes pelo magistrado, 20 sem
as formalidades inerentes ao depoimento pessoal, propriamente dito.
O art. 139, VIII, do CPC/2015 estabelece nitidamente o caráter de prova comple-
mentar do direito-dever do juiz de ordenar, a qualquer tempo, o comparecimento pes-
soal das partes, “a fim de inquiri-las sobre os fatos da causa”. Desde logo, devemos con-
signar que o instituto disciplinado neste dispositivo é inconfundível com o depoimento
pessoal, pois, como é sabido, é regra de hermenêutica que se dê a cada instituto, sen-

19. V. nesse sentido: Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de
Almeida, Curso avançado de processo civil, vol. 1, 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007. vol. 1., n.
32.1.3, p. 430. Na jurisprudência: TJSP, 10ª Câm. Dir. Priv., AI 0273325-78.2010.8.26.0000,
Rel. Des. Coelho Mendes, j. 14.12.2010; “(...) No caso das pessoas jurídicas, o depoimen-
to pessoal poderá ser prestado não pelos representantes legais, mas por prepostos que
tenham poderes especiais para confessar e conhecimento dos fatos (TJSP, AC 0001852-
33.2011.8.26.0565, 38ª Câm. Dir. Priv., j. 30.10.2012, rel. Des. Eduardo Siqueira, DJe.
30.10.2012).
20. Admite-se, ainda, com muito mais razão, a determinação do interrogatório pelos desembar-
gadores: STJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, AgRg no REsp 1510979/PB, j. 15.9.2015,
DJe 10.11.2015.
884 Manual de Direito Processual Civil

do possível, como no caso o é, um rendimento autônomo e próprio.21 Nesse ponto, o


CPC/2015 corrigiu um equívoco do CPC/1973, que tratava dos dois institutos (interro-
gatório da parte e depoimento pessoal) na mesma seção, denominada “Do depoimento
pessoal”. Assim, embora no Código revogado a disciplina dos institutos fosse diversa
(o art. 342 era específico para o interrogatório, ao passo que os arts. 343, 344 e 345 do
CPC/73 só se aplicavam ao depoimento pessoal), a localização dos dispositivos pode-
ria ocasionar uma certa confusão.
O art. 139, VIII, do CPC/2015 confere ao juiz, como se disse, um poder-dever, no
sentido de que deverá ser usado quando o juiz se encontrar num estado de dúvida, insus-
cetível de ser esclarecida por outro modo que não o interrogatório, ou, pelo menos, que
entenda ser o interrogatório meio manifestamente adequado para tais esclarecimentos.
Entende-se como pressuposto de utilização dos poderes descritos no art. 139, VII,
do CPC/2015, a circunstância de estarem fundamentalmente fulcrados na dúvida e/ou na
extrema gravidade dos fatos retratados em juízo, vale dizer, na seriedade do bem jurídico
retratado na lide. Regra geral, a atividade probatória é algo que respeita aos litigantes e
não ao juiz. Ademais, e por causa disto, o juiz deve ser equidistante das partes, no senti-
do de não pender para lado algum, de forma que seja efetivamente imparcial. Se a parte
ficar inerte, quando poderia, eventualmente, ter provado o direito que alega ser seu, ou
o réu com relação aos fatos embasadores de sua contestação ou reconvenção, deverá o
juiz, diante de tal contexto, decidir pelo ônus da prova (art. 373 do CPC/2015). Outra
interpretação do art. 139, VIII, tendo em perspectiva os poderes do juiz, levaria ao de-
sequilíbrio do tratamento das partes, o que afronta todo o sistema.22
Se, como já foi dito, o pressuposto mais importante de aplicabilidade do art. 139, VIII,
é a dúvida do juiz, não esclarecida pelas provas aportadas ao processo, segue-se disto
que tal atividade será normalmente complementar de outras atividades probatórias que
a tenham precedido. Ademais, por estas razões, em regra, o uso do mesmo dispositivo
deverá, normalmente, ter lugar depois de realizadas as provas, justamente porque aí é
que o juiz, examinando-as, constatará a sua dúvida. Em nome desta e tendo em vista que
o respectivo esclarecimento respeita não ao direito de qualquer dos litigantes, senão ao
estabelecimento dos pressupostos de fato sobre os quais há de incidir a atividade juris-
dicional, em nome do desempenho de sua função, terá de usar dos poderes do art. 139,
VIII, do CPC/2015. Daí porque aludimos a poder-dever.

21. V. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 23. ed. (atualizada por
Aricê Moacyr Amaral Santos.) São Paulo: Saraiva, 2004. vol. 2.vol. 2, n. 661, p. 450 a 452. Em
semelhante sentido, os tribunais pátrios tem firmado posicionamento pela desnecessidade
de observância das formalidades inerentes ao depoimento pessoal: TJSP, AC 0016358-
38.2009.8.26.0127, 14ª Câm. Dir. Priv. j. 23.06.2014, rel. Des. Lígia Araújo Bisogni, DJe.
23.06.2014; TJSP, AI 2015858-18.2015.8.26.0000, 28ª Câm. Dir. Priv., j. 28.04.2015, rel.
Des. Mario Chiuvite Júnior, DJe. 07.05.2015; TJSP, AI 2100189-30.2015.8.26.0000, 5ª Câm.
Dir. Priv., j. 08.07.2015, rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, DJe. 14.07.2015
22. Sobre os poderes do juiz e o princípio dispositivo v. o que foi dito no Capítulo relativos ao
“O ônus da prova”), especificamente o item da (“Correlação entre o ônus da prova e os
princípios dispositivo e inquisitório”). Cf.
Provas em Espécie 885

No caso do interrogatório é inviável, todavia, cogitar-se da pena de confesso, que só


tem cabimento quando do depoimento pessoal propriamente dito. Este entendimento,
que já adotávamos à luz do CPC/73 (art. 342, que não era expresso sobre o tema), foi
confirmado na parte final do inciso VIII do art. 139 do CPC/2015.
Por outro lado, apesar do que foi dito, devemos observar que, diante da amplitude
do texto legal, se o juiz entender útil justamente ao estabelecimento da verdade fática,
poderá determinar o interrogatório antes e/ou depois do término da atividade probató-
ria, que deverá ou que venha a ser realizada pelos litigantes.
Do interrogatório livre, tal como previsto no art. 139, VIII, deverá ser lavrado termo,
de tal forma que fique documentado nos autos o que a parte ou partes, tenham dito ao
magistrado. É direito dos advogados assistirem ao referido interrogatório, a fim de fisca-
lizar a atividade do juiz, no sentido de evitar que saia ele, eventualmente, de sua impar-
cialidade, o que se aplica a qualquer tipo de processo, inclusive, senão especialmente,
aos casos de segredo de justiça, hipótese em que também têm os advogados o direito de, ao
mesmo, estarem presentes (v. art. 2.º, §§ 1.º e 2.º, da Lei 8.906/1994, Estatuto da OAB).
Não deverá uma parte ouvir o interrogatório da outra, mercê de aplicação analógica
do disposto no art. 385, § 2º, do CPC/2015.
Entendemos incorreta a posição consistente em que, uma vez determinado o in-
terrogatório livre, tal fato “prejudica o requerimento da parte no mesmo sentido”.23
Se os regimes jurídicos são manifestamente diversos e não sendo viável a aplicação
da pena de confesso, segue-se que, mesmo tendo o juiz determinado o interrogatório
livre, é direito da parte solicitar o depoimento pessoal, justamente, e pelo menos, para
que submeta o seu adversário às consequências eventualmente negativas (pouco pro-
váveis, é verdade, mas possíveis) emergentes do seu não comparecimento (art. 385,
§ 1.º; v. tb. art. 386, ambos do CPC/2015), isto é, se não comparecer, que se lhe apli-
que a pena de confesso.
Assim, a determinação judicial de comparecimento não elide o direito de solicita-
ção, pelo menos, de que à parte seja aplicada a pena de confesso. Caso o adversário nada
solicite, curialmente, nada poderá pretender, que eventualmente pudesse decorrer do
não comparecimento. Sem embargo disto, concordamos em que poderá haver quase
coincidência cronológica entre o interrogatório determinado pelo juiz, o qual se pode-
rá verificar no início de uma audiência de instrução e julgamento. Sucessivamente, po-
rém, ao término do mesmo, e, em seguida, assistirá ao advogado o direito de perguntar,
ou reperguntar, o que inocorre no interrogatório livre propriamente dito.

25.2.3. Definição
Constata-se, do que foi dito, que o depoimento pessoal decorre do ato de uma parte,
em relação à outra, que requer ao juiz para que esta, na instrução oral do processo, ou, mais
precisamente, na audiência de instrução e julgamento, venha depor. Para tanto, deverá

23. V., contrariamente ao texto, Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 64, fine, p. 88.
886 Manual de Direito Processual Civil

dirigir petição ao juiz, devendo constar do mandado24 a cominação da pena de confesso, a


ser aplicada se a parte solicitada a depor não comparecer, (art. 385, § 1º, do CPC/2015).
Classicamente define-se o depoimento como um meio de prova que se presta a ob-
ter a confissão da parte depoente (art. 389 do CPC/2015). No entanto, deve-se admitir
que o escopo do legislador ao admitir o depoimento pessoal como meio de prova, é o de
lograr obter, mercê de tal depoimento, a verdade respeitante aos fatos controvertidos
objeto desse meio de prova, e não necessariamente apenas a confissão.25
Há, inclusive, quem defenda, a partir desse entendimento – de que o depoimento
pessoal não se pode limitar à busca da confissão da contraparte – a ampliação das pos-
sibilidades de requerimento, inquirição e contra-inquirição das partes, permitindo, até
mesmo, que o depoente seja interrogado pelo próprio procurador. Cuida-se de entendi-
mento que encontra respaldo na tese de Mauro Cappelletti, segundo o qual não se pode
retirar valor probatório do depoimento da parte, considerando-se todas as possibilida-
des de esclarecimento que esta pode oferecer. 26 Apesar das fortes razões em contrário, e
mesmo admitindo-se o caráter esclarecedor do depoimento da parte, afigura-se que a lei
processual civil não admite a adoção de tal procedimento, pois, como já se adiantou, é
expressa no sentido de que o depoimento pessoal é sempre requerido pela contraparte. 27

24. Assim, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em decisão encimada da seguinte ementa:
“A pena de confissão – meio de prova, aliás, que conduz a uma presunção relativa, e não
absoluta – somente poderá ser aplicada se no mandado intimatório constar expressamente,
para ciência inequívoca do intimado, que, se o mesmo não comparecer ou se recusar a depor,
se presumirão verdadeiros os fatos alegados contra ele. Não é bastante a sucinta menção à
pena de confesso” (REsp 2.340/SP, 4.ª T., j. 29.06.1990, v.u., rel. Min. Athos Carneiro, não
conheceram, DJU 10.09.1990) – in Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil,
p. 261. Trata-se de precedente seguido por inúmeros julgados daquela Corte Superior e dos
Tribunais de segundo grau.
25. “No depoimento pessoal é comum atrelá-lo à busca de confissão pela parte requerente, como
se fosse aquela a busca por aquela a única função daquela que já foi considerada a rainha das
provas. (...) no entanto, o depoimento não tem titular (princípio da aquisição e comunhão da
prova), como também não impede a identificação de sua real função que é o esclarecimento
dos fatos – e não a obtenção de uma confissão – das formas mais aptas ao alcance destes
objetivos” (William Santos Ferreira, Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: RT,
2014, p. 210/212). Também no sentido de que o depoimento pessoal não tem como única
finalidade a confissão: Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil,
vol. III, 6º ed., São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 644-645; Araken de Assis, Processo civil bra-
sileiro, vol. III, São Paulo: RT, 2015, pp. 498-500; Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional
e limitações probatórias. Enfoque comparativo entre os processos civil e penal, op. cit.,
p. 223. Contratiamente, no sentido de que o depoimento presta-se, precipuamente, à busca
da confissão: cf. TJSP, AC 9087420-22.2002.8.26.0000, 5ª Câm. Dir. Priv., j. 08.06.2011,
rel. Des. J.L. Mônaco da Silva, DJe. 08.06.2011; TJSP, AC 0007408-23.2014.8.26.0270, 18ª
Câm. Dir.o Privado, j. 13.12.2016, rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, DJe. 15.12.2016
26. Mauro Cappelletti, Il testimonio de la parte en el sistema de la oralidad. Contribución a la
teoría de la utilización probatoria del saber de las partes en el proceso civil. Tradução de
Tomás A. Banzhaf. La Plata: Libreria Editora Platense, 2002, Parte I, Seção I, Capítulo III,
§ 19, pp. 236-238.
27. Em sentido contrário a esse entendimento, argumenta-se que a lei, embora não preveja o
requerimento deste meio de prova pela própria parte, não o veda, assim como não o faz
Provas em Espécie 887

A polêmica sobre os objetivos do depoimento pessoal – i.e., se é voltado apenas a


confissão ou se pode resultar em prova diversa – e sobre direito de requerimento e inqui-
rição pelo próprio advogado da parte depoente – também se fez presente no direito por-
tuguês, o que resultou em inovação do seu Código de Processo Civil de 2013 que, apesar
de manter a disciplina do depoimento da parte nos mesmos moldes do código revogado,
de forma similar ao depoimento pessoal do processo civil brasileiro, criou uma nova mo-
dalidade de prova, a saber: a chamada prova por declarações das partes (art. 466º do CPC
Português de 2013). Trata-se de meio de prova de caráter voluntário, porquanto reque-
rido pela própria parte, com o objetivo de esclarecer fatos sobre os quais haja intervindo
pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto (art. 466º, I). Tem entendido a dou-
trina, de modo geral, que a prova por declarações só pode ser requerida pela própria par-
te, pois o juiz e a contraparte já têm a seu dispor outros instrumentos para inquiri-la. 28
De todo modo, no direito brasileiro é preciso ter presente que o depoimento pessoal
não é previsto na forma voluntária, sendo certo que inexiste um meio de prova análogo
àquela “prova por declarações das partes” da legislação portuguesa. Contudo, consoante
já se enfatizou, tal não implica a impossibilidade de a parte apresentar esclarecimentos
que lhe sejam favoráveis, embora se admita que o maior objetivo da contraparte, ao re-
querer dito depoimento, é o de obter a confissão, ficta ou expressa.
No que diz respeito à confissão ficta, a lei coloca, como conditio sine qua non à apli-
cação da pena de confesso (art. 385, § 1º, do CPC/2015), a necessidade da intimação da
parte, que seja feita de modo pessoal; se, entretanto, tal não for possível, porque esteja
o litigante em lugar incerto e não sabido, o seu adversário, já foi decidido ou desistirá
da prova, ou então deverá intimá-lo por editais.29
Entretanto, temos para nós que se a lei se refere à intimação pessoal (art. 385, § 1.º),
ou esta será feita, ou, então, não havendo condições para a realização da prova, conse-
quentemente, é incogitável pensar-se na aplicação da pena.30

quanto à formulação de perguntas pelo procurador do depoente. Invoca-se, no ponto, o


princípio da liberdade dos meios de prova (cf. Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e
limitações probatórias, op. cit., pp. 223-225) Há, porém, que se considerar que a lei regulou
expressamente o procedimento probatório no depoimento pessoal.
28. (José Lebre de Freitas, Ação declarativa, comum à luz do Código de Processo Civil de 2013,
3ª ed., Coimbra: Coimbra, 2013, p. 278; Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, Coim-
bra: Almedina, 2015, p. 356; em sentido diverso, admitindo a determinação ex officio das
declarações das partes: Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, Primeiras notas ao novo
código de processo civil, vol. I, Coimbra: Almedina, 2013, p. 365.)
29. Cuida-se de julgado proferido à luz do art. 343, § 2º, do CPC/1973, equivalente ao art. 395,
§ 2º, do CPC/2015: 1.º TACivSP [extinto], RT 829/234. Assim, também: TJSP, 10ª Câm. de
Dir. Priv.; Rel. J.B. Paula Lima; j. 25.8.2015.
30. Conforme: entendendo que, quando a lei alude a intimação pessoal, exclui, expressamente,
a intimação por edital (RT 552/122). Veja-se: “(...) para aplicação da pena de confissão, deve
a parte ser intimada pessoalmente e advertida que deverá prestar depoimento pessoal, situa-
ção que não se verifica no caso de réu revel citado por edital (...)(TJPR, AC 0577435-2, 12ª
Câm. Cível, j. 09.09.2009, rel. Des. Costa Barros, DJe. 16.09.2009).; TJSP, 25ª Câm. do 13º
Grupo (Ext. 2° TAC), AI 9002000-10.2006.8.26.0000, j. 23.1.2007; TJMG, 9ª Câm. Cív., Apel.
888 Manual de Direito Processual Civil

Os pressupostos da aplicação da pena de confesso serão vistos a seguir.

25.2.4. Recusa em depor e aplicação da pena de confesso


Dispõe a lei que, não comparecendo a parte que tenha sido pessoalmente intimada e
advertida da pena de confesso, ser-lhe-á aplicada referida pena, como ainda, se compa-
recer, mas “se recusar a depor”, igualmente, “o juiz aplicar-lhe-á a pena”(art. 385, § 2º,
do CPC/2015). Trata-se, em verdade, de “pena de confesso”, de uma consequência ne-
gativa decorrente do descumprimento do ônus de depor.
A redação da lei levaria a um entendimento aparentemente automático sobre a aplica-
ção da pena de confesso, como decorrente do não comparecimento e da recusa a depor. 31
Afigura-se-nos, todavia, que essa interpretação não se coaduna com o sistema.
Assim, a denominada pena de confesso há de ser aplicada tendo em vista o conjunto
das provas e o exame global que dele faça o juiz (art. 371 do CPC/2015). Sendo assim, a
pena de confesso somente terá algum sentido prático se não contradisser o conjunto pro-
batório, pois, do contrário, seria fazer emergir uma consequência, decorrente da pena
de confesso, contrastante com o conjunto probatório existente nos autos, em sentido
oposto ao conjunto probatório mesmo.32

9237790-03.2008.8.26.0000, Rel. Des. Amorim Siqueira, Apel. Cív. 1.0145.10.063277-


0/001, j. 11.8.2015; Na doutrina, cf., Araken de Assis, op. cit., p. 520, sob o entendimento
de que a intimação deverá ser pessoal e real. Veja-se, ainda, na jurisprudência, os seguintes
julgados, em que não se admitiu a intimação realizada por meio do Diário da Justiça: RT
573/187; TJSP, 24ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cesar Mecchi Morales, j. 28.2.2013.
É esta a posição que nos parece a correta.
31. Há julgados remotos – inclusive do STF (RT 538/273) –, considerando obrigatória a imposição
da pena de confesso, e argumentando que o não comparecimento geraria uma presunção
iuris et de iure de veracidade (JUTARS 52/390, em.). Esta veracidade poderá ter comparecido
nesse caso concreto, mas não nos parece se possa e deva falar em presunção absoluta (v. o
que se expõe adiante, no corpo do texto). A jurisprudência mais recente considera que, não
obstante seja aplicada tal pena, a presunção de veracidade dos fatos daí oriunda é relativa
(STJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp 856.699/MS, j. 15.9.2009, DJe 30.11.2009; 4ª
T., AgRg no AREsp 346.954/RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 14.10.2014, DJe 29.10.2014);
“(...) não se pode deixar de lembrar que confissão, no caso, por ser mais um elemento de
prova e se tratar de presunção ficta, não se sobrepõe aos demais elementos existentes nos
autos, devendo ser analisada no contexto do conjunto probatório.” (TJSP, AC 0031213-
50.2002.8.26.0100, 31ª Câm. Dir. Priv., j. 26.07.2016, rel. Des. Antonio Rigolin); “(...) a
ausência da parte depoente à audiência embora enseje aplicação da pena de confissão, deve
ser analisada pelo r. Juízo de modo conjunto com os demais elementos de prova. Trata-se de
presunção relativa de veracidade sobre os fatos ventilados pela parte Ré, de modo que, de
forma isolada, não é suficiente para gerar o acolhimento ou rejeição do pedido, porquanto
deve ser compreendida em cotejo com os demais elementos de convicção reunidos” (TJRJ,
ED 0003872-38.2012.8.19.0021, 26ª Câm.Cível, j. 17.03.2016, rel. Des. Arthur Narciso
de Oliveira Neto);.
32. De forma convergente: “Não tem a confissão ficta – como de resto tampouco a expressa
– poder vinculativo absoluto em relação ao juiz, que pode perfeitamente desconsiderá-la
desde que leve a conclusão absurda ou de todo inverossímil, ou ainda que seja contrariada
Provas em Espécie 889

Ademais, poder-se-á cogitar da incidência da pena de confesso tendo em vista uma


parte dos fatos, quais sejam, aqueles que não estejam devidamente comprovados no pro-
cesso e, em função de se ter a parte que deveria depor omitido em comparecer, operar-
-se-á a incidência do referido dispositivo, com referência determinada a tais fatos. Por
outro lado, tenhamos, na linha do que corretamente vem firmando a jurisprudência,
que, “para a imposição da pena de confesso, por não ter a parte comparecido para pres-
tar depoimento, devem ser respeitados alguns princípios estabelecidos para a confissão
real”. Nessa perspectiva, pois, “não opera a pena de confesso de um litisconsorte, com
referência aos demais, pois “Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a
parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os
atos e as omissões de um não prejudicarão os outros (...)” (art. 117 do CPC/2015; v., ain-
da, mais especificamente, art. 391 do CPC/2015).
Salienta-se, todavia, que, tratando-se de fatos relativos a direitos indisponíveis, não
poderá ser aplicada a pena de confesso sequer ao que tenha “confessado”(art. 392).
Na verdade, a pena de confesso, é certo, configura elemento ponderável a ter influ-
ência no espírito do juiz, quando não colida frontalmente com o restante do conjunto
probatório. Não poderá tal pena de confesso ter outro alcance que não este, todavia.
Assim, deve-se distinguir a eficácia própria da confissão que faz prova contra o
confitente (art. 391 do CPC/2015) do fato de ter aquele comparecido, mas se haver
recusado, mercê de evasivas, a esclarecer o juízo, esclarecimento este que é o escopo
da própria figura do depoimento pessoal. Assim, não nos parece correto o entendi-
mento de que o sistema vigente teria transformado em presunção absoluta de verdade
dos fatos que operam consequências desfavoráveis contra a parte devidamente inti-
mada, deixado de comparecer, como já foi entendido, à luz do CPC/7333 Na verdade,
correto é o entendimento, consistente em que “resta à doutrina e à jurisprudência
abrandar a rispidez do legislador”, 34 como de fato, veio a ocorrer.35 Tal entendimen-
to é no sentido de que o valor da confissão ficta é sempre relativo, é que deverá ser
mantido à luz do CPC/2015.

25.2.5. Procedimento do depoimento pessoal


Por se tratar de prova oral a maneira de ser interrogada a parte identifica-se, em
quase tudo, com aquela prescrita para a inquirição das testemunhas, com a diferença,
já anotada, de que o advogado da parte não pode fazer reperguntas.

por outros elementos conclusivos de prova, como documentos ou perícias” (Fábio Tabosa,
Comentário ao art. 343 do CPC/1973, In: Antônio Carlos Marcato, Código de processo civil
interpretado. 3ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.097).
33. V. Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 70, p. 97.
34. Idem ibidem.
35. STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 346.954/RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 14.10.2014, DJe 29.10.2014.;
cf. TJMS, AC 0842886-17.2013.8.12.0001, 5ª Câm. Cível, j. 16.08.2016, rel. Des. Sideni
Soncini Pimentel, DJe. 22.08.2016; TJPR, AC 1.537.220-0, 10ª Câm. Cível, j. 21.07.2016,
rel. Des. Guilherme Freire Teixeira, DJe. 05.08.2016).
890 Manual de Direito Processual Civil

Deve a parte ser interrogada diretamente pelo advogado da parte contrária, devida-
mente fiscalizada pelo juiz da causa a fim de que não ocorram excessos e intimidações
(art. 459 do CPC/2015 36), tendo em vista não necessariamente os fatos articulados
(todos),37 senão tendo em vista os fatos suscetíveis de serem provados por depoimento
pessoal, com vistas a: a) que se esclareçam; b) que, eventualmente, possa ser provocada
a confissão, suscetível de ser feita na audiência de instrução e julgamento.
A lei veda, à parte que ainda vá depor, que assista ao interrogatório da outra (art. 385,
§ 2º, do CPC/2015).
Tendo comparecido a parte e sendo-lhe feitas as perguntas, mas respondendo com
evasivas, deverá então o juiz, “apreciando as demais circunstâncias e elementos de pro-
va”, declarar que houve recusa de depor (art. 385 do CPC/2015), com a consequência
(confissão ficta) e as limitações próprias a que já aludimos. Efetivamente, tanto faz não
comparecer, pura e simplesmente, quanto fazê-lo e tentar enganar o juiz, utilizando-se
de artifícios verbais, com o escopo de encobrir a verdade.
Admite, a lei, embora restritamente, à parte que vá depor, que consulte breves notas
(art. 387 do CPC/2015), o que se justifica, principalmente, diante da eventual comple-
xidade de fato(s) da causa. É certo que deflui do próprio art. 387 o direito de o juiz exa-
minar ditas notas, precisamente para saber se se constituem elas em “notas breves”, a
que se refere o texto (art. 387). Se entender que não se constituem, todavia, em simples
apontamentos, consistentes em meramente avivar a memória e a conferir um roteiro
genérico a ser imprimido ao depoimento, ou, quando se refiram a fatos de fácil memo-
rização, tem o juiz o direito-dever de vedar a utilização de tais esclarecimentos, o que, a
seu turno, poderá comportar recurso da parte, se entender inexata a decisão. O recurso,
nesse caso, será o de apelação, interponível após a sentença pela parte vencida ou ven-
cedora, de acordo com a previsão do art. 1.009, §§ 1º e 2º, do CPC/2015.
A restrição ao uso de notas minuciosas ou amplas objetiva evitar que a parte pre-
pare totalmente seu depoimento, tornando fundamentalmente inócuas as perguntas
que lhe faça o juiz ou o advogado do adversário. É inerente à dinâmica do depoimento
pessoal a função do juiz, em nome da descoberta histórica do que ocorreu, bem como
ao advogado da parte que solicitou o depoimento pessoal, este tipo legítimo de pressão
psicológica, incidente sobre a parte que está depondo. Do contrário, praticamente sem
utilidade seria o depoimento pessoal, pois que, substancialmente, teria sido preparado
com antecipação. A parte diria o que desejasse e não aquilo que o sistema deseja que
seja dito, ou seja, a retratação dos fatos tais como ocorreram.
Entre as inovações previstas no CPC/2015 está a possibilidade de oitiva da parte por
videoconferência. Dispõe o § 3.º do art. 385 que “O depoimento pessoal da parte que
residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o pro-
cesso poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de

36. V., ainda, capítulo sobre “Prova testemunhal”, no tópico “A técnica de inquirição”, retro.
37. Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 71, p. 99.
Provas em Espécie 891

transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante
a realização da audiência de instrução e julgamento”.

25.2.6. Restrições a certos fatos (art. 388 do CPC/2015)


A lei assegura o direito de a parte não depor acerca de fatos: a) criminosos, ou tor-
pes, que lhe sejam imputados (art. 388, I, do CPC/2015); b) a cujo respeito, por estado
ou profissão, devam ser objeto de sigilo (art. 388, II, do CPC/2015); c) a que não possa
responder sem desonra própria, de seu cônjuge, companheiro ou parente em grau su-
cessível (art. 388, III, do CPC/2015) e d) que coloquem em perigo a vida do depoente
ou das pessoas referidas no inciso III do art. 388 (art. 388, VI, do CPC/2015). O pará-
grafo único do art. 388, todavia, que prescreve tais disposições, não tem aplicação nas
ações estado e família.

25.2.7. Depoimento pessoal e confissão


Dispõe o art. 390, § 2º, do CPC/2015, que “a confissão provocada constará do ter-
mo de depoimento pessoal”. Significa isto que, depondo em juízo, poderá a parte, seja
ao responder às perguntas que lhe tenha feito o magistrado, seja respondendo àquelas
do advogado da parte que a chamou a depor, acabe por reconhecer a veracidade dos fa-
tos, total ou parcialmente, que lhe aportam consequências jurídicas possivelmente des-
favoráveis.
Trata-se, na espécie, de confissão judicial provocada, a qual, todavia, não prejudica
os litisconsortes simples, em nome do princípio da independência dos litisconsortes (v.
art. 117, previsão genérica; v. art. 391, caput, previsão específica, ambos do CPC/2015).
Ademais, se do conjunto probatório ficar nítido que a referida confissão não se compa-
dece com o restante da prova, é certo que, tratando-se dos mesmos fatos, o juiz será obri-
gado a dar validade ao restante da prova, desprezando a confissão.
Havendo litisconsórcio unitário e havendo confissão por parte de um dos litiscon-
sortes, esta será ineficaz, eis que sendo todos eles (os litisconsortes) – “a parte” – titu-
lares de uma afirmação de direito, a confissão só produz efeitos se por todos praticada.
Se for possível separar parte dos fatos provados por outros meios de prova, da par-
te dos fatos provados por este meio de prova (v.g., a confissão), aproveitará, nessa hi-
pótese e medida, a confissão judicial provocada contra o litisconsorte que confessou.
A confissão judicial provocada somente poderá ser feita pela parte, em depoimen-
to pessoal, sendo pessoa física, ou, no caso de pessoa jurídica, por quem a represente,
seja estatutariamente, seja o seu diretor à falta daquela previsão, seja, ainda, mais ra-
ramente, quando comparecerem os pressupostos respectivos, por aquele que não seja
estatutariamente seu representante ou o seu diretor, desde que detenha poderes espe-
cíficos para confessar.
Difere, portanto, esta modalidade de confissão da chamada confissão espontânea
(art. 390, § 1º), que poderá ser feita pela própria parte “ou por representante com po-
der especial”. 
892 Manual de Direito Processual Civil

25.3. Confissão
25.3.1. Noções gerais
A confissão é um meio de prova, que deve ser valorada pelo juiz em confronto com
as demais provas. Como consequência, não deverá ser aceita se inverídica, como, por
exemplo, se tiver sido confessado um fato cuja prova dos autos seja contrária à confis-
são. Diga-se o mesmo para o caso em que se confessam fatos patentemente inexistentes.
Tem-se, como consequência, comumente, que:
a) quase sempre, uma vez aceita, sofre a parte confitente as consequências probató-
rias de sua confissão, e, pois, normalmente, as consequências jurídicas emergentes de
sua confissão, ou seja, operar-se-ão os efeitos jurídicos contrários à confitente, solici-
tados pelo seu adversário, decorrentes dos fatos confessados;
b) levando em conta o que consideramos sobre o ônus da prova, a parte adver-
sária à que confessou fica, realmente, dispensada de provar por outro meio de prova
os fatos que sejam objeto da confissão (art. 374, II, do CPC/15). Devemos observar,
porém, que, se foi a parte beneficiária da confissão que requereu o depoimento do
confitente, toda esta atividade terá sido probatória. Confessam-se fatos cuja prova,
pela teoria do ônus da prova, caberia à parte contrária. Assim, tal atividade, que le-
vou à confissão do adversário, terá sido motivada, justamente, pelo ônus da prova
que pesava sobre o beneficiário da confissão. Nesse sentido, pois, está mal colocado
o art. 374, II, em relação ao caput do mesmo artigo, eis que aí prescreve que “não de-
pendem de prova” (art. 374, caput) os fatos “afirmados por uma parte e confessados
pela parte contrária” (art. 374, II). Ora, como se viu, a confissão é, em si mesma, uma
prova. Segue-se, portanto, que o que a lei quis realmente significar é que não preci-
sam, ditos fatos confessados, de outra prova, além da já feita. Ou, então, haver-se-á
de restringir o sentido literal do art. 374, II à confissão que tenha sido feita desliga-
damente de qualquer atividade do litigante que seja por ela beneficiado; nem por isto,
porém, perderá a natureza de meio de prova.

25.3.2. Conceito de confissão

Consiste a confissão na declaração, com efeito probatório, de ciência de fatos tidos


como verídicos pelo confitente e contrários ao seu interesse, sendo favoráveis à outra
parte (art. 389 do CPC/15).38
Tais fatos deverão, comumente, ter sido afirmados pela parte contrária, pois, se o
fossem primeiramente pelo confitente, seriam fatos alegados por ele e prejudiciais a si
próprio. Esta realidade possível, todavia, também se alberga no conceito legal de confis-
são, mas sua utilidade para a outra parte dependerá do âmbito do pedido e respectiva
causa petendi, considerado o problema sempre enquanto confissão, propriamente dita.

38. No mesmo sentido, o art. 352º do CPC Português de 2013: “confissão é o reconhecimento


que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
Provas em Espécie 893

O art. 389 do CPC/15 conceituou a confissão: “Há confissão, judicial ou extrajudi-


cial, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao
do adversário”.
A confissão é judicial ou extrajudicial.
A judicial é a regulada pelos arts. 389 e 390 do CPC/15 e pode ser espontânea
ou provocada. Com relação à confissão espontânea, devemos observar que a mes-
ma poderá ser feita pela própria parte ou por mandatário com poderes especiais
(inclusive extrajudicialmente), na forma estatuída pelo art. 390, § 1º, do CPC/15.
A confissão provocada em depoimento pessoal (art. 390, §2º do CPC/15) é possí-
vel somente pela parte.
Quanto à confissão extrajudicial, se tiver sido feita oralmente, estabelece o art. 394
do CPC/15 que só terá eficácia nos casos em que o legislador não estabeleceu, como
exigência, a prova literal. Esta prova literal não se confunde com prova legal, pois que,
se de prova legal se tratasse, a própria parte não poderia ter confessado o fato, porque a
prova legal é a única que dá substância ao ato, e com isto pretender que o fato venha a
ser provado por outro meio é inviável (art. 406, do CPC/2015).
Resulta da confissão um reconhecimento de verdade formal, eis que o juiz, em re-
gra, aceita a confissão sem realizar uma perquirição mais profunda do animus daquele
que confessou, no sentido de saber se os fatos são realmente verdadeiros ou não. Basta
que o confitente assim o creia e assim o declare, o que não quer dizer que fatos absur-
dos ou inverossímeis possam ser abrigados pela confissão. O animus confitendi é tam-
bém indispensável para a jurisprudência italiana, como elemento subjetivo, para con-
ferir validade à confissão.39
A confissão (do réu) se distingue do reconhecimento jurídico do pedido, quan-
do são aceitas consequências jurídicas. Na confissão deve haver uma efetiva análise
pelo juiz do conteúdo dos autos e das disposições do ordenamento jurídico aplicáveis
ao proferir a sentença, que muito provavelmente tomará a confissão como uma pro-
va fundamental. Já no reconhecimento jurídico do pedido, como são aceitos não só
os fatos, mas também as consequências jurídicas, sendo a sentença favorável à parte
contrária.40 É possível que não se aceitem os fatos, mas se aceitem as consequências
jurídicas, valendo isso como reconhecimento do pedido. Por isso, não podemos con-
fundir confissão com reconhecimento jurídico do pedido, uma vez que a confissão
se insere nos meios de prova, enquanto o reconhecimento jurídico do pedido diz res-
peito à própria pretensão do autor.

39. Neste sentido, é torrencial a jurisprudência italiana (cf. Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili,
Terza edizione, Milano: UTET Giuridica, 2010, p. 688, nota de rodapé 45). E, entre nós:
Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil, vol. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, p. 166. A nós parece que o animus confitendi deve ser encarado negativamente, ou
seja, vontade e declaração devem estar imunes a vícios (arg. ex art. 393, caput, do CPC/15).
Assim, inocorrentes tais vícios, ipso facto, há animus confitendi.
40. V. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo: Ed. RT, 1977.
30/73.
894 Manual de Direito Processual Civil

A confissão não obriga sempre o magistrado (art. 371 do CPC/15), ao passo que o


reconhecimento do pedido produz efeitos vinculativos no tocante à declaração das con-
sequências jurídicas afirmadas pelo autor e admitidas pelo réu, 41 desde que objetiva-
mente disponível o bem jurídico (e, bem assim, desnecessitando de prova legal de sua
existência), e, subjetivamente, sendo a parte apta a dispor de seu “direito”.42
As mesmas considerações valem para contrastar a renúncia do direito sobre que se fun-
da a ação (rectius, a pretensão – art. 487, III, “c”, do CPC/15) e a confissão feita pelo autor.
Quem deve confessar é a própria parte, ou outrem com poderes rigorosamente espe-
cificados (art. 390, § 1º, do CPC/15). Nos poderes gerais ad judicia não se contém o de
confessar (art. 105), devendo o procurador, para praticar o ato, recebê-lo expressamente.
Do ponto de vista de quem confessa, dever-se-ão verificar dois elementos distintos:
a) a capacidade do confitente; b) a legitimação.
A “capacidade para confessar” não é rigorosamente equivalente à capacidade para
agir, diante de uma situação concreta (em rigor, legitimidade para confessar). Assim,
há, primeiramente, que se verificar se o indivíduo pode dispor do direito relacionado
com os fatos confessados, se tem legitimação processual e legitimação para a causa, ou
seja, se pode agir naquele processo e se a lide lhe diz respeito.43

41. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, op. cit., 30/73-77; Luís Antônio de
Andrade, Aspectos e inovações do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1974, p. 19; Sérgio Rizzi, Ação rescisória, São Paulo: RT, 1979, p. 159-161; Leonardo Greco,
Instituições de direito processual civil, vol. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 166;
Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processo civil e penal, op. cit., p. 167. Em sentido contrário, porém, considerando
a confissão um negócio jurídico: Franco Cordero, Procedimento Probatorio, In: Tre studi
sulle prove penali. Milano: Giuffrè, 1963, §5, pp. 27-28, n.r. 73; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 12ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 742.
42. Nessas condições, o reconhecimento jurídico do pedido (de um lado), tanto quanto a re-
núncia ao direito (rectius, pretensão) conduzem, vinculativamente, à extinção do processo,
com resolução de mérito (art. 487, III, letras a e c). Corretamente afirmou-se, em julgado do
STJ, que “o reconhecimento jurídico do pedido impõe limitação ao livre convencimento do
juiz acerca da causa” (STJ, REsp 19.837/SP, 4.ª T., j. 14.06.1993, rel. Min. Bueno de Souza,
DJ 04.10.1993, p. 20.556). A confissão, igualmente, vincula pelo seu poder de convicção,
podendo-se afirmar que as normas que regem esse meio de prova “estabelecem a presunção
de veracidade do fato confessado, como regra geral; porém, estas regras não impedem a
existência e validade do fato jurídico em questão, que poderá ser demonstrado noutra sede,
ressalvadas as limitações estabelecidas pela coisa julgada e pela eficácia preclusiva desta”
(Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias, op. cit., p. 167). Ainda,
como já se afirmou, a presunção estabelecida pela confissão poderá ser afastada em caso
de inverossimilhança ou contradição com outros elementos de prova.
43. A bem da verdade, o art. 213, do Código Civil, nada diz sobre a validade da confissão em
si mesma considerada, senão que, diversamente, trata apenas da sua eficácia. Quer dizer,
então, que o dispositivo em referência, em razão das situações que prevê, apenas impede
que a declaração de ciência do fato adquira o status de confissão, com as consequências
legais daí decorrentes (art. 374, II e 391, do CPC/15). V., nesse sentido, Fredie Didier Jr.,
Regras processuais no novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 45.
Provas em Espécie 895

25.3.3. Elementos da confissão


Dentre os elementos da confissão, tem-se: o objetivo, o subjetivo e o intencional.
Como elemento objetivo da confissão, tenha-se presente que ele se assenta sobre os
fatos relevantes e contrários ao interesse do confitente, situados, pois, dentro do tema
probatório. Assim, os fatos que são objeto da prova, que foram alegados por uma parte
e que são desfavoráveis ao confitente poderão por este ser confessados.
É necessário que os fatos se refiram a direitos de que possa dispor o confitente, em-
bora a confissão não seja, propriamente, e nem envolva, renúncia (típica) a direito, mes-
mo porque se reconhece como verdadeiro fato embasador do direito afirmado pelo ad-
versário. Não há confissão de direito de terceiro – salvo por mandatário (art. 390, § 1º,
do CPC/15) – e, de outro lado, os efeitos da confissão se limitam ao confitente, na for-
ma do art. 391, não atingindo, absolutamente, os litisconsortes do processo, visto que
os litisconsortes são considerados autonomamente (arts. 117 e 391). Assim, os atos de
um litisconsorte não poderão prejudicar os demais. Por outro lado, tratando-se de li-
tisconsórcio unitário, e justamente porque a decisão será igual para todos, a confissão
de um litisconsorte será ineficaz em relação à determinação do resultado da decisão da
causa, conquanto possa ser considerada válida em si mesma, desde que esteja revestida
das formalidades essenciais. O fato de se dizer que a confissão do litisconsorte unitário
é válida significa que não poderá ser revogada pelo litisconsorte-confitente, e somente
nos casos do art. 393 pode ser anulada. Não será, todavia, eficaz. Dessa forma – porque
válida, mas ineficaz –, ela poderá gerar efeitos fora do processo, em relação ao confiten-
te e à parte contrária, mas nenhum efeito poderá gerar em relação à decisão a ser pro-
ferida no processo em que foi feita. Para que se verifique a eficácia no processo, neces-
sário será que todos os litisconsortes unitários igualmente confessem, de forma válida.
Os herdeiros que venham a suceder naquele direito cujos fatos foram objeto da
confissão têm, contudo, de respeitá-la. Cumpre acrescentar que, no que diz respeito ao
elemento objetivo, o direito do confitente, eventualmente subjacente à confissão, além
de dever ser renunciável, segundo o art. 392 do CPC/15, necessário é que inexista uma
modalidade de prova especial ou essencial à prova do fato que se pretenda confessar e
que, portanto, seja da substância do direito.
O elemento intencional é aquele que leva a parte a confessar, ou seja, a consciência
do que faz, livre de pretensões ilegítimas e de equívoco tipificável como vício (de ato
jurídico). Assim, se houver confissão maculada pelo erro ou pela coação, por exemplo,
esta poderá ser anulada (art. 393 do CPC/15).

25.3.4. Espécies de confissão


Judicial é a confissão feita em juízo, em depoimento pessoal, pela parte e é consi-
derada como provocada (art. 390, § 2º, do CPC/15); quando espontânea, pode ser feita
pela própria parte ou por mandatário com poderes especiais (art. 390, § 1º, do CPC/15).
A confissão judicial poderá, conforme já mencionamos, ser espontânea ou provo-
cada, na medida em que a primeira seja feita pela iniciativa da própria parte confitente,
896 Manual de Direito Processual Civil

e a segunda feita através do pedido da parte que requer o depoimento pessoal, ou quan-
do o depoimento tenha sido ordenado pelo juiz.
Quanto à estrutura, a confissão pode ser: a) simples, se aceito, sem quaisquer restri-
ções, o fato deduzido pela parte contrária; b) qualificada ou complexa, quando, embora
aceito o fato pela parte contrária, alega-se outro fato, extintivo, que implique a restri-
ção total ou parcial dos efeitos do fato confessado. A confissão, conforme estabelece o
art. 395 do CPC/15, é, em regra, indivisível,44 ou seja, a parte, à qual ela aproveita, não
poderá dividi-la, no sentido de só invocar a parte que a beneficie e rejeitá-la no que for
desfavorável. Todavia, ainda no dizer do artigo supramencionado, cindir-se-á, quando
a parte que confessa aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defe-
sa, de direito material. Nesses casos, a parte interessada teria de ter, oportuna e idonea-
mente, alegado tais fatos em contestação e/ou reconvenção e fazer prova – que não fosse
sua confissão – para que tais fatos pudessem produzir efeitos úteis, em seu benefício.

25.3.5. Divisibilidade e indivisibilidade da confissão


A parte que se quiser utilizar da confissão prestada pela outra, diz textualmente o
art. 395 do CPC/15, não poderá cindi-la, aceitando-a em uma parte e rejeitando-a em
outra, salvo se o confitente alegar fatos novos, capazes de servirem como fundamento de
defesa. Por outro lado, tais fatos, que poderiam embasar contestação e/ou reconvenção,
situam-se fora do thema probandum próprio da confissão, vale dizer, fatos contrários ao
interesse do confitente e favoráveis ao adversário.
A dicção legal não é feliz, porque a parte normalmente “não invoca”, ou deixa de in-
vocar, a confissão como prova. A confissão está nos autos e como tal será valorada pelo juiz.
Na hipótese de se “confessarem” os fatos da inicial, mas não do modo que seria útil
à parte contrária à que presta depoimento, é provável que inútil seja essa declaração,
que, propriamente confissão, como meio de prova, não será.
Quando, todavia, se confessa um fato – v.g., débito, isso significa que o crédito pre-
tendido está provado; se, no entanto, se alega nessa confissão um contracrédito que da-
ria margem à compensação, ainda que esta tenha sido deduzida, haverá necessidade de
tal compensação ser provada, pois a declaração do confitente de que é credor lhe é inútil.
Aí, então, cinde-se a confissão: a) vale no que lhe é desfavorável; b) não vale, no que lhe é
favorável, mesmo porque confissão (v. art. 395), aqui, não é.

25.3.6. Efeitos da confissão


A confissão, prova que é (art. 391), tem valor ou eficácia probante. Ela atinge a pes-
soa que confessou, isto é, a parte e os seus herdeiros e sucessores, no que tange a seu
objeto, cuja confissão pode levar à perda respectiva.
Embora a confissão não se refira ao direito, mas aos fatos, o art. 392 do CPC/15 es-
tabelece a inaptidão da confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis, e o § 1º do

44. V. RJTJSP 74/62.


Provas em Espécie 897

mesmo artigo estatui a ineficácia da confissão feita por quem não for capaz de dispor
do direito a que se referem os fatos confessados.

25.3.7. Aspectos principais da confissão em nosso direito positivo


Se a confissão pode ser feita por procurador, com poderes especiais, tal não ocorre
com o depoimento pessoal,45 conforme já mencionamos, salvo em casos definitivamen-
te excepcionais, como já decidiu a jurisprudência.46
Finalmente, cumpre ressaltar que, embora de meio de prova se trate, pode ter lugar
a qualquer tempo e grau de jurisdição.

25.3.8. Revogação ou anulação da confissão


Pode-se afirmar que a confissão é irrevogável (art. 393 do CPC/15). Entretanto, po-
derá ser anulada quando a manifestação de vontade estiver viciada (vg. arts. 138 a 165
do CC), como, por exemplo, quando proveniente de erro de fato, coação ou dolo. São os
vícios inerentes a qualquer ato jurídico e que podem comprometer também a confissão.

25.4. Prova documental


25.4.1. Noções gerais
Se a palavra documento é fundamentalmente utilizada como sinônimo de prova li-
teral, nem por isto deixa de ser o documento uma coisa; e também é usada em sentido
algo diverso. Alude, assim, o Código (art. 422) à reprodução mecânica, fotográfica, ci-
nematográfica, fonográfica, à fotografia digital etc., salientando-se que tais provas não
se ajustam, com rigor, ao conceito de prova literal.
O documento é uma prova histórica, porquanto quase sempre antecede o início do
processo, em que especificamente se pretende que produza os seus efeitos.
O documento normalmente integra a chamada categoria das provas pré-consti-
tuídas, ou seja, aquelas provas feitas com uma finalidade predeterminada, consisten-
te em que o ato documentado possa ser facilmente provado, quando e se necessário.
Quando a lei exigir tal ou qual documento como o único meio para se comprovar a
existência de um certo fato, será ele, ademais (além de prova pré-constituída), uma
prova legal (v.g., registro de bem imóvel em nome do proprietário: no regime do Có-
digo Civil – art. 1.245).
Além do mais, é o documento, em princípio, prova real (do latim res, rei), dado que
todo documento é uma coisa. O Código, todavia, usa, principal e precipuamente, a pa-

45. STF, Arquivo Judiciário 93/261; STJ, REsp 623.575/RO, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 07.03.2005, p. 250.
46. Excepcionalmente, deve ser admitido depoimento pessoal por intermédio de procurador,
com poderes bastantes, e desde que este tenha conhecimento próprio das circunstâncias.
898 Manual de Direito Processual Civil

lavra documento como sinônimo de prova literal (v., todavia, o art. 422, em sentido di-
verso do de prova literal).47
Há uma tendência de se rever a identificação estrita entre documento e coisa, dado
que, à vista da evolução tecnológica, nem todo documento possui um suporte físico.
Nesse sentido, parece-nos correto ampliar a abrangência do conceito para considerar
como documentos aqueles criados através de tecnologias modernas da informação e
das comunicações, como os dados inseridos na memória do computador ou transmi-
tidos por uma rede de informática, em geral denominados documentos de informática
ou documentos eletrônicos.48-49
O CPC/2015 contempla tal possibilidade, ao dispor que “A utilização de documen-
tos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa

47. Cf., a respeito do tema, João Abrahão, O valor probatório das reproduções mecânicas, Revista
de Processo [RePro] 20/127, ano V. São Paulo: RT, out.-dez./1980..
48. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Prova e convicção, 3ª ed. São Paulo: RT, 2015,
p. 607; Fredie Didier Jr; Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, Curso de direito
processual civil. vol. 2., Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 179; Eduardo Arruda Alvim, Direito
processual civil, 5ª ed. São Paulo: RT, 2013, cap. XXX,p. 533. Cf., ainda, sobre o documento
eletrônico: Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili, Terza Edizione. Torino: UTET Giuridica, 2010.
terceira parte, cap. IV, denominado “Il documento informatico”. Já sustentamos enquadrar-se
na essência do conceito de documento o endosso realizado eletronicamente, independen-
temente da existência de título-papel, o que se dá em virtude de legislação específica que
regula a emissão e circulação de determinados títulos de crédito eletrônicos (neste sentido,
parecer intitulado “Da validade do endosso eletrônico e da autonomia dos títulos de crédi-
to”, publicado na nossa coleção Soluções Práticas de Direito: Pareceres. vol. III. São Paulo:
Ed. RT, 2011, p. 867 e ss.). Na mesma obra, há parecer acerca da viabilidade de se utilizar,
como início de prova documental de novação celebrada entre as partes, a correspondência
eletrônica trocada por seus representantes legais (op. cit., p. 391 e ss., parecer intitulado “Da
interrupção única da prescrição e da possibilidade da novação pela via eletrônica”).
49. Veja-se essa cogitação em seminário realizado na Alemanha: trabalho constante do site da Uni-
versidade de Leipzig (Christian Berger, Seminär “Europäisches Zivilrecht und Zivilprozessrecht
in Informationsgesellschaft” im WS 2001/02, constante do www.uni.leipzig.de/urheberrecht
(Seminário “Direito Civil e Processo Civil europeu na Sociedade de Informação – pesquisa em
16/10/2004). Lê-se no original: “1. Sache i. S. d. § 90 BGB. Ausgehend von diesem Grundsatz,
ist zu übergehen ob es sich bei Software um eine Sache i. S. d. § 90 BGB handelt. Dies ist jeden-
falls dann der Fall, wenn die Sotfware auf eine für sie bestimmte Speicherform verkörpert ist.
Dies geschiet aber bei OnlineVerträgers aus den erten Blick gerade nicht. Bei direkter Erfüllung
im Internet wird die gekaufte Software nicht auf einen Datenträger auf dessen System kopiert
(downloaden). ……… Die Software liegt zunächst verkörpert als Sache auf dem Server des
Verkäufers. Wird die Software dann per Internet auf das System des Käufers übertragen, wird
die Software durch die Übertragung “verstofflicht”. Sie verlässt den Datenträger Server. Kommt
die Software auf dem System des Käufers an, wird sie auf dessen Festplatte wieder verkörpert
und damit wieder zur Sache”. As conclusões permitidas pelo texto, portanto, são (i) a de que
enquanto se transmite, não há coisa; e (ii) que essa transmissão, podendo ser feita para mui-
tos ou muitíssimos, uma vez completadas, haveria tantas coisas quantos os compradores do
conteúdo do software. É de se convir que foi utilizado um raciocínio extremamente flexível,
mas, é possível cogitar-se da apreensão de um programa de software, desde que se apreenda
o computador, ou, ao menos, o disco rígido. A “coisa” a ser apreendida estaria neste último.
Poderão ser apreendidas quaisquer objetos em que se encontre o ilícito.
Provas em Espécie 899

e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei” (art. 439), sendo que, quanto aos
documentos eletrônicos não convertidos, o juiz apreciará o seu valor probante (art. 440),
o que pressupõe sua admissibilidade, ainda que não impressos ou mesmo que sua au-
tenticidade não possa ser verificada na forma da lei. Ainda, o art. 441 do CPC/2015,
prevê, em complementação, que “serão admitidos documentos eletrônicos produzidos
e conservados com a observância da legislação específica”.

25.4.2. Definição de documento


O documento não se destina tão somente a fixar indelevelmente o pensamento, que
é a sua utilização mais comum; mas, sim, é também destinado a fixar duradouramente
um fato, ideia esta mais ampla e compreensiva que a anterior.50

25.4.3. Os autores intelectual e material do documento


Autor intelectual, ou autor propriamente dito, de documento particular é quem pro-
cura produzir, com o documento, determinados efeitos jurídicos e a quem tais efeitos
aproveitarão; é aquele, ou são aqueles, em função de quem o documento existe. É cer-
to que, nos negócios jurídicos bilaterais, ou seja, nos contratos,51 tendo em vista a sua
essência – conteúdo dispositivo bilateral –, haverá dois autores.
Por “autor” material do documento deve-se entender quem (ou aqueles que), de
fato e materialmente, elaborou(aram) o documento (art. 410 do CPC/2015). Num
documento público,52 autor(es) intelectual(is) do documento será(ão) aquele(s) que
procurou(aram) o oficial e lhe pediu(ram) que lavrasse o documento; este último será
o seu autor material.

25.4.4. O conteúdo e a eficácia do documento


O documento vale pelo seu conteúdo, pois é deste que se pretende extrair elemen-
tos produtores de consequências jurídicas.

50. Mais amplamente, Arruda Alvim, Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 1972.
vol. II, 183, 3.º, p. 322 et seq.
51. Os negócios jurídicos bilaterais, abstraídos aspectos secundários, são sinônimos.
52. Disciplinava os requisitos da escritura pública a Lei 6.952/1981, constitutiva do que eram
os §§ 1.º e 3.º do art. 134 do CC/1916. No Código Civil de 2002, está disposto que “a es-
critura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo
prova plena”(art. 215, caput). No § 1.º, I a VII, deste dispositivo, encontram-se enunciados
os requisitos que deve conter a escritura pública; no § 2.º dispõe-se que, “se algum compa-
recente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo”
(destacou-se); o § 3.º exige que a mesma esteja redigida em língua nacional. Os preceitos
contidos nos §§ 4.º e 5.º correspondem aos mesmos parágrafos do art. 134 do CC/1916. O
que se há de entender por prova plena (termo antigo e em desuso no processo civil) está no
art. 405 do CPC/2015 (v. 25.4.4 infra, sobre o conteúdo e a eficácia do documento). Quanto
aos documentos que devem ser apresentados para lavratura de atos notariais, inclusive refe-
rentes a imóveis, no que diz com identificação das partes, veja-se a Lei 7.433/1985 (DOU
19.12.1985).
900 Manual de Direito Processual Civil

O conteúdo do documento abriga, de um modo amplo, fatos de diversas espécies:


manifestação de pensamento, declaração de ciência ou de vontade. Ou, ainda, poderão,
num só documento, estar conglobadas essas três espécies.
O documento público prova – até demonstração em contrário – inclusive os fatos ve-
rificados na presença de seu autor material e aí documentados (v. art. 405 do CPC/2015),
pois o documento público tem fé pública, que lhe empresta a lei. Trata-se, portanto, de
uma presunção juris tantum. Quanto ao documento particular, quer seja escrito e assi-
nado, ou somente assinado, as declarações dele constantes presumem-se verdadeiras
apenas em relação ao signatário (art. 408 do CPC/2015), tendo-se presente o disposto
no art. 411, III, do CPC/2015.
Se o documento contiver declaração de ciência, isto é, nele se dá ciência (= está nele
declarado) que um determinado fato se passou de uma dada maneira, é certo que o docu-
mento comprovará, tão somente, que certa pessoa (o declarante, o autor [intelectual] do
documento) tem conhecimento de como se passou tal ou qual fato. Provará, pois, esse co-
nhecimento por parte de alguém (= signatário), mas não necessariamente o fato em si mesmo.
Significa isto que a parte interessada poderá solicitar a esse autor (é o interessado, a que alude
o art. 408, parágrafo único, do CPC/2015) do documento que comprove o fato, o que com
outra modalidade de prova deverá providenciar (art. 405, parágrafo único, do CPC/2015).
Para que a fotocópia não autenticada de documento particular valha como documen-
to, é necessário que ele seja levado a juízo para que o escrivão possa conferir a reprodu-
ção com o original, portanto, por fé, se tiver havido impugnação (art 424 do CPC/2015).53
Acrescente-se, ainda, que qualquer reprodução mecânica do documento, como a
fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica etc., é apta a provar os fatos ou coisas re-
presentadas, apesar de não ter sua conformidade com o documento original sido im-
pugnada pela parte contra quem foi produzida (art. 422, caput, do CPC/2015).
Nesse ponto, inovou o CPC/2015, comparativamente ao CPC/1973 (art. 385, § 1º),
pois este submetia a eficácia probatória das fotografias à apresentação dos respectivos
negativos, independentemente do fato de não ter havido impugnação. Ainda assim, já
havia decisões no sentido de que referidas fotografias não deveriam ser desentranhadas
dos autos e, sim, valoradas de acordo com o conjunto probatório.54 Tal entendimento

53. Ainda sob a vigência do CPC/73: “Pacífico o entendimento nesta Corte Superior no sentido
de que as cópias não autenticadas juntadas aos autos, e que não são impugnadas pela parte
adversa no momento próprio, têm o mesmo valor probante dos originais” (STJ, AgRg no AgIn
535.018/RJ, 1.ª T., j. 16.03.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 10.05.2004, p. 178). No mesmo
sentido: STJ, 3ª T., REsp 1357364/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17.11.2015,
DJe 23/11/2015.
54. “A simples falta da juntada dos negativos das fotografias apresentadas pela parte não é motivo
para o seu desentranhamento, e seu valor probante deverá ser estabelecido no momento
adequado” (STJ, REsp 188.953/PR, 4.ª T., j. 03.12.1998, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 12.04.1999, p. 161). No sentido de conferir ênfase à análise em consonância com o
conjunto probatório: TJSP, 27ª Câmara Direito Privado, Rel. Des. Claudio Hamilton, Apel.
0165061-60.2007.8.26.0100, j. 14.5.2013.
Provas em Espécie 901

estava em consonância com a evolução tecnológica e, bem assim, com o princípio da


persuasão racional (art. 131 do CPC/1973 e 371 do CPC/2015).55 Logo, a supressão da
exigência dos negativos das fotografias utilizadas como prova está em consonância com
a realidade tecnológica atual.
Quanto às fotografias digitais e àquelas extraídas da rede mundial de computado-
res, a lei também presume sua conformidade com as imagens que reproduzem, desde
que não tenham sido impugnadas pela parte interessada (art. 422, § 1º, do CPC/2015).
Somente se houver impugnação é que deverá ser apresentada a respectiva autenticação
eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia (art. 422, § 1º, do CPC/2015). Ra-
ciocínio análogo deve ser aplicado à forma impressa de mensagens eletrônicas (art. 422,
§ 3º, do CPC/2015).
Caso se trate de fotografia publicada em jornal ou revista, diversamente do que dis-
punha do CPC/1973 (art. 385, § 1º), somente será exigido um exemplar original do pe-
riódico caso tenha havido impugnação pela outra parte (art. 422, §2º, do CPC/2015).
Note-se que, mesmo nas hipóteses em que não haja impugnação às cópias de do-
cumentos, não há prejuízo a que o escrivão faça a conferência da sua autenticidade
(art. 424 do CPC/2015).
No mais, a lei confere autenticidade ao documento particular, quando: a) o tabe-
lião reconhece a firma do signatário; b) a autoria estiver identificada por qualquer ou-
tro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei; c) não houver im-
pugnação da parte contra quem foi produzido o documento (art. 408 do CPC/2015).
Ainda, fazem a mesma prova que os originais: I – as certidões textuais de qualquer peça
dos autos, do protocolo das audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou chefe
de secretaria, sendo extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas; II – os
traslados e as certidões extraídas por oficial público de instrumentos ou documentos
lançados em suas notas; III – as reproduções dos documentos públicos, desde que au-
tenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais;
IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênti-
cas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a au-
tenticidade; V – os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que
atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que
consta na origem; VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou
particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Mi-
nistério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas pro-
curadorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação
motivada e fundamentada de adulteração (art. 425 do CPC/2015).

55. “Ao magistrado compete valorar os elementos trazidos aos autos, de acordo com a livre per-
suasão racional, atribuído valor informativo com a comparação às demais provas produzidas.
Aliás, a disposição do Diploma Processual soa mesmo anacrônica, numa época em que as
fotografias advêm de instrumentos digitalizados, restando aos ‘negativos’ e polaroides um
lugar cativo para colecionadores.” (TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fermino
Magnani Filho, Apel. 0003037.8.26.0288, j. 2.7.2012).
902 Manual de Direito Processual Civil

25.4.5. A forma como sendo da substância do documento


A evolução dos sistemas jurídicos tem sido no sentido de reduzir à forma somente
aquilo que se crê indispensável à segurança nas relações jurídicas, por exigência legal
expressa. Os sistemas jurídicos modernos, como regra geral, propendem pela liberdade
de forma: é o que consta do art. 107 do nosso Código Civil.
Do mesmo modo que no direito civil, em que existe liberdade de forma, entende-
-se, no direito processual civil, que o juiz, ao apreciar a validade de um negócio, não
fica aprioristicamente sujeito a este ou àquele tipo de prova, tendo em vista o dispos-
to no art. 371 do CPC, em sua primeira parte, salvo, é certo, a hipótese prevista no
art. 406, tendo-se presente, também, o disposto no art. 394 (v. fine e infra, sobre os ele-
mentos da confissão).
Quanto à exegese dos arts. 444 e 445 do CPC/2015, há que se dizer o que segue.
O art. 444 do CPC/2015 limita a prova testemunhal, nos casos em que a lei exi-
ge prova escrita da obrigação,56 às hipóteses em que haja início de prova por escri-
to. Tal disposição privilegia a prova documental em detrimento da testemunhal,
revelando uma tendência muito comum nos países de civil law,57 mas que, de certa
forma, foi amenizada no CPC/2015, em virtude da supressão da regra contida no
art. 401 do CPC/1973.

56. Exemplo de hipótese em que a lei faz essa exigência pode ser encontrado no art. 55, § 3º,
da Lei 8.213/1991, referente à comprovação do tempo de serviço na atividade do rurícola
para fins de obtenção do benefício previdenciário. A questão foi, inclusive, alvo da Súmula
149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade
de rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário”.
57. O Código Civil italiano contém disposição análoga ao revogado art. 401 do CPC/1973
(art. 2.721), que estabelece a inadmissibilidade da prova testemunhal dos contratos
a partir de determinado valor. Na sequência, os arts. 2.722 e 2.723, estabelecem,
respectivamente: a) que a prova testemunhal não será admitida para demonstrar outros
pactos adicionais contrários ao conteúdo de um documento, quando celebrados antes
ou concomitantemente à estipulação escrita; b) que poderá ser admitida, se esses
pactos forem posteriores ao documento e somente se, tendo em vista a qualidade
das partes, a natureza do contrato e qualquer outra circunstância, pareça verossímil
que tenham sido feitos aditivos ou modificações verbais. Cf., sobre o tema: Mario
Conte. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo Cendon.
Milano: Giuffrè, 2008, pp. 208-209.
O Código de Processo Civil português de 2013 (art. 393º) está mais próximo da disciplina
estabelecida no CPC/2015 (art. 444), porquanto não vincula a inadmissibilidade da
prova exclusivamente testemunhal ao valor do negócio jurídico. Todavia, o menciona-
do art. 393º do CPC português estabelece claramente a primazia da prova documental
sobre a prova testemunhal: “Artigo 393.º (Inadmissibilidade da prova testemunhal)1.
Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de
ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova
testemunhal. 2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver
plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. 3.
As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto
do documento.”
Provas em Espécie 903

Na vigência do CPC/1973, o citado art. 401 58 (similar, em sua função, ao art. 227


do CC, revogado expressamente pelo CPC/2015),59 limitava a prova exclusivamente
testemunhal ao valor do décuplo do maior salário mínimo vigente no País à época da
celebração do contrato. Isto significava, juridicamente, que não se poderia extrair de
um contrato, de valor superior ao apontado, quaisquer efeitos que diretamente dele
derivassem (salvo confissão), justamente porque o mesmo não poderia ser provado.
O rendimento prático do art. 401 do CPC/1973, portanto, consistia em que, caso se
pretendesse provar por testemunhas um contrato de valor superior ao apontado, para
fins de que o outro contratante cumprisse o contrato, tal seria impossível. Ainda, desdo-
brando o raciocínio, caso se pretendesse, comprovando por testemunhas, demonstrar
que o “contrato verbal”, embora efetivamente presenciado por testemunhas, continha
cláusula penal, esta última, bem como o contrato mesmo, não poderia ser objeto desse
meio de prova (art. 401 do CPC/1973). No entanto, se tivesse havido execução (= exe-
cução ou adimplemento civil) do contrato, não se trancaria o direito à prova exclusiva-
mente testemunhal àquele que adimplira o contrato para o fim de que, em decorrência
dos serviços prestados, pudesse receber aquilo a que tinha direito. Provava-se por teste-
munhas a prestação dos serviços. Não teria direito, todavia, ao quantum representativo da
cláusula penal, mesmo que tivesse havido inadimplemento de quem deveria pagá-la, se-
não aos serviços efetivamente prestados, pois a cláusula penal liga-se à existência do con-
trato, e, o que se poderia provar, na vigência do CPC/1973, era a prestação de serviços.60
O CPC/2015 ignora o critério de exclusão a partir do valor do contrato ou negó-
cio jurídico, mas admite que, havendo começo de prova por escrito, sejam comprovados
contratos de qualquer valor por meio de testemunhas (art. 444 do CPC/2015). Vale di-
zer, prova por escrito, embora só iniciada, porém, somada à prova testemunhal (com-
plementar ou subsidiária), tem o condão de possibilitar que se extraia do próprio con-
trato, com o que, então, fica clara a diferença entre o código revogado e o atual. Nesse
sentido, aliás, o parágrafo único do art. 227 do Código Civil, à semelhança do que fazia
o CC/1916 (parágrafo único do art. 141), preceitua que: “Qualquer que seja o valor do
negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complemen-
tar da prova por escrito”.
Todavia, se o objetivado é ir contra o contrato (art. 446 do CPC/2015), ou seja, evi-
denciar ter havido simulação (art. 446, I), ou, então, os chamados vícios do consenti-
mento (art. 446, II), inexistem quaisquer limites. O escopo da prova, nestes casos, é
evidenciar que o contrato padece de vício conducente à nulidade.61

58. A respeito do tema, cf. José Miguel Garcia Medina, Admissibilidade da prova testemunhal:
questões sobre o art. 401 do Código de Processo Civil, RT 784/55-67, fev. 2001.
59. Vide art. 1.072, II, do CPC/2015.
60. Cf., a propósito do tema, com remissões jurisprudenciais referentes ao revogado art. 401 do
CPC/1973, a 16ª edição do nosso Manual de direito processual civil, (São Paulo: RT, 2013,
n. 217, pp. 1.017-1.018).
61. V. a respeito, na vigência do CPC/73: TJSC, Câmara Especial Regional de Chapecó, Ape-
lação Cível nº 422537 SC 2007.042253-7, de São Carlos, Relator: Des. Gilberto Gomes
904 Manual de Direito Processual Civil

Ainda, a prova exclusivamente testemunhal será admitida quando o credor esteja


– ou estivesse – impedido, moral ou materialmente, de obter prova escrita da obriga-
ção, em casos como o de parentesco, depósito necessário ou de hospedagem em hotel
ou em razão das práticas comerciais do local onde contraída a obrigação (art. 445 do
CPC/2015). Nesses casos, portanto, estará dispensado o “começo de prova por escrito”
a que se refere o art. 444 do CPC/2015. Como observa Robson Renault Godinho, “a ra-
zão da regra é intuitiva: a prova testemunhal é complementar ao início de prova escrita;
sendo impossível [moral ou materialmente] a obtenção dessa prova por escrito, a pro-
va testemunhal perde esta cláusula restritiva”. 62 Com efeito, a exigência inafastável do
início de prova escrita, quando tal forma não se configura como requisito substancial
do ato jurídico, acarretaria cerceamento indevido do direito à prova.
Assim, as exceções contidas no art. 445 são oportunas e seguem a linha do direito
italiano, que permite o afastamento da regra de exclusão do art. 2.721 do codice civile
italiano tendo em vista as circunstâncias do negócio jurídico, a natureza do contrato
e a qualidade das partes.63 Com efeito, há determinadas situações em que se verifica o
costume de contratar verbalmente, independentemente do que prevê a lei, salvo, na-
turalmente, se a forma escrita for da substância do ato. 64 Incluem-se em tais hipóteses
aquelas determinadas pela própria evolução tecnológica, que modificou consideravel-
mente a dinâmica da celebração de negócios jurídicos, como se dá, v.g., com os contra-
tos realizados na internet ou por telefone.

25.4.6. O documento, em regra, é prova pré-constituída


É fora de dúvida que o documento é a representação de um fato, mas não se confunde
com o próprio fato. Esta ideia está clara na lei, quando disciplina o documento particular
(art. 408, parágrafo único, do CPC/2015). O tema da prova documental constitui-se no

de Oliveira, j. 24.02.2011; TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Apelação n° 0007884-


30.2001.8.26.0363, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 12.8.2014). Consulte-se, na doutrina:
Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Comentários ao Código de Processo Civil,
v. 5, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 508.
62. Robson Renault Godinho, Comentário ao art. 445 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim
Wambier et. al. Breves comentários ao novo código de processo civil. 2ª tiragem. São Paulo:
RT, 2015, p. 1131.
63. Cf.: Mario Conte. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo
Cendon. Milano: Giuffrè, 2008, pp. 208-209.
64. A esse respeito, verificou-se uma a tendência jurisprudencial, ainda à luz do CPC/73, de se
afastar a exigência de prova escrita prevista no art. 401 do citado Código em casos de con-
tratos de parceria rural, pecuária, agroindustrial e extrativa, qualquer que seja seu valor e
forma, bem como nos contratos de prestação de serviços em geral, sobretudo os celebra-
dos por telefone ou pela internet (Clarissa Diniz Guedes, Limitações Probatórias: Provas
Suspeitas (justificativa parcial do Anteprojeto do Grupo de Pesquisa do Observatório de
Reformas Processuais da UERJ). Revista Eletrônica de Direito Processual, v. XIII, p. 361-371,
2014). Muito embora o critério do art. 401 do CPC/73 tenha sido ignorado pelo CPC/2015,
o raciocínio bem se aplica a quaisquer hipóteses em que a lei exija prova literal do negócio
jurídico.
Provas em Espécie 905

exemplo por excelência da prova duradoura do fato representado, que é fato transeunte,
através do exame do fato representativo, ou seja, do fato permanente (= documento).
Dessa forma, como já salientamos, o documento, em geral, integra a chamada cate-
goria das provas pré-constituídas, que são aquelas feitas com uma finalidade predeter-
minada, consistente em que o ato documentado possa ser facilmente provado, quando
e se necessário.
As cartas (art. 415 do CPC/2015), bem como os registros domésticos, produzem pro-
va contra quem os escreveu (ainda que sem assinatura),65 para os fins dos incisos I a III
do art. 415, mas não podem, pelo menos necessariamente, ser considerados prova pré-
-constituída. Embora as cartas, sem que o permita o seu autor, não possam ser publica-
das, podem servir como documento de prova em processos administrativos e judiciais
(art. 34 da Lei 9.610/1998).

25.4.7. Classificação dos documentos. Aspectos gerais


A classificação dos documentos pode ser feita a partir de diversos critérios:
a) Classificação dos documentos quanto à forma: quanto à forma, poderá haver liber-
dade ou forma preestabelecida. Quando há um modelo legal, pode-se, com mais pro-
priedade, designá-los instrumentos.
b) Classificação dos documentos quanto à formação: quanto à formação, os documen-
tos poderão ser públicos ou particulares. Serão públicos os documentos que forem cons-
tituídos por uma autoridade pública, isto é, que tenha fé pública e seja a autora mate-
rial do documento. Estes prescindem da concordância de outra parte para se reputarem
autênticos. Se a autoridade não tiver competência, dar-se-á a degradação do documen-
to público, que ele não será, em razão da incompetência da referida autoridade, ou por
inobservância de formalidades legais, mas valerá como documento particular. Segue-
-se, então, que se lhe aplicará o regime jurídico de documento particular (art. 407; no
CPC/1973, art. 367, com redação idêntica).
As principais espécies de documentos públicos são: os instrumentos públicos, que
são feitos por oficial público e que necessariamente devem respeitar determinadas for-
malidades, e, assim, v.g., o registro de imóvel (Lei 6.015/1973, art. 167) é instrumento
público (v. art. 406 do CPC/2015, que compreende essa hipótese); idem, a matrícula de
imóvel (Lei 6.015/1973, art. 228); e outras hipóteses, com as quais se tem instrumento
público em caráter genérico; e a escritura pública, que é modalidade de instrumento pú-
blico, lavrado por tabelião, em que, ao lado de requisitos outros que possam estar previs-
tos em lei especial, conterá os requisitos dos incisos I a VII, do §1º do art. 215 do Código

65. O Código define quem se reputa como autor do documento (art. 410 do CPC/2015). No
inciso III desse art. 410, dispensa-se a necessidade da firma nos livros comerciais e assentos
domésticos, sendo esta uma norma exemplificativa. Daí termos afirmado que as cartas, con-
forme a hipótese concreta, não necessitam estar firmadas pelo seu autor. Se, todavia, negada
a autoria, caberá à parte que imputa a autoria o ônus da prova (art. 429, II, do CPC/2015).
906 Manual de Direito Processual Civil

Civil, observado sempre o disposto no § 3º desse art. 215, assim como os §§ 2º, 4º e 5º,
do mesmo dispositivo.66
No instrumento público, o autor material do documento deverá obedecer a deter-
minados requisitos, dentre os quais essencial é a sua legitimação (competência do ór-
gão, e, ainda, a circunstância de o agente estar legitimamente no exercício das funções
do órgão etc.).
A lei, no art. 425 do CPC/2015, equipara, para o fim de também valer como docu-
mento público (fazem a mesma prova que os originais – art. 425, caput), as hipóteses
arroladas em seus incisos I a VI. O relevante é termos presente que, para tal ocorrer, de-
vemos verificar a verdadeira geneticidade entre a certidão textual, o traslado e a certidão,
bem como as reproduções mecânicas (art. 425, I a III) e o documento que retratam ou repro-
duzem. Vale dizer, terá o mesmo valor e eficácia que o próprio documento público a cer-
tidão textual, desde que extraída pelo escrivão, do próprio documento, “sob sua vigilân-
cia” e por ele subscrita. Ainda, no caso do inciso II do art. 425, alude-se aos traslados e
certidões, também extraídos por (= pelo) oficial público, de documentos existentes em
suas notas. Quanto ao inciso III do art. 425, alude-se à reprodução de documento, que
há de ser feita do próprio documento público, deverá ser autenticada pelo próprio ofi-
cial público, ou há de ser conferida “em cartório” com os respectivos originais. Assim,
para ficar mais claro, em se levando esta certidão textual, a que alude o art. 425, I, e é
ela fotocopiada, a autenticação a ela aposta por outro tabelião não pode absolutamente
fazer com que ela equivalha a um documento público. Constata-se que, nesta hipótese,
não existe segurança quanto à origem, e a autenticação não soluciona esta insegurança.
Nos casos dos incisos I a III do art. 425, identifica-se claramente o agente público que
dá fé, e é por isto que, então, a lei dotou tais documentos da mesma validade e eficácia
que os próprios documentos públicos. Outrossim, lembremos o disposto no art. 161,
caput, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que também confere a certidões do
registro integral de títulos o mesmo valor que tenham os originais. É certo que o mes-
mo texto ressalva a hipótese de haver incidente de falsidade pertinente ao original, o
qual, então, se tido por fundado, certamente, quer o original, quer aquilo que dele seja
retrato, será tido por falso.
No tema da legitimação, merecem relevo, fundamentalmente, dois aspectos: 1º) a
competência, no sentido de que a autoridade que lavrou o documento deverá ocupar
órgão a que tenha sido atribuído poder para que, quem o ocupe, lavre o documento, e,
2º) ainda não propriamente dentro do próprio tema da competência, desdobrando-se
esta, a capacidade, que se poderia definir como sendo a atualidade da competência en-

66. No que diz respeito ao valor, diferentemente do que ocorria no CC/1916 – que, em razão do
disposto no inciso II de seu art. 134 prever que era da substância do ato a escritura pública
nas hipóteses de “contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de
valor superior a cinquenta mil cruzeiros, excetuado o penhor agrícola”, o § 6.º desse mesmo
art. 134 (redações conforme a Lei 7.104/1983) previa a forma de atualização desse valor –,
o Código Civil de 2002 não repetiu a regra que tratava da atualização.
Provas em Espécie 907

carnada num agente público determinado, ao lado dos demais requisitos da capacidade
propriamente dita.
Pergunta-se: se desrespeitada a forma do instrumento público, pode o instrumento
valer como documento particular? A resposta é afirmativa (art. 407 do CPC/2015). Tal
é o caso também do oficial público incompetente, de acordo com o art. 407, o qual pres-
creve, igualmente, que, nesse caso, terá a mesma eficácia probatória que o documento
particular, o documento pretensamente público, feito por oficial público incompetente.

25.4.8. Os documentos e a autenticidade

O documento público gera a presunção de autenticidade, que somente será destru-


ída na hipótese de se lhe demonstrar falsidade. Já o documento particular, para ser au-
têntico, necessitará sua não impugnação pela parte contrária (411, III do CPC/2015).
O atual Código prescreve, dentre as hipóteses de autenticidade de documento parti-
cular: a) a de haver reconhecimento de firma por parte do tabelião, declarando que a
assinatura foi aposta em sua presença (art. 411, I), e b) a de estar a autoria identificada
por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei
(art. 411, II). Em ambos os casos, a autenticidade será desde logo presumida ou como
tal reputada pelo sistema, independentemente de reconhecimento da parte contrária.
Saliente-se, outrossim, que o inciso IV do art. 425 do CPC/2015 atribui ao advoga-
do a possibilidade de declarar a autenticidade de peças do processo, assumindo, pes-
soalmente, a responsabilidade por tal declaração.
Quanto à autenticidade dos documentos eletrônicos, o inciso V do art. 425 esta-
belece que os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, fazem a mes-
ma prova que os originais, “desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei,
que as informações conferem com o que consta na origem”; já o inciso VI equipara aos
originais as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular,
quando juntados aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Pú-
blico e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias,
repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fun-
damentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. Tais disposi-
ções estabelecem uma presunção de autenticidade relativa, i.e., que admite prova em
contrário, seja no que concerne aos documentos privados, seja quanto aos documen-
tos públicos em relação aos quais a inveracidade ou falsidade dependerá de demons-
tração mais contundente.67
A consequência específica oriunda da autenticidade é a de que o documento faz
prova da declaração nele constante, atingindo o seu autor (art. 412 do CPC/2015).

67. “A presunção ‘juris tantum’, como prova, de que gozam os documentos públicos, há de ser
considerada em relação às condições em que constituído o seu teor" (STJ, 3ª T., AgRg no
REsp 281.580/RJ, Rel. Min. Castro Filho, DJ 10.9.2007). No mesmo sentido: STJ, 4ª T., AgRg
no REsp 1389193/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 11.11.2014, DJe 15.12.2014.
908 Manual de Direito Processual Civil

25.4.9. O documento e a extensão subjetiva de sua validade


O documento público vale erga omnes, o que não significa que vincule ou atinja a
todos, entretanto. O documento particular passará a valer perante terceiros, a partir de
seu registro no Registro de Títulos e Documentos ou no registro competente, segundo
o que dispõem o art. 221 do Código Civil, e o art. 129 da Lei 6.015, de 31.12.1973 (Lei
dos Registros Públicos), e, conforme a hipótese, sempre devemos atentar para o tipo de
registro e o tipo de documento, em função da publicidade almejada (v. infra a propósito
do documento e sua data).
Apesar da sua autenticidade, o documento público apenas prova o que se denomina
de verdade extrínseca das declarações, bem como aqueles fatos que se passaram diante
da autoridade que lavrou o documento, e, como tais, constantes do mesmo.
Frise-se, todavia, que esta prova é dotada de fé pública – ou seja, como tantas vezes
dito, o documento público estabelece uma presunção contundente de veracidade, o que
não exclui a possibilidade de prova em contrário.68

25.4.10. As autoridades que são autoras materiais dos documentos


A autoridade que lavrou o documento público, ou seja, a sua autora material, po-
derá ser administrativa, judicial e extrajudicial (v. art. 405 do CPC/2015, que a estas
figuras alude).

25.4.11. Instrumentos e documentos particulares. Distinção específica


O termo documento, quando empregado num sentido genérico, compreende o ins-
trumento. Este último é empregado pelo Código Civil como uma espécie do termo do-
cumento.
A subdistinção entre ambos consiste em que certos documentos e o instrumento
integram a categoria das provas preconstituídas; outros documentos integram a cate-
goria das provas causais.

25.4.12. O documento e sua data


De um modo geral, a doutrina admite, atualmente, todos os meios de prova para se
provar a data dos documentos, ocorrendo dúvida entre os litigantes. É o que consta do
art. 409, caput, do CPC/2015. Certamente, uma vez impugnada a data, o ônus da prova
não recai sobre aquele que se queira utilizar do documento e queira que valha a data que
foi objeto de impugnação, senão que sobre o impugnante. Ocorrendo dúvida atinen-

68. No âmbito do direito italiano a presunção de veracidade estabelecida em norma análoga ao


art. 405 do CPC/2015 (art. 2700 do codice civile) é questionada, se e na medida em que o
fato atestado pelo oficial público dependa de um juízo valorativo relativamente às circuns-
tâncias de fato. Por este raciocínio, que se afigura correto, a percepção do agente público é
tão suscetível a falhas como a de qualquer outra pessoa (Cf. Mario Conte. Commentario al
Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo Cendon. Milano: Giuffrè, 2008, p. 56).
Provas em Espécie 909

te à data, tendo em vista terceiros, segue-se as regras dos incs. I a V do parágrafo único
do art. 409, sendo que o inc. I desse art. 409 há de ser correlacionado com o art. 221 do
Código Civil e com a Lei 6.015/1973 (art. 129).
Sem embargo dos fatos descritos nos incs. I, II, III e IV do parágrafo único do art. 409,
(critérios de determinação da data, em relação a terceiros), verificamos que é possível,
com fulcro em ato ou fato, estabelecer que o terceiro tinha conhecimento do documen-
to antes da eventual ocorrência de um, ou de mais de um dos fatos descritos nos incs. I
a IV do art. 409 (v., por exemplo, o que se prevê no art. 409, V).
O art. 409, parágrafo único, inc. V, enseja a prova de qualquer ato ou fato que, com
certeza, estabeleça a data do documento. Se, todavia, não foi feita a prova de tal ato ou
fato, que em si mesmo demonstre qual tenha sido a data do documento, dever-se-á, então,
utilizar um dos critérios descritos nos incs. I a IV do parágrafo único do art. 409. Os
critérios a que se alude fixam que, pelo menos a partir de quaisquer dos acontecimentos aí
descritos, será tido como datado o documento.
Desta forma, pelo cabimento do inc. V do art. 409, em que se admite qualquer tipo
de prova, provar-se-á por meio de ato ou fato que, a anterioridade da formação do do-
cumento.
Já os incs. I a IV tratam de presunções previstas em lei, através das quais,
comprovado(s) o(s) fato(s) aí descrito(s), seguir-se-á a data do documento, a qual é o
fato probando.

25.4.13. Validade e autenticidade. Distinção


O documento ou o instrumento particular tem validade e eficácia em relação ao seu
autor, ou autores (art. 408, caput, do CPC/2015), pois o documento particular feito (=
escrito) e assinado, ou só assinado, leva a que as declarações nele contidas se presumam
verdadeiras em relação ao(s) signatário(s).69
A autenticidade é a atribuição da qualidade de autoria intelectual (art. 410, I a III,
do CPC/2015), de quem se diz ser autor do documento, através da admissão tácita ou
expressa por esse autor (art. 411, III); ou, caso contrário, mercê de prova, de que aquele
de quem se diz que fez o documento (art. 410, I) efetivamente o produziu e assim seja
considerado pelo juiz, salvo nos casos dos arts. 405 e 411.

69. Trata-se, todavia, de presunção relativa ou iuris tantum: STJ, 4ª T., rel. Min. Luís Felipe
Salomão, AgRg no REsp 1.332.603/SP, j. 21.03.2013, DJe 02.04.2013; 5ª T., AgRg no Ag
1088781/MG, 5ª T., j. 16.04.2009, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 11.05.2009. Na doutrina:
Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1982. v. IV/180; Pestana de Aguiar Silva, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo: Ed. RT, 1977, v. IV/200. À luz do CPC/2015: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. Al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. São
Paulo: RT, 2015, p. 692-693; no mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier et. al.
Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, 2ª ed., 2016, coms. ao art. 408 e
parágrafo único, p. 769.
910 Manual de Direito Processual Civil

Haverá autenticidade, sem admissão, expressa ou tácita, nos casos dos arts. 405 e
411, salvo prova em contrário, cujo ônus é sempre da parte que se insurja contra essa
autenticidade, ínsita a tais documentos, diante da fé pública de que são portadores.

25.4.14. O valor probante dos documentos


Quanto ao valor probante, os documentos distinguem-se em perfeitos e imperfeitos.
Dizem-se documentos perfeitos quando, além da assinatura das partes, constam tam-
bém as assinaturas das testemunhas e outros requisitos mais que nos casos específicos
sejam exigidos, como, por exemplo, documento particular feito com base no art. 22 do
Dec.-lei 58/1937 (com a redação dada pela Lei 6.014/1973). Nesse caso, em rigor, tra-
ta-se de instrumento particular, porque se deve subsumir a um modelo legal (Dec.-lei
58/1937, art. 11). Em tais casos, serão imperfeitos os documentos, quando lhes faltar
qualquer um dos requisitos exigidos por lei.
O art. 427 do atual CPC/2015 estabelece que cessará a fé pública do documento pú-
blico ou particular quando houver declaração judicial de falsidade. O art. 429 distribui
o ônus da prova, no caso de falsidade, da seguinte forma: deverá ser provada pela parte
que a arguir e, se apenas for contestada a autenticidade da assinatura, à parte que pro-
duziu o documento incumbirá o onus probandi.
A arguição de falsidade é meio de impugnação da autenticidade de documento pú-
blico ou particular, e vem regulada nos arts. 430 a 433 do CPC/2015.
Deve ser suscitada na contestação, na réplica, ou no prazo de quinze dias, contado a
partir da juntada do documento aos autos (art. 430). Tal medida tem cabimento para os
casos em que se alegue falsidade material, i.e., aquela que incide sobre o suporte físico
do documento, ficando excluídas as hipóteses de alegação de falsidade intelectual, 70-71
a serem demonstradas no curso do processo por todos os meios de prova.

70. No sentido de que a arguição de falsidade deve ser relativa a vício do documento (i.e., a
vício constante do suporte material do documento) e não a vício do consentimento ou
vício social inerente à declaração de vontade nele contida: Eduardo Arruda Alvim, Direito
Processual Civil, 5 ed., p. 599-600, Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil.
v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 195-196. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz
Arenhart e Daniel Mitidiero ressalvam a possibilidade de arguição de falsidade ideológica
de documento narrativo, que apenas pretende descrever determinado fato ou declaração;
em contrapartida, asseveram, não é cabível o incidente quando se trate de documento
constitutivo, em que há manifestação de vontade destinada a modificar situação jurídica
pré-existente (Curso de processo civil. v. II. Tutela dos direitos mediante procedimento
comum. São Paulo: RT, 2015, p. 385-386.). Para esse último caso, far-se-ia necessária a
propositura de ação desconstitutiva autônoma. Esse é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça: “O incidente de falsidade ideológica será passível de admissibilidade tão somente
quando não importar a desconstituição da própria situação jurídica. Precedentes.” (STJ, 5ª
T., REsp 717.216/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 04.12.2009, DJe 08.02.2010). No sentido de
que a falsidade ideológica também deve ser alcançada pela arguição de falsidade, sem
opor quaisquer restrições: Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil. 2ª
tiragem. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 329.
71. Para um conceito de falsidade intelectual ou ideológica, vide, por todos, no direito portu-
guês, mas com aplicabilidade ao nosso sistema: José Lebre de Freitas, A falsidade no direito
probatório, Coimbra: Almedina, 2013, p. 132-133.
Provas em Espécie 911

Como regra geral, a apuração da autenticidade ou falsidade do documento será


levada a efeito a partir de exame pericial (art. 432, caput, do CPC/2015), após ouvi-
da a parte contrária, no prazo de 15 dias. A determinação de perícia será feita a re-
querimento das partes ou oficiosamente pelo juiz, ressalvada a hipótese de a parte
que produziu o documento concordar em retirá-lo (art. 432, parágrafo único, do
CPC/2015).
A arguição de falsidade não é questão de mérito, nem questão prejudicial e sim
questão preliminar, não ensejando a formação da coisa julgada material (art. 503, § 1º,
CPC/2015). No entanto, é uma das muitas questões a serem solucionadas objetivando
o julgamento do mérito. É questão que diz respeito à prova, a ser colhida, para, em face
dela, ser solucionado o mérito, pelo que será decidida incidenter tantum.
Entretanto, pode a parte requerer seja ela decidida “como questão principal”
(art. 430, parágrafo único), nos termos do inc. II do art. 19 do CPC/2015. Se assim
for, a decisão sobre a falsidade constará da parte dispositiva da sentença, e produzirá
coisa julgada material (art. 433 do CPC/2015). A contrario sensu, quando não houver
pedido expresso da parte, a falsidade não fará coisa julgada, mesmo que preencha os
requisitos do art. 503, § 1º, do CPC/2015 – o que será analisado mais adiante em ca-
pítulo específico.
Há quem entenda de modo diverso, no sentido de que, se a declaração de falsida-
de, além de questão incidental, configurar também prejudicial, poderá – verificados os
pressupostos do art. 503 do CPC/2015 – sobre ela incidir o regime especial da coisa jul-
gada sobre as questões prejudiciais, independentemente de pedido expresso.72 Parece-
-nos, entretanto, que seria inviável, visto que se trata de questão preliminar e há dispo-
sição específica no art. 433 do CPC/2015 que exige pedido expresso para a incidência
da coisa julgada sobre a falsidade do documento, eis que a lei é clara: “quando suscita-
da como questão principal”.
Portanto, dependendo de como tramitar a resolução da falsidade documental – se
incidentalmente ou como questão principal –, haverá ou não coisa julgada oponível
em outros processos.
Quanto ao recurso cabível contra a decisão que julga a arguição de falsidade, será
sempre o de apelação, com base no art. 1.009, caput, do CPC/2015 ou no § 1º do mesmo
dispositivo, a depender do momento em que foi proferida a decisão. E assim é porque,
na sistemática do CPC/2015, tanto as decisões interlocutórias (via de regra) como as
sentenças são impugnáveis por meio de apelação, ressalvadas as hipóteses de previsão
expressa para o agravo de instrumento. Desse modo, como o CPC/2015 (art. 1.015) não
prevê agravo de instrumento para a decisão interlocutória sobre a falsidade incidental,
caberá sempre recurso de apelação.

72. v. Daniela dos Santos Bonfim. Comentário ao art. 433. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. al. Breves comentários ao novo código de processo civil. 2ª tiragem. São Paulo: RT,
2015, p. 1108; no mesmo sentido, 2ª ed; 2016, coms. ao art. 433, p. 790; v. tb. coms. ao
art. 503, § 1º.
912 Manual de Direito Processual Civil

Se, no entanto, a arguição de falsidade for, a pedido da parte, decidida como ques-
tão principal no curso do processo, com base no disposto no art. 356 do CPC/2015 (jul-
gamento antecipado parcial de mérito), caberá recurso de agravo de instrumento, por
força dos arts. 356, § 5º e 1.015, inc. II, do CPC/2015.

25.4.15. Exibição de documento ou coisa. Generalidades


Sempre que, na pendência de um processo, for necessário que terceiro ou uma das
partes traga a juízo documento ou coisa que se encontre em seu poder, terá lugar a exi-
bição de documento ou coisa (arts. 396 a 404 do CPC/2015).
Conquanto similares, os procedimentos destinados a conseguir a vinda do docu-
mento ou da coisa ao processo, conforme se encontre com a parte adversa ou com ter-
ceiros, não são, todavia, idênticos.
Com efeito, estando o documento ou a coisa em poder da parte adversa, será ela inti-
mada para apresentar um ou outra. No pedido, deverão, o documento ou a coisa, serem
individuados, com a maior minúcia possível (art. 397, I, do CPC/2015); deverá também
ser indicada a finalidade da exibição (= pertinência a qual/ou quais fatos probandos es-
tão relacionados com a coisa ou documento: art. 397, II, do CPC/2015), como, ainda,
que razões justificam que o documento ou a coisa estejam em poder da parte contrária
(art. 397, III). Na finalidade se insere o requisito de que o documento ou a coisa seja co-
mum, isto é, afete também o requerente, observando-se, após, o disposto nos arts. 398,
399 e 400 do CPC/2015. Este último dispositivo é drástico, aparentemente, no que diz
com a convicção que se gerará ex lege, no espírito do juiz, dado que, se omisso o reque-
rido, ou, se não omisso, mas rejeitada sua recusa, por ilegítima (art. 400, II), ter-se-ão
por verdadeiros os fatos que seriam provados com a exibição do documento (art. 400,
caput, incs. I e II, do CPC/2015).
Tal presunção, contudo, é relativa, e não implica necessariamente a vitória da parte
que desejava a exibição do documento; os fatos tidos como verdadeiros por força de lei,
serão examinados no conjunto de todos os fatos, pois nem pela circunstância de deverem
ser reputados verídicos deixarão de sofrer avaliação com o conjunto das provas.73 Pode-
rão, ou não, influir no resultado probatório e no da sentença. Mesmo no caso de recusa
fundada, conforme as circunstâncias, os fatos poderão vir a ser tidos como verdadeiros.
Entretanto, se o documento estiver em poder de terceiro, será este citado, para que
responda ao pedido em quinze dias (art. 401 do CPC/2015).
De maneira geral, a parte contrária tem o ônus de trazer o documento ao processo;
já o terceiro tem obrigação de trazer o documento. Se a parte adversa negar-se a trazer o
documento ou a coisa aos autos, sofrerá consequências de ordem processual, especial-

73. “Na exibição incidental de documentos, portanto, a consequência da recusa é a presunção


de veracidade, não sendo cabível a cominação de astreintes. Essa presunção, naturalmente, é
relativa, podendo o juiz decidir de forma diversa da pretendida pelo interessado na exibição,
com base em outros elementos de prova constantes dos autos” (STJ, REsp 1.333.988-SP, 2ª
Seção, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 09/04/2014, DJe 11.04.2014).
Provas em Espécie 913

mente a prevista no art. 400, caput, enquanto o terceiro sofrerá consequências de ordem


civil e penal (art. 403 do CPC/2015 e art. 330 do CP, respectivamente).
Inovação contida nos arts. 400, parágrafo único, e 403, parágrafo único, do
CPC/2015, dizem respeito à previsão de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais
ou sub-rogatórias para o documento ser exibido pela parte. 74
De qualquer modo, afigura-nos que a consequência principal para a negativa da
parte em cumprir determinação judicial de apresentar o documento ou coisa deverá
ser a presunção de veracidade dos fatos que a parte contrária, com esse documento ou
coisa, pretendia provar. Somente nos casos de inviabilidade ou ineficácia da citada pre-
sunção é que deverá ser aplicado o parágrafo único, bem como nos casos de direitos
indisponíveis.75
A parte ou o terceiro, a quem se pediu a exibição de documento ou coisa, se pode escu-
sar de fazê-lo, se presentes quaisquer das hipóteses descritas no art. 404 do CPC/2015, das

74. Cuida-se de providência que contrasta com o entendimento jurisprudencial firmado à luz
do CPC/1973, vez que o STJ, em sede de julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.333.988/
SP), havia decidido pelo descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou
autônoma, de documento relativo a direito disponível. Esse entendimento já se encontra-
va sumulado (Enunciado 372 da Súmula do STJ: “Na ação de exibição de documentos,
não cabe a aplicação de multa cominatória”). Tal enunciado se refere à ação exibitória,
mas já era aplicada, indistintamente, às cautelares e às exibições incidentais, v., v.g.,
STJ, AgRg no AREsp 671.070/DF, 4ª T., j. 04.08.2015, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe
12.08.2015. O STJ, porém, para caso específico, entendendo pela existência de critério
distintivo (distinguishing) a justificar a não aplicação do precedente (“Recurso especial.
Civil e processual civil. Ação de exibição. Informações eletrônicas. Mensagens agressi-
vas enviadas através do serviço de SMS ("short message service") para o telefone celular
da autora. Cominação de multa diária. Inaplicabilidade da súmula 372/STJ. Técnica das
distinções ("distinguishing"). 1 – Ação de exibição de documentos movida por usuária de
telefone celular para obtenção de informações acerca do endereço de IP ("Internet Proto-
col") que lhe enviou diversas mensagens anônimas agressivas, através do serviço de SMS
disponibilizado no sítio eletrônico da empresa de telefonia requerida para o seu celular,
com a identificação do nome cadastrado. 2 – Inaplicabilidade do enunciado da Súmula
372/STJ, em face da ineficácia no caso concreto das sanções processuais previstas para a
exibição tradicional de documentos. 3 – Correta a distinção feita pelo acórdão recorrido,
com a fixação de astreintes, em montante razoável para compelir ao cumprimento da
ordem judicial de fornecimento de informações (art. 461 do CPC). 4 – Recurso especial
desprovido.” (STJ, REsp 1359976/PB, 3ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. Paulo de Tarso Sanse-
verino, DJe 02.12.2014). Contudo, justamente por se tratar de hipótese de distinguishing,
o referido posicionamento consubstanciado no referido enunciado não foi superado. Em
síntese, à luz do CPC/1973 entendia o STJ pelo descabimento de multa cominatória, o que,
como dito, não mais se sustenta na vigência do CPC/2015, por disposição expressa do
novo código. De todo modo, a jurisprudência citada, ai compreendida a referida hipótese
de distinguishing, deve ser considerada e diz respeito aos casos em que a exibição tenha
sido determinada ainda na vigência do código anterior.
75. Em conformidade com a última parte da afirmação, admitindo a busca e apreensão de
documento ou coisa para a hipótese de causas que versem direitos indisponíveis, Leo-
nardo Greco, Instituições de direito processual civil. v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, p. 200.
914 Manual de Direito Processual Civil

quais trataremos em item próprio. Em tais casos, a parte ou terceiro não estão obrigados
a exibir o documento ou a coisa, salvo se for possível cindi-los, quando, então, será exibi-
da no processo somente a parte que não for comprometedora (art. 404, parágrafo único).
É sempre impugnável através de agravo de instrumento a decisão que, pendente a
lide principal, aprecia pedido incidental de exibição de documento ou coisa (art. 1.015,
VI, do CPC/2015).

25.4.16. Espécies de ação de exibição e fundamento jurídico ao direito à exibição


Embora não haja previsão expressa, no CPC/2015, de ação autônoma de exibição
de documento ou coisa,76 nada obsta a que referida exibição seja requerida quando já
pendente o processo principal, dizendo-se, então, que é incidente, ou antes do processo
principal.77 Por igual, é possível que seja requerida em sede de produção antecipada de
provas ou mesmo como pedido de tutela provisória.78
A exibição antecedente ao processo principal não deve ser considerada necessaria-
mente como preventiva e, ainda, num sentido rigoroso, sequer preparatória. É perfeita-
mente possível que a exibição satisfaça plenamente o requerente e que até mesmo desa-
conselhe qualquer providência ulterior. Se a finalidade da exibição está relacionada com
a possível finalidade da prova, ou com o relacionamento do documento ou da coisa com
os fatos probandos (v., nesse sentido, o art. 397, II, aplicável, por analogia, à ação autô-
noma), segue-se que esta medida se pode exaurir em si mesma. Ademais, havemos de ter
presente que, nos casos de produção antecipada de prova sem o requisito da urgência, se-
quer é necessária a indicação da demanda que se pretende ajuizar (v. art. 381, incs. II e III,
do CPC/2015, bem como o que foi dito no capítulo sobre a produção antecipada de prova).
Isso, porque a razão de ser da medida antecipada é, dentre outras, viabilizar uma possível
conciliação (art. 381, II) ou mesmo evitar o ajuizamento da ação (381, III).
Conquanto a ratio essendi da exibição seja indiscutivelmente de ordem pública, há,
também, que se compatibilizar o direito à exibição com o direito exercitado contra quem

76. O CPC/73 regulava tais hipóteses nos arts. 844 e 845.


77. Sob a égide do CPC/73, havia discussão acerca da possibilidade de ação cautelar incidental.
Favoravelmente à possibilidade da cautelar incidental: Ovídio A. Baptista da Silva, As ações
cautelares e o novo processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 141, entendimento ao
qual nos inclinávamos na edição precedente deste Manual (16. ed., 2013, p. 1.027, e nota
de rodapé n. 141, em que se faz remissão ao entendimento jurisprudencial da época). Con-
trariamente, a jurisprudência do STJ, ao argumento da inexistência de interesse processual:
STJ, 3ª T., REsp 1386421/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.09.2013, DJe 23.09.2013.
Todavia, há quem entenda, na perspectiva do CPC/2015, pela existência da possibilidade de
ação autônoma (não cautelar) de exibição, independentemente de sua natureza incidente
ou preparatória, com base nos direitos constitucionais de petição e de certidão (art. 5º,
XXXIII, XXXIV, LXXVII) (cf. Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil. v. II. Rio
de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 198-199).
78. Cf. Cassio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil, 2ª tiragem, São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 323.
Provas em Espécie 915

se pretenda exiba o documento, de não ser este último, em todos os casos, inexoravel-
mente constrangido a produzir prova contra si (v. 230, infra, sobre os limites da ação de
exibição de documento ou coisa).

25.4.17. As partes e sua legitimidade


De certa forma, podemos dizer que partes, na exibição de documento ou coisa, são
sujeitos do processo, conceito mais amplo do que o de parte na lide.
A lei não se refere explicitamente, na parte em que disciplina o assunto, à necessi-
dade de interesse. No entanto, não se pode, como é a regra geral, agir em juízo sem in-
teresse, o que se aceita como autêntico axioma, ressalvando-se, no caso da produção
antecipada de prova, que a instauração de referido procedimento exige a demonstração
de um interesse mínimo (v. o que dissemos sobre o tema em capítulo específico). Ade-
mais, a ideia de interesse jurídico na exibição emerge clara dos arts. 397, II (requisitos
para a exibição) e 399, I a III (casos de inadmissão da recusa).

25.4.18. Os limites da ação de exibição de documento ou coisa


Do ponto de vista objetivo, os limites existentes para a ação de exibição de docu-
mento ou coisa são decorrentes dos fatos alegados, ou eventualmente alegáveis em juí-
zo, que sejam reputados controvertidos e necessitando de prova a ser feita pela exibição,
ou, então, pela demonstração do interesse mesmo da prova (art. 397, II, do CPC/2015).
Do ponto de vista subjetivo, são as seguintes as regras que devem ser observadas:
1º) normalmente, o direito à exibição somente assiste aos sujeitos do processo, ou que
o venham a ser, nomeadamente às partes (partes principais), o que não exclui a possi-
bilidade de que assistente formule tal pedido. Isto ocorrendo, haver-se-á de pautar o
juiz pelo regime de atuação do assistente, simples ou litisconsorcial; 2º) do ponto de
vista passivo, comumente é a exibição pedida por uma parte contra a outra (art. 396 do
CPC/2015), sem embargo de poder ser solicitada contra terceiro (art. 401 do CPC/2015);
3.º) finalmente, é possível a exibição desde que preenchidos os requisitos do art. 397
do CPC/2015, sem que, quem a solicite, seja obrigado, ou necessariamente tenha de vir
a acionar a parte contrária.
O terceiro, a que alude o art. 401 do CPC/2015, tem que possuir o documento efeti-
vamente em comum com uma das partes, para que seja constrangido à exibição (art. 402
que alude à obrigação de exibir).
Lembremos que terceiro é todo aquele absolutamente estranho ao processo; é aque-
le que no processo não faz qualquer afirmação, quer relativamente a direito seu (o que
cabe ao autor, ao réu, ou ao assistente litisconsorcial), quer relativamente ao direito de
outrem (v.g., o que cabe ao assistente simples, quando afirma o direito do assistido).

25.4.19. A recusa fundada de exibição


A parte ou o terceiro, a quem se pediu a exibição de documento ou coisa, só se pode
escusar a exibi-lo, toda vez que o documento ou a coisa disser respeito a negócio da vida
916 Manual de Direito Processual Civil

familiar (art. 404, I); se a exibição puder violar dever de honra (art. 404, II); se sua pu-
blicidade redundar em desonra própria, bem como a seus parentes consanguíneos ou
afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal (art. 404, III); nos ca-
sos em que isto acarretar a revelação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão,
devam guardar sigilo (art. 404, IV) e quando houver disposição legal que justifique a
recursa da exibição (art. 404, VI). Deixa a lei, ainda, através de conceito vago – outros
“motivos graves” (art. 404, V) –, a possibilidade de o juiz aceitar a recusa.
Segue-se, pois, que os incs. I a IV do art. 404 são taxativos, e, diante da ocorrência
de quaisquer dos fatos aí descritos, se comprovados, legítima deverá ser tida a recusa. Já
quanto ao inc. V do art. 404, deixou-se margem à interpretação de conceito vago con-
ducente, ou, ao menos, tendente a uma única solução pelo juiz, a partir da verificação
dos elementos de cada caso concreto que se lhe apresente.
Nesses casos, a parte ou terceiro não estão obrigados a exibir o documento ou a coi-
sa, salvo se disser respeito a apenas uma parcela do documento, quando, então, será
exibida no processo somente a parte que não for comprometedora, conforme procedi-
mento previsto no parágrafo único do art. 404 do CPC/2015.

25.4.20. Efeitos sobre a parte, tendo em vista a não exibição


No caso de a parte que tenha o ônus de exibir a coisa ou o documento não ter po-
dido, de forma legal, se escusar fundamentadamente de exibi-lo, o juiz deverá admitir
como verdadeiros os fatos que, através do documento ou coisa, a parte solicitante da
exibição pretendia provar. Isto, contudo, não implica necessariamente a vitória da par-
te que desejava a exibição do documento; tais fatos, tidos como verdadeiros por força
de lei, serão examinados no conjunto de todos os fatos, pois nem pelo fato de deverem ser
reputados verídicos deixarão de sofrer avaliação com o conjunto das provas. Poderão,
ou não, influir no resultado probatório e na sentença. Ainda no caso de recusa fundada,
conforme as circunstâncias, os fatos poderão vir a ser tidos como verdadeiros, a depen-
der do conjunto probatório dos autos.

25.4.21. Efeitos sobre terceiros, tendo em vista a não exibição


Quando se tratar de terceiro que esteja obrigado a exibir a coisa ou o documento, as
consequências extravasam do âmbito interno do processo, pois que o terceiro será pas-
sível de sanções de ordem civil e mesmo penal.
As civis são previstas na norma primária do art. 403 do CPC/2015 e dizem respeito
a ser ele obrigado a depositar a coisa ou o documento no prazo de cinco dias, contados
da ordem judicial eficaz, determinando a exibição; e, na hipótese de recusa, a mesma
norma do art. 403 prescreve que será expedido mandado de apreensão que poderá, se
houver resistência, ser cumprido com o auxílio de força policial (mandamento secun-
dário ou sancionatório), sem prejuízo do pagamento de multa e outras medidas indu-
tivas, coercitivas mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetiva-
ção da decisão (art. 403, parágrafo único, do CPC/2015).
Provas em Espécie 917

No que diz respeito ao aspecto criminal, será o terceiro passível de punição pelo
crime de desobediência, a cuja figura típica se alude no próprio art. 403 do CPC/2015.
Por fim, conforme já foi salientado supra (“Exibição de documento ou coisa. Gene-
ralidades”), mais precisamente à nota pertinente à adoção de medidas para que o do-
cumento seja exibido, a jurisprudência havia consolidado, à luz do CPC/1973, o en-
tendimento de que a multa diária prevista para o cumprimento de obrigações de fazer
e de entrega de coisa não se aplicava à exibição de documento ou coisa, fosse no curso
do processo de conhecimento, fosse como medida cautelar. Tal orientação se formou
em face da justificativa de que “o escopo das regras instrutórias do Código de Processo
Civil é buscar o caminho adequado para que as partes produzam provas de suas alega-
ções, ensejando a formação da convicção do magistrado, e não assegurar, de pronto, o
cumprimento antecipado (tutela antecipada) ou definitivo (execução de sentença) de
obrigação de direito material de fazer, não fazer ou entrega de coisa”.79 Parece, contudo,
que o parágrafo único do art. 403 do CPC/2015 inviabiliza a aplicação desse entendi-
mento, por prever expressamente a possibilidade da aludida multa, como já observamos.

25.4.22. Os recursos
A decisão que, pendente a lide principal, aprecia pedido incidental de exibição de
documento, feito por uma parte em face da outra, é agravável de instrumento (art. 1.015,
VI, do CPC/2015).
Já em se tratando de ação autônoma, a decisão será passível de apelação, caso po-
nha fim à fase processual cognitiva de conhecimento. É, portanto, objeto de apelação, a
decisão que, em processo incidental, reconhece a obrigação de exibir documentos por
parte de terceiro, em face do procedimento especial respectivo, cujo núcleo se estampa
no art. 401 do CPC/2015.

25.4.23. A produção da prova documental e o procedimento


São os seguintes os principais aspectos referentes à produção da prova documental,
tendo em vista a sua relação com o procedimento:
Exceção feita aos chamados documentos essenciais, que são os necessários à admis-
são da petição inicial, incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com
os documentos destinados a provar-lhes as alegações (art. 434, caput, do CPC/2015).
Inovação relevante trazida pelo CPC/2015 consiste na previsão, contida no parágrafo
único do art. 434, de que as reproduções cinematográficas ou fonográficas sejam trazi-
das na fase postulatória, nos termos do caput, mas que sua exposição seja realizada em
audiência, intimando-se as partes.

79. STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1.179.249⁄RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 03.05.2011. Cf.,
no mesmo sentido: STJ, 3ª T., REsp 1245961/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j.14.02.2012, DJe
09.03.2012; STJ, 3ª T., EDcl no AgRg no REsp 1230189/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
02.08.2012, DJe 09.08.2012.
918 Manual de Direito Processual Civil

É autorizada a juntada posterior de documentos quando destinados à prova de fatos


supervenientes, ou contrapostos aos que foram produzidos nos autos (art. 435, caput, do
CPC/2015), ou, ainda, quando se trate de “documentos formados após a petição inicial
ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis
após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de
juntá-los anteriormente” (art. 435, parágrafo único, do CPC/2015).
Embora a ressalva do paragrafo único do art. 435 do CPC/2015 não estivesse pre-
sente no art. 397 do CPC/1973, a jurisprudência já se havia consolidado no sentido de
permitir a produção da prova documental sob as circunstâncias referidas no texto deste
parágrafo único. Assim, já se entendia, à luz do CPC/1973, que poderia ser produzida
prova documental nas razões ou contrarrazões de recurso.80 Não se conhece, todavia,
de documentos juntados com o recurso de apelação, se o apelante não prova a impos-
sibilidade da juntada no momento anterior e próprio.
Não é de se anular o processo pela circunstância de documentos serem juntados aos
autos após a abertura da audiência de instrução e julgamento.81 É possível, como regra
geral, a juntada de documentos ao processo, após a fase postulatória, para contrapô-los
a qualquer outra espécie de prova produzida, que não documental.82
Cabe ao réu, na contestação, falar sobre os documentos anexados à inicial; ao autor,
na réplica, sobre os documentos anexados à contestação (art. 437, caput, do CPC/2015)
e, sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá
a outra parte no prazo dilatório de quinze dias (art. 437, §§ 1º e 2º, do CPC/2015). Em
todos os casos, “a parte intimada a falar sobre documento constante dos autos, pode-
rá: a) impugnar a admissibilidade da prova documental, b) impugnar sua autenticida-
de, c) suscitar sua falsidade. d) manifestar-se sobre seu conteúdo” (art. 436, I a IV, do
CPC/2015).
A propósito do contraditório sobre a prova documental, já se decidiu que a sua au-
sência é causa de nulidade da sentença.83 Não há nulidade, porém, se o documento não
influi(u) no teor da decisão.84
Já se considerou dispensável a oitiva da parte contrária quando se tratar de parecer
emitido por jurista, que, conquanto possa receber a qualificação genérica de documen-

80. STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1362266/AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.09.2015, DJe
10.09.2015; 1ª T., REsp 780.396/PB, Rel. Min. Denise Arruda, j. 23.10.2007, DJ 19.11.2007.
81. STJ, REsp 325.211/TO, 1.ª T., j. 21.06.2001, rel. Min. José Delgado, DJ 03.09.2001, p. 159.
82. STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1112190/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 13.04.2010, DJe
26.04.2010.
83. STJ, REsp 66.631/SP, 2.ª T., j. 04.03.2004, rel. Min. Castro Meira, DJ 21.6.2004; STJ, REsp
264.660/SP, 2.ª T., j. 04.09.2003, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 3.11.2003.
84. “É firme o entendimento no sentido de que não há falar em ofensa ao artigo 398 do Código
de Processo Civil quando, a despeito de a parte não ter sido intimada para se pronunciar
a respeito de documento novo juntado aos autos, este não for utilizado no julgamento da
controvérsia.” (STJ, Corte Especial, EAREsp 144.733/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j.
6.8.2014, DJe 15.8.2014).
Provas em Espécie 919

to, não é documento probatório.85 A regra firmada por este acórdão ortodoxamente é
sustentável; porém, o comportamento que realmente responde (pelo menos dialetica-
mente) ao princípio do contraditório recomenda seja a outra parte ouvida. A propósito
da necessidade de se viabilizar o contraditório sobre argumentos jurídicos trazidos ao
processo, propiciando às partes oportunidade para influenciarem, efetivamente, a de-
cisão do juiz, é explícito o texto do art. 10 do CPC/2015, ao estabelecer que “O juiz não
pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de maté-
ria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Documento juntado aos autos pelo ex officio, com base no art. 370 do CPC/2015,
também está sujeito a vista obrigatória às partes.86 Questão atual refere-se à hipótese
de o julgador (juiz de primeiro grau ou desembargador) realizar consulta feita na rede
mundial de computadores (internet) para servir-se do texto impresso de documento
eletrônico ou de sua transcrição no momento do julgamento. Neste caso, como aler-
ta Adroaldo Furtado Fabrício, terá havido uma “juntada” atípica de documento, total-
mente ilegal “além de tudo porque infratora do princípio do contraditório, ainda sem
tomar-se conta o intuitivo descumprimento da regra do citado art. 398 [do CPC/73] e
ainda sem se discutir se essa busca de documentos estranhos aos autos pelo juízo, par-
ticularmente o de segundo grau, cabe na extensão de seus poderes.”87
É, ainda, lícito ao juiz requisitar às repartições públicas em qualquer tempo ou grau
de jurisdição: I – as certidões necessárias à prova das alegações das partes; II – os pro-
cedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, os Estados,
o Distrito Federal, os Municípios ou entidades da administração indireta (art. 438, I e
II, do CPC/2015).

25.5. Prova testemunhal

25.5.1. Noções gerais


A prova testemunhal é aquela produzida oralmente perante o juiz através de depoi-
mento de pessoa estranha à lide, exceto nos casos em que a lei vede esse meio de prova
(arts. 442 e 443, caput e incisos I a III, do CPC/2015).

85. RT 592/49; STJ, 1ª T., EDcl no REsp 266.219/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 05.10.2006, DJ
09.11.2006.
86. STJ, REsp 12.499/PR, 2ª T., j. 29.11.1995, rel. Min. Ari Pargendler. No mesmo sentido, no
processo penal, por idênticas razões: “No processo penal acusatório o juiz não é um mero
expectador, mas também não pode assumir posição de liderança na produção de provas,
como ocorreu na espécie, determinando a juntada de documentos, ex officio, quando já
encerrada a instrução, sem que as partes fossem ouvidas. (...) – Nulidade da condenação,
em tal caso, que se impõe. Flagrante ilegalidade reconhecida. (STJ, 6ª T., HC 114.478/PR,
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
18.03.2014, DJe 25.04.2014).
87. Adroaldo Furtado Fabrício, Iniciativa judicial e prova documental da internet, In: Luiz
Guilherme Marinoni (coord.). Estudos em homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de
Aragão, São Paulo: RT, 2005, p. 296.
920 Manual de Direito Processual Civil

A testemunha é, em regra, alguém estranho ao objeto do litígio, quer direta quer


indiretamente, que vem narrar ao juiz um fato de que tem conhecimento direto, por
qualquer um dos meios de sua percepção.
A prova testemunhal não será admitida nos casos em que haja documento que com-
prove o fato, ou, então, se já existir nos autos confissão, judicial ou extrajudicial, com-
probatória do fato (art. 443, I, do CPC/2015). Verificamos, assim, que o legislador “pre-
feriu” os outros meios de prova – documental e confissão – à testemunhal.
Se se tratar de caso concreto que demande a produção de prova pericial, onde se-
jam necessários conhecimentos técnicos ou científicos, a prova testemunhal será ina-
dequada (art. 443, II, do CPC/2015). Esta vedação da lei não deve ser confundida com
aquela constante do § 2º do art. 464 do CPC/2015, eis que neste dispositivo o que se
tem é efetiva realização de perícia – ou, na dicção do Código, “prova técnica” –, ainda
que de maneira informal e sob procedimento simplificado, visando, tão somente, a uma
maior celeridade da tramitação do feito. As duas realidades, pois, são totalmente diver-
sas: o que se tem neste art. 464, § 2º, está em estrita obediência à proibição constante
do art. 443, II, do CPC/2015.
Trata-se, neste caso, de inadmissibilidade legal, por inadequação da prova testemu-
nhal. Ainda, se o fato só puder ser provado por documento, como, por exemplo: a) nos
casos a que se refere o art. 406 do CPC/2015; b) nas hipóteses em que a prova testemu-
nhal per se e exclusivamente é inidônea à prova de certos fatos, sem que haja começo
de prova escrita (art. 444, do CPC/2015), trata-se de inadmissibilidade legal da prova
testemunhal.

25.5.2. Testemunha e parte. Distinção


Pela diversidade de posição em que se encontram, a lei trata diferentemente as par-
tes e as testemunhas, com relação à hipótese da desobediência à intimação para virem
informar ao juízo.
Às partes comina-se a pena de confesso. Para a testemunha, porém, há a própria
condução ao juízo, coercitivamente (“condução debaixo de vara” – art. 455, § 5º, do
CPC/2015, aplicável tanto para o caso de descumprimento da intimação judicial como
para o não atendimento à intimação feita pelo advogado, nos termos do caput e do § 1º
do mesmo art. 455).
Por outro lado, a prova oral, que tem por objetivo colher informações (inclusive
ensejando confissão) sobre os fatos da lide, prestadas pela parte, é o depoimento pes-
soal, enquanto a prova oral, através de terceiro, estranho à lide, para o mesmo fim, é a
prova testemunhal.

25.5.3. Testemunha e perito. Distinção


Distingue-se a testemunha do perito, porquanto, embora seja este um terceiro de-
sinteressado do litígio, a informação que vem fornecer ao juiz é de caráter científico ou
técnico. Casos de perícia não são de prova testemunhal, e nem de outro tipo ou meio
Provas em Espécie 921

de prova. Por essa razão, como visto acima, a distinção consubstanciado no comando
do art. 464, § 2º.
Por outro lado, o conhecimento, por parte da testemunha, dos fatos da demanda é
anterior, normalmente, ao início desta, enquanto o perito é nomeado depois de inicia-
da a ação e, em regra, conhece os fatos durante o processo.

25.5.4. O valor da prova testemunhal


A prova testemunhal não pode ser considerada, no quadro das provas existentes,
como sendo a prova ideal. Certamente, a prova documental, sob a perspectiva da preci-
são e da certeza de que se reveste, é, de um modo geral, preferida à testemunhal (art. 443,
I, do CPC/2015; e, ainda, arts. 444 e 406, do CPC/2015), o que, neste sentido, coloca-se
como uma “hierarquia” entre os meios de prova, pois que, ao nível da lei, sendo susce-
tível o fato de prova documental e já estando assim provado, é inadmissível a prova tes-
temunhal (art. 443, I), o que se passa, também, com a confissão. Casos haverá que só
por documento poderão ser provados (art. 443, II); clara, igualmente nestes casos, a pre-
ferência dada pela lei. No entanto, se se tratar de vícios de negócio ou atos jurídicos, é
livre e, pois, admissível, prova testemunhal (art. 446, I e II, do CPC/2015). Se esta “hie-
rarquia” se manifesta na “eleição” preferencial do legislador, por este ou aquele meio de
prova, será menos intensa na avaliação da prova (art. 371 do CPC/2015).
Pode-se aceitar, contudo, como verdadeiro o brocardo jurídico emergente da reali-
dade de que as testemunhas muito mais dizem a verdade, do que mentem, e que o tes-
temunho encerra uma “presunção” de verdade. Por outro lado, existe a fiscalização do
juiz (art. 361, III), pela colheita dessa prova, como por parte do advogado do adversário.
Existem, de um modo geral, duas espécies de causas desvalorizadoras da prova tes-
temunhal: 1º) as causas que se podem denominar conscientes, cuja principal a ser apon-
tada é a disposição de mentir, que, ocorrendo na prática, determina até mesmo o crime
de falso testemunho (CP, art. 342); 2º) as deficiências do próprio homem, quer no que
tange à sua capacidade de percepção e observação, quer pertinente à sua memória, quer,
finalmente, no que diz respeito à própria incapacidade de reprodução rigorosamente exa-
ta dos fatos por ele percebidos.88
Há, no Código de Processo Civil, instrumentação para que o juiz limite e, sendo pos-
sível, evite o falso testemunho, principalmente advertindo a testemunha de sua obri-
gação de dizer a verdade e das sanções previstas, inclusive no Direito Penal (art. 458,
parágrafo único, do CPC/2015).
Todavia, ao lado da mentira propriamente dita, o testemunho poderá ser inexato em
virtude de fatores extrínsecos, como a angústia e o medo, ainda que irracionais, ou por
condições pessoais etc., como, ainda, pelos outros fatores já apontados.

88. V., mais amplamente, Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT, 1972,
v. II, 189, p. 363 et seq.; José Carlos G. Xavier Aquinho, A prova testemunhal no processo
penal brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 19-21
922 Manual de Direito Processual Civil

25.5.5. A técnica de inquirição


A forma ou técnica de inquirição adotada por um sistema jurídico constitui uma
garantia, ou, ao contrário, poderá ser uma forma através da qual estarão facilitados os
falsos testemunhos ou testemunhos inexatos (ainda que não propriamente falsos).
Ressalte-se, ainda, que a cultura jurídica em que se insere determinado sistema pro-
cessual é determinante para se estabelecer a forma mais adequada e eficiente de inquiri-
ção, na tentativa de se alcançar a verdade sob a observância do princípio do contraditório.
Assim, por estar o ordenamento brasileiro filiado à tradição de civil law, sempre se
acreditou que o fato de se permitir à testemunha narrar o que sabe, sem intervenção al-
guma do juiz, em regra constituiria uma maneira de propiciar testemunhos menos exa-
tos ou inúteis, pelo menos em parte.89 Assim, o CPC/73 determinava que o juiz colhesse
diretamente a prova testemunhal (art. 452, III, do CPC/73), o que lhe permitia, discreta
e sensatamente, intervir no rumo do depoimento, eventualmente mesmo pela formu-
lação das perguntas, fazendo com que as respostas se reportassem aos fatos objeto da
prova, e, ainda, apurando o quanto possível se a testemunha diz a verdade.
Todavia, com a influência recíproca entre os sistemas de civil law e de common law,90
bem como em virtude da ênfase mais recente à participação efetiva das partes no proces-
so, o que se deve à constitucionalização deste, observou-se uma modificação gradativa
da mentalidade doutrinária sobre o tema. Se, inicialmente, acreditava-se no juiz como
o sujeito adequado a “liderar” a inquirição das testemunhas, permitindo-se-lhe inqui-
ri-las antes que a partes o fizessem e, sobretudo, intervindo diretamente na inquirição
por elas realizada, atualmente há tendência a se sustentar a tese oposta. Acreditam al-
guns, à luz da ideia do processo comparticipativo, que se deva romper com o dogma de
que o juiz seria o sujeito mais bem preparado para conduzir a instrução da causa. 91-92

89. Nesse sentido, vide Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, 16. ed., São Paulo: RT,
2013, p. 1.038.
90. Há, inclusive, quem afirme que a contraposição entre tais sistemas decorreria de uma visão
já superada no âmbito do direito comparado. Nesse sentido: Michele Taruffo. Il processo
civile di civil law e di common law: aspetti fondamentali. Sui confini. Scritti sulla giustizia
civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 67 e ss.
91. Cf., nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código
de Processo Civil, v. V, tomo II, São Paulo: RT, 2005, p. 559, Fredie Didier Jr.; Rafael Alexandria
de Oliveira; Paula Sarno Braga, Curso de Direito Processual Civil. v. 2. Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 252.
92. O mesmo se aplica à questão da decisão judicial, visto que já se superou a postura solip-
sista do juiz, que decide com base nos próprios preconceitos e em prévios conhecimentos
supostamente ilimitados sobre as questões de direito, sem levar em contra os argumentos
das partes. Sobre o tema, confiram-se: Gustavo de Castro Faria, O contraditório e a funda-
mentação das decisões judiciais sob o enfoque de uma teorização processual democrática.
In: João Antônio Lima Castro e Sérgio Henrique Zandona Freitas (coordenadores). Direito
processual: reflexões jurídicas. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Conti-
nuada, 2010, p. 175; Dierle José Coelho Nunes. Processo Jurisdicional Democrático; uma
análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 237-238.
Provas em Espécie 923

Especificamente no âmbito da prova testemunhal, há quem sustente, com base na


experiência dos ordenamentos de common law, que a preponderância da atividade das
partes na produção da prova seria o método mais adequado à busca da verdade e, tam-
bém, à preservação da imparcialidade do juiz. Isso se deve à crença de que o interroga-
tório direto e cruzado (direct e cross examination)93 otimiza o contraditório ao viabilizar
o exercício do poder argumentativo das partes.94 A arguição intermediada pelo juiz, ao
contrário, ocasionaria uma interferência indevida na arguição feita pelas partes. Trata-
-se, porém, de tendência ainda não pacificada, que gera muitos questionamentos.95 Do
mesmo modo, a precedência ou não da inquirição das testemunhas pelo juiz da causa
é matéria que suscita divergências, todas elas associadas à análise do papel do juiz na
instrução probatória nas diferentes culturas jurídicas.96
Entre nós, a tendência ao interrogatório direto se revelou, inicialmente, na doutrina
processual penal,97 tendo culminado, legislativamente, na reforma do Código de Processo
Penal pela Lei 11.690/2008. A partir de tal alteração, a legislação suprimiu a necessidade

93. V., no ordenamento norte-americano, a regra 611 das Federal Rules of Evidence.
94. Esse aspecto já era ressaltado por Mauro Cappelletti (La testimonianza della parte nel sistema
dell’oralità. Parte Seconda. Milano: Giuffrè, 1974, p. 472, nota de rodapé n. 4), que também
atentava para as desvantagens do interrogatório direto das testemunhas, sobretudo no que
concerne à discrepância de habilidade técnica dos advogados das partes.
95. Muitos ordenamentos de civil law ainda preveem a oitiva intermediada pelo juiz da causa.
Nesse sentido, há proibição expressa do interrogatório direto no art. 253 do codice de pro-
cedura civile italiano (v., porém, as notícias de projetos de reforma em sentido contrário em:
Riccardo Crevani, La prova testimoniale. In: Michele Taruffo (a cura di). La prova nel processo
civile. Milano: Giuffrè, 2012, p. 356, nota de rodapé n. 241. No direito francês, o juiz o
Código de Processo Civil confere ao juiz o protagonismo na inquirição das testemunhas,
impedindo que as partes a elas se dirijam diretamente (arts. 213 e 214 do Nouveau Code de
Procédure Civile). Na Argentina, cabe ao juiz, ou a quem o substitua legalmente, interrogar
livremente as testemunhas e intermediar as perguntas das partes, modificando-lhes a ordem
ou reformulando-as, sem lhes alterar o sentido; de acordo com a lei argentina, as perguntas
são apenas propostas pelas partes, mas é o juiz (ou substituto legal) quem as formula (art. 442
do CPC argentino). Diversamente, as legislações espanhola (art. 368 da L.E.C.) e portuguesa
(art. 516º do CPC de 2013) as testemunhas são interrogadas diretamente pelos advogados
das partes. Sobre o interrogatório cruzado no direito processual civil espanhol, cf. Montero
Aroca, La prueba en el processo civil. 4. ed. Navarra: Thomson-Civitas, 2005, p. 385-386.
96. A propósito, o princípio contido no item 16.4 dos Princípios de Processo Civil Transnacional
(ALI/UNIDROIT): “16.4 Eliciting testimony of parties, witnesses, and experts should proceed
as customary in the forum. A party should have the right to conduct supplemental questioning
directly to another party, witness, or expert who has first been questioned by the judge or by
another party.” [disponível em http://www.unidroit.org/english/principles/civilprocedure/
ali-unidroitprinciples-e.pdf, acesso em 12.04.2016].
97. Assim, antes mesmo da reforma implementada pela Lei 11.690/2008: “Há de ser repensada a
forma de inquirição das testemunhas, não havendo mais espaço, num processo penal inspirado
pelo espírito democrático, para o festejado e culturalmente enraizado sistema presidencial.
Nesse sentido, mais lógica apresenta-se a experiência ‘adversarial’ com as correções de rota
que a tornem mais adequada a um processo cooperatório desenvolvido por todos os sujeitos,
sem que ao juiz caiba, apenas, um imobilismo de todo inaceitável.” Marcos Alexandre Coelho
Zilli. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: RT, 2003, p. 189.
924 Manual de Direito Processual Civil

de as partes requererem ao juiz as perguntas formuladas (art. 212, do CPP, na redação ori-


ginária), para determinar que a inquirição seja feita diretamente pelos procuradores das
partes, ressalvadas as hipóteses de inadmissão pelo juiz (art. 212 do CPP, na redação dada
pela Lei 11.690/2008). Ainda, de acordo com o citado art. 212, caput e parágrafo único, do
Código de Processo Penal, a inquirição do juiz será sempre subsidiária e complementar à
das partes. Ressalte-se, todavia, que a alteração legislativa não teve o condão de obrigar o
juízes a modificar a prática do interrogatório indireto e, sequer, de reverter o protagonis-
mo judicial na colheita da prova, uma vez que os Tribunais Superiores reputam válidos
os depoimentos colhidos em contrariedade à lei, verificando-se nulidade apenas quan-
do, mediante oportuna arguição da parte, houver demonstração de prejuízo concreto.98
O art. 459 do CPC/2015 alterou a dinâmica da oitiva das testemunhas prevista no
CPC/73 (art. 452, III), ao estabelecer que “As perguntas serão formuladas pelas partes
diretamente à testemunha” (art. 459, caput, primeira parte, do CPC/2015), o que não
impede o controle do juiz sobre as perguntas que possam induzir a resposta, repetitivas
ou que se refiram a fato irrelevante (459, caput, parte final, do CPC/2015).
O caput do dispositivo enuncia, ainda, a regra geral de que as perguntas serão for-
muladas inicialmente pela parte que arrolou a testemunha e, na sequência, pela parte
contrária (459, caput, segunda parte, do CPC/2015). Somente no §1º é que se encontra a
ressalva de que o juiz poderá inquirir a testemunha tanto antes quanto depois da inqui-
rição das partes, o que dá a impressão de ser complementar e subsidiária essa arguição.
Nesse ponto, é de se destacar que a redação do art. 416 do CPC/73 sugeria justamente o
contrário; pelo caput da disposição revogada,99 era o juiz quem primeiramente interrogava
a testemunha e, na sequência, as partes (primeiro, a que arrolou a testemunha e, depois,
a parte contrária) esclareciam ou complementavam o depoimento colhido pelo juiz.
Diante disso, a opção do art. 459 do CPC/2015 é, claramente, pela adoção do sistema
de arguição direta de testemunha (direct examination), com protagonismo das partes em
detrimento do juiz. Tal, contudo, não acarreta a automática modificação de mentalida-
de dos profissionais do direito, uma vez que a forma de aplicação desses dispositivos é
que dirá se houve compatibilização entre a nova lei e a cultura jurídica vigente. Assim,
é bem possível que, como ocorreu no âmbito do processo penal, a prática judiciária seja
resistente à inovação100 e, nesse caso, muito provavelmente a jurisprudência só reputará
nula a prova produzida se houver prejuízo concreto a uma das partes.

98. Nessa linha: STF, HC 114512, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.09.2013, DJe-221 divulg
07.11.2013, public. 08.11.2013; STJ, HC 210.703/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., j.
20.10.2011, DJe 09.11.2011.
99. “O juiz interrogará a testemunha sobre os fatos articulados, cabendo, primeiro à parte, que a
arrolou, e depois à parte contrária, formular perguntas tendentes a esclarecer ou completar
o depoimento”.
100. Registre-se, no ponto, a contrariedade de parcela da doutrina relativamente à modificação,
já que, como assinalado, as vantagens do interrogatório direto não são ponto pacífico. V.,
no sentido da superioridade do sistema presidencial e da predominância do juiz: Marcelo
Abelha Rodrigues, In: Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. (coords.), Breves comentários ao
Provas em Espécie 925

Independentemente da forma como vier a ser colhido o depoimento, é de máxima


importância a documentação do que disse a testemunha, devendo o juiz, na medida do
possível, inclusive, aproveitar-se das suas próprias expressões, por haver uma maior
autenticidade.
É de se ressaltar que a crítica ao depoimento, na sentença, será mais proveitosa quan-
do for feita pelo próprio juiz que conduziu a inquirição e que, assim, terá sido aquele
que ditou o testemunho. Trata-se, entre nós, de aplicação do princípio da persuasão
racional (art. 371 do CPC/2015) e da máxima de que, obviamente, o juiz que conduz
a inquirição e percebe diretamente todos os aspectos do depoimento está mais apto a
formar convicção a propósito desta prova.
Princípio salutar de técnica de apreciação da prova testemunhal colhida será, em
caso de dúvida, dar-se crédito ao depoimento de quem seja mais idôneo, e, por isto, há
de ser tido como o verossímil.101
Por outro lado, além de assegurar que uma testemunha não ouça o depoimento das
outras (art. 456 do CPC/2015), cabe, ainda, ao juiz cuidar para que as testemunhas não
estejam presentes à audiência, enquanto estiver sendo ouvido o depoimento pessoal
das partes.

25.5.6. O sujeito da prova testemunhal

Pode testemunhar, de modo geral, quem não é legalmente incapaz, impedido ou


suspeito.
A testemunha deverá:
a) ter conhecimento próprio do fato, e mesmo as referidas (461, I, do CPC/2015) hão
de ter esse conhecimento direto e próprio do(s) fatos(s);
b) ser imparcial, no sentido de que deve dizer a verdade;

novo código de processo civil, op. cit., p. 1.061; André Vasconcelos Roque; José Aurélio de
Araujo et. al., A reforma do direito probatório no processo civil brasileiro – terceira parte.
Anteprojeto do Grupo de Pesquisa “Observatório das reformas processuais” da Faculdade
de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Revista de processo [Repro], v. 242,
abr-2015, p. 91-164. No direito estrangeiro, v. Xavier Abel Lluch, Iniciativa probatoria de
oficio do en el proceso civil. Barcelona: Bosch, 2005, p. 372-373.
01. Assim, a tese firmada pela Primeira Seção do STJ em sede de julgamento de recurso repetitivo:
1
“(...) Considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino,
o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre
parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é
mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemu-
nhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da
Súmula 149/STJ para os ‘boias-frias’, apontou diminuta prova material e assentou a produção
de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está
em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.” (STJ, 1ª
S., REsp 1321493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012).
926 Manual de Direito Processual Civil

c) ser capaz, isto é, ter aptidão, reconhecida pela lei, para que possa validamente
prestar testemunho;
d) não ser incompatível, isto é, incapaz, impedida ou suspeita (art. 447, §§ 1º, 2º e
3º, do CPC/2015). A incompatibilidade se estabelece tendo em vista a pessoa que se
pretende venha testemunhar e as partes da causa.
Excepcionalmente, o juiz poderá ouvir as pessoas a que se refere o art. 447 (que pos-
sui o mesmo conteúdo do art. 228 do Código Civil), “para a prova de fatos que só elas co-
nheçam” (art. 228, parágrafo único, do CC) ou quando for necessário. Cuida do tema o
art. 447, § 4º, do CPC/2015, prevendo que o juiz pode ouvir as testemunhas menores,
impedidas ou suspeitas, sem que prestem compromisso, e, ainda, valorará tais depoi-
mentos com a devida cautela.

25.6.7. Conceito de testemunha


Testemunha é a pessoa física, distinta das partes do processo, que, admitida pela lei,
vem informar o juiz – a pedido das partes e por determinação do juiz, ou só por ordem
deste – sobre os fatos suscetíveis de serem provados por esse tipo de prova; em regra,
admissível a prova por testemunhas (art. 442, 1ª frase, caput, do CPC/2015).
Só a pessoa física pode testemunhar, desde que não seja legalmente incapaz, impe-
dida ou suspeita (art. 447).102
É essencial que a testemunha seja rigorosamente estranha ao litígio, pois, conquanto
incline-se, em nome da verdade, para uma das partes, concorrendo assim para a vitória
dela, deverá fazê-lo, exclusivamente, porque entenda que os fatos efetivamente favore-
cem a essa parte e jamais por qualquer outro motivo.103
A testemunha “por ouvir dizer” (hearsay testimony) não deve, em princípio, ser ad-
mitida, pois nada mais fará senão repetir o que lhe disseram, visto não ter conhecimen-
to próprio dos fatos.104-105 Se, porém, for eventualmente admitida a depor, o valor do
depoimento será relativamente pequeno.106

102. RT 307/604.
103. Cf., a respeito, o acórdão do STF, 4.ª T., veiculado na RTJ 107/459; cf. também STJ, Corte
Especial, APn 431/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 17.06.2009, DJe 20.08.2009.
104. Cf., na jurisprudência: “A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe
per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o
norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule).
No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, "não se pode
tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer
o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em
conta." (Helio Tornaghi).” (STJ, 6ª T., REsp 1444372/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j.
16.02.2016, DJe 25.02.2016).
105. A propósito, diz Luigi Paolo Comoglio (Le prove civile. Terza edizione. Torino: Utet Giuridi-
ca, 2009, p. 572-572) em lição sobre o processo civil italiano que bem se aplica ao direito
pátrio, que a testemunha indireta deve ser excepcional; a regra é que a testemunha deponha
sobre fatos que presenciou e percebeu pelos próprios sentidos.
106. RT 304/759, 335/334 e 330/713; STJ, 5ª T., HC 62.908/SE, Rel. Min. LauritaVaz, j. 06.11.2007,
DJ 03.12.2007, p. 339.
Provas em Espécie 927

A prova testemunhal é um direito da parte e, desde que na hipótese se caracterize o


direito à ouvida de testemunhas, o juiz não poderá, sponte sua, dispensá-la.107
Existe a exceção do julgamento antecipado do mérito (arts. 355 do CPC/2015), que
leva legitimamente à não oitiva de testemunhas, quando, conforme já ressaltado, quer
porque a questão de mérito seja unicamente de direito, quer porque não seja necessá-
ria a produção de provas em audiência, o processo é extinto sem que haja audiência de
instrução e julgamento (art. 355, I e II). Aqui, pois, não se terão configurados os pres-
supostos em função dos quais haveria a prova testemunhal de ter sido admitida.
Se a prova é estritamente técnica, como já se asseverou, não há que se admitir a
testemunhal,108 ainda que o juiz possa, quando a natureza do fato o permitir, inquirir o
perito e os assistentes em audiência acerca das coisas que, informalmente, tenham sido
examinadas ou avaliadas (art. 464, §§ 2º e 3º, do CPC/2015). Aliás, neste sentido, é expres-
so o inciso II do art. 443: “O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos (...)
que só por documento ou prova pericial puderem ser provados”.109 A prova testemunhal
será inadequada (rectius, desnecessária), também, se já tiver havido confissão (art. 443, I).

25.5.8. A obrigação de testemunhar


Todas as pessoas maiores e capazes estão obrigadas a testemunhar sobre fatos de
que têm conhecimento, salvo se a revelação desses fatos implicar revelação de segredo
profissional, ou lhe causar grave dano pessoal, ou a pessoa de sua família (art. 448, in-
cisos I e II, do CPC/2015).
Já se decidiu, corretamente, que o segredo profissional limita-se ao que foi confiado
ao advogado pelo constituinte, nada obstando a que o advogado seja convocado a depor
sobre fatos que por outros meios tenham chegado ao seu conhecimento.110
Por outro lado, o juiz poderá indeferir pergunta formulada à testemunha, ou acatar
a escusa desta em responder à determinada questão, a fim de preservar a sua idoneida-
de profissional.111
Em princípio, não se afigura aconselhável substituir a prova testemunhal por de-
clarações escritas de quem deveria testemunhar, pois isto afetaria os princípio da ora-

107. RTJ 49/205.


108. RT 293/175; STJ, REsp 67.024/SP, 6.ª T., j. 06.10.1997, rel. Min. Vicente Leal, DJ 03.11.1997,
p. 56379, REPDJ 15.12.1997, p. 66.575.
109. V. RT 594/145. A contrario sensu, inexistindo tal exceção, a prova testemunhal deve ser ad-
mitida: STJ, REsp 146.478/PR, 2.ª T., j. 10.10.2000, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 05.02.2001,
p. 85.
110. Revista de Processo (RePro) 33/295, em. 73; STJ, Corte Especial, AgRg na APn 206/RJ, j.
10.04.2003, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 04.08.2003, p. 202; STJ, RMS 32338, decisão
monocrática, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 28.02.2011.
111. RJTJSP 39/165. Veja-se, ainda: “É possível a um contador prestar esclarecimentos sobre o
método de realização de uma auditoria específica e o porquê das conclusões a que chegou,
sem que adentre a questões interna corporis da empresa auditada.” (STJ, 5ª T., RMS 17.783/
SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 06.04.2004, DJ 31.05.2004, p. 331).
928 Manual de Direito Processual Civil

lidade e imediação do juiz, ínsitos no Código vigente e que se concretizam justamente


na audiência de instrução e julgamento (art. 361 do CPC/2015), bem como o próprio
controle pelo adversário, realizado por seu advogado.
O testemunho é prova oral, por excelência. Na formação da prova testemunhal, as
partes e o juiz concorrem em contraditório, e a forma oral e presencial que regula sua
atividade repercute diretamente no resultado do depoimento. Esse tipo de contraditório
não se assemelha àquele que incide sobre o depoimento escrito, previamente formulado
na ausência do juiz e, quiçá, das partes e procuradores. Sobre este depoimento escrito,
que é prova pré-constituída, o debate incide a posteriori, na interpretação do conteúdo
das declarações do depoente e não na formação deste conteúdo.
Tal circunstância levou muitos doutrinadores a considerarem o depoimento escrito
como inadmissível, 112 ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, como
é o caso do art. 384 do CPC/2015 que, também de acordo com parcela da doutrina, de-
veria ser utilizado de forma subsidiária à prova testemunhal e com muitas ressalvas
quanto à valoração.113
O que se diz do depoimento escrito é que seria uma prova anômala, por se tratar de
meio prova típico (testemunhal) produzido sob o procedimento de outro meio de prova,
igualmente típico (documental).114 Entretanto, como noticia a doutrina, tal “anomalia”
não tem servido de óbice absoluto à utilização desse tipo de prova.115

112. Giuseppe Tarzia, Problemi del contraddittorio nell’istruzione, Rivista de diritto processuale.
Ano XXXIX, 1984, p. 641. Como já registrava, entre nós e à luz do CPC/73, Moacyr Amaral
Santos (Prova judiciária no cível e comercial, 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1970. v. III.
p. 532): “Impondo o Código a oralidade do depoimento, fica, consequentemente, vedado
à testemunha trazer o depoimento escrito. Tal qual o regime geralmente adotado pelas
legislações estrangeiras e sempre seguido no direito brasileiro. Não será preciso dizer que
o depoimento escrito desnatura o caráter da prova testemunhal, que tem na originalidade
das declarações a sua maior eficácia. Ora, não poderia esta originalidade ser apurada se a
testemunha se limitasse a ler declarações previamente escritas. Ficar-se-ia, com a aceitação
da leitura do depoimento escrito, sem meios de se indagar se este constituiria o real conhe-
cimento da testemunha quanto aos fatos informados, ou se constituiria fruto de sugestão
de terceiros ou mesmo obra de má-fé a serviço de interessados. Por outro lado, as partes se
tornariam cerceadas de inquirir a testemunha e desta obter subsídios preciosos à elucidação
do fato e suas circunstâncias”.
113. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, v. III: Parte Especial – procedimento comum (da
demanda à coisa julgada). p. 494; Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero, Curso de Processo Civil. v. II: Tutela dos direitos mediante procedimento comum.
São Paulo: RT, 2015, p. 390.
114. Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, Provas atípicas e provas anômalas: inadmissibilidade
da substituição da prova testemunhal pela juntada de declarações escritas de quem poderia
ser testemunha. In: Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide Moares (orgs.), Escritos em ho-
menagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 341-352.
115. Para uma visão crítica desse posicionamento, v. Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional
e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os processos civil e penal. Tese de
doutorado. Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 205
e ss.
Provas em Espécie 929

Há uma tendência jurisprudencial forte no sentido da impossibilidade de se inva-


lidar prova testemunhal produzida documentalmente. 116 Prevalece, atualmente, o en-
tendimento de que a nulidade só se configurará se houver grave cerceamento ao contra-
ditório, como ocorreria em casos de introdução intempestiva e maliciosa da declaração
escrita para surpreender a parte adversa. Ainda assim, é preciso ter presente que tais
declarações não se podem destinar a substituir a prova testemunhal, mormente quan-
do uma das partes pretende a arguição oral da testemunha.117
Não se poderá, todavia, atribuir ao depoimento escrito de testemunha o mesmo va-
lor de prova testemunhal produzida em audiência.118
Importante registrar, contudo, a tendência dos ordenamentos estrangeiros a admitir
as declarações escritas de testemunhas como prova, de forma preparatória ou substi-
tutiva ao testemunho oral. Nesse sentido, as attestations francesas já são conhecidas de
longa data, inicialmente sem previsão legal e, a partir do 1975, com previsão expressa
nos arts. 200a 203 do Code de Procédure Civile.119
Mesmo na Inglaterra, em que a tradição pela oralidade sempre vigorou, as declara-
ções escritas de testemunhas antecedem a instrução probatória desde o século passa-
do. Tais declarações têm o objetivo de antecipar o que será dito em juízo e, com isso,
abreviar o trial. Eventualmente, tais declarações podem acarretar a desnecessidade da
colheita do testemunho durante o trial. 120
No direito português, há, no CPC vigente (art. 517º do CPC de 2013), como já ha-
via, no CPC revogado (art. 639º), previsão das declarações escritas de testemunhas121

116. Cf.: TJPR, 15ª Câm. Cív., Apel. 860739-0, Rel. Des. Jucimar Novochadlo, j. 22.8.2012; TRF-3ª
Região, 8ª T., Apel. 00097738920014039999, Rel. Des. Federal Marianina Galante, e-DJF3
9.12.2010; TRF-3ª Região, 10ª T., Apel. 00452667820114039999, Des. Sérgio Nascimento,
e-DJF3 18.4.2012.
117. De acordo: Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque
comparativo entre os processos civil e penal, op. cit., p. 204. Na jurisprudência: “(...) A
juntada de declaração de testemunha, por escrito, mesmo que autenticada por Tabelião,
não tem força idêntica à prova testemunhal produzida em audiência, sob o crivo do contra-
ditório. (...) Existindo relevante matéria de fato, torna-se inafastável a realização de prova
oral, imprescindível para a plena constatação do direito do postulante. A sua não realização
implica violação ao princípio constitucional da ampla defesa e do devido processo legal.”
(TRF-3ª Região, 8ª T., AI 00823030820074030000, Rel. Des. Federal Newton de Lucca,
e-DJF3:27.7.2010).
118. A corroborar o que se afirma, o art. 408, caput e parágrafo único, do CPC/2015 dispõe,
de forma análoga ao que se previa no art. 368, caput e parágrafo único, do CPC/73, sobre
limitada eficácia das declarações escritas por testemunhas.
119. Cf., sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira, Correntes e contracorrentes no processo
civil brasileiro. Revista de Processo, v. 116, jul-ago 2004, p. 313-324.
120. José Carlos Barbosa Moreira, Correntes e contracorrentes no processo civil brasileiro. op.
cit., p. 313-324.
121. André Vasconcelos Roque; José Aurelio de Araujo et. al. A reforma do direito probatório no
processo civil brasileiro – terceira parte. Anteprojeto do Grupo de pesquisa “Observatório das
930 Manual de Direito Processual Civil

mediante acordo das partes, nos casos em que a testemunha esteja impossibilitada ou
apresente grave dificuldade de comparecer ao tribunal.
No direito italiano, uma reforma de 2009 (Lei nº 69 de 2009), introduziu a possi-
bilidade de testemunho escrito no processo civil (arts. 257-bis do Codice di Procedura
Civile e art. 103-bis das disposizioni per l’attuazione del Codice di Procedura Civile). Para
tanto, exigem-se determinados requisitos, sendo o principal deles o acordo entre as par-
tes, levando-se, ainda, em consideração, a natureza da causa e outras circunstâncias.122
Há quem sustente, na doutrina brasileira, as vantagens do depoimento escrito,123 ao
argumento de que, sendo o ponto a ser esclarecido de menor importância e complexi-
dade, e verificada a possibilidade de as partes formularem questionamentos escritos à
testemunha, não haveria óbice a essa prática. Por outro lado, se deveria facultar à parte
interessada requerer, ou ao juízo determinar, a colheita do depoimento oral sempre que
necessário para esclarecer alguma questão ou ampliar o contraditório. Ressalva-se, ain-
da, a necessidade de analisar a declaração escrita com cautela, tendo em vista o modo
pelo qual é produzida esta prova.
Como se assinalou precedentemente, tal parece ser a orientação da jurisprudência
pátria e, conquanto o CPC/2015 não tenha determinado expressamente a possibilida-
de de substituição da oitiva de testemunha por declarações escritas, é provável que esta
venha a ser admitida, com base no mesmo raciocínio, sobretudo quando houver acor-
do entre as partes.124
De qualquer modo, sendo a prova testemunhal produzida de forma regular e oral –
como, aliás, é da essência deste meio de prova –, deverá o testemunho ser prestado em
audiência, na sede do juízo em que tramita a ação. Os arts. 453, I e II, 454 e 449, pará-
grafo único, do CPC/2015 estabelecem algumas exceções, isto é, a testemunha, pelas

Reformas Processuais” Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


Revista de Processo, v. 242, abr. 2015, p. 91-164.
122. “Essa possibilidade, entretanto, está na dependência de vários pressupostos, sendo o primeiro
deles o acordo das partes. Por isso, a modificação não parece ter arrefecido discussões sobre
a prova anomalamente produzida, quando não haja enquadramento perfeito aos requisitos
da declaração escrita tipicizada recentemente. E, mesmo quanto a esta, são inúmeras as
conjecturas acerca da eficácia e valor probatórios, mormente porque a presunção legislativa
parte do sacrifício – claramente assumido pelo legislador – do contraditório com a finali-
dade de obter de forma mais célere uma definição sobre os fatos” (Clarissa Diniz Guedes.
Persuasão racional e limitações probatórias, op. cit.,. Cf., ainda: Ricardo Crevani,. Le prove
orali. In: Michele Taruffo (a cura di). La prova nel processo civile. Milano: Giuffrè, 2012,
p. 363 e ss; Luigi Paolo Comoglio. Le prove civili, op. cit., p. 581 e ss.
123. André Vasconcelos Roque et. al., A reforma do direito probatório no processo civil brasileiro
– terceira parte. Anteprojeto do Grupo de Pesquisa “Observatório das reformas processuais”
da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Revista de Processo
[Repro], v. 242, abr. 2015, p. 91-164; Alexandre Miura Iura, Oralidade e escrita no processo
civil. Dissertação de mestrado. Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. Universidade de São
Paulo, 2012, p. 111 e ss.
124. Importante lembrar que a regra do art. 190 do CPC/2015 pode, com algumas limitações,
vir a ser aplicada com o propósito mencionado no tema.
Provas em Espécie 931

circunstâncias, prestará depoimento fora da audiência, e tais serão: a) as que prestam


depoimento antecipadamente (art. 453, I, do CPC/2015); b) as que são inquiridas por
carta (453, II, do CPC/2015); c) as designadas no art. 454 do CPC/2015 (Presidente e
Vice-Presidente da República, Ministros etc.) e d) as que, por doença, ou outro moti-
vo relevante, estão impedidas de comparecer em juízo (art. 449, parágrafo único, do
CPC/2015).
Essas exceções devem ser entendidas apenas no sentido de que tais provas não se
realizam na audiência, mas não necessariamente que a sua colheita será feita por outro
juiz que não aquele que vai julgar a causa, salvo se esta tiver de ser realizada em outra
comarca.
Atento à evolução tecnológica, aos fatores que dificultam o deslocamento de teste-
munhas e aos inconvenientes da oitiva por carta precatória (prejuízo da identidade físi-
ca do juiz, demora na expedição e cumprimento da carta etc.), dispõe o § 1º do art. 453
do CPC/2015 que “A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção
judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de vi-
deoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e ima-
gens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução
e julgamento”. Já o § 2.º preceitua que “Os juízos deverão manter equipamento para a
transmissão e recepção dos sons e imagens a que se refere o § 1º”.

25.5.9. Quem pode ser testemunha


Do exposto anteriormente, concluímos que, em regra, pode ser testemunha toda
pessoa física que não seja suspeita, impedida ou incapaz, conforme o disposto no
art. 447 do CPC/2015 e seus parágrafos. A incapacidade da testemunha está prevista
tanto no CPC/2015, como também no CC/2002, em seu art. 228. Entretanto, é neces-
sária uma contextualização das disposições legais que se sucederam, até a atual com-
posição normativa.
O CPC/1973, em seu art. 405, § 1º, previa que eram incapazes para testemunhar:
“I – o interdito por demência; II – o que, acometido por enfermidade, ou debilidade
mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em
que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III – o menor de dezes-
seis (16) anos; IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos
que lhes faltam.”
Posteriormente, o CC/2002, de forma relativamente compatível ao previsto no
CPC/1973,125 veio a dispor sobre a produção da prova testemunhal, não admitindo como

125. Embora haja compatibilidade, não se pode negar que há diferenças entre as disposições.
Veja-se que, o CPC/1973 se refere ao acometido por enfermidade, ou debilidade mental
que, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve
depor, não está habilitado a transmitir as percepções; o CC/2002, por sua vez, considerava
incapazes para testemunhar os que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem
o discernimento para a prática dos atos da vida civil. Assim, enquanto o CPC/1973 optou por
932 Manual de Direito Processual Civil

testemunhas: “I – os menores de 16 anos; II – aqueles que, por enfermidade ou retarda-


mento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III – os
cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que
lhes faltam; IV – interessado no litígio, o amigo íntimo ou inimigo capital das partes;
V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de
uma das partes, por consanguinidade, ou afinidade” (vale lembrarmos que os incisos
VI e V são hipóteses de suspeição e impedimento, que serão tratadas posteriormente).
Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) revogou expres-
samente, a partir de sua vigência (janeiro de 2016), os incisos II e III do mencionado
art. 228 do CC/2002, por previsão expressa do seu art. 123. Diante disso, a partir da sua
vigência, passaram a poder ser admitidos como testemunha os que, por “enfermidade”
ou “retardo mental”, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil e os
cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar depender dos sentidos que
lhes faltam. Ademais, foi incluído o § 2º no art. 228 do CC/2002, não deixando dúvidas
de que: “a pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com
as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva”.
Assim, é possível admitir que, após a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiên-
cia, a mera ausência de discernimento para a prática dos atos da vida civil não impedi-
ria que os deficientes com “enfermidade” ou “retardamento mental” fossem ouvidos
como testemunhas. Trata-se de uma tendência de diversos ordenamentos jurídicos de
restringir o menos possível a capacidade, partindo-se da premissa de que qualquer pes-
soa (sem interesse na lide) pode servir como testemunha, atribuindo ao juiz a tarefa de
valorar os testemunhos quando do julgamento da causa.126 O objetivo legal, no entan-
to, não está imune a críticas, questionando Rosa Maria Nery, por exemplo, sobre os ris-
cos de cominação da pena de falso testemunho ao deficiente intelectual, visto que este
será regularmente compromissado,127não havendo uma previsão legal que o dispense
da formalidade, como ocorre com as testemunhas menores de 16 anos, as impedidas e
as suspeitas (art. 447, § 5º do CPC/2015), segundo a autora, a restrição anteriormente
existente não tinha um conteúdo discriminatório: ao contrário, diz que “as prescrições
tinham natureza protetiva daquele a quem não se poderia imputar a prática do crime de
falso testemunho, porque – no caso – o juiz não tomaria o depoimento sob compromis-

indicar os critérios específicos, o CC/2002, utilizou-se da capacidade civil (discernimento


para a prática dos atos da vida civil) como critério para exclusão.
126. Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista Pinto, Estatuto da Pes-
soa Com Deficiência Comentado Artigo por Artigo, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 314.
Indicam os autores que “preocupou-se a Norma Estatutária em sublinhar que uma pessoa
humana não pode ser reputada imprestável a servir como testemunha por conta de even-
tual deficiência – física, mental ou intelectual.” (p. 315); V. também: Marcelo Zarif Cintra,
Prova Testemunhal, Contradita, Acareação e Testemunha Referida, Doutrinas Essenciais do
Processo, v. 4, p. 389, Out/2011, DTR\2012\45001.
127. Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de Direito Civil: v. V: família, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 434.
Provas em Espécie 933

so, porque – nessas condições especialíssimas – a pessoa não poderia ser considerada
testemunha, mas informante.”128-129
No entanto o CPC/2015, com início de vigência posterior ao Estatuto da Pessoa
com Deficiência, isto é, março de 2016, dispôs especificamente sobre a capacidade das
testemunhas. Prevê o § 1º do art. 447 do CPC/2015 que são incapazes para depor como
testemunhas: ”I – o interdito por enfermidade ou deficiência mental; II – o que, acome-
tido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos,
não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmi-
tir as percepções; III – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos; IV – o cego e o surdo,
quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam”. 130-131
Percebe-se, portanto, que as duas hipóteses de incapacidades retiradas do ordena-
mento jurídico pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência pelo seu art. 114 (que dispõe
sobre a revogação dos incisos II a III do CC/2002), voltaram a existir com a vigência do
CPC/2015, agora previstas nos incisos II a IV do § 1º do seu art. 447, com pequenas al-
terações. As duas normas, aprovadas sancionadas praticamente com 4 meses de diferen-
ça (CPC/2015 em 16.03.2015 e o Estatuto da Pessoa Com Deficiência em 06.07.2015),
não são harmônicas, tendo diversos pontos conflitantes. O legislador, ao as aprovar,
não se preocupou em prever dispositivos que fossem compatíveis, havendo diversas
contradições em vários temas,132 como o da capacidade da pessoa de ser testemunha.
Enquanto o Estatuto visou a maior amplitude possível da capacidade para ser testemu-
nha, o CPC/2015 previu normas consideravelmente restritivas.

128. Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de Direito Civil: v. V: família, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 434.
129. Importante o destaque, no entanto, de que o CPC/1973 não admitia a oitiva das testemunhas
incapazes, mesmo que necessário, referindo-se o art. 405, § 4º apenas à possibilidade de
oitiva, sem compromisso legal, das testemunhas suspeitas e impedidas. O CPC/2015, por
sua vez, manteve a possibilidade incluindo apenas a possibilidade de prestarem depoimen-
tos as testemunhas menores de 16 anos (art.447, §§ 4º e 5º do CPC/2015), sem se referir às
testemunhas incapazes. A possibilidade, no entanto, constava do art. 228, § 1º do CC/2002.
130. Em comparação com o CPC/1973 apenas houve a substituição dos termos: “demência” por
“enfermidade ou deficiência mental”; “debilidade mental” por “retardamento mental” e “o
menor” por “o que tiver menos”
131. Também necessária a ressalva de que eventual para eventual aplicação da pena de falso
testemunho deve ser considerada a capacidade cognitiva do deficiente, especialmente no
que tange seu entendimento sobre o caráter ilícito do fato, podendo inclusive ser conside-
rado como inimputável, nos termos do art. 26 do Código Penal, hipótese em que não estará
sujeito à pena.
132. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Maria Ligia Coelho Mathias, Repercussão do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), Nas Legislações Civil e Processual
Civil, Revista de Direito Privado, v. 66/2016, DTR\2016\4447 p. 57-82; Diogo Esteves, Elisa
Costa Cruz e Franklyn Roger Alves Silva, As Consequências Materiais e Processuais da Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e o Papel da Defensoria Pública na Assis-
tência Jurídica das Pessoas com Deficiência, Revista de Processo, v. 258/2016, p. 281-314,
Ago/2016, DTR\2016\22285. Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de Direito Civil: v.
V: família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 436-444.
934 Manual de Direito Processual Civil

Ademais, a adoção de uma vacatio legis mais extensa para o CPC/2015 acabou fa-
zendo com que a norma posteriormente aprovada e sancionada (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) entrasse em vigor antes do CPC/2015. Considerando as disposições que
regulam a revogação tácita (§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro – Decreto-lei 4.657/1942133), o CPC/2015, por ter entrado em vigor poste-
riormente, é norma posterior, revogando tacitamente todas as normas anteriores que
o disponham de forma diversa.134-135 Parece-nos que a conclusão mais correta, para o
caso das testemunhas, é a de que estão vigentes as disposições do CPC/2015. Passemos
à análise das hipóteses do art. 447, § 1º do CPC/2015.
É considerado incapaz para prestar testemunho “o interdito por enfermidade ou
deficiência mental” (art. 447, § 1º, I,). Trata-se de uma vedação genérica, objetiva e ab-
soluta, bastando a existência de uma sentença de interdição por enfermidade ou defi-
ciência mental para que o inciso incida. Entretanto, há consideráveis indícios de que a
norma perdeu a potencialidade de preenchimento fático da sua hipótese de incidência
em razão das disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência, especialmente as re-
lacionadas à curatela.
Ocorre que o Estatuto retirou do rol dos absolutamente incapazes os que, por en-
fermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prá-
tica dos atos da vida civil e, ainda, do rol de relativamente incapazes, os excepcionais
sem desenvolvimento mental completo. A partir de então, a eventual prática dos atos
da vida civil destes indivíduos passou a ser regulada pelo Estatuto da Pessoa com Defi-

133. Redação dada pela Lei 12.376, de 2010.


134. No sentido de que a vigência deve ser considerada para fins da anterioridade vide: Maria
Helena Diniz, Conflito de Normas. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 46. O Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo também já decidiu em determinada circunstância que o
CPC/2015 é posterior ao Estatuto da Pessoa Com Deficiência, devendo prevalecer. (TJ/SP,
Agravo de Instrumento nº 2087238-67.2012.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Privado, j.
07.08.2016, des. Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, DJe 07.08.2016.).
135. Em sentido contrário, admitindo que a data de publicação é a que importa para fins de ser
considerada posterior a norma vide: Serpa Lopes, Comentários à Lei de Introdução ao Código
Civil, v. I, 2. ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Freitas Bastos, 1959, n. 19 p. 40, citado por Rosa
Maria de Andrade Nery, que também tem o mesmo entendimento (Instituições de Direito
Civil: v. V: família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 436). Partindo-se do
pressuposto de que o Estatuto da Pessoa Com Deficiência é posterior, posicionam-se pela
prevalência de suas normas Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha, Ronaldo
Batista Pinto, ao afirmarem que “trilhando as pegadas da revogação expressa do art. 228
do Estatuto Civil, infere-se, com convicção e tranquilidade, que o Estatuto da Pessoa Com
Deficiência revogou, tacitamente, os incisos I, II, e IV do § 1º do art. 447 do novo Código
de Processo Civil de 2015, por conta da absoluta incompatibilidade entre a norma antece-
dente e a subsequente – conforme preconiza a técnica do art. 2º da Lei de Introdução às
Normas de Direito Brasileiro. (Estatuto da Pessoa Com Deficiência Comentado Artigo por
Artigo, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 315), Igualmente entendendo como revogados os
dispositivos do CPC/2015: Adolfo Mamoru Nishiyama, Roberda Cristina Paganini Toledo, O
Estatuto da Pessoa com Deficiência: Reflexos sobre a Capacidade Civil, Revista dos Tribunais,
v. 974/2016, p. 35-62. Dez/2016 DTR\2016\24514, p. 15.
Provas em Espécie 935

ciência, que prevê como regra a plena possibilidade de realização dos atos e, excepcio-
nalmente, a possibilidade de restrição da pratica dos atos patrimoniais, ou de apenas
alguns atos, por meio da curatela (art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), nos
termos definidos na sentença.
Diante disso, há parte da doutrina se posicionando no sentido de que inexiste mais
no direito brasileiro a hipótese de interdição nos casos de deficiência intelectual ou
mental.136 Ocorre que, como se sabe, a interdição tem por finalidade vedar o exercício
dos direitos ou, como o próprio nome sugere, a “interdição de direitos”, sendo equipa-
rada por muitos como a “morte civil” da pessoa, o que não estaria de acordo com os ob-
jetivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em decorrência disso, não se teria mais
a ação de interdição dos deficientes mentais e intelectuais e sim uma ação específica
destinada a estabelecer os limites da curatela (que seguirá, porém, o rito da interdição
sem ser denominada como tal). Neste sentido, ademais, o Estatuto havia alterado al-
guns dispositivos do CC/2002, adequando a redação. É o que ocorreu com art. 1.768,
que teve sua redação alterada de: “A interdição deve ser promovida” para “O processo
que define os termos da curatela deve ser promovido” e do art. 1.769 de “O Ministério
Público só promoverá interdição:” para “O Ministério Público somente promoverá o
processo que define os termos da curatela”. Os dispositivos, no entanto, apenas vigi-
ram de janeiro de 2016 a março de 2016, quando o CPC/2015 revogou expressamente
os artigos do CC/2002 que tratavam do tema, vindo a disciplinar a matéria nos proce-
dimentos de jurisdição voluntária.
O tema, no entanto, ainda não é pacífico, havendo posicionamentos em sentidos
diversos admitindo a manutenção no ordenamento jurídico do procedimento de inter-
dição para a definição da curatela dos deficientes mentais e intelectuais.137-138 Admitin-

136. Fernando da Fonseca Gajardoni, Comentário ao art. 747, in: Fernando da Fonseca Gajar-
doni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte, Processo de Conhecimento
e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2016.
p. 1.291; Antonio Lago Júnior e Amanda Souza Barbosa, Primeiras Análises Sobre o Sistema
de (In)capacidades, Interdição e Curatela Pós Estatuto da Pessoa com Deficiência e Código
de Processo Civil de 2015, Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8/2016, p. 49-89,
jul-set/2016, p. 5 do artigo.
137. Diogo Esteves, Elisa Costa Cruz e Franklyn Roger Alves, posicionam-se no sentido de que,
na realidade, deve-se realizar uma nova contextualização da interdição, deixando esta de
ser encarada como um procedimento destinado à decretação da “morte civil” da pessoa.
Para os autores subsiste a interdição para os deficientes intelectuais e mentais, tendo esta
uma perspectiva distinta (As Consequências Materiais e Processuais da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência e o Papel da Defensoria Pública na Assistência Jurídica
das Pessoas com Deficiência, Revista de Processo, v. 258/2016, p. 281-314, ago/2016, p. 12
do artigo). Em sentido parecido: Luiz Alberto David Araújo, e Waldir Macieira da Costa Filho,
Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPCD (Lei 13.146 de 06.07.2015): Algumas novidades.
Revista dos Tribunais, v. 962/2015, p. 65-80, dez/2015, p. 06-07 do artigo.
138. Fernando da Fonseca Gajardoni entende que: “A melhor resposta parece ser aquela que
busque conciliar as disposições conflitantes no tempo e à luz do principal propósito do
Estatuto da Pessoa com Deficiência: considerar o deficiente capaz e, apenas excepcio-
nalmente, exigir assistência para questões patrimoniais e negociais (curatela e tomada de
936 Manual de Direito Processual Civil

do este posicionamento, seria possível concluir que a vedação genérica do inciso I se


mantém hígida, sendo incapazes genericamente para testemunhar os que se encontrem
nestas circunstâncias. Entendemos que esta conclusão não se mostra a mais correta, no
entanto, considerando a imprecisão da legislação ordinária, parece-nos que uma con-
clusão efetiva dependerá de um amadurecimento dos posicionamentos da doutrina e
da jurisprudência sobre a situação jurídica.139
Partindo-se do pressuposto de que não é mais possível falarmos em interdição (ao
menos com a sua conotação técnica e histórica), não nos parece que seria possível/ade-
quada a incidência do inciso I, § 1º do art. 447 do CPC/2015, com a consequente in-
capacidade genérica e absoluta dos interditos para testemunhar. A interdição, a partir
das novas disposições, restaria restrita às hipóteses de incapacidade relativa previstas
no CC/2002, ou seja: os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que por causa
transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos (art. 4º, II
a IV do CC/2002). Estas hipóteses, no entanto, não implicam na incapacidade de tes-
temunhar, visto que ausente a segunda parte da hipótese de incidência do inciso I, ou
seja, os interditos “por enfermidade ou deficiência mental”.
Entendemos, ademais, que a ausência do suporte fático do inciso I não trará grandes
prejuízos para o sistema processual. Ocorre que os demais critérios subjetivos dos inci-
sos II e IV, parecem ser suficientemente adequados para que não seja realizada a oitiva
de testemunha que não terá condições de contribuir com a solução da lide, seja porque
não tem discernimento adequado, seja porque não tem condições de transmitir as suas
percepções (ainda que com toda tecnologia assistiva), ou ainda, porque não poderia
contribuir com a solução por lhe faltar os sentidos necessários para a percepção do que
se necessita. Este preceito, ademais, não colidiria totalmente com a ideia de maior in-
clusão social e de pleno exercício da cidadania.
Neste sentido, os deficientes devem ser considerados capazes para testemunhar
em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhes assegurados todos os
recursos de tecnologia assistiva (art. 228, § 2º do CC/2002), salvo: a) se a deficiência
implicar em uma impossibilidade efetiva do mencionado testemunho, o que ocorreria

decisão apoiada). De modo que, não sendo possível a conciliação entre as disposições
alteradas e, logo após, revogadas, prevalecerá o regramento posteriormente aprovado (Lei nº
13.146/2015), ainda que de vigência anterior ao CPC/2015. Em outros termos, se possível a
compatibilização normativa à luz dos propósitos retro estabelecidos excelente; do contrario,
valem as disposições do CC, com a redação da Lei nº 13.146/2015, e não a revogação destes
pelo CPC/2015 (art. 1.072, II)”.(Fernando da Fonseca Gajardoni, Comentário ao art. 747, in:
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte,
Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São
Paulo: Forense, 2016. p. 1.294.)
39. Alexandre Freitas Câmara, por exemplo, indica que o interdito por enfermidade ou deficiên-
1
cia mental, não poderia ser testemunha ante a “óbvia impossibilidade que teria um doente
mental de trazer esclarecimentos ao juízo acerca de fatos relevantes” (O Novo Processo
Civil Brasileiro, 2. ed. revisada e atualizada de acordo com a Lei 13.256/2016, São Paulo,:
Atlas, 2016. p. 254)
Provas em Espécie 937

quando a deficiência mental ou intelectual gerar uma incapacidade de discernimento


dos fatos ou de transmissão das suas percepções (art. 447, § 1º, II, do CPC/2015), ou:
b) no caso do cego e do surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes
faltam (art. 447, § 1º, IV, CPC/2015), evidentemente se os demais sentidos não pude-
rem suprir a ausência do faltante. Desta forma, a capacidade da testemunha dependerá
de uma efetiva análise do juiz da causa sobre a sua possibilidade de prestar depoimento
de forma contributiva à resolução da lide.
De nada adiantaria, afinal, a oitiva do deficiente se o seu depoimento não puder con-
tribuir com elementos para a efetiva solução da lide, sendo sua realização contrária aos
princípios da celeridade e economia processual. Não se pode esquecer que a prática de
qualquer ato processual deve sempre ter como finalidade a obtenção de um proveito útil
para o processo. Por outro lado, também entendemos que não seria adequada a simples
presunção de incapacidade da testemunha em razão da sua condição de deficiente, vis-
to que esta, por si só, não obsta a contribuição com a justiça.140
Havendo eventualmente dúvidas acerca da presença ou não do discernimento su-
ficiente, ou da possibilidade de contribuição da testemunha, diante do novo espírito
da legislação específica, e do regramento vigente, parece-nos que o deficiente intelec-
tual ou mental, bem como o que não possui algum dos sentidos previstos pela lei, de-
verá ser ouvido, sendo, no entanto, o valor do testemunho sopesado no momento do
julgamento do mérito, em conformidade com o discernimento da testemunha a forma
como foram transmitidas suas percepções. Afinal, os critérios dos incisos II e IV do § 1º
do art. 447, exigem uma análise fática da circunstância, especialmente em relação aos
termos “não podia discerni-los”, “não está habilitado a transmitir percepções” ou “de-
pender dos sentidos que lhes faltam”.
No que diz respeito ao depoimento do menor de 16 anos, este é vedado pela legis-
lação processual civil (art. 447, § 1º, III do CPC/2015), sendo este considerado incapaz
para a finalidade específica. Entretanto, o testemunho será possível caso haja neces-
sidade, se houver a dificuldade de produção de outra prova que supra a sua ausência
(art. 447, §4º do CPC/2015). Isto ocorre pois o menor de 16 anos pode vir a ter discer-
nimento sobre os fatos que percebeu pelos próprios sentidos. Todavia, ao se deferir a
oitiva de testemunha menor de 16 anos, deverá o juiz tomar o cuidado de não expô-la
desnecessariamente a desgastes psíquicos, bem como analisar com a devida cautela a
credibilidade do depoimento, de acordo a idade e o grau de discernimento da teste-
munha.141 O depoimento do menor, no entanto, será prestado independentemente de

140. É o que apontam Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista
Pinto, ao concluírem que: “Uma pessoa com Síndrome de Down ou um surdo-mudo,
efetivamente, podem ser excelentes testemunhas para auxiliar o magistrado a reconstituir
os fatos debatidos em juízo.” (Estatuto da Pessoa Com Deficiência Comentado Artigo por
Artigo, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 315.)
141. A propósito do depoimento do menor, é preciso levar em conta a Recomendação nº 3, de 23
de novembro de 2010, do CNJ, aplicável sobretudo às medidas socioeducativas reguladas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas cujos critérios (v.g. estágio de desenvolvi-
938 Manual de Direito Processual Civil

qualquer compromisso, devendo o juiz atribuir-lhe o valor que possa merecer (art. 447,
§ 5º do CPC/2015).
O art. 447, § 2º, do CPC/2015 considera impedidos para depor: “I – o cônjuge, o
companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o ter-
ceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir
o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder
obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito”.
Não se tratando de questão de família ou quando o exigir o interesse público, o cônju-
ge, o companheiro, os descendentes e os ascendentes não poderão depor, porque im-
pedidos (art. 447, § 2º, I).
No inciso II do § 2º do mesmo artigo (447), a lei considera impedido de depor aque-
le que é parte. Desnecessária seria a referência da lei, pois o seu depoimento só deverá
ser colhido como depoimento pessoal, e não como prova testemunhal.
Finalmente, o inciso III do § 2º do art. 447 enumera como impedidos: o que inter-
vém em nome de uma das partes, como o tutor na causa do menor; o representante legal
da pessoa jurídica, quando esta for parte; o juiz, o advogado142 e outros que assistam ou
mesmo tenham assistido a qualquer das partes. Relativamente ao juiz, caso tenha co-
nhecimento de fatos que possam influir na decisão da causa e se tiver sido arrolado, se
deverá dar por impedido; mas, se nada souber a respeito da demanda, mandará simples-
mente excluir seu nome, prosseguindo normalmente na condução da causa (art. 452,
II, do CPC/2015). Em sendo sabedor de fatos pertinentes à causa, dar-se-á o juiz por
impedido (rectius, impedido de continuar como juiz no processo em que vai testemu-
nhar, arts. 452, I, e 144, I, do CPC/2015), e passará a causa ao seu substituto legal. Nesta
hipótese, todavia, à parte que arrolou o juiz não será lícito desistir do seu depoimento
(art. 409, I, 2ª frase), pois, do contrário, obliquamente, existiria um meio de afastar o
juiz do processo, além do impedimento ou suspeição.
Por outro lado, se no art. 144, I, consta que é impedido o juiz “que prestou depoimen-
to como testemunha”, o sentido correto é o de que é impedido também o juiz que vier a
prestar testemunho, pois é para o futuro o sentido e função da disciplina do art. 452. É
curial, por outro lado, que, a partir do momento em que o juiz se reconheça como tendo
conhecimento de fatos relativos à causa, e dispondo-se a testemunhar, deixa de ser im-
pedido como testemunha, conquanto fique impedido como juiz. Deixa de incidir o art. 447,
§ 2º, III, passando a incidir os arts. 144, I, e 452, I.

mento e grau de compreensão do menor) invocados devem ser considerados para todos os
fins.
42. O art. 7.º, XIX, da Lei 8.906/1994, a exemplo do que já dispunha o anterior Estatuto da Ordem
1
dos Advogados do Brasil (Lei 4.215/1963, art. 87, XVI), disciplinando o sigilo do advogado
como testemunha, libera-o da obrigação de depor em processo em que já funcionou ou
deva funcionar; ainda, estende o sigilo a fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi
advogado, “mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte”, bem como sobre
fato que constitua sigilo profissional. Cf.: STJ, 6ª T., Rel. Min. Nilson Naves, AgRg no HC
48.843/MS, j. 31.10.2007, DJ 11.2.2008.
Provas em Espécie 939

As testemunhas não devem, conforme preceitua o art. 456 do CPC/2015, ouvir


umas o depoimento das outras. Entretanto, se isto ocorrer, até por inadvertência do
juiz, não há propriamente vício a ser decretado, salvo se, verificado concreto prejuízo a
uma das partes e conquanto tenha havido a oportuna contradita, indevidamente afas-
tada pelo juiz.143
No § 3º do art. 447, a lei prescreve ser defeso aos suspeitos prestarem testemunho. Sus-
peitos são aqueles que, embora não definitivamente proibidos de testemunhar, de prefe-
rência não devem fazê-lo, por certas razões, tais como considera a lei: o inimigo da parte
ou seu amigo íntimo e, ainda, o interessado no litígio (art. 447, § 3º, I e II, do CPC/2015).
A simples malquerença, a mera inimizade não bastam para resultar a suspeição.144
Por interessados no litígio (art. 447, § 3º, II do CPC/2015), hão de se entender to-
dos aqueles que não têm a necessária imparcialidade, a qual decorre da absoluta estra-
nheza à lide.
Há decisões considerando suspeita a testemunha que é empregada da parte.145 Com
acerto, o STF decidiu que o simples fato de a testemunha ser empregado, o que eviden-
temente não lhe anula o conhecimento eventual dos fatos, não o impede de depor, sen-
do que o interesse pessoal na causa é o condenado pela lei e que não se confunde com
opiniões ou convicções pessoais sobre a matéria, em tese.146
Se a parte concorda com a oitiva de testemunhas impedidas, não lhe é dado, depois
do depoimento, pretender que a prova nada valha.147
Entretanto, como já dissemos, a proibição que cerca os menores, os impedidos e os
suspeitos não é uma proibição absoluta. Quando for necessário, o juiz poderá ouvi-los,
dando ao testemunho por eles prestado o valor que reputar merecer, no conjunto das
provas (§§ 4º e 5º do art. 447 do CPC/2015). Assim, poderá ser tomado o depoimen-
to de testemunha, apesar da suspeição, se imprescindível ao esclarecimento dos fatos
(art. 447, § 4º). É o que ocorre, quando se trata do único testemunho disponível148 ou,

143. Cf. STJ, 4ª T., REsp 824.473/PB, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 6.11.2008, DJe 24.11.2008
144. Revista de Processo (RePro) 33/26, em. 85.
145. STJ, REsp 97.916/SP, 4.ª T., j. 12.11.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 03.02.1997,
p. 733; RT 536/117; TJSP, AgIn 131.507-4/Sertãozinho, 2.ª Câm.Dir.Priv., 19.10.1999, rel.
Theodoro Guimarães. Há, entretanto, entendimentos posteriores, do STF e de outros tribu-
nais, em sentido contrário. Ver nota subsequente.
146. RTJ 109/466, sendo que, ainda que se possa vir a entender haver suspeição, o depoimento
será tomado independentemente de compromisso (tratava-se de testemunha servidor ou
funcionário da parte, tida como não incluída no art. 405, § 3.º, e que teria mesmo se com-
promissado). Na mesma linha, substancialmente: TJ-RS, 18ª Câm. Civ., AC: 70039957402,
Rel. Elaine Maria Canto da Fonseca, j. 23.5.2013, DJ 27/05/2013; TJ-DF, 3ª T. Cível, Apel.
0075751-82.2004.807.0001, Rel. Nídia Corrêa Lima, j. 22.10.2008, DJe 30.10.2008.
147. STJ, REsp 51.714/MG, 4.ª T., j. 22.8.1995, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 2.10.1995.
148. RT 350/438. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 228, do Código Civil,: “Para a prova
de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere
este artigo.”
940 Manual de Direito Processual Civil

ainda, quando as provas são escassas. 149 Mas, caso a sentença se venha a basear funda-
mentalmente em prova testemunhal de menores, impedidos e suspeitos, especificamen-
te, sem se ter consignado que o depoimento era estritamente necessário (art. 447, § 4º), há
violação manifesta de norma jurídica, ensejando sua nulidade ou mesmo ação rescisó-
ria, se tiver havido trânsito em julgado (art. 966, V), na medida em que esse testemunho
tenha influído na sentença.

25.5.10. Deveres e direitos da testemunha


Se intimada ou requisitada, no prazo de até três dias imediatamente antecedentes
à audiência, a testemunha não comparecer, o juiz, de conformidade com o que dispõe
o art. 455 do CPC/2015, determinará que seja conduzida, respondendo, ainda, pelas
despesas do adiamento (art. 455, § 5º, do CPC/2015).
Deverá, ainda, a testemunha, comparecendo a juízo, depor conforme a verdade
(art. 458 do CPC/2015).
Se mentir, terá feito afirmação falsa, passível de punição penal (v. parágrafo único
do art. 458 do CPC/2015 e art. 342 e respectivos parágrafos do CP). A circunstância de
a testemunha não prestar compromisso (art. 447, § 4º) não desfigura o crime de falso
testemunho, em que, de tal forma, mesmo a testemunha suspeita ou impedida nele inci-
dem, se tiverem mentido. Verifica-se, assim, que o compromisso tem relevância na apre-
ciação da prova, no sentido de que a testemunha, que não o tenha prestado, em regra, há
de ter seu testemunho menos valorizado pelo juiz (arts. 447, § 5º, e 371 do CPC/2015).
Como contrapartida dos deveres que lhe incumbe, a testemunha também tem di-
reitos. Entre eles, destaquemos:
a) o seu depoimento é tomado tão somente perante um juiz (art. 453 do CPC/2015),
seja o juiz da causa (art. 361), seja outro juiz (art. 362 do CPC/2015);
b) tratamento cortês pelos advogados das partes (art. 459, § 2º, CPC/2015), como,
ainda, podem insurgir-se contra perguntas ou considerações, mesmo que tenham por
impertinentes, capciosas ou vexatórias (art. 459, § 2º, do CPC/2015), cabendo ao juiz
intervir e resolver, em caso de reclamação;
c) direito de ler seu depoimento antes de assiná-lo e, eventualmente, o de corrigi-lo;
d) direito à compensação daquilo que perdeu em decorrência de ter vindo prestar
seu depoimento. A parte que requereu o depoimento da testemunha paga tão somente
as despesas decorrentes da locomoção da mesma (art. 462, caput, do CPC/2015); o dia
de serviço, como é comum chamar-se, fica por conta do empregador, uma vez que o de-
ver de testemunhar é considerado “serviço público” (art. 463, caput e parágrafo único,
do CPC/2015).

149. Robson Renault Godinho, Comentário ao art. 447 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim
Wambier et. al. (coord.). Breves comentários ao novo código de processo civil, op. cit.,
p. 1138.
Provas em Espécie 941

Pode a testemunha, ainda, requerer ao juiz o pagamento das despesas efetuadas


para seu comparecimento, e, neste caso, a parte que a tiver arrolado pagar-lhe-á o que
tiver sido arbitrado, ou, então, depositará quantia em cartório (art. 462 do CPC/2015).
Poderá, por outro lado, a própria testemunha requerer ao juiz que a escuse de de-
por (art. 457, § 3º, do CPC/2015), desde que ocorra qualquer das hipóteses previstas
no art. 448, I e II, do CPC/2015.

25.5.11. O pedido e a admissibilidade da prova testemunhal


Normalmente a regra é a de a prova testemunhal ser admitida; entretanto, não o será,
via de regra, quando o Código ou outras leis não a admitirem. O próprio CPC/2015, no
art. 443), veda a produção da prova quando o testemunho versar sobre fatos “já prova-
dos por documento ou confissão da parte”, ou, ainda, sobre fatos “que só por documen-
to ou por exame pericial puderem ser provados” (incisos I e II do art. 443).
É oportuno ponderarmos que, à luz do princípio da persuasão racional (art. 371 do
CPC/2015), será difícil conceber a existência de fato que somente por documento pos-
sa ser comprovado – ressalva feita, nesse ponto, ao disposto no art. 406 do CPC/2015,
que se refere a exigências do próprio direito material.
É verdade que a própria lei processual estabelece hipóteses de restrição à prova tes-
temunhal, tendo em vista a necessidade de “começo de prova documental”. Todavia,
tais não são hipóteses que somente se comprovam por documento, mas, sim, hipóteses
em que a prova exclusivamente testemunhal não é, segundo a lei, admitida. Ainda as-
sim, considerando que o direito fundamental à prova, e tendo em vista que o juiz não
pode estar sujeito aprioristicamente a este ou àquele tipo de prova, mesmo as disposi-
ções dos arts. 444, 445 do CPC/2015 e legislação esparsa,150 devem ser analisadas com
a devida cautela.151
No mais, verifica-se que, havendo documento tido por autêntico e verdadeiro, as
declarações dele constantes terão de ser tidas como verídicas em relação ao signatário
(art. 408 do CPC/2015).152

150. Exemplo de hipótese em que a lei faz essa exigência pode ser encontrado no art. 55, § 3º,
da Lei 8.213/1991, referente à comprovação do tempo de serviço na atividade do rurícola
para fins de obtenção do benefício previdenciário. Cf., ainda, a Súmula 149 do STJ: “A prova
exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade de rurícola, para efeito
da obtenção do benefício previdenciário”.
151. Assim: “A possibilidade de o julgador afastar a produção de provas (...) deve ocorrer, apenas,
quando estas se apresentem absolutamente desnecessárias e inúteis para o seu convencimen-
to, o que, a meu juízo, não é o caso dos autos, sobretudo porque a oitiva das testemunhas se
faz necessária para esclarecer pontos importantes da lide. Com efeito, a lei garante às partes
a produção de todas as provas que entenderem necessárias, sendo que a sua vedação, em
princípio, constitui ofensa ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, que garante a
todos o devido processo legal (...).” (TJMG, 17ª Câm. Cív., Apel. nº 1.0372.08.032689-8/002,
Rel. Des. Lucas Pereira, j.11.2.2010, DJ 16.3.2010).
152. A presunção do art. 408 é juris tantum ou relativa, o que não impede que possa ser desfeita.
Cf., à luz do CPC/73 (art. 368): STJ, REsp 33.200/SP, 4.ª T., j. 13.03.1995, rel. Min. Sálvio de
942 Manual de Direito Processual Civil

O mesmo podemos dizer quanto à confissão (art. 443, I, do CPC/2015). Todavia, ha-


veremos, apesar de a parte ter admitido os fatos que beneficiam o adversário e a prejudi-
cam, de verificar se se trata de direitos indisponíveis. Isto porque, se de direito indispo-
nível se tratar, a declaração da parte a seu respeito não terá valor de confissão (art. 392,
caput, do CPC/2015). Neste caso terá cabimento prova testemunhal. Esta também terá
cabimento, mesmo diante de confissão, se esta tiver emanado de um só litisconsorte
(art. 391) simples, pois, se unitário, a confissão, apesar de válida, só produzirá efeito
se todos os litisconsortes a realizarem, Ainda, cabimento terá no caso do art. 391, pará-
grafo único, a mesma prova testemunhal.
A parte poderá oferecer 10 testemunhas (arts. 357, § 6º, do CPC/2015); entretanto,
ouvidas três para um mesmo fato, o juiz poderá indeferir a oitiva das demais. Salienta-
mos que o CPC/2015 contém disposição genérica que flexibiliza essas regras, ao esta-
belecer que o juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a comple-
xidade da causa dos fatos individualmente considerados (art. 357, §7º, CPC/2015). O
juiz poderá, em sendo provados os fatos do processo, limitar o número de testemunhas
constantes do rol apresentado, mas por outro lado, não limitá-las se necessária a prova.
Com isso, reforça-se o entendimento, vigente sob o CPC/73, de que o juiz não poderia
deixar de ouvir as demais testemunhas (i.e., que extrapolassem o máximo de três para
cada fato), quando o fato probando não estiver suficientemente comprovado com a oi-
tiva das testemunhas anteriores.153

25.5.12. Procedimento da prova testemunhal


No que concerne ao procedimento a ser observado para a admissão e produção da
prova testemunhal, deverá ela ser requerida:
a) com a petição inicial (art. 317, VI, do CPC/2015), momento em que deverá o au-
tor, apenas, formalizar o protesto pelo oferecimento da prova testemunhal – indicará,
diz a lei (art. 319, VI, do CPC/2015);
b) com a contestação (art. 336 do CPC/2015), nas mesmas condições da inicial;
c) com a reconvenção, da mesma forma;
d) com o requerimento de produção autônoma e antecipada de provas.

Figueiredo Teixeira, DJ 15.05.1995, p. 13.407 (no sentido de que a presunção de veracidade


do art. 368 é invocável apenas pelos signatários do documento que, para ilidi-la, devem
arguir a falsidade do documento); RT 566/130. Na doutrina, sob a vigência tanto do CPC/73
como do CPC/2015, cf.: Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil,
1977, vol. IV/180; Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, 1977, vol.
IV/200, Sérgio Cruz Arenhart, Comentário ao art. 408 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim
Wambier et. al., Breves comentários ao novo CPC, op. cit., p. 1071. No entanto, aceito o
documento, haverá inadmissibilidade de prova testemunhal, ressalvadas as hipóteses legais,
que se constituam em exceção ao art. 443, I, 1.ª parte do CPC/2015 (v.g., art. 445, I e II, do
CPC/2015).
53. Nesse sentido, v. RJTJSP 55/115.
1
Provas em Espécie 943

Quanto à apresentação do rol de testemunhas, das duas, uma: ou será feita na audi-
ência de saneamento, se esta for designada (art. 357, V, e § 5º, do CPC/2015), ou, ainda,
caso esta não ocorra, em prazo a ser fixado pelo juiz quando do deferimento da prova
pericial, que não poderá exceder 15 (quinze) dias (art. 357, § 4º, do CPC/2015).
Decisões há liberais, no caso de adiamento da audiência de instrução e julgamento, que
têm admitido a apresentação do rol a contar da data da nova designação.154 Entretanto,
tenha-se presente que, quando a produção de provas já fora iniciada anteriormente e a
instância suspendeu-se para que as partes viessem a se compor, não é mais dado às par-
tes o direito de arrolar testemunhas, com o que haveria inversão da ordem e tumulto
processual.155 Neste caso, ter-se-á verificado preclusão, ou porque arrolaram as teste-
munhas desejadas (preclusão consumativa), ou, então, se não o fizeram, terão perdido
o prazo para tanto (preclusão temporal).
Aspecto inovador no CPC/2015 consiste na regra geral de que a intimação das tes-
temunhas fica a cargo dos procuradores das partes que as arrolaram, nos termos do
art. 455.156 Somente será intimada judicialmente a testemunha quando: I – frustrada a
intimação por advogado ou quando sua necessidade for devidamente demonstrada pela
parte ao juiz; II – figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em
que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir; III
– a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;
IV – a testemunha for uma daquelas previstas no art. 451 (art. 455, § 4º, do CPC/2015).
Se, intimada pelo advogado da parte ou pelo juiz, a testemunha deixar de compa-
recer à audiência sem motivo justificado, será conduzida coercitivamente e responde-
rá pelas despesas do adiamento da produção da prova (art. 455, § 5º, do CPC/2015).
Se, ao invés de promover a intimação da testemunha por meio de seu advogado,
a parte se comprometer a levá-la à audiência independentemente de intimação, o não
comparecimento da testemunha gera a presunção de desistência da inquirição (art. 455,
§ 2º, do CPC/2015). A inércia na realização da intimação pelo advogado também impor-
tará desistência da inquirição da testemunha (art. 455, § 3º, do CPC/2015).

154. “Sabe-se bem que a apresentação do rol de testemunhas é ato preclusivo, não apresentado
a tempo e a modo, a parte perde o direito de produzir a referida prova. Contudo, a jurispru-
dência ensina que, nos casos em que há o adiamento da audiência, desde que não requerida
pela parte que se aproveita, será possível a apresentação de novo rol.” (TJMG, 16ª Câm. Cív.,
Apel. 1.0023.13.000768-7/001, Rel. Des. Pedro Aleixo, j. 135/2015, publicação da súmula
em 22/05/2015). Assim, também: “Permite-se a apresentação de novo rol de testemunhas
quando há adiamento da audiência em que não tenha se iniciado a instrução. (TJMG, 16ª
Câm. Cív., AI-Cv 1.0024.10.187815-5/001, Rel. Des. Batista de Abreu, j. 30.1.2014).
155. TJSP, RT 562/111, RT 642/131.
156. “Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha que arrolou do
local, do dia e do horário da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
§ 1º A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao
advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos três dias da data da audiência,
cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento. (...)”
944 Manual de Direito Processual Civil

O objetivo da apresentação do rol, além de individualizar as testemunhas, é o de


propiciar à parte contrária o conhecimento das mesmas, e, sendo o caso, ensejada essa
cognição, viabilizar as condições ao exercício do direito de contraditá-las, na devida
oportunidade. 157
A não apresentação tempestiva do rol (art. 407) impede sejam ouvidas as teste-
munhas. 158
Outrossim, em regra, perderá o direito de ouvir as testemunhas, mesmo aquele que
as arrolou, mas forneceu endereço errado, e por isso não pode a testemunha ser encon-
trada, se comprovada má-fé.159
Correto, pois, o entendimento de que, não tendo o autor nem as testemunhas sido
intimados para estar presente à audiência, em que deveriam ter sido tomados seus de-
poimentos, a audiência deve ser adiada. Se não for, será caso de nulidade do seguimento
do processo, a partir do ato, e, por isso, nulos serão os atos posteriores. Deverá, também,
ser repetida a própria audiência, com a efetivação da prova deferida quando do sanea-
mento, e especificada nas manifestações posteriores das partes.160
A contradita é a impugnação da testemunha feita pela parte contrária àquela que a
arrolou. Deve o juiz decidir a respeito, dispensando a testemunha ou ouvindo-a como
informante (art. 457, caput e § 1º, do CPC/2015).
Antes de colher os depoimentos, a testemunha deve declarar ou confirmar seus da-
dos, informando se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do
processo. Tais informações são imprescindíveis à verificação da possibilidade de con-
tradita da testemunha. Pode, ainda, a testemunha invocar alguma escusa ao dever de
depor, como é o caso do sigilo profissional (art. 457 do CPC/2015).
Não contraditada a testemunha ou rejeitada a contradita feita por uma das partes,
deverá a testemunha prestar o compromisso de dizer a verdade, sendo advertida expres-
samente pelo juiz sobre a existência de sanção penal a quem faz afirmação falsa, cala ou
oculta a verdade (art. 458, caput e parágrafo único, do CPC/2015).

157. “– Não se anula o processo em face da entrega, em cartório, do rol de testemunhas arroladas
pela outra parte a oito dias da audiência, porquanto indemonstrado que a diminuição de dois
dias do prazo exigido pelo art. 407 do CPC teria impossibilitado a contradita de quaisquer
delas ou trazido prejuízo de outra natureza. – A declaração de nulidade do processo, nessa
circunstância, não se coaduna com o princípio da instrumentalidade do processo.” (STJ, 3ª
T., REsp 648.457/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 4.8.2005, DJ 29.8.2005).
158. TJMG, 17ª Câm. Cív., Apel. Cív. 1.0699.12.010074-7/002, Rel. Des. Eduardo Mariné da
Cunha, j. 4.2.2016; TJMG, Apel. Cív. 1.0313.11.026370-1/001, Rel. Des. Judimar Biber, 3ª
Câm. Civ., j. 26.11.2015.
159. RT 290/432. Cf., ainda: “A falta de apresentação do rol de testemunhas, assim como a apre-
sentação incorreta, induz a preclusão da prova.” (TJSP, 29a. Câmara do Segundo Grupo,
Rel. Ferraz Felisardo; AI 9002433-87.2001.8.26.0000 j. 27.7.2011)
160. 2.º TACivSP, in Jurandyr Nilsson, Repertório cit., vol. II/458. Todavia, se não houver sido
requerido depoimento pessoal, a intimação (pessoal) da parte não será necessária, bastando
a intimação de seu advogado: TJSP, Rel. Silvia Sterman; 9ª Câm. Dir. Priv., – Apel. 0000874-
98.2010.8.26.0142, j. 5.11.2013.
Provas em Espécie 945

As testemunhas são inquiridas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e


depois as do réu, providenciando o juiz para que uma não ouça o depoimento das outras
(art. 456, caput, do CPC/2015). Se as partes concordarem, o juiz pode alterar a ordem
da oitiva, como preceitua o art. 456, parágrafo único, do CPC/2015.
Outra novidade do CPC/2015, consoante já se salientou (v. tópico sobre a “Técnica
de inquirição”), diz respeito à inquirição direta das testemunhas pelos advogados das
partes, limitando-se o juiz a inadmitir as perguntas que possam induzir a resposta, que
não tenham relação com as questões fáticas objeto da atividade probatória ou que im-
portem repetição de pergunta já respondida (art. 459, do CPC/2015). A inquirição das
testemunhas pelo juiz pode ocorrer tanto antes como depois da inquirição feita pelas
partes (art. 459, § 1º).
O art. 459, caput e §§ 2º e 3º, do CPC/2015 trata do indeferimento de perguntas, es-
clarecendo o artigo que deverão constar do termo, se assim a parte interessada o reque-
rer, as perguntas que forem indeferidas.
A acareação, a pedido ou ex officio, tem como pressuposto fundamental a contradição
existente entre os dois ou mais depoimentos de testemunhas, entre parte e testemunha,
como ainda pode haver acareação, tendo em vista testemunha referida pela parte, ou por
testemunha, desde que ambos tenham deposto (art. 461, II).
Pode a acareação ser feita mediante videoconferência ou por outro recurso tecno-
lógico de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 461, § 1º, do CPC/2015),
o que permite que as testemunhas sejam ouvidas em juízos diversos (p. ex., no juízo
deprecante e no deprecado).
De acordo como §1º do art. 461, deverão os acareados ser reperguntados sobre os
pontos de divergência, o que impede que, na acareação, as partes e o juiz se limitem a
indagar genericamente se as testemunhas confirmam os depoimentos anteriores. Essa
prática tornaria inócua a acareação.
O magistrado tem, também, o poder de direção do processo, em decorrência do que
pode converter o julgamento em diligência, a fim de que seja inquirida testemunha re-
ferida (art. 461, I, do CPC/2015).161 A testemunha referida não se deve computar para
fins dos limites do art. 357, § 6º, do CPC/2015. A possível oitiva desta é assunto poste-
rior à incidência do art. 357, § 6º.

25.5.13. Local em que devem ser ouvidas as testemunhas


As testemunhas, em regra, prestam seus depoimentos na audiência de instrução e
julgamento. Entretanto, desde que se configurem determinados pressupostos, poderão
prestar seus depoimentos antecipadamente, no próprio juízo ou fora dele, como, exem-
plificativamente, em cumprimento de precatória ou rogatória, ou em casa, desde que
por motivo de doença, ou por se tratar de algumas das pessoas designadas no art. 454

161. TJSP, Ap.Cív. 114.563-4/São Paulo, 3.ª Câm. Dir. Priv., j. 30.01.2001, rel. Alfredo Migliore;
RT 752/247.
946 Manual de Direito Processual Civil

(art. 453 do CPC/2015). Entre as pessoas elencadas no art. 454, encontram-se: o Presi-


dente e o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros dos diver-
sos Tribunais Superiores, os Ministros do TCU e os Conselheiros do CNJ; o Procurador-
-Geral da República e os Conselheiros do CNMP; o Advogado-Geral da União, o Pro-
curador-Geral do Estado, o Procurador-Geral do Município, o Defensor Público-Geral
Federal e o Defensor Público-Geral do Estado; os Senadores e os Deputados Federais;
os Governadores dos Estados e do Distrito Federal; o Prefeito; os Deputados Estadu-
ais e Distritais; os Desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Eleitorais e os
Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; o Procurador-
-Geral de Justiça e, ainda, os embaixadores, desde que haja reciprocidade de tratamen-
to, em seus países, para com os nossos agentes diplomáticos.
Como se trata de um benefício, as pessoas que dele poderiam fruir podem dele abrir
mão.
Já se decidiu que a testemunha, embora possa depor fora de seu domicílio, jamais
poderá ser obrigada a proceder dessa forma, pois que deve ser ouvida por carta, na for-
ma do art. 453, II, do CPC, se quiser.162

25.5.14. A substituição de testemunhas


Com a expiração do prazo para apresentação do rol de testemunhas, fixam-se as
mesmas, não sendo mais possível alterá-las, sob pena de a parte que o fizer não poder
ouvir a testemunha substituta.
Entretanto, a substituição será possível, quando a testemunha falecer; quando, por
enfermidade, não estiver em condições de depor e, ainda, quando, tendo mudado de
residência ou de local de trabalho, não for encontrada (art. 451, I a III).
Ainda assim, a mudança será possível, desde que a audiência não tenha sido iniciada.

25.6. Prova pericial


25.6.1. Conceito de perícia
A perícia é o meio de prova pelo qual pessoas especialmente capacitadas, em de-
corrência de conhecimentos técnicos ou científicos que possuem, por ordem judicial,
informam o juízo a respeito da ocorrência ou modo de ser de determinados fatos, bem
como o significado destes (parte narrativa da perícia e parte conclusiva ou opinativa,
respectivamente).
É possível que seja dispensada a perícia quando as partes, na inicial e na contesta-
ção, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucida-
tivos, tidos como suficientes pelo juiz (art. 472 do CPC/2015). Nesse caso, não se teria,

162. TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado; Rel. Gilberto Leme; Comarca: Franca; Apel. 9172276-
69.2009.8.26.0000, j. 25.9.2012.
Provas em Espécie 947

propriamente, que falar em perícia, mas em prova técnica documentada, algo muito
próximo da prova documental. Evidentemente, se a discordância dos litigantes sobre
aquelas questões de fato for tal que afete a própria formação da convicção judicial, neces-
sariamente e em que pese a redação do art. 472, será caso de ser determinada a perícia.

25.6.2. Cabimento da prova pericial


O cabimento da perícia pressupõe, especificamente, a necessidade de conhecimen-
tos técnicos ou científicos. É imprescindível que os fatos a serem provados por seu in-
termédio necessitem de tais esclarecimentos e interpretação.
Referindo-se ao aspecto técnico, quis o legislador (art. 464, § 1º, I, do CPC/2015)
significar um conhecimento especial, como o de um agricultor, um sapateiro, um me-
cânico etc., mas não necessariamente científico.
Pode ainda, a perícia exigir conhecimento de alguém que tenha qualificação cien-
tífica especial, em decorrência de estar apropriado de saber científico, oriundo de estu-
do formal e, pois, tenha uma qualificação formal, assim como o médico, o engenheiro,
o contador etc.
Além desse pressuposto específico, o cabimento da prova pericial deve ser visto sob
dois aspectos básicos: 1º) a prova pericial não pode ser inútil ou 2º) supérflua.
A prova inútil ou impertinente é toda aquela que refoge ao objeto litigioso ou à lide;
por outras palavras, diz respeito a fatos que, mesmo se devidamente provados, não in-
fluem na decisão da causa. Evidentemente, não é só a prova pericial, dentre as provas,
que não deve ser inútil ou supérflua. Trata-se de assunto que, particularmente, e de for-
ma especial, se põe com alguma complexidade no que tange à prova pericial, porque,
às vezes, com relação a esta prova, como conhecimentos técnicos ou científicos estão
envolvidos, pode não ser fácil julgar da sua utilidade, necessidade ou pertinência.
Para evitar a prova pericial inútil, impertinente ou supérflua, deve o juiz, tendo dú-
vida sobre o seu cabimento, solicitar esclarecimento sobre o objeto e/ou do objetivo da
prova antes de deferi-la. Isso, em geral, ocorre na fase de saneamento.
O art. 370, caput e parágrafo único, do CPC/2015 dá poderes ao juiz de deferir as di-
ligências requeridas, determinando ex officio as que entenda necessárias, como ainda, ao
reverso, o de indeferir as diligências inúteis em relação ao seu objeto, ou requeridas com
propósitos manifestamente protelatórios. Se a prova do fato não depender de conheci-
mento especial técnico, deverá o juiz indeferir a perícia (art. 464, § 1º, I, do CPC/2015).
O juízo a respeito da necessidade de conhecimentos técnicos não deve, de modo
algum, partir daquilo que o próprio julgador sabe a respeito do tema. Isso porque, ain-
da que o juiz detenha conhecimentos técnicos e até científicos (v.g., um juiz que seja
graduado em engenharia civil) não poderá deles se valer, em substituição à prova peri-
cial, já que no procedimento desta têm as partes e os assistentes técnicos condições de
atuar em contraditório, influenciando, a partir de argumentos e indicações, na atuação
e até na conclusão do perito. Esse é, aliás, o principal fundamento da vedação da utili-
zação, pelo juiz, de conhecimentos fáticos que lhe sejam privativos e que não possam
948 Manual de Direito Processual Civil

ser extraídos dos autos (art. 371 do CPC/2015, a contrario sensu). Por outro lado, fosse
o juiz confundido com o perito, estaria comprometida sua imparcialidade (art. 144, I,
do CPC/2015).
Há, porém, casos em que a vedação à utilização de conhecimento privado do juiz é
ressalvada, por se tratar de hipóteses de dispensa de prova técnica. Isso ocorrerá quan-
do o conhecimento técnico empregado pelo juiz for de conhecimento geral, ou de pos-
sível obtenção por quem quer que seja.
Efetivamente, no art. 375 do CPC/2015, encontra-se o permissivo para tanto. Alude-
-se aí a que o juiz, para certos casos, deverá usar normas jurídicas particulares, que serão
aquelas que, especialmente, disciplinam um dado assunto, v.g., como as que regulam
problemas de agricultura, de qualificação jurídica de um dado material, como adubo,
em decorrência de sua composição química, e ainda, como as que definem os requisi-
tos de segurança de um veículo etc. É, todavia, possível que não existam tais normas,
quando, então, o juiz deverá usar de sua experiência comum (art. 375), ou seja, aplicará
ao caso as chamadas “máximas de experiência”.163
O conceito de experiência comum, ou de máximas de experiência, é significativo
de que o juiz, como homem culto e conhecedor dos fatos da vida, entende o sentido de
certas realidades usuais e rotineiras, donde, então, ter-se que as máximas de experiên-
cias são regras gerais que esclarecem o sentido da norma aplicável. Assim, se se discu-
te a respeito de um acidente automobilístico, onde a norma jurídica a ser usada será a
da culpa (art. 186 do CC), poder-se-á estar diante de um veículo que estava num acos-
tamento, o que leva à presunção hominis de culpa; ou, então, estar-se-á diante de um
veículo que brecou e deixou rastro imenso. A experiência da vida indicará – à falta de
outros elementos – que, seguramente, o condutor do veículo, que estava fora da pista
e a adentrou, ou aquele que deixou o rastro, serão os culpados. As máximas de experi-
ência, pois, completam o sentido normativo, reportado a uma dada cultura ou civili-
zação. São regras de cunho abstrato que completam a moldura da lei, no sentido de ex-
pressarem uma referibilidade da lei à realidade sobre a qual ela incide, tendo em vista o
que a experiência comum (leis físicas, da medicina, da biologia etc.), necessariamente
generalizada, significa de verdadeiro, independentemente de prova pericial. Nessa medi-
da, assimilam-se mais à norma do que ao fato, muito embora sejam extraídas do mun-
do empírico. Se, entretanto, vier a entender o juiz que não pode seguramente aplicar ao
caso sua experiência comum ou as regras da experiência técnica, porque dela careça, o
art. 375 indica, no fim de sua redação, o caminho da perícia.
Importa ressaltar, contudo, a advertência feita em sede doutrinária no sentido de
que, justamente por se tratar de generalizações obtidas por indução a partir de um gran-

163. São as máximas da experiência comum “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo ge-
ral, desligados dos fatos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência,
porém independentes dos casos particulares de cuja observância foram induzidos e que,
sobrepondo-se a estes, possuem validade para outros novos.” (Friedrich Stein, El conocimiento
privado del Juez. Investigaciones sobre el derecho probatorio en ambos os procesos. Trad. de
Andrés de La Oliva Santos.Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra S.A, 1973, p. 22).
Provas em Espécie 949

de número de casos particulares, as regras da experiência comum e técnica não estão


livres de crítica, sobretudo quando sua validade vier a ser questionada.164 Nesses casos,
sendo o questionamento de ordem técnico-científica, não poderá haver dispensa de
prova e cabível será a perícia.
Registre-se, ainda, que a evolução tecnológica e a dispersão de dados em meio vir-
tual facilita, sobremaneira, a busca por informações que normalmente não estão dis-
poníveis ao alcance de todos; isso não autoriza, de forma alguma, que o juiz dispense a
prova técnica, muito menos que diga estar aplicando as regras da experiência comum
(art. 375, do CPC/2015) para inadmitir prova pericial.165 As máximas da experiência
comum e técnica não se confundem com regras ou fatos amplamente divulgados na
mídia, pois, nestes casos, o conhecimento recai sobre a divulgação e não sobre as regras
ou fatos em si. São as máximas da experiência regras abstratas amplamente conhecidas
e aceitas, seja porque decorrentes daquilo que geralmente ocorre, seja porque extraídas
de conhecimentos técnicos científicos incorporados na sociedade. Somente diante de
tais situações é que se autoriza a dispensa da perícia.
Outra hipótese de dispensa da prova pericial ocorre quando esta se revelar desneces-
sária em vista de outras provas produzidas (art. 464, § 1º, II, do CPC/2015). Entende-
-se, porém, que, neste caso, o conjunto probatório deve corroborar a tese da parte que
postulou a perícia. Caso contrário, isto é, se a perícia tiver o objetivo de refutar os ele-
mentos resultantes dos demais meios de prova, caberá ao juiz deferir a prova contrária
ao posicionamento já firmado com base no conjunto probatório. 166

164. Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processos civil e penal, op. cit., pp. 97-98. Confira-se, ainda, sobre o tema: Mi-
chele Taruffo, Narrativas Judiciales. La prueba, articulos y conferencias. Santiago de Chile:
Editorial Metropolitana, 2009, pp. 159-160; id., Senso comune, esperienza e scienza nel
ragionamento del giudice. In: Sui confini. Scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino,
2002, pp. 121-156; Jordi Ferrer Beltrán, La valoración racional de la prueba, Madrid/
Barcelona/Buenos Aires: Marcial Pons, 2007,, p. 133 e nota de rodapé nº 113. Para uma
diferenciação entre as máximas da experiência e a prova científica: Luigi Lombardo,
Prova scientifica e osservanza del contraddittorio nel processo civile. Rivista di diritto
processuale. Ano LVI, n. 4, Padova: CEDAM, 2002, p. 1.090; Federico Stella, Giustizia e
modernità. La protezione dell’innocente e la tutela delle vitime. Terza edizione. Milano:
Giuffrè, 2003, pp. 42-43.
165. Adroaldo Furtado Fabrício chama a atenção para a “baixa credibilidade das informações
extraídas da internet” e alerta: “quando a regra seja da experiência técnica, exigente de co-
nhecimentos especializados, o que se impõe é a realização da perícia” (Adroaldo Furtado
Fabrício. Iniciativa judicial e prova documental da internet. In: Luiz Guilherme Marinoni
(coord). Estudos de direito processual civil. Homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz
de Aragão. São Paulo: RT, 2005, p. 300).
166. O direito à prova contrária é realçado pela doutrina processual civil e penal italiana. Cf.
Giulio Ubertis, La ricerca dela verità giudiziale. In: Giulio Ubertis (a cura di). La conoscenza
del fatto nel processo penale. Milano: Giuffrè, 1992, pp. 1-38. De acordo com o autor, feita a
prova de um fato por uma das partes, a pertinência deste fato para o litígio já está assentada,
de tal forma que produzir a prova em contrário requerida pela contraparte é dever do juiz
que, ao fazê-lo, garante-lhe um direito fundamental já exercido pelo adversário.
950 Manual de Direito Processual Civil

Também deve ser indeferida a perícia quando a verificação do fato se tornar impra-
ticável (art. 464, § 1º, III, do CPC/2015), o que se dá, em geral, em virtude da descon-
figuração, modificação ou deterioração do objeto da perícia.
Outro fator que pode dispensar o cabimento da perícia consiste na circunstância de
as partes, com a inicial ou com a contestação, apresentarem pareceres técnicos ou do-
cumentos elucidativos sobre as questões de fato que o juiz tiver como suficientes (art. 472
do CPC/2015). Todavia, como já se disse, se a discordância dos litigantes sobre aquelas
questões de fato for tal que afete a própria formação da convicção judicial, será caso de
determinar a perícia.
Salientemos, ainda, que, na hipótese de uma das partes insistir na produção da pro-
va pericial, a despeito da existência de pareceres técnicos nos autos, é de todo aconse-
lhável que se determine a respectiva produção. E assim é porque, das duas, uma: ou a
parte que pretende a prova pericial sustenta a tese contrária àquela já firmada na con-
vicção do juiz, a partir dos pareceres técnicos, hipótese em que terá direito a produzir,
em juízo, a prova contrária; ou, ainda que a prova tenda a reforçar a convicção judicial
favorável à tese do requerente, a questão técnica pode não estar suficientemente clara
para, eventualmente, sustentar tal conclusão em sede recursal. Lembre-se, ainda, que,
em ambos os casos, a parte ainda não sabe qual será a conclusão do juiz sobre conteú-
do dos pareceres técnicos, o que torna recomendável a produção da prova pericial, em
respeito ao direito fundamental à prova.
Por fim, caso os pareceres técnicos tenham sido elaborados de forma unilateral, e
tendo uma das partes requerido a prova pericial, poderá tal providência prevenir uma
solução fática pautada em prova técnica não-contraditória.167

25.6.3. Momento do pedido da prova pericial


Devem as partes postular a prova pericial na petição inicial (autor) e na contestação
(réu), sendo ainda possível esta postulação no momento da especificação de provas, na
fase do saneamento (art. 357, II, do CPC/2015).

167. A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “o laudo pericial oficial elaborado
sob o contraditório no juízo a quo não pode ser superado por outro unilateral, (...), sob pena
de violar o devido processo legal.” (STJ, REsp 985.062/RN, 1ª T., Rel. p/ acórdão Min. Luiz
Fux, j. 6.5.2008, DJe 20.10.2008). Não se acredita, contudo, ser possível a generalização
da ideia de que o laudo pericial haja sempre de prevalecer sobre os pareceres técnicos tra-
zidos pelas partes; no sistema de persuasão racional, há que se ter presentes os argumentos
lógico-racionais que respaldem os elementos de prova, sob pena de se estabelecer uma
hierarquia entre os meios. Todavia, deve-se ponderar que, em princípio, é possível afirmar
que a superioridade do laudo do perito oficial a partir dos pareceres técnicos produzidos
de forma parcial – e, muitas vezes, como foi o caso do acórdão citado, unilateral. Por isso, o
acolhimento das conclusões contidas nos pareceres técnicos dependeria de argumentação
mais contundente que o acolhimento da prova pericial, obtida em contraditório e mediante
metodologia prevista em lei, com a participação de perito nomeado pelo juiz ou indicado
pelas partes, em comum acordo.
Provas em Espécie 951

A exigência de requerimento de provas na inicial (art. 319, VI, do CPC/2015) e na


contestação (art. 336, do CPC/2015) não afasta a possibilidade de as partes só virem a
requerê-la no momento imediatamente anterior ao saneamento. Já se defendia tal posi-
cionamento à luz do CPC/1973, com base na jurisprudência existente à época.168
No saneamento (art. 357, II, do CPC/2015), o juiz deferirá a prova pericial, nome-
ando perito especializado no objeto da perícia e fixando prazo para a entrega do laudo
(art. 357, § 8º e 462, caput, do CPC/2015). Prevê, ainda, o CPC/2015 que, sendo as par-
tes plenamente capazes e recaindo a causa sobre direitos suscetíveis de autocomposição
(art. 468), poderão proceder, de comum acordo, à escolha do perito (art. 471).
Se possível, o juiz fixará calendário para a produção da prova (art. 357, § 8º, do
CPC/2015).
Por fim, temos para nós que o juiz, a qualquer momento, antes da prolação da sen-
tença, mesmo procedendo à conversão do processo em diligência, a final, poderá de-
terminar sejam feitos exames periciais, na medida em que não tenha elementos finais e
conclusivos de inteligência do(s) fato(s) para decidir.169

25.6.4. O juiz e o resultado da perícia


A própria ratio essendi da perícia recomenda ao juiz que atenda aos elementos dela
constantes, acolhendo uma das três orientações que lhe são apresentadas a partir do mes-
mo fato, pois, de acordo com o CPC/2015, e na linha do que já ocorria à luz do CPC/1973
desde as modificações implementadas pela Lei 8.455/1992, o perito e os assistentes técni-
cos trabalharão independentemente, apresentando em separado suas conclusões. Assim,
é possível que o juiz se defronte com três diferentes orientações: a do perito, que consiste
em laudo; e a dos assistentes, que consistem em pareceres (art 471, § 2º, do CPC/2015).
No entanto, se esta é a regra geral e de bom senso, há que se ter sempre presente que
o juiz é o peritus peritorum, ou seja, mesmo que careça de conhecimentos científicos,
poderá, ainda assim, sobrepor-se ao laudo e aos pareceres, liberdade essa que é rigoro-
samente inerente à função jurisdicional (art. 479 do CPC/2015) 170 e de que não pode o

168. Cf. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 16ª ed., São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte,
n. 265. Na jurisprudência: “o fato de a autora omitir-se na formulação, desde logo, na exordial,
de seus quesitos não obsta a realização da prova pericial por ela requerida. Apenas, por força da
preclusão consumativa, estará impedida de fazê-lo em momento posterior do procedimento”
(STJ, REsp 227.930/SP, 4.ª T., j. 05.10.2000, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 27.11.2000, p. 168).
169. Nesse sentido: STJ, 3ªT., AgRg nos EDcl no Ag 1344133/MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.4.2011,
DJe 4.5.2011. Admitindo a possibilidade de conversão do julgamento em diligência a qualquer
tempo, inclusive no segundo grau de jurisdição, e restringindo a iniciativa judicial às situações de
perplexidade, provas confusas ou incompletas (o que, entendeu-se, não era o caso do julgado):
STJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp 345.436/SP, j. 7.3.2002, DJ 13.5.2002, p. 208.
170. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, “como consequência do princípio da não
adstrição do juiz ao laudo na formação de seu convencimento (art. 436 do CPC), a lei pro-
cessual o autoriza, como diretor do processo, mas não lhe impõe, determinar a realização
de nova perícia” [REsp 24.035-2/RJ, 4.ª T., 06.06.1995, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, não
conheceram, v.u. (DJU, I, 04.09.1995, p. 27.834/27.835)]. No mesmo sentido, mais recen-
952 Manual de Direito Processual Civil

juiz, em face do sistema, abdicar. Por outras palavras, a perícia idônea é a que demonstra
ao juiz, em face dos dados colhidos e da explicação técnica ou científica, serem aqueles
claramente identificados e ser a explicação nitidamente esclarecedora.
O problema da comunicação do perito com o juiz – e também com as partes – e vi-
ce-versa é um ponto sensível da prova pericial. Isso porque o fato de o juiz não deter
conhecimento-técnico científico não o libera da análise criteriosa do laudo pericial e
pareceres técnicos, assim como devem estar os procuradores das partes – quando bem
preparados – habilitados a fazer. Para viabilizar tal panorama, deve o perito utilizar lin-
guagem acessível, o que acarreta, também, a premissa de que este – o perito – tenha com-
preendido bem as questões jurídicas que envolvem a causa. Somente a partir dessa co-
municação, podemos cogitar de um laudo pericial suficientemente claro e acessível. 171
Em suma, o perito deve traduzir o objeto da prova pericial de forma a que sejam os
fatos e sua explicação cabalmente entendidos pelo juiz e pelas partes. E, sendo assim,
poderão as partes concordar com a conclusão do perito ou impugnar, total ou parcialmente,
o laudo. Na sequência, poderá o juiz concordar ou não com a conclusão do perito, indicando
os motivos que o levaram a tal conclusão e levando em conta, inclusive, o método utilizado
pelo perito (art. 479, segunda parte, do CPC/2015). 172
Por outro lado, é orientação plenamente válida a de que o juiz não fica vinculado ao
laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos probatórios
existentes nos autos.173-174

temente, STJ, AgRg no AgIn 587.628/RS, j. 19.05.2005, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ
01.08.2005, p. 517.
171. Michele Taruffo (Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali, In: Qua-
derni della revista trimestrale di diritto e procedura civile. V. 8. Decisione giudiziaria e veritá
scientifica. Milano: Giuffrè, 2005, pp. 4-23.op. cit., pp. 22-23), alude ao risco da inaces-
sibilidade da linguagem científica para o juiz e para os problemas da incompreensão da
linguagem jurídica pelos experts. Uma proposta de solução deste problema da comunicação
entre direito e ciência pode ser encontrada em Erica Beecher-Monas, Evaluating scientific
evidence. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
172. “Conclusões periciais não têm o condão de, em hipótese alguma, excluir do julgador a con-
dição de intérprete último dos fatos e de proferir a decisão de acordo com a sua convicção
íntima, tal como resulta da dicção do art. 436, do Código de Processo Civil. (...) Destarte,
ostentando os autos prova segura e contundente a favor do direito buscado pela parte autora,
é dado ao magistrado, com fundamento no princípio do livre convencimento motivado,
inclinar a sua decisão em sentido contrário ao das conclusões técnicas produzidas no pro-
cesso” (TJSC, Apelação Cível n. 2011.002997-0, Rel. Des. Trindade dos Santos, 2ª Câmara
de Direito Civil, julgado em 02.8.2012).
173. “Prova. Perícia. Laudo realizado pelo IMESC. Pretensão de desconsideração do laudo, para
a realização de nova perícia. Juiz que entendeu ser o caso apenas de sua complementação.
Segunda perícia que somente terá cabimento se houver necessidade de correção de even-
tual omissão ou inexatidão no laudo pericial. Juiz que não está adstrito ao laudo, podendo
formar sua convicção por outros elementos ou fatos provocados nos autos. Decisão mantida.
Recurso não provido” (TJSP, AgIn 7.031.448-0, São Paulo, 23.ª Câm.Dir.Priv., 05.10.2005,
rel. Des. Oséas Davi Viana, v.u.).
174. “(...) Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive,
formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, inexiste em-
Provas em Espécie 953

Em face do art. 480 do CPC/2015, o juiz, se tiver dúvidas que persistam, mesmo


após a realização da perícia, poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a
realização de nova perícia, que terá por objeto os mesmos fatos considerados pela pri-
meira (art. 480, § 1º, do CPC/2015). Mas a segunda perícia não substituirá (pelo menos
necessariamente) a primeira (art. 480, § 3º, do CPC/2015), e o juiz apreciará, de con-
formidade com sua convicção, o valor de ambas.
Há decisões entendendo que ao juiz é reconhecido certo “poder discricionário” no
exercício de iniciativa na determinação da prova pericial e na deliberação da segunda
perícia (rectius, possibilidade de decidir sobre a realização, ou não, da perícia a partir
da análise dos elementos de cada caso concreto), o que acarretaria a conclusão de ser
irrecorrível a decisão que determina a segunda perícia. 175 Não se tratando, entretanto,
de verdadeiro exercício de poder discricionário, não se deve concordar com tal enten-
dimento. Precisamente porque não há discricionariedade por parte do magistrado é
que não se deve afastar a possibilidade de controle, pela via do recurso a ser interposto
pela parte prejudicada. 176
Ainda, o tribunal pode mandar realizar nova perícia para seu esclarecimento (a pri-
meira normalmente terá sido realizada em primeiro grau).177

25.6.5. Perícia. Requisitos e realização

A perícia há de atender a certos requisitos, para que possa produzir efeitos.


Primeiramente, deve-se pontuar que a função de perito não pode ser objeto de de-
legação, tendo em vista não só a sua nomeação, como também a sua escolha em virtude
de aptidão para o exercício da função.

pecilho para que ele o adote integralmente como razões de decidir, dispensando as outras
provas produzidas, inclusive os laudos apresentados pelos assistentes técnicos das partes,
desde que dê a devida fundamentação” (STJ, REsp 921.767/PE, 1.ª T., j. 28.08.2007, rel.
Min. Denise Arruda, DJ 04.10.2007, p. 198).
175. “A decisão de determinar a realização de nova prova está dentro da esfera da liberdade
jurisdicional do juiz, na ponderação de elementos fáticos necessários e formação da livre
convicção, o destinatário da prova, que poderá determiná-la, nos termos do disposto no
art. 437 do Código de Processo Civil, sempre que a matéria não estiver suficientemente
esclarecida. Assim, é, em regra, irrecorrível a decisão que determina a realização de nova
perícia.” (STJ, REsp 1354475/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, j, 17.10.2013, DJe 19.3.2014).
Esta já era a tendência do STJ desde o acórdão proferido no REsp 160.028, 4ª T., j. 2.2.1999,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Em sentido oposto, todavia, por entender que a
segunda perícia seria incabível quando os fatos já estivessem devidamente esclarecidos e
não houvesse motivos relevantes para sua realização: STJ, 4ª T., REsp 651.001/SP, Rel. Min.
Barros Monteiro, j. 16.9.2004, DJ 27.6.2005 (hipótese que versava a realização de novo
exame de DNA para a aferição de paternidade).
176. Cf., no sentido do texto: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo:
RT, 2013, pp. 567-568.
177. RTJ 93/735.
954 Manual de Direito Processual Civil

O laudo tem de ser fundamentado, uma vez que as conclusões deverão ser aceitas,
discutidas e criticadas. A carência absoluta de fundamentação acarreta a nulidade do
laudo. Para viabilizar o contraditório pleno, são essenciais: a compreensão do objeto
da perícia, bem como o esclarecimento sobre o método adotado pelo perito. Tudo isso
deve ser feito em linguagem clara e acessível, e de forma coerente.178 Do contrário, não
terão as partes, os interessados e o juiz condições de avaliar a perícia.
Especificamente quanto ao método adotado pelo perito, entende-se que deve ter
sido incorporado pelo patrimônio científico comumente aceito, 179 critério este de difí-
cil definição, que tem sido amplamente debatido no direito estrangeiro.180
Quanto ao procedimento pericial, tem-se que, a partir da ciência da nomeação, de-
verá o perito apresentar sua proposta de honorários, juntamente com seu currículo, a
comprovação de sua especialização e seus contatos profissionais, em especial o ende-
reço eletrônico em que receberá as intimações pessoais (art. 465, § 2º, incisos I a III,
do CPC/2015). As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo,
manifestarem-se no prazo comum de cinco dias, após o que o juiz arbitrará o valor, in-
timando as partes a adiantarem o depósito (art. 465, § 3º, do CPC/2015), observado o
disposto no art. 95 do CPC/2015, a saber: a) o adiantamento dos honorários do perito
será feito pela parte que houver requerido a perícia; b) se a perícia houver sido deter-
minada de ofício ou requerida por ambas as partes, será o adiantamento rateado entre
elas. O perito poderá receber até cinquenta por cento deste adiantamento no início dos
trabalhos, mediante autorização judicial; o que remanescer será pago apenas ao final,
depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários (art. 465,
§ 4º, do CPC/2015).
Cada parte deverá indicar um assistente técnico (art. 421, § 1º, I). Se, porventura,
houver pluralidade de litigantes, ativa ou passivamente, cada litisconsorte poderá in-

178. Nesse sentido, o art. 473, caput e incisos, do CPC/2015, dispõe sobre os requisitos do
laudo pericial: “O laudo pericial deverá conter: I – a exposição do objeto da perícia; II – a
análise técnica ou científica realizada pelo perito; III – a indicação do método utilizado,
esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área
do conhecimento da qual se originou; IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresen-
tados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público”. Ainda, nos termos do §1º
do citado artigo: “No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem
simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.”
179. Vittorio Denti, Cientificidad de la prueba e libre valoración del juez. Estudios de derecho
probatorio, Tradução para o espanhol de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf.
Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, pp. 301-302.
180. Sendo impossível a aceitação geral do método, há que se apurar sua credibilidade e vali-
dade científica – critérios não menos complexos. Cf. Keneth Foster; Peter Huber. Scientific
knowledge and the federal courts.Cambridge – Massachusetts – London: The Mitt Press,
1999, pp. 1-22. Sobre a amplitude da prova científica e da própria concepção de ciência,
cf., ainda, Michele Taruffo. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali.
In: Quaderni della revista trimestrale di diritto e procedura civile. V. 8. Decisione giudiziaria
e veritá scientifica. Milano: Giuffrè, 2005, pp. 4-23.
Provas em Espécie 955

dicar um assistente técnico.181 Parece-nos que, sendo a perícia complexa – e havendo,


portanto, mais de um perito designado para o caso (art. 475 do CPC/2015) – cada par-
te poderá indicar um assistente técnico para cada área de conhecimento especializado.
No sistema do CPC/2015, como já acontecia com o CPC/1973 a partir da Lei
8.455/1992, nem o perito, tampouco os assistentes técnicos, devem prestar compromis-
so. Ainda que o perito deva cumprir escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido,
independentemente de termo de compromisso (art. 466 do CPC/2015), não é menos
certo que poderá ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 467 do CPC/2015).
Outrossim, poderá o perito, alegando motivo legítimo (a ser verificado, caso a caso,
pelo juiz), abrir mão de seu cargo nos quinze dias que se seguirem à intimação de sua
nomeação ou de impedimento superveniente, sob pena de ser reputado renunciado o
direito de alegá-lo (art. 157 e § 1º, do CPC/2015). Desde que o juiz acolha as eventuais
impugnações formuladas pelas partes, ou dê como legítima a escusa apresentada pelo
perito para não assumir o munus que lhe foi atribuído, deverá ser nomeado, em substi-
tuição, outro perito, nos termos do art. 468. Tal já não pode ocorrer com os assistentes
técnicos livremente nomeados pelas partes, visto que são de sua confiança e não sujei-
tos a impedimento ou suspeição.
O alcance da perícia é fixado pelos quesitos formulados pelas partes (art. 465, § 1º,
III, do CPC/2015) e/ou pelo juiz (art. 467, II, do CPC/2015), sempre dentro do âmbito
das questões de fato sobre as quais deve recair a atividade probatória, fixadas nos ter-
mos do art. 354, II, do CPC/2015, e dentro delas os fatos que efetivamente dependam
de conhecimento especial. Os quesitos impertinentes hão de ser indeferidos pelo juiz
(art. 470, I, do CPC/2015). Tanto a perícia, como os quesitos, devem ser adequados à
finalidade de provar o fato controvertido. A impertinência dos quesitos poderá ser de
duas ordens: a) de ordem fática, no sentido de se querer provar um fato irrelevante e,
nessa medida, conquanto a perícia em si não fosse inútil, sê-lo-ia parcialmente, através
da resposta a um quesito que em nada elucidaria o litígio; ou b) de ordem jurídica, no
sentido de a parte querer formular um quesito vedado pelo direito.
Além dos quesitos – básicos ou principais – a que nos referimos, existem os chama-
dos suplementares, que poderão ser formulados, ainda que já iniciadas as diligências
(art. 469 do CPC/2015). Tais quesitos serão submetidos ao contraditório (art. 469, pa-
rágrafo único, do CPC/2015) e, na sequência, respondidos pelo perito previamente ou
na audiência de instrução e julgamento (art. 469, caput, do CPC/2015).
Os quesitos suplementares têm por finalidade elucidar os pontos que, por omissão
ou por falta de oportunidade, deixaram de ser objeto dos quesitos temporaneamente
oferecidos (nos quinze dias após a intimação do despacho de nomeação do perito). Se
a parte não ofereceu tais quesitos, impossibilitada não estará, pois, de oferecer os que-
sitos ditos suplementares, dentro dos limites acima indicados.

181. Assim, Cândido Rangel Dinamarco, Reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed.. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 99 e p. 105, e José Eduardo Carreira Alvim, Código de Processo Civil
reformado. 2ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 81-82.
956 Manual de Direito Processual Civil

O indeferimento injustificado ou injusto de quaisquer quesitos que versem fatos


pertinentes e relevantes acarretará cerceamento ao direito à prova e poderá ser alvo de
recurso. Sob a égide do CPC/2015, porém, o recurso cabível não será mais o agravo reti-
do ou de instrumento (v. art. 522 do CPC/1973), mas o recurso de apelação (arts. 1.009,
§ 1º, do CPC/2015, tendo em vista a ausência de previsão legal do agravo de instrumen-
to para tal hipótese – v. art. 1.015 e incisos, do CPC/2015).
À luz do CPC/1973, parte expressiva da jurisprudência considerava como sendo
preclusivo o prazo para oferecimento dos quesitos principais e indicação de assistente
técnico.182 Todavia, posteriormente, passou-se a entender que havendo justo motivo,
o prazo para indicação de assistente técnico poderia ser ultrapassado.183 Atualmente,
prepondera a orientação de que, se for o caso de não ter sido ainda iniciada a perícia,
deve-se admitir a formulação de quesitos, mesmo após encerrado o prazo legal,184 so-
lução que se afigura a mais acertada desde que não haja prejuízo às partes e à realização
tempestiva da perícia, considerando-se, ainda, a ausência de má-fé dos litigantes. Esse
entendimento, formado sob a égide do CPC/1973, tende a ser mantido, por serem apli-
cáveis os mesmos fundamentos.
A parte que tiver perdido o prazo para formular quesitos básicos nem por isso es-
tará impedida de formular quesitos suplementares, tendo em vista, todavia, em nosso
sentir, um limite, qual seja o de elucidar ou completar os quesitos já apresentados pela
parte contrária, sem extrapolar as questões por ela delimitadas. Em verdade, os quesi-
tos suplementares não se devem prestar a questionar pontos que já poderiam ter sido
alvo de quesitação na primeira oportunidade; servem, antes, para trazer à tona desdo-
bramentos dos quesitos principais, geralmente surgidos no curso das diligências rea-
lizadas pelo perito. Outra interpretação, logicamente, reduziria a nada a preclusão do
art. 469 do CPC/2015.185
Claro está, portanto, que os quesitos principais e suplementares antecedem o lau-
do pericial. Após a apresentação deste, restará à parte o direito de, na conformidade do
art. 477, § 3º, desejando qualquer esclarecimento do perito ou dos assistentes técnicos,
requerer ao juiz que mande intimá-los a comparecer à audiência, e as perguntas a serem
feitas serão apresentadas sob a forma de quesitos, conforme estabelece a lei.

182. JUTACivSP 60/69; 86/256: RT 578/179 (publ. tb. em Revista de Processo [RePro] 35/308,
em. 58); RJTJSP 47/251; RJTJRS 106/332: RTJ 93/1.363 e Boletim da AASP 1.145/230, em.
8. Contra: RT 541/259, em.; Revista de Processo [RePro] 2/359, em. 152; 35/308, em.; RT
599/216, em.
183. RT 509/119; RJTJSP 43/195; RTJ 109/742.
184. “De acordo com firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prazo para indicação
do assistente técnico e formulação de quesitos não é preclusivo, de modo que podem ser
feitos após o prazo de 5 (cinco) dias previsto no art. 421, § 1º, do CPC, desde que antes do
início dos trabalhos periciais.” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 554.685/RJ, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, j. 16.10.2014, DJe 21.10.2014).
185. STJ, 3.ª T.,AgRg no AgIn 286.716/SP, j. 8.6.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 21.8.2000;
4ª T., REsp 697.446/AM, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 27.3.2007, DJ 24.9.2007.
Provas em Espécie 957

O laudo pericial deve ser protocolado em juízo, no prazo fixado pelo juiz quando
de sua nomeação, o qual jamais pode ser inferior a 20 (vinte) dias da audiência de ins-
trução e julgamento (art. 477 do CPC/2015).
As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito
do juízo no prazo comum de quinze dias. Em igual prazo, o assistente técnico de cada
uma das partes poderá apresentar seu respectivo parecer (art. 477, § 1º, do CPC/2015).
O perito do juízo tem o dever de, no prazo de quinze dias, bem esclarecer ponto: I
– sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão
do Ministério Público; II – divergente apresentado no parecer do assistente técnico da
parte (art. 477, § 2º, do CPC/2015).
O CPC/2015 revela intensa preocupação com a necessidade da observância ao prin-
cípio do contraditório no curso da diligência pericial. Assim, o art. 466, parágrafo úni-
co, impõe ao perito o dever de assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompa-
nhamento das diligências e exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada
nos autos, com antecedência mínima de cinco dias. O art. 474, de sua vez, determina
a necessidade de ciência às partes sobre a data e o local designados pelo juiz ou indica-
dos pelo perito para ter início a produção da prova. É necessário, portanto, que se in-
forme às partes o momento em que se realizará a prova pericial, a fim de que, com isso,
se permita a elas o acompanhamento de todo o procedimento probatório. Com efeito,
a exigência de tal intimação decorre de norma cogente, cuja falta acarreta a nulidade
absoluta do processo.
O art. 475 do CPC/2015, na linha do que já dispunha o art. 431-B CPC/1973 (inseri-
do pela Lei 10.358/2001), parece atender às novas realidades e exigências da sociedade
contemporânea, em que as relações sociais são cada vez mais complexas, verificando-
-se, em todas as áreas do conhecimento humano, a tendência a uma maior especializa-
ção. Dispõe-se nesse artigo que, “tratando-se de perícia complexa que abranja mais de
uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a
parte indicar mais de um assistente técnico”. Trata-se de uma regra que a todos benefi-
cia, tendo em vista que o auxílio de especialistas em determinada área permitirá trazer
mais subsídios para que o juiz decida com mais segurança e, sem dúvida, mais seguran-
ça também às partes que receberão a tutela jurisdicional.
Dispõe o art. 473, § 3º, do CPC/2015 que, para o desempenho de sua função, o pe-
rito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo
testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da
parte, de terceiros ou em repartições públicas, podendo, ainda, instruir o laudo com
planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao es-
clarecimento do objeto da perícia.
O procedimento da prova pericial pode ser simplificado, nos casos em que a ques-
tão controvertida, que dependa de conhecimento técnico ou científico, se revele menos
complexa. Dispõe, neste sentido, o § 2º do art. 464 do CPC/2015, que o juiz, de ofício
ou a requerimento das partes, “poderá, em substituição à prova pericial, determinar
958 Manual de Direito Processual Civil

a produção de prova técnica simplificada, quando ponto controvertido for de menor


complexidade”. Parece-nos, contudo, que não se trata propriamente de “substituição”
da prova pericial, mas de simplificação de seu procedimento. Essencialmente, a prova
técnica a ser produzida continua sendo uma perícia que consiste, nos termos do § 3º do
art. 464 do CPC/2015, “na inquirição pelo juiz de especialista sobre ponto controvertido
da causa, o qual demande especial conhecimento científico ou técnico”. Uma alteração
do CPC/2015 nesse ponto é a exigência de que o especialista tenha “formação acadê-
mica específica na área objeto de seu depoimento” (art. 464, § 4º), o que não parece ser
de todo um requisito saudável, em especial na hipótese de fatos essencialmente menos
complexos a serem examinados.186 De todo modo, ao prestar seu depoimento, o especia-
lista poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens
com o fim de esclarecer os pontos controvertidos na causa (art. 464, § 4º do CPC/2015).
Se se tratar de autenticidade ou falsidade de documento, ou de perícia médico-legal,
o juiz deverá, na nomeação do perito, dar preferência a técnicos de estabelecimentos
oficiais especializados (art. 478 do CPC/2015), sendo que, nas hipóteses de gratuidade
de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir a determinação judicial
com preferência, no prazo estabelecido (art. 478, § 1º, do CPC/2015). Ainda, se o exa-
me tiver por objeto a autenticidade da letra e da firma, o perito poderá requisitar, para
efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas; na falta destes,
poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance
em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação.
(art. 478, § 3º do CPC/2015).

25.6.6. A perícia e o perito


O perito é, via de regra, alguém da confiança do juízo e haverá de procurar informar
a Justiça objetivamente. Dessa forma, não pode o juiz nomear como perito um dos assis-
tentes técnicos indicados pelas partes.187 A confiança do juízo no perito decorre de sua
capacidade técnica. É possível, à luz do CPC/2015, que o perito seja escolhido pelas par-
tes, de comum acordo, hipótese em que estará investido dos mesmos direitos e deveres.
Quanto à pessoa do perito, para a perícia tradicional (i.e., não simplificada), será or-
ganizada lista de peritos na vara ou na secretaria, com disponibilização dos documentos

186. “Exigir formação acadêmica específica não faz nenhum sentido: já se viu que essa formação
não é exigida no caso de a perícia não ser simplificada; qual a razão para, em perícia efe-
tivada por meio de depoimento, se exigir a formação acadêmica? A regra é absolutamente
injustificável” (Paula Sarno Braga. Comentários ao art. 464 do CPC/2015. In:, Teresa Arruda
Alvim Wambier et. al. (coords). Breves comentários ao novo código de processo civil. São
Paulo: RT, 2015, p. 1775).
187. 2.º TACivSP, AgIn 27.222, Itápolis, 3.ª Câm., j. 03.04.1975, rel. Juiz Sabino Neto, v.u. Mas, de
acordo com o art. 427, o juiz pode dispensar a perícia quando as partes fizeram acompanhar
suas manifestações com pareceres técnicos. Diante disso, decidiu-se que “não há óbice
ao aproveitamento do laudo do assistente técnico do autor, contra o qual não se levanta
nenhuma suspeita” (STJ, REsp 322.642/SP, 3.ª T., j. 12.03.2002, rel. Min. Menezes Direito,
DJ 22.04.2002, p. 202).
Provas em Espécie 959

exigidos para habilitação à consulta dos interessados, para que a nomeação seja distri-
buída de modo equitativo, observadas a capacidade técnica e a área de conhecimento
(art. 156, § 2º do CPC/2015).
Como já salientamos, a escolha dos peritos também pode ser feita pelas partes, de
comum acordo, mediante requerimento (art. 471 do CPC/2015), hipótese em que não
será necessário que o profissional conste do cadastro do tribunal.188 Para que isso ocor-
ra, é preciso que as partes sejam plenamente capazes e que a causa possa ser resolvida
por autocomposição (art. 468, incisos I e II do CPC/2015). Nesse caso, a escolha do
perito deve vir acompanhada pela indicação dos assistentes técnicos das partes, se for
o caso (art. 471, § 1º, do CPC/2015). A perícia feita por perito escolhido pelas partes
substituirá, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz
(art. 471, §3º, do CPC/2015).
A nomeação do perito pelo juiz é característica dos sistemas de civil law que sempre
conduziu a questionamentos concernentes à legitimidade das decisões judiciais funda-
das na prova técnico-científica.189 Nesse ponto, andou bem o CPC/2015 ao autorizar a
escolha do perito pelas partes. Fala-se, atualmente, em prova científica cooperativa, cuja
legitimação exige, no contexto do progresso científico e tecnológico, que o perito des-
frute não apenas da confiança do juiz, mas também dos litigantes.190 Ressalte-se, ain-
da, que a credibilidade deve recair não apenas sobre a qualificação técnica do perito, mas
também sobre a adequação de sua formação ao esclarecimento dos fatos que se pretende
provar com a perícia e, bem assim, consoante já se salientou (v. tópico precedente), so-
bre o método a ser utilizado, o qual deve ser passível de amplo debate.
Em caso de perito escolhido pelo juízo, incumbe às partes, dentro de quinze dias
contados da intimação do despacho de sua nomeação: I – arguir o impedimento ou a
suspeição do perito, se for o caso; II – indicar o assistente técnico; III – apresentar que-
sitos (art. 465, § 1º, incisos I a III, do CPC/2015).
O perito tem o dever de aceitar o cargo e, para não o fazer, deverá evidenciar ao
juiz a impossibilidade ou o grande incômodo que a perícia lhe traria (art. 468, II, do

188. Nesse particular, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 168, § 1º, do CPC/2015, con-
cernente à escolha de mediadores ou conciliadores pelas partes. Cf., no mesmo sentido:.,
Fredie Didier JR. Comentário ao art. 471 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. al. Breves comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, 2015, p. 1187.
189. “A circunstância de que esse perito (diversamente das testemunhas peritas, indicadas pelas
partes, nos sistemas de common law) goza de grande credibilidade junto ao magistrado que
o nomeou, associada ao papel proeminente exercido pela ciência na atualidade, podem
conduzir a julgamentos verdadeira e eminentemente periciais, e não judiciais.” (Clarissa
Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os
processos civil e penal, op. cit., p. 325). Os questionamentos a que alude a autora dizem
respeito ao risco de delegação, ainda que de maneira velada, do poder decisório ao perito
(Cf. Mirjan Damaška, Evidenciary law adrift, New Haven – London: Yale University Press,
1997, p. 151).
190. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Problemas atuais da livre apreciação da prova. In: Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira (org.). Prova cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 51.
960 Manual de Direito Processual Civil

CPC/2015); tem, ainda, o direito de pedir prorrogação do prazo judicial fixado, justifi-
cando tal medida (art. 476 do CPC/2015), podendo o juiz conceder a prorrogação por
uma vez. Tem, outrossim, obrigações que consistem em informar lealmente o juízo, em
fornecer dados reais e verídicos e, ainda, na argumentação técnica, utilizar-se de meios
idôneos e não sofísticos (art. 468, caput, 1ª parte, do CPC/2015).
Têm as partes o direito de estar presentes quando da realização dos exames periciais
(art. 474 do CPC/2015), bem como devem ser intimadas com, no mínimo, cinco dias
de antecedência da realização de quaisquer diligências (art. 466, § 2º, do CPC/2015).
Tais exigências se coadunam perfeitamente com a preocupação, já referida, com a ob-
servância do contraditório. Por outro lado, estão também em consonância com a publi-
cidade de que, obrigatoriamente, têm de se revestir os atos processuais (até mesmo por
disposição constitucional – art. 93, IX da CF), salvo cautelas que podem vir a ocorrer,
também, na perícia (casos de segredo de justiça – art. 189 do CPC/2015).
O perito, bem como os assistentes técnicos, não estão obrigados a comparecer à au-
diência de instrução e julgamento, salvo se a parte interessada na sua presença reque-
rer as respectivas intimações, formulando desde logo, isto é, quando da intimação, as
perguntas sob a forma de quesitos (art. 477, § 3º, do CPC/2015). À evidência que esta
disposição não tem qualquer relação com aquela referente à situação de perícia sim-
plificada (art. 464, § 2º, do CPC/2015), caso em que o perito será, quando nomeado,
intimado a comparecer à audiência para o fim específico de ser inquirido sobre a coisa
examinada ou avaliada, esclarecendo, assim, o ponto controvertido que depende de es-
pecial conhecimento científico ou técnico (art. 464, § 3º, do CPC/2015).

25.6.7. O perito e a sua responsabilidade


No que diz respeito aos deveres do perito, devemos registrar que, ainda que este deva
cumprir escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de ter-
mo de compromisso (art. 466, caput, do CPC/2015), não é menos certo que poderá ser
recusado por impedimento ou suspeição (art. 148, III, do CPC/2015). Outrossim, po-
derá o perito, alegando motivo legítimo (a ser verificado, caso a caso, pelo juiz), abrir
mão de seu cargo nos quinze dias que se seguirem à intimação de sua nomeação ou de
impedimento superveniente, sob pena de ser reputado renunciado o direito de alegá-
-lo (art. 157, § 1º, do CPC/2015). Desde que o juiz acolha as eventuais impugnações
formuladas pelas partes, ou dê como legítima a escusa apresentada pelo perito para não
assumir o munus que lhe foi atribuído, deverá ser nomeado, em substituição, outro pe-
rito, nos termos do art. 468, II, do CPC/2015.
Desde o CPC/1973, observa-se um acentuado peso de responsabilidade carreada
aos peritos. Além da cominação de multas para o não cumprimento do encargo no pra-
zo que lhe foi assinado, o perito estará sujeito, ocorrendo essa mesma hipótese, cumu-
lativamente, a sofrer representação por parte do juiz perante sua respectiva corporação
profissional (art. 468, § 1º, do CPC/2015).
O perito será substituído quando se verificar, in concreto, que não tem conhecimen-
to técnico ou científico (art. 468, I, do CPC/2015) ou, ainda, quando deixar de cum-
Provas em Espécie 961

prir escrupulosamente (art. 466, 1ª parte c/c art. 468, II, do CPC/2015) o encargo que
assumiu no prazo que lhe foi assinado. Na ocorrência desta segunda hipótese, poderá,
como visto, estar sujeito a representação formulada pelo juiz perante sua corporação
profissional respectiva, além de ser condenado a pagar multa arbitrada em cotejo ao
valor da causa e do possível prejuízo decorrente do atraso do processo (art. 468, § 1º,
do CPC/2015). Ainda, substituído o perito em virtude do descumprimento do encargo
no prazo que lhe foi assinado, deverá restituir os valores já recebidos pelo trabalho não
realizado no prazo de quinze dias, sob pena de ficar impedido de atuar como perito ju-
dicial pelo prazo de cinco anos (art. 468, § 2º, do CPC/2015). No caso de não ocorrer a
restituição voluntária dos valores, a parte que houver antecipado os honorários poderá
promover-lhe a execução, com fundamento na decisão que determinar a devolução do
numerário (art. 468, § 3º, do CPC/2015).
Em nenhum destes casos pode-se falar em assistentes técnicos, que são contratados
pelas partes. Especificamente na última hipótese ventilada no parágrafo precedente –
da não apresentação de seus pareceres no prazo, pois, se a falta for proveniente do as-
sistente técnico, esta se refletirá (rectius: poderá refletir, se for este o entendimento do
juiz – art. 371 do CPC/2015) exclusivamente sobre a parte que o indicou, de vez que a
audiência se realizará sem embargo da ausência do parecer de seu assistente.

25.7. Inspeção judicial


25.7.1. Noções gerais
A inspeção judicial vem regulada no Código como meio de prova,191 mais precisa-
mente nos arts. 481 a 484 do CPC/2015, consistindo na obtenção da prova e de escla-
recimentos sobre determinado fato a partir do contato direto e sensorial do juiz com a
coisa ou pessoa inspecionada.192Pode ser realizada em qualquer fase do processo, bas-
tando que maiores elucidações se façam necessárias para a decisão da causa. 193-194

191. No entendimento de João Batista Lopes (A prova no processo civil, 3ª ed., São Paulo: RT,
2007, p. 159): “Em rigor técnico, não se poderia falar em meio de prova, porque o juiz não
se vale de instrumentos ou pessoas para obter elementos necessários à formação de seu
convencimento, mas procede às verificações e exames ictu oculi, sem intermediários”.
192. V. Vicente de Paula Ataide Junior, A imprescindibilidade da inspeção judicial nas ações
ambientais, RePro, vol. 152, out-2007, p. 60-85.
193. É como já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: “Agravo Regimental. Ação de in-
denização por danos materiais e morais. Atropelamento. Culpa atribuída ao preposto do
réu. Inspeção judicial. Expressão que não foi utilizada pelo relator da apelação no sentido
técnico-jurídico, sendo desinfluente à conclusão do julgado. Observância dos seus requi-
sitos. Desnecessidade. I – A utilização da inspeção judicial como meio de prova se justifica
sempre que houver necessidade de o magistrado melhor avaliar ou esclarecer um fato con-
trovertido, ou seja, naquelas situações em que essa percepção não puder ser obtida pelos
outros meios de prova comumente admitidos no processo.” (STJ, AgRg no REsp 1.110.215/
RJ, 3ª T., j. 27.10.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 06.11.2009).
194. Reputamos completa a conceituação feita por Fredie Didier Júnior, Paula Braga e Rafael de
Oliveira para os quais a “inspeção judicial, também conhecida como inspeção ocular, exame
judicial ou reconhecimento judicial, é meio de prova que se concretiza com o ato de percepção
962 Manual de Direito Processual Civil

Devem ser obedecidas e observadas algumas formalidades que são imprescindíveis


para que a inspeção seja valorada como prova. Não se confunde, assim, v.g., a inspeção
com mera visita informal, cunhada de subjetividade, que tenha sido eleita pelo magistra-
do.195 Ou, ainda, a inspeção não serve para, como bem sinalizam Fredie Didier, Paula
Braga e Rafael de Oliveira, “satisfazer curiosidades pessoais ou instinto de perseguição
em torno dos envolvidos no processo.”. 196
A inspeção judicial poder ser determinada de ofício ou a requerimento das partes
(art. 481 do CPC/2015) ou, ainda, pelo Ministério Público quando esse intervier no feito.
Será determinada de ofício se o juiz (i) tiver motivos de dúvida sobre fato controver-
tido relativo à decisão da causa e esse não tiver sido esclarecido pela produção de outras
provas, assumindo a inspeção caráter de prova complementar 197 ou (ii) se desde logo
entender que somente a inspeção judicial for o meio apto a esclarecer tal fato. Aferir es-
sas circunstâncias é importante, pois, se ausentes, se estaria o magistrado utilizando da
inspeção para o fim de, eventualmente, suprir a atividade precária de uma das partes,
ou mesmo a inatividade. É, portanto, prova que somente deve ser determinada de ofí-
cio se presentes tais justificativas.
Sob outro ângulo, na primeira hipótese que epigrafamos, notamos que a inspeção
judicial é marcada pela subsidiariedade,198 sobretudo, considerando que o CPC/2015
disciplina um grande número de meios de prova, e, ainda, admite quaisquer outras,
desde que moralmente lícitas.

pessoal do juiz, com um ou alguns dos seus sentidos, das propriedades e circunstâncias rela-
tivas a pessoa ou coisa (móveis, imóveis e semoventes). O objetivo da inspeção é esclarecer
o juiz sobre fato que interesse à decisão da causa (art. 481, parte final). Assim, a inspeção
deve ter por objeto necessário e exclusivo a elucidação de ponto de fato controvertido.” (v.
Curso de direito processual civil, vol.2, Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 297).
195. Nesse sentido: “Agravo de instrumento – Inspeção judicial – Simples visita do magistrado –
Ausência de auto circunstanciado – Falta de intimação das parte –. Ausência de publicidade
– Ausência de peritos. Impossibilidade jurídica – Recurso conhecido e provido. Se o Código
de Processo Civil regula a inspeção judicial, o magistrado deve escolher, se necessário, essa
via probatória. Contudo, não há como ser considerada simples visita do magistrado no local
a ser inspecionado, faltando intimação das partes para acompanhar o ato judicial, ausência
do escrivão para o imprescindível auto circunstanciado, por estar em desconforme com o
previsto à espécie e, em verdade, tratar-se de mero subjetivismo, não há como convalidar
decisão que embasou em ato eivado de nulidade insanável” (TJMT, AgIn 8.527, 3.ª Câm.
Cív., j. 05.08.1998, rel. Des. Wandyr Clait Duarte, Juris Síntese Millenium CD-Rom de
Jurisprudência n. 27, Síntese, RS, não paginado).
196. v. Curso de direito processual civil, vol.2, Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 297.
197. Em recente e interessante decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pontuou-se
a necessidade da realização da inspeção judicial em ação de interdição, em caráter comple-
mentar ao laudo pericial. De acordo com trecho do acórdão é “prudente o acolhimento da
inspeção pleiteada e produção de outras provas pertinentes, até porque o contato pessoal
pode afetar o convencimento pessoal do d. magistrado de origem, auxiliando-o a fixar os
contornos do exercício da curatela.” (TJSP, AI 2269803-33.2015.8.26.0000, 9ª Câm. D.
Priv., j. 03.05.2016, rel. Des. Alexandre Lazzarini).
198. Cf. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 579.
Provas em Espécie 963

Reputamos relevante ressaltar que, embora essa prova seja no mais das vezes com-
plementar ou sucessiva às demais, isso não inibe o juiz de determiná-la se presentes os
pressupostos contidos nos incisos do art. 483 do CPC/2015. Em verdade, tais incisos
caracterizam a necessidade de realização da inspeção judicial, afastando a necessidade
de que o magistrado aguarde a produção de outras provas. Sendo a inspeção requerida
pelas partes ou Ministério Público, o juiz, antes de deferir ou indeferir a medida, deve
verificar se comparecem os referidos pressupostos, ou seja, se está caracterizada ao me-
nos uma das duas situações.
Concluímos, portanto, que não é atividade normal do juiz fazer inspeções. Porém,
se presente a segunda situação, entendendo o juiz que, somente mercê da inspeção ju-
dicial é possível reunir condições para se esclarecer a respeito de fatos relativos à causa,
de forma alguma poderá abdicar do seu poder-dever de determinar a realização desse
meio de prova.

25.7.2. A participação de peritos na inspeção


O CPC/2015, assim como o CPC/1973, admite que o juiz realize a inspeção judicial
acompanhado por um ou mais peritos (art. 482). Nesse caso, é certo, haverá duplo meio
de prova com o escopo de esclarecer um ou mais fatos controvertidos.

25.7.3. A presença das partes na inspeção


O Código também estabelece que as partes têm sempre direito a assistir à inspeção,
participando ativamente de sua realização com a prestação de esclarecimentos e fazen-
do observações que considerem pertinentes para a causa (art. 483, parágrafo único, do
CPC/2015). Poderão, ademais, estar acompanhadas de profissionais especializados que
as auxiliem. 199 É regra que alberga o princípio do contraditório (art. 5º, LV da CF/1988)
e consubstancia os ditames de cooperação (art. 6º do CPC/2015) que informam o de-
senvolvimento da atividade jurisdicional.
Assim, deverão ser regularmente intimadas nas pessoas dos seus advogados, que as
representam em juízo.200 Se, todavia, apesar da intimação, não comparecerem à diligên-

199. Como pontua Humberto Theodoro Júnior, “nada impede, outrossim, que sejam assessoras
por técnicos de sua confiança, os quais, porém, lhes prestaram esclarecimentos particulares,
sem assumir a posição processual de assistentes técnicos, como ocorre na prova pericial.”
(v. Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. revista, atualizada e ampliada, Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 1006).
200. Decidiu-se corretamente, que “a inspeção judicial, conquanto seja providência que pode
ser determinada até de ofício, não pode ser realizada à revelia dos litigantes. Não dispensa a
publicidade, mas, ao contrário, deve cercar-se de especiais cautelas, a primeira das quais é
assegurar-se às partes, seus procuradores e assistentes técnicos o direito de assisti-la, ficando
uns e outros autorizados a prestar esclarecimentos e fazer as observações que reputarem de
interesse para a causa” (2.º TACivSP [extinto], RT 674/158). Igualmente, é o que asseverou o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Agravo de instrumento. Inspeção judicial.
Ausência de intimação das partes. Procedimento previsto no artigo 442, parágrafo único, do
Código de Processo Civil. Cerceamento de defesa. Violação dos princípios do contraditório e
964 Manual de Direito Processual Civil

cia, sofrerão as eventuais consequências de a ela não terem estado presentes. Ou seja,
deixarão de ter podido prestar esclarecimentos, ou de ter feito observações que lhes
poderiam ter sido úteis. O comparecimento ao ato perfaz um ônus processual da parte.
Compreendemos, ainda, que esse direito é também estendido ao Ministério Público
quando esse intervier no processo (art. 179, I, in fine, do CPC/2015). Seu representante
deve ser intimado para se manifestar sobre o interesse em participar do ato.

25.7.4. A documentação da inspeção


No que se refere à realização da diligência, propriamente dita, ela deverá ser obje-
to de documentação idônea. Uma vez concluída a inspeção, deverá ser lavrado “auto
circunstanciado, mencionando-se nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa”
(art. 484 do CPC/2015). Na lavratura do documento se deve prezar pela completude,
especialmente, tendo em vista que o magistrado só poderá fundamentar suas decisões
futuras com base no que estiver ali efetivamente registrado.201
Esse auto circunstanciado, ademais, poderá ser instruído com desenho, gráfico ou
fotografia que o complete e que esclareça a finalidade em decorrência da qual foi reali-
zada a diligência (art. 484, parágrafo único, do CPC/2015).

ampla defesa. Precedentes. Provimento do recurso.” (TJRJ, AI 0066712-16.2013.8.19.0000,


23ª Câm. Cível, j. 16.01.2013, rel. Des. Marcelo Castro Anátocles da S. Ferreira).
201. Cf. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, de Teresa
Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e
Rogério Licastro Torres de Mello, 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 846.
26
Audiência de Instrução e Julgamento

26.1. Introdução

No curso do procedimento comum ordinário há lugar para a realização de três audi-


ências, quais sejam: a audiência de conciliação ou de mediação, disciplinada no art. 334
do CPC/2015, a eventual audiência para saneamento do feito do art. 357, § 3º, e a au-
diência de instrução e julgamento, disciplinada nos arts. 358 e seguintes do Código.
A primeira audiência a que aludimos, a de conciliação ou de mediação, sobre a qual
já discorremos em capitulo próprio, é aquela a ser obrigatoriamente designada pelo juiz
após o recebimento da petição inicial, e antes do prazo para apresentação de resposta
pelo réu. A audiência não ocorrerá se as partes se manifestarem pela sua não realização,
como já tratado em momento oportuno. O autor deverá indicar na petição inicial seu
desinteresse na autocomposição.
Já o réu será citado, via de regra, não para apresentar defesa, mas para comparecer à
audiência de mediação, podendo apresentar em petição simples sua manifestação pelo
desinteresse na audiência com até dez dias de antecedência (art. 334, § 5º, do CPC/2015).
É uma das oportunidades pelas quais o CPC/2015 incorpora a tendência de estimular a
utilização de técnicas e instrumentos de autocomposição. Será o réu, entretanto, cita-
do para apresentar defesa em caso de não realização da audiência de conciliação nas hi-
póteses já elucidadas no capítulo sobre a audiência de conciliação ou mediação, como,
por exemplo, no caso do litígio tratar de direitos indisponíveis e, em nosso sentir, caso
o juiz dispense a realização da audiência em razão do autor já ter demonstrado desin-
teresse na composição.
Temos, também, a eventual audiência para saneamento do feito a ser designada
se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito (art. 357, § 3º,
do CPC/2015). Assim, caso necessário, pode o magistrado convidar as partes a inte-
grar ou esclarecer suas alegações, regularizando o feito e preparando-o para instru-
ção e sentença.
Já a audiência de instrução e julgamento (do procedimento comum), segundo a dic-
ção de Eduardo Arruda Alvim, “é o ato processual complexo que visa, precipuamente,
à colheita de prova oral, em que é praticada uma série de atos pelo juiz, pelas partes e
966 Manual de Direito Processual Civil

por terceiros, terminando com a sentença”.1 Tendo por objetivo a produção de provas
orais, a audiência de instrução é permeada pelo princípio da oralidade e pelo princípio
da imediatidade.2
Muito embora se cuide de audiência voltada à apuração da verdade a respeito dos
fatos controvertidos – o que se viabiliza mediante produção de prova oral, o Código de
Processo Civil permeado pela tendência ampliativa da concepção de acesso à justiça,
estimula a busca de composição entre as partes, no curso de todo o processo, como um
caminho também para diminuir a sobrecarga do Judiciário.
Instalada a audiência, o CPC/2015 dispõe sobre a oportunidade de composição pe-
las partes. Cumpre ao magistrado, antes de dar início à instrução, tentar conciliá-las
(art. 359), como, aliás, deve fazê-lo a qualquer tempo (art. 139, V).3-4 Somente se frustra-
da essa possibilidade é que se inicia a instrução propriamente dita, nos moldes descritos
nos itens subsequentes. Na hipótese de ser caso de proferir sentença em audiência, o juiz
procederá ao julgamento da lide, após expostas oralmente as razões finais das partes.

1. Direito processual civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., p. 608. No mesmo sentido, explica Joa-
quim Felipe Spadoni que a audiência de instrução e julgamento “consiste em ato solene e
complexo, no qual partes, advogados e outras pessoas relevantes para o deslinde da lide
comparecem perante a autoridade judiciária para a prática verbal de atos processuais di-
versos.” (v. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. In: Tereza Arruda Alvim
Wambier et. al. (Coord.), 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 1.042).
2. “O bom julgamento exige o contato pessoal e direto do juiz com as partes, testemunhas,
peritos e assistentes, além dos advogados da causa. (...) A imediação compreende duas
modalidades: (a) a imediação subjetiva, ou formal, efetivada no contato pessoal e imediato
do juiz com os meios de prova; e (b) a imediação objetiva, ou material, na qual o juiz apro-
xima-se da fonte da prova. O objetivo da imediação consiste em provocar no espírito do juiz
convicção derivada dos próprios sentidos – o juiz vê e ouve a fonte de prova. Diminuindo
o número de transmissões de conhecimento, eliminando os intermediários – argumento
contra o testemunho de ouvir dizer, ou ex auditu, todavia admissível –, também diminui
o grau de falsificação involuntária.” (v. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, v.. 3, São
Paulo: RT, 2015, p. 1171).
3. Além dos profissionais especialmente dedicados à solução consensual das partes, entendemos
que o juiz deve sempre, na medida das possibilidades aventadas no caso em concreto, tentar
promovê-la. V. Artur César de Souza: “Este dispositivo vem realçar a intenção do legislador do
novo C.P.C. em dar preferência aos meios alternativos de resolução de conflitos, como é o caso
da conciliação e mediação, assim como a arbitragem. Não obstante o art. 167 do atual C.P.C.
estabeleça que cada tribunal poderá criar setor de conciliação e mediação ou programas desti-
nados a estimular a autocomposição da lide, a existência desses setores específicos não impede
que o juiz deva, sempre e na medida do possível, convocar as partes para que solucionem a
lide mediante conciliação ou mediação. Por isso, logo no início da audiência de instrução e
julgamento, deverá o juiz indagar das partes sobre a possibilidade de conciliação, indepen-
dentemente de ter havido tentativa anterior.” (Código de Processo Civil: anotado, comentado
e interpretado: parte especial (art. 318 a 692). v.. 2. São Paulo: Almedina, 2015, p. 261).
4. Em caso em que as partes chegaram a acordo após a sentença e o magistrado indeferiu a
sua homologação, o TJSP decidiu que o juiz deve tentar conciliar as partes a qualquer tem-
po, inclusive após a decisão de mérito se disponíveis os direitos (TJSP, Ag. de Instrumento
0168518-02.2013.8.26.0000, 2ª C. de Dir. Priv., j. 08.04.2014, rel. Des. José Joaquim dos
Santos).
Audiência de Instrução e Julgamento 967

Deve-se ter presente, por fim, que, a depender do procedimento sob o qual se de-
senvolve o feito, e de acordo com as circunstâncias do caso, o juiz poderá promover ou-
tras espécies de audiência, de que são exemplos as audiências de justificação das ações
possessórias (art. 562, caput, do CPC/2015), a audiência na exibição de documento se
o terceiro negar a obrigação (art. 402 do CPC/2015), a audiência prevista no art. 856,
§ 4º, do CPC/2015, requerida pelo credor em ação de execução, na hipótese de penho-
ra de crédito cuja existência seja controvertida, para tomada de depoimento do deve-
dor e de terceiro etc.

26.2. Atos que antecedem a audiência


As partes deverão, previamente e pela imprensa oficial, nas capitais ou nas comar-
cas onde existe órgão oficial ou que faça as vezes deste, ser intimadas da audiência, o
que se constitui em requisito essencial à sua realização válida.
Havendo antecipação ou adiamento da audiência, não é imprescindível a intimação
pessoal às partes, mas só aos procuradores, sob pena de nulidade. É o que disciplina o
art. 363 do CPC/2015, segundo o qual “o juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinará a intimação dos advogados ou da sociedade de advogados para ciência da
nova designação”.

26.3. A audiência de instrução e julgamento


A audiência de instrução e julgamento divide-se, logicamente, em quatro fases, de
molde a que a primeira sirva de base à segunda, e assim sucessivamente. Antes de tudo
deverá o juiz, como vimos, tentar promover a autocomposição das partes.5 Evidente-
mente, a tentativa não será feita pelo magistrado se o direito não admitir autocompo-
sição6 e se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição
consensual.7

5. Como nota José Herval Sampaio Jr, pode ser que desde a última oportunidade de tentativa
de composição das partes “tenham ocorridas situações que permitam que o acordo seja
atingido, havendo um melhor sopesamento do risco envolvido em cada litígio, a partir de
cada tese posta em juízo.” (v. Comentários ao Código de Processo Civil. In: Angélica Arruda
Alvim et. al, (coords.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 477). Semelhantemente, entende Joaquim
Felipe Spadoni que esse é o momento ideal para tentar a composição das partes, porque
“só resta a produção das provas orais. Todas as provas documentais e eventuais perícias já
terão sido realizadas. As partes, com o adequado assessoramento de seus advogados, já
poderão melhor avaliar as suas reais chances de êxito e, consequentemente, as vantagens
e desvantagens de se entabular um acordo.” (v. Breves comentários ao novo Código de Pro-
cesso Civil. In: Tereza Arruda Alvim Wambier et. al. (coords.). 2. ed. rev. e atual., São Paulo:
RT, 2016, p. 1.044).
6. Cumpre-nos notar importante e substancial alteração do CPC/2015 a esse respeito. O art. 447
do CPC/1973 dispunha que a conciliação era possível para os “direitos patrimoniais de
caráter privado”. Ao § 4º do art. 334 do CPC/2015, por sua vez, fala em direito que admitir
autocomposição.
7. “Uma vez declarada aberta a audiência, o magistrado, sendo o caso, tentará conciliar as
partes ou, quando menos, convencê-las de buscarem soluções alternativas para o conflito,
968 Manual de Direito Processual Civil

Conquanto nessa oportunidade se possa despender mais de um dia de trabalho, a


audiência é uma realidade unitária (art. 365, caput, do CPC/2015), e essa unitariedade
exige que, se não concluída num dia, seja marcado dia para continuação proximamen-
te, em pauta preferencial (art. 365, parágrafo único).
Não havendo composição, passa-se à segunda fase da audiência, que é a de instru-
ção da causa, devendo nessa oportunidade serem colhidas as provas orais (art. 361 do
CPC/2015), à luz da fixação dos fatos controvertidos, tais como os tenha fixado o juiz
no saneamento do processo (art. 357 do CPC/2015).
Referentemente às provas orais produzidas na audiência, além da oitiva de testemu-
nhas, tomam-se esclarecimentos do perito e/ou assistentes técnicos, quando tenha sido
caso de prova pericial e, ainda, se, forem necessários maiores esclarecimentos, se esses
não tiverem sido prestados por escrito ou, se apresentados, forem considerados insufi-
cientes (arts. 361, I, e 477, § 3º do CPC/2015); ouvem-se os depoimentos pessoais, na
hipótese de terem sido requeridos (arts. 385 e 361, II do CPC/2015) e as partes, pessoal-
mente intimadas para esse fim, ou, então, ordenado pelo juiz o interrogatório (art. 385
do CPC/2015); processa-se à inquirição de testemunhas (art. 361, III do CPC/2015),
desde que oportunamente arroladas e intimadas (art. 450 do CPC/2015), ou que deve-
riam comparecer e hajam efetivamente comparecido, independentemente de intimação
(art. 455, § 2º do CPC/2015), ou, ainda, das testemunhas arroladas e requisitadas, nos
casos do art. 455, § 4º, III do CPC/2015.
Sucessivamente à instrução, segue-se a discussão da causa (art. 364, caput do
CPC/2015), na qual as partes, por seus advogados, reiteram as respectivas posições, li-
gando toda a prova produzida aos fatos por elas alegados e de que pretendem emerjam
consequências jurídicas úteis e por elas pedidas. Em regra, os debates orais serão rea-
lizados em 20 minutos para cada parte, prorrogável por dez minutos a critério do juiz.
Existindo litisconsórcio ou terceiro interveniente, o tempo total será de 30 minutos
para cada polo da relação processual, sendo dividido entre as pessoas deles participan-
tes (art. 364, caput, e § 1º).
Admite a lei que o debate, ao invés de ser oral, seja feito por memoriais ou razões finais
escritas “quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito”(art. 364,
§ 2º), a serem apresentados em prazos sucessivos8 de 15 dias, assegurada vista dos autos.

como, por exemplo, a mediação ou a arbitragem (art. 359). A ressalva é importante porque


pode se tratar de direito que não aceita autocomposição. Pode ser também que as partes
já tenham se manifestado ao magistrado no sentido de desinteresse de qualquer tentativa
de autocomposição, reiterando, até mesmo, posicionamento similar constante da petição
inicial e/ou da petição do réu nos moldes do §5º do art. 334.” (v. Cássio Scarpinella Bueno.
Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 307).
8. Como comentam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, a previsão expressa de
prazos sucessivos é digna de elogios e representa importante avanço que já era sinalizado
pela doutrina. Dizem os autores: “A redação do CPC 364 §2º pode ser considerada um
avanço em relação à do CPC/1973 454 §3º, pois determina claramente que a apresentação
de memoriais (‘razões finais escritas’) deve ser feita de forma sucessiva, sendo primeiro
Audiência de Instrução e Julgamento 969

Finalmente, à vista da prova e da análise dos fatos, encerra-se toda a atividade ju-
risdicional, em primeiro grau de jurisdição, com a sentença, a qual será proferida após
os debates orais, em audiência, ou no prazo de 30 dias contados do fim dos prazos de
apresentação de memoriais escritos (art. 366).
A audiência de instrução é um ato processual complexo, dado que composto de di-
versos outros.
Também a audiência é o espaço de tempo onde devem ser realizados os chamados
subprincípios da concentração e da imediatidade que formam o chamado sistema da
oralidade.
Acentua-se, também, que a audiência de instrução deverá ser pública (art. 368). O
segredo de justiça poderá ser ordenado a pedido, ou mesmo ex officio, se entender, o juiz,
presentes os respectivos pressupostos (art. 189), o que está em perfeita harmonia com
o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. O problema, pois, como é óbvio, diz
respeito tanto ao interesse das partes quanto à própria moralidade pública.
No mais, importa notarmos que o CPC/2015 prevê expressamente a hipótese de
gravação da audiência e permite que as partes, independentemente da autorização do
magistrado, assim a registre (art. 367, §§ 5º e 6º).

26.4. Decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e os recursos


cabíveis
Interessa destacar, nesse passo, importante inovação feita no procedimento da au-
diência de instrução e julgamento pelo CPC/2015.
No CPC/1973, após alteração feita pela Lei 11.187/2005, que instituiu nova reda-
ção ao art. 523, § 3º, daquele diploma, previa-se que “Das decisões interlocutórias pro-
feridas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo
ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457),
nele expostas sucintamente as razões do agravante”. Poderia, também, ser manejado,
excepcionalmente, o recurso de agravo de instrumento, desde que a decisão agravada
fosse suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, de acordo com o pre-
visto no caput do art. 522 do CPC/1973.
O CPC/2015 altera sensivelmente essa sistemática. Não mais existe o recurso de
agravo retido e a noção de ônus decorrente da possível preclusão é substancialmente
modificada, eis que as decisões interlocutórias, antes todas sujeitas a agravo, agora, via
de regra, não ficam cobertas pela preclusão.

apresentados os do autor e, após, os do réu. O texto proíbe, por conseguinte, a fixação de


‘prazo comum’ para a entrega de memoriais, ou apresentação simultânea de memoriais.
Nesse sentido já se encaminhava a doutrina.” (v. Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo: RT, 2015, pp. 978-979). Entretanto, tratando-se de autos eletrônicos, entendemos
que a sucessividade de prazos não tem muita razão de ser, pois todas as partes, terceiros e,
eventualmente, Ministério Público têm acesso ao processo concomitantemente. V. Cássio
Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do
novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 309).
970 Manual de Direito Processual Civil

O recurso de agravo de instrumento é cabível, no CPC/2015, apenas em determina-


das e taxativas situações (art. 1.015 do CPC/2015); não sendo o caso destas, a decisão
não preclui e a insurgência deve ser feita apenas na apelação, no mesmo momento em
que a parte sucumbente impugna a sentença (art. 1.009, § 1º do CPC/2015). É o caso
da decisão interlocutória proferida em audiência, como, por exemplo, o indeferimento
da oitiva de uma testemunha, que será discutido quando e se a parte vier a ser vencida
na sentença, nas razões de apelação; ou, ainda que vencedora pela sentença se houver
sucumbido na decisão interlocutória, poderá impugná-la em contrarrazões. Para tanto,
entendemos, por ideal, que essas decisões constem expressamente em ata.
Se, porém, o juiz decidir, na audiência, sobre alguma das situações ensejadoras do
recurso de agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC/2015), o que, em regra, fará em
capítulo da própria sentença, a rediscussão das matérias também será por meio de ape-
lação (art. 1.009, § 3º do CPC/2015).
26.5. O adiamento da audiência
Pelo CPC/2015, a audiência de instrução e julgamento pode ser adiada “por con-
venção das partes” (art. 362, I do CPC/2015), “se não puder comparecer, por motivo
justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar” (art. 362, II), e,
“por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do ho-
rário marcado” (art. 362, III).
O adiamento da audiência de instrução e julgamento, pelo acordo entre as partes,
no CPC/1973 somente era possível uma única vez (art. 453, I, in fine), limite que não
consta do CPC/2015; quanto ao não comparecimento de qualquer pessoa que deva par-
ticipar do ato, haverá adiamento tão somente se a impossibilidade se dever a motivo de
força maior. Os impedimentos devem ficar comprovados até a abertura da audiência,
sob pena do magistrado proceder à instrução, e as despesas eventualmente acrescidas
em razão do adiamento serão arcadas a quem lhes der causa (art. 362, §§ 1º e 2º).
A audiência de instrução e julgamento de qualquer feito civil, uma vez aberta, deve
ser una e contínua, na linguagem do Código (art. 365). Essa unidade não se quebra por-
que pode, por motivos justificados, ser interrompida.9-10 Havendo interrupção, qual-

9. “A ideia de unidade da audiência decorre do fato de ela ser considerada um único ato
processual, que ocorre num só momento processual, no qual se concentra a realização de
diversos outros atos – instrução, debate e julgamento. Ainda que seja impossível realizar toda
a instrução, o debate e o julgamento no mesmo dia, a próxima audiência a ser designada
não será considerada, para fins legais, outra audiência, mas apenas continuação daquela
primeira e única, em outra sessão.” (v. comentários de Joaquim Felipe Spadoni em Breves
comentários ao novo Código de Processo Civil. In: Tereza Arruda Alvim Wambier et. al.
(coords.). 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 1.052-1.053).
10. Há, como diz Araken de Assis, um fundamento para a unidade da audiência, “é preciso que
os atos de instrução – na audiência, conforme dispõe o art. 361, devem se produzir as provas
orais –, de discussão e de julgamento realizem-se proximamente, a fim de que as impressões
provocadas na colheita das provas (v.g., a fisionomia e os trejeitos da testemunha; a confusão
do perito, incapaz de resumir ou explicar o laudo) e os argumentos hauridos do debate,
por vezes inexcedíveis no rompante do improviso, não se dissipem no terceiro e decisivo
momento.” (cf.. Processo civil brasileiro, vol. 3: parte especial: procedimento comum (da
Audiência de Instrução e Julgamento 971

quer que seja o motivo, o seu prosseguimento não é uma nova audiência, mas apenas e
tão somente continuação da audiência única do processo. Não é, pois, possível serem
arroladas testemunhas no interregno entre “duas” audiências. 11-12
26.6. Audiência e o problema do cerceamento de defesa
Se não comparece à audiência um dos procuradores, como, por exemplo, o único
advogado do réu, mas provado motivo de doença, caracteriza-se força maior, e, pois,
deverá a audiência ser adiada, sob pena de caracterizar-se cerceamento de ­defesa. 13-14-15

demanda à coisa julgada), São Paulo: RT, 2015, p. 1.166). Por essa mesma razão nos parece
que o CPC/2015 expressamente determina que “diante da impossibilidade de realização
da instrução, do debate e do julgamento no mesmo dia, o juiz marcará seu prosseguimento
para a data mais próxima possível, em pauta preferencial.” (art. 365, parágrafo único). O
que se pretende com tal determinação é reduzir ao mínimo os eventuais efeitos deletérios
do tempo sobre a instrução da causa que ocorre na audiência.
11. Já se entendeu, com acerto, haver abuso, a importar inversão tumultuária de atos e fórmulas
legais, na admissão de rol de testemunhas no interregno decorrente de interrupção da audiência
de instrução e julgamento (JUTARS 13/137). Também já se entendeu que, se a parte permitiu que
se procedesse à oitiva das testemunhas, sem suscitar a existência de requerimento de depoimento
pessoal da outra parte, tal comportamento acarreta renúncia tácita ao dito depoimento pessoal,
que não pode ser realizado após a oitiva de testemunhas, em clara infringência a ordem legal da
produção de provas orais em audiência. Cf. jurisprudência citada por Nery e Nery: “Renúncia
tácita ao direito de ouvir corréu em depoimento pessoal. Se a autora deixou que suas testemunhas
fossem inquiridas, renunciou tacitamente ao direito de ouvir corréu em depoimento pessoal,
posto que na ordem legal das provas o depoimento pessoal precede a oitiva das testemunhas
(1.º TACivSP, Ag. 413019, j. 19.06.1989, rel. Juiz Elliot Akel)” (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 10. ed., São Paulo:
RT, p. 662). Nesse sentido, v. também: TJSP, Ag. Retido 0032311-14.2007.8.26.0000, 18ª C.
de Dir. Priv., j. 11.04.2012, rel. Des. Willian Marinho: “Agravo retido. Cerceamento de defesa.
Audiência de instrução e julgamento. Prorrogação após início dos trabalhos. Apresentação de
novo rol de testemunhas. Iniciados os trabalhos é defeso às partes apresentarem novo rol de
testemunhas, ainda que a audiência se prorrogue por mais de uma data.”.
12. A contrario sensu e, para nós, com acerto, o TJSP já entendeu pela ausência de intempestivi-
dade ou preclusão para apresentação de rol de testemunhas pela parte se ainda não iniciada
a instrução, v., v.g., Ag. de Instrumento 2071759-05.2014.8.26.0000, 22ª C. de Dir. Priv., j.
07.08.2014, rel. Des. Fernandes Lobo; e Ag. de Instrumento 0203762-60.2011.8.26.0000,
27ª C. de Dir. Priv., j. 08.11.2011, rel. Des. Gilberto Leme.
13. V. Araken de Assis: “Das ausências passíveis de se verificarem na audiência de primeiro grau,
a mais sentida e grave é a do advogado. Esse evento ressente-se de tratamento consentâneo
com os direitos fundamentais processuais. Não há meio termo ou temperamento concebível:
a falta do advogado deve implicar o adiamento da audiência, haja ou não motivo alheio à
vontade do representante de qualquer atividade processual na audiência sem a participação
do advogado fere diretamente o direito fundamental processual à ampla defesa da parte
desassistida.” (cf. Processo civil brasileiro, vol. 3: parte especial: procedimento comum (da
demanda à coisa julgada), São Paulo: RT, 2015, p. 1.249).
14. RT 674/123 (ausência do advogado à audiência em razão de “chuvas torrenciais”, “fato
anormal, inusitado, público e notório”); RT 654/314; RF 212/211. Corretamente, admitindo-
se comprovação posterior, com a consequência de revogação de decisão declaratória de
confissão (porque também o réu, além do advogado, não comparecera) porque houve motivo
de força maior, devidamente comprovado, e como tal reconhecido, v. RJTJRS 106/329.
15. Mais recentemente, o TJRJ entendeu, a nosso ver, com razão, que o falecimento de irmão
do patrono da parte na mesma data previamente designada para a realização da audiência
972 Manual de Direito Processual Civil

Já se decidiu haver cerceamento de defesa e nulidade do processo, se for comprova-


do que o advogado de uma das partes não compareceu à hora designada para audiência,
por motivo justificado, pois se achava em outra vara, em que tinha também audiência
designada, tendo sido levado o fato de imediato ao conhecimento do juízo.16
A impossibilidade de comparecimento do advogado à audiência de instrução e jul-
gamento deve ser justificada com motivos convincentes, e esta justificação há de ser
feita até o momento da abertura da audiência, tornando-se inócua qualquer justificati-
va posterior, como regra geral (art. 362, II e § 1º).17
Deve o juiz dispensar as provas se o advogado da parte e as testemunhas, que deve-
riam comparecer independentemente de intimação, não o fizerem.18 Neste caso, presu-
me-se que a parte desistiu de ouvir as testemunhas (art. 455, § 2º).

26.7. Audiência e o comparecimento do Ministério Público


A regra (regra a ser observada, a priori) é a da necessidade da intimação do membro
do Ministério Público para acompanhar o feito em que deva intervir, sob pena de nuli-
dade e para que compareça à audiência.19

de instrução e julgamento, é motivo de força maior que justifica o não comparecimento do


advogado (v. Ag. de Instrumento 0065068-38.2013.8.19.0000, 8ª C. Cível, j. 11.09.2015,
rel. Des. Cezar Augusto Rodrigues Costa).
16. “É justa causa para adiar-se julgamento, obrigação de o advogado impetrante atuar em
audiência realizada no mesmo dia, em outro juízo. Demonstrado oportunamente o impe-
dimento de o advogado comparecer ao julgamento, é nulo o julgamento realizado em sua
ausência” (STJ, RMS 15.158/SE, 1ª T., j. 07.11.2002, rel. Min. Humberto Gomes de Barros,
DJ 16.12.2002, p. 246). Cf. também RT 537/192, em: Ementários de Jurisprudência do Estado
do Ceará 1/77-187.
17. Dizemos como regra porque há hipóteses evidentemente excepcionais em que é difícil a
apresentação de justificativa antes da abertura da audiência, devendo ser aceita a motivação
a posteriori. V. Humberto Theodoro Jr., segundo o qual “Há caso em que será humanamente
impossível a justificativa da ausência do advogado antes da abertura da audiência: quando,
por exemplo, o motivo surgir inesperadamente e pouco antes da audiência (desastre, morte
etc.). (...) É lógico que o juiz terá de aceitar a justificativa a posteriori, nessas hipóteses excep-
cionais, e, em consequência, terá de anular a audiência, se ainda não proferiu sentença.”
(cf. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de
conhecimento e procedimento comum, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 840).
18. RF 214/173. Em nome do princípio da unidade da audiência, o que não colide com a rea-
lidade de que é ela desdobrada em vários momentos, o que, por sua vez, não colide com
a unitariedade que a marca, já se decidiu, corretamente, que, se o advogado (do autor)
comparece em “várias audiências”, mas deixa de comparecer a uma (a derradeira), não se
aplica o art. 453, § 2.º – JUTARS 51/385.
19. Sobre isso, já decidiu o STJ que, no caso da realização de um dos atos da audiência de ins-
trução e julgamento em juízo de competência territorial diversa, por carta precatória, não
basta a intimação de membro do Ministério Público oficiante junto ao juízo deprecante,
devendo ser intimado também o membro atuante no juízo deprecado, sob pena de nulidade
do ato (STJ, REsp 1.213.318/PR, 2ª T., j. 14.12.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
DJe 08.02.2011).
Audiência de Instrução e Julgamento 973

Se o Ministério Público não compareceu à audiência, em causa onde havia menores,


mas não houve prejuízo, porque estes tiveram ganho de causa, não se anula o processo,20
aplicando-se a regra do § 2º do art. 282 do CPC/2015.
Se regularmente intimado o órgão ministerial e nenhum de seus membros com-
parecer à audiência, pode o juiz dispensar a realização das provas por ele requeridas
(art. 362, § 2º, in fine do CPC/2015).

20. RT 307/740. Semelhantemente, “não se configura nulidade na ação de divórcio litigioso,


convertido em consensual, se o Ministério Público, intimado a comparecer à audiência em
que se deu o acordo, deixa de comparecer e se manifestar a respeito” (STJ, REsp 85.276/
MG, 4ª T., j. 18.05.2000, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 21.08.2000, p. 135). Sobre o
princípio de que não se decreta nulidade sem que tenha havido prejuízo, consultar, com
proveito, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7. ed., São
Paulo: RT, 2014, item 2.3.
27
Sentença

27.1. Generalidades sobre sentença


O juiz, durante o procedimento, profere decisões, que em sentido lato, no sistema do
Código de Processo Civil, podem ser consideradas como o gênero, constituindo-se as
sentenças e as “decisões” em sentido estrito (interlocutórias) nas suas espécies (art. 203
do CPC/2015). Umas e outras, nos tribunais, têm a forma e o nomen iuris de acórdão
(art. 204 do CPC/2015), quando proferidas por um órgão colegiado, e de decisão mo-
nocrática, quando proferidas individualmente pelo relator.
No CPC/1973, o art. 162, falava em atos do juiz, e no novo código a expressão foi
corretamente substituída por pronunciamentos, em consonância inclusive com o que já
havíamos defendido anteriormente.1 Sentenças, decisões interlocutórias e despachos
são, então, pronunciamentos do juiz.
Já o § 4º do art. 203 do CPC/2015, à semelhança do art. 162 do código revogado,
fala em atos meramente ordinatórios, como o ato de juntada e a vista obrigatória, que de-
vem ser praticados pelo servidor. No entanto, prevê o mesmo dispositivo que, havendo
necessidade, estes atos serão revistos pelo juiz, eis que podem vir a gerar, conforme o
caso, prejuízo, tornando-se, assim, recorríveis. Os atos do juiz constituem uma catego-
ria mais ampla que pronunciamentos, que abrangem, v.g., a inquirição de testemunhas,
a inspeção judicial etc. De toda forma, os atos que não são de mero expediente, pelo con-
teúdo decisório mínimo que venham a albergar, não podem ser realizados pelos serven-
tuários de justiça.2
A sentença, por sua vez, é o ato culminante da fase processual de conhecimento,
da fase de cumprimento de sentença e, ainda, da ação de execução. Ordinariamente,

1. V. a 16ª edição deste Manual, p. 1.125.


2. Sobre o tema, cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro,
itens 2 e 3.1: “a necessidade de realização de algum juízo sobre qual a atitude adequada
afasta a possibilidade de prática do ato pelo serventuário”, e que “tal situação ocorre sempre
que se colocar ao juiz a possibilidade de proferir o despacho ou deliberar de outro modo.
Diversamente, quando não se permitir a iniciativa do juiz quanto à escolha de outra opção,
seguramente será caso de incidência do art. 162, § 4.º, do CPC” (ob. loc. cits., item 2, p. 119).
Sentença 975

na sentença, o juiz, na qualidade de representante do Estado, dá, com base em fatos, na


lei e no Direito, uma resposta imperativa ao pedido formulado pelo autor, bem como à
resistência oposta a esse pedido, pelo réu, na defesa apresentada. Mesmo não havendo
defesa, e tendo sido o réu revel, não fica liberado o Estado-juiz do dever de resolver so-
bre a pretensão, o que é feito essencialmente na sentença.
Como veremos adiante, cada uma das sentenças, previstas nos arts. 485 e 487, têm
os seus pressupostos específicos, os quais, presentes, deverão necessariamente levar à
sua prolação. Nesse sentido, pode-se dizer que não há liberdade para o juiz decidir des-
ta ou daquela forma. Assim, se não estiver presente qualquer pressuposto processual,
o juiz deve proferir sentença arrimado no art. 485, sentença essa de conteúdo processual,
ou que diz respeito só ao processo, não atingindo a lide.3
Já se estiverem presentes os pressupostos processuais (positivos), e, portanto, es-
tivermos em face de processo existente e válido, e se não existir nenhum pressuposto
processual negativo (impediente, a presença de um pressuposto desta espécie, do re-
conhecimento da validade do processo), bem como verificada a presença de interesse e
legitimidade, constituindo todos estes elementos o que é designado mais amplamente
por pressupostos de admissibilidade de julgamento de mérito, apresentam-se ao juiz, inte-
gralmente, os requisitos que o habilitam a proferir a sentença de mérito.
Na sentença é o magistrado de primeiro grau obrigado, da mesma forma que o é o
tribunal, a respeitar as preclusões ocorridas (art. 505), e devendo obstar que as partes
“revivam” questões, para elas, preclusas (art. 507), salvo se houver permissão legal.4

27.2. Conceito de sentença

A definição legal de sentença, no texto original do art. 162, § 1º, do Código de 1973,


fazia menção ao ato do juiz que punha fim ao processo, e portanto, a finalidade do ato
(pôr fim ao feito) era o critério que a distinguia das decisões interlocutórias.
A Lei 11.232/2005 modificou a redação do citado dispositivo, conceituando a sen-
tença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e
269”.5 Esses dois artigos correspondem aos arts. 485 e 487 do CPC/2015 – são as hipó-

3. Há casos em que o juiz, ausente um pressuposto processual, não julga a lide, e não extingue
o processo (quando, por exemplo, for impedido). Estes casos só ocorrem como decorrência
de previsão legal expressa, a qual prevê essa consequência da não extinção pela própria
razão de ser da ausência desse pressuposto, que não compromete o processo, em si mesmo,
senão que repercutiria negativamente na sentença e nos atos decisórios.
4. É, v.g., a hipótese do art. 485, § 3.º do CPC/2015, em que não ocorre preclusão (STJ, 4.ª T.,
AgRg no REsp 668.552/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.08.2012, DJe 10.08.2012;
STJ, RMS 14.399/RJ, 2.ª T., j. 23.08.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 10.10.2005,
p. 265; STJ, AgRg no REsp 193.204/PR, 1.ª T., j. 04.08.2005, rel. Min. Francisco Falcão, DJ
03.10.2005, p. 118; RTJ 112/1.164 e 1.404; JC 48/228), como acentuamos ao longo deste
trabalho.
5. V. José Carlos Barbosa Moreira, A nova definição de sentença, Revista de Processo [RePro]
137, p. 268-276.
976 Manual de Direito Processual Civil

teses, respectivamente, de pronunciamentos que extinguem o processo sem resolução


de mérito ou que julgam o mérito da demanda.
Logo após a modificação legal de sentença, discutia-se, nas situações em que o juiz,
no curso do processo, resolvia questões incidentes, proferindo decisões interlocutórias
com conteúdo de sentença, se tais decisões possuíam, verdadeiramente, natureza de sen-
tença.6 Conforme defendia Teresa Arruda Alvim Wambier, “o único elemento por meio
do qual se poderia identificar as sentenças é o seu conteúdo”.7 Diante disso, propunha
que, quando o juiz proferisse decisão com algum dos conteúdos dos arts. 267 e 269 do
CPC/1973 (arts. 485 e 487 do CPC/2015), e sendo tal decisão desprovida de aptidão
para extinguir o processo, cuidava-se de sentença, porém, agravável.8
Além disso, havia outros questionamentos quanto ao antigo conceito legal de sen-
tença. Em primeiro lugar, existindo recurso interponível contra a decisão judicial com
conteúdo de sentença, inclusive em primeiro grau de jurisdição, pendente a fase recur-
sal, não podemos considerar extinto o processo. Ademais, o Código de Processo Civil
autoriza, ainda, que em hipóteses excepcionais o juiz da causa possa corrigir erro de
cálculo ou equívoco material contido na sentença (art. 494, I do CPC/2015), pelo que
não se pode afirmar, de modo absoluto, que a sentença põe fim ao processo em primei-
ro grau de jurisdição. Há, ainda, hipótese em que a lei autoriza o juízo de retratação, a
saber: interposta a apelação contra sentença que extingue o processo sem resolução de
mérito (art. 485, § 7º do CPC/2015), pode o juiz sentenciante rever este pronunciamento.
Ainda durante a vigência do CPC/1973, com a criação da “fase de cumprimento de
sentença” pela Lei 11.232/2005, essa crítica ao antigo conceito de sentença, amparado
no critério meramente topográfico, teria sido ainda mais pertinente se não tivesse sido
acompanhada da modificação procedida na definição vigente, porquanto a execução
de sentença passou a ser considerada uma fase processual, conectada e imediatamente
sucessiva à fase do processo de conhecimento, cuja sentença tenha julgado proceden-
te ação condenatória.
Diante disso, fez-se necessária a concomitante modificação do conceito legal, então
inscrito no § 1º, do art. 162, pela Lei 11.232/2005, a mesma que modificou a sistemáti-
ca da execução. Essa noção legal de sentença fortaleceu a tese que propunha serem os
conteúdos específicos dos arts. 267 e 269 do CPC/1973 os verdadeiros caracterizadores
do ato decisório do juiz como sentença.

6. Cf., entre nós,Adroaldo Furtado Fabrício. Ação declaratória incidental. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1976, p. 196; e, no direito italiano, Rocco, Alfredo. La sentenza civile.Milão: Giuffrè,
1962, p. 65.
7. Teresa Arruda Alvim Wambier. Nulidades do processo e da sentença. 7ª ed. São Paulo: RT,
p. 29.
8. Sobre a questão da recorribilidade das sentenças proferidas no curso do processo – v.g. pres-
crição de um dos pedidos formulados ou exclusão de um dos litisconsortes por ilegitimidade
de parte – e outras questões atinentes ao princípio da correspondência entre as decisões
proferidas e os recursos, ver com proveito: Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do
processo e da sentença, item 1.1.3, p. 34 a 43.
Sentença 977

A redefinição do conceito de sentença objetivou, principalmente, adequação à nova


visão teórica e sistemática do sincretismo processual, iniciado com a alteração procedi-
mental da execução das obrigações de fazer e não fazer (art. 461 do CPC/1973; art. 497
do CPC/2015); das obrigações de entrega de coisa (art. 461-A do CPC/1973; art. 498
do CPC/2015); e, por último, das obrigações de pagamento de quantia certa (475-I do
CPC/1973; art. 523 do CPC/2015).
Com efeito, a concepção de sentença a partir da Lei 11.232/2005 procura eviden-
ciar que a sentença condenatória de mérito não põe fim ao processo, já que o mesmo
prossegue, de maneira contínua, até o cumprimento dessa sentença de procedência.9
Assim, da mesma forma que nas ações designadas pela doutrina como mandamentais
ou executivas lato sensu, as sentenças passíveis de execução por quantia certa marcam
o encerramento da fase de conhecimento da ação, mas não encerrarão o processo, em
primeiro grau de jurisdição, já que a ação prossegue, para a prática de atos tendentes ao
cumprimento do conteúdo da sentença.10
Não se quer dizer, com isso, por outro lado, que somente o conteúdo de um pro-
nunciamento é importante para defini-lo. Tomemos como exemplo a decisão que exclui
um dos litisconsortes por ilegitimidade passiva (art. 485, VI, do CPC/2015). Mesmo
que apresente conteúdo de sentença em relação ao litisconsorte excluído, a decisão não
põe fim ao processo, que prossegue perante as demais partes. Por conta disso, parte da
doutrina já alertava para o fato de que, muito embora o conteúdo do pronunciamento
fosse o que define uma sentença, é igualmente relevante a “aptidão da decisão para pôr
fim ao processo”, ou à sua fase cognitiva.11 Assim, a finalidade do pronunciamento não
exclui seu conteúdo como critério de classificação, mas a ele apenas se agrega.
Atento a essa complexidade, o CPC/2015 não abandona a classificação do CPC/1973,
mas adota redação mais aprimorada. O art. 203, § 1º, prescreve que sentença é “o pro-
nunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à
fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Adotou-se
um critério misto de definição, sendo sentença o pronunciamento que cumpre ambas
as exigências: funda-se nos arts. 485 ou 487, e coloca fim à fase de conhecimento ou
extingue a fase de execução. A decisão que exclui litisconsorte, por conseguinte, não é
sentença no sistema do CPC/2015; não o é, igualmente, a decisão que julga antecipa-

9. Cf. Arruda Alvim, Cumprimento da sentença condenatória por quantia certa – Lei 11.232,
de 22.12.2005 – Anotações de uma primeira impressão, inLuiz Fux, Nelson Nery Junior e
Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.), Processo e Constituição – Estudos em homenagem
ao professor José Carlos Barbosa Moreira, p. 289-291; nesse sentido, cf. Cassio Scarpinella
Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, p. 15.
10. V. interessante trabalho monográfico da lavra de Eduardo Talamini, “Sentença que reconhece
obrigação” como título executivo (CPC, art. 475-N, I – acrescido pela Lei 11.232/2005), in
Execução civil e cumprimento da sentença, p. 135 a 159.
11. Eduardo Arruda Alvim. Direito processual civil, 5ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 678; Nery Jr.,
Nelson. Nery, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2015, p. 716.
978 Manual de Direito Processual Civil

damente parte do mérito (art. 356, do CPC/2015), por não cumprir cumulativamente


os dois requisitos exigidos pela lei.12
Assim, tanto pode ser considerada como sentença a decisão prolatada com base no
art. 485 (extinção do processo sem resolução de mérito), quanto aquela proferida com
base no art. 487 (julgamento da causa, reconhecimento de prescrição ou decadência,
ou homologação de atos autocompositivos). Em todas elas, quando a decisão “colocar
fim” à fase cognitiva do processo de conhecimento, em primeiro grau de jurisdição,
tratar-se-á de sentença, e dela caberá o recurso de apelação (art. 1.009 do CPC/2015).
De acordo com parcela da doutrina, o cabimento do recurso de apelação de senten-
ças se explica pelo fato de que, muito embora não se possa afirmar, peremptoriamente,
ser a sentença o ato que põe fim ao processo, é certo ser este o objetivo da sentença: o
prolongamento do feito, seja com a fase de cumprimento de sentença, seja em virtude
de recurso interposto pela parte ou pela necessidade de correção de erro de cálculo ou
erro material, decorrem de atitudes de insubordinação ou insurgência da parte (inadim-
plemento do réu, na fase de cumprimento; interposição de recurso, na fase recursal) ou
de exceções legais taxativas (art. 494).
O que se pode ponderar a respeito é que uma tal decisão, conquanto sob certo ângu-
lo – tenha o conteúdo de sentença, em relação ao processo, em si mesmo considerado,
porque esse continua, pode deve ser havida como decisão interlocutória.
A utilização do critério finalidade ou aptidão para a extinção do processo é útil, pelo
fato de nem sempre o critério conteúdo ser satisfatório para definir o recurso a ser inter-
posto contra a respectiva decisão. Utilizando desse mesmo critério, devemos dizer que
o agravo diz com as interlocutórias, em relação às quais a finalidade é resolver inciden-
te, preparando o processo para a decisão final. Conjugados os dois raciocínios, pode-
mos concluir ter subsistido o sistema precedente de caber apelação em relação às sen-
tenças finais, de uma das fases do processo, com ou sem resolução de mérito, e agravo,
das decisões de mérito não extintivas das fases processuais que tenham o conteúdo dos
arts. 485 e 487 do CPC/2015.
A sentença, pela sua complexidade, porque geralmente define a lide (art. 487, salvo
hipóteses de extinção sem resolução de mérito, conforme o art. 485), pelos elementos
que necessariamente a constituem, distingue-se da decisão interlocutória, e esta, por
sua vez, do despacho.
O CPC de 1973 definia decisão interlocutória como sendo a que resolvesse ques-
tão incidente. Por sua vez o texto do CPC/2015 é, também aqui, mais técnico. Dispõe

12. No CPC/1973, a falta de um permissivo expresso às decisões parciais de mérito não impedia
que se interpretasse o § 6º do art. 273 daquele Código como verdadeira hipótese que en-
cerra conteúdo de sentença, embora se tratassem de típicas decisões interlocutórias. Já no
CPC/2015, o art. 356 é expresso: a) não se denominam sentenças; e b) comportam agravo
de instrumento. Sobre o tema, ver com grande proveito: Fredie Didier Jr. Inovações na ante-
cipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito. RePro, vol. 110. São Paulo: RT,
abr-jun/2003, p. 225/251; Thiago Ferreira Siqueira. A fragmentação do julgamento do mérito
no novo código de processo civil. RePro, vol. 229. São Paulo: RT, mar/2014, p. 121/166.
Sentença 979

o art. 203, §2º do CPC/2015, que “Decisão interlocutória é todo pronunciamento ju-


dicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º”. O critério passa a ser de ex-
clusão: tudo aquilo que não for sentença, mas ainda assim tiver natureza decisória, será
decisão interlocutória. “Natureza decisória” deve ser entendida aqui, à semelhança do
CPC anterior, como a resolução de questões incidentes. Já os despachos, também por
exclusão, são os demais pronunciamentos do juiz, que via de regra terão como finalida-
de impulsionar o processo, sem decidir, ou seja, sem resolver questão posta pelas partes.

27.3. Natureza jurídica e efeitos da sentença


A sentença é ato intelectual de índole, ou com estrutura predominantemente lógica (for-
mal e material),13 que pressupõe apuração dos fatos e identificação da norma, através da
qual o Estado-juiz se manifesta, concretizando imperativamente o ordenamento jurídi-
co. Sentença, assim, é uma fundamentada resolução da lide feita pelo Estado-juiz, que
em termos processuais adquire o sentido técnico do art. 203, § 1º do CPC/2015, como
vimos no início deste capítulo a respeito da sua definição.14
Na sentença o juiz desempenha a função jurisdicional, aplicando o ordenamento
jurídico ao caso concreto controvertido, com a finalidade de extinguir juridicamente
a controvérsia.
A sentença assenta-se em fatos, dando a eles uma significação no universo jurídico,
com base nos valores contidos no ordenamento jurídico (art. 489, I e II, relatório e fun-
damentação). Assim, de uma perspectiva lógico-formal, temos fundamentadamente, na
sentença, o fato e a conclusão decorrente da subsunção do fato à norma (primária), e a
sucessiva aplicação da norma (secundária) ao fato. Por isso, se diz que o processo judi-
cial tem estrutura lógica e circular: analisa-se o fato para se subsumir à norma e aplica-
-se a norma ao fato. É exatamente no instante em que é proferida a sentença que tal ati-
vidade lógica assume o momento fundamental de sua aplicação, no campo do processo.
Fundamentalmente, podemos admitir, assim, na sentença, três atividades que se
encadeiam: 1ª) a reconstrução da situação de fato ocorrida (“crítica do fato”); 2ª) su-
cessivamente, a qualificação jurídica respectiva; 3ª) a própria interpretação do direito,
aplicando-o ao fato (“crítica do direito”), operando-se tais atividades mercê de uma in-
teração recíproca, da norma ao fato e vice-versa. Deve-se ter presente que é o fato que
indica a norma aplicável, devendo-se estabelecer uma interação entre o direito e o fato,
ou seja, entre premissa maior e premissa menor.
Como vimos acima, não se confunde a sentença com as decisões interlocutórias,
proferidas no curso do processo. Tais decisões (exceto no caso de decisão parcial de

13. V. Athos Gusmão Carneiro, Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada. In:
Revista de Processo, vol. 81. São Paulo: RT, jan/1996, p. 82.
14. “La parola sententia, che in sè e per sè vuol dire soltanto opinione, parere, è stata assunta
ad indicare, in un significato tecnico, l’atto finale del processo, con cui il giudice formula il
suo giudizio” (Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè,
1984, p. 217).
980 Manual de Direito Processual Civil

mérito – art. 356 do CPC/2015), não solucionam a controvérsia; apenas decidem ques-


tões que, uma vez suscitadas pelas partes (e, eventualmente, pelo juiz), necessariamen-
te têm de ser resolvidas antes da questão fundamental ou básica, que é o mérito (as que
não sejam de mérito encerram o processo em virtude da ausência de um ou mais de um
dos pressupostos de admissibilidade de julgamento de mérito, ou, tenha-se presente,
ainda, da presença de um ou mais de um pressuposto processual negativo). Desta for-
ma, pode-se dizer que, usualmente, as decisões interlocutórias preparam o processo (e
solucionam questões que tenham surgido, v.g., sobre condições da ação e outras mais)
para receber a sentença final.
É fora de dúvida que a sentença produz no universo jurídico uma novidade, ainda
que a sentença seja meramente declaratória.
Precisamente em função desta novidade, decorrente do seu próprio nascimento, é
que os efeitos emergidos da sentença somente podem ser considerados como existen-
tes, jurídica e logicamente, a partir da sua prolação. Antes, a contrario sensu, não há que
se pensar, propriamente, em efeitos jurídicos (salvo as hipóteses de antecipação desses
efeitos). Assim, sintetizando, podemos dizer: 1º) os efeitos da sentença só se efetivam
com esta e, em certo sentido, muitas vezes, só assumem aspecto prático na execução,
sucessiva à sentença, se de condenatória se tratar; 2º) a sentença, porém, deverá reco-
nhecer os efeitos numa extensão abrangedora do lapso de tempo, desde a ocorrência dos
fatos a respeito dos quais se controverte e, para certos fins, desde o início do processo.
Ao proferir a sentença, em regra, deverá o magistrado considerar os efeitos jurídi-
cos como existentes a partir de momento anterior à sentença, o qual, em nosso sentir,
de um modo geral, deve coincidir com o momento em que ocorreram os próprios fatos,
que levaram o autor a demandar – efeitos jurídicos ex tunc, salvo disposição legal em
sentido diverso.
Assim, há que, como regra geral, excluir a fixação de tal momento como sendo o da
propositura da ação. Os efeitos jurídicos, que se produzem na sentença, normalmente,
reportam-se à própria ocorrência dos fatos. Há que se ter presente que, como já se dis-
se, o “processo não é mais do que o corretivo da imperfeita realização automática do
direito objetivo”.
Se assim não fosse, consequentemente, não se constituiria o processo em corretivo
ou substitutivo da aplicação do direito material, em seu funcionamento automático,
pois, se os efeitos oriundos da sentença não encontrassem seu momento a quo na pró-
pria verificação dos fatos, causa remota da demanda, não haveria “cobertura integral”
de uma lesão sofrida.
Portanto, correto é o entendimento de que, em nome desse princípio, na hipótese
de julgamento de uma declaratória, afirmar a tese de que os efeitos da sentença decla-
ratória retroagem à data em que passou a existir o direito declarado.

27.4. As oportunidades em que pode ser proferida a sentença


A lei, ao lado de disciplinar com nitidez o conteúdo da sentença, regrou, também, as
oportunidades variadas em que esta pode ser prolatada.
Sentença 981

Como regra geral dedutível do sistema, temos a sentença proferida depois da audi-
ência de instrução (e julgamento), cujo conteúdo normalmente é aquele a que se refere
o art. 487, I. O proferimento desta sentença pressuporá a existência dos requisitos de
aptidão ao julgamento de mérito como o interesse e a legitimidade. A sentença encerra
a fase predominantemente cognitiva do processo e supõe o que se denomina de maturi-
dade do mesmo. Esta maturidade pode ser entendida, ou desdobrada, em dois sentidos:
1º) a presença dos requisitos do processo lato sensu, vale dizer, a existência, como
pressuposto de ser proferida sentença de mérito, dos pressupostos processuais posi-
tivos e de da presença de interesse e legitimidade (art. 485), além de inexistência dos
pressupostos processuais negativos;
2º) apresentar maturidade probatória, isto é, a instrução propriamente dita, no sen-
tido de existirem, no processo, elementos probatórios suficientes para que o juiz deci-
da. Entretanto, no que respeita a este segundo aspecto, havemos de ter presente: a) se
houve oportunidade de os litigantes produzirem provas e, se não o fizeram, se há a pos-
sibilidade de entender-se o processo como maduro, aplicando as regras do ônus da pro-
va, consagradas no sistema em sua plenitude, isto é, julgando-se contra o que poderia ter
provado e não o fez (art. 373, I e II); b) a maturidade não significa que o juiz – faltantes
elementos probatórios, por inércia das partes – vá substituir-se às partes e produzir pro-
va; c) tal deverá ocorrer, tão somente, quando, após efetivamente produzidas as provas,
subsistir dúvida ou incerteza que impossibilite o julgamento da causa, hipótese em que
se coloca como possível sua interferência na atividade probatória. É este, para nós, o
sentido e a função do art. 370 do CPC/2015.
Apesar de a oportunidade ou momento “normal” do proferimento da sentença ser
aquele depois da audiência de instrução e julgamento, outras oportunidades anteriores
há para que sejam proferidas sentenças.
Se, depois da contestação, entender o juiz que o processo deve ser extinto sem reso-
lução de mérito, deverá fazê-lo, tendo em vista os arts. 354 e 485 do CPC/2015. O con-
teúdo de tal sentença será processual, o recurso cabível o do art. 1.009 (apelação), e tal
sentença será despida da autoridade de coisa julgada material.
Ainda, verificando o juiz que o processo existe e é válido, poderá defrontar-se com
qualquer das hipóteses definidas no art. 487, III. Nesse dispositivo disciplinam-se atos
autocompositivos do litígio. O juiz, nessas hipóteses, conquanto profira sentença, não
julga a lide, sua sentença, entretanto, é revestida da qualidade de coisa julgada material.
Se não houver qualquer ato autocompositivo, mas o juiz entender que houve decadên-
cia ou prescrição em relação ao direito do autor, extinguirá o processo, resolvendo o
mérito (art. 487, II). A extinção do processo por decadência ou prescrição independe
de arguição pelo réu (art. 210, do CC/2002; art. 332, § 1º do CPC/2015), podendo, o
juiz, por essa razão, julgar liminarmente improcedente o pedido. Mas o juiz, para de-
cretar a prescrição, deverá proporcionar condições para que o art. 191 do Código Civil
seja aplicado, deixando espaço para a hipótese de renúncia expressa da prescrição, ou
atentar para a circunstância de ter havido renúncia tácita, dando às partes oportunida-
de de manifestar-se (art. 487, parágrafo único).
982 Manual de Direito Processual Civil

Ainda dentro da ideia de julgamento “conforme o estado do processo”, isto é, fora


da hipótese comum de ser proferida sentença logo após a audiência de instrução, há
a possibilidade do chamado “julgamento antecipado da lide”, conforme o art. 355 do
CPC/2015. Este poderá ocorrer quando “não houver necessidade de outras provas” ou
quando tiverem sido produzidos os efeitos da revelia.
Por mais que a expressão “julgamento antecipado” dê a entender, não se trata de
uma precipitação no julgamento; pelo contrário, a sentença nesses casos será proferida
antes da fase instrutória apenas quando ela não for necessária, isto é, no momento em
que o feito já se encontra maduro para ser sentenciado.
A denominada maturidade do processo diz respeito à existência de elementos proba-
tórios suficientes para que o juiz decida. É certo, entretanto, que se houve oportunida-
de para os litigantes provarem o que lhes incumbia, há de se entender o processo como
maduro, independentemente de se terem desincumbido do ônus de prova.
Estas situações, de maneira geral, dizem respeito à sentença de mérito, funda-
da no art. 487 do CPC/2015. Por outro lado, a sentença que se fundar no art. 485 do
CPC/2015, isto é, que julgar o feito sem resolver seu mérito, não tem especificamente
um momento processual para ser prolatada. Isto, porque o reconhecimento das hipó-
teses do art. 485 pode ocorrer a qualquer momento durante a fase de conhecimento.
Assim, se depois da contestação o juiz entender que o processo deve ser extinto sem
resolução de mérito, deverá fazê-lo. Se a mesma constatação se ostentar ou for pos-
sível apenas após a fase instrutória, este será o momento da sentença sem resolução
de mérito.
Vale lembrar o seguinte: o CPC/2015, desde seu Anteprojeto apresentado ao Sena-
do Federal, tem como uma de suas linhas mestras a ideia de máximo aproveitamento
do processo, no sentido de que o esforço e o tempo gastos pelas partes e pelo Judiciá-
rio possam ser os mais úteis possíveis. Dessa forma, sempre que o mérito de uma ação
tiver condições de julgamento, não é dado ao juiz extinguir o processo sem resolução
do mérito. O art. 488 diz, expressamente: “Desde que possível, o juiz resolverá o méri-
to sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronuncia-
mento nos termos do art. 485”. Isto é, se o feito reunir as condições necessárias – re-
gularidade da petição inicial, presença de pressupostos processuais, das condições de
legitimidade e interesse –, não há opção ao juiz, que deve sempre resolver o mérito. De
igual forma, se a correção de algum dos vícios que impeça o conhecimento do mérito
for possível, as partes devem ser intimadas para tanto, viabilizando a preferência por
decisões de mérito.

27.5. Sentenças processuais (terminativas) e de mérito (definitivas)


Se se classificarem as sentenças (na fase de conhecimento, por excelência) tendo em
vista o seu conteúdo, isto é, o objeto da decisão, teremos as sentenças processuais ou
terminativas, e as de mérito ou definitivas, de acordo com a designação usual da doutri-
na. Diferem umas das outras, pois estas definem a lide, enquanto aquelas não o fazem
por obstáculos de ordem procedimental.
Sentença 983

Os arts. 485 e 487 do CPC/2015 (arts. 267 e 269 do CPC/1973), então, distinguem


sentenças que não chegam a resolver o mérito por ter o julgador encontrado vícios pro-
cessuais, e as sentenças que põem fim ao litígio resolvendo seu objeto.
Assim, por exemplo, os pressupostos processuais (positivos e negativos), bem como
o interesse de agir e a legitimidade ativa e passiva, ficam fora do mérito (art. 485, IV, V e
VI do CPC/2015). O interesse e a legitimidade (condições da ação) presentes, configu-
ram o direito de ação. A ação, nessa perspectiva, é considerada como instituto proces-
sual. É inconfundível com a relação jurídica processual, que pode ser entendida como
seu continente, (a que nossa lei denomina de processo) e, curialmente, devem estar pre-
sentes os elementos do processo, que lhe conferem existência e validade, quais sejam
os pressupostos processuais.
Essa forma de classificação das sentenças reveste-se de importância, pois tem con-
sequências práticas de porte, e a nossa lei limitou a eficácia da sentença que decida com
base em matéria processual ao próprio processo (art. 486 do CPC/2015). É a chamada
coisa julgada formal, que será vista em tópico próprio. Vejamos agora, com mais deta-
lhes, cada espécie de sentença quando classificada por seu conteúdo.

27.5.1. Sentenças terminativas


Como vimos acima, a sentença dentro da sistemática do CPC/2015 é todo pronun-
ciamento judicial que, para pôr fim à fase cognitiva ou extinguir a execução, baseia-se
no que dispõem os arts. 485 e 487 do código. Esses dois artigos diferenciam as senten-
ças de mérito, que julgam a lide, das sentenças processuais, que extinguem o processo
por algum obstáculo de procedimento, não decidindo a lide. São as chamadas sentenças
terminativas que extinguem o processo sem se pronunciar sobre seu mérito.
Assim, o art. 485 do CPC/2015 elenca as hipóteses nas quais a fase de cognição terá
fim, sem que a lide tenha sido julgada. Isso ocorre, por exemplo, quando a petição ini-
cial é indeferida (art. 485, I). Também pela inércia das partes ocorre o fim da fase de
cognição sem julgamento da lide em duas situações: a) quando o processo, por negli-
gência das partes, não for movimentado – isto é, não forem promovidas as diligências
necessárias – por mais de um ano (art. 485, II); e b) quando o autor abandonar a causa
por mais de trinta dias, deixando de promover atos que lhe incumbiam (art. 485, III).
Nos casos de negligência, deve ser oportunizado às partes regularizar sua situação, por
intimação pessoal (isto é, promover as diligências necessárias), em cinco dias (art. 485,
§ 1º) e só ante a persistência no abandono, extinguir definitivamente o processo, lem-
brando que se o réu já tiver apresentado contestação o abandono de causa pelo autor
só será decretado mediante requerimento do réu (art. 485, § 6º). Caso o autor, tendo
reproposto a demanda extinta, volte a abandoná-la por mais duas vezes – isto é, totali-
ze três abandonos de causa –, será configurada a perempção (art. 485, V), que é a perda
do direito de ação como sanção à parte negligente. Neste caso específico, não será mais
possível tornar a demandar com os mesmos pedidos, fundados na mesma causa de pe-
dir. No entanto, o autor poderá futuramente alegar o mesmo direito em matéria de de-
fesa, caso venha a ser demandado sobre o objeto da demanda anterior (art. 486, § 3º).
984 Manual de Direito Processual Civil

Quer dizer, a sanção imposta pelo reiterado abandono é a perda do direito de ação, não
do direito material em si, que poderá ser defendido em juízo de outra forma.
Há também decisão sem resolução de mérito quando for verificada a impossibilida-
de material de julgamento, por falta de pressupostos processuais, ou seja, não estando
presentes os pressupostos processuais de existência e validade do processo (art. 485,
IV), pelo reconhecimento de litispendência ou de coisa julgada (art. 485, V), ou ainda
pela verificação da falta de legitimidade ativa ou passiva ou falta de interesse jurídico
(art. 485, VI). Estas hipóteses, que são conhecíveis de ofício (art. 485, § 3º), retratam
situações em que não estão presentes os requisitos mínimos para que a lide possa ser
julgada; na sua falta, o mérito deve deixar de ser analisado.
Ainda, quando existir convenção de arbitragem (trazida aos autos) caso em que não
há lugar para o processo judicial; ou, ainda, quando o tribunal arbitral houver reconhe-
cido sua competência (art. 485, VII). A sentença também resolverá o mérito quando for
homologada a desistência da ação manifestada pelo autor (art. 485, VIII), a depender
do consentimento do réu, caso a contestação já tenha sido apresentada (art. 485, §4º).
Também, a não resolução de mérito existirá se, em ações relativas a direitos intransmis-
síveis, ocorrer a morte da parte (art. 485, IX).
É importante lembrarmos, ainda tendo em vista a preferência do CPC/2015 pelo
julgamento de mérito, que antes de proferir qualquer sentença terminativa, se o vício
contido no processo for sanável, o juiz deve dar à parte prejudicada a oportunidade de
corrigi-lo (art. 317). Apenas então, se não houver correção do vício, deve o feito ser ex-
tinto sem resolução do mérito.
Ainda, devemos notar uma novidade quanto à recorribilidade das sentenças termi-
nativas no CPC/2015. É que a apelação interposta em face dessas decisões dá ensejo a
que o juiz, em cinco dias, possa retratar-se, caso as razões do recurso assim o façam en-
tender (art. 485, § 7º).15 Nesse caso, devemos concluir que o juízo de retratação deve ser
feito somente após oportunizar ao recorrido que ofereça resposta à apelação (inclusive
em obediência ao art. 10, do CPC/2015). Ressalvamos que se nota questão de difícil so-
lução, qual seja, a da possibilidade de retratação nos termos do 485, § 7º, na hipótese da
apelação interposta não preencher todos os requisitos de admissibilidade. De um lado,
referido dispositivo legal possibilita ao juiz de primeiro grau o exercício de juízo de re-
tratação; de outro, o art. 1010, § 3º, estatui que não tem ele competência para aferir a
presença dos requisitos de admissibilidade da apelação. Entretanto, para que o recurso
de apelação possa dar azo ao juízo de retratação e à prolação de uma nova sentença é
preciso que o próprio juiz verifique se o recurso reúne todos os requisitos de admissibili-
dade. Do contrário, recursos intempestivos, formalmente irregulares, ou incabíveis, por
exemplo, que jamais teriam seu mérito analisado pelo tribunal, poderiam fazer com que
o recorrente obtivesse, através da retratação, o resultado prático indevido. É necessário
concluir, que o juiz de primeiro grau ao exercer o juízo de retratação deve, antes disso,

15. O dispositivo segue o que já dispõe, por exemplo, o art. 198, VII, da Lei 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente).
Sentença 985

avaliar se estão ou não presentes os requisitos de admissibilidade da apelação. Todavia


a ideia, no CPC/2015, é a de que o juízo de admissibilidade recursal seja efetuado dire-
tamente pelo órgão ad quem, parece que as apelações em face de decisões fundadas no
art. 485 são exceções à regra do art. 1010, § 3º, tão somente para efeito de retratação.
A competência para declarar a inadmissibilidade é, ainda, do tribunal nesse caso.
Isto é, no CPC/2015, se recurso não for admissível, o juiz deixará de se retratar por esse
motivo, remetendo os autos ao tribunal; não inadmitirá, ele mesmo, o recurso, ao con-
trário do que indicava o sistema do CPC/73.16
A possibilidade de retratação significa que diante das razões recursais apresenta-
das pela parte, o juiz de primeira instância revê seu posicionamento. Essa atitude deve
ostentar duas linhas argumentativas na fundamentação: a) a justificativa do porquê é
possível retratar-se de acordo com o que o apelante alegou; e b) a motivação da “segun-
da sentença”, que substitui a primeira.17
Por fim, expressamos que se as sentenças terminativas não decidem a lide, mas ape-
nas põem fim ao processo, não há pronunciamento sobre o mérito, de forma que não há
formação de coisa julgada material. E, uma vez não havendo coisa julgada material, nos
casos de extinção por vícios processuais, nada impede que seja reproposta a demanda,
uma vez corrigidas as irregularidades, nos termos do art. 486 CPC/2015: “O pronun-
ciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo
a ação”. O mesmo não ocorre, como veremos a seguir, com as sentenças definitivas.

27.5.2. Sentenças definitivas


Estando a lide apta a receber julgamento, deverá ser proferida sentença com resolu-
ção de mérito. São os casos listados no art. 487 do CPC/2015. A hipótese mais frequen-
te dessa espécie de sentença que consubstancia o curso natural do processo, é o aco-
lhimento ou a rejeição dos pedidos formulados (art. 487, I). É a decisão de mérito que
analisará as questões controvertidas e dará solução à lide levada ao Judiciário.
Se for reconhecida a decadência ou a prescrição, a sentença também será de mérito
(art. 487, II), pois por mais que a lide em si não tenha sido julgada, o direito do autor
(decadência), ou sua pretensão (prescrição), não existe mais, de modo que não será
possível repropor a demanda, havendo formação de coisa julgada. Não é sentença que
se debruça exatamente sobre as questões que dizem respeito ao mérito, mas é espécie de
sentença de mérito. E isto é assim porque o “prejuízo”’ processual para o autor é idên-
tico, no caso de improcedência e de decretação da prescrição ou da decadência.

16. Veremos mais detalhadamente esse tema em capítulo específico mais adiante. Sobre o tema,
ver: José Carlos Barbosa Moreira. O juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento
do recurso especial. Temas de direito processual civil, quinta série. São Paulo, 1994, p. 118 e ss.
17. “ao pedido de reconsideração só se pode seguir a alteração da decisão nos casos em que
o juiz poderia, até mesmo sem o pedido, alterar sua decisão. E a alteração da decisão há
de ser fundamentada, como se de outra decisão se tratasse, porque, na realidade, é outra
decisão” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, 4.ª ed. São Paulo:
RT, 2006, p. 483).
986 Manual de Direito Processual Civil

Haverá igualmente sentença de mérito se o réu reconhecer expressamente a proce-


dência de algum dos pedidos formulados, se as partes transigirem, ou ainda se o autor
renunciar à sua pretensão (art. 487, III, a, b, e c). Veja-se que há uma diferença entre o
autor ter desistido da demanda e ter renunciado definitivamente à sua pretensão. Na
primeira hipótese, abre-se mão apenas do processo; a renúncia tem efeitos muito mais
extensos, pois se fala em dispor do direito em si, reconhecendo não se querer mais plei-
teá-lo futuramente. Daí a distinção, sendo a renúncia à pretensão resolvida por senten-
ça de mérito.
Sejam as sentenças sem resolução de mérito, sejam as que o enfrentam, todas ne-
cessitam conter determinados elementos e preencher requisitos.

27.6. Sentenças classificadas por sua eficácia

Por um outro prisma, classificam-se as ações tendo em vista basicamente os efeitos


processuais especialmente visados pelo autor, quando propôs a demanda. Está nesta
classificação relevantemente considerado o critério da simetria ou congruência18, dado
que, sendo a sentença de recebimento total da ação, produzir-se-ão, precisamente, aque-
les efeitos colimados pelo autor. Segundo este critério, são as sentenças declaratórias,
constitutivas e condenatórias (precipuamente no processo de conhecimento), em fun-
ção do tipo de pretensão do autor.
Já em se tratando de sentença na qual se julgue improcedente a ação, os seus efeitos
serão sempre declaratórios negativos. Por outras palavras, dar pela improcedência da ação
significa negar o direito pretendido pelo autor, ou seja, será afirmado, na parte dispositiva
da sentença, que não existe aquele direito.
Conquanto nem sempre assim tenhamos pensado, no que diz com a sentença que
julga improcedente ação declaratória negativa, julgamos que não há exceção à regra ge-
ral. Vale dizer, se se propõe uma ação declaratória de inexistência de dívida, sendo ela
julgada improcedente, na realidade, terá o magistrado negado que exista o direito plei-
teado pelo autor, qual seja, de declarar inexistente a dívida. Juridicamente, portanto, a
sentença é declaratória de inexistência do direito à declaração pretendida. Não se deve
confundir, como alguns autores, que duas negativas seriam, tal como em matemática,
redutíveis, ou equivaleriam a positivo.
É certo, no entanto, que, na fundamentação da sentença, o magistrado possivelmente
afirmará a existência da relação jurídica, que o autor pretende ver negada. Todavia, di-
zer que tal sentença seria declaratória positiva implicaria classificar-se, só esta sentença,
não em função da ação proposta pelo autor.
Ademais disso, a sentença de improcedência, nessa hipótese, significará que, à luz
de uma determinada causa petendi, determinado negócio existe, ou seja, não é fundada
a declaração de sua inexistência.

18. V. Marcelo Pacheco Machado. A correlação no processo civil: relações entre demanda e
tutela jurisdicional, Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 195-232;
Sentença 987

Mas tal existência não imuniza “definitivamente” o negócio jurídico, senão que o
faz, exclusivamente, no âmbito daquela improcedência e em face da respectiva causa
petendi. Vale dizer, se o autor pretende declarar, novamente, a inexistência daquele ne-
gócio jurídico, invocada outra causa petendi, poderá fazê-lo perfeitamente, e vencendo,
então, praticamente estará sem utilidade, para o réu, a anterior decisão.

27.6.1. Sentença declaratória


Pela ação e sentença declaratórias, o que se objetiva é exclusivamente a declaração
de um direito, ou melhor, da existência, inexistência, ou modo de ser de uma determi-
nada relação jurídica (art. 19 do CPC/2015). A sentença declaratória vale como autên-
tico preceito, disciplinador das relações jurídicas (ou relação jurídica) das partes, ou do
conflito de interesses retratado na lide e questões a ela agregadas. De acordo com o Có-
digo de Processo Civil vigente (art. 20), pode o autor lançar mão da ação declaratória,
ainda que já tenha havido lesão e, pois, quando pudesse ele ter-se servido da ação con-
denatória, em face da situação concreta. Se, por exemplo, houver uma dívida já vencida
e não paga, e o autor não almejar a condenação do réu ao pagamento, nada impede que
pleiteie junto ao Poder Judiciário exclusivamente a declaração da existência da relação
jurídica entre ele e o réu (crédito daquele, correlato ao débito deste).19 Trata-se de des-
dobramento claro do princípio dispositivo.
É evidente que se tiver sido proposta ação declaratória, julgada procedente, esta
sentença trará certeza jurídica substituindo uma situação de dúvida. Se a condenação
não foi pedida – conquanto o pudesse ter sido, dado que já teria havido lesão – a sen-
tença não poderá, em princípio, condenar o réu, pois a decisão é adstrita aos limites
do pedido (art. 492 do CPC/20015). É o que a doutrina denomina de sentença de mero
acertamento.20
Do ponto de vista dos elementos constitutivos da ação e sentença declaratória, deve
ela ser considerada a mais simples de todas, pois nela encontramos exclusivamente o
elemento declaração. Daí ser ela denominada ação e sentença de mera declaração, para
ser distinguida das demais ações do processo de conhecimento que, lato sensu, também
são declaratórias [ao lado de conterem outro(s) elemento(s) que lhes conferem espe-
cificidade]. A sentença declaratória, justamente por tratar tão somente da certeza jurí-

19. Cf. também, a respeito, item 123 da Primeira Parte deste Manual.
20. Neste sentido, a lição de Proto Pisani: “Con l’espressione ‘tutela di mero accertamento’
ci si intendi riferire alle ipotesi in cui il provvedimento giurisdizionale richiesto dall’atto-
re sia una sentenza di mero accertamento; cioè a quelle ipotesi in cui l’attore si limita a
domandare al giudice di dichiarare se un determinato diritto esiste o non esiste e il bisog-
no di tutela giurisdizionale è soddisfatto dalla sola autorità di cosa giudicata, dalla sola
immutabilità dell’accertamento contenuto nella sentenza...” (Lezioni di Diritto Processuale
Civile. Napoli: Jovene, 1999, p. 143). Assim, também, sustenta Araken de Assis: “Quem só
pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o
curso em julgado da sentença. Então se apropria do que pedira ao órgão judicial – certeza
–, carecendo a regra jurídica de qualquer atividade complementar em juízo” (Manual da
execução, p. 82).
988 Manual de Direito Processual Civil

dica sobre uma dada relação, limita-se a pronunciar algo que “sempre foi”, ou algo que
“nunca chegou a ser” (no caso das declarações negativas). Quer dizer, a declaração é a
atribuição de efeitos jurídicos à (in)existência de uma relação, formada anteriormen-
te à sentença. Por esse motivo, por via de regra, a sentença declaratória tem efeitos ex
tunc. Nesse caso, a “novidade” apresentada pela sentença não é a relação em si, mas sim
a certeza jurídica que recai sobre ela.
Todavia, precisamente, como a ação e sentença declaratórias têm por finalidade a
obtenção da mera declaração do direito dos litigantes, não seria ela, por definição, sus-
cetível de servir de título à execução ulterior.
Tradicionalmente, o título executivo judicial por excelência era a sentença conde-
natória. Era ela que, além de reconhecer a existência de um dever de realizar certa pres-
tação por parte do devedor e do descumprimento deste, impunha a chamada sanção
executiva, possibilitando o início dos atos de execução forçada para fins de satisfação
do direito. Às sentenças constitutivas e declaratórias faltava este último predicado, ra-
zão pela qual não se qualificavam como título executivo. Tal ideia era válida até mes-
mo para aquelas sentenças declaratórias que, nos termos do art. 4º, parágrafo único,
do CPC/1973 (a que corresponde o art. 20 do CPC/2015), reconheciam a existência de
obrigação que houvesse sido violada, e, portanto, que já fosse exigível. Nesses casos,
para ter acesso aos meios executivos, era necessário que, após a sentença declaratória,
fosse ajuizada nova ação, de cunho condenatório, e, então, posteriormente, com base
na decisão deste último processo, é que se poderia dar início à execução forçada.21
Tal panorama foi alterado com a edição da Lei nº 11.232/2005, que, ao instituir novo
rol de títulos executivos judiciais no art. 475-N do CPC/73, incluiu, em seu inciso I, “a
sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer,
não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. A partir de então, por força de expressa dis-
posição normativa, também a sentença declaratória que reconhecesse a existência de
obrigação passou a ser dotada de força executiva.22
Esta orientação foi mantida no CPC/2015, que, em seu art. 515, I, dispõe constitu-
írem título executivo as decisões judiciais que “reconheçam a exigibilidade de obriga-
ção”. É de se notar, aliás, que o dispositivo deixa clara a necessidade de que seja reco-
nhecida a exigibilidade da obrigação, ou seja, que, além de estarem delimitados todos
os elementos constitutivos do direito, é imprescindível que este já tenha sido violado
e, portanto, que já seja passível de efetivação pela via da execução forçada. Ademais,
retirou-se a referência que antes se fazia à sentença, falando, o dispositivo, tão somente

21. Cândido Rangel Dinamarco. “Sentença meramente declaratória, sentença condenatória e


coisa julgada”. In: Fundamentos do processo civil moderno, t. I. 6ª ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2010. n. 542, p. 980-982; José Carlos Barbosa Moreira. “Reflexões críticas sobre uma
teoria da condenação civil”. In: Temas de direito processual: primeira série. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. p. 72
22. V. nesse sentido: José Miguel Garcia Medina, A sentença declaratória como título executivo
– considerações sobre o art. 475-N, inciso I do CPC, Processo de execução civil – Modifi-
cações da Lei 11.232/2005, p. 95-126.
Sentença 989

em decisão, expressão que melhor retrata o fenômeno, tendo em vista que, sendo ataca-
da por recurso de apelação, a sentença muito provavelmente será substituída por acór-
dão ou decisão monocrática. Deve-se lembrar, ainda, que, no CPC/2015, está expressa
a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, o que se faz através de de-
cisão interlocutória (art. 356);
Até antes da Lei 11.232/2005, tendo sido movida ação condenatória quando já exis-
tente sentença declaratória, tal sentença declaratória projetava-se na ulterior senten-
ça condenatória, com a sua força de coisa julgada material, no que tange à declaração
do direito; por outras palavras, o resultado da sentença condenatória já estava prefixado
(“prejulgado”) na anterior sentença declaratória. Apenas, não tendo tido a ação declara-
tória o fim de obter a sanção – e nem mesmo isto seria viável em seu âmbito –, a senten-
ça respectiva não teria podido, por essa razão, acrescentar à anterior declaração posi-
tiva, sobre a qual já pesa a autoridade da coisa julgada, a respectiva sanção; nada mais.

27.6.2. Sentença constitutiva


A ação constitutiva é mais complexa do que a meramente declaratória. Também
como a declaratória, contém ela a solicitação, ao Judiciário, de que se declare um deter-
minado direito. No entanto, não é este aspecto da declaratividade que marca especifica-
mente a sentença constitutiva; o que a peculiariza, ou que lhe confere o seu quid, é que
ela cria, extingue ou modifica uma relação jurídica preexistente. Ela traz para o universo
jurídico uma inovação específica – é justamente isto que a distingue das demais, parti-
cularmente da declaratória –, e se discrimina da condenatória porque essa inovação es-
pecífica é produzida integralmente pela sentença constitutiva, a qual, para ter eficácia,
independe de execução, ao passo que a condenatória, diversamente: a) depende da fase
de cumprimento, para vir a ser útil ao vencedor; b) ou, então, não ocorrerá execução
apenas se o réu, com sua conduta, ulterior à sentença, der cumprimento ao que lhe in-
cumbe (o que, na ordem prática da vida, entre nós, raramente ocorre).
Isto significa que deverá, conforme o caso, a sentença que julgar procedente a ação
constitutiva, com a criação de novo regime jurídico (rectius, inserção dos litigantes em
novo regime jurídico), ter mais esse elemento, além da mera e pura declaração; ou, en-
tão, modificará um elemento de relação jurídica preexistente (v. g. na ação renovatória em
que, mantendo-se a locação preexistente, altera-se, v.g., um elemento, qual seja o valor
do aluguel); e, finalmente, a ação constitutiva poderá ter por escopo a extinção de uma
relação jurídica, como, exemplificativamente, a ação de divórcio, em que se põe termo
ao casamento. Todas essas modificações, todavia, verificar-se-ão na sentença, tendo em
vista a constatação dos respectivos pressupostos fáticos de ocorrência, tais como disci-
plinados no direito material. É certo que essa constitutividade decorre da lei, no senti-
do de o juiz dever atender aos pressupostos de direito material, desencadeados pelos fatos
(subsunção), e na sentença virá a tornar efetivos os efeitos emergentes da submissão dos
fatos à lei, em função do acolhimento do pedido. A virtude da sentença, portanto, é “criar
esta nova situação” no sentido processual e, em certo sentido, “real”, porém com observân-
cia aos fatos e às regras de direito material e ao pedido.
990 Manual de Direito Processual Civil

Todavia, a própria eficácia da sentença constitutiva (de divórcio) poderá depender de


providência a ela posterior, qual seja, o registro. Essa hipótese colima salientar que have-
rá sempre estrita obediência às regras de direito material e de direito processual. A cria-
ção, modificação ou extinção de direito ocorre com a sentença constitutiva procedente, mas
pode depender do cumprimento de regras jurídicas materiais.
Esta providência do registro, no entanto, é inconfundível, tecnicamente, com a exe-
cução propriamente dita, uma vez que execução diz com a necessidade de uma etapa
jurisdicional executiva, a qual, não ocorrendo conduta obediente ao comando da ação
condenatória, colocar-se-á como conditio sine qua non à produção de efeitos, no mundo
empírico, da sentença condenatória.
Já no caso concreto examinado, apenas se subordina a eficácia plena da sentença
constitutiva a uma providência a ela posterior (= registro).
A sentença constitutiva caracteriza-se pela produção de um estado jurídico diverso
do anterior. Tal estado jurídico, por sua vez, na medida em que o direito, objeto da ação
constitutiva, seja disponível, faz com que distingamos a sentença constitutiva necessá-
ria, contraposta à voluntária.
Será constitutiva voluntária, quando o estado jurídico obtido pela sentença pode-
ria ter sido conseguido pelas próprias partes litigantes, como, exemplificativamente, a
rescisão amigável de um negócio jurídico, entre maiores e capazes, cujo objeto seja um
bem disponível. Já, diversamente, será constitutiva necessária, quando o novo estado
jurídico não possa ser alcançado pelas partes, senão por intermédio da intervenção do
Judiciário. Assim, por exemplo, a hipótese de anulação de casamento.
Nas sentenças constitutivas, normalmente, os efeitos produzidos o são a partir da
própria sentença (ex nunc), e, por exceção, são ex tunc. Este aspecto depende, basica-
mente, do direito material, e há de ser equacionado em função da proteção que o di-
reito material deve realizar e, para isto, reclama o instrumental do direito processual.

27.6.3. Sentença condenatória


A sentença condenatória haure parte dos seus elementos dos da ação declaratória.23
Tal como nas demais sentenças, também na condenatória declara-se o direito. Toda-
via, não é tal declaração que a caracteriza. O que a marca, precipuamente, é o elemento
de sanção. Obtida a sentença condenatória, adquire o autor um instrumento jurídico
destinado à satisfação efetiva do seu direito. Geralmente, com o trânsito em julgado
da sentença condenatória (v.g., na hipótese de condenação em quantia certa, líquida e
exigível), a sentença é o próprio título executivo judicial (arts. 515, I, do CPC/2015), que
habilitará o credor a solicitar ao juiz o ingresso no patrimônio do devedor, para a satis-
fação do seu direito. Se, porventura, o recurso interposto não tiver efeito suspensivo
(hipóteses dos incisos do art. 1.012, § 1º), desde logo autoriza o sistema jurídico o in-
gresso do credor, por determinação judicial, na esfera jurídica patrimonial do devedor,

23. V. Ovídio Araújo Baptista da Silva, Sentença condenatória na Lei 11.232, Revista Jurídica,
vol. 345, p. 11-20.
Sentença 991

com base em título executivo judicial, que é a própria sentença condenatória, embora
a execução, em tais casos, seja provisória (art. 520).
A sentença condenatória caracteriza-se por atuar em duas etapas: em primeiro lu-
gar, por declarar a existência de um direito; em segundo, por condenar o réu a satisfazer
o direito reconhecido, permitindo a adoção de medidas coercitivas (meios indiretos de
execução) e sub-rogatórias (meios diretos de execução) para sua concretização, no pla-
no dos fatos. No processo civil, a adoção de tais medidas, nos casos de condenação em
pecúnia, é precedida de requerimento do autor, e ocorre, naturalmente, nas hipóteses
em que o réu não efetua o cumprimento espontâneo da obrigação contida na sentença.
Assim, o que diferencia a sentença condenatória das sentenças declaratórias e constitu-
tivas é justamente a impossibilidade de gerar, de imediato, os efeitos práticos almejados
pelo autor sem que sejam praticados os atos necessários à satisfação do direito declara-
do na sentença. Enquanto as sentenças declaratória e constitutiva operam sua eficácia
imediatamente, a condenatória carece de atos posteriores, que são justamente a fase
expropriatória, de cumprimento da sentença.
É, assim, a sentença condenatória vocacionada para a execução, que hoje é reali-
zável dentro do mesmo processo de conhecimento, como uma simples fase sucessi-
va àquela preponderantemente cognitiva. Tal sistema, inspirado na instrumentalida-
de do processo, passa a ser dotado de um sincretismo total, no sentido de permitir um
amálgama entre as atividades jurisdicionais de cognição e execução, proporcionando,
assim, uma estrutura normativa capaz de concretizar o direito de forma mais célere e,
com isso, atingir a meta da plena efetividade da sentença condenatória que determina
o pagamento de soma em dinheiro.24
Podemos de um modo geral dizer que as sentenças condenatórias, no que diz respei-
to aos respectivos possíveis conteúdos jurídico-materiais, correspondem aos diversos
tipos de obrigações existentes no sistema jurídico. A ação condenatória é denominada,
também, ação de prestação. Por prestação não se entenda, aqui, só a preexistente obri-
gação ou vínculo obrigacional, senão que se objetiva, pela ação/sentença condenató-
ria, um título sentencial ou executivo que faça as vezes do adimplemento da obrigação,
o qual só não enseja a fase de execução se houver uma conduta do réu para, ainda que
depois da sentença (transitada em julgado ou ensejando o seu cumprimento, ainda que
não haja coisa julgada), adimplir a preexistente obrigação.
Naturalmente, a redação do art. 515, I praticamente equipara a eficácia das senten-
ças declaratória e condenatória, uma vez que considera exequíveis todas as decisões
que meramente reconheçam a exigibilidade de prestações.
Ressalte-se, por fim, que a sentença que reconhece a exigibilidade de obrigações ali-
mentares (art. 528 e ss.) e a que imponha obrigações à Fazenda Pública (art. 534 e ss.)
têm procedimentos próprios ditados pelo CPC/2015.

24. Cf. Arruda Alvim, Cumprimento da sentença condenatória por quantia certa– Lei 11.232,
de 22.12.2005 – Anotações de uma primeira impressão, inLuiz Fux, Nelson Nery Junior e
Teresa Arruda Alvim Wambier, Processo e Constituição – Estudos em homenagem ao pro-
fessor José Carlos Barbosa Moreira, p. 290.
992 Manual de Direito Processual Civil

27.6.4. Sentenças mandamentais e executivas lato sensu


Parte da doutrina brasileira acrescenta à classificação doutrinária e tradicional25 das
sentenças, tendo em vista os efeitos distintos que produzem as diversas espécies, duas
novas categorias, a saber: as mandamentais e as executivas lato sensu. Em rigor, os efei-
tos referidos pela doutrina não são efeitos intrínsecos à decisão, senão que dizem res-
peito à forma de realização do direito. O que nos parece é que se legitima classificar as
ações como da mesma espécie a partir de uma identidade fundamental, que, em nosso
sentir, não há na hipótese.
A inclusão das modalidades mandamental e executiva lato sensu como tipos de sen-
tenças e influindo na classificação das sentenças – segundo alguns – deveu-se à tendên-
cia crescente de se aprimorarem as técnicas de cumprimento de sentença, dissociadas
do antigo processo de execução (atual fase de cumprimento de sentença), e, em parte,
também, à prática de atos que podem ser determinados ex officio pelo juízo sentencian-
te com o objetivo de conceder à parte vencedora, no plano prático, exatamente aquilo
que pretendia quando da propositura da ação, em lugar da conversão da obrigação em
valor pecuniário.26
Em nosso sentir, todavia, as modalidades mandamental e executiva lato sensu, são
menos modalidades de ações, senão que formas de execução. Acentue-se, ainda, que a
chamada executiva lato sensu nos casos de reintegração de posse e de despejo são exemplos
antigos e se ligam, em rigor, a uma tendência contemporânea de simplificar a execução.
Essa tendência, do direito processual brasileiro, se fazia sentir, v.g., nas ações de
despejo, reintegração de posse e mandado de segurança. A partir das alterações que re-
sultaram na redação dos artigos 461 e 461-A, do CPC/1973, tornou-se ainda mais per-
ceptível a existência de decisões mandamentais e executivas. Pode-se dizer ter ganhado
força a percepção de que a sentença condenatória não pode ser considerada, por si só,

25. Sobre a classificação trinária, que distingue as espécies de sentença em declaratórias,


constitutivas e condenatórias, v. L. P. Comoglio, C. Ferri e M. Taruffo, Lezioni sul Processo
Civile, p. 651 (“Secondo la tripartizione tradizionale, l’attore può chiedere, predetermi-
nando così il contenuto della sentenza, una tutela di mero accertamento, di condanna
o costitutiva”). Ainda: A. Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, p. 143 (“Nel
processo a cognizione piena si chiede che il giudice emani, riguardo al diritto fatto va-
lere in giudizio, un provvedimento giurisdicionale (sentenza) di tutela che, secondo una
tripartizione tradizionale, può avere contenuto di mero accertamento, di condanna o
costitutivo”).
26. Sobre a classificação quinária das sentenças, v. a obra de Eduardo Talamini: Tutela relativa
aos deveres de fazer e não fazer; cf., também, o que escrevemos na obra coletiva em ho-
menagem à Prof. Ada Pellegrini Grinover, em artigo intitulado: “Sobre as multas instituídas
nos artigos 14 e 18 do Código Civil” (p. 639 e ss.). Nessa mesma obra, encontram-se os
questionamentos do Professor José Carlos Barbosa Moreira acerca da correção da de-
nominação “sentenças executivas lato sensu”, e, também, indagações acerca coerência
metodológica da classificação quinária (Sentenças executivas?, in Flávio Luiz Yarshell e
Maurício Zanoide de Moraes (orgs.), Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini
Grinover, p. 624 e ss).
Sentença 993

instrumento hábil para garantir a tutela adequada de alguns direitos, sobretudo aque-
les cujo exercício exige prestação in natura por parte do réu.27
A evolução da sistemática de efetivação das sentenças no direito processual brasi-
leiro deixa transparecer um rompimento gradativo com o dogma da intangibilidade da
vontade do devedor, que levava à necessidade de que o credor se contentasse com perdas
e danos diante do inadimplemento de obrigações de fazer ou de entregar coisa certa, já
que o devedor não poderia ser “compelido” a cumprir a obrigação in natura.
O afastamento deste dogma já se fazia notar, ainda que de forma tímida, desde a in-
clusão do art. 639 na redação original do CPC de 1973 (posteriormente incluído como
o art. 466-A, pela Lei 11.232/2005), em que se prevê a possibilidade de o juiz proferir
sentença substitutiva da vontade do obrigado, em se tratando de obrigação específica
de fazer (prestar declaração de vontade), ainda que indiretamente, estaria aí cumprida
in natura a obrigação.
Por outro lado, contemporaneamente e em decorrência da evolução do Direito já
descrita, bens jurídicos como a saúde, o ambiente, o patrimônio histórico etc., vêm re-
cebendo cada vez mais clara e abrangente proteção. A ofensa a estes bens é impossí-
vel de ser genuinamente compensada ou restaurada pelo “equivalente” pecuniário, de
modo que se tornou imprescindível a criação de meios processuais para coagir o deve-
dor a cumprir especificamente determinadas obrigações, não apenas compelindo-o ao
pagamento de valores.
A implementação de novas formas de efetivação das obrigações de fazer, não fazer e
de entrega de coisa gera sentenças que não se encartam confortavelmente na categoria
das condenatórias. Disso resultou, então, a classificação quinária das sentenças, difun-
dida no Brasil, principalmente, por Pontes de Miranda28 e Ovídio Baptista da Silva,29 que
acrescentou, à doutrina clássica, as categorias de sentenças mandamentais e executivas
lato sensu. Como dissemos, parece-nos que esses novos instrumentos dizem respeito a
uma forma mais enérgica de execução.
Ambas as espécies das sentenças mencionadas – mandamentais e executivas lato
sensu – têm, em comum, um traço que, para os defensores da concepção quinária, as

27. É o que sustenta Sérgio Arenhart, ao afirmar que a sentença condenatória é inadequada para
a tutela de direitos da personalidade, pois: “a uma, porque se está diante de direitos eviden-
tes, que dispensam a dilatada fase de conhecimento que antecede qualquer condenação.
A duas, em virtude da completa ausência de coercitibilidade – herdada dos romanos, onde
a execução era privada – desta espécie de sentença, incapaz de operar ‘per se’ qualquer
transformação no plano fático, ou mesmo de compelir alguém a agir em determinado sen-
tido” (Tutela inibitória da vida privada, p. 173) Também vêm sustentando a mesma linha
de entendimento eminentes processualistas que têm se dedicado ao estudo das tutelas de
obrigação de fazer e não fazer, diante das profundas mudanças operadas no ordenamento
processual vigente. Entre tantos: Luiz Guilherme Marinoni (Tutela inibitória: individual e
coletiva) e Eduardo Talamini (op. cit.).
28. Tratado das Ações, t. VII, passim.
29. Curso de Processo Civil: Processo de conhecimento, vol. 1, p. 160 e ss.
994 Manual de Direito Processual Civil

distingue das sentenças condenatórias: prescindem da instauração de fase executiva30


para que gerem efeitos no mundo empírico.
Cabe, no entanto, traçar distinções entre os critérios de classificação utilizados para
a divisão da sentenças em três ou cinco espécies.
A sentença mandamental,31 em nosso sentir, constitui-se em modalidade de realiza-
ção do direito, a qual, por isso mesmo, pode conviver com uma sentença condenatória,
que é assim classificada por sua eficácia na relação jurídica das partes.
Em rigor, o perfil que veio a assumir a mandamentalidade significa que aquele que
é o destinatário precípuo da ordem, ou do mandamento, deve cumpri-lo, sob pena de
serem contra ele praticados atos coercitivos ou intimidatórios (não sub-rogatórios),
independentemente de requerimento do autor ou de abertura de uma fase de cumpri-
mento de sentença. A mandamentalidade convive, como se disse, portanto, com o ca-
ráter condenatório ou constitutivo, dizendo respeito, por excelência, à forma de reali-
zação do direito.32

30. Antes da reforma implementada pela Lei 11.232/2005, alteradora do Código de Processo
Civil, as sentenças mandamentais e executivas lato sensu distinguiam-se das sentenças
condenatórias, segundo a classificação quinária, pelo fato de somente estas últimas neces-
sitarem da abertura de processo de execução autônomo para o cumprimento forçado da
obrigação.
31. Esta modalidade de ação/sentença, denominada mandamental, foi idealizada por Kuttner,
em obra de 1914, intitulada Urteilswirkungen ausserhalb des Zivilprozeß [Efeitos da sentença
além do processo civil]. A ideia foi retomada, particularmente, por James Goldschmidt (in
Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], § 15-a, letra d, p. 61-62), em que se vê autonomia
deste tipo de sentença, inconfundível com outros tipos de efeitos das sentenças, embora
remarque que é tema, no próprio direito alemão, dependente de estudos futuros, à época
em que escreveu; este mesmo autor, Der Prozess als Rechtslage (O processo como situação
jurídica), 1925, Berlim, reedição da Scientia Aalen, 1962, § 31, B, p. 496, nota 2.615, então,
chegara a considerar a sentença mandamental como espécie de sentença condenatória (“...
so betrachte ich das Leistungsurteil als eine Art der Anordnungsurteile”, sic, p. 496, 2.615.
Esta ideia é retomada no Zivilprozeßrecht [Direito processual civil] cit., p. 61, 1). Parece
ser a característica mais marcante deste tipo de ação/sentença a de que se pede que o juiz
ordene a outro órgão, o que envolve a “execução”, embora não se possa vislumbrar, em
tal “execução”, um segmento procedimental, propriamente exigente de um processo de
execução. Há quem negue a tais ações/sentenças virtualidade constitutiva (v. Goldschmidt,
Derecho procesal civil, ed. esp., p. 115, as notas do Prof. Niceto Alcalá Zamora y Castillo).
A classe da ação/sentença mandamental tem peculiaridades que dificilmente se amoldam
nas categorias que se podem dizer clássicas e consagradas.A literatura alemã ulterior, no
entanto, não parece se ter preocupado com esta modalidade. No Brasil, v. Pontes de Miran-
da, Tratado das ações, t. I/133, 179, 191 e 211, baseado, no entanto, em literatura antiga.
Retomou a ideia, recentemente, Ovídio A. Baptista da Silva, in Sentença e coisa julgada,
§§ 9.º e 10, p. 78/89, especialmente, p. 37 et seq. Este mesmo autor aprofundou o tema
em seu Curso de processo civil, vol. 2, p. 245 et seq. Na jurisprudência aponta-se acórdão
do TJMG – RT 389/362; STJ, REsp 692.386/PB, 1.ª T., j. 11.10.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ
24.10.2005, p. 193.
32. Eduardo Talamini enfatiza a importância da existência autônoma das sentenças mandamen-
tais, afirmando que “serve para a conscientização de que, em certos casos, apenas ordem
direta ao devedor, acompanhada de medidas coercitivas, pode garantir a tutela específica,
Sentença 995

O “comando mandamental”, em nosso sentir, é significativo de que se agrega ao


efeito da decisão uma ordem, categórica, para que o destinatário desta, a esse manda-
mento se submeta. De certa forma, se na execução, propriamente dita, praticam-se atos
materiais substitutivos da vontade do executado, na mandamentalidade a realização do
direito depende dessa vontade; ou talvez, mais comumente, de vergar e submeter essa von-
tade. Nessa medida, ou, diante dessa contingência, é necessário quebrar a vontade do
destinatário do mandamento. Pretender-se que alguma coisa se cumpra ou que uma
ordem seja obedecida, sem a correspondente sanção, ou sem a correspondente possibili-
dade de sanção, é manifesta ingenuidade.33
As determinações mandamentais, portanto, necessitam vir acompanhadas da cor-
relata consequência intimidadora do destinatário da ordem, para a hipótese de recalci-
trância, mormente porque é necessária a vontade do destinatário, ao menos a sua conduta,
ainda que contra a sua própria vontade, para a consecução ou o cumprimento da ordem
ou do mandamento.
No art. 77, IV, do CPC/2015, estabelece-se a indeclinabilidade de cumprimento e obe-
diência às decisões judiciais, sejam elas da natureza que forem, decisões interlocutórias
ou sentenças, de caráter antecipatório ou final. É um texto dirigido aos litigantes, ou,
mais precisamente, à parte destinatária da ordem a ser cumprida ou da conduta que a
esta incumbe se submeter.
A mandamentalidade, i.e., a determinação do juiz para que a sua ordem seja ime-
diatamente cumprida, será apreciavelmente inócua, se não for acompanhada de uma
sanção, que, no caso, é uma pena pecuniária, em benefício da União ou do Estado-fe-
derado, conforme se trate de Justiça Federal ou Estadual. Uma determinação desacom-
panhada de uma sanção, incidente para o não cumprimento da ordem, é normalmente
inócua, i.e., não é obedecida.
Deve-se ter presente, ainda, que o cumprimento das obrigações de fazer ou de não
fazer pressupõe a intimação pessoal do devedor, condição necessária à imposição de
multa pelo descumprimento de fazer e não fazer, conforme preceitua a Súmula 410 do
STJ (“A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a co-
brança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”). A partir

assegurando que ‘o processo dê a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo a que
tem direito’” (op. cit., p. 207).
33. Em obra clássica diz-se com todo o realismo: “I. Em nenhuma ordem jurídica basta apenas
haver direitos; estes devem também ser exequíveis. (...) Uma ordem jurídica que renuncie,
em princípio, à exequibilidade, renuncia a si própria; põe a sua observância ao dispor do
interessado” (v. Othmar Jauernig, Direito processual civil, § 1.º, I, p. 35; é o que igualmente
consta do Zivilprozeßrecht, § 1.º, I, p. 1). O texto do trabalho que escrevemos e aqui citado,
e bem assim a citação desta nota, foram tirados de um artigo, com maior extensão, escrito
em homenagem ao Min. Sálvio de Figueiredo, a convite da Min. Eliana Calmon. Denomina-
se o artigo: Algumas notas sobre as principais mutações verificadas com as Leis 10.352 e
10.358, de dezembro de 2001, in Eliana Calmon e Uadi Lammêgo Bulos (coords.), Direito
processual: inovações e perspectivas (Estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figuei-
redo Teixeira), São Paulo: Saraiva, 2003, p. 73 a 110
996 Manual de Direito Processual Civil

deste enunciado, editado com vistas a estabelecer uma condição de exigibilidade para
as astreintes (art. 500 do CPC/2015), deve também, em nosso sentir, aplicar-se ao dis-
posto no art. 77, IV.
Refere-se, como exemplo clássico e histórico de mandamentalidade, entre nós, a
sentença proferida em mandado de segurança, que, sendo julgado procedente, en-
volve a ordem de um órgão do Estado (o Judiciário) a outro órgão, normalmente in-
tegrante do Poder Executivo. Haveria, pois, em tal ordem, um autêntico mandamen-
to, para que o ocupante do órgão (seu destinatário concreto) fizesse ou deixasse de
fazer algo. Não comporta tal decisão em mandado de segurança, todavia, do ponto
de vista técnico-jurídico, uma execução, tal como a sentença constitutiva, que, sob
este mesmo prisma, também não comporta execução. Certamente há providências
ulteriores à sentença concessiva de mandado de segurança. Não se constituem, to-
davia, em execução, como não são executivas as medidas subsequentes à sentença
constitutiva.
Faz-se necessário, por fim, analisar a estrutura das sentenças ditas executivas lato
sensu.
Como já dissemos, a principal característica dessa categoria de sentença estava,
originariamente, no fato de prescindir ela da instauração de processo de execução,
para que pudesse gerar efeitos, tais como sentença de reintegração de posse e de des-
pejo. Atualmente, essa característica para outras hipóteses veio a ser dotada de ins-
trumental eficiente – expandiu-se e generalizou-se, v.g., em relação às obrigações
de fazer e de não fazer; deve ser entendida essa evolução como prescindibilidade de
uma fase rigidamente disciplinada para o cumprimento de sentença, com ampla dis-
cricionariedade do juiz para, de ofício, praticar os atos tendentes à consecução do
resultado in natura.
Além do aspecto acima mencionado, devemos levar em consideração, em relação às
sentenças executivas lato sensu, o seguinte: contrariamente ao que ocorre nas sentenças
mandamentais – e à semelhança do que se dá nas sentenças condenatórias –, para serem
efetivadas, as sentenças executivas lato sensu independem da participação do devedor.
Vale dizer: para o cumprimento forçado dessas sentenças podem ser praticados atos
sub-rogatórios (execução direta), típicos, como se sabe, da fase executiva instaurada
por conta de sentença condenatória.
Esta é a semelhança existe entre as sentenças executivas lato sensu e as condenató-
rias, e daí porque, segundo parte da doutrina, não se justifica o tratamento de ambas
como categorias autônomas. Atualmente, o que distancia as sentenças executivas lato
sensu das sentenças condenatórias, segundo a classificação quinária, seria a autoriza-
ção legal para o juiz agir de ofício na efetivação dos efeitos daquelas (arts. 497 e 498 do
CPC/2015), ao passo que, nas condenações ao pagamento em pecúnia, é preciso que a
fase de cumprimento de sentença seja precedida de provocação da parte. Além disso,
a atividade executiva no próprio processo em curso faz com que a efetivação dos efeitos
das sentenças executivas lato sensu seja regulada por fórmulas mais genéricas do que
aquelas previstas para a fase de cumprimento de sentença condenatória. Tais diferen-
Sentença 997

ciais são, como podemos ver, extremamente tênues, se considerarmos as semelhanças


que guardam, entre si, tais categorias de sentença.34
Por fim, o que nos parece é que a classificação tradicional das sentenças em relação à
mandamentalidade e à ‘executividade’, permite afirmarmos que a estas podem-se agregar
uma sentença condenatória ou constitutiva, tais como tradicionalmente classificadas.
Assim, por exemplo (e este exemplo diz com a sentença constitutiva), no caso de
mandado de segurança, em que uma sentença concessiva haja de ser classificada como
constitutiva (à luz do critério tradicional), manda-se ou ordena-se ao impetrado que a
ela dê cumprimento pela prática do ato necessário. Há, aqui, a serem vislumbradas duas
eficácias: (a) a constitutiva e (b) a mandamental, em que se expressa a ordem ao impe-
trado. V.g., a sentença concessiva altera a situação de um dado funcionário, em relação
ao seu regime estatutário com a Administração. Ao mesmo tempo, a prática do ato obe-
dientemente à sentença, nos assentamentos da Administração, depende da prática de
ato concreto pelo impetrado.35
Exemplo de sentença executiva lato sensu seria a condenação do réu à entrega de
coisa (sentença condenatória), sob pena de busca e apreensão, que pode ser determi-
nada pelo juízo independentemente de instauração pela parte de uma fase de cumpri-
mento de sentença, bastando que se informe nos autos o descumprimento da sentença
(eficácia executiva lato sensu).
A sentença mandamental e a denominada sentença executiva lato sensu têm aptidão
de produzir efeitos executivos independentemente de fase de cumprimento, sucessiva
à prolação da sentença, com o particular de que a efetivação daquela não é passível de
ato de sub-rogação estatal, mas, tão somente, de atos coercitivos.
Parece-nos que não há utilidade prática em distinguir as sentenças executivas lato
sensu e mandamentais das constitutivas e/ou das condenatórias,36 pelo menos no estágio
atual da doutrina, e, principalmente, em face dos objetivos a que se circunscreve este Ma-

34. A dificuldade de diferenciação entre sentenças condenatórias e executivas agravou-se com


a nova sistemática da efetivação de sentenças. Na sistemática anterior à Lei 11.232/2005,
podia-se falar em outros traços distintivos, tais como a necessidade de um processo de exe-
cução autônomo e a possibilidade de embargos do devedor para as sentenças condenatórias,
aspectos que eram questionáveis em relação às executivas lato sensu.
35. No entanto, percebe-se nos tribunais, especialmente no e. STJ, uma relação quase que
de identidade entre o instituto do Mandado de Segurança e o caráter mandamental da
ação. “Ação mandamental” é utilizada, equivocadamente, como sinônimo de Mandado
de Segurança, pela suposta prevalência da eficácia mandamental sobre a constitutiva ou
mesmo a declaratória. Nesse sentido, em julgados recentes, v. STJ, MS 19.320/DF, 1.ª S., j.
24.04.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 02.05.2013; STJ ; MS 13.695/DF, 3.ª
S., j. 24.04.2013, rel. Min. Og Fernandes, DJe 03.05.2013; STJ, AgRg no AREsp 50.991/SP,
1.ª T., j. 11.04.2013, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 17.04.2013.
36. Nessa afirmação não está encartada a negativa de relevância das sentenças mandamentais
ou executivas, como parece ter entendido Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Cf. Teoria
geral do processo civil contemporâneo, p. 147), ao posicionar-se contrariamente ao nosso
entendimento.
998 Manual de Direito Processual Civil

nual. Todavia, diga-se que a classificação das sentenças em declaratórias, constitutivas


e condenatórias permite que sejam, com isto, agrupadas através de um mesmo critério,
que é o do tipo de eficácia. Já as chamadas mandamentais dizem respeito a uma forma
de realização do direito. Aqui, como é perceptível, o critério é outro e as classificações
se entrelaçam. Por isto é que uma sentença pode ser condenatória e mandamental. Não
há, portanto, a nosso ver, que se falar em uma nova classificação das sentenças, senão
que tomar consciência das diversas formas de efetivação das sentenças condenatórias
e constitutivas.

27.6.5. Sentenças dispositivas

Dizem-se sentenças dispositivas aquelas que teriam por finalidade específica dis-
por a respeito das relações jurídicas dos litigantes, denominando-se também, senten-
ças determinativas.37
O termo “dispor” poderia levar-nos a entender que as outras sentenças não dispo-
riam sobre os direitos e, assim, constituir-se-ia esta categoria de sentenças dispositivas
em uma categoria autônoma. Na realidade, o que a doutrina pretende, denominando-as
desta forma, é que existiria, em tais sentenças, um quid ou uma carga bem mais acentu-
ada de disposições sobre o direito (= relação[ões] jurídica[s]) do que nas demais espé-
cies. Exemplificativamente, a sentença coletiva do trabalho teria esse caráter, porquan-
to, tem por finalidade disciplinar minudentemente certos aspectos das relações traba-
lhistas entre empregados e empregadores, sentença essa que, pela sua própria função,
tem ínsita finalidade complementar em relação à lei trabalhista e, mais especificamente,
aos próprios contratos de trabalho. Desta forma, o fim colimado e obtido nas sentenças
coletivas do trabalho é precisamente o de disciplinar minuciosamente relação ou rela-
ções jurídicas, que estariam sujeitas ou que poderiam ter sido reguladas pelo próprio
poder dispositivo dos interessados.
No entanto, afigura-se-nos também que tais sentenças dispositivas podem ser as-
similadas às demais, ainda que tenham peculiaridades. Nelas haverá principalmente
caráter constitutivo, conforme o caso, ou mesmo só declaratório. No fundo, também
as sentenças constitutivas e declaratórias, muitas vezes, ao lado de serem tais, dispõem
respeitantemente às relações jurídicas que se desenvolvem no tempo, como, exempli-
ficativamente, a sentença proferida em casos de litígios regulamentadores de visita de
filhos de pais separados ou divorciados (v. assunto correlato, infra). Assumem tais sen-

Para melhor esclarecer o ponto, não negamos, em absoluto, a utilidade da denominação sen-
tenças “mandamentais” ou mesmo sentenças “executivas”. O que se afirma é que, apesar das
importantes peculiaridades inerentes a essas sentenças, trata-se de categorias sistematizadas
a partir de um critério de classificação diverso daquele tradicionalmente conhecido como
o plano de eficácia. Tanto assim que, como dito, as sentenças mandamentais e executivas
podem ser, ao mesmo tempo, condenatórias ou constitutivas.
Estamos, ademais, de pleno acordo com a opinião do referido autor, ao ponderar sobre a
necessidade de maior amadurecimento da doutrina sobre o tema.
37. Sobre o tema, ver: Carmen Lígia Nery. Decisão judicial e discricionariedade: a sentença
determinativa no processo civil. São Paulo: RT, 2014, p. 41 e ss.
Sentença 999

tenças, verdadeiramente, “função normativa”, no sentido de – conquanto proferidas


com base na lei, à luz de pedido e fatos acontecidos – regrarem, para o futuro, certa ou
certas relações ou situações de direito, cuja juridicidade poderá ser, à luz da sentença,
a todo tempo, verificável.
Apenas há, ainda, que se observar que, no caso das sentenças dispositivas, é comum
a pluralidade de partes, dado que nelas há praticamente sempre um caráter de disci-
plina global de relações de uma classe, e é, pois, notadamente, coletiva. Muitas vezes
a ordem jurídica submete diversos indivíduos a um dado regime jurídico, dispondo a
respeito de assuntos a estes pertinentes. Tratar-se-á de sentença dispositiva, proferida
porque alguém tenha agido, atingindo mesmo “os que não tenham, pessoalmente, sido par-
tes”. Este aspecto, na realidade, diz com os temas da legitimidade correlacionada com a
eficácia subjetiva da sentença. Para ser operacional uma sentença dispositiva, normal-
mente, confere a alguém ou a uma entidade, legitimidade para que outros sejam igual-
mente alcançados pela eficácia da sentença. A este respeito, é de salientar que inovou
bastante a Constituição Federal de 1988, em artigos como, por exemplo, o 5º, incisos
XXI e LXX, e 8º, inciso III (este dispositivo análogo, de qualquer sorte, ao art. 513, a,
da CLT, preexistente no sistema).
Todavia, também esse aspecto não é suficiente para erigi-las em categoria autônoma.
Como dissemos, as próprias sentenças constitutivas podem, igualmente, dispor para
o futuro. Assim, as sentenças que decretavam desquites dispunham sobre o desquite, pro-
priamente dito, e sobre as consequências ligadas, concretamente, a uma dada separação ju-
dicial. A mesma coisa se passa com uma sentença que decrete o divórcio.
Ora, essa disciplina permanente pode, inclusive, ex lege, vir a ser alterada, como o
foi, pela Lei 6.515/1977, art. 42, em que se dispôs: “As sentenças já proferidas em cau-
sas de desquite são equiparadas, para os efeitos desta Lei, às de separação judicial”. As-
sim, se, em face de um desquite, era inviável pedir-se divórcio, mesmo porque inexistia
divórcio, pelo art. 42 a sentença de desquite passou ex lege a servir, ela mesma, como
pressuposto para o divórcio.
Digamos, com base nesse exemplo (que pode e deve ser aplicado a outras hipóte-
ses), ainda que constitutiva uma sentença, na medida em que estabelece um novo estado
(constitutivo, portanto), havendo uma modificação legal, redefinidora daquela situação
jurídica – desde que não configurado um direito adquirido, v.g. –, a nova lei regulará
aquela situação, e a partir da sentença mesma, como visto.

27.6.6. Sentenças complexas


Por sentenças complexas38 devemos entender aquelas oriundas da conjunção do
poder jurisdicional subjetivado em mais de um órgão jurisdicional. Será da conjugação
do poder fracionado, em mais de um órgão, que nascerá a sentença propriamente dita.
A isso a doutrina denominou de sentenças subjetivamente complexas.

38. V. José Carlos Barbosa Moreira, Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e
rescindibilidade, Revista de Processo [RePro] 141, p. 7-19.
1000 Manual de Direito Processual Civil

No direito processual civil é exemplo de decisão (em verdade, acórdão complexo) a


hipótese de ter havido o incidente de assunção de competência ou declaração de in-
constitucionalidade da lei. Nessas hipóteses, a decisão do plenário (ou do órgão com-
petente, que pode ser o plenário, na uniformização de jurisprudência) será obrigatória
para a câmara ou turma julgadora, que, na hipótese, deverá: a) seguir o entendimento
adotado pelo plenário, no que diz com a posição fixada sobre a lei em tese; e b) resolver
as remanescentes questões de fato, não objeto do incidente. Este acórdão (que é uma
“sentença”/decisão colegiada) compõe-se do resultado composto de posição de mais
de um órgão.

27.7. Intelecção da sentença e seus elementos


A sentença, como já vimos, é o ato fundamental dos praticados pelo juiz; dos de
índole decisória, é o mais importante. É, por excelência, o ato jurídico definidor do di-
reito das partes. É precisamente pela sentença e por sua fase sucessiva de cumprimento
que se realiza – quando necessária –, praticamente, a função substitutiva da jurisdição
dentro e por meio do processo. E isto pela circunstância de que, prolatada a sentença,
valerá (e terá eficácia) o que nela se contiver, imperativamente, e não mais aquilo que
anteriormente, e de forma antagônica, desejavam as partes litigantes.
Por esse motivo, o legislador foi cuidadoso, disciplinando quais as partes compo-
nentes da sentença, elevando-as, pelo menos, nominalmente, à categoria de essenciais,
atribuindo a cada uma delas uma determinada função, no contexto estrutural do ato
decisório.
Assim, o art. 489 do CPC/20015 dispõe: “São elementos essenciais da sentença: I
– o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do
pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento
do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direi-
to; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem”.
O CPC de 1973, no art. 458, falava de “requisitos essenciais”, e o CPC/2015 faz men-
ção a elementos, acatando sugestão que já vinha sendo sugerida pela doutrina.39 Na reali-
dade, pode-se dizer que cada um dos componentes essenciais (relatório, fundamentos e
dispositivo) é um elemento, enquanto dentro de cada elemento há requisitos específicos
– no caso da fundamentação, por exemplo, a análise das questões de fato e de direito.
A carência de um elemento definido como essencial pela lei significa que inexiste
parte da própria essência do ato decisório. Assim, haverá nulidade decretável de ofício,
caso a sentença não observe as regras legais.

39. “A palavra que deveria ter sido usada pelo legislador no art. 458 seria elementos, e não
requisitos. Requisito é ‘condição necessária para a obtenção de certo objetivo’. É, portan-
to, anterior, logica e cronologicamente, ao seu objetivo, não o integrando” (Teresa Arruda
Alvim Wambier. Nulidades do processo e da sentença, 7ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 95).
No mesmo sentido: Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a
crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 235 e ss.
Sentença 1001

Note-se que no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, a lei dispensa o juiz da elabo-
ração do relatório (art. 38 da Lei 9.099/1995), o que não significa que não devam ser
analisados de igual maneira os fatos levados a juízo. O que deixa de existir é, tão somen-
te, um tópico específico de relatório no corpo da decisão, devendo o contexto fático ser
examinado conjuntamente com a fundamentação.
Assim, haverá nulidade caso a sentença não observe as regras do art. 489 do
CPC/2015,40 nulidade esta decretável de ofício.41
Examinem-se agora cada um dos elementos essenciais.

27.7.1. Relatório

A lei refere-se ao relatório listando os requisitos mínimos para que o caso concre-
to possa ser corretamente identificado na decisão. São duas, na realidade, as funções
do relatório. A primeira delas é justamente a possibilidade de individuação da causa
a ser julgada e o destaque de quais as questões centrais da demanda. O relatório que
não preencher esse requisito padece de generalidade, de modo que se torna difícil, se
não impossível, saber se o órgão judiciário teve ou não o cuidado de examinar os fatos
constantes dos autos. A garantia, nesse ponto, é a de que a sentença está sendo profe-
rida especificamente em relação àquela demanda, e não genericamente, ou ainda, por
equívoco, em relação a outro processo.42
Como consequência desta primeira função, o relatório serve também como uma
narrativa suficiente do contexto fático da demanda, apta a receber, na fundamentação,
qualificação jurídica. Por conta disso, parte da doutrina defende que a narração dos fa-
tos no relatório não deve conter, ainda, o posicionamento do juiz sobre o caso, mas tão
somente um relato imparcial do que consta dos autos.43

40. STJ, REsp 628.594/RJ, 2.ª T., j. 17.05.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 01.08.2005, p. 393;
JUTACivSP 51/81 e 62/248.
41. STJ, REsp 93.864/RJ, 6.ª T., j. 18.11.1997, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.12.1997,
p. 62.820, DJ 09.12.1997, p. 64.779; Revista de Processo [RePro] 5/374, em 183; RJTJSP
54/175; RT 567/116. Na doutrina: José S. Sampaio, O procedimento comum no novo Código
de Processo Civil, p. 131; E. D. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil,
45, p. 62 et seq., vol. 2; Arruda Alvim, A sentença no processo civil, Revista de Processo
[RePro] 2/63. No mesmo sentido, decisão do Simpósio de Processo Civil realizado em
1975, em Curitiba: “A sentença que encerra o processo sem julgamento de mérito deverá
conter o suficiente à sua conformação como ato decisório final” – concl. 37, RF 252/26 e
RT 482/271.
42. “O relatório do acórdão recorrido, em lugar de enunciar os nomes das partes, refere-se a
terceiros que não integram a relação processual, e, ao invés de registrar as ocorrências ha-
vidas nos autos dos embargos à execução, cuida de ação de mandado de segurança. Além
disso, os fundamentos do decisum impugnado reportam-se a sentença proferida em outro
processo. Assim, também foi violado o art. 458, I e II, do CPC” (STJ, REsp 478.951/BA, 2.ª
T., j. 16.12.2004, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 02.05.2005).
43. José Carlos Barbosa Moreira. O que deve e o que não deve figurar na sentença. In: Temas
de direito processual, oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 119.
1002 Manual de Direito Processual Civil

O conteúdo do relatório deve, segundo o art. 489, I do CPC/20015, abranger a “suma


do pedido e da contestação”. Aquilo que, através da resposta do réu, torna-se matéria
controvertida, deve ser decidido em sentença, enquanto os pontos incontroversos de-
vem receber presunção de veracidade. Assim, a relevância de se destacar exatamente a
petição inicial e a defesa é poder identificar qual é o objeto litigioso da demanda, deli-
mitando o que constará do restante da sentença.
Quando o CPC/20015 diz ser necessário o “registro das principais ocorrências ha-
vidas no andamento do processo”, exige que, no relatório, seja mencionada ao menos a
essência das peças processuais e atos decisórios do caso. Dessa forma, a réplica e even-
tual tréplica, se trouxerem alegações novas em relação à inicial e à contestação, devem
ser destacadas. Também os eventos da fase instrutória, como quais provas foram reque-
ridas por cada parte, e quais foram realizadas, além do conteúdo das alegações finais,
devem integrar o relatório. No relatório o julgador limita-se a narrar os fatos relevantes
do caso, evitando desde logo pronunciar-se (i.e., fazer juízos valorativos) sobre o jul-
gamento da lide.44
Via de regra, a ausência completa de relatório invalida a sentença.45 É nula também
a decisão quando o relatório consiste em pura e simplesmente uma remissão a outra
peça do processo, para que esta sirva de relatório e fundamentos. Isso, porque a remis-
são sem qualquer contextualização não oferece garantia de que a decisão foi o resulta-
do da análise da totalidade dos autos. O vício de que padece a decisão sem relatório é
grave, pois corresponde a uma sentença sem um dos seus três elementos essenciais. A
decretação de nulidade, nesse caso, pode inclusive ser feita oficiosamente, independen-
temente de provocação da parte.

27.7.2. Fundamentação

Dentre os elementos da sentença, destaca-se a importância da fundamentação. A


exigência, na realidade, é constitucional, feita expressa e explicitamente pelo art. 93,
IX, da CF/1988, e decorre da própria estrutura do Estado Democrático de Direito.46 O
art. 489, II, do CPC/2015, é um reforço normativo da obrigação de motivar toda e qual-
quer decisão judicial.
Justamente porque o juiz não decide arbitrariamente – em função de sua mera von-
tade – é que deve constar expressa e explicitamente da sentença a sua fundamentação,

44. José Carlos Barbosa Moreira. O que deve e o que não deve figurar na sentença. In: Temas
de direito processual, oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 119.
45. Cf. TJMS, ApCív 28.681, 3.ª Câm.Cív., rel. Leão Neto do Carmo, JUTACivSP 65/75.
46. “Decidir sem fundamentar é incidir no mais grave crime que se pode consumar num Esta-
do de Direito Democrático. Se a fundamentação é que permite acompanhar e controlar a
fidelidade do julgador tanto à prova dos autos como às expectativas colocadas pelo sistema
jurídico, sua ausência equivale à prática de um ilícito e sua insuficiência ou inadequação
causa de invalidade“ (José Joaquim Calmon de Passos. O magistrado, protagonista do pro-
cesso jurisdicional? In: Revista brasileira de direito público, vol. 24. Belo Horizonte: Forum,
jan/mar 2009, p. 14
Sentença 1003

que é pressuposto do controle jurisdicional. A parte que sofre prejuízo se insurge contra
a decisão; recorrendo, tentará comprometer a fundamentação, pois, logrando fazê-lo,
ipso facto, seu recurso será provido, e modificada a sentença. Conquanto não se recor-
ra de fundamentos, mas da conclusão, os fundamentos hão de ser atacados também,
como premissas do pedido de reforma da decisão.47
Ficam aí delineados as duas principais funções do dever de fundamentar toda e qual-
quer decisão judicial: a) evitar arbitrariedades e dar publicidade às razões de decidir; e
b) possibilitar, com essa publicidade, o controle das decisões através de recursos.48 Po-
dem essas ser chamadas de funções internas do dever de fundamentação. Por outro lado
e complementarmente, a função externa, é a de permitir uma “prestação de contas” por
parte do Poder Judiciário. A sociedade como um todo deve, ao menos potencialmente,

47. Decidiu o STF que “não satisfaz a exigência constitucional de que sejam fundamentadas
todas as decisões do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX) a afirmação de que a alegação deduzida
pela parte é ‘inviável juridicamente, uma vez que não retrata a verdade dos compêndios
legais’: não servem à motivação de uma decisão judicial afirmações que, a rigor, se pres-
tariam a justificar qualquer outra” (STF, RE 217.631, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 24.10.1997). Há inúmeros julgados do STJ no mesmo sentido, considerando nulas as
sentenças desprovidas de fundamentação: “Nula é a sentença completamente desprovida
de fundamentação. Bem diversa da sentença com motivação sucinta é a sentença sem
fundamentação, que agride o devido processo legal e mostra a face da arbitrariedade,
incompatível com o Judiciário democrático” (REsp 18.731/PR, rel. Min. Sálvio de Figueire-
do, DJ 30.03.1992); “Não é nula a decisão com fundamentação sucinta, mas a que carece
de devida motivação, essencial ao processo democrático” (REsp 19.661-0/SP, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo, DJ. 08.06.1992); “A exemplo da sentença, o acórdão deve conter a
necessária fundamentação, mediante análise das questões de fato e direito. Tratando-se de
requisito essencial, a sua falta acarreta a nulidade da decisão. Precedentes do STF e STJ.
Recurso especial conhecido e provido” (REsp 44.850-6/MG, rel. Min. Barros Monteiro, DJ
22.08.1994) – em Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 288-289; “É nulo
o Acórdão que, sem esclarecer os fundamentos jurídicos da solução adotada, limita-se a
transcrever algumas ementas de julgados análogos (REsp 203.525⁄SP, rel. Min. Edson Vidigal,
DJ 04.10.1999); “I – É contraditório o acórdão que adota o parecer do Ministério Público
pelo deferimento de curatela parcial na ação de interdição e conclui pela curatela plena,
sem fundamentação. II – Na linha da jurisprudência desta Corte, o princípio do duplo grau
de jurisdição confere ao apelante o direito de ver solucionadas as teses postas na apelação,
tornando nulo o acórdão que se limita a adotar as razões do parecer do Ministério Público,
mas com conclusão diversa” (REsp 302.216⁄RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
04.02.2002); “1. É nulo o acórdão que, sem esclarecer os fundamentos jurídicos da solução
adotada, se limita a confirmar a sentença recorrida. Violação dos arts. 130 e 535 do Código
de Processo Civil. 2. Na sessão do dia 20.09.2007, no julgamento do AgRg no AgRg no Ag
749.394/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, a Segunda Turma consignou que as decisões que
simplesmente façam remissão aos fundamentos de outra ou de parecer do Ministério Público
sem, ao menos, transcrevê-los, devem ser declaradas nulas, determinando-se o retorno dos
autos para que novo julgamento seja proferido. 3. Necessário determinar-se o retorno dos
autos ao Tribunal de origem para que seja proferida nova decisão. Prejudicado o exame do
mérito” (REsp 841.823/MS, 2.ª T., j. 23.10.2007, rel. Min. Castro Meira, DJ 09.11.2007).
48. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 651. E ainda: Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de processo civil,
vol. III. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 107.
1004 Manual de Direito Processual Civil

controlar a atividade do Estado-juiz,49 pois é isso – o controle sobre as decisões – que


garante a legitimidade da função jurisdicional. Sem fundamentação, digamos, não há
possibilidade de averiguar se há devido processo legal.
O que queremos dizer é que a atividade jurisdicional se legitima democraticamente
por meio do conteúdo das suas decisões, da demonstração de que o direito está sendo
bem aplicado ao caso concreto.50 O legislador deu-se conta disso, como veremos logo
adiante, exigindo dos juízes uma justificação analiticamente suficiente das suas decisões.
Lembramos que, também em decisão interlocutória é essencial a fundamentação,
apesar de a manifestação do juiz ser mais sucinta, nem por isso fica dispensado de fun-
damentar a sua decisão (v. o art. 11 do CPC/2015, que deixa claro que devem ser fun-
damentadas todas as decisões, sob pena de nulidade). Se há absoluta falta de funda-
mentação, será nula a interlocutória. Assim, já se decidiu em nossa jurisprudência (na
vigência do Código de Processo Civil de 1939) pela nulidade de interlocutória que, de-
cidindo sobre incompetência, foi absolutamente carente de fundamentos.51 Sobrevive
esse entendimento, já que, como decidiu o STJ, o art. 93, IX da Constituição Federal
“não distingue o tipo de provimento decisório”.52
Nessas condições, vemos que o juiz, apesar da ampla liberdade de que goza ao jul-
gar, não poderá eximir-se de explicar o porquê das soluções dadas. A liberdade do juiz

49. “A possibilidade de aferir a correção com que atua a tutela jurisdicional não deve consti-
tuir um ‘privilégio’ dos diretamente interessados, mas estender-se em geral aos membros
da comunidade” (José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como
garantia inerente ao estado de direito. In: Temas de Direito Processual: segunda série. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 90).
50. José Rogério Cruz e Tucci. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva,
1987, p. 92; Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na
construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 183/185; Rodrigo Ra-
mina de Lucca. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015,
p. 125/126.
51. TJGB, Reclamação 4.579, 3.ª Câm.; RJTJGB 4/25.
52. “A fundamentação das decisões judiciais – veiculando conteúdo decisório, sejam sentenças
ou interlocutórias – decorre do art. 165 do Código de Processo Civil, não se confundindo
decisão concisa e breve com a decisão destituída de fundamentação, ao tempo em que
deixa de apreciar ponto de alta indagação e lastreado em prova documental. (...) Esse pres-
suposto de validade da decisão judicial – adequada fundamentação – tem sede legal e na
consciência da coletividade, porque deve ser motivada toda a atuação estatal que impinja
a aceitação de tese contrária à convicção daquele que está submetido ao poder de império
da Administração Pública, do Estado. Também, por isso, seu berço constitucional está no
art. 93, IX, o qual não distingue o tipo de provimento decisório” (STJ, AgRg no REsp 251.049/
SP, 2.ª T., j. 13.06.2000, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01.08.2000, p. 246; g.n.). No mesmo
sentido: “De acordo com o art. 165 do Código de Processo Civil, que dá efetividade a garan-
tias constitucionais, as decisões judiciais devem ser fundamentadas. A exigência impõe-se
também para as decisões interlocutórias, cujos fundamentos não podem ser encaminhados
apenas quando do oferecimento das informações ao órgão destinatário do agravo de ins-
trumento. No caso vertente, as razões do agravo apontavam justamente para a ausência de
fundamentos da decisão agravada, os quais só foram encaminhados diretamente ao órgão
ad quem juntamente com as informações” (STJ, REsp 450.123/PR, 3.ª T., j. 20.02.2003, rel.
Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 31.03.2003, p. 219; g.n.).
Sentença 1005

ao decidir, conforme o direito, encontra na necessidade de fundamentação (“justifica-


ção”) o seu limite.

27.7.3. Estrutura e conteúdo básico da fundamentação


O requisito básico da fundamentação, dado pelo CPC/20015, é o de que resolva as
questões que lhe foram submetidas pelas partes. Por essa razão a importância de se ter
identificado a lide, ou que seja possível identificá-la pelas informações que constem do
relatório. O CPC de 1973 faz menção, no seu art. 458, II, à análise das “questões de fato
e de direito”, como conteúdo da fundamentação. A subtração da expressão “de fato e
de direito”, aqui, não exime o juiz de se debruçar sobre toda e qualquer controvérsia
levada pelas partes; pelo contrário, significa apenas que tanto a matéria fática quanto a
estritamente jurídica devem ser englobadas como questões a serem decididas.53
A fisionomia da motivação de uma decisão judicial deve conter a análise conjunta
dos fatos do caso – narrados no relatório – e do direito aplicável, para daí se extraírem
conclusões que constarão no dispositivo. Não se trata de um mero silogismo ou de en-
caixe entre fatos e direito;54 o raciocínio no momento da decisão é mais complexo do que
isso, e envolve juízos argumentativos na busca de uma solução adequada para o caso.55
O esforço para uma adequada fundamentação parece conflitar com o momento atual
vivido pelo Poder Judiciário brasileiro, que é de um altíssimo volume de trabalho. Um
reflexo direto desse assoberbamento é o tempo cada vez menos disponível para apre-
ciar e julgar cada caso concreto; como consequência, a qualidade da fundamentação
das decisões sofre, gradualmente, impactos negativos.
O CPC/2015, tendo em mente a necessidade de garantir a observância do art. 93,
IX, da CF/88, traz grandes e profundas novidades em relação à maneira como se de-
vem fundamentar as decisões judiciais em geral. Trata-se, em realidade, de uma respos-
ta legislativa às práticas corriqueiras dos juízes e tribunais que, durante a vigência do
CPC/1973, tornaram-se lugar comum e representam verdadeira falta de fundamentação.
A ideia do CPC/2015 foi estabelecer legalmente requisitos negativos, i.e., eviden-
ciar quais são os equívocos nos quais não podem incidir os julgadores ao fundamentar,
sob pena de nulidade. O art. 489, § 1º, do CPC/2015, diz então “não se considera fun-
damentada qualquer decisão judicial”56 que não preencher um rol de seis exigências

53. A respeito da motivação de juízos de fato, ver: Michele Taruffo. A motivação da sentença
civil. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 364 e ss.
54. “o juiz não é um aparelho em que por um lado se metam a hipótese de facto e a norma jurí-
dica e de onde saia pelo outro lado a sentença” (Philip Heck. Interpretação da lei. São Paulo:
Saraiva, 1947, p. 24). No mesmo sentido: Antônio Magalhães Gomes Filho. A motivação
das decisões penais. São Paulo: RT, 2013, p. 121   .
55. Teresa Arruda Alvim Wambier. Ogni caso comporta u’unica soluzione corretta?. In: Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile, anno LXVIII fasc. 4. Milano: Giuffrè, 2014, p. 1.351.
56. Na doutrina, a Prof. Teresa Arruda Alvim Wambier observa e ensina: “A esse respeito, há,
praticamente, unanimidade na jurisprudência. Foi considerada nula sentença desprovida
de fundamentação e de relatório, aliás, sob certo aspecto, duplamente nula! Nula é a sen-
1006 Manual de Direito Processual Civil

mínimas. Esses requisitos, naturalmente, não excluem outros, estabelecidos a partir de


critérios lógico-jurídicos e das peculiaridades do caso. Em outras palavras, o rol não é
exaustivo57 – isto é, pode ser considerada não fundamentada a decisão que preencha es-
tes requisitos, porém falhe em outro aspecto – mas já representa a disposição legal um
grande avanço em termos de busca de qualidade decisória. É necessário analisar cada
um dos incisos desse dispositivo.

27.7.3.1. A limitação à reprodução de ato normativo


Em primeiro lugar, é considerada não fundamentada a decisão que “se limitar à in-
dicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a
causa ou a questão decidida” (art. 489, § 1º, I, do CPC/2015). Aqui, a lei quer impedir
que o único fundamento utilizado para a tomada de uma decisão seja a mera alegação
de um dispositivo legal. Em outras palavras, o juiz apenas explica, mas não verdadei-
ramente fundamenta, se diz que incide tal ou qual norma legal ao caso. Uma sentença
dessa natureza não aplica o direito à questão, pois em realidade não há como saber con-
cretamente como (de que forma) os fatos do caso se subsumem ao dispositivo invocado.
A adequada fundamentação precisa, minimamente, explicar o porquê da aplicação
do ato normativo em questão. O CPC/2015 utiliza propositadamente o termo “ato nor-
mativo” para se reportar não só à lei, mas a resoluções, decretos, portarias, e outros atos
que tenham força normativa.
Exemplos desse tipo de falta de fundamentação são corriqueiramente percebidos nas
decisões que se limitam a firmar estarem presentes, ou ausentes, os “requisitos legais”.58
Isso não basta para que se possa averiguar (= controlar) a decisão, pois a aplicação do
direito ao caso não está demonstrada. Temos, então, sentença nula.

27.7.3.2. O emprego imotivado de conceitos jurídicos indeterminados


Algo semelhante com a hipótese anterior, porém de certa forma mais grave, ocor-
re quando o juiz fundamenta uma sentença e se limita a “empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso” (art. 489,
§ 1º, II, do CPC/2015). Aqui, também, há a utilização de dispositivos legais sem con-
textualização com o caso concreto; no entanto a dificuldade de controle da decisão é
ainda maior, pois conceitos jurídicos indeterminados são por definição expressões uti-

tença desprovida de fundamento” (Nulidades do processo e da sentença, 7. ed., item 3.2.3,


p. 310).
57. Leonardo Carneiro da Cunha. Comentários ao art. 489. In: Teresa Arruda Alvim Wambier,
et. al. (coords). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015,
p. 1.232.
58. “Dizer isso ou nada dizer é praticamente a mesma coisa. Cumpre justificar o asserto de que
os pressupostos legais não estão presentes. A mera alusão à respectiva falta não é satisfatória.
Decisão desse teor não está motivada” (José Carlos Barbosa Moreira. O que deve e o que não
deve figurar na sentença. In: Temas de direito processual, oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 121).
Sentença 1007

lizadas pela lei de forma propositadamente aberta, sem sentido unívoco a priori e com
um espectro de abrangência amplo. A intenção da utilização desse tipo de termo inde-
terminado na lei justifica-se para justamente possibilitar diferentes incidências diante
de diferentes casos concretos.
Devem ser inseridos como conceitos jurídicos indeterminados as cláusulas gerais
e os princípios, todos normas com significação menos unívoca do que as regras, e por-
tanto carentes de uma interpretação cuidadosa, que necessariamente precisa constar
da fundamentação da decisão. Não é possível “aplicar” esses conceitos sem justificar o
porquê da pertinência da própria aplicação. Assim, por exemplo, quando o conceito de
boa-fé (arts. 113 e 422, do CC/02) é utilizado em uma sentença, o julgador deve con-
ceituar e determinar o que é efetivamente, naquele caso, o sentido atribuído ao concei-
to. Para isso, é recomendado valer-se de doutrina e de jurisprudência, na reconstrução
histórica do significado diante dos fatos apresentados no caso concreto.59
Do contrário, e diante justamente do caráter aberto das normas indeterminadas, há
o risco de que uma decisão simplesmente mencione um princípio, sem devidamente
contextualizá-lo, o que caracteriza um pronunciamento sem legitimidade.60
Esse trabalho interpretativo mostra-se mais denso do que quando há a aplicação de
textos normativos com regras mais simples.61 Não obstante, a decisão que não motivar
o porquê da incidência do conceito ao caso é considerada não fundamentada.

27.7.3.3. A fundamentação genérica


Os dois primeiros incisos do art. 489, § 1º do CPC/2015 reprimem o ato de funda-
mentar quando este consistir meramente em mencionar a existência de dispositivos
legais, sem contrastá-los com os fatos específicos da hipótese em tela. Como consequ-

59. “Não há um ganho de credibilidade na decisão que cita sem contextualizar; pelo contrário,
essa tentativa de legitimação da decisão empobrece o discurso jurídico. (...) Trata-se em
essência de um apego desmedido ao dogmatismo, como se o direito conservasse seu con-
teúdo na reprodução lexicográfica de institutos. O dogmatismo exacerbado, que afasta a
facticidade da análise jurídica e se apega às teses abstratas, não tem normatividade diante de
casos concretos. É de se reconhecer de toda forma que a doutrina tem papel fundamental na
produção do direito. É o resgate da análise teórica do direito que possibilita a sua aplicação
no caso concreto (Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a crise
na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 227/228).
60. “É duvidoso que um texto normativo fechado, por mais preciso e bem formulado, seja capaz
de evitar que os juízes criem exceções com o fim de adaptá-lo aos casos concretos que tiverem
diante de si. (...) O risco aqui é que o juiz, para ocultar sua ação criativa, resolva não explicitar
as razões pelas quais estabeleceu a exceção, ou seja, que não justifique adequadamente sua
sentença, fazendo apenas menção ao texto normativo como fundamento de sua decisão”
(José Rodrigo Rodriguez. Como decidem as cortes? São Paulo: FGV, 2013, p. 208). E ainda:
“em nenhuma hipótese, as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados podem ser
usados como subterfúgio para o julgador decidir o caso concreto de forma discricionária ou
arbitrária” (Georges Abboud. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:
RT, 2011, p. 359).
61. Fredie Didier Jr. Cláusulas gerais processuais. RePro, vol. 187. São Paulo: RT, set/2010, p. 69
e ss.
1008 Manual de Direito Processual Civil

ência dessa prática, as decisões acabam apresentando fundamentações genéricas, ba-


seadas em argumentos elaborados não necessariamente para aquela específica decisão.
Por conta disso, o art. 486, § 1º, III, proíbe a fundamentação invocando “motivos que
se prestariam a justificar qualquer outra decisão”. Notadamente, o número de casos re-
petitivos – isto é, que veiculam questões de direito muito semelhantes entre si – levados
ao judiciário tem aumentado de forma significativa já há algumas décadas.62 O intui-
to do terceiro inciso do art. 489, § 1º é, diante do cenário de repetitividade das deman-
das, garantir que a peculiaridade dos casos concretos não deixe de ser analisada. Isto
é, mesmo quando uma determinada tese jurídica (formulada em outra oportunidade,
para outro caso concreto) seja aplicável inteiramente ao novo caso, é imprescindível
fundamentar o porquê.
Como já pudemos observar, o CPC/2015 empresta à jurisprudência das cortes supe-
riores uma normatividade acentuada, e institui a obrigatoriedade de observância a de-
terminados pronunciamentos, notadamente quando se tratarem de questões repetitivas
eminentemente de direito, nas quais o contexto fático muito pouco interfere na solução
a ser adotada. São casos que em grande parte parecem aceitar soluções padronizadas,63
diante da sua identidade. Isso, no entanto, não significa que a padronização decisória
possa ser integral, ou seja, que sequer a relação de pertinência entre o caso concreto e
a tese jurídica deva ser demonstrada. A decisão genérica é justamente isto: um raciocí-
nio fabricado anteriormente, no qual não se encontram as razões pelas quais é aplicável
àquele caso, especificamente.
Para evitar incorrer no vício da fundamentação genérica, cabe ao julgador o exercí-
cio simples de relacionar o raciocínio jurídico com os fatos do caso, assim como men-
cionados pelas partes, de forma a dar concretude à decisão.

27.7.3.4. A falta de fundamentação-resposta


Outra nulidade trazida pelo CPC/2015 nesse tema, que repercute diretamente na
atividade dos tribunais, é a da decisão que não enfrenta todos os argumentos deduzidos
no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (art. 489,
§ 1º, IV, do CPC/2015). A alteração vem em boa hora, tendo em vista a corriqueira prá-
tica, em especial dos tribunais superiores, de afirmar que não está obrigado por lei a en-
frentar todos os fundamentos invocados pela parte sucumbente.64

62. No Brasil, o fenômeno foi percebido já nos anos 1990: Ellen Gracie Northfleet. Ainda sobre
o efeito vinculante. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 16, jul.-set.
1996, p. 12.
63. Dierle Nunes. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização. IN: Teresa
Arruda Alvim Wambier (org). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 268.
64. São inúmeros os exemplos de decisões dessa natureza: “O simples fato de as teses apre-
sentadas não serem integralmente repelidas não significa, por si só, irregularidade, pois o
juiz não está obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos suscitados pelas partes”
(AgRg no REsp 1345266/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, j. 11.02.2014,
DJe 06.03.2014).
Sentença 1009

A razão de ser do dispositivo decorre da necessidade mesma de fundamentação


completa. Afinal, se apenas alguns dos argumentos das partes forem adotados ou re-
batidos pelo julgador, não há possibilidade de controle completo sobre ela. O juiz não
pode escolher quais argumentos deduzidos nos autos serão mencionados na sentença,
meramente ignorando os demais.65
Quanto a isso, a redação do art. 489, § 1º, IV, é bastante clara: o vício da fundamen-
tação consiste em não enfrentar argumentos capazes de infirmar (= anular) a conclusão
adotada. O juiz não precisa, então, falar sobre todos os fundamentos e argumentos fa-
voráveis à sua própria decisão, mas necessariamente deve rebater todos os contrários.66
Trata-se de exigência importante, tendo em vista que, se o controle da decisão através
de recursos é o objetivo da fundamentação, a parte que sucumbe tem, via de regra, mais
interesse em analisar o conteúdo da decisão do que a parte que se sagrou vencedora.67
A fundamentação se dirige, então, mais ao perdedor que ao vencedor da demanda.
Imaginemos uma ação de despejo fundada em a) falta de pagamento; e b) venci-
mento do prazo de locação. O réu locatário, em contestação, afirma que: a) tratava-se
de relação de comodato, e não de locação; b) quitou os aluguéis em atraso; c) houve
novação do contrato. Entendendo-se escoado o prazo, a justificar o despejo, não é ne-
cessário que diga sobre a alegação de falta de pagamento. No entanto, o art. 489, § 1º, IV
do CPC/20015 obriga que o julgador fundamente a razão do despejo e o descabimento
das três alegações do réu.
Será nula, portanto, a decisão que não tiver rebatido suficientemente os fundamen-
tos contrários à tese adotada.
Há, no entanto, ao menos duas exceções a essa regra. A primeira delas é a da decisão
que utiliza, como fundamento, um precedente judicial. Os argumentos que foram fun-
damentadamente rebatidos pelo tribunal que criou o precedente não precisam, nova-
mente, caso a caso, ser enfrentados nas decisões futuras. Por outro lado, a decisão que
cria o precedente, justamente para garantir sua futura aplicação de maneira racional,
deve, sim, enfrentar tanto fundamentos contrários, quanto fundamentos favoráveis à
conclusão adotada (art. 984, §2º, do CPC/2015).

27.7.3.5. A menção descontextualizada de precedente judicial


Na mesma linha de raciocínio dispensada ao inciso anterior, o CPC/2015 introdu-
ziu parâmetros para a fundamentação que utiliza julgados e precedentes como fontes

65. "É inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das questões
que as partes lhes submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais ou de mérito,
o juiz tem de examiná-las todas, se não o fizer, a sentença estará incompleta” (Egas Moniz
de Aragão. Sentença e coisa julgada. São Paulo: Aide, 1992, p. 103).
66. Fredie Didier Jr; et. al. Curso de direito processual civil, vol. 2, 10ª ed. Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 336.
67. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
In: Revista magister de direito civil e processual civil, vol. 10. Porto Alegre: Magister, jan/
fev. 2006, p. 13 e ss.
1010 Manual de Direito Processual Civil

normativas. Já na vigência do CPC de 1973, o que se notava é que são raríssimas as de-
cisões que não se valem de ao menos um julgado de tribunal para dar credibilidade e
força a seus fundamentos. A força normativa da jurisprudência é parte do cotidiano do
jurista, e o CPC/2015 faz bem em regulamentá-la. Em capítulo específico, o tema dos
precedentes judiciais será tratado com mais detalhes. Cabe aqui apenas mencionar o
que a lei estabelece sobre sua utilização na motivação decisória.
Sabemos que um precedente, nos termos do CPC/2015, é um pronunciamento judi-
cial (constante do rol do art. 927) do qual se extrai um entendimento vinculante sobre
determinada questão de direito. Não obstante, o precedente não se descola das decisões
que lhe deram origem, isto é, o texto do precedente não pode ser simplesmente mencio-
nado, ou aplicado, sem a contextualização ao caso concreto.68 Por isso, o art. 489, § 1º, V,
do CPC/2015, diz não ser fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar
que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”, não basta ao julgador men-
cionar um julgado como razão de decidir, devendo a fundamentação explicitar quais os
motivos que fazem com que aquele precedente seja aplicável, ou não, ao caso concreto.
Qualquer pronunciamento judicial anterior que seja utilizado em uma decisão fu-
tura como fundamento, deve levar em conta que aquilo que foi decidido anteriormente,
só o foi diante de uma determinada e específica situação fática. O precedente não ganha
vida própria a partir da sua publicação; não pode ser utilizado em situações nas quais
a própria corte que o exarou não decidiria da mesma maneira. Esse exercício de rela-
ção entre o caso concreto e a tese jurídica a ser aplicada precisa constar da fundamenta-
ção da decisão. Sendo assim, não é fundamentada a decisão que meramente transcreve
uma ementa, ou um julgado anterior. É imprescindível demonstrar que os fatos do caso
sob análise são plenamente enquadráveis na solução contida no precedente utilizado.

27.7.3.6. A não observância injustificada do precedente judicial


O último inciso do art. 489, § 1º, é uma espécie de contraponto ao dispositivo an-
terior, pois fala do vício na não utilização de um precedente invocado pelas partes. As-
sim, não é fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, juris-
prudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção
no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Não é válida, portanto, a fundamentação que simplesmente ignora (isto é, não ob-
serva) um precedente. E não o é, também, a decisão que deixa de aplicar precedentes,
salvo as duas hipóteses constantes do dispositivo: a) distinção, e b) superação do en-
tendimento. Os detalhes a respeito dos juízos de distinção e superação serão mais bem
detalhados adiante, no tópico específico sobre o tema.

68. “…não raro, a motivação reduz-se à enumeração de precedentes: o tribunal dispensa-se


de analisar as regras legais e os princípios jurídicos pertinentes (...) e substitui o seu próprio
raciocínio pela mera invocação de julgados anteriores” (José Carlos Barbosa Moreira. Súmula,
jurisprudência e precedente: uma escalada e seus riscos. In: Temas de direito processual,
nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 300).
Sentença 1011

De toda forma, resta concluir que tanto a aplicação quanto a não aplicação de um
precedente invocado pelas partes precisa necessariamente ser justificado; do contrário,
a decisão não terá conteúdo controlável. Além disso, e lembrando sempre a aplicação
do art. 10 do Novo Código, um precedente não poderá ser ou deixar de ser aplicado
sem que a tese nele contida tenha sido submetida ao contraditório. Se um precedente
for utilizado como razão de decidir em uma sentença, as partes devem ter previamente
oportunidade de manifestação sobre a aplicação ou não do mesmo.
O conteúdo do art. 489, do CPC/2015, de certa maneira impõe aos julgadores uma
maneira mais discursiva, mais dinâmica, e menos mecanizada de fundamentar suas de-
cisões. Não é mais suficiente que as razões de decidir sejam meras transcrições de dis-
positivos legais ou de jurisprudência. A fundamentação precisa conjugar os fatos do
caso e o elemento normativo, relacionando-os constantemente.

27.7.3.7. A analogia não fundamentada e a decisão diante de lacunas da lei


O CPC/2015 estabelece, ainda, critérios para a decisão que emprega analogia. Nos
casos de aplicação analógica de um dispositivo legal ou de princípios, terá o juiz que
explicar, dentro do sistema, a forma mediante a qual deverá ser solucionado o caso con-
creto. Neste passo, o trabalho do juiz, ao invés de se basear somente na lei, identifica-
da à luz dos fatos jurídicos que lhe foram trazidos, constituir-se-á, diante da lacunosi-
dade da lei, em buscar no sistema qual o meio lhe servirá de parâmetro para resolver a
lide. Ainda, o art. 489 apresenta no § 2º a necessidade de que o juiz, quando diante de
antinomias em um caso concreto, justifique o porquê da aplicação de uma e não outra
norma jurídica. Aqui, fala-se tanto da colisão de regras quanto de princípios; sempre
que em um determinado caso for possível argumentar com a incidência de mais de um
princípio ou dispositivo legal, e as soluções daí decorrentes forem conflitantes entre si,
sendo imperativo que a fundamentação trate especificamente de justificar a preferên-
cia por uma ou outra solução.
O que podemos constatar é que existe uma profunda, senão indissociável, simbiose
entre fato e norma, a qual é admiravelmente evidenciada na sentença, pois: 1º) a norma
a ser aplicada é identificável pelo fato trazido ao processo, como alegado e devidamente
provado, ou, então, havido como verdadeiro por força de próprio sistema, v.g., nas hi-
póteses de revelia, na sistemática atual, com aplicação do art. 344 (“efeito da revelia”);
2º) uma vez conhecido o fato, é em função deste que será identificada a norma; 3º) feito
isto, com base na lei e no fato, são extraídas todas as consequências jurídicas possíveis
(consequências jurídico-legais), à luz do juízo histórico-concreto, acontecido e identi-
ficado pelo magistrado.69
É preciso que o juiz, decidindo a controvérsia, justifique porque acolheu a posição
do autor ou do réu. Justamente porque o juiz não decide arbitrariamente – em função
de sua mera vontade – é que deve constar expressamente da sentença a sua fundamen-

69. Cf., sobre o tema: Michele Taruffo. Il fatto e l’interpretazione. Rev. Fac. Dir. Sul de Minas,
Pouso Alegre, v. 26, n. 2, jul./dez. 2010, pp. 195-208.
1012 Manual de Direito Processual Civil

tação, que é pressuposto do seu controle jurisdicional. A parte que sofre prejuízo  pode
se insurgir contra a decisão e, recorrendo, tentará comprometer a fundamentação, pois,
logrando fazê-lo, ipso facto, seu recurso poderá ser provido, e possível será a modificação
de sentença. Conquanto não se recorra de fundamentos, mas da conclusão, os funda-
mentos hão de ser atacados também, e como premissas do pedido de reforma da decisão.
Nos casos de aplicação analógica de um dispositivo legal ou dos princípios gerais de
direito, em que, lacunosa a lei, mas não lacunoso o sistema, que é, por definição, pleno,
há o juiz de, igualmente, explicar, dentro do sistema, a forma mediante a qual se deverá
solucionar o caso concreto. No entanto, neste passo, o trabalho do juiz, à luz dos fatos
jurídicos que lhe foram trazidos, em face da lacunosidade da lei, consiste em buscar no
sistema qual o meio através de cujo parâmetro resolverá a lide, mercê de cujo mecanis-
mo se constata que o sistema é íntegro.
Diz-se, normalmente, mas com imprecisão, que se constituem tais meios em for-
mas de integração do sistema jurídico. Todavia, na verdade, afiguram-se-nos meios ou
modos de evidenciar a já precedente integridade do sistema jurídico; meios, portanto,
de explicação da integridade do sistema, em face da lacuna da lei.
Tanto o art. 140 do CPC/2015, quanto o art. 4º da LINDB, congruentemente com a
Constituição Federal, art. 5º, II, estabelecem que as controvérsias ou lides haver-se-ão de
decidir com base na lei. Somente quando “a lei for omissa” (LINDB, art. 4º), pautar-se-
-á o juiz por outros critérios. Verificada, desta forma, a inexistência de lei que discipli-
ne uma dada conduta, passará o juiz, sucessivamente, à analogia; inocorrente esta (e,
a fortiori, a lei, pois, do contrário, não poderia ter sido sequer legitimamente cogitada
a hipótese de aplicação da analogia), verificará, então, da exigência de costume, que é
norma jurídica não escrita. Não ocorrente a possibilidade de analogia e inexistente cos-
tume, cairá, finalmente, numa regra de encerramento, qual seja, haverá, então, de iden-
tificar, dentre os princípios gerais de direito, qual deles, ou quais deles, haverá de aplicar
à hipótese concreta, para assim, decidi-la.
Há, em nosso sentir, hierarquia nessas formas de explicitação da integridade, e, não
obedecida essa hierarquia, haverá ilegalidade; vale dizer, se é possível decisão com base na
analogia e o juiz utiliza-se de costume (que, por hipótese, “exista”), terá infringido o art. 140.
A analogia se coloca logo após a lei, principalmente em nome do princípio da igualda-
de de todos perante a lei (= igualdade de todos perante o sistema: CF/1988, art. 5º, II), pois
que é, o quanto possível, representativo de solução igualitária, desde que lacunosa a
lei, o utilizar-se a analogia. Tal já não o será, em face dos costumes variáveis no espaço.
Finalmente, dizer que o sistema é íntegro não significa, e nem poderia significar, que fo-
ram – e que isto seria possível, pois não o é – previstos todos os casos e hipóteses suscetíveis
de ocorrerem, mas, simplesmente, que devem estar previstas formas de solução genéricas,
nitidamente identificáveis e operacionais, para hipóteses não expressamente previstas (=
tipificadas). Digamos, ademais, que somente a analogia e os princípios gerais de direi-
to poderão ser aplicados para assunto relativo ao processo (pressupostos processuais e
condições da ação). Já o costume é sempre critério ou parâmetro, referente à solução da
lide. A esta também servem de parâmetro, por certo, a analogia e os princípios gerais
Sentença 1013

de direito, se lacunosa a lei, ou seja, se for o caso de aplicação daqueles métodos de in-
tegração, na forma exposta precedentemente.

27.7.4. O dispositivo e a essencialidade do conteúdo decisório da sentença


Anota-se, ainda, que, se existe uma parte, especialmente da sentença de mérito, que
deve ser absolutamente clara, esta é precisamente a parte dispositiva, pois é aquela que
realmente produz efeitos e virá, ao cabo da fase de conhecimento do processo, depois
do esgotamento dos recursos, a ser coberta pela autoridade da coisa julgada (material).
Aliás, todas as decisões, mesmo aquelas que não sejam sentenças, não podem pa-
decer de dubiedade (= não podem objetivamente gerar dúvida).70 A clareza tem de ser
atributo de toda e qualquer decisão. A figura dos embargos declaratórios denota a pre-
ocupação do legislador neste sentido, para se obter uma decisão sem obscuridade ou
que não seja contraditória (art. 1.022 do CPC/2015).
No âmbito do CPC/1973, a jurisprudência, corretamente, vinha admitindo a opo-
sição de embargos de declaração de todas as decisões, inclusive das decisões interlocu-
tórias, desde que presentes seus pressupostos específicos.71 O art. 1.022 do CPC/2015
adotou esse entendimento, tendo previsto o cabimento de embargos de declaração em
face de qualquer decisão judicial.
O art. 489, III, do CPC/2015 (que prevê como elemento da sentença o dispositivo)
embora se refira ao termo questões principais, o está empregando no sentido de mérito.
É na parte decisória da sentença (decisum) que o juiz decide o pedido, a lide, o mérito,
que, por vezes, se apresenta sob forma de itens (= questões). Assim, errada a sentença
na qual não tenham sido decididos todos os pedidos; se transitada em julgado, será vá-
lida em relação ao pedido ou pedidos decididos, enquanto os que não o foram poderão
ser levados novamente ao judiciário.
Parece-nos, entretanto, que a falta absoluta de “decisório” faz com que a sentença
seja juridicamente inexistente, e não nula, o que implica não estar sujeita a possibilidade
de vulneração por meio de ação rescisória, no prazo de dois anos,72 e sim a ação decla-
ratória de inexistência.

70. “(...) compete ao magistrado fundamentar todas as suas decisões, de modo a robustecê-las,
bem como afastar qualquer dúvida quanto a motivação tomada, tudo em respeito ao disposto
no art. 93, IX, da Carta Magna de 1988” (STJ, REsp 690.309, j. 19.05.2005, rel. Min. Gilson
Dipp, DJ 13.06.2005, p. 338).
71. Decidiu o STJ que “os embargos declaratórios são cabíveis contra qualquer decisão judicial
e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal. A interpretação meramente literal do
art. 535 do Código de Processo Civil atrita com a sistemática que deriva do próprio ordenamento
processual, notadamente após ter sido erigido em nível constitucional o princípio da motivação
das decisões judiciais” (STJ, Corte Especial, j. 07.10.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixei-
ra – RePro, vol. 103, p. 327). No mesmo sentido: STJ, REsp 478.459/RS, 1.ª T., j. 25.02. 2003,
rel. Min. José Delgado, DJ 31.03.2003, p. 175; STJ, REsp 327.032/PR, 2.ª T., j. 04.09.2001, rel.
Min. Eliana Calmon, DJ 18.02.2002, p. 360.Na doutrina, cf. aprofundado exame realizado
por Teresa Arruda Alvim Wambier, Embargos de declaração e omissão do juiz, item 1.2.
72. A respeito das sentenças juridicamente inexistentes, cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 6. ed., 2007, item 3.6, p. 460 ss.; Teresa
1014 Manual de Direito Processual Civil

27.8. A correlação entre pedidos, causas de pedir e sentença


No detalhamento dos elementos da sentença, ficou clara a necessidade de que o ob-
jeto da decisão corresponda, sempre, à lide. Assim, no relatório é imprescindível deli-
mitar os pedidos, as causas de pedir e os pontos controvertidos que dão origem às ques-
tões, que serão resolvidas na fundamentação. O dispositivo, por sua vez, deve ser uma
decisão sobre todas as questões postas a julgamento.
O fundamento desta correlação é o art. 492, do CPC/2015, que diz ser “vedado ao
juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Por vezes, no
entanto, isso não ocorre na sentença, seja porque alguma questão não foi decidida, ou
porque foi julgada matéria que não havia sido pedida pelo autor.
A regra geral – que comporta exceções, como veremos –, é que a sentença que de-
cidir mais do que o pedido deve ter nessa parte sua nulidade decretada. É de se notar,
no entanto, que o CPC/2015 autoriza expressamente que, em sede de recurso, tendo
sido julgado alguns dos pedidos, desde que o processo esteja em condições de imedia-
to julgamento, o tribunal os julgue, sem ordenar seu retorno à primeira instância para
novo julgamento. Diz textualmente o art. 1.013, § 3º, II, do CPC/2015, que o tribunal
deverá decidir desde logo o mérito quando “decretar a nulidade da sentença por não
ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir”. Assim, se já houver
condições de julgamento – por exemplo, se não for necessária a reabertura da fase ins-
trutória –, uma nova decisão deve seguir-se à decretação de nulidade. Ainda, o inciso
III do art. 1.013 permite ao tribunal, se constatar omissão no exame de um dos pedi-
dos, julgá-lo desde logo.
Assim, a falta de correlação entre pedido e sentença pode (e deve) ser decretada de
ofício, mesmo que a parte prejudicada não recorra ou impugne este trecho da decisão.
Cabe, portanto, identificar os problemas que ocorrem quando o conteúdo da sen-
tença não se identifica exatamente com o objeto da demanda.

27.8.1. A sentença infra ou citra petita


Na medida em que existe um poder-dever da autoridade jurisdicional de respon-
der ao pedido feito pela parte, não estará cumprindo, totalmente, este poder-dever, o
juiz que deixar de resolver, em parte, o que foi pedido, ainda que esse pedido se subdi-
vida em itens.
Devemos aqui explicitar o que é a cumulação de pedidos. Na cumulação de pedidos,
que equivaleria a uma cumulação de ações, a sentença que não aprecia todos os pedidos
é infra petita, sendo válida em face dos pedidos decididos, podendo, aquele que não o
foi, ser objeto de outra ação.

Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa julgada – Hipóteses
de relativização, itens 2.4 e 6.1. Na jurisprudência, cf. JUTACivSP 31/408 (em desapropriação
indireta, abdicou o juiz de decidir sobre o fato constitutivo do pedido e sobre o montante
da indenização, remetendo a solução para a execução – criticável, apenas, a terminologia
do acórdão, que a pedidos designa como pontos).
Sentença 1015

A sentença infra petita, portanto, em última análise, além de infringir o sentido do


art. 492 do CPC/2015, importa na própria denegação parcial de justiça, com o que, em
certa medida, ofende também o art. 140 do CPC/2015.
Ao juiz é vedado decidir menos do que for pedido, mais do que foi pedido e fora do
seu âmbito, ou seja, prolatar sentença, respectivamente, infra, ultra e extra petita. Como
dissemos, a sentença será infra petita se um dos pedidos formulados pelo autor não for
decidido. Deixamos igualmente expresso que já que não foi solucionada uma das lides,
não há óbice a que seja a mesma levada ao judiciário para decisão, enquanto sobre as
lides decididas recairá a qualidade de imutabilidade própria da coisa julgada material.
Em não tendo havido decisão, não há que falar em nulidade, ineficácia, simples-
mente a constatação da inexistência de decisum pelo que pode ser, então, a lide decidi-
da. Para tanto, não se faz necessária providência específica, mas tão somente elucidação
das circunstâncias ao submeter a questão ao Poder Judiciário.
Não incidirá em tal vício, porém, a sentença que não se pronunciar sobre um assunto
que poderia ter sido resolvido, mas que as próprias partes deliberaram não obter, a res-
peito do mesmo, solução judicial. Tratar-se-á, então, de um ponto e não de uma questão.
É, ainda, infra petita a decisão que fixa obrigação ilíquida, diante de pedido certo.
De toda forma, tratando-se vício de correlação entre pedido e sentença, fica este atenu-
ado, por poder ser corrigido posteriormente.

27.8.2. A sentença extra petita


A sentença será extra petita quando se pronunciar sobre o que não tenha sido obje-
to do pedido. Além da infringência literal aos arts. 140 e 490 e especialmente, ao 492,
caput, do CPC/2015, haverá infração clara ao próprio princípio dispositivo, consagra-
do como princípio medular do sistema, o qual deve inspirar todo o pronunciamento
judicial, inclusive a sentença. Trata-se de uma decisão que, em verdade, foge do que
tenha sido suscitado e debatido nos autos, inclusive a possibilidade de que as partes se
tenham manifestado a respeito. Além de violação aos artigos mencionados, há desres-
peito ao princípio do contraditório e à regra do art. 10, que veda decisões a respeito de
fundamentos sobre os quais os litigantes não se pronunciaram.
A sentença extra petita viria a subtrair às partes legítima possibilidade de se ter ma-
nifestado, pois não teriam tido oportunidade a tanto.
A decisão extra petita poderá consistir num pronunciamento excedente sobre o tipo
de ação (“pedido imediato”) propriamente dito, como, ainda, será também extra petita
se, conquanto atendido o pedido, tal ocorra por outra causa petendi.
Isto porque, conforme tivemos oportunidade de salientar, embora a causa petendi
não integre o pedido, ela o identifica. Assim, se o autor faz o pedido x baseado na causa
de pedir x1, e se o juiz concede o “mesmo” pedido x pela causa de pedir y, não estará, na
verdade, decidindo o mesmo pedido.73

73. Francesco Carnelutti. Sistema de derecho procesal civil, vol. III. Buenos Aires: UTEHA, 1944,
p. 360.
1016 Manual de Direito Processual Civil

Nessa linha, o STJ já decidiu, por exemplo, em ação de responsabilidade civil ajuiza-
da contra clínica médica e seus sócios, cuja causa de pedir consistia na morte de pacien-
te em decorrência de maus tratos sofridos durante a internação, ser defeso ao Tribunal
condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacio-
nadas com o óbito. Pontuou-se, na ocasião, que “O provimento judicial está adstrito,
não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir,
que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é de-
limitada pelos fatos narrados na petição inicial”.74 Em face do exposto, concluímos ter
havido no caso em tela, vício no julgamento, eis que houve decisão com fundamento
em fato diverso do invocado pelo autor, por outra “causa petendi”, portanto consubs-
tanciando outro pedido.
Na medida em que o próprio sistema defina o pedido como alternativo, “quando,
pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo”
(art. 325 do CPC/2015), segue-se que, sendo solicitado o cumprimento de tal obriga-
ção, a sentença poderá determinar o referido adimplemento da obrigação, de mais de
uma maneira. Em rigor, no caso, a alternativa é ex lege, e, assim sendo, o juiz está, pela
lei, autorizado a decidir de forma a ensejar mais de uma modalidade de cumprimento,
mesmo que o autor não tenha expressamente solicitado. Não poderá o referido autor in-
surgir-se contra tal decisão.
Mesmo que, eventualmente, tenha o autor solicitado o cumprimento da obrigação
de uma só forma ou maneira, nem por isto estará o juiz vinculado à maneira de cumpri-
mento que tenha sido pedida. Prevalece, in casu, a regra do art. 325, parágrafo único,
verbis: “Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe asse-
gurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não
tenha formulado pedido alternativo”.
De outra parte, lembremos a regra do art. 326, que dispõe: “É lícito formular mais
de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não
podendo acolher o anterior”. Com relação a este texto, tendo em vista sua repercussão
na sentença, podemos dizer que só no caso de inviabilidade de atendimento a pedido
anterior é que o juiz poderá passar à apreciação do posterior. Se, eventualmente, o juiz
apreciar diretamente o pedido posterior, estará infringindo a regra da correspondên-
cia entre o pedido e a sentença, pois está ínsito no pedido que a solicitação posterior só
poderá ser objeto de consideração se a anterior for inviável. Por outras palavras, a in-
versão da ordem infringe a vontade do autor e, assim, implica julgamento extra petita.75
Ainda, deve ser recordado o art. 323, o qual dispõe que “Na ação que tiver por ob-
jeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas in-

74. STJ, REsp 1169755/RJ, 3.ª T., j. 06.05.2010, rel. Min. Vasco della Giustina (Desembargador
convocado do TJ/RS), DJe 26.05.2010.
75. Com base nesse raciocínio, já defendemos a impossibilidade de se promover o cumprimento
de sentença quanto à obrigação subsidiária, acolhida na sentença, sem qualquer justificativa
para se desprezar a execução da obrigação principal, acolhida pela sentença, de acordo
com a ordem de preferência do autor (Soluções práticas de direito: pareceres, vol. III, p. 835
e ss.).
Sentença 1017

cluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor”. Ex lege, por-


tanto, sendo a obrigação de cumprimento em prestações periódicas, ipso facto, basta
a solicitação de seu cumprimento, para se entender que se pedem todas as prestações.
Inversamente, se é o autor que deseja cumprir a obrigação, entendendo haver mora ac-
cipiendi, ao devedor, pelo fato de consignar a primeira prestação, fica assegurado o di-
reito de, em curso do processo, efetuar os depósitos sucessivos
Por outro lado, não decide extra petita o juiz que, em ação de prestação de contas,
afastar o pedido de multa formulado pela parte para a não prestação das contas e faz
incidir a previsão legal, no sentido de não poder o réu (que não apresentou as contas),
impugnar as apresentadas pelo autor.76
Por último, veja-se que a lei determina que certos provimentos constem de qualquer
sentença, independentemente de pedido. Assim, o art. 491 do CPC/2015 estabelece que
nas decisões de cunho condenatório, mesmo quando o pedido for genérico a decisão
deve determinar “a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de ju-
ros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros”. Nada disso,
quando esteja na sentença, será extra petita, por força do que dispõe o próprio código.
As únicas exceções a estas inclusões na decisão são os casos em que o montante devido
não puder ser identificado definitivamente, ou quando a apuração desse montante de-
pender de provas (art. 491, I e II do CPC/2015), hipóteses em que toda a quantificação
do débito será feita na fase de liquidação.
Devemos atentar, em relação às decisões extra petita que são viciadas na parte em
que julgam o que não foi pedido. Claro está que pode uma sentença, decidir a resolu-
ção do contrato se, pedida pelo autor, e condenar o réu a pagar multa nele estipulada,
sem que tenha sido esta pedida. Viciada estará a decisão judicial porém, só quanto ao
que não foi pedido pelo autor.
Não tendo havido pedido não se formou nesse limite, o processo, eis que a jurisdi-
ção é inerte. Por outro lado, em não tendo havido pedido como poderia estar presentes
as condições da ação, para que exercida, pudesse ser decidida a lide. Não houve proces-
so, nem ação, consequentemente a decisão prolatada sem pedido não pode ser consi-
derada juridicamente existente, razão pela qual sobre essa decisão não poderá recair a
qualidade de coisa julgada material.

27.8.3. A sentença ultra petita


Distingue-se o julgamento extra petita do ultra petita. Será ultra petita quando a
sentença for além do pedido formulado, concedendo mais do que tenha sido pedido.
Já a sentença extra petita, como vimos, constitui-se em julgar coisa diversa da que
fora pedida, deixando-se, em certa medida, praticamente sem resposta o que foi pe-
dido.77 A base legal, que veda o julgamento extra e ultra petita, está no art. 492, caput,
do CPC/2015.

76. JUTACivSP 59/39.


77. STJ, REsp 709.654, j. 07.06.2006, rel. Min. Denise Arruda, DJ 01.07.2005, p. 425.
1018 Manual de Direito Processual Civil

A sentença ser infra, extra ou ultra petita é fenômeno que diz respeito à sua parte deci-
sória (ao decisum), pois que consiste em infração ao princípio da congruência do decisum
com o pedido. Não diz respeito, assim, em tese, à “extensão argumentativa” da fundamen-
tação. Quer dizer, o fato de a fundamentação de uma decisão falar, ou não, de determinada
relação jurídica não tem em princípio, ligação com a correlação entre pedido e decisão, uma
vez que o comando impositivo é verificado somente no dispositivo. Dizemos “em princí-
pio”, pois no CPC/2015, há possibilidade de que sobre a decisão de questões prejudiciais
ao mérito, resolvidas incidentalmente, recaia a coisa julgada material (art. 503, § 1º), mes-
mo sem pedido expresso. Se, por exemplo, em uma ação se pede o cumprimento de uma
cláusula contratual, a constatação de validade da dita cláusula, se tiver havido contraditório
prévio e efetivo e preenchidos os requisitos legais fundamentando a decisão, pode vir a tran-
sitar em julgado, sem que isso consista em quebra ou violação do princípio da correlação.
Em respeito à economia processual, à instrumentalidade, à conservação e ao apro-
veitamento dos atos do processo, a sentença ultra petita deve ser cancelada apenas no
que exceda ao pedido, com o que está satisfeito o princípio dispositivo. A mera adequa-
ção da sentença ao limite do pedido já é suficiente para a sua correção, sendo desneces-
sária nova decisão a respeito.
Novamente aqui cabe uma ressalva quanto a condenação de quantificação vaga e
equitativa. Assim, uma decisão que considere excessivo o valor pedido a título de dano
moral e conceda quantia menor não é considerada infra petita. Diferentemente, se o au-
tor requer um determinado valor a título de danos morais, este é o teto da condenação
a que pode ser submetido o réu. O autor nesse caso dispôs expressamente de qualquer
valor acima do que requereu, e a sentença que condenar a valor maior é ultra petita.

27.8.4. A sentença e o julgamento em face de pedido genérico


Tendo em vista o disposto no art. 324, § 1º, do CPC/2015, há que ser ressaltado que,
ainda que o pedido possa ser genérico, isso não significa, todavia, que os fatos dos quais
decorra a obrigação de indenizar perdas e danos não devam, necessariamente, ser com-
provados no processo de conhecimento, e deverá a existência desta obrigação constar
da sentença, deixando-se para a liquidação, tão somente, a apuração do quantum. 78

27.9. A sentença e os fatos supervenientes à demanda


Como vimos no capítulo específico relativo à petição inicial, os pedidos, qualifica-
dos pelas causas de pedir deduzidos pelo autor, fixam o mérito da demanda, e esta lide

78. “Os lucros cessantes deveriam ser demonstrados no curso do processo de conhecimento,
descabendo postergação à fase de liquidação de sentença. A prova de lucros cessantes, em
regra, é apurada com embasamento em suporte fático antecedente, circunstancia diversa
do dano meramente hipotético. Carece de demonstração adequada o suporte fático para
lucros cessantes: o caminhão era usado para transporte e inexiste agendamento para possíveis
carretos futuros, com repercussão em (incomprovada) lucratividade empresarial” (TJSP, Ap.
Cível n. 0001510-11.2010.8.26.0095, Rel. Des. J. Paulo Camargo Magano, 26ª Câmara de
Direito Privado, j. 28.05.2014).
Sentença 1019

se estabiliza após a resposta oferecida pelo réu (art. 342 do CPC/2015). Não é lícito ao
autor apresentar modificações na petição inicial, após a citação. Após esta, até o sane-
amento poderá fazê-lo com o consentimento do réu (art. 342 do CPC/2015). O mérito
está posto, e o que se seguirá é uma fase de instrução e preparação para seu julgamento.
No entanto, o art. 493 do CPC/2015 estabelece que o juiz deverá levar em conside-
ração fatos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos que forem superve-
nientes à propositura da ação.
Em primeiro lugar, quanto ao tema, diga-se que o juiz não pode conhecer de fato
novo ocorrido posteriormente à propositura da ação, caso este venha a alterar a causa
petendi e/ou o pedido. Na hipótese do art. 493 do CPC/2015 é fato novo só quanto à cir-
cunstância de sua ulterior ocorrência, relativamente à época da postulação inicial, e não
no sentido de inovar o petitum e sua causa petendi, pois já daí deve constar. Fatos novos
devem, então, reforçar as razões que sustentam o mérito, e não modificá-lo
De outro lado, em ocorrendo fato novo/superveniente que não altere o objeto da de-
manda, o juiz pode e deve, ex officio, configurados os pressupostos, levá-lo em considera-
ção.79 O que a regra do art. 493 implica é que o juiz deve decidir a causa da forma como
a mesma se encontra, quando (no momento) da entrega da prestação jurisdicional.80Os
parâmetros (legais e fáticos) para a decisão devem ser aqueles existentes no momento da
sentença, o que vale como regra geral se, entre o momento da postulação e o instante da
sentença, houver alteração de um e outro.
Quando a lei diz “fato”, quer significar inclusive modificações legislativas que confiram
direitos supervenientes. Isto implica que, no momento da sentença, tal fato ou regra jurídica
superveniente deverá ser considerado e a regra aplicada. Nesse ponto, o CPC/2015 inova no
parágrafo único do art. 493, que diz: “se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as par-
tes sobre ele antes de decidir”. A novidade está em consonância com o art. 10 e com a feição
do contraditório visto como direito de influência, de acordo com o que vimos no capítulo a
respeito das normas fundamentais do processo civil. Nossa opinião, no entanto, é que mes-
mo na vigência do CPC/1973 era extremamente recomendável que o juiz, conhecendo ofi-
ciosamente de direito superveniente, decidisse após ouvir as partes a respeito.
O art. 493 deve, então, ser lido em conjunto com o art. 342, I, que permite ao
réu deduzir novas alegações após a contestação, quando “relativas a direito ou a fato
superveniente”.81 Ambos os dispositivos referem-se a qualquer fato que tenha o condão
de influir na relação jurídica, o que inclui a superveniência de norma jurídica.

79. STJ, REsp 688.151, j. 07.04.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 08.08.2005, p. 305; STJ, 6.ª
T., AgRg no REsp 895.798/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 23.03.2010, DJe
12.04.2010.
80. STJ, REsp 551.959, j. 07.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 06.06.2005, p. 181.
81. José Joaquim Calmon de Passos, em comentário ao citado artigo 462 do CPC, aponta como
requisitos para o juiz tomar em consideração tais fatos: “1º. que tenham ocorrido depois da
propositura da ação; 2º. que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que
o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito controvertido” (José Joaquim Calmon
de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1982, 3ª ed., vol.
IV, coms. ao artigo 462, nº 333, p. 417). Wellington Moreira Pimentel, em comentário ao artigo
1020 Manual de Direito Processual Civil

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a plena aplicabilidade


do artigo 462 do CPC/1973 (equivalente ao art. 493 do CPC/2015) às hipóteses de nor-
ma jurídica superveniente.82
A doutrina recente tem reconhecido, inclusive, que ambos os dispositivos – arts. 342,
I, e 493, do CPC/2015 – autorizam o juiz a conhecer do direito superveniente tanto nas
instâncias ordinárias como extraordinárias. 83 Tal entendimento tem amplo respaldo
jurisprudencial,84 por força até mesmo do art. 257 do Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça.85

303 do CPC, elucida que “em dois momentos o legislador de 1973 acolheu a aplicabilidade do
direito e do fato supervenientes. Primeiro, no inciso I do artigo 303. Adiante, no artigo 462”. E,
sobre a interpretação conjunta dos aludidos dispositivos, observa: “Embora no inciso I se fale
apenas em direito superveniente, a ocorrência de fato novo, capaz de constituir, modificar ou
extinguir direito, autoriza à parte aduzir novas alegações, quer por se considerar implícita a
autorização nesse inciso, quer pela aplicação combinada do inciso II do artigo 303 com o já
citado artigo 462” (Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo, ed. RT, 1975, vol. III, coms. aos artigos 270 a 331 e 444 a 475, nos comentários
ao artigo 303, item 2º, p. 274 e 275). Ver, ainda: Antonio Carlos Marcato (coord). Código de
Processo Civil Interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 996 e ss.
82. “Na espécie, deve ser rejeitada a alegação de ofensa ao artigo 462 do Código de Processo Civil,
porquanto o julgador levou em consideração direito superveniente capaz de influir no julgamento
da lide.” Os Tribunais de segundo grau não discrepam dessa orientação, acolhendo plenamente
a invocação do disposto no artigo 462 do CPC, para permitir, a qualquer momento do processo,
a alegação da incidência de norma jurídica superveniente que tenha o condão de influenciar
na solução do caso. (...) Direito superveniente. Aplicação ao caso concreto da norma do artigo
462 do CPC. A superveniência desse diploma legal há de ser levada em conta pelo Tribunal no
julgamento do apelo ora apreciado, pois ‘o direito vigente à época da decisão deve ser aplicado
pelo juiz, ainda que posterior ao ajuizamento da ação, sempre que a lei nova não ressalve os
efeitos da lei anterior” (TJRS, Apelação Cível Nº 70046645651, Terceira Câmara Especial Cível,
Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 14/02/2012, Diário da Justiça do dia 22/02/2012).
No mesmo sentido: “CRITÉRIOS DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES. DIREITO SUPERVE-
NIENTE (ARTIGO 462, CPC). (...) À luz do artigo 462 do Código de Processo Civil, que se refere
ao jus superveniens, deve-se aplicar a novel legislação, de modo a solucionar o litígio, devendo
a parte autora recolher os valores a título de indenização à Previdência Social, de acordo com
o preceituado no artigo 45-A da Lei 8.212/91 (LC 128/2008) em alusão” (TRF – 3ª Região, AMS
2413 SP 2000.61.83.002413-0, Rel. Juíza Convocada Cláudia Arruga, j. 20/06/2011).
83. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado artigo
por artigo. 2ª edição. São Paulo: RT, 2010, p. 314. Igualmente: Antonio Carlos de Araújo
Cintra, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, 2ª ed., vol.
IV. nº 253, p. 299
84. Veja-se, exemplificativamente, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que remete
a diversos outros precedentes: “LEI SUPERVENIENTE MAIS BENÉFICA. (...) A superveniência
de fato ou direito que possa influir no julgamento da lide deve ser considerada pelo julga-
dor, (...) uma vez que a decisão judicial deve refletir o estado de fato da lide no momento
da entrega da prestação jurisdicional (...). 4. Destarte, a ulterior edição da lei estadual que
exime o contribuinte/recorrido de responsabilidade fiscal, caracteriza fato superveniente,
constitutivo de seu direito, e que deve ser sopesado quando da prolação da decisão, donde
se extrai seu interesse processual na lide.” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1116836/MG, Rel. Min.
Luiz Fux, j. 05.10.2010, DJe 18.10.2010).
85. “... Na instância extraordinária, superado o juízo de admissibilidade do recurso, cumpre ao
Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (RISTJ, artigo 257; súmula 459/STF).
Sentença 1021

 Este aspecto, quer dizer, a ótica trazida pela nova situação jurídica, é relevante ao
lado da situação anterior e a ela deve ser acrescentada, o que equivale a dizer que o as-
sunto deverá ser visualizado, também, em face das regras de direito intertemporal, tendo
em vista o direito material e, particularmente, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido
(art. 5º, XXXVI, da CF/88).
Por outras palavras, no processo não se poderá desconhecer a existência de direito
adquirido e de ato jurídico perfeito, institutos que afastam a incidência da lei nova. Nes-
ta hipótese, será inviável pretender-se aplicar norma jurídica posterior, pois não será,
propriamente, o direito superveniente a que se refere o art. 493.
O que interessa, na hipótese, é que em sendo alterada a lei material durante o proces-
so, aplica-se a lei material contemporânea à ocorrência do fato sobre o qual se pretende
o pronunciamento judicial (quando houver direito adquirido ou ato jurídico perfeito).
Caso clássico é o da existência de um contrato a respeito do qual se discute, e, durante
o processo, se altere a legislação, colocando-se o problema e a solução da demanda que
deverá ser decidida com base na lei regente à época da feitura do contrato. Vale lem-
brar, como exemplo expressivo, o referente à aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor a fatos ocorridos antes da sua vigência; ou, então, exclusivamente, a fatos
verificados só a partir de sua vigência, sendo esta a posição correta.86 E fazendo aplica-
ção desse princípio, e a propósito do mesmo Código de Defesa do Consumidor, assim
tem decidido o STJ.87 Vale dizer, as figuras ou os institutos do direito adquirido e do ato

Nessa oportunidade, o STJ não só pode, como deve, se necessário, enfrentar eventuais razões
de ordem constitucional que impedem a aplicação, à causa em julgamento, da norma federal
infraconstitucional invocada pelo recorrente. Cumpre-lhe, assim, afastar a aplicação dessa nor-
ma não só quando a considerar inconstitucional (observado, nesse caso, o princípio da reserva
de plenário – artigo 97 da CF), como também quando, como no caso, a considerar revogada,
implícita ou expressamente, pela ordem constitucional superveniente. ” (STJ, 1ª Seção, EDcl
nos EREsp 738.689/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.12.2007, DJ 07.02.2008, p. 1)
86. Nelson Nery Junior, em trabalho intitulado Os princípios gerais do Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor, diz que “a regra é a não retroatividade da lei, não se aplicando a
lei nova (Código do Consumidor) aos contratos já celebrados”; v., ainda, José Luiz Bayeux
Filho, em trabalho intitulado O Código do Consumidor e o direito intertemporal, Revista de
Direito do Consumidor, vol. 5, 1993, editora Revista dos Tribunais; Arruda Alvim, Thereza
Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James J. Marins de Souza, Código do Consumidor comentado,
comentários ao art. 118, p. 513, em que se lê: “No que diz respeito à vigência do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, há de se considerar que o mesmo é inaplicável a
situações juridicamente consolidadas, anteriormente à sua vigência”.
87. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 31.954-9/RS, do voto do Min. Waldemar Zveiter, que
prevaleceu, afasta a incidência pretérita do Código de Defesa do Consumidor. Aí se lê: “Tenho
compromisso com precedentes julgados da Turma. Afasto a incidência dos dispositivos do
Código do Consumidor ao caso concreto. O só fato de se constituir em lei de ordem pública,
na espécie, não traz em si o condão de desconstituir os atos jurídicos formalizados sob a
égide de norma anterior”. O STJ, pode-se dizer que sem variação de entendimento, tanto
pela sua 4.ª T., quanto pela sua 3.ª T. (responsáveis, fundamentalmente, pelo julgamento,
em grau de recurso especial, das lides que envolvam relações qualificáveis como sendo de
direito privado), orienta-se categoricamente pela inaplicabilidade do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor, tendo em vista fatos anteriores à sua vigência. Vale dizer, todo o
1022 Manual de Direito Processual Civil

jurídico perfeito, ainda que se modifique a lei material, levarão à necessária aplicação,
“agora”, da lei em vigor à época da aquisição do direito e do ato jurídico perfeito (no
caso do contrato, da data de sua celebração). Incogitável, pois, aplicação imediata da lei
material, e inaplicável é o art. 493, para o fim de vulnerar os bens jurídicos protegidos por
esses institutos (previstos na própria Constituição Federal), o que não colide com a asser-
tiva no sentido de que as leis aplicam-se imediatamente (tanto as processuais, quanto as
materiais, se assim o tiver prescrito o legislador). Por outras palavras, a aplicação ime-
diata da lei não pode acarretar vulneração de ato jurídico perfeito, de coisa julgada ou
de direito adquirido. É aplicável a lei superveniente, desde que não haja direito adquirido
ou ato jurídico perfeito, e, também, quando preexista coisa julgada.88
Embora já se tenha decidido diferentemente, a jurisprudência mais recente forne-
ce caminho para aplicar o art. 493 (e o art. 462 do CPC/1973) inclusive ao mandado
de segurança.89

Tribunal decide pela inaplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor a fatos


anteriores à vigência deste Código. Verifiquem-se os seguintes acórdãos: 1.º) REsp 36.952,
3.ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, cuja ementa reza que o “Código de Defesa do Consumidor,
(tendo em vista) rescisão contratual ocorrida antes de sua entrada em vigor”. A decisão local
era no mesmo sentido, e daí não se ter conhecido do recurso, por unanimidade (publicado
no DJU em 16.05.1994, p. 11.761); 2.º) REsp 38.639, rel. Min. Edson Vidigal, cuja ementa
reza o seguinte: “1) Correta a decisão que afastou a incidência do Código de Consumidor,
o qual não pode alcançar contrato constituído antes de sua vigência, por força do princípio
da irretroatividade. 2) Recurso não conhecido” – DJU 30.05.1994, p. 13.497; 3.º) REsp
40.228, 3.ª T., rel. Min. Waldemar Zveiter, cuja ementa reza: “I – Não incidem os disposi-
tivos do Código de Defesa do Consumidor nos contratos celebrados antes de sua vigência.
O só fato de se constituir em lei de ordem pública não traz em si o condão de desconstituir
os atos jurídicos formalizados sob a égide de norma anterior, eis que sem conteúdo de apli-
cação imediata e intervencionista, força da suspensividade nela mesma contida (art. 118
da Lei 8.078/90). II – Há de se respeitar a cláusula livremente pactuada, que prevê a perda
das parcelas pagas, em caso de inadimplemento do contrato. Precedentes do STJ e STF. III
– Recurso não conhecido” – DJU 13.06.1994, p. 15.103; 4.º) REsp 45.226, 4.ª T., rel. Min.
Sálvio de Figueiredo, cuja ementa reza: “I – Em se tratando de compromisso de compra e
venda firmado em data anterior à vigência do Código de Defesa do Consumidor, é de ser
havida como válida a previsão contratual da perda das quantias pagas pelo compromissário
adquirente, instituída a título de cláusula penal compensatória para o caso de resolução a
que haja dado causa. II – Assim estipulada a pena convencional, pode o juiz, autorizado pelo
disposto no art. 924, CC [1916], reduzi-la a patamar justo, com fito de evitar enriquecimento
sem causa que de imposição integral adviria à promitente vendedora”, cuja decisão foi de
conhecer e dar provimento ao recurso, por votação unânime – DJU 31.10.1994, p. 29.504.
88. Cf. STJ, AgRg no REsp 449.039, j. 01.04.2003, rel. Min. Luiz Fux, DJ 05.05.2003, p. 228. O
STF (RE 145.933-6/MG, j. 03.12.1994, v.u., rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, I, de 16.12.1994,
IOB 3/10.554 – fev./95) entendeu constitucional a aplicação da Lei 8.009/90 (impenhora-
bilidade do bem de família) em execuções em curso, eis que inexistente qualquer direito
adquirido à penhora no curso da ação (a penhora é, de acordo com o entendimento que
então prevaleceu, ato inicial da execução, sujeito, pois, a modificações que podem resultar
em sua ampliação ou redução, mas também na substituição de seu objeto).
89. STJ, REsp 670.842, j. 02.06.2005, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 13.06.2005, p. 337; STJ, REsp
438623, j. 10.12.2002, rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.03.2003, p. 288; STJ, 2ª T., AgRg no
Sentença 1023

Por último, note-se que ocorrendo fato superveniente – o qual deve ser provado –
que faça ocorrer a perda superveniente do objeto do processo, os honorários serão de-
vidos por quem deu causa ao processo (art. 85, § 10 do CPC/2015).

27.10. Correção de inexatidões e erros materiais


O art. 494 do CPC/2015 – repetindo o que já dizia o art. 463, I, do CPC/1973 – dis-
põe que, uma vez publicada a sentença, o juiz somente poderá alterá-la para: a) para
corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cál-
culo; e b) por meio de embargos de declaração. Esta segunda hipótese diz respeito ao
efeito integrativo do recurso. Cabe aqui, com mais detalhes, falar a respeito da correção
de equívocos na decisão.
As inexatidões materiais e os erros de cálculo não sofrem a ação do tempo, isto é, não
precluem. Podem ser corrigidos em face de pedido simples e devem ser corrigidos ex offi-
cio, independentemente de uso de embargos de declaração. Tanto umas, quanto outros,
não correspondem àquilo que efetivamente se decidiu, essa a razão da correção através
de petição simples, se se fizer necessária.90
Em face do disposto no art. 494, I e II, devemos considerar que os embargos de de-
claração podem ser o meio para apontar inexatidões materiais – conforme permite, in-
clusive, o art. 1.022, III, do CPC/2015 –, como igualmente pode o juiz corrigi-las ofi-
ciosamente. E, via de regra, a parte interessada pode indicar em simples petição o erro
a ser corrigido, desde que estritamente limitada a esse requerimento, não importando
modificação no conteúdo do que foi decidido, embora a prática tenha revelado pode-
rem os embargos utilizados mais frequentemente para esta finalidade.
De outra parte, porque se prescinde dos embargos de declaração, ou de outro recur-
so, deve-se dizer que o erro de cálculo pode ser alegado e corrigido a qualquer momento,
não vindo a transitar em julgado,91 podendo e, em rigor, devendo ser corrigido de ofício
pelo juiz. Cabe a ressalva, no entanto, de que se a matéria já tiver sido devolvida ao tri-
bunal através de recurso, não caberá mais ao juiz (e sim ao Tribunal) a correção do erro.
As inexatidões materiais constantes da sentença, justamente por serem materiais,
podem ser corrigidas quando da oportunidade da elaboração da conta de liquidação,
ou quando da apresentação da memória discriminada de cálculo no início da fase de
cumprimento da sentença (art. 513 e ss.).
Uma sentença deve ser entendida e interpretada à luz de determinados elementos,
assumidos pelo julgador, e, principalmente, no plano dos fatos dela constantes ou nela
descritos, tendo em vista a referibilidade aos fatos que aí se descreve. Estes elementos

RMS 34.595/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 01.09.2011, DJe 09.09.2011. Inaplicável,
entretanto, o art. 462 do CPC, se a análise de fato novo demandar dilação probatória: STJ,
RMS 21.037/RJ, 6.ª T., rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.11.2009, DJe 14.12.2009.
90. Nesse sentido é o entendimento pacífico de nossos tribunais: STJ, REsp 111.850, j. 26.02.2002,
rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 15.04.2002.
91. STJ, REsp 706.633, j. 14.06.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005, p. 268.
1024 Manual de Direito Processual Civil

são úteis para o entendimento de uma sentença, e particularmente úteis quando se tra-
tar da identificação e consequente correção de erro material ou erro de cálculo.
Se considerarmos o critério da interpretação literal, é ele, certamente, inservível para
detecção de um erro material que possa ter sido cometido. O que se há de fazer para
identificar a ocorrência de erro material é, precisamente, verificar o que teria querido,
inequivocamente, significar a decisão de que se cogita.
Ao lado de não se poder, jamais, interpretar uma norma processual como criadora
originária de direitos, que não existam a partir do plano do direito material, há de se aten-
tar, em sede da hermenêutica, para uma coerência que há de existir entre a natureza e
a norma (ou sentença) interpretada. Neste sentido, ilustre autor pondera que, como
ponto preambular a ser respeitado para interpretação, haver-se-á de ter presente uma
“coerência imanente das coisas existentes na natureza”.92 Ou seja, dever-se-á repudiar
uma interpretação aberrante.
Nessa linha, ainda, um dos mais notáveis lógicos do direito contemporâneo ponde-
ra, em obra fundamental, que há de se criticar e reprovar a inteligência do direito feita
com distanciamento da vida, ou que enfoque o direito (ou o direito tal como constante
da sentença) com distância e “abstracionismo” em relação aos fatos na sentença descri-
tos. Necessário é que os resultados da interpretação e do trato do direito representem
uma maior “proximidade à vida”, de tal forma que assim é que se sabe “do que se está
tratando”, devendo-se ficar a salvo de possíveis surpresas provenientes de pressupos-
tos ignorados.93
Essas premissas, situadas no plano da lógica jurídica, demonstram, igualmente,
que a inteligência e a interpretação corretas não podem deixar de observar uma in-
teração entre a sentença e os fatos nela referidos e que ocorreram na vida real, i.e.,
deve haver uma correspondência entre a representação e o objeto representado, pois
que, do contrário, chegar-se-ia a resultados inaceitáveis, tal como se uma sentença
pudesse ser entendida desligadamente daqueles fatos que se pretende hajam sido
por ela descritos.
Emilio Betti – sem dúvida o autor de grande prestígio em língua latina que escreveu
sobre o assunto –, ao se referir à “totalità e coerenza dell’apprezzamento ermeneutico”,
ensina ser imprescindível compreender a correlação existente nas diversas partes de um
discurso (no caso, de uma sentença) e ter presente que há, através de uma expressão, re-
ferência e correlação “que tornam possível a recíproca iluminação do significado entre
o todo e os seus elementos constitutivos”.94 Outro eminente autor – Francesco Ferra-
ra – observa, em obra sobre hermenêutica, que se há de considerar sempre que “ordem
jurídica e vida social coincidam: aquela é uma superestrutura desta”.95

92. Cf. Giorgio Lazzaro, L’interpretazione sistematica della legge, II, 3, p. 32.
93. Cf. Ulrich Klug, Logica jurídica, p. 214; na edição alemã, Ulrich Klug, Juristische Logik,
p. 174.
94. Cf. Emilio Betti, Teoria generale della interpretazione, vol. 2, § 16-a, p. 307-308.
95. Cf. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, 11, p. 157, editada juntamente
com a obra de Manuel A. Domingues de Andrade (Ensaio sobre a teoria da interpretação das
Sentença 1025

Autor alemão de excepcional prestígio, na mesma linha de Francesco Ferrara, ob-


serva que o texto (de uma sentença) tem de refletir a realidade das coisas, mesmo porque
pretende o julgador que isso haja ocorrido. Este autor observa, como premissa-chave e
fundamental do processo hermenêutico, que as expressões e os seus respectivos signifi-
cados levam a que hajam sempre de ser vistos como “conceitos paralelos”; diz mais, que
essa relação é observável na coisa, havendo o texto legal de traduzir, através da senten-
ça, nesta hipótese, o efetivo valor da indenização, e não outra coisa. Diz, textualmente,
o seguinte: “Verifica-se que os conceitos ‘expressão’ e ‘sentido’ são conceitos paralelos,
que indicam precisamente a mesma coisa, sendo que essa indicação (= relação) ora de-
corre do texto, ora decorre da coisa: devem ser vistos, ora como a expressão do texto,
ora como a expressão da coisa”.96
Ou seja, todos esses autores citados observam que inexiste hermenêutica correta fora
da realidade; vale dizer, o resultado de uma decisão necessariamente tem de ser entendi-
do em função do seu significado na realidade, mesmo porque uma sentença pretende referir
e descrever uma dada realidade, ou determinados acontecimentos, aos quais ela se reporta
e nela se relata; ou seja, tem de traduzir para a realidade os comandos do direito material.
Todas essas considerações foram feitas objetivando-se situar o único ambiente ou
as únicas regras-premissas dentro das quais se pode exercer legitimamente uma ativi-
dade interpretativa.
Quando se tratar de erro material, cuja existência não possa ser legitimamente posta
em dúvida – equivalente, pois, a um mero e puro lapso, a um manifesto engano, a respei-
to do qual não se opera preclusão e nem sobre esse recai a autoridade de coisa julgada –,
é o mesmo passível de ser modificado e corrigido, devendo, efetivamente, sê-lo, no que
diz respeito à atividade jurisdicional, pois a parte da decisão eivada de erro material, não
transita em julgado, não ficando, a fortiori, acobertada pela preclusão.
Conquanto, antes da alteração da Lei 11.232/2005, o art. 463 do CPC/1973 aludisse
só à sentença de mérito, decorria para o juiz a mesma consequência inibitória aí estabe-
lecida, se se tratasse de sentença terminativa. Ainda que não fosse de mérito, o que o ma-
gistrado poderia fazer, depois de ter sentenciado, também, é exclusivamente o que se
encontra gizado nos incisos I e II do art. 463, CPC/73 (= art. 494 do CPC/2015).
Afirmava-se, na redação anterior do art. 463, que, com o proferimento da sentença
de mérito, “o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”. Esta frase não condiz com o
que atualmente ocorre, nas ações voltadas ao pagamento de quantia certa e ao cumpri-
mento de deveres ou obrigações de fazer e de entregar coisa, nas quais o cumprimento

leis). O texto de Ferrara é tradução de parte do seu Trattato di diritto civile italiano, edição
italiana, de 1921.
96. Cf. Joachim Hruschka, Das Verstehen von Rechtstexten – Zur hermeneutischen Transposi-
tivität des positiven Rechts (A compreensão dos textos jurídicos – Por uma hermenêutica
transpositiva do direito positivo), cap. V, p. 40, nota 16, verbis: “Man sieht daß die Begriffe
‘Ausdruck’ und ‘Sinn’ Parallelbegriffe sind, die genau dieselbe Beziehung bezeichnen, nur
daß diese Beziehung bald von Text, bald vom der Sache her betrachtet wird: eine Sache wird
als gesehen ‘als’ der Sinn eines Textes und der Text ‘als’ Ausdruck dieser Sache”.
1026 Manual de Direito Processual Civil

da sentença se dá no mesmo processo, suprimindo-se a necessidade de ajuizamento de


nova ação, para a execução da sentença. Ou seja, nesses casos a tutela jurisdicional é
prestada com a sentença e com os atos em seguida realizados para a sua concretização
fática, nas situações em que o réu deixe de cumprir, voluntariamente, a decisão judicial.
Ressalte-se, porém, que, quando se tratar de pagamento de soma em dinheiro, haverá a
necessidade de requerimento do credor para que a execução possa ter prosseguimento.
De todo modo, publicada a sentença, o juiz não mais poderá alterá-la, com exce-
ção das hipóteses referidas no art. 494. Na verdade, o que se quis significar é que, com a
sentença de mérito (exceção feita a sentenças que deem pela prescrição ou decadência),
ter-se-á atingido o ponto último suscetível de ser julgado, pois se terá resolvido a lide, ou
seja, ter-se-á decidido sobre o bem jurídico, em si mesmo. Ainda aqui, todavia, poder-se-á
cogitar da hipótese de decisão que dê pela prescrição, quando, hipoteticamente, seria
pensável (e possível) que, inocorrente a prescrição, poder-se-ia decidir mais aprofun-
dadamente dentro do próprio mérito, uma vez que, pela lei (art. 487, II do CPC/2015), a
prescrição faz parte do mérito. Mas estas são considerações, em rigor, extrajurídicas.
O que conta, pois, é que, proferida a sentença (ainda que não seja de mérito), esta-
rá terminada uma fase do processo de conhecimento – a chamada fase de conhecimen-
to97 –, à luz do pressuposto que o juiz entendeu presente, para a prolação da sentença, já que
esta não mais poderá ser alterada, salvo em caso de recurso ou nas hipóteses legalmen-
te cabíveis. Obviamente, existirão circunstâncias em que o proferimento da sentença
acarretará o término do ofício jurisdicional, como, por exemplo, nas ações meramente
declaratórias98 e constitutivas, ou mesmo quando o réu cumprir, de forma voluntária,
o comando judicial.

27.11. A sentença coletiva


A sentença coletiva é o ato pelo qual, normalmente o Poder Judiciário põe fim à fase
de conhecimento do processo coletivo. Neste são solucionados os pedidos formulados
por aqueles, a quem o direito positivo confere legitimidade para a propositura da ação
coletiva, dando pela procedência ou improcedência da mesma ou extinguindo o pro-
cesso sem resolução de mérito. Poderá ocorrer, todavia, que a sentença não encerre a
fase de conhecimento, pois poderá verificar-se hipótese de julgamento antecipado par-
cial de mérito (art. 356, CPC). Esta decisão será impugnável por agravo de instrumen-
to (§ 5º, do art. 356, CPC).

97. Sobre o assunto, cf. Cassio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo
Civil, p. 27. Aduz o citado autor que: “A diretriz assumida pelo legislador na atual redação
do art. 463, caput, é a de que o proferimento da sentença de mérito tem de ser entendida
apenas como o encerramento de uma ‘fase’ ou de uma ‘etapa’ do processo, pensando nele
como um todo que envolve não só a atividade intelectual do juiz (definição de quem tem
e de quem não tem razão) mas, indo além disto, praticando atos materiais para a satisfação
daquele que tem razão”. Em suma, o que se quer é transformar o processo em um instrumento
mais moderno e efetivo, realmente capaz de tutelar o direito material, dentro de um prazo
razoável, como determina o art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988.
98. V., todavia, o que está no Capítulo XI, item 123, da Primeira Parte.
Sentença 1027

Tal como no Código de Processo Civil, ao tratar de direitos individuais, “a senten-


ça”, ou seja, a solução do conflito de interesses submetidos ao Poder Judiciário, “fará
coisa julgada” (art. 103, do CDC).
Entretanto, a coisa julgada, disciplinada pelo CDC, apresenta características pró-
prias e afeiçoadas ao sistema do Direito Coletivo, que faz uso de institutos jurídicos tra-
dicionais, com adaptações.
O Direito Coletivo emprega, por vezes, a nomenclatura própria do direito processu-
al civil individualista, submetendo, porém, o instituto, a regramento próprio do direito
coletivo. Esse é o caso da coisa julgada disciplinada pelo art. 103, do CDC, já citado.99
Anote-se, desde já, o que é perceptível pela leitura atenta do art. 103, caput, que dispõe
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata o este código, a sentença fará coisa julgada:”,
e aí estão disciplinados tanto os efeitos da sentença quanto a coisa julgada, ainda que
só haja explicitude quanto a este último instituto.100
Em ambos os sistemas a coisa julgada material é uma qualidade de imutabilidade
que se agrega ao comando judicial, que se contém nas decisões prolatadas, para deter-
minada situação.
No Direito Coletivo a adoção do instituto da coisa julgada material, porém, implica
a observância das peculiaridades do Direito Coletivo.
As partes materiais – na hipótese do art. 81, parágrafo único, inciso III e art. 103, III
(neste último disciplinada a eficácia da sentença e respectiva coisa julgada) – se cons-
tituem em todos os beneficiários do resultado da demanda. Em se tratando de Direito
Coletivo são “pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. Sendo os
direitos forem coletivos, propriamente ditos, numa de suas espécies, os titulares se cons-
tituem em grupo, categoria ou classe “ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso II e art. 103, II). Em relação a esta
situação dispõe o art. 103, II (“II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria
ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso ante-
rior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81”).

99. Referem-se, ainda que mais sucintamente do que o CDC à coisa julgada, mas com disciplina
própria do processo coletivo, as seguintes leis: 4.717, de 29 de junho de 1965 – (“Art. 18. A
sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’, exceto no caso de haver sido
a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”); 7.347, de 24 de julho
de 1985 – (“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência
de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova.” (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)).
100. A esse propósito há tempos, escrevemos: “A doutrina tem criticado a terminologia do Có-
digo de Proteção e Defesa do Consumidor, porque não teria, claramente, sido distinguidas,
eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada.” Na linha da nota anterior; principal-
mente, critica-se a indistinção dos efeitos da sentença em relação à ocorrência da coisa
julgada (material), representativa, esta última, da imutabilidade de tais efeitos (v. Vicente
Greco Filho, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., coms. ao art. 103,
p. 360-361) – (V. nosso Código do Consumidor Comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo:
RT, 1995, de que somos coautores, coms. ao art. 103, p. 460-486).
1028 Manual de Direito Processual Civil

Em relação à hipótese do art, 81 do CDC, parágrafo único, inciso I a que corresponde


a disciplina da eficácia da sentença e sua coisa julgada tal como está no art. 103, inciso
I, do CDC, a disciplina da coisa julgada é a seguinte: “I – erga omnes, exceto se o pedido
for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legiti-
mado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova,
na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81”.
Convém salientarmos que os legitimados para a propositura da ação coletiva não
são, como regra, os titulares das afirmações de direito, mas outros, preestabelecidos por
lei, como se do instituto de legitimação extraordinária se tratasse, recebendo, ou não,
nomenclatura diversa.
A decisão judicial, também aqui, encontra seus contornos no pedido. Deve haver
correspondência entre o pedido e o decidido.
Atentemos que, os legitimados à propositura da ação, serão atingidos no que diz
respeito ao direito de ação, enquanto os titulares da lide são alcançados, se procedente
a ação, beneficamente, nas suas relações ou situações jurídicas materiais. Se a ação for
julgada improcedente, isso não obsta a propositura de ação individual (art. 103, §§ 1º e
2º, CDC). No caso do inc. III, do art. 103, se o indivíduo houver intervindo do proces-
so coletivo como litisconsorte (art. 94, do CDC), não poderá ajuizar ação individual, o
que se explica porque já litigou e perdeu.
O Direito Coletivo, nos casos dos incs. I e II, do art. 103, diferentemente do Direito
Individual, aceita a coisa julgada segundo o evento da lide, o que significa que sua efi-
cácia depende do resultado da ação.
Assim, a coisa julgada é impeditiva da repropositura da mesma ação por quaisquer
dos legitimados, a não ser que tenha sido julgada improcedente por insuficiência de
provas, quando será admitida, novamente, a ação (por qualquer legitimado).
O significado de prova a ser produzida, como já tivemos oportunidade de afirmar,
não é só o de uma prova surgida ulteriormente ao término da ação coletiva, julgada im-
procedente por insuficiência de prova, senão aquela que conquanto existente ou mes-
mo preexistente a essa ação coletiva, julgada improcedente, nela não foi apresentada101.
Aliás, só é concebível cogitar-se tenha sido decidido pela improcedência da ação
por insuficiência de prova a partir da convicção do juiz de que, ao que tudo indica, de-
veriam existir mais elementos probatórios.
Em qualquer caso, os “efeitos da coisa julgada” previstos nos incisos I e II, do art. 103,
do CDC, não impedem ações individuais (art. 103, § 2º do CDC). Em se tratando, con-

101. Em nossa obra sobre o CDC, de que somos co-autores, está dito nos comentários ao art. 103:
“Mutatis mutandis, parece que não se deve emprestar ao conceito de "nova prova" a signi-
ficação que se tributa a "documento novo", e, por isto, não se há de aplicar inteiramente o
mesmo regime jurídico, i. e., o do art. 485, inciso VII, do Código de Processo Civil [1973].
A idéia de "nova prova" pode ser contemporânea ao fato probando e não provado, como,
também, pode ser posterior. Mas, parece que é necessário que essa "nova prova" possa vir a
assegurar necessariamente o êxito da ação coletiva. Ou, é preciso que o juiz disso se con-
vença, in limine litis, ainda que, por certo, possa vir a julgar diferentemente”. (v. Código do
Consumidor Comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 1995, p. 461).
Sentença 1029

tudo, de ações versantes direitos individuais homogêneos, quando julgada proceden-


te, a ação, a todos beneficia, enquanto, a improcedência afeta negativamente aquele,
no sentido de não poder agir individualmente, eis que, atendendo ao art. 94 do CDC,
ingressar como litisconsorte no processo.
A última observação que nos compete fazer é que nas ações versando direitos indi-
viduais homogêneos, a coisa julgada coletiva recai sobre a decisão do pedido, nos ter-
mos, acima expostos.
A coisa julgada resultante da ação civil pública, ação popular e outras, que possam
vir a ser criadas, estão sempre sujeitas aos princípios e normas gerais da coisa julgada
coletiva constante do CDC, pela amplitude de sua aplicação e sua especificidade.
Por oportuno, salientemos que em se tratando de ação coletiva, as ações individu-
ais, em regra, não ficam prejudicadas.
 Deve-se, no direito coletivo, sempre atentar para suas peculiaridades, levando a
efeito adaptações necessárias. Evidentemente, em havendo disposições expressas no
direito positivo, aplicáveis ao direito ou à ação coletiva, como regras especiais, preva-
lecerão estas, em face das normas processuais civis, relativas ao processo individual.
28
A Coisa Julgada

28.1. Noção de coisa julgada e seu valor na ordem jurídica1

É conveniente ter-se presente, desde logo, sentido fundamental de “coisa julgada”.


Na realidade, “coisa” liga-se à ideia de “res”, no direito romano, e, na verdade, significa
“coisa/bem julgado”; vale dizer, com o resultado do processo, na parte dispositiva da
sentença, atribui-se um “bem jurídico” ao que venceu.
A coisa julgada reveste com autoridade, dita a “autoridade da coisa julgada” “toda
sentença [de mérito], [que] contém a norma jurídica concreta que deve disciplinar a
situação submetida à cognição judicial”, norma esta que “o juiz formula” e que se con-
verte em coisa julgada destinada a “perdurar indefinidamente” (coisa julgada material).
A coisa julgada destina-se a tornar definitiva a solução dada pelo Poder Judiciário
a uma determinada controvérsia que tenha sido a ele submetida, imprimindo as qua-
lidades de imutabilidade e, consequentemente, indiscutibilidade àquilo que tenha sido
objeto da respectiva decisão.
Prolatada uma determinada decisão judicial, está ela, em geral, sujeita a ser modifi-
cada por meio de recurso, o que, de certa forma, possibilita seja buscada a solução mais
justa e próxima aos ditames do possível direito, para o conflito levado ao Poder Judici-
ário. Em dado momento, todavia, esgotam-se os recursos cabíveis contra a decisão, de
modo que o comando nela contido, antes passível de alteração, torna-se imutável e in-
discutível. Neste instante, ocorre o chamado trânsito em julgado ou, como muitos ain-
da dizem, preclusão máxima, que é a passagem de um ato judicial do estado de possível
mutabilidade, para o de imutabilidade.2 Temos aí a incidência da coisa julgada, que se

1. Explicitaremos as diferenças entre coisa julgada material e a coisa julgada formal (e a


coisa julgada material será tratada tão somente como coisa julgada, nomenclatura comum
entre nós).
2. “Transitar em julgado significa adquirir a qualidade de decisão imutável, quer com a auto-
ridade da coisa julgada material, quer sem ela. Transita em julgado a sentença quando da
condição de recorrível ela passa à de irrecorrível. Daí falar-se também em passar em julgado
e passagem em julgado” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual
Civil, vol. III. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 303, nota n. 3).
A Coisa Julgada 1031

denomina formal. Esta se constitui em imutabilidade do decisum somente no âmbito


do processo em que foi prolatado.
A chamada coisa julgada formal significa, então, uma qualidade de imutabilibilidade
que é acrescida à última decisão que houve no processo, por meio da qual foi colocado
termo final a um determinado conflito de interesses, encerrando a fase de conhecimento.
A coisa julgada formal significa na ordem jurídica o momento culminante da fase
de conhecimento do processo. A decisão de mérito sobre a qual recai a coisa julgada,
representando, na ordem jurídica, a finalização do julgamento da lide, para o juiz que a
decidiu, para as partes e para o próprio Poder Judiciário, implica a impossibilidade de
que a respeito da mesma pretensão seja possível nova discussão e decisão, na mesma
relação jurídico processual.
Entretanto, principalmente a segurança das relações jurídicas requer a imutabili-
dade do que juridicamente é decidido, favorecendo o desenvolvimento negocial e eco-
nômico. A resposta a essa necessidade é o instituto da coisa julgada que, por sua vez,
se constitui na qualidade de imutabilidade, logo indiscutibilidade, que se agrega ao co-
mando da decisão judicial de mérito para determinada situação, a valer em face de toda
e qualquer situação.
Ademais disto, a coisa julgada destina-se a levar a efeito a segurança extrínseca das
relações jurídicas, mas não podemos deixar de lado que se subordina ao princípio da
congruência entre a pretensão e a jurisdição exercidas. Assegurar a segurança, quer di-
zer que, se submetida novamente a mesma controvérsia ao Poder Judiciário, o que a este
incumbe fazer, única e exclusivamente, é verificar se aquilo que está sendo submetido
agora à sua apreciação já foi objeto de julgamento; se o tiver sido, deverá, precisamen-
te em nome e por causa da segurança das relações jurídicas, abster-se de decidir nova-
mente a mesma lide, mesmo que seja em igual sentido, com vistas a que o resultado do
processo precedente seja respeitado.
Para que seja identificado o objeto do processo e, em consequência, da coisa julga-
da, é necessário considerar que a sentença consubstancia a resposta do juiz ao pedido
do autor, e, por essa razão, os limites do pedido devem ser congruentes com os limites
da coisa julgada, conforme se tratará no tópico específico sobre os limites objetivos da
coisa julgada.
Caso se trate de uma decisão de mérito, que contém, portanto, solução que põe fim
ao conflito de interesses submetido à jurisdição (lide), o comando concreto torna-se
imutável e indiscutível para todo e qualquer processo. Forma-se, portanto, a chamada
coisa julgada material, definida, no CPC/2015, como “a autoridade que torna imutável
e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (art. 502). 3

3. Em essência, era o que dispunha o CPC/73, art. 467. A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, Decreto-lei 4.657/1942 (antiga Lei de Introdução ao Código Civil, que teve sua
nomenclatura alterada pela Lei 12.376/2010), no seu art. 6º, dispõe: “§ 3º Chama-se coisa
julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. (Incluído pela Lei
nº 3.238, de 1957).
1032 Manual de Direito Processual Civil

Como parece claro, a coisa julgada está ligada a um valor fundamental do direito que
é o da segurança jurídica. Os ordenamentos jurídicos de um modo geral, preocupados
em dotar as relações sociais de previsibilidade e confiabilidade, criam expedientes téc-
nicos voltados a estabilizar determinadas situações jurídicas. É o caso, por exemplo, dos
institutos da prescrição, da usucapião, da irretroatividade das leis, dentre muitos outros.
A coisa julgada não é, como vemos, o único mecanismo de que é dotado o proces-
so na busca da segurança e da estabilidade. Podemos mencionar, nessa linha ainda, a
existência de outras imutabilidades, como, por exemplo, as diversas modalidades de
preclusão no curso dinâmico do processo em direção à sentença ou, mesmo, a estabili-
zação da tutela antecipada (art. 304 do CPC/2015).
No que diz respeito ao direito processual (e, entre nós com proteção constitucional,
art. 5º, XXXVI, da CF/1988), a coisa julgada representa, sem dúvida a principal destas
técnicas, responsável por tornar definitiva a própria entrega da prestação jurisdicional,
imunizando-a de questionamentos posteriores.
Ao longo da história, os juristas buscaram, sem muito sucesso, encontrar o que se-
ria um fundamento estritamente jurídico para a existência da coisa julgada. Criaram-se,
neste intento, diversas teorias, como as da presunção da verdade, ficção da verdade, for-
ça legal da sentença, dentre muitas outras.4 Hoje, todavia, parece claro que a existência
da coisa julgada se deve a razões de ordem prática, ligadas à necessidade de impedir a
eternização das controvérsias, o que ocorreria caso as decisões judiciais estivessem su-
jeitas sempre a questionamentos. Por outras palavras, a coisa julgada é fenômeno decor-
rente da necessidade de que a função jurisdicional possa cumprir, de maneira adequa-
da, o seu papel de pacificação social com segurança e estabilidade das relações jurídicas. 5
Tamanha é a importância da coisa julgada para o sistema de justiça, que está ela
consagrada dentre as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal (art. 5º,
XXXVI), que a colocou a salvo até mesmo de ingerências do legislador, ao estatuir que
“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.6

4. Para uma excelente resenha das principais teorias criadas para explicar juridicamente a
coisa julgada, conferir: Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil,
21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 3, p. 49-56.
5. “A coisa julgada – nunca será demais repeti-lo – é instituto de finalidade essencialmente
prática: destina-se a conferir estabilidade à tutela jurisdicional dispensada. Para exercer
de modo eficaz tal função, ela deve fazer imune a futuras contestações o resultado final
do processo” (José Carlos Barbosa Moreira, coisa julgada e declaração. Temas de Direito
Processual: Primeira Série. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 83). É essa, ainda, a conhecida lição
de Giuseppe Chiovenda (Sulla cosa giudicata. Saggi di Diritto Processuale Civile. Padova:
Cedam, 1993, vol. 2, p. 399-401).
6. Sobre a relação entre coisa julgada e Constituição, vale conferir, com proveito: Eduardo
Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 46-68. Já havia Liebman,
inclusive, afirmado que “a coisa julgada pertence ao direito público, e, mais precisamente,
ao direito constitucional” (Eficácia e Autoridade da Sentença. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 52).
A Coisa Julgada 1033

28.1.1. Coisa julgada formal e coisa julgada material


Costuma-se distinguir entre coisa julgada formal e material.
A primeira, como já vimos, diz respeito à imutabilidade e à indiscutibilidade de uma
determinada decisão judicial limitadamente ao processo em que foi proferida, e que
decorre do fato de se terem esgotado todos os recursos contra ela cabíveis. Nada mais é
do que a preclusão máxima, que recai sobre o ato de exaurimento da função jurisdicio-
nal (solução da lide), naquele processo. Trata-se, assim, de fenômeno endoprocessual,
a que estão sujeitas todas as decisões judiciais, a partir do momento em que não possam
mais ser questionadas na relação processual em que foram prolatadas. Tratar-se-ia do
que se tem chamado de preclusão máxima.
Poderia ser aventada a hipótese de o termo preclusão ficar reservado para hipótese
diferente. Assim, devendo os atos processuais ser praticados dentro de certo tempo e
isto não ocorrendo, opera-se a preclusão temporal; ou, então, se um dado ato processual
já foi praticado, não pode ser repetido, mesmo que com alguma mudança, pois ocorre a
preclusão consumativa,7configuradora da inviabilidade de ser praticado, mais de uma
vez, o ato; ou, ainda, pela preclusão lógica – que é uma espécie de preclusão consuma-
tiva, a qual se configura quando já foi praticado um determinado ato, logicamente in-
compatível com o que poderia ter sido praticado, e que não mais o pode ser.
Posicionamo-nos no sentido de que nada obsta tratarmos da coisa julgada formal
como preclusão máxima.
Já a coisa julgada material é a qualidade de imutabilidade e consequente indiscutibi-
lidade do comando contido na decisão de mérito que transborda as dimensões do pro-
cesso em que foi proferida, projetando-se para todo e qualquer processo. Diferentemente
do que ocorre com a coisa julgada formal, apenas algumas decisões judiciais são alcan-
çadas pela coisa julgada material, as que são decisões de mérito (art. 502 do CPC/2015),
justamente por serem aquelas que solucionam os conflitos de interesses ocorridos en-
tre as partes. A coisa julgada material é a qualidade de imutabilidade que se agrega ao
comando da decisão judicial para determinada situação.
É importante deixar claro que a coisa julgada formal e a coisa julgada material são
qualidades distintas. São, na verdade, “degraus do mesmo fenômeno”,8 que pode ser
assim explicado: todas as decisões, uma vez que se tenham esgotado os recursos contra
elas cabíveis, tornam-se imutáveis e indiscutíveis naquele específico processo em que
foram prolatadas (coisa julgada formal). As decisões de mérito, porém, tornam-se imutá-
veis, logo indiscutíveis, para todo e qualquer processo (coisa julgada material). Apesar
de não se tratar de facetas diversas de uma mesma qualidade, a coisa julgada formal é

7. A preclusão consumativa pode-se dizer pura, quando o ato tenha sido praticado, e, por isso
não pode ser praticado novamente; e, pode dizer lógica, quando o ato praticado impede
que outro – que poderia ter sido praticado em lugar do que o foi –, venha a ser praticado.
8. Neste sentido: Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 21ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 47.
1034 Manual de Direito Processual Civil

pressuposto lógico-jurídico à coisa julgada material eis que não poderia o decisum res-
tar imutável além do processo se este mesmo processo pudesse ser alterado.

28.2. Limites da coisa julgada


28.2.1. Limites objetivos da coisa julgada
Entendido que a coisa julgada é uma especial qualidade de imutabilidade que ade-
re ao comando da decisão, para determinada situação jurídica, passamos ao estudo dos
limites objetivos do comando contido na decisão judicial de mérito, para que dimen-
sionemos o quê, na estrutura da decisão, se torna imutável e indiscutível.
O CPC/1973 previa que a coisa julgada material tornava “imutável e indiscutível
a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” (art. 467). Em
complemento, o código era muito claro a respeito dos limites objetivos ao prever
que: apenas o dispositivo da sentença era alcançado pela coisa julgada, que não re-
caía sobre a motivação empregada pelo juiz para chegar às conclusões naquele con-
tidas (art. 469 do CPC/1973). Como se sabe, o dispositivo é o elemento da sentença
que se destina ao julgamento dos pedidos deduzidos no processo. Deste modo, na-
quele sistema cabia às partes delimitar quais eram as questões cuja solução se tor-
nariam indiscutíveis.
No CPC/2015 foi modificada parcialmente a redação do dispositivo que veio a ser
o correspondente, para constar que a coisa julgada material é “a autoridade que tor-
na imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”(art. 502).
A disposição legal deixa evidente que a autoridade da coisa julgada recai sobre
a decisão (interlocutória ou sentença) de mérito. Complementarmente, prevê o
CPC/2015 que a decisão de mérito é aquela que acolhe ou rejeita o pedido (art. 487,
I do CPC/2015), reconhece a prescrição ou decadência (art. 487, II do CPC/2015),
bem como a que homologa: a) o reconhecimento de procedência do pedido formu-
lado na ação ou reconvenção; b) a transação; e, c) a renúncia à pretensão formulada
na ação ou na reconvenção.
Em sentido parecido com o que previa o CPC/1973, o CPC/2015 também estabe-
lece que “não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para deter-
minar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida
como fundamento da sentença.”(art. 504). Restou omissa na nova disposição a hipó-
tese do inciso III do art. 469 do CPC/1973, que tratava da inexistência de coisa julgada
em relação à apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.
Como se verá à frente neste tópico, a hipótese não foi mantida em razão da disposição
que permite – à luz de determinados requisitos – que a autoridade da coisa julgada re-
caia sobre questões prejudiciais.
A autoridade da coisa julgada material, portanto, atua dentro de certos limites obje-
tivos, sendo restrita à matéria constante da parte dispositiva da decisão de mérito. Esta,
por sua vez, é aquela que resolve o objeto do processo, ou seja, a lide: conflito de inte-
A Coisa Julgada 1035

resses levado perante o Estado-juiz pelo autor. Portanto, é necessário que tenha sido
observado o princípio da congruência entre o pedido e a sentença. 9-10
Importante o destaque, ademais, dado pelo CPC/2015 ao prever expressamente
que também será atingida pela coisa julgada a decisão que solucionar questão prejudi-
cial, desde que preenchidos os requisitos do § 1º do art. 503 do CPC/2015, que serão
considerados abaixo. Diante da previsão legal expressa, é necessário ressaltar que além
do pedido, também poderão ser objeto do processo questões prejudiciais que, uma vez
decididas, poderão ser acobertadas pela autoridade de coisa julgada material.11 Diante
disso, importante compreender em quais hipóteses a qualidade da coisa julgada pode-
rá aderir à parte da decisão que resolve as questões prejudiciais.
Sob a égide do CPC/1973, o autor em acionando a jurisdição, por meio da propo-
situra de uma ação, já formulava o pedido, a lide, o mérito da demanda, cuja solução
viria a ser albergada pela coisa julgada material. A regra, no CPC/1973, era válida tam-
bém em relação a questões prejudiciais, ou seja, aquelas que devem, lógica e necessa-
riamente, ser decididas antes de outra, “sendo que sua decisão influencia o próprio teor
da questão vinculada”.12 Nas hipóteses em que a questão prejudicial, por dizer respeito
a uma relação jurídica, pudesse ser objeto de demanda autônoma, sua resolução, en-
quanto constasse apenas da motivação da sentença, não se tornaria indiscutível e seria
decidida incidenter tantum. Essencial fosse proposta ação declaratória incidental para

9. Neste sentido, destaca Nelson Nery Jr. que: “A autoridade da coisa julgada material atua
dentro de certos limites objetivos e subjetivos. Do ponto de vista objetivo, a coisa julgada
material é limitada à matéria constante da parte dispositiva da decisão ou sentença de mérito,
nos termos do CPC 504 [CPC/1973 469 e 470], desde que se tenha observado o princípio da
congruência entre pedido e sentença (CPC 141; 494; CPC/1973, 128 e 460). (...) Sentença
que decidiu fora, acima ou abaixo do pedido (extra, ultra ou infra petita), nessa parte, não
faz coisa julgada.” (Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 77-78, em sentido parecido e do mesmo autor: Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 1163-1164.).
10. Em relação ao objeto da coisa julgada material, Antonio do Passo Cabral destaca que: “De
fato, se bem analisada, a limitação da coisa julgada a uma específica seção da sentença (o
dispositivo) deriva de uma projeção da vontade dos litigantes. Na acepção dominante, os
limites objetivos da coisa julgada são, em última análise, os limites colocados pelas partes
no pedido. Sem embargo, pelo princípio da adstrição da sentença ao petitum, a restrição
operada pelas partes em seus arrazoados é transportada para o conteúdo da sentença, e
portanto a autoridade da coisa julgada não deveria incidir sobre todos os componentes da
sentença, mas só o dispositivo, que é a sede onde o juiz, ao decidir a causa, responde ao
pedido.” (Antonio do Passo Cabral, Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas: entre continuidade,
mudança e transição de posições processuais estáveis, 2ª ed. Salvador: Editora JusPodivm,
2014, p. 92).
11. Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed. São Paulo: Ed. RT,
2016, p. 78.
12. Thereza Alvim, Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Ed. RT,
1977, p. 24.
1036 Manual de Direito Processual Civil

que, no sistema do CPC/1973, a coisa julgada material pudesse recair sobre a decisão
da questão prejudicial.
Como já mencionado, neste ponto, o CPC/2015 inovou consideravelmente. Ini-
cialmente, o art. 503, caput, do CPC/2015, estabelece que “a decisão que julgar total
ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente
decidida”, dando a entender que, à semelhança do que ocorria no CPC/1973, apenas o
julgamento dos pedidos deduzidos pelo autor, estariam alcançados pela coisa julgada
material. Nesta linha, o art. 504, do CPC/2015, prevê, ainda, que não fazem coisa jul-
gada “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositi-
va da sentença” (inc. I e II), e “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da
sentença”.
Entretanto o CPC/2015, no § 1º do art. 503, estabelece a possibilidade de que a re-
solução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo tam-
bém se torne imutável por força da coisa julgada, independentemente de pedido dedu-
zido para tanto, desde que concorram alguns requisitos, explicitados em seus incisos.
Assim, é necessário, primeiramente, que da resolução daquela questão dependa o
julgamento do mérito (art. 503, § 1º, I). É questão prejudicial a que poderia ser decidida
autonomamente; ou seja, é o requisito que explicita a necessidade de que se trate, real-
mente, de questão prejudicial (substancial) ao pedido ou algum dos pedidos, questões
que poderiam ter sido objeto de ação autônoma. Questão, portanto, que tem o condão
de influenciar como será julgada a pretensão que lhe é subordinada. Claro está que tan-
to os motivos como os fatos invocados para embasamento do pedido, se constituem na
causa de pedir, e sobre esta não há que falar em imutabilidade de coisa julgada material,
servindo, entretanto, agora como sempre, para a identificação do pedido.
Atentemos que para a coisa julgada alcançar a questão prejudicial é preciso que so-
bre ela tenha “havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de reve-
lia” (art. 503, § 1º, II), na exata medida da falta de contraditório efetivo. Exige-se, neste
ponto, que a questão prejudicial tenha sido objeto de real debate entre as partes, não se
contentando, o dispositivo, para que possa haver coisa julgada sobre a decisão, com a
mera oportunidade de manifestação a seu respeito.
No direito processual civil, em regra, realiza-se a garantia constitucional do contra-
ditório (CF/1988, art. 5º, LV) com a simples oportunidade de a parte interessada se po-
der manifestar a respeito de questões que lhe possam ser desfavoráveis. É por isso que
a revelia do réu não impede que se forme coisa julgada em relação ao julgamento dos
pedidos deduzidos pelo autor, no dispositivo da sentença (art. 503, caput).13 Para que

13. Vale a leitura do que ensina Thereza Alvim, ao explicar que o efetivo exercício do contra-
ditório não é condição para a formação da coisa julgada: “O debate das questões, em si,
também não apresenta muita relevância: o que importa é que a parte contrária tenha tido
oportunidade de se defender, obedecendo-se ao princípio do contraditório. Lembremos
que, mesmo em havendo revelia, poderá existir coisa julgada material” (Questões prévias
e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 47-48).
A Coisa Julgada 1037

a coisa julgada possa recair sobre a decisão das questões prejudiciais, todavia, exige o
art. 503, § 1º, II, do CPC/2015, algo mais que isso: é necessário que tenha havido efetiva
manifestação das partes a seu respeito, e não a mera oportunidade de que isso ocorresse.
Por tal razão é que, como já observamos, ainda de acordo com o dispositivo, não pode
haver coisa julgada sobre as questões prejudiciais em caso de revelia do réu.14
Além disso, para que a questão prejudicial se possa vir a tornar imutável, é necessá-
rio que o Juízo seja competente “em razão da matéria e da pessoa, para resolvê-la como
questão principal” (art. 503, § 1º, III).
Há situações em que o órgão jurisdicional, onde tenha sido proposta a demanda, não
obstante competente para o julgamento das pretensões deduzidas em juízo, seria incompe-
tente para julgar, enquanto pedido principal, alguma questão que se coloque como antece-
dente lógico-jurídico necessário à análise do mérito. Nestes casos, nenhum vício se verifica
pelo fato de a questão prejudicial ser analisada enquanto razão de decidir, já que sobre ela é
incabível decisão, propriamente dita, sobre a qual pudesse a vir a recair a autoridade de coi-
sa julgada material. Exemplo disso é o que ocorre nas situações em que a inconstituciona-
lidade de lei é invocada como causa de pedir em determinada ação, caso em que poderá, o
juiz, realizar o chamado controle difuso (e incidental) de constitucionalidade, apreciando a
validade daquela norma, enquanto simples motivo para chegar a esta ou àquela conclusão,
no que tange ao julgamento do pedido. O que não pode ocorrer, de forma alguma, é que o
juiz declare a inconstitucionalidade da lei, retirando-a do ordenamento jurídico, já que, na
ordem constitucional brasileira, apenas o STF (quanto à Constituição Federal – art. 102, I,
a, da CF/1988) e os tribunais de justiça (quanto às Constituições Estaduais – art. 125, § 2º,
da CF/1988) têm competência para realizar o controle abstrato de constitucionalidade.
O que o art. 503, § 1º, III, do CPC/2015 impede, portanto, é que a extensão da coisa
julgada às questões prejudiciais venha a violar alguma norma de competência absoluta.
Nestes casos, o juiz poderá, sem qualquer problema, apreciar a questão prejudicial en-
quanto fundamento para julgar os pedidos principais, mas, sobre aquela decisão, não
poderá recair a qualidade de imutabilidade.
Por fim, o art. 503, § 2º, impede que haja coisa julgada sobre a questão prejudicial
se, no respectivo processo, houver “restrições probatórias ou limitações à cognição”
que prejudiquem a sua análise de forma aprofundada. Busca o Código, com isso, impe-
dir que à prejudicial se agregue o atributo da imutabilidade quando não foi ela aprecia-
da em cognição exauriente.15

14. “Percebe-se a diferença significativa em relação ao regime jurídico da coisa julgada da


resolução das questões principais, que surge mesmo nos casos de revelia. O legislador foi
mais exigente para a formação da coisa julgada em relação à questão incidental, supondo,
certamente, que em relação a elas o debate não foi ou não teria sido tão intenso como
ocorreria caso fosse uma questão principal” (Fredie Didier Jr, Comentários ao novo Código
de Processo Civil. Antonio do Passo Cabral; e Ronaldo Cramer (coords.). Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 768-769).
15. “Andou bem o legislador em restringir a formação da coisa julgada à prejudicial em casos
em que tais limitações cognitivas e probatórias se nos apresentem, porque, pelo déficit de
1038 Manual de Direito Processual Civil

Como fica claro, no sistema do CPC/2015, desaparece a necessidade da propositura


de ação declaratória incidental para que a questão prejudicial possa tornar-se imutável
pela coisa julgada, sendo possível que isso ocorra independentemente de pedido dedu-
zido neste sentido por qualquer das partes.
O CPC/2015, com isso, visa a dar maior rendimento aos processos, impedindo que,
já tendo sido decidida determinada questão prejudicial em um processo, venha ela a ser
objeto de novas discussões e decisões em outro. Privilegia-se, ademais, a segurança ju-
rídica, na medida em que se tenta impedir que uma mesma relação jurídica prejudicial
seja analisada de forma distinta ou mesmo igual, em dois processos.16 Por outro lado, é
clara a preocupação do Código em evitar que a extensão dos limites objetivos da coisa
julgada venha a violar o devido processo legal. Por isso exige, por exemplo, que tenha
havido contraditório prévio e efetivo (art. 503, § 1º, II), e impedindo que isso ocorra em
desobediência às normas de competência absoluta (art. 503, § 1º, III), bem como em pro-
cessos que não permitam uma discussão aprofundada destas questões (art. 503, § 2º).
Emerge, porém, das disposições relativas às questões prejudiciais o problema do mo-
mento em que essas questões passam a ser consideradas ações, criando litispendência impe-
ditiva da propositura de ação autônoma, cujo objeto seja exatamente a questão prejudicial.
Mesmo que sobre a questão prejudicial não tenha havido qualquer pedido, mesmo
não sendo considerada ação, sua efetiva discussão e debate no processo (onde é questão
subordinante) deve impedir decisão outra, em outro processo, pois possibilitaria de-
cisões antagônicas ou, até mesmo, iguais, enquanto a lide deve ser julgada uma só vez.
Já tivemos oportunidade de especificar a distinção existente entre ponto e questão,
no processo. O primeiro se constitui numa assertiva aceita pelas partes sem qualquer

contraditório, há possibilidade de que, se a mesma questão prejudicial fosse discutida em


outro procedimento mais completo, com cognição mais aprofundada, sem limitações às
alegações e à produção de prova, outra poderia ser a conclusão a respeito do tema. E assim
seria errado estabilizar a prejudicial, impedindo sua rediscussão em outro processo em que
não houvesse tais restrições. Não se justifica, nesse quadro, extensão da coisa julgada às
prejudiciais” (Antonio do Passo Cabral, In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) et al. Breves
comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1293-1294.
16. Vale a leitura do que escreveu Teresa Arruda Alvim a respeito, quando o CPC/2015 ainda
estava em fase de tramitação legislativa, explicitando as razões pelas quais seria oportuna a
alteração do regime jurídico da coisa julgada: “Por diversas razões, nós entendemos ser esta
a melhor escolha. Duas delas merecem menção: (a) não é lógico, e é contra o bom senso,
admitir haja dois entendimentos sobre a mesma causa petendi em duas ações diferentes,
para gerar consequências diversas; (b) a regra vigente deixa a porta aberta para outras ações
futuras, em que a mesma causa petendi pode ser vista de outra maneira. Então, de fato, a
primeira ação não terá resolvido completamente (e para sempre) o problema basilar. Além do
mais, isso pode ocasionar a sobrecarga dos Tribunais” (O que é abrangido pela coisa julgada
no direito processual civil brasileiro: a norma vigente e as perspectivas de mudança. Revista
de Processo, n. 230, São Paulo: Ed. RT, abr/2014). Sustentando a necessidade de ampliação
dos limites objetivos da coisa julgada em relação ao CPC/1973, vale conferir, com muito
proveito: Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa
julgada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 66-81.
A Coisa Julgada 1039

dúvida. Ocorre questão, se contra a afirmação de uma parte, a outra discute seu senti-
do, extensão ou por qualquer razão não houver concordância entre as partes, mas cla-
ra e evidente antagonicidade sendo essencial, por força do princípio do contraditório,
lhes seja ensejada oportunidade de manifestação. Muitos entendem que a compreensão
do texto legal criou perplexidade em face da expressão “prévio e efetivo” contraditório
exigido pelo inciso I, do § 1º do art. 503, do CPC/2015. O efetivo contraditório, porém,
se detecta analisando o comportamento das partes quer argumentando, quer provando
seu posicionamento, não perdendo oportunidades para tanto.
Nessas condições, temos para nós que havendo, na relação jurídica processual,
questão prejudicial, logo, discordância sobre uma afirmação de direito, já se encontra
instaurada a litispendência, ou seja, óbice à propositura de ação autônoma.
É bom salientarmos que a existência de coisa julgada material, nessa hipótese, só
poderá ser detectada afinal, como acontece com a decisão do pedido, mas, repisemos,
tão somente se tiver havido contraditório efetivo.
Vale dizer, finalmente, que por expressa determinação do art. 1.054 do CPC/2015,
a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais, nos moldes previstos no art. 503,
§ 1º, apenas se aplica aos processos iniciados após a vigência do Código. Quanto aos de-
mais, continua sendo aplicável o regime do CPC/1973, sendo necessária a propositura
de ação declaratória incidental para que a análise da questão prejudicial possa adquirir
a qualidade de imutabilidade.
Entretanto, por vezes, a decisão judicial não corresponde fielmente ao objeto do
processo, especialmente em relação ao pedido apresentado e, ainda, às questões pre-
judiciais devidamente debatidas nos termos já expostos. Neste caso, está-se diante de
uma sentença ou decisão de mérito que decide infra, extra ou ultra petita. Nestas espé-
cies de sentença, conforme já perfeitamente elucidado no capítulo sobre sentença,17há
uma descoincidência entre o pedido apresentado pelo autor e a decisão judicial de
mérito. Desobedecido está, portanto, o princípio da congruência entre a pretensão e a
jurisdição exercida. Pensamos que nestas hipóteses inexiste coisa julgada em relação
ao que não foi decidido e ao que extrapolou o objeto do processo, conforme destaca-
remos abaixo.18
Tratando-se de sentença infra petita, claro está que parte do objeto do processo não
restou decidida, não sendo possível se falar em coisa julgada material sobre o pedido
não solucionado. Afinal, o pressuposto básico para a autoridade da coisa julgada ma-
terial é a existência de decisão de mérito sobre a lide. Diante disso, em relação à parte

17. Sobre a definição das Sentenças infra petita, extra petita e ultra petita, verificar os itens
próprios que tratam do assunto no capítulo “27 –Sentença”.
18. Neste sentido Nelson Nery Jr. destaca que: “Sentença que decidiu fora, acima ou abaixo
do pedido (extra, ultra ou infra petita), nessa parte, não faz coisa julgada.” (Nelson Nery
Jr., Princípios do processo na Constituição Federal, 12ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Ed.
RT, 2016, p. 77-79.). No mesmo sentido vide o posicionamento do mesmo autor e de Rosa
Maria de Andrade Nery: Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015,
p. 1.163-1.164.
1040 Manual de Direito Processual Civil

não solucionada, poderá qualquer das partes buscar o Poder Judiciário para a solução
da lide não julgada, no âmbito de outro processo.
Pensamos esta ser hipótese que envolve pouca dificuldade para ser solucionada,
visto que desnecessária será a utilização de qualquer meio impugnativo de sentença
transitada em julgado, porquanto não haverá coisa julgada material em relação ao ob-
jeto indefinido, que possa vir a impedir seu julgamento em novo processo. Por outro
lado, importante a ressalva de que parte do processo restou regularmente solucionada,
recaindo sobre ela a autoridade de coisa julgada.
Situação parecida ocorre com as sentenças ultra petita e extra petita, em que há de-
cisum (ou parte dele) que não corresponde a pedidos formulados pelas partes (autor na
petição inicial ou, ainda, réu em reconvenção). Nas duas hipóteses elencadas a decisão
não corresponde à lide, tendo a decisão ultrapassado os limites objetivos do processo
ou decidido totalmente fora deles.
Como já mencionado, o CPC/2015 é expresso no sentido de que a autoridade da
coisa julgada recai sobre a parte dispositiva da decisão de mérito transitada em julgado.
Complementarmente, a decisão de mérito é a que acolhe ou rejeita o pedido; decide so-
bre a ocorrência da prescrição ou decadência ou homologa o reconhecimento da pro-
cedência do pedido, a transação e a renúncia à pretensão formulada na ação ou recon-
venção. Percebe-se, diante das disposições legais, que a sentença que julga extra petita
ou ultra petita não resolve o mérito, nessa parte viciada, visto que não acolhe ou rejeita
o pedido, bem como não se enquadra nas demais previsões do art. 487 do CPC/2015.
Qualquer decisão ou sentença que ultrapasse os limites objetivos da lide está juri-
dicamente maculada, sendo viciada. Pensamos que este vício é tão grave que sequer se
pode falar em existência jurídica desta decisão como “sentença”,19 considerando que
elementos essenciais de existência exigidos pelo ordenamento jurídico para que ela seja
qualificada como decisão de mérito (usualmente, mas não exclusivamente, denomina-
da de sentença), restam ausentes no decisum, ao menos na parte que diverge dos limites
objetivos da lide.20-21 Ademais, inexiste relação jurídica processual em relação ao julgado

19. Teresa Arruda Alvim também destaca que: “A sentença que corresponde a pedido que nunca
foi formulado é sentença inexistente. Falta, a esta relação processual, pressuposto processual
de existência.” (Teresa Arruda Alvim, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo:
Ed. RT, 2014, p. 346.).
20. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, embora reconheçam igualmente que a decisão
que não corresponde a pedido é viciada, não recaindo sobre ela a coisa julgada material,
indicam que o vício se dá no plano da ineficácia jurídica e não da inexistência jurídica. Em
planos práticos, porém, esta diferenciação é de menor importância, visto que em ambos
os casos (inexistência e ineficácia) desnecessária será a utilização da Ação Rescisória no
prazo de dois anos para retirar a decisão do mundo jurídico, como ocorre com a nulidade.
(V. Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed. rev. atual. ampl.
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 77-79 e, ainda, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery,
Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.163-1.164).
21. Importante a menção do posicionamento de Eduardo Talamini, que, embora reconheça que
as sentenças extra petita e ultra petita sejam inexistentes na parte que ultrapassem o objeto
do processo, elenca algumas situações em que, a seu ver, embora não haja pedido expresso,
A Coisa Julgada 1041

que não corresponde ao pedido, não estando preenchidos os pressupostos processuais


de existência. Ausentes restarão também as condições da ação, visto que, propriamente,
sequer há exercício do direito de ação em relação ao decisum viciado. Inexistindo senten-

seria possível a ampliação do objeto do processo, não sendo o caso de inexistência jurídica
(destaca-se que os artigos mencionados no trecho a seguir são do CPC/1973): “É que não
só inexiste sentença sobre objeto não julgado, como também, dentro de certas condições,
pode ficar caracterizada a própria inexistência jurídica da sentença no ponto em que se
pronunciou sobre a pretensão que não constituía objeto do processo.
A inexistência jurídica nessa segunda hipótese não estará derivando de uma simples im-
posição formalista no sentido de que não existe processo (nem sentença) sem pedido ou
demanda. Viu-se no item anterior que pressuposto de existência do processo não é propria-
mente “demanda”, mas sim a inserção jurídica do autor na relação processual, normalmente
operada pela propositura da “demanda”. O comando ultra petita (decide-se o objeto do
processo e algo mais, que lhe era estranho) ou extra petita (decide-se apenas pretensão
alheia ao objeto do processo) pode vir a ser juridicamente inexistente por um problema
desta ordem: ausência de liame jurídico com a parte, no que tange ao capítulo da sentença
que versou sobre a pretensão estranha ao objeto do processo. E o que é mais grave: a falta
de vínculo pode dar-se não só relativamente ao autor, mas também em relação ao réu.
Mas como a inexistência, ora cogitada, não é simples decorrência formal da falta de pedido
ou demanda, cumpre identificar em quais hipóteses de sentença extra ou ultra petita envol-
vem propriamente a falta de vínculo com as partes.
Exemplo “a”: considere-se a sentença que se pronuncia sobre pretensão alheia ao objeto
processual, a respeito do qual as partes jamais discutiram no curso de todo o processo. Vale
dizer: uma pretensão que não foi veiculada na inicial (nem em qualquer medida que permita
a superveniente ampliação do objeto do processo); que não foi respondida pelo réu em sua
contestação; que não foi, enfim, objeto de qualquer atividade postulatória nem instrutória,
jurídica ou probatória. Neste caso, um pronunciamento a respeito de tal pretensão estará
surgindo do nada. Não haverá relação jurídica processual que lhe dê respaldo. Em outras
palavras: esse comando extra ou ultra petita será estranho à relação processual em que foi
emitido. Na perspectiva do réu, tal pronunciamento identifica-se àquele proferido à sua
revelia em processo em que a citação não ocorreu ou foi nula (n. 5.8.2.1). Na perspectiva
do autor, equivale ao emitido em processo a que ele jamais se vinculou juridicamente pro
não haver formulado demanda nenhuma (n. 5.8.2.3, acima). Portanto o comando extra ou
ultra petita será inoponível contra qualquer das partes. Trata-se de inexistência jurídica, de
ineficácia não ratificável, nos termos antes expostos.
Dessa hipótese devem ser diferenciadas outras situações em que não caberá falar em ine-
xistência.
Exemplo “b”: o autor não formula na inicial uma determinada pretensão; o réu, todavia,
ao contestar, “defende-se” também daquela pretensão não formulada; na réplica, o autor
trata inclusive de rebater a defesa feita contra pretensão que ele não havia formulado (sem
qualquer ressalva sobre a impertinência da pretensão ante o objeto do processo) – e as
partes passam assim a debater em contraditório também a pretensão não formulada. Ora,
em tal caso, pode-se até cogitar ter havido alteração do pedido e (ou) da causa de pedir por
consenso tácito entre as partes (CPC/1973, art. 264) – de modo que o decisum que versa
sobre tal pretensão nem seria ultra ou extra petita. Mas ainda que por alguma razão não
se admita essa alteração tácita de objeto, o certo é que não se tratará de pronunciamento
inexistente, pois não se põe o problema apontado na situação cogitada no exemplo “a”.
Haverá, quando muito (i.e., caso não se admita a alteração tácita), apenas a invalidade.
Exemplo “c”: logo no início do processo, o juiz de ofício procede a uma ampliação ou mu-
dança do objeto do processo. A citação é feita e o réu já se defende tendo em vista tal “mo-
1042 Manual de Direito Processual Civil

ça (ou decisão de mérito) e não recaindo sobre esta a coisa julgada material, entendemos
que desnecessária será a propositura de Ação Rescisória, porquanto ausente coisa julga-
da material a ser rescindida (hipótese usual para o cabimento da rescisória – art. 966 do
CPC/2015). No mais, a sentença, a rigor, não impediria a propositura de nova demanda,
não sendo o caso de se alegar o cabimento de rescisória em face de decisão transitada em
julgado sobre a qual não recaiu a autoridade de coisa julgada material (art. 966, § 2º, I
do CPC/2015). Apesar disso, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça
tem reconhecido esta forma de impugnação, sob o fundamento legal de que esta moda-
lidade de decisão viola manifestamente norma jurídica (hoje, art. 966 do CPC/2015).22
Poderá a parte utilizar-se de ação declaratória de inexistência, para ver reconhecido
judicialmente o vício ou, estando o processo em fase de execução, de exceção de pré-
-executividade ou impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 1º, III) para
impugnar a decisão ou sua execução, ante a inexistência de título executivo judicial.23

28.2.2. Limites subjetivos da coisa julgada


Entendido o que, na sentença adquire a qualidade de imutabilidade, passemos ao
estudo dos limites subjetivos da coisa julgada, que visam a estabelecer quais são os su-
jeitos que ficam a ela vinculados.
É inerente à vida em comunidade, e à interação existente entre as relações sociais
que nela se desenvolvem, que o resultado de um determinado processo possa interes-

dificação”; o autor replica igualmente a considerando – e assim por diante. Enfim, as partes
passam a desenvolver o contraditório tendo em conta a “alteração” feita de ofício. Se o autor
houver concordado com tal “mudança”, não estará havendo nem mesmo ofensa ao princípio
do dispositivo – com a situação equiparando-se à prevista no art. 294. Caso contrário (p. ex.
o autor ressalva discordar da modificação ex ofício ou mesmo dela recorre), haverá afronta
a esse princípio – e, consequentemente, a invalidade do decisum extra ou ultra petita. Mas,
como no exemplo “b”, não estará caracterizada a situação que enseja a inexistência.
Exemplo “d”: depois do saneamento do processo, a instrução probatória e a discussão
entre as partes passa a fazer-se a respeito de (ou também a respeito de) pretensão que não
constitui objeto do processo. A situação é semelhante à do exemplo “b”, com a diferença
de que, nessa fase processual, já não cabe sequer cogitar de consenso entre as partes para
mudança do pedido ou causa de pedir (CPC/1973, art. 264, parágrafo. único). Também
nesse caso, ainda que se cogite eventualmente de invalidade da sentença que verse sobre
aquela pretensão não integrante do objeto processual, não há de se falar em inexistência.
Em síntese, nos casos em que a sentença extra ou ultra petita implicar apenas ofensa formal
ao princípio da congruência, haverá, quando muito, mera invalidade (exemplos “b”, “c” e
“d”). Quando, mais do que essa violação, a sentença extra ou ultra petita estiver significando
pronunciamento sobre pretensão absolutamente alheia a todo debate e instrução desen-
volvido com (e entre) as partes, tem-se inexistência jurídica do capítulo da sentença alheio
ao objeto do processo (exemplo “a”)”.(Eduardo Talamini, Coisa Julgada e sua Revisão, São
Paulo: Ed. RT, 2005, p. 351-353.)
22. STJ, AR 3.342/SP, 1ª S., j. 24.08.2016, rel. Min. Humberto Martins, DJe 07.10.2016; STJ, AR
2955/RJ, 1ª S., j. 09.09.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 29.09.2010.
23. Teresa Arruda Alvim, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2014,
p. 346.
A Coisa Julgada 1043

sar não apenas às partes nele envolvidas, mas a outros sujeitos, terceiros quanto àquela
relação processual. É isto o que justifica, por exemplo, as diversas modalidades de in-
tervenção de terceiros.
Por tal razão, é possível que a decisão proferida em um determinado processo venha,
em maior ou menor medida, a produzir efeitos em relação a terceiros. Como exemplo,
basta que pensemos em ação de despejo proposta pelo locador em face do locatário, jul-
gada procedente. Esta sentença influenciará a relação jurídica existente entre subloca-
tário consentido e locatário, mesmo que não tenha sido esta última decidida.
A coisa julgada, enquanto qualidade que confere imutabilidade ao comando da de-
cisão prejudicial, não se destina a atingir outras pessoas além daquelas que integraram,
como partes, determinada relação processual e que tiveram a oportunidade de influir
na solução dada à causa. Trata-se de decorrência das garantias do acesso à justiça e do
contraditório (CF/1988, art. 5º, XXXV e LIV, respectivamente).24 Excepciona-se apa-
rentemente tal afirmação em ocorrendo hipótese de legitimação extraordinária, quan-
do uma parte é legítima por outrem, sendo este alcançado pela coisa julgada. Usamos
da palavra aparentemente, eis que aquele que restou fora da relação jurídica processual
também é parte no sentido de a lide ser sua.
Devemos distinguir, neste ponto, de acordo com as lições de Enrico Tullio Liebman,
a chamada eficácia natural da sentença – isto é, a sua aptidão para produzir efeitos, en-
quanto ato de autoridade do Estado –, que atinge os terceiros na medida em que tenham
relação com o que é discutido em juízo, enquanto a coisa julgada, é a qualidade que con-
fere imutabilidade ao comando da decisão, apenas vinculando as partes,25solucionando
precipuamente a lide.
Neste sentido, o CPC/1973 determinava, em seu art. 472, que a coisa julgada não
poderia atingir terceiros, quer para prejudicá-los quer para beneficiá-los.
O CPC/2015, contudo, traz regramento parcialmente diverso, ao dispor, em seu
art. 506, que a coisa julgada não pode prejudicar terceiros, não havendo qualquer ve-
dação a que ela venha a beneficiar àqueles que não tenham sido partes no processo em
que foi formada.26
Cabe, nesse passo, a pergunta: Como pode o comando da decisão prejudicar tercei-
ros, se a eles não diz respeito a lide decidida?

24. Sobre a relação entre os limites subjetivos da coisa julgada e as garantias constitucionais,
ver, com proveito: José Rogério Cruz e Tucci. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da
coisa julgada civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 103-166.
25. “(...) a sentença produz normalmente efeitos também para os terceiros, mas com intensidade
menor que para as partes; porque, para estas, os efeitos se tornam imutáveis pela autoridade
da coisa julgada, ao passo que para os terceiros podem ser combatidos com a demonstração
da injustiça da sentença” (Eficácia e autoridade... cit., p. 144).
26. Elogiando a alteração, vale conferir: Antonio do Passo Cabral, Breves comentários... cit.,
p. 1.304-1.305.
1044 Manual de Direito Processual Civil

O terceiro, em verdade, pode ser atingido pela decisão da lide alheia mas nunca pela
coisa julgada, em face exatamente dessa imutabilidade ter recaído sobre solução de con-
flito de interesses que, como tal, não lhe diz respeito. Mas ser alcançado pela decisão,
jurídica ou faticamente, é possível.
Assim, o sublocatário de A é alcançado pela ação de rescisão contratual da locação
entre B e A, já que rescindida a locação cairá por terra a sublocação.
Se esta tiver sido consentida a esfera jurídica sublocatária será atingida, caso não
tivesse havido consentimento o atingimento seria fático (não poderia nem mesmo ter
sido assistente simples do sublocador).
Entretanto, em o CPC/2015 dizendo que a coisa julgada não prejudicará terceiros
não se pode ter referido a esse terceiro e figuras assemelhadas em face de, em primeiro
lugar não ter sido a “coisa julgada material” a ingressar na sua esfera jurídica, mas ex-
clusivamente a eficácia natural do decidido, eis que esta implica a respeitabilidade dos
efeitos do decisum por toda a comunidade.

28.3. Efeitos da coisa julgada


28.3.1. Efeitos negativos da coisa julgada
Uma vez que determinada decisão judicial transite em julgado, e adquira a qualida-
de de imutabilidade por força da coisa julgada material, está vedado que a mesma lide
seja levada ao poder Judiciário para novamente ser julgada. Trata-se da chamada eficá-
cia negativa da coisa julgada, que se presta a proteger o comando que já se tenha torna-
do definitivo.
Nestes casos, proposta novamente a ação, caso se verifique a existência de coisa
julgada anterior, deve ser extinto o processo sem resolução do mérito (art. 485, V, do
CPC/2015). A existência de coisa julgada funciona, neste ponto, como pressuposto pro-
cessual negativo,27 cuja presença impede o julgamento do meritum causae.
Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que se repita ação idêntica
àquela que já foi definitivamente julgada (a mesma ação, portanto), devendo haver
plena coincidência entre os seus três elementos identificadores, a saber: pedido, causa
de pedir, e partes (art. 337, §§ 1º a 4º, do CPC/2015). Alterado qualquer destes ele-
mentos, o que se tem é uma nova ação, de modo que a coisa julgada não representa
óbice a seu julgamento.
Ajuizada, por exemplo, demanda em que se pretende a anulação de um contrato com
base em dolo (CC/2002, arts. 145 a 150), o trânsito em julgado da sentença de impro-
cedência não impede que aquele mesmo autor ajuíze nova demanda em face do mesmo
réu, buscando a anulação do mesmo contrato com fulcro, agora, na coação (CC/2002,

27. Neste sentido, sobre os pressupostos processuais, incluindo os negativos, remetemos o leitor
para o que escrevemos em outra oportunidade: Manual de direito processual civil. 16ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 506-517.
A Coisa Julgada 1045

arts. 151 a 155). Afinal, alterada a causa de pedir, o que se tem é uma nova ação, não in-
cidindo, neste caso, os efeitos negativos da coisa julgada.

28.3.2. Eficácia preclusiva da coisa julgada material


À coisa julgada, diga-se ainda, soma-se o chamado “efeito preclusivo da coisa jul-
gada”. Esse efeito veda que quaisquer alegações e defesas possam ser invocadas objeti-
vando vulnerar coisa julgada material.
O art. 508, do CPC/2015, determina que “transitada em julgado a decisão de mé-
rito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a par-
te poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”. A respeito des-
se mandamento, que constava do art. 474 do CPC/1973, diz Pontes de Miranda: “1)
Sentença de mérito – Se a sentença de mérito transitou em julgado, a decisão tem a
eficácia de não mais se poder pensar em alegações que poderiam ter sido feitas e não
o foram, ou que obscura ou erradamente foram feitas, em benefício da parte que foi
omitente, ou errou no concebê-las ou dar-lhes a devida exposição. Não importa se a
parte era interessada na rejeição ou no acolhimento do pedido (réu ou autor, recon-
vinte ou reconvindo)”.28
O que precisamente quer significar o art. 508 do CPC/2015 é que nele se alberga o
princípio do “deduzido e do dedutível”; quer isto significar que, mesmo que determi-
nadas alegações e defesas pudessem ter sido invocadas, mas não o foram, serão consi-
deradas como se o tivessem sido. Nunca poderão essas questões, ser discutidas ou re-
discutidas, com o objetivo de alterar o que tiver sido objeto de coisa julgada. O art. 474
do CPC/1973 era, e o art. 508 do CPC/2015 é, pois, complementar à garantia da coi-
sa julgada. Moniz de Aragão, solidamente apoiado em doutrina, já diz à que esse efei-
to “atua no confronto com a lide julgada naquele processo mas não com outra, objeto
de novo processo. Em suma” – continua – “as alegações e defesas não deduzidas ficam
atingidas pelo efeito preclusivo inerente à coisa julgada, porém unicamente nos limites
da lide que foi objeto do processo…”.29
Eminente especialista italiano, Sergio Menchini, afirma, precisamente, a mesma
coisa em relação ao direito da Itália – tendo em vista a impossibilidade de discussão de
questões com o que se poderia objetivar ou pretender, direta ou indiretamente dimi-
nuir, ou alterar o bem jurídico obtido pela sentença transitada em julgado –, com largo,
senão unânime, apoio na doutrina, no sentido de que a coisa julgada carrega consigo a
preclusão de todas essas questões, ou in verbis: “é a preclusão de todas as questões, que
tenham sido alegadas e de todas as questões que poderiam ter sido alegadas com ­relação

28. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974,
vol. 5, comentários ao art. 474, p. 211-212.
29. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada (Exegese do Código de Processo Civil
[arts. 444-475]), São Paulo: AIDE, 1992, n. 139, p. 328, com apoio em Machado Guimarães,
Barbosa Moreira e Heinitz, todos aí com opiniões transcritas (op. cit., p. 326, nota 771 (Hei-
nitz); p. 327, notas 773 e 774, Machado Guimarães e Barbosa Moreira, respectivamente).
1046 Manual de Direito Processual Civil

à vontade concreta da lei, com o fito de obter o reconhecimento do bem negado ou o


desconhecimento do bem reconhecido”. 30
Ou seja, quer o que foi alegado, resta superado pela coisa julgada; como, ainda, resta
também superado aquilo que poderia ter sido alegado, mas não o foi, e não mais pode
ser alegado, se, com esta alegação, objetivar-se alterar ou diminuir o bem jurídico, que
se encontra revestido pela autoridade de coisa julgada material.
O que é importante sublinhar – e aqui reside o punctus pruriens – é que se pode dis-
cutir essas questões, mas nunca, todavia, pretender com isso desconhecer o bem jurí-
dico reconhecido pela sentença. É o que diz, ainda, o mesmo Sergio Menchini, trans-
crevendo textualmente trecho de Chiovenda, ou seja, essas questões “poderão sempre
ser renovadas num juízo sucessivo ‘todas as vezes que isso pode fazer-se sem atentar
contra a integridade da situação das partes, fixada na sentença com relação ao bem ju-
rídico controvertido’ (Chiovenda)”. 31
Para que possa chegar a um determinado resultado em relação aos pedidos deduzi-
dos, o juiz enfrenta, na motivação da sentença, diversas questões que se colocam como
pressupostos lógico-jurídicos necessários ao julgamento a ser proferido. Pode-se dizer,
nesta linha, que a forma como o juiz analisa cada uma destas questões influencia, em
maior ou menor escala, a maneira como será resolvido o mérito da causa.
Pode ocorrer, ademais, que alguma questão que poderia influir no julgamento do
mérito não tenha sido deduzida por qualquer das partes, ou mesmo suscitada de ofício
pelo juiz, e, assim, não tenha sido levada em consideração na decisão da causa.
Como exemplo, digamos que o réu, condenado a pagar determinada prestação, te-
nha deixado de fazer alegação de pagamento parcial da mesma. Ou, então, que o autor
tenha deixado de arrolar, como testemunha, um sujeito que presenciou o acidente au-
tomobilístico, cujo depoimento poderia demonstrar a culpa do réu, fazendo com que
fosse acolhido o seu pedido indenizatório.
Uma vez, contudo, que tenha havido o trânsito em julgado da decisão de mérito,
todas as questões ou argumentos que poderiam levar a um resultado distinto daquele
a que se chegou, tornam-se verdadeiramente irrelevantes, ante a imutabilidade do co-
mando judicial, Atua, neste ponto, a chamada eficácia preclusiva da coisa julgada mate-

30. Sergio Menchini, Il giudicato civile, Torino: UTET, 1998, p. 25, no capítulo “Autoridade da
coisa julgada e preclusão das questões”. No original: “è la preclusione di tutte le questioni,
che furono fatte e di tutte le questioni che si sarebbero potute fare intorna alla volontà con-
creta di legge, al fine di ottenere il riconoscimento del bene negato o il disconoscimento
del bene riconosciuto”. Referem-se, no mesmo sentido, Betti, Diritto processuale civile;
Heinitz, I limite oggettivi della cosa giudicata, Padova: CEDAM, 1937, p. 7; Micheli, Corso,
I, p. 295; Chiovenda, Istituzioni, I, p. 341.
31. Sergio Menchini, Il giudicato civile, Torino: UTET, 1998, p. 25, no capítulo “Autoridade da
coisa julgada e preclusão das questões”, p. 25, referindo Chiovenda, nas suas Instituições,
vol. I, p. 344.
A Coisa Julgada 1047

rial, que faz com que se tornem preclusas quaisquer discussões que poderiam alterar o
julgamento já tornado imutável e indiscutível.32
A imutabilidade que envolve essas questões é diversa daquela que resulta da coisa
julgada material, consistindo em uma das muitas imutabilidades, aceitas pelo sistema
processual civil.
Após o exposto, clarifiquemos mais uma vez, o que se denomina princípio do dedu-
zido e dedutível. Em primeiro lugar examinemos as matérias que efetivamente foram
suscitadas, analisadas; o art. 505, caput, do CPC/2015, veda que qualquer juiz volte a
apreciá-las quando estiver em jogo o julgamento da “mesma lide”, impedindo, com isso,
que sejam reabertas as discussões concernentes ao julgamento de determinada deman-
da já definitivamente apreciada.
No que concerne às alegações e defesas que poderiam ter sido suscitadas pelas par-
tes, mas não o foram, dispõe o art. 508 do CPC/2015 que “considerar-se-ão deduzidas
e repelidas” a partir do trânsito em julgado da sentença. Trata-se da regra de que a coisa
julgada cobre o “o deduzido e o dedutível”, significando que qualquer questão, por mais
relevante que seja, que poderia ter alterado o resultado do julgamento, perde importância
a partir do momento em que o comando decisório adquire a qualidade de imutabilidade.
Notemos, porém, que essa eficácia preclusiva recai sobre alegações, argumentações,
provas, etc., mas não sobre outras causas de pedir. Ou seja, em caso de improcedência
do pedido inicial, o efeito preclusivo da coisa julgada não impede que nova ação seja
ajuizada com base em causas de pedir ainda não propostas, que não se devem conside-
rar “deduzidas e repelidas” por aquele primeiro julgamento.33 Afinal, na linha do que
se disse quando do estudo dos efeitos negativos da coisa julgada, a existência de nova
causa de pedir configur ação distinta, a merecer, portanto, apreciação pelo Poder Judi-
ciário, independentemente de ter sido rejeitado, aparentemente, o mesmo pedido com
outra causa de pedir. É importante ficar claro, ainda, que a eficácia preclusiva da coisa
julgada, ao contrário do que poderia dar a entender a redação do art. 508 do CPC/2015,
não tem o condão de realizar qualquer ampliação dos limites objetivos da coisa julga-
da. Não se devem considerar como efetivamente julgadas as questões não deduzidas
pelas partes, ou que sobre elas recairia a qualidade de imutabilidade. Na verdade, o Có-
digo utiliza-se de uma ficção (“considerar-se-ão deduzidas e repelidas”)34 apenas para

32. “A eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito
em julgado, à discussão e apreciação das questões suscetíveis de influir, por sua solução, no
teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem,
por assim dizer, toda a relevância que pudesse ter em relação à matéria julgada” (José Carlos
Barbosa Moreira. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro. Temas de direito processual: primeira série. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 100).
33. José Carlos Barbosa Moreira. A eficácia preclusiva... cit., p. 104, nota n. 11. No mesmo
sentido, sobre o CPC/2015: Fredie Didier Jr. Comentários ao novo... cit., p. 783.
34. Vale conferir as criticas de José Carlos Barbosa Moreira à fórmula utilizada pelo CPC/1973
– idêntica à do CPC/2015 – para tratar da eficácia preclusiva da coisa julgada (A eficácia
preclusiva... cit., p. 99).
1048 Manual de Direito Processual Civil

e­ videnciar que, com o trânsito em julgado, todas estas questões tornam-se irrelevantes,
não tendo a capacidade de alterar o resultado do julgamento, para a manutenção da in-
tangibilidade da coisa julgada.
A eficácia preclusiva da coisa julgada, nesta linha, se presta a garantir a intangibili-
dade da coisa julgada nos exatos limites em que se formou. Desta forma, não impede a re-
discussão de qualquer das questões que poderiam vir a ser colocadas como pressuposto
lógico da decisão quando se estiver diante de uma nova ação, (pedido material diverso
ou aparentemente igual, mas com outra causa de pedir), em que a coisa julgada ante-
rior não seja colocada em discussão.35 Diz Pontes de Miranda “o que ficou sacrificado
pela apreciação errada dos fatos, ou pela má aplicação da lei, permanece, com o único
corretivo, excepcionalíssimo, da ação rescisória, tendente a dar válvula ao amontoa-
mento de aplicações de leis que não incidiram ou não aplicações de leis que incidiram,
ou casos graves quanto ao órgão do Estado, que entregou a prestação jurisdicional, ou
de ofensas exatamente à coisa julgada”.36

28.4. Coisa julgada e relações jurídicas continuativas

Logo após vedar, no caput do art. 505, que qualquer juiz decida novamente as ques-
tões relativas à lide já definitivamente julgada, o CPC/2015 traz, no inc. I deste mesmo
artigo, o que parece ser uma exceção à regra, pois prevê: “Nenhum juiz decidirá nova-
mente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: se, tratando-se de relação
jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso
em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
Ao contrário do que pode dar a entender o dispositivo, entretanto, não se trata, ver-
dadeiramente, de exceção à coisa julgada. Isso, porque, nas relações jurídicas de trato
continuado é comum que se alterem as circunstâncias fáticas que estiveram à base da
decisão sobre a qual recaiu a qualidade de imutabilidade. Nestes casos, seria possível
obter a “revisão” daquilo que foi anteriormente decidido não porque não exista coisa

35. Sobre a diferenciação entre os limites objetivos da coisa julgada, e sua eficácia preclusiva,
vejamos a lição de Luiz Machado Guimarães, em estudo pioneiro sobre o assunto, tratando,
à época, do art. 287, parágrafo único, do CPC/1939: “Apenas a questão que é objeto do
decisum, e não aquelas que constituam suas premissas, adquire a autoritas rei iudicatae.
Estas premissas são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, mas não adquirem, elas
próprias, autoridade de coisa julgada. Podem por isso, tais questões ser ressuscitadas em
novo processo cujo objeto seja diverso do objeto do processo pendente. Só na hipótese de
novo processo visando diminuir ou extinguir os efeitos da anterior sentença imutável, não
poderão aquelas questões ser novamente suscitadas. Não somente as questões efetivamente
suscitadas (o ‘deduzido’), como também as que poderiam ter sido suscitadas (o ‘deduzível’),
são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, se bem que não adquiram elas próprias
e per se a autoridade de coisa julgada” (Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. Estudos
de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969, p. 21-22).
36. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1974,
vol. 5, Comentários ao art. 468, p. 152.
A Coisa Julgada 1049

julgada, mas porque, alterando-se os fatos subjacentes ao conflito, o que se tem é uma
nova ação, em relação à qual a coisa julgada não projeta seus efeitos negativos.

28.5. A chamada “relativização da coisa julgada”


No intuito de proteger a segurança jurídica, e tornar definitiva a entrega da presta-
ção jurisdicional que se faz na sentença de mérito, a coisa julgada, como vimos, torna
imutável e indiscutível o comando nela contida, imunizando-o de questionamentos
posteriores. Neste objetivo, inclusive, a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508 do
CPC/2015), torna irrelevantes quaisquer questões que poderiam alterar o resultado do
julgamento, ainda que não tenham sido analisadas.
Como parece claro, ao valorizar a segurança jurídica, a coisa julgada acaba por im-
pedir que se prossiga na busca pela solução que seria a mais correta para a situação con-
creta, objeto de decisão. Nestes termos, não se duvida que, ao dotar de indiscutibilida-
de determinada decisão judicial, o sistema processual admite o risco de que se eternize
eventual injustiça que nela pode estar contida.37
Em razão dessa e outras possibilidades não é absoluta a proteção que o sistema jurí-
dico outorga à coisa julgada. Como se verá na sequência, diante de certos vícios consi-
derados especialmente graves (art. 966 do CPC/2015), a lei processual possibilita, por
meio da ação rescisória, a desconstituição de decisão transitada em julgado.
O fato, todavia, é que a ação rescisória apenas é cabível diante de hipóteses taxati-
vamente previstas em lei (art. 966 do CPC/2015), e, além disso, está sujeita ao prazo
decadencial de dois anos (art. 975 do CPC/2015), após os quais são convalidados os ví-
cios mais graves que podem ter atingido a decisão, eis que quaisquer outros já haviam
sido superados pela própria ocorrência do trânsito em julgado.
Dessa forma, diante de hipóteses em que a ação rescisória seria incabível, ou nas
quais já se tenha esgotado o prazo decadencial para a sua utilização, discute-se a possi-
bilidade de relativização da coisa julgada. Isto é, cogita-se, em hipóteses nas quais a coisa
julgada representaria a cristalização de injustiças incompatíveis com valores constitu-
cionais relevantes, da possibilidade de se afastar a imutabilidade e a indiscutibilidade
que tenha recaído sobre a decisão de mérito.38
Exemplo conhecido desta tendência é o que ocorre com ações investigatórias de pa-
ternidade julgadas à época em que ainda não estava disponível a realização de exames

37. “E, no entanto, os litígios não devem perpetuar-se. Entre os dois riscos que se deparam – o
de comprometer a segurança da vida social e o de consentir na eventual cristalização de
injustiças –, prefere o ordenamento assumir o segundo. (...) Se o resultado é injusto, paciência:
o que passou, passou” (José Carlos Barbosa Moreira, A eficácia preclusiva... cit., p. 99).
38. Neste sentido, defendendo a possibilidade de relativização atípica da coisa julgada, den-
tre outros: Cândido Rangel Dinamarco, relativizar a coisa julgada material. Nova era do
processo civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; Humberto Theodoro Jr.; Juliana Cordeiro
de Faria, a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle.
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, set.-out. 2002.
1050 Manual de Direito Processual Civil

de DNA, capaz de buscar com maior segurança do que o exame anteriormente conhe-
cido, a existência ou não da relação de filiação. Nestas situações, em casos nos quais,
posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, a realização do exame demonstras-
se o desacerto da sentença, a jurisprudência dos tribunais superiores passou a admitir
o rejulgamento da questão, em nome de valores constitucionais – como a dignidade da
pessoa humana e o direito à filiação – que, no caso, deveriam se sobrepor à garantia da
coisa julgada.39
A tese, todavia, foi alvo de críticas de parcela considerável da doutrina, que expu-
nha os riscos que o abandono da coisa julgada, em hipóteses não previstas em lei, re-
presentariam para a segurança jurídica e para o estado de direito, sobretudo em virtude
da ausência de parâmetros objetivos em que isso poderia ocorrer.40
No sistema do CPC/2015, por meio de técnica de certo modo semelhante àquela
prevista nos art. 475-L, § 1º, e art. 741, parágrafo único, do CPC/1973, abriu-se espaço
para a desconsideração da coisa julgada em hipótese em que a decisão de mérito se ti-
vesse fundado “em lei ou ato normativo que viesse a ser considerado inconstitucional
pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo
STF como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalida-
de concentrado ou difuso” (art. 525, § 1º, III, e § 12; art. 535, III, § 5º, do CPC/2015).
Isto é: permite-se que, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, se ale-
gue que a decisão transitada em julgada é inconstitucional. Para tanto, é necessário que
a decisão do STF afirmando a inconstitucionalidade seja anterior ao trânsito em julgado
da decisão exequenda (art. 525, § 14; art. 535, § 7.º, do CPC/2015).
Como vemos, nem mesmo a coisa julgada que se venha a formar será suficiente para
impedir ulterior questionamento em sede de cumprimento de sentença. Vale ressaltar
que, como se disse, tal possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional
já existia no sistema do CPC/1973 (arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único).
A grande novidade, todavia, se refere às hipóteses em que, posteriormente ao trânsito
em julgado de determinada decisão, o STF venha a declarar a inconstitucionalidade de
lei, ato normativo, ou interpretação em que esta se tenha fundado.
No sistema do CPC/1973, era controvertido, na doutrina, se a inconstitucionalidade
pronunciada pelo STF teria o condão de atingir coisas julgadas anteriores.41

39. Na recente jurisprudência do STJ, por exemplo: STJ, AgRg nos EDiv em REsp 1201791/SP,
2.ª S., j. 12.11.2014, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19.11.2014.
40. Assim, por exemplo: José Carlos Barbosa Moreira, considerações sobre a chamada “relativi-
zação” da coisa julgada material. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 22. São Paulo:
Dialética, jan. 2005; Nelson Nery Junior, Coisa julgada e estado democrático de direito.
Revista Forense. vol. 375. Rio de Janeiro: Forense, set.-out. 2004.
41. Em sentido afirmativo, dentre outros: Eduardo Talamini, Coisa julgada... cit., p. 423-485;
Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença. 7ª ed. São Paulo: Ed.
RT, 2014, p. 388-406. Em sentido contrário: Fredie Didier Jr. et al. Curso de direito processual
civil. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, vol. 5, p. 374-380.
A Coisa Julgada 1051

O fato, porém, é que, malgrado se encontrem julgados do STJ em sentido contrário,42


o STF, ao analisar a questão no ano de 2012, considerou que suas próprias decisões em
sede de controle de constitucionalidade não poderiam, de modo algum, atingir as coi-
sas julgadas anteriormente formadas, sob pena de violação ao Estado Democrático de
Direito.43
Em outras palavras: o STF tem considerado que, uma vez formada a coisa julgada
material, nem mesmo as suas próprias decisões que, posteriormente, venham a declarar
a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em que se baseou a decisão judicial,
teriam o condão de atingir a imutabilidade que sobre ela se formou.
Já no sistema do CPC/2015, nos termos do art. 525, § 15, nos casos em que a in-
constitucionalidade venha ser reconhecida após o trânsito em julgado de determinada
decisão, “caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da de-
cisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Consagra-se, com isso, a possibilidade de que a decisão do STF em controle de cons-
titucionalidade concentrado ou difuso atinja a coisa julgada que se tenha anteriormente
formado, salvo se, ao pronunciar a inconstitucionalidade, a Corte proceda à modulação
de efeitos (art. 525, § 13, art. 535, § 6º, do CPC/2015).
É de se notar, portanto, que o dispositivo é contrário ao atual entendimento do STF
a respeito da eficácia de suas próprias decisões, que, como visto, não afetariam as coi-
sas julgadas já existentes. Consagra, além disso, em grave risco à segurança jurídica,
a possibilidade de que determinadas decisões judiciais sejam eternamente rescindíveis,
na medida em que, nestas hipóteses, o prazo bienal para a propositura da ação rescisó-
ria terá seu dies a quo na decisão do STF em sede de controle de constitucionalidade,
não importando o tempo que tenha transcorrido desde a formação da coisa julgada.44

28.6. A coisa julgada coletiva


Há certa confusão terminológica do CDC em relação a eficácia da sentença e coisa
julgada, que é autoridade que recobre essa eficácia.45

42. STJ, REsp 1322060/RS, 1.ª T., j. 13.08.2013, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 19.08.2013.
43. STJ, AgRg em RE 592912, 2.ª T., j. 03.04.2012, rel. Min. Celso de Mello, acórdão eletrônico
DJe-229, divulg. 21.11.2012, public. 22.11.2012.
44. É interessante mencionar, a respeito, o entendimento de Nelson Nery Junior, para quem a
única forma de se considerar constitucional o dispositivo é entender que “somente pode ser
iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não
tiver sido extinta a pretensão da rescisória cujo prazo tenha-se iniciado do trânsito em julgado
da decisão exequenda”. Ou seja, para o autor, apenas se abriria a possibilidade de rescisão
se a decisão do STF fosse proferida antes do escoamento do prazo bienal para a propositura
da ação rescisória, contado do trânsito em julgado da decisão de mérito (Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1309).
45. A esse propósito há tempos, escrevemos: “A doutrina tem criticado a terminologia do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, porque não teria, claramente, sido distinguidas, efi-
cácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Na linha da nota anterior; principalmente,
critica-se a indistinção dos efeitos da sentença em relação à ocorrência da coisa julgada
1052 Manual de Direito Processual Civil

No âmbito coletivo, a coisa julgada apresenta alguns aspectos peculiares, com espe-
cificidades que devem ser consideradas na construção de sua conceituação. Essencial,
no entanto, uma breve e sucinta contextualização a respeito da aplicação das normas
jurídicas relativas às tutelas coletivas, para que, posteriormente, possam ser estudadas
as características da coisa julgada coletiva.
O processo coletivo é regido pela reunião de vários diplomas processuais, que, jun-
tos, compõem um sistema processual próprio. Tais diplomas são intercomunicáveis,
havendo aplicação conjunta de várias normas compatíveis entre si.
O CDC foi o agente unificador, na medida em que alterou a redação do artigo 22 da
Lei de Ação Civil Pública, que passou a prever expressamente que “aplicam-se à defesa
dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os disposi-
tivos do Título III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor”. Referido Ti-
tulo III dispõe sobre a proteção do consumidor em Juízo e contém diversos dispositivos
que disciplinam a proteção dos direitos coletivos, ou seja, de interesses ou direitos di-
fusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.
Complementarmente, o art. 19 da Lei de Ação Civil Pública também prevê a aplica-
bilidade do CPC/1973 (Lei nº 5.869 de 73) à Ação Civil Pública, naquilo que não contra-
rie as suas disposições. Cumpre ressaltar que, diante do § 4º do art. 1.046 do CPC/2015,
as remissões a disposições do CPC/1973 existentes em outras leis, passam a se referir
às que lhes são correspondentes no CPC/2015, o que nos faz concluir que o art. 19 da
Lei de Ação Civil Pública, atualmente, se reporta ao CPC/2015.
Por fim, dando coerência e integralidade ao sistema, o art. 90 do CDC, preceitua
que, subsidiariamente, aplicam-se àquelas hipóteses passiveis de serem regidas pelo
CDC, desde que este não contenha disposição específica aplicável ao caso, as normas
do CPC/2015 e da Lei de Ação Civil Pública.
O legislador, portanto, optou por interligar as leis que, cada qual com sua especifi-
cidade, regem o processo coletivo. Não por outra razão, o estudo da coisa julgada co-
letiva deverá ter como base as especificidades das disposições constantes dos três di-
plomas legais que, basicamente, compõe o sistema, ou seja, o CDC, a Lei da Ação Civil
Pública e, por fim, o CPC/2015.
O CDC disciplina o instituto da coisa julgada coletiva, especialmente no seu art. 103.
As marcas principais dos valores funcionais albergados pelo sistema do CDC, em
contraste com o sistema do CPC/2015, são as seguintes:
No sistema comum a coisa julgada material ocorre sempre, quando do julgamento
do mérito, independentemente do resultado da demanda; é estranha ao sistema a ocor-
rência de coisa julgada segundo o evento ou resultado do julgamento.

(material), representativa, esta última, da imutabilidade de tais efeitos (v. Vicente Greco
Filho, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., coms. ao art. 103, p. 360-
361) – (V. Nosso Código do Consumidor Comentado, 2ª ed. rev. e ampl., São Paulo: Ed. RT,
1995, de que somos coautores, coms. ao art. 103, p. 460-486).
A Coisa Julgada 1053

No sistema do consumidor a coisa julgada ocorre secundum eventum litis, o que sig-
nifica, à luz dos valores aí protegidos, o seguinte: a) não ocorre a coisa julgada se o jul-
gamento houver sido desfavorável por insuficiência de provas, e, por isso mesmo, pode
ser proposta a ação sendo apresentada prova, que não havia sido produzida. Isto em razão
de a grandeza do bem protegido pela ação civil coletiva, somente justifica que ocorra
coisa julgada quando ficar claro, aos olhos do juiz, que toda a diligência probatória foi
realizada e que, apesar disso, entende não ter havido lesão ao bem jurídico que se pre-
tendia proteger.
Em tal caso, há coisa julgada de improcedência no plano da ação civil coletiva, im-
pedindo, por exemplo, que sejam propostas outras ações coletivas com o mesmo objeto.
Todavia, essa coisa julgada no plano da ação civil coletiva não interfere no agir indivi-
dual (salvo no caso do art. 94 c/c o art. 103, § 2º, do CDC, ou seja, quando os interessados
tenham intervindo no processo como litisconsortes). A coisa julgada coletiva tem uma
abrangência subjetiva que corresponde àqueles que haverão de ser os beneficiários da
ação coletiva, tendo em vista a proteção do bem coletivo (a coletividade, no art. 103,
I; o grupo, categoria ou classe, no inc. II; e, no caso do inc. III, sendo dada pela proce-
dência da ação para beneficiar as vítimas e sucessores). Na hipótese do art. 103, III (in-
teresses e direitos individuais homogêneos), não se cogita da insuficiência de provas,
para a não-ocorrência da coisa julgada, diferentemente do previsto nos incs. I e II, ocor-
rendo, pois, coisa julgada.
Ainda que haja coisa julgada coletiva, ela se circunscreve ao plano do processo co-
letivo, inibindo outra ação civil coletiva, o que resulta claro do § 1º do art. 103. Isto im-
porta estabelecer uma distinção de significações tendo em vista os termos erga omnes
e ultra partes, qual seja: a) se o julgamento for de procedência, e, pois, com resultado
erga omnes, isto leva a que se atinjam beneficamente todos os possíveis beneficiários,
consequentemente, outra ação civil coletiva não pode ser proposta, nem mesmo ações
individuais podem ser propostas, pela circunstância de todos os beneficiários já terem
tido as suas esferas individuais satisfeitas; neste caso, a coisa julgada erga omnes obsta
também ações individuais. Assim, no caso de procedência, a expressão erga omnes com-
preende todos os possíveis beneficiários, como também reflete-se nos legitimados, no
sentido de obstar-lhes a propositura de outra ação civil coletiva com o mesmo objeto.
Se o julgamento tiver sido de improcedência, essa coisa julgada atinge, no plano da ação
civil coletiva, apenas os legitimados elencados no art. 82 do CDC, justamente porque
não há qualquer óbice a que sejam propostas ações individuais, pois que o resultado
negativo da ação civil coletiva, i.e., de improcedência, não prejudica "interesses e direi-
tos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe" (art. 103,
§ 1º, do CDC). É certo que, também, obsta a propositura de ação civil pública em rela-
ção à mesma lide coletiva.
Em síntese, podemos dizer que a eficácia da sentença na ação civil coletiva colima
atingir todos os que estejam relacionados com a situação posta em juízo, através da
ação civil coletiva; ademais, pela grandeza do bem jurídico perseguido, só haverá coisa
julgada em duas hipóteses: a) quando da procedência da ação; b) quando restar "com-
1054 Manual de Direito Processual Civil

provada" a inexistência de lesão ao bem jurídico, de que se dizia ter sido lesado, o que
se infere da improcedência da ação, sem qualquer adendo; c) se não se houver logrado
comprovar a lesão ao bem jurídico, mas se o juiz vislumbrar a possibilidade de que possa
existir prova (e assim consigne o fato na sua sentença), não há coisa julgada, podendo
ser proposta a mesma ação, acompanhada de prova não produzida; d) mesmo no caso
de improcedência da ação civil coletiva, sem ter sido por insuficiência de provas, só exis-
te óbice à repropositura de ação civil coletiva, pois o plano das ações individuais não
é atingido pela eficácia dessa improcedência (salvo a hipótese do art. 94 c/c o art. 103,
§ 2º, do CDC, como já salientamos).
Devemos acentuar que se proposta uma ação civil pública que seja julgada improce-
dente, ainda que sem ser por insuficiência de prova, a sua eficácia erga omnes circunscreve-
-se à não-possibilidade de propositura de outra ação civil pública, dado que o art. 103,
§ 3º, do CDC admitiria subsequente ação civil coletiva, pois aí se lê que "os efeitos da
coisa julgada de que cuida o art. 16 (...) não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Có-
digo..."), o que significa – textualmente, numa interpretação literal, ao menos – ser pos-
sível propor ação civil coletiva sucessivamente à improcedência de ação civil pública.
No entanto, mais plausível será entendimento diferente, apesar da literalidade do
texto. Isto porque o sistema do CDC comporta verdadeira fungibilidade sistemática com
o sistema da Lei da Ação Civil Pública, se assim é, e se ambos os modelos processuais
têm a mesma finalidade, havendo substancial coincidência de legitimados, não pare-
ce plausível interpretar-se o significado de erga omnes do art. 16, à luz da literalidade
do art. 103, § 3º, do CDC, justamente como não tendo esse sentido. Ademais especial-
mente porque se se admitisse outra ação civil coletiva (= a ação civil coletiva do CDC)
sucessivamente, estar-se-ia retirando grande parte da significação desses termos – erga
omnes – tal como consta do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública.
Desde logo deve-se acentuar que este art. 103, iniciando o Cap. IV, Tít. III, do CDC,
ao disciplinar a coisa julgada nas ações coletivas, evidencia que o sistema do CDC é
diferente do adotado, tradicionalmente, pelo CPC, particularmente tendo em vista a
extensão subjetiva da coisa julgada, não restrita às pessoas presentes no processo; em re-
alidade os destinatários da decisão judicial, no plano do direito coletivo são todos aqueles
relacionados com a lide, normalmente ausentes do processo. Salientemos que a possível
ocorrência, em conformidade com o resultado do processo, significa que se julgada im-
procedente a ação por insuficiência de provas, não há coisa julgada;sendo possível instruir
outra ação civil coletiva, igual, agora anexando a prova. Esta ação civil coletiva deve ser
admitida,justamente porque não terá ocorrido anteriormente coisa julgada. Basicamen-
te, manifesta-se aqui a mesma inspiração da Lei da Ação Popular.
Há vários aspectos, específicos à coisa julgada nas ações coletivas, que devem ser
considerados, sendo três deles diretamente disciplinados pelo CDC e um deles, pela Lei
7.347, de 24.07.1985, a cujo aspecto, justamente, se refere o CDC.
Os três primeiros estão disciplinados nos incs. I, II e III do art. 103, e o quarto no
art. 103, § 3º. Estes objetivam impedir, ou não, a propositura de outra ação igual a tí-
A Coisa Julgada 1055

tulo coletivo, com o mesmo pedido, pelos mesmos fundamentos, os mesmos sujeitos,
podendo ser, ou não, proposta pelo mesmo legitimado.
Outro aspecto peculiar vem expresso no art. 103, § 3º. Este refere-se a "vítimas" ("e
seus sucessores"). O objeto dessa ação civil pública repercute beneficamente na esfera
do consumidoreis que pode resultar de "condenação em dinheiro" (art. 3º, 1.ª frase, da
Lei 7.347, de 24.07.1985), sem descarte de outra modalidade de sentença, o que, toda-
via, não interfere no sistema do CDC.Ou seja, a ação civil pública, se procedente, ha-
bilita a liquidação da coisa julgada, benéfica também para as vítimas e sucessores, no
âmbito (por obra do texto do art. 103, § 3º), do procedimento e nos termos do CDC.
A regra do art. 103, inc. I, correlata à do art. 81, parágrafo único, I, ambos do CDC,
dispõe que, se procedente a ação civil coletiva, sobre a sentença (decisão judicial) pesará
autoridade de coisa julgada erga omnes; ou seja, alcançará a sua eficácia toda a coletivi-
dade, revestida por essa autoridade de coisa julgada erga omnes, inviabilizando sua re-
propositura enquanto ação civil coletiva, como também (pelo mesmo fundamento) obstan-
do ações individuais, precisamente porque o interesse e o direito dos que poderiam propô-las
encontram-se inteiramente satisfeitos. Se improcedente a ação civil coletiva, no campo
do CDC, isso inibe a propositura da mesma ação civil coletiva, salvo se o pedido tiver
sido julgado improcedente por insuficiência de provas,caso qualquer dos legitimados,
inclusive o mesmo, ou os mesmos que já atuaram, se valerem da anexação da prova. A
improcedência por insuficiência de provas deverá constar ou, ao menos, defluir da fun-
damentação da sentença, e esta circunstância é que será o parâmetro decisivo para via-
bilizar-se a propositura da mesma ação, calcada na prova. Ou seja, é a insuficiência de
prova, como tal declarada, que determinará a não-ocorrência de coisa julgada.
Já, no que diz respeito à não-influência da improcedência desta ação, mesmo que
não tenha sido decidido por deficiência de prova (com ocorrência de coisa julgada), no
que diz respeito à propositura de ação individual, prevê o art. 103, § 1º, do CDC, que
não prejudicará os interesses e direitos dos integrantes da coletividade.
O art. 103, II faz prevalecer os mesmos princípios, acima indicados. Aqui também
não haverá coisa julgada se o pedido tiver sido julgado improcedente por insuficiência
de provas. A coisa julgada, conforme o inciso, se denomina ultra partes.
Apesar de os princípios serem os mesmos, o inciso II do art. 103 do CDC difere do
inciso I, no sentido de sua menor abrangência, pois que no inciso II diz-se que a eficá-
cia é ultra partes, transcendendo à parte atuante (que pode ser qualquer um, ou mais
de um, dos legitimados do art. 82),e alcançando o grupo, a classe ou a categoria – to-
dos e cada um dos membros enquanto tais,mas não toda a coletividade como ocorre no
inciso I (erga omnes).
Pela circunstância de estar estabelecido no art. 103, inc. II, que ocorre coisa julgada
"limitadamente ao grupo, categoria ou classe", no que diz respeito aos interesses e di-
reitos individuais dos membros, estes não serão prejudicados por decisão de improce-
dência. Procedente a ação, o grupo, a classe e a categoria, imediatamente (e os membros
respectivos imediatamente), encontram-se inteiramente satisfeitos (art. 103, § 1º); vale
1056 Manual de Direito Processual Civil

dizer, há coisa julgada, cujo conteúdo da sentença já os beneficiou.Assim, deve-se dis-


tinguir, julgada procedente a ação, a expressão erga omnes abrange os legitimados (inc.
I), do grupo, da classe ou da categoria (inc. II), inclusive enquanto, e também, se indi-
vidualmente considerado, já se improcedente, não compreende os membros do grupo,
categoria ou classe, enquanto e se individualmente considerados, mas a ação resultará
na impossibilidade da propositura de igual ação coletiva.
Isso significa que, mesmo julgada improcedente a ação civil coletiva (quando não
tiver sido por insuficiência de prova), os membros da coletividade, por intermédio da
sua ou suas ações individuais, podem vir a alterar praticamente esse resultado, obtendo
decisão favorável em ação individual aos seus respectivos interesses ou direitos individu-
ais. É este o sentido e a extensão da coisa julgada prevista no art. 103, inc. II. O sentido
de ultra partes, como já se frisou, é o de que a coisa julgada, recobrindo decisão de im-
procedência, atinge o grupo, categoria ou classe e todos os seus membros nessa quali-
dade (i.e., só enquanto membros), não abrangendo, porém, por certo, a coletividade toda.
Na hipótese do art. 103, inc. III, a autoridade de coisa julgada, no plano da ação ci-
vil coletiva, revestirá a decisão judicial, quer em caso de improcedência, quer quando
a ação for julgada procedente.Essa eficácia da sentença, porém, será similar à eficácia
erga omnes,se a ação houver sido julgada procedente, caso em que beneficiará todos
aqueles titulares de interesses e direitos individuais homogêneos, as vítimas ou suces-
sores de ambos.
No caso de improcedência, podem as vítimas e sucessores agir individualmente
(art. 103, § 3º), salvo os que hajam sido litisconsortes, no bojo da ação civil coletiva
julgada improcedente.
A diferença de redação entre os incisos do art. 103 reside em que, nas duas primei-
ras hipóteses, admite-se que, se julgada improcedente por insuficiência de provas, em
face da prova, pode haver repropositura da ação civil coletiva pela não-ocorrência de
coisa julgada, o que não se passa com o caso do inc. III do art. 103.
Isso é assim porque nas duas primeiras hipóteses não existe colaboração possível
ou, ao menos, um "convite" para que os interessados, propriamente ditos, possam atu-
ar. Consequentemente, é possível e plausível que venha a surgir prova, porque a cog-
nição dos legitimados do art. 82 é ou pode ser, por certo, compreensivelmente limita-
da pela circunstância de maior distanciamento dos fatos e pois, também, das possíveis
provas a esses referentes.
Já no caso do art. 103, inc. III, em face da regra do art. 94, há uma intimação e "con-
vite/convocação", o mais amplo possível, para que os interessados compareçam pesso-
al e diretamente ao litígio, com vistas a que possam atuar. Dessa forma, sendo estes os
"senhores" dos fatos e, em última análise, do interesse ou do direito, e devendo ser tam-
bém os maiores interessados em comparecer, não se justifica a repetição de "outra" (na
verdade, da mesma) ação civil coletiva, ainda que tenha havido improcedência por in-
suficiência de prova, quanto mais na hipótese de improcedência, pura e simples, quan-
do nesta ação civil coletiva possivelmente muitos interessados litigaram direta e pesso-
A Coisa Julgada 1057

almente. E, se não litigaram, tiveram a possibilidade de o fazer (art. 94), aspecto último


este irrelevante no tema da ocorrência, ou não, de coisa julgada.
Por isso é que, no plano desta ação civil coletiva (do art. 103, III, do CDC), se opera
sempre coisa julgada, seja caso de procedência, seja de improcedência, para todos os
interessados que ingressarem no processo como litisconsortes (art. 94 c/c art. 103, § 2º,
ambos do CDC).
Na realidade, abrangidas estarão nas ações coletivas enunciadas, apenas as pessoas
cuja situação seja subsumível àquela que venha a ser descrita pela sentença, em que se
tenha reconhecido que, no contexto da "origem comum", o réu se houve com ilicitude
e, por isso, é responsável pela indenização.
O que nos parece é que, na coisa julgada individual, precisamente porque se deci-
de uma lide em relação a duas partes, a realidade decidida consta individuadamente da
própria sentença, cuja decisão será revestida pela autoridade da coisa julgada material.
Diferentemente, na hipótese da ação do CDC, a realidade decidida consta da sentença
enquanto referencial genérico do que foi decidido, com vistas a que nesse referencial sejam
enquadradas ou subsumidas as múltiplas situações individuais dos possíveis beneficiários,
que, pois, consubstanciarão as suas causas de pedir.
Serve de base ao raciocínio a hipótese em torno da ação promovida com base no
art. 81, parágrafo único, inc. III, e que encontra no art. 103, inc. III, o texto no qual é
tratada a coisa julgada. Dispõe o CDC: "Art. 95 – Em caso de procedência do pedido, a
condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados".
Ora, se a liquidação deve prioritariamentevir a ser promovida pelas vítimas ou suces-
sores (art. 97 c/c o art. 100), é certo que esses haverão de demonstrar essa qualificação,
para que sejam admitidos a liquidar, à luz do art. 97 do CDC.
Em se tratando, pois, da hipótese que estamos a comentar, a realidade decidida es-
tará descrita com linguagem sem minúcias individualizadoras na sentença, e o enquadra-
mento daqueles que tenham sido por ela apanhados dependerá dessa identificação, a
que se procederá mediante o confronto da situação individual e da situação genérica
que tenha sido expressamente decidida. Não se quer dizer que se trata de uma defini-
ção sem minúcias, mas que o fim da definição é o de proporcionar uma abrangência a
todos cujas situações tenham tido "origem comum". V.g., no caso de liquidação, haver-
-se-á de verificar se a vítima, ou sucessor, que pretende proceder à liquidação está ou
não abrangida pela sentença. Surge, então, um passo ou problema que é redutível à ve-
rificação da legitimidade de quem se apresenta como beneficiário da decisão judicial.
Há, portanto, um processo de enquadramento da situação individual na situação gene-
ricamente definida na sentença.
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Índice legislativo

Emendas Constitucionais art. 5.º, LV: 1.1


Emenda Constitucional 1/69: 3.1.6; 9.2 art. 5.º, LIV: 1.1
Emenda Constitucional 3/1993: 2.8.2 art. 5.º, LIV: 7.2
Emenda Constitucional 30/2000: 6.4 art. 5.º, LV: 1.3; 7.2
Emenda Constitucional 45/2004: 2.8.2; 3.1.6; art. 5.º, LXX:  2.8.2
3.3.5; 8.1 art. 5.º, LXXVIII: 7.2
art. 103-B: 3.1.6 art. 22, I: 6.2
Emenda Constitucional: 62/2009: 6.2 art. 24, XI:  6.2
art. 100, § 3.º: 6.2 art. 37, caput: 1.3.3
Emenda Constitucional 73/2013: 6.4 art. 92: 1.3
art. 92, I: 1.3; 3.1.3
Atos das Disposições Constitucionais Transi-
tórias – ADCT
art. 92, II: 3.1.3
art. 33: 6.4 art. 92, III: 3.1.3
art. 78: 6.4 art. 92, IV: 3.1.3
art. 92, V: 3.1.3
Constituições art. 92, VI: 3.1.3
Constituição de 1891 art. 92, VII: 3.1.3
art. 57: 1.3 art. 93, VIII: 1.3
Constituição de 1934 art. 93, IX: 7.10
art. 11: 2.6.2 art. 93, XII: 3.1.5
Constituição de 1967 art. 93, XIII: 2.8.2
Art. 119, I,  l: 3.1.6 art. 95, I: 1.3; 3.1.3; 10.1
Constituição de 1969: 9.1 art. 95, II: 1.3
Constituição Federal de 1988 art. 96, I: 8.1
art. 2.º: 1.3; 9.1 art. 97: 3.4
art. 5, caput: 1.3 art. 100, § 2.º: 7.8.3
art. 5, I: 1.3 art. 102, I: 3.1.4
art. 5.º, II: 3.1 art. 102, III, a: 1.3
art. 5.º, XXX: 17.4.3 art.102, § 2.º: 2.8.2; 3.3.3
art. 5.º, XXXV: 1.1, 1.3; 3.1.3; 4.1; 7.1 art. 103, I a IX: 1.3
1122 Manual de Direito Processual Civil
art. 109, I: 8.3 art. 10: 1.3
art. 111: 1.1 art. 16: 1.1; 1.3.3
art. 114, § 2.º: 1.3 art. 17: 4.1.2; 4.2.2.2
art. 118: 1 art. 18: 10.1
art. 122: 1.1 art. 42: 8.1
art. 125, § 2.º: 2.8.2; 3.1.5 art. 46: 2.7
art. 217, § 1.º: 1.1 art. 47: 2.7
art. 217, § 2.º: 1.1 art. 62: 8.1
art. 63: 8.1
Códigos
art. 64, § 4.º: 9.2.1
Código de Processo Civil de 1973: 4.3.2; 7.1 art. 73: 2.7
art. 2.º: 7.2 art. 75, IX: 10.1
art. 5.º: 4.3.2 art. 76, caput: 21.1
art. 52: 12.1 art. 113, II: 11.3
art. 53: 12.1 art. 139, II: 1.1
art. 73: 2.7.2 art. 139, VI: 7.8.3
art. 262: 7.2 art. 140: 1.1; 3.1.3; 6.1
art. 267, VI: 4.2.1 art. 141: 1.1; 18.1
art. 269, III: 14.1 art. 144: 3.1
art. 273, II: 2.8.3 art. 167, § 1.º: 2.8.3
art. 273, § 7.º: 1.2 art. 190: 6.1; 14.2
art. 296: 2.8.3 art. 200: 13.1; 14.2
art. 330: 17.1 art. 203: 27.1
art. 474-L, § 1.º: 2.6 art. 204: 27.1
art. 475-L: 2.6 art. 218, § 4.º: 1.1
art. 475-J: 1.3.3 art. 219: 9.1
art. 543-A: 3.3 art. 223: 16.1
art. 543-B: 3.3 art. 236: 15.1
art. 741: 2.1 art. 239, caput: 5.1
art. 1.211: 1.1 art. 240: 5.1
Código de Processo Civil de 2015 art. 240, § 1.º: 5.1
art. 2.º: 2.8; 3.1 art. 247, I: 15.2.1
art. 3.º: 1.3 art. 247, II: 15.2.1
art. 4.º: 1.1; 3.1 art. 247, III: 15.2.1
art. 5.º:  2.7.2 art. 247, IV: 15.2.1
art. 6.º: 10.1 art. 247, V: 15.2.1
art. 7.º: 1.3 art. 250, IV: 15.1
art. 8.º: 7.8.3 art. 273: 2.8.4
art. 9.º: 1.3 art. 276: 1.1
Índice legislativo 1123
art. 291: 18.3 art. 343, § 3.º: 20.1
art. 293: 2.8.3 art. 344: 1.1
art. 294:  2.7.2 art. 346: 6.1
art. 294, parágrafo único: 17.1 art. 347: 23.1
art. 295:  2.7.2 art. 355, I: 1.2
art. 296:  2.7.2 art. 355, II: 1.2
art. 297:  2.7.2 art. 357: 9.1
art. 298:  2.7.2 art. 357, § 3.º: 26.1
art. 299:  2.7.2 art. 361: 9.1
art. 300:  2.7.2; 7.8.4 art. 362, § 2.º: 26.1
art. 301:  2.7.2 art. 384: 25.1
art. 302, I: 17 art. 461: 2.8.3
art. 303:  2.7.2 art. 472: 2.1
art. 304: 28.1 art. 483, parágrafo único: 25.1
art. 305, parágrafo único: 1.2 art. 484: 25.1
art. 306:  2.7.2 art. 485: 1.1; 4.2.1
art. 307:  2.7.2 art. 485, § 5.º: 23.1
art. 308:  2.7.2 art. 489, § 1.º: 2.9
art. 309:  2.7.2 art. 492: 1.1; 4.4.1
art. 310:  2.7.2 art. 496: 3.3.3
art. 311: 2.7.2 art. 497: 1.3.3; 4.1.2
art. 312: 5.1; 9.1; 18.1 art. 501: 4.1.2
art. 313, VI: 5.1; 13.1; 22 art. 504: 4.3
art. 315: 1.3.3; 22.1 art. 506: 1.2; 2.1; 12.9
art. 315, § 1.º: 1.3.3 art. 507: 16.1
art. 316: 5.3 art. 515, I: 1.1
art. 319: 1.2 art. 515, VI: 1.3.3
art. 320: 18.1 art. 674, § 2.º: 4.4.3.1
art. 321: 6.1 art. 700: 1.2
art. 325, parágrafo único: 4.4.4 arts. 719: 3.1.4
art. 327, § 1.º: 11.1 arts. 735: 3.1.4
art. 327, § 2.º: 4.4.4 art. 784: 1.1; 2.7
art. 330, II: 1.3 art. 917, VI: 1.1
art. 332: 3.3.3 art. 926: 7.2
art. 334, § 1.º: 2.8.3 art. 927, § 2.º: 3.3.3
art. 334, § 4.º: 14.1 art. 927, § 3.º: 3.3.3
art. 335, II: 20.1 art. 927, § 4.º: 3.3.3
art. 337: 1.1 art. 927, § 5.º: 3.3.3
art. 337, § 2.º: 4.4.1 art. 927, IV: 3.3.3
1124 Manual de Direito Processual Civil
art. 928: 7.2 art. 850: 13.1
art. 932, IV: 3.3.3 art. 851: 13.1
art. 938: 1.1 art. 852: 13.1
art. 946: 1.1 art. 853: 13.1
art. 946, parágrafo único: 1.1 art. 854: 13.1
art. 966, II: 3.1 art. 855: 13.1
art. 976, I: 22.1 art. 856: 13.1
art. 976, II: 22.1 art. 857: 13.1
art. 1.029§ 3.º: 13.1 art. 858: 13.1
art. 1.034, parágrafo único: 2.8.3 art. 859: 13.1
art. 1.035, § 4.º: 3.3.3 art. 860: 13.1
art. 1.036: 2.8.3; 3.3 art. 861: 12.1
art. 1.037: 3.3 art. 862: 12.1
art. 1.038: 3.3 art. 863: 12.1
art. 1.039: 3.3 art. 864: 12.1
art. 1.040: 3.3 art. 865: 12.1
art. 1.041: 2.8.3 art. 866: 12.1
art. 1.045: 2.8.3 art. 867: 12.1
art. 1.046: 1.1 art. 868: 12.1
art. 1.052: 10.1 art. 869: 12.1
Código Civil Francês art. 870: 12.1
art. 1.142: 2.8.1 art. 871: 12.1
Código Civil de 1916 art. 1.210, § 1.º: 1.3
art. 1.116: 12.3 art. 1.228: 4.1
Código Civil de 2002: 1.3.6 art. 1.283: 1.3
art. 188, I: 1.3.2 art. 1.561: 11.5
art. 231: 21.1 Código Penal
art. 441: 4.4.4 art. 23: 1.3
art. 455: 1.3 art. 345: 1.3.2; 4.1
art. 840: 13.1 Código de Processo Penal
art. 841: 13.1 art. 63: 1.3.3
art. 842: 13.1 art. 64, parágrafo único: 1.3.3
art. 843: 13.1 art. 66: 1.3.3
art. 844: 13.1 art. 67, I: 1.3.3
art. 845: 13.1 art. 67, II: 1.3.3
art. 846: 13.1 art. 67, III: 1.3.3
art. 847: 13.1 art. 91, I: 1.3.3
art. 848: 13.1 art. 93: 1.3
art. 849: 13.1 art. 139: 1.3.3
Índice legislativo 1125
art. 155, parágrafo único: 1.3.3 Lei 9.099/1995: 2.8.2; 8.1
art. 386, I: 1.3.3 Lei 9.307/1996: 7.3.1
Consolidação das Leis do Trabalho art. 8.º: 7.2
art. 769: 1.3.7 art. 31: 7.2
art. 791: 5.1 art. 97: 6.1
art. 889: 1.3.7 Lei 9.784/1999: 1.3.3
Código de Defesa do Consumidor – Lei Lei 9.800/1999 (“Lei do Fax”): 16.1
8.078/1990 Lei 9.868/1999: 3.2; 8.1
art. 82, III: 10.1 Lei 9.882/1999: 8.1
art. 89:  2.8.2 Lei 10.259/2001: 2.8.2; 8.1; 9.2
art. 93: 9.2 Lei 10.444/2002: 2.6.3
art. 93, I: 9.2 Lei 10.741/2003: 7.7; 9.1
art. 95: 28.1 Lei 11.101/2005: 9.1
art. 103: 27.4  art. 189: 1.1; 1.3.6
Lei 11.232/2005: 2.6.3; 7.1
Leis Lei 11.417/2006
Lei 3.947/1983 art. 4.º: 3.5
art. 4.º, I, a: 9.2 art. 7.º: 3.5
Lei 1.60/1950: 7.6 Lei 11.672/2008: 2.6.3
Lei 4.215/1963: 7.6; 10.2 Lei 12.016/2009: 2.8.2; 9.2
Lei 4.717/1965 Lei 12.153/2009: 2.8.2; 8.1; 11
art. 5.º: 9.2 Lei 12.376/2010 – LINDB – Lei de Introdução
Lei 5.010/1966: 9.2 às Normas de Direito Brasileiro
Lei 5.478/1968 art. 4.º: 6.3; 7.6
art. 2.º: 10.2 Lei 13.105/2015: 2.1
Lei 5.621/1970: 6.1 Lei 13.129/2015: 7.3.1; 15.2
Lei 5.925/1973: 2.6.3 art. 1.º, § 1.º: 7.3.1
Lei 6.071/1974: 2.6.3 Lei 13.140/2015
Lei 6.314/1975: 2.6.3 art. 24: 19.1
Lei 6.830/1980 – Lei de Execução Fiscal: 1.3.3 art. 25: 19.1
art. 1.º: 1.1 art. 26: 19.1
Lei 7.244/1984: 6.1; 8.1; 10.2 art. 27: 19.1
Lei 7.347/1985: 2.8.2 art. 28: 19.1
art. 19: 1.3 art. 29: 19.1
art. 21:  2.8.2 Lei 13.245/2016: 3.5
Lei 8.713/1993 Lei 13.256/2016: 2.6.3;7.11
art. 5.º: 7.6 Leis Complementares
Lei 8.906/1994: 10.2; 15 LC 35/1979 – Lei Orgânica da Magistratura
Lei 8.952/1994: 2.6.3 Nacional – Loman: 8.1
1126 Manual de Direito Processual Civil
Leis Estaduais Instruções
Lei estadual: 667/1991: 10.2 Instrução Normativa 39/2016: 1.3.7

Decretos-Lei Resoluções
Dec.-lei 3.365/1941 Resolução 2/71976: 9.2
art. 42: 1.1 art. 54, I: 9.2
Dec.-lei 314/1967 Resolução 185/2013: 9.1
art. 48: 7.6 Resolução 125/2010: 7.5
Índice alfabético-remissivo

A ACAREAÇÃO: 25.5.12
ACERVO HEREDITÁRIO: 18.5
AB INITIO: 2.9
ACESSO À JUSTIÇA: 2.9; 15.3.3; 24.4.7
AÇÃO
– Multi-portas: 7.3.2
– Condições para o seu exercício: 4.2
AÇÕES CONDENATÓRIAS: 2.7.2
– Objeto do processo: 4.3.2
AÇÕES CONSTITUTIVAS: 2.7.2
AÇÃO AUTÔNOMA
AÇÕES DE CONHECIMENTO
– Declaração incidente: 5.4
– Tutela: 2.7.2
AÇÃO CONDENATÓRIA: 4.1.4; 4.4.3.1
AÇÕES DESCONSTITUTIVAS: 2.7.2
AÇÃO DE CONHECIMENTO: 20.6
AÇÕES IMOBILIÁRIAS: 2.7.2
AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO
ACORDO PROCESSUAL
– Limites: 25.5.18
– Desacompanhada de advogado: 14.5
AÇÃO DECLARATÓRIA
– Descumprimento injustificado: 14.5
– Imprescritibilidade: 4.3.1
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA: 26.5
– Particularidades: 4.3.1
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIO- ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL: 17.6.2
NALIDADE: 2.8.3; 3.2.1; 3.2.2 ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: 1.3
AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL: 4.3.2; – Processo eletrônico: 7.1
20.6.4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA: 5.1 – Órgãos: 3.3.6
AÇÃO DEMARCATÓRIA
ADMISSIBILIDADE DA PROVA DOCUMEN-
– Esbulho: 4.4.4 TAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI- – Impugnação: 25.5.18
DADE: 3.2.2
ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMU-
– Compatibilidade: 3.2.2 NHAL: 25.5.11
AÇÃO ORIGINÁRIA: 20.6 ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO:
AÇÃO QUANTI MINORIS: 18.5 20.6.2
AÇÃO RECONVENCIONAL: 2.9; 20.6; 20.6.1 ADVOGADO: 10.6
AÇÃO RESCISÓRIA: 5.3; 16.5; 20.4.2; 24.1.3 ADVOGADO DATIVO: 20.4.1
1128 Manual de Direito Processual Civil
ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA: 20.2; ASSISTENTE
20.4.2 – Incidente de admissibilidade: 12.2.7
ALIENAÇÃO DE BENS: 18.5 ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: 12.2.5
AMEAÇA DE LESÃO ASSISTENTE TÉCNICO: 25.6.6
– Direito: 1.3 ASSISTENTES E ASSISTIDOS
AMICUS CURIAE: 12.1; 12.6 – Condições diferenciadas: 13.1
– Casos repetitivos: 12.6.7 ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA: 18.10
– Coisa julgada: 12.6.8 ASTREINTES: 2.8.1
– Natureza jurídica: 12.6 ATA NOTARIAL: 25.1
– Requisitos: 12.6.4
ATIVIDADE DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ANALOGIA
– Função jurisdicional: 3.1.4
– Direito de ação e o direito de defesa: 20.3
ATIVIDADE DO JUÍZO: 1.1
ANARQUIA INTERPRETATIVA
ATIVIDADE DOS LITIGANTES: 2.7.4
– Judiciário: 3.3.1
ATIVIDADE JUDICANTE: 15.3.3
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA: 17.1.4; 18.5
ATIVIDADE JURISDICIONAL: 1.1; 4.1.7; 6.1;
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA SUBSTAN- 7.2.3; 8.2.1
CIAL: 17.4.2
– Litigante vencido: 3.1.3
ANULAÇÃO DA CONFISSÃO: 25.3.8
ATIVIDADE LÓGICO-JURÍDICA: 1.1
APLICAÇÃO DA PENA DE CONFESSO: 25.4
ATIVIDADE PROBATÓRIA: 24.3.4; 25.2.2
APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL
ATIVIDADE SATISFATIVA: 7.4
– Proporcionalidade: 7.8.3.1
ATO ADMINISTRATIVO: 3.2.3
APLICAÇÃO DO DIREITO: 2.9
ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUS-
APLICADOR DA LEI: 17.1.2 TIÇA: 19.1
ARBITRARIEDADE ATO NORMATIVO FEDERAL: 1.3.1
– Proibição: 7.7 ATO PROCESSUAL: 8.9
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDA- ATOS ADMINISTRATIVOS
DE: 1.3.1
– Controle – Poder Judiciário: 3.2.3
ARGUMENTAÇÃO JUDICIAL: 7.8.3.1
ATOS PROCESSUAIS: 13
ARGUMENTOS CONTRAPOSTOS: 19.1
– Classificação: 13.2
ARRENDAMENTO MERCANTIL: 18.5
– Forma: 13.3
ASCENSÃO DAS MASSAS: 2.8.2
– Nulidades: 13.4
ASSEMBLEIA SOCIETÁRIA
ATOS PROCESSUAIS ENDOPROCESSU-
– Suspensão da deliberação: 17.1.2 AIS: 13.1
ASSINATURA DIGITAL: 15.3.3 ATOS QUE ANTECEDEM A AUDIÊNCIA:
ASSISTÊNCIA SIMPLES: 12.2.1 26.2
– Assistência litisconsorcial – Distinção: ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
12.2.3 PROCESSO: 10.7.4; 10.7.6
Índice alfabético-remissivo 1129
ATUAÇÃO JURISDICIONAL CANCELAMENTO DA AUDIÊNCIA DE
– Tutela provisória: 17.3.5 CONCILIAÇÃO: 20.2
AUDIÊNCIA CAPACIDADE DE SER PARTE: 10.5
– Comparecimento do Ministério Públi- CAPACIDADE PARA ESTAR EM JUÍZO: 10.4;
co: 26.7 10.5
AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU ME- CAPACIDADE POSTULATÓRIA: 5.2; 10.6.1
DIAÇÃO: 19 CAPACIDADE PROCESSUAL: 10.3
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMEN- – Marido e da mulher: 10.5.6
TO: 26.3
CARÊNCIA DA AÇÃO: 4.2.2; 20.4.2
AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE:
17.3.6 – Até trânsito em julgado: 4.2.3
AUTOCOMPOSIÇÃO: 19.1 CARTA PRECATÓRIA: 15.1
AUTODEFESA CASUÍSTICA: 9.5.2
– Impossibilidade de acesso ao Poder Judi- CAUSA PETENDI
ciário: 1.3.2 – Fundamentação jurídica: 4.4.3.3
AUTONOMIA DA RECONVENÇÃO: 20.6.3 CAUSA PETENDI PRÓXIMA: 4.4.3.3
AUTONOMIA DO DIREITO DA AÇÃO: 2.7.1 CAUSA PETENDI REMOTA: 4.4.3.3
AUTORIDADE JUDICIÁRIA: 3.1.1 CAUTELAR
AUTORIDADE JURISDICIONAL – Efeito assecuratório: 2.8.1
– Revisão: 1.3.2 – Perigo de dano: 17.4.2
AUTORIZAÇÃO LEGAL
– Probabilidade do direito: 17.4.2
– Contestação: 20.6
CAUTELARIDADE
AUXILIARES DA JUSTIÇA: 8.8
– Aumento: 17.1
AVALIAÇÃO DA PROVA: 24.3.1; 25.5.3
CELERIDADE: 7.1
AVISO DE RECEBIMENTO POSITIVO
CELERIDADE PROCESSUAL: 17.6.2
– Citação: 20.2
CERCEAMENTO DE DEFESA: 26.6
CHAMAMENTO
B
– Hipóteses: 12.4.3
BENEFÍCIO DE GRATUIDADE DA JUSTI- CHAMAMENTO AO PROCESSO
ÇA: 20.4.2
– Hipóteses: 12.4.2
BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: 17.1
CITAÇÃO
BOA-FÉ PROCESSUAL: 7.5
– Causas inibitórias: 15.2.1
BRASIL
– Consequências: 15.2.9
– Legislação depois da Independência: 2.6
– Perecimento de direito: 15.2.8
CITAÇÃO COM HORA CERTA: 15.2.3
C
CITAÇÃO INICIAL VÁLIDA: 23.1.1
CALENDÁRIO PROCESSUAL: 14.5 CITAÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA: 15.2.6
1130 Manual de Direito Processual Civil
CITAÇÃO PELO CHEFE DE SECRETARIA: COLISÃO DE INTERESSES
15.2.5 – Incapaz – Representante: 10.5.3
CITAÇÃO PELO ESCRIVÃO: 15.2.5 COMMON LAW: 3.3.1
CITAÇÃO POR CORREIO: 15.2.1 COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO
CITAÇÃO POR EDITAL: 15.2.4 RÉU: 5.1
CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA: 15.2.2 COMPETÊNCIA
CITAÇÃO POR TERCEIROS – Critério funcional: 9.3.2
– Possibilidade de recebimento: 15.2.1 – Critério objetivo: 9.3.2
CLASSIFICAÇÃO DA DEFESA DE MÉRITO – Critério territorial: 9.3.2
DIRETA: 20.4.4. – Definição: 9.2
CLASSIFICAÇÃO DA DEFESA DE MÉRITO – Divisão tripartida: 9.3.2
INDIRETA: 20.4.4.
– Hipóteses: 9.6.1
CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES: 2.7.2
– Leis extravagantes: 9.7
CLASSIFICAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO:
– Pressuposto processual: 9.3
11.2
COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO ESTADO:
CLASSIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS: 8.6; 9.2.1
25.4.7
COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO: 23.2
CLASSIFICAÇÃO QUINÁRIA
COMPETÊNCIA DO JUÍZO
– Sentenças: 27.6.3
– Ação principal: 20.6.2
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA: 20.4.2
COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL: 1.3.3
CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO: 14.1
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL JULGA-
CLÁUSULA GERAL DOR: 22
– Negócios processuais: 14.3 COMPETÊNCIA EXTERIOR: 9.2.3
CÓDIGOS DE PROCESSO CIVIL ESTADU- COMPETÊNCIA FUNCIONAL: 8.1; 9.2.1
AIS: 2.6.2
COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA: 8.1
COERÇÃO
COMPETÊNCIA INTERIOR: 9.2.3
– Impedimento: 19.1
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: 9.3.1
COISA JULGADA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA: 6.3.2
– Estabilização: 17.6.3
– Ausência: 9.2
– Pressuposto processual extrínseco: 5.4
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ESTADU-
– Pressuposto processual negativo: 5.4 AL: 2.6
– Relações jurídicas continuativas: 28.3.2 COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
COISA JULGADA ANTERIOR – Tribunais Regionais Federais: 6.4
– Existência: 5.4 COMPETÊNCIA PLENA: 6.3.2
COISA JULGADA COLETIVA: 28.6 COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO ESTADO: 8.6
COISA JULGADA MATERIAL: 2.9; 4.3.1 COMPETÊNCIA RELATIVA: 9.2.1
– Valor na ordem jurídica: 28 COMPETÊNCIA TERRITORIAL: 9.3.4
Índice alfabético-remissivo 1131
– Foro competente: 9.4 – Mérito: 4.2.3
COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL: 19.1 CONDITIO SINE QUA NON: 25.3
– Detrimento – Poder Judiciário: 19.3 CONDUTA ILÍCITA DO RÉU: 17.1.2
COMPOSIÇÃO DAS PARTES: 23.3.3 CONEXÃO DE CAUSAS: 9.9.1
– Parcela do mérito: 23.3.4 CONFIANÇA LEGÍTIMA (VERTRAUENSS-
COMPROMISSO ARBITRAL: 20.4.2 CHUTZ): 7.5
COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS CONFIDENCIALIDADE: 19.3
– Nulidades: 2.9 CONFISSÃO
COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSU- – Direito positivo: 25.3.7
AIS: 15 CONFISSÃO JUDICIAL PROVOCADA: 25.2.7
COMUNICAÇÃO POR FAC-SÍMILE: 15.3.2 CONFISSÃO MACULADA
CONCEITO DE AÇÃO: 4.2 – Erro: 25.3.3
CONCEITO DE CONFISSÃO: 25.3.2 – Coação: 25.3.3
CONCEITO DE MÉRITO: 4.4.2 CONFLITO DE COMPETÊNCIA: 9.10
CONCEITO DE PERÍCIA: 25.6.1 – Procedimento: 9.10.3
CONCEITO DE PROVA: 24.1.2 CONFLITO DE INTERESSE: 1.1; 19.1; 20.3
CONCEITO DE SENTENÇA: 27.2 – Vida social: 3.1.4
CONCEITO DE TESTEMUNHA: 25.56.7 CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA:
CONCESSÃO DA CAUTELAR: 17.1.2 9.10.2
CONCESSÃO DA MEDIDA (PERICULUM IN CONFLITOS DE INTERESSE
MORA): 17.4.2 – Soluções: 4.1.1
CONCESSÃO DE GRATUIDADE DA JUSTI- CONFLITUOSIDADE
ÇA: 20.4.2
– Atritos permanentes: 2.8.2
CONCILIAÇÃO: 2.9; 7.3.2
– Relações jurídicas continuadas: 7.3.2
CONCORRÊNCIA DE AÇÕES (RECTIUS,
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: 8.2.1
PRETENSÕES): 4.4.5
CONSTITUCIONALIZAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE AÇÕES: 4.4.5
CONCURSO DE PRETENSÕES: 4.4.5 – Impacto: 7.2.4

CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE CONSTITUIÇÃO: 7.2.5

– Recurso administrativo: 1.2 CONTAGEM DO PRAZO

CONDIÇÃO DE VALIDADE DO PROCES- – Contestação: 20.2


SO: 22 CONTAGEM DOS PRAZOS: 16.5
CONDIÇÃO ESSENCIAL CONTESTAÇÃO
– Distribuição da justiça: 20.5 – Concentração da defesa: 20.4.5
CONDIÇÕES DA AÇÃO: 4.1.7; 20.4.2 – Conteúdo material: 20.4.4
– Direito positivo: 4.2.2 – Conteúdo processual: 20.4.2
– Legitimidade: 4.2.3 – Prazos: 20.2
1132 Manual de Direito Processual Civil
– Preclusão: 20.4.5 COOPERAÇÃO PROCESSUAL: 7.6
CONTESTAÇÃO DA LIDE (LITISCONTES- CORREÇÃO DA LEGITIMIDADE
TATIO): 2.3.2
– Simplicidade: 2.9
CONTESTAÇÃO DO LITISCONSORTE: 21.3
CORREÇÃO DO VÍCIO: 4.2.5
CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA: 21.2
CORRELAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA:
CONTESTAÇÃO SEM A PROCURAÇÃO: 5.2 24.4.4
CONTEÚDO PROCESSUAL CORTES SUPERIORES
– Contestação: 20.4.2
– Entendimentos consolidados: 3.3.1
CONTINÊNCIA DE CAUSAS: 9.9.2
COSTUME: 7.8.4.2
CONTRADIÇÃO: 25.5.12
CREDOR IN NATURA
CONTRADITÓRIO
– Satisfação: 2.7.2
– Hipossuficiência técnica: 6.1
CUMPRIMENTO DA SENTENÇA: 4.1.1;
– Necessidade de diálogo: 7.8.4.5 4.3.1; 13.2; 20.6.1
CONTRADITÓRIO EFETIVO: 7.6
CUMULAÇÃO DE AÇÕES: 4.4.4
CONTRADITÓRIO POSTERIOR: 24.6
CUMULAÇÃO DE PRETENSÕES: 4.4.4
CONTRADITÓRIO PRÉVIO E EFETIVO:
CUMULAÇÃO EVENTUAL: 4.4.4
28.2.1
CONTRADITÓRIO PRÉVIO: 24.6 CURADOR ESPECIAL: 10.5.4; 20.4.1

CONTRATO DE ADESÃO
– Inserção abusiva: 14.5 D
CONTROLE CONCENTRADO
DECADÊNCIA
– Inconstitucionalidade por omissão: 2.8.3
– Prescrição: 2.9
CONTROLE CONCENTRADO DA CONSTI-
TUCIONALIDADE: 3.2.2; 3.3.1 DECISÃO
CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDA- – Motivos determinantes: 3.3.2
DE: 7.2.1 DECISÃO ANTECIPATÓRIA: 17.1.2
CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS:
DECISÃO DE MÉRITO: 17.2
3.2
DECISÃO ESTABILIZADA: 17.6.3
CONTROLE JUDICIAL
DECISÃO FINAL DE MÉRITO
– Negócios jurídicos processuais: 14.5
CONVENÇÃO ARBITRAL: 14.1; 23.2 – Transitado em julgado: 23.1.1

CONVENCIMENTO DO JUIZ: 24.1.2 DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO: 17.8

CONVENÇÕES PROCESSUAIS: 14 DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS: 23.2


CONVICÇÃO DO JUIZ: 2.9; 21.2 DECISÕES VINCULANTES
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: 8.9 – Adoção: 3.3.3
COOPERAÇÃO NACIONAL: 8.9 – Indexação: 3.3.4
COOPERAÇÃO OBJETIVA: 7.6 DECLARAÇÃO INCIDENTAL: 3.2.2; 4.3.2
Índice alfabético-remissivo 1133
DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALI- DIREITO
DADE: 3.2.2 – Detrimento – Segurança: 17.1
DECRETAÇÃO DE INCONSTITUCIONALI- DIREITO À EXIBIÇÃO
DADE: 3.2.1
– Fundamento jurídico: 25.4.16
DECRETAÇÃO INCIDENTAL DE INCONS-
TITUCIONALIDADE: 3.2.2 DIREITO DE AÇÃO
– Condições: 4.4.5
DEFENSOR PÚBLICO: 20.4.1
– Direito material – Abstração: 2.7.1
DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA
– Exercício: 7.2.4
– Critérios: 9.3
DIREITO DE DEFESA: 18.6
DEFINIÇÃO DE AÇÃO: 4.2.1
– Intuito protelatório: 17.1.2
DELEGAÇÃO DE PODERES
DIREITO DE PETIÇÃO: 4.1.7
– Advogado: 5.2
DIREITO DO AUTOR
DENUNCIAÇÃO DA LIDE: 12.3
– Fato modificativo: 20.4.4
DENUNCIADO – Ingresso: 12.3.4
DIREITO DO COMPRADOR
DEPOIMENTO PESSOAL: 21.2; 24.6
– Satisfação do comprador: 4.4.5
– Confissão: 25.2.7
DIREITO FALIMENTAR: 1.3.6
DESBUROCRATIZAÇÃO CARTORÁRIA: 22.9
DIREITO JURISPRUDENCIAL: 7.2.4
DESBUROCRATIZAÇÃO DO PROCESSO: 7.1
DIREITO MATERIAL (res in judicium deduc-
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDA-
ta): 2.1.3
DE: 12.1
– Condições de viabilidade aceitável: 2.8.2
– Forma incidental: 12.4.4
– Relação jurídica processual: 5.1
– Petição inicial: 12.4.4
DIREITO OBJETIVO
DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDI-
CIAL: 11.2 – Direito subjetivo: 4.1.2
DESCUMPRIMENTO DO DEVEDOR: 2.8.1 DIREITO PÁTRIO
DESFECHO DA LIDE – Síntese evolutiva: 17.6.1
– Suspensão do processo: 22 DIREITO POTESTATIVO: 4.1.4
DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA: 23.3.4 DIREITO PROBATÓRIO: 20.4.1
DESINTERESSE NA CONCILIAÇÃO: 19.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL
DESLOCAÇÃO DA COMPETÊNCIA: 9.1 – Conceito: 1
DEVERES DA TESTEMUNHA: 25.5.10 – Demais Ramos do Direito: 1
DEVERES DO ADVOGADO: 10.6.4 – Demais ramos do Direito: 1.3

DEVIDO PROCESSO LEGAL: 14.5 – Denominação: 1

– Contraditório prévio e efetivo: 28.2.1 – Evolução Histórica: 2.1

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: 7.8.2; DIREITO SUBJETIVO


17.1 – Prisma judicial: 4.1.3
DILAÇÃO PROBATÓRIA INÚTIL: 23.1.1 – Teoria voluntarista: 4.1.3
1134 Manual de Direito Processual Civil
DIREITO SUBSTANCIAL: 6.1 – Ausência: 7.1
– Ações reais: 2.7.2 EFFETTIVITÀ DELLA TUTELA GIURISDI-
DIREITOS DA TESTEMUNHA: 25.5.10 ZIONALE: 17.1

DIREITOS TUTELÁVEIS: 2.8.3 EFICÁCIA DA MEDIDA

DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL: 7.8.3.1; – Cautelar: 17.4.4


17.3.5 EFICÁCIA DO DOCUMENTO: 25.4.4
DISPARIDADES ILEGÍTIMAS: 7.7 EFICÁCIA ERGA OMNES
DISPONIBILIDADE DO DIREITO – Efeito vinculante: 3.2.2
– Lei de Arbitragem: 14.3 EFICÁCIA IMUTÁVEL: 3.1.2
DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA: 14.5; EFICÁCIA NATURAL DA SENTENÇA: 28.2.2
20.4.4 EFICÁCIA PRECLUSIVA: 17.6.3
DIVISIBILIDADE DA CONFISSÃO: 25.3.4 EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGA-
DOCUMENTAÇÃO DA INSPEÇÃO: 25.7.4 DA MATERIAL: 28.3.2
DOCUMENTO ELEMENTOS DA AÇÃO: 4.4.3
– Autenticidade: 25.4.8 ELEMENTOS DA CONFISSÃO: 25.3.3
– Data: 25.4.12 EMBARGOS INFRINGENTES: 2.9
– Prova pré-constituída: 25.4.6 EMPRÉSTIMO DA PROVA: 24.6
– Validade e autenticidade – Distinção: EQUIDADE: 6.3
25.4.13 EQUILÍBRIO ENTRE OS LITIGANTES: 7.7
DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA: ESBULHO: 4.4.4
24.4.7 ESPÉCIES DE PRESUNÇÃO: 24.3.4
DUPLICIDADE DE PROCESSOS (IDENTI- ESTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA: 3.3.1
DADE): 5.4
ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES JURÍDI-
DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO: 7.4 CAS: 28
ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPA-
E DA: 17.1.4; 17.6.4
ESTADO DE DIREITO LIBERAL: 3.1.1
ECONOMIA PROCESSUAL: 17.6.2 ESTADO DE DIREITO: 3.1.1
EFEITOS DA CITAÇÃO: 15.2.10 ESTADO SOCIAL
EFEITOS DA COISA JULGADA: 28.3 – Minorias não privilegiadas: 17.1
EFEITOS DA CONFISSÃO: 25.3.6 EVOLUÇÃO DO DIREITO: 2.9
EFEITOS DA REVELIA: 21.7 EXAME DO DIREITO: 18.9
EFEITOS DA SENTENÇA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA: 20.4.2
– Natureza jurídica: 27.3 EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRI-
EFEITOS NEGATIVOS DA COISA JULGA- DO: 20.4.4
DA: 28.3.1 EXCEÇÕES LEGAIS TAXATIVAS: 27.2
EFETIVIDADE DA JUSTIÇA EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Índice alfabético-remissivo 1135
– Impugnação: 2.6.3 FATOS INDETERMINADOS: 24.1.4
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL: FATOS INTUITIVOS: 24.1.4
1.2 FATOS NOTÓRIOS: 24.1.4
EXECUÇÃO PROVISÓRIA: 2.8.1 FATOS SUPERVENIENTES
EXECUTIVIDADE IMEDIATA
– Sentença: 27.8
– Sentenças: 17.1
FINALIDADE DA CITAÇÃO: 15.2.2
EXERCÍCIO DE DIREITOS
FLEXIBILIDADE NORMATIVA: 17.3.5
– Capacidade integrada: 5.3
FLEXIBILIZAÇÃO DO ÔNUS PROBATÓ-
EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO: 7.7 RIO: 24.4.7
EXERCÍCIO DO DIREITO FLEXIBILIZAÇÃO PELO JUIZ: 24.1.5
– Prova pelas partes: 224.2.1 FORÇA DA JURISPRUDÊNCIA: 3.3.1
EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO: 20 FORO
EXIGUIDADE DO PRAZO: 17.4.4 – Ações de divórcio: 9.4.5
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLU- – Direito real sobre imóveis: 9.4.4
ÇÃO DE MÉRITO: 17.4.4
– Juízo: 9.4.1
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLU-
ÇÃO DE MÉRITO: 5.3; 18.9; 23.1 – Sucessão: 9.4.5
FORO GERAL: 9.4.1
FOROS ESPECIAIS: 9.6
F
FORUM JUDITIUM: 2.4
FALTA DE CITAÇÃO: 15.2.11 FUMUS BONI IURIS: 2.9; 17.1
FALTA DE CONDIÇÕES DA AÇÃO FUNÇÃO DO ADVOGADO: 10.6.2
– Repropositura da demanda: 4.2.5 FUNÇÃO JURISDICIONAL: 3.1.2; 3.2.2; 9.1
FASE DE CUMPRIMENTO: 27.2 – Métodos alternativos de solução de con-
FASE EXECUTÓRIA flitos: 3.1.5
– Efeitos apreciáveis: 17.1 – Pacificação social: 28
FASE POSTULATÓRIA FUNÇÃO PROCESSUAL
– Fase de instrução: 23 – Contestação: 20.4.1
FATO EXTINTIVO: 20.4.4 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES: 2.9
FATO INDICIANTE: 24.3.1 – Sentença: 27.7.2
FATO PRESUMIDO: 24.3.1 FUNDAMENTO DA DEFESA: 20.6
FATO PRINCIPAL: 24.3.1 FUNDAMENTO LEGAL
FATO PROBANDO: 24.3.1 – Causa de pedir: 4.4.3.3
FATO PROVADO: 24.3.1 FUNDAMENTOS DA REPARTIÇÃO DO
FATOS ABSOLUTAMENTE NEGATIVOS: ÔNUS DA PROVA: 24.4.5
24.1.4 FUNGIBILIDADE
FATOS INCONCLUDENTES: 24.1.4 – Tutelas de urgência: 17.1.3
1136 Manual de Direito Processual Civil

G IMPARCIALIDADE DO JUIZ: 18.7; 22


IMPEDIMENTOS LEGAIS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS: 6.4
– Efetivação da citação: 15.2.8
GARANTIAS DA MAGISTRATURA: 3.1.1
IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO:
– Inamovibilidade: 10.2.1 15.1; 18.10
– Irredutibilidade de subsídio: 10.2.1 INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO: 7.2.4
– Vitaliciedade: 10.2.1 INCAPACIDADE: 10.5.5
GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO PRO- INCAPAZES
CESSO: 1.3.8
– Regime jurídico: 10.5.2
GRATUIDADE JUDICIÁRIA
INCIDENTE DE IMPEDIMENTO: 20.5
– Acolhimento do pedido – Revogação: 2.9
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMAN-
– Pedido: 2.9 DAS REPETITIVAS: 2.8.3; 18.10
GRAVIDADE DA PRECISÃO: 24.3.7 INCIDENTER TANTUM: 3.1.1; 3.2.1; 25.4.14
GRAVIDADE INSTITUCIONAL INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA: 9.8.2
– Admissibilidade do recurso extraordiná- INCOMPETÊNCIA RELATIVA: 9.8.1
rio: 2.9 
INCONSTITUCIONALIDADE INCIDEN-
TAL: 3.2.2
H INCORPORAÇÃO DA PROVA AO PROCES-
SO: 24.6
HERMENÊUTICA JURÍDICA PROCESSU- INCORREÇÃO DO VALOR DA CAUSA: 20.4.2
AL: 7.1
INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL:
– Aplicação das leis processuais: 7.8 15.1; 18.9; 23.1.1
HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO INDEFERIMENTO DE PROVA: 23.4
– Ministério Público: 10.7.5 INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: 23.2 – Garantias do juiz: 10.2.1
– Fazenda Pública: 10.6.7 INDIVISIBILIDADE DA CONFISSÃO: 25.3.4
INÉRCIA
I – Conceito: 7.2.4
– Inafastabilidade: 7.2.4
IGUALDADE SUBSTANCIAL: 10.3; 16.2
INÉRCIA DO RÉU
ILEGALIDADE LATO SENSU (“ABUSO DE
PODER”): 3.2.3 – Modalidade: 17.6.2

ILEGITIMIDADE AD CAUSAM: 4.2.3 INFORMALIDADE: 19.3

ILEGITIMIDADE DA PARTE: 23.2 INFRAÇÃO PENAL: 1.3.3

IMPACTOS DO CONSTITUCIONALISMO: INSPEÇÃO JUDICIAL: 24.1.8; 25.7


7.2.3 INSTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA: 2.9
IMPARCIALIDADE DA JURISDIÇÃO: 5.3 INSTITUTO DA RECONVENÇÃO: 20.6
Índice alfabético-remissivo 1137
INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO: J
2.9; 6.1
INSTRUMENTO DE MANDATO: 10.6.2 JUIZ: 10.2
INSUBORDINAÇÃO DA PARTE: 27.2 – Manutenção da ordem: 8.8

INSUFICIÊNCIA DO PROCESSO: 2.8.2 – Sujeito imparcial: 19.3

INSURGÊNCIA DA PARTE: 27.2 JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS


– Justiça Federal: 9.5.4
INTERESSE PROCESSUAL: 4.2.2.1
JUÍZO CÍVEL
– Ausência de legitimidade: 4.2.2
– Questão prejudicial: 1.3.3
INTERESSE SOCIAL
JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE: 3.2.3
– Proteção da confiança dos jurisdiciona-
dos: 3.3.3 JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE:
17.1; 20.4.1
INTERESSE SUBSTANCIAL: 20.3
JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO:
INTERESSES CONVERGENTES: 14.1 23.3.4; 23.4
INTERMEDIAÇÃO JUDICIAL: 7.2.1 JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO: 27.2 MÉRITO: 23.4
INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO
CIVIL: 7.8.2 PROCESSO: 23
INTERROGATÓRIO LIVRE: 25.2.2 – Efeitos: 17.6.5
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO: 16.8 JULGAMENTO DEFINITIVO ANTECIPADO
DE MÉRITO: 17.1
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS: 12
JULGAMENTO DO MÉRITO
INTIMAÇÃO
– Requisitos de admissibilidade: 4.2.3
– Homologação de desistência: 20.2
JURISDIÇÃO
– Peculiaridades formais: 15.3.1
– Arbitragem: 7.2.5
INTIMAÇÃO DO DESPACHO: 16.5
– Função de controle: 3.2
INTIMAÇÃO JUDICIAL: 16.5
– Função jurisdicional: 3.1.3
INTIMAÇÃO VÁLIDA: 15.3.1
– Função uniformizadora: 3.3
INVASÃO DOS ÁRABES – Princípios fundamentais: 3.1.3
– Cultura jurídica: 2.4 JURISDIÇÃO ARBITRAL: 15.1
INVENTÁRIO JUDICIAL: 8.8 JURISDIÇÃO CIVIL: 1.1; 2.6
INVOCAÇÃO DA PRESUNÇÃO JURISDIÇÃO COMUM: 1.1
– Possibilidade: 24.3.8 JURISDIÇÃO CONTENCIOSA: 3.1.4
IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS JURISDIÇÃO ESPECIAL: 1.1
– Garantia: 1.3 JURISDIÇÃO ESTATAL: 3.1.3; 7.3.2
IRREDUTIBILIDADE DOS SUBSÍDIOS: 1.3 JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: 1.1; 1.3.4; 3.1.4
ISONOMIA JURISDICIONAL: 3.3.1; 7.7 JURISDIÇÃO-COMPETÊNCIA: 9.1
1138 Manual de Direito Processual Civil
JURISPRUDÊNCIA LIQUIDAÇÃO
– Estabilidade: 3.3.2 – Apuração do quantum: 27.8
– Instabilidade: 2.9 LITÍGIO
– Processo civil: 7.8.4.4 – Argumentos contrapostos: 19.1
JUSTIÇA FEDERAL LITISCONSÓRCIO
– Supressão: 2.6.3 – Classificação; 11.2
– Juizados Especiais: 11.10
L – Modalidades: 20.6.1
LITISCONSÓRCIO ATIVO: 11.1
LEGALIDADE ISONÔMICA LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO
–Aplicação: 7.7
– Afinidade de questões: 11.6.3
LEGITIMAÇÃO
– Comunhão de direitos: 11.6.1
– Qualificação de processual: 10.3
– Conexão de causas: 11.6.2
LEGITIMAÇÃO ATIVA
LITISCONSÓRCIO MISTO: 11.1
– Inconstitucionalidade: 3.2.2
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO: 11.7;
LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL 20.6.1; 21.3
– Titularidade do direito de agir: 6.3.2 LITISCONSÓRCIO NO POLO PASSIVO: 18.5
LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL (PRESSUPOS- LITISCONSÓRCIO PASSIVO: 11.1
TO PROCESSUAL): 4.2.3; 10.5
LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO: 11.1; 11.8
LEGITIMADO AD CAUSAM ATIVO: 4.2.3
LITISCONSORTE
LEGITIMATIO AD CAUSAM: 4.2.3; 5.3; 10.5;
20.4.2 – Ação originária: 20.6.1

– Titularidade da lide: 10.3 LITISCONSORTE PASSIVO: 11.5; 17.6.2

LEGITIMIDADE PARA A CAUSA: 4.2.3 LITISDENUNCIADO: 12.3.6

LEGITIMIDADE PASSIVA LITISPENDÊNCIA PARCIAL: 20.4.2

– Correção: 12.1 LITISPENDÊNCIA: 20.4.2


LEI DECLARADA INCIDENTALMENTE LOCAL DA CITAÇÃO: 15.2.7
– Inconstitucionalidade: 3.2.1
LEI INCONSTITUCIONAL VICIADA: 3.2.3 M
LIBELO: 18.3
MANDADO DE CITAÇÃO
LIDE NÃO PENAL: 1.1
– Oficial de justiça: 15.2.2
LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE: 16.5
LIMITES DA COISA JULGADA: 28.2 MANDADO DE INTIMAÇÃO: 25.2

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA: MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO:


28.2.1 6.4

LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGA- MANDADO JUDICIAL: 15


DA: 28.2.2 MANDAMENTO DA NORMA: 6.1
Índice alfabético-remissivo 1139
MANDATÁRIOS DO POVO: 3.1.1 NEGÓCIOS PROCESSUAIS
MEAÇÃO DO CÔNJUGE: 8.8 – Limites: 14.5
MEDIAÇÃO: 2.9; 7.3.2 NOMEN IURIS: 5.1
MEDIADOR NORMA COGENTE: 6.2.1
– Justiça coexistencial: 19.3 NORMA DE DIREITO MATERIAL: 6.3.2
MEDIDA CAUTELAR NORMA DE PROCESSO
– Não satisfativa: 17.1.2 – Condição essencial: 6.3.2
MEDIDAS ANTECIPATÓRIAS NORMA DISPOSITIVA: 6.2.1
– Potencial lesivo: 17.1.2 NORMA JURÍDICA
MEDIDAS CAUTELARES – Funções normativas: 6.1
– Concessão: 17.1.2 NORMA PROCESSUAL CIVIL: 6.2.2
MEDIDAS COERCITIVAS – Fontes subsidiárias: 7.8.4
– Propositura de ação penal: 17.3.5 – Fontes: 6.3
MEDIDAS CONSERVATIVAS: 17.7 NORMA SUBSTANCIAL: 6.2.2
MEDIDAS PROVISÓRIAS: 17.1 NORMAS DE PROCESSO
MEDIDAS SATISFATIVAS: 17.7 – Normas de procedimento – Distinção: 6.2.3
MEIO DE PROVA: 25.3 NORMAS DISCIPLINADORAS
MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETI- – Organização judiciária: 8.6
VA: 2.8.3
NORMAS DISPOSITIVAS: 6.2.1
MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS: 3.2.1
NORMAS FACULTATIVAS: 6.2.1
MINISTÉRIO PÚBLICO
NORMAS JURÍDICAS COGENTES: 6.2.1
– Hipóteses de intervenção: 10.7.5
NORMAS JURÍDICAS DISPOSITIVAS: 6.2.1
– Posição político-jurídica: 10.7.3
NORMAS PROCEDIMENTAIS GERAIS: 6.3.2
MINÚCIAS INDIVIDUALIZADORAS
NORMAS PROCESSUAIS
– Sentença: 28.6
– Classificação: 6.2
MODALIDADES DE PRECLUSÃO: 17.6.3
– Constituição Federal: 6.4
MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA: 9.9
– Precedentes: 6
MODULAÇÃO DE EFEITOS: 3.3.6
NORMAS PROCESSUAIS CIVIS ESTRITA-
MOMENTOS DA PROVA: 24.1.5 MENTE PROCEDIMENTAIS: 6.2
NORMAS PROCESSUAIS CIVIS LATO SEN-
N SU: 6.2
NORMAS PROCESSUAIS CIVIS STRICTO
NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: 13.2 SENSU: 6.2
– Conceito: 14 NULIDADE ABSOLUTA: 13.4
– Convenções típicas: 6.2.1 NULIDADE DA CITAÇÃO: 15.2.12
– Requisitos: 14.4 NULIDADE DA SENTENÇA: 5.3
1140 Manual de Direito Processual Civil

O – Tribunais estaduais: 2.6.3


ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ESTADUAL:
OBJETO DE PROVA: 24.1.4 1.1
OBJETO DO LITÍGIO: 2.8.3; 20.4.1 – Funcionamento dos órgãos: 8.5
OBJETO PRINCIPAL ÓRGÃO JURISDICIONAL
– Processo pendente: 22 – Competência externa: 15.1
OBRIGAÇÃO DE TESTEMUNHAR: 25.5.8 ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO: 8.2
OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS – Organização judiciária: 1.1
– Valor incontroverso do débito: 18.9 ÓRGÃOS NÃO JUDICIÁRIOS
OBSTACULIZAÇÃO DA DECADÊNCIA: 16.8 – Funções jurisdicionais: 8.3
OFICIAL DE JUSTIÇA: 15.2.2
OITIVA DA PARTE
P
– Videoconferência: 25.2.5
ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO: 17.6.4; 20.4.1 PACTUM DE NON PETENDO: 14.1
ÔNUS DA PROVA PARALISAÇÃO TEMPORÁRIA
– Ditribuição: 20.4.4; 24.4 – Processo: 22
ÔNUS DO TEMPO DO PROCESSO: 17.4.2 PARIDADE DE TRATAMENTO: 7.7
ÔNUS IMPERFEITO: 24.4 PARTES: 10.3
ÔNUS PERFEITO: 24.4 – Identificação: 4.4.3.1
OPERATIVIDADE DO PROCESSO: 2.7.3 PEÇA CONTESTATÓRIA: 20; 20.3; 20.4.5
ORDEM CRONOLÓGICA DE JULGAMEN- PEDIDO
TO: 7.11
– Ordem sucessiva (cumulação eventual):
ORDEM JUDICIAL 18.7
– Descumprimento: 17.3.5 PEDIDO CONDENATÓRIO: 20.3
ORDENAÇÕES AFONSINAS: 2.5.1 PEDIDO CONSTITUTIVO: 20.3
ORDENAÇÕES FILIPINAS: 2.5.1 PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO AUTOR: 21.2
ORDENAÇÕES MANUELINAS: 2.5.1 PEDIDO DECLARATÓRIO POSITIVO: 20.3
ORDENAMENTO JURÍDICO PEDIDO GENÉRICO: 18.9
– Lacuna: 3.1.3 PEDIDO IMEDIATO: 18.7; 27.8.1
– Obscuridade: 3.1.3 PEDIDO INCONTROVERSO: 23.4
ORDENAMENTO JURÍDICO POSITIVO: 17.1 PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA 18.9
– Audiência: 8.7 PEDIDO MEDIATO
– Leis de processo: 8.7 – Objeto litigioso: 18.7
– Limites – Texto constitucional: 6.2 PEDIDO MEDIATO: 18.7
– Normas: 8.6 PEDIDO PRINCIPAL
Índice alfabético-remissivo 1141
– Reconvenção: 20.6 PLURALIDADE DE DEMANDANTES: 11.5
PEDIDO SUBSIDIÁRIO: 18.5 PLURALIDADE DE PARTES: 11.1
PEDIDOS NA CONTESTAÇÃO: 20.3 PODER GERAL DE CAUTELA: 17.1
PEDIDOS, CAUSAS DE PEDIR E SENTENÇA PODER JUDICIÁRIO
– Correlação: 27.8 – Funções judiciárias: 8.1
PENA DE CONFESSO: 25.3 – Organização: 8
PERDAS E DANOS – Propostas orçamentárias: 6.4
– Riscos: 17.4.3 PODERES OFICIOSOS DO JUIZ: 20.4.5
PERECIMENTO DA PROVA: 24.5 PODER-FUNÇÃO: 9
PEREMPTORIEDADE DOS PRAZOS: 16.3 POLO PASSIVO
PERÍCIA – Ação reconvencional: 2.9
– Requisitos: 25.6.4 POSTULAÇÃO DAS PROVAS: 24.1.6
PERÍCIA EX OFFICIO E AD EVENTUM: 2.9 POTENCIAL LESIVO: 17.1.2
PERICULUM IN MORA: 17.1; 17.1.2 PRAESUMPTIO HOMINIS: 24.3.6
PERÍODO DA EXTRAORDINARIA COGNI- PRAZO DE CONTESTAÇÃO: 20.2
TIO: 2.1.3 PRAZO DE RESPOSTA: 20.6.2
PERÍODO DA JURISPRUDÊNCIA CULTA: PRAZOS
2.3.3
– Classificação: 16.4
PERÍODO DAS LEGIS ACTIONES: 2.1.1
PRAZOS DILATÓRIOS: 16.4
PERÍODO DOS GLOSADORES: 2.3.1
PRAZOS PEREMPTÓRIOS: 16.4
PERÍODO DOS PÓS-GLOSADORES: 2.3.2
PRECEDENTE JUDICIAL: 3.3.1; 6.3.1;
PERITO: 25.6.6 27.7.3.5
– Responsabilidades: 25.6.7 – Formação: 3.3.2
PERPETUATIO IURISDICTIONIS: 9.8.3 PRECLUSÃO
PERSUASÃO RACIONAL: 24.1.3; 24.1.9 – Compromisso arbitral: 20.4.2
PERTINÊNCIA TEMÁTICA: 3.2.1 – Exceções legais: 6.1
PETIÇÃO INICIAL – Modalidades: 17.6.3
– Conflito de interesses: 1.1 – Sanções processuais: 16.7
– Conteúdo lógico–jurídico: 18.3 PRECLUSÃO CONSUMATIVA: 6.1; 16.7
– Declaração de ciência: 18.4 PRECLUSÃO TEMPORAL: 5.3; 16.7
– Declaração de vontade: 18.4 PRELIMINAR DE CONTESTAÇÃO: 20.4.2
– Forma: 18.5 PRESCRIÇÃO
– Funções preparatórias: 18.2 – Decretação: 2.9
– Premissa maior: 18.3 PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE: 16.8
– Premissa menor: 18.3 PRESSUPOSTO PROCESSUAL NEGATIVO:
PLURALIDADE DE DEMANDADOS: 11.5 17.6.3
1142 Manual de Direito Processual Civil
PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA: 20 PRINCÍPIO DA CONFIANÇA: 3.3.3
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS PRA-
– Existência da relação jurídica processu- ZOS: 16.3
al: 5.2 PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSU-
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS: 5.1 AL: 10.5.5

– Validade da relação jurídica processual: 5.3 PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE: 2.4

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS NEGATI- PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE: 17.1.3


VOS: 5.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE: 6.3.1
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL: 4.22.1; 18.1 PRINCÍPIO DA INAMOVIBILIDADE: 1.3
– Depois da audiência: 17.4.2 PRINCÍPIO DA INÉRCIA: 3.1.3
PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VERDADE: 25.4 PRINCÍPIO DA INSTRUEMENTALIDADE
PRESUNÇÃO DE VERACIDADE: 21.3 DAS FORMAS: 17.1

– Fatos não impugnados: 20.4.1 PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS


FORMAS: 13.4; 24.6
PRESUNÇÃO HOMINIS: 24.3.1
PRINCÍPIO DA ISONOMIA: 3.3.3
– Presunção legal – Distinção: 24.3.1
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: 1.2; 3.2.3
– Prova contrária: 24.3.8
PRINCÍPIO DA LIBERDADE: 24.2.1
PRESUNÇÃO RELATIVA: 20.4.1
PRINCÍPIO DA NÃO TAXATIVIDADE DOS
PRESUNÇÕES DO HOMEM: 24.3.6 MEIOS DE PROVA: 24.2.1
PRESUNÇÕES LEGAIS: 24.3.4 PRINCÍPIO DA PARIDADE: 16.2
PRESUNÇÕES LEGAIS ABSOLUTAS: 24.3.1 PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL:
PRESUNÇÕES LEGAIS RELATIVAS: 24.3.1 24.2.3
PRETENSÃO DO AUTOR PRINCÍPIO DA PLENITUDE LÓGICA
– Perecimento: 17.4.3 – Ordenamento jurídico: 1.2
PREVENÇÃO: 9.3.6 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE:
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE DIGNI- 7.8.3.1
DADE: 7.8.2 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO: 3.3.3
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA: 1.3.4 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE: 7.8.3.1
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSU- PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA:
AL: 24.2.5 3.3.3
PRINCÍPIO DA ATIPICIDADE: 24.2.1 PRINCÍPIO DE PLENO ACESSO AO JUDI-
PRINCÍPIO DA BILATERALIDADE DA AU- CIÁRIO: 1.2
DIÊNCIA: 17.1 PRINCÍPIO DISPOSITIVO: 24.4.
PRINCÍPIO DA BILATERALIDADE DE PAR- PRINCÍPIO DO “IURA NOVIT CURIA”: 2.9
TES: 11.1 PRINCÍPIO DO AUTORREGRAMENTO DA
PRINCÍPIO DA BREVIDADE: 16.2 VONTADE: 14.3
PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSU- PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO: 1.1;
AL: 13.4 1.3.4; 17.1
Índice alfabético-remissivo 1143
– Direito das partes: 3.2.3 PROCEDIMENTO DA RECONVENÇÃO:
PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL 20.6.2

– Adoção: 2.3.2 PROCEDIMENTO DO CHAMAMENTO

PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO – Efeitos: 12.4.3


DO JUIZ: 21.2 PROCEDIMENTO DO DEPOIMENTO PES-
PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO SOAL: 25.2.5
MOTIVADO: 24.1.4; 24.1.9 PROCEDIMENTO PROBATÓRIO: 24.1.5
PRINCÍPIO ECONÔMICO: 1.2 PROCESSO
PRINCÍPIO ÉTICO NO PROCESSO CIVIL: 7.5 – Dimensão temporal: 6.1
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO: 2.4; 24.4 – Instrumento técnico: 2.7.4
PRINCÍPIO IURA NOVIT CÚRIA: 7.6 – Pressupostos processuais: 5
PRINCÍPIO JURÍDICO: 1.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO LÓGICO: 1.2 – Garantias – Processo judicial: 3.2.3
PRINCÍPIO PEREMPTORIEDADE: 16.3 Processo cautelar: 17.1.4
PRINCÍPIO POLÍTICO: 1.2 PROCESSO CIVIL
PRINCIPIOLOGIA DO PROCESSO: 2.7.3 – Direito Administrativo: 1.3.4
PRINCÍPIOS DA UTILIDADE: 16.3 – Direito Civil: 1.3.5
PRINCÍPIOS DE DIREITO CIVIL: 2.7 – Direito Comercial: 1.3.6
PRINCÍPIOS DIRETORES (PRINCIPES DI- – Direito Constitucional: 1.3
RECTEURS DU PROCÈS): 7.1 – Direitos Humanos: 1.3.8
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO: 7.8.4.3; – Direito Penal: 1.3.2
24.4.5
– Direito Processual Penal: 1.3.3
PRINCÍPIOS INFORMATIVOS
– Direito Processual do Trabalho: 1.3.7
– Princípios gerais do direito: 1.2
– Direito Tributário: 1.3.4
PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCES-
– Fase contemporânea: 2.8
SO CIVIL: 1.2; 16.2
– Função cautelar: 2.8.1
PRIVATISMO: 14.2
– Função cognitiva: 2.8.1
PROBABILIDADE DO DIREITO: 17.4.2
– Função executiva: 2.8.1
PROBLEMA DO ÔNUS DA PROVA: 24.3.10
PROCESSO CIVIL ROMANO: 2.1
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO (CUM GRANU
SALIS): 21.5 PROCESSO CIVIL ROMANO-BARBÁRICO:
2.1
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DIS-
CIPLINAR: 8.2.1 PROCESSO CLÁSSICO: 2.8.1

PROCEDIMENTO ARBITRAL PROCESSO COMUM NA ALEMANHA: 2.4

– Instauração: 7.2.5 PROCESSO COMUM NA ITÁLIA: 2.3

PROCEDIMENTO DA PROVA TESTEMU- PROCESSO CONTEMPORÂNEO: 2.1


NHAL: 25.5.12 PROCESSO CONTENCIOSO: 3.1.4
1144 Manual de Direito Processual Civil
PROCESSO CONVENCIONAL PROVA COMO ATIVIDADE: 24.1.2
– Autenticidade: 25.4 PROVA CONSTITUENDA: 24.6
PROCESSO DE CONHECIMENTO PROVA DIRETA E INDIRETA
– Reconhecimento de direitos: 2.9 – Diferenças: 24.3.1
PROCESSO DE EXECUÇÃO PROVA DOCUMENTADA: 24.6; 25.4
– Ações executivas lato sensu: 4.1.2 PROVA EMPRESTADA
PROCESSO DE HABILITAÇÃO: 21.5 – Conceito: 24.6
PROCESSO ELETRÔNICO: 15.3.3 – Fundamentos: 24.6
– Competência regulatória ao Conselho Na- PROVA GRADUADA: 2.2
cional de Justiça: 2.9
PROVA INEQUÍVOCA
PROCESSO EXECUTÓRIO: 7.5
– Verossimilhança das alegações: 17.3.3
PROCESSO NA PENÍNSULA IBÉRICA
PROVA LEGAL LÓGICA: 24.3.4
– Direito brasileiro: 2.4
PROVA PERICIAL
PROCESSO NA RECONVENÇÃO: 20.6.1
– Cabimento: 25.6.2
PROCESSO SAXÃO: 2.4
– Momento do pedido: 25.6.3
PROCESSUALÍSTICA MODERNA
PROVA POR DECLARAÇÕES DAS PARTES:
– Interesse: 3.1.5 25.3
PROCURAÇÃO PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA: 24.6
– Poderes conferidos: 10.6.2 PROVA PRIMA FACIE: 24.3.6
PROCURAÇÃO AD JUDICIA: 5.2 – Problema do ônus da prova: 24.3.10
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS PROVA TESTEMUNHAL: 25.5
– Aspectos conceituais: 24.5 – Sujeito: 25.6
PRODUÇÃO DA PROVA: 24.18 PROVAS CONSTITUENDAS: 24.6
– Impossível ratificação: 24.6 PROVAS EM ESPÉCIE: 25.1
– Independentemente de requerimento: PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES: 23.2
24.1.6
PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO
PROIBIÇÃO DE “VENIRE CONTRA FACTUM
PROPRIUM”: 7.5 – Limites: 17.6.3

PRORROGAÇÃO DO PRAZO: 16.3 PROVIMENTO DE MÉRITO DEFINITIVO:


17.6.1
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL
PROVIMENTO PROVISÓRIO
– Privacidade das comunicações: 24.6
– Cautelar: 17.1
PROTEÇÃO DA CONFIANÇA DOS JURISDI-
CIONADOS: 3.3.3 – Cumprimento imediato: 17.3.5

PROTEÇÃO PROCESSUAL CUMULATIVA: PROVOCAÇÃO DA PARTE


2.8.3 – Fundamento: 3.2.2
PROVA PUBLICIDADE
– Princípio dispositivo: 24.2.4 – Dupla função: 7.10
Índice alfabético-remissivo 1145
– Motivação das decisões: 7.10 REGULAMENTO 737
PUBLICISMO: 14.2 – Processo comercial: 2.6
PUBLICISMO EXACERBADO: 14.2 RELAÇÃO BILATERAL: 23.1.1
RELAÇÃO CONTRATUAL
Q – Notificação do contratante: 17.1.3
RELAÇÃO JURÍDICA
QUALIDADE DA SENTENÇA: 3.1.2 – Autor e o juiz: 5.1
QUASE CONTRATO: 2.7.3
– Juiz e o réu: 5.1
QUEM PODE SER TESTEMUNHA: 25.5.9
RELAÇÃO JURÍDICA CONSTITUTIVA
QUINHÕES HEREDITÁRIOS: 8.8
– Ação: 1.1
RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL: 23.3.3
R RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL
– Formação: 5.1
RACIONALIDADE LÓGICA: 20.4.1
RELAÇÃO JURÍDICA TRILATERAL: 5.1;
RACIONALIZAÇÃO DO PODER: 3.1.1
20.4.2
RATIO DECIDENDI: 3.3.2
RELAÇÃO PROCESSUAL
RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: 1.3
– Validade: 20.5
REALIZAÇÃO DAS PROVAS: 24.1.8
RELAÇÕES JURÍDICAS CONTINUATIVAS:
REAPRECIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊN- 28.3.2
CIA: 17.4.4
RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA:
RECLAMAÇÃO: 17.6.2 7.8.3.1; 28.5
RECONVENÇÃO: 20.3; 20.6 RELATÓRIO
RECONVINDO: 20.6 – Sentença: 27.7
RECONVINTE: 20.6 RENOVAÇÃO CONCEITUAL
RECURSOS REPETITIVOS
– Direito Processual Civil: 2.7
– Sistemática: 2.9
REPERCUSSÃO GERAL
RECUSA DA PARTE
– Reconhecimento: 3.3.5
– Substituto legal: 20.5
REPETIÇÃO DE ARGUMENTOS
REELABORAÇÃO DOGMÁTICA
– Direito de defesa: 17.8
– Direito processual civil: 2.7
REPRESENTAÇÃO DA MASSA FALIDA:
REFORMA DO JUDICIÁRIO: 3.1.6 10.9.1
REGIME JURÍDICO FUNDAMENTAL REPRESENTAÇÃO DA UNIÃO: 10.8.2
– Litisconsórcio: 11.9 REPRESENTAÇÃO DAS AUTARQUIAS:
REGIMENTO DOS TRIBUNAIS: 8.4 10.8.5
REGULAMENTAÇÃO INFRACONSTITU- REPRESENTAÇÃO DAS HERANÇAS JACEN-
CIONAL: 7.2.1 TE E VACANTE: 10.9.3
1146 Manual de Direito Processual Civil
REPRESENTAÇÃO DAS PARÓQUIAS DA S
IGREJA CATÓLICA: 10.8.7
REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDI- SANEAMENTO: 14.2
CAS: 10.8.6 – Organização do processo: 23
REPRESENTAÇÃO DO ESPÓLIO: 10.9.4 SANEAMENTO DO VÍCIO
REPRESENTAÇÃO DOS CONDOMÍNIOS – Incapacidade nos tribunais superiores:
EDILÍCIOS: 10.9.5 10.5.5
REPRESENTAÇÃO DOS ENTES DESPERSO- SATISFAÇÃO DO DIREITO DO AUTOR:
NALIZADOS: 10.9 17.3.2
REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS FEDERA- SATISFAÇÃO DO PRÓPRIO DIREITO
DOS: 10.8.3 – Aspecto cautelatório: 17.1.2
REPRESENTAÇÃO DOS MUNICÍPIOS: SEGREDO DE JUSTIÇA: 3.1.3; 25.2.2
10.8.4 SENTENÇA
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO – Atividade intelectiva: 1.2
– Incapazes: 10.5.1 – Atividade volitiva: 1.2
REPÚBLICA – Correção de inexatidões: 27.10
– Processo civil: 2.6 – Fatos supervenientes: 27.8
RES IN JUDICIUM DEDUCTA: 4.2.5 – Fundamentação genérica: 27.3.3
RESOLUÇÃO AMIGÁVEL: 19.1 – Raciocínio do juiz: 24.4.5
RESOLUÇÃO DE MÉRITO: 14.2 SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
RESPOSTA DO RÉU: 20 – Inexistência do fato: 1.3.3
RESTAURAÇÃO DOS AUTOS: 21.5 SENTEÇA COMPLEXA: 27.6.6
RESTITUIÇÃO DA PARTE SENTENÇA CITRA PETITA: 27.8.1
– Preço correspondente à sua perda: 4.4.5 SENTENÇA COLETIVA: 27.11
RESULTADO DA PERÍCIA: 25.6.4 SENTENÇA CONDENATÓRIA: 4.3.1; 27.6.3
RÉU SENTENÇA INFRA: 27.8.1

– Conduta comissiva: 1.1 SENTENÇA TERMINATIVA: 23.2

– Conduta omissiva: 1.1 – Eficácia: 27.6

REUNIFICAÇÃO DO PROCESSO CIVIL SENTENÇAS DEFINITIVAS DECORREN-


TES: 27.5.2
– Códigos de 1939 e 1973: 2.6.2
– Julgamento antecipado do mérito: 23.3.4
REVELIA
SENTENÇAS DISPOSITIVAS: 27.6.5
– Procedimentos especiais: 21.5
SENTENÇAS TERMINATIVAS: 27.5.1
– Julgamento antecipado da lide: 21.4
– Erros materiais: 27.10
– Litisconsórcio: 21.3
SIMULTANEUS PROCESSUS (UNIDADE
REVOLUÇÃO FRANCESA PROCEDIMENTAL): 20.4.2
– Ciclo histórico: 2.7 SISTEMA JURÍDICO
Índice alfabético-remissivo 1147
– Funcionamento: 1.2 T
SISTEMA PROCESSUAL
– Alterações: 2.8.3 TÉCNICA DE INQUIRIÇÃO: 25.5.5

SISTEMATIZAÇÃO DAS TUTELAS DE UR- TÉCNICAS NEGOCIAIS


GÊNCIA: 17.4.1 – Aplicação: 19.1
SISTEMATIZAÇÃO DAS TUTELAS PROVI- TEMPO
SÓRIAS: 17.1.4
– Prazos no Processo: 16
SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFITOS:
TEORIA CIVILISTA DA AÇÃO: 4.1.4
19.1
TEORIA DA AÇÃO: 4.1
SOLUÇÃO DE CONFLITOS: 19.1
TEORIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO: 18.5
– Atividade jurisdicional: 7.2.5
– Fora via judicial: 1.1 TEORIA DA LITISPENDÊNCIA: 4.4.3.2

SOLUÇÃO DE MÉRITO DEFINITIVO: 17.1 TEORIA DAS EXCEÇÕES DILATÓRIAS: 2.7.3

SOLUÇÃO DO LITÍGIO: 1.3.2 TEORIA GERAL DO PROCESSO


– Direito material: 2.9 – Direito positivo: 7.1
SOLUÇÕES AMIGÁVEIS: 19.1 TESTEMUNHA E PARTE
SOLUÇÕES CONSENSUAIS: 19.1 – Distinção: 25.5.2
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL: 2.9 TESTEMUNHA E PERITO
SUBSTITUTO LEGAL: 20.5 – Distinção: 25.5.3
SUBSTITUTO PROCESSUAL: 20.6 TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL: 28.2.1
SUJEITOS DO PROCESSO: 10 TÍTULO EXTRAJUDICIAL
SUJEITOS EQUIPARÁVEIS: 7.7 – Ações: 2.7.2
SUMARIEDADE DA COGNIÇÃO – Inadimplemento da obrigação: 1.1
– Tutelas provisórias: 17.2 TÍTULOS DE CRÉDITO: 1.3.6
SÚMULA TRILATERAL
– Função persuasiva: 3.3.6 – Formação: 5.1
SÚMULA VINCULANTE: 3.3.6 TRILOGIA: AÇÃO, PROCESSO E JUIZ: 4.1.1
SUPRESSÃO DA JUSTIÇA FEDERAL: 2.6.3 TRIPARTIÇÃO
SUPRESSIO: 7.5 – Cautelar: 17.1
SUSPEIÇÃO: 20.5
– Conhecimento: 17.1
SUSPEIÇÃO DO JULGADOR: 20.5
– Execução: 17.1
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
TRIPARTIÇÃO DE PODERES: 3.1.1
– Prescrição intercorrente: 16.8
TUTELA
SUSPENSÃO DO PROCESSO: 22
– Efeitos: 17.1
SUSPENSÃO FACULTATIVA DO PROCES-
SO: 22.3 TUTELA ANTECIPADA

SUSPENSÃO NECESSÁRIA DO PROCES- – Concessão: 17.4.4


SO: 22 – Estabilização: 17.6.3
1148 Manual de Direito Processual Civil
– Sem o ajuizamento de ação: 17.1 – Fungibilidade: 1.2
TUTELA ANTECIPADA DE EVIDÊNCIA: 17.8 – Natureza do provimento: 17.3.3
TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA AN- TUTELA RESSARCITÓRIA: 2.8.1; 17.1
TECEDENTE TUTELAS DE URGÊNCIA
– Pressupostos: 17.6.2 – Evolução: 17.1
– Deferimento: 17.6.2 – Pressupostos para conclusão: 17.4.2
TUTELA ANTECIPADA ESTABILIZADA: – Sistematização: 17.4.1
17.6.1
TUTELAS DECLARATÓRIAS NEGATIVAS:
TUTELA ANTECIPATÓRIA 20.3
– Expectativa – Sentença final: 17.1.2 TUTELAS DECLARATÓRIAS POSITIVAS:
– Surgimento: 17.1 20.3
TUTELA CAUTELAR TUTELAS PROVISÓRIAS
– Intrinsecamente provisória: 17.1.2 – Ações coletivas: 2.1
TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECI- – Alteração da revogação: 17.3.3
PATÓRIA
– Características: 17.2
– Distinção: 17.1.2
– Competência para conhecimento: 17.3.1
TUTELA DE URGÊNCIA
– Disciplina geral: 17.3
– Caráter antecedente: 17.4.4
– Efetivação: 17.3.5
– Reapreciação: 17.4.4
– Fungibilidade: 17.3.3
– Responsabilidade – Danos: 17.4.4
– Impossibilidade de concessão ex officio:
– Reversibilidade da medida: 17.4.3 17.3.2
TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA AN- – Possibilidade de revogação: 17.3.3
TECEDENTE: 2.9
– Pressupostos: 17.3.6
– Estabilização: 17.6
TUTELAS TEMPORÁRIAS
TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR
– Provável direito: 17.2
– Caráter antecedente: 17.6.5
TUTELA DE URGÊNCIA E DA EVIDÊN- V
CIA: 2.9
TUTELA DIFERENCIADA VALIDADE DO PROCESSO: 22
– Modalidades: 17.1.2 – Continente da ação: 4.2.3
TUTELA EMINENTEMENTE SUMÁRIA: VALOR DA CAUSA: 9.3.3
17.6.4 VALOR DA PROVA TESTEMUNHAL: 25.5.3
TUTELA ESTABILIZADA VALOR PROBANTE
– Modificação: 17.3.3 – Documentos: 25.4.14
– Operacionalização: 17.6.2 VALORAÇÃO DA PROVA: 24.1.9; 24.3.6
TUTELA JURISDICIONAL: 20 VALORAÇÃO DAS PRESUNÇÕES HOMI-
TUTELA PROVISÓRIA: 2.9; 7.2.4; 17.1 NIS: 24.3.7
Índice alfabético-remissivo 1149
VALORAÇÃO DOS ATOS VEROSSIMILHANÇA DE FATOS: 21.8
– Poder Público: 7.8.3.1 VÍCIO REDIBITÓRIO: 2.8.2
VEDAÇÃO LEGAL VÍCIOS FORMAIS
– Ausência: 17.6.4 – Improcedência: 18.10
VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES:
17.3.3
Diagramação eletrônica:
TCS - Tata Consultancy Services - CNPJ 04.266.331/0001-29
Impressão e encadernação:
Edelbra Indústria Gráfica e Editora Ltda., CNPJ 87.639.761/0001-76.
A.S. L8046

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