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Nos anos 90, o teatro recebeu nova pintura e equipamentos de luz e som
modernos. Dessa forma, abriu as portas novamente e companhias
internacionais, como o Ópera Nacional de Sofia, para encenação de fosca,
de Carlos Gomes, e o Ballet Kirov (1998). No ano seguinte, foi encenada a
ópera O Escravo, de Calos Gomes, pela Ópera Brasil do Maranhão.
Vale ressaltar que nem só de arte viveu o teatro. Ao longo do século 20,
foram oferecidos jantares e banquetes, promoveram-se convenções
político-partidárias e até mesmo a Assembléia legislativa do Estado
realizou ali sessões, em 1959, quando do incêndio ocorrido em sua sede.
Nesse mesmo ano O Guarani teve sua estréia no Teatro da Paz, com
regência de Enrico Bernardi. Era a primeira ópera de autor brasileiro com
assunto nacional. Delírio na platéia, mesmo que Carlos Gomes não
estivesse presente. No ano seguinte em 1881, o público aplaude Henrique
Gurjão na estréia de sua Idália, primeira ópera de compositor paraense,
sob regência do maestro Cimini. Foi uma verdadeira consagração.
A primeira temporada de arte foi interrompida logo em seguida para dar lugar a um espetáculo insólito. O
teatro foi especialmente preparado para os bailes carnavalescos. Palco e platéia transformaram-se num vasto
salão caprichosamente e elegantemente decorado. No dia 24, domingo, deu-se o primeiro baile das máscaras.
O jornal católico A Boa Nova, editado pelo bispado, manifestou estranheza.
Como os bailes atendiam aos interesses da nossa bisonha aristocracia e burguesia, que muito estimavam os
costumes da " corte" como das " metrópoles" européias, os bailes foram considerados indispensáveis e
aconteceram animados durante o tríduo momesco, 3, 4 e 5 de março. Para evitar constrangimentos, deliberou
o Conselho do Conservatório Dramático Paraense sugerir ao Presidente da Província a substituição do nome
respeitoso Theatro Nossa Senhora da Paz para Theatro da Paz.
A sugestão foi acatada. E o bispo Dom Antônio de Macedo Costa, que não vira com bons olhos o nome de
Nossa Senhora ostentado na fachada do templo pagão, no qual tudo podia acontecer, deu-se por satisfeito.
Os espetáculos da Companhia Vicente Pontes de Oliveira recomeçaram na quinta-feira, 7 de março. A primeira
temporada de arte durou até dezembro e apresentou nada menos de 126 récitas. Merece consideração essa
temporada porque as principais figuras eram velhos companheiros de Vicente Pontes de Oliveira que há muito
explorava as artes cênicas no Pará. Entre elas duas glórias brasileiras: Xisto Bahia e Manuela Lucci. E havia
uma paraense: Eugênica Câmara, casada com o ator português Joaquim Infante de Câmara, célebre atriz, que
fora namorada do poeta Castro Alves.
O Teatro viveu vida gloriosa nos tempos áureos da borracha, vida medíocre nos tempos das vacas magras.
Somando tudo, agora temos para festejar 125 anos. Escrever a história desse templo é tarefa de Hércules.
Exaustivo falar dos espetáculos, incontáveis, variados, todos os gêneros possíveis e imagináveis - até colação
de grau e convenções políticas - mobilizando gente de toda parte, nobres e plebeus.
Uma pessoa especial, porém, se identifica com esta casa - o maestro Waldemar Henrique da Costa Pereira.
Nasceu ele exatamente no dia 15 de fevereiro de 1905, quando completou 28 anos. Neste dia do primeiro
vagido de Waldemar Henrique não houve espetáculo. O teatro estava fechado para obras externas e internas,
que lhe deram o aspecto atual.
A casa voltaria a funcionar normalmente a partir do dia 03 de maio de 1905, solene reabertura e estréia da
Companhia Lírica Italiana, de Donato Rotolli, com a ópera Tosca, pela primeira vez executada no Pará. A
Companhia procedia do Rio de Janeiro, tendo atuado antes em São Paulo. Era empresariada pelo maestro
brasileiro Dr. Assis Pacheco.
Novo período de atividades se estendeu a partir desse momento e durou pouco, atropelado pela quebra da
borracha por volta de 1910. No meio da crise, 1918, esta casa viveu outro momento de raro esplendor: a
temporada da companhia de balé de Anna Pávlova. A célebre bailarina deixou marcas profundas, e duas
meninas paraenses se transformaram em " estrelas" do balé clássico no Rio de Janeiro: Naruna Jordan e Bela
Yara. E o balé baixou ao nível das "pastorinhas", adotado por grupos mais sofisticados, o Filhas de Japhet e o
Belemitas, neste despontando outro talento que cedo feneceu, Natércia Mendonça.
Waldemar Henrique viveu, por sua vez, a primeira emoção artística indo assistir aos espetáculos de Anna
Pávlova no Theatro da Paz. Era menino e ficou deslumbrado. Em 1920 já compunha. Em 1923-4 divulgou as
primeiras peças para canto e piano. Em 1934, com boa bagagem e estilo definido, que refletia a identidade
amazônica, resolveu com sua irmã Mara desembocar no Rio de Janeiro para viver longa experiência artística.
Vitorioso, ganhou também aplauso internacional. Ele e Mara foram " embaixadores da canção brasileira", com o
patrocínio do Itamaraty.
Em 1958, a convite de Benedito e Maria Sylvia Nunes, corpo e alma do Norte Teatro-Escola, escreveu música
para o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, apresentado no 1º Festival Nacional de
Teatro de Estudantes, aplaudido e premiado com medalha de bronze.
As raízes paraenses o chamaram de volta. Em 1962 foi contratado pela UFPa para prestar colaboração ao Coral
Ettore Bosio. Mas o retorno definitivo só aconteceu em 1965, para assumir o cargo de diretor do Departamento
de Cultura da SEDEC - Secretaria de Estado de Educação e Cultura -, e depois diretor do Theatro da Paz, por
ato de 12 de novembro do mesmo ano. A partir de então, durante 15 anos, o maestro comemorou duplo
aniversário: o dele e o do Teatro. Dirigiu esta casa com tanto empenho que nela chegou a residir. Um dentro do
outro. Fez da casa de dramas e óperas mais que um ato de presença cultural. Chegou a gastar de seu bolso
para a manutenção da vida do Theatro, contigências da burocracia por vezes perversa.
Aqui se encontrava atento a todos os movimentos de uma reforma projetada para festejar o centenário do
Theatro. A festa custou-lhe amarga decepção: ao se descerrar a placa comemorativa, faltava um nome - o do
diretor em exercício, Waldemar Henrique. Ele, humilde, sufocou insólito vagido. Todos comentaram e a
imprensa não perdoou o esquecimento. O fato ecoou mundo afora. Ocupa capítulo do livro de José Cláver Filho,
Waldemar Henrique - O canto da Amazônia, livro que reparou esta e outras injustiças.
Waldemar Henrique identificou-se definitivamente com esta casa. O vínculo vai além dos pequenos episódios.
Não é possível esquecê-los, porém. Todos eles compõem o maravilhoso espetáculo da vida. Ocupam Tempo e
Gente.