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Importante:

● TCC não é um conjunto de técnicas. As técnicas servem APENAS para fazer um


bom trabalho psicoterápico;
● É fundamental antes de usar uma técnica, ter realizado uma conceituação, ter
desenvolvido um plano de tratamento que contemple os objetivos terapêuticos,
entender o por quê das técnicas (suas indicações e contraindicações) e saber como
aplicá-las.

Estratégias, Métodos e Técnicas na prática Clínica da TCC


1. Questionamento Socrático

O QUE É O QUESTIONAMENTO SOCRÁTICO?


Ele pode ser descrito como “um processo de descoberta”, onde tanto terapeuta quanto paciente
descobrem por meio de uma série de perguntas sistematicamente ordenadas pensamentos automáticos,
crenças e examinam a lógica e evidência relacionadas a essas cognições. O questionamento socrático
é fundamental no processo de reestruturação cognitiva que é uma das estratégias centrais da TCC. Ele
é conhecido como a “espinha dorsal” na nossa prática clínica das intervenções cognitivas para mudar
pensamentos disfuncionais e crenças (WRIGHT et al., 2019), além disso, é utilizado ao longo de todo
o processo terapêutico. Em vez de ser uma técnica única, o questionamento socrático é mais a base, o
“estilo” adotado pelo profissional que trabalha com a TCC a cada sessão. Para Freeman (2004) o
questionamento socrático é um afastamento radical do estilo interpretativo das escolas
psicodinâmicas e do estilo não diretivo do trabalho centrado no cliente.

QUAL É O OBJETIVO DE USAR ESSA TÉCNICA?


É utilizado tanto para trazer informações à consciência do paciente (insight - identificando cognições)
quanto para modificar pensamentos e crenças. Quando o QS é realizado corretamente ele tem forte
impacto sobre a organização cognitiva do paciente. Sendo assim, o questionamento socrático ajuda o
cliente a expandir e ter uma perspectiva mais ampla de sua forma de pensar sobre um determinado
assunto. Devemos ajudar os pacientes a “pensar sobre o seu pensamento” (metacognição) e o
questionamento socrático auxilia o cliente ou paciente nesse processo, eles devem aprender a fazer
essas perguntas e aplicar a si mesmos. Essa técnica também é conhecida como diálogo socrático, ela
fortalece o empirismo colaborativo entre terapeuta e cliente.

QUAL FAIXA ETÁRIA?


O questionamento socrático pode ser utilizado em crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.

COMO APLICAR?
Ao aplicar o questionamento socrático devemos adotar uma postura gentil, ser imparcial (não
podemos ser tendenciosos ao elaborar perguntas - devemos cuidar para que as respostas dos pacientes
sejam genuínas, jamais levando o paciente a responder aquilo que queremos ouvir), e lembrar que:
não se trata de “convencer” o cliente sobre algo com argumentos, mas de conversar sobre dados
objetivos.
Questionamento socrático não é um debate terapêutico, nesse sentido a dupla terapeuta e paciente
desenvolve uma posição mutuamente aceita, possuem uma visão compartilhada com foco na
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investigação. O terapeuta assume uma postura de facilitador de novas compreensões e formas de
significar os eventos.
Paulo Knapp (2004) exemplifica um diálogo socrático usando o exemplo de uma paciente que durante
a sessão relata ter gritado com o filho e afirma: “sinto que não sou uma boa mãe”. o autor demonstra
de que maneira o terapeuta pode questionar socraticamente:

“O que é mesmo ser uma boa mãe? Descreva características, enumeradas por você, do que é ser uma
boa mãe, quais você possui?”
“Quem você considera uma boa mãe? Por que [essa pessoa] é considerada uma boa mãe?”
“O que uma boa mãe faz após ter gritado com o filho e se sentido mal com isso?”
“O que você acha que estava sentindo antes de gritar com o seu filho?”
“As habilidades que uma pessoa necessita para ser uma boa mãe já nascem com ela, ou a pessoa pode
aprender a ser uma boa mãe?”

O autor segue dando exemplos de questionamentos não-socráticos na mesma situação:


“E daí se você grita com os seus filhos? Todo mundo faz isso.”
“Por que você está sendo tão dura consigo mesma?”
“Seus pais nunca gritaram com você?”

Existem perguntas socráticas que tradicionalmente são ensinadas aos terapeutas cognitivos e
continuam sendo feitas aos clientes, essas perguntas resistiram ao tempo e geralmente são eficazes no
processo de facilitar a mudança cognitiva (BECK, 2013; WENZEL, 2018).
Abaixo, seguem exemplos dessas perguntas:

● Perguntas sobre as “Evidências”

“Quais são as evidências que apoiam essa ideia?”


“Quais são as evidências contrárias a essa ideia?”

● Perguntas sobre “explicações alternativas”

“Existe uma explicação ou ponto de vista alternativo?”


“Há outro pensamento que explique essa mesma situação?”

● Perguntas para “descatastrofização”

“Qual é a pior coisa que poderia acontecer (se é que eu já não estou pensando o pior)?”
“E se isso acontecesse, como eu poderia enfrentar?”
“Qual é a melhor coisa que poderia acontecer?”
“Qual é o resultado mais realista?”

● Perguntas sobre “o impacto do pensamento automático”

“Qual é o efeito de acreditar nesse pensamento?”


“Qual seria o efeito de mudar o meu pensamento?”

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● Perguntas para “distanciamento”

“O que eu diria a ___________[um amigo específico ou familiar] se ele estivesse na mesma


situação?”

● Perguntas para “solução de problemas”

“O que eu devo fazer?”

Overholser (1993, apud STALLARD 2007, p.74) identifica o processo socrático em estágios, e em
cada um desses estágios baseado no cuidadoso questionamento sistemático (note que estamos falando
de intencionalidade terapêutica, ou seja, não basta utilizar as perguntas socráticas, mas é necessário
saber o por quê de estar utilizando cada pergunta), para ajudar o cliente a identificar e avaliar
criticamente suas definições universais. Para isso, ele destaca 7 (sete) tipos de perguntas utilizadas
nesse processo:

1.Perguntas de Memória (criam um entendimento factual compartilhado) → 2. Perguntas de Tradução


(identificam o significado atribuído aos eventos) → 3. Perguntas de Interpretação (exploram a relação
entre eventos) → 4. Perguntas de Aplicação (identificam conhecimentos úteis a respeito de
experiências) → 5. Perguntas de Análise (promovem avaliação lógica) → 6. Perguntas de Síntese
(incentivam o pensamento alternativo/criativo) → 7. Perguntas de Avaliação (promovem reavaliação e
reflexão).

Abaixo, veja alguns exemplos dessas perguntas:

● Perguntas de Memória
“Quando isso começou?”
“O que você faz quando se sente assim?”
"Com que frequência isso acontece?”
“Quando foi a última vez que aconteceu?”
“O que aconteceu neste momento?”

● Perguntas de Tradução
“Como você entende isso?”
“Por que você acha que tem esses sentimentos um pouco esquisitos?”
“Por que você acha que isso lhe acontece?”
“Como poderíamos tirar um sentido disto?”

● Perguntas de Interpretação
“O sentimento que você tem quando _____ é o mesmo quando _____?”
“Você percebe alguma ligação entre esses pensamentos negativos e como se sente?”
“Há momentos em que você nota mais esses pensamentos negativos?”
“Como estas duas situações poderiam ser similares? Onde elas diferem?”

● Perguntas de Aplicação
“O que você fazia no passado quando se sentia assim?”
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“Você me disse que, na última vez que isso aconteceu, não foi tão ruim. Houve alguma coisa que você
fez de modo diferente que possa ter ajudado?”
“Você não parece ter esses pensamentos preocupantes quando está ___. Há alguma coisa diferente lá
que o ajuda ignorar esses pensamentos?”
“O que você tentou fazer para resolver este problema antes?”
“Que outras coisas você poderia fazer para resolver este problema?Como você acredita que poderá
fazer estas mudanças?”

● Perguntas de Análise
“Quando você pensa desse jeito, quais são as evidências que apoiam os seus pensamentos?”
“Existe alguma evidência que você ignorou?”
“O que o seu melhor amigo diria se ouvisse você pensando desta maneira?”
“Você me disse que isto acontece sempre, mas será que há momentos em que isso não acontece?”
“Houve momentos em que isso aconteceu, mas foi devido a alguma outra coisa?”
“O que você acredita que está causando este problema? Que evidências têm para afirmar isso?”
“Há coisas que podem melhorar essa situação? Há coisas que podem piorar essa situação?

● Perguntas de Síntese
“Vamos fazer uma lista de todas as maneiras que poderíamos lidar com isso, mesmo que possa parecer
um pouco estranho ou bobo.”
“O que você acha que o seu melhor amigo faria?”
“Existem outras maneiras pelas quais nós poderíamos explicar o que aconteceu?”
“De que formas distintas você poderia ver esta situação ou problema?”

● Perguntas de Avaliação
“Então, como você entende isso agora?”
“Você ainda se vê como um fracasso?”
“Existe outra maneira de pensar sobre isso?”
“O que significa para você ter sucesso?”
“Como você se vê como pessoa?”

A escolha desses formatos de questionamento vai se basear nos objetivos terapêuticos de um


determinado ponto da terapia ( o que é apropriado naquele ponto da terapia), conforme a necessidade.
O diálogo socrático não é uma técnica onde as perguntas são feitas aleatoriamente. A partir da
conceitualização e dos objetivos, o terapeuta conhece a direção e o sentido de como facilitar o
processo de descoberta. Boas perguntas socráticas são abertas, curtas, focadas, direcionadas,
envolvem o paciente no processo de aprender a pensar sobre o próprio pensamento e conhecer mais
sobre si mesmo. Ele se sente respeitado, confortável e confiante, não sai do questionamento socrático
se sentindo estúpido por “ter pensado daquela forma”.

Amy Wenzel (2018) alerta para o fato de que “é importante perceber que não é necessário ficar
atrelado a perguntas socráticas tradicionais; na verdade, a reestruturação cognitiva pode ser
particularmente eficaz quando as perguntas socráticas são singulares e correspondem a circunstâncias
de vida atuais”. Nesse sentido, a autora incentiva a criatividade na elaboração de perguntas socráticas
para facilitar a reestruturação cognitiva. Ela exemplifica com algumas perguntas que normalmente

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não são encontradas em textos de TCC, algumas dessas perguntas citadas em seu livro estão descritas
abaixo:

● Pense em alguém que tenha superado uma adversidade na vida e afinal prosperou. Como essa
pessoa poderia ver essa situação?
● Pense em algum adulto em quem você confiava quando era criança (p.ex., pai ou mãe). Como
essa pessoa veria essa situação? Como essa pessoa veria a sua competência para lidar com
essa situação?
● Quantas vezes você já passou por uma situação que inicialmente considerou catastrófica?
Quantas vezes ocorreu de fato uma catástrofe? [Incentive o cliente a calcular uma proporção
ou porcentagem real.]
● [Para pais] Como você pode modelar uma maneira adaptativa de ver essa situação? Qual
mensagem você gostaria de transmitir ao seu filho (ou filhos)?
● Se você precisa estar nessa situação horrível, então, que sabedoria pode adquirir? Como você
pode alcançar o crescimento pessoal?

Referências
• BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. (2. ed.). Porto

Alegre: Artmed, 2013. 413 p.

• FREEMAN, Arthur. Encyclopedia of Cognitive Behavior Therapy. United States of

America: Springer Science, 2004. 451 p.

• KNAPP, Paulo. Terapia Cognitivo-Comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre:

Artmed, 2004. 520 p.

• STALLARD, Paul. Guia do Terapeuta para os bons pensamentos - bons sentimentos:

utilizando a terapia cognitivo-comportamental com crianças e adolescentes. Porto

Alegre: Artmed, 2007. 210 p.

• WENZEL, Amy. Inovações em Terapia Cognitivo-Comportamental: intervenções

estratégicas para uma prática criativa. Porto Alegre: Artmed, 2018. 216 p.

• WRIGHT, et al. Aprendendo a Terapia Cognitivo-Comportamental dos autores: Um guia

ilustrado (2. ed.). São Paulo: Artmed, 2019. 232p.

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