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Manual de Direito Processual Civil - 17 Edição 2018 - Arruda Alvim
Manual de Direito Processual Civil - 17 Edição 2018 - Arruda Alvim
Editores: Aline Darcy Flôr de Souza, Andréia Regina Schneider Nunes, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Diego Garcia Mendonça,
Iviê A. M. Loureiro Gomes, Luciana Felix e Marcella Pâmela da Costa Silva
Assistentes Administrativos Editoriais: Francisca Lucélia Carvalho de Sena e Juliana Camilo Menezes
Analistas de Operações Editoriais: André Furtado de Oliveira, Bryan Macedo Ferreira, Damares Regina Felício, Danielle Rondon
Castro de Morais, Felipe Augusto da Costa Souza, Felipe Jordão Magalhães, Fernanda Teles de Oliveira, Gabriele Lais Sant’Anna
dos Santos, Juliana Cornacini Ferreira, Maria Eduarda Silva Rocha, Mayara Macioni Pinto, Patrícia Melhado Navarra, Rafaella
Araujo Akiyama, Thiago César Gonçalves de Souza e Thiago Rodrigo Rangel Vicentini
Analistas de Qualidade Editorial: Carina Xavier Silva, Daniela Medeiros Gonçalves Melo, Marcelo Ventura e Maria Angélica Leite
Analistas Editoriais: Daniele de Andrade Vintecinco, Maria Cecilia Andreo e Mayara Crispim Freitas
Alvim, Arruda
Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de
conhecimento / Arruda Alvim. -- 17. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2017.
Bibliografia.
ISBN: 978-85-203-7076-6
17-01549CDU-347.9(81)
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos.
Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte
desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às
características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime
(art. 184 e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações
diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
ISBN 978-85-203-7076-6
Dedico esta obra à minha mulher,
Thereza Alvim,
e aos meus netos,
Rafael de Arruda Alvim Pinto,
Pedro de Arruda Alvim Wambier,
Henrique Leão de Arruda Alvim,
José Manoel de Arruda Alvim
e João Pedro Leão de Arruda Alvimw
Apresentação
Antes de tudo agradeço à minha mulher, Profa. Thereza Alvim, a revisão exausti-
va, excepcionalmente competente e absolutamente escrupulosa desta obra. E, também
a todos do Grupo de Apoio. À Revista dos Tribunais Thomson Reuters nas pessoas de
Marisa Harms e Cristiane Faria, meus melhores agradecimentos.
Esta obra teve dezesseis edições na vigência do CPC/1973. Foi agora inteiramente
remodelada, para esta nova edição à luz do CPC/2015.
Procurou-se referir a literatura sobre o CPC/2015, fazendo-se menção à jurispru-
dência sobre esse novo diploma existente; e, foram mantidas e aproveitadas obras es-
critas na vigência do CPC/1973 e jurisprudência, inteiramente ajustadas ao CPC/2015.
Esperemos que esta 17ª edição tenha o mesmo destino que as anteriores.
Arruda Alvim
Sumário
Apresentação.................................................................................................................... 11
2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
3 – Jurisdição
4 – Direito de Ação
10 – Os Sujeitos do Processo
12 – Intervenção de Terceiros
13 – Atos processuais
17 – As tutelas provisórias
18 – Petição Inicial
18.1. Conceito, finalidade e importância da petição inicial..................................................... 740
18.2. Funções preparatórias e definitivas da petição inicial..................................................... 740
18.3. Conteúdo lógico-jurídico da petição inicial................................................................... 741
18.4. O conteúdo da petição inicial. Declaração de vontade e declaração de ciência nela con-
tidas................................................................................................................................ 741
18.5. Forma da petição inicial................................................................................................. 742
18.6. Requisitos da petição inicial........................................................................................... 743
18.7. Pedido............................................................................................................................ 748
18.7.1. Alteração ou aditamento do pedido e da causa de pedir.................................... 752
18.8. Momento do ajuizamento da ação, distribuição e registro da petição inicial.................. 752
18.9. Deferimento, emenda e indeferimento da petição inicial................................................ 755
18.10. Improcedência liminar do pedido............................................................................................ 759
Sumário 23
19 – Audiência de Conciliação ou Mediação
20 – Resposta Do Réu
20.1. Resposta e outras possíveis reações do réu diante da ação proposta pelo autor............... 768
20.2. Forma e início da contagem do prazo para contestação.................................................. 769
20.3. Analogia existente entre o direito de ação e o direito de defesa....................................... 770
20.4. Contestação.................................................................................................................... 770
20.4.1. Função processual da contestação e ônus da impugnação especificada dos
fatos.................................................................................................................. 770
20.4.2. Contestação e seu conteúdo processual............................................................ 772
20.4.3. Ainda sobre o conteúdo processual da contestação: especificamente a alegação
de incompetência.............................................................................................. 775
20.4.4. A contestação e seu conteúdo material: classificação da defesa de mérito em
direta e indireta................................................................................................. 777
20.4.5. Contestação, concentração da defesa e preclusão.............................................. 777
20.5. O impedimento e a suspeição do julgador...................................................................... 779
20.6. Reconvenção.................................................................................................................. 781
20.6.1. Possibilidade de ampliação subjetiva do processo na reconvenção................... 782
20.6.2. Procedimento da reconvenção.......................................................................... 784
20.6.3. Autonomia da reconvenção.............................................................................. 788
20.7. As questões prejudiciais suscitadas como espécie de resposta do réu e a subsistência da
ação declaratória incidental para as ações ajuizadas sob a vigência do CPC/1973.......... 788
21 – Revelia
22 – Suspensão do Processo
25 – Provas em Espécie
27 – Sentença
28 – A Coisa Julgada
Bibliografia....................................................................................................................... 1059
1. V. nosso Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento. São Paulo:
RT, 1972, vol. 1, p. 15 e especialmente p. 35 et seq. Mais amplamente, v. nosso Tratado de
direito processual civil, São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 1-141.
2. V. nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 69.
32 Manual de Direito Processual Civil
Desta forma, devemos, primeiramente, examinar se se trata ou não de uma lide in-
serida no rol de atribuições de uma das jurisdições especiais. Não se verificando esta
hipótese, caímos na jurisdição comum, com o que, todavia, não se terá, ainda, resolvi-
do de vez o problema, pois a jurisdição comum, a seu turno, encontra-se dividida em
dois grandes troncos: o civil e o penal.
Aqui, também, o critério a ser utilizado pelo intérprete é o mesmo. É mais fácil, se
houver dúvida, sabermos quando estamos em face de casos penais, pelos traços mar-
cantes que definem as figuras típicas no Direito Penal. Diante disso, podemos concluir
que, se, do fato ocorrido, o legislador fizer decorrer consequências jurídico-penais, ha-
vendo incidência de norma que o considere contravenção ou crime, ipso facto, estare-
mos no campo do processo penal e não no do processo civil. Portanto, se chegarmos
à conclusão de que não serão aplicadas, por meio do processo, normas materialmente
penais, concluiremos, por exclusão, que estamos diante de uma lide civil, entendida
esta expressão lato sensu.
Compilando os critérios, lide civil lato sensu será a lide não penal, que, concomi-
tante, não estiver englobada nas hipóteses de jurisdição especial. Isto significa que se
aplicará o processo civil para resolver essa lide (art. 16, do CPC/2015).3
A este propósito, é necessário se ter presente que a aplicação do Código de Processo
Civil, se houver lei específica, se fará apenas subsidiariamente. Se isto ocorrer, valerá o
sistema do Código de Processo Civil, em regra, exclusivamente naquilo que não colidir
com o que estiver especialmente disposto em tais múltiplas leis (por exemplo, o Dec.-lei
3.365/1941, no art. 42, diz que, omissa essa lei de desapropriação, aplicar-se-á o Código
de Processo Civil; semelhantemente, v. o art. 1.º da Lei 6.830/1980, quanto à execução
fiscal, o art. 19 da Lei 7.347/1985, em relação ao procedimento da ação civil pública, e
o art. 189 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a fa-
lência do empresário e da sociedade empresária). Nesses casos, portanto, é necessário
algum cuidado por parte do aplicador da lei.4-5
3. Isto não significa, no entanto, que o CPC/2015 não possa ser aplicado na solução de lides
não civis. Conforme previsto pelo art. 15 do CPC/2015, na ausência de normas que regulem
os processos eleitorais, trabalhistas e administrativos, as disposições do CPC/2015 serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente.
4. Nesse sentido: Humberto Theodoro Jr., Repercussões do novo Código de Processo Civil
no direito do trabalho. Revista Forense, vol. 420. Rio de Janeiro: Forense, jul/dez-2014,
p. 147/160.
5. Também, em matéria de aplicação subsidiária do CPC/2015, segundo comenta Guilher-
me Rizzo Amaral, o texto do art. 15 do CPC/2015 – “Na ausência de normas que regulem
processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente” – “em nada altera o estado das coisas anterior, em
que se reconhecia a aplicação subsidiária do CPC, como norma fundamental, a todo o
ordenamento jurídico, inclusive aos processos regidos por leis especiais.”. (cf. Comentá-
rios às alterações do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 79). Ainda a respeito desse art. 15,
interessante notarmos que o texto fala em aplicação “supletiva” e “subsidiária”, tratando,
ao menos aparentemente, de forma mais ampla o ponto. Em obra de coautoria de Teresa
Arruda Alvim Wambier (Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, 2ª ed.
Conceito do Direito Processual 33
rev., atual. e ampl., São Paulo: RT. 2016, p. 84), a diferença das aplicações é destacada,
mas é feita a crítica à opção adotada pelo legislador: “Não se trata somente de aplicar as
normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não
houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. A aplicação subsidiária
ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão
‘subsidiária’, de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob
outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um
sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. A aplicação
supletiva é que ocorre quando há omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocu-
pação com a própria expressão, precisão da linguagem, serve-se das duas expressões. Não
deve ter suposto que significam a mesma coisa, senão, não teria usado as duas. Mas como
empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o intérprete entender que é disso
que se trata. Na verdade, teria sido suficiente (e melhor) que o legislador se tivesse referido
apenas à subsidiariedade”. Sobre o tema, v. ainda, Edilton Meireles, O novo CPC e as regras
supletiva e subsidiária ao processo do trabalho, Revista de Direito do Trabalho, vol. 157,
p. 129-137, mai-jun/2014.
6. Cf. nosso Direito processual civil –Teoria geral do processo de conhecimento. São Paulo:
RT, 1972, vol. 1, p. 94, nota 105.
7. Sobre o tema, ver: Karl Heinz Schwab, El Objeto Litigioso en el Proceso Civil. Buenos Aires:
EJEA, 1968; Cândido Rangel Dinamarco, O Conceito de Mérito em Processo Civil, in: Fun-
damentos do Processo Civil Moderno, t. I. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 305-306.
8. Nesse sentido, é falha a distinção feita por Carnelutti, em Sistema di diritto processuale
civile, vol. 1. Padova: Cedam, 1936, p. 40, 231 e 250, entre lide total e parcial, pois o que
interessa é o que tenha sido trazido ao juiz, exclusivamente. Correto Liebman, em Estudos
sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1947, p. 114 et seq. Outrossim, no Di-
reito alemão, exaustivamente, demonstrou-se que o objeto litigioso do processo é o pedido
do autor.
34 Manual de Direito Processual Civil
estas três espécies de ações, deve haver ilícito imputado à conduta (omissiva ou co-
missiva) do réu.
Já se alguém for o beneficiário de título extrajudicial, proporá, verificado inadim-
plemento da obrigação (caracterizada ao nível do processo de execução), que esteja
configurada num documento a que a lei confira eficácia de título executivo (art. 784
do CPC/2015), a execução prescindindo do processo de conhecimento, para o fim
de formação do título. Todavia, como não poderia deixar de ser, pelo princípio do
contraditório, a defesa oponível tem a dimensão/profundidade de uma contestação
(art. 917, VI).
Podemos, então, definir o Direito Processual Civil como sendo o sistema de princí-
pios e normas que regulam o funcionamento da jurisdição civil, tendo em vista o exer-
cício do direito da ação e o direito de defesa, bem como a estruturação infraconstitu-
cional dos órgãos do Poder Judiciário e seus auxiliares – exceto o que respeita à organi-
zação judiciária – e, ainda, a disciplina de todos os casos de jurisdição voluntária9-10-11 e
os métodos de solução de conflitos que extrapolem a via judicial.
12. Para uma correta diferenciação dos usos da palavra “princípio”, ver: Rafael Thomaz de Oli-
veira. Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008,
em especial p. 45 a 64. Ilustrativamente, Nelson Nery Júnior, em obra de referência sobre o
tema na doutrina brasileira, aponta as acepções utilizadas para conceituação do conteúdo
dos “princípios”: “Em virtude de estudos recentes de filosofia do direito, de teoria geral do
direito e de direito constitucional, acirrou-se a discussão a respeito dos conceitos e conteú-
dos de norma, princípio, regra, garantia e direito. Há as construções e sistematizações de
Peter Haberle, Robert Alexy, Ronald Dworkin, Carl Schmitt, José Joaquim Gomes Canotilho,
Virgílio Afonso da Silva, Friedrich Müller, Claus-Wilhelm Canaris, Karl Larenz, Josef Esser,
Niklas Luhmann, Eduardo García de Enterría, Karl Engish, Alf Ross, entre outros. Todas as
construções têm elementos positivos e elementos negativos, vantagens e desvantagens, que
podem adaptar-se ao direito positivo interno de um Estado ou não.”. (v. Princípios do processo
na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo), 12 ed. rev., ampl. e atual.,
São Paulo: RT, 2016). Ocupa lugar destacado, entre nós e fora do Brasil, a obra Teoria dos
Princípios, de Humberto Ávila, várias edições, ed. Malheiros.
13. Cf. Mancini, Commentario al Codice Sardo, vol. 2/10, em que originariamente expôs a de-
finição desses princípios. Sobre essa definição, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 1/54. São Paulo: RT, 1975; v. também nosso Tratado de direito processual
civil. São Paulo: RT, 1990, vol. 1, p. 81.
36 Manual de Direito Processual Civil
14. O CPC/2015 encampa, dessa maneira, a posição de que não existe vício no ato “extempo-
râneo”. O STJ já havia adotado esta tese (STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1067981/SC, 3.ª T., j.
23.2.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 5.3.2010), porém decidia em sentido oposto (v.g.
STJ, AgRg no Ag 1324686/PR, 5ª T., j. 3.5.2011, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
30.5.2011).
15. Sobre o direito processual adquirido, ver: Galeno Lacerda, O novo direito de processo civil
e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 20; mais recentemente: Ana Beatriz
Ferreira Rebello Pregrave, O novo código de processo civil e os processos em curso: uma
teoria sobre o direito intertemporal no processo. Kindle, 2016, disponível em https://www.
amazon.com.br/gp/aw/d/B01BYFBGSY/ref=mp_s_a_1_1?qid=1456814526&sr=8-1&pi=-
SY200_QL40&keywords=direito+intertemporal
Conceito do Direito Processual 37
do Judiciário. Ora, se o juiz se negasse a decidir, ipso facto, por omissão estariam sendo
maculados o sentido e a função da norma constitucional, que garante a plenitude de
acesso ao Judiciário.
Para o Direito material existe o chamado princípio da plenitude lógica do ordenamen-
to jurídico, que significa estarem todas as condutas da vida social submetidas à ordem
jurídica (art. 5º da CF). Justapostamente e ao lado deste princípio, precisamente para
que não ocorram lesões, ou mesmo incertezas jurídicas objetivas, que não sejam repa-
radas ou suprimidas, respectivamente, há o chamado princípio de pleno acesso ao Judi-
ciário, estampado na regra, já citada, do art. 5.º, XXXV, da CF.
No Brasil, não é possível sustentarmos que um processo administrativo impeça o
acesso ao Poder Judiciário, principalmente em face do art. 5.º, XXXV, que alude tam-
bém a ameaça a direito e em que não há o adjetivo individual, qualificando os direitos
ameaçados ou ofendidos. Este direito à apreciação do Judiciário é reforçado pelos inci-
sos LV e LIV do mesmo art. 5.º em tela.
A não obrigatoriedade do exaurimento das vias administrativas apenas é ressal-
vada quando se trata dos feitos desportivos, conforme dispõe a própria Constituição,
nos §§ 1.º e 2.º do art. 217 e, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004, quanto
aos conflitos coletivos de competência da Justiça do Trabalho (art. 114, § 2.º da, CF).16
Pensemos, ainda no âmbito do esgotamento da via administrativa, na hipótese de
um ato administrativo ilegal que potencialmente ofenderia direito líquido e certo da
parte, mas que fosse ainda passível de ser vulnerado por meio de recurso com efeito
suspensivo, sem qualquer ônus para o recorrente. Se o recurso administrativo, para ser
interposto, estiver subordinado a oneração, há claramente negativa de acesso ao Judici-
ário. Mas, assim não sendo, como no caso do Mandado de Segurança, o que se verifica
é apenas o descabimento desta medida.17
Este raciocínio não se aplica se o ato da administração for um ato omissivo (v.g., re-
cusa de entrega de certidões), pois, em casos como este, mesmo tendo, em tese, efeito
suspensivo o recurso, a lesão – se for o caso – já se estará produzindo. Neste sentido a
Súmula 429, STF: “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não
impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”. Nesse caso,
não podemos falar em efeito suspensivo útil, desde que não se suspende omissão, e,
sim, ação. Ainda que utilizado o recurso administrativo, a omissão poderá perdurar.
O que podemos asseverar é que a exigência de que se esgote a via administrativa para
que só então possamos lançar mão do direito de ação, significa uma restrição ao direito de
ação, ainda que temporária. Mais recentemente o STF decidiu que é inconstitucional a exi-
gência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo.18
De toda forma, mesmo havendo lei que determine necessidade de tal exaurimento,
e diante de caso concreto “pendente” junto à Administração, o Poder Judiciário deverá
admitir tal postulação. Criaria esta lei, se não fosse considerada inconstitucional, pres-
suposto processual negativo, conduzindo o juiz, à sentença de indeferimento liminar
da petição inicial; ou, então, se o processo já se tivesse formado, teria o magistrado de
extingui-lo, sem resolução de mérito, sob o mesmo fundamento da existência de pres-
suposto processual negativo, o que é inadimissível.
d) Finalmente, pelo princípio econômico, evidencia-se a postura do legislador no
sentido de que com o mínimo de atividade desenvolvida consiga o máximo de rendi-
mento, respeitada sempre a incolumidade do direito à ação e à defesa e, pois, em ultima
ratio, do direito material que, eventualmente, esteja subjacente. Vejam-se, como exem-
plos os dispositivos do CPC/2015 nos quais se reflete o princípio citado, a exigência de
duração razoável do processo (arts. 4º e 139, II); de simplicidade e instrumentalidade
das formas (art. 188); de não haver nulidade sem prejuízo (arts. 276 e ss).
A própria concepção do processo, como um conjunto de atos, inseridos numa sucessão
de momentos, em que estes atos devem ser praticados, é indicativa de que o princípio da eco-
nomia processual também aí encontrou guarida. Examinem-se, por exemplo, os arts. 344
e 355, II do CPC/2015. Não sendo contestada a ação, reputar-se-ão verídicos os fatos ale-
gados pelo autor, o que pode ensejar modalidade de julgamento antecipado da lide, sendo
proferida sentença. Igualmente, se não houver necessidade de produção de outras provas,
isto é, se a causa estiver suficientemente instruída (art. 355, I, do CPC/2015), haverá jul-
gamento antecipado. Isto porque a produção de novas provas, como a realização da audi-
ência de instrução e julgamento liga-se à sua possível utilidade. Estando maduro o proces-
so que carece razão de novas provas, deve a sentença ser proferida sem a sua ocorrência.
Sistema um pouco diverso ocorre com os embargos à execução que, como se sabe,
têm formalmente conteúdo de ação autônoma, mas materialmente é defesa, no sentido
de reação a um ataque – consubstanciado na própria ação de execução de título extra-
judicial. Nesse caso, se não houver resposta aos embargos por parte do credor, não há
incidência do art. 344, do CPC/2015, porque nem mesmo a revelia destrói a presunção
de legitimidade do título executivo.19
20. Em face da arbitragem, esse princípio tem contornos específicos. Para tanto, ver nosso artigo
Cláusula compromissória e compromisso arbitral: efeitos, Revista de Processo, vol. 101, São
Paulo: jan-mar/2001, p. 191-223. Encampando o nosso posicionamento, STJ, 3.ª T., REsp
712.566/RJ, j. 18.8.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 05.9.2005. Como já comentamos
em outra obra recente de nossa autoria, Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo:
RT, 2016, p. 53: “Importa notar que a redação do art. 3º do CPC/2015 propositalmente não
contrapõe a jurisdição à arbitragem. Nesse ponto, adotou o código uma posição melhor do
que a versão original do Anteprojeto do código, que dizia não ser excluída de apreciação a
lesão a direito, ‘ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral’. Ar-
bitragem aparecia, nesse sentido, como um contraponto à inafastabilidade da jurisdição, o
que não parece ser a melhor abordagem do tema. ”. E continuamos naquela oportunidade:
40 Manual de Direito Processual Civil
são ou ameaça de lesão a direito21 pode ser subtraída à apreciação do Judiciário (art. 5.º,
XXXV); ninguém pode sofrer, por exemplo, uma condenação civil sem ter tido sequer
a oportunidade de ser ouvido, pois, assim, está sendo a violada a Constituição Federal,
art. 5.º, XXXV c/c LIV e LV.
Em segundo, o de que todos são iguais perante a lei (art. 5.º, caput, e I, da CF/1988).
Inegavelmente isto implica que, no processo, as partes têm que ser tratadas com igual-
dade. Essa igualdade é estabelecida pelo legislador porque assume que os litigantes
são iguais, não havendo razão para favorecer um determinado autor em detrimento de
um determinado réu. A significação nuclear deste princípio é a de que todos os auto-
res sejam igualmente tratados (igualdade formal), o mesmo ocorrendo com todos os
réus, não implicando propriamente que o autor seja igual ao réu, com o qual concreta-
mente se defronta (igualdade substancial). A igualdade, do ponto de vista formal, até
agora considerada, prevê tratar igualmente, de um ponto de vista substancial, autor
e réu, de um mesmo processo, ensejando-se-lhes, real e concretamente, igualdade de
oportunidades.22A isonomia de tratamento, no mais, foi positivada como norma fun-
damental do processo civil pelo CPC/2015 (arts. 7º, 9º e 10, que serão vistos adiante).
Aprofundando a significação medular da igualdade, agora sob o ângulo substancial, leis
infraconstitucionais podem discriminar usando discrímen legítimo a partir da situação
concreta de desigualdade reconhecida, para determinadas categorias, procurando re-
verter a desigualdade concretamente existente. São casos em que a assumida igualdade
dos litigantes, pelo legislador, não se justifica, pela razão curial de que não são iguais.
É a situação de embate entre o “forte” e o “fraco”.
“Não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda, de
inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional; o poder-dever
do Estado remanesce, facultando-se às partes a utilização da arbitragem para os litígios pa-
trimoniais que envolvam direitos disponíveis e entre partes que sejam maiores e capazes. A
perspectiva de utilização da arbitragem, por seu caráter célere e informal, antes de reduzir,
amplia o espectro do acesso à justiça. ”
21. Se pelo texto constitucional está, no âmbito do acesso à justiça, garantida a situação de “ameaça
a lesão” (art. 5.º, XXXV), mostram-se incompatíveis com a Constituição Federal restrições a
situações de urgência. Essa é também a conclusão de Eduardo Arruda Alvim em obra dedicada
ao mandado de segurança: “Afigura-se-nos atritar com o Texto Constitucional o disposto no
art. 1º da Lei nº 8.437/92, no sentido do descabimento de medida liminar contra atos do Poder
Público em quaisquer ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que semelhante
providência não puder ser obtida via mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
Assim, também, o § 5º do art. 7º, da Lei nº 12.016/09, que estende as vedações relacionadas
com a concessão de liminares em mandado de segurança, à antecipação de tutela a que se
referem os arts. 273 e 461 do CPC. Mesmo porque, quaisquer limitações impostas por di-
plomas legais infraconstitucionais ao cabimento de liminar em mandado de segurança são,
segundo nosso entendimento, insofismavelmente inconstitucionais. Deste modo, segundo
nossa posição não é possível à lei infraconstitucional restringir as hipóteses de cabimento de
liminar em mandado de segurança”.(v. Mandado de segurança: de acordo com a lei federal
nº 12.016, de 07/08/2009, 3ª ed. ref. e atual., Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014,
p. 267-268.
22. V., a propósito, nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990, p. 106
et seq., e 114-117.
Conceito do Direito Processual 41
23. Sobre as alterações decorrentes da referida Emenda Constitucional merecem ser consultados,
com proveito, os seguintes trabalhos doutrinários: Breves comentários à nova sistemática
processual civil, de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel
Garcia Medina, 3ª ed., São Paulo: RT, 2005, em que, na primeira parte, são analisadas as
repercussões da Reforma Constitucional, em relação ao Direito Processual Civil; e Reforma
do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional 45/2004, São Paulo: RT,
2005, obra coletiva coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wam-
bier, Luiz Manoel Gomes Jr., Octávio Campos Fischer e William Santos Ferreira, em que os
variados aspectos da Reforma Constitucional são profundamente analisados.
42 Manual de Direito Processual Civil
24. STF, ADI 965-PE, Pleno, j. 03.08.1998, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 8.9.2000, p. 3.
Conceito do Direito Processual 43
é a ele que cabe controlar a medida de submissão dos poderes à Constituição Federal
(art. 5.º, XXXV, art. 102, III, a, ambos da CF/1988).25
O Poder Judiciário tem a tarefa primordial de fazer operar efeitos às leis, no bojo de
processos, quando sejam descumpridas (art. 5.º, II, da CF/1988) e a suprema missão
de garantir eficácia à Constituição. Toda e qualquer lei federal, estadual ou municipal,
que contrariar a Constituição Federal, não poderá ser aplicada pelo julgador. A decla-
ração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei federal poderá provir da
iniciativa do Presidente da República, e de todos aqueles a quem o art. 103, I a IX, da CF
atribui legitimidade para tanto, em processo autônomo e específico à obtenção de tal
declaração, ou, então, incidentemente, hipótese em que aos próprios litigantes assiste
o direito à arguição de inconstitucionalidade, como fundamento da ação ou da defesa.
Também é possível ao Supremo Tribunal Federal declarar a constitucionalidade de
ato normativo federal quando provocado pelo Presidente da República, Mesas do Sena-
do Federal ou da Câmara dos Deputados ou, ainda, pelo Procurador-Geral da Repúbli-
ca (art. 102, I, a, c/c art. 103 da CF). A tarefa do Judiciário, contudo, vai além. Também
o Poder Executivo deve viver no sistema da legalidade. Ao Poder Judiciário incumbe o
controle das atividades do Executivo: é o controle jurisdicional dos atos administrati-
vos, que existe tanto em face do Direito Constitucional, como do Direito Administra-
tivo e Processual Civil.26
25. Sobre as modernas concepções a respeito da separação de poderes, ver: Antoine Garapon.
O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 48; Edinilson Donisete Machado.
Ativismo judicial: limites institucionais democráticos e constitucionais. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2011, p. 40. Lembramos, nesse ponto, as palavras de José Afonso da Silva, com
as quais concordamos, de que o postulado da separação dos poderes é verdadeiro dogma
constitucional. Cf. o autor a separação dos poderes “tornou-se, com a Revolução Francesa,
um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a se-
paração dos poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância
para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.” (v. Curso de direito constitucional
positivo, 36ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 111).
26. V. nosso Direito processual civil – Teoria Geral do Processo de Conhecimento, vol. 1, 8.ª parte,
São Paulo: RT, 1972, p. 277 et seq.; v. ainda Thereza Alvim, O ato administrativo irrevogável
e a coisa julgada – Distinções e aspectos comuns. Revista da Procuradoria-Geral do Estado
de São Paulo II/267 et seq.
44 Manual de Direito Processual Civil
pessoal; outras vezes, entretanto, não estava. Parece não haver dúvida de que predomi-
nava um “conúbio”, isto é, a força ao lado do direito. Era uma forma “tosca” e primiti-
va da realização do direito. O que há de fundamental, marcando o perfil da autodefesa
ou autotutela do direito, nessa antiga quadra histórica, é a insuscetibilidade da revisão
ulterior da conduta pela Justiça. Quer dizer, o indivíduo agia, autodefendia-se e, com
isto, resolvia de vez aquele conflito de interesses.
Atualmente, no art. 345 do Código Penal, lê-se que ninguém pode fazer justiça pelas
próprias mãos, ainda quando destinada a satisfazer pretensões legítimas, salvo quando
a lei o permita. Assim, aquele que deseja realizar seu direito terá de se dirigir ao Poder
Judiciário. Então, como primeiro postulado neste assunto, há vedação, como regra ge-
ral, da realização da justiça pelas próprias mãos. Entretanto, quer o Direito Civil, quer,
por implicação, o Direito Processual Civil, como o Direito Penal, estabelecem algumas
derrogações, no sentido de permitirem a autodefesa em determinados casos.
Assim, ante a contingência de uma parte sofrer um dano injusto, a lei permite que se
defenda exclusivamente para evitar esse dano (v. arts. 1.210, § 1.º, parte final e 1.283 do
CC/2002), não configurando, portanto, esse comportamento, como ato ilícito (art. 188,
I, CC/2002). São casos taxativos e excepcionais, e o fundamento da permissão da au-
todefesa é a impossibilidade de acesso imediato ao Poder Judiciário e recebimento da
tutela a tempo e utilmente.
Encontramos, também no campo do Direito Penal, a excludente de ilicitude quan-
do o ato tenha sido praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de um direito (art. 23 do CP). O
que há de fundamental na legítima defesa moderna, porém – e é neste ponto que difere
da legítima defesa antiga –, é sua possível revisão pela autoridade jurisdicional, o que
se afirma, mais uma vez, com fulcro no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, neste particular,
também na esteira do direito constitucional brasileiro precedente. É possível verificar-
mos, ulteriormente, se a legítima defesa se exerceu, ou não, dentro dos limites estabe-
lecidos em lei (o sentido da palavra moderadamente, no art. 25, do CP, e ainda, o teor do
art. 1.210, § 1.º – principalmente na parte final – do Código Civil).
27. Tal diversidade é anotada pela unanimidade da doutrina, sendo indiferente a circunstância
de acatarem ou não a viabilidade de uma “teoria geral do processo” que abarque tanto o
processo civil quanto o penal – quanto ainda o administrativo. Assim, Grinover, Dinamarco
e Araujo Cintra defendem, com base na natureza igualmente una do poder estatal, sem com
isso deixarem de admitir que “a unidade fundamental do direito processual não pode levar
à falsa ideia da identidade de seus ramos distintos. Conforme a natureza da pretensão sobre
a qual incide, o processo será civil ou penal. Processo penal é aquele que apresenta, em
um dos seus polos contrastantes, uma pretensão punitiva do Estado. E civil, por seu turno,
Conceito do Direito Processual 45
Entre os diversos pontos de confluência entre as matérias, podem-se citar, por exem-
plo: a observância dos preceitos do direito processual civil quanto à prova do estado
das pessoas (art. 155, parágrafo único, do CPP) a necessidade de solução, no juízo cí-
vel, de questão prejudicial que verse sobre o estado civil das pessoas (art. 92 do CPP); a
suspensão do processo penal quando o reconhecimento da existência de infração penal
dependa de decisão sobre questão de difícil solução, diversa do estado civil, da compe-
tência do juízo cível, se neste tiver sido proposta ação para resolvê-la (art. 93 do CPP);
a regência, pelo direito processual civil, sobre o depósito e a administração de bens ar-
restados no juízo penal (art. 139 do CPP).
Outro aspecto em que se inter-relacionam o direito processual civil e o direito pro-
cessual penal diz respeito à possibilidade de transporte da prova realizada numa das es-
feras para a outra, desde que observados alguns parâmetros constitucionais e legais, a
saber: realização da prova em contraditório, entre as mesmas partes e com ampla possi-
bilidade de debates sobre a finalidade da prova no processo para o qual foi transportada,
preservando-se a liberdade de convicção do juízo que irá examiná-la.28 É possível, ain-
da, que o julgamento de ação cível guarde dependência em relação própria existência
do fato delituoso, então, a teor do art. 315 do CPC/2015, poderá o juízo cível sobrestar
o andamento do feito até que se pronuncie a justiça criminal, podendo, eventualmente
a questão ser resolvida incidentalmente (art. 315, §1º, do CPC/2015).
E, enfim, não podemos deixar de considerar as diversas disposições que assinalam a
repercussão civil da sentença penal condenatória, as quais podem ser encontradas tan-
to no Código Penal como no Código de Processo Penal e, também, no Código de Pro-
cesso Civil. É que, embora o Código Civil (art. 935) assinale, em linha de princípio, a
separação entre a esfera civil e penal, há casos em que não se pode afastar a influência
existente entre elas. Assim, por exemplo, constitui a sentença penal condenatória títu-
lo executivo judicial no juízo cível (art. 515, VI do CPC/2015), podendo o ofendido,
seu representante legal ou herdeiros promover-lhe a execução (art. 63 do CPP e art. 91,
I, do CP). Isso não impede, todavia, que, mesmo antes de proferida a sentença penal
condenatória, proceda o ofendido, o representante legal ou herdeiros ao ajuizamento
é o que não é penal e por meio do qual se resolvem conflitos regulados não só pelo direito
privado, como também pelo direito constitucional, administrativo, tributário, trabalhista
etc”. (Teoria geral do processo, pp. 54-55). Já Rogério Lauria Tucci defende a completa se-
paração entre direito processual civil e direito processual penal, tendo em vista a existência
de traços característicos que determinam a autonomia deste, determinando, na visão do
autor, a necessidade de reconhecimento de “autonomia e dignidade científica do Direito
Processual Penal” (Teoria geral do processo penal, pp. 32-51 e 53 s.). Mais modernamente
tratando do tema: Fredie Didier Jr., na obra Sobre a teoria geral do processo, essa desconhe-
cida. Salvador: Jus Podivm, 2012.
28. Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito processual, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1990, p. 1-16 e Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e
tributário, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 78 e ss. Esse último autor faz interessante abor-
dagem acerca da possibilidade de transporte, para o juízo cível, de provas invasivas da esfera
íntima e privada dos indivíduos realizadas excepcionalmente no processo penal mediante
autorização judicial, conforme previsão de leis processuais penais.
46 Manual de Direito Processual Civil
da ação cível para ressarcimento do dano, nos termos do art. 64, caput, do CPP, poden-
do o juiz, proposta a ação penal, suspender o andamento da ação cível até o julgamento
definitivo daquela (art. 64, Parágrafo único, do CPP).
Quanto à sentença absolutória, tendo em vista a separação das esferas civil e pe-
nal (art. 935 do Código Civil vigente), a coisa julgada por ela formada somente vin-
culará o juízo cível quando estiver comprovada a inexistência do fato (art. 386, I, do
CPP) ou que o réu não tenha concorrido para a prática da infração penal (art. 386,
IV, do CPP).29
Por outro lado, não tendo sido categoricamente reconhecida a inexistência material
do fato ou da autoria pela sentença absolutória, não se impedirá a propositura de ação
civil (art. 66 c/c 386, I e IV, do CPP). Também não impedirão a propositura da ação civil
o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; a decisão que
julgar extinta a punibilidade; a sentença absolutória que decidir que o fato imputado
não constitui crime (art. 67, incisos I a III, do CPP).
29. “A sentença penal absolutória, tanto no caso em que fundamentada na falta de provas para a
condenação quanto na hipótese em que ainda não tenha transitado em julgado, não vincula
o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato. O art. 935 do CC
consagra, de um lado, a independência entre a jurisdição cível e a penal; de outro, dispõe
que não se pode mais questionar a existência do fato, ou sua autoria, quando a questão se
encontrar decidida no juízo criminal. Dessa forma, tratou o legislador de estabelecer a exis-
tência de uma autonomia relativa entre essas esferas. Essa relativização da independência
de jurisdições se justifica em virtude de o direito penal incorporar exigência probatória mais
rígida para a solução das questões submetidas a seus ditames, sobretudo em decorrência
do princípio da presunção de inocência. O direito civil, por sua vez, parte de pressupostos
diversos. Neste, autoriza-se que, com o reconhecimento de culpa, ainda que levíssima, possa-
se conduzir à responsabilização do agente e, consequentemente, ao dever de indenizar. O
juízo cível é, portanto, menos rigoroso do que o criminal no que concerne aos pressupostos
da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes
em ambas as esferas. Além disso, somente as questões decididas definitivamente no juízo
criminal podem irradiar efeito vinculante no juízo cível. Nesse contexto, pode-se afirmar,
conforme interpretação do art. 935 do CC, que a ação em que se discute a reparação civil
somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória fundamentar-se,
em definitivo, na inexistência do fato ou na negativa de autoria”. (STJ, REsp 1.164.236-MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.2.2013).
Conceito do Direito Processual 47
30. V.Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 12/79, São Paulo: RT,
1982, comentários ao art. 1.111.
31. V.Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 29ª ed., n. 5, São Paulo: RT, 2004,
p. 42. V. também, expressamente o art. 15 do CPC/2015.
32. V. Eduardo Arruda Alvim, Mandado de segurança: de acordo com a lei federal nº 12.016,
de 07/08/2009, 3ª ed. ref. e atual., Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2014, pp. 211-212.
33. “O tratamento que o novo Código deu a jurisprudência (arts. 926 a 928) também tem grande
importância no processo administrativo. Se, por um lado, já havia previsões da obrigato-
riedade da administração pública em observar os julgados no controle concentrado de
inconstitucionalidade (art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868), nas previsões das súmulas
vinculantes (art. 2. º da Lei 11.417/2006) e nas decisões interativas dos Tribunais (arts. 4. º,
XII e 43, da LC 73/1993, c/c com o art. 4.º, da Lei 9.469/1997), deverá, também, observar,
ao menos de forma persuasiva, as decisões resultantes do julgamento de recursos repetitivos
e do incidente de resolução de demandas repetitivas, ambos previstos na novel legislação
adjetiva civil.” (Teresa Arruda Alvim Wambier et. al., Breves Comentários ao Novo Código
de Processo Civil, 2.ed., rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 110).
34. É o que dispõe o art. 2.º da Lei 9.784/1999 (regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal), ao enunciar diversos princípios a que se submete a adminis-
tração federal, e, dentre esses os de que cogitamos, verbis: “Art. 2.º A Administração Pública
obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse
público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de: I – atuação conforme a lei e o Direito (...)”.
48 Manual de Direito Processual Civil
35. Trata-se de uma tendência verificável nos países de tradição romanística, que consiste no
afastamento do modelo francês e a aproximação do modelo italiano, que consiste no esta-
Conceito do Direito Processual 49
A nova Lei de Falências, tal como a Lei revogada, tem dupla natureza: traz, de um
lado, normas de direito processual (ao dispor sobre a condução das falências e a recupe-
ração de empresas) e, de outro, regras de direito substancial (v.g., ao enunciar as hipó-
teses e condições em que as pessoas e sociedades estariam a merecer a tutela do Estado,
no sentido de promover e auxiliar na recuperação das mesmas).
1. Oskar Von Bülow, Excepciones procesales y presupuestos procesales, trad. argentina, Buenos
Aires: Juridicas Europa-America, 1964.
52 Manual de Direito Processual Civil
2. Cf. Cuenca, Processo civil romano, Buenos Aires: EJEA, 1957, n. 33, p. 39; especialmente
n. 179, p. 189. Confirma a criatividade da sentença, no Direito romano, Pietro Bonfante,
Istituzioni di diritto romano, § 7.º, p. 23, com afirmação a propósito do direito justiniano (v.
tb. § 1.º, p. 1); do mesmo autor, especialmente, a propósito da figura do pretor e a renovação/
criação do Direito, Bonfante, Storia del diritto romano, 5ª ed., Milano, 1912, vol. 1, cap. XV,
3, p. 263. Cons., por todos, Moreira Alves, Direito romano, Rio de Janeiro: Forense, 2000,
cap. XVIII, n. 123 et seq., p. 234 et seq.; v. tb. Max Käser, Das Römische Zivilprozeßrecht [O
Processo Civil Romano], München: Beck, 1966, I, §§ 3.º, p. 17 et seq., e, de um modo geral,
toda a obra. Nestas duas últimas obras encontra-se um panorama completo do processo
romano.
3. Cf. Correia e G. Sciascia, Manual de direito romano, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1953, § 40,
p. 93.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 53
4. Cf. Cuenca, op. cit., n. 46, p. 53 (sobre o pretor, v. nota 46, retro).
54 Manual de Direito Processual Civil
do provar aquele que tivesse feito a alegação – ei qui dicit.5 Reconhecia-se ao réu o di-
reito à contraprova.
A sentença era uma decorrência da aplicação do direito aos fatos provados à luz das
provas apresentadas,6 e a valoração a estas atribuídas era eminentemente racional. A
sentença afetava tão somente as partes – facit jus inter partes.7 No CPC/2015 essa regra
está no art. 506, que se refere exclusivamente a que a sentença não prejudicará tercei-
ros, modificado o art. 472 do CPC/1973, que se referia a que a sentença não beneficia-
ria nem prejudicaria terceiros.
Esta fase do processo romano já não era predominantemente oral, e o processo pas-
sou a ser visto também como um veículo de realização do direito material (res in judi-
cium deducta).
5. É considerável a similitude entre as linhas gerais de tal fase do processo romano e os sistemas
atuais, no que diz com o Direito brasileiro; v., sobre o ônus da prova, art. 373 do CPC/2015.
6. Arts. 370, e 489, II, do CPC/2015.
7. Art. 506 do CPC/2015.
8. Sobre o significado de prova legal, ver: Carlo Furno, Teoría de la prueba legal, Madrid: Revista
de Derecho Privado, 1954, p. 6 et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 55
presentantes do rei, os missi domini, tinham poder jurisdicional superior a toda a ma-
gistratura, colocados no mais alto patamar da sua hierarquia (774 a 900).
Na “fase feudal” (900 a 1100), coincidente com a estrutura político-jurídica do feu-
dalismo na Europa, houve um retrocesso em relação ao processo de tipo “franco”, que
era unitário, marcado pelas virtudes decorrentes da unificação política do Império Caro-
língio, que findou no ano 900. Com a atomização do poder político e a paralela divisão
da soberania, a mesma coisa ocorreu com o poder jurisdicional. Constatou-se acentu-
ada decadência dos institutos jurídicos. Refloresceu o duelo como forma de solução de
contendas. Verificou-se, com indesejável incidência, perjúrios e falsos juramentos, o
que desacreditou a prova testemunhal e o juramento. Decadente a jurisdição civil leiga,
atrofiou-se o seu âmbito e, proporcionalmente, aumentou o da jurisdição eclesiástica.
9. Consultar Friedrich Lent, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], 12. ed., § 100, p. 274-
275. Mais recentemente, cf. Othmar Jauernig, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil],
19. ed., § 99, p. 309-310, 1981.
56 Manual de Direito Processual Civil
10. Cf. Lent, Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], 12ª ed. München-Berlin: 1965, p. 274-275,
sobre este assunto, Der Gemeine Prozeß [O processo comum], e Jauernig, Zivilprozeßrech
[Direito processual civil], München: CH Beck, 19ª ed., § 100, p. 310-311.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 57
da eventualidade (ou seja, o princípio segundo o qual todas as alegações hão de ser feitas
de uma vez só, sob pena de preclusão, isto é, sob pena de não mais poderem ser feitas).
O processo saxão inspirou-se, no entanto, em princípios diversos, sintetizados em
uma ordenança (Kursächsische Gerischtsordnung) do ano de 1622, que, de certa forma,
implicou avanço em relação à fase anterior. Dividia-se o procedimento em duas fases,
destinadas às alegações e às provas. O juramento ganhou singular prestígio, quando de-
ferido de uma parte à outra. Adotou-se, ademais, o princípio da eventualidade.
Duas ordenações alemãs ainda devem ser mencionadas: a ordenação saxônica de
1735 e a bárbara de 1753. Singularidades dignas de referência são as seguintes: a) a de-
manda apoiava-se sobre fatos e alegações; b) o réu tinha que apresentar sua defesa den-
tro de certo prazo; c) a sentença era proferida com base na prova colhida; d) o sistema
probatório, todavia, era o da prova legal, graduada, isto é, da prova que tem seu valor
previamente determinado em lei e cuja determinação vincula o julgador (princípio di-
ferente do livre convencimento, em que a margem de liberdade de valoração da prova é
ampla, princípio este aceito contemporaneamente, salvo poucas exceções expressas);
e) previam-se recursos.
O panorama da legislação prussiana corporificou-se no Corpus Juris Friedericia-
num, de 1781, e na Ordenança Geral sobre os Tribunais, de 1793. Suas características
fundamentais eram as seguintes: a) o domínio do juiz sobre o processo era praticamen-
te absoluto, adotado que foi o princípio inquisitório; b) como decorrência da adoção
deste princípio havia a fortíssima ingerência do magistrado na formação do material
probatório; c) as partes eram interrogadas pelo juiz; d) a representação das partes em
juízo não se fazia pelos advogados, mas por funcionários do governo, com esta função
específica; e) eliminou-se o princípio da eventualidade. No entanto, este sistema, con-
trastante com o restante de toda a evolução europeia, de índole liberal (pelo menos po-
tencialmente), pouco durou.
O Dec. 763, de setembro de 1890, estabelecia que o Brasil continuaria sendo regido,
quer em matéria civil, quer comercial, pelo Regulamento 737, enquanto cada um dos
Estados não baixasse o seu Código de Processo Civil próprio.
A partir de 1905, iniciou-se o movimento de codificações estaduais, sendo o Estado
do Pará o primeiro a baixar seu estatuto de processo civil, sem ser um código, porém. A
partir dessa data, vários Estados baixaram suas leis processuais, exceto o de Goiás. São
Paulo foi um dos últimos a promulgar a sua lei processual civil (1930).11 Dessa época,
merecem destaque, como bons códigos, o da Bahia – o melhor deles –, o de São Paulo,
o do Rio Grande do Sul e, ainda, o do Distrito Federal.
11. Uma resenha dos Códigos Estaduais pode ser encontrada em Teresa Celina de Arruda Alvim
Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, 4ª ed., São Paulo: 2005, n.1.1.
60 Manual de Direito Processual Civil
12. Sobre o tema, consultar a Revista de Processo, n. 1/13 et seq., em que está publicado o
Parecer da Comissão Revisora sobre o Anteprojeto de Código de Processo Civil de 1973.
13. Consultar nosso estudo Dogmática jurídica e o novo Código de Processo Civil, na Revista
de Processo [RePro] n. 1, pp. 85, jan.-mar. 1976, et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 61
va tutela dos direitos, ao lado de simplificação geral, tudo sem quebra do sistema então
vigente. Em certa escala, o Anteprojeto serviu de inspiração às modificações que se fi-
zeram no sistema processual, as quais procuraram agilizar o processo, eliminando-lhe
pontos de estrangulamento, como disse, com propriedade, o Min. Sálvio de Figueiredo.14
Interessante alteração da Lei 11.232/2005, que vale ser mencionada, é o acréscimo
de um parágrafo único ao art. 741 do CPC/1973, admitindo que em embargos do de-
vedor, na execução contra a Fazenda Pública, houvesse insurgência contra a decisão
(transitada em julgado) baseada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo
STF ou, ainda, em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Consti-
tuição Federal. Norma com conteúdo idêntico consta do § 1.º do art. 475-L, que trata
da impugnação, à execução de sentença, realizada sob o procedimento dos arts. 475-J
e ss., todos do CPC/1973.15
Grande parte das alterações legislativas citadas, em especial dos anos 2000 em dian-
te, foram inspiradas na mesma filosofia das minirreformas do Código que foram reali-
zadas na década de 90, com a identificação dos pontos de estrangulamento e apresen-
tação de soluções, com vistas a um processo mais efetivo.16
14. Fazendo, de certa forma, uma comparação entre o Anteprojeto de 1985 e as leis acima
referidas, v., com proveito, Sérgio Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil, Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.
15. Sobre a defesa do executado com base na inconstitucionalidade da lei em que se baseia a
sentença exequenda, ver Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma
da coisa julgada – Hipóteses de relativização, São Paulo: RT, 2003, n. 2.3.3, p. e 72 ss.
16. Sobre estas reformas, encontramos excelentes obras, de obrigatória consulta, dentre as quais
vale referir a de Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia
Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, São Paulo: RT, 2005, e a
de William dos Santos Ferreira, Aspectos práticos e polêmicos da segunda etapa da refor-
ma processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002. Consulte-se, ainda, sobre esse mesmo
assunto, José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova reforma do CPC; Cândido Rangel
Dinamarco, A reforma da reforma, São Paulo: Malheiros, 2002; e Joel Dias Figueira Júnior,
Comentários à novíssima reforma do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002.
62 Manual de Direito Processual Civil
Apesar de o processo constituir uma disciplina autônoma nos dias de hoje, mercê
da evolução por que passou, ainda assim convive ele com o direito material, porque
tem, em certo sentido, natureza instrumental, destinada à tutela do direito substancial.
A convivência do processo com o direito material e, consequentemente, a influên-
cia deste sobre aquele, no século XIX, antes da revisão de conceitos por que passou, era
muito grande. O Direito Processual era classificado como mero compartimento do Di-
reito Civil, não passando de uma projeção deste.17
Nessa época, o processo vivia vergado ao peso do civilismo avassalador. O próprio
processo e sua dinâmica eram disciplinados por princípios de Direito Civil, quando,
cientificamente, hoje se entende que o processo, em si mesmo, deve ter seus próprios
princípios, que respondem aos fins propostos pelo legislador, de caráter eminentemente
público. A renovação conceitual, no âmbito do Direito Processual Civil, é que provocou
integral revisão dogmática, podendo, a rigor, ser dito que, na realidade, essa renovação
é que criou a dogmática processual, que antes era praticamente inexistente. Como con-
sequência disso, salientemos desde logo, ficou plenamente evidenciada a autonomia
deste ramo do Direito, enquanto disciplina autônoma.
Antes desta fase, era inevitável a predominância de um método acentuadamente
descritivo dos fenômenos judiciários, que se contentava com a contemplação dos usos
e praxes observados em juízo, sem uma preocupação de se identificar, por exemplo,
em que consistia o processo e a que regras haveria de se submeter para atingir o seu fim
(fins). O Direito Processual Civil, por conseguinte, era tido como o próprio Direito Pri-
vado, numa posição projetada em juízo.
A concepção de ação, àquela época, era a que identificava, apesar de leves discor-
dâncias entre os autores, o direito e a ação como expressões de uma única realidade.
Ora, a ação é o núcleo do processo; é em decorrência dela que este se formava e se forma.
Se ação e direito eram a mesma coisa, fatalmente, mercê desta premissa, tinha o processo
que ficar confinado a mero compartimento do Direito Privado. A ação era informada, acen-
tuadamente, por princípios de Direito Privado, porquanto era vista como se não passasse
de uma modificação exterior do direito subjetivo que, por seu intermédio, se fazia valer.
17. Planiol, Traité élementaire de droit civil, 6ª ed. Imprenta: Paris, Libr. Générale de Droit et de
Jurisprudence, 1911, vol. 1, n. 26, p. 10.
18. Cf. Enrico Tullio Liebman, L’azione nella teoria del processo civile, Problemi del processo
civile. Nápoles: Morano Editore, 1962, Chiovenda, Saggi di diritto processuale civile, vol. 1,
Milano: Giuffrè, 1993, p. 3 et seq., trabalho intitulado L’azione nel sistema dei diritti (ensaio
do ano de 1903).
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 63
to Processual Civil –, em que sintetiza seu pensamento, coloca a ação como instituto já
processualmente configurado, afirmando-a independente do direito que ela se destina
a fazer valer (apesar de, ainda e de certo modo, permanecer ligado a ideias civilísticas).
A evolução do processo, com vistas à sua separação do direito material, para tornar-se
uma disciplina com foros de cientificidade, conduziu à chamada autonomia da ação, que
acabou desembocando na denominada teoria abstrata do direito de ação, assumida pelo
nosso Código de Processo Civil, à luz da formulação final de Enrico Tullio Liebman. O
que se pode dizer é que essa posição do direito de ação, que abstrai, ou mais precisamente,
que pretende abstrair o direito material, considerando-o, apenas, como hipótese possível,
com o que a ação é admissível, contribuiu para manter, na sombra, um possível floresci-
mento maior das tutelas diferenciadas. O contexto em que se construiu a figura da ação
foi o de dotá-la de uma amplitude que ocupou o espaço todo do processo de conhecimen-
to, sem maiores peculiaridades que se afeiçoassem aos processos sumários, admitindo-se
apenas se classificassem as ações pelos efeitos declaratório, constitutivo e condenatório.
O novo código, por sua vez, situa a disciplina das medidas cautelares e antecipató-
rias no âmbito das tutelas de urgência e de evidência (arts. 294/311), eliminando, assim,
as ações cautelares. Com isso, as medidas cautelares e antecipatórias passam a integrar,
em grande parte, modalidades de tutela concedida no bojo das ações de conhecimento.
19. A tutela ressarcitória, que predominou largamente em todos os sistemas jurídicos, histori-
camente, pode ser explicada pela extensão reconhecida à vontade, por exemplo, nos casos
das obrigações de fazer e de não fazer, quando, ainda que em face de um ilícito, entendia-se
inviável coação pecuniária e psicológica sobre o devedor recalcitrante (diferentemente do
que se passa, atualmente, com as cominações de fazer, não fazer, e entregar coisa certa),
e tal ilícito era redutível ou se convertia sempre em perdas e danos. Isto porque a coação
pessoal era inaceitável (nemo ad factum potest cogi).
20. Rudolf von Ihering, na sua obra Der Kampf um’s Recht [A luta pelo direito], 4. ed., Viena:
Manz’sche, 1900, abordando uma das muitas implicações do direito romano, na Idade
Contemporânea, escreveu: “Wenn ich dasselbe in wenig Worte zusammendrängen soll, so
setzte ich den eingenartigen Charakter der gesammten Geschichte und Geltung des moder-
nen römischen Rechts in das eigenhümtliche, durch die Verhältnisse selber allerginds bis zu
einem gewissen Grade nothwendig gemachte Übergewicht der blossen Gelehnrsamkeit, über
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 65
partida para a autonomia do processo, tal como hoje entendida, e informa todo orga-
nismo processual, tal como consta nos Códigos modernos, principalmente a partir dos
Códigos de Processo Civil alemão e austríaco.
alle jene Factoren, wleche sont die Gestaltung und Entwicklung des Rechts bestimmen: das
nationale Rechtsgefühl, die Praxis, die Gesetzgebung” (edição bilíngue, Rio de Janeiro: Rio,
1978). Ou, no vernáculo, dessa edição: “Para resumir direi que a característica específica
da história e do conteúdo do direito romano moderno reside no predomínio singular, mas
até certo ponto determinado pelas circunstâncias, da simples erudição sobre os fatos que
via de regra determinam a evolução e a configuração do direito: o sentimento nacional da
justiça, a prática, a legislação” (op. cit., p. 84).
21. Alfredo Buzaid, Exposição de motivos ao Código de Processo Civil, Diário do Congresso
Nacional, p. 4.
22. Neste sentido, o entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque: “A ciência processual
foi construída visando à concepção de um instrumento apto a alcançar determinados ob-
jetivos. Como é natural em toda evolução, houve distorções que perduram até hoje. Urge
eliminá-las. Na medida em que, segundo se diz, ‘pretensão e água benta não fazem mal a
66 Manual de Direito Processual Civil
ninguém’, apresenta-se agora mais uma tentativa, fruto de reflexões teóricas e da experiên-
cia concreta – dois elementos essenciais a qualquer construção que pretenda representar
efetiva contribuição ao desenvolvimento do direito processual. Se o processo tem natureza
pública, especialmente porque visa a alcançar objetivos de interesse público, importante
encontrar meios aptos a permitir que a relação processual desenvolva-se da maneira mais
adequada possível, possibilitando que o resultado seja obtido de forma rápida, segura e
efetiva. Para tanto, a eliminação de formalidades inúteis constitui dado a ser levado em
conta pelo legislador na regulamentação da técnica processual” (Efetividade do processo
e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).
23. Na verdade, a problemática contemporânea consiste em tentar equacionar os grandes as-
pectos referentes, principalmente, àquilo que, há menos de um século, em obra célebre, se
designou como sendo a ascensão (rebelião) das massas – v. Ortega y Gasset, La rebelión de
las masas, cap. I, p. 49, e em diversas outras obras, deste mesmo autor, dado que essa obra
e outras compõem uma parte central do pensamento do autor espanhol.
24. Já se disse, com razão, que nenhum aspecto ou ponto do direito contemporâneo encontra-se
imune a críticas – v. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Access to justice: the newest wave
in the worldwide movement to make rights effective [A mais recente onda no movimento
mundial para tornar efetivos os direitos], Buffalo Law Review, vol. 27, n. 2 e separata, p. 181;
este mesmo relatório antecede a obra coordenada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth,
Access to justice – A world survey [Acesso à justiça – Uma visão mundial], vol. 1, p. 1 e
separata. Estes temas são retomados na obra de Mauro Cappelletti, The judicial process in
comparative perspective [O processo judicial numa perspectiva comparativa], parte III, II,
letra b, sob ns. 1/5, p. 239 et seq.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 67
sua contextura e o seu funcionamento (e como este deixou de ser satisfatório), o que se
justifica, tanto mais porque, ainda hoje, é o processo clássico o referencial permanente
do discurso sobre as mutações contemporâneas.
Para que bem possamos compreender esse sistema, tenhamos presentes as suas
grandes linhas.
A estrutura do sistema brasileiro previsto no CPC/1973, filiado ao continental eu-
ropeu, era modelada inicialmente em três segmentos: a) conhecimento; b) execução e
c) cautelar. Esta estrutura foi baseada em um sistema formado a contar do último quar-
tel do século XIX até, aproximadamente, o término da 2.ª Guerra Mundial, cuja preo-
cupação nuclear foi a de traçar o perfil dos institutos ou categorias jurídicas e idealizar
seu funcionamento harmônico e articulado. Trata-se de um conjunto de preocupações
às quais a ideia de instrumentalidade era apreciavelmente estranha. A forma de execução
praticamente predominante era a da tutela ressarcitória, o que equivale dizer quase sem-
pre execução por quantia certa, especialmente nas obrigações de fazer e não fazer, que,
inadimplidas, se convertiam em perdas e danos. Essa tutela ressarcitória encontrou no
art. 1.142 do CC francês o seu texto fundamental, que informou o sistema de outros
países, o qual dispõe: “Toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e da-
nos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (nemo ad factum potest cogi),
com o que também as obrigações de fazer e de não fazer eram, praticamente, sempre
conversíveis em pecúnia.
O que deve ser remarcado é que o processo civil baseado no modelo europeu aci-
ma indicado, repousava na tônica da condenação à qual se seguia execução consistente
em tutela ressarcitória. A execução prescindia da vontade do executado, sendo reali-
zada por sub-rogação (Chiovenda, Calamandrei, Carnelutti), ao lado da tipicidade dos
meios executivos.25
Atentemos para o papel inanimado do juiz, característica marcante deste sistema-
-modelo, tem origem na desconfiança em relação ao papel dos juízes no Ancien Régime,
de tal forma que haveria de prevalecer a letra da lei. Devemos ainda ter presente que,
paralelamente à evolução dessa fase, de forma congruente, pela posição da sociedade
em relação aos juízes, admitia-se apenas a interpretação literal (1840/1880) com o que
se objetivava jugular os juízes à letra da lei. Somente perto do fim do século XIX (1880)
passou-se a admitir a interpretação sociológica.26 Acentue-se a latere que, dentro dessa
visão da atividade jurisdicional, era inconcebível o reconhecimento ao juiz de um po-
25. Sobre a tipicidade e a atipicidade dos meios executivos, ver José Miguel Garcia Medina,
Execução civil – Teoria geral; princípios fundamentais, p. 396 e ss., com indicação de farta
bibliografia.
26. Foi somente na altura de 1880 que se falou, pela primeira vez, em interpretação teleológica
(Binding, penalista, Wach, processualista e Kohler, civilista), com o que a hermenêutica veio
a reconhecer mais espaço interpretativo ao juiz. Foram três juristas alemães que abriram
esse idêntico caminho, em época em que o prestígio da Alemanha veio a sobrepujar o da
França.
68 Manual de Direito Processual Civil
der cautelar geral. Mas, na fase liminar do século XX, devemos lembrar o pensamento
de Chiovenda, que pretendia válido já para a época, i.e., para o Código de Processo Ci-
vil italiano de 1865, extraído das medidas cautelares tipificadas, à luz do denominador
comum que nessas se continha, a existência de um poder cautelar geral. Conquanto
vencida sua opinião, ela se projetou para o futuro.27
O que deve ser sublinhado, ainda, é que a reação, talvez a mais expressiva, a este
sistema ocorreu na França, através das astreintes, o que configurou paradoxal pionei-
rismo (por causa do art. 1.142, do Code Civil) ou uma alteração nos rumos, originaria-
mente decorrente esse novo caminho de construção pretoriana pura (sem lei), ulterior-
mente consagradas pela Lei 72-626, de 14.07.1972, e, atualmente, pela Lei 91-650,
de 09.07.1991. A princípio, as astreintes abrigavam-se debaixo da regra do art. 1.142
do CC francês, vale dizer, submetiam-se ao quantum das perdas e danos, mas, suces-
sivamente, passaram a ter autonomia, i.e., a multa nada tinha mais a ver com perdas
e danos. 28
As funções realizáveis por cada segmento processual (conhecimento, execução e
cautelar) eram rigidamente distintas e estanques. A função de cognição tinha por fim
a declaração do direito; a cautelar, única e exclusivamente, produzir um efeito assecu-
ratório da possibilidade de realização prática ulterior, quando da procedência da ação,
o que excluía que se pudesse, cautelarmente, produzir um efeito idêntico àquele suscetível
de ser produzido pela procedência da ação.29 Não havia possibilidade de execução/reali-
zação do direito, sobreposta ou simultaneamente à fase ou no âmbito da fase de conheci-
mento; por isso que nem o era em segmento paralelo, mas contemporâneo ao desenro-
lar do conhecimento. Esta impossibilidade é que marcou as cautelares atípicas ou satis-
fativas, consideradas quase como uma anomalia. A realização do direito ou a execução,
27. Como ideia geral, asseverou Chiovenda que “il processo deve dare per quanto possibile
praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto de conseguire”
(Cf. Chiovenda, Dell’azione nascente dal contrato preliminare, Riv. Dir. Comm., 1911 e em
Saggi di diritto processuale civile, Roma, 1930, vol. 1, p. 110) e especificamente quanto à
sua opinião em relação ao poder cautelar geral, concluía: “Esiste dunque anche nella nostra
legge la figura generale del provvedimento provvisorio cautelare; è rimesso completamente
al giudice di stabilirne l’opportunità e la natura” (cf. Chiovenda, Istituzioni di diritto proces-
suale civile, Nápoles, 1935, vol. 1, p. 242).
28. No Brasil, nota-se a redação do art. 461, do CPC/73, atualmente presente no art. 497 do
CPC/2015. Essa modificação – originalmente trazida pela Lei 8.952/1994 – fez com que se
falasse em modificações do direito material por meio do processo, o que, todavia, se não
vale ou é verdadeiro no plano dogmático ou de vigência das leis, é verdadeiro no plano
pragmático.
29. Neste contexto é que é compreensível a existência, cada vez mais frequente, a contar de
umas décadas a esta parte, do que se convencionou chamar de cautelares satisfativas ou
atípicas. Designavam-se satisfativas porque não se podia cogitar de que uma medida cau-
telar, normalmente, pudesse ser satisfativa, função exclusivamente possível no processo de
execução; e diziam-se também atípicas, significando-se que, se houvesse satisfação, mercê
de uma medida cautelar, isto havia de ser tido como atípico. Cautelar satisfativa é expressão
em que o adjetivo praticamente colide com o substantivo cautelar.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 69
30. A evolução que pode ser percebida, no direito luso e no brasileiro, foi a da compactação do
procedimento, com vistas a chegar-se a uma sentença mais rapidamente. Assim no despacho
saneador do Código de Processo Civil de Portugal, de 1939 (art. 514), de onde resultava até
a possibilidade de decisão da causa; congruentemente com essa tendência, no Código de
Processo Civil de 1939 (art. 294) tivemos o nosso despacho saneador, que evoluiu, depois
para o julgamento antecipado. Se a sentença de mérito podia ser proferida com maior
rapidez, sem lesão ao princípio do contraditório, o recurso que cabia tinha sempre efeito
suspensivo, o que afastava a possibilidade de produção de efeitos.
31. As condições de assistência judiciária gratuita no Brasil são semelhantes, por exemplo, ao
que ocorre na Alemanha (Birkl, Prozeßkostenhilfe Beratungshilfe Kommentar mit Einführung
und Gesetzestexten [Ajuda para as custas do litígio e auxílio de aconselhamento], Munique,
2. ed., A, 1, b, p. 14). Para uma análise mais ampla e compreensiva deste assunto, v. Mauro
Cappelletti, Proceso, ideologias, sociedad, Buenos Aires, 1974 (trad. arg. de S. Sentís Melendo
e Tomás A. Banzaf), seção 2.ª, p. 131-215.
32. Já na Lei 7.244/1984, ao lado da sumariedade, do informalismo e da oralidade, assentava-
se o procedimento nas tentativas de conciliação e, somente se inócuo se evidenciasse este
meio é que se deveria passar à atividade jurisdicional, intrinsecamente estatal (arts. 6.º e
7.º). Este ponto foi mantido na Lei 9.099/1995.
70 Manual de Direito Processual Civil
33. Quanto às ações coletivas em relação às individuais, regidas pelo CPC, há que se considerar
algumas diferenças: o rol de legitimados para tais ações é diferenciado, nada tendo a ver com
a disciplina da legitimidade clássica; compativelmente com essa legitimidade, a coisa julgada
é erga omnes, com vistas a beneficiar, e não a inibir, ulterior ação individual, ainda que impro-
cedente aquela; se improcedente a ação coletiva, por falta de prova, havendo nova prova,
a própria ação coletiva com a mesma causa petendi pode ser reproposta, o que evidencia o
valor atribuído pelo legislador aos bens protegíveis por tais ações, ou seja, só diante do ilícito
“cabalmente” não comprovado é que haverá improcedência, sem ser por carência de provas
e, pois, sem a ulterior possibilidade de repropositura de outra ação coletiva, mas, ainda aqui,
não inibidas ações individuais ulteriores; as ações coletivas podem abarcar grande número
de eventuais beneficiários, o que contribui para a diminuição – em certa escala – do número
de processos; de outra parte, e, de certa forma inversamente ao que se acabou de afirmar,
são ações, as coletivas, que levam processos ao Judiciário, não passíveis de ser instaurados
antes da existência daquelas, vale dizer, aumentaram o acesso à Justiça
34. As ações coletivas vieram a criar um sistema coletivo, paralelo ao do Código de Processo
Civil, com vistas à proteção de determinados bens, nominalmente indicados. Essas ações
coletivas nasceram acopladas a uma forte proteção do direito material (proteção penal es-
pecífica e com a responsabilidade civil agravada, e, no Código de Defesa do Consumidor,
forte proteção contratual e de direito administrativo), e, no plano do processo, já nasceram
com a preocupação da cautelaridade e da possibilidade de tutela liminar do direito, o que
significa, praticamente, que nasceu tal sistema voltado para a finalidade de realização da
tutela específica, ficando em último plano o caminho da tutela ressarcitória.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 71
35. Sobre o tema, ver: Mauro Cappelletti e J. A. Jolowicz, Public interest parties and the active
role of the judge in civil litigation [Partes no interesse público e o papel ativo do juiz no litígio],
Milão, Giuffrè, 1975.
36. Nos Estados Unidos, já no final dos anos 1940 passaram a legislação e a doutrina a se preo-
cupar com estas questões (Mary Kay Kane, Civil Procedure [Processo Civil], cap. VIII, p. 253
et seq., St. Paul., Minn., 1985; Harold Koch, Kollektiver Rechtsschutz im Zivilprozeß (Die
class action des amerikanischen Rechts und deutsche Reformprobleme) [(As ações de classe
do direito norte-americano e o problema da reforma alemã)], Introdução, p. 9, Frankfurt
am Main, 1976). Mais recentemente, também no Brasil as inquietações foram assimiladas
pela comunidade jurídica. Ver, por todos: Rodolfo de Camargo Mancuso. Acesso à Justiça:
condicionantes legítimas e ilegítimas, 2º ed. São Paulo: RT, 2015.
37. A repercussão dos efeitos colaterais de um capitalismo sem barreiras gerou problemas ex-
tremamente sérios, mercê dos segmentos imensos da sociedade, que foram injustiçados. A
reação se fez produzir, tanto no campo do processo, mas, primariamente, através de proteção
do direito material. O Prof. Hein Kötz, nos seus comentários sobre as Normas Gerais de
Contratação [alemã], observa que essas normas, representadas pela lei de 09.12.1976, são
uma decorrência da Revolução Industrial – cf. Hein Kötz, Münchener Kommentar zum Bür-
gerlichen Gesetzbuch [Comentário de Munique ao Código Civil (alemão)], vol. 1, p. 1.616,
Munique, 1984.
38. V., a respeito, Karl Larenz, Bürgerliches Gesetzbuch, Einführung [Código Civil (alemão) –
Introdução], 29. Ed. Munique: CH Beck’sche, p. 12 et seq., item III, onde, entre outros as-
pectos, considera a posição do consumidor (p. 13) em face das emergidas forças do mercado
e do poder dos empreendedores, a demandar formas especiais de defesa. Também Jacques
Ghestin, no seu Traité de droit civil, vol. 2, p. 483 et seq., Paris, 1980, aborda o tema das
cláusulas abusivas; ver também: Jean Carbonnier Droit civil, 12. ed., p. 138, Paris, 1985;
Eike von Hippel. Der Schutz des Schwächeren [A defesa dos fracos], Tübingen, 1982; John
D. Calamari e Joseph M. Perillo, Contracts [Contratos], p. 8, New York, 1987.
72 Manual de Direito Processual Civil
39. Ainda que na Europa, já em fins do século passado, não fosse esse fenômeno estranho à
contextura social, o qual já encontrava algum remédio no sistema do Código de Processo
Civil austríaco, mercê do reconhecimento de um juiz ativo. O referido Código, na realida-
de, pode ser considerado um pálido e muito tímido prenúncio em relação às modificações
incomparavelmente mais profundas que vieram a ser exigidas e vieram paulatinamente a
ocorrer.
40. As sociedades contemporâneas engendraram lesão a determinados bens, em função da
necessidade de “abastecimento do próprio mercado”. O que se quer dizer é que todas as
sociedades contemporâneas exigem bens de consumo. É evidente que, isto ocorrendo,
coloca a todos nós como “consumidores necessários”. E, em realidade, não se conhece
outra solução. Paradoxalmente, talvez se pudesse dizer que ser “consumidor” é encontrar
um caminho (ou, ao menos, um “embasamento material”) de realização, o que não deixa
de ter, efetivamente, uma dose profunda de verdade. O processo de industrialização, de que
depende o mercado, todavia, acabou por lesar outros bens, como, exemplificativamente,
o meio ambiente. Se o consumo pode ser reputado um “bem” para a sociedade, é inapela-
velmente uma necessidade praticamente absoluta; de outra parte, em função do gigantismo
dos parques industriais requeridos para a produção de bens, verifica-se que da mesma
realidade geraram-se dois tipos de problemas: 1.º) a figura do consumidor e a percepção de
que este haveria de ter mais direitos em face do produtor (e, na verdade, em face da cadeia
de produção de bens), pois os Códigos tradicionais de direito privado (Códigos comerciais)
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 73
(senão o núcleo vitorioso da Revolução Francesa), mas nem por isto proporcionou esse
parâmetro formal uma almejada igualdade entre os homens,41 tal como se “prometia”
pela pregação ideológica liberal individualista.
Isto veio a significar que o sistema jurídico todo, que fora construído com respeito
às premissas de verdade do individualismo, o que, por isso mesmo, gerou profunda aver-
são pelo papel de grupos sociais, começou a ser posto em dúvida. O esquema originário do
processo civil e da ordem jurídica era aquele em que indivíduo se deveria defrontar com
indivíduo, ainda que um deles pudesse ser forte e outro fraco. O perfil do processo civil,
emergido do individualismo, se traduziu em institutos jurídicos que consideravam o
indivíduo, enquanto tal, agindo isoladamente. Isto quer dizer que esses ramos do Di-
reito Privado desconheciam, em suas fisionomias clássicas, outras realidades, que não
fossem o indivíduo. E mais, o ambiente em que deviam se confrontar os indivíduos era
o da liberdade absoluta, o que, diante de um crescente desequilíbrio entre eles, gerou o
predomínio dos fortes sobre os fracos e, daí, consequentemente, a necessidade de in-
tervenção do Estado.
A estrutura do Direito Privado e os próprios propósitos do legislador eram o de, con-
siderar somente o indivíduo isoladamente. Desta forma, nossos Códigos clássicos foram
diplomas feitos em favor dos investidores, que eram os indivíduos detentores de poder eco-
nômico e que, em função desse sistema, dele se utilizaram para a sua expansão econômica.
Por outro lado, a própria responsabilidade culposa do fabricante pelos produtos que
fabricava (ou pelos serviços que prestasse), por exemplo, não era uma modalidade de
responsabilidade, de um teor tal que viabilizasse, na ordem prática, que os compradores
pudessem efetivamente obter indenizações pelos produtos que adquirissem.42Somavam-
nada lhe outorgavam; e, como os consumidores são toda a sociedade, segue-se que tais
direitos somente podiam e podem ser utilmente realizados sob o ângulo ou mercê de um
instrumental de tratamento coletivo; 2.º) mas, o próprio sistema econômico instalado, se,
de uma parte, ‘satisfaz’, acaba, de outra banda, por vir a lesar o meio ambiente, o que, a seu
turno, corporificou outro direito – ao meio ambiente –, o qual, igual e compreensivelmente,
deve merecer um tratamento coletivo.
41. Ver: Jürgen Habermas, Mudança estrutural da esfera pública (investigações quanto a
uma categoria da sociedade burguesa), p. 100-102, Rio de Janeiro, 1984. O Estado so-
cial-democrata, mais interventor que o Liberal, presta-se a realizar a “justiça” diante do
“esvaziamento” da concepção liberal de dois dos seus elementos chaves: a) “a generali-
dade como garantia da igualdade”; b) “a correção”, isto é, “a verdade como garantia da
justiça”. Por conta disso, muitas vezes a lei trata desigualmente determinadas partes com
o objetivo de eliminar o desequilíbrio de posições jurídicas que lhes é imanente. É o caso
da regra do art. 6.º, VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em que se admite
a inversão do ônus da prova, por decisão do juiz, quando este constatar ser verossímil a
alegação, ou quando o consumidor for hipossuficiente. Se a força do consumidor é sem-
pre menor do que a do produtor (Eike von Hipel, Der Schutz der Schwächeren [A defesa
dos fracos], cit., p. 34), esta regra não só convive, mas efetiva materialmente aquilo que
formalmente está no art. 7º, do CPC/2015, no sentido de que o juiz deve tratar as partes
com isonomia.
42. Ver: Karl Thiere, Die Wahrung überindividueller Interessen im Zivilprozeß [A defesa dos
interesses supraindividuais no processo civil)], § 15, II, p. 296, Bielefeld, 1980.
74 Manual de Direito Processual Civil
-se, à luz deste exemplo, dois aspectos: 1.º) o tipo de responsabilidade, só por causa de
culpa, era em si mesmo – se comparado com a responsabilidade “objetiva” ou pelo risco
civil – inócuo; 2.º) cumulativamente a isto, havia que se considerar que, pelos incômodos,
dispêndios, perda de tempo etc., não se mostraria compensatória a demanda individual,
até mesmo supondo-se que o litigante individual (por exemplo, um consumidor) pudesse
resultar vitorioso.43
Quer para responsabilizar um vendedor por um vício (="vício" redibitório), pela
exiguidade do prazo decadencial, em que o vício oculto haveria de ser identificado,
quer ainda para pretender responsabilizar um fabricante, por um dano ocasionado pela
aquisição de um dado produto, é de se ter presente que os diplomas de direito material
não continham regras que ensejassem uma situação ou condições de viabilidade aceitável,
seja para o desfazimento da compra de um produto, seja para o caso em que se visasse
a reparação dos danos causados por este produto.
De outra parte, a evolução da sociedade veio a identificar outros bens jurídicos a
respeito dos quais se pode asseverar que, mais antigamente, eram praticamente ine-
xistentes ou, ao menos, eram desconsiderados pelas ordens jurídicas. De certa forma
podemos dizer que eram bens a respeito dos quais “não ocorriam problemas”. Tenha-
mos presente, por outro lado, que essas novas realidades, que vieram a obter guarida e
proteção por parte do direito contemporâneo – porque transformadas em bens objeto de
submissão à categoria dos interesses e direitos difusos –, em verdade, em tempos mais an-
tigos, eram muito menos duramente atingidas.
Estes bens são, v.g., os relativos ao meio ambiente,44 ao consumidor, a bens e direi-
tos de valor artístico, histórico,45 turístico e paisagístico, e, mesmo, à ordem econômi-
ca. Mais recentemente acrescentou-se ao rol de tais bens a possibilidade de proteção
a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, com o que constatamos uma abertura do
sistema jurídico a realidades antes não cogitadas pelo legislador. Da mesma sorte que
a legislação brasileira permite esta abertura da tutela destes interesses ou direitos difu-
sos, permite a responsabilização por danos morais e materiais a estes bens tutelados. Ou
seja, esta abertura vem a significar uma “válvula” num sistema jurídico que não mais se
reputa “fechado”, dado que está receptivo não só a interesses e direitos difusos, já dele
nominalmente constantes, bem como para quaisquer outros. O âmbito da tutela do di-
reito civil é diferente da tutela do meio ambiente, de que cogitamos. Na Itália isto res-
tou bem claro, ao se dizer que, “do ponto de vista civilístico, a disciplina do ambiente
se circunscreve à tutela da propriedade, tendo em vista imissões”.
43. V. Richard A. Posner, Economic Analysis of the Law [Análise econômica da lei], § 4.7, p. 80
et seq., Boston e Toronto, 1977.
44. Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
2005, passim).
45. V. La tutela dell’ambiente con particolare riferimento ai centri storici – Atti del convegno
tenuto a Firenze, 23-31 de outubro de 1976, Giuffrè, 1977, publicada nos “Quaderni” della
Rivista “Impresa, Ambiente e Pubblica Amministrazione.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 75
46. V., a respeito, Mauro Cappelletti, La Oralidad y las Pruebas en el Proceso Civil, trad. arg.,
estudo sob ns. 4 e 6, p. 119, notas 12, 13, 14 e 15, Buenos Aires, 1972; Arwed Blomeyer,
Zivilprozeßrecht – Erkenntnisverfahren [Direito processual civil – Processo de conhecimen-
to], 1963, 14, II, p. 68, fine; Barbosa Moreira, Revista de Processo [RePro], vs. 11/12, p. 180
(trabalho intitulado O juiz e a prova); Rolf Stürner, Die Richterliche Aufklärung im Zivilprozeß
[O dever jurisdicional do juiz ao esclarecimento], II, 3.º, p. 11 e notas de rodapé, Tübingen,
1982.
47. A falta de soluções normativas para problemas reais e atuais é bem tratada em Theodor
Viehweg, Topik und Jurisprudenz [Tópica e jurisprudência], Munique, com 1ª. ed. em 1954
e 5ª. ed. em 1973.
76 Manual de Direito Processual Civil
O primeiro passo em prol de remediar essa situação é que o direito defina, ou, ao
menos considere suscetíveis de proteção, os bens aqui mencionados. Ou seja, bens in-
diferentes ao direito, precisam passar a bens juridicamente considerados, dignos de
atenção do legislador em função de um valor axiológico antes não cogitado ou não per-
cebido. Uma segunda etapa decorre do fato de que o mero reconhecimento legislativo
é inócuo se, de outra parte, inexistirem instrumentos processuais eficientes para que
esse reconhecimento possa ser efetivado na ordem prática. Direito material e proces-
sual, conjuntamente portanto, precisam estar prontos para lidar com ditos bens jurídi-
cos. Sem a articulação do direito processual civil ao direito material, na ordem prática,
a proteção somente deste último revelar-se-ia sem grandes objetivos práticos, porque
não ancorada numa tábua de instrumentos destinados a tornar eficaz o direito material,
construída em torno de valores sociais contemporâneos, em que se pretende traduzir
um sentimento mais adequado de Justiça. 48
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública são re-
presentativos da forma como se procurou criar largas condições para a defesa de sujei-
tos hipossuficientes em juízo. Foi mercê da articulação das duas leis que se pôde dese-
nhar uma proteção processual sólida, em um microssistema de tutela coletiva.49 A tutela
“completa”, diga-se assim, dá-se com a conjugação de ambos os diplomas, através das
normas de reenvio insculpidas no art. 21 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 90 do
Código de Defesa do Consumidor. O art. 89 do texto original do Código de Defesa do
Consumidor, ademais, expressamente previa que as normas do Título III aplicar-se-iam
a outros direitos ou interesses, que não os decorrentes de relação de consumo, quando
tratados coletivamente. O dispositivo foi vetado50 pois, à época, a intenção legislativa
não era, claramente, a de extrapolar o âmbito das relações de consumo. Apenas com a
constatação da importância e do pioneirismo dessa inovação legislativa é que se pôde
afirmar a função processual coletiva do CDC em outras áreas de direito. Portanto, “o
veto presidencial pretendeu cortar essa extensão, mas não conseguiu atingir o objeti-
48. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 previu a criação da Defensoria Pública,
com a ambição de poder ver realmente institucionalizada a proteção aos incapazes de se
defenderem (art. 134 da CF/88). Ainda que isto se tenha constituído numa promessa do le-
gislador constituinte, revela-se, como indicativa de consciência plena do reconhecimento
dessa realidade, que parcelas imensas da população são “indefesas”, e evidencia que essa
mesma realidade foi digna da atenção do próprio constituinte. E essa promessa está se tor-
nando uma realidade no país.
49. Esse sistema “se apresenta, alegoricamente, como uma constelação, em que há um núcleo
formado por alguns textos básicos, e um entorno, formado por textos-satélites, estes contem-
plando matérias mais específicas” (Rodolfo de Camargo Mancuso. Manual do consumidor
em juízo. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 5). Ver ainda: Fredie Didier Jr.; Hermes Zaneti Jr. Curso
de direito processual civil. vol. 4. Salvador: JusPodivm, 2007, p. 49.
50. A mensagem de veto quis impedir que o CDC alcançasse “outras relações jurídicas não
identificadas precisamente e que reclamam regulação própria e adequada. Nos termos do
art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, deve o legislador limitar-se a
elaborar Código de Defesa do Consumidor”. O artigo 48 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias, por sua vez, diz: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias
da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 77
vo colimado”.51 É dessa maneira que os ditos bens jurídicos agora tutelados logram de
uma proteção processual “cumulativa”, vale dizer, seja através da utilização das ações
coletivas, tais como disciplinadas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
seja, ainda, pela própria procedência da ação civil pública.52
O nosso legislador constituinte, no próprio patamar constitucional, idealizou inú-
meros caminhos à tutela coletiva de direitos. Assim, o mandado de segurança, marcada-
mente nascido com caráter individualista, passou, à luz do disposto no art. 5.º, LXX, a
comportar, também, abertura à defesa coletiva (arts. 21 e 22 da Lei 12.016/2009). Ainda
que não expressamente, a mesma sorte foi reservada para o mandado de injunção pre-
visto no art. 5.º, LXXI (Lei 13.300/2016, art. 1º).53
No referente à ação de inconstitucionalidade, sofreu ela modificação operacional,
porquanto se abriu o espectro de legitimados, perante o Supremo Tribunal Federal, so-
mando-se à conhecida modalidade de controle concentrado o da inconstitucionalidade
por omissão (Constituição Federal de 1988, art. 102, § 2.º); mais ainda, previu-se que
os Estados Federados (art. 125, § 2.º) hajam de prever o mesmo sistema, para contro-
le das leis estaduais ou municipais, em face das Constituições dos respectivos Estados,
“vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”, o que é significati-
vo evidente desta socialização do processo de que estamos falando. Em que pesem as
críticas que lhe foram dirigidas, a ação declaratória de constitucionalidade, criada pela
Emenda Constitucional 3/1993, também deve ser entendida neste mesmo contexto po-
lítico, jurídico e social.
A Emenda n. 45, de 08.12.2004, inseriu várias disposições na Constituição Fede-
ral que se ajustam a estes ideais. Expressou-se a garantia à razoável duração do processo
(art. 5.º, LXXVIII).54 Ao mesmo tempo, estabeleceu-se que “o número de juízes na uni-
dade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva popula-
ção” (art. 93, XIII). Atendem à mesma aspiração os incisos XII e XV do art. 93, segundo
os quais a atividade jurisdicional será ininterrupta, e os processos deverão ser imedia-
tamente distribuídos, em todos os graus de jurisdição.
51. Ada Pellegrini Grinover, et. Al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 853.
52. Ver o que escrevemos, longamente, em nosso Código do consumidor comentado, p. 460
et seq.
53. Recentemente, a Lei 13.300/2016 positivou o cabimento do mandado de injunção coletivo
(art. 12), adotando o entendimento da jurisprudência do STF, que admitia a legitimidade ativa
dos sindicatos para instauração do mandado de injunção coletivo. “A jurisprudência do Su-
premo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad causam aos sindicatos para a instauração,
em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção coletivo” (STF, Pleno, MI
102/PE, rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, j. 12.02.1998, DJ 25.10.2002, p. 25). Igualmente:
STF, MI 689/PB, rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 07.06.2006, DJ de 18.08.2006. O PLC
18/15 contempla a disciplina do mandado de injunção individual e coletivo.
54. Sobre o tema, ver: José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual – Civil e penal, p. 87-88, item n. 3.5,
1998, RT; Luiz Flávio Gomes, O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos
e o direito brasileiro, p. 242-245, 2000, RT.
78 Manual de Direito Processual Civil
55. Sobre o tema da constitucionalização do processo e do direito em geral, cf. artigo de nossa
autoria, denominado “Processo e Constituição”, publicado em obra coletiva organizada por
Bruno Dantas, Eliane Cruxên; Fernando Santos e Gustavo Ponce Leon Lago (Constituição
de 1988: O Brasil 20 anos depois. A Consolidação das Instituições. 1 ed. Brasília: Senado
Federal Instituto Legislativo Brasileiro, 2008, v. 3, p. 388-483).
80 Manual de Direito Processual Civil
ça; o Livro II, disciplina a execução em suas diversas espécies, bem como as defesas do
executado; o Livro III cuida dos “Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação
das Decisões Judiciais”, onde incluem-se temas como a ação rescisória, a reclamação,
os recursos e assuntos afins. Por fim, incluiu-se o Livro Complementar, em que são tra-
tadas as “Disposições Finais e Transitórias”.
Comparativamente com o CPC/1973, a sistematização mostra-se muito mais cla-
ra e simplificada, uma vez que: a) destina toda a parte inicial do Código às normas
que compõem a parte geral, fracionada em seis livros, conferindo-lhes abordagem
correta do ponto de vista metodológico e ressaltando-lhes a importância; b) inclui os
procedimentos especiais no livro que trata “Do Processo de Conhecimento”, porque
aqueles se enquadram, rigorosamente, no âmbito deste; c) dedica um livro específi-
co ao processo nos tribunais e aos meios de impugnação às decisões judiciais, cujas
normas regentes, por suas peculiaridades, merecem ser tratadas de maneira aparta-
da às atinentes ao procedimento em primeiro grau; e, por fim d) deixa de atribuir na-
tureza típica e procedimento específico a determinadas medidas de cunho cautelar,
bem como de enquadrar as medidas cautelares no âmbito do “Processo Cautelar”,
que era disciplinado em livro próprio na lei passada (Livro III), salvo a disciplina dos
arts. 273 e 461 do CPC/1973; privilegia, desta forma, a instrumentalidade da tutela
de urgência (assim entendidas as medidas antecipatórias e acautelatórias), adequa-
damente regulada, em conjunto com a tutela da evidência, na Parte Geral (Livro da
Tutela Provisória) do novo Código de Processo Civil (arts. 294 a 311 do CPC/2015),
enquadrando-as como espécies de tutela jurisdicional que se submetem a um proce-
dimento e a princípios comuns.
Sob a perspectiva da segurança jurídica, dentre outras medidas, procura-se estabe-
lecer uma intensa necessidade de contraditório, à luz, evidentemente, de uma visão que
deflui da Constituição Federal. O CPC/2015 prevê, por exemplo, que mesmo as deci-
sões judiciais que independem de provocação das partes, a respeito de questões de or-
dem pública, devem ser precedidas de contraditório, com efetiva oportunidade de prévia
manifestação dos interessados (arts. 9º e 10 do CPC/2015). A exigência dessa medida –
que evidencia um dos ângulos do propósito legislativo de concretizar o princípio cons-
titucional do contraditório – aplica-se não apenas às decisões relativas a controvérsias
fáticas, mas também àquelas decisões que digam respeito a questões eminentemente
jurídicas. Nessa linha, o art. 10 do CPC/2015 é enfático ao vedar o juiz de decidir com
base em “fundamento” a respeito do qual “não se tenha dado às partes oportunidade de
se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Não se
trata, em absoluto, de desconsideração do princípio do “iura novit curia”, que permi-
te ao juiz decidir com base em fundamentos jurídicos não necessariamente invocados
pelas partes; trata-se, simplesmente, de facultar às partes interessadas a oportunidade
de se manifestar e influenciar a convicção judicial a respeito da aplicabilidade daquele
fundamento jurídico ou fático não invocado ou debatido nos autos. Evita-se, dessa for-
ma, que as partes sejam surpreendidas, no momento da decisão judicial, com um argu-
mento ou alegação de que não cogitaram, e cuja incidência ao caso poderia ser afastada
ou modificada se a matéria tivesse sido previamente debatida.
82 Manual de Direito Processual Civil
56. Conforme a redação do Código: “Art. 338 “Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima
ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze)
dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu. Parágrafo único. Realizada a
substituição, o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu
excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este
irrisório, nos termos do art. 85, § 8o.”
57. Nos termos do CPC/2015: “Art. 293. O réu poderá impugnar, em preliminar da contestação,
o valor atribuído à causa pelo autor, sob pena de preclusão, e o juiz decidirá a respeito,
impondo, se for o caso, a complementação das custas”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 83
uma vez que suas alegações já estarão amparadas nos elementos probatórios colhidos.
Sob esse prisma, concretiza-se o objetivo jurídico do processo de, por meio do contra-
ditório e da busca da verdade, possibilitar a prolação de uma sentença justa e consen-
tânea com a realidade dos fatos.58
A ênfase à atividade das partes é também verificada no tratamento específico da prova
pericial. Diz o Código que o juiz pode dispensar a realização da perícia quando as partes,
na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos
ou documentos elucidativos que considerarem suficientes (art. 472 do CPC/2015). Há
também o dever de se realizar o que se pode chamar de uma perícia ex officio e ad even-
tum, ou seja, realizar uma perícia depois da juntada das peças dos assistentes técnicos
das partes, por força do disposto no art. 480 do CPC/2015.
Com foco na instrumentalidade e no cumprimento dos objetivos sociais do pro-
cesso, o novo Código prevê a atuação de conciliadores e mediadores (arts. 165 a 175),
acentuando a necessidade de magistrados, advogados, defensores públicos e membros
do Ministério Público estimularem a conciliação e a mediação (art. 3º, §3º) permitin-
do a atuação dos conciliadores e mediadores na audiência de conciliação ou mediação,
subordinando-a às diretrizes determinadas pelo Código e pela lei de organização judi-
ciária (art. 334, §1º do CPC/2015). Em consonância com a pressão social para que se
estendam as funções de mediador e conciliador às pessoas que não necessariamente
fossem bacharéis em direito,59 o CPC/2015 optou por exigir apenas a capacitação míni-
ma, de acordo com parâmetros curriculares estabelecidos pelo Conselho Nacional de
60. Dispõem o seguinte: “§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que
não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem. § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo
anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses
em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar,
por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
86 Manual de Direito Processual Civil
nas sucessivas reformas a que se submeteu o sistema do CPC/1973, desde 1994,61 com
a instituição da tutela antecipada.62 Tenha-se presente, aliás, que, embora a modalida-
de de tutela antecipatória mais frequentemente utilizada e difundida se refira às situa-
ções de dano ou risco de dano irreparável ou de difícil reparação (tutelas de urgência),
o CPC/1973, desde 1994, já previa, no inciso II do art. 273, modalidade de tutela da
evidência, fundada na verossimilhança da alegação e no propósito protelatório ou na
natureza abusiva da defesa do réu. Por outro lado, a tutela antecipada da parte incon-
troversa do pedido ou do pedido incontroverso (no CPC/1973, era prevista no art. 273,
§ 6º), foi corretamente alocada no art. 356, I do CPC/2015, por tratar de efetivo julga-
mento de mérito, ainda que parcial. Trata-se, como já se tratava ao tempo do CPC/1973,
do próprio provimento final – ainda que parcial – almejado.
Em suma, a principal diferença entre a tutela de urgência e a tutela da evidência re-
side no fato de que, em relação à tutela da evidência não se cogita da existência de peri-
culum in mora, tal como ocorre na tutela de urgência, pois se trata de situações em que
a evidência do direito já se encontra configurada nos autos. Também não há que falar,
propriamente, em fumus boni iuris, porquanto a ausência de defesa consistente (art. 273,
II do CPC/1973 e 311, I a IV do CPC/2015) denota uma probabilidade maior de suces-
so do autor que de sucesso do réu, sendo justificável a redistribuição do ônus do tempo
nesse caso, ainda que tal análise seja feita por meio de cognição meramente sumária,
apta, portanto, a ser alterada em momento posterior.
O CPC/2015 regula a tutela de urgência no art. 300, autorizando a exigência de cau-
ção real ou fidejussória pelo juízo, conforme o caso; já a tutela de evidência está pre-
vista no artigo 311, que estabelece como hipóteses para sua concessão: “I – ficar carac-
terizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte”;
“II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver
tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”; “III – se
tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato
de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
cominação de multa”; ou “IV – a petição inicial for instruída com prova documental
suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova ca-
paz de gerar dúvida razoável”.
O inciso I do art. 311 do CPC/2015 corresponde ao inciso II do art. 273 do CPC/1973,
enquanto que os demais incisos do art. 311, a seu turno, não encontram anteceden-
te legislado no CPC/1973. O denominador comum que enlaça estas quatro hipóteses,
diferentes da tutela de urgência (tutela antecipada, propriamente dita), justificou esse
tratamento em separado.
Importante contribuição para o sistema das tutelas provisórias vem da necessida-
de de fundamentação analítica e exaustiva que o art. 489, § 1º do CPC/2015 estabelece
61. Cf. a Lei 8.952/1994, que atribuiu nova redação ao art. 273 do CPC/1973 e nele incluiu os
incisos I e II e os §§ 1º a 3º.
62. Cf. a Lei 10.444/2002, que, dentre outras modificações, acrescentou ao art. 273 do CPC/1973
os §§ 6º e 7º.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 87
para “qualquer decisão judicial”, sobretudo da regra segundo a qual não se considera
adequadamente motivada a decisão que “invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão” (inciso III). Espera-se, com isso, que deixem de ser prolatadas
decisões, infelizmente frequentes, que, ao deferir ou indeferir a antecipação de tutela,
não analisam as circunstâncias fáticas ou jurídicas da causa, limitando-se a afirmar que
estão “presentes/ausentes os requisitos legais”. Tal exigência se mostra acentuadamente
relevante, na medida em que a tutela de urgência satisfativa, quando requerida em ca-
ráter antecedente, pode tornar-se estável, diferentemente do que se podia observar no
sistema processual passado, ainda que de coisa julgada não se trate.
Quanto ao aspecto mencionado – da estabilidade das decisões que concedem tutela
de urgência antecipada antecedente –, não será preciso ab initio discutir o mérito, ten-
do em vista que não havendo interposição de recurso pelo réu, será o processo extinto,
na forma do art. 304, §1º do CPC/2015. Nessa hipótese o pedido principal, o mérito,
poderá ser formulado em nova ação, eis que não foi julgado. Havendo, por outro lado,
indeferimento da medida de urgência, poderá ser, ainda assim, deduzido o pedido prin-
cipal (arts. 303, §6º do CPC/2015). Nada obsta, que, indeferida a liminar, no que toca à
tutela de urgência cautelar, seja proposta a ação, ressalvadas as hipóteses de decretação
da prescrição ou decadência (art. 310 do CPC/2015).
Na realidade, relativamente às tutelas de urgência e de evidência, o que o CPC/2015
fez foi aprimorar as inovações inseridas no CPC/1973, e sistematizá-las de maneira mais
abrangente e correta, seguindo antiga sugestão feita em tese de lavra do Presidente da Co-
missão responsável pela elaboração do anteprojeto no Senado Federal, o Min. Luiz Fux.63
Esse é um dos inúmeros exemplos de hipóteses em que, conforme se assinalou de
início, o novo Código de Processo Civil não se pretende revolucionário – no sentido
de negar a sistemática até então vigente – mas se propõe, ao contrário, a utilizar de ma-
neira adequada e ordenada o que nela já se revelava útil aos desígnios contemporâneos
do processo civil.
Outro grande desafio a ser enfrentado pelo Código é o problema da justiça de massa,
ainda que o grosso da justiça de massa fique fora do código, com perfil diferente. Não é
possível exigir do magistrado um trabalho de artesão para enfrentar a enormidade de ações
repetitivas, com objetos semelhantes ou praticamente idênticos. Diante disso, o legislador
buscou uma solução para resolver esse problema, ou, ao menos, encaminhar rumos para
uma solução. Nela reside uma das grandes novidades do novo Código de Processo Civil.
No CPC/1973, a matéria era tratada no art. 285-A, aprimorado pelo art. 332 do
CPC/2015 e, no tocante aos tribunais superiores, Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça, respectivamente, as soluções encontradas consistiam na regulação
da repercussão geral e dos recursos repetitivos, com disciplinas diferentes, ainda que
animadas pelo mesmo denominador comum.
O CPC/2015 pretende desafogar o Judiciário em primeiro e segundo graus de ju-
risdição, a partir do que se denominou incidente de resolução de demandas repetitivas
63. Confira-se a obra Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: RT, 1996, passim.
88 Manual de Direito Processual Civil
dem de idêntica questão jurídica, e que tramitem na área de jurisdição do tribunal que
tenha fixado a tese. O art. 985, I, parte final do CPC/2015 inclui no rol de órgãos su-
bordinados à observância da tese fixada, os juizados especiais (estaduais ou federais),
ainda que suas decisões não estejam, de ordinário, subordinadas à revisão em grau re-
cursal pelo tribunal de justiça ou regional. Importante consequência prevista pelo novo
Código respeitante ao tema é o cabimento de reclamação contra a decisão judicial que
inobservar a tese fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985,
§1º do CPC/2015), ainda que a inobservância seja de juizado especial.
É um sistema que se aproxima do tratamento anteriormente existente, destinado
aos recursos com fundamento em idêntica questão de direito (“recursos repetitivos”)
perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C, § 1º a 9º, do CPC/1973), agora trans-
portado para os órgãos de segundo grau de jurisdição. Nessa linha, analogamente à
prerrogativa conferida ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça nos § § 1º e 2º do
art. 543-C do CPC/1973, o art. 982, I, do CPC/2015 dispõe que o relator “suspenderá
os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região,
conforme o caso”.
O que fez o Código foi estabelecer, para as demandas repetitivas, uma disciplina
análoga àquela referente aos procedimentos da repercussão geral nos recursos extra-
ordinários e do julgamento de “recursos repetitivos” no Superior Tribunal de Justiça.
Contribui-se para solucionar, a um só tempo, questões que afogam o Poder Judiciário
e isso é feito com consideração à uniformização das decisões judiciais.
Em relação à decisão de mérito, o CPC/2015, atentando à possibilidade de julga-
mento parcial, externado por decisão interlocutória, deixou de falar em “sentença”,
constante do art. 459 do CPC/1973, passando a determinar apenas que “o juiz resolve-
rá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pe-
las partes” (art. 490 do CPC/2015), de modo a não dar azo à errônea conclusão de que
apenas a sentença é capaz de resolver o mérito. O art. 489, §1º, II do CPC/2015 consa-
gra, ainda, um princípio de extrema importância, que determina a necessidade de a de-
cisão ser mais explícita e analítica, quando empregar conceitos juridicamente indeter-
minados, na medida em que considera não fundamentada a decisão quando “empregar
conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência
no caso”. Nesses casos, caberá ao juiz indicar as razões pelas quais verificou a necessi-
dade de aplicação dos conceitos juridicamente indeterminados ao caso concreto. Há,
com efeito, nas normas que consubstanciam conceitos juridicamente indeterminados
maior amplitude de deliberação adjudicada ao juiz, e, por isso mesmo, pode-se dizer
que dele se exige fundamentação mais minudente. Nesse ponto, o CPC/2015 revigo-
ra a garantia constitucional da fundamentação das decisões, em conformidade com as
exigências determinadas pela evolução do direito.
Outro problema que de certa maneira ficou resolvido pela jurisprudência do STJ é o
relacionado ao art. 268 do CPC/1973, no sentido de que se poderia entender quando o
julgamento tivesse sido pela extinção do processo sem resolução de mérito, a demanda
poderia vir a ser reproposta, pois não teria ocorrido coisa julgada. Enfrentou o CPC/2015
90 Manual de Direito Processual Civil
a questão relativa à possibilidade de se repropor ação idêntica àquela que havia sido ex-
tinta sem resolução de mérito, tendo em vista que tal teria sido alcançada pela coisa jul-
gada material, o que já decorreria de uma interpretação literal desse art. 268, CPC/1973.
Com efeito, segundo uma concepção tradicional, transitada em julgado uma sen-
tença que extinguisse o processo sem resolução de mérito teria decisão alcançada ape-
nas pela coisa julgada formal, de sorte que, nos termos do art. 268 do CPC/1973, teria
sido possível, em princípio, que a ação viesse a ser reproposta, em idênticos termos, o
que, sob certas circunstâncias, poderia ocasionar o exercício abusivo do direito de ação.
Como o art. 268 do CPC/1973 não mencionava a necessidade de correção do vício que
teria motivado a sentença terminativa como requisito para a repropositura da ação, para
obstar a persistência da repropositura da ação em que uma das partes padecia de ilegi-
timidade ad causam, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça veio a afirmar que a
ilegitimidade é tema que se confunde com o mérito.64
Embora divergindo da redação literal do art. 268 do CPC/1973, bem como do en-
tendimento do STJ sobre o direito de ação, o posicionamento pareceu-nos mais con-
sentâneo com as exigências éticas do processo.65
O CPC/2015 levou em consideração essa problemática e explicitou a necessidade
de, diante da prolação de sentença terminativa motivada pelo indeferimento da petição
inicial, cujas hipóteses se encontram no art. 330, pela ausência de qualquer dos pressu-
postos processuais de existência e validade do processo, pela ilegitimidade ou falta de
interesse processual, ou pela existência de convenção de arbitragem, corrigir-se o ví-
cio quando da nova propositura da ação (art. 486, § 1º, do CPC/2015). A modificação
oferece solução técnica e explícita quanto à necessidade de correção do defeito. Esta
solução é mais uma demonstração de que o legislador não pairou indiferente aos pro-
blemas que afligiam os Tribunais na aplicação do Código de Processo Civil revogado.
No que concerne à coisa julgada, houve uma aparente simplificação no tratamento
das questões prejudiciais, que, uma vez decididas, expressa e incidentemente no pro-
cesso, em preenchendo os requisitos especificados nos parágrafos do artigo 503, do
CPC/2015, passam a ser por ela abrangidas. À luz do Código revogado, a solução das
questões prejudiciais não era objeto de coisa julgada (art. 469, III), salvo quando, nos
termos do artigo 470 do CPC/1973, tais questões constituíssem objeto de ações decla-
ratórias incidentais. O CPC/2015 suprimiu, nessas hipóteses, a necessidade de pro-
positura de ação declaratória incidental, mas determina que a decisão que julgar total
ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites do pedido e das questões preju-
diciais expressamente decididas, desde que sobre elas se houver estabelecido contra-
ditório prévio e efetivo, o juízo for materialmente competente para julgar a questão e
64. Referimo-nos ao julgamento do Resp 160.850/SP, 4ª T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ
05.03.2001.
65. Conforme o que já havíamos nos manifestado anteriormente: “O art. 268, do CPC, a ile-
gitimidade e a ocorrência de coisa julgada: critérios de interpretação”. In: O terceiro no
processo civil brasileiro e assuntos correlatos: estudos em homenagem ao Professor Athos
Gusmão Carneiro (org.: Fredie Didier Jr. et al). São Paulo: RT, 2014. p. 124 e ss.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 91
66. Referimo-nos à reforma veiculada pelas Leis 8.950/1994 e 9.139/1995, que viabilizaram
a distribuição do agravo de instrumento diretamente no Tribunal e a concessão de efeito
suspensivo pelo Relator.
67. Foio que ocorreu, fundamentalmente, com as modificações implementadas pela Lei
10.352/2001, que, na prática, inverteram a regra geral, até então vigente, do cabimento do
agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, diante da possibilidade de conversão,
pelo Relator, deste em agravo retido na quase totalidade dos casos. A Lei 11.187/2005 veio,
na sequência, para ‘complementar’ essas modificações, estipulando a obrigatoriedade de
tal conversão em todos os casos em que a decisão agravada não fosse suscetível de causar
à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação
e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. Estabeleceu, também, a irrecor-
ribilidade da decisão do relator que convertesse em retido o agravo de instrumento (cf. a
redação atribuída ao art. 527, II e parágrafo único do CPC 73).
92 Manual de Direito Processual Civil
68. O texto é claro, uma ao definir que caberá ao juízo de primeiro grau apenas intimar a parte
contrária a apresentar contrarrazões, quer da apelação principal, quer da eventualmente
interposta na forma adesiva, cabendo, por consequência, unicamente ao tribunal de jus-
tiça ou tribunal regional federal, a depender da competência, o juízo de admissibilidade
da apelação: “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro
grau, conterá: § 3oApós as formalidades previstas nos §§ 1oe 2o, os autos serão remetidos ao
tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.”.
Evolução Histórica do Direito Processual Civil 93
admissibilidade positivo no órgão a quo, eis que está sujeito à confirmação ou à revo-
gação pelo Tribunal.
Extinguiram-se os embargos infringentes. A discussão sobre a manutenção dessa
modalidade recursal é anterior até mesmo à promulgação do Código de Processo Civil
de 1973, cujo Anteprojeto já não continha embargos infringentes, o que veio a ser inse-
rido por uma emenda feita no Congresso Nacional. Em contrapartida à supressão dos
Embargos Infringentes, estabelece, o novo Código, técnica de julgamento por meio da
qual, havendo voto vencido no julgamento do recurso de apelação, o julgamento deve
prosseguir com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a
possibilidade de inversão do resultado inicial (art. 942 do CPC/2015). Acrescente-se, ain-
da, que o voto vencido terá sempre que ser declarado e será parte integrante do acórdão,
inclusive devendo servir para fins de prequestionamento (art. 941, § 3º, do CPC/2015).
Algumas modificações sobre os recursos especial e extraordinário são especialmen-
te interessantes. Autoriza o Código que os Tribunais Superiores decidam o mérito de
um recurso desde que seja tempestivo, afastando causas formais de inadmissibilidade
que não sejam consideradas graves, ou determine sua correção, quando for possível.
Essa regra está no § 3º do art. 1.029 do CPC/2015. É possível traçar um paralelo entre
tal disposição e a aplicação daquilo que se denomina, no direito argentino, “gravidade
institucional” do recurso extraordinário.
A “gravidade institucional” é um filtro à admissibilidade do recurso extraordinário
argentino, análogo ao da repercussão geral, entre nós. Está prevista no art. 280 do Có-
digo Procesal Civil y Comercial de la Nación argentino69 e, embora constitua um filtro
de admissibilidade recursal, historicamente, parece ter servido ao objetivo de superar
irregularidades formais quanto à admissibilidade do recurso extraordinário e permitir
a análise de questões que transcendam o interesse subjetivo das partes.70 Mas, atual-
mente, continua a haver transigência com os requisitos de cabimento, quando presen-
te a “gravidade institucional”, para a admissão de tais recursos extraordinários, sem
que isso afete o julgamento do mérito dos recursos extraordinários.71 A introdução, no
69. A dicção do artigo é a seguinte: “Art. 280. Cuando la Corte Suprema conociere por recurso
extraordinario, la recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su
sana discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso extraor-
dinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren
insustanciales o carentes de trascendencia.”
70. Isso pode ser extraído da obra de Fernando N. Barrancos Y Vedia, que escreveu sobre o
tema nos idos de 1960 até 31 de agosto de 1968, quando se teria formado a noção de
gravidade institucional. Posteriormente, com a Lei n.º 23.774, aprovada pelo Congresso
Nacional argentino em 5 de abril de 1990, passou a ser a “gravidade institucional” meio
legalmente estabelecido para rechaçar recursos que não fossem portadores desse requi-
sito. Ver: Recurso Extraordinario y “Gravedad Institucional”, Prólogo de Genaro R. Carrió,
pp. 7-11 e pp. 237-241.
71. Ver, no direito argentino, o excelente trabalho de Augusto M. Morello, editado logo após a
vigência da Lei 23.774/1990, La nueva Etapa del Recurso Extraordinario – El “Certiorari”, onde
faz, inclusive, remissões ao direito brasileiro, em relação à argüição de relevância (pp. 31,
81 e 82), mencionando monografia que escrevemos e que contribuiu, na Argentina, para
94 Manual de Direito Processual Civil
sua ordem jurídica, depois de admirável evolução, assegurar os direitos, mais do que em
qualquer outro tipo de sociedade anterior. A submissão da soberania a uma disciplina jurídica
oriunda do corpo social, através de uma vontade idoneamente manifestada, denominam
os autores de racionalização do poder. O problema da racionalização do poder, estudado
do ponto de vista histórico-jurídico, afigura-se-nos encontrar seu termo inicial decisivo
na conhecida teoria da tripartição dos poderes (...). Apesar das diferenças existentes entre
o sistema inglês e o francês, inegavelmente foi o problema das funções estatais cujo mo-
delo histórico e concreto extraiu-se da Inglaterra e cuja difusão se deveu a Montesquieu,
que sensibilizou a todos a respeito do assunto (...) o fato histórico indiscutível e, portanto,
o dado básico do problema, é o de que a tripartição dos poderes consistiu, historicamente,
no mais perfeito instrumento de construção do Estado-de-direito (Legislativo, Executivo e
Judiciário).”(v. texto nosso que integrou o vol. 2 da coletânea Doutrinas Essenciais de Pro-
cesso Civil, intitulado “Da jurisdição – Estado-de-direito e função jurisdicional”, São Paulo:
Ed. RT, out. 2011, p. 332-333).
2. Mário Guimarães, O juiz e a função jurisdicional, Cap. I, n. 1, Rio de Janeiro : Forense, 1958,
p. 19 et seq.
3. Cf. R. V. Ihering, L’évolution du droit, trad, 3. ed. alemã por O. de Meulenaere, Paris : Librarie
A, Maresq, 1901, n. 145. Maurice Hauriou, Derecho público constitucional, 2. ed. trad.
espanhola, Madri : Reus, 1927, p. 313 et seq.; Jellinek, Teoria general del estado, trad. 2. ed.
alemã, Buenos Aires : s/d, p. 338.
98 Manual de Direito Processual Civil
da evolução desses dois dados do problema, atingiu sua pureza máxima o conceito de
Estado de Direito. O Estado de Direito foi, possivelmente, o mais útil elemento à com-
preensão do fenômeno jurídico positivo e ao desenvolvimento da ciência jurídica, por
intermédio de uma visão que empresta o mais alto significado à dogmática jurídica, já
a partir do patamar constitucional.
O que habilita o Estado a estabelecer normas jurídicas é o fato de ser o detentor da
soberania.
Os problemas mais agudos do Direito referem-se precisamente à limitação da sobe-
rania, exercida sobre todos os indivíduos.4 Assim, quando o Estado estabelece a regra
jurídica, traça os comportamentos lícitos entre particulares e as consequências respec-
tivas, do mesmo modo que define os ilícitos e as consequências que lhes são próprias.
No Estado de Direito, o próprio Estado submete-se à própria regra jurídica, dizen-
do-se, consequentemente, que o próprio Estado autolimita o seu âmbito de ação, den-
tro das balizas da lei.
A vida em sociedade gravita entre o indivíduo e a coletividade. Uni-los harmonio-
samente é uma tarefa árdua com que temos de nos defrontar.
O problema central relativo a este tema, como se constata, é o do estabelecimento
das relações entre a soberania e a liberdade daqueles sobre os quais ela atua.5
À submissão da soberania a uma disciplina jurídica oriunda do corpo social, por
meio de uma vontade idoneamente manifestada, denominam os autores de racionali-
zação do poder. O fenômeno da racionalização do poder, estudado do ponto de vista
histórico-jurídico, afigura-se-nos encontrar seu marco inicial decisivo e moderno na
conhecida teoria da tripartição dos poderes (ou, melhor dizendo, de funções, desde que
a soberania é una).
A aplicação dessa teoria foi o instrumento histórico, ou mais precisamente, um dos
caminhos, possivelmente o mais relevante e atuante, de que se serviu a burguesia para
se garantir contra o poder ilimitado do Estado e, simultaneamente, assumir o poder.
Vale dizer, contra a antiga feição do poder, que precedentemente se encontrava encar-
nado na nobreza. Consistiu tal “expediente”, que se generalizou, no Ocidente, histori-
camente, no perfeito instrumento de construção do Estado de Direito. Este foi, para os
juristas, o mais eficaz e lógico instrumento para a elaboração do Estado de Direito, ten-
do-se em vista as condicionantes históricas da época. Disto resultou ter sido o Estado
de Direito do liberalismo um Estado apequenado, deixando espaço amplo para a práti-
ca de uma concepção de liberdade, pelos indivíduos, que sucessivamente teve que ser
restringida, diante da circunstância de ter-se mostrado um ambiente em que a liberdade
do forte prevalecia sobre a suposta liberdade dos fracos, colocando segmentos vastos da
4. Cf. Jellinek, System der Subjektiven öffentlichen Rechte [Sistema dos direitos públicos sub-
jetivos], 2. tir., Tübingen : 1905, p. 41 et seq.
5. Cf., sobre o assunto, Agustín Gordillo, Princípios gerais de direito público, trad, Marco Aurélio
Greco, São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 65 et seq., em específico, p. 67 e 84.
Jurisdição 99
6. É o que se remarca na literatura, em relação a importante lei alemã, que, na seara do direito
contratual, como decorrência da prática do liberalismo, resultou afetada, e, nessa lei se
procura consolidar essa proteção, já existente de longa data, todavia. O Prof. Hein Kötz
que escreveu sobre os §§ 1.º ao 9.º, da Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen
Geschäftsbedingunden (AGB-Gesetz), observa, expressivamente e com inteira razão, que
“Historisch sind AGB ein Kind der Industriellen Revolution des 19 Jahrhunderts” [“Historica-
mente é a Lei das Normas Gerais de Contratação um filho (nascido) da Revolução Industrial
do século 19”] – cf. Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Introdução,
função e significação prática das Normas Gerais de Contratação, 1, 3. ed., Munique: C. H.
Beck, 1993,, p. 1.797. Essa lei foi encartada no Código Civil, em vigor desde 01.01.2002,
nos seus §§ 305-310.
7. Cf. Legaz y Lacambra, Filosofia del derecho, Barcelona: Bosch 1953, p. 523.
8. Cf. Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, vol. 4/429, Rio de Janeiro:
Livraria Acadêmica, 1933; Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, São Paulo: Francisco Alves,
1915, p. 143 a 151.
100 Manual de Direito Processual Civil
9. Para aqueles que, como nós, estão convencidos pela natureza jurisdicional da arbitragem,
esta substitutividade pode decorrer da atividade privada da lei à luz do entendimento do
árbitro. Sobre o tema, vide nosso artigo: Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, In:
Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a Lei
nº 13.129, de 26 de maio de 2016, São Paulo: Saraiva, 2016, p. 133-144.
10. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, Trad. G. Menegale, 2. ed., São Paulo:
Saraiva, 1965, § 19, n. 140, p. 11, vol. 2. Sobre a doutrina italiana ver: Ovídio Araújo Bap-
tista da Silva, Curso de processo civil, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005; sobre a doutrina
de Chiovenda, p. 14 a 18; sobre a doutrina de Allorio, p. 18 a 20; e sobre a doutrina de
Carnelutti, p. 20 a 27. Ainda, mais recentemente, sobre a natureza substitutiva da função
jurisdicional v. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes: “Pelo aspecto técnico a ativida-
de jurisdicional é sempre substitutiva das atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, a
quem a ordem jurídica proíbe a autotutela. Seja quando o sujeito aspira a um bem negado
pela pessoa que lho podia dar (p. ex., pretensão a uma soma de dinheiro etc.), seja nos
casos em que o processo é o único caminho para obtê-lo (p. ex., anulação de casamento),
a atividade jurisdicional é sempre substitutiva de alguma atividade das pessoas. Os atos
excluídos de autotutela são substituídos pela atividade do juiz, que, com imparcialidade,
verifica se o sujeito tem ou não razão e, por ato seu, propicia-lhe a obtenção do bem na
primeira dessas hipóteses (cf. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 78-79); v. também, Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed. rev.
e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 34-35; ou, ainda, nas palavras de José Tesheiner e Rennan
Thamay “Na cognição, a jurisdição consiste na substituição de forma definitiva e obrigatória
da atividade intelectiva do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os
cidadãos, no afirmar existente ou não existente uma vontade concreta da lei concernente
às partes.” (Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 118-119).
11. Cf. José Frederico Marques, Ensaio sobre a jurisdição voluntária, 2. ed., São Paulo: Saraiva,
1959, p. 61; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 1/42, São Paulo: Ed.
RT, 1975,. V., também, nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: Ed. RT, 1990,
Jurisdição 101
p. 62-63, vol. 1. Nesse sentido, também: “a coisa julgada pode, sim, funcionar como in-
dicativo da natureza jurisdicional de um ato. Observe-se: o ato administrativo não produz
coisa julgada (material); o ato jurisdicional pode produzi-la. Por isso, presente o efeito de
coisa julgada, pode-se afirmar que o ato jurisdicional.” (José Tesheiner e Rennan Thamay,
Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio
de Janeiro: Forense, 2016, p. 122). Ou, ainda, como diz Fredie Didier Jr. “a característica
que é exclusiva da jurisdição é a aptidão para a definitividade. Só os atos jurisdicionais
podem adquirir essa especial estabilidade, que recebe o nome de coisa julgada.” (cf. Curso
de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento, vol. 1, 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 164).
12. É certo que existem hipóteses em que não há coisa julgada, como por exemplo: nas relações
jurídicas continuadas, como é o caso das obrigações alimentares (art. 15 da Lei 5.478/1968),
no mandado de segurança, cuja decisão denegatória não tenha apreciado o mérito (art. 19
da Lei 12.016/2009 e Súmula 304, da jurisprudência dominante do STF), e na decisão de im-
procedência do pedido por falta de provas em Ação Civil Pública (art. 16, da Lei 7.347/1985)
e, de certa forma, no Código de Defesa do Consumidor (art. 103 da Lei 8.078/1990). Sobre
o tema, ver: Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa
julgada – Hipóteses de relativização, São Paulo: Ed. RT, 2003.
102 Manual de Direito Processual Civil
processo contencioso, e, ainda, somente por meio de pedido do interessado é que o juiz
pode agir no campo da jurisdição voluntária. A regra, pois, é a de que o Poder Judiciá-
rio somente age quando regularmente provocado. Desta forma, não pode um juiz, sem
pedido preordenado a tanto, instaurar um processo.
13. No particular, pertinente a análise de Nelson Nery Jr., segundo o qual, “o princípio do juiz
natural aplica-se apenas aos órgãos estatais da jurisdição (Poder Judiciário e Senado Federal,
nos casos da CF 52 I, e.g.), e não aos juízes instituídos por compromisso arbitral.”. (v. Prin-
cípios do processo na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo), 12. ed.
rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 201).
14. Cf. Alfredo Rocco, La sentenza civile, Milano: Giuffrè, 1962, n. 37, p. 83-88. No mesmo
sentido: segundo Nelson Nery Jr., por esse princípio “todos têm o direito de obter do Poder
Judiciário a tulela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional.
É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio”.
(v. Princípios do processo na Constituição Federal: (processo civil, penal e administrativo),
12. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 210); cf. Cássio Scarpinella Bueno:
“Uma vez provocado, o Estado-juiz tem o dever de fornecer àquele que bateu às suas
portas uma resposta, mesmo que seja negativa, no sentido de que não há direito nenhum
a ser tutelado ou, bem menos do que isso, uma resposta que diga ao interessado que não
há condições mínimas de saber se existe, ou não, direito a ser tutelado, isto é, que não há
condições mínimas de exercício da própria função jurisdicional, o que poderá ocorrer por
diversas razões.” (v. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do
novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 40); cf. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes:
“Atualmente, além de uma garantia de mero ingresso no Poder Judiciário com suas preten-
sões em busca de reconhecimento e satisfação, aquele dispositivo constitucional representa
a garantia de outorga, a quem tiver razão, de uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e
tempestiva (Kazuo Watanabe), além de impedir a imposição de óbices ilegítimos à concessão
Jurisdição 103
rá também de ser objeto de decisão (art. 490 do CPC), e, bem assim, quaisquer outros
incidentes levantados pelo demandado.15
Mas este direito do jurisdicionado, de pedir tutela jurídica ao Estado e respectivo
dever deste em prestá-la, dependem de uma condição, que pode ser colocada também
como princípio da própria atividade jurisdicional, que decorre da necessidade de al-
guém acionar a jurisdição, princípio da inércia (art. 2º, do CPC/2015).
Este princípio vem expresso nas seguintes máximas latinas: nemo iudex sine actore
e ne procedat iudex ex officio. Significando que a inércia inicial da atividade jurisdicional
é um de seus princípios fundamentais (art. 2.º do CPC/2015). Nessas condições, para
que seja acionada a jurisdição, faz-se essencial a atividade da parte ou do interessado.
Depois, desenvolve-se o processo por impulso oficial. Isto quer dizer que não é neces-
sária a cada momento a presença da parte para requerer o andamento da causa, que se
dá oficialmente (embora não de forma total, como por exemplo na exigência de reque-
rimento para o início da fase de cumprimento de sentença: art. 513, §1º, do CPC/2015).
De quando em vez, no entanto, é saudável às partes requerer a prática de atos específi-
cos ou tomar outras providências para a movimentação do processo.
Ainda, acrescente-se a estes o princípio de que a jurisdição não pode ser delegada
ou transferida, sendo a prestação da tutela jurisdicional obrigação indeclinável do ór-
gão e pela pessoa que foi dela constitucionalmente investida (art. 2.º da CF/1988).16
Ao juiz, nomeado na conformidade de leis anteriores à causa em julgamento, válidas
e constitucionais, confere-se uma série de garantias, que não são pessoais propriamen-
te ditas, mas garantem o juiz tendo em vista a função que ele exerce na sociedade, qual
seja a de decidir unicamente subordinado à lei (arts. 95, I, II e III; 93, IX, da CF/1988;
v. item subsequente, a respeito das garantias).
da tutela eventualmente devida.” (v. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros,
2016, p. 54-55).
15. Sobre isso, v. Cássio Scarpinella Bueno: “É mais recente a inserção da defesa como um
dos institutos fundamentais do direito processual civil pela doutrina em geral. A iniciativa,
contudo, é mais que justificável diante do modelo constitucional do direito processual civil.
Ao lado da garantia constitucional do exercício do direito de ação prevista no inciso XXXV
do art. 5º da CF, há, na própria CF, a expressa garantia constitucional do contraditório e
da ampla defesa no inciso LIV do mesmo art. 5º. Se o contraditório e mais propriamente,
a (ampla) defesa do réu é a contrapartida do direito de ação do autor, a defesa só pode ser
entendida como o direito subjetivo público de o réu pedir, ao Estado-juiz, tutela jurisdicio-
nal, entendida a expressão no mesmo sentido que venho empregando: pedido de proteção
a um direito lesionado ou ameaçado que se afirma possuir mediante o exercício da função
jurisdicional.” (v. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo
CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 70). Uma análise mais aprofundada do tema está em na
obra de Heitor Vitor Mendonça Sica, O direito de defesa no processo civil brasileiro: um
estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011.
16. É possível, contudo, que as partes convencionem a solução pela via arbitral, desde que se
trate de litígio sobre direitos patrimoniais disponíveis, nos termos da Lei 9.307/1996, hipó-
tese que aparentemente constitui exceção à indelegabilidade da jurisdição. Na verdade é o
legislador que institui o sistema de arbitragem e o faz dentro de âmbito em que se exercita
a autonomia privada, ainda que submetidas as partes à decisão arbitral.
104 Manual de Direito Processual Civil
17. V. Arruda Alvim, Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento, vol.
2, 9.ª parte, São Paulo: Ed. RT, 1972.
18. V. nosso Curso de direito processual civil, vol. 1, n. 31, São Paulo: Ed. RT, 1971, p. 148;
consultar tb. Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, Genebra: L’Université,
1975, p. 339 e ss. Mais recentemente, como dizem Cândido Rangel Dinamarco e Bruno
Dinamarco “a publicidade dos atos processuais constitui projeção da garantia constitucional
do direito à informação” e mais “No que diz respeito ao conhecimento pelas partes e seus
patronos a publicidade dos atos do processo constitui apoio operacional à efetividade do
contraditório, dado que as reações das partes são condicionadas à ciência dos atos que lhes
dizem respeito.”. (v.. Teoria do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 68).
Jurisdição 105
19. A respeito da nova redação do art. 93, IX, da CF/1988, v. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa
Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática
processual civil, 3. ed., São Paulo: Ed. RT, 2005.
20. Egas Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, n. 12, Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 23-24.
21. De acordo com nossa posição, v. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes “Existem situa-
ções conflituosas ou ao menos potencialmente conflituosas em que o juiz não é chamado
a dirimir diretamente um conflito mas a criar situações novas capazes de dar a desejada
proteção a um dos sujeitos ou a ambos, como que administrando os interesses de um ou
de todos. É o caso das situações descritas no art. 725 do Código de Processo Civil, como
a emancipação de um incapaz, a alienação de quinhão em coisa comum, a expedição de
alvará judicial etc. Tem-se nesses casos uma atividade judicial (de juízes) que tradicional-
mente a doutrina inclui no quadro da administração pública de interesses privados.” (Teoria
do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 80); Araken de Assis, para quem “em
casos tais, o Estado acomete ao órgão judiciário a tarefa de colaborar com os particulares,
resguardando os interesses privados, mas atendendo o interesse público.” (Processo civil
brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, vol. 1, São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 570).
22. V. nosso Curso de direito processual civil, vol. 1, n. 40, São Paulo: Ed. RT, 1971, p. 174.
106 Manual de Direito Processual Civil
23. Assim, v. José Tesheiner e Rennan Thamay: “Modernamente, tende-se a considerar jurisdicional
também a jurisdição voluntária, como observa Carnelutti, pois o estudo comparativo da juris-
dição voluntária e da jurisdição contenciosa não só reforçou a opinião de que também aquela
é verdadeira e própria jurisdição, mas também apontou para a presença ou ausência de lide
e, portanto, para a presença de duas partes ou de apenas uma (ou melhor, de dois interesses
ou de um interesse único) como caráter diferencial entre uma e outra espécie de jurisdição.
Reconheceu-se, assim, que pode haver processo civil sem lide e, pois, com uma só parte (em
sentido “material”); e, assim como a jurisdição, dividiu-se o processo em “contencioso” e
“voluntário”. O processo voluntário, dessa forma, não mais considerado uma forma processual
anômala, mas como um dos dois tipos normais de processo civil.” (Teoria geral do processo:
em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016,
p. 128); cf. também Alexandre Freitas Câmara “A jurisdição voluntária é verdadeira atividade
jurisdicional (jurisdição stricto sensu), devendo o provimento de jurisdição voluntária ser
produzido através de um verdadeiro processo, em que sejam respeitadas todas as garantias
inerentes ao modelo constitucional do direito processual civil brasileiro. Haverá aí, e este é um
aspecto fundamental, um procedimento em contraditório.” (O novo processo civil brasileiro,
2. ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 35); e Araken de Assis, o qual, a nosso ver, bem
explora as razões para se chegar a tal conclusão “Segundo a opinião dominante na literatura
nacional, a atividade desempenhada pela autoridade judiciária nos feitos englobados na rubrica
‘jurisdição voluntária’ tem natureza administrativa. (...) A intervenção do órgão judiciário na
autonomia privada ostenta inequívoca natureza jurisdicional. Duas razões concorrem nesse
sentido (a) a existência de lide (v.g. interdição), mas entendido o fenômeno no sentido pre-
conizado anteriormente, ficando superada a objeção levantada a esse ponto específico; (b) a
distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária repousa na matéria, e, não, nas
características – afinal, aí também se verifica a palavra final do órgão judiciário. E mesmo os que
a consideram atividade administrativa não deixam de reconhecer que as respectivas normas
têm a natureza própria do direito público e função instrumental. As principais objeções à tese
jurisdicional não resistem a mais breve análise: (a) a predominância do caráter preventivo, e,
não repressivo, não serva para destituí-la da condição de jurisdição, porque a função cautelar é
eminentemente preventiva; (b) a natureza constitutiva do provimento do juiz, e, não, declarativa
(apesar de órgão judiciário realizar o direito objetivo na jurisdição voluntária) encontra-se em
outras resoluções contenciosas; (c) há partes no processo de jurisdição voluntária, porque há
pedido e figurantes na relação processual; (d) a ausência de coisa julgada, além de mostrar-se
controversa ante o disposto no art. 1.111 do CPC/1973 – embora não reproduzida em termos
genéricos, a disposição imunizava o provimento aos fatos supervenientes e tal sói ocorrer
a qualquer sentença transitada em julgado –, verifica-se, por igual, em alguns processos de
jurisdição contenciosa (v.g., na execução); (e) o órgão judiciário atua imparcialmente e tem
a palavra final no assunto.” (Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição
de conflitos, vol. 1, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 579-580).
Jurisdição 107
a solucionar litígios propriamente ditos – temos que seu objetivo primordial consiste
na resolução de conflitos de interesse por meio de uma atividade coativa que se substi-
tui à vontade das partes. Em princípio, o estudo do Direito Processual Civil destinava-
-se ao exame da consecução deste objetivo pela via judicial, até porque preponderava
o entendimento, hoje bastante questionado, de que a função jurisdicional deveria ser
exclusiva dos entes estatais.
Mais modernamente, no entanto, observa-se considerável evolução de outros me-
canismos de solução de conflitos, tais como a arbitragem, a mediação e a conciliação,
que escapam à via estritamente judicial.24
Devido aos reflexos da utilização destes meios alternativos de solução de conflitos
sobre o estudo do processo judicial, seja por contribuírem efetivamente com a função
estatal de pacificação social, seja pelo interesse na análise comparativa entre esses mé-
todos e a via judicial, verifica-se o crescente interesse da processualística moderna so-
bre o tema.
Em razão disso, evidencia-se o alargamento do objeto da ciência do Direito Proces-
sual Civil, antes entendida como o estudo dos princípios e normas atinentes ao processo
judicial (de jurisdição contenciosa e voluntária), de molde a abranger, hodiernamente,
as diversas formas de solução de conflitos existentes na sociedade, independentemente
de constituírem função jurisdicional.
Há reflexos, no próprio conceito de jurisdição, decorrentes do crescente interesse
na autocomposição e em meios consensuais de resolução de conflitos. O CPC/2015,
nessa medida, apresenta uma série de dispositivos que permitem concluir por uma
preferência – ou uma intenção fortemente manifestada – nas soluções não conflitivas.
Mais adiante, no capítulo referente às normas fundamentais do direito processual civil,
a conciliação e a mediação serão mais bem tratadas.
24. Cf. Mauro Cappelletti, Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movi-
mento de acesso à justiça, Revista de Processo, 74/84-88. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun., 1994.
Para nós, o CPC/2015 claramente assimila essa tendência.
25. Esses trabalhos iniciaram-se com a Proposta de Emenda à Constituição 96-A, de 1992, de
autoria do Deputado Hélio Bicudo, projeto que foi remetido, em 30.06.2000, ao Senado
Federal, lá recebendo o número 29/2000. Essa PEC 29/2000 foi dividida em duas partes:
uma delas foi promulgada (EC 45/2004).
108 Manual de Direito Processual Civil
tativas sociais que existem, depende, principalmente, de mais verbas e de uma reestru-
turação funcional, especialmente à luz de critérios de organização racional do trabalho.
Isto, por ser verdadeiro, revela quão inócuas são determinadas críticas dirigidas ao
Poder Judiciário, pois a maioria dessas críticas não contém nelas embutidas qualquer
perspectiva de solução, o que revela serem produto de discurso demagógico.
O que efetivamente aflige, não somente ao Poder Judiciário, mas a nação toda, é a
própria situação em que se encontra o Estado brasileiro, isto é, o seu aparato estatal,
que se revela manifestamente insuficiente diante das solicitações feitas. Tratamos desse
assunto há quase vinte anos, e o que então se disse se revela inteiramente atual.26
Tendo presente a Emenda Constitucional 45/2004, devemos notar os seguintes as-
pectos mais relevantes:
Por meio do art. 2.º da Emenda, e inserindo no texto constitucional o art. 103-B, foi
criado o Conselho Nacional de Justiça e foram indicados os seus integrantes, que exer-
cem seu mister por dois anos, admitida uma recondução. Esse Conselho contribui para
aprimorar o funcionamento da Justiça, competindo-lhe (art. 103-B, § 4.º) controlar a
“atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres
funcionais dos juízes”, podendo vir a ter outras atribuições que lhe sejam “conferidas
pelo Estatuto da Magistratura”.27
Relativamente aos direitos, garantias e deveres de juízes e membros do ministério
público: (a) a EC 45 estabelece que a magistratura deve ter atividade ininterrupta, o
que se nos afigura correto e atende às expectativas sociais (art. 93, XII, da CF/1988); (b)
passa a ser exigido para o ingresso na carreira da magistratura e do ministério público
que o candidato tenha, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 93, I e art. 129,
§ 3.º, da CF/1988); (c) veda-se aos juízes o exercício da advocacia no juízo ou no tribu-
nal do qual se afastou, antes de decorrido o prazo de três anos contados do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneração (art. 95, parágrafo único, V); (d) alteração
26. “Se, no plano da ‘promessa da lei’, é grande a oferta, é certo, todavia, que essa ‘oferta’
somente será verdadeira dependentemente da atividade do Estado, o que inclui o Poder
Judiciário. Seria uma profunda inutilidade um trabalho deste jaez que, se alguma utilidade
puder ter, será a de comportar uma ‘leitura iluminada’ – ou, com mais precisão, lamenta-
velmente – ofuscada pela nossa realidade. Dissemos que toda a gama de direitos existentes,
processuais e materiais, necessitam de um Estado para torná-los existentes” (Anotações
sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao
lado da do direito material. Salvio de Figueiredo Teixeira (coord.). As garantias do cidadão
na justiça, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 184).
27. A constitucionalidade das atribuições do Conselho Nacional de Justiça já foi declarada
pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.367, rel. Min. Cezar Peluso: “são constitucionais
as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004,
instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Po-
der Judiciário nacional”. O julgado ressaltou a natureza estritamente administrativa – e não
jurisdicional – do Conselho Nacional de Justiça, além de haver assinalado a incompetência
daquele órgão para fiscalizar as atividades dos ministros do Supremo Tribunal Federal (ADI
3.367, j. 13.04.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 22.09.2006).
Jurisdição 109
nas regras para promoção de magistrados (art. 93, II), dispondo-se, ainda, que não será
promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo le-
gal, “não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão” (art. 93,
II, e). Ademais, no art. 95, parágrafo único, IV, veda-se ao juiz receber, em razão de seu
cargo e a qualquer título, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades (pú-
blicas ou privadas), com exceção das hipóteses já previstas em lei.
Na redação do art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, assegura-se – o que correlatamente
impõe o respectivo dever à magistratura – “razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”, o que, certamente, significa menos que essa
norma possa ser cumprida, mas implica, em verdade, que haverão de ser proporcionadas
condições melhores para a magistratura, pois, sabidamente, nossa sobrecarga de trabalho
é das maiores do mundo. Ainda, na vertente desse mesmo valor que se procura assegurar
– celeridade da atividade jurisdicional –, o art. 93, II, e, da CF/1988 estabelece, como nos
referimos, a inviabilidade de promoção do juiz que, injustificadamente, retiver autos em
seu poder, além do prazo legal, prescrevendo que só poderá devolvê-los ao cartório com
o despacho cabível ou com a decisão que haja de ser proferida. Esse texto, porém, faria
mais, ou, ao menos algum sentido, se existissem condições materiais para a sua realiza-
ção prática integral, ou, então, só terá sentido quando essas condições vierem a existir.28
No art. 5.º, § 3.º, da CF/1988 – ainda que o tema fuja da reforma do Judiciário –, den-
tro de determinadas condições, passou a ser atribuído aos “tratados e convenções in-
ternacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”, a equi-
valência ou a categoria jurídica de emendas constitucionais, com o que tais tratados e
convenções, que se situavam na hierarquia de lei ordinária, passaram a ser hierarquica-
mente privilegiados, dado que podem ser categorizados como emendas constitucionais.29
28. “Dada a profunda diversidade da performance da justiça nos vários quadrantes do Brasil,
a aferição do ‘prazo razoável’ será absolutamente diferenciada de Estado para Estado,
seja no âmbito da Justiça Estadual, seja no dos Tribunais Federais. De um modo geral, pela
inarredável falta constante de recursos materiais destinados ao Poder Judiciário, a justiça
no Brasil é lenta...” (José Rogério Cruz e Tucci. Duração razoável do processo, In: Araken
de Assis, Eduardo de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr., Rodrigo Mazzei, Teresa Arruda Alvim
Wambier e Thereza Alvim, Direito Civil e Processo: Estudos em Homenagem ao Professor
Arruda Alvim, São Paulo: Ed. RT, 1995, p. 1.086). Já Araken de Assis analisa a alteração
constitucional sob o enfoque das reformas na legislação processual para concluir que “as
reformas parciais, até agora, produziram escassos resultados concretos. E, desmoralizada
pelos fatos, a terapêutica tende a se esgotar e abalar os fundados anseios de simplicidade do
processo brasileiro. Não existe consenso quanto ao diagnóstico por falta de dados. Mas te-
me-se o consequente tratamento de choque se a realidade vier à tona” (Duração razoável
do processo e reformas da lei processual civil, In: Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda
Alvim Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José
Carlos Barbosa Moreira, São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 201).
29. É pertinente a anotação de José Miguel Garcia Medina no sentido do cabimento de recurso
extraordinário contra decisão judicial que contrarie tratados e convenções internacionais.
Por terem sido erigidos à categoria de emendas constitucionais, tais tratados e convenções
não se amoldam – como os demais – à hipótese de cabimento de recurso especial prevista
110 Manual de Direito Processual Civil
Ainda, na EC 45/2004, o art. 103-B, § 7.º, dispõe que “a União, inclusive no Distrito Fe-
deral e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e
denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou con-
tra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça”.
No que diz respeito à atividade jurisdicional propriamente dita, devem ser sublinha-
dos: (a) há previsão para a interposição de recurso extraordinário nos casos em que a
decisão recorrida “julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (art. 102, III,
d);30(b) delimitam-se as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, na redação
prevista para o art. 102, § 3.º, devendo-se, nesses casos de insurgência recursal, além
dos requisitos de cabimento, “demonstrar a repercussão geral das questões constitu-
cionais discutidas no caso”, de tal forma que, se estiver presente essa repercussão, além
dos demais requisitos de admissibilidade, é que terá cabimento o recurso. Esta medida
é digna dos maiores e melhores elogios, pois ajusta o cabimento dos recursos “extraor-
dinários lato sensu” às finalidades para as quais existem os Tribunais de cúpula, sendo
que o preenchimento deste novo requisito deve observar os termos da regulamentação
legal;31 (c) com a EC n. 3/93 foi alterada a redação da alínea a do inciso I do art. 102 da
no art. 105, III, a, da CF/1988, mas, isto sim, àquela inscrita na alínea a do art. 102, III, do
texto constitucional (José Miguel Garcia Medina, Variações recentes sobre os recursos ex-
traordinário e especial – Breves considerações, in Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda
Alvim Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José
Carlos Barbosa Moreira, São Paulo: RT, 2006, p. 1.051).
30. Ao analisar o dispositivo em foco, Leonardo Greco termina por concluir que “A Emenda
eleva ao grau de questão constitucional a chamada inconstitucionalidade reflexa. Resta saber
se o STF adotará a mesma orientação nas ações de controle concentrado” (A reforma do
Poder Judiciário e o acesso à Justiça, Estudos de direito processual, Campos de Goytacazes:
Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 583). Posição simétrica é a de José Miguel
Garcia Medina, que, amparado na doutrina argentina, classificou a hipótese da alínea d
como “questão constitucional complexa indireta”, a qual “ocorre quando houver conflito
entre normas infraconstitucionais, suscetível de violar o princípio da hierarquia das leis, tal
como traçada pela Constituição Federal” (Variações recentes sobre os recursos extraordi-
nário e especial – Breves considerações, In: Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier (orgs.), Processo e Constituição: estudos em Homenagem ao Professor José Carlos
Barbosa Moreira, São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 1.056).
31. A esse propósito escrevemos: “Avulta, por tudo quanto se disse, enormemente de impor-
tância o reflexo do conteúdo das soluções, em face de determinados pronunciamentos
jurisdicionais, diante da posição ocupada pelo Tribunal na estrutura do Poder Judiciário,
alojada no cume da sua pirâmide. Conquanto a validade e a eficácia das decisões seja,
normalmente, circunscrita às partes, as proferidas pelos Tribunais de cúpula transcendem
o ambiente das partes, e, com isto, projetam-se o prestígio e autoridade da decisão nos
segmentos, menor da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito, e, mesmo
em espectro maior, para a sociedade toda. É nesta segunda perspectiva, em grau máximo,
que se inserem, por excelência, as decisões do Superior Tribunal de Justiça. Sendo o mais
elevado Tribunal em que se aplica o direito federal infraconstitucional, ao afirmar a correta
inteligência do direito federal – e é sempre isso que afirma o STJ, e não outra coisa –, o valor
e o peso inerentes a tais decisões é enorme, por causa da posição pinacular do STJ. Esta é
a razão em virtude da qual tais pronunciamentos exorbitam do interesse das partes, proje-
Jurisdição 111
tando-se para toda a sociedade a verdade do seu entendimento e nesta influindo (ver nosso
A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a
relevância das questões, que escrevemos a convite do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira In
STJ 10 anos: obra comemorativa: 1989-1999, Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999).
32. Pode-se, neste particular da cassação da decisão judicial, vislumbrar alguma inspiração nas
origens do Tribunal de Cassação francês, decorrente da Lei de 19.11.1790, cujo escopo,
no dizer de P. Foriers, era o de assegurar-se “um controle da lei, do seu conteúdo, de sua
observância por parte dos juízes de méritos, com o fito de salvaguardar a obra legislativa”,
vale dizer, com o objetivo de “proteger a lei” (v. Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova
retorica, n. 26, Milano: Giuffrè, 1996, p. 75).
112 Manual de Direito Processual Civil
33. Consultar o trabalho de Celso Ribeiro Bastos sobre o Perfil constitucional da ação direta de
declaração de inconstitucionalidade, em RDP 22/78 (tese de doutoramento na PUC – SP),
São Paulo: Ed. RT, out.-dez., 1972; também sobre o controle abstrato de constitucionalidade
e a estabilidade das decisões proferidas nessa seara ver obra A estabilidade das decisões no
controle concentrado de constitucionalidade abstrato, de Rennan Faria Kruger Thamay, São
Paulo: Almedina, 2016.
34. Neste sentido, ADI 347, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20.09.2006, DJ de
20.10.2006; RE 421.256, j. 26.09.2006, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, DJ de 24.11.2006.
Já se decidiu, no entanto, que, havendo propositura simultânea de ADIn contra lei estadual
perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça, deve-se determinar a suspensão
do processo no âmbito da justiça estadual, até a deliberação definitiva do STF (STF, Pet.
2.701-AgR, rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, DJ 19.03.2004).
Jurisdição 113
35. A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas
das Assembleias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade,
vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência temática da norma impugnada
com os objetivos do autor da ação. Nesse sentido: ADIn 305, RTJ 153/428; ADIn 1.151,
DJ 19.05.1995; ADIn 1.096, LEX-JSTF 211/54; ADIn 1.519, j. 06.11.1996; ADIn 1.464,
DJ 13.12.1996 – Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os
objetivos da entidade de classe autora da ação direta” (STF, ADIn 1.507-MC-AgR, rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 06.06.1997).
114 Manual de Direito Processual Civil
36. Quanto a isso, veja-se o parágrafo único do art. 949 do CPC/2015: “Os órgãos fracionários
dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitu-
cionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal
Federal sobre a questão”.
37. O STF já entendeu o art. 97 da Constituição de maneira menos rígida naqueles casos em que
se encontram cumulativamente satisfeitos os seguintes requisitos: já tenha sido pronunciada a
inconstitucionalidade de determinado ato estatal pelo Pleno do STF e que já exista, no âmbito
do tribunal a quo, precedente plenário no mesmo sentido, ainda que desse pronunciamento
não tenha resultado o formal reconhecimento da inconstitucionalidade da regra questionada
(RE 190.725, rel. para o acórdão Min. Ilmar Galvão). Mais recentemente, decidiu-se que
“reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar –
afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos
alegadamente extraídos da Constituição” (RE 432.597-AgRg, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 18.02.2005). Atualmente, a questão é objeto da Súmula Vinculante 10, cujo enunciado
assim dispõe: “Viola cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracio-
nário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
38. Cf. Michel Temer. Elementos de direito constitucional, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1992,
p. 42: “Por esse meio objetiva-se obter a invalidação da lei, em tese. No debate posto na
ação direta de declaração de inconstitucionalidade não há caso concreto a ser soluciona-
do. Almeja-se expurgar o sistema de ato normativo que o contrarie, independentemente
de interesses pessoais ou materiais”. No mesmo sentido, v. Rennan Thamay “O controle de
constitucionalidade é a forma de se adequarem os atos normativos e as normas infracons-
titucionais à Constituição, por ser a Carta Política a norma nacional de maior hierarquia e
que dispõe, em caráter normativo geral, sobre todos os aspectos. Com efeito, o controle de
constitucionalidade pressupõe que a constituição é a norma mais importante de um país e,
Jurisdição 115
É um processo que se inicia por um requerimento, que não pode, todavia, ser con-
fundido com um pedido, tal como se faz no processo civil comum. Ademais disto, for-
mulada tal postulação, essa viabiliza ampla margem de exame da constitucionalidade,
dado que não há adstrição à ou às inconstitucionalidades apontadas nesse requerimen-
to, senão que, o pano de fundo é a Constituição toda.39
Se a ação é de inconstitucionalidade, julgada improcedente, por ser ação dúplice, o
resultado é o da afirmação da constitucionalidade. E isso é necessariamente feito à luz
da Constituição toda.
Ainda, e, conquanto tenha havido dúvidas no STF, assentou-se não haver possibi-
lidade de desistência desta ação direta, uma vez desencadeado o respectivo processo,
objetivo e abstrato.40
Seja em relação à ação direta de inconstitucionalidade, seja em relação à ação decla-
ratória de constitucionalidade, a Constituição Federal é o “pano de fundo” em relação ao
qual se avalia a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade. Daí a inviabilidade de
impugnação ulterior, como ainda, a extensão máxima da eficácia do que foi decidido,
vale dizer, essa ocorre em extensão máxima, e, não congruentemente com a função do
“pedido”, que não é pedido propriamente dito. Aquele que inicia a ação sobre a consti-
tucionalidade ou sobre a inconstitucionalidade é um substituto processual da sociedade.
E a extensão dos efeitos em todo o território, explica-se por ser um processo coletivo.
Diferentemente da decretação incidental de inconstitucionalidade, a ação direta de
inconstitucionalidade (art. 103 da CF/1988) é uma demanda declaratória, o que gerou
discussão relativa à possível retroatividade dos efeitos da sentença de procedência que
nela viesse a proferir. Isto foi bastante discutido em nossa literatura. Parte da doutrina
se inclinava pela posição segundo a qual a lei declarada inconstitucional nunca poderia
ter produzido efeitos. Parte outra da doutrina, porém, propugnava no sentido de que
fossem resguardadas as situações jurídicas, nascidas ao abrigo desta lei, de que fazem
parte indivíduos de boa-fé, após escoado o prazo para a propositura de ação rescisória.
No sentido do caráter declaratório e retroativo da declaração de inconstitucionalidade,
emitimos Parecer,41 que resultou acolhido pelo STJ.42
evidentemente em razão disso, deve ter protegidos sua supremacia e os direitos e garantias
dela decorrentes. Assim, controlar a constitucionalidade é, pois, verificar a adequabilidade
de determinada lei ou ato normativo para com a constituição, especificamente em seus
aspectos formais e materiais.” (A estabilidade das decisões no controle concentrado de
constitucionalidade abstrato, São Paulo: Almedina, 2016, p. 55).
39. “A delimitação do objeto da ação declaratória de constitucionalidade não se adstringe aos
limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes da controvérsia judicial
que o autor tem que demonstrar” (STF, ADC 1, rel. Min. Moreira Alves, DJ 16.06.1995).
40. STF, ADIn 164, rel. Min. Moreira Alves, DJ 17.12.1993. No mesmo sentido: STF, Pleno,
ADI-MC 892/RS; rel. Min. Celso de Mello; j. 27.10.1994; DJ 07.11.1997, p. 57230, STF,
Pleno, ADI-MC 1368/RS; j. 19.12.1995, rel. Min. Néri da Silveira DJ 19.12.1996, p. 51765.
41. Arruda Alvim. Soluções práticas de direito, vol. 1. São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 268-289.
42. Cf. Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 10, p. 164 e ss., especificamente p. 167,
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 93-PR, rel. Min. Armando Rollemberg.
116 Manual de Direito Processual Civil
Atualmente em face da Lei 9.868, de 10.11.1999, podemos dizer que essa questão
restou superada. Sublinhemos, desde logo, que o art. 11, §1º, assim dispõe: “A medida
cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o
Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa”. E, no § 2.º, em decorrên-
cia e congruência com o decidido em relação à suspensão liminar da lei, está dito que a
concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo
expressa manifestação em sentido contrário.43 E, por fim, em relação à ação direta de in-
constitucionalidade, dispõe o art. 27 da Lei 9.868: “Ao declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi-
cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
O que constatamos, portanto, é que a regra enseja flexibilidade em atenção aos refe-
renciais que do próprio texto constam. Parece ser a melhor solução.44
Percebemos, ainda, pela leitura desse art. 27 que subsiste a regra geral de que a in-
constitucionalidade compromete a lei desde o seu nascedouro; no entanto, pela maioria
qualificada de dois terços dos membros será possível alterar-se essa regra. Constata-
mos mais, que pelo art. 28, se incluem no regime desta lei, sobre constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, as hipóteses de interpretação conforme a Constituição e a decla-
ração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, com vistas à eficácia erga
omnes e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração
Pública federal, estadual e municipal.
A “interpretação conforme a Constituição”, que se encontra disciplinada nesta Lei
9.868/1999, deve ser compreendida e assimilada, mas não identificada, a um juízo de
inconstitucionalidade. Está implicado nesta modalidade de interpretação um juízo,
a respeito de uma norma, dele resultando a interpretação que se julga compatível com
a Constituição, e, paralelamente, afasta-se aquela (s) que não é compatível com a mes-
ma Constituição.45 Não é, para isso, necessário (e nem isso seria possível) modificar o
texto da norma. Ainda que a norma comporte mais de uma interpretação, a que não é
congruente com a Constituição haverá de ser afastada, o que é redutível a um juízo de in-
constitucionalidade sobre a lei, ou, mais precisamente, sobre um possível significado da
lei, dado que esse significado resulta incompatível com a Constituição.46 A tarefa do Su-
43. Não se trata, propriamente, de repristinação da lei precedente, pela razão de que, se a lei
ulterior e que teria revogado essa lei anterior, vem a ser havida como inconstitucional, essa
revogação, em realidade, não ocorreu.
44. Cf., na literatura recente, a obra Nulidades de processo e da sentença, 7. ed. rev. atual. e
ampl., São Paulo: Ed. RT, 2014, de Teresa Arruda Alvim Wambier, em que o tema é analisado
com profundidade.
45. Sobre a interpretação conforme e as sentenças interpretativas em geral, ver com grande
proveito: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2016,
p. 285-300.
46. V. a respeito, Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade – Aspectos jurídicos
e políticos, Capítulo IV, Secção II, § 1.º, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 294-295.
Jurisdição 117
premo Tribunal Federal, no caso, é a de perquirir com exaustão o significado da lei, in-
clusive em função de gênese, não podendo atribuir à lei significação que essa não tenha;
mas, tendo significação compatível com a Constituição, deverá reconhecer esse senti-
do, afastando o que não é compatível.
À disposição dos legitimados constitucionais está também a ação declaratória de
constitucionalidade (arts. 102, I, a, e § 2.º, e 103 da CF), cuja decisão produzirá eficácia
erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e
ao Poder Executivo, disciplinada também pela Lei 9.868/1999, juntamente com a ação
direta de inconstitucionalidade.
Devemos examinar, mais de espaço, o assunto da declaração incidental e da ação
direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade.
Os âmbitos de abrangência da ADI (assim como da ADC) e da declaração inciden-
tal são bastante diversos, como já apontou Nunes Leal: “não se pode pleitear a invalida-
de, em tese, de uma lei por ação ordinária. Essa limitação, operante em relação a qual-
quer processo judicial, não importa de que rito, resulta da própria natureza da função
jurisdicional”.47
Quando contrastamos, diretamente, a validade da norma infraconstitucional com
a norma constitucional, temos tipicamente juízo abstrato, seja na hipótese de ser plei-
teada a inconstitucionalidade, ou a constitucionalidade. Esse juízo envolve, sempre, a
comparação das normas, devendo a inferior ser compatível com a superior. Essa com-
patibilidade da norma inferior com a superior não se exaure na temática da (in)cons-
titucionalidade, pois, por ex., o decreto regulamentar tem de ser compatível com a lei
que regulamenta.
Esse tipo de juízo é próprio da ação direta de inconstitucionalidade “que, assim,
se restringe ao exame dos dispositivos (ou de partes deles) (...), cabendo-lhe (ao STF)
examinar as normas atacadas em face de toda a Constituição Federal”.48 A norma que
se pretende seja inconstitucional é um referencial pontual, ao passo que o seu exame é
feito tendo como pano de fundo a Constituição Federal toda, segundo este último en-
tendimento. Este afigura-se-nos o correto, diante da circunstância de a ação direta de
inconstitucionalidade ter de conduzir a um juízo positivo ou negativo, ou seja, a norma
é ou não é constitucional. Por outro lado, pode-se dizer que o exame da norma havida
47. Cf. Nunes Leal, Problemas de direito público, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 447-448.
Nessa mesma linha, ensina Celso Agrícola Barbi que, ainda quando se admite a utilização da
via mandamental contra leis de efeitos concretos ou autoexecutáveis, não se está atacando
diretamente a lei, senão que apenas se busca cortar seus efeitos dentro do caso concreto, in
verbis: “No caso, por exemplo, das leis autoexecutáveis, a sentença judicial não poderá ter
nunca o alcance de anular, aniquilar a lei, como não o poderia ter em relação a qualquer lei.
Seu efeito seria apenas de subtrair o autor da demanda aos efeitos da lei inconstitucional”
(Cf. Celso Agrícola Barbi, Do mandado de segurança, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980,
p. 148).
48. Cf. Min. Moreira Alves, A evolução do controle da constitucionalidade no Brasil, p. 9,
publicado em As garantias do cidadão na justiça, obra coletiva sob a coordenação do Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo: Saraiva, 1993.
118 Manual de Direito Processual Civil
como inconstitucional, em face do texto “x” ou “y”, poderá sê-lo em face do texto “z”.
E, esse exame em face de toda a Constituição deve ser, mutatis mutandis, a aplicação do
princípio iura novit curia, nessa modalidade de julgamento.
A inconstitucionalidade incidental só pode ser pedida como fundamento de uma
ação, em qualquer processo, e é decidida no seu âmbito, o qual, em relação à questão
da inconstitucionalidade, tem vida própria, constituindo-se a questão da inconstitu-
cionalidade numa prejudicial.49
Os pressupostos da declaração incidental são, no dizer do Professor Alfredo Buzaid,
os seguintes: “(a) a propositura de ação; (b) o exercício do poder jurisdicional; (c) o jul-
gamento da questão incidenter tantum, não podendo constituir objeto principal da causa,
nem ser pleiteada por ação direta; (d) o Judiciário só age por provocação do interessa-
do, jamais ex officio, não decidindo nunca em abstrato, mas sempre o caso concreto”,50o
que não significa que fique adstrito, todavia, ao texto constitucional havido como ferido.
Entretanto entendemos que o Judiciário em detectando ser o pedido (ou a defesa) in-
constitucional independe de provocação da parte para rejeitá-lo por esse fundamento.
Em nosso sistema positivo, no caso de declaração incidental de inconstitucionalida-
de, qualquer outro juízo pode, sobre a questão da inconstitucionalidade, decidir dife-
rentemente.
Ainda o mesmo jurista observa que no litígio constitucional, se o objeto do processo
fosse a lei, não o direito subjetivo da parte, poder-se-ia disciplinar diferentemente, exata-
mente como veio a acontecer com a ação declaratória (ou direta) de inconstitucionalidade,
“enquanto os juízes [na declaração incidental] resolvem in casu o direito do particular,
ameaçado ou violado por ato ilegal da legislatura ou do executivo, os efeitos do julgado
valem inter partes, não se estendendo erga omnes”.51
É importante discriminar um processo comum daquele em que se fere o juízo abs-
trato de inconstitucionalidade (ou abstrato de constitucionalidade). O processo co-
mum é construído sempre e indispensavelmente sobre fatos históricos,52 ao passo que
fatos tais são estranhos ao juízo de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
cingindo-se este à comparação entre a norma infraconstitucional e a constitucional,
a ver se aquela é compatível com esta, sendo que a ordinária recolhe sua validade da
constitucional.53 Nesse tipo de juízo há, apenas, o confronto de normas com vistas a
verificar e decidir se a norma inferior colide ou se choca com a constitucional.
Devemos distinguir, nitidamente, a respeito da eficácia de uma e de outra ação, ou, mais
precisamente, da decisão respectiva. A declaração incidental, restrita que é às partes, gera,
apenas, ineficácia da lei para um dado caso, e é exatamente por isso que se faz impres-
cindível identificar faticamente qual é esse dado caso.54A lei não valerá no âmbito desse
litígio (= litígio real e concreto). Na declaração incidental, uma vez declarada, há uma rela-
ção jurídica a ser fulminada, concretamente, mas a lei continua a ser havida como válida. 55
Se é próprio do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de lei, nem por
isto todos os seus órgãos podem fazê-lo da mesma forma e por meio do mesmo proces-
so. Todo e qualquer juiz pode declarar incidentalmente a inconstitucionalidade. Princi-
paliter, somente os tribunais para os quais foi estabelecida a competência, como o STF
e os Tribunais de Justiça, estes no que diz respeito a leis estaduais e municipais inconsti-
tucionais, umas ou outras, em face das Constituições estaduais respectivas. A declara-
tória de constitucionalidade, todavia, é de competência originária do STF.
A ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, e § 2.º, disciplinado pela
Lei 9.868, de 10.11.1999), diz respeito a “lei ou ato normativo federal”. Neste particular,
tem âmbito menor do que o da ação direta de inconstitucionalidade, que compreende
“lei ou ato normativo federal ou estadual”. Ambas, de toda forma, têm eficácia erga om-
nes e efeito vinculante. Isto significa que uma tal decisão não pode ser desobedecida,
por nenhum jurisdicionado, como, ainda, os próprios órgãos do Poder Judiciário e do
Executivo, nessas mesmas condições, a essa decisão estarão sujeitos.
A competência do Supremo Tribunal Federal para a declaração de constituciona-
lidade ou inconstitucionalidade – por meio de ADC ou de ADI – é exclusiva. Nenhum
outro órgão pode declarar em abstrato inconstitucionalidade de lei federal ou estadual
porque em colisão com a Constituição Federal.
Diferentemente e com âmbito restrito – como se disse –, é reconhecida a possibi-
lidade de declaração incidental a todo o Poder Judiciário, ou seja, todo e qualquer ór-
gão pode emitir pronunciamento declarativo de invalidade ou de ineficácia, restrito à
espécie submetida a julgamento, o que decorre, de um lado, da noção de Constituição
rígida e, de outro, da função do Judiciário de pronunciar o direito aplicável à espécie.56
53. É o que, ainda uma vez, a respeito dessa compatibilidade, ensina o Professor Alfredo Buzaid:
“uma lei é inconstitucional quando ela, no todo ou em parte, ofende a Constituição” (Buzaid,
op. cit., n. 12, p. 43).
54. Cf. Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, 3. ed.,
São Paulo: Ed. RT, 1992, p. 107.
55. Idem, p. 108, e José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, vol. 1, São
Paulo: Ed. RT, 1976, p. 23.
56. O mesmo não ocorre, de modo absoluto, em relação ao STJ: “Não se contesta que, no
sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais
órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentemente a
inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso
120 Manual de Direito Processual Civil
59. A suspensão a que pode proceder o Senado Federal (art. 52, X, da CF/1988) é, ainda hoje,
discutida, no sentido de se saber se, essa suspensão que pode decorrer, exclusivamente, do
julgamento incidental de inconstitucionalidade pelo STF, confere publicidade ao julgamento,
ou, então, se inviabiliza, a partir da suspensão, a aplicação da lei, havida incidentalmente
como inconstitucional.
60. V. Min. Moreira Alves, A evolução do controle da constitucionalidade no Brasil, p. 9, publi-
cado em As garantias do cidadão na justiça, obra coletiva sob a coordenação do Min. Sálvio
de Figueiredo Teixeiral, São Paulo: Saraiva, 1993.
61. V. Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, atual. José
de Aguiar Dias, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 101, onde diz: “O que se infere daí é,
precisamente, que os tribunais não admitem a ação que tenha por fim, apenas, declarar a
inconstitucionalidade sem qualquer ligação com uma hipótese concreta. Mas, desde que
existe, ou possa existir, um litígio e que para sua decisão seja mister o exame da eficácia da
lei, pouco importa a forma processual adotada”.
62. O objeto da ação direta tem como “objeto a declaração de tal inconstitucionalidade, em
tese, independentemente de lesão a direito individual” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
Comentários à Constituição brasileira, vol. 2, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 211). Como
diz Rennan Thamay “vem o controle concentrado de constitucionalidade abstrato, típico
processo objetivo que se dará por meio de ações específicas que poderão questionar a
(in) constitucionalidade de atos normativos ou leis em face da constituição e, por vezes,
controlar o desrespeito a preceito fundamental e não pela via recursal (...). O processo de
controle de constitucionalidade consubstancia-se, por sua essência, em resolver ques-
tões que envolvam a norma ou, ainda, sua respectiva interpretação.” (A estabilidade das
decisões no controle concentrado de constitucionalidade abstrato, São Paulo: Almedina,
2016, p. 75-76).
122 Manual de Direito Processual Civil
63. V. Michel Temer.Elementos de direito constitucional, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 45: “O
art. 102, I, “p”, estabelece a possibilidade de solicitação de medida cautelar nas representações
por inconstitucionalidade. Seu objeto é a paralisação da eficácia do ato normativo enquanto
a representação pender de julgamento. O pressuposto (implícito) do pedido é a ocorrência
de lesão irreparável às pessoas, à sociedade, à ordem, à segurança e à economia pública,
de modo a não poder aguardar-se o julgamento final e a suspensão de eficácia pelo Senado.
Somente será deferida se, no período que medeia entre a propositura da ação e a eventual
declaração de inconstitucionalidade, puder verificar-se a ocorrência de atos que impeçam,
após a declaração, a recomposição de direitos vulnerados. A concessão da liminar, no caso, é
exceção ao princípio segundo o qual os atos normativos são presumidamente constitucionais.
Sendo excepcional, a sua interpretação é restritiva. A regra é a não invalidação apriorística do
texto normativo. A concessão da liminar produz esse efeito antes da declaração definitiva”.
64. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 1, São Paulo: Ed. RT, 1975, p. 163
e ss.; mais recentemente, nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: Ed. RT,
1990, p. 165 e ss.
65. Esse é o conteúdo do enunciado da Súmula nº 473 do STF, in verbis, “A administração pode (na
realidade, deve) anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”.
Jurisdição 123
66. STF, RE 632853, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 23.04.2015.
67. Uma análise detalhada do suposto conteúdo da “discricionariedade administrativa” está
em Georges Abboud. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a
decisão judicial, São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 116-124.
124 Manual de Direito Processual Civil
68. Como mais um argumento irrefutável de que existe a aplicação do princípio do contraditório
também em procedimento administrativo, destaca-se a Súmula nº 343 do STJ, que prevê ex-
pressamente que: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do procedimento
administrativo disciplinar”. Lembre-se ao lado desse entendimento o da súmula vinculante
3, primeira frase: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação
de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.
69. Leiam-se os textos abaixo, parte do art. 1º da lei 13.245, que deu nova redação ao art 7º do
EOAB:
“Art. 7o..(...)
XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos,
em meio físico ou digital;
(...)
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nuli-
dade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos
os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indire-
tamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
Jurisdição 125
70. Veja-se o trecho, ainda na década de 1950, de Leo Rosenberg: “la jurisprudencia de los
tribunales superiores sirve para dirigir y formar a los inferiores, para elevar su administra-
ción de justicia y unificar la aplicación del derecho” (Tratado de derecho procesal civil, t.
II. Buenos Aires: E.J.E.A., 1955, p. 353).
71. “O princípio da isonomia significa, grosso modo, que todos são iguais perante a lei, logo,
a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o prin-
cípio) devem fazer os tribunais, respeitando o entendimento tido por correto e decidindo
de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico.” (v. Teresa Arruda Alvim
Wambier e Bruno Dantas, Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos
tribunais superiores no direito brasileiro, 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT, 2016,
p. 124).
72. Teresa Arruda Alvim Wambier e Bruno Dantas, cit., p. 123.
73. “Não apenas o princípio da segurança jurídica, como visto, mas também o princípio da
lealdade e da boa-fé e da confiança legítima se oporiam e do modo mais cabal possível a que
uma mudança de orientação do Poder Judiciário na matéria viesse a ter tão gravosos efeitos”
(cf. Celso Antonio Bandeira de Mello. Segurança jurídica e mudanças de jurisprudência.
In Revista de Direito do Estado, n. 6, Rio de Janeiro, 2007, p. 335).
74. Eduardo Cambi. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, São Paulo: Ed. RT,
abr., 2001.
75. “No Brasil, parcela significativa dos juízes de primeiro grau de jurisdição e dos Tribunais de
Justiça e Regionais Federais não respeitam os precedentes do STJ. Na verdade, esses juízes
e tribunais sequer argumentam para deixar de aplicar uma decisão da Suprema Corte.
O próprio STJ tem entendimentos diferentes a respeito de casos iguais. Isso ocorre não só
Jurisdição 127
quando uma Turma diverge da outra. Uma mesma Turma, não raras vezes, não mantém es-
tável determinada decisão” (Luiz Guilherme Marinoni. A ética dos precedentes, São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 69).
128 Manual de Direito Processual Civil
76. A ressalva é importante porque, ao contrário dos demais enunciados sumulados, as Súmulas
Vinculantes são obrigatórias também perante os órgãos da Administração Pública, direta e
indireta (art. 103-A, da CF/1988).
77. “A despeito da inexistência de fundamento legal explícito para embasar tal raciocínio, dúvida
não há de que decorre ele de nosso sistema jurídico que não pode conviver com tamanho
desvio das decisões provindas das mais altas Cortes do país, justamente encarregadas pela
Lei maior de desenvolver a tarefa de controle da constitucionalidade (STF) e da legalidade
infraconstitucional (STJ)” (v. José Rogério Cruz e Tucci. O precedente judicial como fonte
de direito. São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 278).
78. No Brasil e nos países da cultura anglo-saxã, as razões que sustentam uma possível teoria
dos precedentes são semelhantes: “Igualdade (equity) no sentido de que todos devem
receber o mesmo tratamento do Poder Judiciário, de maneira que casos semelhantes rece-
bam respostas jurídicas equivalentes. Previsibilidade (predictability) enquanto se espera
que os juízes respeitem as regras e interpretações que já ficaram assentes, proporcionando
maior segurança jurídica. Economia (economy) por ser um sistema mais eficiente, já que
Jurisdição 129
seguir um precedente seria mais simples do que criar um precedente, facilitando o trabalho
dos magistrados. Respeito (respect) na medida em que são valorizadas a experiência e a
sabedoria dos magistrados de gerações passadas e dos tribunais superiores (só este último
aspecto está presente na nossa disciplina)” (Cf. Rodrigo Jansen. A súmula vinculante como
norma jurídica. Revista dos Tribunais,838/49, São Paulo: Ed. RT, ago. 2005).
79. Sobre a diferenciação necessária entre jurisprudência e “precedentes”, ver: Lenio Luiz
Streck e Georges Abboud. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. E ainda: Evaristo Aragão Santos. Em torno
do conceito e da formação do precedente judicial. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (org.).
Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 137.
80. Como reconhece José Carlos Barbosa Moreira, “a jurisprudência nunca perdeu por completo
o valor de guia para os julgamentos. Ainda onde se repeliu, em teoria, a vinculação dos
juízes aos precedentes, estes continuaram na prática a funcionar como pontos de referência,
sobretudo quando emanados dos mais altos órgãos da Justiça” (v.Súmula, jurisprudência e
precedente: uma escalada e seus riscos InTemas de direito processual, nona série. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 300).
81. Federick Schauer, sobre o tema, nota que um Sistema de precedentes envolve uma respon-
sabilidade especial, por conta do poder das cortes de comprometer o futuro antes de que
cheguemos lá (v. Precedent, Stanford law review, v. 39, 1987, p. 573).
130 Manual de Direito Processual Civil
possível, facilitando sua aplicação futura. É nesse particular que se exige, da jurisprudên-
cia, manter-se estável, íntegra e coerente. As três expressões parecem ter quase o mesmo
sentido, mas têm âmbitos de atuação ligeiramente diferentes na sistemática processual.
Estabilidade deve ser entendida como a mais básica das exigências da jurisprudên-
cia. Estável é o comportamento que não se altera; são os posicionamentos reiterados dos
tribunais. No entanto, mesmo o mais estável dos entendimentos pode não representar
a mais adequada e permanente interpretação e aplicação do ordenamento, motivo pelo
qual a jurisprudência deve também ter integridade. Esse conceito, que doutrinariamen-
te remete a teóricos como Ronald Dworkin,82 demanda que os tribunais ao aplicarem o
direito conjuguem a análise do passado e, ao mesmo tempo, do futuro (backward and
forward-looking) da questão jurídica que está sendo debatida, para ter uma noção da to-
talidade do fenômeno jurídico, contextualizando-o com o momento presente em que
a decisão será prolatada. É íntegra a decisão que reconhece a história institucional de
uma determinada questão – não deixando de observar sua aplicação ao longo dos anos
– e projeta para o futuro seus possíveis efeitos. Dessa tarefa – que não é simples, tendo
em vista a importância da decisão que se torna paradigma para o futuro – surge o dever
de coerência, que se relaciona com os precedentes na medida em que exige uma cons-
tante interação entre textos normativos, comportamento jurisprudencial e doutrina.
É coerente a decisão judicial que, além de estável e íntegra, não deixa de observar todo
o ordenamento jurídico,83 especialmente para rebater argumentos contrários que po-
deriam fulminar a tese a ser fixada.
Tendo em vista as três exigências estabelecidas pelo art. 926 do CPC/2015, a fixação
de uma tese é tarefa que, para ser adequadamente cumprida, decorrerá de uma minucio-
sa fundamentação decisória. O disposto no art. 489, §1º do CPC/2015 deve ser observa-
do com a máxima atenção nas decisões-paradigma. Digamos inclusive, que o art. 489,
§1º, IV, no caso específico da decisão que forma um precedente, não é suficiente como
exigência de motivação. O inciso mencionado diz não ser considerada fundamentada
a decisão que não enfrentar todos os argumentos contrários à conclusão tomada, o que,
via de regra, exclui a necessidade de debater também todos os argumentos favoráveis.
Em relação à decisão que fixa um precedente, parece-nos, porém, dever ela discorrer
sobre todos os argumentos das partes, sejam eles contrários ou favoráveis à conclusão
adotada pela corte.
Isso se dá em respeito à completude que é ínsita à decisão com efeito vinculante.
Apenas casos concretos que foram objeto de amplo debate devem ser pinçados para
julgamento nas técnicas de causa-piloto, e, portanto, apenas formarão teses jurídicas as
questões que tiverem sido extensa e detalhadamente analisadas.84 O motivo pelo qual a
82. Em especial Ronald Dworkin. Law’s empire. Harvard University Press, 1986, p. 245 e ss.
83. Cf. Neil Maccormick. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 80 e
et. seq.
84. Cf. Antonio do Passo Cabral. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de pro-
cessos repetitivos. Revista de Processo, 231/201-223. São Paulo: Ed. RT, mai., 2014. E ainda:
“Definir uma tese sem que o assunto esteja amadurecido ou amplamente discutido acarreta
Jurisdição 131
invocado tem força normativa sobre aquela situação concreta, por ser com ela condizen-
te. Dessa forma, o art. 489, §1º, V do CPC/2015 diz que não é fundamentada a decisão
que invoca um precedente ou enunciado de súmula e não identifica seus fundamentos
determinantes, nem demonstra que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamen-
tos. O trabalho do julgador é duplo: em primeiro lugar, delimitará sobre o que se trata o
precedente invocado (= quais as questões decididas, e por quais motivos foram decididas
daquela forma). Em seguida, demonstrará que no caso concreto o que precisa ser deci-
dido se amolda à decisão-paradigma (ao conteúdo desta que constitua ratio decidendi).
O que dá legitimidade à decisão que se curva a um precedente, portanto, é o fato de que
a fundamentação evidencia a igualdade entre o caso sob julgamento e o caso invocado
com força vinculante. A ideia é evitar as decisões, infelizmente muito comuns, que se
limitam a transcrever ementas ou trechos de julgados sem cotejá-los analiticamente.87
Por outro lado, a não aplicação de um precedente conduz a uma argumentação
igualmente vinculada, de acordo com o art. 489, §1º, VI do CPC/2015. Para distanciar-
-se dos parâmetros vinculativos jurisprudenciais, o juiz tem que demonstrar uma dis-
tinção entre a tese firmada e a da hipótese objeto da aplicação. O cerne desta técnica de
não aplicação são conceitos anglo-saxões de distinguishing e de overruling, utilizados
no Common Law.88
A técnica de distinção é o exato oposto da identidade necessária para aplicar um
precedente. O julgador deve, nessa hipótese demonstrar na fundamentação que o caso
concreto não se amolda ao que foi decidido pelo órgão que fixou a tese. Ou ainda, que a
tese não tem normatividade sobre a situação sob julgamento, por tratar esta de questões
não idênticas, mas distintas, impossível seu agrupamento em uma mesma categoria,
seja por analogia, seja por interpretação extensiva. Nesta hipótese, é o próprio dever de
coerência e de integridade que ordena que a distinção seja feita, já que aplicar desme-
didamente precedentes judiciais é indesejável ao sistema.
A superação precisa ser vista com cuidado. Via de regra, tratar-se-á da mesma ques-
tão jurídica decidida (portanto não sendo cabível a distinção), cuja tese fixada se pode
ter tornado obsoleta ou incompleta com o passar do tempo. É dizer, na superação é re-
conhecido que, para o caso idêntico, outra conclusão, diferente da tese fixada, é mais
adequada ao momento e ao contexto jurídico do tempo da decisão.
É imprescindível que as teses que tenham efeito vinculante sejam submetidas a um
constante controle de contemporaneidade, para evitar uma certa cristalização da aplica-
ção do direito. O regime de precedentes serve para uniformizar, e não para engessar ou
imobilizar a atividade judicante. No entanto, deve ficar muito claro que a verdadeira su-
peração só ocorrerá quando o próprio órgão que fixou a tese rever sua posição. Até que
87. Uma crítica interessante a essa estandardização do direito pode ser vista em Dalton Sausen.
Súmulas, repercussão geral e recursos repetitivos: crítica à estandardização do direito, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
88. Noções mais profundas sobre esses conceitos são bem descritas em Rupert Cross e J. W.
Harris, Precedent in English law. 4. ed. Clarendon Press, Oxford, 1991, p. 69 e ss.
Jurisdição 133
isso ocorra, o precedente não pode deixar de ser aplicado sob o argumento de que a tese
deveria ser superada. O CPC/2015, assim, compele o julgador a reconhecer que, quan-
do estiver diante de algum dos pronunciamentos do art. 927, deve submeter-se ao que
o Tribunal competente tiver decidido a respeito da matéria a ser julgada. Por outro lado,
o que os juízes podem (e devem) fazer é alertar para a necessidade de que o precedente
seja superado. Fala-se aqui da chamada sinalização.89 Em resumo: apenas o órgão que
formou o precedente pode superá-lo. A técnica de alerta deve servir para que, gradual-
mente, o órgão fixador da tese reveja seu posicionamento.90 É de se esperar que, ao lon-
go do tempo, uma série de decisões que alertem ou sinalizem a necessidade de mudança
façam com que a questão chegue, novamente, a ser decidida pelo órgão que prolatou a
decisão-paradigma. Trata-se de uma dinâmica própria do direito, que apenas responde
aos fenômenos sociais e deles se origina. Quando, então, a corte alterar sua tese, é pre-
ciso ter cuidado pois será alterada a pauta de conduta que até então servia de parâmetro
decisório. As expectativas jurídicas, criadas até então, serão modificadas, o que requer
novamente do tribunal uma consciência e responsabilidade grandes. Para dar legitimi-
dade à alteração de tese, podem inclusive ser convocadas audiências públicas, e serem
ouvidos amicus curiae que possam contribuir para a rediscussão do tema (art. 927, §2º,
do CPC/2015). O código exige ainda que, na superação de qualquer um dos pronun-
ciamentos vinculantes, sejam respeitados os “princípios da segurança jurídica, da pro-
teção da confiança e da isonomia” (art. 927, §4º).
Por último quanto a esse ponto, releva notar que o CPC/2015 permite expressa-
mente a modulação de efeitos em relação à tese que for alterada (art. 927, §3º). Trata-se
da situação em que, para preservar a segurança jurídica (isto é, não frustrar pautas de
conduta e expectativas jurídicas já consolidadas), o tribunal pronuncia-se sobre a su-
peração do entendimento mas delimita temporalmente quando a força vinculativa vai
passar a produzir efeitos. Não quis o código estabelecer limites a essa modulação, para
permitir que cada caso concreto seja adequadamente decidido neste ponto. Em face
disso, sempre que o interesse social ou a proteção da confiança dos jurisdicionados exigir,
há decisão, superando a tese, mas desde logo determinando, momento diferente do da
decisão, a partir de quando essa alteração desbordará seus efeitos para o restante dos
casos idênticos e futuros.
89. Cf. Novo código de processo civil comentado por Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz
Arenhart e Daniel Mitidiero São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 494.
90. Sobre a técnica do julgamento-alerta, ver: Antonio do Passo Cabral. A técnica do julgamen-
to-alerta na mudança de jurisprudência consolidada. Revista de Processo, 221/13-48. São
Paulo: Ed. RT, jul., 2013.
134 Manual de Direito Processual Civil
força vinculante; é o próprio código que estabelece, de antemão, o que vincula e o que
é meramente persuasivo. Esta é uma característica marcante do sistema do CPC/2015,
que requer um esforço dos órgãos prolatores de decisões vinculantes, no sentido de dar
publicidade de forma organizada aos seus pronunciamentos.
A publicidade, estabelece o CPC/2015, deve ser promovida preferencialmente na
rede mundial de computadores, e os precedentes devem ser organizados “por questão
jurídica decidida” (art. 927, §5º). 91 A tarefa dos tribunais, portanto, será, além de fixar
teses a respeito de questões repetitivas, identificar seu objeto corretamente; isto é, de-
vem ser conjuntamente evidenciados o contexto fático em que a decisão foi prolatada,
e a interpretação dada ao ordenamento. Essa conjugação (tese jurídica e fatos sobre os
quais ela foi firmada) deve ser facilmente delimitada pelos interessados, afinal o dever
de coerência e de integridade exigem a observância dos precedentes tanto para adotá-
-los quanto para se distanciar deles. Do contrário, se a publicidade dos precedentes for
realizada dando ênfase apenas à questão de direito decidida, possivelmente perdurará a
situação muito frequente de textos de julgados que são apresentados em petições e em
decisões sem a devida contextualização ao caso concreto,92 o que dificulta sobremanei-
ra a fundamentação adequada.93
Esse possível uso desconectado de precedentes é mais perceptível em relação aos
enunciados de súmula (art. 927, IV, do CPC/2015), que consistem em textos curtos, re-
sumos do entendimento do tribunal com base em uma série de casos concretos anali-
sados anteriormente. Diferentemente, os outros pronunciamentos constantes do rol
do art. 927 são decisões com relatório, fundamentação e dispositivo, o que facilita a
busca pelo seu contexto fático. O CPC/2015, consciente dos riscos da má utilização de
precedentes, ordena que “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se
às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” (art. 926, §2º).
91. Como comenta Guilherme Rizzo Amaral, “A medida é fundamental para que os precedentes
possam ser conhecidos não apenas pelos julgadores que haverão de observá-los, como também
pelas partes, inclusive para que pautem suas relações até mesmo fora do processo, evitando-se
a instauração de litígios judiciais cuja solução já se mostra certa com base na aplicação do
precedente.” (v. Comentários às alterações do Novo CPC, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 949).
92. O alerta foi dado por Carlos Maximiliano: “Basta a consulta rápida a um índice alfabético
para ficar um caso liquidado, com as razões na aparência documentadas cientificamente. Por
isso, os repositórios de decisões em resumo, simples compilações, obtêm êxito esplêndido
de livraria” (v. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 181).
93. Maurício Ramires chama atenção para o fato de que a internet potencializa esse fenômeno:
“tornou-se muito fácil encontrar respostas para dilemas jurídicos através de consultas a me-
canismos eletrônicos de buscas de julgados na internet, bastando para isso digitar algumas
palavras-chaves e clicar um botão” (cf. Crítica à aplicação de precedentes no Brasil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 30).
Jurisdição 135
94. V. nosso Novo contencioso cível, São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 518.
95. Teresa Arruda Alvim Wambier e Bruno Dantas, Recurso especial, recurso extraordinário e a
nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro: (de acordo com o CPC de 2015
e a Lei 13.256/2016, 3. ed. rev. atual e amp. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 209-210.
96. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de direito civil, vol. I, tomo I: teo-
ria geral do direito privado, São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 464. Destacam com maior precisão
os autores que: “Conceitos jurídicos indeterminados são palavras ou expressões indicadas
na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo
esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em
causa.” (p. 465).
136 Manual de Direito Processual Civil
97. Arruda Alvim, A Emenda Constitucional 45 e a repercussão geral, RAP, n. 3, p. 226. V, tam-
bém nosso Novo contencioso cível, São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 518.
98. “§3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: [..] II – tenha
sido proferido em julgamento de casos repetitivos;”.
99. “Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,
conforme o caso.
§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão cons-
titucional eventualmente discutida.”
Jurisdição 137
100. Dispõe esse texto: “§ 2.º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,
revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor
a ação direta de inconstitucionalidade”.
140 Manual de Direito Processual Civil
101. Cf. André Ramos Tavares, Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417,
de 19.12.2006, São Paulo: Método, 2007, p. 24.
102. V. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina,
Breves...cit., vol. 3, p. 278: “A reclamação está entre os feitos de competência originária
do STF e tem como objetivo preservar a competência desse tribunal e garantir a autorida-
Jurisdição 141
Já vai muito longe o ambiente em que teve prestígio a escola exegética, que circun-
dava a lei francesa de 19.11.1790, qual seja o do ápice da escola exegética, onde havia
sempre e rigidamente de prevalecer a vontade do legislador. Superou-se esse restrito
modo de pensar e quase inexistente modo de interpretação, passando a prevalecer a
vontade da lei, o que habilita o intérprete a uma atualização da lei, vocacionada a aten-
der à problemática contemporânea à sua aplicação, e não uma interpretação ancorada
na vontade do legislador, quando a editou.103
É preferível admitir a súmula vinculante, em assuntos de interesse nacional e cujas
dissidências possam causar verdadeira convulsão nos meios jurídicos e econômicos e/
ou um aumento descomunal de processos, do que não admiti-la. Isto porque é admis-
sível aceitar que as causas que poderiam ser objeto de súmula vinculante chegarão aos
Tribunais de cúpula, depois de muito tempo, para ser objeto de reforma de decisões que
contrariem o que esses Tribunais já hajam firmado. Indaga-se, então, por que aguar-
dar meses e anos para chegar-se ao mesmo resultado, e, nesse meio tempo, com dano
para a segurança e certeza jurídicas, e, comumente, no contexto de uma hipertrofia ou
sobrecarga brutal de processos? Não se justifica esse interregno se possivelmente a so-
lução final haverá de ser a que os Tribunais Superiores haja firmado como a correta.
Problema ulterior à edição da súmula vinculante é o de, eventualmente, essa súmula
comportar, a seu turno, dúvida quanto ao seu entendimento, o que, por certo, exigirá,
então, que seja interpretada. É certo, por isso mesmo, que alterado o texto constitucio-
nal, objeto da súmula, isso haverá de repercutir no enunciado da súmula vinculante.
Como, ainda, alterado o texto da lei objeto da súmula, normalmente, isso repercutirá
no enunciado correspondente.
A proposta de edição, revisão ou cancelamento não tem interferência nos processos
em que a mesma questão esteja sendo discutida (art. 6.º da Lei 11.417/2006). Enquanto
não se editar, rever ou cancelar (ou, mais precisamente, enquanto não se fizer publicar
o enunciado respectivo no diário oficial), prevalece a ordem jurídica sem se considerar
qualquer proposta.
de de suas decisões. Segundo o dispositivo ora comentado, a reclamação para o STF terá
também a função de corrigir decisões que desrespeitem as súmulas desse tribunal, o que,
de certo modo, já se poderia dizer estar incluído em desrespeitar suas decisões, já que uma
súmula consiste exatamente na cristalização de uma posição reiteradamente assumida em
decisões isoladas, em certo tribunal, sobre uma determinada questão jurídica”. Para uma
visão mais detalhada sobre a reclamação, ver: MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua
aplicabilidade para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Ed. RT, 2007.
03. v., sobre isto, Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova retorica. Milano: Giuffrè, 1979. vol.
1
39, n. 25, p. 71 e ss., sobre a escola da exegese; e, sobre a sua superação, v., amplamente,
Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, n. 4, especialmente p. 39-49.
4
Direito de Ação
1. É o que diz Alexandre Freitas Câmara, no sentido de que “se extrai uma evidente ligação
entre ação e processo. É que o direito de ação se exerce no processo, atuando neste em
contraditório, de modo a buscar influir no resultado da atividade processual.” (v. O novo
processo civil brasileiro, 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2016, p. 36).
Direito de Ação 143
suma, a aplicação da vontade da lei ao caso concreto, pois ter-se-á dado prevalência ao
interesse juridicamente protegido, sendo que se realizará completamente tal interes-
se definido como jurídico, mesmo coativamente, quando seja a hipótese de execução.
Quer a declaração (lato sensu) dos direitos, que se faz por meio da ação, num pro-
cesso (processo de conhecimento), quer a subsequente realização material do direito já
declarado (processo de execução ou fase executiva/cumprimento de sentença), supõe
sempre a figura do juiz. Há, desta forma, uma autêntica trilogia: ação, processo e juiz. 2
2. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes “cons-
titui postulado clássico da teoria do processo a conformação tríplice da relação jurídica
processual. É absolutamente excluída a possibilidade de que as partes litiguem por si sós,
com suas próprias forças e segundo as regras que elas próprias estabeleçam, cumpram
ou deixem de cumprir – e ainda sem um diretor que comande e discipline esse combate.
Não é admissível pensar na relação jurídica processual somente entre autor e réu, sem o
juiz. (...) O caráter tríplice da relação jurídica processual (angular ou triangular) corres-
ponde, porém, apenas à sua estrutura subjetiva mínima. Não pode existir um processo
sem o juiz, sem um demandante ou sem um demandado, mas no entanto pode havê-los
em número superior.” (cf. Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 153-154).
144 Manual de Direito Processual Civil
O direito subjetivo3 supõe o direito objetivo. Se este, num dos seus aspectos, repre-
senta a atribuição de bens da vida a diversos sujeitos, desde que nestes sujeitos se re-
únam os respectivos pressupostos da atribuição de tais bens, o direito subjetivo, a seu
turno, significa a titularidade de uma situação jurídica. Ou, se se quiser, o direito sub-
jetivo é a própria individualização ou subjetivação concreta de um direito, atribuído a
alguém, que é o seu titular. O direito objetivo, como já o dissemos, é geral e abstrato:
atinge a todos e nele se formulam e descrevem hipóteses ideais. O direito subjetivo, ao
contrário, é particular e concreto; pertence a indivíduos determinados e a estes é atribu-
ído concretamente, em virtude da ocorrência de um ou mais fatos descritos pelo direito
objetivo ou que por ele sejam considerados relevantes para esse fim.
O direito objetivo contém sanções e utiliza-se ainda da “coerção”, mercê da qual se
concretiza a sanção, desde que se verifiquem os pressupostos da incidência desta últi-
ma, num dado caso concreto.
A sanção, num dos sentidos que a palavra comporta, é a consequência jurídica que
se segue ao descumprimento de uma norma jurídica. A norma jurídica, como regra ge-
ral, contém dois elementos fundamentais: (1.º) a parte em que define a conduta lícita
(preceito primário); (2.º) o outro aspecto, em que impõe uma sanção, em havendo des-
cumprimento do preceito primário.4
A sanção nos dias correntes é, ordinariamente, imposta concretamente pelo Poder
Judiciário, em função do exercício do direito de ação, desde que se verifique, afinal, ter
ocorrido a infringência ao preceito primário da norma jurídica. A Administração tam-
bém impõe sanções, muitas vezes, acompanhadas de coação, mas estas são suscetíveis
de revisão pelo Judiciário.
Verificamos, por estas observações, que a ação é essencial ao funcionamento da or-
dem jurídica, e isto porque, se não existisse, voltaria a ser usada a autodefesa ou a vin-
gança privada, que a lei veda (ressalvem-se as hipóteses excepcionais e expressas, em
3. Esta era precisamente a conceituação de Puchta (v. Lehrbuch der Pandekten [Manual das
Pandectas], Leipzig: Verlag von Johann Ambrosius Barth, 1856, vol. 1/28), que definia o
direito subjetivo como existente, nesse sentido objetivo, na hipótese de, por força do direito
objetivo, determinado objeto quedar-se sob o poder de alguém. Para outra posição, agora
de índole normativista, o direito subjetivo, todavia, seria apenas reflexo do dever jurídico
de alguém em face daquele que é (seria) o titular do que se designa como direito subjetivo
(Cf. Hans Kelsen, Reine Rechtslehre [Teoria pura do direito], 2ª ed., Viena: edição Franz
Deuticke, 1960, p. 149; cf. tb., a respeito, Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito,
trad. da 2ª ed. alemã, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1982, p. 91). Kelsen, todavia, aceita
o conceito, em rigor, commoditatis causa, ou tendo-o como operacional. O que vale, no
entanto, é observar que se trata de conceito que, atualmente, é discutível, o que em outros
tempos inocorria.
4. Há quem entenda que a norma primária é que encarna a sanção e que suscita o dever jurídico,
e o dever jurídico é que se constitui na norma jurídica secundária (Cf. Hans Kelsen, Reine
Rechtslehre [Teoria pura do direito], 2ª ed., Viena: edição Franz Deuticke, 1960, p. 135 et
seq.; trad. portuguesa, 5ª ed., p. 190 et seq.; Recaséns Siches, Introducción al estudio del
derecho, 6ª ed., México, 1981, p. 123).
Direito de Ação 145
5. Esta afirmação não deve ser entendida de forma absoluta, pois, na execução, é possível ao réu
(na verdade, executado) defender-se por meio dos embargos do devedor, mais amplamente
(art. 917 do CPC/2015), ou por meio da impugnação ao cumprimento da sentença, mais
restritamente (art. 525 do, §1º, CPC/2015), consoante seja a natureza do título exequendo
extrajudicial ou judicial, respectivamente; entretanto, a finalidade precípua da execução
não é a de se apurar o direito do autor (agora exequente), o que só ocorre incidentalmente.
6. Cf. Bernard Windscheid, Diritto delle pandette, trad. Carlo Fadda e Paolo Bensa, Turim: Un.
Tipografico Editrice, 1902, vol. 1, p. 169-170.
146 Manual de Direito Processual Civil
subjetivo seria, pois, um ato de vontade, concepção esta que deu nascimento à chama-
da teoria voluntarista do direito subjetivo.
Para Ihering, em contraposição, e atendendo às consequências lógico-jurídico-
-culturais decorrentes do seu pensamento, o direito subjetivo seria “um interesse juri-
dicamente protegido”.7 Ihering argumenta que o interesse constitui-se no móvel fun-
damental de toda pessoa humana. O agir humano não se explica por um “porquê”, mas
sim por um “para que fim”. Desta forma, o direito subjetivo reduzir-se-ia precisamente
ao interesse protegido pelo Direito, dizendo-se, nessa linha de pensamento, ainda hoje,
que o interesse juridicamente protegido é o próprio conteúdo do direito subjetivo, ou
que é o próprio direito subjetivo.
Quanto à teoria voluntarista, argumentou-se, para invalidá-la, que a vontade não
poderia ser erigida como caracterizadora da natureza do direito subjetivo, pois o menor
absolutamente incapaz e todos aqueles em relação aos quais o Direito não reconhece
qualquer efeito oriundo da manifestação de vontade, têm, sem embargo disto, reconhe-
cida a titularidade (="gozo)" de direitos subjetivos.
A nosso ver, tanto a vontade, quanto o interesse protegido, merecem consideração,
sob um prisma estritamente jurídico, isto é, depois de estabelecida a norma, vontade e
interesse passam a ser elementos do direito subjetivo na exata medida em que este os
considere. Se, rigorosamente, é o direito objetivo um antecedente do direito subjeti-
vo, ou, como se pode dizer, é formalmente sua fonte, sendo, portanto, a norma jurídi-
ca (direito objetivo) necessariamente um de seus elementos constitutivos, a vontade
do sujeito (ou de outrem por esse sujeito) como componente do direito subjetivo será
aquela a que a lei atribui determinados efeitos.
O interesse do sujeito em defender um bem ou uma situação terá que, antes de tudo,
ser conforme ao ordenamento. O direito objetivo, pois, é formalmente a fonte do direito
subjetivo. Substancialmente, depende ele da ocorrência de atos de vontade (como um
contrato) ou, então, de fatos jurídicos (como a morte).
Pelo contrato criam-se direitos e obrigações; há, nele, manifestamente, o papel
criador da vontade e do interesse, pois aquela foi dirigida em função deste. Outrossim,
mesmo na hipótese da morte, há também o papel da vontade, pois, se o herdeiro o de-
sejar, poderá renunciar à herança. Se nada disser, é porque concorda em recebê-la, e o
seu silêncio é expressão tácita, juridicamente relevante, de que lhe interessa a herança.
Parece-nos difícil desvincular a vontade do interesse, dado que ambos dão conteú-
do ao direito subjetivo.
Nesta posição encontramos Icílio Vanni, que afirmou serem vontade e interesse ele-
mentos inseparáveis do direito subjetivo.8
7. Cf. Ihering, Espírito do direito romano, trad. bras., Rio de Janeiro: Alba, 1943, n. 71, p. 227
et seq.; v. James Goldschmidt, Problemas generales del derecho, Buenos Aires: Depalma,
1944, p. 102, n. 121.
8. Cf. Icílio Vanni, Filosofia do direito, trad, da 3ª ed. italiana, São Paulo: P. Weiss, 1916, p. 76.
Direito de Ação 147
9. Cf. Giorgio del Vecchio, Lezioni di filosofia del diritto, Milão: Giuffrè, 1946, p. 197. É filiada
esta conceituação à de Kant, de que é quase cópia (Cf. I. Kant, Grundlegung zur Methaphisik
der Sitten [As bases da metafísica dos costumes]), tomo 41, Felix Mehler, 1952, p. 34.
10. Cf. Radbruch, Filosofia do direito, Coimbra: 1953, vol. 2/223.
11. Quem se refere à proteção poderá considerá-la normalmente como proteção ativa (direito
processual de ação). O tema comporta aprofundamento, v.g., como o de se saber se uma
obrigação natural, destituída de proteção ativa, ou se uma obrigação prescrita, em que há (se
patrimonial) direito de ação, extinguível por iniciativa do juiz (art. 332, §1º, do CPC/2015)
ou do devedor por alegação da prescrição, seriam tipicamente direitos subjetivos. Haveria,
aí, propriamente, direito subjetivo, ou, então, ao menos, estaria mutilado?
148 Manual de Direito Processual Civil
a lei, este direito de ação representa, de sua parte, um direito subjetivo, um direito sub-
jetivo processual (trata-se de conceito ainda mais discutível que o de direito subjetivo).
Assim, utilizando-se alguém do direito subjetivo de ação, nem por isso, fatalmen-
te, verá reconhecido o direito subjetivo material que afirma ter (pretensão). 12 Há, pois,
para a integração da figura do direito subjetivo material, se for ele contestado e subme-
tido à pendência judicial, um outro elemento: o indispensável reconhecimento judicial
do direito pretendido, por meio da procedência da ação. Consideremos o problema,
para facilitar, somente da perspectiva do autor.
Podemos dizer que o reconhecimento judicial é comumente desnecessário à confi-
guração do direito subjetivo. Desde que não haja contenda em juízo e estejamos diante
de um ato jurídico perfeito ou de uma situação jurídica subjetivada, acabada e estável,
o reconhecimento seria desnecessário. Se, porém, mesmo diante de um ato jurídico
perfeito ou de uma situação jurídica subjetivada, acabada e estável, houver contenda
judicial, o reconhecimento será necessário.
Também podemos dizer que a posição é contraditória. Responda-se, no entanto, que
considera-se o reconhecimento judicial sob um prisma prático; será ou não necessário
para a integração do direito subjetivo conforme penda ação ou não. Por isso, entende-
mos que os elementos do direito subjetivo são variáveis, dependendo do caso concreto
(pelo próprio titular ou por alguém a quem o direito empreste relevância para manifes-
tar vontade por outrem – o titular).
Não há aqui a pretensão de dar uma definição exata e final de direito subjetivo, mas
apenas externar, ainda que sucintamente, nossa posição atual, com o objetivo de forne-
cer uma visão íntegra do direito de ação e de onde este se confina com o direito material.
Sintetizando, como elementos do direito subjetivo, temos: (1.º) o direito objetivo, que
idealmente (hipoteticamente) o define para uma concretização, num dado sujeito; (2.º)
o(s) fato(s), em função do(s) qual(is) se diz ter nascido o direito subjetivo; (3.º) eventu-
almente, o reconhecimento judicial, quando se fizer necessário (compreende, para con-
figurar o “reconhecimento judicial”, não só a figura da ação, como também da decisão
favorável). Se a sentença não for favorável ao autor, ter-se-á declaração de inexistência do
direito do autor, igual, pois, à inexistência de direito subjetivo, infundadamente pretendido.
Como observemos acima, há muitos – e nós mesmos assim colocamos a questão –
que consideram os elementos vontade e interesse como relevantes na composição do di-
reito subjetivo (na exata medida em que a lei os considere relevantes). O assunto apre-
senta-se muito variado, tendo em vista os múltiplos direitos subjetivos existentes nos
sistemas jurídicos.
13. A respeito das posições mais claras e dominantes: F. Karl von Savigny, Sistema del diritto
romano attuale, trad, de Vittorio Scialoja, Turim: Un. Tipografico, 1896, § 59; Windscheid,
Diritto delle Pandette, trad. Carlo Fadda e Paolo Bensa, vol. 1, Turim: Un. Tipografico Editrice,
1902, § 44; G. F. Puchta, Lehrbuch der Pandekten [Manual das pandectas], Leipzig: Verlag
von Johann Ambrosius Barth, 1856, § 81; Galdi, no Comentário de Mancini, Scialoja e
Pisanelli, Commentario del Codice di Procedura Civile, Coordenado por Domenticantonio
Galdi, Nápoles: Stabilimento Tipografico del Classici Italiani, 1975, vol. 1, n. 385; Pescato-
re, em Sposizione compendiosa della procedura civile e criminale, Turim: Un. Tipografico
Editrice, 1864, p. 121; Joseph Unger, System des österreichischen allgemeinen Privatrechts,
Leipzig: Brietkopf und Härtel, 1876, vol. 2, § 113, n. 13; Mattirolo, nos seus Elementi di di-
ritto giudiziario civile, Torino: Fratelli Bocca, 1875, vol. 1, n. 21 (v. nosso Direito processual
civil – TGPC, vol. 1, São Paulo: RT, 1972, p. 97, nota 134).
14. Sobre isso, mais recentemente, v. comentários de Zulmar Duarte ao art. 17 do CPC/2015,
segundo o qual “a impropriedade da teoria é evidente, na exata medida em que deixa sem
explicação a improcedência do pedido, hipótese em que o acionante, por não ter direito,
seria destituído de ação.” (cf. Fernando da Fonseca Gajardoni [et al] Teoria geral do processo:
comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 102).
150 Manual de Direito Processual Civil
side a pedra de toque do problema, em regra – aquele que tem razão e o que não a tem
podem receber do Judiciário o mesmo tratamento, porque é impossível, liminarmente,
dizer quem tem e quem não tem dita razão.
É evidente, pois, que a teoria unitária não explicava a totalidade dos aspectos do
fenômeno.
15. Cf. James Goldschmidt, Teoría general del proceso, trad. da obra alemã, Barcelona: Editorial
Labor S.A., 1936, n. 14, p. 36.
16. Cf. Wach, La pretensión de declaración, Buenos Aires: EJEA, 1962, p. 51.
Direito de Ação 151
17. Mesmo na chamada ação declaratória negativa, ainda assim é necessário o retrato ou a
descrição da relação jurídico-material, cuja declaração, precisamente, é objetivada; do
contrário, seria impossível declarar-se a sua inexistência.
18. Wach, La pretensión de declaración, Buenos Aires: EJEA, 1962p. 69, com base na própria
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil alemão.
19. Liebman, L’Azione nella teoria del processo civile, Problemi del processo civile, Nápoles:
Morano Editore, 1962, p. 25; Sérgio Costa, Manuale di diritto processuale civile, Torino:
Torinese, 1955, p. 10.
20. “A autonomia da ação é demonstrada por Chiovenda de duas formas: a) pela diferença do
conteúdo entre a ação e o direito subjetivo. Este tende a uma prestação do devedor; aquela, a
uma atividade do órgão jurisdicional (...) b) pela indicação de casos em que há ação, embora
não haja direito subjetivo a ser satisfeito.” (V. José Tesheiner e Rennan Thamay, Teoria geral
do processo: em conformidade com o novo CPC, 2ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 158).
21. V. nosso Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. 1/302 et seq., e
nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1990 vol. 1, p. 368 et seq.
152 Manual de Direito Processual Civil
dos direitos ligados a um bem da vida, a serem alcançados, antes de tudo, mediante a
prestação, positiva ou negativa, do obrigado; (2.º) à dos direitos tendentes à modifi-
cação do estado jurídico existente (a rigor, preexistente, ex lege), os quais são os di-
reitos potestativos.22
Os direitos tendentes a uma prestação, por sua vez, subdividem-se em direitos obri-
gacionais (prestação positiva) e direitos reais (prestação negativa – abstenção de todos).
A ação, segundo Chiovenda, é um direito potestativo, e aqui reside a grande novi-
dade de seu pensamento. Os direitos potestativos têm a característica fundamental de,
por meio dos mesmos, poder alguém influir, com sua manifestação de vontade, sobre
a condição jurídica de outro, sem o concurso da vontade deste. O direito potestativo
tem dois objetivos primordiais: (1.º) fazer cessar um direito ou estado jurídico existen-
te; (2.º) produzir um estado jurídico inexistente, e, nessa produção, compreende-se a
mera modificação.
Em certos casos, para atuar o direito potestativo, há necessidade de intervenção do
juiz;23 em outros, ao contrário, esta não é necessária. Assim, o poder de ação para Chio-
venda consiste no direito de conseguir uma atuação concreta da lei em face de um ad-
versário. Tal adversário “não é obrigado a coisa nenhuma diante desse poder: simples-
mente lhe está sujeito”.24
Com o exercício do direito a que corresponde a ação, a mesma se exaure.
Finalmente, há que se salientar, no pensamento de Chiovenda, o aspecto por ele
afirmado da autonomia da ação.
Considerando um primeiro ângulo do problema relativo à violação do direito e suas
consequências, precisa esse autor que, nesses casos, a ação se desprende do outro direito
subjetivo (real ou pessoal), oriundo daquela vontade da lei; são distintos os dois direi-
tos, conquanto possam coordenar-se a um idêntico interesse econômico.
Apesar desta coordenação à satisfação de um mesmo interesse, a ação e o direito sub-
jetivo têm vida e condições diferentes e conteúdo profundamente diverso. O direito ao
cumprimento da obrigação, por exemplo, mesmo depois do inadimplemento, conserva
a sua direção para a prestação do devedor. Já o direito de ação aspira conseguir o bem
garantido pela lei, por todos os outros meios possíveis. Desta forma, ação e obrigação
são, por consequência, dois direitos subjetivos distintos, que somente juntos e unidos
preenchem plenamente a vontade concreta da lei.
22. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969, vol. 1/36.
23. Quando ocorre a necessidade, ex lege, de intervenção do juiz, para o efetivo e real exercí-
cio de um direito potestativo, assemelham-se bastante o exercício do direito de ação (que
tenha à sua base um direito potestativo) e o direito de ação tendente a uma prestação do
obrigado. Diferenciam-se, isto sim, porque no potestativo, na hipótese tratada, coloca-se
como despicienda a vontade do que está sujeito à atuação do outro, ao passo que, no direito
tendente à prestação, poder-se-ia obter o que se obteria pela intervenção do Judiciário, se
o obrigado tivesse cumprido o que lhe incumbiria.
24. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969.
Direito de Ação 153
25. Como pondera Daniel Amorim Assumpção Neves “A teoria concreta do direito de ação
encontra-se superada, somente tendo interesse histórico. Nunca conseguiu responder a
dois questionamentos que demonstram sua impropriedade: (a) na hipótese de sentença
de improcedência há declaração de que o direito material alegado pelo autor não existe;
nesse caso, com a resolução do mérito desfavorável ao autor, não teria ele exercido o di-
reito de ação? (b) na hipótese de sentença de procedência na ação declaratória negativa,
quando o acolhimento do pedido do autor declara a inexistência do direito material; não
teria havido direito de ação nessa sentença de procedência do pedido. Como se nota com
facilidade nos dias atuais, a vinculação entre a existência de direito de ação e a existência
do direito material não consegue explicar algumas situações nas quais, apesar de inexistir o
direito material, não existe dúvida a respeito da existência do direito de ação.”. (v. Manual
de direito processual civil, 8ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 66-67).
26. Cf. Alexander Pekelis, em Nuovo Digesto Italiano, Turim: UTET, 1937, vol. 2, n. 3, verbete
“Azione”.
154 Manual de Direito Processual Civil
Não seria mais fácil e mais lógico entender-se – mais coerentemente com a realidade
dos fenômenos – que, nesta hipótese, a ação foi efetivamente exercida, independente-
mente do resultado, favorável ou desfavorável da demanda? Se a ação for julgada pro-
cedente, verificar-se-á que era fundada e que o autor tinha razão, ou seja, o seu pedido
era conforme o ordenamento jurídico. Se, ao contrário, constatar-se que a ação não ti-
nha fundamento, ter-se-á visto que era infundada e que ao autor, assim, não assistia ra-
zão. Neste segundo caso, porém, a ação foi plenamente exercida; verificou, apenas, que
inexistia qualquer direito subjetivo material a embasá-la.
A ação, pois, existe, mesmo prescindindo-se da existência do direito material. Pode
dizer-se que a ação é, per se, um direito subjetivo, ao lado do direito subjetivo material.27
É impossível, como regra, aferir-se liminarmente a viabilidade ou não do fundamen-
to da ação, e, mesmo que possível fosse, em certos casos, as regras do processo impedem
absolutamente tal aferição (sentença), salvo casos excepcionalíssimos (v.g., art. 332,
§1º). Juridicamente, é hipótese rara. No entanto, é possível fixarem-se umas tantas
condições, ou uns tantos requisitos (categorias jurídicas), para admitir-se o exercício
do direito de ação. Tais requisitos tradicionalmente denominam-se condições da ação,
que serão analisadas no próximo tópico. Se estiverem presentes, a ação ensejará uma sen-
tença de mérito, mesmo que desfavorável; caso contrário, será extinto o processo sem
resolução de mérito, inexistente, aqui, o próprio direito de ação.
O que interessa primordialmente é estudar a ação e construir uma teoria tendo em
vista sua finalidade, sempre em função do interesse público, e não focá-la unilateral-
mente, só da perspectiva do autor. Esta finalidade é o acionar da jurisdição, para a apli-
cação da lei. Esta aplicação da lei, obviamente, mesmo no caso do efetivo exercício de
ação improcedente, terá sido feita, pois se terá dado razão ao réu, e não ao autor.
27. Predomina, em doutrina, a teoria do direito abstrato: Liebman, L’azione nella teoria del
processo civile, Problemi del processo civile, Nápoles: Morano Editore, 1962, p. 22; Marco
Tullio Zanzucchi, Diritto processuale civile, 4ª ed., Milão: Giuffrè, 1962, vol. 1, n. 51, p. 56;
Ugo Rocco, Trattato di diritto processuale civile, Turim: UTET, 1957, vol. 1/260; José Alberto
dos Reis, Processo ordinário e sumário, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1928, vol. I/138
et seq.; Alfredo Buzaid, Da ação declaratória, São Paulo: Saraiva, 1943, n. 63, p. 85; José
Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. 2, Rio de Janeiro: Forense,
1966, n. 260, p. 15; Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil,
São Paulo: Saraiva, 1985, vol. 1, n. 112. Mais recentemente, v.g., podem ser referendadas
as seguintes obras que definem a ação como direito subjetivo distinto do direito material:
Eduardo Arruda Alvim, segundo o qual “Diz-se, coma certo, que a ação é, per se, um direito
subjetivo, ao lado do direito material. É, autonomamente, um direito subjetivo que visa
ao reconhecimento perante o Judiciário de uma afirmação de direito subjetivo” (v. Direito
processual civil, 5ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 161); e José Tesheiner e
Rennan Thamay, Teoria geral do processo: em conformidade com o novo CPC, 2ª ed. rev.,
atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173-174. Esses últimos autores, aliás, bem
explicam que “Para os efeitos de uma teoria geral do processo, que não se limite ao processo
civil, é preciso, no entanto, que se insista na ideia de que a ação é um poder, ou melhor, o
poder de provocar o exercício da jurisdição, podendo ou não revestir a qualidade de um
direito abstrato.”. E continuam: “Direito subjetivo é um poder, concedido a alguém, pelo
ordenamento jurídico, para a realização de um interesse seu.”.
Direito de Ação 155
Inegavelmente, tal direito abstrato de ação existe, aliás diversas Constituições são
expressas mesmo a respeito deste tipo de acesso ao Judiciário. Entre nós, o art. 5.º, XXXV,
da CF/1988, é expresso no sentido de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá
ser subtraída da apreciação do Judiciário. Assim, tal texto, longe de consagrar um di-
reito concreto, em nível constitucional, consagra, isto sim, autêntico direito abstrato de
agir, ou, então, um direito de petição.
O direito genérico de petição, expressamente consagrado em nossa Constituição
Federal, é o meio ou veículo revelador do direito de ação, já agora situado no plano
processual, à luz do preenchimento dos requisitos por esse sistema exigidos (art. 17 e
485, VI, do CPC/2015).28
O fato de alguém preencher as condições da ação não lhe confere igualmente o direito
de vitória, diversamente do que ocorre com a posição chiovendiana a respeito do tema.
A posição de Chiovenda, estudada sob o prisma das condições da ação, confirma o
que já se disse no sentido de que ela importa condicionar ou subordinar excessivamen-
te o direito de ação ao direito material que lhe estaria (e muitas vezes não está) subja-
cente. Isto é, reunidas as condições da ação, ipso facto, existindo a ação, teria o autor de
vencer a demanda, pois para Chiovenda seria condição da ação a própria existência do
direito subjetivo material.
Para nós, e, principalmente, para nossa lei vigente, contudo, basta haver requisi-
tos mínimos de admissibilidade jurídica do pedido do autor, aliada à legitimidade para
aquela causa e ao interesse processual, para que estejam preenchidas as condições de
exercício do direito subjetivo de ação.
Finalmente, lembremos que a ação está situada no campo do direito público e não
no direito privado, como normalmente ocorre com o direito material (Direito Civil ou
Comercial), e também que é por meio dela que se fazem valer normas de direito mate-
rial público. A ação está sempre e necessariamente, por definição, na órbita do direito
público, dado que é ao Estado que cabe – e em regra, só a ele – a distribuição da Justiça,
por meio da prestação jurisdicional.
28. Para um desenvolvimento amplo a respeito do direito de ação constitucional, v., entre outros,
Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, São Paulo: RT,
1979, p. 36, além do nosso Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990,
p. 370-376.
156 Manual de Direito Processual Civil
lar. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da
hipótese fático-jurídica nela formulada, a aplicação da lei (material). Esta conceituação
compreende tanto os casos referentes a direitos subjetivos, quanto, também, às hipóte-
ses de cogitação mais recente, referentes a interesses e direitos difusos, coletivos e in-
dividuais homogêneos. O texto que se segue, no entanto, circunscreve-se a considerar
o direito de ação principalmente tendo em vista a figura do direito subjetivo individual.
Quer os direitos materiais, quer os processuais, para se subjetivarem, isto é, para
serem direitos subjetivos, necessariamente pressupõem lei, que os defina previamen-
te. Assim, a ação é constante da lei processual, devendo esta traçar os seus requisitos
de exercício (condições da ação) e os efeitos jurídicos que, por intermédio daquela, se
poderão obter.
A ação, dissemos, depende de manifestação da vontade de quem venha a exercê-la.
Isto se prende, necessariamente, à própria natureza jurídica da jurisdição, que é uma
função estatal inicialmente inerte (art. 2º do CPC/2015). Sem a exteriorização da von-
tade do autor, não há ação.
Salientamos, ademais, que o escopo da ação é a obtenção da prestação judicial. É
importante ressaltar que, quando falamos em prestação jurisdicional – o que admite
seja favorável ou não –, estamos numa perspectiva que abrange as posições do autor e
do réu, e é acima de tudo centrada e derivada da função jurisdicional. Por outro lado,
se aludíssemos à prestação jurisdicional favorável, cair-se-ia na posição da teoria con-
creta à tutela jurídica: só teria ação aquele que tivesse razão.
Objetivou o legislador, ao instituir a ação, que seja ela o veículo para ser aplicada
a vontade concreta da lei à hipótese formulada pelo autor. Evidentemente, a aplicação
dessa vontade concreta da lei poderá ser favorável ou não a esse autor.
Dissemos, ainda, que a aplicação da vontade concreta da lei é feita diante de uma hi-
pótese fático-jurídica. Isto significa – como veremos adiante – que toda ação é oriunda
de fatos e que estes fatos, necessariamente, têm uma qualificação jurídica.
pedido, como era no CPC/1973. 29 Com efeito, o art. 267, VI, do CPC revogado determina-
va que deveria ser extinto o processo, sem resolução de mérito, não estando presente
“qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e
o interesse processual”. O dispositivo correspondente no CPC/2015, art. 485, VI, ordena
a prolação de sentença, i.e., sem resolução do mérito, quando o juiz “verificar ausência
de legitimidade ou de interesse processual”.
Poderíamos dizer que a subtração da menção expressa a “condições da ação” tenha
significado o fim dessa categoria no direito brasileiro. Ainda mais, seria possível desen-
volver o argumento diante da supressão da categoria da “possibilidade jurídica do pe-
dido” no CPC/2015. De fato, parte da doutrina vem assim se manifestando, o que tem
gerado interessantíssimos debates na seara da teoria da ação.30 De nossa parte, neste
Manual, optamos por manter didática e cientificamente a categoria, como instrumento
autônomo que diz respeito à admissibilidade do exercício da ação. A supressão da pos-
sibilidade jurídica não implica, por si só, o extermínio dessa construção teórica histo-
ricamente marcante no direito positivo brasileiro. 31
29. Não se há mais falar em possibilidade jurídica do pedido, como inclusive já defendemos
no nosso Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. 1/316; no nosso
Tratado de direito processual civil, São Paulo: 1990, vol. 1, p. 380. O CPC/2015 faz unica-
mente alusão ao interesse de agir (arts. 17, 337, X e 485, VI). Sobre a supressão da condição
da possibilidade jurídica do pedido feita pelo CPC/2015, são pertinentes as ponderações
feitas por Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes, segundo os quais “a possibilidade
jurídica do pedido sempre foi alvo de inúmeras críticas, dada a dificuldade de ser traçada
uma distinção precisa entre a decisão que extingue o processo por impossibilidade jurídica
do pedido e a decisão de mérito que julga a demanda improcedente. Essas críticas foram
acolhidas pelo novo Código de Processo Civil, que não faz mais referência à possiblidade
jurídica entre as condições da ação, referindo apenas o interesse de agir e a legitimidade ad
causam (arts. 17, 330, incs. II e III, 337, inc. IX, e 485, inc. VI). Em fase ulterior de sua pro-
dução o próprio Liebman veio a repudiar a categoria jurídico-processual da possibilidade
jurídica como condição da ação no momento em que a legislação de seu país instituiu o
divórcio – o pedido de dissolução do vínculo conjugal era, na lição do Mestre, o principal
exemplo ilustrativo da carência de ação por falta de possibilidade jurídica.”. (v. Teoria geral
do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 116-117).
30. O debate sobre a alteração trazida pelo CPC/2015 teve destaque com o artigo de Fredie
Didier, Será o fim das condições da ação? Um elogio ao projeto do novo código de processo
civil. Revista de Processo, vol. 197. São Paulo: RT, jul/2011, p. 256. Em resposta, há artigo de
Alexandre Freitas Câmara, Será o fim da categoria ‘condição da ação’? Uma resposta a Fredie
Didier Junior, Revista de Processo, vol. 197. São Paulo: RT, jul/2011, p. 261/269. Em adição
ao debate, há um terceiro artigo de Leonardo Carneiro da Cunha, Será o fim da categoria
condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre
Freitas Câmara. Revista de Processo, vol. 198. São Paulo: RT, ago/2011, p. 227/236. Neste
último, o autor alinha-se com Fredie Didier Jr. ao defender a extinção das chamadas condições
da ação, posicionando o interesse processual e a legitimidade no campo dos pressupostos
processuais.
31. Compartilham do nosso entendimento, v.g. Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes,
Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 116-118; Cássio Scar-
pinella Bueno, Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo
CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66: “O CPC/2015 aboliu, a um só tempo, a nomenclatura
158 Manual de Direito Processual Civil
34. STJ, REsp 264.676/SE, 5.ª T., j. 01.06.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 02.08.2004, p. 470.
35. STJ, REsp 746.897/MG, 1.ª T., j. 28.06.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 29.08.2005, p. 228.
No caso, cuidava-se de se saber se incidiria ICMS no transporte de mercadorias realizado
entre a matriz e as filiais.
36. STJ, AgRg no HD 116/DF, 1.ª S., j. 28.09.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 10.10.2005, p. 206.
37. STJ, REsp 402.578/MT, 4.ª T., j. 11.06.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.08.2002,
p. 221.
38. STJ, REsp 770.143/RS, 1.ª T., j. 27.09.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 17.10.2005, p. 228.
39. STJ, AgRg no REsp 721.358/CE, 5.ª T., j. 19.04.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 16.05.2005,
p. 409.
Direito de Ação 161
40. Eduardo Arruda Alvim, Mandado de Segurança no Direito Tributário, capítulo referente ao
mandado de segurança preventivo, São Paulo: RT, 1997, p. 134 e ss.
162 Manual de Direito Processual Civil
41. Já era assim no CPC 73. V. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. 1, t. 1/62, 1975.
Direito de Ação 163
Este primeiro juízo de admissibilidade da ação não cria preclusão para o juiz; vale
enquanto ele não decidir o mérito da causa. Poderá, outrossim, ser examinada em outro
grau de jurisdição. Embora já se tenha discutido a respeito de um possível limite tem-
poral para o reconhecimento de qualquer das condições da ação (bem como dos pres-
supostos processuais), o CPC/2015 é expresso: são matérias conhecíveis “em qualquer
tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado” (art. 485, §3º,
do CPC/2015). Eram especificamente neste sentido a maioria das decisões na vigência
do CPC/1973.42
No CPC/1973, poder-se-ia argumentar ter havido preclusão se não houvesse recur-
so da decisão dando por saneado o processo (agravo de instrumento). A questão muda
de figura, no entanto, diante do CPC/2015 e das hipóteses taxativas de cabimento do
recurso de agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC/2015). Com efeito, se for extinto
o processo sem julgamento de mérito o processo, caberá apelação (art. 1.009), ou mes-
mo agravo, se a extinção for parcial (art. 1.015, I, do CPC/2015). Já se o feito for dado
por saneado, não cabe agravo de instrumento ou, ao menos, não quanto ao reconheci-
mento do preenchimento das condições da ação. Não deve, portanto, ser reconhecida
a preclusão do direito de arguir carência de ação, até que ocorra o trânsito em julgado.
O que é necessário ter presente, todavia, é que as condições da ação são requisitos
de ordem processual, lato sensu, intrinsecamente instrumentais, e operam, em última
análise, para verificar se existe o direito de ação. Não encerram, em si, bem-fim; são re-
quisitos-meio para, admitida a ação, ser julgado o mérito43 (apesar de estudadas aqui
42. STJ, REsp 175.664/SP, 2.ª T., j. 03.02.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09.05.2005,
p. 321; STJ, REsp 218.689/RS, 4.ª T., j. 24.08.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves DJ
20.06.2005, p. 288; STJ, REsp 426.273/SP, 4.ª T., j. 11.06.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, DJ 01.07.2005, p. 538.
43. A esse respeito, diz Araken de Assis que “A função originária das condições da ação era a
de preencher as condições necessárias para o juiz declarar a existência e atuar a ‘vontade
concreta da lei’ invocada pelo autor, ou seja, pronunciamento favorável. Para essa finalidade,
mostrar-se-ia imprescindível a reunião simultânea de três condições: (a) a existência de uma
‘vontade da lei’, assegurando ao autor um bem e obrigando o réu a alguma prestação, (b) a
qualidade, vale dizer, a identidade do autor com a pessoa favorecida pela vontade da lei e
do réu com o obrigado, (c) o interesse em conseguir ‘o bem por obra dos órgãos públicos’.
(...) É diferente, todavia, o papel reservado às condições da ação no seio da teoria eclética.
O ponto de partida dessas teoria avulta no fato de o poder de provocar a jurisdição, incluído
no rol dos direitos fundamentais, e realmente genérico, indeterminado e inconsumível, não
obrigar o Estado a prestar jurisdição. O órgão judiciário somente responderá, prestando
jurisdição, à pessoa que, alegando algum direito passível de tutela, invocar e descrever
‘situação determinada e concreta’. A autêntica ação se expressa por um elo entre o ato de
provocação do órgão estatal e essa situação concreta. Esse vínculo particular assenta con-
dições da ação, encaradas como ‘as condições para que, legitimamente, se possa exigir, na
espécie, o provimento jurisdicional. Em outras palavras, faltando, em certo caso, ‘as con-
dições da ação ou mesmo uma delas (interesse e legitimidade de agir) dizemos que ocorre
‘carência de ação’ – expressão altamente imprópria –, devendo o juiz negar o julgamento
de mérito e então declarar inadmissível o pedido.”. (Processo civil brasileiro, vol. 1: parte
geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 646-647).
164 Manual de Direito Processual Civil
44. Cf. Alfredo Buzaid, O agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil, São Paulo:
Saraiva, 1946, p. 90 (a afirmação deste autor é mais radical; v. logo a seguir, todavia). Se
assim geralmente é, em face do Código de Processo Civil é possível que uma questão, que
não seja a última a ser hipoteticamente suscetível de ser decidida, ainda assim (nem pelo fato
de não ser a última, nem por isto deixará de se constituir numa decisão de mérito), como de
mérito é, exemplificativamente, a hipótese de se decidir pela prescrição ou pela decadência
(art. 269, IV, CPC 1973; art. 487, II, CPC 2015), que é o exemplo mais típico. O que parece
marcar o mérito, pelo sistema do Código de Processo Civil, é o prejuízo definitivo sobre o
bem jurídico objetivado pelo autor; ou a supressão do conflito (= lide), por outro ângulo.
45. Deve ser feita uma ressalva quanto à impossibilidade jurídica do pedido, já que, das duas,
uma: (a) ou se trata de condição da ação dispensável, pois se confunde, sob diversos aspec-
tos, com a questão da necessidade ou adequação do provimento, o que já está encetado
no interesse de agir; (b) ou cuida-se de questão afeta ao mérito, que deveria ser analisada
quando do julgamento antecipado da lide, ou nos moldes do art. 332, quando nessa hipótese
se enquadrar.
166 Manual de Direito Processual Civil
46. José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 249.
47. Como bem relata Guilherme Rizzo Amaral “O art. 486 explicita o entendimento que já
vinha sendo adotado pelo STJ na sistemática anterior, no sentido de que, extinto o processo
sem resolução do mérito, somente poderia ser proposta nova ação se corrigidos tais vícios.
Tratando-se especificamente da extinção por falta das condições da ação, entendeu a Corte
Especial do STJ que a vedação da propositura de nova ação não se deve à existência de coisa
julgada material – o que inocorre na espécie, tendo o primeiro processo sido extinto sem
resolução de mérito, mas, sim, por força da preclusão consumativa e por um imperativo de
segurança jurídica. Assim, se o autor repetir a mesma ação, o processo deverá ser novamente
extinto, sem resolução do mérito. Alterada a causa de pedir ou alguma das partes, de forma
a se buscar a correção do vício anterior, processar-se-á a ação, sem prejuízo de se verificar
uma vez mais a ausência de alguma das condições da ação, a ensejar nova extinção do
processo. Suprido, no entanto, o vício anteriormente verificado, o novo processo poderá
prosseguir.”. (Comentários às alterações do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 585-586).
48. “Processual civil – Ilegitimidade passiva – Extinção do processo sem julgamento de mé-
rito – Indeferimento da inicial – Sentença sem recurso – Efeitos – Coisa julgada material.
A sentença que indefere a petição inicial e julga extinto o processo, sem o julgamento de
mérito, pela falta de legitimidade passiva para a causa, faz trânsito em julgado material, se
a parte deixar transcorrer em branco o prazo para a interposição do recurso cabível, sendo
impossível o novo ajuizamento de ação idêntica. Recurso especial conhecido e provido”.
(STJ, REsp 160.850/SP, 4.ª T., j. 17.10.2000, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 05.03.2001).
49. Nesse sentido: “A extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ilegitimidade ativa
ad causam, faz coisa julgada formal, impedindo a discussão da questão no mesmo processo,
Direito de Ação 167
mas não em outro feito, desde que a parte autora promova o saneamento da condição que en-
sejou a extinção da demanda anterior. Inexistência, na espécie, de correção. (REsp 897.739/
RS, 3ª T., j. 05.05.2011, rel. Min. Massami Uyeda,, DJe 18/05/2011). Na doutrina, também
assim se conclui. V.g.: Cássio Scarpinella Bueno “É importante ressalvar que a correção do
‘vício’ em relação à ilegitimidade ou à falta de interesse conduzirá, muito provavelmente,
à alteração da demanda inicial, o que basta para viabilizar a sua propositura.” (Manual de
direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva,
2015, 349); e Alexandre Freitas Câmara: “O pronunciamento judicial que não resolve o
mérito da causa, via de regra, não impede que a mesma demanda (com as mesmas partes,
a mesma causa de pedir e o mesmo pedido) seja novamente proposta (art. 486). Há casos,
porém, em que esta repropositura não será possível. (...) Assim também, no caso de extin-
ção por falta de pressuposto processual ou de ‘condição da ação’ a demanda só poderá
ser proposta novamente se o pressuposto faltante ou a ‘condição’ ausente for preenchida,
sanando-se o vício.” (O novo processo civil brasileiro, 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas,
2016, p. 272).
168 Manual de Direito Processual Civil
50. Sobre essa classificação, v. Fredie Didier Jr. “Observe-se que a ação meramente declaratória
pode ser positiva – quando se pretende a declaração da existência da situação jurídica – ou
negativa – quando se pretende a declaração da inexistência da situação jurídica. Alguns
exemplos: ação de usucapião, ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária,
ação declaratória de inexistência de união estável, consignação de pagamento etc.”. (Curso
de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento, 17ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 292).
51. Admitia-se, na recente jurisprudência do STJ, a eficácia executiva da sentença declaratória
para haver a repetição do indébito por meio de precatório: STJ, REsp 588.202/PR, 1.ª T.,
j. 10.02.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 25.02.2004, p. 123; esta orientação foi
ratificada em acórdão da 1.ª Seção: STJ, EREsp 502.618/RS, j. 08.06.2005, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 01.07.2005, p. 359 e, mais recentemente, em julgado da 2.ª T. (REsp
602.469/BA, j. 16.08.2007, rel. Min. Castro Meira, DJ 31.08.2007, p. 218).
52. Cf. Araken de Assis “Mediante força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação
da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da
Direito de Ação 169
de questão de direito. (AgRg no REsp 1298646/SP, 3ª t., j. 03.12.2015, rel. Min. João Otávio
Noronha, DJe 10.12.2015)
58. Na jurisprudência: JUTACivSP 48/196; RT 529/174, 590/125 e 590/132. Na doutrina:
Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. 1/333, São Paulo: RT, 1975; mais
recentemente, cf. Tratado de direito processual civil, vol. 1, São Paulo: RT, 1990, p. 400.
59. STJ, REsp 1.434.498/SP, 3ª T., j. 09.12.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 5.02.2015.
60. STJ, REsp 666.563/RJ, 2.ª T., j. 5.10.2004, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 29.11.2004,
p. 313; STJ, REsp 411.563/PR 3.ª T., j. 06.04.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ 10.05.2004,
p. 272. Acerca do tema, cf. julgado recente do STJ, REsp 859.745/SC, 1.ª T, j. 11.12.2007,
rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.03.2008.
61. STJ, REsp 234.809/RJ, 4.ª T., j. 25.04.2000, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.02.2001,
p. 121.
62. No sentido do texto, emitimos parecer, publicado sob o título “Arguição de falsidade”,na
Coletânea de Estudos e Pareceres, vol. 2, Parecer n. 3, São Paulo: RT, 1995.
Direito de Ação 171
de infração, bem como eventuais outras ações que poderiam ser propostas. Recaindo a
coisa julgada sobre as questões decididas, nesta medida, a eficácia (própria da declara-
tória) é tão definitiva quanto a da sentença das outras ações.
No CPC/2015 foi estabelecido um incidente para a resolução da arguição de falsi-
dade documental (arts. 430 a 433 do CPC/2015), prevendo-se inclusive que a questão
da falsidade pode ser suscitada “como questão principal” – isto é, como um dos pedi-
dos principais da demanda – quando a decisão constará da parte dispositiva da decisão
e sobre ela recairá a qualidade de coisa julgada material ou meramente questão preju-
dicial, caso em que não haverá formação de coisa julgada sobre a declaração a respei-
to da higidez do documento cuja falsidade se busca comprovar. O tema será mais bem
tratado no capítulo referente à prova documental.
63. V. Liebman, Efficacia ed autorità della sentenza, Milano: Giuffrè, 1962, n. 16.
64. Jurisprudência Mineira 4/387: “A sentença tem que ser conforme ao libelo, e ao juiz é de-
feso estatuir além dos limites do pedido” (TJ/MG-ApCív 6.418, rel. Des. Autran Dourado).
Similarmente, STJ, REsp 567.097/PR, 5.ª T., j. 25.05.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ
02.08.2004, p. 513. Na doutrina, cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia
Medina, O dogma da coisa julgada – Hipóteses de relativização, item 2.4, São Paulo: RT,
2003, intitulado “Pedido não feito e decidido; pedido feito e não decidido”. Igualmente,
sobre os limites objetivos da coisa julgada v. A coisa julgada no controle de constituciona-
lidade abstrato de Rennan Thamay, São Paulo: Atlas, 2015, item 2.10.2, p. 109 e ss. A esse
respeito, também: Guilherme Rizzo Amaral: “O CPC/1973 previa expressamente que não
fariam coisa julgada as questões prejudiciais (art. 469, III), salvo quando fossem objeto de
ação declaratória incidental (art. 470). Neste particular, a mudança proporcionada pelo
CPC atual é substancial”; Cássio Scarpinella Bueno, inclusive com crítica ao sistema do
CPC/1973, “Para o CPC de 1973, a questão prejudicial não transitava materialmente em
julgado, a não ser que o réu em contestação ou o autor na réplica apresentassem a chamada
‘ação declaratória incidental’. Sem essa iniciativa do réu ou do autor, a questão seria conhe-
cida e resolvida pelo magistrado, mas não seria decidida, e, por isso, era incapaz de transitar
172 Manual de Direito Processual Civil
ou réu) pelo sistema do CPC de 1973, por via de ação declaratória incidental, poderia
requerer ao juiz que julgasse, principaliter, questões prejudiciais.
A questão sobre a qual poderia ser requerida declaratória incidental seria aquela
cuja decisão poderia influenciar o julgamento da lide, ou seja, a questão prejudicial.
Dizemos questão na exata medida de ter sido controvertida e ser influente no teor do
próprio mérito.65
No CPC/1973, o autor requeria a declaração incidente em dez dias, a partir da con-
testação. Em relação ao réu, a lei não era explícita, (art. 297). Entendia-se, nesse caso,
ter ele o prazo da contestação. Contestando, faria controverso o ponto, transformando-
-o em questão, e, simultaneamente, poderia requerer a declaração incidente.
O requisito principal para que tal requerimento fosse admitido era que pudesse ser,
a declaratória incidental, objeto de ação autônoma.66 O réu ou o autor, em sendo criada
a controvérsia, poderia requerer declaração incidental.
Ocorrendo a propositura de ação declaratória incidental haveriam de estar duas li-
des formalmente unidas num só processo. Assim, para a propositura da ação declara-
tória incidental, o requerente deveria preencher também os pressupostos processuais
e condições da ação, que especificamente se refeririam à ação declaratória incidental,
além dos outros requisitos, a que já aludimos.
No CPC/2015 o tema foi remodelado. O art. 503, caput, do CPC/2015 estabelece
que “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da
questão principal expressamente decidida” (grifo nosso), dando a entender que, à seme-
lhança do que ocorria no CPC/1973, apenas o julgamento dos pedidos deduzidos pelas
partes, estaria alcançado pela coisa julgada material. Nesta linha, o art. 504 do CPC/2015
prevê, ainda, que não fazem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para de-
terminar o alcance da parte dispositiva da sentença” (inciso I), e “a verdade dos fatos,
estabelecida como fundamento da sentença” (inciso II).
e a incidência da regra de direito. Se aquele que deve sofrer os efeitos dessa incidência
passivamente os aceita, e, por exemplo, cumpre a sua obrigação, não surgirá qualquer
motivo relacionado com o processo. Se, porém, aquele ou aqueles que se devem sujeitar
aos efeitos oriundos do fato e da incidência da norma tentam subtrair-se aos mesmos,
surge, em regra, a figura do processo, que é iniciado por uma ação movida por quem se
apresenta como juridicamente digno de proteção jurídica.
Encarando a ação sob este prisma, que talvez seja o principal, verificamos que a ação
é um instrumento específico destinado a provocar, por meio do processo, e concretamen-
te, pela decisão de mérito, efeitos jurídicos. Objetiva ela justamente gerar os efeitos jurí-
dicos oriundos dos fatos (e da norma), que se constituem em seus fundamentos fáticos.
Essa consideração dá-nos a distinção entre incidência da lei e sua aplicação. A lei
incide no momento do fato; no entanto, não sendo ela obedecida, depois da sua inci-
dência, recorrerá o interessado à ação, que dá nascimento ao processo. O juiz, no pro-
cesso, se julgar procedente a ação, aplicará a lei, cuja incidência já terá anteriormente
ocorrido. Inversamente, desprovendo a ação, nem por isto deixará de aplicar a lei, mas
fá-lo-á favoravelmente ao interesse do réu.
A petição inicial, que retrata a ação em nosso Direito, encerra um silogismo do qual
se falará na devida oportunidade. Uma das partes deste silogismo (premissa menor) é
constituída pelos fatos. O relato dos fatos, na petição inicial, bem como na generalidade
dos sistemas jurídicos, é feito pelo autor. Em nosso Direito, não há absoluta adstrição
do juiz aos fatos alegados pela parte (art. 371 do CPC/2015). Há, todavia, que se enten-
der isto dentro dos princípios informadores do nosso processo, e, em especial, tendo
em vista o princípio dispositivo, estampado no art. 141, do CPC/2015.
Impõe-se, uma distinção essencial, cujo escopo reside em diferenciar o fato jurídi-
co dos fatos simples.71
Os fatos simples gravitam em torno do fato jurídico e não têm maior relevância, a
não ser que sejam considerados sempre com referibilidade àquele. O fato jurídico já é
aquele em que essencialmente se baseia o autor. Desta forma, quando alguém pede a
procedência da demanda de anulação de casamento, por exemplo, baseado em coação,
o fato jurídico é a coação. Fatos simples são aqueles que levam à conclusão de que efe-
tivamente ocorreu o fato jurídico. Em si mesmos, os fatos simples não têm maior rele-
vância e não são sequer objeto de qualificação jurídica pelo autor, nem necessitam sê-lo
pelo juiz na sentença. Já, porém, quanto ao fato jurídico, é essencial que seja ele juridi-
camente qualificado pelo autor, quando da propositura da ação. A adstrição do juiz ao
fato jurídico é decorrente do princípio dispositivo, mercê do qual há, no processo, que
se respeitar a vontade e as informações que a parte deseja trazer ao processo.
71. V. nosso Direito Processual Civil – Teoria geral do processo de conhecimento, vol. 2, São
Paulo: RT, 1972, p. 80, 81 a 94, 95 a 120; cf. Pontes de Miranda, Comentários ao Código
de Processo Civil de 1939, vol. 1, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 156; Schönke,
Derecho procesal civil, Barcelona: Bosch, 1950, p. 33; v., ainda, Chiovenda, Instituições
de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1969, vol. 3/25; Chiovenda, Saggi di diritto
processuale civile, vol. 1, Milano: Giuffrè, 1993, p. 162.
176 Manual de Direito Processual Civil
Desta forma, os fatos que o juiz pode livremente considerar, mesmo independente-
mente de alegação da parte, são os fatos simples. Deve fazê-lo, para poder dar pela pro-
cedência ou não da demanda do autor, mesmo que ele não os alegue. Todavia, a conside-
ração de fatos pelo juiz encontra limite absoluto quando se tratar de fato(s) jurídico(s)
e. Existencialmente, porém, não há separação entre fato simples e fato jurídico, pois
este é aquele, só que devidamente qualificado.
As mesmas observações feitas para a estrutura silogística da petição inicial cabem para
a sentença.72 y 73 Existe manifesta correlação entre a petição inicial (“pedido, ação, preten-
são”) e a sentença, o que fica claro por vários artigos de lei, tais como o 141, o 492, caput,
do CPC/2015 no sentido de que, podendo o autor dispor do seu direito (“princípio disposi-
tivo”), o juiz não pode, absolutamente, considerar outros fatos jurídicos que não os dedu-
zidos pelo autor, como, ainda, não poderá proferir sentença diversa da solicitada, mesmo
que outros fatos jurídicos existam e que estejam provados; ainda, mesmo que seja possí-
vel outra decisão, diversa da pedida, que seja melhor para o autor, não poderá proferi-la.
Há, pois, correlação entre a inicial e a decisão de mérito, no sentido de a inicial pre-
definir o âmbito da atividade do juiz. Tal correlação, ademais, não pode ser quebrada,
pois não se pode acrescentar ao processo, depois de citado o réu, outro pedido (art. 329,
I, do CPC/2015), como, ainda, só excepcionalmente pode haver modificação do pedido.
Se tal se verificar, deverá haver correlação entre a petição inicial, já com o pedido
modificado, e a decisão de mérito.
O art. 371 do CPC/2015 dá direito ao juiz de apreciar a prova, impondo-lhe o poder-
-dever de atender “aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alega-
dos pelas partes”, só tem o sentido de que os fatos (leia-se, fatos simples) hajam de ser
considerados na linha do fato jurídico.
Como regra geral, a correlação, ainda assim, existe e subsiste apesar da redação e
sentido aparente do art. 371 do CPC/1973. Este, pois, só pode ser aplicado obediente-
mente à correlação a que se aludiu. O juiz, para usar dos poderes que lhe são conferidos
pelo artigo em comento, haverá de considerar sempre o âmbito da petição inicial e da
contestação e/ou reconvenção.
Desta forma, como regra geral, está claro que o juiz fica absolutamente adstrito ao fato
ou fatos jurídicos deduzidos pelo autor, ou seja, fica ele ligado indissoluvelmente ao pedi-
do e respectiva causa petendi, pois aquele é feito em função dos efeitos jurídicos atribuídos
aos fatos jurídicos. Daí, pois, as duas conhecidas máximas: ne eat iudex ultra petita par-
tium e sententia debet esse conformis libello. Se isto não ocorrer, a sentença sofrerá de vício.
As mesmas ponderações e implicações valem para o réu, levando-se em conside-
ração que quem formula o pedido e traça, portanto, os limites da lide é o autor, em re-
gra, não o réu.
72. Saliente-se que no silogismo judiciário é a premissa menor que informa e determina qual é
a premissa maior.
73. Quando se estiver em face de conceitos abertos, indeterminados, cláusulas gerais, não se
pode considerar propriamente um silogismo, tal como ocorre na subsunção.
Direito de Ação 177
74. Cf. Karl Heinz Schwab, Der Streitgegenstand im Zivilprozeß [O objeto litigioso no processo
civil], Munique: Berlin: Beck’sche, 1954, p. 3.
75. Sobre o assunto, amplamente: Thereza Alvim, Questões prévias e limites objetivos da coisa
julgada, passim. São Paulo: RT, 1977.
178 Manual de Direito Processual Civil
cido de mais objetos litigiosos (= lides), e sobre esses, se julgados no mérito, também
pesará a autoridade de coisa julgada material.
Como o objeto litigioso ou lide é o mérito da ação, deve ser esta identificada, a fim
de que a atividade jurisdicional só seja prestada uma vez em relação à mesma pretensão.
Por meio dessa identificação impede-se que, já estando pendente uma ação, outra
igual seja proposta (litispendência), ou que, já havendo coisa julgada a respeito de de-
terminado objeto litigioso (= lide), seja movida nova e idêntica ação (= mesma ação,
em rigor, a mesma lide), a fim de que não existam decisões contraditórias e desperdício
da atividade estatal.
76. Sobre os elementos da ação, v. Araken de Assis “A lei consagrou a teoria dos três elementos
– partes, causa de pedir e pedido (eadem personae, eadem res e eadem causa petendi).” (cf.
Processo civil brasileiro: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, vol. 1. São Pau-
lo: RT, 2016, p. 690-691); Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed. rev., atual. e
ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 218 e ss.; e Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito pro-
cessual civil:inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66-67.
Direito de Ação 179
rídica, subsistirá a identidade de partes, quer para fins de litispendência, quer para os
de coisa julgada.
Assim, por exemplo, se A move contra B uma ação condenatória, objetivando a co-
brança do crédito X, e, subsequentemente, B (agora como autor) move contra A (como
réu) uma ação declaratória negativa, objetivando negar a existência do mesmo crédito
X, há, certamente, identidade de partes, de causa petendi e de objeto, dado que a decla-
ração se compreende na condenação. O que importa, pois, no particular da qualidade da
parte, não é a posição em que esta se encontra – ativa ou passiva –, mas, sim, que em am-
bos os processos ela se apresente na mesma qualidade jurídica (com a mesma postura).
Acima de tudo, pois, interessa a posição jurídica e os fins a serem atingidos pela ação.
77. V. nosso Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento, São Paulo:
RT, 1972, vol. 1/58 e 2/16; Teresa Arruda Alvim Wambier, Omissão judicial e embargos de
declaração, São Paulo: RT, 2005, item 4..
180 Manual de Direito Processual Civil
Pelo exposto, vê-se que não se pode conceber no processo a pretensão como direi-
to material, exclusivamente – salvo com uma função e configuração completamente
diversas – e, nem mesmo, de acordo com muitos (Windscheid), como uma tendência
para subordinar a vontade de outrem ao próprio direito.
Já foi dito que o autor fixa, com seu pedido, o objeto litigioso, o mérito ou a lide,
sobre a qual irá incidir a decisão de mérito e a qualidade de imutabilidade dos efeitos
desta, ou seja, a coisa julgada material (que não deve ser confundida com a coisa jul-
gada formal, equivalente à “preclusão máxima”, isto é, à situação de imutabilidade só
dentro daquele mesmo processo, embora a coisa julgada material ocorra cronologica-
mente juntamente com a formal). Todavia, ao fixar o objeto litigioso, o autor delimita
a lide, ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve decidir, com força de coisa julgada, uma
vez que este não pode julgar extra, infra ou ultra petita (arts. 141 e 492 do CPC/2015).
Nessas condições, se o autor tiver proposto uma ação declaratória (genuinamente de-
claratória), não poderá o magistrado condenar o réu, pois os limites da lide já terão sido
fixados na petição inicial; o autor deseja tão somente a declaração de seu direito. Dife-
rentemente, se se tratar de uma ação declaratória que contenha elementos suficientes
para proporcionar o seu cumprimento (execução), tal como se a condenatória houves-
se sido proposta.
Nesse sentido é que dizemos que o tipo de tutela jurídica integra o objeto litigioso,
para efeito de identificação das ações, mas, lembremos, tendo em vista a litispendência
(termo usado aqui para significar a pendência simultânea de ações iguais).
Para os problemas oriundos da coisa julgada material já não interessa a ação, me-
diante a qual foi exercida a pretensão. Assim, julgada improcedente ação declaratória,
esta decisão, uma vez transitada em julgado, tem efeitos totais, vale dizer, compreen-
sivos e excludentes de ulterior e eventual ação condenatória (entre as mesmas partes,
com idêntica qualificação jurídica e a mesma causa petendi). Não poderá, portanto, sob
pretexto de não haver identidade de ações, mover ação condenatória contra o mesmo
réu, baseada nos mesmos fatos jurídicos e direito, pois este foi declarado inexistente.
Examine-se, agora, porque e em que medida o tipo de ação é importante na identi-
ficação de ações pendentes simultaneamente.
Problema que, desde logo, surge, é o de se saber se ação declaratória negativa movida
pelo devedor contra o credor impede que este cobre judicialmente este mesmo crédito.
O objeto litigioso, nele integrado o tipo de ação (para efeito, justamente, de verificar-
-se ou não a litispendência), não é idêntico ao da condenatória. O da ação condenatória
será maior, pois nesta se contém não só a declaração do direito ou declaração de certeza,
como o pedido de sanção contra o réu. Consequentemente, a ação declaratória negativa
do devedor não produz litispendência para a ação condenatória do credor, pois, nesta,
obterá ele não só a certeza jurídica como a condenação, sendo a ação julgada procedente.
Se se admitisse litispendência da declaratória para a condenatória, o prejuízo do
credor seria manifesto, pois que se procrastinaria indevidamente a prestação efetiva da
tutela jurisdicional. Seria necessário haver julgamento de improcedência da declarató-
ria, para só então admitir-se a ação condenatória.
Direito de Ação 181
Neste sentido e de certa forma, é assim que deve ser entendido o § 1.º do art. 784 do
CPC/2015, ao dispor que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante
do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
Já a ação condenatória ajuizada pelo credor inibe (= produz litispendência) a ação
declaratória negativa do devedor, pois seu pedido de declaração será satisfeito na pri-
meira ação: ou será devedor ou não o será.
Assim, a identificação das ações, quando tenha por escopo a eliminação de um de
dois processos, baseia-se nas pretensões de ambos, levando-se em consideração o tipo
de ação utilizado que, conforme a hipótese, poderá, ou não, produzir litispendência.
Essa identificação, no tema da litispendência, baseia-se em duas afirmações de di-
reito e nos pedidos que se pretendam fazer valer.
Dissemos que os elementos individualizadores da ação são: (a) as partes; (b) o objeto,
ou seja, o bem jurídico a respeito do qual se reclama uma providência jurisdicional; e (c)
a causa petendi, isto é, os motivos de ordem jurídica e de fato dos quais emerge o pedido.
Ora, o objeto pode ser classificado em “imediato”, que é o tipo de providência ju-
risdicional solicitada, e “mediato”, que é o próprio bem jurídico reclamado. O objeto
litigioso, nesse tema, abrange os dois tipos de objetos. Nossa lei não usa dessa termino-
logia, usando o mesmo pedido, desde que não usa da expressão objeto litigioso. Realmen-
te, a lei eliminou o problema da diversa abrangência que tem o objeto litigioso, tendo
seus termos igual alcance, visto que no pedido estão contidos tanto o objeto imediato
como o mediato (art. 337, §2º, do CPC/2015).
78. Cf. Prieto Castro, Derecho procesal civil, n. 257, Zaragoza: Librería General. 1949,, p. 273;
Santiago Sentís Melendo, artigo sob o título Iura novit curia, em Revista de Derecho Procesal,
ano 1947, Buenos Aires: Ediar, 2.ª parte, p. 219.
79. V., modernamente, Fritz Baur, A dicção iura novit curia, trad. Arruda Alvim, na Revista de
Processo [RePro], vol. 3.
80. STJ, REsp 233.446/RJ, 4.ª T., j. 27.03.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
07.05.2001, p. 145.
182 Manual de Direito Processual Civil
81. Cf. Arruda Alvim, Direito processual civil – Teoria geral do processo de conhecimento, vol.
2, 6.ª parte, São Paulo: RT, 1972, p. 83.
82. No sentido de nossa opinião, no Direito comparado: Prieto Castro, Derecho procesal civil,
t. I, § 63, Zaragoza: Librería General. 1949, n. 263, n. III, p. 256; Schönke, Derecho pro-
cesal civil, § 47, II, 4, alínea a, Barcelona: Bosch, 1950, p. 166; Schönke-Schöder-Niese,
Zivilprozessrecht [Direito Processual Civil], 8ª ed., § 47, III, 4, p. 214. Mais anteriormente,
entre nós, Paula Batista, Teoria e prática, § 187, n. 1, p. 178-179. Em nossa jurisprudência,
correto é o entendimento firmado, nesse sentido, pelo TJSP, RT 102/218. Fixa dito acórdão
que os autores hão não só de demonstrar que são titulares do domínio, como também de
quem houveram a coisa e como a houveram. Correta a posição, neste particular, de J. I.
Botelho de Mesquita, em trabalho publicado na Revista de Direito Processual Civil, n. 6,
p. 194, Saraiva. Incorreto o entendimento de Chiovenda, em Principi di diritto processuale
civile, § 12, p. 284, 1923. Cf. também STJ, REsp 195.476/MS, 4.ª T., j. 07.02.2002, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 15.04.2002, p. 221.
Direito de Ação 183
83. REsp 3.680, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 03.12.1990, citado em Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira, O STJ e o processo civil, Brasília: Brasília Jurídica, 1995, p. 390; no mesmo sentido,
mais recentemente: STJ, REsp 255.406/RJ, 3.ª T., j. 14.06.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ
01.07.2004.
84. Amplamente sobre o assunto, Arruda Alvim, Coleção Estudos e Pareceres, Direito Proces-
sual Civil, vol. 3, São Paulo: RT, 1995, p. 148-172. Parecer sob n. 9, em que se estuda o
“Litisconsórcio na execução, possibilidade de sua utilização passiva e cumulação objetiva
e subjetiva”,entre outros muitos assuntos.
85. Remarque-se que a atração dos processos, a exigir a distribuição por dependência, veri-
ficar-se-á ainda quando houver a desistência e renovação do pedido, e mesmo nos casos
de coincidência apenas parcial das partes. Sobre o assunto, cf. STJ, AgRg no Ag 541.621/
RJ, 4.ª T., j. 09.03.2004, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 12.04.2004, p. 215; STJ, REsp
766.930/RJ, 1.ª T., j. 01.09.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 26.09.2005, p. 257.
184 Manual de Direito Processual Civil
se tal não se tiver verificado, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes,
deverá, em regra, ordenar a reunião das ações para serem decididas simultaneamente
(arts. 55, 56 e 57, do CPC/2015).
Nos casos acima lembrados não haveria exatamente uma cumulação de pedidos,
nem posteriormente, pois estaremos em face de mais de uma ação, embora o efeito de
julgamento conjunto se produza igualmente, depois de ter havido simultaneus proces-
sus, a partir da junção ou reunião dos processos.
Os tipos mais comuns de cumulação são os seguintes: (a) cumulação inicial, que
se dá quando as ações são inicial e simultaneamente propostas, obedecido, inclusive,
o limite temporal do art. 329; (b) o fenômeno que é redutível a uma cumulação poste-
rior, quando a segunda ação é ajuizada posteriormente à primeira, já encontrando esta
pendente, o que se dá nos casos de conexão ou continência; (c) cumulação eventual de
ações, que é uma cumulação em sentido impróprio, ou diverso, em que uma delas é a
principal e a outra subsidiária, devendo esta última ser objeto de apreciação somente
no caso de a primeira não prosperar.
Aliás, determina expressamente o art. 326 do CPC/2015 que será lícito formular
mais de um pedido em ordem subsidiária,86 só conhecendo o juiz do posterior se não
acolher o anterior.
Quanto à cumulação eventual, o autor deseja primordialmente um determinado re-
sultado, nele acentuando sua vontade: é aquele contido no pedido anterior; é este re-
sultado, realmente, o que é desejado pelo autor. Se, todavia, for tido como inviável tal
resultado, mercê de deliberação judicial, já terá solicitado o autor, então, e já no mesmo
processo, que o juiz passe ao exame do pedido posterior, embora reportado à mesma
causa petendi. Há, portanto, dois pedidos, embora o primeiro deva, por vontade do au-
tor, se possível (isto é, se for julgado como fundado), excluir o segundo.87
Lembre-se ainda de que poderá o pedido ser alternativo, na forma do art. 325 do
CPC/2015, quando, pela natureza da obrigação, puder esta ser cumprida de mais de um
modo. Se a escolha do modo de cumprimento couber ao devedor, aplica-se o parágrafo.
único do art. 325, assegurando o juiz o modo que tenha sido escolhido pelo devedor.
Nos dois últimos casos citados, contudo, não há propriamente cumulação de pedi-
dos, ou, se existe, é num sentido diverso das demais hipóteses, como podemos ver do
exposto, pois, para haver cumulação, deve o autor ter mais de uma pretensão. Em nosso
modo de ver, o art. 326 do CPC/2015 configura, com mais rigor, hipótese de ações ou
pretensões concorrentes (havendo exclusão do posterior, se o anterior for conhecido).
Tratando do pedido, no art. 323 do CPC/2015, estabelece a lei processual que, a
ação tendo “por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas se-
rão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do
autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no
curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las”.
88. RT 358/317 (entenda-se a cumulação admitida como sucessiva – Theodoro Júnior, op. ult.
cit., n. 135, p. 204-207 – no entanto, é superfetação, pois a procedência da demarcatória
envolve restituição.
89. Jurisprudência Mineira 19/78 (nesta hipótese é inviável a cumulação, pois, sendo a demarca-
tória ação do dominus, e, se procedente, implica restituição, descabe cumulação; ademais,
incogitável obtenção de liminar na possessória, por causa do seu rito especial – Theodoro
Júnior, op. ult. cit., n. 136, p. 207-209). Acerca do tema, cf. o seguinte julgado do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul: “Evidente que a procedência da ação demarcatória poderá
acarretar o acréscimo de área em favor de uma das partes, sem que isso configure a cumu-
lação de pedidos demarcatório e reivindicatório” (TJRS, AI 70020961744, 17.ª C. Cível, j.
14.08.2007, rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, DJ 27.08.2007).
90. STJ, AgRg no AgRg no AREsp 611.557/SP, 4ª T., j. 26.05.2015, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 02/06/2015; Alexandre de Paula, O processo civil à luz da jurisprudência, vol. 28/413,
1942, julgado 34.779.
91. STJ, REsp 84.790/SP, 4.ª T., j. 05.06.2001, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24.09.2001, p. 306.
92. Nesse sentido, ainda na vigência do código revogado: STJ, REsp 332.194/SP, 3.ª T., j.
20.11.2001, rel. Min. Menezes Direito, DJ 25.02.2002, p. 379.
186 Manual de Direito Processual Civil
Havendo cumulação, haverá, na verdade, duas lides e dois “méritos” a serem apre-
ciados pelo juiz. E tais lides, em regra, são independentes uma da outra. Desta for-
ma, a carência de ação, relativamente a uma das ações, v.g., por falta de interesse pro-
cessual, não contamina e nem impede o exame do outro (ou dos outros) pedido(s)
cumulado(s).
93. Se se pede a rescisão do contrato, a ação é constitutiva negativa, pois colima-se desfazer
o negócio; se, diferentemente, se solicita o abatimento do preço, a ação é constitutiva,
objetivando-se a alteração de um dos elementos da compra e venda, o preço. Conforme o
que se deseje, portanto, o efeito jurídico será diferente. No entanto, ou se pede uma coisa,
ou outra coisa. Assim é que, do ponto de vista jurídico, são esses pedidos excludentes, um
do outro. Depende-se da vontade do autor; porém, manifestada esta, pela eleição de uma
determinada ação, isto é, uma consequência jurídica específica, a outra – que teria sido
possível – fica lógica e juridicamente inviável, ou seja, está excluída pelo próprio direito.
94. A este tipo de concurso parte da doutrina denomina de concurso impróprio (cf. Pontes de
Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 2, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958, p. 395; Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, n.
149, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 200).
Direito de Ação 187
95. Em rigor, não se deve afirmar que em relação à ação que não foi julgada houve coisa julgada.
A melhor explicação é a de que falta interesse, em relação a essa outra ação, se, hipoteti-
camente, vier a ser movida (este esclarecimento decorreu da leitura da obra de Eduardo
Talamini, Coisa julgada e sua revisão, São Paulo: RT, 2005, p. 69, nota 77). Em igual sentido,
Paulo dos Santos Lucon destaca que: “No caso de concurso de demandas é consagrada a
disciplina atribuída com o propósito de se evitar a que o relacionamento entre demandas
produza provimentos conflitantes e contraditórios. Nas hipóteses de efetiva satisfação de um
direito, extingue-se eventual interesse para o ajuizamento de outra demanda com o mesmo
propósito.” (Paulo Henrique dos Santos Lucon, Relação Entre Demandas, 1ª ed., Brasília:
Gazeta Jurídica, 2016, p. 117)
188 Manual de Direito Processual Civil
Por outro lado, suponha-se que a ação foi julgada improcedente, e isto terá ocorri-
do pela verificação de que não houve lesão alguma. Ora, como atrás verificamos, nas
ações concorrentes o fato jurídico é um só, conquanto as ações (= pretensões) que ela
permite, para a respectiva reparação, podem variar. Se foi verificado que a lesão inexis-
tia, curialmente, nenhum dos efeitos teria sido admissível.
Lembremos também da dualidade que existe entre a cambial e a respectiva relação
fundamental, isto é, o negócio de Direito Civil ou Comercial que levou o devedor da
cambial a emiti-la em favor do credor. Conquanto exista uma dualidade de realidades,
há unidade relativamente à existência de direito; há um só direito (se o título se en-
contrar em mãos do devedor e credor originários). A cambial, nessas condições, é tão
somente uma expressão da relação fundamental, tanto que é absolutamente pacífica a
doutrina do Direito Comercial, no sentido de que a emissão de cambial, em tais con-
dições, não produz novação alguma. Consequentemente, execução por título extra-
judicial, porventura movida com base na cambial, impede, pelo mesmo autor, a ação
relativa à relação fundamental, do mesmo modo que, se o credor optar pela ação or-
dinária, esta impede aquela, eis que lhe faltará o interesse jurídico, condição para que
pudesse usar do direito de ação.
5
Processo e os Pressupostos Processuais
Como foi visto no resgate histórico feito no início deste Manual, já há muitas déca-
das não deve ser confundida a relação jurídica de direito material com a relação jurídi-
ca processual.1 Enquanto a relação jurídica de direito material constitui, normalmente,
a matéria do debate, a relação processual é onde aquela se contém.Mesmo na ação de-
claratória negativa, em que se objetiva negar a existência de uma relação jurídica mate-
rial, impende seja ela descrita, pois só assim poderá o réu defender-se, e, afinal, só em
face da prévia identificação da relação jurídica esta poderá ser tida como existente ou
como inexistente.
Podemos explicitar dizendo que a relação jurídica processual é o próprio proces-
so2-3 e só tem existência nos tribunais, isto é, mediante o uso do direito de ação. Nesta,
1. V. Oskar Bülow, La teoría de las excepciones procesales, y los presupuestos procesales, trad.
de Miguel Angel Rosas Lichtschein, Buenos Aires: Jurídicas Europa-America, 1964, p. 1-4.
2. “O processo é uma relação jurídica. Uma relação jurídica complexa: um autor, um juiz,
um réu. O autor é credor da sentença, ou seja, tem direito à prestação jurisdicional.
Nessa relação o juiz se apresenta tanto em face do autor quanto do réu como titular de
um poder: o poder jurisdicional, a que ambos se submetem, haja ou não ‘colaboração’.”
(José Maria Rosa Tesheiner e Rennan Faria Krüger Thamay, Teoria geral do processo: em
conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016,
p. 5).
3. Em sentido, em certa medida, diferente, para Alexandre Freitas Câmara, a concepção e teoria
da relação processual “pressupõe uma superioridade estatal na condição do processo que
é incompatível com a mais moderna concepção de Estado Constitucional.”. E continua: “O
que existe é um procedimento em contraditório destinado à construção dos provimentos
estatais, em que todos os sujeitos interessados participam, em igualdade de condições, na
produção do resultado. Este procedimento comparticipativo, policêntrico, que se desenvolve
em contraditório é, precisamente, o processo.” (O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2016, p. 26-27). Essas premissas estão presentes no processo como disposto na
Constituição e no CPC/2015, porém, nos parece, que isso não descaracteriza a existência da
relação jurídica processual. Pertine, aqui, a crítica de Araken de Assis à teoria do processo
como procedimento em contraditório. Segundo o autor, descabe essa posição “primeiro,
porque o procedimento administrativo, na ordem constitucional brasileira, também se sub-
190 Manual de Direito Processual Civil
art. 240 do CPC/2015, ou seja, com o despacho que ordena a citação, ainda que o juízo
seja incompetente, retroagindo à data de propositura da ação, ou seja, aquela do proto-
colo da petição inicial (art. 312, CPC/2015), conforme explicitado em item específico.8
O art. 312 do CPC/2015 diz considerar-se proposta a ação “quando a petição inicial
for protocolada”, ressalvando que a propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao
réu, os efeitos mencionados no art. 240 do CPC/2015 depois que for validamente cita-
do. Com a formação trilateral da relação jurídica, podemos dizer haver processo apto a
que nele possa ser prolatada decisão da lide.
Quer dizer, antes da citação, pelos próprios termos do art. 312 do CPC/2015, não há
coisa litigiosa e, se esta não existe, não há processo em relação ao réu. É a citação, ou o
comparecimento espontâneo do réu ao processo (art. 239, § 1º, do CPC/2015) que faz
completa a relação jurídica processual.
Na verdade, portanto, o momento do art. 312 do CPC/2015 é o início da relação
processual, que só se completará no momento a que alude o art. 240 do CPC/2015, isto
é, o da citação, ou de circunstância que lhe faça as vezes (= comparecimento espontâ-
neo do réu). Depois da propositura e antes da citação, no entanto, formado o processo
entre o autor e o juiz, poderá aquele solicitar, v.g., tutela provisória, inaudita altera pars,
a qual, se concedida, atingirá o réu, enquanto não modificada. É momento, pois, que
pode apresentar alta relevância.
8. Como diz Luiz Manoel Gomes Junior, “a finalidade do art. 312 do NCPC, é delimitar quando
deve ser considerada proposta uma determinada ação. A relevância é evidente, na medi-
da em que diversos prazos e direitos dependem deste marco temporal.” (comentários ao
art. 312 In: Teresa Arruda Alvim Wambier et al (coord.). Breves comentários ao novo código
de processo civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 843).
9. “A ausência de algum pressuposto de existência implica a própria inexistência jurídica do
processo. Dito de outro modo, faltando algum pressuposto de existência não se estará diante
de um verdadeiro processo.” (Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro,
2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 27).
10. A falta de qualquer dos pressupostos processuais de existência macula a existência do próprio
processo, podendo existir, nas palavras bem colocadas de Teresa Arruda Alvim Wambier,
somente “um simulacro de processo”. (Nulidades de processo e da sentença, 7. ed. rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 354).
192 Manual de Direito Processual Civil
a) O primeiro requisito para haver um processo e, por conseguinte, uma relação jurí-
dica processual, é o de haver uma demanda, traduzida numa petição inicial, mesmo que
seja esta inepta (arts. 319 e 330, I, CPC/2015). A palavra demanda está tomada aqui no
sentido de pedido, de pretensão que assumindo a forma escrita, que é a petição inicial.11
Não existe, assim, processo sem que haja iniciativa da parte (art. 2º do CPC/2015).12
Diz-se, por esse motivo, que o primeiro requisito para que o processo seja considerado
existente se prende a um princípio geral informador do Direito Processual Civil, que é
o princípio dispositivo, que significa estar à disposição da parte ou do interessado, o fa-
zer valer sua pretensão.O juiz, consequentemente, movimenta a máquina jurisdicional
ao influxo do pedido inicial, embora, depois de dinamizado o processo, o seu decorrer
seja animado pelo impulso oficial (art. 2º do CPC/2015).
Como já mencionado, não nos esqueçamos de que dizer: existência não indica por
si só, validade. Pode instaurar-se, assim, um processo mediante uma demanda inválida.
Será o caso de petição inicial inepta (art. 330, I do CPC/2015), o que se verá a seu tempo.
b) Outro requisito de existência da relação jurídica processual (processo) é a exis-
tência de jurisdição.13 A parte deve, portanto, formular o pedido a alguém investido de
jurisdição, vale dizer, a um órgão jurisdicional (juízo de direito ou tribunal), pois, mes-
mo se incompetente (inclusive absolutamente incompetente), processo haverá.
Nesta hipótese, ordenada e feita a citação, pelo menos se originarão efeitos civis
(art. 240, caput, 2.ª parte, do CPC/2015).
c) Não se pode dizer que já há processo íntegro, como relação trilateral, no sentido
prático e real, se não houver citação da parte contrária;14 afirmação diversa seria base-
ada em conceito estritamente técnico (desligado do Direito positivo brasileiro), e seria
11. A Lei 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
permite que o pedido seja formulado oralmente à Secretaria do Juizado (art. 14), devendo
ser reduzido a escrito. Essa disposição, em nosso sentir, deve ser aplicável, naquilo que não
colidir com regras específicas, às Leis 10.259/2001 e 12.153/2009, que regulamentam os
Juizados Especiais da Fazenda Pública nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
12. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “...nenhum processo pode ser instaurado sem a
provocação da parte interessada...” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual
civil – teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum, vol. 1, 57. ed. rev. e atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 144).
13. Sobre o tema de José Tesheiner e Rennan Thamay, afirmam: “Ter jurisdição é o primeiro
pressuposto relativo ao juiz. Trata-se de pressuposto de existência. ‘Juiz’ sem jurisdição não
é juiz. Como não há processo sem juiz, segue-se que é inexistente a ‘sentença’ proferida
pelo não juiz.” (Pressupostos processuais e nulidades no novo processo civil, Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 88). Cf. também Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil: introdu-
ção ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed., Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 311; Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed.,
São Paulo: Atlas, 2016, p. 27;
14. Nesse sentido: “Extinção do processo Ação de reintegração de posse. Falta de providências
tendentes à concretização da citação por edital determinada a encerrar hipótese de abandono
da causa, cuja consequência consiste no não preenchimento de pressuposto processual de
existência da relação jurídico processual trilateral – Inobservância da providência preconizada
pelo art. 267, § 1º do CPC, imprescindível na espécie – Error in procedendo caracterizado
Processo e os Pressupostos Processuais 193
válida apenas considerando o processo como relação bilateral entre autor e juiz. O que
podemos dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo,
pois há relação jurídica entre o juiz e o autor.15-16
A citação é o terceiro requisito para que se forme integralmente a relação jurídica
processual.17
Entretanto, temos que considerar um quarto requisito, que é o da capacidade pos-
tulatória.18 Neste passo, tendo em vista a sua imprecisão,19 registramos que o que desig-
(Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2. ed. rev., atual
e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 211).
20. Entre eles, podemos citar Ronaldo Cramer. Em suas palavras: “Para atuar em juízo, a parte
deve estar representada por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil. Essa exigência constituí a denominada capacidade postulatória, um dos pressupostos
processuais de validade que devem ser observados pelas partes.” (Comentários ao art. 104,
In: Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (Coord.). Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 175).
21. Nesse sentido, afirmam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que “Caso não
sejam ratificados, os atos praticados por advogados sem procuração serão tidos como ine-
xistentes.” (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 488).
Processo e os Pressupostos Processuais 195
Contudo, existem exceções à presença de advogado. Entre elas, podemos citar os ca-
sos dos Juizados Especiais (art. 9º da Lei 9.099/1995) e da Justiça do Trabalho (art. 791
da CLT), situações em que, excepcionalmente, não se exige capacidade postulatória
para intentar reclamações ou defesas.22
No processo há três ordens fundamentais de categorias de admissibilidade: a pri-
meira, como vimos, diz respeito à existência e validade do processo ou da relação ju-
rídica processual; a segunda, às chamadas condições da ação; e a terceira e última, ao
mérito (à lide).
Não é necessário entrar em pormenores para explicar que, antes de proferir sen-
tença, já deve ter o juiz verificado a existência jurídica processual e a sua validade, que,
inocorrentes, acarretarão respectivamente a inexistência jurídica da sentença e a sua
nulidade, e de todos os atos ali praticados. A validade é, assim, examinada em função
da sentença de mérito. Portanto, se não presentes os “pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo” (art. 485, IV, do CPC/2015), o juiz de-
verá proferir sentença de extinção do mesmo, sem resolução de mérito. Esta sentença,
normalmente, será prolatada como uma das modalidades de julgamento conforme o
estado do processo (art. 354 do CPC/2015), logo após a defesa ou a revelia (decurso in
albis do prazo para defesa, com ausência de contestação). Nada obsta, porém, que, se o
juiz, por lapso, deixar de fazê-lo nessa oportunidade, o faça ulteriormente. Deverá, ali-
ás, assim decidir tanto tendo havido alegação da parte quanto oficiosamente (art. 337,
§ 5º, e art. 485, § 3º, ambos do CPC/2015).23
22. V. sobre o jus postulandi no processo trabalhista: Amauri Mascaro do Nascimento, Elementos
de direito processual do trabalho, São Paulo: LTr, 1973, p. 123.
23. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a ausência de pressuposto processual
pode ser reconhecida de ofício, pois o tema integra o rol das matérias de ordem pública,
inclusive, pronunciamento judicial nesse sentido e nesses casos não implica violação à regra
de congruência. V., por exemplo, STJ, REsp 1.112.524/DF, C. Especial, j. 01.09.2010, rel.
Min. Luiz Fux, DJe 30.09.2010. No mesmo sentido, é o posicionamento do TJSP, v.g., TJSP,
Ag. de Instrumento 2224836-34.2014.8.26.0000, 6ª Câm. de Dir. Priv., j. 15.08.2016, rel.
Des. Percival Nogueira.
196 Manual de Direito Processual Civil
à conclusão querida; que não retrate pretensão amparada pelo Direito positivo ou que
contenha pedidos incompatíveis entre si, salvo nos casos autorizados por lei.
Percebendo o juiz, a qualquer momento, que a petição inicial é confusa, por não
conduzir a conclusão alguma, sendo, portanto, inepta, deverá obstar o prosseguimento
do processo. Contudo, nos casos de inépcia da inicial, o juiz deverá dar oportunidade
para que o autor a corrija. Em caso do vício não ser sanado, o processo deve ser extin-
to, sem resolução de mérito (art. 485, I, do CPC/2015). Isto, porque aqui se aplica o
caput do art. 321 do CPC/2015, segundo o qual o juiz deve determinar que o autor, no
prazo de 15 dias, emende ou complete a inicial, a fim de sanar os defeitos e irregulari-
dades capazes de dificultar o julgamento de mérito. Embora os vícios do art. 330, § 1º,
I a IV, do CPC/2015 impeçam o julgamento do mérito, ao invés de apenas dificultá-lo,
o art. 321 do CPC/2015 é completamente aplicável, tendo em vista que o Código, sem-
pre que possível, privilegia o julgamento de mérito, motivo pelo qual nos devemos va-
ler da interpretação extensiva.24
Assim, em caso da petição não apresentar os requisitos de validade, deve ser dada a
oportunidade para que o autor a conserte sob pena de, não o fazendo, vê-la indeferida.
Aqui cabe esclarecer que o juiz deverá indicar com precisão qual é o vício que deve ser
corrigido, por força da parte final do art. 321, caput, do CPC/2015.
Caso o autor não tome essa providência, a petição inicial será indeferida, o que dará
ensejo ao recurso de apelação (art. 331, caput, do CPC/2015). Se o autor recorrer, po-
derá o juiz, no prazo de 5 dias, se retratar. Não se retratando, o juiz mandará citar o réu
para que ele responda ao recurso (art. 331, § 1º, do CPC/2015).
Por outro lado, se o autor não recorrer, o réu será intimado do trânsito em julgado
da extinção do processo sem resolução do mérito (art. 331, § 3º, do CPC/2015). A pre-
visão é salutar, pois o registro ou a distribuição da petição inicial, ainda que inepta, tor-
na prevento o juízo (art. 59 do CPC/2015). Assim, caso o autor proponha novamente
a ação veiculada na petição inicial inepta, essa ação deverá ser processada e julgada no
juízo que julgou inepta essa petição inicial. É importante que o réu seja intimado do
trânsito em julgado da decisão justamente para em uma segunda ação, poder alegar a
prevenção do juízo, impedindo que o autor entre com petições iniciais ineptas até que
alguma delas seja distribuída a algum juízo de sua escolha, burlando o sistema de dis-
tribuição. Explicamos: se o réu não fosse intimado do trânsito em julgado, ele não te-
ria ciência da prevenção do juízo, pois, em caso de indeferimento da petição inicial por
24. Nesse sentido, afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “É certo que, no
modelo atual, a distinção perde grande parte do seu interesse, na medida em que, sempre,
deve o juiz antes de rejeitar a petição inicial permitir à parte que sane o defeito. Assim, tra-
tando-se de petição inicial que contenha defeitos que inviabilizem ou dificultem a análise
do mérito, as consequências são as mesmas: o juiz não poderá indeferir a petição inicial sem
dar à parte a oportunidade de sanar o problema, na forma do art. 321 do Código de Processo
Civil.” (Comentários ao art. 330, In: Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel
Mitidiero (Coord.). Coleção comentários ao Código de Processo Civil, v. 4. São Paulo: Ed.
RT, 2016, p. 462.).
Processo e os Pressupostos Processuais 197
inépcia, o réu sequer é citado. Assim, o autor poderia muito bem preparar uma petição
inicial inepta e, caso ela não fosse distribuída ao juízo que achasse mais conveniente,
permanecer inerte após a intimação para corrigir os vícios da peça, visando justamente
a extinção do processo sem resolução do mérito, para, posteriormente, protocolar ou-
tra petição inicial inepta, torcendo para que dessa vez ela fosse distribuída ao outro ju-
ízo, mais conveniente a seus interesses. Caso isto ocorresse, após a intimação, o autor
corrigiria o vício e veria seu processo ser julgado pelo juízo de sua escolha. Portanto, a
norma do art. 331, § 3º, do CPC/2015 visa a dar ciência ao réu para que este possa ale-
gar a prevenção do juízo, eventualmente, em uma segunda ação.
Neste passo, é necessário destacar um problema: nos casos de inépcia da inicial des-
critos nos incs. I e III do § 1º, do art. 330 do CPC/2015, em regra, não é possível saber
qual é a ação que o autor está pretendendo propor, uma vez que não está presente a trí-
plice identidade (partes, causa de pedir e pedido). No caso do inc. I, é nítido que não
há uma ação, visto que não está presente o pedido ou a causa de pedir. No caso do inc.
III, não se sabe se o que está em jogo são os fatos ou os pedidos (conclusão) formula-
dos. Tendo em vista essa situação, podemos fazer as seguintes perguntas: como pode-
mos falar que determinado juízo está prevento para conhecer uma determinada ação
que nunca foi proposta? O que ocorre se o autor não apresentar a causa de pedir ou o
pedido na inicial, justamente para burlar o sistema de distribuição, conforme explica-
do no parágrafo anterior?
Rigorosamente, a resposta para a primeira questão é “em regra, não podemos”. Não
há como determinado juízo estar prevento para processar e julgar uma ação se aquela
que teria dado origem à prevenção nunca foi proposta. Contudo, se o autor não apresen-
tar a causa de pedir ou então o pedido na petição inicial, e esta vier a ser julgada inep-
ta, o juízo que assim a julgou estará prevento para processar e julgar a segunda ação.
Entendimento contrário seria admitir que o autor pudesse escolher o juízo pelo qual
seria julgado, o que violaria o princípio do Juiz Natural e o Princípio da Imparcialida-
de da Jurisdição.
O primeiro requisito da validade da relação jurídica processual é, então, ser a de-
manda regular, conforme a lei e, portanto, apta em função dos reflexos que terá, para
ensejar a defesa e o proferimento de sentença.25
25. Ver, por exemplo, as seguintes decisões do TJSP: À luz do CPC/1973, “Apelação. Embargos à
execução. Ausência de pressuposto processual de validade (ausência de petição inicial apta).
O art. 736, § único, do CPC, prevê, expressamente, que os embargos à execução deverão ser
instruídos com cópias das peças processuais relevantes da ação de execução, dentre elas,
por óbvio, o título executivo, o que não ocorreu no caso em tela. Mesmo com a concessão
de prazo para que trouxesse aos autos cópia do título executivo, a Apelante quedou-se
inerte. Assim, não resta outra saída, senão reconhecer a falta de pressuposto processual de
validade (petição inicial apta), cuja ausência conduz à extinção do processo sem resolução
de mérito (CPC, art. 267, inc. IV). Sentença reformada de ofício. Recurso prejudicado.” (TJSP,
Ap. 0025229-50.2012.8.26.0451, 38ª C. de Dir. Priv., j. 05.02.2014, rel. Des. Eduardo Si-
queira) e, já na vigência do CPC/2015, v. “Processo Civil. Petição inicial apta que constitui
um dos pressupostos processuais de desenvolvimento e validade do processo. O artigo 330,
198 Manual de Direito Processual Civil
§1º, III, do Código de Processo Civil de 2015, repetindo o artigo 295, parágrafo único, II,
do CPC/1973 define, dentre várias possibilidades de inépcia da inicial aquela em que dos
fatos narrados não decorrer logicamente o pedido. Autor que alega seu direito à rescisão
contratual e reintegração na posse do imóvel em razão do descumprimento contratual por
parte da ré, mas, ao fim, pede o pagamento de vários valores, atinentes àquelas obrigações
descumpridas. Ausência de preenchimento do requisito processual de que da narrativa dos
fatos deve decorrer logicamente o pedido. Extinção do feito sem solução do mérito (artigo
267, IV, e 295, parágrafo único, II, do CPC/1973 e artigo 485, IV e 330, §1º, III, do Código
de Processo Civil de 2015). Recurso improvido.” (TJSP, Ap. 1015068-06.2014.8.26.0576,
4ª Câm. de Dir. Priv., j. 06.07.2016, rel. Des. Maia da Cunha).
26. Explicam Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da
Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello: “As partes têm direito ao julgamento da lide
por um juiz imparcial que conduza o processo e decida de forma independente, isenta e
impessoal. Trata-se de garantia própria do Estado Democrático de Direito e decorrência dos
princípios do juiz natural e da igualdade. O juiz não pode ter interesse pessoal e direto na
causa, que o leve a decidir, dessa ou daquela forma, a fim de favorecer ou prejudicar uma
das partes. (...) A imparcialidade do juiz é pressupostos processual de validade.” (Primeiros
comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 311-312).
27. Segundo Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes: “Com vista a
assegurar a lisura do juiz no exercício da jurisdição, ou a sua imparcialidade, a lei proces-
sual enumera situações em que ele deve afastar-se por iniciativa própria ou será afastado
pelo tribunal competente, por iniciativa de uma das partes – tais são, segundo um linguajar
corrente, o dever de abstenção por parte do juiz e o direito de recusa, outorgado pela lei às
partes. Todas as hipóteses descritas pelo Código de Processo Civil (arts. 144-145) têm em
comum a existência de algum envolvimento do juiz com alguma das partes ou com a própria
Processo e os Pressupostos Processuais 199
A capacidade de estar em juízo não deve ser confundida com a legitimação para a
causa, também denominada legitimação material ou, ainda, legitimatio ad causam. Esta
é definida, normalmente, em função de elementos fornecidos pelo direito substancial.
A legitimatio ad causam consiste, quer no polo ativo, quer no passivo, na possibilidade
de a lide dizer respeito àquelas partes. O direito de ação cabe, assim, ao possível titu-
lar ativo, contra o possível titular passivo, da relação jurídica material. A legitimatio ad
causam é condição da ação e não pressuposto processual. Assim, se alguém tem plena
capacidade de exercício de direitos, terá capacidade para estar em juízo, mas nem por
isso terá legitimação para qualquer causa, pois só naquelas que lhe dizem respeito terá a
titularidade para atuar ativa ou passivamente. Se assim não fosse, qualquer pessoa po-
deria mover ação de separação judicial para uma esposa contra seu marido, por enten-
der que eles brigam muito, por exemplo.
Comumente, a legitimatio ad causam coincide com a legitimidade processual, que, a
seu turno, pressupõe a capacidade de estar em juízo (= processual). A legitimação pro-
cessual é a legitimidade para que as partes atuem em um processo em concreto. Na hi-
pótese de coincidência da legitimação processual com a legitimação ad causam, ambas
dirão respeito ao mesmo sujeito ou ente jurídico (= parte).
Entretanto, nem sempre a legitimação processual e a “legitimatio ad causam” se reu-
nirão no mesmo sujeito ou ente jurídico, como no caso dos menores absolutamente in-
capazes. Estes são representados em juízo por seus pais (art. 71 do CPC/2015). Então,
quem tem legitimidade ad causam é o menor, mas quem tem a legitimidade processual,
ou seja, quem atua no processo é o pai. Se se tratar de menor relativamente incapaz, há
de ser assistido.
Ausente a capacidade de estar em juízo e, consequentemente, a legitimidade pro-
cessual, o juiz deve ensejar sua regularização. No entanto, o prazo fixado pelo juiz, com
fulcro no caput do art. 76, do CPC/2015, para regularização das partes, é preclusivo.
Não suprida a falta no prazo marcado, incumbe ao juiz declarar extinto o processo sem
resolução de mérito, por falta de pressuposto processual. Aqui cabe esclarecer que, em
caso de falta capacidade de estar em juízo do réu, a providência caberá ao autor, que
deverá solicitar a citação do representante do réu. Uma interpretação equivocada do
art. 76, § 1º, II, do CPC/2015 poderia dar a entender que o réu sem capacidade de estar
em juízo é responsável por sanar o vício de representação, sob pena de revelia. Contu-
do, não faria sentido algum a lei cobrar alguma providência processual daquele que não
pode praticar ato processual.
Os pressupostos processuais relativos à pessoa do juiz e das partes são comumente
denominados pressupostos processuais subjetivos e, tendo em vista as partes e o juiz,
há que se distinguir entre os das partes e os do sujeito imparcial.
Foram expostos, até agora, os requisitos da existência da relação jurídica proces-
sual e os requisitos da validade dessa mesma relação. Constituem ambos os grupos dos
chamados pressupostos processuais positivos ou intrínsecos, sem os quais o processo
não poderá atingir sua finalidade, obtendo a sentença de mérito.
Processo e os Pressupostos Processuais 201
1. cf. Hans Kelsen, Allgemeiner Theorie der Normen, Viena: Manz’sche, 1979, p. 3, item VI,
fine [Teoria geral das normas] na tradução do Prof. José Florentino Duarte, p. 4; Salvatore
Foderaro, Il concetto di legge, Roma: Mario Bulzoni, 1971, § 3º, p. 23; Lourival Vilanova,
As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo: RT, 1977, p. 34 e ss.; e em
Causalidade e relação no direito, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 55. A concepção da norma
processual albergando um dever-ser é bastante expressiva, nesta disciplina, pois que um
Código de Processo Civil é um modelo idealizado do que deve ocorrer em relação aos
processos. Um tal Código modela ou projeta a estrutura e o evolver dos processos.
2. A compatibilidade de uma norma com outra, que lhe é superior, para muitos constitui-se
num “elemento della legalità”, e esse “è veramente essenciale per la qualificazione della
norma giuridica positiva” (cf. Ferruccio Pergolesi, Saggi sulle fonti normative, Milão: Giuffrè,
1943, p. 22). Em relação à compatibilidade, ou não, de uma norma com a Constituição,
fala-se em constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
3. v. Santi Romano, L’ordinamento giuridico, 2ª ed. Firenze: Sanzoni, 1951, §§ 2º e 3º. As leis,
constitutivas de um sistema, encontram-se, justamente porque inseridas nesse sistema,
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 203
submetidas a uma ideia de unidade, que marca os ordenamentos jurídicos (§ 4º, p. 12 e ss.).
Esse sistema, assim unitariamente compreendido, é informado por seus princípios guias,
sem os quais se torna difícil ou inseguro resolver os problemas – veja-se de Savigny, Vom
Beruf unserer Zeit fur Gesetzgebung und Rechtswissenschaft, Heidelberg: Mohr u. Zimmer,
1814, p. 22; na tradução espanhola, De la vocación de nuestro siglo para la legislación y la
ciencia del derecho, capítulo II, p. 51 e ss., esp. p. 57, s/d).
4. v. a respeito, Jürgen Habermas, Facticidad y validez – Sobre el derecho y el estado demo-
crático de derecho en términos de teoría del discurso, p. 473., enfaticamente trabalhada.
5. V. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo; v., também, Luiz Guilher-
me Marinoni, A tutela inibitória, individual e coletiva, 3ª ed., São Paulo: RT, 2003, na qual,
em relação ao que designa como processo civil clássico, apontando suas deficiências (ao
menos à luz das expectativas sociais vigentes – p. 19 e ss.) e fazendo eco a modificações
profundas, já objeto de consagração legislativa, entre nós – p. 22, 375 etc.; Marcelo Lima
Guerra, Execução indireta, São Paulo: RT, 1999; José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela
cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 3ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
6. Francesco Carnelutti, Sistema di diritto processual civile, vol. 2. Padova: Cedam, 1936, p. 73.
204 Manual de Direito Processual Civil
não pode ensejar a oportunidade de a parte corrigir o que pediu, alterando o pedido,
senão que há, apenas, de esclarecer aquilo que precedentemente já queria. Esta corre-
ção se realiza por causa da atividade jurisdicional e para que a outra parte possa com-
preender a demanda, mas não para “ajudar” o autor, pois do contrário essa conduta seria
infratora do disposto nos arts. 7º e 139, I, do CPC/2015; o juiz não deve auxiliar nenhuma
das partes, que são assumidas pelo legislador como iguais. Na redação do Anteprojeto
no Senado (junho de 2010) constava: “Art. 7º É assegurada às partes paridade de trata-
mento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defe-
sa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar
pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.” A parte grifada caiu, sob
o argumento de quebra da igualdade.
2º) ao réu incumbe responder à ação. Se não o fizer, incidirão, via de regra, os efeitos
da revelia (arts. 344 e 346 do CPC/2015). Do mesmo modo, se responder, mas deixar
de alegar a incompetência relativa, esta será prorrogada (arts. 64 e 65 do CPC/2015);
3º) na hipótese de pedido de tutela de urgência antecipada requerida em caráter
antecedente (art. 303 do CPC/2015) pela literalidade do texto legal, se a medida urgen-
te for concedida, incumbe ao réu recorrer e, em não o fazendo, o processo será extinto,
com a estabilização dos efeitos da medida favorável ao autor (art. 304, caput e § 1º, do
CPC/2015);
4º) aquele que perde a demanda e deixa de recorrer permite que se opere a imutabi-
lidade do comando da sentença de mérito perdida a chance de reforma.
Basicamente, portanto, toda a dinâmica do processo é ligada a essa ideia nuclear (rea-
lidade estimuladora), consistente em que, não praticado um ato, ou, se praticado incorre-
tamente, em regra, seguir-se-á um dano para aquele a quem incumbia a respectiva prática.
O processo nasce para terminar e vive numa dimensão temporal.7 Os atos processu-
ais das partes devem ser praticados dentro de lapsos temporais segmentados, em que se
subdivide aquela dimensão temporal maior, na qual a não prática do ato que deveria ser
realizado, porque à parte se enseja essa oportunidade ou chance, liga-se à ocorrência de
preclusão, salvo as exceções legais. Geralmente, porque a prática do ato seria útil à parte
que não o praticou, na medida em que efetivamente o ato fosse útil, decorre prejuízo pela
omissão. O prejuízo, porém, não é consequência absolutamente necessária da omissão.
É, v.g., possível, mesmo que o réu não conteste a ação, e, ainda, mesmo que seja julgada
antecipadamente (art. 355, do CPC/2015), venha a mesma a ser julgada improcedente.
Se o ato que deveria ter sido praticado o foi, igualmente, há preclusão (consumativa); se
o foi mal, não poderá igualmente vir a ser repetido em face da preclusão consumativa.
a) normas processuais civis stricto sensu, que são aquelas diretamente ligadas ao processo
em si, regulando, por excelência, o processo contencioso, as atividades das partes, o reflexo
dessas atividades nas próprias partes e, eventualmente, sobre terceiros, o órgão jurisdicional
e sua atividade, bem como a atividade dos auxiliares da Justiça. A sede destas normas está no
Código de Processo Civil e leis extravagantes, isto é, no sistema geral das leis processuais;
b) as chamadas normas processuais civis estritamente procedimentais, que regulam
especificamente a forma do procedimento. Não são exclusivamente normas de Direito
Processual Civil, no sentido de regularem tão somente o processo contencioso. Aplicam-
-se não só a eles, mas também aos procedimentos de jurisdição voluntária.
c) normas processuais civis lato sensu são as que disciplinam e regulam a organização
judiciária de cada um dos Estados.
Quanto à origem, as duas primeiras espécies de normas processuais civis nascem,
em nosso sistema jurídico, do Poder Legislativo Federal.
As leis de organização judiciária são editadas pelos Poderes Legislativos, mas a partir
de proposta que compete privativamente aos respectivos tribunais superiores (art. 96,
II, a a d, da CF/1988).
Contudo, não se encontram fixados objetivamente os limites da organização judici-
ária no texto constitucional. Para esse efeito, há que se ter presente a Lei federal 5.621,
de 04.11.1970, que delimitou o campo de atuação das normas respeitantes à organiza-
ção judiciária dos Estados.
8. A imperatividade é característica das normas jurídicas. Para poder explicar essa característica
em relação às normas dispositivas há quem afirme que os destinatários das normas disposi-
206 Manual de Direito Processual Civil
tivas, porque podem ser afastadas pelos interessados (o que é comum em direito privado),
isso não acontecendo, resulta ser também o Estado, no sentido de que, se não afastadas
pelos interessados, essas haverão de ser imperativamente aplicadas (cf. Ferruccio Pergolesi,
Saggi sulle fonti normative, Milão: Giuffrè, 1943, § 8º, p. 17). Por outras palavras, se as partes
não houverem “disposto”, afastando a incidência de uma dada norma “dispositiva”, o que
poderiam ter feito, essa norma aplicar-se-á imperativamente, então.
9. Sobre o tema, v. com grande proveito, Antonio do Passo Cabral, Convenções processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016; José Carlos Barbosa Moreira, Convenções das partes sobre
matéria processual. Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 207
da coisa julgada material, sobre o decidido, e pela realização da eficácia do decisum por
meio da execução, quando for o caso.10
As normas de Direito Material retratam um interesse primário, ao passo que as nor-
mas de Direito Processual Civil expressam um interesse secundário. Tal interesse é, por
sua vez, derivado da existência de obstáculo ao gozo do interesse primário ou substan-
cial, que nasceu de uma lesão feita a esse interesse.11 Normas processuais, como aquelas
que constam do art. 497 e do art. 498 do CPC/2015, podem vivificar a execução especí-
fica em relação às obrigações de fazer e de não fazer e de entrega de coisa. As normas de
processo podem influir na eficácia das normas de direito material; mais precisamente,
podem vir a imprimir uma eficácia que, anteriormente, em termos práticos, estas últimas não
tinham.12 Vale dizer, as normas de direito material são dotadas, pela norma processual,
de uma sanção, consistente em conduzir inadimplementos ao adimplemento, mercê do
que se tem denominado de execução indireta.
10. O que se diz no texto não é aplicável à hipótese em que a tutela tenha sido antecipada, pois
se produzem efeitos antes da ocorrência da coisa julgada.
11. Acentua-se no direito processual civil contemporâneo a possibilidade de acesso à justiça
antes da ocorrência da lesão. A isto denomina-se ilícito de perigo, o qual, na medida em
que a lei ou o sistema jurídico tenha por idôneo um determinado perigo, proporciona a
solicitação de providência jurisdicional, por isso que está presente interesse de agir, mercê
do qual admite-se o acesso ao Judiciário, com vistas a inibir a ocorrência da lesão.
12. Lograr-se-á, na maioria das hipóteses, tutela específica em relação às obrigações de fazer e
de não fazer e de entrega de coisa, respectivamente, conquanto imodificados os textos do
Código Civil (em relação às obrigações de fazer, v. arts. 247 a 249; em relação às obrigações
de não fazer, v. arts. 250 e 251; e, finalmente, em relação à obrigação de entrega de coisa,
v. os arts. 233 a 246).
208 Manual de Direito Processual Civil
rados e o Distrito Federal, inclusive, competência para editar essas normas gerais sobre
procedimento. Estas expressões resultam ou acarretam, também, certo paradoxo. Pois,
emanadas estas normas gerais, na verdade, acabarão elas por vir a ser estritamente re-
gionais ou locais. Essas normas gerais sobre procedimentos – como se disse – em larga
escala já existem, e são representadas, principalmente, pelo que se contém, a propósito,
no Código de Processo Civil e na legislação extravagante, ainda que tenha sido o Código
de Processo Civil e essa legislação editados dentro do quadro de possibilidades dessa compe-
tência constitucional concorrente, ensejado e inaugurado pela CF/1988.
O primeiro discrímen que se tem de estabelecer, pois, é o que há entre normas proces-
suais, propriamente ditas, e normas procedimentais; e, num segundo momento, a diferen-
ça que há entre normas gerais de procedimento e normas procedimentais que não gerais.
Grande parte dessas normas gerais sobre procedimentos já existiam no CPC/73 e
em outras leis federais, antes de haver este quadro atual de competência legislativa ter
concorrente sido criado pela vigente Constituição Federal. A situação não se modifi-
cou com o vigente CPC.
Parece-nos que os temas relacionados com o direito de ação, as partes, as provas, a
sentença (= os requisitos de existência e de validade da sentença), nos seus elementos es-
senciais, não poderão ser entendidos como encartáveis na ideia de procedimento, pois
que, onticamente, têm de ser objeto de normas não gerais, inclusive pelo reflexo direto
de textos/valores constitucionais nesses institutos.13 Acentue-se, que na verdade, como
se acabou de dizer, esses temas, em escala apreciável, encontram-se delineados mesmo
no próprio texto da Constituição Federal. Este argumento demonstra que estão de tal
13. O mesmo se há de dizer em relação aos recursos, que “não podem ser criados ou extintos,
salvo por lei federal” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC, n. 5.4.1). Pode-se
dizer, sob este prisma, que também não pode lei estadual regular os efeitos dos recursos.
Assim, foi considerada inconstitucional Lei Estadual que “desobriga o servidor público de
restituir valores percebidos a título de vencimento ou vantagem, em liminar ou sentença de
mérito, quando não confirmada a decisão na instância superior” (STF, MC na ADIn 2.336/SC,
Pleno, j. 19.12.2000, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 09.03.2001, p. 102, g.n.). Não se considerou
inconstitucional, no entanto, norma estadual que estabelece a “previsão, no âmbito estadual,
do instituto da reclamação”, em razão de se ter considerado que “a natureza jurídica da
reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual” (STF,
ADIn 2.212/CE, Pleno, j. 02.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.11.2003, p. 11). Decla-
rou-se a inconstitucionalidade de Lei Estadual que estendia a competência por “prerrogativa
de foro” a delegados de polícia estadual (STF, ADIn 882/MT, Pleno, j. 19.02.2004, rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 23.04.2004, p. 6), mas, em julgado anterior, decidiu-se que “não se
mostra ofensivo à Carta preceito de Constituição Estadual que contempla os Procuradores
do Estado com a prerrogativa de foro, isto ao atribuir ao Tribunal de Justiça a competência
para processá-los e julgá-los nos crimes comuns e de responsabilidade. Se de um lado com-
pete à União legislar sobre direito processual – art. 22, I – de outro cabe às Constituições
dos Estados a fixação das competências dos respectivos Tribunais – art. 125, § 1.º, ambos
da Constituição Federal” (STF, MC na ADIn 541/DF, Pleno, j. 25.10.1991, rel. Min. Marco
Aurélio, DJ 14.02.1992, p. 1.165).Foi considerada inconstitucional lei estadual que disci-
plinava “matéria referente ao valor que deva ser dado a uma causa” (STF, ADIn 2.655/MT,
Pleno, j. 09.10.2003, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 26.03.2004, p. 5).
210 Manual de Direito Processual Civil
forma permeados pela ideia de uniformidade, que o constituinte os gizou, em suas linhas
gerais, no próprio texto constitucional.
O direito de ação é o veículo configurativo do próprio retrato, i.e., da própria possí-
vel existência do Direito material; a disciplina referente à capacidade e à legitimação das
partes (sua capacidade, plena ou não), igualmente, não pode ser regulada em norma
procedimental, da mesma forma que não o pode a da legitimação para agir ou processual,
porque diz respeito à titularidade do possível direito subjacente à ação. A legitimação
processual ou para agir, a seu turno, e em realidade, regula a titularidade do direito de agir,
em juízo, pressuposto para o exercício do direito de ação.
Para se identificar, com alguma nitidez, o traço divisório entre as normas procedi-
mentais e processuais, é necessário que se levem em conta fundamentalmente dois pa-
râmetros: 1º) a estreita conexão que têm certas regras de processo com o direito mate-
rial, v.g., regras atinentes à legitimidade, à capacidade, às provas, o que, por si só, afasta
a possibilidade de os Estados federados legislarem quanto a essas matérias, que consis-
tem, pois, em normas processuais e não procedimentais; 2º) o princípio segundo o qual
todos são iguais perante a lei, pelo que as normas procedimentais não podem gerar di-
reitos diferentes, v.g., no Acre e em Santa Catarina.
A nosso ver, de acordo com estas balizas, normas procedimentais não gerais seriam
as que estabeleceriam novas formas de citação ou de intimação, normas respeitantes a
cartas precatórias, a cartas de ordem etc., aplicáveis sempre dentro do Estado federado
que as haja editado.
As regras de processo devem mesmo guardar simetria com regras de direito material,
e, no particular, os Estados federados e o Distrito Federal não têm competência para
legislar sobre o tema de direito material, direito civil, que está subjacente a todos esses
institutos. Se não guardarem simetria, todavia – o que não se contesta ser possível –, ha-
verá a regra (= norma processual) de ser editada pelo mesmo Poder Legislativo que pode
editar a norma de direito material, dado que, nessa hipótese, o sentido e a função da re-
gra processual se desviam dos parâmetros da regra de direito material. Esse “desvio” só se
pode verificar emergindo do mesmo Poder, que é o Congresso Nacional.14
Se assim não fosse, e se os Estados federados legislassem nesse campo, ipso facto, es-
tariam obliquamente disciplinando assuntos diferentemente do que o tivesse feito o di-
reito civil, e cuja disciplina desfiguraria a deste ramo, para o qual a competência legis-
lativa é exclusivamente da União (art. 22, I, da CF/1988).
As normas sobre provas dizem respeito à tradução ou à demonstração do Direito ma-
terial em juízo, e, pois, porque devem ser aptas a retratar o próprio Direito, se viessem a
14. É, exemplificativamente, o que se passa com o disposto na Lei 9.099/1995, em que, nesta lei
(art. 8º, § 2º) “disciplina a capacidade de estar em juízo de forma diferenciada em relação ao
processo civil tradicional (CPC) e ao CC” (v. a respeito, Joel Dias Figueira Júnior e Maurício
Antônio Ribeiro Lopes, Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais, 2ª ed. São
Paulo, 1997, comentários. ao art. 8º, n. 3, p. 170). Vale o texto deste art. 8º, § 2º, no âmbito
a que ele se destina, pois foi emanado do mesmo poder legislativo.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 211
ria significar que as próprias normas gerais refugiriam do âmbito do art. 24, e, inteira-
mente, haveria a matéria de ser disciplinada por leis estaduais. Todavia, conquanto no
art. 24, X, esteja usada a palavra processo, esse art. 24, X – e, aí, a expressão processo –
não pode ser interpretada contra todo o sistema desse mesmo art. 24, e, ademais, com
ignorância da regra do art. 22, I, todos da Constituição Federal de 1988. Segue-se disto,
portanto, que nem pela circunstância de se ter utilizado o legislador da palavra proces-
so, no art. 24, X, e, no XI, procedimento, altera-se a competência legislativa dos Estados
federados para mais, tendo em vista o inc. X.
No Estado de São Paulo, reza a Constituição estadual de 1989, em seu art. 88: “A lei
disporá sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados de Pequenas Causas a
que se refere o art. 24, X, da Constituição Federal”. O que se verifica, em face do art. 24,
X, da Constituição Federal de 1988, é que houve uma adjudicação de competência aos
Estados federados e ao Distrito Federal, tendo em vista a “criação, funcionamento e pro-
cesso do juizado de pequenas causas; (...)”. A Constituição do Estado de São Paulo repe-
tiu a expressão processo, o que, certamente, não altera os quadros de sua competência,
que é concorrente.
Os arts. 24, X, e 98, I, ambos da Constituição Federal de 1988, indicam duas reali-
dades distintas. No art. 24, X, citado, verifica-se que o legislador constitucional assumiu
a existência dos juizados de pequenas causas; já, tendo em vista o disposto no art. 98, I,
citado, constata-se que, nesta hipótese, refere-se o texto a causas cíveis de menor comple-
xidade. Estas, como se percebe, não são aquelas (ou, ao menos, não devem ser aquelas)
que dizem respeito ao juizado de pequenas causas. No entanto, com a edição da Lei
9.099/1995, ao que tudo indica, acabaram por ser unificadas, claramente, as sistemáti-
cas dos juizados de pequenas causas e a dos juizados especiais de causas de menor com-
plexidade, ao menos naquelas relacionadas a matéria cível, isto porque foi revogada ex-
pressamente a Lei 7.244/1984 (art. 97 da Lei 9.099/1995) que regulava o processamento
perante os juizados de pequenas causas cíveis.
16. Laudelino Freire, Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, 1954, v. 3, p. 2.595.
17. Cf. José Frederico Marques, Instituições.. cit., vol. 1, n. 26, p. 58; n. 55, p. 124; v. também
Guasp, Derecho procesal civil, Madrid: Instituto de Estudios Politicos, 1962, n. 4, p. 43.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 215
18. Diz-se substancialmente exato porque, no nível de filosofia do Direito e de teoria geral do
Direito, principalmente, tem comportado discussão. Ocorre que ainda não foi substituído
por outro princípio que, com maior clareza e tanta operatividade, lhe fizesse as vezes.
19. O ângulo de descarte do individualismo tem integrado as variáveis na interpretação da nor-
ma, conforme enfatiza o Min. Sálvio de Figueiredo. V. RSTJ 26/378, especialmente p. 384,
na qual se lê: “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real,
humana, socialmente útil. (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a
lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais
atenda às aspirações da Justiça e do bem comum”. É certo que este entendimento diz, não
só com o processo, mas, também, com o direito material.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 217
Tem-se, por exemplo, o art. 5º, LVI, em que se estabelece que são inadmissíveis, no
processo, provas obtidas por meios ilícitos.20 O art. 5º, LXIX, refere-se ao mandado de
segurança, e o inciso subsequente, ao mandado de segurança coletivo, que pode ser im-
petrado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização,
entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.21
No inc. LXXI do art. 5º, criou a CF/1988 o instituto do mandado de injunção, ca-
bível quando a falta de regramento legal torne impossível o exercício dos direitos e li-
berdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania.22 O mandado de injunção, por certo, pode ter ‘caráter coletivo’,23 se os pres-
supostos necessários a isso se fizerem presentes (ver a Lei 13.300/16, art. 9º, § 1º, onde
esta prevista a possibilidade de “ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à deci-
são, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou
da prerrogativa objeto da impetração”.
Outro instituto introduzido no Direito brasileiro pela CF/1988 (art. 5º, LXXII e Lei
9.507, de 12.11.1997) é o habeas data, de que se pode servir a parte para assegurar o co-
20. Tem decidido o STF que “a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula
condenação se a sentença condenatória não se apoia apenas na prova considerada ilícita”
(STF, AgRg no AgIn 503.617, rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.02.2005, DJ 04.03.2005; neste
julgado, há referência a várias decisões no mesmo sentido). V., sobre o tema, o tópico espe-
cífico deste Manual.
21. Questão que sempre atormentou a jurisprudência e a doutrina desde a promulgação da
Carta de 1988 é a relativa à legitimidade para agir em se tratando de mandado de segurança
coletivo. O STF editou a Súmula 629, segundo a qual não se deve exigir, para a impetra-
ção da segurança coletiva, que se apresente “autorização”, nos termos do art. 5º, XXI (“a
impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos asso-
ciados independe da autorização destes”). Quanto a essa discussão, o art. 21 da Nova Lei
do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) filiou-se ao entendimento da jurisprudência
predominante no STF, referente à vinculação da legitimação dos partidos políticos à “defesa
de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária”; já quanto
às organizações sindicais e entidades de classe, exige o dispositivo que o mandamus seja
proposto na defesa dos direitos da totalidade ou de parte dos membros, na forma do estatuto
e desde que pertinentes às finalidades,dispensando, em contrapartida, autorização especial.
22. Ao contrário da maior parte da doutrina, o STF reiteradas vezes entendeu que não era possível,
sem ofensa ao princípio da separação dos poderes, que o magistrado, dando pela procedência
do mandado de injunção, criasse qualquer norma, para o caso concreto, tida como faltante
para usufruto de dada garantia constitucional (STF, MI 584/SP, j. 29.11.2001, rel. Min. Moreira
Alves, j. 29.11.2001, DJ 22.02.2002). Constata-se, porém, uma considerável evolução desse
entendimento em matéria de injunção, conforme se verifica em especial no seguinte julgado
STF, MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 30.08.2007, DJe 29.11.2007. Já no âmbito das
ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, no julgamento da ADI 3.682, o STF “julgou
procedente ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional, e, por maioria, estabele-
ceu o prazo de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao
cumprimento da norma constitucional imposta pelo art. 18, § 4º, da Constituição Federal”.
23. STF, MI 278/MG, Pleno, rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, j. 03.10.2001, DJ 14.12.2001,
p. 28; STF, MI 485/MT, Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25.04.2002, DJ 23.08.2002.
218 Manual de Direito Processual Civil
24. Atualmente, a questão é objeto da Súmula Vinculante 10, de 2008, cujo enunciado assim
dispõe: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário
de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
25. O art. 949, p. único, do CPC/2015, na esteira do que já previa o art. 481 do CPC/1973,
diz não ser necessária a remessa à Turma competente quando “já houver pronunciamento
destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Na medida em que já
preexiste à arguição de inconstitucionalidade pronunciamento do próprio Tribunal ou do
STF, não tem sentido prático suscitar-se o mesmo incidente, para obter-se a mesma solu-
ção, no órgão plenário do Tribunal, para só depois o órgão fracionário menor decidir, mas
igualmente vinculado àquele pronunciamento. Nesse sentido: STF, AgRg no RE 440.458/
RS, 1.ª T., j. 19.04.2005, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.05.2005.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 219
26. O STF, mesmo antes da redação atual do art. 100 da CF/1988, considerou imprescindível
a inclusão em precatório de verbas alimentares, apenas que submetidas a uma ordem cro-
nológica específica (voto do Min. Celso de Mello no RE 169.799-7/SP DJU I, 20.06.1995,
p. 18.862-18.863). São neste sentido a súmula 655 do STF e 144 do STJ.
27. Com a criação dos Juizados Especiais da Justiça Federal pela Lei 10.259/2001, com com-
petência para as demandas envolvendo até 60 (sessenta) salários mínimos, nos casos de
obrigação de pagar quantia certa, uma vez transitada em julgado a decisão, “o pagamento
será efetuado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, por ordem
do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica
Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório” (art. 17, caput). Redação
semelhante consta do art. 13 da Lei 12.153/2009, que prevê a criação dos Juizados Especiais
da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal.
220 Manual de Direito Processual Civil
28. Ainda, foi entendido que o dispositivo viola “a independência do Poder Judiciário, cuja
autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de
julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra
a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei”. Por tais razões, concluiu-se
que a alteração constitucional afronta cláusulas pétreas (incs. III e IV do § 4º do art. 60 da
CF), concernentes à separação dos Poderes e aos direitos e garantias individuais. Foi deci-
dido, ainda, que, “Quanto aos precatórios ‘que decorram de ações iniciais ajuizadas até
31 de dezembro de 1999’, sua liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do
art. 5º da CF. Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que um certo número de
precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999, fique sujeito ao regime especial
do art. 78 do ADCT, com o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais e suces-
sivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os demais créditos sejam beneficiados com
o tratamento mais favorável do § 1.º do art. 100 da Constituição. Medida cautelar deferida
para suspender a eficácia do art. 2.º da EC 30/2000, que introduziu o art. 78 no ADCT da
Constituição de 1988”. (STF, Plenário, ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, Rel. p/ o ac. Min.
Ayres Britto, j. 25.11.2010, DJE 19.05.2011.).
29. STF, Plenário, ADIn 4.357 e ADIn 4.425, rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, j. 14.03.2013.
As Normas Processuais Civis e os Chamados Precedentes Pelo Novo Cpc 221
competência originária; no art. 102, II, de sua competência recursal, por meio de recur-
so ordinário; e, no art. 102, III, finalmente, da competência para julgamento de recurso
extraordinário (normas processuais).
No art. 104, a Constituição Federal alude à composição do Superior Tribunal de
Justiça, órgão criado pela CF/1988. O art. 105, I, de a a i, prevê as hipóteses de compe-
tência originária; no art. 105, II, alistam-se as hipóteses em que a competência é de na-
tureza recursal (recurso ordinário), nas alíneas a, b e c; e, finalmente, no art. 105, III, a,
b e c, elencam-se outros casos de competência recursal (recurso especial).
No art. 106, a Constituição Federal estabelece quais são os órgãos que integram a
Justiça Federal. Cria, no inc. I, complementado pelo art. 27, § 11, do ADCT (em con-
formidade com a redação dada pela EC 73/2013), os Tribunais Regionais Federais, que,
de certa forma, substituem o antigo Tribunal Federal de Recursos, e se refere, no inc. II,
aos juízes federais, quando, tecnicamente, deveria referir-se a juízos federais de 1º grau
(pois, tecnicamente, os juízos é que são os órgãos, e não as pessoas físicas dos juízes).
Dentre os novos tribunais, criados pela Constituição Federal, os Tribunais Regio-
nais Federais são compostos de juízes, sempre que possível, da região relativa ao seu
âmbito de competência, sendo um quinto de sua composição formado de advogados
e membros do Ministério Público, em atividade e com mais de dez anos de carreira.
Os demais, serão juízes federais que ao tribunal ascenderão por promoção (antiguida-
de e merecimento, respectivamente).
No art. 108, I, alistam-se, nas alíneas a a e, as hipóteses de competência originá-
ria dos Tribunais Regionais Federais, e no art. 108, II, a sua competência recursal. No
art. 109 alistam-se as hipóteses de competência dos juízes federais de primeiro grau de
jurisdição, nos incs. I a XI e §§ 1º a 5º
A CF/1988 trata, ainda, da Justiça do Trabalho (arts. 111/116), Eleitoral
(arts. 118/121), e Militar (arts. 122/124).
As normas processuais citadas encontram-se no texto constitucional e consistem
nas chamadas fontes constitucionais-processuais, pois formalmente estão na Constitui-
ção e substancialmente versam sobre direito processual.
A inserção de normas processuais no corpo da Constituição dá margem a uma ob-
servação. Há, no caso, uma ampliação significativa do texto constitucional, abrangendo
também matérias que, sendo substancialmente processuais, são, porém, formalmente
constitucionais.
A razão é evidente. Deseja-se conferir a essas matérias uma rigidez idêntica à das nor-
mas substancialmente constitucionais. Assim, apesar de tais matérias não serem intrin-
secamente constitucionais, mas como integram o texto da Constituição, aproveitam-se
das virtudes das normas formalmente constitucionais.
7
As Normas Fundamentais do Processo Civil
1. Ver o nosso Novo Contencioso Cível no CPC/2015. São Paulo: Ed. RT, 2016, item 1.
2. O alerta de Cassio Scarpinella Bueno é válido aqui: “Vale destacar que Código de Processo
Civil da atualidade não é – nem pode mais pretender ser – ‘código’, no mesmo sentido ideo-
lógico ou político daquele que era em 1973. O nome ‘código’ ainda utilizado largamente
justifica-se muito mais pela tradição, quiçá pelo costume, do que por uma opção ideológica
coerente” (Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual: teoria geral
do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 110).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 223
3. Tercio Sampaio Ferraz Jr, Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad,
1980. p. 7.
4. A necessária crítica à subsunção e ao silogismo é antiga (Philip Heck, Interpretação da lei.
São Paulo: Saraiva, 1947, p. 24 e ss.). Para uma abordagem mais atual, ver: Lenio Streck,
Hermenêutica jurídica e(m) crise. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 232.
5. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil. São Paulo: Ed. RT, 1990. vol. 1, pp. 110-
‑113.
224 Manual de Direito Processual Civil
6. “A parte geral pode conter normas que se aplicam além do veículo normativo a que per-
tençam. As regras da parte geral do Código Civil brasileiro, por exemplo, servem a todo o
direito privado brasileiro, e não apenas àquilo que pelo mesmo código foi regulado. É ‘geral’
também por esse motivo.” Fredie Didier Jr, Sobre a teoria geral do processo, essa desconhe-
cida. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 61.
7. “Teoria Geral e Parte Geral de forma alguma podem pretender ser a mesma coisa, nem mesmo
se podendo afirmar que a parte geral é a “sistematização” da teoria geral. Essas duas categorias
são desenvolvidas em planos distintos do conhecimento: uma (a teoria) no campo ideal da
epistemologia, elaborando conceitos a partir de descrições fenomenológicas da realidade;
outra (a parte geral) dentro do direito positivado, sendo eminentemente prescritiva e não
comportando teorizações muito abstratas que não sejam úteis à interpretação da própria lei
da qual faz parte (...)Não obstante, em certa medida existe uma íntima referibilidade entre
a dogmática e a teoria. Esta, como dito, alimenta aquela, que em sua parte geral poderá
dispor de enunciados (positivos, não meramente conceituais) úteis para a compreensão do
restante do texto normativo” (Leonard Ziesemer Schmitz, A teoria geral do processo e a parte
geral do novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, vol. 55. São Paulo: RT,
jul-set/2013, p. 329-359).
8. Essa é a conclusão a que chegou Franz Wieacker, analisando a Parte Geral do Código Civil
alemão (Franz Wieacker, A história do direito privado moderno. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010, p. 559-560).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 225
A Corte de Cassação francesa nasceu como órgão anexo ou auxiliar do Corps Legis-
latif. Sucessivamente, veio a admitir-se a interpretação literal, e, por isso mesmo, ainda
ancorada na mens legislatoris.12 Deve-se ter presente que, no meio da década de 1880
cristalizou-se alteração de profundo significado, no que diz respeito à hermenêutica,
reconhecendo-se ao juiz um campo maior de atuação, falando-se, então, em interpre-
tação sociológica.13
Proximamente ao fim do século XIX, verificou-se a inviabilidade – porque não mais
atendia aos anseios sociais dominantes – de tal limitação interpretativa, passando-se
então, a cogitar de hermenêutica, gravitando, agora já não mais em torno da vontade
do legislador, senão que procurando entender a vontade da lei, i.e., passou-se a admi-
tir a interpretação teleológica.14 Essa mutação no âmbito da atividade cognitiva acabou
prevalecendo e esse entendimento, oriundo da Alemanha, explicava-se porque esta já
sobrepujava a França em prestígio no campo do direito.
Refere-se Mauro Cappelletti15 aos limites possíveis ou ao espectro limitado da inter-
pretação nessa época. Pode-se – no particular, atentos às origens do Tribunal de Cassa-
ção francês, decorrente da lei de 19.11.1790 –, dizer que o escopo da atividade jurisdi-
cional (no dizer de P. Foriers) era o de assegurar “um controle da lei, do seu conteúdo,
de sua observância (...) com o fito de salvaguardar a obra legislativa”.16 Em relação ao
que dissemos, devemos remarcar que o objetivo era o de preservar a lei, com o signi-
ficado perdurável e preciso tal como no momento em que havia sido editada. De certa
forma, nesse contexto, ficava fora da possibilidade de um controle eficiente tendo em
vista o referencial do direito constitucional. É o que observa Mauro Cappelletti, debi-
tando essa situação à ausência, na Europa, de um sistema eficaz de controle da consti-
tucionalidade.17
12. Sobre o tema, ver: Nestor Amilcar Cipriano, La ley y la palabra. Buenos Aires: Abeledo-perrot,
1968.
13. O pensamento do grande expoente da interpretação teleológica ou sociológica pode ser
visto em: Philip Heck, Interpretação da lei. São Paulo: Saraiva, 1947.
14. V., sobre isto: Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. portuguesa, tradução
da 6. ed. alemã (1991), Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997, pp. 42-43.
15. Cf.Mauro Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Com-
parado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992,
cap. I, § 4º, p. 40 e ss.
16. V. Chaïm Perelman, Logica giuridica – Nuova retorica. Milano: Giuffrè, 1979, nº 26, p. 75.
17. Mauro Cappelletti, Le Pouvoir de Juges. Paris: Presses Universitaires d’Aix-Marseille e
Econômica, 1990. V. o estudo Le Pouvoir Judiciaire dans un État fédéral, p. 284, nota 4,
onde diz: “De même l’absence d’un contrôle judiciaire de constitucionalité a été l’une
des principales raisons qui ont rendu vain en Europe, au XIXème siècle et dans la première
moitié du XXème siècle les efforts faits pour assurer la suprématie du droit constitucionnel et
limiter de façon efficace les pouvoirs du Parlement” (v. também, no mesmo trabalho nota
17, p. 289, em relação à Suiça, onde há ausência de controle sobre a constitucionalidade,
senão que, apenas, há controle “sur la conformité des lois cantonales au droit fédéral”; e,
nota 28, p. 291, noticiando os esforços desenvolvidos na Áustria e Alemanha, esta com a
Constituição de Weimar, para colmatar a lacuna ou alterar essa situação).
228 Manual de Direito Processual Civil
Disse Georges Ripert que, com o Código de Napoleão, o reinado do direito começava
e que o Código Civil francês foi, durante muito tempo, havido como intangível, dizen-
do um outro autor que nesse Código somente se poderia tocar “com a mão trêmula”.18
A ideia de segurança ligava-se em grande parte à de previsibilidade e muito mais à de
manutenção do status quo.
18. Georges Ripert, Le Déclin du Droit – Études sur la Legislation Contemporaine, Paris: LGDJ,
1949, n. 2, p. 2 e ss. V., a respeito: Georges Ripert, Le Déclin du Droit, cit., n. 2, p. 3.
19. Foram as Constituições de Weimar de 1919, e, antes, a Mexicana de 1917, que primeiro
consagraram direitos sociais.
20. Bons exemplos podem ser vistos em: Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalização do
direito. Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008,
n. 5.6.2.1 p. 93 e ss. O autor cita dois exemplos, ambos extraídos de julgados do Supremo
Tribunal Federal: a) aplicação direta do princípio do devido processo legal às relações pri-
vadas, em hipótese de expulsão sumária de membro de cooperativa (STF, RE 158.215, Rel.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 229
24. Por exemplo, dois institutos centrais do Direito, a propriedade e o contrato. A propriedade
era considerada como direito absoluto (com significado ou pretenso significado no plano
do direito e enfático no plano ideológico ou da crença social), afirmado como posto prece-
dentemente ao Estado, ao qual incumbia respeitar e disciplinar, sem restringir; e o contrato,
em que avultava a vontade dos contratantes, valia como lei entre as partes e convivia num
ambiente de escassas normas de ordem pública e de uma noção radical de liberdade. Ambos
os institutos eram rigidamente disciplinados, a propriedade como direito absoluto e o con-
trato regrado pela vontade (o que é contratual, é justo [Fouillé]). Atualmente, a propriedade,
constitucionalmente garantida (art. 5º, XII, CF), implica para o proprietário o desempenho de
uma função social (CF, art. 5º, XXIII). No art. 1.228, § 1º, do CC são referidos diversos outros
direitos que interferem e delimitam o direito de propriedade. O direito de propriedade tem
de conviver com esses outros direitos. E o contrato, será legítimo quando a sua função social
seja observada (CC, art. 421), sob pena de nulidade (art. 2.035, parágrafo único). Este texto
se refere à função social do contrato através da qual não pode ser violada a função social
da propriedade, e, trata-se de uma hipótese de nulidade aberta, que atribui grande escala
de deliberação ao juiz.
25. Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, Trad. G. Menegale, 2. ed.,
São Paulo: Saraiva, 1965, vol. 2, § 19, n. 140, p. 11.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 231
26. Confira-se, entretanto, restringindo a missão dos juízes à estrita aplicação das leis: Helmut
COING, Grundzüge der Rechtsphilosophie [Linhas fundamentais da filosofia do direito]. 2. ed.
Berlim, Walter de Gruyter, 1969, p. 349; este mesmo autor, contudo, na 4.ª edição da mesma
obra [Berlim, 1985], mantendo o precedente ponto de vista, entende que o transcender à
aplicação da lei – o que, implicitamente aceita existir –, nos conduza um outro campo, qual
seja, o da criação do direito – no original [transcrito na 4ª edição, p. 342] “Damit befinde
ich mich aber nicht mehr im Bereich der Gesetzesanwendung, sondem, wie Gény richtig
ausgeführt hat, in einem ganz anderen Feld, nämlich dem der freien Forschung, die passande
Regel für den zur Entscheidung stehenden Fall sucht, also im Bereich der Rechtserschöpfung”.
27. V. Carleton Kemp Allen, Law in the making [A feitura da lei (inglesa)], 5. ed., Oxford: Claren-
don Press, 1951, p. 227, onde diz que os juízes hão de atentar para os princípios da razão,
da moralidade e da utilidade social, os quais são a fonte básica, não só no direito inglês,
como também, em todas as leis – no original: “To those principles of reason, morality and
social utility which are the fountain – head not only of English law but of all law”.
28. Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil. Navarra: Thomson Civitas, 2005, 4. ed.,
Cap. I, p. 44.
29. Deve-se ter presente o que ponderou Lenio Streck (Súmulas no Direito Brasileiro – Eficácia,
poder e função: A Ilegitimidade Constitucional do Efeito Vinculante, Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1995) quando argumenta que, por prestar muito mais à uniformização da
atividade interpretativa que à evolução do direito, a edição de súmulas de caráter obrigatório
232 Manual de Direito Processual Civil
32. Sob este ângulo,Mônica Sifuentes acrescenta: “A certeza vem ainda considerada em relação
à outra necessidade fundamental da experiência jurídica, a Justiça, princípio ao mesmo
tempo imanente e transcendente do direito. Se a justiça pressupõe certa ordem, a certeza
é condição para sua realização, de modo que, sob esse prisma, esses valores se integram,
como aspectos complementares da mesma realidade. Sendo a certeza um elemento essen-
cial à norma jurídica, uma lei ou ato normativo incerto conduz a uma situação contrária
ao direito, que impõe todo esforço no sentido de sua superação.” (Súmula Vinculante – Um
estudo sobre o poder normativo dos Tribunais, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 291, n. 4.5).
33. Essa observação se afigura relevante tendo em vista que, nos sistemas de common law, não
é incomum depararmo-nos com precedentes “puros”, que não sejam interpretativos da lei
ou da Constituição.
234 Manual de Direito Processual Civil
34. Nesse sentido, considerando que o princípio dispositivo é uma faceta processual da auto-
nomia privada: Bento Herculano Duarte Neto; Paulo Henrique dos Santos Lucon; e, Sérgio
Torres Teixeira, Teoria geral do processo. 5. ed. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2012, p. 64.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 235
35. José Carlos Barbosa Moreira, O problema da “divisão do trabalho” entre juiz e partes: as-
pectos terminológicos. Revista de Processo, n. 41. São Paulo: Ed. RT, 1986, jan-mar/1986,
pp. 7/14.
236 Manual de Direito Processual Civil
36. V. nosso artigo sobre o tema: Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, In Francisco
Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire (Org.), Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129
de 26-5.2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 133 e 144.
37. Sobre o tema, ver Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo. Um Comentário à Lei
9.307/96, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 37.
38. “O juízo arbitral é o local adequado para nele se discutirem as questões relativas à nuli-
dade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou
compromisso arbitral). (...) Nem se diga que esta sistemática ofenderia ao princípio previsto
no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, pois a nova Lei não afasta a possibilidade de se
discutir, em sede judicial, tais questões. Aqui, a opção do legislador foi a de privilegiar e
prestigiar o juízo arbitral para dirimir, no primeiro momento e com exclusividade, estas
questões, evitando o absoluto descrédito que poderia gerar, para a instituição de arbitragem
e para seu próprio procedimento, uma ação judicial para discutir a validade da convenção”
(Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Aspectos processuais da Nova Lei de Arbitragem, In Paulo
As Normas Fundamentais do Processo Civil 237
se uma das partes assim preferir, sempre que houver cláusula compromissória previa-
mente firmada para a solução de conflitos emanados daquela relação jurídica (art. 7º
da Lei 9.307/1996); (c) a desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral
(art. 18), cuja eficácia é equiparada, por lei, a título executivo judicial (art. 31); (d) a ri-
gidez das normas referentes à anulação da sentença arbitral, que somente pode ser des-
constituída nas hipóteses excepcionais arroladas no art. 32 da Lei 9.307/1996.
Já dentre as alterações à Lei de Arbitragem trazidas pela Lei 13.129/2015 tem-se:
(a) a possibilidade expressa de que a Administração Pública se utilize da arbitragem
(art. 1º, § 1º); (b) a interrupção da prescrição pela instauração de procedimento arbitral
(art. 19, § 2º); (c) a possibilidade, antes controversa, de concessão de medidas caute-
lares e satisfativas de urgência pelo juízo arbitral (arts. 22-A e 22-B); (d) a previsão de
carta arbitral (art. 22-C,), instituto que também encontra previsão no art. 260, § 3º do
CPC/2015; (e) a possibilidade de julgamentos parciais de mérito, assim como no art. 356
do CPC/2015 (art. 23, § 1º).
Não se trata de destituição do poder estatal para solucionar conflitos e, menos ainda,
de inobservância ao princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional; o poder-
-dever do Estado remanesce, facultando-se às partes a utilização da arbitragem para os
litígios patrimoniais que envolvam direitos disponíveis e entre partes que sejam maio-
res e capazes (“pessoas capazes de contratar”, art. 1º da Lei 9.307/1996).
A perspectiva de utilização da arbitragem, por seu caráter célere e informal, antes de
reduzir, amplia o espectro do acesso à justiça, conforme já decidiu o próprio Supremo
Tribunal Federal.39 E, sendo este (o acesso à justiça) a maior preocupação com a pro-
cessualística dos dias atuais – dentro de cuja ideia é necessário que haja uma resposta
aos que precisam resolver conflitos –, parece-nos que o foco da finalidade da jurisdi-
ção, resolução de conflitos e aplicação do direito se deve sobrepor à titularidade para
exercê-la – que, em princípio, e na visão tradicional, seria do Estado, exclusivamente.
Nesse contexto, a maior parte da doutrina faz alusão à arbitragem como modalidade
jurisdicional,40 ao argumento de que o instituto exerce idêntica função e produz os mes-
Borba Casella et al. (coords.), Arbitragem: A Nova Lei Brasileira (9.307/96) e a praxe inter-
nacional, São Paulo: LTR, 1999, p. 144). O Superior Tribunal de Justiça analisa o art. 8.º sob
idêntica perspectiva: “A câmara arbitral é competente para decidir a respeito de sua própria
competência para a causa, conforme o princípio da Kompetenz-Kompetenz que informa
o procedimento arbitral. Precedente” (STJ, MC 13274/SP, j. 20.09.2007, Decisão da Min.
Nancy Andrighi); “16. Deveras, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, será
um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita
a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o art. 18 da Lei 9.307/1996, o que
significa dizer que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua
competência.17. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública,
o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a
respeito de sua competência” (STJ, AgRg no MS 11308/DF, j. 14.8.2006, rel. Min. Luiz Fux).
39. SE 5.206-AgR, j. 12.12.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30.4.2004.
40. Nesse sentido: Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo: um comentário à Lei
9.307/1996, p. 45/46; Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, legislação nacional e estrangeira
238 Manual de Direito Processual Civil
mos efeitos que a atividade jurisdicional do Estado, de sorte que o propagado “monopó-
lio estatal” não poderia justificar a exclusão da arbitragem do conceito de jurisdição.41
Anteriormente à vigência da Lei 9.307/1996 e com fundamento na soberania esta-
tal – atualmente questionada diante das transformações culturais que envolvem o fe-
nômeno da globalização –, havíamos manifestado entendimento no sentido da nature-
za eminentemente contratual do instituto da arbitragem, diversamente do que ocorria
com a jurisdição estatal, reflexo do poder soberano do Judiciário de dirimir conflitos.42
Contudo, a partir das inovações trazidas pela Lei 9.307/1996 que, no compasso de
transformações jurídicas mais abrangentes, conferiu ao árbitro amplos poderes para
e o monopólio jurisdicional, p. 21 e ss; Nilton César Antunes da Costa, Poderes do árbitro
– de acordo com a Lei 9.307/1996, p. 57 e ss; Uadi Lammêgo Bulos e Paulo Furtado, Lei da
Arbitragem comentada, p, 14 e ss).
Em sentido convergente, pelo alargamento do conceito de jurisdição com o fim de albergar
outros mecanismos de solução de conflitos, Carlos Alberto Salles: “A assimilação pelo sistema
jurídico brasileiro de mecanismos alternativos de solução de conflitos, como dito acima,
leva a uma nova consideração do próprio conceito de jurisdição. Por certo, a consideração
contemporânea desse instituto tenderá a ressaltar suas características de função e atividade
e abrandar sua consideração enquanto poder estatal. De fato, introduzindo-se no objeto
de estudo dos juristas e, em especial, dos processualistas novas formas de solução de contro-
vérsias, não inseridas na burocracia judiciária estatal, o enfoque da jurisdição naturalmente
recairá sobre sua função de pacificação social e atividade caracterizada enquanto método
de solucionar disputas” (Carlos Alberto Salles, Mecanismos alternativos de solução de con-
trovérsias, In Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (orgs.), Processo e
Constituição: Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira, São Paulo:
Ed. RT, 2006, p. 784).
41. “(...) A concepção formada pelo binômio monopólio jurisdicional x soberania nacional
já está sendo objeto de profunda análise, questionamento ou revisão pelos estudiosos da
matéria, porquanto os Estados precisam indistintamente adequar as suas respectivas Cartas
Constitucionais e começar a aprender a conviver com o fenômeno chamado ‘globaliza-
ção’ e intercâmbio de grandes blocos econômicos, pois o nosso planeta lentamente vai
se transformando numa grande aldeia, em que as primeiras linhas do chamado ‘direito
comunitário’ já foram traçadas e há muito os tribunais internacionais deixaram de ser uma
utopia para se transformar em realidade, como constatado na União Europeia, através da
Corte de Luxemburgo. (...) A magnitude do Estado-juiz deve residir na qualidade de suas
decisões, na rapidez da prestação da tutela oferecida e na satisfação efetiva do direito
subjetivo violado ou ameaçado do jurisdicionado; o exercício desse mister de grandeza
ímpar prescinde do sufocamento da jurisdição paraestatal, que aparece, neste cenário de
fim de século e início de milênio, como forte aliada na solução dos mais diversos conflitos
de ordem nacional e internacional. Trata-se do que podemos chamar de reengenharia das
jurisdições externa e interna” (Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem – Legislação Nacional
e Estrangeira e o Monopólio Jurisdicional, São Paulo: LTr, 1999, p. 29).
42. Dissemos, na ocasião, que “o juízo arbitral é um equivalente jurisdicional” e que o compro-
misso arbitral possuía natureza contratual. Entendíamos, ainda, que não havia litispendência
entre juízo arbitral e processo judicial, uma vez que somente o órgão jurisdicional deti-
nha a competência para decidir sobre a própria competência, que seria “expressão própria
da jurisdição, radicada na soberania, sendo esta, como se sabe, por natureza, inalienável”
(Arruda Alvim, Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo de Conhecimento, vol. II,
São Paulo: Ed. RT, 1972, p. 301-305).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 239
proferir sentença com eficácia de sentença judicial (art. 31) e para decidir, inclusive,
sobre a própria competência (art. 8º), parece-nos ter-se modificado profundamente o
panorama em que expressamos tal opinião.
Diante disso, a atividade do árbitro, que antes poderia ser considerada como “equi-
valente” jurisdicional, pode, atualmente, inserir-se no próprio conceito de jurisdição,
como espécie privada deste gênero.43
Para essa conclusão contribuem, além da mudança de paradigma já assinalada, com
enfoque na finalidade da jurisdição e na ampliação do acesso à justiça em detrimento
da titularidade estatal, as demais características da jurisdição, cuja presença se detecta,
em maior ou menor escala, no instituto da arbitragem: (a) a arbitragem é revestida de
substitutividade, já que o árbitro detém poderes para se sub-rogar à vontade das partes
e, dessa forma, aplicar o direito; (b) a sentença arbitral produz coisa julgada, de mol-
de que seus efeitos revestem-se da característica da imutabilidade, inerente à atividade
jurisdicional, que é definitiva por natureza; (c) o árbitro atua na qualidade de terceiro
desinteressado, satisfazendo o requisito da imparcialidade; (d) a despeito de não estar
investido de um cargo público, o árbitro, assim como o juiz, está investido de poderes
decisórios cuja eficácia equipara-se à sentença judicial; (e) é certo que a arbitragem deve
ser exercida em contraditório regular, muito embora o procedimento arbitral não seja
idêntico àquele estabelecido para o processo judicial; e, enfim, (f) a atividade do árbitro,
tanto como a do juiz, é inerte, pois depende de provocação dos interessados.
Porém, o que é importante compreender é que a discussão sobre a natureza jurídica
da arbitragem só terá relevância se acompanhada desta reflexão sobre o embasamento
ideológico e dos efeitos práticos das modificações implementadas pela disciplina legal
vigente.
E, ainda assim, é preciso que se tenha em mente que, mesmo entendendo-se, como
nós, pela natureza jurisdicional, cuida-se de espécie de jurisdição diversa daquela exer-
cida pelos órgãos judiciais. Daí falar-se em jurisdição privada.
É que, conquanto se assemelhem nos pontos relevantes para o enquadramento no
conceito de jurisdição, a arbitragem e o processo judicial possuem distinções que de-
vem ser enfatizadas.
A disciplina da arbitragem sofre algumas limitações comparativamente à do pro-
cesso judicial, em especial quanto à largueza da substitutividade. Apesar de ter função
adjudicatória, o árbitro limita-se a estabelecer as providências coercitivas (v.g. multa di-
ária, busca e apreensão, comparecimento de testemunha sob pena de condução coerci-
tiva etc.) ao cumprimento de suas decisões, mas realização prática de tais providências
em casos de descumprimento demanda, invariavelmente, a atuação judicial. Em suma,
o árbitro possui poderes para aplicar o direito ao caso concreto, mas, não, para praticar
atos executivos que se destinem ao cumprimento forçado da sentença arbitral.
43. v. artigo de nossa autoria: Sobre a natureza jurídica da arbitragem. In Francisco José Cahali,
Thiago Rodovalho, Alexandre Freire (org.), Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129, de
26-05-2015, São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 133-144.
240 Manual de Direito Processual Civil
45. “São numerosas as vantagens da conciliação. Ela permite a satisfação mais veloz do direi-
to das partes, evita a exaltação dos ânimos entre elas; é um fator de economia, visto que
ameniza, para as partes, as despesas do curso normal de um processo; permite o melhor
funcionamento do Poder Judiciário em outros feitos, pois diminui o trabalho dos juízes e dos
funcionários nas causas em que tem lugar” (Celso Agrícola Barbi. O papel da conciliação
como meio de evitar o processo e resolver conflitos. Revista de Processo, n. 39. São Paulo:
Ed. RT, jul-set/1985, p. 120).
46. Nas palavras já consagradas de Eduardo Couture: “en el procedimiento el tiempo es algo
más que oro: es Justicia” (Proyecto de codigo de procedimiento civil. Montevidéu: Imp.
Uruguaya, 1945, p. 37.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 243
47. A expressão é de José Rogério Cruz e Tucci, Garantias constitucionais da duração razoável
e da economia processual no projeto do código de processo civil. Revista de Processo, n.
192. São Paulo: Ed. RT, dez/2011, p. 193. Sobre o tema, ver ainda: Fredie Didier Jr, Curso
de direito processual civil, vol. 1, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 96.
48. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, O novo processo civil.
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 173.
244 Manual de Direito Processual Civil
49. Sobre o tema: Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, vol. 2, 13. ed. Munique: Beck, 1994,
p. 35 e ss.
50. Dieter Medicus, Schuldrecht I, Allgemeiner Teil. Munique: Beck, 2004, pp. 76-77.
51. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. II, 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1996,
p. 383. No âmbito do direito privado é enorme o papel da boa-fé, inclusive o de servir de
duto para a internação de valores constitucionais no âmbito do direito privado. Veja-se o
que diz o jurista Medicus: “Das BGB hat den Grundsatz von Treu und Glauben an die Spitze
des Schuldrechts gestellt: Alle Schuldverhältnisse sollten diesem Grundsatz unterstehen; es
sollte also keine strengrechtlichen Schuldverhältnissie mehr geben. (…) Allerdings ist die
Vorschrift nach 1948 eine neue Funktion zugewachsen: § 242 steht an erster unter derjenigen
Generalklauseln, mit derem Hilfe die Wertungen des Grundgesetz in das bürgerliche Recht
Eingang finden”) – em vernáculo:“O Código Civil colocou a cláusula geral da boa fé [ob-
jetiva] no topo do direito das obrigações. Todas as relações obrigacionais dependem dessa
cláusula geral; não deve mais haver relações obrigacionais insuscetíveis de alterações. (…)
De qualquer forma é a prescrição de 1948 [refere-se à Lei Fundamental de Bonn] que fez
nascer uma nova função: o § 242 assume o primeiro lugar e por seu intermédio penetram
no Código Civil os valores da Constituição”. V. Dieter Medicus, Schuldrecht I. Allgemeiner
Teil [Direito das Obrigações I. Parte Geral], Munique, ed. C. H. Beck, 2004, pp. 76-77; na
edição de 1984, Munique, C. H. Beck, § 16, 2, p. 63 – tradução nossa; destaques de ambos
os originais).
52. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Alme-
dina, 2001, pp. 375-379.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 245
O comportamento contraditório deve ser evitado por, de certa forma, trair legítimas
expectativas dos sujeitos participantes de uma relação jurídica processual. Por isso a
proibição de venire contra factum proprium, ou seja, de praticar ato contrário ao que in-
dica ato anterior da mesma parte. Essa situação supõe, então, dois comportamentos da
mesma pessoa, lícitos em si, e diferidos no tempo. A violação da boa-fé reside não no
ato em si, mas na contraditoriedade entre os atos praticados. É o caso do advogado que
tumultua o processo alegando nulidades contradizentes com o seu próprio compor-
tamento nos autos. Esse comportamento já foi cunhado pelo STJ de “nulidade de algi-
beira”, ou nulidade de bolso, e consiste na alegação de um vício procedimental, sem o
correspondente prejuízo, apenas como estratégia processual.53
É também a hipótese da parte que recorre de uma decisão, mesmo após ter praticado
atos que demonstraram sua conformidade com o conteúdo do que foi decidido (violan-
do inclusive o art. 1.000, parágrafo único, do CPC/2015). O Superior Tribunal de Justiça
aplica em larga escala a vedação de venire contra factum proprium, inclusive no âmbito
processual. E esta dimensão da boa-fé não é exclusiva das partes, tendo-se já decidido
pela nulidade de comportamento contraditório do próprio Judiciário.54
Já o abuso de direito, ou abuso de posições processuais, pode ser entendido como
o exercício ilegítimo ou irregular de um direito processual, com desvio da finalidade do
aludido direito ou em prejuízo de outro direito processual. Trata-se de conceito extraí-
do do âmbito do direito material,55 que, no processo, manifesta os seguintes elementos:
a aparência de legalidade do ato processual praticado; o objetivo diferente daquele que
se extrai da lei, o que desenha o desvio da finalidade; o prejuízo às garantias processu-
ais do adversário, em contrapartida a uma vantagem ao autor do abuso.56
A supressio, tradução do instituto alemão da “Verwirkung”, significa basicamente
a situação na qual um sujeito suscita no outro a confiança de que um direito não será
53. STJ, EDcl no REsp 1.424.304/SP, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.08.2014, DJe
26.08.2014. Essa constatação não é nova. Já Francisco Campos, que subscreve a exposição
de motivos do CPC/39, chega à constatação de que as nulidades podem ser alegadas como
“instrumento de chicana, das dilações e dos retrocessos processuais”.
54. Neste sentido cumpre destacar o interessante julgado do STJ: “Ao homologar a convenção
pela suspensão do processo, o Poder Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima expec-
tativa de que o processo só voltaria a tramitar após o termo final do prazo convencionado.
Por óbvio, não se pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato processual de ofício
– publicação de decisão – e, ademais, considerá-lo como termo inicial do prazo recursal.
Está caracterizada a prática de atos contraditórios justamente pelo sujeito da relação pro-
cessual responsável por conduzir o procedimento com vistas à concretização do princípio
do devido processo legal. Assim agindo, o Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest
venire contra factum proprium, reconhecidamente aplicável no âmbito processual” (STJ,
REsp 1306463/RS, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 04.09.2012, DJe 11.09.2012).
55. Rui Stoco, Abuso do Direito e Má-fé Processual. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 57; Helena
Najjar Abdo. Abuso do Processo. São Paulo: Ed. RT, 2007.
56. Felipe Scripes Wladeck, “Abuso quanto ao exercício do direito de demandar no Direito
Processual Brasileiro”. Revista Dialética de Direito Processual n. 96. São Paulo: Edições
Loyola, mar. 2011, p. 38-39.
246 Manual de Direito Processual Civil
exercitado, tendo em vista o longo transcurso de tempo sem o seu exercício. A boa-fé,
nessa dimensão, exige que a confiança da parte não seja quebrada, impondo-se a “ca-
ducidade” do direito, mesmo antes da prescrição da pretensão correspondente. No di-
reito privado alemão, o instituto da supressio serviu como uma proteção aos interesses
do devedor; no processo, pode servir como um equilíbrio necessário ao exercício de
posições processuais.
De nossa parte, e não obstante opiniões em sentido contrário, temos que a questão
da supressio em direito processual civil deve ser observada com cautela, tendo em vista
que o sistema de preclusões processuais já dá conta de resolver grande maioria destes
problemas.57 Quer dizer, a preclusão consumativa e lógica impedem, especificamente
no âmbito processual, a prática de atos repetidos ou contraditórios. E a preclusão tem-
poral decorre do prazo que a própria lei estabelece para a prática de determinado ato
processual. Já as situações que são alegáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição –
notadamente, as questões de ordem pública –, por isso mesmo não sujeitas à preclusão,
consubstanciam-se em matérias cuja importância transcende o interesse das partes.
Outro aspecto importante da proteção da confiança e do respeito às justas expecta-
tivas dos sujeitos no processo está no comportamento da própria jurisprudência, que
não pode ser fonte de insegurança jurídica. Conforme foi visto neste Manual, os tribu-
nais devem manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, caput, do
CPC/2015). Com isso se quer exigir que qualquer alteração de entendimento deva ser
justificada e não abrupta. A adoção, pelo CPC/2015, de um sistema de precedentes com
força normativa exige, para garantir seu próprio bom funcionamento, que a superação
de teses jurídicas fixadas não seja inesperada. Nesse sentido, os próprios tribunais agem
em conformidade com a boa-fé, em respeito ao art. 5º do CPC/2015.
O art. 5º concretiza um princípio ético no processo civil, calcado na ideia de lealdade
processual que já constava do art. 14 do CPC/1973.58 Por este princípio objetiva-se coi-
bir a deslealdade e a má-fé dentro do processo, bem como evitar pretensões sem funda-
mento e o requerimento de provas e diligências inúteis ou desnecessárias. A parte que
se quiser valer do processo, sem atentar para a verdade, a lealdade e a boa-fé, arcará com
os prejuízos causados à parte adversa, pagando-lhe perdas e danos, honorários advo-
catícios e todas as despesas efetuadas. Via de regra, e pela forma como são dispostos os
arts. 5º e 80 do CPC/2015, é de se imaginar que o comportamento que viole o dever de
boa-fé processual incida em litigância de má-fé. No entanto, veja-se que os expedientes
57. É de se ponderar com Menezes Cordeiro, quando diz: “No direito português, não é de
introduzir a ideia de supressio processual: os poderes das partes vão sendo precludidos ao
longo do processo e o recurso é sempre via indicada para apreciar irregularidades do tribu-
nal” (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil. Coimbra:
Almedina, 2001, p. 803).
58. Sobre lealdade processual, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/117
et seq.; v. tb. trabalho do autor sobre “Resistência injustificada ao andamento do processo”,
em Revista de Processo 17/13; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo
Civil, p. 121 et seq.; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol.
1/139 et seq.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 247
processuais desonestos, desleais, para obter ganho de causa, podem ser apenados pelo
rol taxativo da lei, sem que isso seja uma decorrência direta da proibição de venire con-
tra factum proprium no processo, por exemplo. Quer dizer, a parte pode vir a não agir
conforme a boa-fé objetiva (art. 5º) e ainda assim não incidir em nenhuma das hipóte-
ses descritas pelo código para a aplicação da multa correspondente.
Em verdade, o que o texto do CPC/2015 exige é uma conduta leal, por inteiro. A le-
aldade e a boa-fé são princípios éticos do processo, de caráter ético, abrangentes de toda
atividade dos sujeitos processuais, desde o início, durante todo o procedimento, inclu-
sive no desdobramento recursal, como ainda no processo executório.
Vale notar ainda que o princípio da boa-fé no processo tem uma dimensão herme-
nêutica, no sentido de exigir que tanto os pedidos como as causas de pedir (art. 322,
§ 2º) quanto às decisões judiciais (art. 489, § 3º) sejam interpretados conforme a boa-fé.
59. Assim, instituir um dever de cooperar não se trata “de uma visão romântica que induziria
a crença de que as pessoas no processo querem, por vínculos de solidariedade, chegar ao
resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Esta utópica solidariedade processual
não existe (nem nunca existiu): as partes querem ganhar e o juiz quer dar vazão à sua pesada
carga de trabalho” (Humberto Theodoro Jr., et al, Novo CPC – fundamentos e sistematização.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 60).
60. V. Adriano de Cupis, Nozioni elementari di diritto privato. Milão, 1978, p. 167. Remarca
que no direito obrigacional há mais manifestamente cooperação, ao passo que, nos direitos
reais é mais problemático falar-se em cooperação; esta, somente poderia ser entendida
como um dever de abstenção de caráter genérico. Sobre a temática da cooperação nos
direitos obrigacionais, v. Emilio Betti, Cours de Droit Civil Comparé des Obligations
[Curso de Direito Comparado das Obrigações], (1957-1958). Milão: Ed. Giuffrè, 1958,
capítulo I, intitulado La Coopération en tant que problème à resoudre par les rapports
d’obligation [A Cooperação enquanto problema a ser resolvido nas relações obrigacio-
nais], pp. 1 e ss.
248 Manual de Direito Processual Civil
do direito material, e consequentemente quando os interesses das partes não são mais
os mesmos. Como o próprio texto do art. 6º sugere, a cooperação objetiva a obtenção
de decisão de mérito justa e efetiva. Cooperar quer dizer trabalhar em prol da decisão
no caso concreto. Cooperar quer, no processo, significar não criar incidentes sem uti-
lidade, mas com o fito de tumultuar a posição da outra parte.
Já há algum tempo, a doutrina mais atenta fala de um princípio da colaboração pro-
cessual, ou ainda de um modelo cooperativo de processo.61 É disso que cuida o art. 6º,
talvez o artigo que mais concretize as aspirações ínsitas nas normas fundamentais do
CPC/2015. Até fins do século XIX, do ponto de vista da colocação do processo civil no
sistema jurídico, era essa disciplina encarada como um apêndice do direito civil. Dis-
so decorria que o processo submetia-se primordialmente aos princípios que informam
o direito privado, como a disponibilidade dos direitos. A evolução pela qual passou o
Processo Civil, enquanto disciplina de direito positivo, foi a de entendê-lo como maté-
ria autônoma em relação ao direito privado. Distinguiu-se, em fins da segunda metade
do século retrasado, com grande nitidez, o objeto do processo como sendo regulado
pelo direito público.
A herança da ciência processual brasileira é notadamente uma decorrência do pu-
blicismo, em que o direito processual adquiriu autonomia epistemológica e desligou-
-se do direito civil como um ramo jurídico autêntico. Isto deu dignidade ao estudo do
processo, porém, como consequência lógica causou afastamento do Direito Privado.
O juiz tornou-se protagonista do processo, o que significou um depósito desmedido
de responsabilidade na sua figura, fato que pode ser prejudicial especialmente em tem-
pos de altíssimo volume de trabalho. É importante perceber que o juiz é um dos sujei-
tos da relação processual. Sua importância e o seu papel estão na direção do processo
(art. 139 do CPC/2015), porém as partes devem, também, ser responsáveis pelo desen-
volvimento processual, influenciando eficazmente no conteúdo da sentença de méri-
to. Neste ponto reside parte da ideia de cooperação (que logo adiante será intimamente
relacionada com a de contraditório efetivo). É preciso resgatar no ambiente processual
o equilíbrio na “divisão do trabalho”. Mais ainda, é preciso criar uma comunidade de
trabalho (Arbeitgemeinschaft), na qual todos os sujeitos do processo cooperem para o
seu resultado. Quer dizer, busca-se reconhecer que no processo, o juiz deve dialogar
com as partes, pois nunca está só. O processo é uma conversação, consistente em ma-
nifestações e pronunciamentos; um intercâmbio de ataques e contra-ataques. Trata-se
61. Nesse sentido: Dierle José Coelho Nunes, Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá,
2008, pp. 239 e ss.; Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil, 2. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2011, p. 98 e ss.; Reinhard Greger, Cooperação como princípio processual. Revista de
Processo, n. 206. São Paulo: Ed. RT, abr/2012, pp. 123/124; Ada Pellegrini Grinover; Cândido
Rangel Dinamarco; Kazuo Watanabe (coords.), Participação e processo. São Paulo: Ed. RT,
1988; Fredie Didier Jr., Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil
português. Lisboa: Coimbra, 2010. Vale mencionar, ainda, na doutrina italiana, o pioneiro
estudo de Eduardo Grasso (La collaborazione nel processo civile. Rivista di diritto processuale.
Padova: CEDAM, 1966, pp. 580 e ss.).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 249
de um jogo argumentativo,62 do qual o juiz sem dúvida é partícipe com o poder de di-
rimir a discussão.
Dessa forma instauram-se bases democráticas no processo. Nesse sentido, a co-
operação deve ser entendida como um desdobramento do princípio moderno do
contraditório,63 no sentido de trazer o diálogo e o debate judicial para dentro do pro-
cesso. É possível identificar doutrinariamente alguns deveres64 correlatos à colabora-
ção processual.
Há antes de tudo um dever de esclarecimento. Ao juiz deve ser possível (e recomen-
dável) que verifique, com as partes, o conteúdo das suas manifestações, evitando que,
por exemplo, uma petição inicial seja indeferida por falta de um requisito, quando o
autor puder demonstrar seu preenchimento. É saudável que, antes de decisões que
possam causar prejuízos às partes, estas possam prestar esclarecimento sobre a sua si-
tuação jurídica.65
Há também um dever de consulta, que implica na intimação das partes para que se
manifestem sobre um determinado fundamento, inclusive jurídico, o que não colide
com o princípio iura novit curia, antes da prolação de uma decisão com base nesse mes-
mo fundamento. O dever de consulta será mais bem detalhado no tópico seguinte, que
trata do contraditório efetivo (arts. 9º e 10 do CPC/2015).
Em Portugal, o recentemente promulgado código de processo diz que “O juiz pode,
em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários
judicias, convidando-os a fornecer esclarecimentos sobre matéria de facto ou de di-
reito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resulta-
dos da diligência” (art. 7º, 2). Muitas vezes, as partes, seus procuradores e assistentes
técnicos, por terem interesse particular na causa, já se debruçaram de tal maneira so-
bre tais questões que possuem melhores condições de esclarecer quaisquer dúvidas
ou incertezas porventura existentes. Nesse contexto, não é recomendável ao órgão
judicial que julgue em situação de dúvida ou incompreensão sobre temas que as par-
tes podem aclarar.
O dever de prevenção ou advertência diz respeito à necessidade de o juiz alertar as
partes sobre eventuais insuficiências de suas alegações ou requerimentos, sem que isso
corresponda a uma violação ao princípio da imparcialidade. Exemplo claro de incidên-
cia desse dever ocorre quando o juiz adverte as partes sobre a possibilidade de vir a ex-
plorar, em sua decisão, determinada matéria de fato ou de direito, ainda que cognos-
62. Piero Calamandrei, Il processo come giuoco, Rivista di diritto processuale. Padova: CEDAM,
1950, pp. 26-27.
63. Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. Rio de Janeiro: Foren-
se, 2015, p. 81. No mesmo sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Amicus curiae no processo
civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 86-90.
64. Em grande parte desenvolvidos por Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo
civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997, pp. 62-67.
65. V. TJ/SP, Apelação Cível n. 0002044-39.2015.8.26.0366, 8ª Câmara de Direito Privado, j.
22.06.2016, des. Rel. Silvério da Silva, reg. 22.06.2016.
250 Manual de Direito Processual Civil
66. Leonardo Greco, Instituições de processo civil, vol. 1, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 514.
67. Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 85.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 251
68. “Não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da
igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em consequên-
cia, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa,
encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações”.
(Francisco Campos, Direito constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 30).
69. José Souto Maior Borges, A isonomia tributária na constituição de 1988. Revista de Direito
Tributário, vol. 64. São Paulo: Ed. RT, 1993, p. 13.
70. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2012, p. 417; Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2015, p, 383; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários
à constituição de 1946, vol. I, 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963, p. 165.
71. Nesse sentido, ver: San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei e due process of law. Problemas
de direito positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 53; Carmen Lúcia Antunes Rocha, O
princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 39; Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 32. ed. São Paulo: Saraiva, p. 281; Miguel
Seabra Fagundes, O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o poder legislativo.
Revista de direito administrativo, vol. 41. Rio de Janeiro: DASP, 1955, p. 12.
72. Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 43.
Sobre isso, ver: Roque Antonio Carrazza, O princípio da igualdade. Revista Justitia, n. 90,
jul/set 1975, p. 338.
252 Manual de Direito Processual Civil
Em primeiro lugar, portanto, tenhamos por certo que toda averiguação de igualda-
de pressupõe uma comparação. Algo só é igual, ou diferente, de outro algo.73 Não há
como se dizer, de uma pessoa ou um grupo de pessoas tomado isoladamente, que ele é
“igual”. A igualdade nunca é igualdade de um só.74
Ademais, o critério para a análise de uma legítima desigualdade deve levar em conta
qual é o fim desejado pela lei ou pelo juiz, na atividade de equiparar ou diferenciar su-
jeitos no processo. Deve-se considerar pertinente aquela medida de comparação ava-
liada por elementos cuja existência esteja relacionada com a promoção da finalidade
que justifica sua escolha.75
A legitimidade decorrente das disparidades de tratamento encontra justificativa,
portanto, no atendimento direto de um princípio ou de um objetivo constitucional.76
Abordagem semelhante é proposta por J. J. Canotilho, na forma das seguintes pergun-
tas: “1º) Existe uma igualdade de situações de facto jurídico-constitucionalmente per-
tinente? 2º) Estas situações de facto iguais foram tratadas de forma desigual em termos
que se considerem jurídico constitucionalmente pertinentes? 3º) Existe para a desi-
gualdade de tratamento de situações de facto iguais uma razão material suficiente?”77
De toda forma, o art. 7º do CPC/2015 serve, diante da sua natureza de norma fun-
damental, para orientar a paridade de tratamento – voltada para o atingimento de fins
também paritários – dentro do processo, assim evitando arbitrariedades ou disparida-
des ilegítimas.78
73. Maria Glória Garcia, Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005,
p. 46.
74. Fabio Konder Comparato, Precisão sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica. Revista
dos Tribunais, vol. 87. São Paulo: RT, abr/1998, p. 19.
75. Humberto Ávila, Teoria da igualdade tributária, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 50. E
prossegue: “Há relação fundada entre a medida de comparação e a finalidade, quando há
uma correspondência que estatisticamente se sustenta entre a existência das propriedades
conotadas pela medida de comparação e os bens jurídicos cuja disponibilidade compõe o
estado ideal de coisas, representado pela finalidade” (p. 57).
76. “Uma disparità di trattamento si possa ritenere legittima se ed in quanto essa trovi giustifica-
zione in altro principio costituzionale; e questo può accadere poiché il legislatore ordinario
intende agevolare il raggiungimento di fini, che la stessa Costituzione prevede, avvalendosi
anche dello strumento tributario” (F. Batistoni Ferrara; M. A. Grippa Salvetti, Lezioni di diritto
tributario, parte generale, 2. ed. Torino: Giappichelli, 1993, p. 25).
77. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed. Coim-
bra: Almedina, 2012, p. 1.216.
78. Veja-se o que diz Luís Roberto Barroso: “O que o princípio da isonomia impede, efeti-
vamente, é que a ordem jurídica promova desequiparações arbitrárias, aleatórias ou mal
inspiradas. Será legítima a desequiparação quando fundada e logicamente subordinada a
um elemento discriminatório objetivamente aferível, que prestigie, com proporcionalida-
des valores abrigados no texto constitucional” (Igualdade perante a lei. Revista de Direito
Público, vol. 78. São Paulo: Ed. RT, p. 69). É exatamente o que, em obra clássica, preleciona
Celso Antônio Bandeira de Mello: “As discriminações são recebidas como compatíveis com
a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica
entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de
As Normas Fundamentais do Processo Civil 253
tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com
interesses prestigiados na Constituição” (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade,
3. ed, 20. tir.. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 17). E prossegue: “O critério especificador
escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer:
o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; toda via, necessita,
inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele
resulta” (pp. 38/39).
79. Sobre a coerência na atividade das cortes, ver: Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito,
3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1991, p. 326; Ronald Dworkin, Levando os direitos a
sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 24.
254 Manual de Direito Processual Civil
80. Friedrich Müller, Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, pp. 252 e ss; E ainda:
“Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um pri-
meiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido
somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na
perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste
precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo cons-
tantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido”
(Hans-Georg Gadamer, Verdade e método, vol. I. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 356).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 255
Fixamos liminarmente estas observações pela circunstância de que nos parecem in-
discutíveis, independentemente do método usado e da escola a que se filie o intérprete.
Valem, pois, porque podem ser consideradas diretrizes universais.
Os métodos ou cânones de interpretação usualmente referidos são: 1º) o gramatical,
que atenta para o sentido literal (ou, mais amplamente, linguístico) das palavras, e que
é o mais precário e pobre de todos. Na verdade, a interpretação gramatical assimila-se
mais à ideia de pressuposto interpretativo do que à de método; 2º) o lógico, que se serve
da contribuição dos elementos da lógica, para a construção mental da inteligência do
preceito; 3º) o sistemático, que exige a consideração da lei sempre dentro do sistema de
que ela é, apenas, uma parte, embora a maior parte, pois a lei é a linguagem do Direi-
to; 4º) o histórico, que tem presente ser a lei o produto de uma vivência e experiência
humanas, nela sintetizadas. Para entender tal síntese existencial-histórica da lei, mui-
tas vezes será necessário remontar às causas que a determinaram; 5º) o teleológico, que
procura identificar qual é a finalidade da norma.81
Os métodos acima mencionados são, em nosso sentir, eminentemente técnicos e,
justamente por isso, universais.82 Devemos dizer, todavia, que o intérprete haverá con-
jugadamente de se servir de todos eles, pois são úteis à tarefa final: compreender a lei.
81. É de se lembrar as palavras de Sidnei Agostinho Beneti acerca da interpretação das leis de
simplificação do CPC. Diz ele que “a interpretação das Leis de Simplificação Processual
não pode deixar de levar em conta que essas leis vieram para a simplificação e agilização
do procedimento, com que se garante o acesso efetivo à Justiça, de modo que, sempre que
necessária a interpretação de ponto aparentemente duvidoso nessas leis, é preciso não
esquecer que vieram elas para simplificar e agilizar, não para complicar e procrastinar” (A
interpretação das leis de simplificação do Código de Processo Civil, Revista do Advogado
da AASP, n. 46).
82. “Os métodos interpretativos aparecem definidos pelo imaginário jurídico, o ‘senso comum
teórico dos juristas’, como técnicas rigorosas, que permitem alcançar o conhecimento
científico do direito positivo. É notório sua conexão com a ideologia das distintas escolas
que conformam o pensamento jurídico. Assim, o método exegético, o método da escola
histórica, o método dogmático, o método comparativo de Ihering da segunda fase, o méto-
do da escola francesa, o método do positivismo sociológico e da escola de direito livre, o
teleológico vinculado à jurisprudência dos interesses, o método egológico e o tópico-retó-
rico, todos eles se relacionam com as escolas correspondentes, das quais, em alguns casos,
importaram o próprio título” (Luiz Alberto Warat, Introdução geral ao direito. Porto Alegre:
Fabris, 1994, p. 65).
256 Manual de Direito Processual Civil
mático, embora com especial referibilidade a uma determinada lei que será a particu-
larmente aplicada.
Na interpretação do Direito Processual Civil há de se ter alguma cautela, tendo em
vista a índole e a natureza de sua função no sistema jurídico em geral.
A lei processual, como já se asseverou atrás, é de índole instrumental. Significa isto,
essencialmente, que deve ser distinguida da norma do Direito Material, porquanto é o
Direito Material que, à luz de certos acontecimentos da vida por ele definidos, “cria”
direitos, desde que, todavia, ocorram fatos subsumíveis às normas substanciais (mo-
delos legais). O processo per se, primária e originariamente, não tem função criadora
de direitos, ou, se se quiser, constitutiva de direitos. Segue-se, portanto, que toda inter-
pretação da norma processual terá de ser feita sempre com essa cautela, consistente em
que é próprio da função do Direito processual fazer valer o Direito material, objeto do
processo, mas não alterá-lo, dando ou tirando direitos, além e aquém dele.
Esta ponderação há de servir de alerta ao aplicador da lei.
Este é um dos aspectos mais importantes na hermenêutica e aplicação do Direito
Processual Civil e, por isso, não pode ser deixado de lado.
85. Sobre os vários estágios da hermenêutica e sua recepção pela ciência do direito, ver: José
Lamego. Hermenêutica e jurisprudência. Lisboa: Fragmentos, 1990, pp. 172 e ss.
86. A importância da interpretação jurídica que não se submete a regras fixas, pré-estabelecidas,
está em: Friedrich Müller, Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, pp. 49 e ss.
258 Manual de Direito Processual Civil
87. Mesmo considerando que a interpretação finalística da norma, mesmo no liberalismo, foi
compreendida como preferível àquela de índole gramatical, deve-se atentar para a diferença
do contexto em que se desenvolveu a expressão no âmbito das leis brasileiras. A propósito,
veja-se o que falamos sobre disposição legal semelhante, contida no art. 5º da Lei de Intro-
dução às Normas do Direito Brasileiro (anteriormente denominada Lei de Introdução ao
Código Civil – Decreto-Lei 4.657/42): Arruda Alvim, Comentários ao Código Civil brasileiro.
Volume XI, Tomo I (Livro Introdutório). Do direito as coisas. Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2009, p. 277.
88. Gustav Radbruch, Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 100 e ss.
89. Sobre o tema e a origem do princípio da dignidade da pessoa humana, ver: Jacques Maritain,
Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 259
pessoas com sessenta anos ou mais (art. 100, § 2º, da CF/88, hipótese introduzida pela
EC 62/2009). Já os julgadores, ao promoverem ou resguardarem a dignidade da pessoa
humana, devem atentar para as particularidades de cada caso, justificando a forma de
aplicação da lei para atender a esse princípio constitucional de dignidade.
Quanto à legalidade, à publicidade e à eficiência, quis o CPC/2015 fazer alusão ao
caput do art. 37 da CF/88, que trata dos princípios atinentes à Administração Pública.
Além destes, a Constituição fala da impessoalidade e da moralidade, que nem mesmo
precisariam ser repetidas no Código de Processo, pois são inerentes ao exercício da ju-
risdição. A referência à legalidade decorre diretamente do art. 5º, II, da CF/88 (“nin-
guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”),
pressuposto do Estado Democrático de Direito. A publicidade, que segue reproduzida
no art. 8º do CPC/2015, tem contornos específicos no art. 11, que será visto logo em se-
guida. Resta falar sobre o princípio da eficiência aplicado ao processo civil.
O Poder Judiciário, como um dos poderes da República, submete-se às imposições
constitucionais de funcionamento do Estado. É minimamente necessário à Adminis-
tração Pública que adote meios eficientes para atingir seus resultados. Eficiência, nesse
contexto, tem a ver com o atingimento de máximos resultados em um mínimo de atos
para tanto. Relaciona-se, porém não se confunde, portanto, com efetividade (art. 4º do
CPC/2015), que diz respeito à satisfação do direito em si.
O CPC/2015 prestigia a eficiência quando, por exemplo, torna obrigatória a reunião
de processos para julgamento conjunto, ainda que não sejam conexos entre si (art. 55,
§ 3º), mas possam gerar decisões conflitantes ou contraditórias. Em outras situações, o
código permite que as partes antecipem-se consensualmente na prática de atos que or-
dinariamente seriam judiciais. É o caso do saneamento consensual (art. 357, § 2º), no
qual a delimitação das questões controvertidas de fato e de direito é feito pelos litigantes
e, depois de homologada, vincula também o juiz. O mesmo ocorre na possibilidade de
que as partes escolham perito para a prova pericial já deferida (art. 471), caso em que
a prova substitui para todos os efeitos a perícia que seria realizada por expert nomea-
do judicialmente (art. 471, § 3º). São casos em que, além de privilegiar a autonomia de
vontade, o CPC/2015 propicia bons resultados – máximo aproveitamento no mínimo
possível de atos processuais.
A menção ao máximo aproveitamento remete-nos, ainda, à ideia, difundida no texto
do CPC/2015, de supressão de vícios processuais sanáveis em prol da obtenção, sempre
que possível, de sentenças de mérito. Quer dizer, o código fala de máximo aproveita-
mento do processo no sentido de que o esforço e o tempo gastos pelas partes e pelo Ju-
diciário possam ser úteis, e não sejam desperdiçados. Dessa forma, sempre que o mérito
de uma ação tiver condições de julgamento, não é dado ao juiz extinguir o processo sem
resolução do mérito. O art. 488 do CPC/2015 diz, expressamente: “Desde que possível,
o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria
eventual pronunciamento nos termos do art. 485”. Reside aí um conflito apenas apa-
rente entre a celeridade que resultaria da extinção do processo, e a eficiência decorren-
te de se obter, no caso, uma sentença passível de formar coisa julgada material. A opção
260 Manual de Direito Processual Civil
do CPC/2015 é a de, por vezes, retardar o fim do processo com a prática de um ou mais
atos processuais, para com isso garantir o rendimento máximo do próprio processo.90
Sobre o art. 8º do CPC/2015, vale fazer uma ressalva devido à grande abrangência
dos conceitos por ele tratados. Os princípios contidos no artigo devem ser observados
pelo juiz na aplicação do ordenamento, sem prejuízo de outros mandamentos consti-
tucionais. Não se trata de um rol taxativo. Além disso, é necessário ter cautela para não
transformar o art. 8º em um argumento para legitimar a não aplicação de regras jurídi-
cas. Os critérios interpretativos dispostos no CPC não autorizam a recusa de observân-
cia de regras legais;91 afinal, o juiz só se escusa de aplicar a lei justificadamente quando
exercer, sobre o texto legal em questão, alguma modalidade de controle de constitucio-
nalidade. Em outras palavras, para preservar o conteúdo do artigo, é imprescindível não
exagerar seu uso em situações que não reclamam sua aplicação. A menção desmedida
à dignidade da pessoa humana, ou à proporcionalidade e à razoabilidade, por exemplo,
pode ter o pernicioso efeito de afastar a credibilidade e o real valor normativo desses pos-
tulados, fazendo com que o artigo, tão importante, perca sua significância no sistema.92
90. Leonardo Carneiro da Cunha, A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo código
de processo civil brasileiro. Revista de Processo, n. 233. São Paulo: Ed. RT, jul/2014, p. 74.
91. Este alerta está também em: Humberto Theodoro Jr, Curso de direito processual civil, vol. 1,
56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 90.
92. Sobre a perda de “positividade” dos princípios pelo seu abuso cotidiano, ver: Eros Roberto
Grau. Por que tenho medo dos juízes. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 22.
93. No Brasil, as novas concepções dos princípios como normas efetivas e as técnicas para sua
aplicação e diferenciação das regras jurídicas têm como principais referências as obras de
Robert Dworkin (Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977) e
Robert Alexy (Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos
e Constitucionales, 2001), amplamente utilizadas pelos estudiosos brasileiros na análise da
nova hermenêutica constitucional.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 261
que a atuação estatal e a decisão jurídica sejam razoáveis, mas que sejam os melhores
meios de maximização das aspirações constitucionais.
Dizer que os direitos fundamentais devem ser garantidos de maneira proporcional
significa entender a própria proporcionalidade em sua dupla dimensão: proibição de
proteção insuficiente (Untermassverbot) e proibição de proteção em excesso (Übermas-
sverbot). A compreensão proporcional dos direitos fundamentais é dever do Estado, que
não pode nem se omitir de garanti-los, tampouco exceder na sua proteção, violando
outras garantias.100 A tarefa da proporcionalidade é dar ao legislador infraconstitucio-
nal e aos julgadores os parâmetros de aplicação das leis. Fala-se de uma regra (da pro-
porcionalidade) sobre o uso de outras regras; uma diretriz para a promoção de direitos
fundamentais.
Já a razoabilidade tem outro espectro de atuação, também no que diz respeito à pro-
moção e respeito aos direitos fundamentais. Trata-se de uma regra destinada também
ao legislador infraconstitucional, no sentido de exigir compatibilidade entre o meios
e as finalidades da aplicação do direito. Agir de forma razoável é valer-se de técnicas e
meios legítimos para alcançar os fins da própria lei. Assim, por exemplo, diante da fa-
culdade dada ao juiz de dilatar prazos processuais ou alterar a ordem de produção dos
meios de prova (art. 139, VI, do CPC/2015), é possível flexibilizar o procedimento ten-
do em vista sua aplicação razoável. Em determinadas situações a produção probatória
na ordem estipulada pelo código pode não demonstrar ser o método mais afinado ao
caso concreto. Daí o papel representado pela razoabilidade, de permitir uma atuação
judicial no sentido de calibrar a aplicação do direito ao caso concreto.
Tanto proporcionalidade quanto razoabilidade servem de parâmetros calibradores
da aplicação do direito, no sentido de filtrar a interpretação e a hermenêutica para a
produção de resultados mais adequados à Constituição. São, conforme diz Luís Rober-
to Barroso, parâmetros de valoração dos atos do Poder Público.101 A finalidade almeja-
da é o equilíbrio entre o exercício do poder estatal e a preservação dos direitos funda-
mentais do homem.102
A busca de uma resposta justa decorrente de um processo adequado é o elo entre
proporcionalidade e devido processo legal. Como diz Gilmar Ferreira Mendes, “o de-
100. Claus-Wilhelm Canaris, Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 161 e ss.
101. “O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para
aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico:
a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um
conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão exclusivamente subjetiva.
É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o
que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores
vigentes em dado momento ou lugar.” (Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da
Constituição, Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. São Paulo:
Saraiva, 1996, pp. 205-206).
102. Maria Rosynete Oliveira Lima, Devido Processo Legal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1999, pp. 273-276.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 263
o tema, com grande proveito, ver: Georges Abboud, Processo constitucional brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 2016, item 1.1, pp. 55 e ss.
106. Ideias contrárias à dos degraus de verificação da proporcionalidade podem ser encontradas
em Lenio Streck, Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, cap. 4, pp. 57 e ss;
ainda: Ronald Dworkin, A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 148; Rafael
Thomaz de Oliveira, Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008; Humberto Bergmann Ávila, Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros,
2012.
107. Nesse sentido, ainda esta vez, Lenio Streck: “Trata-se, enfim, segundo o jurista italiano (Fer-
rajoli), de um câmbio revolucionário de paradigma no Direito: alteram-se em primeiro lugar,
as condições de validade das leis que dependem do respeito já não somente em relação às
normas processuais sobre a sua formação, senão também em relação às normas substantivas
sobre seu conteúdo, isto é, dependem de sua coerência com os princípios de justiça esta-
belecidos pela Constituição; em segundo lugar, altera-se a natureza da função jurisdicional
e a relação entre o juiz e a lei, que já não é, como no paradigma juspositivista, sujeição à
letra da lei qualquer que seja o seu significado, senão que é uma sujeição, sobremodo, à
Constituição que impõe ao juiz a crítica das leis inválidas através de sua reinterpretação em
sentido constitucional e sua declaração de inconstitucionalidade; em terceiro, altera-se o
papel da ciência jurídica, que, devido ao câmbio paradigmático, resulta investida de sua
função à não somente descritiva, como no velho paradigma paleojuspositivista, senão crítica
e construtiva em relação ao seu objeto; crítica em relação às antinomias e às lacunas da
legislação vigente em relação aos imperativos constitucionais, e construtiva relativamente
à introdução de técnicas de garantia que exigem para superá-las; altera-se, sobremodo, a
natureza mesma da democracia.” (Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, 4. ed., cit., pp. 48 –49).
As Normas Fundamentais do Processo Civil 265
108. Antes desse pode-se identificar o julgamento pelo STF do RE 18.331, rel. Min. Orozimbo
Nonato, RF 145/164 et seq. (1953), que versava sobre o poder de taxar, devendo-se também
fazer menção à Representação 1.077, em que se enfrentou os limites da taxa judiciária, com
largo desenvolvimento (RTJ 112/58-59, STF, rel. Min. Moreira Alves).
109. STF, RE 18.331, j. 21.09.1951 e HC 45.232, rel. Min. Themístocles Cavalcanti, RTJ 44,
p. 327-328.
266 Manual de Direito Processual Civil
Lei 8.713 feria o princípio constitucional do devido processo legal (esse princípio abar-
ca a falta de razoabilidade de uma norma): (a) consta do voto do Min. Moreira Alves:
“Por isso mesmo já houve quem dissesse que é um modo de a Suprema Corte americana
ter a possibilidade de certa largueza de medidas para declarar a inconstitucionalidade
de leis que atentem contra a razoabilidade”; (b) são – os textos em causa, da Lei 8.713
– dispositivos de exceção, ou seja, continua o voto, “(…) partem de fatos passados, já
conhecidos pelo legislador quando da elaboração da lei, para criar impedimentos futuros
e, portanto para cercear a liberdade desses partidos políticos” (ADIn 855, RTJ: 152, p. 455
e ss.); (c) questiona o Min. Moreira Alves se seria possível estabelecerem-se restrições
ao pluripartidarismo, deixando de enfrentar a questão, na hipótese, porque rigorosamente
impertinente, mas concluindo: “Fico apenas nesse outro que é o da falta de razoabilida-
de desse princípio”. Outro caso, de que foi relator o Min. Moreira Alves foi o da Repre-
sentação 1.054 (RTJ 100/967), em que se arguiu de inconstitucionalidade o art. 86 do
então vigente Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – a revogada Lei 4.215, de
27.04.1963 – em que se estabelecia incompatibilidade para advocacia de magistrados,
membros do Ministério Público e de outras categorias, durante os dois anos seguintes,
a contar da aposentadoria. O relator argumentou que essa restrição não era aceitável,
sob ângulo algum de avaliação, e, que, portanto, na realidade, o significado prático da
lei era manifestamente discriminatório, sem razão alguma.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – que rigorosamente
se tem utilizado mais do nomen iuris do princípio da razoabilidade –, bem por isso, tem
censurado a validade jurídica de atos estatais que, desconsiderando as limitações inci-
dentes sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões
de razoabilidade e que se revelem destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos
inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas.110
De outro lado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem prestigiado normas que
não se revelam arbitrárias ou irrazoáveis em suas prescrições, em suas determinações
ou em suas limitações: “A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazo-
abilidade, ajusta-se ao princípio do devido processo legal, analisado na perspectiva de
sua projeção material (substantive due process of law). Essa cláusula tutelar, ao inibir os
efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que
a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencial-
mente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repou-
sar em juízo meramente político ou discricionário do legislador”.111
Vejamos a hipótese em que colidiriam dois direitos fundamentais, compatibilizados
ou acomodados tendo em vista o princípio da proporcionalidade, vale mencionar caso
julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Na ADIn 855/PR MC, j. 01.07.1993, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.1993 estão claramente presentes a liberdade de comércio
e o direito do consumidor.
110. ADIn 1.063-DF MC, j. 18.05.1994, rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.04.2001; ADIn 1.158-
AM MC, j. 19.12.1994, rel. Min. Celso de Mello, DJ 26.05.1995.
111. ADIn 1.407-DF MC, j. 07.03.1996, rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 267
112. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 301.
268 Manual de Direito Processual Civil
nece ao juiz parâmetros que, embora não possam ser considerados totalmente objeti-
vos, reduzem significativamente a subjetividade da interpretação das normas jurídicas.
Desse modo, o controle da validade e eficácia das normas jurídicas, bem como
a análise do alcance e significado dos princípios jurídicos e dos conceitos jurídicos
indeterminados, se devem orientar pelos critérios de adequação e necessidade pre-
cedentemente descritos, de forma a evitar-se o sacrifício desnecessário de direitos e
garantias constitucionais em detrimento de valores menos relevantes, inclusive no
plano do processo.
113. A redação primitiva do CPC/1973 dava precedência aos costumes em vez da analogia, mas,
mesmo antes de ter vigência, a Lei 5.925/1973 a alterou para voltar ao sistema do art. 4º da
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
270 Manual de Direito Processual Civil
7.8.4.2. Costume
O costume, para poder vir a ser juridicamente relevante, tem de contar com dois
elementos: um exterior e outro interior.
Como elemento exterior, é entendido o fato de o costume ter de se constituir num
hábito, num uso, isto é, tem que se traduzir na vida por meio de determinados atos cons-
tante e sistematicamente praticados.
A diferenciação (psicológica) entre o costume e o hábito está no elemento interior
e caracterizador do costume, peculiar somente a este.
O elemento interior do costume é de percepção mais ou menos delicada, e é deno-
minado opinio necessitatis (correspondente ao porquê do agir habitual, que se expressa
na conduta submetida ao costume).
A opinio necessitatis poderia ser descrita como a correspondência do comportamento
exterior a uma convicção individual coincidente com o coletivo, ou seja, que a prática
do mesmo decorre e responde a uma necessidade jurídica, tal como se fosse lei escrita.
Quem assim age, está convencido de que obedece regra de direito, e, bem assim, sendo
este, também, o modo de pensar da sociedade na qual existe o costume.
Nas legislações modernas, o costume, para ter função jurídica, necessita de mais
de um requisito, que é a respectiva relevância a ele emprestada pelo Direito positivo, o
que exige, para sua aplicação, uma lacuna na lei, a inviabilidade de aplicação analógica
da lei e a compatibilidade do costume com o resto do ordenamento jurídico positivo.
A cultura jurídica nos países de tradição civilista, e notadamente também no Bra-
sil, convive com a ideia de que só é Direito, é dizer, só tem força normativa, aquilo que
emana do Estado. Não há dúvida, pois, que, dia a dia, cada vez mais se atrofia a função
do costume, como elemento diretamente criador de direito. Surgem, então, os proble-
mas consistentes em se estabelecer em que medida o costume pode valer.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 271
Em última análise é a lei (fonte formal), como norma legislada, e conforme o dese-
je o legislador, que empresta vitalidade jurídica aos costumes (“norma costumeira”).
Não é possível, portanto, de forma alguma, um pretenso costume infringir um prin-
cípio do ordenamento jurídico positivo. Se isto ocorrer e se a solução via analógica não
tiver sido possível, haver-se-á de recorrer aos princípios gerais de direito, eis que, coli-
dente o costume com o ordenamento, não poderá ser validamente invocado.
114. Cf. Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, vol. 1, Belo Horizonte: Max Limonad, 1952,
p. 314.
115. Cf. Nicolau Nazo, Os princípios gerais do direito, p. 60.
116. Para uma análise ampla do papel que desempenham, modernamente, os princípios jurídi-
cos, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Controle das decisões judiciais por meio de recursos
de estrito direito e de ação rescisória, São Paulo: Ed. RT, 2002, n. 1.2, pp. 57 e ss.; e, mais
recentemente, da mesma autora, Omissão judicial e embargos de declaração, São Paulo:
Ed. RT, 2005, n. 1.1, pp. 33 e ss.
272 Manual de Direito Processual Civil
117. “Os princípios aparecem, neste caso, como axiomas de justiça necessários a partir dos
quais se realiza a dedução. Desse modo, é possível dizer que eles funcionavam de maneira
teórica e metodológica para reunir pelo menos duas exigências para concretização da
completude axiomático-dedutiva do sistema: em primeiro lugar, a plenitude normativa,
sendo articulados para colmatar os espaços vazios do sistema em caso de lacunas; em
segundo lugar, reduzindo eventuais contradições que pudessem surgir da interpretação
abstrata das disposições normativas do sistema jurídico codificado” (Rafael Thomaz de
Oliveira, Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008, pp. 50-51).
118. Quanto às ações que versem obrigações de fazer, não fazer e de entrega de coisa, é fa-
cultado, porém, ao juiz, conceder ex officio providências diversas daquelas requeridas
pelo autor, desde que assegurem o resultado prático equivalente ao pedido, na esteira
do que dispõe o art. 497 do CPC/2015 e conforme dispunham os arts. 461 e 461-A do
CPC/1973.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 273
3º) Princípio do impulso processual pelas partes, não acolhido entre nós, significativo
de que o processo não só é iniciado pela vontade das partes, como seu desenvolvimen-
to fica a depender dessa mesma vontade. Os dois primeiros princípios são adotados no
processo moderno; o do impulso das partes, contudo, é geralmente adotado só no que
tange ao início do procedimento – propositura de ação –, pois o impulso ulterior é oficial.
4º) Princípio da oralidade,119 em virtude do qual o juiz deverá colher, ele próprio
(art. 456), o depoimento das partes e das testemunhas (art. 361, II), tendo, então, a
oportunidade de sentir-lhes a honestidade ou as dúvidas e hesitações, aspectos, em re-
gra, irredutíveis à documentação. Daí a utilidade da colheita e avaliação da prova por
aquele que for julgar. A razão de ser deste princípio é a de que se obtém melhor avalia-
ção, porque melhor percebida pelo juiz que julga a prova que ele mesmo colheu; diz,
pois, com uma melhor qualidade da Justiça.
Alguns autores, contudo, entendem esse princípio mais rigidamente. Para Eduar-
do Couture, num sistema jurídico-processual regido pelo princípio da oralidade, os
atos processuais orais que se praticam através da escrita “se reduzem ao estritamente
necessário”.120 Decorrem deste princípio alguns subprincípios, que se colocam mesmo
como requisitos de operatividade do princípio da oralidade, sendo-lhe, nessa medida,
essenciais e, pois, de grande importância. São os da imediação, da concentração dos atos
processuais (art. 365), da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, e da identi-
dade física do juiz, que no CPC/2015 deixa de contar com texto expresso, como havia no
CPC/1973 (art. 132) e, mais rigidamente, no direito anterior (art. 120 do CPC/1939).121
Pelo primeiro e pelo último, temos que o juiz (que irá julgar) deverá colher as provas
sem a intermediação de quem quer que seja. Já por concentração entende-se a proxi-
midade necessária dos diversos atos processuais, em especial os instrutórios, para que
o juiz (coletor da prova e julgador, ele mesmo) possa valer-se da impressão deixada no
seu espírito (sem se esquecer) pelos testemunhos e depoimentos, a ponto de o ideal ser
a unidade da audiência (art. 365).
O mal expressado subprincípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias
representa a impossibilidade de se usar, para as decisões proferidas no curso do procedi-
mento (precisamente, durante a instrução oral), de um recurso que o paralise, ou seja,
para que este princípio seja levado a efeito, não se pode recorrer das interlocutórias.
Esta regra vale para todas as decisões interlocutórias, mas, para as proferidas dentro do
segmento representado pela instrução oral, a regra fundamenta-se na razão de ser da
própria concentração dos atos processuais. Assim, fica justificada a regra do art. 1.015
do CPC/2015, pela qual apenas algumas decisões comportam recurso de agravo de ins-
trumento (em regra sem efeito suspensivo), não estando as demais decisões sujeitas à
preclusão imediata, podendo ser discutidas ao fim do procedimento, em sede de apela-
ção (art. 1.009, § 1º). É de se notar que este princípio não é afetado pela atribuição de
efeito suspensivo ao recurso de agravo, cabível das decisões interlocutórias (art. 995,
parágrafo único, do CPC/2015). Isto porque tal efeito suspensivo só obsta a eficácia da
decisão agravada, mas não interrompe o procedimento, em si mesmo.
O subprincípio da identidade física do juiz, que já havia sido atenuado com a promul-
gação do Código de Processo Civil de 1973, foi praticamente abandonado no CPC/2015,
uma vez que o juiz que inicia a instrução, mas não a termina, não julga necessariamente
a lide. Neste sentido, já eram claros o texto da lei e a jurisprudência, negando qualquer
vinculação ao juiz promovido, transferido ou aposentado. Em tais casos, não podiam
pairar dúvidas de que seu sucessor recebia os autos, podendo prosseguir na audiência
ou fazendo repetir as provas que entendesse necessárias.
7.8.4.4. A jurisprudência e o processo civil
Há, quanto aos temas da jurisprudência e do processo civil, em nosso modo de ver,
uma particularidade interessante a ser evidenciada. Queremos lembrar que o proces-
so civil está sempre e indissoluvelmente ligado à atividade dos tribunais; não podemos
conceber, sequer teoricamente, o processo civil desligado dela. Só por mera separação
mental é possível conceber-se o processo, e o próprio direito material, desvinculado do
pensamento resultante da atividade judicante, em todas as suas facetas e graus, espe-
cialmente dos graus superiores da atividade jurisdicional.
Todas as elaborações teóricas do processo têm de ter, sempre, como elemento vital
no equacionamento final e último do problema e respectiva solução, a autoridade judi-
ciária, a figura mais eminente do processo. O processo é impensável prescindindo-se da
atividade jurisdicional. A sua razão de ser é servir de instrumento àqueles que pedem
justiça; e quem a distribui, por meio do processo, são os magistrados e os tribunais. São
os magistrados que dão o perfil último, eficaz e concreto da lei.
A elaboração legislativa, as cogitações puramente acadêmicas, os livros de doutri-
na, os livros de comentários de leis, o ensino da disciplina, tudo, em suma, dirige-se ao
processo como meio, e quem diz a última palavra sobre tudo são os tribunais. E a últi-
ma palavra reiterada e uniforme dos tribunais é expressa numa linguagem que foi con-
vencionado, tradicionalmente, dar o nome de jurisprudência.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 275
significação, dado que a ideia de que a lei nasce vocacionada a gerar um só entendimen-
to, é antiga. No fundo, a uniformização (entendida a expressão lato sensu) deve operar
um papel de recondução da inteligência da lei a um único entendimento, diante do fato de
que, na sua aplicação, acabam ocorrendo diversificados entendimentos. Remete-se, aqui,
ao que foi dito a respeito da função uniformizadora da Jurisdição, no tópico específico.
122. «O juiz deve fazer observar e observar ele mesmo, em quaisquer circunstâncias, o princípio
do contraditório. Ele não pode deixar de apreciar, na sua decisão, os meios, explicações e
os documentos invocados ou produzidos pelas partes quando estas tenham estado aptas
para debater com base no contraditório. Ele não pode fundamentar sua decisão sobre meios
(argumentos) de direito utilizados oficiosamente sem ter previamente convidado as partes
a que apresentassem suas observações» (tradução nossa).
123. “O juiz deve chamar a atenção e levar em conta (berücksichtigen) as reflexões das partes
que digam respeito (hinsichtlich) a decisão de ofício que produza“ (tradução nossa). Sobre
As Normas Fundamentais do Processo Civil 277
código francês diz que o tribunal deve chamar a atenção das partes para questões que
podem ser decididas de ofício. O que estas disposições trazem é a chamada vedação de
decisões-surpresa.
Muito semelhante à noção de cooperação é o dever de advertência (Hinweispflicht),
segundo o qual o juiz deve alertar as partes e seus procuradores a respeito da direção
do raciocínio que está sendo construído, evitando, assim, decisões equivocadas porque
amparadas em alegações e argumentos mal compreendidos.124 O que se pode notar é
um movimento, em especial na doutrina,125 no sentido de retirar a legitimidade das de-
cisões judiciais que não sejam fruto de um debate efetivo entre os sujeitos do processo.
Quando a decisão limita-se a um monólogo do julgador consigo mesmo, seu conteúdo
fica limitado a uma só perspectiva, enquanto o diálogo – que resulta da construção dia-
lética de ideias – amplia o quadro de análise.126 Por esse motivo, o CPC/2015 adota ex-
pressamente um conceito de contraditório como garantia de influência, de forma que é
direito das partes ver suas razões levadas em consideração pelo órgão jurisdicional no
momento da decisão. Até mesmo – e principalmente – para não acatar os fundamentos
das partes, deve o juiz pronunciar-se sobre eles na fundamentação, mesmo porque, em
regra, os motivos de uma decisão são mais importantes para o sucumbente do que para
o vencedor da demanda.
O art. 9º do CPC/2015 estabelece que não se proferirá decisão contra uma das partes
sem que esta seja previamente ouvida. Trata-se de evitar que a parte seja surpreendida
com um pronunciamento a seu desfavor, sem a possibilidade de apresentar razões que
poderiam infirmar as conclusões da decisão judicial. Não basta ao juiz ouvir a parte a
favor de quem a decisão será proferida; é necessário e recomendado que o prejudicado
pela decisão seja ouvido. Aí reside o contraditório como influência.
As exceções ao art. 9º são situações em que justificadamente a lei permite pronun-
ciamentos liminares: tutela provisória de urgência (art. 300, do CPC/2015), hipóteses
específicas de tutela de evidência (art. 311, II e III), e a expedição de mandado monitório
(art. 701). Não se trata de violar o direito ao contraditório, mas de diferi-lo em prol do
predomínio momentâneo de outra garantia processual – a da efetividade do processo.
De maneira ainda mais profunda, o art. 10 estabelece que “O juiz não pode decidir,
em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha
o tema, ver: Welder Queiroz dos Santos, A vedação à prolação de decisão surpresa na Ale-
manha. Revista de Processo, n. 240. São Paulo: Ed. RT, fev/2015, pp. 425/435.
124. Peter Murray; Rolf Stürner, German civil justice. Durham: Carolina Academic Press, 2004,
pp. 163 e ss.
125. Dentre as contribuições mais recentes, ver: Humberto Theodoro Jr.; Dierle Nunes, Uma
dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro. Revista de Processo,
n. 168. São Paulo: Ed. RT, fev/2009, pp. 107/141; Antonio do Passo Cabral, O contraditório
como dever e a boa-fé objetiva. Revista de Processo, n. 126. São Paulo: Ed. RT, ago/2005,
pp. 59/81; Nicola Picardi, Audiatur et altera pars. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile, vol. 57. Milano: Giuffrè, mar/2003, pp. 7/22.
126. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, O juiz e o princípio do contraditório. Revista de processo,
n. 71. São Paulo: Ed. RT, jul-set/1993, pp. 31/38, p. 31.
278 Manual de Direito Processual Civil
dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício”. Fica aí consagrada a dimensão do contraditório que garante às
partes a participação efetiva para o conteúdo da decisão.
É de se perceber que o artigo busca ser o mais abrangente possível. A vedação de de-
cisão-surpresa é uma norma fundamental que atinge todos os julgadores, em qualquer
grau de jurisdição, e diz respeito a qualquer fundamento possivelmente invocado nas
decisões. Não há, no CPC/2015, a possibilidade de se decidir sobre questão que não foi
objeto de intimação para manifestação das partes.127 As cortes devem dar conhecimento
aos litigantes sobre quais os possíveis aspectos abarcados pela futura decisão. Não po-
derá o magistrado escolher livremente os argumentos que serão analisados na decisão;
ele fica condicionado à atividade argumentativa das partes.
O artigo se aplica, ainda, às matérias conhecíveis de ofício. Sim, pois o fato de uma
determinada questão ser considerada de ordem pública não retira seu caráter de sur-
presa em relação às partes. Não se trata, em absoluto, de revogação do princípio do iura
novit curia (“a corte conhece o direito”), que permite ao juiz decidir com base em fun-
damentos não invocados pelas partes; trata-se, simplesmente, de facultar às partes inte-
ressadas oportunidade de se manifestar e influenciar a convicção judicial a respeito da
aplicabilidade daquele fundamento, jurídico ou fático, não invocado ou debatido nos
autos. Evita-se, dessa forma, que as partes sejam surpreendidas, no momento da deci-
são judicial, com um argumento ou alegação de que não cogitaram, e cuja incidência
ao caso poderia ser afastada ou modificada, se a matéria tivesse sido previamente deba-
tida.128 O juiz, então, continua tendo o poder de aplicar o direito ao caso concreto, ape-
nas que agora condicionado à prévia oitiva das partes, que podem influenciá-lo sobre o
acerto ou o desacerto da sua conclusão.129-130
Veja-se ainda que a necessidade de intimação, do debate prévio não implica uma
tomada de posição pelo juiz, ou uma predisposição a julgar de determinada maneira.
Esta crítica poderia surgir nas matérias de ordem pública: imagine-se que o réu não te-
nha alegado ilegitimidade ativa, e que portanto tampouco tenha o autor reforçado sua
legitimidade. O juiz que conhece da matéria, e decide ouvir as partes antes de extinguir
o feito por ilegitimidade, não está manifestando um suposto pré-julgamento ao indicar o
127. V. TJ/SP, AgIn 2210702-31.2016.8.26.0000, 20ª Câm. de Dir. Priv., j. 07.11.2016, rel. Des.
Correia Lima, reg. 10.11.2016 e TJ/SP, AgIn 2089952-97.2016.8.26.0000, 18ª Câm. de Dir.
Priv., j. 02.08.2016, rel. Des. Roque Antonio Mesquita de Oliveira, reg. 02.08.2016.
128. V. TJ/SP; Ap 4008194-85.2013.8.26.0576, 8ª Câm. de Dir. Priv., j. 01.07.2016; rel. Des.
Silvério da Silva; reg. 01.07.2016. No entanto, não reconhecendo a nulidade de penhora
determinada sem a oitiva da parte contrária vide: TJ-SP, AgIn 2137806-87.2016.8.26.0000,
20ª Câm. de Dir. Priv., j. 24.10.2016, rel. Des. Álvaro Torres Júnior, reg. 27.10.2016.
129. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, O novo processo civil.
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 182.
130. Já é possível observar diversas decisões dos tribunais observando o mencionado preceito.
Neste sentido: TJ/SP, AgIn 2095514-87.2016.8.26.0000, 29ª Câm. de Dir. Priv.; j. 10.08.2016;
rel. Des. Silvia Rocha. TJ/SP, Ap 1001155-12.2014.8.26.0008, 18ª Câm. de Dir. Priv.; j.
22.09.2016, rel. Des. Roque Antonio Mesquita de Oliveira.
As Normas Fundamentais do Processo Civil 279
vício às partes. Pelo contrário, ele está possibilitando ao próprio prejudicado uma legíti-
ma oportunidade de argumentar em sentido contrário e demonstrar a sua legitimidade.131
Os arts. 9º e 10 do CPC/2015, em conjunto com o art. 6º, modificam sobremaneira
a dinâmica de funcionamento das manifestações das partes em relação às decisões ju-
diciais. Trata-se de verdadeiras regras orientadoras do processo civil; daí o aspecto de
fundamentalidade que justifica seu posicionamento dentre as normas iniciais do código.
o exigir o interesse público (aqui tem-se um caso de interpretação de conceito vago, de-
vendo o juiz avaliar caso a caso, concretamente considerado) e os que dizem respeito
a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos
e guarda de menores134 que, em ultima ratio, também seriam casos em que o interesse
público autorizaria o segredo de justiça.
A publicidade no processo assume uma dupla função. Antes de tudo, um aspecto
interno, que dá aos sujeitos da própria relação processual ciência sobre os atos prati-
cados. Além disso, uma dimensão externa, permitindo o controle da sociedade sobre a
atuação do Judiciário
Ligado ao dever de publicidade dos atos há o de motivação de toda e qualquer de-
cisão judicial. É a definição clássica da razão de ser da fundamentação: dar publicidade
ao que foi decidido, para evitar arbitrariedades e possibilitar o manejo de recursos.135
Quer dizer, a necessidade de que os provimentos judiciais sejam fundamentados é de-
corrência direta da garantia do devido processo legal, afinal não há como verificar o
eventual “acerto” ou “desacerto” de uma decisão senão pela análise de seus fundamen-
tos. Disso se extrai que a fundamentação tem relação intrínseca com a legitimidade do
funcionamento do Judiciário.
É interessante notar, nesse ponto, que o CPC/2015 dá especial atenção ao conteú-
do da fundamentação das decisões judiciais. O art. 489, § 1º, diz não ser considerada
fundamentada a decisão que não preencher uma série de requisitos mínimos de le-
gitimação. O pronunciamento que incidir em alguma das situações descritas no dis-
positivo legal é nulo. Por exemplo, é imprescindível que a motivação não seja uma
mera reprodução dos argumentos favoráveis à conclusão de quem profere a decisão.
Não basta que o juiz desenvolva uma linha de raciocínio que corrobore ou sustente o
seu posicionamento sobre uma determinada matéria. Não basta, também, que anali-
se apenas as provas cujo conteúdo confirma a decisão. A fundamentação legítima no
CPC/2015 é a que analiticamente rebate, um a um, os argumentos capazes de contra-
riar a tese defendida (art. 489, § 1º, IV). Somente assim se pode garantir que a legiti-
midade sobressai do diálogo.
Mais adiante neste Manual, quando forem abordadas a sentença e a sua motiva-
ção, será visto que o código busca, na fundamentação, o chamado controle externo de
conteúdo,136 consistente na possibilidade de que não apenas as partes, mas todo e qual-
quer interessado tenha condições de realizar um controle sobre a aplicação do direito a
um determinado caso concreto. É nesse contexto que a fundamentação deve ser com-
preendida como uma norma fundamental: na medida em que permite a análise sobre
a legitimidade democrática – aí levada em conta a cooperação e o contraditório efetivo
de uma decisão (arts. 6º e 10 do CPC/2015).
136. José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
estado de direito. In: Temas de Direito Processual: segunda série. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 90. Ainda: Michele Taruffo, La motivazione della sentença civile. Padova: Cedam,
1975, p. 167-168.
137. Sobre o funcionamento da gestão na Inglaterra e na Itália, por exemplo, ver: Marco Bonci,
Active case management. Revista de Processo, n. 219, São Paulo: mai/2013, pp. 225/237.
138. Fernando da Fonseca Gajardoni, et. al, Teoria geral do processo: comentários ao CPC de
2015. São Paulo: Forense, 2015, pp. 72-76.
139. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Comentários ao art. 7º. In: Teresa Arruda Alvim Wambier,
et. al. (coords.), Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 89.
282 Manual de Direito Processual Civil
magistrados. A partir da nova redação do caput, a regra deverá ser interpretada como
uma diretriz que, justificadamente, pode ser afastada. Parece-nos, portanto, que a mo-
dificação da redação não permite ao magistrado afastar a ordem cronológica sem qual-
quer justificativa.
O fato é que a regra do art. 12, embora limite de certa forma os poderes do juiz de ge-
renciar sua unidade de trabalho, cria uma regra isonômica para todo o País, e pode servir
para impedir tratamento privilegiado a determinados casos em detrimento de outros.140
É importante notar que as decisões interlocutórias não se submetem à regra crono-
lógica. Apenas os processos já conclusos devem respeitá-la. Em outras palavras, a or-
dem é para decisões de mérito, tão somente. Cada unidade judicial deve manter à dis-
posição de qualquer interessado uma lista atualizada contendo a ordem de processos
aptos a julgamento (art. 12, § 1º). O próprio artigo lista um rol de exceções, contendo
casos que não precisam estar submetidos à ordem cronológica (art. 12, § 2º). São jul-
gados fora da ordem, por exemplo, os processos decididos em bloco para aplicação de
tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 12, § 2º, II), as decisões
que extinguem o processo sem resolução de mérito, e as decisões monocráticas de re-
lator em tribunal (art. 12, § 2º, IV). Escapam também da ordem as preferências legais,
como prioridade de tramitação do Estatuto do Idoso (art. 71 da Lei 10.741/2003) e do
Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 152, parágrafo único, da Lei 8.069/1990).
Uma conclusão a que podemos chegar sobre a ordem cronológica é a de que não
haverá mais possibilidade de as partes influenciarem na rapidez com a qual casos con-
cretos serão julgados. Tampouco a matéria tratada nos casos pode significar a decisão
mais ou menos célere – salvo exceções do próprio art. 12 do CPC/2015. Não é possível,
através de requerimento da parte, que seja subvertida a lista dos processos a serem jul-
gados (art. 12, § 4º).
É de se notar, por fim, que quando for necessário reabrir a fase instrutória para di-
ligências de qualquer espécie, depois de cumpridos o ato ou os atos, o processo retor-
na ao lugar em que estava na lista originalmente (art. 12, § 5º). A garantia que decorre
deste artigo é, portanto, o tratamento isonômico. O critério, embora fixo e simplista,
induz à uniformidade de tramitação dos processos.
140. Nesse sentido, falando do art. 12 como “repulsa ao tratamento privilegiado”: Humberto
Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 95.
8
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções
são expressa desse recurso ordinário em sede constitucional (art. 102, II e art. 105, II)
de fundamentação livre.
No mais, cumpre ressaltar que o CPC/2015 explicitou outra função dos tribunais,
qual seja a de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente
(art. 926), como, aliás, já dissemos com mais vagar quando do estudo do instituto da
jurisdição.
Além dos órgãos judiciários civis de primeiro e segundo graus de jurisdição, fede-
rais e estaduais, temos o Superior Tribunal de Justiça, criado pelo art. 104 da CF. Sua
função, sob certo aspecto, está no resguardo do direito federal (infraconstitucional),
tendo absorvido parte da antiga competência do Supremo Tribunal Federal em relação
às matérias não constitucionais, antes desta competência começar a angustiar-se pro-
gressivamente.1
Finalmente, também temos o Supremo Tribunal Federal que se sobrepõe a todos
esses órgãos e cuja primordial função é de ser o guardião da Constituição, portanto, da
viga mestra do sistema jurídico e político do País. Nessa ótica, a Corte está assentada no
cume do Poder Judiciário.2 Porém, quando falamos do direito federal infraconstitucio-
nal, a última palavra interpretativa cumpre ao Superior Tribunal de Justiça. O mesmo
se observa com relação às Justiças Especiais militar, eleitoral e trabalhista, cumprindo
a última palavra, respectivamente, ao Superior Tribunal Militar, ao Tribunal Superior
Eleitoral e ao Tribunal Superior do Trabalho. Em síntese, verificamos uma divisão de
competência entre altos tribunais do País. Ao STF, foi atribuída a jurisdição constitu-
cional, em grande escala, e ao STJ o pronunciamento final sobre os assuntos de direito fe-
deral infraconstitucional no âmbito da Justiça Comum.
Especificamente, compete ao STF processar e julgar originariamente determinadas
matérias que, pela sua gravidade, não devem ser examinadas por outros juízes ou tri-
bunais (art. 102, I, da CF).
Em recurso ordinário, sua competência limita-se às cinco principais hipóteses pre-
vistas no art. 102, II, da Carta Magna,3 ou seja: habeas corpus, mandado de segurança,
habeas data, mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Supe-
riores, se denegatória a decisão,4 e crimes políticos.
1. Mais amplamente, sobre o assunto, cf., do autor, O antigo recurso extraordinário e o recurso
especial (na Constituição de 1988), publicado em obra coletiva sob a coordenação do Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, Recursos no Superior Tribunal de Justiça, São Paulo: Saraiva,
1991, p. 145-161.
2. Dos vários estudos realizados sobre o tema, pode ser posto em destaque aquele empreendido
pelo Min. Carlos Mário Velloso, O Supremo Tribunal Federal: Corte Constitucional,publicado
em sua coletânea Temas de Direito Público, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, pp. 91-121.
3. A mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não tem mais admitido a
fungibilidade entre o recurso especial e o recurso ordinário constitucional, taxando a in-
terposição de um pelo outro de erro grosseiro (cf. AgRg no REsp 1511786/RS, 5.ª T., j.
01.12.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 09.12.2015; RO no AREsp 709.592/
MG, 5.ª T, j. 19.11.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 25.11.2015; AgRg no
AREsp 474.764/GO, 1.ª T., j. 03.09.2015, rel. Min. Olindo Menezes, DJe 15.9.2015; AgRg
no AREsp 513.840/GO, 1.ª T., j. 03.09.2015, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
22.9.2015; AgRg no AREsp 461835/GO, 2.ª T., j. 25.03.2014, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 31.03.2014. No Supremo Tribunal Federal, também se entende pela inaplicabilidade
do princípio da fungibilidade recursal em relação aos recursos ordinário e extraordinário
(cf. ARE 673.726 AgR/RO, 2.ª T., j. 10.09.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 01.10.2013).
4. A expressão decisão denegatória para os fins de interposição do recurso ordinário, na leitura
do Superior Tribunal de Justiça, compreende tanto a que indefere a petição inicial do autor (cf.
286 Manual de Direito Processual Civil
Em recurso extraordinário, julga o STF causas que podem afetar a própria Cons-
tituição Federal, mas não as estaduais, e nem se pronuncia sobre lei municipal, em si
mesmas. Assim, caberá recurso extraordinário das causas decididas em um único ou úl-
timo grau de jurisdição por outros tribunais (art. 102, III), quando a decisão recorrida
contrariar dispositivo da própria Constituição (alínea a), ou declarar a inconstitucio-
nalidade de tratado ou lei federal (alínea b), ou julgar válida lei ou ato do governo local
contestado em face da Constituição (alínea c), ou julgar válida lei local contestada em
face de lei federal (alínea d, inserida pela EC 45/2004).
Além da atuação recursal, a Corte tem competência para realizar o controle con-
centrado de constitucionalidade. Nesse sentido, está prevista no § 1.º do art. 102, da
CF/1988, a competência do STF para apreciar a arguição de descumprimento de pre-
ceito fundamental dessa Constituição, tal como disciplinado na Lei 9.882/1999. Igual-
mente, prevê o art. 102, I, a, da CF, a competência do STF para apreciar a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (Lei 9.868/1999).
AgRg no AREsp 466.419/GO, 2.ª T., j. 18.08.2015, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe
27.08.2015; AgRg no AREsp 467.332/GO, 2.ª T., j. 18.08.2015, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Dje 24.11.2015), como a que extingue o feito sem resolução do mérito por outro
motivo (cf. RMS 37.775/ES, 4.ª T., j. 06.06.2013, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 02.09.2013;
AgRg no RMS 29.616/MG, 5ª. T. j. 23.06.2015, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
29.06.2015), como, ainda, a que rejeita total ou parcialmente seus pedidos e, portanto, o
mérito da ação (cf. AgRg no AREsp 649.118/GO, 2.ª T., j. 28.04.2015, rel. Min. Herman
Benjamin, DJe 01.07.2015).
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 287
qual, “Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar, por dois terços
de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da
República e os Ministros de Estado (...)”; e o art. 52, também da CF, “Compete privati-
vamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da
República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Co-
mandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza
conexos com aqueles;8 II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Fede-
ral, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de
responsabilidade; (...). Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcio-
nará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que
somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo,
com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções judiciais cabíveis”.
ternos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes,
dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais
e administrativos” (art. 96, I, a, da CF). A competência interna de cada tribunal deverá
ser disciplinada por ele mesmo (art. 96, I, a, CF), em seu regimento interno.
Por outro lado mas também em relação à organização judiciária, conforme o mes-
mo art. 96 da CF, mas precisamente quanto ao disposto no seu inc. II, compete privati-
vamente ao Supremo Tribunal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça pro-
por ao Poder Legislativo respectivo as seguintes matérias: “a) a alteração do número de
membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração
dos seus serviços auxiliares e dos Juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixa-
ção do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde
houver; (...) d) a alteração da organização e da divisão judiciárias”. Sempre observados,
como já dito, os limites do art. 169 da CF.
Também temos a organização judiciária estruturada em âmbito estadual, cujos as-
pectos já estão, em linhas gerais, esboçados na Constituição Federal. Assim, em tudo
o que se refira à organização judiciária, os estados só poderão inovar respeitando as
linhas fundamentais do texto constitucional que a ele diz respeito e o que dispuzer o
Estatuto da Magistratura (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman – Lei Com-
plementar nº 35/1979), que complementa as disposições constitucionais. Dessa forma,
para dar fisionomia ao aparelho judiciário, traçar-lhe os aspectos indispensáveis ao seu
funcionamento, disciplinar as relações existentes entre os próprios órgãos competen-
tes do organismo, proporcionar as condições materiais imprescindíveis ao funciona-
mento da Justiça, regular as relações dos órgãos judiciários, bem como dos próprios ór-
gãos auxiliadores com outros órgãos da Administração Pública, deve existir respeito às
normas constitucionais, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e às leis processuais.
Esse dispositivo não pode ser entendido sem consideração dos demais textos, constan-
tes do mesmo art. 96.
Cumpre, então, definir o que é lei do processo e o que é lei de organização judiciária.
As leis do processo são as que regulam a atividade jurisdicional, criando todos os
seus instrumentos essenciais de ação e regrando o respectivo funcionamento, toda ela
globalmente, destinada à realização do direito objetivo, tendo em vista as lides trazidas
à apreciação do Poder Judiciário, ou, segundo a fórmula de Chiovenda, à atuação da
vontade concreta da lei. Em outros termos: “As leis de processo têm por objetivo regu-
lamentar a jurisdição para que o Estado, através do juiz, possa aplicar o direito objeti-
vo a casos particulares”.9 Tudo aquilo que diga respeito à tutela do direito invocado, à
apreciação desse direito, à produção de provas que objetivem demonstrar esse direito,
é matéria de processo.
Diferentemente, as leis de organização judiciária são exclusivamente da competên-
cia dos Estados e Distrito Federal. Não regulam a atividade jurisdicional, mas a forma
pela qual os órgãos judiciários se constituem e de que modo eles se devem reger admi-
nistrativamente.
Não se deve esquecer que é possível aos Estados federados e, bem assim, ao Distri-
to Federal, editarem normas procedimentais não gerais, para adaptarem e completarem
as normas de processo e normas procedimentais gerais, tendo em vista as peculiaridades
locais, tudo nos termos do art. 24, §§ 1.º e 4.º, da CF. Essas normas complementares
possíveis por esse art. 24 são diferentes das normas de organização judiciária. Elas com-
pletam as regras jurídicas necessárias ao funcionamento da atividade jurisdicional, em
si mesma considerada.
No mais, em que pesem tais distinções, não é demais relembrar que tanto a lei do
processo quanto às da organização judiciária devem estar conformes aos preceitos
da Constituição Federal que, sobre uma e outra, prevalecem. Assim, como é sabido,
qualquer lei de processo que seja contrária à Constituição é inconstitucional, o mesmo
acontecendo em relação às de organização judiciária. Igualmente, a inconstitucionali-
dade também estará presente se a lei do processo regular matéria relativa à organização
judiciária, e vice-versa, pois a competência privativa e absoluta do Estado, nessa maté-
ria, é determinada pela Constituição Federal.
Analisaremos o tema adiante, porém, desde já, podemos definir a competência como
sendo uma fronteira ao exercício da atividade jurisdicional, delimitando o que cabe a
cada um dos órgãos do Poder Judiciário. Trata-se de matéria disciplinada por regras que
traçam os limites – não exclusivamente no sentido geográfico – dentro dos quais a ati-
vidade jurisdicional de certo órgão pode ser exercida.
Para sabermos qual o órgão competente para julgar determinado processo é opera-
ção que passa por várias fases que transitam entre as interpretações de normas proces-
suais e normas de organização judiciária: (i) devemos verificar primeiro qual a justiça
competente; (ii) a segunda fase é a respeitante à verificação do foro da causa; (iii) de
posse desses dois dados, isto é, a justiça e o foro competentes, cabe, ainda, indagarmos
qual o juízo competente, o que deve ser buscado nas normas existentes sobre organi-
zação judiciária.
A partir dessas fases podemos traçar limites e soluções ou prevalências em caso de
possíveis conflitos. A primeira fase é matéria de direito constitucional, onde as Justiças
comum (Estadual e Federal) e especiais são primordialmente delimitadas. A segunda
fase diz respeito à lei processual, especialmente, mas não exclusivamente, o que está
previsto no CPC/2015. A terceira fase, por sua vez, é matéria a ser buscada nas normas
de organização judiciária. Tais normas fixam as divisões do território em comarcas ou
seções (Justiça Federal) e o número de juízes de cada comarca – matérias estas eminen-
temente ligadas à organização material da Justiça.
As normas de organização judiciária poderão estabelecer, ainda, mais de um juiz
competente para funcionar em um mesmo processo, como aliás viabiliza o próprio
art. 44 do CPC/2015. Podem, assim, tratar da matéria de competência funcional, isto
é, a delimitação da competência do magistrado tendo em vista a especificidade de sua
função, como explicaremos melhor adiante. Conflitos entre a lei processual e as nor-
mas de organização judiciária também podem eventualmente surgir nessa seara. Na vi-
gência do CPC/1973, por exemplo, as normas de organização judiciária eram limitadas
pelo princípio da identidade física do juiz (art. 132), de modo que o juiz que concluísse
a audiência também deveria concluir a instrução e julgar a lide, salvo se fosse convoca-
do, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado. Não podia,
dessa forma, norma de organização judiciária estabelecer que o juiz que concluísse a
audiência seria um e o juiz que julgasse a lide seria outro.
Na vigência do CPC/2015 esse limite não mais se verifica, já que o diploma pro-
cessual não mais adota esse preceito. No entanto, nada impede que novos confli-
tos semelhantes se apresentem casuisticamente, justificando a referência que aqui
fizemos.
Qualquer norma de organização judiciária deve respeitar dois pontos: (i) jamais, a
pretexto de preencher lacunas, será possível a deformação dos institutos do processo,
ou, ainda, ir contra lei federal, sob pena de inconstitucionalidade; e (ii) por outro lado,
mesmo havendo lacuna e existindo regra, em lei de organização judiciária, somente des-
tinada a suprir essa lacuna, na hipótese de vir a ser editada lei federal sobre o assunto,
imediatamente esta terá prevalência.
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 293
perito, assistindo o juiz, devendo diligenciar para cumprir tal ofício público (art. 157
do CPC/2015). Há, necessariamente, de prestar informações verdadeiras, sob pena de
inabilitação sucessiva por dois a cinco anos para funcionar em outras perícias (art. 158
do CPC/2015), além da responsabilidade penal em que incida eventualmente (art. 342
do CP).
O intérprete ou tradutor será nomeado para auxiliar o magistrado quando for neces-
sário traduzir documento redigido em língua estrangeira, passar para o português de-
clarações de pessoas que não conhecerem o idioma nacional – lembrando que em todos
os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo (art. 192 do CPC/2015) –
ou, ainda, realizar a interpretação simultânea dos depoimentos de partes e testemunhas
com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasileira de Sinais ou
meio equivalente (art. 162 do CPC/2015). Há situações, porém, em que, conquanto em
si mesmo, pelos seus conhecimentos, alguém que pudesse vir a servir de intérprete ou
tradutor não possa vir a sê-lo como determina assim o art. 163 do CPC/2015: (i) os que
não tenham a livre administração de seus bens, vale dizer, para ser intérprete, este de-
verá ser maior e capaz, além de possuir dotes especiais; (ii) se tiver sido arrolado como
testemunha, ou se servir como perito no processo; (iii) finalmente, se estiver inabilitado
ao exercício de tal função, por sentença penal condenatória, enquanto os efeitos dessa
perdurem. Como o intérprete e o tradutor exercem função auxiliar do juiz, aplicam-se-
-lhes, também, as restrições dos arts. 157 e 158 do CPC/2015, seja o mesmo oficial ou
não. O intérprete ou tradutor, portanto, há de agir idoneamente, isto é, há de traduzir
com veracidade o que lhe incumbe fazer, pois que, se agir com dolo ou culpa, incide nas
penalidades a que alude o art. 158.
Os mediadores e conciliadores judiciais são auxiliares do juízo que têm por função
tentar promover a solução consensual dos conflitos, ou seja, facilitar a autocomposição
pelas partes (art. 3º, §3º, do CPC/2015). Auxiliarão o órgão julgador nas oportunidades
que surgirem para adoção de tais métodos, v.g. na audiência de conciliação ou media-
ção a ser designada após a propositura da demanda no procedimento comum (art. 334
do CPC/2015) ou nas audiências de mediação e conciliação a serem promovidas nas
ações de família (art. 694 e 695 do CPC/2015). Os conciliadores atuarão preferencial-
mente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir
soluções para o litígio, já os mediadores atuarão preferencialmente nos casos em que
tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliando-as a compreender as questões
e os interesses em conflito, de modo que elas possam solucioná-lo por si mesmas após
o restabelecimento da comunicação (art. 165, §§2º e 3º do CPC/2015). Sobre o media-
dor cabe ainda referência à Lei da Mediação nº 13.140/2015 que procurou traçar co-
mandos mais claros à atividade.
Cabem, ainda, breves explicações sobre as funções auxiliares do partidor e do re-
gulador de avarias. Ao partidor cumpre auxiliar o juiz na organização da partilha em
procedimento de inventário judicial, esclarecendo, entre outras coisas, as dívidas aten-
didas, a meação do cônjuge, a meação disponível e os quinhões hereditários (art. 651
do CPC/2015). Ao regulador de avarias, por sua vez, cabe o trabalho técnico e especia-
296 Manual de Direito Processual Civil
11. Por avarias grossas devem ser compreendidas todas aquelas hipóteses elencadas no art. 764
do Código Comercial e que perfazem situações práticas do transporte marítimo.
12. V. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo: RT, 2015, pp. 1535-1544.
13. Sobre a cooperação internacional, Araken de Assis bem avulta sua importância ao dizer que
“o mundo contemporâneo apresenta várias e impactantes facetas. A eficiência dos meios
de comunicação facilitou o contato das pessoas naturais e jurídicas, domiciliadas em Países
diferentes e de nacionalidades heterogêneas. Relações outrora lentas e difíceis tornaram-se
instantâneas. Os efeitos dessa rede mundial de relações intersubjetivas não se restringem,
absolutamente, ao território de um país. A globalização exige o reconhecimento recíproco
dos negócios privados, seja qual for o lugar da contratação, a uniformidades de tratamento
jurídico, e, principalmente, a colaboração entre jurisdições e as autoridades administrativas
de países diferentes. A este fenômeno dá-se o nome de cooperação jurídica internacional.”
(Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São
Paulo: RT, 2015, p. 605).
Organizaçãodo Poder Judiciário e suas Funções 297
Para tanto, os órgãos judiciários podem praticar auxílio direto, reunião ou apensa-
mento dos processos, prestar informações ou, ainda, atos concertados, isto é, atos pro-
cessuais estabelecidos conjuntamente entre juízos distintos para a comunicação de ato,
obtenção e apresentação de prova, efetivação de tutela provisória, adoção e efetivação
de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas, facilitação de
habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial, para centralização de pro-
cessos repetitivos e execução de decisão jurisdicional.
Todas essas tarefas, por assim dizer, estão dispostas no rol do §2º do art. 69 do
CPC/2015, o qual deve ser compreendido de forma não exaustiva. A cooperação ou a
realização de atos concertados entre órgãos judiciários é medida de facilitação da prá-
tica de atos processuais, visando, em última análise, a melhor prestação jurisdicional.
Sendo assim, possível ou necessária a atuação conjunta de juízos distintos, ainda que
em hipótese alheia ao previsto no referido dispositivo, deve ser viabilizada a colabora-
ção. Aliás, é o que se extrai do art. 68 do CPC/2015, segundo o qual “Os juízos pode-
rão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual.”.
9
Competência
Prevenção pode ser entendida como o resultado de um ato jurídico realizado no pro-
cesso, a que a lei empresta a relevância de ligar uma causa a um determinado órgão judi-
ciário dentre diversos órgãos igual e abstratamente competentes. Ela se verifica, como
regra geral, com o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59 do CPC/2015),
como veremos em ponto próprio a ela dedicado. Esse critério também se aplica em se
tratando de reunião de causas conexas, eis que, como dispõe o art. 58 do CPC/2015,
elas serão reunidas no juízo prevento.5
Além dos critérios já mencionados (territorial, objetivo, funcional e, no caso ima-
ginado também o da prevenção) não podemos deixar de considerar os critérios de mo-
dificações da competência relativa (arts. 54 a 63 do CPC/2015), bem como, ainda, as
modalidades da declaração de incompetência (arts. 64 a 66 do CPC/2015).
Ainda dentro do tema da definição de competência, precisamos distinguir a incompe-
tência do impedimento, porque esse não é defeito respeitante ao órgão jurisdicional, mas
sim pertinente à pessoa física que integra o órgão em sua relação com uma das partes.
Na incompetência, desde que reconhecida pelo próprio juiz integrante do órgão,
ou pelo tribunal, é indeclinável a transferência da causa do órgão incompetente para o
competente; no impedimento, a causa permanece no mesmo órgão, devendo, porém, ser
substituído o juiz (o agente), pois o defeito, no caso, diz respeito à sua pessoa (art. 146,
§§1º e 5º do CPC/2015).
No mais, importa observarmos que o conceito de competência não é exclusivo ou
próprio do Direito Processual Civil, mas existe nos demais ramos do Direito. É uma
ideia concernente à teoria geral do Direito.
Na Administração, por exemplo, existem os órgãos competentes, significando-se
com isto que só a tais e quais órgãos atribui-se poder para a prática de atos próprios da
Administração. Trata-se, pois, aqui, da concretização do poder de administrar em um
ou mais de um órgão integrante da Administração.
Outrossim, ao Poder Legislativo cabe a função específica de fazer leis. No entanto,
à União cabe legislar sobre determinados assuntos, aos Estados federados sobre outros,
etc. Ora, essa delimitação, ou atribuição de matéria sobre a qual incida a legislação, é
5. Importa dizer que o CPC/2015, diferentemente do fez seu antecessor de 1973, unifica os
critérios de configuração da prevenção. Vale lembrar, para o CPC/1973, considerava-se
prevento, como regra geral, o juízo em que se efetivava a citação (art. 219 do CPC/1973),
e, no caso de prevenção para o fim de reunião de causas conexas aquele que houvesse
despachado em primeiro lugar (art. 106 do CPC/1973). A esse respeito, comenta Bruno
Silveira de Oliveira que “Sob a égide do CPC/2015, portanto, pouco importa que as
demandas conexas tramitem no mesmo foro ou em foros distintos: prevento será aquele
perante o qual se der o registro ou a distribuição da primeira demanda (entre as conexas)
proposta. A anterioridade na propositura (em verdade, no registro ou na distribuição) é
critério sem dúvida mais adequado e mais intuitivo do que a anterioridade no despacho
da inicial (critério adotado pelo art. 106 do CPC/1973) ou do que a precedência na
realização válida da citação (critério consagrado no art. 219 do CPC/1973).” (ver Tere-
sa Arruda Alvim [et al] coord. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil,
p. 244-245).
Competência 303
6. Cf. Jurisdição e competência: exposição didática: área do direito processual civil, 15. ed.
atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 103. V. a esse respeito também Patrícia Miranda Pizzol,
A competência no processo civil, São Paulo: RT, 2003, p. 249 e ss.
7. Essa mesma ideia pode ser verificada, mais recentemente, em Daniel Assumpção Neves,
Manual de direito processual civil, 8. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 156-157; Cândido
Dinamarco e Bruno Lopes, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 106-105; Araken de Assis, Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos
e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 1.022 e ss.; Fredie Didier Jr., Curso de
direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de co-
nhecimento, 17. ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 203; e Alexandre Freitas Câmara, O
novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 54.
304 Manual de Direito Processual Civil
O tema será objeto de item próprio adiante (v. item 9.8 e seus subitens), porém, já
aqui, parece-nos oportuno, se não aprofundá-los, ao menos mencionarmos as diferen-
tes decorrências da existência de um e de outro vício.
Tratando-se da inobservância das regras de competência absoluta, temos que as
razões de ordem pública que fundamentam tais preceitos foram igualmente inobser-
vadas. Disso decorre que o vício pode ser alegado em qualquer tempo e grau de juris-
dição e deve ser declarado de ofício pelo juiz (art. 64, § 1º, do CPC/2015). Igualmente,
como já epigrafamos, permite, esse vício, a propositura da ação rescisória (art. 966, II, do
CPC/2015). Além disso, a alteração da regra de competência absoluta é exceção expres-
sa à aplicação do princípio da perpetuatio jurisdcitionis (art. 43 do CPC/2015, in fine).8
Em contrapartida, se se tratar de inobservância das regras de competência relativa,
temos que, se essa não for alegada no momento legal para tanto (preliminar de contes-
tação – art. 337, II, do CPC/2015), o problema está superado no processo. O sistema
processual faz com que a competência seja prorrogada, ou seja, o juízo que era, origi-
nalmente, relativamente incompetente passará a ser definitivamente competente.
8. V. a esse respeito Teresa Arruda Alvim [et. al], Primeiros comentários ao novo Código de
Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 123.
9. Cf. Arruda Alvim, estudo intitulado Anotações sobre o tema da competência, Estudos de
direito processual em homenagem a José Frederico Marques, p. 98-99 (destaques da trans-
crição).
Competência 305
dindo-se para isto, v.g., do critério da competência funcional. Este, ainda na mesma hi-
pótese, só viria a ser influente no momento da interposição dos recursos, suponha-se,
do juízo de primeiro grau de jurisdição para o segundo grau de jurisdição. Na verdade,
para que se afirme ou para que se diagnostique, na competência interna, se um dado
juízo é competente, hão de estar presentes sempre e simultaneamente os três critérios”.
Em sequência ao texto supracitado, há transcrição da obra de Rosenberg-Schwab,
precisa e exatamente nesse mesmo sentido, o que é indicativo do caráter pacífico do
entendimento. Dizem estes autores o seguinte: “Essas três formas de determinação
da competência precisam comparecer em conjunto, de tal forma que se possa dizer que
um determinado órgão (esse ou aquele juízo) é para uma dada causa competente” (des-
taques da transcrição).10
A doutrina, habitualmente, categoriza os pressupostos processuais como sendo os
requisitos respeitantes à existência e à validade da relação jurídica processual. Por tal
motivo, devem ser, como regra geral, objeto de exame antes das condições da ação e,
com mais razão ainda, antes do mérito (arts. 485 e 354 do CPC/2015).11
Como dissemos no item precedente, a competência é a jurisdição para o caso específico,
ou, por outras palavras, a concretização do poder jurisdicional em determinado órgão
judiciário, cujo juiz tem poder para processar a causa e julgá-la (art. 42 do CPC/2015).
É ela, pois, um requisito que diz respeito a um dos elementos do processo: ao órgão ocu-
pado pelo juiz. O valor atribuído pelo sistema jurídico à competência deve ser estimado,
acima de tudo, pelo critério do exame das consequências advindas da não ocorrência de
competência, i.e., pelas implicações oriundas da infração às regras da competência. Ou
seja, pelo consequente poder-se-á determinar, claramente, o antecedente.
O CPC/1973 preceituava em seu art. 113, § 2º que: “Declarada a incompetência ab-
soluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competen-
te”. Não havia, assim, a necessidade de declaração expressa de nulidade, uma vez que
esta, ex lege, decorria do próprio reconhecimento da incompetência absoluta. Era ne-
cessário, apenas, que fossem identificados quais os atos decisórios, já nulos. Além dis-
so, estabelecia a incompetência absoluta como vício a justificar a rescisão da sentença
proferida por juízo em tal condição (art. 485, II, do CPC/1973).
O CPC/2015, ao menos parcialmente, trata de forma diferente a questão. Fala em par-
cial diferença por que a hipótese de ação rescisória é mantida (art. 966, II, do CPC/2015),
10. No original lê-se: “Diese drei Bestimmungsgründe müßen zusammentreffen, damit man
sagen darf, diese Behörde (dieses Gericht) sei für dieses Verfahren in dieser Sache zuständig”
(da obra Zivilprozeßsrecht, § 30, I, 3, p. 123).
11. Sobre o tema, cf. também Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sen-
tença, n. 1.2.2, p. 42 e ss.: “Os pressupostos processuais consistem no primeiro momento
lógico merecedor da atenção do juiz. São elementos cuja presença é imprescindível para
a existência e para a validade da relação processual e, de outra parte, cuja inexistência é
imperativa para que a relação processual exista validamente, no caso dos pressupostos pro-
cessuais negativos. A existência jurídica e a validade da relação processual são requisitos
para que se possa pensar na possibilidade de uma sentença de mérito.”
306 Manual de Direito Processual Civil
como será melhor referido em seguida. Porém não mais se presumem nulos os atos de-
cisórios praticados pelo juízo incompetente, sendo essa talvez a maior novidade em
relação tema da competência. Segundo o § 4º do art. 64 do CPC/2015 “salvo decisão
judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida por juí-
zo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.12-13
Da leitura do dispositivo, pode-se concluir com duas assertivas: (i) que as decisões pro-
feridas pelo juízo incompetente, ainda que eivadas de tal vício, podem ser aproveitadas,
equiparando-se com o trato dado pelo CPC/1973 à incompetência relativa14 e (ii) o juízo
competente não precisa, embora seja recomendável, se manifestar expressamente, alte-
rando o decidido ou reafirmando a decisão prolatada pelo juízo incompetente anterior
– o que se apreende da expressão se for o caso. Assim, recebido o processo, pode o juiz,
competente para apreciá-lo, silenciar ou manifestar-se a favor do decidido, hipóteses
nas quais conservar-se-ão seus efeitos, ou manifestar-se contra o já decidido, cessando
os seus efeitos. Esta hipótese terá aplicação na remessa da causa do juiz absolutamente
incompetente para o competente.
Adota-se, com contornos amplos nesse ponto, a teoria da translatio iudicii, isto é, a
continuidade do processo iniciado no juízo incompetente perante juízo próprio, com
a conservação ou aproveitamento dos efeitos produzidos pelos atos processuais prati-
cados anteriormente.
Viabiliza-se, assim, nas palavras de Leonardo Greco, a projeção dos efeitos das pre-
clusões já consumadas e dos direitos subjetivos processuais anteriormente adquiridos,
bem como o resguardo de faculdades decorrentes de atos ou fases anteriormente con-
solidadas, ocorridos no processo no juízo absolutamente incompetente que subsistem
no competente. Como exemplo, podemos pensar que no juízo absolutamente incom-
petente se tenha saneado o feito, e nessa oportunidade se tenha operado a distribuição
dinâmica do ônus da prova, invertendo-o (arts. 357 e 373, § 1º, do CPC/2015). Se, após,
12. O CPC/2015, nesse ponto, encampa iniciativa de parte da doutrina nacional preocupada em
evitar o desperdício da atividade jurisdicional. V., a esse respeito, Cássio Scarpinella Bueno,
Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 118. Igualmente, v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual
civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 259.
13. Como pontua Leonardo Faria Schenk “o legislador acolheu a teoria da preservação da vali-
dade dos atos processuais praticados perante o juízo absolutamente incompetente (art. 64,
§4º). O processo retomará o seu curso perante o juízo competente, preservando-se, em
princípio, todos os efeitos processuais e substanciais dos atos processuais praticados no
juízo incompetente, com a projeção das preclusões já consumadas, dos direitos subjetivos
processuais anteriormente adquiridos e a conservação, nas fases sucessivas, das faculdades
decorrentes de atos ou fases anteriores, ainda que não previstas no procedimento adequado.”
(comentários ao art. 64 in: Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil, coorde-
nação Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al.]. São Paulo: RT, 2016, p. 255-256).
14. No original lê-se: “Diese drei Bestimmungsgründe müßen zusammentreffen, damit man
sagen darf, diese Behörde (dieses Gericht) sei für dieses Verfahren in dieser Sache zuständig”
(da obra Zivilprozeßsrecht, § 30, I, 3, p. 123).
Competência 307
15. Pode-se cogitar do pedido de tutela provisória de urgência antecipatória, dentro de uma
ação rescisória, com vistas à antecipação de um dos possíveis efeitos emergentes do acór-
dão de procedência da rescisória. Neste caso, devemos de entender “operarem-se todos os
efeitos”, com este eventual temperamento, que pode bloquear praticamente toda a eficácia
da decisão de mérito em relação à qual foi proposta ação rescisória.
308 Manual de Direito Processual Civil
16. Nesse sentido, comentando o art. 22, III, do CPC/2015, Cândido Rangel Dinamarco afirma
que “Na interpretação desse dispositivo percebe-se que ele contém desde logo a aceitação
da competência do juiz brasileiro por dois daqueles modos, ou seja, (a) pela eleição de foro
e (b) pela omissão do réu em recusar a jurisdição brasileira logo em sua primeira manifes-
tação no processo.” (Instituições de direito processual civil: volume I. 8. ed., rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 515). No mesmo sentido: “Logicamente, o art. 22, III, CPC,
depende da existência de cláusula de eleição de foro que escolha a jurisdição brasileira
como competente ou, ao menos, a não oposição de cláusula de eleição de foro que esco-
lha outra jurisdição para certa controvérsia, ‘prorrogando-se’ a jurisdição nacional.” (Luiz
Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero, Novo código de processo civil
comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 124).
17. “Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento
da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato in-
ternacional, arguida pelo réu na contestação.”.
310 Manual de Direito Processual Civil
tade das partes,18 justamente por isso o art. 25, § 1º, do CPC/2015 deixa claro que não
se aplica a cláusula que elege foro exclusivo estrangeiro nas hipóteses de competência
exclusiva da Justiça brasileira. Além disso, também devemos concluir e apontar, ante
o texto do art. 24 do CPC/2015, que as ações relativas à matéria de competência con-
corrente, em curso perante tribunais estrangeiros, não produzem litispendência para
o Poder Judiciário brasileiro, como deixa claro o art. 24 do CPC/2015.Assim, poderão
18. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça tem admitido como válida a cláu-
sula de eleição de foro em caso de competência concorrente entre a jurisdição brasileira
e estrangeira. Por exemplo, relacionam-se os seguintes julgados proferidos recentemente,
ainda à luz do CPC/1973: “Recurso Especial. Processual civil. Competência internacional.
Controvérsia entre conhecido jogador de futebol (Robinho) e a empresa Nike acerca das
obrigações contraídas em ‘contrato de futebol’. Competência concorrente. Foro de eleição.
Justiça holandesa. Contrato paritário. Inexistência de assimetria. Cláusula contratual. Eleti-
va de foro alienígena admitida. Autonomia da vontade. (...) 2. Em sendo paritária e, assim,
simétrica a relação negocial estabelecida entre conhecido jogador de futebol e empresa
multinacional do ramo dos artigos esportivos, contrato cujo objeto, ademais, relaciona-se
à cessão dos direitos de uso de imagem do atleta, não é possível qualificá-la como relação
de consumo para efeito de incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor.
3. Regulada pelo disposto no art. 88 do CPC/73, a competência internacional na espécie
evidencia-se como concorrente, revelando-se possível a eleição, mediante cláusula prevista
no negócio jurídico qualificado pelas partes como "contrato de futebol" (contrato de patro-
cínio e cessão de uso de imagem), do foro alienígena como competente para a solução das
controvérsias advindas do acordo. Precedente da Colenda 4ª Turma. 4. Caso concreto em
que a obrigação principal contraída no acordo não deveria ser cumprida exclusivamente
no Brasil. 5. Suscitada a incompetência da Justiça brasileira pela parte demandada em
momento oportuno, correta a decisão de extinção do feito, sem resolução de mérito,
diante da derrogação, pelas partes, com base em sua autonomia privada, da competência
da Justiça brasileira e da eleição da Justiça holandesa para dirimir eventuais controvérsias.
(STJ, REsp. 1518604/SP, 3ª T., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 15.03.2016, DJe
29.03.2016); e “Recurso Ordinário em ação cautelar preparatória proposta em face do es-
tado estrangeiro (CF, arts. 109, II, c/c 105, II, c). Processual civil. Competência internacional
(CPC, arts. 88 a 90). Licitação internacional. Contrato para execução de obras de edificação
imobiliária no Brasil. Sociedade empresária brasileira e estado estrangeiro. Competência
concorrente da Justiça Brasileira. Cláusula eletiva de foro alienígena admitida. Possibilidade
de ajuizamento da ação no Brasil. Competência relativa (Súmula 33/STJ). Recurso Provido.
1. As regras de competência internacional, que delimitam a competência da autoridade
judiciária brasileira com relação à competência de órgãos judiciários estrangeiros e inter-
nacionais, estão disciplinadas nos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil – CPC. Esses
dispositivos processuais não cuidam da lei aplicável, mas sim da competência jurisdicional
(concorrente ou exclusiva) do Judiciário brasileiro na apreciação das causas que indicam.
2. O art. 88 trata da denominada competência concorrente, dispondo sobre casos em que
não se exclui a atuação do juízo estrangeiro,podendo a ação ser instaurada tanto perante
juízo brasileiro quanto diante de juízo estrangeiro. Sendo concorrente, a competência
pode ser alterada pela vontade das partes, permitindo-se a eleição de foro. 3. O art. 89
trata de ações em que o Poder Judiciário brasileiro é o único competente para conhecer e
julgar a causa, com exclusão de qualquer outro. É a denominada competência exclusiva,
hipótese em que a escolha do foro estrangeiro será ineficaz, ainda que resulte de expressa
manifestação da vontade das partes.(...)” (STJ, RO 114/DF, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, j.
02.06.2015, DJe 25.06.2015).
Competência 311
existir duas ações idênticas em curso simultaneamente, uma perante tribunal estran-
geiro e outra perante a justiça brasileira, ocasião em que valerá a sentença que primeiro
alcançar a coisa julgada, devendo a estrangeira (se assim tiver sido) ser regularmente
homologada (art. 24, parágrafo único, do CPC/2015).19 Contudo, conforme o próprio
art. 24 ressalva, havendo tratado internacional ou acordo bilateral em vigor no Brasil
que disponha em sentido contrário, a propositura da ação perante tribunal estrangeiro
induzirá litispendência, impedindo que outra ação idêntica tramite na justiça brasilei-
ra simultaneamente a que tramita no tribunal estrangeiro20.
Devemos acentuar que o Código de Processo Civil disciplina quando um litígio se
insere na jurisdição nacional, concorrentemente com a estrangeira (arts. 21 e 22), ou
quando exclusivamente encartado na jurisdição nacional (art. 23). Problema distinto é
o relacionado com o se saber qual a norma jurídica aplicável, pois poder-se-á, por exem-
plo, aplicar norma estrangeira por juiz nacional. A lei aplicável é assunto do Direito In-
ternacional Privado, com atenção especial à já referida Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro, mais precisamente, por seus arts. 7º ao 11.
19. No mesmo sentido: “Quanto às causas da competência concorrente do juiz brasileiro (art. 21-
‑22) prevalecerá a sentença que passar em julgado em primeiro lugar – o que significa que a
auctoritas rei judicate deve prevalecer perante a ordem jurídica brasileira mesmo que obtida
no exterior – segundo o Supremo Tribunal Federal, ainda quando a sentença proferida em
outro país não haja ainda sido homologada no Brasil. Dessa premissa decorre também a
inadmissibilidade no Brasil de demandas idênticas a outra já julgada no exterior por sentença
passada em julgado.” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil:
volume I. 8. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 520).
20. É o que diz Araken de Assis: “A circunstância de os arts. 21 e 22 do NCPC permitir à jurisdição
brasileira concorrer com a estrangeira suscita a questão relativa à tramitação, simultânea,
ou não, de ação idêntica em outro País. O art. 24 do NCPC enfrentou os problemas daí
originados, outorgando-lhes solução categórica” (v. obra Processo civil brasileiro, volume
I: parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 600).
312 Manual de Direito Processual Civil
21. Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, vol. 1, 11. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 148: “A competência em razão da matéria, que se informa pela
classificação de direito material que se dá à pretensão deduzida, também é regulada, em prin-
cípio, pelas normas de organização judiciária. De um modo geral, é meio de se especializar
a justiça, criando-se varas exclusivas para a apreciação de pedidos que se relacionam com
determinado ramo de direito público ou privado. É o caso das varas de família, da Fazenda
Pública, de falências e concordatas, registros públicos etc.”.
Competência 313
ou mais municípios, sendo que, até dezembro de 1983, os foros em São Paulo corres-
pondiam a comarcas. Hoje, porém, as comarcas podem conter mais de um foro. Exem-
plificativamente, podemos citar a comarca da capital de São Paulo que abrange os foros
regionais e o central (art. 1º da Lei nº 3.947/1983 do Estado de São Paulo).
O juiz somente pode julgar um processo ocupando juízo que seja competente, ou
seja, desde que ocupe órgão ao qual tenha sido deferido poder jurisdicional específico
para uma dada causa. Além disso, o juiz de um dado foro só pode praticar atos válidos
dentro dos limites territoriais desse mesmo foro.
A competência territorial tem grande importância no primeiro grau de jurisdição.
No segundo, tem menor destaque. O Tribunal de Justiça tem jurisdição em todo o terri-
tório estadual, não surgindo aí, portanto, maiores problemas. Entretanto, se a todos os
tribunais dos Estados federados cabe julgar recursos, essa competência funcional (hie-
rárquica) liga-se à territorial, no sentido de que o recurso deve ser dirigido ao tribunal
situado no Estado onde está o juízo monocrático de primeiro grau.
No que diz com os foros regionais, embora dividido o território da comarca em
foros, a competência de cada vara situada em determinado foro é, em regra e co-
mumente, extensiva a todo o território da comarca no seguinte sentido: o juízo de
determinado foro regional pode praticar atos e diligências em toda comarca, desde
que nos feitos de sua competência. Assim, a competência do foro regional é deter-
minada pela delimitação geográfica de sua região, mas a jurisdição do magistrado se
exerce sobre toda a comarca, regras essas compatíveis com o art. 236 do CPC/2015.
Por consequência, são desnecessárias requisições por carta ou utilização de meca-
nismos de cooperação. A divisão regional da comarca da cidade de São Paulo pare-
ce exemplificar bem o que foi aqui dito. Podemos pensar em uma ação possessória
imobiliária em que se busca a reintegração da posse de imóvel situado na região do
Foro Regional de Pinheiros. Conforme regra do art. 47 do CPC/2015, tal ação será
proposta no referido foro regional, porém isso não impede que o juízo determine a
intimação de testemunha residente no Foro Regional do Jabaquara sem a necessi-
dade de carta precatória.
Os Tribunais Regionais Federais, por sua vez, têm jurisdição – pertinente às causas
de competência federal (art. 109 da CF/88) –sobre toda a região a que estão vinculados.
A disciplina é tratada nos arts. 107 e 108 da Constituição Federal.
Originariamente, compete aos TRF processar e julgar (i) os juízes federais da área
de sua região de jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, bem
como os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justi-
ça Eleitoral; (ii) as revisões criminais e as ações rescisórias propostas em face de sen-
tenças proferidas pelos seus próprios membros ou pelos juízes federais de sua região;
(iii) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de
juiz federal de sua região; (iv) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz
federal; e (v) os conflitos de competência, positivos ou negativos, entre juízes federais
vinculados à sua região.
314 Manual de Direito Processual Civil
22. Detalhamos: 1ª Região corresponde às áreas dos estados federados do Acre, Amapá.
Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia,
Roraima e Tocantins, bem como do Distrito Federal; 2ª Região corresponde às áreas dos
estados federados do Rio de Janeiro e Espirito Santo; 3ª Região corresponde às áreas dos es-
tados federados de São Paulo e Mato Grosso do Sul; 4ª Região corresponde às áreas dos
estados federados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e 5ª Região corresponde
às áreas dos estados federados do Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Sergipe. Em 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 73 que determina a
criação de quatro novos TRFs, o que totalizaria, portanto, nove Regiões. Porém, logo após,
foi proposta contra a emenda a ação direta de inconstitucionalidade de nº 5.017
23. Em 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 73 que determina a criação de quatro
novos TRFs, o que totalizaria, portanto, nove Regiões. Porém, logo após, foi proposta contra
a emenda a ação direta de inconstitucionalidade de nº 5.017 pela Associação Nacional dos
Procuradores Federais – ANPAF. O Supremo Tribunal Federal, então, deferiu pedido liminar
suspendendo os efeitos da emenda. O mérito da ação ainda não foi julgado pelo plenário
da Corte.
Competência 315
9.3.6. Prevenção
Como vimos ao propormos uma definição para competência, a prevenção é crité-
rio a ser utilizado nessa tarefa. Se a análise de todos demais critérios (separação entre
competência internacional e interna, critério objetivo, critério territorial e critério fun-
cional) resultar em mais de um órgão judiciário igual e abstratamente competente, o
critério da prevenção determinará a ligação da causa a um desses órgãos.
Assim, poderíamos separar por fases a identificação do órgão competente. Primei-
ro devemos verificar se a causa deve ser apreciada por órgão nacional ou internacional.
Ato contínuo, se a solução houver sido pela Justiça nacional, dentre os órgãos judiciários
nacionais, será necessário analisar qual tem competência para julgar a matéria daquele
determinado valor, em determinado território e de acordo com suas funções. Por último,
se o resultado das fases anteriores indicar mais de um órgão competente, deverá julgar
a causa aquele que, pelas circunstâncias legais, é considerado prevento. A prevenção,
por assim dizer, é critério atuante na terceira fase de identificação do juízo competente.
Conceitualmente, portanto, entendemos a prevenção como critério de definição
da competência que surge como o resultado de um ato jurídico realizado no processo,
a que a lei empresta a relevância de ligar uma causa a um determinado órgão judiciário
dentre diversos órgãos igual e abstratamente competentes. Há um ato do processo e em
razão desse o órgão judiciário passa a ser competente, distinguindo-o dos demais que
poderiam igualmente sê-lo.
O CPC/1973 definia que esse ato era a citação (art. 219 do CPC/1973). Desse modo, o
juízo que primeiro ordenasse a citação ficava prevento e, consequentemente, competen-
te para julgar a causa. O CPC/2015, diferentemente, não mais adota a citação como ato
determinante da prevenção, mas atos, por assim dizer, anteriores. Segundo seu art. 59,
será prevento o órgão judiciário (juízo) no qual foi primeiramente registrada a petição
inicial ou para o qual essa foi primeiramente distribuída.
Essa disposição parece de fácil inteligência, mas soa-nos necessário explicar uma
distinção sutil, mas importante entre as expressões registro e distribuição, sobretudo
316 Manual de Direito Processual Civil
para tentar explicar porque o legislador fez questão de elencar ambas. Há, ainda, uma
fase anterior a essa consubstanciada no protocolo da petição inicial. Diante desse con-
texto, entendemos que é relevante explicar a dinâmica da apresentação da causa, por
assim dizer, ao Poder Judiciário, especialmente para identificação do juízo prevento.
O ato do protocolo pode ser entendido como a entrega física ou envio eletrônico
da petição inicial para o Poder Judiciário, competindo ao advogado do autor fazê-
-lo no exercício de sua capacidade postulatória. É, portanto, o primeiro ato de apre-
sentação da causa. O registro, em sequência, se dá com a autuação da petição inicial
pelo escrivão ou chefe de secretaria (art. 206 do CPC/2015). Nesse segundo mo-
mento, a causa é registrada nos sistemas de controle do Poder Judiciário, receben-
do sua numeração. A distribuição dar-se-á se, em um mesmo foro, mais de um juízo
for abstratamente competente para a causa proposta (art. 284 do CPC/2015), sendo,
assim, um terceiro ato possível no caminho da apresentação da causa. Importa lem-
brarmos, ainda, que se tratando de autos eletrônicos, nos termos do art. 10 da Lei nº
11.419/2006, com o protocolo, a autuação – por consequência o registro – se dá de
forma automática, oportunidade na qual o advogado já receberá o número de regis-
tro atribuído ao processo (Res. nº 185/2013 do CNJ), praticamente confundindo os
atos em um único momento.
Por essa dinâmica, percebe-se que ora o registro definirá a prevenção, ora a dis-
tribuição o fará. Não por outra razão o art. 59 do CPC/2015 utiliza-se da partícula ou.
O registro definirá o foro prevento se for o caso de foros igualmente competentes. Nes-
sa hipótese, será prevento o foro em que a petição inicial foi autuada e registrada em
primeiro lugar, física ou eletronicamente. Por exemplo, podemos pensar no protocolo
de duas petições iniciais, uma junto ao foro central de São Paulo outra no foro regional
de Santana. Será competente o foro em que a peça exordial for autuada e registrada em
primeiro lugar, desde que tenha competência. Por outro lado, a distribuição importará
para a prevenção e definição do juízo competente se estivermos diante de dois ou mais
juízos pertencentes ao mesmo foro, ou seja, sujeitos ao mesmo e prévio ato de autua-
ção e registro. Nessa segunda hipótese, será prevento e, portanto, concretamente com-
petente o juízo para o qual a causa foi primeiramente distribuída.
Não esqueçamos da possibilidade de prevenção em segundo grau de jurisdição para
o conhecimento do recurso. Ficará prevento o relator para o qual tiver sido distribuído
o primeiro recurso interposto no processo (art. 930, parágrafo único, do CPC/2015),
que pode, v.g., ser um agravo de instrumento contra decisão que denegou tutela provi-
sória ou, mesmo o recurso de apelação contra sentença. Também observamos a fixação
da competência pela prevenção no julgamento dos recursos excepcionais, seja na dis-
tribuição do recurso para o ministro relator, seja para o relator designado para apreciar
pedido de concessão de efeito suspensivo formulado no período compreendido entre
a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição (art. 1.029, § 5º, I,
do CPC/2015).
Observamos, ainda, o fenômeno da prevenção no caso do procedimento da tutela
antecipada requerida em caráter antecedente, em especial, caso operada a estabilização
Competência 317
nos moldes do art. 304 do CPC/2015. Se, durante o prazo de dois anos subsequentes,
quaisquer das partes quiser demandar a outra para rever, reformar ou invalidar a tute-
la antecipada concedida, o fará perante o juízo que deliberou anteriormente sobre essa
tutela provisória (art. 304, § 4º, do CPC/2015). Se não for verificada a estabilização, o
processo continua junto ao juízo onde o pedido antecedente foi proposto, aplicando-
-se as regras gerais de prevenção. O mesmo dar-se-á no caso de pedido de tutela de ur-
gência cautelar antecedente, no qual o órgão judiciário que apreciou o pedido de tutela
provisório apreciará o pedido principal.
24. Essa é uma preocupação também externada na obra de Cândido Rangel Dinamarco e Bruno
Vasconcelos Carrilho Lopes segundo os quais “Há certas palavras de uso corriqueiro no trato
da competência e da organização judiciária que, por despreparo ou talvez por desatenção,
não raro são empregadas de modo inadequado, às vezes pelo próprio legislador. Para o
bom entendimento entre quem as usa e quem as ouve ou lê é muito conveniente fixar bem
os conceitos, para evitar mal-entendidos.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 106).
318 Manual de Direito Processual Civil
petentes, dentro do mesmo foro25 e para a sua fixação, quando houver diversos juízos
competentes, inicialmente determina a lei que seja efetuada uma distribuição (art. 284
do CPC/2015), cristalizando-se a competência (art. 43 do CPC/2015). Liga-se a causa
ao juízo nessa oportunidade, fixando a competência.
Muitas vezes, um só juízo decide a respeito de toda e qualquer lide, sejam elas cri-
minais ou civis, sejam estas de Direito privado ou público. A determinação da compe-
tência dos juízos decorre, do ponto de vista material, da definição desses poderes pelas
leis de organização judiciária: é competência de atribuições (funcional e material) e,
portanto, de caráter absoluto. Assim, se indagarmos qual é o juízo civil, a resposta será
dada pela lei de organização judiciária, tendo em vista a determinação da matéria que
efetiva e concretamente se insere na competência de um ou mais juízos, sendo que um
mesmo juízo poderá ser o competente para matéria civil e criminal. Igualmente, para
sabermos qual é a competência dos juízos cíveis do Fórum João Mendes Júnior, na Ca-
pital do Estado de São Paulo – foro central da capital, por exemplo, e a dos foros regio-
nais (regiões, no Estado do Rio de Janeiro), é assunto que também se resolve pelas leis
de organização judiciária.
Além dos juízos cíveis do Fórum Central, na Comarca de São Paulo, existem outros
juízos a que se atribui competência sobre diversas matérias. Trata-se da competência
ratione materiae e, pois, absoluta. Ao lado desses juízos, que se devem dizer órgãos or-
dinários da justiça comum, encontramos os chamados juízos especiais. Trata-se aqui,
normalmente, de competência ratione personae, como dos juízos da Fazenda Pública
do Estado de São Paulo.
Tais órgãos especiais, conquanto integrantes da justiça comum, têm atribuições es-
peciais. Assim, os juízos da Fazenda Pública têm a atribuição de julgar as causas relati-
vas ao Estado e ao Município, tendo em vista a qualidade da parte. Trata-se de compe-
tência funcional, absoluta, desde que o foro seja o da capital do Estado.
25. Por essa razão, portanto, não se admite o estabelecimento de cláusula de eleição “de juízo”,
mas tão somente “de foro”. Nesse sentido, assim já decidiu o TJ/SP: “Lei processual civil
que autoriza as partes a eleger o foro de determinada Comarca, mas nunca o Foro Regional
dentro de uma mesma Comarca, tema que diz respeito à repartição do serviço forense entre
diversas unidades – Questão de ordem pública e insuscetível de derrogação pela vontade
dos contratantes” (TJ/SP, AgIn 399.782.4/9-00, 4ª Câm. Dir. Priv., j. 11.08.2005, rel. Des.
Francisco Loureiro).
26. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 216: “O foro comum ou geral para todas as causas não subordinadas a foro especial
é o domicílio do réu (NCPC, art. 46), regra que se aplica inclusive às pessoas jurídicas (art. 53,
III). Vale dizer que, em princípio, qualquer réu tem o direito de ser demandado na comarca
Competência 319
regula o foro geral principal, ou seja, a regra preponderante ou principal de que o réu
será demandado em seu domicílio.
Na realidade, a ação só será movida no foro domiciliar – só será utilizada a regra ge-
ral pertinente à competência territorial – se, para a hipótese, não se configurar o cabi-
mento de nenhum foro especial. O foro especial terá preferência ao foro domiciliar, de-
vendo-se interpretar a expressão “em regra” do texto do art. 46, como “ordinariamente,
comumente”. Portanto, de um ponto de vista dogmático, o art. 46 deverá ser aplicado
quando não estiverem configurados os pressupostos para a aplicabilidade das normas
atinentes aos foros especiais.
Temos, além desta regra principal e primeira, outras regras gerais, aplicáveis tam-
bém se a demanda versar sobre direito pessoal ou real mobiliário, as quais disciplinam
os chamados foros gerais subsidiários, aplicando-se sucessivamente: (i) tendo o réu mais
de um domicílio, será demandado no foro de qualquer um deles (art. 46, § 1º); (ii) se
incerto ou desconhecido seu domicílio, ele poderá ser demandado no foro de onde for
encontrado ou no foro do domicílio do próprio autor (art. 46, § 2º) – hipótese clara de
foros concorrentes; (iii) se o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será
proposta no foro do domicílio do autor, e, se esse também residir fora do Brasil, qualquer
foro será territorialmente competente (art. 46, § 3º); (iv) se existirem dois ou mais réus
com domicílios diferentes, a ação será proposta, à escolha do autor, no foro de qualquer
um deles; e (v) tratando-se de execução fiscal, essa será proposta, alternativamente, no
foro do domicílio do réu, de sua residência ou, ainda, no lugar onde for encontrado.
Sobre o foro geral, ainda entendemos que duas observações são relevantes, uma
quanto ao chamado foro de eleição (art. 63 do CPC/2015) e outra pertinente às tutelas
de urgência requeridas em caráter antecedente.
Com o chamado foro de eleição, teremos mais uma vez o fenômeno de foros concor-
rentes. Serão igualmente competentes o domiciliar, tal como vem disciplinado no art. 46
do CPC/2015, e o foro de eleição. Nada impede que haja mais de um foro de eleição.
Por isso é que, mesmo havendo foro de eleição, não há inibição de propositura da ação
no foro do domicílio.27 As partes podem livremente modificar a competência territorial
ou em razão do valor, elegendo o foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e
obrigações, desde que o faça de forma escrita e expressamente relacionada a negócio ju-
rídico (art. 63, caput e § 1º, do CPC/2015). Diferentemente, as competências em razão da
matéria, da pessoa ou da função não podem ser convencionadas (art. 62 do CPC/2015).
A razão para as ações reais imobiliárias serem ajuizadas no foro da situação da coisa
é a necessidade que tem o juízo de ficar mais próximo do bem imóvel, sobre o qual versa
o litígio, para se realizarem rápida, eficaz e economicamente as diligências necessárias.
Busca-se, desse modo, benefício para a atividade processual e para o resultado do processo.
Entretanto, o art. 47 do CPC/2015, assim como fez o art. 95 do CPC/1973, não pre-
viu como sendo absolutamente necessária essa proximidade, estabelecendo que algu-
mas ações reais imobiliárias podem ser propostas em foro diferente do local da coisa
(no domicílio do réu ou no foro eleito), desde que o litígio não recaia sobre direito de
propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras, bem como
nunciação de obra nova (art. 47, § 1º, do CPC/2015). Em todos esses últimos casos ar-
rolados é imprescindível a proximidade da coisa ao juízo, hipóteses nas quais se trata
de competência funcional e absoluta. Isso é reiteradamente reconhecido, aliás, pelo Su-
perior Tribunal de Justiça,30 e é o correto entendimento encampado pelo § 2º do art. 47.
Não caracterizadas essas hipóteses, como dissemos, é possível a eleição do foro,
ou, ainda, será competente o foro do domicílio – aplicando-se as regras do art. 46 do
CPC/2015. Inclusive, em caso de foro de eleição, esse não prevalece sobre o foro da si-
tuação da coisa, sobrepondo-se a regra do art. 47, caput. A eleição do foro é viável esta-
belecendo-se por vontade mais um foro competente. Não por outra razão já decidiu o
Superior Tribunal de Justiça que é possível o foro de eleição se não for o caso de direito
de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação
de obra nova – hipóteses nas quais é vedado escolher-se outro foro.31 Em contraparti-
da, na Corte também já se decidiu pela possibilidade e prevalência do foro de eleição se
a ação possessória decorreu de relação de direito pessoal surgida em consequência de
contrato,32 pois não se trataria de ação possessória pura.
Além dessa regra geral para ações reais imobiliárias, há outras regras específicas que
tangenciam o disposto no art. 47 que devemos mencionar.
A ação de consignação em pagamento, que não verse sobre locação – que tem discipli-
na própria e diversa –, deve ser ajuizada no local do pagamento (art. 540 do CPC/2015).
As ações para obter a anulação e a nulidade de contrato de compra e venda de bem
imóvel e as ações para outorga de escritura definitiva, deverão ser ajuizadas no domicí-
lio do réu. Observamos, assim, a regra geral do foro domiciliar.
A ação de anulação de escritura e registro imobiliário, diferentemente, deve ser pro-
posta no foro da situação da coisa objeto da escritura. 33
30. STJ, REsp 1.193.670/MG, 3ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe
09.02.2015; STJ, REsp 1.433.066/MS, 3ª T., j. 20.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJe 02.06.2014; STJ, CC 111.572/SC, 2ª S., j. 09.04.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
15.04.2014.
31. STJ, REsp 1.374.593/SC, 2ª T., j. 05.03.2015, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 01.07.2015.
32. STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1.192.342/MG, 4ª T., j. 02.09.2014, rel. Min. Marco Buzzi, DJe
16.09.2014.
33. V. decisão do STJ no sentido de que a competência para apreciação da ação que visa a nu-
lidade de compra e venda firmada por incapaz e a nulidade do registro público é absoluta
322 Manual de Direito Processual Civil
Nos casos das ações de execução hipotecária e todas as demais ações reais imobili-
árias, não abrangidas pelas proibições da parte final do art. 47, § 1º, do CPC/2015, ve-
rificamos o fenômeno da competência concorrente.34 Assim, nesses casos, a ação pode
ser ajuizada no domicílio do réu ou no da situação da coisa.
A ação para pedir redução do preço por vício de bem imóvel adquirido não é ação
real sobre bem imóvel, mas tipicamente ação pessoa, não sendo, destarte, de se lhe apli-
car o art. 47 do CPC/2015.
A ação de indenização por apossamento administrativo e as ações possessórias ficam,
em face dos princípios firmados e explicitados, sujeitas à regra do art. 47 do CPC/2015.35
A ação voltada à anulação de contrato de compra e venda de direitos possessórios
pode ser proposta no foro da situação da coisa. Esta tese é válida, desde que esta ação
seja cumulada com ação reintegratória, pois nessa se discute, efetivamente, a posse.36
do foro do local da coisa (STJ, REsp 1.193.670/MG, 3ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe 09.02.2015). Segundo trecho do voto do Min. Relator, “embora se
discuta o fato de que o contrato de compra e venda de bem imóvel teria sido firmado por
pessoa incapaz, pleiteia-se a nulidade do registro público, haja vista que constitui consectário
lógico do reconhecimento da existência de vício de consentimento anterior.” e “ação que
visa desconstituir registro de escritura de compra e venda de bem imóvel deve ser julgada
e processada na comarca em que situada a coisa a fim de evitar o comprometimento da se-
gurança e da publicidade que o próprio registro busca, por força de lei, estabelecer para
adquirentes, vendedores e demais interessados.”.
34. Assim já se posicionou o STJ: “Processo civil. Recurso Especial. Ação de cancelamento
de hipoteca e penhora c.c. declaração de nulidade de cláusula contratual. Modificação
de competência. Continência. Prevenção. Competência absoluta do foro da situação do
imóvel. Inexistência. (...) 2. Na hipótese de o litígio versar sobre direito de propriedade,
vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a
ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na comarca em que situado o
bem imóvel, porque a competência é absoluta. Por outro lado, a ação, ainda que se refira
a um direito real sobre imóvel, poderá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu
ou, se o caso, no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhum daqueles direi-
tos especificados na segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência
relativa. (...)” (STJ, REsp 1.051.652/TO, 3ª T., j. 27.09.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
03.10.2011). No mesmo sentido: STJ, CC 111.572/SC, 2ª S., j. 09.04.2014, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 15.04.2014.
35. STJ, CC 35.937/DF, 2ª Seção, j. 23.06.2004, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ
23.08.2004, p. 116. STJ, REsp 660.094/SP, 3ª T., j. 25.09.2007, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJ 08.10.2007 p. 261. Na doutrina: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Pro-
cesso Civil, p. 427, 1983; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
1/326, 1976.
36. Caso a ação verse tão somente sobre a nulidade de cessão da posse, é caso de competência
relativa e concorrente entre o foro da situação da coisa e o foro do domicílio do réu. Assim,
versando sobre os artigos do CPC/1973: “Processo civil. Conflito de competência. Ação anu-
latória. Escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios. Direito pessoal.
Direito real imobiliário. Competência do foro do domicílio do réu. Artigos analisados: art. 95
e 100 do CPC. 1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de cessão e transferência
de direitos possessórios, ajuizada em agosto de 2009, da qual foi extraído o presente con-
flito de competência, concluso ao Gabinete em 07.05.2010. 2. Discute-se a competência
Competência 323
39. “Se o título executivo extrajudicial que subjaz à ação de execução para entrega de coisa
incerta elegeu foro para dirimir litígios deve ele prevalecer sobre a competência especial,
mas relativa do foro do inventário, prevista no art. 96 do CPC” (STJ, REsp 420.394/GO, 3.ª
T., j. 19.09.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 04.11.2002, p. 203).
40. Nesse sentido: “Conflito negativo de competência. Ação de petição de herança. Prévia
ação de investigação de paternidade pendente de julgamento. Inventário concluído. Re-
gra especial de competência (CPC, art. 96). Vis attractiva. Não incidência. (...) 2. A regra
do art. 96 do CPC determina que: "o foro do domicílio do autor de herança, no Brasil, é o
competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições
de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha
ocorrido no estrangeiro."3. Essa regra especial de fixação de competência, entretanto, não
incide quando já encerrado o inventário, com trânsito em julgado da sentença homolo-
gatória da partilha. Precedente. (...)” (STJ, CC 124.274/PR, 2ª S., j. 08.05.2013, rel. Min.
Raul Araújo, DJe 20.05.2013).
41. Nesse sentido, comentando o art. 48 do CPC/2015, Luiz Dellore afirma: “4. Competência
territorial. A regra deste artigo é de competência territorial, portanto relativa (CPC/2015,
artigo 63). Sendo assim, não se tratando de competência absoluta, se a ação for ajuiza-
da no domicílio do réu e este não impugnar a competência, haverá prorrogação, com
julgamento por esse próprio juízo. 4.1. Vale destacar que não cabe ao juiz decretar a
incompetência relativa de ofício.” (in: Teoria geral do processo: comentários ao CPC
de 2015: parte geral, coordenação Fernando da Fonseca Gajardoni [et. al.]. São Paulo:
Forense, 2015, p. 185).
Competência 325
As demandas movidas pelo espólio não ficam sujeitas à regra do art. 48, que não se
refere à hipótese de o espólio ser autor, quando valerão as regras gerais.42
No caso da arrecadação de bens da herança considerada jacente, essa deve ser pro-
cedida no foro do domicílio do de cujus, como expressamente determina o art. 738 do
CPC/2015, assim como já dispunha o art. 1.142 do CPC/1973.
A competência para a ação voltada à sub-rogação de vínculo de bens imóveis parti-
lhados em inventário é a do juízo através do qual foi o mesmo processado.
42. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 432/433. Na jurisprudência: STJ, 2.ª Seção, CC 799/DF, j. 13.12.1989,
rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 12.03.1990, p. 1.697.
Competência 327
Tudo que dissemos sobre o inciso I tem aplicação aqui. A lei teve em mira proteger a
parte presumidamente mais fraca. Entretanto, se esta parte quiser renunciar ao seu foro
privilegiado, isto é admissível por tratar-se de competência territorial.
Interessante questão que surge diz respeito ao foro competente para o cumprimen-
to de sentença que estabelece a pensão alimentícia ou para executar o título executivo
de idêntico conteúdo. À luz do CPC/1973 decidiu o Superior Tribunal de Justiça que
o foro competente para execução da sentença que fixa a pensão era do domicílio do ali-
mentando, ainda que a sentença tivesse sido proferida em foro diferente. Prevalecia,
assim, a regra o art. 100, II, do CPC/1973 sobre aquela antes prevista no art. 575, II,
também do CPC/1973.43
Mais recentemente, contudo, aquela mesma Corte entendeu que caberia ao alimen-
tando definir a competência para o processamento da execução da pensão entre (i) o
foro do seu domicílio ou residência, (ii) o juízo que proferiu a sentença exequenda,
(iii) o juízo do local onde se encontram bens do alimentante sujeitos à expropriação ou
(iv) o juízo do atual domicílio do alimentante. 44 Esse parece ser o entendimento apli-
cável representando o último entendimento em relação ao CPC/2015, aplicando-se a
regra contida em seu art. 516, parágrafo único, dando-se o cumprimento nos termos
dos arts. 528 e seguintes.
43. STJ, REsp 223.207/MG, 3.ª T., j. 18.05.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ
16.08.2004; STJ, REsp 436.251/MG, 3.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Antônio de Pádua Ribei-
ro, rel. p/ o Acórdão Min. Nancy Andrighi, DJ 29.08.2005, p. 329, Revista Forense, v. 383,
p. 354.
44. STJ, CC 118.340/MS, 2ª S., j. 11.09.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.09.2013, Infor-
mativo nº 531.
Competência 329
No caso de ação para reparação do dano oriundo de ato praticado em razão do ofí-
cio da serventia notarial ou de registro, será competente o foro do lugar onde se situa
sua sede (art. 53, III, f, do CPC/2015).
Os incs. IV e V, apresentam outras três regras especiais que também prevalecem so-
bre a regra geral (art. 46 do CPC/2015). São competentes: (i) o foro do lugar do ato ou
fato para a ação de reparação de dano e em que for réu administrador ou gestor de negó-
cios alheios; e (ii) o foro do domicílio do autor ou do local do fato para a ação de repa-
ração de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.
45. Foi promulgada Proposta de Emenda Constitucional pelo Congresso Nacional em 2013,
aumentando de cinco para nove o número de Tribunais Regionais Federais e respectivas
regiões. Porém, a alteração que resultou na Emenda Constitucional nº 73/2013, é questiona-
da na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.017 e encontra suspensa pelo deferimento
da cautelar pleiteada. Remanescem, ao menos por ora, os cinco tribunais e cinco regiões.
46. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 224 e 225, item 172: “Os
juízes federais de primeiro grau foram instituídos, mui especialmente, para constituírem os
330 Manual de Direito Processual Civil
Será competente a Justiça Federal quando a União, por sua Administração direta
ou indireta, e ainda empresas públicas da União assumirem posição processual, de au-
tora ou ré, ou forem interessadas, como assistentes, salvo as de falência, as de acidentes
de trabalho, as eleitorais e as militares (art. 109, I, da CF/1988). Já antes do CPC/2015,
também subtraia-se da Justiça Federal as causas de insolvência civil, dadas as idênticas
razões. Quanto às execuções contra devedor insolvente, subtraem-se da Justiça Federal
em interpretação extensiva dada ao próprio art. 109, I, da CF/1988, como será adian-
te detalhado.
Observamos, assim, que o critério ratione personae está atrelado à participação da
União, suas empresas públicas, entidades autárquicas, fundações e conselhos de fisca-
lização (art. 109, I, primeira parte, CF/1988 e art. 45, caput, do CPC/2015) e o critério
com relação à matéria está no afastamento dos casos elencados na segunda parte do inc.
I do art. 109 da CF/1988 e nos incs. I e II do art. 45 do CPC/2015.
Além da mencionada hipótese, o critério ratione personae também é utilizado para
determinar a Justiça Federal como competente para apreciar as causas entre Estado es-
trangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente
no Brasil (art. 109, II, da CF/1988) e os mandados de segurança e os habeas data contra
ato de autoridade federal (art. 109, VIII, da CF/1988).
Já o critério com relação à matéria, definindo a competência da Justiça Federal,
também está presente em outros incisos do referido art. 109. Desse modo, também em
razão do objeto sobre o qual versa o processo, serão competentes os órgãos judiciários
federais para apreciar as causas fundadas em tratado ou contrato da união com Estado
estrangeiro ou organismo internacional (III), as causas relativas a direitos humanos,
no caso de graves violações a tais direitos (V-A e § 5º), a execução de carta rogatória e
de sentença estrangeira, bem como as causas referentes à nacionalidade e à naturaliza-
ção (X) e a disputa sobre direitos indígenas (XI).
órgãos jurisdicionais competentes para processar e julgar as lides em que sejam interessados a
União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, Estados estrangeiros, organismos
internacionais. Daí a sua competência, quase toda ela, se verificar em razão das pessoas. E
tal é a relevância dessa competência dos juízes federais, que a própria Constituição Federal
dedicou-lhe disposições expressas, impedindo que a lei ordinária regulasse a matéria”.
47. A expressão causa abrange, também, os casos de jurisdição voluntária. Esse já é o entendi-
mento há muito consolidado nos Tribunais Superiores, v. 2.ª S., j. 14.12.1990, rel. Min. Athos
Carneiro, fixando o seguinte: “A expressão causa, que 475 está no art. 109, I, da Constituição
Federal, abrange os processos de jurisdição voluntária”. Do mesmo modo: STJ, CC 41.790/SP,
1.ª S., j. 10.8.2005, rel. Min. Denise Arruda, DJ 05.09.2005, p. 198; STJ, REsp 436.583/RN,
Competência 331
6.ª T., j. 16.03.2004, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 10.05.2004, p. 353. Nesse sentido,
também, v. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, volume I: parte geral: fundamentos e
distribuição de conflitos, São Paulo: RT, 2015, p. 1032.
48. Segundo a Súmula 15, do STJ, editada antes da Emenda Constitucional 45/2004, “compete à
Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente de trabalho”, o que de-
corre do texto expresso do art. 109, I, da Constituição Federal. Após a Emenda Constitucional
45/2004, porém, o assunto ganhou novos contornos, na Constituição e na jurisprudência dos
Tribunais Superiores. A nova redação do art. 114, VI, da CF/1988 estabelece que “compete
à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...); VI – as ações de indenização por dano moral
ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Inicialmente, o STF inclinou-se no sentido de que a competência continuaria sendo da Justiça
Estadual, a despeito da nova redação do referido dispositivo constitucional (cf. STF, AgRg
no RE 441038/MG, 2.ª T., j. 22.3.2005, rel. Min. Celso de Mello, DJ 8.4.2005, p. 36, em
que são citados precedentes proferidos após a EC 45/2004), no que foi acompanhado pelo
STJ (cf. STJ, CC 49.812/PR, 2.ª S., j. 22.6.2005, rel. Min. Castro Filho, DJ 1.8.2005, p. 314;
STJ, AgRg no AgRg no CC 47.305/RJ, 2.ª S., j. 25.5.2005, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ
29.8.2005, p. 144; STJ, REsp 742.515/MG, 4.ª T., j. 28.6.2005, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJ 15.8.2005, p. 331).
O STF, contudo, alguns meses depois, no julgamento do CC 7.204 (j. 29.06.2005, rel. Min.
Carlos Britto, Informativo do STF 394), “por maioria, definiu a competência da justiça
trabalhista, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, para julgamento das ações de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho”. Diante
desta nova orientação do STF, a jurisprudência mais recente do STJ também se modificou
(cf., dentre outros, os seguintes julgados: STJ, CC 118.763/PR, 2ª S., j. 27.11.2013, rel.
Min. Luís Felipe Salomão, DJe 10.12.2013; STJ, REsp 861.458/BA, 4ª T., j. 21.06.2011,
rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 16.08.2011). Assim, a Súmula 15 do STJ deixou de
ser observada pelo STJ, prevalecendo o entendimento de que compete à Justiça especial
do Trabalho o julgamento de tais ações indenizatórias, como aliás está cristalizado na
Súmula Vinculante nº 22 do STF.(“Justiça do Trabalho é competente para processar e
julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente
de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda
não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda
Constitucional 45/2004”). É essa a leitura, inclusive, que deve ser emprestada ao inc. I,
do art. 45 do CPC/2015.
49. Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo: RT, 2003, p. 215-217.
332 Manual de Direito Processual Civil
tiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que fo-
rem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja
sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que ou-
tras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. § 4º Na hipótese
do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal
na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. § 5º Nas hipóteses de grave violação de
direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos huma-
nos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça,
em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência
para a Justiça Federal” (inc. V-A e § 5º inseridos pela Emenda Constitucional 45/2004).
Nessas condições, mesmo as autarquias federais e empresas públicas, desde que
partes, isto é, como autoras, rés, assistentes, farão com que a causa deva ser processada
e julgada por juízes federais (exegese com base no art. 109, I, da CF/1988). Somam-se
a elas as fundações federais e os conselhos de fiscalização de atividade profissional,50
conforme expressamente acrescenta o art. 45, caput, do CPC/2015. Basta, aliás, que a
União e as demais referidas entidades aleguem interesse no processo51 para que esse
seja deslocado para a Justiça Federal. Essa é a única competente para aferir esse interes-
se, mesmo que ele não venha a existir, como bem reconhece a Súmula nº 150 do STJ,
segundo a qual “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse ju-
rídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas”.52Ao contrário, se desaparece a razão de ser da competência da Justiça Federal,
50. Nesse ponto, o CPC/2015 reconhece e positiva o que já era entendimento jurisprudencial.
Inclusive, a exemplo, é a Súmula nº 66 do STJ, editada em 1992, segundo a qual “compete
à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por conselho de fiscalização
profissional.”.
51. Esse interesse deve ser real, não de simples colaboração, de modo que a sentença diretamente
favoreça a União ou entidade, ou implique-lhes prejuízos.
52. No mesmo sentido: “Processual Civil e Administrativo. Ausência de indicação, no Recurso
Especial pela alínea "c", dos dispositivos tidos por violados. Súmula 284/STF. Ação de in-
denização securitária. Mutuários do sistema financeiro da habitação. Pedido de ingresso
da Caixa Econômica Federal. Alegação de comprometimento do fundo de compensação
de variações salariais – FCVS. Competência. Juízo Federal. Súmula 150/STJ (...).2. Nos
casos em que empresa pública federal, como a Caixa Econômica Federal, pede o ingresso
no feito que tramita na Justiça Estadual, cabe à Justiça Federal apreciar a pretensão, con-
forme a regra consagrada na Súmula 150/STJ: "compete à Justiça Federal decidir sobre
a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas
autarquias ou empresas públicas". 3. Não se está, no caso, definindo a admissão ou não
da CEF no feito, mas tão somente estipulando quem deve resolver a questão. Uma vez
esgotada essa discussão com o trânsito em julgado da decisão da Justiça Federal, o feito
deve permanecer nela se o entendimento for pela existência do interesse jurídico da CEF,
ou ser remetido à Justiça Estadual se a conclusão for pela exclusão da CEF do processo.”
(STJ, AgRg no AREsp 759.052/PR, 2.ª T., j. 17.11.2015, rel. Min. Herman Benjamin, DJe
04.02.2016); STJ, AgRg no CC 136.692/SP, 1ª S., j. 11.03.2015, rel. Min. Herman Benja-
min, DJe 04.08.2015.
Competência 333
53. É o que firma o STJ, na Súmula nº 224, segundo a qual: “Excluído do feito o ente federal,
cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal res-
tituir os autos e não suscitar conflito”. No mesmo sentido, posiciona-se o STJ na parte da
seguinte ementa: “Se a entidade de direito público federal for excluída da relação jurídica
processual, o processo retornará à competência da Justiça Estadual” – CC 71/PB, 2.ª S., j.
28.06.1989, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ 2/255. Do mesmo modo, ainda, o mais recente
julgado: “Tributário. Agravo Regimental no Conflito de Competência. Simples Nacional.
Exclusão do regime especial. Imputada ao estado da Bahia. Art. 41 da LC 123/06. Inexistência
de obrigatoriedade de participação da União em todos os feitos que discutem o Simples
Nacional. 1. O juízo federal (suscitado) excluiu a União do polo passivo, reconhecendo
tratar-se de parte ilegítima para figurar na relação processual, nos termos do art. 267, VI,
do CPC, remetendo o feito para a Justiça Estadual, eis que remanesceu na qualidade de réu
apenas o Estado da Bahia, sendo certo, de outro giro, que o ato de exclusão da contribuinte
do Simples Nacional decorreu de decisão administrativa imputada tão somente ao órgão
fazendário baiano. 2. Desse modo, correto se afigurou o ato declinatório de competência
subscrito pelo Juízo Federal (...)” (STJ, AgRg no CC 134.627/BA, 1ª S., j. 12.11.2014, rel.
Min. Sérgio Kukina, DJe 18.11.2014).
54. Sobre o tema da modificação de competência diante da intervenção da União e as demais
entidades a ela atreladas v. Leonardo Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública em Juízo, 13ª
ed. reformulada, Rio de Janeiro: Forense, 2016.
334 Manual de Direito Processual Civil
dade profissional, bem como afasta-a nos casos de recuperação judicial e insolvência
civil. Além disso, prevê o art. 51 do CPC/2015 que é competente o foro do domicílio do
réu para as causas em que a União for autora. Se a União for ré, no entanto, são concor-
rentes os foros do domicílio do autor, do fato que deu origem a demanda, da situação
da coisa ou do Distrito Federal (art. 51, parágrafo único, do CPC/2015).
O Distrito Federal, aliás, assemelhado ao Estado-membro, por ser uma pessoa
jurídica de direito público interno, ativo e passivo de direitos e de deveres, como tal
não tem foro estabelecido pela CF/1988, cabendo à Justiça comum processar e jul-
gar as ações em que o mesmo figure como parte, assim como suas autarquias e em-
presas públicas.
É importante, desde logo, remarcarmos que os critérios de determinação da com-
petência relativos à Justiça Federal são os que do texto constitucional constam. Além
disto, como visto, compete à Justiça Federal que decidir a respeito do interesse ratio-
ne personæ que se constitui em critério de determinação de sua competência. Ademais
disto, mas por razão análoga, critérios de alteração da competência do Código de Pro-
cesso Civil somente poderão ser utilizados se essa aplicação for compatível com o re-
gramento constitucional. Por isso, não se cogita de qualquer inconstitucionalidade no
art. 45 do CPC/2015 já que as hipóteses ali versadas, como visto, estão de forma con-
sentânea com o Texto Constitucional.
Além das hipóteses dos incisos do art. 109 da CF/1988, os critérios de determi-
nação da competência da Justiça Federal também estão previstos nos seus §§ 1º e 2º.
O art. 109, § 1º, da CF/1988 dispõe: “As causas em que a União for autora serão aforadas
na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte”. Já as intentadas contra a União
poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor e naquela em
que se verificou o ato ou fato que deu origem à demanda, ou na qual esteja situada a
coisa, ou, ainda, no Distrito Federal (art. 109, § 2º, da CF/1988). As causas propostas
perante outros juízes, se a União nelas intervier passarão a ser da competência do juí-
zo federal respectivo.
Os referidos §§ 1º e 2º do art. 109 da CF/1988 tratam de competência territorial, po-
rém se está em face de uma competência constitucionalmente estabelecida. Verifica-se,
aliás, que no art. 109, § 2º, da Lei Magna preveem-se casos de foros de competência con-
corrente. As ações em que a União for autora, ré ou interveniente deverão ser propostas
na capital da seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. As intentadas contra
a União serão aforadas na seção judiciária (definida no art. 110, da CF/1988) em que
for domiciliado o autor, ou, ainda, onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem
à demanda, ou, ainda, onde esteja situada a coisa, ou, finalmente, no Distrito Federal
(art. 109, § 2º, da CF/1988). Como se vê, neste art. 109, § 2º, os foros são concorren-
tes, o que significa que, movida a ação em qualquer um deles, terá sido bem ajuizada,
operando-se a respectiva prevenção – observa-se aqui mais um exemplo da prevenção
como critério de definição da competência como pontuado anteriormente. Apesar de
concorrentes ditos foros, fixados que o foram na Constituição, não podem ser afasta-
dos pela vontade das partes, seja por eleição de outro foro, diverso dos previstos, seja
Competência 335
pela “suposta” omissão de tal alegação na contestação (art. 337, II, do CPC/2015), irre-
levante na espécie, pois se trata de incompetência absoluta, com relação a qual não se
opera a preclusão (art. 337, § 5º, do CPC/2015).
Também entendemos importante a referência à regra do art. 109, § 3º, segundo o
qual processar-se-ão na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou be-
neficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado,
sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal. A parte final desse § 3º do
art. 109 admite que, se existente Justiça Federal na sede da comarca, a lei estabeleça que
outras causas possam aí ser processadas e julgadas. Quer isto dizer que leis anteriores à
CF/1988 e compatíveis com essa parte do texto continuam válidas.
O recurso, que no caso couber, deverá ser interposto para o Tribunal Regional Fe-
deral, correspondente à área da jurisdição do juiz de primeiro grau (art. 109, § 4º, da
CF/1988). Nesse caso, o §3º investe, excepcionalmente, o órgão judiciário estadual de
jurisdição federal, justificando tal correspondência recursal. Diferentemente, será a hi-
pótese em que o juízo estadual atuar sem investidura em jurisdição federal, como, v.g.,
no caso de ausência das matérias previstas no §3º ou no caso da propositura da ação
em inobservância das hipóteses dos incs. do art. 109. Presente tal situação, o recurso,
a teor da Súmula nº 55 do STJ, será de competência do Tribunal de Justiça com compe-
tência no respectivo estado.55
Lembramos, ainda, que essa previsão genérica do art. 109, § 3º, in fine substitui,
em certa medida, os antigos arts. 125, § 3º, da revogada Constituição Federal de 1967
(redação originária) e 126 (redação atribuída pelas EC 1/1969 e EC 7/1977), em que se
55. Diz a Súmula nº 55 do STJ que: “Tribunal Regional Federal não é competente para jul-
gar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal.”.
Exemplifica-se bem a questão, nas seguintes decisões do próprio STJ: “Processo Civil.
Conflito de Competência. Execução. Embargos à arrematação. Empresa pública federal.
CONAB. Carta precatória. Sentença proferida pelo juízo estadual. Recurso. Súmula nº
55 do STJ. Competência do juízo estadual. 1. Considerando que na hipótese em análise
o recurso de apelação se voltou contra a sentença que pôs fim aos embargos à arremata-
ção, proferida por Juízo estadual que não se encontrava investido na jurisdição federal,
em razão da falta da justiça especializada na respectiva comarca, nos termos do § 3º
do art. 109 da CF/88, fica clara a competência do Tribunal de Justiça gaúcho para apre-
ciação do recurso de apelação, nos termos da Súmula nº 55 do STJ: Tribunal Regional
Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não
investido de jurisdição federal. 2. Conflito de competência conhecido para declarar
competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (STJ, CC 144.784/RS,
2ª S., j. 09.03.2016, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 14.03.2016); e “Agravo Regimental
no Conflito de Competência. Pretensão indenizatória formulada em face de empresa
pública federal. Atuação do juízo estadual fora das hipóteses de delegação previstas
no art. 109, §3º, da CF. Competência do tribunal ao qual vinculado o juízo prolator da
decisão para o exame do recurso de apelação. Conflito conhecido para declarar a com-
petência do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Agravo Regimental desprovido.”
(STJ, AgRg no CC 121.351/AL, 2ª S., j. 26.09.2012, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
DJe 01.10.2012).
336 Manual de Direito Processual Civil
permitia que a ação fiscal e outras fossem promovidas, nas comarcas do interior, onde
tivesse domicílio a outra parte, perante a Justiça Estadual.
Justamente, em função desse permissivo constitucional, prevê-se, no Código de Pro-
cesso Civil de 2015, como já o fazia o CPC/1973, que a execução fiscal “será proposta
no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”
(art. 46, § 5º, do CPC/2015). A Lei 6.830/1980 disciplina toda a matéria referente à exe-
cução, porém não regulou a competência territorial (art. 5º), aplicando-se, para tanto, as
regras do CPC/2015.
9.5.2. Casuística
Além das hipóteses referidas no tópico anterior, existem outras estabelecidas pela
doutrina e jurisprudência em que as competências das Justiças Federal e Estadual são
delimitadas. É relevante que elas sejam citadas, sobretudo por exemplificarem bem os
critérios que até aqui estudamos. Considerando o papel constitucional do Superior
Tribunal de Justiça para dirimir conflitos de competência (art. 105, I, d, CF/1988) e a
relevância mais contundente que seu padrão decisório assume com o CPC/2015, con-
siderar-se-á primordialmente o estabelecido na Corte.
Iniciando com entendimentos sumulados, compete ao foro da situação do imóvel
apreciar a ação de usucapião especial, ainda que presente a União ou qualquer de seus
entes (Súmula nº 11 do STJ). Não se trata, propriamente, de conflito entre Justiça Fe-
deral e Estadual e, no mais das vezes, existirá seção judiciária federal com atribuição
sobre a área que se situa o imóvel; conjugam-se as regras do art. 109, I, da CF/1988 e
do art. 47 do CPC/2015.
Compete à Justiça Federal processar e julgar causa relativa à mensalidade escolar,
cobrada por estabelecimento particular de ensino (Súmula nº 34 do STJ). A esse enun-
ciado são somados o entendimento da Corte de que a competência da Justiça Federal
se caracteriza, principalmente, pelo critério ratione personae, o critério em razão da
matéria e o critério relacionado ao instrumento processual utilizado pela parte. Assim,
a questão da competência para apreciar temas relacionados com as universidades tem
sido tratada nos seguintes contornos:56(a) se a demanda for proposta por mandado de
segurança contra ato de dirigente da universidade pública federal ou universidade par-
ticular, que atua em atribuição delegada pelo Estado, será competente a Justiça Fede-
ral; (b) se a demanda for proposta por mandado de segurança contra ato de dirigente de
universidade pública ou privada0 estadual ou municipal, componentes do sistema esta-
56. Tais critérios foram assim delineados no julgamento do STJ, CC 108.466/RS, 1ª S., j.
10.02.2010, rel. Min. Castro Meira, DJe 01.03.2010. No mesmo sentido: STJ, REsp
1.453.852/GO. 4ª T., j. 27.10.2015, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 20.11.2015; STJ,
REsp 1.257.629/SC, 2ª T., j. 20.02.2014, rel. Min. Og Fernandes, DJe 19.03.2014; STJ
REsp repetitivo 1.344.771/PR, 1ª S., 24.04.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
DJe 02.08.2013; STJ, REsp 1.295.790/PE, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 12.11.2012; STJ, REsp 1.307.973/PE, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 12.11.2012.
Competência 337
dual de ensino, que atua em atribuição delegada pelo Estado, será competente a Justiça
Estadual; (c) se a demanda for proposta por meio de tutela de urgência requerida em
caráter antecedente ou pelo procedimento comum de conhecimento e a ação indicar a
União ou quaisquer de suas autarquias e fundações, ou se essas manifestarem seus in-
teresses, será competente a Justiça Federal em ratione personae; e (d) se a demanda for
proposta por meio de tutela de urgência requerida em caráter antecedente ou pelo pro-
cedimento comum de conhecimento e a ação não indicar a União ou quaisquer de suas
autarquias e fundações, ou se essas não manifestarem seus interesses, será competente
a Justiça Estadual em ratione personae.
Nos termos da Súmula 82 do STJ, “compete à Justiça Federal, excluídas as recla-
mações trabalhistas, processar e julgar os feitos relativos a movimentação do FGTS”.
Assim, ressalvada a competência da Justiça especial trabalhista (art. 114 da CF/1988),
demandas sobre a movimentação dos valores vinculados à conta do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço – FGTS como, v.g., naquelas em que se pleiteia a liberação dos valo-
res para uso em situações não previstas estritamente na lei (art. 20 da Lei nº 8.036/1990).
Destaca-se, aqui, também o critério ratione personae, já que é atribuição legal da Cai-
xa Econômica Federal ser agente operador do fundo (art. 4º da Lei nº 8.036/1990).
Por idênticas razões, “compete à Justiça Federal ou aos juízes com competência dele-
gada o julgamento das execuções fiscais de contribuições devidas pelo empregador ao
FGTS” (Súmula nº 349 do STJ).
Também compete à Justiça Federal, igualmente em clara observância do critério
ratione personae, “processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional
do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério
do Exército” (Súmula nº 324 do STJ); apreciar demandas em que a União intervenha
como sucessora da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), implicando o imediato des-
locamento da competência, ainda que tenha sido proferida eventual sentença pela Jus-
tiça Estadual (Súmula nº 365 do STJ); ou, então, apreciar demanda “em que se discute
a ausência de ou o obstáculo ao credenciamento de instituição particular de ensino su-
perior no Ministério da Educação como condição de expedição de diploma de ensino a
distância aos estudantes” (Súmula nº 570 do STJ).
Além de enunciados sumulados, verifica-se outras situações exemplificativas em
que o Superior Tribunal de Justiça também delimitou as competências das Justiças Fe-
deral e Estadual, v.g., compete à Justiça Estadual processar e julgar demandas que têm
por objeto obrigações decorrentes dos contratos de planos de previdência privada fir-
mados com a Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social (REFER) (STJ, REsp
repetitivo 1.187.776/MG, 2ª S., j. 11.12.2013, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
DJe 03.02.2014); compete à Justiça Estadual apreciar demanda em que se busca o re-
conhecimento de união estável para viabilizar pleito futuro de concessão de benefício
previdenciário (STJ, RMS 35.018/MG, 5ª T., j. 04.08.2015, rel. Min. Gurgel de Faria,
DJe 20.08.2015); compete à Justiça Federal apreciar ação de busca e apreensão de me-
nor que tenha sido retida ilicitamente no Brasil, com fundamento na Convenção de
Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (art. 109, III, da
338 Manual de Direito Processual Civil
CF/1988) (STJ, CC 132.100/BA, 2ª S., j. 25.02.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJe 14.04.2015, Informativo nº 559); compete à Justiça Estadual processar e julgar ação
proposta em face de sociedade de economia mista, ainda que se trate de instituição fi-
nanceira em regime de liquidação extrajudicial, sob intervenção do Banco Central (STJ,
REsp 1.093.819-TO, 4ª T., j. 19.03.2013, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 09.04.2013,
Informativo nº 519); compete à Justiça Federal apreciar pedido de reconhecimento de
nulidade de registro de marca, em razão do interesse do Instituto Nacional da Proprie-
dade Industrial – INPI (STJ, REsp 1.188.105/RJ, 4ª T., j. 05.03.2013, rel. Min. Luís Fe-
lipe Salomão, DJe 12.04.2013, Informativo nº 519); compete à Justiça Estadual proces-
sar e julgar ação que objetiva a complementação de benefício previdenciário em face de
entidade fechada de previdência privada (STJ, REsp 1.242.267/ES, 4ª T., j. 04.12.2012,
rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.03.2013, Informativo nº 510); compete à Justiça Federal
processar e julgar mandado de segurança impetrado contra presidente de subseção da
OAB (STJ, AgRg no REsp 1.255.052/AP, 2ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Humberto Mar-
tins, DJe 14.11.2012, Informativo nº 508).
57. V. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. 1, p. 43 e 44.
58. Essa é o entendimento, aliás, das mais altas cortes do país: STF, EDcl no AgRg no RE 808.513/
SP, 2ª T., j. 08.03.2016, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 13.04.2016; STF, HC 116.862/SC,
2ª T., j. 10.12.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 03.02.2014; STF, HC 113.845/SP, 2ª T.,
j. 20.08.2013, rel. Min. Teori Zavascki, DJe 05.09.2013; STJ, AgRg no CC 124.862/SP, 1ª
S., j. 24.02.2016, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 15.03.2016; STJ, CC 136.303/TS,
1ª S., j. 09.12.2015, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 10.02.2016; STJ, AgRg no REsp
1.472.329/CE, 2ª T, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 05.11.2015; STJ, EDcl no
REsp 1.195.063/PR, 2ª T., j. 27.10.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 12.11.2015; STJ,
AgRg no AREsp 458.311/RJ, 2ª T., j. 27.03.2014, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe
02.04.2014.
59. Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz
do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 122.
Competência 339
60. Nesse sentido: “Processual civil e administrativo. Agravo Regimental no Recurso Especial.
Competência. Juizado Especial Federal. Valor da Causa. Súmula 83/STJ. 1. A jurisprudência
desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a competência atribuída aos Juizados
Especiais Federais é absoluta, a teor do art. 3º, §3º, da Lei n. 10.259/01, a ser determinada
em conformidade com o valor da causa. (...)”(STJ, AgRg no REsp 1.546.549/RS, 2ª T., j.
24.11.2015, rel. Min. Diva Malerbi, DJe 16.12.2015).
340 Manual de Direito Processual Civil
61. Por isso mesmo, a teor do art. 109, inc. VIII, da Constituição Federal, quando a autoridade
coatora for autoridade da Administração Pública Federal, a competência será da Justiça
Federal, ao passo que, em se tratando de autoridade da Administração Pública Estadual ou
Municipal, a competência será da Justiça Estadual. Sobre o tema manifestou-se, exaustiva-
mente, Athos Gusmão Carneiro, quando deixou anotado: “As regras de competência encon-
tram-se na Constituição Federal, em Constituições Estaduais, nos Códigos de Organização
Judiciária e Regimentos Internos dos Tribunais. Assentam tais regras, fundamentalmente,
não na natureza da lide ou da pretensão deduzida no writ, mas, sim, estão em função da
qualificação da autoridade coatora, se autoridade de nível federal, ou de nível estadual
ou municipal, e ainda em função da hierarquia de tal autoridade”. Prosseguindo em sua
exposição, o precitado Ministro escreve o seguinte: “Cabe à Justiça Estadual conhecer dos
mandados de segurança impetrados contra ato de autoridade estadual ou municipal. Tam-
bém, nestes casos, apresenta-se preponderantemente o critério da hierarquia – competência
ratione muneris – da autoridade dita coatora. Sendo a autoridade impetrada Juiz de Direito
diretamente vinculado ao Tribunal de Justiça local, irrelevante será a matéria discutida para
deslocar a competência para a Justiça Federal: permanece competente a Justiça Estadual
(STJ, CC 3.081, rel. Min. José de Jesus, j. 23.03.1993, RSTJ, 47/28)”.
62. Por exemplo: STJ, AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.366.615/CE, 2ª T., j. 23.06.2015, rel.
Min. Humberto Martins, DJe 24.11.2015.
63. Essa é a decisão proferida no AgRg nos EDcl no Conflito de Competência nº 113.788/DF:
Administrativo. Agravo regimental no conflito negativo de competência. Ação civil pública.
Desocupação de área localizada no aeroporto internacional do galeão. Local do dano. Art.
2º da lei 7.347/85. Competência da justiça federal do Rio de Janeiro. agravo não provido. 1.
hipótese de ação civil pública ajuizada na seção judiciária do Rio de Janeiro, na qual o Mi-
nistério Público Federal propôs contra a empresa Aata Drogaria Ltda., com o objetivo de ver
desocupada a área situada no Aeroporto Internacional do Galeão. 2. O art. 2º da Lei 7.347/85,
que disciplina a Ação Civil Pública, estabelece que ações da norma elencada "serão propostas
Competência 341
no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e
julgar a causa". 3. No caso em exame, verifica-se que o objeto da demanda é a desocupação de
área irregularmente ocupada pela ora agravante, em razão de extinção de contrato de concessão
de uso firmado com a Infraero, localizada no Aeroporto Internacional do Galeão, na cidade
do Rio de Janeiro. 4. Na hipótese de ação civil pública, a competência se dá em função do
local onde ocorreu o dano. Trata-se de competência absoluta, devendo ser afastada a conexão
com outras demandas. (...) (STJ, AgRg nos EDcl no CC 113.788/DF, 1ª S., j. 14.11.2012, rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 23.11.2012). Igualmente: “Recurso especial. Processual civil.
Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Competência territorial funcional.
Natureza absoluta. Aplicação do art. 2º da lei da ação civil pública. Instalação de novas varas
federais. Circunscrição que abrange o local do aventado dano. Exceção ao princípio da per-
petuatio jurisdictionis. Regra do art. 87 do CPC. Recurso especial provido para determinar a
redistribuição do feito a uma das varas federais da subseção judiciária de feira de Santana/BA. 1.
É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento de propositura de
ação civil pública para apuração de improbidade administrativa, aplicando-se, para apuração
da competência territorial, a regra prevista no art. 2o. da Lei 7.347/85, que dispõe que a ação
deverá ser proposta no foro do local onde ocorrer o dano (AgRg no AgRg no REsp. 1.334.872/
RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 14.08.2013). 2. Trata-se de uma regra de competência
territorial funcional, estabelecida pelo legislador, a par da excepcionalidade do direito tutelado,
no intuito de facilitar o exercício da função jurisdicional, dado que é mais eficaz a avaliação
das provas no Juízo em que se deram os fatos. Destarte, tem-se que a competência do local
do dano é funcional e, portanto, de natureza absoluta. (...)” (STJ, REsp 1.068.539/BA, 1ª T., j.
03.09.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03.10.2013).
64. Dizer-se que se trata de competência absoluta significa que esse regime prevalece nesse
plano, mas não pode afastar regras constitucionais, que prevalecem, se for o caso. Em outras
palavras, aplica-se a Constituição Federal e não a lei ordinária se tipificada a hipótese de
incidência de regra constitucional.
65. Sobre a competência nas ações coletivas ver: Ricardo de Barros Leonel, Ações coletivas: nota
sobre competência, liquidação e execução, Revista de Processo (RePro) 132/36-43; Luiz
Manoel Gomes Júnior, Curso de direito processual civil coletivo, capítulo VI, p. 121-134.
342 Manual de Direito Processual Civil
66. Nesse sentido, é oportuno citar a lição de Rizzato Nunes: “O legislador consumerista, quando
fez referência à região, certamente estava preocupado com um dano que se alastrasse por
várias cidades, e por não ser possível determinar um local, município ou comarca especí-
fica, preferiu que a demanda fosse ajuizada na Capital do Estado. As dúvidas surgirão, mas
podemos afirmas por tudo o que dissemos que, em se tratando de várias cidades de um
mesmo Estado, o foro da Capital deste será o competente. Se envolver cidades de mais de
um Estado, qualquer dos foros das capitais será competente, concorrentemente. Se não se
tratar propriamente de região composta de várias cidades, mas apenas duas, por exemplo,
qualquer delas terá foro competente, também concorrentemente. E atingindo a chamada
região metropolitana, o foro competente será o da capital respetiva.” (Rizzato Nunes, Co-
mentários ao código de defesa do consumidor, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 962).
67. V. Flávia Regina Ribeiro da Silva, Ação popular ambiental – primeiras abordagens. Ação
popular – aspectos relevantes e controvertidos, item 4.3, p. 110-115.
68. RTJ 121/17, Pleno, j. 18.02.1987, rel. Min. Moreira Alves, onde acertadamente se nega pos-
sível analogia entre competência do STF para mandado de segurança (prevista no art. 119,
CF/1969) e a ausência de competência do STF, no caso. Mais recentemente: STF, Pet 5.859
AgR/DF, Tribunal Pleno, j. 25.11.2015, rel. Min. Celso de Mello, DJe 15.12.2015.
Competência 343
Pela Lei 9.099/1995, em que se dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis, são es-
ses competentes para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor
complexidade, quais sejam aquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário
mínimo, as enumeradas no art. 275, II, do CPC/1973 – que continuam aplicáveis aos
juizados (art. 1.063 do CPC/2015), a ação de despejo para uso próprio – limitadas ao
valor do quarenta vezes o salário mínimo e excluindo-se as ações de despejo por falta
de pagamento (Lei nº 8.245/1991), e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor
também não excedente ao referido.
Semelhantemente, como já foi referido quando do estudo da competência da Justiça
Federal, a Lei nº 10.259/2001 instituiu os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justi-
ça Federal. A esses foi conferida competência para “processar, conciliar e julgar causas
de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como
executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, Lei nº 10.259/2001), expressamente excluí-
das as hipóteses enunciadas nos incs. I a IV do § 1º deste mesmo dispositivo.
Essa competência, onde houver Juizado Especial Federal, é absoluta, diz a lei. Dis-
põe-se no art. 3º, § 3º, da Lei 10.259/2001, que: “No foro onde estiver instalada Vara
do Juizado Especial, a sua competência é absoluta”. O mesmo se diga com respeito ao
Juizado Especial da Fazenda Pública, onde houver, conforme se extrai do art. 2º da Lei
12.153/2009, verbis: “É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública pro-
cessar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”.
9.8. Incompetência
9.8.1. Incompetência relativa
Verificamos, até agora, que, para se resolver o problema da competência territorial,
existe uma regra geral (art. 46, caput, do CPC/2015), que contém um critério-chave de
determinação da competência e outras quatro regras subsidiárias (art. 46, §§ 1º, 2º, 3º,
4º e 5º do CPC/2015).
Consideramos, também, que, ao lado desse critério, e com prioridade sobre o mes-
mo, podemos determinar a competência por meio de regras especiais, visto que as re-
gras gerais, quer a principal, quer as subsidiárias não exaurem os critérios de determi-
nação da competência. Acentue-se, ainda, que essas regras especiais prevalecem sobre
a geral, pois, caso contrário, os foros especiais não teriam razão de ser. Esses existem
por uma razão que, no entender do legislador, deve prevalecer sobre a outra, que ins-
pirou a regra geral.
A parte, dando preferência à regra geral, infringindo assim a regra especial, que seria
aplicável à hipótese, dá nascimento a um vício de competência, pois propôs a demanda
em foro relativamente incompetente. Inversamente, propondo ação perante um foro
especial, quando a deveria ter proposto no foro geral, será hipótese, igualmente, de in-
competência relativa – ambos casos de (in)competência territorial.
As regras de competência podem ser infringidas, gerando dois tipos de vícios, com
consequências jurídicas distintas. O primeiro vício é denominado de incompetência re-
344 Manual de Direito Processual Civil
69. Como, aliás, recentemente decidiu o STJ à luz do art. 112, parágrafo único, do CPC/1973:
“Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Comprovação da tempestividade do
Recurso Especial em Agravo Regimental. Suspensão do expediente forense. Possibilidade.
Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Competência. Declaração de ofício. Nulidade
de cláusula de eleição de foro. Contrato de adesão. Existência. Abusividade reconhecida.
Súmulas n. 5, 7 e 83 do STJ. (...) 3. É possível a declaração de ofício de incompetência baseada
no art. 112, parágrafo único, do CPC na hipótese de reputada inválida a cláusula de eleição
de foro pactuada em contrato de adesão quando há reconhecimento da hipossuficiência da
parte e comprovação da dificuldade de acesso à Justiça. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 732.047/
SC, 3ª T., j. 01.12.2015, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 11.12.2015).
Competência 345
preclusão sobre a matéria. Aliás, a incompetência absoluta pode ser alegada até mesmo
depois do trânsito em julgado da sentença, como fundamento de ação rescisória, com
base no art. 966, II, do CPC/2015.
A incompetência material (ratione materiae) é aquela verificada em razão da matéria
não caber dentro das atribuições de um determinado juízo (trata-se de incompetência
de juízo). Ou seja, não se observa quais matérias determinado juízo está jurisdicional-
mente apto a apreciar, como, v.g., a propositura de causa cível em juízo criminal. Quan-
to às causas cíveis e a competência material, cumpre-nos dizer, ainda, que, tratando-se
de causas que versem sobre determinadas matérias, há varas (juízos) especializadas,
cuja competência é absoluta, exatamente porque ratione materiae (ex.: varas de famí-
lia, registros públicos etc.).
Nesse passo, é fundamental registrarmos que a competência dos chamados foros re-
gionais na comarca de São Paulo é absoluta, ainda que se trate de competência territorial
e de competência em razão do valor da causa. Esse entendimento pode ser estendido
aos foros regionais de outras Comarcas ou circunscrições judiciárias, pois a existência
dos foros regionais é, claramente, decorrente de razões de ordem pública, no sentido
de: (i) distribuir melhor a Justiça, em localidades de grandes dimensões, sem que essa
estrutura seja passível de fácil alteração; e (ii) colima proporcionar um acesso mais cô-
modo à Justiça, com vantagens para todos os jurisdicionados.
A esse propósito, aliás, é necessário sempre ter presente que, caso se admitisse a
preferência pelo foro central, em detrimento dos foros regionais, é provável que muitos
particulares, e principalmente pessoas jurídicas, tendo em vista a sua estrita comodi-
dade, ajustassem em contrato a “eleição do foro central”, e o poderiam fazer, por exem-
plo, em detrimento constante do interesse do outro contratante. Parece, portanto, ape-
sar dos aparentes entraves exegéticos que se colocam diante do aplicador da lei (isto é,
o Código de Processo Civil, que no art. 63 define a competência territorial e por valor
como relativas), não podemos admitir, como regra corrente, na dinâmica da vida judi-
ciária, a eleição do foro central, por exemplo, em detrimento de um dado foro regional.
70
Inclusive, conclusão diferente dessa, implicaria por certo desmontar o sistema de
divisão interna estabelecido nas normas de organização judiciária, com infração à lei.
Em rigor, como no caso da função desempenhada pelos foros regionais, não podemos
deixar de reconhecer que a divisão de determinada comarca ou circunscrição implica
competência de atribuições.
Assim, cada foro regional possui sua competência territorial, não podendo ser rea-
lizado negócio jurídico que altere a competência de um foro regional para outro. Con-
tudo, a competência dos foros regionais não engloba as ações de usucapião, as retifi-
70. Nesse sentido, aliás, decide o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como, v.g., nos
seguintes julgados: TJSP, CC 0080078-59.2015.8.26.0000, Câmara Especial, j. 16.05.2016,
rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci; TJSP, CC 0022147-98.2015.8.26.0000, Câmara
Especial, j. 09.05.2016, rel. Des. Lídia Conceição; TJSP, Ag. 2005571-59.2016.8.26.0000,
16ª C. Direito Privado, j. 26.04.2016, rel. Des. Miguel Petroni Neto; e TJSP, Ag. 2240103-
12.2015.8.26.0000, 3ª C. Direito Privado, j. 12.04.2016, rel. Des. Beretta da Silveira.
346 Manual de Direito Processual Civil
71. “Artigo 4º – A competência de cada foro regional será a mesma dos foros distritais existentes,
com os acréscimos seguintes e observados, no que couber, os demais preceitos em vigor:
I – em matéria cível, independentemente do valor da causa:
a) as ações reais ou possessórias sobre bens imóveis e as de nunciação de obra nova, exclui-
das as ações de usucapião e as retificações de áreas, que pertencem às Varas de Registros
Públicos; b) as ações de recisão e as de adjudicação compulsória, fundadas em compromisso
de compra e venda; c) as ações de procedimento sumaríssimo, salvo as de acidentes do
trabalho e as do interesse das Fazendas Públicas; d) as ações baseadas no direito securitário,
quando relacionadas com matérias ou procedimentos da competência dos foros regionais,
excluidas as do interesse das Fazendas Públicas;”.
Competência 347
decida desde logo o mérito. Afiguram-se, nesse cenário, duas situações possíveis: (i) se
os dois juízos de primeiro grau de competências conflitantes, por assim dizer, estive-
rem submetidos ao mesmo tribunal, esse reconhece o vício e já julga o mérito recursal.
Porém, se o juízo com competência absoluta não estiver a ele submetido, como v.g. no
caso de conflito entre as Justiças Estadual e Federal, o próprio tribunal também não será
competente, cumprindo-lhe remeter os autos.
72. A esse respeito já entendeu o STJ que, tratando-se de relação continuativa de prestação de
alimentos e tendo em vista o interesse superior do alimentando, é possível a mitigação
do princípio da perpetuatio iurisdictionis. (STJ, CC 114.461/SP, 2ª S., j. 27.06.2012, rel.
Min. Raul Araújo, DJe 10.08.2012).
73. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual.
e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 123.
Competência 349
74. Na expressão utilizada por Paulo Lucon em trabalho acadêmico afeto ao tema, “o espírito
que permeia todas as hipóteses de conexão é evitar provimentos contraditórios ou confli-
tantes em razão de as demandas reclamarem a solução de questões comuns ou idênticas.”
(Paulo Henrique dos Santos Lucon, Relação entre demandas, Brasília: Gazeta Jurídica, 2016,
p. 83-84).
75. Por exemplo: “Recurso Especial. Medida cautelar de sequestro vinculada à ação declaratória
de extinção de condomínio florestal. Efeito translativo. Instância especial. Inaplicabilidade.
Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. Conexão reconhecida. Inexistência de
obrigatoriedade de julgamento conjunto. (...) 5. Segundo a jurisprudência desta Corte, a
reunião dos processos por conexão configura faculdade atribuída ao julgador, sendo que o
art. 105 do Código de Processo Civil concede ao magistrado certa margem de discriciona-
riedade para avaliar a intensidade da conexão e o grau de risco da ocorrência de decisões
contraditórias. (...)” (STJ, REsp 1.366.921/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; STJ, REsp 1.484.162/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; STJ, EDcl no REsp 1.394.617/SC, 1ª T., j. 13.05.2014, rel.
Min. Ari Pargendler, DJe 20.05.2014; e STJ, CC 126.601/MG, 1ª S., j. 27.11.2013, rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe 05.12.2013). Sobre a amplitude do conceito de conexão, já
nos manifestamos em parecer publicado em nossas Soluções Práticas de Direito: pareceres.
Volume I, p. 675 e ss.
350 Manual de Direito Processual Civil
76. V. Edward Carlyle Silva, Conexão de causas, sobre a tríplice identidade ou a teoria tradicional
envolvendo a teoria de Matteo Pescatore (p. 63 a 70); as críticas quanto à teoria tradicio-
nal (p. 70 a 74); a teoria de Francesco Carnelutti (p. 74 a 79); e a contribuição de Enrico
Redenti (p. 79 a 82).
77. STJ, CC 41.953/PR, 1.ª S., j. 25.08.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 13.09.2004,
p. 165; STJ, MS 9.299/DF, 1.ª S., j. 23.06.2004, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ
20.09.2004, p. 178; e STJ, CC 126.601/MG, 1ª S., j. 27.11.2013, rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 05.12.2013.
Competência 351
O § 1º do art. 55 do CPC/2015 não utiliza mais o pode, mas determina que “os pro-
cessos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta”. Porém, de todo modo,
reconhecemos a existência de grande diversidade de influência recíproca entre ações,
o que torna mais operativo e funcional entendermos pela possibilidade de avaliação,
caso a caso, pelo juiz do grau ou intensidade da conexão e da utilidade da reunião das
causas em juízo único. O dispositivo traz, como já reconhecia o STJ,78 uma faculdade
para o magistrado atuar de acordo das circunstâncias de cada caso concreto.
Porém, não entendemos que essa liberdade é plena a ponto de implicar a não junção
dos processos, quando for intensa a conexão (v.g., identidade de pedidos e causa peten-
di), ou quando houver real utilidade na junção de ambas as causas, ou, ainda, quando
estejam aproximadamente no mesmo momento ou estágio processual. Inversamente,
o juiz terá maior margem de decisão, quando for mais tênue a conexão e quanto menor
a utilidade perceptível de se reunirem as ações.
Assim, se os resultados das sentenças a serem proferidas separadamente por juízos
distintos poderão ser totalmente antagônicos, não há liberdade para o juiz não determi-
nar a conexão. Se não determinar a junção poderá comprometer, até mesmo, a certeza
que há de emergir da função jurisdicional, diante do possível conflito prático de deci-
sões, ou seja, decisões que seriam praticamente inconciliáveis.
No mais, devemos assinalar que se houve a determinação da reunião das causas, o
correto é julgá-las conjuntamente, como aliás bem determina a parte inicial do § 3º do
art. 55 do CPC/2015. Embora possam existir decisões que sejam até logicamente incom-
patíveis, mas não incompatíveis (e, por isso mesmo, sobreviveriam ambas, sem antagonismo
prático insolúvel), não é esta situação desejada pelo sistema e é essa uma das razões que
levaram o legislador a fixar a regra da reunião de causas conexas para julgamento con-
junto. Como já observamos, a reunião das causas deverá ter lugar se houver utilidade,
no sentido da economia processual, ou outro motivo para a junção. Por isso, v.g., se uma
das causas for complexa e já estiver madura (pronta para julgamento), não há porque
reuni-las. Do mesmo modo, não há que se falar em conexão entre duas causas, estan-
do uma delas já julgada, conforme expressamente excepciona a parte final do § 1º do
art. 55 do CPC/2015, encampando, inclusive, entendimento da Súmula nº 235 do STJ.79
78. STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 677.314/DF, 4ª T., j. 04.02.2016, rel. Min. Raul Araújo, DJe
22.02.2016; STJ, AgRg no REsp 1.204.934/RJ, 1ª T., j. 14.04.2015, rel. Min. Benedito Gon-
çalves, DJe 23.04.2015; STJ, REsp 1.366.921/PR, 3ª T., j. 24.02.2015, rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, DJe 13.03.2015; e STJ, REsp 1.496.867/RS, 3ª T., j. 07.05.2015, rel. Min. João
Otávio Noronha, DJe 14.05.2015.
79. Súmula nº 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já
foi julgado”.
352 Manual de Direito Processual Civil
te), abrangendo o da outra (causa contida). Nesse caso, as ações também devem ser
reunidas, sob os mesmos fundamentos que ensejam a reunião das ações conexas, quais
sejam a ideia de se evitar decisões contraditórias e de que não se desenvolva uma ativi-
dade processual inútil.
Conquanto coincidentes os fundamentos, a continência apresenta certa dinâmi-
ca própria entre as causas continente (maior e mais abrangente) e a contida (menor).
Se a causa continente for proposta antes da contida, não devemos falar em reunião
dos processos, como bem determina o art. 57 do CPC/2015. O ajuizamento posterior
da causa menor, englobada pela anterior, implicará o reconhecimento de que a causa
menor já estava pendente, isso, claro, se já tiver ocorrido a citação na causa continente,
uma vez que é a citação que induz litispendência (art. 240 do CPC/2015), e se houver
identidade integral entre a causa contida e a parte da causa continente correspondente.
Nessa hipótese, o tratamento jurídico a ser dado não será o de junção das causas e mo-
dificação da competência, mas sim o da litispendência, que tem por consequência a ex-
tinção da segunda ação sem resolução do mérito (art. 485, V, do CPC/2015).
Já na hipótese cronológica inversa, ou seja, se a ação contida (a menor) for proposta
antes da ação continente (a maior), elas devem ser reunidas no juízo prevento (art. 58
do CPC/2015), à semelhança do que se verifica com a conexão e com os mesmos tempe-
ramentos observados no item anterior. Em realidade, nessa segunda situação, cumpre-
-nos observar que a ação continente, não deveria ter sido proposta, no que tange à parte
idêntica à ação menor e contida, já em curso, sendo a solução efetivamente correta, em
face dessa identidade “plena”, a da litispendência parcial da causa continente (art. 337,
§§ 1º e 3º do CPC/2015), o que terá como consequência a extinção da ação continente
sem resolução do mérito, no que for idêntica à ação contida.
Inegavelmente, os fenômenos da conexão, da continência e da litispendência têm um
elemento comum: a pendência simultânea de dois ou mais processos com lides conexas
ou idênticas. Porém, em que pese isso, o sistema fornece, por assim dizer, uma solução
prática distinta para cada um dos institutos. Tratando-se de conexão, dever-se-ão reu-
nir os processos, nos moldes que pontuamos no item precedente; solução semelhante
se dá na hipótese de continência, com as ressalvas que fizemos há pouco; porém, se for
caso de litispendência, o processo em que tiver ocorrido primeiro a citação será o que
prevalecerá,, devendo o outro ser extinto sem resolução do mérito.
No entanto, é possível a configuração de outras duas situações. Pode ser que um de-
terminado juízo entenda ser competente para julgar uma causa e que outro juízo tam-
bém entenda ser competente para julgar a mesma causa. Cria-se, assim, um verdadeiro
conflito positivo de competência, pois dois juízos se entendem competentes para uma
mesma causa. Temos, então, dois juízos que têm ou podem ter, abstratamente, jurisdi-
ção para apreciar a ação, mas que disputam, precisamente, a competência para apreciá-
-la (jurisdição para essa determinada causa).
De forma antagônica, podemos ter um conflito negativo de competência. Nessa outra
hipótese, os dois juízos não entender ser competentes, mas ao contrário, os dois juízos
entendem que não têm competência para julgar uma determinada causa.
9.10.2. O tratamento dado à matéria pelo nosso Código e entre tribunais estaduais
O Código de Processo Civil de 2015 regula a matéria em seu art. 66. Há, pelo texto
legal, conflito de competência quando (i) 2 ou mais juízes se declaram competentes –
conflito positivo de competência –, (ii) 2 ou mais juízes se consideram incompetentes
– conflito negativo de competência –, e (iii) entre 2 ou mais juízes surgir controvérsia
sobre a reunião ou separação de processos.
O inc. III desse art. 66 do CPC/2015, continua insistindo em um erro, que já veri-
ficávamos nos Códigos de 1939 e 1973. Essa terceira hipótese, em bem da verdade, é
redutível a um conflito positivo ou negativo, ou seja, é redutível aos fenômenos que es-
tão descritos no art. 66, I e II, do CPC/2015. Exemplificativamente: no juízo A pendem
duas causas, X e Y. O juízo B entende-se competente em relação a uma delas, a causa Y.
Nesse caso, como vemos, se perfaz em rigor um conflito positivo de competência: dois
juízes se entendem competentes para julgar a mesma causa Y. Em razão dessa dispu-
ta, os juízos discordam da separação de causas. Essa discordância, portanto, não é uma
terceira hipótese de conflito, mas a consequência de um conflito positivo de competên-
cia. O juízo A, que entende ser competente, discordando da separação, e o juízo B, que
também entende ser competente, pretendendo a separação dos processos, com o envio
da causa Y do juízo A para o juízo B, separando-a da causa X.
De outra parte, a reunião de processos também perfaz, em última análise, um con-
flito negativo de competência, indicando, mais uma vez, a redundância presente no inc.
III do art. 66 do CPC/2015. Por exemplo: no juízo A, pende um processo Y, no juízo B,
pendem dois processos X e Z. Entende o juízo B que um dos processos ali pendentes, o
processo Z, deverá ser objeto de reunião ao processo Y pendente no juízo A, diante da
existência conexão entre as causas Y e Z. O juízo A, ao contrário, entende inexistir co-
nexão no caso, e, por essa razão, o processo deverá permanecer no juízo B sem a reunião
dos feitos. Toda a situação caracteriza, assim, um verdadeiro conflito negativo de com-
petência negativo, já que tanto o juízo A como o B entendem ser incompetentes para
apreciar o processo Z.
Após essas considerações, importa-nos analisar a quem compete apreciar e dirimir
tais conflitos de competência.
354 Manual de Direito Processual Civil
10.1. Introdução
Pela expressão sujeitos do processo1 entendemos concretamente todos aqueles que
figuram na relação jurídica processual. Assim, incluem-se dentre os sujeitos do proces-
so o juiz, que é o sujeito imparcial; as partes propriamente ditas (aí incluídos autor(es)
e réu(s); e terceiros.
Devemos estudar cada uma das figuras que podem atuar no processo, separadamente.
10.2. O juiz
O juiz deve ser considerado, num sentido lato da expressão, funcionário público.
No entanto, as peculiaridades respeitantes à sua posição e, em especial, à sua função são
tantas, que o distanciam muito do funcionário público comum e do regime jurídico a
que este se submete.
O primeiro aspecto a ser considerado, com relação à posição do juiz, sob o ponto de
vista de sua função, implica o estudo do Direito Constitucional. Tão importantes são
determinadas garantias do juiz, justamente as que a extremam da figura do funcionário
público comum, que o legislador houve por bem inserí-las no texto constitucional, na
linha de longa tradição histórica.
1. V. sobre sujeitos do processo: Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT,
1971, p. 485; v., mais recentemente, Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, São
Paulo: RT, 1996, vol. 2, comentários ao art. 7.º.
2. Castro Nunes, Teoria e prática do Poder Judiciário, Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo,
1943, p. 93 e ss., sobre as garantias fundamentais da magistratura.
356 Manual de Direito Processual Civil
8. Veja-se, sobre a citação como pressuposto processual de existência, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7ª ed., rev., ampl. e atual, São Paulo: RT,
2014, p. 354 a 368.
9. V. José de Moura Rocha, Há poder de polícia no art. 445 do Código de Processo Civil, Revista
de Processo (RePro) 6/27.
10. Um tosco esboço de fortalecimento dos poderes do juiz encontra-se no CPC 73, no seu
art. 14, V, com a redação dada pela lei 10.358, de 27/12/2001.
11. “Há de ser rejeitado com veemência o formalismo oco e vazio, que desconhece o concreto e
deixa de fazer justiça. A organização do processo e sua ordem, por sua vez, também não são
360 Manual de Direito Processual Civil
destituídos de conteúdo. Assim, se o juiz preservar as garantias das partes, vedado não lhe
é adotar um ponto de vista mais maleável, adaptando o direito e o sistema ao caso, quando
necessário para vencer o formalismo, obstaculizador da justiça na hipótese concreta” Car-
los Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 213.
12. Sobre o tema, ver: Fernando da Fonseca Gajardoni, Flexibilização procedimental: um novo
enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, 2ª ed. São Paulo: Atlas,
2008.
13. cf. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 6, 1-139, em que se analisam
os arts. 134 ao 137 do CPC/1973.
14. Neste sentido, v. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, 3ª
ed. ver. e atual, Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 486.
Os Sujeitos do Processo 361
15. O entendimento correto foi sufragado pelo STJ, tendo em vista a sua Súmula 33, redigida
nos seguintes termos: “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício” (DJU
29.10.1991, p. 15.312). Nesse sentido: STJ, REsp 642.479/SC, 1.ª T., j. 05.08.2004, rel. Min.
José Delgado, DJ 27.09.2004. Na doutrina: Cândido Rangel Dinamarco, Declaração ex
officio da incompetência relativa, Ajuris 17/142; José Carlos Barbosa Moreira, Pode o juiz
declarar de ofício a incompetência relativa?, RP 312/19.
16. O CPC/1973 fazia referência ao “síndico” (art. 12, III). Com a Lei 11.101/2005, a figura do
síndico foi substituída pela do administrador judicial, encargo que pode ser exercido inclusive
por pessoa jurídica especializada. Na lei em referência, o art. 21 dispõe: “O administrador
judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de
empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. Parágrafo único. Se o administrador
judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o
nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação
judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz”.
17. Embora não conste expressamente do art. 75 do CPC/2015, uma vez declarada a insolvência
civil, a massa insolvente passará a ser gerida pelo administrador conforme art. 761, I do
CPC/1973, ainda vigente em razão do disposto no art. 1.052 do CPC/2015.
18. Na RSTJ 18/503, REsp 5.790, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, ver ementa de acórdão mostra
ter sido decidido que “a Caixa de Previdência dos Advogados de São Paulo não tem perso-
nalidade jurídica, órgão que é do IPESP. A lei, no entanto, dotou-a de autonomia financeira
e patrimônio próprio. A ação de que trata o processo repercutirá nesse patrimônio, por força
362 Manual de Direito Processual Civil
entanto, possibilidade de limitação desta por decisão judicial que institua a curatela,
que afetará os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85
do mencionado Estatuto). A limitação imposta pela decisão que define a curatela ine-
gavelmente terá reflexos no âmbito processual, sendo necessária a presença do curador
para a prática dos atos processuais.
Assim, todo aquele que se encontra no exercício de seus direitos tem capacidade
para estar em juízo, ou seja, para atuar, agir no processo.
Todavia, não basta ter capacidade para estar em juízo, a fim de poder atuar em todo
e qualquer processo, sendo essencial que lhe seja acrescida a legitimação, a qualifica-
ção de processual.
Esta resulta da titularidade subjetiva da lide, da perspectiva do poder atuar no pro-
cesso. Não é a titularidade da lide em si, que se encontra no campo das condições da
ação: a lide deve dizer respeito a autor e réu, como condição do exercício do direito de
ação e do agir processual.
Parte, por outro lado, é aquele que pleiteia a tutela jurisdicional, bem como aquele
contra quem essa tutela é pedida.19 O conceito de parte é eminentemente processual,
resultando da “simples afirmação da ação/pretensão”. Decorre do fato da propositura
da ação.20
O que é relevante para determinar quais são as partes é o fato de alguém pedir algo,
por meio do processo, contra outrem. Se lhe for reconhecida a legitimidade (ativa no
caso do autor e passiva no caso do réu), de parte legítima se tratará; caso contrário, será
parte ilegítima; isto é, quem é tido por parte ilegítima não terá deixado de ser parte. Essa
ilegitimidade deve levar à extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI
do CPC/2015). O réu, a seu turno, que entenda ser parte ilegítima, terá, porém, legiti-
midade, pelo menos, para arguir a sua ilegitimidade.
Diferem entre si os conceitos de parte, parte legítima e parte vencedora. O conceito
de parte expressa a realidade representada pelo fato, que se origina da afirmação feita
pelo autor, considerando-se com direito à ação em função de uma pretensão, atribuindo
ao demandado a qualificação de réu. Deriva, exclusivamente, pois, de uma afirmação.
Já o segundo conceito acrescenta ao primeiro um atributo jurídico: o da legitimida-
de. Daí as ideias possíveis de parte legítima e ilegítima.
O conceito de parte legítima está situado tanto no campo dos pressupostos proces-
suais como no das condições da ação.
A legitimação para a causa (legitimatio ad causam) constitui-se na própria titularida-
de subjetiva (ativa) da lide, figurando como réu aquele a quem a lei submeta aos efeitos
19. Sobre o conceito de parte: v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2,
p. 9 e, também do autor, o antigo Tratado de direito processual civil cit., vol. 2, comentários
ao art. 7.º. Consultar, também: Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, As partes no processo civil,
RBDP 12/109; José Augusto Delgado, Sujeitos do processo, RePro 30/61.
20. Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1965, vol. 2, p. 235.
364 Manual de Direito Processual Civil
21. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p 13.
Mais recente e amplamente, v. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. 2,
comentários ao art. 7.º.
22. Sobre o princípio da dualidade de partes, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil co-
mentado vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p. 19. Também, v. Arruda Alvim, Tratado de direito
processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao
45), São Paulo: RT, 1996, comentários ao art. 7.º.
366 Manual de Direito Processual Civil
parecem as duas partes antagônicas. Nesse ponto, embora o CPC/2015 não tenha repro-
duzido o art. 267, X, do CPC/1973, que falava especificamente da confusão entre autor
e réu, a conclusão deve ser a mesma, extinguindo-se o feito sem resolução de mérito.
Além da dualidade, atua o princípio da igualdade das partes (art. 7º). Esta igualda-
de de partes diz-se precipuamente, ou, pelo menos, há de ser formalmente respeitada,
no sentido de que sempre aos autores cabem os mesmos direitos e deveres (ônus), e aos
réus, da mesma forma. Não quer ela significar, e nem isso é possível, obviamente, que o
autor tenha num dado processo, exatamente, os mesmos direitos que o réu.
Sem embargo de a igualdade ser praticamente a formal, advirta-se que, na medida
do possível, dever-se-á propender pela igualdade substancial, ou seja, um dado autor
deve ter as mesmas condições (prazos, oportunidades etc.) que o réu, seu antagonista.
Na dúvida, ademais, a igualdade substancial há de ser respeitada.
Parte, pois, em sentido processual23 é, em regra, o que pede e aquele contra quem se
pede no processo, como já vimos, e que arcará com a sucumbência. Parte, em sentido
substancial, para quem aceite esta distinção, hoje superada, é de quem se afirma (subs-
tituição processual) ser o titular do direito material. Substituto processual seria parte
processual, e parte substancial seria o substituído.
Nossa lei processual (art. 121), designando autor e réu como partes principais, ipso
facto, denominou o assistente simples de parte não principal. Quanto ao atuar do assis-
tente simples foram estabelecidos limites (art. 122), ao passo que o assistente litiscon-
sorcial, porque parte como veremos, recebe o tratamento de litisconsorte, se ingressar
no processo, no plano do processo, no que diz com seus poderes e deveres e a respeito
da eficácia da sentença e da coisa julgada (art. 124).24
23. Sobre a longa evolução do conceito de parte, como sendo o de parte processual, v., am-
plamente, Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de
Processo Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), São Paulo: RT, 1996..
24. Ver, com proveito, cf.: Da assistência litisconsorcial no Código brasileiro, por Thereza Alvim,
Revista de Processo (RePro) 11, p. 45; Assistência litisconsorcial, por Ovídio A. Baptista da
Silva, Revista de Processo (RePro) 30, p. 9, RBDP 42/87; Sobre o assistente litisconsorcial,
por Luiz Guilherme B. Marinoni, Revista de Processo (RePro) 58, p. 250.
25. V. nosso Tratado de Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo
Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), São Paulo: RT, 1996 p. 14-18.
368 Manual de Direito Processual Civil
so. Normalmente têm essa capacidade aqueles a quem a lide diz respeito. Todavia (em
cada caso concreto), o direito pode possibilitar ir a juízo defender, em nome próprio,
direito alheio. Nessa hipótese, também há essa legitimação processual, nesse passo ex-
traordinária. Trata-se de um pressuposto processual (subjetivo e respeitante à validade
do processo), que, se inocorrente, deverá, sendo manifesto, levar ao próprio indeferi-
mento da inicial (art. 330, II); ou, então, não tendo isto ocorrido, ulteriormente deverá
haver a extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 485, VI).
Doutra parte o art. 330, II, refere-se à ilegitimidade ad causam e ad processum do autor,
enquanto o art. 485, IV, refere-se à ilegitimidade processual, que, detectada no curso do
processo, acarreta sua extinção sem resolução de mérito, pois o juiz não resolverá o mé-
rito se verificar ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do
processo, o que ocorre se as partes não estiverem aptas a dar origem e desenvolvimento ao
processo em nome próprio. Por sua vez, o art. 485, VI do CPC/2015, trata da extinção do
processo, expressamente, faltante condição da ação, interesse jurídico e/ou legitimidade “ad
causam” que se detecta ao verificar que a lide não pode vir a dizer respeito aquelas partes.
Por outras palavras, a capacidade para estar em juízo do maior e capaz nada mais
é do que a trasladação de sua capacidade de exercício dos direitos, tal como disciplina
o Direito Civil, para o campo do processo e, daquela, concretizada e admitida no pro-
cesso, ter-se-á a legitimação processual. Todo aquele que, na vida privada, tem o livre
exercício dos seus direitos, será processualmente capaz para agir. É o que decorre do
art. 70, como regra geral.
Quando se diz que alguém tem capacidade para ser parte legítima, supõe-se, neces-
sariamente: 1) que tem capacidade para estar em juízo (pressuposto processual) e que
tem, in concreto, legitimação para o processo; 2) como também que está preenchida a
legitimatio ad causam (legitimação para a causa – uma das condições da ação). Quem
é parte legítima, portanto, observadas as demais condições da ação e os outros pressu-
postos processuais positivos, em regra, e, inocorrentes quaisquer pressupostos proces-
suais negativos, tem direito à sentença de mérito, mas que não deverá, só por isso e ne-
cessariamente, lhe ser favorável.
Pode ocorrer que determinadas pessoas sejam consideradas precisamente, como
decorrência da função que ocupam, representantes de figuras jurídicas que, embora
desprovidas de personalidade, propriamente dita, têm capacidade de ser parte, como
se dá com o inventariante, o administrador judicial, e partes serão o espólio e a massa
falida, respectivamente etc.
Foi a teoria da representação, basicamente, a adotada pelo legislador (v. art. 75, ca-
put), e não a teoria do órgão, segundo a qual aquele que age é considerado como ver-
dadeiro órgão.26
26. A teoria do órgão não comporta, nesta sede, desenvolvimento compatível com as dimensões
do trabalho. Todavia, no que diz com a “representação” do Estado e da massa falida, a teoria
do órgão nos parece a mais adequada, à luz do regime jurídico, e não em face da letra da
Lei.
Os Sujeitos do Processo 369
Assim, por exemplo, tratando-se de sociedade empresária extinta por sentença pro-
ferida em ação de falência ou em procedimento judicial de qualquer outra espécie, de-
vem ser citados não os ex-sócios, mas o respectivo administrador judicial ou liquidante.
Entretanto, se a sociedade entrar em liquidação ou for dissolvida na pendência da lide,
devem ser citados para o processo os seus sócios. É hipótese análoga, juridicamente idên-
tica, em sua essência, à de que a ação, entre pessoas físicas, supõe que essas estejam vivas.
Outro exemplo nesse tema é a admissão de personalidade judiciária de consórcios
de empresas, para fins de demandarem e serem demandados em juízo, como decidiu o
Superior Tribunal de Justiça. Na ocasião, foi esclarecido que “há determinadas pesso-
as que, não obstante a falta de personalidade jurídica, podem figurar como sujeitos da
relação processual por uma questão de conveniência, nos termos do CPC, art. 12, inc.
VII” (CPC/1973). Dessa forma, o dispositivo em questão diferencia a personalidade ju-
rídica de direito material da personalidade judiciária, que permite que os entes despro-
vidos de personalidade jurídica demandem e sejam demandados.27
27. “1. Processual civil. Capacidade de ser parte. Entes sem personalidade jurídica. Possibilidade
(CPC art. 12, VII). 2. Direito civil. Contrato. Natureza jurídica. Arrendamento e locação. In-
terpretação de contrato e reexame de prova. Impossibilidade. 1. Os entes sem personalidade
jurídica de direito material podem ser parte no processo para demandar e serem demandados,
a teor do CPC, art. 12, inc. VII, pois tal dispositivo trata do instituto da personalidade judiciá-
ria. 2. Para se descobrir a natureza jurídica do contrato, é necessário interpretar cláusulas do
contrato e reexaminar provas, o que não é cabível nesta Corte, Súmulas 5 e 7. 3. Recurso não
conhecido” (REsp 147.997/RJ, 5.ª T., rel. Min. Edson Vidigal, j. 15.04.1999, DJ 17.05.1999
p. 223, JSTJ vol. 6 p. 355). No mesmo sentido: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery,
Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 395).
28. A incapacidade relativa é completada pela assistência. Segue-se, portanto, que existe capa-
cidade. Sendo assim, não pode o pai que assiste (= há de assistir) ajuizar ação em nome de
filho, sem qualquer interferência deste: igualmente, se o filho for sujeito passivo de ação,
deverá também ser citado – é este o significado do art. 1.634, VII, do Código Civil – v. Athos
370 Manual de Direito Processual Civil
Gusmão Carneiro, O novo Código de Processo Civil nos tribunais do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, t. I, 1976, julgado 0017, p. 25-26.
29. TRF 4.ª R., AgIn 2003.04.01.028716-5/PR, rel. Des. Federal Fábio Rosa, DJU 14.01.2004,
p. 261.
30. Celso Agrícola Barbi, op. cit., p. 165.
Os Sujeitos do Processo 371
Por outro lado, constitui cerceamento de defesa o fato de o juiz mandar desentra-
nhar liminarmente a defesa, que não veio acompanhada do instrumento de mandato,
sem a concessão de oportunidade para a regularização do processo. Em face da siste-
mática vigente e da possibilidade do julgamento de mérito (art. 488, do CPC/2015), o
juiz não deve extinguir o processo por defeito de representação antes de ensejar à parte
suprir a irregularidade.
Há, portanto, de estar presente o curador nas demandas especificas que versem sobre
direitos patrimoniais e negociais, se este for o caso.
Quando o menor não tiver representante legal, manda a Lei que se lhe nomeie um
curador especial, nos termos do art. 72.31
A expressão representante legal aqui é empregada como gênero, abrangendo tanto a
figura do assistente do relativamente incapaz, quanto a do representante do absolutamen-
te incapaz e a do próprio curador ou tutor (v. arts. 1.690, 1.747 e 1.778, do CC/2002),
inclusive, ao nosso ver, do curador nomeado nos termos do Estatuto da Pessoa com De-
ficiência. A figura do curador especial, nesta hipótese, tem por finalidade fazer as vezes
do representante legal (art. 72, I, 1.ª frase).32
31. Sobre curador especial, v. Fredie Didier Jr., Regras processuais no novo Código Civil (aspectos
da influência do Código Civil de 2002 na legislação processual), p. 129.
32. Cf. Clito Fornaciari Júnior, Curador especial, Revista de Processo n. 1 jan-mar. 1976, p. 185.
33. O STJ já decidiu que “o curador ad litem, inclusive quando integrante do Ministério Público
(CPC, art. 9.º, parágrafo único), representa com plenitude a parte (quer demandante, quer
demandada), considerada merecedora de especial tutela jurídica, cabendo-lhe impugnar
as decisões judiciais tanto mediante recursos, como utilizando ações autônomas de impug-
nação, tais como o mandado de segurança contra ato judicial” (RSTJ 46/521, MS 1.768/RJ,
4ª T., j. 23.03.1993, rel. Athos Carneiro, DJU 19.04.1993). Doutra feita, o mesmo STJ (RSTJ
57/409, REsp 37.652-1, 3ª T., 30.09.1993, rel. Costa Leite, DJU 25.10.1993), que o curador
especial tem, também, legitimidade para os embargos do devedor, referidos no voto outros
precedentes, no mesmo sentido:STJ, REsp 9.961/SP, 4ª T, j. 31.10.1991, rel. Min. Athos
Carneiro, DJU 02.12.1991; REsp 23.495/RJ, 4ª T., j. 09.02.1993, rel. Min. Barros Monteiro,
05.04.1993 e REsp 32.623/RJ, 4ª T., j. 04.05.1993, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 31.03.1993
(rev. cit., p. 410). Nesse sentido é a doutrina: Cândido Dinamarco, Fundamentos do processo
civil moderno, São Paulo: RT, 1986, p. 330; José Raimundo Gomes da Cruz, A Curadoria à
Lide no Processo de Execução, RT 528/279.
34. Lígia Maria Bernardi, O curador especial no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1985, p. 202. Semelhantemente: “Se o pai de herdeira menor está sendo demandado
pelo espólio, em processo no qual denunciou a lide à mesma filha, há manifesta colisão de
interesses que obriga o Juízo a dar a esta curador especial” (TJSP, AgIn 84.333-4, 2.ª Câm.
Dir.Priv., São Caetano do Sul, j. 09.02.1999, rel. Cezar Peluso, v.u.).
Os Sujeitos do Processo 373
te que ficou a respeito da ação, com a citação com hora certa, mas o faz fora do prazo.
Nesta hipótese, os efeitos da revelia se encontram produzidos e, de qualquer forma, se
não houve o contraditório, isto se deu por perda de prazo, pelo próprio interessado, ou
seja, pelo próprio revel.35
Se o menor solicita alimentos de seu pai, outrossim, configura-se conflito de inte-
resses, havendo necessidade de nomeação de curador especial, pois ao pai não é dado
representar seu filho contra si próprio, eis que tem de se defender na referida ação. O
mesmo se dá quando houver, mesmo em tese, conflito de interesses entre pai e filho
menor com respeito a futura partilha.
35. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, 2ª ed. ref. ampl. do Código de Processo
Civil Comentado, vol. II (arts; 7º ao 45), comentários ao art. 9.º.
36. Diferentemente, fixando-lhe a natureza de substituto processual, cf. RSTJ 47/272, rel. Barros
Monteiro. No mesmo sentido deste entendimento, cf. Antonio Cláudio da Costa Machado,
A intervenção do Ministério Público no Processo Civil brasileiro, Sâo Paulo: Saraiva, 1989,
p. 152.
37. É o que expressamente dispõe o art. 142, parágrafo único, do ECA.
374 Manual de Direito Processual Civil
pois que, ainda que incomumente, poderão não existir as circunstâncias de desequilí-
brio, e, sem embargo disto, deverá haver a nomeação.
Como se disse, as razões de existência da figura não se exaurem neste apequena-
mento do curatelado, os quais poderão sequer estar presentes, mas existem outros fun-
damentos pelos quais se nomeia curador especial. O fundamento último, e essencial –
não se descartando do anterior, perceptível na maioria dos casos –, é o de que, mesmo
objetivamente, i.e., em si mesma considerada, a parte não reúne condições para litigar. O
que se quer dizer é que, se dois menores, nas condições descritas no art. 72, I, litigarem
– não se podendo, neste caso, cogitar propriamente de reequilíbrio – sem embargo, am-
bos deverão ter o seu curador especial. Isto vem a significar que essa situação é objetiva-
mente indicativa de que tais incapazes não reúnem condições objetivas (em si mesmas
avaliadas e não comparativamente ao outro litigante) para desempenho processual, in-
dependentemente de se comparar a situação de um menor, v.g., com a do outro, seu an-
tagonista (ex adverso), se este for maior e capaz.
As hipóteses de necessidade de nomeação, por outro lado, compreendem quaisquer
casos de limitação da capacidade e quaisquer formas ou modalidades de possíveis conflitos
de interesses, entre representante e representado, que, ocorrentes, devem determinar a
nomeação de curador. Este curador deverá, sempre, funcionar efetivamente, e não optar
por atuar, ou não, reduzindo-se a sua nomeação à mera formalidade. 38
O não cumprimento da norma referente à nomeação de curador especial, em re-
gra, conduz à nulidade, “retroativamente” até à revelia, inclusive, devendo-se nomear
curador para que conteste.39 Ou seja, o segmento do processo, em que já deveria ter sido
nomeado curador especial, e tendo isto não ocorrido, é que padece de nulidade. Deci-
são há que, em demarcatória, onde houve citação por edital, sem comparecimento de
confrontantes assim citados e, nomeado curador especial, somente muito tempo depois,
tendo em vista aquele momento em que isto deveria ter ocorrido, deu-se pela validade
de segmento processual, mesmo antes dessa nomeação, laborando-se em equívoco.40
Na verdade, tipificando-se hipótese de nomeação de curador especial, este deverá ter
sido nomeado imediatamente após à configuração da revelia e do não comparecimen-
to ao processo, desse revel, e, em sendo réu preso, sempre, quer apresente este defesa,
ou não.41
38. Cf. Antonio Cláudio da Costa Machado, A intervenção do Ministério Público no processo
civil brasileiro, p. 163; Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de
Janeiro: Forense, 1974, p. 367.
39. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1973,
vol. 1, p. 293, n. 12, entendendo, corretamente, tratar-se de nulidade.
40. TJSC – Jurisprudência Catarinense 45, esp. p. 183, 195 e 200, argumentando-se que, como
o Código de Processo Civil não prevê o momento da nomeação, bastará que o seja antes da
sentença.
41. Corretamente e diferentemente da nota anterior, pelo mesmo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (Jurisprudência Catarinense 46/330-331), decidiu-se pela nomeação de curador,
tendo em vista embargos de terceiro, opostos por incapazes, em ação demarcatória, para
a qual não haviam sido citados. Determinou-se que fossem corretamente citados e que se
Os Sujeitos do Processo 375
lhes nomeasse curador especial, diante da mera possibilidade de colisão dos interesses dos
menores incapazes com seus representantes legais.
42. Nesse sentido, amplamente: Maria Lúcia L. C. de Medeiros, Da revelia sob o aspecto da
instrumentalidade, São Paulo: RT, 2003, n. 3.1.1, p. 135; Por outro lado, assinala Eduardo
Arruda Alvim: “o não oferecimento de contestação pode até acarretar sanção administrativa
ao curador especial, se pertencente a organismo público, mas jamais implicará a ocorrência
de revelia”, pois, de outra forma, “estaria inutilizada a própria razão de ser da regra constante
do inc. II do art. 9.º do CPC, que prevê a necessidade de nomeação de curador especial em
tais hipóteses” (Direito Processual Civil, p. 335).
43. Na vigência do CPC/1973, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no seguinte
sentido: “De acordo com o disposto no art. 9.º, inciso II, o juiz dará Curador Especial ao
revel citado por edital. E, se a lei determina que, nesta hipótese, seja nomeado Curador
Especial e não restringe o exercício do ‘múnus público’, não deve o intérprete restringir.
O pressuposto é de que o Curador Especial deve assegurar os interesses do réu fictamente
citado, exercitando defesa. Aliás, não fosse assim, o art. 300 do Código de Processo Civil, não
disporia que ‘compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa’, permitindo
além das defesas processuais (CPC, art. 301), utilizar-se da reconvenção (CPC, art. 315)
(...) A propósito, a doutrina e a jurisprudência já revelaram a possibilidade de o Curador
Especial apresentar embargos do devedor. Dada a similitude com a reconvenção, não se
pode deixar de admitir que, no caso concreto, a reconvenção guarda conexidade com a
ação principal, ou seja, há vínculo entre elas, quanto ao objeto e a causa de pedir, reunindo,
portanto, os requisitos essenciais à sua viabilidade. Ademais, não custa salientar, os fatos
invocados como defesa na ação principal, serviram de fundamento do pedido reconven-
cional, aumentando, destarte, a convicção favorável à manutenção da decisão agravada“
(TJSP, Ap. com Rev. 911837000, Rel. Des. Artur Marques, j; 20.02.2006). Para Humberto
Theodoro Jr., ao curador especial cabe a “ampla defesa da parte representada”, podendo
apresentar “contestação, exceção e reconvenção, se encontrar elementos para tanto, pois a
curatela especial dá-lhe poderes de representação legal da parte, e tudo o que diga respeito
ao processo e à lide nela debatida”. Na opinião do autor, apenas seria vedada ao curador
especial a prática de atos de disposição (Curso de Direito Processual Civil, 49. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 85-86). Em sentido divergente, quanto à reconvenção: Eduardo
Arruda Alvim entende que o mesmo raciocínio destinado aos atos de disposição de direito
material se aplica à reconvenção, que não pode ser promovida pelo curador especial (Direito
Processual Civil: processo de conhecimento, 2. ed., p. 335). Similarmente, Nelson Nery Jr.
e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário à jurisprudência sobre o tema, explicam em
que a situação da reconvenção seria distinta da dos embargos de devedor, pois os embargos
– conquanto constituam ação autônoma – seriam a única defesa do executado, enquanto
a reconvenção seria modalidade de ataque em sentido estrito. Já quanto à denunciação da
lide em virtude de evicção (art. 70, I, do CPC), entendem ser possível o oferecimento pelo
curador especial, pelo risco de se entender que esta seria a única forma permitida para o
exercício do direito de regresso – segundo os autores (Código de Processo Civil comentado,
10ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 196).
376 Manual de Direito Processual Civil
A este tema outras leis se referem, v.g., o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/1990), ao disciplinar a atividade do juiz, em esfera não necessariamente civil
(art. 148, parágrafo único, letra f), lhe defere competência para “designar curador es-
pecial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimen-
tos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente”, à luz
da ocorrência do que está disposto no art. 98, desta mesma lei.44
Dirimindo dúvidas a respeito de quem poderia ser curador, diz o CPC/2015 (art. 72, pár.
único), que “a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.
Diante do CPC revogado, afirmávamos nas edições anteriores deste Manual que,
mesmo existindo membro do Ministério Público que pudesse funcionar, mas já não
ocupante de cargo de curador de ausentes e incapazes, sempre se entendeu, predomi-
nantemente, que o juiz não ficava obrigado a nomear tal agente, senão que poderia no-
mear advogado. Dizíamos que ficava, sim, vinculado o juiz, quando especificamente
existia o referido cargo.
No Estado de São Paulo, por exemplo, entretanto, a função do curador da lide dei-
xou de ser atribuição do Ministério Público, passando a ser mister de advogados, no-
meados, caso a caso, pelo juiz oficiante (Lei Complementar Estadual 667/1991, cujo
art. 16 extinguiu os cargos de Promotor de Justiça Curador Judicial de Ausentes). To-
davia, a Lei Complementar Federal 80/1994, que organizou a Defensoria Pública da
União, do Distrito Federal e dos Territórios, além de dar normas gerais para sua organi-
zação nos Estados, prescreve em seu art. 4.º, XVI, ser função institucional da Defenso-
ria Pública atuar como curador especial nos casos previstos em lei, dentre eles o art. 72
do CPC/2015. Enquanto não havia sido instalada aquela Defensoria, por exemplo, no
Estado de São Paulo, prevalecia o comando do art. 10 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias da Constituição do Estado que atribuía o exercício da função dos
defensores à Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado
ou, ainda, por advogados contratados ou conveniados com o Poder Público através da
Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
Originalmente, portanto, o curador especial não precisava ser advogado. Aliás, o
representante legal de quem este curador especial fazia as vezes também podia não ser
advogado. Um e outro deviam constituir advogado.45 Atualmente, no entanto, conside-
rando que os curadores serão Defensores Públicos e, ainda, que o art. 26 da Lei Com-
plementar 80/94 dispõe que somente poderá ingressar na carreira de Defensor Públi-
co aquele que, no momento da inscrição, possuir registro na Ordem do Advogados do
Brasil, devemos concluir que o curador especial deve ser advogado.
44. Observa-se apenas que, pelo Estatuto citado, com vistas ao âmbito de sua aplicação, inexiste
coincidência rigorosa, tendo em vista a idade, com a incapacidade relativa e absoluta do
Código Civil (v. CC, arts. 3.º e 4.º, e Estatuto, art. 2.º, em que se define “criança” e “adoles-
cente”).
45. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. II, comentários ao art. 9.º (RT, 1996);
Clito Fornaciari Júnior, Curador especial, Revista de Processo (RePro) 1/185; Hélio Tornaghi,
Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 1976, v. 1, p. 114 1/114.
Os Sujeitos do Processo 377
ria própria de defesa, o que confirma o entendimento de que deve haver curador espe-
cial. Nesse sentido consolidou-se a jurisprudência do STJ, que culminou com a edição a
Súmula 196: “Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel,
será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos”.48
Por fim, e já desde a Lei 11.232/2005 – que introduziu o chamado cumprimento de
sentença, eliminando a necessidade de instauração de nova relação processual tenden-
te à satisfação do direito reconhecido, dentre outros, na sentença civil que reconhece a
existência da obrigação de pagar quantia certa –, parece-nos que o curador especial, no-
meado na fase cognitiva, continua a exercer o seu mister também na fase executiva do
procedimento, exatamente em razão da unicidade procedimental existente. Não deve
haver, portanto, até mesmo por razões ligadas ao princípio da economia processual e
por interpretação teleológica, que se falar em nova tentativa de localização do réu, para
depois, em caso negativo, se nomear novo curador.
48. Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, 1977, p. 137-8, que dá notícia (p. 138,
notas 439-440).
49. V. Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil, vol. 2, São Paulo: RT, 1996, comentários
ao art. 13.
50. No STJ: AgInREsp 493224/RS, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, DJU 19.12.2003; no STF: RE-E-
Dcl-AgRg, 2.ª T., 281287/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04.04.2003.
Os Sujeitos do Processo 379
Destaca-se que o suprimento judicial a que se refere o art. 74 é obtido através de pro-
cedimento de jurisdição voluntária (art. 719 e ss.). O juiz não deverá admitir a recusa ao
consentimento, suprindo-o, portanto, quando a solicitação feita pelo outro cônjuge se
respalde no que – segundo o que entender conveniente e oportuno – se tenha por uma
conduta sensata e razoável e que, possivelmente, trará benefícios à família.
10.6. Advogado53
10.6.1. Capacidade postulatória54
A Constituição Federal de 1988 dispõe, no seu art. 133, que “O advogado é indis-
pensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei” (g.n.).
Isto significa que a postulação em juízo, ativa ou passivamente ou, ainda, na hipótese de
intervenção de terceiros, será normalmente realizada por intermédio de advogado. É certo
que essa regra não obsta a ocorrência do julgamento da lide em caso de revelia, visto
que o instituto não é incompatível com o “devido processo legal” (art. 5º, LIV; v. tb. o
art. 5º, LV, da CF/1988). O imprescindível é que o ingresso em juízo, ou seja, a postu-
lação se faça por intermédio de advogado, sendo excetuadas apenas algumas situações
previstas expressamente em legislações específicas55.
53. Cumpre ressaltar que o advogado não é propriamente sujeito do processo, mas age em nome
das partes ou terceiros, integrando sua capacidade postulatória.
54. Cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 7ª
ed., rev, ampl. e atual, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, item 1.2.1, p. 44 et
seq.
55. À luz da ADIn 1.127-8, que suspendera a eficácia de diversos dispositivos da Lei 8.906/1994
(atual Estatuto da OAB), incluindo seu art. 1.º, e muito embora referida ação direta tenha
restado prejudicada quanto ao ponto, o fato é que o art. 133, da Constituição Federal, não
tem a extensão e o absolutismo que originariamente se lhe pretendia emprestar. Por isto é
que – diferentemente do que havíamos afirmado, e convencidos do nosso desacerto – as
disposições da Lei 7.244/1984, vigentes à época do julgamento daquela cautelar, e referentes
à Consolidação das Leis do Trabalho (art. 791, caput e §§ 1.º e 2.º), em realidade, não são
incompatíveis com o art. 133, citado. Resta saber, todavia, se o art. 9.º da Lei 9.099/1995,
que, para as causas cíveis de menor complexidade, exige a representação por advogado
naquelas causas que excedam a vinte salários mínimos, será tido, ou não, como inconsti-
tucional diante deste precedente. Melhor seria, parece-nos, que o legislador mais recente
se tivesse limitado a indicar o dever do magistrado de alertar as partes acerca da conve-
niência do patrocínio do advogado quando a causa recomendar (Lei 9.099/1995, art. 9.º,
§ 2.º), não se referindo à obrigatoriedade da presença do causídico, mormente por critério
econômico que não guarda, necessariamente, qualquer relação com a complexidade da
causa. Nos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001), pensamos ser possível sustentar
a dispensa de advogado, desde que observado o limite estatuído pela Lei 9.099/1995, de
20 (vinte) salários mínimos (v., com proveito, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias
Figueira Júnior, Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de
10.07.2001, p. 184 e ss). Tal possibilidade foi admitida – de maneira ainda mais ampla, porque
até o limite de 60 salários mínimos – pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
3.168: “Ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiais federais. Lei 10.259/2001,
382 Manual de Direito Processual Civil
Em consonância com o disposto na Constituição Federal, a lei exige que seja im-
plementado, no processo, o requisito da chamada capacidade postulatória, isto é,
para que a parte (autora) possa ingressar em juízo, bem como realizar os demais atos
do processo, deverá ter outorgado procuração a um advogado, legalmente habilitado
(art. 104 do CPC/2015), que poderá praticar os atos processuais necessários à defe-
sa dos direitos.
Quanto ao réu, a lei também exige que qualquer ato processual, como a apresen-
tação da defesa, deverá ser realizado por advogado regularmente habilitado (art. 104
CPC/2015). Esta regra, porém, não significa que o réu somente será atingido pelos efei-
tos da ação contra ele movida se tiver constituído advogado, pois, uma vez citado vali-
damente (art. 239 do CPC/2015), tanto bastará para que fique vinculado ao processo e
aos efeitos da decisão que aí seja proferida.
A presença de advogado para o autor é requisito, assim, para a propositura da ação,
mas não é para o réu, quanto à sua vinculação ao processo.
A legitimidade processual pressupõe sempre a capacidade para estar em juízo mes-
mo que integrada por assistente ou representante, respectivamente, para os relativa ou
absolutamente incapazes (art. 71 do CPC/2015), pressupõe sempre a capacidade de ser
parte; no entanto, a capacidade de ser parte, aliada à legitimidade processual, não são
suficientes, como se depreende do art. 103 do CPC/2015, para habilitar a alguém prati-
car per se atos processuais, salvo se esse for advogado e invocar essa qualidade. Nestas
condições, deve estar presente, também, a capacidade postulatória, ou seja, quem age
em juízo deve estar legalmente habilitado para tanto.
Nada impede, entretanto, que alguém com capacidade de ser parte e processual, te-
nha capacidade postulatória. O diretor ou representante legal de uma pessoa jurídica,
sendo advogado, em função dos amplos poderes que detém, poderá advogar em nome
da empresa, representando-a postulatoriamente.56
O advogado deve juntar aos autos prova do mandato recebido (art. 104 do CPC/2015
e art. 5º da Lei 8.906/1994), que pode ser outorgado por instrumento público ou par-
ticular (art. 105 do CPC/2015). Trata-se de uma exigência legal, visto que “o advo-
gado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato” (art. 5º, caput da Lei
8.906/1994).57 y 58
A lei processual civil determina que, sem o instrumento de mandato, não se pode
sequer distribuir a petição inicial (art. 287 do CPC/2015), salvo as exceções expressas
na própria lei, quais sejam: a) quando o requerente postular em causa própria (art. 104,
parágrafo primeiro do CPC/2015) hipótese em que, então, deverá obedecer ao dispos-
to no art. 106, I, do CPC/2015 (declarar na petição inicial ou na contestação seu ende-
reço, número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade
de advogados da qual participa para o recebimento de intimações, se for o caso); b) em
casos especiais (art. 104 do CPC/2015), para evitar prescrição ou decadência e para a
prática de atos reputados urgentes; e, c) quando a lei especial ou extravagante, expres-
samente, o permitir, como, v.g., na hipótese de quem se disser credor de alimentos, caso
em que pode comparecer a juízo, pessoalmente ou, então, acompanhado de advogado
(Lei 5.478/1968, art. 2.º, caput).
Na hipótese da postulação para evitar a prescrição ou decadência, bem como para
a realização de atos reputados como urgentes, o advogado deverá realizar a juntada
do mandato procuratório dentro de 15 dias (art. 104 do CPC/2015 e Lei 8.906/1994,
art. 5.º, § 1.º), os quais são prorrogáveis por outros 15 dias. Caso não seja realizada a
juntada da procuração no prazo estabelecido, nem na eventual prorrogação judicial,
serão havidos por ineficazes59 os atos não ratificados nos referidos prazos, responden-
do o advogado pelas despesas e perdas e danos, nos termos previstos no art. 104, § 2º
do CPC/2015.60
56. STJ, REsp 102.539/SP, 1.ª T., j. 12.11.1996, rel. Min. Gomes de Barros, DJ 16.12.1996,
p. 50.779; TJSP, AC 9147535-62.2009.8.26.0000, 19ª Câmara de Direito Privado, j.
26.10.2010, rel. Des. Mauro Conti Machado, DJe. 06.12.2010; RT 493/100; RJTJSP 44/78.
57. Pela lei anterior podia o mandato ser conferido “por termo nos autos” (art. 70 da Lei 4.215/1963);
ou poderá mesmo sê-lo oralmente, como permite o art. 9.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995 – regra
igualmente aplicável no âmbito dos Juizados Federais (v. art. 1.º, Lei 10.259/2001) –, para
as ações processadas perante o Juizado Especial Cível (de Pequenas Causas), a exemplo
do que já dispunha o diploma antecedente (cf. Lei 7.244/1984, que regulava o Juizado de
Pequenas Causas, art. 9.º, § 3.º).
58. Observe-se que a Lei 9.469/1997 estabelece que “a representação judicial das autarquias e
fundações públicas por seus procuradores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos
respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato” (art. 9.º).
59. O art. 37, parágrafo único do CPC/1973 previa que os atos “serão havidos por inexistentes”.
60. STJ, REsp 146.479/RS, 3.ª T., j. 03.11.1998, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 29.03.1999; TJSP,
AC 3000187-46.2013.8.26.0116, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 15.07.2016, rel. Des.
Cesar Luiz de Almeida, DJe. 15.07.2016; TJSP, AC 1000083-35.2016.8.26.0326, 13ª Câmara
de Direito Público, j. 05.10.2016, rel. Des. Djalma Lofrano Filho, DJe. 06.10.2016; TJSP,
384 Manual de Direito Processual Civil
A ratificação dos atos, todavia, não precisa ser expressa, mas há de ser inequívoca
ou decorrer de comportamento inequívoco.
Constitui cerceamento de defesa decisão judicial que determine o desentranhamen-
to liminar da defesa apresentada, porque não esteja acompanhada de instrumento de
mandato, sem a concessão de oportunidade para a regularização. Essencial é que seja
observado, pelo menos, o prazo legal de 15 (quinze) dias, em que o advogado se tenha
obrigado a juntar o instrumento aos autos (art. 104 do CPC/2015 e art. 5.º, § 1.º, daLei
8.906/1994, e art. 70 da Lei 4.215/1963, revogada).
Já se decidiu ser válida a audiência a que o procurador judicial compareceu, sem
procuração nos autos, não tendo ratificado ulteriormente os atos praticados, sob o fun-
damento de que a parte, ao comparecer à audiência, acompanhada pelo advogado, ter-
-lhe-ia conferido mandato verbal.61 O STJ, no entanto, já se manifestou em sentido di-
verso, fundamentando que a legislação processual admite, tão somente, o mandato, na
forma escrita, por instrumento público ou particular.62
No chamado Juizado Especial Cível, instituído originalmente pela Lei 7.244/1984
(que o nominava de Juizado Especial de Pequenas Causas), referido expressamente pela
Constituição Federal de 1988 e hoje regulado, em conjunto com os Juizados Especiais
Criminais, pela Lei 9.099, de 26.11.1995, está estabelecido um sistema processual ex-
tremamente simplificado, acentuadamente inspirado pelos princípios enunciados no
art. 2º do atual diploma (art. 62 para as causas penais), quais sejam os da oralidade, sim-
plicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Diante disso, ao contrário do previsto na legislação processual ordinária, no âmbi-
to dos Juizados Especiais Cíveis é admitida a outorga de mandato verbal, em razão de
disposição legal expressa (art. 9º, § 3º da Lei 9.099/1995), salvo em caso de necessida-
de de outorga de poderes especiais. Assim, apesar de, em regra, o mandato judicial ser
restrito à forma escrita, a exigência formal não é extensível aos Juizados Especiais Cí-
veis, inclusive Federais em razão da aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995 (art. 1º da
Lei 10.259/2001).
Remarque-se, ainda, que a presença do advogado é obrigatória, no âmbito dos Jui-
zados Especiais, nas impugnações às decisões, tal como consta do art. 41, § 2º, da Lei
9.099/1995, inteiramente aplicável também aos Juizados Especiais Federais. A presen-
ça do advogado (ou defensor público, se o acusado não nomear procurador de sua con-
fiança) também é obrigatória para as causas penais, ex vi do art. 68 da mesma lei.
A justiça, nesse sistema, haverá de ser gratuita, em primeiro grau de jurisdição (Lei
9.099/95, art. 54; Lei 7.244/1984, art. 51), devendo, entretanto, todas as custas incidi-
rem na hipótese de interposição de recurso para o segundo grau de jurisdição, excetu-
ado o caso de beneficiário da assistência judiciária (Lei 9.099/1995, art. 54, parágrafo
único). Nos Juizados Especiais da Justiça Federal também há isenção do pagamento de
despesas no primeiro grau de jurisdição, com a ressalva prevista no art. 12, § 1º, da Lei
10.259/2001. Desejando a parte recorrer da decisão proferida, se deverá submeter aos
preceitos dos arts. 42, § 1º, e 54, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, inteiramente apli-
cável aos Juizados Federais, devendo realizar o recolhimento do preparo, que compre-
ende todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas no primeiro grau de
jurisdição. Excluem-se dessa regra aqueles que gozam do benefício da gratuidade, bem
como a União, suas autarquias e fundações e, ademais, a pessoa jurídica que vier a repre-
sentar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (art. 24-A, da Lei 9.028/1995,
na redação da MP 2.180-35/2001).
A regra geral, portanto, é que a parte, seja qual for a posição processual (autor, réu,
exequente, executado, interessado, dentre outras) quando objetivar postular em juízo,
deverá fazê-lo necessariamente representada por advogado, exceto, nas hipóteses legais
que dispensem expressamente esta representação.
63. Esta cláusula, referida no art. 133 da Constituição e reproduzida na Lei 8.906/1994 (art. 2.º,
§ 3.º), teve indeferido pedido de suspensão liminar de sua eficácia normativa formulado
na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127-8 (j. 06.10.1994 – DJU I 29.06.2001,
p. 27.595/27.596), sendo a julgada improcedente a ação em relação ao mencionado § 3º
em 17/05/2006 por unanimidade do pleno do Supremo Tribunal Federal (j. 17.05.2006, DJe
10.06.2010).
386 Manual de Direito Processual Civil
71. Vide: Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36-37
72. Sobre o tema v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral
do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum; Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 323.
Os Sujeitos do Processo 389
73. Restrição incluída pelo na parte final do art. 105 do CPC/2015, que não estava prevista no
CPC/1973.
74. Sobre os atos que exigem poderes especiais, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 2, p. 277; mais recentemente, v. nosso Tratado de direito processual civil,
comentários ao art. 38.
390 Manual de Direito Processual Civil
75. Nesse sentido: Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 13ª Ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2006, 181, fine, p. 333.
Os Sujeitos do Processo 391
Código Civil (v. o art. 687),76 a juntada de instrumento de mandato aos autos significa
que o anterior foi revogado. Caso não seja constituído novo advogado no prazo de 15
dias, deverá se seguir o procedimento especificado no art. 76 do CPC/2015, conforme
dispõe o art. 111, parágrafo único do CPC/2015, ou seja, o juiz deverá suspender o pro-
cesso e designar prazo razoável para que seja sanado o vício, aplicando as sanções pela
omissão em conformidade com a fase da demanda.
Exemplificativamente, caso a demanda esteja em fase de conhecimento, em primeiro
grau de jurisdição, e o autor não constituir novo advogado no prazo indicado, o proces-
so será extinto sem resolução de mérito (art. 76, § 1º, I do CPC/2015). Por sua vez, se o
réu deixar constituir novo advogado no prazo legal, este será considerado revel (art. 76,
§ 1º, II do CPC/2015). Tratando-se de terceiro, este será considerado revel ou excluído
do processo, dependendo da sua posição processual (art. 76, § 1º, II e III do CPC/2015).
Estando o processo em fase recursal, não será conhecido o recurso, se a providência
couber ao recorrente ou, ainda, será determinado o desentranhamento das contrarra-
zões se a providência couber ao recorrido (art. 76, § 2º, I e II do CPC/2015).
No caso de morte ou incapacidade do procurador e, ainda, não havendo outros ad-
vogados na procuração, o juiz deverá intimar a parte para que constitua novo advoga-
do no prazo de 15 dias. Caso não seja constituído novo procurador no prazo indicado,
o processo será extinto sem resolução de mérito (caso o autor seja o representado), ou
ordenará o prosseguimento do processo à revelia do réu, se o procurador deste for o fa-
lecido (art. 313, § 3º do CPC/2015).
Se o advogado estiver incompatibilizado77 para o exercício da advocacia em deter-
minada causa, poderá validamente substabelecer a procuração recebida. Isto é, a in-
compatibilidade não compromete a possibilidade de transferência dos poderes, senão
que impede que os poderes sejam, pelo incompatibilizado, realizados.
Advogados do Brasil – OAB, o seu endereço completo (art. 105, § 2º do CPC/2015) e, caso
este integre uma sociedade de advogados, o seu número de inscrição perante a Ordem
dos Advogados do Brasil– OAB e o seu endereço completo (art. 105, § 3º do CPC/2015).
Assim como as partes, devem os advogados observar o princípio da lealdade processual,
tendo a obrigação de: a) expor os fatos em juízo conforme a verdade; b) não formular qual-
quer pretensão ou apresentar defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento;
c) não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à de-
fesa do direito; d) cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória
ou final, e não criar embaraços para sua efetivação; e) declinar, no primeiro momento que
lhes couber falar nos autos, o endereço residencial e profissional onde receberão intima-
ções, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária
ou definitiva, e) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso
(art. 77, incisos I a VI do CPC/2015). Vale para todos que participem do processo, seja
a que título for, o mandamento que impõe a observância da boa fé (art. 5º, CPC/2015).
Ao advogado que postular em causa própria o CPC/2015 determina mais especi-
ficamente que este, na inicial ou na contestação, deve indicar: a) o seu endereço; b),
o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; e, ainda, c) o nome
da sociedade de advogados da qual participa (se o caso) – (art. 106, I do CPC/2015).78
Certamente, a interpretação a se dar ao dispositivo, que prevê este dever, há de ser ex-
tensiva às peças inaugurais da oposição, da assistência e, ainda, demais hipóteses em
que figure como interessado.
Se indicação do endereço não se fizer, o juiz mandará que seja feita; se não for su-
prida a omissão dentro de 5 dias, será indeferida a petição (arts. 106, § 1º, e 330, IV do
CPC/2015). Constando o endereço do advogado de papel impresso por ele utilizado,
cumprida está a exigência legal, pois restarão atingidas as finalidades e os objetivos da lei.
As exigências do art. 106 do CPC/2015, bem como a do art. 77, V do CPC/2015
(que se referem à indicação do endereço do advogado) são absolutamente imperativas
nos casos em que as intimações devam ser feitas por carta registrada ou pessoalmen-
te (art. 273, I e II do CPC/2015), ou seja, quando inviável a intimação eletrônica e na
comarca não houver diário oficial. Essa exigência, todavia, que já foi absoluta para al-
gumas comarcas do primeiro grau de jurisdição (em situações específicas em que não
haja diário oficial, hipótese cada vez mais remota no judiciário brasileiro), não o é mais
nessa intensidade, para as comarcas em que há diário oficial e no segundo grau de ju-
risdição, quando as intimações usualmente são feitas pela imprensa oficial (arts. 272 e
273, caput, 1.ª parte, do CPC/2015).
O dever de informar qualquer alteração de endereço (arts. 77, V e 106, II do
CPC/2015), já pressupõe o processo em curso, ou seja, a modificação de qualquer en-
dereço há de ser imediatamente comunicada ao escrivão.
Essencial ressalvar que as intimações, no curso do processo, devem ser feitas aos
advogados das partes e não a estas, pois lhes falta a capacidade postulatória. Por exce-
78. Sobre a obrigatoriedade do endereço na petição inicial, v. trabalho de Celso Antonio Rossi,
publicado em RT 479/247 e RF 254/465.
Os Sujeitos do Processo 393
ção, se a intimação deve ser feita pessoalmente à parte, que deixa de tomar providên-
cia, deve-se, com base neste fato, concluir que se configurou o abandono do processo,
que será extinto, então, sem resolução de mérito (casos dos incisos II e III do art. 485
do CPC/2015). Diante disso, mostra-se justificável a exigência da informação do ende-
reço, tanto das partes, como do advogado.
Estando o processo em curso e não tendo o advogado comunicado a mudança do
seu endereço, a lei reputa como válidas as intimações enviadas ao endereço primitiva-
mente constante dos autos (art. 106, § 2º do CPC/2015). Disto decorre que se seguem
a elas as consequências jurídicas possíveis e inerentes à validade das intimações, como
perda dos prazos e preclusões respectivas.
Como já mencionado, o advogado deve, ainda, continuar representando o mandante
nos 10 dias seguintes à renúncia ao mandato (art. 112, § 1º do CPC/2015),79 pratican-
do os autos que se mostrarem urgentes, se necessário, caso não seja constituído outro
advogado neste ínterim.
O advogado tem o dever também de restituir os autos em cartório no prazo legal
(art. 234 do CPC/2015), ficando sujeito à penalidade caso não cumpra sua obrigação.80-81
79. V. acerca da renúncia ao mandato: Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol.
2/336 et seq.; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1/207.
80. Em virtude da redação do art. 475-J do CPC 73, que, em sua 1.ª parte, previa que “caso
o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o
efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no
percentual de dez por cento”, decidiu o STJ, 3.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros,
que a responsabilidade pela multa, no caso de não ser noticiado o trânsito em julgado a seu
cliente, deverá recair sobre o advogado. Merece destaque trecho do voto proferido no REsp
954.859/RS, j. 16.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 252, apesar de entendermos que talvez o
acórdão não devesse ter avançado na questão da responsabilidade do advogado, uma vez
que podem ocorrer diversas circunstâncias que não conduzam a tal responsabilidade, que
devem ser examinadas caso a caso:
“Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argu-
mento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado
ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações
é o advogado. “O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para
tal intimação, o que já deveria bastar. Os arts. 236 e 237 do CPC [73] são suficientemente
claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o
constituiu. Cabe a ele comunicar [ao] seu cliente de que houve a condenação. Em verdade,
o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que
se prepare e fique em condições de cumprir a condenação. “Se o causídico, por desleixo,
omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo”.
81. Na Lei 8.906/1994, em seu art. 34, XXII, qualifica-se esse comportamento como constitutivo
de infração disciplinar (art. 34, XXII – “reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos
com vista ou em confiança”).
394 Manual de Direito Processual Civil
86. Vide: LÔBO, Paulo Luiz Netto, Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 3ª ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 277
87. Thiago Rodovalho, O novo CPC e os Princípios Inerentes à Fixação de Honorários Advocatí-
cios, in Marcos Vinícius Furtado Coelho e Luiz Henrique Volpe Camargo (Coordenadores),
Honorários Advocatícios, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 2; Coordenador Geral
Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2015. p. 64
Os Sujeitos do Processo 397
própria (art. 85 § 17 do CPC/2015), visto que há, inegavelmente, um labor realizado,
ainda que em proveito próprio.
Como a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios resulta de dispo-
sitivo legal expresso (art. 85 do CPC/2015), não há necessidade de pedido na petição
inicial, contestação ou em petições posterirormente apresentadas, sendo uma conse-
quência objetiva da derrota.
Tenha-se presente que, apesar da clareza do dispositivo, em não tendo havido men-
ção expressa na decisão acerca da condenação em honorários advocatícios, não podem
os mesmos ser considerados como implícitos na decisão. Diante disso, caso a decisão
transitada em julgado tenha sido omissa quanto ao direito aos honorários advocatícios,
prevê expressamente o CPC/2015 que será cabível ação autônoma de conhecimento,
em face do vencido, para a definição do montante dos honorários e sua consequente
cobrança (§ 18 do art. 85 do CPC/2015). Restou superado, portanto, o entendimento
exposto na Súmula 453 do Superior Tribunal de Justiça que previa que: “Os honorários
sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser co-
brados em execução ou em ação própria”.
Com a nova disposição, não há qualquer dúvida em relação cabimento da ação para
arbitramento. Apesar da possibilidade dos honorários serem arbitrados judicialmente,
estes não perdem o seu caráter sucumbencial, não se confundindo com os honorários ar-
bitrados judicialmente quando não houver contrato escrito (art. 22 da Lei 8.906/1994).
Assim, enquanto a primeira espécie de honorários acima indicada tem origem na su-
cumbência ocorrida no processo, a segunda tem origem na prestação de serviço realiza-
do pelo advogado, cujo valor não foi previamente previsto pelo cliente e seu advogado.
O quantum dos honorários advocatícios variará entre 10% e 20% sobre o valor da
condenação, o proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado atribuído à causa (art. 85, §2º do CPC/2015, equivalente ao § 3.º do art. 20
do CPC/1973).
Para a fixação do percentual dos honorários devem ser observados: a) o grau de zelo
do profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e a importância da cau-
sa; d) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
Tais percentuais limitativos, no entanto, poderão legitimamente não ser observa-
dos, tratando-se de causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou,
ainda, quando o valor da causa for muito baixo, hipóteses em que o juiz deverá fixar o
valor dos honorários por apreciação equitativa (art. 85, § 8º do CPC/2015). É bastante
difícil precisar quando uma causa é de pequeno valor, para os fins do § 8.º do art. 85 do
CPC/2015. Essa tarefa deve ser desempenhada pela elaboração doutrinária e pela cons-
trução jurisprudencial, esta última diante de cada caso concreto.88
Considerando as características acima indicadas dos honorários sucumbenciais,
pode haver decisão condenando a parte vencida em honorários advocatícios e ao paga-
88. Neste sentido, v.: Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1/168; Luís
Antônio de Andrade, Aspectos e inovações do Código de Processo Civil, p. 12.
398 Manual de Direito Processual Civil
89. No mesmo sentido: Arnoldo Wald, A cumulação de cláusula penal e dos honorários do
novo CPC, Revista de Processo (RePro) 6/41; RTJ 98/848, 99/947, 100/374 e 101/1.327;
STJ, REsp 3.841/MG, 3.ª T., j. 27.08.1990, rel. Min. Cláudio Santos, DJ 24.09.1990, p. 9.981;
RT 570/208; RT 562/208; JUTACivSP 81/144; Yussef Said Cahali, Honorários advocatícios,
3. ed., item 89, p. 447 et seq.; do mesmo, Ajuris 20/181 e RT Informa 247/7.
90. V. STF, Súmula 616: “É permitida a cumulação da multa contratual com os honorários de
advogado, após o advento do Código de Processo Civil vigente”(CPC/1973).
91. STJ, REsp 390.050/SP, 3.ª T., j. 06.04.2004, rel. Min. Castro Filho, DJ 26.04.2004, p. 165;
RT 562/260, em. (com farta citação de jurisprudência); STJ, REsp 737.708/CE, 4.ª T., j.
12.06.2007, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 13.08.2007 p. 374.
92. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 21.03.2005, p. 422; RJTJSP 40/71.
93. RJTJSP 41/99; RJTJSP 42/98; Yussef Said Cahali, Honorários advocatícios, 99, p. 481 et seq.
Em sentido contrário: Anais Forenses do Estado de Mato Grosso 40/347.
Os Sujeitos do Processo 399
rária advocatícia, uma vez que não terá havido trabalho algum a ser remunerado.94 Da
mesma forma, tendo havido revelia, mas, apesar disto, se o resultado fosse de improce-
dência, nem por isto haveria condenação em honorária.95 O art. 85, § 6º do CPC/2015
mudou parcialmente o posicionamento acima ao prever que os critérios estabelecidos
pelo código aplicam-se independentemente do conteúdo da decisão, inclusive nos casos
de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito (art. 85, § 6º do CPC/2015).96
Diante disso, independentemente do conteúdo da decisão, os honorários devem ser ar-
bitrados em montantes que correspondam entre 10% e 20% da condenação, do provei-
to econômico ou do valor da causa.
Ao que nos parece, no entanto, considerando a redação do caput do art. 85 do
CPC/2015, parte do posicionalmento anteriormente consolidado deve ser mantido. Ao
que tudo indica, o caput contém um requisito essencial para a condenação em honorá-
rios de sucumbência, qual seja, de que a parte vencedora tenha (ou já tenha tido) advo-
gado devidamente constituído nos autos, após citação ou comparecimento espontâneo,
(v.g. art. 76, § 2º, I e II do CPC/2015). Não seria o art. 85 § 6º do CPC/2015 aplicável ao
indeferimento da petição inicial (arts. 485, I, cc 330, I, II, III e IV do CPC/2015) caso
ocorresse antes da constituição de patrono pela parte contrária. Do contrário, estar-se-ia
admitindo o enriquecimento sem causa do advogado que sequer foi constituído, permi-
tindo-lhe o recebimento de honorários de sucumbência sem qualquer labor.
Por outro lado, havendo apelação contra a decisão que indefere a petição e, sen-
do o réu devidamente citado e tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto
(art. 331, § 1º do CPC/2015), de rigor o arbitramento de honorários advocatícios nos
termos previstos pelo art. 85, § 2º do CPC/2015, considerando que, neste caso, há labor
do advogado que enseja a condenação.
Em caso de perda do objeto da demanda, os honorários serão devidos por quem
deu causa ao processo (art. 85, § 9º do CPC/2015)97. Havendo desistência, renúncia ou
94. Nesse sentido, Arquivo Forense 65/161; RT 561/114. Mas, “indeferida a petição inicial e
intimado o réu para oferecer contrarrazões à apelação, se este comparece, oferecendo-as,
são cabíveis honorários advocatícios em razão do princípio da causalidade” (STJ, REsp
593.867/SC, 3.ª T., j. 24.08.2004, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 27.09.2004, p. 358).
95. STJ, REsp 609.200/RS, 5.ª T., j. 03.08.2004, rel. Min. Felix Fischer, DJ 30.08.2004, p. 327.
96. Esta modificação parece significar que os percentuais hão sempre de ser aplicados, podendo-
se ir de 10% para 20%, mas não aplicar aquém de 10%. Com isto decisões que nos casos
de carência utilizavam percentual inferior a 10% não mais devem ser proferidas.
97. Entretanto necessário o destaque de que o TJSP recentemente decidiu, em ação que versava
sobre o fornecimento de medicamentos, que não seria o caso de condenar a parte ré (Fa-
zenda Pública) ao pagamento de honorários de sucumbência, quando há perda do objeto
em razão do óbito do autor em caso de remota possibilidade de êxito na demanda. Afastou
o tribunal a condenação da parte ré ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados
em primeira instância considerando que “se na hipótese de julgamento do processo com
resolução de mérito os requeridos não seriam condenados ao pagamento de honorários
advocatícios, com maior razão afasta-se tal condenação na hipótese de extinção sem reso-
lução de mérito, não havendo que se falar em aplicação do princípio da causalidade no caso
dos autos. Este princípio não pode ser aplicado em completa abstração, sendo necessário
400 Manual de Direito Processual Civil
ca do cabimento. Nos casos previstos pelo art 85, § 1º do CPC/2015, a condenação de-
verá ser cumulativa, atribuindo-se um percentual (dentro dos limites do art. 85 § 2º do
CPC/2015) para cada fase processual, que ao final resultará no montante total devido
a título de honorários100.
Deve ser feita a ressalva, no entanto, em relação aos honorários devidos em razão da
interposição de recurso. Embora o tribunal, ao julgar o recurso, possa majorar os ho-
norários advocatícios fixados anteriormente, é vedado expressamente que o cômputo
geral da fixação dos honorários devidos ao advogado vencedor (ou ainda quando hou-
ver sucumbência reciproca) ultrapasse os limites estabelecidos no art. 85, §§ 2º e 3º do
CPC/2015 (art. 85, § 11 do CPC/2015). Assim, embora permitida a majoração em fase
recursal, o cômputo total deve obedecer aos limites impostos para a fase em que se en-
contra, usualmente de conhecimento. Melhor dizendo, em se tratando de um caso em
que a fazenda pública não é parte (visto que para esta há um regramento legal próprio),
o limite para a fase de conhecimento é de no mínimo 10% e no máximo 20% do valor da
condenação, do benefício econômico ou do valor atribuído à causa, podendo o tribunal
alterar o montante dentro destes parâmetros (v,g. tendo o primeiro grau arbitrado os
honorários em 10%, poderá o Tribunal elevá-los até 20%). Ademais, importante ressal-
tar que, segundo o Enunciado Administrativo nº 7, emitido pelo Superior Tribunal de
Justiça, “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de
março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais,
na forma do art. 85, § 11 do novo CPC”.101
Exceção em relação aos percentuais previstos no art. 85, § 2º do CPC/2015 pode
ser encontrada nas disposições relativas às ações de execução por quantia certa. Nessas
de 21 de junho de 1941, em seu art. 27, verbis: “O juiz indicará na sentença os fatos que
motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens
para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua
situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos
últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao
réu. (...) § 1.º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço
oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados
entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4.º do art. 20
do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento
e cinquenta e um mil reais).4. Precedentes: REsp 401018/ES, DJ 29.08.2005; REsp 673572/
RS, DJ 18.04.2005; REsp 487535/SP, DJ 28.02.2005; REsp 656960/PB, DJ 01.07.2005. 5.
Recurso Especial desprovido (STJ, REsp 743.618/SP, 1.ª T., j. 06.02.2007, rel. Ministro Luiz
Fux, DJ 01.03.2007, p. 232).
99. Súmula 517 do STJ: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença,
haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se
inicia após a intimação do advogado da parte executada”.
100. V. TJSP, ED nº 1034786-88.2016.8.26.0100/50001, 5ª Câmara de Direito Privado, j.
19.12.2016, des. Rel. James Siano.
101. Assim tem se posicionado o TJSP: ED nº 0006085-23.2012.8.26.0053/5000, 7ª Câ-
mara de Direito Público, j. 19.12.2016, des. Rel. Magalhães Coelho; ED. nº 1019211-
40.2015.8.26.0564, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 19.12.2016, des. Rel. James Siano.
402 Manual de Direito Processual Civil
102. Sobre o tema v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral
do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum; Rio de
Janeiro: Forense, 2015. p. 300.
Os Sujeitos do Processo 403
103. STJ, REsp 1.596.062/SP, 2ª T. j. 07.06.2016, rel. Min. Diva Malerbi; STJ, REsp 1169967/RS,
2ª T., j. 19.08.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.09.2010..
104. STJ. REsp. 910.226/SP, 4ª T. j. 02.09.2010, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 15.09.2010;
105. Importante ressaltar que o STJ entendia de maneira diversa: REsp 1.596.062/SP, 2ª T. j.
07.06.2016, rel. Min. Diva Malerbi.
106. TJP. Apelação nº 1024408-02.2014.8.26.0405, 28ª Câmara Extraordinária de Direito Pri-
vado, j. 13.12.2016, des. Rel. Paulo Alcides; STJ, EREsp 659.296/DF, 1.ª S., j. 28.09.2005,
rel. Min. José Delgado, DJ 24.10.2005, p. 163.
107. STJ. REsp 1257257/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 03.10.2011
108. STJ, EDcl no REsp 916.064/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, DJe 01.10.2008
404 Manual de Direito Processual Civil
109. Leonardo José Carneiro da Cunha esclarece que “A expressão Fazenda Pública identifica-se
tradicionalmente com a área da Administração Pública que trata da gestão de finanças, bem
como da fixação e implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda
Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o
termo Erário, representando aspecto financeiro do ente público. Não é por acaso a utiliza-
ção, com frequência, da terminologia Ministério da Fazenda ou Secretaria da Fazenda, para
designar, respectivamente, o órgão despersonalizado da União ou do Estado responsável
pela política econômica desenvolvida pelo Governo.
O uso frequente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-lo num sentido
mais lato, traduzindo a atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão
Fazenda Pública contém significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude à
Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo de Estado em juízo ou
do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo. [...]
Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União,
aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações.
(A Fazenda Pública em Juízo, 8ª Ed. São Paulo: Didática, 2010. p. 15.)
Os Sujeitos do Processo 405
110. STJ, EREsp 200.828/DF, 1.ª S., j. 25.05.2000, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 01.08.2000,
p. 186. Em sentido contrário: 1.º TACSP [extinto], ApCív 203.289/São Paulo, 3.ª Câm.,
29.05.1974, v.u., rel. César de Moraes,; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado,
vol. 2/192 (com ponto de vista contrário ao texto, onde, todavia, se expressa a opinião então
dominante).
406 Manual de Direito Processual Civil
111. V. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, vol. 1, 109, São Paulo: RT, 1971, p. 552;
Código de Processo Civil comentado, vol. 3, São Paulo: RT, 1975, p. 384 et seq.
Os Sujeitos do Processo 407
Mais nítida e clara se tornou a finalidade do Ministério Público. Passou esse, assim,
a ser representante da “sociedade”, ou, mais precisamente, dos superiores e indispo-
níveis interesses (sociais e individuais) da sociedade perante os tribunais, nos quadros
“da defesa da ordem jurídica” e “do regime democrático” (arts. 127, caput, da CF/1988
e 176 do CPC/2015).
Tanto é verdadeira essa evolução – ao menos no Direito brasileiro –, que a Cons-
tituição de 1988, ao contrário das anteriores, criou a Advocacia-Geral da União
(arts. 131/132), que tem como função, precipuamente, a representação da União, judi-
cial ou extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo. Desta forma, desvinculou-se o Ministério Público desta
função de agir em nome da União Federal em juízo ou fora dele. Aliás, o art. 129, IX, da
atual Constituição, veda expressamente a representação judicial e a consultoria de en-
tidades públicas pelo Ministério Público.
Na esfera penal, em grande escala, cabe-lhe o exercício e a titularidade da ação penal.
Coube, pela Constituição Federal de 1988, ao Ministério Público, zelar integralmente,
junto à Justiça, pelo cumprimento da lei, pois esta é, por definição, a expressão dos inte-
resses comuns de todos os membros integrantes da sociedade (bem comum). Hoje está
o Ministério Público tratado, pelo texto constitucional, dentre as “funções essenciais à
Justiça” (no Título IV, Capítulo IV, Seção I, da CF/1988).
i.e., tendo em vista os objetivos a serem atingidos pelo Conselho Nacional do Ministé-
rio Público– CNMP.
O CNMP sobrepõe-se às diversas divisões do Ministério Público, tendo em vista
e limitadamente aos fins que deve atingir. Daí necessariamente havemos de concluir
que este princípio da unidade permeia a instituição e informa a atuação dos órgãos do
Ministério Público, especialmente do ponto de vista da subordinação. Tinha-se pre-
sente que o chefe do Ministério Público teria o poder de avocar, para si, as funções
de seus subordinados (princípio da devolução). Por outro lado, e com fundamento na
mesma ideia, poderia determinar a substituição de um membro do Ministério Públi-
co por outro (princípio da substituição). O que contava, acima de tudo, era a manifes-
tação do Ministério Público como organismo, de modo que, havendo discordância
entre seus órgãos inferiores e o superior, teria de prevalecer a opinião discricionária
deste.112 Podemos dizer, porém, que os princípios da devolução e da substituição não
encontram aplicação contemporaneamente, visto que colidem com o princípio do
promotor natural. Houve, ao nosso ver, uma evolução na interpretação dos disposi-
tivos constitucionais.
O princípio do promotor natural se encontra disposto no art. 128, § 5º, I, b, da
CF/1988, que prevê a garantia da inamovibilidade, e também, no art. 38, II, da Lei Or-
gânica do Ministério Público, que repete a garantia da inamovibilidade no âmbito in-
fraconstitucional. Assim, aos membros do Ministério Público é garantida a inamovibi-
lidade, salvo por motivo de interesse público113, mediante decisão do órgão colegiado
competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros114,
assegurada ampla defesa (art. 128, § 5º, I, b, da CF/88).
Trata-se de uma garantia constitucional que tem como principal objetivo a mitiga-
ção do poder de designação por parte do chefe do Ministério Público e dos seus órgão
superiores, garantindo também ao jurisdicionado que ele será processado pelas auto-
ridades competentes, previamente estabelecidas pelas leis processuais e de organiza-
ção judiciária.115 Assim, além da garantia do jurisdicionado de ser julgado por um juiz
natural, prevê a norma constitucional, que o membro do Ministério Público que for
exercer o seu papel no processo, também o deverá ser.116
Já houve considerável controvérsia no Supremo Tribunal Federal sobre a existência
e aplicabilidade do princípio do promotor natural, em razão da sua contraposição aos
princípios da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, estes sim previstos
de forma mais clara pelo art. 127, § 1º, da Constituição Federal. A premissa de que o
Ministério Público é uno e indivisível poderia levar à conclusão de que o Chefe do Par-
quet, ou seu órgão superior (CNMP), se poderia utilizar indiscriminadamente do prin-
cípio da substituição para garantir que determinado posicionamento específico reflita
sua posição, o que, em nosso ver, entendemos inadequado.117 Abaixo indicamos alguns
dos posicionamentos já tomados pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 1992, no julgamento do Habeas Corpus 67.759, de Relatoria do Ministro Celso
de Mello, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, deliberou sobre a existência do princí-
pio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro, tendo o órgão divergido
de forma acentuada sobre o princípio.
A divergência instaurada deu-se em relação à existência e o alcance do princípio,
posicionando-se os Ministros da seguinte forma: a) O Ministro Celso de Mello, apesar de
reconhecer a existência do princípio, posicionou-se no sentido de que este não poderia
ser imediatamente aplicado, exigindo intermediação legislativa118; b) Os Ministros Se-
púlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso reconheceram o princípio, indicando
que este independe de intermediação legislativa, tendo aplicabilidade imediata sobre
o caso julgado; c) O Ministro Sydney Sanches rejeitou a existência explícita ou implí-
cita do princípio, argumentando que ele não resulta dos princípios da independência
funcional e da inamovibilidade, admitindo, no entanto, a possibilidade da “adoção” do
princípio mediante lei (Lei Orgânica do Ministério Público), indicando que para ele se-
ria a previsão do princípio “salutar para a instituição e para os jurisdicionados”; d) e os
116. Araken de Assis, Processo Civil Brasileiro, Vol. II: parte geral: institutos fundamentais: Tomo
1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.150
117. Hugo de Nigro Mazzilli indica que: “Nesta ocasião, ficou bem claro que se deseja a pre-
valência do princípio do promotor natural, segundo o qual a lei é que deve discriminar
previamente as atribuições do órgão ministerial, não se aceitando designações ilimitadas e
discricionárias só a pretexto da unidade e da chefia da instituição.” Mais adiante preceitua:
“O verdadeiro fundamento da inamovibilidade não repousa apenas na impossibilidade de
afastar o membro do Ministério Público do seu cargo, mas também e principalmente visa
proteger suas funções” (Hugo de Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério: análise da
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 8.625 de 12 de fevereiro
de 1993. 2ª Ed. revista, ampliada, e atualizada à luz da LOMPU, da LONMP e da LOEMP,
Saraiva, p. 173)
118. Destacou mais especificamente o Ministro que: “Inobstante reconheça imanente ao novo
regramento constitucional pertinente ao Ministério Publico o princípio do Promotor Natu-
ral, não vislumbro, na situação concreta emergente destes autos, hipótese que enseje a sua
atuação, pois o sentido desse postulado exige, para que se lhe dê aplicabilidade, a edição
de ato legislativo.”
410 Manual de Direito Processual Civil
Ministros Paulo Brossard, Octaviano Gallotti, Néri Silveira e Moreira Alves rejeitaram
expressamente a existência do princípio.119-120-121
Em 2008, a Segunda Turma do Supremo Tribunal, ao julgar o Habeas Corpus 90.277-
DF, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, negou a existência do princípio do promotor
natural, com base em dois precedentes do próprio tribunal, quais sejam, o já mencio-
nado Habeas Corpus 67.759 (rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.1992, DJU 01.07.1993)
e o Habeas Corpus 84.468-ES (rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, j. 07.02.2006, DJe
29.06.2007). Diante dos posicionamentos anteriores do tribunal, consignou a Ministra
que “Não há como se cogitar da existência do princípio do promotor natural no orde-
namento jurídico brasileiro.” Ademais, restou expresso no mencionado acórdão que,
ainda que o caso fosse julgado partindo do pressuposto da existência do princípio do
promotor natural, no caso concreto não haveria qualquer ato que indicasse a sua inob-
servância, visto que, durante todo o processamento do feito foram observados os pro-
cedimentos de distribuição, versando a controvérsia tão somente sobre a utilização do
critério numérico ou de ordem de ingresso para a distribuição.
Há duas ressalvas que devem ser realizadas em relação ao mencionado julgado. Ocor-
re que o julgamento teve como premissa a existência de dois julgamentos anteriores do
Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexistiria no ordenamento jurídico pátrio
o princípio do promotor. O primeiro deles é o mencionado HC 67.759-RJ. Entretanto,
119. Ementa do Acórdão: "Habeas corpus" – Ministério público – Sua destinação constitucional
– princípios institucionais – A questão do promotor natural em face da Constituição de 1988
– Alegado excesso no exercício do poder de denunciar – Inocorrencia – Constrangimento
injusto não caracterizado – Pedido indeferido. – O postulado do Promotor Natural, que se
revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designa-
ções casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse
princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro
do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente
do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver
atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de
critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse
princípio assenta-se nas clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos
membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do
Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer
a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros
Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Divergência,
apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade
da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro Celso De Mello);
incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros Se-
púlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso). – Reconhecimento da possibilidade de
instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). –
Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros
Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri Da Silveira e Moreira Alves.
120. STF, HC nº 67.759-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.1992, DJU. 01.07.1993
121. V. Nelson Nery Júnior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª Edição, revisada,
atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei n.13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 205.
Os Sujeitos do Processo 411
122. Neste sentido também apontam Nelson Nery Júnior (Princípios do Processo na Constituição
Federal, 12ª Edição, revisada, atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples
e vinculantes) e com o novo CPC (Lei n. 13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tri-
bunais, 2016. p. 205.) e Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de Direito Processual
Civil – Volume Único. 8ª – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 37).
123. “Art. 48. Incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o Superior Tribunal
de Justiça: I – a representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, no
caso de recusa à execução de lei federal; II – a ação penal, nos casos previstos no art. 105,
I, "a", da Constituição Federal. Parágrafo único. A competência prevista neste artigo poderá
ser delegada a Subprocurador-Geral da República.”
124. STF, HC 102.147 AgR, Min. Celso de Mello, j. 01.03.2011. DJE. 18.03.2011
125. Posteriormente, no entanto, o Supremo Tribunal acabou por entender que o princípio possui
natureza legal e, apenas reflexamente constitucional, deixando o tribunal de se manifestar
sobre a matéria ante a previsão expressa da Lei Orgânica do Ministério Público (art. 38,
inciso II). Neste sentido Ag.Reg. na Petição nº 5.951-RJ, Rel. Min. Dias Toffoli. J. 03.05.2016,
DJU 01.06.2016.
412 Manual de Direito Processual Civil
126. V. Nelson Nery Júnior, Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª Edição, revisada,
atualizada e ampliada com as novas Súmulas do STF (simples e vinculantes) e com o novo
CPC (Lei n. 13.105/2015), São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 205.
127. V. Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil – Volume Único.
8ª – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 37
Os Sujeitos do Processo 413
128. Cf. Vicenzo Carullo, La Costituzione della Repubblica Italiana, 1960, vol. 2. Consultar os
arts. 107, 2.ª al., 108, 2.ª al. e 112, da Constituição italiana de 1947.
129. Cf. Sílvio do Amaral, Subtração do Ministério Público ao campo do Poder Executivo, RT
190/19.
414 Manual de Direito Processual Civil
Isto é que não se repetiu na Carta de 1988. Com efeito, na Constituição Federal
vigente (v. arts. 127-130-A da CF), o Ministério Público está colocado no Título IV,
do Capítulo IV, Seção I, “Das Funções Essenciais à Justiça”. Porque em sendo o Minis-
tério Público um organismo integrado do Poder Executivo, necessariamente haveria
de ser obediente às regras fundamentais, inspiradoras deste Poder. Como se consta-
ta, pela Constituição Federal de 1988, alojado que está, ao lado do Poder Judiciário, e
constituindo-se a sua atuação em função essencial à Justiça, modificou-se, para melhor,
a sua posição.
Por meio da atividade do Ministério Público, defende-se o interesse da sociedade
mercê de rigoroso cumprimento da lei, havida como um mandamento que deve ser
cumprido, porque consubstanciador das regras pelas quais se proporciona a consecu-
ção do bem comum.
Ora, o Ministério Público dificilmente poderia atingir a meta de fiscal da ordem ju-
rídica do regime democrático e dos interesses e direitos sociais indisponíveis (art. 176 do
CPC/2015), se lhe cometessem a tarefa de defender, como advogado, os interesses do
Estado. O advogado, em regra, defende certos interesses, sustentando-os como eminen-
temente jurídicos. O Ministério Público, porém, quando se manifesta, não está pro-
priamente defendendo interesses personalizados, como os de um indivíduo, ou de uma
pessoa jurídica; ao contrário, propugna pelos interesses sociais e individuais indispo-
níveis, que, em certa medida, são impessoais. Daí o grande valor das manifestações do
Ministério Público.
Sob esta ótica político-institucional, a Constituição Federal vigente adjudica am-
plas atribuições ao Ministério Público, no art. 129 da CF/1988.130 Não há dúvida de
que é difícil, até mesmo teoricamente, dizer que um agente integrante de um orga-
nismo, como o Ministério Público que integrasse o Poder Executivo, pudesse a ele se
contrapor, em determinadas circunstâncias, na pessoa de seu chefe. Todavia, a inde-
130. Quais sejam: “(...) I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei [esta
função é tradicional]; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos [estas funções dos incisos II e III demonstram a alta relevância social, ativa, do
que foi atribuído ao Ministério Público]; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou
representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisi-
tando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respec-
tiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior [trata-se do § 5.º do art. 128]; VIII – requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos
de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas,
desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129 da CF/1988; no mesmo sentido, v. os
arts. 5.º e 6.º da Lei Complementar 75/1993 e o art. 25 da Lei 8.625/1993).
Os Sujeitos do Processo 415
pendência do Ministério Público outro significado não poderá ter, senão de, em cer-
tos momentos, poder contrapor-se ao próprio Poder Executivo. Esta posição foi aceita
pela vigente Constituição.
Finalmente, é fora de qualquer dúvida a independência do Ministério Público rela-
tivamente ao Judiciário, ante as disposições constitucionais que o regularam.
Assim, não resta dúvida que, diante da Constituição Federal de 1988, a posição do
Ministério Público na estrutura organizacional do Estado é sui generis, sendo efetiva-
mente autônoma e independente das demais funções estatais.
131. Como comenta Teresa Arruda Alvim Wambier “O art. 176 do NCPC, que não conta
com disposição correlata no CPC/73, reflete, em nível legislativo infraconstitucional, as
atribuições constitucionalmente conferidas ao MP na CF em seu art. 127. É o Ministério
Público (MP) um órgão de Estado atuante na defesa da ordem jurídica e na fiscalização
do cumprimento da lei no Brasil. O MP é o exercente de funções essenciais à justiça,
conforme prevê a CF/88, não contando com vinculação a qualquer dos poderes do Es-
tado, sendo, portanto, independente e autônomo. O MP conta com orçamento, carreira
e administração próprios. E tem como incumbência institucional zelar pelo patrimônio
nacional, público e social, em que se incluem o patrimônio cultural, o meio ambiente,
os direitos e interesses da coletividade (direitos transindividuais), as disposições legais
aplicáveis à família e aos incapazes, os direitos dos indígenas, do idoso etc.”. (Teresa
Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 367-368). Em sentido
semelhante, ver Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às alterações do novo CPC, São
Paulo: RT, 2015, p. 271.
416 Manual de Direito Processual Civil
estando este sob o poder familiar.132 Todavia, o STJ alterou seu entendimento, admi-
tindo a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar ação de alimentos inde-
pendemente do exercício do poder familiar pelos pais.133 Ao lado disso, recentemen-
te, tem prevalecido a tese da legitimidade ativa do Ministério Público também para a
defesa dos direitos individuais indisponíveis de hipossuficientes, ainda que relativos
a pessoa determinada.134
No que diz respeito à legitimação ativa do Ministério Público para intentar ações,
cabe fazer uma digressão para tratar sucintamente dos interesses transindividuais,135-136
e notadamente os difusos, isto é, aqueles que não têm titulares definidos ou definíveis
a priori, ex lege. Como visto nos primeiros capítulos deste Manual, atualmente se em-
presta especial atenção a fenômenos coletivos, de massa. Em face dessa circunstância,
vêm ganhando relevo e adquirindo contornos jurídicos os interesses coletivos. Exem-
132. 6. Nesse sentido: Araken de Assis, Substituição processual, Revista Dialética de Direito
Processual, n. 9, dez. 2003. Refutando a tese da ilegitimidade irrestrita do Ministério Público
para a defesa dos direitos individuais indisponíveis do menor e do idoso, Robson Renault
Godinho argumenta pela possibilidade de ajuizamento de ação individual quando se ve-
rifique situação de risco ou abandono suscetível de autorizar a substituição processual (O
Ministério Público como substituto processual no processo civil, p. 37 e ss.).
133. Nesse sentido, sob regime dos recursos especiais repetitivos restou decidido: “Direito da
criança e do adolescente. Ação de alimentos. Legitimidade ativa do Ministério Público. Di-
reito individual indisponível. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do
CPC. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, aprovam-se as seguintes teses: 1.1. O Ministério
Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou
adolescente. 1.2. A legitimidade do Ministério Público independe do exercício do poder
familiar dos pais, ou de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da
existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca. 2. Recurso especial não provi-
do.” (STJ, REsp 1327471/MT, 2.ª Seção., j. 14.05.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe
04.09.2014).
134. Os acórdãos dizem respeito, em sua maioria, ao direito à saúde – hipóteses de pretensão
ao fornecimento de medicamentos e à prestação de assistência à saúde dos menores e
dos idosos – e ao direito à creche, no caso dos menores (STJ, REsp 822712/RS, 1.ª T., j.
04.04.2006, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.04.2006, p. 196; STJ, REsp 984.430/RS,
2.ª T., j. 23.10.2007, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22.11.2007, p. 238; STJ, AgRg
na MC 14.096/PR, 2.ª T., j. 03.06.2008, rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado
do TRF–1.ª R.), DJe 19.06.2008; STJ, REsp 899.820/RS, 1.ª T., j. 24.06.2008, rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJe 01.07.2008).
135. A esse respeito, ver: Clarissa Diniz Guedes. Legitimidade ativa e representatividade na ação
civil pública. Rio de Janeiro: GZ, 2012.
136. De acordo com a doutrina nacional autorizada, “No âmbito cível, uma das mais relevantes
atividades desempenhadas pelo MP é a atinente à defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis” (Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código
de processo civil: artigo por artigo, 2. ed. ver., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 368).
Igualmente, José Tesheiner e Rennan Thamay dizem que “O Ministério Público tem tido seu
desempenho destacado pela propositura de ações visando à proteção de interesses difusos”
(Teoria geral do processo em conformidade com o novo CPC, 2. ed. rev. atual. e ampl., Rio
de Janeiro: Forense. 2016, p. 48).
Os Sujeitos do Processo 417
137. V., como exemplo, o texto de Nelson Nery Junior, Responsabilidade civil por dano ecológico
e ação civil pública, Justitia 126/168.
138. Uma das expressões possíveis de atuação do Ministério Público está no Código de Proteção
e Defesa do Consumidor (art. 51, § 4.º), em que é facultado a qualquer consumidor ou en-
tidade que o represente requerer ao Ministério Público que ingresse em juízo objetivando
seja “declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou
de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”.
139. Como diz Guilherme Rizzo Amaral, o CPC/2015 fez uma “adequação do dispositivo que
trata do exercício da atuação do Ministério Público como parte.”, (Comentários às alterações
do novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 273).
140. Para Cássio Scarpinella Bueno, não poderia se esperar outra postura do legislador: “O
art. 177, ocupando-se com a atuação do Ministério Público como parte, prescreve que a
instituição “exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucio-
nais’. Também aqui, não se poderia esperar algo diverso, sob pena de agressão ao ‘modelo
constitucional’, sendo decisivo, para a devida compreensão do dispositivo, o alcance do
art. 129 da CF e as possibilidades de atuação do Ministério Público, inclusive (e sobretudo)
no plano do processo coletivo.” (Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado
à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 178).
141. Cf. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional,
10. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1034.
418 Manual de Direito Processual Civil
142. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público propôs Ação Direta de Incons-
titucionalidade contra a nova redação do inciso II do art. 5.º da Lei da Ação Civil Pública, na
redação conferida pela Lei 11.448/2007, ao argumento que o dispositivo impugnado viola
o disposto nos arts. 134 e 5.º, LXXIV, da CF/1988. A Ação Direta de Inconstitucionalidade,
no entanto, foi julgada improcedente pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF, ADI
3943/DF, Tribunal Pleno, j. 07.05.2015, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 06.08.2015), restando
pendente, ainda, a análise de Embargos de Declaração opostos em face da decisão colegiada.
Os Sujeitos do Processo 419
143. Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, “o interesse público ou social que justifica a
intervenção do MP traduz-se na circunstância de a relação jurídica posta em juízo envolver
não apenas interesses individuais, porém interesses que digam respeito a toda a coletivida-
de, vale dizer, interesses supraindividuais que estejam associados ao bem comum.” (Teresa
Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 370).
144. V. Arruda Alvim, Antônio César Peluso, Clito Fornaciari Júnior, Luiz Sérgio de Sousa Rizzi
e Thereza Alvim, Interpretação do art. 82, III, do CPC, Revista de Processo [RePro] 3/136.
(Debate de 23.08.1975 do Vº Curso de Especialização em Direito Processual Civil, por nós
coordenado e realizado pelo Setor de Especialização da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo).
145. Nesse sentido, aliás, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em
acórdão assim ementado “Usucapião. Órgão do Ministério Público que, através de seus
agentes, deve decidir pela intervenção da instituição no processo. Independência funcio-
nal.” (v. TJSP, Apelação nº 0017942-51.2011.8.26.0037, 7ª C. de Dir. Priv., j. 08.09.2016,
rel. Des. Luiz Antonio Costa). Destaca-se, ainda, trecho do acórdão: “insta frisar que o
Ministério Público se manifestou às fls. 194, porém, não se manifestou acerca do pedido
de intervenção ministerial em todos os atos do processo. Tal comportamento do Ministério
Público não caracteriza qualquer vício formal na condução do processo, na medida em que
a instituição, através dos seus agentes, goza de autonomia funcional para decidir acerca de
sua intervenção no processo.”.
146. RT 572/53; semelhantemente, cf. STJ, REsp 195.218/RN, 2.ª T., j. 18.08.2005, rel. Min.
Castro Meira, DJ 19.09.2005, p. 241.
420 Manual de Direito Processual Civil
147. Em sentido diverso, no sentido da não aplicabilidade do art. 28 do CPP no âmbito civil,
posiciona-se Arakén de Assis, Processo Civil Brasileiro, Vol. II, T. I: Parte Geral: institutos
fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.152
148. STJ, REsp 640.412/SC, 1.ª T., j. 19.05.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 13.06.2005, p. 176; STJ,
REsp 676.707/DF, 2.ª T., j. 07.04.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 30.05.2005, p. 316; REsp
490.726/SC, 1.ª T., j. 03.03.2005, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 21.03.2005, p. 219; AgRg no
REsp 278.770/TO, 2.ª T., j. 17.10.2002, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 05.05.2003, p. 239;
RTJ 94/396 e 94/899; RT 518/209, 519/228, 524,214 e 539/211; Anais Forenses do Estado
do Mato Grosso 43/288. Decidiu-se não caber ao Ministério Público, como fiscal da lei,
velar pelos interesses das pessoas jurídicas de Direito Público, senão que, apenas, no caso,
pela correta aplicação da lei, e, menos ainda, suprir as omissões dos procuradores de tais
entidades (STJ-RT 671/210).
149. Nesse sentido, ainda, são de pertinência relevante as ponderações feitas por Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno Lopes, segundo os quais “o interesse público cujo zelo a Constituição
atribui ao Ministério Público não é o interesse do Estado ou de qualquer pessoa jurídica
de direito público, cujo patrocínio a própria Constituição lhe proíbe (art. 129, inc. IX). O
interesse público que lhe cumpre tutelar é o interesse público primário, ou seja, o interesse
da sociedade em si mesma, ou do Estado pro populo, e não do Estado promo domo sua. É
uma distorção institucional a defesa dos interesses patrimoniais dos cofres do Estado pelo
Ministério Público, e foi por ter consciência dessa distinção que o novo Código de Processo
civil estabeleceu que ‘a participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese
de intervenção do Ministério Público.”. (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 102).
Os Sujeitos do Processo 421
dizer que é possível abranger, também, casos em que o Estado seja, sob qualquer das
formas de que se pode revestir, titular do direito em jogo. Mas não só. O discrimen do
significado desta expressão, enquanto ensejadora de intervenção obrigatória do Mi-
nistério Público, é a repercussão social. Assim, podemos até conceber hipótese em que
o órgão do Ministério Público tenha de opinar contra a pessoa jurídica de direito pú-
blico envolvida na lide, e a favor do interesse público da sociedade, sempre verifican-
do que haja fiel cumprimento da lei, pois esta é a sua função e o sentido do art. 178,
III do CPC/2015, o que está em sintonia com o quanto dito precedentemente sobre a
previsão das funções institucionais cometidas ao Ministério Público pela atual Cons-
tituição Federal.
Será obrigatória a intervenção do Ministério Público também nas causas em que
houver interesse de incapazes (art. 178, II), não importando ser o incapaz autor ou réu.
Havendo, contudo, incapazes em ambos os polos do processo, se a intervenção do Mi-
nistério Público é obrigatória como instituição, nem por isso haverá a necessidade de
tantos membros quantos forem os incapazes cujos interesses estiverem em conflito.
Isso significa que, via de regra, nas ações voltadas à nulidade de doação entre maiores e
capazes, não deve o Ministério Público intervir.
Quando a lei se refere, no art. 178, II, ao interesse de incapaz, não o faz casuística,
mas genericamente. 150 O Ministério Público usará de lato poder interpretativo para ve-
rificar haver, ou não, interesse de incapaz que justifique a sua intervenção como fiscal
da lei. Determinará, assim, o verdadeiro alcance da norma. 151
De fato, aludindo genericamente a interesse de incapaz, pode a lei acobertar hipó-
teses as mais variadas e diversas, como aquela em que é parte o espólio e há herdeiros
menores. Especificamente quanto aos interesses do menor, além da regra geral aplicável
à defesa dos interesses do incapaz, hão de ser observadas as disposições específicas do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069./1990), relativas à intervenção neces-
sária do Parquet, anteriormente à concessão ou revogação de determinadas medidas – é
o caso, por ex., da revogação da guarda, para a qual é exigida a oitiva prévia do Minis-
tério Público (art. 35) ou ainda do deferimento da inscrição de interessados no registro
de adoção, que deve ser antecedido de consulta ao Ministério Público (art. 50, § 1º).
Para entendermos o sentido do disposto no art. 178, II, do CPC/2015, é preciso ter-
mos em mente que o incapaz, ainda que assistido ou representado, poderá não encon-
150. “Por incapazes deve-se entender todo aquele que não disponha de capacidade plena para
os atos da vida civil, seja em caráter absoluto, seja em caráter relativo.” (Teresa Arruda Alvim
Wambier [et. al], Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo,
2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 370).
151. A esse respeito, em situação concreta em que a autora apesar de analfabeta e com defi-
ciência motora e da fala decidiu o TJSP pela desnecessidade de intervenção do Ministério
Público dado que constava dos autos certidão de oficial de justiça atestando, com fé pública,
que a parte havia compreendido perfeitamente o ato processual praticado (v. Apelação nº
1016594-36.2014.8.26.0114, 38ª C. de Dir. Priv., rel. Des. Achile Alesina). Respeitou-se,
nesse caso, a finalidade última da norma, dado que ausente a incapacidade do ponto de
vista material, ausente a imposição legal pela intervenção do parquet.
422 Manual de Direito Processual Civil
trar, por meio de quem o represente ou assista, uma defesa parificada a que uma pessoa
capaz de exercitar seus direitos normalmente desenvolveria. Essa a ratio da preocupa-
ção do legislador em resguardar definitivamente, do ponto de vista processual, e por
implicação reflexa desta atividade, o direito substancial desses interessados, por inter-
médio da atividade fiscalizadora do Ministério Público. 152
Essencial, neste momento, ressaltar uma peculiaridade relacionada aos deficientes
intelectuais e mentais. Conforme concluído oportunamente, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência previu expressamente que estes são capazes civilmente. Diante disso, pa-
rece-nos que a intervenção do Ministério Público nos processos que envolvem os seus
interesses não é mais obrigatória. Nesse caso, a legislação processual parece ter ado-
tado integralmente a definição de incapacidade prevista nas normas direito material,
não realizando qualquer ressalva específica que implique em uma conclusão distinta.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, apresar de prever a participação do Ministério
Público em algumas questões relativas ao deficiente, não contém nenhum dispositivo
que indique a participação obrigatória do Ministério Público em todas as ações que ver-
sem sobre os interesses dos deficientes, ainda que submetidos à curatela. Diante disso,
a participação estaria restrita a ação que define a curatela e a tomada de decisão apoiada
(art. 79, § 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146 de 2015 – bem como
art. 1.783-A, § 3º e 4º do Código Civil), e às ações públicas, coletivas ou individuais,
que versem sobre a deficiência (art. 5º da Lei nº 7.853 de 1989). Na última hipótese, no
entanto, é necessário que o objeto discutido no processo seja relacionado à deficiência.
Esta conclusão claramente é prejudicial aos interesses do deficiente, visto que este,
ainda que submetido à curatela, não contaria com a participação obrigatória do Ministé-
rio Público como fiscal do ordenamento jurídico nos processos em que é parte. Embora
bem intencionado, o legislador pátrio, ao buscar estabelecer uma igualdade de tratamen-
to, acabou, indiretamente, maculando algumas disposições protetivas antes existentes.
A existência potencial de vulnerabilidade do deficiente mental ou intelectual, no
entanto, pode levar a jurisprudência a a interpretação mais elástica do termo “incapaz”
previsto pelo art. 178, inciso II do Código de Processo Civil, para admitir a participação
obrigatória do Ministério Público nas ações em que seja parte pessoa com reduzido discer-
nimento (antes considerada civilmente incapaz). A interpretação, embora fundamenta-
da, não nos parece ser efetivamente aquela que decorre diretamente das normas vigentes.
Igualmente, deve o Ministério Público fazer observar as normas do Estatuto da Pes-
soa Com Deficiência (Lei 13.146/2015), tomando as medidas necessárias para a garan-
tia dos direitos previstos no Estatuto (art. 79, § 3º).
152. Como exemplifica Teresa Arruda Alvim, pode ser que o incapaz sequer faça parte da deman-
da e mesmo assim se justifique a intervenção do Ministério Público “é o que se dá, exempli
gratia, na ação de divórcio em que litigam marido e mulher e exista prole: os menores, pese
não serem parte da ação de divórcio, serão afetados pela decisão nesta proferida no que se
relaciona ao regime de guarda e visitações.” (Teresa Arruda Alvim Wambier [et. al], Primeiros
comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, 2. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: RT, 2016, p. 370).
Os Sujeitos do Processo 423
Por fim, prevê o inciso III do mesmo art. 178, que será obrigatória a intervenção do
Ministério Público, nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana153
É importante, ainda, salientar que o Ministério Público, quando atua no processo
com base no art. 178 do CPC/2015, deve fiscalizar, acima de tudo, a exata aplicação da
lei. Assim, se intervier na causa porque, por exemplo, haja interesse de menor em jogo,
não deverá opor-se necessariamente à pretensão contra o menor formulada, a não ser
que haja razão para tanto. Inexistindo razão, não há porque fazê-lo,154 pois sua atuação,
como custos legis, deve ter o caráter, em certa escala, de imparcialidade.
Notemos que, de acordo com os arts. 84 e 246 do CPC/1973, a simples falta de in-
tervenção do Ministério Público importaria nulidade do feito. Por outro lado, o art. 279
do CPC/2015 prevê a nulidade, que no entanto, só poderá ser decretada a partir da in-
timação do próprio Parquet para que diga a respeito da existência, ou não, de efetivo
prejuízo pela sua não participação (art. 279, §2º). Assim incide a máxima de que os atos
processuais só são nulos quando houver prejuízo, em consonância com o que, no tema,
já há tempos decide a jurisprudência.155
Afinando-se com a jurisprudência dominante, será nula a causa em que somente
venha a ocorrer a intervenção do Ministério Público em segundo grau, desde que a de-
cisão tenha sido, por exemplo, contra o menor, pois terá havido prejuízo.156 O critério
correto, é o de relacionar a equação do problema em função do possível prejuízo.
153. Note-se que o CPC/1973 previa apenas a intervenção do Ministério Público, como fiscal
da lei, nos litígios coletivos que envolviam a posse de terra rural, tendo sido incluída, no
CPC/2015, a hipótese de intervenção nos litígios coletivos que envolvam a posse de terra
urbana.
154. TJ/SP, RT 108/204 e 326/123. Decidiu o STJ que “não está obrigado o representante do
Ministério Público a manifestar-se, sempre, em favor do litigante incapaz. Estando conven-
cido de que a postulação do menor não apresenta nenhum fomento de juridicidade, é-lhe
possível opinar pela sua improcedência” (STJ, REsp 135.744/SP, 4.ª T., j. 24.06.2003, rel.
Min. Barros Monteiro, DJ 22.09.2003, p. 327).
155. Cf. “Processual civil. Ação indenizatória. Autores menores. Ministério Público. Ausência
de intimação da sentença. Julgamento da apelação desfavorável. Ocorrência de prejuízo.
Nulidade. Ao Ministério Público compete intervir nas causas nas quais há interesses de
incapazes, tendo direito a ser intimado de todos os atos do processo, sob pena de nulidade.
O reconhecimento do vício, porém, é condicionado à existência de prejuízo. (STJ, REsp
1319275/PB, 2ª T., j. 10.11.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 18.11.2015).
156. Por outro lado, “a intervenção do Ministério Público em segundo grau de jurisdição, sem
arguir nulidade nem prejuízo, supre sua ausência na primeira instância, afastando a nulidade
do processo” (STJ, REsp 221.962/BA, 3.ª T., j. 18.03.2004, rel. Min. Gomes de Barros, DJ
12.04.2004, p. 204, g.n.). Assim: “(…) este Superior Tribunal de Justiça, em homenagem ao
princípio da economia e celeridade processual, vem decidindo que a não intervenção do
Parquet no primeiro grau de jurisdição, por força de lei, tem-se por suprida com a sua integra-
ção à lide em segunda instância, desde que não ocasione às partes prejuízo, o que, no caso
dos autos, inexistiu. Precedentes: REsp 271.680/CE, rel. Min. José Delgado, DJU 09.04.2001;
REsp 549.707/CE, rel. Min. Franciulli Netto, DJU 09.05.2005; REsp 604.264/RN, rel. Min.
Castro Meira, DJU 01.02.2006; MC 10.651/SP, rel. Min. Castro Meira, DJ 30.03.2006” (STJ,
REsp 847.365/PA, 1.ª T., j. 24.10.2006, rel. Min. José Delgado, DJ 20.11.2006).
424 Manual de Direito Processual Civil
157. Sobre as despesas processuais referentes às medidas requeridas pelo Ministério Público e o
CPC/2015, v. artigo de Ricardo de Barros Leonel intitulado Ministério Público e despesas pro-
cessuais no novo Código de Processo Civil, Revista de Processo, vol. 249/2015, p. 173-186.
158. Cf. Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil, vol. 1, 11. ed., São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 108. No entanto, já decidiu o STJ que “a legitimidade do Ministério Público
para apelar das decisões tomadas em ação de investigação de paternidade, onde atua na
qualidade de custos legis (CPC, art. 499, § 2.º), não se limita à defesa do menor investigado,
mas do interesse público, na busca da verdade real, que pode não coincidir, necessariamen-
te, com a da parte autora. (...) Destarte, decretada em 1.º grau a revelia do investigado, mas
sem que qualquer prova da paternidade ou elementos de convicção a respeito tenham sido
produzidos nos autos, tem legitimidade e interesse em recorrer da sentença o Ministério
Público” (STJ, REsp 172.968/MG, 4.ª T., j. 29.06.2004, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior,
DJ 18.10.2004, p. 279). Seguindo essa linha de raciocínio, o STJ considerou o Ministério
Público parte legítima para recorrer de acórdão que deferiu aos avós pedido de guarda de
menor, por ausência de condições da mãe verdadeira de manter a criança, refutando, assim,
o argumento da ilegitimidade do Parquet para apelar contra sentença que “defere guarda do
menor visando protegê-lo”: “(...) É matéria solidamente assentada a faculdade de o Ministé-
rio Público recorrer nos processos que atua como fiscal da lei, ainda que silentes as partes.
Art. 499, § 2.º, do Código de Processo Civil e Súmula 99 do Superior Tribunal de Justiça. 2.
O Ministério Público como fiscal da lei, atua na defesa do interesse público, decorrendo,
então, do prévio reconhecimento do interesse de agir a outorga da legitimação (...)” (STJ, REsp
269.121/MG, 4.ª T., j. 07.08.2003, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 18.08.2003, p. 209).
Os Sujeitos do Processo 425
CPC/2015) e agem no processo por meio de seus órgãos representativos, por meio dos
agentes que os ocupam.159 O Código de Processo Civil disciplina a matéria ao nível do
processo, deixando os problemas de representação não processual à legislação de di-
reito material.
A representação, de que trata a lei, abrange tanto posição ativa como passiva, isto
é, tanto para ser autora, como para ser ré, e ainda, assistente do autor ou do réu, ter-
ceiro embargante etc. De um modo geral, esta representação é instituída conferindo
a plenitude dos poderes necessários ao desempenho da defesa e do ataque no plano
do processo.
Pelo Código Civil de 1916 (art. 20, § 2º), negava-se às sociedades, carentes de regis-
tro, ou de autorização, “personalidade judiciária ativa”, e por isso não eram considera-
das como pessoas jurídicas. Lembremos, ainda, o art. 18 do CC/1916 (v. art. 45 do Có-
digo Civil de 2002), que colocava a autorização, se fosse o caso, e o registro das pessoas
jurídicas de direito privado como condições de sua existência. Ocorre, todavia, que o
Código de Processo Civil de 1973, no seu art. 12, inciso VII, ao tratar da representação
ativa e passiva, admitia que a sociedade, ainda que despida de personalidade jurídica,
estivesse em juízo, como autora ou ré, representada “pela pessoa a quem couber a ad-
ministração dos seus bens”. Verificou-se, portanto, uma alteração do art. 20, § 2º, do
então vigente CC/1916, pelo art. 12, VII, do CPC/1973. O Código de Processo Civil de
2015 mantém esta opção legislativa no art. 75, inciso IX.
A regra do Código de Processo Civil, portanto, estabelece que entidades de fato (=
sociedades sem personalidade jurídica) tenham os mesmos predicados, no campo pro-
cessual, que as sociedades regularmente constituídas.
159. A Lei que institui os Juizados Especiais Cíveis (e os Juizados Especiais Criminais) – Lei
9.099/1995 – estabelece que a pessoa jurídica, ou firma individual, será representada,
se o desejar (art. 9.º, § 4.º), por preposto credenciado. A mesma regra já era constante do
art. 9.º, § 4.º, da revogada Lei 7.244/1984, que regulava o Juizado Especial de Pequenas
Causas. Verifica-se, nestes dois diplomas, no que diz respeito à pessoa jurídica, uma forma
simplificada de representação, sendo suficiente documento idôneo do representante legal
àquele a quem credencie. Lembre-se que as disposições da Lei 9.099/1995 são inteiramente
aplicáveis, no que não colidirem com a Lei 10.259/2001, aos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais da Justiça Federal. A propósito, essa lei expressamente dispõe: “As partes poderão
designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”.
160. Sobre a representação da União em juízo, v.: Arruda Alvim, Código de Processo Civil co-
mentado, vol. II, São Paulo: RT, 1984; mais recentemente, Arruda Alvim, Tratado de direito
processual civil, São Paulo: RT, vol. II, comentários ao art. 12; Hélio Tornaghi, Comentários
ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, vol. I, p. 125.
426 Manual de Direito Processual Civil
161. Sendo que “a representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procu-
radores ou advogados, ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe
da apresentação do instrumento de mandato”, nos termos do que preceitua o art. 9.º, da Lei
9.469/1997.
162. Conforme jurisprudência do STJ, “Os procuradores dos Estados estão desobrigados de pro-
var sua capacidade postulatória, pois trata-se de delegação de poderes decorrentes de suas
nomeações. Assim, não se há de exigir, como obrigatória, cópia da procuração no agravo de
instrumento.” (STJ, 2.º T., AgRg no Ag 1.403.339/PR, rel. Min. Castro Meira, j. 09.08.2011,
DJe 30.08.2011). No mesmo sentido, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery, “Os procuradores das pessoas jurídicas de direito público não necessitam de mandato
Os Sujeitos do Processo 429
há que se recorrer à lei de direito material de cada um dos Estados, para determinar a
quem incumbe, no campo do processo civil, a função de representação.
No Estado de São Paulo isto vem disciplinado a partir da própria Constituição Es-
tadual. O Estado é representado em juízo por seus procuradores (= procuradores do
Estado), nos termos dos arts. 98 e 99, I, da Constituição do Estado de São Paulo. Tem
sido entendida como correta a utilização da expressão Fazenda Pública estadual para
designar o Estado-membro como parte em ação judicial, uma vez que a Fazenda Pú-
blica estadual nada mais é do que o Estado-membro visualizado pelo ângulo financei-
ro.163 A Fazenda do Estado, em São Paulo, é, outrossim, representada junto ao Tribu-
nal de Contas por Procuradores designados pelo Procurador-Geral do Estado (Cons-
tituição do Estado de São Paulo, art. 99, III). O Tribunal de Contas, por sua vez, se for
a juízo, será também representado pela Procuradoria-Geral do Estado, através do seu
órgão competente.
Ao contrário do que era verificável antes da Constituição Federal de 1988,164 as Cons-
tituições dos Estados federados distinguiram, nitidamente, entre o Ministério Público
e as Procuradorias-Gerais do Estado. Isto porque, como já observamos, veda o texto da
Constituição Federal de 1988 a representação judicial ou a consultoria jurídica de en-
tidades públicas pelo Ministério Público (art. 129, IX).165
O Distrito Federal é a sede territorial da União, onde se localiza a capital da Repú-
blica Federativa do Brasil. O Distrito Federal não se equipara aos Estados-membros,
especial para agir em juízo, pois pela nomeação para o cargo estão, ipso facto, investidos do
poder de representação.” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015).
163. RTJ 102/245.
164. À guisa de exemplo histórico, consultar as seguintes Constituições Estaduais, anteriores à
Constituição Federal de 1988: GO, arts. 59-61 (com a redação atribuída pela Emenda nº 1
de 17 de outubro de 1969); MG, arts. 152-162; PA, arts. 101-103; e SC e arts. 146-154..
165. Ver, por exemplo, as seguintes Constituições Estaduais promulgadas no ano de 1989: AC,
art. 106 et seq. para o Ministério Público e art. 119 et seq. para a Procuradoria-Geral do
Estado; AM, art. 84 et seq. para o Ministério Público e art. 94 et seq. para a Advocacia (Pro-
curadoria)-Geral do Estado, art. 94 et seq.; BA, art. 135 et seq. para o Ministério Público e
art. 140 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; CE, art. 129 et seq. para o Ministério
Público e art. 150 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; ES, art. 113 et seq. para o
Ministério Público e art. 122 para a Procuradoria-Geral do Estado; GO, art. 114 et seq. para
o Ministério Público e arts. 118-119 para a Procuradoria-Geral do Estado; MG, art. 119 et
seq. para o Ministério Público e art. 128 para a Advocacia (Procuradoria)-Geral do Estado;
MS, arts. 126 et seq. para o Ministério Público e arts. 144 et seq. para a Procuradoria-Geral
do Estado; PB, arts. 125 et seq. para o Ministério Público e art. 132 et seq. para a Advocacia
(Procuradoria)-Geral do Estado; PE, art. 67 et seq. para o Ministério Público e art. 72 para a
Procuradoria-Geral do Estado; PR, art. 114 et seq. para o Ministério Público e art. 123 para a
Procuradoria-Geral do Estado; RJ, art. 170 et seq. para o Ministério Público e arts. 176 et seq
para a Procuradoria-Geral do Estado; RN, art. 82 et seq. para o Ministério Público e art. 86
et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado; RS, art. 107 et seq. para o Ministério Público
e art. 114 et seq. para a Advocacia (Procuradoria)-Geral do Estado; SP, art. 91 et seq. para o
Ministério Público e art. 98 et seq. para a Procuradoria-Geral do Estado.
430 Manual de Direito Processual Civil
tendo regime jurídico próprio, mas pela lei processual deve ser representado pelos seus
procuradores, tal como os Estados (art. 75, II, do CPC/2015).
A única novidade que o Código de Processo Civil de 2015166 trouxe, respeitantemen-
te à representação dos Estados e do Distrito Federal, é a previsão do §4º do art. 75, que
permite que os Estados e o Distrito Federal ajustem compromisso recíproco, mediante
convênio firmado pelas respectivas procuradorias, para prática de ato processual por
seus procuradores em favor de outro ente federado. Sendo assim, havendo convênio
firmado entre a Procuradoria do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Estado do Rio
de Janeiro, esta poderá representar em juízo o Estado de São Paulo no processo que tra-
mita na Justiça Estadual do Rio de Janeiro. A finalidade do referido dispositivo é evitar
gastos desnecessários dos Estados e do Distrito Federal com os custos de se manter es-
truturas de suas respectivas procuradorias em diversos locais,167 o que é absolutamente
razoável, tendo em vista a dimensão continental do território brasileiro.
166. Diz-se em relação ao CPC/1973, pois, conforme aponta Wilson Medeiros Pereira, “A previsão
do §4º do dispositivo do NCPC em comento já vinha ocorrendo. Em abril de 2011 foi assinado
um Termo de Cooperação Técnica entre as Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito
Federal.” (Coordenação Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; Larissa Clare Pochmann da
Silva; Marcelo Pereira de Almeida. Novo Código de Processo Civil: comparado e anotado.
Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2015. p. 67).
167. Neste sentido: “A inovação é boa e busca, além da celeridade processual, a eficiência e eco-
nomia (com redução de custos operacionais de se manter uma estrutura em diversos locais
do país).” (Comentário de Luiz Dellore; Fernando da Fonseca Gajardoni...[et.al.]; Teoria geral
do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 242); “O
parágrafo quarto traz interessante novidade, que merece aplausos, pois tem o potencial de dar
mais fluidez aos processos e não gerar despesas que poderiam ser evitadas.” (Coordenação
Teresa Arruda Alvim Wambier...[et.al.]. Primeiros comentários ao novo código de processo
civil: artigo por artigo. 2. Ed. ver. atual e ampl. São Paulo: RT, 2016. p. 76).
168. Conforme explica Luiz Dellore, a distinção entre o inciso III e o I do art. 75 do CPC/2015
“se deve especialmente ao fato de existir municípios em que as procuradorias não estão
devidamente organizadas...” (Fernando da Fonseca Gajardoni...[et.al.]; Teoria geral do pro-
cesso: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 75), motivo
pelo qual o prefeito poderá representar o Municípios.
169. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em decisão ementada da seguinte maneira:
“Processual civil. Município. Representação em juízo. Prefeito ou procurador. Art. 12, II, do
CPC. I – O Município será representado em juízo, ativa e passivamente, por seu prefeito ou
procurador (art. 12, II, do CPC). II – Prefeitura Municipal e Município são expressões que,
na prática, se equivalem para designar as circunscrições territoriais autônomas em que se
dividem as unidades federativas. O uso da primeira pela segunda não constitui irregularidade
capaz de invalidar o processo, mormente quando, por decisão judicial, determinou-se a
retificação. III – Recurso conhecido e provido” (REsp 36.896-0/RJ, j. 02.08.1994, Rel. Min.
Waldemar Zveiter, em Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 29). No
mesmo sentido: STJ, 1.ª T., REsp 493.287/TO, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 8.3.2005, DJ
Os Sujeitos do Processo 431
25.4.2005, p. 224; STJ, 1.ª T., AgRg no AgIn 741.593/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.5.2006, DJ
8.6.2006, p. 132. O STJ decidiu, também, que não há necessidade de juntada de instrumento
de procuração aos autos em caso de representação do Município em juízo por procurador
municipal, utilizando-se do art. 334, IV, do CPC/1973 para demonstração de presunção que
envolve a dita representação. (STJ, 2ª T., AgRg nos EDcl no Ag 1097282/SP, Rel. Min. Castro
Meira, j. 28.4.2009, DJe 13.5.2009).
170. Já se decidiu que é nula a citação realizada na pessoa do procurador jurídico do Município:
TJSP, 9.ª Câm. Dir. Priv., AgIn 125.115-4, Catanduva, des. rel. Ruiter Oliva, j. 23.11.1999.
Em sentido contrário, já se pronunciou o TJMG: “O procurador-geral do município, regu-
larmente investido no cargo, detém poderes para representar a pessoa jurídica de direito
público interno em juízo, não havendo falar que o exercício de cargo em comissão lhe retire
os poderes de representação da pessoa jurídica de direito público, tampouco em nulidade
no recebimento do mandado de citação” (TJMG, Ap. 1.0080.05.001142-0/001, rel. Des.
Edgar Penna Amorim, j. 1.3.2007, DJ 6.6.2007, disponível em http://www.tjmg.gov.br). O
Superior Tribunal de Justiça também reconhece os poderes do procurador municipal para
receber a citação: “Processual civil. Embargos à execução. Citação. Procurador municipal.
Desnecessidade de poderes especiais. Art. 12, II, do CPC. 1. Da exegese do art. 12 do CPC
verifica-se não ser necessária a concessão de poderes especiais ao procurador do Municí-
pio para receber a citação em nome da Municipalidade. 2. Recurso especial parcialmente
provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal Estadual, visando a continuidade
do julgamento” (STJ, 2.ª T., REsp 419.092/PB, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 2.3.2004, DJ
26.4.2004, p. 159). É esta a posição que nos parece a correta.
171. A situação é semelhante a dos procuradores dos Estados, Distrito Federal e Municípios;
contudo, foi objeto de Súmula do STF, enquanto a dos citados entes federativos foi objeto
de acórdãos.
172. Em consonância com a Lei Complementar 73/1993, a representação das autarquias e fun-
dações públicas federais competia aos seus respectivos órgãos jurídicos (art. 17), vindo a
432 Manual de Direito Processual Civil
Lei 9.028/1995 a dispor que ficaria autorizada a “Advocacia-Geral da União a assumir, por
suas Procuradorias, temporária e excepcionalmente, a representação judicial de autarquias
ou fundações públicas nas seguintes hipóteses: I – ausência de procurador ou advogado;
II – impedimento dos integrantes do órgão jurídico” (art. 11-A). E, por essa mesma Lei
9.028/1995, dispôs-se, no art. 11-B, caput, o seguinte: “A representação judicial da União,
quanto aos assuntos confiados às autarquias e fundações federais relacionadas no Anexo
V a esta Lei, passa a ser feita diretamente pelos órgãos próprios da Advocacia-Geral da
União, permanecendo os órgãos jurídicos daquelas entidades responsáveis pelas respectivas
atividades de consultoria e assessoramento jurídicos”. Era o caso, por exemplo, do INSS,
cuja representação competia à AGU. Para os titulares de cargo de procurador de autarquia,
igualmente, não se exige a apresentação de mandato (STF, súm. 644).
173. Observe-se que o rol de pessoas jurídicas de direito privado do Código Civil (art. 44) foi am-
pliado pelas Leis 10.825/2003 e Lei 12.441/2011, que lhe acresceram incisos e parágrafos,
passando a compreender as organizações religiosas (inciso IV), os partidos políticos (inciso
V) e as empresas individuais de responsabilidade limitada (inciso VI).
174. 1.º TARJ, citado por Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 6ª. ed.,
São Paulo: RT, 1994, n. 504, p. 128.
175. “De acordo com a jurisprudência do STJ, a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurí-
dica apenas é imprescindível caso haja fundada dúvida sobre a validade da representação
em juízo.” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1343777/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 5.3.2015,
DJe 16.3.2015) Neste mesmo sentido, “Descabido o não conhecimento da apelação da
pessoa jurídica ré por falta de juntada aos autos de cópia do contrato social, se inexiste
fundada dúvida acerca da regularidade da representação da empresa em juízo. Possibili-
dade, ademais, se fosse o caso, de ser determinado o suprimento documental, nos termos
do art. 13 do CPC” (STJ, REsp 621.861, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 19.5.2005,
DJ 20.6.2005, p. 290). Cf. também RF 254/330, 2.ª col., em. RF 258/308; AFMT XXXVIII
291 e 312 (todos do TJMT); JTACivSP 66/99; RT 523/139 (fixando existir poder oficioso
do magistrado, se entender seja o caso), posição última correta (embora não colidente
com as anteriores), em face dos arts. 13, caput e inciso I, 267, VI, 267, § 3.º. Theotônio
Negrão (Código de Processo Civil... cit., p. 85), menciona que o STJ não tem exigido que
a pessoa jurídica prove, desde logo, a regularidade de sua representação (REsp 9.651/SP,
j. 10.9.1991, DJU I, 23.9.1991, e EDcl no REsp 30.337-4/ES, j. 26.6.1993, DJU 2.8.1993).
Os Sujeitos do Processo 433
Via de regra, a citação será pessoal, sendo, no entanto, permitida sua realização na
“pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessa-
do.” (art. 242, caput, do CPC/2015). Contudo, não se encontrando o citando,176 “a cita-
ção será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando
a ação se originar de atos por eles praticados.” (art. 242, §1º, do CPC/2015).
Neste passo, convém apontar que, quando a citação da pessoa jurídica for realiza-
da pelo correio, terá aplicação a regra do art. 248, § 2º, do CPC/2015, segundo o qual
“sendo o citando pessoa jurídica, será válida a entrega do mandado a pessoa com po-
deres de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo
recebimento de correspondências.”,177 pouco importando se a ação é fundada ou não
em atos praticados por estes sujeitos.
Segundo o art. 75, IX, do CPC/2015, a sociedade e a associação irregulares podem
agir ativa ou passivamente em juízo. O referido dispositivo possui redação diferente à
do seu correspondente no CPC/1973.178 Ao invés de se referir às sociedades sem perso-
nalidade jurídica, ele se refere apenas às sociedades irregulares. A nova redação poderia
trazer interpretação equívoca para aqueles que classificam as sociedades sem persona-
lidade jurídica em irregulares e de fato.
Na sociedade irregular existe um prenúncio de constituição, como a organização
por escrito, a montagem dos dispositivos dos estatutos etc.; entretanto, se o contrato
não é registrado na Junta Comercial (art. 45 do CC), trata-se de uma sociedade irre-
Entretanto, havendo dúvida razoável, anota aquele autor, deverá o juiz determinar que seja
feita essa prova (RT 601/66) por quem impugna a regularidade da representação (RJTJESP
106/233 e RJTAMG 26/362). A ressalva acerca da dúvida razoável sobre a regularidade
da representação é também assinalada pelo STJ (STJ, 2.ª T., REsp 659.148/SP, Rel. Min.
Eliana Calmon, j. 2.2.2006, DJ 6.3.2006, p. 320; STJ, 2.ª T., REsp 723.502/PI, Rel. Min.
Humberto Martins, j. 7.2.2008, DJ 28.2.2008, p. 86).
176. O art. 242, §1º, do CPC/2015 utiliza o termo “ausência do citando. Contudo, o emprego
da palavra não foi feito no sentido técnico. Nesse sentido: “A ausência do réu referida pela
norma, não é no sentido técnico, uma vez que nessa hipótese ele seria representado pelo
curador de ausentes. Cuida-se de ausência no sentido prático, em que o réu não é localizado
para receber a citação e não há certeza acerca de quando ele será localizado.” (Comentário
de José Alexandre Manzano Oliani. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier...[et.al.].
Breves comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. ver. e atual. São Paulo: RT, 2016.
p. 733); “A ausência não deve ser considerada, aqui, como ausência em sentido técnico –
neste caso, a representação caberia a seu curador –, mas sim em sentido prático, ou seja, de
pessoa fora do domicílio.” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 785).
177. O CPC/1973 não previa a validade da entrega do mandado de citação ao funcionário respon-
sável pelo recebimento de correspondências, contudo, a jurisprudência já vinha admitindo
esta entrega como válida. O CPC/2015 positivou a orientação da jurisprudência, adotando
expressamente a teoria da aparência. É o que concluem Nelson Nery Junior e Rosa Maria
de Andrade Nery: “A norma adotou, expressamente, a teoria da aparência.” (Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 785).
178. Art. 12, VII, do CPC/1973: “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: as sociedades
sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens;”.
434 Manual de Direito Processual Civil
gular. A sociedade de fato, por sua vez, é aquela que existe como puro fato, em face do
direito material e à luz de interpretação confinada ao mesmo, independentemente de
qualquer documentação.
Embora o art. 75, IX, do CPC/2015 refira-se apenas às sociedades irregulares, não
devemos entender que a sociedade de fato foi excluída do rol do art. 75, isso porque a
classificação das sociedades sem personalidade jurídica em irregular e de fato é uma
classificação doutrinária, que não foi adotada pelo legislador do CPC de 2015. Sen-
do assim, ao nos referirmos à sociedade irregular, estamos englobando também a so-
ciedade de fato.
Às sociedades e associações irregulares o Direito Material nega personalidade jurí-
dica; no entanto, a lei processual admite que sejam sujeitos ativos ou passivos de uma
ação, ponto em que, portanto, se verifica haver discrepância entre o Direito Material e
o Processual, na medida em que o princípio observado é o de que, havendo personali-
dade no plano do Direito Material, ipso facto, essa realidade se projeta no processo, por-
que é por este assumida, mas não vice-versa.179
179. É possível que a lei faça depender do tempo de existência de uma entidade, para, só depois
de certo lapso, admitir-lhe representatividade. A esse respeito já escrevemos o seguinte: é o
que se passa com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor e com a Lei da Ação Civil
Pública. “Em relação às associações, legitimadas para a defesa dos interesses e direitos nas
hipóteses dos incisos I, II, e III, do art. 81, parágrafo único (arts. 91 e 102 deste Código),
poder-se-á prescindir do requisito da anualidade de sua pré-constituição (mas não da sua
constituição regular, enquanto pessoa jurídica), com relação às ações do art. 91 et seq., ou
seja, para a hipótese do art. 81, parágrafo único. O texto legal refere a manifesto interesse
social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, o que conduz à conclusão de
que esta ação envolve responsabilidade civil. No entanto, como, sucessivamente e depois
da disjuntiva ou, o mesmo texto (art. 82, § 1.º, da Lei 8.078/1990; e Lei 7.347/1985, art. 5.º,
§ 4.º, nesta introduzido pela Lei 8.078/1990, art. 113) refere-se à relevância do bem jurídico
a ser protegido, isso vem a significar que não somente quando se trate de responsabilidade
civil há a possibilidade de dispensa dessa constituição há pelo menos um ano. Isto ocorrerá,
se ingressarem em juízo, antes desse prazo ânuo, desde que compareçam um dos seguintes
valores a serem resguardados: manifesto interesse social, traduzível pela dimensão do dano,
como, exemplificativamente, um dano de abrangência nacional deverá, em princípio, con-
duzir a essa dispensa. Ou, diz mais este § 1.º do art. 82, pela característica do dano, como,
exemplificativamente, se se tratar de um dano em expansão. Se o texto se tivesse atido a essas
restrições, poder-se-ia limitar a aplicabilidade desse § 1.º.Ocorre que esse texto refere-se,
ainda, à relevância do bem jurídico a ser protegido, como, por exemplo, quando se tratar
de saúde, como já se remarcou; ou, mais acentuadamente, da possibilidade de perigo de
vida ou vidas. Como, neste parágrafo primeiro do art. 82, o Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, depois de uma vírgula, alude à relevância do bem jurídico a ser protegido,
essa hipótese, com esse conceito-valor, transcende inelutavelmente ao âmbito da ação do
art. 81, parágrafo único, III. Leva este entendimento – ademais do que se disse – a que o
requisito ânuo pode ser desconsiderado, também, em relação às hipóteses dos incisos I e II
do parágrafo único do art. 81 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Por outras
palavras, “dimensão ou característica do dano” são hipóteses mais relacionadas com parte
do conteúdo do inciso III do parágrafo único do art. 81, o que já não ocorre, com exclusi-
vidade, com a hipótese da relevância do bem jurídico. Este é um valor geral, aplicável aos
incisos I e II, e, ainda, a outras hipóteses, do inciso III, todos do parágrafo único do art. 81.
Os Sujeitos do Processo 435
Por certo, necessário será que, em todas as hipóteses, essa realidade seja reconhecida pela
autoridade judiciária.
As expressões flexíveis da lei, que se utiliza de conceitos vagos, virão a ensejar aos juízes
uma larga margem de apreciação valorativa. Essa mesma possibilidade de dispensa da pré-
constituição veio a ser estabelecida para a Lei 7.347, de 24.07.1985, na forma do § 4.º, ao
art. 5.º desta, tal como foi acrescentado pelo art. 113 do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, para a legitimidade das associações que atuem no âmbito desta última lei.
Os critérios de dispensa válidos para o Código de Proteção e Defesa do Consumidor são os
mesmos que para essa Lei 7.347, de 24.07.1985.” (v. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo
Alvim e James Marins, Código do Consumidor comentado e legislação correlata, São Paulo:
RT, 1991, p. 185 a 186).
180. RT 476/153.
181. O art. 42 do Código Civil preceitua: “São pessoas jurídicas de direito público externo os
Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”.
A respeito, decidiu o STJ que “somente os chefes de missão diplomática detêm legitimidade
para as demandas em que os interesses do País a que pertencem e representam estejam em
discussão perante a Justiça brasileira, limitando-se os representantes consulares às ativida-
des de cunho eminentemente comercial e administrativo” (STJ, RO 40/PR, Rel. Min. Castro
Filho, j. 28.9.2004, DJ 18.10.2004, p. 263).
182. Opina-se na doutrina tratar-se de uma presunção absoluta. “A presunção de autorização
para o gerente da filial ou da agência receber citação, a que alude o art. 75, §3.º, CPC, é
absoulta, não admitindo prova em contrário. O fim que a anima é a facilitação do acesso
à justiça, tornando menos complicado o curso de ações contra as pessoas jurídicas estran-
geiras.” (Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo código
de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 159).
436 Manual de Direito Processual Civil
189. Aqui cabe esclarecer a diferença entre capacidade de ser parte e capacidade de estar em
juízo. A primeira diz respeito à possibilidade de algum sujeito (pessoa ou ente despersona-
lizado) ocupar a posição de parte (autor ou réu) no processo, enquanto que a segunda se
refere à possibilidade da parte atuar no processo por si só, ou seja, praticar atos processuais
sem depender de outro sujeito, o que só poderá aquele que tiver capacidade de exercício
de direito (art. 70 do CPC/2015).
190. V. Arruda Alvim. Código de Processo Civil comentado, São Paulo: RT, 1975, vol. II, p. 88, e,
mais recentemente, Tratado de direito processual civil, São Paulo: RT, 1996, vol. II, comen-
tários ao art. 12 do CPC/1973.
191. “Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além
de outros deveres que esta Lei lhe impõe: (...) III – na falência: (...) n) representar a massa
falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos honorários serão previamente
ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores; (...).”
192. Tal como ocorria, no particular, com o síndico, na vigência do Dec.-lei 7.661/1945 (art. 63,
XVI), revogado pela Lei 11.101/2005, referida no texto. Corretamente, decidiu-se, à luz
438 Manual de Direito Processual Civil
nistrador judicial age como representante da massa falida e, como sua função decorre
de um imperativo legal, poderá ele até mesmo agir contra o falido, o que evidencia que
age em função de um verdadeiro múnus público. É nomeado pelo juiz para auxiliar a
Justiça, tendo deveres inerentes ao seu cargo, não é sucessor do falido na administra-
ção, eis que seu atuar decorre da lei.
Um ente semelhante à massa falida é a massa do devedor insolvente; contudo, am-
bos não se confundem. Conforme já explicado, a massa falida é a universalidade de bens
que eram de titularidade de uma sociedade empresária que faliu, enquanto que a massa
do devedor insolvente é o conjunto de bens, excluídos os direitos não patrimoniais e os
bens impenhoráveis, da pessoa insolvente que não exerce atividade empresária. A mas-
sa falida decorre da sentença que declara a falência da sociedade empresária, enquanto
que a massa insolvente decorre da execução civil contra devedor insolvente, a partir da
sentença declaratória da insolvência.
O Código de Processo Civil de 2015 não aludiu ao administrador da massa in-
solvente, contudo, por força de seu art. 1.052, continua vigente o Título IV do Livro
II do CPC/1973 (arts. 748 a 786-A), que disciplina, entre outras coisas, a adminis-
tração da massa insolvente. Assim, na sentença que declarar o devedor insolvente,
deverá o juiz nomear o administrador da massa, que deverá ser um dos maiores cre-
dores (art. 761, I, do CPC/1973), cuja função, entre outras, será representar a massa
em juízo ativa e passivamente, podendo, para tanto, contratar advogado (art. 766,
II, do CPC/1973).
Registre-se que, assim como o administrador judicial não é representante do fali-
do, o administrador da massa não é representante do devedor insolvente, mas sim da
massa insolvente. 193
da lei anterior, mas adotando-se solução adequada à Lei 11.101/2005, que “a empresa
executada após a decretação de sua falência é parte ilegítima para figurar como polo ativo
ou passivo em ação judicial, cabendo ao síndico nomeado a representação da massa
falida no processo, ou a advogado contratado por este” (TRF-3ªR., Apelação 433.515, j.
19.03.2003, rel. Des. Cecília Marcondes, DJ 23.04.2003). No mesmo sentido, já entendeu
o STJ pela ilegitimidade passiva da pessoa jurídica em ação proposta após a decretação
da falência, v. STJ, REsp 1359259/SE, 2ª T., j. 07.03.2013, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJe 13.03.2013. A mesma Corte, também já decidiu mais recentemente que
a pessoa jurídica cuja falência foi decretada pode intervir no feito como assistente, v.
STJ, AgRg no REsp 1.234.247/SC, 4ª T., j. 02.02.2016, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe
05.02.2016.
93. Nesse sentido, entende o STJ pela manutenção da capacidade processual do devedor in-
1
solvente, podendo, inclusive, arguir a suspeição do credor indicado para administrador da
Os Sujeitos do Processo 439
massa insolvente. Nesse sentido, v., por exemplo: REsp 1.315.421/MG, 3ª T., j. 18.12.2014,
rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 05.02.2015.
194. Enquanto não formalizado o inventário e não prestado o compromisso pelo inventariante,
o espólio será representado por administrador provisório (arts. 613 e 614 do CPC/2015).
Decidiu-se, por outro lado, à luz do CPC/1973, que, “não obstante constituir-se em regra
processual a representação judicial do espólio por seu inventariante, nos termos do art. 12,
V, do CPC, nada impede que, ocorrendo a morte de qualquer das partes, seja procedida a
habilitação direta dos herdeiros, com espeque nos arts. 43, 1.056, II, e 1.060, I, do estatuto
processual vigente” (TRF-4ªR., Apelação 686.545, j. 14.12.2004, rel. Des. Thompson Flores
Lenz, DJ 12.1.2005).
195. Com acerto, já se entendeu ser “sanável a falta de representação do espólio, por seu inventa-
riante” (STJ, REsp 331.071/PR, 4ª T., j. 09.11.2004, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 07.03.2005).
Do mesmo modo, v. TJSP, Ag. de Instrumento 0022286-89.2011.8.26.0000, 10ª C. de Dir.
Priv., j. 10.12.2013, rel. Des. João Carlos Saletti; TJSP, Apel. 9264213-97.2008.8.26.0000,
16ª C. de Dir. Priv., j. 22.05.2012, rel. Des. Candido Alem.
440 Manual de Direito Processual Civil
200. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT,
2013, p. 244.
201. JTACivSP 60/255. Decidiu-se que, nesse caso, “considera-se regular a representação ativa
do espólio quando a viúva e todos os herdeiros se habilitam pessoalmente em juízo, inde-
pendentemente de nomeação de inventariante quando o inventário já tenha se encerrado
ou não exista” (STJ, REsp 554.529, j. 21.6.2005, rel. Min. Eliana Calmon,, DJ 15.8.2005,
p. 242).
442 Manual de Direito Processual Civil
Entre os autores que dão maior abrangência ao art. 75, XI, do CPC/2015 estão Pon-
tes de Miranda,202 Araken de Assis,203 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart,
Daniel Mitidiero,204 Renato Beneduzi,205 e Robson Renault Godinho.206
Discordando desses autores, podemos citar Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de An-
drade Nery, que entendem que o condomínio a que se refere o art. 75, XI, do CPC/2015
é apenas o edilício.207 Celso Agrícola Barbi, a luz do art. 12 do CPC/1973, tem esse mes-
mo entendimento.208
de sua limpeza e conserva, e outras. Enquanto isto, o condomínio do Código Civil funciona
em bases simples, geralmente não tem administrador, e este não tem o nome de síndico. A
defesa dos condôminos tem meios próprios, exercendo-se, em geral, contra os que detêm a
coisa comum. Para isto, qualquer condômino é legitimado, na forma do art. 623, item II, do
Código Civil, o que facilita sobremaneira a defesa. Atribuir-lhe um representante especial,
na pessoa de um administrador, seria forçar a nomeação dessa figura, que, como já se disse,
normalmente não existe na prática desse condomínio. Por todos esses motivos, entendemos
que o item IX só se refere ao condomínio de edifícios com unidades autônomas, regulado
na citada Lei n.º 4.591 de 1964.” (Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo
Civil. vol. I. 2ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 147 e 148).
444 Manual de Direito Processual Civil
Há partes de edifício ou incorporação, que são de uso comum (art. 1.331, §2º e §5º,
do Código Civil). Para a defesa dos interesses de tais partes comuns do condomínio, com
o sentido e função descritas no Código, elege-se um síndico, que, além de representar
o condomínio fora do processo, tem legitimidade para fazê-lo em juízo (art. 1.348, II,
do Código Civil). Conforme explicamos, é a esse síndico ou administrador que se refere
o art. 75, XI, do CPC/2015.
O condomínio edilício, assim, será sempre representado em juízo pelo administra-
dor ou pelo síndico. O condomínio, na realidade, é propriamente o “sujeito do direito”,
porque assim dispõe a lei do processo, embora seja ente despersonalizado, em face do di-
reito material. O condomínio habilita a que o administrador ou síndico, eleito de acor-
do com a convenção, possa representá-lo.
Vale ressaltar, não há, evidentemente, que confundir este tipo de condomínio com
a figura de condomínio (tradicional), expressão do condomínio de direito real, quando
todos os condôminos deverão ser citados sempre como litisconsortes passivos neces-
sários, se sujeitos passivos da ação. Caso se promova ativamente a ação, aplicar-se-á o
art. 1.314 do Código Civil,209 relativo a domínio ou posse, sendo cada condômino parte
legítima per se e pelos demais.210
Se existir de fato um condomínio edilício, mas não existir síndico eleito, o processo
civil atribui no plano processual, legitimação para o processo a fim de representar o con-
domínio àquele que, de fato, o administre. Assim, “registrada a convenção, o condomínio
será representado pelo síndico; não registrada, será representado pelo administrador”.211
Por outro lado, em face de haver um síndico eleito e uma administradora de condo-
mínio, só ao primeiro caberá a representação em juízo do condomínio.212-213
209. Assim já entendia o STJ na vigência do anterior Código Civil: “Nunciação de obra nova.
Ação intentada por condômino contra terceiros. Pretensão dos réus de que sejam chama-
dos ao processo os demais condôminos. Litisconsórcio necessário ativo. Não é o caso da
necessidade, porque a lei permite que a ação seja proposta por qualquer um dos donos.
Exemplos: arts. 623-II, 634, 892 e 1.580, parágrafo único, do Cód. Civil. É excepcional o
litisconsórcio necessário ativo. Hipótese em que não se ofendeu o art. 47 do Cód. de Pr.
Civil. Recurso especial de que a Turma deixou de conhecer” (STJ, REsp 33.726/SP, 3ª T., j.
09.11.1993, rel. Min. Nilson Naves, DJ 06.12.1993, p. 26.663).
210. Trata-se de hipótese em que a lei estabeleceu a legitimidade ativa extraordinária de cada
condômino para a defesa dos interesses dos demais, razão por que estaria dispensado o
litisconsórcio necessário. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil,
5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 244.
211. STJ, REsp 445.693/SP, 3ª T., j. 06.03.2003, Rel. Min. Nancy Andrighi,, DJ 23.06.2003, p. 356.
212. JTACivSP 36/181. Mas, “mesmo após o término do mandato do síndico continuará ele re-
presentando o condomínio como administrador até a realização de assembleia e eleição de
novo síndico, desde que não haja oposição dos demais condôminos” (TRF-3ªR., Apelação
821.818, j. 01.06.2004, rel. Des. Johonsom di Salvo, DJ 31.08.2004).
213. V. o que a respeito de órgãos da administração, sem personalidade jurídica, está dito no
Capítulo anterior, tendo em vista a Lei 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Con-
sumidor).
11
Litisconsórcio e Ações para Anular
Deliberações de Sociedades e Temas Correlatos
– Posição do Sócio em Demanda Contra a
Sociedade e a Figura do Litisconsórcio
1. Sobre o conceito de litisconsórcio, v., longamente, Arruda Alvim, Código de Processo Civil
comentado, vol. 2, São Paulo: RT, 1975, p. 361 et seq.; Celso Agrícola Barbi, Comentários
ao Código de Processo Civil, vol. 1, São Paulo: Forense, 1983, p. 257-258. –Sobre o mesmo
conceito também discorrem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mi-
tidiero, para quem, a caracterização da cumulação subjetiva como litisconsórcio é preciso
certo grau de afinidade de interesses. Dizem esses autores: “Comumente, tende-se a definir
446 Manual de Direito Processual Civil
relação processual. É o caso, por exemplo, da ação de usucapião de bem imóvel, na qual
o art. 246, §3º, do CPC/2015 estabelece a necessariedade de citação de todos os confi-
nantes do imóvel usucapiendo. Não é imperioso que a decisão dessa ação seja a mesma
em relação aos vizinhos do imóvel usucapiendo, mas é imprescindível que todos estejam
presentes na relação processual, por determinação legal. Por outro lado, quando dois
ou mais sujeitos são titulares de uma só lide, a decisão é incindível entre eles. O foco do
litisconsórcio unitário é a unidade da qual deriva a impossibilidade de que as pessoas
integrantes do mesmo papel de parte recebam tratamento diferente umas das outras.
O que configura o litisconsórcio unitário é, portanto, termos no processo, pluralidade
de pessoas exercendo o mesmo papel de parte e uma só lide, pertencendo a todos. 9-10
No litisconsórcio unitário, a normalidade do funcionamento da atividade jurisdi-
cional é a de que realmente todos os litisconsortes unitários, situados em um dos polos
do processo ou ambos, tenham sorte efetivamente idêntica no plano do direito material,
ou melhor, sejam alcançados, de igual maneira, pela solução da lide. Todavia, a essência
da unitariedade significa ou é redutível a que a ação deva ser contra ou a favor dos litis-
consortes unitários. Isto é, essencialmente, há de ser julgada procedente ou improceden-
te, podendo, dessa forma, a sorte no plano do direito material variar, em certa medida.
Exemplo disso é o art. 1.561 do Código Civil.11A identidade total da sorte do litiscon-
sorte, definida pela sentença, no plano do direito material é, entretanto, a regra geral.
No litisconsórcio simples, por sua vez, há a possibilidade de que um e outro litiscon-
sorte tenham sortes diversas no plano do direito material. São os exemplos menos com-
plexos de pluralidade de partes, como nos casos em que um mesmo evento tenha causado
9. O litisconsórcio unitário se caracteriza, assim e para efeitos da decisão a ser proferida, pelo
fato de que todas as pessoas presentes no mesmo polo da relação processual são como se
fossem uma única parte, v.g., não vemos os autores A, B e C separados em face do réu D,
mas somente uma parte autora em face de D.
10. Como comenta Luiz Dellore, o critério para identificação da unitariedade do litisconsórcio é
a natureza da relação jurídica, ou seja, quando o juiz tem de decidir a lide de forma uniforme
em relação a todos os litisconsortes. O autor, ainda, fornece dois exemplos interessantes, bem
diferenciando os litisconsórcios simples e unitário. Como exemplo do litisconsórcio simples,
“vale imaginar uma demanda indenizatória em virtude de um “engavetamento” em que dois
motoristas que sofreram dano acionam, em um único processo (litisconsórcio facultativo
ativo) o réu, causador do acidente. Conforme a prova dos autos, poderá o juiz julgar o pedi-
do procedente para ambos ou procedente para um e improcedente para o outro.”. Já como
exemplo do litisconsórcio unitário, seria o caso em que “o MP ingresse em juízo buscando
a anulação de um contrato celebrado entre o Poder Público e uma empreiteira. Ora, é certo
que a decisão para o Estado e para a empresa terá de ser a mesma. Não há como o contrato
ser anulado para um e não para o outro contratante. Assim, ou válido o contrato para ambos
(pedido do MP improcedente), ou nulo para ambos (pedido do MP procedente).” (v. Teoria
geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 391).
11. “1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da senten-
ça anulatória. § 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus
efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé
ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.”
450 Manual de Direito Processual Civil
danos a mais de uma pessoa e as vítimas tenham decidido ingressar conjuntamente com
ação indenizatória, mesmo tendo cada uma sofrido danos de natureza e grau diversos.
Em tais hipóteses, não há uma pluralidade de pessoas no papel de parte e uma só lide,
mas diversas pessoas, cada qual com sua lide, integrando o mesmo polo processual. 12
Uma importante consequência de o CPC/2015 ter expressamente admitido a existên-
cia do litisconsórcio unitário (quando, como vimos, o CPC/1973 parecia mencionar esta
espécie juntamente com o necessário) é perceber-se que apenas no caso de unitariedade os
litisconsortes não agem autonomamente. A regra geral em relação à pluralidade de partes
é que os litisconsortes são considerados como litigantes distintos (art. 117 do CPC/2015).
Integram o mesmo processo, mas compõem lides diversas. A exceção é justamente a do
litisconsórcio unitário. Nesse caso, os atos de um litisconsorte não podem vir a prejudi-
car os demais. Notam-se exemplos disso na desistência da ação ou de recurso, casos em
que o ato de um dos litisconsortes unitários, sem a anuência expressa dos demais, não
tem eficácia. Quer dizer, enquanto todos os litisconsortes unitários não agirem conjun-
tamente, os atos processuais não podem prejudicar os que não agiram, por isso o ato pra-
ticado é ineficaz, mas poderão, contudo, beneficiá-los (art. 117 do CPC/2015).13 O texto
do art. 117, mantém a vedação de que os atos e omissões do litisconsorte unitário prejudi-
quem os demais, permitindo, porém, que sejam estes beneficiados pela atuação daquele.
Note-se, todavia, que não só no litisconsórcio unitário poderá ocorrer que a atuação de
um litisconsorte beneficie os demais; também no litisconsórcio simples isso pode ocorrer,
quando, por exemplo, a mencionada atuação se referir a questão comum aos litisconsor-
tes simples. Assim, por exemplo, mesmo na hipótese de revelia de um litisconsorte sim-
ples, a contestação dos demais pode aproveitar quanto à impugnação dos fatos comuns.
Cotejando-se as duas classificações, temos que o litisconsórcio poderá ser necessá-
rio-simples, necessário-unitário e facultativo-simples e facultativo-unitário (mais raro
na prática),14-15 conforme veremos mais adiante.
aplicação do art. 115, I, do CPC/2015 – se, embora unitária a lide, for caso de legitimação
extraordinária. A esse respeito, v. item pertinente à posição dos sócios.
16. Luiz Dellore elogia a supressão de um inciso no art. 113 do CPC/2015, quando comparado
com o art. 46 do CPC/1973, uma vez que o art. 46, II, do CPC/ 1973 trazia uma redundância
(v. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense,
2015, p. 765).
17. Cf. Monteiro Aroca, La intervención adhesiva simple, Barcelona: Hispano Européia, 1972,
n. 5-A,.p. 16. Entre nós, principalmente, senão exclusivamente, no que diz respeito ao
litisconsórcio facultativo, v. Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio. 8ª. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 59.
18. Para Araken de Assis, a economia processual é um dos vetores das finalidades da demanda
conjunta. (v. Processo civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais, vol. 2, São Paulo:
RT, 2015, p. 224).
19. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu como salutar a forma-
ção do litisconsórcio facultativo em prestígio aos princípios da economia e da celeridade
processual (TJRS, Ag. de Instrumento 0076946-47.2016.8.21.7000, 3ª C. Cível, j. 07.07.2016,
rel. Des. Matilde Chabar Maia).
20. Cândido Rangel Dinamarco. Litisconsórcio. 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 69 e ss..
21. 2.º TACivSP, RT 549/159; TFR, RJTR 53/44 (em mandado de segurança, em que se pondera
que, em realidade, o que se deseja é “fruir” da mesma distribuição e competência, mercê do
“expediente” do ingresso de litisconsorte facultativo ulterior); semelhantemente, decidiu-se
que o litisconsórcio facultativo ulterior, caso admitido, “implicaria violação ao princípio
do juiz natural, uma vez que se estaria possibilitando à parte escolher o julgador que, pelo
452 Manual de Direito Processual Civil
menos a princípio, seria consentâneo com sua tese” (STJ, REsp 111.885/PR, 2.ª T., Rel. Min.
Laurita Vaz, j. 13.11.2001, DJ 18.02.2002, p. 281).
22. Já se decidiu, em sede de Recurso Especial, ser inadmissível litisconsórcio ativo facultativo
entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual em Ação Civil Pública,
por não haver, no caso, conjugação de interesses afetos a cada um deles. Precisamente,
faltou ao órgão ministerial federal, interesse específico federal a justificar sua integração a
lide, em contraposição aos princípios da economia e celeridade processuais que informam
a formação do litisconsórcio (STJ, REsp 1.254.428/MG, 3ª T., j. 02.06.2016, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJe 10.06.2016).
23. Diferentemente, Cássio Scarpinella Bueno entende que a hipótese do art. 113, I, do CPC/2015
diz respeito a litisconsórcio necessário, porque, segundo o autor, “se entre duas ou mais pessoas
‘houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide’ (e ‘lide’, deve ser entendida
como sinônimo de relação de direito material subjacente ao processo ou de mérito), elas deverão
litigar em conjunto a não ser que haja norma que autorize o contrário, nos precisos termos do
art. 18, isto é, quando for autorizada a legitimação extraordinária.” (v. Manual de direito proces-
sual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 141).
24. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de direito civil: direito das obri-
gações, vol. II, São Paulo, RT, 2015, p. 193.
Litisconsórcio e Ações para Anular 453
25. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Tomo XXII, 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi,
1958, p. 326 e 334.
26. Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou
mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
27. Demonstrando que a solidariedade não implica na formação de litisconsórcio necessário,
cf. STJ, REsp 1462820/RJ, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 04.12.2014, DJe 12.12.2014.
28. STJ, REsp 1.515.710/RJ, 3ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellize, DJe 02.06.2015.
29. A doutrina apresenta ainda, como hipóteses de litisconsórcio facultativo por comunhão de inte-
resses: aquele formado pelos coproprietários (condôminos) que reivindicam o bem – hipótese
em que a facultatividade decorre de disposição legal específica (legitimação extraordinária) –V.
Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 470; Renato
Resente Beneduzi, Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 70 ao 187, São Paulo, RT,
2016 (Coleção Comentários ao Código de Processo Civil; V. 2/ Coordenação Luiz Guilherme
Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero); e Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade
Nery, Comentários ao Código de Processo Civil de 2015,São Paulo: RT, 2015, p. 512; Alexandre
Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2ª ed. ver. atua. São Paulo: Atlas, 2016, p. 81.
30. STJ, REsp 705.899/PB, 1.ª T., Rel. Min. José Delgado, j. 07.06.2005, DJ 01.07.2005, p. 422.
Para configurar-se a conexão, suficiente é a conexão pelo pedido ou pela causa de pedir,
desnecessária a identidade das partes (Boletim do TFR-3.ª R. 9/74).
31. TRF–4.ª R., AgIn 10493602/RS, Rel. Des. Valdemar Capeletti, j. 16.03.2005, DJ 20.04.2005,
p. 970.
32. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 513.
454 Manual de Direito Processual Civil
38. Nessa linha, já se decidiu que “o autor pode acionar vários réus, ainda se formulados pedidos
cumulativos contra réus distintos”. (STJ, REsp 204.611/MG, 4.ª T., j. 16.05.2002, rel. Min.
Cesar Asfor Rocha, DJ 09.09.2002, p. 229).
39. A doutrina denomina tal hipótese “litisconsórcio sucessivo” ou “eventual”. Sobre o tema, cf.
artigo de Rodrigo Mazzei, “Litisconsórcio Sucessivo: Breves considerações”, publicado na
obra coletiva Processo e Direito Material (organizada por Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei),
Salvador: JusPodivm, 2009, pp. 223-245. V. também Araken de Assis, Processo civil brasileiro:
parte geral: institutos fundamentais, vol. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 229; e Eduardo Arruda
Alvim, Direito Processual Civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2013, p. 232.
456 Manual de Direito Processual Civil
40. Consta da ementa do julgado que: “...O conflito de interesses entre os Municípios de Jun-
diaí e São Paulo não representa empecilho à inclusão de ambos os entes na demanda na
qualidade de litisconsortes passivos, sendo igualmente certo, sublinhe-se, que esta situação
de antagonismo é intrínseca ao litisconsórcio eventual. (...)” (STJ, REsp 727233/SP, 2.ª T., j.
19.03.2009, rel. Min. Castro Meira, DJe 23.04.2009).
41. Lide, mérito, pedido e objeto litigioso são ideias substancialmente iguais, ao passo que objeto
do processo é tudo aquilo que integra e compõe o processo, e, portanto, inclui, também, a
defesa (= contestação) e as questões suscitadas pelo réu.
42. É possível que o próprio juiz “levante questões” para resolvê-las. Não é, nesse sentido,
todavia, que o termo está usado no texto.
Litisconsórcio e Ações para Anular 457
-se ele ao art. 88, 3.ª hipótese, do Código de 1939) era o de causas.43 Diverso, todavia,
era o entendimento de Guilherme Estellita 44.
O sentido real da lei é o de que, havendo identidade de questões nos fundamentos
da ação de um autor com a do outro, justifica-se haja litisconsórcio, justamente porque
haverá comunhão na produção e na realização da prova, bem como no exame da cau-
sa pelo juiz, e, em síntese, estar-se-á atendendo ao princípio da economia processual.
Desta forma, pois, a palavra questão não foi tecnicamente usada, pois, tecnicamen-
te, significa afirmação de direito que resulta controvertida.
43. Cf. José Joaquim Calmon de Passos, Do litisconsórcio no Código de Processo Civil, São
Paulo: Forense, 1979, p. 46.
44. Cf. Guilherme Estellita, Do litisconsórcio no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1955, p. 179.
45. Cf., também, José Miguel Garcia Medina, “Litisconsórcio necessário ativo: interpretação e
alcance do art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil”, Doutrinas Essenciais de
Processo Civil, vol. 3, Out.2011.
46. V. Alexandre Freitas Câmara, segundo o qual a necessariedade decorre da legitimidade ad
causam ser plúrima: “O litisconsórcio é necessário quando sua formação é essencial para
que o processo atinja seu fim normal. Resulta a necessariedade do litisconsórcio do fato de
em alguns casos a legitimidade ad causam ser plúrima, isto é, pertencer a um grupo de pes-
soas, de modo tal que só estará presente no processo a parte legítima se todo o grupo, com
todos os seus integrantes, estiver reunido no processo. Pense-se, por exemplo, no caso do
Ministério Público ajuizar demanda que tenha por objeto a decretação de nulidade de um
casamento (art. 1.549 do CC). Pois neste caso a legitimidade passiva é do casal. Perceba-se:
nenhum dos cônjuges sozinho é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda de
anulação de casamento proposta pelo Ministério Público. Só é parte legítima, neste caso,
o casal. Impõe-se, então, a presença de ambos os cônjuges no processo, sob pena de faltar
uma das ‘condições da ação’, não sendo possível chegar-se ao exame do mérito da causa
se o vício não for corrigido.”. (v. O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas,
2016, p. 81). Ainda que se trate de litisconcórcio unitário, a sorte poderá não ser idêntica
no plano dos efeitos da sentença, por causa da boa ou má fé (v. art. 1.561, e §§ 1º e 2º, do
Código Civil).
47. STJ, AgRg no ARESp 829.583/RJ, 1ª T., j. 03.03.2016, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 09.03.2016;
STJ, REsp 1.415.262/PR, 2ª T., j. 09.06.2015, rel. p. acordão Min. Assusete Magalhães, DJe
458 Manual de Direito Processual Civil
Quanto à não integração do contraditório por todos aqueles que devem integrar a
relação jurídica processual, devemos observar que para o litisconsórcio necessário pas-
sivo, seja ele unitário ou simples, se não integrada, é fora de dúvida que o juiz poderá
determinar ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, sob
pena de extinção do processo48-49. Já no polo ativo, em sendo o litisconsórcio necessário,
na exata razão da necessariedade, deverá, também, ser integrado. Se o litisconsórcio,
nessa última hipótese, porém, for simples, a decisão judicial somente alcançará aque-
les que estiveram no processo.
Em se tratando, de litisconsórcio necessário unitário, contudo, faltante a integra-
ção do polo ativo, em havendo decisão judicial, esta será nula (item I do art. 115 do
CPC/2015).
A lei só se reporta, aparentemente, à integração do contraditório por ato do autor,
consequentemente, requerendo a citação dos litisconsortes réus.
Tal disposição legal parece transportar-nos à afirmação, já feita em relação ao
CPC/1973, de que, quanto ao polo ativo, ninguém poderia ser obrigado a ir a juízo. Ora,
nesse passo, se faz essencial cotejarmos os princípios constitucionais incidentes na hi-
pótese, ou seja, do acesso à justiça como o princípio dispositivo ou todos os outros que
poderiam aqui ser invocados.
O acesso à justiça, fundamento e consequência essencial do devido processo legal,
é inafastável, pelo que se conclui que, a vontade de um dos titulares de afirmação de di-
reito não pode obstar o acesso à justiça de outros dos cotitulares. Essa a razão de o autor
poder requerer a citação dos cotitulares da lide, eis que por meio do instituto jurídico
da citação é convocado tanto o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação
jurídica processual. (art. 238 do CPC/2015).
A necessariedade, como vimos, é acrescentada e se impõe em havendo unitariedade
– uma lide só a ser julgada, prevendo o CPC/2015 que “A sentença de mérito, quando
proferida sem a integração do contraditório, será: I – nula, se a decisão deveria ser uni-
forme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo” (art. 115, caput e I).
Todavia, é útil observarmos que casos há em que inexiste essa integração e a sen-
tença será válida, quando aquele ou aqueles que estão no processo são legitimados or-
01.07.2015; STJ, AgRg no REsp 1.211.517/RJ, 5ª T., j. 25.09.2012, rel. Min. Laurita Vaz, DJe
02.10.2012; eSTJ, AgRg no REsp 1.249.185/PR, j. 23.08.2011, rel. Min. Herman Benajmin,
DJe 08.09.2011.
48. STJ, AgRg no AgRg no REsp 1.064.919/PR, 6ª T., j. 14.10.2014, rel. Min. Nefi Cordeiro,
DJe 10.11.2014; STJ, REsp 242.260/SC, 4.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.09.2004,
DJ 22.11.2004, p. 345; STJ, REsp 493.679/RS, 2.ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
16.11.2004, DJ 17.12.2004, p. 483; STJ, RMS 4.834/RJ, 3.ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, j. 03.05.2005, DJ 30.05.2005, p. 356.
49. TJSP, Ag. de Instrumento 2225567-93.2015.8.26.0000, 3ª C. de Dir. Priv., j. 23.02.2016,
rel. Des. Carlos Alberto Salles; TJSP, Apel. 1045676-57.2014.8.26.0100, 9ª C. de Dir. Púb.,
j. 19.08.2015, rel. Des. Oswaldo Luiz Palu; e TJSP, Apel. 1011857-13.2013.8.26.0053, 2ª
C. de Dir. Púb., j. 10.06.2014, rel. Des. Renato Delbianco.
Litisconsórcio e Ações para Anular 459
Assentou também a 4.ª Turma o entendimento de que haveria preclusão da matéria. Assim,
não poderia o réu alegar nulidade ou ineficácia da sentença se, no prazo da contestação,
não houvesse declarado a existência de participação do Instituto Brasileiro de Resseguros
na soma reclamada nem requereu a citação do ressegurador: STJ, REsp 36.671/GO, 4.ª T.,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 21.6.1994, DJ 15.8.1994, p. 20338; STJ, REsp
256.274/SP, 4.ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 26.9.2000, DJ 18.12.2000, p. 204.
Na 3.ª Turma prevaleceu o entendimento precedente, no sentido de que, “consoante ju-
risprudência sedimentada nesta Corte, a posição do Instituto de Resseguros do Brasil, nas
ações relativas à cobrança de seguro, é de litisconsorte necessário, quando participe em
percentual da soma reclamada, podendo responder, portanto, diretamente ao segurado”
(STJ, REsp 556.201/PA, 3.ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 29.3.2005, DJ 2.5.2005, p. 339; STJ,
REsp 791.030/RS, 3.ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 13.12.2005, DJ 22.5.2006, p. 200). No
sentido da desnecessidade da formação do litisconsórcio e da ausência de nulidade ou ine-
ficácia se, ao tempo da prolação da sentença, o Dec.-lei 73/1966 já estivesse revogado, com
o que não se pode concordar, já que, à luz da legislação então vigente, o processo teria se
desenvolvido invalidamente desde a citação: STJ, REsp 647.377/RS, 3.ª T., Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 25.4.2006, DJ 8.5.2006, p. 200. Tenhamos presente que esta regra não tinha
aplicação, tratando-se de seguro obrigatório de danos ocasionados por veículos, tendo em
vista a disciplina da Lei 6.194/1974. E tal acontece porque o caput do art. 5.º da Lei citada
dispõe: “O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente
e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro
(...)”. (RT 458/180).
51. A jurisprudência tem estabelecido haver litisconsórcio necessário nos seguintes casos: na
ação ordinária de extinção de condomínio (Bol. AASP 1.151/8); na execução de dívida
hipotecária contra mais de um devedor (JTACivSP 53/23); na ação revocatória contra marido
e mulher que alienaram fraudulentamente todos os seus bens, e contra todos aqueles que
participaram de um determinado ato ou atos referentes às disposições de um determinado
bem (RF 269/309); na ação investigatória de paternidade, sendo já falecido o indigitado
pai, entre os herdeiros necessários (RT 541/99); na ação anulatória de compra e venda de
imóvel, entre todos aqueles que nela intervieram (RT 534/71); na ação anulatória de testa-
mento, entre os herdeiros testamentários, legatários, testamenteiros e outros beneficiados
(RT 524/119); na ação de apuração de haveres proposta por espólio de sócio falecido, entre
sócio sobrevivente e a sociedade (RJTJSP 90/381); da mesma forma, na ação de nulidade
de título de crédito sacado sem causa, entre o autor e os endossatários, mormente se se
pretende desconstituir os endossos afirmando-se conluio (REsp 17.830/PR, Rel. Min. Dias
Trindade, DJ 6.4.1992, v. Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, op. cit.,
p. 71);
52. É, igualmente, caso de litisconsórcio necessário para o que participou de processo prece-
dente se se pretender alterar o resultado nascido daquele processo (TJMG Jurisprudência
Mineira 107/240, em que cônjuge sobrevivente e meeiro é litisconsorte necessário, na ação
de anulação de partilha), por meio de ação rescisória.
53. STJ, EDcl no REsp 297.872/AM, 5.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15.04.2003, DJ
16.06.2003, p. 366; STJ, MC 9.275/AM, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.04.2005, DJ
Litisconsórcio e Ações para Anular 461
23.05.2005, p. 148. No mesmo sentido era a jurisprudência oriunda do STF, cf. se noticia
abaixo. RTJ 95/742; RT 508/202; Jurisprudência Mineira 59/26 e 73/63. É, v.g., em hi-
pótese de litisconsórcio necessário simples, relacionado com sentença que reconheceu
a usucapião, mas para cujo processo não foi o proprietário citado e nem compareceu
ao mesmo, pacífico o entendimento do STF no sentido de que a sentença é ineficaz em
relação ao proprietário, subsistindo, ipso facto, o direito de propriedade, oponível erga
omnes (RE 96.696, RTJ 104/830; ERE 96.696, RTJ 108/732; mais antigamente, servindo
de paradigma: RE 63.677, RTJ 50/50). Nesse preciso sentido emitimos Parecer publicado
na RePro, vol. 41.
54. Assim já decidiu o STJ, no período de vigência do CPC/1973: “Promover a citação, como
consta do art. 47, parágrafo único, do CPC, significa requerê-la e arcar com as despesas da
diligência; não significa ‘efetivá-la’, pois no direito processual brasileiro a citação é feita pelo
sistema da mediação (...)” (RMS 42/MG, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 11.12.1989, citado
por Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, Brasília: Brasília Jurídica, 1995,
p. 69). No mesmo sentido: STJ, RMS 4.127/SC, 6.ª T., Rel. Min. Paulo Medina, j. 23.03.2004,
DJ 26.04.2004, p. 218.
55. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 530; comentários de Luiz Fux e Rodrigo Fux in Breves co-
mentários ao novo Código de Processo Civil, de coordenação de Teresa Wambier e outros,
2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 420; comentários de Luiz Dellore, Teoria geral
462 Manual de Direito Processual Civil
do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 391; e
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo:
Malheiros, 2016, p. 158.
56. Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, São Paulo: Leud,
1974/1975, p. 59.
57. Cf. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, op. cit., vol. 1, n. 105, p. 513; Arruda
Alvim, Código de Processo Civil comentado, op. cit., vol. 2, p. 387 et seq.; José Carlos
Barbosa Moreira, Litisconsórcio unitário, Rio de Janeiro: Forense, 1972, n. 143, p. 227;
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., vol. 1, n. 307,
p. 279 et seq.; Cândido R. Dinamarco, Direito processual civil, op. cit., n. 93, p. 146;
Litisconsórcio, op. cit., p. 114, 1984 e, mais recentemente, na 8. ed. desta obra, São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 141 a 148,. Parece-nos que aí se julga que entendemos ser o
litisconsórcio unitário espécie do necessário. Não é exato esse sentir. (Cf. nosso Código de
Processo Civil comentado cit., vol. 2, p. 348, letra d, intitulada Litisconsórcio facultativo
unitário; v., longa e extensamente, p. 387 et seq., n. 42 sob o título Litisconsórcio unitá-
rio – Reconstrução da figura). Não é, pois, tal o nosso pensamento, que, salvo engano,
nos foi atribuído; foi sempre diferente, de resto, nosso pensamento, já constante de nosso
Curso de direito processual civil, cit., vol. 1, p. 512 (litisconsórcio necessário) e p. 513
(litisconsórcio unitário).
58. Tem-se considerado corretamente, por exemplo, o caso do litisconsórcio necessário unitá-
rio na ação pauliana, em que devem ser citados todos os participantes do ato impugnado
e o adquirente do bem (TJSP, AgIn 15.256-1, 3.ª Câm., v.u., Rel. Des. Jurandyr Nilsson j.
22.9.1981; TJSC, Ap 20.173, 1.ª Câm., v.u., Rel. Des. João Martins j. 9.12.1983,). Mais
recentemente, o TJSP tem decidido no mesmo sentido: JTJ 130/250; RT 559/113.
59. Inexiste, entretanto, litisconsórcio necessário entre os condôminos na ação em que se visa
à anulação de convenção condominial movida contra o condomínio (STF, AgRg no AgIn
76.551-4, 2.ª T., v.u., Rel. Min. Djaci Falcão j. 11.09.1979). Não há, também, litisconsórcio
necessário entre os filhos do casal em ação em que se vise à retificação de assento de óbito,
apenas em relação ao nome da esposa, ainda que o nome destes tenha sido registrado com
Litisconsórcio e Ações para Anular 463
base no incorreto nome da mãe (TJSP, Ap 47.507-1, 2.ª Câm., v.u., Rel. Des. Sydney Sanches,
j. 3.8.1984).
60. A este propósito indica Hely Lopes Meireles: (...) Mandado de segurança. Litisconsórcio
passivo necessário. Licitação. Nulidade do processo. Intimação da impetrante para sanar a
falha. ‘Nas impetrações em que há beneficiários do ato ou contrato impugnado, esses bene-
ficiários são litisconsortes necessários, que devem integrar a lide, sob pena de nulidade do
processo’ (Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurança, 16.ª edição, Malheiros, p. 51)”.
Neste sentido: STJ, REsp 209.111/MG, 2.ª T., Rel. Min. Franciulli Netto, j. 15.03.2001, DJ
15.10.2001, p. 255.
464 Manual de Direito Processual Civil
61. v. João Batista Lopes, Condomínio, 6. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 115-119.
62. Nesse sentido, aliás, v. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 531.
63. Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação Cível
85.120-1 (decisão da 5.ª Câmara Civil, RJTJESP 109/142) fundamentou-se, basicamente, “no
fato de que a natureza jurídica da relação de direito material envolvida não estaria a impor
o litisconsórcio necessário, pois que em jogo (diretamente) estão os interesses da sociedade
e apenas indiretamente os das pessoas físicas atingidas ou favorecidas”.
64. Parecer publicado na RT 507, jan. 1978, p. 46.
65. Priscila Corrêa da Fonseca, Suspensão de deliberações sociais, São Paulo: Saraiva, 1986,
p. 105.
466 Manual de Direito Processual Civil
persona giuridica. L’organo è parte della persona e non ha giuridica a sè: non è titolare
di diritti, bensi di competenze, cioè della possibilità di esercitare diritti che sono della
persona giuridica della quale l’organo è parte e neppure è titolare di poteri giuridici nei
confronti della persona giuridica (...) mentre l’attività dell’organo à sempre e soltanto
attività della persona giuridica”.66
Convém salientar, ademais, como registramos acima, que as regras atinentes à legi-
timidade ativa e passiva (em ação de anulação de deliberação assemblear) aplicam-se
a todas as sociedades, e não apenas às comerciais. Até porque, nada obstante a relação
envolvida na demanda em apreço ser de direito civil, o tratamento processual a ser dis-
pensado será precisamente o mesmo.
Uma vez impugnada determinada disposição estatutária de uma associação em ação
contra ela movida, nascerá para o sócio ou associado o interesse jurídico para intervir no
processo, se quiser, na qualidade de assistente simples, não de litisconsorte, pois a lide
traz, como parte passiva, exclusivamente a associação – ou sociedade –, consequente-
mente só ela será alcançada pela coisa julgada material. Isso, justamente porque a solu-
ção da lide afetará diretamente apenas a pessoa jurídica (associação ou sociedade), mas
indiretamente como fato a esfera jurídica dos associados (ou sócios).
Examinamos, até aqui, a propositura de ações contra as pessoas jurídicas, firmando
posição de que a lide, nessas hipóteses, dirá respeito tão somente à sociedade responsá-
vel pelo ato, contrato, estatutos, enfim, todo o atuar que a ela cabe, independentemen-
te das pessoas dos sócios.
Dificuldades respeitantes ao litisconsórcio, aqui, não surgem.
Todavia, no polo ativo, dessas mesmas ações, o problema pode vir a revestir-se de
sérias proporções.
A primeira questão a ser solucionada, que já abordamos e para a qual apontamos
nossas conclusões, é a que resulta da necessariedade no polo ativo de uma demanda,
argumentando-se que vigorando o princípio dispositivo, o acesso à Justiça não poderia
ser coacto, consequentemente, antes de mais nada, não seriam consideradas as hipóte-
ses de litisconsórcio necessário ativo, simples e mesmo unitário. 67
Contudo, em sendo a necessariedade imposta por lei não há como fugir à sua in-
cidência mesmo no polo ativo. Verificamos que da lei, ou seja, do parágrafo único do
66. V. Bernardino Scorza, L’ecesso di potere come causa di invalidità delle deliberazioni d’as-
semblea delle anonime, Rivista di Diritto Commerciale,vol. 31, Parte 1, p. 655-6, apud
Priscila Corrêa da Fonseca, Suspensão de deliberações sociais, São Paulo: Saraiva, 1986,
p. 105.
67. Alexandre Freitas Câmara, v.g., é partidário dessa posição. Para o autor “O litisconsórcio
necessário é sempre passivo. Não existe litisconsórcio necessário ativo, por ser esta figura
que atenta contra a lógica do sistema processual brasileiro. Isso se diz porque o direito pro-
cessual civil brasileiro está construído sobre dois pilares de sustentação: o direito de acesso
ao Judiciário e a garantia da liberdade de demandar.”. (v. O novo processo civil brasileiro,
2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 81).
Litisconsórcio e Ações para Anular 467
68. De acordo com nossa posição: Humberto Theodoro Júnior: “A figura do litisconsórcio facul-
tativo unitário, implicitamente incluída no art. 116 do NCPC, tem como função resolver a
situação daqueles casos previstos no direito material em que a relação jurídica é incindível,
mas a legitimação para discuti-la é atribuída por lei a mais de uma pessoa, que pode agir indi-
vidualmente, provocando solução judicial extensível a todos os cointeressados.” (v. Curso de
direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum, vol. 1, 56 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 347);
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Lopes: “O litisconsórcio unitário será em princípio também
necessário, mas sem sempre: é o que ocorre, p. ex., nas causas para as quais a lei estabelece
uma legitimidade extraordinária concorrente – mais de um sujeito é autorizado a atuar em
juízo, cada um deles em nome próprio mas todos no interesse de um só e mesmo terceiro. A
lei não exige que atuem em conjunto, o que significa que não é necessário o litisconsórcio
entre eles: só proporão em conjunto se assim preferirem.” (v. Teoria geral do novo processo
civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 159); Cássio Scarpinella Bueno: “Embora excepcional-
mente, contudo, há casos em que [...] o litisconsórcio facultativo será unitário, que é o que
ocorre sempre que houver a possibilidade de atuação de um legitimado extraordinário ou
substituto processual em juízo ao lado do substituído.”. (v. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 142);Fredie Didier Jr.,
Curso de direito processual civil, vol. 1, Salvador: JusPodivm, 2015, p. 464-465; e Alexandre
Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 85.
69. Entende de forma diferente Araken de Assis, para quem “afigura-se obrigatória a participação
de todos os litisconsortes unitários ou, havendo preterição, jamais haverá sentença válida.”.
(v. Processo civil brasileiro: parte geral: institutos fundamentais, vol. 1, tomo 2, São Paulo:
RT, 2015, p. 246).
70. É o caso, por exemplo, da hipótese de promoção da denominada ação social pelos acionistas
de sociedade anônima que, em nome próprio, o faz em defesa das afirmações de direitos e
de interesses da companhia, nos termos do art. 159 da Lei da Sociedade Anônima. V., por
exemplo, STJ, REsp 1.515.710/RJ, 3ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
02.06.2015.
Litisconsórcio e Ações para Anular 469
compossuidor defender a posse por todos os seus pares e outras hipóteses, todas con-
sagradas expressamente em lei.
As circunstâncias de haver, por expressa disposição de lei, possibilidade de defen-
der em juízo afirmação de direito alheia, em nome próprio (legitimação extraordiná-
ria), em hipóteses ocorrentes de unitariedade, ilide a incidência do inciso I, do art. 115
do CPC/2015. Esse estabelece a nulidade da sentença de mérito que deveria ser unifor-
me em relação a todos “que deveriam ter integrado o processo”, na medida em que não
precisariam tê-lo integrado por disposição expressa de lei. Conserva-se a unitariedade,
mas a integração de todos os titulares é facultativa, pois qualquer um deles pode estar
em juízo por si e pelos demais.
Solucionadas essas questões, resta-nos verificar a doutrina estrangeira que, salien-
ta a situação, por exemplo, do sócio alcançado pela decisão da lide contra sociedade,
apesar de deixarmos claro que, para nós, esse atingimento é na sua esfera jurídica como
fato não como coisa julgada. Nesse sentido, diferentemente da legislação estrangeira
a seguir elencada, entendemos que o sócio ou associado pode figurar como assistente
simples na demanda de outrem em face da sociedade.
No direito comparado encontramos expressa referência ao alargamento da eficácia
da sentença, de forma a atingir as pessoas dos sócios. Dispõe o art. 61, 1, do Código das
Sociedades Comerciais de Portugal o seguinte:
“(...) 1 – A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a
favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não
tenham intervindo na ação” (grifo nosso).71-72
O art. 61, 2 (desse Código das Sociedades Comerciais), a seu turno, reza: “A de-
claração de nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa-fé por
71. O Código das Sociedades Comerciais, de Portugal, disciplina, entre outras, as sociedades por
quotas de responsabilidade limitadas. Esse Código das Sociedades Comerciais foi aprovado
pelo Dec.-lei 262/1986, de 2 de setembro, e republicado no Dec.-lei 76-A/2006, cf. a obra
de Pinto Furtado, Deliberações dos sócios. Dispositivo similar ao do art. 61, n. 1 e 2, do
Código das Sociedades Comerciais de Portugal, é o do art. 122 da lei espanhola de socie-
dades anônimas (Real Decreto 1564/1989, versão corrigida em 01.01.1990): “Art. 122. 1. A
sentença que julgue procedente a ação de impugnação produzirá efeitos em relação a todos
os acionistas, mas não afetará os direitos adquiridos por terceiros de boa-fé em consequência
da deliberação impugnada”, determinando-se, no n. 2, o registro da sentença que declare
a nulidade de uma deliberação registrável, no registro do comércio, e o Boletim Oficial do
Registro Mercantil publicará um extrato. O n. 3 desse art. 122 dispõe que: “3. No caso de
a declaração impugnada ter sido registrada no registro comercial, a sentença determinará
também o cancelamento de sua inscrição, assim como a dos assentos posteriores em con-
tradição com ela”. A Lei Alemã das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada
foi a inspiradora da lei portuguesa (v. Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Coimbra:
Livraria Almedina, 1993, p. 528).
72. Na doutrina portuguesa, trazendo à colação jurisprudência do STJ de Portugal, no mesmo
sentido, v. L. P. Moitinho de Almeida, Anulação e suspensão de deliberações sociais, Coim-
bra: Coimbra Editora, 1990,p. 48, sublinhando, ainda que, “à ação declaratória de nulidade
correspondente o processo declarativo comum”.
470 Manual de Direito Processual Civil
73. É manifesto que o fim dessa norma – análoga à da alínea 3.ª do art. 2.377 do Código Civil
italiano – objetiva proteger terceiros que negociam com a sociedade. Veja-se a respeito
Francesco Galgano. Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’edonomia, la
societá per azoini,vol. 7, Padova: Cedam, 1984, p. 218. Valoriza-se a responsabilidade da
sociedade em relação a terceiros de boa-fé, que com a sociedade hajam se relacionado.
74. Acentua-se, ainda, que essa proteção dos terceiros é menos uma proteção que nestes encontra
o seu fim, mas o que realmente se objetiva é, no fundo, a proteção da própria sociedade,
à luz do art. 2.332 do Código Civil italiano. Veja-se, a respeito, Francesco Galgano, idem,
p. 218. O que se quer dizer é que, minimizando as possíveis ações de terceiros, contra a
sociedade – desde que estejam de boa-fé – garante maior estabilidade aos negócios sociais,
ou seja, valoriza-se “l’interesse della classe imprenditoriale, alla piú intensa valorizzazione
possibile del capitale”.
75. Cf. Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, op. cit., p. 528-529.
76. V. Andrea Proto Pisani, Appunti seui rapporti tra i limiti soggetivi di eficaccia della sentenza
civile e la garanzia constitucionale del diritto di difesa, Napoli: Jovene, s/d, n. 14 do trabalho,
p. 941, no original: “Questo rilievo mi sembra di notevole importanza inquanto consente
di ritenere che la disciplina dettada dell’art. 2.377 con riferimento alla società per azioni
sai una disciplina tipo, applicabile anche quando non si sai alla presenza di una persona
giuridica in senso stretto, ma di organizazzione o di comunità allo stato embrionale, in fieri”.
Litisconsórcio e Ações para Anular 471
miniais, ações de sócios em que impugnem balanço final de liquidação, dizendo que se
deve aplicar a tais hipóteses “uma disciplina análoga à descrita precedentemente [refe-
re-se ao art. 2.377 do Código Civil italiano] e às sociedades por ações”.77
O que se sublinha, para sustentar que a eficácia de tais decisões transcende os li-
tigantes, é o interesse geral da comunidade em ver resolvida a validade/invalidade do
ato.78 Entretanto, o que alcança a comunidade, em geral, não é a coisa julgada material,
mas os efeitos por ela produzidos. Sendo um ato assemblear declarado nulo, por deci-
são judicial, trânsita em julgado, seus efeitos se projetam na comunidade.
Uma das explicações para justificar a eficácia em relação a todos os sócios – desig-
nada por Paolo Luiso como uma das “proposizioni fondamentali” – é projetar-se o prin-
cípio do valor absoluto da sentença no campo da eficácia da sentença, ou seja, descar-
tar-se a preocupação dessa eficácia em relação aos limites subjetivos, e centrar-se nos
seus limites objetivos, ou seja, “la sentenza decide dal rapporto dedotto in giudizio, e
solo di questo; ma entro tali limiti oggetivi, essa vale erga omnes, nel senso che deve esse-
re rispettata da tutti coloro che si riferiscono all’esistenza o inesistenza di questo rapporto
per fondare su di esso una propria domanda o una propria difesa”.79 Outro autor, Federi-
co Carpi, ao lado de, em sua obra, referir-se ao critério de ter-se como referencial o que
tenha sido decidido (= a relação individualizada), para avaliar os terceiros que resultam
atingidos pelos efeitos da sentença,80 fornece critério dentro do qual se acomoda a hi-
pótese ora considerada, e com a solução aqui propugnada, coincidente, de resto, com
as doutrinas brasileira e estrangeira.
Redenti, na sua obra clássica e específica sobre o tema, vale dizer, quando escreve
sobre Il giudizio civile com pluralità di parti, enfrenta o assunto de ação contra socieda-
de e a situação dos sócios quando trata da casuística, no Capítulo II, n. 42, p. 55, prin-
cipalmente.
Como primeiro exemplo dessa série – casuística –, aborda o seguinte: “Como exem-
plos típicos podem-se ter como presentes (...) a decisão de anulação (sob ou por opo-
sição) de uma deliberação ilegal de assembleia social (...)” (op. cit., p. 56; original em
nota).81 A solução que dá à eficácia da decisão, nesse caso, é a seguinte (p. 57):
“42. Tem-se um primeiro e característico grupo nos casos em que a lei admite que
decisão judicial possa anular ou modificar um ato ou a formação de uma vontade de um
ente coletivo ou de órgão seu, ou substituir-se a um ato não praticado ou a uma vonta-
de de formação não produzida, por pedido de mais de um sujeito, cujos interesses são
prejudicados de fato, por reflexo, pelo ato impugnado ou pelos atos cuja impugnada
formação de vontade do ente ou do órgão tendia ou da falta de um ou de outro. Como
exemplos típicos podem ter-se presentes, por isso, a decisão de anulação (sob oposi-
ção) de uma deliberação ilegal de assembléia social ou decisão (...). A estas hipóteses
devem ser equiparadas as decisões para a anulação de deliberações (provvedimenti) que
vinculam uma universalidade de pessoas, por pedido de alguma dessas.
“(...)
“A decisão judicial nesses casos [de anulação de ato assemblear] vincula mecanica-
mente o ente, ficando sem [necessidade de] qualquer outra providência [ou, medida]
(‘senza altro’), (...) substituído [o ato anulado]. Com isto a decisão opera necessariamen-
te com efeitos reflexos em relação a todos quantos sejam interessados de fato, dado ser ne-
cessariamente único o ato, precisa e justamente porque e como se operava em relação ao
único ato ou à formação da vontade que essa (a decisão) substitui ou cancela (anula).
Também a decisão que, por hipótese, dê pela improcedência da demanda, é necessa-
riamente única e também essa tem efeitos reflexos em relação a todos os interessados”.
Na densa obra sobre o estudo do processo litisconsorcial no direito italiano, esse en-
sinamento é retomado, no mesmo sentido. Afirma-se que, em relação à demanda propos-
ta por um acionista, voltada ou à declaração de nulidade, ou à anulação de deliberação
assemblear de sociedades por ações, ou, então, à nulidade da sociedade mesma, o que se
tem, em relação aos sócios, é o efeito reflexo, referindo-se o autor – Sérgio Menchini –
aos efeitos reflexos ou aos efeitos estendidos da coisa julgada (Rechtskrafterstreckung).82
89. Neste sentido: Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, cit., p. 26; José
Carlos Barbosa Moreira, Litisconsórcio, cit., n. 45, p. 76.
90. Nesse contexto, aliás, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, como recurso especial re-
petitivo e representativo da controvérsia, que a não juntada de instrumento de mandato no
recurso por um dos litisconsortes não implica o não conhecimento dos recursos dos demais,
ainda que em regime especial do litisconsórcio unitário. (STJ, REsp Repetitivo 1.091.710/
PR, Corte Especial, j. 17.11.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 25.03.2011).
Litisconsórcio e Ações para Anular 475
91. Nesse sentido: STJ, REsp 573.312/RS, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.06.2005, DJ 08.08.2005,
p. 183; STJ, REsp 154509/SC, 1.ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, j. 07.05.1998, DJ 19.10.1998,
p. 28, RSTJ, vol. 183, p. 203; STJ, AgRg no REsp 744.446/DF, 2.ª T., Rel. Min. Humberto
Martins, j. 16.10.2007, DJ 10.12.2007, p. 357 – nesse último caso, a irregularidade na
representação de um dos litisconsortes não o impediu de aproveitar os efeitos do recurso,
pelo fato de o outro recorrente estar com a procuração regularizada.
92. Cf. Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, cit., vol. 1, n. 105, p. 513; Arruda Alvim,
Código de Processo Civil comentado, cit., vol. 2, p. 395. Tenhamos presente, apenas, que a
palavra “representação”, neste passo, é utilizada com alguma impropriedade técnica, pois,
476 Manual de Direito Processual Civil
Por outro lado, o litisconsorte passivo simples que confessar, desde que os fatos não
sejam comuns aos demais, terá quase sempre – ainda que não necessariamente – a de-
manda julgada contra si, prejudicando sua ação ou a sua defesa; já os demais litigantes
em nada serão afetados, pois o juiz deverá decidir a lide com base nas provas pelos mes-
mos produzidas. O “prejuízo” advindo da confissão ficará circunscrito tão somente ao
confitente, não prejudicando nem beneficiando os demais.
Havendo litisconsórcio, seja unitário ou simples, e tendo algum dos litisconsortes
permanecido revel, a contestação dos demais faz com que possam não se operar, pelo
menos, os efeitos procedimentais da revelia, afastando assim a incidência do art. 355,
II, do CPC/2015.97 O mesmo se diga tangentemente ao art. 341 do CPC/2015.
Do ponto de vista procedimental ou, mais especificamente, do ponto de vista de dar
andamento ao processo, em função da maior ou menor atividade, inexiste qualquer vin-
culação entre os litisconsortes, valendo a regra para todas as espécies de litisconsórcio
(art. 118 do CPC/2015).
De outra parte, se existe desvinculação total, devemos considerar que a eventual
responsabilidade de determinado tipo de ato praticado– mesmo no litisconsórcio ne-
cessário unitário – há de ser individualizada. Assim, se um litisconsorte, impulsionan-
do o processo, pratica ato que o caracterize como litigante de má-fé (por exemplo, hi-
pótese do art. 80, V ou VI, do CPC/2015), as consequências jurídicas emergentes serão
estritamente subjetivas.
O fundamento inspirador da regra geral, ou seja, da independência dos litisconsor-
tes, é o princípio da liberdade (art. 118, 1.ª parte, do CPC/2015), desde que respeitada
a comunicação dos atos processuais, devendo-se, pois, dar ciência dos atos praticados
aos demais colitigantes (art. 118, 2.ª parte, do CPC/2015).
A comunicação dos atos processuais, praticados por um litisconsorte, deverá ser feita
ao procurador do outro, ou aos procuradores dos outros litisconsortes, e não às próprias
partes. Deve-se, ainda, ter presente que, havendo vários litisconsortes, com diversos
procuradores, pertencentes aos quadros de escritórios de advocacia distintos, os prazos
para manifestação serão contados em dobro, independente de requerimento (art. 229
do CPC/2015), exceto em processos que tramitem em autos eletrônicos (art. 229, §2º
98. A fluência do prazo em dobro independe de prévio requerimento dos interessados. Cf., a este
respeito, STJ, REsp 60.098-7/PR, 4.ª T., v.u., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.06.1995,
deram provimento, DJU, I, 14.08.1995, p. 24.031. No mesmo sentido, mais recentemente:
STJ, REsp 268.260/SP, 5.ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 13.03.2002, DJ 20.05.2002,
p. 174; STJ, REsp 713.367/SP, 1.ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 07.06.2005, DJ 27.06.2005,
p. 273; TJSP, Apel. 0002853-67.2009.8.26.0292, 2ª C. de Dir. Empresarial, j. 17.03.2014,
rel. Des. Ricardo Negão; e TJSP, Apel. 1001340-82.2015.8.26.0568, 11ª C. de Dir. Priv., j.
02.06.2016, rel. Des. Gilberto dos Santos.
99. Na doutrina, v. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo
curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2, 2.ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 97).
100. STJ, REsp 25.519-7, 3.ª T., Rel. Min. Nilson Naves, RSTJ 48/292, constando de parte da
ementa que “na denunciação da lide, a posição do denunciado pelo réu é a de litisconsorte
do denunciante”. O litisdenunciado equipara-se ao litisconsorte, ainda que só “para efei-
tos estritamente procedimentais”. Decidiu-se, mais recentemente, que “a contestação da
litisdenunciada não está alcançada pelo prazo em dobro previsto no art. 191 do Código de
Processo Civil” (STJ, REsp 594.875/SP, 3.ª T., Rel. Min. Menezes Direito, j. 16.12.2004, DJ
09.05.2005, p. 394). Isso acontece porque tal prazo corre apenas para o denunciado; caso,
diversamente, houvesse mais de um denunciado, com mais de um procurador, haveria de
incidir a regra do art. 229 (antigo art. 191). Por outro lado, uma vez integrado ao processo,
incide o art. 229 em relação aos demais prazos processuais, que corram para o denuncian-
te e para o denunciado (cf. STJ, REsp 145.356/SP, 4.ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j.
02.03.2004, DJ 15.03.2004, p. 274).
101. Sessão plenária de 24.09.2003, DJ 09.10.2003, p. 2.
102. STJ, EREsp 222.405/SP, Corte Especial, Rel. p/ ac. Min. Ari Pargendler, j. 15.12.2004, DJ
21.03.2005, p. 201; STJ, AgRg no Ag 389.714/RJ, 4.ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira, j. 23.10.2001, DJ 04.02.2002, p. 409; STJ, EDcl nos EDcl no REsp 287.299/CE, 3.ª T.,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.08.2008, DJe 05.09.2008; STJ, AgRg no AREsp 584.131/
RS, 2ª T., j. 03.02.2015, rel. Min. Og Fernandes, DJe 06.02.2015.
103. STJ, REsp 157.744/SP, 4.ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 29.10.1998, DJ 01.02.1999,
p. 203; RSTJ, vol. 117, p. 437; STJ, REsp 1.039.921/MG, 3.ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, j.
26.06.2008, DJe 05.08.2008.
Litisconsórcio e Ações para Anular 479
o ato praticado tê-lo-á sido em nome de todos. No entanto, se apenas o litisconsorte que
interpôs o recurso especial poderia recorrer do despacho de inadmissão, não há cogitar
de dobra de prazo para o agravo de instrumento a que se refere o art. 1.042 do CPC/2015,
como já decidiu, corretamente, a 3ª Turma do STJ, ainda na vigência do diploma anterior.104
104. Cf. AgRg no AgIn 51.555-9/SP, j. 22.11.1994, Rel. Min. Costa Leite, DJU 19.12.1994,
p. 35.313, negaram provimento, v.u. Pelo mesmo fundamento, a 3.ª T. do STJ rejeitou os
segundos embargos de declaração opostos no REsp 4.148-0/SP, cuja ementa frisou: “Se
apenas um dos litisconsortes manifestou recurso especial, tornou-se singelo, a partir daí, o
prazo para interposição de qualquer outro recurso, não se verificando a dobra de prazo de
que trata o art. 191 do CPC” (v.u., Rel. Min. Costa Leite, j. 26.9.1995, DJU, I, 23.10.1995,
p. 35.660-35.661).
480 Manual de Direito Processual Civil
Por outro lado, deve-se acentuar o seguinte: a) esse “litisconsorte” tem que, liminar-
mente, comprovar a sua qualidade, ou seja, que está abrangido pela situação retratada
na ação coletiva, com fundamento legal no art. 81, parágrafo único, III, do CDC; b) essa
admissão pode ser questionada, pela parte contrária, como também – julgamos – pelo
próprio autor da ação coletiva (pois se trata de tema inserido na oficiosidade dos pode-
res do juiz), como ainda, pelo Ministério Público; isso ocorrendo, deverá haver uma de-
cisão que resolva essa questão da admissibilidade; c) admitido que seja o seu ingresso,
sua situação, em relação à da ação coletiva, será a da unitariedade, porquanto, ou a de-
manda será julgada procedente, aproveitando-se-lhe os efeitos, na forma do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor ou, d) ao reverso, se improcedente, será, inclusive,
esse litisconsorte alcançado pela autoridade da coisa julgada (art. 103, §2º, do CDC).
Na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), dispõe-se, por texto nela introdu-
zido pelo art. 113 da Lei 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor),
no seu art. 5.º, § 5.º: “Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Pú-
blicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de
que cuida esta Lei”. A facultatividade decorre da circunstância de que cada Ministério
Público pode agir per se, e, pois, se se litisconsorciam, isto quer dizer que o fazem vo-
luntariamente, ou seja, porque a lei isso lhes faculta. O disposto no art. 113 do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor é aplicável à Lei da Ação Civil Pública, em face do
disposto no art. 90, daquele diploma.
12
Intervenção de Terceiros
1. Esse é o conceito de parte que podemos chamar de clássico (Giuseppe Chiovenda. Institui-
ções de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. vol.
2, p. 234). Já Liebman define as partes como “os sujeitos do contraditório instituído perante
o juiz, ou seja: os sujeitos do processo diversos do juiz, para os quais este deve proferir seu
provimento” (Enrico Túlio Liebman. Manual de direito processual civil. 3. ed. Trad. e notas
de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005. vol. 1, p. 123). Essa segunda
concepção é a seguida, v.g., por Alexandre Freitas Câmara (v. O novo processo civil brasi-
leiro, 2. ed., 2016).
2. V. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. rev., atual. e
ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 352.
3. Nesse sentido, é a posição do Superior Tribunal de Justiça já à luz do CPC/1973 que repu-
tamos perfeitamente aplicável, v.g., STJ, AgRg no Ag 1.294.382/SC, 4ª T., j. 10.05.2016, rel.
Min. Marco Buzzi, DJe 17.05.2016; STJ, AgRg no AREsp 195.013/SP, 3ª T., j. 03.05.2016,
rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 09.05.2016; STJ, AgRg no AREsp 392.006/PR, 2ª T.,
482 Manual de Direito Processual Civil
o assistente simples como parte não principal, a despeito de às partes não ser acrescida a
qualificação de principal. Em relação ao assistente litisconsorcial diz o art. 124 do CPC
que deve ser considerado “litisconsorte da parte principal”. O interesse do terceiro, se
pode classificar de jurídico, em razão de a solução da lide poder alcançar como fato sua
esfera jurídica. São irrelevantes pois, para o direito, os terceiros que são alcançados de
fato, sem que haja qualquer tipo de influência nas suas esferas jurídicas.4
Com o advento do CPC/2015, algumas alterações foram realizadas nas hipóteses
de intervenção de terceiros.
Inicialmente, cabe-nos observar que a oposição, que anteriormente figurava como
primeira modalidade de intervenção de terceiros, passou a ser considerada procedimento
especial, disciplinada nos arts. 682 a 686 do CPC/2015. Doutra parte, a nomeação à au-
toria também deixou de ser espécie de intervenção de terceiro, figurando como técnica
de correção do polo passivo (arts. 338 e 339 do CPC/2015), instituto que, em verdade,
já consubstanciava correção da legitimidade passiva. Nesse caso, o réu afirma ser parte
ilegítima e indica quem deveria integrar, no seu lugar, o polo passivo da demanda. Em
relação a este último instituto simplificou-se o sistema.
A assistência, que no CPC/1973 vinha disciplinada junto ao litisconsórcio, apesar
de se tratar de intervenção de terceiro, propriamente dita, hoje recebe tratamento aná-
logo ao de 1973. Também recebe o tratamento de intervenção de terceiro os institutos
da denunciação da lide e do chamamento ao processo Ainda, o CPC/2015 passa a con-
siderar como espécie de intervenção de terceiro a desconsideração da personalidade ju-
rídica e o amicus curiae.
12.2. Assistência
12.2.1. Noções gerais sobre o instituto da assistência simples
A assistência vem disciplinada nos arts. 119 e 123 do CPC/2015. Trata o instituto
da modalidade mais típica de intervenção de terceiro. Por meio do instituto da assis-
tência simples, terceiro pode ingressar em processo alheio para defender o interesse de
uma das partes, eis que a sentença a ser proferida no processo pode vir a ter influência,
como fato, na sua esfera jurídica.
j. 05.11.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12.11.2013; STJ, AgRg nos EREsp
1.262.401/BA, C. Especial, j. 25.04.2013, rel. Min. Humberto Martins, DJe 10.05.2013,
Informativo nº 521.
4. A esse respeito, explica Thereza Alvim: “Classificar-se-ão os terceiros, levando em considera-
ção, quer o processo, quer a decisão nele proferida. São irrelevantes para o direito processual
civil, os terceiros totalmente desinteressados, estranhos à relação jurídica processual, ao
objeto do processo e ao aí decidido. Estes, apesar do desinteresse, são alcançados como
todos pela eficácia natural da decisão, devendo respeitá-la, mas, não estão e nunca estarão,
jungidos à coisa julgada material. Igualmente são irrelevantes para o direito os terceiros que
são alcançados de fato pela decisão da lide, na sua esfera também de fato, sem que haja
qualquer tipo de influência nas suas relações jurídicas, nas suas esferas jurídicas. São inte-
resses de fato.” (v. O direito processual de estar em juízo, São Paulo: Ed. RT, 1996, p. 187).
Intervenção de Terceiros 483
Referido interesse nasce se a decisão judicial sobre a lide puder vir a afetar a esfera
jurídica desse terceiro, ou seja, relação jurídica desse terceiro com uma das partes, pos-
sibilitando seu ingresso no processo como assistente simples. A relação jurídica desse
assistente será faticamente atingida, mas, será jurídico seu interesse, eis que esse atin-
gimento fático o será em relação jurídica sua que não consta do processo. O assistente
simples, em ingressando no processo, será alcançado também pela justiça da decisão,
salvo se puder alegar qualquer das hipóteses excludentes previstas nos incisos I e II do
art. 123 do CPC/2015.
Ser alcançado pela justiça da decisão não significa o atingimento desse terceiro (as-
sistente simples) pela coisa julgada material, já que essa alcança a decisão da lide, que,
em si mesma, não lhe diz respeito. O que o alcança é o decidido em função das razões
do próprio decidido, a causa de pedir acatada pela decisão judicial. Essa, por força do
princípio do deduzido e dedutível, resta imutável para as partes, mas tão somente quan-
to àquela lide, contudo, para o assistente simples a causa de pedir transmudada em ra-
zão do decisum, se torna imutável em todo e qualquer processo.
Em face do exposto acima, devemos, nessa oportunidade, salientar que terceiros
podem ser admitidos em processo alheio tenham eles interesse jurídico quer na solu-
ção dessa lide alheia quer na fundamentação que será adotada para tal solução. Assim,
v. g., em ação de anulação de escritura, movida por A contra B, por fraude do tabelião,
tem ele, tabelião, interesse em ingressar nessa ação como assistente simples, lutando
pela manutenção da validade da escritura, porque se for esta anulada por ter ele agido
fraudulentamente (não tendo ele as excludentes legais) sua fraude restará decidida em
relação a todo e qualquer processo.
Já o sublocatário consentido pode ingressar em ação de resolução de contrato de
locação, movida pelo locador contra o locatário, eis que resolvida a locação se extingue
a sublocação. Nesta hipótese, como veremos, a fundamentação do decisum não afetará
o terceiro, mas a decisão em si, em sua eficácia natural, atinge a sua esfera jurídica (da
sublocação consentida).
Já observamos que o interesse jurídico justificador do ingresso do terceiro como
assistente simples deve ser aferido em função de a decisão judicial, como um todo ou
sua fundamentação, poder afetar, ou não, sua esfera jurídica. Assim, o interesse moral,
religioso etc., não justifica a admissão da assistência simples.
O puro e estrito interesse econômico também não habilita o ingresso em processo
alheio. 5
A distinção entre interesse jurídico do assistente simples e o mero interesse de fato
é delineada por Eduardo Arruda Alvim, para quem “o interesse jurídico necessário ao
acolhimento do pleito de assistência deve ser identificado a partir da potencialidade
de a decisão afetar relação jurídica de que seja titular o assistente”. Ainda segundo este
autor, configuram exemplos de interesse ditado pela potencialidade de influência da
5. V. STJ, AgRg nos EREsp 1.262.401/BA, C. Especial, j. 25.04.2013, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 10.05.2013, Informativo nº 521.
484 Manual de Direito Processual Civil
6. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT,
2013, p. 259.
7. Ibidem.
Intervenção de Terceiros 485
serão remetidos à Justiça Federal para avaliar a existência ou não do interesse jurídico
invocado. 8-9 Intervindo o Estado ou o Município, conquanto não se altere o foro, de-
verá ser alterada a competência do juízo, para juízo especializado, sempre dentro do
mesmo foro.
Qualquer assistente pode arguir a incompetência absoluta, que diga respeito à lide
já proposta.
Semelhantemente, como o sistema jurídico há de conferir a todos os sujeitos do
processo um juiz imparcial, na medida em que haja impedimento, é possível a arguição
desse vício também pelo assistente, tanto o simples, quanto o litisconsorcial, quer tendo
em vista relação do assistente com o juiz, ou, até mesmo, em relação às partes e ao juiz.
Quanto às alegações relacionadas à falta de pressupostos processuais intrínsecos
ou positivos, ou ao levantamento de objeções com base na existência de pressupostos
processuais extrínsecos ou negativos, quais sejam, a litispendência ou a coisa julgada,
têm ambos os assistentes o direito de deduzir essas questões, podendo, inclusive, o juiz
conhecer delas de ofício (art. 337, §5º, do CPC/2015).
Igualmente, a falta de quaisquer das condições da ação, deve ser levantada, se não
o for pelo réu, por seu assistente, seja simples ou litisconsorcial, ainda, considerando
que se trata de matéria que pode ser decidida ex officio. Pela mesma razão, os assistentes
poderão alegar a inconstitucionalidade da lei em que se fundamenta o pedido da parte
contrária, ou discutir, enquanto assistentes do réu, tal assunto.
Em relação às questões que podem ser decididas de ofício, não há que falar na su-
bordinação dos atos do assistente simples à vontade do assistido, na exata medida em
que constituem matéria de ordem pública.
Por fim, o assistente, simples ou litisconsorcial, é, pelo nosso sistema, condenado
nas custas na exata proporção da atividade que tenha exercido (art. 94 do CPC/2015).
a que a auxilia seria parte secundária. Entretanto, o assistente simples não é parte, tal
como o são autor e réu, pois a lide não lhe diz respeito.
O objetivo da assistência simples é o de que o assistente, como terceiro juridicamen-
te interessado, se agregue a uma das partes, no intuito de que a sentença lhe seja favo-
rável. Para intervir no processo, o terceiro deverá evidenciar, desde logo, a dimensão
concreta do seu interesse a justificar sua intervenção,11 salvo quando esta já esteja cla-
ramente definida em lei. 12. Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, exige-se a
“potencialidade de a decisão judicial a ser proferida repercutir sobre sua esfera jurídica,
afetando, assim, uma relação material que não foi deduzida em juízo.”. 13
Diferentemente, na assistência litisconsorcial, se no polo ativo, existe pretensão do
terceiro como se por ele tivesse sido deduzida a lide, estando o assistido agindo além de
legitimado ordinário, por si, mas, também como legitimado extraordinário, enquanto
não ocorre o ingresso do assistente litisconsorcial. Em outras palavras, referido terceiro
também se afirma titular do direito discutido em juízo.
Em consonância com o disposto no art. 124 do CPC/2015, o assistente litisconsor-
cial tem relação jurídica com o adversário do assistido. Existe, portanto, conflito de in-
teresses entre o terceiro, que pode vir a ser assistente litisconsorcial, e a parte que ocupa
o outro polo processual (adversária da parte assistida). Dessa forma, o assistente litis-
consorcial é o sujeito que poderia ter sido litisconsorte facultativo unitário inicial e não
o foi. 14 Sua ausência, todavia, não invalida o processo, diferentemente do que se passa
com a ausência do litisconsórcio unitário, mas necessário.
A assistência litisconsorcial é verificada, por exemplo, nas hipóteses do condômi-
no e do compossuidor, quando a lei civil confere legitimidade a um só condômino ou a
um só possuidor para reivindicar ou defender a posse, o bem em condomínio ou o bem
em composse. Se assim é, observamos que alguém tem legitimidade extraordinária –
por permissão legal dos arts. 1.314, caput, e 1.199, ambos do Código Civil, em exceção
à regra do art. 18 do CPC/2015, – para litigar sozinho e, ao mesmo tempo, levar a juízo
interesse ou afirmação de direito alheio, no caso, os interesses ou afirmações de direito
dos outros condôminos ou compossuidores, que poderiam ter ingressado no processo
inicialmente como partes ou posteriormente como assistentes litisconsorciais.
11. V. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 3, São Paulo: RT, 1976, p. 33-34.
12. Como, v.g., na hipótese do interesse dos sublocatários nas ações de despejo em que são par-
tes o locador e o locatário (art. 59, §2º, da Lei nº 8.245/1991). Nessa situação, existem duas
relações jurídicas distintas: (i) a relação de locação entre o locador A e o locatário B; e (ii) a
sublocação entre o locatário B e o sublocatário C. Existindo processo entre A e B que verse a
locação, C poderá intervir no feito como assistente simples, pois tem interesse jurídico em que
a sentença seja favorável a B, pois a sublocação poderá vir a ser afetada pela decisão proferida
a respeito da locação, o que qualifica seu interesse como jurídico. A Lei 8.245 estabelece
nesse § 2º, do art. 59 que sempre se dê ciência ao sublocatário da ação de despejo.
13. STJ, REsp nº 1.344.292/SP, 3ª T., j. 01.03.2016, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJe
09.03.2016.
14. V. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5.ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed.
RT, 2013, p. 266.
Intervenção de Terceiros 487
15. Em sentido contrário: Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 1976. vol. 1, p. 223; José Frederico Marques, Manual de direito processual civil. São
Paulo: Saraiva, 1983. vol. 1, p. 297, n. 244.
16. Nesse mesmo sentido, v. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero.
Novo curso de processo civil – tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2,
488 Manual de Direito Processual Civil
Ademais, a regra do art. 121 do CPC/2015 precisa ser conjugada com a do seu parágrafo
único: “Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será con-
siderado seu substituto processual”. Observemos, nesse ponto, que o CPC/1973 tratava
a questão de forma diferente, dispondo em seu art. 52, parágrafo único, que o assistente
nessas hipóteses atuaria como “gestor de negócios”, o que não reputávamos adequado.
Essa figura remete aos arts. 861 a 875 do CC, que não têm verdadeira relação com o tipo
de atividade, no caso, do assistente simples. Por outro lado, a atuação do assistente, sendo
revel ou omisso o assistido, é semelhante à atuação do substituto processual, que defende
direito alheio em nome próprio, sendo correta a alteração promovida pelo novo Código. O
direito discutido na demanda em que o assistido é revel não é de titularidade do assistente
simples, no entanto, sua eventual contestação evita os efeitos da revelia em relação ao réu.
O CPC/1973, aliás, mencionava apenas a revelia, não se referindo a outros atos que
o assistente poderia praticar quando houvesse omissão da parte. A alteração realiza-
da pelo novo código significa que poderá o assistente simples não só praticar atos que
a parte principal não praticou, mas também substituir a parte ao longo do processo,
quando esta for omissa.
Qualquer ato de disposição praticado pela parte assistida não pode ser impedido
pelo assistente interveniente. Nesse contexto, o réu pode reconhecer a procedência do
pedido; o autor pode desistir da ação, ou renunciar ao direito sobre o qual ela se fun-
da; e ambas as partes podem transigir, sem que o assistente simples possa impedir, até
mesmo, aliás, não se pode opor à extinção do processo (art. 122 do CPC/2015). Sendo
extinto o processo, cessará a atividade do assistente simples ou ficará prejudicado o pe-
dido de ingresso de terceiro na qualidade de assistente.
Da mesma maneira, é vedado ao assistente simples realizar qualquer transação refe-
rente ao objeto do litígio, que diz respeito ao assistido. Ainda, é proibido qualquer ato
de disponibilidade, como o reconhecimento jurídico do pedido.17 Por parte do assis-
tente do autor não pode também, e pelas mesmas razões, haver renúncia à pretensão.
Nesses casos, diferentemente do assistente litisconsorcial, o assistente simples carece
de titularidade sobre o bem disputado (lide), e, portanto, não tem legitimidade para a
prática de tais atos.
Pode o assistente simples argumentar, oferecer razões e deduzir argumentos pró-
prios, além de participar ativamente da produção de provas, formulando quesitos para
a prova pericial ou atuando nas audiências. Além disso, é permitido ao assistente sim-
ples sempre requerer a produção de provas que julgue pertinentes, salvo aquelas com
as quais o assistido expressamente não concorde.
O assistente simples também pode alegar a incompetência absoluta do juízo. Por ou-
tro lado, a princípio, a alegação de incompetência relativa não pode ser feita em contrarie-
dade com o manifestado pela parte assistida ou mesmo incompatível com a sua atuação.
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 95; e Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil. vol. 1,
17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 484-485.
17. V. Clito Fornaciari Jr. Reconhecimento jurídico do pedido. São Paulo: Ed. RT, 1977. p. 31.
n. 12.
Intervenção de Terceiros 489
18. STJ, EREsp 1.068.391/PR, Corte Especial, j. 29.08.2012, rel. p. ac. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 07.08.2013.
19. V., por exemplo: STJ, AgRg no REsp 1.068.391/PR, 1ª T., j. 05.11.2009, rel. Min. Denise Arru-
da, DJe 27.11.2009; e TJRJ, Apel. 0358907-33.2013.8.19.0001, 23ª C. Cível, j. 25.05.2016,
rel. Maria da Glória Oliveira Bandeira de Mello, DJ 02.06.2016.
20. V. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 543.
490 Manual de Direito Processual Civil
que, tendo havido processo anterior, tanto a prova, como os respectivos fatos, tais como
provados e tidos por verídicos, ou seja, a fundamentação do decidido no processo em
que houve a assistência, terão de ser respeitados pelo juiz em um segundo processo, no
qual o que foi assistente seja parte, salvo se presentes as hipóteses descritas nos incisos
I e II do art. 123 do CPC/2015.21
A lei, não poderia incluir o assistente simples nos limites subjetivos da coisa julga-
da, tendo em vista que essa diz respeito à lide das partes. Entretanto, na exata medida
em que o terceiro ingressa em processo alheio, o faz por ter interesse jurídico em que
uma das partes tenha ganho de causa, eis que essa decisão alcança faticamente sua es-
fera jurídica, a fundamentação dessa decisão se torna para ele imutável, a não ser que
apresente algumas das excludentes expressas na lei. A ideia de fazer referência à justiça
da decisão decorre da participação ativa do assistente no processo em que esteve presen-
te. Se o terceiro pode alegar fatos e produzir provas, que foram corretamente apurados
pelo juiz, esses não podem ser desconhecidos e se devem impor em processo ulterior,
do qual ele, que fora assistente simples, seja parte.
Assim, exemplificativamente, é possível que o tabelião ingresse como assistente sim-
ples em processo em que se pede a anulação de uma escritura, sob fundamento de fraude
por ele praticada. O objeto do processo ou mérito ali discutido diz respeito à validade
da escritura. Se esta for anulada, é possível que a parte assistida pelo tabelião – que de-
fendia a validade do documento – se sinta prejudicada e ingresse como ação indeniza-
tória em face do antigo assistente, o tabelião. Nesse segundo processo, o dolo, por força
da justiça da decisão não mais poderá ser discutido, salvo se presentes as situações ex-
cepcionais dos incisos do art. 123 do CPC/2015, como já observado. De certa forma, a
vinculação da decisão que se opera em relação ao assistente simples é ainda mais ampla
do que para as próprias partes, já que para essas a motivação não fica acobertada pela
coisa julgada (art. 504, I, do CPC/2015), sendo tão somente alcançadas pelo deduzido
e o dedutível, como já observado.
Assim, aquele que atuou como assistente simples fica impedido de rediscutir a fun-
damentação do decidido em processo alheio, a não ser que apresente as excludentes
constantes do art. 123, do CPC/2015.Essa disposição estava presente no CPC/1973,
mas hoje podemos, até mesmo, ligá-la à dimensão do contraditório. Alguém, não tendo
conhecimento de fatos ou provas não utilizados pela parte assistida, por dolo ou culpa
dessa e que, portanto, não foram objeto de cognição judicial no processo, onde atuou
como assistente simples, pode livremente alega-los ou produzi-los em ações por ele ou
contra ele movidas.
Referida questão da justiça da decisão não tem relação e não se aplica à assistência
litisconsorcial. No CPC/1973 isso poderia gerar alguma confusão a um olhar menos
21. Art. 123. Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este
não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que:
I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi
impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; II – desconhecia a existência
de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.
492 Manual de Direito Processual Civil
atento, já que a regra do seu art. 55 fazia referência genérica ao “assistente”, sem especi-
ficar de qual espécie se tratava. O novo CPC elide qualquer dúvida, ao disciplinar o tema
dentro da seção própria ao assistente simples. Na verdade, mesmo à luz do CPC/1973,
não poderíamos concluir de forma diferente, uma vez que o assistente litisconsorcial
tem natureza, sem dúvida, de parte, sendo atingido pela coisa julgada material.
22. Art. 51 do CPC/1973: “Não havendo impugnação dentro de 5 (cinco) dias, o pedido do
assistente será deferido. Se qualquer das partes alegar, no entanto, que falece ao assistente
interesse jurídico para intervir a bem do assistido, o juiz: I – determinará, sem suspensão
do processo, o desentranhamento da petição e da impugnação, a fim de serem autuadas
em apenso; II – autorizará a produção de provas; III – decidirá, dentro de 5 (cinco) dias, o
incidente.”.
Intervenção de Terceiros 493
Ocorre que o Código, no mencionado art. 120, diz que não havendo impugnação,
“o pedido do assistente será deferido, salvo se for o caso de rejeição liminar”. Dessa
parte final se extrai nossa conclusão, de que é lícito ao juiz verificar, de ofício e de for-
ma liminar, se o terceiro tem interesse jurídico na causa, realizando o controle do seu
ingresso no processo.
23. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol.3, p. 235 et seq.; Hélio Tornaghi,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 257 et seq.; Cândido Rangel Dinamar-
co, Direito processual civil, p. 153 et seq.; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. 1, p. 331 et seq.; Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de
Processo Civil, p. 70 et seq.
24. Diz-se a pedido da parte, porque a denunciação não poderá ser oficiosamente determinada,
tanto que se lê no art. 71, caput, 1.ª parte, que “a citação do denunciado será requerida”.
Nesse sentido: STJ, REsp 49.180/DF, 3.ª T., j. 26.08.1996, rel. Min. Menezes Direito, DJ
01.12.1997, p. 62.736. Assim também: RT 502/109, 611/26 e RJTJSP 126/297.
25. Na definição de Athos Gusmão Carneiro, a denunciação da lide é “uma ação regressiva
in simultaneus processus, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como
denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória,
pretensão de reembolso, caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ação principal”.
(Intervenção de terceiros. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 97). Para Cândido Rangel Dina-
marco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, a “denunciação da lide é uma demanda
dependente da principal proposta por autor ou réu em face de terceiro na qual se postula
um direito de regresso.” (Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 162).
26. Já se decidiu, v.g. pela preclusão no caso de requerimento da denunciação da lide por parte
do autor em sede recursal (TJMG, Apelação Cível 5683861-45.2009.8.13.0145, 15ª C. Cível,
j. 01.03.2016, rel. Des. Mônica Libânio, DJ 11.03.2016).
494 Manual de Direito Processual Civil
27. Segundo Thereza Alvim, a denunciação da lide introduz na relação jurídica processual outra
lide, aquela que se forma entre denunciante e denunciado. (v. O direito processual de estar
em juízo, São Paulo: Ed. RT, 1996, p. 198).
28. RT 588/131. No mesmo sentido: RJTJSP 51/52.
29. V., amplamente, Thereza Alvim, Código do Consumidor comentado, p. 412 et seq. O STJ é
pacífico no entendimento de que descabe a denunciação da lide nos contratos de consumo
(STJ, AgRg no REsp 1340395/MS, 2.ª T., j. 18.04.2013, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
DJe 23.04.2013).
30. V., idem, p. 455 et. seq.
Intervenção de Terceiros 495
última redação). O art. 125 admite a denunciação da lide apenas nos casos equivalentes
aos incisos I e III do art. 70, do CPC/1973.
Da mesma forma o segurado pode denunciar à seguradora, salvo se por cláusula
contratual, exemplificativamente, estiver prevista a irresponsabilidade da seguradora
no caso em que se pretende denunciar; o empregador ao seu empregado, quando de-
mandado o primeiro em virtude de ato praticado pelo empregado; o proprietário ao
construtor ou ao engenheiro etc.
Ainda quanto ao cabimento da denunciação da lide no Projeto de Novo Código de
Processo Civil, o PLS 166/2010, do Senado Federal, havia mantido essa modalidade
interventiva sob a denominação “denunciação em garantia”, disciplinada subsequente-
mente às normas relativas ao chamamento ao processo. Com as modificações feitas pela
Câmara dos Deputados no PL 8.046/2010, o instituto retornou como “Denunciação da
lide”. É de se notar, ainda, que foi retirada do texto normativo a expressão “obrigatória”,
presente no CPC/1973, que deu margem a tantas discussões versantes à imprescindibi-
lidade da utilização dessa modalidade interventiva para o fim de se exercer o direito de
regresso. Assim, o Projeto dizia ser “admissível” a denunciação, e não mais obrigatória,
tendo sido essa a redação que ficou constante do art. 125 do CPC/15.
Rigorosamente, a expressão obrigatória, no sentido de que, não feita a denuncia-
ção, haveria perda do direito regressivo (se porventura existisse), teve significação ou im-
plicação de perda somente na hipótese do art. 70, I.31-32 Nos casos dos incisos II e III, a
31. À luz do CPC/1973, Cassio Scarpinella Bueno afirmava: “O correto é afirmar que a ‘obriga-
toriedade’ da denunciação da lide só é cogitável em casos em que se questiona a respeito
da evicção. Mesmo assim, entretanto, não há como olvidar que, em nome de um princípio
jurídico – o que veda o locupletamento ilícito –, a rigidez que decorre do texto do art. 450
do novo Código Civil vem sendo amenizada, tolerando-se que, não obstante a falta de
denunciação, possa o interessado recobrar o preço da coisa evicta” (Partes e terceiros no
processo civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 212).
32. Quando do julgamento do REsp 880.698-DF, a 3.ª T. do STJ (10.04.2007, DJU 23.04.2007),
rel. Min. Nancy Andrighi, teve como possível a propositura de ação pelo evicto para recobrar
o preço da coisa, mesmo tendo deixado de denunciar a lide ao alienante. “Conforme posto
no acórdão recorrido, o STJ já pacificou entendimento no sentido de que o “direito que o
evicto tem de recobrar o preço, que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado,
de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa” (REsp
255.639⁄SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 11.06.2001). Em julgado mais re-
cente, o mesmo deslinde: “Civil e processual – Ação de indenização contra os alienantes por
evicção sofrida pelo autor – Prequestionamento insuficiente – Súmula 211-STJ. Denunciação
à lide – Matéria não suscitada, eficazmente, em 1.º grau. Descabimento da discussão, em
2.ª instância. Tema deficientemente agitado. Denunciação, ademais, desnecessária. (...) II.
Desnecessária a denunciação à lide do antigo alienante do imóvel para que o evicto possa
dele reivindicar indenização, em ação própria, quando condenado a pagar àquele a quem
vendeu o valor despendido pela perda patrimonial sofrida, ante a invalidade do título de
propriedade (...)” (REsp 66.558⁄SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 01.07.2005). Nesse
mesmo sentido, ainda, os seguintes precedentes: REsp 9.552⁄SP, rel. Min. Nilson Naves, DJ
03.08.1992; REsp 22.148⁄SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 05.04.1993; REsp 132.258⁄RJ,
rel. Min. Nilson Naves, DJ 17.04.2000.
496 Manual de Direito Processual Civil
33. Cf. STJ, REsp 328.284/RJ, 2.ª T., j. 26.04.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ
06.06.2005, p. 245; REsp 66558/SP, 4.ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em
02.06.2005, DJ 01.07.2005 p. 537. Cf. também STJ, REsp 15.714, rel. Dias Trindade, RSTJ
37/499, em que há referência ao AgIn 1.670-SP, rel. Sálvio de Figueiredo, e ao REsp 1.296,
rel. Athos Carneiro, este último publicado em O processo civil no STJ, coletânea coordenada
por Sálvio Figueiredo Teixeira, p. 89.
34. No sentido de que na hipótese do inciso III, do art. 70, inocorrente a denunciação, não há perda
de direito. Nesse sentido: STJ, REsp 661.696/PR, 2.ª T., j. 20.09.2005, rel. Min. Eliana Calmon,
DJ 10.10.2005, p. 311, RSTJ 9/262, REsp 565-RJ, 4.ª T., j. 26.09.1989, rel. Min. Bueno de Souza.
35. Admitindo a denunciação: RJTJSP 78/253, JUTACivSP 89/81, JC 19-20/311. Contra: RT
775/281. Na doutrina: Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II,
Intervenção de Terceiros 497
p. 128, Marcos Afonso Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 81; Hélio
Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, p. 265-266; Moacyr Amaral Santos,
Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 2, p. 32-3; Celso Agrícola Barbi, Comentários
ao Código de Processo Civil, p. 347-348, 1983; Sergio Sahione Fadel, Código de Processo
Civil Comentado, t. I, p. 180; Humberto Theodoro Júnior, Processo de conhecimento, vol.
1, p. 170 e Curso de direito processual civil, p. 141-142, 1985; Norberto Carride Júnior, Da
denunciação da lide, p. 52; Aroldo Plínio Gonçalves, Da denunciação da lide, p. 299 et
seq.; Sydney Sanches, Denunciação da lide, p. 182 et seq. (embora considere relevante o
posicionamento contrário citando, especialmente, a opinião de Arruda Alvim); José Frederico
Marques, Manual de direito processual civil, vol. 1, p. 290. V. em sentido contrário: Celso
Araújo Guimarães, Da denunciação da lide, p. 57, n. 7.
36. Nesse sentido: TRF-1.ª R., AgIn 476044, j. 04.06.2004, rel. Des. Daniel Paes Ribeiro, DJ
28.06.2004 p. 64; JTJ 195/230. No fundo ocorre a possibilidade de o juiz avaliar a situação,
tal como se admitiu, com base no art. 125, I, em relação ao litisconsórcio multitudinário,
antes da inserção do parágrafo único, ao art. 46 (Lei 8.952/1994).
37. V. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Sobre o chamamento à autoria, artigo publicado na Revista
do Instituto dos Advogados do Paraná, 1979, n. 1, e na Ajuris, 25/22. Este entendimento
foi acolhido, expressamente, pelo STJ quando do REsp 4.589/PR, rel. Min. Athos Carneiro
(RSTJ 27/303, em especial, p. 311).
38. Hipótese que comporta denunciação da lide, com base no art. 70, I, é a da responsabili-
dade decorrente de mandato em causa própria, e não simplesmente ad negotia, em que o
498 Manual de Direito Processual Civil
mandante confere poderes para alienar imóvel, declarando o recebimento do preço, isento
de prestações de contas, passando assim o procurador a agir realmente em seu próprio inte-
resse e por conta própria (hipótese julgada pelo STJ, rel. Min. Athos Carneiro, RSTJ 27/303).
O mandado in rem suam é suficiente para que o mandatário efetivamente aliene, agindo
em nome próprio, conforme ensinam Serpa Lopes, Curso de direito civil, vol. 4, n. 593 e
Orlando Gomes, Contratos, n. 288. Desta forma, aplica-se o art. 70, I a outras hipóteses
em que, transferido o domínio, essa transferência vem a ser frustrada (cf. Athos Carneiro,
Da intervenção de terceiros, n. 16.2, e Sydney Sanches, Denunciação da lide, Revista de
Processo (RePro) 34/51).
39. RJTJSP 79/285; no mesmo sentido: Vicente Greco Filho, A denunciação da lide: sua obriga-
toriedade e extensão. Justitia 94/13; do mesmo autor e no mesmo sentido, Direito Processual
Civil Brasileiro, vol. 1, p. 151.
40. Conforme nosso texto: Milton Flaks, Denunciação da Lide, cit., § 32, n. 145, p. 170 et seq.;
Aroldo Plínio Gonçalves, Da denunciação da lide, p. 240 e 70, esp, 1983. Diferentemente,
adotando posição restritiva (como em RJTJSP 79/285), v. Sydney Sanches, Denunciação da
lide no direito processual civil brasileiro, n. 7.6, 1, p. 118 et seq., 1984. Esta posição – ve-
dando a denunciação da lide quando há necessidade de introdução de fundamento novo
para sua solução – tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, como demonstram o
AgIn 56.108-9/SP, j. 03.11.1994, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, I, 08.11.1994, p. 30.211,
Intervenção de Terceiros 499
nada diz respeito a julgado sob a égide do CPC de 1973, mas considerações relevantes
devem ser trazidas para hoje.
Como será visto a seguir, a aplicabilidade desta distinção como critério isolado para
afastar a denunciação da lide calcada em garantia imprópria não se coaduna sequer com
o ordenamento italiano, do qual foi importada dita classificação. Além disso, parece-
-nos que, em linha de princípio, tal distinção não encontra apoio no direito brasileiro.
Esclareça-se que o direito italiano regula a matéria nos arts. 32 e 106 do Codice di Pro-
cedura Civile. E, como será explicado adiante, de acordo com a doutrina italiana, a ga-
rantia própria reflete uma situação de conexão objetiva com a causa principal. Ou seja:
o fundamento do pedido da ação secundária, de garantia, deve, de alguma forma, poder
ser extraído do fundamento da defesa da causa principal. Já a garantia imprópria cor-
responde àquela hipótese em que não há qualquer identidade ou ponto em comum en-
tre os fundamentos (títulos) que originaram as demandas; sendo totalmente distintas
as relações jurídicas em que se baseiam a demanda principal e a demanda de garantia.41
Tal diferenciação encontrou alguma ressonância prática no Brasil, e esse sistema é
chamado à colação – em tríplice equívoco – com a finalidade de excluir, do âmbito da de-
nunciação da lide, a chamada garantia imprópria.
A verificação do equívoco incorrido na adoção, entre nós, desta classificação, deman-
da exame do Direito italiano, em que se faz essa distinção, pois: 1.º) no próprio sistema
positivo italiano a distinção não se presta a afastar a cumulatividade da ação de garantia
imprópria no mesmo juízo, donde ser improcedente sua invocação, em si mesma ou como
modelo, dado que a tal discrimen não autoriza o direito italiano (independentemente de
se aceitar a distinção teórica entre garantia própria e imprópria); 2.º) o Direito brasilei-
ro (ainda que aceite, igualmente, a distinção entre garantia própria e imprópria), em si
mesmo interpretado, inadmite a invocação da natureza imprópria da garantia como crité-
rio suficiente para excluir o cabimento da denunciação da lide. A interpretação decorre:
a) tanto da letra da lei (arts. 125, II, do CPC/2015), que não enseja se afaste a garantia
imprópria como base e fundamento à denunciação da lide; b) como, ainda, da interpreta-
ção sistemática do próprio direito brasileiro, como se procurará, a seguir, evidenciar; 3.º)
e o REsp 49.418-4/SP, j. 14.06.1994, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (em Sálvio de
Figueiredo, O STJ e o Processo Civil, p. 82-83), e vem sendo reafirmada em julgados mais
recentes (cf., dentre outros, STJ, REsp 142.934/SP, 4.ª T., j. 21.10.2004, rel. Min. Barros
Monteiro, DJ 17.12.2004, p. 547; STJ, AgRg no REsp 727.276/RJ, 4.ª T., j. 07.04.2005, rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJ 02.05.2005, p. 377.
Humberto Theodoro Júnior (cf. Curso de direito processual civil, 49. ed., vol. 1, n. 115-A, fine,
p. 131-132) aplaude a evolução da jurisprudência brasileira, no abandono da injustificada
interpretação restrita. Fazemos notar, entretanto, que a jurisprudência do STJ, como visto
precedentemente, tem se desenvolvido no sentido contrário, ainda que por fundamento
diverso: não se deve permitir, nestes casos, a denunciação da lide por importar em agressão
à economia processual, vetor que deve ser prestigiado por este instituto.
41. Cf. Carpi – Colesanti – Taruffo, em Commentario breve al Codice di Procedura Civile, nos
comentários ao art. 32 do Código de Processo Civil italiano, como remissões doutrinárias,
pp. 56-57.
500 Manual de Direito Processual Civil
consequentemente, temos que: a) tomou-se o direito italiano para se pretender fazer uma
distinção que, no plano do processo, mesmo na Itália inexiste; b) desta forma o sistema
italiano serve de argumento para se admitir a garantia imprópria – como se demonstra-
rá – no bojo da denunciação da lide, uma vez que a ação de garantia imprópria é reunida
no juízo da ação principal, no direito italiano; c) se assim não fosse, ‘ad argumentandum’,
ainda assim, não se poderia encampar, de maneira ampla e irrestrita, um sistema aliení-
gena, com desatenção à letra da lei (do direito brasileiro – art. 125, II, do CPC/2015) e,
na maior parte dos casos, com descuido manifesto da interpretação sistemática a que se
haja de submeter o exame do CPC.
Para que possamos compreender a impossibilidade de se aplicar – de forma genera-
lizada e irrefletida – a diferenciação entre garantias próprias e impróprias no direito bra-
sileiro, é preciso ter presentes os contornos dessa distinção no ordenamento italiano.
A propósito do tema, a distinção teórica que se nos afigurou a mais clara (ainda que
não idealmente completa) é a encontrada na obra de Salvatore Satta (iluminando a dou-
trina italiana existente), quando alude à garantia própria como aquela inerente, ou, se se
quiser, necessariamente dedutível, da pretensão do autor, na ação principal. Por exem-
plo, alude à evicção, como decorrência natural, isto é, legal ou sistemática da possibilidade
da perda da ação reivindicatória. Outras hipóteses seriam constitutivas de garantia im-
própria, ou garantia simples, como as denomina esse mesmo autor.
Temos para nós que a garantia própria envolve, com a hipotética propositura da
denunciação, na realidade, um verdadeiro juízo analítico, realizado na denunciação,
em relação à ação principal; vale dizer, suficiente será desdobrar no bojo da denunciação
o fundamento da ação principal, para se chegar à identificação do fundamento da ação de
garantia (garantia própria). Por outras palavras, em face de uma ação reivindicatória,
está embutida, pelo próprio sistema jurídico, a ideia de garantia pela evicção; donde,
então, proposta a denunciação, com fulcro no art. 125, I, do CPC/2015 nada mais esta-
rá fazendo o réu-denunciante que explicitar volitivamente essa possibilidade jurídica,
certamente porque deseja vê-la apreciada.
No entanto, devemos dizer que o texto brasileiro não autoriza, em si mesmo – e, de
modo geral, nem sistematicamente –, essa distinção. O nosso texto é amplo e o art. 125,
do CPC/2015, alude à lei e ao contrato. Diga-se, ainda, que no próprio direito italiano
considera-se a ação do segurando contra o segurador como significativa de garantia im-
própria, hipótese que, entre nós, muitos juristas têm considerado, a nosso ver em equí-
voco, como representativa de garantia própria.42
Nesse passo, imperioso ressaltar que, na interpretação do art. 32 do Código de Pro-
cesso Civil italiano, admitem a doutrina e a jurisprudência a junção da ação principal
com a ação de garantia – ainda que imprópria – perante o mesmo juízo, desde que ve-
rificada coincidência de competência para as demandas, ou, ainda, quando se trate de
hipótese em que a regra de competência para a demanda secundária (de garantia impró-
42. Cf., v.g., Sydney Sanches, Denunciação da lide no direito processual civil brasileiro, n. 7.7.7,
p. 125.
Intervenção de Terceiros 501
43. Cf. Corte de Cassação, 12.07.1947, sob n. 739 e Salvatore Satta, Comentario al Codice di Pro-
cedura Civile, Livro I, comentários ao art. 32, p. 140-141; ainda, de certa forma, distinguindo,
Rocco, Trattato di diritto processuale civile, vol. 2, Cap. VII, § 3.º, p. 123, n. 4; Sérgio Costa,
Manuale di diritto processuale civile, Cap. IV, n. 140, p. 200, em que admite, inclusive para
a “garanzia impropria”, que a causa relativa a esta seja proposta perante o mesmo juízo (da
causa principal), desde que haja coincidência de competência de foro, para as duas ações
(a principal e a da garantia imprópria); ou, então, desde que, propostas separadamente,
possam ser reunidas (no juízo da causa principal) – v. p. 200, nota 138, farta jurisprudência
da Corte de Cassação, nesse sentido. É torrencial e monolítico o entendimento da Corte de
Cassação italiana no sentido da cumulação da garantia imprópria no mesmo juízo: a) na
garantia imprópria, cumulam-se as ações (principal e da garantia imprópria), desde que
competente o juízo, pelo valor para a segunda (CC, 14.03.1963, n. 620; CC, 08.07.1961);
b) o art. 32 (CPC it.) encontra aplicação, inclusive, em matéria de seguro. A cláusula sobre
competência é irrelevante, no contrato de seguro, já que essa cláusula de alteração da
competência territorial não prevalece (CC, 10.06.1960, n. 1.554; 21.06.1956, n. 2.206;
29.09.1954, n. 3.162); c) igualmente, admitindo a garantia imprópria no juízo da causa
principal, ainda que, ou verbis “anche se eccede [a causa da garantia imprópria] la sua [do
juízo da causa principal], competenza per valore” [conjugação dos arts. 32 CPC it. e 1917
CC it.], (CC, 22.01.1959, n. 146), e muitíssimas outras hipóteses (cf. Laporta, Tamburrino e
Greco, Codice di Procedura Civile e Legge Fallimentare, vol. 1, anotações ao art. 32, CPC
it., p. 297 et seq., significando a abreviação CC, Corte de Cassação). Deve ser consultada a
mesma obra, a propósito do art. 106, CPC it., vol. 1., p. 991 et seq., com jurisprudência no
mesmo sentido, reportada agora ao aludido art. 106.
44. É o que se extrai de obra mais recente (do que a de Salvatore Satta), dirigida por Enrico Al-
lorio, o Commentario del Codice di Procedura Civile, nos comentários ao art. 32, parte que
coube ao jurista Giuseppe Franchi, em que se examinam as múltiplas hipóteses (inclusive
reguladas por leis especiais, v.g., circulação de veículos, transportes, responsabilidade nu-
clear etc.), e da mesma forma se observa que se modifica a competência, inobstante se trate
de garantia imprópria, atraída a causa, referente a essa garantia, ao juízo da causa principal
(verbis: “La giurisprudenza ha rittenuto che nonostante la garanzia impropria la competenza
si spostasse” – v. na op. cit. n. 4, do art. 32, sob a rubrica “La garanzia semplice. La garanzia
impropria”, p. 314 et seq., esp. p. 316).
502 Manual de Direito Processual Civil
Deve-se, pois, dizer o seguinte: 1.º) no próprio direito italiano, mesmo a interpre-
tação mais ortodoxa e restritiva da lei autoriza a reunião de causas se o juiz for o com-
petente para a causa principal e para a causa representativa de garantia imprópria; 2.º)
no direito brasileiro, o art. 61 é expresso a respeito da mesma competência do juiz da
causa principal e para as acessórias; 3.º) se, no art. 61, do CPC/2015, se alude à ação
principal, é porque existe a que não é principal, e, entre estas, está a de garantia, a qual
pode pender simultaneamente com a principal, ponto que não parece suscitar maiores
dúvidas. Acrescente-se que a regra do art. 61, do CPC/2015, é significativa de compe-
tência absoluta, porque funcional. Ademais, de tudo quanto foi dito, sentido prático al-
gum teria inadmitir-se a denunciação em todos os casos rotulados como garantia im-
própria (ainda que a lei mesmo, no particular, não distinga), se a ação em que se pede o
objeto da garantia imprópria pode ser movida separadamente e há de pender no juízo
da outra ação, a principal. Assim, ainda que esta distinção exista no sistema jurídico, é ela
irrelevante, todavia, para se pretender inadmitir a denunciação da lide, pela chamada ga-
rantia imprópria; 5.º) é, em princípio e de modo geral, incabível a interpretação a que
se designou de restrita, porque, se a ação de garantia é aquela claramente dedutível da
ação anterior, se a lei brasileira utilizou-se da figura do contrato para admitir a denun-
ciação, segue-se que o contrato é sempre, necessariamente – existencialmente e por de-
finição – desligado e não decorrente da ação que tenha sido anteriormente proposta.
Quer parecer, portanto, que se a lei brasileira alude a contrato (entre a parte e outrem
– terceiro), isto significa que – bem ou mal – não há que se adotar interpretação restri-
tiva. O contrato é, no caso, necessariamente, representativo de outro(s) fato(s) que não
decorrente(s) da ação principal.
Dentre as hipóteses mais comuns de aplicação deste dispositivo, temos aquele em
que o causador de danos, a outrem, amparado por seguro, seja obrigatório ou facultati-
vo, denuncia, então, a lide à companhia seguradora.45 Esta deverá arcar com a indeniza-
45. RT 477/112 e 481/98; RJTJSP 40/72; TJSP, Ap 240.743, 1.ª Câm. Civ., j. 11.03.1975, v.u, rel.
Moretzsohn de Castro. Negando a possibilidade da denunciação no seguro facultativo – RT
470/99. Na doutrina: Celso Agrícola Barbi, que negava a possibilidade de denunciação nas
hipóteses de seguro, mudou de posição, na ed. de 1983 de seus comentários, passando a
admiti-la (Comentários ao Código de Processo Civil, n. 408, p. 341-2).
Mais recentemente, predomina, no STJ, a orientação segundo a qual “em ação de indeni-
zação, decorrente de acidente de trânsito, movida contra empresa que explora serviço de
transporte coletivo de passageiros é inadmissível a denunciação da lide à seguradora, uma
vez que inexiste relação de garantia própria entre a empresa denunciante e a seguradora” (STJ,
REsp 401.487/SP, 3.ª T., j. 30.08.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.10.2002, p. 226). No
mesmo sentido, STJ, AgRg no Ag 587.845/SP, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJ 06.12.2004, p. 297; STJ, REsp 228800/DF, 4.ª T., j. 06.12.1999, rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, DJ 21.02.2000, p. 134).
Diversamente, considera-se “cabível a denunciação à lide de empresa seguradora que, por
força de contrato, se acha obrigada a dar cobertura à ré em caso de acidente de trabalho
pelo qual responda civilmente a segurada, e se tal ato não causa prejuízo à autora” (STJ, REsp
439.788/SP, 4.ª T., j. 26.08.2003, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 29.09.2003, p. 256).
Nesse caso, pode a seguradora “ser condenada, direta e solidariamente, com o réu” (STJ, REsp
188.158/RS, 4.ª T., j. 15.06.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.07.2004, p. 197).
Intervenção de Terceiros 503
ção, até o limite contratual, caso a demanda vingue contra o segurado.46 Já se admitiu,
em equívoco, recusa da seguradora à denunciação da lide, por ser a responsabilidade
desta em quantia inferior à pretendida pelo autor da inicial.47
Já se decidiu também que, no caso de a empresa de transporte de passageiros ser acio-
nada para indenização por acidente, poderá denunciar a lide à seguradora.48 Da mesma
forma, em ação indenizatória movida por vítimas de danos contra empresa construtora
de rede coletora pode esta denunciar a lide à sua seguradora para cobertura dos riscos
de sua atividade.49
Cumpre, ainda, ressaltar que, já se tem decidido, que a responsabilidade da segu-
radora perante o beneficiário do seguro nada tem a ver com o seu direito de cobrar da
cosseguradora a parte que lhe toca no pagamento, razão pela qual, neste caso, não se
tem admitido a denunciação da lide pela seguradora à cosseguradora.50
Tem-se decidido, contudo, que não pode a seguradora denunciar a lide ao “terceiro suposta-
mente causador do acidente, por buscar inserir controvérsia nova, inteiramente dissociada da
relação contratual objeto de debate na ação de cobrança em comento” (STJ, REsp 198.688/
SP, 4.ª T., j. 07.11.2002, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 10.02.2003, p. 212).
46. RF 251/205. No mesmo sentido, RJTJSP 62/214 (tendo sido decretada à revelia da segu-
radora).
47. RJTJSP 42/104.
48. RF 258/253; RT 522/93; em sentido contrário, “Em ação de indenização, decorrente de
acidente de trânsito, movida contra empresa que explora serviço de transporte coletivo de
passageiros é inadmissível a denunciação da lide à seguradora, uma vez que inexiste relação
de garantia própria entre a empresa denunciante e a seguradora” (STJ, REsp 401.487/SP, 3.ª
T., j. 30.08.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.10.2002, p. 226);
Ainda, em situação semelhante: “Responsabilidade civil – Seguro – Acidente de trânsito que
resulta em óbito – Ação indenizatória ajuizada por descendentes de passageira de ônibus
falecida – Denunciação da lide da seguradora pela empresa de transportes – Apólice com
cláusula expressa de exclusão de cobertura de indenização por danos morais – Ressarci-
mento indevido – Súmula 402 do Superior Tribunal de Justiça – apelo provido. O seguro por
dano pessoal inclui o dano moral. No entanto, quando a apólice limitar ou particularizar os
riscos do seguro, não responderá por outros o segurador (CC/1916, art. 1.460). O contrato
de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de ex-
clusão" (Súmula 402 do STJ) (TJSC, Apelação Cível n. 2006.018809-6, 4.ª Câm. Dir. Púb.,
j. 22.07.2010, rel. Des. Rodrigo Collaço)..
49. RJTJSP 61/145.
50. RT 539/107. Assim também: “Agravo de Instrumento – Denunciação da lide – Contrato de
cosseguro – Responsabilidade isolada – IRB – Direito de regresso. Incabível é a denunciação
da lide pela seguradora líder à cosseguradora, uma vez que o contrato de cosseguro não
gera solidariedade entre elas, devendo cada uma responder por sua cota isoladamente.
Deve-se admitir a denunciação da lide ao IRB, a fim de a seguradora garantir seu direito de
regresso” (TJMG, AgIn 1.0702.06.290185-6/001, j. 28.08.2007, rel. Fabio Maia Viani; DJ
21.09.2007); “Cosseguro – Denunciação da Lide – Inadmissibilidade – Recurso improvido.
Inexistente vínculo de solidariedade entre cosseguradoras, não há que se falar em direito
de regresso a justificar denunciação da lide (TJSP, AgIn 1076822900, 35.ª Câm.de Dir.Priv.,
j. 18.12.2006, rel. Des.Egidio Giacoia). Diversamente: “Agravo de Instrumento – Seguros –
Ação de cobrança – Contrato de cosseguro – Denunciação à lide – Cabimento – Agravo de
instrumento provido” (TJRS, AgIn 70016386534, 5.ª Câm. Cív. DJ 15.08.2006).
504 Manual de Direito Processual Civil
51. RT 493/82, 505/95 e 584/145; JUTACivSP 69/179, 72/82 e 86/154. Contra: RT 475/97,
501/199, 502/102, 503/88 e 504/231; RJTJSP 45/234. Decidiu recentemente o STJ que
“o entendimento pretoriano, em princípio, não admite lide entre o autor e o terceiro, com
afastamento do denunciante. Mas, em certos casos, o réu tem direito de chamar ao processo
o terceiro que culposamente concorre para o evento”. Nesse caso, “a denunciação da lide
nos casos de acidente de trânsito deve prosperar, como acentuam doutrina e jurisprudência,
quando comprovada a culpa exclusiva do preposto da empresa denunciada e sua obrigação,
derivada da lei, de indenizar” (STJ, REsp 155.224/RJ, 4.ª T., j. 09.03.2004, rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJ 01.07.2004, p. 196).
52. RT 518/99; Revista de Processo (RePro) 21/310; RJTJSRS 108/298; JUTARS 54/333.
Intervenção de Terceiros 505
ção, necessariamente, pelo fundamento da culpa, não deverá ser necessariamente feita
pelo Estado – ainda que esse possa denunciar a lide, isto poderá vir a importar que o Es-
tado, ainda que indiretamente, viesse agravar a sua própria situação, enquanto réu, pois
denunciaria com base em tipo de responsabilidade (culpa), sobre a qual normalmente
haveria de diligenciar para provar (isto, no pressuposto de que a ação tenha sido estri-
tamente promovida com base em responsabilidade objetiva), no mesmo processo, o que
acarretaria que estaria “trabalhando” contra si próprio, enquanto réu. Efetivamente, se
vier a ser comprovada a culpa do funcionário, ainda que por diligência do Estado, ipso
facto, estará, a fortiori, provada a ação principal contra ele próprio. Vale recordar que
esta possibilidade – se admitida – vulneraria, embora indiretamente, o princípio da in-
disponibilidade dos bens estatais.55
Por isso, deve-se concluir que, em casos tais, a restrição ao cabimento da denuncia-
ção da lide não decorre, nessas hipóteses, pura e simplesmente, da natureza imprópria
da garantia, senão que decorre da natureza imprópria da garantia associada a outro fator
determinante, que é a necessidade de se viabilizar a defesa dos direitos indisponíveis.
No entanto, se houver evidência da culpa, e, portanto, diante do juízo a esse respeito,
feito pelo Estado, como a não denunciação somente faria demorar o ressarcimento do
mesmo Estado, este deverá proceder à denunciação.
55. Entendimento convergente com o nosso é esboçado por Eduardo Arruda Alvim, ao anotar
que, se “o Estado for demandado por responsabilidade objetiva, parece ser inviável a de-
nunciação. Se se admitisse, nesta última hipótese, a denunciação, estar-se-ia admitindo
que o Estado, ao procurar demonstrar a culpa do funcionário, agisse contra seus próprios
interesses, pois o reconhecimento dessa culpa acarretaria, ipso facto, sua responsabiliza-
ção, atentando contra o princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Ademais disso,
estar-se-ia introduzindo na denunciação fundamento novo (culpa do funcionário), o que
corrobora a conclusão de que a denunciação, nesses casos, não deve ser aceita”(Direito
Processual Civil, 2. ed., p. 247).
56. RJTJSP 83/207 e RT 575/113 (há votos vencidos).
Intervenção de Terceiros 507
61. RSTJ 25/426, REsp 6.793, rel. Barros Monteiro, cuja ementa reza: “Na denunciação da
lide promovida pelo réu, é inadmissível a condenação direta do denunciado a compor os
prejuízos reclamados pelo autor, sem apreciação da lide principal”; no mesmo sentido, RT
629/216-217 (“o denunciado não pode ser condenado diretamente a compor os prejuízos
reclamados pelo autor”). É pressuposto da denunciação a existência de relação jurídica
entre denunciante e denunciado – RSTJ 67/441, rel. Waldemar Zveiter, constando do voto
que “a tese acolhida pelo aresto tem o aval de precedente de minha relatoria, qual seja, no
REsp 3.814-SP, em que, na ementa, se concluiu que, não havendo relação jurídica entre
litisdenunciante e litisdenunciado, não há como se admitir o pedido de denunciação da
lide, e tal relação entre o litisdenunciante réu e o litisdenunciado terceiro há de existir no
plano do direito material”.
62. STJ, REsp 211.119/ES, 2.ª T., j. 17.05.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.06.2005,
p. 181; STJ, REsp 275.453/RS, 3.ª T., j. 22.02.2005, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ
11.04.2005, p. 288; REsp 188.158/RS, 4.ª T., j. 15.06.2004, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJ 01.07.2004, p. 197.
63. Veja-se o que escrevemos ampla e exaurientente sobre o tema, em nossa Teoria Geral do
Processo de Conhecimento, São Paulo, 1972, Revista dos Tribunais, vol. I, Parte Quarta, III,
onde se estuda a citação, inclusive senão principalmente sob sua evolução histórica.
Intervenção de Terceiros 509
65. RJTJSP 79/181. O STJ já decidiu que, “tratando-se de garantia simples ou imprópria, em
que a falta de denunciação da lide não envolve perda do direito de regresso, o denunciante
arcará com os honorários do advogado do denunciado [mesmo em hipótese de vitória do
denunciante na demanda principal]. Não assim, entretanto, na hipótese prevista no art. 70,
I, do CPC, quando os honorários serão suportados pelo vencido na demanda principal”
(REsp 51.457-6/RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 29.08.1994, em Sálvio de Figueiredo, O
STJ e o processo civil, p. 85). No mesmo sentido, RSTJ 9/262, rel. Bueno de Souza, quanto
a que, na hipótese do art. 70, III, não há perda do direito, se inocorrente a denunciação.
Mais recentemente, cf. STJ, AgRg no Ag 569.044/RS, 4.ª T., j. 22.06.2004, rel. Min. Aldir
Passarinho Júnior, DJ 16.11.2004, p. 291; STJ, REsp 258.335/SE, 2.ª T., j. 14.12.2004, rel.
Min. Castro Meira, DJ 21.03.2005, p. 305.
66. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 3, p. 309.
Intervenção de Terceiros 511
Trata o art. 128, do CPC/2015, da denunciação da lide pelo réu e dos caminhos que
o denunciado pode tomar.
O réu deverá lançar mão do instituto dentro do prazo para a resposta, não o libe-
rando, a denunciação, de seu outro ônus, o de responder à ação que contra ele tenha
sido proposta, pois são atividades distintas, e o réu não contestando a ação, será revel
(art. 344 do CPC/2015).69
A lei processual prevê várias atitudes que podem ser tomadas por aquele que é de-
nunciado pelo réu. A primeira delas é a de contestar, passando, desde o momento da ci-
tação, a agir como litisconsorte do réu em relação ao autor. Diz a lide respeito ao denun-
ciante e, como se está em face de uma lide só, a atuação se desenvolve em regime de
unitariedade, tendo em vista o adversário comum e a ação/lide principal.
A contestação do réu, por outro lado, convive com a do denunciado, que haverá
de contestar, tanto a ação principal, quanto a denunciação. Se a denunciação tiver sido
feita pelo réu, na hipótese de procedência da ação principal, essa procedência se co-
loca como pressuposto à apreciação (eventual procedência), a seu turno, da denun-
ciação da lide.
67. Do mesmo sentir: José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, n. 239, p. 291.
68. RT 529/237.
69. No mesmo sentir: Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, p. 142.
512 Manual de Direito Processual Civil
70. O TJSP já decidiu que se o réu alega ser parte ilegítima e ao mesmo tempo denuncia à lide ao
verdadeiro responsável, e este, aceitando a litisdenunciação, contesta o pedido formulado
pelo autor, passando à condição de litisconsorte passivo, não há prejuízo em que a sentença
dê pela carência de ação, em relação ao denunciante, e pela procedência ou improcedência,
quanto ao denunciado (RJTJSP, 101/144). Aproximadamente nesse sentido acentuou-se no
STJ, ou seja, “o acórdão que define como litisconsorcial a relação do litisdenunciado com o
réu litisdenunciante não contraria o art. 75, I, do CPC” (ementa – RSTJ 40/544). No entanto,
parece-nos que razão assiste ao voto vencido, pois que no acórdão veio a se atribuir dire-
tamente o ônus da responsabilidade, com exclusão do denunciante, o qual, na hipótese,
assim o foi porque não verificada a tradição do bem adquirido. A posição que, no plano
dogmático, nos parece a correta é a do Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 40/546, verbis: “A meu
ver, entretanto, esta expressão, não muito feliz, só pode ser entendida dentro do contexto
em que foi regulamentado o instituto. Interessa ao denunciado opor-se à pretensão formu-
lada pelo adversário do denunciante, mas, tão só e exclusivamente, na medida em que essa
demanda é prejudicial à outra e, julgada improcedente a ação originária, ficará prejudicada
a litisdenunciação”.
71. Como consequência, incide, no particular, o disposto no art. 509. Cf. STJ, EDcl no REsp
226.326/SP, 3.ª T., j. 17.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 12.06.2000, p. 108.
Intervenção de Terceiros 513
nará, da mesma forma, seu litisconsorte (no resultado do processo principal), salvo se
o juiz o excluir do processo. A jurisprudência tem entendido que, negando o litisde-
nunciado a qualidade que lhe é atribuída, o juiz deverá decidir a controvérsia daí de-
corrente, entendimento correto, pois pertine, tal arguição, aos próprios pressupostos
justificadores, ou não, da denunciação.72
Se o denunciado negou, indevidamente, a qualidade que lhe foi atribuída, legalmen-
te, pelo denunciante, estará eventualmente agindo de má-fé, e esta poderá ser apurada
no processo em que é parte. Pela má-fé, poderá responder (art. 81, do CPC/2015) po-
dendo, até mesmo, ser apenado de ofício pelo juiz.
O inciso III do art. 128, do CPC/2015, refere-se à hipótese de o denunciado con-
fessar os fatos alegados pelo autor, na ação principal. Como já nos manifestamos, em
outra oportunidade, apesar de a lei usar da expressão “confessar os fatos alegados pelo
autor”, deverá ser considerada como também incluída, neste inciso, a hipótese de reco-
nhecimento jurídico do pedido.73
Mas, como a citação da denunciação acarreta a formação de um litisconsórcio uni-
tário, entre litisdenunciante e litisdenunciado, relativamente à ação principal, nenhum
desses atos, se praticados por um só dos litisconsortes, produzirá efeitos jurídicos que
lhe seriam próprios.74
Se, porém, o denunciado pelo réu confessar, ou “reconhecer juridicamente o pe-
dido do autor”, o litisdenunciante poderá estar de acordo com ele, extinguindo-se a
ação principal com resolução do mérito e, se for o caso, continuará a da denunciação
até ser julgada.
Todavia, será facultado ao litisdenunciante, se, por exemplo, tiver predominan-
temente interesse, no próprio bem da vida, objeto do litígio, ou, por exemplo, se des-
confiar da solvabilidade do litisdenunciado, contra quem pediu perdas e danos, o di-
reito de continuar na defesa, a fim de lutar pelo seu direito, na ação principal e na de
denunciação.
Lembremos, ainda, que, mesmo tendo o litisdenunciado confessado os fatos ale-
gados pelo autor, esse litisdenunciado pode continuar no processo para negar os efei-
tos jurídicos de tais fatos. Nessas condições, voltamos a observar que, apesar de a lei
referir-se, expressis verbis, à confissão, abrange também o reconhecimento jurídico do
pedido. Entretanto, igualmente relembramos que, estes atos praticados por um só dos
litisconsortes são, conquanto válidos, inoperantes processualmente, dado que esta-
mos em face de regime unitário. Todo ato dispositivo de direito no regime unitário fica
condicionado à aquiescência de todos os litisconsorte(s) para ser eficaz, ou será apenas
uma mera manifestação que, quando da prolação da sentença, será sopesada pelo juiz
no conjunto das provas.
75. Nesse sentido, STJ, REsp 843.392/MT, 3.ª T., j. 25.09.2006, rel. Min. Ari Pargendler, DJ
23.10.2006, p. 313; e TJSP, AP 0007026-71.2009.8.26.0604, 33ª Câmara de Direito Privado,
j. 29.06.2015, rel. Mario A. Silveira, DJe 02.07.2015.
76. Pelo descabimento da denunciação da lide em ação de execução: 1.º TACSP [extinto], Ap
262.922, 3.ª Câm., j. 28.11.1979, rel. Arruda Alvim, v.u.; RT 504/173, 521/197 e 562/112;
JUTACivSP 49/98, 60/129 e 69/68; Bol. da AASP 1.153/15; RTJ 93/917; JC 48/148. Na dou-
trina, no mesmo sentido: Sydney Sanches, Denunciação da lide no direito processual civil
brasileiro, p. 146; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 352;
Milton Flaks, Denunciação da lide, p. 188-191.Admite-se a denunciação, no entanto, em
embargos de terceiro: STJ, REsp 161.759/MG, 3.ª T., j. 03.05.2005, rel. Min. Antônio de
Pádua Ribeiro, DJ 13.06.2005, p. 287.
Intervenção de Terceiros 515
80. Assim, já decidiu o STJ em recurso especial repetitivo: “Processual civil. Recurso especial
sub ao regime previsto no artigo 543-C do CPC. Resgate de empréstimo compulsório
sobre energia elétrica. União Federal. Responsabilidade solidária. Litisconsórcio passivo
facultativo. Competência. Justiça estadual. 1. A solidariedade obrigacional não importa
em exigibilidade da obrigação em litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC), mas antes
na eleição do devedor pelo credor, cabendo aquele, facultativamente, o chamamento ao
processo (art. 77 do CPC). [...]” (STJ, RESp 1.145.146/RS, 1ª S., j. 09.12.2009, rel. Min. Luiz
Fux, DJe 01.02.2010). Igualmente, v. STJ, REsp 1.370.125/PR, 4ª T., j. 05.11.2015, rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, DJe 15.12.2015.
81. Nesse sentido, v.g., v. STJ, REsp 70.547/SP, 5ª T., j. 05.11.1996. Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, Dj 02.12.1996, p. 47.700; STJ, AgRg no Ag 703.565/RS, 4ª T., j. 20.11.2012, rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, Dje 04.12.2012.
82. Ilustrativamente, também são exemplos os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São
Paulo: TJSP, Apelação 0002557-32.2015.8.26.0390, 22ª C. Dir. Priv., j. 30.06.2016, rel. Des.
Sérgio Rui; TJSP, Apelação 1108513-17.2015.8.26.0100, 18ª C. Dir. Priv., j. 21.06.2016, rel.
Des. Hélio Faria; TJSP, Apelação 0010656-05.2010.8.26.0248, 25ª C. Dir. Priv., j. 12.05.2016,
rel. Des. Carmen Lúcia da Silva; e TJSP, Ag. Instrumento 2227924-46.2015.8.26.0000, 23ª
C. Dir. Priv., j. 27.01.2016, rel. Des. J. B. Franco de Godoi.
83. Súmula nº 492: “A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o
locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.”
84. A exemplo, v. TJMG, Ag. de Instrumento 1.0074.15.005189-9/001, 17ª C. Cível, j. 01.06.2016,
rel. Des. Leite Praça, DJe 14.06.2016.
Intervenção de Terceiros 517
mento firmado no STF, há obrigação solidária entre todos os entes federativos. 85 Nesse
caso, pode o autor, facultativamente, demandar todos os entes federativos, territorial-
mente atrelados à sua localidade, ou somente um deles. Por essa razão, entende o STJ
que o chamamento ao processo da União, em demanda proposta em face do Município,
Estado ou Distrito Federal, é providência possível, mas não impositiva. 86
85. V. v.g., STF, ARE 894.0085 AgR/SP, 1ª T., j. 15.12.2015, rel. Min. Roberto Barroso, DJe
16.02.2016.
86. Nesse sentido, firmou-se o entendimento em recurso repetitivo STJ, EDcl no REsp 1.203.244/
SC, 1ª S., j. 09.03.2016, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 25.05.2016, Informativo nº 490.
Do mesmo modo: STJ, AgRg no REsp 1.574.121/PI, 1ª T., j. 03.03.2016, rel. Min, Sérgio
Kukina, DJe 09.03.2016; STJ, AgRg no REsp 1.571.601/PI, 2ª T., j. 03.03.2016, Min. Herman
Benjamin, DJe 24.05.2016; e STJ, AgRg no AREsp 693.018/SC, 2ª T., j. 06.08.2015, rel. Min.
Og Fernandes, DJe 19.08.2015.
518 Manual de Direito Processual Civil
87. Esse entendimento já era enunciado pelo STJ, nos termos de sua Súmula nº 268 e o CPC/2015
manteve em seu art. 513, §5º.
Intervenção de Terceiros 519
88. Assim, por exemplo, é inviável o chamamento em fase recursal. V. TJSP, Ag. de Instrumento
2067359-74.2016.8.26.0000, 2ª C. Dir. Púb., j. 30.06.2016, rel. Des. Cláudio Augusto
Pedrassi.
520 Manual de Direito Processual Civil
sentença que, se de procedência, valerá como título executivo para o réu que saldar a
dívida, não sendo o devedor principal. Ademais, não há introdução de outra lide no
processo, mas somente de litisconsortes.
Todavia, a sucessividade do uso do instituto nos parece poder levar a um tumulto
processual, dificultando a defesa e/ou prolongando demasiadamente o processo, eis que
cada chamado teria seu prazo de resposta e respectivo prazo para usar do chamamento,
o que seria de difícil viabilidade. Nessas condições, a admissão ou não do uso chama-
mento sucessivo deve ser aferida e decidida pelo juiz, ex officio ou a requerimento das
partes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Para a clareza da situação, recordemos que a sentença proferida no processo de co-
nhecimento em que foi feito o chamamento, que julgar procedente a ação, condenará os
devedores e valerá como título executivo para o credor. Se, após a fase de conhecimen-
to, um dos devedores, seja o fiador ou o devedor solidário, saldar a dívida, essa mesma
sentença também já valerá para ele como título executivo (art. 132 do CPC/2015). 89
Pode o fiador ou o devedor solidário que satisfizer sozinho a obrigação, então, desde
logo e sem novo processo, exigi-la por inteiro do devedor principal ou na proporção
que couber a cada um dos codevedores.
Por isto se pode dizer que o art. 132 envolve, em parte, uma sentença condicional, pois
só, se e quando aquele que, já condenado, satisfizer a dívida, poderá voltar-se contra o que
fora seu litisconsorte. Essa condicionalidade é decorrente da eficácia natural da sentença
(por virtude do art. 132), eis que o juiz, na sua sentença, não precisará ter sido explícito.
89. Nesse sentido, Luiz Dellore diz que o “grande objetivo do chamamento é já obter, logo após
o pagamento da dívida, título executivo contra o devedor principal ou contra os coobrigados
em suas quotas-partes, evitando-se que, para cobrança do débito, haja necessidade de novo
processo de conhecimento.” (v. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015:
parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p 431).
90. Neste sentido, na doutrina do CPC 73: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. I, n. 440, p. 363; Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado,
vol. III/333; Antônio Cezar Peluso, Revista de Processo (RePro) 1/189; Antonio Rodrigues
Porto, Do chamamento ao processo no novo CPC, RT 458/262; Athos Gusmão Carneiro,
Denunciação da lide e chamamento ao processo, Ajuris 21/44; Humberto Theodoro Júnior,
Intervenção de terceiros no processo civil: denunciação da lide e chamamento ao processo,
Revista de Processo (RePro) 16/55-6; atualmente, Sandro Gilberto Martins, Comentário ao
art. 131, in Breves comentários ao novo código de processo civil. Coordenadores Teresa
Arruda Alvim Wambier... [et al.]. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 451.
Intervenção de Terceiros 521
Logo, não se forma novo título executivo no processo de execução de título extra-
judicial; apenas realizam-se praticamente os efeitos necessários à realização do direito
estampado no título executivo que instrui o pedido. O título, no processo de execu-
ção, o antecede. No caso de chamamento ao processo, no bojo de ação de conhecimen-
to, forma-se um título executivo, não só contra o primitivo réu, como também contra
aquele que venha a ser chamado.
Em síntese, inexiste sentença sobre a pretensão executiva no processo de execução
de título extrajudicial; já sobre a ação condenatória, em função da qual há chamamen-
to, existe sentença, e com as peculiaridades, tal como a disciplina a lei.
Finalmente, cabe mencionarmos o argumento consistente em correlacionar o § 2º
do art. 794 do CPC/2015, constante nas disposições do processo de execução de título
extrajudicial, com o sistema instituído nos arts. 130 a 132 do CPC/2015. Ora, o § 2º do
art. 794 dispõe: “O fiador, que pagar a dívida poderá executar o afiançado nos autos do
mesmo processo”. É evidente que o art. 794 há de ser lido, tendo-se uma visão integra-
da desse § 2º, com a cabeça do artigo. O pressuposto de aplicação do § 2º do art. 794 diz
respeito a hipóteses de o fiador ser executado. Se tal ocorrer, assiste-lhe, no processo de
execução de título extrajudicial, o denominado benefício de ordem, admitindo a norma
legal, em seu caput, que bens livres e desembargados do devedor sejam nomeados. É cer-
to que, enquanto esse mesmo art. 794, no seu § 1º, dispõe que, sendo insuficientes os
bens do devedor, certamente ficarão sujeitos à execução os bens do fiador. Aí está niti-
damente delineado o caminho da realização da responsabilidade subsidiária do fiador
e a forma através da qual pode ele fazer valer seu benefício de ordem. Ora, o art. 794, te-
leologicamente, é um dispositivo similar ao art. 132, mas é aquele que disciplina a sub-
sidiariedade da posição da responsabilidade do fiador. O STF, que inicialmente admitia
o chamamento no processo de execução de título extrajudicial,91 parece ter firmado o
entendimento – esse sim correto – de que não é cabível o chamamento ao processo nas
execuções cambiais.92 No mesmo sentido decidiu o STJ.93
Ainda, o avalista não pode chamar ao processo de execução de título extrajudicial
os demais coobrigados.94 Na execução contra fiador, não cabe o chamamento ao pro-
cesso da massa falida do devedor afiançado.95
Tal como ocorre em relação ao processo de execução de título extrajudicial, não cabe
chamamento ao processo na ação monitória, a requerimento do réu que não embargou,
já que, caso não sejam opostos embargos na ação monitória, essa “converte-se” em exe-
cução de título judicial (art. 701, § 2º, do CPC/2015).96
96. Nesse sentido, STJ, REsp 337.683/ES, 4.ª T., j. 02.05.2002, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 10.03.2003, p. 226, Informativo nº 132.
97. No referido julgamento, foi decidido que “Tem eficácia executiva a sentença declaratória
que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica
ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até
porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena
de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente.” (STJ,
REsp 588.202/PR, 1ªT., j. 10.02.2004, rel Min. Teori Albino Zavascki, DJ 25.02.2004).
98. Segundo Sérgio Seiji Shimura, “para superar divergências doutrinárias, o NCPC alude à
decisão judicial que reconhece a exigibilidade, deixando de lado a locução reconheça
a existência da obrigação. Com efeito, a expressão ‘exigibilidade’ confere mais força e se
apresenta mais rente à executividade do título, visto que a obrigação exigível engloba e
pressupõe a existência da dívida. Outrossim, fica mais nítida a intenção do legislador de
deixar positivado e superar a discussão a respeito de a sentença ‘meramente’ declaratória
se constituir em título executivo. Dessa forma, se a decisão, após amplo contraditório, reco-
nhecer a obrigação das partes, definindo e fixando o tipo de obrigação, há título executivo
judicial (exemplo: na ação de revisão de cláusula contratual ajuizada pelo devedor, se a
decisão, após regular contraditório, vier excluir determinado valor e fixar o montante devido,
tal pronunciamento configura título executivo a favor do réu, credor).” (Breves comentários
ao novo código de processo civil. Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.].
2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 1393 e 1394).
Intervenção de Terceiros 523
que o réu em ação declaratória pode chamar ao processo as figuras referidas no art. 130
do CPC/2015, já que a sentença declaratória poderá valer como título executivo, nos
termos do mencionado art. 515.
99. Cf. Alexandre Freitas Câmara, “sendo o Código de Processo Civil o natural repositório das
normas gerais do direito processual civil, andou bem o texto legal em evitar que para ele se
trouxessem disposições que, na verdade, dizem respeito a outras áreas do conhecimento
jurídico (art. 133, §1º). É que os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica
devem ser estabelecidos pelo Direito Material, e não pelo Direito Processual, cabendo a este,
tão somente, regular o procedimento necessário para que se possa verificar – após amplo
contraditório – se é ou não caso de desconsiderar-se a personalidade jurídica, tendo-a por
ineficaz. Respeita-se, assim, o fato de que os diversos ramos do Direito Material estabelecem
requisitos distintos para que se desconsidere a personalidade jurídica, cabendo verificar, em
cada caso concreto, qual ramo do Direito Material que rege a causa.” (v. O novo processo
civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 95-96).
100. Para Marçal Justen Filho, a criação da personalidade jurídica é exemplo da noção de sanção
positiva proposta por Norberto Bobbio, isto é, a função promocional do direito, por meio
da qual o Estado incentiva os indivíduos atuantes em prol do novo. Como diz o autor, a
personificação jurídica “trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca
conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração
da riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afigura-se um resultado desejável não
em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso
cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa
não apenas aos particulares mas ao próprio Estado.” (v. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 49).
101. V. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC, de Letícia Arenal
e Silva e Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima: “A pessoa jurídica é uma ficção jurídica
524 Manual de Direito Processual Civil
Cumpre lembrar, entre nós, o art. 20, caput, do Código Civil de 1916 que dispunha:
“As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Esse texto punha
à evidência e demonstrava a manifesta distinção, decorrente de lei, entre pessoa jurídi-
ca e seus membros.
Embora revogado, sem dispositivo equivalente no Código Civil vigente, o princípio
dali extraído prevalece. A regra da autonomia entre a pessoa jurídica e pessoas físicas
que a compõem subsiste amplamente no sistema jurídico. A própria existência da des-
consideração da pessoa jurídica (especialmente no art. 50 do Código Civil e no art. 28
do Código de Defesa do Consumidor) pressupõe que essa configure uma realidade in-
confundível com a das pessoas que a compõe. 102-103
Dessa distinção, resulta que, em regra, o patrimônio da pessoa jurídica não respon-
de pelos deveres e obrigações contraídas pelas pessoas naturais que a integram e, igual-
mente, essas não respondem pelos atos daquela. No entanto, há situações que, como
explica João Casillo, essa distinção é “utilizada com o intuito de fugir às finalidades im-
postas pelo Direito”.104-105
Por meio de uma construção inicialmente jurisprudencial, notadamente no direito
estrangeiro, passou-se a admitir que essa personalidade jurídica fosse desconsiderada no
caso concreto. Aponta-se no direito norte-americano a primeira experiência nesse sen-
tido, em 1809, no caso Bank of The United States vs. Devenaux, quando, para fins de de-
finição de competência, foi considerada a cidadania estadual dos indivíduos que com-
punham a sociedade bancária, desconsiderando a pessoa jurídica do banco.
106. Sobre a evolução histórica e experiência no direito comparado, v. João Casillo, Desconsi-
deração da pessoa jurídica, p. 926-930; e J. Lamartine Corrêa de Oliveira, A dupla crise da
pessoa jurídica, São Paulo: Saraiva, 1979.
107. Menciona-se com destaque o caso Salomon vs. Salomon & Co. de 1897, no qual o comercian-
te Aaron Salomon constituiu uma Company junto com outros seis membros de sua família,
mas concentrando quase a totalidade das quotas em suas mãos. Com o passar do tempo, a
sociedade formada passou a atrasar os pagamentos, entrando em liquidação na sequência.
Um dos liquidantes, então, sustentou jurisdicionalmente que a empresa ainda era, na ver-
dade, a própria pessoa de Aaron Salomon, o que foi acolhido em 1ª instância, inaugurando
a disregard doctrine naquele país (v. Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da
personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12, Dez.1969).
108. V. Rolf Serick, Rechtsform und Realität Juristischer Personen: Ein rechtvergleichender Beitrag
zur Frage des Durchgriffs auf die Personen oder Gegestände hinter der juristischen Person.
Berlin, W. de Gruyter, Tübingen, J.C.B. Mohr, 1955, obra consultada em italiano Forma e
realtá della persona giuridica, trad. De Marco Vitale, Milano: Dott. A. Giuffrè, 1966.
109. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica no direito alemão v. J. Lamartine Corrêa
de Oliveira, A dupla crise da pessoa jurídica, São Paulo: Saraiva, 1979, p. 294 e ss.
526 Manual de Direito Processual Civil
110. Piero Verrucoli, Il Superamento della Personalità Giuridica dele Società di Capital nella
“Common Law” e nella “Civil law, Milano: Giuffrè, 1964, p. 195.
111. Cf. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista
dos Tribunais 410/12, Dez.1969. Essa obra, aliás, como o próprio autor noticia foi conside-
rada pela Comissão Revisora do Código Civil presidida por Miguel Reale, inspirando o então
art. 49 do anteprojeto, dispositivo hoje consagrado no art. 50 do Código Civil. (v. Rubens
Requião, Curso de direito comercial, vol. 1 São Paulo: Saraiva, 1986, p. 285).
112. V. O poder de controle na sociedade anônima, 3. ed. rev., atual. e corr., Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1983. Diz o autor: “A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada
é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa
corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois, em matéria empresarial, a
pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador,
que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o na prática, não se
vê bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra
puramente unilateral.”. (p. 343-344).
113. V. Marçal Justen Filho, Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro,
São Paulo: RT, 1987, p. 55.
114. Cf. Fábio Comparato, O poder de controle na sociedade anônima, 3. ed. rev., atual. e corr.,
Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 283.
Intervenção de Terceiros 527
115. A esse respeito, já decidiu o TJSP que não se cogita de desconsideração da personalidade
jurídica se a pessoa jurídica já foi desativada com sua dissolução e liquidação regular (Ag.
de Instrumento 2094200-09.2016.8.26.0000, 23ª C. de Dir. Priv., j. 13.07.2016, rel. Des.
José Marcos Marrone).
116. Seguindo a doutrina de Marçal Justen Filho, o correto para verificação da devida, ou inde-
vida aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é buscar, em cada
ramo do direito, como é que ela se dá (ou daria) para não se cometer qualquer espécie de
equívoco quanto aos princípios regentes respectivos. (v. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 100-101.
117. V. Teoria da desconsideração da pessoa jurídica In Soluções Práticas, vol.3, São Paulo: RT,
2011, p. 153 e ss.
118. A esse respeito, como diz Rubens Requião, “não se trata, é bom esclarecer, de considerar
ou declarar nula a personificação, mas torna-la ineficaz para determinados atos.” (Curso de
direito comercial, vol. 1 São Paulo: Saraiva, 1986, p. 283.
119. Veja-se o trabalho intitulado “O procedimento de desconsideração da personalidade jurídica
no novo código de processo civil: uma análise da interação entre as regras processuais e
materiais do instituto”, de autoria de Bruno Dantas, Alexandre Reis Siqueira Freire e Leonardo
Albuquerque Marques, na obra coletiva O Novo Código de Processo Civil – Impactos na
Legislação Extgravagante e Interdisciplinar, São Paulo, Saraiva 2015, págs. 15-31.
528 Manual de Direito Processual Civil
em casos tais, terá sido desvirtuada. Na verdade, busca-se por intermédio da teoria da
despersonalização, uma solução justa, para os problemas decorrentes do uso abusivo
do instituto da pessoa jurídica, problemática comum à luz do princípio básico da dis-
tinção entre pessoa jurídica e seus membros componentes, bem como, da separação
patrimonial entre esses.
Somente, portanto, em casos excepcionais se pode superar a distinção patrimonial
entre a pessoa jurídica e as pessoas que a compõe.120-121-122 Portanto, ao aplicar-se a te-
oria da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se verificar atentamente, se
estão presentes os pressupostos reconhecidos pela doutrina como ensejadores de sua
aplicação, para, somente depois, em caso de resposta afirmativa, proceder-se à sua efe-
tiva aplicação, sempre com muita cautela.
No direito brasileiro e, sobretudo, para fins de compreensão do fenômeno no âm-
bito processual, destacam-se dois dispositivos: os já referidos arts. 50 do Código Civil e
28 do Código de Defesa do Consumidor. Além desses, existem outras hipóteses, como,
v.g., em situações afetas ao direito ambiental, 123 tributário e trabalhista.
Segundo o art. 50 do Código Civil para fins de desconsideração da personalidade
jurídica impõe-se a observância concreta de abuso da personalidade jurídica124 que se
120. Essa á posição, aliás, consolidada no Superior Tribunal de Justiça: STJ, REsp 1.493.071/SP, 3ª
T. 24.05.2016, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 31.05.2016.; STJ, REsp 1.311.857/RJ,
3ª T., j. 13.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.06.2014; STJ, AgRg no REsp 1.378.736/
SC, 2ª T., j. 22.04.2014, rel. Min. Humberto Martins, DJe 05.05.2014; STJ, REsp 1.346.464/
SP, 3ª T., j. 01.10.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.10.2013; STJ, REsp 1.199.211/SP,
3ª T., j. 28.02.2012, rel. p. acórdão Min. Massami Uyeda, DJe 06.06.2012.
121. Já em 1969, Rubens Requião assim alertava: “Quando propugnamos pela divulgação da
doutrina da desconsideração da pessoa jurídica em nosso direito, o fazemos invocando
aquelas mesmas cautelas e zelos de que a revestem os juízes norte-americanos, pois sua
aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem
a impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consumação.” (v. Abuso de direito e
fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12,
Dez.1969).
122. Cf. Luciano Amaro, “a desconsideração da pessoa jurídica é uma técnica casuística.”. (v.
Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito
do Consumidor, RDC 5/1993, Jan.1993).
123. Por exemplo, é a possibilidade disposta na Lei nº 9.605/1998, cujo art. 4º admite que “po-
derá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”.
124. Na doutrina, v. Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica
(disregard doctrine), Revista dos Tribunais 410/12, Dez.1969; Ernesto Lopes Ramos: Des-
consideração da personalidade jurídica, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 1995, p. 511); Marçal Justen Filho, Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p. 119-126; Bruno Garcia Redondo,
Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais e processuais civis In obra
coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil desafios e perspectivas, São
Paulo: Atlas, 2012, p. 109-110; e Daniel Monteiro Peixoto, Desconsideração da persona-
lidade jurídica em matéria tributária, abuso de direito e conceitos jurídicos fundamentais,
Revista Tributária das Américas, vol. 7, Jan.2013.
Intervenção de Terceiros 529
125. Para Bruno Garcia Redondo, a confusão patrimonial se caracteriza “quando os sócios,
administradores ou associados utilizam, em proveito próprio, os bens e recursos da pessoa
jurídica, em verdadeira ‘promiscuidade’ entre os bens da sociedade e os de seus repre-
sentantes. Exemplos comuns de confusão patrimonial extraídos da prática forense são os
casos em que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso,
revelando a inexistência de distinção, no plano patrimonial, entre essas pessoas (o que
pode ser verificado, v.g., por meio da escrituração contábil ou da movimentação de contas
de depósito bancário), ou então quando bens de sócios estão registrados em nome da so-
ciedade, ou vice-versa.” (v. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais
e processuais civis In obra coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil
desafios e perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, p. 110-111).
126. Cf. Código do consumidor comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 1995.
530 Manual de Direito Processual Civil
poder se quem pratica o ato, em tese, encontra amparo no sistema jurídico para praticá-
-lo, mas ultrapassa os limites desse poder, prejudicando outrem, no caso o consumidor.
Por outro lado, para compreender os atos como infração à lei ou violadores dos estatutos
ou contrato social, devemos ter como premissa a interpretação da lei, do estatuto e do
contrato, de modo que a inobservância do ali contido passa não só pelo texto expres-
so, mas também pelo conteúdo e finalidades que dele são extraídas. Ademais, pratica o
fornecedor ato ilícito se seu ato for assim qualificado por qualquer lei. 127
Observamos, portanto, que entre as teorias adotadas pelo Código Civil e pelo Códi-
go de Defesa do Consumidor existe neste uma maior gama de hipóteses em comparação
àquele, tornando mais viável, na prática, a desconsideração. Por essa razão, chama-se a
teoria adotada pelo CC como teoria maior, por meio da qual é mais difícil a caracteriza-
ção da hipótese de desconsideração, e a do CDC como teoria menor. 128-129
No entanto, em que pese o reconhecido avanço da doutrina da desconsideração,
inexistia na legislação brasileira, até a promulgação do CPC/2015, qualquer regulamen-
tação a respeito do procedimento que deveria ser seguido para desconsiderar a perso-
nalidade jurídica.
Essa lacuna no ordenamento era objeto de preocupação, dado que a aplicação do
instituto se dava de forma casuística, em trâmites dos mais diversos. Isso resultava, por
vezes, na desmedida ou inadequada aplicação do instituto e em prejuízos de diferentes
ordens, desde a inviabilização do efetivo ressarcimento de credores até a inobservância
concreta do devido processo legal e do contraditório na privação de bens de terceiros.130
127. A esse respeito, v. Rizzato Nunes, Comentários ao código de defesa do consumidor, 8. ed.
rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 468 e ss.; Luciano Amaro, Desconsideração
da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor,
RDC5/1993, Jan.1993; e também Ernesto Lopes Ramos, Desconsideração da personalidade
jurídica, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1995,
p. 487 e ss.
128. V. nosso Novo contencioso cível no CPC/2015, São Paulo: RT, 2016, p. 109-111; Bruno
Garcia Redondo, Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos materiais e proces-
suais civis In obra coordenada por Sílvio Venosa e outros 10 anos do Código Civil desafios
e perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012, p. 107-111); Flávio Tartuce, O novo CPC e o direito
civil, Rio de Janeiro: Gen-Método, 2015 e Letícia Arenal e Silva e Marcelo Chiavassa de
Mello Paula Lima, Incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC,
In Thereza Alvim [et. al] O Novo Código de Processo Civil Brasileiro – Estudos dirigidos:
Sistematização e Procedimentos, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 207-210.
129. Essa é também a terminologia adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, por exem-
plo: STJ, AgRg no AREsp 679.682/SP, 3ª T., j. 23.06.2016, rel. Min. Moura Ribeiro, DJe
01.07.2016; STJ, REsp 1.486.478/PR, 3ª T., j. 05.04.2016, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseve-
rino, DJe 28.04.2016; STJ, REsp 1.111.153/RJ, j. 06.12.2012, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 04.02.2013; e STJ, REsp 1.200.850/SP, 3ª T., j. 04.11.2010, rel. Min. Massami Uyeda,
DJe 22.11.2010.
130. Sobre as dificuldades resultantes da ausência de procedimento legal e específico, v. Ale-
xandre Freitas Câmara: “Importante, ainda, é registrar que este incidente vem assegurar o
pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à descon-
sideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente o que se via
Intervenção de Terceiros 531
Não à toa, já em 2008, foi proposto o Projeto de Lei nº 3.401/2008 na Câmara dos De-
putados objetivando regulamentar o procedimento de desconsideração.131
É grande, portanto, o mérito do CPC/2015 em ter regulamentado, de forma minu-
ciosa, um procedimento (arts. 133 a 137) para a desconsideração da personalidade jurí-
dica ou inversa. 132 Ele deve ser necessariamente observado para tal finalidade, seja pelas
próprias razões que motivaram sua previsão na lei processual, seja porque o Código de
forma esparsa assim determina, como, v.g., ao prever a possibilidade de ajuizamento de
embargos de terceiro por quem vier a sofrer constrição judicial de seus bens por força
de desconsideração e não fizer parte do incidente (art. 674, § 2º, III) ou, de forma solar,
no art. 795, caput e § 4º: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas
da sociedade, senão nos casos previstos em lei.” e “Para a desconsideração da persona-
lidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.”.
133. Por exemplo: STJ, REsp 1.545.817/SP, 4ª T., j. 19.04.2016, rel. Min. Raul Araújo, DJe
27.05.2016; STJ, REsp 1.412.997/SP, 4ª T., j. 08.09.2015, rel. Min. Luís Felipe Salomão,
DJe 26.10.2015; STJ, AgRg na MC 24.127/SP, 4ª T., j. 07.05.2015, rel. Min. Marco Buzzi,
DJe 14.05.2015; STJ, AgRg no REsp 1.182.385/RS, 4ª T., j. 06.11.2014, rel. Min. Luís Felipe
Salomão, DJe 11.11.2014; e STJ, REsp 1.096.604/DF, 4ª T., j. 02.08.2012, rel. Min. Luís
Felipe Salomão, DJe 16.10.2012.
134. Cf Alexandre Freitas Câmara, “Essas anotações têm por fim permitir que terceiros, estranhos ao
processo, tomem conhecimento do fato de que está pendente o incidente, o que poderá levar
ao reconhecimento da responsabilidade patrimonial do requerido (seja ele sócio, no processo
em que a sociedade é demandada, seja a sociedade, no caso de desconsideração inversa).
Só assim se poderá viabilizar a incidência da regra extraída do art. 137, por força da qual as
alienações ou onerações de bens realizadas pelo requerido já poderão ser consideradas em
fraude de execução após a instauração do incidente. É que não se pode considerar fraudulento
o ato se seu beneficiário não tinha ao menos a capacidade de saber que o incidente estava
Intervenção de Terceiros 533
Sua instauração pode ser pleiteada pela parte interessada, ou pelo Ministério Públi-
co, nos casos em que lhe couber intervir no processo.
Feito o pedido de desconsideração é possível a rejeição liminar se lhe faltar aptidão
para o processamento da desconsideração, seja porque este apresenta defeitos ou irre-
gularidades, seja porque há manifesta ilegitimidade daqueles cujo patrimônio se bus-
ca (art. 134, § 4º, do CPC/2015), como, v.g., se for requerida a desconsideração para
responsabilizar pessoas que não compõe os quadros da sociedade. Nessas hipóteses,
deve o juiz determinar a emenda ou a complementação do requerimento (art. 321 do
CPC/2015). Se não cumprida a diligência, deve o requerimento ser rejeitado com a con-
sequente inadmissão do incidente por meio de decisão interlocutória, da qual caberá
recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC/2015). 135
Admitido o processamento do incidente, será determinada a citação do sócio para
se manifestar e requerer a produção das provas que entender pertinentes no prazo de
quinze dias (art. 135 do CPC/2015). Efetuada a citação, o sujeito, cujo patrimônio se
busca atingir, terá oportunidade para se defender de alegações de fraude, desvio patri-
monial etc., que, no entender do requerente deveriam levar à desconsideração da per-
sonalidade jurídica.
Cumpre-nos dizer, também, que, apesar de não existir previsão legal expressa a res-
peito, a não apresentação de defesa, produz efeitos equivalentes ao da revelia, sendo con-
siderados verdadeiros os fatos afirmados pelo requerente a respeito da desconsideração.136
É interessante notar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídi-
ca provoca verdadeira intervenção de terceiro no feito que, a partir do momento em que
for citado passa a ser parte no processo. Não por outra razão é que mereceu, a matéria,
regulamentação, no CPC/2015, entre os capítulos que compõem o título relativo à in-
tervenção de terceiros.
Nessa linha de raciocínio, vale dizer que os efeitos das decisões proferidas no inci-
dente somente podem alcançar o sócio ou a pessoa jurídica, respeitado o contraditório,
tal como deflui do sistema e vem expresso no art. 135 do CPC/2015. Assim, integram
ambos a relação processual.
Apresentadas as alegações do sócio, será feita a produção das provas necessárias.137
A princípio, o ônus da prova é atribuição de quem requereu a medida, mas nada im-
pede que se proceda sua inversão ou dinamização, nos termos do art. 373, §1º, do
CPC/2015. 138
Produzidas as provas, o juiz resolverá o incidente por meio de decisão interlocutória
(art. 136 do CPC/2015), contra a qual será cabível o recurso de agravo de instrumento
(art. 1.015, IV, do CPC/2015). Se, todavia, o incidente tramitar no tribunal, a compe-
tência para apreciá-lo, como vimos, é do relator, cuja decisão será recorrível por agravo
interno (art. 136, parágrafo único, do CPC/2015).
É relevante notarmos a possibilidade do requerimento de tutela de urgência ou evi-
dência junto ao pedido de desconsideração, cujos pressupostos para a concessão da
medida deverão ser avaliados nesse contexto. Assim, para a tutela de urgência, deverá
o magistrado avaliar se são prováveis os fundamentos de direito, bem como se há perigo
de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC/2015), circunstâncias
que justificam negar concretamente os efeitos da personalidade jurídica. Do mesmo
modo, para a concessão da tutela de evidência, deverá avaliar se as hipóteses dos incisos
do art. 311 estão caracterizadas, como, v.g., no caso em que o requerente da medida fi-
zer prova documental suficiente da confusão patrimonial e contra essa o requerido não
oponha prova apta a gerar dúvida razoável (art. 311, IV, do CPC/2015 e art. 50 do CC).
No processo principal, embora este fique suspenso enquanto tramitar o inciden-
te (art. 134, § 3º, do CPC/2015), poderá ser requerida a tutela provisória de urgência,
já que atos dessa natureza podem ser realizados durante a suspensão do feito (art. 314
do CPC/2015).
Assim, como dissemos, o procedimento dos arts. 133 a 137 do CPC/2015 deve ser
necessariamente observado.
139. v. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito pro-
cessual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol. 1, 56. ed. ver., atual.
e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 398.
140. A exemplo, v.: STJ, AgRg no AREsp 792.920/MT, 3ª T., j. 04.02.2016, rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, DJe 11.02.2016; STJ, REsp 1.549.478/PR, 2ª T. j. 03.09.2015, rel. Min Herman
Benjamin, DJe 10.11.2015; STJ, REsp 1.236.916/RS, 3ª T., j. 22.10.2013, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 28.10.2013 e STJ, REsp 948.117/MS, 3ª T., j. 22.06.2010, rel. Min. Nancy An-
drighi, DJe 03.08.2010.
141. Cf. Luís Alberto Reichelt, A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo
código de processo civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor, Revista de
536 Manual de Direito Processual Civil
É relevante notarmos que não se trata de anulação das alienações ou onerações, elas
apenas não terão o condão de prejudicar o requerente, de modo que, ainda que os bens
permaneçam no patrimônio do terceiro adquirente, poderão ser atingidos pela execu-
ção forçada. Trata-se, assim, de nítido caso de responsabilidade patrimonial de sujeito
que não é devedor (art. 790, VII, do CPC/2015).
12.6. Amicus Curiae
12.6.1. Noções gerais sobre o amicus curiae
Embora a intervenção do amicus curiae, ou “amigo da corte”, não seja novidade no
direito brasileiro, o CPC/2015 foi o primeiro diploma legal a tratar expressamente e de
forma generalizada desta modalidade de intervenção de terceiros142. Dessa forma, dispõe
o art. 138 que: “O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade
do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se,
solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especia-
lizada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.”
Mesmo antes do CPC/2015, a figura amicus curiae já estava presente na legislação
esparsa. A título de exemplo, destaca-se a intervenção nas ações do controle concentra-
do de constitucionalidade, em especial no § 2º, art. 7º da Lei 9.868/99, que trata da ação
direta de inconstitucionalidade. Admitia-se também a intervenção do amicus curiae na
ação declaratória de constitucionalidade (art. 20, § 1º da Lei 9.868/99) e na arguição
de descumprimento de preceito fundamental (art. 6º, § 2º da Lei 9.882/99), sendo que
já se observava a relevância da matéria, sendo necessária a representatividade adequada.
Não estabelece, porém, a lei, a indicação exata daquele que deve figurar como amicus
curiae, estando ampliada a possibilidade a todos que, no caso concreto, tiverem condi-
ções de participar da formação da convicção do julgador ou do tribunal. 143
Direito do Consumidor, vol. 98, p. 249, Mar.2015: “Um dos grandes riscos à efetividade da
desconsideração da personalidade jurídica é o de esvaziamento do patrimônio dos bens do
sócio ou pessoa jurídica contra quem se pretende redirecionar o processo. Buscando coibir a
prática de condutas tendentes a esse indesejável resultado, dispôs o art. 137 que acolhido o
pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens, havia em fraude à execução,
será ineficaz em relação ao requerente. [...] Como se vê, criou-se dinâmica na qual o aco-
lhimento do pleito de desconsideração da personalidade jurídica produz efeitos de maneira
retroativa, de modo que a alienação de bens do sócio ou da pessoa jurídica em face da qual
se busca a responsabilização, quando realizada após a citação do réu que se pretende tenha
sua personalidade jurídica desconsiderada, não operará qualquer efeito perante o autor.”.
142. A resolução n. 390 de 2004 do Conselho da Justiça Federal fez referência expressa ao ami-
cus curiae, dispondo o art. 23, § 1º que: “As partes poderão apresentar memoriais e fazer
sustentação oral por dez minutos, prorrogáveis por até mais dez, a critério do presidente.
§ 1º O mesmo se permite a eventuais interessados, a entidades de classe, associações, orga-
nizações não-governamentais, etc., na função de “amicus curiae”, cabendo ao presidente
decidir sobre o tempo de sustentação oral.”
143. Nesse sentido, v. Fredie. Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 522.
Intervenção de Terceiros 537
144. “Art. 31 – Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competên-
cia da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer
parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.”
145. Tal previsão já advinha da Lei 8.884/94, em seu art. 89.
146. O próprio Supremo Tribunal Federal já tratou por assistente simples aquele terceiro que é
admitido nos autos para promover a pluralização do debate e influenciar na construção da
decisão judicial, sem qualquer interesse jurídico direito ou indireto na lide a ser julgada.
É o caso, v.g., da Questão de Ordem no RE 550.769-6/RJ, j. 28.02.2008, rel. Min. Joaquim
Barbosa.
538 Manual de Direito Processual Civil
cional, ou seja, as entidades públicas podem ser afetadas economicamente pela decisão
do processo em que intervêm, tendo, portanto, interesse no julgamento do caso em si.
O amicus curiae, por outro lado, não pode ter sua esfera jurídica atingida sequer indire-
tamente, interessando a ele a formação da tese jurídica que será adotada pela decisão.
Além disso, a intervenção das entidades de que trata a lei 9.469/97, quando por
elas interposto recurso, leva à alteração de competência, eis que, como já observamos,
a partir da interposição passam a ser consideradas pela lei como partes do processo,
afastando-se ainda mais do amicus curiae, que é terceiro, mesmo após ser deferido seu
ingresso no feito. Aliás, a própria previsão de legitimidade recursal às entidades as afas-
ta da figura do amicus curiae, já que para esta não há tal previsão expressa (art. 138 do
CPC/15). A Lei 9.469/97 trata, em verdade, de modalidade anômala de ingresso de en-
tidade pública no processo. 147
O CPC/2015, como já observamos, é o primeiro diploma legal brasileiro que traz a
intervenção do amicus curiae no processo civil como um instituto, isto é, com campo de
aplicação a qualquer caso, independentemente da natureza da ação, deixando de estar
restrito apenas às hipóteses expressamente previstas pela legislação anterior ao CPC/15,
como naquelas em que se discute o direito de concorrência, as questões afetas à CVM
ou se exerce o controle de constitucionalidade, e outras hipóteses.
Os amici curiae são admitidos no processo para prestar informações ou esclareci-
mentos ao juízo singular ou colegiado, quando em discussão matéria relevante, que
transcenda o interesse particular dos litigantes, com o intuito claro de influenciar o jul-
gador na construção de sua decisão. A função dos amici curiae se pode relacionar tanto
aos fatos, quanto ao próprio embasamento jurídico de que se valerá o magistrado para
julgar a causa.
Sua intervenção se justifica por evidenciar valores sociais, enriquecendo o contra-
ditório, não bastando ao atingimento da decisão mais acertada que ouvir-se tão somen-
te as partes litigantes. Nessa exata medida, questões relevantes passam a ser dialogadas
com a sociedade e não apenas com as partes do processo, admitindo-se, para tanto, a
intervenção do amicus curiae. 148-149
Sua intervenção, além disso, pode ocorrer em qualquer processo, independentemen-
te do rito processual ou mesmo da fase em que se encontra o feito, desde que ainda seja
147. Em igual sentido: Fredie. Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 532.
148. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae e a Evolução do Direito Processual Civil Brasileiro
in Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; Teresa Arruda Alvim Wambier (organizadores). O
Processo em Perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. 1ª Ed. São Paulo: RT,
2013, p. 128.
149. Carlos Del Prá, também nesse sentido, destaca a necessidade de que se supere a limitação
em qualquer julgamento, que é a impossibilidade de que o julgador absorva todas as variadas
concepções existentes acerca da matéria a ser julgada, de modo que o amicus curiae vem,
realmente, a contribuir com a construção da decisão judicial mais afinada com a realidade
social. (O princípio do Máximo Rendimento: amicus curiae e audiências públicas in Revista
de Processo. Vol. 224, São Paulo: RT, out/2013, p. 77).
Intervenção de Terceiros 539
útil ao juízo a contribuição que puder prestar o amicus curiae, esbarrando somente na
limitação lógica para o momento de intervenção. Este é o da prolação da decisão, já que
sendo o amicus curiae, efetivamente, aquele que busca influenciar a formação da deci-
são, após esta, perde sentido a sua intervenção. É, aliás, o que já vinha sendo entendido
pelo Supremo Tribunal Federal,150 no sentido de que só se admite o ingresso de amicus
curiae até o momento em que o relator do processo o encaminha à mesa de julgamento.
Tal entendimento, parece-nos, deverá ser seguido pelos demais tribunais e juízos singu-
lares, já que seria inócuo o deferimento de intervenção posterior à prolação da decisão.
Diante disso, proferida a sentença, só poderá haver ingresso de amicus curiae após
deferimento, pelo relator, do recurso de apelação eventualmente interposto pela parte
sucumbente e, de igual modo, remetidos os autos à mesa de julgamento do tribunal lo-
cal, isto é, quando já houver sido proferido o voto do relator, só poderá haver ingres-
so de amicus curiae perante os tribunais superiores, caso haja interposição de recursos
excepcionais.
Ressalva devemos fazer, contudo, com relação à possibilidade de oposição de embar-
gos de declaração contra a sentença ou acórdão (cf. arts. 1.022 e seguintes do CPC/15),
ou interposição de agravo interno, em caso de julgamento monocrático pelo relator
(art. 1.021 do CPC/15). Em casos tais, já teria sido proferida a decisão, mas restariam
questões a serem corrigidas, seja em razão da omissão, da contradição ou da obscuridade.
Não devemos descartar, de plano, a possibilidade de ingresso do amicus curiae nes-
se momento processual, em que pendem de julgamento os embargos de declaração ou
o agravo interno, já que decisão deverá ser proferida, em complemento à primeira, de
tal forma que no caso concreto será possível verificar a necessidade de que se prestem
informações fáticas ou se defenda tese de interesse do terceiro.
Além disso, quando se tratar de julgamento colegiado, será possível a admissão de
amicus curiae quando houver pedido de vista por algum dos demais julgadores, já que
nesse caso o processo é retirado de pauta, sendo remetido novamente à mesa julgadora
após a análise do juiz (nos casos de colégios recursais dos juizados especiais) desem-
bargador ou ministro que tenha pedido vista dos autos.
150. Nesse sentido, v. RE 677.730/RS, j. 28.08.14, rel. Min. Gilmar Mendes, ao argumento de
que quando da liberação dos autos para inclusão em pauta de julgamento, a decisão já está
formada para o relator, perdendo relevância a intervenção do amicus curiae.
540 Manual de Direito Processual Civil
a questão debatida no processo, seja quanto aos fatos sobre os quais devem incidir as
normas, seja quanto à própria tese jurídica que se formará. É o caso, pois, do interesse
manifestado por renomado professor de biologia, especializado na fauna de certa loca-
lidade, quando em causa ação indenizatória movida contra certa sociedade empresária
a quem se reputa a responsabilidade pela morte de animais da localidade. Em tal hipó-
tese, parece ser de grande utilidade ao magistrado a admissão no processo do referido
professor, pois este poderá trazer esclarecimentos respeitantes à matéria controvertida.
Por outro lado, a hipótese de ingresso de pessoa jurídica em demanda alheia na
qualidade de amicus curiae torna imperativa a existência de pertinência temática entre
o interesse institucional da pessoa jurídica e a causa de pedir presente no processo, sem,
todavia, dizer respeito a direito propriamente seu, direto ou indireto. Isto é, a relação
deve ser com os objetivos institucionais da pessoa jurídica, e não com os direitos dela
própria,151 de tal forma que o julgamento não deve afetar as relações jurídicas do tercei-
ro direta ou indiretamente.
O amicus curiae, então, não tem interesse particular na lide, não busca que autor ou
réu sagrem-se vitoriosos, sendo ele imparcial (a ponto de se aplicar até mesmo regras
de suspeição e impedimento, previstas nos arts. 144 e seguintes do CPC/15).152 Busca,
o amicus curiae, apenas que a decisão se amolde àquilo que entende correto, com base
nos fins institucionais a que se dedica. Sua relação, portanto, é unicamente com a tese
jurídica, e não com a parte.
Atentemos, nesse particular, que se houver interesse jurídico próprio do terceiro, em
razão da influência da solução da lide na relação jurídica mantida entre ele e a parte que
assiste, eis que o resultado da demanda o atingirá faticamente e na sua esfera jurídica,
será impossível o deferimento de intervenção como amicus curiae. É dizer: em tais cir-
cunstâncias o terceiro terá interesse próprio em que autor ou réu saiam vitoriosos. Em
casos tais, por haver interesse jurídico do terceiro, deverá ele ingressar no feito na qua-
lidade de assistente simples.153
Questão que se põe, então, é se entes despersonalizados, como a massa falida, o es-
pólio ou o condomínio, apenas para citar alguns exemplos, a quem a lei confere capa-
cidade para estar em juízo (cf. art. 75 do CPC/15), podem ingressar em determinado
processo na qualidade de amicus curiae.
Parece-nos, que demonstrada na prática a existência de representatividade adequada,
por parte de ente despersonalizado, é possível sua admissão como amicus curiae, inexis-
tindo razão jurídica a se descartar, de plano, sua possível intervenção.
151. Nesse sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um
terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 147.
152. A esse respeito, cf. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro:
um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 534.
153. Sobre isso, também Antonio do Passo Cabral, Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus
curiae, um terceiro especial. Uma análise dos institutos interventivos similares – o amicus
e o vertreter des öffentflichen interesses. In. Revista de Processo. Vol. 117, São Paulo: RT,
set/2004, p. 15/16.
Intervenção de Terceiros 541
Verificamos, além disso, que sendo a intervenção do terceiro provocada pelas partes
ou solicitada pelo magistrado, não estará o terceiro obrigado a ingressar no feito como
amicus curiae, porquanto impõe a lei a cooperação de terceiros apenas em ocasiões pon-
tuais (cf. arts. 378 e 380 do CPC/2015), como no caso das testemunhas, além de ser
claro o caput do art. 138 do CPC/15 ao estabelecer que o juiz solicitará informações, e
não determinará que sejam prestadas. 154 Cabe ao terceiro que se vê chamado a processo
alheio, a fim de atuar como amicus curiae, analisar a viabilidade de seu ingresso, fazen-
do-o de acordo com a sua livre vontade.
Ingressando o terceiro no processo como amicus curiae, dispõe o § 1º do art. 138 do
CPC/15 que não haverá alteração de competência em razão da pessoa do amicus curiae,
de tal modo que mesmo passando, por exemplo, a Agência Nacional de Telecomunica-
ções (ANATEL) a atuar como amicus curiae em processo que se encontra pendente de
julgamento perante a Justiça Estadual, não haverá remessa dos autos à Justiça Federal,
a quem compete julgar ações em que seja autora, ré, assistente ou oponente autarquia fe-
deral em questão, na forma do art. 109, inciso I da Constituição Federal, o que se justi-
fica, pelo fato do amicus curiae não se enquadrar em qualquer dessas hipóteses.
154. Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al. (coor-
denadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015,
p. 444/445. V. também: Fábio Caldas de Araújo, Intervenção de Terceiros, São Paulo: Editores
Malheiros, 2015, p. 222.
155. Em sentido contrário, revendo o posicionamento adotado nas edições anteriores de sua
obra, passando a afirmar que o amicus curiae será parte no processo, Fredie Didier Jr., Curso
de Direito Processual Civil. 17ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 524.
156. Já nos debruçamos sobre o conceito de parte, cf. nosso Manual de Direito Processual Civil.
14ª Ed. São Paulo: RT, 2011, p. 547.
542 Manual de Direito Processual Civil
ao termo qualquer carga pejorativa, é claro) seu julgamento. Tal interesse, como já se
expôs, não é próprio – direto ou indireto – como os demais terceiros a quem a lei pro-
cessual confere a prerrogativa de ingressar em processo de outrem, mas institucional,
ligando-se apenas à tese jurídica que se formará no processo, e não aos efeitos práticos
da decisão, os quais atingem as partes.
157. V. Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al.
(coordenadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT,
2015, p. 441.
Intervenção de Terceiros 543
já presentes nos autos para a formação de sua convicção. De todo modo, é imprescin-
dível, em qualquer caso, que se oportunize às partes manifestarem-se sobre o ingresso.
Salientemos que quando requerido o ingresso pelo terceiro ou pelas próprias par-
tes, a literalidade do art. 138, caput do CPC/15 aponta para a conclusão de que não fica
o julgador vinculado ao seu deferimento, eis que é claro ao estabelecer que o juiz pode-
rá solicitar ou admitir o ingresso do amicus curiae.
Questionamos, todavia, se realmente se trata de facultatividade concedida ao julgador.
Muito embora o amicus curiae tenha a função de conceder melhores subsídios para a for-
mação da convicção quanto aos fatos e fundamentos presentes na demanda judicial, im-
pondo, a princípio, a conclusão de que só poderia intervir se o magistrado efetivamente
tivesse necessidade de esclarecimentos, certo é que sobre o juiz recai o dever de proferir
a melhor decisão possível, ou seja, deve buscar a decisão que melhor se amolde ao direi-
to. Se a intervenção do amicus curiae torna mais completo o contraditório, mais efetivo, é
possível dizermos que é dever do magistrado admiti-lo, como forma de guiar o julgamento
à justa conclusão, caso se faça presente algum dos requisitos objetivos em perspectiva, e
não haja relevante motivo, em sentido contrário, a justificar sua não admissão no processo.
Para que haja o indeferimento do pedido de ingresso do amicus curiae (por reque-
rimento deste terceiro ou das próprias partes), é necessário que o juízo indique o não
preenchimento dos requisitos elencados pelo art. 138 do CPC/15 (relevância da maté-
ria, repercussão social ou especificidade da matéria), ou a ausência de representativi-
dade adequada.
158. Cassio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae e a Evolução do Direito Processual Civil Brasileiro in
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes;Teresa Arruda Alvim Wambier (organizadores). O Processo
em Perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual. 1. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 129.
159. Entendendo pela inaplicabilidade do dispositivo: Eduardo Talamini, Comentários ao artigo
138 in Teresa Arruda Alvim Wambier, et al. (coordenadores). Breves Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 444.
160. Entendendo também pela recorribilidade da decisão que indefere o ingresso de amicus
curiae, ainda que sob a ótica da Lei 9.868/99 e antes da aprovação do texto do CPC/15:
Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, O princípio do Máximo Rendimento: amicus curiae e
audiências públicas in Revista de Processo. Vol. 224, São Paulo: RT, out/2013, p. 77.
Intervenção de Terceiros 545
164. A legitimidade do amicus curiae para realizar sustentação oral já havia sido reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das Questões de Ordem na ADI 2.675/PE
(rel. Min. Carlos Velloso) e na ADI 2.777/SP (rel. Min. Cezar Peluso), julgadas em 27.11.2003
(cf. Mendes, Gilmar Ferreira. Controle Abstrato de Constitucionalidade: comentários à Lei
9.868/99. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 241/242.
165. Tratando da importância da audiência pública no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade, indicando que em tal ato é oportunizado aos terceiros que prestem
esclarecimentos ao órgão judiciário, v. Anna Candida da Cunha Ferraz; Fernanda Dias
Menezes de Almeida. O Constitucionalismo Contemporâneo na Recente Jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal In Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 71.
São Paulo: RT, jun/2010, p. 22/23 e Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. Vol. 7,
São Paulo: RT, ago/2015, p. 331/332.
166. No mesmo sentido: Cassio Scarpinella Bueno, Novo Código de Processo Civil Anotado. 1ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 573.
Intervenção de Terceiros 547
demanda. De igual modo, não está ele inserido no elemento subjetivo da decisão judi-
cial, portanto, da coisa julgada, justamente por não ser parte.
Assim, o amicus curiae se encontra enquadrado no conceito de terceiros a que alude
o art. 506 do CPC/15, a ele não dizendo respeito a coisa julgada.168
168. Nesse sentido: Eduardo Talamini, Comentários ao artigo 138 in Wambier, Teresa Arruda
Alvim, et al. (coordenadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São
Paulo: RT, 2015, p. 445.
13
Atos processuais
2. O Código Civil de 2002 dispõe que “a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos,
quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (art. 5º, caput).
3. V. Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, Estatuto da
Pessoa com Deficiência Comentado artigo por artigo. Salvador: Jus Podivm, 2016. p. 43.
4. Neste sentido é a redação do art. 85 do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
5. Pertinente o destaque do pensamento de Maurício Requião, que destaca que: “A mudança
apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ater
a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que
venha ele a ser submetido ao regime da curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condi-
ção de incapaz.” (Maurício Requião, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e
Interdição. Coordenador Fredie Didier Jr. – Salvador:Juspodivm, 2016. p. 162).
Atos processuais 551
6. Exemplifica Teresa Arruda Alvim Wambier: “Assim ocorre, por exemplo, com uma sentença,
em que o juiz decide dois pedidos, que poderiam ter sido formulados em ações diversas.
A nulidade de um dos capítulos da sentença não prejudica a parte ‘boa’, que deve ser con-
servada, visto que da parte defeituosa não depende.” (Teresa Arruda Alvim Wambier et. al.
(coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo:
Ed. RT, 2016. p. 784).
552 Manual de Direito Processual Civil
qual procuramos sintetizar algumas das diversas correntes existentes na literatura mo-
derna e clássica, sem a pretensão, contudo, de esgotar o tema, tarefa que transbordaria
a finalidade deste trabalho.
Há considerável consenso na doutrina de que a classificação dos atos jurídicos pro-
cessuais sofre grande influência da classificação de ato jurídico da teoria geral do direi-
to, isto porque os atos do processo são espécies de ato jurídico.7 Assim, na medida em
que, na teoria geral do direito, ato jurídico é espécie de fato jurídico em sentido amplo,
devemos fixar o conceito de fato jurídico processual em sentido amplo.
De uma maneira geral, os processualistas conceituam fato jurídico processual como
aquele acontecimento, decorrente ou não da vontade humana, que produz efeito sobre
alguma relação processual.8 Fato jurídico processual, neste conceito, deve ser entendido
como fato jurídico processual em sentido amplo. Aqui convém esclarecermos que repu-
tamos que o fato jurídico processual em sentido amplo é o acontecimento que produz
ou tem aptidão para produzir algum efeito sobre alguma relação processual. Conforme
explicamos, poderá existir ato processual (espécie de fato jurídico processual) que po-
derá não ter eficácia em determinada relação processual, por não ter sido a ela levada,
como no caso da cláusula de eleição de foro ou convenção de arbitragem.
Há, salvo uma ou outra exceção, certo consenso na doutrina de que fato jurídico
processual em sentido estrito é o acontecimento da natureza que produz efeito na rela-
ção jurídica processual, tais como: a morte da parte, o atingimento de idade que enqua-
dre a parte no conceito de idoso etc.
Neste ponto, convém mencionar que há doutrinadores que não adotam esta classifi-
cação, pois entendem que os acontecimentos classificados como fatos jurídicos proces-
suais são exteriores ao processo e que por isso não podem sequer serem considerados
fatos jurídicos processuais, tornando sem sentido a expressão fatos jurídicos processu-
ais em sentido estrito. 9 Esses doutrinadores partem da premissa de que os fatos jurídi-
7. Alguns doutrinadores falam expressamente sobre essa influência da teoria geral do direito,
enquanto que, da leitura das obras de outros, essa influência se verifica de maneira implíci-
ta. Nesse sentido: Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm,
2016. pp. 44 e 45; Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero de
Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. pp. 476, 477 e 479; Araken de Assis, Processo
civil brasileiro: volume II: parte geral: institutos fundamentais: Tomo 1. São Paulo: Ed. RT,
2015. p. 1272; referindo-se a teoria geral do direito civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
de Andrade Ney. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 712.
8. Nesse sentido, afirma Carnelutti, “Os fatos processuais, por sua vez, são uma espécie de
fatos jurídicos, denotados pelo fato da mudança jurídica, que o fato produz, referir-se a uma
relação processual” (Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil, v. 1. Trad. Adrián
Sotero de Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 476).
9. Entre eles, está José Joaquim Calmon de Passos. Em suas palavras, “no processo, somente
atos são possíveis. Todos os acontecimentos naturais apontados como caracterizadores de
fatos jurídicos processuais são exteriores ao processo e, por força dessa exterioridade, não
podem ser tidos como fatos integrantes do processo, por conseguinte, fatos processuais”
(José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades
processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 64 e 65). Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Atos processuais 553
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero também entendem que os fatos que ocorrem fora do pro-
cesso não podem ser processuais, pois conceituam fatos jurídicos processuais como “os
acontecimentos da vida processual que acabam por criar, modificar ou extinguir situações
processuais e que possuem o processo como espaço próprio de ocorrência.” (Luiz Guilherme
Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. Novo curso de processo civil: tutela dos
direitos mediante procedimento comum. v. II. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2016, p. 115). Em sentido contrário, afirma Fredie Didier Jr., “Não há fato jurídico processual
que não se possa relacionar a algum processo (procedimento), mas há fatos jurídicos pro-
cessuais não integrantes da cadeia procedimental, desde que ocorridos enquanto pendente
o procedimento a que estejam relacionados ou se refiram a procedimento futuro.” (Fredie
Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral
e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 374).
10. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 45.
11. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49.
12. Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro.
In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord). Negócios Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, pp. 28 a 34.
13. Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. t. I,. 2ª ed. Rio da Janeiro: Borsoi,
1954, p. 83.
14. “Por sua vez, o ato-fato é, como se viu, um ato humano em que a vontade é irrelevante. Há,
no processo, atos-fatos. A revelia é um ato-fato. É irrelevante saber se o réu quis ou não deixar
de contestar.” (Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo
554 Manual de Direito Processual Civil
jurídicos processuais. Antonio do Passo Cabral rejeita essa espécie de fato jurídico
processual em sentido amplo. Em síntese, o autor afirma que o conceito de ato-fato
confunde intenção e vontade – o que, para ele, na seara do Direito Penal, há muito já
foi distinguido –, e, com isso, parece desconsiderar que a vontade está presente nos
atos jurídicos em geral, inclusive os processuais, além de entender que a vontade ser
desconsiderada, porque irrelevante, vai contra o CPC/2015, que adota a sistemática
de cooperação, boa-fé e o regramento formal, que exigem a consideração da vonta-
de do sujeito.15 Além disso, o referido jurista também afirma que há uma incoerência
na adoção do ato-fato, isto porque, segundo ele, ato-fato não admite desfazimento,
o que torna a categoria contraditória às teses mais contemporâneas sobre preclusão,
que admitem a superação da preclusão se ficar comprovado que a omissão não era
imputável à parte.16
A discussão respeitante ao conceito de ato processual é ainda maior que a discus-
são sobre a existência ou não de atos-fatos jurídicos processuais. Contudo, é pacífico
que o ato jurídico processual será sempre humano e deverá produzir efeitos na relação
jurídica processual. Neste passo, ressaltamos que, para nós, o ato processual poderá
produzir efeitos no processo ou então ter apenas aptidão para tanto. Sobre esse concei-
to, a doutrina diverge nos seguintes pontos: 1º) na necessidade do ato ser praticado ou
não em sede processual ou ainda, caso praticado fora do processo, se deve ou não ser
levado a ele; 2º) na necessidade do ato praticado ser ou não praticado por sujeitos da
relação processual; 3º) e na necessidade ou não do ato ser praticado no processo pelos
sujeitos processuais.17
civil brasileiro. In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord.). Negócios
Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 33).
15. Em suas palavras, “Em nosso sentir, trata-se de uma categoria doutrinária estranha, com
nomenclatura confusa, e que parte de premissas, com a devida vênia, antiquadas. De um
lado, parece esquecer que a vontade é um elemento presente nos atos jurídicos em geral e
também nos processuais... Além disso, o conceito de ato-fato confunde vontade e intenção...
No direito penal, e.g., há muito já se distingue entre vontade e intenção... Pregar contra a
vontade nos atos processuais, ou imaginar que, aqui e ali, arbitrariamente, a vontade possa
e deva ser ‘desconsiderada’ porque ‘irrelevante’ parece-nos um fragmento teórico não
consentâneo com o Direito do séc. XXI e que contraria o sistema do CPC/2015, em que a
cooperação, a boa-fé e o respeito ao autorregramento formal exigem consideração da von-
tade dos agentes.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm,
2016. pp. 45 e 46, nota de rodapé n. 10).
16. Para o autor, “No mais, não se diga que o ato-fato não admite desfazimento porque nele a
vontade seria irrelevante. Tomemos a perda de um prazo, ou a falta de preparo, constante-
mente referida pelos defensores do ato-fato: as mais contemporâneas teses sobre a preclusão
admitem a superação da preclusão se ficar comprovado que a omissão não era imputável
à parte. Se o preparo não foi realizado porque o expediente bancário já tinha se encerrado
no último dia do prazo, p.ex., o juiz pode superar a preclusão, desfazendo-lhe os efeitos,
em atenção à vontade real do litigante.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 46, nota de rodapé n. 10).
17. Pedro Henrique Nogueira e Fredie Didier Jr. resumem, em parte, a controvérsia, nos se-
guintes termos: “pode-se arrumar a divergência doutrinária em quatro correntes: a) alguns
entendem que é suficiente o produzir efeitos no processo para que o ato seja havido como
Atos processuais 555
Entre os juristas que entendem que o ato jurídico, para ser também processual, deve
ser praticado no bojo do processo podemos citar Cândido Rangel Dinamarco,18 Hum-
berto Theodoro Júnior19 e José Joaquim Calmon de Passos20. De outro lado, entendendo
que é irrelevante a circunstância de o ato jurídico ser praticado dentro ou fora do pro-
cesso para que seja considerado um ato jurídico processual,, estão, entre outros, Fran-
cesco Carnelutti,21 Antonio do Passo Cabral,22 e Fredie Didier Júnior.23
processual; b) há quem o vincule aos sujeitos da relação processual: apenas o ato por eles
praticado poderia ter o qualificativo de processual; c) há também os que exigem tenha sido
o ato praticado no processo, atribuindo à sede do ato especial relevo; d) há quem entenda
que ato processual é o praticado no procedimento pelos sujeitos processuais (conceito mais
amplo do que o de sujeitos da relação processual)”. (Pedro Henrique Pedrosa Nogueira e
Fredie Didier Jr. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
p. 31).
18. Cândido Rangel Dinamarco conceitua ato jurídico processual como “conduta humana vo-
luntária, realizada no processo por um dos seus sujeitos e dotada da capacidade de produzir
efeitos sobre este.” (Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. v. II.
São Paulo: Malheiros, 2001. p. 470). Aqui convém adiantarmos que possivelmente o autor
altere seu conceito de atos jurídicos processuais, considerando que nesta obra ele descon-
siderava a existência de negócios jurídicos processuais e que em obra mais recente (Teoria
geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 187) ele admite a existência.
19. Humberto Theodoro Júnior afirma que para “ter-se ato processual, em sentido próprio, é
necessário que o ato tenha sido praticado no processo, com efeito imediato sobre ele, e
que, ainda, somente possa ser praticado no processo.” (Humberto Theodoro Júnior. Curso de
Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum. v.. I. 56 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 462).
20. Segundo José Joaquim Calmon de Passos, “Atos processuais, por conseguinte, são os atos
jurídicos praticados no processo pelos sujeitos da relação processual ou pelos sujeitos do
processo, capazes de produzir efeitos processuais e que só no processo podem ser prati-
cados” (José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma Teoria das Nulidades Aplicadas às
Nulidades Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p 53).
21. Francesco Carnelutti afirma que “Ato processual, por sua vez, é uma espécie de ato jurídico,
denotada pelo caráter processual da mudança jurídica, em que se resolve a juridicidade do
fato, isto é, o efeito jurídico do fato material. Considerando esse critério, para estabelecer
a qualidade processual de um ato jurídico é necessário determinar se é ou não processual
a relação jurídica que resulta constituída, substituída ou modificada pelo ato. Portanto, a
processualidade do ato não se deve ao seu cumprimento no processo, mas a seu valor para
o processo. Assim ocorre que um ato realizado fora do processo pode ser processual (por
exemplo, o compromisso ou a convenção relativa à competência) e, vice-versa, um ato rea-
lizado no processo pode não ser processual (por exemplo, a renúncia ou o reconhecimento
da pretensão).” (Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. v. 1. Trad. Adrián Sotero
de Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 477).
22. Para Antonio do Passo Cabral, “O ato processual, portanto, é o ato jurídico que produz ou
é apto a produzir efeitos no processo.” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 48).
23. Segundo Fredie Didier Jr., “Todo ato humano que uma norma processual tenha como apto
a produzir efeitos jurídicos em uma relação jurídica processual pode ser considerado como
um ato processual. Esse ato pode ser praticado durante o itinerário do procedimento ou
fora do processo. A “sede” do ato é irrelevante para caracterizá-lo como processual. Nessa
acepção, reconhecidamente ampla, são atos processuais a sentença e o consentimento do
556 Manual de Direito Processual Civil
Dinamarco entende que é necessário que o ato seja praticado no processo, uma vez
que a prática de um ato processual só pode ser realizada por aquele que figure na relação
processual. Ou seja, ele entende que, para um sujeito poder praticar um ato jurídico que
afete determinada relação jurídica, este sujeito deve estar inserido nela. 24
Francesco Carnelutti não vislumbra relevância no critério da sede do ato jurídico
para considerá-lo processual, bastando o fato da “mudança jurídica, que o fato produz,
referir-se a uma relação processual”.25 De forma parecida Fredie Didier Jr., mencionan-
do a existência de divergência de entendimentos, afirma que, “como se trata de discus-
são doutrinária, não há concepção certa ou errada”,26 adotando o conceito que leva em
consideração apenas a produção de efeitos no processo, por lhe parecer resolver a maio-
ria dos problemas sobre o tema. Antonio do Passo Cabral também reconhece a diver-
gência doutrinária e adota o critério da produção ou aptidão para produção de efeitos
na relação jurídica processual.27
Os mencionados juristas, que falam em ato jurídico processual como apenas aquele
ato jurídico praticado no bojo do processo e que produza efeito na relação jurídica pro-
cessual, não falam em ato jurídico processual em sentido amplo, provavelmente porque
não consideram espécies de atos jurídicos processuais.
Antonio do Passo Cabral, por sua vez, entende que os atos jurídicos processuais em
sentido amplo podem ser de duas espécies, que são os atos jurídicos processuais em sen-
tido estrito e os negócios jurídicos. O que, para ele, difere uma espécie da outra é a pos-
sibilidade da vontade do agente definir os efeitos do ato. Em suas palavras, “Enquanto
nos atos processuais em sentido estrito, a vontade do agente é considerada na escolha
entre praticar ou não o ato, não controlando, todavia, seu conteúdo eficacial, nos ne-
cônjuge (art. 73, CPC; art. 1.647, Código Civil), a citação e a transação extrajudicial para
encerramento do processo, a ouvida de uma testemunha e a outorga de uma procuração
judicial etc.” (Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito pro-
cessual civil, parte geral e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm,
2015. p. 374).
24. É o que se extrai do seguinte trecho: “Todos os atos do processo são atos dos sujeitos pro-
cessuais. Essa é uma decorrência natural da condição de sujeitos, uma vez que, perante o
direito em geral, só o é quem figura na relação jurídica, tendo qualidade para realizar os
atos inerentes a ela. Assim como só pode vender aquele que seja dominus e só exercem o
pátrio-poder os genitores, só realizam atos processuais os sujeitos do processo.” (Cândido
Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001.
p. 467). Como já havíamos ressalvado, possivelmente o autor altere seu conceito de atos
jurídicos processuais, considerando que na obra Teoria geral do novo processo civil ele
admite a existência de negócios jurídicos processuais, o que poderá fazê-lo reformular a
sua classificação de atos jurídicos processuais.
25. Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero de Witt Batista. São
Paulo: Classic Book, 2000. p. 477
26. Fredie Didier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 373.
27. Para Antonio do Passo Cabral, “O ato processual, portanto, é o ato jurídico que produz ou
é apto a produzir efeitos no processo” (Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 48).
Atos processuais 557
gócios jurídicos processuais a vontade é relevante tanto na opção por praticar ou não o
ato como na definição dos seus efeitos.”.28 Fredie Didier Jr. também adota o gênero ato
jurídico processual em sentido amplo.29 Conforme já mencionado, Antonio do Passo
Cabral e Leonardo Carneiro da Cunha divergem na existência ou não de ato-fato jurídi-
co processual, sendo que este entende que existe, 30 enquanto aquele entende que não.
Em obras anteriores à vigência do CPC/2015, Cândido Rangel Dinamarco negava
existência de negócios jurídicos processuais e, diante disso, não apresentava em sua
classificação a divisão mencionada acima.31 Contudo, diante da previsão constante do
art. 190 do CPC/2015, que veio a admitir expressamente os negócios jurídicos no âm-
bito processual, já indicou o autor, em recente obra, que a modificação legislativa tor-
nou viável a existência dos negócios jurídicos processuais,32 o que poderá levá-lo a re-
formular sua classificação.
28. Antonio do Passo Cabral. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49. No
mesmo sentido, afirma Leonardo Carneiro da Cunha: “Já os atos processuais em sentido
estrito são manifestações ou declarações de vontade em que a parte não tem qualquer mar-
gem de escolha da categoria jurídica ou da estruturação do conteúdo eficacial da respectiva
situação jurídica. São em geral, atos de conhecimento ou de comunicação, como, por
exemplo, a citação, a intimação, a confissão e a penhoras.” (Leonardo Carneiro da Cunha.
In: Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira (Coord.). Negócios Processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015. p. 34).
29. “Há os atos jurídicos processuais em sentido estrito, como a citação, a atribuição de valor à
causa, a juntada de documentos, a penhora, a confissão, a intimação etc.” (Fredie Didier Jr.
Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo
de conhecimento. v. 1. 17 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 375). Em relação a Leonardo
Carneiro da Cunha, ver nota de rodapé n. 14, retro.
30. Fredie Didier Jr. também entende que existem atos-fatos jurídicos processuais. Fredie Di-
dier Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. v. 1. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 375.
31. Em suas palavras, “E forte a doutrina, na negativa da existência de negócios jurídicos pro-
cessuais. Incluir-se-iam nessa categoria os acordos quanto à competência, os direcionados
à modificação da distribuição do ônus da prova (CPC, art. 333, par.) ou mesmo a convenção
arbitral (lei n. 9.307, de 23.9.96 – Lei da Arbitragem – art. 3º e art. 19, par.)? Deve prevalecer
a resposta negativa, porque o processo em si mesmo não é um contrato ou negócio jurídico
(supra, n. 387) e em seu âmbito inexiste o primado da autonomia da vontade: a lei permite
a alteração de certos comandos jurídicos por ato voluntário das partes mas não lhes deixa
margem para o auto-regramento que é inerente aos negócios jurídicos. A escolha voluntária
não vai além de se direcionar em um sentido ou em outro, sem liberdade para construir
o conteúdo específico de cada um dos atos realizados. Ou seja, podem os sujeitos optar
pelo processo arbitral mas não podem regular eles próprios esse processo, seu cabimento,
eficácia da sentença arbitral, sua exequibilidade etc.; podem inverter convencionalmente o
ônus probatório mas não lhes é lícito ir além dos limites postos pela lei nem estabelecer por
si próprios as consequências de seu descumprimento, agravando-as ou minorando-as em
contraste com a lei; podem escolher o foro, mas não podem ditar regras sobre o regime do
foro escolhido (se de competência absoluta ou relativa) etc.” (Cândido Rangel Dinamarco.
Instituições de Direito Processual Civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 469).
32. “Dois dispositivos de expressiva relevância metodológica contidos no novo Código de
Processo Civil tornaram viável no direito brasileiro a realização de negócios jurídicos
processuais de forma genérica e desvinculada de hipóteses específicas. Tais dispositivos
558 Manual de Direito Processual Civil
oferecem significativas aberturas para que as partes ajustem entre si os modos como o pro-
cesso se realizará, afastando-se dos standards gerais e abstratos da lei e configurando um
novo regramento concreto ditado pelas vontades convergentes de ambas.” (Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes. Teoria geral do novo processo civil. São
Paulo: Malheiros, 2016. p. 187).
33. O Código de Processo Civil de 1939 denominava frequentemente de atos judiciais os atos
que, na realidade, eram atos processuais. Consultem-se, por exemplo, a respeito, os arts. 5.º,
56 e 800, parágrafo único, do CPC de 1939.
34. No Estado de São Paulo, o uso de estenotipia em audiência, para redução a termo dos atos
processuais, já era permitido desde a edição da Lei Estadual 3.947/1983, art. 12.
35. Embora o nome da seção se refira aos pronunciamentos do juiz, diferentemente do previsto
no CPC/1973, tais pronunciamento não deixam de ser atos jurídicos processuais.
36. Em suas palavras: “Não se pode deixar de consignar, todavia, que outras pessoas também
praticam, ou podem praticar, atos jurídicos no curso do processo, como oficias de justiça,
depositários, peritos, testemunhas, leiloeiros, arrematantes, etc., o que, sem dúvida, torna
incompleta a classificação dos Códigos.”
Atos processuais 559
38. A ação declaratória incidental subsiste para a obtenção de coisa julgada na hipótese de
incidente de falsidade (art. 430, parágrafo único c/c art. 19, II).
39. A propósito, a orientação do STJ: “Processo civil. Decisão interlocutória. Despacho.
Distinção. Doutrina. Despacho que determina a intimação da parte. Ausência de con-
Atos processuais 561
sual não é meramente um despacho. É importante estabelecer esta distinção, pois dos
despachos não cabe recurso (art. 1.001 do CPC/2015), enquanto que das interlocutó-
rias cabe, nas hipóteses arroladas pelo art. 1.015 do CPC/2015, agravo de instrumento
e, nas demais interlocutórias, impugnação em preliminar de apelação (art. 1.009, § 1º,
do CPC/2015.
Convém mencionar que o caput do art. 459 do CPC/1973 autorizava o juiz, nos ca-
sos de extinção do processo sem resolução do mérito, a fundamentar a sentença de for-
ma concisa, ao lado do art. 165 do CPC/1973, que autorizava que as decisões, que não
fossem sentenças ou acórdãos, pudessem ser fundamentadas de modo conciso. Porém,
referidas autorizações foram suprimidas no CPC/2015, sendo que, de acordo com o
art. 11, caput, do CPC/2015, “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário se-
rão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
Correlacionam-se os ns. 1 a 5 com os ns. I a V, abaixo, representando os ns. 1 a 5 des-
pachos de mero expediente e os ns. I a V as respectivas decisões interlocutórias.
Assim, são despachos de mero expediente: 1º) o mandar assinar termo de caução;40
2º) o ordenar a ida dos autos ao contador para que procedesse à liquidação de senten-
ça, modalidade de liquidação extinta pelo advento da Lei 8.898/1994, em sistemáti-
ca que assim se manteve com a alteração da Lei 11.232/2005, ainda sob a vigência do
CPC/1973;41 3º) o determinar nova ida dos autos ao contador (idem 4º);42 4º) a conver-
teúdo decisório e de gravame. Art. 162, §§ 2º e 3º, CPC. Recurso desacolhido. I. Nos
termos dos §§ 2º e 3º do art. 162, CPC, ‘decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz,
no curso do processo, resolve questão incidente’ e ‘são despachos todos os demais atos
do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito
a lei não estabelece outra forma’. II. A diferenciação entre eles reside na existência ou
não de conteúdo decisório e de gravame. Enquanto os despachos são pronunciamentos
meramente ordinatórios, que visam impulsionar o andamento do processo, sem solu-
cionar controvérsia, a decisão interlocutória, por sua vez, ao contrário dos despachos,
possui conteúdo decisório e causa prejuízo às partes. III. O pronunciamento judicial
que determina a intimação da parte, como no caso, onde inocorre excepcionalidade,
é meramente ordinatório e visa impulsionar o feito, sem causar qualquer gravame”
(STJ, REsp 195.848/MG, 4ª T., j. 20.11.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
18.02.2002, p. 448).
40. 1º TACSP, 2ª Câm. Civ., AgIn 205.687, j. 25.09.1974, rel. Ferreira Prado, v.u.
41. TJSP, 2ª Câm. Civ., Ap. 238.274, rel. Macedo Bittencourt, v.u., 18.02.1975; 2º TACSP, 1ª
Câm., AgIn 18.517, rel. Nóbrega de Salles, v.u., 17.09.1974; 2º TACSP, Ap. 20.089, rel. Luiz
Francisco, v.u., 13.08.1974; RT 521/135; JUTACivSP 74/382; STJ, 4ª T., REsp 326.057/RJ,
rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 02.09.2002, p. 193). Entretanto, “não se enquadra em
tal conceito a decisão que impõe comandos minudentes para feitura da conta, contra a qual
é cabível o recurso de agravo” (STJ, 2ª T., REsp 421.913/RS, j. 25.10.2005, rel. Min. Castro
Meira, DJ 14.11.2005, p. 238). O art. 604 do CPC/1973, que havia sido alterado pela Lei
8.898/2004, foi revogado pela Lei 11.232/2005, que inseriu o art. 475-B, que tem o mesmo
conteúdo do revogado art. 604.
42. TJSP, 1ª Câm. Civ., AgIn 236.201, rel. Andrade Junqueira, v.u., 27.08.1974; 1º TACSP, 2ª
Câm., AgIn 202.269, rel. Ferreira Prado, v.u., 24.04.1974; TJSP, 4ª Câm. Civ., AgIn 234.857,
Rio Claro, rel. Médici Filho, v.u., 27.07.1974; RT 536/138.
562 Manual de Direito Processual Civil
são do julgamento em diligência;43 5º) a nomeação de perito para apurar o valor real da
causa em face da impugnação.
A essas hipóteses – todas elas colhidas na jurisprudência – seguem-se as respecti-
vas decisões interlocutórias, correlatas, a saber: I – a decisão interlocutória que tenha
a caução por prestada, ou não; II – a homologação de conta (no sistema anterior à Lei
8.898/1994, que, na vigência do CPC/1973, extinguiu a liquidação por cálculo);44 III –
idem, homologação de conta (idem, IV); IV – a decisão ulterior que julgará a causa ou o
incidente, em função do qual se deu a conversão em diligência; V – a decisão que aceite,
ou não, a impugnação ao valor da causa, depois de realizada a prova pericial.
A este critério pragmático, todavia, haver-se-á de ponderar que, mesmo quando se
possa reputar, num primeiro exame, um ato do juiz como sendo despacho de mero ex-
pediente, se se demonstrar, no entanto, o prejuízo, descaracterizado estará como tal, e
haverá de ser reputado como uma decisão interlocutória, passível, portanto, de ser vul-
nerada através de agravo, desde que se enquadre no rol do art. 1.015 do CPC/2015 ou
que seja proferida em fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença
(art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015).
Assim é que o mandar prestar caução poderá tipificar-se como decisão interlocutó-
ria, desde que aquele que deva prestá-la entenda não estar obrigado, ao passo que já a
mera determinação de assinatura de termo de caução será despacho de mero expediente.
Em síntese, em face do critério supra, colhido da jurisprudência, haver-se-á de exa-
minar o ato sob a ótica do prejuízo, que é punctus pruriens atinente ao tema, vale dizer,
é pelo prejuízo presente que um ato judicial, que não coloque fim à fase cognitiva do
procedimento comum e que não extinga a execução, haver-se-á de reputar como uma
decisão interlocutória.
Uma das classificações objetivas mais aceitáveis dos atos processuais é a que os vi-
sualiza ao longo de todo evolver do processo.
Esta classificação tem por base as diversas fases do procedimento, desde a sua for-
mação até a sua extinção.
Dividem-se, segundo este critério, os atos processuais em três grandes classes, a sa-
ber: I – os atos de iniciativa das partes, precipuamente; II – os de desenvolvimento, das
partes e do juiz; e III – os atos de conclusão do juiz, salvo os casos do art. 487, III, a, b
e c, do CPC/2015.
Evidentemente, desde logo se verifica que a parte mais complexa dessa classifica-
ção diz respeito justamente aos atos de desenvolvimento, porquanto os de iniciativa
confundem-se, em grande parte, com os atos de constituição ou formação da relação
processual, e os da terceira categoria, com os atos finais do processo,45 a saber, sentença
(nas suas várias modalidades) que resolva, ou não, o mérito.
43. RT 583/168.
44. Cf. nota 41, supra.
45. Cf. Arruda Alvim, Curso... cit., vol. I, § 7º, n. 94, p. 441.
Atos processuais 563
A forma em algumas circunstâncias tem mais ou menos relevância, motivo pelo qual
o sistema processual em algumas ocasiões determina que o ato seja praticado de deter-
minada forma sob pena de nulidade e em outras, contudo, determina a forma, mas não
atribuí a pena de nulidade para o caso dela não ser observada.
Deste modo, correlacionemos a forma dos atos processuais com os reflexos, maio-
res ou menores, do descumprimento do formalismo, na validade ou invalidade do ato.
Sintetizando, pois: 1º) em princípio, é livre a forma (princípio da liberdade das formas
– art. 188 do CPC/2015; 2º) em alguns casos, porém, o legislador estabelece uma de-
terminada forma, sem, contudo, cominar expressamente a pena de nulidade para a sua
não observância; 3º) finalmente, o legislador, noutras hipóteses (as mais raras), dada a
suprema relevância do ato ou atos, determina expressamente a forma de que se devem
revestir e, não sendo obedecida, nega-lhes a produção de efeitos, isto é, aplica-lhes a pena
de nulidade (arts. 279 e 280 do CPC/2015). Contudo, devemos atentar que o CPC/2015
suprimiu o trecho “sem cominação de nulidade” do antigo art. 244 do CPC/1973, atu-
al art. 277 do CPC/2015, o que nos leva a entender que, se a lei prescreve determinada
forma, cominando ou não pena de nulidade, e o ato é praticado de outra forma. mas
atinge sua finalidade, o ato será considerado válido.48
A Lei 11.419/2006 buscou regulamentar e implementar no Poder Judiciário o proces-
so eletrônico, permitindo que atos processuais fossem praticados mediante a utilização
de sistemas de meios eletrônicos. O novo Código de Processo Civil de 2015, por sua vez,
dedicou a seção II do Capítulo I à prática eletrônica dos atos processuais, contudo, não
revogou a Lei 11.419/2006. Sendo assim, tanto o CPC/2015 quanto a Lei 11.419/2006
regulam o processo eletrônico.
Porém, convém esclarecer que o CPC/2015 não manteve o previsto no parágrafo
único do art. 154 do CPC/1973. Isto porque o CPC/2015 atribuiu ao CNJ a tarefa de re-
gulamentar, em âmbito nacional, a prática e a comunicação oficial de atos processuais
por meio eletrônico, visando a padronização, o quanto possível, do processo judicial
eletrônico, permitindo apenas que os Tribunais regulamentem supletivamente a práti-
ca e a comunicação oficial de atos processuais (art. 196 do CPC/2015).
48. Nesse sentido, afirmam Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo
Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello: “Cumprida a finalidade do ato,
passa a ser irrelevante ter ou não ter sido observada a forma prescrita em lei. 1.2. A novidade
trazida pelo NCPC consiste em dizer expressamente que a norma se aplica ainda que se
trate de nulidade cominada. De fato, subtraiu-se do texto ‘sem cominação de nulidade’.”
(Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. Teresa Arruda
Alvim Wambier et al. (Coord.). 2 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 511).
Atos processuais 565
52. STJ, RMS 16.121/RJ, 5ª T., j. 03.02.2004, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26.04.2004, p. 180;
STJ, 3ª T., REsp 259.875/SP, j. 19.04.2001, rel. Min. Menezes Direito, DJ 25.06.2001, p. 172
– e uma sentença a que falte decisório é inexistente (Rodriguez, Nulidades procesales, p. 60).
53. Cf. Arruda Alvim, Curso... cit., vol. I/444 et seq., e José Frederico Marques, Instituições de
direito processual civil, n. 483, p. 410, referindo-se ao art. 278, § 2º, símile deste artigo no
CPC de 1939.
54. Sobre o tema, v. excelente artigo de Thereza Alvim, Possibilidade de saneamento do processo
em segunda instância: notas introdutórias e suas implicações, Atualidades do processo civil,
pp. 447 e ss.
55. Neste sentido, cf. STJ, AgRg no AgIn 663.875/SP, 1ª T., j. 06.09.2005, rel. Min. Luiz Fux,
DJ 26.09.2005, p. 206; STJ, AgRg no AgIn 668.875/RS, 2ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 26.09.2005, p. 321; STJ, AgRg no AgRg no REsp 717.445/PR, 1ª T., j.
18.08.2005, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 05.09.2005, p. 280. Neste sentido, também,
é o AgIn 57.158/RS (j. 25.10.1994), relatado longamente pelo Min. Sálvio de Figueiredo com
base em voto anterior proferido nos EDiv 14.827-8/MG, quando cita diversos precedentes
daquela Corte, todos no mesmo sentido (DJU I 03.11.1994, p. 29.804-29.806). No STJ, o
caso também é tido como de inexistência, como demonstra a Súmula 115 daquela Corte,
nos seguintes termos: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado
sem procuração nos autos” (DJU I 08.11.1994, p. 30.187).No STF, igualmente, ambas as
Turmas têm entendido inaplicável o art. 13 do CPC na instância rara, tendo como inexis-
tente o recurso interposto por aquele que não tem procuração. À guisa de ilustração, cf.
Atos processuais 567
tudo, entendemos que tal posicionamento deve ser superado à luz do art. 1.029, § 3º,
do CPC/2015, segundo o qual “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua cor-
reção, desde que não o repute grave”.
Na jurisprudência tem-se que a sentença ultra petita, ao invés de ser anulada pelo
tribunal, deverá ser reduzida aos limites do pedido.56
Tendo em vista o CPC/1973, os tribunais decidiam que não era nula a citação, se o
mandado não contivesse a advertência prevista no antigo art. 285 do CPC/1973, hoje
prevista no art. 250, II, do CPC/2015, apenas não ocorrendo o efeito da revelia.57 Enten-
demos que esse posicionamento dos tribunais deve ser mantido, tendo em vista que não
houve alteração que nos leve à interpretação diferente e que esse posicionamento privi-
legia o princípio da instrumentalidade das formas e o princípio da celeridade processual.
Já se decidiu que a sentença não deverá ser considerada nula, ainda que não conte-
nha a assinatura do juiz, se, por outros meios, puder comprovar-se-lhe a autenticidade.58
Mais recentemente, contudo, decidiu-se que tal sentença é juridicamente inexistente.59
Se a sentença estiver fundamentada em leis erradas, descabe sua anulação, devendo
ser corrigida pelo tribunal, no particular.60
Outro aspecto que pode ser enfocado, ainda no tema das nulidades dos atos proces-
suais, é o da validade do ato, em si mesmo indiscutível, praticado em momento inade-
quado, como, v.g., se o for durante as férias forenses, sem que o devesse ter sido, nesse
lapso temporal, praticado. No regime do CPC/1973 havia muita discussão sobre esse
tema, porém, tendo em vista o disposto no art. 218, § 4º, do CPC/2015, entendemos
que a discussão foi superada, pois referido dispositivo expressamente admite como
tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo. Neste passo, convém men-
cionar que o novo diploma processual também acabou com a discussão sobre a possi-
bilidade ou não de interpor recurso antes do julgamento dos embargos de declaração
quando não prejudicar a parte (art. 282, § 1º, do CPC/2015); d) quando o juiz puder de-
cidir do mérito a favor da parte a quem aproveitaria a declaração da nulidade (art. 282,
§ 2º, do CPC/2015); e) quando o ato puder ser aproveitado (art. 283 do CPC/2015).
O Código vigente cuida das nulidades nos arts. 276 a 283, exclusivamente, ou pre-
cipuamente, sob o ângulo formal. Cuida do assunto, portanto, a nossa lei, de forma
bastante incompleta.66
Esses artigos sugerem, vistos por outra perspectiva, que interessa primordialmen-
te, no ato processual, o seu fim, o qual, uma vez atingido, faz com que não se justifique
a decretação de nulidade do ato, mesmo se desconforme ao modelo (art. 277). De ou-
tra parte, mesmo que não tenha o ato produzido os efeitos a que se destinava, deixa-
-se à parte interessada a opção de arguir ou não a nulidade, desde que, evidentemente,
não se trate de nulidade absoluta, decretável de ofício. Dizemos que só a ela interessa,
pela circunstância de o art. 276, in fine, negar àquele que praticou o ato nulo, o direito
de arguir-lhe a nulidade, o que é uma trasladação, para o campo processual, da regra,
ou do princípio, de que ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. O fundamento
último desta regra é o de que se deve entender que, em face do disposto no art. 276 do
CPC, quem causou a nulidade não poderá argui-la, pois estaria se beneficiando de sua
própria torpeza. Assim, o advogado que impede a citação, induzindo o oficial de justi-
ça a não realizá-la, já se decidiu, fica impedido de arguir esta nulidade.67 Contudo, se se
tratar, por exemplo, de publicação de editais para realização de praça, que é matéria de
ordem pública, e, na medida em que afeta terceiros, deve ser declarada a nulidade do
ato, apesar de arguida por quem deu causa.68 Isto porque o princípio segundo o qual não
se pode alegar a própria torpeza em seu benefício não se aplica às nulidades absolutas.
Aliás, no processo civil, à diferença do que ocorre no Direito Civil, tanto as nulida-
des quanto as anulabilidades se sanam. 69 Estas, se não arguidas, sanam-se no mesmo
processo em que se produziram; aquelas, em princípio, no prazo de dois anos a contar
do trânsito em julgado da última decisão de mérito, que pos fim à causa em que tiveram
lugar. Quer dizer, uma vez ultrapassado o prazo para eventual ação rescisória (art. 975,
caput, do CPC/2015), não há que se falar em nulidade, pela sua convalidação através
do tempo. Na verdade, o único tipo de vício que não se sana, nem com o esgotamen-
66. É de se registrar a colocação feita por Egas Moniz de Aragão (Comentários ao Código de
Processo Civil, v. II – arts. 154 a 269, p. 258), no sentido de que o estudo das nulidades dos
atos processuais “é um dos mais árduos capítulos do Código. Tanto faz que seja encarado
por um de seus ângulos, as dificuldades são grandes e pouco variam”.
67. TJMT, AgIn 2.571, 1ª CC, rel. Licínio Carpinelli Stefani, v.u., 14.09.1981. A tese firmada
não é a correta, porquanto a parte (se em nada tiver contribuído para o fato) não pode ficar
prejudicada. Cf. também STJ, 1ª T., REsp 551.959/RS, j. 07.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ
06.06.2005, p. 181; STJ, EDcl no AgRg na AR 2.374/ES, 1ª Seção, j. 12.02.2003, rel. Min.
Eliana Calmon, DJ 07.04.2003, p. 211.
68. TJRS, Ap. 22.487, 2ª Câm. Civ., rel. Júlio Martins Porto, v.u., 29.05.1974, In: Jurandyr Nilsson,
op. cit., vol. I/275.
69. Sobre a matéria, v., amplamente, Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e
da sentença, itens 2.1 e 2.2, pp. 127 e ss.
570 Manual de Direito Processual Civil
70. STJ, AgRg no Ag 448.699/SP, 1ª T., j. 12.05.2005, rel. Min. Denise Arruda, DJ 20.06.2005,
p. 124; STJ, AgRg no REsp 361.319/SC, 2ª T., j. 09.11.2004, rel. Min. Eliana Calmon, DJ
13.12.2004, p. 275; STJ, REsp 337.865/AL, 5ª T., j. 25.05.2004, rel. Min. Felix Fischer,
DJ 28.06.2004, p. 381.
71. RTJ 35/94 e 57/660.
72. RTJ 53/325; Revista de Jurisprudência 20/264.
Atos processuais 571
na primeira oportunidade em que couber a parte falar nos autos, sob pena de preclu-
são (art. 278, caput, do CPC/2015). Neste passo, convém esclarecer que, endoproces-
sualmente, sempre as nulidades relativas se sanam, seja pela correção do vício ou pela
preclusão da arguição do vício, ao passo que as nulidades absolutas podem ou não ser
sanadas endoprocessualmente. Não sendo corrigida a nulidade absoluta, a parte pre-
judicada poderá ingressar com ação rescisória visando a desconstituir a decisão gerada
nesse processo viciado, contudo, transcorrido o prazo para ajuizamento da ação resci-
sória, se esta não tiver sido proposta, a nulidade absoluta se sanará.
Neste passo, convém esclarecer que no regime do CPC/1973 a jurisprudência já
admitia que as nulidades absolutas, tais como a ausência de intimação do Ministério
Público (art. 246, caput, do CPC/1973 – atualmente art. 279, caput, do CPC/2015) ou
a intimação realizada sem observância das prescrições legais (art. 247 do CPC/1973 –
atualmente art. 280 do CPC/2015), se convalidassem. Assim, a intervenção da Procu-
radoria da Justiça em segundo grau evitava a anulação de processo no qual o Ministério
Público não tivesse sido intimado em primeiro grau, desde que não houvesse prejuízo ao
interesse do tutelado.73 O CPC/2015 adotou expressamente a posição da jurisprudência
no § 2º do art. 279, privilegiando a norma segundo a qual não há nulidade sem prejuízo.
73. VI ENTA – conclusão 42, m.v. Nesse sentido: RT 582/212, em. Contra: Boletim da Associação
dos Advogados de São Paulo 1.308/12. A opinião expressada no texto depende, por certo,
do exame cabal da hipótese, pois que, se se constatar que algum ato postulatório haveria
de ter sido praticado em primeiro grau, e não o foi, a hipótese será de anulação, desde que
patenteado o prejuízo (ou o possível prejuízo).
14
Negócios Jurídicos Processuais
14.1. Conceito
No plano do direito material, os atos jurídicos bilaterais que consistem em decla-
rações de vontade objetivando consequências jurídicas determinadas são chamados
negócios jurídicos. Já no que toca o processo, se podem denominar negócios jurídicos
processuais.1 Essa nomenclatura, que respeita à terminologia clássica da teoria geral
do direito, não é única no direito brasileiro. Pode-se falar, com efeito, de acordos ou
convenções processuais,2 termos que, inclusive, são mais adequados, já que, ao con-
trário do que se passa, em geral, com os negócios jurídicos de direito privado (con-
tratos), que resultam de interesses contrapostos, gerando situações jurídicas anta-
gônicas (crédito-débito), o acordo de vontades no processo decorre, normalmente,
de interesses convergentes das partes, levando à criação de uma disciplina processual
comum aos litigantes.3
4. Sobre o tema, confira-se a exposição de José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma
teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2009,
p. 45-51.
5. V. Salvatore Satta. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Milano: Vitta e Pensiero, 1031,
p. 48; id., Direito processual civil, v. I, trad. e notas de Ricardo Rodrigues Gama, Campinas:
LZN, 2003, p. 277; José Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades
aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 46.
6. “O processo tem início, caminha e se encerra através de diferentes atos de seus sujeitos, e
que são os atos processuais. Estes se distinguem dos atos jurídicos em geral pelo fato de per-
tencerem ao processo e de exercerem um efeito direto e imediato sobre a relação processual,
constituindo-a, impulsionando-a ou extinguindo-a. Em outras palavras, os atos processuais
são os atos do processo.” (Cf. Enrico Tullio Liebman, Manual de direito processual civil. 3ª
ed.. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 285.
V., ainda, em sentido análogo: José Frederico Marques. Manual de direito processual civil.
v. 1. 9. ed.. Campinas: Millenium, 2003, p. 409.
7. É esta, também, a definição de Leonardo Greco. Os atos de disposição processual – primeiras
reflexões. Revista Quaestio Iuris, v. 4, 2011, p. 722.
8. Em virtude de tal peculiaridade, Couture considerava os atos de disposição processual como
atos “para-processuais”: “Ficam, via de regra, na periferia do processo e, sob um ponto de
vista estritamente processual, poder-se-ia prescindir dêles. Entretanto, suas consequências
refletem-se sôbre a constituição, o desenvolvimento ou a conclusão do processo.” Prossegue
o autor, afirmando que “muitos dêsses atos [de que seriam exemplos a conciliação, a transa-
ção e a convenção de arbitragem] têm por objeto, justamente, prescindir do processo” (Cf.
Fundamentos do direito processual civil, tradução de Rubens Gomes de Souza, São Paulo:
Saraiva, 1946, p. 113).
574 Manual de Direito Processual Civil
sual podem ser citados a cláusula de eleição de foro, a convenção arbitral e o pac-
tum de non petendo.
São, pois, negócios ou convenções processuais aqueles atos jurídicos nos quais as
partes convencionam sobre situações jurídicas ocorrentes em uma relação jurídica pro-
cessual. Mesmo que a declaração de vontade tenha sido dada antes do processo, se ela
se destinar a ter eficácia na relação processual, trata-se de negócio jurídico processual.
9. V. Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil, 6. ed, v. II. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 480 e ss.. Assim também se manifestavam, antes do CPC/2015: Alexan-
dre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil. v. 1. 24. ed.. São Paulo: Atlas, 2013;
Daniel Mitidiero. Comentários ao Código de Processo Civil. t. 2. 1. ed.. São Paulo: Memória
Jurídica, 2005; José de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo. 8. ed. São Paulo: Atlas,
2006, p. 242.
10. Sobre o tema, e mais especificamente, quanto à validade do pactum de non petendo já
nos pronunciamos no sentido de que: “lei infraconstitucional não pode obstar o acesso
à Justiça, mas o particular, dentro do âmbito de sua esfera e no exercício legítimo de sua
autonomia privada, pode legitimamente assim pactuar.” Em defesa desse posicionamento,
argumentamos, ainda, que “a arbitragem é, ainda, mutatis mutandis, uma forma de resol-
verem-se pendências igualmente válida, assentando-se também na autonomia privada.”
(Ver o nosso Soluções práticas de direito: pareceres. v. II. Direito Privado I. São Paulo: RT,
2011, p. 987-988). A possibilidade de celebração de convenções, sobretudo as típicas, já
era por nós admitida em nosso Tratado de direito processual civil, v. 2. São Paulo: RT, 1996,
p. 383/384.
11. V., sobre o tema: José Carlos Barbosa Moreira. Convenções das partes sobre matéria pro-
cessual. In: Temas de direito processual, 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
12. Para isso já alertava Rogério Lauria Tucci. Negócio jurídico processual. Enciclopédia Saraiva
de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 54, p. 190 e ss.
Negócios Jurídicos Processuais 575
Entretanto, essa questão vem sendo muito discutida recentemente, em outros pa-
íses13 e no Brasil.14 Foi o debate entre publicismo e privatismo,15 cujo cerne constitui,
justamente, a análise dos limites do papel do juiz e das partes no processo, que trouxe
novos argumentos a propósito do tema.
De fato, em virtude da obra de Oskar Büllow16 e da influência da ZPO austríaca de
1895 (obra de Franz Klein), podemos afirmar que a concepção de processo civil de ín-
dole predominantemente privatista, visto como coisa das partes, foi gradativamente
substituída por uma perspectiva pública, que valorizava o papel do Estado e a autono-
mia da relação processual. Dessa modificação paradigmática advieram o incremento
dos poderes judiciais e a indisponibilidade das normas processuais (e procedimentais),
reduzindo-se a margem de dispositividade das partes.17 Por isso, até bem pouco tempo
atrás, a questão dos negócios processuais poderia ser representativa de uma nostalgia
dessa visão já antiquada, privatista, da jurisdição.
13. Na França: Loïc Cadiet. Le conventions relatives au procès en droit français: sur la con-
tractualisation du règlement des litiges. Revista de Processo, ano 33, v. 160, p. 61-82, jun.
2008. Na Itália: Federico Carpi. Introduzione. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008; Remo Caponi.
Autonomia privata e processo civile: gli accordi processuali. Rivista trimestrale di diritto
e procedura civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008;
Giorgio de Nova. Accordi delle parti e decisione. Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008. Na Alemanha:
Cristoph A. Kern, Procedural Contracts in Germany, In: Antonio do Passo Cabral; Pedro
Henrique Nogueira. Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 179-192; Peter Schlosser. Einverständliches Parteihandeln im deutschen
Zivilprozess. In: Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios Processuais,
Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 105-119.
14. Cf. Diogo Resende de Almeida. Contratualização do processo. Das convenções processuais
no processo civil. São Paulo: LTr, 2015; CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 49; Robson Renault Godinho. Negócios processuais sobre o
ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
15. Cf., sobre o tema: Juan Montero Aroca (coord.). Proceso Civil e Ideología: un prefacio, una
sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006; Leonardo Greco. Pu-
blicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, n. 164, outubro-2008, p. 29-56.
16. V. Oskar Bülow. La teoría de las excepciones procesales, y los presupuestos procesales. trad.
Argentina. Buenos Aires, 1964.
17. A evolução não é linear nem foi pacífica, consoante se extrai das afirmações de Barbosa
Moreira (Privatização do processo? Temas de Direito Processual. 7ª série. São Paulo: Sarai-
va, 2001, p. 12): “Vale a pena recordar que, em época não muito distante – e à qual vai a
nossa dando a impressão de querer assemelhar-se por mais de um prisma –, o processo civil
costumava ser visto como ‘coisa das partes’. Tal concepção, que prevaleceu na Europa até a
primeira metade do presente século, ligava-se naturalmente à filosofia liberal individualista
de que se impregnavam os sistemas políticos então dominantes, e encontrava alento numa
peculiaridade do processo civil, como o concebiam e disciplinavam os países europeus:
a de ter por exclusivo objeto litígios atinentes a relações jurídicas de direito privado – ao
contrário, assinale-se, do que sucede entre nós. Daí a difundida convicção de que ele devia
sujeitar-se à ‘soberania das partes’ – reflexo do princípio da autonomia da vontade, entendido
em termos praticamente absolutos. À luz de certos aspectos da recente evolução histórica,
não será de estranhar que a alguns sorria a ideia de ressuscitar essa moda.”
576 Manual de Direito Processual Civil
22. Em visão crítica ao que denomina hiperpublicismo, ressalta Antonio do Passo Cabral (Con-
venções processuais, op. cit., p. 108-109) que: “Além de essas formulações hierarquizarem
os escopos do processo, fazendo com que os interesses públicos suplantem os interesses
privados, mesmo ao chegar no ‘escopo jurídico’, o publicismo não se orienta aos jurisdi-
cionados. Não se fala da tutela dos ‘direitos subjetivos’, mas da concretização da lei, i.e., a
aplicação do ordenamento objetivo. O sujeito, portanto, surge apenas indiretamente, como
titular beneficiado pela aplicação da norma. Parece-nos, data venia, um excesso publicita.
A metáfora de Cipriani é interessante e deve ser lembrada: se o processo fosse um hospital,
seria construído e organizado para os médicos, não para os doentes.” A referência contida
no texto pode ser encontrada em: Franco Cipriani. Il processo civile italiano tra efficienza e
garanzie. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, n. 4, 2002, p. 1250.
23. De forma análoga, no âmbito do direito civil, é o privatismo que vem sendo mitigado, o que
reforça a tese da despolarização. Vide, a propósito, o que escrevemos em: Arruda Alvim. A
função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais, v. 815, set. 2003.
p. 11-31.
24. “El acuerdo procesal es algo más que un oxímoron? Podemos hacernos esta pregunta ya
que la expresión ‘acuerdo procesal’ como expresión más general de convención relativa al
proceso, en la que ele acuerdo procesal no es más que una variante, combina dos nociones
que parecen oponerse en todo desde el primer momento, si se quiere definir el proceso
como un desacuerdo” (Cf. Loic Cadiet. Los acuerdos procesales en derecho francés. Civil
procedure review, v. 3, ago-set. 2012, p. 3.)
25. V. Leonardo Carneiro da Cunha. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro.
Disponível em: [ https://www.academia.edu/10270224/Neg%C3%B3cios_jur%C3%AD-
dicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro]. Acesso em 10.08.2015).
26. Remo Caponi. Autonomia privata e processo civile: gli accordi processual. Civil procedure
review, v. 2, jul-set. 2010, p. 45.
578 Manual de Direito Processual Civil
direitos processuais e acordos cujo objeto são situações jurídicas no processo, existem
no CPC/1973 em diversos momentos. Veja-se, como exemplo, a possibilidade de con-
venção sobre: distribuição de ônus de prova (art. 333, parágrafo único, do CPC/1973);
suspensão do processo (art. 265, II, do CPC/1973); adiamento de audiência de instru-
ção e julgamento (art. 453, I, do CPC/1973); realização de liquidação por arbitramen-
to (art. 475-C, I, do CPC/1973), dentre outras. Além de reproduzir estas hipóteses,27 o
CPC/2015 apresenta ainda outras possibilidades, como a escolha convencional do pe-
rito (art. 471) e a delimitação, pelas próprias partes, dos pontos controvertidos de fato
e de direito sobre os quais recai o saneamento do processo (art. 357, § 2º).
Vimos no tópico acima que não é incomum a lei processual dispor sobre a possibili-
dade de as partes realizarem convenções, não só sobre o mérito da demanda, mas sobre
o procedimento em si. É, possível, ainda, que tais negócios processuais incidam sobre
direitos, faculdades, poderes e ônus das partes. Isso decorre do princípio dispositivo,
que dá origem, de acordo com a doutrina nacional, ao princípio do autorregramento 28
da vontade no âmbito do processo.
Ainda, a possibilidade de celebração de convenções atípicas fortalece a autonomia
da vontade no âmbito do processo, confirmando a tendência de se romper com a dico-
tomia existente entre o publicismo e o privatismo, a partir da construção de um proces-
so civil de natureza cooperativa.29
O CPC/2015, quanto a isso, traz uma grande novidade no art. 190,30 estabelecendo
uma cláusula geral que permite às partes entabularem negócios processuais atípicos,
27. V., no CPC/2015, os arts 373, § 3º (distribuição do ônus da prova); 313, II (suspensão do
processo); 362, I (adiamento da audiência de instrução e julgamento); 509, I (liquidação
por arbitramento).
28. “O princípio dispositivo estabelece a disponibilidade sobre a cognição e decisão a respeito
do direito material. E o princípio do debate atribui às partes direitos fundamentais proces-
suais. Por isso, não é propriamente a liberdade contratual do direito privado que justifica a
autonomia das partes no processo. Como o processo é um ambiente publicizado, no qual
a liberdade contratual encontra limitações, é a combinação entre o princípio dispositivo
e o princípio do debate que permite justificar a autonomia das partes” (Antonio do Passo
Cabral. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm: 2016, p. 141).
29. Veja-se, a propósito, o item 11.2 dos Princípios do Processo Civil Transnacional da UNI-
DROIT: “as partes dividem com o tribunal o encargo de fomentar uma decisão justa, eficaz
e razoavelmente rápida do litígio” (disponível em: [http://www.unidroit.org/english/princi-
ples/civilprocedure/ali-unidroitprinciples-e.pdf]. Acesso em 12.06.2016). Também o art. 6º
do CPC/20015 alude à cooperação entre o juiz e as partes. Para Antonio do Passo Cabral,
“a atipicidade dos acordos processuais falará a favor de uma releitura do papel das partes
na condução do procedimento, podendo funcionar como limite ao exercício abusivo ou
excessivo de poderes oficiosos pelo juiz” (Convenções processuais. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 148).
30. Diz o artigo: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito
às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às es-
Negócios Jurídicos Processuais 579
isto é, cujo conteúdo não está previsto ou elencado legislativamente. Dá-se às partes o
poder de flexibilizar o procedimento de acordo com o caso concreto. É preciso analisar
os elementos deste dispositivo.
Em primeiro lugar, exige a lei que o processo que dará sede à celebração do negócio
jurídico tenha por objeto direitos que admitam autocomposição. Tal exigência tem por
fundamento a diretriz, presente no direito, de que não é possível transigir a respeito de
direitos indisponíveis. Por esse mesmo motivo não há audiência de conciliação ou me-
diação, se o direito não é renunciável ou negociável (art. 334, § 4º, II, do CPC/2015).
É preciso atentar, todavia, para o fato de que, à luz das teorias que analisam a efeti-
vação dos direitos fundamentais, a própria noção de indisponibilidade comporta gra-
dações, na medida em que a autonomia da vontade, associada a outros valores, como a
celeridade na concretização dos direitos, podem determinar a necessidade de disposi-
ção, em alguma medida, dos direitos materiais ou processuais. Nesse passo, há quem
aluda a uma espécie de crise conceitual no âmbito do processo – e fora dele –, quanto à
definição de diversos institutos, como a ordem pública, os direitos indisponíveis, as nor-
mas cogentes etc.31 Veja-se, contudo, que mesmo aqueles que relativizam tais conceitos
admitem a existência de um núcleo intangível, essencial, estabelecido pelo próprio di-
reito constitucional como insuscetível de renúncia – e, portanto, indisponível.32
De qualquer modo, o CPC/2015, à semelhança do que faz a lei de arbitragem (art. 1º
da Lei 9.307/96) não aludiu expressamente à questão da disponibilidade do direito, mas
apenas à possibilidade de que este venha a ser objeto de transação. É suficiente, portanto,
para fins de se celebrar uma convenção processual, que o direito admita autocomposição.
A ressalva é importante pelo fato de que, por mais paradoxal que possa parecer, há
direitos ditos indisponíveis suscetíveis de serem transacionados, ao menos em relação a
alguns de seus aspectos. Exemplo disso é o que se verifica com o direito à pensão ali-
mentícia que, conquanto indisponível, admite negociação concernente ao seu valor.
Note-se, ainda, uma importante diferença entre dispor completamente de um di-
reito e negociar a respeito de questões procedimentais que versem sobre esse mesmo
direito. Nesse sentido, existe a possibilidade de que o Ministério Público firme Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) em ação civil pública33 que trate de direito difuso,
por excelência indisponível;34 o objetivo desse instituto é, justamente, o de adequar a
conduta do potencial violador desse tipo de direito à lei, para o que se determinam pra-
zos e se especificam condutas a serem praticadas. De forma análoga, a Lei de Arbitra-
gem permite, a partir de alteração implementada pela Lei 13.129/2015, a utilização da
via arbitral para resolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º,
§ 1º, da Lei 9.307/1995).
Ao aludir a direitos que admitam autocomposição, a redação do dispositivo recomen-
da, justamente, a necessidade de interpretação e discussão sobre a questão. Como a ma-
téria é correlata aos limites de disponibilidade de cada direito, a definição do objeto da
convenção remanesce como matéria extremamente complexa. De todo modo, se pode
dizer ser inviável a celebração de convenção processual em ações de reconhecimento
de paternidade, ou de interdição, por exemplo.
Ressalte-se, ainda, que a disponibilidade do direito material não encerra, necessaria-
mente, a disponibilidade de todo e qualquer direito processual; 35 o que não se permite
33. Veja-se, sobre o tema, bem como sobre a natureza jurídica (transação, negócio jurídico ou
reconhecimento de conduta ilícita) do compromisso de ajuste de conduta: Geisa de Assis
Rodrigues. Ação civil pública e termo de ajuste de conduta. Teoria e prática. Rio de Janeiro:
Gen-Forense, 2006, p. 204 e ss.; Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, A proteção dos interesses
difusos através do compromisso de ajustamento de conduta, tese aprovada no 9º Congresso
Nacional do Ministério Público, em Salvador, 1992.
34. Vale dizer, inclusive, que a Resolução 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Pú-
blico recomenda que o órgão ministerial firme convenções processuais (art. 15), deixando
claro, inclusive, que podem “ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento
de conduta” (art. 17). Sobre o assunto, vale conferir, com grande proveito: Antonio do Passo
Cabral. A resolução nº 118 do Conselho Nacional do Ministério Público e as convenções
processuais. In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, p. 541 e ss.
35. Em sentido contrário à previsão do CPC/2015, Antonio do Passo Cabral defende a ausência
de correlação necessária da indisponibilidade do direito material com as prerrogativas
processuais e vice-versa: “De um lado, a disponibilidade sobre o direito material não gera
necessariamente a disponibilidade sobre o processo ou sobre a tutela jurisdicional desses
mesmos direitos. Os interesses materiais em disputa podem ser indisponíveis, mas ainda
assim as partes podem acordar sobre inúmeros aspectos processuais, como a eleição de
foro, redistribuição de ônus da prova, suspensão do processo, dilação de prazos, preclusões
e formalidades dos atos do processo. Pensemos em um litígio envolvendo um incapaz: seria
inadmissível uma convenção que alterasse prazos para ampliá-los em favor do incapaz?”
(Convenções processuais, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 298).
Negócios Jurídicos Processuais 581
36. Cf. Fernando Gajardoni. Flexibilização procedimental. São Paulo: Atlas, 2008, p. 215 e ss.
37. V. Guilherme Peres de Oliveira. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento
pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013.
582 Manual de Direito Processual Civil
como aqueles previstos pelo Código Civil (arts. 138 a 157), é possível a invalidação do
acordo, como se verá adiante.
Merece especial atenção a alusão, feita no art. 190 do CPC/15, à necessidade de que
sejam tais negócios celebrados por pessoas plenamente capazes. Tal previsão conduz à
indagação sobre as consequências de acordo processual celebrado por incapaz, mesmo
estando regularmente representado ou assistido.38 Parece-nos ponderável o raciocínio
de que a disposição do art. 190 do CPC/15 estabelece hipótese de nulidade processual,
que pelo direito processual – e à luz de seus princípios – deve ser interpretada.
Logo, o negócio celebrado por – absolutamente ou relativamente – incapaz, devida-
mente representado ou assistido, existe e será reputado válido. A nulidade do negócio
apenas será decretada, no caso específico, se houver prejuízo ao incapaz.39-40
Há certa discussão sobre a necessidade de que o juiz homologue os acordos proces-
suais para que eles tenham eficácia. É claro que o juiz deve, sempre, realizar, mesmo
de ofício, o controle de legalidade e validade sobre os acordos (art. 190, parágrafo úni-
co, do CPC/2015), como veremos logo adiante. A questão, no entanto, se põe quanto
à possível eficácia antes mesmo, ou independentemente, do contato do juiz com o ne-
gócio processual. Sobre isso, a regra geral do código é que os atos das partes, mesmo as
declarações bilaterais de vontade, produzem a constituição, modificação ou extinção
38. O código faz menção expressa a partes plenamente capazes (art. 190, do CPC/2015), do que
se infere que eventual nulidade decorreria de convenções celebradas pelas partes absoluta
ou relativamente incapazes (arts. 3º e 4º do CC/2002), ainda que assistidas ou representadas.
A lei processual se refere, portanto, à capacidade de exercício de direitos e deveres, definida
no âmbito do Direito Civil. Em interpretação diversa, afirma Pedro Henrique Nogueira que:
“A incapacidade de que cuida o dispositivo em comento é a processual. Por isso, aqueles
que, a despeito de possuírem capacidade plena no direito civil, estejam desprovidos de plena
capacidade processual (por exemplo, o réu preso ou o civilmente incapaz representado, mas
com representante em situação de colisão de interesses) não podem ser sujeitos de negócios
processuais ou de convenções sobre o processo. O processualmente incapaz, desde que
representado, pode celebrar negócios processuais. A pessoa portadora de deficiência tem
capacidade para celebrar negócios processuais; quando o portador de alguma deficiência
estiver submetido à curatela que alcance a representação para a prática do ato de dispo-
sição sobre o direito litigioso, é possível a celebração de negócio processual, fazendo-se
representar por seu curador (Lei 13.146/2015)” (Pedro Henrique Nogueira. Comentário
ao art. 190. In Teresa Arruda Alvim Wambier [coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo
código de processo civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 633).
39. Em conformidade com o texto: Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria
processual: rumo a uma nova era? In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira.
Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 74.
40. De forma semelhante, defendendo a possibilidade de celebração de negócios jurídicos
processuais por pessoas incapazes na perspectiva do direito civil, conquanto sua capacidade
de estar em juízo seja integrada pela presença do assistente ou representante, e desde que o
resultado da convenção favoreça a parte vulnerável: Antonio do Passo Cabral. Convenções
processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 276-266; Leonardo José Carneiro da Cunha.
Comentário ao art. 190. In Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coord.). Comentários
ao novo Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.
Negócios Jurídicos Processuais 583
de direitos imediatamente (art. 200 do CPC/2015). Quer dizer, não há, como regra, a
necessidade de chancela judicial para que surtam efeitos.
Houve quem defendesse que quaisquer declarações bilaterais de vontade, para te-
rem validade e eficácia, necessitariam de um pronunciamento judicial integrativo.41
Todavia, pela redação do art. 190 do CPC/2015 fica evidente que prevaleceu o entendi-
mento de que tal homologação só seria necessária nas hipóteses exigidas por lei,42 como
é o caso da desistência da ação (art. 200, parágrafo único, do CPC/2015, cuja redação
reproduz o conteúdo do art. 158, parágrafo único, do CPC/1973). Nesse sentido já se
havia consolidado a jurisprudência à luz do CPC/1973, ao se posicionar no sentido de
que a transação realizada entre as partes produz efeitos imediatos sobre a relação jurídi-
ca material, prestando-se a homologação judicial ao objetivo de encerrar o processo.43
41. V. José. Joaquim Calmon de Passos. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades
processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 69; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade
Nery. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 761.
42. Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz. Comentário ao art. 200. In Teresa Arruda Alvim Wambier
[coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. e atual.,
São Paulo: RT, 2016, p. 655; Pedro Henrique Nogueira. Comentário ao art. 190. In Teresa
Arruda Alvim Wambier [coord.] [et al.]. Breves comentários ao novo código de processo
civil. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 631.
43. STJ, 2ª T., REsp 866.197/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18.02.2016, DJe
13.04.2016.
584 Manual de Direito Processual Civil
44. Cf. Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova
era? In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 69.
Negócios Jurídicos Processuais 585
negócio, não pode ser atingido sobremaneira pelos efeitos dos acordos das partes. O juiz
não é parte integrante do negócio jurídico processual. Em outras palavras, não há con-
trole sobre a conveniência do negócio; apenas sobre sua validade. A grande dificuldade
consiste, nesse ponto, em precisar que tipo de interferência das convenções bilaterais
sobre a atividade judicial não pode ser admitida.
Há posições doutrinárias que entendem haver a possibilidade de negócios pluri-
laterais com a participação do juiz – e, quanto a estes, resta o julgador obrigado, pois
também teria concorrido para elaborar e implementar a solução alcançada.45 Todavia,
temos para nós que é inadmissível o julgador participar de um acordo processual que é
das partes. Entretanto, esse nosso posicionamento não obsta a que o juiz controle a va-
lidade das convenções, concorde com a fixação de datas para a prática de atos processu-
ais e seja alcançado pelas consequências do acordado (cf. art. 356, § 2º, do CPC/2015),
em algumas hipóteses, como a que prevê a alteração de prazos.
É o que ocorre com a questão da calendarização (art. 191 do CPC/15), que aborda-
remos adiante. Nesses casos, há exigência expressa da concordância do juiz.
No entanto, quanto aos negócios bilaterais, que são o objeto do art. 190 do
CPC/2015, pensamos que a atividade judicante não pode ser desfigurada pela auto-
nomia privada das partes. Tomem-se como exemplos os acordos processuais que ver-
sam sobre a instrução processual. Seria lícito, questiona-se, às partes, convencionar
de antemão que, se houver ajuizamento de demanda por descumprimento de deter-
minado contrato, não será permitida a realização de prova pericial? Tal acordo limita
os ônus probatório dos litigantes, mas atinge diretamente também o material fático
(e, neste caso, técnico) sobre o qual o juiz se debruçará para pronunciar o julgamen-
to de mérito. A doutrina, em pontos como esse, tende a se dividir entre posições mais
e menos liberais.
No direito alemão, a título de exemplo, convenções que limitem a atividade pro-
batória não impedem que o juiz, oficiosamente, decrete a sua produção. Quer dizer, o
acordo tem o efeito de impedir que as partes postulem pela produção da prova, mas não
pode haver negócio processual influindo e limitando o convencimento judicial.
No Brasil, a solução não parece ser a mesma: muito embora a lei preveja possibili-
dade de produção de provas ex officio (art. 370 do CPC/15), sempre entendemos que a
atuação oficiosa do juiz deveria ser supletiva à atividade das partes, somente se justi-
ficando: a) nas hipóteses de manifesta disparidade de armas; b) nos casos que versem
direitos indisponíveis e c) em situações nas quais o juiz já disponha de algum indicati-
vo da prova a ser produzida (v.g. testemunha ou documento referidos por uma das par-
tes) para esclarecer os fatos que as partes não demonstraram. Dessa forma, parece-nos
que há, em princípio, possibilidade de acordo pela não produção de provas em sede de
processo que verse direitos disponíveis, limitando-se a cognição do juiz pelo consenso e
45. Em sentido contrário, entendendo que órgão judicial jamais é parte de acordos processuais:
Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais: entre publicismo e privatismo, p. 236-
239; id., Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 223-226.
586 Manual de Direito Processual Civil
pela conveniência das partes.46-47 Não se pode, todavia, chegar ao extremo de se permi-
tir uma convenção que excepcione, por exemplo, a proibição de utilização de provas
ilícitas (art. 5º, LVI, da Constituição Federal), porque, em tal caso, estar-se-ia incorren-
do em disposição desarrazoada do devido processo legal.48-49
Nesses casos, a convenção que proíba a parte de praticar determinado ato (como
requerer a produção de certa prova) não altera, verdadeiramente, o procedimento. Um
acordo dessa espécie apenas impõe à parte que adote um específico comportamento
dentre vários que lhe seria lícito adotar. Quer dizer, são cláusulas que não alteram o pro-
cedimento verdadeiramente, mas apenas restringem a atuação das partes, obrigando-as
a um comportamento dentre vários possíveis.50 De toda forma, são os ônus das partes,
e não os poderes-deveres do juiz, que são negociados.
46. Em conformidade com o texto: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria Oliveira.
Curso de direito processual civil, v. II, 10ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 90 e 91; id.,
Curso de direito processual civil, v. II, 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 94-95 citando
diversos exemplos. Em sentido aparentemente oposto, por entender que, num ordenamento
que adota a busca da verdade com um de seus pilares, não poderiam as partes dispensar o
juiz da atividade instrutória, estabelecendo, por exemplo, a dispensa de um meio de prova
no processo: V. Michele Taruffo. Verità Negoziata? Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile. Numero speciale: accordi di parti e processo. Milano: Giuffrè, 2008, p. 92.
47. Naturalmente que, sendo verificada qualquer das hipóteses mencionadas, como é o caso
da hipossuficiência técnica de uma das partes, tal solução não se aplicará. Esse ponto foi
alvo das ponderações de Leonardo Greco, cujo posicionamento é semelhante ao nosso:
“Se o juiz não deve transformar-se num investigador sistemático, sob pena de pôr em risco
a sua imparcialidade, por outro lado não deve ele deixar de ir em busca da verdade quando,
sabedor de que ela se encontra ao seu alcance, as partes não a tiverem trazido ao processo
em razão de deficiência no exercício do seu direito de defesa. Admitir que a liberdade das
partes de dispor dos seus interesses pudesse forçar o juiz a aceitar como verdadeiros fatos
absolutamente inverossímeis, seria transformar o juiz num fantoche, demolir a confiança da
sociedade na justiça e colocá-la a serviço da simulação e da fraude. Aceitar que, diante da
insuficiência probatória decorrente da iniciativa deficiente das partes, devesse o juiz lavar
as mãos, seria desobrigá-lo de exercer a tutela efetiva dos direitos dos seus jurisdicionados,
deixando-os entregues à própria sorte e contentando-se com uma igualdade das partes
meramente formal.” (Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, n. 164,
out. 2008, p. 46).
48. De acordo: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga. Carta psicografada como fonte de prova no
processo civil. Repro, n. 234, ago. 2014.
49. Concordamos, no particular, com as seguintes conclusões de Antonio do Passo Cabral: “As
partes não podem, através de convenções processuais, dispor sobre prerrogativas do juiz.
Toda vez que o magistrado forem atribuídas iniciativas independentes da atuação das partes,
o juiz poderá atuar, a despeito de também ter o dever de dar cumprimento às convenções
das partes. Mas se os poderes do juiz forem subordinados pelo agir das partes, é possível
que o exercício da autonomia, por meio dos acordos, reduz ou impeça a atuação judicial.”
(Convenções processuais: Salvador: JusPodivm, 2016, p. 226).
50. “Neste caso, o acordo não altera as regras processuais como tais. Ele apenas exige um certo
comportamento da parte quando as regras processuais permitem à parte agir de mais de um
modo. Em outras palavras, o acordo permanece nos limites das regras processuais e apenas
estipula um certo comportamento dentro da gama de possíveis comportamentos permiti-
Negócios Jurídicos Processuais 587
É de se notar, quanto a isso, que o CPC/2015 parece estar situado em um meio termo
entre a irrelevância da vontade das partes e a prevalência completa do seu autorregra-
mento. Na França, por exemplo, onde o ambiente processual é nitidamente mais priva-
tista que o brasileiro, o código prevê expressamente a possibilidade de acordos que res-
trinjam ou estendam os poderes do juiz. O art. 12, § 2º51 do CPC francês diz que o juiz
é dono da qualificação jurídica dos fatos, sem se atentar expressamente ao nomen juris
atribuído pelas partes.52 No entanto, é possível que as partes entabulem contrato sobre
a qualificação jurídica dos fatos ocorridos no caso, hipótese em que o juiz fica adstrito
a essa qualificação. Quer dizer, as partes podem definir as consequências jurídicas de
seus atos, impedindo o julgador de distanciar-se destas consequências convencionadas,
sobre as quais as partes decidiram limitar o debate. No extremo oposto está o art. 12,
§ 4º53 do CPC francês, que permite também um contrato entre as partes para atribuir ao
juiz a condição de um “amigável compositor” da lide (amiable compositeur). O juiz não
fica adstrito à lei, e se situa em um cômodo vazio legal,54 podendo julgar por equidade.
Segundo Loïc Cadiet a limitação sobre o debate pode significar, ainda, que as partes,
em uma demanda que verse sobre o cumprimento de um contrato de compra e venda,
restrinjam o debate a respeito da validade do mesmo contrato. No Brasil, uma convenção
deste tipo é possível através do chamado acordo de saneamento (art. 357, § 2º do CPC/15),
negócio processual típico que, todavia, exige homologação judicial para ter eficácia.
De todo modo, ainda que seja difícil, neste momento, precisar quais são os exatos
limites da negociação processual, pode-se dizer que os acordos que limitarem desarra-
zoadamente os poderes inerentes à atividade jurisdicional são inválidos, e extrapolam
o previsto no art. 190 do CPC/2015, que, aliás, cuida de convenções sobre processo e
procedimento, mas não sobre a jurisdição.55
dos pela lei processual”. (Christoph Kern. Procedural contracts in Germany. In Antonio do
Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 84 – tradução nossa).
51. ‘[o juiz] não pode modificar a denominação ou o fundamento jurídico, desde que as partes,
em virtude de um acordo expresso e relativo a direitos de que tenham a livre disposição, o
tenham ligado por qualificações e pontos de direito em relação aos quais elas entendem
limitar o debate’ (tradução nossa).
52. Essa regra equivale à diretriz iura novit curia, segundo a qual o Judiciário não fica limitado
ao direito alegado pelos litigantes (embora, no Brasil, a regra sofra a exigência de prévia
intimação das partes, conforme o art. 10 do CPC/15).
53. ‘’Nascido o litígio as partes podem também nas mesmas matérias e sob a mesma condição,
conferir ao juiz a missão de decidir como árbitro que decide por equidade, com a reserva de
cabimento de apelação, salvo se expressamente renunciaram o uso deste recurso” (tradução
nossa).
54. Loic Cadiet. Los acuerdos procesales en derecho francés. Civil procedure review, v. 3, ago-
set. 2012, p. 21.
55. De forma análoga, também não se pode admitir a celebração de acordos que gerem pre-
juízos a terceiros, tais como os exemplificados por Antonio do Passo Cabral: “convenções
pelas quais as partes alteram o local dos atos processuais para for a da sede do juízo, o que
levaria juízes e servidores a deslocarem-se, com evidentes custos de transporte; convenção
588 Manual de Direito Processual Civil
Já em outro aspecto, por mais amplas que possam ser as convenções processuais,
não podem resultar em violação ao núcleo essencial das garantias processuais constitu-
cionais e infraconstitucionais. Isto é, as convenções processuais não podem macular de
forma absoluta e desproporcional o devido processo legal.56
Pense-se em primeiro lugar nos acordos sobre prazos processuais. A sua dilatação,
quando convencionada, não oferece maiores problemas, já que o próprio juiz pode ofi-
ciosamente aumentar prazos (art. 139, VI, do CPC/2015). A questão permanece sobre
negócios que prevejam a redução do tempo disponível para a desincumbência de ônus
processuais. É possível estabelecer, de antemão, que o prazo para contestar uma ação
será de dez dias, ou que a manifestação sobre documentos juntados pela parte contrá-
ria é de três dias? A resposta, em tese, é afirmativa. Não há impedimento legal para con-
venções desta natureza. O que não pode ocorrer é que, por conta da redução, restem
violados direitos como o do contraditório. Se, em um caso concreto, configurar-se essa
violação, não pode prosperar o negócio jurídico.
Por outro lado, como já dissemos, não é possível, de modo algum, que sejam firma-
das convenções visando a possibilitar o uso de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI da
CF/88), ou, ainda, que permitam a prolação de decisões judiciais não fundamentadas,
ou restrinjam a publicidade do processo fora das hipóteses legais (art. 93, IX, da CF/88).
Nessa mesma linha, exemplificativamente, a doutrina já identificou como limites –
não exaustivos – à convenção procedimental das partes: a) exclusão ou restrição da in-
tervenção do Ministério Público, quando esta é determinada por lei ou pela Constitui-
ção; b) a alteração de regras cuja inobservância conduz à incompetência absoluta; c) a
disposição sobre normas de organização judiciária; d) a dispensa das partes dos deveres
à litigância proba; f) a criação de sanções processuais por atos atentatórios à dignidade
da justiça ou por litigância de má-fé; g) a criação de recursos não previstos em lei; h) a
criação de hipóteses de ação rescisória e de outras medidas tendentes a desconstituir a
57. Flávio Luiz Yarshell. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era?
In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 73.
58. Antonio do Passo Cabral. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 269-271.
59. Cf. Robson Renault Godinho. A possibilidade de negócios jurídicos em matéria probatória.
In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 407-416.
60. Paulo Mendes de Oliveira. Negócios processuais e o duplo grau de jurisdição In Antonio
do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais. Salvador: JusPodivm,
2015, p. 417-441; Júlia Lipiani; Marília Siqueira. Negócios jurídico processuais sobre a
fase recursal. In Antonio do Passo Cabral; Pedro Henrique Nogueira. Negócios processuais.
Salvador: JusPodivm, 2015, p. 445-478.
61. “Juiz não ‘participa’ do acordo sobre calendarização. Ele se submete ao calendário se o
homologar, mas essa homologação é apenas um elemento integrativo de eficácia do negócio
jurídico. (Eduardo José Fonseca da Costa, Calendarização processual. In Alexandre Freire,
et. al. (org.) Novas tendências do processo civil, v. 1 Salvador: JusPodivm, 2014.
62. É possível, por exemplo, que seja o juiz a sugerir os prazos estabelecidos, e é mesmo neces-
sário que a designação de certos atos observem, por exemplo, as limitações impostas pela
pauta de audiências daquele juízo.
590 Manual de Direito Processual Civil
do citado art. 191 que o calendário vincula as partes e o juiz, e que os prazos nele pre-
vistos somente poderão ser alterados em casos excepcionais, devidamente justificados.
Através do calendário, pode haver dilatação ou redução de prazos processuais – ten-
do sempre em mente o que foi dito acima sobre a violação do devido processo legal. A
principal vantagem do calendário processual é a facilidade de gestão da unidade judi-
cial, pois a partir da fixação das datas, dispensa-se a intimação das partes para a prática
de atos processuais ou realização de audiências (art. 191, § 2º). Isso significa, na prática
forense, que o controle dos processos calendarizados poderá ocorrer com uma agenda,
não necessariamente através da movimentação dos autos (mesmo que eletrônicos) de
um a outro local.63 Economizam-se dessa maneira os serviços necessários à intimação,
e facilita-se o serviço cartorário.
O momento adequado para o estabelecimento de um calendário, imagina-se, é o da
audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC/2015), quando esta for rea-
lizada.64 Nada impede, no entanto, que o autor proponha o calendário – ou sugira a sua
realização – já na petição inicial, ou o réu na contestação, ou ainda que ambas as partes
apresentem em juízo uma manifestação conjunta. É de se imaginar, ainda, se é possível
que o próprio juiz sugira às partes os termos do calendário. O texto do art. 191 pare-
ce permitir essa possibilidade, e uma vez que todos concordem com as datas fixadas, o
acordo processual deve ser considerado válido.
A inovação trazida pelo calendário vem, naturalmente, acompanhada por alguns
desafios, a começar pelo da adaptação da logística cartorária ao sistema de agendamento
dos atos processuais. O maior obstáculo a ser superado diz respeito, contudo, à modi-
ficação da mentalidade dos profissionais do direito no sentido de deixar de aguardar o
impulso judicial para o prosseguimento do feito, utilizando-se uma programação pre-
viamente estabelecida.
Por fim, diga-se que o acordo dos sujeitos do processo a respeito do calendário vin-
cula as partes e o juiz, e apenas causas excepcionais supervenientes podem alterar os
termos previstos (art. 191, § 1º, do CPC/2015). Naturalmente, pode haver descum-
primentos justificados, na prática intempestiva de determinados atos. Apenas no caso
concreto poder-se-á analisar a justificação suficiente para as modificações do acordo
processual. Do contrário, caso se trate de descumprimento injustificado, ter-se-á como
extemporânea a prática do ato.
1. V. Helena Abdo, Comentário n° 3 ao Art. 250 do Código de Processo Civil in Breves Comen-
tários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr.,
Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016,
p. 741.
592 Manual de Direito Processual Civil
2. Para efeito de citação por Oficial de Justiça nos termos do art. 255 do CPC/2015 (citação
em comarcas contíguas) a Resolução nº 742/2016 do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo regulamentou a citação, no âmbito do tribunal, nas comarcas agrupadas (art. 5º) e
foros regionais (art, 4º), especialmente na região metropolitana de São Paulo, visando deixar
mais claro os casos em que os Juízos deverão praticar diretamente os atos e diligências do
processo e quando deverão deprecá-los.
3. Sobre o assim chamado “poder discricionário da autoridade judiciária” e a crítica que se
faz ao uso desta nomenclatura em sede da teoria geral do processo, v. nosso Arguição de
relevância no recurso extraordinário, p. 15 et seq., e, amplamente, Teresa Celina de Arruda
Alvim Wambier, Medida cautelar, mandado de segurança e ato judicial, 3ª ed., São Paulo:
RT, 1994, p. 121 et seq., e, Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito
direito e de ação rescisória, São Paulo: RT, 2002, pp. 350-388, e Os agravos no CPC brasi-
leiro, São Paulo: RT, 2005, n. 5.4.2. Esta “discricionariedade”, in casu, respeita à facilidade
da comunicação.
4. O CPC/1973 apenas mencionava os atos de citação e intimação, porém já havia inter-
pretação extensiva no sentido de que seria cabível a penhora nas comarcas contíguas,
o que acabou sendo adotado expressamente no CPC/2015. Neste sentido, antes mesmo
da modificação legal: RT 504/166; JUTACivSP 47/60 (m.v.), 62/108 e 72/217, admitindo
a aplicação do art. 230 à penhora. Na doutrina: Humberto Theodoro Júnior, Código de
Processo Civil anotado, Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 156. Em sentido contrário: J. C.
Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p. 240; Contra, em parte: JUTACivSP 63/72 (também publicada em Revista de Processo
[RePro] 19/298).
5. Carlos Augusto de Assis destaca, ainda, que até mesmo a condução coercitiva de testemu-
nha pode ser efetivada via carta arbitral (Carlos Augusto de Assis, Comentário ao art. 248,
José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano,
Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo Civil Anotado, 1ª ed.
Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 374).
Comunicação dos Atos Processuais 593
15.2. A citação
A citação, no direito brasileiro, é ato judicial, espécie de ato processual, sendo orde-
nada pelo juiz, sendo que toda a atividade que a antecede é realizada em juízo, pelo juiz
e pelos auxiliares da justiça, cumprindo ordens daquele.
A existência da citação, no início de cada ação, prende-se ao princípio da bilatera-
lidade da audiência, sendo uma exigência impostergável para a existência do processo
6. Sobre as modificações promovidas pela Lei 13.129/2015 na Lei de Arbitragem vide: Francisco
José Cahali; Thiago Rodovalho; Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a lei 13.129 de
26-05-2015. São Paulo: Saraiva, 2016.
7. Sobre a confidencialidade e publicidade nos atos relacionados ao juízo arbitral vide: José
Miguel Júdice, Confidencialidade e Publicidade. Reflexão a propósito da Reforma da Lei de
Arbitragem (Lei n. 13.129 de 25 de maio de 2015). In Francisco José Cahali; Thiago Rodo-
valho; Alexandre Freire, Arbitragem: estudos sobre a lei 13.129 de 26-05-2015. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 297 a 311.
8. Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.). Primeiros Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 260, p. 495.
9. Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Comentário ao art. 267 do Código de Processo de 2015 in
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte
de Oliveira Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo:
Forense, 2015, p. 786
10. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo
Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 285.
594 Manual de Direito Processual Civil
(em relação ao réu) a fim de que nele seja solucionado a lide (vide arts. 238, 330, 332
do CPC/2015). Antes da citação do réu já existe relação jurídica processual (processo)
tanto que pode esta ser extinta por improcedência liminar do pedido ou indeferimento
da petição inicial, por exemplo.
Tanto o autor quanto o réu devem ser devidamente ouvidos para terem suas razões
sopesadas pelo órgão julgador. Ora, o réu só poderá ser ouvido se tiver ciência da ação
que contra ele é movida e, a forma reconhecida como hábil a tanto, pelo sistema, é a ci-
tação, se bem que o comparecimento espontâneo do réu supre a sua falta ou nulidade
(art. 239, §1.º, do CPC/2015), fluindo, a partir desta data, o prazo para a apresentação
de contestação ou de embargos à execução. O comparecimento consubstancia a finali-
dade última da citação11, qual seja, a de dar ciência ao interessado da demanda e possi-
bilitar o exercício pleno do contraditório.12
Diversamente do CPC/1973, que preceituava que o réu deveria ser chamado aos au-
tos para o fim de “se defender” (art. 213 do CPC/1973), a redação do CPC/2015 apre-
senta uma evolução nos termos técnicos utilizados na conceituação, especificando que
a citação é “o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para in-
tegrar a relação processual” (art. 238 do CPC/2015). A alteração revela que o réu, exe-
cutado e o interessado são chamados para integrar a relação jurídica processual e não
para meramente se “esquivar” da pretensão em face dele exercida.13 A opção do códi-
11. STJ, AgInt no REsp 1.581.770/MS, 4ª T. j. 04.10.2016, rel. Min. Marco Buzzii, DJe 10.10.2016;
STJ, AgRg no Resp 1.483.563/SP, 3ª T. j. 10.03.2016, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
DJe 28.03.2016; STJ, EDcl na Pet 2516/DF 3ª Seção. j. 28.02.2007, rel. Min Arnaldo Esteves
Lima, DJ 26.03.2007; STJ, REsp 512.946/RJ, 3.ª T., j. 22.06.2004, rel. p/ acórdão Min. Nancy
Andrighi, DJ 30.08.2004, p. 281; STJ, REsp 514.304/MT, 3.ª T., j. 02.12.2003, rel. Min. Castro
Filho, DJ 19.12.2003, p. 460.
12. Neste sentido: “Um dos atos processuais mais relevantes é o ato da comunicação ao réu
(ou, como disposto no art. 238 ora estudado, ao executado ou ao interessado) de que foi
proposta ação judicial que diz respeito. Essa é a finalidade última do ato citatório: dar ciência
a alguém de que houve o pedido formulado perante o judiciário em seu desfavor (no caso
do réu ou executado) ou relativo a interesses seus no caso dos interessados).” (Teresa Arruda
Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil.
2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 458.)
13. Sobre a mudança, Antonio Carlos Marcato destaca que: “Ao estabelecer, em seu art. 213,
que a citação é ato pelo qual o réu ou interessado é chamado a defender-se, o CPC omite, de
um lado, a figura do executado e limita, de outro, as finalidades desse ato de comunicação
processual. Correta, portanto, a dicção do art. 238 do NCPC, ao dispor que a citação é o
ato pelo qual se convoca o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação proces-
sual. [...] Há, ainda, a possibilidade de vir a ser necessária a citação de terceiro estranho ao
processo, como no caso daquele que tenha a posse ou o documento a ser exibido em juízo
(art. 401). Finalmente, nem sempre o citando será chamado a defender-se, na dicção do
art. 213, mas sim para exercer outro direito ou faculdade, como, por exemplo, na execução
de alimentos fundada em título executivo extrajudicial, em que o executado é citado para,
no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento das prestações já vencidas antes do início da
execução e as que vierem a vencer no curso dela, provar que as quitou ou, então, justificar
a impossibilidade de quitá-las (NCPC, art. 911, caput, CPC, art. 733 e §§)“ (Antonio Carlos
Marcato, comentário ao art. 238 do CPC/2015 Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis,
Comunicação dos Atos Processuais 595
20. Corretamente ressalva Cassio Scarpinella Bueno que, “não havendo tal órgão – como sói
ocorrer com municípios e entidades administrativas – a citação deverá ser feita na pessoa
de quem represente o réu, observando-se o disposto nos incisos III e IV do art. 75.” (Cassio
Scarpinella Bueno, Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 189)
21. Daniel Amorim Assumpção Neves critica a ausência de sanção legal pelo descumprimento,
afirmando que: “somente se lamenta que o Novo Código de Processo Civil não tenha previsto
qualquer espécie de sanção às pessoas jurídicas que deixarem de cadastrar se endereço
eletrônico, sendo tal omissão apontada por parcela da doutrina como indicativo de ser
duvidosa a efetividade da importante novidade legislativa” (Daniel Amorim Assumpção
Neves, Manual Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 567.)
Comunicação dos Atos Processuais 597
22. Antes das modificações introduzidas no sistema processual civil de 1973 pela Lei 8.710/1993,
em geral mantidas no CPC/2015, a citação somente poderia ser feita pelo correio quando,
cumulativamente, o réu fosse comerciante ou industrial domiciliado, acionado no Brasil,
e a demanda respeitasse à sua profissão ou atividade (art. 222, com a redação original),
devendo tal modalidade ser requerida, pelo autor, expressamente com a petição inicial.
23. Já se decidiu, à luz da redação atribuída pela Lei 8.710/1993 do art. 222 do CPC/1973, que
não pode ser realizada pelo correio a citação em ação de investigação de paternidade, por
ser esta ação de estado, fazendo incidir, portanto, a vedação legal: TJDF, 2.ª T., 13.02.1995,
v.u., rel. Des. Paulo Evandro, IOB 3/11.197.
24. Assim pontuava Egas Dirceu Moniz de Aragão na vigência do CPC/1973, pregando uma in-
terpretação extensiva da interpretação do termo incapaz, quando se referia à citação. Assim
pontuava o autor: “a interpretação do sentido que deve ter o vocábulo incapaz empregado
no texto em foco impõe ao hermeneuta que não se atenha literalmente às regras gerais sobre
capacidade civil das pessoas, com que se preocupa a legislação material; exige-lhe considerar
motivos de oportunidade e conveniência de realizar-se a citação inicial pelo correio, no que
concerne às pessoas que lhe pareçam incapazes para o efeito processual a que o ato visa. A
análise da disposição contida na letra b não pode prescindir do subsídio fornecido pela regra
do art. 226, I, que determina ao oficial de justiça ler o mandado ao citando e, como óbvio,
explicar-lhe o respectivo significado (v. o n. 268). Por isso o conceito de ‘incapaz’ para os fins
previstos na disposição em foco não coincide com a noção que lhe é peculiar nas leis materiais.
Deflui da norma em exame, portanto, que no conceito processual de incapazes estão abrangidos
todos os que não possam, seja qual for o motivo, apreender adequadamente a correspondência
de que são destinatários e seu conteúdo” (Egas Dirceu Moniz Aragão, Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. II, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 193-194). Em igual sentido
também na vigência do CPC/1973: Daniel Francisco Mitidiero (Comentários ao Código de
Processo Civil, Tomo II, (Arts. 154 a 269), São Paulo: Memória Jurídica, 2005, p. 313).
25. No mesmo sentido, já na vigência do CPC/2015: Fredie Didier Jr. na vigência do CPC/2015
(Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e pro-
598 Manual de Direito Processual Civil
cesso de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, p. 615) e Luiz Guilherme Marinoni,
Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo Civil Comentado. São
Paulo: RT, 2015, p. 274-275.
26. O art. 75 do CPC/2015 estabelece que serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II – o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; III – o Município, por seu prefeito
ou procurador; IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente
federado designar; V – a massa falida, pelo administrador judicial; VI – a herança jacente
ou vacante, por seu curador; VII – o espólio, pelo inventariante; VIII – a pessoa jurídica, por
quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por
seus diretores; IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem
personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens; X – a pessoa
jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou
Comunicação dos Atos Processuais 599
Inovou o Código de Processo Civil de 2015 em relação à citação das partes ou inte-
ressados que são residentes ou domiciliadas em condomínios edilícios ou em loteamen-
tos fechados com controle de acesso. Preveem os arts. 248, § 4º e 252, parágrafo único,
do CPC/2015, que, nestas hipóteses, será considerada válida a entrega do mandado a
funcionário da portaria responsável pelo recebimento da correspondência. A disposi-
ção legal permite que a citação se dê em pessoa diversa da citada, sendo afastada a pes-
soalidade do ato de citação, com a presunção do recebimento pela parte interessada. A
partir de então, o funcionário da portaria, responsável pelo recebimento da correspon-
dência, que não possui qualquer relação direta de mandato, representação, gestão ou
de emprego com o citando (visto que é o funcionário do condomínio ou do gestor do
loteamento), poderá receber citação em seu nome, sendo de sua integral responsabili-
dade o encaminhamento ao destinatário.
A alteração foi no sentido do que já previa o art. 22 da Lei 6.538/197831, que dispõe
sobre o serviço postal, em relação aos objetos de correspondência endereçados às uni-
dades autônomas dos condomínios. Mais especificamente preceitua o artigo que “os
responsáveis pelos edifícios, sejam administradores, os gerentes, os porteiros, zeladores ou
empregados são credenciados a receber objetos de correspondência endereçados a qualquer
de suas unidades, respondendo pelo seu extravio ou violação”.
A modificação da legislação processual, de certa forma, é controversa, visto que, a
doutrina e a jurisprudência brasileiras haviam caminhado no sentido de que, nas de-
mandas regidas pelo CPC/1973, a citação postal da pessoa física deveria ser efetivamente
comprovada, dependendo sua validade da assinatura do aviso de recebimento da carta
pelo destinatário. Com exemplo, cita-se que o Superior Tribunal de Justiça, quando da
vigência do Código de Processo Civil de 1973, já entendeu, em algumas oportunidades,
que a citação, mesmo sendo realizada nos condomínios e loteamentos com controle
de acesso, deve ser pessoal. Mais especificamente, no julgamento do EREsp 117.949/
SP, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que admitir-se a presunção de recebimen-
to da carta de citação, deixando ao citando o encargo de provar o seu não recebimento,
não se coadunaria com a natureza do ato citatório, com riscos de lesão gravíssima ao
demandado, “considerando a deficiência dos chamados serviços de portaria nos edifícios
condomínios”.32
Mostrava-se presente nas demandas que evolviam a controvérsia a preocupação em
relação ao ônus da prova, em face da dificuldade na produção da prova de que a cita-
ção não foi efetivamente recebida, ou seja, da prova da inocorrência de um fato. Dian-
te disso, as decisões caminharam no sentido de atribuir à parte contrária da demanda,
interessada no reconhecimento da validade da citação, o ônus da prova em relação à
31. Neste sentido indica Helena Abdo, Comentário nº 3 ao Art. 248 do Código de Processo Civil
in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier,
Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. São Paulo: RT,
2016, p. 741.
32. STJ, REsp 117.949/SP, rel. Min. Carlos Alberto, DJ 26.09.2005.
Comunicação dos Atos Processuais 601
demonstração da efetiva ciência por parte do citando33. Caso não houvesse elementos
que indicassem a ciência da demanda, deveria ser reconhecida a invalidade da citação
realizada pelo correio.
No entanto, a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça não era unís-
sona neste sentido, sendo possível encontrar julgados em sentido diverso, reconhecen-
do a validade da citação.34 Não raras, também, eram as decisões de Segunda Instância
que reconheciam a validade das citações realizadas por correio, quando assinadas pe-
los funcionários responsáveis pelo recebimento das correspondências de condomínios
edilícios e loteamentos fechados, ainda na vigência do CPC/197335.
Cumpre atentar, ademais, para a ressalva de que o Superior Tribunal de Justiça tam-
bém já se havia posicionado de modo favorável à possibilidade de recebimento da ci-
tação por terceiros, no endereço da parte interessada, para demandas que seguissem o
procedimento da Lei 6.830/1980, que trata das Execuções Fiscais, visto que o art. 8º da
norma especial não exigia que o recebimento fosse em nome do demandado, bastan-
do a entrega realizada no endereço do executado.36 Diante desta decisão, apontam al-
guns autores37 que o óbice restava unicamente relacionado à literalidade do art. 223 do
CPC/1973, que estaria agora superado no caso dos condomínios e loteamentos fechados.
Diante da clareza do CPC/2015, que contém uma disposição legal específica para a
citação de pessoas físicas em condomínios edilícios e loteamentos fechados com con-
trole de acesso, a orientação jurisprudencial provavelmente será pacificada, para admi-
tir uma presunção iuris tantum de que a citação nestes casos é valida, sendo transferido
ao citado o ônus de comprovar qualquer possível invalidade existente.
O funcionário do condomínio ou loteamento fechado, no entanto, não estará obriga-
do ao recebimento, podendo recusá-lo, se declarar, por escrito, que o destinatário da cor-
33. STJ, REsp 164.661/SP, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ. 16.08.1999, constando
no voto do relator que: “Se o recebimento da carta citatória for assinado por outra pessoa,
que não o próprio citando, e não havendo contestação, o autor tem o ônus de demonstrar
que o réu, ainda que não tenha assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe
foi ajuizada”.
34. STJ, REsp 373.841/SP, 3.ª T. j. 14.05.2002, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 24.06.2002
35. TJ/SP, EDecl 0001120-68.2016.8.26.0309/5000, 32.ª Câmara de Direito Privado, j.
17.11.2016, rel. Des. Ruy Coppola, TJ/SP, AI 2131234-18.2016.8.26.0000, 30.ª Câmara
de Direito Priv j. 05.10.2016, rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti, registrado em 12.10.2016; TJ/
SP, Ap 0010275-58.2010.8.26.0066, 30.ª Câmara de Direito Privado, j. 16.12.2015, rel.
Des. Maria Lúcia Pizzotti; registro 18.12.2015; TJ/SP, AI 0200870-47.2012.8.26.0000, 5.ª
Câmara de Direito Privado, j. 24.10.2012, rel. Des. J.L Mônaco da Silva; TJ/SP, AI 0030706-
64.2003.8.26.0000, 5.ª Câmara (Extinto 2º Tac), j. 10.03.2004. rel. Des. Pereira Calças,
registro 19.03.2004;
36. REsp 989.777/RJ, 2.ª T. j. 24.06.2008, rel. Min. Eliana Calmon, DJE 18.08.2008 e REsp
713.831/SP, j. 19.05.2005, publicado em 01.08.2005,
37. Neste sentido Irapuã Santana, comentário ao art. 248 do Código de Processo Civil, in
Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite
(Coordenadores), Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo:
Saraiva, 2016. p. 321
602 Manual de Direito Processual Civil
respondência está ausente (art. 248, § 4º, parte final, do CPC/2015). Está previsto, por-
tanto, um impedimento ao recebimento da citação, caso, por exemplo, o demandado se
tenha mudado ou esteja ausente do imóvel, o que impediria o encaminhamento da carta
pelo responsável, em tempo hábil, à parte a que se destina. A afirmação do funcionário da
portaria de que o destinatário está ausente possui uma presunção relativa de veracidade,
apontando alguns autores que poderá ser infirmada pelo próprio funcionário do correio38.
Ademais, necessário destacar que o funcionário responsável pelo recebimento das
correspondências pode não ter ciência de que o morador demandado está ausente, seja
em razão da falta de comunicação do morador à administração do condomínio ou do
loteamento (afinal, não se pode presumir que o residente tem a obrigação de informar
todos os seus planos de viagem ou ausência à administração do condomínio ou do lo-
teamento fechado), seja em razão do funcionário não ter condições de acompanhar a
movimentação do dia a dia do morador citando, ou em razão de, seus habituais horá-
rios de entrada e saída ocorrerem em turnos distintos.39
O CPC/2015, ao prever expressamente esta possibilidade de efetivação da citação,
não afastou o risco de equívoco já demonstrado. Porém, o comando normativo esta-
tuiu uma presunção iuris tantum, antes inexistente, que poderá ser desconstituída pelo
interessado demandado, sendo seu ônus demonstrar que não recebeu a citação, jun-
tando, por exemplo, documentação que demonstre, de forma hábil, que estava fora do
país; que não estava residindo no imóvel; que estava ausente por longo período; que
houve extravio da correspondência, dentre outras situações que deverão ser analisadas
casuisticamente. 40
38. Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código
de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793. Comentário 6º ao art. 248.
39. Daniel Amorim Assumpção critica o procedimento previsto pelo CPC/2015, destacando
algumas dúvidas que podem surgir em razão da nova previsão legal: “Essa realidade é ex-
cepcionada pelo art. 248, § 4º, do Novo CPC ao prever que, nos condomínios edilícios ou
nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da
portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar
o recebimento, se declarar, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está
ausente. Tenho extrema dificuldade em imaginar o preenchimento dos requisitos legais no
caso concreto, sendo difícil de acreditar que o carteiro tenha conhecimento de tais requisitos
e os transmita ao funcionário da portaria. E ainda que isso ocorra, pergunta-se: exatamente
como deve o carteiro materializar a declaração por escrito pelo funcionário da portaria de
que o réu não está? E caso exista realmente a declaração, como o carteiro deverá proceder
para que ela seja juntada aos autos? (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual Direito
Processual Civil. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 560)
40. Diante disso, Carlos Augusto de Assis destaca que: ”é natural que a prática acabe gerando
alguma confusão, sobretudo no começo da aplicação do CPC/2015. Recomenda-se que
as normas regulamentares dos condomínios sejam bastante minuciosas para não acarretar
inconvenientes para os moradores, com possíveis repercussões para o próprio condomínio.
Normalmente os condomínios edilícios têm um caderno de controle de correspondências
registradas. A presença deste tipo de controle será ainda mais necessária. Ademais, seria
oportuno estabelecer regra interna no sentido de que o morador, quando for se ausentar
por alguns dias, deve comunicar formalmente à portaria tal fato.” (Carlos Augusto de Assis,
Comunicação dos Atos Processuais 603
Há, portanto, para os casos indicados acima, autorização legal para recebimen-
to de citação por carta (arts. 242, caput, segunda parte e §§ 1º e 2º, 248, §§ 1º e 2º do
CPC/2015)41, embora confinada a certos e determinados atos, em conformidade com
as hipóteses legais indicadas.
Comentário ao art. 248, José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de
Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo
Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 374).
41. Após realizar diversos questionamentos acerca do procedimento, Daniel Assumpção indica
que se trata de uma nova modalidade de citação ficta, expressando que: “São realmente
muitas dúvidas práticas a respeito do preenchimento dos requisitos previstos em lei, mas
sendo realizada a citação via postal nos termos do art. 284, § 4.º, do novo CPC, ter-se-á uma
singular hipótese se citação ficta, porque nesse caso não se pode dizer que o réu tenha, com
certeza, ciência da existência do processo. E tampouco pode se fazer uma analogia com a
ficção jurídica criada para a citação da pessoa jurídica prevista no art. 248, § 2.º do novo
CPC. Não vejo como comparar o risco assumido pela pessoa jurídica em colocar funcio-
nário incapacitado para receber a correspondência e a relação existente entre condômino
e o porteiro. Tratando-se de citação ficta, caso o réu não apresente defesa por advogado
devidamente constituído a ele será indicado curador especial que terá o múnus público
de elaborá-la (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual Direito Processual Civil. 8ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 560).
42. Na vigência do CPC/1973, já se decidiu que a só inobservância do disposto no art. 226, III,
do CPC/1973 (obter a nota de ciente, ou certificar que o réu não a apôs no mandado) não
604 Manual de Direito Processual Civil
A citação pessoal também poderá ser feita na pessoa do representante legal ou pro-
curador do citando, mas, na ausência do citando, poderá ser realizada a citação na pes-
soa do seu mandatário (sem poderes especiais), administrador, preposto, ou gerente,
quando a ação se originar de atos por eles praticados (art. 242, § 1º, do CPC/2015), bem
como do locador que se ausentar do país na pessoa do administrador do imóvel respon-
sável pelo recebimento dos aluguéis (art. 242, § 2º, do CPC/2015).
Como ato processual que é, a citação se deve realizar nos dias úteis, quais sejam, os
dias em que há expediente forense43, das 06 às 20 horas (art. 212, caput, do CPC/2015).
Podem ser concluídos após as 20 horas aqueles atos, inclusive a citação, que já estejam
sendo praticados e cuja cessação possa prejudicar a diligência ou, ainda, causar gra-
ve dano. Excepcionalmente e mediante autorização do juiz, poderá realizar-se aos do-
mingos e feriados ou fora do horário estabelecido pela lei, tendo-se presente, todavia,
o art. 5º, XI, da CF/1988 (art. 212, e § 2º do CPC/2015).
deixa de consignar na certidão os horários em que realizou as diligências” (STJ, REsp 468.249/
SP, 3.ª T., j. 05.08.2003, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01.09.2003, p. 281). Neste sentido
também: Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, p. 618.
45. REsp 1403912/RJ, REsp 687.115/GO, 3.ª T. rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.2007,
DJ 01.08.2007; STJ, REsp 468.249/SP, 3.ª T., j. 05.08.2003, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ
01.09.2003, p. 281.
46. V. TJ/SP, Ap 1008519-16.2015.8.26.0003, 30ª Câmara de Direito Privado, j. 09.11.2016,
rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti, registro 17.11.2016, em que foi considerado regular o rece-
bimento da carta pelo porteiro de condomínio edilício em razão do conteúdo do art. 248
§ 4.º do CPC/2015.
47. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/35; Tratado de direito processual
civil, vol. 2, comentários ao art. 9.º; Rita Gianesini, Da revelia no processo civil, p. 96-104
606 Manual de Direito Processual Civil
e Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 943. Comentários 6 e 7 ao art. 341
48. André Roque, Comentários ao art. 256 do Código de Processo Civil de 2015, in Fernando
da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral. São Paulo: Forense,
2015, p. 759.
49. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery indicam, ainda, que “Tem-se por inacessível o réu que
encontra-se em local não alcançado pela rede de transporte habitual ou que se encontra
em país que recusa o cumprimento de cartas rogatórias” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793.
Comentário 4 ao art. 256)
50. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery criticam a ausência de previsão da veiculação da noticia
pela internet, pontuando que: “A notícia da citação por rádio é a maneira de viabilizar a
apresentação do réu. O artigo falha quando deixa de mencionar a internet como meio viável
de informação da citação, especialmente no caso em que o réu se encontra em país que
recusa o cumprimento da rogatória, em website local, e não apenas naquele atrelado ao
tribunal a que se subordina o juízo (CPC/257). (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793. Comentário 4
ao art. 256)
Comunicação dos Atos Processuais 607
a citação (art. 280 do CPC/2015), devendo ser realizada uma nova tentativa de citação,
nos termos legalmente previstos, caso a parte prejudicada não tenha comparecido aos
autos, suprindo esta necessidade (por exemplo, quando a inverdade nas alegações do
autor for demonstrada por um corréu)51.
Incumbe ao autor, que afirmou encontrar-se o citando em lugar incerto e não sabi-
do, explicar e comprovar, na medida do possível, que realmente ignorava seu paradei-
ro, quando da citação por edital. Ademais, recomenda-se que o autor realize todos os
atos necessários para tentar localizar o citando, especialmente a busca de informações
por meio dos convênios celebrados pelo Poder Judiciário para a troca de informações,
como o INFOJUD e o BACENJUD, bem como a expedição de ofícios e demais atos que
se mostrem pertinentes, conforme exija o caso concreto. 52-53
O importante é que no momento da citação estejam presentes todos os requisitos
legais. No entanto, se o citando, à época da citação, tinha domicílio conhecido, deve
ser reconhecida a nulidade da citação por inobservância dos requisitos legais (art. 280 do
CPC/2015).
Também está prevista a publicação de edital para as ações de usucapião de imóvel,
na ação de recuperação ou substituição de título ao portador e, ainda, em qualquer ação
51. V. Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo
Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: RT, 2016, p. 131.
52. É possível encontrar na jurisprudência mais recente a possibilidade da citação por edital
após o exaurimento de todos os meios de localização do réu/executado: STJ, AgRg no AREsp
119.396 2ª T., j. 13.3.2016, rel. Min. Assusete Magalhães. DJ. 17.3.2016; STJ AgRg no AREsp
682.744, 3ª T. j. 14.11.2016, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 1.12.2015; STJ AgRg no
REsp 1.559.927, 2ª T. j. 19.11.2015, rel. Min. Humberto Martins, DJ 27.11.2015; STJ, REsp
653.480/MG, 2.ª T., j. 1.9.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 17.10.2005 p. 258;
STJ REsp 684.811/MG, 5.ª T., j. 9.8.2005, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 5.9.2005 p. 469; STJ, AgRg
no REsp 597.981/PR, 1.ª T., j. 1.6.2004, rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.6.2004, p. 203. Todavia,
se não forem esgotados todos os meios, nula será considerada a citação: TJ/SP, Apelação nº
0047193-14.2010.8.26.0114, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 10.11.2016, rel. Des. Bonilha
Filho, registro. 11.11.2016; TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 0141521-07.2012.8.26.0100,
25ª Câmara de Direito Privado, j. 5.5.2016, rel. Des. Hugo Crepaldi. registro 5.5.2016. V.
também: Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 257, p. 491.
53. Nos termos já decididos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é de rigor a realização
de todos os atos necessários e aptos a esgotarem os meios para encontrar a parte, dentre eles,
a expedição de ofícios para a DRF, empresas de telefonia, SERASA, INFOJUD, BACENJUD,
RENANJUD, repartições públicas, concessionárias de serviços públicos, entre outros (TJ/SP,
Agravo de Instrumento nº 2043960-84.2014.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, j.
09.04.2014, rel. Des. Bonilha Filho). Todavia, a mesma câmara com a mesma composição
de julgadores, em momento posterior, decidiu que é possível a citação por Edital ainda que
não tenham sido realizadas as pesquisas pelos sistemas Infojud e Bacenjud para a obtenção
de possíveis endereços, quando a parte requerente não tiver conhecimento do número de
CPF/MF da parte requerida, visto que, a ausência do documento inviabilizaria a pesquisa
(TJ/SP Ap. Apelação nº 0010995-26.2009.8.26.0562, 26ª Câmara de Direito Privado, j.
17.12.2016, re. Des. Bonilha Filho).
608 Manual de Direito Processual Civil
54. Destacam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero que estas
modalidades são classificadas como citação por edital essencial, visto que ela decorre da
especificidade do direito material debatido em juízo, sendo essência do procedimento que
visa a sua tutela. Nas demais hipóteses, em que o edital não decorre do procedimento es-
pecificamente previsto, mas sim pelas circircunstâncias relacionadas à citação (v.g réu em
local incerto e não sabido), ter-se-á a citação por edital acidental. (Luiz Guilherme Marinoni,
Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos
mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016,
p. 131.
55. André Roque, Comentários ao art. 256 do Código de Processo Civil de 2015, in Fernando
da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral. São Paulo: Forense,
2015, p. 773.
56. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Curso de Processo
Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. 2ª ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: RT, 2016, p. 131.
57. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comentado, vol. 2/35, Tratado de direito processual
civil, vol. 2, comentários ao art. 9.º, Rita Gianesini, Da revelia no processo civil, p. 96-104
Comunicação dos Atos Processuais 609
e Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 943. Comentários 6 e 7 ao art. 341
58. O CPC/1973 não previa expressamente a citação pelo escrivão ou chefe de secretaria, em-
bora a hipótese fosse admitida na prática forense, especialmente considerando que havia
previsão específica para a realização da intimação pelo escrivão ou chefe de secretaria
(art. 238 do CPC/1973). v. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do Novo
CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 324.
59. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015.
p. 751.
60. Cristiano Chaves de Farias, comentário ao Art. 695 do Código de Processo Civil, in Angélica
Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite (Coordena-
dores), Comentários ao Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Saraiva,
2016. p. 796.
61. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793; e André Vasconcelos Roque, Comentários ao art. 694 do
Código de Processo Civil de 2015, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André
Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte, Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sen-
tença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2016. p. 1.178.
62. Guilherme Rizzo Amaral indica, ainda, como justificativa para a ausência dos dados, o res-
guardo da intimidade das partes perante terceiros como o oficial de justiça ou alguém que
610 Manual de Direito Processual Civil
venha a receber a citação pelo réu. V. Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações
do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 751.
63. Destaca Paulo Osternack Amaral que “o regramento ora positivado infirma o entendimento
já manifestado pelo STJ, segundo o qual não seria necessária a intimação das partes acerca
da alteração do destinatário da carta – bastado a intimação da sua expedição –, pois seria
o ônus das partes o acompanhamento da tramitação das cartas (STJ, RHC 13.466/SP, 6ª T.,
j. 17.12.2002, rel. Min Fernando Gonçalves, DJ 17.02.2003, p. 368). Com efeito, a regra
contida no parágrafo único do art. 262 do CPC/2015 é mais adequada e consentânea com
as garantias constitucionais do processo. (Paulo Osternack Amaral, Comentário n° 2 ao Art.
262 do Código de Processo Civil in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil,
Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coorde-
nadores). 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016, p. 757)
64. Para fins ilustrativos desta controvérsia, no sentido de que era possível ao juiz determinar
a citação pelo correio além dos limites de sua jurisdição, cf.: JUTACivSP 52/67, 54/25,
65/109, 68/20 e 84/26; RT 522/138 e 537/157. V., ainda, a opinião do autor manifestada por
ocasião da realização do V Curso de Especialização em Direito Processual Civil/PUC-SP,
em 21.10.1975, publicada na Revista de Processo [RePro] 5/177, e também a concl. VI, por
maioria, do Simpósio de Curitiba/1975; RT 482/270. Em sentido contrário: Clito Fornaciari
Júnior, Citação pelo correio, Revista de Processo [RePro] 3/40 e 5/178 (aqui em opinião
manifestada por ocasião da realização do V Curso de Especialização em Direito Processual
Civil/PUC-SP, 21.10.1975); Carlos Alberto Chaves, Da citação postal, RT 520/42; Alcides
de Mendonça Lima, Direito processual civil, p. 39. Na jurisprudência, v. RT 519/109.
Comunicação dos Atos Processuais 611
65. O inc. I do art. 217 do CPC/1973, antes da edição da Lei 8.952/1994 lhe atribuir nova
redação, continha uma regra no sentido de que também não poderia ocorrer a citação do
funcionário público na repartição em que trabalhasse, salvo a ocorrência do caso excep-
cional já apontado. O CPC/2015, acompanhando o espirito da Lei 8.952/1994, também
não previu a hipótese como impedimento à citação.
66. Maurício Requião, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e Interdição. Coor-
denador Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2016. p. 162
67. Alexandre Câmara destaca que: “[o] art. 245, § 3 º, o qual deve ser interpretado à luz do
Estatuto da Pessoa com Deficiência, por força do qual pessoas mentalmente enfermas que
sejam capazes de expressar vontade passam a ser tratadas como pessoas capazes, motivo
pelo qual se deve interpretar este dispositivo no sentido de que ele se refere a pessoas que não
tenham condições – ainda que civilmente capazes – de compreender a citação” (Alexandre
Câmara, O Novo Processo Civil Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 142). Em sentido
parecido, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da
Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello apontam que: “a expressão ‘mentalmente
incapaz’, evidentemente, refere-se àquele que não tem discernimento suficiente, em virtude
de qualquer deficiência mental perene (síndrome de Down, por exemplo) ou passageira
612 Manual de Direito Processual Civil
(crise de abstinência de um toxicômano, v.g.) que lhe restrinja ou anule a compreensão das
coisas. ” (Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 245, p. 475)
68. Neste sentido: José Alexandre Manzano Oliani, Comentário nº 1 ao Art. 245 do Código de
Processo Civil in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coordenadores). 2ª ed. rev. e
atual. São Paulo: RT, 2016, p. 735
Comunicação dos Atos Processuais 613
69. Nesse sentido já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça à luz dos dispositivos do
CPC/1973: STJ, AgInt no AREsp 751.490/MS, 2.ª T. j. 16.06.2016, rel. Min. Assusete Maga-
lhães, DJe 24.06.2016; STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 690.857/PR, 3.ª T. j. 10.05.2016. rel.
Min. Marco Aurélio Belize, DJe 04.03.2016.
70. Antes mesmo da vigência do CPC/2015, alguns julgados apontavam no sentido de que o
art. 191 do CPC/1973 não seria aplicável aos processos que tramitavam pela via eletrônica.
Neste sentido: REsp 1.488.590/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 14.04.2015,
DJe 23.04.2015 e AI 0084668-50.2013.8.26.0000, TJ/SP, 30ª Câmara de Direito Privado, j.
31.07.2013.
614 Manual de Direito Processual Civil
71. Mas especificamente sobre o tema vide o capítulo sobre Audiência de Conciliação e
Mediação.
72. Art. 232. Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização
da citação ou da intimação será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juiz
deprecado ao juiz deprecante.
73. A hipótese do início do prazo para contestação, contado do início da comunicação da cita-
ção realizada por carta precatória, já estava prevista no CPC/1973, mais especificamente no
art. 738, § 2.º, com a redação atribuída pela Lei 11.382, de 2006, sendo, no entanto, restrita
ao processo de execução. O CPC/2015 ampliou a hipótese para os demais procedimentos.
74. Antes previsão expressa da hipótese no art. 231 inciso VIII do CPC/2015, já se decidiu nesse
sentido: RJTJSP 44/237.
Comunicação dos Atos Processuais 615
Na hipótese de a citação se dar por edital, o prazo fixado para o edital não se con-
funde com o prazo para a resposta do réu, entendendo-se que o prazo para a resposta
tem início quando findo o prazo de divulgação do edital75 (art. 231, IV, do CPC/2015)
que se refere ao fim da “dilação assinada pelo juiz”).
Prudente a ressalva de que, na vigência do CPC/1973, a jurisprudência conside-
rava, como justa causa para fins de prorrogação do prazo da defesa/resposta, o lapso
cartorário consistente na anotação, no mandado de citação, de prazo maior do que
aquele de que disporia o réu para responder à ação.76 Agrega-se como argumento que
a menção ao prazo para defesa no mandado era obrigatória, sob pena de nulidade,
conforme dispunha o art. 225, inciso II do CPC/1973 (equivalente ao que prevê o
art. 250, inciso II do CPC/2015), sendo que qualquer equívoco que traga prejuízo às
partes deve gerar nulidade. Outrossim, nos parece que o espírito do CPC/2015 refor-
ça este entendimento, especialmente considerando os princípios da boa-fé processual
(expressado, por exemplo no art. 5º, atingindo a todos que participam do processo)
e cooperação entre todos os sujeitos do processo (art. 6º do CPC/2015)77, devendo-
-se, excepcionalmente, considerar o prazo diferenciado constante no mandado para
fins de tempestividade.
79. Neste sentido: Bruno Silveira de Oliveira, Comentário ao Art. 59 do Código de Processo Civil
in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier,
Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini, Bruno Dantas (coord). 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 733.
80. O art. 202, I, do Código Civil prevê que a interrupção da prescrição se opera pelo despacho
que determina a citação, ainda que o juízo seja incompetente. Em suas palavras: “Art. 202. A
interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho
do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo
e na forma da lei processual;”.
81. Mais especificamente sobre a interrupção da prescrição e a obstaculização da decadência
vide item próprio no capítulo Tempo e Prazo do Processo.
Comunicação dos Atos Processuais 617
pressupostos fáticos que autorizam a escolha do meio pelo qual foi feita, desde que
não alcance seus efeitos práticos e se verifique prejuízo. Por exemplo, quando o ci-
tando é o Estado, a falta de advertência no mandado de citação quanto às consequên-
cias da falta de contestação é um defeito inócuo, para o fim do art. 344 do CPC/2015
(revelia), pois não incide na hipótese; irrelevante, pois, tenha sido, ou não, observa-
do o art. 250, II do CPC/2015 (exigência que do mandado conste a menção do prazo
para contestar).
Há posições, no sentido de que a ausência desta advertência torna nula a cita-
ção e impede, a fortiori, que se produza(m) o(s) efeito(s) da revelia. Neste caso a lei
comina de nulidade.82 Se a ação, pois, não vier a ser contestada, haverá revelia e, em
nosso sentir, nulidade (desde que ocorrente prejuízo). A fortiori, incogitável a incidên-
cia do art. 344 do CPC/2015, da revelia, para cuja incidência e consequente aplicação
se faz essencial que tenha sido observado o disposto no art. 250, II do CPC/2015. Invi-
ável em face da peremptoriedade do art. 280, do CPC/2015, fazer a distinção entre
a não observância das prescrições legais. O critério central, todavia, para bem decidir
é o do prejuízo, inafastável como diretriz imanente à solução correta embora com refe-
ribilidade a hipótese particular.
De qualquer forma, e, como regra, inocorrente prejuízo, não há que se dar pela nulida-
de , especialmente considerando o disposto nos arts. 239 § 1º e 282, § 1º do CPC/2015,
83
82. Neste sentido há tempos se consolidou a jurisprudência do STJ: REsp 10.137/MG, rel. Min.
Athos Carneiro, DJ 12.08.1991; REsp 30.222-9/PE, rel. Min. José Dantas, DJ 15.02.1993;
REsp 35.250-9/MA, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 30.08.1993, todos citados por Sálvio
de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 184-185., caminhando a jurisprudência
atual o mesmo posicionamento, inclusive referindo às decisões do STJ. Neste sentido vide: TJ/
SP, Apelação nº 0002393-90.2008.8.26.0106, 12ª Câmara de Direito Privado, j. 13.05.2015,
rel. Des. Cerqueira Leite, DJe 01.06.2015. Em sentido diverso, no entanto, já decidiu o STJ,
deixando de reconhecer a nulidade pois a empresa ré é de grande porte, com departamento
jurídico, representação judicial adequada e grande quantidade de processos em andamento
na justiça. Restou consignado na ementa do mencionado acórdão que: “A decretação de
nulidade seria admissível caso comprovado o dano a quem o suscita. Ocorreria, por exem-
plo, na hipótese de réu humilde, sem experiência da lide jurisdicional, que eventualmente
tardasse a procurar aconselhamento especializado de advogado”(REsp 1.130.335/RJ, 2ª T.
j. 18.02.2010, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 04.03.2010
83. V. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo:
RT, 2014, pp. 128 –181, especialmente pp. 169– 173.
84. V. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 824, Comentário ao art. 280.
Comunicação dos Atos Processuais 619
15.3. As intimações
Intimação, segundo a definição do art. 269 do CPC/2015, é o ato pelo qual se dá ci-
ência a alguém dos atos e dos termos do processo. Impõe o CPC/2015 que as intimações
realizem-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.
Diante da preferência adotada, impõe o § 1º do art. 246 do CPC/2015 que as em-
presas públicas e privadas têm que manter cadastro nos sistemas de processo em au-
tos eletrônicos, para efeitos de recebimento de citações e intimações, as quais serão
efetuadas preferencialmente por este meio. Igualmente também estão obrigados a
manter o cadastro o Ministério Público e a Defensoria Pública (paragrafo único do
art. 270 do CPC/2015). Apenas estão dispensadas desta obrigação as microempresas
e as empresas de pequeno porte, em razão de disposição legal expressa (art. 246 § 1º
do CPC/2015).
Excetuada a intimação eletrônica, ainda em implementação pelos tribunais, pode-
-se dizer que, quase sempre, as intimações são feitas aos advogados, pois são esses que
possuem aptidão para a prática de atos processuais85. No entanto, a lei contempla algu-
mas hipóteses em que a intimação deve ser feita à parte, pessoalmente, como se dá com a
intimação prevista no § 1.º do art. 485 (intimação para promover o andamento do pro-
cesso sob pena de extinção, no prazo de 5 dias).86
Se, porventura, a intimação foi feita pessoalmente à parte, quando deveria ter sido
ao advogado, e se não se tomam as providências nela recomendadas, não se pode, com
base neste fato, computar o prazo de abandono do processo, vindo-se a extingui-lo sem
resolução de mérito.
As intimações são feitas no curso do processo, quando não realizadas por meio ele-
trônico, pela publicação no órgão oficial da Justiça (art. 272, caput do CPC/2015), que,
atualmente, pode ser inclusive o Diário Oficial Eletrônico. Caso seja inviável a intima-
ção eletrônica e ainda não houver na localidade publicação em órgão oficial, terá o es-
crivão ou chefe de secretaria de intimar de todos os atos do processo pessoalmente os
advogados das partes, se tiverem domicílio na sede do juízo (art. 273, I do CPC/2015),
ou por carta registrada com aviso de recebimento, caso o domicílio profissional do ad-
vogado seja fora do juízo (art. 273, II do CPC/2015).
A intimação do Ministério Público também deverá ser feita pessoalmente (art. 180,
caput cc § 1º do art. 183), havendo a impossibilidade acima. O início do prazo para o
Ministério Público se inicia a partir da intimação. Para este fim, a jurisprudência do STF
considera que “a entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público,
formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar
85. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: RT, 2015, p. 809, Comentários ao art. 269.
86. Sob a égide do CPC/1973 foram proferidas, inclusive, decisões que admitem a intimação
por edital por aplicação analógica dos arts. 231 a 233 do CPC/1973 (que previam as hipó-
teses de citação por edital). (JUTACivSP 87/52, 302 e 432. Ainda: RT 648/151; JTA 90/395
e 104/194.)
620 Manual de Direito Processual Civil
a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial”,87 sendo esta orientação
acompanhada pela jurisprudência do STJ, conforme se extrai da ementa de julgado
proferido pela Corte Especial: “A entrega de processo em setor administrativo do Mi-
nistério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal,
cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial.”88 O § 6º
do art. 272 do CPC/2015 veio consolidar este entendimento, considerando válida a in-
timação realizada em razão da retirada dos autos de cartório por pessoa credenciada.
No entanto, já se decidiu antes da Constituição Federal de 1988, corretamente, a
nosso ver, pela desnecessidade da intimação pessoal quando o Ministério Público atu-
ava como procurador judicial da União,89 pois nesta hipótese a sua função era a de um
advogado. Todavia, ainda que funcionando como advogado, haveria de ser pessoalmen-
te intimado em execução fiscal (art. 25 da Lei 6.830/1980).90
Lembremos, todavia, que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
como visto longamente nos capítulos anteriores, já não é mais possível que a represen-
tação judicial ou extrajudicial da União (ou de qualquer outra pessoa de direito público)
possa ser feita pelo Ministério Público. Para tal finalidade, a mais recente Carta Cons-
titucional criou a Advocacia-Geral da União. Seus membros, como determina o art. 6º,
caput, da Lei 9.028/1995, deverão ser intimados dos atos processuais pessoalmente.
Os prazos para a prática de atos têm início da intimação ou notificação (art. 230,
caput, do CPC/2015), aplicando-se a regra da exclusão do dia do início e inclusão do dia
final. Consideram-se realizadas as intimações, ademais, no primeiro dia útil seguinte,
87. STF, RE 213121 AgR/SP, 1ª T. j. 21.10.2008, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 06.03.2009. No
mesmo sentido: STF, HC 83.255/SP, j. 05.11.2003, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.03.2004,
p. 38; STF, RHC 81.787/SP, j. 06.09.2005, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 23.09.2005, p. 16.
88. STJ, AgRg no EDcl no REsp 1420425/SC, 2ª T. j. 01.03.2016, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 08.03.2016. Cf. também:STJ, CE, Rel. Min. Castro Meira, AgRg nos EREsp 403.153/
SP, j. 02/08/2010, DJe 23/08/2010; STJ, REsp 628.621/DF, Corte Especial, j. 04.08.2004,
rel. Min. Menezes Direito, DJ 06.09.2004, p. 155; STJ, EREsp 337.052/SP, Corte Especial,
j. 17.11.2004, rel. Min. Felix Fischer, DJ 14.03.2005, p. 180; STJ, EREsp 261.949/SP, 3.ª S.,
j. 14.02.2005, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 02.03.2005, p. 185; STJ, REsp 633.537/
MS, 1.ª T., j. 12.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.05.2005, p. 183; STJ, REsp 598.524/
PR, 1.ª T., j. 27.04.2004, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 17.05.2004, p. 153. Importante, no
entanto, ressaltar o entendimento contrário de Hugo Nigro Mazzili que, com base na Lei
Complementar 75/1993, afirma que “O direito de receber intimação pessoal é norma pre-
vista na LONMP e já provinha da legislação processual codificada; aplica-se a qualquer
processo e grau de jurisdição (LC 75/1993, art. 18, II, h). Tal privilégio processual se justifica
pelas peculiaridades da instituição, sem violar o princípio da igualdade das partes. Como a
intimação será pessoal, não é contada a partir do recebimento dos autos pela secretaria da
promotoria ou da procuradoria, mas sim da ciência pessoal do promotor ou do procurador”
(cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, p. 332).
89. Revista de Processo [RePro] 24/264, em. 69; RTJ 95/445 e 101/306; RJTJSP 89/336. V. TFR,
Súmula 117.
90. Já se decidiu – basicamente com fundamento em razões de ordem prática, tidas por intrans-
poníveis, e, assim, configuradoras de não se estar vulnerando a ratio legis desse art. 25 – pela
inaplicabilidade em segundo grau de jurisdição. (RJTJSP 74/130, RJTJSP 83/247.)
Comunicação dos Atos Processuais 621
se tiverem ocorrido em dia que não tenha havido expediente forense, (arts. 216 e 224 do
CPC/2015). Diversamente do que ocorre com a citação, havendo mais de um intimado
o prazo deverá ser contado individualmente (art. 231, § 2º do CPC/2015).
Em respeito à economia e à celeridade processual, o CPC/2015 atribuiu, ao advoga-
do da parte, a faculdade de realizar a intimação do patrono da parte contrária por meio
de correio, devendo juntar aos autos cópia do ofício de intimação e do aviso de rece-
bimento (art. 269 § 1º do CPC/2015). Referido oficio deverá necessariamente ser ins-
truído com cópia do despacho, da decisão ou da sentença (art. 269 § 2º do CPC/2015)
Deve ser observada, a exemplo do destacado em relação à citação, a determinação do
art. 229 do CPC de 2015, ou seja, terão prazo dobrado para se defender, recorrer e falar
em geral nos autos, os litisconsortes com procuradores diversos, desde que estes sejam
de diferentes escritórios de advocacia e que os autos não sejam eletrônicos.
O CPC/2015, no art. 683, pár. único, alude à citação dos opostos – autor(es) e réu(s)
da demanda principal – na pessoa dos respectivos advogados91, ao passo que, atinente-
mente à reconvenção, no art. 343 § 1º do CPC/2015, refere-se à intimação do autor re-
convindo, na pessoa do advogado por este último constituído. Todavia, apesar da dis-
crepância terminológica, dado que, num artigo (683, parágrafo único, do CPC/2015),
fala-se em citação na pessoa do advogado, e noutro (343 § 1º do CPC/2015) alude-se à
intimação de que foi “oferecida a reconvenção”. Trata-se, em ambos os casos, na realida-
de, de propositura de ações. Efetivamente, num e noutro caso, o que se verifica é a pro-
positura da ação, e dita citação na pessoa dos advogados dos opostos (exceto no caso de
uma das partes requeridas não ter advogado devidamente constituído nos autos, quando
será feita de acordo com as regras gerais), bem como a decorrente do oferecimento da
reconvenção, operando a intimação efeitos próprios da citação (v. art. 240 do CPC).92
91. V. Rodrigo Otávio Baroni, Comentário ao art. 683, in José Roberto Cruz e Tucci, Manoel
Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro
Gilbert Martins, Código de Processo Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico,
2016, p. 947.
92. Sobre o tema vide: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo:RT, 2015, p. 793
93. Revista de Processo [RePro] 5/375, em. 187.
622 Manual de Direito Processual Civil
94. Pontua Flávia Hellmeinster Clito Fornaciari Dórea que não poderá ser requerida a intimação
conjunta dos advogados e da sociedade. (Flávia Hellmeinster Clito Fornaciari Dórea, Co-
mentário ao art. 272 in José Roberto Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de
Carvalho Aprigliano, Rogéria Fagundes Dotti e Sandro Gilbert Martins, Código de Processo
Civil Anotado, 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2016, p. 397).
95. RTJ 76/308, 79/590, 85/542, 88/614, 90/105, 100/755 e 106/277; RT 541/281; RJTJSP
43/187. TJSP; STJ, HC 224.523, 6ª T. j. 15.08.2013, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
DJe. 23.08.2013; STJ, AgRg no AG 1.058.865/RS, 4ª T. j. 17.03.2009, rel. Min. Luis Felipe
Salomão, DJe. 30.03.2009; STJ, AgRg no REsp 677.830/SC, 1.ª T., j. 02.06.2005, rel. Min.
Luiz Fux, DJ 27.06.2005, p. 254; STJ, REsp 216.886/SP, 2.ª T., j. 16.12.2004, rel. Min. Castro
Meira, DJ 18.04.2005, p. 244.
96. TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2169916-42.2016.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Pri-
vado, j. 15.9.2016, des. Rel. Francisco Occhiuto Júnior, DJe 20.9.2016; Revista de Processo
22/248.
97. “Se não existe requerimento no sentido de as publicações veicularem o nome de determinado
advogado, dentre os constituídos, descabe cogitar da pecha de nulidade quando grafado o
nome de qualquer deles” (STF, AgRg em RE 130.725-2/RJ, j. 02.02.1995, rel. Min. Marco
Aurélio, RT 722/242). Neste sentido também, STF, RMS 22068/DF, 1ª T, j. 06.09.1996, rel.
Min. Ilmar Galvão, DJu 06.09.1996. No âmbito do STJ: “I. Esta Corte firmou entendimento
no sentido de que havendo pedido expresso para que as intimações sejam feitas em nome
de advogados substabelecidos, o seu não atendimento acarreta nulidade. II. Entretanto, no
caso em tela, restou consignado no v. Acórdão recorrido que inexiste prova de requerimento
de intimação exclusiva em nome de um dos causídicos. Para modificar as conclusões con-
signadas no Acórdão impugnado, seria necessário reexaminar o conjunto fático-probatório
dos autos, o que é vedado em sede de Recurso Especial (Súmula 7/STJ) III. Havendo vários
procuradores constituídos, é valida a intimação feita em nome de apenas um deles. (STJ,
3.ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, AgRg no Ag 1176384/RS, j. 27.10.2009, DJe 06.11.2009). Em
igual sentido: TJMG, Agravo de Instrumento nº 0024272-27.2013.8.11.0000, 2ª Câmara
Cível, j. 24.06.2013, rel. Des. Maria Helena Gargaglione Póvoas, DJe 30.07.2013.
98. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil – São Paulo: RT, 2015, p. 810, comentário ao art. 272.
Comunicação dos Atos Processuais 623
99. Destaca-se que o CPC/1973 previa apenas que deveria constar os nomes das partes e de
seus advogados “suficientes para sua identificação” (art. 236, §1º do CPC/1973). Diante
disso, não eram incomuns as jurisprudências que consideravam válida a intimação ainda
que a nomenclatura não fosse completa. Neste sentido: RSTJ 13/421, REsp 4.052, 2.ª T., rel.
Min. Vicente Cernicchiaro, em que foi omitido “Júnior” do nome do advogado, tendo sido
decidido, pelo tribunal local, que essa omissão era irrelevante.
100. STJ, RMS 15.298/SP, 2.ª T., j. 22.04.2003, rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha,
DJ 26.04.2004, p. 155. Afirma-se, ainda, no referido julgado, que “é dever do Estado-juiz,
enquanto entidade monopolista da prestação jurisdicional, intimar a parte corretamente”.
101. “Processual civil. Agravo regimental na petição no recurso especial. Intimação. Erro na grafia
do nome do advogado. Possibilidade de identificação do feito. Ausência de prejuízo. Não
se deve declarar a nulidade da publicação de acórdão do qual conste, com grafia incorre-
ta, o nome do advogado se o erro é insignificante (troca de apenas uma letra) e é possível
identificar o feito pelo exato nome das partes e número do processo." (STJ, AgRg na Pet no
REsp 1138757/SP, 1.ª T., j. 19.08.2010, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 26.8.2010).
102. Antes da vigência do CPC/2015 o STJ tinha decidido em julgamento de recurso repetitivo
que a ausência da OAB do advogado da parte da intimação não gera sua nulidade, sendo
suficientes os nomes das partes e dos respectivos advogados. (REsp 1.131.805/SC, Corte
Especial, j. 03.03.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 08.04.2010.)
103. Sobre o tema vide o capítulo sobre o advogado.
624 Manual de Direito Processual Civil
qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação. Para
tanto é necessário, no entanto, que o requerimento do cadastramento do preposto seja
realizado previamente (art. 272 § 7º do CPC/2015). Assim, caso o estagiário ou, ainda,
qualquer preposto do advogado, realize a carga dos autos, será considerado o ato da
carga como intimação válida.
Se as intimações se fazem por aviso de recebimento e passam a ser feitas por pu-
blicações, deverão, desta mudança, ser intimados os advogados de fora da comarca, e,
bem assim, os da própria comarca; aqueles por aviso de recebimento (art. 273, II do
CPC/2015) e estes pelo escrivão (art. 273, I do CPC/2015). A partir de tais intimações,
as subsequentes, pelo novo sistema, serão válidas. Do contrário, não se poderá empres-
tar validade (e nem eficácia) às intimações que venham a ser feitas pela nova e diversa
modalidade.104 Trata-se de uma consequência dos princípios da boa-fé e da cooperação
processual, que também vinculam o Poder Judiciário e seus membros.105
O art. 274 parágrafo único do CPC/2015 estabelece, explicitamente, uma presunção
de validade para as intimações feitas ao endereços constantes dos autos, fluindo o prazo
a partir da juntada aos autos do comprovante de recebimento. A parte fica incumbida,
portanto, de atualizar qualquer eventual mudança de endereço, sob pena de ser aplica-
da a presunção legalmente prevista.
104. A modificação do sistema por meio do qual vinham sendo feitas as intimações, para outro
sistema, deverá ser comunicada ao advogado. Assim, se as intimações são feitas por carta,
com aviso de recebimento, alterando-se tal forma de comunicação, para intimação pela
imprensa local, disso haverá o advogado de ser intimado, para, somente depois dessa in-
timação, ganharem validade e eficácia as intimações pela imprensa. Do contrário, haverá
manifesta modificação de um sistema, no qual se confiava, para outro sistema, cuja própria
existência haverá de ser tida como ignorada pelo(s) advogado(s).
105. STJ, REsp 1.394.902, 1ª T. j. 04.10.2016, rel. Min. Regina Helena Costa, rel. do acórdão,
Min. Gurgel de Faria, DJe 18.10.2016. Destacou o Ministro Gurgel de Faria que o CPC/2015
trouxe uma série de inovações, dentre “elas um sistema cooperativo processual – norteado
pelo princípio da boa-fé objetiva –, no qual todos os sujeitos (juízes, partes e seus advogados)
possuem responsabilidades na construção do resultado final do litígio.”
Comunicação dos Atos Processuais 625
forma física, especialmente para questões urgentes que necessitam de celeridade ou para
casos em que o patrono não tem possibilidade de realizar o ato de forma imediata direta-
mente perante o órgão competente (v.g. a limitação geográfica imposta em razão do pa-
trono ter seu escritório em comarca fora da região abrangida pelo protocolo integrado).
Desde o início da utilização dos meios eletrônicos de transmissão de dados, princi-
palmente, do fac-símile ou fax, verificou-se resistência de nossos Tribunais, compreen-
sível e aceitável, na medida em que, não disciplinado o assunto, sua utilização acarre-
taria insegurança relacionada aos atos praticados. Somente por meio de lei poder-se-ia,
com apreciável margem de segurança, admitir a utilização de sistemas de transmissão
de dados para a prática de atos processuais. Precedentemente, as posições eram con-
flitantes, predominantemente pela não legitimidade da utilização, principalmente, do
fac-símile ou fax.106A Lei nº 9.800/1999 veio a pacificar qualquer discussão relacionada
à questão ao prever a possibilidade da prática de alguns atos processuais com auxílio
do fac-símile ou fax, especialmente a transmissão de documentos por este sistema.107
Se a transmissão pelo sistema da Lei 9.800/1999 for feita antes do término do prazo,
os originais poderão ser entregues tendo como termo ad quem o quinto dia depois do tér-
mino do prazo respectivo.108 Salvo se para o ato que foi praticado não houver prazo, como,
no caso, de petição inicial, hipótese em que, então, os originais deverão ser entregues em
até cinco dias da transmissão da mesma. Coloca-se, aqui, o problema de saber se se exclui
ou não o dia (= data) da transmissão. A nossa tendência é a de entender que não se exclui,
pois, ainda que se pudesse sustentar estar-se aqui, de certa forma, diante de um prazo ju-
dicial (art. 2º), a redação da lei é clara, em sentido contrário. Refere-se à entrega dos origi-
nais “até 5 (cinco) dias da data da recepção do material” (art. 2º, parágrafo único, in fine).
Afigura-se-nos que o ato ou a petição escrita objeto de transmissão fica subordina-
da a uma situação resolutória, ou seja, transmitidos e entregues os originais tempesti-
vamente, o ato valerá da data da transmissão.
Pela Lei 9.800/1999, passa-se a admitir o fac-símile ou outro meio similar de trans-
missão de dados e imagens, tendo em vista “atos processuais que dependam de peti-
ção escrita” (art. 1º), o que não levará ao desrespeito de cumprimento dos prazos, com
necessária entrega dos originais em até cinco dias após o término do prazo (art. 2.º)109;
106. Cf. na RT 728/122-127 trabalho de Ellen Gracie Northfleet, intitulado A Utilização do fax
no Poder Judiciário, com a jurisprudência indicada no texto, publicada na Secção Jurispru-
dência Selecionada, no mesmo volume, p. 105 e ss.
107. Há de se destacar, no entanto que a aplicabilidade do sistema depende da existência de
aparelhagem dos órgãos judiciários (art. 5.º da Lei 9.800/1999), que, em os tendo, deverão
dar à publicidade ao fato e disciplinar como será recebida a transmissão.
108. STJ, EDcl no AgRg na Pet 3.934/MG, Corte Especial, j. 21.09.2005, rel. Min. Ari Pargendler,
DJ 17.10.2005, p. 159; STJ, EDcl no AgRg no AgIn 657.574/SP, 4.ª T., j. 15.09.2005, rel. Min.
Jorge Scartezzini, DJ 17.10.2005, p. 303; STJ, EDcl no REsp 733.896/PR, 2.ª T., j. 15.09.2005,
rel. Min. Castro Meira, DJ 10.10.2005, p. 339.
109. V. AgRg no AREsp 686.672/MA, 1ª T. j. 1.06.2015, rel. Min. Olindo Menezes (Desb. Con-
vocado do TRF 1ª Região), Dje. 26.06.2015.
626 Manual de Direito Processual Civil
mesmo para os atos não sujeitos a prazo, a regra do art. 2.º, caput, há de ser observada
(art. 2.º, pár. único).110
A qualidade e a fidelidade do que for transmitido correrão por conta da parte que
se utilizar do meio de transmissão (art. 4.º, caput, da Lei 9.800/1999).111 Deverá haver
coincidência entre o meio utilizado por fac-símile e o original ulteriormente apresenta-
do, pois, do contrário, será o litigante considerado como de má-fé (art. 4.º, pár. único,
da Lei 9.800/1999). É hipótese em que a conduta de litigância de má-fé está objetiva-
mente definida.
Havia polêmica, na jurisprudência recente, sobre a admissibilidade da prática de
atos processuais por meio de correio eletrônico (e-mail).112 Ao que parece, no entanto,
embora o e-mail pudesse ser considerado uma forma de comunicação similar ao fac-sí-
mile, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça acabou caminhando
no primeiro sentido, adotando a tese de que a faculdade prevista pela Lei nº 9.800/1999
não é extensível àquele, tendo a controvérsia sido relativamente pacificada.
110. Rejeitou-se reclamação, em razão da não juntada dos originais no prazo de cinco dias (STJ,
Rcl 1.693/RJ, 3.ª T., j. 24.08.2005, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 21.09.2005, p. 126).
111. STJ, AgRg no AREsp. 719.586/RS, 4ª T. j. 08.03.2016, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe.
15.03.2016; STJ, AgRg no AgIn 668.875/RS, 2.ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJ 26.09.2005, p. 321.
112. Orientava-se parte da jurisprudência do STJ no sentido de que “a utilização do correio
eletrônico na interposição de recursos ainda não possui regulamentação e nem mesmo
técnica específica para atestar a idoneidade do documento e de seu subscritor nesta Corte,
não sendo adequado invocar a Lei 9.800/1999 para justificar tais casos”. (STJ, AgRg nos EDcl
no AgRg no REsp 644.765/RS, 5.ª T., j. 26.04.2005,rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.05.2005,
p. 331. No mesmo sentido: STJ, AgRg no AgIn 632.346/MG, 4.ª T., j. 17.02.2005, rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ 21.03.2005, p. 398; STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no AgIn 604.640/
MG, 3.ª T., j. 17.03.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 11.04.2005, p. 292; STJ, AgRg no
REsp 652.325/SC, 2.ª T., j. 04.11.2004, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.02.2005,
p. 183.). Em sentido contrário, existiam decisões afirmando que “o correio eletrônico (e-mail)
é sistema de transmissão de dados e imagens similar ao fac-símile, motivo pelo qual permitida
a sua utilização para a apresentação de petição escrita, na forma da Lei 9.800/1999”.(STJ,
AgRg no REsp 660.369/RS, 1.ª T., j. 08.03.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.03.2005, p. 215.
No mesmo sentido: STJ, EDcl no AgRg no REsp 658193/SC, 5.ª T., j. 15.03.2005, rel. Min.
Gilson Dipp, DJ 04.04.2005, p. 342; STJ, AgRg no REsp 691.728/SC, 1.ª T., j. 03.03.2005,
rel. Min. José Delgado, DJ 04.04.2005, p. 215). Observa-se, neste julgado, que “a interposi-
ção de recurso, nos termos facultados pela Lei 9.800/1999, em seu art. 2.º, atribui à parte a
total responsabilidade pela entrega dos originais ao órgão judiciário”. Por outro lado, havia
entendimento intermediário, no sentido de que o e-mail pode ser utilizado, desde que para
transmitir imagens digitais do documento original impresso e assinado. (STJ, AgRg no REsp
594.352/SP, 3.ª T., j. 17.02.2004, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 22.03.2004, p. 308.)
Comunicação dos Atos Processuais 627
os preceitos que indicam a adequação a esta realidade, havendo, inclusive, uma seção
própria no CPC/2015 destinada à prática eletrônica dos atos processuais (Seção II, do
Capítulo I, do Título I, do Livro IV – arts. 193 a 199). Ademais, diversos outros dispo-
sitivos do CPC/2015 também fazem referência à realização dos atos pela forma eletrô-
nica, restando expresso em diversos momentos a sua preferência em relação às formas
anteriormente usuais.
A atual preferência decorre de uma continua evolução na previsão legal dos atos
processuais eletrônicos, que resultou em todo arcabouço normativo que conjuntamen-
te rege a realização dos atos processuais na forma eletrônica. O CPC/2015 não esgotou
a matéria, tendo pressuposto a existência de uma série de previsões normativas que o
precederam e continuam vigentes (como a Lei 11.419/2006), tendo silenciado em al-
guns momentos evocando a aplicação das demais disposições e, em outros, tendo re-
produzido de forma idêntica ou similar os respectivos comandos. Pertinente, portanto,
o destaque quanto às demais normas jurídicas aplicáveis para, então, realizar-se uma
análise do CPC/2015.
Como indicado acima, a Lei 9.800/1999 possibilitou a utilização dos meios eletrô-
nicos para a realização de alguns atos processuais, entretanto, esta utilização ainda era
consideravelmente restrita, importando necessariamente na repetição do ato na forma
tradicional, observando as formalidades legais (v.g a obrigatoriedade do encaminha-
mento da petição física no prazo de 5 dias após a remessa do documento eletrônico).
Importante modificação em relação à realização de atos processuais de forma inte-
gralmente eletrônica foi a inserção, pela Lei nº 11.280/2006 de 16 de fevereiro de 2006,
do parágrafo único ao art. 154 do CPC/ 1973. O referido páragrafo. especificou que “os
tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comu-
nicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de
autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de
Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”.113
Com esta alteração, buscou-se regulamentar e implementar, no âmbito dos Tribu-
nais, de forma completa a prática dos atos processuais eletrônicos, o que por muitos já
vinha sendo adotado, consoante demonstram os julgados citados acima, que, em certa
medida, admitiram tal prática, mas, ainda, de forma restrita e condicionada.
De qualquer forma, a regra introduzida no código revogado, veio a representar um
verdadeiro indicativo da necessidade de modernização do Poder Judiciário, por meio
do uso da velocidade da internet para a prática da maioria dos atos processuais, con-
tribuindo, assim, para a diminuição da quantidade enorme de papéis, que, literalmen-
113. Cf., a respeito, a Medida Provisória 2.200-2, de 24.08.2001, que instituiu a ICP-Brasil. De
acordo com o art. 10, § 1.º da referida Medida Provisória, “as declarações constantes dos
documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação
disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários” (cf.
art. 219, caput, do CC/2002). Também regulamentam a atuação da ICP-Brasil os Decs. 6.605,
de 15.10.2008 e 3.996, de 31.10.2001.
628 Manual de Direito Processual Civil
114. Sobre o tema, cf. Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues, A terceira
etapa da reforma processual civil, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 36 e 37.
115. Pelo que consta do art. 1.º, caput, da Lei 11.419/2006, “o uso de meio eletrônico na trami-
tação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será
admitido nos termos desta Lei”.
116. Algumas das novas redações foram as seguintes:“Art. 38. (...) Parágrafo único. A procuração
pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certifica-
dora credenciada, na forma da lei específica.” “Art. 154. (...) § 2.º Todos os atos e termos do
processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico,
na forma da lei.” “Art. 164. (...) Parágrafo único. A assinatura dos juízes, em todos os graus
de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei.” “Art. 169. (...) § 1.º É vedado
usar abreviaturas. § 2.º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os
atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados
de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante
registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de se-
cretaria, bem como pelos advogados das partes. § 3.º No caso do § 2.º deste artigo, eventuais
contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento da realização
do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a alegação
e a decisão no termo.”
117. Em realidade, a Lei 9.800/1999, foi a primeira a admitir, de maneira expressa, a prática
de atos processuais (v.g., protocolo de petições) por meio da utilização do aparelho de fax
ou similar (e-mail) (art. 1.º da referida Lei), exigindo, contudo, o protocolo e apresentação
em juízo do respectivo original no prazo de 5 (cinco) dias contados do término do prazo
legal. Mais tarde, a Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, permitiu
o peticionamento eletrônico e também a intimação pelo meio eletrônico, e o fez mediante
o § 2.º do art. 8.º, in verbis: “Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes
e de recepção de petições por meio eletrônico”. No ano de 2006, por obra da Lei 11.280,
Comunicação dos Atos Processuais 629
121. Destaca Guilherme Rizzo Amaral que: “Dada a especificidade das regras que tratam da prá-
tica e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e, em especial, dados
os constantes avanços da tecnologia da informação, não seria adequado regulamentar na
lei processual os modos específicos de comunicação oficial de atos processuais por meio
eletrônico. É fácil ver que tal medida engessaria os mecanismos de comunicação por meio ele-
trônico, contrastando com a velocidade dos avanços tecnológicos com a morosidade do
processo legislativo. Por essa razão, o legislador estabeleceu a competência do CNJ e, em
caráter supletivo, dos tribunais, para regulamentar a matéria e paulatinamente irem incorpo-
rando os avanços tecnológicos à regulamentação”. (Guilherme Rizzo Amaral, Comentários
às Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. p. 298.)
122. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. Novo Código de Processo
Civil Comentado, São Paulo: RT, 2015. p. 247 e Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às
Alterações do Novo CPC, São Paulo: RT, 2015, p. 298.
Comunicação dos Atos Processuais 631
que, se o envio é feito pelo sistema de criptografia, só por isso haverá impedimento de
rejeição). Deverá proporcionar privacidade, ou seja, ter a capacidade do sistema ocul-
tar o conteúdo, salvo para o(s) destinatário(s).
A assinatura digital será certificada pelo autenticador – de certa forma é “outra cha-
ve”; e essa autenticação imprimirá autenticidade em relação ao que formou o documen-
to e é o seu signatário. A certificação será efetivada por empresa credenciada ou cadas-
trada junto à ICP-Brasil.
A Medida Provisória 2.200-2/2001 estabelece no seu art. 10: “Art. 10. Consideram-
-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos ele-
trônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º As declarações constantes dos docu-
mentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação
disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários,
na forma do art. 131 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil”.
A esse art. 131 do Código Civil precedente corresponde o art. 219 do vigente Códi-
go Civil, que dispõe: “As declarações constantes de documentos assinados presumem-
-se verdadeiras em relação aos signatários” (caput).
E também na legislação processual há dispositivo correspondente que dispõe sobre
a veracidade de declarações constantes de documentos particulares. O art. 408, caput,
do CPC/2015 (equivalente ao art. 368 do CPC/1973) reza que: “As declarações cons-
tantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se
verdadeiras em relação ao signatário”.
Com uma breve análise da Lei 11.419/2006, é possível perceber que esta, procura
disciplinar quase que inteiramente – ressalvadas as competências dos Tribunais, em as-
pectos complementares – o processo eletrônico. Disciplina, também, as condições de
implantação do sistema, como, ainda, as hipóteses em que o processo eletrônico não
pode ser utilizado.
A utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais haverá de obser-
var o que se contém nessa Lei 11.419/2006 (art. 1º; v. também o art. 8º caput e parágra-
fo único, podendo ser os autos total ou parcialmente digitais; todos os atos processuais
serão eletronicamente assinados, na forma do previsto nesta lei). Em sentido próximo,
especifica o CPC/2015 que “os atos processuais podem ser totalmente ou parcialmente
digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e vali-
dados por meio eletrônico, na forma da lei” (art. 193 do CPC/2015)
Aplicar-se-á a todo o Poder Judiciário (art. 1º, § 1º da Lei 11.419/2006) e, por este
sistema, serão feitas as comunicações de atos processuais em geral (art. 4º e ss.), estan-
do nessa lei definidos os conceitos fundamentais do sistema (art. 1º, § 2º, I, II e III Lei
11.419/2006), como também referido o requisito para a assinatura digital, que será au-
têntica, prevendo-se cadastro do usuário no Poder Judiciário, aspecto último este que
demandará disciplina complementar pelos órgãos respectivos (art. 1º, § 2º, III, a e b da
Lei 11.419/2006). Além da sua aplicação ao Poder Judiciário, o CPC/2015 veio a prever
632 Manual de Direito Processual Civil
que há de se estender a realização dos atos eletrônicos, no que for cabível, à prática dos
atos notariais e de registro (art. 193, parágrafo único do CPC/2015).
O sistema haverá de proporcionar sigilo (em relação aos dados que necessitem), iden-
tificação e autenticidade das comunicações, podendo os órgãos do Judiciário criar cadas-
tro único (art. 2º, §§ 2º e 3º da Lei 11.419/2006). Em complemento, prevê o CPC/2015
que, o registro do ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que aten-
derão aos requisitos da autenticidade, integralidade, temporalidade, não repúdio, con-
servação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada
a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente (art. 196 do CPC/2015).
Igualmente, os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos
autos (quando não for o caso de segredo de justiça), acesso e participação das partes e
de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as
garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibili-
dade e interoperacionalidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder
Judiciário administre no exercício de suas funções (art. 194 do CPC)123.
O ato processual será havido como realizado no momento (dia e hora) do envio e
haverá protocolo eletrônico de sua prática, a ser entregue ou liberado para o que prati-
cou o ato (art. 3º, caput da Lei 11.419/2006). Se a petição enviada destinar-se ao cum-
primento de prazo ou o ato haja de ser praticado dentro de determinado prazo, esse
terminará no último momento do dia (meia-noite) (arts. 3º, parágrafo único, e 10, § 1º
da Lei 11.419/2006), sendo considerado o horário vigente do juízo perante o qual o ato
deve ser praticado (art. 213, parágrafo único do CPC/2015). Assim, se o advogado esti-
ver laborando em local com fuso horário distinto do da comarca em que o feito tramita
(o que é perfeitamente possível com o processo eletrônico), este deve sempre observar
o fuso horário do juízo do feito para fins de tempestividade.124
Os Diários Oficiais eletrônicos também estão disciplinados na norma, sendo a sua
implementação de competência dos Tribunais, basicamente para as mesmas finalida-
des atualmente desempenhadas pelos Diários Oficiais tradicionais anteriormente exis-
tentes (art. 4º, caput da Lei 11.419/2006), devendo este ser o meio de comunicação e
informação eletrônico substitutivo de “qualquer outro meio e publicação oficial, para
quaisquer efeitos legais”, salvo a necessidade de intimação ou vista pessoal (art. 4º,
§ 2º da Lei 11.419/2006), especialmente no que tange aos despachos, as decisões in-
terlocutórias, os dispositivos das sentenças e as ementas dos acórdãos (art. 205 § 3º do
CPC/2015). Nesta hipótese, considerar-se-á a data de publicação como sendo o primei-
ro dia útil subsequente ao da disponibilização da informação no Diário (art. 4º, § 3º da
123. Sobre a publicidade dos autos processuais eletrônicos vide: Teresa Arruda Alvim Wambier,
[et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo:
RT, 2016, Comentários ao art. 194, p. 406.
124. V. André Roque, Comentário ao art. 213 do Código de Processo de 2015 in Fernando da
Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte de Oliveira
Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo: Forense,
2015, p. 678.
Comunicação dos Atos Processuais 633
Lei 11.419/2006), mas os prazos terão início no primeiro dia útil seguinte ao conside-
rado como a data da publicação (art. 4º, § 4º da Lei 11.419/2006 e art. 224, §§ 2º e 3º
do CPC/2015).
Aos que se cadastrarem será possível que as intimações sejam feitas “em portal pró-
prio”, dispensada a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico (art. 5º, caput da
Lei 11.419/2006). Por outras palavras, o cadastramento proporcionará intimação indi-
vidualizada ou personalizada – “em portal próprio” –, o que dispensará a leitura do Di-
ário Oficial eletrônico e terá validade. O cadastro, como dito, é obrigatório, a partir do
CPC/2015, para a União, os Estados, o Distrito Federal, as entidades da administração
pública indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública, as
empresas públicas e privadas (exceto as micro empresas e empresas de pequeno porte),
conforme especificado pelos arts. 246 §§ 1º e 2º, 1050 e 1051 do CPC/2015.
Dispõe o § 1º do art. 5º da Lei 11.419/2006 o seguinte: “§ 1º Considerar-se-á rea-
lizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da
intimação, certificando-se nos autos a sua realização”. Se a consulta ocorrer em dia não
útil, prorrogar-se-á a data da intimação para o primeiro dia útil seguinte (art. 5º, § 2º da
Lei 11.419/2006), mas a consulta deverá ser feita em até 10 dias corridos, contados do
envio da intimação, sob pena de, então, vir a considerar-se a intimação realizada auto-
maticamente “na data do término desse prazo” (art. 5º, § 3º da Lei 11.419/2006 – vide
também art. 231, V do CPC/2015).
A própria Fazenda Pública será intimada na forma do art. 5º, e valerá como intima-
ção pessoal (art. 5º, § 6º da Lei 11.419/2006 cc art. 246 § 2º do CPC/2015). Em casos
urgentes, em que a intimação realizada pela forma acima possa causar prejuízo, ou se
for evidenciada burla ao sistema, o juiz poderá determinar seja realizada de outra for-
ma (art. 5º, § 5º da Lei 11.419/2006). Rogatórias, precatórias, cartas de ordem e a carta
arbitral, e, de um modo geral, “todas as comunicações oficiais” entre órgãos do Judici-
ário, e as deste em relação aos demais Poderes, utilizar-se-ão preferencialmente deste
sistema (art. 7.º da Lei 11.419/2006 e art. 264 do CPC/2015), devendo, independente-
mente da via que forem transmitidas, respeitarem os requisitos que lhes são próprios.125
Em relação à disciplina do processo eletrônico (Capítulo III da Lei 11.419/2006),
acentue-se o seguinte. Intimações, citações e notificações serão feitas com base nesta
lei (art. 9º, caput da Lei 11.419/2006 e art. 246, V do CPC/2015). Dever-se-á viabilizar
o acesso à íntegra do processo, isso valerá como “vista pessoal” para todos os efeitos
legais (art. 9º, § 1º da Lei 11.419/2006). Se tecnicamente inviável a utilização do meio
eletrônico para a realização de citação, intimação ou notificação, serão esses atos pra-
ticados “segundo as regras ordinárias”, digitalizado o documento físico, o qual deverá
ser posteriormente destruído (art. 9º, § 2º da Lei 11.419/2006). Ou seja, nesta hipótese,
125. Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Comentário ao art. 264 do Código de Processo de 2015 in
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Duarte
de Oliveira Jr., Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC/2015: parte geral – São Paulo:
Forense, 2015, p. 782.
634 Manual de Direito Processual Civil
126. Teresa Arruda Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 228, p. 446. Pontuam
os autores sobre a disposição que “de fato, vemos com desagradável frequência processos
estacionados por dias, semanas, meses, quiçá anos sem qualquer movimentação. Evidente-
mente, a responsabilidade por tal descalabro atualmente verificado não pode ser atribuída ao
serventuário em caráter de exclusividade; de todo modo, o artigo em análise contém prazos
exíguos (o que está correto, a nosso ver) e bastante claros para o serventuário, prazos estes
que deve server à brevidão destas nefastas zonas mortas processuais que se estabelecem
corriqueiramente no processamento das ações.
127. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil – São Paulo: RT, 2015, p. 1046, comentários ao art. 425.
Comunicação dos Atos Processuais 635
128. O que é salutar, afinal “não é difícil imaginar que em muitos casos se esta necessidade fosse
absoluta, o acesso à justiça estaria sendo negado. Basta pensar-se no singelo exemplo de
um acidente de veículos. Como o autor saberia o endereço eletrônico [..]?” (Teresa Arruda
Alvim Wambier, [et. al.] (coords.).Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil.
2ª ed. São Paulo: RT, 2016, Comentários ao art. 319, p. 606.
636 Manual de Direito Processual Civil
129. O art. 18 da Resolução 185 do CNJ, que dispõe sobre o acesso ao sistema do Processo Judicial
Eletrônico, prevê em seu art. 18 que: “Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário que utilizarem
o Processo Judicial Eletrônico – PJe manterão instalados equipamentos à disposição das
partes, advogados e interessados para consulta ao conteúdo dos autos digitais, digitalização
e envio de peças processuais e documentos em meio eletrônico. § 1º Para os fins do caput,
os órgãos do Poder Judiciário devem providenciar auxílio técnico presencial às pessoas com
deficiência ou que comprovem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Redação dada
pela Resolução nº 245, de 12.09.16). § 2º Os órgãos do Poder Judiciário poderão realizar
convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou outras associações representa-
tivas de advogados, bem como com órgãos públicos, para compartilhar responsabilidades
na disponibilização de tais espaços, equipamentos e auxílio técnico presencial.”
130. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2016), também contém uma série de
disposições relacionadas ao acesso à justiça das pessoas com deficiência (especialmente
os arts. 79 a 83), prevendo, por exemplo, que “o poder público deve assegurar o acesso da
pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,
garantindo, sempre que requeridos, adaptações e recursos de tecnologia assistiva.” (art. 79).
Sobre o tema vide: Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista
Pinto, Estatuto da Pessoa Com Deficiência Comentado, Salvador: Ed, Juspodivm, 2016,
p. 213 a 237.
Comunicação dos Atos Processuais 637
A transmissão de dados por meio eletrônico é, enfim, uma realidade presente no sis-
tema judiciário e, o CPC/2015 demonstra uma nítida preferência pela realização de atos
judiciais eletronicamente. Assim, observando-se o disposto acima, além do processo
preferencialmente tramitar eletronicamente, existindo os meios necessários, a citação
poderá ser feita por meio eletrônico; a carta de ordem e a carta precatória serão transmi-
tidas eletronicamente; as intimações serão realizadas, preferencialmente e sempre que
possível, por meio eletrônico; enfim, poderão ser realizados por meio eletrônico todos
os atos que sejam compatíveis com esse sistema.
16
O Tempo e os Prazos no Processo
1. V. nosso Curso de direito processual civil, cit., vol. I, n. 96, p. 450; Código de Processo Civil
comentado, cit., vol. I, p. 53; mais recentemente, nosso Tratado de direito processual civil,
cit., vol. I, p. 82.
2. Cf. Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, vol. I, § 1.º, VI, p. 8.
640 Manual de Direito Processual Civil
reito público, prazo em dobro para manifestar-se nos autos. Moacyr Amaral Santos, já
ao referir-se ao art. 32 do CPC/1939, cujos artigos correspondentes atualmente são os
arts. 180 e 183 do CPC/2015, entendia que este era um artigo derrogador do princípio
da paridade de tratamento, com o que não concordávamos em face do Código de 1973
e não concordamos agora em face do Código de 2015.3
Nossa posição origina-se da própria conceituação de “paridade”. Esta consiste em
tratar os iguais de forma igual. Ora, os arts. 180 e 183 do Código vigente não retratam
partes em posições iguais; portanto, elas devem, ou pelo menos podem, por lei, receber
tratamento diferente.
3. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 1985, vol. I, n. 225, p. 333.
Sobre o art. 188, v. J. C. Barbosa Moreira, O benefício da dilação de prazo para a Fazenda
Pública, Revista de Processo (RePro) 1/51; Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil. 5
ed. n. 3.1, p. 130. No sentido por nós sustentado, cf. STJ, REsp 24.196/SP, 3.ª T., j. 27.10.1992,
rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 30.11.1992, p. 22.611.
4. RT 578/171; JUTACivSP 76/129; é a posição do STF: RTJ 78/156, 106/632, 113/924, 115/486
e 116/828; JSTF 79/237 (também o RE 94.120, referido nesta publicação) e RT 643/202; do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: RJTJESP 76/235, 91/220 e 124/349; dos extintos
Tribunais de Alçada Civil de São Paulo: JTA 86/439, 109/448 e 121/246; e do STJ: RSTJ 45/234;
O Tempo e os Prazos no Processo 641
tal discussão foi superada devido à previsão do art. 219 do CPC/2015, que determina a
suspensão dos prazos processuais, contados em dias, nos dias não úteis, o que inclui os
feriados, sejam eles contínuos ou não.
De acordo com o art. 93, XII, da Constituição Federal, na redação da EC 45/2004,
“a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tri-
bunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense
normal, juízes em plantão permanente” (g.n.). Sendo assim, apenas os Tribunais Supe-
riores poderão gozar de férias coletivas, também chamadas de férias forenses.
Tendo em vista que os atos processuais de que trata o art. 214, I, do CPC/2015 ge-
ralmente não são praticados por Tribunais Superiores e que no âmbito dos tribunais re-
gionais e estaduais não há mais férias forenses, nos termos do citado art. 93, XII, da CF,
entendemos que o referido artigo, ao se referir às “férias forenses”, na realidade se refere
à suspensão do curso do prazo processual do dia 20 de dezembro ao dia 20 de janeiro,
prevista no art. 220, caput, do CPC/2015, também chamada de recesso forense. Damos
a mesma interpretação ao termo “férias forenses” do art. 215, caput, do CPC/2015, uma
vez que os incisos do referido artigo arrolam processos que geralmente não tramitam
nos Tribunais Superiores.5 Entendimento diverso negaria eficácia prática aos referidos
dispositivos, visto que seriam raras as oportunidades de serem aplicados no âmbito
RT 686/203 e 689/275 e o REsp 56.799-8/RS (rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU,
I, 20.02.1995, p. 3.194, não conheceram, v.u.), ementado de forma bastante esclarecedo-
ra desta tese: “Segundo entendimento jurisprudencial firmado pelas 3.ª e 4.ª Turmas, que
compõem a Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, a fluência dos prazos
não se suspende durante os feriados, nem mesmo durante aqueles contíguos às férias, que
imediatamente as antecedam ou sucedam”. Cf., ainda, RF 298/190 e RT 552/86, 558/148,
569/122 571/137 e 598/241.
5. Nesse sentido: “E, conforme sustentamos acima, não há mais, em geral, a figura das férias
forenses em regra, tornando indevida sua referência genérica no art. 215 do NCPC, e o
afirmamos por duas razões: a primeira decorre da expressa extinção das férias forenses pela
EC 45/2004 em primeiro e segundo graus, que deu redação neste sentido ao art. 93, XII,
da CF; a segunda, decorre do fato de que nas férias forenses não havia prática de qualquer
atividade jurisdicional, ao passo que nos períodos de recesso não há fluência de prazos,
nem realização de audiências e julgamentos de segundo grau, nem publicação de atos
processuais, porém deve haver atividade forense (há juízes atuando, há serventuários em
atividade etc.). 1.10. Com a extinção das férias forenses em primeiro e segundo graus por força
da EC 45/2004, portanto, os tribunais estaduais e federais estabelecem não férias forenses,
porém, literalmente, estabelecem recesso judiciário quando das festividades de fim de ano,
sem publicações de atos processuais, sem audiências, julgamentos, porém mantendo-se
os serviços forenses ativos. Esta é a maneira de compatibilizar o art. 215 sob comento com
o art. 93, XII, da CF, estabelecente da ininterruptibilidade da atividade jurisdicional. 1.11.
Assim, opinamos, pelas razões acima, no sentido de que, no art. 215 do NCPC, onde se lê
‘férias forenses’, deve ler-se ‘suspensão do curso do processo’, em alusão ao que dispõe
o art. 220 a seguir comentado.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.]. 2. Ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: RT, 2016. p. 431); “Pode-se ler recesso em lugar de “férias” no art. 214,
caput, sem prejuízo terminológico... O art. 215 estipula as causas que, a despeito do reces-
so, tramitam normalmente, ou seja, não se suspendem pela superveniência do recesso, ou
nele podem iniciar sem ficarem aguardando o fim do período de paralisação temporária
642 Manual de Direito Processual Civil
dos Tribunais Superiores. Além disso, dizer que os arts. 214 e 215 do CPC/2015 não se
aplicam ao recesso forense é o mesmo que dizer que nenhum processo, que dependa
da prática de um ato processual para ter andamento, tramitará no período de suspen-
são dos prazos processuais previsto no art. 220 do CPC/2015. Isto porque, se não en-
tendermos que os arts. 214 e 215 do CPC/2015 se aplicam ao recesso forense, via de re-
gra, não haverá autorização legal para excepcionar a suspensão de que trata o art. 220
do CPC/2015, o que feriria o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º,
XXXV, da CF/1988), uma vez que os casos urgentes não poderiam ser tutelados pelo
Judiciário, situação esta que poderia acarretar o perecimento de direito.
Conforme mencionado, o art. 220, caput, do CPC/2015 determina a suspensão do
curso do prazo processual desde o dia 20 de dezembro até o dia 20 de janeiro. Essa sus-
pensão era uma reivindicação da classe dos advogados, pois existem muitos advogados
que não possuem colegas para substituí-los por determinado período, o que os impedia
de tirar férias, no regime do CPC/1973. Contudo, de nada adiantaria o curso dos prazos
processuais estar suspenso se, durante o recesso forense, fossem realizadas audiências
e sessões de julgamento. Justamente por isto o art. 220, § 2º, do CPC/2015, impede a
realização de audiências e sessões de julgamento durante esse período.
A EC 45/2004 extinguiu as férias forenses, motivo pelo qual não se pode confundi-
-las com o recesso previsto pelo art. 220 do CPC/2015. A diferença entre ambos é a de
que durante as férias forenses não havia nenhuma atividade jurisdicional, ao passo que
durante o recesso do art. 220, caput, do CPC/2015 os juízes, os membros do Ministério
Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exer-
cem suas atribuições normalmente, conforme determina o art. 220, § 1º, do CPC/2015.
No ano de 2005, o Conselho Nacional de Justiça editou a Res. 8, que criou a pos-
sibilidade de suspensão do expediente forense e dos prazos processuais no âmbito das
Justiças Estaduais, conforme regulamentassem os Tribunais de Justiça dos Estados, no
período de 20 de dezembro a 6 de janeiro. Referida resolução foi revogada pela Resolu-
ção 244 do CNJ,6 que trata do mesmo tema, supostamente, à luz do CPC/2015. Contu-
e parcial da atividade judicante.” (Processo civil brasileiro. Vol II. Tomo I. Araken de Assis.
São Paulo: RT, 2015. p. 1393 a 1396).
6. O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições
legais e regimentais,
CONSIDERANDO que o inciso I do art. 62 da Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, estabelece
feriado na Justiça da União, inclusive nos Tribunais Superiores, nos dias compreendidos
entre 20 de dezembro e 6 de janeiro;
CONSIDERANDO que a existência de critérios conflitantes quanto à suspensão do expe-
diente forense gera incerteza e insegurança entre os usuários da Justiça, podendo, inclusive,
prejudicar o direito de defesa e a produção de provas;
CONSIDERANDO que o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional é garantido, ainda
que suspenso o expediente forense, no período noturno, nos fins de semana e nos feriados,
por meio de sistema de plantões judiciários;
CONSIDERANDO a nova redação da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, atual Código
de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016 e suspende os prazos pro-
cessuais na forma prevista no seu art. 220;
O Tempo e os Prazos no Processo 643
do, reputamos que esta resolução é ilegal, uma vez que seu art. 1º prevê a possibilidade
dos Tribunais de Justiça dos Estados suspenderem o expediente forense, o que bate de
frente com o previsto no já mencionado art. 220, § 1º, do CPC/2015.
Conforme explicado, o previsto no art. 215 do CPC/2015 regula o recesso forense.
Sendo assim, à luz das hipóteses mencionadas no referido artigo, tem-se que os respec-
tivos processos têm curso no recesso forense, a saber: a) os procedimentos de jurisdição
voluntária, que no CPC/2015 estão disciplinados nos arts. 719 à 770 (Capítulo XV, do
Título III do Livro I, da Parte Especial); b) outros procedimentos, em quaisquer proces-
sos, desde que “necessários à conservação de direitos” e que, se não praticados, “pude-
rem ser prejudicados pelo adiamento” (o recesso) (art. 215, I, do CPC/2015); c) ainda,
as ações de alimentos (art. 215, II, primeira parte, do CPC/2015), e nos processos de no-
meação ou remoção de tutores e curadores7 (art. 215, II, segunda parte, do CPC/2015);
d) mais ainda, na forma do art. 215, III, do CPC/2015, todas as causas que a lei venha a
determinar. Neste passo, convém ressaltar que o art. 174, II, do CPC/1973 referia-se à
lei federal, não apenas à lei. Sendo assim, considerando que os Estados e o Distrito Fe-
deral possuem competência para legislar sobre procedimentos em matéria processu-
al (art. 24, XI, da CF), entendemos que no regime do CPC/2015 a lei estadual poderia
eleger outras circunstâncias em que o processo não seria suspenso no recesso forense.8
Na vigência do CPC/1973, afirmávamos que a ação de alimentos não tinha curso
nas férias, pois o art. 174, II, do CPC/1973 falava em alimentos provisionais e não em
ação de alimentos, possuindo o tutelado apenas o direito à concessão dos alimentos
provisórios, por força do art. 174, I, 2º frase, do CPC/1973 e do art. 4º da Lei 5.478, de
25.07.1968. Contudo, uma vez concedido, o processo permanecia suspenso até o reini-
cio das atividades do Judiciário. Hoje, tendo em vista que o art. 215, II, do CPC/2015 re-
fere-se à ação de alimentos, resta certo que esta ação não se suspende no recesso forense.
O antigo art. 174, I, 2ª frase do CPC/1973 previa que poderiam ser praticados atos
necessários à conservação de direitos, durante as férias, quando tal direito pudesse ser
prejudicado se o ato fosse praticado apenas depois do término das férias. Com base
neste dispositivo, o Judiciário entendia que poderia conceder a medida liminar nas
ações possessórias, que não tinham curso nas férias, se fosse o caso.9 Igualmente, a li-
minar em embargos de terceiro.10 A mesma coisa se diga a respeito da liminar em man-
dado de segurança.11 Entretanto, referidas situações são típicos casos de tutela de ur-
gência, motivo pelo qual entendemos que tais casos se devem enquadrar no art. 214,
II, do CPC/2015 e não no art. 215, I, 2ª parte, do CPC/2015 – que correspondente ao
voluntária que já tem previsão no inc. I do referido artigo.” (Breves comentários ao novo
código de processo civil. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et.al.]. Comentário
de Estefânia Viveiros. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016. p. 688).
8. Nesse sentido: “Embora o Código anterior mencionasse a lei federal como a credenciada a
definir as causas de curso em férias, observava José Frederico Marques, que sua interpretação
deveria ser ‘no sentido de que não ficaram privados os Estados de também indicarem causas
e processos que possam correr durante as férias, além daqueles indicados e apontados na
lei federal de processo civil’. Para tanto, o legislador estadual terá em vista ‘os interesses
locais do serviço judiciário e seu andamento’. A tese do processualista referido foi enca-
mada pelo novo Código, já que o inciso III do art. 215 remete à lei definir as causas que
possam correr em férias, sem qualifica-la de lei federal apenas. Ademais, a Constituição
permite aos Estados legislar supletivamente sobre procedimentos judiciais (CF, art. 24, XI),
o que, sem dúvida, abrange a enumeração de feitos que podem ocorrer em férias.” (Curso
de direito processual civil. vol I. Humberto Theodoro Júnior. 57. ed., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. 518); “A redação atual, retirando o adjetivo “federal”, preserva a
competência do legislador estadual – em matéria de procedimento, competência legislativa
concorrente, a teor do art. 24, XI, da CF/1988 (retro, 103) –, no âmbito da Justiça Comum,
de estipular causas de tramitação obrigatória no recesso.” (Processo civil brasileiro. Vol II.
Tomo I. Araken de Assis. São Paulo: RT, 2015. p. 1397).
9. VI ENTA, conclusão 45, v.u., em RT 580/297; RT 505/83 e 537/108; RJTJSP 49/197.
10. RT 512/199; JUTACivSP 42/24 e 42/112.
11. Simpósio de Curitiba, conclusão LXXVII, em RT 482/270; VI ENTA, conclusão 41, v.u., em
RT 580/297; JUTACivSP 54/181.
O Tempo e os Prazos no Processo 645
21. TJSP, Ap. 241.533, 2.ª Câm.Civ., 12.08.1975, rel. Lafayette Salles Júnior, v.u.
22. RT 542/69 e 604/47. Contra: RF 264/255.
23. RT 524/92, 540/104 e 588/103; RJTJSP 64/197, 69/126 e 70/241; JUTACivSP 57/51; VI ENTA,
conclusão 41, v.u., em RT 580/297. Em sentido contrário, STJ, REsp 489.903/RS, 1.ª T., j.
08.04.2003, rel. Min. José Delgado, DJ 02.06.2003, p. 209.
24. RT 524/145; JUTACivSP 58/259.
25. RTJ 97/302 e RT 604/147. Deve-se atentar que, no caso, “o processo de execução segue
o mesmo rito da ação de conhecimento na qual se originou o título executivo” (STJ, REsp
401.018/ES, 2.ª T., j. 09.08.2005, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 29.08.2005,
p. 239).
26. RT 579/101, em.
27. RJTJSP 45/160 e 70/206.
28. RJTJSP 60/39.
O Tempo e os Prazos no Processo 647
que os prazos processuais serão prorrogados para o primeiro dia útil seguinte, se o dia de
seu começo ou de seu vencimento coincidir com o dia em que o expediente for iniciado
depois do horário normal. A alteração é relevante na medida em que o STJ considerava a
quarta-feira de cinzas dia útil, com exceção dos casos em que não houvesse expediente
forense,29 pouco importando se o expediente iniciasse no horário habitual ou não. Sen-
do assim, com o advento do CPC/2015, reputamos superado este entendimento do STJ.
Por outro lado, “considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte
ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico” (art. 224, § 2º, do
CPC/2015), sendo irrelevante se na data da disponibilização o expediente forense iniciou
ou terminou em horário não habitual. A contagem do prazo, por sua vez, terá início no
primeiro dia útil seguinte ao da publicação (art. 224, § 3º, do CPC/2015), portanto, se
uma sentença for disponibilizada na segunda-feira, a contagem do prazo para recorrer
começará apenas na quarta-feira. Convém destacar que é a contagem do prazo que tem
início no primeiro dia útil seguinte ao da publicação e não o prazo em si. Conforme ex-
plica Cândido Rangel Dinamarco,30 diferentemente do art. 184, § 2º, do CPC/1973, o
art. 224, § 3º, do CPC/2015 esteve atento a esta diferença, uma vez que se refere à con-
tagem do prazo, enquanto que aquele se referia apenas ao prazo, dando a entender que
o prazo começava a correr no primeiro dia útil após a intimação (publicação), o que é
errado hoje e já era no CPC/1973, pois o dia do começo do prazo é a data de sua publi-
cação (art. 231, VII, do CPC/2015).
De outra parte, tendo o Código regulado toda a matéria dos prazos, a disciplina
está toda nele. De tal forma, pois, o fechamento do fórum ou o encerramento antecipa-
do do expediente não acarreta, ante o Código de Processo Civil, a devolução dos dias
em que isto se deu na contagem do prazo, encontrando-se revogada, neste ponto, a Lei
1.408/1951.31
29. “Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Intempestividade. Não
conhecimento. 1. O prazo para interposição do agravo regimental é de 5 (cinco) dias, a
teor do que dispõe o art. 545 do CPC, começando a fluir do dia seguinte ao da publicação.
2. Em regra, a quarta-feira de cinzas é considerada dia útil para fins de contagem de prazo
recursal, apesar da limitação do expediente forense ao turno vespertino. 3. No caso concreto,
o regimental foi interposto após o transcurso do prazo legal, portanto, é intempestivo. 4.
Agravo regimental não conhecido.” (AgRg no AREsp 305170/PE, rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, 4.ª T., j. 01.03.2016, DJe 04.03.2016)
30. “Ao estabelecer que ‘salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo
o dia do começo e incluindo o dia do vencimento’ o art. 224 do novo CPC esteve atento a
distinção entre os conceitos de fluência do prazo e de sua contagem. O velho Código de
Processo Civil confundia tais conceitos, p.ex., no dispositivo segundo o qual ‘os prazos so-
mente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação’ (CPC/1973, art. 184, § 2.º).
Não. Eles começam a correr no dia da intimação e sua contagem é que terá início no primeiro
dia útil que vier. Foi portanto correta e oportuna a redação trazida pelo Código.” (Candido
Rangel Dinamarco. O novo Código de Processo Civil brasileiro e a ordem processual civil
vigente, Revista de Processo (RePro), São Paulo, Ed. RT, ano 40, n. 247, set. 2015. p. 99).
31. STF, RE 80.291/SP, 1.ª T., 11.03.1974, rel. Min. Xavier de Albuquerque, v.u., RTJ 75/577;
nosso Código de Processo Civil comentado, vol. I, p. 90; Jacy de Assis, Proc. Ord., 1975,
p. 49.
648 Manual de Direito Processual Civil
Se houver justa causa para o ato não ter sido praticado, dever-se-á devolver o prazo
(art. 223, § 2º, do CPC/2015). Já se reputou justa causa (art. 223, § 1º, do CPC/2015),
para fins de prorrogação de prazo, o lapso cartorário consistente na anotação no man-
dado de citação de prazo maior do que aquele de que disporia o réu para contestar a
ação que se lhe propõe.32 Similarmente, já se considerou justa causa o erro contido em
“informações prestadas pela rede de computadores operada pelo Poder Judiciário”, já
que estas “são oficiais e merecem confiança”.33
Conquanto a solução seja a correta, não se trata propriamente de justa causa, pois
o fato descrito não se ajusta ao art. 223, § 1º, do CPC/2015 mesmo porque esse fato não
impediria, propriamente, a prática do ato. No entanto, há indução em erro, por obra
da Justiça, o que justifica a solução dada (a parte, como tal, não sabe Direito). Já se en-
tendeu como hipótese de justa causa para tal finalidade a necessidade de o advogado
de uma das partes ser submetido a cirurgia de emergência34 e, similarmente, a doença
do advogado, atendendo-se, todavia, nesta última hipótese, às circunstâncias do caso
32. 2.º TACivSP, AgIn 23.986/SP, 2.ª Câm., 11.12.1974, rel. Barros Monteiro Filho, v.u., JUTA-
CivSP 84/83. Mais recentemente, contudo, sem referir-se à justa causa, STJ, REsp 805.592,
2.ª T., j. 07.08.2008, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 22.08.2008.
33. O STJ entendia que, por conta da natureza meramente informativa dos dados processuais
disponibilizados pela internet, os casos de perda prazo por conta de informações equivo-
cadas não caracterizavam justa causa: STJ, REsp 514.412/DF, 3.ª T., j. 02.10.2003, rel. Min.
Castro Filho, rel. p/ acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 09.12.2003, p. 285; STJ,
1.ª T., AgRg no AgIn 847.376/RS, j. 05.06.2007, rel. Min. Denise Arruda, DJ 02.08.2007,
p. 376; STJ, AgRg nos EREsp 514.412/DF, Corte Especial, j. 29.06.2007, rel. Min. Luiz Fux,
DJ 20.08.2007, p. 229; STJ, 1.ª T., AgRg no AgIn 934.846/DF, j. 20.05.2008, rel. Min. José
Delgado, DJe 23.06.2008. Nessa linha, o STJ também entendia que não era considerada
justa causa informação equivocada prestada por pessoa jurídica prestadora de serviço de
informações processuais, alheia ao Poder Judiciário (STJ, AgRg no AgIn 985.969/RS, 1.ª
T., j. 26.08.2008, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 03.09.2008). Contudo, em recentes
julgados o STJ alterou seu entendimento, passando a entender que há justa causa quando
os dados disponibilizados pela internet induzem a parte a erro: STJ, REsp 1.438.529/MS, 2.ª
T., j. 24.04.2014, rel. Min Humberto Martins, DJe 02.05.2014; STJ, AgRg no Ag 1.361.859/
PR, 4.ª T., j. 25.02.2014, rel. Min Raul Araújo, DJe 01.04.2014.
Quanto à informação prestada pelo cartorário que se equivoca quanto à contagem ou ao
lapso temporal previsto na lei, segue-se a linha do que foi decidido no REsp 151.601/DF (4.ª
T., j. 07.05.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 22.06.1998, p. 92), no sentido de
não se considerar justa causa, “a impedir a prática do ato no momento oportuno, o equívoco
de certidão cartorária em relação ao procedimento adotado e ao início do prazo recursal,
atestando coisa diversa do que preceitua a lei” (assim: STJ, AgRg no AgIn 733.514/PR, 3.ª
T., j. 18.10.2007, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 31.10.2007, p. 320). Seguindo
essa orientação, asseverou-se, em acórdão relatado pelo Min. Aldir Passarinho Junior, que
a informação equivocada constante do site de Tribunal acerca da juntada do mandado não
exime o advogado de verificar os autos in loco. No caso, porém, mesmo que ausente a justa
causa, o ato de juntada do mandado foi considerado inexistente, por ter sido praticado por
estagiário de direito, afastando-se a revelia (STJ, REsp 1.020.729/ES, 1.ª T., j. 18.03.2008,
rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 19.05.2008).
34. Veja-se, nesse sentido, acórdão do TJSP, Ag 9023080-25.2009.8.26.0000, 10.ª Câmara de
Direito Privado., j. 29.09.2009, rel. Des. Testa Marchi, DJe 08.10.2009; RT 613/128, em.
O Tempo e os Prazos no Processo 649
35. STJ, EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 609.426/MS, 4.ª T., j. 20.08.2015, rel. Min. Luís Felipe
Salomão, DJe 31.08.2015; RSTJ 42/145. Semelhantemente, cf. STJ, REsp 627.867/MG, 1.ª
T., j. 11.5.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 14.06.2004, p. 184; STJ, AgRg no REsp 533.852/
RJ, 3.ª T., j. 21.06.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 05.09.2005, p. 398.
36. Ementário de Jurisprudência do Estado do Ceará 11/298.
37. JUTACivSP 80/145. Ainda: “Ademais, o atestado médico trazido pelo advogado do agravante,
deficiência de vitamina A com xerose conjuntival, não atesta a incapacidade de peticionar ou
mesmo de substabelecer o mandato.” (STJ, AgRg no AREsp 398.005/PR, 5.ª T., j. 07.11.2013,
rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 14.11.2013);“(...) Não configura justa causa a perda do prazo
recursal por parte do advogado doente, quando este foi capaz de peticionar, ainda enfermo,
pedindo a devolução do prazo recursal. Portanto, tinha condições de substabelecer, para que
outro profissional praticasse o ato (...)” (STJ, AgRg no AgIn 816.528/RJ, 5.ª T., j. 14.08.2007, rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 24.09.2007, p. 359); “(...) Atestado em nome do advogado não
constitui justa causa, quando não for o único procurador instituído pela parte” (STJ, AgRg no
AgIn 917.824/RJ, 3.ª T., j. 07.02.2008, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 05.03.2008).
38. “Agravo regimental no agravo de instrumento. Decisão que se mantém por seus próprios
fundamentos. 1. Sendo a tempestividade de recurso interposto perante o Superior Tribunal
de Justiça aferida pela data do protocolo da petição na secretaria da Corte, não se configura
como justa causa a ocorrência de greve na Empresa dos Correios para a interposição tardia
do recurso. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”(STJ, AgRg no AgRg no AgIn
517.053⁄RJ, 6.ª T., j. 16.10.2003, rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 16.05.2005, p. 429). Em sentido
convergente: STJ, EDcl nos EDcl no REsp 962.766⁄ES, 2.ª T., j. 06.12.2007, rel. Min. Castro
Meira, DJ 17.12.2007, p. 165; STJ, AgRg no AgIn 1.021.343/SP, 4.ª T., j. 24.06.2008, rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJ 01.07.2008, p. 1; EDcl no AgRg no AREsp 222.142/RJ,
2.ª T., j. 18.12.2012, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 15.02.2013.
650 Manual de Direito Processual Civil
qual os prazos processuais não podiam, via de regra, serem modificados. O CPC/1973
abria exceções a essa inalterabilidade apenas para os prazos dilatórios (arts. 181 e 182
do CPC/1973). O CPC/2015, por sua vez, prevê a possibilidade de alteração de qual-
quer prazo processual, seja ele dilatório ou peremptório (art. 139, VI, art. 190, art. 191
e art. 222, § 1º, todos do CPC/2015).
39. Observação deve ser feita nessa oportunidade sobre o plenamente capaz, entendendo tal
como preceituado no art. 70, do CPC/2015. Ou seja, é aquele que pode exercer seus direitos,
complementada, na forma da lei, se for o caso, sua capacidade.
O Tempo e os Prazos no Processo 651
40. Nesse sentido: “Para não dizer que o Novo CPC aboliu, por completo, a distinção entre os
prazos dilatórios e os peremptórios, observe-se que o §1.º, do art. 222 traz regra segunda a
qual ao juiz é vedado reduzir prazos peremptórios sem anuência das partes. Lido em sentido
contrário, está o dispositivo a autorizar a modificação de prazos peremptório com a anuência
das partes, bem como a modificação, sem qualquer necessidade prévia de anuência, dos
prazos dilatório.” (Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior. Coordenação Teresa Arruda
Alvim Wambier... [et.al]. Breves comentário ao novo código de processo civil. 2. ed. rev. e
atual. São Paulo: RT, 2016. p. 703.).
41. Nesse sentido: “2. Redução. Embora o novo Código aluda a prazos peremptórios o correto
seria aludir a prazos próprios, isto é, prazos cuja inobservância gera preclusão. Nesses casos,
o juiz só poderá reduzir os prazos próprios com expressa anuência das partes (art. 222, § 1º,
do CPC).” (Luiz Guilherme Marinoni. Sérgio Cruz Arenhart. Daniel Mitidiero. Novo código
de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 258).
42. Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 98-99. A conclusão do Simpósio de
Curitiba (conclusão XIII, RT 482/270), no sentido de que os prazos dilatórios são disciplinados
por norma dispositiva, e os peremptórios por norma cogente, igualmente, a nada leva.
Na verdade, trata-se de enunciado lógico, a partir dos diferentes sentidos de dilatório e
peremptório, a que se seguem normas de rigidez (peremptórias e dilatórias), igualmente
distintas, sem que, todavia, se tenha esclarecido quais sejam uns e outros prazos.
652 Manual de Direito Processual Civil
43. TRF-1.ª R., AgIn 200301990027188, 7.ª T., j. 11.2.2004, rel. Des. Luciano Tolentino Amaral,
DJ 02.03.2004, p. 47.
44. RTJ 84/925 e RT 509/167 (esta posição é a fixada nos votos vencidos).
45. RTJ 84/925; RT 509/167.
46. RTJ 86/632, 95/739 e 106/770; STJ, AgRg no AgIn 638.501/RS, 2.ª T., j. 04.08.2005, rel. Min.
João Otávio de Noronha, DJ 29.08.2005, p. 282.
47. José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, cit., vol. II, n. 447, p. 354;
Couture, Fundamentos de derecho procesal civil, p. 175.
O Tempo e os Prazos no Processo 653
Prazos comuns são os que existem, simultaneamente, para ambas as partes. Por
exemplo, o prazo comum de apelação, em virtude de sucumbência recíproca. Prazos
particulares, ao contrário, são aqueles existentes para uma só das partes, por exemplo:
1º) a sucumbência de uma só delas – só a parte sucumbente apelará; 2º) o prazo para
contestação e para reconvenção – é só o réu que se defende. Se, porém, várias pessoas
ocuparem a mesma posição, por exemplo, se forem vários os réus ou os sucumbentes,
o prazo será também considerado comum. Se tiverem advogados diferentes, de escri-
tórios de advocacia distintos, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para responder,
recorrer e falar nos autos (art. 229 do CPC/2015).
Dizem-se prazos próprios os que efetivamente implicam uma consequência pro-
cessual específica. Assim, quem não contesta no prazo é revel; quem não apela permite
que se forme coisa julgada etc.
Já os prazos impróprios são aqueles que não acarretam, com a não prática do ato
que neste espaço de tempo deveria ser praticado, uma consequência processual. São os
prazos que existem para o juiz, lato sensu (art. 227 do CPC/2015), e para os serventu-
ários da Justiça. As consequências do descumprimento de tais prazos são de natureza
eventual e meramente administrativa (arts. 233 a 235 do CPC/2015).
48. STJ, REsp 172.186/SP, 4.ª T., j. 17.10.2002, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24.02.2003, p. 235.
49. STJ, REsp 183.946/SP, 5.ª T., j. 16.03.2000, rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.04.2000, p. 106.
No mesmo sentido, RTJ 106/323. Por votação unânime, o Tribunal Regional Federal da 5.ª
Região também entendeu no sentido de que só pode ser vigente a lei quando o órgão oficial
que a veicula tenha efetivamente circulado. O acórdão, citando precedente do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, firmou posicionamento no sentido de que a publicação dos atos
integra o próprio processo legislativo. Sua relevância não é imperceptível, já que o objeto da
controvérsia era, precisamente, se determinada lei tributária, editada em 31.12.1991 – Lei
8.383 –, poderia viger naquele mesmo ano, sem ofensa ao princípio da anterioridade cons-
titucionalmente assegurado, diante da circulação do Diário Oficial somente em 02.01.1992
(AMS 33.525/AL, rel. Juiz Hugo Machado, j. un., 18.11.1993, Boletim da Associação dos
Advogados de São Paulo n. 1.868, p. 321-j).
654 Manual de Direito Processual Civil
Caso se trate de prazo para a prática de ato que demande intimação pessoal da par-
te – como ocorre, por exemplo, na intimação para cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, a teor do que se extrai da Súmula 410 do STJ –, aplica-se o disposto no
art. 224, caput e parágrafos, do CPC/2015. Em se tratando de prazo recursal, a matéria
é disciplinada especificamente pela regra do art. 1.003, caput, do CPC/2015, segundo
a qual “O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a
sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Pú-
blico são intimados da decisão”, o que, em geral, é feito mediante divulgação no Diário
Oficial, ou, ainda, em audiência, conforme o § 1.º do citado art. 1.003.
No regime do CPC/1973, quando o recurso a ser interposto destinava-se a impug-
nar decisão concedida liminarmente e inaudita altera parte, controvertia-se a jurispru-
dência quanto a: a) utilizar a norma específica do art. 242 do CPC/1973 para determi-
nar que se contasse o prazo a partir da data em que a parte havia recebido o mandado
ou ofício de citação, ou b) contar o prazo a partir da data da ciência pelo procurador da
parte acerca do conteúdo da decisão, o que poderia ocorrer pelo comparecimento es-
pontâneo (mediante juntada de procuração ou contestação aos autos) ou com a junta-
da do mandado ou ofício de citação, devidamente cumprido, aos autos. Prevalecia esse
último entendimento, conforme se extrai da jurisprudência do STJ: “(...) 1. O termo a
quo do prazo para interposição de agravo de instrumento, instituído pelo art. 522 do
CPC, contra liminar concedida inaudita altera pars, começa a fluir da data da juntada
aos autos do mandado de citação, exceto na hipótese de comparecimento espontâneo
aos autos ou retirada do mesmo de cartório, pelo advogado da parte, formas de inequí-
voca ciência do conteúdo da decisão agravada, fluindo a partir daí o prazo para a in-
terposição do recurso” (STJ, REsp 853.831/SP, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 15.05.2008,
DJe 04.08.2008); “Tratando-se de liminar concedida liminarmente, sem a justificação
prévia, o prazo para a interposição do agravo de instrumento flui a partir da juntada
do mandado citatório devidamente cumprido ou da juntada do aviso de recebimento
da citação pelo correio” (STJ, REsp 599.420/SP, 4ª T., rel. Ministro Barros Monteiro, j.
06.12.2005, DJ 20.03.2006 p. 280).
O art. 1.003, § 2º, do CPC/2015 positivou expressamente parcela do posicionamen-
to dominante no STJ, preceituando que “aplica-se o disposto no art. 231, incisos I a VI,
ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida anteriormente à
citação.”, contudo, curiosamente o inciso VIII do art. 231, que trata da intimação por
meio da retirada dos autos em carga, foi excluído da previsão do § 2º do art. 1.003. Dian-
te dessa circunstância poderíamos cogitar que a retirada dos autos em carga pelo advo-
gado do réu prejudicado pela liminar inaudita altera parte não implica na intimação do
réu e o consequente início do prazo. Contudo, tal conclusão não faz sentido diante do
princípio da instrumentalidade das formas e do art. 239, § 1º, do CPC/2015 que prevê
o suprimento da citação do réu por seu comparecimento espontâneo ao processo, por-
tanto, reputamos que o prazo para recorrer da decisão proferida antes da citação se deve
iniciar no dia da carga dos autos realizada pelo réu, se esta ocorrer antes das hipóteses
dos incisos I a VI do art. 231 do CPC/2015.
O Tempo e os Prazos no Processo 655
16.7. Preclusão59
A preclusão interfere em toda a dinâmica do andamento processual. Ela é a espi-
nha dorsal do processo, no que respeita ao seu andamento, pois é o instituto através do
qual, no processo, se superam os estágios procedimentais, e não deixa de ser também
um instituto propulsionador da dinâmica processual, na medida em que for acatada
pela legislação positiva.
A espécie de preclusão mais importante é a temporal, e é por isto que tratamos do
tema dentro do item relacionado com o tempo no processo.
A preclusão, para ser corretamente entendida, pressupõe o entendimento do con-
ceito de ônus.
58. TRF-4.ª R., AgIn 9404561673-RS, j. 25.05.1995, rel. Des. Luiza Dias Cassales, DJ 21.06.1995.
Note-se que, no caso, não se aplica o horário previsto no art. 172 do CPC/1973 (cf. STJ, REsp
9.636/SP, 4.ª T., j. 28.05.1991, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 01.07.1991, p. 9.202).
59. Sobre o tema, cf. amplo estudo realizado por Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no
CPC, cit., item 8. V. também o estudo monográfico de Heitor Mendonça Sica (Preclusão
processual civil).
O Tempo e os Prazos no Processo 657
60. O ônus distingue-se da obrigação, pois, nesta, o devedor sofrerá, no plano lógico (do
dever-ser do direito), as consequências de inadimplemento, embora, praticamente, isto
possa, eventualmente, inocorrer. Já com relação ao ônus, nem mesmo no plano lógico são
inexoráveis as consequências, pois alguém poderá não ter contestado, mas, nem por isto,
haverá, necessariamente, de perder a demanda, a qual poderá ser julgada improcedente.
61. É possível que a parte alegue tempestivamente a suspeição do juiz e, nesta hipótese, ve-
rificar-se-á, para a parte, preclusão. Isto não significa, todavia, que o juiz fique impedido
de dar-se por suspeito, com fulcro no art. 145, parágrafo único. Poderá, inclusive, haver
descoincidência de motivos (o que a parte alegaria e o que terá levado o juiz a dar-se por
suspeito), o que é irrelevante e nem se ficará sabendo. No entanto, o que releva frisar é que
se a parte fica inibida de afastar o juiz, este, todavia, não fica – por causa da omissão da
parte – inibido de se desligar do processo, sponte sua.
62. STJ, REsp 236.844/SP, 5.ª T., j. 03.02.2000, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 13.03.2000,
p. 193; Revista de Processo (RePro) 6/318, em., 125; RTJ 94/445; RT 480/158, 490/138,
508/165, 509/91 e 557/103; RJTJSP 72/679 e 85/185; JUTACivSP 40/184, 48/234, 50/242,
66/35 e 73/165. Simpósio de Curitiba, conclusão XV, RT 482/270; VI ENTA (firmou tese,
quanto às condições da ação ‘ conclusão 9, por maioria) em RT 580/297; STJ, AgRg no AgIn
332.188/RJ, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.06.2001; STJ, RMS 14.399/RJ, 2.ª T., rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJ 10.10.2005; STJ, AgRg no REsp 678.131/MG, 3.ª T., rel.
Min. Ari Pargendler, DJ 21.11.2005; STJ, REsp 847.390/SP, 1.ª T., rel. Min. Teori Zavascki, DJ
22.03.2007; STJ, REsp 670.233/RN, 4.ª T., j. 04.03.2008, rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJe 16.06.2008; STJ, REsp 1.004.910/RJ, 4.ª T., j. 18.03.2008, rel. Min. Fernando Gonçalves,
DJe 04.08.2008. Em sentido contrário: RT 571/201 e 526/107, em.; RJTJSP 62/29 e 70/159;
Arquivo Forense 63/102.
658 Manual de Direito Processual Civil
63. Nem pelo fato de ter ocorrido preclusão para a parte, relativamente, v.g., à oitiva de uma
testemunha, que fora arrolada, necessariamente deixará ela de ser ouvida. No entanto, se
o for, sê-lo-á, não porque a parte a isso tenha direito, que não tem, por causa da preclusão,
mas porque o juiz poderá determinar a oitiva, em face do disposto no art. 370 do CPC/2015.
64. Nesse sentido: “Apelação cível Resolução de contrato de compra. Reconhecimento da
prescrição (ex-officio) Juntada com a apelação da notificação extrajudicial mostrando a
interrupção da prescrição. Decisão que indeferiu a petição inicial sem conferir oportunidade
a autora. Regra prevista expressamente nos artigos 9 e 10 do novo CPC sentença anulada.
Recurso provido (Voto 10364)” (TJSP, AC 0002044-39.2015.8.26.0366, 8ª Câmara de Direito
Privado, j. 22.06.2016, rel. Des. Silvério da Silva, DJe 22.06.2016).
65. Aplaudindo a inovação, Barbosa Moreira anota o seguinte: “O texto básico é o do art. 189.
Nas várias disposições específicas do art. 206, distribuídas por cinco parágrafos, coerente-
mente, está dito que o que prescreve é ‘a pretensão’, não a ação.
“Inspira-se tal entendimento, sem sombra de dúvida, no direito alemão. O § 194 do Bür-
gerliches Gesetzbuch, com toda a clareza, aponta a pretensão (Anspruch) como o objeto
O Tempo e os Prazos no Processo 659
cessariamente. A sentença, pois, por meio da coisa julgada formal, torna-se imutável
no próprio processo. Como a coisa julgada formal pode resultar da preclusão para a in-
terposição de um último recurso cabível, em tese, diz-se, habitualmente, que ela con-
substancia a “preclusão máxima”.
Sem embargo de a coisa julgada formal originar-se da preclusão, que se substancia
na não interposição do recurso, ambas não se confundem. A preclusão diz respeito ao
não uso do recurso, ao passo que a coisa julgada formal encerra e fecha a fase de conhe-
cimento do processo, pondo-lhe um ponto final.
A preclusão comporta diversas classificações. A mais comum é a que a divide em: a)
temporal, a mais importante (="comum);" b) lógica; e c) consumativa.
Diz-se temporal a preclusão quando um ato não é praticado no prazo existente para
a respectiva prática e, por essa circunstância, não mais pode ser realizado.
Diz-se lógica a preclusão quando um ato não mais pode ser praticado,68 pelo fato
de se ter praticado outro ato que, pela lei, é definido como incompatível com o já rea-
lizado, ou que esta circunstância deflua inequivocamente do sistema. A aceitação da
sentença envolve uma preclusão lógica de não recorrer. Assim, quando a parte toma
conhecimento da sentença, vindo até a pedir sua liquidação, aceita-a tacitamente, não
mais lhe sendo dado recorrer.
Fala-se, finalmente, em preclusão consumativa, quando se pratica o ato processual
previsto na lei. Não será possível, depois de consumado o ato, praticá-lo novamente.
A preclusão lógica, rigorosamente, é também consumativa. Vale dizer, a circuns-
tância de a prática de um ato processual se ter verificado envolve consumação. Tal con-
sumação (no contexto da preclusão lógica) quer dizer que o mesmo ato não pode ser
repetido e que, ainda, outro ato ou outros atos, que pudessem ter sido praticados, no
lugar daquele, não mais poderão ser praticados.
Consideremos, afinal, uma hipótese de preclusão temporal.
O que se procura evidenciar, em relação ao instituto da preclusão, é que, em se ve-
rificando oportunidade para uma dada providência, esta não poderá vir a ser tomada
quando, de forma idêntica, repetir-se essa “mesma oportunidade”, porque, em realida-
de, não será mais a mesma oportunidade. Esta segunda oportunidade é apenas aparen-
te, dado que, não tomada a providência, na primeira oportunidade, em relação a esta
“segunda oportunidade”, já terá ocorrido preclusão.
A hipótese, exemplificativamente, é a que segue.
Vejamos um acórdão no qual foi julgada apelação, em relação a qual foram inter-
postos os embargos de declaração com caráter infringente, opostos por interessados,
68. 2.º TACivSP, Ap. 19.153/SP, 5.ª Câm., 14.08.1974, rel. Edgard de Souza, v.u.
Ocorre também preclusão lógica se se aceita o juízo (v.g., contestando a ação), e, posterior-
mente, se se pretende – ainda que no prazo de 15 dias – levantar a suspeição do juiz (era
expresso o art. 186 do CPC de 1939). Cf. também STJ, EDcl no REsp 618.642/MT, 1.ª T., j.
08.03.2005, rel. Min. José Delgado, DJ 18.04.2005, p. 218.
O Tempo e os Prazos no Processo 661
69. José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, em comen-
tários ao art. 499, n. 163, fine, p. 294) ensina: “Entre nós, as vias recursais que se abrem ao
terceiro prejudicado são sempre e apenas as mesmas concedidas às partes, os pressupostos
de cabimento da apelação, do agravo, dos embargos, do recurso extraordinário (ou especial),
não são, para o terceiro prejudicado, diferentes, do recurso extraordinário (ou especial) da
parte (...).” No mesmo sentido, escreve Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito
processual civil, cit., 1985, vol. I, p. 96), dizendo que “ao terceiro prejudicado cabe recorrer
nos prazos estabelecidos para as partes”.
70. No sentido da identidade do prazo para as partes e para terceiro prejudicado é uniforme a
jurisprudência: a) TJRJ, AgIn 8.832, rel. Des. Felisberto Ribeiro, Adcoas, 1985, n. 102.794
e em Alexandre de Paula, CPC anotado, julg. n. 78, p. 1966; b) em julgado do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, publicado na Jurisp. Cat. 62/102, Ap 28.284, j. 21.06.1988, rel. Des.
Napoleão Amarante, lê-se: “O prazo de recurso para o terceiro prejudicado não fica aberto
indefinidamente, como se a qualquer tempo pudesse interpor a sua irresignação”; c) “o prazo
para a interposição de recurso de terceiro prejudicado é igual ao das partes, contando-se a
partir da mesma data” (acórdão unânime, TJSP, AgIn 70.286-1, 1.ª Câm.Civ., j. 04.02.1986,
rel. Luis de Macedo, RT 606/95 e RJTJESP 104/316, e em Alexandre de Paula, op. cit., julg.
89, p. 1.967); d) “(...) o terceiro interessado não pode ter mais prazo para qualquer recurso
do que a parte vencida” (trecho do voto extraído do acórdão unânime proferido pelo TJSP,
Ap 67.482-1, 6.ª Câm.Civ., rel. Des. Gonçalves Santana); e) ainda do TJSP colhem-se, entre
outros, os seguintes julgados, seguindo essa mesma orientação: Ap.Cív. 285.603, rel. Des.
Campos Gouvêa, RJTJESP 65/170; e AgIn 241.688, rel. Carlos Antonini, RT 477/116.
71. Nesse sentido também é uníssona a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça: a) “Re-
curso. Terceiro. O prazo para recurso de terceiro é o mesmo das partes, não sendo de se
aceitar o entendimento de que só começaria a fluir quando tivesse ciência da decisão, o que
poderia protrair indefinidamente o trânsito em julgado” (AgRg no AgIn 51.691-1/MT, rel. Min.
Eduardo Ribeiro, DJU 28.11.1994); b) “Recurso. Terceiro prejudicado. Prazo. Termo inicial.
O dies a quo do prazo é igual ao das partes, não se podendo admitir que o prazo somente
começaria a fluir quando o terceiro tivesse ciência da decisão, circunstância que protrairia
indefinidamente o trânsito em julgado. Recurso especial conhecido, mas improvido” (REsp
82.191/SP, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 09.06.1997, p. 25545); c) “Processo civil. Recurso.
Terceiro. O prazo para o terceiro interpor recurso é o mesmo das partes. Recursos conhecido
e provido” (REsp 74.597/BA, rel. Min. Costa Leite, DJU 18.12.1995).
662 Manual de Direito Processual Civil
72. Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol. V, em comentários ao
art. 508, n. 208, p. 376. Neste mesmo sentido o entendimento expressado por Sérgio Bermudes:
“O prazo deferido ao terceiro para recorrer é o das partes. O terceiro não goza de qualquer
privilégio. O Código atual retirou do terceiro os benefícios que lhe eram concedidos nos pa-
rágrafos do art. 815 do diploma anterior” (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol.
VII, p. 61). Esse também o pensamento de Humberto Theodoro Júnior: “O prazo do terceiro,
para recorrer, é o mesmo da parte a que ele assiste, muito embora não tenha o assistente, in
casu, recebido qualquer intimação da decisão. O dies a quo, portanto, fixa-se pela data da
intimação da parte assistida” (Curso de direito processual civil, vol. III, p. 987, n. 746).
73. Sobre a interrupção da prescrição, cf, mais amplamente: Arruda Alvim, Prescrição intercor-
rente, in Mirna Cianci (coord.), Prescrição no novo Código Civil, p. 27-56.Trabalho escrito
O Tempo e os Prazos no Processo 663
quando da vigência do CPC 73; é útil diante do fato de a prescrição ser regulada pelo direio
material.;
664 Manual de Direito Processual Civil
rência é obstada. Isto significa que, mutatis mutandis, quando o direito positivo estabe-
lece que a prescrição será interrompida, haver-se-á de ler, em relação à decadência, que,
proposta tempestivamente a ação, i.e., antes de consumar-se a decadência, resulta exercido
o direito utilmente. Aduza-se, ainda, que a decadência a que possa estar sujeito um dado
direito e sua respectiva pretensão, exercitável por meio de processo, não é suscetível
de ser obstada fora do processo, tal como ocorre com a prescrição; ou seja, não se obsta
essa decadência para, aproveitando-se dessa circunstância, ulteriormente, vir-se a im-
pedi-la, agora, por intermédio de processo judicial.
O efeito retroativo de interrupção da prescrição e obstativo da decadência, já cau-
sou diversas controvérsias jurídicas nos sistemas processuais. No sistema precedente
ao CPC/1973 se discutia justamente a interrupção pela citação, em função da antecipa-
ção do efeito interruptivo para o despacho do juiz, desde que o autor promovesse os atos
que lhe incumbiam.74 Dissemos, em obra escrita em 1972, que essa “orientação [era]
rigorosamente conforme os princípios, pois a razão pela qual se antecipa a interrup-
ção da prescrição é a mesma por que se deseja impedir a decadência. E a identidade de
tratamento, além dessa igualdade de motivos, é tanto mais compreensível, se atentar-
mos para a realidade da dificuldade [então] existente em se distinguir um instituto do
outro”,75 dificuldade essa que resultou sensivelmente minorada com o Código Civil de
200276, que regulou de forma mais clara e adequada os institutos.
74. No sistema anterior determinou-se que se aplicasse o art. 166 do CPC de 1939 “a todos os
casos previstos no art. 178 do Código Civil [de 1916] e aos demais casos de prescrição e
prazos extintivos previstos em lei”.
75. Cf. Arruda Alvim, Teoria geral do processo de conhecimento, vol. 1, p. 325. Os colchetes
foram acrescentados.
76. Há outro sistema, adotado em diversos países, em decorrência do que a propositura da ação
interrompe a prescrição, como, ainda, impede ou suspende o curso da prescrição. É este
o sistema italiano, tanto no Código de Processo Civil de 1865 quanto no atual. Em relação
ao sistema processual de 1865, ensinava Chiovenda que o não curso da prescrição era,
tipicamente, “un effetto della litspendenza” (cf. Saggi di diritto processuale civile, I, n. 2, a,
p. 278). No direito italiano vigente, rege este assunto o Código Civil, no seu art. 2.945 – Effetti
e durata dell’interruzione, dispondo na sua segunda alínea: “Se l’interruzione è avvenuta
mediante uno degli atti indicati dai primi due commi dell’art. 2.943, la prescrizione non
corre fino al momento in cui passa in giudicato la sentenza che definisce il giudizio (Cod.
Proc. Civ. 324)”.Está disposto, ainda no Código Civil, o seguinte: “Art. 2.943 – Interruzione
da parte del titolare. La prescrizione è interrotta (1.310) dalla notificazione dell’atto con il
quale si inizia un giudizio, sia questo di cognizione (Cod. Proc. Civ. 163, 638) ovvero con-
servativo (Cod. Proc. Civ. 670 e seguente, 688, 700, 703) o esecutivo (Cod. Proc. Civ. 474 e
seguenti)”. No direito alemão, da mesma forma, pelo § 211, primeira parte, do seu Código
Civil: “A interrupção por propositura da ação dura até que o processo seja decidido em de-
finitivo ou, de outro modo, despachado”. Mas a segunda alínea do mesmo § 211 reza: “Se
o processo vier a cessar em consequência de uma transação ou pela circunstância de que
não se dá a ele prosseguimento, terminará a interrupção com o último ato processual das
partes ou do juízo. À nova prescrição, começando depois da terminação da interrupção, será
interrompida [por sua vez] pela circunstância de que uma das partes deu prosseguimento
de novo ao processo, do mesmo modo como pela propositura da ação” (tradução do Pro-
fessor Souza Diniz, Código Civil alemão traduzido para o português, edição da Record). A
O Tempo e os Prazos no Processo 665
Desta forma, o fato da interrupção da prescrição está ligado, da mesma forma que o
exercício tempestivo da ação, obstando a decadência. É certo, por isso que, se a senten-
ça vier a ter conteúdo declaratório negativo, ou seja, em razão de o autor não ter direito,
não terá tido significado prático falar-se em interrupção da prescrição ou que a decadên-
cia do direito foi obstada. Salvo, parece, se essa sentença declaratória negativa, vier a ser
rescindida (em rescisória com pedido cumulado de novo julgamento), quando então,
deverá vir a ser considerada a primitiva interrupção, pela propositura da ação no pro-
cesso precedente (cuja sentença veio a ser rescindida), o que será útil na hipótese de,
nesta rescisória, se vier a dar pela procedência do pedido.
Quaisquer possíveis dúvidas em relação à extensão dos efeitos retroativos do des-
pacho inicial à decadência, existente no sistema processual anterior, em razão dos ter-
mos do art. 220 do CPC/1973 (que explicitava que o disposto no art. 219 – interrupção
da prescrição – se estendia a todos os prazos extintivos previstos em lei), foram inte-
gralmente sanadas pelo § 4º do art. 240 do CPC/2015, o qual evidencia que “o efeito
retroativo a que se refere o § 1º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos”.
Assunto paralelo ao da prescrição intercorrente é o que se liga à indagação das re-
percussões decorrentes da circunstância de o art. 202, caput, do CC/2002 admitir uma
única interrupção da prescrição (“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente
poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: (...)”).
A questão pode ser desenvolvida – servindo-nos do exemplo a seguir indicado – a
partir da consideração da hipótese de uma prescrição de cambial ter sido interrompida,
à luz do disposto no inciso III do art. 202 do CC/2002. Se pode ser interrompida uma
única vez, poderíamos cogitar que essa interrupção inviabilizaria uma ulterior inter-
rupção, qual viria a ser, a que decorresse da propositura de ação, cuja interrupção, ago-
ra, operar-se-ia à luz do inciso I do art. 202. Consequentemente, se se viesse a entender
que a interrupção operada à luz do inciso III do art. 202 exauriria a possibilidade de
interrupção, impedindo outra (que seria a do inc. I do art. 202, isto é, agora no âmbi-
to do processo), é certo que não se poderia vir a considerar que, sucessivamente a esta
última interrupção, na pendência de um processo, destinado à cobrança executiva da
cambial, não se pudesse aplicar a regra do parágrafo único do art. 202 (“A prescrição
interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do
processo para a interromper”).
parte final da segunda alínea desse § 211 bem explicita a regra do art. 202 do nosso Código
Civil, na parte em que o regime com este coincide. No direito português, por sua vez, o
tema é atualmente regulado no Código Civil nos seguintes termos: “Art. 323.º (Interrupção
promovida pelo titular) 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial
de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja
qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. E a sus-
pensão da prescrição está prevista no art. 327: “Art. 327.º (Duração da interrupção) 1. Se a
interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral,
o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão
que puser termo ao processo” (v. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª
Edição Revista e Ampliada, Lisboa: Ediforum – Edições Jurídicas LDA, 2014, p. 610-611).
666 Manual de Direito Processual Civil
77. V. Arruda Alvim, Lei 11.280, de 16 de Fevereiro de 2006 (análise dos arts. 112, 114 e 305, do
Código de Processo Civil; análise do § 5.º do art. 219, do Código de Processo Civil), Terceira
Etapa da Reforma do Código de Processo Civil – Estudos em homenagem ao Ministro José
Augusto Delgado, p. 53-66.
78. Cf. Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 66.
668 Manual de Direito Processual Civil
Se este texto vige, é necessário compatibilizar o espaço por ele ocupado com a regra
do art. 219, § 5º, tal como decorrente da Lei 11.280. Essa compatibilidade deve, con-
quanto o juiz haja de decretar de ofício a prescrição, demandar audiência do interessa-
do, antes dessa decretação da prescrição, porquanto a prescrição, depois de consuma-
da, pode ser renunciada. Se houver ou se pode haver renúncia à prescrição, por aquele
a quem essa beneficiaria, é certo que o juiz não deverá decretar a prescrição ou não deve
deixar de ouvir o interessado. Isso porque a regra do art. 219, § 5.º, do Código de Pro-
cesso Civil aplica-se, também, à prescrição intercorrente. Deve-se sublinhar que, con-
quanto o art. 219, § 5.º tenha estabelecido atividade oficiosa, é, no caso, atividade que
pode ser obstada pela vontade do beneficiário da prescrição.
Pode haver interesse na renúncia à prescrição, o que, antes da regra do art. 219, § 5º,
tal como consta da Lei 11.280, manifestava-se pela não utilização da exceção de prescri-
ção, na hipótese de uma renúncia tácita.
É possível que alguém seja demandado por determinado débito, em relação ao qual
seja evidente a prescrição. Mas é possível que esse alguém nada deva e que a ele seja
preferível uma decisão de improcedência da ação, por este fundamento. Do contrário,
se fosse decretada a prescrição, poderia vir a ser rotulado como mau pagador, beneficiado,
apenas, pela ocorrência de prescrição”.79
Outrossim, as partes, também deverão ser intimadas pelo juiz para se pronunciar
a respeito da prescrição intercorrente, já que, além da possibilidade de ter acontecido
alguma causa suspensiva ou interruptiva, a prescrição é um fato extintivo de sua pre-
tensão. Destarte, em respeito ao direito fundamental ao contraditório (art. 5º, LV, da
CF/1988), determinam os arts. 10 e 487 parágrafo único do CPC/2015 que as partes se-
jam ouvidas. Tudo isso evidencia a necessidade de prudência do juiz, para se forrar em
relação a uma análise prematura da questão.80
Com efeito, o art. 487, II, do CPC/2015 exige uma interpretação sistemática, com-
patível com as garantias constitucionais do processo e com o regime da prescrição es-
tabelecido pelo Código Civil. E tal exegese só será possível se o juiz ensejar, antes da
pronúncia ex officio da prescrição, a manifestação de ambas as partes.81
Do contrário, se o magistrado não permitir a oitiva de ambas as partes antes de decre-
tar a prescrição, perpetrará um flagrante desrespeito ao direito fundamental do devido
processo legal.82 Em suma, tanto o autor quanto o réu, bem como interessados, devem
ter a oportunidade de se manifestar a respeito da prescrição. O art. 487, II, do CPC/2015
necessita ser aplicado em conformidade com as normas prescricionais do Código Civil
(arts. 189 a 206) e com as garantias constitucionais do processo.
79. Arruda Alvim, Prescrição intercorrente, in: Mirna Cianci (coord.), Prescrição no novo Código
Civil, p. 30-33. O texto citado entre aspas foi levemente alterado, para maior clareza.
80. Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier Wambier e José Miguel Garcia
Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil, p. 45, vol. 2.
81. V. Humberto Theodoro Júnior, As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 41-69.
82. Idem, p. 67.
670 Manual de Direito Processual Civil
83. São os seguintes os pontos que espelham a orientação atual do Superior Tribunal de Justiça
a respeito: a) REsp 543.913, 1.ª T., rel. Min. Luiz Fux: 1. o art. 40 da Lei 6.830/1980 tem de
ser entendido em harmonia com o art. 174 do Código Tributário Nacional; havendo colisão,
este deve prevalecer sobre aquele; 2. o mero despacho ordinatório da citação se submete,
principalmente, ao regramento do art. 219, § 4.º, do CPC, no que está implicada interpre-
tação sistemática do art. 8.º, § 2.º da Lei 6.830/1980, com o texto do CPC; 3. se o processo
ficar paralisado por mais de 5 anos, ocorre a prescrição, aí citados os REsp 188.963-SP e
255.118-RS, da 1.ª T., e o REsp 123.392, da 2.ª T.; b) substancialmente análogo é o REsp
570.771-SP, rel. Min. José Delgado, analisado abaixo; c) REsp 300.366, 6.ª T., j. 11.03.2003,
rel. para o acórdão Min. Vicente Leal, similar no que diz respeito aos fundamentos que devem
comparecer para configurar-se prescrição intercorrente, no caso não acolhida (o recurso
especial não foi conhecido).
84. Controverte-se, no STJ, sobre a aplicabilidade imediata § 4.º do art. 40 da Lei 6.830/1980
(parágrafo este que, como se mencionou acima, foi inserido pela Lei 11.051/2004) às exe-
cuções fiscais iniciadas antes de sua vigência. Em sentido afirmativo: “1. A jurisprudência
do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição
intercorrente em matéria tributária não podia ser declarada de ofício. 2. O atual § 4.º do art. 40
da LEF (Lei 6.830/1980), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6.º), viabiliza a
decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser
previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas
ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem
aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso” (STJ, REsp 735.220/RS, 1.ª
O Tempo e os Prazos no Processo 671
T., j. 03.05.2005, rel. Min. Teori Zavascki, DJ 16.05.2005, p. 270; g.n.). Em sentido diverso:
“5. A inovação legislativa produzida com a redação dada pela Lei 11.051/2004 ao art. 40,
§ 4.º, da LEF apenas gera efeitos em relação a execuções fiscais iniciadas após a sua entrada
em vigor, vez que condicionada à regra do tempus regit actum. 6. Impossibilidade de, na
hipótese dos autos, se dar efeito retroativo à nova redação dada pela Lei 11.051/2004 ao
art. 40, § 4.º, da LEF, que permitiu a decretação ex officio da prescrição intercorrente pelo
juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública” (STJ, REsp 758.566/RS, 2.ª T., j. 13.09.2005, rel.
Min. Eliana Calmon, DJ 03.10.2005, p. 229).
672 Manual de Direito Processual Civil
norma especial, que é a da Lei das Execuções Fiscais, a colmatar lacuna do direito comum.
O que nos pareceu, ainda que houvesse opiniões discrepantes,85 é que, em princípio, a solu-
ção deveria ser a mesma, desde que não houvesse inércia do credor e autor. Ou seja, não se jus-
tifica que, suspensa a execução por ausência de bens penhoráveis, e não podendo o credor
agir ou não tendo como agir (mesmo porque o art. 793 do CPC/1973, durante esse perío-
do, vedava a prática de atos86), que, a partir dessa suspensão corresse simultânea e sobrepos-
tamente a esse segmento de suspensão de prazo prescricional, que viria a concretizar uma
prescrição intercorrente. Desta forma, então, enquanto não localizados bens em nome do
devedor, encontrar-se-ia o credor em uma posição de impossibilidade de dar seguimento ao
feito; a prescrição, portanto, não haveria de fluir contra aquele que não pode agir. Não po-
der agir, por óbice, é noção ou circunstância que inviabiliza a ideia de inércia. A solução do
CPC/1973 é a da insolvência, que pode ser requerida tanto pelo credor quanto pelo devedor.
Neste sentido, inclinava-se decisivamente o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, consoante se infere de trechos de alguns julgados, cujas ementas estão a seguir
transcritas: “Direitos civil e processual civil. Processo de execução. Título de crédito.
Execução. Prescrição intercorrente. Execução suspensa. CPC, arts. 791 e 793. Impos-
sibilidade de fluência do prazo. Precedentes. Recurso provido. Estando suspensa a exe-
cução, não corre o prazo prescricional, ainda que se trate de prescrição intercorrente”.87
“É indiscrepante a jurisprudência da Corte sobre a não existência da prescrição inter-
corrente, suspenso o feito por falta de bens penhoráveis, se o exequente não deixou de
adotar as diligências possíveis para o andamento da execução”.88
E, em sentido semelhante, o STJ reconheceu: “A prescrição intercorrente se con-
suma na hipótese em que a parte, devendo realizar ato indispensável à continuação do
processo, deixa de fazê-lo, deixando transcorrer o lapso prescricional”.89
85. Argumenta-se, nesse sentido, que o art. 40 da Lei 6.830/1980 deve ser interpretado em harmo-
nia com o sistema jurídico e especialmente com o art. 174 do CTN, em razão do que não se
deveria admitir que a ação para a cobrança do crédito tributário tivesse um “prazo perpétuo”.
Assim, o STJ já observou que: “O art. 40, da Lei 6.830/1980, nos termos em que foi admitido
no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impos-
tos pelo art. 174, do CTN. Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário
a prescrição indefinida” (trechos extraídos da ementa tirada do acórdão do REsp 570.771/
SP, rel. Min. José Delgado, DJU 19.12.2003, p. 371). Neste acórdão são citados os seguintes
precedentes: EREsp 36.855, REsp 4.488 (neste último, a citação por edital verificou-se quando
já prescrito o direito, à luz do art. 174 do CTN); o REsp 99.867/SP, 1.ª T., j. 30.04.1984, rel.
Min. Néri da Silveira, aplicado o art. 174 do CTN, dando por prescrito o direito, porquanto o
credor (Estado de São Paulo) não diligenciou na forma dos §§ 3.º e 4.º, do art. 219, do CPC).
86. “Art. 793. Suspensa a execução, é defeso praticar quaisquer atos processuais. O juiz po-
derá, entretanto, ordenar providências cautelares urgentes”, regra específica do processo
de execução que repete, fundamentalmente, a regra que já consta do art. 266, do mesmo
diploma (“Art. 266. Durante a suspensão é defeso praticar qualquer ato processual; poderá
o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano irreparável”).
87. REsp 85.053/PR, 4ª T., j. 10.03.1998, rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJU 25.05.1998.
88. REsp 241.868/SP, 3ª T., j. 26.10.2000, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU
11.12.2000.
89. REsp 474.771/SP, 6.ª T., j. 04.02.2003, rel. Min. Vicente Leal. Frisa-se no acórdão que a
prescrição intercorrente é aquela que se consuma quando a parte, “devendo realizar ato
O Tempo e os Prazos no Processo 673
1. Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7ª ed. São Paulo: RT,
2002, p. 100/101.
2. É vasta a literatura revelando a universalidade do tema, no que diz respeito à sensação, senão,
mesmo, à clara percepção do descompasso existente entre as sociedades civis e os seus
aparatos estatais. O que varia é a extensão real do problema, a que é geralmente correlato
o grau de insatisfação. V. a respeito Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Access to justice: a
world survey. Alphen Aan Den Rijn: Sythoff And Noordhoff, 1978, que é o relatório geral
sobre o assunto, elaborado à luz das múltiplas informações dos relatores nacionais; ainda,
Mauro Cappelletti, Access to Justice and the Welfare State, com a assistência de John Weiner
e Monica Seccombe, Sijthoff: European University Institute, 1981; Mauro Cappelletti e Bryant
Garth, Finding an appropriate compromise: A comparative study of individualistic models
and group rights in civil procedure. Civil Justice Quarterly 2, april 1983, p. 111 s; Pode-se
dizer que esta referência bibliográfica, iniciada em função de se terem tornado agudas as
pressões com o descontentamento dos grupos sociais, revelou-se interminável e se iniciou
aproximadamente umas duas décadas depois da Segunda Guerra Mundial. Na América
Latina, é digno de leitura o trabalho de Roberto O. Berizonce et alli, La Justicia entre dos
épocas. La Plata: Libreria Editora Platense, 1983, capítulo II.
As tutelas provisórias 675
3. Sobre o tema, vide o que escrevemos em: Arruda Alvim, A evolução do direito e a tutela
de urgência. Revista Jurídica, ano 57, vol. 378, abril –2009, Porto Alegre: Notadez, 2009,
pp. 11-38.
676 Manual de Direito Processual Civil
lares.4 Giuseppe Tarzia observou, na última década do século XX, que uma tônica que
permeou a reforma italiana, no que diz respeito ao processo de cognição de primeiro
grau, foi a de imprimir-lhe a máxima eficácia possível.5
Essa tendência, que, entre nós, resultou na previsão expressa da antecipação de tutela
(art. 273 do CPC/1973; art. 294-304 do CPC/2015), é resultado de uma evolução iniciada no
direito processual civil há mais de dois séculos, no período da implantação do Estado Liberal.6
Nesse particular, Roger Perrot observa que as demandas do século XIX, tais como
questões referentes ao direito de propriedade, sucessão ou atinentes aos regimes matri-
moniais, não exigiam um processo cautelar expedito e permitiam que se esperasse uma
solução final, até por tempo dilatado.7 A ordem jurídica do liberalismo fora instituída
com os olhos voltados para a burguesia emergente que, naturalmente, possuía recur-
sos bastantes para suportar a espera da sentença e da coisa julgada. Para a classe social
dominante fazia-se preferível aguardar desfecho seguro do processo do que obter, com
celeridade, soluções provisórias – e meramente assecuratórias – passíveis de revogação
posterior, mesmo porque, agregue-se, a burguesia desejava sempre certeza jurídica, o
que rigorosamente não se coaduna com medidas provisórias. O procedimento comum
ordinário tinha ampla aplicação e sua sistemática atendia aos interesses dominantes.
Em autores franceses clássicos, acentua-se que não se verificou, nesse período, ne-
nhum desenvolvimento específico nas medidas provisórias em geral. Diz-se, mais, que
somente com a alteração do tipo de civilização e, principalmente, com a passagem de
uma sociedade predominantemente agrária para uma sociedade industrial, veio a alte-
rar-se a própria filosofia das tutelas provisórias.8
Em outras palavras, o burguês modelou o sistema jurídico em prol de sua atuação
e dos seus interesses que, somente com a evolução gradativa das relações econômicas
e sociais, passou a demandar tutelas de urgência.
9. Edoardo Ricci, A tutela antecipatória no direito italiano. Revista de Direito processual civil.
Vol. 4. Curitiba: Gênesis, 1997, p. 126-127.
10. Giovanni Arieta, I Provvedimenti d’Urgenza – ex art. 700 C. P.C, I, CEDAM: 1985, 3, p. 9.
Outro autor refere-se a esse mesmo ponto cogitando do risco que consistiria desnaturarem-se
as medidas cautelares, se satisfativas, opinião de que não se comunga – v. Francisco Ramos
Mendez, Las mesures provisoires indéterminées dans le procès civil espagnol, Les mesures
provisoires en procédure civile. [Atti del Colloquio Internazionale, Milão, 12/13 out. 1984,
n. 2], Milão: Giuffrè, 1985, p. 191, fine.
11. Possivelmente as opiniões que propendiam pela não extensão ou aplicação analógica, mutatis
mutandis, de outros procedimentos típicos de que a lei tratava, para abranger hipóteses não
previstas, tinham como raiz evitar que através de normas vagas de conteúdo, o juiz tivesse
maiores poderes, como os que tem hoje. A negação de tais tarefas ao juiz assentava-se na
concepção de legalidade, nos quadros do liberalismo e no temor de uma maior adjudicação
de poderes ao juiz. Para um panorama mais completo da evolução da tutela de urgência,
à luz das concepções políticas e ideológicas de cada momento histórico, cf. nosso artigo A
evolução do direito e a tutela de urgência. Revista Jurídica, ano 57, vol. 378, abril –2009,
Porto Alegre: Notadez, 2009, pp. 11-38.
12. Cf. Giovanni Arieta, op. cit., I, 3, p. 10, esp. p. 11.
678 Manual de Direito Processual Civil
13. Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di Diritto Processuale Civile. Napoli: Jovene, 1935, vol. I,
p. 242.
14. Cf. Giuseppe Tarzia, Il Nuovo Processo Cautelare, Padova: CEDAM, 1993, La Tutela Cautelare,
p. XXII.
15. Cf. Giuseppe Tarzia, Il Nuovo Processo Cautelare, Padova: CEDAM,1993, La Tutela Cautelare,
p. XXII.
16. Sobre o tema, vide: Luigi Paolo Comoglio, Conrado Ferri, Michele Taruffo, Lezioni sul pro-
cesso civile, seconda edizione: Bologna: Il Mulino, 1998, pp. 683 e ss.
17. Ainda, o art. 186-quater, inserido naquele diploma no ano 1995, reforçou essa tendência
de atribuir maior eficácia ao procedimento de cognição ordinário. Cf. Edoardo Ricci, A
Tutela Antecipatória Brasileira Vista Por Um Italiano. Revista de Direito Processual Civil. V.
7. Curitiba: Genesis, 1996, p. 702.
As tutelas provisórias 679
juiz (art. 798), a depender da verificação de critérios cuja apreciação deveria ser feita
in concreto (fumus boni iuris e periculum in mora). Esse poder geral, que não excluiu a
previsão de medidas cautelares típicas, abriu caminho para a utilização “promíscua”,
“atípica” ou “anômala” do processo cautelar com vistas a conceder ao requerente, mais
que medidas assecuratórias da eficácia do resultado do processo principal, ou seja, a
tutela preventiva do próprio direito material. Daí viriam a se desenvolver as mais diver-
sas modalidades de tutela de urgência hoje utilizadas.
Paralelamente, verificou-se, em nossa civilização, autêntica multiplicação de situ-
ações de emergência, pelos multiformes danos que podem ocorrer.
O Estado Social reservou – sobretudo às minorias não privilegiadas – a proteção de
bens jurídicos considerados essenciais à dignidade humana, dentre os quais sobressaem
os direitos à vida, à saúde, à educação, à moradia e ao trabalho. Tais direitos revelaram-
-se, muitas vezes, insuscetíveis de proteção pela via da tripartição rígida e clássica do
processo, cujos segmentos estanques (conhecimento, execução e cautelar), impossibi-
litavam a produção de efeitos apreciáveis fora da fase executória.18
Cada vez mais, punham-se à disposição do juiz instrumentos ajustados à realiza-
ção do direito, à restauração do ilícito que houvesse ocorrido e para evitar que o ilícito
ocorresse ou se repetisse, e, quando verificado, fosse minimizado.
É esse o contexto que informa, precipuamente, o disposto no inciso I, do art. 273,
do CPC/1973 e art 461, § 3º, que instituiram a tutela antecipada no ordenamento jurí-
dico positivo.
O que se quer dizer é que aquele a que poderíamos denominar de mode-
lo tradicional predominante,19i.e., o processo com a necessária instrução oral, em
18. Sobre o tema, cf.: Arruda Alvim, Direitos sociais: qual é o futuro? In: Superior Tribunal de
Justiça: Doutrina: edição comemorativa, 20 anos. Brasília: STJ, Via Lettera, 2009.
19. Por modelo tradicional entende-se o processo ordinário (principalmente o com audiência). A
insuficiência deste modelo pode-se dizer universalmente reconhecida e proclamada: v. Fritz
Baur, A tutela jurídica mediante medidas cautelares, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1985,
§ 1.º, II, 1, p. 12,. Por elementos externos – diga-se assim – delimita-se o âmbito do § 940 do
Código de Processo Civil alemão, em que, há muito, permite-se ao juiz, provisoriamente,
disciplinar uma relação jurídica controvertida, principalmente quando se tratar de relações
continuativas, desde que necessária a medida para evitar prejuízos, ameaças por atos de força
“ou por outros motivos” (v. Baumbach e outros, Zivilprozeßordnung, Munique: Beck’sche, 1986,
comentários ao § 940, p. 2.097; Zoller e outros, Zivilprozeßordnung, 14ª ed.. Köln: O. Schmidt,
1984, p. 2.237. A possibilidade de ficar a parte praticamente satisfeita com a medida cautelar
já era aventada por Ferruccio Tommaseo, Provvedimenti d’urgenza, Padova: Cedam, 1983.
vol. 1, p. 7. A mesma situação foi proclamada, por todos, ainda que com discursos diferentes.
V.: a) Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari (Milão: Giuffrè, 1990, trabalho intitulado La
tutela cautelare, n. I, p. XXV); b) id., Il Nuovo Processo Cautelare (Padova: CEDAM, 1993, p.
XXXIII,; c) destaca-se a obra de Marco Sica, Effettività della tutela giurisdizionale e provvedi-
menti d’urgenza – Nei confronti della Pubblica Amministrazione, Milão: Giuffrè, 1991, p. 1-12;
d) Andrea Proto Pisani, Chiovenda e la tutela cautelare, Rivista di Diritto Processuale, ano 23,
n. 1, 1988, p. 16 et seq.. No direito norte-americano, a injunction é editada, geralmente, por
corte de equidade, objetivando estabelecer uma conduta para os litigantes ou quase litigantes
(os que virão a ser partes, no processo principal), para vedar ou permitir fazer alguma coisa.
680 Manual de Direito Processual Civil
Na Inglaterra não é, na praxe, conteúdo de um writ, senão que decorre de ordem da Corte. A
utilização, no direito norte-americano, é imensa e variadíssima (v. Bouvier’s law dictionary and
concise encyclopedia, 8ª ed.: Nova York: William S. Hein & Company, 1984, v. 2, p. 1.569).
20. Na Alemanha Ocidental, bem no fim da década de 1960, percebeu-se que o princípio da
oralidade, manifestamente excelente, em relação “ao produto final”, com sua carga “ótima
de convicção”, tendo em vista ensejar uma cognição dos fatos de padrão superior, deveria
sofrer temperamento, “ajudado” mais pela escritura no processo. Vejam-se, a respeito, as
obras de Peter Arens, Mündlichkeitsprinzip und Prozess Beschleunigung im Zivilprozess,
Berlim: J. Schweiter, 1977,especialmente capítulos VI e VII, p. 33-35 e 35 et seq., respec-
tivamente; Fritz Baur, Wege zu einer Konzentration der mündlichen Verhandlung, Berlim:
Walter de Gruyter & Co.,1966, p. 9.
21. Fritz Baur, em Wege zu einer Konzentration..., p. 9, observa que a rapidez do processo nunca
poderá vir a implicar o desrespeito ao princípio do contraditório.
As tutelas provisórias 681
O nomen iuris do instituto, tutela antecipatória,22 revela que poderá ser concedida a
própria tutela (rectius, os efeitos da tutela), tal como constante no pedido, acolhendo-o
totalmente ou em parte, e que essa poderá ser concedida antes do momento normal para
a sua concessão.23 Referimo-nos a “momento normal”, pois, se concedida antecipada-
mente a tutela, determinava o CPC/1973 que o processo prosseguiria, a fim de se pro-
latar a sentença (art. 273, § 5.º do CPC/1973). Entretanto, à luz do CPC/2015, é possí-
vel que a tutela antecipada seja concedida de forma antecedente (sem o ajuizamento de
ação com pedido de solução de mérito definitivo) e que, após a decisão sobre esta, não
haja pedido de sentença de mérito pelo requerente, nem pelo requerido. De qualquer
modo, terá havido a satisfação do direito fora do “momento normal” para a concessão
da medida, que é a decisão (em geral, a sentença) definitiva de mérito.
Na vigência do CPC/1973, a tutela antecipatória foi regulamentada no âmbito do
processo de conhecimento e, mais especificamente, do procedimento comum ordinário.
À outra modalidade de tutela provisória que conhecemos, qual seja, a tutela cautelar, era
reservado um Livro e um processo específico, de modo que, em princípio, para aquele
que pretendesse obter a tutela cautelar far-se-ia necessário instaurar um processo au-
tônomo. Essa exigência foi, gradativamente, cedendo lugar à aplicação do princípio da
instrumentalidade das formas e, ao depois, à fungibilidade entre as medidas de natureza
cautelar e antecipatória (§ 7º do art. 273 do CPC/1973, incluído pela Lei 10.444/2002).
22. Pode-se dizer que, entre nós, a inspiração próxima, no direito positivo, do sistema do art. 273
do CPC/1973, com a redação da Lei 8.952/1994, e especialmente do art. 461, está no art. 84,
§ 3.º, do CDC. V. o que a esse respeito escrevemos em Código do Consumidor comentado,
2ª ed., São Paulo: RT, 1995, comentários ao art. 84, p. 394-403.
23. Vale dizer, trata-se concretamente de hipótese em que deverá, normalmente, ser realizada
a audiência, mas em que o risco de alteração do que terá sido decidido (basicamente, em
virtude de modificação do quadro probatório), quando da concessão da tutela, é mínimo,
e sempre a tutela adjudicada ao autor haverá de ser reversível (art. 273, § 2.º do CPC/1973,
equivalente ao art. 300, § 3º, do CPC/2015).
24. Andrea Proto Pisani (Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro. Studi
di diritto processuale del lavoro. Milano: Giuffrè, 1977, pp. 65 e ss.) já realçava a necessi-
dade de técnicas processuais diferenciadas para atender aos distintos desígnios do direito
material, quebrando-se, com isso, o modelo único do procedimento ordinário.
682 Manual de Direito Processual Civil
25. V. Carlos Augusto de Assis, A antecipação da tutela, São Paulo: Malheiros, 2001, itens 3.3
a 3.5, p. 119 a 133.
26. Sobre a relevância da distinção, já questionava Barbosa Moreira: “Um ponto merece res-
salto: a preocupação, intensa em setores doutrinários, de estabelecer critérios rigorosos
de distinção entre as medidas cautelares e as antecipatórias. Não será um tanto exagerada
tal preocupação? A ela – já se observou – permanece praticamente indiferente a doutrina
italiana, pouco propensa a reputar absurda a coexistência, na mesma medida, de traços
de acautelamento e de traços de antecipação. O fato é que nem sempre se consegue riscar
com facilidade e exatidão a linha divisória entre os dois terrenos. E, bem pesadas as coisas,
talvez nem sequer valha a pena fazer grandes esforços nesse sentido, sobretudo depois que
a Lei nº 10.444/2002, no § 7º que aditou ao art. 273, [do CPC/1973], consagrou autêntica
fungibilidade entre providências cautelares e antecipatórias, autorizando o juiz a conceder
àquele título providência requerida a este outro.” (Tutela de urgência e efetividade do direito.
Temas de direito processual. Oitava Série. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 101). Trataremos
da fungibilidade a que alude o autor no tópico subsequente.
27. Para José Carlos Barbosa Moreira: “A própria ciência processual reconhece hoje que muito
do que se tentou fazer em matéria de distinção rigorosa, de quase que separação absoluta
entre institutos, na verdade, constituía uma preocupação metodologicamente discutível e,
em certos casos, francamente equivocada, porque há sempre uma passagem gradual de
uma realidade a outra, e quase sempre se depara uma espécie de zona de fronteira, uma
faixa cinzenta, que nem o mais aparelhado cartógrafo saberia dizer com precisão em qual
dos dois terrenos estamos pisando” (A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do
Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 81, p. 201.).
28. Piero Calamandrei, Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari. Padova:
CEDAM, 1936, passim.
29. Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela. 12ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 24.
30. Sobre isso, ver Eduardo Arruda Alvim. Antecipação de tutela. Curitiba: Juruá, 2011, p. 163 e ss.
As tutelas provisórias 683
Já a antecipação dos efeitos da tutela tem natureza satisfativa, no sentido de que an-
tecipa no tempo a entrega do bem da vida almejado pela parte que requer. Através do
deferimento de uma medida antecipatória, são trazidos para o início do processo efeitos
que só viriam a existir quando da prolação da sentença favorável. Se o conteúdo desta
for diferente da decisão antecipatória, esta deve ser desfeita. Se impossível, cabem per-
das e danos. Em caso de bem jurídico especialmente prezável (saúde, salvar a vida), não
há de se cogitar de reversibilidade dos efeitos.
A busca por uma tutela cautelar reside no receio de que quando a sentença vier a ser
proferida, seus efeitos não sejam mais úteis. Tome-se um exemplo que configure situ-
ação de arresto (art. 813 do CPC/1973). A intenção desta medida é apreender judicial-
mente bens que serão futuramente passíveis de saldar a dívida que vier a ser declarada
por sentença, quando uma das partes se comporta no sentido de ocultá-los ou aliená-
-los. O que o requerente da medida quer não é o bem da vida em si (a dívida discutida),
mas obter meios de garantir que o processo atinja seu resultado útil. Isto é, caso o deve-
dor aliene todos os seus bens, mesmo com a sentença declarando a dívida, condenando
o devedor, esta não terá como ser executada, frustrando as expectativas do vencedor.
Já na tutela antecipada, o que o requerente busca é a satisfação do direito em si,
agora, não apenas a garantia de que poderá satisfazê-lo no futuro. A medida cautelar é,
por definição, provisória; a tutela antecipatória é provisória, mas tende a ser definitiva.
Aquela será superada com a sentença final, i.e., será por esta “absorvida”; já a tutela an-
tecipatória carrega a expectativa de vir a ser confirmada pela sentença final. Trata-se, com
efeito, de necessidades diferentes, motivo pelo qual o legislador oferece técnicas dife-
rentes para concedê-las.31
A principal semelhança entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória consiste em
que ambas podem ser concedidas em situações de urgência, isto é, quando, presentes
outros pressupostos, seja observada uma situação em que a demora do provimento final
gere à parte risco de dano irreparável ou difícil reparação. As espécies de danos a serem
verificados, nos dois tipos de provimento, é que se podem se distinguir.
O que nos parece é que o dano a ser obstado por medida cautelar, não satisfativa,
é aquele normalmente provocado por uma parte, em detrimento da outra, desequili-
brando uma relação que, precedentemente, se baseava numa igualdade, de que havia
a legítima e defensável expectativa de subsistir assim durante a duração do processo.
Esse dano decorre normalmente de comportamento ilícito da outra parte, ou de uma
situação por esta criada, engendrando, gerando, com isso, uma situação de desigualda-
de e quebrando a precedente situação de estabilidade e igualdade, existentes no plano
empírico ou prático, em cuja situação de estabilidade se esperava fosse desenrolar-se o
processo. Conecta-se, este tipo de dano, geralmente, a uma conduta, em si mesma ilíci-
31. “Técnica processual: essa expressão deve ser compreendida como o conjunto de soluções
adotadas pelo legislador processual para regular o método de trabalho denominado pro-
cesso” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela provisória. Revista do advogado, n. 126.
São Paulo: AASP, 2015, p. 140).
684 Manual de Direito Processual Civil
ta, cujos efeitos devem ser impedidos pela medida cautelar. Mais comumente, a medida
cautelar é usada pelo autor, em decorrência de conduta ilícita do réu, a qual se constitui
na causa petendi da medida cautelar; ou seja, nessa conduta, configura-se o periculum
in mora e, se vier a ter efeitos, configurar-se-á o dano, insuscetível de ser reparado des-
de logo. Refeita ou restaurada a situação das partes que veio a ser equilibrada através da
concessão da cautelar, ipso facto, esse dano desaparece.32 Assim, por exemplo, no âm-
bito do CPC/1973, a medida cautelar típica do arresto dependia, dentre outros possíveis
requisitos, da demonstração de tentativa do devedor de ausentar-se ou de alienar seus
bens no intuito de deixar de responder por determinada dívida.
Já o dano que se pretende evitar com o provimento antecipatório é de caráter dife-
rente. Este não decorre, necessariamente, de conduta da outra parte, nem é restaurável
pela concessão de uma cautelar. Poderá nascer durante o curso do processo, indepen-
dentemente de tal conduta. Para a configuração desse dano, é suficiente a resistência da
contraparte à pretensão do requerente, ao que se somará a ocorrência do dano e o que
haverá de ser examinado caso a caso.
Pode-se dizer, em princípio, que em relação à tutela antecipatória a possibilidade
de tal lesão comparece mais contundente que em relação à cautelar, exatamente por-
que naquela admite-se o acolhimento da pretensão do autor em um processo no qual a
instrução ainda não está terminada. Antecipar efeitos da tutela significa adiantar-se ao
momento no qual, via de regra, haveria segurança e cognição suficientes para definir o
vencedor da demanda. Por isso é que o legislador foi cuidadoso, e, bem assim, como já
dissemos, deverá sê-lo o aplicador da lei. Nem por isso, porém, poderão ser descartadas
hipóteses de cautelares em que o risco indireto ao bem jurídico material, decorrente da
possível inutilidade do provimento final, venha a ser mais gravoso que o risco de algu-
ma medida antecipatória. Nesse passo, podemos exemplificar os casos em que a con-
duta do réu, no sentido de dissipar seus bens para fugir à responsabilidade de execução
futura, permita antever um prejuízo patrimonial imensurável ao autor, o que justifica a
concessão de medidas cautelares drásticas, tais como o arresto de bens e o bloqueio de
contas bancárias. Em contrapartida, é possível vislumbrar medidas antecipatórias que,
embora concedam provisoriamente o bem da vida pretendido ao final do processo, são
motivadas por um periculum de menor potencial lesivo. Isso acontece, por exemplo,
em casos em que a tutela antecipada é concedida, mediante caução real ou fidejussó-
ria, para o levantamento de valor inferior àquele mencionado no exemplo antecedente.
Quanto à hipótese de tutela antecipatória fundada na evidência do direito, o que se
pode dizer da conduta ou do comportamento da outra parte é que não se trata de uma
conduta ativa, alteradora do mundo empírico, senão que uma resistência exacerbada
– e para esta finalidade ativa – e em que se contém o abuso do direito de defesa ou o in-
tuito manifestamente protelatório.
32. V., a respeito, Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari, (Milão: Giuffrè, 1990, trabalho
intitulado La tutela cautelare, n. I, p. XVII); id., Il nuovo processo cautelare, Padova: CEDAM,
1993.
As tutelas provisórias 685
33. V., a respeito, Giuseppe Tarzia, I procedimenti cautelari, (Milão: Giuffrè, 1990, La tutela
cautelare, n. I, p. XVI); na edição de Il nuovo processo cautelare, Padova: CEDAM, 1993,
p. 29, Milão, 1993, em que diz que o provimento cautelar é provisório porque destinado a
se exaurir quando for emanada a decisão sobre o mérito da controvérsia, ao passo que os
provimentos provisórios não cautelares, categoria coincidente com aquilo a que Chiovenda
denominava de “accertamenti con prevalente funzione esecutiva”, em realidade, significam
“decisão [que] aspira a se tornar definitiva”. Este discrímen ilumina os traços distintivos mais
relevantes entre as medidas cautelares e antecipadas
34. No mesmo sentido, mas dissentindo da terminologia, por entender que a tutela cautelar
é temporária (tem duração limitada no tempo), ao passo que apenas a antecipatória seria
provisória (no sentido de aspirar à definitividade), cf. Lopes da Costa, Medidas preventivas –
medidas preparatórias – medidas de conservação. Imprensa Oficial, 1953, pp. 12-20. Assim,
também, Calamandrei: “O conceito de provisoriedade é diverso daquele de temporariedade.
Temporário é o que não dura para sempre, que tem por si mesmo duração limitada. Provisório,
por sua vez, é aquilo que é estabelecido para durar até quando não sobrevenha determinado
evento sucessivo.” (Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari. Padova:
CEDAM, 1936, p. 25/26 – tradução nossa).
35. “A diferença entre as medidas cautelares e antecipatórias urgente não é qualitativa, mas
quantitativa. É perceptível certa gradação na carga antecipatória nas medidas de urgências
não tendentes a se tornar, por si só definitivas – mesmo aquelas pacificamente tidas como
conservativas. Por exemplo, a medida cautelar de arresto, conquanto não adiante o próprio
resultado prático do provimento principal, funciona como antecipação de uma parte da
atividade executiva destinada a efetivar aquele resultado, uma vez que precipita alguns
efeitos da penhora [...]. Obviamente, é pequeno o grau de antecipação aí encontrado – de
modo que não há como negar sua natureza preponderantemente conservativa.” (Eduardo
Talamini, Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo Civil: a estabilização
da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro. Revista de processo, vol.
209, pp. 17-18).
686 Manual de Direito Processual Civil
39. Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. IV, 5ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 136.
40. “A ciência processual – melhor dizendo: a ciência jurídica – precisa aceitar o fato de que,
em alguns assuntos, não lhe é dado fixar marcos de perfeita nitidez entre áreas limítrofes. E,
às vezes, não é útil sequer tentar fazê-lo.”(José Carlos Barbosa Moreira. Efetividade e técnica
processual. In: Temas de Direito Processual. Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 104).
41. “§ 7.º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar,
poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em
caráter incidental do processo ajuizado”.
42. TJSP, AgIn 270.167.4/1, 1.ª Câm.Dir.Priv., j. 12.11.2002, v.u., rel. Guimarães e Souza: “Agra-
vo de instrumento – Interposição contra ato judicial que indeferiu pedido de antecipação
de tutela pleiteado na petição inicial – Cabimento. Hipótese em que não presente a prova
inequívoca da possibilidade da rescisão unilateral do contrato. Inteligência do art. 273
do Código de Processo Civil. Fungibilidade do pedido. Admissibilidade, conforme a Lei
10.444, de 07.05.2002. Presentes os requisitos próprios da medida cautelar para garantir a
eficácia da decisão a ser proferida a final. Fumus boni iuris e periculum in mora. Concessão
da liminar em providência cautelar, conforme o § 7.º, do art. 273 do Código de Processo
Civil. Recurso provido.”
688 Manual de Direito Processual Civil
43. Sobre o tema,cf.: Teresa Arruda Alvim Wambier, O princípio da fungibilidade sob a ótica da
função instrumental do processo. Revista dos Tribunais, v. 821, pp. 61-64. Ainda: Eduardo
de Avelar Lamy. Princípio da fungibilidade no processo civil. São Paulo: Dialética, 2007.
44. Cf. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, 9ª ed.. São Paulo: RT, 2006, p. 460, nota 49 ao art. 273 do CPC: “A
recíproca é verdadeira. Caso o autor ajuíze a ação cautelar incidental, mas o juiz verifique
ser caso de tutela antecipada, deverá transformar o pedido cautelar em pedido de tutela
antecipada. Isso ocorre, por exemplo, quando a cautelar tem natureza satisfativa. Dado que
os requisitos da tutela antecipada são mais rígidos que os da cautelar, ao receber o pedido
cautelar como antecipação de tutela o juiz deve dar oportunidade ao requerente para que
adapte o seu requerimento, inclusive para que possa demonstrar e comprovar a existência
dos requisitos legais para a obtenção da tutela antecipada. A cautelar só deverá ser indeferida
se não puder ser adaptada ao pedido de tutela antecipada ou se o autor se negar a proceder
à adaptação”.
45. “Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso
significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um”. (Cândido Rangel
Dinamarco, A Reforma da Reforma, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 92). Cogita-se,
desse modo, de um duplo sentido vetorial da fungibilidade. Na jurisprudência: Agravo de
instrumento. Agravante que nos autos de ação de anulação de ato jurídico c/c reconhecimento
de partilha de bens e sobrepartilha pleiteia antecipação de tutela para bloqueio de ativos e
quotas empresariais com o intuito de garantir a efetividade do provimento jurisdicional. Tutela
antecipada com caráter de cautelar. Duplo sentido vetorial. Possibilidade de concessão de
medida cautelar incidentalmente em processo de conhecimento. Código de Processo Civil,
art. 273, § 7º. Não comprovação por parte da agravante acerca da existência dos requisitos
da relevância do fundamento da demanda (fumus boni iuris) e do perigo de ocorrência de
dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). Recurso desprovido. (TJ-SC,
2ª Câmara de Direito Civil, – AI: 320961 SC 2009.032096-1, Rel. Nelson Schaefer Martins,
j. 12.8.2010).
As tutelas provisórias 689
CPC/2015). Deve prevalecer sobre tal erro a busca de um provimento célere e capaz de
evitar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da CF/1988).
A fim de ilustrar a aplicabilidade ampla do princípio da fungibilidade, podemos citar
a jurisprudência do STJ que, à luz do CPC/1973, admitia amplamente a incidência do
art. 273, § 7º em hipóteses como: a) a de requerimento de sustação de protesto;46 b) a de
liminar para fins de trancamento ou prosseguimento de concurso público;47 c) a de cau-
telar visando à manutenção de relação contratual diante da notificação do contratante
manifestando a ausência de interesse na preservação do contrato,48 entre diversas outras.
46. “1. Cuida-se, na origem, de ação cautelar de sustação de protesto na qual se decidiu ser
impossível seu manejo para suspender os efeitos de protestos já efetivados. 2. A duplicata é
um título causal, sendo necessária a existência de efetiva relação jurídica subjacente para
que o credor possa emitir o título. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com
fundamento no poder geral de cautela e no princípio da fungibilidade entre as medidas
cautelares e as antecipatórias dos efeitos da tutela, aliados à aparência do bom direito e à
prestação de contracautela, admite a utilização da medida cautelar para suspensão dos efeitos
do protesto quando já efetivado. 4. O resultado da análise do negócio jurídico vinculado
às duplicatas emitidas pode influenciar no reconhecimento da legalidade do título protes-
tado ou na extensão do débito, de forma que o ajuizamento da cautelar objetiva assegurar
o resultado útil da ação principal. Precedentes. 5. No caso, cabível a suspensão dos efeitos
dos protestos efetivados, em virtude de questionamentos judiciais acerca da própria relação
contratual vinculada e do oferecimento de caução no importe de R$ 6 milhões. 6. Posicio-
namento em harmonia com julgamento da Segunda Seção (REsp 1.340.236/SP, Rel. Min.
Luiz Felipe Salomão), sob o rito do art. 543-C do CPC. 7. Recurso especial provido. (STJ, 3ª
T., REsp 1549896/PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20.10.2015, DJe 09.11.2015).
47. STJ, 1ª T., AgRg no Ag 1333245/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.09.2011, DJe
21.09.2011.
48. STJ, 3ª T., EDcl no AREsp 232.553/MA, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 20.11.2012, DJe 06.12.2012.
49. Para um panorama histórico, cf. nosso Manual de direito processual civil, na 16ª ed. (São
Paulo: RT, 2013, Segunda Parte, n. 152-A, pp. 920-921), em que traçamos a evolução das
versões do PLS 166/2010 (intitulado PL 8.046/2010 na Câmara dos Deputados).
690 Manual de Direito Processual Civil
ter cautelar.50 Trata-se, como visto, de tendência já verificada sob a égide do CPC/1973,
sobretudo à luz do art. 273, § 7º, daquele diploma.
No âmbito das cautelares, observa-se, ainda, o fim das medidas típicas ou no-
minadas, regulamentadas de forma específica no CPC/1973, tal como eram o arres-
to (arts. 813 e ss. do CPC revogado) e o sequestro (arts. 822 e ss.). Essa mudança é
alvo de elogios por parcela da doutrina, tendo em vista que a previsão de requisitos
e hipóteses restritas para tais medidas – a menos que fosse vista de forma meramen-
te exemplificativa51 – era encarada como um obstáculo ao exercício do poder geral
de cautela (art. 798 do CPC/1973). De fato, a previsão, para o arresto, das exigên-
cias de prova literal, liquidez e certeza da dívida, limitava as hipóteses de proteção
ao crédito.52-53
Ao agrupar as tutelas cautelares e antecipatórias no mesmo gênero (denominado
tutela provisória), o CPC/2015 situou-as no âmbito da Parte Geral, modificando a loca-
50. Seguiu-se, nessa linha, a tendência evolutiva no sentido de abolir a divisão estanque do
processo civil brasileiro, em que à tutela cognitiva correspondia à necessidade de um
processo de conhecimento, à tutela executiva, um processo autônomo de execução, e, à
tutela cautelar, um processo de natureza cautelar. Sobre isso: Arruda Alvim, Anotações so-
bre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nós: Evolução
da cautelaridade e suas reais dimensões em face do instituto da antecipação de tutela. As
obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominantes na evolução de nossos dias. Revista
de Processo, n. 97, 2000, p. 53.
51. Ovídio Baptista da Silva, A ação cautelar inominada no direito brasileiro, Rio de Janeiro:
Forense, 1991, pp. 239-240, Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar, São Paulo: LEUD,
1994, p. 190).
52. Carlos Augusto de Assis, Reflexões sobre os novos rumos da tutela de urgência e evidência
no Brasil a partir da Lei 13.105/2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi
Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org) Coleção Novo CPC. Doutrina selecionada. V. 4. Pro-
cedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. 2ª ed.. Salvador: Jus Podivm,
2016, p. 63. Esse autor pondera, todavia, que “a ausência das cautelares típicas pode deixar
muito vaga a apreciação dos elementos para concessão de certas medidas”, o que poderia
“representar um risco em se tratando de cautelares que implicam maior gravame para o
requerido (o próprio arresto seria um exemplo).” (idem, ibidem). De todo modo, o autor
avalia positivamente abolição das medidas cautelares típicas, porquanto a alteração concede
maior flexibilidade ao magistrado na concessão das tutelas cautelares.
53. Tanto assim que a jurisprudência já vinha se referindo ao poder geral de cautela para fins
de concessão da medida, muito embora ela estivesse tipificada no CPC/1973: “(…) Arresto.
Dívida líquida e certa. Inexistência. Ação de despejo em trâmite. Garantia da eficácia da
decisão a ser proferida no processo de conhecimento. Ação cautelar inominada. Poder geral
de cautela. Possibilidade. Precedentes. Agravo não provido. 1. É admissível o ajuizamento
de ação cautelar inominada em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do
CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta
pelo autor, caso lhe seja favorável. Precedentes. 2. O acórdão atacado reconheceu a exis-
tência dos requisitos autorizadores do deferimento da tutela cautelar. Assim, para se con-
cluir em sentido contrário, como ora perseguido, mostra-se necessária a análise do acervo
fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 3. Agravo regimental a
que se nega provimento.” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 479.770/MG, Rel. Min. Raul Araújo, j.
14.04.2015, DJe 06.05.2015).
As tutelas provisórias 691
lização do CPC/1973 – nele, as cautelares possuíam, como dito, Livro próprio (Livro
III) e a tutela antecipatória era regulada no bojo do procedimento comum ordinário.
Dessa forma, tais providências podem ser concedidas em sede de procedimento autô-
nomo, dispensando-se, em alguns casos e mediante determinadas circunstâncias, a ins-
tauração de um processo de conhecimento com vistas à decisão definitiva do mérito da
controvérsia referente à tutela provisória (vide, mais adiante, o tópico sobre a Estabili-
zação da tutela antecipada).
Observe-se, por fim, que a tutela provisória fundamentada na evidência do di-
reito, antes regulada no art. 273, inc. II, do CPC/1973 teve suas hipóteses amplia-
das pelo art. 311 do CPC/2015. Se, antes, a tutela da evidência era concedida ape-
nas na hipótese de abuso do exercício do direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do réu, atualmente, a lei processual prevê, além desta (art. 311, I, do
CPC/2015), três situações em que a medida deverá ser concedida, quais sejam: a) a
hipótese de existência de prova documental robusta caracterizadora de situação
fático-jurídica acobertada por jurisprudência firme de tribunais superiores fixada
em casos repetitivos ou súmula vinculante (art. 311, II); b) a situação de pedido de
entrega de bem em decorrência de contrato escrito de depósito (art. 311, III); c) a
hipótese de prova documental robusta de situação fática de que decorre necessaria-
mente o direito do autor, a que o réu não tenha oposto prova capaz de gerar dúvida
razoável (art. 311, inciso IV).
Por outro lado, o CPC/2015 corrigiu o equívoco, que já apontávamos prece-
dentemente, de tratar o julgamento do pedido incontroverso (na hipóteses de pe-
didos cumulados) ou da parte incontroversa de um dos pedidos como antecipação
de tutela. Tal hipótese, antes prevista no art. 273, § 6º, do CPC/2973, podia induzir
o intérprete a acreditar que o julgamento fundado na incontrovérsia teria natureza
antecipatória e, portanto, provisória e revogável. A previsão do julgamento anteci-
pado parcial de mérito, no art. 356 do CPC/2015, deixa claro que se trata, ao revés,
de julgamento definitivo de mérito, embasado em cognição exauriente e, portanto,
de natureza definitiva.
54. Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de
2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo.
(org), Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provi-
sória e direito transitório, p. 189). No mesmo sentido: “Significa essa provisoriedade, mais
precisamente, que as tutelas têm duração temporal limitada àquele período de pendência
do processo, conservando sua eficácia também durante o período de eventual suspensão da
ação, salvo decisão judicial em contrário (art. 296, parágrafo único).” (Humberto Theodoro
Jr., Curso de direito processual civil, vol. I. 56ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 604).
55. Cf. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil. 4ª ed.. Saraiva: São Paulo: 2012, passim.
56. Observa-se, nesse particular, que, embora não haja o pressuposto do periculum in mora para
a concessão das tutelas de evidência, também elas são justificadas pela importância do fator
tempo no processo contemporâneo, na medida em que não se pode impor ao autor o ônus
da demora de um provimento jurisdicional quando este tiver elevadíssima probabilidade
de êxito.
57. Não há que se confundir, porém, a tutela baseada em cognição sumária (não exauriente)
com o procedimento de natureza sumária, que muitas vezes comporta cognição plena e
exauriente. A diferença fundamental entre eles consiste em que, na cognição sumária ou
não exauriente, o juiz decide sem que às partes tenha sido oportunizado o fornecimento
de possíveis informações, argumentos e elementos probatórios necessários à compreensão
plena da controvérsia e, portanto, à formação de um juízo de certeza. Tal resulta num juízo
de mera probabilidade ou, quando muito, de evidência, ainda insuficiente para a prolação
de sentença. Já no que diz respeito ao procedimento sumário, cuida-se de procedimento
mais célere e concentrado, em que os atos processuais são praticados num espaço de
tempo mais curto, normalmente em audiências que reúnem atos concernentes a diversas
etapas processuais, sem que haja, necessariamente, limitações no âmbito do material a ser
conhecido e analisado pelo juiz.
As tutelas provisórias 693
de postecipação do contraditório, i.e., o juiz decide primeiro, sem ouvir o réu ou, antes
de se completar a atividade probatória, relegando o debate a um momento posterior;
b) na cognição exauriente e plena o juiz domina todos os elementos de fato e de direito
que gravitam em torno do litígio, permitindo-se ampla produção de provas em busca
do alto grau de certeza para o acertamento judicial; c) com o trânsito em julgado, aos
provimentos de cognição plena e exauriente se atribui a autoridade de coisa julgada, ao
passo que nos de cognição sumária não são acobertados pela coisa julgada.58
Ademais, devemos registrar que, para conceder, modificar ou revogar qualquer me-
dida provisória, deve a decisão ser fundamentada “de modo claro e preciso”, como de-
termina o art. 298 do CPC/2015. Essa exigência, todavia, não estabelece propriamente
um critério distintivo entre as decisões sobre tutela de urgência e os demais provimentos
judiciais, mas há o dever de motivação. Frequentemente, o pedido de tutela provisória
ocorre no início da lide, alegando-se urgência e solicitando-se mesmo que seja ouvida a
parte contrária antes da decisão. Isso torna o trabalho do aplicador da lei uma atividade
bastante delicada, e por esse motivo é indispensável que o juiz indique de modo claro
e preciso as razões do seu convencimento.59
58. Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de ur-
gência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org),
Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, p. 74. Para essa diferenciação, os autores recorrem à doutrina de An-
drea Proto Pisani e Remo Caponi (Lineamenti di diritto processuale civile. Napoli: Jovene,
2001, p. 18).
59. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Antecipação de tutela. Curitiba: Juruá, 2010,
p. 109/110; Marcos Antônio Benasse, Tutela antecipada em caso de irreversibilidade. Cam-
pinas: Bookseller, 2001, p. 138.
694 Manual de Direito Processual Civil
Já o parágrafo único dispõe que, ressalvados os casos em que a lei disponha de forma
diversa, será competente para analisar a tutela provisória, em sede recursal e no bojo das
ações de competência originária dos tribunais, o órgão competente para apreciar o mérito.
O dispositivo guarda correspondência parcial com o que estabelecia, para as cau-
telares, o art. 800 do CPC/1973,60 bem como correlação com o disposto no art. 61 do
CPC/2015.61
Excetuam-se à regra do art. 299 as hipóteses de concessão de tutela de urgência
(efeito suspensivo) em sede de recurso especial e extraordinário, por serem regidas pelo
disposto no art. 1.029, § 5º, do CPC/2015, na redação atribuída pela Lei 13.256/2016.62
60. “Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias,
ao juiz competente para conhecer da ação principal. Parágrafo único. Interposto o recurso,
a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.952,
de 13.12.1994)”
61. “Art. 61.A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal.”
62. “§ 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso
especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respec-
tivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso
e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016); II – ao relator, se já distribuído o recurso;
III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido
entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim
como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037. (Redação dada
pela Lei nº 13.256, de 2016).”
63. No sentido do texto: “A tutela provisória (cautelar ou antecipatória) é caracterizada pela
inércia, sob pena de violação à independência e imparcialidade do órgão jurisdicional.”
(Leonardo Greco, A tutela da urgência e da evidência no Código de Processo Civil de 2015.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org),
Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e
direito transitório. Salvador: JusPodvm, 2016, p. 189).
64. Cf. TJSP, AI 2174090-94.2016.8.26.0000, 35ª Câm. Dir. Priv., j. 05.12.2016, rel. Des. Artur
Marques, DJe. 05.12.2016; TJSP, AI 2201002-31.2016.8.26.0000, 9ª Câm.Dir. Púb., j.
09.11.2016, rel. Des. Carlos Eduardo Pachi, DJe. 10.11.2016.
As tutelas provisórias 695
65. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 959.
696 Manual de Direito Processual Civil
66. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 960. V., ainda, Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código
de Processo Civil de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas
Buril de Macedo. (org) Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais,
tutela provisória e direito transitório, p. 193.
67. Desse tema trataremos mais adiante, quando cuidarmos dos pressupostos das tutelas de
urgência. Por ora, pode-se adiantar que os pressupostos referidos consistem na probabilidade
do direito e no perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo proveniente da espera
do provimento final. A propósito do tema, embora não haja unanimidade, concordamos
com parcela da doutrina que entendeu ser elogiável a simplificação. Assim, por exemplo:
Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de ur-
gência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org)
Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e
direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 82.
As tutelas provisórias 697
68. Defendendo tal possibilidade, e acrescendo que “a diferença de procedimento não deverá
ser um obstáculo” à conversão: Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral.
São Paulo: Malheiros, 2016, p. 966.
69. Fábio Caldas, Curso de processo civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 966.
70. Essa parece ser a opinião de Edoardo Ricci, A tutela antecipatória no direito italiano. Revista
de Direito processual civil. Vol. 4. Curitiba: Gênesis, 1997.
71. “Art. 995.Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão
judicial em sentido diverso.”
72. “Art. 1.012.A apelação terá efeito suspensivo.”
698 Manual de Direito Processual Civil
vel, não representa incoerência com a possibilidade de efetivação imediata das tutelas
provisórias, visto que estas são proferidas mediante pressupostos específicos de urgência
ou evidência que se agravam com a injustiça da espera do requerente (cujo direito está
em periclitação ou é tão evidente que não justifica o ônus da espera). Prova disso é que
tais medidas podem ser concedidas no âmbito da própria sentença para excetuar a re-
gra geral, imprimindo-lhe eficácia imediata.
Com efeito, seria despida de qualquer sentido a possibilidade de se determinar uma
medida em caráter provisório, mediante cognição sumária, se esta não pudesse ser cum-
prida antes do momento considerado “normal” que, em geral, corresponde ao trânsito em
julgado da decisão final. Devemos lembrar, ainda, que haverá casos em que, devido à esta-
bilização da tutela antecipada e extinção do processo, o provimento final sequer será profe-
rido, o que reforça a necessidade de cumprimento imediato dos provimentos provisórios.
De acordo com o art. 297, caput, do CPC/2015, a efetivação das tutelas provisórias
terá natureza provisória e será realizada pelas medidas consideradas adequadas pelo
juiz73. Acresce, ainda, o parágrafo único do citado dispositivo prevendo que “a efeti-
vação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório
da sentença, no que couber”. Por outro lado, o art. 519, que trata do cumprimento de
sentença, estabelece que as disposições relativas a esta fase também se aplicam à tutela
provisória, “no que couber”.
Houve, portanto, uma conexão das regras sobre a efetivação da tutela antecipatória
com outros textos do CPC, revelando-se a complementaridade dos dispositivos, com o
nítido escopo de tornar o processo mais efetivo, por meio do encurtamento do tempo
entre a decisão dada pelo juiz e o seu resultado prático no mundo dos fatos.74
As disposições dos arts. 297, caput e parágrafo único, e 519 do CPC/2015 consa-
gram a atipicidade dos meios executivos no âmbito das tutelas provisórias.75 A alusão,
no caput do art. 297, às medidas que o juiz considerar “adequadas”, confere ao magis-
trado uma margem de flexibilidade para determinar de que meios executivos se irá va-
ler, independentemente de previsão legal taxativa.
Assim, portanto, os dispositivos relativos ao cumprimento de obrigações de pagar,
de entregar coisa e de fazer podem ser aplicados, indistintamente, a tais modalidades
73. Cf. TJSP, AI 2174090-94.2016.8.26.0000, 35ª Câm.Dir. Priv. j. 05.12.2016, rel. Des. Artur
Marques, DJe. 05.12.2016); TJSP, AI 2133622-88.2016.8.26.0000, 13ª Câm. Dir. Priv., j.
21.09.2016, rel. Des. Nelson Jorge Júnior, DJe. 21.09.2016
74. Sobre o tema, cf. Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação de tutela na Lei
10.444, de maio de 2002, in Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim (coords.), Inovações
sobre o direito processual civil: tutelas de urgência, p. 3-14.
75. “Com exceção da execução contra a Fazenda Pública, o novo Código quebrou integralmente
o sistema de tipicidade da técnica processual, permitindo o emprego do meio executivo
mais adequado em toda e qualquer situação substancial (art. 139, IV).” (Daniel Mitidiero.
Comentários ao art. 297 do CPC/2015. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alli. Breves
comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 823 – os
destaques são do autor).
As tutelas provisórias 699
de obrigações, desde que se verifique a dita adequação ao caso específico. Esse já era o
nosso entendimento à luz do CPC/1973, embora o art. 273, § 3º, não chegasse a ser tão
explícito quanto a essa questão.76
Com efeito, existe uma fungibilidade dos meios coercitivos voltados à atuação ju-
risdicional do requerimento relativo à tutela provisória, a fim de permitir que o magis-
trado consiga adaptar o tipo de providência jurisdicional solicitada à proteção efetiva
do pedido mediato, o qual representa o bem da vida desejado pelo autor.
Logo, mesmo quando se tratar, por exemplo, de tutela provisória que determine o
pagamento de quantia certa, é possível que não se verifique a viabilidade de se aplicar
o disposto nos arts. 520 a 522 do CPC/2015. Justamente por isso, a lei atribuiu flexibi-
lidade para o juiz na idealização de meios e caminhos para a realização, no plano práti-
co, das medidas provisórias.
De fato, sempre nos pareceu que, pela gravidade das situações que se encerram com
a concessão de medidas provisórias para impor pagamento em quantia, o rito da exe-
cução provisória se revelava, no mais dos casos, ineficaz. Por isso, o rumo a ser seguido
pelo juiz deve – na efetivação de provimento de urgência para pagamento de determi-
nada quantia certa – se aproximar do rito de uma tutela específica ou da obtenção do
resultado prático equivalente, principalmente nas situações de iminente risco à vida ou
grave risco à saúde. Assim, além da possibilidade de impor multa diária ao réu (astrein-
tes), poderá o juiz bloquear valores em contas bancárias realizar a busca e apreensão de
bens e até mesmo expedir ofício ao Ministério Público, se houver descumprimento da
ordem judicial, para que seja apurada a prática de crime de desobediência (art. 330 do
Código Penal).77
76. V., a esse propósito, o que dissemos em nosso Manual de direito processual civil, 16ª ed.,
São Paulo: RT, 2013, n. 147, pp. 891-892. No mesmo sentido, cf. primoroso trabalho de
Eduardo Arruda Alvim, Antecipação da tutela, Curitiba: Juruá, 2011, p. 130. Observe-se,
contudo, que este não era o entendimento predominante. Como explica Daniel Mitidiero:
“No desenho original do Código Buzaid, tínhamos um sistema rígido de correlação entre
os tipos de obrigação e os tipos executivos. As Reformas introduziram um sistema parcial-
mente maleável, permitindo o emprego de técnicas executivas atípicas para cumprimento
das situações substanciais consubstanciadas em um fazer, não fazer e no direito à coisa”
(Daniel Mitidiero. Comentários ao art. 297 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et alli. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed.. São Paulo: RT, 2016,
p. 823 – destaques do autor). À luz desse posicionamento, não era possível a fixação de
astreintes para o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa. Todavia, já defendíamos
tal possibilidade tendo em vista a natureza excepcional das tutelas de urgência.
77. Sobre o tema, cf., amplamente, Paulo Afonso Brum Vaz, O contempt of court no novo
processo civil, Revista de Processo, ano 29, n. 118, p. 167: “O descumprimento de ordem
judicial, em princípio, caracteriza o delito de prevaricação (art. 319 do CP), se a conduta
for praticada por funcionário público no exercício da função, ou crime de desobediência
(art. 330 do CP), quando se trate de crime de particular contra a Administração. A grande
discussão que se trava diz respeito à possibilidade de ser decretada a prisão em flagrante
daquele que descumpre decisão mandamental final ou antecipatória da tutela, qualquer
que seja a sua espécie (genérica ou específica). A primeira questão que se põe, quanto à
prisão em flagrante, é se pode ser ela decretada por juiz cível. A jurisprudência, quase que
700 Manual de Direito Processual Civil
de forma uníssona, tem entendido que somente o juízo criminal é que pode decretar a prisão
em flagrante (...). Dessarte, ao juiz do cível incumbe apenas determinar a extração de cópias
das peças dos autos e remessa para o Ministério Público, a fim de que tome as providências
cabíveis, nos termos do art. 28 do CPP”.
78. A previsão legal expressa dessa medida afasta eventuais discussões sobre a possibilidade
de cumulação da sanção criminal com sanções de natureza processual, sejam estas de
ordem coercitiva (astreintes) ou punitivas (art. 77, IV e § 1º, CPC/2015). Embora se trate
de medidas de natureza diversa, o que viabiliza, a nosso ver, sua imposição cumulativa, a
jurisprudência havia se consolidado no sentido oposto, admitindo, porém, a cumulação,
em casos de previsão legal expressa, por entender que, somente nesses casos, estará confi-
gurada a tipicidade. Assim, por exemplo: “Existindo na ordem judicial, como ocorre no caso
concreto, previsão de sanção específica para a hipótese de descumprimento (multa diária),
não se configura o crime de desobediência, em razão da sua atipicidade. Precedentes desta
Corte e do STF. 3-Recurso provido em parte apenas para trancar a ação penal em relação
ao crime de desobediência.” (STJ, RHC 68.228/PA, 6ª T., Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, j. 26.04.2016, DJe 04.05.2016). Sobre a independência das sanções – inclusive no
que tange ao contempt of court, previsto no art. 77, IV e § 1º, do CPC/2015 –, cf. Nelson
Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “Deixar de cumprir os provimentos judiciais ou
criar embaraço à sua efetivação, descumprindo-se o dever estatuído no art. 77, IV, constitui
ato atentatório ao exercício da jurisdição (contempt of court). Essa infração pode ensejar
reprimenda nas esferas civil, penal, administrativa e processual, além da multa fixada nos
próprios autos onde ocorreu o contempt (...)” (Código de Processo Civil comentado, 16ª
ed., São Paulo: RT, 2016, p. 446).
As tutelas provisórias 701
A flexibilidade normativa que foi posta pela lei em mãos do juiz atende aos recla-
mos doutrinários de tutela efetiva dos direitos fundamentais,79 registrados, inclusive,
no âmbito do direito comparado.80 O largo espaço de escolha e deliberação reservado
ao juiz é justificado pelo fim a ser atingido, a saber: a efetividade, a realização no mun-
do empírico, em tempo curto, daquilo que tenha sido decidido. E a natureza do poder
utilizando pelo magistrado para efetuar tais deliberações aproxima-se, a nosso ver, da
discricionariedade no que tange à forma de efetivação da tutela, lembrando sempre que
permanece o juiz adstrito ao resultado final pretendido pelo autor.81
Ressalte-se, por fim, que é objetiva a responsabilidade civil do beneficiado pela tutela
provisória, como, aliás, sempre ocorreu com a do requerente das medidas cautelares (art. 811
do CPC/1973). Tal responsabilização, por ser objetiva, independe de culpa ou dolo do au-
tor – em relação aos danos ocasionados ao réu pela medida –, podendo dar ensejo, se for
constada que era indevida, a indenização e a restituição das partes ao estado anterior. Não
sendo possível esta restituição, restará ao réu pleitear o ressarcimento dos danos causados.82
79. V. Marcelo Lima Guerra. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil.
São Paulo: RT, 2002, passim.
80. Cf. Michele Taruffo, A atuação executiva dos direitos: perfis comparados. In: Processo civil
comparado. Ensaios. Trad. e org. de Daniel Mitidiero. Madri/Barcelona/Buenos Aires/São
Paulo: Marcial Pons, 2013, pp. 85 e ss.. Para este autor, as questões de completude e eficácia
da tutela executiva encontram soluções por duas vias: a) uma, consistente no “princípio da
adequabilidade”, há muito aplicado nas cortes estadunidenses na escolha dos instrumentos
adequados à necessidade do caso concreto e b) outra, consubstanciada no caminho da
generalização da astreinte seguido pelo ordenamento francês. Como podemos facilmente
perceber, o CPC/2015 seguiu a trilha de ambas as tendências.
81. Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação de tutela na Lei 10.444, de maio de
2002. In: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim (coords.), Inovações sobre o direito processual
civil: tutelas de urgência, Rio de Janeiro: Forense (em coedição com a Fadisp), 2003, p. 5.
82. Sobre o tema, v. Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 9ª ed., São Paulo: RT,
2006, p. 216-218.
83. Referimo-nos no texto à “larga margem de poder” como sendo representada pela maior
latitude de interpretação, que resta adjudicada ao magistrado, na concessão da tutela pro-
702 Manual de Direito Processual Civil
No entanto, não se deve dizer que o juiz haverá de aplicar tais conceitos vagos dis-
cricionariamente.84 Ocorre que a discricionariedade, propriamente dita, qual seja, aquela
naturalmente existente nos atos administrativos discricionários, não é compatível com
a atividade jurisdicional. Afinal, mesmo um ato administrativo discricionário, quando
é objeto de apreciação pelo poder judiciário, possui um núcleo, que é o mérito do ato
administrativo, que não deve ser objeto, sequer, de manifestação pelo Poder Judiciário.
85
Logo, o juiz deve apenas verificar se o administrador praticou o ato adstrito ao âmbito
de possibilidades emergentes da regra discricionária em que se pautou, em função da
competência que lhe foi adjudicada. Daí é que se diz – com infelicidade, talvez – que o
ato discricionário (genuinamente discricionário) enseja diversificadas soluções, obvia-
mente diferentes, e que, em face de qualquer uma delas, satisfeita estará a ordem jurídica.
Isso, em geral, somente tem algum sentido, se considerarmos esse enunciado tendo
em vista a apreciação jurisdicional do ato administrativo. Vale dizer, na interrelação en-
tre Administração e Poder Judiciário. Se o ato administrativo discricionário puder ser
reapreciado internamente, dentro do âmbito da própria administração, é certo que os
escalões superiores alterarão, e, até radicalmente, o ato, na medida em que entendam
que o seu conteúdo não traduziu o que é mais conveniente e oportuno para a administra-
ção, na perseguição do interesse público.
Se, no entanto, tal ato for apreciado pelo Poder Judiciário, como este não tem com-
petência para substituir-se ao administrador, para o fim de dizer o que é conveniente e
oportuno, por isso e nessa conjuntura, diz-se que o ato poderia ter sido a ou b, se a ou b
apresentarem-se como soluções possíveis à luz do espectro da regra de direito. Como o
Judiciário somente examina a legalidade do ato, se este, como ocorreu, está dentro do
âmbito da legalidade, a solução do administrador é válida. Se, de outra forma ou com
outro conteúdo, houvesse sido concretizado o ato, e se esta outra forma ou conteúdo,
igualmente, fossem possíveis à luz da mesma norma e esta outra forma ou conteúdo
foram os escolhidos pelo administrador a quem, com exclusividade, cabe dizer da con-
veniência e da oportunidade, no caso, certamente, o Judiciário dirá, também, que o ato
é válido. Mas isto não é rigorosamente equivalente a dizer-se que há real e autêntica in-
diferença pelo conteúdo do ato, desde que afeiçoado à lei.
visória. Não se trata, todavia, de uma autêntica margem de poder, tal como ocorre com o
fenômeno da discricionariedade, a que é estranho ao instituto da tutela provisória (não é
incomum, todavia, o uso da expressão discricionariedade –“discrezionale”-, neste campo,
o que, no entanto, constitui-se em erro (v., utilizando-a, entre muitos outros, o excelente
trabalho de Vicenzo Varano, Appunti sulla tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con
particolare riferimento all’interlocutory injunction, Les mesures provisoires en procedure
civile [Atti del Colloquio Internazionale], cit., n. 2 e 3, p. 237 e 241).
84. Entretanto, valendo-se desta expressão (“poder discricionário”), v.g., já decidiu a 8.ª Câm.
de Dir. Público do TJSP, no julgamento do AgIn 11.560-5, 8.5.1996, rel. Des. Celso Bonilha.
85. V. a nossa obra, Arguição de Relevância no Recurso Extraordinário, onde procuramos de-
tidamente fazer a distinção entre a interpretação de conceito vago e discricionariedade,
propriamente dita, na Análise do Instituto, Segunda Parte.
As tutelas provisórias 703
86. V. Nicolai Hartmann, Grundzüge einer Metaphysik der Erkenntnis, 4. ed., Berlim: Walter de
Gruyter & Co., 1949, capítulo 5, letra i, p. 58.
87. Cf. Joachim Hruschka, Das Verstehen von Rechtstexten – Zur hermeneutischen Transposi-
tivität des positiven Rechts, Munique: C. H. Beck, 1972, capítulo V, p. 40.
88. V., sobre o assunto, a obra fundamental de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz, 5ª
ed., Munique: C. H. Beck, 1974, § 3.º, p. 44.
89. V. Klaus A. Ziegert, Zur Effektivität der Rechtssoziologie: die Rekonstruktion der Gesselschaft
durch Recht, Stuttgart: Ferdinand Enke, 1975, n. 2.13.3, p. 33.
704 Manual de Direito Processual Civil
90. Cf. Andrea Proto Pisani, La nuova disciplina del processo civile, Napoli: Jovene, 1991, p. 296.
91. “É o perigo em si mesmo, referido à possibilidade de uma perda, sacrifício ou privação de
um interesse juridicamente relevante e não o perigo de um retardamento na prestação ju-
risdicional” (Ovídio Baptista da Silva, As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil. 3ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 28).
As tutelas provisórias 705
92. C.f. Dierle Nunes e Érico Andrade, Os contornos da estabilização da tutela provisória de
urgência antecipatória no Novo CPC e o mistério da ausência de formação de coisa julgada.
In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org).
Coleção novo CPC. Doutrina selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória
e direito transitório, Salvador: JusPodivum, 2016, p. 82). No sentido de ser louvável a
unificação, por facilitar o manejo dos institutos processuais pelo advogado: Nelson Nery
Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2015, p. 871.
93. Humberto Theodoro Jr., Primeiras considerações sobre o Projeto do Novo Código de Processo
Civil. Revista Síntese de direito civil e processual civil, v. 66, jan-fev. 2012, p. 8. Posterior-
mente à promulgação do CPC/2015, o mesmo autor, em seu Curso de direito processual
civil (54ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, n. 438), fala em unidade ontológica das tutelas
sumárias, mas ressalta a variabilidade de intensidade dos requisitos, a ser analisada in con-
crecto, conforme a medida a ser concedida. Ainda, com uma visão crítica da identidade de
requisitos, quando contraposta às diferenças procedimentais: André Luiz Bäuml Tesser, As
diferenças entre a tutela cautelar e antecipação de tutela no CPC/2015, In:, Fredie Didier
Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo. (org). Coleção novo CPC.
Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório,
Salvador: JusPodivum, 2016, p. 33, em que afirma padecer a nova legislação do “mal da
bipolaridade”: “Ao mesmo tempo em que indica não haver necessidade de estabelecimento
da diferença entre cautelar e tutela antecipada, no que tange aos seus requisitos positivos de
concessão, ressalta ser muito importante a distinção entre aquilo que considerou espécies
do gênero tutela provisória de urgência, especialmente a partir da possibilidade ou não de
estabilização dos efeitos da medida concedida e, também, com a adoção de procedimentos
diferenciados”.
94. Cf. Arruda Alvim, Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas no processo
hodierno entre nós. Revista de processo, v. 97, pp. 51-106.
706 Manual de Direito Processual Civil
vista a redação do art. 273. Entediamos que se tratava de uma questão de gradação, ten-
do em vista que os requisitos eram, ontologicamente, os mesmos.95 y 96
De todo modo, é importante termos presente que, à luz do CPC/1973 a doutrina
sempre se questionou se os requisitos das cautelares e das antecipatórias eram ou não
os mesmos, de sorte que é provável que a unificação trazida pelo art. 300 do CPC/2015
não venha a dissipar totalmente as dúvidas sobre o tema.
O que se pode afirmar é que os seguintes fatores autorizam a concessão de tutelas
provisórias de urgência, de cunho cautelar ou antecipatório: a) a probabilidade da-
quilo que alega o requerente (probabilidade do direito), e b) o perigo de dano para o
autor, caso tenha que aguardar pela sentença final e, ainda, pelo julgamento da apela-
ção com efeito suspensivo, para, só então, realizar o direito que lhe foi reconhecido.
É evidente estar subjacente a este dano a própria ideia de utilidade da prestação ju-
risdicional, a qual, se vier a ser outorgada ao autor somente a final, depois da audiên-
cia, ou mesmo que o seja em julgamento antecipado [mas com realização só depois
do julgamento do(s) recurso(s) com efeito suspensivo], poderá vir a concretizar-se
só no momento em que o dano a ser evitado, pelo processo, por este não possa mais
vir a ser obstado.97 Por isso mesmo, refere-se o CPC/2015 ao perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo.
No que concerne ao pressuposto da probabilidade do direito, a parte interessada em
uma medida de urgência deve demonstrar, por meio de alegações e provas, que seu di-
reito é plausível (provável), e que é mais vantajoso ao processo conceder a medida, do
que não concedê-la. Se restar abalada a convicção do juiz, ou esta não estiver formada
satisfatoriamente, isto revela ser possível que a parte contrária tenha razão, e, se é assim,
a pretensão do requerente poderá vir a ser havida como infundada. Se a dúvida existir
a priori, não é caso de concessão de tutela de urgência, salvo se o bem jurídico ameaça-
do representar, se não protegido, um dano de grandes proporções, ou melhor, se puder
levar ao perecimento de direito fundamental (direito à vida ou à saúde, por exemplo).
95. Dissemos, à época, que: “Pela opinião uniforme os requisitos da tutela antecipada são mais
robustos – pois, há maior intensidade na exigência em relação à aparência do direito, i.e.,
verossimilhança é requisito mais denso do que fumus boni iuris – do que em relação aos da
cautelar, ainda que, em rigor e fundamentalmente, se trate de uma questão de grau. Se os
requisitos são ontologicamente os mesmos, o que se há é de reconhecer que a intensidade,
do mesmo requisito, por ser menor comporta a medida cautelar e não a tutela antecipada”
(Arruda Alvim, Notas sobre a disciplina da antecipação da tutela na Lei 10.444, de maio
de 2002. In: Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência, Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 7).
96. Para Eduardo Arruda Alvim (Tutela antecipada, op. cit., item 3.2), embora os requisitos das
cautelares e antecipatórias fossem diversos no plano teórico – o que decorria da literalidade
do art. 273, I, do CPC/1973 –, sua mensuração, no plano prático, era de difícil distinção.
97. Referimo-nos a uma tutela específica que tenha sido pedida, pois que, mesmo que inviável
a tutela específica, certamente a esse autor caberiam perdas e danos. Mas parece restar
evidente que o objetivo do legislador, com a antecipação de tutela, foi o de colimar que a
própria pretensão, tal como tenha sido pedida, possa vir a ser assim satisfeita.
As tutelas provisórias 707
Quanto ao periculum in mora, devemos observar que, mesmo nas hipóteses de tu-
tela antecipatória, não diz necessariamente respeito ao risco de “perecimento do obje-
to” caso não seja antecipada a tutela. O texto do art. 300, caput, do CPC/2015, não faz
maiores distinções.98 Esse dano pode ser externo à pretensão, no sentido de ser um dano
a ser evitado com o seu acolhimento. Assim, v.g., numa ação para entrega de coisas cer-
tas, tais como máquinas vitais para a própria sobrevivência econômica da empresa-au-
tora, de nada adiantará, por hipótese, obter sentença de procedência quando a empresa
já estiver insolvente de fato ou, efetivamente, falida. Tais máquinas podem representar
a própria revitalização da empresa-autora, e, ficando caracterizado também o pressu-
posto da probabilidade do direito, é certo que será hipótese de adiantamento da tutela.
Dever-se-á, no caso, contra-garantir o réu, que será despojado da posse das máquinas.
O dano diz respeito à situação financeira e econômica da empresa-autora e a pre-
tensão, sendo objeto de tutela antecipatória, constituir-se-á no meio para, possivelmente
obstar a ocorrência desse dano.
Devemos salientar que, na análise da viabilidade de concessão de uma tutela de ur-
gência, o juiz trabalha sempre com elementos não exaurientes. O dilema do juiz será o
de proteger ou não o direito do autor, que corre o risco de perecer. Por que deverá dei-
xar de proteger o autor, se lhe parece que o réu não tem razão?
Um critério do qual o juiz poderá servir-se é o mesmo adotado para as situações
excepcionais em que é autorizada a tutela de urgência de caráter irreversível no plano
prático (v., infra, “Tutela de urgência e reversibilidade da medida”). Deve-se utilizar a
proporcionalidade para sopesar as posições do autor e do réu, visualizando essas posi-
ções depois de imaginar os efeitos da concessão da tutela, tais como incidiriam sobre as
situações de um e de outro. Trata-se de um critério limite, porque, se não fosse conce-
dida a medida, e se isso causasse ao réu um prejuízo maior do que a sua não concessão
ao autor, à luz desse referencial, não deverá o juiz conceder a tutela de urgência.99-100
Esse é outro exercício mental a ser feito pelo juiz. Via de regra, aquele que requer
uma tutela de urgência precisa, o quanto antes possível, de uma ordem que obrigue a
parte contrária a uma atitude – seja de pagar quantia certa, entregar coisa, fazer ou de
não fazer. Assim, o requerente suporta o ônus do tempo do processo, no sentido de que,
enquanto não lhe for concedido o que pede, é ele quem sofre as consequências fáticas da
relação jurídica entre as partes. Caso a medida seja deferida, a parte contrária ao cumprir
a sua obrigação passa a suportar o ônus do tempo, ou seja, é o seu interesse que estaria
sendo desprestigiado. Há aí uma balança em que pesam, de um lado, os interesses do
autor, e de outro os do réu.101 O deferimento de uma tutela provisória significa anteci-
par no tempo os efeitos do julgamento final ou garantir que eles possam ser implemen-
tados futuramente (no momento adequado), e com isso definir quem deverá suportar
o ônus do tempo até este julgamento final.102
De acordo com a urgência verificada no caso concreto, a medida poderá ser con-
cedida sem a oitiva da parte contrária. Tal possibilidade, a despeito de expressamen-
te prevista no art. 9º, I, do CPC/2015, não deixa de ser excepcional, por ser necessário
que institutos como este respeitem o princípio da bilateralidade da audiência,103 que
é exigência constitucional. Sob o prisma da Constituição, o contraditório prévio deve
ser a regra geral, e sua postergação, a exceção. Sendo assim, o que nos parece é que, se
o juiz verificar, na hipótese concreta, que a oitiva da parte requerida poderá agravar ou,
mesmo, consumar o prejuízo do requerente, é certo que deverá antecipar a tutela sem
audiência prévia daquela.
Vale dizer, ainda que se possa satisfazer o autor antes daquele que seria o momento
normal (comparativamente ao momento indicado no âmbito da estrutura clássica do
processo), é necessário que sejam respeitados determinados limites em relação à posição
do réu. Oferecer ao réu a oportunidade de apresentar a sua versão dos fatos e, inclusi-
ve, de contraditar as provas do autor, auxilia o debate e dá maiores subsídios para que a
que a tutela de urgência seja analisada de forma adequada. Nessa linha, não raras vezes
o juiz, ao se manifestar sobre um pedido de tutela de urgência, afirma que aguardará a
contestação do réu para deferir ou indeferir o requerimento. Deve-se ter presente, to-
davia, que quando o autor requer o deferimento de medida de urgência, o faz na expec-
tativa de que seja concedido imediatamente, e não para que seja apreciado futuramente.
Pode ocorrer, ainda, que o tempo transcorrido até que a manifestação do réu seja
juntada aos autos e esteja disponível para análise judicial seja fulminante à pretensão do
autor. Para esses casos, o art. 300, § 2º, do CPC/2015, possibilita outra solução: a opor-
101. V.g. STJ, 3ª T., AgRg na MC 16.021/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, (Des. Convocado do
TJ/RS), j. 13.10.2009, DJe 23.10.2009.
102. Vale lembrar que, como o autor pretende, de modo geral, a modificação da realidade
vigente, o réu, em contrapartida, tende a buscar mecanismos de manter o status quo (Italo
Andolina, “Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale.
Milano: Giuffrè, 1983, p. 24).
103. “O sacrifício do contraditório, portanto, deve ser apenas e tão somente para evitar o sacrifício
da própria tutela jurisdicional efetiva, diante de uma premente necessidade advinda de uma
situação de urgência.” (Robson Renault Godinho, Comentários ao art. 300. In: Antonio do
Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 474).
As tutelas provisórias 709
tunidade de justificação prévia por parte do autor. Trata-se de uma hipótese em que juiz
requisita esclarecimentos à parte que requereu a tutela de urgência, ou mesmo designa
audiência visando à demonstração, por meio de testemunhas, da presença dos requisi-
tos necessários à tutela de urgência. O objetivo é, de forma célere, obter elementos de
fato suficientes para poder analisar o pedido de tutela provisória.
Serve, pois, a justificação, para aquelas hipóteses em que a probabilidade do direito não
tenha sido demonstrada de forma suficiente pelo autor. Haverá casos, inclusive, em que
o juiz poderá ouvir as testemunhas do autor e solicitar esclarecimentos antes mesmo da
oitiva do réu, tendo em vista a possibilidade concreta de que o conhecimento, por este,
do pedido de tutela provisória, possa vir a frustrar os objetivos pretendidos pelo autor.
104. Cf. Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência: fundamentos da tutela antecipada.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 350.
105. Cf. “Trata-se de verdadeiro pressuposto negativo, que quer inibir a antecipação de tutela
no caso do que é comumente chamado de periculum in mora inverso” (Cassio Scarpinella
Bueno, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 226).
106. Excetuam-se as hipóteses de estabilização da tutela, quando já tenha passado o prazo
decadencial de dois anos (art. 304, § 2º, do CPC/2015), findo o qual não se pode obter a
modificação dos efeitos da tutela antecipada.
710 Manual de Direito Processual Civil
107. Neste sentido, reconhecendo-se que a hipótese é de efetiva emenda: Teresa Arruda Alvim
Wambier... [et al.] coordenadores, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil:
artigo por artigo, 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 562.
108. Até por isso, na ocasião da introdução desta exigência no Código revogado, o art. 273, § 2º,
do CPC/1973, mereceu críticas por autorizada parcela da doutrina pátria: “Neste particular
revela-se a distância do legislador para com a vida fenomênica, que ditou a necessidade da
tutela antecipada pelo uso promíscuo da providência cautelar. É que não atentou para o fato de
que, na grande maioria dos casos da prática judiciaria, as situações de urgência que reclamam
a antecipação de tutela geram, inexoravelmente, situações irreversíveis, porque encerram casos
em que a satisfação deve ser imediata, como v.g., aquela em que é autorizada uma viagem,
uma cirurgia, a inscrição imediata em um concurso etc.” (Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela
da evidencia: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 339).
109. “O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de
irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz ante-
cipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda,
o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente” (STJ, 1ª S., REsp 1401560/MT, Rel.
Min. Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, j. 12.02.2014, DJe 13.10.2015).
110. Teori Zavascki, Antecipação de tutela, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 102.
As tutelas provisórias 711
gar determinado bem que estava em sua posse, e a sentença decidiu em sentido contrário,
no sentido de que o bem jamais deveria ter saído da posse do réu, é o autor quem deve ar-
car com os danos sofridos durante o transcurso do processo por essa decisão provisória.
Por se tratar de matéria tão delicada e de contornos tão imprecisos, é facultado ao
juiz exigir da parte requerente, para conceder a tutela, caução real ou fidejussória apta
a ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer (art. 300, § 1º, do CPC/2015).111
Essa contracautela é faculdade ensejada ao juiz, que se mostra muito salutar, tendo em
vista que, caso a medida de urgência não seja revogada, o autor não será prejudicado.
Por outro lado, se, no caso da tutela antecipada, esta não for concedida, pode vir a
ocorrer dano ao autor, pela demora de aguardar a sentença final, e ainda possivelmente
o seguimento de recursos com efeito suspensivo, para só então poder realizar o direito
que lhe foi reconhecido. Já no caso da medida cautelar, pode ocorrer de a não conces-
são gerar a inutilidade do resultado final. Em ambos os casos, a espera poderá ser irre-
parável ao direito do autor, e só então ficará evidenciado que, desde o início, deveria
ter sido concedida a medida provisória. Eis a dificuldade de se lidar com o instituto das
tutelas de urgência.
O CPC/2015, sobre isso, estabelece que independentemente da reparação por dano
processual – isto é, daquele decorrente do ônus do tempo do processo – a parte respon-
de pelo prejuízo decorrente da efetivação da tutela de urgência em algumas situações.
A mais natural delas é o caso de sentença desfavorável, isto é, a decisão prolatada em
sentido contrário à tutela antecipada (art. 302, I). O mesmo ocorre se, ainda antes da
sentença, cessar a eficácia da medida (art. 302, III). Fica aqui claro que a efetivação
da tutela ocorre por conta e risco do requerente. Embora o código silencie a respeito, é
de se concluir que a responsabilidade aí deve ser objetiva, independentemente da de-
monstração de culpa.112
Se a tutela for concedida em caráter antecedente, isto é, antes mesmo da formulação do
pedido principal (isto será visto logo em seguida), e o autor não fornecer os meios para a
citação do réu em cinco dias, deve responder também pelo tempo da demora (art. 302, II).
Por óbvio, se o réu ainda não integrou o polo passivo da demanda e já tem contra si uma
tutela provisória, tem seguramente toda a urgência de tomar ciência dos autos e oferecer
defesa. Se o autor der causa à demora nesse procedimento, é ele quem responde pelo atraso.
Por último, se a decadência ou a prescrição vierem a ser reconhecidas (art. 302, IV),
deve também o autor ser responsabilizado pelos danos que a tutela de urgência cau-
sar ao réu. Assim, se o autor não tinha pretensão ou direito a pleitear a medida – ante a
113. Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 217/234. Em sentido contrário, defendendo hipóteses de responsabilidade subjetiva:
Daniel Mitidiero, Antecipação de tutela, 2ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 162.
As tutelas provisórias 713
nos tópicos acima. Caso haja plausibilidade naquilo que vem alegado e a urgência for
de fato iminente, a medida há de ser deferida com a mitigação da bilateralidade. Com
o deferimento, a produção de efeitos é imediata, e o autor deve aditar a petição inicial
em quinze dias (art. 303, § 1º, I, do CPC/2015), complementando sua argumentação,
juntando os demais documentos que não digam respeito somente à urgência, e reque-
rendo a confirmação final da tutela concedida.
Existe, em relação ao aditamento, um ônus do qual se deve desincumbir o autor.
Afinal, a tutela antecipada é sempre provisória, e só poderá ser confirmada e tornada
definitiva caso seja julgada por sentença. É normalmente de seu interesse que o proces-
so tenha início e que a lide seja julgada. Assim, o não aditamento no prazo de quinze
dias – ou em prazo maior que o juiz venha a fixar quando deferir a antecipação de tu-
tela – gera inevitavelmente a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 303,
§ 2º, do CPC/2015).
Não prevê o CPC/2015 a possibilidade de aditamento, no idêntico prazo de quinze
dias, no caso de haver sido indeferida a tutela antecipada. Nem por isso se poderá ex-
cluir tal hipótese, tendo em vista o princípio da igualdade. A prerrogativa de prosseguir
no processo em busca da solução definitiva de mérito deve ser concedida tanto ao autor
que tenha sua tutela antecipada concedida como àquele cujo pleito antecipatório haja
sido liminarmente rejeitado e, não sendo o caso de se aplicar o art. 303, § 1º, I, deve-se
aplicar o art. 321, para que sejam preenchidos os requisitos para o prosseguimento do
feito pelo procedimento comum.
Ademais, como é da natureza das tutelas provisórias, e a teor do art. 300, caput, do
CPC/2015, há possibilidade de concessão da tutela de urgência a qualquer tempo. Nada
impede, portanto, que ocorrido o indeferimento inicial da tutela antecipatória e, poste-
riormente, quando do aditamento da petição e da complementação dos elementos pro-
batórios, verifique-se a superveniência dos pressupostos à concessão da medida. Tratar-
-se-á, no entanto, de concessão de tutela antecipatória de urgência incidental, visto que
não havendo a concessão inicial da tutela e tendo sido aditada efetivamente a petição
inicial, haverá prosseguimento do feito pelo procedimento comum.
Por outro lado, o art. 303, § 6º, do CPC/2015, prevê a possibilidade de emenda à ini-
cial no prazo de cinco dias, caso o juiz entenda pela inexistência de elementos para a
concessão da tutela antecipada. Da dicção literal do dispositivo extrai-se que a emenda
serviria para fornecer ao julgador novos subsídios para embasar a reapreciação da tutela
de urgência. Em acréscimo, a falta de previsão, no art. 303, § 1º, do CPC/2015, de um adi-
tamento à inicial na situação em que a tutela antecedente tenha sido indeferida, poderia
conduzir à ilação de que as providências (a emenda, prevista no art. 303, § 6º, e aditamento
do art. 303, § 1º, I) seriam equiparáveis.114 Contudo, algumas impropriedades revelam o
114. Neste sentido expressou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao reverter uma decisão
interlocutória que determinou o processamento pelo rito do procedimento de requerimento
em caráter antecedente, sem haver pedido expresso e tendo sido apresentados os pedidos
principais. Consignou-se no acórdão que: “portanto, nula é a decisão recorrida quanto aos
714 Manual de Direito Processual Civil
efeitos da antecipação de tutela atribuídos pelo MM. Juízo a quo no molde previsto no artigo
304,§ 1º,do novo CPC, porquanto extra petita.”(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2159562-
55.2016.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 04.10.2016, des. Rel. Mourão Neto,
DJe 13.10.2016.
115. Assim nos posicionamos, em princípio, em nosso Novo Contencioso Cível no CPC/2015.
São Paulo: RT, 2015, p. 183. Esta é a posição, ademais, de: Daniel Mitidiero (Comentários
ao art. 303. in: Teresa Arruda Alvim Wambier, et. al. (coords). Breves comentários ao novo
código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 787, 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 832);
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 294 ao 333; v. 4 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 182); Lúcio Grassi
de Gouveia, (Comentários ao art. 303, in Agélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo
Arruda Alvim e Georde Salomão, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Sa-
raiva, 2016, p. 394), e; Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga. Rafael Alexandria de Oliveira.
(Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias,
decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10ª ed., Salvador:
Editora JusPodivm, 2015, p. 603).
116. Há quem diga, antes da vigência do CPC/2015 e da sua aplicação pelos tribunais, que
aprioristicamente é possível defender a juridicidade de ambas as posições, cabendo ao
magistrado “esclarecer no que consiste precisamente a emenda da inicial por ele pretendida,
justificando o seu entendimento: trata-se de reforçar o pedido de tutela antecipada [...] ou,
diferentemente, trata-se de deixar de lado aquele pedido antecedente, em prol da tutela
final” (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,
2015, p. 232).
As tutelas provisórias 715
Isso, entretanto, não foi o suficiente para o legislador. À autonomia da tutela agre-
gou o CPC/2015 a estabilidade dos efeitos do provimento antecipado. A estabilização
é um instituto novo no ordenamento pátrio (art. 304 do CPC/2015), embora já estuda-
do pela doutrina,123 por influência do direito italiano e francês. Atualmente, é também
previsto no ordenamento português, que lhe atribui, inclusive, força de coisa julgada.124
De acordo com o Código, se o réu não interpuser recurso contra a decisão conces-
siva da tutela antecipada, a medida se tornará estável. O processo será, então, extinto,
mantendo-se os efeitos da medida (art. 304, §§ 1º e 3º, do CPC/2015). A partir daí, qual-
quer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar
a tutela antecipada estabilizada (art. 304, § 2º, do CPC/2015). Diz, ainda, o CPC/2015,
que esse direito de propor a ação revocatória (para rever, reformar ou invalidar a tutela
estabilizada) extingue-se no prazo de 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que
extinguiu o processo. Por fim, o legislador trata de esclarecer algo que, como expore-
mos, não está assim tão claro: dispõe o art. 304, § 6º, do CPC/2015, que a estabilidade
se refere aos efeitos da decisão, e que esta não produz coisa julgada.
Essas são as linhas gerais do instituto, cuja ideia já vinha sendo concretamente
amadurecida há décadas, sob a vigência do CPC/1973. Naquele contexto, já haviam
sido propostos projetos de lei ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual),
primeiramente, pela professora Ada Pellegrini Grinover (1997) e, posteriormente
(2005), por um grupo constituído por esta e pelos professores Kazuo Watanabe, Luiz
Guilherme Marinoni e José Roberto dos Santos Bedaque. Esses projetos atribuíam ao
instituto feições diferentes daquelas contidas no art. 304 do CPC/2015.125 Realçamos,
entre elas, a previsão de que, se as partes não propusessem a ação de conhecimento
no prazo de sessenta dias após a preclusão da decisão concessiva, a estabilidade da tu-
tela antecipatória adquiriria status de coisa julgada, tal como ocorre, atualmente, no
direito português.
Nas versões iniciais do Projeto de CPC, ainda no Senado – PLS 166/2010 (art. 280)
– já não se falava em coisa julgada, mas, tão somente, na estabilização. E, para ocorrer
a estabilização, seria necessária a ausência de impugnação (e não, apenas, especifica-
mente, de recurso), pelo réu, da decisão concessiva. Por outro lado, a eficácia da medi-
da (e, pois, a estabilização), perduraria por prazo indeterminado, até que adviesse uma
decisão definitiva de mérito. Ainda, essa previsão se aplicava não apenas à tutela ante-
cipatória de urgência, mas também às tutelas cautelares.
123. Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua estabiliza-
ção. Revista de processo, vol. 121, mar/2005, p. 11-37; José Roberto dos Santos Bedaque.
Estabilização das tutelas de urgência. In: Flavio Luiz Yarshell; Mauricio Zanoide Moraes
(org.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005,
p. 660 e ss.
124. Art. 369º, 1, do CPC Português de 2013, que comentaremos oportunamente.
125. Para melhor compreensão desses projetos, cf. Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional
diferenciada: a antecipação e sua estabilização. In Revista de Processo, Vol. 121, São Paulo:
RT, 2005, p. 11-37.
718 Manual de Direito Processual Civil
O que o legislador pretende é reforçar, de forma ainda mais contundente, algo que
diz respeito a toda e qualquer medida provisória: sua concessão inverte a polaridade do
ônus do tempo no processo, no sentido de que o réu, contra quem for deferida a medida,
deverá arcar com os prejuízos que possam decorrer do transcurso do tempo até a sen-
tença definitiva.
Outra questão interessante quanto à estabilização da tutela antecipada consiste em
que esta também abala os principais alicerces conceituais da tutela de urgência, consubs-
tanciados no binômio sumariedade da cognição – provisoriedade do provimento. Jus-
tamente por ser decidida em sede de cognição sumária, a tutela antecipada é provisória
e pode ser revogada, alterada ou anulada a qualquer tempo, até que advenha a sentença
de mérito. Essa relação, por muitos considerada necessária e inevitável, é afetada a par-
tir do momento em que se determina a conservação dos efeitos da decisão, ressalvada a
propositura de ação revocatória no prazo de dois anos. E, ainda mais grave: mesmo que
não se possa falar em coisa julgada, é certo que, com o decurso do prazo de dois anos
a que alude o art. 304, § 5º, do CPC/2015, o nexo necessário entre cognição sumária e
revogabilidade é definitivamente rompido. Retomaremos esse assunto quando tratar-
mos da relação entre estabilização e coisa julgada.
Vejamos, ainda, alguns aspectos procedimentais que geram perplexidade, no que
tange à estabilização.
Conforme já expusemos, dispõe a lei (art. 304 do CPC/2015),128 que, uma vez con-
cedida a tutela antecipada, se o réu não interpuser recurso contra a decisão, a medida
se tornará estável. Na sequência, determina o § 1º do dispositivo que a não impugnação
da medida por meio de recurso, importa na extinção do processo, com a manutenção es-
tabilizada da medida concedida.
Para que se possa falar em estabilização parece-nos ser necessário, que tenham
ocorrido os seguintes pressupostos: a) indicação expressa do autor que pretende bene-
ficiar-se do art. 303 do CPC/2015;129 b) o deferimento de tutela antecipada130 em cará-
128. O caput do art. 304, do CPC/2015, diz que “a tutela antecipada, concedida nos termos
do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo
recurso”.
129. Diversamente do que ocorre no direito brasileiro, o CPC de Portugal (2013) faz menção
expressa à necessidade de requerimento do autor quanto à consolidação da medida a partir
da “inversão do contencioso” (art. 369º, I).
130. No sentido de que a estabilização deveria se aplicar às medidas cautelares: Leonardo Greco,
A tutela da urgência e a tutela da evidência Leonardo Greco, A tutela no Código de Processo
Civil de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de
Macedo. (org). Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada v. 4. Procedimentos especiais,
tutela provisória e direito transitório, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 189.
720 Manual de Direito Processual Civil
Aqui, cumpre-nos chamar a atenção para um problema relativo ao prazo para adi-
tamento da petição inicial (art. 303, § 1º, I, do CPC/2015).
De acordo com a concepção e com os objetivos do instituto, em caso de a tutela anteci-
pada vir a ser concedida pelo juiz, a estabilização será incompatível com tal aditamento. Isso
porque, como já dissemos, a tutela só se tornará estável se o processo for extinto, nos ter-
mos do art. 304, § 1º, do CPC/2015. Logo, não há possibilidade de o processo prosseguir se,
concedida a tutela, o réu deixar de interpor recurso, estabilizando-se os efeitos da medida.
Diante disso, não se vê razão para que o legislador tenha estabelecido para o adita-
mento um prazo tão exíguo que sequer permite que o autor tenha prévia ciência sobre
eventual inércia do réu em interpor recurso. Examinemos, pois, esse problema de ope-
racionalização da tutela estabilizada.
Em conformidade com os arts. 303 e 304 do CPC/2015, a partir da ciência da de-
cisão que concede a medida antecipada antecedente, tanto o autor quanto o réu pre-
cisam se desincumbir de determinado ônus: o autor deve aditar sua petição inicial e o
réu deve recorrer.
Será preciso definir qual inércia prevalece, se a do autor ou a do réu, pois a consequ-
ência do não aditamento da petição inicial é a extinção do processo, sem resolução de
mérito, enquanto a consequência do não oferecimento de recurso é a extinção do pro-
cesso com a conservação dos efeitos da medida, pela estabilidade que sobre ela recaí.
Assim, ambas as situações – a falta de aditamento e a falta de recurso – culminam na ex-
tinção do processo, com consequências distintas. Doutrinariamente, tem-se defendido
tanto a prevalência da estabilização,133 quanto que a tutela provisória deve ser cassada.134
A crítica que surge decorre do fato de que o prazo para o autor se inicia imediata-
mente após a publicação da decisão, enquanto o do réu deverá após a citação. O que
deverá mais comumente, ocorrer antes, então, é a atitude do autor, que terá o ônus de
aditar seu pedido (sob risco de ver extinto o processo sem julgamento do mérito) sem
saber, ainda, qual será a atitude do réu, ou mais especificamente, se haverá estabiliza-
ção. Da maneira como foi disciplinada a matéria parece haver uma incongruência com
o propósito da estabilização de tutela.135 O ideal seria que, a partir da concessão da me-
dida provisória, o réu fosse citado e, apenas após o decurso do prazo para recorrer, se
iniciasse o prazo para o autor aditar a peça inicial, se o caso. Afinal, o autor optou pelo
procedimento monitorizado do art. 303 do CPC/2015, o que indica poder, naquele mo-
mento, ter interesse em uma tutela meramente estabilizada, de cognição não exauriente.
133. Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga; Rafael Alexandria de Oliveira. Curso de direito processual
civil, vol. II, 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 610; Robson Renault Godinho, Comen-
tários ao art. 304. In: Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coords.). Comentários ao
novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 479;
134. Fernando da Fonseca Gajardoni,. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015:
parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 893.
135. Bruno Garcia Redondo, Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência
antecipada antecedente: principais controvérsias. Revista de processo, v. 244, jun/2015,
p. 176.
722 Manual de Direito Processual Civil
136. “Parece-nos que o aditamento da inicial só deveria ser exigido após a constatação da não
apresentação de recurso contra a decisão antecipatória de tutela, quando se estabilizariam
os seus efeitos. O autor, então, teria a oportunidade de decidir entre (a) ficar com os efeitos
da estabilização da tutela; ou (b) aditar a inicial para que a questão seja definitivamente
decidida (Fernando da Fonseca Gajardoni, et. all. Teoria geral do processo: comentários ao
CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 893).
As tutelas provisórias 723
prazo de 15 dias ou prazo maior que o juiz fixar para aditar a petição inicial; e, ii) citação
do réu para comparecer à audiência de conciliação e intimação da decisão concessiva
da tutela antecipada – termo inicial para interposição do recurso cabível, usualmente,
o agravo de instrumento, cujo prazo para interposição é de 15 dias), é possível que no
momento que o réu for citado e intimado já conste dos autos o aditamento, sendo-lhe
viável no plano fático oferecer a contestação.
Surge a dúvida, neste caso, se a contestação seria suficiente para obstar a estabiliza-
ção e a consequente extinção do processo, viabilizando o prosseguimento da demanda
pelo rito comum. Sobre o tema, a doutrina ainda não se posicionou com unidade, ha-
vendo duas correntes que têm maior notoriedade.
Parte da doutrina compreende que o instrumento hábil a impedir a estabilização é a
interposição do recurso cabível (usualmente o Agravo de Instrumento).139 Diante disso,
qualquer outra providencia não seria suficiente para o prosseguimento da demanda, visto
que o CPC/2015, em seu art. 303, estabelece que, havendo a estabilização, o processo deve-
rá ser extinto. Partindo-se deste pressuposto, a apresentação da contestação seria inócua.
Diversos são os argumentos que podem ser elencados neste sentido. Como já men-
cionado, redação do dispositivo que disciplina este momento do procedimento ora es-
tudado é relativamente clara ao prever que apenas a apresentação do “respectivo recur-
so” em face da decisão antecipatória impede a estabilização e a consequente extinção
do processo. Lembremos, outrossim, que, consoante já se observou na síntese evoluti-
va do instituto, a redação originária do PLS 166/2010 previa a ausência de impugnação
da medida como pressuposto à estabilização, o que veio a ser modificado na Câmara
dos Deputados (art. 305 do PL 8.046/2010). O texto de lei aprovado (art. 304, caput, do
CPC/2015) seguiu expressamente o entendimento da Câmara, de forma que ampliar o
pressuposto da inércia do réu em recorrer da medida geraria grande insegurança jurí-
dica e inviabilizaria o instituto, que já se apresenta extremamente complexo.
Por outro lado, importante o destaque de que outra parcela da doutrina compre-
ende que a interpretação do dispositivo não deve ser literal.140 Dentre os argumentos
139. Neste sentido: Alexandre Freitas Câmara, O Novo Processo Civil Brasileiro, 2ª Ed. rev. e atual.
São Paulo; Atlas, 2016, p. 162-163; Guilherme Rizzo Amaral, Comentários às Alterações do
Novo CPC, São Paulo: RT, 2015. 406-407; Dario Ribeiro Machado Júnior, Guilherme Kro-
nemberg Hartmann, Erik Navarro Wolkart, Sofia Temer, Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues,
Rodrigo Gismondi e Gustavo Quintanilha Telles de Menezes, Novo Código de Processo Civil,
São Paulo: Forense, 2015, p. 171; Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil,
Vol. 1, 56ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 661 – (Importante ressaltar
que o último o autor interpreta que o aditamento da petição inicial somente deve ocorrer
após a interposição do recurso de agravo de instrumento pelo réu, devendo ser os prazos
sucessivos e não cumulativos como interpreta parte da doutrina. O destaque é importante,
pois o autor entende que sequer poderia haver contestação antes da estabilização, visto
que o aditamento com a apresentação do pedido final somente ocorrerá, após o prazo para
interposição do recurso cabível, tão somente se houver a sua interposição);
140. Daniel Mitidiero, Comentário ao Art. 304, in Teresa Arruda Alvim Wambier... [et al.], coor-
denadores, São Paulo: RT, 2015, p. 789; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
As tutelas provisórias 725
que são elencados, pode-se destacar o de que o réu, ao apresentar a contestação ou uma
mera impugnação, não teria restado inerte, tendo evidenciado a sua oposição ao pro-
vimento liminar, o que justificaria o prosseguimento do feito. Diante disso, não seria
adequado interpretar literalmente o dispositivo legal, devendo ser o termo “recurso”
lido como “qualquer oposição” ou “impugnação”. Ademais, argumenta-se que o réu,
ao apresentar contestação, teria manifestado sua pretensão de obter um julgamento de
mérito definitivo, o que impediria a extinção do processo neste momento inicial, em
que não há cognição exauriente. Complementa-se, finalmente, como argumento que
se baseia no respeito à celeridade e economia processual. Pontua-se que não seria razo-
ável obrigar a parte, que já manifestou que pretende a solução da lide ao apresentar sua
contestação, a dar início a outro processo, pagando custas, movimentando novamente
a máquina judiciária, sendo que as questões controvertidas podem ser solucionadas no
próprio processo já iniciado.
Optamos, nesse ponto, conforme expressando em obra de nossa autoria141, pelo
entendimento que privilegia a tomada de posição do legislador e que, dentro do seu es-
pectro de objetivos. alarga a possibilidade de estabilização, permitindo que se conserve
a eficácia enquanto não for desconstituída por ação de cognição plena.142 Neste caso,
ademais, o acesso à justiça e o direito de ação estão preservados (ainda que para seu exer-
cício seja necessária uma nova demanda, nos termos do § 2º do art. 304 do CPC/2015).
Por outro lado, temos consciência de que a exigência de que o réu interponha recurso,
a fim de obstar a estabilização da tutela, dificulta a adoção dessa técnica nos Juizados
Especiais Cíveis, em que não há, como regra, recurso imediato contra as decisões inter-
locutórias; trata-se, contudo, como já se disse, de opção clara do legislador.143
Atribuímos tal solução ao fato de não se tratar, tal decisão, essencialmente, de uma
decisão de mérito, 148 mas dos possíveis efeitos que resultariam da procedência do pedi-
do. Ainda, devemos registrar, a solução legal se justifica ante à incompatibilidade entre
cognição sumária e coisa julgada material.149
Não podemos deixar de ponderar, por outro lado, que, após a estabilização quali-
ficada, decorrente da expiração do prazo de dois anos previsto no § 5º do art. 304 do
CPC/2015, não mais se poderá rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada. Cria-se,
dessa maneira, uma nova espécie de estabilidade processual, diferente das preclusões e
da coisa julgada. A eficácia da medida, após os dois anos, não pode ser alterada sequer
mediante propositura de nova ação, e no entanto não se pode dizer ter-se formado coisa
julgada material. Isso, pela razão, repitamos, desta incidir exatamente nos efeitos que
adviriam do mérito sobre cuja decisão recairia coisa julgada material.
Por outro lado, parte da doutrina é levada a crer que, malgrado a dicção do texto legal dis-
ponha expressamente em contrário, a estabilização coincide com a coisa julgada material.150
Entretanto, a estabilidade do art. 304 do CPC/2015, em verdade, não tem a mesma
natureza jurídica da coisa julgada material. Esta qualidade de imutabilidade que recai
naquele sistema, a estabilização pode ser “desfeita” em prazo indeterminado, o que, certa-
mente, deverá observar os prazos extintivos do direito material, quando houver. Essa solução,
quanto ao prazo da estabilização, é também adotada no sistema italiano (art. 669-octies do
CPC italiano). Sobre o tema, cf. Lea Querzola, La tutela antecipatória fra il procedimento
cautelare e giudizio di merito. Bologna: Bononia University Press, 2006, p. 250 e ss..
148. A coisa julgada material, como se sabe, só recai sobre decisões de mérito. Assim dispõe o
CPC/2015: “Art. 502, Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável
e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”
149. Diz Leonardo Greco que há uma correlação natural entre coisa julgada e cognição exau-
riente, razão porque a necessidade de adequação da tutela às necessidades do caso, com
a consequente sumarização dos procedimentos cognitivos, não pode ser entendida “como
aceitação de que o legislador possa definir que o provimento final deva estar apto à coisa
julgada, independentemente da extensão cognitiva por ele mesmo propiciada, porque o
litigante tem direito a que sua causa seja apreciada com toda a amplitude cognitiva e absoluto
respeito a todas as garantias constitucionais do processo.” (Cognição sumária e coisa julgada.
Revista eletrônica de direito processual, n. 10, julho a dezembro de 2012, disponível em
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/20351/14692). No mesmo
sentido, Eduardo Talamini, Tutela de urgência no projeto de novo Código de Processo Civil:
a estabilização da medida urgente e a "monitorização" do processo civil brasileiro. Revista
de processo, v. 209, jul/2012, p. 28.
150. “Passados dois anos da ciência da decisão que extinguiu o processo, incorrerá em decadência
do direito de propor a ação revocatória (§ 5º) ou seja, sobrevirá efetivamente a coisa julgada”
(Leonardo Greco, A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil
de 2015. In: Fredie Didier Jr.(coord.); Alexandre Freire; Ravi Peixoto; Lucas Buril de Macedo.
(org).. Coleção Novo CPC/ Doutrina Selecionada 4. Procedimentos especiais, tutela pro-
visória e direito transitório, p. 193). V., sobre o tema, do mesmo autor: cognição sumária e
coisa julgada. REDP, n. 10, julho a dezembro de 2012, especialmente à p. 300, onde deixa
claro que não concorda com a solução adotada. E, ainda: Araken de Assis, Processo Civil
Brasileiro. Vol. II. Tomo II. 1 ed.. São Paulo: RT, 2015, p. 608, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery,
Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed.. São Paulo: RT, 2015, p. 864.
728 Manual de Direito Processual Civil
ficar o resultado de mérito alcançado e já revestido pela coisa julgada. A chamada efi-
cácia preclusiva da coisa julgada obsta a rediscussão das questões deduzidas e também
daqueles dedutíveis, por se considerarem preclusas (efeito preclusivo da c. j.) tais ques-
tões. É importante, portanto, ter presente, que a eficácia preclusiva, como o próprio
nome diz, é uma modalidade de preclusão, decorrente da coisa julgada, mas com ela não
se confunde.¿ 155 ¿Observa-se, claramente, que esse fenômeno pressupõe os anteriores
(eficácia positiva e negativa da coisa julgada), e não pode, por isso, se ajustar à ideia de
estabilização da tutela antecipada.
Dessa forma, por mais que se possa, em princípio, verificar similitude entre a estabili-
zação da tutela antecipada e a formação de coisa julgada, temos que esta última somente
se forma após a prolação de decisão de mérito proferida mediante cognição exauriente.
155. Sobre a diferenciação entre os limites objetivos da coisa julgada, e sua eficácia preclusiva,
vejamos a lição de Luiz Machado Guimarães, em estudo pioneiro sobre o assunto, tratan-
do, à época, do art. 287, parágrafo único, do CPC/39: “Apenas a questão que é objeto do
decisum, e não aquelas que constituam suas premissas, adquire a autoritas rei iudicatae.
Estas premissas são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, mas não adquirem,
elas próprias, autoridade de coisa julgada. Podem por isso, tais questões ser ressuscitadas em
novo processo cujo objeto seja diverso do objeto do processo pendente. Só na hipótese de
novo processo visando diminuir ou extinguir os efeitos da anterior sentença imutável, não
poderão aquelas questões ser novamente suscitadas. Não somente as questões efetivamente
suscitadas (o ‘deduzido’), como também as que poderiam ter sido suscitadas (o ‘deduzível’),
são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, se bem que não adquiram elas próprias
e per se a autoridade de coisa julgada” (Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. In: Estudos
de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969, p. 21-22
e). No mesmo sentido: “A coisa julgada obsta a que questões, distintas da principal (mérito)
que pudessem influir no julgamento da lide, mesmo que delas não se tenha cogitado no
primeiro processo, possam ser rediscutidas, pelo menos com vistas à modificação do quanto
se tenha previamente decidido. É a chamada eficácia preclusiva da coisa julgada (...). Isto
não quer dizer que se consideram decididas tais questões prejudiciais (das quais antes não
se cogitou) (...). O que sucede (...) é que não poderão ser levantadas questões não suscitadas
em tempo oportuno, visando ao acolhimento ou à rejeição do pedido já julgado.” (Eduardo
Arruda Alvim, Angélica Arruda Alvim. Apontamentos sobre a coisa julgada no Código de
Processo Civil. Revista Forense, 415, p. 75-90, 2012).
730 Manual de Direito Processual Civil
manda (art. 966, § 2º, I, do CPC/2015). Isso exigiria, porém, a configuração de uma das
hipóteses previstas nos incisos do art. 966 do CPC/2015. Ademais, o § 5º do art. 304 do
CPC/2015, que previu o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada está-
vel, no prazo de dois anos, nada mais é que um equivalente à ação rescisória.
Problema de difícil solução diz respeito ao questionamento sobre a possibilidade de
estabilização da tutela em causas que versem direitos indisponíveis ou em processos ur-
gentes preparatórios contra a Fazenda Pública.156 Trataremos de ambos conjuntamente,
por entender que a justificativa para tal questionamento só pode ser comum, a saber, a
indisponibilidade dos direitos (no caso da Fazenda Pública, somente existente quando
se trate de interesse público primário, e não meramente econômico).
Sobre isso, parece-nos relevante lembrar que o CPC/2015, na linha do CPC/1973,
prevê diversos dispositivos que estabelecem a presunção de veracidade de fatos ou direi-
tos não impugnados como consequência da inércia da parte. Assim ocorre com o ônus da
impugnação especificada, com os efeitos da revelia, com a dispensa de provas relativa-
mente a fatos incontroversos e com o julgamento antecipado de mérito total ou parcial.
Todavia, devemos ressalvar que essas regras são fundadas na premissa de um pro-
cesso civil que se desenvolve entre partes iguais e relativamente a direitos disponíveis, o
que nem sempre ocorre. Com base nisso, a própria lei excepciona as presunções decor-
rentes do ônus da impugnação especifica dos fatos pelo réu (art. 302, I, do CPC/1973;
art. 342, I, do CPC/2015) e do efeito material da revelia (art. 320, II, do CPC/1973;
art. 345, II, do CPC/2015), em casos que versem direitos insuscetíveis de confissão (i.e.,
direitos indisponíveis). Quanto à dispensa de provas referentes a fatos incontroversos
(art. 334, III, CPC/1974; art. 374, III CPC/2015), é certo que, como vimos defendendo
há tempos, somente se pode verificar dita presunção se: os fatos forem verossímeis, os
direitos não forem indisponíveis e se não houver indicativo de prova a ser produzida nos au-
tos ex officio pelo juiz. Como o julgamento antecipado de mérito é hipótese que decor-
re da dispensa de provas sobre fatos incontroversos, afigura-se-nos aplicável o mesmo
raciocínio ao disposto nos arts. 355 e 356 do CPC/2015 (que equivalem, parcialmente,
ao art. 330 do CPC/1973).
Dispõe o 304, § 2º do CPC/2015 que qualquer das partes pode mover a demanda
“com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”. Não
parece, pois, tratar-se, necessariamente, de uma ação para exaurir a cognição que foi in-
terrompida pela estabilização.157 O texto indica que a ação autônoma serve para reana-
156. Sobre o tema, v. Eduardo Talamini, Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo
Civil: a estabilização da medida urgente e a ‘monitorização’ do processo civil brasileiro.
Revista de processo, vol. 209, p. 26.
157. Em sentido contrário, denominando-a “ação exauriente”: Daniel Mitidiero. Comentários
ao art. 304. In: Teresa Arruda Alvim Wambier, et. alli. (coords.). Breves comentários ao novo
código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 789. No direito português, o que se prevê,
antes do prazo de 60 dias, é a necessidade de ação de cognição exauriente e, findo o prazo
fixado por lei, opera-se a coisa julgada. V., a propósito: Rui Pinto, Notas ao Código de Pro-
cesso Civil. Volume I. Arts. 1º ao 545. 2ª ed., Coimbra: Coimbra, 2015, pp. 319 e ss..
As tutelas provisórias 731
cautelar pode ser requerida isoladamente (art. 305) ou de forma conjunta com o pedi-
do principal (art. 308, § 1º).
Na verdade, a razão de ser da tutela cautelar justifica a sua possibilidade anteceden-
te. Se há perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, existe a necessidade de
requerer a tutela cautelar.
O procedimento da tutela cautelar antecedente, no CPC/2015, não difere muito
do que já previam os arts. 798 e seguintes do CPC/1973. A petição inicial observará os
mesmos pressupostos indicados para a medida antecipatória antecedente, e deve ser
limitada a indicar qual é o direito que se busca assegurar (isto é, no que reside a caute-
laridade no caso concreto), além de demonstrar os dois requisitos gerais de concessão
dessa tutela provisória, que são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo (art. 305, caput, do CPC/2015). A probabilidade do direi-
to diz respeito à viabilidade do pedido principal a ser formulado; o risco de dano diz
respeito à própria utilidade do processo, tendo em vista a natureza eminentemente ins-
trumental das cautelares.
Recebida a petição inicial, o réu será citado para apresentar defesa em cinco dias
(art. 306).159 Caso deixe de oferecer contestação, dar-se-á a revelia, considerando-
-se aceitos pelo réu os fatos como apresentados pelo autor, e seguindo-se o imediato
julgamento do feito (art. 307). Se for apresentada defesa, o procedimento a seguir
será o comum. Se não for apresentada defesa, poderão ser presumidos verdadeiros
os fatos alegados a fim de se manter, a medida cautelar deferida (i.e., haverá reve-
lia quanto ao pedido de natureza cautelar – art. 307 do CPC/2015). Tal inércia não
poderá, no entanto, ser considerada para efeitos de julgamento do mérito, quando
deverá ser oportunizada plena defesa ao réu, sem qualquer influência da inércia re-
lativamente à cautelar.160
O procedimento cautelar é bastante resumido, limitado à petição inicial, defesa,
apresentação sumária de provas e julgamento final. No momento de decidir, o juiz ve-
rificará se é cabível conceder a tutela cautelar – em outras palavras, se é adequado defe-
159. “O réu deverá ser citado para resposta, e não para a conciliação, nos moldes do art. 334 do
CPC, o que não se coaduna com a celeridade e a urgência do processo cautelar. É certo que
não existe impedimento para a audiência de conciliação; contudo, ela deverá ser posterior
à efetivação da medida de cautela, quando realizada”. (Fábio Caldas, Curso de processo
civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 1.005).
160. Assim já se entendia à luz do CPC/1973: “AÇÃO CAUTELAR – Sustação de protesto – Re-
velia – Julgamento antecipado – Possibilidade – Resultado da ação cautelar que não vincula
o julgamento do mérito da ação principal – Nulidade – Não reconhecimento: – Diante
da revelia em ação cautelar de sustação de protesto, é possível o julgamento antecipado da
lide, observando-se que o resultado da ação cautelar não vincula o julgamento do mérito
da ação principal, não havendo nulidade a ser reconhecida. Recurso não provido.” (TJSP,
13ª Câm. Dir. Priv., Apel. 00044850320148260180 SP 0004485-03.2014.8.26.0180, Rel.
Des. Nelson Jorge Jr., j. 09.3.2016, DJ 9.3.2016. Assim, também:TJSP, 15ª Câm. Dir. Priv.,
Apel. 90758274920098260000 SP 9075827-49.2009.8.26.0000, Rel. Des. Alexandre
Marcondes, j. 26.3.2013,DJ 28.3.2013.
As tutelas provisórias 733
rir uma medida que possa prejudicar o réu, em prol de assegurar que o pedido principal
do autor, não pereça, inutilizando os efeitos do julgamento de mérito.
A tutela antecedente tem um caráter preparatório em relação ao pedido principal.
Serve, como dito, para assegurar uma situação jurídica. É natural, portanto, que uma
vez deferida, caiba ao autor dar início à ação principal, formulando seus pedidos e apon-
tando causas de pedir. O prazo ser formulado o pedido principal nos mesmos autos é
de trinta dias, contados da efetivação da medida cautelar (art. 308 do CPC/2015). Isso
quer dizer que não basta apenas a concessão da medida; é necessário que os efeitos prá-
ticos dela decorrentes tenham início.161 Assim, se o conteúdo da medida liminar for a
ordem de sequestro de determinados bens, até que o sequestro tenha sido consumado
e efetivado, não há que se falar no início do prazo para a apresentação do pedido prin-
cipal. Vale aqui o que foi dito acima sobre a efetivação das tutelas provisórias: se for ne-
cessário, o juiz deverá ordenar o cumprimento da tutela através dos meios disponíveis,
inclusive podendo solicitar força policial como auxílio.
Em trinta dias, portanto, o autor deve formular seu pedido ou pedidos, nos mesmos au-
tos do procedimento cautelar. Não há, como no CPC/1973, a necessidade de que o proces-
so se inicie em autos independentes. A medida antecedente, no CPC/2015, é incorporada
pelo processo principal inclusive fisicamente, facilitando e economizando o procedimento.
Quando da apresentação da petição inicial requerendo tutela cautelar antecedente,
o autor deverá já indicar quais serão os pedidos a serem futuramente formulados. Essa
indicação faz parte da demonstração de qual o direito, que será assegurado, através da
medida cautelar. Assim, no momento em que a demanda for ajuizada, o autor reafirmará
esses mesmos pedidos. Nada obsta, no entanto, que formule outros pedidos cumulati-
vos, que à época do requerimento antecedente não eram necessários ou não guardavam
relação com a tutela cautelar. No procedimento cautelar antecedente, a exposição sumá-
ria que o autor fará da lide principal será limitada a uma menção da causa de pedir, dos
fundamentos do pedido. É facultado, porém, ao autor aditar a causa de pedir quando
apresentar o pedido principal (308, § 2º, do CPC/2015). Essa possibilidade visa a dar
ao autor mais condições de fundamentar sua ação, evitando que toda a fundamentação
deva já ser referida no momento da cautelar antecedente.
Como o réu já foi citado para responder ao pedido antecedente, já tomou ciência
da existência do processo. Assim, a partir do aditamento, o réu será meramente intima-
do da data da audiência de conciliação (art. 308, § 3º, do CPC/2015), sem necessidade
de nova citação. Se por qualquer dos motivos do art. 334, § 4º, não houver a audiência,
a contestação relativa ao pedido principal será apresentada nos prazos do art. 335, e o
procedimento comum seguirá seu curso.
161. De forma análoga, ainda na vigência do CPC revogado: “Agravo regimental no recurso
especial. Processo civil. Cautelar preparatória. Prazo para ajuizamento da ação principal.
Data da efetivação da liminar. Precedentes. 1. O prazo para a propositura da ação principal
conta-se a partir da efetivação da medida cautelar preparatória pleiteada e não da respectiva
intimação. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1410830/PR, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 26.5.2015, DJe 2.6.2015).
734 Manual de Direito Processual Civil
Uma vez concedida, a tutela cautelar conserva seus efeitos até que seja confirmada ou
revogada por sentença de mérito no processo. No entanto, o código estipula hipóteses nas
quais a eficácia deve cessar. A primeira e mais óbvia delas é o caso de o autor não formular,
em trinta dias, o pedido principal (art. 309, I, do CPC/2015). Se a razão de ser da tutela
cautelar é garantir o resultado (favorável) de um futuro provimento de mérito, o desin-
teresse do autor em deduzir o pedido principal demonstra que a tutela cautelar, em si, já
não tem mais por que se prolongar no tempo, prejudicando o réu desnecessariamente.
Outra hipótese, correlata à primeira, é a de a medida ter sido concedida, mas não ti-
ver ainda sido efetivada em trinta dias (art. 309, II do CPC/2015). Aqui, fala-se da não
efetivação por culpa exclusiva do requerente, e não pela morosidade do Poder Judiciá-
rio. A ideia é sancionar o autor por permitir que a medida cautelar perca a eficácia, por
desídia ou negligência sua. O réu não pode ser prejudicado ou aguardar indefinidamen-
te até que o autor tenha interesse em promover a efetivação da medida. Isso fica mais
evidente quando se constata que a medida cautelar tem, em princípio, urgência na sua
consumação, sob pena de perder eficácia.
Por último, se no julgamento do pedido de mérito a medida cautelar vier a ser re-
vogada, por sentença de mérito, também perderá sua eficácia. Se o processo for extinto
sem resolução de mérito, ou se o pedido a que se referiu a cautelar for julgado impro-
cedente, seus efeitos também não se poderão prolongar, e a eficácia da medida cessará
(art. 309, III do CPC/2015).
Também como forma de sanção ao autor desidioso, fica ele impedido de renovar o
pedido de tutela cautelar antecedente, se já lhe tiver sido deferido anteriormente e a sua
eficácia houver cessado. Afinal, a tutela jurisdicional já lhe foi prestada, faltando-lhe in-
teresse jurídico para solicitá-la novamente, salvo se por outro fundamento (pár. único, do
art. 309). Não que sobre as medidas provisórias cautelares recaia a autoridade de coisa jul-
gada material,162 mas há um impedimento lógico à repropositura da demanda na qual as
mesmas causa de pedir e pedido seriam levadas a juízo, o que fica expressamente vedado
pela lei (art. 309, parágrafo único, do CPC/2015). Não é exceção o caso de o autor apresentar
novo fundamento, eis que, nessa situação não se fala verdadeiramente do mesmo pedido.
Caso a tutela cautelar requerida venha a ser julgada improcedente, o pedido que pe-
rece é apenas o provisório; nada podendo influenciar o julgamento dos pedidos princi-
pais, do mérito da ação. Aí reside a acessoriedade da tutela cautelar. Por isso mesmo, o
art. 310 do CPC/2015 deixa expresso que “o indeferimento da tutela cautelar não obs-
ta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se
o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição”. As
exceções apontadas pelo artigo são as únicas nas quais, mesmo no julgamento provisó-
rio, o juiz tem a faculdade de reconhecer que o autor não tem pretensão ou direito de
requerer o que virá a ser postulado na ação principal. Assim, apenas nessas situações,
ficará ele impedido de promover a demanda.
162. Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, Coisa julgada. Belo Horizonte: Forum, 2008, pp. 121/169.
As tutelas provisórias 735
Por fim, devemos salientar que, devido às dificuldades práticas de se distinguirem as me-
didas cautelares das medidas antecipatórias, em certos casos, aplicar-se-á a fungibilidade en-
tre elas. Ainda assim, haverá, já no início do procedimento, a necessidade de uma definição,
por parte dos juízes e tribunais, sobre a natureza de determinadas providências, que even-
tualmente se encontrem na zona nebulosa entre as medidas conservativas e as satisfativas.
E assim é porque o procedimento das antecipatórias antecedentes é, como já acentuamos
(v., supra, “tutela antecipada antecedente”) profundamente marcado pela possibilidade de
estabilização da tutela, a qual, de acordo com a lei, não se aplica às cautelares antecedentes.
163. Luiz Fux. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 313.
164. Importante a ressalva, no entanto, que Humberto Theodoro Júnior defende que há no orde-
namento jurídico brasileiro algumas hipóteses de medidas cautelares fundados tão somente
na evidência, como as hipóteses do arts. 545, § 1º,643, parágrafo único, 627, § 3º e 830 do
CPC/2015, bem como a prevista no art. 100, § 6º da CF/1988. (V. Humberto Theodor Júnior,
Curso de Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, e Procedimento Comum, Vol.
I, 56ª Ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 677.
165. Bruno Vinicius da Rós Bodart, Tutela de evidência. São Paulo: RT, 2014, p. 133. Ainda: “a
tutela da evidência tem como objetivo não propriamente afastar o risco de um dano econô-
mico ou jurídico, mas, sim, o de combater a injustiça suportada pela parte que, mesmo tendo
a evidência de seu direito material, se vê sujeita a privar-se da respectiva usufruição, diante
da resistência abusiva do adversário. [...] Favorece-se a parte que à evidência tem o direito
material a favor de sua pretensão, deferindo-lhe tutela satisfativa imediata, e imputando o
ônus de aguardar os efeitos definitivos da tutela jurisdicional àquele que se acha em situação
incerta quanto à problemática juridicidade da resistência manifestada” (Humberto Theodoro
Jr., Curso de direito processual civil, vol. I. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 597).
166. A propósito, o caput do art. 311 do CPC/2015 dispõe que “A tutela da evidência será con-
cedida independente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo.” (grifamos).
736 Manual de Direito Processual Civil
167. Neste sentido, sobre a diferença acima apontada, vale conferir o que escreve Humberto
Theodoro Jr.: “A tutela da evidência não se confunde, na estrutura do novo Código, com
um julgamento antecipado da lide. A medida é deferida sumariamente, em alguns casos de
maior urgência, até sem audiência da parte contrária, mas não impede o prosseguimento
do feito, para completar-se o contraditório e a instrução probatória. A provisoriedade da
tutela da evidência é, aliás, o traço comum que o novo Código adotou para qualificar as
tutelas de urgência e da evidência, como espécies do mesmo gênero, ao qual se atribuiu o
nomen iuris de tutelas provisórias” (Curso de direito processual civil. vol. I, 56ª ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 675). No mesmo sentido, ainda: Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, v. II. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 369-371; Nelson Nery Jr.; Rosa
Nery. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 871).
As tutelas provisórias 737
168. “Quando a demanda versa sobre questão pacificada por precedente judicial obrigatório,
há a facilitação de provimento concedendo a tutela de evidência. A fixação de determinada
738 Manual de Direito Processual Civil
A terceira hipótese prevista pelo art. 311 é bastante específica. Diz o inciso III deste
artigo que a tutela de evidência será concedida quando “se tratar de pedido reipersecu-
tório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que
será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”. O
caso é de contrato de depósito no qual o bem litigioso não tenha sido entregue a quem
de direito. A prova documental que for suficiente para comprovar esse fato será bastan-
te para que, mesmo sem urgência, seja determinada a entrega.
Por último, será possível conceder tutela provisória baseada somente na evidên-
cia do direito quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente
dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de ge-
rar dúvida razoável” (art. 311, IV, do CPC/2015). Trata-se de uma hipótese um pouco
mais branda do que ocorre quando uma parcela dos pedidos feitos pelo autor torna-se
incontroversa, o réu sequer apresentando impugnação a respeito.
No CPC/1973, o art. 273, § 6º possibilitava a antecipação de efeitos da tutela quanto
à parcela incontroversa do pedido. A discussão doutrinária que surgiu dava conta que,
em realidade, não se tratava de antecipação de tutela, senão que de verdadeira decisão
de mérito. Como à época do CPC/1973 a discussão sobre as sentenças parciais de mérito
era ainda muito polêmica, a questão continuou sendo debatida.169 O CPC/2015, no en-
tanto, possibilita expressamente o julgamento parcial de mérito, justamente nos casos
em que o pedido for incontroverso (art. 356, I). Assim, a hipótese aqui tratada de tutela
de evidência não deve ser confundida com a sentença parcial.170 Valem, nesse ponto, as
mesmas considerações acima feitas a respeito do julgamento antecipado do mérito: na
hipótese de julgamento antecipado parcial (art. 356 do CPC/2015), pode-se dizer que
está exaurida a cognição, ao menos em relação alguns dentre os pedidos formulados
pelo autor, ou, ainda, quanto a parte de um dos pedidos formulados.
Já na tutela de evidência com base no art. 311, IV, do CPC/2015, não há julgamen-
to definitivo ainda.171 O que existe são afirmações de fato do autor, comprovadas docu-
ratio decidendi por tribunal superior restringe as possibilidades argumentativas e, com isso,
torna pouco provável o sucesso da parte que litigue em sentido contrário” (Lucas Buril de
Macêdo, Antecipação da tutela por evidência e os precedentes obrigatórios. Revista de
processo, v. 242, abr/2015, p. 534).
169. A propósito do tema, v. o que dissemos no item “O Julgamento conforme o estado do pro-
cesso”, capítulo “Saneamento e organização do processo”.
170. “A tutela da evidência não se confunde, na estrutura do novo Código, com um julgamento
antecipado da lide. A medida é deferida sumariamente, em alguns casos de maior urgência,
até sem audiência da parte contrária, mas não impede o prosseguimento do feito, para com-
pletar-se o contraditório e a instrução probatória. A provisoriedade da tutela da evidência
é, aliás, o traço comum que o novo Código adotou para qualificar as tutelas de urgência e
da evidência, como espécies do mesmo gênero, ao qual se atribuiu o nomen iuris de tutelas
provisórias” (Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, v. I. 56ª ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 675); No mesmo sentido: Leonardo Greco, Instituições de processo
civil, vol. II. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 369-371.
171. “A tutela da evidência sugere sumariedade ‘formal’, como pretendem alguns, vale dizer:
o procedimento comprimido, que pode ordinarizar-se conforme o juízo considere ou não
As tutelas provisórias 739
mentalmente, a respeito das quais o réu não conseguiu apresentar versão convincente.
Assim, se o réu, em contestação, for inconvincente, mas mesmo assim restar dúvida
quanto ao que tiver alegado o autor, não é o caso de conceder a tutela de evidência. Nos
termos do código, a tutela só poderá ser concedida se, após a apresentação de defesa, o
réu não tiver conseguido gerar dúvida razoável sobre a veracidade daquilo que alegou
o autor. Em outras palavras, o pedido do autor (ou um dos pedidos feitos) pode ter sido
controvertido, mas os fatos que baseia o pedido não foram suficientemente controver-
tidos. Diz-se isso, pois se o próprio pedido não tiver sido impugnado, a solução poderá
ser decisão parcial de mérito, encerrando o processo quanto a essa questão.
evidente o direito alegado. Assim, pleiteada a tutela da evidência e deferida a liminar ante-
cipatória, o demandado será citado para oferecer a sua defesa, quando, então, será obser-
vada a necessidade de prosseguir-se para reversão ao estado anterior ou fixação de perdas
e danos. Indeferida a tutela pela falta de evidência, prossegue-se, nos mesmos autos, para a
dissipação dessa incerteza com as etapas necessárias ao descobrimento da verdade.” (Luiz
Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 310).
18
Petição Inicial
jeto litigioso (= lide-mérito) do processo é definido pela inicial e, como regra, não sofre
mutações (exceção: v. art. 329 do CPC/2015); b) os elementos subjetivos do processo –
autor e réu – outrossim, permanecem, em regra, os mesmos (v. art. 108 do CPC/2015).4
4. Sobre a sucessão das partes no processo, v. Arruda Alvim, Código de Processo Civil comen-
tado, São Paulo: RT, 1975, v. II/291 e ss., bem como o nosso Tratado de direito processual
civil, São Paulo: RT, 1996, comentários aos arts. 41 e 42.
5. Esse aspecto substancial também recebe, tradicionalmente, o nome de ”libelo” – v., sobre
o libelo, Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT, 1972, v. II, n. 118,
§§ 1.º, 2.º e 3.º, p. 6 e ss.
6. Cf. Rosenberg, Die Beweislast, 5. ed., Munique: CH Beck’sche, 1965, p. 6.
7. Com a utilização de conceitos vagos, indeterminados e cláusulas gerais fica difícil ou inviável
mesmo falar-se propriamente num silogismo. Por outro lado, sabe-se que no silogismo a
extensão da maior (que é a lei ou o ordenamento) é mais extensa que a da menor (os fatos).
No entanto, no silogismo judicial há uma interação entre a menor e a maior, porquanto é a
menor que informa qual será a maior.
8. “Não é inepta a petição inicial onde foi feita descrição suficiente dos fatos que servem de
fundamento ao pedido, ensejando ao réu o pleno exercício de sua defesa” (STJ, AgRg no
AgIn 447.331/SP, 3ª T., j. 28.06.2005, rel. Min. Gomes de Barros, DJ 15.08.2005, p. 300).
9. RF 254/330.
742 Manual de Direito Processual Civil
A declaração de ciência se consubstancia num relatório dos fatos ocorridos, que são,
precisamente, os fatos constitutivos do pedido. Este relato dos fatos delimita, também,
a atividade judicante (art. 141 do CPC/2015).
10. STJ, REsp 1.346.477/SC, Decisão Monocrática, rel. Min. Humberto Martins, j. 28.09.2012,
DJe 08.10.2012; STJ, AResp 102082, Decisão Monocrática, rel. Min. Benedito Gonçalves,
j. 02.08.2012, DJ 09.08.2012.
11. STJ, REsp 1.140.420/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 26.04.2011, DJe
05.05.2011. Cf. também: STJ, 3ª T., REsp 1.215.294/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cue-
va, j. 17.12.2013, DJe 11.02.2014; STJ, 3ª T., Resp 1.208.207/RN, rel. Min. João Otávio
de Noronha, j. 24.03.2015, DJe 27.03.2015. Sobre o tema, conferir, na doutrina: Teresa
Arruda Alvim Wambier, Vinculação do juiz aos pedidos e o princípios do iura novit curia.
In: Daniel Mitidiero; Guilherme Rizzo Amaral (coord.). Processo civil: Estudos em ho-
menagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012,
p. 459 e ss.
12. Pela Lei 9.099/1995 (art. 14) admite-se, no âmbito dos juizados especiais, que o pedido seja
oral. O intuito do legislador, decorrente da própria razão de ser desses juizados, é o da sim-
plicidade. Anote-se, também, que no art. 14, § 1.º, II, há referência, apenas, a fundamentos
(e não a fundamentos jurídicos). No § 3.º desse art. 14, está estabelecido que “o pedido oral
será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas
ou formulários impressos”. O pedido oral deverá ser formulado pelo próprio autor, vale
dizer, exige-se a pessoalidade – v., mais amplamente, Joel Dias Figueira Júnior e Maurício
Antonio Ribeiro Lopes, Comentários à Lei dos Juizados Cíveis e Criminais, São Paulo: RT,
1995, p. 116-117. No tocante ao pedido a ser apresentado perante os Juizados Federais,
aplicar-se-á o disposto no art. 14 da Lei 9.099/1995, porquanto absolutamente compatível
com os ditames da Lei 10.259/2001 (v. sobre a matéria Fernando da Costa Tourinho Neto e
Joel Dias Figueira Júnior, Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: comentários à Lei
10.259, de 10.07.2001, São Paulo: RT, 2002, p. 234 e ss.).
Petição Inicial 743
13. Neste caso, pode ser necessário, caso o preceito condenatório não seja cumprido espon-
taneamente, a abertura da fase de cumprimento de sentença para o fim de obter, no plano
prático, os efeitos desejados.
14. Nessa linha, dispõem, exemplificativamente, os §§ 1º a 3º art. 319 do CPC/2015, referente-
mente ao inc. II do referido artigo. As normas ali contidas, todavia, bem se aplicam a todos
os requisitos da inicial.
744 Manual de Direito Processual Civil
timação processual ativa e passiva; 2º) ainda, para se constatar haver legitimação para
a causa, ativa e passiva. Esse requisito tem, ainda a utilidade de permitir a citação dos
réus, bem como a intimação pessoal das partes quando tal se fizer necessário. Eis a ra-
zão de a lei exigir os nomes, prenomes, domicílio e residência do autor e do réu. Ainda,
a indicação do estado civil e da profissão são determinantes para diversos fins, que não
apenas identificação. Assim, nas ações que versem direitos reais imobiliários, o fato de
a parte ré ser casada em comunhão de bens estabelece a necessidade da formação de li-
tisconsórcio no polo passivo (art. 73, § 1º, I, do CPC/2015) e, no curso do processo, a
profissão ou o estado das partes podem ser utilizados para justificar uma escusa na con-
vocação para depor (art. 388, I, do CPC/2015).
O CPC/2015, inovando em relação ao art. 282, II, do CPC/73, acresceu à identifi-
cação das partes a indicação da existência de união estável, do número de inscrição no Ca-
dastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica e o endereço eletrô-
nico. Obviamente, tais exigências, como todas as demais, devem ser analisadas à luz da
instrumentalidade das formas, não se justificando, por exemplo, o indeferimento da
petição inicial quando, apesar da ausência de indicação do número do CPF, e sendo im-
possível obter tal informação, a parte puder ser perfeitamente identificada. Nesse sen-
tido, dispõem os §§ 1º a 3º do art. 319 do CPC/2015.
O inc. III do art. 319 exige, para aptidão da inicial, que se indiquem claramente quais
são os fatos e os respectivos fundamentos jurídicos do pedido. A referência feita pelo
legislador a fatos (“fatos jurídicos”) demonstra que o sistema adotou a teoria da subs-
tanciação (relação jurídica ou conflito de interesses imantado ou emergente de fatos), que
se opõe à da individualização (relevante seria só a relação jurídica, praticamente prescin-
dindo-se dos fatos).
Uma das consequências práticas importantes decorrentes da adoção da teoria da
substanciação, – em nosso sentir a única realizável ou “verdadeira” – é a de que, embo-
ra modificando o autor o nome da ação, mas baseando-se nos mesmos fatos, não pode-
rá ele propor outra vez a ação, porque será caso de litispendência e, se a ação primitiva
estiver ainda em curso, ou, então, haverá coisa julgada, em a primeira decisão já tendo
transitada em julgado. Outra consequência, decorrente desta, é que a alteração dos fa-
tos que fundamentaram a pretensão podem vir a caracterizar uma alteração nos pedidos
deduzidos e, portanto, uma modificação na própria ação, pois a relação jurídica, por si
só, não é suficiente – como seria na teoria da individualização – para definir o pedido.15
15. Processual civil. Causa de pedir. Conteúdo. Limites. Qualificação jurídica dos fatos narrados
na petição inicial. Julgamento extra petita. Inexistência. – O processo civil brasileiro é regido
pela teoria da substanciação, de modo que a causa de pedir constitui-se não pela relação
jurídica afirmada pelo autor, mas pelo fato ou complexo de fatos que fundamentam a preten-
são que se entende por resistida. A alteração desses fatos representa, portanto, mudança na
própria ação proposta. – O juiz pode decidir a causa baseando-se em outro dispositivo legal
que não o invocado pela parte, mas não lhe é dado escolher, dos fatos provados, qual deve
ser o fundamento de sua decisão, se o fato eleito for diferente daquele alegado pela parte,
como fundamento de sua pretensão. – Inexiste julgamento extra petita quando se empresta
qualificação jurídica diversa aos fatos narrados pelo requerente (STJ, REsp 1043163/SP, 3ª
T., j. 01.06.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.06.2010).
Petição Inicial 745
corrigir o valor oficiosamente (art. 292, § 3º do NCPC). A impugnação deve ser arguida
em preliminar de contestação (art. 293 do CPC/2015), diferentemente do que consta-
va do CPC/73, onde havia autuação em apenso do incidente de impugnação, com pro-
cedimento próprio (art. 261 do CPC/73). No CPC/2015 o juiz decide a matéria assim
que a preliminar for arguida.
Além das decisões mencionadas, entendemos como sendo correto o valor da causa,
exceção à restrição feita no texto: em embargos de terceiro, o do bem objeto de embar-
gos; na ação quanti minoris, o da indenização estimada pelo autor para compensar o va-
lor do efeito que impede a integral utilização do bem; na ação que versa sobre parte de
cotas de sociedade anônima, o valor desta parte das cotas; na ação de dissolução total
de sociedade, o montante do capital social, e não a parcela desse capital representado
pelas cotas dos sócios dissidentes da maioria social;17 na ação de sonegados, o valor do
bem que se deseja seja restituído ao acervo hereditário para posterior sobrepartilha; na
ação declaratória, o valor da relação jurídica cuja existência se quer afirmar ou negar;18
na execução, o do título; já nos embargos à execução, o valor será o do benefício eco-
nômico visado pelo embargante.
O inc. VI do art. 319 do CPC/2015 estabelece a obrigatoriedade de o autor indicar
as provas que pretende produzir durante o processo. É suficiente a indicação das provas
que serão produzidas, dispensando-se a especificação da identidade das testemunhas.
O STJ consolidou o entendimento, à luz do CPC/73, de que o protesto geral, por to-
dos os meios de prova em direito permitidos, é válido.19 A posição, embora não ortodoxa,
torna “flexível” a exigência do inc. VI do art. 282 do CPC/73, cuja redação é equivalente
ao disposto no art. 319, VI, do CPC/2015. Com isso, posterga-se para o saneamento o
momento determinante para o requerimento de produção de provas.
Do CPC/2015 extrai-se que audiência prévia de conciliação ou mediação de que trata
o art. 334 do CPC/2015 é de designação obrigatória,20 sendo requisito da petição inicial
a manifestação do autor sobre seu interesse ou não na realização da audiência prelimi-
nar (art. 319, VII, CPC/2015). Em verdade, o que o CPC/2015 exige é que, optando pela
17. STJ, 4ª T., REsp 605.325/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 12.09.2006, DJ 02.10.2006.
18. STJ, 2ª T., REsp 734.029/RS, rel. Min. Castro Meira, j. 06.09.2005, DJ 03.10.2005, p. 220; 3ª
T., REsp 702.409/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.02.2006, DJ 20.02.2006, p. 335; 2ª T.,
AgRg no REsp 1.534.174/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 18.08.2015, DJe 25.08.2015.
19. “1. O requerimento de provas divide-se em duas fases: (i) protesto genérico para futura es-
pecificação probatória (CPC, art. 282, VI); (ii) após eventual contestação, quando intimada
a parte para a especificação das provas, que será guiada pelos pontos controvertidos na
defesa (CPC, art. 324). (CPC, art. 324). (...)” (STJ, 4ª T., AgRg nos EDcl no REsp 1.176.094/
RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.06.2012, DJe 15.06.2012).
20. Essa obrigatoriedade é, no entanto, alvo de crítica e de interpretação diversa por Ana Candida
Menezes Marcato (Audiência de conciliação ou mediação do art. 334 do NCPC: facultativa
ou obrigatória? Afronta à voluntariedade da mediação? In: Cianci, Mirna et. al. (coord.).
Novo código de processo civil: impactos na legislação extravagante e interdisciplinar. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 41-49), que analisa a questão à luz do princípio da voluntariedade
da mediação.
Petição Inicial 747
não realização de referida audiência, o autor se manifeste na inicial; caso contrário, não
havendo oposição, e sendo admissível a autocomposição, o juiz designará a audiência.21
Com o intuito de deixar inequívoco o intuito do autor de propor ação contra o réu,
o CPC/73 estipulava a necessidade do requerimento da citação do réu (art. 282, VII, do
CPC/73). Essa disposição, no entanto, acaba por ser inócua por sua obviedade. Acerta-
damente, o Novo CPC excluiu essa exigência.22
É de se registrar, ainda, que o art. 330, § 2º do CPC/2015, estabelece um requisito
específico para a inicial, relativa aos litígios que tenham por objeto obrigações decor-
rentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil. Nos termos do dis-
positivo, “o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratu-
ais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso.” Dispõe,
ainda, o § 3º do aludido dispositivo, que, na hipótese do § 2º, o valor incontroverso de-
verá continuar a ser pago no tempo e modo contratados. Tais exigências merecem al-
guns apontamentos críticos.
Em primeiro lugar, como já assinalamos, o conteúdo do art. 330, § 2º, apresenta
feições de um requisito específico para determinadas petições iniciais. Sendo assim, te-
ria sido melhor não posicioná-lo no art. 330 do CPC/2015. Em verdade, o que está dis-
posto nesse parágrafo é uma exigência a ser cumprida e conferida antes do ato judicial
previsto no próprio caput do art. 330 do CPC/2015, ou seja, o indeferimento da inicial.
Seria mais adequado que o novo dispositivo figurasse mais como um inciso ao art. 319,
uma vez que dispõe sobre o conteúdo essencial da petição inicial.
O artigo, por outro lado, foi inserido no CPC com redação que pode dar azo a dúvi-
das. O texto é expresso em exigir que o autor, nos casos específicos de que trata o dis-
positivo, discrimine qual o valor incontroverso do débito e quais obrigações pretende
controverter. Isso pode significar que o titular de uma pretensão em face de instituição
financeira – e o artigo trata justamente dessas situações, abrangendo contratos de em-
préstimo, financiamento ou de alienação de bens – deva, obrigatoriamente, deduzir, além
daquilo que pretende, aquilo que não pretende, fugindo, de certa forma, à lógica proces-
sual civil tradicional. Ademais, a correta delimitação do objeto da lide é, desde sempre,
um requisito da petição inicial (art. 282, IV, do CPC/73 e art. 319, IV, do CPC/73), não
se mostrando necessário que o autor decline, expressamente, quais obrigações não se-
rão discutidas, cabendo ao réu deduzir essas questões como matéria de defesa.
21. Nesse sentido: Leonardo Greco, Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, v. 2, p. 24; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil. Salvador: Podivm, 2015, v.
I (Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento), p. 555-556.
22. “O Código de 2015 não mais inclui o requerimento de citação do réu como requisito da
petição inicial, porque essa não é a única maneira de patentear a intenção do autor de instau-
rar em face do réu um processo judicial. Se o autor, mesmo não requerendo solenemente a
citação do réu, deixou expressa, por meio de todo o conteúdo de sua petição, a sua intenção
de promover um processo em face do réu, esse requisito foi preenchido, ainda que o autor
não tenha formalmente requerido a citação do réu (…). O importante é que da petição inicial
resulte, inequivocamente, o objetivo do autor de instaurar um processo judicial.” (Leonardo
Greco, Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. 2, p. 23).
748 Manual de Direito Processual Civil
Registre-se, ainda, que o § 3º do dispositivo contém regra de direito material civil já
existente no CC/2002, desnecessária, pois, sua inclusão no texto do CPC.
Por fim, o art. 320 do CPC/2015 estabelece a necessidade de se instruir a inicial
com os “documentos indispensáveis” à propositura da ação. Trata-se dos documen-
tos que a lei exige para a propositura da ação, como é o caso da procuração (art. 104,
com a ressalva do § 1º, do CPC/2015), bem como daqueles que se constituem em
prova legal23 do fato constitutivo do direito do autor, como é o caso da certidão de
casamento em ação de divórcio. Há, hipóteses em que a própria jurisprudência de-
fine documentos indispensáveis, consoante ocorre com as ações de repetição de
indébito de tributos que comportem por sua natureza, transferência do respectivo
encargo financeiro, em que a prova do status de contribuinte é considerada indis-
pensável à demonstração da legitimidade ativa (construção em torno do art. 166 do
CTN). 24 Naturalmente, se o autor não apresenta documento essencial à propositura
da ação, deve o juiz sinalizar essa falta, oportunizando emenda à inicial (art. 321 do
CPC/2015, adiante referido). 25 E, mesmo na hipótese de o juiz não se dar conta do
vício, prosseguindo o processo sem o documento inicial, tem-se entendido, à luz do
contraditório participativo (ou da cooperação) que o juiz permita a juntada, a qual-
quer tempo, do referido documento, desde que não se verifique prejuízo ao direito
de defesa do réu.26
18.7. Pedido
Tendo em vista ser o pedido definitivamente fixado na petição inicial – salvo a mo-
dificação do mesmo ou da causa de pedir, (que implica tratar-se de outro pedido) (v.
adiante) –, devemos analisá-lo, mais minudentemente. O seu estudo é feito, basicamen-
te, do ponto de vista do autor.
23. Adota-se aqui a expressão prova legal para designar a única prova que, de acordo com a lei
material, pode demonstrar determinado ato jurídico (cf. art. 406 do CPC/2015).
24. STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 596.463/PR, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 14.04.2015, DJe
23.04.2015.
25. Esse o entendimento consolidado à luz do art. 283 do CPC/73: “Nos termos do disposto no
art. 283 do Código de Processo Civil, o autor deverá apresentar com a inicial os documentos
indispensáveis à propositura da ação. Entretanto, se a parte não detiver a posse da referida
documentação, poderá o juiz requisitá-la, de ofício ou a pedido da parte, nos moldes do
art. 130 do CPC.” (STJ, 6ª T., AgRg no REsp 492.868/SP, rel. Min. Og Fernandes, j. 11.12.2012,
DJe 07.02.2013).
26. Veja-se, exemplificativamente: “Apelação cível. Ação de cobrança. Cotas condominiais. Réu
revel. Sentença de improcedência com fulcro no art. 269, I, do CPC. Irresignação do autor.
1. Apelante que não instrui a inicial com documento essencial à propositura da demanda. 2.
Princípio da Cooperação. A cooperação processual traduz-se na atuação do juízo visando
evitar a decretação de nulidades e, principalmente, a prolação do juízo de inadmissibilida-
de. 3. Princípios do devido processo legal e da economia processual. 4. Sentença anulada
para permitir ao autor a juntada do documento que comprove a propriedade do imóvel em
questão. Recurso Provido.” (TJRJ, 11ª Câm. Cív., Apel. 0480349-97.2012.8.19.0001, Des.
Rel. Fernando Cerqueira Chagas, j. 03.09.2014, DJ 08.09.2014, fls. 225/229).
Petição Inicial 749
que podem ser satisfeitos de mais de uma forma. A propósito, veja-se o exemplo, for-
necido por Leonardo Greco, da nocividade ao meio ambiente de determinada ativi-
dade, a qual pode ser reprimida por mais de um meio, seja pelo fechamento de uma
fábrica, seja pela substituição de insumos poluentes ou pela instalação de filtros nas
suas chaminés.27
Ainda, poderá haver formulação de pedido em ordem sucessiva (cumulação eventu-
al), em que o autor pede algo que deseja, em primeiro lugar; se, todavia, não puder ob-
ter esse algo, já terá formulado outro pedido – sucessivamente àquele – para que o juiz
o aprecie já na mesma sentença, tendo negado o pedido precedente.
Certamente, se puder atender positivamente ao primeiro pedido, o segundo, ipso
facto, estará prejudicado. Um exemplo é a hipótese de pedido de anulação de casamen-
to, que, se não atendido, habilitará o juiz a examinar o pedido de divórcio, outrossim,
formulado na mesma petição inicial. Nesta hipótese, o valor da causa reger-se-á pelo
art. 292, VIII, do CPC/2015.
Além de formular pedidos alternativos e subsidiários, é facultado ao autor a sim-
ples cumulação de pedidos independentes entre si e que reclamam, cada um, análise
individualizada pelo órgão julgador. Em verdade, cada pedido poderia ser veiculado
através de uma ação autônoma, motivo pelo qual fala-se aqui em verdadeira cumulação
de ações. As únicas exigências para que se possa cumular pedidos são: a) que os pedi-
dos sejam compatíveis entre si, até porque a incompatibilidade gera automaticamente
a inépcia da inicial (art. 330, § 1º, IV do CPC/2015, como veremos a seguir); b) que o
juiz seja competente para conhecer de todos os pedidos; e c) que o tipo de procedimen-
to escolhido seja adequado para todos os pedidos ou se os diversos procedimentos cor-
respondentes a cada pedido puderem ser reduzidos ao procedimento comum (art. 327,
§ 1º, I, II e III, e §2º, do CPC/2015).
Dispunha o CPC/73 que a exegese do pedido deveria ser restritiva (art. 293 do
CPC/73), de modo que, ressalvadas algumas poucas hipóteses legais e jurisprudenciais,
o juiz não poderia extrair da petição inicial nada além do pedido explicitamente formu-
lado pelo autor. O CPC/2015, diversamente, estabelece que os pedidos devem ser in-
terpretados no conjunto da postulação e de acordo com o princípio da boa-fé (art. 322,
§ 2º, do CPC/2015). Ainda assim, há que se ter cuidado, porquanto a natureza expressa
do pedido constitui a principal garantia, tanto à defesa do réu, como para a imparcia-
lidade do juiz.28
Assim, sem prejuízo daquilo que possa ser entendido como pedido extraído do
“conjunto da postulação” ou da interpretação conforme a “boa-fé”, a lei elenca algu-
27. Leonardo Greco, Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, v. II,
p. 13-14.
28. A propósito desse § 2º do art. 322, escreve Cássio Scarpinella Bueno (Novo código de pro-
cesso civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 240) que “representa verdadeiro desafio
para o dia-a-dia forense, que, com certeza, renderá ensejo a interessantíssimas discussões
não só sobre o que se pediu, mas também sobre o que se podia ou não ser julgado e, em
última análise, sobre o que transitou ou não transitou materialmente em julgado”.
Petição Inicial 751
mas hipóteses em que o juiz pode extrair algo a mais do pedido (pedidos implícitos).
De acordo com o § 1º do art. 322 do CPC/2015, compreendem-se no principal os juros
legais,29 a correção monetária30 e as verbas de sucumbência.31
Quando se tratar de obrigações periódicas (a serem periodicamente solvidas; de trato
sucessivo), “essas serão [todas] consideradas incluídas no pedido, independentemen-
te de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a
obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las”
(art. 323 do CPC/2015). Trata-se, pois, de conteúdo virtual do pedido, ex lege, neste
caso. Não cumprindo durante o curso do procedimento tais obrigações, o réu do pro-
cesso (isto é, o devedor), seja não pagando, seja não consignando, a sentença, as inclui-
rá na condenação, enquanto durar a obrigação. Significa isto: a) a sentença abrangerá
as prestações que se tenham vencido antes do início do processo, como as que vençam
durante o curso do processo e que não tenham sido pagas ou consignadas; b) ademais,
deverá condenar o devedor ao pagamento das que se vençam ulteriormente à própria
prolação da sentença, embora tais prestações, posteriores, somente sejam suscetíveis
de viabilizar execução quando dos respectivos vencimentos, e, se, então, forem inadim-
plidas. Nos casos da letra a, pode, desde logo, ser iniciada a execução; no caso da letra
b, há que se aguardar os respectivos vencimentos e inadimplementos, para após, tendo
por base a sentença (título judicial), promover-se a execução.
Tratando-se de obrigação indivisível, o pedido formulado por alguns credores apro-
veita àquele que não foi parte (art. 328 do CPC/2015), o qual poderá receber sua parte,
desde que, a final, sejam “deduzidas as despesas na proporção de seu crédito” (art. 328,
in fine). Para o conceito de obrigação indivisível, há que se ter presente a disciplina res-
pectiva (arts. 257 a 263, do Código Civil).
De modo diverso do que dispunha o CPC/73 em seu art. 287, o CPC/2015 não tra-
tou do chamado “pedido cominatório” como uma espécie de pedido implícito, que fu-
giria ao rigor da exigência de formulação expressa dos pedidos. Isso se deve, possivel-
mente, ao fato de que a cominação de sanção ao descumprimento de um dever, seja ele
referente à prática ou abstenção de um ato, não configura propriamente um pedido de
29. Assim também dispunha a parte final do art. 293 do CPC/73. Cf., ainda, a Súmula 254 do
STF, que diz: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial
ou a condenação”.
30. Assim já entendia a jurisprudência, à luz do CPC/73 (RT 537/158 e 171, 560/131; RJTJSP
61/50; JUTACivSP 72/93; STF, Juriscível 92/192; STJ, REsp 720.851/RS, 2ª T., j. 15.09.2005,
rel. Min. Castro Meira, DJ 10.10.2005, p. 335), que não dispunha expressamente sobre a
questão. A partir da vigência da Lei 6.899/1981, o direito à correção monetária passou a
decorrer de lei.
31. Em verdade, a condenação à verba sucumbencial deve ser fixada de ofício pelo juiz,
consoante se extrai dos arts. 82, §2º e 85, caput, do CPC/2015 (e já se extraía do art. 20 do
CPC/73). Por isso, entende Leonardo Greco (Instituições de direito processual civil. Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II, p. 17) não se tratar de pedido implícito, já que o autor
não pode voluntariamente excluir essas verbas (Instituições de direito processual civil. Rio
de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II, p. 17).
752 Manual de Direito Processual Civil
32. O art. 284 do CPC/2015, tal como o art. 251 do CPC/73, erra ao se referir a juiz e não a juízo.
33. Cf. STJ, CComp 127.109/AM, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, j. 26.06.2013,
DJe 01.07.2013; STJ, CComp 37.805/CE, 2.ª S., j. 23.06.2004, rel. Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ 01.07.2005, p. 362.
34. Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2008,
p. 164.
754 Manual de Direito Processual Civil
reunião de causas. A inclusão, feita pelo CPC/2015, da continência, por sua vez, resulta
da finalidade buscada pelo instituto e das mesmas razões invocadas ao ampliar o con-
ceito de conexão objetivando a reunião de causas.
Com efeito, o fato de o CPC/73 não ter dispositivos expressos como os arts. 55,
§ 3º e 286, III, do CPC/2015 não obstou a compreensão mais ampla do fenômeno co-
nexão, que passou a ser aplicado com o fito de evitar a prolação de decisões contra-
ditórias ou conflitantes. Já foi observado, em diversas oportunidades, que o risco de
decisões contraditórias constituía a própria razão de ser da reunião dos processos co-
nexos, sem que fosse necessária, para que se declarasse a conexão de causas, a estrita
identidade de pedidos ou causas de pedir. 35 O que o CPC/2015 fez foi eliminar qual-
quer dúvida sobre essa possibilidade de reunião quando haja risco de decisões con-
traditórias ou conflitantes.
Na distribuição, dever-se-á verificar se a petição inicial está acompanhada do ins-
trumento de mandato (art. 287 do CPC/2015), salvo nas hipóteses definidas nos incs.
I, II e III do mesmo artigo.
É, ainda, direito do advogado, da Defensoria Pública, do Ministério Público ou da
própria parte, o de fiscalizar a distribuição (art. 287 do CPC/2015), como, por outro
lado, qualquer erro, ou mesmo a própria falta de distribuição, há de ser corrigida ou de-
terminada, oficiosamente, pelo juiz, ou a requerimento (art. 288 do CPC/2015), para
que se supra a falha.
Também deverão ser registradas a reconvenção, intervenção de terceiro, ou qual-
quer outra hipótese de ampliação objetiva do processo, por ordem do juiz, que, neste
caso, atuará de ofício (v. art. 286, parágrafo único, do CPC/2015). Caso haja mais de
uma vara o registro dará lugar à distribuição.
Pelo registro ou pela distribuição o juízo se torna prevento, e é fixada a competên-
cia do juízo. Doutra parte, estabelece o CPC/2015 que o juiz, de ofício ou a requeri-
mento do interessado, corrige o erro ou compensa a falta de distribuição (art. 288 do
CPC/2015). Pode ocorrer que o despacho do juiz anteceda à distribuição (v.g., em caso
de urgência), a qual, todavia, em seguida, deverá ser feita, em havendo mais de um juí-
zo. Normalmente, porém, haverá registro e distribuição, ou só registro, quando houver
um só juízo e/ou um só escrivão, e, depois, ter-se-á o despacho.
Caso a parte autora, após a intimação na pessoa de seu advogado, não promova o
preparo do processo em até 15 (quinze) dias, será cancelada a distribuição (art. 290 do
CPC/2015), cancelando-se também os efeitos decorrentes do ajuizamento (art. 43 do
CPC/2015 e outros de índole civil, v.g., arts. 1.601, parágrafo único, e 560, do CC),36 pois
será havido como extinto o processo, sem resolução de mérito. Sob a égide do CPC/73,
o Superior Tribunal de Justiça havia consolidado o entendimento de que o prazo de 30
35. Cf. nossas Soluções práticas (pareceres). Volume I. São Paulo: RT, 2011, p. 683-684 e, ainda,
nosso Manual de direito processual civil, 16. ed., São Paulo: RT, 2013, Primeira Parte, item
105, p. 386.
36. Cf. arts. 345 e 1.185 do CC/1916.
Petição Inicial 755
37. Trata-se de julgado proferido em sede de julgamento de recursos repetitivos (STJ, REsp
1.361.811/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, j. 04.03.2015, DJe
06.05.2015.
38. Assim já se entendia à luz do CPC/73:“ (...) Nos termos dos arts. 284, caput e parágrafo único,
e 295, inciso VI, do CPC, o juiz não poderia extinguir o processo de imediato e sem a oitiva
do autor com base em irregularidades sanáveis, somente cabendo tal providência quando
756 Manual de Direito Processual Civil
não atendida a determinação de emenda da inicial.” (STJ, 4ª T., REsp 1.143.968/MG, rel.
Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.02.2013, DJe 01.07.2013).
39. Diversamente do CPC/73, o novo Código explicitou a necessidade de, proferida sentença
terminativa fundada em ilegitimidade ad causam ou falta de interesse processual, corrigir-se
o vício quando da nova propositura da ação. Como dissemos em nosso Manual de direito
processual civil (16. ed. São Paulo: RT, 2013, Primeira Parte, n. 21-B), a modificação proposta
oferece solução mais técnica e explícita quanto à necessidade de correção do defeito que
motivou a primeira ação, que coincide com a posição atual do Superior Tribunal de Justiça
no julgamento do EResp 160.850/SP, rel. Min. Edson Vidigal, rel. p/acórdão Min. Salvio de
Figueiredo Teixeira (Corte Especial, j. 03.02.2003, DJ de 29.09.2003, reafirmado em diversos
acórdãos ulteriores).
40. “Antes da decretação de qualquer invalidade processual, tem o órgão jurisdicional que colher
a impressão das partes a propósito da relevância da infração à forma apontada no processo.
Deve possibilitar às partes que influenciem a sua valoração do vício do ato processual.
Trata-se de evidente dever de consulta do juiz para com as partes. Semelhante postura evita
a surpresa, reforçando a confiança das partes no Estado-juiz, sobre estimular uma decisão
mais atenta às variegadas feições que eventualmente possa assumir o problema debatido em
juízo. Postura, aliás, que denota uma efetiva paridade na condução do processo pelo órgão
jurisdicional antes da assimétrica imposição da decisão. Qualquer decretação de invali-
dade processual sem o prévio diálogo com as partes é ineficaz dentro de um processo civil
de estrutura cooperativa”. (Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil (pressupostos
sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009, p. 121).
Petição Inicial 757
41. “A inicial só deve ser considerada inepta quando ininteligível e incompreensível, porém,
mesmo confusa e imprecisa, se permite a avaliação do pedido, há que se apreciá-la e jul-
gá-la” (STJ, REsp 640.371/SC, 1.ª T., j. 28.09.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 08.11.2004,
p. 184).“De acordo com a jurisprudência desta Corte, não há falar em inépcia da petição
inicial quando possível a identificação da narração dos fatos, das partes, do pedido e da
causa de pedir”. (STJ, 6ª T., AgRg no Ag 807.673/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
j. 05.05.2009, DJe 18.05.2009).
42. Uma análise concisa e acurada dessa alteração está presente em Fredie Didier, Será o fim
das condições da ação? Um elogio ao projeto do novo código de processo civil. Revista de
processo, vol. 197, jul. 2011, p. 256.
758 Manual de Direito Processual Civil
pena de a petição inicial ser considerada inepta (art. 330, § 2º do CPC/2015 já aborda-
do quando tratamos dos requisitos da petição inicial).
Essa exigência específica serve, sobretudo, para os titulares de pretensão em face de
instituição financeira, mormente em contratos de empréstimo, financiamento e de con-
tratos anexos à alienação de bens.43 Na realidade, se a correta identificação do objeto da
lide é desde sempre requisito da petição inicial (art. 319, III e IV do CPC/2015, como
vimos acima), o dispositivo apenas reforça que, para o específico caso de contratos de
revisão de empréstimos financeiros, o autor deve distinguir exatamente aquilo que pre-
tende do que não pretende, ou seja, as obrigações que não serão controvertidas. A novida-
de (do art. 285-B do CPC/73, reproduzida no citado art. 330, § 2º, do CPC/2015) conso-
lidou o que já há algum tempo a jurisprudência vem exigindo em casos dessa espécie.44
O momento do indeferimento ocorre justamente quando a petição inicial for recebida
pelo juiz. Parece que, efetiva e propriamente, indeferir a inicial no curso do processo (quando
ela já terá sido deferida) não seria a terminologia mais correta. Entretanto, embora não mais
com fundamento nos arts. 485, I, e 330, do CPC/2015, ao juiz é dado extinguir o processo
sem resolução de mérito por outros fundamentos (v.g., art. 485, IV, do CPC/2015, que se re-
fere à ausência de pressupostos de constituição e validade do processo, de que é exemplo a
petição inicial válida), pois, de regra, não há preclusão nem para as partes, nem para o juiz,
quanto às matérias constantes do art. 330, em si mesmas e intrinsecamente consideradas (e o
processo haverá de ser obstado, ainda que não mais sob forma de indeferimento da peça
exordial, principalmente por superação do próprio instante cronológico).45
Como já foi assinalado, cabe recurso de apelação contra a sentença que indefe-
rir a inicial (arts. 485, I c/c 1.009, do CPC/2015). Com a apelação do autor, deverá, se
for o caso o magistrado se retratar de sua decisão no prazo de cinco dias (art. 331 do
CPC/2015). Na negativa da reforma pelo juízo de primeiro grau, o juiz mandará citar46
43. Essa previsão já existia na Lei 10.931, de 02.08.2004, no seu art. 50, caput: “Art. 50. Nas
ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento
ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações
contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob
pena de inépcia”. Os §§ 1º ao 5º deste art. 50 contém regras de direito material relacionadas
com o assunto do caput.
44. Já há algum tempo esse entendimento vem sendo consolidado pela jurisprudência. Cite-se,
exemplificativamente, o enunciado n. 34 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambu-
co, exatamente neste sentido: “A petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do
contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas,
juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência
de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida”.
45. Cf. STJ, REsp 1.062.996/PR, 4ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09.03.2010, DJe
26.04.2010. Na doutrina, v. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da
sentença, 7. ed. São Paulo: RT, 2014, item 1.3.
46. Apesar de o código utilizar a expressão “citação”, segundo alguns, em boa técnica processual, o
que ocorre na espécie é a intimação do réu, a fim de informá-lo dos atos e termos de um processo
que, nitidamente, lhe favorece (art. 269 do CPC/2015).Tratar-se-ia de autêntico ônus processual,
sem maiores efeitos pelo descumprimento. Isso foi visto – à luz do CPC/73 – como uma falta
de técnica por Glauco Gumerato Ramos, Resolução imediata do processo, em Daniel Amorim
Petição Inicial 759
o réu para responder o recurso (art. 331, § 1º, do CPC/2015). Provida a apelação, o pra-
zo para apresentação de resposta, pelo réu, terá início à data da intimação da decisão do
retorno dos autos à origem (art. 331, § 2º, do CPC/2015). Se, todavia, não for interpos-
ta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.
Assumpção Neves [et al.], Reforma do CPC, São Paulo: RT, 2006, p. 394-395. Expõe: “Embora
fale a lei em ‘citação’, o mais correto será considerar que o réu será intimado para responder ao
recurso de apelação. O legislador não se pautou pela melhor técnica. Por definição do próprio
CPC, a citação é ato pelo qual se chama o réu a juízo para se defender (art. 213 do CPC). Ora,
se não foi preciso chamá-lo a juízo para se defender, tendo em vista que defesa nenhuma seria
necessária para a resolução imediata, qual a lógica de se proceder à ‘citação’ apenas para cumprir
um ônus processual tal como é o oferecimento de contrarrazões?”. O que nos parece, todavia, é
que o principal objetivo da citação é ligar o réu ao processo, porquanto a esse não estaria ligado o
réu, senão por esse ato (salvo comparecimento espontâneo). Em realidade, essa citação, prevista
no art. 331, § 1º, não se circunscreve, apenas, à finalidade de responder o recurso; a partir desse
ato de comunicação, o réu toma conhecimento e integra o processo, na condição de sujeito
passivo. Nesse sentido, nos manifestamos na 16ª edição de nosso Manual de direito processual
civil (São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte, item 93, p. 738), revendo posicionamento anterior.
47. Nesse sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, p. 371, onde se lê o seguinte:
“O juiz não está adstrito a julgar com base em referido dispositivo, podendo determinar a
citação do réu, por entender, por exemplo, que, apesar de haver precedentes similares do
próprio juízo, a situação específica se reveste de alguma peculiaridade, ou mesmo pode
ter havido mudança da posição precedente. Também não nos parece que o dispositivo em
questão deva ser aplicado nas hipóteses em que o entendimento do juízo se revele contrário
à posição do tribunal local e, com muito mais razão, quando essa incompatibilidade se
der com a orientação dos tribunais superiores”. Assim também, Luiz Guilherme Marinoni e
Sérgio Cruz Arenhart, para quem “não há qualquer lógica em admitir que o juiz possa julgar
conforme o que decidiu em casos idênticos quando o tribunal ao qual é vinculado já firmou
jurisprudência dominante ou editou súmula em sentido contrário” (Manual do processo de
conhecimento, 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 113).
48. “(...) Sentença liminar de improcedência. Art. 285-A do CPC. Necessidade de conformidade
com o entendimento do tribunal local e dos tribunais superiores. 1. Sentença de improce-
760 Manual de Direito Processual Civil
dência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC que, embora esteja em consonância com
a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem. 2. O art. 285-A
do CPC constitui importante técnica de aceleração do processo. 3. É necessário, para que
o objetivo visado pelo legislador seja alcançado, que o entendimento do Juiz de 1º grau
esteja em consonância com o entendimento do Tribunal local e dos Tribunais Superiores
(dupla conforme). 4. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ, 3ª. T., REsp 1.225.227/
MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.05.2013).
Petição Inicial 761
ta é o que possa constar de uma decisão, mas que não se terá colocado como necessário
para decidi-la. Curialmente, não se trata de hipótese de causas idênticas (inaplicável o
art. 337, § 2º), mas de causas em que os fundamentos se repetem, e os pedidos são seme-
lhantes (na terminologia da lei, casos idênticos).
Sobre esse tema, é preciso apontar que nem sempre é adequado que um provimento,
mesmo que a favor do réu ainda não citado, seja dado sem possibilidade de sua manifes-
tação nos autos. Diz-se isso por conta da noção de contraditório efetivo, estampada nos
arts. 9º e 10 do CPC/2015. No caso da improcedência liminar, se por exemplo a causa
de pedir for alterada a ponto de permitir a nova propositura da ação, apenas então o réu
terá oportunidade de falar em sua defesa; essa nova ação e o tempo despendido entre a
propositura da demanda original e a efetiva convocação do réu poderiam ser evitados,
caso o juiz, antes de determinar a improcedência liminar, oportunizasse o contraditório.
Assim como nos casos de indeferimento da inicial, quando da improcedência limi-
nar, o autor poderá apelar, e o juiz terá a faculdade de se retratar em cinco dias. Caso se
retrate, dará prosseguimento citando o réu para a defesa de mérito; do contrário, deter-
minará também a citação, mas para que apresente resposta à apelação, remetendo-a ao
tribunal para julgamento.
19
Audiência de Conciliação ou Mediação
1. Sobre esse tema, vide Thereza Alvim, O direito de família e o novo CPC. Revista do IBDFAM,
março de 2016.
2. Veja-se que o Capítulo I da Resolução trata “Da política pública de tratamento adequado
dos conflitos de interesses”.
3. Lei que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias
e sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração publica.
Audiência de Conciliação ou Mediação 763
tos. Passa-se, então, a aludir a uma política pública de incentivo e aperfeiçoamento dos
mecanismos consensuais de litígios.4
Nessa linha, tem-se a previsão da audiência de conciliação ou de mediação (art. 334
do CPC/2015).
4. Fala-se em Tribunais Multiportas, em alusão à ideia de Frank Sander, segundo a qual as portas
correspondem a técnicas diversas de solução de conflitos, cada uma adequada ao tipo de
problema apresentado. Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução
do tribunal multiportas. In: Rafael Alves de Almeida;Tania Almeida; Mariana Hernandez
Crespo(org.). Tribunal multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de
solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 30-32. Para uma distinção entre
a ideia original e sua implementação em terras brasileiras, sobretudo no que tange ao papel
do Judiciário, veja-se o seguinte trabalho: Stela Tannure Leal, Mediação e Judiciário no TJ-RJ:
caminhos e descaminhos da institucionalização. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal Fluminense: Niterói, 2016, p. 11 e ss.
5. Cf. Kazuo Watanabe, “Cultura da sentença e cultura da pacificação”. In:Achille Saletti.
(Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pelegrini Grinover. 1ª ed.. São Paulo: DPJ,
2005, v., p. 684-690.
6. Nesse sentido: Bruno Cavallone, Forme del procedimento e funzione della prova (ottant’anni
dopo Chiovenda), Rivista di diritto processuale, ano LX, Padova: Cedam, 2006, p. 417-432,
especialmente p. 422; Dierle José Coelho Nunes, Processo jurisdicional democrático. Uma
análise das reformas processuais. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74 e 98; Clarissa Diniz
Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os processos
civil e penal. Tese de doutoramento defendida na Universidade de São Paulo, orientador
Prof. José Rogério Cruz e Tucci, 2013, p. 47, 158 e ss.
764 Manual de Direito Processual Civil
renças entre uma e outra modalidade de auxílio para eventual autocomposição, o que
está previsto no art. 165, §§ 2º e 3º: “§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente
nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções
para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou inti-
midação para que as partes conciliem. § 3º O mediador, que atuará preferencialmen-
te nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará os interessados
a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo
restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais
que gerem benefícios mútuos”.
O réu será citado, via de regra, não para apresentar defesa (como ocorria no
CPC/1973), mas para comparecer à audiência de conciliação (art. 303, II, do CPC/2015).
A partir da sua citação, poderá apresentar em petição simples sua manifestação pelo
desinteresse na audiência, com até dez dias de antecedência. Já o autor deverá indicar
na petição inicial seu desinteresse na autocomposição (art. 334, § 5º, do CPC/2015).
A forma como estão dispostas estas regras, e sua respectiva interpretação literal,
parece evidenciar que, se ambas as partes não se manifestarem pela não realização da
audiência esta ocorrerá. A oportunidade de soluções amigáveis dos conflitos incluiria a
presunção legal de que em qualquer conflito de interesse, no qual se discutam direitos
suscetíveis à autocomposição, se ambas as partes não se opuserem de forma expressa,
há potencial interesse em conciliar.
De certa maneira, não deixa de ser curiosa a opção legislativa que parece obrigar
uma parte, relutante, a dirigir-se à audiência que tem como objetivo chegar a uma so-
lução consensual.7 Entretanto, parte da doutrina, como nós, defende, desde já, a inter-
pretação do dispositivo no sentido de que se uma das partes manifestar desinteresse na
conciliação, a audiência não deve ser designada.8-9
7. A essa conclusão chegou, também, Cassio Scarpinella Bueno. Manual de direito processual
civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 272; No mesmo sentido, Ana Candida Menezes Marcato
(Audiência de conciliação ou mediação do art. 334 do NCPC: facultativa ou obrigatória?
Afronta à voluntariedade da mediação? In: Mirna Cianci et. al. (coord.). Novo código de
processo civil: impactos na legislação extravagante e interdisciplinar. Vol. 1. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 41– 49), que analisa a questão à luz do princípio da voluntariedade da
mediação.
8. Por todos, ver o seguinte trecho: “Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo ‘ambas’,
deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se rea-
lizará se qualquer das partes manifestar, expressamente, seu desinteresse na composição
consensual. (...) É que um dos princípios reitores da mediação é o da voluntariedade, razão
pela qual não se pode obrigar qualquer das partes a participar, contra sua vontade” (Ale-
xandre Freitas Câmara. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 199). No
mesmo sentido: José Miguel Garcia Medina, Direito Processual Civil Moderno. São Paulo:
Ed. RT, 2015, p. 534; Cassio Scarpinella Bueno. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed.
Volume único. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 295.
9. Em sentido contrário: Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 56ª
ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 779; Luiz Guilherme Marinoni, Novo curso de
processo civil. Vol. II: Tutela dos direitos mediante procedimento comum, São Paulo: Ed. RT,
Audiência de Conciliação ou Mediação 765
2015, p. 174; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 624-625, bem como o enunciado 62 da Enfam (Escola Nacional de Formação
de Magistrados): “Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização
da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a
manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa
de que trata o art. 334, § 8º.”
766 Manual de Direito Processual Civil
não da parte contrária (art. 334, § 8º do CPC/2015). Há aplicação de multa sempre que
não houver motivo de força maior ou considerado motivo justo, pelo juiz.
Vejamos que a audiência de conciliação ou mediação é realizada pela figura do
conciliador ou mediador (v. arts. 165 a 175 do CPC/2015), fora do ambiente propria-
mente judicial (art. 165 do CPC/2015 se refere aos centros judiciários de solução consen-
sual de confitos) e em caráter estritamente confidencial (art. 166, caput e §§ 1º e 2º do
CPC/2015), mediante expressa admissão da aplicação de técnicas negociais (art. 166,
§ 3º, do CPC/2015), sem que tais estratégias possam, posteriormente, vir a ser inter-
pretadas como admissão de fatos ou reconhecimento de direitos. Examinando-se os
dispositivos relativos à audiência de conciliação ou mediação verificamos que, nesse
passo, usou o legislador outra forma de buscar a mencionada mudança de mentalidade
sobre os meios de autocomposição, sob a perspectiva do estímulo e, não, da coerção.
Além disso, o conciliador ou mediador deve ser capacitado e estar inscrito em cadas-
tro nacional e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, nos
termos da lei processual (art. 167) e em conformidade com parâmetro curricular defi-
nido pelo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça (art. 167, § 1º, do CPC/2015).
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao momento da audiência de conci-
liação ou de mediação, que é designada após o recebimento da petição inicial e antes
do prazo para a apresentação de resposta pelo réu. Nesse ponto do processo, ainda não
terá sido instaurado propriamente um litígio com argumentos contrapostos. Verifica-
-se aqui, o aspecto positivo de evitar o ambiente beligerante que pode surgir ao longo
do processo, reunindo as partes para uma tentativa de solução consensual já de início,
embora haja quem se manifeste criticando o momento de realização da audiência.10
19.3. Procedimento
Consoante já assinalamos, estabelece o CPC/2015 que a condução da audiência
deve ser feita pelos mediadores e conciliadores (art. 334, § 1º), dispensado o juiz dessa
tarefa. Não se trata de “aliviar” a carga de trabalho do juiz, mas de evitar que o julgador
da causa tome contato com as partes no ambiente de composição amigável, que é ines-
capavelmente sujeito a alegações e negociações entre as partes que fogem ao objeto do
processo. Muito frequentemente, a dinâmica da audiência de conciliação ou de media-
10. “O ambiente propício para a negociação ou o acordo não se forma necessariamente no mo-
mento processual agendado para a audiência preliminar ou para a audiência de conciliação
ou mediação, parecendo-me que, enquanto as partes não colocam todas as provas, não são
capazes de avaliar as probabilidades de vencer ou de perder, indispensáveis para estimulá-las
ou não à negociação. Sou mais favorável a uma conciliação conduzida paralelamente ao
andamento do processo judicial do que à realização dessa tentativa em um momento deter-
minado do processo. A tentativa de conciliação no curso do processo pode transformar-se
em um pretexto para retardar o andamento ou a solução do processo judicial. Quem acha
que tem razão, deve ter o direito de alcançar com celeridade o provimento jurisdicional de
tutela do seu direito material.” (Leonardo Greco, Instituições de processo civil. Introdução
ao direito processual civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, capítulo 1, item 1.3.4,
p. 23).
Audiência de Conciliação ou Mediação 767
ção é mais emotiva que racional ou jurídica. Serão levados em consideração, pelas par-
tes, questões pessoais e até fatos que podem servir de barganha, de estratégia entre elas
para alcançar uma solução consensual ao caso. Vige o princípio dispositivo, em sua es-
sência, e também os imperativos da confidencialidade e da informalidade (art. 166 do
CPC/2015). Quer-se, aqui, manter a discussão sobre o mérito protegido para que seja
apreciada por um sujeito imparcial – o juiz, na eventualidade de não se chegar a um
acordo na conciliação ou mediação.
Para dar cumprimento ao que foi dito acima, o próprio CPC/2015 estabelece como
auxiliares da justiça as figuras do conciliador e do mediador (art. 165), que devem res-
peitar o sigilo das informações que são trocadas entre as partes na audiência de conci-
liação ou de mediação (art. 166, § 1º).
Poderá haver mais de uma sessão de audiência, se a primeira não for suficiente para
se alcançar a composição amigável (art. 334, § 2º). O CPC/2015, de fato, estimula esse
tipo de comportamento, em detrimento de soluções dadas pelo Poder Judiciário – que,
no entanto, ocorrerão sempre que não houver acordo. O desdobramento da audiência
em várias sessões é prática muito comum quando se cogita da mediação. Por ser a me-
diação um instrumento considerado mais adequado ao tratamento de conflitos presen-
tes em relações de natureza continuada, que demandam a implementação de soluções
harmoniosas para a convivência futura das partes, exige maior aprofundamento nas re-
lações preexistentes ao conflito, bem como maior sensibilidade por parte do mediador
na tentativa de alcançar a justiça coexistencial.
Apesar da relativa liberdade concedida ao conciliador e ao mediador no que diz
respeito ao tempo e aos prazos da audiência, há um limite máximo de 60 dias entre a
realização da primeira e da última sessão (art. 28 da Lei 13.140/2015, que revogou o
art. 334, § 2º, do CPC/2015), o que indica que o legislador não se descurou da preo-
cupação com a duração razoável do processo. Há também uma limitação mínima de
20 minutos de duração das sessões de audiência isoladamente consideradas (art. 334,
§ 12, do CPC/2015).
Há necessariamente o acompanhamento das partes por advogado (art. 334, § 9º,
do CPC/2015), e as partes podem constituir representante com poderes para transigir
(art. 334, § 10, do CPC/2015).
Se houver acordo, este será reduzido a termo e homologado por sentença, sobre a
qual recairá autoridade de coisa julgada. Se, pelo contrário, não houver autocomposi-
ção, o dia útil seguinte ao da última sessão de audiência será o primeiro do prazo para
apresentação de contestação.
20
Resposta Do Réu
20.1. Resposta e outras possíveis reações do réu diante da ação proposta pelo
autor
O réu pode responder à ação proposta pelo autor de duas formas: apresentando
defesa e ou reconvindo. No CPC/15, todas as defesas, bem como a reconvenção (ação
proposta pelo réu contra o autor, no mesmo processo que a ação originária), são apre-
sentadas na peça de contestação.
No CPC/1973, a contestação e a reconvenção eram apresentadas em peças autôno-
mas, já que, substancialmente, diferem em seu conteúdo. A simplificação do CPC/15,
entretanto, elimina esse formalismo. Ainda assim, é importante diferenciar: substan-
cialmente, a contestação é a peça de defesa do réu; já a reconvenção não contém uma
defesa, senão que uma nova ação, proposta pelo réu contra o autor. O fato de se encon-
trarem, ambas, na mesma peça processual, não modifica sua natureza jurídica: tanto
a contestação como a reconvenção são modalidades de resposta do réu, ainda que só
a primeira configure uma defesa propriamente dita; enquanto a segunda se relacio-
na com verdadeiro exercício do direito de ação por provocação do réu, que formula
pedido de tutela jurisdicional contra o autor, ampliando os limites objetivos da rela-
ção jurídica processual, que passa a ter duas ou mais lides. Algumas vezes, ademais,
implicará a reconvenção também na ampliação dos limites subjetivos da relação ju-
rídica processual, quando o réu propor a reconvenção em face do autor e de terceiro
(art. 343, § 3º do CPC/2015).
No CPC/1973, algumas defesas eram apresentadas fora da peça de contestação. Isso
ocorria com as arguições de incompetência relativa, de suspeição e de impedimento –
enquadradas nas exceções previstas nos arts. 304 e ss. do CPC/1973 – com a impugna-
ção ao valor da causa (art. 261, CPC/1973) e com a impugnação à assistência judiciária
(art. 4º, § 2º, da Lei 1.060/1950, mantido pelo CPC/1973 e revogado pelo art. 1.072, III,
do CPC/2015). Todas essas defesas, que eram autuadas em separado à luz do CPC/73,
compõem a peça contestatória do CPC/2015.
O réu se abstendo quanto ao ônus de apresentar contestação (no sentido substan-
cial), dá ensejo à revelia que tem como principal efeito, em regra, a presunção de serem
verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, salvo as exceções do art. 345 do CPC/2015,
Resposta Do Réu 769
1. Sobre o assunto, v. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo:
Ed. RT, 1977.
2. Diz-se via de regra tendo em vista as excepcionalidades previstas no próprio Código, tais
como os prazos em dobro para litisconsortes com procuradores diferentes, de escritórios de
advocacia distintos (art. 229 do CPC/15), para o Ministério Público (art. 180 do CPC/15), para
a Fazenda Pública (art. 183 do CPC/15) e para a Defensoria Pública (art. 186 do CPC/15).
3. No sentido de ser anti-isonômica tal disposição, entendendo que todos os réus deveriam ter
o mesmo prazo para contestar a partir do conhecimento do fato de que não haverá audiência
de conciliação, pelo protocolo do ultimo pedido de cancelamento, cf., Leonardo Greco,
Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, vol. II, p. 50.
770 Manual de Direito Processual Civil
20.4. Contestação
20.4.1. Função processual da contestação e ônus da impugnação especificada
dos fatos
O réu, contestando o mérito, ou seja, o pedido formulado pelo autor, não enrique-
ce ou aumenta juridicamente a lide, ou, segundo terminologia também difundida en-
tre nós, o objeto litigioso.5 Todavia, deve impugnar especificamente os fatos (ônus da
impugnação específica), sob pena de incidir o art. 341, caput, do CPC/2015, que esta-
belece a presunção de veracidade dos fatos não impugnados.
Ressalvemos, contudo, as exceções expressamente previstas nos incisos I, II e III
do referido artigo, quais sejam: se não for admissível, a respeito dos fatos alegados pelo
autor, a confissão; se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público
que a lei considera da substância do ato; e, finalmente, se os fatos alegados pelo autor
estiverem em contradição com a defesa em seu conjunto. Ainda, de acordo com o pa-
rágrafo único do art. 341, a regra quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos
não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.
Esse rol de exceções, previsto nos incisos e parágrafo único do art. 341 do CPC/2015,
não pode ser considerado exaustivo. Há outros fatos que, conquanto não impugnados
pelo réu, não podem ser considerados verdadeiros. Constituem exemplos de tais hipó-
teses os fatos inverossímeis6-7 e os fatos contrários a fatos notórios,8 pela razão de que o
juiz não poderá presumir verdadeiros fatos manifestamente contrários à racionalidade
lógica ou às regras da experiência.9 Tal implicaria a possibilidade de julgamento mani-
festamente contrário a verdade dos fatos, por aplicação de presunção relativa que, no
caso concreto, revela-se artificial e desconectada da realidade.
Se o réu apresenta defesa no sentido de formular nova versão dos fatos que envol-
vem a lide, ou mesmo de negar sua eficácia jurídica, não há que se aplicar a presunção
de veracidade, porquanto terá sido cumprido o ônus da impugnação específica.
De outra parte, em face do art. 341, caput, 2.ª frase, do CPC/2015, os fatos não im-
pugnados se presumem verdadeiros, e não há, portanto, necessidade de produção de
provas, impondo-se, como regra geral, o julgamento antecipado da lide. Os fatos não
impugnados, assim, sendo suficientes para tornar crível o que alegou o autor, podem levar
à procedência da ação, se o pedido tiver respaldo no ordenamento jurídico.
5. Cf. Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, São Paulo: José Bushatsky,
1976, p. 136.
6. Veja-se que o próprio CPC/15 (art. 345, IV), afasta a presunção de veracidade dos fatos in-
verossímeis não contestados pelo réu quando trata dos efeitos da revelia. Por identidade de
razão, a eles não se pode aplicar a presunção de veracidade decorrente do descumprimento
do ônus da impugnação específica.
7. Sobre o tema, cf. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., 2013, p. 446-447.
8. Leonardo Greco (Instituições de processo civil, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, vol. II,
p. 60) exemplifica a hipótese com a narrativa de um autor que, na causa de pedir, alega ter se
encontrado com o réu numa loja num centro comercial de São Paulo aos 25 de dezembro,
data em que o comércio não funciona normalmente. Trata-se de fato que contraria outro,
notório, porque indiscutível dentro de determinada comunidade, e que, por isso, não merece
ser presumido verdadeiro, devendo ser comprovado pelo autor.
9. De acordo com esse entendimento: Teresa Arruda Alvim Wambier; Maria Lúcia Lins Con-
ceição et. al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil (artigo por artigo),
São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 342.
772 Manual de Direito Processual Civil
Mas a regra firmada no art. 341 do estatuto processual – à qual a lei chama de pre-
sunção de veracidade dos fatos não impugnados –, não impede o juiz de analisar os fatos
alegados, bem como a prova trazida pelo autor, à luz do princípio da persuasão racional
(art. 371 do CPC/2015 – a ser analisado no âmbito do direito probatório).10
A contestação, no mérito, contrapõe-se à essência da petição inicial, sob um ou dois
aspectos: 1º) juridicamente, será sempre contrária à inicial, pois, se não o fosse, contes-
tação deixaria de ser; 2º) a sua conclusão jurídica contrária (pelo menos praticamente)
à inicial poderá também ser antecedida de um relato de fatos diversos dos constantes
da inicial (art. 341) ou não, pois poderá haver concordância quanto aos fatos, total ou
parcialmente,11 mas, haverá sempre de expressar discordância quanto às consequências
jurídicas que se pretende sejam deles extraídas.
10. STJ, 3ª T., AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp 634.841/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
j. 05.05.2015, DJe 19.05.2015.
11. V. O nosso Direito processual civil: teoria geral do processo de conhecimento, São Paulo:
Ed. RT, 1972, vol. I/117 e ss., vol. II/218 e ss.
Resposta Do Réu 773
12. Nesse ponto, é interessante perceber a modificação em relação ao CPC/73. Naquele código,
apenas a incompetência absoluta era tratada como questão preliminar ao mérito, enquanto
a relativa dava causa à instauração de um incidente, ou uma exceção processual (art. 112
do CPC/73). A unificação do meio de arguir as espécies de incompetência deu-se com o
intuito de simplificar o procedimento para a sua declaração (art. 64 do CPC/15). Este ponto
será melhor tratado logo adiante.
13. Também essa questão, no CPC/73, era alegável por incidente processual próprio (art. 261
do CPC/73).
774 Manual de Direito Processual Civil
Se existir causa prejudicial, deverão as implicações respectivas ser, desde logo, tra-
zidas ao juiz, seja uma causa prejudicial penal já pendente, o que poderá levar ao sobres-
tamento da causa civil (art. 315 do CPC/2015), seja uma prejudicial de índole também
civil (art. 313, V, a e b, do CPC/2015), o que deverá implicar a suspensão do processo
cuja relação jurídica depende da outra (a prejudicial), e em que tenha sido suscitada a
questão prejudicial.
Há uma novidade interessante, quanto às matérias preliminares, trazida pelo
CPC/2015, especificamente no que diz respeito ao réu alegar não ser ele parte legíti-
ma para figurar no polo passivo da ação (art. 338 do CPC/2015). Em primeiro lugar, o
art. 339 CPC/2015 ordena que o réu indique, quando tiver conhecimento, quem deve-
ria ter sido acionado em seu lugar e, caso o autor aceite essa substituição, deverá alterar
a petição inicial em quinze dias (art. 339, § 1º, do CPC/2015). Trata-se, na realidade, de
um alargamento e de uma simplificação do que era a nomeação à autoria no CPC/1973
(arts. 62 a 69 daquele código). A nomeação era tratada como espécie de intervenção de
terceiro, o que é equivocado, pois em verdade é caso de correção do polo passivo; isto
foi adequado no CPC/2015. Além disso, a indicação do verdadeiro legitimado caberá em
qualquer hipótese, não apenas quando o demandado “detiver a coisa em nome alheio”
– por isso a maior abrangência do instituto. O autor reembolsará o réu quanto às des-
pesas deste em função da sua equivocada participação no processo (art. 338, parágrafo
único, do CPC/2015), porém se o réu tiver conhecimento de quem é o legitimado pas-
sivo e não o indicar, arcará com os prejuízos decorrentes desta não indicação (art. 339,
caput, do CPC/2015). Dessa forma, evita-se a extinção do feito e a propositura de nova
ação, sempre que for possível aproveitar os atos já praticados.
também para os casos em que o processo tramita num estado brasileiro diverso daque-
le onde o réu deveria ter sido demandado.
Caso a alegação de incompetência seja acolhida os autos serão remetidos ao juízo
competente (art. 64, § 3º, do CPC/2015); caso contrário, continuarão no próprio juízo.
Há, ainda, hipótese de modificação da competência que pode ser alegada como in-
competência relativa, quando as partes tiverem convencionado cláusula de eleição de
foro (art. 63 do CPC/2015). Antes da citação do réu, o juiz pode, de ofício julgar abusiva
a cláusula, determinando a remessa dos autos ao juízo do domicílio do réu (art. 63, § 3º,
do CPC/2015). Uma vez citado, cabe ao réu alegar a possível abusividade da cláusula no
mesmo prazo da contestação, “sob pena de preclusão” (art. 63, § 4º, do CPC/2015). Não
alegada a abusividade, considera-se inexistente qualquer vício maculando o contrato,
o que significa dizer que a cláusula de eleição foi considerada válida e eficaz. Nesta hi-
pótese, a lei determina a manutenção da vontade das partes, ou seja, deverá prevalecer
a competência do foro eleito no contrato. Assim, é correto afirmar que existiam, desde
o início, dois foros concorrentemente competentes para o julgamento da lide.
Salientamos não ser tecnicamente correto – ou, ao menos, que não se coaduna com
o sistema da competência relativa em relação a vício aí existente – dizer que havia um
vício e que pelo silêncio do magistrado e do réu o mesmo foi sanado. O que ocorre, na
verdade, é que tanto o juiz quanto o réu consideraram válida e eficaz a cláusula de elei-
ção de foro. Se a cláusula foi considerada válida e eficaz, não havia vício e, de rigor, nada
havia propriamente a prorrogar. Tratou-se de foro concorrente e validamente pactuado
em cláusula contratual. De fato, apesar de o art. 65 do CPC/2015 afirmar que há a pror-
rogação da competência, isso não é bem o que acontece, pois o juiz era desde o início
competente, por meio da válida e eficaz cláusula de eleição de foro.14
Aliás, o direito privado pauta-se pela autonomia da vontade, permitindo que as par-
tes optem por eleger, em seus contratos, o foro que melhor lhes convenha. Desse modo,
não existindo nenhum prejuízo para o direito fundamental de defesa do réu, é tida como
legítima a cláusula de eleição de foro.
Como já assinalamos, no CPC/2015 não há exigências formais específicas para a
alegação de incompetência relativa; diversamente, o CPC/1973 exigia a arguição em
peça separada, denominada exceção de incompetência, que seria autuada em apenso
(arts. 304 a 307 do CPC/1973). Ainda assim, substancialmente a incompetência relati-
va difere da absoluta, devendo esta ser conhecida de ofício e suscitada a qualquer tempo
(art. 64, § 1º, do CPC/2015). Já a competência relativa não deve ser apreciada oficiosa-
mente (art. 337, § 5º do CPC/2015), ressalvado o caso da cláusula de eleição de foro co-
mentado acima. Ao lado disso, a incompetência relativa se sujeita, sempre, à preclusão
(arts. 63, § 4º e 65 do CPC/2015), o que não acontece com a absoluta, suscetível de ser
arguida até mesmo em ação rescisória (art. 966, II, do CPC/2015).
14. José Manoel de Arruda Alvim Netto, Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006. In: Terceira
Etapa da Reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Ministro José
Augusto Delgado. Salvador: Jus Podivm, 2007.
Resposta Do Réu 777
15. Para um conceito de cada uma dessas categorias, cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de
direito processual civil, tradução da 2ª ed. por J. Guimarães Menegale, 3ª ed. brasileira, São
Paulo: Saraiva, 1969, vol. I, p. 7-9.
16. “Agravo no agravo de instrumento. Previdenciário. Administrativo. Processual civil. Con-
testação. Princípio da eventualidade. Preclusão consumativa. 1. Conforme o princípio da
eventualidade, compete ao réu, na contestação, alegar todas as defesas contra o pedido
778 Manual de Direito Processual Civil
do autor, sob pena de preclusão. 2. In casu, matéria somente ventilada na apelação, não
se tratando de matéria de ordem pública, opera-se a preclusão. 3. Agravo regimental a que
se nega provimento.” (STJ, 6ª T., AgRg no Ag 588.571/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina
(desembargador convocado do TJ/RS), j. 21.06.2011, DJe 01.07.2011. Assim também:
STJ, 3ª T., EDcl no AgRg no REsp 1504986/SC, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 16.06.2015, DJe
26.06.2015.
17. Cf., no mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero
(Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo:
Ed. RT, 2015, vol. 2, p. 180), para quem “a regra da eventualidade constitui uma densifica-
ção do direito fundamental à segurança jurídica processual, na medida em que visa evitar
surpresas ao longo do seu desenvolvimento”.
18. Sobre a classificação das questões arguidas pelo réu, cf. Thereza Alvim, Questões prévias e
limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Ed. RT, 1977 capítulos III-VI, p. 11-30.
19. Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (op. cit., p. 180), a
defesa incoerente viola os deveres de boa-fé e veracidade (art. 5º do CPC/15), com o que,
via de regra, concordamos. Há que se ter presente, todavia, o largo espectro de possibili-
dades de atuação das partes, sem que seja possível generalizar sem risco de incorrer em
equívocos. O próprio exemplo por nós fornecido no texto, de defesas incoerentes, quais
sejam, as alegações de inexistência de contrato e pagamento das parcelas, será infeliz se o
pagamento alegado tiver sido realizado pela via da compensação.
20. STJ, 1ª T., AgRg no REsp 935.051/BA, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.09.2010, DJe 30.09.2010.
Resposta Do Réu 779
mais razão, aplicar-se-á tal entendimento, já que a reconvenção está inserida na própria
peça contestatória (art. 343 do CPC/2015).
Se não apresentada contestação, ter-se-á preclusão temporal e aplicação, eventual-
mente, dos efeitos da revelia (art. 344 cc art. 345, I a III, ambos do CPC/2015).
Poderá, entretanto, qualquer das partes fazer alegações concernentes a direito ou
fato superveniente, ou seja, aquele que tiver ocorrido após a contestação (art. 342, I, do
CPC/2015). Devemos observar que não precluirão as matérias que deva o juiz conhe-
cer de ofício (art. 342, II, do CPC/2015), bem como, se, por disposição expressa em lei,
puderem ser formuladas mesmo depois da contestação (art. 342, III, do CPC/2015),
v.g., a alegação de prescrição (art. 193, do Código Civil) ainda, nos casos dos incisos IV,
V, VI e IX do art. 485 (art. 485, § 3º, do CPC/2015), e, ademais, no caso de impedimento
(art. 144 do CPC/2015), para o qual a falta de alegação, no momento da contestação,
não faz com que haja preclusão, pois é assunto residente nos poderes oficiosos do juiz.
terá condições de praticar os atos processuais cujo prazo havia sido sobrestado – como
é o caso da contestação – a partir da data em que for intimada da referida decisão, no ju-
ízo para onde se remeteram os autos.21
Verificando ser improcedente a alegação de impedimento ou suspeição, o tribunal
rejeitá-la-á (art. 146, § 4º, do CPC/2015); acolhida a alegação, o tribunal remeterá os
autos ao substituto legal, condenando o juiz nas custas, se se tratar de impedimento ou
de manifesta suspeição (art. 146, § 5º, do CPC/2015).
Reconhecido o impedimento ou a suspeição, deverá o próprio tribunal fixar o mo-
mento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado (art. 146, § 6º, do CPC/2015) e de-
cretar a nulidade dos atos do juiz que tenham sido praticados quando já presente o mo-
tivo de impedimento ou suspeição (art. 146, § 7º, do CPC/2015).
Há uma distinção visível no texto do código entre suspeição e impedimento.22 Em
ambos os casos o juiz é tido como parcial no tratamento das partes, porém a suspeição
é gerada por elementos que se expressam em motivos eminentemente subjetivos, ao
passo que no impedimento os fatos são de caráter objetivo. O impedimento é mais fa-
cilmente identificável (mais nitidamente caracterizado) e, sendo mais grave, vicia até
mesmo a própria coisa julgada, dando fundamento e oportunidade à ação rescisória
(v. art. 966, II, do CPC/2015).
Embora o código não traga diferença de tratamento entre estes vícios, é de se enten-
der que enquanto a suspeição é arguível apenas no prazo disposto pela lei sob pena de
preclusão, o mesmo não ocorre com o impedimento, que pode ser alegado a qualquer
momento. Isso se dá em face de as hipóteses elencadas no art. 144 do CPC/2015 de im-
pedimento do julgador comprometerem de forma insanável a imparcialidade, pressu-
posto processual de validade da relação processual.
Assim, o juiz que deveria ter sido considerado suspeito mas não o foi em decorrên-
cia da não alegação da parte poderá decidir a lide, e sua sentença será plenamente vá-
lida, pois o vício se convalida pela preclusão. Por outro lado, o fato de haver preclusão
não inibe o próprio juiz de se dar por suspeito a qualquer tempo.
Quando o Código confere ao juiz o direito de apresentar, dentro de 15 dias, as ra-
zões pelas quais discorda de seu próprio impedimento ou suspeição, inclusive poden-
do arrolar testemunhas (art. 146, § 1º do CPC/2015), está obedecendo ao princípio do
contraditório, dando oportunidade a que o juiz se defenda. É de se notar quanto a isso
que, se houver dúvida quanto à suspeição ocorrente, deve o juiz dar-se por suspeito,
por ser a imparcialidade condição essencial à distribuição da justiça.
21. Era esse o entendimento adotado para a exceção de incompetência no CPC/73, plenamente
aplicável ao incidente de impedimento ou suspeição sob a égide do CPC/15. Cf. STJ, 4ª T.,
REsp 973.465/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.10.2012, DJe 23.10.2012.
22. Sobre a distinção entre impedimento e suspeição, v. José Manoel de Arruda Alvim Netto,
Código de Processo Civil comentado, São Paulo: Ed. RT, 1981, vol. VI, p. 56, 58-59, 91-93.
Resposta Do Réu 781
20.6. Reconvenção
O réu poderá, ao ensejo da sua resposta, reconvir ao autor, movendo contra o autor
uma ação de conhecimento.
O instituto da reconvenção, nova ação que é movida pelo réu contra o autor, no mes-
mo processo de conhecimento em que este propôs a sua contra o réu, gera cumulação
de ações. Na segunda ação, passa o réu a se denominar reconvinte e o autor reconvindo.
Sua admissibilidade enseja ao réu uma forma mais ampla, e transcendente da sua defe-
sa, a ponto de passar ao ataque.
O instituto da reconvenção inspira-se, essencialmente, no princípio da economia
processual, já que, na prática, o que há são duas ações contrapostas, conexas por con-
traposição e unidas procedimentalmente, havendo produção simultânea das provas e
debates conjuntos. A reconvenção também propicia um julgamento harmonioso das
causas contrapostas, tendo em vista a conexão – em sentido amplo – que, por lei, é ex-
pressamente admitida.
Prevê o art. 343, do CPC/2015 que “é lícito do réu propor reconvenção para mani-
festar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”
Ora, processos existem nos quais poderá haver risco de prolação de decisões conflitantes
ou contraditórias, caso sejam decididos separadamente, mesmo sem conexão estrito sen-
su entre eles (art. 55, § 3º, CPC/2015) razão pela qual a lei prevê julgamento conjunto.
Por outro lado, ao adotar o instituto da reconvenção, pode parecer que o código só
possibilitou seu uso havendo conexão em sentido estrito. Tal posicionamento, porém,
se nos afigura em desacordo com o artigo 55 do CPC/2015, citado, e afronta orientação
que parece defluir do sistema, qual seja, a de oferecer às partes soluções para os confli-
tos de interesse o mais amplamente possível, o que resulta inelutavelmente da qualidade
de coisa julgada material a recair sobre a decisão das questões prejudiciais, em determi-
nadas hipóteses e presentes certos requisitos, mesmo sem pedido expresso a respeito.
O pedido principal e a reconvenção serão julgadas conjuntamente, salvo na hipó-
tese de julgamento parcial de mérito; no CPC/1973 havia previsão expressa nesse sen-
tido (art. 318 daquele código), porém no CPC/2015 a mesma conclusão se extrai, eis
que a reconvenção é proposta nos autos do processo principal e em face do preceitua-
do no art. 55, que determina a reunião de ações conexas para julgamento simultâneo.
Os pressupostos processuais específicos da reconvenção assentam-se no princípio
de que é necessário haver compatibilidade entre a reconvenção e a ação, no sentido de
que ambas se desenvolvam harmonicamente, sem que a segunda possa entravar ilegi-
timamente a primeira. Podem-se enumerar como tais: a) o pressuposto da identidade
de rito comum, da compatibilidade entre os procedimentos, em caso de cabimento de
reconvenção em procedimento especial; b) a competência absoluta do juízo para julgar
ambas as causas; c) o pressuposto da utilização da reconvenção por quem seja parte prin-
cipal; d) a existência de processo pendente, e e) a conexão, em sentido lato, da reconven-
ção com a ação originária ou com fundamento da defesa (art. 55 e 343 do CPC/2015).
782 Manual de Direito Processual Civil
23. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 475.
24. STJ, 4ª T., REsp 147.944/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 18.12.1997, DJ 16.03.1998. Esse
julgado foi invocado para defender a desnecessidade da ampliação subjetiva em decisão
monocrática proferida pela Min. Maria Thereza de Assis Moura (STJ, AI nº 1.005.976 – SC
(2008/0017323-0), j. 05.09.2011).
Resposta Do Réu 783
25. Assim entendiam José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, Rio de Janeiro:
Gen-Forense, 2008, p. 44; Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 93; Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil,
5ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 471; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
Curso de processo civil: processo de conhecimento, 9ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2011, vol.
2, p. 147; Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, Curso avançado de processo civil:
teoria geral do processo e processo de conhecimento, 15ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2015, vol.
1, p. 507.
26. Cf. Cândido Rangel Dinamarco, (Instituições de direito processual civil, 6 ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 527-528), para quem “a admissibilidade da reconvenção subjetivamente
ampliativa é expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional, procurando
extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de fornecer.” Ver, ainda,
Heitor Mendonça Sica (O direito de defesa no processo civil brasileiro, São Paulo: Atlas,
2011, p. 293-295), com vasta argumentação, fundada, entre outros, na isonomia: se ao autor
é facultado litigar em litisconsórcio ou propor ação contra mais de um réu, da limitação da
demanda do réu, por conveniência da celeridade, ofenderia a paridade de armas.
27. Essa a posição de Fredie Didier Jr. et. alii., Curso de direito processual civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 11ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2009, vol, I, p. 494-
‑495.
28. Cf. Luis Guilherme Adair Bondioli, Reconvenção no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 109-114.
29. Cf., nesse sentido, a posição de Fredie Didier Jr. à luz do CPC/15: Fredie Didier Jr. e Paula
Sarno Braga, Ampliação subjetiva do processo e reconvenção (art. 344, §§ 4º e 5º, do Pro-
jeto de Novo CPC. In: Alexandre Freire, Bruno Dantas e outros (org.). Novas tendências do
processo civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil, vol. III, Salvador:
Jus Podivm, 2014, p. 41-44; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil: introdução
ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm,
2015, vol. I, p. 658-659.
784 Manual de Direito Processual Civil
30. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Ed. RT, 2015, vol. 2,
p. 186.
31. A jurisprudência consolidada à luz do CPC/73 confere certa margem de liberdade ao juiz para
a análise dos benefícios da reunião de causas conexas. É possível, devido à discrepância entre
os estágios processuais de duas causas conexas (v.g., se uma estiver na fase de citação e outra
já tiver sido instruída), que o magistrado opte pela tramitação independente. Nesse sentido:
“A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a reunião de ações conexas para
julgamento conjunto constitui faculdade do magistrado, pois cabe a ele gerenciar a marcha
processual, deliberando pela conveniência, ou não, do processamento e julgamento simul-
tâneo.” (STJ, AgRg no REsp 1204934/RJ, 1ª T., rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 14.04.2015,
DJe 23.04.2015). Também à luz do CPC/73, foi sumulado o entendimento segundo o qual “A
conexão não determina a reunião de processos, se um deles já foi julgado” (Enunciado 235
do STJ). O art. 55, § 1º do CPC/15 traz expressamente a ressalva correspondente à Súmula
235 do STJ, de modo que não há que se cogitar da reunião de causas conexas se uma já tiver
sido sentenciada. Quanto às demais situações, deverão ser analisadas pela jurisprudência,
que, certamente, deverá sopesar os valores mais caros para a sistemática processual: de um
lado, a celeridade na tramitação das causas e, de outro, a segurança e uniformidade nas
decisões sobre temas conexos.
Resposta Do Réu 785
32. Na doutrina (sob a égide do CPC/73): Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito
processual civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 521; Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2011, vol. II, p. 62. Na jurisprudência,
exemplificativamente: “O simples fato de a parte, por equívoco, ter apresentado a contes-
tação, a reconvenção, a impugnação ao valor da causa e a impugnação do benefício da
gratuidade judicial em arquivo digital único, não pode constituir motivo para admitir, tão
somente, a regularidade da primeira e negar processamento às demais formas de resposta.
Já constitui entendimento assente de que, em se tratando de autos físicos, a contestação e
a reconvenção, apresentadas em peça únicas devem ser aproveitadas, entendimento que
deve ser aplicado também em relação aos demais incidentes; tratamento que também deve
ser adotado em relação aos autos digitais, e com maior razão, dada a natural dificuldade
de adaptação de todos os profissionais à nova sistemática de trabalho. É a solução que me-
lhor atende ao princípio da instrumentalidade das formas e até mesmo aos princípios do
contraditório e do devido processo legal.” (TJSP. 31ª Câm. de Dir. Privado, rel. Des. Antonio
Rigolin; j. 15.04.2014).
33. “A contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente, ainda que haja
prazo para a resposta do réu, sob pena de preclusão consumativa. Precedentes do STJ (...).”
(STJ, 1ª T., AgRg no REsp 935.051/BA, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.09.2010, DJe 30.09.2010). Há,
porém, precedente do próprio STJ no sentido contrário (Resp 132.545-SP, rel. Min. Waldemar
Zveiter, j. 19.02.1998, DJU 27.04.1998), o qual, embora antigo, vem sendo invocado pela
recente jurisprudência dos tribunais. Nesse sentido: TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Giffoni Ferreira, AI 2116598-81.2015.8.26.0000, j. 04.08.2015.
34. Parcela da doutrina não admitia o oferecimento de reconvenção sem contestação,
por entender que aquela pressupunha esta, tanto que o art. 299 do CPC/73 exigia a
apresentação simultânea de ambos (cf., nesse sentido: Leonardo Greco, Instituições de
processo civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2011, p. 62). Em oposição, aqueles
que defendiam a possibilidade de reconvir sem contestar – posição encampada pelo
786 Manual de Direito Processual Civil
36. José Manoel de Arruda Alvim Netto, Manual de direito processual civil. São Paulo: Ed. RT,
2013, Segunda Parte, n. 120, p. 836. No mesmo sentido: Clito Fornaciari Jr., Da reconvenção
no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 176.
37. Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, 6ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, vol. III, p. 526-527) adota essa posição, embora com a ressalva de que a
reconvenção não pode servir para que o autor-reconvinte amplie o objeto da ação originária,
comprometendo a estabilização da demanda. Do mesmo modo. Luiz Guilherme Marinoni
e Sérgio Cruz Arenhart admitem a reconvenção em sede de ação reconvencional, no caso
desta última ter sido proposta com base no fundamento da defesa do réu-reconvinte: “Isto
porque, nesse caso – mas não no outro, em que a reconvenção tem por base a conexão com
a ação principal –, o réu traz material fático totalmente novo ao processo, podendo surgir
daí o interesse do autor-reconvindo em apresentar, sobre esse novo material, também sua
pretensão” (Manual do processo de conhecimento, p. 156).
38. cf. Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 6ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2009, vol. III p. 515.
39. “Esta Corte possui entendimento de que, na revelia, a presunção de veracidade é relativa, de
forma que a sua ocorrência conduz à procedência do pedido se, com as provas dos autos, o
magistrado se convencer da existência dos fatos alegados e não contestados. Entendimento
que se aplica à reconvenção. Precedentes. (...)” (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 439.931/SP, rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 20.11.2012, DJe 26.11.2012).
788 Manual de Direito Processual Civil
Tem-se, portanto, que, objetivando o réu imprimir segurança jurídica a uma ques-
tão prejudicial, haverão de ser consideradas as seguintes hipóteses: a) se o processo teve
início antes da vigência do CPC/2015, será necessária a propositura de ação declarató-
ria incidental, com a formulação expressa de pedido de prestação jurisdicional para o
fim de declarar a existência ou inexistência de relação jurídica ou, conforme o caso, a
autenticidade ou falsidade de documento; b) já se o processo teve início após a vigên-
cia do CPC/2015, não haverá necessidade de pedido expresso, pois se da questão pre-
judicial depender o julgamento do mérito e se a seu respeito tiver havido contraditório
prévio e efetivo, a decisão que a julgar tem força de lei, ou seja, sobre a mesma (sobre
seu comando) recairá a qualidade de imutabilidade da coisa julgada material (art. 503,
§ 1º, do CPC/2015).
Sob a égide do CPC/1973, é interessante notarmos que, caso o réu se utilizasse da
ação declaratória incidental, no prazo da resposta, tal fato produziria litispendência
para o autor, que, então, não se poderia dela utilizar. E isto ocorria pela circunstância
de que, proposta a declaratória incidental pelo réu, ipso facto, o autor teria atingido o
objetivo que viria a ter, se ele mesmo a propusesse: produção de coisa julgada sobre a re-
lação subordinante ou prejudicial. Assim, a ação declaratória incidental, proposta pelo
réu, produzia litispendência, tanto para a ação declaratória incidental do autor, como
para ação autônoma que quisesse o autor propor.
Entretanto, devemos observar que o CPC/2015 traz consigo a dificuldade de esta-
belecer-se qual o momento em que nasce a litispendência impeditiva, por exemplo, de
uma das partes promover ação autônoma versante a questão prejudicial.
Contudo, citada a parte contrária (também da ação originária), pode, ou não, ela
pedir a junção dos processos para julgamento conjuntos. Descaberia ou não, na hipóte-
se concreta, pedido de extinção do processo por litispendência (anterior), em face exa-
tamente de não termos no CPC/2015 claro o momento em que foi induzida a mesma.
O objetivo precípuo da ação declaratória incidental era o de, elevando a relação jurí-
dica subordinante à categoria da causa petendi, subjacente à ação, tal como proposta pelo
autor, inseri-la no poder dever do juiz de decidir a respeito, recaindo sobre essa decisão
a qualidade de coisa julgada material. (art. 470; v. tb. art. 469, III, todos do CPC/1973,
aplicáveis aos processos iniciados sob sua vigência, por força do art. 1.054 do CPC/2015).
A propositura da ação declaratória incidental, portanto, não alteraria a tarefa cogni-
tiva do juiz, porquanto, proposta ou não, o juiz já deveria conhecer da relação jurídica
subordinante, mesmo porque esta se coloca lógica, jurídica e cronologicamente como
antecedente necessário à solução da relação jurídica subordinada.
Tratando-se de hipótese de processo iniciado sob a vigência do CPC/2015, descabe
a ação declaratória incidental, na exata medida de o réu, em sua resposta, controver-
ter a relação jurídica prejudicial, e sendo a questão objeto de amplo contraditório, sem
aplicação de qualquer limitação probatória ou cognitiva, sua solução produzirá coisa
julgada como se tivesse sido formulado pedido declaratório a respeito.
21
Revelia
21.1. Introdução
Constituída a relação jurídica processual, surge, durante todo o desenvolver do pro-
cesso, uma série de ônus, quer para o autor, quer para o réu.
Distingue-se o ônus da figura da obrigação, porquanto na obrigação – entre outras
características – a prática do ato objetiva “favorecer” a outra parte, ao passo que o ônus
se caracteriza, precisamente, pela circunstância de que a prática do ato reverterá, em re-
gra, em benefício exclusivo daquele que o pratica, ou, eventualmente e quase sempre,
prejudicará quem não o praticou, ou quem o tenha praticado mal.
Um dos ônus existentes no processo para o réu é o de contestar a ação proposta, im-
plicando o seu descumprimento em revelia.1
O legislador reservou o nome de revelia, ao descumprimento pelo réu, enquanto ao
do autor, contumácia.2
O termo contumácia, no entanto, pode ser empregado como gênero e designa a ina-
tividade do autor e do réu, sendo a revelia uma espécie, a qual se deve usar para desig-
nar a inércia do réu, validamente citado, em contestar, no prazo legal.
1. Sobre a revelia, consultar: Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo:
RT, 1977 e id. Revelia. Revista de Processo109/221, ano 28, jan.-mar./2003; Arruda Alvim,
O gestor de negócios e o curador especial diante da revelia do assistido, Revista de Proces-
so 10/217, ano III, abr.-jun./78 e id. A revelia e a ação declaratória incidental, Revista de
Processo 10/213; ano III. São Paulo, RT, abr.-jun./78; Alcides de Mendonça Lima, A revelia
nos embargos do devedor,Ajuris 27/153, 1983; Artur Cesar de Souza, Contraditório e re-
velia (perspectiva crítica dos efeitos da revelia). São Paulo: RT, 2003; Maria Lúcia L. C. de
Medeiros, A revelia sob o aspecto da instrumentalidade. São Paulo, RT, 2003; Humberto
Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos. São Paulo: Atlas, 2006.
2. V.Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 54 e et. seq.
3. V. Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de Almeida (Curso
avançado de processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, vol. I,p. 383): “A revelia pressupõe
Revelia 791
Assim, é considerado revel aquele que não apresentou contestação, ainda que, even-
tualmente, tenha comparecido, através de advogado legalmente habilitado; o só fato de
existir nos autos procuração a advogado, outorgada pelo réu, não descaracteriza a revelia.
Nesse ponto, deve-se por em relevo a lição de Rita Gianesini,4 para quem, deve ser
considerado revel: “aquele que não comparece em juízo e não apresenta contestação;
aquele que comparece em juízo – junta tão somente o instrumento de mandato – e não
contesta; aquele que comparece em juízo e apresenta contestação sem anexar o instru-
mento de mandato e, intimado, não regulariza a situação; aquele que comparece em
juízo, mas apresenta contestação intempestiva; aquele que comparece em juízo e apre-
senta outra modalidade de resposta que não seja a contestação.”
Por outro lado, se o réu comparece ao processo, no sistema do Código de Processo
Civil, sem se fazer acompanhar de advogado, da mesma forma é revel,5 pois, por si só,
não poderá o réu contestar a ação por falta de capacidade postulatória, em regra. Há de
se observar, todavia, o disposto no art. 76, caput, do CPC/2015, que autoriza a sanação
do vício em prazo razoável. Assim, somente se descumprida a determinação judicial
de correção do defeito é que se terá a decretação da revelia (art. 76, caput, § 1º, II, do
CPC/2015).
Da revelia decorrem duas consequências fundamentais: a primeira consiste em que,
contra o revel, correrão os demais prazos, independentemente de intimação, a partir da pu-
blicação de cada ato decisório no órgão oficial, enquanto não tiver advogado nos autos
(art. 346, caput, do CPC/2015).
Se, no entanto, o revel, por advogado constituído nos autos, intervier no processo,
passará a ser intimado dos atos processuais realizados a partir de então (cf. art. 346, ca-
put e parágrafo único, do CPC/2015).
A necessidade de intimação do revel que tenha patrono nos autos tem como fun-
damento jurídico as exigências constitucionais do contraditório e da ampla defesa, as
quais não podem, dentro de um Estado Democrático de Direito, ser subtraídas dos li-
tigantes, em processo judicial e administrativo (art. 5.º, LV, da Constituição Federal).
Observe-se, ainda, que a regra do art. 346, caput, do CPC/2015 deve ser “atenuada”,
atendendo-se ao disposto no art. 329, II, ou mesmo, ao próprio sistema do Código de
Processo Civil. Assim, por força da interpretação do art. 329, II, do CPC/2015, o autor
não poderá alterar o pedido e ou a causa de pedir, sem promover nova citação do réu,
mesmo revel, e, havendo nova citação, assiste ao réu o direito de contestar, sem, toda-
via, romper a revelia anterior, restringindo-se sua contestação à parte em que houve
modificação de libelo, e desde que o revel com tal modificação mesmo que não tenha
contestado, seu advogado passará a ser intimado de todos os atos referentes ao processo.
citação válida. Se nula ou inexistente a citação, o vício alcança todos os atos processuais
subsequentes, e, por isso, não se falará em revelia”.
4. Revelia, Revista de Processo 109.222. São Paulo: Ed RT, jan.-mar., 2003.
5. Revista de Processo 2/361, em 165; RF 246/359; RJTJSP 63/134. Na doutrina: Rita Gianesini,
op. cit., p. 107 et seq.
792 Manual de Direito Processual Civil
Existem outros casos em que se haverá de dar nova oportunidade ao réu para mani-
festação: a) deverá o réu ser intimado para falar a respeito do pedido de desistência do
autor, relativamente à ação (art. 485, §4º, do CPC/2015); b) deverá ao réu ser comuni-
cado o pedido de exibição de documento ou coisa, formulado pelo autor; c) deverá ser
intimado para prestar seu depoimento pessoal; d) finalmente, deverá ser intimado para
a prática de ato ou abstenção de fato que tenha sido pedido pelo autor.
Enquanto não tiver advogado nos autos, não haverá intimação do réu revel; porém,
este poderá intervir no processo a qualquer momento, mas sempre o receberá no estado
em que se encontrar (art. 346, parágrafo único do CPC/2015).
O comparecimento do revel ao processo, porém, não faz com que possa alegar toda
a matéria relativa à contestação, dado que, tendo perdido o prazo para contestar, a gran-
de parte da matéria suscetível de ser rebatida ficou preclusa. Basicamente, o que não
pode mais ser discutido são os fatos próprios da contestação, para que se contrapuses-
sem àqueles invocados pelo autor, com o objetivo de os seus efeitos desaparecerem ou
serem neutralizados. Pode o revel, contudo, discutir qualquer matéria que o juiz deva
conhecer de ofício.
Como segunda consequência da revelia, esta de transcendental importância, temos
que os fatos afirmados pelo autor presumir-se-ão (= poderão ser presumidos) verdadeiros
(art. 344 do CPC/2015), desde que: a) não se trate de litígio respeitante a direito indis-
ponível, 6 b) as alegações do autor não se refiram a fatos inverossímeis ou contraditórios
com a prova dos autos, ou c) essas alegações não se refiram a fatos a respeito dos quais
a lei exija prova por instrumento público (casos de prova indisponível) ou, ainda, desde
que d) havendo pluralidade de réus, nenhum deles tenha contestado.
Observe-se que a revelia não dispensa o autor de demonstrar os fundamentos fáti-
cos de sua pretensão, para que possa a mesma ser reconhecida por sentença.
Assim, nas ações de estado, como no caso da investigação de paternidade, não basta
a revelia para prosperar a pretensão dos autores, pois, como os direitos sobre que ver-
sam essas ações, de regra, são indisponíveis, é imprescindível a prova por parte do au-
tor, devendo a demanda ser julgada improcedente se resultar, do conjunto das provas,
insustentável o pedido.7 A propósito da necessidade de se analisar o conjunto proba-
tório, deve-se mencionar que a própria presunção estabelecida no parágrafo único do
art. 2.º-A, da Lei 8.560/1992, incluído pela Lei 12.004/2009, depende da apreciação em
conjunto com os demais elementos probatórios: “A recusa do réu em se submeter ao
exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em
6. Moacyr Amaral Santos, (Primeiras linhas de direito processual civil. 23; ed. São Paulo: Saraiva,
2004, vol. 2, p. 243): “Os fatos, em relação aos quais não se admite confissão, independem
de impugnação (Cód. cit., art. 302, n. I). Ora, ‘não vale como confissão a admissão em juízo,
de fatos relativos a direitos indisponíveis’ (Cód. cit., art. 351). A presunção de veracidade
dos fatos, por falta de contestação, consiste num efeito equivalente ao da confissão. Daí
aquela presunção não ocorrer quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis”.
7. RT 482/219 e 512/250; RJTJSP 38/141.
Revelia 793
8. Assinale-se que, embora a Súmula 301 do STF também mencione a “presunção juris tantum”
de paternidade, decorrente da recusa na realização dos exames de DNA, a maioria dos
precedentes que a originaram fazem referência ao fato de que, nos casos julgados, a recusa
injustificada do suposto pai em submeter-se aos exames apenas veio a corroborar os demais
elementos probatórios e deve ser analisada em conjunto com estes elementos Cf., exemplifi-
cativamente: Resp 460.302, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, j. 28.10.2003, DJ 17.11.2003; REsp
409285/PR, 4.ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.05.2002, DJ 26.08.2002. Nesse
sentido, o entendimento do próprio STJ, ao aplicar a referida Súmula: “As ações de investi-
gação de paternidade são de estado e versam sobre direitos indisponíveis, com profundas
consequências na vida de ambas as partes envolvidas, por isso que o princípio processual da
eventualidade sofre mitigações em casos desse jaez. (...) No caso ora em julgamento, inexistiu
notícia alguma acerca de provas adicionais produzidas em todo o curso do processo, seja por
parte do autor, do réu ou mesmo de ofício, pelo juízo. O fundamento da sentença para negar a
produção de prova testemunhal residiu unicamente no fato de que esta não possuía ‘força de
afastar a presunção criada por força de lei, cujas consequências, aliás, foram expressamente
cientificadas por este juízo’. (...) A Súmula 301/STJ prevê expressamente que a presunção
decorrente da recusa ao exame de DNA é relativa (...) Não se pode atribuir à recusa ao teste
de DNA consequência mais drástica que a própria revelia do réu – situação em que o pedido
não pode ser julgado procedente de plano –, cabendo ao autor a prova mínima dos fatos
alegados. (...) Nos termos do art. 2º-A, parágrafo único, da Lei 12.004/2009 e dos reiterados
precedentes desta Corte, a presunção de paternidade deve ser apreciada dentro do contexto
probatório coligido nos autos.(...)” (STJ, 4ª T., REsp 1281664/SP, rel. Min. Marco Buzzi, rel. p/
Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 23.10.2014, DJe 05.02.2015).
9. Assim, na jurisprudência: “Processual civil. Embargos de declaração em recurso especial.
Art. 535 do CPC. Omissão. Responsabilidade civil do estado. Rebelião em presídio. Morte
de agente penitenciário. Efeitos da revelia. Violação ao artigo 320 do CPC. Inocorrência
1. O julgamento antecipado da lide posto madura a causa, ainda que em face do Estado,
não implica presumir verdadeiros os fatos em face da Fazenda Pública em contravenção
ao disposto no artigo 320, II, do CPC. 2. A indenização devida por força da Teoria do Risco
Administrativo caracteriza o interesse do Estado em não adimpli-la como interesse público
secundário, ao qual não se destina a interdição do artigo 320, II, do CPC. 3. Embargos de
declaração rejeitados”. (STJ, 1ª T., EDcl no REsp 1046519/AM, rel. Min. Francisco Falcão,
rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. 16.12.2008, DJe 10.6.2009).
10. Cf., na doutrina, a diferenciação entre interesse público e interesse do Estado: Eduardo Ar-
ruda Alvim, Direito processual civil. 5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 488; Cândido Rangel
Dinamarco, Instituições de direito processual civil. 6ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2009, vol.
III, n. 1125, p. 564-565.
794 Manual de Direito Processual Civil
11. V. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento.
5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 133; Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 487.
12. No mesmo sentido: Rita Gianesini, op. cit., p. 105. Há precedentes do STJ neste sentido: “A
falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor.
Não, entretanto, a que necessariamente deva ser julgada procedente a ação. Isso pode não
ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às consequências jurídicas pretendidas,
seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifi-
quem” (REsp 14.987/CE, 3.ª T., j. 10.12.1991, rel. Min. Eduardo Ribeiro, deram provimento
ao recurso, v.u., DJU 17.02.1992, p. 1.377, 2.ª col. em.). No mesmo sentido: STJ, REsp
94.193/SP, 4.ª T., j. 15.09.1998, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 03.11.1998, p. 140.
13. V. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 223: “O sinônimo de revelia era procedência da ação? Com
o passar dos anos, porém, restou cristalino o entendimento de que a mentira processual não
pode gozar de proteção, que o magistrado não deve se contentar com a verdade formal,
mas deve ir em busca da verdade real, no sentido de que o juiz deve ser um participante
no processo, deve estar convencido de que o fato constitutivo do autor está efetivamente
provado e não por presunção deva ser admitido como verdadeiro”. Em realidade, pensamos
que ocorrendo revelia e sendo verossímeis os fatos, deve ocorrer o efeito da revelia.
14. Revista de Processo 2/245.
Revelia 795
15. STJ, REsp 434.866/CE, 4.ª T., j. 15.08.2002, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 18.11.2002 p. 227.
No mesmo sentido: “A caraterização de revelia não induz a uma presunção absoluta de
veracidade dos fatos narrados pelo autor, permitindo ao juiz a análise das alegações for-
muladas pelas partes em confronto com todas as provas carreadas aos autos para formar
o seu convencimento.” (STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1194527/MS, rel. Min. Og Fernandes, j.
20.08.2015, DJe 04.09.2015) Cf., ainda: STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 537.630/SP, rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.06.2015, DJe 04.08.2015).
16. Entendemos necessariamente aplicável o art. 345, I, do CPC/2015, somente ao litisconsórcio
facultativo unitário, ou necessário-unitário, bem como ao litisconsórcio simples, mas apenas
na medida em que os fatos forem comuns.
17. Cf. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 224: “Trata-se de litisconsórcio – pluralidade de sujeitos no
polo passivo. Obviamente o litisconsórcio unitário está contemplado no dispositivo porque
a sorte tem que ser igual no plano do direito material para todos, como no caso de anulação
de casamento, anulação de deliberação de assembleia.“Todavia, podemos, tranquilamen-
te, acrescentar nesta hipótese também o litisconsórcio simples, quer o necessário, quer o
facultativo, desde que os fatos sejam comuns a todos. Assim, se um dos devedores solidários
alegar a inexistência da dívida ou o pagamento integral, esta defesa a todos aproveita. Se,
porém, um dos devedores solidários alegar a sua ilegitimidade de parte passiva, o mesmo
não ocorre porque o acolhimento da defesa só a ele beneficia”. Discorda-se, apenas, do
exemplo do casamento, pela circunstância de que, à luz do art. 1.561, § 1.º do Código Civil
(a que correspondia o art. 221, parágrafo único, do Código Civil de 1916), há diferença em
relação aos efeitos. Ou mais precisamente: a procedência ou improcedência diz respeito a
ambos; já o restante da sorte no plano do direito material poderá variar em conformidade
com a existência de boa-fé ou não.
18. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., revista e aumentada.
Atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1996. t. IV,p. 200/201.
796 Manual de Direito Processual Civil
Há que se ressaltar, ainda, que o efeito da revelia que é objeto de ressalva no art. 345
do CPC/2015 se refere à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. No to-
cante à desnecessidade de intimação do revel que não tenha advogado constituído nos
autos, permanece incidindo o disposto no art. 346 do CPC/2015, de sorte que os prazos
correrão independentemente de intimação.19
Desse modo, ainda que ao réu revel, sem advogado constituído nos autos, possam
aproveitar os argumentos de defesa alegados por litisconsorte passivo que tenha apre-
sentado contestação tempestiva e regularmente (art. 345, I, do CPC/2015), de sorte a
afastar a presunção de veracidade preceituada no artigo 344 do CPC/2015, é de se notar
que os prazos processuais correrão independentemente de intimação. A intimação do
revel da sentença correrá a partir da publicação da sentença no órgão oficial (art. 346
do CPC/2015).
19. “O réu que não constituiu advogado, e cuja revelia não foi declarada, por força da aplicação
do art. 320, I, do CPC, não desfruta do direito de ser pessoalmente intimado com relação
à sentença e outros atos processuais, pois o efeito da revelia circunscreve-se à matéria de
fato, vale dizer, à veracidade dos fatos alegados pelo autor” (TJSP, AgIn.1175866003, 34.ª
Câm. de Dir.Priv., j. 25.06.2008, rel. Des. Antonio Benedito do Nascimento).
20. Nesse sentido: Rita Gianesini, Da revelia... cit., p. 114; Fredie Didier Jr., Curso de direito
processual civil: Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conheci-
mento. 17ª ed.. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 670.
21. “Recurso especial. Ação declaratória. Reconvenção. Ausência de contestação. Revelia.
Presunção relativa. Produção de provas. Possibilidade. Julgamento antecipado da lide.
Revelia 797
o fato afirmado pelo autor – e determinará a realização de prova. Isto porque, nos termos do
art. 130 c/c o art. 324, ambos do CPC, pode de ofício determinar a produção de provas que
entender necessárias. É o poder instrutório do juiz. É a busca da verdade real. Os limites que
devem ser impostos a essa atividade só poderão ser definidos no caso concreto. Concordamos
que o juiz tenha poderes instrutórios, todavia não de forma irrestrita ou ilimitada”.
25. Súmula 231 do STF: “O revel, em processo civil, pode produzir provas, desde que compareça
em momento oportuno”.
26. Decidiu o STJ que, “(...) A produção de provas pelo revel depende de seu requerimento antes
de encerrada a fase instrutória, da análise de sua pertinência, limitada à desconstituição
dos fatos afirmados na inicial. (...) (STJ, 4ª T., REsp 734.328/RN, Rel. Min. Raul Araújo, j.
18.11.2014, DJe 18.12.2014).”
27. Cf. STJ, 2ª T., REsp 1330058/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20.06.2013, DJe
28.06.2013.
Revelia 799
Um caso interessante de revelia, ou seja, de ausência de defesa (em sentido lato) está
no art. 701, §2º, do CPC/2015. Segundo este dispositivo, não oferecendo o réu embar-
gos no prazo de quinze dias (art. 701, caput, do CPC/2015) à ação monitória, o manda-
do injuncional expedido in limine constituir-se-á de pleno direito em título executivo
judicial, independentemente de qualquer formalidade. Nessa hipótese, tem-se que a
ausência de defesa do réu dará ensejo à formação de título executivo judicial (cum gra-
nu salis: procedência da ação), desde que seja evidente o direito do autor (art. 701, ca-
put, do CPC/2015), e conquanto não ocorrentes vícios quanto aos pressupostos pro-
cessuais (positivos e negativos), condições da ação ou outras matérias conhecíveis de
ofício pelo juiz.
A respeito da revelia em ação rescisória, à luz do CPC/1973 nosso entendimento já
era o de que não incidia o efeito da revelia, sendo inaplicável o art. 319 do CPC/1973
(análogo ao art. 344 do CPC/2015) à ação rescisória. Assim também, o prof. José Carlos
Barbosa Moreira, para quem, “sendo indisponível o iudicim rescidens, não pode o réu
reconhecer validamente o pedido de rescisão” e, por igual razão, a revelia não produz,
na rescisória, o efeito da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.28 Assim
tem entendido o Superior Tribunal de Justiça.29
Em ação que vise à tutela cautelar, o requerido será citado para, no prazo de cin-
co dias, contestar o pedido, apresentando as provas que entenda necessário produzir.
Caso não conteste o pedido, serão considerados aceitos os fatos alegados pelo reque-
rente, devendo o juiz decidir no prazo de cinco dias (arts. 306 e 307 do CPC/2015).
Essa aceitação dos fatos, todavia, passará sempre pelo exame do poder de convicção
que carreguem, segundo o juiz, mas a revelia é fator indicativo da ausência de razão, e,
deve ter o seu peso.
Os fatos que serão tidos como verdadeiros, em regra, são somente aqueles referen-
tes ao periculum in mora e ao fumus boni iuris, e não os relativos ao pedido dedutível de
processo de conhecimento.30
Embora a contestação apresentada no processo cautelar não possa fazer as vezes, ou
valer como a contestação que seria apresentada no processo dito principal, parece-nos
que, normalmente, aquela contestação retira dos fatos alegados pelo requerente, e, suces-
28. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ª ed., vol. 5., Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 193-194. No mesmo sentido: Eduardo Arruda Alvim, Direito Processual Civil. 5ª ed.. São
Paulo: RT, 2013, p. 588-589.
29. STJ, AR 3.341/SP, 3.ª S., j.14.12.2009, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 01.02.2010.
Assim, também: “A revelia, na ação rescisória, não produz os efeitos da confissão (art. 319
do CPC) já que o judicium rescindens é indisponível, não se podendo presumir verdadeiras
as alegações que conduziriam à rescisão. Deve o feito ser normalmente instruído para se
chegar a uma resolução judicial do que proposto na rescisória.” (STJ, 3ª T., REsp 1260772/
MG, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05.03.2015, DJe 16.03.2015).
30. Cf. Rita Gianesini, Revelia cit., p. 230: “No processo cautelar a revelia, nos termos do
art. 803 do CPC, só tem implicações neste processo, não se irradiam, ou não tem influência
no processo principal”.
800 Manual de Direito Processual Civil
31. STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 256.821/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 20.02.2014,
DJe 06.03.2014.
32. Sobre a falta da impugnação aos embargos à execução, ver: Paulo Henrique dos Santos
Lucon,Embargos à execução. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2001,p. 295 a 298 (ainda que em
obra escrita sob a égide do CPC/1973).
33. “A ausência do oferecimento de impugnação aos embargos à execução não induz os efeitos
da revelia, já que cabe ao executado a comprovação quanto à ineficácia do título exequen-
do. Precedentes.” (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 576.926/SP, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j.
12.2.2015, DJe 26.2.2015).
34. V.Arruda Alvim, Tratado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1975, vol. 2, comentários
ao art. 9.º; J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, p. 362 a 405.
35. TJPR, RT 693/197.
36. STJ, 3ª T., REsp 1009293/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.04.2010, DJe 22.04.2010.
Revelia 801
Tratando-se de réus incertos, citados por edital, mas que não compareçam ao pro-
cesso, não é necessária a nomeação de curador especial para a defesa de seus eventuais
interesses.37
37. TJRJ, AI 0010397-94.2015.8.19.0000, 22ª Câm. Cív., j. 10.03.2015, des. rel. Carlos Santos
de Oliveira, DJe. 12.03.2015; TJSP, AgIn 2036546-69.2013.8.26.0000, 10ª Cam. Dir. Priv.,
j. 11.03.2014, rel. Des. Carlos Alberto Garbi; TJES, AC 35020189151 ES, 3ª Câm. Cív., j.
22.06.2004, rel. Des. Rômulo Taddei Pub. 10.08.2004. Com argumentação cabal e defini-
tiva, v.Nelson Luiz Pinto, Da ação de usucapião, São Paulo: RT, 1991, cap. V, n. 8, esp. nota
162, p. 94,Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 263-264.
22
Suspensão do Processo
(i) Pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu
representante legal, ou de seu procurador (art. 313, I, do CPC/2015).1
Falecendo a parte, o juiz suspenderá o processo nos termos do 313, § 1º, do CPC/2015.
Caso não haja pedido de habilitação, deverá, de ofício, abrir oportunidade para que a
habilitação seja requerida pelos interessados (arts. 313, § 2º, I e II, e 688 do CPC/2015).
Além disso, é necessária a suspensão do feito se sobrevier a ausência de discerni-
mento da parte, como, v.g., se a parte tornar-se deficiente mental ou intelectual no cur-
so do processo, oportunidade na qual esse deverá ser suspenso para que, eventualmen-
te, possa ser regularizada a curatela, nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 84 do Estatuto da
Pessoa com Deficiência.
Analogamente ao que ocorre com a morte de pessoa física, a extinção de pessoa ju-
rídica também é considerada causa de suspensão do processo.2
Observe-se, ainda, sobre o falecimento da parte, que, nos casos em que o direito
discutido em juízo for intransmissível, a morte do autor, na fase de conhecimento, oca-
sionará a extinção do processo (art. 485, IX, do CPC/2015) sem julgamento do mérito.
No caso de falecimento do advogado da parte, ainda que iniciada a audiência de ins-
trução e julgamento, o juiz dará 15 dias para que esta promova a substituição. Encer-
rado esse prazo, sem que tenha havido a providência, o juiz adotará uma das seguintes
providências: (i) se faleceu o advogado do autor, extinguirá o processo sem resolução
do mérito; ou (ii) se faleceu o advogado do réu, ordenará o prosseguimento do proces-
so à sua revelia (art. 313, § 3º, in fine, do CPC/2015).
A nosso ver com acerto, o Superior Tribunal de Justiça entende que a suspensão
se dá a partir da morte da parte. Os atos praticados no processo, a partir de então, se-
rão nulos desde a data do falecimento, em sendo comprovado prejuízo a uma das par-
tes, assim, aproveitam-se integralmente os atos praticados antes da morte da parte ou
de seu procurador, bem como os atos praticados desde então, se inexistente prejuízo.3
(ii) Quando for arguida a suspeição ou impedimento do juiz (art. 313, III, do
CPC/2015), o processo é suspenso por estar em jogo a própria imparcialidade do juiz,
condição de validade do processo.
(iii) Se for admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR
(art. 313, IV, do CPC/2015), serão necessariamente suspensos os processos pendentes,
1. V. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, 18ª ed., vol. II, São Paulo: Saraiva,
2007, p. 63 a 65.
2. Nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de
conhecimento, 5. ed., São Paulo: RT, 2006, p. 199, nota de rodapé; Fredie Didier Jr., Curso
de Direito processual civil, vol. I, Salvador: JusPodivm, 2016, p. 751.
3. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.313.970/TO, 4ª T., j. 23.02.2016, rel. Min. Marco Buzzi,
DJe 26.02.2016; STJ, EDcl no AgRg no AREsp 273.247/SP, 4ª T., j. 21.05.2013. rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, DJe 28.05.2013; STJ, AgRg no AREsp 723.889/RJ, 4ª T., j. 15.12.2015,
rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 01.02.2016; e STJ, AgRg do AREsp 759.411/DF, 2ª T., j.
27.10.2015, rel. Min. Humberto Martins, DJe 12.11.2015.
804 Manual de Direito Processual Civil
4. V. os comentários de Bruno Dantas segundo o qual “A suspensão visa impedir que, concomi-
tantemente à análise e julgamento do IRDR, outros processos – individuais ou coletivos – ou
recursos continuem sendo processados. Trata-se de medida relevante tanto pelo aspecto da
economia processual quanto também por garantir a concretização da isonomia em todos os
casos idênticos já existentes.” (Teresa Arruda Alvim Wambier...[et al], Breves comentários
ao novo Código de Processo Civil, 2. ed. rev. e atual., 2016, p. 2288).
5. De acordo com grande parte da doutrina, o dispositivo trata, mais especificamente, de
questão prévia de natureza prejudicial (prejudicialidade externa). Como explica Thereza
Alvim (Questões prévias e coisa julgada, São Paulo: RT, 1977, p. 15), na linha de José Carlos
Barbosa Moreira (Questões prejudiciais e coisa julgada, Rio de Janeiro: Borsoi, 1967, p. 22;
29-30), as questões prévias se desmembram em preliminares e prejudiciais, sendo que a
diferença entre elas seria a seguinte: enquanto aquelas tornam dispensável ou impossível a
solução de outra questão subsequente, estas, as prejudiciais, influenciam e predeterminam o
sentido em que outra questão será decidida. Recentemente, Fredie Didier Jr. (Curso de direito
processual civil, 18. ed., Salvador: JusPodivm, 2016, vol. I, pp. 754-755), que também adere
às concepções citadas, assume que a questão prévia, a que se subordina, de alguma forma,
o julgamento da causa suspensa, poderia ser tanto de natureza preliminar como de natureza
prejudicial. No sentido de que o dispositivo em questão (art. 313, V, a, do CPC/15) trataria de
prejudicialidade externa, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao
Código de Processo Civil, São Paulo: RT, 2015: “O caso do CPC 313, V, a descreve situação
na qual existe uma relação de prejudicialidade entre dois processos, a qual, na doutrina
italiana (no caso do CPC ital. 295, semelhante ao dispositivo ora em comento), costumava
ser visualizada apenas quando o efeito jurídico, cuja avaliação representa o antecedente
lógico da pronúncia, possa ser objeto de um juízo autônomo e se refira apenas em parte
aos elementos constitutivos do direito que é feito valer em juízo. Esse é um dos requisitos
necessários para o reconhecimento da suspensão em casos que tais, além de alguns outros:
a causa prejudicial deve estar pendente; os sujeitos, em ambos os processos, devem estar
legitimados à participação nas ações e estas devem ter sido promovidas em presença de
legítimo interesse.”
6. Assim já decidiu recentemente o STJ: “Processo civil. Agravo Regimental no Agravo Regimen-
tal no Agravo em Recurso Especial. Imissão na posse. Anulatória de execução extrajudicial.
Suspensão do Processo 805
se caso, nunca poderá exceder um ano como preceitua o art. 313, § 4º, primeira parte,
do CPC/2015.
Importa lembrarmos, como salienta Paulo Lucon, que a suspensão do processo, dian-
te do retardamento do processo e do prejuízo inerente à duração razoável do processo, é
medida revestida de excepcionalidade a ser utilizada como ultima ratio. Dessa forma, sen-
do possível a reunião dos processos para julgamento conjunto, essa deve ser priorizada. 7
(v) Quando não puder ser proferida sentença, senão depois de verificado determinado
fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo (art. 313, V, b, do CPC/2015).
Nessa hipótese, requisitada a prova por carta precatória, rogatória ou por auxílio
direto, em mecanismo de cooperação, somente será suspenso o processo se as cartas ou
o auxílio tiverem sido requeridos antes da decisão de saneamento e a prova for impres-
cindível (art. 377, caput, do CPC/2015). Essa ressalva legal tem por objetivo concreti-
zar a celeridade exigida pelo art. 5º, LXXVIII, da CF/1988, determinando que somente
haverá a suspensão do trâmite procedimental quando o magistrado considerar a prova
imprescindível para o julgamento da causa. Assim, mesmo que a parte tenha requerido a
carta precatória ou a rogatória antes de o juiz sanear o processo, a prova a ser produzida
deve ser tida como fundamental ao desfecho da lide a justificar a suspensão do processo.
Também nesse caso, a suspensão não poderá exceder um ano (art. 313, § 4º, pri-
meira parte, do CPC/2015).
(vi) Por motivo de força maior (art. 313, VI, do CPC/2015). Nessa hipótese, a sus-
pensão do processo deverá perdurar, enquanto existir o motivo de força maior.
(vii) Quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da nave-
gação de competência do Tribunal Marítimo (art. 313, VII, do CPC/2015).
(viii) Nos demais casos previstos no CPC ou em qualquer outra lei federal. Incluem-
-se, exemplificativamente, nesse dispositivo: a suspensão decorrente de instauração de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 3º, do CPC/2015);
a atribuição de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525,
§ 6º, do CPC/2015) ou aos embargos à execução (art. 919, § 1º, do CPC/2015); a con-
cessão de medida de urgência, pelo STF, em sede de ação direta de inconstitucionali-
dade ou ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999), com o
objetivo de suspender a tramitação ou julgamento dos feitos que envolvam a aplicação
da lei ou ato normativo cuja constitucionalidade seja impugnada ou afirmada nas refe-
ridas ações; a admissão de Recursos Extraordinários ou Especiais repetitivos, quando
serão suspensos todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam
no Estado ou na região, quando selecionados pelo presidente ou vice-presidente do tri-
bunal de origem (art. 1.036, § 1º, do CPC/2015) e, ainda, todos os processos, individu-
ais ou coletivos pendentes, que versam sobre a questão e tramitam no território nacio-
nal quando proferida a decisão de afetação pelo tribunal superior (art. 1.037, inciso II
do CPC/2015), e a suspensão determinada pelo disposto no art. 315 do CPC/2015, de
que trataremos a seguir.
(ix) Quando o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de
fato delituoso. Nesses casos, estabelece o art. 315 que o juiz poderá determinar a sus-
pensão do processo até que se pronuncie a jurisdição criminal.
À primeira vista, poderíamos acreditar8 que referida disposição estivesse incluída
na previsão da alínea a do art. 313, V, do CPC/2015. Todavia, referido dispositivo exi-
ge a pendência de processo que verse questão subordinante à resolução do mérito, ao
passo que o art. 315 se refere à verificação de fato delituoso que pode ainda não ter sido
objeto da propositura da ação penal.
Cuida-se de regra que já poderia ter sido extraída do art. 110 do CPC/1973, com al-
gumas modificações. A primeira delas diz respeito ao prazo de suspensão para aguardar
a propositura da ação penal: no CPC/1973, deveria o processo ficar suspenso por até 30
(trinta) dias, contados da intimação do ato de suspensão (art. 110, parágrafo único);
já no CPC/2015, o prazo é estendido para 3 (três) meses (art. 315, § 1º). Como a regra
do art. 110 do CPC/1973 estava situada entre as normas de competência, e não havia
disposição expressa sobre o limite temporal para a suspensão, cogitava-se de prazo in-
determinado, até que se pronunciasse (definitivamente) a justiça criminal. O art. 315,
§ 2º, do CPC/2015 conduz, porém, a uma nova situação: o processo civil deverá ficar
suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, findo o qual, inexistindo manifestação
8. Como faz Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, Salvador: JusPodivm,
2016, p. 757.
Suspensão do Processo 807
1. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013,p. 505.
Saneamento e Organização do Processo 809
vo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Diante de tal alegação, terá o autor
um prazo de 15 dias para manifestar-se sobre a contestação (art. 350 do CPC/2015) e
produzir provas. O mesmo ocorre quando o réu oferece defesa processual (art. 351 do
CPC/2015). A doutrina convencionou denominar réplica esta manifestação do autor
sobre a contestação.
Ficando a contestação do réu confinada tão somente à insurgência contra os fatos
deduzidos pelo autor, ou tão somente contra as consequências jurídicas pedidas por
este, mas sendo acompanhada de prova documental, é de se ensejar ao autor oportu-
nidade de manifestar-se com fundamento no art. 437, § 1º, do CPC/2015, cuja ino-
bservância acarreta nulidade do decidido. Esse entendimento, consolidado na juris-
prudência à luz do CPC/1973,2 sempre nos pareceu correto.3 Com efeito, se o juiz, ad-
mitindo a produção de documentos novos, profere sentença sem dar oportunidade à
parte contrária de sobre eles se manifestar, não há como considerar válida a decisão. A
jurisprudência ressalva, todavia, as hipóteses em que o conteúdo do documento não
teve influência sobre a decisão,4 algo que, a depender das circunstâncias, pode ser ex-
tremamente complexo de se avaliar. Esse entendimento, todavia, está em consonân-
cia com a busca da prestação jurisdicional célere e eficaz, sem prejuízo de dever ser
adotado com cautela.
Outra providência preliminar que pode ser tomada pelo juiz consiste na decretação
ou não dos efeitos da revelia, quando o réu tenha deixado de oferecer contestação. Sendo
a hipótese de incidência do efeito material da revelia, que é a presunção de veracidade
dos fatos alegados pelo autor, o juiz poderá julgar antecipadamente o mérito da causa,
passando ao julgamento conforme o estado do processo (art. 355 do CPC/2015). Se,
por alguma razão, não for o caso de aplicação desta presunção, deverá o autor demons-
trar os fatos constitutivos de seu direito, e o processo passará então para a fase instru-
tória, podendo o réu intervir nos termos do art. 349 do CPC/2015. Tal possibilidade já
era aceita pela jurisprudência à luz dos Códigos de 1939 e 1973, consolidada na súmula
231 do STF: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em
tempo oportuno”. Essas provas destinam-se a combater o(s) fato(s) constitutivo(s) ale-
gados pelo autor e não são destinadas a provar direito do réu, pois este não contestou.5
Ainda em sede de providências preliminares – em verdade, no curso de todo o pro-
cesso e, sobretudo, na fase de saneamento –, deverá o juiz determinar a correção de ví-
2. Cf., STJ, 2ª T., REsp 1.086.322/SC, rel. Min. Humberto Martins, j. 18.06.2009, DJe 01.07.2009.
3. Na doutrina: Arruda Alvim. A nulidade da sentença por infração ao art. 398 do CPC. Revista
de Processo 3/214, ano I. São Paulo: Ed. RT, jul.-set./1976; Moacyr Amaral Santos. Comen-
tários ao Código de Processo Civil. v. IV. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 254.
4. STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 655.928/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.09.2015,
DJe 11.09.2015; STJ, Corte Especial, EAREsp 144.733/SC, rel. Min. Humberto Martins, j.
06.08.2014, DJe 15.08.2014.
5. A propósito da produção de provas pelo revel e das controvérsias que suscita, cf. Cristiane
Druve Tavares Fagundes, A revelia no novo Código de Processo Civil. In: Fredie Didier (org.
geral) e Lucas Buril de Macedo. Coleção novo CPC. Doutrina selecionada. 2. Procedimento
comum. Salvador: Juspodivm, 2016, pp. 236-237.
810 Manual de Direito Processual Civil
6. Uma vez que ambas as partes são, nesse caso, consideradas negligentes pelo abandono do
processo, não há que se falar em sucumbência. Nesse sentido, à luz do CPC/1973: “Decor-
812 Manual de Direito Processual Civil
rendo a extinção do processo de negligência de ambas as partes (art. 267, II), as custas são
rateadas entre elas e não há condenação em honorários de advogado (STJ, REsp 435.681/
ES, 3ª T., j. 19.10.2010, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 26.10.2010).
7. Este também é o entendimento predominante no STJ à luz do CPC/1973 (art. 267, incisos II e
III): STJ, 2ª T, REsp 1.463.974/PR, rel. Min. Humberto Martins, j. 11.11.2014, DJe 21.11.2014;
STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 339.302/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 20.08.2013, DJe 05.09.2013.
8. STJ, 2ª T., REsp 1.148.785/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23.11.2010, DJe
02.12.2010.
9. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Abandono de causa no novo Código de Processo Civil,
Revista Forense 254/171; José de Moura Rocha, O abandono no novo processo civil brasi-
leiro, Revista Forense 268/59.
Saneamento e Organização do Processo 813
(art. 485, § 5º do CPC/2015).10 Nesse sentido, ainda na vigência do CPC/1973, foi edi-
tada a Súmula 240 do STJ, segundo a qual “a extinção do processo, por abandono da
causa pelo autor, depende de requerimento do réu”.
10. V.neste sentido já apontavam antes da modificação: José de Albuquerque Rocha, Extinção
do processo, Revista de Processo 2/327. Assim já decidiu o STJ. Cf. REsp 40.210-7/RJ, rel.
Min. Costa Lima, DJ 07.03.1994, em Sálvio de Figueiredo Teixeira, op. cit., p. 224, e REsp
20.408-6/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 01.06.1992 (op. cit., p. 223), em
que se anota, a respeito, que é “inadmissível presumir-se desinteresse do réu no prossegui-
mento do feito”.
11. “À luz do princípio da causalidade, extinto o processo sem julgamento do mérito, decor-
rente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à
extinção do feito deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios.” (STJ, 1ª T., REsp
1.055.175/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 08.09.2009, DJe 08.10.2009.
12. Amplamente sobre o tema, v. Arruda Alvim, Ensaio sobre a litispendência no direito proces-
sual civil (trabalho que foi publicado como Direito processual civil: teoria geral do processo
de conhecimento. São Paulo: Ed. RT, 1972, v. 2.).
814 Manual de Direito Processual Civil
Por fim, a coisa julgada, é a existência de um processo com lide idêntica à de outro,
assim tendo o mesmo pedido, pela mesma causa de pedir entre as mesmas partes; en-
tretanto, diferentemente da litispendência, já terá sua decisão final de mérito transita-
do em julgado.
Em todas essas hipóteses, a parte deverá alegar quer a ocorrência da perempção, quer
a de litispendência, ou mesmo a de coisa julgada, sob pena de responder pelas custas, a
que seu retardamento der causa, mas deverá o juiz conhecer de tais questões ex officio,
sem qualquer manifestação da parte interessada, e, conforme o caso, poderá fazer inci-
dir o art. 80 do CPC/2015.
13. Sobre o tema, repetindo o que parte da doutrina já afirmava há alguns anos, v. Fredie Didier
Jr. Será o fim da categoria “condições da ação”? Um elogio ao projeto do novo Código de
Processo Civil. Revista de Processo, vol. 197, jul/2011, p. 256.
Saneamento e Organização do Processo 815
18. STJ, 4ª T., REsp 111.966/MG, j. 15.02.2000, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 10.04.2000,
p. 92.
19. Decidiu-se, no entanto, que, em ação de alimentos em que tenha falecido a credora, “ven-
cido o réu no litígio, tanto que condenado ao pagamento das parcelas vencidas até a data de
falecimento da autora, são cabíveis os honorários de advogado, nos termos do disposto no
art. 20, § 3º, do CPC” (STJ, REsp 215.659/SP, 4ª T., j. 16.12.2003, rel. Min. Barros Monteiro,
DJ 05.04.2004, p. 266).
20. RT 471/100; RJTJSP 39/29.
21. RT 541/72.
22. RT 582/47; RJTJSP 89/226.
23. RT 486/49.
24. Revista de Processo 6/316, em. 114.
25. TRF-3.ª Reg., j. 22.10.2002, ApCív 190601, rel. Des. Carlos Loverra, DJ 19.11.2002, p. 205.
26. RT 492/77; RF 255/300.
27. RT 90/125 (os efeitos patrimoniais poderão ser reclamados pelos herdeiros na via ordiná-
ria). Idêntica orientação está consignada nos seguintes acórdãos: STJ, RMS 2.415/ES, 6ª T.,
j. 10.09.1996, rel. Min. Vicente Leal, DJ 21.10.1996, p. 40.271; STJ, REsp 89.882/MG, 5ª
T, rel. Min. Edson Vidigal, j. 17.11.1998, DJ 14.12.1998, p. 266; STJ, MS 6.594/DF, 3ª S., j.
22.03.2000, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 18.09.2000, p. 88; STJ, MS 11.448/DF, 3ª
S., j. 10.05.2006, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 14.06.2006, p. 192.
818 Manual de Direito Processual Civil
28. “Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor
que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar,
sob pena de extinção do processo”.
29. A esse propósito, já vínhamos afirmando, no item 122-B da Primeira Parte de nosso Manual
de direito processual civil (v. a 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013), a dificuldade de repropositura
da ação em caso de extinção do processo por ilegitimidade ad causam.
30. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 677.
Saneamento e Organização do Processo 819
31. . Exemplificativamente: STJ, 4ª T., REsp 1.215.189/RJ, rel. Min. Raul Araújo, j. 02.12.2010,
DJe 01.02.2011.
820 Manual de Direito Processual Civil
32. O CPC/1973 se referia ao julgamento antecipado da lide (Livro I, Título VIII, Capítulo V, Seção
II, art. 330); o CPC/2015 alterou a denominação do instituto para julgamento antecipado do
mérito (art. 355), o que foi elogiado por parte da doutrina: “Considerando as insuficiências
do conceito [de lide], o cujo teor eminentemente sociológico inviabilizava sua aplicação ao
processo civil, fez bem o Código de Processo Civil de 2015 ao substituí-lo, referindo-se ao
julgamento antecipado do mérito. Com efeito, o que importa no processo não é o conflito
entre autor e réu tal como se deu no meio social, mas sim o pedido, que equivale ao mérito
do processo.” (Ricardo Alexandre da Silva, Comentário ao art. 355 do CPC/2015. In: Teresa
Arruda Alvim Wambier, et alli. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 1.020).
Saneamento e Organização do Processo 821
lia, sem que haja requerimento de prova pelo revel, na forma do art. 349 33 (arts. 355, II, e
344 do CPC/2015).
O julgamento antecipado do mérito é determinado pela desnecessidade ou irrele-
vância da audiência para produção de provas. Este entendimento vem claro na interpre-
tação do inciso V do art. 357 do CPC/2015, ao se referir à designação da audiência de
instrução e julgamento, se necessária. Esta expressão, parece-nos, diz com a necessida-
de de produção de provas em audiência de instrução e julgamento. Assim sendo, deve-se
ter o julgamento antecipado porque a questão de mérito se resume na aplicação da lei
ao caso concreto, já definido pela ausência de qualquer controvérsia em torno dos fa-
tos ou, então, porque, apesar da existência de questões de fato que dependam de prova,
essa prova não é oral e nem há prova pericial a ser realizada em audiência de instrução,
por ser exclusivamente documental, por exemplo.
Em suma, no caso do inciso I do art. 355 do CPC/2015, a desnecessidade de prova
ocorrerá quando as alegações forem insuscetíveis de prova (porque incontroversas, por
exemplo) ou, ainda, por já terem sido produzidas todas as provas admissíveis. Nessas
condições, não pode o juiz proceder ao julgamento antecipado do mérito com base nas
provas existentes, se houver alguma possibilidade de se produzir prova oral ou pericial
sobre fatos relevantes. Em casos tais, o indeferimento de prova que tenha aptidão para,
em tese, influir no convencimento do juiz, com o posterior julgamento antecipado de
mérito, corresponderia verdadeira violação ao direito à prova.34-35
Em muitas hipóteses, a jurisprudência considera nula a sentença proferida em sede
de julgamento antecipado, pelo fato de as partes terem requerido a produção de provas
33. . “Art. 349. Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor,
desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis
a essa produção.”
34. Cf., nesse sentido: Arruda Alvim, Questões controvertidas sobre os poderes instrutórios
do juiz, a distribuição do ônus probatório e a preclusão pro judicato em matéria de prova.
In:, Fredie Didier Jr.; José Renato Nalini; Glauco Gumerato Ramos; Wilson Levy (coord).
Ativismo e garantismo processual. Salvador: JusPodivm, 2013, pp. 97-110; Luiz Guilherme
Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel Mitidiero. Novo curso de direito processual civil.
Tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: Ed. RT, 2015, pp. 226-
‑227; Clarissa Diniz Guedes; Stela Tanure Leal. “O cerceamento do acesso à prova devido
à confusão entre planos de admissibilidade e valoração do material probatório”. Revista de
Processo 240, Jan– 2015, pp. 15-40; Lisandra Demari. “Juízo de relevância da prova”. Prova
Judiciária: Estudos sobre o novo direito probatório. Coordenado por Danilo Knijnik. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007; Sérgio Mattos. O juiz é destinatário da prova: porta
aberta para o arbítrio? In: Daniel Mitidiero e Guilherme Rizzo Amaral (Coord). Processo
civil. Estudos em homenagem a Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012,
pp. 447-458.
35. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013, Segunda
Parte, item 173, pp. 951 e ss. Já entendíamos, à luz do CPC/1973 (art. 330), que o julgamento
antecipado da lide deveria ser acompanhado das cautelas necessárias no que diz respeito à
verificação da completude da instrução probatória, a fim de evitar prejuízos às partes e até
cerceamento ao direito de defesa.
822 Manual de Direito Processual Civil
admissíveis.36 Mais grave ainda é a situação em que, tendo indeferido a prova – admis-
sível – requerida pela parte autora, o juiz julga o pedido improcedente por insuficiên-
cia de provas.37
Também já se anulou julgamento quando a parte, embora tenha requerido julgamen-
to antecipado da lide, formulou também pedido subsidiário, no sentido de que, acaso se
reputassem insuficientes as provas dos autos, fosse realizada a prova oral em audiência.
No caso, o juiz de primeiro grau, entendendo pela suficiência das provas constantes nos
autos, julgara antecipadamente a lide, em favor do autor; porém, em sede de apelação, a
sentença foi reformada, julgando-se improcedente o pedido por serem insuficientes as
provas dos fatos constitutivos de direito. Interposto recurso especial contra o acórdão
da apelação, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, como o autor havia formulado
pedido subsidiário de produção de provas, com a respectiva especificação dos meios de
prova, o julgamento de improcedência pelo Tribunal cerceara o direito à ampla defesa,
fazendo-se necessário o retorno dos autos à origem para proceder à dilação probatória.38
Há outras hipóteses em que o julgamento antecipado toma como premissa básica
questão cronologicamente anterior ou até mesmo questão prejudicial ao exame dos de-
mais aspectos da lide. É o caso, por exemplo, de julgamento antecipado da ação de co-
brança de aluguéis fundado no reconhecimento da inexistência de contrato de locação,
tendo em vista a prova documental ou, ainda, do julgamento antecipado de ação indeni-
zatória por responsabilidade civil embasado na prova documental de inocorrência dos
fatos constitutivos narrados na inicial. Em ambas as hipóteses, se o Tribunal competen-
te para o julgamento da apelação entender, quando do julgamento do recurso, que os
fundamentos da sentença estariam equivocados (i.e., entender pela existência de con-
trato de locação, no caso da ação de cobrança ou pela ocorrência dos fatos constituti-
vos que embasaram a ação indenizatória), e, se os demais aspectos da lide demandarem
dilação probatória (para verificar, por exemplo, se houve pagamento da dívida, no caso
da ação de cobrança de aluguéis, ou se houve culpa ou dolo do agente, na hipótese de
36. “Processo civil. Provas. Cerceamento. O julgamento antecipado da lide sem que a instrução
seja a mais ampla possível cerceia indevidamente a atividade probatória da parte. Recurso
especial conhecido e provido” (STJ, REsp 487.955/MG, 3ª T., j. 08.02.2008, rel. Min. Ari
Pargendler, DJe 09.04.2008). E, em outra hipótese, em que o Tribunal entendeu essencial a
produção de prova pericial indeferida pelo juízo de primeiro grau: “Julgamento antecipado
da lide, desconsiderando o pedido de produção de provas, inclusive a pericial, sob o argu-
mento de que as teses e provas apresentadas seriam suficientes para a completa definição
dos limites dos pedidos e seus efetivos contornos (...)” (STJ, 3ª T., REsp 1.546.147/SC, rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06.10.2015, DJe 19.10.2015).
37. “O Superior Tribunal de Justiça, em interpretação do disposto nos arts. 330, I, e 333, I, do
Código de Processo Civil, já decidiu que há cerceamento de defesa quando o tribunal julga
improcedente o pedido por ausência de provas cuja produção, no entanto, foi indeferida
no curso do processo.” (STJ, 3ª T., REsp 1.502.989/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
13.10.2015, DJe 19.10.2015). Assim, também: STJ, 4ª T., AgRg no AgRg no AREsp 646.263/
SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 17.09.2015, DJe 25.09.2015).
38. STJ, REsp 50.467/SP, 3ª T., j. 12.09.1994, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 17.10.1994, p. 27.893;
RDTJRJ, vol. 21, p. 16; REVFOR, vol. 330, p. 306.
Saneamento e Organização do Processo 823
39. STJ, 1ª T., REsp 797.184/DF, j. 25.03.2008, rel. Min. Luiz Fux, DJe 09.04.2008.
40. Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte,
item 148.
824 Manual de Direito Processual Civil
do art. 357 do CPC/2015, com ou sem resolução de mérito, será o caso de o juiz proferir
a decisão de saneamento e organização do processo, por escrito ou mediante o sanea-
mento compartilhado, conforme a complexidade da causa (art. 357, § 3º do CPC/2015).
Também no caso de a decisão amparada nas hipóteses do art. 357 do CPC/2015 não
extinguir o processo, porque relativa a apenas parcela do processo, deverá o juiz proce-
der ao saneamento e organização do mesmo, numa das formas sobreditas.
Na decisão de saneamento e organização do processo são resolvidas se existentes,
as questões processuais pendentes. É desta regularização que trata o saneamento pro-
priamente dito, mas há diversos outros objetivos que devem ser atingidos nesta fase,
visando, precipuamente, a preparar o processo para a fase instrutória e para a sentença.
Por isso, na decisão saneadora também são delimitadas, de pronto, as questões de
fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando o juiz os meios de pro-
va admitidos à luz do requerimento das partes. Ademais, é definida a distribuição do
ônus da prova, se for o caso (art. 373, § 1º, do CPC/2015), observado o art. 357, III c/c
o art. 373 do CPC/2015 e, ainda, são delimitadas as questões de direito relevantes para
a decisão do mérito – o que é feito em observância ao contraditório preventivo. Será,
também, designada a audiência de instrução e julgamento, se necessária a produção de
prova oral (arts. 357, V e 361, caput, do CPC/2015).
Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará pra-
zo comum não superior a 15 dias para que as partes apresentem rol de testemunhas
(art. 357, § 4º do CPC/2015). Se for determinada a realização de prova pericial, o juiz
nomeará de, pronto, perito especializado no objeto da perícia, estabelecendo, desde
logo, o calendário para sua realização (art. 357, § 8º do CPC/2015).
Note-se que a delimitação das questões de fato e de direito a que se referem os inci-
sos II e IV do art. 357 do CPC/2015 pode ser feita de maneira consensual pelas partes.
Uma vez homologada tal delimitação, o acordo vincula as partes e o juiz (art. 357, § 2º
do CPC/2015). Trata-se de forte tendência do CPC/2015 à admissão de convenções que
versem questões processuais, a exemplo do que se extrai do art. 190, caput: “Versando o
processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes
estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.43
Uma vez realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos
ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna es-
tável (art. 357, § 1º do CPC/2015).
43. Sobre o tema, consulte-se: Leonardo Greco, Os atos de disposição processual – primeiras
reflexões. Revista Quaestio Iuris, vol. 4, 2011, pp. 722 e ss.; Leonardo Faria Schenk, O
Julgamento Conforme o Estado do Processo no Novo Código de Processo Civil. Primeiras
Impressões. Revista Eletrônica de Direito Processual Civil, Vol. XIV, pp. 263 e ss., disponível
em [http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/14540/11013]; Antonio
do Passo Cabral, Convenções processuais entre publicismo e privatismo. Tese (livre-docên-
cia). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2015; id., Convenções processuais,
Salvador: Juspodivm, 2016.
826 Manual de Direito Processual Civil
44. Luiz Rodrigues Wambier, A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), Revista de Processo
80/31; id., A audiência preliminar como fator de otimização do processo (O saneamento
compartilhado e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes), Revista da
Escola Nacional de Magistratura, vol. 1, n. 2, out. 2006, p. 100-107; id. e Rita de Cássia
Correa de Vasconcelos, A eliminação da audiência preliminar no Projeto de Novo Código
de Processo Civil – a disciplina prevista no “Relatório-Geral Barradas,” In: Alexandre Freire,
Bruno Dantas e outros (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto
do novo Código de Processo Civil, v. III, Salvador: Juspodivm, 2014, p. 41-44; Fredie Didier
Jr., Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. Salvador: Juspodivm, 2015, vol. I, pp. 531 e ss., Paulo Hoffman,
Saneamento Compartilhado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, passim.
45. O projeto de CPC – crítica e propostas. São Paulo: Ed. RT, 2010, p. 121. Além dos autores
citados na nota precedente, são defensores fervorosos da oralidade no saneamento os pro-
fessores Cândido Rangel Dinamarco (A reforma do Código de Processo Civil, São Paulo:
Malheiros, 1995, pp. 119 e ss.) e Leonardo Greco (O saneamento do processo e o Novo
Código de Processo Civil, Revista Eletrônica de Direito Processual. vol. VIII. Jul-dez de 2011,
disponível em [http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/issue/view/596], p. 566
e ss.).
46. Luiz Rodrigues Wambier, A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), cit.
Saneamento e Organização do Processo 827
Registre-se, por fim, que o saneamento tem a natureza de uma decisão interlocutó-
ria, e como tal há que ser fundamentada (v. art. 93, IX, da CF, reportando-se, generica-
mente, a todas as decisões emanadas do Poder Judiciário).
O saneamento e organização do processo tem a natureza de uma decisão meramente
interlocutória e, no sistema do CPC/2015, é impugnável, como regra, em sede de pre-
liminar de apelação, a ser interposta após a prolação da sentença (art. 1.009, § 1º, do
CPC/2015). Todavia, a depender do conteúdo da decisão, poderá ser cabível agravo de
instrumento, se a lei assim dispuser expressamente. É o que ocorre, por exemplo, com
a decisão relativa ao ônus da prova (art. 1.015, XI, do CPC/2015).
24
Teoria Geral da Prova
to material, eficácia dos seus fatos, e o direito processual a recebe e, após recebê-la, ao
precisar de convencer-se, atende ao que o direito material e o direito processual exigi-
ram ou permitiram”.1
Com relação à postura do juiz diante do exame das provas, o CPC/2015 encampou o
princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional (art. 371 do CPC/2015),
respeitados os limites intransponíveis das provas legais (v.g., art. 215 do Código Civil) e,
em certa escala, os limites das provas escritas (provas literais – art. 415 do CPC/2015).
Relativamente às provas legais haverá, apenas, de constatar, o juiz, se a prova existe ou
não, e, existindo validamente, não poderá deixar de emprestar-lhe o valor a ela atribu-
ída pela ordem jurídica.
A liberdade de convencimento do juiz, tanto no CPC/1973 como no CPC/2015,
existe e é no sentido de não estar o magistrado, via de regra, vinculado a regras que pre-
estabeleçam ou hierarquizem o valor dos elementos extraídos de cada meio de prova.
Não se trata, por óbvio, de uma liberdade irrestrita, no sentido da desnecessidade de
parâmetros lógico-racionais a guiar a conclusão do juiz a respeito dos fatos. Ao contrá-
rio, esses parâmetros são exigidos e devem constar expressamente da fundamentação
da decisão – daí as expressões livre convencimento motivado ou persuasão racional.
Oportunamente, será retomada a abordagem desse tema.
À luz dessa perspectiva é que o juiz pode atribuir o valor que tiver por adequado às
provas e sua liberdade se manifesta até em poder (= dever) deferir ou não a produção
delas, ou seja, admiti-las ou não – caso em que também deverão ser observados deter-
minados parâmetros, mais adiante analisados.
Pertencem ao Direito Material as regras formativas dos atos jurídicos (prova literal),
como, ainda, o valor jurídico respectivo de tais provas.
Desta forma, a teoria da prova, predominantemente, vem regulada no Código de Pro-
cesso Civil, quanto aos seus tipos (= meios de prova); à sua admissibilidade (pelo juiz),
reportando-se a tais normas; à sua produção (pelas partes, e, excepcionalmente, pelo
juiz – art. 370 do CPC/2015); e, ainda quanto ao ônus da prova (v. art. 373 do CPC/2015
– atividade dos litigantes) e sua valoração (art. 371 do CPC/2015), que são assuntos in-
trinsecamente processuais; já quanto ao tema relativo às provas legais, aloja-se a disci-
plina nos Códigos de Direito Material, donde, então, pertencer o assunto à teoria geral
do direito, pois, sediada a matéria no Direito Material, repercute no processo.2
de 1988, o Brasil reconstrói seu Estado de Direito, adotando como pedra fundamental o
primado dos direitos fundamentais”, dentre os quais se destacam o direito ao amplo acesso a
um tribunal independente previamente instituído pela lei para a tutela de direitos lesados ou
ameaçados de lesão, o direito à intimidade e à vida privada, à ampla defesa e ao contraditório
no âmbito do processo – cuja concreção depende da igualdade concreta, do contraditório
participativo e do mais amplo respeito à dignidade humana, claramente representado pela
proibição de provas ilícitas” (A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de
1973 ao novo Código Civil, Estudos de direito processual, p. 357-358). Assim, conclui,
as disposições sobre provas, independentemente de constarem da lei processual ou da lei
material, devem observar os preceitos constitucionais, de modo que, no entendimento de
Leonardo Greco, as novas regras sobre o tema, constantes do Código Civil de 2002, devem
ser interpretadas “de modo a assegurar a mais ampla eficácia das garantias fundamentais
do processo, constitucionalmente reconhecidas, pois, se isso não for possível, deverão se
repudiadas por inconstitucionalidade.” Por isso, as normas materiais não necessariamente
se sobrepõem às processuais e vice-versa, e as normas posteriores não podem ser tidas como
revogadoras das normas já vigentes senão após uma análise de sua constitucionalidade e
do âmbito exato de aplicação (A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de
1973 ao novo Código Civil, Estudos de direito processual, p. 358-359).
3. No particular, veja-se: Luigi Paolo Comoglio. Le prove civili. Terza edizione. Torino: UTET,
2010, p. 40.
Teoria Geral da Prova 831
Se este é o entendimento que prevalece, quer isto dizer que a ordem jurídica convive
com e alberga decisões menos exatas (não desejáveis, mas toleráveis) quanto à apreciação
da prova, ou seja, quanto à “verdade” (inexata verdade) apurada. 4
Quando se trata de bens indisponíveis, procura-se, de forma mais acentuada, fazer
com que, o quanto possível, o resultado obtido no processo seja o mais aproximado da
verdade material.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça preconiza – e preconizava, já em 1996 –,
maior iniciativa probatória do juiz na busca da verdade real, quando se trata de interes-
se público. Tal orientação aponta para uma tendência, hoje crescente, de se privilegiar
a busca da verdade no processo em detrimento do princípio dispositivo, que atribui às
partes o papel de requerer e produzir as provas necessárias à formação do convenci-
mento judicial acerca dos fatos. A defesa da ampliação da iniciativa probatória do juiz
– especialmente em casos que envolvam o interesse público ou em que se detecte ma-
nifesto desequilíbrio socioeconômico ou técnico-processual entre as partes – ampara-
-se no argumento de que a atuação de ofício do magistrado não ofenderia o princípio
da imparcialidade, mas, antes, cuidaria de equilibrar as partes do litígio, colocando-as
em pé de igualdade, o que aumentaria as chances de alcançar uma solução mais próxi-
ma da verdade e, portanto, mais justa.5
4. Para uma leitura aprofundada acerca dos questionamentos de ordem filosófica e técni-
co-processual que envolvem a descoberta da verdade, são altamente recomendáveis as
obras de Michele Taruffo, em que se analisam as teorias que rejeitam a verdade real como
objetivo do processo, na convicção de que a eficácia do processo exigiria restrições de
tal porte à investigação dos fatos que não se poderia equiparar a verdade processual à
verdade buscada, por exemplo, na pesquisa científica. Analisa também as concepções
que se respaldam na busca da legitimação pelo procedimento, segundo as quais, para
o cumprimento do objetivo da tutela jurisdicional, bastaria a observância das normas
formais destinadas à solução de conflitos. Nessa linha, o conteúdo das decisões judiciais
e a coincidência entre os fundamentos da sentença e a verdade dos fatos ocorridos seria
irrelevante para o escopo do direito processual. Na visão crítica de Taruffo, o adversarial
system norte-americano se encartaria nessa filosofia, ao delegar às partes a tarefa de
instruírem o feito, vedada a iniciativa probatória do juiz (Michele Taruffo, Verità e pro-
babilità nella prova dei fatti. In: Fredie Didier e Eduardo Ferreira Jordão (orgs.), Teoria do
processo: panorama doutrinário mundial, Salvador: JusPodivm, 2008, p. 669). V., também,
La prueba de los hechos (Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta,
2002), do mesmo Taruffo (título no original: La prova dei fatti giuridiche), especialmente
no Capítulo I, intitulado “Prueba y verdad en el proceso civil”, p. 21-88, onde se discorre
mais amplamente sobre o tema. E, entre nós, cf. a análise feita por Marinoni, Arenhart e
Mitidiero no Novo curso de direito processual civil. Tutela dos direitos mediante proce-
dimento comum. Vol. 2. São Paulo: RT, 2015, p. 242 e ss., onde abordam “a verdade e a
função da prova”.
5. “O Julgador deixou de ser mero espectador da batalha judicial, passando a assumir uma
posição ativa que lhe permita determinar a produção de provas, mormente como no caso
em que se cuida de ação de estado, o autor é menor impúbere e beneficiário da Assistência
Judiciária. Entendimento que se aplica também ao segundo grau de jurisdição. Precedentes
do STJ. Recurso especial conhecido e provido para, convertendo-se o julgamento em dili-
gência, ordenar a realização do exame de DNA. (STJ, 4ª T., REsp 218.302/PR, rel. Min. Barros
832 Manual de Direito Processual Civil
pois, é endereçarmo-nos para uma definição substancial. Parece que os pontos cardeais
são os seguintes: 1º) não se circunscreve a notoriedade a um dado lugar, embora o tem-
po nela possa influir, pois o que já foi notório poderá deixar de o ser; 2º) a notoriedade,
pois, deve abarcar, pela sua evidência, todos os membros do Judiciário, assim como,
também, a média dos homens cultos; 3º) não se confina, portanto, nessa linha, a um só
dado grau de jurisdição, mas há de abranger todos aqueles por onde possa tramitar a
causa; 4º) por notório, no entanto, não se haverá de entender o que seja efetivamente
conhecido, senão o que possa, facilmente e com segurança, ser conhecível, de tal arte
que o juiz, v.g., com acesso a qualquer livro de história ou de geografia, possa se inteirar
do fato, que, por constar de qualquer livro, é seguramente notório; 5º) deve ser conhe-
cido o fato, tendo em vista um padrão médio de cultura, de que participa também o juiz,
e, justamente por isto, não se encontrará o juiz psicologicamente inibido em fazer uso
de seu conhecimento, como aconteceria se conhecimento privado fosse.
Afigura-se-nos, ainda, que no conceito de fato notório está contida, também, a fi-
gura designada no Direito comparado por notoriedade judicial, ou seja, aquele ou aque-
les fatos de que o juiz, em decorrência de sua função, tem conhecimento seguro. Neste
caso, menos em função de qualquer conhecimento privado, senão com fulcro na noto-
riedade judicial, poderá dar por conhecido o fato, indicando a fonte, para conferência
de sua assertiva.
2. Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, desde que a
demanda seja relativa a bem ou direito disponível.
Esta é, certamente, uma regra geral. Quer o art. 374, II, do CPC/2015 significar que
ditos fatos confessados, em princípio, desnecessitam de outra prova, além da própria
confissão. Obviamente, porém, o juiz não está obrigado a valorar positivamente a con-
fissão, se outros meios de prova, já existentes indicarem o contrário. Do mesmo modo,
se, no curso do processo, surgir prova que desminta o fato confessado (v.g., no caso de
documento superveniente), não estará o juiz adstrito ao teor da confissão. Assim, é em
virtude do princípio do livre convencimento motivado (v. infra).
Se os direitos forem indisponíveis, a confissão da parte contrária não dispensará ou-
tros meios de prova, visto que o art. 392 do CPC/2015 estabelece a sua inaptidão. Des-
ta forma, ainda que haja confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis, deverá ser
considerado todo o conjunto probatório, na resolução do mérito..
3. Os fatos admitidos como incontroversos no processo (inc. III do art. 374), sendo es-
tes não necessariamente os confessados (por via de confissão, judicial ou extrajudicial),
mas simplesmente com o(s) qual(is) concorda o adversário de quem os alegou. No caso,
podem ser admitidos só pelo silêncio, isto é, mesmo os não contestados.
4. Os fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade: no
CPC/2015 milita a “presunção” legal de veracidade dos fatos não contestados pelo réu
(art. 341 CPC/2015), nos moldes e com as cautelas já expostas, e tendo-se presente tam-
bém a regra do art. 345, caput e incs. I a IV, do CPC/2015. Em relação a esta hipótese de-
ve-se ter presente que dar-se-á por provado o fato presumido, mas o fato de que emerge
a presunção deve ser provado.
834 Manual de Direito Processual Civil
Ainda, podemos apontar dentre os fatos que, por não serem controversos, dispen-
sam a prova:
1. Os fatos inconcludentes, que, com ou sem prova, seriam irrelevantes para o proces-
so, servindo, a prova, se realizada, unicamente para protelá-lo, sem utilidade alguma;
são estes o contrário dos fatos relevantes.
2. Os fatos intuitivos, que são aqueles perceptíveis pela experiência comum ao juiz
e aos demais homens.
3. Os fatos indeterminados, que, por não se fixarem na realidade espacial ou tempo-
ral, não podem, logicamente, ser objeto de atividade probatória.
4. Os fatos absolutamente negativos. Hodiernamente e de forma pacífica, a afirmação
de que os fatos negativos não necessitam ser provados vem perdendo o valor, uma vez que
poderão, ou melhor, deverão ser provados, quando uma parte, negando o(s) afirmado(s)
pela outra, a seu turno, fizer uma afirmação de fato (positivo), contrária e excluden-
te do fato, por essa razão negado, caso em que o ônus da prova será bilateral. Somente
os “fatos” absolutamente negativos, as negativas absolutas ou as indefinidas é que são
insuscetíveis de prova, por quem as tenha feito; aqui, o ônus é só de quem alegou o fato.
Os fatos constituem-se no meio através do qual se traçam nitidamente os contornos
da situação ou relação jurídica, que será decidida pelo juiz.
6. Pela redação do Projeto do CPC de junho de 2010, no Senado, constava seguinte texto,
que veio a desaparecer na parte sublinhada, na versão final aprovada do CPC/2015, sendo
elemento significativo em relação ao nosso entendimento:
“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e
faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência
técnica.”
7. STF, Segundo HC 69.912/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.12.1993, DJU 25.03.1994;
STJ, AgRg no Ag 42.325-5/GO, rel. Min. Antônio Torreão Braz, DJ 13.12.1993.
836 Manual de Direito Processual Civil
Exemplo de prova ilícita por derivação consiste na juntada de documento cuja existên-
cia foi descoberta mediante depoimento de testemunha submetida a tortura. A prova
documental é formalmente regular e perfeita, mas a origem é ilícita.
Em geral, a admissão de provas ilícitas e de provas ilícitas “por derivação” conduz
à nulidade do processo e da sentença. Quando, porém, se verificar que, apesar de ad-
mitidas tais provas, o resultado delas decorrente não foi determinante para a convicção
judicial ou, ainda, que esta teria sido alcançado, inevitavelmente, por outros meios (lí-
citos) de prova, não se declarará a nulidade.
Além da ilicitude, a principal limitação à admissibilidade da prova é a de que ao juiz
e às partes não é dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso.
Nesse ponto, cabe ao juiz impedir as diligências probatórias inúteis ao respectivo objeto
(art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), que, aliás, são também procrastinatórias. Por
provas inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), são
aquelas que não dizem respeito a fatos pertinentes e relevantes para a solução do litígio,
e que não têm potencialidade de influenciar a conclusão sobre os fatos.
Sendo desnecessária a produção de novas provas, o juiz proferirá, desde logo, o jul-
gamento antecipado do mérito (art. 356 do CPC/2015).
8. Sobre alguns problemas culturais que resultam na antecipação da valoração da prova para o
momento da admissibilidade, Stela Tannure Leal, “Prova relevante X ‘cognição suficiente’:
da necessidade da reconstrução de conceitos em matéria probatória para a emersão do
contraditório como influência” Revista Eletrônica de Direito Processual. n. 13. Disponível
em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11937/9348.
838 Manual de Direito Processual Civil
ção de direito, provando.9 Disso decorre que a admissão dos meios de prova requeridos
pelas partes deve ser ampla, ou seja, a lei não pode limitar, desarrazoadamente, o exer-
cício do direito à prova pelas partes. Do contrário, estará impedindo os jurisdicionados
de tentar influir na decisão judicial, em franca violação ao contraditório.
Nesse sentido, dispõe o art. 369 do CPC/2015, na linha do que já estabelecia o
art. 332 do CPC/1973, que “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, para
provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente
na convicção do juiz.” Tal enunciado normativo consagra o chamado princípio da li-
berdade, atipicidade ou não-taxatividade dos meios de prova, que nada mais é que um
dos reflexos do status constitucional do direito à prova.
Deve-se ter presente que se provam fatos, e que a prova não diz respeito à compro-
vação do direito, salvo na hipótese do art. 376.
A liberdade dos meios de prova consiste, portanto, em vedar ao juiz a inadmissão
da prova ao argumento da ausência de previsão legal da espécie probatória requerida
pela parte.
Não será por ter sido o legislador omisso a respeito, ou então porque, à época em
que foi feita a lei, se desconhecia, cientificamente, um meio de prova, que este não de-
verá ser admitido. O que interessa é que o meio seja jurídico – isto é, não repelido pelo
sistema, mas harmônico com este – como também moralmente lícito.10
As limitações à admissão da prova não estão, pois, relacionadas à existência de pre-
visão legal de determinado meio de prova. São admissíveis também, como o próprio
art. 369 do CPC/2015 dispõe, as que sejam compatíveis com a moral.
Ainda, é possível afirmar, por tudo o que já se expôs a respeito do objeto da prova
(v. item retro), que tais limitações dizem respeito à existência de fato controvertido (via
de regra), pertinente e relevante. Nesse sentido, pode o magistrado indeferir as provas
inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parágrafo único, do CPC/2015), que são
aquelas que não dizem respeito a fatos pertinentes e relevantes para a resolução do lití-
gio, e que não têm potencialidade de influenciar a conclusão sobre os fatos.
24.2.2. A vedação das provas ilícitas como exceção ao princípio da liberdade dos
meios de prova
A Constituição Federal tem textos expressos relativos às provas ilícitas: o art. 5º,
LVI, contém a proibição geral da utilização de provas ilícitas; o inc. X do mesmo artigo
protege a intimidade, privacidade e a honra, que são direitos fundamentais frequente-
mente ofendidos pelo uso de provas invasivas e, finalmente, o inc. XII, regulamentado
11. No sentido da licitude desta prova emprestada: José Carlos Barbosa Moreira, A Constituição
e as provas ilicitamente obtidas, Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva,
1997, pp. 117 e 118; Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga,
Curso de Direito Processual Civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente,
coisa julgada e tutela provisória. v. II. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 101 e 133 e ss. No sen-
tido oposto, pela ilicitude: Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 79; Luiz Flávio Gomes, Finalidade da interceptação telefônica e
questão da prova emprestada. Repertório IOB de Jurisprudência, v. 4/97, p. 75; Eduardo
Talamini. Prova Emprestada no processo civil e penal, Revista de Informação Legislativa,
v. 35, n. 140, Brasília, out-dez. 1998, 157-158.
12. STF, AgRg no AgIn 503.617, 2ª T.,, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 04.03.2005; g.n.
13. STJ, 5ª T., REsp 214.089/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 16.03.2000, DJ 17.04.2000.
O entendimento consignado no acórdão permanece inalterado: (4ª T., AgRg no Ag 962.257/
MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 10.06.2008, DJe 30.06.2008; 4ª T., AgRg nos EDcl
no REsp 815.787/SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 14.05.2013, DJe 27.05.2013.
14. STJ, 5ª T., EDcl no RMS 17.732/MT, j. 23.08.2005, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.09.2005; STJ,
6ª T., HC 247.331/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 21.08.2014, DJe 03.09.2014.
840 Manual de Direito Processual Civil
15. Cf. v.g., Alberto Monton Redondo, Los nuevos medios de prueba y la posibilidad de su uso
en el proceso (con especial referencia a las grabaciones magnetofónicas a la eficacia de las
pruebas ilícitamente conseguidas), Salamanca: 1977, passim.
16. Cf., pro exemplo, STJ, 6ª T., HC 186.118/RS, rel. Min. Sebastião Reis Júnior,j. 05.06.2014,
DJe 29.10.2014.
17. José Carlos Barbosa Moreira, A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Temas de Di-
reito Processual: sexta série. Saraiva: Rio de Janeiro, 1997 p. 114-115. Para Danilo Knijnik (A
prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pp. 23-24) a questão
é mais complexa, por ser impossível identificar, na motivação da decisão, os elementos de
prova que tenham sido determinantes na formação do convencimento judicial.
18. Sobre as razões da vedação à utilização da ciência extraprocessual do juiz (considerada como
mais abrangente que a ciência privada por este autor), confira-se Ettore Dosi, Sul principio
del convincimento del giudice nel processo penale. Milano: Giuffrè, 1957, Primeira Parte,
III, p. 14.
Teoria Geral da Prova 841
limitação não é observada no princípio do livre convencimento puro e simples (ou ínti-
ma convicção), mas, apenas, no livre convencimento motivado ou persuasão racional.
Há, ainda, outras limitações à convicção judicial a respeito dos fatos, tais como
aquelas amparadas em provas suspeitas (v.g., a suspeição do perito ou de testemunhas)
ou ilícitas.
Tais características já se verificavam à luz do CPC/1973, diferenciando o chamado
“livre convencimento motivado” da íntima convicção do juiz ou julgamento por cons-
ciência, historicamente conhecidos como sistemas em que o juiz possui liberdade ili-
mitada para a formação de sua convicção.
Contudo, o art. 131 do CPC/1973, ao aludir à apreciação livre da prova, ensejava
má compreensão,19 o que, certamente, motivou a redação do art. 371 do CPC/2015. Re-
ferido dispositivo expressa melhor a ideia de persuasão racional – que, diga-se de pas-
sagem, não decorre simplesmente dos códigos, mas da vinculação do convencimento
do juiz às provas produzidas por força do contraditório, bem como da necessidade de
fundamentação das decisões judiciais.
Parece-nos, entretanto, que, a rigor, os sistemas do livre convencimento motivado e da
persuasão racional se identificam, mormente quando se tem consciência de que decor-
rem muito mais dos princípios constitucionais do que dos dispositivos presentes nos
códigos de processo civil. A segunda denominação é, porém, preferível à primeira, que
pode dar ensejo ao arbítrio decorrente de interpretações equivocadas.
Em síntese, a persuasão racional observa as seguintes diretrizes gerais: o juiz deve
ater-se aos fatos debatidos, se deve valer apenas dos conhecimentos fáticos processual-
mente adquiridos, vedada a utilização da ciência privada, deve levar em consideração
todo o material probatório (ou seja, todos os elementos de prova), todo o conhecimen-
to extraído processualmente e deve motivar seu convencimento.20
Por fim, especificamente quanto à vedação do conhecimento privado do juiz, há que
se ressaltar que dessa proibição se excetuam as máximas da experiência comum e técni-
ca21 e os fatos notórios.22 E assim é porque, nesses os casos, embora o juiz se utilize de
um conhecimento que não é extraído necessariamente dos autos, esse conhecimento é
compartilhado por toda a sociedade num determinado contexto histórico e cronológico.
19. Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de Direito Pro-
cessual Civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela
provisória. v. II. Salvador: Podivm, 2015, p. 102.
20. Ettore Dosi, Sul principio del libero convincimento del giudice nel processo penale, op. cit.,
Terceira Parte, III, p. 69.
21. As máximas de experiência, que serão oportunamente referidas (capítulo sobre a Prova
Pericial) são regras de cunho abstrato que completam a moldura da lei, no sentido de
expressarem uma referibilidade da lei à realidade sobre a qual ela incide, tendo em vista
o que a experiência comum (leis físicas, da medicina, da biologia etc.), necessariamente
generalizada, significa de verdadeiro. Nessa medida, assimilam-se mais à norma do que ao
fato, muito embora sejam extraídas do mundo empírico.
22. Sobre os fatos notórios, vide o que dissemos no capítulo sobre o Conceito de Prova, item
referente ao objeto da prova.
842 Manual de Direito Processual Civil
23. Em julgado interessante, o STJ assim decidiu: “1. Não se conhece de recurso especial in-
tentado contra acórdão que transformou o julgamento de apelação em diligência para que
nova perícia seja realizada a fim de ser encontrado o real valor da indenização reconhecida
como devida ao exequente. (...) 4. Acórdão de segundo grau que reconheceu ser impossível,
com base nos trabalhos periciais existentes nos autos, a fixação de um julgamento equâni-
me, capaz de dar cumprimento ao acórdão. 5. Aresto baseado em fatos que entendeu, de
modo incensurável, que os trabalhos periciais realizados contêm falhas impossibilitadoras
de determinar-se o real valor da indenização reconhecida em juízo” (STJ, REsp 648.474/SP,
1ª T., j. 16.11.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 17.12.2004, p. 458).
Teoria Geral da Prova 843
na prova dos autos, pouco importando quem a tenha produzido (art. 371 do CPC/2015);
a prova pertence ao processo e será, pelo seu valor intrínseco, sopesada pelo juiz, inde-
pendentemente de se ter originado da atividade deste ou daquele litigante, ou mesmo
de sua atividade oficiosa como juiz.
Diante do princípio da aquisição processual ou da comunhão nos resultados da pro-
va, cujo pressuposto é a existência de prova nos autos, nos casos em que tenha sido produ-
zida pela parte a quem prejudica, não se aplicará o ônus da prova, pois o juiz julga com
base no art. 371 do CPC/2015, que pressupõe prova sem considerar a sua origem, des-
ta ou daquela parte, sendo de se consignar por isso que o termo ônus objetivo24 é infe-
liz, não devendo ser usado. Isto porque, se há comunhão nos resultados da prova, num
caso concreto, não há que se falar em ônus. Demais disso, o ônus é, por natureza, emi-
nentemente subjetivo e relacionado com o agir ou com o não agir, bem ou mal sucedi-
do de um litigante.
O princípio da aquisição processual admite que uma parte, em última análise, pro-
duza prova contra si mesma. Se a prova realizada por um litigante for favorável ao outro
e constar do processo, deverá o juiz tomar conhecimento da mesma podendo, se for o
caso, julgar contra aquele litigante. Na apreciação das provas abstrai-se, sua origem.
24. Veja-se sobre a origem do termo ônus objetivo: Alfredo Buzaid, Do ônus da prova, Revista
de Direito Processual Civil (1964), v. 4, n. 17/19, p. 16-17 e n. 27.
25. Toda classificação (em Direito ou fora dele) parte de um (alguns) determinado(s) critério(s),
que haverá(ão) de informá-la. Encerrará uma verdade, ou melhor, uma utilidade, na medida
em que os objetos classificados se ajustem ao(s) critério(s) eleito(s), ou não. Assim, a própria
prova direta (documental, testemunhal) implica intermediação entre o meio de prova e o fato
(quais sejam, o documento e a testemunha). Dessa forma, sob outro critério, prova direta
seria, exclusivamente, a inspeção judicial [e, mesmo nesta, se houver auxílio de perito(s)],
terá havido a intermediação intelectiva e explicativa entre o fato, diretamente observado, a
sua compreensão; vale dizer, a explicação fornecida pelo(s) perito(s). Rigorosamente direta,
portanto, seria a inspeção, desacompanhada de perito(s)]. Aceitando-se, todavia, que a
prova testemunhal ou documental seja prova direta também (ao lado da inspeção judicial),
neste Capítulo, em face de tal critério, trata-se das provas indiretas. Sobre a distinção entre
844 Manual de Direito Processual Civil
prova direta e indireta, v.: Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário: Rio
de Janeiro: Forense, 2007, p. 26; Federick Schauer, Profiles, probabilities and stereotypes,
London: The Belknap Press of Harvard University Press, 2003, p. 92-107.
26. Assim, exemplificativamente: 1ª) o documento público (art. 405 do CPC/2015) que, com fé
pública, prova o seu conteúdo, e, bem assim, os fatos verificados na presença do escrivão,
tabelião, ou funcionário, e que, como tais, tenham sido declarados, por essas autoridades;
2ª) a mesma prova fazem os documentos a que se refere o art. 425, I a VI, do CPC/2015; 3ª)
se a lei exigir, como único meio possível, determinado meio de prova, só este poderá ser
usado (art. 406 do CPC/2015; v.g., alguém somente será proprietário, se comprovar existir
transcrição em seu nome na hipótese do art. 1.245 do CC/2002, ainda que se trate de pre-
sunção legal relativa); 4ª) se, na prova da obrigação, houver exigência legal de prova escrita,
havendo começo de prova por escrito, poder-se-á, então, complementá-la com outra prova,
especialmente a testemunhal (art. 444 do CPC/2015).
27. “As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova
testemunhal”.
28. De forma análoga, cf. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
Novo curso de processo civil. v. 2. Tutela dos direitos mediante procedimento comum. São
Paulo: RT, 2015, p. 292-293
29. Outras situações há em que a jurisprudência tem aceito a prova indiciária como suficiente
a indicar um fato. Assim, por exemplo, tem se entendido que a inatividade de empresa e a
ausência de seu funcionamento no endereço constante dos registros oficiais, devidamente
atestada pelo oficial de justiça, faz presumir a dissolução irregular da sociedade. Nesse
sentido, com referência a diversos precedentes: STJ, AgRg no REsp 1.527.224/SC, 2ª T., rel.
Min. Assusete Magalhães, j. 06.08.2015, DJe 14.09.2015. Temos para nós que tal entendi-
mento deve ser adotado com a necessária cautela que é inerente à prova indiciária, tendo
em vista a necessidade de se atentar, sempre, para o conjunto probatório.
Teoria Geral da Prova 845
Indícios e presunções encontram-se, pois, como regra geral, numa posição subsi-
diária relativamente à prova direta.
O indício é o fato provado que, estando na base do raciocínio do juiz, leva a que este
creia (como acreditaria qualquer homo medius) que tenha ocorrido outro fato (o fato
principal ou fato probando). É, pois, o indício, o fato auxiliar, do qual se pode extrair
o fato base, que é aquele que constitui objeto de controvérsia. A este raciocínio se dá o
nome de presunção hominis.
Deste conceito estão excluídas as presunções legais (relativas ou absolutas), sobre
as quais falaremos adiante.
24.3.3. Presunção
A presunção, genericamente considerada, constitui-se num processo lógico-jurídi-
co, admitido pelo sistema para provar determinados fatos. Por esse processo, uma vez
30. Sobre as regras da experiência, cf. Friederich Stein, El conocimento privado del Juez. In-
vestigaciones sobre el derecho probatorio en ambos os procesos. Trad. de Andrés de La
Oliva Santos. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra S.A, 1973, p. 22 e ss., Adroaldo
Furtado Fabrício, Fatos notórios e máximas da experiência. In: Flávio Luiz Yarshell; Maurício
Zanoide Moraes. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo:
DPJ, 2005, p. 430-441; José Carlos Barbosa Moreira, As presunções e a prova. Temas de
direito processual. Primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 55 e s.
846 Manual de Direito Processual Civil
31. Na presunção relativa, provado o fato auxiliar ou base, o fato probando será tido por ver-
dadeiro. Por isto, conquanto deva haver atividade probatória, esta não necessita (por parte
do beneficiário da presunção) de se endereçar para o fato presumido, tanto bastando que o
fato auxiliar seja provado. Verbi gratia, se o devedor pretende ter pago a nona prestação (é
a prestação que se discute) e juntar o recibo da décima, por força do art. 322 do CC/2002,
a nona será tida como paga. No entanto, apesar disto, é possível ao credor comprovar que,
conquanto esteja paga a décima, a nona prestação não se encontra paga. A atividade do
devedor pode se endereçar só para o fato auxiliar, ao passo que a do credor há de se dirigir,
necessariamente, para o fato presumido, diante da circunstância de estar provado o fato
auxiliar.
Já se tratando de presunção absoluta, provado o fato auxiliar, é juridicamente irrelevante a
prova da inocorrência do fato presumido, que, no sistema jurídico, será sempre tido como
existente e verdadeiro (v.g., art. 174 do CC/2002). Daí não há de ser admitida mesmo tal
prova.
Desta forma, no campo da presunção absoluta a atividade probatória deve-se exercer, de
lado a lado, exclusivamente, tendo em vista o fato auxiliar. Ainda que se pudesse comprovar
a inexatidão do fato presumido, apesar da existência do fato auxiliar, valeria a verdade do fato
presumido; leva esta proposição jurídica à conclusão da inutilidade, e, portanto, inadmissibi-
lidade de qualquer atividade probatória, tendo em vista o fato probando, propriamente dito.
32. É de se registrar que Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito processual civil,
23. ed. Atual. Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 2, p. 512) acresce às
presunções legais mais uma categoria, qual seja, as presunções mistas ou intermediárias.
Segundo o referido autor, tais presunções são aquelas estabelecidas pela própria lei, mas
que admitem prova em sentido contrário; porém, não será qualquer prova capaz de afastar
a presunção, mas apenas e tão somente aquelas referidas e previstas na própria lei [v.g.,
art. 1.545 e 1.597 do CC/2002 (art. 203 e 338 do CC/1916)].
Teoria Geral da Prova 847
33. Mesmo que se pudesse entender, como faz Fabio Ulhoa Coelho (Código Comercial anotado,
p. 130), que o art. 457 do CCo não teria sido recepcionado pelo art. 178, § 2º, da CF/1988, que
dava a definição de navio brasileiro, tal entendimento não deve prevalecer diante da revogação
daquele dispositivo constitucional pela Emenda Constitucional n. 7, de 15.08.1995, nada
dispondo a atual redação do art. 178 e respectivo parágrafo único da Constituição Federal
sobre a definição de navio brasileiro. Assim, prevalece a disciplina do registro das embarcações
de acordo com o que dispõe a Lei 7.652/1988. O art. 5º, parágrafo único, deste diploma traz
uma presunção legal relativa ao prescrever que “presume-se proprietário a pessoa física ou
jurídica em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o caso”.
34. Como exemplo dessa percepção de uma consequência habitual que gere presunção, v.,
do STJ: “O nexo de causalidade entre os danos suportados pelo autor e a conduta ilícita
dos requeridos já restou suficientemente apreciado alhures. A existência de danos morais
é também incontroversa, na medida em que é de presunção hominis que a lesão grave de
membro, inequivocadamente, causa-lhe lesões de ordem íntima, subjetiva, referente às
tristezas e sentimentos de inferioridade que a própria debilidade lhe trará, prejudicando-o
em sua vida familiar e social” (STJ, AgRg no REsp 914.936/MG, 1ª T., j. 05.02.2009, rel. Min.
Luiz Fux, DJe 18.02.2009).
Teoria Geral da Prova 849
por indícios e presunções hominis, ou, na verba legis, “por indícios e circunstâncias”. É
claro que, para tal finalidade, úteis serão os indícios e circunstâncias que levam às pre-
sunções hominis, justamente porque tais atos não se praticam às claras, e, assim, bastan-
te difícil é a prova direta dos mesmos. Ainda, útil era o critério constante do art. 253 do
Código de 1939, tangentemente à apreciação dos indícios, ou seja, que “o juiz conside-
rará livremente a natureza do negócio, a reputação dos indiciados e a verossimilhança
dos fatos alegados na inicial e na defesa”, que, embora não seja previsto de forma ex-
pressa pela lei atual, pode-se considerar como ainda aplicável.
Duas novidades do Código Civil, que tangenciam o problema das presunções e que
têm grande aplicação no terreno da investigação de paternidade, merecem ser referi-
das. Uma delas é o art. 231, segundo o qual a parte que se nega a submeter-se a exame
médico não poderá argumentar com a ausência dessa prova, decorrente de sua recusa.
E, ainda, o art. 232, pelo qual se permite ao juiz equiparar a recusa ao exame, à prova
que se pretendia obter com a realização da perícia médica. Há, neste sentido, uma au-
torização legal para que o juiz proceda a um raciocínio por presunção, que não é abso-
luto, mas passível de ser afastado por prova em contrário do investigado.38 Súmula do
STJ é expressa ao referir-se à presunção relativa.39 Conquanto a súmula 301 refira-se a
presunção relativa, há na doutrina opinião valiosa de que trataria, a recusa, num indí-
cio conducente à convicção de que há paternidade.40
38. Sobre o tema, ver: Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei (coords.), Prova, exame médico e
presunção – O art. 232 do Código Civil. Salvador: Podivm, 2006.
39. “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade”.
40. Confira-se, neste sentido, artigo de José Carlos Barbosa Moreira “La negativa de la parte
a someterse a una pericia médica (Según el nuevo Código Civil Brasileño), In: Temas de
Direito Processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 159-166, onde se explica que
a introdução do dispositivo no Código Civil veio para aclarar a situação de dúvida gerada
pela orientação do Supremo Tribunal Federal acerca da impossibilidade de compelir o réu
em ação de investigação de paternidade a realizar o exame de DNA (STF, Pleno, HC 71.373,
rel Min. Francisco Rezek, j. 10.11.1994). Observa, ainda, o citado autor, que o preceito legal
estabelece que a conduta processual da parte pode, neste caso, funcionar como um indício,
hábil a fundamentar uma presunção judicial. No mesmo sentido: Fredie Didier Jr., Rafael
Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 260-261.
Teoria Geral da Prova 851
lograr mesmo fazer contra o “fato presumido” a prova contrária. Tal atitude é a mais
indicada, certamente, pois, logrando êxito, cairá por terra a própria possibilidade de
invocação da presunção.
estrada; b) o derramamento de óleo; e c) a hemorragia, com o que, ipso facto, teria pro-
vado a culpa, realidade imanente ao próprio fato provado. A mesma coisa se diga de ob-
jeto caído (ou jogado) de um prédio e que tenha ferido alguém. Bastará provar a que-
da (tenha sido atirado ou tenha caído), que estará provada a culpa. Eventualmente, o
ônus da prova contrária será, de outra parte, extremamente difícil. É possível, no entan-
to, provar que o apartamento de onde caiu o objeto havia sido assaltado (apesar de bem
fechado, tendo sido rendido o zelador ou guarda), e que foram os ladrões que teriam
deixado cair o objeto.
Se se encarta no ônus da prova, no entanto, coloca-se como modalidade particular-
mente acentuada de presunção hominis, no sentido de defluir claramente do fato mesmo a
culpa, ou dolo, que serão os critérios legais geradores de responsabilidade civil.
45. Sobre o assunto, consultar Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT,
1972, v. 2, Cap. XXX, p. 443 et seq.
Teoria Geral da Prova 853
ção ou esbulho; locação e infração etc.); ao réu, quanto à existência de fato impeditivo
(v.g., não está em mora, porque sua prestação depende de prestação do autor), modifi-
cativo (v.g., falta de requisito do negócio jurídico em que se estriba o autor, ou a situação
em que se baseia o autor se alterou) ou extintivo (v.g., pagamento, remissão e, comu-
mente, decadência) do direito do autor (art. 373, caput e seus incisos, do CPC/2015).46
46. Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco. Teoria geral do processo. 23. ed. São
Paulo: Malheiros, 2007, n. 228.
47. Cf. Marici Giannico, A prova no Código Civil: natureza jurídica, A prova no código civil:
natureza jurídica. São Paulo: Saraiva, 2005, n. 20, p. 95: “Como é intuitivo, os ônus diferem
substancialmente das obrigações e dos deveres. Enquanto o descumprimento de um ônus
não causa mal algum nem frustra expectativas de outras pessoas, a inobservância de uma
obrigação ou de um dever contraria o direito e, portanto, deve ser sancionada de forma a
propiciar ao prejudicado resultado idêntico que seu cumprimento espontâneo produziria”.
854 Manual de Direito Processual Civil
48. A propósito deste tema, cf. nossa publicação: Arruda Alvim, Questões controvertidas sobre
os poderes instrutórios do juiz, a distribuição do ônus probatório e a preclusão pro judicato
em matéria de prova. In: Fredie Didier Jr.; Glauco Gumerato Ramos; Wilson Levy,. (Org.).
Ativismo Judicial e Garantismo Processual. 1ed.Salvador: Podivm, 2013, v. 1, p. 97 e ss.
49. Cf., sobre o tema: Juan Montero Aroca, (coord.), Proceso civil e ideologia: un prefacio, una
sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: ed. Tirant lo blanch, 2006; Leonardo Gre-
co, Publicismo e Privatismo no processo civil. Revista de Processo [RePro], n. 164, ano 33,
out. 2008, p. 29-48; Barbosa Moreira, Neoprivatismo no processo civil. Revista de Processo
[RePro] n. 122, p. 9-21.
50. Em sentido contrário: Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil. 4. ed. Navarra:
Thomson Civitas, 2005, p. 45, para quem a busca da verdade não pode ser a função do
processo civil.
Teoria Geral da Prova 855
51. Nesse sentido, confira-se a seguinte obra: Jordi Ferrer Beltrán, Prova e verità nel diritto.
Bologna, Società editrice il Mulino, 2004, passim.
52. Existe, atualmente, uma tendência no sentido de se hipertrofiar o poder do juiz, no que diz
com sua atividade ex officio – inspirada, acredita-se, por uma concepção não individualista
de Justiça –, e, correlatamente, minimizar a importância da eventual inércia do litigante
que não tenha diligenciado na atividade probatória. Exemplo desta orientação é a posição
assumida por Barbosa Moreira (O juiz e a prova, Revista de Processo [RePro] 35/178 et
seq., especialmente p. 180, 1978), e que já assim se manifestara em relatório ao Congresso
Internacional realizado em 1977, na Bélgica – cf. Walther J. Habscheid, As bases do Direito
Processual Civil (trad. de Arruda Alvim). Revista de Processo [RePro] 11-12/117 et seq.,
1978, v. especialmente, p. 143, 8, letra b, nota 176; igualmente é a tendência denunciada
pelo relator italiano, a esse Congresso, Nicòlo Trocker (op. ult. cit., 143, 177). Lembra-se,
no relatório geral, o novo Code de Procédure Civile francês que, em seu art. 7º, alíneas
2 e 9, possibilita poder oficioso ao juiz, e o § 139 do CPC alemão, no sentido de que o
juiz tem o dever de colocar questões para relacionamento do litígio. No entanto, e, em
síntese, se conclui: a) que sempre o discrímen superior será o da imparcialidade do juiz;
b) de qualquer forma, é inviável cogitar-se da existência de um processo suscetível de ser
qualificado como “inquisitório” na Europa Continental (op. ult. cit., conclusões do relator
geral, p. 143-144).
53. Sobre as principais teorias acerca do ônus da prova, v. Alfredo Buzaid, Do ônus da prova.
Revista de Direito Processual Civil, vol. IV/6– et seq., 1964. Na doutrina clássica italiana, v.
Gian Antonio Micheli. L’onere della prova. Padova: Cedam, 1966.
54. A servir de supedâneo, todavia, a esta linha em que avançam muitas opiniões, devemos
recordar o CPC da Colômbia que, em seu art. 6º, prescreve que, atinentemente à interpre-
tação da norma processual, o critério superior e intransponível é o de que o processo não
serve à criação de direitos (e, logicamente, não se presta à supressão de direito de quem o
tenha).
856 Manual de Direito Processual Civil
bem jurídico “indevidamente” à outra parte, possivelmente, e, cada vez mais, interpre-
tar-se-á o sistema atrofiando-se o espaço do art. 373 do CPC. Desta forma, portanto,
acredita-se que, apesar das interpretações que podem ser dadas sendo viável e não ha-
vendo prejuízo à imparcialidade, o juiz não deixará de ordenar a realização de prova,
ainda que omisso o litigante, se se convencer de que haverá perda de direito.
Os critérios que poderão ser utilizados pelo magistrado para exercer esse poder
subsidiário deverão basear-se: na prova já produzida (que poderá trazer alusões a ou-
tras fontes e meios de provas, tais como testemunhas referidas, informações de acesso
público ou em poder de terceiros etc.), na condição paritária ou não das partes, na na-
tureza indisponível dos direitos versados em juízo e na eventual impossibilidade de os
fatos subjacentes à causa serem objeto de confissão. Acredita-se que qualquer desses
critérios autoriza a iniciativa probatória do juiz, em busca de uma premissa fática ver-
dadeira, apta a embasar uma sentença justa.
Afigura-se que, desta forma, podem ser equilibradas, de um lado, a autonomia e li-
berdade das partes quanto à forma de defender os próprios direitos fundamentais e, de
outro, a possibilidade ou necessidade de intervenção judicial para solução da lide, por-
quanto o juiz só intervirá em caso de estrita necessidade.
55. Para uma abordagem atual sobre a convenção sobre os ônus da prova, recomenda-se a
leitura de Robson Renault Godinho, A autonomia das partes no projeto ao novo código de
processo civil: a atribuição convencional do ônus da prova. In: Alexandre Freire et. al. (org.).
Novas tendências do processo civil (estudos sobre o projeto de Novo Código de Processo
Civil). v III. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 557-590; Rinaldo Mouzalas e, Jaldemiro Rodri-
gues de Ataíde Júnior, Distribuição do ônus da prova por convenção processual. Revista de
Teoria Geral da Prova 857
Processo. v. 240, fev. 2015, p. 399-421; Lucas Buril de Macêdo, Negócio processual acerca
da distribuição do ónus da prova. Revista de Processo. v. 241, mar. 2015, p. 463-487.
56. “É da parte autora o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 333,
I, do CPC [de 1973]. Assim, no caso em comento, pretendendo o autor a declaração de
nulidade da transferência do veículo, caberia a ele demonstrar o vício de consentimento
que contaminou o negócio jurídico celebrado com os recorridos. (...)” (STJ, 4ª T., AgRg no
AREsp 665.862/MG, rel. Min. Raul Araújo, j. 25.08.2015, DJe 16.09.2015).
57. Leo Rosenberg, La carga de la prueba. Traducción de la tercera edición de la obra alemana “Die
Beweilast” (1951) de Ernesto Krotoschin, Buenos Aires: EJEA, 1956, § 6, p. 56-57. O trecho
completo, na versão castelhana, é o seguinte: “La apreciación libre de la prueba y la carga de la
prueba dominan dos terrenos que si bien están situados muy cerca uno del otro, están separados
claramente por límites fijos. La apreciación libre de la prueba enseña al juez a obtener libremente
la convicción de la verdad o falsedad de las afirmaciones sostenidas y discutidas, en el proceso,
del conjunto de los debates, a base de sus conocimientos de la vida y de los hombres; la carga
de la prueba le enseña a hallar la solución cuando la libre apreciación de la prueba no ha dado
ningún resultado. El dominio de la carga de la prueba comienza allí donde termina el dominio de
la libre apreciación de la prueba; si el juez atravesó este último sin poder encontrar la solución,
la carga de la prueba le da lo que la libre apreciación de la prueba le negó”.
858 Manual de Direito Processual Civil
sível que o autor convencione com a ré que, alegados certos fatos, seriam eles tidos por
verdadeiros, salvo se a ré provasse serem inverídicos. É evidente que a omissão da ré, in
casu, levaria à anulação do casamento, sem que os respectivos pressupostos de direito
material estivessem efetivamente comprovados. Ainda, em sendo o bem indisponível,
tal convenção ofenderia a ordem jurídica, em ponto que não pode ser afetado, pois, di-
reta ou indiretamente, não pode haver disposição do bem.
Quanto ao inc. II do art. 373, a admissibilidade de convenção, nos casos em que
muito difícil fosse à parte a prova, significaria que a ordem jurídica estaria transigindo
com convenções, que, em última análise, acabariam fazendo com que muitos direitos
– mesmo disponíveis – perecessem em caso de litígio, o que é inadmissível. Se a parte
quer transigir, que o faça, mas não se reconhece validade a convenções dificultadoras do
exercício do direito, pois isto importaria usar ou erigir o processo como elemento con-
tributivo de álea, e, nessa medida, até eventualmente obstativo do exercício do direito.
58. STJ, REsp 759.056/PR, 1.ª T., j. 06.09.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005, p. 255; TJSP,
RT 181/323.
59. Assim, “(...) A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato ex-
tintivo do direito do autor, seja porque é necessário evidenciar a solutio, demonstrando o
cumprimento da obrigação.” (STJ, 3ª T., RHC 38.233/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha,
j. 18.02.2014, DJe 28.02.2014).
60. Afirma-se, em julgado do TJPR, que “a contestação apresentada por curador especial, dado
ao revel citado por edital, ainda que por negação geral, torna os fatos controvertidos, não
estando o autor isento do ônus da prova quanto aos constitutivos do seu direito” (TJPR, ApCív
150379-7, j. 08.03.2005, rel. Des. Roberto de Vicente).
Teoria Geral da Prova 859
61. A teoria, em si, não poderia ser atribuída à originalidade do citado doutrinador argentino,
pois, como observa Robson Renault Godinho (A distribuição do ônus da prova na perspectiva
dos direitos fundamentais. In: Camargo, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares
de direito constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 293-
311 p. 307), há registros bem fundamentados de que o critério orientador da teoria das
cargas dinâmicas data de épocas mais remotas. De acordo com a pesquisa empreendida
por Godinho, para alguns doutrinadores, como Alexandre Câmara e Maximiliano García
Grande, as raízes da teoria poderiam ser entrevistas na obra de Bentham, e, no âmbito do
direito argentino, há notícia de que já em 1957 a Corte Suprema da Argentina teria decidido
com base em critérios “dinâmicos”. Contudo, conclui o citado autor, “não se pode deixar de
reconhecer a importância da formulação e da divulgação das ideias que decorreram dessa
formulação doutrinária para o incremento do debate sobre a distribuição do ônus da prova”
(op. cit., p. 307-308).
São as seguintes as fontes citadas pelo autor, cuja leitura é recomendável: Jorge W. Peyrano
(dir.), Inês Lépori White (coord.), Cargas probatorias dinámicas, Buenos Aires: Rubinzal-Cul-
zoni, 2004; Maximiliano García Grande. Las Cargas Probatorias Dinámicas: inaplicabilidad,
Rosario: Juris, 2005; Alexandre Freitas Câmara, Doenças preexistentes e ônus da prova: o
problema da prova diabólica e uma possível solução, Revista Dialética de Direito Processual,
n. 31, out. 2005.
860 Manual de Direito Processual Civil
62. Danilo Knijnik, A prova nos juízos cível, penal e tributário, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007,
p. 180.
63. Nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni, Novo curso de processo civil. v II: Tutela dos direitos
mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015, p. 267-268. Diversamente, adotan-
do a interpretação literal do art. 373, § 1º, do CPC, Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de
Oliveira e Paula Sarno Braga (Curso de Direito Processual Civil, v. II: Teoria da prova, direito
probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10. ed. Salvador: Podivm,
2015, p. 128) admitem a possibilidade de inversão do ônus da prova mediante a verificação
de apenas um dos requisitos: a prova diabólica ou a maior falcilidade de obtenção da prova
do fato contrário.
64. Note-se, todavia, que, já em 1996, o STJ prolatou acórdão inspirado na teoria das cargas
dinâmicas, levando em consideração o critério da disponibilidade do litigante para a pro-
dução da prova (STJ, REsp 69.309/SC, 4ª T., j. 18.06.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 26.08.1996, p. 29688, JBCC, v. 194 p. 55; LEXSTJ, v. 89, p. 155; RSTJ, v. 87, p. 287).
Em sede doutrinária, já se podia extrair a seguinte argumentação “As regras do ônus da
prova devem se coadunar com os princípios que regem o direito processual. É impossível
assegurar a igualdade das partes e o devido processo legal, na medida em que se exige de
uma das partes algo que ela não pode fazer, e ao mesmo tempo, sujeitá-la a uma decisão
desfavorável em decorrência dessa situação. Seria uma iniquidade”. Prossegue, ponderando
que “é o próprio Código de Processo Civil que proíbe às partes que a convenção sobre a
distribuição do ônus da prova possa tornar excessivamente difícil a uma delas o exercício do
direito (...). Ora, se a lei proíbe, no campo do direito disponível, a convenção que resultar
em excessiva dificuldade para uma das partes produzir a prova de fatos relevantes, como
admitir que o legislador possa fazê-lo?” (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Acesso à Justiça –
Juizados Especiais Cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do
processo, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 75).
Humberto Theodoro Jr. também registrava o abrandamento doutrinário-jurisprudencial
ao sistema legal do ônus da prova, especialmente em ações de responsabilidade civil
decorrentes da prestação de serviços técnicos, aludindo à distribuição dinâmica do ônus
probatório (Curso de direito processual civil, v. I, 49. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2008,
p. 431). Leonardo Greco, com apoio em Taruffo (Presunzioni, inversioni, prova del fato.
Teoria Geral da Prova 861
Parece, como já dito, que em qualquer das hipóteses de flexibilização do ônus pro-
batório, seja no CPC/73, no atual CPC, ou no CDC (art. 6º, VIII), não se pode entender
a inversão como automática, pois depende da verificação dos requisitos respectivos. Do
contrário, aplicam-se as normas gerais estáticas.
A inversão somente será automática quando se tratar de hipótese em que a lei ob-
jetivamente estatui, como é o caso do art. 38 do CDC, que dispõe: “O ônus da prova da
veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as pa-
trocina”. Nesse caso, como já se expôs noutra ocasião, ao réu-patrocinador, que em re-
gra será o fornecedor, é a quem sempre caberá provar que a publicidade foi coincidente
com o produto, ou seja, retratou ela fielmente os atributos, de que o produto é, efetiva-
mente, portador”.65 A existência de norma específica a estabelecer esse ônus da prova
[i.e., basta se configurar a hipótese de invocação de publicidade enganosa para se ope-
rar essa inversão (ou aparente inversão) quanto à veracidade da informação], reforça o
argumento de que, ao revés do que se possa crer, a genuína inversão prevista no inc. VIII
do art. 6º do CDC não é automática para todas as relações de consumo.
Quanto ao momento adequado à inversão do ônus da prova pelo juiz, extrai-se, da
redação da parte final do § 1º do art. 373 do CPC/2015, que prevaleceu o entendimen-
to segundo o qual a decisão que a determina deverá reservar espaço útil para a realiza-
ção da prova, sob pena de se desconsiderar o princípio fundamental do contraditório.
Ora, com efeito, se redistribuído o ônus da prova, há de se ensejar àquele, sobre quem
veio caber o ônus, oportunidade útil para que desse se desempenhe. E, na hipótese de
a inversão não ser determinada ensejando essa oportunidade – v.g., momento imedia-
tamente anterior à prolação da sentença –, isso violará o contraditório; é por isso que
uma inversão deve sempre levar à exigência de o juiz, então, abrir espaço para que haja
desempenho possível por aquele a quem veio a caber o ônus. Nessa hipótese, o juiz não
deverá prolatar a sentença, mas ensejar esse espaço àquele a quem determinou houves-
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Giuffrè, Milano, ano XLVI, 1992, p. 733 e
ss.), fazia menção a teorias análogas, que justificavam a flexibilização das regras sobre o
ônus da prova, como a da Anscheinsbeweis (prova da aparência) ou a da Wahrcheinlichkeit
(juízo de verossimilhança), que, mediante presunções simples, conduzem à inversão do
ônus da prova em inúmeras situações. Chamava a atenção para o critério da disponibilidade
probatória acolhido pelo direito espanhol e conclui que, em nosso ordenamento, há pos-
sibilidade de inversão do ônus da prova mesmo fora das hipóteses do art. 6º, VIII, do CDC,
sempre que, de acordo com as circunstâncias do caso, o magistrado puder vislumbrar que
as regras ortodoxas do ônus da prova acarretam dificuldade excessiva a uma das partes no
exercício de seu direito (A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil,
Estudos de direito processual, Campos dos Goytacases: Editora da Faculdade de Campos,
2005, p. 369). Para Robson Renault Godinho, a inversão do ônus da prova fora das relações
de consumo, com base na Teoria das Cargas Dinâmicas da Prova, decorre dos princípios
da igualdade, lealdade, boa-fé e veracidade, solidariedade, devido processo legal e acesso
à justiça (A distribuição do ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais. In: Ca-
margo, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares de direito constitucional: direitos
fundamentais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 306).
65. José Manoel de Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim, Thereza Alvim e James Marins, Código
do Consumidor comentado, p. 93.
862 Manual de Direito Processual Civil
66. Cf. Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo
à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 23-26, para quem essa vinculação arbitrária, porque
desconsidera a relevância do papel “que a prova – entendida como demonstração ou até
mesmo experimentação – desempenha relativamente aos sujeitos da relação material, atual
ou potencialmente conflituosa; inclusive antes da instauração do processo declaratório
de direito” (op. cit., pp. 25-26). Para este autor, portanto, “embora a prova seja instituto de
direito processual, é perfeitamente possível sua formação fora do processo; e – com maior
razão – fora do processo ‘principal’(...)” (op. cit., p. 26).
67. Assim, de certa forma, já se entendia, sob a égide do CPC/1973, a respeito da cautelar an-
tecipatória de prova: “Na ação cautelar de produção antecipada de prova é de se discutir
apenas a necessidade e utilidade da medida, sendo incabível o enfrentamento de questões de
mérito, que serão dirimidas na apreciação da ação principal, se e quando esta for proposta.
(...) admitindo-se que as possíveis críticas aos laudos periciais sejam realizadas nos autos
principais, oportunidade em que o Magistrado fará a devida valoração das provas” (STJ, 3ª
T., REsp 1.191.622/MT, rel. Min. Massami Uyeda, j. 25.10.2011, DJe 08.11.2011).
68. Como explica Leonardo Greco: “O interesse de agir é muito tênue, mas existe. O requerente
não está obrigado a afirmar ou a demonstrar a necessidade de produção de prova para dela
Teoria Geral da Prova 863
extrair em seu benefício algum efeito jurídico imediato. No entanto, ninguém pode usar de
um procedimento judicial para fins ilícitos ou para molestar judicialmente a outrem. Por isso,
o já citado art. 382 exige que o requerente exponha sua intenção em petição circunstancia-
da. Embora o requerente não tenha o ônus de demonstrar desde logo se a prova pretendida
tem alguma finalidade prática ou jurídica, o interesse de agir corresponde à não manifesta
ilicitude da prova constituenda e à hipotética possibilidade, ainda que remota, de que ela
possa ter alguma utilidade lícita para o requerente.” (Instituições de direito processual civil.
v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 129).
69. Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo
à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 340.
70. Idem ibidem.
71. Nesse sentido: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao código de processo civil,
v. VIII, t. II, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 232; Fabrizio Careletti; Francesca Magi,
I provvedimenti di istruzione preventiva. In: TARZIA, Giuseppe (org.). Il nuovo processo
cautelare. Padova: Cedam, 1993, p. 126.
72. No mesmo sentido: Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil. v. II, Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 73.
864 Manual de Direito Processual Civil
73. Para uma visão profunda sobre o tema, ver: Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem
o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 346 e
ss; ainda: Galeno Lacerda, Comentários ao código de processo civil, v. VIII, t. I, 1. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2010, p. 8-11.
74. Nesse sentido, a propósito do procedimento cautelar: Ovídio Araújo Baptista da Silva, Do
processo cautelar, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 369. O Novo CPC, contudo, não
Teoria Geral da Prova 865
faz alusão a esse pronunciamento, o que deverá ser resolvido na praxis judiciária. Parece,
contudo, que a presença ou ausência de tal homologação não produzirá qualquer efeito
que não o de sinalizar o desfecho da realização a medida.
75. Fabrizio Careletti; Francesca Magi, I provvedimenti di istruzione preventiva. In: Giuseppe
Tarzia (org.). Il nuovo processo cautelare. Padova: Cedam, 1993, p. 133.
76. Francesco Carnelutti. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 184.
77. Nos casos de antecipação cautelar (art. 381, I, do CPC/2015), o que se discute é a presença
do periculum in mora, sem que se faça um juízo sobre a existência do direito material dis-
cutido no processo principal.
78. Como parece, em princípio, entender Leonardo Greco (Instituições de direito processual,
v. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 129), embora admita a possibilidade de colabo-
866 Manual de Direito Processual Civil
81. Cf., na doutrina italiana: Maria Cristina Vanz, La circolazione della prova nei processi civili.
Milano: Dott. A. Giuffrè, 2008.
82. José Carlos Barbosa Moreira, Provas atípicas. Revista de Processo, n. 76, out-dez. 1994,
p. 114-126.
83. Tal afirmativa só não estará correta se a inobservância do procedimento gerar prejuízo ao
contraditório ou a outro direito fundamental que se sobreponha aos direitos protegidos pela
produção da prova, caso em que ocorrerá a ilicitude da prova emprestada.
84. Nesse sentido, explicando que a prova emprestada evita a repetição de ato já praticado: Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Dalla Bernardina de Pinho (coord.), Novo Código de
Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) anotado e comparado. Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 259, em comentário ao art. 372 do CPC/2015.
85. Explica a doutrina que a atipicidade probatória pode dizer respeito: a) de um lado, à ver-
dadeira e própria fonte probatória do convencimento do juiz, que não esteja prevista ou
disciplinada pela lei; b) de outro, ao modo, ao método ou à forma de aquisição ou produção
de uma prova, que difira ontologicamente dos procedimentos típicos. Quanto a esta última
hipótese, a atipicidade seria admitida desde que não afetasse o contraditório e outros direitos
fundamentais tutelados pelo procedimento probatório. Cf., sobre o tema: José Carlos Barbosa
Moreira, Provas Atípicas. Revista de Processo. v. 19, n. 76, p. 114-155; Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira, Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo valorativo, 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 212 (mencionando o debate sobre prova livre ou regulada na
Suíça e Alemanha, que não abrange o sentido de prova prevista ou não prevista em lei, mas
sim de um “modo” de formação); Gian Franco Ricci, Le prove atipiche, Milano: Giuffrè,
1999, p. 43, Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili, Terza edizione, Torino: UTET Giuridica,
2009, p. 52-55.
868 Manual de Direito Processual Civil
86. “Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atri-
buindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.
87. Jairo Parra Quijano comenta o art. 185 do CPC colombiano (“Prueba trasladada. Las pruebas
practicadas válidamente en un proceso podrán trasladarse a otro en copia auténtica y serán
apreciadas sin más formalidades siempre que en el proceso primitivo se hubieren practicado
a petición de la parte contra quien se aducen o con audiencia de ella”). Esse autor explica
que o valor a ser atribuído à prova emprestada deverá observar a persuasão racional (“las
reglas de la sana critica”). Para Quijano, é possível, a despeito da dicção legal, o traslado
de prova pericial de um processo para outro, inclusive quando da perícia não houver par-
ticipado a parte prejudicada pela prova. Nesse caso, porém, o juiz valorará as provas no
conjunto probatório e, se possível, utilizará uma diligência mais recente para interpretar os
fatos (Manual de derecho probatorio, 15. ed., Bogotá: Librería ediciones del profesional ltda.,
2006, pp. 191-193). Cf., ainda, Ana Giacometto Ferrer, Teoría general de la prueba judicial,
Bogotá: Imprenta Nacional de Colombia, 2003, p. 51-52; 68, onde se avalia tal norma à luz
da imediatidade, concluindo-se no sentido de que a celeridade e a economia processuais
deveriam, nesses casos prevalecer. Um dos argumentos utilizados no texto consiste no fato
de que, na Colômbia, os juízes costumam delegar a atividade instrutória. De forma análoga
ao direito colombiano, há previsão expressa do traslado de prova no CPC peruano, art. 198
(“Eficacia de la prueba en otro proceso. Las pruebas obtenidas válidamente en un proceso
tienen eficacia en otro. Para ello, deberán constar en copia certificada por el auxiliar juris-
diccional respectivo y haber sido actuadas con conocimiento de la parte contra quien se
invocan. Puede prescindirse de este último requisito por decisión motivada el juez.”)
88. Sobre o direito italiano, vide nota de rodapé n. 7, supra. No direito português, há previsão
expressa da prova emprestada (art. 421º do CPC de 2013), com a redução de sua eficácia
Teoria Geral da Prova 869
comparativamente aos demais elementos probatórios. Cf.: José Lebre de Freitas, A ação
declarativa comum – à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3. ed., Coimbra: Coimbra,
2013, p. 222. No direito espanhol, todavia, autorizada doutrina entende, para as provas
orais, que a prova emprestada só poderia ser utilizada quando impossível sua repetição no
segundo processo, sob pena de violação da imediatidade e do contraditório (Juan Montero
Aroca, La prueba en el proceso civil, 4. ed., Navarra: Civitas, 2005, p. 144).
89. Eduardo Talamini, Prova emprestada no processo civil e penal. Revista de Informação Legis-
lativa. v. 35, n. 140, Brasília, out-dez 1998, p. 146. Por tal razão, conclui esse autor: “Ficou
superada a concepção de que a prova emprestada receberia, quando muito, valor de docu-
mento, ‘prova inferior’ ou ‘ato extrajudicial’. O juiz, ao apreciar as provas, poderá conferir
à emprestada precisamente o mesmo peso que esta teria se houvesse sido originariamente
produzida no segundo processo. Eis o aspecto essencial da prova trasladada: apresentar-
se sob a forma documental, mas poder manter seu valor originário. É tal diversidade que
confere à prova emprestada regime jurídico específico – o qual não se identifica com o da
prova documental nem com o da prova que se emprestou, em sua essência de origem. Bem
870 Manual de Direito Processual Civil
por isso, o traslado de prova documental já apresentada em outro processo não constitui
‘prova emprestada’”.
90. V., por exemplo, a transcrição da nota de rodapé supra.
91. Em sentido aparentemente contrário: STJ, 3ª T., REsp 683.187/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi,
j. 08.11.2005, DJ 15.05.2006, em que se ressaltou a possibilidade de impugnação da
autenticidade do laudo, nos termos do art. 390 do CPC/1973 (equivalente ao art. 430 do
CPC/2015). No entanto, o próprio julgado reforça a natureza originária da prova, ao ressal-
tar que as partes produziram a prova, no primeiro processo, em contraditório. Isso indica,
obviamente, ter sido observado o contraditório inerente ao meio de prova pericial.
92. Eduardo Couture, também admitindo amplamente a prova emprestada, chama a atenção: “El
problema no es tanto un problema de formas de la prueba, como un problema de garantías
del contradictorio” (Eduardo Couture, Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos
Aires: Depalma: 1951, p. 160).
Teoria Geral da Prova 871
poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, desde que observa-
do o contraditório. E, para que tenhamos como observado esse princípio, é imprescin-
dível a verificação: (i) da identidade da relação fática e (ii) da identidade de partes, ou,
pelo menos, a identidade da parte contra quem a prova é produzida no processo que a
toma de empréstimo.93
A valoração da prova emprestada, todavia, poderá, dependentemente do poder de
convicção que carregue, sofrer esta ou aquela restrição. Assim, como já dissemos, o juiz
não é obrigado a atribuir à prova emprestada idêntica valoração à que lhe atribuiu o juízo
perante o qual foi produzida.94 É o que expressamente estabelece o art. 372 do CPC/2015,
ao dispor que o juiz atribuirá à prova emprestada “o valor que considerar adequado”.
Em princípio, ressalvada a situação da prova documental95 e de outros meios de pro-
va que admitam “contraditório integral posteriormente à sua produção”,96 não podemos
concordar com a assertiva de que seria desnecessária a participação do prejudicado em
processo anterior, sendo suficiente sua manifestação posterior ao traslado da prova.97 A
economia processual não pode suplantar a necessidade de contraditório prévio, quan-
do este é possível. A propósito, é importante observarmos que o contraditório exercido
93. Nesse sentido, já pudemos nos manifestar, Manual de direito processual civil cit., n. 176,
p. 964-965.
94. É possível, inclusive, que baseie sua conclusão em outros elementos probatórios. Assim: STJ,
4ª T., REsp 910.888/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.12.2009, DJe 02.02.2010.
95. “Essa prova – não importa o momento em que tenha sido produzida – sempre admite que as
partes possam exercer seu direito de contraditório – seja pela produção de prova contrária,
seja pela impugnação de seu teor ou das suas formalidades. Em relação a tal meio de prova
não há dificuldade em aceitar o empréstimo, ressalvados os casos em que outras garantias
possam interferir em seu traslado.” (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Da-
niel Mitidiero, Novo curso de processo civil – Tutela dos direitos mediante procedimento
comum, v. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 287).
96. Bem como de outros meios de prova que, igualmente, (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo curso de processo civil – Tutela dos direitos mediante
procedimento comum, v. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 287), como ocorre com a ata notarial.
97. Em convergência com o nosso posicionamento, cf. Eduardo Talamini, Prova emprestada
no processo civil e penal, Revista de Informação legislativa, v. 35, n. 140, Brasília, out-dez
1998, pp. 148-149, onde cita doutrina e jurisprudência em sentido contrários, das quais
discordamos, pelas razões expostas no texto. No sentido de que a prova emprestada deve
ser admitida ainda que num processo em que figurem partes diversas, cf.: “(...) Em vista das
reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa
seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contradi-
tório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem
partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa
razoável para tanto. (...) Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório
é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, asse-
gurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova
e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo.” (STJ, Corte Especial, EREsp
617.428/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.06.2014, DJe 17.06.2014). Endossando este
último posicionamento: Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira,
Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 134.
872 Manual de Direito Processual Civil
98. “Essa importação não precisa ser requerida por quem tenha sido parte – um terceiro pode
pedir o empréstimo da prova; o que é preciso é que aquele contra quem se pretende utilizar
a prova tenha participado da sua produção” (Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael
Alexandria de Oliveira, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016,
p. 134).
99. O que restringe as possibilidades de circulação probatória entre processos de natureza
diversa são as peculiaridades da regulação jurídica da prova, sobretudo no que diz respeito
às limitações impostas em cada sede. Nesse sentido: “O que parece determinante para o
exercício devido do direito à prova, nesses casos, é identificar as peculiaridades relativas a
cada instrução, iniciando, é claro, pelo bem jurídico tutelado, mas tendo em mente, sobretu-
do, aspectos estritamente processuais, tais como: a estrutura da relação jurídico processual,
os poderes do julgamento, as regras de distribuição ou atribuição do ônus probatório, as
limitações à admissibilidade e à produção de meios de prova e de investigação, a eficácia
que lhes é atribuída, bem como o padrão de constatação exigido para a formação do con-
vencimento judicial” (Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias:
enfoque comparativo entre os processos civil e penal, Tese de doutorado. Orientador: José
Rogério Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 285).
Teoria Geral da Prova 873
100. Este último exemplo foi fornecido por Eduardo Talamini (Prova emprestada no processo civil
e penal. Revista de Informação Legislativa. V. 35, n. 140, Brasília, out-dez. 1998, p. 149).
Este autor alerta, ainda, para as hipóteses em que as limitações cognitivas do processo
originário decorrem de sua própria natureza (civil, penal, administrativa, trabalhista etc.),
tendo em vista que diferentes tipos de processo estabelecem restrições diversas à busca da
verdade. Assim, diz Talamini, a nosso ver, com acerto, não seria admissível, por exemplo,
o transporte de uma prova produzida pelo autor num processo civil em que o réu tenha
ficado revel para um processo penal em que figure no polo passivo o mesmo réu (idem
ibidem).
101. Cf.: STJ, 2ª T., AgRg no AREsp 693.084/RJ, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 10.03.2016, DJe
17.03.2016 (hipótese em que se manteve a inadmissibilidade de prova pericial emprestada
tendo em vista a diversidade das questões a serem analisadas pelos peritos).
102. “O princípio [do juiz natural], em nosso direito, garante que ninguém será subtraído ao
seu juiz constitucional, cujo poder de julgar derive de fontes constitucionais. Não será juiz
natural, portanto, o juiz constitucionalmente incompetente, e o processo por ele instruído
e julgado deverá ser tido como inexistente. Assim, paralelamente, os atos processuais pra-
ticados em outro processo, perante autoridade judicial que não é o juiz competente para a
causa, ficarão desprovidos de qualquer eficácia, não podendo valer em processo distinto.”
(Ada Pelegrini Grinover, Prova emprestada, Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 4,
out. 1993, p. 63).
874 Manual de Direito Processual Civil
103. Veja-se que, mesmo na vigência do CPC/1973, que determinava a nulidade dos atos deci-
sórios praticados perante o juízo absolutamente incompetente (art. 113, § 2º, do CPC/1973),
a jurisprudência já admitia a possibilidade, excepcional, da concessão de tutela de urgên-
cia por juiz absolutamente incompetente, com posterior convalidação da medida. Nessa
linha, exemplificativamente: “Processual civil. Recurso especial. Mandado de segurança
originário. Incompetência absoluta reconhecida pelo Tribunal de Justiça. Determinação de
remessa dos autos para o juiz de primeira instância. Art. 113, § 2º, do CPC. Liminar mantida
até nova manifestação do juízo competente. Possibilidade. Poder geral de cautela. Arts. 798
e 799 do CPC. 1. Recurso especial no qual se discute a validade da decisão proferida pelo
Tribunal de origem que, não obstante tenha reconhecido sua incompetência absoluta para
apreciar o mandado de segurança originário, manteve o provimento liminar concedido até
nova ulterior deliberação do juízo competente, a quem determinou a remessa dos autos. 2.
A teor do art. 113, § 2º, do CPC, via de regra, o reconhecimento da incompetência absoluta
do juízo implica na nulidade dos atos decisórios por ele praticados. Entretanto, tal dispositivo
de lei não inibe o magistrado, ainda que reconheça a sua incompetência absoluta para julgar
determinada causa, de, em face do poder de cautela previsto nos arts. 798 e 799 do CPC,
conceder ou manter, em caráter precário, medida de urgência, para prevenir perecimento de
direito ou lesão grave e de difícil reparação, até ulterior manifestação do juízo competente,
o qual deliberará acerca da subsistência, ou não, desse provimento cautelar. Nessa mesma
linha: REsp 1.273.068/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 13/09/2011.3.
Recurso especial não provido.” (STJ, 1ª T., REsp 1.288.267/ES, rel. Min. Benedito Gonçalves,
j. 14.08.2012, DJe 21.08.2012).
104. “Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não
possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se obser-
varem as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados
desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.”
105. “§ 4o Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão
proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo
competente.”
106. “Se todos os juízes são titulares do mesmo poder jurisdicional, o direito de acesso ao direito
exige o máximo aproveitamento possível dos atos praticados pelo juiz incompetente perante
o juiz competente, bem como dos atos do procedimento inadequado no procedimento
adequado, preservando-se efeitos de direito processual e de direito material dos atos do
juízo ou do procedimento primitivo viciado, na medida em que são compatíveis com as
regras vigentes no juízo ou no procedimento apropriados, servindo utilmente à mais ampla e
efetiva tutela do direito material das partes.” (Leonardo Greco, Translatio iudicii e reassunção
do processo, Revista de Processo, v. 166, dez. 2008, p. 11).
Teoria Geral da Prova 875
110. O STF consolidou esse entendimento (embora com algumas divergências) no Inq 2424 QO-
QO, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, DJe 23.08.2007. As divergências
podem ser extraídas: do voto vencido do Min. Marco Aurélio no referido Inq 2424 QO-
QO, e dos votos vencidos do Min. Napoleão Nunes Maia Filho no MS 16.418/DF, rel. Min.
Herman Benjamin, j. 08.08.2012, DJe 24.08.2012 e no MS 15.787/DF, rel. Min. Benedito
Gonçalves, j. 09.05.2012, DJe 06.08.2012, ambos da 1ª Seção do STJ.
111. STJ, 2ª T., REsp 14.47.157/SE, rel. Min. Humberto Martins, j. 10.11.2015, DJe 20.11.2015.
Também se admite a utilização de prova emprestada, advinda de interceptação telefônica, no
âmbito do processo administrativo disciplinar: “Analisando outros processos administrativos,
decorrentes da mesma operação policial, esta Corte firmou a orientação de que é admissível
o uso de interceptações telefônicas, na forma de provas emprestadas, derivadas de processo
penal, desde que tenha havido autorização judicial para tanto, como na hipótese dos autos,
bem como que tenha sido dada oportunidade para o contraditório em relação a elas, como de
fato verifica-se da leitura do processo administrativo. Precedentes: MS 17.536/DF, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe 20.4.2016; MS 17.535/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
DJe 15.9.2014; MS 17.534/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20.3.2014.” (STJ, 1ª S.,
MS 17.538/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10.08.2016, DJe 22.08.2016); “O
Superior Tribunal de Justiça entende que é admitida a utilização no processo administrativo
disciplinar de ‘prova emprestada’ devidamente autorizada na esfera criminal, desde que
respeitado o contraditório e a ampla defesa, como ocorreu no caso dos autos, conforme
consignado expressamente pelo aresto recorrido”. (STJ, 2ª T., REsp 1.570.427/RN, rel. Min.
Herman Benjamin, j. 07.06.2016, DJe 02.09.2016).
112. “Uma vez rompido o sigilo, e por conseguinte sacrificado o direito da parte à preservação da
intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de arrombar-se
Teoria Geral da Prova 877
o cofre já aberto. Mas por outro lado talvez se objete que assim se acaba por condescender
com autêntica fraude à Constituição. A prova ilícita, expulsa pela porta, voltaria a entrar pela
janela...” (José Carlos Barbosa Moreira, A constituição e as provas ilicitamente adquiridas,
Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 120). Cf., no mesmo
sentido: Ada Pellegrini Grinover, O regime brasileiro das interceptações telefônicas. A mar-
cha do processo.São Paulo: Forense Universitária, 2000, pp. 117-118; Nelson Nery Júnior,
Princípios do processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9. ed.
São Paulo: RT, 2009, p. 264; 268; Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de
Oliveira, Curso de direito processual civil, v. 2, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 136.
113. Luiz Flávio Gomes,Finalidade da interceptação telefônica e questão da prova emprestada.
Repertório IOB de Jurisprudência, v. 4/97, p. 75; Vicente Greco Filho, Interceptação tele-
fônica. Considerações sobre a Lei 9.296/1996. 2. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 39-40; Eduardo Talamini, Prova Emprestada no processo civil e penal, op. cit., v. 140,
p. 157-158; Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque
comparativo entre os processos civil e penal, Tese de doutorado. Orientador: José Rogério
Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 285 e ss.
114. “Se existe, ou não, algum interesse público transcendente, que, ligando-se a consequências
de outra qualificação jurídico-normativa do mesmo ato ilícito objeto da investigação crimi-
nal, mereça sobrepor-se mais uma vez, agora na esfera da instância não penal competente,
à garantia de uma intimidade já devassada, para efeito de aplicar ao autor daquele ato, por
conta da sua simultânea ilicitude doutra ordem, a sanção legal não penal que lhe convenha
ou corresponda, a título de resposta estratégica do ordenamento à transgressão de norma
jurídica de taxonomia diversa.” (extraído do voto do relator no STF, Inq 2424 QO-QO, rel.
Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, Dje 23.08.2007 – destacou-se).
25
Provas em Espécie
Especialmente quanto ao último objeto citado, há que se atentar para o risco de que
a ata notarial venha a substituir a prova testemunhal, mormente quando a preservação
do caráter oral e contraditório na produção desta prova se revelem fundamentais ao
esclarecimento dos fatos.4 Haveria, assim, um risco de a ata notarial substituir a prova
testemunhal, o que leva parcela da doutrina a recomendar o uso residual do meio de
prova previsto no art. 384 do CPC/15.5
Há que se notar, por outro lado, que a substituição da declaração escrita de testemu-
nha pela produção oral da prova já é uma tendência verificada em outros países de civil
law, consoante se verifica, por exemplo, das inovações recentes dos códigos de proces-
so civil italiano (art. 257 – bis, decorrente de alteração implementada no ano de 2009)
e português (art. 518º do CPC de 2013).6
Embora o depoimento escrito não apresente os mesmos contornos da ata notarial
(em geral pode ser feito mediante respostas a questionários e preenchimento de formu-
lários enviados pelo juízo à testemunha, sem prejuízo da oitiva), sua utilidade é análo-
ga, já que visa à “objetivação das questões submetidas à apreciação judicial com a con-
sequente otimização da proposição e produção de provas, evitando que o processo se
desenvolva com a prática de atos inúteis decorrentes de proposições jurídicas, fáticas e
probatórias imprecisas”. Os riscos, todavia, desta objetivação e otimização da prova a
ser produzida, consiste na supressão do contraditório dirigido à prova, consistente na
necessária participação das partes e do juiz no momento exato da produção probatória,
i.e., o contraditório deve incidir no ato da elaboração do depoimento e não a posteriori,
sobre a prova pré-constituída documentalmente (com ou sem ata notarial).7
Ainda, mesmo no que diz respeito aos demais exemplos de atas notariais – como é o
caso das atas que descrevem o conteúdo de e-mails, sites da internet e programas de televi-
são –, é importante ressaltar que esse meio de prova não possui caráter técnico ou científico.
4. Nesse sentido, adverte Araken de Assis (Processo civil brasileiro, Vol. III: Parte Especial – pro-
cedimento comum (da demanda à coisa julgada). p. 495), que a ata notarial “aumentará a
tendência já excessiva de o juiz, assoberbado por quantidade invencível de feitos, sublimar
a necessidade de prova oral e, destarte, abster-se de designar audiência de instrução. Em
outras palavras, submetendo-se a ata notarial ao regime comum da prova documental,
tout court, a juntada desse documento de conteúdo heterogêneo e dotado do prestígio do
tabelião, ensejará o julgamento antecipado do mérito (art. 355, I).”
5. Idem ibidem.
6. André Vasconcelos Roque; José Aurelio de Araújo et. alli. A reforma do direito probatório no
processo civil brasileiro – terceira parte. Anteprojeto do Grupo de pesquisa “Observatório das
Reformas Processuais” Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Revista de processo, vol. 242, Abr. 2015, pp. 91-164.
7. Cf., sobre o tema: Mario Chiavario. La riforma del processo penale. Torino: UTET, 1988, p. 169.
Clarissa Diniz Guedes. Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processos civil e penal. Tese de doutorado. Orientador: Professor Doutor José Rogério
Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, pp. 259; 273 analisa a questão sob o prisma
dos processos civil e penal, explicitando a tendência mais marcante da doutrina processual
penal em preservar este contraditório durante a formação da prova oral, em contraposição à
maior aceitação da prova documentada (declaração pré-constituída) no âmbito da doutrina
processual civil.
880 Manual de Direito Processual Civil
Com isso se quer dizer que o notário apenas atesta os fatos que presencia a partir dos meios
tecnológicos citados, sem expressar qualquer opinião que demande conhecimento técni-
co ou especializado, v.g., sobre a autenticidade do material analisado. Portanto, não estará
dispensada a produção de prova pericial se pairarem dúvidas sobre fatos dessa natureza.
Por fim, deve ser ressaltado que a mesma presunção de veracidade que recai sobre
os documentos públicos em geral, em decorrência da fé pública do agente responsável
pela sua lavratura, deverá recair sobre a ata notarial.
Estar inserida no contexto do sistema da persuasão racional, a ata poderá ser livre-
mente valorada pelo juiz, no conjunto probatório, considerando-se parâmetros lógico-
-racionais, tais como o fato atestado pelo tabelião, os limites da cognição do tabelião so-
bre o fato e as possibilidades de erro na apreensão do fato. E assim é porque a presunção
de veracidade de que gozam as declarações de agentes públicos deve ser considerada
em relação às condições do caso específico,8 tendo em vista que a percepção do agente
público é tão suscetível a falhas como a de qualquer outra pessoa.9
8. Cf. STJ, 3ªT., AgRg no REsp 281.580/RJ, Rel. Min. Castro Filho, DJ 10.9.2007). No mesmo sentido:
STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1389193/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 11.11.2014, DJe 15.12.2014.
9. Cf. Mario Conte. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo
Cendon. Milano: Giuffrè, 2008, p. 56.
10. “(...) Apelante que insiste na oitiva do seu próprio depoimento pessoal Depoimento pessoal que,
via de regra, é fonte probatória a favor da parte contrária – Não cabe à parte requerer seu próprio
depoimento pessoal. (...) No que concerne ao depoimento pessoal, segundo determinação do
art. 343 [CPC 73] do Código de Processo Civil, compete a cada parte requerer o depoimento
pessoal da outra. Dessa forma, conclui-se que, na realidade, o depoimento pessoal faz prova
à parte contrária, que efetivamente o requereu e que, caso deferido o depoimento, procederá
com o interrogatório. Isto é, cabia à ré, se interessada, requerer o depoimento pessoal da
autora, mas não cabia à apelante requerer o próprio depoimento.” (TJSP, 4ª Câm. de Dir. Priv.,
Apel. 0001631-43.2011.8.26.0244, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 13.9.2012); “Não houve
cerceamento de defesa no presente caso, vez que, por primeiro, ‘não cabe à parte requerer o
próprio depoimento pessoal.’ (RT 722/238, RJTJESP 118/247).(…).” (TJSP, 9ª Câm. Dir. Priv.,
Apel. 9222175-07.2007.8.26.0000 Rel. Des. Piva Rodrigues, j. 14.2.2012) “(...)o artigo 385
do Código de Processo Civil expressamente dispõe que: ‘cabe à Parte requerer o depoimento
pessoal da outra Parte, a fim de que esta seja interrogada na Audiência de Instrução e Julgamento,
sem prejuízo do poder do Juiz de ordená-lo de ofício.’ No caso, constata-se que não houve
requerimento da parte contrária para Depoimento Pessoal da Autora, e ainda, que o Pleito
formulado não necessitava da produção de outras provas, bastando as já existentes no Feito.”
(TJSP, AC 1033597-04.2014.8.26.0114, 30ª Câm. Dir. Priv., j. 14.12.2016, rel. Des. Penna
Machado, DJe. 14.12.2016); em semelhante sentido: TJSP, AC 1008864-61.2016.8.26.0224,
20ª Câm. Dir. Priv., j. 07.11.2016, rel. Des. Roberto Maia, DJe. 07.11.2016.
11. Em sede doutrinária: Fabio Tabosa (In: Antonio Carlos Marcato. Código de processo civil
interpretado. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 1093-1094); Fredie Didier Junior, Rafael Alexan-
Provas em Espécie 881
devendo, para tanto, ser intimada, e, para que se lhe aplique a pena de confesso, deverá
do mandado de intimação constar a advertência do § 1.º do art. 385. 12 Deve-se proce-
der à tomada do depoimento pessoal, solicitado pela parte,13 sendo defeso ao advogado
da parte que vai depor fazer-lhe perguntas.14
Como regra geral, praticamente absoluta, somente poderá a própria parte depor. O
depoimento, portanto, justamente porque pessoal é, em regra, insuscetível de “delega-
ção”. E isto se deve à circunstância de ter o litigante o ônus de prestar depoimento por
ser conhecedor dos fatos dos quais podem ser extraídas consequências jurídicas, nor-
malmente contra ele e, ainda, pode ser sabedor dos fatos que ele próprio alegou, con-
trapondo-se ao seu adversário. Sentido prático algum teria, na verdade, admitir-se que
o litigante delegasse a outrem a tarefa de depor, pois: a) este alguém não poderia co-
nhecer tão bem os fatos, como o litigante; b) de outra parte, ainda, poderia delegar tal
tarefa a alguém altamente experimentado na vivência forense e, assim, frustrar-se-iam
os objetivos em função dos quais se disciplina o depoimento pessoal.
Constata-se, desta forma, que a pessoalidade é praticamente essencial aos fins coli-
mados pelo legislador, tendo em vista o depoimento pessoal.
Problema que diz respeito à questão da pessoalidade é o de saber se é possível algum
procurador prestar depoimento. Afigura-se que, tratando-se de demandas entre pessoas
físicas, a vedação é absoluta,15 justamente porque comparecem, em tal tipo de deman-
dria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil. vol. 2, Salvador: Jus
Podivm, 2015, p. 150, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
Novo curso de processo civil. Vol. II: A tutela dos direitos mediante procedimento comum,
São Paulo: RT, 2015, p. 330.
12. “– É pressuposto para a aplicação da pena de confesso, prevista no § 2.° do art. 343, do CPC,
que a parte seja previamente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida do risco de
aplicação da pena”. (STJ, 3ª T., REsp 702.739/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão
Min. Ari Pargendler, j. 19.9.2006, DJ 2.10.2006). “(...) A aplicação da pena de confesso deve
pressupor intimação pessoal e com advertência, nos exatos termos do artigo 343, § 1º, do
CPC-1973, aqui aplicável (correspondente ao artigo 385, § 1º, do CPC-2015) (...)(TJSP, AC
0031213-50.2002.8.26.0100, 31ª Câm. Dir. Priv., j. 26.07.2016, rel. Des. Antonio Rigolin, DJe.
26.07.2016). Cf.: TJSP, AC 0007591-73.2012.8.26.0428, 33ª Câm. Dir. Priv., j. 07.11.2016,
rel. Des. Mario A. Silveira, DJe. 07.11.2016; TJSP, AC 1005216-73.2016.8.26.0224, 13ª Câm.
Dir. Priv., j. 09.09.2016, rel. Des. Nelson Jorge Júnior, DJe. 09.09.2016
13. O interrogatório a que se alude no art. 139, VIII, é informal, poderá ser assistido pelo ad-
vogado da parte e pelo do adversário (se for o caso), não se lhe aplicando os §§ 1.º e 2.º do
art. 385 do CPC/2015.
14. V. Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense,
1982. vol. 4, 71, b, fine, p. 86; Luiz Guilherme Marinoni, Comentários ao código de pro-
cesso civil, v. 5, t. 2, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 68, Fredie Didier Jr.,
Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, vol. 2,
op. cit., p. 159. Na jurisprudência, v. RT 578/93; TJSP, 30ª Câm. Dir. Priv., Apel. 9119988-
81.2008.8.26.0000, Rel. Des. Edgard Rosa, j. 16.3.2011; o TJSP, em recente julgado, reco-
nheceu a validade do depoimento pessoal mesmo quando haja formulação de perguntas
pelo causídico: TJSP, AC 3001538-50.2013.8.26.0279, 5ª Câm. Dir. Públ., j. 06.06.2016,
rel. Des. Nogueira Diefenthaler, DJe. 14.06.2016
15. Na doutrina: José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Campinas:
Millennium, 2000, vol. 3, item 800, p. 402: “Só as partes é que podem prestar depoi-
882 Manual de Direito Processual Civil
da, para depor sobre fatos de que tenham ciência própria, sob pena de confissão.16-17 No
entanto, quando se tratar de demandas movidas contra ou por pessoas jurídicas, con-
forme o caso, as soluções poderão variar.
Conforme o tamanho de uma sociedade, civil ou comercial, é evidente que aquele
que a deve formalmente representar em juízo, ou seja, quem os seus estatutos designem,
ou o seu diretor, justamente porque é grande, poderá desconhecer as circunstâncias e
peculiaridades do caso a ser esclarecido em juízo. Na verdade, nesta hipótese, será pre-
cisamente outra pessoa aquela que estará de posse do conhecimento dos fatos, de forma
direta e efetiva. Segue-se disto que, exatamente porque tal pessoa reúne o conhecimento
dos fatos, é que deverá depor, e não aquele que os desconhece. É com esse depoimento
que se logrará obter, eventualmente, esclarecimentos úteis ao dilucidamento dos fatos,
e, até a própria confissão, que terá sido provocada. Por isso se conclui que os órgãos re-
presentativos das pessoas jurídicas podem delegar o depoimento pessoal a prepostos.18
Tal representante será admitido pelo juiz, a seu critério, mas, para tanto, deverá estar
mento pessoal. Como o próprio nome o indica, o ato é da própria pessoa chamada a
depor, pelo que não é admissível o depoimento pessoal mediante procurador ou por
intermédio de mandatário judicial. Nem mesmo com poderes expressos poderia o ad-
vogado comparecer em nome da parte, quando esta chamada a depoimento pessoal,
para, como nuncius, confessar os fatos ou algum dos fatos da demanda. O depoente vai
a juízo para ser interrogado; e apesar de se tentar muitas vezes, com esse ato, a obtenção
de uma confissão parcial ou completa das alegações do adversário, o certo é que pode
o depoente ser indagado a respeito de circunstâncias da causa (mesmo que confesse
e ainda que não confesse), que sejam úteis esclarecer para o juiz conseguir convicção
segura da lide e respectivas controvérsias”. No mesmo sentido: Fredie Didier Jr., Rafael
Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Braga, Curso de direito processual civil, vol. 2, op.
cit., p. 152. Contrariamente, porém, ao argumento de que se trata de uma outra maneira
de se compreender o depoimento pessoal ou, ainda, de prova atípica, na qual a parte
vem a juízo para narrar ou esclarecer o que ocorreu ou deixou de ocorrer: Cássio Scar-
pinella Bueno, Manual de direito processual civil. Volume único. 2ª tiragem. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 320.
16. Exatamente nesse sentido, STJ, REsp 623.575/RO, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 07.03.2005, p. 250.
17. Em sentido contrário: Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual
civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 1, p. 484, Gisele Fernandes Góes, Comentário ao
art. 385 do CPC/2015, In: Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. (coords). Breves comentários ao
novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.049. Na jurisprudência, admitindo-
se o depoimento por intermédio de procurador: v. TJSP, AC 0001560-79.2011.8.26.0296,
4ª Câm. Dir. Priv., j. 02.10.2014, rel. Des. Enio Zuliani, DJe. 02.10.2014; TJRO, REEX
00235816720148220001, 2ª Câm. Especial, j. 05.07.2016, rel. Des. Walter Waltenberg
Silva Júnior, DJe. 18.07.2016
18. STJ, REsp 191.078/MA, 3.ª T., j. 15.09.2000, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 09.10.2000,
p. 142.; “(...) colheu-se depoimento os depoimentos pessoais da preposta da autora, do
preposto da ré e ouvida uma testemunha arrolada pela autora, Sr. Rogério Antônio da Silva,
por meio de sistema audiovisual, consoante faculta o art. 417 do CPC.” (TJSP, AC 1016932-
73.2015.8.26.0114, 22ª Câm. Dir. Priv., j. 30.06.2016, rel. Des. Roberto Mac Cracken, DJe.
06.07.2016); cf. TJSP, AC 0031494-32.2004.8.26.0004, 13ª Câm. Dir. Priv., j. 12.08.2016,
rel. Des. Alfredo Attié, DJe. 12.08.2016;
Provas em Espécie 883
19. V. nesse sentido: Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de
Almeida, Curso avançado de processo civil, vol. 1, 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007. vol. 1., n.
32.1.3, p. 430. Na jurisprudência: TJSP, 10ª Câm. Dir. Priv., AI 0273325-78.2010.8.26.0000,
Rel. Des. Coelho Mendes, j. 14.12.2010; “(...) No caso das pessoas jurídicas, o depoimen-
to pessoal poderá ser prestado não pelos representantes legais, mas por prepostos que
tenham poderes especiais para confessar e conhecimento dos fatos (TJSP, AC 0001852-
33.2011.8.26.0565, 38ª Câm. Dir. Priv., j. 30.10.2012, rel. Des. Eduardo Siqueira, DJe.
30.10.2012).
20. Admite-se, ainda, com muito mais razão, a determinação do interrogatório pelos desembar-
gadores: STJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, AgRg no REsp 1510979/PB, j. 15.9.2015,
DJe 10.11.2015.
884 Manual de Direito Processual Civil
21. V. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 23. ed. (atualizada por
Aricê Moacyr Amaral Santos.) São Paulo: Saraiva, 2004. vol. 2.vol. 2, n. 661, p. 450 a 452. Em
semelhante sentido, os tribunais pátrios tem firmado posicionamento pela desnecessidade
de observância das formalidades inerentes ao depoimento pessoal: TJSP, AC 0016358-
38.2009.8.26.0127, 14ª Câm. Dir. Priv. j. 23.06.2014, rel. Des. Lígia Araújo Bisogni, DJe.
23.06.2014; TJSP, AI 2015858-18.2015.8.26.0000, 28ª Câm. Dir. Priv., j. 28.04.2015, rel.
Des. Mario Chiuvite Júnior, DJe. 07.05.2015; TJSP, AI 2100189-30.2015.8.26.0000, 5ª Câm.
Dir. Priv., j. 08.07.2015, rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, DJe. 14.07.2015
22. Sobre os poderes do juiz e o princípio dispositivo v. o que foi dito no Capítulo relativos ao
“O ônus da prova”), especificamente o item da (“Correlação entre o ônus da prova e os
princípios dispositivo e inquisitório”). Cf.
Provas em Espécie 885
25.2.3. Definição
Constata-se, do que foi dito, que o depoimento pessoal decorre do ato de uma parte,
em relação à outra, que requer ao juiz para que esta, na instrução oral do processo, ou, mais
precisamente, na audiência de instrução e julgamento, venha depor. Para tanto, deverá
23. V., contrariamente ao texto, Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 64, fine, p. 88.
886 Manual de Direito Processual Civil
24. Assim, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em decisão encimada da seguinte ementa:
“A pena de confissão – meio de prova, aliás, que conduz a uma presunção relativa, e não
absoluta – somente poderá ser aplicada se no mandado intimatório constar expressamente,
para ciência inequívoca do intimado, que, se o mesmo não comparecer ou se recusar a depor,
se presumirão verdadeiros os fatos alegados contra ele. Não é bastante a sucinta menção à
pena de confesso” (REsp 2.340/SP, 4.ª T., j. 29.06.1990, v.u., rel. Min. Athos Carneiro, não
conheceram, DJU 10.09.1990) – in Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil,
p. 261. Trata-se de precedente seguido por inúmeros julgados daquela Corte Superior e dos
Tribunais de segundo grau.
25. “No depoimento pessoal é comum atrelá-lo à busca de confissão pela parte requerente, como
se fosse aquela a busca por aquela a única função daquela que já foi considerada a rainha das
provas. (...) no entanto, o depoimento não tem titular (princípio da aquisição e comunhão da
prova), como também não impede a identificação de sua real função que é o esclarecimento
dos fatos – e não a obtenção de uma confissão – das formas mais aptas ao alcance destes
objetivos” (William Santos Ferreira, Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: RT,
2014, p. 210/212). Também no sentido de que o depoimento pessoal não tem como única
finalidade a confissão: Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil,
vol. III, 6º ed., São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 644-645; Araken de Assis, Processo civil bra-
sileiro, vol. III, São Paulo: RT, 2015, pp. 498-500; Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional
e limitações probatórias. Enfoque comparativo entre os processos civil e penal, op. cit.,
p. 223. Contratiamente, no sentido de que o depoimento presta-se, precipuamente, à busca
da confissão: cf. TJSP, AC 9087420-22.2002.8.26.0000, 5ª Câm. Dir. Priv., j. 08.06.2011,
rel. Des. J.L. Mônaco da Silva, DJe. 08.06.2011; TJSP, AC 0007408-23.2014.8.26.0270, 18ª
Câm. Dir.o Privado, j. 13.12.2016, rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, DJe. 15.12.2016
26. Mauro Cappelletti, Il testimonio de la parte en el sistema de la oralidad. Contribución a la
teoría de la utilización probatoria del saber de las partes en el proceso civil. Tradução de
Tomás A. Banzhaf. La Plata: Libreria Editora Platense, 2002, Parte I, Seção I, Capítulo III,
§ 19, pp. 236-238.
27. Em sentido contrário a esse entendimento, argumenta-se que a lei, embora não preveja o
requerimento deste meio de prova pela própria parte, não o veda, assim como não o faz
Provas em Espécie 887
por outros elementos conclusivos de prova, como documentos ou perícias” (Fábio Tabosa,
Comentário ao art. 343 do CPC/1973, In: Antônio Carlos Marcato, Código de processo civil
interpretado. 3ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.097).
33. V. Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 70, p. 97.
34. Idem ibidem.
35. STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 346.954/RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 14.10.2014, DJe 29.10.2014.;
cf. TJMS, AC 0842886-17.2013.8.12.0001, 5ª Câm. Cível, j. 16.08.2016, rel. Des. Sideni
Soncini Pimentel, DJe. 22.08.2016; TJPR, AC 1.537.220-0, 10ª Câm. Cível, j. 21.07.2016,
rel. Des. Guilherme Freire Teixeira, DJe. 05.08.2016).
890 Manual de Direito Processual Civil
Deve a parte ser interrogada diretamente pelo advogado da parte contrária, devida-
mente fiscalizada pelo juiz da causa a fim de que não ocorram excessos e intimidações
(art. 459 do CPC/2015 36), tendo em vista não necessariamente os fatos articulados
(todos),37 senão tendo em vista os fatos suscetíveis de serem provados por depoimento
pessoal, com vistas a: a) que se esclareçam; b) que, eventualmente, possa ser provocada
a confissão, suscetível de ser feita na audiência de instrução e julgamento.
A lei veda, à parte que ainda vá depor, que assista ao interrogatório da outra (art. 385,
§ 2º, do CPC/2015).
Tendo comparecido a parte e sendo-lhe feitas as perguntas, mas respondendo com
evasivas, deverá então o juiz, “apreciando as demais circunstâncias e elementos de pro-
va”, declarar que houve recusa de depor (art. 385 do CPC/2015), com a consequência
(confissão ficta) e as limitações próprias a que já aludimos. Efetivamente, tanto faz não
comparecer, pura e simplesmente, quanto fazê-lo e tentar enganar o juiz, utilizando-se
de artifícios verbais, com o escopo de encobrir a verdade.
Admite, a lei, embora restritamente, à parte que vá depor, que consulte breves notas
(art. 387 do CPC/2015), o que se justifica, principalmente, diante da eventual comple-
xidade de fato(s) da causa. É certo que deflui do próprio art. 387 o direito de o juiz exa-
minar ditas notas, precisamente para saber se se constituem elas em “notas breves”, a
que se refere o texto (art. 387). Se entender que não se constituem, todavia, em simples
apontamentos, consistentes em meramente avivar a memória e a conferir um roteiro
genérico a ser imprimido ao depoimento, ou, quando se refiram a fatos de fácil memo-
rização, tem o juiz o direito-dever de vedar a utilização de tais esclarecimentos, o que, a
seu turno, poderá comportar recurso da parte, se entender inexata a decisão. O recurso,
nesse caso, será o de apelação, interponível após a sentença pela parte vencida ou ven-
cedora, de acordo com a previsão do art. 1.009, §§ 1º e 2º, do CPC/2015.
A restrição ao uso de notas minuciosas ou amplas objetiva evitar que a parte pre-
pare totalmente seu depoimento, tornando fundamentalmente inócuas as perguntas
que lhe faça o juiz ou o advogado do adversário. É inerente à dinâmica do depoimento
pessoal a função do juiz, em nome da descoberta histórica do que ocorreu, bem como
ao advogado da parte que solicitou o depoimento pessoal, este tipo legítimo de pressão
psicológica, incidente sobre a parte que está depondo. Do contrário, praticamente sem
utilidade seria o depoimento pessoal, pois que, substancialmente, teria sido preparado
com antecipação. A parte diria o que desejasse e não aquilo que o sistema deseja que
seja dito, ou seja, a retratação dos fatos tais como ocorreram.
Entre as inovações previstas no CPC/2015 está a possibilidade de oitiva da parte por
videoconferência. Dispõe o § 3.º do art. 385 que “O depoimento pessoal da parte que
residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o pro-
cesso poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de
36. V., ainda, capítulo sobre “Prova testemunhal”, no tópico “A técnica de inquirição”, retro.
37. Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos, Comentários... cit., n. 71, p. 99.
Provas em Espécie 891
transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante
a realização da audiência de instrução e julgamento”.
25.3. Confissão
25.3.1. Noções gerais
A confissão é um meio de prova, que deve ser valorada pelo juiz em confronto com
as demais provas. Como consequência, não deverá ser aceita se inverídica, como, por
exemplo, se tiver sido confessado um fato cuja prova dos autos seja contrária à confis-
são. Diga-se o mesmo para o caso em que se confessam fatos patentemente inexistentes.
Tem-se, como consequência, comumente, que:
a) quase sempre, uma vez aceita, sofre a parte confitente as consequências probató-
rias de sua confissão, e, pois, normalmente, as consequências jurídicas emergentes de
sua confissão, ou seja, operar-se-ão os efeitos jurídicos contrários à confitente, solici-
tados pelo seu adversário, decorrentes dos fatos confessados;
b) levando em conta o que consideramos sobre o ônus da prova, a parte adver-
sária à que confessou fica, realmente, dispensada de provar por outro meio de prova
os fatos que sejam objeto da confissão (art. 374, II, do CPC/15). Devemos observar,
porém, que, se foi a parte beneficiária da confissão que requereu o depoimento do
confitente, toda esta atividade terá sido probatória. Confessam-se fatos cuja prova,
pela teoria do ônus da prova, caberia à parte contrária. Assim, tal atividade, que le-
vou à confissão do adversário, terá sido motivada, justamente, pelo ônus da prova
que pesava sobre o beneficiário da confissão. Nesse sentido, pois, está mal colocado
o art. 374, II, em relação ao caput do mesmo artigo, eis que aí prescreve que “não de-
pendem de prova” (art. 374, caput) os fatos “afirmados por uma parte e confessados
pela parte contrária” (art. 374, II). Ora, como se viu, a confissão é, em si mesma, uma
prova. Segue-se, portanto, que o que a lei quis realmente significar é que não preci-
sam, ditos fatos confessados, de outra prova, além da já feita. Ou, então, haver-se-á
de restringir o sentido literal do art. 374, II à confissão que tenha sido feita desliga-
damente de qualquer atividade do litigante que seja por ela beneficiado; nem por isto,
porém, perderá a natureza de meio de prova.
39. Neste sentido, é torrencial a jurisprudência italiana (cf. Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili,
Terza edizione, Milano: UTET Giuridica, 2010, p. 688, nota de rodapé 45). E, entre nós:
Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil, vol. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, p. 166. A nós parece que o animus confitendi deve ser encarado negativamente, ou
seja, vontade e declaração devem estar imunes a vícios (arg. ex art. 393, caput, do CPC/15).
Assim, inocorrentes tais vícios, ipso facto, há animus confitendi.
40. V. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo: Ed. RT, 1977.
30/73.
894 Manual de Direito Processual Civil
41. Clito Fornaciari Júnior, Reconhecimento jurídico do pedido, op. cit., 30/73-77; Luís Antônio de
Andrade, Aspectos e inovações do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1974, p. 19; Sérgio Rizzi, Ação rescisória, São Paulo: RT, 1979, p. 159-161; Leonardo Greco,
Instituições de direito processual civil, vol. II, Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 166;
Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processo civil e penal, op. cit., p. 167. Em sentido contrário, porém, considerando
a confissão um negócio jurídico: Franco Cordero, Procedimento Probatorio, In: Tre studi
sulle prove penali. Milano: Giuffrè, 1963, §5, pp. 27-28, n.r. 73; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 12ª ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 742.
42. Nessas condições, o reconhecimento jurídico do pedido (de um lado), tanto quanto a re-
núncia ao direito (rectius, pretensão) conduzem, vinculativamente, à extinção do processo,
com resolução de mérito (art. 487, III, letras a e c). Corretamente afirmou-se, em julgado do
STJ, que “o reconhecimento jurídico do pedido impõe limitação ao livre convencimento do
juiz acerca da causa” (STJ, REsp 19.837/SP, 4.ª T., j. 14.06.1993, rel. Min. Bueno de Souza,
DJ 04.10.1993, p. 20.556). A confissão, igualmente, vincula pelo seu poder de convicção,
podendo-se afirmar que as normas que regem esse meio de prova “estabelecem a presunção
de veracidade do fato confessado, como regra geral; porém, estas regras não impedem a
existência e validade do fato jurídico em questão, que poderá ser demonstrado noutra sede,
ressalvadas as limitações estabelecidas pela coisa julgada e pela eficácia preclusiva desta”
(Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias, op. cit., p. 167). Ainda,
como já se afirmou, a presunção estabelecida pela confissão poderá ser afastada em caso
de inverossimilhança ou contradição com outros elementos de prova.
43. A bem da verdade, o art. 213, do Código Civil, nada diz sobre a validade da confissão em
si mesma considerada, senão que, diversamente, trata apenas da sua eficácia. Quer dizer,
então, que o dispositivo em referência, em razão das situações que prevê, apenas impede
que a declaração de ciência do fato adquira o status de confissão, com as consequências
legais daí decorrentes (art. 374, II e 391, do CPC/15). V., nesse sentido, Fredie Didier Jr.,
Regras processuais no novo Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 45.
Provas em Espécie 895
e a segunda feita através do pedido da parte que requer o depoimento pessoal, ou quan-
do o depoimento tenha sido ordenado pelo juiz.
Quanto à estrutura, a confissão pode ser: a) simples, se aceito, sem quaisquer restri-
ções, o fato deduzido pela parte contrária; b) qualificada ou complexa, quando, embora
aceito o fato pela parte contrária, alega-se outro fato, extintivo, que implique a restri-
ção total ou parcial dos efeitos do fato confessado. A confissão, conforme estabelece o
art. 395 do CPC/15, é, em regra, indivisível,44 ou seja, a parte, à qual ela aproveita, não
poderá dividi-la, no sentido de só invocar a parte que a beneficie e rejeitá-la no que for
desfavorável. Todavia, ainda no dizer do artigo supramencionado, cindir-se-á, quando
a parte que confessa aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defe-
sa, de direito material. Nesses casos, a parte interessada teria de ter, oportuna e idonea-
mente, alegado tais fatos em contestação e/ou reconvenção e fazer prova – que não fosse
sua confissão – para que tais fatos pudessem produzir efeitos úteis, em seu benefício.
mesmo artigo estatui a ineficácia da confissão feita por quem não for capaz de dispor
do direito a que se referem os fatos confessados.
45. STF, Arquivo Judiciário 93/261; STJ, REsp 623.575/RO, 3.ª T., j. 18.11.2004, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 07.03.2005, p. 250.
46. Excepcionalmente, deve ser admitido depoimento pessoal por intermédio de procurador,
com poderes bastantes, e desde que este tenha conhecimento próprio das circunstâncias.
898 Manual de Direito Processual Civil
lavra documento como sinônimo de prova literal (v., todavia, o art. 422, em sentido di-
verso do de prova literal).47
Há uma tendência de se rever a identificação estrita entre documento e coisa, dado
que, à vista da evolução tecnológica, nem todo documento possui um suporte físico.
Nesse sentido, parece-nos correto ampliar a abrangência do conceito para considerar
como documentos aqueles criados através de tecnologias modernas da informação e
das comunicações, como os dados inseridos na memória do computador ou transmi-
tidos por uma rede de informática, em geral denominados documentos de informática
ou documentos eletrônicos.48-49
O CPC/2015 contempla tal possibilidade, ao dispor que “A utilização de documen-
tos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa
47. Cf., a respeito do tema, João Abrahão, O valor probatório das reproduções mecânicas, Revista
de Processo [RePro] 20/127, ano V. São Paulo: RT, out.-dez./1980..
48. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Prova e convicção, 3ª ed. São Paulo: RT, 2015,
p. 607; Fredie Didier Jr; Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, Curso de direito
processual civil. vol. 2., Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 179; Eduardo Arruda Alvim, Direito
processual civil, 5ª ed. São Paulo: RT, 2013, cap. XXX,p. 533. Cf., ainda, sobre o documento
eletrônico: Luigi Paolo Comoglio, Le prove civili, Terza Edizione. Torino: UTET Giuridica, 2010.
terceira parte, cap. IV, denominado “Il documento informatico”. Já sustentamos enquadrar-se
na essência do conceito de documento o endosso realizado eletronicamente, independen-
temente da existência de título-papel, o que se dá em virtude de legislação específica que
regula a emissão e circulação de determinados títulos de crédito eletrônicos (neste sentido,
parecer intitulado “Da validade do endosso eletrônico e da autonomia dos títulos de crédi-
to”, publicado na nossa coleção Soluções Práticas de Direito: Pareceres. vol. III. São Paulo:
Ed. RT, 2011, p. 867 e ss.). Na mesma obra, há parecer acerca da viabilidade de se utilizar,
como início de prova documental de novação celebrada entre as partes, a correspondência
eletrônica trocada por seus representantes legais (op. cit., p. 391 e ss., parecer intitulado “Da
interrupção única da prescrição e da possibilidade da novação pela via eletrônica”).
49. Veja-se essa cogitação em seminário realizado na Alemanha: trabalho constante do site da Uni-
versidade de Leipzig (Christian Berger, Seminär “Europäisches Zivilrecht und Zivilprozessrecht
in Informationsgesellschaft” im WS 2001/02, constante do www.uni.leipzig.de/urheberrecht
(Seminário “Direito Civil e Processo Civil europeu na Sociedade de Informação – pesquisa em
16/10/2004). Lê-se no original: “1. Sache i. S. d. § 90 BGB. Ausgehend von diesem Grundsatz,
ist zu übergehen ob es sich bei Software um eine Sache i. S. d. § 90 BGB handelt. Dies ist jeden-
falls dann der Fall, wenn die Sotfware auf eine für sie bestimmte Speicherform verkörpert ist.
Dies geschiet aber bei OnlineVerträgers aus den erten Blick gerade nicht. Bei direkter Erfüllung
im Internet wird die gekaufte Software nicht auf einen Datenträger auf dessen System kopiert
(downloaden). ……… Die Software liegt zunächst verkörpert als Sache auf dem Server des
Verkäufers. Wird die Software dann per Internet auf das System des Käufers übertragen, wird
die Software durch die Übertragung “verstofflicht”. Sie verlässt den Datenträger Server. Kommt
die Software auf dem System des Käufers an, wird sie auf dessen Festplatte wieder verkörpert
und damit wieder zur Sache”. As conclusões permitidas pelo texto, portanto, são (i) a de que
enquanto se transmite, não há coisa; e (ii) que essa transmissão, podendo ser feita para mui-
tos ou muitíssimos, uma vez completadas, haveria tantas coisas quantos os compradores do
conteúdo do software. É de se convir que foi utilizado um raciocínio extremamente flexível,
mas, é possível cogitar-se da apreensão de um programa de software, desde que se apreenda
o computador, ou, ao menos, o disco rígido. A “coisa” a ser apreendida estaria neste último.
Poderão ser apreendidas quaisquer objetos em que se encontre o ilícito.
Provas em Espécie 899
e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei” (art. 439), sendo que, quanto aos
documentos eletrônicos não convertidos, o juiz apreciará o seu valor probante (art. 440),
o que pressupõe sua admissibilidade, ainda que não impressos ou mesmo que sua au-
tenticidade não possa ser verificada na forma da lei. Ainda, o art. 441 do CPC/2015,
prevê, em complementação, que “serão admitidos documentos eletrônicos produzidos
e conservados com a observância da legislação específica”.
50. Mais amplamente, Arruda Alvim, Código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 1972.
vol. II, 183, 3.º, p. 322 et seq.
51. Os negócios jurídicos bilaterais, abstraídos aspectos secundários, são sinônimos.
52. Disciplinava os requisitos da escritura pública a Lei 6.952/1981, constitutiva do que eram
os §§ 1.º e 3.º do art. 134 do CC/1916. No Código Civil de 2002, está disposto que “a es-
critura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo
prova plena”(art. 215, caput). No § 1.º, I a VII, deste dispositivo, encontram-se enunciados
os requisitos que deve conter a escritura pública; no § 2.º dispõe-se que, “se algum compa-
recente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo”
(destacou-se); o § 3.º exige que a mesma esteja redigida em língua nacional. Os preceitos
contidos nos §§ 4.º e 5.º correspondem aos mesmos parágrafos do art. 134 do CC/1916. O
que se há de entender por prova plena (termo antigo e em desuso no processo civil) está no
art. 405 do CPC/2015 (v. 25.4.4 infra, sobre o conteúdo e a eficácia do documento). Quanto
aos documentos que devem ser apresentados para lavratura de atos notariais, inclusive refe-
rentes a imóveis, no que diz com identificação das partes, veja-se a Lei 7.433/1985 (DOU
19.12.1985).
900 Manual de Direito Processual Civil
53. Ainda sob a vigência do CPC/73: “Pacífico o entendimento nesta Corte Superior no sentido
de que as cópias não autenticadas juntadas aos autos, e que não são impugnadas pela parte
adversa no momento próprio, têm o mesmo valor probante dos originais” (STJ, AgRg no AgIn
535.018/RJ, 1.ª T., j. 16.03.2004, rel. Min. José Delgado, DJ 10.05.2004, p. 178). No mesmo
sentido: STJ, 3ª T., REsp 1357364/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17.11.2015,
DJe 23/11/2015.
54. “A simples falta da juntada dos negativos das fotografias apresentadas pela parte não é motivo
para o seu desentranhamento, e seu valor probante deverá ser estabelecido no momento
adequado” (STJ, REsp 188.953/PR, 4.ª T., j. 03.12.1998, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ 12.04.1999, p. 161). No sentido de conferir ênfase à análise em consonância com o
conjunto probatório: TJSP, 27ª Câmara Direito Privado, Rel. Des. Claudio Hamilton, Apel.
0165061-60.2007.8.26.0100, j. 14.5.2013.
Provas em Espécie 901
55. “Ao magistrado compete valorar os elementos trazidos aos autos, de acordo com a livre per-
suasão racional, atribuído valor informativo com a comparação às demais provas produzidas.
Aliás, a disposição do Diploma Processual soa mesmo anacrônica, numa época em que as
fotografias advêm de instrumentos digitalizados, restando aos ‘negativos’ e polaroides um
lugar cativo para colecionadores.” (TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fermino
Magnani Filho, Apel. 0003037.8.26.0288, j. 2.7.2012).
902 Manual de Direito Processual Civil
56. Exemplo de hipótese em que a lei faz essa exigência pode ser encontrado no art. 55, § 3º,
da Lei 8.213/1991, referente à comprovação do tempo de serviço na atividade do rurícola
para fins de obtenção do benefício previdenciário. A questão foi, inclusive, alvo da Súmula
149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade
de rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário”.
57. O Código Civil italiano contém disposição análoga ao revogado art. 401 do CPC/1973
(art. 2.721), que estabelece a inadmissibilidade da prova testemunhal dos contratos
a partir de determinado valor. Na sequência, os arts. 2.722 e 2.723, estabelecem,
respectivamente: a) que a prova testemunhal não será admitida para demonstrar outros
pactos adicionais contrários ao conteúdo de um documento, quando celebrados antes
ou concomitantemente à estipulação escrita; b) que poderá ser admitida, se esses
pactos forem posteriores ao documento e somente se, tendo em vista a qualidade
das partes, a natureza do contrato e qualquer outra circunstância, pareça verossímil
que tenham sido feitos aditivos ou modificações verbais. Cf., sobre o tema: Mario
Conte. Commentario al Codice Civile. Art. 2697-2739. Prove. A cura di Paolo Cendon.
Milano: Giuffrè, 2008, pp. 208-209.
O Código de Processo Civil português de 2013 (art. 393º) está mais próximo da disciplina
estabelecida no CPC/2015 (art. 444), porquanto não vincula a inadmissibilidade da
prova exclusivamente testemunhal ao valor do negócio jurídico. Todavia, o menciona-
do art. 393º do CPC português estabelece claramente a primazia da prova documental
sobre a prova testemunhal: “Artigo 393.º (Inadmissibilidade da prova testemunhal)1.
Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de
ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova
testemunhal. 2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver
plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. 3.
As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto
do documento.”
Provas em Espécie 903
58. A respeito do tema, cf. José Miguel Garcia Medina, Admissibilidade da prova testemunhal:
questões sobre o art. 401 do Código de Processo Civil, RT 784/55-67, fev. 2001.
59. Vide art. 1.072, II, do CPC/2015.
60. Cf., a propósito do tema, com remissões jurisprudenciais referentes ao revogado art. 401 do
CPC/1973, a 16ª edição do nosso Manual de direito processual civil, (São Paulo: RT, 2013,
n. 217, pp. 1.017-1.018).
61. V. a respeito, na vigência do CPC/73: TJSC, Câmara Especial Regional de Chapecó, Ape-
lação Cível nº 422537 SC 2007.042253-7, de São Carlos, Relator: Des. Gilberto Gomes
904 Manual de Direito Processual Civil
exemplo por excelência da prova duradoura do fato representado, que é fato transeunte,
através do exame do fato representativo, ou seja, do fato permanente (= documento).
Dessa forma, como já salientamos, o documento, em geral, integra a chamada cate-
goria das provas pré-constituídas, que são aquelas feitas com uma finalidade predeter-
minada, consistente em que o ato documentado possa ser facilmente provado, quando
e se necessário.
As cartas (art. 415 do CPC/2015), bem como os registros domésticos, produzem pro-
va contra quem os escreveu (ainda que sem assinatura),65 para os fins dos incisos I a III
do art. 415, mas não podem, pelo menos necessariamente, ser considerados prova pré-
-constituída. Embora as cartas, sem que o permita o seu autor, não possam ser publica-
das, podem servir como documento de prova em processos administrativos e judiciais
(art. 34 da Lei 9.610/1998).
65. O Código define quem se reputa como autor do documento (art. 410 do CPC/2015). No
inciso III desse art. 410, dispensa-se a necessidade da firma nos livros comerciais e assentos
domésticos, sendo esta uma norma exemplificativa. Daí termos afirmado que as cartas, con-
forme a hipótese concreta, não necessitam estar firmadas pelo seu autor. Se, todavia, negada
a autoria, caberá à parte que imputa a autoria o ônus da prova (art. 429, II, do CPC/2015).
906 Manual de Direito Processual Civil
Civil, observado sempre o disposto no § 3º desse art. 215, assim como os §§ 2º, 4º e 5º,
do mesmo dispositivo.66
No instrumento público, o autor material do documento deverá obedecer a deter-
minados requisitos, dentre os quais essencial é a sua legitimação (competência do ór-
gão, e, ainda, a circunstância de o agente estar legitimamente no exercício das funções
do órgão etc.).
A lei, no art. 425 do CPC/2015, equipara, para o fim de também valer como docu-
mento público (fazem a mesma prova que os originais – art. 425, caput), as hipóteses
arroladas em seus incisos I a VI. O relevante é termos presente que, para tal ocorrer, de-
vemos verificar a verdadeira geneticidade entre a certidão textual, o traslado e a certidão,
bem como as reproduções mecânicas (art. 425, I a III) e o documento que retratam ou repro-
duzem. Vale dizer, terá o mesmo valor e eficácia que o próprio documento público a cer-
tidão textual, desde que extraída pelo escrivão, do próprio documento, “sob sua vigilân-
cia” e por ele subscrita. Ainda, no caso do inciso II do art. 425, alude-se aos traslados e
certidões, também extraídos por (= pelo) oficial público, de documentos existentes em
suas notas. Quanto ao inciso III do art. 425, alude-se à reprodução de documento, que
há de ser feita do próprio documento público, deverá ser autenticada pelo próprio ofi-
cial público, ou há de ser conferida “em cartório” com os respectivos originais. Assim,
para ficar mais claro, em se levando esta certidão textual, a que alude o art. 425, I, e é
ela fotocopiada, a autenticação a ela aposta por outro tabelião não pode absolutamente
fazer com que ela equivalha a um documento público. Constata-se que, nesta hipótese,
não existe segurança quanto à origem, e a autenticação não soluciona esta insegurança.
Nos casos dos incisos I a III do art. 425, identifica-se claramente o agente público que
dá fé, e é por isto que, então, a lei dotou tais documentos da mesma validade e eficácia
que os próprios documentos públicos. Outrossim, lembremos o disposto no art. 161,
caput, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que também confere a certidões do
registro integral de títulos o mesmo valor que tenham os originais. É certo que o mes-
mo texto ressalva a hipótese de haver incidente de falsidade pertinente ao original, o
qual, então, se tido por fundado, certamente, quer o original, quer aquilo que dele seja
retrato, será tido por falso.
No tema da legitimação, merecem relevo, fundamentalmente, dois aspectos: 1º) a
competência, no sentido de que a autoridade que lavrou o documento deverá ocupar
órgão a que tenha sido atribuído poder para que, quem o ocupe, lavre o documento, e,
2º) ainda não propriamente dentro do próprio tema da competência, desdobrando-se
esta, a capacidade, que se poderia definir como sendo a atualidade da competência en-
66. No que diz respeito ao valor, diferentemente do que ocorria no CC/1916 – que, em razão do
disposto no inciso II de seu art. 134 prever que era da substância do ato a escritura pública
nas hipóteses de “contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de
valor superior a cinquenta mil cruzeiros, excetuado o penhor agrícola”, o § 6.º desse mesmo
art. 134 (redações conforme a Lei 7.104/1983) previa a forma de atualização desse valor –,
o Código Civil de 2002 não repetiu a regra que tratava da atualização.
Provas em Espécie 907
carnada num agente público determinado, ao lado dos demais requisitos da capacidade
propriamente dita.
Pergunta-se: se desrespeitada a forma do instrumento público, pode o instrumento
valer como documento particular? A resposta é afirmativa (art. 407 do CPC/2015). Tal
é o caso também do oficial público incompetente, de acordo com o art. 407, o qual pres-
creve, igualmente, que, nesse caso, terá a mesma eficácia probatória que o documento
particular, o documento pretensamente público, feito por oficial público incompetente.
67. “A presunção ‘juris tantum’, como prova, de que gozam os documentos públicos, há de ser
considerada em relação às condições em que constituído o seu teor" (STJ, 3ª T., AgRg no
REsp 281.580/RJ, Rel. Min. Castro Filho, DJ 10.9.2007). No mesmo sentido: STJ, 4ª T., AgRg
no REsp 1389193/MS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 11.11.2014, DJe 15.12.2014.
908 Manual de Direito Processual Civil
te à data, tendo em vista terceiros, segue-se as regras dos incs. I a V do parágrafo único
do art. 409, sendo que o inc. I desse art. 409 há de ser correlacionado com o art. 221 do
Código Civil e com a Lei 6.015/1973 (art. 129).
Sem embargo dos fatos descritos nos incs. I, II, III e IV do parágrafo único do art. 409,
(critérios de determinação da data, em relação a terceiros), verificamos que é possível,
com fulcro em ato ou fato, estabelecer que o terceiro tinha conhecimento do documen-
to antes da eventual ocorrência de um, ou de mais de um dos fatos descritos nos incs. I
a IV do art. 409 (v., por exemplo, o que se prevê no art. 409, V).
O art. 409, parágrafo único, inc. V, enseja a prova de qualquer ato ou fato que, com
certeza, estabeleça a data do documento. Se, todavia, não foi feita a prova de tal ato ou
fato, que em si mesmo demonstre qual tenha sido a data do documento, dever-se-á, então,
utilizar um dos critérios descritos nos incs. I a IV do parágrafo único do art. 409. Os
critérios a que se alude fixam que, pelo menos a partir de quaisquer dos acontecimentos aí
descritos, será tido como datado o documento.
Desta forma, pelo cabimento do inc. V do art. 409, em que se admite qualquer tipo
de prova, provar-se-á por meio de ato ou fato que, a anterioridade da formação do do-
cumento.
Já os incs. I a IV tratam de presunções previstas em lei, através das quais,
comprovado(s) o(s) fato(s) aí descrito(s), seguir-se-á a data do documento, a qual é o
fato probando.
69. Trata-se, todavia, de presunção relativa ou iuris tantum: STJ, 4ª T., rel. Min. Luís Felipe
Salomão, AgRg no REsp 1.332.603/SP, j. 21.03.2013, DJe 02.04.2013; 5ª T., AgRg no Ag
1088781/MG, 5ª T., j. 16.04.2009, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 11.05.2009. Na doutrina:
Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Foren-
se, 1982. v. IV/180; Pestana de Aguiar Silva, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo: Ed. RT, 1977, v. IV/200. À luz do CPC/2015: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. Al., Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. São
Paulo: RT, 2015, p. 692-693; no mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier et. al.
Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, 2ª ed., 2016, coms. ao art. 408 e
parágrafo único, p. 769.
910 Manual de Direito Processual Civil
Haverá autenticidade, sem admissão, expressa ou tácita, nos casos dos arts. 405 e
411, salvo prova em contrário, cujo ônus é sempre da parte que se insurja contra essa
autenticidade, ínsita a tais documentos, diante da fé pública de que são portadores.
70. No sentido de que a arguição de falsidade deve ser relativa a vício do documento (i.e., a
vício constante do suporte material do documento) e não a vício do consentimento ou
vício social inerente à declaração de vontade nele contida: Eduardo Arruda Alvim, Direito
Processual Civil, 5 ed., p. 599-600, Leonardo Greco, Instituições de direito processual civil.
v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 195-196. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz
Arenhart e Daniel Mitidiero ressalvam a possibilidade de arguição de falsidade ideológica
de documento narrativo, que apenas pretende descrever determinado fato ou declaração;
em contrapartida, asseveram, não é cabível o incidente quando se trate de documento
constitutivo, em que há manifestação de vontade destinada a modificar situação jurídica
pré-existente (Curso de processo civil. v. II. Tutela dos direitos mediante procedimento
comum. São Paulo: RT, 2015, p. 385-386.). Para esse último caso, far-se-ia necessária a
propositura de ação desconstitutiva autônoma. Esse é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça: “O incidente de falsidade ideológica será passível de admissibilidade tão somente
quando não importar a desconstituição da própria situação jurídica. Precedentes.” (STJ, 5ª
T., REsp 717.216/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 04.12.2009, DJe 08.02.2010). No sentido de
que a falsidade ideológica também deve ser alcançada pela arguição de falsidade, sem
opor quaisquer restrições: Cássio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual civil. 2ª
tiragem. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 329.
71. Para um conceito de falsidade intelectual ou ideológica, vide, por todos, no direito portu-
guês, mas com aplicabilidade ao nosso sistema: José Lebre de Freitas, A falsidade no direito
probatório, Coimbra: Almedina, 2013, p. 132-133.
Provas em Espécie 911
72. v. Daniela dos Santos Bonfim. Comentário ao art. 433. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. al. Breves comentários ao novo código de processo civil. 2ª tiragem. São Paulo: RT,
2015, p. 1108; no mesmo sentido, 2ª ed; 2016, coms. ao art. 433, p. 790; v. tb. coms. ao
art. 503, § 1º.
912 Manual de Direito Processual Civil
Se, no entanto, a arguição de falsidade for, a pedido da parte, decidida como ques-
tão principal no curso do processo, com base no disposto no art. 356 do CPC/2015 (jul-
gamento antecipado parcial de mérito), caberá recurso de agravo de instrumento, por
força dos arts. 356, § 5º e 1.015, inc. II, do CPC/2015.
74. Cuida-se de providência que contrasta com o entendimento jurisprudencial firmado à luz
do CPC/1973, vez que o STJ, em sede de julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.333.988/
SP), havia decidido pelo descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou
autônoma, de documento relativo a direito disponível. Esse entendimento já se encontra-
va sumulado (Enunciado 372 da Súmula do STJ: “Na ação de exibição de documentos,
não cabe a aplicação de multa cominatória”). Tal enunciado se refere à ação exibitória,
mas já era aplicada, indistintamente, às cautelares e às exibições incidentais, v., v.g.,
STJ, AgRg no AREsp 671.070/DF, 4ª T., j. 04.08.2015, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe
12.08.2015. O STJ, porém, para caso específico, entendendo pela existência de critério
distintivo (distinguishing) a justificar a não aplicação do precedente (“Recurso especial.
Civil e processual civil. Ação de exibição. Informações eletrônicas. Mensagens agressi-
vas enviadas através do serviço de SMS ("short message service") para o telefone celular
da autora. Cominação de multa diária. Inaplicabilidade da súmula 372/STJ. Técnica das
distinções ("distinguishing"). 1 – Ação de exibição de documentos movida por usuária de
telefone celular para obtenção de informações acerca do endereço de IP ("Internet Proto-
col") que lhe enviou diversas mensagens anônimas agressivas, através do serviço de SMS
disponibilizado no sítio eletrônico da empresa de telefonia requerida para o seu celular,
com a identificação do nome cadastrado. 2 – Inaplicabilidade do enunciado da Súmula
372/STJ, em face da ineficácia no caso concreto das sanções processuais previstas para a
exibição tradicional de documentos. 3 – Correta a distinção feita pelo acórdão recorrido,
com a fixação de astreintes, em montante razoável para compelir ao cumprimento da
ordem judicial de fornecimento de informações (art. 461 do CPC). 4 – Recurso especial
desprovido.” (STJ, REsp 1359976/PB, 3ª T., j. 25.11.2014, rel. Min. Paulo de Tarso Sanse-
verino, DJe 02.12.2014). Contudo, justamente por se tratar de hipótese de distinguishing,
o referido posicionamento consubstanciado no referido enunciado não foi superado. Em
síntese, à luz do CPC/1973 entendia o STJ pelo descabimento de multa cominatória, o que,
como dito, não mais se sustenta na vigência do CPC/2015, por disposição expressa do
novo código. De todo modo, a jurisprudência citada, ai compreendida a referida hipótese
de distinguishing, deve ser considerada e diz respeito aos casos em que a exibição tenha
sido determinada ainda na vigência do código anterior.
75. Em conformidade com a última parte da afirmação, admitindo a busca e apreensão de
documento ou coisa para a hipótese de causas que versem direitos indisponíveis, Leo-
nardo Greco, Instituições de direito processual civil. v. II. Rio de Janeiro: Gen-Forense,
2015, p. 200.
914 Manual de Direito Processual Civil
quais trataremos em item próprio. Em tais casos, a parte ou terceiro não estão obrigados
a exibir o documento ou a coisa, salvo se for possível cindi-los, quando, então, será exibi-
da no processo somente a parte que não for comprometedora (art. 404, parágrafo único).
É sempre impugnável através de agravo de instrumento a decisão que, pendente a
lide principal, aprecia pedido incidental de exibição de documento ou coisa (art. 1.015,
VI, do CPC/2015).
se pretenda exiba o documento, de não ser este último, em todos os casos, inexoravel-
mente constrangido a produzir prova contra si (v. 230, infra, sobre os limites da ação de
exibição de documento ou coisa).
familiar (art. 404, I); se a exibição puder violar dever de honra (art. 404, II); se sua pu-
blicidade redundar em desonra própria, bem como a seus parentes consanguíneos ou
afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal (art. 404, III); nos ca-
sos em que isto acarretar a revelação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão,
devam guardar sigilo (art. 404, IV) e quando houver disposição legal que justifique a
recursa da exibição (art. 404, VI). Deixa a lei, ainda, através de conceito vago – outros
“motivos graves” (art. 404, V) –, a possibilidade de o juiz aceitar a recusa.
Segue-se, pois, que os incs. I a IV do art. 404 são taxativos, e, diante da ocorrência
de quaisquer dos fatos aí descritos, se comprovados, legítima deverá ser tida a recusa. Já
quanto ao inc. V do art. 404, deixou-se margem à interpretação de conceito vago con-
ducente, ou, ao menos, tendente a uma única solução pelo juiz, a partir da verificação
dos elementos de cada caso concreto que se lhe apresente.
Nesses casos, a parte ou terceiro não estão obrigados a exibir o documento ou a coi-
sa, salvo se disser respeito a apenas uma parcela do documento, quando, então, será
exibida no processo somente a parte que não for comprometedora, conforme procedi-
mento previsto no parágrafo único do art. 404 do CPC/2015.
No que diz respeito ao aspecto criminal, será o terceiro passível de punição pelo
crime de desobediência, a cuja figura típica se alude no próprio art. 403 do CPC/2015.
Por fim, conforme já foi salientado supra (“Exibição de documento ou coisa. Gene-
ralidades”), mais precisamente à nota pertinente à adoção de medidas para que o do-
cumento seja exibido, a jurisprudência havia consolidado, à luz do CPC/1973, o en-
tendimento de que a multa diária prevista para o cumprimento de obrigações de fazer
e de entrega de coisa não se aplicava à exibição de documento ou coisa, fosse no curso
do processo de conhecimento, fosse como medida cautelar. Tal orientação se formou
em face da justificativa de que “o escopo das regras instrutórias do Código de Processo
Civil é buscar o caminho adequado para que as partes produzam provas de suas alega-
ções, ensejando a formação da convicção do magistrado, e não assegurar, de pronto, o
cumprimento antecipado (tutela antecipada) ou definitivo (execução de sentença) de
obrigação de direito material de fazer, não fazer ou entrega de coisa”.79 Parece, contudo,
que o parágrafo único do art. 403 do CPC/2015 inviabiliza a aplicação desse entendi-
mento, por prever expressamente a possibilidade da aludida multa, como já observamos.
25.4.22. Os recursos
A decisão que, pendente a lide principal, aprecia pedido incidental de exibição de
documento, feito por uma parte em face da outra, é agravável de instrumento (art. 1.015,
VI, do CPC/2015).
Já em se tratando de ação autônoma, a decisão será passível de apelação, caso po-
nha fim à fase processual cognitiva de conhecimento. É, portanto, objeto de apelação, a
decisão que, em processo incidental, reconhece a obrigação de exibir documentos por
parte de terceiro, em face do procedimento especial respectivo, cujo núcleo se estampa
no art. 401 do CPC/2015.
79. STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1.179.249⁄RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 03.05.2011. Cf.,
no mesmo sentido: STJ, 3ª T., REsp 1245961/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j.14.02.2012, DJe
09.03.2012; STJ, 3ª T., EDcl no AgRg no REsp 1230189/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
02.08.2012, DJe 09.08.2012.
918 Manual de Direito Processual Civil
80. STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1362266/AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.09.2015, DJe
10.09.2015; 1ª T., REsp 780.396/PB, Rel. Min. Denise Arruda, j. 23.10.2007, DJ 19.11.2007.
81. STJ, REsp 325.211/TO, 1.ª T., j. 21.06.2001, rel. Min. José Delgado, DJ 03.09.2001, p. 159.
82. STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1112190/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 13.04.2010, DJe
26.04.2010.
83. STJ, REsp 66.631/SP, 2.ª T., j. 04.03.2004, rel. Min. Castro Meira, DJ 21.6.2004; STJ, REsp
264.660/SP, 2.ª T., j. 04.09.2003, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 3.11.2003.
84. “É firme o entendimento no sentido de que não há falar em ofensa ao artigo 398 do Código
de Processo Civil quando, a despeito de a parte não ter sido intimada para se pronunciar
a respeito de documento novo juntado aos autos, este não for utilizado no julgamento da
controvérsia.” (STJ, Corte Especial, EAREsp 144.733/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j.
6.8.2014, DJe 15.8.2014).
Provas em Espécie 919
to, não é documento probatório.85 A regra firmada por este acórdão ortodoxamente é
sustentável; porém, o comportamento que realmente responde (pelo menos dialetica-
mente) ao princípio do contraditório recomenda seja a outra parte ouvida. A propósito
da necessidade de se viabilizar o contraditório sobre argumentos jurídicos trazidos ao
processo, propiciando às partes oportunidade para influenciarem, efetivamente, a de-
cisão do juiz, é explícito o texto do art. 10 do CPC/2015, ao estabelecer que “O juiz não
pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de maté-
ria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Documento juntado aos autos pelo ex officio, com base no art. 370 do CPC/2015,
também está sujeito a vista obrigatória às partes.86 Questão atual refere-se à hipótese
de o julgador (juiz de primeiro grau ou desembargador) realizar consulta feita na rede
mundial de computadores (internet) para servir-se do texto impresso de documento
eletrônico ou de sua transcrição no momento do julgamento. Neste caso, como aler-
ta Adroaldo Furtado Fabrício, terá havido uma “juntada” atípica de documento, total-
mente ilegal “além de tudo porque infratora do princípio do contraditório, ainda sem
tomar-se conta o intuitivo descumprimento da regra do citado art. 398 [do CPC/73] e
ainda sem se discutir se essa busca de documentos estranhos aos autos pelo juízo, par-
ticularmente o de segundo grau, cabe na extensão de seus poderes.”87
É, ainda, lícito ao juiz requisitar às repartições públicas em qualquer tempo ou grau
de jurisdição: I – as certidões necessárias à prova das alegações das partes; II – os pro-
cedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, os Estados,
o Distrito Federal, os Municípios ou entidades da administração indireta (art. 438, I e
II, do CPC/2015).
85. RT 592/49; STJ, 1ª T., EDcl no REsp 266.219/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 05.10.2006, DJ
09.11.2006.
86. STJ, REsp 12.499/PR, 2ª T., j. 29.11.1995, rel. Min. Ari Pargendler. No mesmo sentido, no
processo penal, por idênticas razões: “No processo penal acusatório o juiz não é um mero
expectador, mas também não pode assumir posição de liderança na produção de provas,
como ocorreu na espécie, determinando a juntada de documentos, ex officio, quando já
encerrada a instrução, sem que as partes fossem ouvidas. (...) – Nulidade da condenação,
em tal caso, que se impõe. Flagrante ilegalidade reconhecida. (STJ, 6ª T., HC 114.478/PR,
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.
18.03.2014, DJe 25.04.2014).
87. Adroaldo Furtado Fabrício, Iniciativa judicial e prova documental da internet, In: Luiz
Guilherme Marinoni (coord.). Estudos em homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de
Aragão, São Paulo: RT, 2005, p. 296.
920 Manual de Direito Processual Civil
de prova. Por essa razão, como visto acima, a distinção consubstanciado no comando
do art. 464, § 2º.
Por outro lado, o conhecimento, por parte da testemunha, dos fatos da demanda é
anterior, normalmente, ao início desta, enquanto o perito é nomeado depois de inicia-
da a ação e, em regra, conhece os fatos durante o processo.
88. V., mais amplamente, Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, São Paulo: RT, 1972,
v. II, 189, p. 363 et seq.; José Carlos G. Xavier Aquinho, A prova testemunhal no processo
penal brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 19-21
922 Manual de Direito Processual Civil
89. Nesse sentido, vide Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, 16. ed., São Paulo: RT,
2013, p. 1.038.
90. Há, inclusive, quem afirme que a contraposição entre tais sistemas decorreria de uma visão
já superada no âmbito do direito comparado. Nesse sentido: Michele Taruffo. Il processo
civile di civil law e di common law: aspetti fondamentali. Sui confini. Scritti sulla giustizia
civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 67 e ss.
91. Cf., nesse sentido: Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código
de Processo Civil, v. V, tomo II, São Paulo: RT, 2005, p. 559, Fredie Didier Jr.; Rafael Alexandria
de Oliveira; Paula Sarno Braga, Curso de Direito Processual Civil. v. 2. Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 252.
92. O mesmo se aplica à questão da decisão judicial, visto que já se superou a postura solip-
sista do juiz, que decide com base nos próprios preconceitos e em prévios conhecimentos
supostamente ilimitados sobre as questões de direito, sem levar em contra os argumentos
das partes. Sobre o tema, confiram-se: Gustavo de Castro Faria, O contraditório e a funda-
mentação das decisões judiciais sob o enfoque de uma teorização processual democrática.
In: João Antônio Lima Castro e Sérgio Henrique Zandona Freitas (coordenadores). Direito
processual: reflexões jurídicas. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Conti-
nuada, 2010, p. 175; Dierle José Coelho Nunes. Processo Jurisdicional Democrático; uma
análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 237-238.
Provas em Espécie 923
93. V., no ordenamento norte-americano, a regra 611 das Federal Rules of Evidence.
94. Esse aspecto já era ressaltado por Mauro Cappelletti (La testimonianza della parte nel sistema
dell’oralità. Parte Seconda. Milano: Giuffrè, 1974, p. 472, nota de rodapé n. 4), que também
atentava para as desvantagens do interrogatório direto das testemunhas, sobretudo no que
concerne à discrepância de habilidade técnica dos advogados das partes.
95. Muitos ordenamentos de civil law ainda preveem a oitiva intermediada pelo juiz da causa.
Nesse sentido, há proibição expressa do interrogatório direto no art. 253 do codice de pro-
cedura civile italiano (v., porém, as notícias de projetos de reforma em sentido contrário em:
Riccardo Crevani, La prova testimoniale. In: Michele Taruffo (a cura di). La prova nel processo
civile. Milano: Giuffrè, 2012, p. 356, nota de rodapé n. 241. No direito francês, o juiz o
Código de Processo Civil confere ao juiz o protagonismo na inquirição das testemunhas,
impedindo que as partes a elas se dirijam diretamente (arts. 213 e 214 do Nouveau Code de
Procédure Civile). Na Argentina, cabe ao juiz, ou a quem o substitua legalmente, interrogar
livremente as testemunhas e intermediar as perguntas das partes, modificando-lhes a ordem
ou reformulando-as, sem lhes alterar o sentido; de acordo com a lei argentina, as perguntas
são apenas propostas pelas partes, mas é o juiz (ou substituto legal) quem as formula (art. 442
do CPC argentino). Diversamente, as legislações espanhola (art. 368 da L.E.C.) e portuguesa
(art. 516º do CPC de 2013) as testemunhas são interrogadas diretamente pelos advogados
das partes. Sobre o interrogatório cruzado no direito processual civil espanhol, cf. Montero
Aroca, La prueba en el processo civil. 4. ed. Navarra: Thomson-Civitas, 2005, p. 385-386.
96. A propósito, o princípio contido no item 16.4 dos Princípios de Processo Civil Transnacional
(ALI/UNIDROIT): “16.4 Eliciting testimony of parties, witnesses, and experts should proceed
as customary in the forum. A party should have the right to conduct supplemental questioning
directly to another party, witness, or expert who has first been questioned by the judge or by
another party.” [disponível em http://www.unidroit.org/english/principles/civilprocedure/
ali-unidroitprinciples-e.pdf, acesso em 12.04.2016].
97. Assim, antes mesmo da reforma implementada pela Lei 11.690/2008: “Há de ser repensada a
forma de inquirição das testemunhas, não havendo mais espaço, num processo penal inspirado
pelo espírito democrático, para o festejado e culturalmente enraizado sistema presidencial.
Nesse sentido, mais lógica apresenta-se a experiência ‘adversarial’ com as correções de rota
que a tornem mais adequada a um processo cooperatório desenvolvido por todos os sujeitos,
sem que ao juiz caiba, apenas, um imobilismo de todo inaceitável.” Marcos Alexandre Coelho
Zilli. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: RT, 2003, p. 189.
924 Manual de Direito Processual Civil
98. Nessa linha: STF, HC 114512, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, j. 24.09.2013, DJe-221 divulg
07.11.2013, public. 08.11.2013; STJ, HC 210.703/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., j.
20.10.2011, DJe 09.11.2011.
99. “O juiz interrogará a testemunha sobre os fatos articulados, cabendo, primeiro à parte, que a
arrolou, e depois à parte contrária, formular perguntas tendentes a esclarecer ou completar
o depoimento”.
100. Registre-se, no ponto, a contrariedade de parcela da doutrina relativamente à modificação,
já que, como assinalado, as vantagens do interrogatório direto não são ponto pacífico. V.,
no sentido da superioridade do sistema presidencial e da predominância do juiz: Marcelo
Abelha Rodrigues, In: Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. (coords.), Breves comentários ao
Provas em Espécie 925
novo código de processo civil, op. cit., p. 1.061; André Vasconcelos Roque; José Aurélio de
Araujo et. al., A reforma do direito probatório no processo civil brasileiro – terceira parte.
Anteprojeto do Grupo de Pesquisa “Observatório das reformas processuais” da Faculdade
de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Revista de processo [Repro], v. 242,
abr-2015, p. 91-164. No direito estrangeiro, v. Xavier Abel Lluch, Iniciativa probatoria de
oficio do en el proceso civil. Barcelona: Bosch, 2005, p. 372-373.
01. Assim, a tese firmada pela Primeira Seção do STJ em sede de julgamento de recurso repetitivo:
1
“(...) Considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino,
o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre
parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é
mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemu-
nhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da
Súmula 149/STJ para os ‘boias-frias’, apontou diminuta prova material e assentou a produção
de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está
em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.” (STJ, 1ª
S., REsp 1321493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012).
926 Manual de Direito Processual Civil
c) ser capaz, isto é, ter aptidão, reconhecida pela lei, para que possa validamente
prestar testemunho;
d) não ser incompatível, isto é, incapaz, impedida ou suspeita (art. 447, §§ 1º, 2º e
3º, do CPC/2015). A incompatibilidade se estabelece tendo em vista a pessoa que se
pretende venha testemunhar e as partes da causa.
Excepcionalmente, o juiz poderá ouvir as pessoas a que se refere o art. 447 (que pos-
sui o mesmo conteúdo do art. 228 do Código Civil), “para a prova de fatos que só elas co-
nheçam” (art. 228, parágrafo único, do CC) ou quando for necessário. Cuida do tema o
art. 447, § 4º, do CPC/2015, prevendo que o juiz pode ouvir as testemunhas menores,
impedidas ou suspeitas, sem que prestem compromisso, e, ainda, valorará tais depoi-
mentos com a devida cautela.
102. RT 307/604.
103. Cf., a respeito, o acórdão do STF, 4.ª T., veiculado na RTJ 107/459; cf. também STJ, Corte
Especial, APn 431/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 17.06.2009, DJe 20.08.2009.
104. Cf., na jurisprudência: “A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe
per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o
norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule).
No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, "não se pode
tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer
o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em
conta." (Helio Tornaghi).” (STJ, 6ª T., REsp 1444372/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j.
16.02.2016, DJe 25.02.2016).
105. A propósito, diz Luigi Paolo Comoglio (Le prove civile. Terza edizione. Torino: Utet Giuridi-
ca, 2009, p. 572-572) em lição sobre o processo civil italiano que bem se aplica ao direito
pátrio, que a testemunha indireta deve ser excepcional; a regra é que a testemunha deponha
sobre fatos que presenciou e percebeu pelos próprios sentidos.
106. RT 304/759, 335/334 e 330/713; STJ, 5ª T., HC 62.908/SE, Rel. Min. LauritaVaz, j. 06.11.2007,
DJ 03.12.2007, p. 339.
Provas em Espécie 927
112. Giuseppe Tarzia, Problemi del contraddittorio nell’istruzione, Rivista de diritto processuale.
Ano XXXIX, 1984, p. 641. Como já registrava, entre nós e à luz do CPC/73, Moacyr Amaral
Santos (Prova judiciária no cível e comercial, 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1970. v. III.
p. 532): “Impondo o Código a oralidade do depoimento, fica, consequentemente, vedado
à testemunha trazer o depoimento escrito. Tal qual o regime geralmente adotado pelas
legislações estrangeiras e sempre seguido no direito brasileiro. Não será preciso dizer que
o depoimento escrito desnatura o caráter da prova testemunhal, que tem na originalidade
das declarações a sua maior eficácia. Ora, não poderia esta originalidade ser apurada se a
testemunha se limitasse a ler declarações previamente escritas. Ficar-se-ia, com a aceitação
da leitura do depoimento escrito, sem meios de se indagar se este constituiria o real conhe-
cimento da testemunha quanto aos fatos informados, ou se constituiria fruto de sugestão
de terceiros ou mesmo obra de má-fé a serviço de interessados. Por outro lado, as partes se
tornariam cerceadas de inquirir a testemunha e desta obter subsídios preciosos à elucidação
do fato e suas circunstâncias”.
113. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, v. III: Parte Especial – procedimento comum (da
demanda à coisa julgada). p. 494; Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel
Mitidiero, Curso de Processo Civil. v. II: Tutela dos direitos mediante procedimento comum.
São Paulo: RT, 2015, p. 390.
114. Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, Provas atípicas e provas anômalas: inadmissibilidade
da substituição da prova testemunhal pela juntada de declarações escritas de quem poderia
ser testemunha. In: Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide Moares (orgs.), Escritos em ho-
menagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005, p. 341-352.
115. Para uma visão crítica desse posicionamento, v. Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional
e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os processos civil e penal. Tese de
doutorado. Orientador: José Rogério Cruz e Tucci. Universidade de São Paulo, 2013, p. 205
e ss.
Provas em Espécie 929
116. Cf.: TJPR, 15ª Câm. Cív., Apel. 860739-0, Rel. Des. Jucimar Novochadlo, j. 22.8.2012; TRF-3ª
Região, 8ª T., Apel. 00097738920014039999, Rel. Des. Federal Marianina Galante, e-DJF3
9.12.2010; TRF-3ª Região, 10ª T., Apel. 00452667820114039999, Des. Sérgio Nascimento,
e-DJF3 18.4.2012.
117. De acordo: Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque
comparativo entre os processos civil e penal, op. cit., p. 204. Na jurisprudência: “(...) A
juntada de declaração de testemunha, por escrito, mesmo que autenticada por Tabelião,
não tem força idêntica à prova testemunhal produzida em audiência, sob o crivo do contra-
ditório. (...) Existindo relevante matéria de fato, torna-se inafastável a realização de prova
oral, imprescindível para a plena constatação do direito do postulante. A sua não realização
implica violação ao princípio constitucional da ampla defesa e do devido processo legal.”
(TRF-3ª Região, 8ª T., AI 00823030820074030000, Rel. Des. Federal Newton de Lucca,
e-DJF3:27.7.2010).
118. A corroborar o que se afirma, o art. 408, caput e parágrafo único, do CPC/2015 dispõe,
de forma análoga ao que se previa no art. 368, caput e parágrafo único, do CPC/73, sobre
limitada eficácia das declarações escritas por testemunhas.
119. Cf., sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira, Correntes e contracorrentes no processo
civil brasileiro. Revista de Processo, v. 116, jul-ago 2004, p. 313-324.
120. José Carlos Barbosa Moreira, Correntes e contracorrentes no processo civil brasileiro. op.
cit., p. 313-324.
121. André Vasconcelos Roque; José Aurelio de Araujo et. al. A reforma do direito probatório no
processo civil brasileiro – terceira parte. Anteprojeto do Grupo de pesquisa “Observatório das
930 Manual de Direito Processual Civil
mediante acordo das partes, nos casos em que a testemunha esteja impossibilitada ou
apresente grave dificuldade de comparecer ao tribunal.
No direito italiano, uma reforma de 2009 (Lei nº 69 de 2009), introduziu a possi-
bilidade de testemunho escrito no processo civil (arts. 257-bis do Codice di Procedura
Civile e art. 103-bis das disposizioni per l’attuazione del Codice di Procedura Civile). Para
tanto, exigem-se determinados requisitos, sendo o principal deles o acordo entre as par-
tes, levando-se, ainda, em consideração, a natureza da causa e outras circunstâncias.122
Há quem sustente, na doutrina brasileira, as vantagens do depoimento escrito,123 ao
argumento de que, sendo o ponto a ser esclarecido de menor importância e complexi-
dade, e verificada a possibilidade de as partes formularem questionamentos escritos à
testemunha, não haveria óbice a essa prática. Por outro lado, se deveria facultar à parte
interessada requerer, ou ao juízo determinar, a colheita do depoimento oral sempre que
necessário para esclarecer alguma questão ou ampliar o contraditório. Ressalva-se, ain-
da, a necessidade de analisar a declaração escrita com cautela, tendo em vista o modo
pelo qual é produzida esta prova.
Como se assinalou precedentemente, tal parece ser a orientação da jurisprudência
pátria e, conquanto o CPC/2015 não tenha determinado expressamente a possibilida-
de de substituição da oitiva de testemunha por declarações escritas, é provável que esta
venha a ser admitida, com base no mesmo raciocínio, sobretudo quando houver acor-
do entre as partes.124
De qualquer modo, sendo a prova testemunhal produzida de forma regular e oral –
como, aliás, é da essência deste meio de prova –, deverá o testemunho ser prestado em
audiência, na sede do juízo em que tramita a ação. Os arts. 453, I e II, 454 e 449, pará-
grafo único, do CPC/2015 estabelecem algumas exceções, isto é, a testemunha, pelas
125. Embora haja compatibilidade, não se pode negar que há diferenças entre as disposições.
Veja-se que, o CPC/1973 se refere ao acometido por enfermidade, ou debilidade mental
que, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve
depor, não está habilitado a transmitir as percepções; o CC/2002, por sua vez, considerava
incapazes para testemunhar os que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem
o discernimento para a prática dos atos da vida civil. Assim, enquanto o CPC/1973 optou por
932 Manual de Direito Processual Civil
so, porque – nessas condições especialíssimas – a pessoa não poderia ser considerada
testemunha, mas informante.”128-129
No entanto o CPC/2015, com início de vigência posterior ao Estatuto da Pessoa
com Deficiência, isto é, março de 2016, dispôs especificamente sobre a capacidade das
testemunhas. Prevê o § 1º do art. 447 do CPC/2015 que são incapazes para depor como
testemunhas: ”I – o interdito por enfermidade ou deficiência mental; II – o que, acome-
tido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos,
não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmi-
tir as percepções; III – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos; IV – o cego e o surdo,
quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam”. 130-131
Percebe-se, portanto, que as duas hipóteses de incapacidades retiradas do ordena-
mento jurídico pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência pelo seu art. 114 (que dispõe
sobre a revogação dos incisos II a III do CC/2002), voltaram a existir com a vigência do
CPC/2015, agora previstas nos incisos II a IV do § 1º do seu art. 447, com pequenas al-
terações. As duas normas, aprovadas sancionadas praticamente com 4 meses de diferen-
ça (CPC/2015 em 16.03.2015 e o Estatuto da Pessoa Com Deficiência em 06.07.2015),
não são harmônicas, tendo diversos pontos conflitantes. O legislador, ao as aprovar,
não se preocupou em prever dispositivos que fossem compatíveis, havendo diversas
contradições em vários temas,132 como o da capacidade da pessoa de ser testemunha.
Enquanto o Estatuto visou a maior amplitude possível da capacidade para ser testemu-
nha, o CPC/2015 previu normas consideravelmente restritivas.
128. Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de Direito Civil: v. V: família, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 434.
129. Importante o destaque, no entanto, de que o CPC/1973 não admitia a oitiva das testemunhas
incapazes, mesmo que necessário, referindo-se o art. 405, § 4º apenas à possibilidade de
oitiva, sem compromisso legal, das testemunhas suspeitas e impedidas. O CPC/2015, por
sua vez, manteve a possibilidade incluindo apenas a possibilidade de prestarem depoimen-
tos as testemunhas menores de 16 anos (art.447, §§ 4º e 5º do CPC/2015), sem se referir às
testemunhas incapazes. A possibilidade, no entanto, constava do art. 228, § 1º do CC/2002.
130. Em comparação com o CPC/1973 apenas houve a substituição dos termos: “demência” por
“enfermidade ou deficiência mental”; “debilidade mental” por “retardamento mental” e “o
menor” por “o que tiver menos”
131. Também necessária a ressalva de que eventual para eventual aplicação da pena de falso
testemunho deve ser considerada a capacidade cognitiva do deficiente, especialmente no
que tange seu entendimento sobre o caráter ilícito do fato, podendo inclusive ser conside-
rado como inimputável, nos termos do art. 26 do Código Penal, hipótese em que não estará
sujeito à pena.
132. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Maria Ligia Coelho Mathias, Repercussão do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), Nas Legislações Civil e Processual
Civil, Revista de Direito Privado, v. 66/2016, DTR\2016\4447 p. 57-82; Diogo Esteves, Elisa
Costa Cruz e Franklyn Roger Alves Silva, As Consequências Materiais e Processuais da Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e o Papel da Defensoria Pública na Assis-
tência Jurídica das Pessoas com Deficiência, Revista de Processo, v. 258/2016, p. 281-314,
Ago/2016, DTR\2016\22285. Rosa Maria de Andrade Nery, Instituições de Direito Civil: v.
V: família, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 436-444.
934 Manual de Direito Processual Civil
Ademais, a adoção de uma vacatio legis mais extensa para o CPC/2015 acabou fa-
zendo com que a norma posteriormente aprovada e sancionada (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) entrasse em vigor antes do CPC/2015. Considerando as disposições que
regulam a revogação tácita (§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro – Decreto-lei 4.657/1942133), o CPC/2015, por ter entrado em vigor poste-
riormente, é norma posterior, revogando tacitamente todas as normas anteriores que
o disponham de forma diversa.134-135 Parece-nos que a conclusão mais correta, para o
caso das testemunhas, é a de que estão vigentes as disposições do CPC/2015. Passemos
à análise das hipóteses do art. 447, § 1º do CPC/2015.
É considerado incapaz para prestar testemunho “o interdito por enfermidade ou
deficiência mental” (art. 447, § 1º, I,). Trata-se de uma vedação genérica, objetiva e ab-
soluta, bastando a existência de uma sentença de interdição por enfermidade ou defi-
ciência mental para que o inciso incida. Entretanto, há consideráveis indícios de que a
norma perdeu a potencialidade de preenchimento fático da sua hipótese de incidência
em razão das disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência, especialmente as re-
lacionadas à curatela.
Ocorre que o Estatuto retirou do rol dos absolutamente incapazes os que, por en-
fermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prá-
tica dos atos da vida civil e, ainda, do rol de relativamente incapazes, os excepcionais
sem desenvolvimento mental completo. A partir de então, a eventual prática dos atos
da vida civil destes indivíduos passou a ser regulada pelo Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência, que prevê como regra a plena possibilidade de realização dos atos e, excepcio-
nalmente, a possibilidade de restrição da pratica dos atos patrimoniais, ou de apenas
alguns atos, por meio da curatela (art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), nos
termos definidos na sentença.
Diante disso, há parte da doutrina se posicionando no sentido de que inexiste mais
no direito brasileiro a hipótese de interdição nos casos de deficiência intelectual ou
mental.136 Ocorre que, como se sabe, a interdição tem por finalidade vedar o exercício
dos direitos ou, como o próprio nome sugere, a “interdição de direitos”, sendo equipa-
rada por muitos como a “morte civil” da pessoa, o que não estaria de acordo com os ob-
jetivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em decorrência disso, não se teria mais
a ação de interdição dos deficientes mentais e intelectuais e sim uma ação específica
destinada a estabelecer os limites da curatela (que seguirá, porém, o rito da interdição
sem ser denominada como tal). Neste sentido, ademais, o Estatuto havia alterado al-
guns dispositivos do CC/2002, adequando a redação. É o que ocorreu com art. 1.768,
que teve sua redação alterada de: “A interdição deve ser promovida” para “O processo
que define os termos da curatela deve ser promovido” e do art. 1.769 de “O Ministério
Público só promoverá interdição:” para “O Ministério Público somente promoverá o
processo que define os termos da curatela”. Os dispositivos, no entanto, apenas vigi-
ram de janeiro de 2016 a março de 2016, quando o CPC/2015 revogou expressamente
os artigos do CC/2002 que tratavam do tema, vindo a disciplinar a matéria nos proce-
dimentos de jurisdição voluntária.
O tema, no entanto, ainda não é pacífico, havendo posicionamentos em sentidos
diversos admitindo a manutenção no ordenamento jurídico do procedimento de inter-
dição para a definição da curatela dos deficientes mentais e intelectuais.137-138 Admitin-
136. Fernando da Fonseca Gajardoni, Comentário ao art. 747, in: Fernando da Fonseca Gajar-
doni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte, Processo de Conhecimento
e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2016.
p. 1.291; Antonio Lago Júnior e Amanda Souza Barbosa, Primeiras Análises Sobre o Sistema
de (In)capacidades, Interdição e Curatela Pós Estatuto da Pessoa com Deficiência e Código
de Processo Civil de 2015, Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8/2016, p. 49-89,
jul-set/2016, p. 5 do artigo.
137. Diogo Esteves, Elisa Costa Cruz e Franklyn Roger Alves, posicionam-se no sentido de que,
na realidade, deve-se realizar uma nova contextualização da interdição, deixando esta de
ser encarada como um procedimento destinado à decretação da “morte civil” da pessoa.
Para os autores subsiste a interdição para os deficientes intelectuais e mentais, tendo esta
uma perspectiva distinta (As Consequências Materiais e Processuais da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência e o Papel da Defensoria Pública na Assistência Jurídica
das Pessoas com Deficiência, Revista de Processo, v. 258/2016, p. 281-314, ago/2016, p. 12
do artigo). Em sentido parecido: Luiz Alberto David Araújo, e Waldir Macieira da Costa Filho,
Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPCD (Lei 13.146 de 06.07.2015): Algumas novidades.
Revista dos Tribunais, v. 962/2015, p. 65-80, dez/2015, p. 06-07 do artigo.
138. Fernando da Fonseca Gajardoni entende que: “A melhor resposta parece ser aquela que
busque conciliar as disposições conflitantes no tempo e à luz do principal propósito do
Estatuto da Pessoa com Deficiência: considerar o deficiente capaz e, apenas excepcio-
nalmente, exigir assistência para questões patrimoniais e negociais (curatela e tomada de
936 Manual de Direito Processual Civil
decisão apoiada). De modo que, não sendo possível a conciliação entre as disposições
alteradas e, logo após, revogadas, prevalecerá o regramento posteriormente aprovado (Lei nº
13.146/2015), ainda que de vigência anterior ao CPC/2015. Em outros termos, se possível a
compatibilização normativa à luz dos propósitos retro estabelecidos excelente; do contrario,
valem as disposições do CC, com a redação da Lei nº 13.146/2015, e não a revogação destes
pelo CPC/2015 (art. 1.072, II)”.(Fernando da Fonseca Gajardoni, Comentário ao art. 747, in:
Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte,
Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: comentários ao CPC de 2015. São
Paulo: Forense, 2016. p. 1.294.)
39. Alexandre Freitas Câmara, por exemplo, indica que o interdito por enfermidade ou deficiên-
1
cia mental, não poderia ser testemunha ante a “óbvia impossibilidade que teria um doente
mental de trazer esclarecimentos ao juízo acerca de fatos relevantes” (O Novo Processo
Civil Brasileiro, 2. ed. revisada e atualizada de acordo com a Lei 13.256/2016, São Paulo,:
Atlas, 2016. p. 254)
Provas em Espécie 937
140. É o que apontam Cristiano Chaves de Farias, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista
Pinto, ao concluírem que: “Uma pessoa com Síndrome de Down ou um surdo-mudo,
efetivamente, podem ser excelentes testemunhas para auxiliar o magistrado a reconstituir
os fatos debatidos em juízo.” (Estatuto da Pessoa Com Deficiência Comentado Artigo por
Artigo, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 315.)
141. A propósito do depoimento do menor, é preciso levar em conta a Recomendação nº 3, de 23
de novembro de 2010, do CNJ, aplicável sobretudo às medidas socioeducativas reguladas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas cujos critérios (v.g. estágio de desenvolvi-
938 Manual de Direito Processual Civil
qualquer compromisso, devendo o juiz atribuir-lhe o valor que possa merecer (art. 447,
§ 5º do CPC/2015).
O art. 447, § 2º, do CPC/2015 considera impedidos para depor: “I – o cônjuge, o
companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o ter-
ceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir
o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder
obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito”.
Não se tratando de questão de família ou quando o exigir o interesse público, o cônju-
ge, o companheiro, os descendentes e os ascendentes não poderão depor, porque im-
pedidos (art. 447, § 2º, I).
No inciso II do § 2º do mesmo artigo (447), a lei considera impedido de depor aque-
le que é parte. Desnecessária seria a referência da lei, pois o seu depoimento só deverá
ser colhido como depoimento pessoal, e não como prova testemunhal.
Finalmente, o inciso III do § 2º do art. 447 enumera como impedidos: o que inter-
vém em nome de uma das partes, como o tutor na causa do menor; o representante legal
da pessoa jurídica, quando esta for parte; o juiz, o advogado142 e outros que assistam ou
mesmo tenham assistido a qualquer das partes. Relativamente ao juiz, caso tenha co-
nhecimento de fatos que possam influir na decisão da causa e se tiver sido arrolado, se
deverá dar por impedido; mas, se nada souber a respeito da demanda, mandará simples-
mente excluir seu nome, prosseguindo normalmente na condução da causa (art. 452,
II, do CPC/2015). Em sendo sabedor de fatos pertinentes à causa, dar-se-á o juiz por
impedido (rectius, impedido de continuar como juiz no processo em que vai testemu-
nhar, arts. 452, I, e 144, I, do CPC/2015), e passará a causa ao seu substituto legal. Nesta
hipótese, todavia, à parte que arrolou o juiz não será lícito desistir do seu depoimento
(art. 409, I, 2ª frase), pois, do contrário, obliquamente, existiria um meio de afastar o
juiz do processo, além do impedimento ou suspeição.
Por outro lado, se no art. 144, I, consta que é impedido o juiz “que prestou depoimen-
to como testemunha”, o sentido correto é o de que é impedido também o juiz que vier a
prestar testemunho, pois é para o futuro o sentido e função da disciplina do art. 452. É
curial, por outro lado, que, a partir do momento em que o juiz se reconheça como tendo
conhecimento de fatos relativos à causa, e dispondo-se a testemunhar, deixa de ser im-
pedido como testemunha, conquanto fique impedido como juiz. Deixa de incidir o art. 447,
§ 2º, III, passando a incidir os arts. 144, I, e 452, I.
mento e grau de compreensão do menor) invocados devem ser considerados para todos os
fins.
42. O art. 7.º, XIX, da Lei 8.906/1994, a exemplo do que já dispunha o anterior Estatuto da Ordem
1
dos Advogados do Brasil (Lei 4.215/1963, art. 87, XVI), disciplinando o sigilo do advogado
como testemunha, libera-o da obrigação de depor em processo em que já funcionou ou
deva funcionar; ainda, estende o sigilo a fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi
advogado, “mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte”, bem como sobre
fato que constitua sigilo profissional. Cf.: STJ, 6ª T., Rel. Min. Nilson Naves, AgRg no HC
48.843/MS, j. 31.10.2007, DJ 11.2.2008.
Provas em Espécie 939
143. Cf. STJ, 4ª T., REsp 824.473/PB, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 6.11.2008, DJe 24.11.2008
144. Revista de Processo (RePro) 33/26, em. 85.
145. STJ, REsp 97.916/SP, 4.ª T., j. 12.11.1996, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 03.02.1997,
p. 733; RT 536/117; TJSP, AgIn 131.507-4/Sertãozinho, 2.ª Câm.Dir.Priv., 19.10.1999, rel.
Theodoro Guimarães. Há, entretanto, entendimentos posteriores, do STF e de outros tribu-
nais, em sentido contrário. Ver nota subsequente.
146. RTJ 109/466, sendo que, ainda que se possa vir a entender haver suspeição, o depoimento
será tomado independentemente de compromisso (tratava-se de testemunha servidor ou
funcionário da parte, tida como não incluída no art. 405, § 3.º, e que teria mesmo se com-
promissado). Na mesma linha, substancialmente: TJ-RS, 18ª Câm. Civ., AC: 70039957402,
Rel. Elaine Maria Canto da Fonseca, j. 23.5.2013, DJ 27/05/2013; TJ-DF, 3ª T. Cível, Apel.
0075751-82.2004.807.0001, Rel. Nídia Corrêa Lima, j. 22.10.2008, DJe 30.10.2008.
147. STJ, REsp 51.714/MG, 4.ª T., j. 22.8.1995, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 2.10.1995.
148. RT 350/438. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 228, do Código Civil,: “Para a prova
de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere
este artigo.”
940 Manual de Direito Processual Civil
ainda, quando as provas são escassas. 149 Mas, caso a sentença se venha a basear funda-
mentalmente em prova testemunhal de menores, impedidos e suspeitos, especificamen-
te, sem se ter consignado que o depoimento era estritamente necessário (art. 447, § 4º), há
violação manifesta de norma jurídica, ensejando sua nulidade ou mesmo ação rescisó-
ria, se tiver havido trânsito em julgado (art. 966, V), na medida em que esse testemunho
tenha influído na sentença.
149. Robson Renault Godinho, Comentário ao art. 447 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim
Wambier et. al. (coord.). Breves comentários ao novo código de processo civil, op. cit.,
p. 1138.
Provas em Espécie 941
150. Exemplo de hipótese em que a lei faz essa exigência pode ser encontrado no art. 55, § 3º,
da Lei 8.213/1991, referente à comprovação do tempo de serviço na atividade do rurícola
para fins de obtenção do benefício previdenciário. Cf., ainda, a Súmula 149 do STJ: “A prova
exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade de rurícola, para efeito
da obtenção do benefício previdenciário”.
151. Assim: “A possibilidade de o julgador afastar a produção de provas (...) deve ocorrer, apenas,
quando estas se apresentem absolutamente desnecessárias e inúteis para o seu convencimen-
to, o que, a meu juízo, não é o caso dos autos, sobretudo porque a oitiva das testemunhas se
faz necessária para esclarecer pontos importantes da lide. Com efeito, a lei garante às partes
a produção de todas as provas que entenderem necessárias, sendo que a sua vedação, em
princípio, constitui ofensa ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, que garante a
todos o devido processo legal (...).” (TJMG, 17ª Câm. Cív., Apel. nº 1.0372.08.032689-8/002,
Rel. Des. Lucas Pereira, j.11.2.2010, DJ 16.3.2010).
152. A presunção do art. 408 é juris tantum ou relativa, o que não impede que possa ser desfeita.
Cf., à luz do CPC/73 (art. 368): STJ, REsp 33.200/SP, 4.ª T., j. 13.03.1995, rel. Min. Sálvio de
942 Manual de Direito Processual Civil
Quanto à apresentação do rol de testemunhas, das duas, uma: ou será feita na audi-
ência de saneamento, se esta for designada (art. 357, V, e § 5º, do CPC/2015), ou, ainda,
caso esta não ocorra, em prazo a ser fixado pelo juiz quando do deferimento da prova
pericial, que não poderá exceder 15 (quinze) dias (art. 357, § 4º, do CPC/2015).
Decisões há liberais, no caso de adiamento da audiência de instrução e julgamento, que
têm admitido a apresentação do rol a contar da data da nova designação.154 Entretanto,
tenha-se presente que, quando a produção de provas já fora iniciada anteriormente e a
instância suspendeu-se para que as partes viessem a se compor, não é mais dado às par-
tes o direito de arrolar testemunhas, com o que haveria inversão da ordem e tumulto
processual.155 Neste caso, ter-se-á verificado preclusão, ou porque arrolaram as teste-
munhas desejadas (preclusão consumativa), ou, então, se não o fizeram, terão perdido
o prazo para tanto (preclusão temporal).
Aspecto inovador no CPC/2015 consiste na regra geral de que a intimação das tes-
temunhas fica a cargo dos procuradores das partes que as arrolaram, nos termos do
art. 455.156 Somente será intimada judicialmente a testemunha quando: I – frustrada a
intimação por advogado ou quando sua necessidade for devidamente demonstrada pela
parte ao juiz; II – figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em
que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir; III
– a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;
IV – a testemunha for uma daquelas previstas no art. 451 (art. 455, § 4º, do CPC/2015).
Se, intimada pelo advogado da parte ou pelo juiz, a testemunha deixar de compa-
recer à audiência sem motivo justificado, será conduzida coercitivamente e responde-
rá pelas despesas do adiamento da produção da prova (art. 455, § 5º, do CPC/2015).
Se, ao invés de promover a intimação da testemunha por meio de seu advogado,
a parte se comprometer a levá-la à audiência independentemente de intimação, o não
comparecimento da testemunha gera a presunção de desistência da inquirição (art. 455,
§ 2º, do CPC/2015). A inércia na realização da intimação pelo advogado também impor-
tará desistência da inquirição da testemunha (art. 455, § 3º, do CPC/2015).
154. “Sabe-se bem que a apresentação do rol de testemunhas é ato preclusivo, não apresentado
a tempo e a modo, a parte perde o direito de produzir a referida prova. Contudo, a jurispru-
dência ensina que, nos casos em que há o adiamento da audiência, desde que não requerida
pela parte que se aproveita, será possível a apresentação de novo rol.” (TJMG, 16ª Câm. Cív.,
Apel. 1.0023.13.000768-7/001, Rel. Des. Pedro Aleixo, j. 135/2015, publicação da súmula
em 22/05/2015). Assim, também: “Permite-se a apresentação de novo rol de testemunhas
quando há adiamento da audiência em que não tenha se iniciado a instrução. (TJMG, 16ª
Câm. Cív., AI-Cv 1.0024.10.187815-5/001, Rel. Des. Batista de Abreu, j. 30.1.2014).
155. TJSP, RT 562/111, RT 642/131.
156. “Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha que arrolou do
local, do dia e do horário da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
§ 1º A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao
advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos três dias da data da audiência,
cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento. (...)”
944 Manual de Direito Processual Civil
157. “– Não se anula o processo em face da entrega, em cartório, do rol de testemunhas arroladas
pela outra parte a oito dias da audiência, porquanto indemonstrado que a diminuição de dois
dias do prazo exigido pelo art. 407 do CPC teria impossibilitado a contradita de quaisquer
delas ou trazido prejuízo de outra natureza. – A declaração de nulidade do processo, nessa
circunstância, não se coaduna com o princípio da instrumentalidade do processo.” (STJ, 3ª
T., REsp 648.457/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 4.8.2005, DJ 29.8.2005).
158. TJMG, 17ª Câm. Cív., Apel. Cív. 1.0699.12.010074-7/002, Rel. Des. Eduardo Mariné da
Cunha, j. 4.2.2016; TJMG, Apel. Cív. 1.0313.11.026370-1/001, Rel. Des. Judimar Biber, 3ª
Câm. Civ., j. 26.11.2015.
159. RT 290/432. Cf., ainda: “A falta de apresentação do rol de testemunhas, assim como a apre-
sentação incorreta, induz a preclusão da prova.” (TJSP, 29a. Câmara do Segundo Grupo,
Rel. Ferraz Felisardo; AI 9002433-87.2001.8.26.0000 j. 27.7.2011)
160. 2.º TACivSP, in Jurandyr Nilsson, Repertório cit., vol. II/458. Todavia, se não houver sido
requerido depoimento pessoal, a intimação (pessoal) da parte não será necessária, bastando
a intimação de seu advogado: TJSP, Rel. Silvia Sterman; 9ª Câm. Dir. Priv., – Apel. 0000874-
98.2010.8.26.0142, j. 5.11.2013.
Provas em Espécie 945
161. TJSP, Ap.Cív. 114.563-4/São Paulo, 3.ª Câm. Dir. Priv., j. 30.01.2001, rel. Alfredo Migliore;
RT 752/247.
946 Manual de Direito Processual Civil
162. TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado; Rel. Gilberto Leme; Comarca: Franca; Apel. 9172276-
69.2009.8.26.0000, j. 25.9.2012.
Provas em Espécie 947
propriamente, que falar em perícia, mas em prova técnica documentada, algo muito
próximo da prova documental. Evidentemente, se a discordância dos litigantes sobre
aquelas questões de fato for tal que afete a própria formação da convicção judicial, neces-
sariamente e em que pese a redação do art. 472, será caso de ser determinada a perícia.
ser extraídos dos autos (art. 371 do CPC/2015, a contrario sensu). Por outro lado, fosse
o juiz confundido com o perito, estaria comprometida sua imparcialidade (art. 144, I,
do CPC/2015).
Há, porém, casos em que a vedação à utilização de conhecimento privado do juiz é
ressalvada, por se tratar de hipóteses de dispensa de prova técnica. Isso ocorrerá quan-
do o conhecimento técnico empregado pelo juiz for de conhecimento geral, ou de pos-
sível obtenção por quem quer que seja.
Efetivamente, no art. 375 do CPC/2015, encontra-se o permissivo para tanto. Alude-
-se aí a que o juiz, para certos casos, deverá usar normas jurídicas particulares, que serão
aquelas que, especialmente, disciplinam um dado assunto, v.g., como as que regulam
problemas de agricultura, de qualificação jurídica de um dado material, como adubo,
em decorrência de sua composição química, e ainda, como as que definem os requisi-
tos de segurança de um veículo etc. É, todavia, possível que não existam tais normas,
quando, então, o juiz deverá usar de sua experiência comum (art. 375), ou seja, aplicará
ao caso as chamadas “máximas de experiência”.163
O conceito de experiência comum, ou de máximas de experiência, é significativo
de que o juiz, como homem culto e conhecedor dos fatos da vida, entende o sentido de
certas realidades usuais e rotineiras, donde, então, ter-se que as máximas de experiên-
cias são regras gerais que esclarecem o sentido da norma aplicável. Assim, se se discu-
te a respeito de um acidente automobilístico, onde a norma jurídica a ser usada será a
da culpa (art. 186 do CC), poder-se-á estar diante de um veículo que estava num acos-
tamento, o que leva à presunção hominis de culpa; ou, então, estar-se-á diante de um
veículo que brecou e deixou rastro imenso. A experiência da vida indicará – à falta de
outros elementos – que, seguramente, o condutor do veículo, que estava fora da pista
e a adentrou, ou aquele que deixou o rastro, serão os culpados. As máximas de experi-
ência, pois, completam o sentido normativo, reportado a uma dada cultura ou civili-
zação. São regras de cunho abstrato que completam a moldura da lei, no sentido de ex-
pressarem uma referibilidade da lei à realidade sobre a qual ela incide, tendo em vista o
que a experiência comum (leis físicas, da medicina, da biologia etc.), necessariamente
generalizada, significa de verdadeiro, independentemente de prova pericial. Nessa medi-
da, assimilam-se mais à norma do que ao fato, muito embora sejam extraídas do mun-
do empírico. Se, entretanto, vier a entender o juiz que não pode seguramente aplicar ao
caso sua experiência comum ou as regras da experiência técnica, porque dela careça, o
art. 375 indica, no fim de sua redação, o caminho da perícia.
Importa ressaltar, contudo, a advertência feita em sede doutrinária no sentido de
que, justamente por se tratar de generalizações obtidas por indução a partir de um gran-
163. São as máximas da experiência comum “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo ge-
ral, desligados dos fatos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência,
porém independentes dos casos particulares de cuja observância foram induzidos e que,
sobrepondo-se a estes, possuem validade para outros novos.” (Friedrich Stein, El conocimiento
privado del Juez. Investigaciones sobre el derecho probatorio en ambos os procesos. Trad. de
Andrés de La Oliva Santos.Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra S.A, 1973, p. 22).
Provas em Espécie 949
164. Clarissa Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo
entre os processos civil e penal, op. cit., pp. 97-98. Confira-se, ainda, sobre o tema: Mi-
chele Taruffo, Narrativas Judiciales. La prueba, articulos y conferencias. Santiago de Chile:
Editorial Metropolitana, 2009, pp. 159-160; id., Senso comune, esperienza e scienza nel
ragionamento del giudice. In: Sui confini. Scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino,
2002, pp. 121-156; Jordi Ferrer Beltrán, La valoración racional de la prueba, Madrid/
Barcelona/Buenos Aires: Marcial Pons, 2007,, p. 133 e nota de rodapé nº 113. Para uma
diferenciação entre as máximas da experiência e a prova científica: Luigi Lombardo,
Prova scientifica e osservanza del contraddittorio nel processo civile. Rivista di diritto
processuale. Ano LVI, n. 4, Padova: CEDAM, 2002, p. 1.090; Federico Stella, Giustizia e
modernità. La protezione dell’innocente e la tutela delle vitime. Terza edizione. Milano:
Giuffrè, 2003, pp. 42-43.
165. Adroaldo Furtado Fabrício chama a atenção para a “baixa credibilidade das informações
extraídas da internet” e alerta: “quando a regra seja da experiência técnica, exigente de co-
nhecimentos especializados, o que se impõe é a realização da perícia” (Adroaldo Furtado
Fabrício. Iniciativa judicial e prova documental da internet. In: Luiz Guilherme Marinoni
(coord). Estudos de direito processual civil. Homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz
de Aragão. São Paulo: RT, 2005, p. 300).
166. O direito à prova contrária é realçado pela doutrina processual civil e penal italiana. Cf.
Giulio Ubertis, La ricerca dela verità giudiziale. In: Giulio Ubertis (a cura di). La conoscenza
del fatto nel processo penale. Milano: Giuffrè, 1992, pp. 1-38. De acordo com o autor, feita a
prova de um fato por uma das partes, a pertinência deste fato para o litígio já está assentada,
de tal forma que produzir a prova em contrário requerida pela contraparte é dever do juiz
que, ao fazê-lo, garante-lhe um direito fundamental já exercido pelo adversário.
950 Manual de Direito Processual Civil
Também deve ser indeferida a perícia quando a verificação do fato se tornar impra-
ticável (art. 464, § 1º, III, do CPC/2015), o que se dá, em geral, em virtude da descon-
figuração, modificação ou deterioração do objeto da perícia.
Outro fator que pode dispensar o cabimento da perícia consiste na circunstância de
as partes, com a inicial ou com a contestação, apresentarem pareceres técnicos ou do-
cumentos elucidativos sobre as questões de fato que o juiz tiver como suficientes (art. 472
do CPC/2015). Todavia, como já se disse, se a discordância dos litigantes sobre aquelas
questões de fato for tal que afete a própria formação da convicção judicial, será caso de
determinar a perícia.
Salientemos, ainda, que, na hipótese de uma das partes insistir na produção da pro-
va pericial, a despeito da existência de pareceres técnicos nos autos, é de todo aconse-
lhável que se determine a respectiva produção. E assim é porque, das duas, uma: ou a
parte que pretende a prova pericial sustenta a tese contrária àquela já firmada na con-
vicção do juiz, a partir dos pareceres técnicos, hipótese em que terá direito a produzir,
em juízo, a prova contrária; ou, ainda que a prova tenda a reforçar a convicção judicial
favorável à tese do requerente, a questão técnica pode não estar suficientemente clara
para, eventualmente, sustentar tal conclusão em sede recursal. Lembre-se, ainda, que,
em ambos os casos, a parte ainda não sabe qual será a conclusão do juiz sobre conteú-
do dos pareceres técnicos, o que torna recomendável a produção da prova pericial, em
respeito ao direito fundamental à prova.
Por fim, caso os pareceres técnicos tenham sido elaborados de forma unilateral, e
tendo uma das partes requerido a prova pericial, poderá tal providência prevenir uma
solução fática pautada em prova técnica não-contraditória.167
167. A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “o laudo pericial oficial elaborado
sob o contraditório no juízo a quo não pode ser superado por outro unilateral, (...), sob pena
de violar o devido processo legal.” (STJ, REsp 985.062/RN, 1ª T., Rel. p/ acórdão Min. Luiz
Fux, j. 6.5.2008, DJe 20.10.2008). Não se acredita, contudo, ser possível a generalização
da ideia de que o laudo pericial haja sempre de prevalecer sobre os pareceres técnicos tra-
zidos pelas partes; no sistema de persuasão racional, há que se ter presentes os argumentos
lógico-racionais que respaldem os elementos de prova, sob pena de se estabelecer uma
hierarquia entre os meios. Todavia, deve-se ponderar que, em princípio, é possível afirmar
que a superioridade do laudo do perito oficial a partir dos pareceres técnicos produzidos
de forma parcial – e, muitas vezes, como foi o caso do acórdão citado, unilateral. Por isso, o
acolhimento das conclusões contidas nos pareceres técnicos dependeria de argumentação
mais contundente que o acolhimento da prova pericial, obtida em contraditório e mediante
metodologia prevista em lei, com a participação de perito nomeado pelo juiz ou indicado
pelas partes, em comum acordo.
Provas em Espécie 951
168. Cf. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil. 16ª ed., São Paulo: RT, 2013, Segunda Parte,
n. 265. Na jurisprudência: “o fato de a autora omitir-se na formulação, desde logo, na exordial,
de seus quesitos não obsta a realização da prova pericial por ela requerida. Apenas, por força da
preclusão consumativa, estará impedida de fazê-lo em momento posterior do procedimento”
(STJ, REsp 227.930/SP, 4.ª T., j. 05.10.2000, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 27.11.2000, p. 168).
169. Nesse sentido: STJ, 3ªT., AgRg nos EDcl no Ag 1344133/MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.4.2011,
DJe 4.5.2011. Admitindo a possibilidade de conversão do julgamento em diligência a qualquer
tempo, inclusive no segundo grau de jurisdição, e restringindo a iniciativa judicial às situações de
perplexidade, provas confusas ou incompletas (o que, entendeu-se, não era o caso do julgado):
STJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp 345.436/SP, j. 7.3.2002, DJ 13.5.2002, p. 208.
170. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, “como consequência do princípio da não
adstrição do juiz ao laudo na formação de seu convencimento (art. 436 do CPC), a lei pro-
cessual o autoriza, como diretor do processo, mas não lhe impõe, determinar a realização
de nova perícia” [REsp 24.035-2/RJ, 4.ª T., 06.06.1995, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, não
conheceram, v.u. (DJU, I, 04.09.1995, p. 27.834/27.835)]. No mesmo sentido, mais recen-
952 Manual de Direito Processual Civil
juiz, em face do sistema, abdicar. Por outras palavras, a perícia idônea é a que demonstra
ao juiz, em face dos dados colhidos e da explicação técnica ou científica, serem aqueles
claramente identificados e ser a explicação nitidamente esclarecedora.
O problema da comunicação do perito com o juiz – e também com as partes – e vi-
ce-versa é um ponto sensível da prova pericial. Isso porque o fato de o juiz não deter
conhecimento-técnico científico não o libera da análise criteriosa do laudo pericial e
pareceres técnicos, assim como devem estar os procuradores das partes – quando bem
preparados – habilitados a fazer. Para viabilizar tal panorama, deve o perito utilizar lin-
guagem acessível, o que acarreta, também, a premissa de que este – o perito – tenha com-
preendido bem as questões jurídicas que envolvem a causa. Somente a partir dessa co-
municação, podemos cogitar de um laudo pericial suficientemente claro e acessível. 171
Em suma, o perito deve traduzir o objeto da prova pericial de forma a que sejam os
fatos e sua explicação cabalmente entendidos pelo juiz e pelas partes. E, sendo assim,
poderão as partes concordar com a conclusão do perito ou impugnar, total ou parcialmente,
o laudo. Na sequência, poderá o juiz concordar ou não com a conclusão do perito, indicando
os motivos que o levaram a tal conclusão e levando em conta, inclusive, o método utilizado
pelo perito (art. 479, segunda parte, do CPC/2015). 172
Por outro lado, é orientação plenamente válida a de que o juiz não fica vinculado ao
laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos probatórios
existentes nos autos.173-174
temente, STJ, AgRg no AgIn 587.628/RS, j. 19.05.2005, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ
01.08.2005, p. 517.
171. Michele Taruffo (Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali, In: Qua-
derni della revista trimestrale di diritto e procedura civile. V. 8. Decisione giudiziaria e veritá
scientifica. Milano: Giuffrè, 2005, pp. 4-23.op. cit., pp. 22-23), alude ao risco da inaces-
sibilidade da linguagem científica para o juiz e para os problemas da incompreensão da
linguagem jurídica pelos experts. Uma proposta de solução deste problema da comunicação
entre direito e ciência pode ser encontrada em Erica Beecher-Monas, Evaluating scientific
evidence. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
172. “Conclusões periciais não têm o condão de, em hipótese alguma, excluir do julgador a con-
dição de intérprete último dos fatos e de proferir a decisão de acordo com a sua convicção
íntima, tal como resulta da dicção do art. 436, do Código de Processo Civil. (...) Destarte,
ostentando os autos prova segura e contundente a favor do direito buscado pela parte autora,
é dado ao magistrado, com fundamento no princípio do livre convencimento motivado,
inclinar a sua decisão em sentido contrário ao das conclusões técnicas produzidas no pro-
cesso” (TJSC, Apelação Cível n. 2011.002997-0, Rel. Des. Trindade dos Santos, 2ª Câmara
de Direito Civil, julgado em 02.8.2012).
173. “Prova. Perícia. Laudo realizado pelo IMESC. Pretensão de desconsideração do laudo, para
a realização de nova perícia. Juiz que entendeu ser o caso apenas de sua complementação.
Segunda perícia que somente terá cabimento se houver necessidade de correção de even-
tual omissão ou inexatidão no laudo pericial. Juiz que não está adstrito ao laudo, podendo
formar sua convicção por outros elementos ou fatos provocados nos autos. Decisão mantida.
Recurso não provido” (TJSP, AgIn 7.031.448-0, São Paulo, 23.ª Câm.Dir.Priv., 05.10.2005,
rel. Des. Oséas Davi Viana, v.u.).
174. “(...) Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive,
formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, inexiste em-
Provas em Espécie 953
pecilho para que ele o adote integralmente como razões de decidir, dispensando as outras
provas produzidas, inclusive os laudos apresentados pelos assistentes técnicos das partes,
desde que dê a devida fundamentação” (STJ, REsp 921.767/PE, 1.ª T., j. 28.08.2007, rel.
Min. Denise Arruda, DJ 04.10.2007, p. 198).
175. “A decisão de determinar a realização de nova prova está dentro da esfera da liberdade
jurisdicional do juiz, na ponderação de elementos fáticos necessários e formação da livre
convicção, o destinatário da prova, que poderá determiná-la, nos termos do disposto no
art. 437 do Código de Processo Civil, sempre que a matéria não estiver suficientemente
esclarecida. Assim, é, em regra, irrecorrível a decisão que determina a realização de nova
perícia.” (STJ, REsp 1354475/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, j, 17.10.2013, DJe 19.3.2014).
Esta já era a tendência do STJ desde o acórdão proferido no REsp 160.028, 4ª T., j. 2.2.1999,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). Em sentido oposto, todavia, por entender que a
segunda perícia seria incabível quando os fatos já estivessem devidamente esclarecidos e
não houvesse motivos relevantes para sua realização: STJ, 4ª T., REsp 651.001/SP, Rel. Min.
Barros Monteiro, j. 16.9.2004, DJ 27.6.2005 (hipótese que versava a realização de novo
exame de DNA para a aferição de paternidade).
176. Cf., no sentido do texto: Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo:
RT, 2013, pp. 567-568.
177. RTJ 93/735.
954 Manual de Direito Processual Civil
O laudo tem de ser fundamentado, uma vez que as conclusões deverão ser aceitas,
discutidas e criticadas. A carência absoluta de fundamentação acarreta a nulidade do
laudo. Para viabilizar o contraditório pleno, são essenciais: a compreensão do objeto
da perícia, bem como o esclarecimento sobre o método adotado pelo perito. Tudo isso
deve ser feito em linguagem clara e acessível, e de forma coerente.178 Do contrário, não
terão as partes, os interessados e o juiz condições de avaliar a perícia.
Especificamente quanto ao método adotado pelo perito, entende-se que deve ter
sido incorporado pelo patrimônio científico comumente aceito, 179 critério este de difí-
cil definição, que tem sido amplamente debatido no direito estrangeiro.180
Quanto ao procedimento pericial, tem-se que, a partir da ciência da nomeação, de-
verá o perito apresentar sua proposta de honorários, juntamente com seu currículo, a
comprovação de sua especialização e seus contatos profissionais, em especial o ende-
reço eletrônico em que receberá as intimações pessoais (art. 465, § 2º, incisos I a III,
do CPC/2015). As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo,
manifestarem-se no prazo comum de cinco dias, após o que o juiz arbitrará o valor, in-
timando as partes a adiantarem o depósito (art. 465, § 3º, do CPC/2015), observado o
disposto no art. 95 do CPC/2015, a saber: a) o adiantamento dos honorários do perito
será feito pela parte que houver requerido a perícia; b) se a perícia houver sido deter-
minada de ofício ou requerida por ambas as partes, será o adiantamento rateado entre
elas. O perito poderá receber até cinquenta por cento deste adiantamento no início dos
trabalhos, mediante autorização judicial; o que remanescer será pago apenas ao final,
depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários (art. 465,
§ 4º, do CPC/2015).
Cada parte deverá indicar um assistente técnico (art. 421, § 1º, I). Se, porventura,
houver pluralidade de litigantes, ativa ou passivamente, cada litisconsorte poderá in-
178. Nesse sentido, o art. 473, caput e incisos, do CPC/2015, dispõe sobre os requisitos do
laudo pericial: “O laudo pericial deverá conter: I – a exposição do objeto da perícia; II – a
análise técnica ou científica realizada pelo perito; III – a indicação do método utilizado,
esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área
do conhecimento da qual se originou; IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresen-
tados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público”. Ainda, nos termos do §1º
do citado artigo: “No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem
simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.”
179. Vittorio Denti, Cientificidad de la prueba e libre valoración del juez. Estudios de derecho
probatorio, Tradução para o espanhol de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf.
Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, pp. 301-302.
180. Sendo impossível a aceitação geral do método, há que se apurar sua credibilidade e vali-
dade científica – critérios não menos complexos. Cf. Keneth Foster; Peter Huber. Scientific
knowledge and the federal courts.Cambridge – Massachusetts – London: The Mitt Press,
1999, pp. 1-22. Sobre a amplitude da prova científica e da própria concepção de ciência,
cf., ainda, Michele Taruffo. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali.
In: Quaderni della revista trimestrale di diritto e procedura civile. V. 8. Decisione giudiziaria
e veritá scientifica. Milano: Giuffrè, 2005, pp. 4-23.
Provas em Espécie 955
181. Assim, Cândido Rangel Dinamarco, Reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed.. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 99 e p. 105, e José Eduardo Carreira Alvim, Código de Processo Civil
reformado. 2ª ed.. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 81-82.
956 Manual de Direito Processual Civil
182. JUTACivSP 60/69; 86/256: RT 578/179 (publ. tb. em Revista de Processo [RePro] 35/308,
em. 58); RJTJSP 47/251; RJTJRS 106/332: RTJ 93/1.363 e Boletim da AASP 1.145/230, em.
8. Contra: RT 541/259, em.; Revista de Processo [RePro] 2/359, em. 152; 35/308, em.; RT
599/216, em.
183. RT 509/119; RJTJSP 43/195; RTJ 109/742.
184. “De acordo com firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prazo para indicação
do assistente técnico e formulação de quesitos não é preclusivo, de modo que podem ser
feitos após o prazo de 5 (cinco) dias previsto no art. 421, § 1º, do CPC, desde que antes do
início dos trabalhos periciais.” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 554.685/RJ, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, j. 16.10.2014, DJe 21.10.2014).
185. STJ, 3.ª T.,AgRg no AgIn 286.716/SP, j. 8.6.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 21.8.2000;
4ª T., REsp 697.446/AM, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 27.3.2007, DJ 24.9.2007.
Provas em Espécie 957
O laudo pericial deve ser protocolado em juízo, no prazo fixado pelo juiz quando
de sua nomeação, o qual jamais pode ser inferior a 20 (vinte) dias da audiência de ins-
trução e julgamento (art. 477 do CPC/2015).
As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito
do juízo no prazo comum de quinze dias. Em igual prazo, o assistente técnico de cada
uma das partes poderá apresentar seu respectivo parecer (art. 477, § 1º, do CPC/2015).
O perito do juízo tem o dever de, no prazo de quinze dias, bem esclarecer ponto: I
– sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão
do Ministério Público; II – divergente apresentado no parecer do assistente técnico da
parte (art. 477, § 2º, do CPC/2015).
O CPC/2015 revela intensa preocupação com a necessidade da observância ao prin-
cípio do contraditório no curso da diligência pericial. Assim, o art. 466, parágrafo úni-
co, impõe ao perito o dever de assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompa-
nhamento das diligências e exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada
nos autos, com antecedência mínima de cinco dias. O art. 474, de sua vez, determina
a necessidade de ciência às partes sobre a data e o local designados pelo juiz ou indica-
dos pelo perito para ter início a produção da prova. É necessário, portanto, que se in-
forme às partes o momento em que se realizará a prova pericial, a fim de que, com isso,
se permita a elas o acompanhamento de todo o procedimento probatório. Com efeito,
a exigência de tal intimação decorre de norma cogente, cuja falta acarreta a nulidade
absoluta do processo.
O art. 475 do CPC/2015, na linha do que já dispunha o art. 431-B CPC/1973 (inseri-
do pela Lei 10.358/2001), parece atender às novas realidades e exigências da sociedade
contemporânea, em que as relações sociais são cada vez mais complexas, verificando-
-se, em todas as áreas do conhecimento humano, a tendência a uma maior especializa-
ção. Dispõe-se nesse artigo que, “tratando-se de perícia complexa que abranja mais de
uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a
parte indicar mais de um assistente técnico”. Trata-se de uma regra que a todos benefi-
cia, tendo em vista que o auxílio de especialistas em determinada área permitirá trazer
mais subsídios para que o juiz decida com mais segurança e, sem dúvida, mais seguran-
ça também às partes que receberão a tutela jurisdicional.
Dispõe o art. 473, § 3º, do CPC/2015 que, para o desempenho de sua função, o pe-
rito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo
testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da
parte, de terceiros ou em repartições públicas, podendo, ainda, instruir o laudo com
planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao es-
clarecimento do objeto da perícia.
O procedimento da prova pericial pode ser simplificado, nos casos em que a ques-
tão controvertida, que dependa de conhecimento técnico ou científico, se revele menos
complexa. Dispõe, neste sentido, o § 2º do art. 464 do CPC/2015, que o juiz, de ofício
ou a requerimento das partes, “poderá, em substituição à prova pericial, determinar
958 Manual de Direito Processual Civil
186. “Exigir formação acadêmica específica não faz nenhum sentido: já se viu que essa formação
não é exigida no caso de a perícia não ser simplificada; qual a razão para, em perícia efe-
tivada por meio de depoimento, se exigir a formação acadêmica? A regra é absolutamente
injustificável” (Paula Sarno Braga. Comentários ao art. 464 do CPC/2015. In:, Teresa Arruda
Alvim Wambier et. al. (coords). Breves comentários ao novo código de processo civil. São
Paulo: RT, 2015, p. 1775).
187. 2.º TACivSP, AgIn 27.222, Itápolis, 3.ª Câm., j. 03.04.1975, rel. Juiz Sabino Neto, v.u. Mas, de
acordo com o art. 427, o juiz pode dispensar a perícia quando as partes fizeram acompanhar
suas manifestações com pareceres técnicos. Diante disso, decidiu-se que “não há óbice
ao aproveitamento do laudo do assistente técnico do autor, contra o qual não se levanta
nenhuma suspeita” (STJ, REsp 322.642/SP, 3.ª T., j. 12.03.2002, rel. Min. Menezes Direito,
DJ 22.04.2002, p. 202).
Provas em Espécie 959
exigidos para habilitação à consulta dos interessados, para que a nomeação seja distri-
buída de modo equitativo, observadas a capacidade técnica e a área de conhecimento
(art. 156, § 2º do CPC/2015).
Como já salientamos, a escolha dos peritos também pode ser feita pelas partes, de
comum acordo, mediante requerimento (art. 471 do CPC/2015), hipótese em que não
será necessário que o profissional conste do cadastro do tribunal.188 Para que isso ocor-
ra, é preciso que as partes sejam plenamente capazes e que a causa possa ser resolvida
por autocomposição (art. 468, incisos I e II do CPC/2015). Nesse caso, a escolha do
perito deve vir acompanhada pela indicação dos assistentes técnicos das partes, se for
o caso (art. 471, § 1º, do CPC/2015). A perícia feita por perito escolhido pelas partes
substituirá, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz
(art. 471, §3º, do CPC/2015).
A nomeação do perito pelo juiz é característica dos sistemas de civil law que sempre
conduziu a questionamentos concernentes à legitimidade das decisões judiciais funda-
das na prova técnico-científica.189 Nesse ponto, andou bem o CPC/2015 ao autorizar a
escolha do perito pelas partes. Fala-se, atualmente, em prova científica cooperativa, cuja
legitimação exige, no contexto do progresso científico e tecnológico, que o perito des-
frute não apenas da confiança do juiz, mas também dos litigantes.190 Ressalte-se, ain-
da, que a credibilidade deve recair não apenas sobre a qualificação técnica do perito, mas
também sobre a adequação de sua formação ao esclarecimento dos fatos que se pretende
provar com a perícia e, bem assim, consoante já se salientou (v. tópico precedente), so-
bre o método a ser utilizado, o qual deve ser passível de amplo debate.
Em caso de perito escolhido pelo juízo, incumbe às partes, dentro de quinze dias
contados da intimação do despacho de sua nomeação: I – arguir o impedimento ou a
suspeição do perito, se for o caso; II – indicar o assistente técnico; III – apresentar que-
sitos (art. 465, § 1º, incisos I a III, do CPC/2015).
O perito tem o dever de aceitar o cargo e, para não o fazer, deverá evidenciar ao
juiz a impossibilidade ou o grande incômodo que a perícia lhe traria (art. 468, II, do
188. Nesse particular, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 168, § 1º, do CPC/2015, con-
cernente à escolha de mediadores ou conciliadores pelas partes. Cf., no mesmo sentido:.,
Fredie Didier JR. Comentário ao art. 471 do CPC/2015. In: Teresa Arruda Alvim Wambier
et. al. Breves comentários ao novo código de processo civil, São Paulo: RT, 2015, p. 1187.
189. “A circunstância de que esse perito (diversamente das testemunhas peritas, indicadas pelas
partes, nos sistemas de common law) goza de grande credibilidade junto ao magistrado que
o nomeou, associada ao papel proeminente exercido pela ciência na atualidade, podem
conduzir a julgamentos verdadeira e eminentemente periciais, e não judiciais.” (Clarissa
Diniz Guedes, Persuasão racional e limitações probatórias: enfoque comparativo entre os
processos civil e penal, op. cit., p. 325). Os questionamentos a que alude a autora dizem
respeito ao risco de delegação, ainda que de maneira velada, do poder decisório ao perito
(Cf. Mirjan Damaška, Evidenciary law adrift, New Haven – London: Yale University Press,
1997, p. 151).
190. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Problemas atuais da livre apreciação da prova. In: Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira (org.). Prova cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 51.
960 Manual de Direito Processual Civil
CPC/2015); tem, ainda, o direito de pedir prorrogação do prazo judicial fixado, justifi-
cando tal medida (art. 476 do CPC/2015), podendo o juiz conceder a prorrogação por
uma vez. Tem, outrossim, obrigações que consistem em informar lealmente o juízo, em
fornecer dados reais e verídicos e, ainda, na argumentação técnica, utilizar-se de meios
idôneos e não sofísticos (art. 468, caput, 1ª parte, do CPC/2015).
Têm as partes o direito de estar presentes quando da realização dos exames periciais
(art. 474 do CPC/2015), bem como devem ser intimadas com, no mínimo, cinco dias
de antecedência da realização de quaisquer diligências (art. 466, § 2º, do CPC/2015).
Tais exigências se coadunam perfeitamente com a preocupação, já referida, com a ob-
servância do contraditório. Por outro lado, estão também em consonância com a publi-
cidade de que, obrigatoriamente, têm de se revestir os atos processuais (até mesmo por
disposição constitucional – art. 93, IX da CF), salvo cautelas que podem vir a ocorrer,
também, na perícia (casos de segredo de justiça – art. 189 do CPC/2015).
O perito, bem como os assistentes técnicos, não estão obrigados a comparecer à au-
diência de instrução e julgamento, salvo se a parte interessada na sua presença reque-
rer as respectivas intimações, formulando desde logo, isto é, quando da intimação, as
perguntas sob a forma de quesitos (art. 477, § 3º, do CPC/2015). À evidência que esta
disposição não tem qualquer relação com aquela referente à situação de perícia sim-
plificada (art. 464, § 2º, do CPC/2015), caso em que o perito será, quando nomeado,
intimado a comparecer à audiência para o fim específico de ser inquirido sobre a coisa
examinada ou avaliada, esclarecendo, assim, o ponto controvertido que depende de es-
pecial conhecimento científico ou técnico (art. 464, § 3º, do CPC/2015).
prir escrupulosamente (art. 466, 1ª parte c/c art. 468, II, do CPC/2015) o encargo que
assumiu no prazo que lhe foi assinado. Na ocorrência desta segunda hipótese, poderá,
como visto, estar sujeito a representação formulada pelo juiz perante sua corporação
profissional respectiva, além de ser condenado a pagar multa arbitrada em cotejo ao
valor da causa e do possível prejuízo decorrente do atraso do processo (art. 468, § 1º,
do CPC/2015). Ainda, substituído o perito em virtude do descumprimento do encargo
no prazo que lhe foi assinado, deverá restituir os valores já recebidos pelo trabalho não
realizado no prazo de quinze dias, sob pena de ficar impedido de atuar como perito ju-
dicial pelo prazo de cinco anos (art. 468, § 2º, do CPC/2015). No caso de não ocorrer a
restituição voluntária dos valores, a parte que houver antecipado os honorários poderá
promover-lhe a execução, com fundamento na decisão que determinar a devolução do
numerário (art. 468, § 3º, do CPC/2015).
Em nenhum destes casos pode-se falar em assistentes técnicos, que são contratados
pelas partes. Especificamente na última hipótese ventilada no parágrafo precedente –
da não apresentação de seus pareceres no prazo, pois, se a falta for proveniente do as-
sistente técnico, esta se refletirá (rectius: poderá refletir, se for este o entendimento do
juiz – art. 371 do CPC/2015) exclusivamente sobre a parte que o indicou, de vez que a
audiência se realizará sem embargo da ausência do parecer de seu assistente.
191. No entendimento de João Batista Lopes (A prova no processo civil, 3ª ed., São Paulo: RT,
2007, p. 159): “Em rigor técnico, não se poderia falar em meio de prova, porque o juiz não
se vale de instrumentos ou pessoas para obter elementos necessários à formação de seu
convencimento, mas procede às verificações e exames ictu oculi, sem intermediários”.
192. V. Vicente de Paula Ataide Junior, A imprescindibilidade da inspeção judicial nas ações
ambientais, RePro, vol. 152, out-2007, p. 60-85.
193. É como já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: “Agravo Regimental. Ação de in-
denização por danos materiais e morais. Atropelamento. Culpa atribuída ao preposto do
réu. Inspeção judicial. Expressão que não foi utilizada pelo relator da apelação no sentido
técnico-jurídico, sendo desinfluente à conclusão do julgado. Observância dos seus requi-
sitos. Desnecessidade. I – A utilização da inspeção judicial como meio de prova se justifica
sempre que houver necessidade de o magistrado melhor avaliar ou esclarecer um fato con-
trovertido, ou seja, naquelas situações em que essa percepção não puder ser obtida pelos
outros meios de prova comumente admitidos no processo.” (STJ, AgRg no REsp 1.110.215/
RJ, 3ª T., j. 27.10.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 06.11.2009).
194. Reputamos completa a conceituação feita por Fredie Didier Júnior, Paula Braga e Rafael de
Oliveira para os quais a “inspeção judicial, também conhecida como inspeção ocular, exame
judicial ou reconhecimento judicial, é meio de prova que se concretiza com o ato de percepção
962 Manual de Direito Processual Civil
pessoal do juiz, com um ou alguns dos seus sentidos, das propriedades e circunstâncias rela-
tivas a pessoa ou coisa (móveis, imóveis e semoventes). O objetivo da inspeção é esclarecer
o juiz sobre fato que interesse à decisão da causa (art. 481, parte final). Assim, a inspeção
deve ter por objeto necessário e exclusivo a elucidação de ponto de fato controvertido.” (v.
Curso de direito processual civil, vol.2, Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 297).
195. Nesse sentido: “Agravo de instrumento – Inspeção judicial – Simples visita do magistrado –
Ausência de auto circunstanciado – Falta de intimação das parte –. Ausência de publicidade
– Ausência de peritos. Impossibilidade jurídica – Recurso conhecido e provido. Se o Código
de Processo Civil regula a inspeção judicial, o magistrado deve escolher, se necessário, essa
via probatória. Contudo, não há como ser considerada simples visita do magistrado no local
a ser inspecionado, faltando intimação das partes para acompanhar o ato judicial, ausência
do escrivão para o imprescindível auto circunstanciado, por estar em desconforme com o
previsto à espécie e, em verdade, tratar-se de mero subjetivismo, não há como convalidar
decisão que embasou em ato eivado de nulidade insanável” (TJMT, AgIn 8.527, 3.ª Câm.
Cív., j. 05.08.1998, rel. Des. Wandyr Clait Duarte, Juris Síntese Millenium CD-Rom de
Jurisprudência n. 27, Síntese, RS, não paginado).
196. v. Curso de direito processual civil, vol.2, Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 297.
197. Em recente e interessante decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pontuou-se
a necessidade da realização da inspeção judicial em ação de interdição, em caráter comple-
mentar ao laudo pericial. De acordo com trecho do acórdão é “prudente o acolhimento da
inspeção pleiteada e produção de outras provas pertinentes, até porque o contato pessoal
pode afetar o convencimento pessoal do d. magistrado de origem, auxiliando-o a fixar os
contornos do exercício da curatela.” (TJSP, AI 2269803-33.2015.8.26.0000, 9ª Câm. D.
Priv., j. 03.05.2016, rel. Des. Alexandre Lazzarini).
198. Cf. Eduardo Arruda Alvim, Direito processual civil, 5ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 579.
Provas em Espécie 963
Reputamos relevante ressaltar que, embora essa prova seja no mais das vezes com-
plementar ou sucessiva às demais, isso não inibe o juiz de determiná-la se presentes os
pressupostos contidos nos incisos do art. 483 do CPC/2015. Em verdade, tais incisos
caracterizam a necessidade de realização da inspeção judicial, afastando a necessidade
de que o magistrado aguarde a produção de outras provas. Sendo a inspeção requerida
pelas partes ou Ministério Público, o juiz, antes de deferir ou indeferir a medida, deve
verificar se comparecem os referidos pressupostos, ou seja, se está caracterizada ao me-
nos uma das duas situações.
Concluímos, portanto, que não é atividade normal do juiz fazer inspeções. Porém,
se presente a segunda situação, entendendo o juiz que, somente mercê da inspeção ju-
dicial é possível reunir condições para se esclarecer a respeito de fatos relativos à causa,
de forma alguma poderá abdicar do seu poder-dever de determinar a realização desse
meio de prova.
199. Como pontua Humberto Theodoro Júnior, “nada impede, outrossim, que sejam assessoras
por técnicos de sua confiança, os quais, porém, lhes prestaram esclarecimentos particulares,
sem assumir a posição processual de assistentes técnicos, como ocorre na prova pericial.”
(v. Curso de direito processual civil, vol. 1, 56. ed. revista, atualizada e ampliada, Rio de
Janeiro: Gen-Forense, 2015, p. 1006).
200. Decidiu-se corretamente, que “a inspeção judicial, conquanto seja providência que pode
ser determinada até de ofício, não pode ser realizada à revelia dos litigantes. Não dispensa a
publicidade, mas, ao contrário, deve cercar-se de especiais cautelas, a primeira das quais é
assegurar-se às partes, seus procuradores e assistentes técnicos o direito de assisti-la, ficando
uns e outros autorizados a prestar esclarecimentos e fazer as observações que reputarem de
interesse para a causa” (2.º TACivSP [extinto], RT 674/158). Igualmente, é o que asseverou o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Agravo de instrumento. Inspeção judicial.
Ausência de intimação das partes. Procedimento previsto no artigo 442, parágrafo único, do
Código de Processo Civil. Cerceamento de defesa. Violação dos princípios do contraditório e
964 Manual de Direito Processual Civil
cia, sofrerão as eventuais consequências de a ela não terem estado presentes. Ou seja,
deixarão de ter podido prestar esclarecimentos, ou de ter feito observações que lhes
poderiam ter sido úteis. O comparecimento ao ato perfaz um ônus processual da parte.
Compreendemos, ainda, que esse direito é também estendido ao Ministério Público
quando esse intervier no processo (art. 179, I, in fine, do CPC/2015). Seu representante
deve ser intimado para se manifestar sobre o interesse em participar do ato.
26.1. Introdução
por terceiros, terminando com a sentença”.1 Tendo por objetivo a produção de provas
orais, a audiência de instrução é permeada pelo princípio da oralidade e pelo princípio
da imediatidade.2
Muito embora se cuide de audiência voltada à apuração da verdade a respeito dos
fatos controvertidos – o que se viabiliza mediante produção de prova oral, o Código de
Processo Civil permeado pela tendência ampliativa da concepção de acesso à justiça,
estimula a busca de composição entre as partes, no curso de todo o processo, como um
caminho também para diminuir a sobrecarga do Judiciário.
Instalada a audiência, o CPC/2015 dispõe sobre a oportunidade de composição pe-
las partes. Cumpre ao magistrado, antes de dar início à instrução, tentar conciliá-las
(art. 359), como, aliás, deve fazê-lo a qualquer tempo (art. 139, V).3-4 Somente se frustra-
da essa possibilidade é que se inicia a instrução propriamente dita, nos moldes descritos
nos itens subsequentes. Na hipótese de ser caso de proferir sentença em audiência, o juiz
procederá ao julgamento da lide, após expostas oralmente as razões finais das partes.
1. Direito processual civil, 5. ed. rev., atual. e ampl., p. 608. No mesmo sentido, explica Joa-
quim Felipe Spadoni que a audiência de instrução e julgamento “consiste em ato solene e
complexo, no qual partes, advogados e outras pessoas relevantes para o deslinde da lide
comparecem perante a autoridade judiciária para a prática verbal de atos processuais di-
versos.” (v. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. In: Tereza Arruda Alvim
Wambier et. al. (Coord.), 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 1.042).
2. “O bom julgamento exige o contato pessoal e direto do juiz com as partes, testemunhas,
peritos e assistentes, além dos advogados da causa. (...) A imediação compreende duas
modalidades: (a) a imediação subjetiva, ou formal, efetivada no contato pessoal e imediato
do juiz com os meios de prova; e (b) a imediação objetiva, ou material, na qual o juiz apro-
xima-se da fonte da prova. O objetivo da imediação consiste em provocar no espírito do juiz
convicção derivada dos próprios sentidos – o juiz vê e ouve a fonte de prova. Diminuindo
o número de transmissões de conhecimento, eliminando os intermediários – argumento
contra o testemunho de ouvir dizer, ou ex auditu, todavia admissível –, também diminui
o grau de falsificação involuntária.” (v. Araken de Assis, Processo civil brasileiro, v.. 3, São
Paulo: RT, 2015, p. 1171).
3. Além dos profissionais especialmente dedicados à solução consensual das partes, entendemos
que o juiz deve sempre, na medida das possibilidades aventadas no caso em concreto, tentar
promovê-la. V. Artur César de Souza: “Este dispositivo vem realçar a intenção do legislador do
novo C.P.C. em dar preferência aos meios alternativos de resolução de conflitos, como é o caso
da conciliação e mediação, assim como a arbitragem. Não obstante o art. 167 do atual C.P.C.
estabeleça que cada tribunal poderá criar setor de conciliação e mediação ou programas desti-
nados a estimular a autocomposição da lide, a existência desses setores específicos não impede
que o juiz deva, sempre e na medida do possível, convocar as partes para que solucionem a
lide mediante conciliação ou mediação. Por isso, logo no início da audiência de instrução e
julgamento, deverá o juiz indagar das partes sobre a possibilidade de conciliação, indepen-
dentemente de ter havido tentativa anterior.” (Código de Processo Civil: anotado, comentado
e interpretado: parte especial (art. 318 a 692). v.. 2. São Paulo: Almedina, 2015, p. 261).
4. Em caso em que as partes chegaram a acordo após a sentença e o magistrado indeferiu a
sua homologação, o TJSP decidiu que o juiz deve tentar conciliar as partes a qualquer tem-
po, inclusive após a decisão de mérito se disponíveis os direitos (TJSP, Ag. de Instrumento
0168518-02.2013.8.26.0000, 2ª C. de Dir. Priv., j. 08.04.2014, rel. Des. José Joaquim dos
Santos).
Audiência de Instrução e Julgamento 967
Deve-se ter presente, por fim, que, a depender do procedimento sob o qual se de-
senvolve o feito, e de acordo com as circunstâncias do caso, o juiz poderá promover ou-
tras espécies de audiência, de que são exemplos as audiências de justificação das ações
possessórias (art. 562, caput, do CPC/2015), a audiência na exibição de documento se
o terceiro negar a obrigação (art. 402 do CPC/2015), a audiência prevista no art. 856,
§ 4º, do CPC/2015, requerida pelo credor em ação de execução, na hipótese de penho-
ra de crédito cuja existência seja controvertida, para tomada de depoimento do deve-
dor e de terceiro etc.
5. Como nota José Herval Sampaio Jr, pode ser que desde a última oportunidade de tentativa
de composição das partes “tenham ocorridas situações que permitam que o acordo seja
atingido, havendo um melhor sopesamento do risco envolvido em cada litígio, a partir de
cada tese posta em juízo.” (v. Comentários ao Código de Processo Civil. In: Angélica Arruda
Alvim et. al, (coords.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 477). Semelhantemente, entende Joaquim
Felipe Spadoni que esse é o momento ideal para tentar a composição das partes, porque
“só resta a produção das provas orais. Todas as provas documentais e eventuais perícias já
terão sido realizadas. As partes, com o adequado assessoramento de seus advogados, já
poderão melhor avaliar as suas reais chances de êxito e, consequentemente, as vantagens
e desvantagens de se entabular um acordo.” (v. Breves comentários ao novo Código de Pro-
cesso Civil. In: Tereza Arruda Alvim Wambier et. al. (coords.). 2. ed. rev. e atual., São Paulo:
RT, 2016, p. 1.044).
6. Cumpre-nos notar importante e substancial alteração do CPC/2015 a esse respeito. O art. 447
do CPC/1973 dispunha que a conciliação era possível para os “direitos patrimoniais de
caráter privado”. Ao § 4º do art. 334 do CPC/2015, por sua vez, fala em direito que admitir
autocomposição.
7. “Uma vez declarada aberta a audiência, o magistrado, sendo o caso, tentará conciliar as
partes ou, quando menos, convencê-las de buscarem soluções alternativas para o conflito,
968 Manual de Direito Processual Civil
Finalmente, à vista da prova e da análise dos fatos, encerra-se toda a atividade ju-
risdicional, em primeiro grau de jurisdição, com a sentença, a qual será proferida após
os debates orais, em audiência, ou no prazo de 30 dias contados do fim dos prazos de
apresentação de memoriais escritos (art. 366).
A audiência de instrução é um ato processual complexo, dado que composto de di-
versos outros.
Também a audiência é o espaço de tempo onde devem ser realizados os chamados
subprincípios da concentração e da imediatidade que formam o chamado sistema da
oralidade.
Acentua-se, também, que a audiência de instrução deverá ser pública (art. 368). O
segredo de justiça poderá ser ordenado a pedido, ou mesmo ex officio, se entender, o juiz,
presentes os respectivos pressupostos (art. 189), o que está em perfeita harmonia com
o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. O problema, pois, como é óbvio, diz
respeito tanto ao interesse das partes quanto à própria moralidade pública.
No mais, importa notarmos que o CPC/2015 prevê expressamente a hipótese de
gravação da audiência e permite que as partes, independentemente da autorização do
magistrado, assim a registre (art. 367, §§ 5º e 6º).
9. “A ideia de unidade da audiência decorre do fato de ela ser considerada um único ato
processual, que ocorre num só momento processual, no qual se concentra a realização de
diversos outros atos – instrução, debate e julgamento. Ainda que seja impossível realizar toda
a instrução, o debate e o julgamento no mesmo dia, a próxima audiência a ser designada
não será considerada, para fins legais, outra audiência, mas apenas continuação daquela
primeira e única, em outra sessão.” (v. comentários de Joaquim Felipe Spadoni em Breves
comentários ao novo Código de Processo Civil. In: Tereza Arruda Alvim Wambier et. al.
(coords.). 2. ed. rev. e atual., São Paulo: RT, 2016, p. 1.052-1.053).
10. Há, como diz Araken de Assis, um fundamento para a unidade da audiência, “é preciso que
os atos de instrução – na audiência, conforme dispõe o art. 361, devem se produzir as provas
orais –, de discussão e de julgamento realizem-se proximamente, a fim de que as impressões
provocadas na colheita das provas (v.g., a fisionomia e os trejeitos da testemunha; a confusão
do perito, incapaz de resumir ou explicar o laudo) e os argumentos hauridos do debate,
por vezes inexcedíveis no rompante do improviso, não se dissipem no terceiro e decisivo
momento.” (cf.. Processo civil brasileiro, vol. 3: parte especial: procedimento comum (da
Audiência de Instrução e Julgamento 971
quer que seja o motivo, o seu prosseguimento não é uma nova audiência, mas apenas e
tão somente continuação da audiência única do processo. Não é, pois, possível serem
arroladas testemunhas no interregno entre “duas” audiências. 11-12
26.6. Audiência e o problema do cerceamento de defesa
Se não comparece à audiência um dos procuradores, como, por exemplo, o único
advogado do réu, mas provado motivo de doença, caracteriza-se força maior, e, pois,
deverá a audiência ser adiada, sob pena de caracterizar-se cerceamento de defesa. 13-14-15
demanda à coisa julgada), São Paulo: RT, 2015, p. 1.166). Por essa mesma razão nos parece
que o CPC/2015 expressamente determina que “diante da impossibilidade de realização
da instrução, do debate e do julgamento no mesmo dia, o juiz marcará seu prosseguimento
para a data mais próxima possível, em pauta preferencial.” (art. 365, parágrafo único). O
que se pretende com tal determinação é reduzir ao mínimo os eventuais efeitos deletérios
do tempo sobre a instrução da causa que ocorre na audiência.
11. Já se entendeu, com acerto, haver abuso, a importar inversão tumultuária de atos e fórmulas
legais, na admissão de rol de testemunhas no interregno decorrente de interrupção da audiência
de instrução e julgamento (JUTARS 13/137). Também já se entendeu que, se a parte permitiu que
se procedesse à oitiva das testemunhas, sem suscitar a existência de requerimento de depoimento
pessoal da outra parte, tal comportamento acarreta renúncia tácita ao dito depoimento pessoal,
que não pode ser realizado após a oitiva de testemunhas, em clara infringência a ordem legal da
produção de provas orais em audiência. Cf. jurisprudência citada por Nery e Nery: “Renúncia
tácita ao direito de ouvir corréu em depoimento pessoal. Se a autora deixou que suas testemunhas
fossem inquiridas, renunciou tacitamente ao direito de ouvir corréu em depoimento pessoal,
posto que na ordem legal das provas o depoimento pessoal precede a oitiva das testemunhas
(1.º TACivSP, Ag. 413019, j. 19.06.1989, rel. Juiz Elliot Akel)” (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 10. ed., São Paulo:
RT, p. 662). Nesse sentido, v. também: TJSP, Ag. Retido 0032311-14.2007.8.26.0000, 18ª C.
de Dir. Priv., j. 11.04.2012, rel. Des. Willian Marinho: “Agravo retido. Cerceamento de defesa.
Audiência de instrução e julgamento. Prorrogação após início dos trabalhos. Apresentação de
novo rol de testemunhas. Iniciados os trabalhos é defeso às partes apresentarem novo rol de
testemunhas, ainda que a audiência se prorrogue por mais de uma data.”.
12. A contrario sensu e, para nós, com acerto, o TJSP já entendeu pela ausência de intempestivi-
dade ou preclusão para apresentação de rol de testemunhas pela parte se ainda não iniciada
a instrução, v., v.g., Ag. de Instrumento 2071759-05.2014.8.26.0000, 22ª C. de Dir. Priv., j.
07.08.2014, rel. Des. Fernandes Lobo; e Ag. de Instrumento 0203762-60.2011.8.26.0000,
27ª C. de Dir. Priv., j. 08.11.2011, rel. Des. Gilberto Leme.
13. V. Araken de Assis: “Das ausências passíveis de se verificarem na audiência de primeiro grau,
a mais sentida e grave é a do advogado. Esse evento ressente-se de tratamento consentâneo
com os direitos fundamentais processuais. Não há meio termo ou temperamento concebível:
a falta do advogado deve implicar o adiamento da audiência, haja ou não motivo alheio à
vontade do representante de qualquer atividade processual na audiência sem a participação
do advogado fere diretamente o direito fundamental processual à ampla defesa da parte
desassistida.” (cf. Processo civil brasileiro, vol. 3: parte especial: procedimento comum (da
demanda à coisa julgada), São Paulo: RT, 2015, p. 1.249).
14. RT 674/123 (ausência do advogado à audiência em razão de “chuvas torrenciais”, “fato
anormal, inusitado, público e notório”); RT 654/314; RF 212/211. Corretamente, admitindo-
se comprovação posterior, com a consequência de revogação de decisão declaratória de
confissão (porque também o réu, além do advogado, não comparecera) porque houve motivo
de força maior, devidamente comprovado, e como tal reconhecido, v. RJTJRS 106/329.
15. Mais recentemente, o TJRJ entendeu, a nosso ver, com razão, que o falecimento de irmão
do patrono da parte na mesma data previamente designada para a realização da audiência
972 Manual de Direito Processual Civil
3. Há casos em que o juiz, ausente um pressuposto processual, não julga a lide, e não extingue
o processo (quando, por exemplo, for impedido). Estes casos só ocorrem como decorrência
de previsão legal expressa, a qual prevê essa consequência da não extinção pela própria
razão de ser da ausência desse pressuposto, que não compromete o processo, em si mesmo,
senão que repercutiria negativamente na sentença e nos atos decisórios.
4. É, v.g., a hipótese do art. 485, § 3.º do CPC/2015, em que não ocorre preclusão (STJ, 4.ª T.,
AgRg no REsp 668.552/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.08.2012, DJe 10.08.2012;
STJ, RMS 14.399/RJ, 2.ª T., j. 23.08.2005, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 10.10.2005,
p. 265; STJ, AgRg no REsp 193.204/PR, 1.ª T., j. 04.08.2005, rel. Min. Francisco Falcão, DJ
03.10.2005, p. 118; RTJ 112/1.164 e 1.404; JC 48/228), como acentuamos ao longo deste
trabalho.
5. V. José Carlos Barbosa Moreira, A nova definição de sentença, Revista de Processo [RePro]
137, p. 268-276.
976 Manual de Direito Processual Civil
6. Cf., entre nós,Adroaldo Furtado Fabrício. Ação declaratória incidental. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1976, p. 196; e, no direito italiano, Rocco, Alfredo. La sentenza civile.Milão: Giuffrè,
1962, p. 65.
7. Teresa Arruda Alvim Wambier. Nulidades do processo e da sentença. 7ª ed. São Paulo: RT,
p. 29.
8. Sobre a questão da recorribilidade das sentenças proferidas no curso do processo – v.g. pres-
crição de um dos pedidos formulados ou exclusão de um dos litisconsortes por ilegitimidade
de parte – e outras questões atinentes ao princípio da correspondência entre as decisões
proferidas e os recursos, ver com proveito: Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do
processo e da sentença, item 1.1.3, p. 34 a 43.
Sentença 977
9. Cf. Arruda Alvim, Cumprimento da sentença condenatória por quantia certa – Lei 11.232,
de 22.12.2005 – Anotações de uma primeira impressão, inLuiz Fux, Nelson Nery Junior e
Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.), Processo e Constituição – Estudos em homenagem
ao professor José Carlos Barbosa Moreira, p. 289-291; nesse sentido, cf. Cassio Scarpinella
Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, p. 15.
10. V. interessante trabalho monográfico da lavra de Eduardo Talamini, “Sentença que reconhece
obrigação” como título executivo (CPC, art. 475-N, I – acrescido pela Lei 11.232/2005), in
Execução civil e cumprimento da sentença, p. 135 a 159.
11. Eduardo Arruda Alvim. Direito processual civil, 5ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 678; Nery Jr.,
Nelson. Nery, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2015, p. 716.
978 Manual de Direito Processual Civil
12. No CPC/1973, a falta de um permissivo expresso às decisões parciais de mérito não impedia
que se interpretasse o § 6º do art. 273 daquele Código como verdadeira hipótese que en-
cerra conteúdo de sentença, embora se tratassem de típicas decisões interlocutórias. Já no
CPC/2015, o art. 356 é expresso: a) não se denominam sentenças; e b) comportam agravo
de instrumento. Sobre o tema, ver com grande proveito: Fredie Didier Jr. Inovações na ante-
cipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito. RePro, vol. 110. São Paulo: RT,
abr-jun/2003, p. 225/251; Thiago Ferreira Siqueira. A fragmentação do julgamento do mérito
no novo código de processo civil. RePro, vol. 229. São Paulo: RT, mar/2014, p. 121/166.
Sentença 979
13. V. Athos Gusmão Carneiro, Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada. In:
Revista de Processo, vol. 81. São Paulo: RT, jan/1996, p. 82.
14. “La parola sententia, che in sè e per sè vuol dire soltanto opinione, parere, è stata assunta
ad indicare, in un significato tecnico, l’atto finale del processo, con cui il giudice formula il
suo giudizio” (Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè,
1984, p. 217).
980 Manual de Direito Processual Civil
Como regra geral dedutível do sistema, temos a sentença proferida depois da audi-
ência de instrução (e julgamento), cujo conteúdo normalmente é aquele a que se refere
o art. 487, I. O proferimento desta sentença pressuporá a existência dos requisitos de
aptidão ao julgamento de mérito como o interesse e a legitimidade. A sentença encerra
a fase predominantemente cognitiva do processo e supõe o que se denomina de maturi-
dade do mesmo. Esta maturidade pode ser entendida, ou desdobrada, em dois sentidos:
1º) a presença dos requisitos do processo lato sensu, vale dizer, a existência, como
pressuposto de ser proferida sentença de mérito, dos pressupostos processuais posi-
tivos e de da presença de interesse e legitimidade (art. 485), além de inexistência dos
pressupostos processuais negativos;
2º) apresentar maturidade probatória, isto é, a instrução propriamente dita, no sen-
tido de existirem, no processo, elementos probatórios suficientes para que o juiz deci-
da. Entretanto, no que respeita a este segundo aspecto, havemos de ter presente: a) se
houve oportunidade de os litigantes produzirem provas e, se não o fizeram, se há a pos-
sibilidade de entender-se o processo como maduro, aplicando as regras do ônus da pro-
va, consagradas no sistema em sua plenitude, isto é, julgando-se contra o que poderia ter
provado e não o fez (art. 373, I e II); b) a maturidade não significa que o juiz – faltantes
elementos probatórios, por inércia das partes – vá substituir-se às partes e produzir pro-
va; c) tal deverá ocorrer, tão somente, quando, após efetivamente produzidas as provas,
subsistir dúvida ou incerteza que impossibilite o julgamento da causa, hipótese em que
se coloca como possível sua interferência na atividade probatória. É este, para nós, o
sentido e a função do art. 370 do CPC/2015.
Apesar de a oportunidade ou momento “normal” do proferimento da sentença ser
aquele depois da audiência de instrução e julgamento, outras oportunidades anteriores
há para que sejam proferidas sentenças.
Se, depois da contestação, entender o juiz que o processo deve ser extinto sem reso-
lução de mérito, deverá fazê-lo, tendo em vista os arts. 354 e 485 do CPC/2015. O con-
teúdo de tal sentença será processual, o recurso cabível o do art. 1.009 (apelação), e tal
sentença será despida da autoridade de coisa julgada material.
Ainda, verificando o juiz que o processo existe e é válido, poderá defrontar-se com
qualquer das hipóteses definidas no art. 487, III. Nesse dispositivo disciplinam-se atos
autocompositivos do litígio. O juiz, nessas hipóteses, conquanto profira sentença, não
julga a lide, sua sentença, entretanto, é revestida da qualidade de coisa julgada material.
Se não houver qualquer ato autocompositivo, mas o juiz entender que houve decadên-
cia ou prescrição em relação ao direito do autor, extinguirá o processo, resolvendo o
mérito (art. 487, II). A extinção do processo por decadência ou prescrição independe
de arguição pelo réu (art. 210, do CC/2002; art. 332, § 1º do CPC/2015), podendo, o
juiz, por essa razão, julgar liminarmente improcedente o pedido. Mas o juiz, para de-
cretar a prescrição, deverá proporcionar condições para que o art. 191 do Código Civil
seja aplicado, deixando espaço para a hipótese de renúncia expressa da prescrição, ou
atentar para a circunstância de ter havido renúncia tácita, dando às partes oportunida-
de de manifestar-se (art. 487, parágrafo único).
982 Manual de Direito Processual Civil
Quer dizer, a sanção imposta pelo reiterado abandono é a perda do direito de ação, não
do direito material em si, que poderá ser defendido em juízo de outra forma.
Há também decisão sem resolução de mérito quando for verificada a impossibilida-
de material de julgamento, por falta de pressupostos processuais, ou seja, não estando
presentes os pressupostos processuais de existência e validade do processo (art. 485,
IV), pelo reconhecimento de litispendência ou de coisa julgada (art. 485, V), ou ainda
pela verificação da falta de legitimidade ativa ou passiva ou falta de interesse jurídico
(art. 485, VI). Estas hipóteses, que são conhecíveis de ofício (art. 485, § 3º), retratam
situações em que não estão presentes os requisitos mínimos para que a lide possa ser
julgada; na sua falta, o mérito deve deixar de ser analisado.
Ainda, quando existir convenção de arbitragem (trazida aos autos) caso em que não
há lugar para o processo judicial; ou, ainda, quando o tribunal arbitral houver reconhe-
cido sua competência (art. 485, VII). A sentença também resolverá o mérito quando for
homologada a desistência da ação manifestada pelo autor (art. 485, VIII), a depender
do consentimento do réu, caso a contestação já tenha sido apresentada (art. 485, §4º).
Também, a não resolução de mérito existirá se, em ações relativas a direitos intransmis-
síveis, ocorrer a morte da parte (art. 485, IX).
É importante lembrarmos, ainda tendo em vista a preferência do CPC/2015 pelo
julgamento de mérito, que antes de proferir qualquer sentença terminativa, se o vício
contido no processo for sanável, o juiz deve dar à parte prejudicada a oportunidade de
corrigi-lo (art. 317). Apenas então, se não houver correção do vício, deve o feito ser ex-
tinto sem resolução do mérito.
Ainda, devemos notar uma novidade quanto à recorribilidade das sentenças termi-
nativas no CPC/2015. É que a apelação interposta em face dessas decisões dá ensejo a
que o juiz, em cinco dias, possa retratar-se, caso as razões do recurso assim o façam en-
tender (art. 485, § 7º).15 Nesse caso, devemos concluir que o juízo de retratação deve ser
feito somente após oportunizar ao recorrido que ofereça resposta à apelação (inclusive
em obediência ao art. 10, do CPC/2015). Ressalvamos que se nota questão de difícil so-
lução, qual seja, a da possibilidade de retratação nos termos do 485, § 7º, na hipótese da
apelação interposta não preencher todos os requisitos de admissibilidade. De um lado,
referido dispositivo legal possibilita ao juiz de primeiro grau o exercício de juízo de re-
tratação; de outro, o art. 1010, § 3º, estatui que não tem ele competência para aferir a
presença dos requisitos de admissibilidade da apelação. Entretanto, para que o recurso
de apelação possa dar azo ao juízo de retratação e à prolação de uma nova sentença é
preciso que o próprio juiz verifique se o recurso reúne todos os requisitos de admissibili-
dade. Do contrário, recursos intempestivos, formalmente irregulares, ou incabíveis, por
exemplo, que jamais teriam seu mérito analisado pelo tribunal, poderiam fazer com que
o recorrente obtivesse, através da retratação, o resultado prático indevido. É necessário
concluir, que o juiz de primeiro grau ao exercer o juízo de retratação deve, antes disso,
15. O dispositivo segue o que já dispõe, por exemplo, o art. 198, VII, da Lei 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente).
Sentença 985
16. Veremos mais detalhadamente esse tema em capítulo específico mais adiante. Sobre o tema,
ver: José Carlos Barbosa Moreira. O juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento
do recurso especial. Temas de direito processual civil, quinta série. São Paulo, 1994, p. 118 e ss.
17. “ao pedido de reconsideração só se pode seguir a alteração da decisão nos casos em que
o juiz poderia, até mesmo sem o pedido, alterar sua decisão. E a alteração da decisão há
de ser fundamentada, como se de outra decisão se tratasse, porque, na realidade, é outra
decisão” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, 4.ª ed. São Paulo:
RT, 2006, p. 483).
986 Manual de Direito Processual Civil
18. V. Marcelo Pacheco Machado. A correlação no processo civil: relações entre demanda e
tutela jurisdicional, Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 195-232;
Sentença 987
Mas tal existência não imuniza “definitivamente” o negócio jurídico, senão que o
faz, exclusivamente, no âmbito daquela improcedência e em face da respectiva causa
petendi. Vale dizer, se o autor pretende declarar, novamente, a inexistência daquele ne-
gócio jurídico, invocada outra causa petendi, poderá fazê-lo perfeitamente, e vencendo,
então, praticamente estará sem utilidade, para o réu, a anterior decisão.
19. Cf. também, a respeito, item 123 da Primeira Parte deste Manual.
20. Neste sentido, a lição de Proto Pisani: “Con l’espressione ‘tutela di mero accertamento’
ci si intendi riferire alle ipotesi in cui il provvedimento giurisdizionale richiesto dall’atto-
re sia una sentenza di mero accertamento; cioè a quelle ipotesi in cui l’attore si limita a
domandare al giudice di dichiarare se un determinato diritto esiste o non esiste e il bisog-
no di tutela giurisdizionale è soddisfatto dalla sola autorità di cosa giudicata, dalla sola
immutabilità dell’accertamento contenuto nella sentenza...” (Lezioni di Diritto Processuale
Civile. Napoli: Jovene, 1999, p. 143). Assim, também, sustenta Araken de Assis: “Quem só
pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o
curso em julgado da sentença. Então se apropria do que pedira ao órgão judicial – certeza
–, carecendo a regra jurídica de qualquer atividade complementar em juízo” (Manual da
execução, p. 82).
988 Manual de Direito Processual Civil
dica sobre uma dada relação, limita-se a pronunciar algo que “sempre foi”, ou algo que
“nunca chegou a ser” (no caso das declarações negativas). Quer dizer, a declaração é a
atribuição de efeitos jurídicos à (in)existência de uma relação, formada anteriormen-
te à sentença. Por esse motivo, por via de regra, a sentença declaratória tem efeitos ex
tunc. Nesse caso, a “novidade” apresentada pela sentença não é a relação em si, mas sim
a certeza jurídica que recai sobre ela.
Todavia, precisamente, como a ação e sentença declaratórias têm por finalidade a
obtenção da mera declaração do direito dos litigantes, não seria ela, por definição, sus-
cetível de servir de título à execução ulterior.
Tradicionalmente, o título executivo judicial por excelência era a sentença conde-
natória. Era ela que, além de reconhecer a existência de um dever de realizar certa pres-
tação por parte do devedor e do descumprimento deste, impunha a chamada sanção
executiva, possibilitando o início dos atos de execução forçada para fins de satisfação
do direito. Às sentenças constitutivas e declaratórias faltava este último predicado, ra-
zão pela qual não se qualificavam como título executivo. Tal ideia era válida até mes-
mo para aquelas sentenças declaratórias que, nos termos do art. 4º, parágrafo único,
do CPC/1973 (a que corresponde o art. 20 do CPC/2015), reconheciam a existência de
obrigação que houvesse sido violada, e, portanto, que já fosse exigível. Nesses casos,
para ter acesso aos meios executivos, era necessário que, após a sentença declaratória,
fosse ajuizada nova ação, de cunho condenatório, e, então, posteriormente, com base
na decisão deste último processo, é que se poderia dar início à execução forçada.21
Tal panorama foi alterado com a edição da Lei nº 11.232/2005, que, ao instituir novo
rol de títulos executivos judiciais no art. 475-N do CPC/73, incluiu, em seu inciso I, “a
sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer,
não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. A partir de então, por força de expressa dis-
posição normativa, também a sentença declaratória que reconhecesse a existência de
obrigação passou a ser dotada de força executiva.22
Esta orientação foi mantida no CPC/2015, que, em seu art. 515, I, dispõe constitu-
írem título executivo as decisões judiciais que “reconheçam a exigibilidade de obriga-
ção”. É de se notar, aliás, que o dispositivo deixa clara a necessidade de que seja reco-
nhecida a exigibilidade da obrigação, ou seja, que, além de estarem delimitados todos
os elementos constitutivos do direito, é imprescindível que este já tenha sido violado
e, portanto, que já seja passível de efetivação pela via da execução forçada. Ademais,
retirou-se a referência que antes se fazia à sentença, falando, o dispositivo, tão somente
em decisão, expressão que melhor retrata o fenômeno, tendo em vista que, sendo ataca-
da por recurso de apelação, a sentença muito provavelmente será substituída por acór-
dão ou decisão monocrática. Deve-se lembrar, ainda, que, no CPC/2015, está expressa
a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, o que se faz através de de-
cisão interlocutória (art. 356);
Até antes da Lei 11.232/2005, tendo sido movida ação condenatória quando já exis-
tente sentença declaratória, tal sentença declaratória projetava-se na ulterior senten-
ça condenatória, com a sua força de coisa julgada material, no que tange à declaração
do direito; por outras palavras, o resultado da sentença condenatória já estava prefixado
(“prejulgado”) na anterior sentença declaratória. Apenas, não tendo tido a ação declara-
tória o fim de obter a sanção – e nem mesmo isto seria viável em seu âmbito –, a senten-
ça respectiva não teria podido, por essa razão, acrescentar à anterior declaração posi-
tiva, sobre a qual já pesa a autoridade da coisa julgada, a respectiva sanção; nada mais.
23. V. Ovídio Araújo Baptista da Silva, Sentença condenatória na Lei 11.232, Revista Jurídica,
vol. 345, p. 11-20.
Sentença 991
com base em título executivo judicial, que é a própria sentença condenatória, embora
a execução, em tais casos, seja provisória (art. 520).
A sentença condenatória caracteriza-se por atuar em duas etapas: em primeiro lu-
gar, por declarar a existência de um direito; em segundo, por condenar o réu a satisfazer
o direito reconhecido, permitindo a adoção de medidas coercitivas (meios indiretos de
execução) e sub-rogatórias (meios diretos de execução) para sua concretização, no pla-
no dos fatos. No processo civil, a adoção de tais medidas, nos casos de condenação em
pecúnia, é precedida de requerimento do autor, e ocorre, naturalmente, nas hipóteses
em que o réu não efetua o cumprimento espontâneo da obrigação contida na sentença.
Assim, o que diferencia a sentença condenatória das sentenças declaratórias e constitu-
tivas é justamente a impossibilidade de gerar, de imediato, os efeitos práticos almejados
pelo autor sem que sejam praticados os atos necessários à satisfação do direito declara-
do na sentença. Enquanto as sentenças declaratória e constitutiva operam sua eficácia
imediatamente, a condenatória carece de atos posteriores, que são justamente a fase
expropriatória, de cumprimento da sentença.
É, assim, a sentença condenatória vocacionada para a execução, que hoje é reali-
zável dentro do mesmo processo de conhecimento, como uma simples fase sucessi-
va àquela preponderantemente cognitiva. Tal sistema, inspirado na instrumentalida-
de do processo, passa a ser dotado de um sincretismo total, no sentido de permitir um
amálgama entre as atividades jurisdicionais de cognição e execução, proporcionando,
assim, uma estrutura normativa capaz de concretizar o direito de forma mais célere e,
com isso, atingir a meta da plena efetividade da sentença condenatória que determina
o pagamento de soma em dinheiro.24
Podemos de um modo geral dizer que as sentenças condenatórias, no que diz respei-
to aos respectivos possíveis conteúdos jurídico-materiais, correspondem aos diversos
tipos de obrigações existentes no sistema jurídico. A ação condenatória é denominada,
também, ação de prestação. Por prestação não se entenda, aqui, só a preexistente obri-
gação ou vínculo obrigacional, senão que se objetiva, pela ação/sentença condenató-
ria, um título sentencial ou executivo que faça as vezes do adimplemento da obrigação,
o qual só não enseja a fase de execução se houver uma conduta do réu para, ainda que
depois da sentença (transitada em julgado ou ensejando o seu cumprimento, ainda que
não haja coisa julgada), adimplir a preexistente obrigação.
Naturalmente, a redação do art. 515, I praticamente equipara a eficácia das senten-
ças declaratória e condenatória, uma vez que considera exequíveis todas as decisões
que meramente reconheçam a exigibilidade de prestações.
Ressalte-se, por fim, que a sentença que reconhece a exigibilidade de obrigações ali-
mentares (art. 528 e ss.) e a que imponha obrigações à Fazenda Pública (art. 534 e ss.)
têm procedimentos próprios ditados pelo CPC/2015.
24. Cf. Arruda Alvim, Cumprimento da sentença condenatória por quantia certa– Lei 11.232,
de 22.12.2005 – Anotações de uma primeira impressão, inLuiz Fux, Nelson Nery Junior e
Teresa Arruda Alvim Wambier, Processo e Constituição – Estudos em homenagem ao pro-
fessor José Carlos Barbosa Moreira, p. 290.
992 Manual de Direito Processual Civil
instrumento hábil para garantir a tutela adequada de alguns direitos, sobretudo aque-
les cujo exercício exige prestação in natura por parte do réu.27
A evolução da sistemática de efetivação das sentenças no direito processual brasi-
leiro deixa transparecer um rompimento gradativo com o dogma da intangibilidade da
vontade do devedor, que levava à necessidade de que o credor se contentasse com perdas
e danos diante do inadimplemento de obrigações de fazer ou de entregar coisa certa, já
que o devedor não poderia ser “compelido” a cumprir a obrigação in natura.
O afastamento deste dogma já se fazia notar, ainda que de forma tímida, desde a in-
clusão do art. 639 na redação original do CPC de 1973 (posteriormente incluído como
o art. 466-A, pela Lei 11.232/2005), em que se prevê a possibilidade de o juiz proferir
sentença substitutiva da vontade do obrigado, em se tratando de obrigação específica
de fazer (prestar declaração de vontade), ainda que indiretamente, estaria aí cumprida
in natura a obrigação.
Por outro lado, contemporaneamente e em decorrência da evolução do Direito já
descrita, bens jurídicos como a saúde, o ambiente, o patrimônio histórico etc., vêm re-
cebendo cada vez mais clara e abrangente proteção. A ofensa a estes bens é impossí-
vel de ser genuinamente compensada ou restaurada pelo “equivalente” pecuniário, de
modo que se tornou imprescindível a criação de meios processuais para coagir o deve-
dor a cumprir especificamente determinadas obrigações, não apenas compelindo-o ao
pagamento de valores.
A implementação de novas formas de efetivação das obrigações de fazer, não fazer e
de entrega de coisa gera sentenças que não se encartam confortavelmente na categoria
das condenatórias. Disso resultou, então, a classificação quinária das sentenças, difun-
dida no Brasil, principalmente, por Pontes de Miranda28 e Ovídio Baptista da Silva,29 que
acrescentou, à doutrina clássica, as categorias de sentenças mandamentais e executivas
lato sensu. Como dissemos, parece-nos que esses novos instrumentos dizem respeito a
uma forma mais enérgica de execução.
Ambas as espécies das sentenças mencionadas – mandamentais e executivas lato
sensu – têm, em comum, um traço que, para os defensores da concepção quinária, as
27. É o que sustenta Sérgio Arenhart, ao afirmar que a sentença condenatória é inadequada para
a tutela de direitos da personalidade, pois: “a uma, porque se está diante de direitos eviden-
tes, que dispensam a dilatada fase de conhecimento que antecede qualquer condenação.
A duas, em virtude da completa ausência de coercitibilidade – herdada dos romanos, onde
a execução era privada – desta espécie de sentença, incapaz de operar ‘per se’ qualquer
transformação no plano fático, ou mesmo de compelir alguém a agir em determinado sen-
tido” (Tutela inibitória da vida privada, p. 173) Também vêm sustentando a mesma linha
de entendimento eminentes processualistas que têm se dedicado ao estudo das tutelas de
obrigação de fazer e não fazer, diante das profundas mudanças operadas no ordenamento
processual vigente. Entre tantos: Luiz Guilherme Marinoni (Tutela inibitória: individual e
coletiva) e Eduardo Talamini (op. cit.).
28. Tratado das Ações, t. VII, passim.
29. Curso de Processo Civil: Processo de conhecimento, vol. 1, p. 160 e ss.
994 Manual de Direito Processual Civil
30. Antes da reforma implementada pela Lei 11.232/2005, alteradora do Código de Processo
Civil, as sentenças mandamentais e executivas lato sensu distinguiam-se das sentenças
condenatórias, segundo a classificação quinária, pelo fato de somente estas últimas neces-
sitarem da abertura de processo de execução autônomo para o cumprimento forçado da
obrigação.
31. Esta modalidade de ação/sentença, denominada mandamental, foi idealizada por Kuttner,
em obra de 1914, intitulada Urteilswirkungen ausserhalb des Zivilprozeß [Efeitos da sentença
além do processo civil]. A ideia foi retomada, particularmente, por James Goldschmidt (in
Zivilprozeßrecht [Direito processual civil], § 15-a, letra d, p. 61-62), em que se vê autonomia
deste tipo de sentença, inconfundível com outros tipos de efeitos das sentenças, embora
remarque que é tema, no próprio direito alemão, dependente de estudos futuros, à época
em que escreveu; este mesmo autor, Der Prozess als Rechtslage (O processo como situação
jurídica), 1925, Berlim, reedição da Scientia Aalen, 1962, § 31, B, p. 496, nota 2.615, então,
chegara a considerar a sentença mandamental como espécie de sentença condenatória (“...
so betrachte ich das Leistungsurteil als eine Art der Anordnungsurteile”, sic, p. 496, 2.615.
Esta ideia é retomada no Zivilprozeßrecht [Direito processual civil] cit., p. 61, 1). Parece
ser a característica mais marcante deste tipo de ação/sentença a de que se pede que o juiz
ordene a outro órgão, o que envolve a “execução”, embora não se possa vislumbrar, em
tal “execução”, um segmento procedimental, propriamente exigente de um processo de
execução. Há quem negue a tais ações/sentenças virtualidade constitutiva (v. Goldschmidt,
Derecho procesal civil, ed. esp., p. 115, as notas do Prof. Niceto Alcalá Zamora y Castillo).
A classe da ação/sentença mandamental tem peculiaridades que dificilmente se amoldam
nas categorias que se podem dizer clássicas e consagradas.A literatura alemã ulterior, no
entanto, não parece se ter preocupado com esta modalidade. No Brasil, v. Pontes de Miran-
da, Tratado das ações, t. I/133, 179, 191 e 211, baseado, no entanto, em literatura antiga.
Retomou a ideia, recentemente, Ovídio A. Baptista da Silva, in Sentença e coisa julgada,
§§ 9.º e 10, p. 78/89, especialmente, p. 37 et seq. Este mesmo autor aprofundou o tema
em seu Curso de processo civil, vol. 2, p. 245 et seq. Na jurisprudência aponta-se acórdão
do TJMG – RT 389/362; STJ, REsp 692.386/PB, 1.ª T., j. 11.10.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ
24.10.2005, p. 193.
32. Eduardo Talamini enfatiza a importância da existência autônoma das sentenças mandamen-
tais, afirmando que “serve para a conscientização de que, em certos casos, apenas ordem
direta ao devedor, acompanhada de medidas coercitivas, pode garantir a tutela específica,
Sentença 995
assegurando que ‘o processo dê a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo a que
tem direito’” (op. cit., p. 207).
33. Em obra clássica diz-se com todo o realismo: “I. Em nenhuma ordem jurídica basta apenas
haver direitos; estes devem também ser exequíveis. (...) Uma ordem jurídica que renuncie,
em princípio, à exequibilidade, renuncia a si própria; põe a sua observância ao dispor do
interessado” (v. Othmar Jauernig, Direito processual civil, § 1.º, I, p. 35; é o que igualmente
consta do Zivilprozeßrecht, § 1.º, I, p. 1). O texto do trabalho que escrevemos e aqui citado,
e bem assim a citação desta nota, foram tirados de um artigo, com maior extensão, escrito
em homenagem ao Min. Sálvio de Figueiredo, a convite da Min. Eliana Calmon. Denomina-
se o artigo: Algumas notas sobre as principais mutações verificadas com as Leis 10.352 e
10.358, de dezembro de 2001, in Eliana Calmon e Uadi Lammêgo Bulos (coords.), Direito
processual: inovações e perspectivas (Estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figuei-
redo Teixeira), São Paulo: Saraiva, 2003, p. 73 a 110
996 Manual de Direito Processual Civil
deste enunciado, editado com vistas a estabelecer uma condição de exigibilidade para
as astreintes (art. 500 do CPC/2015), deve também, em nosso sentir, aplicar-se ao dis-
posto no art. 77, IV.
Refere-se, como exemplo clássico e histórico de mandamentalidade, entre nós, a
sentença proferida em mandado de segurança, que, sendo julgado procedente, en-
volve a ordem de um órgão do Estado (o Judiciário) a outro órgão, normalmente in-
tegrante do Poder Executivo. Haveria, pois, em tal ordem, um autêntico mandamen-
to, para que o ocupante do órgão (seu destinatário concreto) fizesse ou deixasse de
fazer algo. Não comporta tal decisão em mandado de segurança, todavia, do ponto
de vista técnico-jurídico, uma execução, tal como a sentença constitutiva, que, sob
este mesmo prisma, também não comporta execução. Certamente há providências
ulteriores à sentença concessiva de mandado de segurança. Não se constituem, to-
davia, em execução, como não são executivas as medidas subsequentes à sentença
constitutiva.
Faz-se necessário, por fim, analisar a estrutura das sentenças ditas executivas lato
sensu.
Como já dissemos, a principal característica dessa categoria de sentença estava,
originariamente, no fato de prescindir ela da instauração de processo de execução,
para que pudesse gerar efeitos, tais como sentença de reintegração de posse e de des-
pejo. Atualmente, essa característica para outras hipóteses veio a ser dotada de ins-
trumental eficiente – expandiu-se e generalizou-se, v.g., em relação às obrigações
de fazer e de não fazer; deve ser entendida essa evolução como prescindibilidade de
uma fase rigidamente disciplinada para o cumprimento de sentença, com ampla dis-
cricionariedade do juiz para, de ofício, praticar os atos tendentes à consecução do
resultado in natura.
Além do aspecto acima mencionado, devemos levar em consideração, em relação às
sentenças executivas lato sensu, o seguinte: contrariamente ao que ocorre nas sentenças
mandamentais – e à semelhança do que se dá nas sentenças condenatórias –, para serem
efetivadas, as sentenças executivas lato sensu independem da participação do devedor.
Vale dizer: para o cumprimento forçado dessas sentenças podem ser praticados atos
sub-rogatórios (execução direta), típicos, como se sabe, da fase executiva instaurada
por conta de sentença condenatória.
Esta é a semelhança existe entre as sentenças executivas lato sensu e as condenató-
rias, e daí porque, segundo parte da doutrina, não se justifica o tratamento de ambas
como categorias autônomas. Atualmente, o que distancia as sentenças executivas lato
sensu das sentenças condenatórias, segundo a classificação quinária, seria a autoriza-
ção legal para o juiz agir de ofício na efetivação dos efeitos daquelas (arts. 497 e 498 do
CPC/2015), ao passo que, nas condenações ao pagamento em pecúnia, é preciso que a
fase de cumprimento de sentença seja precedida de provocação da parte. Além disso,
a atividade executiva no próprio processo em curso faz com que a efetivação dos efeitos
das sentenças executivas lato sensu seja regulada por fórmulas mais genéricas do que
aquelas previstas para a fase de cumprimento de sentença condenatória. Tais diferen-
Sentença 997
Dizem-se sentenças dispositivas aquelas que teriam por finalidade específica dis-
por a respeito das relações jurídicas dos litigantes, denominando-se também, senten-
ças determinativas.37
O termo “dispor” poderia levar-nos a entender que as outras sentenças não dispo-
riam sobre os direitos e, assim, constituir-se-ia esta categoria de sentenças dispositivas
em uma categoria autônoma. Na realidade, o que a doutrina pretende, denominando-as
desta forma, é que existiria, em tais sentenças, um quid ou uma carga bem mais acentu-
ada de disposições sobre o direito (= relação[ões] jurídica[s]) do que nas demais espé-
cies. Exemplificativamente, a sentença coletiva do trabalho teria esse caráter, porquan-
to, tem por finalidade disciplinar minudentemente certos aspectos das relações traba-
lhistas entre empregados e empregadores, sentença essa que, pela sua própria função,
tem ínsita finalidade complementar em relação à lei trabalhista e, mais especificamente,
aos próprios contratos de trabalho. Desta forma, o fim colimado e obtido nas sentenças
coletivas do trabalho é precisamente o de disciplinar minuciosamente relação ou rela-
ções jurídicas, que estariam sujeitas ou que poderiam ter sido reguladas pelo próprio
poder dispositivo dos interessados.
No entanto, afigura-se-nos também que tais sentenças dispositivas podem ser as-
similadas às demais, ainda que tenham peculiaridades. Nelas haverá principalmente
caráter constitutivo, conforme o caso, ou mesmo só declaratório. No fundo, também
as sentenças constitutivas e declaratórias, muitas vezes, ao lado de serem tais, dispõem
respeitantemente às relações jurídicas que se desenvolvem no tempo, como, exempli-
ficativamente, a sentença proferida em casos de litígios regulamentadores de visita de
filhos de pais separados ou divorciados (v. assunto correlato, infra). Assumem tais sen-
Para melhor esclarecer o ponto, não negamos, em absoluto, a utilidade da denominação sen-
tenças “mandamentais” ou mesmo sentenças “executivas”. O que se afirma é que, apesar das
importantes peculiaridades inerentes a essas sentenças, trata-se de categorias sistematizadas
a partir de um critério de classificação diverso daquele tradicionalmente conhecido como
o plano de eficácia. Tanto assim que, como dito, as sentenças mandamentais e executivas
podem ser, ao mesmo tempo, condenatórias ou constitutivas.
Estamos, ademais, de pleno acordo com a opinião do referido autor, ao ponderar sobre a
necessidade de maior amadurecimento da doutrina sobre o tema.
37. Sobre o tema, ver: Carmen Lígia Nery. Decisão judicial e discricionariedade: a sentença
determinativa no processo civil. São Paulo: RT, 2014, p. 41 e ss.
Sentença 999
38. V. José Carlos Barbosa Moreira, Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e
rescindibilidade, Revista de Processo [RePro] 141, p. 7-19.
1000 Manual de Direito Processual Civil
39. “A palavra que deveria ter sido usada pelo legislador no art. 458 seria elementos, e não
requisitos. Requisito é ‘condição necessária para a obtenção de certo objetivo’. É, portan-
to, anterior, logica e cronologicamente, ao seu objetivo, não o integrando” (Teresa Arruda
Alvim Wambier. Nulidades do processo e da sentença, 7ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 95).
No mesmo sentido: Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a
crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 235 e ss.
Sentença 1001
Note-se que no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, a lei dispensa o juiz da elabo-
ração do relatório (art. 38 da Lei 9.099/1995), o que não significa que não devam ser
analisados de igual maneira os fatos levados a juízo. O que deixa de existir é, tão somen-
te, um tópico específico de relatório no corpo da decisão, devendo o contexto fático ser
examinado conjuntamente com a fundamentação.
Assim, haverá nulidade caso a sentença não observe as regras do art. 489 do
CPC/2015,40 nulidade esta decretável de ofício.41
Examinem-se agora cada um dos elementos essenciais.
27.7.1. Relatório
A lei refere-se ao relatório listando os requisitos mínimos para que o caso concre-
to possa ser corretamente identificado na decisão. São duas, na realidade, as funções
do relatório. A primeira delas é justamente a possibilidade de individuação da causa
a ser julgada e o destaque de quais as questões centrais da demanda. O relatório que
não preencher esse requisito padece de generalidade, de modo que se torna difícil, se
não impossível, saber se o órgão judiciário teve ou não o cuidado de examinar os fatos
constantes dos autos. A garantia, nesse ponto, é a de que a sentença está sendo profe-
rida especificamente em relação àquela demanda, e não genericamente, ou ainda, por
equívoco, em relação a outro processo.42
Como consequência desta primeira função, o relatório serve também como uma
narrativa suficiente do contexto fático da demanda, apta a receber, na fundamentação,
qualificação jurídica. Por conta disso, parte da doutrina defende que a narração dos fa-
tos no relatório não deve conter, ainda, o posicionamento do juiz sobre o caso, mas tão
somente um relato imparcial do que consta dos autos.43
40. STJ, REsp 628.594/RJ, 2.ª T., j. 17.05.2005, rel. Min. Castro Meira, DJ 01.08.2005, p. 393;
JUTACivSP 51/81 e 62/248.
41. STJ, REsp 93.864/RJ, 6.ª T., j. 18.11.1997, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.12.1997,
p. 62.820, DJ 09.12.1997, p. 64.779; Revista de Processo [RePro] 5/374, em 183; RJTJSP
54/175; RT 567/116. Na doutrina: José S. Sampaio, O procedimento comum no novo Código
de Processo Civil, p. 131; E. D. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil,
45, p. 62 et seq., vol. 2; Arruda Alvim, A sentença no processo civil, Revista de Processo
[RePro] 2/63. No mesmo sentido, decisão do Simpósio de Processo Civil realizado em
1975, em Curitiba: “A sentença que encerra o processo sem julgamento de mérito deverá
conter o suficiente à sua conformação como ato decisório final” – concl. 37, RF 252/26 e
RT 482/271.
42. “O relatório do acórdão recorrido, em lugar de enunciar os nomes das partes, refere-se a
terceiros que não integram a relação processual, e, ao invés de registrar as ocorrências ha-
vidas nos autos dos embargos à execução, cuida de ação de mandado de segurança. Além
disso, os fundamentos do decisum impugnado reportam-se a sentença proferida em outro
processo. Assim, também foi violado o art. 458, I e II, do CPC” (STJ, REsp 478.951/BA, 2.ª
T., j. 16.12.2004, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 02.05.2005).
43. José Carlos Barbosa Moreira. O que deve e o que não deve figurar na sentença. In: Temas
de direito processual, oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 119.
1002 Manual de Direito Processual Civil
27.7.2. Fundamentação
44. José Carlos Barbosa Moreira. O que deve e o que não deve figurar na sentença. In: Temas
de direito processual, oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 119.
45. Cf. TJMS, ApCív 28.681, 3.ª Câm.Cív., rel. Leão Neto do Carmo, JUTACivSP 65/75.
46. “Decidir sem fundamentar é incidir no mais grave crime que se pode consumar num Esta-
do de Direito Democrático. Se a fundamentação é que permite acompanhar e controlar a
fidelidade do julgador tanto à prova dos autos como às expectativas colocadas pelo sistema
jurídico, sua ausência equivale à prática de um ilícito e sua insuficiência ou inadequação
causa de invalidade“ (José Joaquim Calmon de Passos. O magistrado, protagonista do pro-
cesso jurisdicional? In: Revista brasileira de direito público, vol. 24. Belo Horizonte: Forum,
jan/mar 2009, p. 14
Sentença 1003
que é pressuposto do controle jurisdicional. A parte que sofre prejuízo se insurge contra
a decisão; recorrendo, tentará comprometer a fundamentação, pois, logrando fazê-lo,
ipso facto, seu recurso será provido, e modificada a sentença. Conquanto não se recor-
ra de fundamentos, mas da conclusão, os fundamentos hão de ser atacados também,
como premissas do pedido de reforma da decisão.47
Ficam aí delineados as duas principais funções do dever de fundamentar toda e qual-
quer decisão judicial: a) evitar arbitrariedades e dar publicidade às razões de decidir; e
b) possibilitar, com essa publicidade, o controle das decisões através de recursos.48 Po-
dem essas ser chamadas de funções internas do dever de fundamentação. Por outro lado
e complementarmente, a função externa, é a de permitir uma “prestação de contas” por
parte do Poder Judiciário. A sociedade como um todo deve, ao menos potencialmente,
47. Decidiu o STF que “não satisfaz a exigência constitucional de que sejam fundamentadas
todas as decisões do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX) a afirmação de que a alegação deduzida
pela parte é ‘inviável juridicamente, uma vez que não retrata a verdade dos compêndios
legais’: não servem à motivação de uma decisão judicial afirmações que, a rigor, se pres-
tariam a justificar qualquer outra” (STF, RE 217.631, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 24.10.1997). Há inúmeros julgados do STJ no mesmo sentido, considerando nulas as
sentenças desprovidas de fundamentação: “Nula é a sentença completamente desprovida
de fundamentação. Bem diversa da sentença com motivação sucinta é a sentença sem
fundamentação, que agride o devido processo legal e mostra a face da arbitrariedade,
incompatível com o Judiciário democrático” (REsp 18.731/PR, rel. Min. Sálvio de Figueire-
do, DJ 30.03.1992); “Não é nula a decisão com fundamentação sucinta, mas a que carece
de devida motivação, essencial ao processo democrático” (REsp 19.661-0/SP, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo, DJ. 08.06.1992); “A exemplo da sentença, o acórdão deve conter a
necessária fundamentação, mediante análise das questões de fato e direito. Tratando-se de
requisito essencial, a sua falta acarreta a nulidade da decisão. Precedentes do STF e STJ.
Recurso especial conhecido e provido” (REsp 44.850-6/MG, rel. Min. Barros Monteiro, DJ
22.08.1994) – em Sálvio de Figueiredo Teixeira, O STJ e o processo civil, p. 288-289; “É nulo
o Acórdão que, sem esclarecer os fundamentos jurídicos da solução adotada, limita-se a
transcrever algumas ementas de julgados análogos (REsp 203.525⁄SP, rel. Min. Edson Vidigal,
DJ 04.10.1999); “I – É contraditório o acórdão que adota o parecer do Ministério Público
pelo deferimento de curatela parcial na ação de interdição e conclui pela curatela plena,
sem fundamentação. II – Na linha da jurisprudência desta Corte, o princípio do duplo grau
de jurisdição confere ao apelante o direito de ver solucionadas as teses postas na apelação,
tornando nulo o acórdão que se limita a adotar as razões do parecer do Ministério Público,
mas com conclusão diversa” (REsp 302.216⁄RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
04.02.2002); “1. É nulo o acórdão que, sem esclarecer os fundamentos jurídicos da solução
adotada, se limita a confirmar a sentença recorrida. Violação dos arts. 130 e 535 do Código
de Processo Civil. 2. Na sessão do dia 20.09.2007, no julgamento do AgRg no AgRg no Ag
749.394/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, a Segunda Turma consignou que as decisões que
simplesmente façam remissão aos fundamentos de outra ou de parecer do Ministério Público
sem, ao menos, transcrevê-los, devem ser declaradas nulas, determinando-se o retorno dos
autos para que novo julgamento seja proferido. 3. Necessário determinar-se o retorno dos
autos ao Tribunal de origem para que seja proferida nova decisão. Prejudicado o exame do
mérito” (REsp 841.823/MS, 2.ª T., j. 23.10.2007, rel. Min. Castro Meira, DJ 09.11.2007).
48. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 651. E ainda: Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de processo civil,
vol. III. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 107.
1004 Manual de Direito Processual Civil
49. “A possibilidade de aferir a correção com que atua a tutela jurisdicional não deve consti-
tuir um ‘privilégio’ dos diretamente interessados, mas estender-se em geral aos membros
da comunidade” (José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como
garantia inerente ao estado de direito. In: Temas de Direito Processual: segunda série. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 90).
50. José Rogério Cruz e Tucci. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva,
1987, p. 92; Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na
construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 183/185; Rodrigo Ra-
mina de Lucca. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015,
p. 125/126.
51. TJGB, Reclamação 4.579, 3.ª Câm.; RJTJGB 4/25.
52. “A fundamentação das decisões judiciais – veiculando conteúdo decisório, sejam sentenças
ou interlocutórias – decorre do art. 165 do Código de Processo Civil, não se confundindo
decisão concisa e breve com a decisão destituída de fundamentação, ao tempo em que
deixa de apreciar ponto de alta indagação e lastreado em prova documental. (...) Esse pres-
suposto de validade da decisão judicial – adequada fundamentação – tem sede legal e na
consciência da coletividade, porque deve ser motivada toda a atuação estatal que impinja
a aceitação de tese contrária à convicção daquele que está submetido ao poder de império
da Administração Pública, do Estado. Também, por isso, seu berço constitucional está no
art. 93, IX, o qual não distingue o tipo de provimento decisório” (STJ, AgRg no REsp 251.049/
SP, 2.ª T., j. 13.06.2000, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01.08.2000, p. 246; g.n.). No mesmo
sentido: “De acordo com o art. 165 do Código de Processo Civil, que dá efetividade a garan-
tias constitucionais, as decisões judiciais devem ser fundamentadas. A exigência impõe-se
também para as decisões interlocutórias, cujos fundamentos não podem ser encaminhados
apenas quando do oferecimento das informações ao órgão destinatário do agravo de ins-
trumento. No caso vertente, as razões do agravo apontavam justamente para a ausência de
fundamentos da decisão agravada, os quais só foram encaminhados diretamente ao órgão
ad quem juntamente com as informações” (STJ, REsp 450.123/PR, 3.ª T., j. 20.02.2003, rel.
Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 31.03.2003, p. 219; g.n.).
Sentença 1005
53. A respeito da motivação de juízos de fato, ver: Michele Taruffo. A motivação da sentença
civil. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 364 e ss.
54. “o juiz não é um aparelho em que por um lado se metam a hipótese de facto e a norma jurí-
dica e de onde saia pelo outro lado a sentença” (Philip Heck. Interpretação da lei. São Paulo:
Saraiva, 1947, p. 24). No mesmo sentido: Antônio Magalhães Gomes Filho. A motivação
das decisões penais. São Paulo: RT, 2013, p. 121 .
55. Teresa Arruda Alvim Wambier. Ogni caso comporta u’unica soluzione corretta?. In: Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile, anno LXVIII fasc. 4. Milano: Giuffrè, 2014, p. 1.351.
56. Na doutrina, a Prof. Teresa Arruda Alvim Wambier observa e ensina: “A esse respeito, há,
praticamente, unanimidade na jurisprudência. Foi considerada nula sentença desprovida
de fundamentação e de relatório, aliás, sob certo aspecto, duplamente nula! Nula é a sen-
1006 Manual de Direito Processual Civil
lizadas pela lei de forma propositadamente aberta, sem sentido unívoco a priori e com
um espectro de abrangência amplo. A intenção da utilização desse tipo de termo inde-
terminado na lei justifica-se para justamente possibilitar diferentes incidências diante
de diferentes casos concretos.
Devem ser inseridos como conceitos jurídicos indeterminados as cláusulas gerais
e os princípios, todos normas com significação menos unívoca do que as regras, e por-
tanto carentes de uma interpretação cuidadosa, que necessariamente precisa constar
da fundamentação da decisão. Não é possível “aplicar” esses conceitos sem justificar o
porquê da pertinência da própria aplicação. Assim, por exemplo, quando o conceito de
boa-fé (arts. 113 e 422, do CC/02) é utilizado em uma sentença, o julgador deve con-
ceituar e determinar o que é efetivamente, naquele caso, o sentido atribuído ao concei-
to. Para isso, é recomendado valer-se de doutrina e de jurisprudência, na reconstrução
histórica do significado diante dos fatos apresentados no caso concreto.59
Do contrário, e diante justamente do caráter aberto das normas indeterminadas, há
o risco de que uma decisão simplesmente mencione um princípio, sem devidamente
contextualizá-lo, o que caracteriza um pronunciamento sem legitimidade.60
Esse trabalho interpretativo mostra-se mais denso do que quando há a aplicação de
textos normativos com regras mais simples.61 Não obstante, a decisão que não motivar
o porquê da incidência do conceito ao caso é considerada não fundamentada.
59. “Não há um ganho de credibilidade na decisão que cita sem contextualizar; pelo contrário,
essa tentativa de legitimação da decisão empobrece o discurso jurídico. (...) Trata-se em
essência de um apego desmedido ao dogmatismo, como se o direito conservasse seu con-
teúdo na reprodução lexicográfica de institutos. O dogmatismo exacerbado, que afasta a
facticidade da análise jurídica e se apega às teses abstratas, não tem normatividade diante de
casos concretos. É de se reconhecer de toda forma que a doutrina tem papel fundamental na
produção do direito. É o resgate da análise teórica do direito que possibilita a sua aplicação
no caso concreto (Leonard Ziesemer Schmitz. Fundamentação das decisões judiciais: a crise
na construção de respostas no processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 227/228).
60. “É duvidoso que um texto normativo fechado, por mais preciso e bem formulado, seja capaz
de evitar que os juízes criem exceções com o fim de adaptá-lo aos casos concretos que tiverem
diante de si. (...) O risco aqui é que o juiz, para ocultar sua ação criativa, resolva não explicitar
as razões pelas quais estabeleceu a exceção, ou seja, que não justifique adequadamente sua
sentença, fazendo apenas menção ao texto normativo como fundamento de sua decisão”
(José Rodrigo Rodriguez. Como decidem as cortes? São Paulo: FGV, 2013, p. 208). E ainda:
“em nenhuma hipótese, as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados podem ser
usados como subterfúgio para o julgador decidir o caso concreto de forma discricionária ou
arbitrária” (Georges Abboud. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:
RT, 2011, p. 359).
61. Fredie Didier Jr. Cláusulas gerais processuais. RePro, vol. 187. São Paulo: RT, set/2010, p. 69
e ss.
1008 Manual de Direito Processual Civil
62. No Brasil, o fenômeno foi percebido já nos anos 1990: Ellen Gracie Northfleet. Ainda sobre
o efeito vinculante. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 16, jul.-set.
1996, p. 12.
63. Dierle Nunes. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização. IN: Teresa
Arruda Alvim Wambier (org). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 268.
64. São inúmeros os exemplos de decisões dessa natureza: “O simples fato de as teses apre-
sentadas não serem integralmente repelidas não significa, por si só, irregularidade, pois o
juiz não está obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos suscitados pelas partes”
(AgRg no REsp 1345266/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, j. 11.02.2014,
DJe 06.03.2014).
Sentença 1009
65. "É inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das questões
que as partes lhes submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais ou de mérito,
o juiz tem de examiná-las todas, se não o fizer, a sentença estará incompleta” (Egas Moniz
de Aragão. Sentença e coisa julgada. São Paulo: Aide, 1992, p. 103).
66. Fredie Didier Jr; et. al. Curso de direito processual civil, vol. 2, 10ª ed. Salvador: Jus Podivm,
2015, p. 336.
67. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
In: Revista magister de direito civil e processual civil, vol. 10. Porto Alegre: Magister, jan/
fev. 2006, p. 13 e ss.
1010 Manual de Direito Processual Civil
normativas. Já na vigência do CPC de 1973, o que se notava é que são raríssimas as de-
cisões que não se valem de ao menos um julgado de tribunal para dar credibilidade e
força a seus fundamentos. A força normativa da jurisprudência é parte do cotidiano do
jurista, e o CPC/2015 faz bem em regulamentá-la. Em capítulo específico, o tema dos
precedentes judiciais será tratado com mais detalhes. Cabe aqui apenas mencionar o
que a lei estabelece sobre sua utilização na motivação decisória.
Sabemos que um precedente, nos termos do CPC/2015, é um pronunciamento judi-
cial (constante do rol do art. 927) do qual se extrai um entendimento vinculante sobre
determinada questão de direito. Não obstante, o precedente não se descola das decisões
que lhe deram origem, isto é, o texto do precedente não pode ser simplesmente mencio-
nado, ou aplicado, sem a contextualização ao caso concreto.68 Por isso, o art. 489, § 1º, V,
do CPC/2015, diz não ser fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar
que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”, não basta ao julgador men-
cionar um julgado como razão de decidir, devendo a fundamentação explicitar quais os
motivos que fazem com que aquele precedente seja aplicável, ou não, ao caso concreto.
Qualquer pronunciamento judicial anterior que seja utilizado em uma decisão fu-
tura como fundamento, deve levar em conta que aquilo que foi decidido anteriormente,
só o foi diante de uma determinada e específica situação fática. O precedente não ganha
vida própria a partir da sua publicação; não pode ser utilizado em situações nas quais
a própria corte que o exarou não decidiria da mesma maneira. Esse exercício de rela-
ção entre o caso concreto e a tese jurídica a ser aplicada precisa constar da fundamenta-
ção da decisão. Sendo assim, não é fundamentada a decisão que meramente transcreve
uma ementa, ou um julgado anterior. É imprescindível demonstrar que os fatos do caso
sob análise são plenamente enquadráveis na solução contida no precedente utilizado.
De toda forma, resta concluir que tanto a aplicação quanto a não aplicação de um
precedente invocado pelas partes precisa necessariamente ser justificado; do contrário,
a decisão não terá conteúdo controlável. Além disso, e lembrando sempre a aplicação
do art. 10 do Novo Código, um precedente não poderá ser ou deixar de ser aplicado
sem que a tese nele contida tenha sido submetida ao contraditório. Se um precedente
for utilizado como razão de decidir em uma sentença, as partes devem ter previamente
oportunidade de manifestação sobre a aplicação ou não do mesmo.
O conteúdo do art. 489, do CPC/2015, de certa maneira impõe aos julgadores uma
maneira mais discursiva, mais dinâmica, e menos mecanizada de fundamentar suas de-
cisões. Não é mais suficiente que as razões de decidir sejam meras transcrições de dis-
positivos legais ou de jurisprudência. A fundamentação precisa conjugar os fatos do
caso e o elemento normativo, relacionando-os constantemente.
69. Cf., sobre o tema: Michele Taruffo. Il fatto e l’interpretazione. Rev. Fac. Dir. Sul de Minas,
Pouso Alegre, v. 26, n. 2, jul./dez. 2010, pp. 195-208.
1012 Manual de Direito Processual Civil
tação, que é pressuposto do seu controle jurisdicional. A parte que sofre prejuízo pode
se insurgir contra a decisão e, recorrendo, tentará comprometer a fundamentação, pois,
logrando fazê-lo, ipso facto, seu recurso poderá ser provido, e possível será a modificação
de sentença. Conquanto não se recorra de fundamentos, mas da conclusão, os funda-
mentos hão de ser atacados também, e como premissas do pedido de reforma da decisão.
Nos casos de aplicação analógica de um dispositivo legal ou dos princípios gerais de
direito, em que, lacunosa a lei, mas não lacunoso o sistema, que é, por definição, pleno,
há o juiz de, igualmente, explicar, dentro do sistema, a forma mediante a qual se deverá
solucionar o caso concreto. No entanto, neste passo, o trabalho do juiz, à luz dos fatos
jurídicos que lhe foram trazidos, em face da lacunosidade da lei, consiste em buscar no
sistema qual o meio através de cujo parâmetro resolverá a lide, mercê de cujo mecanis-
mo se constata que o sistema é íntegro.
Diz-se, normalmente, mas com imprecisão, que se constituem tais meios em for-
mas de integração do sistema jurídico. Todavia, na verdade, afiguram-se-nos meios ou
modos de evidenciar a já precedente integridade do sistema jurídico; meios, portanto,
de explicação da integridade do sistema, em face da lacuna da lei.
Tanto o art. 140 do CPC/2015, quanto o art. 4º da LINDB, congruentemente com a
Constituição Federal, art. 5º, II, estabelecem que as controvérsias ou lides haver-se-ão de
decidir com base na lei. Somente quando “a lei for omissa” (LINDB, art. 4º), pautar-se-
-á o juiz por outros critérios. Verificada, desta forma, a inexistência de lei que discipli-
ne uma dada conduta, passará o juiz, sucessivamente, à analogia; inocorrente esta (e,
a fortiori, a lei, pois, do contrário, não poderia ter sido sequer legitimamente cogitada
a hipótese de aplicação da analogia), verificará, então, da exigência de costume, que é
norma jurídica não escrita. Não ocorrente a possibilidade de analogia e inexistente cos-
tume, cairá, finalmente, numa regra de encerramento, qual seja, haverá, então, de iden-
tificar, dentre os princípios gerais de direito, qual deles, ou quais deles, haverá de aplicar
à hipótese concreta, para assim, decidi-la.
Há, em nosso sentir, hierarquia nessas formas de explicitação da integridade, e, não
obedecida essa hierarquia, haverá ilegalidade; vale dizer, se é possível decisão com base na
analogia e o juiz utiliza-se de costume (que, por hipótese, “exista”), terá infringido o art. 140.
A analogia se coloca logo após a lei, principalmente em nome do princípio da igualda-
de de todos perante a lei (= igualdade de todos perante o sistema: CF/1988, art. 5º, II), pois
que é, o quanto possível, representativo de solução igualitária, desde que lacunosa a
lei, o utilizar-se a analogia. Tal já não o será, em face dos costumes variáveis no espaço.
Finalmente, dizer que o sistema é íntegro não significa, e nem poderia significar, que fo-
ram – e que isto seria possível, pois não o é – previstos todos os casos e hipóteses suscetíveis
de ocorrerem, mas, simplesmente, que devem estar previstas formas de solução genéricas,
nitidamente identificáveis e operacionais, para hipóteses não expressamente previstas (=
tipificadas). Digamos, ademais, que somente a analogia e os princípios gerais de direi-
to poderão ser aplicados para assunto relativo ao processo (pressupostos processuais e
condições da ação). Já o costume é sempre critério ou parâmetro, referente à solução da
lide. A esta também servem de parâmetro, por certo, a analogia e os princípios gerais
Sentença 1013
de direito, se lacunosa a lei, ou seja, se for o caso de aplicação daqueles métodos de in-
tegração, na forma exposta precedentemente.
70. “(...) compete ao magistrado fundamentar todas as suas decisões, de modo a robustecê-las,
bem como afastar qualquer dúvida quanto a motivação tomada, tudo em respeito ao disposto
no art. 93, IX, da Carta Magna de 1988” (STJ, REsp 690.309, j. 19.05.2005, rel. Min. Gilson
Dipp, DJ 13.06.2005, p. 338).
71. Decidiu o STJ que “os embargos declaratórios são cabíveis contra qualquer decisão judicial
e, uma vez interpostos, interrompem o prazo recursal. A interpretação meramente literal do
art. 535 do Código de Processo Civil atrita com a sistemática que deriva do próprio ordenamento
processual, notadamente após ter sido erigido em nível constitucional o princípio da motivação
das decisões judiciais” (STJ, Corte Especial, j. 07.10.1998, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixei-
ra – RePro, vol. 103, p. 327). No mesmo sentido: STJ, REsp 478.459/RS, 1.ª T., j. 25.02. 2003,
rel. Min. José Delgado, DJ 31.03.2003, p. 175; STJ, REsp 327.032/PR, 2.ª T., j. 04.09.2001, rel.
Min. Eliana Calmon, DJ 18.02.2002, p. 360.Na doutrina, cf. aprofundado exame realizado
por Teresa Arruda Alvim Wambier, Embargos de declaração e omissão do juiz, item 1.2.
72. A respeito das sentenças juridicamente inexistentes, cf., amplamente, Teresa Arruda Alvim
Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 6. ed., 2007, item 3.6, p. 460 ss.; Teresa
1014 Manual de Direito Processual Civil
Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa julgada – Hipóteses
de relativização, itens 2.4 e 6.1. Na jurisprudência, cf. JUTACivSP 31/408 (em desapropriação
indireta, abdicou o juiz de decidir sobre o fato constitutivo do pedido e sobre o montante
da indenização, remetendo a solução para a execução – criticável, apenas, a terminologia
do acórdão, que a pedidos designa como pontos).
Sentença 1015
73. Francesco Carnelutti. Sistema de derecho procesal civil, vol. III. Buenos Aires: UTEHA, 1944,
p. 360.
1016 Manual de Direito Processual Civil
Nessa linha, o STJ já decidiu, por exemplo, em ação de responsabilidade civil ajuiza-
da contra clínica médica e seus sócios, cuja causa de pedir consistia na morte de pacien-
te em decorrência de maus tratos sofridos durante a internação, ser defeso ao Tribunal
condenar os réus com base nas más condições de atendimento da clínica, não relacio-
nadas com o óbito. Pontuou-se, na ocasião, que “O provimento judicial está adstrito,
não somente ao pedido formulado pela parte na inicial, mas também à causa de pedir,
que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação processual, é de-
limitada pelos fatos narrados na petição inicial”.74 Em face do exposto, concluímos ter
havido no caso em tela, vício no julgamento, eis que houve decisão com fundamento
em fato diverso do invocado pelo autor, por outra “causa petendi”, portanto consubs-
tanciando outro pedido.
Na medida em que o próprio sistema defina o pedido como alternativo, “quando,
pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo”
(art. 325 do CPC/2015), segue-se que, sendo solicitado o cumprimento de tal obriga-
ção, a sentença poderá determinar o referido adimplemento da obrigação, de mais de
uma maneira. Em rigor, no caso, a alternativa é ex lege, e, assim sendo, o juiz está, pela
lei, autorizado a decidir de forma a ensejar mais de uma modalidade de cumprimento,
mesmo que o autor não tenha expressamente solicitado. Não poderá o referido autor in-
surgir-se contra tal decisão.
Mesmo que, eventualmente, tenha o autor solicitado o cumprimento da obrigação
de uma só forma ou maneira, nem por isto estará o juiz vinculado à maneira de cumpri-
mento que tenha sido pedida. Prevalece, in casu, a regra do art. 325, parágrafo único,
verbis: “Quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao devedor, o juiz lhe asse-
gurará o direito de cumprir a prestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não
tenha formulado pedido alternativo”.
De outra parte, lembremos a regra do art. 326, que dispõe: “É lícito formular mais
de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não
podendo acolher o anterior”. Com relação a este texto, tendo em vista sua repercussão
na sentença, podemos dizer que só no caso de inviabilidade de atendimento a pedido
anterior é que o juiz poderá passar à apreciação do posterior. Se, eventualmente, o juiz
apreciar diretamente o pedido posterior, estará infringindo a regra da correspondên-
cia entre o pedido e a sentença, pois está ínsito no pedido que a solicitação posterior só
poderá ser objeto de consideração se a anterior for inviável. Por outras palavras, a in-
versão da ordem infringe a vontade do autor e, assim, implica julgamento extra petita.75
Ainda, deve ser recordado o art. 323, o qual dispõe que “Na ação que tiver por ob-
jeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas in-
74. STJ, REsp 1169755/RJ, 3.ª T., j. 06.05.2010, rel. Min. Vasco della Giustina (Desembargador
convocado do TJ/RS), DJe 26.05.2010.
75. Com base nesse raciocínio, já defendemos a impossibilidade de se promover o cumprimento
de sentença quanto à obrigação subsidiária, acolhida na sentença, sem qualquer justificativa
para se desprezar a execução da obrigação principal, acolhida pela sentença, de acordo
com a ordem de preferência do autor (Soluções práticas de direito: pareceres, vol. III, p. 835
e ss.).
Sentença 1017
A sentença ser infra, extra ou ultra petita é fenômeno que diz respeito à sua parte deci-
sória (ao decisum), pois que consiste em infração ao princípio da congruência do decisum
com o pedido. Não diz respeito, assim, em tese, à “extensão argumentativa” da fundamen-
tação. Quer dizer, o fato de a fundamentação de uma decisão falar, ou não, de determinada
relação jurídica não tem em princípio, ligação com a correlação entre pedido e decisão, uma
vez que o comando impositivo é verificado somente no dispositivo. Dizemos “em princí-
pio”, pois no CPC/2015, há possibilidade de que sobre a decisão de questões prejudiciais
ao mérito, resolvidas incidentalmente, recaia a coisa julgada material (art. 503, § 1º), mes-
mo sem pedido expresso. Se, por exemplo, em uma ação se pede o cumprimento de uma
cláusula contratual, a constatação de validade da dita cláusula, se tiver havido contraditório
prévio e efetivo e preenchidos os requisitos legais fundamentando a decisão, pode vir a tran-
sitar em julgado, sem que isso consista em quebra ou violação do princípio da correlação.
Em respeito à economia processual, à instrumentalidade, à conservação e ao apro-
veitamento dos atos do processo, a sentença ultra petita deve ser cancelada apenas no
que exceda ao pedido, com o que está satisfeito o princípio dispositivo. A mera adequa-
ção da sentença ao limite do pedido já é suficiente para a sua correção, sendo desneces-
sária nova decisão a respeito.
Novamente aqui cabe uma ressalva quanto a condenação de quantificação vaga e
equitativa. Assim, uma decisão que considere excessivo o valor pedido a título de dano
moral e conceda quantia menor não é considerada infra petita. Diferentemente, se o au-
tor requer um determinado valor a título de danos morais, este é o teto da condenação
a que pode ser submetido o réu. O autor nesse caso dispôs expressamente de qualquer
valor acima do que requereu, e a sentença que condenar a valor maior é ultra petita.
78. “Os lucros cessantes deveriam ser demonstrados no curso do processo de conhecimento,
descabendo postergação à fase de liquidação de sentença. A prova de lucros cessantes, em
regra, é apurada com embasamento em suporte fático antecedente, circunstancia diversa
do dano meramente hipotético. Carece de demonstração adequada o suporte fático para
lucros cessantes: o caminhão era usado para transporte e inexiste agendamento para possíveis
carretos futuros, com repercussão em (incomprovada) lucratividade empresarial” (TJSP, Ap.
Cível n. 0001510-11.2010.8.26.0095, Rel. Des. J. Paulo Camargo Magano, 26ª Câmara de
Direito Privado, j. 28.05.2014).
Sentença 1019
se estabiliza após a resposta oferecida pelo réu (art. 342 do CPC/2015). Não é lícito ao
autor apresentar modificações na petição inicial, após a citação. Após esta, até o sane-
amento poderá fazê-lo com o consentimento do réu (art. 342 do CPC/2015). O mérito
está posto, e o que se seguirá é uma fase de instrução e preparação para seu julgamento.
No entanto, o art. 493 do CPC/2015 estabelece que o juiz deverá levar em conside-
ração fatos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos que forem superve-
nientes à propositura da ação.
Em primeiro lugar, quanto ao tema, diga-se que o juiz não pode conhecer de fato
novo ocorrido posteriormente à propositura da ação, caso este venha a alterar a causa
petendi e/ou o pedido. Na hipótese do art. 493 do CPC/2015 é fato novo só quanto à cir-
cunstância de sua ulterior ocorrência, relativamente à época da postulação inicial, e não
no sentido de inovar o petitum e sua causa petendi, pois já daí deve constar. Fatos novos
devem, então, reforçar as razões que sustentam o mérito, e não modificá-lo
De outro lado, em ocorrendo fato novo/superveniente que não altere o objeto da de-
manda, o juiz pode e deve, ex officio, configurados os pressupostos, levá-lo em considera-
ção.79 O que a regra do art. 493 implica é que o juiz deve decidir a causa da forma como
a mesma se encontra, quando (no momento) da entrega da prestação jurisdicional.80Os
parâmetros (legais e fáticos) para a decisão devem ser aqueles existentes no momento da
sentença, o que vale como regra geral se, entre o momento da postulação e o instante da
sentença, houver alteração de um e outro.
Quando a lei diz “fato”, quer significar inclusive modificações legislativas que confiram
direitos supervenientes. Isto implica que, no momento da sentença, tal fato ou regra jurídica
superveniente deverá ser considerado e a regra aplicada. Nesse ponto, o CPC/2015 inova no
parágrafo único do art. 493, que diz: “se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as par-
tes sobre ele antes de decidir”. A novidade está em consonância com o art. 10 e com a feição
do contraditório visto como direito de influência, de acordo com o que vimos no capítulo a
respeito das normas fundamentais do processo civil. Nossa opinião, no entanto, é que mes-
mo na vigência do CPC/1973 era extremamente recomendável que o juiz, conhecendo ofi-
ciosamente de direito superveniente, decidisse após ouvir as partes a respeito.
O art. 493 deve, então, ser lido em conjunto com o art. 342, I, que permite ao
réu deduzir novas alegações após a contestação, quando “relativas a direito ou a fato
superveniente”.81 Ambos os dispositivos referem-se a qualquer fato que tenha o condão
de influir na relação jurídica, o que inclui a superveniência de norma jurídica.
79. STJ, REsp 688.151, j. 07.04.2005, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 08.08.2005, p. 305; STJ, 6.ª
T., AgRg no REsp 895.798/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 23.03.2010, DJe
12.04.2010.
80. STJ, REsp 551.959, j. 07.04.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 06.06.2005, p. 181.
81. José Joaquim Calmon de Passos, em comentário ao citado artigo 462 do CPC, aponta como
requisitos para o juiz tomar em consideração tais fatos: “1º. que tenham ocorrido depois da
propositura da ação; 2º. que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que
o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito controvertido” (José Joaquim Calmon
de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1982, 3ª ed., vol.
IV, coms. ao artigo 462, nº 333, p. 417). Wellington Moreira Pimentel, em comentário ao artigo
1020 Manual de Direito Processual Civil
303 do CPC, elucida que “em dois momentos o legislador de 1973 acolheu a aplicabilidade do
direito e do fato supervenientes. Primeiro, no inciso I do artigo 303. Adiante, no artigo 462”. E,
sobre a interpretação conjunta dos aludidos dispositivos, observa: “Embora no inciso I se fale
apenas em direito superveniente, a ocorrência de fato novo, capaz de constituir, modificar ou
extinguir direito, autoriza à parte aduzir novas alegações, quer por se considerar implícita a
autorização nesse inciso, quer pela aplicação combinada do inciso II do artigo 303 com o já
citado artigo 462” (Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil,
São Paulo, ed. RT, 1975, vol. III, coms. aos artigos 270 a 331 e 444 a 475, nos comentários
ao artigo 303, item 2º, p. 274 e 275). Ver, ainda: Antonio Carlos Marcato (coord). Código de
Processo Civil Interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 996 e ss.
82. “Na espécie, deve ser rejeitada a alegação de ofensa ao artigo 462 do Código de Processo Civil,
porquanto o julgador levou em consideração direito superveniente capaz de influir no julgamento
da lide.” Os Tribunais de segundo grau não discrepam dessa orientação, acolhendo plenamente
a invocação do disposto no artigo 462 do CPC, para permitir, a qualquer momento do processo,
a alegação da incidência de norma jurídica superveniente que tenha o condão de influenciar
na solução do caso. (...) Direito superveniente. Aplicação ao caso concreto da norma do artigo
462 do CPC. A superveniência desse diploma legal há de ser levada em conta pelo Tribunal no
julgamento do apelo ora apreciado, pois ‘o direito vigente à época da decisão deve ser aplicado
pelo juiz, ainda que posterior ao ajuizamento da ação, sempre que a lei nova não ressalve os
efeitos da lei anterior” (TJRS, Apelação Cível Nº 70046645651, Terceira Câmara Especial Cível,
Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 14/02/2012, Diário da Justiça do dia 22/02/2012).
No mesmo sentido: “CRITÉRIOS DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES. DIREITO SUPERVE-
NIENTE (ARTIGO 462, CPC). (...) À luz do artigo 462 do Código de Processo Civil, que se refere
ao jus superveniens, deve-se aplicar a novel legislação, de modo a solucionar o litígio, devendo
a parte autora recolher os valores a título de indenização à Previdência Social, de acordo com
o preceituado no artigo 45-A da Lei 8.212/91 (LC 128/2008) em alusão” (TRF – 3ª Região, AMS
2413 SP 2000.61.83.002413-0, Rel. Juíza Convocada Cláudia Arruga, j. 20/06/2011).
83. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado artigo
por artigo. 2ª edição. São Paulo: RT, 2010, p. 314. Igualmente: Antonio Carlos de Araújo
Cintra, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, 2ª ed., vol.
IV. nº 253, p. 299
84. Veja-se, exemplificativamente, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que remete
a diversos outros precedentes: “LEI SUPERVENIENTE MAIS BENÉFICA. (...) A superveniência
de fato ou direito que possa influir no julgamento da lide deve ser considerada pelo julga-
dor, (...) uma vez que a decisão judicial deve refletir o estado de fato da lide no momento
da entrega da prestação jurisdicional (...). 4. Destarte, a ulterior edição da lei estadual que
exime o contribuinte/recorrido de responsabilidade fiscal, caracteriza fato superveniente,
constitutivo de seu direito, e que deve ser sopesado quando da prolação da decisão, donde
se extrai seu interesse processual na lide.” (STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1116836/MG, Rel. Min.
Luiz Fux, j. 05.10.2010, DJe 18.10.2010).
85. “... Na instância extraordinária, superado o juízo de admissibilidade do recurso, cumpre ao
Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (RISTJ, artigo 257; súmula 459/STF).
Sentença 1021
Este aspecto, quer dizer, a ótica trazida pela nova situação jurídica, é relevante ao
lado da situação anterior e a ela deve ser acrescentada, o que equivale a dizer que o as-
sunto deverá ser visualizado, também, em face das regras de direito intertemporal, tendo
em vista o direito material e, particularmente, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido
(art. 5º, XXXVI, da CF/88).
Por outras palavras, no processo não se poderá desconhecer a existência de direito
adquirido e de ato jurídico perfeito, institutos que afastam a incidência da lei nova. Nes-
ta hipótese, será inviável pretender-se aplicar norma jurídica posterior, pois não será,
propriamente, o direito superveniente a que se refere o art. 493.
O que interessa, na hipótese, é que em sendo alterada a lei material durante o proces-
so, aplica-se a lei material contemporânea à ocorrência do fato sobre o qual se pretende
o pronunciamento judicial (quando houver direito adquirido ou ato jurídico perfeito).
Caso clássico é o da existência de um contrato a respeito do qual se discute, e, durante
o processo, se altere a legislação, colocando-se o problema e a solução da demanda que
deverá ser decidida com base na lei regente à época da feitura do contrato. Vale lem-
brar, como exemplo expressivo, o referente à aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor a fatos ocorridos antes da sua vigência; ou, então, exclusivamente, a fatos
verificados só a partir de sua vigência, sendo esta a posição correta.86 E fazendo aplica-
ção desse princípio, e a propósito do mesmo Código de Defesa do Consumidor, assim
tem decidido o STJ.87 Vale dizer, as figuras ou os institutos do direito adquirido e do ato
Nessa oportunidade, o STJ não só pode, como deve, se necessário, enfrentar eventuais razões
de ordem constitucional que impedem a aplicação, à causa em julgamento, da norma federal
infraconstitucional invocada pelo recorrente. Cumpre-lhe, assim, afastar a aplicação dessa nor-
ma não só quando a considerar inconstitucional (observado, nesse caso, o princípio da reserva
de plenário – artigo 97 da CF), como também quando, como no caso, a considerar revogada,
implícita ou expressamente, pela ordem constitucional superveniente. ” (STJ, 1ª Seção, EDcl
nos EREsp 738.689/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.12.2007, DJ 07.02.2008, p. 1)
86. Nelson Nery Junior, em trabalho intitulado Os princípios gerais do Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor, diz que “a regra é a não retroatividade da lei, não se aplicando a
lei nova (Código do Consumidor) aos contratos já celebrados”; v., ainda, José Luiz Bayeux
Filho, em trabalho intitulado O Código do Consumidor e o direito intertemporal, Revista de
Direito do Consumidor, vol. 5, 1993, editora Revista dos Tribunais; Arruda Alvim, Thereza
Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James J. Marins de Souza, Código do Consumidor comentado,
comentários ao art. 118, p. 513, em que se lê: “No que diz respeito à vigência do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, há de se considerar que o mesmo é inaplicável a
situações juridicamente consolidadas, anteriormente à sua vigência”.
87. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 31.954-9/RS, do voto do Min. Waldemar Zveiter, que
prevaleceu, afasta a incidência pretérita do Código de Defesa do Consumidor. Aí se lê: “Tenho
compromisso com precedentes julgados da Turma. Afasto a incidência dos dispositivos do
Código do Consumidor ao caso concreto. O só fato de se constituir em lei de ordem pública,
na espécie, não traz em si o condão de desconstituir os atos jurídicos formalizados sob a
égide de norma anterior”. O STJ, pode-se dizer que sem variação de entendimento, tanto
pela sua 4.ª T., quanto pela sua 3.ª T. (responsáveis, fundamentalmente, pelo julgamento,
em grau de recurso especial, das lides que envolvam relações qualificáveis como sendo de
direito privado), orienta-se categoricamente pela inaplicabilidade do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor, tendo em vista fatos anteriores à sua vigência. Vale dizer, todo o
1022 Manual de Direito Processual Civil
jurídico perfeito, ainda que se modifique a lei material, levarão à necessária aplicação,
“agora”, da lei em vigor à época da aquisição do direito e do ato jurídico perfeito (no
caso do contrato, da data de sua celebração). Incogitável, pois, aplicação imediata da lei
material, e inaplicável é o art. 493, para o fim de vulnerar os bens jurídicos protegidos por
esses institutos (previstos na própria Constituição Federal), o que não colide com a asser-
tiva no sentido de que as leis aplicam-se imediatamente (tanto as processuais, quanto as
materiais, se assim o tiver prescrito o legislador). Por outras palavras, a aplicação ime-
diata da lei não pode acarretar vulneração de ato jurídico perfeito, de coisa julgada ou
de direito adquirido. É aplicável a lei superveniente, desde que não haja direito adquirido
ou ato jurídico perfeito, e, também, quando preexista coisa julgada.88
Embora já se tenha decidido diferentemente, a jurisprudência mais recente forne-
ce caminho para aplicar o art. 493 (e o art. 462 do CPC/1973) inclusive ao mandado
de segurança.89
Por último, note-se que ocorrendo fato superveniente – o qual deve ser provado –
que faça ocorrer a perda superveniente do objeto do processo, os honorários serão de-
vidos por quem deu causa ao processo (art. 85, § 10 do CPC/2015).
RMS 34.595/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 01.09.2011, DJe 09.09.2011. Inaplicável,
entretanto, o art. 462 do CPC, se a análise de fato novo demandar dilação probatória: STJ,
RMS 21.037/RJ, 6.ª T., rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.11.2009, DJe 14.12.2009.
90. Nesse sentido é o entendimento pacífico de nossos tribunais: STJ, REsp 111.850, j. 26.02.2002,
rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 15.04.2002.
91. STJ, REsp 706.633, j. 14.06.2005, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005, p. 268.
1024 Manual de Direito Processual Civil
são úteis para o entendimento de uma sentença, e particularmente úteis quando se tra-
tar da identificação e consequente correção de erro material ou erro de cálculo.
Se considerarmos o critério da interpretação literal, é ele, certamente, inservível para
detecção de um erro material que possa ter sido cometido. O que se há de fazer para
identificar a ocorrência de erro material é, precisamente, verificar o que teria querido,
inequivocamente, significar a decisão de que se cogita.
Ao lado de não se poder, jamais, interpretar uma norma processual como criadora
originária de direitos, que não existam a partir do plano do direito material, há de se aten-
tar, em sede da hermenêutica, para uma coerência que há de existir entre a natureza e
a norma (ou sentença) interpretada. Neste sentido, ilustre autor pondera que, como
ponto preambular a ser respeitado para interpretação, haver-se-á de ter presente uma
“coerência imanente das coisas existentes na natureza”.92 Ou seja, dever-se-á repudiar
uma interpretação aberrante.
Nessa linha, ainda, um dos mais notáveis lógicos do direito contemporâneo ponde-
ra, em obra fundamental, que há de se criticar e reprovar a inteligência do direito feita
com distanciamento da vida, ou que enfoque o direito (ou o direito tal como constante
da sentença) com distância e “abstracionismo” em relação aos fatos na sentença descri-
tos. Necessário é que os resultados da interpretação e do trato do direito representem
uma maior “proximidade à vida”, de tal forma que assim é que se sabe “do que se está
tratando”, devendo-se ficar a salvo de possíveis surpresas provenientes de pressupos-
tos ignorados.93
Essas premissas, situadas no plano da lógica jurídica, demonstram, igualmente,
que a inteligência e a interpretação corretas não podem deixar de observar uma in-
teração entre a sentença e os fatos nela referidos e que ocorreram na vida real, i.e.,
deve haver uma correspondência entre a representação e o objeto representado, pois
que, do contrário, chegar-se-ia a resultados inaceitáveis, tal como se uma sentença
pudesse ser entendida desligadamente daqueles fatos que se pretende hajam sido
por ela descritos.
Emilio Betti – sem dúvida o autor de grande prestígio em língua latina que escreveu
sobre o assunto –, ao se referir à “totalità e coerenza dell’apprezzamento ermeneutico”,
ensina ser imprescindível compreender a correlação existente nas diversas partes de um
discurso (no caso, de uma sentença) e ter presente que há, através de uma expressão, re-
ferência e correlação “que tornam possível a recíproca iluminação do significado entre
o todo e os seus elementos constitutivos”.94 Outro eminente autor – Francesco Ferra-
ra – observa, em obra sobre hermenêutica, que se há de considerar sempre que “ordem
jurídica e vida social coincidam: aquela é uma superestrutura desta”.95
92. Cf. Giorgio Lazzaro, L’interpretazione sistematica della legge, II, 3, p. 32.
93. Cf. Ulrich Klug, Logica jurídica, p. 214; na edição alemã, Ulrich Klug, Juristische Logik,
p. 174.
94. Cf. Emilio Betti, Teoria generale della interpretazione, vol. 2, § 16-a, p. 307-308.
95. Cf. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, 11, p. 157, editada juntamente
com a obra de Manuel A. Domingues de Andrade (Ensaio sobre a teoria da interpretação das
Sentença 1025
leis). O texto de Ferrara é tradução de parte do seu Trattato di diritto civile italiano, edição
italiana, de 1921.
96. Cf. Joachim Hruschka, Das Verstehen von Rechtstexten – Zur hermeneutischen Transposi-
tivität des positiven Rechts (A compreensão dos textos jurídicos – Por uma hermenêutica
transpositiva do direito positivo), cap. V, p. 40, nota 16, verbis: “Man sieht daß die Begriffe
‘Ausdruck’ und ‘Sinn’ Parallelbegriffe sind, die genau dieselbe Beziehung bezeichnen, nur
daß diese Beziehung bald von Text, bald vom der Sache her betrachtet wird: eine Sache wird
als gesehen ‘als’ der Sinn eines Textes und der Text ‘als’ Ausdruck dieser Sache”.
1026 Manual de Direito Processual Civil
97. Sobre o assunto, cf. Cassio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo
Civil, p. 27. Aduz o citado autor que: “A diretriz assumida pelo legislador na atual redação
do art. 463, caput, é a de que o proferimento da sentença de mérito tem de ser entendida
apenas como o encerramento de uma ‘fase’ ou de uma ‘etapa’ do processo, pensando nele
como um todo que envolve não só a atividade intelectual do juiz (definição de quem tem
e de quem não tem razão) mas, indo além disto, praticando atos materiais para a satisfação
daquele que tem razão”. Em suma, o que se quer é transformar o processo em um instrumento
mais moderno e efetivo, realmente capaz de tutelar o direito material, dentro de um prazo
razoável, como determina o art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988.
98. V., todavia, o que está no Capítulo XI, item 123, da Primeira Parte.
Sentença 1027
99. Referem-se, ainda que mais sucintamente do que o CDC à coisa julgada, mas com disciplina
própria do processo coletivo, as seguintes leis: 4.717, de 29 de junho de 1965 – (“Art. 18. A
sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’, exceto no caso de haver sido
a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”); 7.347, de 24 de julho
de 1985 – (“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência
de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova.” (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)).
100. A esse propósito há tempos, escrevemos: “A doutrina tem criticado a terminologia do Có-
digo de Proteção e Defesa do Consumidor, porque não teria, claramente, sido distinguidas,
eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada.” Na linha da nota anterior; principal-
mente, critica-se a indistinção dos efeitos da sentença em relação à ocorrência da coisa
julgada (material), representativa, esta última, da imutabilidade de tais efeitos (v. Vicente
Greco Filho, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., coms. ao art. 103,
p. 360-361) – (V. nosso Código do Consumidor Comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo:
RT, 1995, de que somos coautores, coms. ao art. 103, p. 460-486).
1028 Manual de Direito Processual Civil
101. Em nossa obra sobre o CDC, de que somos co-autores, está dito nos comentários ao art. 103:
“Mutatis mutandis, parece que não se deve emprestar ao conceito de "nova prova" a signi-
ficação que se tributa a "documento novo", e, por isto, não se há de aplicar inteiramente o
mesmo regime jurídico, i. e., o do art. 485, inciso VII, do Código de Processo Civil [1973].
A idéia de "nova prova" pode ser contemporânea ao fato probando e não provado, como,
também, pode ser posterior. Mas, parece que é necessário que essa "nova prova" possa vir a
assegurar necessariamente o êxito da ação coletiva. Ou, é preciso que o juiz disso se con-
vença, in limine litis, ainda que, por certo, possa vir a julgar diferentemente”. (v. Código do
Consumidor Comentado, 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 1995, p. 461).
Sentença 1029
3. Em essência, era o que dispunha o CPC/73, art. 467. A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, Decreto-lei 4.657/1942 (antiga Lei de Introdução ao Código Civil, que teve sua
nomenclatura alterada pela Lei 12.376/2010), no seu art. 6º, dispõe: “§ 3º Chama-se coisa
julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. (Incluído pela Lei
nº 3.238, de 1957).
1032 Manual de Direito Processual Civil
Como parece claro, a coisa julgada está ligada a um valor fundamental do direito que
é o da segurança jurídica. Os ordenamentos jurídicos de um modo geral, preocupados
em dotar as relações sociais de previsibilidade e confiabilidade, criam expedientes téc-
nicos voltados a estabilizar determinadas situações jurídicas. É o caso, por exemplo, dos
institutos da prescrição, da usucapião, da irretroatividade das leis, dentre muitos outros.
A coisa julgada não é, como vemos, o único mecanismo de que é dotado o proces-
so na busca da segurança e da estabilidade. Podemos mencionar, nessa linha ainda, a
existência de outras imutabilidades, como, por exemplo, as diversas modalidades de
preclusão no curso dinâmico do processo em direção à sentença ou, mesmo, a estabili-
zação da tutela antecipada (art. 304 do CPC/2015).
No que diz respeito ao direito processual (e, entre nós com proteção constitucional,
art. 5º, XXXVI, da CF/1988), a coisa julgada representa, sem dúvida a principal destas
técnicas, responsável por tornar definitiva a própria entrega da prestação jurisdicional,
imunizando-a de questionamentos posteriores.
Ao longo da história, os juristas buscaram, sem muito sucesso, encontrar o que se-
ria um fundamento estritamente jurídico para a existência da coisa julgada. Criaram-se,
neste intento, diversas teorias, como as da presunção da verdade, ficção da verdade, for-
ça legal da sentença, dentre muitas outras.4 Hoje, todavia, parece claro que a existência
da coisa julgada se deve a razões de ordem prática, ligadas à necessidade de impedir a
eternização das controvérsias, o que ocorreria caso as decisões judiciais estivessem su-
jeitas sempre a questionamentos. Por outras palavras, a coisa julgada é fenômeno decor-
rente da necessidade de que a função jurisdicional possa cumprir, de maneira adequa-
da, o seu papel de pacificação social com segurança e estabilidade das relações jurídicas. 5
Tamanha é a importância da coisa julgada para o sistema de justiça, que está ela
consagrada dentre as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal (art. 5º,
XXXVI), que a colocou a salvo até mesmo de ingerências do legislador, ao estatuir que
“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.6
4. Para uma excelente resenha das principais teorias criadas para explicar juridicamente a
coisa julgada, conferir: Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil,
21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 3, p. 49-56.
5. “A coisa julgada – nunca será demais repeti-lo – é instituto de finalidade essencialmente
prática: destina-se a conferir estabilidade à tutela jurisdicional dispensada. Para exercer
de modo eficaz tal função, ela deve fazer imune a futuras contestações o resultado final
do processo” (José Carlos Barbosa Moreira, coisa julgada e declaração. Temas de Direito
Processual: Primeira Série. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 83). É essa, ainda, a conhecida lição
de Giuseppe Chiovenda (Sulla cosa giudicata. Saggi di Diritto Processuale Civile. Padova:
Cedam, 1993, vol. 2, p. 399-401).
6. Sobre a relação entre coisa julgada e Constituição, vale conferir, com proveito: Eduardo
Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 46-68. Já havia Liebman,
inclusive, afirmado que “a coisa julgada pertence ao direito público, e, mais precisamente,
ao direito constitucional” (Eficácia e Autoridade da Sentença. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 52).
A Coisa Julgada 1033
7. A preclusão consumativa pode-se dizer pura, quando o ato tenha sido praticado, e, por isso
não pode ser praticado novamente; e, pode dizer lógica, quando o ato praticado impede
que outro – que poderia ter sido praticado em lugar do que o foi –, venha a ser praticado.
8. Neste sentido: Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 21ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 47.
1034 Manual de Direito Processual Civil
pressuposto lógico-jurídico à coisa julgada material eis que não poderia o decisum res-
tar imutável além do processo se este mesmo processo pudesse ser alterado.
resses levado perante o Estado-juiz pelo autor. Portanto, é necessário que tenha sido
observado o princípio da congruência entre o pedido e a sentença. 9-10
Importante o destaque, ademais, dado pelo CPC/2015 ao prever expressamente
que também será atingida pela coisa julgada a decisão que solucionar questão prejudi-
cial, desde que preenchidos os requisitos do § 1º do art. 503 do CPC/2015, que serão
considerados abaixo. Diante da previsão legal expressa, é necessário ressaltar que além
do pedido, também poderão ser objeto do processo questões prejudiciais que, uma vez
decididas, poderão ser acobertadas pela autoridade de coisa julgada material.11 Diante
disso, importante compreender em quais hipóteses a qualidade da coisa julgada pode-
rá aderir à parte da decisão que resolve as questões prejudiciais.
Sob a égide do CPC/1973, o autor em acionando a jurisdição, por meio da propo-
situra de uma ação, já formulava o pedido, a lide, o mérito da demanda, cuja solução
viria a ser albergada pela coisa julgada material. A regra, no CPC/1973, era válida tam-
bém em relação a questões prejudiciais, ou seja, aquelas que devem, lógica e necessa-
riamente, ser decididas antes de outra, “sendo que sua decisão influencia o próprio teor
da questão vinculada”.12 Nas hipóteses em que a questão prejudicial, por dizer respeito
a uma relação jurídica, pudesse ser objeto de demanda autônoma, sua resolução, en-
quanto constasse apenas da motivação da sentença, não se tornaria indiscutível e seria
decidida incidenter tantum. Essencial fosse proposta ação declaratória incidental para
9. Neste sentido, destaca Nelson Nery Jr. que: “A autoridade da coisa julgada material atua
dentro de certos limites objetivos e subjetivos. Do ponto de vista objetivo, a coisa julgada
material é limitada à matéria constante da parte dispositiva da decisão ou sentença de mérito,
nos termos do CPC 504 [CPC/1973 469 e 470], desde que se tenha observado o princípio da
congruência entre pedido e sentença (CPC 141; 494; CPC/1973, 128 e 460). (...) Sentença
que decidiu fora, acima ou abaixo do pedido (extra, ultra ou infra petita), nessa parte, não
faz coisa julgada.” (Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 77-78, em sentido parecido e do mesmo autor: Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT,
2015, p. 1163-1164.).
10. Em relação ao objeto da coisa julgada material, Antonio do Passo Cabral destaca que: “De
fato, se bem analisada, a limitação da coisa julgada a uma específica seção da sentença (o
dispositivo) deriva de uma projeção da vontade dos litigantes. Na acepção dominante, os
limites objetivos da coisa julgada são, em última análise, os limites colocados pelas partes
no pedido. Sem embargo, pelo princípio da adstrição da sentença ao petitum, a restrição
operada pelas partes em seus arrazoados é transportada para o conteúdo da sentença, e
portanto a autoridade da coisa julgada não deveria incidir sobre todos os componentes da
sentença, mas só o dispositivo, que é a sede onde o juiz, ao decidir a causa, responde ao
pedido.” (Antonio do Passo Cabral, Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas: entre continuidade,
mudança e transição de posições processuais estáveis, 2ª ed. Salvador: Editora JusPodivm,
2014, p. 92).
11. Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed. São Paulo: Ed. RT,
2016, p. 78.
12. Thereza Alvim, Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Ed. RT,
1977, p. 24.
1036 Manual de Direito Processual Civil
que, no sistema do CPC/1973, a coisa julgada material pudesse recair sobre a decisão
da questão prejudicial.
Como já mencionado, neste ponto, o CPC/2015 inovou consideravelmente. Ini-
cialmente, o art. 503, caput, do CPC/2015, estabelece que “a decisão que julgar total
ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente
decidida”, dando a entender que, à semelhança do que ocorria no CPC/1973, apenas o
julgamento dos pedidos deduzidos pelo autor, estariam alcançados pela coisa julgada
material. Nesta linha, o art. 504, do CPC/2015, prevê, ainda, que não fazem coisa jul-
gada “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositi-
va da sentença” (inc. I e II), e “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da
sentença”.
Entretanto o CPC/2015, no § 1º do art. 503, estabelece a possibilidade de que a re-
solução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo tam-
bém se torne imutável por força da coisa julgada, independentemente de pedido dedu-
zido para tanto, desde que concorram alguns requisitos, explicitados em seus incisos.
Assim, é necessário, primeiramente, que da resolução daquela questão dependa o
julgamento do mérito (art. 503, § 1º, I). É questão prejudicial a que poderia ser decidida
autonomamente; ou seja, é o requisito que explicita a necessidade de que se trate, real-
mente, de questão prejudicial (substancial) ao pedido ou algum dos pedidos, questões
que poderiam ter sido objeto de ação autônoma. Questão, portanto, que tem o condão
de influenciar como será julgada a pretensão que lhe é subordinada. Claro está que tan-
to os motivos como os fatos invocados para embasamento do pedido, se constituem na
causa de pedir, e sobre esta não há que falar em imutabilidade de coisa julgada material,
servindo, entretanto, agora como sempre, para a identificação do pedido.
Atentemos que para a coisa julgada alcançar a questão prejudicial é preciso que so-
bre ela tenha “havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de reve-
lia” (art. 503, § 1º, II), na exata medida da falta de contraditório efetivo. Exige-se, neste
ponto, que a questão prejudicial tenha sido objeto de real debate entre as partes, não se
contentando, o dispositivo, para que possa haver coisa julgada sobre a decisão, com a
mera oportunidade de manifestação a seu respeito.
No direito processual civil, em regra, realiza-se a garantia constitucional do contra-
ditório (CF/1988, art. 5º, LV) com a simples oportunidade de a parte interessada se po-
der manifestar a respeito de questões que lhe possam ser desfavoráveis. É por isso que
a revelia do réu não impede que se forme coisa julgada em relação ao julgamento dos
pedidos deduzidos pelo autor, no dispositivo da sentença (art. 503, caput).13 Para que
13. Vale a leitura do que ensina Thereza Alvim, ao explicar que o efetivo exercício do contra-
ditório não é condição para a formação da coisa julgada: “O debate das questões, em si,
também não apresenta muita relevância: o que importa é que a parte contrária tenha tido
oportunidade de se defender, obedecendo-se ao princípio do contraditório. Lembremos
que, mesmo em havendo revelia, poderá existir coisa julgada material” (Questões prévias
e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 47-48).
A Coisa Julgada 1037
a coisa julgada possa recair sobre a decisão das questões prejudiciais, todavia, exige o
art. 503, § 1º, II, do CPC/2015, algo mais que isso: é necessário que tenha havido efetiva
manifestação das partes a seu respeito, e não a mera oportunidade de que isso ocorresse.
Por tal razão é que, como já observamos, ainda de acordo com o dispositivo, não pode
haver coisa julgada sobre as questões prejudiciais em caso de revelia do réu.14
Além disso, para que a questão prejudicial se possa vir a tornar imutável, é necessá-
rio que o Juízo seja competente “em razão da matéria e da pessoa, para resolvê-la como
questão principal” (art. 503, § 1º, III).
Há situações em que o órgão jurisdicional, onde tenha sido proposta a demanda, não
obstante competente para o julgamento das pretensões deduzidas em juízo, seria incompe-
tente para julgar, enquanto pedido principal, alguma questão que se coloque como antece-
dente lógico-jurídico necessário à análise do mérito. Nestes casos, nenhum vício se verifica
pelo fato de a questão prejudicial ser analisada enquanto razão de decidir, já que sobre ela é
incabível decisão, propriamente dita, sobre a qual pudesse a vir a recair a autoridade de coi-
sa julgada material. Exemplo disso é o que ocorre nas situações em que a inconstituciona-
lidade de lei é invocada como causa de pedir em determinada ação, caso em que poderá, o
juiz, realizar o chamado controle difuso (e incidental) de constitucionalidade, apreciando a
validade daquela norma, enquanto simples motivo para chegar a esta ou àquela conclusão,
no que tange ao julgamento do pedido. O que não pode ocorrer, de forma alguma, é que o
juiz declare a inconstitucionalidade da lei, retirando-a do ordenamento jurídico, já que, na
ordem constitucional brasileira, apenas o STF (quanto à Constituição Federal – art. 102, I,
a, da CF/1988) e os tribunais de justiça (quanto às Constituições Estaduais – art. 125, § 2º,
da CF/1988) têm competência para realizar o controle abstrato de constitucionalidade.
O que o art. 503, § 1º, III, do CPC/2015 impede, portanto, é que a extensão da coisa
julgada às questões prejudiciais venha a violar alguma norma de competência absoluta.
Nestes casos, o juiz poderá, sem qualquer problema, apreciar a questão prejudicial en-
quanto fundamento para julgar os pedidos principais, mas, sobre aquela decisão, não
poderá recair a qualidade de imutabilidade.
Por fim, o art. 503, § 2º, impede que haja coisa julgada sobre a questão prejudicial
se, no respectivo processo, houver “restrições probatórias ou limitações à cognição”
que prejudiquem a sua análise de forma aprofundada. Busca o Código, com isso, impe-
dir que à prejudicial se agregue o atributo da imutabilidade quando não foi ela aprecia-
da em cognição exauriente.15
dúvida. Ocorre questão, se contra a afirmação de uma parte, a outra discute seu senti-
do, extensão ou por qualquer razão não houver concordância entre as partes, mas cla-
ra e evidente antagonicidade sendo essencial, por força do princípio do contraditório,
lhes seja ensejada oportunidade de manifestação. Muitos entendem que a compreensão
do texto legal criou perplexidade em face da expressão “prévio e efetivo” contraditório
exigido pelo inciso I, do § 1º do art. 503, do CPC/2015. O efetivo contraditório, porém,
se detecta analisando o comportamento das partes quer argumentando, quer provando
seu posicionamento, não perdendo oportunidades para tanto.
Nessas condições, temos para nós que havendo, na relação jurídica processual,
questão prejudicial, logo, discordância sobre uma afirmação de direito, já se encontra
instaurada a litispendência, ou seja, óbice à propositura de ação autônoma.
É bom salientarmos que a existência de coisa julgada material, nessa hipótese, só
poderá ser detectada afinal, como acontece com a decisão do pedido, mas, repisemos,
tão somente se tiver havido contraditório efetivo.
Vale dizer, finalmente, que por expressa determinação do art. 1.054 do CPC/2015,
a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais, nos moldes previstos no art. 503,
§ 1º, apenas se aplica aos processos iniciados após a vigência do Código. Quanto aos de-
mais, continua sendo aplicável o regime do CPC/1973, sendo necessária a propositura
de ação declaratória incidental para que a análise da questão prejudicial possa adquirir
a qualidade de imutabilidade.
Entretanto, por vezes, a decisão judicial não corresponde fielmente ao objeto do
processo, especialmente em relação ao pedido apresentado e, ainda, às questões pre-
judiciais devidamente debatidas nos termos já expostos. Neste caso, está-se diante de
uma sentença ou decisão de mérito que decide infra, extra ou ultra petita. Nestas espé-
cies de sentença, conforme já perfeitamente elucidado no capítulo sobre sentença,17há
uma descoincidência entre o pedido apresentado pelo autor e a decisão judicial de
mérito. Desobedecido está, portanto, o princípio da congruência entre a pretensão e a
jurisdição exercida. Pensamos que nestas hipóteses inexiste coisa julgada em relação
ao que não foi decidido e ao que extrapolou o objeto do processo, conforme destaca-
remos abaixo.18
Tratando-se de sentença infra petita, claro está que parte do objeto do processo não
restou decidida, não sendo possível se falar em coisa julgada material sobre o pedido
não solucionado. Afinal, o pressuposto básico para a autoridade da coisa julgada ma-
terial é a existência de decisão de mérito sobre a lide. Diante disso, em relação à parte
17. Sobre a definição das Sentenças infra petita, extra petita e ultra petita, verificar os itens
próprios que tratam do assunto no capítulo “27 –Sentença”.
18. Neste sentido Nelson Nery Jr. destaca que: “Sentença que decidiu fora, acima ou abaixo
do pedido (extra, ultra ou infra petita), nessa parte, não faz coisa julgada.” (Nelson Nery
Jr., Princípios do processo na Constituição Federal, 12ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Ed.
RT, 2016, p. 77-79.). No mesmo sentido vide o posicionamento do mesmo autor e de Rosa
Maria de Andrade Nery: Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015,
p. 1.163-1.164.
1040 Manual de Direito Processual Civil
não solucionada, poderá qualquer das partes buscar o Poder Judiciário para a solução
da lide não julgada, no âmbito de outro processo.
Pensamos esta ser hipótese que envolve pouca dificuldade para ser solucionada,
visto que desnecessária será a utilização de qualquer meio impugnativo de sentença
transitada em julgado, porquanto não haverá coisa julgada material em relação ao ob-
jeto indefinido, que possa vir a impedir seu julgamento em novo processo. Por outro
lado, importante a ressalva de que parte do processo restou regularmente solucionada,
recaindo sobre ela a autoridade de coisa julgada.
Situação parecida ocorre com as sentenças ultra petita e extra petita, em que há de-
cisum (ou parte dele) que não corresponde a pedidos formulados pelas partes (autor na
petição inicial ou, ainda, réu em reconvenção). Nas duas hipóteses elencadas a decisão
não corresponde à lide, tendo a decisão ultrapassado os limites objetivos do processo
ou decidido totalmente fora deles.
Como já mencionado, o CPC/2015 é expresso no sentido de que a autoridade da
coisa julgada recai sobre a parte dispositiva da decisão de mérito transitada em julgado.
Complementarmente, a decisão de mérito é a que acolhe ou rejeita o pedido; decide so-
bre a ocorrência da prescrição ou decadência ou homologa o reconhecimento da pro-
cedência do pedido, a transação e a renúncia à pretensão formulada na ação ou recon-
venção. Percebe-se, diante das disposições legais, que a sentença que julga extra petita
ou ultra petita não resolve o mérito, nessa parte viciada, visto que não acolhe ou rejeita
o pedido, bem como não se enquadra nas demais previsões do art. 487 do CPC/2015.
Qualquer decisão ou sentença que ultrapasse os limites objetivos da lide está juri-
dicamente maculada, sendo viciada. Pensamos que este vício é tão grave que sequer se
pode falar em existência jurídica desta decisão como “sentença”,19 considerando que
elementos essenciais de existência exigidos pelo ordenamento jurídico para que ela seja
qualificada como decisão de mérito (usualmente, mas não exclusivamente, denomina-
da de sentença), restam ausentes no decisum, ao menos na parte que diverge dos limites
objetivos da lide.20-21 Ademais, inexiste relação jurídica processual em relação ao julgado
19. Teresa Arruda Alvim também destaca que: “A sentença que corresponde a pedido que nunca
foi formulado é sentença inexistente. Falta, a esta relação processual, pressuposto processual
de existência.” (Teresa Arruda Alvim, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo:
Ed. RT, 2014, p. 346.).
20. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, embora reconheçam igualmente que a decisão
que não corresponde a pedido é viciada, não recaindo sobre ela a coisa julgada material,
indicam que o vício se dá no plano da ineficácia jurídica e não da inexistência jurídica. Em
planos práticos, porém, esta diferenciação é de menor importância, visto que em ambos
os casos (inexistência e ineficácia) desnecessária será a utilização da Ação Rescisória no
prazo de dois anos para retirar a decisão do mundo jurídico, como ocorre com a nulidade.
(V. Nelson Nery Jr., Princípios do Processo na Constituição Federal, 12ª ed. rev. atual. ampl.
São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 77-79 e, ainda, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery,
Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.163-1.164).
21. Importante a menção do posicionamento de Eduardo Talamini, que, embora reconheça que
as sentenças extra petita e ultra petita sejam inexistentes na parte que ultrapassem o objeto
do processo, elenca algumas situações em que, a seu ver, embora não haja pedido expresso,
A Coisa Julgada 1041
seria possível a ampliação do objeto do processo, não sendo o caso de inexistência jurídica
(destaca-se que os artigos mencionados no trecho a seguir são do CPC/1973): “É que não
só inexiste sentença sobre objeto não julgado, como também, dentro de certas condições,
pode ficar caracterizada a própria inexistência jurídica da sentença no ponto em que se
pronunciou sobre a pretensão que não constituía objeto do processo.
A inexistência jurídica nessa segunda hipótese não estará derivando de uma simples im-
posição formalista no sentido de que não existe processo (nem sentença) sem pedido ou
demanda. Viu-se no item anterior que pressuposto de existência do processo não é propria-
mente “demanda”, mas sim a inserção jurídica do autor na relação processual, normalmente
operada pela propositura da “demanda”. O comando ultra petita (decide-se o objeto do
processo e algo mais, que lhe era estranho) ou extra petita (decide-se apenas pretensão
alheia ao objeto do processo) pode vir a ser juridicamente inexistente por um problema
desta ordem: ausência de liame jurídico com a parte, no que tange ao capítulo da sentença
que versou sobre a pretensão estranha ao objeto do processo. E o que é mais grave: a falta
de vínculo pode dar-se não só relativamente ao autor, mas também em relação ao réu.
Mas como a inexistência, ora cogitada, não é simples decorrência formal da falta de pedido
ou demanda, cumpre identificar em quais hipóteses de sentença extra ou ultra petita envol-
vem propriamente a falta de vínculo com as partes.
Exemplo “a”: considere-se a sentença que se pronuncia sobre pretensão alheia ao objeto
processual, a respeito do qual as partes jamais discutiram no curso de todo o processo. Vale
dizer: uma pretensão que não foi veiculada na inicial (nem em qualquer medida que permita
a superveniente ampliação do objeto do processo); que não foi respondida pelo réu em sua
contestação; que não foi, enfim, objeto de qualquer atividade postulatória nem instrutória,
jurídica ou probatória. Neste caso, um pronunciamento a respeito de tal pretensão estará
surgindo do nada. Não haverá relação jurídica processual que lhe dê respaldo. Em outras
palavras: esse comando extra ou ultra petita será estranho à relação processual em que foi
emitido. Na perspectiva do réu, tal pronunciamento identifica-se àquele proferido à sua
revelia em processo em que a citação não ocorreu ou foi nula (n. 5.8.2.1). Na perspectiva
do autor, equivale ao emitido em processo a que ele jamais se vinculou juridicamente pro
não haver formulado demanda nenhuma (n. 5.8.2.3, acima). Portanto o comando extra ou
ultra petita será inoponível contra qualquer das partes. Trata-se de inexistência jurídica, de
ineficácia não ratificável, nos termos antes expostos.
Dessa hipótese devem ser diferenciadas outras situações em que não caberá falar em ine-
xistência.
Exemplo “b”: o autor não formula na inicial uma determinada pretensão; o réu, todavia,
ao contestar, “defende-se” também daquela pretensão não formulada; na réplica, o autor
trata inclusive de rebater a defesa feita contra pretensão que ele não havia formulado (sem
qualquer ressalva sobre a impertinência da pretensão ante o objeto do processo) – e as
partes passam assim a debater em contraditório também a pretensão não formulada. Ora,
em tal caso, pode-se até cogitar ter havido alteração do pedido e (ou) da causa de pedir por
consenso tácito entre as partes (CPC/1973, art. 264) – de modo que o decisum que versa
sobre tal pretensão nem seria ultra ou extra petita. Mas ainda que por alguma razão não
se admita essa alteração tácita de objeto, o certo é que não se tratará de pronunciamento
inexistente, pois não se põe o problema apontado na situação cogitada no exemplo “a”.
Haverá, quando muito (i.e., caso não se admita a alteração tácita), apenas a invalidade.
Exemplo “c”: logo no início do processo, o juiz de ofício procede a uma ampliação ou mu-
dança do objeto do processo. A citação é feita e o réu já se defende tendo em vista tal “mo-
1042 Manual de Direito Processual Civil
ça (ou decisão de mérito) e não recaindo sobre esta a coisa julgada material, entendemos
que desnecessária será a propositura de Ação Rescisória, porquanto ausente coisa julga-
da material a ser rescindida (hipótese usual para o cabimento da rescisória – art. 966 do
CPC/2015). No mais, a sentença, a rigor, não impediria a propositura de nova demanda,
não sendo o caso de se alegar o cabimento de rescisória em face de decisão transitada em
julgado sobre a qual não recaiu a autoridade de coisa julgada material (art. 966, § 2º, I
do CPC/2015). Apesar disso, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça
tem reconhecido esta forma de impugnação, sob o fundamento legal de que esta moda-
lidade de decisão viola manifestamente norma jurídica (hoje, art. 966 do CPC/2015).22
Poderá a parte utilizar-se de ação declaratória de inexistência, para ver reconhecido
judicialmente o vício ou, estando o processo em fase de execução, de exceção de pré-
-executividade ou impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 1º, III) para
impugnar a decisão ou sua execução, ante a inexistência de título executivo judicial.23
dificação”; o autor replica igualmente a considerando – e assim por diante. Enfim, as partes
passam a desenvolver o contraditório tendo em conta a “alteração” feita de ofício. Se o autor
houver concordado com tal “mudança”, não estará havendo nem mesmo ofensa ao princípio
do dispositivo – com a situação equiparando-se à prevista no art. 294. Caso contrário (p. ex.
o autor ressalva discordar da modificação ex ofício ou mesmo dela recorre), haverá afronta
a esse princípio – e, consequentemente, a invalidade do decisum extra ou ultra petita. Mas,
como no exemplo “b”, não estará caracterizada a situação que enseja a inexistência.
Exemplo “d”: depois do saneamento do processo, a instrução probatória e a discussão
entre as partes passa a fazer-se a respeito de (ou também a respeito de) pretensão que não
constitui objeto do processo. A situação é semelhante à do exemplo “b”, com a diferença
de que, nessa fase processual, já não cabe sequer cogitar de consenso entre as partes para
mudança do pedido ou causa de pedir (CPC/1973, art. 264, parágrafo. único). Também
nesse caso, ainda que se cogite eventualmente de invalidade da sentença que verse sobre
aquela pretensão não integrante do objeto processual, não há de se falar em inexistência.
Em síntese, nos casos em que a sentença extra ou ultra petita implicar apenas ofensa formal
ao princípio da congruência, haverá, quando muito, mera invalidade (exemplos “b”, “c” e
“d”). Quando, mais do que essa violação, a sentença extra ou ultra petita estiver significando
pronunciamento sobre pretensão absolutamente alheia a todo debate e instrução desen-
volvido com (e entre) as partes, tem-se inexistência jurídica do capítulo da sentença alheio
ao objeto do processo (exemplo “a”)”.(Eduardo Talamini, Coisa Julgada e sua Revisão, São
Paulo: Ed. RT, 2005, p. 351-353.)
22. STJ, AR 3.342/SP, 1ª S., j. 24.08.2016, rel. Min. Humberto Martins, DJe 07.10.2016; STJ, AR
2955/RJ, 1ª S., j. 09.09.2010, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 29.09.2010.
23. Teresa Arruda Alvim, Nulidades do Processo e da Sentença, 7ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2014,
p. 346.
A Coisa Julgada 1043
sar não apenas às partes nele envolvidas, mas a outros sujeitos, terceiros quanto àquela
relação processual. É isto o que justifica, por exemplo, as diversas modalidades de in-
tervenção de terceiros.
Por tal razão, é possível que a decisão proferida em um determinado processo venha,
em maior ou menor medida, a produzir efeitos em relação a terceiros. Como exemplo,
basta que pensemos em ação de despejo proposta pelo locador em face do locatário, jul-
gada procedente. Esta sentença influenciará a relação jurídica existente entre subloca-
tário consentido e locatário, mesmo que não tenha sido esta última decidida.
A coisa julgada, enquanto qualidade que confere imutabilidade ao comando da de-
cisão prejudicial, não se destina a atingir outras pessoas além daquelas que integraram,
como partes, determinada relação processual e que tiveram a oportunidade de influir
na solução dada à causa. Trata-se de decorrência das garantias do acesso à justiça e do
contraditório (CF/1988, art. 5º, XXXV e LIV, respectivamente).24 Excepciona-se apa-
rentemente tal afirmação em ocorrendo hipótese de legitimação extraordinária, quan-
do uma parte é legítima por outrem, sendo este alcançado pela coisa julgada. Usamos
da palavra aparentemente, eis que aquele que restou fora da relação jurídica processual
também é parte no sentido de a lide ser sua.
Devemos distinguir, neste ponto, de acordo com as lições de Enrico Tullio Liebman,
a chamada eficácia natural da sentença – isto é, a sua aptidão para produzir efeitos, en-
quanto ato de autoridade do Estado –, que atinge os terceiros na medida em que tenham
relação com o que é discutido em juízo, enquanto a coisa julgada, é a qualidade que con-
fere imutabilidade ao comando da decisão, apenas vinculando as partes,25solucionando
precipuamente a lide.
Neste sentido, o CPC/1973 determinava, em seu art. 472, que a coisa julgada não
poderia atingir terceiros, quer para prejudicá-los quer para beneficiá-los.
O CPC/2015, contudo, traz regramento parcialmente diverso, ao dispor, em seu
art. 506, que a coisa julgada não pode prejudicar terceiros, não havendo qualquer ve-
dação a que ela venha a beneficiar àqueles que não tenham sido partes no processo em
que foi formada.26
Cabe, nesse passo, a pergunta: Como pode o comando da decisão prejudicar tercei-
ros, se a eles não diz respeito a lide decidida?
24. Sobre a relação entre os limites subjetivos da coisa julgada e as garantias constitucionais,
ver, com proveito: José Rogério Cruz e Tucci. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da
coisa julgada civil. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 103-166.
25. “(...) a sentença produz normalmente efeitos também para os terceiros, mas com intensidade
menor que para as partes; porque, para estas, os efeitos se tornam imutáveis pela autoridade
da coisa julgada, ao passo que para os terceiros podem ser combatidos com a demonstração
da injustiça da sentença” (Eficácia e autoridade... cit., p. 144).
26. Elogiando a alteração, vale conferir: Antonio do Passo Cabral, Breves comentários... cit.,
p. 1.304-1.305.
1044 Manual de Direito Processual Civil
O terceiro, em verdade, pode ser atingido pela decisão da lide alheia mas nunca pela
coisa julgada, em face exatamente dessa imutabilidade ter recaído sobre solução de con-
flito de interesses que, como tal, não lhe diz respeito. Mas ser alcançado pela decisão,
jurídica ou faticamente, é possível.
Assim, o sublocatário de A é alcançado pela ação de rescisão contratual da locação
entre B e A, já que rescindida a locação cairá por terra a sublocação.
Se esta tiver sido consentida a esfera jurídica sublocatária será atingida, caso não
tivesse havido consentimento o atingimento seria fático (não poderia nem mesmo ter
sido assistente simples do sublocador).
Entretanto, em o CPC/2015 dizendo que a coisa julgada não prejudicará terceiros
não se pode ter referido a esse terceiro e figuras assemelhadas em face de, em primeiro
lugar não ter sido a “coisa julgada material” a ingressar na sua esfera jurídica, mas ex-
clusivamente a eficácia natural do decidido, eis que esta implica a respeitabilidade dos
efeitos do decisum por toda a comunidade.
27. Neste sentido, sobre os pressupostos processuais, incluindo os negativos, remetemos o leitor
para o que escrevemos em outra oportunidade: Manual de direito processual civil. 16ª ed.
São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 506-517.
A Coisa Julgada 1045
arts. 151 a 155). Afinal, alterada a causa de pedir, o que se tem é uma nova ação, não in-
cidindo, neste caso, os efeitos negativos da coisa julgada.
28. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974,
vol. 5, comentários ao art. 474, p. 211-212.
29. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada (Exegese do Código de Processo Civil
[arts. 444-475]), São Paulo: AIDE, 1992, n. 139, p. 328, com apoio em Machado Guimarães,
Barbosa Moreira e Heinitz, todos aí com opiniões transcritas (op. cit., p. 326, nota 771 (Hei-
nitz); p. 327, notas 773 e 774, Machado Guimarães e Barbosa Moreira, respectivamente).
1046 Manual de Direito Processual Civil
30. Sergio Menchini, Il giudicato civile, Torino: UTET, 1998, p. 25, no capítulo “Autoridade da
coisa julgada e preclusão das questões”. No original: “è la preclusione di tutte le questioni,
che furono fatte e di tutte le questioni che si sarebbero potute fare intorna alla volontà con-
creta di legge, al fine di ottenere il riconoscimento del bene negato o il disconoscimento
del bene riconosciuto”. Referem-se, no mesmo sentido, Betti, Diritto processuale civile;
Heinitz, I limite oggettivi della cosa giudicata, Padova: CEDAM, 1937, p. 7; Micheli, Corso,
I, p. 295; Chiovenda, Istituzioni, I, p. 341.
31. Sergio Menchini, Il giudicato civile, Torino: UTET, 1998, p. 25, no capítulo “Autoridade da
coisa julgada e preclusão das questões”, p. 25, referindo Chiovenda, nas suas Instituições,
vol. I, p. 344.
A Coisa Julgada 1047
rial, que faz com que se tornem preclusas quaisquer discussões que poderiam alterar o
julgamento já tornado imutável e indiscutível.32
A imutabilidade que envolve essas questões é diversa daquela que resulta da coisa
julgada material, consistindo em uma das muitas imutabilidades, aceitas pelo sistema
processual civil.
Após o exposto, clarifiquemos mais uma vez, o que se denomina princípio do dedu-
zido e dedutível. Em primeiro lugar examinemos as matérias que efetivamente foram
suscitadas, analisadas; o art. 505, caput, do CPC/2015, veda que qualquer juiz volte a
apreciá-las quando estiver em jogo o julgamento da “mesma lide”, impedindo, com isso,
que sejam reabertas as discussões concernentes ao julgamento de determinada deman-
da já definitivamente apreciada.
No que concerne às alegações e defesas que poderiam ter sido suscitadas pelas par-
tes, mas não o foram, dispõe o art. 508 do CPC/2015 que “considerar-se-ão deduzidas
e repelidas” a partir do trânsito em julgado da sentença. Trata-se da regra de que a coisa
julgada cobre o “o deduzido e o dedutível”, significando que qualquer questão, por mais
relevante que seja, que poderia ter alterado o resultado do julgamento, perde importância
a partir do momento em que o comando decisório adquire a qualidade de imutabilidade.
Notemos, porém, que essa eficácia preclusiva recai sobre alegações, argumentações,
provas, etc., mas não sobre outras causas de pedir. Ou seja, em caso de improcedência
do pedido inicial, o efeito preclusivo da coisa julgada não impede que nova ação seja
ajuizada com base em causas de pedir ainda não propostas, que não se devem conside-
rar “deduzidas e repelidas” por aquele primeiro julgamento.33 Afinal, na linha do que
se disse quando do estudo dos efeitos negativos da coisa julgada, a existência de nova
causa de pedir configur ação distinta, a merecer, portanto, apreciação pelo Poder Judi-
ciário, independentemente de ter sido rejeitado, aparentemente, o mesmo pedido com
outra causa de pedir. É importante ficar claro, ainda, que a eficácia preclusiva da coisa
julgada, ao contrário do que poderia dar a entender a redação do art. 508 do CPC/2015,
não tem o condão de realizar qualquer ampliação dos limites objetivos da coisa julga-
da. Não se devem considerar como efetivamente julgadas as questões não deduzidas
pelas partes, ou que sobre elas recairia a qualidade de imutabilidade. Na verdade, o Có-
digo utiliza-se de uma ficção (“considerar-se-ão deduzidas e repelidas”)34 apenas para
32. “A eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito
em julgado, à discussão e apreciação das questões suscetíveis de influir, por sua solução, no
teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem,
por assim dizer, toda a relevância que pudesse ter em relação à matéria julgada” (José Carlos
Barbosa Moreira. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro. Temas de direito processual: primeira série. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 100).
33. José Carlos Barbosa Moreira. A eficácia preclusiva... cit., p. 104, nota n. 11. No mesmo
sentido, sobre o CPC/2015: Fredie Didier Jr. Comentários ao novo... cit., p. 783.
34. Vale conferir as criticas de José Carlos Barbosa Moreira à fórmula utilizada pelo CPC/1973
– idêntica à do CPC/2015 – para tratar da eficácia preclusiva da coisa julgada (A eficácia
preclusiva... cit., p. 99).
1048 Manual de Direito Processual Civil
e videnciar que, com o trânsito em julgado, todas estas questões tornam-se irrelevantes,
não tendo a capacidade de alterar o resultado do julgamento, para a manutenção da in-
tangibilidade da coisa julgada.
A eficácia preclusiva da coisa julgada, nesta linha, se presta a garantir a intangibili-
dade da coisa julgada nos exatos limites em que se formou. Desta forma, não impede a re-
discussão de qualquer das questões que poderiam vir a ser colocadas como pressuposto
lógico da decisão quando se estiver diante de uma nova ação, (pedido material diverso
ou aparentemente igual, mas com outra causa de pedir), em que a coisa julgada ante-
rior não seja colocada em discussão.35 Diz Pontes de Miranda “o que ficou sacrificado
pela apreciação errada dos fatos, ou pela má aplicação da lei, permanece, com o único
corretivo, excepcionalíssimo, da ação rescisória, tendente a dar válvula ao amontoa-
mento de aplicações de leis que não incidiram ou não aplicações de leis que incidiram,
ou casos graves quanto ao órgão do Estado, que entregou a prestação jurisdicional, ou
de ofensas exatamente à coisa julgada”.36
Logo após vedar, no caput do art. 505, que qualquer juiz decida novamente as ques-
tões relativas à lide já definitivamente julgada, o CPC/2015 traz, no inc. I deste mesmo
artigo, o que parece ser uma exceção à regra, pois prevê: “Nenhum juiz decidirá nova-
mente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: se, tratando-se de relação
jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso
em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
Ao contrário do que pode dar a entender o dispositivo, entretanto, não se trata, ver-
dadeiramente, de exceção à coisa julgada. Isso, porque, nas relações jurídicas de trato
continuado é comum que se alterem as circunstâncias fáticas que estiveram à base da
decisão sobre a qual recaiu a qualidade de imutabilidade. Nestes casos, seria possível
obter a “revisão” daquilo que foi anteriormente decidido não porque não exista coisa
35. Sobre a diferenciação entre os limites objetivos da coisa julgada, e sua eficácia preclusiva,
vejamos a lição de Luiz Machado Guimarães, em estudo pioneiro sobre o assunto, tratando,
à época, do art. 287, parágrafo único, do CPC/1939: “Apenas a questão que é objeto do
decisum, e não aquelas que constituam suas premissas, adquire a autoritas rei iudicatae.
Estas premissas são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, mas não adquirem, elas
próprias, autoridade de coisa julgada. Podem por isso, tais questões ser ressuscitadas em
novo processo cujo objeto seja diverso do objeto do processo pendente. Só na hipótese de
novo processo visando diminuir ou extinguir os efeitos da anterior sentença imutável, não
poderão aquelas questões ser novamente suscitadas. Não somente as questões efetivamente
suscitadas (o ‘deduzido’), como também as que poderiam ter sido suscitadas (o ‘deduzível’),
são atingidas pelo efeito preclusivo da coisa julgada, se bem que não adquiram elas próprias
e per se a autoridade de coisa julgada” (Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. Estudos
de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969, p. 21-22).
36. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1974,
vol. 5, Comentários ao art. 468, p. 152.
A Coisa Julgada 1049
julgada, mas porque, alterando-se os fatos subjacentes ao conflito, o que se tem é uma
nova ação, em relação à qual a coisa julgada não projeta seus efeitos negativos.
37. “E, no entanto, os litígios não devem perpetuar-se. Entre os dois riscos que se deparam – o
de comprometer a segurança da vida social e o de consentir na eventual cristalização de
injustiças –, prefere o ordenamento assumir o segundo. (...) Se o resultado é injusto, paciência:
o que passou, passou” (José Carlos Barbosa Moreira, A eficácia preclusiva... cit., p. 99).
38. Neste sentido, defendendo a possibilidade de relativização atípica da coisa julgada, den-
tre outros: Cândido Rangel Dinamarco, relativizar a coisa julgada material. Nova era do
processo civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; Humberto Theodoro Jr.; Juliana Cordeiro
de Faria, a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle.
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, set.-out. 2002.
1050 Manual de Direito Processual Civil
de DNA, capaz de buscar com maior segurança do que o exame anteriormente conhe-
cido, a existência ou não da relação de filiação. Nestas situações, em casos nos quais,
posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, a realização do exame demonstras-
se o desacerto da sentença, a jurisprudência dos tribunais superiores passou a admitir
o rejulgamento da questão, em nome de valores constitucionais – como a dignidade da
pessoa humana e o direito à filiação – que, no caso, deveriam se sobrepor à garantia da
coisa julgada.39
A tese, todavia, foi alvo de críticas de parcela considerável da doutrina, que expu-
nha os riscos que o abandono da coisa julgada, em hipóteses não previstas em lei, re-
presentariam para a segurança jurídica e para o estado de direito, sobretudo em virtude
da ausência de parâmetros objetivos em que isso poderia ocorrer.40
No sistema do CPC/2015, por meio de técnica de certo modo semelhante àquela
prevista nos art. 475-L, § 1º, e art. 741, parágrafo único, do CPC/1973, abriu-se espaço
para a desconsideração da coisa julgada em hipótese em que a decisão de mérito se ti-
vesse fundado “em lei ou ato normativo que viesse a ser considerado inconstitucional
pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo
STF como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalida-
de concentrado ou difuso” (art. 525, § 1º, III, e § 12; art. 535, III, § 5º, do CPC/2015).
Isto é: permite-se que, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, se ale-
gue que a decisão transitada em julgada é inconstitucional. Para tanto, é necessário que
a decisão do STF afirmando a inconstitucionalidade seja anterior ao trânsito em julgado
da decisão exequenda (art. 525, § 14; art. 535, § 7.º, do CPC/2015).
Como vemos, nem mesmo a coisa julgada que se venha a formar será suficiente para
impedir ulterior questionamento em sede de cumprimento de sentença. Vale ressaltar
que, como se disse, tal possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional
já existia no sistema do CPC/1973 (arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único).
A grande novidade, todavia, se refere às hipóteses em que, posteriormente ao trânsito
em julgado de determinada decisão, o STF venha a declarar a inconstitucionalidade de
lei, ato normativo, ou interpretação em que esta se tenha fundado.
No sistema do CPC/1973, era controvertido, na doutrina, se a inconstitucionalidade
pronunciada pelo STF teria o condão de atingir coisas julgadas anteriores.41
39. Na recente jurisprudência do STJ, por exemplo: STJ, AgRg nos EDiv em REsp 1201791/SP,
2.ª S., j. 12.11.2014, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19.11.2014.
40. Assim, por exemplo: José Carlos Barbosa Moreira, considerações sobre a chamada “relativi-
zação” da coisa julgada material. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 22. São Paulo:
Dialética, jan. 2005; Nelson Nery Junior, Coisa julgada e estado democrático de direito.
Revista Forense. vol. 375. Rio de Janeiro: Forense, set.-out. 2004.
41. Em sentido afirmativo, dentre outros: Eduardo Talamini, Coisa julgada... cit., p. 423-485;
Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença. 7ª ed. São Paulo: Ed.
RT, 2014, p. 388-406. Em sentido contrário: Fredie Didier Jr. et al. Curso de direito processual
civil. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, vol. 5, p. 374-380.
A Coisa Julgada 1051
42. STJ, REsp 1322060/RS, 1.ª T., j. 13.08.2013, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 19.08.2013.
43. STJ, AgRg em RE 592912, 2.ª T., j. 03.04.2012, rel. Min. Celso de Mello, acórdão eletrônico
DJe-229, divulg. 21.11.2012, public. 22.11.2012.
44. É interessante mencionar, a respeito, o entendimento de Nelson Nery Junior, para quem a
única forma de se considerar constitucional o dispositivo é entender que “somente pode ser
iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não
tiver sido extinta a pretensão da rescisória cujo prazo tenha-se iniciado do trânsito em julgado
da decisão exequenda”. Ou seja, para o autor, apenas se abriria a possibilidade de rescisão
se a decisão do STF fosse proferida antes do escoamento do prazo bienal para a propositura
da ação rescisória, contado do trânsito em julgado da decisão de mérito (Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1309).
45. A esse propósito há tempos, escrevemos: “A doutrina tem criticado a terminologia do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, porque não teria, claramente, sido distinguidas, efi-
cácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Na linha da nota anterior; principalmente,
critica-se a indistinção dos efeitos da sentença em relação à ocorrência da coisa julgada
1052 Manual de Direito Processual Civil
No âmbito coletivo, a coisa julgada apresenta alguns aspectos peculiares, com espe-
cificidades que devem ser consideradas na construção de sua conceituação. Essencial,
no entanto, uma breve e sucinta contextualização a respeito da aplicação das normas
jurídicas relativas às tutelas coletivas, para que, posteriormente, possam ser estudadas
as características da coisa julgada coletiva.
O processo coletivo é regido pela reunião de vários diplomas processuais, que, jun-
tos, compõem um sistema processual próprio. Tais diplomas são intercomunicáveis,
havendo aplicação conjunta de várias normas compatíveis entre si.
O CDC foi o agente unificador, na medida em que alterou a redação do artigo 22 da
Lei de Ação Civil Pública, que passou a prever expressamente que “aplicam-se à defesa
dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os disposi-
tivos do Título III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor”. Referido Ti-
tulo III dispõe sobre a proteção do consumidor em Juízo e contém diversos dispositivos
que disciplinam a proteção dos direitos coletivos, ou seja, de interesses ou direitos di-
fusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.
Complementarmente, o art. 19 da Lei de Ação Civil Pública também prevê a aplica-
bilidade do CPC/1973 (Lei nº 5.869 de 73) à Ação Civil Pública, naquilo que não contra-
rie as suas disposições. Cumpre ressaltar que, diante do § 4º do art. 1.046 do CPC/2015,
as remissões a disposições do CPC/1973 existentes em outras leis, passam a se referir
às que lhes são correspondentes no CPC/2015, o que nos faz concluir que o art. 19 da
Lei de Ação Civil Pública, atualmente, se reporta ao CPC/2015.
Por fim, dando coerência e integralidade ao sistema, o art. 90 do CDC, preceitua
que, subsidiariamente, aplicam-se àquelas hipóteses passiveis de serem regidas pelo
CDC, desde que este não contenha disposição específica aplicável ao caso, as normas
do CPC/2015 e da Lei de Ação Civil Pública.
O legislador, portanto, optou por interligar as leis que, cada qual com sua especifi-
cidade, regem o processo coletivo. Não por outra razão, o estudo da coisa julgada co-
letiva deverá ter como base as especificidades das disposições constantes dos três di-
plomas legais que, basicamente, compõe o sistema, ou seja, o CDC, a Lei da Ação Civil
Pública e, por fim, o CPC/2015.
O CDC disciplina o instituto da coisa julgada coletiva, especialmente no seu art. 103.
As marcas principais dos valores funcionais albergados pelo sistema do CDC, em
contraste com o sistema do CPC/2015, são as seguintes:
No sistema comum a coisa julgada material ocorre sempre, quando do julgamento
do mérito, independentemente do resultado da demanda; é estranha ao sistema a ocor-
rência de coisa julgada segundo o evento ou resultado do julgamento.
(material), representativa, esta última, da imutabilidade de tais efeitos (v. Vicente Greco
Filho, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor, cit., coms. ao art. 103, p. 360-
361) – (V. Nosso Código do Consumidor Comentado, 2ª ed. rev. e ampl., São Paulo: Ed. RT,
1995, de que somos coautores, coms. ao art. 103, p. 460-486).
A Coisa Julgada 1053
No sistema do consumidor a coisa julgada ocorre secundum eventum litis, o que sig-
nifica, à luz dos valores aí protegidos, o seguinte: a) não ocorre a coisa julgada se o jul-
gamento houver sido desfavorável por insuficiência de provas, e, por isso mesmo, pode
ser proposta a ação sendo apresentada prova, que não havia sido produzida. Isto em razão
de a grandeza do bem protegido pela ação civil coletiva, somente justifica que ocorra
coisa julgada quando ficar claro, aos olhos do juiz, que toda a diligência probatória foi
realizada e que, apesar disso, entende não ter havido lesão ao bem jurídico que se pre-
tendia proteger.
Em tal caso, há coisa julgada de improcedência no plano da ação civil coletiva, im-
pedindo, por exemplo, que sejam propostas outras ações coletivas com o mesmo objeto.
Todavia, essa coisa julgada no plano da ação civil coletiva não interfere no agir indivi-
dual (salvo no caso do art. 94 c/c o art. 103, § 2º, do CDC, ou seja, quando os interessados
tenham intervindo no processo como litisconsortes). A coisa julgada coletiva tem uma
abrangência subjetiva que corresponde àqueles que haverão de ser os beneficiários da
ação coletiva, tendo em vista a proteção do bem coletivo (a coletividade, no art. 103,
I; o grupo, categoria ou classe, no inc. II; e, no caso do inc. III, sendo dada pela proce-
dência da ação para beneficiar as vítimas e sucessores). Na hipótese do art. 103, III (in-
teresses e direitos individuais homogêneos), não se cogita da insuficiência de provas,
para a não-ocorrência da coisa julgada, diferentemente do previsto nos incs. I e II, ocor-
rendo, pois, coisa julgada.
Ainda que haja coisa julgada coletiva, ela se circunscreve ao plano do processo co-
letivo, inibindo outra ação civil coletiva, o que resulta claro do § 1º do art. 103. Isto im-
porta estabelecer uma distinção de significações tendo em vista os termos erga omnes
e ultra partes, qual seja: a) se o julgamento for de procedência, e, pois, com resultado
erga omnes, isto leva a que se atinjam beneficamente todos os possíveis beneficiários,
consequentemente, outra ação civil coletiva não pode ser proposta, nem mesmo ações
individuais podem ser propostas, pela circunstância de todos os beneficiários já terem
tido as suas esferas individuais satisfeitas; neste caso, a coisa julgada erga omnes obsta
também ações individuais. Assim, no caso de procedência, a expressão erga omnes com-
preende todos os possíveis beneficiários, como também reflete-se nos legitimados, no
sentido de obstar-lhes a propositura de outra ação civil coletiva com o mesmo objeto.
Se o julgamento tiver sido de improcedência, essa coisa julgada atinge, no plano da ação
civil coletiva, apenas os legitimados elencados no art. 82 do CDC, justamente porque
não há qualquer óbice a que sejam propostas ações individuais, pois que o resultado
negativo da ação civil coletiva, i.e., de improcedência, não prejudica "interesses e direi-
tos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe" (art. 103,
§ 1º, do CDC). É certo que, também, obsta a propositura de ação civil pública em rela-
ção à mesma lide coletiva.
Em síntese, podemos dizer que a eficácia da sentença na ação civil coletiva colima
atingir todos os que estejam relacionados com a situação posta em juízo, através da
ação civil coletiva; ademais, pela grandeza do bem jurídico perseguido, só haverá coisa
julgada em duas hipóteses: a) quando da procedência da ação; b) quando restar "com-
1054 Manual de Direito Processual Civil
provada" a inexistência de lesão ao bem jurídico, de que se dizia ter sido lesado, o que
se infere da improcedência da ação, sem qualquer adendo; c) se não se houver logrado
comprovar a lesão ao bem jurídico, mas se o juiz vislumbrar a possibilidade de que possa
existir prova (e assim consigne o fato na sua sentença), não há coisa julgada, podendo
ser proposta a mesma ação, acompanhada de prova não produzida; d) mesmo no caso
de improcedência da ação civil coletiva, sem ter sido por insuficiência de provas, só exis-
te óbice à repropositura de ação civil coletiva, pois o plano das ações individuais não
é atingido pela eficácia dessa improcedência (salvo a hipótese do art. 94 c/c o art. 103,
§ 2º, do CDC, como já salientamos).
Devemos acentuar que se proposta uma ação civil pública que seja julgada improce-
dente, ainda que sem ser por insuficiência de prova, a sua eficácia erga omnes circunscreve-
-se à não-possibilidade de propositura de outra ação civil pública, dado que o art. 103,
§ 3º, do CDC admitiria subsequente ação civil coletiva, pois aí se lê que "os efeitos da
coisa julgada de que cuida o art. 16 (...) não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Có-
digo..."), o que significa – textualmente, numa interpretação literal, ao menos – ser pos-
sível propor ação civil coletiva sucessivamente à improcedência de ação civil pública.
No entanto, mais plausível será entendimento diferente, apesar da literalidade do
texto. Isto porque o sistema do CDC comporta verdadeira fungibilidade sistemática com
o sistema da Lei da Ação Civil Pública, se assim é, e se ambos os modelos processuais
têm a mesma finalidade, havendo substancial coincidência de legitimados, não pare-
ce plausível interpretar-se o significado de erga omnes do art. 16, à luz da literalidade
do art. 103, § 3º, do CDC, justamente como não tendo esse sentido. Ademais especial-
mente porque se se admitisse outra ação civil coletiva (= a ação civil coletiva do CDC)
sucessivamente, estar-se-ia retirando grande parte da significação desses termos – erga
omnes – tal como consta do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública.
Desde logo deve-se acentuar que este art. 103, iniciando o Cap. IV, Tít. III, do CDC,
ao disciplinar a coisa julgada nas ações coletivas, evidencia que o sistema do CDC é
diferente do adotado, tradicionalmente, pelo CPC, particularmente tendo em vista a
extensão subjetiva da coisa julgada, não restrita às pessoas presentes no processo; em re-
alidade os destinatários da decisão judicial, no plano do direito coletivo são todos aqueles
relacionados com a lide, normalmente ausentes do processo. Salientemos que a possível
ocorrência, em conformidade com o resultado do processo, significa que se julgada im-
procedente a ação por insuficiência de provas, não há coisa julgada;sendo possível instruir
outra ação civil coletiva, igual, agora anexando a prova. Esta ação civil coletiva deve ser
admitida,justamente porque não terá ocorrido anteriormente coisa julgada. Basicamen-
te, manifesta-se aqui a mesma inspiração da Lei da Ação Popular.
Há vários aspectos, específicos à coisa julgada nas ações coletivas, que devem ser
considerados, sendo três deles diretamente disciplinados pelo CDC e um deles, pela Lei
7.347, de 24.07.1985, a cujo aspecto, justamente, se refere o CDC.
Os três primeiros estão disciplinados nos incs. I, II e III do art. 103, e o quarto no
art. 103, § 3º. Estes objetivam impedir, ou não, a propositura de outra ação igual a tí-
A Coisa Julgada 1055
tulo coletivo, com o mesmo pedido, pelos mesmos fundamentos, os mesmos sujeitos,
podendo ser, ou não, proposta pelo mesmo legitimado.
Outro aspecto peculiar vem expresso no art. 103, § 3º. Este refere-se a "vítimas" ("e
seus sucessores"). O objeto dessa ação civil pública repercute beneficamente na esfera
do consumidoreis que pode resultar de "condenação em dinheiro" (art. 3º, 1.ª frase, da
Lei 7.347, de 24.07.1985), sem descarte de outra modalidade de sentença, o que, toda-
via, não interfere no sistema do CDC.Ou seja, a ação civil pública, se procedente, ha-
bilita a liquidação da coisa julgada, benéfica também para as vítimas e sucessores, no
âmbito (por obra do texto do art. 103, § 3º), do procedimento e nos termos do CDC.
A regra do art. 103, inc. I, correlata à do art. 81, parágrafo único, I, ambos do CDC,
dispõe que, se procedente a ação civil coletiva, sobre a sentença (decisão judicial) pesará
autoridade de coisa julgada erga omnes; ou seja, alcançará a sua eficácia toda a coletivi-
dade, revestida por essa autoridade de coisa julgada erga omnes, inviabilizando sua re-
propositura enquanto ação civil coletiva, como também (pelo mesmo fundamento) obstan-
do ações individuais, precisamente porque o interesse e o direito dos que poderiam propô-las
encontram-se inteiramente satisfeitos. Se improcedente a ação civil coletiva, no campo
do CDC, isso inibe a propositura da mesma ação civil coletiva, salvo se o pedido tiver
sido julgado improcedente por insuficiência de provas,caso qualquer dos legitimados,
inclusive o mesmo, ou os mesmos que já atuaram, se valerem da anexação da prova. A
improcedência por insuficiência de provas deverá constar ou, ao menos, defluir da fun-
damentação da sentença, e esta circunstância é que será o parâmetro decisivo para via-
bilizar-se a propositura da mesma ação, calcada na prova. Ou seja, é a insuficiência de
prova, como tal declarada, que determinará a não-ocorrência de coisa julgada.
Já, no que diz respeito à não-influência da improcedência desta ação, mesmo que
não tenha sido decidido por deficiência de prova (com ocorrência de coisa julgada), no
que diz respeito à propositura de ação individual, prevê o art. 103, § 1º, do CDC, que
não prejudicará os interesses e direitos dos integrantes da coletividade.
O art. 103, II faz prevalecer os mesmos princípios, acima indicados. Aqui também
não haverá coisa julgada se o pedido tiver sido julgado improcedente por insuficiência
de provas. A coisa julgada, conforme o inciso, se denomina ultra partes.
Apesar de os princípios serem os mesmos, o inciso II do art. 103 do CDC difere do
inciso I, no sentido de sua menor abrangência, pois que no inciso II diz-se que a eficá-
cia é ultra partes, transcendendo à parte atuante (que pode ser qualquer um, ou mais
de um, dos legitimados do art. 82),e alcançando o grupo, a classe ou a categoria – to-
dos e cada um dos membros enquanto tais,mas não toda a coletividade como ocorre no
inciso I (erga omnes).
Pela circunstância de estar estabelecido no art. 103, inc. II, que ocorre coisa julgada
"limitadamente ao grupo, categoria ou classe", no que diz respeito aos interesses e di-
reitos individuais dos membros, estes não serão prejudicados por decisão de improce-
dência. Procedente a ação, o grupo, a classe e a categoria, imediatamente (e os membros
respectivos imediatamente), encontram-se inteiramente satisfeitos (art. 103, § 1º); vale
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Índice alfabético-remissivo
A ACAREAÇÃO: 25.5.12
ACERVO HEREDITÁRIO: 18.5
AB INITIO: 2.9
ACESSO À JUSTIÇA: 2.9; 15.3.3; 24.4.7
AÇÃO
– Multi-portas: 7.3.2
– Condições para o seu exercício: 4.2
AÇÕES CONDENATÓRIAS: 2.7.2
– Objeto do processo: 4.3.2
AÇÕES CONSTITUTIVAS: 2.7.2
AÇÃO AUTÔNOMA
AÇÕES DE CONHECIMENTO
– Declaração incidente: 5.4
– Tutela: 2.7.2
AÇÃO CONDENATÓRIA: 4.1.4; 4.4.3.1
AÇÕES DESCONSTITUTIVAS: 2.7.2
AÇÃO DE CONHECIMENTO: 20.6
AÇÕES IMOBILIÁRIAS: 2.7.2
AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO
ACORDO PROCESSUAL
– Limites: 25.5.18
– Desacompanhada de advogado: 14.5
AÇÃO DECLARATÓRIA
– Descumprimento injustificado: 14.5
– Imprescritibilidade: 4.3.1
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA: 26.5
– Particularidades: 4.3.1
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIO- ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL: 17.6.2
NALIDADE: 2.8.3; 3.2.1; 3.2.2 ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: 1.3
AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL: 4.3.2; – Processo eletrônico: 7.1
20.6.4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA: 5.1 – Órgãos: 3.3.6
AÇÃO DEMARCATÓRIA
ADMISSIBILIDADE DA PROVA DOCUMEN-
– Esbulho: 4.4.4 TAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI- – Impugnação: 25.5.18
DADE: 3.2.2
ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMU-
– Compatibilidade: 3.2.2 NHAL: 25.5.11
AÇÃO ORIGINÁRIA: 20.6 ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO:
AÇÃO QUANTI MINORIS: 18.5 20.6.2
AÇÃO RECONVENCIONAL: 2.9; 20.6; 20.6.1 ADVOGADO: 10.6
AÇÃO RESCISÓRIA: 5.3; 16.5; 20.4.2; 24.1.3 ADVOGADO DATIVO: 20.4.1
1128 Manual de Direito Processual Civil
ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA: 20.2; ASSISTENTE
20.4.2 – Incidente de admissibilidade: 12.2.7
ALIENAÇÃO DE BENS: 18.5 ASSISTENTE LITISCONSORCIAL: 12.2.5
AMEAÇA DE LESÃO ASSISTENTE TÉCNICO: 25.6.6
– Direito: 1.3 ASSISTENTES E ASSISTIDOS
AMICUS CURIAE: 12.1; 12.6 – Condições diferenciadas: 13.1
– Casos repetitivos: 12.6.7 ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA: 18.10
– Coisa julgada: 12.6.8 ASTREINTES: 2.8.1
– Natureza jurídica: 12.6 ATA NOTARIAL: 25.1
– Requisitos: 12.6.4
ATIVIDADE DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ANALOGIA
– Função jurisdicional: 3.1.4
– Direito de ação e o direito de defesa: 20.3
ATIVIDADE DO JUÍZO: 1.1
ANARQUIA INTERPRETATIVA
ATIVIDADE DOS LITIGANTES: 2.7.4
– Judiciário: 3.3.1
ATIVIDADE JUDICANTE: 15.3.3
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA: 17.1.4; 18.5
ATIVIDADE JURISDICIONAL: 1.1; 4.1.7; 6.1;
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA SUBSTAN- 7.2.3; 8.2.1
CIAL: 17.4.2
– Litigante vencido: 3.1.3
ANULAÇÃO DA CONFISSÃO: 25.3.8
ATIVIDADE LÓGICO-JURÍDICA: 1.1
APLICAÇÃO DA PENA DE CONFESSO: 25.4
ATIVIDADE PROBATÓRIA: 24.3.4; 25.2.2
APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL
ATIVIDADE SATISFATIVA: 7.4
– Proporcionalidade: 7.8.3.1
ATO ADMINISTRATIVO: 3.2.3
APLICAÇÃO DO DIREITO: 2.9
ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUS-
APLICADOR DA LEI: 17.1.2 TIÇA: 19.1
ARBITRARIEDADE ATO NORMATIVO FEDERAL: 1.3.1
– Proibição: 7.7 ATO PROCESSUAL: 8.9
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDA- ATOS ADMINISTRATIVOS
DE: 1.3.1
– Controle – Poder Judiciário: 3.2.3
ARGUMENTAÇÃO JUDICIAL: 7.8.3.1
ATOS PROCESSUAIS: 13
ARGUMENTOS CONTRAPOSTOS: 19.1
– Classificação: 13.2
ARRENDAMENTO MERCANTIL: 18.5
– Forma: 13.3
ASCENSÃO DAS MASSAS: 2.8.2
– Nulidades: 13.4
ASSEMBLEIA SOCIETÁRIA
ATOS PROCESSUAIS ENDOPROCESSU-
– Suspensão da deliberação: 17.1.2 AIS: 13.1
ASSINATURA DIGITAL: 15.3.3 ATOS QUE ANTECEDEM A AUDIÊNCIA:
ASSISTÊNCIA SIMPLES: 12.2.1 26.2
– Assistência litisconsorcial – Distinção: ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
12.2.3 PROCESSO: 10.7.4; 10.7.6
Índice alfabético-remissivo 1129
ATUAÇÃO JURISDICIONAL CANCELAMENTO DA AUDIÊNCIA DE
– Tutela provisória: 17.3.5 CONCILIAÇÃO: 20.2
AUDIÊNCIA CAPACIDADE DE SER PARTE: 10.5
– Comparecimento do Ministério Públi- CAPACIDADE PARA ESTAR EM JUÍZO: 10.4;
co: 26.7 10.5
AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU ME- CAPACIDADE POSTULATÓRIA: 5.2; 10.6.1
DIAÇÃO: 19 CAPACIDADE PROCESSUAL: 10.3
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMEN- – Marido e da mulher: 10.5.6
TO: 26.3
CARÊNCIA DA AÇÃO: 4.2.2; 20.4.2
AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE:
17.3.6 – Até trânsito em julgado: 4.2.3
AUTOCOMPOSIÇÃO: 19.1 CARTA PRECATÓRIA: 15.1
AUTODEFESA CASUÍSTICA: 9.5.2
– Impossibilidade de acesso ao Poder Judi- CAUSA PETENDI
ciário: 1.3.2 – Fundamentação jurídica: 4.4.3.3
AUTONOMIA DA RECONVENÇÃO: 20.6.3 CAUSA PETENDI PRÓXIMA: 4.4.3.3
AUTONOMIA DO DIREITO DA AÇÃO: 2.7.1 CAUSA PETENDI REMOTA: 4.4.3.3
AUTORIDADE JUDICIÁRIA: 3.1.1 CAUTELAR
AUTORIDADE JURISDICIONAL – Efeito assecuratório: 2.8.1
– Revisão: 1.3.2 – Perigo de dano: 17.4.2
AUTORIZAÇÃO LEGAL
– Probabilidade do direito: 17.4.2
– Contestação: 20.6
CAUTELARIDADE
AUXILIARES DA JUSTIÇA: 8.8
– Aumento: 17.1
AVALIAÇÃO DA PROVA: 24.3.1; 25.5.3
CELERIDADE: 7.1
AVISO DE RECEBIMENTO POSITIVO
CELERIDADE PROCESSUAL: 17.6.2
– Citação: 20.2
CERCEAMENTO DE DEFESA: 26.6
CHAMAMENTO
B
– Hipóteses: 12.4.3
BENEFÍCIO DE GRATUIDADE DA JUSTI- CHAMAMENTO AO PROCESSO
ÇA: 20.4.2
– Hipóteses: 12.4.2
BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: 17.1
CITAÇÃO
BOA-FÉ PROCESSUAL: 7.5
– Causas inibitórias: 15.2.1
BRASIL
– Consequências: 15.2.9
– Legislação depois da Independência: 2.6
– Perecimento de direito: 15.2.8
CITAÇÃO COM HORA CERTA: 15.2.3
C
CITAÇÃO INICIAL VÁLIDA: 23.1.1
CALENDÁRIO PROCESSUAL: 14.5 CITAÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA: 15.2.6
1130 Manual de Direito Processual Civil
CITAÇÃO PELO CHEFE DE SECRETARIA: COLISÃO DE INTERESSES
15.2.5 – Incapaz – Representante: 10.5.3
CITAÇÃO PELO ESCRIVÃO: 15.2.5 COMMON LAW: 3.3.1
CITAÇÃO POR CORREIO: 15.2.1 COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO
CITAÇÃO POR EDITAL: 15.2.4 RÉU: 5.1
CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA: 15.2.2 COMPETÊNCIA
CITAÇÃO POR TERCEIROS – Critério funcional: 9.3.2
– Possibilidade de recebimento: 15.2.1 – Critério objetivo: 9.3.2
CLASSIFICAÇÃO DA DEFESA DE MÉRITO – Critério territorial: 9.3.2
DIRETA: 20.4.4. – Definição: 9.2
CLASSIFICAÇÃO DA DEFESA DE MÉRITO – Divisão tripartida: 9.3.2
INDIRETA: 20.4.4.
– Hipóteses: 9.6.1
CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES: 2.7.2
– Leis extravagantes: 9.7
CLASSIFICAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO:
– Pressuposto processual: 9.3
11.2
COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO ESTADO:
CLASSIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS: 8.6; 9.2.1
25.4.7
COMPETÊNCIA DO ÁRBITRO: 23.2
CLASSIFICAÇÃO QUINÁRIA
COMPETÊNCIA DO JUÍZO
– Sentenças: 27.6.3
– Ação principal: 20.6.2
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA: 20.4.2
COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL: 1.3.3
CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO: 14.1
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL JULGA-
CLÁUSULA GERAL DOR: 22
– Negócios processuais: 14.3 COMPETÊNCIA EXTERIOR: 9.2.3
CÓDIGOS DE PROCESSO CIVIL ESTADU- COMPETÊNCIA FUNCIONAL: 8.1; 9.2.1
AIS: 2.6.2
COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA: 8.1
COERÇÃO
COMPETÊNCIA INTERIOR: 9.2.3
– Impedimento: 19.1
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: 9.3.1
COISA JULGADA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA: 6.3.2
– Estabilização: 17.6.3
– Ausência: 9.2
– Pressuposto processual extrínseco: 5.4
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ESTADU-
– Pressuposto processual negativo: 5.4 AL: 2.6
– Relações jurídicas continuativas: 28.3.2 COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
COISA JULGADA ANTERIOR – Tribunais Regionais Federais: 6.4
– Existência: 5.4 COMPETÊNCIA PLENA: 6.3.2
COISA JULGADA COLETIVA: 28.6 COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO ESTADO: 8.6
COISA JULGADA MATERIAL: 2.9; 4.3.1 COMPETÊNCIA RELATIVA: 9.2.1
– Valor na ordem jurídica: 28 COMPETÊNCIA TERRITORIAL: 9.3.4
Índice alfabético-remissivo 1131
– Foro competente: 9.4 – Mérito: 4.2.3
COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL: 19.1 CONDITIO SINE QUA NON: 25.3
– Detrimento – Poder Judiciário: 19.3 CONDUTA ILÍCITA DO RÉU: 17.1.2
COMPOSIÇÃO DAS PARTES: 23.3.3 CONEXÃO DE CAUSAS: 9.9.1
– Parcela do mérito: 23.3.4 CONFIANÇA LEGÍTIMA (VERTRAUENSS-
COMPROMISSO ARBITRAL: 20.4.2 CHUTZ): 7.5
COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS CONFIDENCIALIDADE: 19.3
– Nulidades: 2.9 CONFISSÃO
COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSU- – Direito positivo: 25.3.7
AIS: 15 CONFISSÃO JUDICIAL PROVOCADA: 25.2.7
COMUNICAÇÃO POR FAC-SÍMILE: 15.3.2 CONFISSÃO MACULADA
CONCEITO DE AÇÃO: 4.2 – Erro: 25.3.3
CONCEITO DE CONFISSÃO: 25.3.2 – Coação: 25.3.3
CONCEITO DE MÉRITO: 4.4.2 CONFLITO DE COMPETÊNCIA: 9.10
CONCEITO DE PERÍCIA: 25.6.1 – Procedimento: 9.10.3
CONCEITO DE PROVA: 24.1.2 CONFLITO DE INTERESSE: 1.1; 19.1; 20.3
CONCEITO DE SENTENÇA: 27.2 – Vida social: 3.1.4
CONCEITO DE TESTEMUNHA: 25.56.7 CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA:
CONCESSÃO DA CAUTELAR: 17.1.2 9.10.2
CONCESSÃO DA MEDIDA (PERICULUM IN CONFLITOS DE INTERESSE
MORA): 17.4.2 – Soluções: 4.1.1
CONCESSÃO DE GRATUIDADE DA JUSTI- CONFLITUOSIDADE
ÇA: 20.4.2
– Atritos permanentes: 2.8.2
CONCILIAÇÃO: 2.9; 7.3.2
– Relações jurídicas continuadas: 7.3.2
CONCORRÊNCIA DE AÇÕES (RECTIUS,
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: 8.2.1
PRETENSÕES): 4.4.5
CONSTITUCIONALIZAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE AÇÕES: 4.4.5
CONCURSO DE PRETENSÕES: 4.4.5 – Impacto: 7.2.4
CONTRATO DE ADESÃO
– Inserção abusiva: 14.5 D
CONTROLE CONCENTRADO
DECADÊNCIA
– Inconstitucionalidade por omissão: 2.8.3
– Prescrição: 2.9
CONTROLE CONCENTRADO DA CONSTI-
TUCIONALIDADE: 3.2.2; 3.3.1 DECISÃO
CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDA- – Motivos determinantes: 3.3.2
DE: 7.2.1 DECISÃO ANTECIPATÓRIA: 17.1.2
CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS:
DECISÃO DE MÉRITO: 17.2
3.2
DECISÃO ESTABILIZADA: 17.6.3
CONTROLE JUDICIAL
DECISÃO FINAL DE MÉRITO
– Negócios jurídicos processuais: 14.5
CONVENÇÃO ARBITRAL: 14.1; 23.2 – Transitado em julgado: 23.1.1