Você está na página 1de 626

RELIGIOSA

E M

SOLIDÃO.
A RELIGIOSA
EM S O L I D Ã O .
O b r a , em que fe expoem ás R eügiofas o
m odo de empregarfe co m fruto, por
eípaço de d e z dias nos E x e r c ic i-
osefpirituaes de Santo lgnacu^. -
Comfoftn tm Italiano pellé -

P. J O A O P E D R O D E P IN A ftlO N T I,
da C o m p a n h ia dc J E T U j y B;vil ,e c f 0 \
E traduzida em H efpanbol pello 3|
P. M A R T I N H O P E R R S D E ^ N H . ^
da mcfma C o m p a n h ia dc J E § U £ y
E novamente traduzida em Português for^fíum
, ,
devoto que a dedica e offcrece jl** *1
A O FXCELLEN TISSIM O , E R E V E R E N D ISSlM O \
• SENH OR
D. Fr. F E L I C I A N O D E N . S E N H O R A ,
Lente Doutorado na Sagrada Theologia-pella Univeríí*
dade de Coimbra, D. Prior, que foi da Ordem de
C lu iflo , e Bifpo de Lam ego, do Confelho de
fua Magcftade,e4fcu Sumilher de Coitina.

C O IM B R A :
N o R e a l Ç o l l c g i o das Arres dn C o m p a n h ia d e
J E S U j anno de 17 4 6 .
Com todas as licenças tieceffarias.
REVERENDI SSIMO
S E N H O R .

A T a R c l i g i o f a cm S o lid ã o buf-
car a melhor, e mais fig u ra protec­
ção, fem vacillar na eleiçaõ de p a ­
trocínio, porque o pcfo de ju flific a ­
das razoes lhe fir v e m de ligeiras
a za s, para voar aos pés de vojfa
E xcellencia. A cb d v a je j d taò d if-
II tante da naçaõ, em que teve o prim eiro f i r , que com
grande fundamento podia temer o fa h ir a publico,
levando fempre o receio de f i r j a defionhecida. E
aonde havia de bufiar o f i u amparo+finaò na pie-
: dade de l^ojfa Excellencia,que com tanto ze lo , e in -
canfavel defvelo,Je empregou fempre na direcção de
tantas almas Religiofas, perfuadindo igualmente
com o exemplo, que Jaò as vozes , que fa z e m mais
| bemquifio, e ditofo o magifterio.
Foi
F o i efta obra compofia na lingua Italiana pell$
M yfthO) e douto Padre Pinam outi, e como trata de
Exercícios efpiriiuaes, que podem fe r v ir de tàjit i
utilidade ds alm as, principalmente ás que p e lla fu i
proftffao efiao obrigadas ao efia do mais perfeito-, pa-
raque naõ f ó as de ítalia participaffem defte bcmy
houve em Hcfpçmha quem a f e z natural pella
traduçaò *, e para que efle nojfo Reino podejfe
mais commodamente u tilizarfe da fita liçaò%houve
quejna traduzijfe no idioma nacional.
M as para poder fa h ir a lu z fem o temor das
cenfuras, que nece[fartamente ha de padecer, pel-
los muitos defeitos da traduçaò , bufe a na pie­
dade de voffa Excellencia o patrocinio , de que
f e f a z acredora pella matéria, de que trata , po­
is com a fua liçaò efpera, que muitas almas re­
formem , e melhorem as ftias vidas, e que V o f­
f a Excellencia, como paflor vigilantiffim o, tenha
a gloria de as ver caminhar 4 perfeição. D e os
guarde a pejfoa de V ojfa Excellencia por muitos, e
felices annos.

AOS
A O S Q .U E LEREM .
E M P R E e n te n d i, que fnzer
p r o lo g o s nos livros he húa das
mais exeufadas diligencias, que
ha entre os que c f c r c v e m j c o m
tudo ha o c c a íio é s , cm que pa­
rece p rec ifo dar razaõ do m o ­
t i v o , que h o u v e , para o c o n t e x ­
to delies.
O R e ve re n d iflim o Padre Jo aõ P edro de Pi-
Tiamonti c o m p o z hum liv r o cm Italiano , que
intitula L a Religiofa in folituditie, E m o qual
p r o p o z ás R e lig io la s o m o d o dc fe em p re ga­
rem co m fru to nos E x e r c i d o s de S a n to Igna-
c >o, p o r c f p a ç o dc d e z dias *, depois form o u
dcllc o u tro , ap p licán d o o a pcíToas fccu la rc s,
co m algúa m u d a n ç a nas m e d it a ç õ e s , c exa-
? l es.> eftc traduzio na lingua P o r tu g u c z a o
I; M u i t o R e v e re n d o Padre M i g u e l do A m a r a l ,
deixando as m ed itaçõ es, e traduzindo outras,
1 -I wl * jjj <\u c ’
que lhe pareceraõ mais próprias para pefloas
íeculares. O primeiro traduzio no idioma H e f-
panhol o Padre M arrinh o Pcres de C u n h a c o m
as mefmas m e d i t a ç õ e s , l iç o é s , c exa»ne$ do
A u t o r , que laõ cm tudo mais próprias para
peíToas R c lig io fa s.
B e m (e deixa v e r, que parecerá ociofa a di­
lig e n c ia defta t r a d u ç a ò , porque o idioma dc
H cípanh a hc baftantemente conhecido, nefte
noíTo R e i n o , principalmente daqucllas pefloas,
para quem foi eferita cfta obra. M a s a cfte
reparo he que fe pertende dar a lg ü a fatisfa-
çaõ. . . . I
C h e g o u hum liv r o deíles a e ftc R e i n o á
c u í l a dc varias d ilig en cias, fem que fe podef-
fc d cfco b rir o u t r o , naò fei fe foi p o r fe aca­
bar a e m p r e n ta , c havendo de fe tornar a im*
p r im ir , parccco mais conveniente foflc no i-
d io m a n a c io n a l, paraque as íuas doutrinas fof-
fem mais com úas a todos. E f t c foi o m o tiv o .
P c r m it ta D e o s , que feja para honra, e g lo ria
fua, e utilidade das A l m a s , que c o m mais cf-
pecialidade fe d ed icaó ao m cfm o Senhor.

V A L E .
LICENÇAS
D O S A N T O O FF IC IO .
C E N S V K A
Do Al. R. P. M. Fr. Alberto de S.
jfozè CoUQaalificaàor do Santo O fí­
cio, e Rcíigiofo Carmelita Cal­
çado, (src.
e m in e n t íssim o s e n h o r ,
O M jufto m o t i v o preten­
de o R e v e r e n d o Padre l o z é
dos Santos, da illoftre C o m ­
panhia de J E S U S , Superintendente
* ÍÍ)Í - da
da Imprenfa do Real C o l l c g i o da me(-
ma C om p a n h ia da C i d a d e de C o i m ­
bra, dar á lu z publica efte liv r o intitu-
a l d o a Religinfa em So/idaõ; porque fe
nas outras N a ç o ê s produziraõ íeme- i!
lhantes E x e r c i d o s efpirituaes o fruto j
de arrancarem das maõs d o infernal
D ragaÕ tantas almas; traduzidos em o
noflo Idioma, as que fe aproveitarem
d a fua liçaõjCom taõ fortes ^rmas,lhe
frra õ guerra de forte, que deftruido,
cantaráõ a vi£toria,e triumfo daquel-
l e diabo lico inimigo. Efte fe confpira
c o m todas as fuas aftucias para a rru i­
n ar o eftado mais perfeito, mas nefte
li v r o , aindaque pequeno, encontra a
m aio r refiftencia; porque fubindo de
p o n t o a perfeição d o eftado com a 1
frequencia das m e d i t a ç õ e s , f e v è de
t o d o deftituido de forças para a con-
quifta, que i n t e n t a : m o tiv o , alem d e
naõ
naõ conter couía, em que fe afãfted»
noffa Santa F é , nem contradiga aos
bons coftumes, p orque fe faz a c r e d o r
licença , q u e pede a V o f l a E m in ê n ­
cia. C a r m o de Lisboa, 1 5. d e M aio.
de 1745. -
Fr. Alberto de S. Joze Col.

CEN*
= . ' ít -rr: ! m = 3 = B = t g
C E ] # ! '$ V R A .

1
Do M . R . P. M . Fr. Thomás de è.
Jòzepb, Qiialificaàor do Santo O fi­
ciot e Religiofo da Santiffima
Trindade . & c.

E M IN E N T ÍSSIM O SEN H O R ,

S T E U vro , que vofía Emir


pencia me manda ver, e tem
por titu lo A Rebgiofa em
Solida tf, he o b r a , ém que fe
expoem ás R eligiofasom od odeem -
pregarfe c o m f r u t o por efpaço de
d e z dias em ds E x e rcíc io s de Santo
Ignacio, com pofta em Italiano pello
D o u tifiim o , e V ir t u o f o Padre Pedro
Pinatnonti, e traduzida em Hefpa-
nhol pello R e v e r e n d o Padre Marti-
nho
-nho Percs, e agora novam ente tra d u ­
zida em P o rtu gu e z a intenta impri­
mir o R e v e r e n d o Padre Jozeph dos
5 antos, todos da illuftriílima C o m p a ­
n h ia de J E S U S . Pois hum livro, em
.que fe trataõ, praticaõ, e e x p o e m ,
para fe exercitarem , os E x e r c ic io s de
Santo ígnacio a p p r o v a d o s , e taõ u-
niveríalmente recebidos pella Igre­
ja , que livro ha de fer, fenaõ hum
livro verdadeiramente digno dc feu
grande A u th o r, que ram d o u t a , e ef-
piritualmente íoube c o m p o r , qpe
m e r e c e , que n a õ fó corra impreífo
em todas as lin g u a s , mas rambem
que a fua liçaõ, e doutrina fique e-
fiampada n a s c o r a ç o e s de t o d o s ;p o r -
que com a fua doutrina, e liçaõ naõ
íó a Religiofa na fua folidaõ fica­
rá acompanhada de v ir t u d e s , mas
também qualquer alma, ainda díflra-
hi-
hida, ficará folitaria de peccados; e a f-
fim me parece dignilfimo d e fahir a
l u z ; pois naõ tendo coufa, que fe o p -
ponha á noíTa fanta Fé, o u bons coftu-
mes, tem muitas,com que os maos c o -
ftumes fe reformem,e a Fé fe confirme.
Efte h e o meu parecer, T r i n d a d e , L i s ­
boa, de Julho, de 1 7 4 5 .

Fr. Tbomási de S. Jozepb.


jfl V « *|Íi f 7 „

Iftas as informaçoês pode im-

V primiríe o livro intitulado; A


Religiofa em Solidaõ ; e depois de ir
p reflbtornará para fe c o n f e r ir , e d a r
licença que corra, fem a qual naõ c o r ­
rerá Lisboa. 9. de Julho de 1 7 4 5 .

Alancajlre. Sylva. Abreu. Amaral.


Almeida. Trigofo.

DO
DO O R D I N Á R I O .
Ode fe im primir o livro in t it u ­
l a d o : ^ Religiofa cm Solidai) ,
c depois de imprello tornará para íe
conferir, fem o que naò correrá. C o ­
imbra, e d e A g o f t o 4. de 1 7 4 6 .
Teixeira.

D O P A Ç O ,

Q
Ue fe poda im primir.viftas as
licenças d o Santo O ffic io , e
O r d i n á r i o , e depois de im-
preíTo tornará á Mefa, para fe c o n fe
tit, taixar,eidar licença, paraque pof-
ía correr,fem a qoal naõ correrá L i f -
boa, 8. de O u t u b r o . d e 1 7 4 5 .

Cofla, Carvalho, Ca/lro.


Pag. i.

I N T R O D j u C Ç A Ó
D A

OBRA.
§. I.

P ro v id e n cia naõ menos íu»


a v e , que to r r e , por quem o
Senhor afTifte á íu a I g r e j a ,
nunca fe manifcfta mais pa­
t e n t e , que quando tro ca as
maquinas de feus in im igo s
cm p o m p a do mais illu ít r c
t n u m fo . Q u e m nam v è , que a I g r e ja h c
aqucllc^ R c ino eterno , q u e predifle D a -
me»: Regnum , quod in £ ter num non difli-
fa b itu r j pois os m cfm os co m b ates a eíta-
cm: as rcbcllioc> a e s fo r ç a õ , c as perdas
A a fa*
2 Introdncçao
a fazem crefccr. E m cites últim os feculos
tem pretendido o D c m o n io por meio dos H c -
jrcíiarcas modernos refufeitar a hum tem p o
! todos os erros a n t ig o s , para dar c o m o hum
:aí!alto geral á Igreja-, porem , que ha confc-
g u i d o com iflo? as verdades fe tem pofto mã-
1$ potentes , os dogmas íe tem confirm ado ,
e as p e rfe g u iço e s do Septentriaò tem fido
hum vento im p e t u o f o , que mais tem íervido
de avivar , que dc apagar a cham m a. D e ­
ita forte em noflos tempos temos viíto
quem cuidava dcfacrcditar em os Fieis o u f o
da m editaçaõ, co m p rete xto , de que era
e x e rc íc io f roprio de principiantes , e que
depois dc alguns mczes o entreterfe niíTo mais,
era naõ co rrer,ou caminhar pello caminho da
p c r f c i ç a ó ,f e n a ó h u m pafícar para cim a,c pa-
,ra b a ix o , c hum m overfe m u ito , lem ja mais
alargarfe hum ponto dos primeiros m o v in ie -
tos-, porem cites innovadorcs tambem que
haõ feito? T e m í c cítabelccido mais o ufo do
m ed itar,efe tó dilatado mais,que nunca,o b õ
c o l t u m c d c rctirarfepara fazer os e xercícios
efpirituacs dc S. I g n a c i o , que pertenderaõ
abaterj pois álem da B u lla de Pau lo T e r c e i ­
r o , S u m m o Pontífice,que tanto os approvaj
havendo dc preceder,em e x c c u ç a ó da B u lla
;^\poítolica de l u n o c c n c i o X I . hum retiro de
da Obra. 3
alguns dias d c c x c r c ic io s , para r c c c b c r
as ordens Sacras , o tal retiro ja fe pra-?
tica cm R o m a , c em a m elh or parte ' d c
Italia, fegundo a forma dos raefmos exerci-*
c\os dc S. Ignacio , de quem c fc r c v c cftas
notáveis palavras Saõ F r a n c i f c o d c Salcsj Ljb^.
O s que fa zem profundas , e poderofas r e - do a-
foluçoês de fig u ir a vontade de D cos , f e rc-* ™or
tiraò alguns dias , para mover feus animoi dcos ,
com diverfos exercidos efpirituaes d btterr* ^
or reforma de fu a vida : m eth o d o fanto 3
ç familiar aos antigos C h r ifta ó s , depois
quaíi dc to d o deixado , ate. que o g ran d e
iervo de Dcos Ignacio d c L o y o l a o p ò z
em pratica. A flim tam b e m em o t e m p o
que cm F r a n ç a principiou a brotar aqueb*
k falia do u trin a , outras .vèzcs condenada^
acercada o r a ç a ó >d if p ò z a D iv in a providen*
ç i a , que cm muitos lugarea daqu clle R e i *
*vo lc cltab clcccflem varias ;cafas deftinadas
para o retiro dos E x e r c íc io s E fp iritu aes coirt
hum co n c u r io taõ g ran d e , ique f ó em a cafa
d c V annes dc Bretanha o anno d c 16 6 6 . paf*
lou o numero dc mais dc aito ccn to s , c o m
aproveitamento naõ inferior ao num ero em
todo o generp de pefloas , N o b r e s , L Cr
< -d o s,C a p ita és^ G overn ad ores,fegu n d o o
athrmaô as r e la ç õ e s imprefias, S em e lh an -
A 2, tc
4 Introducçao
t e p r o g r c r t o t c m feito os E x e r c íc io s em H c f -
panha, em Alemanha, em o N o v o m u ndo , c
mais villnho a nós outros em Italia , íin g u -
larm cntc cm os M orteiros dc Sagradas v i r -
g e n s , que parte conícrvaõ , e parte refufei-
ta ó o fervor antigo c o m efte meio. S ô p o ­
d e tcm erfe n if t o ,q u c manejando os E x e r c í ­
cios a lg ü D ireótor p o u c o experto,pellos naõ
haver cm li m efm o provado , venhaô a fer,
c o m o h ü a arma manejada por maõ d e b i l ,
c fraca , c p o r confeguintc naõ exp erim en ­
tem o fruto. T e m fu c c c d id o m u ita s v e z e s ,
q u e algum ConfeíTor, requerido para dar os
E x e r c íc io s ,t e m porto na m aõ , dc quem lhos
pedia, hum livro dc M e d i t a ç õ e s , para que fe
entretivefleaquelles dias do leu retiro naqucl-
las co n lid e raçoés, que ao abrir do livro cn-
contraíTc-, verdade hc , que quando o terre­
n o hc f e c u n d o , paga bem qualquer c u lt iv o ;
p o rem a terra mal cultivada , que ainda af-
è m rende hüa fcara t o l e r á v e l , quaõ abun­
dante a daria , fe cftivera cultivada fegundo
a arte ? PoriíTo m c tenho rcfolvido a f o r ­
m ar hum liv r o , pello qual porta hum D ir e -
€tor co m grande pro veito dar a hüa R e l i ­
g i o f a o m o d o dc rctirarfe aos Santos E x e r ­
cício s. E aindaque em a lg u m cafo raro
f ilt a f lc tam b em D i r c & o r , pretendo l u p -
prir
da Obra. ^
prir a fua falta,bem que confíderavel,de f o r ­
t e , que c o m o tal liv r o poíTa h ú a R e l i g i o ­
fa fatisfazer utilm ente feu b o m defejo. E f -
treitom e no titu lo da obra fó ás R c l i g i -
ofas , ja p o rqu e muitas vezes as tenho e x ­
perimentado ncceíTitadas d cíle paõ c e lc ítia l,
c de quem lho reparta j a ta m b ém , p o rq u e
fendo as R e lig io fa s a parte mais ilh illrc dos
F i e i s , Illuftrior por tio gregis C h r if t i, c o m o
as chama co m razaò S . C y p r i a n o , m erecem
que a cilas , mais que ás outras, fe lhes aíli-
íla * porem nem p o r iíTo pretendo e n ca m i­
nhar efte tratado fó ás R e lig io fa s , fenaó
tam bem a outros, pois pode c o m p o u ca d if-
feren ça fer p ro ve ito fo a outros g r á o s d c p c f-
foas , em efpecial a quem n aõ fo r dc t o d o
rude em o cam inho d o S e n h o r , e cm o ufo
da oraçaó.
§. I í .
£$uc coufa ftja õ os E xercid os Efpirituaes de
Santo Ignacio , e que forte de occupaçoês
comprehendem.

P
Ara form ar h ú a maquina , naõ b a i la
ajuntar em hum m o n te muitas ro d a s , c
muitos a r t i f í c i o s , fenaõ que hc neccflario
difpor toda a obra de m o d o , que as rodas
entrem hüa dentro da o u t r a , c os artifi-
A } cios
r -
iS lntrodiiccao
cios fe una6 r e c ip ro c a m e n te , de forte , que:
qualquer parte da maquina obre cm v ir t u ­
de de todas as fuas partes juntas. O s E x e r ­
c i d o s Elpirituaes de S. Ignacio laó húa
•maquina ccleftial, para efíetruat maravilho-
das mudanças, c o m o cada dia fe experim en-
ta ó jc aílirn hc n cccflario,quc íejaõ, naõ hum
c o m p o l t o de varias m ed itaçõ es em c o n l u ­
i o , mas húa eleiçaõ dcllas, e húa uniaó de
o c c u p a ç o é s elpirituaes , e de tal forte dif-
•poftas, que húa d c á outra o im p ulfo , p a ­
ra c o n f c g u ir o pretendido eftcito , qual hc
o apartar da alma as affciçoesklcfordenadas,
e encaminhalla a húa intima uniaó co m
D c o s , pois i(To hc fazer os E x e r c íc io s , c o m o
d i z S. Ig n a c io : Pr^parare , (5* difponere a-
nimam ad tvliendas afeclioncs omnts malè or-
di natas, f í f , ii$ fu b la tis,a d quxrcndnm, & in -
veniendam volnntatem D ei circa v ita fu<e in -
iftitiitianem . £5? íalutem auitrne , exerci tia vo,-
caaitnr fpiritna/ia. E í l a a r t c d c difpor os m e­
ios a cite fu b lim e f im , aprendeo S. Ignacio
pella lu z , que Ih c c o m m n n ic o u c o m ab u n -
dancia o Gco^e pella larga e x p cr ie n ciá ,tq ú c
x m li teve cm a c a v a dc Aianrcfa *, c amlxis
<as coufas o guiaraõ a c o m p o r o livro taõ a d ­
mirável , e taó provcicolo' dos E x e r c í c i o s ,
c o m o lhe chama a Santa, i g r e j a \ A d m ir u b i-
da Obra. ~J
lem illum compofuit Exercitiôrum libram , Sc-
dis yJpoftolicce aucforitate , & otnnium u ti- Bify,
lita te comprobaturn. Procurarem os pois i n - R o w *
ílftir em os d o cu m en to s do m e fm o S an ­
t o , para- naõ errar ; c porque os E x e r c í ­
cios podem igualm ente fe r v i r para ele g e r e-
í i a d o , e para rcform allo, tratando aqui c o m
húa R e li g i o f a , que o tem efeolh id o , e n ­
caminharemos as couias á fua reforma , t i ­
rando primeiro os im p e d im e n to s ,e in trod u ­
zindo depois a s d i f p o f i ç o c s , para c o n f c g u ir a
devida perfeição d o t a l eítado. P o r ta n to ,e m
as M e d ita çõ e s fe e íla b c lc c e p rim eiro o fim ,
para que fom os c r c a d o s , & o bo m u ío dos
meios para co n fe g u i 11o ; depois fe vè quaõ
grande mal he apartarfe deite fim p e l-
lo peccado, e que penas deve t e m e r , q u em
dclle fe aparta: finalmente pafía c o m o a r ­
rependimento a alma a c o n h e c e r ícus palia­
dos erros, á l c m e l h a n ç a d o P r o d i g o , e v o lta a
cala de feu P a y . T o d a s cftas fortes de c o n -
-fideraçoés fe cncaminhaô a tirar os im pedi­
mentos j falta depois o introd uzir ns d iíp o -
f iç o e s , c g u ia r co m fe g u ra n ça a alma pello
caminho,que ha evnprendido'; o qual fc c o n -
leguc aom as M e d i t a ç õ e s da vida de C h r i -
“ fJ i c com mais e f f i c a c i a , c o m as c o n fi-
d ciaço ês dc fua Sanriffíma Paixaô , cm que
A 4 nos
8 Introducçao
nos dco mais m anifcilos exe m plo s , p rinci­
palm ente das virtudes , que fáô difficeis dc
praticar , quacs Íhó as que c o n f i l i e m , naõ
em fa z e r, fenaõ cm padecer. C h e g a fe final­
m ente ás m ed itaçõ es, que pertencem á vida
g lo rio fa dc J E S U C h r i í l o , c que mais de
p erto d ifp o cm a alma ao a m o r 'd e D c o s , em
q u e confille o bem u ltim o dcíta , c da outra
vida.
S u p p o c m f e , que o retiro ha dc fer dc dez
dias: porem fe for dc fó o ito ,h a v e r a battan-
t c ca m p o para efeolher as M e d i t a ç õ e s , que
parecerem a o D i r c & o r mais a propofito para
o t e m p o , finalaófc tambem quatro M e d it a ­
ç õ e s para cada dia , naó porque dc neccfii-
dade fe hajaó de co rrer todas, fe naó paraque
f e e fcolh aõ entre cilas as mais eflRcazes. M u i ­
tas cordas ha em húa harpa,mas naó faõ fuper-
Huas,pois fe poem cm c inltru m cn to , paraque
íirvaõ a todos os tons , e naõ paraque fír-
v a ó todos em qualquer tom. A le m dc que
San to Ig n a c io faz m uito cafo das repe­
t i ç õ e s , paraque mais altamente fc impri-
maô em noflo c o r a ç a õ as verdades , c o m o
h u m fello , que quanto mais í c aperta , tan­
to mais cxaõtamentc fe cílam p a em a c e r a ;
pello que íerá conveniente , que depois dc
haver efeolhido as M e d i t a ç õ e s ,q u e parcccrê
ao
da Obra. 9
ao D ircó b o r mais ap tas, lhe ordene , que al-
gúas dellas as torne a ponderar , paraque a
pelTòa, que faz os E x e r c í c i o s , tique bem per-
fuadida da verdade , e refoluta a p ô lla
1
p o r obra. D e ita forte fe c , que S. I g n a c io
naó aÜinalava tem po determinado para a M e -
d ita ç a õ do fundamento , mas nella e n tre ­
linha as peíToas , quanto j u l g a v a necef-
í a r i o , paraque fc radicaífem bem naquella
verdade,que h c fundamento das outras. D a -
fe depois a l g ú a , c o m o u n ia ó , á matéria de
qualquer M c d i t a ç a õ , para facilitar a m e m ó ­
ria, aos que carecem dc liv r o * e eíta m efm a
uniaó fe procura e x p r im ir co m differentes
letras ao^principio de qualquer p o n to , para
q u e firva,co m o de hum b re ve com pêndio* c
fc lhe ju n t a õ tam bem ta lv e z algüas pala­
vras da E fc rip tttra ,q u e fc im prim em ta m b e m
co m differente letra, paraque firvaõ d e ajud a
a quem entende a lingua L a t i n a , e naó firv a õ
d c c m b a r a ç o ,a o s q u e a naõ percebem .
Alem das M e d i t a ç õ e s , co m p rch cn d cm os
E x e r c íc io s outras obras cfpirituacs, q u e a in -
daquefervé tambem para o fim pertcnd ido,o
c o n je g u ir á õ c o m m aiscfficacia n e í t e t e m p o ;
c ía ó o s a ó fo s d e p c n itccia e x te rio r, co n fifla ó ,
ou g e ra l,o u p a rticu lar,a íagrada C õ m u n h a õ
naquclles dias , que parecer ao D i r e & o r ;
Io Introducçao
o u v i r MjíTa, as o ra ço cs v o c a c s , as viíitasdo
Santiflim o Sacramento , as conferências r f-
p i r i t u a c s , as o r a ç o c s jaculatorias $ porem
em particular com prchendem citas q u a tro :
a o r a ç a ó m e n ta l, os exames , a liçaõ cípiri-
t u à l , e o d i f j o b r i r a conlciencia a p D i r e & o r *
e ácerca deltas quatro f : p rp cu ja aqui dar
a matéria mais c o n v e n ie n te , precedendo al-
g u a b reve i n ílr u c ç a ó .

§• MT.
RreviJJiwa injfrucçaò para a O raçao^ untal.

A
Indaque fe, luppoem aqui , que a R e -
lig io fa,q u c fc retira aos E x e r c íc io s , naó
ig n o r a o u fo de meditar , com t u d o , lendo
c i t a o c c u p a ç a ó dc maior coníidcraçaõ , que
as o u tra s, c quuli a primeira roda deita m a­
q u in a , naó fe pode deixar de dizer delia olgúa
C p ufa. Porem co m reduzir cm breve os d o ­
c u m e n t o s dos M cítrcs dc cfpirito nelta
m ateria , fc faraó mais cffica zcs, c o m o co m
eítreitar hum grande rio a hum apertado ca*
n a l , fe dá maior im peto à iahida.
A O r a ç i ó M ental naó hc çaó difficil
d c praticar , c o m o lhes parece ao p rinci­
p io , aos que a naõ tem exp erim en tad o , p o r ­
q u e cm fim naó hc outra c o u f . i , fenaó hum
c x s r ç i ç i o das potências interiores da alma
da Obra. 11
cm ordem aos objeótos revelados da F é ; e af-
íim,fe nos aco llum am o s dcídc pella manhaa
ate a tarde ao exercício deltas, em ordem aos
objeótos fenfiveis,porque naó poderemos d e ­
pois có ajuda da D iv in a g r a ç a levantam os b t
p o u c o mais a confidcrar as coiifas eternas s
E f t a O r a ç a ó ic p ó d c dividir em c in c o par­
tes:* primeira hc a preparaçaó rertiotaja fegú?
d a hc a preparaçaó próxim a; à terceira he o
■exercício do entendim ento; a quarta he o da ¥
v o n t a d e ; a quinta he húa reflexão , c h u m
e x a m e fobre o m o d o , q u e f e t e v e no orar.
A preparaçaó remota c o n f i ft e ,c m p r im e i­
ro lugar,cm p r e v e r ,e d e te r m in a r o s pontos ,q
fc h a ó d c meditar. E m fegu n d o ,em p re v e r,e
determinar o f i m , a q u e f e h a d c d n ç a m in h a r *
med itaçaõ,e o fru to ,q u e fe p erted e alcan çar,
q u e he o emendar a lg ú a falta,e o adquirir al- *a l
g ú a virtude: pois o que m ed ita fe ha d e p o r t a r
ma o r a ç a o , c o m o a q u e l l e , q u e fe v è em h ú a
fóce,quc naó ló reconhece nclla fuas manchas,
m a s ju n ta m e n te a s la v a .E m terc e iro ,e m ador­
mecer co m o penlam ento deftas co u fasaflim
dilpoflas á noite,c tornallas á m em oria ao def-
pertar pella m a n h a ã , e em particular antes
que principie a oraçaõ.
A preparaçaó p r ó x im a ,q tambem fc chama
o r a ja ó preparatória Ç c o n ü í t c tam bem cm
u tres
12 Introducçao
trcs coufas. A primeira he hum aéko de
v iv a fé da prefença de D eos dentro , e fora
de nos mefmos em to d o o lugar por íua Im -
incnfidade. A legunda he hum a & o de pro-
fundiífima fubmiflaò, a d o r a n d o o ,c pedindo-
lhe perdaõ dos p e c c a d o s , que co n tra lua D i ­
vin a M a g e fta d e havemos c o m e t tid o . A ter­
ceira hc hum aóto de petiçaó da D i v i n a g r a ­
ç a , para deterfe com reverencia na prefen­
ç a do S e n h o r , c para tirar da oraçaõ o f r u ­
t o , que fe pertende.
S e g u c f c depois o E x e r c í c i o d o en ten di­
m e n to , o qual em primeiro lu g a r confidc-
ra o ponto p r o p o í l o para m e d i t a r , p ro ­
cu ra n d o ponderar tu d o , o que pode aju­
d a r , para ficar bem perfuadido daquella
verdade , c c u m p rin d o , o que d iz o S c -
s°iw n^o r : Serutam ini Scripturas ; p o rqu e dc
o u tra forte as pedras preciof*"* naõ f c a-
c h a ó fob re a terra , mas d e b a ix o , e 110 fun<*
d o delia. E m fegundo l u g a r , defta verdade
b e m penetrada fe tira outra verdade p rá ti­
c a , co n d u ccn te a noíTo p ro veito . E m t e r ­
ceiro lu g ar, fe faz reflexão , c v c , c o m o fc
te m portado cm ordem a cila até efle t e m ­
p o ; ponho p o r e x e m p l o : fc quizer m editar
naquclla terrível condiçaó da m o rte , que hc
m o rre r h ü a fd v e z : Statutum efi bomitiibus
da Obra. I3
fentel mori ; p ro cu re penetrar b e m efta
v e r d a d e , tanto porque a iníinua a F é por
m eio do A p o fto lo , c o m o p o rq u e a e x ­
periência quotidiana nola moftra. D e l i a
verdade univerfal tire depois outra p a rtic u ­
lar cm ordem a íi m cfm o , e c o n c lu a j que fc
a morte he hum paíTo taõ im portante , d o
qual pende húa eternidade de bem , ou d c
m a l , c que fc fe erra,n am adm itte c o r c c ç a ò
efte erro, hc grande loucura naõ procurar a
maior f e g u r a h ç a , paraque fc l o g r e b e m efte
paíTo: finalmente faça r o fle x a õ , e veja , c o ­
m o fc tem portado até agora nefta parte ,
c fc te m procurado cfta maior fe g u ra n ça ,
ou a naó tem procu rado c o m lu m m a im p r u ­
dência.
D e p o is do e x e r c íc io d o entendim ento f c -
g u e fe a vontade > a qual , das c o n f i d c r a ç o é s ,
q u e té f e i t o , t i r a ,c m primeiro lugar,divcrfos
affcéfcosjem fe g ú d o ,fa z bons p ro p o fito s,rcío l-
v e d o fortemente cm edarfejem te rce iro ,p e d e
a D cos g r a ç a , para p ô r tod os em e x e c u ç a ó ,
e ajunte á p e t i ç a ó as o b f c c r a ç o é s , para pedir
co m mais fervor. H c ncccflario e x p lic a r c a ­
da hum deftes a& os da vontade , paraque fe
entenda m elhor. A c e r c a dos affcéios , ainda
que hajaõ dc fer proporcionados ás verdade*
conhecidas , comtudo os mais freqüen­
tes
14 Introducçao
t e s d e v c fer d e c o n fu fa ó d a m á v id a p a fia d a ,d e
dor pello difgofto,qut* tem caulado a DcOSj
d c agradecim ento da B o n d a d e , c o m que nos
tem fofrido , dc t e m o r , pello que nos pode
f u c c c d e r , fc nos naó e m e n d a m o s , c outros
íemelhantes, que todos ju n to s co m m o d a m cn -
t c íc com p rchen dem neftes dous verfos Ita ­
lianos, para facilitar a memória.

M i dolgo, tídto , arrojjifco, e tem o, e br amo,


R in g ra zio, ofro, compato, fpero, e amo.

Q u e q u e r e dizer: M c d o o , a b o r r e ç o , me co n -
f u n d o , t e m o , e d e z e j o , a g rad e ço , ofTere-
ç o , c o m p a d c ç o m c , c f p c r o , e amo.

C e r c a dos propofitos he precifo o b -


f e rv ã r , que fem ellcs a m ed ita ça ó feria
mais c ilu d o ,q mcditaçaõ,c feria c o m o abrãdar
o ferro em tragoa , e depois deixar dc o b a ­
te r, c trabalhar. T a m b e m hc ncccfiario o b -
fe rv a r neftes propofitos , que naó balia ta­
xei los em g e r a l , c o m o feria : querome emen­
dar de meus peccados : fenaó que ha dc di-
t e r : querome emendar de ta l peccado cm par*
ticu la r. N e m ainda le ha dc contentar
c o m 1A o 5 fenaó q u e ha d c paíTar a eltabcle-
c e r a l g u m m eio para a tal c m c n d a ,c o m o fc-
da Obra. I£
iia dar mais t e m p o á i i ç a ó e f p i r i t u a l , u ía r
mais dc penitencias , & outros fe m c lh a n -
tcs.
A cerca das p e tiç õ e s , que faõ a parte mais
eflcncial da o r a ç n õ ,h c ncccffario muiro m a ­
ior reverencia, cm quanto le trata.mais im *
mcdiatamcr.tc co m D c o s , c ajuntar ás pisti-
ç o õ ; as o b í c c r a ç o é s i illo h c,allcg ar tituk>s,
c razoes para m o v e r ao Senhor , pa ra qu e
nos c ó ccd n ,q u á to lhe pedimos* ou,para d iz e r
m e lh o r , para movernos a nós m eím os a p.e-
dirlhe c o m mais .confiança. E í U s razoes fe
reduzem a tres fins. O prim eiro hc n o l f a m f -
zeria, noífos p c c c a d o s ,n o fla fraqueza,os h á ­
bitos p c r v c i f o s , a s f u g g c í l o c s , e raiva d o D e -
m o n io , que nos p e rfe g u e , p o r q u e fo m o s
imagens d o Senhor. D e c la r e m o s cilas m ife-
rias, fatiando co m D c o s , c o m o faz hum p o ­
b r e , moftrando luas chagas ao r i c o , paraque
le com padeça , c lhe d c efin olst, lu p p o n d ò
que fom os o P u b lic a n o , ou o L e p r o f o , ou o
C e g o , ou outro femelhante , dos quaes faz
m e n ça ô o E v a n g e lh o .
O le g u n d o he J E S U C h r i f l o , p e d in d o ,
c o m o taz a Ig re ja nas L a d a i n h a s , por fua;
E n c a r n a ç a õ ,p o r feu N a f c i m c n t o , & c . r e p r e -
tentando feus jeju n s , o frio , a f o m e , a p o ­
b r e z a , as dores, as ignomínias d c fua p a ix a o ,
os
16 Introducçao
os merecimentos dc fua m o r t e ; pois tudo ifto
n o s d c o C h r i í l o na C r u z , c dc n o vo nos c o n ­
firm a o dom no Santo Sacrifício da M iíía . PeJ-
l o q u c convem nos valhamos deite immenfo
th e io u ro ,e o oflereçam os á Santifiim aTrinda-
d c , ja fupplicandq. ao Padre E tern o por a-
m o r dc íeu f i l h o , ja reprefentando ao F i lh o
o grande preço, com que nos c o m p r o u , e o
c & c i o , que to m o u de noílo R e d e m p t o r , de
n o fío M e d i c o , c de noílo A d v o g a d o j j a f u p -
p lica n d o ao E fp ir ito Santo pello a m o r ,q u e
trem a C h r i f l o , p e r fuas v irtu d e s , pella R e -
d cm p ça ó , & c .
O terceiro hc D e o s , c o m o D c o s , pedin-
d o l h c as graças necefíarias; p rim e iro ,p e llo a-
m o r dc fua Bondade. S e g u n d o , pella g lo ria
dc feu fanto nome. T e r c e i r o , pella fidelida­
de dc fuas p ro m clfas.Q u a rto ,p ello d c z e jo ,q u e
tem de noíTo b em . Q u i n t o , porque manda,
que nos lembremos dclle. S e x t o , por lo u -
v a l l o a g o r a , e para fempre, m illurando com
as petições as graças,pello que nos tem c o n c e ­
dido outras v e z e s , para augmentar n o fía c ó -
f i a n ç a , c difpornos para novos dons co m o
a g r a d e c im e n t o dos pafíados.
A u ltim a parte da o ra ça õ he a reflexão,
•que h c h ú a revilta, a qual, acabada a o r a ç a ó ,
fe pode fazer fobre tres coufas. A primeira
da Obra. tf
6 m o d o dc fc preparar para a M e d i t a ç a õ , c
:
b que pox cm a ter a fegunda , fobre as
illu ílr a ç o é s * que recebeo , c refo lu ço es*
que cem tomado: a terceira, fobre asdiiVrac-
ç o e s * c feccuras, qtíc nclla padcceo. E m or*
dem ás d i í l r a c ç o e s , que«fobreviciaõ a o d if -
c u r f o , c d s icccuras, que te vê cm os aflfettos*
convem rcflcéh r, fe lhe dco alg ü a o c ca fía õ *
c o m o defeu id oem fc prcparaijou tib iezaem
fc applicar a orar * ou anres d a o r a ç a õ , c o m a
liberdade de fallarcnrrc d ia ,ç d c c o u f i s vaãs,
ou c o m algum afFe&o dfefordenado, c o m
algum cuidado cx cè flivo dc coufas rrm -
poracsj P0>s c o m o o fu m o afugenta às a b e ­
lhas das c o lm c ia s , alfim c ílc genero dcafFe-
ô o s afugenta do co raçaô os peníafrientos
d o G c o , e os íantos aflrcòt-os. R e c o n h e c id o o
m a l,fe rá o feu remedio tirar as caufas,e hu-
Jnilharle m u ito diante d e D e o s , confcfíán-
d o , fer 'juílo , que naó chova o M a n n a
fob re quem fc quer fatisfaZer dós manjares
groíTciros do E g y p t o . Aflim t a m b e m , fe fc
julga,que a feccura naõ procede dc culpa nof-
m , fenaó da prova , que faz o Senhor para
fortalecer a alma cm a virtude * fera b e m
h um ilh arfe, c reíignarfc na D iv in a vonra-
d e ,oblcrvando o naõ diminuir o t e m p o d a o -
r a ç a o , mas antes a u g m c n r a llo ,p a ra vcn ccr-
B ie
*
18 Introducçao
fc co m maior gencrofidade. U ltim am ente fc
ha dc o b fc r v a rit a m b c m o b o m ulo de apontar
c o m brevidade os frutos da o r a ç a ó j i t t o h e ,
a l g u a lu z mais viva , c alg u m propofito
mais importante j pa ra q u e lendo muitas v e ­
zes depois as c o u f a s ,q u c a p o n t o u ,i h c a p ro ­
v e ite m para as p ô r em c x c c u ç a õ * c o m o fe
vale o H o r t e la ó com p ro ve ito cm tem p o de
f e c c a , d a agua , que rccolh co no tem p o dc
h ú a abundante chuva.

§. I V .
Jnjlrucçaô cm ordem d liçaõ cfpiritual, e exa­
mes.

L i ç a õ cfpiritual hc irmaã da o r a ç a õ ,
A c aílim co n vem , que tenha lu g ar em
os exercícios. E ncftc liv r o porei a matéria
delia para todos os dias , fobre algua v irtu ­
de das mais próprias do eftado R e l i g i o f o ,
pcrfuadindotnc, que a tal matéria he a mais u-
til de todas para a reform ada v id a .E m ordem
ao m o d o dc valcrfe delia, álem do que em o u ­
tro lugar fc dirá, convem advertir aqui, que
fc principie c o m a jn v o c a ç a õ d o E f p ir ito
S a n t o ,pello hym no V e n if m / i r ; depois, fem
prcífa, nem cu rio íid a d cfc continue, e n o fira
fc termine , rogando ao Senhor d c valor
para
da Óbrd. ÍÇ
para cffeituar o que le h ou ver entendido.
Aflignafe toda a m ateriada l i ç a õ , para pella
m a n h a â j porem a matéria hc taó d ila t a d a ,
que co m a io d a m c n té fe poderá repartir , fc
guardar fua parte tam bem para depois d c
jan tar.
E m ò rd cm a o s cxames*fupponhoftqui*qufc
a R cligiofa^ que fe re t’?ra aos E x e r c i c i o s j c l t á
verfada cm o ufo d o E x a m e quotidiano, tan­
to do g e r a l , c o m o do particular j c quando ô
naócfteja, a r c m c t t o , p o r brevidad e, ao que
enfina o P. R o d r ig u e s * na i . parle do tratadó
7 . O s Exam es p o is,q u e em quarto lugar p r o ­
ponho * faô húa revi (ia 4 ou cotíio húa ana­
tomia do citado interior da altna * para ar­
rancar delia os maos hábitos * c plantar os
bons, c o m o IcdifTe a Jeremias: U t e v e lla s ,& j<
deftruas^st *difices£ $plantes. O m o d o de fç *•
valer dclVes exames * d illn b u id o s tam bem
or qualquer dia , f c iá lemelhante ao que S.
? gnacio chama primeiro m o d o dc orar.
Principiarfcha c o m hum a6io de a d o r a ç a õ
da Divina M ageítadc^c co m lhe pedir lu z pa­
ra conhecer feus defeitos , e g r a ç a para c -
mendallos pello m o d o ,q u e ficaditto,fallan do
da o raçaõ preparatória. D e p o is,o u tentado*
ou paíTeando,fe c o rre rá ó os pontos d o e x a ­
m e 1 c fc notaráõ na m e m ó r i a , ou em hum
B 1 pa«
2o Introdiicçao
papel os d e fe ito s , que fe acharem j c depois
de haver pedido perdão ao Senhor , fe c o n -
fidcraráó os m otivos leg u in te s, a fim d e r c -
fo lv e ríc com mais efficacia a emendallos. O
prim eiro m o t iv o he, confiderar dc quanta
importância ferá áa lm a o cm endarfcdaquel-
lcs defeitos. O fegundo, quanta c o n fo la ç a õ
terá com cila emenda. O terceiro , a o b r i-
g a ç a õ , q u e tem deemendarfe pella profillaó
d o c l l ido R c l ig i o f o . O quarto, quanto c íli-
maria terfe e m en dado , fe agora houvelTe d c
m orrer. O q u i n t o , quanta confulaó terá no
T r i b u n a l D i v i n o , fe profeguir nos mefmos
d e fe ito s , c o m o até agora. O f e x t o , quan­
t o m erecim ento terá , e quaô grande prê­
m i o terá no C e o , fe fe vencer. O lep tim ,o
que g o t l o dará a D e o s ,v e n c c n d o fe . O o ita ­
v o , quaó ingrata ferá ao m clm o D c o s , fc-
naõ fc emendar depois dc tantos benefícios *
c de tanto am or do Senhor para co m cila.
C o m eíles m otivos exercitará os affeélos y
form a rá os propofitos , e pedirá valor para
cffc itu a llo s, c o m o fica ditto no E x c r c i c i o
da vontade.
D a mefma forte eíles exames lh e p o d e r á õ
fe rv ir ,ta n to para a confiííaõ extraordinaria,
que fe coítuina fazer nos exercícios, quan­
t o para dar co u ta de lua alma ao Padre cfpi-
tual,
âa Obra. 11
t u a ! , c o m tanto que naõ copie t u d o , c o m o
aqui e ílá notado, para refcrillo depois ao S a ­
cerdote, fenaõ, que fe valha da luz, que rece­
ber, para conheccrfe a fi m cfm a co m cíta in-
duítria.
§. V .
Com que difpofíçaò fe ha de entrar nos E x e r ­
cidos.

O d o o n o f l o b e m depende, c o m o todos
T f a b c m , d c d o u s p r in c íp io s, da ajuda da
g r a ç a , e da nofia co o p craçaõ co m a m cfm a
g r a ç a ; p c ll o q u c , o que he neceflário para
r o n f e g u i r h um , e o u t r o , o he tam bem para
h ú a boa d iip o liç a ó para entrar nos E x e r c í c i ­
os. Para co n fcg u ir pois a ajuda da g r a ç a , fum -
m a m e n t e im porta , que a p e ç a m o s ao S e ­
nhor com húa h um ilde, co n fiad a, e perfeve-
rante o ra ça õ ; porque a o r a ç a õ acom panhada
deltas tres c o n d í ç o c s , hc o m eio mais u ni-
vcrfal , e mais efh ca z, que a D iv in a p ro vid e n ­
cia requer d e n õ s para nos enriquecer c o m os
feusdons: Credbnus...nullum^nifiorantem^au• s.au-
xilium promeretVj d i z S . A g o l t i n h o . A i n d a q u c g^ *
a fonte cftcja fempre difp o (tap a ra diffundir d« &c-
a a g u a , fc o h ortelaõ naó faz re g o paia a
encaminhar ás plantas , eítas leccaráó á fal- c*p.j<
ta de agua. D e v e pòis a alma fazer efte re-
B 1 6°>
22 Inlroducçao
g o , cncomendandofc ao Senhor, c principif
ando alguns dias antes, c elegendo para cite
ü m algum Santo por P r o te c t o r , principal-?
j n e n t e o A n jo d i G uarda, S. Jofeph, S. Igna­
c i o , primeiro m e d re deites E x c rc ic io s, c fo­
1
bre todos M A R . A Santiflima nofla Senho­
ra ,p o r cujas maõs c o íh im a ó paltara?graças,
q c o m n o f c o di(tribiie o S e n h o r ,c na v e rd a d e ,
eíte meio naó fc pode baílantqmentc incul-
c a r , porque fjg u n d p a lei ordinaria, aopaf-
i'o, que caminhar a nofla o r a ç a õ ,c a m in h a r á
tam bem a ajuda do Senhor para obrar:
d it oratio, & deficndji D e i n ife r a tio , c o m o
d iz o mclino S , A g o l t i n h o . Porem naõ baf-
tn ,q u e fopre fòvoravel o vento, fe a nao tem
ferradas as v ela s; e por iflb le re q u e r, alem
da ajqda d o Sen hor, a noíTa c o o p c r a ç a ó , pa­
ra a qual faÕ de muira importância duas c o u -
fas; o f e r o c o r a ç a õ dilatado, e d ilig e n te e m
e x e c u ta r as obras preferiptas. C o m razaõ
pede S. Ignacio eítas duas d i f p o l i ç ó e s ; p o r ­
que o retirarfe co m grande animo para ven ­
c e r todas as d ificu ld a d e s , edar a D cos quan­
to de nos quer , he nccdTario para naõ
im pedir os D iv in o s fa v o re s , e ainda para
que os dem onios naõ intentem perturbar-
nos co m fuas f u g g c í t o c s , c o m o fu cc e d c cm
Paires m ui calidos, ondcqap h atcm pcltadcs,
. . . . ' açgi
da Obra. 2?
nem fc o u vem t r o v o e s , porque o calor naõ
deixa condenfar os v a p o r e s , para form a r
citas imprcíToés no ar. 1 D o m cfm o m o ­
do hc ncceflaria a d i l i g e n c i a ,e m cu m prir as
obras p re icrip ta s,q u c he o que pó d e fazer a
creatura da fua parte. Q u a õ p o u c o pode hum
lavrador , pondo na terra húa planta ?
N e q u e , qui plantat, eft aliquid , neque, qui *■Co-
r ig a t: ' porem í'g o lavrador naõ poem o 7t*
p o u c o , que fc requer, para plantar a a r v o ­
re , o C e o naó porá depois o m u i t o , que
fie pede para fazella crclcer. E f ta d ilig c n c ia ,
pois fc deve u f a r , f o b r e t u d o , cm o b l e r v a r o
retiro , c o f il c n d o *, porque dc outra for­
te quanto mais c fp iritu o fo he hum licor t
c o m facilidade tanto maior fc evap ora, c fc
aniquila, fe naõ fc rapa a b o ca d o v a f o , q u c
o ha de cor.fervar. V e r d a d e h c , que a f a b c -
doria D iv in a nos p o d e fallar ainda no m eio
das p ra ç a s , p o rém o que c o l t u m a , h e fillar-
nos ao c o r a ç a õ , quando nos acha retirados
das creatu ra s: Duca?n eam in folitudinem , ofex,
loquar ad cor ejus. D e fp e ç a ó fc pois to - a’
dos os outros penlamentos antes dos exer-,
c i c i o s , paraque no tem p o dclles fc o c c u p c
to d a a alma no u n ico n e g o c i o j que t e ­
mos , que hc noíTa f a l v a ç a õ , e p e r f e i ç ã o : ,;
D a te o p e r a u t quieti fitis , & ut vejtrutn Thcf.
B 4 nego-* x1t
24 Intròducçao
negotium agãtis *, c o m o nos avifa o A p o f l a *
)o. A m ctn u diligencia fe deve ular c m
g u a rd a r as regras dc S. Ignacio , que nos
p ro p o e n , c o m nome dc Addiçot*s,c A n n o -
t a ç w , as quaçs , aindaque cm parre fc
tem p o lto ja qas in ítru e ço e s acima d itr
ras, toda via,paraque fe polia c o m mais facili­
dade valer dellas a alma np exame p articu lar,
porem os lo g o todas as que lhe pertencem,a-
ju n tan d o o utras, que faltaó.

§. V I .
jDijlribuiçao das horas para o tempo dos Exer-.
ei ei os.

U l t i m a obra, em que convem p ô r muir


A to cu id a d o , hç. obfcrvar a d i í l n b u i ç a õ
d i s horas, legundo a i n í l r u c ç a d , quç der o
D i r e & o r . H c nccelTario, que fe a c c o m m o d c
a diftrib u içaó ao teor , que g u a rd a húa
R e li g io f a em feu r e t i r o , dando ao C o r o , e
mais a & o s uc C o m u n id a d e as horas precifes,
para fe ajuftar a o b fc r v a n c ia c o m m ú a . Porei
Hqui h u m c x e m p la r para maior c la re z a , fup-
p o n i o , que hc tem po dc veraó , e que naõ
dá ao d e fe a n ç o m a is,q u e fete horas,lcvantan-
dofe ás quatro da manhaã. ' v\
. P a s quatro, 4* quatro* c m e ia : levantarfe.
da Ohra. 2 <;
t prepararfe para a o ra ça õ .
D as q u a t r o , e meia, ás c i n c o , e m e i a , ter
a primeira hora de o r a ç a õ .
D a s c in c o , e meia ás feis, fazer a reflexaó
fo b re a o r a ç a õ , que tem tido, c notar o fr u ­
t o , que tem tirado.
Das feis,ás feis, em ein , o u vir M i f la .
Das feis, c meia , até ás f e t e , e m eia, ir
ao C o r o rezar Marinas.
Das f e t e , e m eia, até ás o i t o , c m e ia , te­
r á húa hora de liç a õ .
D as o i t o , e m e i a , até as d e z , ir ao C o r o
ro rezar horas m e n o res, e afliílir á MiíTa
do dia.
D as dez, ás dez, e m e ia , fazer a r e f l e x ã o ,
p exame de confcicncia.
Das d c z , e meia até a h ú a , ir ao R e f e i t ó ­
r i o , e defeançar.
D a h ú a , até a h ú a , é m eia, l c r , e p r e p a -
xarfe para a oraçaõ.
D a húa, e meia, até as d u a s , c m e i a , ter a
íegund a hora de o raçaõ .
l)as duas, e m e i a , até as t r e z , fazer a re­
flex ã o fobre a o r a ç a õ , c notar o f r u t o , que
tem tirado.
Das t re z , ás t r e z , e m e i a , ir ao C o r o re­
zar Vcfperas.
pas tres, e m ç ia , atç as quatro, e m e i a ,
. ___ torl
26 Introducçaõ
ter a terceira hora de oraçaõ-, a matéria deita
terceira hora dc o r a ç a õ , ferá o e x a m e , que
acima fc difle no paragrafo quarto , fenaõ
he, que queira repetir por meia hora algúa
M e d i t a ç a õ antecedente de maior fruto j c
a tomar outra meia hora para o exame , o u
b u fca r outro tempo para ellc.
Das q u a tr o ,e m e ia ás c i n c o , vifite o San-
tiíTimo S a c r a m e n t o ,c difpónbafe para aora-
çaó.
D a s cin c o ás feis,ter a quarta hora d co ra -
ça ó .
D as feis, ás feis,e m eia,fazer a reflexaõ fo ­
b r e a o r a ç a õ , e notar os frutos delia.
D as f c i s , c m eia , ás fete, l e r , ou vificaro
SantiíTimo Sacramento.
A s fete ir ao C o r o rezar C o m p l c t a s ,e afli-
ltir á o r a ç a õ da C om rnunidadc, are ás oito.
D e p o is das oito , ir ao refeitorio cear , c
depois ir vifitar o SantiíTimb Sacram ento,rc-
Zar algúas o r a ç o c s v o caes, preparar os p o n ­
tos da M e d it a ç a õ feguinte, fazer o exam e da
c o n fc ic n c ia , e rccolhcrfe ás nove a tom ar o
d e fe a n ç o do fono.
A s outras o c c u p a ç o é s , que aqui fenaó
tem no m e ad o , co m o o dar conta ao Padre
cfp iritu al, e o u vir os pontos da M e d ita ç a õ ,
c outros icm clb an tcs, poderáó ter lugar cm
tem-
da Obra. 27
t e m p o de outras o c c u p a ç o c s menos u r g e n ­
te s , co m o feria no tem p o da l i ç a õ , ou da
o r a ç a õ v o c a l , que naõ feja de o b r i g a ç a õ j f e
naõ h c ,q u c p a re ç a m e l h o r tirar húa h oia
d e d e f e a n ç o , c contcnrarfc co m íõs feis h o ­
ras para dormir. N o demais, ainda que na
pontualidade cm guardar ad iiti i b u iç a ó ,q u e
der o D i r t & o r na forma p r o p o íla ,o u dc o u ­
tra mais própria , naó ha de fer a alma cf-
cru p u lo fa , d eve r.aó o b í l a n t e , fer c x a & a ,
paia naó deixar de fa z e r, o que p o d c ,c c o m
iíTo le difpor para receber tu d o , o que per»
tcncc ao Senhor dar.

§. V I I .
4idvertencias para o tem po, que nos exercí­
cios f e tlá á via purgai iv a , á illum inati-
v a ,e á uni t iva,

F im das M e d i t a ç õ e s pertencentes á
O via p u r g a tiv a , he em ordem a p u rifi­
c a r o noflo c o r a ç a õ por meio da fé ,a v iv a d a
c o m húa attenta c o n f i d c r a ç a õ : Fide p u ri-
ficam corda eorum: e ainda que todas a s ,J
M e d it a ç õ e s nos podem purificar o c o r a ­
ç a õ , porém mais c m particular o p o d e m
m o v e r as dos peccados , c as dos N o v i f -
fimos 5 porque m o v e m a v e a t a d e a hum
tal
28 Introducção
tal genero dc a â o s , e afFectos, com que mais
immediatamcnte íe a lca n ça e íla pureza do c o -
r a ç a õ ,c o m o f a ó o s aótos,eafleótos d cd cfp re -
z o d e f i m efm ojdc temor da D ivina j u f l i ç a j dc
efperança na Divina milericordiaj dc dor das
propriascuipasjdefatisfiiçaó dellascom obras
penaes* de m ortificaçaõ do am or proprio, raiz
de todos os males. Pelloque,aífiin c o m o nc?
nhum g c n c r o d c peflbas deve deixar d e l e e x ­
ercitar d c quando cm quando neftas mediça-
çoés;aílitn tambem deve procurar c o m t o d o p
em penho tirar dcllas fruto, por ferem o fun­
d a m e n t o , fobre o qual fc c llrib a õ as outras.
Para i d o ferviráõ as feguintes advertências,
em c u j a o b f e r v ã c i a ,c o m o f i c a d i t t o , h a d c p 6 r
a alma todo o cuidado no exam e particular.
r D ep o is dc fc recolher, antes de ador­
m ecer, deve por b re v e c f p a ç o le m b ra rfe d o s
pontos d a feg n in te m editaçaõ, c p r o p p r fer
diligente em levantarfe ás luas horas.
- i L o g o que d e lp e rta r, torne a cuidar
na m cfm a matéria-, c para fe. m o v e r a maior
conrufaó, imagine fer hum R c o em p riío cs,
a ta d o á cadeia, c o n v e n c i d o , c l e v a d o ao tri­
bunal para fer ju lg a d o j ou c o m o hum lc-
p ro fo cheio de c h a g a s : e d if p o fla c o m eíles,
c outros femelhantcs p e n ía m e n to s , para as
mcditaçoc>,fj co rrcfp o n d em á q u c l l c d i a fe i-
* , íl i*4
da Obra. 29
r á veílindo.
3 Antes de dar p rin c ip io á o raçaõ , e -
lian d o cm p é , trará a m e m ó r i a , que D c o s
c l l á p re fe n tc,c que attende ao que ha de fa-
xer j c aflim hum ilbcíc com profunda fcvc -
r c n c ia , e adore a Soberana M a g e ítá d c .
4 N o te m p o da m e d i t a ç a õ , dctenhaíe,
o u em p é , o u dc j o e l h o s , o u i c n t a d a , o u p o -
ílrada em terra ( f e c ftiv e r c m parte que nin­
g u é m a veja ) elegendo a p o í t u r a ,q u e mais
facilm ente a m o v a a d e v o ç a õ .
f A cabada a o r a ç a õ , lentada, ou pafle-
a n d o , faça reflexaó fobre a o r a ça õ , que te m
t i d o , na f o r m a , que fc diflc a c i m a , n o fim
do paragrafo terceiro.
6 F u j a c o m cuidado dos penfamentos,
que a pofíaõ m o v e r a a leg ria , ainda que fc-
jaõ bons, bufeando os que a difponbaõ á
co m p u n çaõ .
7 Para c ite m cfm o fim fc ha dc privar
dc toda a luz, t e n d o , em quanto eftivèr na
cella, a janclla cerrada, ao menos quando
ler, ou trabalhar.
8 A b ítcn h aíe m uito do r i f o , e de ouvir,
o u fatiar palavras, que a poflaó pro vo car a

9 Guarde com m u ito cuidado os olhos,


tendoos baixos quanto poder, para naõ d i-
ílrahir
30 'IntroàucçaÕ
ftr a h ir o e f p ir it o c o m a fobrada lib crd a d e cm
olhar.
10 A j u n t e ás outras obras boas o exeír*
c ic io dc alg ü a penitencia, n a õ f ó interior,ar-»
rependendofe m uito d o s p c c c a d o s c o m m c t -
tidos, fenaó tam bem e x t e r i o r , que he fruto
da inttírior, caftigandofe c o m algíia obra
p e n a l, fegundo o confclho do Padre E f p i -
ritual.
11 E m cjuanto fc exercita em hüa m c-
d itaçaó , nao feja curiofa cm faber o que ha
de meditar nas co n íid cra ço é s fegu in te í} e
no dia dc h oje, naõ queira fab e r, ou p r o c u -
rar o que ha dc fazer a manhaá.
i l P r o c u re aíícgurarfe, dc haver dado í
m e d i t a ç a õ , antes mais , que menos, todo o
t e m p o , que fe lhe tem aílinalado, principal­
mente cm a lg ü a d cíco n fo !açaó ,n aq u al,e íía n -
do tentada a deixar o r a ç a õ , vencerá c o m
mais gcncrofidadc ao inimigo , dilatando
p o r mais tempo a o r a ç a õ .
U ltim a m e n t e , aífim c o m o ha de princi­
piar os excrcicio s c o m hum c o r a ç a ó g r a n ­
de, c c o m animo dc dar ao Senhor tu d o , o
que íua D iv in a M ageftade quer dc nos; aí-
fim naó ha de pertender nas m e d it a ç õ e s ,
as delicia? da alma principalm ente, e as la­
grimas de ternura , fenaõ hum verdadeiro
conh c-
da Obra. 3I
co n h ecim en to do grande m al,qu e tem feito ,
em peccar,das penas, que tem merecido,e que
tornará a m e r e c e r , fc dc n o vo p c c c a r, c o n -
feguindo defle m o d o o fim acim a aflinalado.
E a q u i tornarei a advertir, que aflim c o ­
m o naó hc neceflario cm todas as m e d ita ç õ ­
es meditarem todos os tres pontos,aflim ta m -
bem naó hc neceflario em todos os dias ufar
dc todas as quatro m e d ita ç õ e s , fenaó que ha
d e e fc o lh c r íó aquellas,que o D i r e & o r j u l g a r
prccifas, valendole tambem com frequência
das r e p e tiç õ e s , c o m o fc difle acim a, no fim
do paragrafo iegundo.

À s meditações mais próprias para a v ia illum i-


nativa ja õ as defde a terceira do quarto dia
até a ultima do ottavo dia^inclujivè.

F im dcllashe, depois de haver tirado os


O impedimentos, introduzir as difpofiço-
cs> para húa perfeita charidade, incitandofe,
a imitaçaõ de J E S U C h r i f t o ,c m todas as v ir­
tudes, com a confideraçaó dos m yfterios da
fua vida D ivin a,e da fua morte* e fta c o n íid e -
raçnô he de tanta im portância, que o m cfm o
Senhor c h e g o u a d i z e r , que a vida eterna
coníillia em conhecei l o : Heec eft vir a deter - Joan,
na} ut cognofeant te fofom D e um v e m m 9 >7. 3»
quem
32 Introdução
quem ntififti J E S U A í Chriftum y p o r q u ? *
conhecendo vivam ente a infinita dignidadeí
da lua peíToa, c osadm iraveis e x e m p l o s ,q u e
nos deixou , nos animamos a f e r v i l l o , e f c -
g u in d o as fuas pifadas, chegam os co m fegu -
rança a viver co m clle eternamente no C c o ,
E para que pofias tirar fruto deltas medita*
ç o e s , obfervanis as advertências, que fe id
deraò para as da via p u r g a t iv a , variandoas
a lg ú a coufa, do m o d o , que f e feguc.
1 N a õ te ponhas de propofi to a lc r ,n e m
a meditar em o u tro m y ítcrio,que no da medi**
t a ç a õ d a q u e l lc d i a ,n e m vás paflando de h u m
para outro.
2 L o g o que defpertares, e x c i t a em ti o
d e ze jo de c o n h e ce r m elhor, c imitar c o m
mais cuidado as virtudes dc J E S U Chriífco*,e
de regular a tua vida pellas fuas maximas j
de coinpadccerce das* fuas d o re s , quando
eoníi Jerarcs na lua p a ix a ô ; naó adm ittindo
entre dia outros penfamentos, que naõ fe*
j a õ acomm odados ao fim das tuas confide*
raço e s.
3 V a l e t e t a m b e m , o u de mais efeurida-
de na C e l l a , ou dc maior l u z , co n fo rm e o
que te incitar mais a d e v o ç a õ , ou te ajudar
pa ra co n feg u ir o finj* que iicíte t e m p o f e p r e *
tende.
da Obra..
 s meditações da ifla U n itiva
do nono, e decimo dic

Epois dc fc tirarem os im p edim en to sdo s


D pcccad os, c dc fc introduzirem as dif-
p o f i ç o c s , c o m a im ita ç a ó das virtudes d c
J E S U C h r if to , naõ relta, fenaó acccn dcr n o
coraçaó o ditoíòffi2*o da caridade p e rfe ita ,
u ltim o t e r m o , a que te encaminhaó os lan-
tos E x e r c ic io s . E ifto fc c o n f c g u c c o m *5
jn e d it a ç o e s , que pertencem á vida unitiva,
fazendonos por aíFc&o hum m efm o cfpirito
com o S e n h o r , c o m o nolo d iz o A p o f t o l o :
tia â h a retD o m in o ,u m s fpiritus efi. E por
f o deve mais que nunca c rc fc c r a a t tc n ç a õ
neftas co n fid cra ço é s , para co n fe g u ir taõ
grande b e m , c o m o h c unirfe c o m D c o s , c
com o transformarfe n e llc j c o m a m em o*
n a , lembrandonos fempre dclle> c o m o en­
tendim ento, con h cccn d o o mais claramen­
t e , c formando hüa aitiflima ideia das fuas
perfeiçoés, c d o am or que nos tem * com a
vontade, comnrazendonos dos fetis infiniros

c o m a iua Santiüjma vontade. Para efte fim


Ç o b fcr-
3 4 M ed ita ça õ
obiervarás c o m diligencia as advertências,
ia outras vezes prefcrijftas no difeurfo dos
E x e r c i d o s * mais alem diíTo, ajuntarás as
fe gu in te s, mais próprias para efte tem po.
i E m a c o r d a n d o , p rocu ra trazer á m e­
m ó ria as coufas, que mais te m o ve m á ale­
g r ia cfp iritu al, c iaó mais con du cen tcs aos
m y ft e r io s ,q u e has de meditar.
z S c r v c t c na C c lla c o m l u z mais clara,
e da vifta d o C c o , c d c txido o que pode m o ­
v e r o teu efpirito a co n g ratu larte co m J E -
S U C h r i f t o refuícitado , c c o m t i g o m clm a,
pella cfperan ça, que tens dc refufeitar c o m
e lie , e de a ra a llo , e g o z a l l o no C e o .
5 M u d a r á s a aulteridade das penitenci­
as penofas em hüa tem perança mais c x a & a
n o co m e r,fe entaô naõ for tem p o dc j e j u m ,
c m que deverás m udar a temperança era
abftincncia.

M E D I T A Ç A Õ
Para o dia antes dos E x e r c íc io s .
SOBRE O ESTADO M1SERA-
v e l d e h ü a a lm a t i b i a .
i O n f id e r a o miferavcl eftado de
V j bü a alma tibia no f e r v i ç o de
Dcos,
P a ra antes dos Exercícios. 3J
D e o s , a qual c x p r e f l o u J E S U C h r i f t o na pa*
r a b o la da fígu ciia infrutífera. E m primeiro
l u g a r confidêra a fua cfterilidade fum m a-
mente cft ranha, pois plantada no meio dc hüa
vinh a, defendida c o m hü c e r c o , regada c o m
a ch uva do e c o ,c u ltiv a d a co m o fu o r do la­
vrador , c rodeada de tantas plantas fr u ­
tíferas , nunca pi o d u z ic , fenaó f o l h a s , c
ifto naó fd por h u m .a n n o , mas p o r m u i ­
tos.* T a m b e m tu foftc efco íh id a, c o m o h ú a
planta,do defeam padodo m u ndo , e plantada
p o r D e o s na vinha da R e i i g i a õ , ifto he, em
híi terreno fcrtiliftimo, re g ad aco p io íam cn re
c o m o fanguc d c J E S U C h r i f t o , e c o m o u fo
dos Sacramentos,orvalhada do C e o c o n t in u ­
amente co m a ch u v a de novas g r a ç a s ,e m c ó -
panhia dc tantas plantas,cheias dc ccleftiaes
frutos, de tantas almas fantas, que c o m o c u l ­
tivo,que tu tens tido, e ainda c o m m enos,tem
alcançado tanta v irtu d e : c t u , cm hüa terra
taõ fertil, naó tens dado mais, que folhas de
a Pparencia, o u ,q u a n d o m u i t o ,a l g ü a s flores
de bons f>ropolitos,fcm os e xe cu tar. A o n d e
o fruto d c tantas O r a ç õ e s , de tantas
<-'Onfifloês,dc tantas C o m m u n h o c s , de tan­
tos Sermoés, c d c taõ fantos excrcicios? naó
*c v ê cm ti outra c o u f a , fenaó hum per­
p e tu o defeuido cm fervir a D c o s , hum c o n -
C z tinuQ
36 M editaçaõ
tin u o a m o r pro prio ,em procurarfereltim ad*..
dos mais, cm defender a rua rcp u raçá ó,e cm
bu lcar com todo o cuidado as tuas co n v e n i­
ências, e fe n d o tu aípera dc c o n d iç a ô ,d e ld c -
nhofa no r o f t o , e defábrida nas palavras c o m .
os teus p ro x im o s , queres que cites cm tu d o
fc a c c o m o d e m a o t e u g c n i o . E f t c h e o fruto^
que dás ao S e n h o r , que continuam ente te
fubm iniftra auxílios efpirituaes, e tem p o -
racs, para que te enchas de boas obras para
a vida eterna? e tu naó fó te o p p o es a c -
ftcs d c íig n io s , deixando dc fazer o bem ;
fenaó obrando m uito, mal* donde fe j u l g a ­
res fem p a ix a ó , ach arás, que cs h ú a plan­
ta, naõ f ó infrutuo lá, mas m alig n a, ou n o ­
c i v a , o p p o n d o tc á gloria dc D c o s , c ao
b e m das outras c o m o máo e x e m p l o , c por
iíTo indigna de cftar na vinha efeolhida, cm
que eltás, fendo m á na terra dos S a n t o s : In
,I# terra San&orü iniquageffit, 6 ? nonvidebitglo­
riam D h i . C on felfa de co raçaó cita verda­
d e diante do Scnhor*,agradccelhe a paciên­
cia ,q u e tem ufado comtigo-, e rcprchcndctc
a ti mcfma de tua ingratidaó} propoem de
a rccom penfar co m o u tro tanto c u i d a d o ; e
r o g a ao Sen hor,que lance húa co p io ía b en -
. ç a ó á terra do teu co ra ça ó , para que d c f r u ­
to s dignos de penitencia.
2. C o n *
*

T a ra antes dos E xercidos. 37


, z C o n fid é ra a fcn tcn ça, n que j u (lamente
foi condenada tal planta. O S e n h o r , tendo
efperado em v a ó tres annos o f r u t o , manda
ao .lavrador,que a corcc,pois naó hc razaô,que
ella o c c u p c m a is te m p o inutilm ente a q u clle
p o í l o . E f l a hc a fc n tc n ç a , que tu tam b em
m e re c e s , c o teu c u t e llo pode tam b e m fer
a lg u m c a f t ig o tem po ral , a lg ü a g ran d e
t r ib u la ç a õ , ou enfermidade , ou ainda a
m o rte , para dar lugar a outras a lm a s ,
que corrcfpondaõ m e l h o r , que tu j e t a m ­
b é m pode f e r , que efle c u te llo (eja para
ti hüa pena cfpiritual tremenda, pella qual te
.comece D e o s a v e r c o m olhos naõ caõ fa-
voraveis , c o m o até agora , negan d ote al­
g ú a aíliílcncia mais e f p e c i a i j c íubtrah indo
as in fp iraço cs mais tortes* e cm h i u p a ­
lavra, te m e ç a c o m a tua m efm a m e d id a , e
feja menos liberal c o m quem (c m o ítra taõ
avarenta para co m cllc. E na verdade, que m a ­
is ha dc fazer o S e n h o r para tirar dc ti o deze ja-
õ o f r u t o : debuitfacerey& nonfccit*. T e m
feito quanto p o d e , e a flim / c o n a õ c o n í c g u c , 5,4‘
nao podes c o m razaõ clpcrar o u tra cou fa
fenaõ o cu te llo , c o m o t c m í u c c e d i d o muitas
vezes a femelhantes almas, que fendo fa v o r e ­
cidos mais,que outras,porque defprezaraõ cf-
lcs favores, foraõ tam bem mais defprczadas
k C } p c ilo
38 M editaçaõ
pello Senhor, que as outras. R e c o n h e c e pois,
e manifeita fynceram ente a tua mifcria,di-.
ante dos olhos do teu J u i z , para que ellc
fc c o m p a d e ç a de tij defpertt no teu cora­
ç a ó hum v iv o dezejo dc mudar de vida, pa*
ra que mereças o am or do teu E f p o f o , c naó
o provoques mais a ira, e foftio co m a tua
tibieza ; p e d e lh e , que tc dé a maõ para len
vantarte da terra , e te atraia para fi c o m
n o vo s focorros da fua g r a ç a , p a r a q u e poflas
co rrer em feu feguim enco pellas piladas dos
ícus exe m p lo s.
j C o n íid é r a a dilaçaó defta fentença taõ
j u l t a , intcrpoem fe o la v ra d o r,e offcrccefe a
p ô r nova,c maisexaóta diligencia em cu ltivar
aquclla planta infrutuofa,aftcntindo a q u e ,l e
depois de aflim cu ltiv a d a ,co n tin u a r em naó
dar fru to , fe co rte lem rem edio. T a m b e m
tu ach a fte q u cm exercitaíTe co m a tua alma
efta piedade. O A n jo da tua guarda, os San­
tos teus advogados,c a V i r g e m Santiffima tem
intercedido por t i , e conlcguiraó efte n o vo
c u l t i v o dos fantos E xe rcício s,d e p o is dos qua-
4
es, fenaó deres o fruto, que c cfpera, le e x ­
ecu tará a fentença do teu c a f t ig o , c talvez a
d o teu defemparo. Repara pois, que efte tem ­
p o , c retiro, poderá fer para ti hum term o pc-
r e p t o r io cftabelccido pella divina j u ft iç a , de
' force,
M editaçaõ 39
forte,que fcnaõ c o m e ç a s a p a g a r as tuas d i v i ­
das,fc proceda contra ti co m a p e n a . t v c cam­
b e m , ^ a nova m if c r ic o r d ia ,q te faz o S.cnhor,
c m te cfpcrar,naó te deve incitar ao d e le a n ç o ,
mas íim a trabalhar cuidadoíam entc no ne­
g o c i o da tua f a l v a ç a ó , tom an d o o por ú n i­
c o alvo dos teus deze jos,c das tuas o p e r a ç o é s j
pois o beneficio, que recebes, tc d c v e c a u fa r
mais t e m o r , nem cfte vc nunca mais p ro p in -
qua ao f o g o a planta in u til, d o que quando
o lavrador v i o nclla fruílradas as maiores d i ­
ligencias. A y de t i , fe depois de cantas m í-
fericordias continuas em querer f e g u i r os
teus appctites,em lugar de te dar toda a D e o s ;
p o rqu e cíTa maior co p ia de favores D i v in o s ,
ferá final certo de eftar vifinho o teu cafti-
g o . C o n fu n d e t e p o i s , e co n fcfia as tuas fal­
tas, p ro p o em de attender c o m toda a ap p li-
c a ç a õ aos fantos E x c r c i c i o s , c dc e m p re ga r
o tem p o daqui em diante mais fru tu o fa m en -
te, pois fc de hum dos feus inftantes po d e
pender a eternidade, mais que hüa eternida­
de tens perdido, perdendo tantos inftantes*
acode á V i r g e m fantiífima, para q u e,h ave n d o
f i i o medianeira para fe dilatar o c a f t i g o ,
tc configa agora g r a ç a , para que c o rr e fp o n -
das com a&os de verdadeiras, efolidas v ir t u ­
d e s , e naõ com as folhas dc húa apparenci*
crftcrior. C 4 MEr
40 Primeiro dia.

M E D I T A Ç A Õ I.
r i * *
Para o primeiro dia dos cx crcicio s.
S O B R E O F IM D O H O M E M .

Homem f o i creado para o fim de lou­


O var-, e fe r v ir a Deos nejla v id a , e
gozailo para fempre na outra. S. Ig n a c io , n*
m ed ita ça õ do fundamento.
i. C o n f i d c r a , que D c o s hc o teu prim ei­
ro principio y aonde cftivcfte tu por toda %
eternidade antecedente? c ftiy e ftc fepuleada
. n o a b y fm o d o nada: nada dc c o r p o , nada dc
,alm a, nada dc o p c r a ç a ó ,n a d a totalmente dc
tu d o . E íe tu fofles ab eterno hum g r a ó íi-
nho de a r ç ia , quanto deverias áqueíle Se*
Jihor , r quc tc trocafle em húa creatura ra­
cional, cap az de tantos, bens? Q u a n t o mais
pois, deves a D c o s, que t ro c o u o teu nada cm
h u m fer.taõ p e r f e i t o , em p regando cm teu
f a v o r hum po der infinito', o qual he necef-
f a n o , para vencei1 a infinita diílancia, que ha
pntre o fer, c o nada? Q u a n t o mais, que ju n t a ­
mente c o m p p o d e r e m p r c g o u tam bem D f p s
p o r ti hum am or infinito, clco lh cn d o te entre
outras innumcravcis creaturas,ás quacs podia
dai’ o fer ça) iugar dc t\i c as quacs o teriaõ
M editaçaõ I. 41
fe rvid o , c amado com rodo o coraçnõ:. P o ­
re m ,n a ó obífonte iflo, p o z D c o s os olhos
cm ti,q u a íi anrepondo o reu p ro veito á fua
honra,para te fazer bem . F o í i c pois v i i l a d o
Senhor co m olhos am orolos: tu por todos
os feculos achaltc no c o r a ç a ó Divino! eflá
preferencia, c por cila fo íle objeólo do bene­
plácito de D c o s , para c x c c u ç a ó do qual cllc
a feu tempo.te creou co m tanta a p p lic a ç a ô ,
c c u id a d o , c o m o fenaó cuidaíle d c c r c a r o u ­
tra crcatura diverfa de t i : ( Q u i fin x itftg il-
latim cordaeorum.) Q u e m poderá pois pcrcc-
ber quaó grande feja a o b r i g a ç a ó , em que
cftá s ao p o d e r ,c á bondade D iv in a , por eíle
t i t u l o d c t c h a v e r t i r a d o do n ada? e a lc m d if-
fo.eíia mcfma o b r ig a ç a ó fcrcd u p lica cm to -
d$s os m om entos,nos quacs todos es tu co n -
fervada,e para ti faó confcrvadas todas as crc-
-aturas, que tc fe rv e m ; que vem a l e r o mcf-
m o ,q u e fc Dcos crcafle d c n o v o em cada in-
'flantc a ti, c as outras couías rodas, para ti.
M a s c o m o tens tu até agora corrcípondid o
a cila divida q uafum m cnfa dc fervir ao S e ­
n h o r? que h e o que tens feito por c íle teu
om nip otente, c a m a n tiflim o C rcad or,e Cort-
ie r v a d o r ? cm vez de o le r v ir , q u i z c í l c , que
cllc tantas vezes ferviífc nos teus perver-
fos g o í l o s , vivendo á tua v o n t a d e , c o m o fe
T t "

41 Prim eiro dia,


Deut- tu tc crcaíTcs a ti m e lm a : D e u m , qui te fje-
miit dereliquifii^ifioblitus es DomirtiCreatoris
/«/.Confundece p o i s á v i f t a d o a b y f m o d a t u a
in g ratid aó : ad mi rate da pacicncia d c D c o s ,
cm te tolerar por tanto tem p o : pcdclhc
pcrdaó da tua fumma i n j u í l i ç a , e p r o p o c m
de tc dar toda a e lle ,c de e x e c u t a r e s c m t u ­
do a fua D i v in a vontade-, ro ga lh e te d ê gra­
ç a para iflo, aflim c o m o agora ta dá para e-
ftcs fantos dezejos, c propoíitos.
Z C o n f i d é r a , que D c o s naõ fó hc o teu
p rim eiro p r in c ip io , mais hc tambem o teu
ultimo fim', porque tc cre o u , c te conferva,
fom en te para o f i m d c o f e r v i r c s para fua g lo ­
ria D iv in a . Sc foflcs crcada por o u tro di-
verfo de D e o s , mas foflcs crcada para fer­
v ir a D c o s , de verias fer toda de D e o s ; p ò r-
que todas, c qualquer cou fa hc do feu fim j
e pello fim fe regula tu d o o mais. Sendo pois
tu toda de D eos, que te creo u, e f e n d o t o d a
para cllc, por fer o teu u ltim o f i m , quanto
mais deves fer toda de D e o s ? O s brutos naõ
faõ feitos pello h o m e m , mas porque foraõ
feitos para o hom em , ufa o hom em dclles á
fua vontade, fâllos fervir, c trabalhar, c os
mata q u a n d o ,c co m o q u e r j e pertenderás tu
v i v e r á tua vontade , tendo taõ intrin-
fecadas no teu fer c l U s d u a s o b r i g a ç o c s im -
m en -
M editaçaõ 1. 43
m enfasdeteres r c c i b i d o t u d o d e D e o s , e d c o
ceres recebido lo m en te para o reconhcceres,
p o r S e n lio r ,e o fe rv ire s c o m todo o co ra ça ó ?
O h quaó defordenada tem lido até agora a
tua vida? pois lendo deftinada para p ro m o v e r
hum bem im m cnfo,qual he a honra, e a g l o ­
ria D iv in a , tu a g a f la f t e e m f e r v i r ,c cm b u f-
c a r c o m canra ancia coufas terrenas, e ca d u -
c a s , c ainda mais vís q u e t u ! de balde pois
iahiítc do nada para o ícr, c o m o aquellcs de
quem fe d i z , que faõ inúteis ncftc m u ndo :
Inuttles f a f t i fu n t\ p o rqu e naó fervindo pa- pí»i.
ra o f i m , para que foraó c r e a d o s , para na- 1*
da fervem entre as crcaturas-, por iflo den­
tro d c p o u c o t e m p o verás perdidas todas
as tuas obras, c o m o tiros, que naó deraó no
a lv o ,fe as naõ e x p e rim c n ta r c s ,c o m o materi*
aes de hum t e r r iv c l f o g o , pella divid a, que
comrahirtc com a d ivin a J u f t i ç a : Labores jer€>
populorum ad n ih ilu m , 6? gentium in ignem s*-s*-
erunt. M as eq^retanto pondera b e m , que fe-
naõ deres g lo r i a a D e o s voluntariam ente nc-
fta vida, lha h a sd e dar por força na o utra,
fendo atormentada eternamente em c o m p a ­
nhia das almas r ep ro b as,qu e contra fua v o n ­
tade exaltaõ a j u í t i ç a D ivina c o m a fua e t e r ­
na defcfpcraçaõ. R e l o l v e t e pois a corne-
Sar agora húa vida d ig n a d o teu f i m ;
con- .
44 ' Primeiro dia,
confeíTa , que naó m e r e c e s ,q u e as creatu^
ias te iirvaó, naó havendo tu fervido ao ícu ,
e teu Senhor; agradccelhe o h a v e r t e a t é a g o ­
ra fofrido,naó obílante o haveres tu fido taõ
o p p o íla á fua D iv in a G l o r i a ; o ftcrecctc , e
pro m ette viver daqui em xfiante fóm cntc para
g lo r i a dc D c o s ; e fazendo reflexaó fobre a tua
Fraqueza pafiada, roga* de c o r a ç a ó a o m e f m o
D e o s , que tc conceda forças fupcrabundan-
te, para cxccurarcs c fla tua r e í o l u ç a ó : D eus
?fil.
. .
71 16 cordis mei, (5? pars mea Deus in a ter num.
.M t 3 C o n l i ^ e r a , que D c o s he naõ fo o teu
prim eiro principio, c u ltim o f im , mas tam ­
bem a tua fuprema bemaventurança. Podia
JDeos crear o hom em para o fim dc fe emprer
g a r to d o n o fe u f e r v i ç o , c g l o r i a , c o m o o i n -
ccn fo fc gatln to d o no faccificio; e depois dc
fervi j-mos pq Senhor p o r muitos a n n o s, an-
niquilarnos; o que nos feria dc grande hon­
ra, pois acabavamos cm o b fe q u io de q uem
nos deo o fer* c feria grande m e m io dos noj-
fos fe rviço s o h avcrm o lo íervido. E c o m
tu d o i f i o , o Senhor naõ fó q u iz re co m p cn -
ia r co m b u tr o prem io os noíTos trabalhos*
mas fer cllc m cfmo o prem io delles: E go...
C tn .
15. >• merccs tua magna nimis : c ifio com taó gran­
de m a g n ificê n c ia , que feus anugos lhe naó
podem fazev o mais limitado f e r v i ç o , que o
Sc-
Jideditacao I. 4^
Senhor o naõ rccom p enfc co m hum reino
e te rn o , e infioito. E íc ainda quando o nof-
f o p ro v e ito naõ fofle d iftin & o d o lc r v iç o
d c ílc S e n h o r, o deveríam os fervir de rodo o
noílo c o r a ç a ó ,q u a n t o m aiso deverem os icr*
vir, tendo e llc u n id o em húa c o u f a o f c u o b -
fequio, e a noíTa fumtna felicid ade? Sen do
pois tu defiinada para reinar, para fempre
co m o teu D c o s ,c fendo crcada para húa b e m -
aventurança quafi im m e n fa , c o m o naó has
dc dcfprczar, c o m o fc fofle lodo, tu d o quan­
t o te pode offcrccer o m undo, e o demonio?
principalmente eftando m eti ida entre duas
eternidades, entre as quacs naó ha m e i o , o u
dc delicias para fempre n o C c o , ou dc penas
para fem pre no inferno. E parccertcha por
ventura n e g o c io de pequena fu p p o fiça õ cfta
neccflidade, cm que te achas? e c o m t u d o ,
quem fabc quantas vezes tc cens polbo a pc-
*igo dc perder para fempre a eternidade dc
bens, que tc cfpcrn, c de tc precipitar na e-
ternidade dc males, que te a m e a ç a ? H o r a j a
que Dcos te c o n ced e ainda t e m p o , naó ferá
loucura lum m a o naó o e m p re ga r todo c m
aflegurar a tua fa lv a ç a ó , c cm co n fcg u ir hú
fim taõ importante? fc o naõ c o n f e g u e s , dc
que te valerá qualquer outra c o u f a . que tc
aproveitará o tc rc m tc citim a d o ncíTc canto
^ <!•
46 Primeiro dia ,
do mundo, q u a lh e o teu t o n v e n t o ? dc que
fervirá o haver adquirido á f q r ç a algum a-
g rad o das cre a tu r a s,c o haver tom ad o outra
v e z ao Senhor a tua liberdade, que lhe t i ­
nhas o ffe r e c id o , quando fizeíte os teus fan-
Mau. tos v o to s? § u a m dabit homo commutationem
16.16.p yo a n 'ima f u a ? perdido o teu f i m , perdido
tens para fem pre todas as coufas. D e t e l l a
pois todas as delordcns pafladas, e em par­
t ic u la r o tem p o taõ preciofo, que m a lo g ra -
f le : agradece ao Senhor o haverte dado m o ­
do para rcfarcir as tuas perdas, co m novas,
e maiores ganancias ip r o p o c m dc co n fcg u ir
o teu fim a todo c u í l o , eu fie o que cu íta r,
do m odo , que húa grande pedra , arro-
pclla por tu d o , quanto fe lhe poem diante,
e lhe im pede o ch eg ar ao centro j c roga fi­
nalmente ao S e n h o r , que te esforce de tal
forte c o m a fua g r a ç a , que naõ-fejas quem
datv.es eras, mas que na tua m u d an ça fe m a -
n ifcíle claramente o po der da fua m a õ O m -
nipotcncc : H a c m utatio dextera E xcelfi.

M E D I -
M editaçaõ II. 47
M E D I T A Ç A Õ II.
Para o p r im e iro dia dos E x e r c i d o s .
SOBRE OS M E IO S V A R A A L -
can çar o ultim o fim .
O das as outras coufas,queha fobre aterra
T rtm m
foraõ creadas para o homem, para o ajuda•
a confcguir o fim , para que f o i creado-9
donde fe fegue , que he necejfario va ler f e , ou
abftcrfe dellas tanto, quanto cilas lhe fervem ,
ou impedem o confegttir o mefmo fim . Santo
I g n a c i o , na m e d ita ç a õ d o fundam ento.
I C o n fid c ra a grande co p ia de m eios, de
que D e o s tc tem p r o v i d o , para alcançarcs
o teu fim , m o ílran d o n iflo o quanto d e ze ja ,
c pretende fazerte para f e m p r e ditofa. E í l e s
meios íaó : I. O s bens da fortuna, e e x t e r i ­
ores, a fa ze n d a ,a honra, c as felicidades t e m -
poraes. I I . O s bens da natureza, o e n g e n h o ,
* p ru d ê n c ia , e a p e r fe iç ã o dos íe n tid o s, c
membros. I I I . O s bens ío b r c n a t u r a c s ,a s iU
lu ílraço cs d o entendim ento, o s p io s a ffe õ lo s
d o co raçaõ , a g r a ç a fantificante, os D o n s
d o Efpirito S a n to , as virtu d es, os Sacram en­
t o s , os S crm o é s, os liv r õ s , os e x e m p lo s dos
Santos,as in ílru c ço e s dos ConfcíTòrcs, a p az,
c os remorfos da confciencia, a guarda dos
San-
48 .Frimeiro diay
Santos .A n j o s , c o meírpo D c o s , que n a õ
contente com te ajudar a co nfcguir o teu fim*
p o r meio das fuas criaturas, veio m c f m o e r a
pcílo.a procurar a tua falvaçaó ,fcíto h om em
p o r t i j e d e u h im o .fitn , que h c , f e q u iz fazer
c o m o meio, c iíTo naõ 1ó com palavras, e
exe m p lo s, mas com o feu San gue, naó per­
doando a coufa a l g ú a , ló a fim dc Jp fran­
quear o caminho para ires para o C c o . O h
quanro te deverias iiucrcdar cm fervir a D c ­
os rtefta v id a , e g o z a r dclle para fcnlprc 11a
outra, pois para eltc fim em p rega o Senhor,
naó fó todas as fuas creaturas, mas tam bem
a fua D iv in a P c fiò a , os feus Pa(Tos, os feus
S u o r e s ,c o s feus O p p r o b r io s ,a fua P o b r e z a ,
a fua M o r t e , c hum thelouro infinito dc M e ­
re cim e n to s, que tc tem deixado por heran­
T. ç a : Otnnia vefira fu n ty diz Saó Paulo-, tuas
Cor.
a. 22.. faó todas as co u fa s , paraque ru fejas toda de
Ibid. Chrilto,* P os autem C h r ifti: c por ifTo, fe
V . 21 • por tua f u m m a d e f g r a ç a tc pcrdcrcsjde quem

fera a cu lpa ? naõ terás defculpa, porque tc


ha dc moítrar manifcftamentc o Senhor, que
ncnhúa coufa deixou de fazer,para que tc lai-
]fai. v a f l e s : Q u id e ft , quoâ ultra debui facere vi*
5* 4 *
nca m ea, £5? non f i e i e i? Admira pois a B o n ­
dade do Senhor para c o m t i g o ; c agradecc-
lha dc t o d o o c p r a ç a õ j confundete d e t e r fei­
to
JidíditaCiW II 49
t o menos para co nfcguir o teu f i m , q h c D e o s ,
que para alcan çar os bens crcados, c traofi-
torios-, e pede g r a ç a ao Sen hor, paraque c -
ftas verdades irrefragaveis tc naó faiaõ j a ­
mais da m e m ó r ia , mas rc firvaò de g u ia c m
todas as tuas obras.
i C o n fid e ra o quanto tens abufado até
agora deftes meios. C o m o tens ufado até o
prclentc dos dons da G r a ç a ? fabc D c o s f c
ú ra ftc matéria, para oflfcndcr ao Senhor c o m f
mais lib erdade, das luzes, co m que a F é tc
tem manircftado a b o n d a d e , c a paciência d e
D eos,em tc fofrcr*e fc a e f p c r a n ç a d o perdaó
te naó tem induzido a m u ltip lica r as offen-
•fas do S e n h o r , fazendo dcllas p o u c o c a i o ,
p o r ter taó p ro m p to o remedio d o finito S a­
cramento da penitencia-, ao menos hc c e r t o ,
que tens rccib id o fem fru to tantos favores
interiores da D iv in a G r a ç a , que fc fc tiv e f-
fem conced ido a tantos Infiéis, a tantos H c -
recçs, c a tantos peccadorcs, a quem fc naó
iizçraó, lhes teriaõ cllcs co rrcíp o n d id o c o m
g r a n d e fidelidade: S i in Tyr o 7 & Sidone f a - Matt-
•virlutes, qu<e fa£t<e fu n t in vobik>U'*U
filim in cilicio, cinere puenitentiam cgijjent.
£ ainda m uito mais tens abufado tam b em
.dos demais bens da natu reza, e da f o r t u n a ,
f o j s das crcaturas, q u e te haviaó dc f c i v i r
•L.*.,_ D •__ _ de _
5”0 Primeiro dia,
de efcada, para fubir até a D r o s , fizeftem u -
ro para dcllc tc leparar, c as tro ca ílc cm ar­
mas para lhe fazer g u e r r a , fazendoas fervir
unicamente para lâtisfazcr aos teus appeti*
tcs, am daapefar do teu S u m m o B cm teito r.
E he iíTo fervir a D e o s? tíTò he querer, que
D c o s tc í i r v a , ate contra fi m clm o , íu b m i-
niflrandotc f o r ç a s , c dandote a ju d a , para
irai.
diflb ufares a tua vontade: Servirc mc fc c if-
4 M«- ti in peccatis tu is. E ate quando ha dc durar
cila guerra entre t i , c D c o s ? D cos te c i l í
concedendo meios para a tua í'a lv a ç a ó ,e tu os
voltas contra fua h on ra, e a tua f a l v a ç a ó :
D e o s te ctlá fazendo tanto b e m , e tu lhe
p a g a s ,o b r a n d o tanto m al? A h milcravel de
ti, pois cm breve tempo podes fer obrigada
a dar conta de tudo i í l o , c te ha D eos dc lan­
ç a r Cm roíto o que cllc tem feito por t i , e
o que tu tens feito por cllc, ou contra cllc!
A j u l l a agora as tuas contas co m o teu R e ­
d em ptor,antes que cllc venha a fer t c u j u i z .
C o n fu n d e t e da tua ingratid.«õ para com D e ­
os; palma da tua lumma prodigalidade cm
dcfperdiçar tantos t h c f o u io s , que com maò
taò liberal difpcndeo c o m t i g o , cm ordem a
tc enriquecer para fempre-, dcrclia a in.dva-
da v id a , que até agora taõ cepanunu* gal-
taile# co m o fe naõ fcíles cícaüa para ícivijr
• • a
M editaçaõ II- ÇI
a D c o s , c para lhe grangear a v o n ta d e , mas
co m o fc tu foflcs fenhora do m u n d o ; pro-
poem dc naõ procurar daqui cm diante o u ­
tra coufa, fenaó f e r v i r ,c agradar ao Sen hor,
c aflegurar a tua fa lv a ç a ó ; c pedelhe final­
mente g r a ç a para tratarcs efle taó grande
n e g o cio de co n fcg u ir o teu fim c o m a leri-
edade, c cfficacia, que elle merece.
3 C o n fid é ra a entenda, que deves por nc-
ílc abufo. C o n li l t e eíta emenda em tratar
os meios, co m o meios, c naõ c o m o f i m ; if­
to h e , naó te a fíeiçoa n d o a ellas, fenaó cm
quanto conduzem ao fim dezejado; e p o r i f -
fo os has dc repartir em tres clafles. A p r i ­
meira clafle hc d.iquelles,que fempre fao u-
teis para o teu f i m , c o m faó os D o n s d a G r a -
os S a c ra m e n to s, c as O b ra s b o a s ,e d e ­
ltas has de efeolher húa medida fuperabun-
dante, c aproveitarte d c l l a c o m f u m m a d ili­
g e n c ia , pois faó- ta ó p r e c i o l o s , q u e h ú a al­
ma condenada com praria voluntariam ente
húa deltas o c c a lio c s b o as, de que tu fazes
pouco cafo, á culta dc padecer ella fó c o m
muita paciência todos os torm entos do in­
ferno por hum m ilh a õ d e fe c u lo s . A fegun-
da clafle dc meios hc daquelles, que fe m p re
fao^ prejudiciaes ao fim*, porque fempre an-
daõ juntos c o m o p e c c a d o , por ferem p r o -
D z ‘ h ib i-
2 Primeiro dia,
hibidos pella L ei de D c o s, e cítcs lias tu de
apartar inteiramente de t i , aborreccndoos
c o m todas as veras, co m o a inimigos da G l o ­
ria D i v in a , c da tua felicidade. Finalmen­
te a ultima clalíc dc meios he daquelles,que
híias vezes fervem para c o n fc g u ir o teu fim,
outras vezes o im p e d e m ; c a rcfpcito deites
co n fiítc a emenda cm pores o teu co ra ç a ó
cm hum perfeito e q u ilíb r io , dc fo r te , que
n a õ incline mais para hüa parte do que pa­
ra o u t r a , nem ui’e defles m eios, fen aó em
quanto co n d u ze m para nos encaminhar a
D e o s . P c llo q u c ,f c naó queres cahir na mai­
or imprudência , naó has de antepor a faude
n. enferm idade, a abundancia ;i p o b r e z a , a
honra ao d e fe r e d ito , a vida á m orte, fenaó
f o m e n t e , quando te ajudarem a co nfcguir
felizm ente o teu eterno fim. O c e r t o h c , q u e
hum peregrino naó btifca o cam inho mais
ameno,fenaó o mais breve,para a íua patria:
h u m navegante naõ drzeja o vento mais a-
j razívcl, mas o que mais lhe ferve, para o
co n d u zir ao porto : nem o Énfermo p r o c u ­
ra a medicina mais fijave, fenaó o mais effi-
c a z para o feu achaq'»'*. E que feja poíTivel,
que fó nas-coufas da E l v a ç a õ fc ha dc fazer
p e llo contrario, e arpar, c o m o a b e n s , a fa-
u d c ,a c o m m o d id a d e , a g r a u d e z a ,c os g o lto s,
i quC
M editaçaõ II. 53
que faó inim igos da nlma? E ícrás tu taõ
ce g a daqui por diante, que ufes dc húa b a­
lança t^ó m r n t ir o f a , reputando por bem o
que tc retarda, ou impede o alcance d o f u m -
mo B?m? id o he trocar os nomes ás coufas,
para a tua ultima ruin a, chamando bem ao
que he m a l , e mal ao que hc b e m : V a qui Ifíli f -
àtciíis malum bonum , fc? bonum màlum . Sa- 20.
c o d c pois dc ti por hüa v e z c l l e i o n o da m o r ­
re, e refolvete a caminhar para o teu u ltim o
fim com todos os esforços do teu co ra ç a ó ,
vencendo todos os o b ítac u lo s, que fc tc po-
ferem d ia n te , naõ parando nunca ate o al­
cançar, alltm c o m o hum rio, que le naó dei­
xa levar da amenidade das ribanceiras ,n c m
torna atraz por razaó dos o b í l a c u l o s , mas
corre fem nunca parar, a té que defem b o-
que no feu centro, que he o mar. Para que
pois conlcrvas efles affc& os defordenados ás
creaturas? arráníaos todos do teu c o r a ç a ó ,
aindaque ate agora os tenhas eílim ad o c o ­
mo as meninas dos o l h o s : S i oculus tuusfcan- Mau;
dalizat te , erue eum , fc? projice abs tc. D e 5’ 29#
que tc aproveitaó cilas o c c u p a ç o é s , c o m
que perdes o t e m p o , que devias em p regar
nos exercíciosefpirituaes? corta por e l e c x -
cefT^-nnJaque n e ítim e s c n m o á^tuasmaó^j
S i dextera ma nus tua fcandalizat t c , abfcide\] }*0<
D $ cam,
54 Primeiro dia,
eam, fc? projice abs te. Q u e te im portaõ tan­
tos em baraços em ou tios n e g o c i o s , que te
naõ pertencem ? c o r t a ,c o r t a p o r c l i c s , c d e i -
M a u . xaos totalm ente: Si pes tuus fcandalizat t e ,
11 *' abfcide eum, fc? projice abs t e : nem te pareça
coufa de pouca monta o n e g o c io ,c m que fe
trêta de perder, ou ganhar para fempre húa
felicidade immenfa.nual he o g o z a r de hum
D e o s infinito. D e tc íta pois os caminhos t o r ­
c i d o s , por onde tens até agora andado) pe­
de ao Senhor, q u e ja que te crcou u n icam en ­
te para fi , te dê g r a ç a , paraque fejas unica­
m e n te para e lle ,e que unicamente tc em pre­
gues cm alcançar a quem he teu u n i c o b c m .

M E D I T A Ç A Õ III.
Para o primeiro dia dos exercícios.
SOBRE A GRAVITiATOE T>0
peccado m ortal.
i O nfidéra, que a gravidade de hüa
injuria fc mede pellaqualidadedo
offendido, do offenfor, e da offenfa: pondera
pois,q quem htOJfetidido pello peccado m or­
tal , he naõ menos que D e o s , ifto hc,hum
Senhor de infinita bondade a rcfpeito de
ti, e infinitamente bom em fi m c ír n o je taõ
b o m , que fem efte Senhor nunca podias tu
ter
M editaçaõ JJI. ç f
fer feito coi fa b o a , pois fem c l l c , nem ain­
da Icrias p o ffiv e l: peccando pois tu , rens ul­
trajado ao teu C read o r, fem o qual naó e x -
iftirias no mundo: tens ultrajado ao teu
Ç o r . f r r v a d o r , fem o qual naó vivirias nem
hum f ó in íta n te : tens ultrajado ao rcu R e ­
d e m p t o r , fem o qual houveras perecido pa­
ia fempre, o qual co m híia m orte, cheia dc
torm entos, e de ignomínias, tc c o m p ro u húa
eterna b em aven tu rao ça no C e o . T e n s tam-
b m ultrajado a hum Senhor taó b o m cm
íl m e í m o , que fe os d e m o n io s , que tanto o
aborrecem la nos abyfcnos, o podeflem cla­
ramente v e r , cada hum dclles feria nrecífi-
tado a amallo inc ^mparavelmente m a i s ,d o
que todos juntos o tivefTcm até ali a b o rre ci­
do; c f c o amallo ainda mais lhes houveíTede
cu ltar hum n o vo inferno dc penas, cada hum
dcllcs dc boa vontade aceitaria efíè n o v o in­
ferno pello amar m u ito m ais, e por lhe naó
d i r o minimo d e f g o í l o , confeíTando á b o c a
ch eia, que todas cilas d e m o n itra ç o é s de af-
feéto fempre vem a fer nada , cm com para-
Ç õ do m uito, que merece for amado cílc In­
finito B em . E l l c he pois o Sen hor, que tens
ofTvndido,ou para melhor d i z e r ,e lle h e hum
f c »nfi uram em e mais perf-iro, c fupertor a
io d a a i n t e l l i g c n c h , m ó f j h u m a n a , mas
D 4 A n & c-
5<5 Primeiro dia,
A n g é l i c a . E hc p o ffív e l,q u c tudo iflo crei-
as por F é D i v i n a , c que naõ acabes a vida
d c p elar, lembrandote,dc que cm vez dc a^
m ar a c ila Bondade taó immenfa, atens tra­
tada c o m o a inimiga, cahindo em peccado;
e que fizelle co m cila hum d iv o rcio eterno,
pois naó cílava na tua mr.ó meio algum de
recuperar a D ivin a amilade perdida, netn
d c emendar o teu erro? A o menos agora, que
o Senhor te aílilie co m a lua G r a ç a , detclla
as tuas cu lp a s , co m o o fum m o de todos ôS
males, por ferem luim m a l , que diz refpci-
t o ao m cfmo Deos. A g rad ece lh e juntamen­
te o terte fofrido com tanta paciência; co n -
fefla diante de toda a C o r t e ccleítial a hor­
rív e l t r a i ç a õ , que tens feito ao S e n h o r , fa-
zend ote quaíi pcor , que o d e m o n io , fen-
do delle companheiro, e igual na c u l p a , c
-inferior a cllc na natureza-, p r o t e f t a , e ra­
tifica a tua refo lu çaó dc querer antes per­
d e r mil vidas, que tornar a rebellarce co n ­
tra c l l c grande Senhor; c pedellíc, que pa­
tenteie a lua bondade,trocandote inteiramen­
te o c o r a ç a ó , c fa zen d o , quo daqui cm d i ­
ante fejas roda fua.
2 Confidéra a qualidade da O ffenfa, que
fe faz a D eos por hum peccado m o r t a l;
porque cila h e h ü a horribilifliaia injuria, que
'v: . çoa-»
M editaçaõ III. ç-~j
co n te m hum fum m o dcfprezo contra D c o s ,
c h ú a f u m m a crueldade. C o n te m hum fu m ­
m o defprczo ; porque concorrendo dc hüa
p a rtea vontade D iv in a , c a pcrm iíTaódaqucl-
la alriííima M a g e i t a d c , e da outra parte a tua
v o n ta d e , c o confentimenro a hum ap petite
b r u t a l ; antcpufcfte, p c c c a n d o , a tua v o n ta ­
de d vontade D iv in a , e d é lt c no teu cornçaÕ
aqucllainjuftiíljm a fentença , q u e era m elh or
fatisfazer ao teu a p p e t it e , c á tua v o n t a d e ,
do que obedecer ao G reador : ç que ainda-
que tc mandava co m toda a fua authoridade,
tc am eaçava c o m toda a fua O m n ip o t e n c ia ,
tc attrahia co m toda a fua bondade; naõ o b -
ftante tudo iíTò , p ó d c o teu g o l t o pratica­
mente m ais, que o m cfm o D e o s : M eproje- i
cifti pojl eorpus tuum. C o m e m aífim m e f m o MSU
o teu peccado húa lum m a crueldade c o n ­
tra D e o s ; porque f c dirige d ir c ó h m c n t c
a d c f g o íl a l l o , c ainda ao d e f tr u ir , fe foíTc
■poíTivel, c ao aniquilar , c o m perturb ar a-
quclla immenfa fe lic id a d e , fem a qual D c o s
naõ poderia fu b fiitir. E aílim c o m o a cari­
dade hc de tanta ex c e lle n cia , que fc o S e ­
nhor naõ pofTuifle o bem , que pofTuc, lh o
daria; aílim o p e c c a d o , contrario cm tudo
a caridade, hc dc tanta m a l ic ia ,q u c fe o S e ­
n h o r podefle pe rd er o bem 3 *jue tem , lho
tira-
r -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

58 Prim eiro dia,


tiraria. Heis aqui pois o que fizeíle, peccando:
f iz c ítc a D cos to d o o mal, que lhe pode fa­
zer hüa cre a tu r a , que he o delobrdece»lhe,
c d c lp r c z a llo je , o q mais hc,aniquilaIlo,q naó
ficou por fazer por parte, e falta da tua per-
verfidadc,mas por caufa da perfeição D ivin a,
que naõ he cap iz de mal intrinf co: p o ré m tu
da tua parte p a ra eílc taõ horrivcl attentado
pu fetle o meio, que he o teu p eccado ; e por
iflo te pu fcílc a ti cm hum eftado, que eter­
namente ferà aborrecido dc D e o s , lem que
jamais pofla o Senhor d ixar de o ver, lem o
a b o r r e c e r , e fc lhe o p p o r co m todas as luas
infinitas perfeiço és. Q u e c a ft ig o pois m ere­
c e , quem tal fez? E t u , q u e aborreces, fe n aõ
aborreces o teu peccado ? D e o s o aborrece
taõ n ?ceflariam ente,quedeixariadeler D e o s ,
fe deixaíTc de o a b o r re c e r; c tu o fentes taõ
p o u c o , qucnaôpafiTusdc o ter c o m m c tt id o ,
e d o perigo dc o tomares a cnm m etter, e de
EkcH. cahir cm tal abylm o: N um quid parva efl for-
,6*20- nicatio tu a} H im ilhatc pois ate o profundo
da tua mald tde,c dezej» hum mar de lagrimas,
para chorarcs iiguamcnre as injurias, que fi-
z e ít e a D o .; prdelhe mil vezes prrd a õ *, ro*
galhe q u d ra f iz e r bem, a q i r m lhe tem fei­
t o tanro n d ; e o »•* a itcs tc tire a vida , do
que o tornes.a offcuJcr.
3 Con-
IMeditaçao III. 5-9
3 Confidera a qualidade d o O ffen for, que
quanto mais v il he, tanto maior hc a injuria.
T u cs o o ffe n fo r:p a ra pcrceberes pois a t u a
v ilcza,co n íid cra tc primeiramente quanto ao
c o r p o , que agora* hc hum vafo de im m u n-
dicias, c dc antes era hum nada r.confidcra-
te q u a n to á a lm a ,ch e ia dc ignorancia,dc fra­
gilidade , de m alicia , dc imprudência , e dc
maldade; cercada de inimigos fem n u m ero,
vifiveis , c invifiveis : com batida para cahir
dc tantas tentações : condu zida ao mal por
tantos afFeâos defordenados : p ró xim a ao
ab yfm o dc todas as c u l p a s , em que cahirias
cada inffante,fco m c f m o D e o s , a quem tens
injuriado,naõ tivcffc maõ cm ti por fua m i-
fcricordia. E q u c cafo deves tu fazer de t i,
naõ lendo dc ti mefma difpofta ftn a õ pa­
ra peccar, e co n d e n a rte : P erditio tua; tan- ofc.
tummodo in m eauxilium tuum . T u d o aquillo,
que naõ h e ,o u nada, ou p eccad o , ou inferno,
naõ he te u , mas de D e o s . Se porem c o m
tudo ifto ainda naõ chegas a c o n c e b e r húa
acertada idéia da tua vileza, faz efta c o m -
paraçaõ. Q u e m es tu em c o m p a ra ç a ó de
todos os homens, que agora vivem no m u n ­
d o . quem es tu em co m p a r a ç a ó dc todos os
hom ens, que tem v iv id o , e haó de v iv e r no
m efm o mundo ? queraes tu em com p araçaó
60 Trimeiro dia
d c todos os Anjos, c Santos d o C e o ? quem tc
divifaria entre efta taó innumcravel multi*
daó? quem faria cafo de ti, c que lhe faltaria
a cllc nu mero fem co nto, faltandoihc fomente
tu ? faltarlhchia hum atomb dc fer, que nem a-
in d a h e te u ,n ia sd e Deos:conlídcraaletn diíto,
q fa lta farias ;í m u ltid a õ d e todas ascreaturas
pofliveis; e c o m tudo a niaíTa roda dc todas as
creaturas,naó fó aéhiaes,fenaó poflivcis,com -
parada co m D cos, hc infinitamente menor,
do que hum g raó íln h o d c p ó , comparado coin
!Ui. todo o u n iv e r f o : §>uafe pu lvis exiguus. T u
pois, que ain d ae sn v n >s, que hum ponto de
fer, c por pura g r a ç a dc D cos es o p o u co ,q u e
c s : tu , que nefle g r a õ de pó dc rodo o crcado,
o ccu p as o l u g a r , q u e occu pas enrre todas as
creaturas: tu tc atrcvcftc a rcbellarte conrra
a vontade D ivina, para v i v e resá tua vontade?
tu , que ha pou co eras nada, irritallc hum D co s
etern o? tu, que com as tuas próprias forças,
fem D c o s , naõ pódes levantar htii palha da
terra, quizefie fazer guerra a hú Senhor O m -
n ip otcn rc ? t u , que toda totalmente cs hum
c o m p o l l o das Divinas mifcricordias, vo lun-
raritmente renunciafic a amiíade do Altifli-
m o ? a(fim trnra h iU .crcau ira taó v i l , c que
recch m rantos b-m^ficios, 1 hum D os infi­
n ito ? co m o hc podivel, que hajas feito tan­
tos
jMeditacao III. 61
t o s , c taõ horríveis males? F ccijli m a la, (3
potuifti. E p o rqu e m o t iv o fafatrçyeftç a tan­
to? foi po»- ventura por algüa grandenecefli-
dade, ou interefle? aindaque nilim fofle, por
tudo iflo devins cortar , para naõ injuriares
a D cos taõ g ravem ente. Q u a n t o mais, que
tu o i n j u n a f l e p o r húa coufa dc nad a,q ue ja
naõ h c , c b o m leria para ti, íc nunca f o f l e ; c
com tudo iflo antepufeile efle lo d o hedion­
do áqucllc O c e a n o im m e n fo jd c p e r f e i ç ã o ,
qual hc D c o s. Q u e teraõ d itto os A n jo s á
vifta de húa tal l o u c u r a ? quanto fc teraõ a-
Icg rad o os dem onios, dc tc ver feito com par
nheira na fua maldade? e que a b y lm o har
verá taõ profundo , que feja p r o p o rcio n a ­
do á tua vileza? H o r a reconhece o e í l a d o ,
em que tc tem p o flo a s tu a s culpas> deteflaas
milhares de vezes > pro po em de antes m o r ­
re r , que tornar a p cccar j c pede fervove f i-
mente no Sen hor, que ja que co m o ícu pro-
p n o íangue q u i z dar a m orte ao peccado 4
naõ permitia, que tu jamais lhe dès ao m el-
mo peccado acolhida e m tua alma. ;

M E-
62 Primeiro dia ,
M E D I T A Ç A Õ IV .

Para o primeiro dia dos E x c r c ic io s ,

SOBRE AS T E N A S . C O M g V E
fe cajiiga o Tecendo.
i O n íid e ra , que aflim c o m o pella fom -
bra le podem medir os corpos :aíTim
pello c a f t ig o , que fc dá ao peccado, íe pode
de algum m odo v ir em conhecim ento da fua
malícia. P elloq u e , conlidera em primeiro
lu g ar o Ca/ligo dos Anjos rebeldes, ponderan­
d o nellc o c o m o os tratou D e o s , antes que
p e c c a f l c m , e dc que m odo os tratou depois
que peccaraó. F o ra õ cllcs creados no C c o
E m p y r e o , c o m o primiciasdas.obrasde D c o s ,
cheios de lábedoria,aventajados nos dons da
natureza, e da G r a ç a , Efpiritos puros, d o ­
tados de fublim c p o d e r , dc fublim e en g e­
nho , e de fublim e f o r m o f u r a , craõ Santos
pella caridade, c por todas as v ir tu d e s ,c em
breve tem p o feriaõ fummarnentc felizes pa­
r a fempre. M as c o m o co rrcfp o n d craó clle s
ao feu C r e a d o r ? H u m grande numero dellcs
recufaraó o b ed ece ra D c o s , e ularaóda lib er­
dade do feu a l v c d r i o , q u c lhes foi dada para
M editaçaõ IV". 63
fervir ao Senhor, c m erecer,em fe íujeitar a
c l l c , contra a vontade do m cfmo D co s. V c
agora , quaó grande mal hc o apartarfe húa
creatura do feu u ltim o h m , c p cccar g r a v e ­
mente j pois offendido D eos da ingracidaó,
c defobcdiencia daquellcs A n jo s , ' o s p reci­
pitou todos ju n to s no ab y fm o. T e v e c llc
c a l l i g o t re s c ir c u m íla n c ia s ,q u c o fa z e m m a­
is h o r r iv c l , porque foi r e p e n tin o , foi uni-
vcrfal, c foi fum m o. F o i repentino, porque
os co lh c o co m as armas nas m aó s; iílo he,
armados da fu.i foberba , c fem lhes dar
nem tem po, nem auxilios para fe arrepen­
derem , os deixou cahir co m im p eto ma­
is arrebatado, qtie o dos raio s, deldc o C c o
n o f o g o c t c r n o . F o i univcrfal,porque em t o ­
dos fc e x e c u to u cíTe c a l l i g o : le D co s h o u v e ­
ra callig ad o fó a L u c i f c r , o u íe ao menos fe
bouvera contentado c o m dizimar , c o m o fc
faz aos foldados amotinados, aquelle grande
exercito dc cfpiritos taó lu b lim c s ,f e r ia cíTa
h ú ad e m o n ílra çaó dc j u l l i ç a , que aterraria a
todos os h om ens, tailto mais inferiores a cl-
lrs na natureza*, c que d c m o n llr a ç a ô pois fe­
ra o havcllos condenado totalm ente a todos,
fem haver attendido, nem á íabedoria ,nt*m
ao n u m e r o , nem ao b e m , q u e fariaõ depois
de arrependidos, nem ao m a l , q u e fi-zeroõ,
pcxfc-
64 Primeiro dia,
perlcverando na fuaconcum acia? F o i final*
mente fu m m o c ftc c a lli g o , porque pcrdcraò.
todos os dons da G r a ç a , e encontraraó na
fua condenação com hüa miferia infinita ,
fem cfpcrança de nunca jamais fahir delia.-
O h que grande odio tem D co s ao peccado!
v io contaminadas co m c f lc veneno as obras
mais formofas, que fahiraó das fuas maõs, c
cm lugar de as p u rifica r, naõ fez reparoeni
as precipitar todas no f o g o fempiterno.
Q u e m naó temerá a efte grande Senhor?
quem o ha de querer p o r in im ig o ? quem
Ter- íc atrevera a tornallo a oífender? Q u is non
10‘ 7* ttmebit t c , ô R ex gcnthim ?
C o m p a r a agora as tuas culpas com o peç-
cado daquellcs dcfvcnturados, eadm ira o di-
verfo m o d o , c o m que es tratada. O s dem o-
nios peccaraó húa fó v c z , e tu ta n t a s ,c t a n ­
tas j ellcs peccaraó fó por penfam ento, c tu
tens tambem po ito p o r obra os teus attcnt
tados contra o Senhor: clles, cm peccand o,
naó fe fojcitaraõ a outras criaturas mais visj
que ellcs j e tu , cm pcfecando, te tens a v il­
tado mais que os brutos j clles nunca tive-
raó auxilios para fe levantar j e t u ,d e p o i s dc
tc dar D eos tantos, tens dclles enorm em en­
te abufado j clles naó fizeraõ injuria ao fanr
g u e dc C h r i f t o , que fenaó derramou p o r c N
M editaçaõ IV ,
les-, e ru o tens tantas vezes m cttíd ó tfe b a ix o
dos p é s : a clles ate hum inftante fe lhes n e ­
g o u para fe arrependerem j c a tl fc te te m
co n ce d id o annòs, c annos: è ò Sen hor, que
pára clles fói inexorável^ para ti naõ f ó m o r -
r c o j mas he o p r i m e i r o , q u e tc b u fea c o m 3
paz , e que tc co n v id a c o m ó perdaõ. O h
Bondade incomprehcnfivcl ! é queterás t u
tornar putra vez a tom ar as armas contra e l -
h ? A m a ld iç o a mil vezes a todos os p e c c a -
d o s j refolvcte a caftigar cm ti mefma c o m
t o d o o gencro dc penitencias os que tens
co m m e ttid o j pafmatc do p e rig o j èm qutí
eílás de tornar a cahir j e ró g a ao Senhor 4
que , havendofe m o ltr a d o até agora p a r i
è o m t ig o Deos das m ifericord ias, c naõ D c o s
das vin g an ç as, tc co n fcrvc no c o r a ç a õ h ü a
fé fo lu ça ó hrme dc nunca iíiais o oftender.
2 C o n íld cra no cajiigo de Adaò a m alici*
immenfa do p e c c a d o , ponderando ao m el-
mo tempo o b e m , que A d aõ de D e o s rece­
bera, o mal, que cllc fe z, c a pena ^ que eflef
mal lhe occaiio n o u . F o i pois o prim eiro h ò -
m em creado no Paraifo á im agem do S e n h o r,
enriquecido co m a g r a ç a j e co m a j u í t i ç *
original, c por méio delta era fenhor dasfu*
as p a ix o e s , c dc todaá ás crcaturas, izeiito
da m o r t e , livre dc todas as m iícria sj c o l l o -
E cada
66 Primeiro dia ,
cado entre d e lic ia s , das quaes havia ao de­
pois de paííar para o C c o , para fer nellc pa­
ra fempre b cm avcn tu rad o . D e ix o u fe porem
o hom em enganar da m u lh e r , e defobede-
cendo ao C r e a d o r , perdeo por taõ p o u c o a
fua D iv in a amitade> c repara, que entrando
efte peccado no mundo , tro u x e co m figo o
e x e rc ito dc todos os m a l e s , pois todas as
g u e rra s , fo m e s , peftcs , terremotos , t c m -
p c ftad cs, i n u n d a ç õ e s , c mortes*, e o que ma­
is h c , a perda da mefma j u f t i ç a o r ig i n a l , a
c o r r u p ç ã o da n atu reza, a o p p o fiç a o a tu d o
o que hc virtude, a inclinaçaó a todos os v í ­
c i o s , todas as injulliças , todas as maldades,
a perda de tantos meninos innocentes, a c o n -
denaçaõ dc tantas almas c u lp a v e is , faô hum
c o n g lo b a d o in fe liz , que a c o m p a n h a ,c n a fc c
da primeira d cío b e d icn cia , cm que cahio
A d aõ . E aindaque A d aó fez novecentos an­
nos de penitencia, c aindaque o mefmo Sal­
vador fez do feu pjroprio langue húa m edi­
c i n a , para remediar cfta culpa do noíTo pri­
m eiro pai, todavia a peçon ha daquellc p c c -
cad o , envenenando a raiz, que he A d a ó ,c o n ­
tinua cm com niunicar o feu veneno a todos
os r a m o s , que iaõ os defccndentes do noíTo
primeiro p a i , e irá continuando para fe m ­
pre a fazer o n ie ím o , fc o m undo durafle e-
terna-
Meditaçao IV . 6?
le r d a m e n te : e naõ bailará tudo iflo pai a nos
fazer conhecer palpavelm ente o qunõ g r a n ­
de mal hc defobedecer ao Senhor? C o m o he
p o í l i v e l , que creamos iflo de fé * e naõ iá
naó paímemos de haver p eccado , mas t o r ­
nemos outra vez a cahir em cu lp a ? T a m ­
b e m aqui podes reconh ecer a tua maldade*
eom parandoa co m a culpa , c o c a f l ig o d o
primeiro hom em : a fua defo bcdicncia foi c m
materia dc fi m uito leve, a fua cu lpa foi hüa
f ó , o tempo* cm que p e c c o u , f o i antes de ha-
Ver vi (to outras d e m o n í l i a ç o é s da D i v in a
j u f l iç a * c antes de haver v iít o m orrer a h u m
D e o s para nós naô cahirmos em p e c c a d o :
Quaõ j u í l o lo g o fe r ia , que fofles tu c a í l i g a -
d a , p o i s tanto excedes, aflim no numero das
cu lp a s , c o m o na m a t e r i a ,e n o tem podellas*
ao peccado dc A d a õ , c c o m haveres fido per­
doada, tornaíte a o ffc n d e ra tc u C r c a d o r ,fc m
tam p o u co cuidarcs em fazer penitencia, c o -
tho le n a ó foíTem teus os pcccados, quc c o m -
mcttefle. Q u a n d o pois has de ab rir os olhos
para teu bem ? Seja ja d c í d e a g o r a , aborre­
cendo fobre tudo as tuas c u lp a s , o ffe rcccn -
d o dc (atisfazer por cilas voluntariamente* e
recompenfar co m o u tro tanto atnor* c dili­
gencia no (erviço de D e o s as ofícnfas * quô
contra o mefmo Senhor co m m c tte fle . Á g f a -
E l dcc#
68 Prim eiro diat
d c ç e d bondade Divina; o ip fin ito , que tò
tem fo frid o , pedeihe, que fe eítabeleça en~
tre ti, e elle húa amifade, que fc naõ quebrç
jam ais , mas dure por toda a eternidade.
_ 5 C o n fid c n o caJligOjqH ecm JESL/Cbri-
fip e x e c u to u a D ivin a j u í t i ç a , em c u ja ç p t n -
paraçaó f c pode chamar nada qualquer oq*».
tra demonltraçAÕ feita contra o peccacio*
çanto no C e o .,'c o m o na torra , ou no inter­
no. Pondera pois, qual hc a Pe(Toa,quc pa­
dece,’ quaes íaó os tormentos , que padçr
c c , c A qualidade da c u l p a , que o m o v e a
padccellos. A cu lp a, porque.padece, naõ hp
própria de C.hrilto, porque elle he a mejn {4
in n o cc n cia,e he fomente o nofib íiador. O s
íçus tormentos faõ hum mar dc dores, nao (o
exteriores caufadas por feus in im ig o s , mas
interiores originadas do feu am or para.couv
n o f c o , e foraõ naõ fó inauditas as fuas penas,
mas nunca jamais viítos np m u ndo os máos
tratam entos, c os o p p r o b r io s , que padçccq.
A PcíToa, que padece, he de húa dignida­
de infinita, D eos, c H o m e m juntam en te, pel-
lo q u c ,h ú a fó ferida no feu Santiflimo C o r ­
p o , f c deve ju lg a r por maior m a l , que toda*
as penas dos condenados, e que todo o mal
das creaturas. E com tudo ifio , ainda que
c ít c Senhor fc hum ilhou pellos h o m e n s, e
oran-
Meditaçao ÍV. 69
orando a feu eterno Padre, mnnifeítoú a i c -
p u g n a n c i a , que tinha o; feu c ò r p o a fõfrer
h u a m o rte raô c r u e l , e ig n o m in io fa , fe de-*
term inou, que morreíTc: e p o í l o que biKífo
otta do ieu fangüe he fatisfaçaòíupcrabun^
f ante para as noflas culpas a re lp cito dà D i ­
vina' ju ít iç a , quer* c f t a ,q u e ò 1derrame tbdo$
c o que fc podia fazer c o m húa fó la g r im a ,
o n c r que £e]pague»com hum d ilú vio dc d o ­
res: c fc eíte o d io , que D e o s fem a o ó c c c a -
d o , c o r i g ó i y c G m que o càftiga na H u m a ­
nidade facrolanta do f e u -F ilh o ,n a ó baila pa­
ra te fazer'C b n h ecer a immenfa m alicia do
m efm o p e c c a d o , que fc ha dc d i z e r , fenaõ
quctq.ralta o j u í z o , ou a t e r ü» !1
tfèl / c j ü c nós pareça bem , c que o
■ r»' , •« r *2r\ C. T

nfaíj5 que a Sabedoria eterna dc CfirííFó j u l -


g ò d p o r mais cxceíTivo, qtic o d e :pcrdcr* dÍJ
írTrúa vida D ivífca cnnfç hum a b y im ^ d F tit í-
irçs j é ^c. áfffontas ? Paürta da tuà cegiçW R
^m'havfr ú i í agQra feito tfcô b o u c o cafrvde

nvetnchte b

qüi has de tifdr tuihi zel:ór dc fàjzet p é h f^ fi:


íô f> rc ° m qtiè tfmgues em titàffmàà^s.ff?ón-
5
Ç , ‘quc as tuás uialdadcs tens feito a D ó d s j
Jl 3 c o n fu a -
yo Segundo d ià ,
confundcte de havcres acariciado tanto a huirç,
traidor á D ivin a M a g e í l a d c , qual he o tci*
co rp o j o f f c r e c c o t c u coraçaõ a J E S U C h r i T
11o , c á fua Sanriífima M ã i , pedindo a amr
bos a m ercè , q u c b e a maior dc todas , de
quc naõ permittaõ tenha jamais entrada enfc
tqa alma o horrível iponítro do peccado.
p ■.«J1 . II! '}-P * .C t Jií. ’ [ » l \Ji j
M E D I T A Ç A O h
P ara o fegundo dia dos E x e r c í c i o s .

S O B ^ E OS T E C Ç A V O S ■
p roprio s.

I O nfidera o grande , e efpantofo nu-


\ ~ 4 w r 4 d . o s teus pcccados, dos quaes tal
v e z hp a menor parte a de q u c , tc lembras £
para porem fazeres dcllcs algua le m b r a n ç a ,
ap menos co n fu fa , difcorrc pellas partes,em
que .tens aífiilido, pcllas o c c u p a ç o é s , que ti-
v e f t e , e pellos annos, que tens v ivid o . O h
quaõ comprida hc a cadeia do$ pcccados, que
tens ido con tin u a n d o ! de fòr.tc, quc naõ
3
b p u v e tem p o algum da tua .yi a paflada,quç
naõ, tenhas prpfanado com as tuas maldades^
J^aõ tem fido os teus fe m id o s até a g o r a ,fe *
naõ outras tantas p o r t a s , p o r onde encraíTo
-íijK io- *
M editaçao I. "]t
a m orte em tua alma 5 de que tem fervido
mais frequentemente as tuas potências,fenaò
de inítrum ento d c todos os vicios , dc que
hc capaz o teu citado ? pois fó deixaíte de
co m m e tte r o m a l , que te naó o c c o r r c o , o u
que riaó tive íte o c c a ú a õ dc co m m e tte r. E
ío b r e t u d o , quantas vezes fe tem feito a b o ­
m inável,e igual c o m a s coufas indignas, que
a b ra ço u , a tua vo ntade, vo ltan d o as coitas
ao S e n h o r , fendo que cila foi creada para a-
mar ao S u m m o B e m ? e iíto co m h ú a fa ci­
lidade taõ incrível , q u e o b r a í t e , c o m o fe pa­
ra ti naó houvcíTc nem lei , nem Senhor;
P clloqu e, fe n a ó cltás voluntariam en te c e g a ,
deves confeííar , que cfta a tua alma , c o m o
eítava o c o r p o d o Santo J o b , toda cheia de
chagas, c de pqdridaõ, e c o m o húa a p o íte m a
hedionda nos olhos tío Senhor. S c hum fó
peccado venial m c r e c c a m o rte , e h ú a c u lp a
mortal o inferno, quantas vezes tens tu m e ­
recido a m orte,e feres precipitada nos infer-:
nos? Poderás pois ríegar, que a m ifcrico rdia
déí Deos tem fido grande para com tigo,-po^
is naó ló tc tem fo fr id o , aindaque carreg ad a
co m tantas culpas , mas alem diíTo te tem
feito tanto benefícios ? H o r a até quando has
de continuarem abufar da paciência dc D e o s?
A c a b a de-tc-dar p o r vencid a d a B o n d a d c d o
E 4 : Ser
J2 $egmdo dia
S e n h o r,-ço n fcflk a tua m a licia ,e deréftaadfr
d.e todo o teu co ra ç a ó , prppqndo ama^:,%
D c o s ainda-^com maior f e r v o r , do que fqi o,
atrcvimcnco , co m que o tens o ffcnd id o; •*$
pedelhe huQ) arrependimento igual ás tua%
c tilp a s ,c fiu m propofito firme dc nunca ma-v
is as tornar a com m etter. #, j -k . ..
2 C o n l i d e r a , alem do n u m e r o , opefq,do^
\cus peccados. E fallandp t)os peccadoç-yc^
o iaes, cada hum dclles hc, p maior m al,,quc
ha no m u n d p , c x c e p t o jorm çiu c o pççc^dpj
m o rtal. E faUan^p das /culpas graves,,cacjaí
p c c c a d o ipor.tal, por Çjf mal , .que d iz jçefci
'cita a D ç p s , fobi epuja g o p v infinito cx£çf*t
Í
p ã todas os m ales,que tocaf) puramente çornj
as creaturas, D,c l o r t c , que quem empren-,
delTc defprczar todas as creaturas poffiveis,,
m ó feriaõ compnravcis pom hum f ó pccca-
p
çio mortal tad q ^ ^ íles dçfpr-çaçs, p o r cílcs
ultrajarem pci teiçoes fiijitas Tc ljmitadas, c
ultrajar aqpcllç todas p p rfçiçoe s infinitas
dq D e o s •, peboque , f c f ç ,podcíTem ,pç>r cm.
c o m p e tê n c ia todas as penasdojpujro m u ndo ,
£> por i i ^ . p o m hum peçç*dp g r a v e , 4i/çiria
menosfinfçliz quem as padppcfic.tpd^s , que,
Zcclí.
09.1$. quem comniprce hum; pqcça jo m o rta l: Et
» t.

fítjlif potius in ftw u i yiqtiàTK HU. E í l e hc o


EF.fot.46 h q q . l o p ç ç ç a d c i ^ ^ y ^ c f l i u r a a p í . ;
-o 5 vm*
M editaçao ?/ 73
ipina vontadc>c quem le naõ ha de aterrai de
h aver c o m m e t t id o tantos, c dc os haver c o m r
m et tido com tanto defaforo, c o m o fe o f f ç i y
d e í l c a h u m D e o s fin g id o ? co ra çn ó dc pctí&i
fJeveter,quem a tal fc arrojou. Q u e t c rcílft
po is,fenaó ch o rar efta te m e rid ad e,e ella d u ­
reza, dcxejandp ter húa d o r a m aior, que feu*
poflivel,para acpdir pella honra daquclla iiy-
finita M a g c í l a d e , a quem com as tuas offen-
fas .tens d cfp re z a d o : pedplhc pois do intip
ín o d o co raçaõ p tc conceda ella d o r jja que cs
taõjmifcravcl , que podes p c c c a r ,, mas nap
tepodes dignam ente aiTepcqdcr,fcm a a flir
ílcncia d a q u e l l a G r a ç a , que tantas vezes ten^
dcfm crccido. f
3 C o n f i d é r a , alem do n u m e r o , e pcfodap
tu:\s culpas, a medida dellas^ E f t a medida hc .
? retribuição, c o m a u c recompcnfas a q u c ll,i'
medida fuperabuodante d o s l^ iv in o s b en ç fV
c io s , que reçcbcftc. P o n d e ra pois c o m atr
tençaõ a muitidap, c a c x c c l l c n c i a dos b cn c f
fi?cios, que te tem feito o Ç c n h ç r , aflim
que faó commun.s a tod os, c c m o os clpcci^f-
c s , c m que tens li d o preferida;a outras crea^
turas. C o n fid e ra tam b e m a tua fu mm a in d i­
gnidade, para feres afiim fa v o x ccid a ,ca g ra n ­
deza infinita do B e m f e i t o r , que hc
p o r efla íazaõ ,q u a lq u er d o m , p o r mais pq-
queno,
74 Segundo dia ,
q u c n o , quc fcja', vem a fer fum m anftnte ef-
tim avel 5 co m o tambem o infinito am or,quc
c m ti e m p reg o u o S e n h o r ,e fc c lh e n d o te d e f-
d e a eternidade, para te fazer tanto bem . Se
houvera D eos vindo do C e o á t e r r a , f ó por
a m o r de r i, fe houvera h u m ilh ad o , padeci*
d o , e morto , que diriaó os A n jo s, vendote
taó pouco agradecida ao S e n h o r? a quem
eltás certamente nefla o b r i g a ç a õ , pois elle
padeceo, e niorreo por ti co m tanto a m o r ,
c o m o fc tu fó eítiveras no m u n d o , e iíl o pa­
t a que correfpondeíTcs agradecida a tama­
nhos b ê n eficio s: o q u c í tip p o ílo ,v e n d o te ac-
tiumulada dc tantos benefícios, te devia pa*
recc.r im p o í l i v e l , naò fó o querer ô ffen -
d e r a D e o s , más ainda o podéllo o f f c n d c r ,e
Geo- d irias: Quomodo pojfum boc malum fa cere?
9 c o m o hc poílivel, que cu d c tal d e í g o í l o a o

meu fumm o B c m fe ito r ? P o rem naõ f ó pu-


d e i í é , e quizeU c d cíg o fia lló i depois de ha­
v e r delle recebido tantos benefícios , mas o
tens ofifendido no mefmo tem p o ,em que e l­
l e taó liberalmente tos co n c e d ia , c o que he
m a i s , tc valicfte dos mcfmós;dons, c o m o de
armas, coritra o mefmo D e o s . O h h o r r o r !
q u e te haja D e o s creado dc nada ,: é que ta
Y o r h i i m nada o hajas vilipendiado! Q u c cc
’ hdja D eos anccpbito a tantoáj c tantos, pa«
__________________________ • i
M editaçao I 77
ffL í e fa^ef bem , c quc tu o hajas p o lp o fto
*o teu co rp o , que h c húa co u fa taõ vil! Q u c
morrei?? D e o s para tc dar v id a,e quc tu , c m
Jtigãr dp d^r a vida p o r quem p o r ti m o rre o ,
Ihc hajas renovado, e augm entado as chagas,
e em v e z 4c o *naar mais do q u c a ti mel ma,
co m o clje merece , o hajas amado m e n o s ,
quc a húa fotpbra dc b ç m , q u e j a defapparer-
ppo I C o m p a r a hum p o u c o eftas duas medi­
das húa pom * outra i a medida , c o m q u c
P c p s te tem m ed id o, pellos feus b en efício s,
com aquella, c o m q u e tu c o r r e lp o n d e ílc c o m
as eufts culpas; e ç o n fu n d c tc de ti m e ím a d ir
4
ante. e D e o s , e dos A n j o s , c Santos da fua
Q u r t e , q u c taõ fielmente o fervjrao rrcnovâ
Oaprcfçnça dcllcs a tua profiflaó 9 pafma de
quc aflim cllcs , , c o m o todas asroutras crea-
3
ty« $ tc tenhaó f o f r i d o , e que Iç naó tenhaó
levantado co n tra t i , para v in g a r as injurias
dc feu S e n h o r , c b n f e f la n d o ,q u e tens merC*
c i d ° 5 <jue fc abra a terra dcb aixo:dos teuf
T c s > quc tc n e g u e o ar a refp iraçaó , q u c re
ib ra íc o Sol c o m os feus raios , c que fc fat
ç a outro novo inferno fp para t i j e j a q u e fo
tc tem concedido tem p o para emendar ain-*
fidehdadc paffada, p r o m e tte daqui em dian«
tCíhúa nova vida-, pedindo abündantc g r a ç ã
paia p p r cm c x c c u c a õ os teus fantos p ro p o *
W *! M £ D I-
.y 6 'Segundo dia,
r ' ' «‘ — - ‘
^ IM E D I T A Ç j á .O II. h
Para Ò fegundo dia dos E x e r c i d o s .

'SOBRE O M A L , §£0E E M S l
(r.. encerra? c caufa o peccado. « ^
f ?.o.vj rr -.btern.. r-(* <v. , iM -y {WJfp
I p O n fidcra omd,fymfiencerr<to\pec*
~ií v _ > h u m u m c o , c f u m m o Bem*
p o r am or d o qiíal fc devem amar to d o s ‘-oè
potros bensyC que deve fer amado p o r a t t w
d e fi m e f m o s t eíte he D c O í^ e ha huov uni*
c o , c fu m m o mal, por caufa d o q u a l‘fe dovfcftf
aborrecer todos os outros m a l e s , >G*jue deve
f e r aborrecido por am or do fi Ttfcfmo^e ctíè
i i e o peccado. 'füaõ he pofitvdlàcharic niáaôr
rq ip o ílç a õ v q u c a que ha^em r.cO eo s, e o p e e -
cado$ c n«6 p b d e [d ©i* ttf d e 6ír<peÍTi m o àqü
Ic.mnU qw^id^tal forre f o o p p ô e m aó fum m o
B e m . Kiafltwpfcndo Debfirhum mar imrdcfl^
fo 4
o pcCcadodtc lum al>yfroò
fom ^od^^tóir^aliciavfcndo ^ o s h u m BcW
m fh lca m cn y :^ b p crio r u rodos os bens, o p tt*
òfedovbc buifl w ift f a p e r i o r a todos os mulos j
fcndo D<jo©ihunvferV®M otijàcompar&^rfô
todift ar-ouprás c o u f ^ n ^ d a í- f a ò / o p c c é â ii d
h ? 1 m í^ W ifli» tÍjç a 6 'ta l, q u e ^ todosjofljdi^
«ros malc^cdnrfptfrados jroin.dleyfcdhesmAã
3
/ r ü Iví poda
MeditAçao IJ, 77
pode chamar males. H c pois o p cccad p aj
maior raonftruoíidadc deita, o.tja outra v i d í j ,
nem pode D e o s co nh ecer outra maior, nem:
mais contiaria á fua B o n d a d e , c M a g v ít a d e
J^ivina 5 p cU cq p c , fe do infcr.no fc podefla
tirar o p e c c a d o , j a o inferno naó feria infcr~
noje íe fc podefic introduzir np C e o , ja c íte
naò feria C e o . V c pois, o q u e ;tens feito c m
p c c c a r , que foi naó m e n o s ,:q u e dar vida si
hum monftro taõ a b o m in á v e l, que fe o p p o ­
em a quanto ha b o m cm D e o s ., c hc o ini­
m ig o jurado dc todos os D iv in o s A t t r i b u -
t o s ; e aflim,amando tu a cíte mefmo m on-.
Itru o , c dandolhe acolhida n o teu c o r a ç a õ ,
te tens feito cip ce rto m o d o taó perverfa ,
como hc bom o Senhor. R e c o n h e c e pois o
citado da tua m ife ria , jium ilhntc até o p r o ­
fu n d o , agradecendo a bondade de teu D e o s ,
que te tem dado a m a õ , para t c tirar dellc j
e ja que o m a l , que tens f e i t o , naõ tem o u -
V o remedio m ais, que o d c tc íla llo , pede ao
Senhor duas fontes de lagrimas para os teus
o l h o s , cm ordem a choralio , c o m o deve s:
Jixitus aquarum deduxerunt oculi t o e i, quia
V°n cuftodiemnt íegem tua?n.
1 C o n fid e ra o m a l, que 0peccado caufa de
prefente. Prim eiram ente, dcítroe os hábitos
das virtudes f o b r c n a t p r a e s o s doas do E f -
‘ pilitvP
78
pirito San to, deixando a alma feita hum r a -
d a v e r , coro a f é , c a efperança mortas. Érti
fe gu n d o lugar , priva a alma dos imirienfos
bens, que íe encerraó na G r a ç a , d a q u á lh tim
í ó g rao vale mais, que to d o o mündd; E m
t e r c e i r o , dcfpoja a almá de todos ds ttiere*
cim entos das boas o b ra s , da filiaçaó d t Deos*
da D iv in a amifade, e do direito * que tem i
herança do feu Padre C c le ília l n a B e m a v e n *
turança. E depois d e h a v e r d c f p o j a d o a a l m a
dc todos os b e n s , a enche dc todá a c a f t a d c
miferias 3 enchc o entendimento de trevas* t
de erros 5 a vontade de dureza * d dc averfaô
ao fum m o B em 5 o c o n c u p iíc iv e l dc dezejos
defenfreados;- o irafcivcl dc faftid a to d o ó
bem 3 o co rp o de impureza : c os fcntidosdd
defordem 3 c faz hum c o v il de demonios á
mefma a l m a , que antes era v iv o T e m p l o da
D ivin d a d e . C o m o pois feria poíT
h ü a creatura racional fe fizeífe
tanto m a l , cm peccarido, t depois de haver
cahido em c u l p a , viveíTe alegrem ente em tal
eftado, fe reparafle neífa maldade co m a d e 1
f IOr c o n fíderaçaõ? E lla a engo le inteira: O s
19,28. tmpiorum devorat iniquitatem. Envergonha-»
te pois de ti m e f m a * e propoem dc tratar
daqui em diante o teu co rpo * co m o elle
m c r c c c , por te haver enganado 3 c pede ao
Sc*
M editaçao II. 79
S e n h o r , que te c o m m u n iq u e aquelle cfpiri-,
to de penitencia , por m eio da qual poflas
vingar cm ti as offenfas,que tens feito á D i ­
vina M ageftade.
3 C o n iid era o m a l, que o peccado ameaça
para o fu tu r o , qual he a conden açaõ eterna.
Pondera hum p o u c o c o m m a d u re za , q u e h e
o que quer d i z e r , o eftar fempre dc morada
cm c o rp o , calm a em hum f o g o taó trem en ­
d o , quc he c a p a z d c co n fu m ir os m o n t e s , c
haver de habitar ncllc por todos os f c c u lo s ,
quando fenaõ pode fofrer co m pacicncia por
hum efpaço b reviflim o , fó a ponta dc hüa
chamma do noílo f o g o , o qual h ç c o m o p in ­
tado cm co m p a ra ç a o das chammas inferna-
cs. Pondera tam b em hum p o u c o , q u e c o u ­
fa he o perder para fem pre a h u m D e o s de
M ife r ic o r d ia , ap p lica d o to d o c o m as fuas
Divinas p e rfeiço e s a fazer para fempre b e m -
aventurada hüa alma no C e o , c achar a hü D e ­
os de J u fliç a , applicado t o d o aato rm en tar
para fempre a hüa alma rebelde ,e a defearre-
gar fobre ella g o lp e s taó pefados, quc c o n h e ­
ç a íempre , quc a c f t á caftig an d o o O m n i - ,
potente. D e p o is de haver dc a lg ü a forte,
p e r c e b id o , que cou fa hc o condcnarfc hüa'
a lm a , repara, quc hum tratamento taõ te r­
rível feito a hüa alma , quc cra antes taõ a-,
ma d a
y * - ‘
•%
■w ^
8o Segundo dia,
madít por D c p s , hc hum a & ò d a D iv in a Jti*
i l i ç a j ifto hc,procedido dc húa re & íd a õ in­
fin ita , q u e T c n á ó pode enganar , nem e x c e ­
d e r : depois de haver m ettid o na b a la n ç a ,d c ;
Hua parte o p ete ad o * c da oütra o a b y fm o
dc todos o s 'm a l e s , aílcnta c o m t i g o , que o
p c c c a d o hc Hua dcíordcm t a õ graníde j q u e
para fc haver de rc& i ficar ,e para f c d a r á l u á '
M a g e f ta d c a honra, que fc lhe tiro u porhü:*'
acçaõ taó malvada, hc neccftario hum caftir,
g o , im m enfo pellos tormentos j que em (i
encerra, e infinito pella fua eterna duraçaõ^
E f t c he o j u i z ó , que D c o s faz de hum p e c -
cado-,eatrcvertchas tu a o p p o rte á íua fabedo *
r i a , c a tc p e rfu a d ir, a que vai errada neftef
p o n to a D iv in a fcicncia? E fendo c e r t o , q u e
e l l a , nem nilto , nem cm outra coufa a lg u a
pode e r ra r,c o m o naó tens horror d e t e r p c c ­
cado hüa fó v e z , c c o m o he poflivel ^ que
engane tanto cíTc traidor da c u lp a , que tc-'
nh asnccellidad cdciiovos motivos para o naó
adm ittir outra v e z na tua alma ? N a õ hó’
Certo, que fc tem cfta lcntcnça executado;
ja cm tantos, e tantos por hum íó aóto pec-
cam inofo ? E fc hum fó aóto dc culpa tentf
lido baftante para acccndcr hum incêndio
lempiterno para aquclles miferaveis, terás tu
e u f a d u dc ajun tar,cah indo cm outras d c n o ­
vo*
l i 4 éMtàfti& II. 81
v o , nova lenha, para aquella fogueira , q u c
j u l í a m e n t e , e c o m müita mais razaõ' pode»
temer? Propoem pois d c rcfiftir co m fum ^
ma gencrolidade a to d o o g c n c ro d ç t e n t a * ’
ç a õ , aindaque illo'cè<haja dc euftar m i l ‘Vr±!
das; pede perdão de h aver d e fg o lta d o taHtòr
ao tèu D e o s , que o tenhas prccifado á pfow
nunciar contra t i húa fenténça ta õ form id á­
v e l , quando pcccaftc ; rogalh e por aquella
milci icordia, !quC naõ mereces, mas he pró­
pria do mefmo Senhor , tc conceda ã g r a ç a
dc derramar antes to d o o fhngúcdas tu asve *
ias, quc tornallo a ofFcndcr.' *•* ’ ’ :,' ff *r?!,,í
:f V; * |M 0 'M*.!)! f# •#i| fKll .) f>

M E D I T A Ç , A Õ IIL w rl

Para o .fc g ú n d o dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E A M O R T E '.""';'
' •' .*/: »■c. .• ■
*/>* . .ftm < • '**7#í ínVi
1 O níidera , quc o Profeta , para nos
V**/ deferever a m o n e , lhe ch am o u tres
vc2cs fim : Finis ven it9 vertit fir.is, nunc fin is e « c.
faper te i c iíFo , porque a morre hc fim d è 7’ **,<
tres coufas; fim de todo o fen G vel, d c t ò d o
° cng*no , c de t o d o ò t e m p o .- H c pois a
morte fim de todo ofenfivel. N a õ c o n h c c c ft e
p o r ventura a alg ú a outra R e lig io fa , c o m -
F panhçi-
$ i; \Scgundo dia ; ,
panhçira: tua , antes v i v a , e agora m o r t a ?
P o i s repara agora cm c o m o para cila acaba­
d o todas as com m odid ades$asam ifadcscom
OS fe c u la r c s , as convcrfas nas g r a d e s , as ga-
H^rçcias^ios c o n tra to s , a vaidade no v c f tir ,a
c ít im a ç a ò de d i f c r e t a , c tu d o o m a is ,q u e e l-
Iji^al v e x tinha p r o c u r a d o ,p a r a d a r g o lt o a o s
fe u s fen tid os, cm p re ju iz o da obícrvancia.
P o i s do m efm o m odo ha de acabar tambem
t u d o para ti, c o teu c o r p o em b re ve tem p o
h a dc ficar taó hediondo , que aindaque fc
poíTa tolerar o morar m u ito te m p o junto dc
h u m m o n tu ro , ninguém ha dc poder fofrer
o cftar m u ito te m p o j u n t o d o teu cadaver.
P o i s paraque hc tanto cu id ad o para as c o u ­
fas temporacs ? paraque he tanta ancia para
re g a la r a hum facco dc p o d r id a õ , qual hc o
t e u c o r p o ? S e t o d o o m undo fc houvefie
e m breves tempos dc reduzir a cinzas, olha-
rias agora para e l l e , c o m o f e j a o cítivcíle-, e
• íl a n d o elle para ti ja reduzido a cinzas, p o r­
que cftás morta para e l l e , nem o lias dc ver
j a , fenaó depois dc elle c íla r reduzido a cin ­
zas no u ltim o d ia , ainda afiim te affeiçoas a
cíle s bens tranfitorios, c o m o fe nunca os ha-
vias d c dcixary era acabando a tua vida $ e
tratas dc carregar co m tantos perigos, e com
lantas fadigas a h ü a nao , que j a c o m e ç a a
abrir,
M editaçao JII. 8^
a b r ir , c a irfe a pique * trabalhas em fabrí-;
car fobre efla areia in co n llan tc hüa cafa, qúé
j a tre m e , e e í l á para cahir, ‘' è .f c p u l r a i p n a s i
luas ruinas: cada dia vas fazendo m f t d i f f i -
cultofa cila feparaçaõ dc t o d o o feníivel 7
que efltá im m in e n tc , por fc ap egar c a d a v c z
mais a elle o teu c o r a ç a õ ; e a r e q u i n d o qutí-
res andar dcfgarrada arras dç hüa fò m b ra de
bem , que te f o g e ? Ufquequò g ra v i corde f *{
P.tfma da tua inconftderaçaõ , c r e í o l v c t e , j a
que cm bfeve s dias has d e deixar p o r f o r ç a
tudo quanto ha no m u n d o , a d e ix a llo ag ó ra
com m erecim ento , defapegandote da affei-
ç a ô , que lhe tens , c pondoa naquillo , q u è
jamais tc poderá roubar o ladraõ da m o r ce ,
mas que tc lia de acom panhar na o u tra v i d a ,e
ficará c o m i i g o para fempre* agradece ao S e ­
nhor , q u- tc dá te m p o para emendares os
teus erros* e pedelhe c o m h u m i l d a d e , q u e ,
le ate agora tens v iv i d o , c o m o fc nunca h ou -
veras de m o r r e r , vivas daqui em d i a n t e , c o ­
mo fe j a cílivcfies morta.
i C o n fid c ra , c m c o m o a m orte he fim do
engano. O engano mais ordinário nella m i-
ícravel vid a ,h c o parecem os grandes as c o u ­
fas da tcrra|, por cllarem mais p ró xim as aos
nolTos le n t id o s , c as do C c o , c o m o mais
r e m o t a s , Nnos parecem pequenas* tam bem
F x _________ as
84 \Segundo dia,
as t r ib u la ç o é s , c as p e n ite n c ia s , nos pare­
c e m graves , parccendonos ligeiros , e leves
xfai 5.os p e c c a d o s : D icitis malum bonum , (3 bs-
ao , ' num Wrfum. E ftam o s , c o m o quem etlá cin
h u m lu g a r ch eio de fu m o , c^uc nos naó dei­
x a v e r bem , nem o que cfta d e n tr o , nem o
q u e c ftá fora , mas á hora da m o rte fc difli-
paó todas eflas treVas, e a a l m a , que a m o d o
d e to u p e ir a , tinha tid o Íempre os olhos f e ­
chados , c o m e ç a entaó a a b r i l l o s , e t o d o o
tem po ral lhe parece n a d a , c o m o na realida­
d e hc, c f ó lhe parece grande o eterno: Q u od
écternum non eft , n ih il eft. E c o m o os p c c -
cados nos poem em duvida a nofla fa lv a ça õ ,
ap p arcce entaó o defmedido p e l o , com que
nos g ravaó , aflim c o m o hüa nao tirada da
a g u a , que nella naó m oftrava a gravidade do
feu pefo. Q u e ferá p o is , d c hüa R c l i g i o f a ,
q u e efpcra aquella hora para fe defenganar?
q a c c o n ceito farácn taõ dos rclpcitos huma­
nos , p o r amor dos quaes naó cuidou cm ic
enriquecer c o m boas obras, tendo feito mau
c a fo dos dittos das creaturas, do que da von­
tade D i v i n a ? quanto lhe ha de pefar dos cf-
c a n d a l o s , co m que prejud ico u á obfcrvan-
cia,*e d e f p r e z o u ,e dco mao e x e m p lo ás que
.lh e eraó inferiores ? A p r e n d e pois a tomar
coníelho com a morte a tempo,e acftar pel­
lo
A íeditaçao III. 8£
Io feu j u i z o , que fempre he re & o :. O n torsf Eccli«
bonum efi judicium tu u m ^ fx zendo l o g o o q u e 4 ’ *’
entaõ quererias ter f e i t o , e evitando c o m
tem p o o que entaõ dezejarias t e r evita d o $
fahiráó porem fruftrados eííes d e z e j o s , f e te
naõ precaveres a t e m p o ,a p a r e l h a n d o , c o m o
v ir g e m f a b i a , o azeite, e a ala m p a d a , antes
que venha o E fp o fo . C o n f u n d é t c , de que ha­
vendo eftado tanto te m p o na R c l i g i a õ , p a r a
aprender a morrer, tens ap ro veitad o taó p o u ­
co nefta e f e o l a , cfq u cc e n d o te quafi de t o d o
do fim, para que a ella viefte, e r o g a ao S e - / !
nhor te conceda a fua g r a ç a para te emendar.
3 C o n fid c r a , que a m o rte hc tambein/fa*
do tempo. G ra n d e beneficio nos tem feito o
Senhor * pois havendo dado aos A n jo s hum
tempo d c pouccvinltantes, para m crecereni
a fua c o r o a , a nós nos dá hum c f p a ç o taõ
I^rgo, c o m o o de annos, e a n n o s : porem d e
que nos aproveita efle b e n e f ic i o , fe em v e z
de em pregar bem hum t e m p o taõ p r e c i o f o i
ou o dcfprezamos, ou o em p regam o s cm pre4
juizo dc noíTas almas? A d v e r t e p o r e m , que
cm breve ha dc acabar cíTc benefiéio taó af-
finalado\Tcmpus non erit ampliht. E c o m e f - A***•
feito, nefia hora, em que nilto meditas, paJ ,0’ *‘
ra quantas pcíTbas tem acabado o te m p o ? e
que naõ dariaó ellas,fe podeíTem tornar a v i -
F } v e r,
$<S \X\Segundç dia,
tba3 VÇi', c ajuilar m e lh o r a s coulas das fu a s c o n r
1 -1* fcjcncias ? Pergunta Inim p o u co a ti mçím<i*
f. que naó, d u ja s t u , fc houvçlíes de morrer
n çítc inltante,p or mais hum p o u ç o ^ e te m ­
po*, para fazer penitencia, e pói em melho*<
jç$, termos o n e g o cio da tua fajvaçaõ?i; Co.-?
m o pois pcrdçs voluntariamente tantas o c -
c a (jocs.de fazei boas obras* nem duvidas de
ç e ^ x p q r .fç m p r c a m a io r p.crigo, c o m m ç t -
íçnd o n o ^ s culpas. P o r ventura fe mprrrç?;
fccs.mal húa v e z , terás çpmpp para e.n\cndai;.
Heb. çflis curo ? Statuium efl hòmUiibu$fcm el n m h
9 *7‘ Jjí.fakc s > que naó , e c o m tudo iflo guardas
para o tempo.adiante a prep araçaõ para hü
n e g o c i o dc infinita co n fcq u e n cia , c u ja im?
ppftaqçia^j^ó-jppdcm lu fiiciçiiíem ente e x ­
p lic a r a$.,linguas de todos os. A n jo s. En>Jiú.
m o m e n to has dc d e i x a / d c vive r para tu d o
o que hc temporal j cm hum m o m en to haS
d ç ver o y o Ho ao teu Juiz-, em hum m o m en ­
to fc haó de pop. patem<íS;tgda$ as tuas -in-
gl^tidoísv.4*íW hum m.omci)to has de ouvjr
a tua fcptvqea! irrçv^ogavej de h^vc.rcs.de c-
fiaçpar^,f<Jmpití em ciMi>p<mhi^ d o s rcpvp-
^ a b<^, ou.tntr^rô^ Pved(ç.tt-i.nadôs. E haverá
•k *ot p ^ v e n t ü » * rr m todo o teu te m p o m om ento
e tu vives..dçllcftaó
cfque(/)dq$ çtfiQ.fc naó houvera b içv e p vú ie d e
/IO 7 r C^C'
M editaçao III. 8^
c h e g a r ! Se houvefles d e ir para ín d ia , c o m
que cuidado naó prcparafias t o d ò o necéfla-
rio para húa viagem taó dilatada? e eítàndo-
para paflar da hum lalto <^dn^rneníbeíp^ç9y
quc ha entre o Y e m p o , e a c t e m i d a d ç v i c n s
rcíòlu£,aõ para dar de repente hum taó g r a n ­
de falto, fem fazer pé atras, cni ó rd è m \ te
aparelhar co m t e m p o ? N a ó te parece m on-
ltruofa eíTa tua in fcn íib ilid a d e , pois h ave n ­
do de tratar dê hum n è g o éte 1, q u è tanto i m ­
porta, tc pocsfobrtí iflo a d o r m ir? Era, def-
perta os teus p e n fa m e n to s ,e p r ó p o e m d e t e r
por hum fonho todos os demais n e g o c i o s ,
cm co m p araçaõ d e í l c y q u e ‘ he im porcantif-
fim o , c que fó podes cóncMTr c o m venta-
g e m , morrendo b e m ; N e n h ú a d il i g e n c ia ,
com que p o flasp ô r em m elhor e fla d o as eí-
peranças de húa eterna f e li c i d a d e , pode fer
cxcetixva : M agis fá ta g itè , ut per bona operá *•
vertam v e jlr a m ... elettionem fa cia tis. E n v c r * u ,C|
gonhate pois do teu paflado d ê f c u i d o j d é -
téltao dc todò o teu c o r a ç a õ ; e p e d e ao Se-
hhor, que he R e i dos fe c u lo s , tc d c g r a ç a ,
paia tc aproveitares bem do t e m p o , quc te
concede, c paraque trates gen e ro lam en te dâ
tua U l v a ç a õ , antes q u e c h e g u e a norte da
roorte, quando ninguém pode ja o b r a r : V e - Jom:
n it nox, quando nemo potefi operari. 9‘ 4'
F 4 ' • ME-
8 8 À 'S t g m d * '. t t t i I

m e d i t a ç a o iv .
Para o fegundo dia dos E x e rc íc io s .
SO BRE A T > I F F E R E N C , A,
qüe ha, eritre a morte, ele húa Re-
ligiofa relaxada, e de hüa fer-
vorofa.
■ > l l

.f I O n íid cra,q ain d aq u earaorteato-


-l , V - # do$ iguala,pobres, eJ*icos, npbi:es,
e p l e b e o s , doutos, c ignorantes, naõ os ig u a ­
la p o r e m em t u d o , antes ha entre mpitos
húa grande difjfercnça; pello que h e b e m , q u ç
a vejas nã mor^ç dc hüa R e l i g i o l a relaxada^
e.na de húa fcrvorola; c c m primeiro lugar,
quanto ás coufas, que precedem a m o r t e H ú a
R c l ig i o f a p o i s , quç^.cfquçcida das promef?
fas, que fez a D eos nos feus vo to s, tem vivi*;
do a íeu g o f t o , e fe acha.reduzida *ao u ltim o
e x t r e m o , deiconfiada j a dos, M é d ic o s , c.avi-
fada pello ConfcíTer, para fc difppr para m o r ­
rer, volta os olhos para a fua vida paíTada,e
v c , que. defappan ceo de repente to d o o feu
con ten tam en to ; defapparcce a liberctade,.quç
t o m o u contra a obediência* d cla p p a rc çe a
fa u d e , que c ílr a g o u co m os feus a p p e m e s;
d c f a p p a r ç c c m o s applaufos,quc lhe davaõ.aç
.• ■ / ‘ co m -
M editaçao IV .
companheiras nas fuas d e ló rd e n s ; defappa-
rccc o r e g a l o , c o m que tratou o feu c o r p p f
defappareccm o f e n g a n o s , c ps failacias, c r i
q g e e m p re g o u todo o feu <t e m p o , c t o d o o
jfçu c o r a ç a õ : Âperiet. oculos Juosr 0 n ib il in-
vem et. D c rodo o paflado, que tanto a ale-,
g ra v a , naó lhe fica mais, q u c h u m trifte p ç-,
lar dc o haver g o z a d o , confcilando a tnife-
ravel no feu co ra ç a õ o erro, em que cahira,
mas confçfi'?íjnidp9,maistardc,doquc havia de
fer. Pello contrario* h ú a R e l i g i o f a fervoro-
la nada p.crd.c n a ,m o r t e , fenaõ o que ja no­
tes tinha defprezadojpcndo çflrcrccidoa Dc-:
os.o leu c o r p o , a fua p o b r e z a , a fua fujei-
ç a õ , e a fua penitencia, o que tu d o íe lne
.troca naquclla hora cm hum thefou ro de m e ­
recimentos, que a enriquecem para fe m p re :
A p ô t.
Opera cnim illorum fequuntur jJ/os. Q u e te
parece deftasduas efpecies de morre taó dii>
íç r c n t c s P q u a r d c lla s h c , a q u c e lc o lh c s para
ti, pois eftá na tua m a ó a c f c o l h a c o m a g r a -
Ç a, que tc dá o Senhor?, fe queres m o r r e r ,
x;omo fervorofa , he ncccíTario v i v e r co m
f e r v o r ; porque dc outra íorte naó ha t e m ­
po a hora da m o rte para te aparelhar , pois
.deves cftar ap arelh ad a; c naó hc te m p o en­
tão de bufear a D e o s , mas de o achar. P af-
ma de havcresconfiderado até agora taõ pou-
co
tyó Stgundo diaj ^
c o nella v e rd a d e , de rc hávefes preparado
t a õ : mal para o que uniéaráênte im p o rta, quC
hè m orrer b e m ; c pede a q S e n h o r , que^pois
elle fe cham a, A d ju tor in opportunitatibYis ,
tc aífifta ncíla grande n eccífídade, paraqiitt
te aches preparada para^fle trance, c poflas
fahir delie c o m felicidade. 1 • ;* /
i C o n lidera fiffáí mefrha differença a re-
[peito das cotifas, que aeotnpanhao a morte.
H ú a R c l i g i õ f a , que a he fó Vio h abito, redu­
zida aõ u ltim o da vida, fc ü c h ã h o r r iv e lm e n ­
te atormentada tanto no c b t p o , c o m o na al­
ma: N o c o ^ n j por fc fiara* a c c o llu m a d o
a dai* c m tu d o g o l f o a o s ‘féus fe n tid o s , e fe
achar entáò m òrtificada ccfm as medicinas ,
falta dc f o n o , e pellas d o r e s , que c o m f i g o
traz a d o en ça , trocandofelhe em afflicçaõ
o mefmo defeanfo, por caufa da im paciên­
cia ; p o rq u e lhe p .ireçê ,q u c os1* M é d ico s fc
dcícuidaõ d e lia , que fa& negligentes as E n ­
fermeiras; que lhe naõ' àíTiftcm as Preladas,
c que as com panhcirasnaõ tem delia a devida
c o m p a ix a õ . N a a lm a ; porque lem brandó-
fc dos feus pcccados, lhe parece; que a po-
em de ce rcò p o r inltante&;'e o dem o n io ,q u e
nunca d o r m e ,l h e augmenta a c o n f u f a ò c o m
as fuas f u g g e íto c s , c ainda a p o e m a r i t e o dc
cahir cm novas culpas. Para onde q u e r que
M editaçao IV . 9^
v o lte 51 miferavcl os o llíò s , tu d o lhe cau f*
t e m o r 3 pois dentro ,de ü .apha a fua çonfçi^
çnçia perturbada 3.fobre G ;vé j a p rp p in q u o
a feu luprem o J u i / j c abaixo de, fi fc lhe po-.
cn>dia.ntc os c a ít ig o s , quenam eaç;.õ} e fo ^ r e
tuçlo, quando.a ^viiaó para mor.fcr, G c a ç ç f t
çoJ>rada, c o m o fu c c c d c a E fpofa cqU
pada, c d r f q b ç ^ n t ç , quanf^o lhp.daó noti*
cia, d c q c lf á ch eg an d o o feu E f p o i o . Pc)lp
comrjavio, híja R ç l i g i o f a m ortiGeada, c ob-,
f e r v a p t c ,c íiá ^ q m q h ú a vE fp o fa G el,efperan-
d o c o r n a n d a , que ch egup o <feu E f p o f o > e *
aindaque, quanto á parte j ^ f f r i o r , reme a
fcp a ra ç a õ da alma do c o r p o , jlç ç o n f o l a c o m
tudo co m a F é j cfpcvando falwr.dchum pa-
iz çbeio de l a ç o s , p e rig o s , c t e n ta ç õ e s , pa­
ra ir a hum lugar., ç n d e ame eternamente , e
g o z e de feu D e o s para f e m p r c , [ a o m o d o ,
que húa andorinha faco d c as. azas,, e fe dií-
p.ócm para paflar de hum p a iz f r io para hum
clima temperado. N a õ a afflige demnfiadar
mentp a enfermidade, p o rqu e c o m p e ü á in-
llruida.no c x e r c i c io da paciência^ labe o f-
lerecci ao S en h o r as fuas penas, c aceitar da
fua maõ o que he a m a r g o , c p m o fe fofle fur
avey naõ a afflige a lem b ra n ç a dc íéus p ecca-
dosy porque os tçm chorado muitas vezçs,
c procurado cp p v tem po dc os c o b r ir Com
Jas

.
5(2 Segundo dia,
t t obras virtu o fas: m u ito menos a afflige o
haver de d e i x a r a efte m u n d o , e tudo o quc
nelle podia ter; pois os eíp in h o s , que tanto
m o le ftaó a quem os aperta na m a ó , naõ pi-
caó a quem nclles p eg a fem a apertar. Q u e
dizes tu agora á vifta de hua taó b o a c o lh e i­
ta? tam bem tu a poderás t e r , f c q u iz e r e s fe -
mear a te m p o a& os de penicenciá, de man-
íídaõ, dc humildade, de o b éíÍien cia,c dc t o ­
das as mais virtudes, que faó próprias do teu
Gal. c fta d o : <jht£ enim fem inaverit hom o9 hdec &?
4 . t.
metet. N a õ percas pois mais t e m p o , c fir-
va a incerteza do da m o r t e , quc eaufa def-
cu id o nas almas tíbias v dc tc fazer a ti mais
cuidadofa, e íolicita. Q u c confufaõ ferá pa­
ra ti o quereres o f i m , e naó bufeares os mei­
os proporcionados para o m efm o fim?- D e -
tefta o paíTado d e feu id o , c depois de ateares
no teu c o r a ç a õ o d ezejo dc morrer fanta-
mente, poem os meios para o c o n f c g u i r , fa­
zendo húa vida fanta, c arrancando l o g o do
teu c o r a ç a õ t u d o , o q u e na hora da m orte
naõ quizeras achar nelle; e pede ao Senhor,
q u c pois te c o n ced e ainda te m p o , te d e g r a -
çi, para que re faibas aproveitar dellc.
j C o n fiJ é ra eíla mefma differença , em
quanto ao que fe fegue depois du morte. V e r ­
dade he, que o co rp o , aífim d c h ú a R c l i g i -
z ofa
M editaçao IV . 9J
ofa relaxada nos c o f t u m e s , c o m o o de h ú a
f c r v o r o f a ,e obfcrvante, fica igualm entepri»
vad# de feus fe n tid o s,d efcó ra d o , desfiguraj
do , frio, c f e i o ; a ambos daó o pcor v c ít i-
d o , que ha em cafa, a ambos m ettem na ha-
b ita ç a õ e fc u r a dc h ú a fcpultura,ondeci*quç?
cid o s, tem idos, c deixados em poder d ç s b i *
ch o s, ficaó para naó t o m a r a v iv e r , fcn a ó n o
u lt im o dia do m undo. M a s hc g r a n d ç a d i f -
fe ren ça, que ha a refpeito das fuas almas. A
dc húa b o a R c l ig io f a he apprcfentgda dian­
te de D c o s , c recebida pellos A n jo s c o m ap-
plaufo, c cm triu m fo , por haver v e n c id o ao
m undo, a carne, e ao d e m o n io . M a s c o m o
ha de fer recibida a alma dc húa R e l i g i o f a
relaxada? N a ó fupponhamos agora, que t e ­
nha chegado a niQ,rrcr em d e f g r a ç a d c D e p s ,
porque cm tal calo naó mereceria a fua m o r ­
te outro titulo, que o dc pefliroa : M orspcc- f(tU
catorum pejfima\ e feria principio de húa mi- V '* *
fei ia infinita; mas co m tu d o iflo, naó fc p o ­
de negar, que aindaque naó tenha fcmclhan-
tc dctgraça , fem pre leva c o m f i g o grpndes
d i v i d a s , c para as haver de latisfazcr ate o
ultim o real, ha de fer lançada em húa p ri-
faõ de fog o femelhante áquellc , q u e a t o r ­
menta as almas dos condenados, aindaque h a
dc fer atormentada de djvcrfo m o d o . A l l i
$4 ' Segundo dia,
haó de fer maiores ícm com p araçaó as fuas
p e n a s , do quc quantas exp erim en tou nell.i
Vida, porque feraõ fobrenaturaes os feustor*
m en tos, c obrará o f o g o , c o m o inftrumen-
t o da D ivin a j u lt iç a . E ainda ifto í e r á o m c -
h o s , em c o m p a ra ç a ó da grande violência ,
que experim entará a m ife rávcl, cm fer pri­
v a d a p o r tanto tem p o da v i d a do feu fobc-
rano B e m , que he D e o s , em c a í b g o das fu ­
as tibiezas pafladas,ficando in ce rtad e q u an -
t o te m p o ha dc durar cíTc defterro da D i v i -
tia prefcnça, e certa dc que em to d o eíTe te m ­
p o naó poderaõ alcan çar hum fó g rao dc
m e r e c im e n to , ou dc g lo ria,to d o s os to rm e n ­
t o s , que experim entar. E naõ baftará efta
'dífícrcnça de tratamento para quc tc fcfó l-
vds a fazer húa vida ferverofa? ferás tal, que
temas qualquer frio nefta vida, c quc naó re­
ceies a terrivcl neve, q u c ha dc cahir fo b r e ti
Job6. tia o u tra? JQ úi timent prtiinam , irruet fuper
Ié* eos n ix : temes qualquer faifca de f o g o , qual
he a penitencia defta v id a , c naõ terás hor­
ro r a hum taó grande in cê n d io , c a hum c -
flado taõ v io le n to , qual h c , o cm quc porá
o O m n ip o te n te a tua alma, para a purificar
da efeoria dos teus paíTados defeuidos? Paí-
Jm a de húa loucura taó imprudente, c m quc
cahes a olhos f e c h a d o s ; aprende a t e m e r ,
co m
M editaçao ■
IV . 9$
com -o Santo J o b , dc codas as çuas o b r a s , c
rclolvete a fatisfazer co m tem p o toda a d i ­
v id a , cm quê cftás a D e o s , vencendo as d i f ­
i c u ld a d e s , que c o m f i g o traz a obfcrvatíçia
R e lig io fa , antes que c h e g u e o tem po , pm
que a has de pagar á violên cia d e te n to s , t o r ­
mentos.
; jl oíií
M E D I T A Ç À Õ L

, . *•
Para o terceiro dia dos e x e. r0 c i1d o s .4 ,

S O B R E O J V 1Z O T J Q L T I -
ycular.

1 O nfidera o Exam e , que fe ha de fa-


V * / zer dc h ú a R e l i g i o l a l o g o depois de
morrer. N o mefmo lu g ar , em que fe fepa-
ra>’ a alma do c o r p o , no lu g a r , em q u e tal
v cztcm quebrado c o m m ais liberdade as o r ­
dens dc feu Senhor , verá levantado -o h o r ­
rendo T r i b u n a l , c lhe dará D c o s á c o n h e ­
cer a lua p r e fe n ç a , c a lu a vinda para a ju l­
gar* N c f t c J u i z o íc lhe manifcftará l o g o
todo o m a n q u e fez dcfde o primeinoinílaft-
t c , cm ,q u c tc v c njp0 (j c râzaõ/, a t e o u ltim o
vida i naõ ficara c o u f a a lg ú a o c c o l t á ,
nem a palavra efeufada , nem a vi fia in c o a -
fiderada,
96 Terceiro Jia,
ifiderada, nem o pcnfaracnto liviano. M an i-
feítarfcha tam bem to d o o b e m , que por n e ­
g lig e n c ia fc d eix o u de fa z e r, o tem p o mal
g a ita d o , c as infpiraçoés , que fc dclprcza-
raõ . T a m b e m ie ha dc manifeltar o b e m ,
que fc o b ro u v ic i o fa m e n t e ; os Sacram en­
t o s , que fe frequentaraõ fó por c o i i u m c ; a
o r a ç a õ , que fe teve fem rcfpcito á D iv in a
p r e f e n ç a ; a palavra dc D e o s , que fc l c o , o u
o u v io ícm a t t c n ç a ó , c fem fru to ; os pccca-
dos o c c u l t o s ; o s pcccados alheios feito sp ro -
p r i o s ,o u por fc haver c o o p c r a d o c o m o m a o
e x e m p l o , ou c o n f e l h o j o u pcllus naó haver
im pedido , c o m o era o b r i g a ç a õ do officio.
T u d o iíto verá a alma em hum m o m e n to ,
citando f ó , c t r e m e n d o ,fe m haver quem por
ella fa llc , nem a d e fe u lp e ; e o que hc mais,
v e rá tudo iíto c o m húa gxande l u z , que lhe
c o m m u n ic a rá a fa b e d o ria dc J E S U C h r i l l o ;
c por iíTo conhecerá o peccado , naõ co m o
a g o r a , por húa coufa ligeira , mas, c o m o o
ju lg a D e o s , p o r coufa horrível; d c í o r t c ,q u e
o v e rfe entaó a alma, ferá para ella h u m o b -
j e & o mais e fp a n t o fo , do que fe vtfle a feal­
dade de todos os demonios ju n to s. Q u e ha
pois d e d iz er a m ifcra v cl,fe m reconhecendo
l e r taõ efcaíTo o pefo das boas obras , c taó
t v u lt a d o o p e f o , e o num ero das c u l p a s , d e
que
M editaçao 1. 97
que cila co m o c e g a , fazia taõ p o u c o c a l o , c
com m ettia c o m tanta facilidade? O h c o m o
quereria ella entaõ tornar a principiar a v i ­
da, para a fazer m u ito diverfa! oh c o m o e n -
taó ha dc abrir os o lh o s , que ate ali teve taõ
cerrados! oh que diflíerenie c o n c e it o fo rm a ­
rá entaõ da penitencia*, do r e t ir o , e d a m o r ­
tifica ç ã o ! L o g o , fe es p r u d e n te , p rep arate
com cempo para clles l u c c c í í o s , c nnticipa-
te a efte exam e taõ r ig o r o fo , c taó u n iver-
fal, que te efpcra* lu p p o e m , que eltá m u ito
p r o x im o , pois pode í c r , q u e para o anno,q|
vem, a cftas h o ras, cftcjas j a julgada. Pafm a
do teu defeuido paíTado, era tem er taõ p o u ­
c o , o que tanto rcceavaõ os maiores San*
tos da Igreja > e vultandote para o te u J u i z ,
que ainda hc teu A d v o g a d o , r * g a ih e , que t c
perdoe todas as tual c u lp a s , e rc d è e s fo r ç o ,
para fatisfazer por cilas c o m húadvohintària
penitencia, antes que ch e g u e a-hora dc lhe
dar conta de todas.
\ C onliJéra a Sentença deftc J u iz o , a qual
ferá definitiva, im m u d a v e l, j u f t .f t i m a ,c p r o ­
nunciada pella boca do mel mo S a lv a d o r ,c o m
h ü i v o z interior n o coraçaõ da alma. iS c fc
«cliar pois naquelle p o n to , que a R e l i g i o f a
t e m fido Efpofa in fie l, lhe dirá C h r i f t o c o m
¥o z cfpantofa : apartate de m i m , maldita ,
G • 1 ' pois
98 'Terceiro dia ,
pois naõ tens m erecido o e fta r na minha pre-
f e n ç a , nem fer admittida a participar da mi-.»
nha g lo ria j vai para o f o g o eterno, para o n ­
d e tc leva o pefo dos teus pcccados , c para
a com panhia dos dem oniosj a q u e m quizcfte
antes o b e d e c e r , do q u e a m im ; efla hc a par­
t e , que e f c o lh c f t e , fica pois nella para fe m ­
p r e , c firva o meu fangue para a tua c o n d e -
n a ç a ó , j a que naó q u i z c f t e , que fervifle pa­
ra o teu remedio. O h v o z efpantofa! e que
d i r á entaõ h ú a alma pcccadora , quando a
o u v i r ? c o m o ficará confufa , c o m o ficará
dciefperada , vendo que a fentença naó
te m appcllflçnó , c que a tem m erecido por
fuas culpas? Q u e m poderá p o is , explicar a
raiva , co m que am a ld iço ará entaõ os f e ­
us g o f t o s ? e q u a õ horriveis Ih cp arcceráõa s
fuas faltas^ de que agora faz taó p o u co cafo ?
c o m o ha de chamarfc mil vezes louca , por
m o haver dado ouvidos ao feu A n jo da G u a r ­
da , c ás infpiraçoés interiores de feu Se-
.rihor? P ello contrario húa R c lig i o fa , que
v i r e o fempre conform e a fua profiflaõ, ou­
v i n d o húa icntença de b en çaó , pella q u a l
h e convidaJa para o C e o pello feu mefmo
E l p r f o ^ q u e b r n ç o é s naõ lançará ápeniten­
cia , á h u m i l h a ç ã o , % á obediencia , e á cari­
dade? H c p o f liv c l, d n á , q u e taó poucas fa-
: digas
M editaçao I. 99.
digas minhas tc recom pcnfem c o m hum bem
tao grande? que pena taó leve fc tro q u e e m .
tanta gloria? que taó poucas lagrimas fe c o n *
vertaõ cm húa alegria fempiterna ? H ú a de*
fias fortes pois te ha d c cahir, c tu nem h u m
momento cuidas em qual ha dc fer? O h cc*.
gdeira i n c r iv c l , a de laber por' F é todas e-
itas c o u fa s ,e v iv e r ncfciam enteycom o fc na­
da diíTo 1c fo u b e fle í laber^ que o arrepen­
dim ento naquella hora fervirá paraaugmen*-
tar a pen a, c naó para a aliviary e c o m tu d o
iflo tardar até aquella hora p a ra te ra r re p e n ­
dimento! A g r a d e c e ao S en h o r por te dar a-
inda t e m p o ; pro po em dc o e m p r e g a r e m ò
que u n ic a ,e infinitamente i m p o r t a , c c m m e ­
recer húa-fentença fa v o ra v el naquella d i a ;
cnnfundctc â v i d a do p e r i g o , em que tens
ell.klo,por tuas paliadas culpas, dc fer rejeé-
tada pcilo teu E f p o f o c c i c l i i a l ; é pedelhe,
que o fangue p rc c io fo , co m que dorou a tua
alma, f rcfcrvc agora para pagar as tuas dr-
v id a s ,c para naó inoòrrcres crò o u t n ^ n o v » ,
commettendo c u lp a i d c n o vo . a
l Confidéra na cxccuçao defta -ftnienfà.
A húa Efpofa infiel fc lhe tiraó todos «os ado^v
n o s , que lhe havia dado o feu E fp o fo : c a húa
alma pcccadora fe lhe tirará to d ò o b e m ,q u e
lhe f ic o u ; a F é , a E fp c r a n ç a , c as virtude,s
G i mora-
ioo Terceiro dia,
moraes > e o quc h c mais, o caraflcr do B a -
u if m o lhe ha de fervir para maior confufaõ
Íu a ,e dc maior t o r m e n t o , pois ha de fer per­
petuam ente infultada pellos inficis, e pellos
dem onios la no inferno. D e fp o ja d a d e íla f o r ­
te , degradada,e defemparada pellos A n j o s ,
ferá entregue cm maós dos inim igos infer-
naes, q naquelle m efm o ponto a lançará ó no
p r o f u n d o ,o n d e ficará para fempre, fem aca­
b a r no m eio da tempeftade de todos os males,
e m ettida em hum a b y fm o de f o g o , quc infe­
lizm e n te e f c o lh è r a , renunciando por elle o
C e o . Q u c torm en to pois ferá o eftar para
f e m p r e naquella h a b i t a ç a õ , quando fó hum
m o m e n t o de eílancia nella íeria intolerável?
que penitencia naõ havia dc querer ter feito
h ú a deflas defgraçadas almas , para remedi­
ar o feu erro ? que abatimentos naó fofreria,
c d c q g o í l o s fc naó privaria? Aceitaria co m
g ra n d e g o f t o , c por grande favor o e r ta r c c m
annos deitada no umbral da porta , 4 pifada
c o m os p é s das fuas irmaás : aceitaria todas
as a u ft c r id a d c s ,q u e c o n t ra os feus c o r p o s u -
faraó todos os Santosj e lhe pareceria alivio
toda a m u ltidaó de tormentos, quc deraõ aos
Santos M a rty re s os tyrannos. E fendo a g o ­
ra neceflario.tanto menos,para*efcapar de tao
grande mal, como he 0 feres mais obfcrvan-
IC
Meditaçao I. ioI
te das tuas regras* o cum prires mais e x a & a -
m ente c o m os teus votos* o d e l c o b r i r c s c o m
mais fynceridade a tua conícicn cia ao Padre
cfpiriçual* o re fiftire s c o m maisgencrofidadc
ás tcntaçocs*e o tratares co m menos regalo ao
teu c o rp o * ferás tu taõ im p ru d e n te , que rc-
eufes fazer taõ p o u c o , citando certa, que c e ­
do virá tem p o , cm que dezejarás , mas de
balde, ter feito incomparavelmente mais,pel­
la tua f a lv a ç a ó ? H o r a j a he te m p o de tc re-
folver a melhorar de vida , fem attender ao
que em contrario tc diõta atuafcnfualidade*
porque de outra f o r t e , c o m o ha d c c o n c o r ­
dar a tua vida c o m a tua c r e n ç a ? c a tua ti-
bieza no obrar c o m a gravidade do p e rig o ,»
que, a olhos v i d o s , e x p o e s a tua alma ? Q u e
confufaò feria a tua , fe vides a outras tuas
irmaãs, companheiras na ProfifTaó,cno M o ­
rteiro, e que viveraõ c o m t i g o , mas naõ c o ­
mo t u , porque foraõ fieis ao feu D i v in o E f -
p o f o , ícrcm por elle chamadas para a coroa, c
levadas era maós de A n jo s para o C e o , e in­
troduzidas em triu m fo n o P a r a i f o , ficando
tu por tua f u m m a d c íg r a ç a em maõs d o s d e -
tnonios, para nunca ja mais gozarc* dc bem
algum ? fc fó o conlidcrar nilTo te caufa tan­
to horror , que feria fe o cxperimentaíTcs ?
A gradece ao Senhor , que tc dá ainda tcm -
G j po
102 Terceiro dia,
p o para tc cmendarcs*detclla o cfq u e cim e n -
t o , quc tens tido de hüas verdades taõ i m ­
po rtan tes, e m cttendote dentro das Chagas
do teu R e d e m p t o r , p e d e lh e , quc naó deixe
perecer a quem rem io c o m o preço-do jleu
D i v i n o S a n g u e : Tantus labor non f it cajjus. ?

M E D I T A Ç A O II.
Para o terceiro dia dos E x e rcício s,
SOBRE O JVIZO V N / -
verfal. •i*. • . • *

i O n(idéra,qu e o u l r i m o d i a d o j u i z o f c
chama mais frequentemente nas D i ­
vinas Efcrituras co m o nome dc dia grande*
p o rqu e ha de fer grande efpecialincnte por
tres princípios* pcllas pcíToas, quc ncllc fe
haó dc ajuntar* pcllas coufas,quc ncllcfc/haó
de tratar* e pello quc ncllc fe ha de c o n c l u ­
ir. Será pois dia grande pellas pejfoas, que
nelle fe haô de ajuntar * porque haó de appa-
re c c r na prefença do Suprem o J u iz todos os
Anjo-s, e todos os homens. Su p p o c m , que
e íH s vendo hum ampliílimo A m p h ith ca tro ,
no alto do qual c ftá fentado o R e i , rodear
d o da fua C o r t e * n o m e i o os n o b re s , e no
fun-
M editaçao II. 103
fundo as feras, c os reos, condenados a ferem
co m ido s das mcfmas feras. O vallc d e j o f a -
phac ha de fer elle grande a m p h i t e a t r o , c n a
parte fu p erio r d c l l e , no a r , c em th ro n o d c
nuvens c í l a r á j E S U C h r i f t o , c o m tanta M a -
g cíla d e pella fua D ivin a n a t u r e z a , co m t a n ­
ta gloria por fu a H u m an id ad e fa cro la n ó ta ,
c d e ificad a, que nem o S o l , nem a L u a , nem
as eftrcllas teraõ lu z a lg ú a á fua v i í l a 3 c os
rcprobos , e os demonios , attonitós da fua
grandeza, fe veraõ o b r i g a d o s , a pefar f e u , a
dobrar os jo e lh o s ,e a adorallo. A f lift in iõ c o m
C h r i f t o , cm prim eiro lugar a V i r g e m M a í ,
cm hum throno corrcfpondente á dignidade
de R a i n h a , de q u e g o z a , A J litit Regina A praI*
àextris tuis', depois a h u m , c o u tro lado to- 44-1°*
dos os E p irito s A n g é l i c o s , e todos os S an ­
tos, os quaes teraõ os feus corpos g lo r io fo s ,c a ­
da Kum o feu proprio, depois da R e f u r r c i ç a õ ,
c taõ r c fp la n d c c c n te , que pofla allum iar a
toda a t e r r a > e os A n j o s , pa a au g m e n tar o
triumfo dos bons, c o terror aos m a o s , fe
deixaráó tambem ver em hum c o r p o aereo
mais refplandecentc t a m b e m , que o m e fm o
Sol. Mais abaixo dos Santos e ftaráó o sm ais
eteolh id o s, feparados j a d a m ultidaó dos p c c -
c *doresj e finalmente no lu g ar mais b a ix o
cftaráõ em p c , a t t o n it o s ,c ti e m en d o , todos
G 4 os
104 Terceiro dia,
os demonios, e todos os re p ro b o s, feparados
dos bons, c tambem com os feus corposj mas
quaõ dififerentes feraõ dos dos ju ilo s? pois
haõ dc fer feios, cfp an to fo s, e que firvaó dc
n o v o inferno para as fuas almas. E a ti, que
meditas cilas coufas , que lugar ha de cab er
d c ta n to s , quantos haverá no Juizo univer-
fal? Se obfcrvarcs fielm ente o que ccnspro-
m e ttid o ao Senhor natuafantaprofiíTaó,teha
d c t o c a r , c o m o o tem p rom ettid o o Senhor
aos que deixarem todas ascoufas p a ra o fe g u ir,
hum lu g ar honrofo , e fublime entre os de­
Luc. mais J u ize s : Sedeatis fuper thronos judican-
ax.jo
tes...trib u s Ifrael-, p o r e m , fe feguires a o S c -
o h o r com frouxidão, e fores ufurpando p o u ­
c o a p o u c o o que o ffereccfte a D e o s nos te ­
us votos, f o r ç o f o í c r á ,q u c eílejas em p c en­
tre a mais turba para fer julgada. E q u e d c f -
graça feria a tua , fe chegaíTe a tanto a tua
infidelidade, que te vejas obrigada a ficar
trem endo entre os condenados ? A h D e o s
m e u ! c ferá p o ífivcl,q u e húa R e l i g i o f a , d e ­
pois dc haver com prado a taõ p o u c o c u í l o o
R e i n o dos C c o s ,f e j a taõ n e f c ia ,q u e d e fp r e -
zc cíTe m efm o reino , c ifio por hum nóna-
o r< * da? ProjecitIfraellonuYtü P a f m a d e h ú a l o u ­
> . 3.
cura tamanha* renova co m g ran d e fervor os
teus v o t o s j e pede g r a ç a ao Senhor para o
M editaçao II. io£
feguir taõ d c perto cm vida , quc naquellc
grande dia do j u i z o eltejas bem perto del-
Je.
1 Confidera , q u a ó grande ferá nquellc
d ia , pellas coufas, qite nclle feh a õ de tra tar.
T u d o quanto fc tem feito dc b c m , c de mal,
por todo o tem p o da d u r a ç a õ do m u n d o , ahi
fe h ade tratar p u b lica m e n ie . Q u an tas pala­
vras pronunciará húa pefT oa,fócm hum dia?
quantos penfamentos lhe paflaráõ pello en­
tendimento? quantas, e quaó diverfas obras
porá em e x e c u ç a ó ? e a quc num ero ch cg a-
ráõ todas eílas c o u fa s ,c m t o d o o c f p a ç o de
tempo, que a tal peíToa v i v e o r e f l c mundo?
Pois naõ fó ha de appareccr tudo iíTo nefle
dia, mas tambem as obras, as palavras, c os
penfamentos dc tod os os hom ens, e d e todos
os Anjos* o bem para fer j u l g a d o , e nppro-
. vado, c o mal* para fer reprovado. E o quc
m ais he, naõ ha d c appareccr entaõ o m a l , e
0 bem, c o m o agora parece na nofla eflim a-
Çaõ, fenaõ c o m o na realidade he na cílim a-
Çaõ do Senhor, iíto he, a piedade im m enfa-
mente mais n o b r e , c mais precio fa, do quc
parece agora aos noflos olhos c e g o s , e fra-
c ° s , e a maldade immenfamente mais c u lp a -
v c l. E que ferá entaõ de húa R e l i g i o f a , fc
h ou ver vivid o perverfam ente no fag ra d o da
R cli-
io 6 A Terceiro dia ,
R c l i g i a õ ? V e r á cntaó p o d o cm ordem de
batalha contra íi hum c x c r c i t o dc peccados,
entre os quaes verá a m uitos, dc que naõ fa­
zia calo. Q u e fará pois a m ife ra v e l, haven­
do dc dar conta dc todos, fe tanto lhe havia
dc eu d a r o dar conta de hum f ó ? N o n pote-
Job.
». J. r it ei refponderc unum pro mille-, alem d e q u e ,
naõ fó terá que refpondcr pellos p e c ca d o s ,
ícnaõ tam bem pellos benefícios, que edaráó
tambem poílos cm ordem de batalha, e ,c o n -
trapondofe aos peccados, fa r a õ ,q u e appare-
ç a õ edes á fua vida'cm figura mais h o r r í v e l :
ferá finalmente obrigada a refpondcr pellos
e x e m p lo s dc C h r i í l o , p o r fuas c h a g a s , por
feus cravos, e por fua C r u z . E naõ fem g ra n ­
de m y d c r io fe ha de fazer e íle J u i z o no#val-
le de Jofaph at, j u n t o de G c t h f c m a n i , onde
C h r i í l o Senhor noíTo fuou fanguc por nósj
junto da torrente dc C c d r o n , de donde foi
levado aos tribunaes; ju n to de Jeru falcm ,
onde foi condenado á m o r t e , e donde fahio
c o m a C r u z ás coílas entre dous Ladrões*
j u n t o a o monte C a lv a r io , onde elpirou en­
tre tantos t o r m e n to s , c o p p ro b rio s. T u d o
iílo fervirá pata ju d ific a r a fentença, e para
g lo rificar a Ç r u z , q u c c d a r á arvorada em al­
t o , c o m o edandarre R e a l , c fó a lua vida
dará a entender o quanto fez o R e d e m p t o r
por
M editaçao II. 107'
por nos falvar, e o quanto nós dcfprezamos,
para a nofla p e rd iç a õ . Q u e tc parece poi$
agora defte g ra n d ed ia ? ic n s a j u f t a d o a s c o n -
tas para aq u e lle tre m e n d o e x a m e ? os pecca-
dos, quc e ítiv e ie m co berto s c o m húa v e r ­
dadeira p e n ite n c ia , ou naõ haó dc apparc-
ecr en ta õ , ou tc naó haó de caufar terror*
porem fc naõ fizcftcd elles p e n i t e n c i a ,c m u i ­
to itviís fc os en co b riíte ao C o n f e f l o r , ferá
inexplicável o efpanro, q u c t c haó d c caufar
naquclla hora, c naó m c n o s o c a u f a r á ò o s b e -
«neficios im m en fos, a quc ç o rre fp o n d e ftc c o m
•outras tantas ingrntidoés , c h e g a n d o naõ
í ó a te efqueccr dcllcs,mas a cm p i cgallos c o n ­
tra o teu B e m f e it o r * e finalmente tc e n c h e ­
rá de horror a o b r í g a ç a ó , que tens, dc naó
fi uftrar as finezas, e os c x ce flb s dos t o r m e n ­
tos, c dos excp ip lo s, q u c p a d e c e o , c d eix o u
J E S U C h r i f t o , para dclles t e aproveitares.
Q u e maldita fe g u r a n ç a pois hc a tua, quc f a z , .
que naõ temas aquelle d i a , que tanto te m e ­
rão
• • os maiores Santos? F azes tanto calo dos
.juízos dos h o m e n s , c nenhum fazes daqucl-
lc Tribunal , q u c m c t t e h o rro r ate nosdem o-
n io s, quando dclle íe le m b r a õ ? R e f o l v c t e
pois a cuidar nelle daqui cm diante com ma-
ís feriedade,#pois aindaque cuidafles toda a
vida, efta feria cu rta para h u m penfamento
io 8 • Terceiro dia,
taõ importante. C o n fu n d e te diante de teu
J u iz; c ro g a lh e ,q u c fc faça agora advogado
t e u , c u f e c o m t i g o d c m iíericordia,antes que
c h e g u e o t e m p o da j u f t i ç a .
5 C o n fid é ra , que lerá finalmente grande
aquclle d i a ypellas coufas, que rtelle fe haõ de
concluir.N a õ fe tratará ali de hüa fazenda mi-
feravcl, o u dc huns poucos dc palmos de ter­
ra, fenaó de hum b e m , c de hum mal .eter-
n o : Ibunt mali in fupplicium aternum , ju ft i
25'46’ autem in vitam aternam . T ra ta r fc h a de húa
b e n ç a õ d c D e o s , que trará c o m f i g o eternas
felicidades, e d c hüa m a l d iç a ó , cjue c o m fi-
o trará todas as miferias. C c f l a r a e n t a õ t o -
f o o m o vim en to dos C e o s , e d o s elementos,
e naõ ficará para os rcprobos, fenaõ húa noi­
te fe m p ite r n a , que nunca ha dc ter d ia ; e
hum dia perpetuo para os b o n s , que nunca
ha de ter noite. T o d a a m a lic ia , todos os
peccados, c todos os v i c i o s , c o m o fézcs do
m u n d o , feraõ fumergidos na lentina infer­
nal; e todas as creaturas,purificadas, e. livres
da eferavidaõ dos p c c c a d o r c s , deb aixo da
qual tinhaó v iv id o tanto te m p o , g o z a r á ó d e
Zecic. hum n o v o , e mais ditofo í c r : Tempus omnis
». 17. reitu n c erit. E m húa palavra, aquelle dia fe­
rá o occafo do t e m p o , e o o rie n te , c auro­
ra da eternidade, e por iflo nem h o u v e , nem
ha-
M editaçao II. 1 09
liavcrá dia taó g ran d e: N on f u i t a n te a ,n e c
pofteajam longa d ia , íe poderá entaõ dizer
com mais razáS. T u porem olhas agora pa­
ra cílas coufas, c o m o de lo n g e, c naó t e c a u -
faó o t e m o r , que devias c o n c e b e r * mas fc
cílá ainda lo n g e aquelle d i a , f a b c , que elle
certamente ha dc chegar* lc e íla õ ainda l o n ­
ge cílas c o u fa s , he c e r t o , que faó verdadei­
ras, pois he tanto verdade,que h a d c v i r h u n i
dia de J u iz o , c o m o h c verdade, que ha h u m
fó D eos. A v i z i n h a t e pois a eílas verdades
com a F c , e naó faças a g o r a co n ta nos teus
dias, fenaó d o que has d c fazer entaõ uo dia
do Senhor* c o n v e m a f a b e r , da penitencia,
da h u m ilh a ç a ó , c dos trabalhos* que illo he
fer prudente,c co n h ecer as coufas antes q l u c -
cedaô* pois ate os nefeios as fabciáó depois
de iuccederem. C o n fu n d e tcid a tua m eo n iid e -
raÇaó,em te haver m ettido tanto ncíTcnume-
ro* c pede ao Senhor por aquelia íantidade,
que o ha dc t ro ta r en ta õ , dc Pai d c iniíeri-
cordia, em D e o s d c v in g a n ç a , te mude o c o ­
raçaõ de forte, que mereças o u v ir da fua b o ­
ca hüa fentença f a v o ia v c l.

M E-
110 'Terceiro d ia ,

M E D I T A Ç A O III.
Para o terceiro dia dos exercícios.
SOBRE AS T E N A S T)0 IN -
ferno.
I O n fid é ra a multidão de penas, quc
no inferno padece híia alma c o n ­
denada * podcle d i z e r , que naõ f e poderáõ
contar* pois to d o o genero de tormentos te ­
rá l ic e n ç a para a c o m e tic r a ‘quem foi taõ
job. in fe liz : Om nis dolor irruet fuper eum. T o -
2o.il. dos os fentidos exteriores, e internos, aílim
c o m o f o r a õ inltrum cntos para a a lm a p é c c a r ,
feraó tam b em inítrumentos para a affligir.
A s potências internas, c o m o mais nobres ,
faó tambem mais capazes de maiores torm en­
t o s : a fantafia, ou a I maginaçaõ,andará f e m ­
p re fluótuando cm hum mar de m í l e z a s ; ' á
M e m ó r i a fempre citará em torm ento, lem-
brandofe das o ccaíio é s boas, que deixou per­
d e r : o E n te n d im e n to a nada mais ic poderá
ap plicar, fenaõ a confiderar na fua miferia:
a vontade fe enfurecerá fempre em o d i o , e
raiva contra D e o s , que a c a í t i g a , contra as
creaturas, q u c a ajudaraõ a p cccar, c contra
fi m e f m a , que cahio em cu lp a. S ó o f o g o
baíta-
M editaçao III. 111
bailaria,para c o n ílitu ir húa infelicidade im -
mcnfa,pois o d o inferno, p o r fer-a í u a c h a m -
ma c o m o hua efpada maneada p o r D c o s , h a
de adquirir húa f o r ç a , que fo b re p u ja a t o ­
da a-credibilidade, para atorm entar o c o r p o ,
e a alma daqucllcs rebeldes, e h e t a l o feu
ardor, que fc cahiíTe no inferno hum m o n te ,
ic desfaria lo go naquellas c h a m m a s , c o m o f c
foíTc húa bola de cera. Q u e m poderá pois
habitar naquclle f o g o abraíádor? Q u is pote- ifa*
rit babitare de vobis cum igne devorante? E ,|,Mt
com tudc^íTb, feria tolerável, c o m o j a d i í l e ,
l oda eíTa m ife r ia , fe íc lhe naõ ajuntafle o u ­
tra incomparavelmente maior, que hc a pe­
na dc dano 5 a qual fe po d e chamar infinita,
pois priva aos reprobos de hum bem infini-
n it o , qual he o dc p o ííu ircm , e g o za re m de
Deos por toda a eternidade j pois a(fim c o m o
o ver a D c o s claramente h c o que c o n í l i t u c
a bemaventurança do C e o , aiíim o naõ p o ­
der jamais v e r a D e o s , hc o que p ro p ria ­
mente conilitue o inferno, c tu d o o mais da
p r ila õ , da com panhia dos r c p r o b o s , c vlos
demonios atormentadores^ das trevas, do fo ­
g o , dos alaridos,e dc todos os outros males,
hc com o acccflorio , c naó o principal da-
quclla grande in fe lic id a d e ,c m ultidão d c p c -
ins. E que d iz agora o teu c o r a ç a ó , q u an ­
do
112 Terceiro d ia ,
d o f c lhe reprefentaõ húas verdades taó cla ­
ras? naõ íc defpertará nellc hum affcclo, fe-
m elhantc ao dc Santa M a ria M agdaien a de
P a z z i , que ia beijando as paredes do M o -
f t e i r o , e d ize n d o : O h paredes bemaventura-
das ! ajffim he que vós mc encerra is, mas tam­
bem me defendeis. S e em algúa occaliaó tc
anguftiar a eftreiteza da claufura, fc fc tc fi­
zer pefado o j u g o da obfervancia , lembra-
te, que eflas anguftias tc defendem,para naó
cahires na infernal m a f m o r r a , e efle pefo tc
infunde cfpcranças de efeap are^ d a pefada
ca rg a de tantos m ales, quantos no inferno
fc padecem . Sc D e o s tc fizeíTc levar á b o ­
c a daquella horrenda fornalha, c citando tu
j a para cahir naquclle a b y fm o , tc diflera* eu
te perdoo, mas c o m c o n d iç a õ d c levares
c o m g o í t o os apertos da R e l i g i a ó , e da O -
bediencia , rejeitarias p o r ventura cíTa c o n ­
d i ç ã o , ou terias por coufa dura o obferval-
la? C o n fu n d c t e pois da tua falta de morci-
fic a ça õ , c offcrecetc ao S e n h o r , paraque tc
trate a fua vontade neíta v i d a , co m tan to,
q u e te perdoe para íem pre na o u t r a ; H tc
are, h ícfe ca , ut in £ ter num parcas.
z C o n fid é ra qual hc a atrocidade das pe­
nas do in fern o , em que naõ ha miftura dc
b e m a lg u m . A flim c o m o no C c o faó puros
os
M editaçao III. 113
os g o zo s , fem que fe lhes ajunte per a a^gúa*
por l e r o C e o lugar proprio dc todos os bens*
aíTim no inferno faó fem alivio os to r m e n ­
tos, por ícr o inferno lugar proprio dc t o -
4 os os males. Q u a ó p o u c o era, o que pedia
o mifcravcl rico avarento, que fó p c d i o h ú a
gotta de agoa na ponta de hum d c u o ? e c o m
tudo iílb, eíTe m efm o p o u c o fc lhe n e g o ü .
Q u c alivios naó tem húa R e lig i o fa , quando
cllá enferma, que lhe procura a caridade dás
outras, quc lhe aílillcm ? todas a c o n f o l a ò j
todas a fervem * c to d a s, aindaque n aó fa-
çaó mais nada, rogaó a D e o s , pello leu a l i ­
vio-, p o r e m ,f e por fum m a d d g r a ç a cahifle
húa R e li g io fa no a b y fm o do inferno, j a n a ó
ha dc haver para ella a livio , nunca jamais ha
dc rcfpirar hum p o u c o dc ar fr e lc o ,n e m ver
luz, nem o u v ir húa palavra de c o n l o l a ç a ó ,
nem ter hum p en fam e n to , q UC lhe caufc a -
livio, naõ c d l a r á , netn hum fó in lU n tc ,n e m
fc diminuirá o ícu t o im c n to , mas antes e lle
fe hade augmentar co m a companhia dc o u ­
tras almas, que fe forem condenando de n o ­
v o . E terás tu m ere cid o ,q u e te precipitaíTc a
D ivin a J u íliç a n c llc a b y ím o dc t o d a s a s m i -
ferias, donde c llá dcllerrado to d o o b e m P f c
o tens m erecido, que agradecim ento h ave-
l ü que feja p r o p o rc io n a d o a b u m xaó.gran-
H de
l14 Terceiro d ia ,
dc bencficio.dc naó haycrcs fido condenada
para íempre pello fupremo Juiz? e hc maior
e íle beneficio,do que feria o dc tc tirar da-
quellas ch am m as, depois de tc haver deixa»
•do cahjr ncllas: a v illa d o q u e , deves fazer
agora m ais, por eílares mais o b r ig a d a , do
que em tal cafo farias, pello teu L ib erta d o r.
É íe nunca m creceílc as penas eternas, por
naó haver jamais cahido cm culpa g r a v e , o
i b e n e fic io , que nifib rcce b clle dc D e o s , hc
tam b em íingular*,c afiira co m o tem fidofin-
g u lar para c o m t i g o a fua p r o v id e n c ia ,t a m ­
b e m deve fer ílngular para co m elle. o teu
re c o n h e c im e n to , c o teu a m o r , pois tanto
te tcip fa yo rccid o . Paíma pois da tua ingra-
. tidaó> çffcrecc ao Senhor todo o reílantcda
tua vida, fazendo dc conta,que t l l a te foi da­
da, fó para o fim de tc aflegurar de cahirna-
quclles tormentosj c ro g a ao Senhor* que ja
que c o in e ç o u a te fazer tanto b e m , í c naó
d e ix e vencer da tua in g ratid aõ , mas que a
fua bondade v e n ç a a tua malicia. •
5 Confidéra a eternidade dcíías penas. EíTa
r.h c ,a quc-augmcnta immenlamcnte a rtiifcria
à . das almas condenadas. H ü a pena ligeira fe
ó f a z im m enfa/e fc lhe a junta o pefd da^cter-
- n i d a d e j c que l e r á , accrcfccntandofc o pefo
d a eternidade a huns torm entos, que b p p r 9
tÁ ' li fu>
V
M editaçao III. T T £
fua' natureza taõ h o n iv e is , tnõ univcrfacs, c
taó alheios dc todo o alivio? N a ó fe acha­
ria entre todos os honicns hum fó, que qui-
Zefle g o zar dc todos os' prazeres,c goftos d c
Salf>rmó,corn a Condiçaò d c que, depois dc
ter g o za d o d cllcs , ainda por largo t e m p o ,
houvefle d c e í f a r h u m dia inteiro em hum
forno abrafado* d co m tudo iflo ncharfchaõ
tantos nefcios, que, por g o z a r por hum m o ­
mento dc h un rd cleitc b r u t a l , cfcolheraõ e-
i h r para lempre cm hum f o g o , e m cu ja c o m -
paraçaó o noflb fo g o he pin tad o! c o m o h c
poflivcl, que fc c e v c tanto o noflo g o í t o ,
cm hum g o l l o , que c o m id o traz c o m fig o
•a morte ? P oteft a li quis guftare, quod gufta-
tum affert mortem ? N a ó hc* maravilha, qiie
os Santos hajaó fugido co m tanto cuidado
dos palTatcmposdo m undo, c abraçado c o m
tanta ancia as aulteridades da p e n it e n c ia ,
pois revolviaó continuam ente nos feus en­
tendimentos o importante penfamento d a e -
ternidade. O h etern idade! O h etcrnid,adc l
;todos nos eltamos batendo ás tuas p o r ta s ,
c ainda gaitamos 'te m p o etn rir,' c f o l g a r ,
•com o fc cilas coufas foflem fabulofas! S c a
tua alma, por1fatal defgraça, cahiífc hua v e z
1j a q u c l l ^ a b y f m o dc chammas ctcrtias, q á e
* | c m :d c ü l pois nunca jamais gozarias do
H z mais -
I I 6 'Terceiro d ia ,
mais minimo b e m , c penariàs para fempre
c m hum oceano dc todos os males Paflari-
a ó tantos milhões de amios, c de lecu lo s,
quantos íaõ os atomos do a r , c as areias do
m a r , c do teu tormento nada le teria palia­
d o : e f e tornaífes n fazer cíTa expcricncia
milhares dc vezes, depois de hum tormento
ta õ dilatado, cltarias ainda no principio. H
cuidas por v e n tu ra , quc no inferno naõ ha
almas, que ern algum tem po -ferviraó a D e ­
os m e lh o r , que t u , c prevaricando depois,
de ellrellas do C e o , que c r a ó , fe fizeraó ci-
ç o é s do inferno ?NC o m o pois naó d d p crtas
dcíTe l c t a r g o ? c o m o naó t e m e s , c trem es,
que ce polia í u c c c d e r o u tro tanto? O dac-
tc o Senhor tem p o para confidcrar ncifas
verdades, he lipal,quc tc n a ó q u e r condenar*
mas o naó cirares fruto,depois dc as haveiies
ponderado, deve fer para ti m o t iv o dc gran­
de terror. .H um ilhatc p o is ,'r e c o n h e c e n d o
o lu g a r,q u e no inferno tem merecido n tua in*
«gratidao* agradece ao S e n h o r , que tc c o n ­
cede meios para efeapares do f o g o eterno;
pro po eni dc corrcfponde.r cm outra forma
,no beneficio, que recebes,, c o m e ç a n d o hüa
n o v a vida, toda-humilde, c penitente* offc-
r e cctc to d a ,fe m referva a l g ü a ,c m obfcquk»
d o teu Summo Bemfcitor> c rogai hc por a-
quel-
M editaçao I V T1 7
quclla fantidade im m çnfa, que o m o v e a ca-
ílignr o pcccado c o m tanto r i g o r , íe firva
de íantificar a tua alma, c fazclla d ig n a m o ­
rada dc fua D i v in a M a g cfta d e .
%
M E D I T A Ç A O I V.
Para o terceiro dia dos E x e r c í c i o s .

SOBRE OS AFFEQTOS <DE


hüa alm a condenada . *

l O n íid éra ,q u c hum dos mais hor-


riveis e fp e & a c u lo s, que ao enten­
dimento fe pode o ffcrcce r, hc o dc h ú a R e -
ligiola condenada; c pondera os a ífc tto s d c f-
fa raiferavcl, que o S a b io nos r c p rc fe n ta e x -
preflados pella boca dc todos os im p io s ; e
vem a f e r , o arrependimento d o p a flad o ; a
difplicencia do prefente, e a d e fe fp c r a ç a ó d o
f u t u r o : Panitcntiam agentes; pr<e angu/lia SaP-^
fpiritüs gementes'y turbabuntur timore horri-
b ili... in fubitatione infperat<ç falutis. O pri­
meiro pois defles o arrependimen­
to do paj/ado. A que fc rcduzjo pois t o d o o
bem, pcilo qual deixou efla mifcravel o a-
mor do feu D iv in o E f p o fo ? reduziofe a g a i­
tar fem iiççn ça a lg ú a m ile r a v d ganancia,
H } que
118 Terceiro dia,
que lhe rendeo o feu trabalho’ ; reduzioíe a
em pregar o feu co r a ç a õ em alg ú m amor pro­
fano.; rcduzioíc a manchar a fua alma coin
alg u m affcélo menos decente. F e z nella pre-
fa o d e m o n io , acenandolhc, co m o fc pode
Thtc. dizer, com hum nónada: Vttjaúone ceperunt
3 . J 2.
me, quafi avem, inimict mei grátis; e quaõ tu-
nella he a memoria, que deixou de fi aqucl-
1c p o u c o , taó lim itado , taõ v i l , c taõ bre­
v e , que fe calliga co m húa eternidade de p e ­
nas? fo húa hora deflas penas bailaria para
p o r e m cfquccim ento mil fcculos de delei­
Eccll. tes : M aJitia hora oblivionem facit lu su r fa
11 . 29.
magna. Confidéra pois,qual te parecerá eri-
taó, o que agora tc parece hüa fom bra; e le
a terra com fer dilatada, cm co m p a ra ç a ó d o
C e o , naõ hc mais, que hum p o n to , que pa­
recerá entaõ na coníidcraçaó dc húa alma
condenada hum m om ento dc tem p o pafládo
em deleites; hum inllantc liccnciolamcnte
g a fta d o , comparado com húa eternidade de
íu p p lic io s? Q u e m pois poderá com prchcn-
der quaõ grande raiva terá a infeliz R c l i g i -
ofa, quando fc achar condenada a h u m a b y f-
m o dc males, por húa g o tta dc mel envene­
nado, que provou, Tendo ella c f p o fa d c C h r i-
Ito , c c o m o tal tinha direito áo reino dos
S.
R*p. C c o s ? Gufians guflavi... patdulum m eílis, çt
4
M- *« eese
M editaçao IV . T 19
ecce ego morior. C o m o ha dc am aldiçoar aos
demonios, quc a cngan araò , e a fi m e fm a ,
quc fc deixou enganar* ap d ia , cm que naf-
cco* á maí, que a p a r i o j á R e l i g i a ó , c m que
le metteo* e ao fanto h a b it o , que indigna­
mente v c í l i o ? P r o cu ra pois ficar v iv a m e n ­
te penetrada defie d o l o r o f o , c entffõ inutil
arrependimento, a g o r a , que citas a te m p o
de te elle aproveitar. D e te fta , c ab o rre ce os
annos, que taõ mal gaítaíte na cafa de D e ­
os * refolvete a ter por hum fonho a tudo o
que he tranfitorio* e pede ao S e n h o r ,q u c te
dè g r a ç a para chorar neíla vida c o m os pe­
nitentes, em ordem a naõ chorar ao depois
para fempre co m os condenados.
1 . .C o n fid cra o fegu ndo affe & o de húa
Religiofa co n d en ad a, que he a difplicencia
do prefente > pree angtiftia fpiritüs gementes.
Será efla difpliccncia á medida do mal im -
menfõ, que encontrou aquella in fe liz , e d o
immenfo b e m , quc perdeo. Q u a ó grande
mal ferá para ella o haver de habitar para
fempre em húa tal prifaô 5 em quc as pare­
des faô de f o g o , o pavim ento dc f o g o , o t e -
« o de f o g o , as cadeias de f o g o , o ar, ou o
ambiente,dc f o g o , e os prefos todos tam bem
penetrados dc f o g o ? E de quc caíla de f o ­
g o * naõ do f o g o , q u c c r e o u D e o s n c í l e m u n -
H 4 do
12
'
0 *
Terceiro
v Ê
'dia,
do para o f<*viço dojhomens, ruas do fqgOj
que D cos creou para inftrumrnto da fua vin ­
g a n ç a contra os q u e fe rcbcllaraõ contra fua
D i v in a M a g c íla d e ,a o qual atica a fua O m -
nipotencia,e o maneia com emcacia tal,que
os que naõ quizerao conhecer a grandezade
D c o s , a tc c o n h e ç a ó a poder dòs golpes,que
fobre cllcs ha dc dcfcarregar a mefma maó
do O m n ip o tc n tc ; S cietis, quia ego Jum D o -
79.' minuspercutiens. E que affhcçaô naó caufa­
rá aos rcprobos a confideraçaó do b e m , que
perderaõ, fendo, quccíTebcm p e r d id o h e im -
menfo ? fendo, que elle fc perdeo por hum na­
da? c fc perdeo, podendofe co n fcg u ir co m
tanta facilidade? c havendoíc finalmente
perdido fem remedio ? e c llc s , de vafos
dc m ifcrico rdia, que haviaõ dc fer, fe tem
feito vafos de ira , cahindo cm hum a b y f ­
m o de ijjiferias, taó profundo, que o naó
pode penetrar a nofla confideraçaó. O h l u ­
g a r te rrív e l, que efcolheo para fua cftancia,
c habitaçaó húa alma, que m o ro u tanto t e m ­
p o na cafa dc D c o s ! e co m tudo, efla hc a
h a b i r a ç m ,q u e e lc o lh e o a m ile ra v e l por co n ­
tentar os feus fentidos com hum dcieitc fo-
n h ad o ! O h mnldito p c c c a d o , que o b riga a
hum D c o s taó bom a tratar com tanta c r u ­
eldade a hüa alma, que algum dia foi E f p o -
jvieaitaçao IV . 121
fa fua, c agora ferá para fempre tro fe od a D i ­
vina ju ftiça , plantado 110 meio do fogo eter­
n o ! Se reftituíra agora D e o s a vida a h ú a
deflas almas condenadas, que penitencias naõ
faria co m g o í l o , e dc boa vo n tad e? c que
aulteridndcs lhe naõ pareceriaõ fuaves c m
co m p a ra ça õ das penas do inferno? Q u e pe­
nitencia pois, naó deves ru fazer, para efea^
pares de cahir naqucllc a b y f m o ? P r o p o e m
p o i s , de reformar a tua vida , e de tornar a
avivar o teu antigo fervo r* c o n f u n d c t e , de
haver perdido tanto te m p o d e m ifcrico rd ia*
accufatc no D i v i n o acatamento,das tuas in-
gratidoes* agradecelhe a paciência, com que
tc efpcra * c rogâlhc pello feu D i v i n o San­
gue , que fc queira g lorificar em t i , perd o-
andote os teus p c c c a d o s , e n aó te caíligan-
d o , cm que igualm ente fc poderia g l o r i f i ­
car.
3 C on fidéra o terceiro a f f e & o d e h ú a R c -
^igiola condenada , que he a defefpcraçaõ
quanto ao fu tu ro : Turbabuntur tintore borri-
bili infubitatione tnfptrata fa lu tis. E fta d c-
fcfpcraçaõ junta co m o immenfo pefo da c-
t c rnidadc acabará de abyfm ar de to d o as al­
mas dcfvcnturadas. P o r outra p a rte , fc na-
quellas trevas fc podeflc ao menos v e r huns
Vislumbres dc efperança fa v o r a v c l, aindaque
foflc
122 ‘Terceiro dia,
fo flc para depois de tantos milhocs de fecu-
l o s , quantas foraõ as gottas de agua do d i­
l ú v io u n iv e r fa l, iflo bailaria para en x u g ar
rodas as lagrimas , para fazer toleráveis as
c h a m m a s , c para fe naõ abrirem jamais as
bocas para as queixas ; naó poderá porem
h a v e r nem vislumbres de cfpcrança, porque
o cárcere hc eterno; faó eternos os atormcn-
t a d o r c s j o f o g o he e t e r n o ,h e eterna a alm a,
eterno o p e c c a d o , e eterno o decreto da fen-
t e n ç a : c aflim naõ ha alli , fenaõ bufear a
m o rte fem a achar jamais. Se ao menos fe
podeflem enganara íi nieímas aquellasalmas,
im aginan do,aindaq u e f a lfa m c n tc ,q u e havia
de chegar o fim das íuas pênas , que nunca
ha dc c h e g a r ; ou fc podeflem cfqucccr por
b r e v e tempo daqtiella eternidade incom p rc-
h c n l i v e l , dc algum alivio lhes ferviriaj mas
naõ o poderaõ fazer, porque a D ivin a j u í l i -
ç a lhes porá fempre diante dos olhos aqucl-
le fem pre, c aquelle nunca, fobre que cílrib a
a fua miferia, dc forte , que aflim c o m o naõ
p o d e fa lta r a O m n ip o t e n c ia ,a lmmcnfidadc,
c n Santidade do Altiflim o , aflim tambem
naó ha de acabar a fua pena. D o n d e verás o
que obra nas almas condenadas n fua dcfcfpc-
raçaõ; pois naõ fó faz, que fofraó o pelo de
todos os males p o r húa eternidade, mas que
M editaçao IV . 12$
tolerem o pefo da mefma eternidade, a qual,
por lhes cílar fempre prefente na confidera-
ç a õ , as opprim e tambem fempre co m h ú a
cíargti taõ pelada, c o m o infinita. E q u e d iz
a todas cílas coufas húa R c l ig i o f a tibia, ten-
doas por verdadeiras, c o m o he f ó r ç o f o , que
creia por fc D iv in a ? Q u e i x a f e da p o b r e z a ,
que a naõ deixa g o z a r das co m m o d id ad cs,
que quereria; queixafe da o b ed ie n cia , p o r
razao da qual lhe he prccifofujctiarjtc á v o n ­
tade alheia; queixafe da claufura , p o rqu e a
priva da liberdade; queixafe do*fcu c í l a d o ,
porque p o r e l l e f i c a c x c l u i d a d o s g o í l o s m u n *
danos; confidérc p o r e m ,q u e ferá d c l l a ,f c c a -
hc no inferno ? aquclla f i m , que ferá p o b r e ­
za , o naõ ter outra c o u fa , fenaõ fo g o ;n q u c l-
la fim, que ferá obediencia, o eílar d e b aix o
dos pés dos demonios, o naõ encontrar n u n ­
ca com o que c o m tanta ancia d e z e j a , c a-
char fempre o d c que co m tanto cuidado
f o g e ; aquclla f i m , que ferá cla u fu ra , o naõ
fc poder vo lta r para o o u tro lado p o r toda
húa eternidade , mas cílar fem p re em h ú a
cama de f o g o , quando feria to rm en to into­
lerável o cílar por hum anno fó cm húa c a -
ma tplas; aquella f i m , que ferá mortifi-^
caçaõ, õ haver de fofrer eternamente to d o s
os .males, fem o d e fe a n ç o , c alivio dc h u m
bem
124 Terceiro dia,
bem taõ lim ita d o ,c o m o hc húa g o tta de a-
g u a par.i refrigerar a lingua. E cite hc o lu ­
g a r de torm entos, cm que vai dar húa R c -
li g io f a , que depois dc haver offerecido a
p e o s a fua liberdade nos lantos votos, que
f e z , a torna outra v e z a ufurpar, quebran­
d o os mcfmos v o to s : antes bem , n a õ h c c íle
ò l u g a r , onde vai dar, porque o l u g a r d o f e u
fu p p licio hc hum abyfm o dc males immen-
íamente mais c ru e is,q u e o que t e m o se x p li-
cad o j por ferem aqucllcs tormentos dc húa
ordem fupe; io r a todas as penas, que tem e x ­
perimentado , ou conhecido os homens. E
fcrás tu taõ em pedernida, que os naõ temas?
naõ o creio i mas fc q u e r e s , que tc a p ro v e i­
te efle tem or, has dc p ro c u r a r , que elle naó
pare ló cm tc aftfigircs fem fruto , mas que
tc anime a obrar b e m , c a*tc apartar do pec-
ç a d o , para c u jo c a ftig o fomente foi feito o
inferno. D e t c íla pois dc todo o teu coraçaó
c f l e m o n l t r u o d o peccado mortal, q u e h e p c -
o r , que o mefmo inferno-, confundcte de o
haver tantas vezes adm ittido cm tua a lm a ,
fazendo taõ p o u co cafo de hum mal , que
P e o s perfegue co m tanto f o g o j reprehen-
detc a ti mefma da tua maldade * c roga ao
Senhor , que havendoa elle chorado ja co m
lagn m as de f a n g u c , tc conceda o p o d ê l l a a -
v. g ora
Meditaçao I. 12 £
g o ra ncíta vida dignamente deceítar, para a
naõ deteftar na outra c o m h ü a d c f c í p c r a ç a ò
eterna.
M E D I T A Ç A O I.
y Para o quarto dia dos E x e rc íc io s .
SOBRE O M A L , ÇA)E E M SI
encerraõ os fieccadòs Veniaes.
i O n lid c r a a gravidade daqucllas
faltas, a quc os h om en s dnõ o t í ­
tu lo de leves, © p rin c ip a lm e n te ,fc cilas fc
c o m m e t t c m , naó por mera fragilidade,mas
de propoíito^ co m advertência, e co m ple­
na deliberaÇaóve confidcra em primeiro lu ­
gar efija gravidade em f i 'rnefiQ#. Aindaque
hum peccado venial fe chama leve,epequeno,
naó ic d c v c por iflo entender, q elle íeja leve,
c pequeno, conliderado abfolutam cnte, mas
* fó cm com paraçnó d o p ec ca d o nrortal, qiie
hchum mal quali inflnito. T a m b e m hum la-
g o fc c h a m a pequeno,em c o m p a w ç i o d e rri-
do o mar, c co m tudo if l o tem em li m uita**
g u a r o m efm o fc pode dizer do peccado veni-
alfque a v i l t a d o húa culpa g r a v e , parccc na­
da-, mas cm fi m elm o he hum mal taõ grarí-
a c , q u c he m a io r, q u c iodos os outros miíf-
Iç s jc x c e p to o p cccad o r a o r u l. D o n d e .v e r á s
126 'Quarto dia y
.qual hc o verdadeiro fentido, cm que fe p o ­
dem chamar leves as tuas faltas, porque por
outra parte, fe podeífcs conhecer plenamen­
te a malicin, que em fi ençerraó , morrerias
d c h o rro r, c êlpanto. N a õ defagradaó por
ventura a D eos cfTas faltas? naõ fe o p p o e m
de algum m odo á íua D ivin a vontade? náõ
diminuem dQ modo, que hc poflivel,nquel-
la gloria D i v i n a , que he o fuprem o fim de
t o d o o U n iv e r lo , c o cx ce lfo fim, que p re­
tende D e o s das fuas crcaturas ? naõ fc pode
duvidar; c por eíta razaó.fe c o n ítitu c o pec-
c a d o venial hum mal de ordem fuperior a
.todos os males; hum mal, que de algum m o ­
d o diz rcfpeito a Deos-, hum m a l , que em
cafo nenhum fc pode* licitamente e fe o lh e r;
de tal lortc , que fe íobreviefTem todas as
g u e r r a s , todas as cfterilidad cs,e todas as pc-
f t c s , que deltruiílcm o m u ndo,daqu i a té -o
fim d e lle ,c tu,por impoflivel,podeífes i m p e j
d i r e f l a ruina, commcfttcndo hum peccado
.v e n ia l, naõ.odcvias c o m m e t t c r : ainda mais,
fe, p e llo co m m e ttc r, podcflcs tirar a todos
os condenados do in fern o , ou impedir que
fc naõ prccipitaflem naqueUc a b y fm o todos
os Bem aventurados do C e o , dev ias antes per-
m ittir efla ruina, c efla co nden açaõ , d o que
A iar hum leve. d e f g o í l o ao S en h o r ; porque
f c ir p • 1
M editaçao /. 127
o fu m m o mal dc todos as creaturas he infi­
nitamente m en o r, que o minimo m a l, q u e
d iz refpeito ao C rcado r. As luzes pois d c
verdades raõ c e r ta s , pafma d o teu incrível
atrevimento cm co m m e tte rta ó repetidas v e ­
zes húa coufa taó abom inavcl nos olhos d o
Senhor* confundcte dc haycr feito tnó p o u ­
co cafo do que hc tanto do defagrado d o
fumm o Bem* pois devias cltim ar mais^que a
felicidade dc todas as creaturas,o dar g o í t o
ao C rcadondellas. D e t c í l a mil vezes qual­
quer falta tua* c pede ao S e n h o r , que pois
faõ tantas as culpas veniacs, em que cahes
por fragilidade da natureza, tc conceda g r a ­
ça para nunca mais daqui em diante as c o m -
metter dc p ro p o íito , ç com plena advertên­
cia. . \ r. • .■. - .
z C on fid cra a gravidade das tuas faltas
pellos effeitos, que caufaõ. D uas fortes de m a­
les trazem co m fig o as enfermidades* húa he
0 wal, que caufaó de prefente, c vem a fer,
a baqueza, o f a l l i o , e a pallidcz d c to d o o
corpo* a outra he, o mal*,* que a m e a ç a õ p a ­
ra o tutino-j.quc he a m o r t e , e a fcparaçaó
perpetua da alma do c o r p o . Aflim umfftatn
''O pcccado v e n ia l,q h c huma enfermidade ci-
piritual de noQa a l m a ,f c lhe n a ó t i r a d e p r e -
fente a fo r tn o fm a fu b íla iicia ld a g r a ça ,a tU if-
p o ja *
128 Quarto dia ,
p o ja ao menos do maior luftrc delia, com
que levaria os agrados do S e n h o r , íc cfté-
vefie de todo íem mancha. A le m difto , p ri­
va a mefma alma cm grande parte do fruto
dos Santos Sacram entos, efpccialm einc do da
D i v in a E u ch a rilh a, pondo o b ftacu lo áquel-
la intima u niaó, que o Senhor pretende ha­
j a entre fi, c a a lm a , que dignamente o re­
c e b e ; faz finalmente, que feja defabrido pa­
ra a alma todo o e x e rc ício de piedade, d im i­
nuindo o fervor da caridade, c impedindo o
co n cu rfo dos cfpiritos vitaes, que de outra
forte lhe havia de com ulunicar a fua c a b e ­
ç a , que hc C h r i f t o . M a s pcor hc o m a l ,
que ameaça á alma para o futu ro , illo he, a
m o rte pello peccado g r a v e , d qual a vai a-
viíinhando pouco a pouco cfta enfermidade
:do peccado venial, ja, accoftum ando ao a-
m o r pro prio a viver a feu capricho; ja , en­
fraquecendo os bons hábitos, e outros repa­
r o s , que a defendiaó totalmente das tenta­
ç õ e s ; ja finalm ente,dando m o tiv o d D ivina
j u f t i ç a para retirar a afHucncia dos feus au­
x ílio s,d on d e fe feguc ficar a alma menos af-
5
£ (lida,e vir a cahir cm culpa grave. C o m o
pois hc poílivel, que queiras m ultiplicar com
tanta facilidade, e taó de p f o p o fit o e f t e g e -
nero de c u l p a s , que te p o d e precip itar no
M editaçao /. 129
abyfm o dc todos os males poflivcis, quaes faó
o p c c c a d o , e a c o n d e n a ç a õ ? P o r v e n t u r a n aõ
tem j a f u c c c d i d o iíTo a outras almas melhores,
que tu* quc principiando a fer infleis no p o u ­
co, vicraõ a fer infleis rio m u ito ,c p o u c o a p o u -
c o f o r a õ c a h in d o no p r e c ip í c io ,e m que fica-
raò para fempre? § u i fptrnit módica, paulatim eccIí;
decidet. D e te fta pois, quanto poderes, todas 9, l%
as tuas faltas j confeflà, quc fofte ate agora c e ­
ga, pois tens fido até agora taõ dcicuidada»
proppcradepefardaqjii por diante as tuas fal­
tas pello pefo do Sarituario, pois faõ nos o -
lhos dc D e o s ta õ abomináveis*, c para ti t a õ
perigofasj rc fo lv c te a m o rre r antes, d o q u e
co m m cttcr algúa c o m advertência j im p lo ­
ra para. iflo o la v o r dc J E S U C h r i f t o , alie-
gandolhe o facrificio, q u c elle fez da fua P ai*
xaõ, do feu f a n g u e , c da fua m o r t e , c m or^
dem a deftruir t o d o o p eccad o . :
$ C o n ftd é ra a g ra v id a d e das tuas falta»
pellos caftigoSyde que Jaõcaufa. Se viflcs,que -
cra condenado h u m rco pella j u f t i ç a h u m a ­
na a fer queim ado v iv o cm h ü a p r a ç a p u b li­
c a , naõ tc havias d e períuadir, quc cra p c -
o u c n o , ou le v e o feu d e l i t o : e c o m o tc p o -
deras perfuadir, a que feja l e v e , o u pequeno
h u m peccado v e n i a l , pois o caftiga a J u f t i -
S * D ir i n a taõ cruclroçntcr ç p o r tanto t ç m -
l , P<*
1 3° Q u a rto dia ,
po no f o g o d o P u rg a to rio ? A alma, q u e e -
%ftá naquellas cham m as, h e E f p o f a amada d o
' S e n h o r, he deftinada para as vodas do C e o ,
d e z e ja cx trcm ad am cn tc unirlc ao fu m m o
B e m , e c o m tudo iíTo hum f ó p c c c a d o v e ­
nial a retem por f o r ç a naqueila fogueira,
: q u e fe pode chamar hum p eq u e n o in fe r n o ,
*c im pede a a l m a , paraque naõ veja a feu
D e o s , nem ch e g u e a fer bem aventurada. E
o que hc mais, naó j a h u m p c c c a d o venial,
mas húa fom bra deíle h ü a d i v i d a , ou rea­
t o dc p e n a , que p o r c llc« c o n tra h io , que he
c o m o hum rafto da cu lp a paíTada, peíatam *
b e m tanto na b a la n ç a da D i v i n a j u íl i ç a ,q u e
o b r ig a a hum D e o s amante a deter h ü a al­
m a amada naqueiles torm en to s, até que te­
nha fatisfeito o u ltim o real da fua divida;
E terás tu ainda animo para chamar daqui
p o r diante le v e , ou pequeno m al,a qualquer
das tuas faltas, ou atrcvcrtehas a co m m c t-
te r muitas, c muitas, advertidamente, c co­
m o p ô r p a íía tcm p o ? O c e r t o - h c , que ain­
daq u e t e falves, e naó te fa ça õ o u t r o danno
as tuas culpas v c n ia c s ,fe n a õ o e íía r penando
p o r m u ito t e m p o no P u rg a to rio à tua alma, e
im p e d ir te o v e r a D e o s , e o c h e g a r á bema­
v e n t u r a n ç a , c m quanto os naõ purgares* eu
t e a f l e g u r o , que naõ 05 cham ar ás cncaõ lc*
Meditaçao
>
II. 1 31
^
v e s , porque ferá entaõ excefTiva a tua d o r
naqucllc in c ê n d io , c tc achará* reprehendi-
da pello S e n h o r , e tratada c o m o c u l p a d a ,
experim entando icr húa pelada ca d e ia ,q u e tc
naõ deixa v o a r ao .fu m m o B e m , o que t u ,
cega pello teu defeuid o, imaginavas era h ú a
coufa m u ito leve. A p r e n d e pois a fazer o d e ­
v i d o cafo das tuas culpas, c a pagar p o r c f -
ias anticipadam cnte c o m penitencia v o l u n ­
tária, antes que a Santidade do S e n h o r c h e ­
gue a te penetrar toda a alma c o m t o r m e n ­
tos in e x p li c á v e i s ,c m ordem a pu rificalla.
C o n fu n d e tc , c o m o leprofa, c o b e r ta dos pcfc
ate a c a b e ç a co m as chagas dos p e c ca d o g
veniacsj admira a grande pacipncia d o S e ­
nhor c m fofrer cm ti tantas faltas no leu D i ­
vino ferviço* pro po em d c naõ dar jn-adver­
s a m e n t e entrada cm tua alma a h u m m a l
taõ grande* e r o g a ao S e n h o r , que pello o -
dt°, que tem a t u d o , o q u e h e p e c c a d o , t c
fortifique d ç l o r t e , q u e naõ tornes a c o m -
n ie t t c r ,f c n a ó o s ,e m que cahircs p o r fragili*
dade
#
humana. ,ry

I.t Jtf E D I;
1 3 2 Q uarto dia,
M E D I T A Ç A O II

< Para o quarto dia dos E x e r c í c i o s .


SOBRE A T A R A B O L A T>0 F i­
lho frodigo .
-l O n f id c r a a P a rtid a deíle filho da ca-
V ^ / fa de feu pai : m o i l r o u verdadeira­
m e n t e niflo cíTe m a n c e b o ,q u e naó tinha ju i-
2 0 : porque, que lhe faltava a e lle, cílnndo á
obediência dc feu pai, onde era p ro v id o , f e r ­
v i d o , a c a ric ia d o , reconhecido por herdei*
r o , c p o u c o m e n o s , quefenhor dc tu d o ? Q
d e z e j o porem de h ú a enganofa liberdade,de
f ilh o , o reduzi o a envejar a c o n d iç a ó de cf-
c r a v o j c o m e ç o u fe a arrepender daquella v i ­
da Íem pre fujeita á o b e d ic n c ia ; c o m c ç o u f c
a d c f g o íl a r dc v iv e r á vontade de feu p a i y e
d c.fe tratar c o m o os d e m a isj eíle t e d io , e
a q u c lle d ezejo o perfuadio a pedir licença
para fc au fcntar,c o m o v e o a pedir parte da-
queíla h e r a n ç a ,q u e toda in te ira e lla v a d c íli-
nada para cllc. E terás tu cm algúa occafiao
aufentádote tambem da cafa do Padre C e -
l c í l i a l , apartandote dclle’ c o m a mem ória, e
d e ix an d o o e x e rc íc io c ó í l u m a d o d a o r a ç a ó ,
p o r tc d ive rtir cm o c c u p a ç o e s v a ã s , c por
•7 n I i entre-
Tileditnçao II. 133
entregar o teu c o r a ç a õ ao am or dc a l g ú a
c r ca t u r a , cm lugar dc amar fó a D e o s ? S e
tc cn trcg aílc a femelhantes d e f o r d e n s , naõ
nafceo dc o u tro prin cipio a tua aufcncia, fe-
naó defle inurbano d e t e jo da liberdade. Q u e
tc faltava tambem a ti , quando te deixavas
governar inteiramente pella providencia do
teu D eos , que naõ IÕ te tinha 11a lua cafa ,
mas até te tinha fem pre nos feus b r a ç o s ? E
t u , falta de j u i z o , q u iz c fle v iv e r a teu m o ­
d o , e f e r v i r t e , cm p r e j u i i o teu , e co n tra
D e o s , do arbítrio da tua vontade, que lhe t i­
nhas confagrado,e por c u jo am or tc fujeitavas
com grande m erecim en to ás fuas paternaes
d ifp o liço cs. E a iíTo chamas tu liberdade ?
fetivefles j u i z o , havias l o g o de v e r , q u e naõ
ha mais t r iíle e f e r a v id a ó , que a dc fazer a
própria vontade. A verdadeira liberdade dc
húa nao co n fiíle cm cíla r prefa a húa b o a
anchora co m fortes amarras, para p o d e r a-
guantar a t c m p e íla d e j c a verdadeira lib er­
dade de h ú a a l m a e í l á c m eílar fu g c ita a o D i ­
vino querer,e cm depender inteiramente d cl-
c quem e í l á no feu lu g ar , que faõ os
Superiores. A b o m i n a pois cíTafalfaliberda­
d e , fc acafo algum dia a e x c r c i t a í l c , c r c c o -
nhcccndotc por in d ig n a ,d c que D e o s to m e
cuidado dc t i , p i o p o c m dc nunca maisfahir
I 3 da
1 3 4 Q uarto "dia,
da lua cafa, mas v iv e r totalmente fujeira ao
feu g o v e r n o , c o m e ç a n d o a fazer a lua v o n ­
tade na terra,affim c o m o c o m cila fc c u m p r e
lio C e o .
z C on fid cra a Efiancia defte p o b re man-
* c e b o fora da cafa de feu p a i , c os d an n o s, c
males, que lhe fobrcvicraõ. F o r a ô c f t c s dan­
nos cfpccialm ente q u a tro : o prim eiro f o i , o
g a ita r elle m a l , c c o n fu m ir a parte da heran­
ç a , que lhe c o u b e r a ; o f e g u n d o , o lujeitar-
1c ao le r v i ç o dc hum amo c r u e l ; o terceiro,
o em pregarfe na mais vil de todas as o c e u -
p a ç o é s ,q u a l h e o a p afce n tar animacs im m un­
d o s ; o q u a r t o , o ficar reduzido a tal f o m e ,
q u e lhe faltafle,até àquillo, que naõ faltava
ao leu vil rebanho. R e p a ra a que termos
chega húa a l m a , que fc p a rte , e aufenta da
cafa de D e o s . A o principio hc ló c o m ò p o r
d iv e r t i m e n t o , cd a h i vai p o u c o a p o u c o , a t é
q u e ch eg a a perder a g r a ç a , c a amifade do
S e n h o r , c o m todas as riquezas immenfasdas
virtudes , q u c a acompanhavaõ , fujeitando-
fc ao feu maior i n i m i g o , q u e he o dem on io,
o qual a trata taõ m al, que fazendoa cfque-
ccrfc do feu nafeimento , e da c r i a ç a õ , que
t e v e na cafa de D eos, a mette na o c c u p a ç a õ
mais v i l , que ha no m u n d o , qual he a de a-
paíccntar os appetites brutacs , no qual m i-
» ; n iílc-
M editaçao II. 13f
n id erio indigno naõ pode,fe quer,contentar^
í e á fua v o n t a d e , de ío rtc , que crefccndo a
fua fom e , quanto mais fc alimenta de h u m
manjar taó infame , lhe vem a faltar o q u e
fobeja aos animaes d o c a m p o . A termos ta õ
horriveis tem ch e g a d o mais d c húa v e z a-
quellas melmas almas, que a n t e s e r a õ f u ít c n -
ílcntadas na cafa de D c o s c o m m u ito re g a­
lo : Q u i nutriebantur in croccis , am plexati
fu n t ftercora. S c tens a lg u m te m o r d c cahir
em femelhante p r e c ip ic io , g u a rd a té delle
defdc os primeiros pados, porq nenhum dos
que nellc cah em , im agino u ao p r in c ip io ,q u e
havia de cahir 5 e quantas vezes te ias tu en­
caminhando a hum fim taô f u n e f t o ,e te ata­
lhou os paíTos a p ro vid e n cia d o S e n h o r ? A -
gradccc pois a D e o s e íle paternal c u i d a d o ,
de todo o teu co ra ç a ó j paíma da tua te m e ­
ridade, c d o p e r ig o , em que tens e f t a d o ,p o ­
is por p o u c o mais,que te d e ix a d e o S e n h o r
cm maós da tua v o n ta d e , e d iveras de t o d o
perdida: N i/tq u ta D om in u s adju vit m etfa ti- ffat.
Io minus habitajfet in inferno anima mea; pro-
poem dc tc deixar g uiar cm t u d o , e p o r t u -
pello teu Padre C c l e í li a l j e p e d c lh e ,q u e
fc algúa v e z ,a b u f a n d o d o teu l i v r e a l v e d r i o , .,
intentares fahir da fua cafa , te femeie o c a ­
m inho dc tantos abrolhos dc t r i b u l a ç o c s ,
I 4 . q u e
-136 Quarto d ia ,
que tornes l o g o para atras.
$ ConG dcra a F o ita d c fli mifcravcl man-
ç e b o para cafa dc feu p a i, c os m o t iv o s , quc
t e v e para voltar a ella, quc foraõ tres. O p ri­
m eiro f o i , o ponderar c o m atte n ça ô a m if c -
ria d o c fta d o ,e m quc fe achava dcprcícntc*, o
f e g u n d o , o com parar eíTa mileria c o m a fe­
lic id a d e , que l o g r a v a ô ,o s quc moravaõ cm
caía de feu p a i ; o terceiro f o i , o co n ce b e r
h u a viva clpcrança do p e r d a õ , pella bonda­
d e , q u e tantas vezes experim entara cm íeu
pai. E tu d o iflo hc ncccíTario,quc tu tenhas
tam bem . H c ncccíTario , quc entres h u m
p o u c o em ti m cím a , e quc confidercs m a ­
duram ente a miferia de tua a l m a , q u a n d o c-
í l á apartada dc D e o s , de í o r t e , que n a õ f c -
jas c o m o os eferavos , quc fc tem feito ma-
íh adiço s* c ja naó fentem o a ç o u te . Q u a n -
l a s inquietações, quanto.s c fc ru p u lo s ,c quan­
tas perdas dcthefouros incomparáveis da D i ­
v in a g r a ç a , c de favores Celeftiacs tens e x ­
perim en tad o? c ferá poílivel , quc nem a ti
m efm a queiras crer > e que depois dc íanras
experiências d o contrario , cfpercs rodavia
achar bem a lg u m fóra dc D e o s ? C o m p a r a
hum p o u c o o cftado prefente da tua tibic-
2 a , com o eftado fervorofo , em qiic alg u m
dia tc açh^yas nos teus e x e r c i d o s dc pieda-
.* dc,
M editaçao TI. 737
d c , m o r t if ic a ç ã o , e caridade *, e c o m p á t i o
tambem co m o fervor dc outras pe{Toas,quc
cílaó no meio do m undo. Q u a n t o s e fe r a v e s ,
pu .fcrvo s, ilto h e , quantos fcculares de b o a
vida, ainda que fc achem cm h u m citado dc
f e r v i d a õ , em c o m p a ra ç a õ dos R e l i g i o í o s ,
que faó filh o s, vivem fartos/,- iíto he, g o z a õ
as fuas almas dc húa paz fu p e ra b u n d a n te , e
tu morres dc fom e ? Q u e o ccu paç.iõ pode
haver mais indigna dc húa E íp o f a de C h r i -
í t o , q u c a dc tratar de dar p a íto a o s fcu slcn -
t i d o s , c de co ntentar, e fatisfazer os íc u s a p -
petites brutacs? T o m a p o i s , húa rclb lu ç a õ
enerofa: Surgam , £5? ibò ad patrem tnettm. ^UC*J
f .evantate defie l o d o , c m que vives atollada,
c caminha a largos paífos a e n c o n t r a r t c c o m
5
•o teu P a i , cm cu jo s b ra ç o s c ítá o teu reme-
d i o , a tua p a z , c a tua falvaçaõ. Q u e re­
ceias? fc tu tens p e r d id o , por tua cu lp a , o
que hc p r o p n o de hum filho ,- c llc , por fua
bondade, naõ tem perdiefo as propriedades
dc pai-, e allim , j a que fe g u iftc o e x e m p l o
d o filho p r o d i g o , c m p c c c a r, f e g u e t a m b e m
o feu e x e m p lo , cm tearrepender. H u m ilh a -
te ate o p ro fu n d o na p refen ça de teu D e o s ;
confeíTa diante d e lle , c da fua C o r t e c c le ít i-
-al> que e r r a íte , c que naõ mereces íer'trata­
da co m o as outras companheiras na C a fa dc
Deos,
138 Quarto dia ,
D e o s , havendo profanado c o m a tua m á vi*
da o lugar fagrado da R e l i g i a ó , q u e h c h u m
Paraifo eterno , c d ig n o dc f e r habitado f ó
p o r quem v iv e h u a vida A n g é lic a . E x c i t a
c m ti hua co n fian ça grande , d c que o teu
P ai C c l e f t i a l , vendote reduzida a húa tal
m if e r ia , que nem çapatos tens nos p e s ,
f c h a de m o ve r a p ie d a d e ,e fahindote ao en­
c o n t r o , te lançará os braços ao p c f c o ç o , te
cftreirará n e l l e s ,e tc dará ofeulo de p a z , te
fará v e ílir dos hábitos das v ir t u d e s , c fe c f -
quccerá de todos os teus pcccados > os quaes
t u , admirada da fua infinita caridade , abo -
minarás de t o d o o teu c o r a ç a õ ; p r o p o e m
d c fazer hüa continua penitenciai c pedelhe
g r a ç a para nunca jamais te apartares do feu
d o m ín io , e da fua obediencia, a qual lhe dc*
ves por cantos titulos.

M E D I T A Ç A O III.
Para o quarto dia dos E x e r c íc io s .

SOBRE O REINO DE
Chrifto.
t
I O n fid éraaC h riílo n o flo R ed em p to r,
^ i c o m o h u m R e i de fu m m a M a g e f t a -
de,
* . •
M editaçao III. 139
de,*Podero{iflim o,Sapicntiflim o, c A m o r o -
íiflrmo para co m os f e u s , c dotado dc todas
as prerogativas , que fc requerem cm h u m
Prín cip e c o n fu m m a d o jp o is e lle ,ta m b e m p o r
fua Sacratiflima H u m a n id a d e ,h c c o n ftiru i-
do R e i dc R e i s , c S en h o r de Senhores: H a -
le t in fetnore fu o ferip tu m , R e x Regum , & Apoc>
Dotninus dominantium. Imagina p o i s , que 19.»*
C h r i f t o , c o n v o c a n d o a todos os h o m e n s , e
a ti entre e lle s , p u b lica m e n te d e c la ra , que a
fua re lb lu ça ó h e e x p u g n a r ,e d cítru ir aos feus,
cn o flb s i n i m i g o s ,o m u ndo , o d ia b o , c a c a r ­
n e ; p cllo q u e co n vid a a cada hum para cfta
, emprefa , c o m c o n d i ç a ô , de q u e C h r i f t o ,
que hc o R e i , ha de ir adiante dc tod os á
batalha, e q u e , em q u a n to durar a guerra ,
ha de fer o p rim eiro cm tolerar as in c o m -
inoilidadcs da vida ; o p rim eiro nos p e rig o s
da guerra 5 o p rim eiro cm receber as feridas*
c que,depois da batalha, a v i t o r i a , e o prê­
mio ferá to d o dos feus foldados. É repara,
que aflim c o m o elle tem c u m p r i d o e x a t a ­
mente com a c o n d i ç a ô , v iven d o to d o o t e m ­
po da fua vida cm po b reza , entre dores , e
dclprczos j aflim tam bem tem fegnido in-
numeráveis almas as triumfantcs pifadas dos
leus exemplos , e depois de haverem alcan­
ç a d o v i t o r i a co n tra os iu in iig o s , triu m fa õ
ago-
14o Quarto d ia ,
agora c o m cllc no C e o . E tu q u c fA z e s ? q u e
rd p o n d e s a efte vire ? terás taò p o u c o
anim o , que rccufcs fahir a ca m p o debaixo
d o mando dc hum R e i taõ c x c c ifo , que te
p ro m e tte v i& o r ia certa , e f e g u r a ? R e p a r a
b e m , que a guerra dura por breve t e m p o , c
q u e ha dc durar para fempre o triu m fo *, c
q u e os inimigos , q u e J E S U C h r i f t o quer
f u b j u g a r , íaõm ais t e u s , que feus i n im ig o s ;
p o rqu e a elle o naó podem privar do feu rei­
n o , mas a ti fim. Eia p o i s ,o f f e r e c c t e g e n e -
rofam ente a f e g u i r dc mais perto a efte S e ­
n h o r , c a imitai]o cm tudo cora grande ani­
m o , e r c ío lu ç a õ . E neccflita p o r ventura
efte n e g o c io dc m u ito te m p o para fc d elibe­
rar ? podele por acafo fegu ir dclle o u tra c o u ­
fa , fenaõ a fumma felicidade de g o z a r m o s
da vifta do nofio D e o s ? C o n fu n d e t c pois da;
tua vida paflada, taõ contraria á v id a d e C h r i ­
f t o , pois tens tido por inimigos teus,aos que
elle teve por feus c o m p a n h e iro s ,c o m o faõa
p o b r e z a , a p e n ite n cia ,e a h u m ilh a ç a o , afle-
m clh and otc mais co m L u c i f e r , cabeça dos
r e p r o b o s , q u e com o teu R e d e m p t o r ,c a b e ­
ç a dos Prcdcftinados ; pedelhe g r a ç a para
olhar daqui por diante c o m outros olhos para
as cruzes, que te envia*, ifto h c ,q u e as coníl-
deres, co m o cnnobrccidas , c deificadas p cl-
J^ieditaçao I I I 14 1
lo feu e x e m p l o , dc f o r t e , q u e v iv e n d o neftò
m u n d o ,c o m o companheira lua no p a d e ce r,
fejas depois companheira fua no reino celc-
ftia l, go zan d o dclle para fempre. S i fuftine- Tiro;
lim iis , c í conregnabimus. *• I2<
z C o n f i d e r a , que ha tres fortes: de peffoas,
que pretendem fegu ir a C h r i f t o nefta g u e r ­
ra. A primeira he d a q u e llc s , que paraó fó
cm admirar a j u f t i ç a defta c a u í a ; mas n u n - w
ca fe rcfol vem a tom ar as armas, para p eleijar, -
e vencer; i í t o h e , nunca fe r e fo lv c m a a p p li-
car os meios n cceflan os p a r a :im itar os e x ­
emplos de J E S U C h r i f t o , c o m o elle dc n< f 5
quer. A fegunda hc d a q u e lle s , que to m aó
as arm as, c fahem a c a m p o ; querem p o r e m
pcleijar a feu m o d o , pondo fó aquelles m e i­
os, que faõ co nform es a feu g e n i o , c naô os
<)ue prefereve a vontade d c D e o s , quercrA
doantes ir diante do*Senhor, do que fcg u il-
lo. A terceira he daquellcs, que,perfuadidos
a que todo o noíTo b e m , c toda a gloria, que
podemos dar ao S e n h o r , c o n lift c e n v im ita r
cxcniplos dc J E S U C h r i f t o , e f c deixar
g uiar por elle , naõ fo a p p lic a ó os meios
c o m r c lo lu ç a õ , mas tam bem -fem fc g u ia r
fliflo por fua vontade; e por iflo cftaõ dif-
p o í t o s , n a ô fó para fe g u ir ao S e n h o r , mas
para o íc g u ft p c f t t c a m i n h o , por onde c l l c
quet
1 4 2 ' 'Q m r to dia ,

quer q u c o f ig a ó : c íla õ d ifp o ílos, naõ fo pa*


i a p e le ija r, mas para o b c d c c c r no m odo de
p e le ija r ; podendo d i z e r , quc eltá d u p lica ­
ria!. dam ente d ifp o llo o feu c o r a ç a õ : D ar atum
?*• *f,cor m eum , D e u s , p a r atum cor meum. E tu
em que num ero deites tens ate agora en­
trado? es por v e n tu ra d a q u c llçs ,q u e querem*
jtòv. c na° q u e r e m , c o m o o p e r g u i ç o f o ? F u lt ,
>). 4* £5? non v u lt p ig er? porque querias a virtude*
fem o trabalho de a exe rc ita r; querias a h u ­
m i l d a d e , (em a h u m ilh açaó ; a p u r e z a , lem
tc m o r tific a r ; a p a ciê n cia , fem ter q u e pa­
d e c e r ? O u cs daquellcs, que fe diípoem pa­
ra obrar b e m ; mas queres,que iíTo fejaa teu
m o d o , antepondo as tuas d e v o ç o e s parti­
culares ás obfcrvancias publicas; c attrahin*
d o j t vontade dos Superiores ao teu querer?
C o n fu n d e t c p o is ,d e t e r praticado femelhan*
te abufo^c d ctélta o f u m m a m c n te ;o ftc r c c c -
tc ao Senhor, pondorc nas fuas tnaõs, c o m o
t h ú a branda c e r a , para receber as fuas im.f
p r e f fo é s , e naõ para tu haver dc dar as leis?
lu c. Sequar tc * quocumque ie r is; e ro g a finalmen-
4# í7' tc ao R e i do C e o , e da terra, quc tc d e g r a *
ç a paraque,á fua i m i t a ç a õ , f e j a a tua comi»
d a , e toda a tua rccom penfa daqui por dian*
t e , o fazer a vontade do P a d re c c le ília l.
j C o n ü d c r a , quc ha tres graos, pello*
quact
M editaçao III. 143
quaes fc c h e g a a f c g u ir a C h r i f t o de p e r t o j
e a vencer nefta g u e r r a , q u e f e t c m e m p r e n -
dido co n tra os noííos inimigos. O p r im e i­
ro h e , fujeitárm onos dc tal forte á D i v in a
v o n ta d e , e ab raça rm o s dc tal ío rte a C r u z
do S a l v a d o r , que queiramos antes perd er a
mcfma vida,que ap artárm onosdelle por h u m
fó p c ccad o m ortal. O fe gu n d o co n íifte , e m
nos uAirmos t a õ e ftre ita m c n te c o m a v o n ta ­
de do Sen h o r,e c o m a fua C r u z , que nos r c -
folvamos a m orrer an tes, d o que d c fg o fta r
ao mefmo Senhor cm coufa a lg ú a ,a in d a q u e
m inim a, ou p c c c a r venialmcnre c o m plena
advertência. O x e rc c ir o c o n f í f t e , e m h ú a
adhefaõ tam perfeita á vontade D i v i n a , c í
iraitaçaõ de J E S U C h r i f t o , q u e c m c a f o d e
fer dc igual p ro v e ito para a alma a p o b r e ­
za, c a a b u n d a n cia ; a h u m i l h a ç a õ , c a h o n ­
ra; a c o m m o d id a d c ,e a m o r t i f i c a ç a õ ; e f e o -
lheriamos antes a m o r t i f i c a ç a õ , a p o b r e z a ,
o defprezo, c a C r u z , para aflim f u b j u g a r a
própria fenfualidade, e nos aflemelharm os
mais com a q u c l l c S c n h o r , q u e fez fc m c lh a n -
t c efeolha por noflo a m o r : Propofeto fibig au - Hcbr.
dio9fuftinuit crucem. E x a m i n a agora a q u i , **' *
quaó longe cftás defte g r a o , e p rocu ra c h e ­
g a r a elle ao menos c o m o d e ze jo ; c c f m c -
rate entretanto a o s o utros dous1 ratificando
os
1 44 Q jiarío d ia ,
os teus íantos p ro p o fito s, c pondote nclíes
ta õ firm e, que n a õ .10c íir e m e ç a s ,o u v in d o
nomear o peccado mortal, mas tc caule ta m ­
bem horror o o u vir fallar cm hú venial com-'
roettido com plena advertência, pois h cta m <
b e m do defagrado do noíTo D eos. P a r e c e t c
por ventura, que naõ merece efte Sen hor, que
tenhamos femelhante horror a tu d o , o que hc
contrario á fua D i v in a vontafle? Q u e im ­
porta que feja leve a matéria da tua tranf-
grcíTaó? pois naó h c pequeno o atrevim en­
t o de antepor neíTe p o u c o o teu g o í l o ao d o
teu E fp o fo c e le í lia l; nem dás defle modo
inteiramente a D e o s o titu lo dc G ra n d e , dc
que elle hc acredor? e fe o m inim o g rao da
fua G lo r ia fc deve ju íliílim a m c n tc preferir
ao bem dc todas as crcatu ras, que in ju ftiç a
n a õ ferá o pofpõllo a hum bem dc nenhúa
fu p p o fiç a ó , qual he o fiuisfazçrçs em hum
qu a fi nada £ húa paixaõ tua? C o n fu n d c tc
da tua pa/Tada ign o ran cia, e da tua ingrati­
daõ para co m D e o s , que' te tem a m a d p , c
ama co m tanto c x c e f l o ; oflfçrcçcte a g u a r ­
dar daqui em diante co m toda a e x a c ç a õ os
foros da fu je iç a ó , e da amifade, que lhe de­
ve s, naõ lhe dando jamais advertidamente o
m e n o r d c í g o f t o ; c pedclhc^ que tc aflifta com
a fua g r a ç a de tal f o r t e , que nunca faites na
obler;
-Ã d t d U a ç a o I l í . 1 4 £
obfervancia do que lhe tens pro m cttido, mas
q u c profcguindo confiantem ente c m pelei-
jar com cllc* c por elle, ch egues finalmente
a v e n c e r , c a triumfar com e l l e , c por elle
por tod os os feculos no C e o .

M E D I T A Ç A O IV *
Para o quarro dia dos E x e r c í c i o s .
SOBRE O B E N E F IC IO <DA
Encarnaçaõ. <h;T '■
1 O n íid é r a o profundo abyfmo, c m
. quc eítnva íu m e r g id a a humana
natureza , pello p ec ca d o , c pella c o n d o
naçaõ ete rn a, quc he confequcncia do m cf-
mo peccado. N a ó havia po der algum c r e -
ad o , quc nos podefie livrar dc taó g ran d e
jnal, de í o r t e , q u e c o m o o p e c c a d o m o rta l
incluc cm fi húa injuria cxprcíTa do Crea-*
d o r , c húa certa m alicia infinita, naõ podi*
nem ainda todas as crcaturas p o fliv e is ,
rccompcnfar dignam ente eflá m a lic ia , nem
dignamente fatisfazerã D e o s p o r tal injuria;
c muito menos e«*a p o fiiv c l,q u e tal fizcftcai
os homens, que eftavaõ cheios dc maldade*
c eraô mais abomináveis, que rodas as crea-
|U ftf nos olho* d c D e o s . P ç i l o q u c j ainda-
- K _____ <lu«
1 4 6 Q uarto d ia ,
que todos os A n jos cftiveflem de nofla par»
t c para nos fa v o rc ce r,n a ó i o e m nada reme-
diariaó o noflo mal, c o m íe oftcrecer a fe­
rem por nós aniquilados, mas nem ainda c o n -
íidcrando por toda a eternidade, achariaó
m e io para fatisfazer á D iv in a ju ftiç a dc for­
te, que tornafle a adm ittir ao hom em na fua
graça. R c c o n h e c e t e pois nefta lamentavcl
.defcfpcraçaó de te poder f a lv a r, e m é ttete
Com a confideraçaó naquclle profundo a b y f ­
m o de eferava d o dem onio, inimiga dc D c ­
os, e condenada á m orte eterna, cm o r d e m
a te humilhares, e agradeccrcs dc to d o o teu
•coraçaó tamanho beneficio * confundctc de
-tc haveres efquccido tanto de hum favor taó
•extremado* vè qual dos teus affcótos he o
q u e eftimas co m inaior ternura, c offerccco
a efte grande Senhor em facrificio , e r e c o ­
nh ecim en to dc haver elle empregado a fua
D i v i n a fabedoria em achar meio para tc t i­
rar do profundo de todos os males, e para to r ­
nar a p ó r cm bo m cftado a tua caufa, que c-
i l a v a de to d o perdida* roga ao S e n h o r , que
p o is tc o b rig a tanto co m os exccíTos do feu
am o r, tc conceda luz para os c o n h e c e r , pa­
ra fazer dellcs a devida c f t i m a ç a ó , c para naó
lhe feres d e todo ingrata.
z C o n fid é ra a A ltc z » d o p o f t o , a que fi>
A ' * ÍU
M editaçao 1 4 7

ftc elevada pella D i v i n a E n ca rn a çã o . P o ­


dia Deos fó por húa mera condònaçaõ c x -
trinfcca, lívrartc do mal da condennçaó c -
tcrna, c o m o faz hum principe, perdoando a
hum reo condenado á m orte'; e iflo m efm o
feria hum beneficio incom prchcnfivcl. M a s
d Scnhòr naõ fé contentou fó co m té tirar
do a b y fm o d c tòdos os males, fenaõ, que tc
levancou a hum eflado D i v i n o p o r meio da
G r a ç a íantificantc; te adoptou por f ilh a , c
tc fez herdeira para fempre de todòs os feus
bens nd C c o . E quem poderá medir a infi»
dita diftaricia, que ha entre aquelle abyfm o*
c cfta altura; entre o c fta d o d e hum p ccca-
dor condénado ao in fern o , c o de hum J u -
fto deftinâdo para a g l o r ia ? A tto n itò s ficaõ
os Serafins,ao m e d ir c ft a d if ta n c ia ;e fc r á p o f-
fivel, que naõ fintas tu hum leve toq u e no
c o r a ç a õ , á vifta dc hum favor taõ eftu p cn -
do? E a tu Jo ifto has dc a c c r c fc c n tà r , que*
prevendo o Senhor a nofla loucu ra cm d cí-
prezar hum tal thefouro de b e n s , c em nos
precipitar outra v e z da alteza da G r a ç a no
*byfmo do p e c c a d o , nos d e ix o u tam bem
friodo para refarcir tamanha perda, por m eio
d* Penitencia , c dos Sacram entos, em o r ­
dem a nos eíla b clece r dc n o v o no p o fto ,q u e
oc amparámos. ^ onc*c achara$ tu çntre os
K a h o«
1 48 Quarto d ia ,
h o m e n s , nem ainda fombras de femelhante
caridade? c co m tudo iflo te ju lg as taõ o -
brig ad a a qualquer d c m o n ftr a ç a õ das crea­
turas para c o m t i g o ? Se te efqueccs do teu
B c m fc it o r , fe rccufas fcrvillo m u ito de v e ­
ras, e m uito mais,fe o tornas a oflfendcr,naó
acharás ingratidaõ igual á tua, nem ainda
entre os d e m o n io s , os quaes naõ rcce b c raõ
femelhantes favores, f e n a õ , que depois que
cahiraõ húa v e z , foraõ deixados ficar para
fempre fumergidos na fua ruina. C o n fc fla
pois a tua ingratidaõ, e humilhacc ate os pés
dos mefmos demonios, menos ingratos, que
tu> propoem de lacrificar tu d o por aquclle
S en h o r, que achou tantos modos de te fazer
b e m , c que tendo ufado c o m os A n jo s re­
beldes dc tanto r ig o r , fe co m p ad ccc o tanto
das tuas miferias* c pedelhe, que pois o feu
a m o r para c o m t i g o fe naõ c f f r io u , naõ ob*
ftante a torrente das tuas culpas, te conceda
g r a ç a , paraque a tua corrcfpondcncia para
c o m elle fc naó deixe vencer por nenhum
trabalho.
j C o n fid c ra o Meio^âe que uíou o Senhor,
para te fazer tanto bem. E fle meio foi o dc
f c humilhar a fi m e fm o , com m u n ican d o fua
D iv in d a d e á humana natureza, para nefta
p o d e r padecer, e morrer p o r nós. N e f t a na--
tu rc:
^Meditaçao I V 149
tureza, q u c tom ou ,naó fó fc privo u daauel-
la gloria, c felicidade, que cra devida, defde
o prirheiro inftante da l u a C o n c c i ç a õ , a o f c u
Santiflimo C o r p o , mas cm lugar dclla abra­
ç o u fa d ig a s, pob reza, o p p ro b rio s, e m o rte
de C r u z , padecendo mais,do quc jamais h o ­
mem algum padeceo no m u n d o , aflim e x ­
teriormente nos feus D iv in o s M e m b r o s p o r
maòs de feus inim igos, c o m o interiorm en­
te na fua alma c o m dores in co m p aravclm e n -
te m aiores, quc caufou o feu am or. E fe a
. mais minima hum ilh açaó defta M a g e f ta d e
e x c clfa , c o to rm en to mais leve defla H u ­
manidade D c ifíc a d a fo b re p u ja c o m venta-
gem infinita a quanto podiaõ jam ais f a z e r ,
ou padecer por ti todas as crcaturas poífivcis,
quc beneficio ferá o padecer por ti h u m a-
byfmo de ignominias, e de torm en to s, h u m
D eos feito h o m e m ? S c o S en h o r, para te fa-
*cr bem,crcaíTc o u tr o mundo de p r o p o fito
p a r a t i , quanto te darias p o r o b rig a d a p o r
taõ grande favor ? naó acharias, nem a f f c & o s ,
nem palavras, que baftaflem para o agrade­
cer* c agora, q u A *e c eb cs hum beneficio in­
finitamente m a i o r , ficas f r ia , e naó fabes a-
a quem tanto te amou ? Se tu te c o n -
dennfles, nem p o r iflo feria D e o s menos fc-
e com tudo iflo parece, quc quaíi naõ fa-
K } be.
I 50 Ouarto d ia ,
b c fer ditofo, fem repartir c o m t i g o da fua
bem aventurança. Q u e mais podia fazer o
S en h o r, íc houvera tra tad o , digamos aflim,
d e a fle g u ra r a íua D ivin d ad e, que o que tem
feito para te m e re ce r, e aflegurar a eterna
B e m a ve n tu ran ç a? E t u naõ queres fa^erpor
e l l e , o que farias por hum efera vo, fc hou-
v e fle e x p o l l o a fua vida por defender a tua!
Q u e haõ dc dizer pois os A n jo s , da tua in*
g r a t id a ó ,e que dirá o Senhor? N a verdade,
ie as vidas dc todas as creaturas foflem tuas,
e todas as tivefles empregado em o bfcqu io
d o teu R e d e m p to r , naõ teriasfatisfeito, nem
ainda á Ynais minima parte dadivida^em que
lhe cftás-, donde colligirás, quaõ grande he a
d iv id a , que tc rcíla por p a g a r , pois nem a-
inda efla mifcravel vida, que tens, a em p re­
gas cm correfpondcr ao am or dc teu D eos.
C o n fu n d c t e finalmente,confiderando a t u a
in g r a t id a õ , a qual naó fó te fez deixar dc
correfpondcr co m am or aos cxceflos da D i ­
vina caridade, mas te fez correfpondcr a cl-
les co m offenfas; agradece ao Senhor o m ui­
t o , que padcceo por t i ; ^ o f f c r c c e t e á D i ­
vina v o n t a d e , para que difponha de ti a feu
b e n e p lá c ito , c o m o de coufa fu a ; e pedelhe
ç o m a maior inftancia, que abrafe, c c o n lu ­
i a * totalmente com o immenfo f o g o da fua
ca-
Meditaçao IV .
caridade a tua ingratidaõ, c tc troque de tal
15*I
force o coraçaó, que daqui em diante ne­
nhum outro a m o r, fenaó o de fua D i v i n a
M a g e fta d c, tenha ncllc entrada.

M E D I T A Ç A Õ I.
Para o quinto dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E O NASCIM ENTO T)E


J E S V Chrifto.
t O n fidcra , que n afcc o S en h o r ncfte
V - / m u ndo , para f e fazer M e f t r e te u , e
aflim farás de c o n t a , que o P o rtal he a aula,
o prefepe a C a d e ir a , e o E x c m p l ò a v o z do
Menino D e o s . A primeira l i ç a ó , que t e d á ,
he da P obreza. V c a que m ifciia fe reduzio
por teu a m o r , quem reparte todos os bens
defta, c da outra v i d a ,e que, fó co m abrir a
m aõ, enche de b e n ç o e s a todas as creaturas.
O n d c c f t à o palacio,ond e c fta õ o s apparatos,
onde o berço real, c o c o r t e j o dos criad o s?
Vifita húa por hüa todas as partes deflà c o -
y * > c naó fó naõ acharás nclla cou ia alg ú a
yuperflua,mas falta erande de to d o o n c c c f -
lario . pois nafcc J É S U C h r i f t o quafi c m
lcampado > * m c *a n o *tc j c no c o r a ç a ó do
K 4 mver-
I 52 Quinto âia,
in v e rn o , fem f o g o , fem reparos,e aindafenl
as poucas commodidadcs da fua pobre cala
de Nazarcth. N e m parou a q ü ia fua pobre*
2a,porque,alem da que cfpontaneamente pa­
ra fi efco lh co , quer outra , quafi fo rça d a ,
pois d ifp o e m ,q u e fe lhe negue hofpedagem,
onde outros ficaraó bem accom od ados:N on
JLuc.z.
f. erat eis locus in diverforio. T a m b e m tc pa­
recerá a ti,quc es mal fervida nas tuascnfçrr
m idades, e t c parecerá mal o haver de ficar
fem o quc pedires para tci| alivio * mas iflo
h c porque naó confidéras, quc fizeftca D eos
v o t o dc p o b r e z a : corroo pois tc e fqu ccesdif-
fo , quando fe ofFerccc a occafiaó dc a e x p e r i ­
mentar? E muito mais , c o m o dás lugar no
teu c o r a ç a õ a taõ grande cuidado dc traba­
l h a r , vender , c ajuntar , paraque nunca te
falte nada, chegando até acn v e ja r aos m u n ­
danos as fuas c o m m o d id a d cs ,c naó te e n ver­
g o n h a r, fenaõ de fer pobre, c de o parecer?
C h r i f l o naó fó fenaõ envergonha da p o b re­
za d o feu prelepe , mas faz gala d c l l a , c o n ­
vidando aos vifinhos Paftores , c chamandp
de longe os R e is , paraque o r c c o n h c ç a õ , e
adorem naquelle eflado taó pobre. O h quaó
p o u c o tens aproveitado na E fco la do R e ­
dem ptor, fe cm tantos annos naó tensapren-
dido a levar cora paciência a falta das coufas
tempo-.
Meditaçao T. is í
tem poraes, devendo ter niflb g o f i o , e r e c o ­
nhecer a po b reza por hum alivio da carg a
pefada dos c u id a d o s , que affligem a o s fc c u -
larcsj por hum defem baraço d o c o r a ç a õ c a ­
p a z dos bens eternos \ c por hüa nobreza de
c fp ir ito , que fe faz Senhor dc todas as coufas
eternas, co m o dcfprezo das temporaes. C o n -
fundctc da tua miferia ^ c pro po em de dar
hum co rte daqui cm diante a tantas inquie­
taçõ es para co n fcg u ir o fupei f l u o , e a tantas
impaciencjas , quando te falta o neceflario,
por m odo que querias f ó ter hüa pobreza
m onftruofa, nunca padecendo falta dc c o u -
fa algúa. R o g a finalmente ao S e n h o r , que
pois tem feito taõ vis as riquezas, defprczan-
d o a s , c ennobreceo tanto a p o b r e z a , abra-
Çandoa, te dè g r a ç a , paraque aceites, c o m o
grande favor , todas as o ccafio cs de te fazer
a cHe fem clhante,fendo mal afliftida nas tuas
floceflidades, e cuidando p o u c o de ti mefma
P ara efte fim.
i ConGdéra na outra l i ç a õ , que te dá o
Senhor D eos M e n in o , que he a P u r e z a .
T o m o u o Senhor fobre fi todas as noflas mi-
Icrias , e podendo tom ar para fi hum co rp o
g ra n d e ,c p e r f e i t o , c o m o dco a A d a ô , o q u i z
tomar pequeno nas entranhas de húa V i r ­
g e m , c viver co m grande pena p o r c fp a ç o
1 5 4 Q uinto dia,
de nove m ezes,c fer ao depois fu dentado c o m
leite, fer cnfaixado, c lofrcr todas as outras
nioleftias da infancia ; naõ fc q u iz porem
fujcitar á mi fer ia co m m ú a de nafccr dc p a i,
c m a l , pois cfcolhco fer c o n c e b i d o , c que o
pariflc húa V ir g e m mais pura antes, no par­
t o , c depois do parto, que os Serafins do C e o ,
para c o m iflo nos mo (Irar, quanto horro r t i ­
nha a toda a fombra de macula, c quaó longe
queria cftivcflem as fuas efpofas de tu d o ,o que
he terreno. E porque efta açu ccn a da pure­
za naó fc CQnfcrva,fem os cfpinhos da m o r­
t if i c a ç a õ , repara,como tc enfina eftc Senhor
a maltratar o teu co rp o , fofrendo elle tan­
tas incommodidadcs juntas, fem fe reparar
contra cilas. E co m o tc tens tu aproveitado
até agora deftes documentos. N e n h ú a v i r ­
tude deve faltar a húa Efpofa do Senhor , c
m u i t o menos a da fanta pureza, que a fazfc-
m clhante ao feu E fpo fo mais, do que qual­
quer outra virtude, que a fermofeia, e a a d o r -
n a , lhe illuftia o entendim ento , lhe cnno-
b r c c c a a lm a , c o co rpo t a m b e m , fazendoo
fu p erio r a toda a terra , e collocandoo cm
h u m e ftad o,n aó fó igual aos A n jo s, mas ain­
da fuperior 9 - por quanto cm os A n jo s a
caftidadc he natureza, mas naõ he v irtu d e ,
c o m o he nos horaens. G ra n d e riqueza pois
JAeàitaçao I. i
poíTucs,fe poíTues e lle th e fo u ro ! elle porem
e(tá mettido cm hum vafo dc b a r r o , e p o u ­
po íe g u r o , fe m a guarda dos f e n t i d o s ,e f e m
a mortificaçaó do c o r p o . G ra n d e ignoran-
cia feria l o g o a tua , fe te perfuadiflcs, que
poderes co n ícrvar cite dom celcftial , c o m
buícqr o srcg alo s, c as com m o d id ad cs, c c o m
tratar a teu c o r p o , c o m o a S e n h o r , cm v e z
de o reconhecer c o m o inim igo. O h c o m o
ficarás artonita no tribunal D i v i n o , fere p o ­
der o Senhor lançar em r o lto , quc fizelte
mais p o r teu c o rp o , do que p o r e lle ! C o n -
fundete pois de todas as tuas faltas, co n h e -
çendote por indigna dc eltar em lu g ar taõ
fagrado, do grao,a que tc achas elevada, e do
H a b ito , que trazes j propoem de te a b ltcr
de tudo, o quc de a lg u m m o d o naó c o n v e m
a teu e í t a d o , e d c te guardar c o m grande
cuidado de todas as a ffc iç o c s particulares ,
em ordem a aflegurar cada v e z mais e lle th e ­
fouro do C e o ; c roga ao S e n h o r , q u e ,p o is
a pureza he fruto cfpccial da fua C r u z , te d è
G raça, paraque poflas adornar a tua a lm a d c
forte, que fejas digna dc acom panhar dc per­
to ao D iv in o C o r d e ir o lá no C e o entre as
demais Virgens..
3 Confidéra na terceira l i ç a õ , quc dá o
D i v i n o M c l t r c , que he da Obediencia. N o
mun-
1^ 6 Q uinto dia]
m u n d o de nenhúa cou fa fe faz mais a p r e ç o j
q u e de fer fu p e rio r, dc íc fazer e l l i m a r , de
mandar a o u t r o s , e de viver á vontade ; c
C h r i f t o pello contrario, quer nafcer cm tem ­
p o dc a á u a l f u j c i ç a õ , e quafi fe p o e m debai­
x o dos pés do mundo , para achar occaíiaõ
de fc humilhar. P c l l o q u e , aindaque o man­
dato dc A u g u f t o e r a indifcreto,a rcffteito dos
p o b r e s , que haviaô de fazer viagem cm hüa
eftaçaô taõ defabrida3 aindaque quem m an*
dava naõ era legitim o fuperior de C h r i f t o >
aindaque o fim do decreto era hüa.meraam-
b i ç a õ ; todavia a nada d iflo attendeo o noíTo
D i v i n o M cftrc,an tes c o m e ç o u a v id a ,fu je i-
tandofc,para nos enfinar a obedecer. H e cer­
t o , que tu tens feito v o to dc o b e d ie n c ia ;c o ­
m o p o rem cumpres co m a tua promcíTa ?
c o m que pontualidade executas o que fc te
m an da? com que íujciçaõ da tua vontade, c
j u i z o ? e que íeria, fe naõ fó repugnafies in­
teriormente ás ordens dos fuperiores , mas
que quizcftcs tambem no exterior viver á tua
vontade, querendo , que todas as coufas do
M o í l c i r o fc accommodaíTem ao teu genio?
Con fundetc pois, de ter tantas vezes torna­
d o a ufurpar a tua liberdade, que tantas v e ­
zes tens offcreçido ao Senhor ; offerccclh*
agora de veras , com hüa renuncia total d c
M editaçao I. i<ç~f
li m c fm a , dc force , que daqui cm diancc tc
perfuadas, que ncnhúa j u r i í d i c ç á õ tens pa­
ra viver á tua v o n ta d e , ciíTo tanto nas c o u ­
fas grandes, c o m o nas pequenas , tanto nas
coufas f a c c is jc o m o nas difficeis. R o g a u l t i ­
mamente ao S e n h o r , que pois tanto l h e c u -
ftou o enfinarte a obediência , tc dè g r a ç a
para obedecer ás cegas por feu a m o r , e p a ­
ra reconhecer a fua vontade D i v in a nos teus
fuperiores, de m o d o , que naõ fó t e d è l i ç õ ­
es taó claras de todas as v irtu d e s , mas ta m ­
bem entendimento para as entender: D a m i-
bi intellettum , £5? dtCcam mandaia tua, m«
■ 7U

M E D I T A Ç A O II.
Para o quinto dia dos E x e r c íc io s .

SOBRE A CIRCVMCl-
faõ deChriJto. '} . !
1 O n f id é r a .q u c h a v c n d o C h r i f t o vin d o
ao mundo,para fer M e d i c o da tua al-
apenas nafoco, quando c o m e ç o u ae x erê
citar-o feu officio na Ç ircum ci.faó* ç derra-
n - u W o 0 feu facratiftjmo Sangue,para rcr
medio da tua fenfualidadc,defordcnada pello
pcccado. E flc fangue hc hum final do m u i-
m
i ^8 Q uinto elidi
t o , que elle ha de derramar por ti na füa Pa!*
x a õ j o am or p o r e m , c o m que derramá cífd
p o u c o , hc taõ grande, que o derramaria t o ­
do na C irc u m c ilá ó , fe o naõ refervafle para
padecer maiores tormentos , e pftra maior
b e m teu. E que tens tu feito até agora cm
corrcfpondencia a efles exceflos dc caridade*
dirigidos á tua f a lv a ç a ó ? O Senhor fcapref*
fa cm padecer por t i , e admitte hum cu tel-
lo taõ c r u e l , e húa lei taõ dura , ainda naõ
fendo dc m o d o algum o b rigad o a fujeitarle
a c l l a j e poderás tu contar que tens padeci­
d o , cm tanto tem p o , que eítás dedicada ao
fe rv iç o dc D e o s ,a l g u m trabalho grande, ou
alcançado algúa iníignc viétoriadas tuas pai­
x õ e s ? E alem d i í f o , por qualquer leve m o ­
tiv o tc dás por diípcnfada dc c u m p r if co m
a tua o b r i g a ç a ó , c tc poés a coníidcrar fe tc
o b r ig a gravem ente, ou n aó ,po r m odo de quc
receias paíTar os lim ite s , e íer m u ito liberal
com o teu R e d e m p t o r . E he iflo imitar ao
teu Senhor ? he iflo co rrcfponder ao feu a-
m o r? H o r a confun dete da tua ingratidaõ ,
pois naõ ió n a õ d é ft c fangue por fangue,mas
t a l v e z nem ainda húa le v e m o r tific a ç a õ te n s
feito em penitencia dc teus peccados. A g r a ­
dece ao S e n h o r , que q u iz rem ediaíasdcfor-
dens dc tua fenfualidade tanto á íua eufta, é
enfir
M editaçao II. I £9
enfinartc co m tanto trabaljio a circu m cid a r
o teu c o r a ç a õ ; c p r o p o e m , j a que o final de
quem ferve a D e o s , hc a m o r t if ic a ç ã o , de
te privar daqui em diante das co m m o d id a -
des, c divertimentos , que naó iaõ de t o d o
neceflarios, e de tratar o teu co rp o c o m m a­
is r i g o r , c o m o tem feito muitos S a n to s ,q u e
feguiraó fielmente as pifadas do R e d e m p t o r ;
c roga ao Senhor p o r efie fangue, que por t i
d erram ou , te endureça o teu coraçaõ co n *
tra ti mefma , e o enterneça no feu am or ,
paraque, fe lhe naõ confagraftc as prim ici-
as da tua v i d a , ao menos lhe naõ negues o
reftante delia.
z C o n G d é r a , que J E S U C h r i f t o , naô fó
deo o feu fangue,para curar a nofia fenfuali-
dade g a f ta d a ,e c o r r u p t a ,m a s facrificou tam ­
bem o feu Credito , para farar a nofia alma
totalmente inficionada pella foberba. A i n -
que J E S U C h r if to fc hum ilhou por nós t o ­
do o tempo da fua v i d a , nunca porém o fez
com tanto e x c e f i o , c o m o na C i r c u m c i f a õ :
porque nella naõ ló apparccc cm forma de
homem , mas de h om em fraco , c fujeito X
tniferias , c o m o o hc hum m e n in o ; naó f ó
apparecc em forma dc p e c c a d o r , c patente-
«anao na cicatriz da ferida b marca d c p e c c a -
« o r , mas alcra diflb naõ apparcceo final ne^
‘ nhum
j 6o . Quinto elidi
nhum do C e o para acreditar hua humilha^
Çaò taõ p r o d ig io f a * c o m o cm outras occa*
fioes fc deixou ver. O s A n jo s * c a nova cf-
trclla acrcditaraó as humildades d o nafeimeri-
t o 5 o Padre , c o E f p ir ito Sãnto authoriza-
raõ as humildades d o B a p tifm o no Jordão*
o S o l , efcurccendofc, c o fentimento de t o ­
dos os elementos na m orte do S a lv a d o r , o
acrcditaraõ por hum hom em D e o s * n a C i r -
c u m c if a õ porém naõ fe v io m ilagre algum *
fenaõ hüa pura h um ilhaçaõ,querendo C h r i-
í t o , a difpendio da fua honfa* dar remedio 4
noíTa a l t i v e z , que he a raiz de tod os os nof-
fos pcccados. E que miferia ferá , fe nem
ainda hum c x c e flo tal for baftartte para te
fárar? O h quanto tc deves confun dir pella
m efm a razaó dc tc naõ faber confundir, c o ­
m o d e v e s! C h r i f t o quer parecer p e c ca d o r,
fem efeufa a l g ú a , fendo elle a mefma inno-
cc n c ia , e eu , citando carregada dc tantas
.culpas, ficas muito fatisfeita dc naó parecer
o que cs nos olhos das crcaturas \ c bufcas
mil efeufas para parecer in n o c c n te , lem q u e
te dè cuidado o naó cftarcs innoccnte no D fr

v in o acatamento. O h quaó grande he a t u i


miferia , íe cftes exem plos do R e d e m p t o r
naõ fó tem (ido ncceíTarios, para curar o teu
p r g u l h o , mas que nem ainda agora baftem
pw ; para
M editaçao ít . J6 1
pára ínrares d e lle ! A d e n ta pois c o m t i g o e m
naó querer daqui por diante fer taó cu id ad o -
fa da tua rep u ta çaõ para co m o m undo; lan­
ç a por hüa vez p o r terra eíTc maldito idolo
da honra mundana; acaba dc o fazer cm p e ­
daços , c dc o p if a r ; e trata de fer o que es
nos olhos de Deos» c nada mais» nem quei­
ras perder o verdadeiro pello que ló he h ü a
(obra; agradece ao Senhor, que te enfina, tan­
to á fua culta* h ü a l i ç a õ taó importante pa­
ra a tua perfeição, c ía lv a ç a ó ;e r o g a l h e ,p o r
aquelle e x c e d o d c a m o r, que o o b r ig o u a
admittir o ferrete de p e c ca d o r, fendo elle a
mefma faptidade, que te dc g r a ç a para fera-
pre te confundir das tuas c u lp a s , c para te
naô íervirem de confufaó os remedios* e os
cadigos das mcfmas culpas.
} Confidéra* que o Senhor* cm fc c i r ­
cumcidar, naõf fó facrifica o feu fã g u c ,c o feu
Credito, para re m ed io dos teus males, mas
dá tambem,para prefervativodas tuas m ife-
rias, c fraquezas* o feu fantidimo N om e, q u e
he todo cheio dc c o n f o l a ç a õ ,c de faude. E f -
fc nome Santidim o d c J E S U S , hc naó fó
hum compêndio de todas as p e r fc iç o é s ,q u e
competem ao noíTo S a lvad o r, em quanto
D e o s , c de todas as v ir tu d e s , que lhe c o m ­
petem , em quanto h o m e m ; mas h c tam bem
L ••• hum
l 6i Quinto d ia ,
hum e p ilo g o dc tudo o que elle tem feito
pella tua f a l v a ç a ó , c do que ha de fazer, fe
tu o naõ impedires, para pôr fim á obra,
guian dote effc&ivam cntc a teu u ltim o fim,
que he o C e o . Mas quantas vezes tc tens eu
o p p o f t o a ellcs amabiliífimos defignios? c
querendo o Senhor fer teu Salvador, lhe
tens fugido, cahindo em peccado, e naõ c u i­
dando na tua falvaçaó? Q u e havia de fer dc
ri, fc elle tc deixara, e defemparára nas tuas
defordens, c amara menos,do quc tem ama­
do , a tua alma? E m quc a b y fm o dc miferias
naõ tinhas tu ficado eternamente fumergida,
fc tc elle naõ dera a m a ó ? em quc a b y fm o
d e trevas naõ eftarias m e t tid a , fe te naó al*
lumiára eíTe Sol D iv in o ? C o n fu n d cte pois,
quanto merece a tua ingratidaõ, e o e x c e d o
d e am or do Senhor para c o m t i g o j e refolve-
teaeftam pai firmemente o nome dc J E S U S
no teu c o r a ç a õ j acodindo ao Senhor com
grande c o n f u n ç a r m todas asneceflidadcsda
tua alma, trabalhando fem ceifar no negocio
da tua l a l v a ç i c , c p e r f e i ç ã o , e tratando
co m todas as veras dc dar b o m e x e m p l o , t
dc cooperar quanto poderes,para o quc J E -
S U C h r ilto quer, c preten d e,com tomar
hum nome dc tanta d o ç u r a , c co n folaçaõ
para nós, c dc tanto trabalho, e pena para fi.
M E-
jdcditaçao III.
Me d i t a ç a o iii.
Para o quinto dia dos E x e r c íc io s .

SOBRE A VINT>A *DQS R E IS


Magos a adorar a J ESV S.

I f O n íid é r a em primeiro l u g a r o c a -
minho , que re môftraõ os R e is
M a g o s , para achar a C h r i f t o , na pro m p ti-
daô em emprender a f u a jo r n a d a , na con-
ftancia em a c o n t in u a r , c na liberalidade,
que no fim delia m oílraraõ nas myftcriofas
oSertas, e dons, que pofcraõaos pes dc D c ­
os M enino : c primeiramente confidcrarás na
promptidaõ daqucllcs R e is cm obedecer d v o z
dc Deos, que lhes annuncicíii a eftrclla. P a ­
rece que efta fua prom ptidaõ leva algúa ven-
tagem d prom ptidaõ dc A b rah aõ , a quem o
Senhor fallou im m cd iatain en tcco m húa v o z
mais c la r a , que a dc hum c o r p o rcfplandc-
cente, que dc n o vo appareccra no C e o : ao
menos he c e r t o , que foi afiinalada a o b edi­
ência dos M a g s cm co m p a ra ça ó da dos o u ­
tros Gentios , que vira6 a mcfma eftrclla, c
ainda cm co in p a raçaõ d a d o s J u d e o s , que
alem difto tinhaó as p ro fecias, e co m tudo
ifto naõ fç refolveraó a ‘bu ícar ao S e n h o r ,
L £ quan*
164 Q uinto d ia ]
quando os M a g o s dcixaraõ logo as fuas ca*
ías, fazendas, c eftados, c emprenderaò húa
jornada com prida, trabalhofa, c arrifcada,
p o r paizes cftranhos, e c o m termo incerto.
E quanto fc deve crer procuraria o dem o­
nio augmentar eflas dificuldades verdadei­
r a s , com outras muitas, apparentes, c o m o
co ftu m aõ os tres inimigos da alma, quando
tratamos dc fervir a D e o s ? E co m tudo i í -
fo taparaô os M a g o s os ouvidos a todas as
perfuafocs do inimigo, e os abriraô fó para
o u v ir a v o z , c o chamamento dc Deos. P o n ­
dera hum pou co quantascftrelUs tem o S e ­
nhor feito refplandeccr,para tc attrahir a fi,
pois faó tantas, quantas tem fido as infpira-
ç o é s , que tc tem d a d o , as quaes naõ podes
contar, aífim c o m o naõ podes acertar com
o numero das eflrellas do C e o : mas o pcor
he, que naó c o n f i a , que te tenhas deixado
g uiar por eflas Eflrellas •, pois por naõ que-
rcres largar algüa conveniência, algúa ami-
fade, ou algum tra to ,o u co n v e rfa ç a ó ,te n a ó
tens refolvido a tc m over j nem depois dc
tantos annos dc R c lig ia õ tens dado hum paf-
f o cm bufea do Senhor. C h e g o u pois ja o
te m p o dc co m e ça r agora nelte retiro a te
deixar guiar da Divina infpiraçaõ, para a-
charcs a J E S U S . A g o r a tc chama elle com
M editaçao III. 16 f
húa lu z m a i o r , e quem fa b c, fc dcfprczan-
d o tu efta v o z , ferás outra v e z chamada
cm íemclhantc form a? Entre as in lp iraç o c s
d c D e o s ha algüas mais cfpcciaes, quc faõ
co m o Eftrcllas da primeira g ra n d ez a , e das
juacs pode eftar m uito dependente a noíTa
Í a lv a ç a õ , c que fc naó podem rejeitar, fem
nos pormos em grande rifco de nos perder
para fempre* porque pode f u c c c d c r, quc c m
c a ft ig o dc naó acodirmos a cilas, nos d c D e ­
os dahi p o r diante os feus auxilios menos
cfficazes, e fortes, donde fc figa a nofla per­
dição. Pede pois perdaõ do m a l , q u c tens
corrcfpondido* repara qual hc o maior ape­
g o , quc tens ás coufas dcftc m ifcravcl m u n ­
do* rcfolvcte a c o rta r por elle co m gran­
de refoluçaó, para te entregar totalmente ao
Senhor* c pedelhe, q u c havendo elle dado a
v i d a , para tc merecer cora o feu p recio fo
fangue os leus D i v in o s auxilios, tc d c tam -
bera forças para o fe g u ir co m p ro m p tid a õ
para onde quer, que te chamar.
z C o n fid c ra a Confiancia dos M a g o s em
continuar a fua viagem , naõ obftante todos
os impedimentos , q u c cncontraraó m efm o
Jerufalem. P o rq u e primeiramente lhes
faltou a c f tr e lla , q u c lhes fervia dc grande
confolaçaõ nos trabalhos da j o r n a d a , per-
L } tur-
1 66 Quinto dia ,
turboufc depois toda a C idade com a nova,
que cllcs deraõ, c perturboufe tambem H e r
rodes, inimigo jurado do n o v o R e i nafei-
do , que he C h r i f io , R e p a ra p o r é m , que
nem por ifio fe defanimaraõos Santos R e is ,
mas, em lugar da efirella» recorrerão ani-.
mofamente aos D o u t o r e s , a pedir noticias
de hum R e i na C o r t e dc hum tyranno.-fam
guinolento, c foberbo. C o m p a ra efia con-»
ftancia dos M a g o s com a tua puíillanimida-r
de, em ordem a tc confundires, c aprende-
res a naõ defiruiar; fe fc tc efeonder a e li reis
la, ifio h e ,.( c t p faltar a d e v o ç a ó fenfivcl,ncro
p o r i(To has dc deixar o cam inho da petfeis
ça õ i porque fe naó lu z efla cftrella, naõ fal­
ta quem e fia em feu l u g a r , que vem a fer,
dentro dc ti m e fm a , a F é , c d c f o r a , os
S u p e rio re s, e C o n fe flb rç s , os quaesc,; por
meio da ob ed ien cia, te enfinaráõ o camir
nho, fe os co nfultarcs,com o.d evcs. A le m do
re fe rid o , acharás outros o b f i a c u l o s , fc.traf
tares de te dar totalmente a D e o s , porque
naófó fc levantará H e ro d cs, ifio h e , o d em o ­
nio, contra ti; mas tambem a meíma Jerufar
l e m , ifio he, outras pcflòas efpirituaes, que»
ou por hum tal affcébo natural, e terreno,que
tem á tua pcfioa, ou p o r .alguns di&ames
contrários ao cfpirito , perturbaráõ t u d o ,
; dizeai
À ied ita ça o III. 167
dizendo,que tc queres matar c o m tantos fer*
voresj que naõ poderás durar m u ito , feco n-
tinuares nelles* e que hc precilo atrouxar, c
to m a r atraz. A q u i pois neftes calos he, que
fc ha dc ver a t u a c o n íla n c ia , cm te naó dei*
x a r defanimar, mas confiando na ajuda dc
quem te ch am a, naõ attendas a outra cou fa
mais,fcnaõ a ires no íeu fe g u im e n to , nem
confultes,a refpeito do teu ca m in h o , fenaó
a quem e í l á em lugar de D c o s . A rre p en -
detc dc te naõ haver a té agora g o vern ado
por cftas faudaveis m a x i m a s ; o ffcrccetc to*
da ao S e n h o r, paraque te g u i e pello m odo ,
que mais for do feu a g r a d o , e tc en ca m in h e
dc forte, que o poflas achar-, e pede ao mei-
m o Senhor te dè g r a ç a , paraque, ja que faõ
muitos os chamados, c po u co s os e lc o lh i­
d o s , entres tu no num ero dos p o u c o s , para
confcguires a falvaçaõ.
3 C on lid éra as O ffertas , que prefenta*
raõ os M a g o s a D e o s M e n i n o , tanto que o
acharaõ. Èlles,T aindaque, quando ch cg araç
ao Prefepc,naõ acharaõ a p p a r a t o , nem final
algiim de reirço, mas f ó p o b r e z a ,e humilhã/-
Çaõj com tudo, guiados pella lu z da F é , rCf
conhecerão ao M e n in o J E S U S p o r Senhor
,do C e o , e da terra, e R e d e m p t o r do m u n ­
d o , e poílrados na lua p refença, o adoraraõ,
L 4 c
168 Quinto dia ]
c lhe oflfereceraõ os feus dons. D a q u i verásf*
q u e cllcs offcrcceraõ rendidos cm obfequio
d o novo R e i , primeiramente a alma, coco-»
r a ç a õ , pella F c , depois o co rp o , pella adora»
ç a õ , c finalmente os bens exteriores, no o u ­
r o , na m y rrh a , c no inccnfo. O h ditofa dc
t i , fc fouberas fazer outro tanto, e.fouberas
dedicar ao Senhor tudo quanto tens, aíTint
de bens interiores, c o m o exteriores neítc
m u n d o ! M a s que feria, fe depois de teres
feito cftc grande offerecim ento a D eos na
tua ProfífTaõ, aquizcíTes depois re vo ga r, v i ­
ven d o a teu m odo, c g o f t o , fem querer,que
o R e i pacifico do C e o domine no teu c o -
raçaô ? pois fnbe, que outras tantas vezes ca-
hes nefta rebeldia, quantas queres repartir
entre c l i c , e o teu amor proprio o domínio
d o teu coraçaó* o q u e d e nenhum modo q u er
o S e n h o r , porque quer reinar nellc f ó , e
naõ quer com p anh eiros, e por ifib d i z , que
n aõ podemos, ao mefmo t e m p o , fervir a
dous fenhores contrários. R e n u n cia pois a
qualquer outro fenhor, que naó for J E S U S *
renova a tu a e fc r a v id a õ ,e vaffiftlagem a hum
t a õ grande R e i , promettendo de n o vo o que
nos teus votos lhe co n fag raftej c r o g a lh e ,
que aceite as tuas offertas,izcntas dc toda a
m i 11 ura dc a m o r , pu ap ego a outra c o u f a ,
que
M editaçao IV . 1 69
q u e naó feja D e o s , e que te dè graça para
as naó d im in u ir, nem adulterar daqui por
diante, tornando á tua antiga tibieza.

M E D I T A Ç A O I V.
Para o quinto dia dos E x e r c íc io s .
SOBRE O M E N IN O V E R T lI-
do, ç achado no Templo de Jeru -
fa le m . g
I Onfidéra o c o m o fe perde a J E -
S U 8 , i f t o h e , a maior ternura da de­
v o ç ã o ,p e lla qual fe nos c o m m u n ic a o S en h o r
na o raçaõ } c juntam en te o c o m o o bufeaõ
as PeíToas cfpirituaes, e aonde finalmente fe
acha efte Senhor. Perdefe a J E S U S , vol- Lue;
tandp do Templo^ Çum redirent•, ifto h c ,q u a n - 4»
do a alma torna atraz no D i v in o f e r v i ç o ,
com eçando a d e ix a r, ou a dim inuir as fuas
penitencias coftumadas, as fuas d e v o ç o e s , e
o e x e r c id o ordinário das virtudes} porque
aindaque fe perca a lg ú a v e z efie Senhor fem
cu lp a, c o m o o perderaó a V i r g e m Samiífi-
roa, c Saó Jofcph} c o m tu d o naó c o ftu m a
poucas vezes cfta perda fer caftig o de a l­
g u m defeuido grande. E o pcor h c , que as '
almas, depois de haver dado occafiaõ ao S e ­
nhor para fe aufentar, fe perfuadem errada-
men*
1 7 ° Q uinto
m e n t e , que o c c m .c o m f i g ò : E xiftim antet
illtun effe in comitatu, naó le lembrando dcl-
1c nos perigo*,*a que fe e x p o e m , c o m o le e-
ílive fle m dc todo feguras. E lla he a ce g u e i­
ra, a qpc íe chega ppuccTH po u co , pello def-
cuido-, c ainda le chega a hum eílado rauito
n e o r íem c o m p a r a ç a ó , porqúe fc ch e g a a
p e r d e r , naó f ó a d e v o ç a õ l ò i í i v e l , pellos
pcccados veniaes, mas tambem a a mi fade d o
S e n h o r , pellos pcccados graves. E xam in a
p o is a origem, do teu delam paro, para conh e­
c e r fe J E S U S fc tem efeondido de ti , para
p ro var a tua fidelidade, ou fc íe tem aulen-
£ado por julla in d ig n açaõ , ç p o r c a l l i g o i e
c m qualquer dos.çafos lcm pre ,te deves h u ­
m i l h a r , ma$ m uito m ais, fe lhe tens dado
occafi ió cu lpavcl para fc retirar, e tens an­
dado ;í borda do p r e c ip íc io formidável do
p e c c a d o g r a v e , fem temer cahir n e llc , por­
que co m eíTa tua vontade perverfa darias ocr
.cafiaó ao Senhor para tc dcíamparar de tqr
do . D ctcfta pois tal temeridade; e agradeçc
a o Senhor o naõ (e haver deixado vencer da
.tua malicia; promettelhe de andar daqui por
diante na fua D iv im prclcnça com grande
M íc h diljjgçncjji, Sohcitum amkniAre cum D eo tuoy
.
6 S.
cm ordem a quc te naõ falrc ppr tua. culpa
.com aquellas d ç m o n ílr a ç o c s d c maior fami-
Mçdilaçao IV. 171
liaridadc, q u c .o S c n h o r e f l á p r o m p t o para tc
t i z e r j c m u i t o mais p a ra n a ó d c íc a h irc s d a fu a
P i v i n a G r a ç a . R o g a finalmente ao teu S al- \
vador, que naó queira jamais defampararte
por hum m odo taó horrível, £pmo he o d c *
ficares inimiga íua * mas q u e , aífillindoic
com a lua g r a ç a , te c o n c e d a , que le te fal­
tar a d e v o ç a ó fcnfivçl, te naõ falte a d e v o ­
ção fubltancialjc que antes percas mil vezes
a vida, que a lua D iv in a amifade.
* z C o n f id é r a , 0 como f e bufea a J E S U S ,
depois dc o h a v ç f perdido. A V i r g e m Sanr
tiflüma nojo.enfina, b u f c a n d o o . l o g o , e c o m
Prefieza, c o m refignaçaõ, e pcrfcvcrnnça.
T an to que a V i r g e m o achou m e n o s , v o l-
lou lo g o para Jcru falem c o m o feu E f p o f o
Saõ Jofeph. N a ó fe q u e i x o u , cm quanto o
bufeava, aindaque lhe fu c c c d e o o pcrdello
cm occaíiaó do fe rv iç o de D c o s , indo ao
T e m p l o a adorar o. m efm o Sen hor, antes,
por fua profunda h u m ild a d e , j u l g a v a , que
nao era digna da com p anh ia dp tal F i lh o , e
conçjnuou c m p bufear d e . d i a , e dc n o i t e ,
ate que o achou depois de tresdias. E vès ar
bi o modo, c o m que has de p rocu rar a de-
voçaó mais terna para c o m D e o s , em cafo
c a baver perdido j naõ mettas t e m p o de
por meio, mas l o g o ao m efm o pont<* poem
os
i'7 2 Quinto âia ]
os meiosconduccnccs, e proporcionados pa­
ra o achar, tornando a fazer, ou continuan­
d o os accoftumados exercícios dc piedadcj
p o rqu e as tardanças m oftraõ, que naó cufta
m u ito cfla perda; c que amas p o u c o a taó
grande b e m , pois pòcs taó pouca diligen­
cia cm o recuperar depois de perdido. A le m
d iflo im p o rta , que te humilhes, c te re c o ­
nheças por indigna dos favores do teu E f-
p o fo ; c que naó tintas com foberba o havel-
lo perdido, nem o queiras a ch a r,co m o á for­
ç a ; e finalmente hc b e m , que c re fça co m a
dilaçaô o teu d ezejo , de f o r t e , que naõ ad-
m iitas defeanfo alg u m até o naó achar. Por
efte modo he,quc fe bufea a J E S U S ; e tu,
que o tens perdido mifitas vezes, tal ve zn cm
h ú a f ó o tens aflim bufeado. C o n fu n d ctc
da tua p e r g u i ç a e m hum n e g o cio dc tanta
imporcancia para a tua íalvaçaó ,e perfeição;
p ro p o e m de imitar daqui em diante 4 V ir­
g e m Santiflima; e pede a cfta Se n h o ra, que
t c alcance a m ercè, ou de nunca perder a
devoçaój, ou dc a bufear dc fo rce , que a ve­
nhas a achar.
3 C o n fid é r a onde he,quefe acbaa J E S U S .
N a ó foi elle achado entre os parentes, mas no
T e : n p l o , c entre os D ou tores. Q u a n d o hou­
veres perdido-a d e v o ç a õ mais terna, naõ a has
de
Meâitaçao IV . 17?
de achar nas coufas ,quc laô conformes á nofla
natureza,e que lifonjeiaó os noflos fentidosj
co m o lias diftraeçoes, que com figo trazem
as convcrfas, ou nos d iv e rtim e n to s , que fe
achaõ nas g r a d e s : N ec invenitur in terra fu a •
viter •viventium. N o T e m p l o h e , q u e í c h a
de achar, ifto he, em tratar com D e o s na o*
raçaõ* em ler livros bons* cm nos lembrar dos
exemplos dos Santos>e tambem fc acha entre
os D ou tores da L e i,ift o h c ,d c f c o b r i n d o f y n -
ecramente o noflo interior aos Padres cfpiri-
tuaes,a quem D co s te m deixado em feu lugar,
paraque nos eníincm o cam inho, e nos g u ie m
para onde o havemos dc achar. Faze agora
rcfíexaõ fobre o m o d o ,ta õ d iv c r fo d e fte ,c o m
que te tens portado nas tuas fcccuras cfpiri-
tuaes. Pcrdeftc por tua negligencia a d o ç u ­
ra da D iv in a p re fe n ça , e pello m efm o d cí-
cuido a naõ tens (abido achar, porque a naõ
bufcafte,nem do m odo,nem na parte, em que
havia dc f e r : S i q u a ritis, quarite. C o n fu n - ,
dete pois com dobrada co n fu fa ò , e aprende al'x
a fer mais fervoroía, c mais diligente para o
futuro, dc forte, que quando tc achares o p -
primida dc algum g rave trabalho dc cfpiri-
to, te conícrves c o n fta n te , e fiel no e x e rc í­
c i o da oraçaõ, c cm rccufar a c o n fo laç aõ
das creaturas, bulcandoa fó cm Dcos; Re-
na*
f 74 Sexto diai
I. nuit confolari anima mea:! Memor fui De}}
Fíal.

4
* - & deUBatuifum.' A c o d e á Santiflíma Vir*»
g em , c ao feu E f p o f o Saõ Jofeph , paraquô
im p rim aõ no teu c o r a ç a õ cftas veraadcs, e
p a ra q u e, pella dor, que experimentarão na
falta da prefença co rporal de J E S U S , t
pello ju b ilo , que tivera õ , quan d o o ach araõ ,
te alcancem g r a ç a , para te aproveitar igual­
mente do tempo da feccura, e da defconlo^
l a ç a õ , que do da ternura, e c o n fo la p a ó , pa«<
ra crefccres no D i v i n o am o r.

M E D I T A Ç A O h
Parâ o S e x to dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E A TEN TACyJo <DE


Chrifto no^Deferto. •
'
i Onfidéra na PreparaçaÕ , que fez
C h r if to para a tentaçaõ. C o m o o S e ­
nhor q u iz fer tentado para noíTo e xe in p lo ,
tambem q u i z , para e x e m p lo noíTo, prcpa-
rarfe para a b atalh a , c fe retirou para o de-
ferto para fazer o r a ç a õ , c penitencia. A p a r -
toufe em primeiro lugar da c o n v c r fa ç a ó d o s
h o m e n s , indofe para hum deferto , c ali fe
d i f p o z , com quarenta dias dc oraçaõ , c j&-
M editaçao I. 175*
j u m , para rCcebcr o tentador. E poderá fer,
quc t u , cm todas cilas tres coufas tenhas fal­
tado m uito. Primeiramente , em lu g ar d o
re tiro , e de evitar os p e rig o s, pode fe r,q u ô
tc metta* n clles, dando toda a libcrdadcaos
o lh o s, e aos fentidos, c derramando o corar
ç a ó , c gaftando o tem p o em varias c o n v e r -
Ihçoés; alem dc q u c , qual hc o m odo, c f r e r
qu cn cia, c o m que te encomendas a D e o s , e
com quc ancia lhe pedes , que te afiiíia , c
proteja a tua a lm a , c , o u naó p e r m i t t a , q u e
o d e m o n i o t e t c n t e , o u t e d c fortaleza, p a ra o
confundir , e vencer ? T a m b e m coníidcra-
rás fc te fazes, ou naó,digna dcíTa aflillencia
com a m o rtificaça õ , tanto com a interior
das tuas paixões, c o m o f c o n r c x t c r i o r do teu
corpo. V e n c e r queres tu , mas naó queres
pórte em ordem de batalha para pclcijar j
fazes caminho p o r hum paiz cheio de laços,
c naó queres abrir os olhos para 03 v e r , an­
tes que nclles mettas os p é s j e affim ,de que
te poderás tu queixar nas tuas infelicidadcs,
fenaó de ti m e f m a , c da tua temeridade?
f-onfundete pois diante do Senhor; arrepen-
detc de veras •, c rcfolvete a acodir a h u a r a ó
grande neccflidade, c falta , em que e ftá s d c
preparaçaõ para a batalha contra o inim igo
co m m u m , cm quc 0 ncarcs, ou naó, v e n c i­
1 76 •' Sexto dia $
d a , pode c o n d u z ir , ou p ô r impedifiientô í
tua eterna fatvaçaõ * c roga ao D iv in o Ef*
pirito , que g u io u a C h r if t o para o de*
ferto, paraque ali nos déíTe eftes exemplos*
t e q u ç ira dar e sfo rço para amar o r e t i r o , a
penitencia, c a o r a ç a õ , para defie m o d o te
fazeres invencível contra os aflaltos d a ten*
tador.
z Confidéra o ctjfalto, que deó a C h r if to
o demonio co m tres generos de tentações*
cm ordem a q ue, fc húa lhe fahiftc cm vaó,
furtiíle outra o effcito pretendido, A pri*
meira tentaçaõ foi fuggerir hum pcccado
m enor, qual era o fazer milagres lem necef-
fidade, convertendo as pedras em p a õ j e if*
fo para com o pcccado menor abrir cami*
n b o a outro maior. E defle m odo te tenta
tam bem a ti muitas v e z e s , fazendote crer,
que hc pequeno o m a l , que na realidade he
grande, porque fendo mal ja no principio*
chegará a fer maior com acontinuaçaõ-, húa
amifade, que ao principio naõ pafta dc hum
affe& o dc ternura, pode facilmente vir a fer
fcnfual,e acabar em húa inimifade com D c*
os-, donde poderás ver quaõ neíciamente
deixaftc algum dia de t e m e r , o que d e v e ­
ras com tanta razaó haver te m id o . T ra n t-
form oufe depois o D e m o n io em A n j o d e l u z ,
pro?
M editaçao I. i ' í "J
ftfóportdd a C h r if t o o maior mal d e b aix o de
apparencia de bem ,qual hc a confiança na afli-
ftencia D ivina. E quanras veies te terá enga­
nado por efte c a m in h o o tentador, perfuadin-
dotc,que hd hua caritatiVa condefcendéncia ò
accomodarte ao g e n io das tuas companheiras
pouco o b fc rv a n tc s, quando ifto e ra h ü a c o n -
dcfcendencia' originada da humana fraqueza,
c de rclpcitos do m u n d o ; perfuadindote ta m ­
bem, a fomentar hua defeonfian çade te c h e ­
gar ao S e n h o r , com capa, de q ifio era h u m il­
dade de co ra ç a õ , f e n d o ,q ü c na realidade naõ
era, fenaõ pulillanifflidade do teu cfpirito*
c por efte daminho lhe tem fuccedido b e m
in im ig o , enganandote naó poucas vezes*
pello que, ja que o Senhor te dá agora mai-
or luz, aprende a difiipar as trevas d o inim i­
g o infernal. V e n d o finalmente o efpiritò
maligno, que lhe tinhaõ fahido cm v a ó o
primeiro, c fegu ndo alTalco, que.deo a C h r i -
^0, tirou a mafeara, e c o m t o d o o d efcoco*
prometteo a C h r i f t o , fe fe refolvefle a ado*
rallo por D e o s , de lhe dar o d o n i i n i o d c t o -
7 o ° m u n d o , c o m tu d o quanto pode lifon-
jcar o humano c o r a ç a õ , reprcfentandolhe
aos olhos hüa im agem de tu d o iilo. E efie
racfmo he o intento do d e m o n io ,q u a n d o tc
t e n u i c quando n a õ ap ro ve ite c o m as ten*
i M . ia*
1 78 Sexto d ia ,
ta ç o é s diífim uladas, chegará a tc pintar,
c o m cara d efeo b erta, por grandes bens os
dcfpreziveís, que dcixafte no m u n d o , e of-
fcrcceftc a D eos pcllos fantos voços , que
fizeftcj pertendendo co m iflo o m a lvad o ,
que voltes as coftas a D eos com húa rebel-
liaõ manifeíla, e lhe entregues a elle a tua
alma. R epara p o is , o quaó precilo hc o e-
ílares apercebida, havendo de peleijar c o n ­
tra hum inim igo naõ menos forte, que aftu-
t o , c dahi conhecei ás, quaó grande foi a tua
in co n íid e raç aó , cm haver a te agora temido
taó p o u co os feus a (Taltos. N a ó o faziaõ af-
íim os Santos, ainda que eraó í c o é s , mas
p o r iflo mefmo dormiaó c o m os olhos aber­
tos. C o n fu n d e tc pois, do teu defeuido, e
da tua temeridade, e fallando c o m t i g o m e f -
JM. m a,rep ete aquillo do P f a l m o : N ifi quia D o-
n ' I7‘ minus adjuvit me, paulo minus babitajfet iti
inferno animfl mea, íc D co s mc naó tivera a-
judado co m a fua p r o te c ç ã o efpecial, ja eu,
ae ftas h oras, naõ í ó tinha cahido em hum
ab yfm o dc maldade, mas ja eftaria fepultada
no inferno. R o g a pois ao S e n h o r , que te
naõ falte co m o feu p a tr o c in io , e a u x ilio s ,
mas que te conceda, nas tuas t e n t a ç õ e s , a-
quclla g r a ç a , que para ti m creceo,quando fc
d ig n o u dc fer tentado p o r teu amor.
j Con*
M editaçao í. 1 79
3 C o n íid é r a na V ifto riã que C h r if to al­
can ço u cio tentador em todos os feus a f o i ­
tos, o qual finalmente fe retirou confufo, a-
irtdaque com animo de tornar á batalha: R e- tu£ *
rejfit ah illo ufquc ad temptis. Paraque pois *•' 1 *
aprendas o c o m o has dc vencer; repara no
m o d o , com que a lca n ço u o Senhor efta vi-
ftoria. P r im e ir a m e n te , c o m e ç o u a refiftir,
oppondo os textos da E fcritu ra fagrada ás
primeiras fu g g e fto ê s* pclcijou ao depois
com o cfpirito maligno com animo trahquil-
lo, fem fe deixar perturbar de forte algíia*
rechaçou finalmente a tentaçaõ co m g r a n ­
de fo rtaleza, lançando da fua p refen ça ao
demonio eom o império da fua voz* P o r c -
ftc teor,quc obfer v o u o Senhor cm vencer ao
inimigo c o m m u m , virás t u c m co n h ecim en to
da verdadeira caufa de haveres ficado vencida.
P o r q u e , cm ptim eiro lu g ar, t e p o ê s tal VeZ
a arrazoar com o d e m o n io , c o m o E v a o fez
com a ferpente, demorandote aftim a repa­
rar na te n ta ça ó , cm lugar de a cxptilfar lo -
g o a o primeiro aco m etim cn to . N a ó v e s p o r
ventura, quc o valor, q u c fc poem a p a & car
com o inim igo, naó eftá lo n g e dc fc render,
c dc lhe franquear as portas da p ra ç a ? O u ­
tras vezes tc deixas perturbar pello in im i­
g o , e aindaque tc tenha prevenido c o m os fe*
M i us
18o Sexto dia ,
feus confclhos o Padre efpiritual, queres c o m
tudo guiarte pello teu parecer, e c o n ftru il-
los ao teu m o d o , deixando aflim perturbar
a paz da tua alma pello dem onio, o qual ncl-
las aguas turvas fempre pcfca, alg ú a coufà,
que lhe ferve. Finalmente nas te n ta çõ e s,q u e
atiraõ mais ás claras a dar a m orte á tua a l­
m a, privandote da g r a ç a de D e o s , quantas
vezes te portas c o m fraqueza, contentando-
te com dizer friamente, que naõ, no teu c o -
r a ç a ô , quando deveras, c o m o h ú a E f p o l a ,
tentada na fidelidade c o n j u g a l , virarte logo
no mefmo inftante contra o dem on io c o m
grande re fo lu ça ó , e naó fó naõ dar moftras
de co.nfentir, mas íazer tantos a& ò s da v ir ­
tude contraria á te n ta ça õ , que fu ja o d em o ­
nio c o n fu fo , v e n d o , que as fuas fettas, em
lu g ar dc te ferirem a t i , tu as viras contra
elle. D aqui verás, quanta caufa tens para tc
envergonhar da tua covardia nas batalhas
contra o inferno, c que tens fido co m o os
loldados, que quanto mais valentes fc mof-
traò na revi (tá, tanto mais covardes faó na
peleijaj e iflo depois de teres militado tanto
tempo debaixo das bandeiras de C h r if to na
R e l i g i ã o , Pede pois perdaõ ao Senhor das
tuas faltas-, propoem a feu e x e m p lo de pc-
Jeijar co m r e fo lu ç a ó , c valor, dc f o r t e , que
M editaçao l 18 1
cedaó em pro veito efpiritual teu as mcfmas
ten ta ço ési e roga a cite grande Senhor dos
E x é r c i t o s , quc esforce com a fua g r a ç a a
tua fraqueza, ficando por meio da mefma,
G r a ç a vencedor em t i , c por t i, acccndcndo
em teu coraçaõ húà v iv a F é j porque eíTahe
a que vence o m u n d o , c a todos os noíTos
in im ig o s: H<ec eft •vièloria^au<e vin cit mun- i. Ja;
dum, fides noftra.

M E D I T A Ç A O II.
Para o fexto dia dos E x e r c ic io s .

SOBRE A S W A S B A N-
d e ir a s ,

* O nfidéra , quc ha no m undo dous


Senhores j hum le g itim o , quc hc
C h r i f t o , e o o u tro tyranno , quc he L u c i - .
fer: e quc ambos de dous levantaõ bandei-
r a ? e aliftaô g e n t e , p rocu rando cada hum at-
trahir a muitos ao feu partido. R c p r c f c n t a
pms na tua im ag in açaõ a J E S U C h r i f t o af-
fcntado em lu g ar h um ild e , co m hum ro fto
aprazível, e f o r m o f o , rodeado dos feus D i f -
cjp u lo s , aos quaes manda , que vaó p o r t o -
c» a parte a chamar os homens ao feu fervi-
M J ço,
j 82 Sexto dia,
o , e a perfuadillos, que fe aliftcm debaixo
S a bandeira da C r u z . D a outra parte, fup-
p o e m , q u c cftás vendo a L u c i f e r , príncipe
das treva s, fobre hum throno dc fo g o , co m
aquelle afpe& o horrível 9e m o n ftru o fo , co m
q tem apparccjdoalgüas vezes, co m o rofto
a ltiv o , a b o ca enfanguentada, c cheia de fu*
m o , o qual tambem manda eom húa raiva
inexplicável a innumcraveis d e m o n io s , que
o ro d ciaó , que fc cfpalhcm p o r todo o m u n -
d o , c a todos co n vo q u em para fç rebcllarcm
contra o Senhor. E comO faó taó diftercn-
tes cftcs dous C a p ita c s , tambem f a ó diver-
fas as armas,com que querem fe pclcijc. L u -
c ifç r quer, que os feus foldados pelcijera con'*
tra D co s, armados çom as forças do amor pro­
prio ,qu e he aqtiellc m onftruo de tres cabeça*',
que v io S. J o a õ , e faó a co n cu p ilccn cia da
carne,a co n cu p ifccn cia d o s o l h o s ,c a foberba
J* ]°6\ da v i d a : Concupifccntia carnii, concupifcentid
oculorum, & fupevbia convidando a to­
dos, a que b u fq u cm , e procurem g o ft o s , ri­
quezas, c h o n ra s ,« iflo a pefar da vontade
D iv in a . J E S U C h r if to p o r e m , tudo pello
co n tr a rio , quer que feus foldados peleijem >
armados co m o odio fanto de fi m c fm o s , e
Wait. c o m a m ortificaçaõ univerfal de todos osaffc-
â o s defordenados: Siyuis vh U poft me veni-
* re
f f V
M editaçao II. 183
ye, ahneget fem eiipfum . Q u i non accipit cru- i o . i t ;
cem fu a m , & feq u u u r m e , non eft me dignus ,
R e p a ra pois bem cm ambos cftcs Senhores*
c reconhece o s d e íig n io s dc h u m , c d c o u t r o ,
antes de efeolher a qual deiles has d efe g u ir*
c rcfolvcndotc, c o m o d e v e s , a feguir a ban­
deira dc C h r if t o ,l e m b r a t c , que tens obriga»
çaõ de a b ra ça r de veras os feus intcreíTes,
cm ordem a p ro m o v e r a fua g lo r ia , e adian­
tar o feu partido,naõ fó e m ti m efm a,p or m eio
de húa co nílante m o rtifica ça ó ,m a s tam b e m
nos outros, dando a todos bons confclhos, e
exem plo, co n fo rm e fc o ffe r c c c r occafiaõ. II-
f o h e , q u e hc militar d e b aix o d o E ftan d artc
d c J E S U C h r i f t o : m a s q u e lc ria ,fc t u , d e p o ­
is dc haver renunciado no B a p tifm o , c m u i ­
to mais pella ProfiíTaõ R e l i g i o í a , a bandei­
ra dc L u c i f e r , quizeflcs depois v iv e r c o n f o r ­
me os feus diõfcamcs, bufeando os paífatem-
pos, as com m odidadcs, e as preemincncias?
Q u c i c r i a , l c , c m vez de p ro m o v er os inte-
reíTcs de J E S U C h r i f t o , tc armafies co n tra
cllcs,motejando ás que íc daô mais á d e v o ç a õ ,
a maior retiro ,e a maior frequência dos Sa­
cramentos? O h que h o rriv e l a g g r a v o farias
niíTo á honra de D e o s ! D c t c f t a o que até a-
g ° r a tens íeito nefte p a r t ic u la r , e p r o m e tte
rccompcnfar 9 m a l , que tens o b r a d o ,
M 4 mu-
j j $4 Sexto dia,
m udan do totalmente dc c í l y l o .
1 Confid.érn, qual he a P a g a , q u e d e p r è -
fen te daò a feus Toldados clles doua C a p i-
taés, C h r ifto , c L u c i f c r , para mais tc con-
ürm ares na cfcolha, qüc tens feito de fegu ir
a C h rifto . E fte Senhor naõ p ro p o e m ,fe n ã õ
. c r u z e s , pobreza , h u m i l h a ç õ e s ,e odio de íi
m c f m o s , aos Íeus Toldadosj cila humilha-
jaó porém he húa verdadeira cxah açaõ * ef-
Í a pobreza he verdadeiramente abundahciaj
c cíTa c r u z fonte , e origem da verdadeira
paz. N a õ fó fubminiftra C h r if to a aflifteiir
cia interior da g raça,p ara ven cer asdifficul-
dades da vida c f p i n t u a l , mas as fuaviza do
tafjforte com a fua aííiftencia, que faz mais
dclcitofo o pranto dos penitentes, quc a ale-
jo*n. gria dos theatros: Ego verti, tit vitam babe-
,0'10' ant, nos diz o R e d e m p to r* c aílim c o m o
hum a m ig o , quando nos convida a hum ban-
. qucrc,.nos d i z , que vamos fazer penitencia
co m elle ,a(Tim C h r if t o a todos convida a
padecer* c depois os trata corVi tal1 Tuavida-
d e , quc fó a alegria de húa boa confcicncia*
bafta,para fer o premio cem vezes dobrado,
que nos efta p ro m e ttid o , ainda nefta vida
e m - p a g o dos noíTos trabalhos. A paga
porem , que dá o dem onio,hc em tudo pello
ço atrario * porque elle prom ette , c o m o
:irn . fazem
M eâitaçao II. 185"
íazem os traidores, o que naõ pode dar, ei o
que naõ daria, aindaque p o d c lle ; p ro m e tte
g o f t o s , c naõ d á , fenaõ an g u ftias, c o pou­
c o , que d á , ou hc íó a p p a r c n t e , ou v i l , ou
v e r g o n h o f o j e alem diífo m illu rad o c o m ta-
cs inquietações de cfp irito , qúe mil dos g o ­
fto s, que elle d á , naõ eqüivalem a hum fó *
tormento dos que a q u a lq u c r g o f t o a c o m p a -
n h a õ : Ecee ttniverfa v a n ita s, & affiiftio fp t- iEcc]Ic’
riths. F a z c pois reflex aó lobre o paífado, e
dá ao menos credito a! ti mcfma. Q u a n d o
pofluiftc bem a lg u m fem o teu D e o s ? c
quando padcccftc mal alg u m c o m e lle ? p o is
fetnpre tensfofrido mais p o r f u g i r a fua C r u z ,
do que por te abraçar c o m ella. Perfuadctc
pois, cjue naõ ha dc haver paz para t i , fc tc j obf.
naõ dás de todo ao S e n h o r: jQ uis reftitit eiy 4.
pacom h a b u it? ninguém refiftio jamais á
D ivina vo n tad e, que co n fervafle a paz da
fua alma, c co n fcicn cia j nem has tu de fer a
primeira, que d iflo tenhasexperiencia* pello*
que rcfolvcte a caminhar dc veras á perfei-
Ç a o 4 com o pedem as o b r ig a ç o ó s do teu e - *
ftado, os e x e m p l o s , c co n íclh os do teu R e ­
demptor, e o amor, que lhe deves. S ó por a-
mor de ti mefma deverias fazer cfta efeolha,
etam bem para a tua própria q u i c t a ç a c j e tu
a nao queres fazer, tendo niíTo tantas outras
ven -
186 Sexto dia,
ve n tag e n s, c alcançando por cfle m eio t a n ­
tos outros bens, quantos traz co m figo o fc-
g u i r os intcrèíícs, e o partido do R e d e m ­
ptor. C o n fu n d e tc dc tc haveres deixado en­
ganar tanto tem po por hum traidor, que
pagou fempre as tuas fadigas c o m g o í t o s
fingidos, e miferias verdadeiras agradece
ao Senhor o haver allumiado o teu entendi­
mento} c renuncia a to d o o b e m , que tc po­
dem dar as criaturas fem D e o s } c roga a c-
fte Senhor, q u e ,f c em alg ú a o ccafiaõ te qui-
zeres apartar dcllc, te cerre o cam inho cora
tantas trib u la ç o é s , que tc vejas obrigada a
tornar a t n i z , c a fervilio c o m fidelidade.
3 C on fidéra qual hc a paga, que tc ofte-
reccm para o futuro eíles dous C ap itaés.
.. D á l e hua recompenfa aos loldados no t e m ­
p o da guerra, e outra maior depois da v i & o -
ria. E. feguindo L u c i f e r eíta m a x im a , de­
pois de haver tratado taõ mal aos feus fe-
quazes nelta vida, na outra naõ lhes dá o u ­
tra pngi,fcnaõ as eternas chammas: Fur non
10.10. venit, nifi ut fu r e tu r , £5? n cittei, & perdat.
N c n h ú a outra cou fa pretende efieladraó in­
fernal, fenaõ roubarte ncíta vida a paz da a l ­
m a, e o bem da v i r t u d e , venit u t f u r et u ri
depois o que pretende he dar tam bem amor-?
te á tua alma pello peccado g r a v e , vtm a&et*
Meditaçao II. 187
t finalmente pretende dar húa m o rte fe m pi-
terna á a lm a ,e ao c o r p o , la no a b y fm o in­
fernal, ut />efY/tf/,privandotc ju n tam e n te da-
quclle bem immenfo da g loria, dc quc elle
foi privado por fua culpa. J E S U C h r i f t o
porém v e io , naó fó a darte húa vida cfpiri-
tual na terra,Ego v e m ,u tv ita m habeant* mas {o***©,
para tc dar outra infinitamente mais abu n ­
dante d c bens no C e o : U t vitam habeant,&
abundantiüs habeant. A cab ada que feja a
guerra contra os ícus,e teus inim igos,te p r o ­
mette para fempre húa felicidade taõ gran­
de, quc para ta co m p rar deo o Padre E t e r ­
no o feu F ilh o IJn igen ito > o U n i g c n i t o d o
Padre f c deo a fi mcfmo>e o E f p i r i t o Santo
concorrco para efta dadiva c o m hum amor
infinito. O teu prem io p o i s , f c pclcijares
fielmente, ferá a vida ete rn a, ifto h c , húa
vida, da qual fó huns p o u c o j de inftantes
baftariaô para luavizar todas as penas dos
condenados, fendo que cilas faó taó exceffi-
vas, quc poucos m om entos dcllas íe podiaó
comparar, c cxccd eriaó aos torm entos dc
todos os M a r t y r e s i h ú a vida, q u c te f a ç a v i ­
ver para fempre mais em D e o s , que cm ti*
alagandotc cm hum oceano dc prazeres, quç
nao haó dc ter fim. E cftarás tu por ve n tu ­
ra ainda fem r e fo lu ça õ de efeolher o parti*
do
1 88 Sexto dia,
do de J E S U C h r i f t o , e dc re confagrar t o ­
da na fua vontade? P crluádefte por acafo,
que podes fervir a ambos cftes Senhores taõ
M a u . o ppo fto s? pois iflo hc im p o f liv e l: Nemo po-
*' x* teft duobus Dominis f e r vire\ alem dc que, nd
cam inho da tibicza, fábefe o principio, mas
n aõ fe fa b e o firti,q u c pode fer horribiliflimo,
e dc húa feparàçaõ eterna do S u m m o B e m .
R e p a r a pois, que o tem p o he b r e v e , c que a
eternidade naõ acaba jamais : naõ tardará
m u ito a hora, em que tc aches no u ltim o da
v id a , c entaõ quanto te ha dc euftar, c quaó
v . grande ha de fer o teu arrependimento de

naó haver feguido os c x c m p ío s d o Salvador,


e dc naõ Haver vivido húa vida perfeita ? Por
cerro, q u e f e entaõ te naõ arrépenderes, no
t T r i b u n a l D i v in o tc has de arrepender, c a-
maldiçoarás mil vezes o haveres rejeitado
nquclla graça* que te havia dfferecido o teií
R e d e m p t o r . E que feria, fc, pella haver re­
j e i t a d o , te lançaflc iflo en v ro fto o teu E f -
p o f o , c o m hum Ncfeio vós} naõ te conheço ?
P õ e m te pôis em f c g u r õ p j v q u c fc trata dc
hum n c g o c iò dc tanta importância* c r e í o P
v e te a cuidar muito de propòflco dc m orti-
ca r as tuas pfaixoér, e d'é alcan çar algum
g r a o particular de amor de D :os, que te fa­
ç a ditofii para fempre. C o n fu n d ete do terf
Mcditaçao IL 1 8 9
paflado defenido > c roga ao Senhor tc c o n ­
ceda esfo rço paia co m p rir o oflPerecimento,
q u e d e ti tens feito na Divina v o n tad e* af-
fím c o m o tc dco g r a ç a para o fazer cs.

M E D I T A Ç A Ü III.

Para o fe x to dia dos E x e r c ic io s . ,

S O B R E A VOCAC,AO R E L I - ,
g ‘ o fa .

1 O nfidéra no immenfo B enefício da


V o c a ç a õ de D c o s , co m que te cha-
niou J E S U C h r i f t o , para o fervires na R e ­
ligião, por húa v o z menos fenfivei, mas naó
menos amorofa, que aquella, com que c m
outro te m p o ch am o u aos feus A p o f t o l o s . E
para ficares bem perfuadida defta verdade,
confidcra qual hc o lugar, donde te tirou, c
qual he, o em que te tem pofto. T e m te t i­
rado do m u n d o , ifto h c , do meio dc húa
niultidaõ dc g en te entregue ao amor defor-
denado dos g o ftos carn acs, das riquezas, c
das honras, do qual amor fahc todos os in»
ftantes com grande im p e to húa torrente dc
p e c ca d o s, em que fica fum ergida cfta m u l­
tidão, c conftiiuida inim iga dc J E S U C h r i f
lto,
190 Sexto dia,
fto, o q u a l,c o m o a e x c o n r m u n g a d a , lhe naô
j°an. dá lugar nas fuas Divinas o ra ço é sj N on pro
,7‘ 9' mundo rogo\t aindaque nem todos os que habi-
taó no m undo faó perverfos, naó fc pode co-
davia negar, que naó e íle ja õ em grande peri­
g o de fc perverterem , pellas continuas oc-
cafioés, em que eftao de p cccarj pellos máos
exem plos, que vem j ‘ pellas moleftias, que
recebem dos mundanos, quando fen aõ que­
rem conform ar com as leis do m u n d o , por
quererem confervar a i n n o c c p c ia : aílim c o ­
m o cm paizes dc m áo clim a naõ deixa de
havernlgúas peíToas,quc lo grem faude,eftao
porém lempre em grande perigo de adoe­
cer: alem de que feria mais robufta a fuafa*
ude, fc vivcíTem em clima f a d í o , pois pode
refiftir á intemperança de h u m , cujos ares
faó doentios. E naó terás tu por hum favor
cfpecial o haverte D eos tira d o d e h u m mun-
j. jo. do taó m aligno, M undus totus in maligno />o-
s* **• fitu s eft? Q u a l pois ferá o beneficio dc te
haver alem diíTo co lio cad o no paraifo da
R e lig ia ó ?a o n d e ,a le m dc cftar maisapartada
dos im pedim entos, quc encontra no feculo
quem afpiraá perfeição, achas todos os mei­
os, que fc requerem para a co n fcg u irj como
fa ó , os votos, as regras, a frequência dos Sa­
cram entos, c da o r a ç a õ , o c f t i m u l o dos bons
c exem-
M editaçao I I I . 191
e x e m p lo s , o pafto efpiritual de livros lau­
tos, de praticas d e v o t a s , e dos ferm oés* c
fobre t u d o , as vifitas interiores do S e n h o r,
a g r a ç a mais abundante, c o efpirito d a R e -
lig ia ó , que infunde D e o s na alma de quem
nella le dedica ao feu D i v i n o f e r v iç o . E po­
derás tu negar, que te tenha D c o s amado
com cfpccialidade, havendote efeolhido en­
tre outras in n u m eravcis, para te livrar de
tantos males, c para te encher de tantos bens?
Pode f e r , que vicíTes á R e l i g i a õ c o m o p o r
acafo, mas naó foi acalo para D e o s o ch a-
martc,e guiarte para a R e l i g i a õ . N a ó lh e p e -
diftc tu efle favor* naõ lho m e r c c c f t c c o m as
boas obras, porque a tua vida, quando p o u c o ,
erahum c o n t i n u o e f q u c c im c n t o d o t e u Deos:
e com tu d o , no meio dc hum cfq u e cim cn to
taó ingrato, fe lem brou d c ti a D i v i n a b o n ­
dade, c tc q u iz cfficazmente recolher na A r ­
ca,no dilúvio univerfal de tanta g e n te , quan­
ta ficou no m u n d o : Safoum me fecit,q u o n i- ?í«l.
*m voluit me. A g r a d e c e pois de todo o teu l7,x*
coraçaó »lfe beneficio, que tc fe z o Senhor*
c relolveteadarte toda a quem de entre tan­
tas te efcolheo* c pedelhe., que aceite o o f -
ferecimento, que de ti l h e fazes, tom ando
húa poíTe firme, e e fta v c’i do teu c o r a ç a ó , c
lançando fora dcllc t u d o o q u c n í ó h c Dcos-
Z> C 0 Q3
1 92 Sexto dia,
2. C on fid cra qual deve fer a tu a C orn J-
pondencia a hum beneficio taó infigne. P o -
derás contar os annos, que tens dc R e l i g i ­
ão* mas que tacs faó elles? faó annos cheios,
e confummados ? que fruto tens tu tirado
dos bons exem plos,que ves nas tuas irmaâs?
que fruto tens tirado dos fantos Sacramen­
tos* do trato com D e o s na o ra ça õ * das in-
i p i r a ç o é s , que tc tem dado* e de todos os
auxílios para obrares b e m , que co m tanta
abundancia te tem co m m u n ica d o ? L a n ç a f -
te, c o m o diz o P ro fe ta , todos cífcs thefou-
ros cm hum facco roto,que quanto fe lhe met-
tc por hüa p a rte , tanto dcfpcja por outra?
S e todos os bens cfpjrituacs, que le tc tem
dado, fe reparti (Tem por húa com m unidade
inteira, balíariaõ para a fantificar toda, e co m
tu d o ifio, nenhum fruto tem produzido quá-
tos te tem franqueado a D ivin a L ib e ra lid a ­
de. D e ix a lle fim o mundo * mas naó o dei-
x a ile de veras, ou o lc v a íle c o m t i g o para a
a R c l ig i a õ , c o n fe rv a n d o o teu co r a ç a õ cheio
de a f f e â o s te rre n o s, de reíabios do feculo,
de cu riofidade, de vaid ad e, de pertençoés,
c dc conveniências fuperfluas, pello que,por
fim dc contas, nem cs R c l i g i o f a , nem íe c u -
lar, mas hum c o m p o í l o m o nílruofo de húa,
c outra coufa, pois dás a D e o s fó h ü a parte,
M editaçao III. 193
fendo dlVc Senhor dc tudo. K f c t c quizeres
dcfcttlpav c o m 1 d ize r , que hc p o u c o , o que
negas a Deosq niíTo m cfm ó te culpas mais
gravemente. P o r q u e , que maior im p ru d ê n ­
cia pode haver, que a dc naõ faíeres cm tu ­
do: o g o f t o ‘ a teu D e o s pol* cfle p o u c o ?
que a d c rejeitares pòr cfle p o u c o a intim a
familiaridade c o m e lle ? que a de por e í l e
pouco d e fp rcz a r'a s dem cm llraçoes da fua
Divina1 Sabedoria, que tc tem dado, ttra­
mando te para o Icrvir Com mais p e rfe iça õ
nefta v i d a , e g o z a l l o c o m maior gloria na
outra? E t u , d e íp rc z a n d o ta n to s c x c c íT o s d c
amor, cuidarás, que tens feito baflante e m
vcftir o Santo h ab ito , d o qual ferves d e d e f -
douro, pois o fazes icrv ir dc capa para c n -
cobrir as tuas faltas*, pello que tc p o d e rá o
Profeta dar tam bem a ti o afrontolo titu lo d c
ignomínia da Cafa dc D e o s ; Igrtomnict do-
wâr Dom ini rui. C o n f u n d c t c pois, á medida
das tuas faltas; pede p c id a ô da tibieza pai-
•fada; pròpoem dc a recom pcnfar c o m o u ­
tro canto f e r v o r ; e roga ao S en h o r queira
desfazer o a b y fm o da tua ingratid aõ c q m o
abyim o da fua caridade.
3 C o n fld é ra o Perigo f q u é co rre h u a
pefloa R e l i g i o f a , fc n a õ c o rrcfp o n d è no
, q a c pretendeo o Senhor * ch a-
_____________________ ç w
ip4 Sexto dia,
mar para a R c l ig i a ó . O c l l y l o do Senhor
hc pedir m u i t o , a quem tem dado m uito:
Ldc- C ui multum datum eft, multum quaretur ab
,2'1 ’ eo. N a ó cfpcrcs dc achar na C aia dc Deos
a m ifcricordia, que teria o Senhor dc t i , fc
ficafles no f e í u l o , porque te fucccdcrá o
m e fm o , que aos H e b reo s, aos quacs naóca-
í l i g o u , quando idolatraraó cm Babylonia,
mas continuando a idolatrar na terra fanta
de Paleltina,para onde foraõ habitar, foraó
devorados por leoes. E na v e r d a d e , que
íc D e o s te lançaflc de fi co m fa ftio , por te
haveres entibiado no fervor, donde fe te fc-
g u if ic a tua eterna co nden açaò , naõ feria a
primeira v e z , que o tenha feito. E le tu naó
temefies efla ieveridade, m áo final feriajpor-.
que feria final, dc que j a D e o s co m e ça v a a
c a llig a r tc co m tc fubtrahir as íuas luzes , e
os leus a u x ilio s,d e ix a n d o te c a h ire m cegu ei­
ra dc en ten d im en to , c cm dureza de cora-
ç a ó , ifio he, cm dous dos maiores caftigos,
que pode dar a D iv in a ju ftiç a . L em b rate,
que iaõ hum a b y fm o fem fundo os Juizos
JJ* m
7g dc D e o s : "Judicia tua, abyjfus m ultaj e que
a vida relaxada dc hüa alma R e lig io fa nao
he outra coufa, fenaõ hüa continuada cadeia
d c peccados, por ferem todas as fuas obraf
cheias dc defeitos, c por iflo obra mal ,
da
M e d ita ç a o III. I9 £
da quando le exe rcita em obras de íi b o a s :
M aledittus, qui fa c it opus Dom ini fraudulen- J«f-
ter. A le m de que, fc nada m aisquizefic D c -
os de t i , cm tc cham ar á R .e lig iaó , fenaó
hua virtude im p erfeita, rtaó tc feria riecef-
fario fazer t a n t o , c o m o deixar o. Ccculo, e
cativar a tua liberdade. H c poílivel, quchtia
amifade tírrena, hua o c c u p a ç a ô , ou h ú a di­
g n idad e, que nada v a l e , tc ha dc im pedir o
alcançarcs a perfeiçaó, e tal v e z a tua falva-
Çaó? Q u e fc perde em renunciares cila g a -
nançia mundana, que te ficou ainda no c o ­
r a ç a ó , quando o que fc p e rd e he h u a m ife-
ria? c fc fazes difio renuncia, que he o que
fc naó g a n h a,g an h an d o íc a D c o s ? E ia p o is ,
rcfolvcte a formar hum firme p r o p o ílto d c
qucrcres (er toda do teu E l p o f o C c l c i t i a l )
fcjaõ os teus penfamentos dignos do teu c -
ftado-, confidcra o que qucrcrias ter f e it o ,
quando,falvandore, apparccercs na prefença
do S e n h o r, que tanto tem feito p o r teu a-
mor, c tc vires no m eio de innumcraveis al­
mas religiofas, que tanto fíz e r a ó , e padcce-
raó por am or de D c o s . S e entaô te podef-
ics confundir, quanto te confundirias d e naó
haver correipondido á D i v in a v o n t a d e , c
por te haver deixado atar ao m u n d o por h u a
p rifa ó taõ fra c a , c o m o o h c h u m refpeito
N 1 . • hu-
Ip6 Sexto dia,'
h u m a n o ,o ü feüa leve c o n fo la ç a ó , que t e o f -
fe rcciaó as crcaturas. E n co m cn date final­
m en te ao S e n h o r , p e d in d o lh e , que j a que
afligiiou a eltírifura dc d o t e , para tc dçfpo-
fares co m cllc, com o feu mefmo fangue, tc
conceda novos auxílios,para lhe guardares a
devida fidelidade, que hc b e m ,q u e lhe oíFc-
reças de n o vo g u a rd ar,até.q u e cHfcgueaho-
i a , em que fejas convidada para os C c lc lti-
aes dcfpoforios. >

M E D I T A Ç A O I V.
Para o f e x t o dia dos E x e r c íc io s .
^ O B R R A 'D O V T R I N A E V A N -
g e U c a , q u e o S en h or e x p lic o u no
fe r m a õ das B e m a v e n tu r a n ç a s .

dsi fua D o u t r i n a , c a E f c o l a , cm que a cn-


f in a , cm ordem a te afeiçoares a apren-
dclla co m mais cuidadov O M cftre he J E *
S U C h r i f t o : M agifter vefier uhus * ]h
Cbrtfiusl Para e f le fira foi mandado a eíte
ÍO> m u n d o , naó fó para o r e m i r , mas tamben?
para o in ftr u ir : A d hoc verti in tnuitdum,
a«!i7. ufi\momi/n perhibeam w rita ti-j c para w g *
acre*.
jMedttaçao IV. 197
acreditar e íle m agilterio, o nrcfmo P a d rç E -
ttrno nalo in cu lco u fo lcn e m e n te , mnndnn-
dÒhos cfbvii* a doutrina do feu ãrrrado F i lh o .
fyfúm ‘liudite. Q u a n t o mais, que d l e naõ Luc-
V ,. , r 9. IS»
erttma to co m as p a la v ra s, co m o fazem os
oucvos rrveítres, mas muito mais c o m as o-#
corrt>as quaes, naõ íó faz, q u e o ouça-*
m ós, mas que o v e j a o i o s , c o n f o r m ó . o que
n o s fo b fa pro m etridn: Evurit oa*i;tuividen* ifaí.
ttvpwtcepiorem Puútoi. P o n d é m p o i s , quan* JC,,i<7*
ro ctilfou aô teu R e d e m p t o r . q chaverfe err*
curvegado-da incu m bência dc nosi çrifinxfr -a
verdadey o crçar tocjjasf as coulnsr^c entre ei*
Ias- a nós,naó lhe ouftou mais^qxre h u a f ó p a *
Vwra y o cníjnarnos»'porcm as f o & u n a x im i» ^
Ihcícuftou o dcípõjijrlc efe lua grandçza, c
a- forma d o e t e r a v o -r-Fornianrfirfyiac- Phii.
e ainda a dc pèccad o re rihífakiTkttdi*
tàitt carnis peccaiü. Q i i e ma is <*podcr rã -p ois 8.
f c e t a verdade cflcMtciul, c ii>fallivdl;.quc;fa- •*
^ - ‘íoverdade n o fià, r-$úgo z v M ld fy c otaf* a.
^randon p r e ç o tnótuiGaclc humdlw^oés,dcl*. 14 *'
5
Jfiwísf,ifi*ai f juütiy e penas, o cníimrrfosJt&al
iTVihhfo>prrn- a v i d a í e a f l i c t y q u e dekhiUnípoa
t e r pnravicom*ell<^' f ê n a ô t t i t w - » m
mo sedado credito* «os 1c u s d odiVm t n tW ;n c m f u
j y * *,vermos encaminhado álüfc ? Cprtfim*-
u etc de haver cs fegu ido' tantas vcfccs i s eii*
* ' ;íii* N 3 gano- *
198 Sexto dia,
ganofas maximas do m u n d o , da carne, e do
demonio j e dc haver nnrcpoílo aos confe-
Ihos da fabedoria incrcada as fuggeftoés dc
húa fabedoria terrena,animal,cdiabolicajnaó
alpirando a outra coufa mais, que a fer ama­
da, e cftimada das crcaturas,c a dar conten­
tam ento aos teus fentidos, c p a ix õ e s , com
húa vida cheia dc regalo,e de defeanfo. P e ­
de perdaô ao Senhor, e propoem de te e-
mendar* e rogalhe, que tc naó caftigu c, c o ­
m o m ereces, deixando de tc fa lla r, e dc te
in íl r u i r , mas antes, q u e , com padccendolc
da tua ignorancia, fe faça a tua lu z , allumi-
andôtc ao m efm o tem p o o en ten dim en to , c
inflammandote a v o n t a d e , para c o n h e c e r ,
amar, c p ô r em e x e c u ç ã o o que te enfina.
2 Con(idéraqualhea.D0tf/r//írfdcftc M e ­
d r e C e le ília l, que e x p lic o u no feu primeiro
Matt. fermaó no monte* E t aperiens os/num, docebat
y *• m j p ond erandocom madureza as fuas D iv i­
nas qualidades, quc faô a excelle n cia, a certe­
za, e a utilidade. A excellen cia defta doutrina
íe deixa v e r m an ifeílam en tccm haver eítado
eícondida aos e n te n d im e n to s d e to d o s o s la-
bios: Eruftabo abfcottdita à conflitutionemun*
** **’ di. A t é aquelle tem po fc tinha por ditofo no
m u n d o ,q ü e m poíTuia mais r i q u e z a s , gozava
mais honras, e p a fla te m p o s jc a ílim ,c o m o naó
havia
Meditaçao IV. 199 1
havia dc ficar pafmado o gcnero H u m a n o ,c m
ouvindo a primeira vez hüa doutrina taõ fu b -
Jime, c exccllente, de que craó b em aven tu -
radosos pobres, bemaventurados os q u c c h o -
iavaõ, bemaventurados os pcrícguidõfc, e ca -
lumniados ? cfpecialm entc fendo efia fa b e d o -
rta taõ fublime juntamente verdade certa, e
iofallivel, poisfahiada m c f m a b o c a d o A lt i f-
fimo: Ego /apientia ex ore AltiJJimiprodivi-, ^cclí#
pciloq naõ podia d u vid ar,q u em a o u v ia , nem *
dc húa fó fy lla b a delia. E r a finalmente taõ
certa,como proveitofa aos h o m é s,p o r ferfei-
c n c ia d c f a lv a ç a õ : Addandam feientiam falu-
tiSy e encerrava em fi todos os princípios da
T h c o lo g ia M o r a l C h rifta ã , dirigindonos
perfeitamente cm ordem ao b e m , e apartan-
dcnosdo mal, ja co m nos defpojar d o homem* '
'clho, j a v e it i n d o n o s d o n o v o . E quc d ize m ,
ouvindo eftas coufas, os teus fentidos, as tuas
paixoés,e o teu c o r a ç a õ ? hè c c r t o , que, por
húa pane, naõ podes negar a dignidade dc
M cftre ao noflb R e d e m p t o r ,n e m deixar dc
crer dc fc os feus d o c u m e n t o s , f a b e s ,
que iaõ taó infallivcis, c o m o - o faó todos os
niyftcriosda noíTa F c j donde,aflim c o m o cr-
rarias, negando a T r i n d a d é das Divinas Pcf-
|oas,aíüm tambem errarás rtcgando,qucnaó
h c bemaventurança o fer p o b r e , c o pade-
N 4 ecr
£oo S&xto ‘Jrá.;'S\úA.
ç c r p o ra m O fd o Senhor, pois-íc íütidaSjúâié
d nas verdades na fabedonaycrus pakvrasdo
. J E S U C h riítò . E p o r ou tia parte,comomc-J
itnjs tu c o m a s o b r a s c í l a F ú P c n v q u a n t o o &-
Vftngclfotccnfina as verdades xíípccuUtivas,
te fujeitas ás fuas maximas,quando porem ex*
alta eiTas maximas a v e r d a d p . praticas j panr
regular,;ç c o m p o r os teus cóftum qs, logb.tcH
í dos os aflfcd^s.fç op.pocm, e / c esforçaõ pari
naõ aceitar.cfyas cre n d aib r verdadeira q
doutrina, map viv^hdOíCõmofíeátivcflcs ^oe
falfa. Reparíf çví»)s b em , q d c í f r m o d o dc vive?
. ;; íe f p r m a p p r .ó c e .ff o d a tiu c o ò d a â a ç a õ r ^ / v ;?
joan t uop acclpit, <üe>:ba ni«i^ yi j<Ylm
:in ' Jhn^ ilk. ju à ^ d liil eiiVuin' ítasifim o dr$. Snd?£
c r , q uc liç fatíüatfottt u rud <a, qtacm ío defjfrojs
J EiS.U G lw jfto d c todasí ^s coufas toiVe*
n ^ i q u e m cftora a  M s ^ u l p n s ; equFenyfoíje
co m paçicnoia, & nlegri^ ãls/fuas piaias, .fo**G
fo n d cn acJa^ Q rn çrjirJiíj^ sie crcs^iàMbodo
iíTo Hevcr<|jtí<yr%£ramda sffltw tc.gpvtrrias
P<1 fcs 4
m u n d i a l c ^ c a v / í c * crôs
po pd e nad^, CfytYrP)im.miga d a l w mefma Sé-*
pois ncgal ç<Hn*fWÍda o nUítfío, que cor/tf*
ia&coma,Hoiía«f-í)<ífi?:Cçâaf pd b ^ com o terror
d cJ V ^ (rcp«h<#jç£$ s-.diviVít a boa F é ;, e ac*
CcqdCia, tM?í;^hjdítdç pai*a>vcoro o JDLvind
M e f t r ç j tçm,pe}9 dc haver a te agoruçonfer*
Tj j „ j C vado
Meditaçao IV . 2 Ò 'f
vndo no teu co raçaõ hüa averíaõ taõ grarw
dfc a t u d o , o quc o m e fm o D tv in o M c í l r c
anprova co m o feu e x e m p l a i e co m as fuas
inftrudçoes; confcfla!, que tudb o que naõ
Ifc fegüir a fua h l z , h è caminhar cm trevasv
ptbpoem de naõ querer o u tr a regra para^áf ..,.1
tfca vida, fenaõ o E v a n g e lh o i ' c ro g a ao S e -
fiftor, que ja que na fua riiáõ cftaõ os cova^
çbós, moftvc cite doíninió parir c o m t i g o f
rrtfundiVido no teu hum grande* a m o r , q u d
tc afFeiíçoc a abraçar, e hiim grande csfÕ'rçJo,)
que t e i a ç â f V á ú c f t r o q u e ellè te tnfinn.
£ <2 O W íd é r â jq n à l h e E fiàlà^o\\àt k~èníi-
ftaefa1 tóoufriitóÒtfeftfcrt. B é efta ‘E f c o la o Ma*:
J ‘F.SÚti'hn»ò>iU'ni,'ü\ohct 5* u
aWt*>ígr(?j?rçfc A ^ t a ^ i n d i coiivHíitulo nraiS
jtfftb, a-Rêl i gWó-«Fõdo' á iB *P
f u a ^ d f í ü a o . á í é g u i r efta d o u c r P
r»*v renunciando as‘H q u eiasyó s'd e le ite ^ e tfl
honras, ao mchos tfté c f t i m á f t n a i á ^ f o d o o #
rcrrenoi^ai^Lci d c feu S e n h o * * c eftft?
y ^ n p t o 'p a r á d ò ix a r tu d o , p ò ^ ^ a õ perdéfj»^^'^.
ftia D ivina artVil*de: <%rn non fènuntiaium ni-J
bus^qu.t pojfidetinônpoieft niètís> ffe d iffiu U ti.
E fta povem hc a infima cláífe d a 'E f c o V a d è
Chrifto-, cmffis alto fe d eve lcvahtar hüa pef-
fôaR tfigiofti ^ queprofeflaábraçar, naó í o o s
preceitos, mas tam bem os confelhos d o D i ­
vin o
202 Sexto dia,
v in o M eftre; c aflim , quaó intolerável ícria
o erro dc quem , fondo difcipulo taõ efcolh i-
d o , por razaó do feu c fta d o , fe fizcíTc ini­
m i g o da dou trina, que p rofefla, c chcgaflc
a declarar1, que nem ainda o uvilla queria,
J°t>- Seientiam viarum tuarim nolumus ; aflim fa-
2114 ria, quem deixaíle de ler livros d e v o t o s , de
tratar c o m os Padres E fp iritu a cs ,e de o u vir
a palavra d c D c o s , por naõ dcípcrtar os re-
morfos da C o n fcie n cia adorm ecida; fechan­
d o por efle m òdo as portas da alma para
dcícanfar a feu g o f t o , fem advertir na faci­
lid a d e , co m que hum fono de t ib i e z a v e m a
parar cm hum mortal Ictargo. Se alg ú a vez
tiveres dorm ido defla forre ,.detefta m il ver
2.çs hum fpqo taõ funcfto ; c o n f u n d e te , de
q u e havendo curfado tantos annos na efeola
dc C h r i f t o , naõ tenhas ainda aprendido os
primeiros rudimentos, que faõ a abn egaçaó
dc ti m efm a, o renunciar a tua vontade, e Q
m ortificar as tuas inclinaçpç;} per verias >04
.forte, que quando para abrandar o coraçaq
dc outros, que faõ da melma m a fla , que tuj
b afto u ta l v e z húa 1o p a l a v r a d e J E S U C h r i ­
f t o , naõ ha dc baftar, para te abrandar a ti,
o cftares continuamente ou vin d o tantas li­
ç õ e s do teu M eftre C c lc ft ia l? Propoem da­
qui por diante tomar por cuidado principal
Meditaçao IV. 203
o ponderar as maximas do E v a n g e lh o , para
as reconhecer por verdadeiras,cada v e z c o m
maior clareza, e para regular p o r ellas c o m
maior cíficacia as tuas a cç o õ s . R o g a final­
mente ao Senhor, que tendo tu ate ag o ra
fugido de tudo a q u illo ,q u e , co n fo rm e o feu
enfino, deves abraçar, e b u fe a d o tu d o nquil-
lo, q u e ,c o n fo rm e a fua doutrina,devias e v j-
tar,lc digne dc te trocar dc tal forte o c o r a ç a õ ,
q u e e x p r im a ,c r e p r e fe n te a o v i v o ,c ó m o c r y l *
tallino c f p c lh o , todas as f c i ç o c s , c todos os
documentos do teu M e í l r c C e l e f t i a l .

M E D I T A Ç A O I.
Para o feptimo dia dos E x e r c í c i o s .

SO B R E A I N S T ir V íC .Ã Ò <DO
Santijfímo Sacramento.
l O n fid éra, que podem co n co rre r tres
V - i couías, para fazer, que nos ieja e í l i -
mabilifíifna húa dadiva, que vem a f e r , a
grandeza da mefma dadiva,o a ffc ó lo d c q u c m
a dá, e a utilidade, que delia t ir a , quem a
recebe. T o d a s cftas tres couías fe achaó
maravilhofamente encerradas na DiviniíTima
Euchariftiaj confidéra pois em prim eiro lu ­
gar a Grandeza dejle dom. G randes coufas
tinha
■^Q'4 Septimo dtd,
tinha JadoLXsos aos homeosçtftvbtfnos dado
a n o s m cfmos^.c juntamente nos tinha dado
innumcravejs (creaturas pello beneficio dív
e ic a ç a õ ,c da conl’e rvaçaó>naas' cm fim tôdas1
o í k s c o u l a s p ainda que çftimaveis, craõ è^fri*
tudolimiradásr/jÇainbcm naEncarnnçafi dco
o Senhor aos hòmens húapdadiva infiivita-; e-j
fte beneficio porem foi feito imrncdiatacnçnie1
íp a.H um anidade dei ChrKlo:; o a n $ s m e - 1
7 3
chtitamcnccípotfveltay c jjiíTr V* md;V 'rtfteaW
a o *S e n h o r q u i r n o s d ar, quanSdp^qirf^tfé' d a r -
íc a fi mefmo» süqiuilquer dí>í feufrJtfws ^m-
p a r t i c u l a r , a m p l i a n d o p o r efia f o r m a , c au-
g m c n v i n d t ü o f t n t fíc a f r fecn^fiíüoJHa m e lm a
E n c a ç q a ç a õ . & iíTb h e o $ijfl íi.tfqha-
r i f t i a , c o m m u n í c a n d o n o s quantfes b e n s , e r i -
q^cx/.s ç c m 7* í * r s q o s dá\o Icirvcoi^o , ó feii.
f a n g t i c , os.feu(s . í U c r c o i m ^ m p s , la fua v i r t u -
« • • v f» • *W « * % V f ^ • » »# | «•
d c , a íua alm a, c a fua D i v in d a d e , por hua
invenç«á,ç#õ adtniravcl,qnc.por coda a'?tçr-!
9
»iáadc;<& cgcria u iu n eaio ceo n id o m o s iSe^a-
á i^ d i) C o o .^ N a q / c; pode. pois,ji pedir. coúfín
xíDO(t. noílb.Salvador-,c fc a c a ia p c d iH
fcn ro s^ lg /iftcod fiíim is n e í t a v i d n , mos,po*s
dcriaírcfpondcv, q uc,ia i nd aqn e^cLloQf) i.a mcf*i
maaffKicucia dc t o d o ^ w b e n s y n a ó t e r a ago^
radnais que nos d a r , havéndonns.díilo tudol
n cllc Pap de cieolbidos-, c n:flcJ\íinhov qufcj
k gera
Mftlitaçao I. l O f
g e ra V i r g f n s : F v im c n io fê *vinofta b iliv i /<?)& Ge­
n e f.
poft h>vc,f:li m i,ultra quia fa tia m ? E m c o m ­ 37-J7.
paração p o is , dc hüa taó cx ce flira libórali-
dadc do teu D e o s com tua a lm a , q u a n t o ,
imaginas, o dc fraudará a tua avareza, íc i hc
naó offcreccrcs inteiramente- çffa p o u c a li­
berdade, que ainda tc rcíta? T e n s rcfiítido
aré agora a todos cs mais b e n c n c i o s , c f e r i
ppifivel, que a;nda rcíiiias a hum D e o s , q u e
te d á a íi mclmo? Q u e diraõ, fc aflim f u c c o
d e r ,o s Santos do C c o , que co n h ecem mui,-
to hem h um , e o u tro e x t r e m o , o da iibcvalr-
dade de C h r i f t o , e o da m cíq u in h e z do teu
coraçaõ ? C o n fn n d c te da tua irtgratidaõ *
propoem dc dar t u d o , a quem tu d o , fem rc-
iervar coufa nlgüa , dá por ti •, agradece ao
Senhor hua m agnificência taõ in í i g n e , q u e
com tigo ufa > c r o g a lh e , que a taó grandes
favores accrcfccntc o dc dai te hum n o vo cf­
p irito, e hum n o vo c o r a ç a õ , para c f t im a r ,
c corrcfponder , c o m o d e v e s , aos b çn e fici-
° s , que te faz.
2. C on fid éra o u^JfeãOyCOm que tc c o n fe ­
re J E S U .C h rifto cite dom . N e f t e aífcCla
hc que confiftc mais propriamente o bene-
h cio, pois o amor, co m que fc dac, hc a al­
ma das dadivas, fendo c o m o c o r p o dellas ò
que ie dá. F o i pois o am or dc C h r i f t o , crb
neft
206 Septimo dia,
nos dar a D ivina Euchariftia,taó grande,quc
Jo*n. chegou aos maiores e x t r e m o s : In finem di-
, J-1* lexit cos. Pello q u e , aflim co m o a frnguadá
a co nh ecer o ardor, cm quc fc abrafa, pellas
ch am m as, que de íi la n ç a , aflim a irnmcnfa
caridade de C h rifto fc deo algum tanto a c o ­
n h e ce r, no t e m p o ,c m que inftituio c l t c D i -
viniífimo Sacramento , no m odo de o iníti-
t u i r , e nas diíficuldadcs , quc venceo nefta
in ftituiçaõ. O tem po foi o m e f m o , em que
os homens tratavaó de lhe dar húa morte
crueliflima, e entaõ f o i ,q u a n d o fc rcfolveo
a lhes dar efte man jar de vida, achando m o­
do para ficar fempre c o m n o f c o , quando os
feus inimigos mais quc n u n c a , intentavaó
tirallo deite murylo : P rid ie , q u à m patere*
t u r , accepit panem. O m o d o , com que le nos
deo, foi debaixo das cfpccics de manjar, para
de tal forte fc fazer nofio, que afiim co m o naó
ha arte,quc pofla feparar da nofla fubflancia
o alimento, que fc repartio,depois dadecoc-
ç a ó , por todo o c o r p o , aflim tambem nao
haja arte, nem f o r ç a , que nos pofia feparar
de C h r ifto . S o b re tudo porém fe manifefta
a fua caridade em vencer tantas dificuldades,
c o m o venceo, para nos fazer tanto b em , po­
is prevendo o immenfo c u m u lo de dcfpre-
t o s , dc irreverências, c de fa c r ile g io s , quc
tan?
Meditaçao I. 207
tantos infiéis, e tantos C h riltz ó s t ib io s , o u
malvados, haviaõ dc fazer contra ò feu Sa-
cratiíTimo C o r p o , ainda affim fe rcfolvco a
fofrer tudo , para le poder unir c o m a tua
alma j e o quc mais h e , accrcfcen to u a cíTVs
fofrimentos os d e z e j o s , c ellcs vehcmcntiíli- luc.
mos : Defiderio d ejidera vi: e q u a n d o , para **•**•
vir ao mundo a encarnar , le fez d e z e ja r , c
cfperar por tantos feculos , ngora,para vir á
tua alma,cile hc o q u efe abrala cm dezejos,c
cm dezejos, que fó podiàó ter lugar no feu D i -
vino C o r a ç a õ . A quem p o d e n a õ jamais vir
aopenfamento femelhantes exceíTbs,fedclles
nosnaóccrtificaíT caFé? E c o m o h c poílivel,
quc fe achem em ti huns a f t c â o s taõ o p p o -
ftos a cftas finezas, dezejando a tua mifera-
vcl alma taõ p o u co unirfe c o m o S u m m o
B e m , ao mefmo t e m p o , q u c hum D eos ta õ
bom fe dezeja tanto unir c o m efia tua pobre
alma? T e n s por ventura alg ú a razaó para
naó correfpondcr a efte (eu amor taó e x c e l -
fivo? tens algúa razaó para tornar a appetc-
ecr as cebollas do E g y p t o , q t t c faó os d e le i­
tes dos teus fe n tid o s, depois de haverre tan­
tas vezes alimentado c o m efle D i v in o M a n -
na? quc queres aue fa ç a J E S U C h r i f t o pa­
ra vencer a tua dureza ? hora confefla p u ­
blicamente no acatamento d o S en h o r a
quc
2 G8 S e p t i m o c iia \
q u c tcnS tido,é.d«éftaa mil v e z e s ; ofTercetf*
tc toda a C h rifto , paraque le effeicuc4ella
D i v i n a u niaó, dcfpertando ern ti hum hor­
ro r f u m m o a qualquer mancha do teu c o r ­
p o , ou da tua alma , depois dc haver fido
tantas vezes morada do teu D eos ; c rogalhé
finalmente , que tc dc graça para pagar a-
m o r com a m o r , e para te naó deixares ate­
m o rizar dc difficuldadc alg ú a , que te polía
esfriar no mefmo amor. *
$ Confrdéra na U tilid ad e, que tc rcfnha
defta Divina dadiva da Euchariftin; que por
jÍTo fe chama Communbaõ, porque nos dá^
c o n h c c v r , q u c a Euchariftia faz com m uns *
alma todos os b c n s d e J E S U C h r ifto ; de lor-
tc.q u e a q u cllc cabedal im m c n fo ,q u e ajuntou
cfie Senhor cm fua v i d a , c na fua m o r t e , fc
nos applica todo a nós ncfte grande M ylte-
r i o , ern que pretende o S en h o r renovar cm
qualquer peíToa particular oseífeitos, que c*n
todo o mundo produzio a fua Paixaó D iv i­
na. E m o que, naó f ó nos moftra, q ue, pa;tt
nos fazer b e m ,tornaria a padecer por nós,mas
Que ainda lhe parece p o u c o o haver padeci*
do p o r nós em hum c o r p o fó, pois quer mui*
tiplicar innumcraveis vezes eííe mefmo co*.-
p o , para o empregar infinitas vezes cm pro­
v e ito noíTo, A efte m efm o fim , podendo*
Meditaçao L 2.09
hds dar a fua g r a ç a por meio da; creaturas,
como o faz nos outros Sacramentos , neftc
nola quer dar por fi meímo , allumianclo o
noíTo entendim ento co m a fua D ivin a p re -
fença, inflamando o nofio c o r a ç a õ , m it ig a n ­
do as rioíTas. p a i x o é s , tornando a p.ôrcm o r ­
dem os noflos fe n tid o s , c ate deixando tacs
finaçs d c immorraíidade na pefada mafia do
noíTô c o r p o , que afpirc co m razaõ a re fu fe i-
tar para h ü a vida eterna. O h Dcç>s fem pre
admiravel cm nos amar, e c m tios f a ie r b e m !
que nos poderá elle negar, depois d cn b s ha­
ver dado tanto ? E tu, á vifta d i f i o , q u c lhe
P^derás negar ? fe o S e n h o r íe tivefle dadò
por efte m o d o húa í ó v e z a hum dos efpiri-
tos mais fublimes do C c o , naõ ficaria elle
fotisfeito , nem ainda c o m fe aniquilar p o f
amor do feu Deos-, c t u , que tantas vezes o
recebes, terás para t i , q u e fazes m u i t j ,d a n -
dolhe cm reçompenfa a v i t o r i a dc hua leve
ditficuldade? c tal v e z , que nçm ifio façaè
por amor do teu D eo s.;. C o n fu n d c t c da tua
miferia, c cnvcrgophaxc de tirar taõ p o u c o
fruto defta D i v i n a M e f a , ficando fem pre a
meíma $ que dantes eras , íem pre co lérica ,
fempre vaidofa , fem pre n e g lig e n te , e d.efr
cuidada no b e m , q u e fazes j propoem de t£
dilpor daqui c m diante para a C o m m u n h a õ
Ct cõrn

/
2 1d Septimo d ia ,
co m mais pratica dc virtudes, c com maior
e x c r c ic io dc m o r t i f i c a ç a ó j t roga ao Senhor,
que depois dc haver fòfrido por tanto tem*
poNa tua ingratidaõ , queira agora triumfar
d e lia , c que, fazendo tantos m ilagres, para
fe te dar cm m anjar, taça agora o de te con­
verter toda ncllc , por meio dc húa fervo-
í o f a caridade. ‘ 1

M E D 1T A Ç A Õ H.
Para o feptimo dia dos E x erc ício s.

S O B R E A S C A U S A S , T G R g V E

C hrifto fu o u no H o r t o .

I O nfidéra quaes foraõ as caufas dç


V j hum efielto taó eftran h o , c o m o foi
o funr o F ilh o dc D eos fanguc por todas as
partes do feu Santiflimo C o r p o . F o ra õ prin­
cipal rrrente trcs as caufas dc hum fuor taó
pro d ig io fo : a primeira foi a co m p aixaó , que
C h r i f t o tevé dos feus proprios males , c dos
t o r m e n t o s , que havia dc p a d e c e r :a frgunda
foi a dóV, c á c o n t r i ç ã o , que teve dc noífas
peccados $ a terceira foi o conheci mentoan-
ticipado da noíTa ingratidaõ. T e v e pois
C h r i f t o coMpaixaõ de Ji nos males , que bavi&
A íoclitacao II. 2 11
de padecer. C o n h e c ia p o r h ú a parre c o m a
maior clareza a immenfa dignidade da fua
Humanidade facrofanta, c quaõ digna era de
que lhe fizcíTem os homens toda a honra , e
lhe deíTcm g o l t o cm tudo * conhecia perfei-
tiíTimamentc o valor da fua D iv in a v id a , da
qual hum fó inílante era mais e ( lim a v c l,q u e
todas as creaturas poífíveis. P o r outra parte
via dillintiílimam entcdclineados ao v i r o t o -
dos os o p p r o b r io s , todos os torm entos, e os
ínllrumentos todos da fua dolorofa P a ix a o *
os a ç o u te s , os e fp in h o s, os c r a v o s , o f c l , e
a C r u z j c cm húa p alavra, to d o aquclle d i ­
latado mar dc penas, que dahi a p o u c o te m ­
po o havia de fu m erg ir cm hum a b y fm o d c
malesj pello que,quem jamais h a v e ria ,q po-
dellç perceber o quaõ grande foi aanguftia*
a q fc achou reduzido o co r a ç a õ do Senhor
fia o cca fia õ , em que fuou fangue no H o r t o ?
principalmente por eílar privado entaõ o
aPpnite inferior dc todo o g c n c r o de c o n fo -
laçaõ > naó lha p erm ittin d o C h r i f t o , para­
que as fuas penas foíTcm fem mi dura de ali*
£»o, nem lhe perm ittindo fazer reflexaô fo-
ore os m o tivo s, que lhas podiaô fuavifar> e
retendo de tal forte o g o z o n a p á r t e f u p e r i o r
-a naó redundafle n e m f ê q ú e r h ú a
g n i n h a dcllc nai potências in fc fiò r ê s f N c -
O a • fte
212 Scptim o dia,
l i c c o n f li& o p o i s , quc íc form ou no C o r a ­
ç a õ do Senhor, padeceo cllcanticipadamen-
tc tod os os tormentos da fua P aixaõ, c os pa­
d e c e o todos juntos, fendo que na P aixaõ os
havia dc padecer p o r partes j c padeceo fi-
.nalmcnte aquelles , que naó havia dc pade­
cer na mefma P a ix a õ ; c o m o o defemparode
fua M a l S a n tif lim a ,c a cruel fe rid a ,q u e lhe
abrio o la d o , depois quc cfpirou. O horror
pois d c tantos males , havendo com prim ido
t o d o o fangue no c o r a ç a õ dc J E S U S ^ to*
p o u n c l l e , c o m o cm hüa rocha firmiílima,
c o m a fua caridade para co m o Padre E te r­
n o , c para c o m n o fc o ; c fendo com peli ido
p o r ella, fahio c o m fumm agenerofidade pcl-
las veias,e por todos os poros daquelle San-
tiilimo C o r p o , até correr fobre a terra. E
qu e d ize s tu agora,á vifta d c h u m c lp c ô a c u -
Jo taó d o lo ro fo ? naõ baftaó a C h rifto os
to rm e n to s , que lhe aparelhavaó os feus ini­
m ig o s, mas quc queira elle atormentarfean-
ticipadamcntc a fi m efm o > c quc o mefmo
Senhor , quc havia dc aliviar os tormentos
dos M artyre s c o m c o n f o la ç o e s milagrofas,
queira a g g ra v a r immenfamente ás fuas penas
em fi mefmo , bebendo co m a m icip açaó o
C a l i z amargoío da fua Pstixaó, fem a luavi-
far,ucm ainda c o m a mais pequena conloU-
1• • •â " A ’
M editaçao II. 213
çaõ? E c o m o fc naõ co b re d e p e j o , á v illa
deíle íangue, a tua tibieza cm amar a quem
te ama com tanto e x c c f l o ? poderás por v e n ­
tura daqui em diante ter por m uito pcfadas
as t r i b u l a ç o c s , que te c o n v e m fofrcr no feu
ierviço? poderás por acafo bufear. delicias ,
á viíla dc tantas dores , que por ti padece o
teu Senhor ? H o r a dá os agradecim entos a
JE.SLJS, que he taó p ro d ig o cm derramar o
feu fangue por teu am or, c pedelhe h í i a g o t -
ta deíle D i v in o licor , para rem edio interi­
or dos teus males.
2. C o n fid é ra na fegunda caufa d e íle fu o r
taõ p r o d ig io fo , que foi a Contrição, e d o r,
que Chrifto teve dos nojfros peccados. T a m ­
bem eftes íe lh e r e p re fc n ta ra õ h u m por hum
aos feus D iv in o s olhos 5 e todos ao m efm o
tempo afialtáraó , c o m o outras tantas fcrr-
pen tes, o feu c o r a ç a ó > pella qual razaó o
horro r,e a d o r , que t e v e , f o i fuperior a t o ­
do o tormento , que jamais e x p e rim e n to u
outra pcíToa no mundo. E fc a m alicia de
bum fó pcccado he quafi immenfa, q u e m a -
bgnidade naõ encerrará cm íi o a b y fm o das
nuldades de todos os homens, paliados, pre-
fentes, e futuros? E com tu d o iílo fe do co
C hrifto dc todas cíTas m a ld a d e s, á medida
do immenfo amor , que tinha ao feu Padre
O 3 C clc-
214 Septimo d ia ,
C c l e f t i a l , e á nofla f a l v á ç a ô ; pello que ca­
da hum defles pcccados era, c o m o hüa lan­
ç a , profundamente cravada no feu co ra ça õ ,
quc lhe abria hüa fenda mais cruel , quc as
q u c cfperava em todo o feu co rp o ; (endolhe
tanto mais intoleráveis, quc a m o r t e ,a s n o f -
fas c u lp a s , quanto dt-nota o haver elíe é lco -
lhido a m o r t e , para de todo as d e ltr u ir , e
defterrar dcfte mundo a cfle grande mon-
ftruo do peccado. E f l e pelo pois immenlo
das noíTas maldades foi a prenfa, que oppri-
rnio o co ra ç a õ , c os m em bros do R e d e m ­
p t o r , c lhe fez fahir o fangue por todas as
partes. V è pois , quanta parte tem os teus
pcccados ncíTa pefacfci carga de todos , quc
opprim c a J E S U S ; e confundcte no feu a-
catnmento pello novo torm en to , quc lhe d e ­
ite co m as tuas maldades anticipadamcnte
p r e v ifta s ; repara , quc os deleites , dc quc
g o z a f t e s , occafionaraó a C h r if to outros tan­
tos t o r m e n t o s , e fc houvcíTcs peccado me­
nos , menos houvera eífe Senhor padecido.
A g r a d c c c lh e pois mil vezes o amor, com quc
te rccolheo no íeu fe io , e fc com padecco de
ti , aindaque taõ indigna dc com paixaó ; c
r o g a lh e , que pois chorou com lagrimas de
fangue as tuas c u l p a s , tc dè g r a ç a para as
ciiorarcs com lagrimas dc arrependim ento,
au-
M editaçao II. 21 ^
antes que ch e g u e o tem p o dc feres ju lg a d a .
3 C o n fid c ra na terceira cauia daqu clle
chuveiro de í a n g u e , que foi a P rev ifa ò das
fujfas ingratidoés. Se todos os homçns h ou -
vcíTem co rrefp on d id o c o m o devido p rim o r
ao a m o r , que lhes tem o R e d e m p t o r , c ás
penas, que p o r elles p a d e c e o , tivera fem d u ­
vida cftc Senhor m o t iv o efficacifiimo para fc
coníolar nos ícus tormentos •, c fc po d e di-
fcer, que em tal cafo o mar da fua P a i x a ó l h e
houvera fido mar de leite •, que am a rg u ra
porem naó fc lhe ájuntou prevendo a innu-
mcravel m ultidaó J a q u c l l c s , a q u e , por c u l ­
pa fua , lhes havia de fer inutil efla P ai-
x a õ , e ferviria o icu fanguc , para e lc r c v e r
contra clles húa fenten ç i a mais fevera? A h
D c o s ! c quanto v o sc u íta r a ó os homens? por
amor dclles fe derramou das veias do R e ­
demptor hum thefouro todo D i v i n o j p o r
amor dclles fe íu m e rg io cm hum d ilú v io de
°Pprobrios , c dc torm entos a vida de hum
£>cos •, e que feja pofiivcl , que naõ obre o
feu cffeito em húa m u ltidaó innum eravcl
húa medicina taõ p r c c i o f a ,p o r ferem tantos
?s que fc haó dc condenar* c que nos dem a­
is obre com menos efhcacia , p o r caufa da
tibieza, co m que haõ de co rrcfp o n d cr aos
feus favores, c auxilios? Q u e m poderá p o -
: O 4 is
2 16 Septimo dta\
is perceber as angu (lias, cm que fc achou
Coraçaõ dc J E S U S com eíla a f f l ic ç a ó , que
finalmente era pura pena, por nella fe m õ
m iftu ra r, co m o nas o u t r a s , o bem da G l o ­
ria do Eterno P a d r e , c o bem , que ellas a
nós occafjonavaõ. E quanta parte ncílc tor­
mento tens tu cauíado ao teu Salvador com
n tua ingratidaõ ? T o d o s os membros dc
J E S U S iaÕ teílemunhas da fua caridade pa­
ra c o m t i g o , c da tua ingratidaõ para com
elle j c com o m efm o fangue, que tcllificao
a m o r , de quem por ti o d e r ra m o u , fecícrc*
v c a tua m i correfpondcncia a taó grandes
finezas. E querei ás tu continuar no teu m o ­
do d e v i d a , fervindo com tanta t ib ie z a a
hum S e n h o r , a quem eítás na c x c c íliv a di­
vida de dar ao menos fangue por iangue?
C o n íu n d c tc amargamente do paliado,e faze
pvopoíitos firm iíwnos para o futuro 5 offc-
f c c c n d o cm fatisfaçaó da tua tibieza clTe
mefmo D iv in o fa n g u e , taõ f e r v o r o fo , e taõ
a m o r o ío , q u e , co m o efeolhida m yrrh a,corr
re clpontanciimentc , lem cfperar que lhe a-
braó para iflo as feridas na Paixaò , para lá-
rar as que cm ti ab rilaõ a tua t ib ie z a , e as
tuas culpas.

M ED I
Meditaçao III. 2 17

M E D I T A Ç A O III.
Para o feptimo dia dos E x e r c í c i o s .

S O B R E AS IN J V R 1A S , § V E
a Cbrijlo fe fizcraõnos Tribunaes.
I O n f id é r a ,n a s tres injurias mais nota-
v c is , quc p a d ccc o o noflo R e d e m ­
ptor nos T rib u n a e s , onde , antes q u c défle
por nós a vida, facrificou a fua h o n ra , e c r e ­
d i t o , quc hc taó e i l i m a v c l , c o m o a mefma
vida. A primeira injuria foi a que fc lhe fez
no Tribunal de A n à s >com húa bofetada, quc
lhe deo publicam ente hum ío ld a d o ,p a ra li-
fonjear a feu amo. Pondera aqui co m atten-
çaõ efta injuria,aflim a refpeito do offendi-
d o , co m o da parte do oflfenfor, e da offen-
fa. A offenfa foi chcia dc crueldade, porque
íc deo a bofetada a C h r i f l o c o m hüa m an o ­
pla de fe r r o , que co ítu m avn ó neílcs tem pos
trazer calçada os foldados, donde fc feguio
ficar ro u x o aquelle r o llo San tiflim o, c c o m
os finacs daquelle g o l p e até a m o r t e : foi da
maior ig n o m ín ia, porque fc fez cfle dcfaca-
to ao Salvador na prefença dc todos os A n ­
ciãos, quc govern avaó a f y n a g o g a , no to can ­
te
218 Sípfimo dia ,
tc á religiaõ: foi chcia dc i n j u l t i ç a , porque
f c dco efte g o lp e a C h r i f t o * pqr haver dado
húa rcpolta chcia dc celeílial fabedoria.
T a m b e m o offenfor nggravou a injuria, por
fer elle naó fó hum homem vil, mas tambem
i n g r a t o , porque foi o mel mo M a l c o , a q u c m
p o u c o antes tinha curado C h r i í l o da fua fe­
rida co m as fuas D ivinas maôs. Finalm ente
a ü f f c n d i d o foi aquelle V i r g i n a l ro ílo do
Salvador , a quem dezejaô ver os A n jo s do
C e o , c aquelle H o m e m D e o s , que no fim
d o M u n d o ha dc vir com tanta mageftade-
a.ju lg am o s. Pafma.ó aqui os Santos de co m o
naõ fe c í c u r e c e o o S o l, naó paráraóos C c o s ,
e naõ fe abrio a terra , á vifta de hum cfpe-
éhurulo taó horrorofo* ou de que ao menos
naõ ficaílc fccca aquelía malvada m a ó , que
a tanto fc atreveo. P rccifo h c , que co n fcf-
f e m o s , que he exccíliva a noífa f o b e r b a , fc
ncceífica dc remédios taõ violentos para fe
haver de curar. M as que feria, le nem ain­
da baftaíTem,c fc t u , depois dc haver medi­
tado muitas vezes neftes M y ft e r io s , tiveres
ainda língua para tc queixar de que fediflef-
fc algúa palavra contra ti , ou dc que fc te
fizeíTc algúa defcortcíia, que devias fofrer?
E n v e rg o n h a te da tua delicadeza-, refolvetea
imitar a teu D i v i n o E f p o í o uo fofrim ento
Mcditaçao 111. 219
dos feus o p p r o b r i o s , C h r i f t o fallou b e m , c
daõihc húa bofetada,pai a pagar pello teu fal-
lar livre, e picante j pedelhe pois perdaõ dc
haver cahido cm femelhante fa lta , c roga ao
Eterno P a d r e , que ponha os olhos n o r o f t o
dc feu F i l h o csbofctcado pcllos p e ccad o rcs,
para le m o v e r a co m p ad ecei le de t i , e para
tc dar forças para te cmcndarcs.
l C on fidéra a fegunda injuria notabilifli-
ma, que fc fez, a C h r i f t o no tribunal de He~
rodes, onde p r e f o , c o m o r c o , c o m a c a b e ç a
baixa, fem fe defeulpar , nem defender das
falíidadcs,quc lhe levantaraõ feus in im ig o s,
foi tido p o r lo u c o por aq u clle R e i f o b e r b o ,
adúltero, e f a n g u i n o l c n t o , c pello feu e x e r ­
cito, e C o r t e . B e m poderá o Salvador, c o m
obrar hum f ó p r o d i g i o , l i v r a r f c de todas ef-
fas ig n o m ín ias, porem elle c fc o lh c o o fazer
milagres, para augm entar a f u a P a i x a õ , e
naõ para a diminuir. A l e m de que, que m a ­
ior prodigio , que hum filcncio taó pafmo-
fo no meio dc tajuas c a lu m n ia s , e hõa fc-
ienidade de rofto , c de c o r a ç a ó entre tan­
tos dei prezos ? E» poderá h u a a l m a , que t u ­
do ifto cre por F é D i v i n a , e que v c a S a b e ­
doria eterna reduzida a term os depaflar p o r
hum lo u co , p o d e r á , d i g o , depois diíTò fa-
i c l j * cafo dos ju iz o s do m u n d o , e p e r d e r a
paz,
22 o Septim o dia,
p a z , c ainda o fo n o , por naó terem delia as
creaturas a opiniaõ , que ella quizera tivcl-
fem ? Por cerco, que fe o teu dezejo da p ró ­
pria cilim açaó naõ morre cm t i , á v illa de­
ites cxceíTos d a h u m ild a d e d o F ilh o de D eos,
n a ó fei quando ha de acabar ! Q u e contu-
faó Icrá a tua no j u i z o de D e o s , o n d e has dc
dar conta deftes e x e m p l o s , havendo tu v i ­
v i d o depois dellcs, c o m o fe C h r if to naó tos
h o u ve ra dado? Eftàs pois reduzida a termos,
q u c , ou has dc dcfprczar a J E S U S , que te
enlina a fer h u m ild e , corno o d c lp r c z o u H c -
ro d e s, ou has de c o n fe n tir,e m que te def-
p re z e m , c o m o dcfprezaraóa J E S U S , para
o imitares.* A g r a d e c c lh c o que elle padece
para teu enfino* confundete dc haveres fei-
tò*taõ p o u c o cafo ate agora dos íeus e x e m ­
plos* e r o g a l h e , q u c , fe cm algum tempo
tc fizer a m crcc de participares das fuas D i ­
vinas h u m ilh a ç õ e s , te dè a n im o , e esforço
para as r e c e b e r , e fazer dtllás o devido
cafo.
3 C o n fid c ra n a terceira injuria,quepade-
c e o C h r if t o no tribunal de Pilatos , quando
o R e d e m p to r foi comparado por aquellcti*
m id o J u iz com Barrabás , quc era hum la-
d raõ ,e h o m ic id a ,c em materia dc tantafup-
p o f i ç a õ , co m o a rnorte dc C r u z , c perdeo
M e d i t a c ao III. 22.1
l o g o a fua cflufa p c llo s v o t o s c o n c o r d e s ,* c
p ú blicos de todo o p o v o , de toda a nobre*
7.a, de todos os letrados da lei , c de tocjps
os Sacerdotes : Cltwiaverutif ...otnn^s^diccn- Io**-
tes3 N on hittK) fed Barp.bbam: S c forá.çprn- ’4°*
parado J E S U C h r i f t o co m o mais f u b l i m c
dos Serafins, ainda fc faria á fua D i v i n a p ç f -
foa húa grandiífima afronta > e que afronta
naõ ferá o fe r.c o m p a r a d o ,n a ó fõ c o m o p c -
or honrtem, que havia nos darccrCs de j u d e a ,
toas fer po íno fto a elle por c o n f c n t im c n t o ,
c a p p r o v a ç a ó univerfal? O h peílima e l e iç ã o ,
-C que tu tambem tens renovado tantas, v e ­
zes , quantas, a pcrfuafáó Jíts ruas paixtfcs y
tens pofpofio a vontade de D e o s á Íatisfaçaõ
•do teu amor p ro p rio ! A o menos para çccoirj-
penfar e íle a g g r a v o , tc deves contcntni*da-
qui cm diante, d e q u e as outras tc f c j a õ p r ç -
leridas, c dc ficares a cilas p o f p o l la 5 de q u e
fc trate bem das o u t r a s , c de ti fe naõ la ç a
caloj c offerccctc dc co r n ç a c a levar o peQr
cm todas as com petências , c a ficar d e b a i­
x o dos pes de rodas as crcat liras : n e : n t c d e i­
tes efpantar de hum lu g ar taõ b a ix o j n ò ji
í í c !lc 0 ^u8 a r » clu c P ara I* c f c o l h e o o req
.D iv in o M e ftre , que q u iz p o r ti fer r e p u t a ­
ndo pello mais vil dos h om ens, e fer p d a d o ,
.c o m o fc foíTe, naõ h o m e m , mas h u m b ic h i- vi
* .
222 Septim o d i a ,
nho; quanto pois cftiveres mais abatida, tan­
t o mais vifinha lhe fic a rá s jc por confcguin-
tc feras mais agradecida , c mais eflimada
d o feu Padre C ele ílial. R o g a pois ao Senhor,
que tc imprima profundamente no coraçaõ
cilas verdades, c te dè forças para as p ô r cm
p r a x e á honra dos feus D iv in o s exem plos.

M E D I T A Ç A O IV .
Para o feptim o dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E A N E C A C ,A O T> E
S a õ ‘P e d r o .

1 O n lidera donde nafceo o cahir taõ


V - # miferavelmente Saõ P e d r o ,q u e f e n -
do antes D i f c i p u l o taó fervoròfodeO hrittÕ ,
veio a fer p e r j u r o , c a blasfemar do feu D i ­
v in o M ertrcj fervindote a cahída d c ílc Apo-
ílo lo para te firmares, e fortificares no bem.
A primeira caufa de Saõ Pedro cahir foi a
fo b e rb a, com q u e f e z tanta cftim açaõ dofeu
paíTado fervor 5 adiantandoíc a deíprezar a
todos os demais D i f c i p u l o s , e preferindofe
a elles , d iz e n d o , que aindaque clles todos
ncgaíTcm a J E S U C h r i f t o , nem por ifTo há-
v ia c llc de entrar nefle num ero : E tfi omnts
Aíeditaçao IV. 223
fcàndalizati fn erin t in t e , fed non ego: c c h o
g o u f im l m e n r e a tanto , q u c naõ tez c a f o ,
nem ainda dn palavras d o l'cu D i v i n o M e -
-Hrc , q u c lhe p rofetiza va eÜd cahida : A t
illc amplius loquebatuv: Et/i oportueril mefi- Marc#
mui cómmori tibi , non te negabo. JEfJa m c lm a *4- **.
foberba o fe z e x p o r f c t c m e i a r i a m c n t c a o per
f i g o , naõ f ó en tra n d o c o m a turba d o s Tol­
dados cm cafa d o P o n t í f i c e ,m a s a fle n ta n d o -
fc entre cllcs ao f o g o ; c o m o f e e l l c n a õ hpu*
^eílc dc temer ao dem onio , mas quc o d e ­
monio o havia dc remer a elle. Q u c mari.-
•viiha pois h c , quc eije cahifle taó mifcravol*
mente , ou c o m o havia elle d c ficar cm p c
contra os impulfos dc húa taó grande pre-
f u m p ç a õ ? Contritioncm pr<ecédi: fu p erb ia ,& ?«>r.
tinte ruinam exaltatur fpiritns. T a m b e m Saó
Joaõ entrou h ó palacio dc C a i f a s , c o m o p o ­
rem fenaõ fiou tanto cm fi , nem deo enrra-
da a tanta p r c fu m p ç a õ cm fua a l m a , tornou
a lahir, fem negar a ícu D i v i n o M e lt r c . Ai
óc ti, fe prefumires a lg ú a v e z da tua vi; tu*
ó c , c confiares nos rcua merecim entos, ctli*
^ando que cllcs tc afTcguraó futficirntcm cn-
T c - porque i(To hc o m e f m o , q u c firmárefie
cm h ú ac a n a q u eb ia d a ,q u c cm lugar d e r e f u -
ltcnraf, 11 deixará a maó ferida? nem podes
duvidar ,-fc tc naõ c e g a r e m os fu m o s dA
tua
22 4 Septimo dia ,
t u a p r e f u m p ç a ó . T o d a s as g e n t e s , d i z o P r o -
f e t a , faó d ia n te d e D e o s c o m o h ú a g o t t a d e
a g u a > rep arte p o is cíTh g o t r a em tantas par­
tes , quantas ia ó as peíloas pafíadas , prclen -
t c s , e f u t u r a s , c ainda as p o f l i v e i s , c a p a r -
t e , q u e a ti te t o c a neíTa m u l t i d a õ i n n u m e -
ravcl,ilTo h c o q u c cs no a c a t a m e n t o D i v i n o ,
e p r o p o r c io n a d a s n iíTo faó as tuas f o r ç a s . D e -
p o i s d e fazeres cíTa r c p a r t i ç a õ , e n f o b c r b è c e -
t e , fe tiv e r e s para iíTo m o t i v o , e fe n e nhu m
ten s para p r e f u m ir d e t i , f c n a õ para t c h u m i­
l h a r a t é o a b y f m o d o nada, de n i n g u é m de­
v e s mais t e m e r , q d e ti p r ó p r i a , c p o r e fle m o ­
d o ficarás f e g u r a , e d c o u t r a f o r t e ferá im-
Eccli. m in e n t e a t u a r u i n a : S i non in timore Domi-
*7, 4*ni ienueris te inftanter , citò fubvertetur do-
mus tua : c quantas v e z e s tens t u cfta d o a
b o r d a d e f l e fatal p r c c i p i c i o ? D c t e í l a a tua
paíTada f o b e r b a j c o n f u n d e t e , d e q u e tendo
t u ta n to s m o t i v o s para f e n t i r b a i x a m e n t e de *
t i , a in d a p r e fu m e s ta n t o > c r o g a ao S en h o r,
q u e aflim c o m o c o m a l u z d o s feus D i v i n o s
o l h o s a l l u m i o u a c e g u e i r a d o feu D i f c i p u l o ,
d e p o i s d e e l l e ter c a h i d o , aflim a l l u m i c ago­
r a a t u a c e g u e i r a , p a r a q u e n a õ c h e g u e s a ca­
hir. ' - , ry r.
z C on fidéra a fegunda c a u fa 9 porque ca-
h io S a õ P e d ro , que foi a fua negligencifl •
Jtfcditação iV l 11 $
P fir a s Vtrò feqnebaíur à hrigb. V i o f c b c n i
cita negligencia no m o d o , c o m que f ç g u u ’ 1
R feu M e í c r e s n o fim , p.iraque o ie g u io j c
nos cftcioos, que relultaraõ delTc fe g u im e n -
to. O m o d o foi , fegu illo dc lo n g e* naõ o
querendo nem deixar , nem fcg u ir d c t o d o ,
para conlervar a re p u ta ça õ d c d i f c i p u l o ; c
caó fe e x p o r a p e r i g o : o fim foi , naõ pará .
tnorrer c o m C h r i f t o * fenap por curioGdadc
dc ver o fim dc h u m fucceíTo ta ó c f t r o n d e - ^
fo, U t videret finem \ os cfteitos f o v a õ , o c f - j 5sJt*
qucccrfc d c todo das palavras d o íe u D i v i n o
M cltrc , c das advertências , q u e lhe tinha
feito , primeiro no C c n a c u l o , e depois no
H o r t o , d c q u c v ig ia fle fobre fi. l i que o u ­
tro fim podia ter cíTa n eg lig e n cia taõ n/Tc-
f ta d a , fenaõ hüa ruina m anifcfta? J n fig r ir ie<
tiis bum iliabitur com igm tio. .Entra p o i s a g o 5» : .** *
ra em t i * c exam ina bem o teu i n t e r i o r , tal
vez naõ menos d cfco n h e cid o d c ti m c l i m ,
que o ccu lto nos o utros , c repara fc haveria
por acaío a lg ú a deítas faltas n o t e u e fp írito ,
que tc fizcílem c f q u e c c i c o m facilidade das
reptchcnibés interiores , que dc tem p o s em
tempos tc faz o Senhor p o r Caufa da tua t i1»
bieza \ fc haveria hüa tal curiofidade em tra­
tar co m Deo$ na ornçaõ , q u e den ote tcrca
tu porto a m i ia cm quererá* ier mais favo-
p te c id a ,
2 26 * Septim o d ia ,
r c c i d a , que as o utras, c parecer pcfToa efpí*
ritual,mais do que í ê l f o n a realidade j c final*
m en te fe qucrcrias achar hum meio de ficar
neutral , nem tc dando inteiramente ao Se­
n h o r , nem tc negando tam bem dc to d o * fc
qucrcrias fcrvillo , mas fem trabalho > c fe*
g u i l l o , mas fem deixar dc d a r g o f t o a o a m o r
proprio. O h 'd c f g r a ç a d a n e g lig e n c ia íe rá e f-
ia para t i , fc a naõ deteftares* c o m o ella me­
r e c e ! A n e g lig e n cia dc Saó P edro foi dada
a conhecer pello E vn n g clifta pello frio do
t e m p o , Qtiia frig u s erat% a tua negligencia
porém poderá fe r, que fc c o n h e ç a por íiuni
frio m o r ta l, cm que tal v e z nunca chegai*
fes a ter calor. R e c o n h e c e pois cftacaufada3
tuas cahidns? e confundete no acatamen­
to d o D i v in o M e f t r e , rogandolhe* que pois
h c mais para tem er o im p ulfo da tua negli­
g e n cia , que o do dem onio para tc fazer ca-
h i r , te livre d c h i i a , c outra coufa* mas prin­
cipalm ente dc ti mefma , pois a tua propri*
vontade he para ti hum dem onio m uito pc-
o r , que qualquer outro.
5 C o n f i d c r a , que a ultima catifa de Sa 0
P e d r o cahir, foi a fa lta dc oraçaõ', c deíla fal­
ta foraõ caula a f o b e r b a , e n cg lig cn cia ,q u £
ponderámos j porque quem fe tem p ó rfegu -
r o , naó pede ibccorro* E cahiò nefta f i f t j
M eâitàçao I V 227
Saõ Pedro, tendo m uitos m otivos para fc h a ­
ver de encomendar a D e o s , aiTitri p o r ter fi­
do advertido diflo repetidas vezes pello S e ­
nhor juntamente c o m os demais D i l c i p u l o s ,
de J È S U C h r i l t o : V ig ilíU t, çrtite, nt non M^rCa
intretis in ientationem ; c ainda çm p a rtic u - m . j *.
lar : Sirnon dormis ? c o m o tam b e m p o r ter v. 37.
prefcnciadò o in fie b e e x e m p lo , que d ifio lh e
dera o Senhor no H o r t o , orando m u ito de.
vagar por e fp a ç o dc tres horas continuas-, e
com tu d o iflo naô bãftâraõ tantos c l l i m u lo s
para o dcfpcrtar* c para o o b r ig a r a fe va«*
ler dc h ü m m o d o taó facil para e s fo r ç a r a
fua fraqueza. D o n d e verás q u e co u fa he o
hom em, quandò fe naõ c h c g a para D e o s , a
pedirlhe g r a ç a , e e s f o r ç o * pois hum D i f c i *
pulo taó amante do D i v i n o M e f i r c j c taõ
amado do m efm o S en h o r \ aquelle m c f m o j a
quem o Padre E t e rn o revelara c o m tanta
clareza a Divindade dc J E S U C h r i f t o ;a q u c l- f
íc , que havia co n fcífa d o a mefma co m tan- •
ta gencrofidade na p reien ça dos o u tro s D i f -
cipulos; aqu elle, que tinha v ift o rcfplandc*
Ccr com tanta l u z a g lo r ia do S e n h o r no m o a *
t c T h a b o i i aquelle, que tinha fid o e le ò lh i*
do por pedra fundam ental da Santa Ig re ja *
efie m efm o, fem que o pren d eftem os folda*
^ o s , lem que o examinaftera os J u i z e s ,f e m
P * _______ quç
228 Septimo d ia ,
que o açoutaíTcm , ou condenaíTcm amofítf
de C r u z , mas fom ente fendo perguntado
p o r h u a mulherzinha vil , d i z , q u e naó co ­
nhece ao feu D i v in o M e f t r e , nem ainda por
Wllt- h o m e m : N on novi bominem *, c cahindo de
' V ' * ' p r e c ip ício em p re c ip ício , fc>pocni m uito dc
p ro p o fito na prefença dc to d o aquclle tro­
pel infame dc esbirros a jurar, c a lançar mil
m a ld iç õ e s a fi mefmo para acreditar a lua
mentira. E naõ hc ifto cahir fem ferim pel-
lido por outrem ? pois a iflo ch e g a quem fe
deixa dc encom endar a D c o s , a quem che­
g a a n e g a r , por h ú a c o u fa taõ l e v e , q u e pa­
rece im p o ffiv cl, que e m tal cahilíe por tao
p o u c o ; c depois dc haver deixado a Deos,
co n tin u a em fc apartar tanto d e lle , cahindo
d c h ú pcccado cm o u tro ,q parece nunca tivera
conh ecim ento do S e n h o r. D c tu d o ifto a-
prenderás a nunca deixar a o raçaõ por im-
tedi. pedimento nenhum : N o n impediaris orare
u.iz. fem per; porque de outra forte , bailará qual­
quer m o v i m e n t o , ou p a la v ra , para te cl-
qucceres de todos os teus p r o p o f i t o s j e pa­
ra deixares o S e n h o r , que deo o f a n g u e , c
a vida por ti; c m u ito mais bailará á hora
da niorre, quando o dem on io te ha deten-
t a r c o m mais furia , e raiva. Protcfta pois,
que toda a tua confiança e f t i p o f t a na alh-
Meditaçao I. 229
fiencia do teu R e d e m p t o r a g o r a , e para a- *
quella hora * c que tanto tem p o ficai ás em
p é , quanto elle íc dignar de te fu ílcn tar*
pedelhe fin alm en te , que te co n ced a hum
cfpirito de o r a ç a õ , c o m a q u a l, c o m o c o m
húa chave dourada, poflas abrir os thefou-
ros da fua g r a ç a , e cnriqu eccrtc co m ellcs
cm todas a s o c c a l i o c s , que te acharcs nc*^
ceflicada. . .

M E D I T A Ç A O L
Para o o itavo dia dos E x e r c í c i o s .

S O B R E OS J Q O V T E S T>E M.
Senhor JE S U Chrifto.
* O n íid c r a a D o r y que p a d e c e o C h r i -
lio NoíTo R e d e m p t o r nefia cruel if-
fima acçaó. E que fofie efia d o r c x c c f i i v a í e
pode co lligiv de alg ú a i ^ t e de quatro prin-
c ip io s jd a d c lic a d c z a d o c o rp o d e J È S U S j d a .
furia dos verdu gos j da qualidade dos a ç o u -
t c s > e do num ero dcllcs. O c o r p o do S al-
v ador, por fer form ado m ilagro la m e n te , c
Para hum fim taõ a l t o , qual era o fervir dc
inítrumcnto á alma dc C h r i l l o , era dclica-
« o , c lenfitivo por e x t r e m o * c alem d ifio
P j cila-
2 3 0 O itavo dia,
c ita v a fum m am cnte debilitado pello fuorde
fanguc , c pella agonia morial , que pade-
ç e o no H o r t o . O s v e rd u g o s , naó fó craó
çrueis poi n a t u ie z a , mas inftigados cxtcri-3
orinente a maior fereza pellos J u d e o s , c in­
teriorm ente pello dem onio , c vevczavaó-i
fc de feis cm feis a t e feflenta, c o m o revelou
o Senhor a Santa M aria M a g d a le n a dcPaz?
l i . O s açobtes eraó de ncrvQ.sduriíTimos,do
varas cheias de n ó s , e dc co id cis armados
c o m roletas de ferro. F o i finqlmcnte o nu­
mero. dos golpes dc muitos milhares, c p r o ­
p o rcio n a d o dc algum m o d o á m u ltidaõ dos
n o fló s pcccados. A ’ vifta d o q u e , como
poderás tu deixar dc te enternecer, medi­
tando era hum fuÇçeíTo , que mette tanta
c o m p a ix a ô ? im a g in a , que cítás afliílindoa
cfle ç lp c ó t a ç u lo , c que ouves rerinir aquel-
lcs g o l p e s , os quaes ao prin cipio faziaó em
v e r g o e s todo nqucllc §arititfimo C o r p o , àz*.
p o i s o c s f o l a y a ó , f i n 0 n c n t ç o abriraõ dc for­
t e , que defearregando novos golpes {obre
as chagas j a abertas, ferindo as feridas ja fei­
tas, c tirando a cada g o lp e algum pedaço da-
quclla carne V i r g i u a l , ficaraó defeubertas
. cm muitos lugares as c o íle lla s, c ficou c o ­
m o hum lago dc fangue :i m d a da coluna.
V ’C quaõ caro lhe euítaraó a C h r i í l o as liber­
dades,
M editaçao 1. 231
dades, c delicias, que g o z a ft c contra a D i ­
vina vontade! E terás tu animo para a ccrel-
centar feridas a feridas, tornando aoffendci*
a D e o s ? rcfolvertchas, ;i vilta de tantas c h a ­
g a s , de tanto fa n g u e , ç de tantas dores do
teu D e o s , a b í i l c a r daqui por diante as c o m -
m o didades, o defeanfo, e o regalo dos teus
fentidos, c o m o até agora cens fe ito ? C o n -
fundete am argam ente, fazendo reflexaõ fo-
bre o quanto cens co n trib u íd o para efle c r u ­
el tormento ; reconhece tambem aos teus
pcccados entre tantos g o l p e s , que defearre-
garaó fobre as coitas do S a lv a d o r ; e amal­
diçoa mil vezes a cflcs mefmos p e c c a d o s ,
como caufa de tanta pena para o teu R e d e m ­
ptor*, offerccendolhe o feu m e fm o fangue
para teu re m e d io , c para confeguires g r a ç a
para nunca jamais o tornar a ofrender.
2. C o n fid é ra a fum m a Cpufufao, que teve
Chrifto nefíc t o r m e n t o , quando citando t o ­
talmente nu diante de tantos foldados, e c x -
pofto ao riio daqucllà g è n t c infame , c f a c r i -
lega, fe cu b rio dos pés até a c a b e ç a dc hum
pejo virginal,e o feu c o r a ç a õ de h qa tal af-
fliç a ó ,q u c diflo le queixa pello Profeta, co -
mo dc hum torm ento ç x q u i l i t o : Ipfi vero Pfal,
confideravertini , £5? iafpexcnint mc. Verda-
deiramente que húa tal c o n f u f a ó , c o m o
P 4 nafei-
23a Oitavo dia ,
nalcida depois do p c c c a d o , naõ havia de ter
lu g a r no roíto do R e d e m p t o r , q era a mefm^
innooencia,qui75 c o m t u d o C h r i l t o padecclla
p rim eiro cm fi meíiiR), para que tu naõpa*
aeccffcs húa confufaò nafeid) das tuas cul­
pas , c para te corileguir húa confulaó,- qufl
te foire laudaveh A confufaò nafeida dd9
tuas culpas era a que havias de padecer no
tribunal de D c o s , quando ali apparcceri«i9
delpojada da G r a ç a j e deípida de todos os
hábitos da v ir tu d e , fe o teu Savudor te nnó
tivera alcançado co m os feus o ppro brio s o I <
fienres adornada co m os feus merecimentos. A I i
outra confufaò faudavcl he a que nafee do I '
c o n h c 'in ic n to fy n c c r a d a tua ingratidão, eda9 ■
tuas m a ld id c s ; e cila tua confufaò foi tnm- I
b e m m o t iv o de padecer húa taó grande o I
S a l v a d o r , rcduz.indoie p.or teu am or a hum
citado taõ v e rg o u h o fo á vi lia de quem nel- 1
le punha os olhos. E ter ás tu tal , que naó I
tires fruto dc hum rem edio taõ c u tt o fo ,q u o I
t o m o u o Senhor para o teu bem ? lera pol- !
f iv e l, que a tua foberba fenaó refo lva a at- ;
ten d er cotn todo o cuidado a adquirir a vir- I
t u d e , para apparecer daqui a p o u c o adorna- 1
da co m cila na prefença dc D c o s ? C o n fu n -
dere dos teus paflados defenidos; e :o g a ao
teu S c n h c , , que tantos cx ccílb s do ícu amor I
açâ’

:
JAeàitaçRo I. 233
HC.item por h ú a v e z de conquiftar o teu
coraçato, e de te fazer toda fua.
$ C o n fid é ra 0 A m or dc J E S U S nefte cru*
e: torm ento. O h fc poderas tu m eiterre na*
jucllc D i v i n o C o r a ç a õ , c o m o fi ca rias abra-
Í ada naquclle inccndio dc caridade ! Por c e r ­
t o , quc íe aquelles ve rd u g o s houveflem p o ­
dido fixar de a lg u m m odo os olhos da alma
naquelle a m o r , aindaque foíTem d e m a r m o r e
os leus c o r n ç o é s , f e h a v i a ó l o g o de abrandar,
c, lançando fora os a ç o u r e s , i c teriaô poílra-
do humildemente áqucllcs D iv in o s pés, pa­
ra pedir, e alcançar perdaõ da fua inaudita
temeridade. Padecia o R e d e m p t o r todos a-
cjucllcs go lp es c o m hum aflfcÔo terniflimo ,
para os offerecer á D iv in a j u f i i ç a , cm fatif-
ftçaó da divida,cm quc a ella e ila v a ô todos os
teus inimigos, c p o r c o n fc g u in tc tam bem
pcll* tua; c quando derramava langue por t o ­
das as partes, fe alegrava dc q u c as fuas c h a ­
gas fáraíTem as tuas,c fuas penas te livraíTcm
da condenaçaô eterna. E c o m o tc queixa*
ra* tlb á viíta difto , conao poderás m u rm u -
rar dc qualquer pequeno a g g r a v o ,q u c te pa­
rece tens rccibido dos o u tro s ? ter ás acafo
animo para daqui em d i a n t c ^ l g a r c s por ra-
^onaveis as tuas q u e ix a s , capara te efeufar
P^dcecr taõ p o u c o p o r am or daquelle S e ­
nhor,
jt 3 4 Oitavo dia ,
n h o r , que fofre tanto co m taõ grande a*
m or por ti? A p rende o c o m o deveS tratar
daqui por diante a teu c o r p o > envergonha-
te da tua delicadeza,c foberba -y c faze facri-
f ic i o d o teu a m o r proprio diante dcíTa coluna,
renunciando a t u d o , quanto elle tc pro-
m e t t e r , de r e p u t a ç a õ , de com m odid ade,de
g o l l o s , e d e p r a z e r e s , para unicamente a*r
gradares a teu E fp o fo Celcftial j e r o g a fi­
nalmente a teu D e o s ,q u e ate immovelmcn*
te a ella coluna a tua vontade, de ío r t e , que
queiras, e hajas dc morrer antes, que fervir-
t e d a tua bberdade para outra c o u f a , que
para o amar, c o m o merece.

M E D I T A Ç A O II.
Para o oitavo dia dòs E x e r c íc io s .

S O B R E A C O R O A C , A O C O M

e/pinhos.
i. O n fid é ra o tormcnlo dcíTa cruel, c
terrível coroa, a qual fc formou p*’
ra fc p ô r na C a b e ç a de J E S U C h r i l l o , a
m o d o dc hum capacete to d o ch eio dc p o n ­
tas, que á Forugdos g o l p e s , c o m q u e a m e t -
t e r a õ , p e n e t r a r á aquella venerável C a b e ­
ç a por todas as partes até o c a lco . S e nos da
Meditaçaô II. 23?
b õ a dor dc c a b e ç a , ficamos afflicos cm t o ­
do o c o r p o > e que affiiçaó naõ caufarinõ ao
teu R e d e m p t o r mais de fetenta e í p i n h o s ,
q u c , c o m o ic íabe p o r varias r e v e l a ç õ e s , o
teriraó em húa parte taõ d e l i c a d a , c o m o
h ca c a b e ç a , em que refidem todos os fen-
tidos, e quc apertados pellos v e r d u g e s cora
a can na,ç co m as manoplas dc ferro, lhe per
nctraraõ as fo n te s, c lhe í^hirap p o r cim a
dos o u v id o s , e dos o l h o s , de forte, quc fi­
cou co b e rto de fangue aquclle D i v in o R o -
f io , que he a delicia do C e o ? O c c a f i a õ h p u -
v c , cm quc hum efpinho fó cra v a d o no pé
d c h u n T L c a ó j foi baltance para o fazer dar
bramidos de d o r , donde podes in fe r ir, quc
tormento padeceria C h r i l l o , pcnctrando lhc
a cabeça tantos eípinhos* c m u ito mnis,naó
fc mitigando a crueldade defie t o r m e n t o ,
como fe m i t i g o u o dos a ç o u te s , antes foi
crcfccndo cada v e z mais até o fim da fua
v >da. C o n fid c ra agora q u c fruro tem p r o ­
duzido a terra d o teu co raçaõ , c u ltiv a d a p c l-
lo Filho dc D e o s c o m tantas fadigas, f c it i-
lizada com tantas in f p i r a ç o é s , regada c o m
tanto f u o r , c c o m tanto fa n g u e , c naõ o b -
ntc naõ tem pro d u zid o , lenaõ eípinhos
c nov^s , e novas c u lp a s ! E naõ temes tu ,
quc hüa terra taõ ingrata , e taõ maldita
haja
23 6 O itavo dia ,
haja algum dia dc fer caftigada co m vfvas
cham m as? N a ô ha de paíTar muito tem po,
que naõ feja» chamada ao tribunal dc Deos,
onde has dc dar conta de taõ enorm e ingra­
t id ã o ,c o m que c o r r c í p o n d c llc a t a n c o ,q u a n ­
t o por ti tem padecido o teu D i v i n o E f p o -
fo. Q u e fazes poÍ9, que te naõ humilhas lo­
g o ate o p r o f u n d o , e naõ rogas de veras ao
m efm o S e n h o r , tc d c a maõ para mudares
dc v i d a , e recompenfares os dcfcuidos paí-
fa d o s,a m a n d o o co m outro tanto fervo r?
z. C o n lid e r a a N ovidade dcfte torm ento,
nunca antes praticado c o m outrem .; A rai­
va do dem onio o devia trazer d o inferno á
te rr a , e a infinita caridade dc C h r i f t o le di­
g n o u d c o a d m i l t i r e m li, tanto, para quen ao
h o u v e (Te em feu fantillimo C o r p o dos pés ate
a C a b e ç a p.irte algúa faã, aflim co m o no ho­
mem tudo craõ chagas dos pés ate a cabe­
ça •, quanto t a m b e m , para pagar com elle
n o vo modo de padecer rantus in ve n ç õ e s dc
co m modidades, c d e l e i t e s , que b u lc a ó os
homens para regalar, c dar g o l l o ao corpo.
R e p a r à pois c o m o andaõ á competência o
A m ° i ‘ de C h r if to , c a nofia m alicia, aqucllc
para achar novos modos dc padecer p o r no>,
c nós para ach arnovos mo los dc o often ler.
E querenis tu fom entar cfta difcordia? olha,
• : que
_ —
Aíeãitaçao 11 2 3 7
que hc j a ch egado o tem p o de lhe p ô rc s
fi*m, imitandò ao teu R e d e m p t o r , de f o r t e ,
que fe a C h r i í l o lhe naõ* b a ilo u o ícr ator*
mentado c o m as pejias,q atce n ta ó fe ufavaó,
mas q u iz fofrcr outras inauditas, e inventa­
das dc p r o p o f i t o ; tc naó contentes tu ta m ­
bem co m húa diligencia.ordinaria em o feu
f e r v i ç o , mas te relolvas a afpirar a h u m a-
mor extraordinário , c perfeiro. C o n fu n d e -
te , com parando as tuas paíládas ingrati-
doés co m as in ven ç õ es amorofas d o teu S e ­
nhor* c r o g a lh e , que aindaque o tens c o r o ­
ado de tanta pena, depois dc elle te ter c o ­
roado de tanta gloria, queira c o m tudo v e n ­
cer a tua malicia co m a abundancia dos feus
D ivin os favores, c co n q u iíla r d c t o d o o teu
coraçaó.
3 C o n íid c ra o M yJltrioy que h o u v e nef-
fa doloroía coroaçfaõ, q u e c o n ó í l e cm nos
nioflrar,q naó fa o d ig n o s m em b ro s daquclla
^nbeça cheia d c e f p i n h o s , fenaó aqucllas a l­
mas, que feguem a C h r i i l o pello cam inho
óa pen iten cia, c m o rtificaça ó . Q u e m on-
íltuofa má corrcfpondencia pois ferá a da-
R e h g i o fa , que naó fó naõ imita a ícu
i- f p o fo , que tanto a ama, c tanto p o r cila
p a d e ce , mas bufea c o m t o d o o ahinco n$
delicias, tomando para fi as rofaSj c d e ix a n ­
Í38 .O itavo dia,
d o para J E S U S os e fp in h o s? C o n i o preí
tenderá húa tal peíToa reinar no C e o j fem
haver primeiro alcançado 11a terra p ò rm e io
de húa coroa de trabalhos, a diadema da g lo ­
ria im m o rtal? H ú a tal ignorância ainda nos
lccularcs he r e p re h c n fiv e l, è ferá p ó fliv e l,
que tenha entrada nos c la u d r ò s R c lig io fo s ?
O h que efpinhos atravefiaráõ na hora da
m o r t e , naõ ja a c a b e ç a , mas 0 c o r a ç a õ , dé
qucm^tcndolc vettido da lib re do Senhor,
itio hc, d o (agrado H a b i t o de R c l i g i a ó , ti­
v e r em p reg a d o a fua vida cm fugir dos tra­
b a lh o s , e cm bufear os r e g a l o s , e delicias!
O h quanto dezejarás entaõ húa meia hora
daquella penitencia j que agora aborreces
taitio! E n v e r g o n h a tc pois, de haver íido a-
t é agora inimiga dc p a d e ce r, c p o r id o in­
d ig n a dc fer reconhecida c o m o cfpofa fu*
pello teu Sen hor, por lhe-feres a elle taõdil-
fem elham e. Propoem de regular a tua vida
daqui cm diante p o r outras m aximasj c ro­
g a ao Senhor tc dè valor para confervar con­
fiantem ente a tua r c í o l u ç a õ , c q u e , mo-
ftrando a feu E tern o Padre as feridas, que
p o r ti padecco, c offereccndolhe os (eus me­
recim entos cm íatisfàçaõ das tuas dividas,
te alcance co p io fa milcricordia.
M editaçao I/L 239

M E D I T A Ç A Õ III.
Para o oitavo dia dos E xercicios.

SOBRE O SEN H O R COM A


Cruz as Co/tas.
1 O n íid éran o rao d o , com que J E S U
C h rifto levou a fu a C r u z , cm ordem
o imitares, porque fem C r u z naó fc vai ao
wcino dos Ccos. L e v o u pois o Senhor p ri­
meiramente a fua C ru z Com publicidade,á ho-
3 do meio d ia j pello m eio de húa C idade

^pulofiffima, c naquella o ccaíiaó , mais que


-*n ncnhúa oucra, cheia d c g e n te , p orcati-
n :l niultidaõ dos Ju d eo s, que dc todas as
r^rLcs co jico rriaõ , para celebrar ali a Paf-
U3* Sahio o R ed em ptor do palacio dc P i-
,atos i entre dous la d r õ e s , com húa coroa
c c pinhos na ca b eça, p o r ignom inin,cpnr
v *a com feus proprios
idos para fer conhecido dc todos* ia
ante hum pregoeiro p u b lic o , que a fom
r° ? i0cta ° ’declarava por rco dc m o rrej
mníl os f°M ad o s, e verd u go s, que
fimni” •atlfT cd ‘' tv a õ , d o que o lcvavnó no
1 ,tC‘0| feguia ao Senhor húa m ultidaò
io-
1 40^ O itavo diaf
jnnum cravcl dc g c n t c , q u e c m v e z de Ccct
padecer dclle, lhe iaó dizendo injurias.Con* I c
lidera pois a que Cxtrcmo dc Corifufaõ chegou I c
C h r i l t o neflc largo , e penoío cam inho do I c
C a l vario, o qual elle tambem e f c o lh e o , para I f
fatisfazer por outra confufaò fnal acertada) I (
q tu havias dc experim entar, cm te envergo- I j
nhando de parecer o b fc rva n tc , dc interrom* I 4
per algúa p r a tic a , que naõ co n vem ao rcii I {
cita d o , dc freqüentar muitas y e z e s a f&grácU I j
C o m m u n h a ó ,d c fazer dc quando em quando I ,
a lg ú a penitencia p u b lica,c em h ú a palavra, I
em tc dcíprezandò dc trazer publicamente, I
e dc m o d o , que le v e j a , a lib ré do teu Sc-* I
n h o r , pella qual todos venhaõ em conheci- I
m enro dc que o queres dc veras fervir. O h 1
malditos refpcitos h u m a n o s,q u c fo istaõ in ju - I
llo s ,c taó nocivos, naõ f 6 no m u ndo , fenao I
mé na clcola dc C I)riflo ,q uaJhe a R clig iaõ ! I
quanto aproveitará cm breve tempoaquella I
alma, que os m e t t e r d e b a i x o d o s p é s ? Q u a n * I
do o Senhor ca m in h a v a , c o m o fe fo flc ca*
p itaó de malfeitores, co m húa corda aopcí* I
c o ç o , e co m as vnaõs atadas, reputado pcilo
p o v o por hum rco in fa m e , e condenado a
m o rte, no m efm o tem p o o ih ava ó rodos os
A n jo s para eíle efpcótaculo arrebatados ent
a d m ir a ç õ e s , e a J u ft ic a £ e M iferie o rd ia do
Eterno.
lideditaçaa 11L 24I
Êrerno Padre fe tinhaõ por infinitamente a* .
creditadas. D o n d e aprenderás a confidcrar*
que quando fc fizer zo m b aria dc ti, p o r t e e x -
crcitarcs na virtude,cutaó tc applaudirá toda
a C o r t e do C c o , e t c terá o Senhor aparelha­
da húa eterna co ro a de g l o r i a : M aledicent //-
//, £s? tu bencdices. O h que ventajofa t r o c a ! e
com tudo ifio, quantas vezes tens tu feito mais
cafo do que diraõ as crcaturas,do que do q u e tc
ha de lançar D eos cm r o ft o ? C o n fu n d e t e pois
difio amargamente > e r e ío lv e te a levar p u ­
blicamente,em com panhia dc C h r i f t o ,a C r u z
da o bfervan ciaj e n verg o n h ate daqui cm d i ­
ante dc obrar tanto contra os feus e x e m p lo s ,
em lu g a rd c os fegu irje j a que dcixafte o m u n ­
do com o c o r p o ,p e d e ao S en h o r g r a ç a , para o
deixar tam bem co m o c o r a ç a ó ,d e forte, que
igualmente defprezcs os feus l o u v o r e s , e Os
ícus opprobrios, para fc v e r ific a r c m ti o t e x ­
to : Sicut ... An^elut D e i , .... u t necbenedi- **
ftionc, nec malediHione tnovearis. «4^7,
z C o n fid c r a , cm c o m o C h r i f t o leVou a
fua C r u z * naô fó p u b licam en te * mas cont
Generofidade. B e m co n h e cia C h r i f t o o p e ío
daquelle i e n h o , no qual l e v a v a a m aldade
d c todo o m u ndo > bem fabia a fraquezad as
fuas torças, pella grande c o p i a de fa n g u e ,
que tinha derramado, c pcllsu dores interio-
Q ics
242 O itavo d ia ,
res, c exteriores da fua Sacratiífima H u m a -
nidadeje com prchendia perfeitamente a in ju-
í l i ç a daquella fentença, pella qual foi conde­
nado o J u i z dos v iv o s , e dos m ortos, o San­
t o dos S a n t o s , e o Senhor do U n i v c r f o , a
m o rrer encravado em húa C r u z * c c o m tu­
d o iflo abraçava efia mefma C r u z , c a che­
g a v a ao feu p e i t o , olhava para e l l a , como
para hum altar, cm quc havia de facrificar a
fua v i d a , c c o m o para hum throno do feu a-
m o r , e inftrum cnto da noíTa redempçaó.
C o m p a r a agora co m efta g e n e r o íid a d c o mo­
d o , co m quc tu levas a tua C ru z,ain d aq u e
ella feja, a bem dizer, h ú a c ru z de palha:
p o r q u e primeiramente bulcas todos os ca­
m inhos para fu g ir d o que hc pefado á natu­
reza depravada, e fendo precifada a pórlhc
o s o m b r o s , levas cfle p e í o , naó fó co m imr
p a c iê n c ia , mais ainda co m raiva. Donde fc
deixa claramente ver, que naó conheces, quc
co u fa he a C r u z da adverfidade, e da peni­
t e n c ia , nem ainda d ep ois, que C h rifto a
fantificou com o feu e x e m p l o , e a tem con-
ftituido ncceflaria, para entrarmos na Glo*
Aà ' r i a : P er multas tribulationes oportet nos
trare in Regnum D e i. H e ncccíTario pois,
q u e tc dclenganes, e entendas,que fcm C ru Z
naó ha falvaçaó; efta he húa lei e f t a b e J c c i -
- - V \
Medttafao ///. 1 4 3
da, C naó ha D e o s de difpenfar uclla, para
com prazcr com a t u a t i b i e z a . T e m pois b o m
anim o,.que # Senhor cc dará as f o r ç a s , q u e
te faltaó * e naó fera pequena ventura tu a *
fe cahires co m cfle.pcfo. C o n fu n d e t c d e h a -
veres a te agora fu g id o de abraçar o que tan­
to te convinh a, rccufando padecer corii o teu
E fpofoj rogai he, que e sfo rce co m a fua g r a ­
ç a a tua fraqueza* e r c ío lv e t e a fe g u illo até
o C alvarío pello cam inho , que d e ix o u ru ­
bricado c o m o feu preciofiíTimo S a n g u e , até
morreres c o m elle.
3 C o n fid c ra , que C h r i fto levou a fua C r u z ,
nao fó p u b lic a m e n te , c ço m g en ero fid a d e,
mas tambem com Perfeverancsa. N a q u e llc p c -
nofo cam inho defdc o P r e to r io até o C a l v a -
rio, que era de mais dc m il pátios, c o m o O
Senhor levava ás c o d a s a fua c r u z , c u j a e x -
tremidade ia arraftando pella t e r r a , vinha a
tropeçar a cada p a d o ,c o m o que,naõ f ó f e l h c
renovavaó os feus torm entos, mas c h e g o u á
cahir varias vezes, op p rim id o daquellc pefo*
pello que, tem endo os v e r d u g o s , c os J u d e -
° s , que fe lhes morreíTc no cam in h o , antes d c
° cru cifica rem , lhe aliviaraó a lg u m tanto o
p e f o , obrigando p o r f o r ç a a S i m a ó C y r e n è o
a que lcvafTc a C r u z j u n t a m é t e c o m o Senhor.*
K c p a r a aqui^ que adim c o m o da parte dos
QL* . inir
244 Oitavo dia,
inim igos de C h r i i t o , naõ foi co m p aixao ,
mas cru eldade, efla ajuda, aflim tam bem da
parte do S a lv a d o r , naó houvc*repugnancia
de levar a C r u z , nem queixa do m u ito, que
lhe pcíáva, nem vontade, de au c lha tiraf-
fem dos ombros» lenaó m y fte río , paraque
foubeirem os, que queria fazer participantes
dc feus trabalhos a todos os feus efeolhidos.
N o demais, quanto hc da fua parte, eüc e*
H á p ro m p to a levalla, até cahrr muitas ve­
zes, o pprim id o do icu p efo ,ca in d a até mor­
rer nella. Q u a õ mal porém tens tu entendido
a té agora eíta verdade? apenas c o m c ç a s a o-
brar b em , quando por qualquer levcoccaílao
t c c a n f a s ,e d c f if t c s : b a iia h ú a le v c d illr a c ç a ó ,
que te c a u fe a tu a o c c u p a ç a ó , o teu lavor,ou
a tua tibieza, para tc fazer deixar a oraçao* ba­
ila húa melancolia, b alta h ú a ten ta çaó , cril
v e z húa meia palavra, c o m que te motcjefflj
para tc fazer deixar o cam inho c o m e ça d o ,
c tornar atrás. E he elTa a tua pei feverança-
aflim correfpondcs a tanto amor, e a tantos
e x c c íío s do teu E fp o fo para te falvar? Ar*
rependete, e confundete da tua ingratidao,
agradece ao Senhor o naó fe ter deixado ven­
c e r da tua malicia* c r o g a lh c ,q u c tc dè gra­
ç a para o feguir até a m orte, co m a Cruz
da m o rtific a ç ã o , fem nunca a largar*
quem
Meditaçao IIf. 245
quem defta forte o n aó .fe gu c, naó hc d ig n o
dc quc o Senhor o admitta na fua c o m p a ­
nhia: Q u i non accipit Crucern f u a m ^ f e q u i -
tur non efi me dtgnus.

M E D I T A Ç A Õ I V.
Para o oitavo dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E C H R IS T O C R V C IF i­
cado.
I O n f i d c r a ,q u e C h r if t o ,le v a n t a d o ao
' " V - / a lt o , á-vifta dc todos, he, c o m o e l ­
le me (mo difte, figurado na ferpente de bron-
fcc, que íc levantou no d c f e r t o ,c nosíaradas
•picadas, e do veneno, naó das fer pentes,-mas
•dos pcccados. O l h a pois para elle c o m at-
"tençaó, e poem primeiramente os olhos na-
quellc Santiffimo Corpo, o quíil, tod o'esfo la­
do, c ferido co m tantas chagas, trafpaíTados
de parte a parte os p é s , e as m a õ s , partes as
mais fenfitivas, pello c o n c u i f o dc todos os
nervos, dc todas as veias, e d e todas as arte-
• Tias-, penetrada a c a b e ç a co m mais dc fcten-
: ta cfpinhosj .nu, vilipendiado, e injuriado
- pello&fcus inimigos-, os olhos cheios dc la-
grimasj,o rofto p a li i d o , derramando fangue
p o r codas as partes j fem a livio , e fe m c o n io -
í,: • d 3 laS aó>
246 Oitavo dià,
laçaõ , vai* m orrendo p o u co a p o ú c o , aug*
m entandofcfcm pre mais, e mais as luas dores
c o m o pefo dos feus façrofantos membros,
E tu , que naó poderias fofrer a picada de hú*
agulha, fem ter dor de t i , c o m o tc naó com-
padeces do teu R e d e m p t q r * red u zk io a rer-
mos dc tanta co m p aíxáõ , pello leu am or para
ç o m huns ingratos? Sc VríTes a hunr eferavo
callig a d o pellas fuas culpas c o m a millefirça
parte deflas penas, te eritcrncccrías,ecómpa*
decerias d c l l e j cainda terias c o m p a i x a ó , fe
vifles penar a hum animal* e cftás agora taó
-em pedernida, quando hum D e o s humanado
padece, c morre em hum a b y fm o de tormeri*
tos interiores, e e x te rio re s , fó para fprjnar
c o m o feu D i v i n o San gue h u m faudavclba-
- nho para curar todos os males dc tua ainria,
para apagar hum f o g o eterno, e paratcconJ-
prnr a poíTe de todos os bens para fempre?
Será pois poífivel, que tu d o ifto creias pof
F é , c que ainda fiques fria n o D i v i n o feõh*
ç o , c tc enfades de qualquer le ve obfervan-
- cia das tuas regras, c d c qualquer leve traba*
* l h o , que fe t c o f f e r e c e por a m o r d oteu De*?
os? Se naó ha dor femelhante ao que elle
* padeceo, naó haverá tambem durcza; feme-
íh a m e á tua, fenaó mudas d c c f t y l o á vida
** rios f e u s e x e m p io s . E naó tc parece a ó a"
jMeditaçao IV . 247
gora m onltruofa cíTa dureza, p o rém quando
te achares diante de D e o s , c elle ta fizer c o ­
nhecer c o m o cila na realidade hc, ficarásat-
tonita, e fem po der abrir a b o c a para tua ef-
eufa. C o n fu n d e t e ao mer.os agora c o m p r o ­
veito* pede perdaõ de haver co rrcfp o n d id o
fempre c o m tibieza á caridade im m enfa do
teu E f p o f o , fido n e g lig e n te nas couías do
feu f e r v iç o , c dada íempre ;ís tuas co m m o ­
didades, idolatrando íem p re em ti m e l m a j
detefta o paífado * dezeja o am or dc tod os
os A n jo s , c Santos para re co m p cn fa ra stu á s
faltas* o f f e r c c c a o Senhor o feu m e fm o a m o r,
'que fó cíTe he d ig n o da fua M a g e fta d c * e pe-
dclhc, que te abrande o c o r a ç a ó c o m a q u e l -
lc chuveiro d c S a n g u e , cm que a té a terra
dura fico u empapada.
2. C on fidéra cm outra am orofa vifta o Sa n -
tijjimo coraçaõ de J E S U S na C r u z , m e tten -
dote bem d e n tro daquella fra g u a im m enfa
de caridade, que c m v e z dc fc apagar entre
tantos torm entos, vai íem pre levantando no­
vas chammas. A q u e lla palavra f i t i o , que
C hrifto dific, naõ quer dizer fo m e n te , que
tivcíTc lede , p o r haver derramado quaíl t o ­
do o feu fa n g u e , mas alem d i f i o , q u iz c o m
cila fignificar o S e n h o r , que tinha h u a fe-
•de infacuYcl de padecer mais pella tua alma,
0.4 c
24 $ Oitavo dia ,
c tanto, quc quando folie g o f t o do feu Padre
C e le flia l, cílava p ro m p to para eftar na C ruz,
naó Io por tres horas, mas ate o fim do mun»
do . R e para pois, que a divida, em que ef-
tás n J E S U S , naõ he fó por. hüa morte, c
p o r h p a p a ix a õ , fenaõ por tantas paixões,
ç m o r te s , a quantas fc eftendeo o feu inex­
p licá vel dezejo de as fofrer por ti. C o m p a ­
ra agora o dilatado daquelle D i v i n o C o rau
aó com aquellas mefquinczes, c o m qucan*
S as medindo o que fazes no feu fe r v iç o ,p o r
jnodo dc quem faz demafiado. E quc leja
p o íliv e l, que co m p re J E S U C h r i f t o a pre­
ç o taõ caro o teu aíTcdo, c quc co m .tudo
ifto o naó ch e g u e a pofluir inteiramente?de
f o r t e , quc bailando qualquer, le ve defeom-
p io d o , que outrem íofra po r.ti, para te ga*
r h a r o co ra ç a õ , naóbnfta p a ra o ganhar hum
CxcríTo de tantos fofrimentos, e de tanto a*
m o r do F ilh o dc D e o s , que morre da lede
de derramar mais fangue, ç de dar mais vi-
Idas para tc falvar? Sc J E S U S morrera pQr
ti fomente de alegria, fempre devias ficaro*
. b rig a d a a lhe correfponderj c fendo, quc
- m orre por teu a m o r á violcncja dc inexpli'
. t g v e i s dores, c que ncíTas. fuas dores nada
- ihc dá maior pena, que o d l á s naó lereni
jnais dilatadas,julgarás t u , quc fazes muito,
M editaçao IV . 1 49
teo naõ tornas a cruci ficar, í c lhe naõ tornas a
abrir as chagas,ou a rcb atcrlh c os cravos c o m
algü peccado grave? quando e n treta n to ,co m
húa o ccu lta lo b e rb a, co m hum m o d o de o -
brar regulado p o r refpcitos humanos, c c o m
húa infenfibilidade continua ao feu a m o r ,
lhe eílás dando fcl a beb er. C o n fu n d e t e a-
margamente da tua durcia* pede m u ito de
veras perdaõ ao teu R e d e m p to r* o ffe rccctc
ao pé da C r u z para lhe facrificar inteiramen­
te a tua liberdade* dezeja ter m il c o r a ç o c s
para aborrecer a tua ingracidaõ, c duas io n -
tes de lagrimas, para as unir c o m o fangue
de J E S U S , a fim de m itigar a fua j u f t a ira
contra ti* c u ltim am ente lhe p c d i r a s ,q u e te
tire a v id a , f c a naõ has de e m p r e g a r to d a
no ferviço de quem d co a fua p o r t i , c o n ­
forme nos enfina o A p o í l o l o : § )u i v iv u n t 9 c *'
jam non fib i v iv a n t, fe d e i , qutpro ipfis mor• i*«
tuus eft: quem v i v e , naõ viva ja para fi, mas
para quem p o r elle d eo a fua vida.
5 Confidéra o fciftimofo eftad o, e d ig n o
dc co m p a ix a õ ,e m que cftá J E S U S na C r u z ,
reparando c o m os olhos da alm a na jilm a
Santijfima do S e n h o r ,a qual, pcllas im m en-
fas dores interiores, que p a d e c e , c ftá c o m o
iu m ergid a cm h u m m ar de penas. O s t o r ­
mentos exterio re s, q u e padecco o R e d e m ­
ptor,
2 5-0 Oitavo d ia ,
p t o r , foraõ occaíionados pello odio dosfeus
inimigos*, as interiores porém foraõ caufa-
dos pella caridade de C h r i í l o para com nof-
co> c aflim, quanto era maior eíTa caridade,
que a raiva dos verdugos,! tanto maior toi
a:pcna da alma, que a do c o r p o . F o i pois
1
efla:. a m a r g u r a interior taõ c x c e í fi v a , que
f ó delia, entre todos os feus fofrim entos, fe
q u e ix o u docem ente o Salvad or ao feu Padre
G e l c f t i a l , c o m aquellas palavras: Deusm eusy
Witt. D e u s meus, ut quid dereliquijli me ? Dcos
♦7-4« meu , D c o * meu , p o rq u e me defampa-
raftc ? m oftm n do c o m i t t o , que o Padre
E t e rn o fe portava naquclla o ccafiaõ com a
fua humanidade, c o m o fc a-tiveíTc óefampa­
r a d o , fuftenrandoa, íó paraqué naó morrcí*
f e ia õ d e p re íja , mas duraílc mais tem p o eni
.103 fôus tormentos. E por iflo lhe naõ q u iz entaó
ch am ar Pai, mas D c o s, unicamente para nos
*'
<iar a'Conhecery que o Padre fe portava na-
quella hora c o m e lle ,co m o fc fo íle eílranho,
c a i n d a c o m o c o m inim igo, naó lhe dando ou-
x ra c o n f o J a ç a õ , fenaó a que ferviíTe de lhe
atigm entar a pena. Q u e maravilha pois he
cfta ^ q u c, poejendo J E S L J C h r i f l o luavizar
09 feus torm en to s, c o m o depois os fuavizoti
•a.tantos M i r r y r e s , quizcíTc b c b e r o C a l i z dc
f u a Piiixaó do xodo p u r o , e fem a menor mi’-
.lo M ft u ra
Meditaçao IV . 1 fi
ftura de C onfolaçaõ, defampàrado do C e o ,
e da terra? c que podendo c o m hum le ve
trabalho tornar a co m p rar mil m undos, a-
chaíTc tantos m o d o s , para fe ir cada vez fu-
roergindo mais em hum a b y fm o dc penas?
E tudo iflo f e z , paraque conheças mais v i­
vamente o amor, quc deves a D e o s , e o o d i o ,
que deves ter ao p ec ca d o ; pois C h r i f t o , p cl-
lo d e f tr u ir , quaíi fe deftrufo a fi m e f m o ;
dando p o r am or do feu E t e rn o P a d re h ú a
vida de infinito valor, fum ergida c m hurri
profundo incom preheníivcl de penas, para
quc en te n d jflfm o s claramente todos, que a
vontàdc Dívíria fc deve antepor a t o d o o u ­
tro b c m , c tju e o ffcn d cr aquella infinita M a -
•geftadç hc hum mal m a io r , q q c a m o r te d ^ -
'Jorofiflima de h u m D e o s hum anado, a q i w l
elle clcolhco p a rà r e m e d io d c hum mal taó
grande. E c o m o tc tens tu até agora apro
•vcítado deftes d o cu m e n to s C e lc ft ia e s ? p ó
-dc fd*, que cm ab orrecer o p e c c a d o , e cm a
mar a D e o s eftejas taõ atrazada, quc naõ te*
inhas p e rc eb id o 'b e m , nem ainda1' a primeirt
fh ç a õ . O h co n fu fa õ eftupcnda para t i ! que
e» V e r b o Encarnado fc a b a ra , e quaíi ani*
-•quifc, para te <jar pua O r u z hüa clara de-
nionílraçaó dc h ü a verdade taó certa, e qur
t u co m tudo iíTo a percebas taó p o u c o ! Re*-
co n h c-
J 52 Nono d ia ,
co nh ece pois eíla tua ignoraoçia taõ mon-
ílrubfaj humilhatc :i v id a dclla ate o ab)'l-
m o ; palma^de ti. mefma por cc teres p o r fe?
g u r a entre tantas negligencias, ajuntando a
ellas novas, e novas ingratidoés*, pro po em
de eleger o C a lv a rio por ç fp o la , em que a*
prendas* e r o g * ao Senhor, <)uc tc efereva
cjom hum dos feus Santifilm.os C r a v o s era
teu c o r a ç a õ , d o íorte que nunca.dclle feborr
j c , a d o u trin a ,.q u e , c o m o M c f t r c , tc eníi*
tta.da C adeira da C r u z . r o, '
• *•
| a *, | *\ i / •• "V
•I i
r+rt+t 9 ' •F f Y T
i j J •• • • *■

-•m CiT
M E D I T A Ç A O
#tt ■
j j . i * ** * *
I.
. • Para o nòno dia dos lix c r c iç io s .

i>0 fí R E A RESVRREICyAÕ
^òi de C hrijlo * •
•,*'0 *iü r jíj o : . , i . . «#
. .i o í t ii •*» .0 1 ) 0 ^ 1 ]
I> O n fid é r a , q u e c x h o rta n d o n o s o P r o -
: V - a feta á que nos alegrem os na R c fu r-
r e iç a ó do Senhor, devem os cm p rim eiro lu­
g a r dar os parabéns a J E S U •C h r ifto , o qual
•HP0e dia para elle taõ feliz, tòrnou a adquirir ,
x?pra immenfa v e n t a g e m , tu d o , o que na lua
P a j x a õ tinha perdido: Q u a t r o coufas- tinha
p e r d id o n Senhor, a alegria, a form o fura, a
3
íiQQT , Cj * ;v i d a s c refu lcican do recupero^1
Meâitaçao I.
primeiramente a vida* mas que vid a? híia
vida immorta), húa vida, que matou a m e f­
ma m orte, dc que o Senhor t r i u m f r u , m o r ­
rendo: tornou tambem a adquirir a honra,
porque aquclle m clm o que poucos dias ante*
tinha fido reputado por menos que h o m e m ,
c fora p ifa d o , c o m o fc fofle p c o r , que hum
vil bich inho, apparcce, e c o m e ç a a reinar,
como D c o s : recuperou a alegria, porque
quebrados ja os diqu es, que encerravaõ lia
parte fuperior da alma aquclle mar pacifico
dc tranquillidade i n e f t a v c l,íc fo lro u ,d e p o is
de cflar trin ta , c quatro annos reprefado, c
correo impetuofamente a inundar as p o tên ­
cias inferiores, e os m em bros do S a lv a d o r:
recuperou.finalmente a form ofura, p o rqu ea
graça, e a M a g e f t a d c d o co rp o de J E S U
C hriílo hc t a ó c x c e fliv a , que no C e o ha dè
fer a fuprema bem aventurança dos noflos
fentidos, e bailará para lhes form ar hum pá»
^«fo, em que fc d e l e i t e m , fem fc faciarcm,
por toda a eternidade. F in g e hum Sol taó
rclp la n d cce n te ,q u e faça c o m as fuas luzes
dcfapparcccr ce m m ilh ões de foes, aflim c o -
o noflo faz dcfapparccer as e llic lla s : po-
,s Sol taõ luzido, c o m o efle, feria hum
5 ari c ° ’ cm c °ntparaçaõ do C o r p o g lo r io fo
de J E S U C hrillo^ o q u a l x n m o feu rcfplan-
25-4 Nono d ia ,
dor c ícu re ce rá o de tantos m ilhoés de Cor­
pos beatificados dos S a n t o s , os quaes tam­
bem haó de fer muitas vezes maisrcfplande-
ccntes, que o S o l material. E poderás tu
m editar nefta verdade, fem te encher dc g o ­
z o , pella fuprema felicidade.a quc vès tem
c h e g a d o o teu E f p o fo c e lc ( lia l? f c aflimfor,
m á o final ferá, fera final, dc que p o u c o , ou
nada o amas. C o n fu n d c t e da tua paliada fri-
a l d a d e e m o amar; dá os parabéns ao teu R e ­
d e m p to r do im m enfo b e m , que nellc con­
t e m p l a s ; e ped elh e, quc tc f a ç a m o rrer pa­
ra o p e c ca d o , fíaraque elle p o d a v i v e r , e rei­
nar c o m firmeza n o teu c o r a ç a õ .
z C o n f i d é r a cm c o m o devem os em fe­
g u n d o lu g ar dar os parabéns 4 Virgem San-
tiflima-, a qual, havendo fido vifitada por feu
D i v i n o F i l h o , foi cm hum inftante banhada
c m tanta alegria, e c o n fo la ç a õ , quanta tinha
fido a fua dor antecedente. A s fuas dores foraó
á medida do feu am or para c o m o V e r b o en­
c a r n a d o , que he D e o s , e ju n tam en te Filha
das fuas entranhas ; c por i f l o , fendo certo,
q u e ella o amava mais d o quc todos os A n ­
j o s , he f o r ç o f o dizer, que padeceo mais na
íu a P aixa õ, do que haviaõ padecido todas as
creaturas d o m u ndo , c que foi taõ grande a
fu a trifteza, q u e fen aõ acha outra femelhan-
M editaçaõ 1. 2$$
tey co m que le pofla c o m p a r a r , fcnaõ c o m
a trifteza, que e x p e rim e n to u J E S U C h r i i l o .
T r o c o u f e porem l o g o c m alegria toda efla
pena, tanto que foi confortada na a l m a ,e no
corpo, para po der foportar tanto g o z o . C o r -
reo lo go a Senhora a poítrarfe aos pés d c
feu F ilh o para o adorar, porem elle o naõ
co n fin tio , antes a c h e g o u ao feu l a d o , par­
ticularmente ao que eltava aberto, para a a-
colher dentro dclle, c darlhe lu g a r no feu
Divino C o r a ç a õ : c fc t u , cm hua o c c a fia õ
dc tanta felicidade, naõ fouberes dar o para­
bém a V i r g e m S e n h o r a , m o í b a r á s , que ca
indigna dc t c acolher d e b aix o d o feu m a n -
to jc íc n a õ cftivcres acolhida d e b a ix o do feu
manto, que efp eran ça podes ter da tua fal-
vaçaõ? D a l h e pois co rdialm en te os para­
4
béns V i r g e m M a í j propocra de tc v e n ce r
por feu a m o r , para m ereccrcs a fua p r o t c c -
Ç a c , e ped elh e, q u e , tornajidotc a ndmittir
no numero dos feus d e v o to s , tc alcance o
poderes g o za rte eternamente no C e o na fua
c ompanhia.
J C on fidéra e m c o m o d e v e m o s cm te r­
c e i r o lugar dar os parabéns ao nojfo corpo. A -
D JO U n os t a n t o o n o íT o R e d e m p t o r , que naõ
9Jn z b e m a v e n t u r a d o f e m n ó s , c iflo naõ
■ona a lm a , m as tam b em no corpo j c por
2 $6 Nono dia,
iíTo fc d i g n o u , quc cambem os noflbs mem*
bros triu m fcm da m o r t e , e tornem a viver
para iempre g l o r i f i c a d o s , merccendonos
c o m as fuas C h a g a s húa tal vida* antes bem,
n a õ í b q u iz fe r v ir de m erecim ento, mas tam­
b e m dc exem plar da noíTa refurreiçaó, de
force, que o noíTo c o r p o gloviíícado tenha
grande p ro p o r ç ã o c o m aquelle D i v in o m o­
d e l o : R efo rm ib it corpus bum anitatis noftr*i
configurai um corpori claritatis fiuc. M ts em
quanto naó alcan çam os cíTa felicidade, naó
íerá grande confufaõ nofla o podermos tra­
zer cilas coufas á m em ória fem fahir dc nós
d c pura alegria ? H c pois verdade ccrtiffi-
m a, q u c o teu c o r p o f a t i g a d o ,e fraco hade
e íla r algum dia ch eio d c tanta g l o r i a , que
elle f ó , fe e íliv cflc na terra, bailaria para
nunca te faltar a lu z do dià; e tu crcs iflo , e
n aó dezejas quc venhaó fobre ti todas as pe­
nas, para aíTcgurares hum b e m taó grande?
E vendote tu favorecida d o teu E f p o f o Ce-
leílial c o m húa promeífa taõ c x ceifa, nao
fabes cnccndcrtc no feu a m o r , e deílerrar de
ti efTa m o n ílru o fa in g r a t id a õ , que faz coni
q u c , amandote fempre o teu D i v in o E f p o ­
f o , naó ache cm ti a devida corrcfpondcn-
c i a , nem o a m o r , que tc m erece? Bem iÇ
v c ncíTa in g ra tid a õ , quc c í l á a tua f c quaú
apaga-
M editaçao I i* 7
0if,e que te deixas enganar dos teus fentidos.
D e z e ja p o is , ter infiniros coraÇoés para òs
bffcrcccr ao Senhor* c confundete de q u ej
tendo hum í ó , d c s taõ grande parte dtíllc á i
crcaturas* refolvece a querer daqui em dian­
te confolartc efficazmente em todas as tua*
tribulaçoes co m as cfpcranças dc que has d e
tefufcitar gloriofa? faz^pròpo fitos de querer
padecer co m alegria* c pede ao Serthor, q u e
le agora te infunde tarita co n fia n ça d c c o n f e -
guir a g loria, fc dign e,po r fua piedade, de ta
conferira fcU te m p o ,d a n d o te g r a ç a , p a r a t e
difpores para ella, c o m o deves, p o r m eio dc
húa continua m o rtifica ça õ dc ti mefma,

M E D I T A Ç A O II.
Para o nono dia dos Exercícios.'

SOBREAASCENCtAO 2)0 SE-


nbor.
1 Onfidéra em c o m o n o M y f t e r i o da
. Afcenfaõ de C h r i f t o eftá expreflado
0 modo, de que ufa o S e n h o r para g u ia r as
a .*s a hüa virtude eminente. P o r q u e p r i­
meiramente, na A fcençaÕ , f e efeondeo C h r i -
.? aos para
D i í c i p u l o s , mas f o i , que
. cs o viílcm melhor. Acitcparcccrácru-
fc • 4
2 58 Nono dia ,
c l aquella n u v e m , que privou aos D ifcipu*
los de verem ao R e d e m p t o r , quando fubia
para o Ceo-, p o r q u e , ie haviaõ de ficar pri­
vados da prefença do feu D i v i n o Mcftre*
paraque lhes negou á lua viíta a u ltim acon-
f o la ç a ó naqucllcs poucos inilantes , em que
o podiaõ l e g u i r co m os olho s? T u d o iflo
p o r é m fc fez com alta providencia, paraque,
quanto mais depreda fe cfcondeíTe Chrillo
aos olhos do c o r p o , tanto mais claramente
appareceflé aos olhos da F c , a qu a l, fendo
h ú a participaçaó da S a b e d o r i a , e do E n ­
tendim ento D i v i n o , nos faz incomparavel­
m e n te mais certos do noflo b e r a , d o que fc
o viflemos c o m os olhos. Se tc applicarc*
ao e x e r c íc io da O r a ç a õ , e ao recolhimento
in t e r i o r , t c íúcccdera tal vez no melhor di
tua an p lica ça õ o ficarcs privadadaquellaluZ
c c l e í t i a l , co m cu jo s refplandores t c parecia
eílares ja bemaventurada. M a s o cfcondèr-
fete efla l u z , hc para m elh or veres a verda­
d e : corn fc ella o c c u l t a r , fc fortifica atua
F é , e recebes esfo rço para obrar conforme
as fuas m axjm as, e para te guiares pellos fe­
us diótames fem tem or de errar,aflim como
quem no te m p o n o Ô u rn o fc deixa guiar pof
: p e flo a fiel, e que fabe o cam inho, e naõ dei­
xa de continuar a fua jornada p o r falta de
JideditaçaÕ //. 2
luz. D c q u c t c queixas pois,quando o Senhor
tc poem ncíTe citado dc efeuridaô, fe o faz*
para te trocar a noite cm hum dia máis c la ­
ro? C o n íe r v a t e fiel ao S e n h o r , pcrleveran-
do nos mcfmos exe rc ício s de piedade * e dê
p en ite n c ia 5 naõ inrerrompas, nerti deixes á
oraçaõ; nem te enfaíties d e l l à , p ro cu ran d o
conlolaçaõ nas cteaturas-, nem t e c a u f c m re­
ceio eflas trevas, porque fi nalmcnte,depois de
hum breve e c l i p f e , tornará o D i v i n o S o l a
deixarfe v e r mais lum inofo do que dantes.
Pede ao Senhor t e d e elta fortaleza no o b r a r ;
c rogalhe, que le lem bre da fraqueza d o teu
cfpirito, de forte * que no t e m p o , em q u e t c
experimenta, te g u i e t a m b e m , para que t c
naõ defanimes, nem íaias do cam inho da per­
feição.
. 2. C o n íid cra , quc C h rifto * na fua A f c e n -
Ç a õ ,n a õ fó fe e fe o n d e o a feus D i f c i p u l o s ;
fenaõ que fe apartou dcllcs para ta õ l o n g e ,
quanto difta o C e o E m p y r e o da terra; f e z
porem iflo* paraque os D ifc ip u lo s f c c h e g a f -
Icm mais a elle c o m a efperança* c o llo c a n -
doa toda no C e o , pois via õ para la f u b i r t o -
. üo o feu bem. T a m b e m a ti te parecerá,
0 ? cn^or fc tcm aufentado d e t i, c m te
achando cm grandes fcccu ras*c a n g u ftia s ,e ,
co m vchcmcntcs im pulfos dç deixar a vida.
Ra cfpi*
260 Nono dia,
c fp ir itu a l, para co nfcguir dcfcan fo , ficando
quafi dcícfperada dc poder nunca chegar á
perfeição, c o m o coufa mui a lt a , c fuperior
ás tuas forças. M a s naó, naó defmaies entre
eflas ancias do teu c o r a ç a õ , porque quanto
mais tc parecer o cafo fem re m é d io , tanto
mais fc deve fortificar a tua cõnfianÇa na a-
ju d a do Senhor, naõ fo cfpcrando, mas con­
ffal. fiando fum m am cnte nas fuas promeíTas: Ifi
SIS.
li. verbum tuum fuperfperavi-, que he o mefmo,
que tom ar m o tiv o das tuas miferias,para re­
co rre r ao Senhor co m mais c o n tin u a ç a ó , c
ahinco, proteftandolhe co m o Santo J o b , q,
aindaque tc tire a vida, naõ has de deixar de
Job. p ô r nellc a tua confiança : Etiam fi occiderit
IMS
’ m e, in ipfo fperdbo. C o m o p o rem naõ te­
nhas até agora feito aflim , he prccifo , quC
te confundas, vendo em ti mefma hüa vir*
tu d e tac pueril, que co m qualquer leve con-
tradiçaó dclm aias, c tornas atrás. Arrepcn-
dete da tua inconftancia pa(Tada; e efiabele*
c e hum propofito firme de tc conform ar fem*
p r e co m os defignios, que o Senhor tem e ti
te g uiar; e j a que o Senhor pertende com ef-
fes trabalhos interiores hunt fim taõ alto,co- *
m o fica ponderado; rogalhe, que nunca já*
mais fe aparte dc ti, ícnaõ para mais fc chegar
á tua alma, c para a encher dc h ü a confíarf-
p: * ' • S*
M ed it ac ao II. 2,61
ça mais firme nas fuas D iv in a s promefias.
} Confidéra , que C h r i i t o naó fó fc cf-
condeo aos feus D ifc ip u lo s n a fua A f c e n ç a ó ,
e naó fó fc apartou dellcs para lo n g e , fenaó
que tambem parece á primeira face, que os
deixou, na fua maior ncccflidade. T e r i a õ por
ventura animo para rcfiílir ás p e rfe g u iço é s ,
que todo o mundo levantava contra c l l e s ,
aquelles, que na p r e íe n ç a d o leu D i v i n o M e *
ílre 0 tinhaó deixado fp nos to r m e n to s > os
que fc tinhaó intimidado co m a v o z dc hõa
vil c ria d a , vendofe depois deixados pello
mefmo Senhor no meio de tantas angu (lias?
parece que efla cra^a occafiaó, c m que o l o ­
bo inferna! procuraria defpedaçar as ovelhas,
achandoas fem p a f t o r : mas naó foi aflim, an­
tes bem aquella auíencia de C h r i f t o f e r v i o á
Igreja, que nafeia, de que lhe afliilifle c o m
mais cuidado, c lhe roandafle do C e o o E f -
pirito Santo, para a encendcr toda em n o ­
vas chammas de caridade. O h dcíamparo
a m á v e l,,c m que deixa o Senhor as alm as,
P*ra mais as inflammar no feu a m o r ! Q u a n -
10 mais arpado foi C h r i l l o dos feus D i f c i p u -
los depois dc os haver deixado na apparen-
c ,a» do que o foi em quanto v iv e o c o m cl-
lcs. e quanto mais generofos foraõ os m cf-
mos Difcipuios cro p u b licar a g lo r ia , c o no-
-lr'1-4 R4 mc
262 Nono dia ,
m e do feu D i v in o M c í l r e por toda a terra,
p em fofrer quantos tormentos pòde inven­
tar o inferno, para os dcfviar defla emprefa?
N a ó entendes tu por ventura agora quàcs
faó as artes, com que o Senhor refina o teu
Clpirito ? cíTes trabalhos, em que te achas,
im aginando, quc eftá o teu D e o s efquecido
de ti, faô hfia prova bem clara , dc que cui­
da de ti c o m mais a t tc n ç a ó * faó h ú a fra-
g u a , em que pertende q u c deixes toda a eí-
co ria das tus^ im p e rfe içõ e s, dos teus defei­
tos, e do teu am or p ro p rio , e em que quer
inflam mar o teu co r a ç a õ c o m mais ardentes
çhamm as de caridade. E n v c r g o n h a te pois
d e teres lahido em queixas, e aas tuas pufil-
lanimidades n o te m p o das pafladas vdefola-
ç o e s , oflerècetc de todo ao Senhor, para que
te amolde á fua vontade* pedelhe perdaó de
t c haveres o p p o fto aos feus defignios * e re­
g a lhe, que, com ta n to , quc te conceda o feu
am o r, naó olhe para a delicadeza do teu co-
r a ç a ó , mas q u e , quando feja neceíTario,pa­
ra o purificar, cila prova, tc experimente
d c forte, quc fiques de to d o purificada.

m E-;
Meditaçao III. 263
M E D I T A Ç A Õ II I.
Para o nono dia dos e x e r c í c i o s .

SOBRE A V1NT>A ®0 E S T 1 •
rito Santo. '
l O n f í d c r a ,q u e o b r o u o E f p i r i t o S a n -
' ' V.^# to nos D ifc ip u lo s tres m u d an ças; a
fabcr, no en ten dim en to , no c o r a ç a õ , c 11a lin-
gua; e eftas hc que haô de ler o fru to dos San-
tos E x e r c í c i o s : Infeliet in te Spiritus D om t- RCg.
n i y mutaberis in virum alitim. A ~ p r i - l0* *•
meira m udança pois foi do entendimento, trq-
candolhes aos A p o f t o l o s as m axim as m un*
danas, por que fe co ftu m a v a õ g u i a r ,c m ma*»
ximas celéítiaes,e fazendolhes4co n h e ce r c la ­
ramente a vaidade dos bens preíentcs, e a
,grandeza dos f u t u r o s , dc ta lT o r te , que os
fliclmos, que tantas vezes co n tcn d ia õ entre
fobre quem foíTe o prim eíro, e o maior;
Q uis eorum •vidcrctur ejfe maior \ tive ra õ ,d e -
pois de receberem o E fp ir ito S a n t o , por
grande felicidade o ferem dcíprezndos pc^r
-»hrifto,e tidos pellos homens mais vis, c a -
ta tíd o s d o mundo. R e p a r a ag o ra tu , fe fe
tem obrado em ti cila m u d a n ç a , c em q u e
g i a o , no tempo dcfte fan to ré tiro . Q u e c o n -
R 4 ccir
264 Nono âia,
c c ito fazes da C r u z , e das humilhações^ fea?
t é agora rinhas por grande bem o pofluir a
c ftim a ç a ô dos o u t r o s , e q fer apiada dc to­
dos? íe j u l g a v a s , que recibias a g g r a v o de
q u e m fazia de ti p o u c o c a fo ? fc até agora
t e deixafte levar de h p t p c ^n t*nuo d e ze jo d e
agradar aos homens, e de naõ dcfgoftar a nin­
g u é m ? cm húa p a l a v r a , íe te tens goyer»
pado frequentemente por rcfp çitos humanos,
c pcllas maximas da efeola do m u n d o ? cftás
p o r e m refoluta a g o ve r n a r te daqui p o r di-
, ante pcl|os d o c u m e n to s, que tens aprendido
na E fe o la de C h r i f t o cru c ific a d o ,p e lla sm a ­
xim as d c h ú a f y n c e r a h u m ild a d e , co m que
d ezejes f e r , d c todos deícp n h ecid a* de húa
j n o r t i f i c a ç a õ u n i v e r fa l, pella qual queiras
ejarte toda a D c o s , c naõ fo m e n te parte de
Jfi, tepdo íe m p re ao Senhor por. cen tro dos
;teus m o vim e n to s,c a lv o dos tçus intentos?fe
aífim fo r,p o d e r á s julgar c o m razaõ, que tens
r c c ib id o neíle retiro ao E f p i r i t o S an to ,e que
experim entas os feus effcitos: c e f i a h e a m e -
.dida, que tc ha de defenganar, para te naõ
.ju lgares p o p crefçida, c grande na virtudç,
Jeíaijida cs p e q u e n a , e p o u c o adiantada ne)-
:ja., iConfundctc pois, mas naõ te efpantes, á
do teu p o u c o aproveitam ento no elpi-
. r i t o , antes b e m , defeo b rin do co m fyncerí-
" dade
Meditaçao III. 26f
fJa.de as tuas fraquezas no acatamento do S c -
p h o r , ro g a humildemente ao D i v i n o E í p i -
fito,que te troque p entendim ento cotn hum
raio da fua l u z , c o m o em hum inftante po?
dc fa z e r, de f o r t e , que daqui em diante e m
rada mais cuides , que em fer fetaelhante a
J E S U C h r i f t o , q u c q u iz por am or de ti fer
f o b r e , perfeguidp, e hum ilhado.
z C on íid pra na fegu nda m u d an ça, que fe z
o D ivino p f p i r i t o nos A p o f t o l o s , q u c foi
Uocarlhes o cora faô. E f t a v a õ ellcs dantes
taõ timidos, que, para c o n f e r v a ç a õ da pro-
Çria vida, hum dclles f u g i o . c d e ix o u o íep
P iv in o M e f t r e n o tem p o a a P a i x a õ , o u t r o
o negou, c no te m p o de receberem o E f p i -
yito Santo eftavaõ t o d o s , c o m o outros tanr
tos coelhos,fechados no C e n a c u lo por te m o r
dos Jqdeos* p a s d e p o is , que dcfcco fobre
clles 0 D i v i n o E fp irito ,lah iraõ p a r a f p r a , c o ­
p o outroç tantos le o é s , a p r é g a r , a ro fto
defeoberto, a J E S U S c r u c ific a d o , e iflo no
*J1aio rco n çu río ,fem fc deixar in tim idar,n em
das ameaças, nem dos a ç o u t e s , nem da m ef-
j n a m orte, antes goftariap de a po der e n c o n ­
trar entre mil o p p ro b rio s. E x a m in a , q u e e -
o que amava antes,e o que temia o teu c o -
raçao , ^ p or VCJ' s ^ ^ mudado-
antes amava em todas as (uas operaçoes
a
I

2.66 Nono dia ,


n própria co m m o did adc, c a própria farisfa*
ç a õ > l’c bufcava o proprio intcrefle nas fuas
a c ç o c s j fc Ic cfpantava fó com o u vir nomcajr
os trabalhos; agora porem acha,e conhece, q
òs trabalhos ílió c o m o o docê.dns almas,Efpo-
ías dc C h r i l l d , c que a nollí^fc|?cidade.con-
K í f t c c m fcguir os feus e x e m p l o s ; fe o amor
para co in elle c o m e ç a r a ò c c u p a r os teus
penfamentos, e os teus dezejos ; fe nao poes
j a tanto cuidado na co n fe rvaçaò da faude,
<ncni em feres cllim ada dos outros, co m tan­
t o , q u e a g r i d è s a t e u D e o s , t e m b o m animo,
o u c o Etpiritp do Senhor tem achado entra­
da nò teu c o r a ç a ó , e b a ila fo que lhe entre­
g u e s para Íempre as chaves d e l l e , paraque
elle c u m p f a os feus defigníos de o fazer per-
Yciro. E aqui tc confundirá? dc tc rcr apaf?
tád o tanto até agpra deltas maximas, feguin-
‘d o 1 mentira,' e h igindo da verdade; propo*
c m dc adiantar por meio da tua cooperação
eftas primeiras traças,que cm ti rem forma­
d o o D iv in o Eipirito-, e pédelhe inílantO*
m e n t e , q u e j f e n i n elle o que confere os feu*
d w , t t ? ’dáf© maior dc todos, que hc a per-
fe v e ra n çt no feu am or.
I C vui \ i 1 oa terceira m udança, que fez
o Efpi- iro S i ytõ no<? A o o ílo le s , qu? foi t 1*0'
lczí a fuá frnua. D j qíiV Côtlumavaõ elles
c an-
Meditaçao III. 267
ántccedcntemcnte fa lla r, quapdo chegaraõ
ãté a unirfe co m Judas cm dçiprezar a M n g -
dalena, e cm m urmurar dclla em altas v o ­
zes, por ella ter u n g id o os pés do Senhor
com tanto f e r v o r ? E t fremebQnt.in eam. P o - ^
rcra depois da vinda do E f p i r i t o Santo f o ­
bre os A p o f t o l o s , j a naõ fallavnõ fenaõ das ^
grandezas dc D e o s , e da fua G l o r i a , c iíTó
em linguagem do C e o ; Loquebantur *variis
linguis magnalid D e i} F a z c aqúi reflexaõ fo ­
bre o teu fallar antes dos c x e r c ic io s , c prin­
cipalmente fobre a facilidade de ccnlurar o
proxim o, de o d c fa c r c d ita r , d c te q ueixar
dos Superiores, e ainda de co n tar aos S e c u ­
lares as faltas, e defeitos fu cccdido s no M o -
íteiro. P o d e fer, q u e nefle exa m e achcs m a ­
téria grande de; te co n fu n d ir diante de D e o s 1,
elde tem er a fua ira, pois elle caftiga taõ fc-
veramente as faltas de caridade. C o n f i a p o ­
rém , pois eflá s a te m p o de fe remediarem
todas cíTas defordens, p erm ittin d o ao E í p i f
rito Santo, q u e te tro q u e, por m eio dos E x ­
ercícios, a lin g u a da t e r r a e m lin g u a d o C c o ,
prendendoa perpetuamenre para naó fah irem
palavras vaãs, e m u ito menos nas que fo re m
contra o p r o x i m o , e í o h á n d o a , para fallar
c c coufas de D e o s com as outras tuas I r -
maas, e com as pefloas fecu larcs, quando te
W :3 fo r e m
2 68 Nono dia ]
forem vifitar. D i t o fa lerias tu , fe á hora da
m o rte te achafles co m hüa lingua taõ fari-
ta, quc feria hüa chave para te abrir o C e o !
pcllo que, roga ao D i v i n o E fp ir ir o , que fç
, g lo rifiq u e cm t i , co m húa m udança digna
da fua maó o m n i p o t e n t e , paraque o portas
fiil. eternamente lo uvar, e confeflar c o m oPfO*
M . i r f e t à : H * c mutatiq d exter* Excel/i.

M E D I T A Ç A O IV.
Para o nono dia dos E x e r c íc io s .

s o b r e : a g l o r i a <d q c e o ,
- . , >
-l O n íid éra , que, para íermos bema*
V - # venturados, fc requer, que gozemos
de cqdos os b e n s , e quc os pofluamos pari
fempre*, c a ílim , fe a tua alma: for digna da
g lo r ia celo ftial, em primeiro l u g a r , ba às
poffuir todos os btns, c naó da forte, que tu
podes imaginar, mas bens infinitamente fo'
periores á toda a humana c o m p r c h c n fa ó jd c
tal m o d o , que m ultiplicando fem limite tu*
:d o , o que a g o ra pode d ezejar o teu cora*
<çaó, naõ chegaríamos a form ar húa m i n i m s
J parte do g o z o , q u e te cfpera lá no C e o . Os
-tdus fentid^s, que agora faó inim igos da tU
•ma, efiaráó eataó cheios dc g l o r i a , quc nac
- > ' . apPc*
Meditaçao IV . i óç)
appeteceráó ja coufa alg ú a mais. O teu c o r ­
po, quc agora tc caufa tanta m o lcftia, f e r i
entaô húa viva imagem dc J E S U C h rifto *
c por iflo íerá taõ for m o f o , que c f c u r c c c r i
ao mefmo f o i , c ferá taó rcíplandçcente,
que, fc lançaífcs para fora do C e o húa m a ó
glorificdda, íó com ella podias dar a luz do
dia a todo o m undo. D o n d e poderás inferir
qual ferá o relplandor de tua alma toda
cheia dc D c o s , c Pumergidfa toda no a b y fm o
das Divinas P e rfe iç o é s . C ertam en te feria
mais facil encerrar cm húa cafca dc n ó z t o ­
do o O cea n o ,q u e c o m p rc h c n d e r c o m o n o f -
fo fraco entendimento, que c o u fa fe ja o C e o ,
Por C eo fe entende a poíTe para fempre de
todo hum D e o s , c húa renda, perpetua de
felicidade inexplicável tirada do th cío u ro
dos feus D iv in o s a t tr ib u to s jc n té n d e fe o e fta r
a alma taõ im m ediatam ente unida co m D e-,
os, como cftá unido ao f o g o hum ferro c m
brafa, de force, que quaít fc naó diftinga
Deos da alma, nem a alma d c D e o s , aílim
como o ferro ardente apenas fe d iftin g u c doi
*°go, nem efte do ferro* en tén d efe o aflentar-
i c a alma no throno da D i v in d a d e , c á mefa
com Deos, g o z a n d o por p a r t i c ip a ç a õ da-
quclla mefma f e lic id a d e , dc que D e o s por
cflcncia goza-dc modo, que aquellc b e m ,
que
170 Nono dia+
que pode fatis fazer plenamente por toda aè^
tcrnidadcocor;tç;ió do S ü m n B~m,cflTemef-
m o ha dc immediatamente faciãr o teu cora-
çaô. O h m om ento pois m i l . e mil Vezes di-
t o f o ! Sc D eos q u iz c flc ir te d e fc o b rin d o pou­
c o a p o u c o as luas belle2as,te póde entreter
p o r toda a eternidade em n o vo s, c riovosci-
peétaculos de a d m ira ç a õ j que efpc&aculd
pois ferá o v e i l ò to d o cm hum inftante, é
pofluillo todo para fempre? N a ô ierás cn-
taõ 1o mente ditofa,mas quafi ã mefma bem-
Ifai. aventu r a n ç a : Ponam t e . . . gáudiurn in gene-
60.15
rationem, & generationem. E poderás tu en­
tretanto crer firm em ente tu d o i í t o , c pro­
cu ra r a fegu rança da g lo ria co m tanto def*
c u i d o ? A F é merece ver á D eos, a Efpcran*
ç a pofluillo, c a Caridade g o z a r delle; eque
fazes t u , fenaó gaitas toda a tua vida cm fazer
aftos deltas virtudes? E n vcrg o n h ate de ti
m efm aj deteíta a tua tibieza pafladaj offerc-
c c t c toda a perder tudo,para co nfeguir hum
bem taó immenfo; e ro g a ao S e n h o r , que
pois elle da fua parte quer efficazmcntc fef
bem aventurado juntam en te c o m t i g o , tc dc
g r a ç a para alca n çircs efla bcmaventuranÇ*
o mais c e d o , que ler pofla.
z C o n f i d é r a , que no C e o todos os le n s f f
fojfuem perfeitamente. N a f c c r á cfta perfei­
ção*
M editaçao IV. 271
çaõ, cm parte das potências glorificadas, c
cm parte dos mcfmos bens poíluidos. O teu
coraçaõ entaõ naõ ferá taó ç f l r e i t o , e lim i­
tado, quc naõ feja capaz de receber cm fi to*;
dos os deleites juntos ao mefmo tem po-,an­
tes bem , ferá a a l m a , confortada co m a lu z
da g loria, de esfera taõ dilatada, que lerá c a ­
paz dc receber cm fi o mefmo g o z o do S e ­
nhor, co m o elle nos tem p r o m e tr id o : íf t
gaudium meum in vjobis f i t , gaudium ve*
firum m pleatu r. T a m b e m os bens C c le ft i -
acs fe naõ haó de im p e d ir , nem e m b a r a ç a r
hunsaos o u t r o s , c o m o fe im p ed em o s d c f l e
mundo, a n t e s ,c o m o faõ d c natureza efpiri-
tual, caberáõ todos juntos na a l m a , e f e aju-
daráõ m utuam ente para crefcerem cm m a i­
or abundancia, c o m o que com p endiaráõ
para nós cm cada inftante h ú a eternidade dc
deleites. P o r ifío nos declara o E f p ir ito San-
l 0 ^quc no C e o , diante do th ro n o de Deos],
c f iá c o m o hum mar de c r y f t a l : ln confpe- Apoc.
Rufedis tamquam mare vitreum fim ile cryftal- *
fo\ porque afiim c o m o o c r y fta l naõ im p e ­
de a v ifta , antes a ajuda, nem eíco n d e os
oh'v 6tos, antes os patenteia mais fo rm o fo s j
aíTim qualquer b e m no C e o , naõ impedirá
Bemaventurados, para q u c naõ g o z e m
d e outro bem f antes lhes ha d c franquear o
paílb
i 7 2 N Ô fli? ^ l
paflo para gozarem cm cada inftante dc tcf-
d o o gcncro dc co n tcn ta m c n to ic o q u c m a iá
h c , naó fó haõ dc poíluir perfeitamente ca*
da hum os feus proprios bens, mas junta-
inente o b e m , dc qdc g o t a ó todos os dcmaiíi
t o m p a n h c ir ò s i porque a caridade ha dc fer
alli taõ perfeita,que fc entre osBemaventu-
radòs fc podcíTc achar a lg u m defeito, logo
o encobriria a caridade,' pois fendo todos
S a n to s , rodos reis m a g e f t o f o s , todos dota­
dos de húa affabilidade, fabedoria, e amifa­
de incomprchenfivel, f u c c c d c r á , que aman­
d o cada hum ao o u t r o , c o m o a fi mcfmoj
feráó tantos os C c o s,q u a n to s os companhei­
ros. C o m o fc ha de achar entaõ a tua alma,
quando, cm prem io de haver fervidò pof
p o u c o s dias i o Senhor, te acharcs fümcrgida
c m hum mar dc delicias inexplicáveis,ego-
Zares da faa d o ç u r a toda jú iíta , e naó pou­
c o a p o u c o ! C o m o ficarás abundantemente
fa tb fcita co m aqücíla torrente dc bemaven-
tu r a n ç a , ficando c o m o perdida dentro dc tt
m c f m a , para te acharcs felizmente totfa ab-
forta em D e o s í E ferá p o í f iv c l , q á e erper^
g o z a r dentro dc pou co tem p o dc coufastaõ
grandes, c que poílas entretanto fazer cafo
das creaturas, c andar, c o m o p e rd id a, atras
das miferaveis delicias, que tc prom ettem ?
Meditaçao iV . 173
lerá poffivel j que tc deixes atemorizar d c
hum pouco de penitencia, dc fadiga* c de
trabalho,que fe naõ pode chamar nem tia *
balho, nem penitencia, pois m ó mcrecent
eflc nome húas obras, qüc íaó origem dc tan­
ta gloria? O h ditofos fuores, que caularao
tanto defeanfo! o h d ito la m ortificaÇaó,aqutí
fc ieguiraó tantas delicias! oh ditolas
lhaçoés,quc fehaó de trocar cm tanta honra#
Daqui por diante fó has de pedir h ú a c o u r
fa, com o P r o fe t a , e hc o haveres dc habi­
tar para fempre na cala do Senhor. Q u e im ­
porta o feres aqui defprezada? qüc im porta
o feres aqui aífiigida? húa hora l ó d t C e o f a -
tisfaz com infinita vcntngem por toda a pe-
n a : Mtlior efl dies u m in atrils t um fup erm il-
lia . Confundete de haveres até agora dado
entrada cm tua alma a conceitos taó oppof*
tos a eftas verdades, e de te haveres e fq u ccid o
tanto do C cospropocm de tom ar por emprefa
o meditar nellc frequentemente*, agradece ao
Senhor, que te tem preparado t a n t o b e m , c
tc encaminha co m tanta providencia, para­
que o alcances *, e rogalhe, que te purifique
neíla vida de tal lo rtc o teu co ra ça õ ,q u e fc-*
ja digno dc o g o z a r por toda a eternidade*
3 Confidcra, q u e todos os bens poífuidos
no Ç c o , c com tanta p e rfe iç ã o ,^ hUôdepof
S jjvftt
2 74 Nono dia,
f u ir para fentpre. E q - c m podei á perceber,
quanto au gm cn to dá á bemaventurança a e*
ternidadc? íe qualquer bem he tanto mais c-
ílim avel, quanto mais durável he, quaó cfti-
m avel lerá húa felicidade, que alem dc fer
immenfa, lerá tambem eterna? 6 mais mi*
nim o deleite dos noíTos íentidos lá no Ceo,
fc houvcíTc de durar para fe m p r e , co m ra*
2aó fe deveria antepór a toda a felicidade de
todos os Bcmavcnturados jun to s, quando cila
houvcíTc algúa v e z de ter fimjdondcinferirãs,
que bem aventurança íerá o ajuntarfe na tua
alm ah u m g o z o incomprchenfivcl, porquchc
hum Cumu lo dc todos o s b c s j u n t o s ,e f c m ter­
m o ,p o rq u e ha de durar por todos os feculod
ferá tal cíTa bemaventurança,que por fca meio
teras maior g o t t o , cm genero de b e m , qW
exp erim entaô pena, em gcncro dc m a l, to*
dos os condeuadosj de forte, que húa gotf1
fó daquclle g o z o im m e n íó , cm que eltaras
fu m e rg id a , bailaria, íc cahiíTe lá no inferno,
para tirar a f o r ç a a todos os feus tormentos.
E fe c á na terra naó ha g o f t o , que naõ lcj*
h u m torm ento, fc fe naó variar, qual cuidas
ferá a grandeza daquclle b e m , que fcmpic
ha dc íer novo, com fer eterno, e continua­
r á em te fazer ditofa de hum meímo modo
fo r coda hua eternidade? Confidcra pois*
quaq
Meditaçao ÍV. 2 7 f
(juaõ obrigada eftás a J E S U C h r i f t o , o qual^
paraque podas reinar com elle, fe fez fervo
por amor dc ti, e fübio a húa C r u z de t o r J
inéntos,.e de oppròbrios inexplicáveis,para •
que tu fubifles ao feu t h r ó n ó í Q u e d iab ó ­
lica ingratidaõ pois ferá a t u a , f e o n a ô a m a -
res, e que ingratidaõ mais quc diabólica, fe
o offjndcres ?. Q u e invenções ha de achar o
Senhor, para te o b rigar a fervillo dc veras?
o d e m o n io dá v o z e s , e d iz : f e r v i m e ,q u e c u ,
depois de vos haver m altratado, pagarei os
voíTòs trabalhos co m húa eternidade de
tormentos: o Senhor dá vozes, e d iz: amai-
nic, que eu, depois de vos haver tratado c o m
fummo carinho, pagarei o voíTo am or c o m
húa eternidade dc infinitos goftos. Ê achar-
fchá ainda, quem queira fcrvir ao d em on io ,
c repugne a fervir ao Sen ho r? e ícrás t u , a
quem tantos benefícios tem feito D e o s , il-
luftrandotccom a f c , c ajudandote c o m a
graça, húa deflas creaturas taõ in felizes?ah
C eos! Con fundetc pois de ter feito ate a g o ­
ra taõ p o a c o c a fo dos bens celeftiacs*, indig-
nate contra ti m eím a, e contra a tua depra*
vada vontade, quc tantas vezes te tem p o -
° cm perigo de os perder > c ro g a ao Se-
or> P°r aquella immenfa caridade, pella
qual te tem ab *tcrno preparado o feu rci-
Si po*
276 Décim o dia,
n o , c por aquella amargofa P a i x a õ , pcllà
qual a feu tempo to tem merecido , que te
d c agora g r a ç a , paraque o naó percas por
tua culpa, mas, que tendoo fempre imprel-
fo na memória, afícgurcs cada dia mais apol-
fc dellc co m n o v o amor, e novos trabalhos.

M E D I T A Ç A 5 I.
Para o decimo dia dos E x e r c íc io s .

SOBRE OS TITVLOS, TOR -


q u e d evem os am ar a J E S ^Ü
•' - C b r i p .

1 O n f i d c r a , que por tres titulos ama*


biliflimostc deves affeiçoar fumma-
mente a J E S U C h r i f t o , e f a ó : o fer elle 0
teu Salvador, o teu E f p o í o , c o teu Amigo.
H c pois elle teu Salvador, livrandotedeim-
mcníos males* ifto he, de todos os peccadosj
das penas, que devias fo h c r p c llo s peccados;
d c fer paia íempre eferava do demonio, ini­
m ig a para fempre de D eos, feparada dellc
para fempre, e fepultada por toda a eterni­
dade em hum abyfm o de fo g o . E naóló ii*
f o , fenaõ, que depois dc te haver falvado dc
immenfos males, te tem procurado infini-
Meditaçao L - 277
tos bens. T u d o o que temos na ordem da
natureza, o temos p o r J E S U C h r i f t o j O m - coioC*
ttia per ipftim, £5? in ipfo creata funt\ c o que s*
temos tambem na ordem da G r a ç a , c da
Gloria, a eíTe mefmo Senhor o devemos-,por
elle (omos predcftinados, chamados, c ju(Ti-
ficados, e,fenaõ pofermosn iflo impedimento,
por elle íeremos g lorificad o s: D iv ite s f a f t i i.cor;
e ftis in illo : it a y ut n ib il vobis defit in ulla
gratiii. Q u e feria defte m undo inferior, fe
maõ foflc o S b l? morreriaó todos os viverc-
Jte s:e que feria do genero humano fem o feu
'Salvador? fem elle, feria m elh or para o s h ò -
'mens naó haverem n a fe ia o , pois a fua vida
fó lhes ferviria de morrerem para fempre.
Accrcfccnta a tudo ifio o quanto c u í l o u a
J E S U C h r if to o livrarnos d c tantos mates*,
c o procuramos tantos b e n s : fc o fer noflo
jSalvador n ao lhe houverte c u íla d o mais, q u e
<>pedir a nòíTa falvaçaó por m ercè ao f c u e -
tern o Padre, deverlhehiamos com tu d o iflo
‘ nirm agradecimento, c hum am or infinitoj
c que agradecimento, c amor lhe naõ d eve­
remos \ por nos haver falvado, naõ á for»
Ç* dc palavras, mas a f o r ç a de to rm e n ­
tos , c opprobrios t a e s , quáes nunca ja ­
mais exprrirrtentou ourra pertoa algúa? Se
C h r illo nos q u iz livrar da tyrannia dc lu-
s j ^ • ' - 22
27%
• I v •
Decim o d ia ,
f

ç i f e r , tambem fe quiz fujeitar ao poder das


trevas, e aos miniílros do d e m o n io ; fc quiz,
que vivefTemos nps para fempre, fc iujeitou
a li proprjo a húa morte de C r u z ; fenos quiz
ju ftific a r, c fazem os amaveis ao leu eterno
P a i, co m o filhos feus , elle fc fujeitou a to­
m ar a forma de efcravo,e a figura de pecca-
d o r; e nefta figura, e femelhança fe expo.za
podos os raios da D ivin a [ u ftiç a , apagando
ç o m o leu D iv in o Sangue toda a ira de De-
ps Padre contra nós. P o r t o d o o que virás
em conhecim ento do m u ito , que deves a
J E S U C h r if to j e fe para fatisfazer ao mais
m inim o b e n e fic io , que delle tens recebido,
*n
• aõ bafta toda a tua liberdade i offerccidaem
r '•
agradecim ento, co m que j u f t i ç a , c com que
fidelidade lhe queres tu o ffe re çe rfo húa par­
te delia, e refervar a melhor parte delia' pa­
ra ti ? Finalmente , que mais requer de ti Q
S e n h o r , fenaõ o teu arpor? e ferás tal, que
negueç ao teu R e d e m p to r, que o merece infi­
nitamente,aquelle amor, que com tanta pro­
digalidade empregas nas creaturas,queonap
mereçcm ? C o n fu n d e tc do máo termo, quc
tensufado com o teu Salvador, pedelhe hu­
mildemente perdaõ; procura faberqual he o
fnaior im p ed im en to , quc tc retarda para tc
naó dares toda ao Senhor, e delle húa
f a z e l h e
M editaçao J. 2 79
generofa ofterca, rogandolhc co m toda a hu­
mildade t e d è g raça, para quebrar de todo as
prifocs, que tc ataó com o m undo, paraque
fejas toda fua, c o m o cllc q u e r , c dezeja.
z C on íid éra,.n o fegundo titu lo , p b r que
1
deves amar a E S U C h r i f t o , c hc o fer cllc
Efpofo das almas. E tanto hc ifto vcrdadet
que os defpofovios terrenos ncnhúa co u la
tem taó f u b l t m e , co m o o ferem reprcícnta-
çaó deftes dcfpoforios ccleftiacs. D e t e m t e
pois, cm ponderar as excellentiftimas pren­
das deftc E f p o f o ,e as grandes vcn tag cn s,q u e
á tua alma relultaó delta Divirta U m a ó . H c
o Efpofo taó fo rm o io , que le o podeftes ver
por algum b reve tem p o , c o m o outras almas
lantas o tem v ift o ,d e p o is dc húa tal vifta tc
pareceria, que os rcfplandorcs, que o S o l ef-
palha fobre a terr a ,n a ó e ra ó ,fe n a ó h ú a s fo m -
bras efeuras, c pallidas. A fua alma fantifli-
ma efta cheia *de tanta g r a ç a , que todos os
Santos juntos cm fua com paraçaó naó pare­
cem tamanhos co m o hum graôfinho de a-
rcia a rcfpeito d c t o d o o univerfo; pois cfta
cheio de húa farttidade infinita pella uniaó
pclToal ao D iv in o V e r b o ; de húa graça in­
finita, como cabeça, e chefe d c t o d o s o s h o ­
mens, nos quacs pode fempre, e para íe m ­
pre influir a lua v ir tu d e ; eftá ch cio fem li-
S 4
2.8o T)ec 'tmo dia>
mitaçaÕ de todos os dons do Efpirito San«
t o ; dc todas as virtudes infuíai, c adquiri-
das, quc lhe podem com p etir; de todo o po­
der de fazer m ilagres; de todo o direito de
julgai* os hom ens5 c de todo o domínio pa-
^02* ra difp0** de todas as coufas creadas: Omni*
inibi tradita fu n t à patre meo. T u d o iíto
poffue cm quanto hom em , julga pois, que
thçíouros poíTuirá em quanto D e o s ; e infere
•dc tudo quaõ grandes faó as ventagens, que
haó de refultar á tua alma de hum vinculo
ta õ ditofo, c taõ c f t r c i t o , c o m o o de feres
E f p o ia de J E S U C h rifto . Defta dignidade
immenfa tc aftVgura o m clm o Senhor por
fua palavra D iv in a , p ro m etten d o ted e fedef-
pofar para fempre c o m t i g o por meio da Fe,
e da Caridade : Sponfabo tc mibi in fempiur-
»o. num : Sponfabo tc m ibi in fide. P o r ou tra par­
te, o teu dote naó pode fer m e n o s , q u e todo
o reino dos C c o s , c todos os* bens do Re­
dem ptor. E poderás crer tudo ifto firme­
m en te, e fazer depois tamanho aggravo a ti
mefma, avilitan do tcaapp cteccr coufas tef-
Tcnas ? T e n s hum E fp o lo D i v i n o , q u c nun-
-ca jámais tc pode morrer, c feras taó neícia,
q u e queiras fazer d iv o rcio co m elle, c rom­
p e r efíè vin cu lo , dando a ti mcíma a morte,
p o r meip do p e c ca d o ? N a ó te parece, qup
Meditaçao I. 281
feria bem em p regado to d o o teu fanguc,pa­
ra confervar cíTa uniaó dc caridade entre a
tua alma, c J E S U C h r i f t o , quando elle, pa­
ra a poder mais eftreitar, dco t o d o o f e u f a n -
gue em húa C r u z ? e com tudo ifto ch e g a a
tanto a tua delicadeza, c falta de m o r tih c a -
ça ó , que naó quiferas, que te cuftafte o m e­
nor trabalho, nem a mais le ve vitto ria de ti
mclma, a c o n fcrv a ça ó dc hum taõ g i a n d c
bem. EnvcrgonfTatc de ti mefma* pede per-
daõ ao teu Efpofo Ccleftial das tuas pafla-
das infidelidades* co n ce b e efperança de qUe
tc naõ ha de rejeitar,quando Te chegares a el-
l c , pois te efta convidando a que venhas* c
pedelhe, que te dè forças para d c tal forte
cftares pendente da fua fantiftima vontade,
<juc, obedeccndolhc perfeitamente c á na rer*
chegues a reinar co m elle c tç m a m c n te
ia no Ceo.
3 Confidéra no terceiro t it u lo p a r a fú m -
tpamente amares a J E S U C h r i f t o , que h c o
•cr elle teu uímrgo. M a s fe nós naó fom os
g nos de nos chamarmos fervos í c ú s , c o m o
nos atreveremos a chamarnos feus am ig o s?
c certo, que nos n aõ deviam os animar à
J!nt0\ J c c ^c m efm o nos naó animafte a t o ­
ar cíTe t i t u l o , infundindonos a fua g r a ç a ,
coufas fe requerem paraaam ifadc,c vem
_ » . ' ' a
282 D e cimo d ia ,
a fer mutua b e n c vo le n c ia , e communica*
Ç iô dos bens,que fcpoíTucm-,pello que,quem
po derá comprchender a fineza, com que
c u m p re J E S U C h rifto co m ambos eflesre-
quifitos a rcfpeifo das noflas almas ? no que
toca á benevolência, elle nos tem amado
mais, que nós podiamos amar a nós mcíoios;
mais do que nos poderiaõ amar todas as crc­
aturas juntas, le todas cftiveflcm apaixona­
das por n ó s ; e.mais do qufc todos os Santos
o am aõa elle; elle nos amou em todos os in­
flames da fua vida,cncaminhándoos todosao
noflo b e m ; .amounos ate a m o r t e , dando
p o r nós húa vida taõ p r e c io fa , que fó hum
inftanre delia valia immenfamente mais,qu«
todas as vidas crcadas. E para nos comnui*
nicar rodos os feus bens, t o m o u fobre fito*
dos os noflbs m a le s , e le q u iz fazer feme-
lhante a nós, para nos levantar a hum efta-
d o de tanta fem elhança c o m e l l e , que fol-
fc capaz de húa verdadeira amifade. O h que
immenfa felicidade he efta para ti , fe a fabei
c o n h e c e r ! S e quem acha hum am ig o , acha
hum chefouro,que thefouro ferá oq ueacha,
quem tiver ao mefmo D e o s por amigo? fc
podefles achar o u tro a m ig o m e lh o r , tenas
razaõ em deixar a J E S U C h r i f t o , mas fc e-
ftc Scuh or he naõ fomente o m elhor, mas o
uni-
M editaçao
s
1 .
linico cm nos amar dcfimereflada, im m e n ­
fa, c eternamente, que efeufa poderás achar,
para juftificar a tua frialdade em o am ar?
Q u e diraó todos os A n jo s , depois de h ave­
1
rem vifto ,e obfevvado tantas finezas dc E S U
Chrifto para c o m t i g o , que quaíi lhes p o ­
d e r i o caufar cium cs, fe virem ao depois a
hüa alma taõ in g rata, que o deixa p o r hum
nada? C o n fu n d e te d c te ter íuccedido tantas
vezes efta defgraça, de tc haver amado tanr
t o a ti mefma,quCíes a fonte de toda a m ife-
ria, e taõ p o u c o a C h r if t o , que he a fon te
de todo o b e m ; c fc naó podes amar a e f t e
D ivin o A m i g o t a n t o , quanto elle m erece,
ámao pello m e n o s , quanto poderes, o u ao
*ncnos dezeja amallo quanto te for poílivel j
julga pella maior d efg raça o faltares ao l e u
amor; ç pedelhe unica, e inccflantemcnte te
«oncçda a m ercè de o amar fempre mais d o
que a ti mefma, e dc naó amar a o u tr e m , fe»
a elle.

M E-
284 Décimo d ia ^
M E D I T A Ç A O II.
Para o d écim o dia dos E x e r c íc io s . .
SOBRE O S < D E S I G N I O S T )E
Chrifto em tn jlitu ir a E k c h a r ijiia .

1 O n f íd c r a , cm ordem a te acccndcr
V^-/ no amor de J E S U C h r i f t o , nos tres
amabiliflimos defignios, que teve na inftitui-
ç a ó da E uchartflia,quefòraó, vive r comnof-
c o , v i v e r para nos, e viver em nós. F o i po­
is o primeiro defignio 0 v iv er comnofco.
Q u e m ardentemente ama a húa pefloa, cu-
italhe muito o apartarfe delia; e aflim, o nol-
fo amantiflimo Salvador, havendo eftado na
terra trinta; c tres annos, lhe pareceo muito
b re v e efle tem po para fatisfazer ao feu amor
■para c o m n o f c o ; pello que, havendo de par­
tir para fubir ao C e o , achou eíte modo ad­
mirável de fioar-tambem* na terra, naó repa*
rando em inverter todas as leis da nacureza
c o m milagres inauditos, cm ordera a fatif-
fazer ao feu ardente, dezejo de ficar comnof­
co. Pondera hum p o tic o , quaõ extremofo
foi efte amor, pois havendo por húa parte
farisfeito j a á obrada R e d e m p ç a ó humana, e
r e p rcíenrandofc por outra a lua D i v na vi-
íta todas as irrevercncias, todos os defpre-
Meditaçao II. 28 Ç
Zos, todos os facrilcgios dos infiéis, h cregcs,
c máos Chriftaõs para com o A u g u ftifiim o
Sacramento, quiz c o m tudo vencer t o d o s
cfles obftaculos, e permittir fe trataííe taõ
indignamente o feu Santifiimo C o r p o , c o m
tanto, que chegaíTe a ter fempre o leu thro-
no nos altares dos noíTbs co raço cs. E c o m o
afiini? falta por ventura a nofio R e d e m p t o r
lá no C e o a lg ú a parte da lua felicidade, pa­
ra a vir procurar cá na terra entre n ó s , c a
compralla, fofrendo o m áo te rm o , com q u c
he tratado pellos homens ncftc feu cftranho
modo de pro ced er? N a verdade, que fc o
nofio amor lhe fora a C h r i f t o ncccíTario,pa­
ra fer com pletam ente ditofo, naõ ic podia
moftrar mais anciofo cm o p ro cu rar, c c o m
tudo iflfb naó acaba dc c o n f e g u i r q u e o a m c t n
os ingratos, depois dc tantas, c taó D iv in a s
invenções para cativar os noflos c o r a ç o c s .
E tu, depois dc C h r i f t o fc haver hum ilhado
tanto por teu amor, recufarás tam bem c o r -
rcfponder ao feu am o r? N a õ o vifitas,fenaõ
dc pafiagem, c poucas v e z e s , caufatc faftio
ocftares hum p o u c o dc tem p o c o m e lle , e
cm todo o dia naó achas hum p o u c o de t e m ­
po, para lhe pagar efte t r ib u to , c o m o a teu
Soberano? Sc aflim h cf os D iv in o s favores,
c os çxccflos do am or dc C h r i f t o para com.
tua
±86 Uecimo àidi
tua alma te naó fcrviráó dc outra couía* fe­
naó de fazer, que c re fça até o lum m o a tua
in g r a t id a o , cftimarido em pou co os benefí­
cios, iómente porque faõ exceflivos. Con-
fundete pois no acatamento do teu Ei pofo
Celeftial* pedelhe perdaó da tua ingratidaó;
rogalhe, que fc cfqueça da tua tibieza, etc
d ê g raça, paraque, fc elle poeni as fuas deli­
cias cm cftar c o m n o f c o , tu naõ tenhas tem­
p o mais g o f t o l o , que o que empregares em
afliftir na fua prefença facramentada.
z C on fidéra no fe gu n d o defígnio de J E ­
S U C h r if to na inllicuiçaõ da D iv in a Eu-
chariftia, que fõi o v iv e r para nós. Por iíTo
eftá continuamente amando a iéu Padre Ce-
lettialnos noíTosaltares para fupprir as noíTas
faltas, e a elle fe óffcrecc continuamente da
nofla parte, c o m o ch efe da humana naturc-
fca, e nos o ffe fc c c tambem a todos nós os fe­
us bens, co m p adeccndo fc da nofla pobrezay
c das noflas mi ferias, c ncnhúa outra cou-
fa dezejando mais, que darnos a fi mefmo
lo d o . P o r iflo tambem fc tem p o fto cm hum
cftado de v i & i m a , paraque a fua Igreja,pof
m eio da Santa M if la , pofla fazer a Dco*,
tantas, e tantas vezes cada dia, hum obfe-
q u io digno de fua infinita M agcftadc* lhe
p o fla agradecer os feus D iv in o s benefícios,
, *. quao:
Meditaçao II. 287
quanto ellcs merecem* polia fatisfazcr cie
todo á lua D iv in a J u ftiça pcllas noflas c u l ­
pas* e poíía finalmente alcançar dc lua libe­
ralidade todas as graças, c mercês por meio
dahíia maneira de om nipotencia,quc hc fun­
dada nos merecimentos do R e d e m p to r. E
quem fc houvera animado jamais a lhe p e ­
dir tanto, quanto elle liberalmente nos tera
dado? H e p o íliv e l, que elle tçnha padecido
as feridas, c que nós experim entem os a fau-
de* c que elle tenhíf lofrido os torm entos,
para nós gozarm os do fruto, q u ed eljrs fe ti­
ra ! H c poílivel, que naõ tenha C h r i f t o J f i ­
a i/ tido por fuflicientc o morrer húa v e z
por nós no C a lv a r io , fenaõ que rornaflea re­
novar todos os dias cm toda aterra efic g r a n ­
de facrificio, morrendo m y ft ic a m e m e innu-
tneraveis vezes, para nos certificar,que eftaria
prompto a morrer outra$ tantas na realida­
de, le aíTim fofTc ncccíTario para o nofio bem !
E depois de todas cilas d em on ílraçoes, que
Jenha fido o Senhor tratado por nós, c o m o
*e foílc defconhecido! c naõ ientes t u n o c o -
*aÇaõ os aggravo s, que lhe f a z e m , c afliftes
a reprefentaçaõ da lua P a ix a õ , e M o r t e , c o -
mcj fofles de pedra ? hc b e m , que o teu E l -
polo haja dc fer mais dcíprezado por ti, por
,c Ccr feito os maiores bens ? S ó o lembrar*
fc
288 Decimo d ia ,
íc* C h rifto dc ti lá na g l o r i a , devia bailar*
para que recompenfaffes cua memória co m
h ú a eternidade de obfequios* e c o m tudo
iflo , depois de fe elle pôr cada dia tantas ve­
zes nas inaós dos Sacerdotes em aóto de fa-
crificar a lua vida, para te alcançar todo o
b e m , tu tc efqucccs d e llc , e tc portas com
friald adcem o amar? E nvergonhatc da tua
infcnflbilidadg a tantos cxceflbs do Am or
D i v i n o ; pede ao Senhor humildementeper-
d a õ j propoem dc afliftii* co m n o vo eípirito
aos D iv in o s M y ft c r io s , e dc tc fazer cada
dia viélima de m o r tifica çã o em honra de
Deos*, rogandolhe, que pois todo o feu go-
l l o hc achar em fuas crcaturas agradecimen­
t o ,c amor, te dè efle amor, eagradecimento,
x para lhe tu dares g o f t o , e contentamento.
3 C o n íid é r a n o terceiro d c f ig n io d c J E S U
C h r i f t o na inftituiçaõ do D ivin ifljm o Sa­
3
cram ento, que foi <e v iv er em nós. N a õ ba­
i lo u p o is á fua incompreheníivcl caridade o
querer viver c o m n o f c o , e para nós, fenao
que fe quiz unir taõ d ire ita m e n te comnof­
c o , que eftivcfle dentro de nós, e trocando-
fe em co m ida, recreafle a hum meímo tem­
po a nofla alma, c ennobrecefle tambem 3
nofla carne, fárandoacom o íeu D iv in o C o r ­
p o dc todas as fuas chagas. O h humilda-
Meditaçao II. 289
d cp ro d igio fa do nofTo D e o s , para nos fazer
tanto bem ! Poderia cllc p o r ventura fazer
mais, fe nos o houv cramos remido a elle, c
poiko a coroa na fua c a b e ç a , do que d a m o s
a fua mefma carne para e s fo r ç o , naõ fo da
alma, mas do mefmo corpo? A alma cm fim
hc p u ro c lp irito , hc com panheira dos A n jo s ,
e Imagem da Divindade*, pcllõ que naó pa­
rece taó e xce flivo o am or de J E S U C h rifto *
cm íc unir co m ella * mas quaó cftrcm ofo h c
o am o r, que une o feu D i v i n o C o r p o c o m
o noíTo, ch ag ad o ,m ileravcl, e tantas vezes re~
4
bcldc íua D iv in a vo n tad e? Se tive fle m o s
raígado por feu am or as nofTas carnes c o m
toda a forte de penitencias; fe tiveftemos e n ­
cravado por feu amor os noíTbs m em bros c m
húa cruz; naõ feria tanto para a d m ira r, que
cllcs gozaflem de hum privilegio taõ e m i­
nente, co m o o dc fc unirem com h u m D e o s
Sacramentado; mas que fe una c o m elle a.
nofla carne, depois dc lhe haver feito antes,
0 dcpois, grandiffimos a g g r a v o s , e x c e d e to-
d a a humana p o n d e ra ça ó ! Q u e fentim ento
pois naõ terá o R c d c m p ô r , ( e depois dc tan­
tas dctnonflraçoés de am or, depois de tantas
invenções,c de tantas finezas,e de húa b o n ­
dade taõ immenfa, que c o m t i g o tem ufado,
te achar ainda tibia c m o amar ?fe achar, que
- — m
T _________ ain-
290 Décim o dia ,
ainda te parece licito o víveres co m apego ás
coufas creadas? fe a ch a r , q u e , depois de te
unires tantas vezes á fua facrolanta H u m a n i­
d ad e , tc abates de hum po íto taó eminente,
para te abraçares c o m o lo d o : Q u a n d o pois
ha de ch eg ar aqtielle tem po, em que comeces
h ú a vrda digna dclTa D iv in a U n ia ò ? fe ain­
da naõ c h e g o u , tu cs quem tem a cuipa. C on -
fundete pois, c humilhate até o profundoda
tua miferia * propoem dc corrcfpondcr a rcu
D e o s de outra forte* c^rogalhe, que tc pu­
rifique 9 c o r a ç a õ dc m aneira, que feja d ig ­
no dc le u n ir co m elle, co m o cllc mefmo dc-
zeja,e que fique o teu co rp o firmemente lan­
ei ficado cfcm o c o n u ó t o de feus Divinos
m em bros.

M E D I T A Ç A O III.
para o decim o dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E OS B E N E F Í C I O S RE■
cebidos do Senhor, em ordem d
nos mover ao feu amor.
x O n f id c r a a larg u cza da D iv in a be-
V « i ncficiencia para c o m t i g o , a fua al­
teza, e a fua extenfaõ, c c o n tin u a ç a õ , cm
or-
JMeditaçao III. 291
ordem a m o vcrcseflica zm en tc o teu coraçaó
a amar a teu D e o s t e confidcra primeira­
mente a fua L a rg u e za , e liberalidade, que
comprchendc em fi innumcraveis b e n efíci­
os. Sc os quifcíTcs contar todos, haveriasde
contar, húa por húa, todas as creaturas d o
univerfo, as quaes foraõ feitas por teu a m o r,
ou paraque tc f a ç a õ v ir no co n h ecim en to
do teu D e o s ; tambem haveriasde contar t o ­
dos os inilantes da tua vida , e m u ltip lica i-
los tantas vezes, quantas faõ as graças natu*
racs, e fobrenaturaes, que nelles recebes a
cada momento. N e m pâra aq u i, haverias
tambem de contar', o que naó tem n u m ero,
como todos os inftantes da eternidade, que
ha de vir, em os qu aes, fc o Senhor te nao
confervafle, ou livrafie, ha vias d c perecer
parafempre no in fe r n o , apartada para fe m -
pre do S u m m o B e m , e f u m c r g i d a para fe m -
ptc no a b y fm o de todos os males. E l l e he
° exercito, que tem p o í l o cm c a m p o o n o f -
fo D co s, para e xp u g n a r a tua dureza, ccrran-
dote por toda a parte c o m as fuas m ifericor-
dias, cm ordem a que tc acabem de render,
c f u j c i t a r a c l l e : Coronat te in mifericordia, r u i ; ,
tniferationibus: mas que feria,fcaind ah um
exercito taõ grande naõ baftaíTc para te v e n ­
cer, c iujeitar? q u e p ro d ig io feria c m t a l c a -
T 2 fo
292 D écim o dia,
fo mais para adm irar, ou que hum Senhor
taõ grande houvcffe por bem empregadas
tantas torças para render a liberdade dc húa
taó mifcravcl crcaturn, ou que húa creacura
taõ mifcravcl prevaleccíTe tanto co m a íuali­
berdade, que podcíTc rrfillir a tantas forças?
E fc ao menos cíTa mifcravcl crcatura foílc
igualmente ingrata para todos* mas naó* por­
que,fc. outrem lhe m o ílra bo m r o fto , ou lhe
d i z húa boa palavra , iíío b aila para fc dar
p o r obrigada, quando fe naó dá por vencida
pello feu D e o s , a poder de húa tal multidão
de benefícios, que naõ tem n u m e ro ! E co ­
m o te atreverás tu a levar ella reprehcnfaój
quando te acharcs no tribunal D i v i n o , para
dar co nta, naó fó das culpas, que tens com-
m e ttid o , mas dos b enefícios, que tens rece­
b id o ? e iíTo labendo tu m uito bem, que ha
d c comparar entaó o Senhor o teu procedi­
m e n to com o feu, e te fará reconhecer a c-
jiormidadc da tua ingratidaõ, á v iíla da fua
bondade. C o n fu n d c tc pois a g o r a , e confcl-
fa, que, fendo a criatura mais obrigada aos
D i v in o s benefícios, cs a mais dcfconhecida,
c ingrata* propoem cffícazmentc dc mudar
d c c í l y l o para co m o Senhor, rogandolhe
co m grande inílancia, que pois elle fc nao
jcanfa em tc fazer b em , tc d c g ra ç a ,p a ra co?
me-
M e d it a ç a o III. 293
meçar ja a fervillo dc c o r a ç a õ , c para mm*
ca tc canfar cm fazer a fua vontade.
* 1. C o n fid c ra a a lteza , e eminência da D i ­
vina bencficcncia para c o m t i g o , c v c íe tc
achas co m animo de medir a lua altura. P a ­
ra a medir porem ao j u f t o , h c ncccíTario m e­
dir tres infinidades*, húa hc a infinita dign i­
dade de quem co n fere os benefícios* a o u ­
tra he o infinito defmerecimento- de quem os
recebe * c a terceira he a infinita, grandeza
dos mefmos benefícios, que temos recebido.
Q u e coufa mais eílrnnha, q u c o ver a h u m
T)eos de infinita iMageftade p ô r os olhos cm
húa criatura, taõ vil por n a fc im c n to ,ta õ de­
pravada nos c o f t u m e s , c d c co r a ç a õ taõ in«*
grato, c o m o tu es ? Q u id efl hoUio? aut qtiid Job.
apponis erga eum cor tuum ? E c o m tudo i f - 7* I7#
lo, aquclle grande S e n h o r , naõ fó poem os
olhos neíTa m ifcravcl c r c a tu r a , mas po em
tambem nella o feu c o r a ç a õ , c o m o fc ella
foíTe o feu thefouro* fazlhc d o a ç a õ de todas
as crcaturas, e depois dc lhe ter dado todos
os fcus.bcns, fe dá ta m b e m a fi m efm o, e faz
de fi proprio húa c o m o frecha, para lhe traf-
pafiar o coraçaõ. E alem difio, c o m o f e t u -
do quanto lhe tinha feito aidda fofie p o u c o ,
lhe pede húa, e mil vezes o c o r a ç a õ , o p r o ­
cura attfahir c o m rml prom eflas, c chega
T 5 co-
294 'Décimo d ia ,
c o m o a obrigar a quc le llie entregue com
mi! ameaças, quando naõ co nfeguc a poder
dc benefícios o que pretende. D i z c m e i u a -
g o r a , e que mais podia fazer o S e n h o r , fe
a íua felicidade dependefíe dc te fazer bem,
e de fer amado por ti? A índ aque elle naõ
merecefie por fuas infinitas prendas, que lhe
déíTcs o teu co ra ça õ , naó era bem que lho
entregafles, pois elle o quer com prar por
h u m p r e ç o taõ fubido? O h quaó defgraça-
da he efía tua liberdade, que havéndofete da­
d o para te íujeitarçs g o ílo fa m cn te á vonta*
de do teu D e o s , a tens em p re g a d o fomente
em lhe ròjfíflir’? D e tc fta mil vezes efTa def-
ordem * confundcte da tua in g ra tid a õ j re*
fo lve tc a tc pôr naquellc c í l a d o , em quc te
quer D e o s co m tanta eflficacia, qual he o ar
mallo unicam ente'a elle fo b ie to d o o bemj
repara p o r é m , que o amallo fobre tudo o
que hc bom , naó confifte em dezejar gozar
das fuas delicias na oraçaó* porque iíTo hea-
m arte a ti mcfmai o amar verdadeiramentea
J R S U C h r i f t o , confifte em abraçar a fua
C r u z por feu amor* e em lhe teftemunhar o
teu affcéto, padecendo co m a le g r ia , e me­
recendo por cíTe meio o au g m e n to do feu
a m o r para c o m t ig o . R o g a finalmente ao
S e n h o r , quc ja que lem elle o naõ podes a*
mar,
Ãdeditaçao III. 295”
mar, accrefcentc aos mais b e n e fício s, o que
he o cu m prim ento dc todos, que he o dom
do feu amor, por meio do qual, fe o teu a-
gradecimento naó for pro po rcio n ad o aos fe­
us b enefícios, feja ao menos proporcionado
á tua capacidade.
3 C o n fid c ra a exte»çaõ, e continuaçaõ d a
D ivin a bcneficencia para c o m t i g o , cm o y t
dem a tc acabar dc render a feu benep láci­
to, c vontade* pois fe para iflo baltára hum
fd inflame das fuas m ifericord ias, quanto
mais h a d e baflar toda húa eternidade? B e m
poderás vir em co n h e cim e n to do p rin c ip io ,
quando o Senhor c o m e ç o u a tc fazer b e m ,
mas naó poderás defeobrir o p rin cip io , em
que c o m e ç o u a t e querer fuzeu bem ; porque
ab aterno determinou dc te n m a r,e d cfd e ab
aterno form ou a planta dos b enefícios, que
tc queria fazer. O s benefícios pois, que de
Deos tens recebido , faó eflfeitos de hum a*
mor fempiterno, e por iflo tc poctn na m cf­
ma o b r ig a ç a ó , que fc os tivefles g o za d o pop
hüa eternidade. E. he tambem.» eterna efla
bondade, e mifcricordia dc D c o s para c o m ­
tigo ainda para o f u t u r o : M ifericordiaautem
Domini ab a terno, £5? ufque in ater num•, por-
qnc o Senhor naó tc contenta coni m e n o s , 17’
que com tc fiz e r-p a r tic ip a n te para fetnpre
T 4 no
296 ~Decimo dia,
no C e o cU fua mefma felicidade. Antes bem,
fe afTim co m o cite S e n h o r , encaminhando a
h u m fim taó alto, co m o fica d i t t o , todos os
b e n s , que c o m t i g o reparte cm todos os in-
•Jlantes da tua vida, foubefTes tu tambem fa­
zer delleshúa cx a & a anatom ia, acharias cm
jqualquer deíTcfr benefícios o C e o , c defeo-
bririas nellc tanto b em , quanto vale o gozar
d o S u m m o B em . O h D e o s , igualmente-in-
c o m p rc h e n íiv c l na c fle n c ia , que na benefi­
c ê n c ia I c que maior infelicidade pode haver
•para húa alma, que o naõ lhe querer cor-
,refponder! que maior injuftiça pode haver,
que a de querer repartir o c o r a ç a ó entre
(Deos, e as crcaturas, quando quem tivefie
infinitos c o r a ç o c s , naõ podia fer baftante*
m e n te agradecido ao Senhor, aindaque lhos
ofrereceífe todos cm f a c r i f i c i o ! T u certa­
m ente deves efperar, que has algum dia de
g o zar no C e o do teu u ltim o fim, que he ver
ao Senhor r o ft o a roífco* porem fe algum dia
p o r tua d cfg ra ça houveífes de ficar privada
deífa vifta, e condenarte, podes defde agora
c o m e ç a r a te condenar a ti m e fm a , e a con-
feflar , que he pequena pena a do inferno pa­
ra caífigar tanta ingratidnó, e q u e q u eriasp a-
d e c ç r tantos infernos, quantos faõos benefí­
cios, que tens r e c e b i d o , fe te naõ refolves a
ac;
Jideditãçao III. 297
rccompenfallos co m hum agradecim ento taó
lim itado , c o m o hc o a m a r , c eftim ar fobre
to.das as coufas a teu S u m m o B o m feito r. E
quc feja poílivel, quc cm lugar dc agrad eci­
mento aos feus benefícios,fc haja dc ver fem ­
pre no m undo efía m onílruofídade de crel-
cercm cada dia cm num ero as tuas oífenfas
contra elle? H c poílivel , q u e quando tarçtas
oftcnfas naõ impedem a D e o s o fazerte tan­
to b e m , e lle tc naõ im p e ç a a ti dc o d c f g o -
ftar? C o n fu n d c t c pois da tua pafíada frial-
dade, e acccnde cm ti hum fanto ardor de
caridade para c o m o teu E f p o f o , c ja que o
fer d e lle ta õ amada, c acariciada naó fervirá,
fenaõ para fazer mais horrenda a tua ingra-
tidaõ, pedelhe, q u e te d c g r a ç a para I h e c o r-
refpondcr, e que honre c o m efía g r a ç a todos
os m erecim en to s,qu e t e m ,p a r a f e r a m a d o ,
c eílimado por ti.

M E
298 D é cim o d ia ,
1 M E D I T A Ç A Õ I V.
Para o d cc im o dia dos E x e r c i d o s .

M O T I V O S T A R A E X C IT A R
em nós 0 Amor de T)eos.
I Onfidéra, cm ordem a te abrafares
\ ^ j toda 110 amor dc D e o s , tres excel*
Tos de feu amor para c o in tig o , que iaó, o
havernos. amado,(cm q u c para iflo prcccdcl-
fc occafiaõ, fem que niflb haja lim ite , fem
q u c haja da nofla parte correípondencia. A -
mounos pois o Senhor, fem occaftaõ, tanto
da fua parte, c o m o da nofla. D e parte do
S e n h o r , que maravilha naó he, quc cllcam e
a l g ú a coufa fora dc fl, quando em (i meímo
contem todo o bem c o m o hum Oceano
de toda a perreiçaó fem limiçò? Quanco
mais, que D e o s naõ tendo mais que hum fó
am o r, em nos querendo amar, he precifo,
quc nos ame com o mefmo a m o r , co m quc
ama a lua D ivin a cflencia, voltando tambem
para nós aquella fua immenfa caridade, quc
cft á taõ felizmente occu pad a na co m p la c ê n ­
cia dc luas próprias grandezas. T a m b e m
crcfce efla maravilha pello que toca a nós,
pois naõ ló nos amou o S e n h o r , fem algum
' ' nicre-
Meditaçao IV. 299
merecimento antecedente, mas c o m g ra n ­
des demeritos precedentes, c ftibfcqucntcs,
com o peccadores, e in g r a to s , que lo m o s , c
por ifio fó dignos de lermos por e x t r e m o
aborrecidos. S c fc tem achado a lg ú a v e z ,
que hum Senhor grande fc tenha abatido a
amar a húa clcrava , iíTo em fim í u c c c d e ,p o r
cila fer fo rm q fa , affavcl, c obediente. M a s
naõ hc afiim a humana natureza, porque, a-
lcm de fer eferava de Satanás, he louca, e-
Aropeada, chcia de chagas hcdiondifiimas, c
condenada por. fuas culpas a hufn eterno h ip-
p licio : e c o m tudo ifio o S u p re m o S e n h o r
do C e o , c da terra a amou taõ ardentem en­
te, que, á e u ft a d o feu D i v i n o S a n g u e , a tem
querido láia r,a for mofe ar, defpofarfc c o m el-
ía ,c f o f r e r o s maiores o p p ro b rio s, pella fazer
participante de húa g lo ria fempiterna. N a õ
tem entendim ento,nem F é ,q u e m naõ p a f m a i
vifta dc hum p r o d ig io taó grande, que lo fe
podia achar no c o r a ç a õ de D e o s , q u e he in-
com prchenfivel, tanto no feu fe r ,c o m o no feu
amar. M as fc tanta a d m ir a ç a ó c a u fa o querer
Deos am araos homens, quanto ferá mais pa­
ra admirar, q u e os hom ens naõ queiraõ amar
a D e o s ? que haja de a m a r o S u m m o B e m ao
noíTo nada, e q naó haja o nofio nada de amar
ao Summo B e m ? que c llc haja ab attrno fi­
xado
300 T )ecim o dia,
x a d o em ti os amorolos olhos da fua imment­
ia caridade, c que te poflas tu cfq u e ccr do
feu am o r? c para quem guardas tu o ttíuco-
r a ç a õ , fc o naó dás a quem ranco o m erece,
e a quem tanto o procura para teu m efm o
b e m ? fc tu tivefles hum aflre&o im m enfo, ò
devias em pregar todo cm r e c o m p e n fa ra b e -
nevolencia de húa Mageftade-taóincomprc*-
henfivcl para tom tig o-, c tendo tu hum af-
f e & o taõ lim itado, c taó p o u c o c x tc n fo ,q u c -
rcrás ainda repartillo entre as creaturas, e
dar ao Senhor fom ente húa parte d c l l e ? O h
naõ feja aflim’, percafe tu d o o que fc perder,
a honra, a co m m o did ade , e os paflatempos
pcrcaõfe em bora, ainda mil m u n do s, íb òs
houvclTe, para corrcfnonderes daqui em 'd i ­
ante ao teu D i v in o E f p o f o : offerecetc toda
a elle c o m húa total rcíignaçaó na fua D i v i ­
na vontade* pedelhe perdaõ dc te haver al­
g ú a vez apartado dclla* e r o g a lh e , que te tro ­
que efle c o r a ç a ó taõ duro, c taõ ingrato,em
b u tf o coraçaó femelhante ao feu, que he taó
n o b re , taõ terno, e taõ amante teu.
*' z C o n fid c r a e n r outro e x c eflo d o amor
D i v i n o para c o m n o fc o , que h c , o havernos
b Senhor amãdo naó fó fem cauía, ou o cca -
Sap. (laõ, mas tambem fem termo\ quem fez t o -
• das as coufas c o m medida, Om nia in menfu-
XX. Z í

còw raf
M e d ita ç a o IV. 301
ftf, cx ce d co todas ns medidas, c iodos os li­
mites cm nos querer bem. B e m elaramente
fc v è e í l c ex c cflo aoconfidcrar o m u ito , quc
nos d e o , c o m u ito , quc por n ó s fo fr e o . E m
o dar, nnó fc contentou co m menos,que c o m
fc nos dar a fi m efm o , neflc m undo por g r a ­
ça, e depois lá no C e o por g lo ria , onde quer
trarar a alma co m tanta m agnificência, c o ­
mo fe a alma fora o u tro D eos. l i cm quan­
to ao que por nós padccco, deo to d o o feu
fangue, fendo fuperabundante hüa fó gotta
delia; e fendo iüpei abundante o morrer por.
nós de húa a le g n a inaudita, c fc o lh c o m o r ­
rer entre mil tormentos, accrcfccntando a
taõ graves penas o utros maiores dezejos dc
padecer mais. E m fim o fazem os b cn c fici-
cios naó defdizia da fua immenfa bondade;
mas paraque cra a juntar aos benefícios t o r ­
mentos taó e xce íllvo s? e a c c r c f c c m a r a c f l c s
tormentos taõ cx ccflivo s os dezejos de p a ­
decer muito mais? E quando efte m o d o de
nos amar taõ fem lim ite p n rcccq u c b a ila v a ,
para nos dar a entender, quc to d o o feu b e m
dependeria do nofio, he c e rto , que a noíTa
condenaçaó eterna lhe im porta m e n o s , q u c
tmportaria a hum M o n a r c a de to d o o m u n ­
do o queimarfe húa pequena b o rb o le ta cm
andando á roda de h ü a lu z . A* vifta pois
deites
302 "Décimo d ia ,
deites excefTos de caridade, que defeulpa has
tu dc dar da tua frialdade cm amar ao Se­
n h o r? D eos tem co m p ra d o mais caro o teu
am o r, que o de todos os A n jo s , e depois de
lhe haver c u íta d o tanto, ferá p o lliv e l,q u e o
naõ pofTua in teiram ente! E tu, que deves
mais a teu D c o s pello que elle padecco por
li, que todas as G eratquias dos Anjos bem-
aventurados, naó ficarás pafmada, vendo,que
ie acha em ti húa ingratidaó, que fc naó a-
cha nos mcfmos dem onios? Q u e mais po-
dias querer fizeíTe o Senhor, para lhe confa-
grares toda a tua liberdade ? naó tc tem elle
fufticientementc enriquecido ? naó fe tem ba-
ftantemente hum ilhado? naó tem padecido
baflantemenre para merecer, que lhe faça9
eíTe facriíicio? R e para b e m , que aqui naó
ha m e i o : q uem rccufa de arder íuavemente
nas chammas da caridade nelte mundo, ferá
f o r ç o f o , que arda c o m dcfcfpcraçaó nas
chammas eternas no outro* e quererás tu,
que, para amar a teu D e o s , devias, fe ncccf-
fario fofle, renunciar a húa felicidade im-
menfa, efeolh er, pello naó amar, húa mife­
ria infinita de cu lp a, c pena? muita nefeia
icria, e m uito lamentavel húa efeolha feme*
lhanre; pello que te has dc o ffe r e c c r d c c o l -
lo c a r daqui p o r diante em p r im e ir o lugar a
von-
M e d ita c a o IV. 303
vontade do Senhor, c o m o elle m erece, no teu
coraçaó-, detefta a in ju íliç a , co m que lens
repartido os teus affcftos entre as creatu-
ras, e o Creador-, dezeja amallo mais, c m a­
is, fem termo, pois o m o d o de o amar, he
amallo lem limite* c pedelhe, que havendo-
fe obrigado taó lolcm ncm entc a o u v ir as t u ­
as p e t i ç õ e s , cum pra agora a fua D i v i n a pa­
lavra, dandote o feu a m o r , que lhe pe d e s, c
dezejas pofluir mais, que nenhum outro b e ­
neficio feu. < .
3 ConGdéra no r c rc c iro e x c e íT o d o A m o r
D iv in o para c o m n o f c o , q u e h e o h a v e m o s
amado, naó f ó fem enufa, c fem term o, mas
tambem fem corre [pondcncia. S ó o elq u cci-
mento dc taes e xceflo s podia ba fiar p araef-
friar dc todo a D i v i n a Caridade* e quanto
mais poderia baftar para iflo o prever as of-
fenfas, que lhe haviamos de fazer, e o abufo
intolerável, que haviaõ dc fazer os homens
do feu amor ? Q u e benevolência pois naõ
tem fido a do S e n h o r , em naó ter d eix ad o
apagar as chammas da fua caridade pella cor-*
rcnte de tantas c u lp a s , e dc húa ingratidaõ
tao horrível ! N e c flum ina obruent tllam . C a n r.
7 . *•
Volta agora os olhos fobre ti m c fm a , c re ­
para que lugar tens até agora tid o entre os
mg/atus* e vè fc queres ainda efiar m uito
tem -
304 D ecim o dia ,
t e m p o , ou perfeverar toda a vida em húa
ingratidaõ taó dcfagradavcl a teu D eos? Se
te contentas c o m húa virtude v u l g a r , c c o m -
m ú a , viras a defpvezar o e x c c fio do amor
d o Senhor para c o m t i g o , e farás, com quc
fiquem inúteis todas as amorofas traças,quc
elle tem ufado para de to d o tc conquiftar o
c o r a ç a õ . E ia pois, naõ tardes mais, faze, o
que tanto tem po ba devias de ter feito; ot-
ferccctc toda ao teu E l p o f o , e dálhe a cha­
v e do teu c o r a ç a õ , paraque lance fora deile
a todos os feus inimigos; adverte, quc Deos
naó quer nem co m p e tid o r, nem companhei­
ro; e aíTim,(c queres eftreitar o laço de húa
perfeita amilade c o m e l l e , naõ has de amar
as crcaturas, fenaõ nelle, e por elle. Com
D e o s he,quc has de converfar familiarmente*
co m elle h e ,q u c has dc tratar os teus negó­
cios; da fua gloria hc,que unicamente tchas
de a le g r a r ;c entriftcccr fomente pellos teus
pcccad os, c pellos dos outros. D itofa de ti,
fc fizefícs efte p a tto , e o oblcrvaíTcs fempre
da tua parte, com fidelidade, excrcitandotc
continuam ente em a& os dc am or de Deos,
porque,fendo efla chamma Celcftial hüa par-
tic ip a ç a ó do D iv in o E f p i r i t o , fará quc fe­
ias roda cfpiritual, tc d cfpcgará do amor dc
ti mefma, e tc unirá c o m o S e n h o r , coniu-
min*
Meâitaçao IV. $o £
fftíndo em b re ve te m p o eflas paixoés defor-
denadas, que c o m outrós meios naó acaba*
rias dc vencer cm m uito tem po. Seja pois
efte p ro p o fito o principal de todos os teus
propofubsj feja eíte dezejò o principal dir
todos os teus dezejos* e feja a f u m m a d c t o ­
das as tuas o ra ç o é s o amar perfeitamente a
teu Deos* dizelhe hüa* e muitas vezeé, q u e
fe tu cs húa ingrata* elle hc hum D e o s d e
miíericordia* q u e fe naó deixa ven cer pcl*
los ingratos, e que* fc tu o m ó mereces a*
mar, elle m erece fer amado infinitamente;
c concluirás c o m aquella O r a ç a õ dcvotiíli*
ma de Santo I g n a c i o .

Ufcipe j D o m in e, vniverfam libertãiev%


S
■ meam * accipe memoriam, intelle&um 9
& voluntatem* quidqnid babe o t v e l pojjideo ,
tu mihi largituses\ id totum tibi rcJiituoy ac
tua prorfus trado voluntati gubefnandum\ a -
morem tui folum \ cum grafia tua mihi dortes,
(3 dives furn fa tis 3 nec quidqnam aliud u lfrà
JtyC9.

V L V
306 Primeiro dia,
0 %

L IÇ A Õ E S P IR IT U A L ,
* Para o primeiro dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E A V I R T V D E TOA F E .
Verdadeira riqueza das a lm a s , a fua
nobreza verdadeira,c a lua bemaven-
tu r a n ç a nelta vida mortal , hc a virtude.
B alta dizer, que fe agrada D e o s delia tanco,
q u e apremeia ate a lua f o m b r a , ate a fua i-
m s g c m . P o rq u e, que outra cou fa foraó as
virtudes dos antigos R o m a n o s idolatras, fe*
naõ húa mera imagem da verdadeira virtu ­
de, pois fe cncaminhavaó ió m cnte ao bem
tem po ral da vida c iv il, e craó unicamente
v i c io v c ílid o com capa dc virtude, pois íó
íe d ir ig ia õ , nem tinhaõ o u tro fim ,o s que as
obravaó, que o amor da gloria mundana ?E
c o m tudo iíTo, c o m o d iz Santo A g o it in h o ,
a efla tal cafta de virtude, ou falia , ou mui­
t o adulterada,e de baixos quilates,arccotn-
penfou o Senhor com tantas viótorias,ccom
o do m ín io univcrfal de quafi toda a terra cn-
taó defeoberta. C o m que genero pois dc
prernio devemos nós c rc r ha d e o Senhor
rccompcnfar, c apremiar as verdadeiras vir­
tudes dos Chriftaõs, q u e fahiraõ da precio-
* to
Liçao. 307
fa mina da G r a ç a , c trazem c o m f ig o a I m a ­
gem de JE .S U C h r i t l o ? Sendo pois tu d ò
ilto aflim, naó haverá matéria niais tini para
a liçaõ efpiritual, que a que trata das v ir­
tudes,q noscncam inha a aprcndcllas, e f a z ;
que concebamos deilas húa própria id e ia ,
cm ordem a nós mefmoS as praticarmos j
donde fe feguc , que por c ftc mefmo m eio
i c a l c a j ç a r á o fim p ro p o fto , que he a r c-
novaçaó do cipirito nos íancos e x e r c í c i o s ;
pello que fe p r o p o r á , cm ordem a fc ler t o ­
dos os dias,hua materiá co n d u ce n tc a a lg ú a
virtude das mais principaes, c das mais p r ó ­
prias do E ftad o R c lig io fo . A D o u t r i n a , c
mcthodo, que fe ha de feguir nefta matéria,
fe reduzirá a trcs pontos. O prim eiro fobre
a natureza da v i r t u d e , de que fc trata; o fe­
gun do, fobre os meios ^ co m que cila fc de­
ve confeguir; o terceiro e x p rim irá os aótos,
<pic le haó d é fazer pard a alcançar. C o m e ­
cemos hoje pella F c .

%VE V 1 R T W E S E J A A F E
C b r ijla ã .

A F c , de que fa lía m o s , he h u a virtu-


, de T h c o l o g a í , q u c eleva o noflo cn«
^cnaimcnto a ter firmiflimamcntc por ver-
ü i , da-
#

3 o8 Primeiro dta ,
dadeiras, todas as coufas, quc D eos nos tem
revelado, por iíTo m clm o, porque as tem re­
velado. H e ncccíTario, q u e e x p liq u e m os por
partes o q u e temos ditto, paraque fe entenda
bem ella matéria. E m primeiro lugar pois,
hc a F c h ü a virtude T h e o l o g a l , porque tem
a D eos por feu o b jeéto primário; e co n fifte a
fua primaria exceílencia cm render o devido
o b ícq u io ao S e n h o r , c o m o a primeira V e r ­
d ad e , quc hc. T a m b e m fe d i z , quc eleva
o noítb entendimento; porque o c r e r hc hum
grande dom dc D e o s , a que naó pode che­
g a r co m as fuas forças a natu reza, mas re­
q u e r, tanto nos feus princípios, co m o na fua
p e r fe iç ã o , hüa afliltcncia da D iv in a G raça,
que allumic o entendim ento, c m o va a von­
tade, em ordem a dar o feu coníenlo; pello
quc, a F é C hriftaã h e h ü a gcncrofidadefum-
ma do entendim ento h u m a n o , e hüa parri-
cipaçaõ dos fegredos D i v i n o s , e daquella
mefma noticia, que D eos te m de fi melmo.
A l e m diflb fe diz, que o conhecimento,que
nos dá a F é h c firmiflimo; porque, aindaque
cila h c efeura, hc todavia mais c e r t a , que o
que vemos com os olhos, e tocam os com as
j n a õ s , ou alcançam os c o m a lu z da razao
natu ral: c por iífo fe applicaõ á F é aqucllas
palavras dos C a a t a r e s : fou n e g r a , mas
mo:
Liçao. 309
mofa: N igra fu m , fe d for mofa> porque a fua C a n t.
i* +
elcuridaõ encerra em fi mais certeza , q u e a
mefma evidencia das fciencias. E a razaõ
hc manifefta, porque o que labemos pcllas
fciencias humanas, ou o labemos por meio
dos fentidos, que faõ taó enganofos, c o m o
muitas vezes experim entam os, ou o labe­
mos pello difeurfo, que tantas vezes fahe er­
rado, co m o fabemosj as verdades da F c p o ­
rem, eíTas as crém o s por authoridndc da D i ­
vina Palavra, que he impoíTivcl fe engane,
ou nos queira enganar. P ello q u e , naõ ha
coufa no m u ndo , nem a po d e haver, dc que
cftejamos mais certos, do que aquillo, de
que nos certifica a F c j porque cftriba fobre
hum fun d am en to , que h‘c impoíTivcl,’ que
falte,qual h e a authoridade Divina* e aflim ,
havemos de crer os a r t ig o s , que a Santa I-.
^reja nos p r o p o e m , naõ porque naícemos
gremio da mefma Ig re ja , nem p o rqu e os
crem os outros Fieis, nem porque nolos tem
propofto para os crcrm os os M c f t r e s , c P r e ­
gadores, mas unicam ente p o rq u e D e o s os
tem revelado. E paraque fiques mais b e m
inítruida nefta matéria, he precifo laberes,
<jue no cxcrcicio da F é intervem dous aétos*
hum de querer crer as cóulas reveladas-, o
outro de as crer a& ualm entc. O m o tiv o pa-
U 5 : ra
310 P r im e ir o dia,
ra as crcr, c o m o ja fica d i t t o , hc o havellaf
D e o s revelado, o qual, c o m o Vcrdadefum -
m ã, ç Bondade immenfa, que he por cfícp-
c i a , nem fe pode enganar, nem enganamos
a n ó s: o m o tiv o porem de as querer crer, faõ
todos aquclles teílem unhos, quc nos tem da­
d o o S cp h qr, paraque venhamos em conhe­
c i m e n t o , de que elle tem fa lla d o , c dc quç
tem manifcftado á Santa Igreja os M yfteri-
os, que cre m o s. EíTçs teftemunh.osfaóprin- '
çipalm cnte f e t e , reprefentados naquelles le-
te fe llo s , dc que fc faz m e n ç ã o no capitulo
quinto do A p o c a ly p fi. O p rim eiro he o
cu m p rim e n to da? profecias: porque por húa
p a r t e , o prevçr as coufas futuras, que de­
pendem da liberdade da vontade humana,ou
da D iv in a v o n ta d e , e o prevêllaç ppr virtu-
. de, c fciencia própria, e annuncjallas com
todas as fuas circu m fta n cia s , antes que fuc-
ce d a õ , naó pode fahir, fenaõ de D e o s , co­
m o hc manifcfto; e por outra parte,fc achap
nnnunciados com tanta miudeza os fuccel-
fos da v id a , e morte do R e d e m p t o r , rçvcf-
tidos dc rodas as fuas circg m fta n cias, aind^
as mai$ minimas, que fe naõ pode dizer, fe-
paô quc D e o s rnefmo foi p que osdcfcobrio
por boca dos P r p fe ta s je quc, fc aílim falloU
Ç)cps, he verdadeira aquella F c , para cujp
prrn?
Liçao. . 311
principio, c c o n fe r v a ç a õ , íe m o v c o a fallar.
O fegundo fello he a Santidade d a L c i C h r i -
ítaã, nos preceitos, que i m p o c m ,n o s meios,
de que nos p r o v ê , para os obfervar, e nos
effcitos, que p r o d u z nos que perfeitamente
os obfervaõ. E m rodas eílas coufas naó ha
duvida; e aílim tambem naõ ha duvida, a u c
a F c C h rifta ã provem de D e o s , que hc a
F on te de toda a San tid a d c;c f e n d o o S e n h o r
fanto em todas as fuas obras, c o m o d iz o
Profeta, quanto mais ha dc parecer fanto na
form açaó da R c l i g i a õ , que hc a norma dc
toda a fantidade verdadeira. H u m fó fanto
pois, he hum argum ento invencivcl da v e r ­
dadeira F é ; por onde c o l l c g i r á s , que a r g u ­
mento icrá para a F é C h r i f t a ã , o ter innu-
meraveis Santos. O terceiro fello he a S a­
bedoria, que íc acha cm g r a o taó eminente
cm tantos D o u t o r e s da R c l i g i a õ C h r ifta ã ;
°s quaes, quanto mais tem examinado os
fundamentos da nofla F c , t a n t o mais lolidos
os tem a c h a d o , c tanto mais fortem ente fc
tem firmado nelles; o que dc nenhum m o d o
te vê nas demais feitas, porque nellas fem -
Pre íucccdc, que os que mais fabem, menos
Crçm. O quarto íello, he a p ro p a g a çã o ad­
mirável da nofla fanta L e i ; p o r q u e , para a
plantar no m u n d o , foi ncccílario deftruir a
U 4 Ido-
312, Trimeiro dia ,
Idolatria, taõ univcrfal cm todos os fuga*
rcs, e taó antiga por tantos feculos* c deílru-
i r tambem todos os vicio s, c dc (arraigar, c
arrancallos dos c o r a ç o é s dos hom ená, cm
q u e tinhaó lançado taõ profundas raizes.
E alem d i f i o , foi necefiario plantar hüa
c r e n ç a taõ fuperior aos fentidos nos M y f i e -
rios, que propunha, e taõ contraria aos mef-
fnos lcntidos nos P r e c e i t o s , que punha* e
c o m tudo iffo , cm brcviílím o tem po fe de-
ítru io a Idolatria,e fe plantou a F é C h n -
ílaá* e o mundo por meio delia, de húafen-
tina dc todas as maldades,fe t r o c o u e m h u m
jardim de todas as virtudes: o que tambem
m o fira com mais evidencia o b r a ç o D i v i ­
n o nella m udança, he, quç ella fe fez por
m eio de poucos D ifcip u lo s , p o b re s , igno*
rantes, hum ildes, forallciros, c aborrecidos
de todos* e fe fez, co n tra d izè n d o lh cso sP h i-
lofophos, oppondofclhcs os P o l í t i c o s ,e roo-
vendofe contra clles com as fuas arm as, e o
feu poder todos os Príncipes da terra. O
quin to fello faó os m ila g re s , que propria­
m ente fc chamaô o fcllo do O m n ip o ten te *
p o rqu e aílim co m o os homens c o fiu m a õ fa l*
lar com as vozes, aflim D e o s falia com p ro ­
dígios. ElTes milagres tambem naõ tem nu*
qiçro entre os C h r iíla ó s j c afiim, a lua mui*
tidaó*
T •
Liçao, 3 13
tfdaó, o teftem unho, que dcllcs daó todas as
n aç o e s, a piedade dos que os o b raraõ , o
bem, que os mcfmos tem feito cm todos os
Povos, c a continuaçaõ dc todas eíTas mara­
vilhas, em todos os ieculos, íaõ raios taõ v i ­
vos, que teftiftcaõ a verdade co m tanta c la ­
reza, q u e , para a naó v e r , naõ b aila fechar
os olhos, mas he neceíTario tirallos dc to d o .
O Texto fello, he o teftem u nho, que daó os
Martyres todos, co m o feu n u m e r o , com a
fua dignidade, co m os t o r m e n to s ,q u e fofri-
*õ, com o m odo dc os padcccr, e finalmen­
te com os effcitos, que manaraó do feu fan-
gue. O numero foi taõ g r a n d e , que quaíi
le pode dizer, que fó D c o s o com p rchcnde;
a dignidade das pcíToas hc f u m m a , porque
entre os M a r t y r e s , huns foraó illuftrcs por
nalcimento, outros infignes cm D o u t rin a ,
outros eminentes em fantidade; e alem dif-
lo, velhos,meninos, m ulheres,donzelas, illo
hc, g e n te , ou debil pcllos annos, ou pello
lexo, e accoftumada a antepor facilmente a
c °nveniencia á virtu de; c eíles ta m b e m , e
demais fofreraõ torm entos os mais horri-
5
' CJ , que foube inventar a crueldade; c os
P* cccraõ com tanta co n fta n cia , com tanta
a cg 'i a , com tanta piedade para co m D e o s ,
Ç Com tanta caridade para c o m o p r o x im o ,
que
314 Prim eiro dia,
q u c fica dc todo im poífivel, quc outrem,
que naó feja o mefmo D e o s , os podefle fa­
z e r d c hum temperamento taó inviótoj ef-
pecialm entc, havendo fido taó freqüentes os
milagres, para lhes aliviar as penas,e taó fre­
qüentes as convcrfocs *dt>s idolarras , que
í e nnimavaó a profefiar a noíTa (anta F c , í
v ilta dos mefmos eftragos, com que os per-
feguidores a pretendiaó e x tin g u ir. O ulti­
m o fcllò finalmente,he a C on ftan cia da mef­
m a F c , entre tantas tempeftades, entre tan­
tas revoltas, c entre tantos afialtos, ja dos i-
nim igos de f o r a , ja dos rebeldes dc dentro.
A s coufas humanas faó dc tal n atu re za, quc
c o m o largo t e m p o cahcm por fi mcfmasj
quanto mais cabiráó com battidas? P ello que,
f c a R e l i g i a ó C h rifta ã houvera confervado,
f ó por p o u co te m p o , as fuas maravilhas,da­
ria tal vez por cíTe principio a lg ú a occafiao
nos incrédulos para duvidarem j tambem as
folhas das arvores e í l a ó por p o u c o tempo
fobre a agua, e, empapandofe p o u co a pou­
c o nella , fe vaõ ab aix o : mas naõ fucce-
d c o aíTim á F é , e R e l i g i a ó C h r ifta ã , a qual,
aindaq dilatada por todo o m u n d o , aindaque
profeftada por todas as N a ç o é s , aindaque
examinada em todas as Univerfidadcs, tena
fido fempre a mefma ha mais dc defefetete-
• * c u lo s i
Liçao. 3if
£ulos; tem crido os mefmos d o gm as, tem
profeíTado os mefmos R i t o s j nem tantas, c
taó diverfas ícitas, que fc atreveraõ a com ?
battclla,ih c tem podido jú m a isca u faro me»
nor abalo, mpílrando cila manifcílarcente
na fua perpetuidade, que he ob ra dc hijm
D eos eterno.
E lle s faó os fellos da Doutr.ina E v a n g e li*
pa, iílo hc, daquclle livro, cerrado para quaU
quer o u tr o , que naó he o C o r d e i r o D i v i n o ,
a quem fó tocava o trazclla do C c o a e ílç
mundo * c fe cada hum d c lle s , considerado
com madureza, baila para m oitrar, que a F é
Chriílaíi nap pode ler o b r a , fenaõ de D e o s ,
quanta mais baílaráõ todos ju n t o s ? o certo
he, que o feu co n h e cim en to faz tanta l o r ç a
aos mefmos dem onios, que ellcs c r e m ,e tre­
mem, c o m o d iz o A p o í l o l o S a n tia g o : D<e-
mottçs credunty £5? coTitrcmfcunt, naó porque 2'
o feu entendim ento feja illullrado por lu z
fobrcnatural, c o m o o c í l á o noíTo, mas p o r
verem os fmaeç, que tem a R e l i g i a ó Catho.*
nen, para ícr crida p o r verdadeira, he q u e fe
v e obrigado o entendim ento daquclles m a l­
ditos a ju lg alla p o r verdadeira, conheccnd.o
claramente, que os noíTos m y íle rio s n a ó p o -
; o iao ler por nenhum m o d o in v e n ç õ e s d o e f -
Pírito hum ano, e m u ito meno? do cfpirito
316 P r im e ir o dia,
d i a b o l i c o , mas fó in ftitu iça õ do Efpírito
San to. E por iíTo naó fe pode fer tardo em
c re r na nofla F é , fem fer ao m elm o tempo
ncfcio em julgar, e d ig n o de reprehcnfaò:
Lue. O ftu lti, y t a r ii corde a d credendum / T u ­
do íuccccfepcllo contrario nas demais feitas,
q u e ha no m u ndo , p o rq u e ,n a õ tendo cilas a
feu favor nenhum teftem unho do C e o , fc
o s feu fequazes as c r c m , nefeiamente fepor-
t a õ , c a fua firmeza cm as crcr he v ic io dc
o b f t i n a ç a ó , e naõ virtude de conftancia.
T a l he p o i s a natureza da nofla Santa F é ,
c delia re tem feito o Senhor hum beneficio
lib cralifljm o , infundindota no principio da
tu a vida no fanto B a p tiím o , c aperfeiçoán-
d o a p o r muitos m odos depois dc eftares crcf-
c i d a , fem quc apenas te tenhas dignado (ic
lhe dar as graças* nem reparas no quc ferias,
fenaó tiveftcs a verdadeira fé ? de que te a-
proveitaria o feres fenhora de mil mundos,
f c a naõ tivefles, fendo cila o primeiro paflo>
p o r onde a alma fe chcga a D e o s , e o pri­
m e ir o prin cipio para a lc a n ç a r a D iv in a ami-
Hebr. f a d e : Credere enim oportet accederttem ad D e-
II. 6. tnn. Sine f i d e ... impojjibile eft placere Deo.
E he tambem grande o m e re cim e n to deft*
v i r t u d e , p o rque,cm prim eiro l u g a r , ella
Tjonra fummaracntc a D e o s , tendoo pell°
Liçao. 317
que he* i í l o h e , p o r V erd ad e f u m m a ; c offe-
reccndolhc em facrificio a mais nobre das
noflas potências, qual hc o entendim ento,
prom pto, c o m o o u tro A b ra h a ó , para lhe fa-
crificar o feu prim ogênito a m a d o , que hc o
proprio juizo* c humilhando tambem a o h o -
mem dc tal forte, que feja profundo o íeu
rendimento, c perfeita a fua obediência, po­
is hc proprio da F é o fazer, que fe renuncie
a li mefmo o homem no j u i z o das coufas em
oblequio dc D eos j pello que eílim a D eos
tanto cite h o lo cau íto , que ao crer cá na ter­
ra conefponde por prêmio o ver lá 110 C e o ,
iíto he, o fer para íempre bemaventurado. .

M E I O S ‘P J R J l c o n s e g v i r
a Fé.
E a F c he húa virtude principal, v e r ­
S dadeira, c perfeita, c a raiz dc todas as
demais, f o r ç o f o fe rá , que nos appliqucm os
^ u ito á arte dc cu ltivar eíla r a iz d a im m o r -
talidade: e para alcançar eíte fim ,a ju d a r á ó
grandemente tres meios. O primeiro he,
Pedir com grande inílancia ao S e n h o r , que
acccnda fempre em tua alma co m maior v i -
veza cita luz C e le ftial, á im ita ç a õ dos San- .
os P°^olos: jidauge nobis fiàem j e á im i - 17^*1
taçaò
3 1-8 Primeiro did ,
Mire. taçaõ daquclle pobre pai: Credo Dominej
9 . 23.
adjuva incredulitatem meam. E m uito mais,
p o rqu e a F é , que fe nos infunde, co m o fica
d i t t o , n o B a p tifm o , fc aperfeiçoa pellos qua­
tro dons do E lp irito Santo, pello dom dc
Entendimento* o dom de Sabedoria, o dom
deS ciencia* e o dom de C o n lc lh o ; enfinan-
donos ò dom de Entendimento a penetrar
c o m grande clare ia os D iv in o s M y f t e r i o s j
o dom de Sabedoria a cílim allã, c o m o hc
bem* o dom de Sciencia a j u l g a r rcétamen-
te das coufaj creadas, ordenandoas, como
meios* para co n feg u ir o u ltim o fim; e o dom
d c C o n f c l h o a applicar o jüizo efpeculativo
á p r a x e : P e r intcllcclum intuendo ,p e r fapi-
eníiam gufiando, per feientiam ordinando, &
per confilium operando, c o m o cnfma Sanro
T h o m a s . O que f u p p o llo , que melhor mo*
d o pode haver paraque c re fçá a F e , que a*
c o d ir muitas vezes ao D ivin o E f p in o o ,c p e -
dirlhe eíles dons, por virtude das quacs,húa
manhaá de fé ordinafia fc façd hum dia dc
f é efeolhida.
E porque a F c parte eftá no entendimen­
t o , que firmemente c r è , e parte na vontade,
que manda ao entendimento efla tal firme­
za 110 crcr, claro fica, q u e , para fortalecer
cila virtude, he necefiario fortalecer ambas
Liçaõ. 3 1 9

tis po tên cias,o E n te n d im e n to , c a V o n t a d e .


Pello que o fe gu n d o meio hc, co n fo rtar o
entendimento, pondonos dc propolico a p o n ­
derar os tellcm un hos acima referidos, e que
nos deo o S e n b o r , para nos fazer con h ecer,
quc elle J o i o q u c revelou os 'myftcrios da
noíTa F c . D cfte s tellcm u n h o s, d iz o P r o ­
feta, quc faô exceffivamenre c r iv e is : Tefti- pr,
monta tua crtdibilia f a ü a funt nimis-, porque **•
faô mais claros do que nós podíam os racio-
navclmente pedir, para nos re fo lvcr a c r c r
os fegredos,que l c n o s tem revelado; eaílim ,
aindaque as coufas, que crem os, faó efeuras,
faó evidentes as r a z o e s , que nos inovem a
crèllas. N e m o b u fear, c o ponderar effas
razoes diminue o m erecim ento,antes o a u g -
nienta, porque fe bufeaô, e ponderaó, c m
ordem a crer mais p e r f e i t a m e n t e ,c e f l a m c f -
ma diligencia nafee da m aior p r o m p tid a ó
da alma para a Santa F é , c da m aio r d e v o -
Çao, c amor para c o m os Santos M y f t c r i o s :
fàpleti omni pacey & gáudio m credendo. E í -
mel ma paz, c alegria maior em crer, fe al­
cança ta m b e m , au gm entando n o noflo en-
^ndinacnto a alta e lt i m a ç a ó d o P o d e r , c da
ondade do S e n h o r , pois q u a lq u e r d u v i d a ,
f *cvantc contra a F c , p r o v é m , mais
^Uc nca*aüa outra c o u f a , da fraqueza d o
nof*
3 20 P rim eiro dia,
noflo entendimento, que naó percebe, qttárt*
t o deveria, a immenfa esfera do Poder Di*
v i n o , c a incomprehenfivcl propenfaõ, qua
tem o S u m m o Bem dc fe com m u nicar ás
fuas «rcaturas, para cu ja íatisfaçaõ tem a-
chado in ve n ç õ e s taõ maravilhoías. P o r ou­
tra parte, quanto mais profundos flíóosm y-
íterios, c mais excedem os limites da nofla
fraca capacidade, tanto mais dignos faó de
D e o s , e trazem impreflas aquclle cara&cr,
ou divifa da fua verdade, que hc o fer o Se­
nhor no obrar proporcionado a o l e u í e r . Por
iíTo cottum ava dizer Santa T h e r e f a , que
naquellas verdades da F c , c m que a fua ra­
zaó natural achava menos lu z para defeobrir
os fegredos, neflas achava o feu cfpirito ma­
is p a z , c mais d e v o ç ã o para as crer. E na
verdad e, que maravilha hc, que naó pofl*
caber todo o mar na cafca dc húa n ó z ? ifl*0
m efm o he fer m ar: ou que maravilha hc,que
os M y íte rio s D iv in o s fob rep ujem ao huma­
n o entendim ento? iíTo m elm o he ferem D i“
vinos.
D e p o is de haver fortalecido bem o enten­
d im en to , he ncceflario cuidar c m fortalecer
a vontade, a qual fe ap e rfe iço a muito na Fe
c^ xi as boas obras. A lu z d c húa alampada
h c certo, que naó nafcc do azeite,.m as fui*
‘ ' * • ' ten-
Liçao. 32Í
tentafe, e fc augm cnta co m e l l e 3 e ta m b e m
a F é naó pode nafcer das o b r a s , fuftcntafc
porem, e cre fcc com cilas. E por ilTo a lim ­
peza do c o r a ç a õ ajuda tanto a c o n f e r v a r , c
a augmentar eíta virtude D iv in a s porque*
aindaque pode eftar cm hum c o r a ç a õ ju n to
com o p eccado m ortal, áchale todavia c o ­
mo cm hum citado violento* e p o r iflo p o u ­
co durável* donde fe feg u e , que naó lucce-,
dc o faltar hum na verdadeira f é , fem q u e
primeiro tenha faltado á lua c o n fc ie n c ia :
Bonam confcientiain . . . repellentes , ctrcè f i -
dem naufragaverunt, d iz o A p o l t o l o . R a ra s 1
vezes f u c c c d c , que òs vaguedos da c a b e ç a
tenhaô outra o r i g e m , que a a z i a , ou r e p lc -
çaõ do c l l o m a g o j l o g o o f u g i r das culpas
com grande cu idado ,c attender ás boas obras,
augmentará grandem ente a tua F é , e t c f u c -
cedera, co m o á a g u i a , q u c c o m a v ilta ,e c o rri
o s v o o s ,te chegues fem pre mais ao S o l da
primeira, ç fumma V erdad e.
Alem deites m e io s , d c que nos podem os
valer para fortalecer a noflá c r e n ç a , fc vale
as vezes de o u tr o o S e n h o r , que parece im?
proporcionado, mas aproveita m aravilhola-
*Dcntc,para co n fcg u ir o m efm o f i m . , C o n f i l t e
cite meio cm p e r m i t t i r , que as almas mais
perfeitas, c que m ais a f p i i a õ a cfta virtude»
322 Primeiro dia ,
ícjaó mais com battidas de te n ta çõ es veh c-
mentes contra a fanta F é . M as aflim co m o
fticcedc, que hua fortaleza fe reforça mais, e íc
fa z mais inexpu gn ável por aquella parte, por
onde hc aeomettida> aflim tam bem fuccede,
que a alma, que hc afíaltada pello demonio
c o m fctnelhantcs d u vid as, fc fortifique mais
contra c ila s , c fazendo continuamente aéfcos
contrários a eflas te n ta ç õ e s, que lhe vem á
im aginnçaõ, fc venha a p ô r mais firm e na
fanta F é , e eíle hc o m o t iv o , p o rq u e prin­
cip alm en te p e rm itte o Senhor e íle trabalho
ás almas> pello que, quanto mais m o le ft o h e
e íle g e n cro d c te n ta ç õ e s, he tam b em tan­
t o menos p e r ig o ío , pois o to rm e n to , que fe
e x p erim en ta, he final da refiílen cia , que faz
a alma com battid a. E p a ra q u e , f e a l g ü a v c z
t e achares neflas anguílias, cllcjas mais bem
in ílr u id a , em ordem a triumfares co m a vi-
é lo ria , has dc faber, que as duvidas contra a
F é fe podem achar em nós de duas manei­
ras: hua, quando a vontade as ab raça, e por
razaó dellas ju lg a , ou p o r falfas, ou por mal
fundadas as verdades dos noflbs M y í l e r i o s ,
d o n d e fe fcgüe, que em lu g ar dc fe fortale­
c e r na F c , elcoíhc? o vacillarT c íeguir o e n ­
ten d im en to , que aflim tirubia, quando o de-
v i a co rre g ir. A outra maneira d c du vidai
_ h<*
tlçao.
fíc*aque p a r a no entendimento, fem p erm if-
32 ^
fa õ , antes contra o querer da vontade* pois d
vontade f o r ç a d a , e contra o feu g o í l o , fofre*
que o entendim ento vaciíle^ p o r e m ,c o m o o
entendimento naõ cítà totalm ente fiijeito ad
imperió da mefma vo n ta d e jfü cC e d c, q u e , c m
lhe o b e d e c e r ,e x p e rim e n ta hum g ran d e to r­
m e n t o , nafeido de crer firm iflim am enté
coufas fuperiores a fua natureza, c p o r Iium
modo tam b e m fuperior a ella* iíto h e , fem
v e rá evidencia das coufas, cm aue tèm c r i d o .
O prim eiro m o d o d c d u vidas,qu e abraça
a noíTa vontade, encerra em fi hum gravifli-
mo p e c ca d o , p o r q u e c o n te m lu ía g ra v iílim a
injuria contra o S e n h o r , qual h e , o naô nos
fiarmos dcllc* p o rq u e , fc fc faz a g g r a v o a
hüa peflòa d o u t a , e de b e m , cm íe naõ d a r
credito ao que ella d i i , quanto maior f e r á o
aggravo, que fe f a z á Bondade,’ e Sabedoria
í)ivina p o r quem naó quer ter por verdadeiras
as fuas palavras? P o r h ú a parte naõ p o d e
com razaõ du vidar á ahná,* a c que D e o s t e -
nha feito r e v e l a ç a õ dos m y í t c r i o s , pois h a
tantos, e taó manifcítos finacs diíTo-, por o u ­
tra parte, fc D e o s fez eílá rcvcíaÇaõ, he c e r ­
to,que he h ú a injuria enorm e f e i t a á V e r d a ­
de S u m m a , o p ô r cm d u v id a as co u la s, q u c
pos tem q u e rid o revelar.
X x
324 Prim eiro d ia ,
O o u tro m o d o dc d u v i d a r , que hc invo­
luntário, c que, apelar noíTb, o c c u p a o nof-
fo entendimento, naõ fó pode citar fem cul­
pa, fenaó, que c o ttu m a íe r acompanhado de
grande merecim ento, nem fe perde, por lua
via, antes fc fortalece a F c ; porque, para ha-
« * • /V

farias, fenaó citas duas coulas; a aíTiíicncia


da D ivina G r a ç a , que nos illuítre o enten­
d im en to , c m o va o c o r a ç a ó para exercitar
elta virtude; e o confenfo da nofla vontade,

que,le citas duas coufas fc acharem cm ti,po­


des fe m p r e , a pelar de iodas as duvidas cm
co n tr a rio , formar o aéto d e F c , c ja he actu-
alm c n tc crer, o querer crer.
D o n d e ,r e d u z in d o á praxe a doutrina,que
f e a c a b a d e d a r ,f c t c fentires a lg ú a v e z mole-
ítada co m elta calta d c t e n ç o e s , aproveitate
co n tra efla moleítia de algum dos trcs mei­
os fegurntcs. O primeiro h c ,d c fp r e z a r tudo
quanto em contrario tc f u g g e r ir o demonio,
c fazer deile o m efm o c a f o , que fazemos,
quando nos talla hum l o u c o , que he voltar-
l h e as coitas, c naõ attender aõ que elle diz*
Liçao. 325”
zo c u í l a á diabólica foberba do tentador. O
íegundo hc,invocar a afliflencia do Senhor,c
dos Santos, que mais fe aflinalaraõ ncfla v ir­
tu d e , co m o faó os M a r t y r e s , que a confir­
marão com tanto f a n g u c , e co n fcrvaraò no
meio dc tantos tormentos. O terceiro hc,
proteílar fortemente o contrario do que nos
lUggere o in im ig o , declarando, que antes
queremos morrer mil vezes, que perder a
Santa F é .
R e fe re T h o m a s de K c m p i s a eíte propo-
fito, que hum R c l i g i o f o dc boa vida foi por
muito tem po, e com grande furia c o m b a t-
tido pello demonio co m c ila caíla dc tenta-
Çoésj c c h e g o u a tal cflado , que a -v id a lhe
Cra tormento. H u m d ia ,e n t r c o u t r o s ,e íla n -
do celebrando o Santo facrificio da MiíTa
no Altar dc Santa I n è s , crcc e o muito a ten­
tação, c o reduzio a grandes anguilias* p e l­
lo que o m ife ravcl,fc v o lto u para o Sen hor,
Tcdindolhc co m lagrimas a fua afliflencia.
f i l a n d o neíla o raçaõ o u v i o h ú a v o z , q u e l h c
dizia no c o r a ç a õ : N a ó queres tu crer do
melmo m o d o ,q u e creo Santa Inès, c outras
oantas, c Santos M a r t y r e s , que deraó a v i ­
da cm confirmaçaõ da F é ? a que rcfpondco
promptamente:, Sim S e n h o r , creio , e que­
ro crer firmemente, aflim c o m o crcraõ éflas
X 3 A l-
326 Primeiro dia,
A lm a s Santas* e l o g o dcfappareceo, com q
f u m o , aquella tentaçnó infernal, e o Scrvq
d e D e o s fe achou mais que nunca confirma?
do na F c * e para mais a ir augm entando,rc?
petia muitas vezes dentro de í i : C r e i o , e
quero crer, c o m o creraõ os Santos M arty?
res, c c o m o crè toda a Igreja Santa. C o m
femelhante animo poderás tu tambem por?
tarte cm femelhantes e x p e riê n cia s , das quar
es finalmente fahirg a tua F é , c o m o o ouro
d o crjfo l, mais fino, e p recio lo .

C O M § V E G E N E R O <DE AC-
tos f e pode praâíicar efta virtude .
ftefer. Ju fto , co m o d iz o A p o í l o l o , vive
io.38.
O da F é * JuJlus aut em meus ex fide vi*
v it . Q s p c ç c a d o r c s , ou y iv e m vida animal,
porque naó çuidaõ, fenaõ no prefente^enaó
c ltim a õ , fenaõ o deleite* o u , quando muito,
v iv e m vida dc homens, quando f c g u i a ó p e l­
la razaó natural* mas quem he verdadeira­
mente ju fto , JttJius aut cm meus, fó fc guia
pellos princípios da F é , e pella F c a&ual* c
avivandoa continuam ente, çonferva a vida
da -alma, que confifte na G r a ç a , c crefccem
toda a v i r t u d e , até alcançar a vida da g jo -
pia^que naõ ha dc v e r nunca a morte. Pello
quc
Liçao\ 327
que, irás animando c o m a F é as tuas obras,
para que fcjaó j u f t a s , e efp e cialm e n teo farás
nas cinco occafioes le g u in t e s ; quando fize­
res o raçaõ , e rezaresas t u a s d e v o ç o é s ; quan­
do chegares aos Santiflimos Sacramentos da
Igreja; nas d u v id a s ,q u e t c o c c o r r e r e m c o n ­
tra a F é ; nas te n ta ç o é s contra ella, 011 qual­
quer outra virtude; e nas t r ib u la ç o é s , que
te fob revierem ,
Para ter pois o r a ç a õ , tanto a v o c a l , c o m o
a mental, he m u ito neceífaria a f c da D i v i ­
na prefença: Medius veftrúm quem vos Jofln-
nefeitis, diíTe Saõ J o a õ aos Judeos; c quan- u 160
tas vezes nolo podera dizer ta m b e m a nós,
que, aindaque crem os, c o m o fieis, que D e o s
eítá em toda a parte, e particularmente d e n ­
tro de nós, todavia, fem attendermos á pre­
fença de D e o s , tratamos c o m e l l e , tanto na
oraçaõ, c o m o fora d e l i a , c o m o fe eílivera
aufente. A p p lica pois a tua F é para pene­
trar vivamente c il a verdade, lem brandote,
que o Senhor eílá m u ito attento para te o u ­
vir, e para obfervar todos os penfamentos
oa tua alma, c o m olhos infinitamente mais
^fplandecentes, que o S o l , c o m o que fc te
rara Facil o applicar a tua vontade a affeétos
devotos, c a fupplicas fervorofas.
* ara chegares a receber os Sacramentos
X 4 San*
328 Primeiro dia,
Santiífirtios, l e m b r a t c , q u e \'ns a m ette ra tu st
a l m a n o f a n g u e d o R e d e m p t o r j c aflim haí
d c p r o t e í l a r , q u e na pcHba d o S a c e r d o t e , que
• v è s c o m os teus o l h o s , r e c o n h e c e s a p cííoa de
J E S U C h rifto , que fó vès co m a F é je q u a n ­
d o tc d e r a a b f o l v i ç a ô , f u p p b e m q u e m e t t e o
S a c ç r d o t c a m a ó no lad o d o R e d e m p t o r , c
d e r r a m a f o b r e a tua alm a a q u e llc D i v i n o L i *
c o r , q u c f a h c d a q u c l l a p r c c i o f a c h a g a , para te
p u r i f i c a r d c to d à s a s tuas m a c u la s . E o nicf-
m o has d e fazer a r e f p e i r o da fagrada C o m -
• m u n h a õ , p a r a a qual a m e l h o r d if p o fi ç a ó a n *
t c s j c d c p o i s d e a receber,fye a F c v i v a da ver­
d a d e d a q u c lle t r e m e n d o M y f t c r i o . D it ó f a
ferias t u , fe a v iv a íle s d c f r f l f o r t e a t u ã F c j
<)Ue fe podcíTc di2er d e t i o q ü e o A p o f t o l o
d i f i c d c M o y fe s , o q u a l , t r a t a n d o c o m D c-
q u e h e d n v i f i v c í , tratava» c o m o m efm o
Ç cW --S en h o r, c o m o fo o v ir a c o m os o l h o s \
n .2 7 .
'Vifibilcm, tnmauam 'vidcn$,fujlinuit',i\\ò grnn-
d c era o r e f p t i t o e x t e r i o r , c i n t e r i o r , t tnes
o s affcótos d o fcu abrnfado c o r n ç a ó . Poucas
f a ó as plantas* q u e p r o d u z o m o feu f r u t o e m
o u t r a p a r t e , q u e n o m e i o da fua flo F jcra ras
Vczcs t a m b e m te f u c c c d c r ú -o p ro d u zire s
f r u t o s d c d c v n ç a ó ag ra d a ve is ao S e n h o r , fc*
p a ó no rpcio de a & n s d o 'v e r d a d e i r a F c .
* A s duvidas, que fobre vem trevas, em
* •. ' í que
Liçao. 329
que vivem o s, naõ fe podem diflipar melhor,.*
quc com a authoridadc da F é , reconh ecen­
do no Padre E fpirirual, c no S u p e r io r , a
•PeíToa dc C h r i l l o , c a fua D iv in a providen*
cia, quc q u er guiar os homens por meio de
outros h o m e n s : vos audit, me audit. E
quando naó tiveres á maó a obediencia,para
te determinares, recorre a F é por co n felh o ,
c lembrate vivam en te dos teus noviífimos,
que hc o m odo íe g u ro , quc te pro po em o
Elpirito Santo* para nunca errares nas refot
l u ç o é s , que to m a r e s : In omntbus operibus Ecc,?*.
tuis, memorare noviffima tu a , & in a ter num "
tionpeccabis. Baila pois, q u e , quando efti*
■veres duvidofa, te perguntes a ti m e fm a : ç
•que partido quercrias tu tom ar, fe h o u ve f-
fes agora dc morrer ? que he o que mais. a-
Icgraria o teu ço r a ç a õ , fc houvcíTcs de fer
|ogo levada ao tribunal D i v i n o , para feres
julgada? naõ he loucura o naõ efeolheresar
gora, o quc entaõ dezejarias tanto haver ef-
colhido? co m o queres entaõ colher o que
ag o ia naó íemeias? fendo c e r t o , que tal ha
dc ter a colheita qual foi a femeadura: 6)144'f * ,
tnim fam inaverit hcm o^ bacf^i metet. i* ’ *
N a s tentações, que te c o m b a t t c m , o u dc
complacência, ou de e fp a n to , trata l o g o dç
lhes rcfiftir c o m a fortaleza da F é , c o m o a-
con-
3 3 O "Primeiro dia,
i.iTet. confelha Snõ P e d r o : Rcfejlite fortes in fidey
i. * avivando aflim a e fe n ç a dos bens, e males
eternos. P e r g u n ta ao tentador, que h eoque
te ha de dar pellos feus deleites? o Paraiio,
o u o C e o ? e l o g o dirás a ti m c fm a : e fcrci
cu taò louca, que pcllas vilezas da terra quei­
ra renunciar h u m mar im m enfo de bema-
fhíli ven tu rança no C e o : Om ni a . . . arbitror, ut
•• *• ftercora , ut Cbriftttm luorifaciam : c quando
te quizer o in im ig o m etter horror, lhe di­
rás r paraque mc queres e fpantar,o h defven*
tu ra d o , c o m o horror de padecer? os ver­
dadeiros torm en tos1 faõ os que c o m t i g o hao
d e p^Jecer tantas almas defeíperadas, que,
p o r haver confentido nas tuas fuggcftoés,pa-
g a õ diíTo a pena , fendo mettidas para fem*
p r e em hum cárcere dc f o g o ; fica na certe-
fca, que eíTa eftancia h c tua, e poderia fef
ta m b e m minha, feco n fcn tifie c o m a tua von­
ta d e , c aflim naó q u ero co n fe n tir em tem­
p o nenhum. N e f t a mefma fragua da F é fe
Forja6 as fettas, co m que fe fa z tiro ao de-
m o n i o , quando naõ fó fe naõ confente na
te n ta ç a ó , mas c o m g r a n d e generofidade de
an im o fe fazem a d o s c o n t r ários a ella. Hum
c e r t o fervo de D c o s v io a lg u n s demonioSf
q u e cm figura de M o u r o s lançavaõ dardos
c o n t r a os F ie is, c a alguns paflavaõ dc parte
LifaÕ. 331
a parte, c eftes eraó os que confenriaó na
tentaçaó-, a outros lhes cahiaõ os dardos aos
pés, e eftas eraó os que naó confentiaó na
má fu g g c ft a ó ; a o utros davaô os dardos no
meio do p e it o d c tal forte, que v o lta v a õ
paraatráz, e feriaõ aos M o u r o s , que os ti-
nhaó defpedido; e ifto fuccedja áquellas g e -
ncrofas almas, que naõ fó naó davaó c o n ícn -
timento á t c n t a ç a õ , mas a v o lta v a õ c o n t r a
pd em onio por meios dc a d o s c o n t r á r io s ,
que faziaõ.
Finalmente, em todas as trib u ln ç o é s , naõ
ha confolaçaõ verdadeira, fenaó por m eio
da Fé. O c r y fta l nunca fe c o n g e la em pe­
dra, fenaõ cm lu g ar e x p o f t o ao fui. E p o ­
des ter por c e r t o , que toda a con ftan cia,qu e
tc podem infundir os m o t iv o s h u m a n o s , h e
conftancia de v i d r o ; mas fe queres, que o
teu coraçaó fe f o r t ifiq u e c o m o hum c r y f t a l ,
has de e x p o llo p o r m u ito t e m p o aos raios
da Sant$ F é na form a feguinte. Po n dera
fempre duas verdades, h ú a á c c r c a d o prin?
cipio das t rib u la ç o é s , outra a refpeito d o
m dellas. A s coufas, que te affligem, fem -
P re te vem da P r o v id e n c ia do S e n h o r , q u e
as ccm difpofto ab a ter no para teu b e m , e
aÉ>?.r!S c°m am or de p a i , te apprclenta efle
c a iz, por fua natureza verdadeiramente a-
mar-
332 Primeiro dia ,
m a rg o fo , fuavifado porem pella v o n t a d e D i­
vina j pello que dirds tu tambem com o teu
Joan. Redemptor-, Calicem ,quem dedit rfiihiPater,
1 2 . XI.
non bibam illum ? naõ hei de beber do caliz,
que me ofFerccc o Padre C clcftia l ? T a m ­
b e m o t e r m o ,a que nos g u i á ó as tribulaço-
es, he o m clm o D e o s , fervi rido ellas de nos
unir mais c ílr c u ã m c n te c õ m e l l e , nefta vi­
da por amor, c na outra por g lo ria : porque
o padecer pello Senhor, c o m o diz S à õ G rc-
g o r i o , naõ fõ nos encaminha a elle, mas nos
l c v a , e co m o o b riga por fo rça a nos unirmos
c o m e l l e :.M a la % qua nos bic premunP) tid
D eum nos ire compcllunt. S c quizeres tam­
b e m , a maneira daqucílcs- fantos Animaes,
que vio E z e q u í c l ; imaginar, que tens, por
m eio da Fé,' hum retrato do C c o fobreaca-
íz e c .
X. 2 2 .
beça-, SimilitUdo fuper capita À nim alium fi
rmamenti, fertcha facil participares de fémc-
Ihantc ferVõr aõ feu, no obrar, c em ir fem­
r . 14. pre para diante: Ibant . . . in fimilitudincM
fulgoris corufcantis. Pello q üe,.cm todos os
teus trabalhos, ou de alm a, ou dc c o r p o ,
"applicnrás a ti o que ao Santo M a r t y r S y m -
phoriano lhe dizia fua fantíi M ’a í : N ate,nA"
te, (celuni fufpice, olha pára õ ;C e o , e coníi-
'dera a còroa de gloria le m p ite rn a , que te
efpcra depois dc hum breve trabalho. L c ‘
-* . vau*
Liçao. 333
vnnta pois ao C e o todos os teus pcnlam en-
tos, fem fazer caio alg u m dos bens, ou m a­
les da terra.
C o m elle genero pois de aélo.sfe fará fem-
pre mais r n b u íla a tua F é j c quem poderá
explicar a ve n ta g e m , que n iílo t e i ú a t u a al­
ma? baila d i z e r , que a v i& o r ia , que ven ce
ao inundo, e a todos os noílos inimigos, he
a nofla F é : H<ec efi viR oria , qm evincit mun• i. Jo;
S. 4»
dum^fides nofir a . E alfim, quanto mais fe
estorça o m undo para nos attrahir a í i , por
meio dos fer.tidos, tanto mais a G r a ç a nos
encaminha para D e o s , p o r meio da F é , que
he contraria aos fentidos.

liçaõ es p i ri t ual ,
Para o fegundo dia dos E x e r c íc io s .

SO BR E A V I R T V D E D A ES-
fie r a n ç a .
E a efperança o maior bem da nof-
H í'a vida mortal no meio dc tantos
rnnlSs? Suc nos c c r c a ó : cila e n x u g a todas as
nqflas lagrim as, alivia as noflas fadigas, cf-
*orÇa a nofla fraqueza, e fára as noflas ch a­
g a i pcilo q u e ,h a õ ha nin g u ém tam mifera-

: • v e í,
334 Segundo dieti
v c l, quc naõ dc qualquer p r e ç o pello berrij
que lhe prom ettem para o futuro as fuas èf-
peranças. P o rem quanto mais prcciofo he
efte balfamo da E fp eran ça, tanto mais con­
vem que eftejamos attentos a que elle íeja
)uroj e naõ adulterado; p o r q u e dc outra
Íò r t e , as efpcrahças dos peccadores naó fó
íaõ dcfeftimadas na D ivin a E fc r itü r a , como
vaãs, mas tambem deteftadás, c o m o abomi­
náveis, pois fervem dc g u i a , e eftim ulo paia
o p e c c a d o : Spès illórum aboirtin atiò.
H e pois a Efperança C h r i f t a ã , de quc a-
qui fe hfa de tra tar, fiúa virtude T h c o lo g a l,
que p ro d u z cm noíTa vontade húa firme cx*
p cétaçaõ da felicidade eterna,' e dos meioS
ricceíTarios,c convenientes, que nos encami-
nhaõ ao alcance dclla. Q u e co u fa feja vir­
tu d e T h c o l o g a l , fe difle na l i ç a õ paliada; 0
agora deves coníiderar, que aftim co m o o
Sol prodlíZ a luz acompanhada do calor,af-
fim o Senhor,’ havendo allumiado o noíío en­
tendim ento, dandolhe a conhecer, p o r meio
da F é , hum B em in fin ito , qual cfle mefmo
he, que he difficultoíoy mas poílivel, de fc
confeguir c o m o feu D i v i n o favor, infiam-
m a co n íeguin tem en tc a noíTa vontade, c *
d e v a fobre as luas forças naturacs, paraque
d ezeje efie S u m m o B e m , c paraque attenda
Lifào, 3 3 5
3 alca n ça l!o ,co m a prom etia, quc lhe tem fe i-
to,c c o m a r c f o l u ç a õ . q u c tem tom ad o a v o n ­
tade dc por as c o n d i ç o c s , q u c o S en h o r te m
cllablecido,para fc haver de a lca n ça r,co o p e­
rando fielm ente c o m a G r a ç a D i v i n a .
E fte n obre d e z e jo pois de g o z a r dc D e o s
por todos os fccu los, e eltc esfo rço do n o f-
íb coraçaõ para chegar a p o flu illo, h e o c o n -
llitutivo da E f p e r a n ç a C h r iíla á . M a s aílim
como a F c , naõ f ó inclina o e n te n d im e n to
a crer em D e o s , c o m o feu o b j c & o p rim á ­
rio, mas tam bem nas outras v e r d a d e s , fora
dc Deos* que as tem revelado , c o m o feu o b -
jctto fecundario*, aflim a E fp e ra n ç a naõ f ó
inclina a vontade a dezejar, c éfpcrar a p o f-
fe do S u m m o B e m , fenaõ tam bem a dos o u ­
tros bciis, fora de Deos* que tam b e m p r o ­
vem do Senhor, e fervem ao h o m e m dc m ei­
os para co n fcg u ir eflc fim ta õ em inen te.
Repara pois q u a õ am pla he a esfera da E f -
pcr;inça,e quanto dilata o noíTo c o r a ç a õ ,p o is
o esforça a c f p c r a r t o d o o b ê m , q u c ha em D e ­
os, e fora dc Deo$*cm quanto ferv ir,ou fo r ne-
ceflario, para c h e g a r a D e o s . N e m ifto he
voar icm azas* nem dar paíTos maiores, quê
os pes, porque a E f p e r a n ç a eftrib a no incl-
rno Deos*, Innixa fnper diU&nm fu u m > e af- J ,Bt*
fe muda c m fortalczà D i v i n a a nofla fra­
que*
33 6 S egundo d ia ,
ir»i. q u c z a : Q u i fperant in Dom ino, mutàbuntfof*
4° 3,‘ titudinem. V e rd a d e h c,qüe a E fperança nao
eítriba dc to d o em o Sen hor, mas tambem
cm parte nos merecimentos- p ro p n o s , cm
quanto dimanaõ da graça-d o mclmoSenhor,
cj os rcquer,para nosdar a C o r o a ercrnacoin
maior honra nofla) e aflim quem efpera,co-
d io deve, hc c o m o o A n jo do Apocalypíc,
que tinha hum pé fobre a terra,t-o outrono
mar* porque pella parte, que c i h i b a nas pro-
xneflas da D iv in a Bondade, hc dc todo fir­
m e , c im m o v c lj porem pella parte, que el-
triba na nofla co o pcraçaõ com a G ra ça,p o ­
d e o homem vac»llar,mas fem defordeni,tc-
m e n d o naó ponha elle im pedim ento da fua
parte á falvaçaó, aindaque naõ pofla temer
pello que toca á ajuda do Senhor. E porque
.aqui te poderia parecer, que o p ô r algúa
co n fian ça nos teus merecim entos, pode pre­
ju d ic a r m uito á humildade, e aflim tc pri­
varia dos mefmos merecimentos-, fabc, que
iflo aflim lcria, quando confiados nos teus
m erecim entos , attribuíndoos a ti mcln>a,
c o m o fazia aquellc fob erbo Pharifco* porem
fc olhares para elles, c o m o cffcitos daD ivi*
na G r a ç a , que os p ro d u zio , coníervou, C
au g m e n to u , e dco forças ao teu livre nlve-
d r io , para co n co rrer para hum cffcito tao
g

Liçao. 337
D ivin o, o fazer alg ú a firmeza rieíTcs m ere­
cimentos, hc eftribar rto m efm o D e o s , quc
coíluma premiar, c o m o conquiftas noflas*
os feus mefmos dons. E co m iíto fica baf-
tanterriente e xp licada a natureza delta v i r ­
tude, a qual, aindaque fe nos infunda c o m
a F é no B a p t ii m o ; naó b a f t a .c o m tu d o o
têlla cm habito, mas he neceftario rcduzilla
frequenterilente a aéroj nem ta m p o u co nos
dgveraòs contentar c o m a poftuir cm grao
ordinario.mas procurar dc a adqu irirem grao
heroico, c aílim fiaó fo havemos de cfpcrar
nas Divinas pro m eílas, mas augm entar efta
efperança, c o m o d iz o P r o f e t a ; : In verba
tua fuperfperavi. Para íu b ir pois a g r a o taó 74»
lublime, tc aproveitaráò grandem ente os
tres meios feguinces.

M E I O S T A R A A L C A N C ,A R A
V ir tu d e da E fp e r a n ç a .

Prim eiro m e i o , para co n fe g u ir tan­


O to bem , c o m o nos pro m ette efta
Virtude, que nos pro m ette todo$ os bens,
hc o pcdilla c o m grande inftancia ao Se­
n h o r, como fe difíe da F é : Credo , D o mm«ic«
adjuva incredulitatcm yneam, c r e i o , 9*
oenhor , ajudai vó s a minha incrcd uh -
X dade,
338 S egundo d ia ,
dade,dizia ao Senhor no E v a n g e lh o aquelle
afflièío pai, e pretendia alcançar naô í ó a F é
no poder d c C h r i f t o , que ja tinha, mas a
co n fian ça, que redunda na vontade, pella
a p p lic a ç a õ da mefma F é . A im itaçaó dcíle
pai, c o n v e m , que peçam os muitas vezes ao
Senhor nos dilate o c o r a ç a ó , e nos dè cfta
confiança, que co ítu m a fer a medida dc to­
dos os outros dons, porque ao p a d o ,q u e ca­
minha a efperança, vai feguindoa mifericor-
Ffal.
U»> dia : Fiat mifericordia tua, Domine, fupernoS)
quemadmodum fperavintus in te.
O fegu n d o meio he, confidcrar m uito de
p r o p o fn o , c esforçárm onos a penetrar alta­
m ente os m otivos,que temos paracfpcrar em
o Senhor. Q u i z D c o s, lá na L e i antiga,que os
rcos tiveíTcm cinco Cidades dc refugio*nia$
para nós fó tem preparado húa, que heaEi*
perança, que vale por todas, c hc aquclU
Apoc. C idade porta em quadro: C ivitas in quadro
21.IC.
pofeta} porque por quatro partes nos c o n v i ­
da, a que bufqucmos nclla r e f u g i o ,c noloaf-
fegu ra por quatro princípios* que vem a ícf
a Ommpotencia dc D c o s , a fua M ifericor dia,
Fidelidade, e Ju ftiça .
P o rq u e pois, oh c o r a ç o c s fracos, perdeis
o anim o? porque defeonfiais? porque os vof-
íos inim igos faõ iera n u m ero ? p o rq u e vos
Liçao a 339
ármaõ ciladas a cada paflo? porque vo s cl-
peraó no pafTo eftrcito da m o r te , para vos
aflaharein co m grande faria? mas t o d o d l e
poder do inferno, á v iíla do D i v i n o , naõ he
como fc naó foflc ? fc D eos nos q u ize r fazer
bem, quem nos podera fazer mal ? S i D eus J*®"*
pro nobis, quis contra nos? por eíte lado he
inexpugnável a E f p c r a n ç a , p o r q u e c í t i i b a n o
poder do Senhor-, c quaó impoflivel he, que
falte o Divirto poder, canto hc im p oflivel, por
cfTa parte* que leja mal fundada a voíTa E f -
peranç a.
Verdade he iíTo,dirás t u , f c c u e ftiv e flc fe -
gura, que queria D e o s e m p re ga r na minha
defenfao feu O m n ip o tc n te b raço * mas quem
me aflegura* que D e o s queira fazer ta n to ?
Deos he, que v o lo aíTcgura pella parte da fua
Divina M ifericord ia. N e m tu , nem o u tr o
entendimento crcado , po d e c o m p re h c n d c r
a incffavel propenfaõ do S u m m o B e m a fe
communicar a fuas crcaturas, em quanto faõ
diflo capazes, nem a ternura immenfa d o í c u
Divino c o r a ç a õ , para fe c o m p a d e c e r , c ali­
j a r todas as noflas miferias. P o d e p o r v e n ­
tura, diz o Senhor p o r Ifaias,efqueccrfeh úa
m ab e naõ ter c o m p a ix a ó de feu pequeno,
e anoado fiihinho? m a‘s aindaque fc achafle
h ú a maí u õ c ru e l, eu naõ hei dc fer aflim:
Yi £go
343 Segundo dia ,
Ifíi. Ego tamen non oblivifcar tui. Pondera o que
49 .1
cem feito por ti ate agora. P o r ti fe fez H o ­
mem , na Encarnaçaõ; por ti fe fez como
R e o na P a ix a õ ; c fc fez com ida na Eucha-
riítia: e fendo tudo iíto aílim, naõ pode ha­
ver m o tivo mais j u í l o para cíperar, que c u m ­
prirá o que f a l t a , q u e he o fazerfe noíToprê­
m io no C e o : P er eay qua cognofcis p ra fli­
tas difce fperare promiflfa, d iz c o m muita ra­
zaó Santo A g o í t i n h o . G ra n d e felicidade hc
a noíTa, pois tratamos c o m hum Senhor, que
naõ pode fer efcaílo, porque nunca pode fer
pobre. T o d a a difficuldade, que os homens
tem em enriquecer a o u t r o s , he porque ti-
raó a fi o que lhes d a õ , c por iíTo temem fi­
car pobres. Suppoem p o r e m , que hum ho­
m e m , naturalmente inclinado a fazer efmo-
la aos pobres, tinha o privilegio dc achar 0
dia feguinte em fua cafa todo o dinheiro,que
n o dia antecedente tinha repartido cm efmo*
las, poderia por ventura elle tal negar cm
t e m p o algum couta algúa aos neccfhtndos?
h e cerro, que lhe feria iíto quafi impoílivel,
e x c e p t o no cafo, que elle previíTc,que o po­
b r e havia de abufar da efmoIa,applicándoa a
maos tifos. E naó tens tu o u v id o da boca do
A p o í t o l o , que D e o s he rico na mifericor-
d ia ? iíto he, que naõ perde nada d e quanto
Liçao. 341
dá, porque ainda fica Senhor do que tem da­
do, co m o era dantes* de forte, que fe podcf-
fcm crefccr as fuas riquezas, crefceriaó re-
partindofe, porque produzindo o Senhor de
novo o bem , que cm nós c a u f a , naõ fó naõ
perde nada do feu, mas dilata o ícu d o m i-
nio, pofiiiindo.de n o v o o b e m , que cftava
fó ncllc, e agora eftd nelle, e tam bem era
nós.
Pondera pois, e v c quanto fe a fle g u ra p o r
efta parte a Efperança Chriftaã* e ainda D c ­
os, pello g o f t o , que tem dc nos ver eftribar
nclle im m o v c lm e n tc , accrcfccnta :i M if e r i-
cordia húa nova firmeza, que he a fua F i d e ­
lidade. D e o s naõ perde nada cm d a r , antes,
como temos d i t t o , de algum m o d o ganha*
porem, fe por impoftivcl perde (Te, n a c íe lhe
daria diíTo, íó por c u m p r ir c o m as prom ef-
fa$, que tantas vezes nos tem feito na Sagra­
da Efcritura, de nos ajudar nas noflasncccf-
fidades, e de nos o u v ir as noftas p e t i ç õ e s :
torno a dizer, que toleraria D co s cfta perda
roenor,por evitar a perda immenfamente mai-
or,da fuagloria D iv in a ,q u e rcfultaria,fe elle
dcixaíTc dç íer infallívcl nas fuas promeflas.
** como poderia D cos f o f r e r , que os m ife-
raveis homens le jaótaíTem de haver feito
1X1315 cftiiuaçaõ da fua piedade, c fidelidade,
Y 3 do
342 Segundo dia,
d o que ella realmente era? poderemos por
ventura c r e r , que D e o s pratique o que fó
imaginallo he blasfêmia? ou q u c D e o s O m *
nipotentcpoffa fazer gala de faltar á fu a D U
vina palavra, fem nunca podçr ter defeulpa
dc aflim ter fa lta d o , quando ainda hum Ca*
pitaó de L a d ro é s tem por affronta o faltar
á fua palavra ? Q u e g lo ria feria para a pala-?
vra de D eos o d i z c r l e ,q u e com cila fuftcn*
ta immovel a te rr a , c o mundo todo fobre o
nada,fe fe lhepodefle juftam cn tc opporhura
contrario, dizendofelhe, que naó podéra fa­
zer, que efliveflc fem receio h u m co ra ça õ ,
que cílribava nas fuas D ivinas PromcíTas?
D o n d e verás, que tambem por e lle prin­
cip io hc impoflivel, que vacillem as noflas
cfperan ças, que fe fundaó na D iv in a Fideli­
d a d e : c co m tudo, nem ainda iflo tem j u l ­
g a d o o Senhor por fufíicicnte, pois vendo,
q u e ainda naó confiavaó plenamente nelleas
almas puíillanimcs, fez tam bem que entraf-
fe a fer parte na noíTa caufa a fua D ivin a Ju-
f liç a com os feus proprios merecimentos,
para os premiar cm nós, e nos fazer bem.
Se pois temes, que os teus demeriros fe op-
ponhaó á D ivin a M iic r ic o r d ia , e ao Poder
D i v i n o , em ordem a que fc naó cum praó as
fuas promeflas, cia, bo m a n i mque J E S Ü
o ,

. . Chri^
Liçao. 343
C hriílo alenta a tua e fp e ra n ç a : Faftus eft pf-i.
inibi . . . Deus meus in adjutorium fpei me*\ 9l,lu
cm prende c l l f , c o m o A d v o g a d o , a defenfa
da nofla caufa, e pede por j u í l i ç a , que fenos
pague, o que a elle lhe he d e v id o , f u b í h t u -
indonos no feu lugar. N a ó he pois verda­
de, que naó temos m erecim entos para que
Dcos nos o u ç a , porque temos m erecim en­
tos fummos, quaes faó os do noflo R e d e m ­
ptor, que faó noflos, por nos haver elle fei­
to ceflaó deiles na C r u z , c a ratifica cada
dia no Santo Sacrifício da M ifla , paraque,
offcrccèndoos ao E te rn o Padre, lhe p o lía ­
mos dizer intrepidamente, que nos livre dc
todo o mal por fua mefma D iv in a J u í l i ç a :
In juftitia tua libera me\ porque uíando c o m - pfl|«
noleo de m ifericordia, paga ju n tam e n te a J0‘ *'
J E S U C h r i í l o o que fc lhe d e v e , que fenaó
pode inteiramente p a g a r,p o r fer infinita cf-
fa divida. H e fim verdade, que á maneira
do Servo do E v a n g e l h o , e í l á s individadapa­
ta com D c o s en húa f o m m a , que ex c e d e
tanto as tuas fo rça s, mas nem p o r iflo dei-
Xarás dc fatisfazer; e podes dizer no T r i b u ­
nal de D e o s , que has de p a g a r: Patientiam M
babe in me, £5? omnia reddam tib i. O p reç o I,,z *
0 Sangue do R e d e m p t o r , as íatisfaçoés da
a c os merecimentos da fua vida
Y 4 faõ
344 Segundo d ia ,
faó o cftablecim ento dc húa renda taógran*
de, quc applicándoa tu a ti mefma por hum
a â o dc verdadeira efperança,naó tens que tc-»
m e rto d o s os raios; pois J E .S U C h r if to com
os feus D ivinos ombros te fcrvirá de dçfçn-
I l í V *a • Scapulis fu is obumbrabit tibi. O h D eos da
Rom. E fp eran ça, Detis Spetl quaõ bem vos qua-
^*,3*’ d r a efte honrofo, c miferiçordiofo titulo,po­
is he tap firme contra qualquer aconteci­
m e n to a c o n fia n ç a , quc em vos fc pocm?
R a z a ó tendes para caftigar ícveramente a
quem naõ quer efperar cm vós, pois vos naó
trata co m o quem fois, e vos quer tirar da
C a b e ç a a melhor C o r o a de G l o r i a , que vos
daó os voííos D iv in o s A ttrib u to s.
O terceiro meio para alcançar efta virtu­
de da E fp eran ça C h rifta ã , hc reconhecer
»or tentaçaó m u ito perigofa qualquer pen-
Í amenrode defeonfiança. D e o s me guarde^
dizia húa alma fanta, das tentações, quc naõ
c o n h e ç o por taes, porque hc m uito facil o
abrirlhes as portas do c o r a ç a õ , em lugar de
lhas cerrar. N a s terras mais Septentrionacs,
onde os U rfo s por razaõ da n e v e , quc quaft
fempre co bre aqucllc terren o, faô brancos,
fazem maior eftrago,do que em outras par­
tes, porque fe naõ diftingu em , c colhem os
homens de im p r o v ifo ,e o s ro a t a õ . E d o m c f -
m
Liçao. 345
m o modo fuccede naquella c a fta d c t e n t a ç õ ­
es, que vem com capa de v ir t u d e , c o m o he
aquella defconfiança, a que muitas almas daó
acolhida, e fom cntaó, c o m o que foflc hu*
mildade. Para dcfcobrircs pois e lle engano,
deves prefuppôr,que a E l p c r a n ç a n a õ c x c l u c
o temor, antes o caufa na alma* c fe o cx *
ciuiflc, feria menos íegura, p o rq u e feria c o r
mo húa náo co m grandes velas, mas fem la*
firo, para a qual, quanto mais p ro lp e ro h e
o vento, tanto mais ce rto he o n au fra gio :
alem de que, húa tal efperançn, ícm receio,
naó daria a D e o s a honra, que fc lhe d e v e ,
como a terrivcl nas fuas obras, nos íc u s c o n r
f d h o s , e n o s feus c a ílig o s, c o m o nolo rcr
prefentaó frequentemente as D iv in a s E f c r i -
turas. D i z f c tam bem , que a E íp c ra n ç a
caufa cflc temor* para intelligcncia do que,
podemos diílinguir duas efpccics dc te m o r
bom, h um , que fe chama fervil, o o u tro fi-
«ial. O fervil f a z , q u e temamos a pena eter­
na, ou a temporal , c o m o contraria ao b e m
ua creatura* o filial nos faz temer a cu lp a ,
como contraria ao bem do C r e a d o r * e aflim
•como a Caridade hc m al do tem o r filial, af-
m a Esperança he m aí do fervil, p o rq u e ao
P1 mo Pafio, c o m que fe ch e g a para o feu
n * aparta do feu mal. V e r d a d e h c,q u c
aflim
32j.ó Segundo dia,
«ílim co m o o pcfo do laftro, dc que acimi
íc fallou, naó d c v c ícr dcmaíiado cm hua náo,
mas proporcionado,para a ajudar a navegar,
c andar, aflim tambem ha dc fer p ro p o rcio ­
nado o noíTo temor, c o feu c x c c flo fc conhe­
cerá l o g o pcllos efteitos. S c v ire s, que clíc
te m o r tc iaz folicica cm afTegurar íempre
mais, c mais a tua falvaçnõ; fc tc im pclle a
te c n c o m m c n d a r c o m mais fervo r ao Senhor-,
a tirar c o m maior refo lu çaó os impedimen­
tos, que fc tc poem diante no cam inho da
p c r f e i ç a õ j fom en ta o, e agaíálh ao , c o m o a
a m i g o : p o r é m , f c elle fó te fervir dc tc per­
t u rb a r a p a z , í c tc inquieta a c o n f c ic n c ia , e
t c tira o animo dc profeguir o b e m com e­
ç a d o , naó vès l o g o , que cfTe tem or hc hüa
c a r g a , que tc o p p r i m e , c q u e o feu frio hc
frio dc fazaó, c naó natural ? D e v e f e pois
te m e r neíte n e g o c io grande da falvaçaó,
mas m u iro m a isfe d e v e c fp e ra r,c augmentar,
tom. c o m o diz o A p o í l o l o , a efp eran ça: U t abun*
15 , J de tis in f p e , & virtute Spiritus Sanftr, mas
.final mente o temor co n d u z p o u c o para obrar*
*e quem jamais venceria a f e u in im ig o , fecut-
daíTe fó em reparar os feus g o lp e s, e fe va-
JcíTc da efpada fó para fc defender, e naópa*
ra ferir? P o r o u tra parte, a E fp eran ça no*
eftim ula muico a o b r a r , c ainda nos iubmi-
*r ' m*
Liçao. 347
niítra grande v i g o r . P o rq u e , c o m o enlina
8anto T h o m a s , cila hc o principio da forta­
leza* nem as almas boas, efperando m u ito ,
haó de temer a foberba, porque cftribaó t o ­
talmente na ajuda do Senhor* nem ram p o u ­
co haó dc ter d e f e u id o , porque f a b e m ,
que a D ivin a G r a ç a pede a nofla c o o p cra -
çaõ, e quer que da nofla parte p o n h am o s os
meios, quc fe tem' cltabelecid o para c o n fc-
g u ir o s fins da mefma G r a ç a * e p o r efta ra­
zaó, a fua confiança as faz iempre mais fan-
tas, co m o diz o A p o f t o l o S a ó J o a ó : Q fti\
babet hanc fpem in eoy [an ü ifica t fe-, fendo,
pello contrario, a confiança dos pcccadores
ou fempre v a a , ou fempre má* p o r q u e , o u
pretendem alcan çar a falvaçaó fem m e re ci­
mentos, ou eflriba em o q u c n u n c a l h e s p r o -
metteo o Senhor, c o m o he o haverem de o -
brar bem pello te m p o a d ia n t e , o u no fim
da vida, quando ja n aó poflaó obrar mal.
D o n d e , para co n clu irm o s o noflo cafo, fc
todo o verdadeiro C h r i f t a ó d eve eíperar mais,
do que tem er, m u ito mais fc d evem in c li­
nar para a parte da E fp e ra n ç a as almas, que
faó naturalmente mais temerofas, quaes faó
ordinariamente as mulheres, e reconhecer
f o r tentaçaó m u ito perigofa as defeonfian-
ç a s , quc cm lu g ar dc as ch eg ar mais para
D eos,
3 48 Segundo dia,
D e o s , as apartnó cada v e z mais, esfriándoas
e m feu amor, c fazèndoas tardias, c pefadas
para ohrar b e m . C o m c f t c cfpirito refpon-
dia S. F r a n c i f ç o X a v i e r a todos,os que,com
titu lo dc amifade, o pretendiaõ cfto rvar cm
a l g ú a emprefa difficultofa, ja co m o temor
dos naufragios, c cofianos ao n u r , ja com
a incom m odidade e x tre m a do Pais, ja com
a barbaridade, e crueldade das gentes* re-
fpondia, d ig o , o Santo, depois dc lhes agra­
d e ce r o feu aflfcâo, que dc todos os perigos,
que lhe reprefentavaõ, nenhum remia tanto,
c o m o o defeonfiar da ajuda de D e o s , e que
fe naõ incorria ncíTe p e rig o , ficava total­
mente feguro. T a m b e m Saõ Pedro attribu-
Watt. io ao vento o irfe afundindo, Videns ventur»
,4*,c* v a li dum, tim u it: mas J E S U C h r i f t o fóoat-
trib u io á po u ca co n fian ça de Saõ P e d ro ;
r. 3i- M odicjt fid ei, quare dubitafti ? naõ hc o pefo
das adycrfidades o que nos fu b m e rg e , mas a
nofla pufillanimidadc em efperar, c recorrer
a D eos.
ACTOS, COM $ V E SE E X E R *

cita a E fp e r a n ç a .
E taõ grande a esfera da Efperança,
H que co m p re h e n d co verm onos livres
i d e todos os males, c o adquirir todos os bens*
don*
1 Ltçao. 349
donde o P ro feta, no Píalm o n . nos lem bra
tres vezes cm poucas palavras o quanto cf-
peraraõ os Santos em o S e n h o r: In te fpera- arfiIj.
vcrznt P a tres noflri.* fpcraw rtm t,, //£*- k «/
rafli eos% in :e fp era veru n t, £5? //<?;; farit con-
/#/?> cnfinándonos, a q u c , a i m i t a ç a õ fua,
havemos dc cfperar dc D e o s nos livre dc t o ­
dos os males d c cu lp a ,e de pcna,c nos d c t o ­
dos os bens do C e o , co m todos os foccorro s
neccílarios, ou co n ven ien tes, para ch e g a r­
mos a g o z a r delle.
N c í l a conform idade p o i s , farás cm p ri­
meiro lugar grandes aótos d c E fp e r a n ç a , a
refpeito dos p c cca d o s pafTados, p r c tc ít a n -
do, que fe fizcftc tra iça õ ao Sen hor, c o m o
outro Judas, oftcndèndoo, !ha naõ has d e fa -
^cr>defeonfiando da fua pied ade, c d e fcíp c-
rando do p e r d a õ * c q u c a p a c i c n c i a ,q t i e c o m -
*8° tem tido, cfpcrandotc, quando te po-
^ia logo c a ílig a r , e o e s f o r ç o , que te tem
C e os m an^e ^ ar ao S a c e rd o te na
0nnflaõ,faõ parati hum final,de que t e r e m
P oado, animandote a julgar p o r perdoa-
,ís as tuas c u lp a s , o haverem ellas fido taõ
C/7CC^ vas: Propitiaberispeccatom co, multum rfal.

J '****• T a m b e m a refpeito das faltas p r e - 24,1*<
dos máos hábitos, e in clin a çõ e s v i -
10 as, deves tambem tomar o c c a f ia õ de e x ­
e r c i- ___
3 5"O Segundo dia ,
crcitar a confiança cm o Senhor, naõ tc dcfa-
nimando nunca por caufa das tuas fraquezas,
fenaó recorrendo a teu M e d ic o , com fegu-
rança tanto maior, quanto mais experiencia
tens, de que naõ podes fárar por ti mefma:
Eccii. F ili in tua infirmitate ne dejpicias teipjum,
»• fed ora D om inum , £5? ipfe curabit te. Dirás
pois ao S en h o r: N a õ fois vos O m nipoten-
t e ? E vos, que haveis refufcitado dc morre
a v i d a , naó podercis fárar inteiramente as
minhas chagas? Sim podeis, Senhor, e cu
aíTim o c f p e r o , e c o m o por minha parte que­
ro p ô r todo o e s fo rç o para co n fe g u ir o re-
medio, que p r e t e n d o , naó tenho receio de
ficar confuía.
Q u a n t o a ficares livre dos males dc culpa*
e pena, fa b c ,q u c c fle e x e r c ito formidável,que
t c a c o m e t t c , o u d e r e n t a ç o e s do d em on io ,o u
d c tr ib u la ç o é s ,q u e tc caufcm as creaturas, oü
de anguftias do teu mefmo c o r a ç a ó , taó lon­
g e e ílá de te dever caufar t e m o r , que antes
tf*L tc deve animar: S i cotijiflant adverfum nte
*• cajlra, non ttmebit cor meumj . . . in hoc
[perabe\ p o rqu e em fim , quanto mais perigo-
fa he a g u e r r a , tanto maior he a gloria do teu
D i v i n o L i b e r t a d o r : proteftapois,diantedcl-
l e , que naõ confias nas creaturas, fenaó cttí
quanto c ilc tas d á , c o m o meios para te li­
vrar*
Liçao. 3 JI
vrar; p o rém , que confias tanto nellc, que a-
indaque tc viíTes co m a efpada da D ivin a iu-
ftiça na garganta para tc c o rta r a c a b e ç a
cèrcea, ainda h a v ia s d c c íp e r a r n e lle : E tia m fi ]**>.
occiderit me, iti ipfofperabo, & ipfc erit faU
vator meus. O h q u e n ob re c o r a ç a õ tem a
clperança C h r i f t a á ,f c o s perigos lhe au g m en -
taõ os brios, c as fo rça s, e as mcfmas rcpul-
fas lhe a c c r e fc e n t a ó a c o n f ia n ç a ! R e p a ra na-
quella mulher C a n a n c a , que te c ila dando
hum heroico e x e m p lo defta grande virtude.
Levanta cila a v o z na p r c le n ç a do R e d e m ­
ptor, para alcan çar delle piedade* e o S e ­
nhor lhe volta as c o f t a s , c dá moftras d c a
naó o u v i r : intercedem entaõ p o r ella os A -
poftoios, e naô o b f t a n t j tantos f c u e r c e flb -
res, nega o Senhor a g r a ç a , que lhe pede;
mas ella, fem fc defanimar, lánçafc aos pés
dc J E S U C h r i f t o , e renova as luas fuppli-
c as* mas o Sen hor, naõ fó naõ q u i z delpa-
char a fua p e tiçaõ , mas c o m huns term os
totalmente afpcros, c q u e nunca tinha ufado
0 ícu terno co raçaõ c o m o u tro a lg u m , a
compara aos c a c s : N o n efi bonum fumerepa~ m«et.
n' m filiorumy {5? mittere canibus. E c o m tu-
do iífo, a gencrolá m ulher t o m o u m o t iv o
de taõ repetidos defvios para efperar c o m
mais firmczajcom o que confcguio tudo,quá-
co
3 5â Segundo dia,
to queria, fem limicaçaõ-, e á medida dosfè-
dezejo s: F ia t tib i,fic u t v is . D a mclmá
maneira has tu de tratar com o Senhor, naS
tuas o raço esj de forte, que quando lhe pc-
dires o ncceflario, e conveniente para a tua
falvaçao', o u perfeição, aindaque o Senhor
fe f a ç a ftírdo; aindaque conceda a outros as
m crc è s, t naó a ti; aindaque, ao depois de ó
haver irtvocado,tc trate co m mais afpcreza,
d o que dantes, cm lugar dc deixar as fuppli-
cas, as h a s d c a u g r a c n t a r ,c d iz c r lh e : Senhor,
bcllam ente mc negais o que vos p e ç o j cü
fei m u ito b e m , que, aindaque tenhais as mer­
cês apertadas na iriaô; a haveis alg ú a v e z de
a b r i r , c as derramareis fobre mim em maior
abundaneft,- tanto pie hei de encommendar
a vó s, que aindaque naõ feja, fenaó pella mi*
nha im portunidade,m c haveis algum dia dê
confolar: E l l e he o grao maisfublime,aque
c h e g a efta virtude taó robufta, q u c ,a modo
d e húa grande chamraa, crcfcc mais, quan­
d o a combattcrrr os ve n to s. D e z c fc tc annoS
c h o ro u Santa M o n ic a por feu filho Agofti-
n h o , c o v io depois, naõ fó C h r i f t a õ , mas
San to. N a idade de 40. annos le promerteo
a A b rah aó o filho, que fe lhe n a õ conccdeo,
leaaó aosóo. fem que já m a is n o c fp a ç o de tan­
t o tem po dcixaíTe dc f o m e n t a r , e augmen-
Liçao.
t ir a fua e fp e r a n ç a : Contra fpem in fpem cre-
âidit. E foi tambem caô gencrota Santa G c r - Lib. tT
triidcs em augmcntàr a fuá c ò n fia n ç á entre jj: Vç”
todas as tardanças:9 c o m que lhe dilatava o \i% ^
Senhor o dcfpacho das fuas p e t i ç õ e s , qtie elle
lhe diífc, qiie por eíf.i razaó lhe naõ podia
negar coufa a lg ú a , c que a fua c o n fia n ç a lhe
ferviriá dc ch a v e de teus D iv in o s thcfóuros.
Mais que cm tudo fc dilata a esfera da
Efperança em d e z e j a r , c efperar a perfeita
poflc do S u m m o B e m lá n ò C e o , aindaque
Deos, para que c r c f ç a o as nolTas d i l ig e n c i ­
as, e para nos confervar na hum ildade, t e ­
nha d i f p o íl o .q u c no$ fique e íc o n d id o o m y -
llcrio dc nofla p r e d c ilin a ç a ó j e c o m tudo»
iflo nos*manda, q u c c f l c j a m ò s c o m b o m a -
nimo áccrca de.ftc negQcio, e q u e , attenden-
do a fcrvillo c o m fidelidade, elpercmos,qu<5
° havemos de pofluft* para íem pre c o m os
Bemaventurados. E f la c o n fia n ç a nos e n c h e
dc generofidade entre as coufas adverfas, e
prolpcras defla v i d a ,d c forte, q u e d cfp re z c-
nu>s os feus bens, e naó temamos os íe u s m a -
V erdadeiram ente, que h ú a alma p o d e
direrfe a (1 m cfm a c o m a l g ú a feguridade:
Dentro de po u co s annos citarei no C e o c o m
os Santos^para £ o z a r ,p o r h ú a eternidade, de
num bem taõ g r a n d e , q ue, para g o z a r delle»
. z P°*
3 54 Segundo dia,
p o r hum fó m o m e n t o , todos os demonios
do inferno, e todos os condenados fofreriaó
de boa vontade mil leculos de penas augmen-
tadas naquelle feu abyfnjo* e eíTa G lo r ia me
cfpera,feeu for fiel ao meu D c o s ,e tenho delia
tantas prendas, quantos faó os benefícios,que
m e t e m feito,pois todos mos tem feito para o
fim de cu gozar dcllc para fempre. Hfiaalma,
d i g o , que íe pode animar a fi mefma c o m húa
E lperan ça taõ grande, co m o he pofiivel,que
fe n a õ eleve fobre a esfei a de rodos os dezejos
cad u co s, c dc todos os temores? O Primo­
gên ito do E m perador d o Japaó, c o m o dc-
flinado a reinar depois de feu pai, fc cria
c o m a advertência, dc que nunca jámais to­
q u e a terra com os feus pés. E c o m o pode­
r á hum c o r a ç a õ C hriftaó, dcftinado a rei­
nar eternamente com D e o s , naõ fó tocar a
terra co m os feus a ffe d o s , mas engolfarfe
tambem nelles, c o m perigo de perder o leu
reino immÓrtai? tudo ifio p r o v é m , de que
cuida p o u co no C c o , e ainda menos o deze-
j a , c o m o aquelle P o v o ignorante, que nao
cu idava na T e r r a de P r o m i fla õ , levandofe
da apparentc amenidade dos campos vi-
fcinhos. H c tanto o b e m , que cfpero, que to­
da a pena me he d e le ite , dizia Saó Francil-
co* e Santa T h e r e f a ; E í p c r o h ú a yida tao
Liçao. ‘3 551
fublimê, quc m o r r o , porque naõ acabo a v i ­
da: C e o , C e o , he o que eu quero, dizia Saõ
Philippe N c r l , quandò lh e o ftc rc cia õ a lg u m
bem terreno. D i z e tu tambem aílim ,arm an -
dote com a memória do C e o , contra todas
as t e n t a ç õ e s , fortalecend otc nòs cafos ad-
verfos, c levantaridote fobre ti m efm a, c fo-
bre todo o creado, dizendo a teu D e o s : C o n l
tanto, que eu c h e g u e , Senhor, a vos v e r , e
gozar eternamente, trataime c o m o qüiféreiSj
aqui na terra cortai por m im , e abrafaime n o
fogo das trib u laço e s, naõ me perdoeis cá no
inundo,para m e pcrdoarcis para fem pre no
outro: H ic ure^hic fe cá ^ h k non pàrcái, iit in
* ternum parcas. E l t a hc a m e rcè ,o h S en h o r
meu, que efpcro em vcfíTas prômeíTas hei d c
alcançar* e porque o confeguiila depende
mais da voífa Bondadfc, que da minha c o o -
paraçaõ, por iflo c ito u mais f e g u r a , c def-
canlo mais livremente 110 voíTo í e i o , co n fi­
ada nas voíTas promcíTas, e nos m erecim en­
tos do meu D i v i n o R e d e m p t o r .
Sc te cxercitares na E i p c r a n ç a c o m f e m e -
inantes affcótos, experimentarás quanto íe
Cará o teu c o r a ç a õ , para co rrer pello c a ­
minho dos D iv in o s P r e c e i t o s ; quanto fica­
i s mais cuídadofa de naó oífender a hum
2>cnaor, quc tc p rom e t tc hum taó gTande
Z x bem»
35 6 Terceiro dia,
bcin> co m quanta co n folaçaõ acabaras a v i­
da, rendo j a ílnaes anticipados da tuabema-
venturnnça, co m o acontece aos navegantes,
que pello vento mais f r e f e o , que lhes aflo-
pra, co n h cccm ,qu c cíla õ mais perto de ter-
ij.ij, ra: Beatus bomo, qui fperat in/te.

LIÇAÕ E S P IR IT U A L ,
Para o terceiro dia dos E x e rc icio s.

S O B R E A V I R T V D E <DA TE*
nitencia.
R a n d c ag g ravo fizeraó á terra dc
G Palcftinaaqucllcs Exploradorcs,quc
a pintaraò ao P o v o H c b r e o taõ barbam,que
tragava aos feus habitadores, em v e z de 09
*jom. a lim e n ta r : Terra, quam lujlrdvimus^ devorai
3J.33* habitatoyes fu o s\lendo cila taó abundante,que
ie podia dizer,que aalagavaó o leite,coroei.
Semelhante aggravo u Z cm os do mundo á
penitencia, dizendo, que o darfe hum a cfta
virtude, hc metierfe nas garras da morte*
fendo que as lagrimas dos penitentes fao
mais d o c e s , que as alegrias dos theatrosj c
m o fó os homens robu ítos, mas ainda as don-
zellas tenras, co b raô e sfo rço c o r o a peniten­
c ia , para fe maltratarem c o m grande r ig o r,
Liçao. 3 5"7
e para fazer, que no meio dcfle rigor e x p e ­
rimentem hum g o í t o , qual jamais tem e x p e ­
rimentado os mundanos. Paraquc pois, naó
entres tu tambem no numero dcílcs timidos,
c enganados, ferá b e m , que fiques in form a­
da da natureza delta v i r t u d e , c dc c o m o le
pode facilmente alca n ça r, e exercitar.
A Penitencia pois he húa virtu d e moral,
que tem no r e m p re g o o deftruir o p c cca d o ,
c fatisfazer á D ivin a [u ltiç a pcllas offenfas,
que fc tem feito contra o Senhor. H e cita
virtude, diz Santo T h o m a s , húa efpecie dá
ju ltiç a vindicativa, porque, vendo a alma,
que he taõ grande a fantidade do S en h o r, que
naõ pode dillímular p c c c a d o a lg u m , nem
deixar dc o a b o rre c e r, c perfeguir infinita­
mente, co m o a inim igo dc fua D ivin a G l o ­
ria, concebe tambem femelhantes penfamen-
tos, c fe c o llig a c o m D c o s , aborrecendo por
extremo as fuas culpas todas, e vingand o em
fi os aggravos, que tem feito a feu C r e a d o r.
Pello que,he cíta virtude da Penitencia húa
participaçaõ grande da D iv in a p e rfe iça ó , c
fantidade, c entre as virtudes, c o m o d iz San­
to T h o m a s ,h c a m elhor, fenaó abfoluramcn-
tc, ao menos naquclla parte da fantidade,que
confiltc cm fugir d o m a i. D iv id e fe ta m b e m
* Benitcnciacm duas partes; co m o d iz o m c l -
L 5 mo
3 $8 ‘T erceiro d ia ,
jno Santo, húa interior, qual he a contrição*
outra exterior, que fe chama latisfaçaó* e
fe diftingue dá paciência, cm fofrer coufas
duras,mas voluntariamente admite idas, quan­
do a paciência, arndaque fofra coufas duras,
faó as que outrem nos faz fofrerco ntraano f-
fa vontade. E fta virtude da Penitencia en­
tre todas as virtudes moraes caminha dc tal
forte entre duos e x t r e m o s , que naõ he fa-
çil dar no meio, fem declinar para hum dcl-
Jes. A lg u n s poem toda a fua diligencia, e
toda a lua perfe içaõ na Penitencia exterior,
cuidando p o u co cm a animar co m as outras
virtudes, co m o fc, para formar hum grande
çdificio , báftafic levantar húa ló parede, c
pm pregar nella todo o gaito. Mas cftcs fi­
nalmente faó poucos, em co m p araçaõ do
T C Í t a n t e das pcíTòns, a quem fó o nome de
Penitencia caufa horro r: pello que parece,
que afiim co m o antigamente entre os R o ­
manos, para fe clles deixarem reger, foi nc-
ccflario mudar o nom e aos R c g c d o r c s , de
R e i s cm Confulcs* nffím tambem,paraque
clles delicados le fujeitem de algúa forte ao
fanto exe rcício dc affligir os feus corpos,fe-
l á n e a Hario bufcai novos nomes, c menos
nboriCci<Jos,para inculcar eíta virtudcjpor-
que de outra lorte l o g o fe cx cu ía ó com as
Liçao. 3 59
poucas forças, e c o m a pouca faudeje quem
ccm fo rç a s ,e faude para bufcar o deleite en­
tre mil incommodidadcs de hum E n tru d o
diíToluto,lhe falta l o g o tudo para p a ífa rco m
menos incom m odidade ia Q t ia r e fm a , reno­
vando em mao fentido as maravilhas do an­
tigo M a n n á , que fofria os ardores do f o g o ,
e fc derretia ao primeiro raio do S o l. D o n ­
de, para naó dar cm hum delles dous e x t r e ­
mos,e ou por híia parte carregarfe tanto dc ar­
mas, que naó polTa pelei jar,ou por outra eftar
• de todo d e f p r o v i d o , c nu na batalha contra
os fentidos, o melhor (erá efeolh er hum Pa­
dre efpiritual, e governarfe p o r elle: húa
corda em hum in llru m cn to , fc eftá p o u c o a -
pertada, íoa r o u c o , e, (c o cfta m u ito , chia,
donde he neccflario entregar o inftrumento
a quem fabe, para o temperar b em . A o Padre
clpiritual pois, deve pertencer o julgar, que
cafta dc penitencia te hc mais conveniente,
c taxar a quantidade delia, com que poflaó as
forças do efpirito, c do c o rp o . E porque
algüas penitencias, c o m o os jeju n s, e as v i ­
gílias nos affligem por dentroj c outras, c o -
HJo a afpcrcza de hum c ilic io , c dc h ü asd if-
^plinas nos affligem fó por fora, ao D i r e -
or toca,naõ só o taxar a medida dcíTas af-
perezas, mas tam bem o efeolher as mais con-
Z 4 ver
Terceira d ia ,
venientes* principalmente,porque o querer^
fe Iiurn governar pello leu capricho nefta
parte, affim c o m o tambem em outras maté­
rias dc cfp irito ,h c o m eím o, quc fazerfe dif-
cip u lo de hum M e ítre idiota, co m o diz Saq
B e r n a r d o : §{ui fe fib i magiftrum conjlituit,
*7' fin lto fs djfcipuluyt fybdit. Pode porem havec
razaò para naó fazer algíia íorte particular dç
penitencias,mas naó para as deixar todas,cem
t o d o o t c m p o * c p o d c fcd czcja r,e pedir outras
penitencias mais afperas, que as que foraó
conçcdidas* pois o efpirito, que nos m ove a .
praticar auíteridades, fempre tem fido final
!dcalmaseícolhidas,eamadas deJE SC J Chri-
;ú. .fto, co m o nos adverte o A p o f t o l o : £)ui au~
?• M* tem fir.it CbriJJiy carnem fuam crucifixerunt,
cura vitJis, & concupifccntiis j donde teve o-
rigem aqucllc provérbio, quc corria entre os
Padres antigos do E r m o : D ame fan^uc., quc
eu te darei cfpiptQ : querendo com iíTòíigni-
jficar, quc ao paíTo, quc fc adiantava hum na
p e n it e n c ia , fc aproveitava no caminho do
çfpilitOj da virtude, e da p e rfe içã o .

M E IO S
Liçao. 36 1
M E IO S T A R A A L C A N C ,A R O
ejpirito da ‘Penitencia,
U e i x o u f c a feu pai a filha d e C a l c b ,
Q dc lhe elle haver dado cm dote hüa
Terra muito fecca> e o p * , por .lhe dar g o - «v*
fio, lhe dco outra duplicadam çntc fecunda,
c regadiá: D ed it ei Caleb irriguum fu p eriu s. Judie.
£í? irriguum inferius. S c hüa alma pois achar
o feu c o r a ç a õ , c o íeu co rp o mal d ifp o fto
para o exercicio da p e n ite n c ia , deve pedir a
Deos cftc cfpirito, taõ contrario á n o fla fcn -
íualidadc, e o S e n h o r , c o m o am orofo p a i,
lhe concederá as aguas fuperiores da P e n i­
tencia interior, irriguum fuperiusyc as aguas
inferiores da Penitencia e x te rio r : Irriguum
inferius, co m as que, fertilizada duplicada-
nicnteaalm a,darácm abundancia t o d o o g ê ­
nero de frutos de fantidade: c na v e r d a d e ,
que cfta hc a primeira l i ç a ó , que o E f p ir ito
Santo enfina a h ú a alma. R e f e r e S u r i o ,q u e
havia no p a la cio d c M a x im ia n o hüa donzel-
por nome D o n n a , a qual inílruida f e liz ­
mente com a Ü ç a õ d a s E p i f t o l a s d c Saó Pau-
e dos A & o s dos A p o f t o l o s , tirou defles
hvros tanta U17. de v e rd a d e , que fc refolvco
a fazerfe Chriftaã. E aindaque a guardavaõ
? om 8 randc reçato , cila d co tra ça , co m que
a
362 Terceiro dia ,
a baptizafTem ás efco n d id asje apena; ahou-
veraõ tocado as aguas do Santo Baptiímo,
quando l o g o fc tro co u em outra * vcndco as
fuas j o y a s , e vcílidos ricos, para dar o feu
p r e ç o aos pobres *^jleofc a rigorofos jejuns,
a dorm ir fobre a aura terra, a fu g ir dascon-
ve rfa ço é s, e a renunciar a todo o deleite,que
naõ era o que tinha em paliar horas, e horas
em oraçaõ diante de húa C ru z,q u cella m cf*
m a fizera co m as fuas próprias maós. Elle
te o r dc vida, taõ contraria áíen fual, fez,que
l o g o a conheceíTcm p o r C h r i l l a ã , e a dilpoz
tam bem parahum illuílre marryrio. Invoca
pois co m frequência no interior do teu co­
raçaõ ao E fp irito San to, e fe fc dignardefa-
fcer morada em t i , naó d u v id e s , que te haja
l o g o d c c o m m u n ica r hum grande amor a
Penitencia. Para alcançar a qual hc meiotam-
bem cffica z, o esforçarfe hum a penetrar os
m o t iv o s , que nos perfuadem o a l c a n c e derta
v irtu d e . Santo T h o m a s a í f i ' r m a , q u e a Fe he
p rin c ip io da Penitencia* aviVa pois a F c no
te u entendim ento, e no teu coraçaõ* c logo
ella produ zirá cm ti frutos dignos de Peni­
tencia, qtiaes o Senhor requer de nos. A vi­
va F é pois das coufas futuras tc dcícobrira
7
l o g o na Penitencia o boneflo, o #// , c 0 dem
leita v el de todos os feus bens,
Liçao. ^6 3
E quanto á Penitencia in terio r, que c o u -
fa ha mais konefta, e mais que o c o l l i -
garfe hum co m a D i v in a J u í l i ç a ? querendo
pois ella, que em todos os modos leja c a íli-
gado o p c c c a d o , o u p o r D e o s , que toi o o f *
fendido, ou pello p c c c a d o r , que foi q uem
ofFendeo,cfcolhetu caftigallo pella tua p r ó ­
pria m a ó ,c o m h ú a ía tis fa ç a õ v o lu n ta r ia ,ifto
hc, por hum m o d o tanto mais facil para nos,
quanto hc menor hua pena t e m p o r a l , que a
eterna j por hum m o d o tanto mais g lo r io fo
para Dcos, quanto elle he mais honrado p o r
húa vontade virtu o fa, que p o r h ú a n c c c f lid a -
dc forçadajeella m cfma co n fid craça ó m o ftra
tambem quaó jufta,e h on cíla feja a Íatisfaçaõ
exterior. Q u e c o u la h e mais própria de h u m
animo h on rado, e de h u m h om em de b e m ,
queopagar asfuas dividas? O s antigos Per*
fas tinhaõ por grande infamia o morrerem in*
dividadosje co m muita mais razaó fc devia d e
envergonhar húa alma de partir defle m u n ­
do, feni haver fatisfeito as fuas dividas, em
quccíláao tribunal D i v i n o , e f e m querer dar
a Dcos aquella ía tisfa ça õ ,q u e ,le fc dá efpon-
tancamente, he mais e í l i m a v e l , c o m o h e mais
prectofa a m y r r h a , que diílilla efpontanca-
mcnlc? fem efpcrar a inciíaó do ferro jquan -
10 ma*si ^ue o naõ querer pagar , fenaó por
3 64 'Terceiro dia ,
f o r ç a , he individarfe hum mais para com
D eos, co m o diz Saó C y p r i a n o : Ecce maiora
u’ delifta, peccajfe, nec fatisfacere, deliquijfe, mc
d eliü a deflerc. Sem pre foi grande obítacu-
lo á verdadeira amifade o dever outra cou­
fa ao a m ig o , alem da fineza, com que noi
*om.i obriga a am allo: N em ini quidquant debeatis,
*• nlfi ut invicem diligatisy diz Saó Paulo. Por
ifio procu raõ as almas Sancas fatisfazer fü-
perabundantemente por todas as fuas cul-
pasj e m uito mais fab e n d o , quc iíTb mefmo
f.iz,que crcfça õ cm caridade, anemelhando-
fc mais por eftc meio co m o R e d e m p to r to­
d o co b e rto de ch ag as, e de pifaduras: co­
m o fazia Saó Bernardo; J fo lo v iv ere finevd*
ncre, cum te video vulnerattm .
M a is difficultofo ha dc fero moftrar,<p5
a Penitencia hc a le g r e , c d e lcitavclje o m»*
nifeílar a traiçaõ, que nefta parte nosfazcfl
os nofTos fentidos: os verdadeiros penitente*
p o r e m eítaõ confcfTando a b o c a cheia, qí#
naõ experim entaraó antes tanto g o fto c.m
contentar as fuas p a ix o es, quanto cxptf1*
mentaõ ao depois cm as m orrificar,e cm cho*
rar as fuas culpas. Duas caftas dc lagricna*
reconhecem os M é d i c o s , húa dc lagrima5
frias, quc nafccm dc enfermidade , outra àt
lagrimas quentes, quc fc o rigin a ó do a®&®
Liçao. 3 6$
interior da alma enternecida, ou pello am or
proprio, ou pello alheio. D c í l a ultima cí-
pccie, fempre porém mais prcciofas, faó as
lagrimas da Penitencia, que fervem ao co ra­
ção de comida, e bebida, Cibabis nos p a n e la -
cbrymarum f ó potum dábis in lacbr-ymis,d izia
ao nofio intento o R e a l Profeta. N a õ quero
com iflo d iz e r , que na praxe das aullerida-
des fucccdc o que fonhavaõ os P y th a g o r ic o s
da Mufica, que fó co m o lo m , c harm onia
íárava todas as enfermidades. A n tes fei* que
fc d alma lhe foi fabrolo o p c c c a r , f o r ç o l b
hc, que lhe feja dclabrido o latisfazcr pello
feu peccado* c o m o p o rém o qufc he g e m id o
cm húa ròla íolitaria hc ta m b e m canto* ai-
fim cm hum coraçaõ c o n t r i t o , e p e n ite n te ,
o que hc dor, e a f p e r c z a ,o c ílim a tanto, que
naó trocaria por todos os g o ftos mundanos
0 que experimenta. N e m pode ler, q u e n a õ
dem contentamento a húa alma,fc he, que naó
tem perdido a F é , a e fp e ra n ç a n u is bem fu n ­
dada de ter alcançado dc D e o s o p e r d a õ , c
°s amorofos in d ic io s , dc que cftd ja outra
v ez em amifade co m o mefmo Senhor.
» Sejaporém m u i t o embora dura a peniten-
cíM c m a o femblantc, c afpcra no trata-
*r>ento,quc nos f^z, qUC iflo pouco impor-
P y fc íe confiderar, que cl!a nos hc taó p r o ­
v e i-
366 'Terceiro dia,
veitolà) e taõ neceíTaria, que ate os Santos,
que naó n cc cflitavaõ , digamos a ílim , delia,
a quizeraó ajuntar co m a innocencia; e ten­
do fido a fua vida taõ immaculada^quca mo­
do daquellas antigas P yram idcs, que naôfa-
ziaó fombra a lg ú a , fe naõ via* nelles coula
rcprehenfivel, ou que fizeflc fombra á gra­
ç a , que nelles rcfplandecia, praticaraó com
tudo o confclho de Santo A g o í l in h o , d c qud
ninguém devia fahir deíle mundo, aindaque
tiveíTe vivid o cm innocencia, fem haver tam­
b e m exercitado ella formofa virtude, que
he taõ pró pria do noíTo dcílerro; á viíla do
que, ju lg a tt! m e fm a ,fc neceffitará abfoluta-
mente delia quem tem p e c c a d o ,c iflo mais,
d o que húa vez. O s homens íaócommumcn-
te tardos cm fc perfuadirem a que haja elt*
neceflidadc, porque fe lhes nictte na cabe­
ç a , que em D eos, ou e í l á a mifcricordia fe-
parada da ju íliça , ou ao menos, que hccon-
traria á mefma j u í l i ç a a mifericordia, e que
a impede, por m odo de húa m aí, que ás ve­
zes naõ deixa ao pai caílig ar o filho mal cri­
a d o : mas a verdade he, que efla pcrfuaíao
he totalmente errad a; porque ambos el-
fes attributos faõ c m D e o s igualmente infH
n ito s;e aindaque os feus effeitos faõ entreJ*
contrários, eflas D iv in a s p e rfe iço es faó húa
com*
Liçaõ. 367
coufaío-,donde f c fc g u e ,q tie D co s as quer e x ­
ercitar ambas ju n tam en te, para o brar d ig n a ­
mente^ corno a D co s co n ve m * e aflim, ainda­
que perdoa a cu lpa por m ifcricordia,naõ quer
perdoara pena por j u f t i ç a ,o u a o menos a naõ
quer perdoar de t o d o : J^erebar omnia opera J
mea^fciens^quòdnonparceres delitiquenti-, à'\z\a 9
0 Santo J o b , cm que nos enítnou,que naõ per­
doa Dcos de tal lorte ao delinqüente,que naõ
requeira algúa íatisfaçaõ das culpas. I ft o
íuppofto, hc neccflario cuidar em n a ó o ft e n -
der ao Senhor* mas íe o o fte n d e rm o s , ula-
remos dc grande crueldade c o m n o íc o ,í e n a õ
cuidarmos cm fazer penitencia* pois o q u e í c
podia pagar c o m h ú a leve íatisfaÇaõ, lerá
precifo pagallo algum dia co m h u m p c í o i n -
cxprcflavel dc torm entos. S u c c c d c ás vezes,
que tendo hum enferm o húa chaga cheia de
matéria, c p o d r id a õ , lhe p e r m itte o C i r u r ­
gião, por lhe naó dar tanta m o l c f t i a , q u e e l -
lc mefmo a c f p r c m a , c alim pe co m as íuas
•maõs* nias íc ao depois c o n h e c e , que o en-
jermo a naó c íp rc m c, nem alimpa b e m , cllc
poem as maós, fem ter dor dellc, d c que
& llc» c gema, porque finalmente a ch a g a h a
• CUrar. A flim faz a J u f t i ç a D i v in a c o m
delicadas* donde íu c c c d c , que quan-
hum tccac dctnaíiado h u a pouca dc gea-
36 8 Terceiro dia,
da, co m o vem a ícr as auílcridades voluntf-
rias, fica depois cnregeladó cm hüa horrivcl
n e v e , qual hc o rig or d o tribunal D ivin o:
job; Q u i timent pruinam , irruet fupèr eos nix.
6m l6- N e m hc fo m e n te p ro vc ito fa ,c neccfláriaa
Penitencia,para rcítau faro pafiado, mas cam­
b e m para aílegurar o p r c lc n te , c ainda para
prevenir os males futuros. A lg ú a s vezes tem
declarado o d e m o n io , quc nenhüa coufa lhe
caufava mais efpanto, quc hum b ra ç o arma­
d o c o m húasdiíciplinas. D c que tc aprovei­
ta pois, o q u eix árcsce , dc que cs tentada, fe
t c dcfcüidas dc fazer o p o u c o ,q u e hc neccf-
fario para vencercs a ten ta ça ó ? d e quc lcr-
Vc o lamcntares, quc he co n tu m a z o efcravo
d o c o r p o , fe tu o crias delicadamente,como
9
fe f o r a enhor? Se o cratarcs co m afperew,
a alma ficará mais forre para o futuro, <ii*
m inuindofe a v io lên cia dos maos hábitos,
que fe contrahiraõ, c merecendo do Scnhof
maior foccorro para fujeitar as paixoés rc*
b e ld e s :a fíim rcfpondco o A b b ad e JMoyfc*
aos q u c ò e x h o r ta v a õ ,a quc deixaíIc as tuas
afpcrezas; fazci*dizia,que mc naõ façaóguC'
ra as minhas p a i x o e s , e eu l o g o farei as pa*
Zcs c o m o meu c o r p o : Quiefcant pajjiont/,
quiefeam ego.
D c f t a doutrina, c d o e x e m p lo dc todos05
San-
v LiçaO. 369
Santos, que fempre fc aflmalarftô c m a e x e r ­
citar, poderás com p rchen dcr fa c ilm e n te ,
quaó erradamente dcíprezaó tam bem a P en i­
tencia certas pcfToas demafiadamente delica­
das, que fe fingem devotas, mas a feu m o d o , e
dizem,q a perteiçaõ naó co n fifie n a Peniten­
c ia d a s na Caridade. I fio affimhe, mais t a m ­
bem o fruto de húa vinha n a ó c o n íifie n o fe tf
cerco, pois as v id es, e naó os e fp in h o s , o ii
fylvas, faó as que produ zem a u v a * o c e r c o
porém guarda efie m efm o f r u t o , c, fem os fe­
us efpinhos * fahiriaõ fruftradas as fadigas,
que fe gaftaó na cu ltu ra da v in h a : U b i non
tft fepes^diripietur -pojfcljío. Scach arcs h u m f ó
Santo,qnaô fizefie m u i t a c í l i m a ç a õ d a au fte-
ridade exterior, e que c o m etla naõ haja c o ­
meçado, e continuado a fua carreira, entaó
concederei c u , q u c f e faça p o u c o cafo d a P e -
mtcnciã na vida efplritual. T o r n a n d o p o ­
rem ao noíTo p o n to , fc a F é viva tc abrir os
olhos da confideraçaô, para ponderar os m o ­
tivos acima expendidos, naõ pofio duvidar*
que 0 teu co raçaõ ha de a lc a n ç a r l o g o h u m •
efpirito dc afpcreza contra ti mefma. O c o -
ral»quc dentro das aguas do mar he bran d o,
como hüa planta, cm o tira n d o fora ao ar*
■? cndurecece c o m o húa p e d ra. T a n t o q u e
Santa Maria M a g d a le n a r c c o n h c c e o e lle
Aa ' pro-
37° 7
* erceiro dia,
p ro v e ito , que traz c o m l i g o a Penitencia, a
c o m e ç o u a fa z e r , c naó deixou de continu­
ar nella, naó fó depois, quc c í l c v c fegurado
p erd aô, mais tambem depois que os Anjos
a levavaó todos os dias ao C e o , c o m o que
queria de hum ce rto m o d o introduzir no Ceo
as lagrimas, c cs rigores.

ACTOS.COM Q V E S E E X E R C I -
ta a ‘P enitencia.
Tndaque faó muiros os aétos,queos
A D o u to re s a t tn b u e m a cita impor­
tante virtude, podemos na praxe reduzillos
a q u a tro : d o u s , quc pertencem á Peniten­
cia interior, e faó a A ttriçaò , e a ConíriÇMi
c dous á exte rio r, que faó o bufear asauferi-
dades* e o padecer as coufas duras , que f e offt*
recerem , para fatísfazer ao Senhor.
Q u a n t o á A r r r i ç a ó , ja fabes, quc hc hua
dor da alma, pella qual fc d c te íta ó o s peccadns
com m erridos, c o m o hum mal contrario a
mefma alma;ea(Tim,para tereíta dor com ma­
is vi vez*, chega co m a confideraçaó á vida
daquclln horrenda fornalhado inferno, e olha
co m artençaó para aquella p r ifa ó , onde ru-
d^> he f o o o ; e os mcfmos prefos eítaó todos
penerrados d'* f o g o ; e depois dirás a ti mel'
t o a : A u t poenitendum. aut ar dendum j ou he»
V tç a ó . 371
dc detcftarde veras os mctis peccados,ou hcí
dc arder eternamente, c lem alivio nefle a-
bylmo dc chammas. Por efte meio te ferá
facil o alcançarcs eftc faudavel arrependi­
mento do mal, que tens c o m m e t t id o co n tra
0 Senhor* c te lerá tam bem m enos difficil
0 paíTár defta d o r , que he c o m o aurora* pa­
ra o dia claro da carid a d e, deteftando íu m -
mamente o p e c ca d o , naõ ja c o m o m a l , q u e
toca á creatura, fenaó c o m o m al, que dit
refpeito ao C r e a d o r , òlhando paracíTcm on-
ftruo mais que infernal, c o m o a in im ig o c a ­
pital do S e n h o r , pois fc o p p o c m to ta lm e n ­
te áquella infinita boridade; defprcza a fua
immenfidade, a fua j u f t i ç a , a fua m ifericor-
dia, e o feu a rh o r , quebranta os feus precei­
tos, c perverte os feus dcfig n io s*d o n d eam cf*
roa infinita bondade o aborrece ta n t o ,q u a n ­
to fe ama a fi mefma. Q u e coraçaó pois, ha-
Vcrá, illuftrado c o m a lg ú a lu z da F é , q u e
naõ detefte c o m todas as fuas forças h ü m
roal em tudo o p p o ftò ao S u m m o B e m ? e
Jocm naó dezejará antes naõ ter n afeid o ,q u e
haver dado h ú a fó veZ entrada em fua alm a
* hum traidor c o n t r a o feu D c o s ? N c f t a
í % c i c de aâros c o n v e m , que fe exe rc ite
•jua, c muitas vcZes, h ú a alma, c o m o quem
u* muitos golpes >em h ú a lerpente, o u por
Aa z o d io
372 Terceiro d ia ,
odio, que lhe tem , ou por receio, dc que
naó cílá ainda morta de todo.
E porque naó baíta íó formar juizo, fenaõ
q u e he ncccflario tambem fazer j u l t i ç a : Fa*
cere ju diciuih, & jn ftitia m , preciío he tain-
bem caíligareíTe p e c c a d o : c por ifio con­
vem paíTar dos aélos internos da Penitencia
aos externos, abraçando as co u fa s , que fuó
mais contrarias á nofia fenfualidade, quanto
ao tratamento do co rp o ,e m tudo o que a obe­
diencia o perm ittir, tendo diante dos olhos
as injurias, que tens feito ao Senhor, paraas
rccom pcnfar com efle obfcqu io ,ecn ccn dèn -
d o te cm húa fanta ira contra o reu mefmo
c o r p o , co m o autor dc hum mal taó h o r i d -
d o , qual hc o que offendc a hum D eos infi*
nito. E na verdade,que o perdoármonos a nos
m efm os nefta paite he caufa muito princi­
pal do p o u co proveito, que fcntimos no cf*
pirito* fuccedcndolhe á alma, o que á vide,
que co m nenhúa coufa feelteriliza mais,que
c o m o podâlla com hum in firu m em o, que
7Vtu corre p o u c o : Eff & quedam conttifio falciS
J .b .
17. c. bebetioris. N o demais, naõ fó le exercita e-
u> Üa virtude co m tomaras afperezas, mas tam­
bém com fc privar hum de vários deleites,
aindaque naõ fejaõ ilheitos, de f o r t e , que o
penitC.UejlcmbraudolCjquc fe tem aprovê»r
Liçao. 373
tado do que lhe naõ era l i c i t o , íe priva v o ­
luntariamente do que lhe feria perm ittido,
para aílim fatisfazcr á D iv in a j u f t i ç a : Confi*
deravit quod f e c it , y voluit moderari, quod
faceret, podemos dizer co m Saó G r e g o r io .
C o m o porém he grande a nofla dclicadc-
2a, ja quc fe naó pode acabar c o m t i g o , que
emprendas a fer cruel conrra ti mefma, b u f-
cando as C ru ze s , ao menos naõ queiras fer
taõ frouxa cm abraçar aquellas, quc te cn-
contraó, e b u íc a õ •, porque de h ü a , c outra
cfpecic de t r ib u la ç o é s eílá femeado o ca m i­
nho do e f p i r i t o , co m o d iz D a v i d : Tribula-
1ionm , y dolorem inveni-, e em outra parte: &
Trtbulario, y angu/lia invenerunt me. T r a t a
pois de receber das maõs do Senhor co m a«
gradccimei)to tu d o o quc te convem pade­
cer no tempo da adverfidadejou nas o c c a íl-
° c s ,e lances contrários ao t e u g e n i o j o u nos
tempos oppoftos ao teu tcm peiam cnto j ou
nos coftumes dos outros, quc le naõ cafaõ
com á tua indole* ou quc p ro v e m d e t i m e f -
tna, pella pouca faude do c o r p o , ou pella
\ P°uca quietaçaó da tua alma, fin alm cn tetu -
0 9UC he tra b a lh o ío , ou penofo, na tua
0ccupaçaõj a ob ed ien cia, a obfervancia dos
* ° t0s*e regras, c o cftado R c l i g i o f o , o qual
°> como diz Santo T h o m a s ,e q ü iv a l e á m a i-
374 *Terceiro d ia ,
*i«\’ OT Pc n ‘ ÍCnc' a5 q uc fe pode fazer no feculo*
j.»d E lias m olellias, e outras fcmelhantes, con-
*• ' v e m , que fe aceitem co m verdadeiro cfpiri?
t o d c penitencia, ifto he, co m verdadeiro
d c z c jo ,d c que fe glorifique em nós a Divina
J u f t i ç a , c de que fe d cftru aõ to d ssasre líq u i­
as do p e c c a d o , inteníiflimo, c unico inimi­
g o da Santidade immenfa do Senhor. Gran?
dc bondade he verdadeiramente a do noflo
J u i z o aceitar tambem cm fatisfaçnõ das
culpas, aquellas mcfmas penas, que naõ po­
dem os evitar, c o m o laó as moleftias, a que
cftd fujeita a nofla vida; mas por outra par­
te naõ hc m e n o r ,d ig a m o lo a flim ,o n o flo def-
c u i d o , c m naó procurar co m grande c u i­
dado pagar as noíTas dividas a taõ p o u c o c u -
l l o , refervando para a o u tra vida a fatisfa-
ç a õ dellas, onde fe haõ de pagar co m hum
rigor inexplicável. T o d o s os que naõ fize*
raõ penitencia fe haõ de achar em grandif-
* p' cz’ lima t r i b u l a ç a õ :Jn tribulationem axim a
runty tíife pocuitentiam . . . egerint: aflim nolo
intimou o Senhor por b o ca do Apoftoloj
Snó Joaõ. E fe toda a vidad e hum C h riftaõ ,
c o m o d iz o Sagrado C o n c ilio de Tremer,
d e v e fer húa continua penitencia, quanto
mais o deve fer a vida de húa Peflo^ R c l i -
g io fa ? E m f i m , húa palmeira cm Portugal
po*
Liçao. ' 3 7 S
pode ter alg ü a defeu lp a, fe naõ p ro d u z os
íe o s frutos, ou p o rqu e o terreno naõ hc p r o ­
porcionado, ou porque o S o l naõ he taõ in-
teníoj mas que defeulpa poderá ter, fe naõ
produzir c o m perfeição os feus frutos na
Palcftina, onde o C e o , e a terra lhe faõ taõ
favoraveis, c onde outras ardores da fua mcf-
ma cfpecie frutificaõ b e m ? E u naõ c r e i a ,
que poflaó ter defeu lp a, nem ainda os fecu-
larcs no T r i b u n a l D i v in o , fe naõ* fizeraõ
penitencia $ mas quanto menos a poderá ter
húa*peíToa R c l i g i o f a , c u jo H a b i t o , e P ró -
fiíTaõ he de Penitencia? >

L IÇ A Õ E S P I R I T U A L , '
Para o quarto dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E A V I R T V 'D E <DA H V -
mi Idade.
A õ he m u i t o , que a foberba fe a-
N chaíTc no C e o , o n d e a natureza A n ­
gélica,logrou l o g o d e fd e o fc u p r i n c i p i o , tan­
ta e ílim açaõ j mas he m u ito para admirar,
que fc ache na terra a foberba, fendo a na­
tureza humana hum co m p o rto de pob reza,
c miíerias: naõ temos que ira terras remotas,
para buícar matéria para nos humilharmos 5
Aa 4 Hu»
3 76 Quarto dia ,
Ü m! H um ilaiio tua in mediotuiy diz o P rofeta M i-
cheas, baíla que olhemos para dentro dc nos
m efm o s, .c acharemos a todo tempo entra*
nhadano noflo nada, no noíTo f c r , e nonoí*
i'o obrar abundr.ntiflima caufa para nos def-
prezurmos. E com tudo iflo fucccde fer o
hom em taõ p ro m p to para ajuntar a miferia
c o m a fob erb a,q u e, a m odo dc hum pavaõ,
quanto mais vazio cílá de todo o b e m , tan­
t o mais ordinariamente c í l i inchado. Será
•p o ish ú a d a s L i ç o e s mais importantes,a que
te ç n fin e a t c h u m ilh arje fca fobei ba he prin­
c i p i o de todo o peccado, co m o diz o Efpiri-
t o San to, o aprender a humildade, ferá para
ti origem dc toda a virtude.
M a s que coufa hc a hum ildade? rcfpon-
d o , que húa virtude m o r a l, que defeobrin-
d o co m o entendimento a grandeza dc Deos,
c a miferia do homem , nos o b rig a a repre-
m i r o a p p e t i t c defordenadoda honra t e m p o ­
ral, e nos conter dentro dos limites propor^
cionados á nofla baixeza.
E aindaque eíla virtude refida eflencial*
m e n te 11a vontade, prcfuppocm toda via no
entendimento o conhecim ento das noflas
mi ferias, co m o regra, e medida dos a & o s d a
s<rm. mefma vontade > c por iflo Saó Bernardo a
^ . d i l l i f i g u i o cuí humildade dc j u i i o , c e m h u -
Liçao. 377
rnildade dc a f f e & o ; alem de que, aflim c o ­
mo naõ pode fer perfeita ella humildade de
affcfifo, fem o fundamento da outra h u m il­
dade dc c o n h e c i m e n t o , aflim e lle co n h e c i­
mento dc (i mefmo naõ pode fer perfeito lem
o conhecimento dc D c o s ; razaó porque San­
to A g o ílin h o ajuntava ambas cílas coufas na
fua oraçaõ, dizendo ao Senhor aquellas c e ­
lebres palavras: N ouerim t e y noverim mey ut
amem tcy £5? contemnam me. E í l á pois taõ
longe de fer vil ella v ir t u d e , c o m o poderia
parecer á primeira f a c e , que antes ella nos
conílitue cm grao eminente, ainda para c o m
os homens, fc fe olhar para as coufas cornos
olhos da razaó, c da F c ; primeiramente, por­
qu e a humildade hc húa manifefla profiflaõ
da verdade, por iflo taõ amada do Senhor,
como elle declarou a Santa M a r ia M a g d a -
lcna de Pazzi; cm fegundo l u g a r , porque no
mefmo tem po, cm que proteílam os, que fo­
mos nada, c que de noflo naó t e m o s , fenaó
imperfeições,e peccados, vim o s a pro tcílar,
que todo o noflo bem vem de D e o s , c que
a elle Senhor fc deve toda a gloria; pello
que, aflim c o m o a virtu de da R e l i g i a ô pro-
icfla d ircô am en te reconhecer a D iv in a e x -
ccllencia, e indirc& am ente a nofla v ile z a ;
ailim pello contrario a virtude da humilda*
de
378 Quarto dia ,
dc profcfla reconhecer dire& am cntc a bar*
x e z a do h o m e m , e indire&amente a alteza
da D ivin a M a g e fta d c: uitim am ente, porque
a humildade hc taõ femelhante á magnani­
midade, que alguns D ou tores a tem toma*
iiral do por ella,e n o f c n t ir d e Santo T h o m a sco n -
«•«dj. vem muito com a magnanimidade na mare*
ria, c fó diífere dclla no modo-, donde fe fe-
g u c na praxe r que os mais h u m ild e s, no feu
c o n c e it o , fahem mais gencrofos nas empre*
fas da gloria D i v i n a ; porque o g r a n d e , quc
em fi naõ vem , o vem no au xilio do Senhor,
e dizem tambem co m o A p o d o l o : Omni*
pojfutn in eo, qui me confortat. Ainda mais:
he taõ cx cellen tc e lla v ir tu d e , que a naõ che­
g o u a divifar a v i d a dos a n tig o s Philofo-
phos* e foi n cccflario , quc J E S U C h r id o a
u trouxeíTc c o m í i g o do C e o á terra, c fe nos
pofefle a fí mefino por exem plar d e lia , pri*
meiro na vida, c depois na d o u tr in a , dizen-
Mau. do aquclle Senhor a todos os hom ens: Dif"
JUi9‘ cite à me quia mi/is fum , & humilis corde> a-
prendei dc m im , a fereis m anlos,e humildes
d c co raçaõ j porque, com*o obferva Santo A*
g o d i n h o , he coufa taó grande o fazerfehum
pequeno, que^fe o naõ houveíTe praticado a-
qtielle, que 1o hc grande,naõ fe poderia nin­
g u é m a id o capacitar: Ita-magnum efi
Liçao, 379
farvum , nifí à t e , qui tam magnus e s , fie -
ret, difci omnino non pojfet. N a ó Ic pode le- de *

.
vantar o arco Íris no C e o , fc o Sol ic naó a-
baixa. DUC*

A /£ /O J T A R A A V g U I R I R A
V ir t u d e da H u m ild a d e .

M primeiro lu g ar convem pedillain-


E ftantemente ao Senhor, c o m o fizeraõ
fempre todos os Santos; porque de outra
forte, fc feria g ran d e íobevba o pretender
adquirir co m as próprias forças outras v ir ­
tudes menos d iffic u lto fa s , que p rc lu m p ç a ó
naõ feria o pertender adquirir e f ia , que hc
taõ rara, fó c o m as próprias forças? A n tes
bem , importandonos tanto o alcançar e í U
virtude,como l o g o verem os,devem os accrcf-
centar aos rogos outras afpcrezas, c peni­
tencias , para m over ao Senhor c o m mais
Prcltcza, c efficacia, a que nola conceda. Sc
hum menino pede o peito á m aí, cfta á s v e -
zcs lho naõ dá, mas fc o pede, chorando, c
affligindofe, lo g o corre a acalentallo. E n e -
f|c ientido he que o A n j o difle a D a n ie l,q u e
dcfdc o primeiro d ia , em que o P rcfe ra t i­
nha dado cm fe affligir com o je ju m ,c c o in o
p i a n t o , logo foraó ouvidas as luas depreca-
ço-
3 8 0 Q uarto d ia y
Si"». Ç°^s; E * P 'imo die, quo pofuifli cor tuum a i
' intelligendum , ut te affligeres in confpeffu Dei
t u i , exaudita fu n t verba tua.
O o u tro meio pertence á noíTa induftria,
e he o leguinte. Ja d iflem o s, que ha duas
efpcci-s de humildade , húa dc entendimen­
t o , outra de vo n tad e : d o n d e p re c ifo fciáre-
f o rç a r húa, e outra co m a c o n ú d cra ç a ó dos
feus proprios motivos. E em quanto aos mo­
tivo s, que podem fazer,quç nos conheçamos
a nos mefmos, he ncceffario prcfu ppôr, que
o hom e n he c o m o hüa formofa pintura,a
qual, fe fc olha para cila por aquella parte,
em que o artificc lhe tem po fto as cores com
tanta valentia, naõ ha coufa mais formofy
mas fe fe olha para el!a da outra parte, nao
íe v è outra coufa, fenaõ hum íordido lenço,
q u e h e , o cm que fe delineou a pintura. E»
o h o m e m , fe fc confidcra adornado com a
D i v i n a G r a ç a , e co m os hábitos das virtu­
des. fobrenaturaes, hc hüa obra celcftial, e
perfeita* mas fe fc confidéra o q u e o homem
tem de fi in c fm o , e feparadamente dos dons
de D e o s , á c h a fe , que he naõ fó hum pou­
c o de barro tofco , e d c cinza, mas hum a-
b y fm o de p e c c a d o , e.de nada: Nemo habet
de fu o , ni/i wendacium, fc? peccatuw, diz 0
C o n c i l i o d e .O r a n g c . V c s ahi p o is , onde e;
Liçao. 381
tfá todo o ícgredo do conhecim ento dc ti
mefma, que co n iiftc em fazer efta feparaçaõ,
e cin dar a D e o s , o quc hc dc D e o s , e romar
para nós o quc hc noíTo: S i feparaveris pre- ls' 19'
Uofum à v iliy qtiafi os'mcum eris j nos d iz o
Senhor por Jeremia?)* p o r q u e , fe attribuir-
mos clpeculativa, c pr*ticam cn tea D eos tu­
do o quc ha em nós de prcciofo, ifto hc, to­
do o bem ; e a n ó s tòdorò v il, irto he, o nada
dolcr, c da culpa, daremos hüa fentençataó
jufta, que p a rece rá, quc D e o s tem fallado
pella noíTa boca. C o n f o r m e pois a cila d o u ­
trina, pò em tc m uito d c p ro p o íito a confi-
derar, q Ue hc o quc e ra s , quc hc o quc cs dc
prcícnte, e que he o que podes vir a fer pa­
ra o f u t u r o ; perguntandote a ti m efm a:
i\uid fu i? Q u id fu m ? Q u id tffepojfum ? por­
que ncljcs tres pontes com p rchcndcrás t o ­
da a fcicncia da humildade.
S{uidfui ? Sc tc p o fercsa co n íid crar o q u c
tens fido no tem po paíTaíJo, naõ achai ás o u ­
tra couta, fenaõ nada,e p c cca d o s , e penas d c-
v |das aos pcccados. C e m annos ha nem ti-
nnas corpo, nem alma, nem fo r ç a , netnm e-
para fahir do a b y fm o , em quc
c «veitc por hum eternidade antecedente, c
^r a .^m, Comparaçaõ maior, do quc t u , h u m
graofiuho dc í r eia do m ar. P e fa tc pois a ti
mcf*
382 Quartó diai
m cfm a na balança da v erd a d e , c v c , fe nà*
qucllc eftado, e naqucllc a b y fm o tc era por
ventura devido algum genero de louvor, dc
benevolência, c dc e f lim a ç a õ : pois o mefmo
fc tc deve agora , fe te confidcras pello teu
f e r , e aflim c o m o entaõ naò havia motivo
para tc dcívanecercs1, aflim tambem agora 0
naõ ha, porque deves confcflar, que he na­
tf « l. da o teu fer: SubJlaHtta friea, tamquam nibi•
i«. 6
' lum ante te. T i r o u t c depois o b r a ç o do Om­
ni potente do a b y fm o das trevas á luz deite
mundo* mas naõ tc pode d e i x a r , nem ainda
hum m o m e n t o , fem que continuamente te
v á co nlcrvan do * porque dc outra forte dei*
apparecerias em hum inftanrc, co m o o raio*
o u rcfplandor do S o l , quando le efeonde c-
íle planeta, c todos os teus bens, que fefun-
daõ no teu mefmo nada, defapparecty iaõ cm
hum m om ento. E co m tudo ifto, eftc hc 0
titu lo m en o r, que tens para tc humilhares,
fendo que em íi gaefmo he m uito grande:
pafla mais adiante, e Icmbrate dos p e c c a d o s *
que tens co m m c ttid o . S e p crd rfte n lg u a v r t,
p o r algum p cccad o g ra v e , a amifade do Se­
nhor, te tens reduzido a hua v iie z a r a ó gran­
de, que hum fapo venenofo, e hum cadavef
}a podre hc o b j c & o fem co m p a ra ça õ mats
d i g n o , c menos abominavei diante dc
* qttf
Liçao. 383
que a rua a lm a ; e fc f o í l c ajuntando pccca-
do sapeccad o sjtcm c r c f c id o dc ral f o i t e a i u a
vileza,ea tua ignom ínia, que o m efm o D c ò s
ficou delia pal mado, c f e z , que o Profeta J e ­
remias explicafle a fua admiraçaõ naqucllas j „ #
palavras: Q uàm v ilis f a t ia cs ii:tnis, iterans *•
vias tuas! E porque a D i v in a j u l l i ç a nr.6 de­
via deixar a defordem das tuas culpas fem a
reftificar, co n flitu in d o lh e o c a ftig o d e v id o ,
tc dcftinou l o g o hum lu g ar no inferno, tan­
to mais p r o f u n d o , quanto mais ia crcfcen-
do a tua m ald ade; e nefle p o ç o d c f o g o .te
deftinou a tua morada para f e m p r e ; de fo r­
te, que te adiantafte tanto para penares no
abylmo, quanto havias de g o z a r de D e o s
no Ceo. l í l o hc o que cs, c tens dc teu cm
ordem ao paflado, o lh a bem para ti, e repa-
* V C por alg ú a p a rte te poderia entrar c o m
razaõ a foberba, e a e í l i m a ç a ò própria.
Pode porém fe r,q u e já n a õ e f l c ja s ncíTe e-
ftado, mas i(To naõ o fabes tu d c c e i t o ; c
quando Deos tc hafja tirado dellc, p o r fua
piedade * a cfTe S e n h o r h e,qu e fc d e v e a h o n -
ra>c o agradecim ento,e a ti a c o n fu fa o ;p o r -
que aflim co m o fe naô deixa de cham ar fec*
c a a r e r r a , aindaque a reguem tantos rios,
Torque cila por fi, e fem agua h c fccca; af-
fc naó deve deixar dc j u l g a r a tua almia
por
384 Quarto dia,
por peccadora, c abominavel, pois o tens
d o , c o ferias a in d a ,q u a n t o heda tua parte.
• T a m b e m a confidcraçaõ do que es ao pre-
fente baila para tc humilhares. Q u id fn m f
Q u e fou eu ? E m primeiro lu g a r cs o que
ja f o í l c cm outro t e m p o , c acabaílc dc
o u vir ainda agora» c tudo o mais, que es,ou
tens alem diífo, hc dom de D e o s . Como
porém o teu am or proprio, c a cílimaçaóde
ti mefma te pode lifongcar co m aquella pou­
ca virtude, que tal v e z vejas em ti, bem lc-
r â deíenganartc tambem ncíla parte. Pello
que tom emos húa boa obra, c o m o , por ex­
e m p lo , a tua o r a ç a õ , e façam o s delia anato­
m ia, para feparar o preciofo delia do vil.
Para tu poderes fazer eílc p o u c o b e m , qu®
fazes, cm orar, foi ncccíTario, que tc tiraífó
D e o s do nada pella c r e a ç a ó , e iíTo f ó devia
b a i l a r , paraque déíTcs a D eos toda a honra,
aflim co m o húa vm ha tributa to d o o feu
fru to ao dono,que a plantou. A le m diílb fao
neccíTarias para iíTo as tuas potências,c par*
tieularmente as fupremas, e eíTas tambem
faó obra do Senhor» ao que accrcfce,qu ch e
ncccíTario, para cilas poderem obrar, q u®
D e o s as ajude para ilTo, c o m o caufa primei­
ra, fem a qual as fegundas naó p o d ç m o b r a f
.coufa a lg ú a , ç í a õ , corao fc naó cxiítiflem»
Liçao. 3^ 5*
Ê f c n d o o o rar, c o ter co m m e rc io com o
Senhor hua obra lobrenacural,he ncceflario,
que D co s, ccuno A u t o r da G r a ç a , lu b m i-
niítre ás tuas potências hutn auxilio tam bem
iobrenatural, paiaquc os feus n Ô o s fc elevem
a ordem fuperior. H e finalmente recefíario,
que tc com m unique D c o s a G r a ç a lantifi*
cante* pella qual tc faças capaz dc exercitar
húa obra b o a , e meritória de vida eterna,
T u d o id o hc ncceflario* que tc conceda D e~
os por fua b o n d a d é , c naõ fó to c c n c e d a ,
mas que t o c o n fc jv è continuam ente até o -
brares, porque de outra forte nnõ poderias
produzir hüa a c ç a ó verdadeiramente v i r t u -
ofa. Q u e ha pois da tua parte* nefla b o a o -
h r a d a o r a ç a ó ? efla tua c o o p c r a ç a õ c o m a
G raça, c o bo m u fo dás tuas potências ? mas
iflo tambem he hum beneficio d c Deos* e
hum dom feu , naõ porque naõ o b rem o s o
b e m , que fazemos* porque dc outra forte
naõ feria elle bem noíTo, mas feria, c o m o fc
húa vide fe pegafle a huns c a c h o s , que nnó
tinha produzido, e p o r confeguintc naõ fc
podiaó chamar feus: faõ fim bens noflos as
obras b o a s , que fazem o s, mas faõ tam b em
bcncftCios dc D e o s , porque o b e m , que que»
remos, c obramos, naó o p o d e m o s querer,
nem obrar, fçm ajuda de D c o s ; N o n qutá
Bb
386 Qjtarto dia,
no» volumus, aut non agimus, fe d quta, fin t
ipftus adjutorio, «ee volumus aliquid boni, wc
agimus, diz Santo Agòfiinho.* Saó pois as
tuas obras todas dc D e o s , e todas tambem
tuas, íaõ porém de D eos por tantos titulos,
quantas acabas d c o u v i r , e faó tuas fó por
co o p e raça ó ; pello que, afiim c o m o aos filhos
nafeidos dc pai nobre, e dc.snaí p lebeia, to­
da a honra lhe vem da parte do p a i, c toda
a confufaó da parte da maí; afiim nos panos
das obras virtuofas, nafeidos do a u xilio Di-
v in o ,c da vontade humana, todo o lo u vo r fc
deve actribuir a D e o s , e toda a confufaó 1
Dan. n o to u tro s : T ibi autètn, Dom ine, ju f iit ia , no*
*’ 7' bis aut em confufio.
E ifio fc entende, ainda no c a f o , que naJ
tuas obras boas tivefies cfcopcrado devida­
mente, c quanto tc era pofiivcl, com a Gra­
ç a , fem m ilh n a a lg ú a dc im p erfeiço és,c dc
faltas da tua : mas que le ha de dizer á vift*
d c tanto mal, que por rua p a r t e accrefcentas
c m todos os aébos de virtu d e ? tantas negli-
gencias,tanras intenções fim firas, tantas fal­
tas de c o m m ifia õ , c d c o i m í L õ , que n a ó tem
n u m e ro , c tacs, que fc podefles c o n h e c e r
plenamente as tuas obras, re enchenas de
cfpanco, e dirias com o Santo J o b , e com
tanta mais razaõ , quanto cs menos í a n i M 1]®
. - ' _____________ / j/ t _______ £116
Liçao\ 387
elle: Terebar omnia opna m ea: ficava ate- Job^
morizado á vifta das minhas obras,aindada-
qu clh s, que nos olhos dos.homcns parcci-
aódignas dc lo u vo r.
Finalmente, na matéria do proptio confie*
cimento,o que mais tem o r deve caufar, hcO
que cftá por v i r : Q u id ero? que hei dc fcrf
ou, que poderei v ir a fer? tu n aõ has d c t o r ­
nar outra v e z ao nada, porque tem decreta­
do o S e n h o r de te confervar para fem prej
poderás p o rem ficar reduzida a o u tro nada
mais cfpantofò a in d a, qual he o da c u l p a ; e
o da pena fem piterna, que lhe co rre fp o n d e .
Quem padece accidentcs dc g o ta coral,nem
fcmprc anda cahindo por terra5 e co m tu d o
as leis o j u l g a ó por enferm o, porque tem
dentro de fi aquelic h u m o r m a l i g n o , que o
pode fazer cahir, naõ fó em terra plana,mas
tambem c m qualquer h orrivcl precipício* e
tu, aindaque tal vez naõ cáias em peccados
graves, tens c o m tudo entranhada em ti t o ­
da aouella malignidade do am or proprio, c
da natureza c o r r u p t a , que ba fia para te fa-
*pr cahirem qualquer cxceíTo dos m a is h o r -
tíveis, ló com D c o s tc delamparar, c deixar
nas maõs da tua malicia. P e llo que dcvesf
como humildemente confcíTava Santo A -
g o i t i n h o y d ^ c c f p c c ia e s g r a ç a s a D c o s p o f
Bb * to<
388 Q u a r to d ia ,
dos os pcccados, que naó tens commettidoí
nem has de co m m c ttcr nunca; porque, le
D e o s tc naó houvera ajudado com a fua G ra ­
ç a , c apartado de ti os perigos, e houvera
p e rm ittid o ao dem onio que te tentaíTc com
todas as Tuas fo rça s, nenhum hom em teria
c o m m c t t i d o , n e m havia de co m m e ttcr mal­
dade a l g ú a , que tu naó houveíles commet-
tido, ou hajas de co m m c ttc r . E do meímo
m o d o te podes coníiderar, naó fó coberta
de todas as maldatlcs, mas cercada tambem
de hum abyfm o dc f o g o , e de penas, quc
pellas mclmas maldades terias merecido, c
podias merecer para ao dian te, fetn quc di'.-
Io poflas efeapar, frnaó por húa inercc con»
tinuada do Senhor. E naó eltaõ as Hiltori-
as Sagradas referindo tantos fucceflos def-
graçad os, que acontcceraó a pcflbas exer­
citadas por muito tem p o na virtude, enfina-
das a com bater contra o inferno, e gaitada*
c o m 3S afperezas da penitencia, c depois mi-
feravclmcnte cahidas, e cahidas algúas dei-
las lem fe tornar a levantar? T e n d o pois ttf
exe m plo s taó cfpan to fo s, faze c o m o fazem
os navegantes, quando vem dcfdc o mar 08
m ontes, quc lançaó f o g o , e he valcrfe da-
quella lu z , para outros taõ funcíta, para na­
vegarem co m mais fegurança* humilhaie a­
Liçao. 389
té 0 abyfm o dc todas ns culpas poffivcis, c
ficarás legura dc naó c a h i r j repara c o m o os
grande* Santos temiaõ tanto a fua fraqueza,
c aindaque clles foraó leoés g e n c ro fo s , c o ­
mo tacs,tambem dormia 6 co m os olhos a-
bertos, c tu , que es medrofa lebre, n a õ q u c -
rerás t e m e r , c o m o ellcs tem erão? havias dc
temer muito mais, por teres m uito mais cau-
fa para temer j mas ao menos teme tanto c o ­
mo ellcs, c fenaó,faze outra c o u fa , que clles
tambem fiz e ra õ ,e he p o rte co m firmeza cm
terra plana, para te aíTcgurarcs de naõ cahir.
Depois de haver fortificad o o entendi­
mento com o conhecim ento proprio, hc ne-
ccíTario cuidar em fortificar a v o n t a d e , rc-
prcfcntandolhe, cm ordem a q u c le abrace
com a humildade, cítes tres m o tivo s, a laber,
* grandeza deita virtude , a fua utilidade, e
ntcejjidade.
Ah mundo miferavel, e taó ce g o no c o ­
nhecimento verdadeiro das coufas, que ch e ­
gas a ter por vileza, c por falta de a n im o , c
valor,o humilharfe pello S en hor! fendo quc
n*õ podc hum f azcr c í l c co n ce ito , (cm re­
nunciar primeiro o B a p tifm o , a F é , c o no*
n ^ dc C hriítaõ, Podelc por ventura negar,
<?uc rc humilhou J E S U C h r i í t o , até pare­
cer hum bichinho entre os h om ens, defpre-
Bb 3
3 9 0 Quarto dia,
Z i d o , e pifado? certamente fe naõ pode ne*
g a r j donde bem fe vè quanto tem fublima*
d o o Senhor todas as h u m ilh a ç o é s , toman-
doas elle fobre fi;e os dcfpre2os,cabatimen­
tos tem fido elevados ao T h r o n o da Divin­
dade, e fc tem feito veneráveis na Santa Cruz;
e por iíTo trazem á alma tanta g loria, quan­
ta d i a pode alcançar nefia vida mortal, na
qual a noíTa maior honra confilte em nos a*
víGnharmos a J E S U C h r i í t o abatido pella
humildade, aTnn c o m o na outra vida confp
fie em nos avifinharmos a J E S U CHriftn
fu b h m ad o na gloria. D e lorte, queforaÕtao
cfiimadas as h um ilh ações pello D ivin o Ver­
b o , que as ha dc conlcrvar para fempre-, e
quando os Santos no C e o clíaráó humildei
f i m , mas nunca poderáó fer humilhados, o
V e r b o D iv in o , permanecendo nas humilha­
ç õ e s , que fc dignou de tomar na Encarna-
ça õ ,a ju n ta rá por todos 01 feculosa húa fura-
ma è x a lta ça o húa h u m ilh a ç a õ infinita.
Q u a n d o S.ió Pedro ch am ou immundos a*
qúellcs nnimacs, que fc lhe offcreceraò cm
hum lençol, que defceo do C c o ao terop0
daquclla lua celebre v if a ó , o u v io lo go hu*
aô. v o z , que lhe difle: § u o d D eus purificavtí>
, o l í *tu commune ne dixerisy naõ hc bem , que tu
çhaifics itnmundo o q u e o Senhor t e m Pu n “
* 7 fica-
Liçao. 391
ficado, E defta forte deve húa alm a C h r i -
ftaá o u v i r , com húa fanta ira, as temerarias
vozes daquellcs mundanos, que le atrevem a
dcfprezar os a& os voluntários dc h u m ild a­
de, depois de o F ilh o de D e o s os haver naó
ío deificado, em quanto lhe durou a vida
mortal, mas os ha de confervar no mefmo
cfplcndor, e nobreza na fua D iv in a Pefloa,
cm quanto reinar no G co .
O lcgundo m o tiv o hc a Utilidade defta
virtude. N c n h ú a outra c o n d u z tanto para a
nofla p e r f e i ç ã o , tirando os im p ed im en to s,c
introduzindo as devidas d i íp o f iç o é s , c o m o
a humildade. Q u e hc o que fe requer para
0 oceano inundar hum paiz co m as fuas e n ­
chentes, í c n a õ , q u c o tal pais cftcja mais bai­
xo, c pofto cm plano j u n t o da ribeira do mel-
m °o cea n o ? Sendo pois D c o s hum óccano
dc todo o b e m , e que te m húa propcnlaó
fem limite dc fc co m m u n ica r ás fuas crea-
turas, nenhum o b í la c u l o maior encontra,
quea foberba* c aflim , humilhandofe a al-
como d e v e , a inunda co m húa enchen­
te dc grnças. Pella m cím a razaó fc d iz, que
a humildade hc o fundamento de todas as
Vlrtudçs, naó porque a todos p rece d a, pois
nj‘° Precede á F c , mas porque tira rodos os
°hiUculos, c faz o hom em capaz dc receber
Bb 4 os
592 Quarto d ia,
os influxos D ivinoSjCm ordem a confegull*
las rodas, c principalmente para alcançar, e
augmenrar a caridade, quc he a rainha dc io­
das. N u n c a jamais fc accenderá fo g o cora
hum cípclho c o n v e x o p o íl o diante do Sol*
m a s fim com hum cryítal concavo* e de bal­
de te porás tu na prefença da luz increadft
com hum co ra ç a õ inchado,pella eílimaçaó
de ti mefma, para enccnder cm teu peito o
f o g o da D ivin a caridade,pois ella tem repug­
nância com a a l t i v e z •>para accender eíTe di-
to io fo g o , he neceflano hum coraçaõ con­
t r i t o , e h u m ilh a d o , c quc efleja bem pef«
fundido da fua própria vileza, c da grandeza
D iv in a . N e m fc requer a humildade fomen­
te para introduzir as virtudes nas noflas al­
mas, mas hc ncceflaria tambem paraascon-
fçrvar. Q u e m ajunta as riquezas efpirituaes
íem hum ildade, ajunta p ó contra o vento*
d iz f r ó G r e g o r i o * c aflim c o m o o final de
quc húa oliveira novamente pofta começ*
a lançar raizes, h e, na opinlaõ dos lavrado­
res, o v e r , quc abaic a rama, c as folhas* w
fim cambem hc grande final da perfeveran*
Ça nos boos propofitos o v e r fe , quc ellesíc
tem eílabeleeido fob re a deíconfiança nis
próprias forças* e co m o todos nós faltamos
w . cm muitas co u fa s , In m u h is Q f i e f l d i m u } o m -
Liçao. 393
iw ,fia outra grande utilidade na humildade, 5* *•
que he o fupprir todos os nofíos defeitos, c
rccompenfar todas as noffas perdas: S d a vir* s«rajl
tus efi bumilitatis lafue repara tio cbantatis^ muU
diz Saõ Bernardo. È naõ fó rccompcnfa o Dai*
perdido, mas nos livra da pe.na contrahida
por nofías cu lp a s , aplacandofe l o g o o Se­
nhor á vifta dc hum p cccad or h u m ilh a d o ,c
trocàndoo em hum j u f t o , c o m o fez co m o
Publicano; c por iflo acharás fempre na h u ­
mildade aquella fegu ran ça , que em v a ô fe
bufea em outra parte, A ind aque caiaõ co m
o maior impeto os raios lá do C e o , nunca
per.etraõ mais que cin c o pés dentro da ter­
ra; e por mais que contra nos fe efeandeça
a Divina J u ftiç a , e nos queira abrafar co m
os feus raios, fe nos mettermos no profundo
da nofla miferin,c no a b y fm o do noflo nada,
. naõ nos haõ de ch eg ar a tocar todos os fe­
us raios.
E- Te naõ b aftaõ para nos perfuadir a h u ­
mildade tantas ventagens, que ella c o m figo
*raz, naõ baftará para nola perfuadir a fua
Wceffidadc ? H c c e r t o , que te queres falvar,
">go, fe aflim h c,tam bem has de querer fer
humilde. V o s , Sen hor, d iz o R e a l P ro fe ta,
f a^c,s de falvar os humildes, e humilhar os
Jo b cib o s; P ofulum bumilem fafaum fa d e s ,pm*
394 Quarto dia,
£5? oculos fupcrborum humiliabis. N a ó foto
cfireito o caminho do C c o , c o m o noloenfir
na o Senhor, mas he tambem baixa a porti
do mcfnio C e o , nem fc pode entrar porelli
c o m a cabeça alta, fem a abaixar. Se o Se­
nhor pois tc faz a g r a ç a de tc communicar
hum baixo c o n ceito das tuas milerias, lou­
va muito ao mefmo Senhor por ifTo, porque
podes dizer com verdade, d iz Santo Ago-
í tin h o , que te tem defeo berto os caminhm
para a vida eterna: N otas m ibi feci/li vitss
p i t * . Pello q u e , afienta c o m t i g o , que ain­
daque poílas entrar no C c o fem o acompa­
nhamento dc outras virtudes, naó podes fem
a humildade, porque fem efia , até agora,neni
M «rc ho,,ncns' neni dos A n jo s tem entrado
if. i*hum f ó : N if i ejficiam tni, ficu t p a r v u li, *ct
intrabitts in regnum castorum \ fc vos naó fi'
zerdes pequenos, naó haveis d c entrar no
reino do C e o , diz o Senhor cm termos bem
claros: e até o dem on io tem declarado ai*
g ú a s vezes, que naó perdia a cfperança dc
ganhar húa alma, pella ver fublim e em li#*
tidade, confiando cíTc maldito* que a pode­
ria induzir a que fc c n fo b c r b e c c fié , princi­
palmente na hora da m orte, e prccipitalj*
p o r eíTe meio no a b y l m o , com o pefo das ri­
quezas, e doflS,de que c l U v a enriquecida.
:___êr
Liçflo. 395
A C T O S , C O M § £ V E S E <POT>E
e x e r c i t a r a H um ildade.
%
Hum ildiflim o S a ò F r a n c if c o dc B o r -
O ja nos rnoltra o cam inho para a praxe
delta v irtu d e , naõ tó co m o e x e m p l o , mas
Unibcm c o m hum livro leu, que deo á ef-
tampa, fendo ainda D u q u e , cm o qual enfi-
na a le humilharem a todo o g c n c r o de pef-
foas, principalmente R e lig io fo s . S e g u i n ­
do pois a taó bo a guia, aprende a tc h u m i ­
lhar a refpeito de D eos, a refpeito do proximo,
c a refpeito dc ti mefma.
A refpeito de Deos, portehás muitas vezes
na fua D i v i n a p rclcnça, e depois de haver
levantado os olhos para a alteza in co m p re -
hcnfivel da fua M a g c ít a d e ,d c fc e até o p ro ­
fundo da tua m iferia, e dize a ti mefma j fc
tc tiraííe Deos to d o o b em , que te tem da­
do, e tudo o quc he feu, quc tc havia dc fi­
car, lennó hum a b y fm o dc nada, e de p e c -
cados? E flc a b y fm o p o ises tu cm ti mcf-
ma, e co m o tal te deves tratar, porque tal
cs na verdade nos olhos de D e o s , e tal he a
cllinv.içaó,que dc ti faz a Sabedoria D iv in a .
PuíTa depois a admirar a bondade do S e ­
n h o r , quc efcolh eo co llo c a r os leus dons em

tum lugar taõ hediondo, c o m o tu cs, e em


hum
3 Quarto Liai
huin co raçaó taõ ingrato, c o m o o teu, po­
dendo cmprcgallos tanto melhor cm outras
Irmaas tu a s , c cm outras creaturas, que ti-
rariaó delles tanto mais fruto do que tu., E
n o meio defta confufaó dc ti mefma, defpo-
j a t e fynceramente diante de D co s de todoc
b em , que tens, aflim n a tu ra l,c o m o fobrena-
tural, confcíTando, que naó he teu, fcnaóde
D e o s , c que nunca o mereccfte antes de o
teres, nem o podes confervar depois de o ha-
veres recebido da fua liberal m aó . Pede de­
pois perdaõ ao Senhor de haveres atcrihui-
d o a ti tantas vezes a g loria, que fó a elle lhe
era devida,e declarando, que tens fido ulur-
padora da fua h on ra, fazelhe d c ü a húa ío-
lemnc rcftituiçaõ. C on fcfla tambem fynce-
ram cnte,quc naõ fó es inutil para todo o bem,
c dcfmereccdora da fua ajuda, c providen­
cia, m is que cs digna de todo o mal, dc to­
da a infamia, de toda a perfeguiçaó, e de co­
da a mücria, c que fe rodos conhcccíTem 2
tua maldade, co m o a conhece o Senhor, fa*
g iria ó d e r i, co m o de hum cadavcr hedion­
d o , que com a fua podridaó tudo infleiona,*
c o m o feu fedor empefta a quem para cllc^
ch e g a. F m ilm e n r e , porque efta mefmacon-
f tif iõ deve produzir em ti húa grande con­
fiança naquclle Senhor, que enriquece
Liçao. 397
voluntariamente aos p o b r e s , que dc to d o fe
tem íujcitadoá fua grandeza, pafla a pedirlhe
a fua ajuda para todas as tuas ncccfiidades,e
naó tenhas receio, dc quc nííto tc haja dc fal­
tar: Súbditas efio Dom ino,fc? ora c u m ,& ipfe rf«t
facict, nos a f o g a r a o Profeta. •
A refpeito do proxsmojxc bem q u e co n fid e-
res,queaÍ?Ím*como he própria c o n d iç a ó da fo-
berba o ver cm fi fóm cntc o b e m , e nos oii-
tros reparar fó nos defeitos, afílm hc p ro ­
prio da humildade o confidcrar no p r o x im o
o bem, que D e o s lhe tem d a d o ,e cm fi ló o
mal, quc o hom em tem de íi m e fm o . D a ­
qui nafcc, que o humilde nunca d cíp rcza *
pcíToa algúa, aindaque pareça defprezivcl,
ou por falia dc bondade, o u de talentos na*
turacs, fenaõ quc no interior do feu c o r a ç a õ
reputa a cada hum p o r fuperior a elle, e lhe
tnollra exteriorm ente a honra, que m e r e c e ,
conforme a fua gradunçaõ. E n cíle m o d o
de comparar os proprios deméritos c o m os
Merecimentos, quc v c nos p ro x im o s , b e q u e
ciU fundada aquella notável expreíTaõ, que
Jytu tahido tantas vezes da b o ca dos maiores
frutos, c he dizerem , que elles faõ os m aio -
res pcccadores do m undo. AíTim o p u b li­
cou piincipalmcntc h u m Saó P a u lo , aílini
2la? hum S .F rancifco ,e húa Santa Cathari-
na
398 Quarto dia,
na dc Sena, c geralmente, quanto mais feten!
adiantado os Santos na perfeição, tanto mais
fc tem cfmerado ncíla humilde pcrfuafaó. E
a razaó d iíto , em primeiro lugar, era a que
acabamos de apontar, c vem a fer, que en­
tendendo os Santos, q u e deviaó fer juizes
de íi mclm os, e naõ do p ro x im o , portavaó-
fc co m figo mcfmos co m o juizes, condenan-
dofe co m r i g o r , pello m a l , que cm fi viap
clara m e n tej c, a rcfpeito do p ro xim o, fe
portavaó c o m o húa maí, que efeufa qual­
quer defeito em feu f i l h o , c naó fabc coníi*
derar neile, fenaõ o b e m . E alem dirto, ai-
fim c o m o quem tem m uito que fazerem
fua própria cafa, p o u c o , ou nada labe da a-
lheia*, afiim os S a n to s , occupados continua­
m ente cm confideiar nas fuas culpas, pou"
c o , ou nada attendiaô ás alheias*, c a i n d a a-
quellas, que fab iaó , fem procurar nótic#
dellas, ou as defeulpavaõ, ou as diminuiao,
o u as attribuiaó a in a d v c r tc n c ia , ou á forÇ*
da paixaó, ou tentaç.ió. T a m b e m os Santos*
naó fó comparavaó os feus defeitos com 0
b e m , que dcfcobriaó no p r o x im o , mas_^zl*
ao tambem efia c o m p a ra ç a ó c o m rcfpcrt0
ás g ra ça s ,c benefícios, que tinhaó r e c e b i d o
d c Deos. Se hum faltcador de caminhos»
dizia o humilde Saó F r a n c ifc o , h o u v e r a
’ cebi
Liçao. 399
Cebido dc D c o s as i l l u í l r a ç o c s , e favores,
que Deos me tem conferido c o m tanta li­
beralidade, feria hum Serafim no amor, fen-
do que e u , lendoos recebido,ainda ando ra-
fteiro pella terra, c o m o hum vil bich inho.
Finalmente, o que mais que tudo c a u f a v a
nos Santos cites humildes fentimencos, cra o
penetraré bem a malicia do p cccad o,e ficaré
dc todo inteirados do grande mal, que em íi
encerra o mais m inim o aóto contra a D i v i ­
na v o n t a d e j c a í li m c o m o h ú ,q u c f ic o u a flo m *
brado, julga, que naó ha m u ndo quem e íl e ja
niais enfermo, que elle, aflim os Santos fe­
ridos no coraçaó de hum f u m m o p e fa r d e h a -
v*r offendido a Suprema M a g e fla d e d o S e ­
nhor, a quem tanto a m a ó , j u l g a ó , que naõ
no m undo cu lp ad o femelhante a elles.
Nem ha nifto mentira, p o r q u e , devendo ca­
da hum deteítar mais húa culpa leve cm íi
toclm o^uc hum peccado g raviflim o em o u -
tros> legucle na praxe, que quem c o ftu m a
pelar os feus peccados c o m efte pefo j u í t o ,
adquire habito dc fc reputar p o r maior pec-
cador, que todos os demais,e dc fc p ô r inte-
ll0rmentc aos pés dc tod os.
Mas a refpeito de f i proprio, hc ampliflims*
* esrera da humildade, tanto cm e v i t a r o mal
a lobçrba, como cm procurar o bem, que
ira s
4^0 Ouarto dia,
traz c o m í í g o a virtude de humildade. Omsl
da foberba nos peníamentos, c dezejos fec*
v ita , fugindo , e reprimindo a interior com­
placência, c e ílim açaô própria, que caufaó
em nós os dons da G r a ç a , que nos temeon-
a. cedido o Senhor c o m tanto a m o r : N os aa-
í.° u . tem 71071fp ir 'ltum bajus mttndi accepimtts, ft&
fpiritu m %qui ex D co efl,ut feiam us ,qu<e à bto
donata fu n t tiobis: naõ recebemos o cfpirito
defte m u n d o , mas o eípirito de D e o s , para
fabermos quaès faó os dons, que o Scnhof
n o s tem dado; por outra parte eífes mefmos
bens naó le nos deraô para gloria n ofla, mas
para gloria de quem nolos communicou} *•
le m de nós os podermos perderem cada mo­
m e n to , e ficar totalmente privados dellcSjC
quando o Senhor nolos c o n fe rv c, clles cffl
co m p a ra ça õ dos immenfos b e n s ,d c que g°*
2a D e o s , c o m o oceano dc toda a perfeição?
fem pre faó bens dc nada. O que fuppoll0»
h ü a alma humilde, e illuítrada com a luz da
verdade, em lugar de fc co m prazer com vai­
dade das fuas riquezas, teme mais que nun­
c a os feus inim igos, c o m o hüa nao maisrl'
c a receia mais o encontrar c o m os coíTariosj
e alem difio olha para eíTa mel ma fua abun-
d a n c ia ,c o m o para hum favor, e empreílim°i
que D eos lhe f a z , c c í U c o m maior cuidado
Liçao. 401
ha co nta, que lhe ha de dar* e aflim f o g e ò-
coraçaó hum ilde dos louvores* e os teme*
como a hum vento peílilcntc* c, quando o
louvaô, tem l o g o para fi, co m o c o itu m a v a
dizer a Beata Cacharina dc G e n o v a , què fe
naõ falia dellc, mas dos dons, que ncllc d c-
poíitára o Senhor. E na verdade, que iíld;
dc dcíprezaros louvores tanto c ò m o o s v i t u -
perios, he fer hum vcrdadeiranrtentc grande,
pois quando fe v ió a A g u i a ir á caça dc m o í-
cas? Sicut Angelus D e i, fie eft Dominusmeus iz
fo x , ut nec benedeftione, iiec maíediftíonemo-
veatur${o is,co m o A n j o de D c o s , dizia d m u ­
lher de T h c c u a ao R e i D a v i d , porque vo s
naó dá abalo,- nem a b e n ç a ó , nem a m aldi-
çnõ, que vos l a n ç a õ . Q u a n t o finalmente ás
obras, o cuidado principal dc hum hum ilde
hc fugir dos polfos hònrofoS, c das preem i-
nencias, efpecialm ente quando faõ le c u la -
res, ou porque fe j u l g a indigno dcllas, o u
Por entender, que naó he ba íl ante o feu ta->
lento para o ccu p a r hum p o d o ta ó e le v a d o .
Èm quanto á outra párce dc procurar o
bem da virtude da humildade, e naó fó fu-
8 ,r o mal da foberba, quem hc de veras h u ­
milde dc c o r a ç a ó , c m todas as o ccafio cs fe
indigno do b em , q u e poffiie, e do que
*íoda naõ tcm> indigno, quaudo fc p o e m e m
C c p r a *
40 2 Ouarto dia ,
oraçaõ, dc cftar na prcfcnça dc D e o s , c dc
louvar ao Senhor; in dign o ,quan do freqüen­
ta os Sacram entos, dc chegar a clles; indi­
g n o , quando o confola o Senhor, de fcrcon-
iolado; indigno, quando o Senhor o afflige,
de le parecer niflo c o m os Santos; indignq
da companhia dos bons; indigno da comi­
da, com que fe fu(lenta, do defeanfo, que
tom a, da faude, que lo g ra , c do fcrviço,quc
lhe fazem as crcatu ras; nflentando corofigOr
que tudo o que naó hc inferno, c feparaçao
eterna do Sutnmo B e m , he menor pena do
que elle merece. I l i o , quanto aos penfamen-
tos do verdadeiro h um ilde; c quanto ás ius*
palavras; elle fc abítem com giande cuidado
dc fe lo u v a r , c tambem naó falia facilmcn*
tc dc li, nem ainda vituperandofe, paraque
efle modo de fallar naó íirva dc occafiaó dc
attrahir a fi a honra, c a cítim açaó dos ou­
tros; quando p o ic m fc refolvc a manifcll^
os proprio* defeitos, o faz com animo dc que
os tenha por verdadeiros quem o ouve. &
quanto ás obras; elle abraça co m prudência
todas as o c c a llo e s de exercitar a h u m i l d a d e ,
eleolhendo os officios mais b a i x o s , o veih-
do mais defprczivel, o pofto menos honr°#
f o ,c o em prego,de que os outros mais fogem;
c tudo iíto taz para iátisfazer ao interior cn-
» nhc-
s 4 ° j |
hliecímento, que dc fi cem, pello qual fe j u l ­
ga incapaz dc todo o bem* c he canto njais
pequeno nos proprios ólhos, quanto hc mai­
or no D iv in o acatam ento, aflim co m o a s E -
ürcllas, que qüanto mais altas cftaó^ tanto
mais pequenas parecem á no fia viíta^ ainda­
que em fi fcjao verdadeiramente de hüa g r a n ­
deza definedida. E l l e o d e b u x o dc hüa al­
ma humilde, que, exercitando (b gencrofa-
mente nos referidos aótosj chega finalmcntd
a hum ponto t a l , que naõ fá tolera c o m pa­
ciência as injurias,e d e fp rczo sjm as os anhe-
1* com maior ancia, do que os am biciofos
afpiraò ás honras, tiido a fim de imitar a-
quellc Senhor, que deo á humildade o cfp c-
ciofo titulo de virtude própria fua, e aos San­
tos Apollolos, que fc ju lg a v a õ honrofamen-
te condecorados, quando padeciaõ as c o n -
^melias, que por caufa do feu D iv in o M e -
lhes faziaó: íbant gandentes à confpe- Aft:
*** co*cilii, quoniam digni babiti fu n t jpro no- s*
t o in e jE s u contutneliqm p a ti. V,. -y
4 0 4 Q uinto dia,

L I Ç A Õ E S P I R I T U A L .

Para o quinto dia dos E x e r c i d o s .

S O B R E A V 1 R T W E < D A Ç
P 0 *

breza.
V i d a particular, e tambem a publí'
A ca, as famílias, os povqs, c os reinos,1
guerra, e a paz, c em húa palavra, todos osne*
g o cio s mundanos, fe eftribaó nas riquezas,M
quaes com jufta razaõ deo o nome dc íubftan*
\y\ c ia d c l t e m u n d o o A p o í l o l o S . J o a ó :
buerit fubftantiam bujus mundi\ co m o quenao
po deííe o mundo fubfiílir fem ellas. DonuC
r»afce,quca pobreza tem íldoiemprctaóabo*
minada pella g e n te mundana, quc os Pocta>
tomaraõ a liberdade dc a collocar as portas®0
in fcrn o ,co m o iefo ra húa furia infernal. Scj1
porém o que fora pobreza f o r ç a d a , c e r t a n K i i *

t e n a õ he aílim a P o breza Religiofa. Antes»


pello contrario,ella hà a fubfUnciadasR^1*
g io é s ,o fundamento da p e r f c i ç a õ , h u i n f

l o u r o e f c o n d i d o , c f i n a l m e n t e a q u c nosdatj

íta vida hum padraó dc dom ínio do reino ^


C e o s , cujas portas nos abre, depois d2J**°
te, e nos mette dc poílc da bemaventura^
v Liçao. 4 o *
5

para fempre jamais. Defta pois, nobiliflinia,


c, entre as demais, riquiífima virtu d e, p i c -
t c n d o , o h a l m a religiofa, informarte hoje,
aflim 110 que toca á doutrina efpecu lativa,
como no que toca á praxe dclla.
Q u e coufa pois hc a virtude da (anta P o ­
breza? E lla he, fallando em g e r a l , húa v n -
tude, que co ndu z ao hom em a hum deipic«
zo cordial das riquezas, c bens temporaes, e
tranfitorios, c o m o v i s ,e dc nenhum v a l o r ,a
refpeito dos bens fobrenaturaes, e eternos.
H eefte d cfp re zo dc iu m m o m erecim en to ,
porque, fc os homens mundanos olhaõ para
asriquezas, c o m o para hum bem u nivcilal,
que lhes pode facilitar o a l c a n c e de qualquer
ocm, feguefe, que quem faz p o u c o enfo das
riquezas,por m o tivo dc virtude, vem ju n t a ­
mente a dcfprezar t o d ó o b e m , q u e nos p o ­
de dar o mundo. T a m b e m cfta v ir tu d e dá
pobreza coníidcrada da maneira, que ex p ii-
cado fica, hc neceflaria ã todo o C h r i l u õ ,
P*ra fc haver de falvar, de tal iorte, que c c -
ve eftar determinado, e firmemente rcfolu-^
to a nunca confcntir cm p c c c a d o a lg u m mor-
lal, nem cm o rd cm a au g m en taro sb cn ste n ít-
poracs, nem por receio de os perder. E nc-
rtc fentido hc, que fe verifica o cftarcm os
ricos cxcluidos do reino do C e o j i f t o hc,quan-
Cc 3
406 Quinto dia ,
d o c lla ó taõ pegados a leus bens, quc ou no
aftcóto, ou d e fe ito os antepõem á obfervan-
cia da L e i dc Deos*, donde lhes vem a fuc-
ccdcr co m o á A g u ia , quando pcfca, que por
naõ largar hum p e i x e , que naó pode levar
ao ar, le deixa ir ao fundo, prcía da mefma
prefa,qu efez. E í i e p o r ç m h e o primeiro grao
da Pobreza, quc he c o m m u m , c ncccíTario a
todos os Fieis, fobre o qual realça muito a
Pobreza R e l i g i o f a , porque e lla ,n a ó ló dei-
preza os bens caducos, quc fe chamaó da for­
tuna j mas qs d e i x a , e fe priva dcllcsj nem
Io le priva dellcs, deixando os quc j á pof-
luia, mas ainda le priva do delejo de ospof-
fuir para o f u t u r o ,e fc faz incapaz dc adquit
rir em tempo algum dom inio, ou proprie­
dade cm tal gcncro de bens* cílabelcccndo
tudo ifio co m hum voro lolem nem cnte of-
fcrecido ao S en h o r, a fim dc fc poder enca­
minhar a D eos mais e x p e d it a m e n t e , tiran­
d o todos aquellcs impedimentos que trazem
co m ligo as riquezas, aílim co m o o Veado
c o n e mais ligeiro á fonte, depçis dc depof
•o.pcfo de fuas grandes pontas, quebrandoas.
O que fuppo.fto,qucm naó vè quaes fefaóoJ
lh e louros Celeíliaes , quc vai amontoan­
d o húa peíToa R e lig io fa ? pois, fe o Efpiti*
t o Santo affirma obrar çoufas maravilho*15
- -* - ' ' ■' " em
ao. 407
em fua vida quem naó deixa pegar o icu c o ­
raçaó aos bens tcm p o racs, que po fíu c: § h fi Eccií.
fo fl aurum non abiit\ f c c i t , . .m irabilia in v i- £ '9/
tafua^ íacilmencc podes in fe rir,q u a n c o m a i­
or prodigio dc virtude fera, o pifar eflas
meímas riquezas com o c o r a ç a ó ,c ,o que ma­
is he, com o affeóto, dcfpojandofe dellas, c
fazendofe incapaz de nunca as pofluir, c o ­
mo próprias, c á na terra, por dar g o f t o á-
quelle Senhor, que, fendo a plenitude de t o ­
dos os b en s, fe tez pobre por noíTo am or:
Propter vos igtniis f a ffus efty curn ejjct dives. j.cot.
Bafta dizer, q u e efte d cfpego interior, c ex- * 9‘
teriordos bens cad uco s, he hua virtu de taõ
perfeita, que quafi p.inguem a co n h ccco an*
tcs da vinda do Salvador ao mundo* e aílim,
exccptos alguns dos Profetas, os maiores a-
migos, que teve D e o s na L e i a n t i g a , p o lc -
raô o feu cuidado cm poftuir virtuofamente
as luas fazendas, e naó em fe privarem d cl-
e D co s,aco m m o d an d o fc á rudeza d o l e u
povo eícolhido, lhe prom ettia exprcíTamcn-
te, cm premio, a abundancia dos bens te m ­
poraes, c o m o fc c o ltu m a fazer c o m hum
menino, a quem fe anima a cu m prir com a
fua obrigaçaó com a promefla dc húa ma-
Çaá. T a n to p orém , que c h eg o u a plenitu­
de dos tem pos, c fe fundou a Igreja fanta,
Cc 4 com*
408 Ojiinto Mia,
ço m m u n ico u logo o Senhor cftc efpiríto cfè
po b reza aos primeiros Fieis, de forte, que fe
c r è , que os A p o ít o lo s fizeraó v o to delia, e
que a feu e xe m p lo 0 fizeraó tambem os que
í c b a p tiz ív a ó j e em virtude deílc v o to pu-
nhaó todos os bens cm commum,defappro-
priandofe delles, e levando aos pés dos A*
'poftolos o p r e ç o , por que os tinhaô vendi­
d o , para que o diltribuiflem tambem cm
c o m m u m . E todos os Santos á vifta deite
e x e m p lo , fizeraó fempre hum fumm o apre­
ç o deite defapego, e deítc vote? de pobreza,
alTinalandole n i í í o , entre todos, os F u n d a ­
dores das Familias R clig io fas. Saó Fiancd-
<0 de AiTis, co m o diz Saó Boaventura, M“
Jnva fempre com ternura da Santa pobreza»
chamandolhe húas vezes, cípofa fua, out^5
vezes, mai, outras vezes, fenhora, e rainha
fua-, aftirmando, que tinha enveja aos men­
d ig o s , que via mais pobres, e mais nus,qiic
f ít e ; c quando a lg u m grande Senhor o con­
vidava a c o m e r , collumnya ir primeiro pc*
d ir alguns pedaços de paó de efmola, oi
quaes punha depois íobre a mefa, para mn#
ítrar, que fem o faynèrc da fanta pobreza»
qualquer outro co m er lhe era defabrido. &
íemelhante nffeiçaó a eíta fanta virtude mo*
#raraõ na$ fuas regras, nes feus Inilitutos,*
- % - • \ . W
LiçaÕ. 409 H
ms fuas vidas os Fundadores dos Monges*
afiim no O rien te , c o m o no O c c i d e n t e j e e r a
quanto durou nas C om m unidadcs Sagradas
efte eípirito, perfeverou tam bem o leu pri*
meiro íervor* e por cita razaó chama o gran­
de Patriarca Santo Ignacio muro forte da
Religião á S^nta Pobreza-, p o rqu e os pri­
meiros aíTaltos do inferno* c as luas primei*
ras maquinas, fe a flc f t a õ ,e cncam inhaõalan*
Çar por terra a eíta muralhas nem as delor-
dent, quc pello difeurfo do tem po íe intro-
duzem nos fagrados Clauítros* entraraõpor
outra parte, tenaõ pcllas brechas* quc fc a*
briraó neftem uro.

M E I O S T A R A A L C A N C ,A R
a v ir t u d e da P o b r e z a .

D e z e jo * e a c o b i ç a de adquirir, e
O poíTuir os bens terrenos faõ, co m o
Saò Paulo, a raiz de todos os males:
. ..omniutH malorum eft cHf>iditas-ydon- t í
dc vem, que, á maneira de raiz, fc arraigue
ra,‘fo, e profunde no noflo coraçaõ* de lor-
que naó he pequena emprefa o arrancar
dc todo efTa co b iça , e plantar em feu lugar
. Um lan*o am or da Pobreza R e lig io fa ,e das
jocom m odidades*quc a a c c m j ar.baõ. F r llo
que,
410 Quinto dia,
que, he neceflaria grande ajuda do Senhor
para acabar húa obra taõ dim eultofaj e pan
co n fcg u ir femelhanre auxilio hc prcciío,quí
o peçamos com co n tin u a , e fervorofa ora-
çnó. L á pedia a D eos o S ab io , que o na6
?rov.'
)0. S. fizefle nem pobre, nem rico-, MendMt&te*\
Ííf divitias, ne dederis inibi’, mas cila petiçaó
era conform e a imperfciçaÓ daquelles tem­
pos antigos, de que aíTima fallámos. T u po­
ré m has de pedir ao Senhor com muita A le­
g ria , que te faça pobre, e que te tire todoo
am or ás coufas, te m p o ra e s , elevando o teu
c o r a ç a ó a hum tal d c fp e g o de tudo oqueh*
m undano, que fiques fuperior a todo o cr*
ado, para te avifinhares cada dia mais ao teu
D e o s j co m o fiiccede á L u a , que quanto rM*
is diminuta cftá dc rcfplandores, tanto rnais
p erto cftá do feu S o l . E efta o ra ça ó ferá 0
-primeiro meio para alcan çar a virtude da
pobreza.
O outro m eioferá, o trazer frequentemeo*
t o a coníideraçaõ em J E S U Cbrift.o c r u c i *
ficado* e nclle, c o m o em livro dc v i d a , com*
prehender bem eftes dous pontos. O £****
p/e, que nos deo efle Senhor, de pobreza, c
o Prêm io, que tem p ro m ettid oao s verdade»*
a*os pobres d c efpirito.
E principiando pello Exem plo, q u e c x c j 11'
Liçao. 411
pies mais proveitofos podia dezcjar h ú a al­
ma, para fc affeiçoar a cfta v ir t u d e , que os
que J E S U C h r if to nos deo nofeu nafeimen-
to, na fua vida, e na fua morte. N o prefe»
pe, em que elle n afceo , v è le le pode achar
ou maior carência do lup crflu o , ou maior
falta do neccflario: na vida» que levou ate
a dar por nós cm húa C r u z , naó ló f c fufr
tentou com o pobre trabalho das fuasmaós,
mas nos tres annos, que g a fto u em p re g ar,
fc luftentou fó dc c{m olas,c c h e g o u a podçr
diiçr, que as rapozas tinhaõ fuas c o v a s ,e os :
paflaros do ar os feus n i n h o s , p o ré m , que o
Senhor d o U n i v c r f o naõ tinha refervadopa-
fi, como proprio, tanto lugar, quanto tof-
febaftante para reclinar a fua D iv in a cabc-
Ça. N o C a l vario tambem deo finalmente as
ultimas dcm o n ftraço és da pobreza mais cx*
•õa, morrendo n ü , c fem alivio a lg u m ,v e n -
dn com feus m cfm o s olhos pafiar a outros
pofluidqrcs o que lhe ficava dos íeus vefti-
dos. Q u e pobreza pois, íe pode nunca aíTc-
melhar com a dc J E S U C hrifto ? N o so U r
trçs, em nos fazer pobres por feu a m o r ,n o s
privamos dc fó húa pequena parte deftater-
ra, e C hrifto deixou por amor dc nós a teiv
ra, c o C e o je naõ po den do renunciar o D o ­
mínio foberano, e D i v i n o , que lem fobre
10-
411 Quinto dia,
todas as coufas, renunciou o dominio tem­
p oral, c humano, naó refervando pára fi, (c-
naó a pof]'e do noflo co ra ça ó , o qual nos pe­
de, para nos enriquecer com os thefouros
Celeftiaes. E em quanto ao a ffc & o interior
a refpeito d eílc defpego, c dei nudez exteri­
o r, que vem a fer c o m o a alma da fanta po­
breza, quem haverá, que fe poíTa comparar
co m C b r i í t o ? F e z efte Senhor hum apreço
mui alto da pobreza, e a tom ou porhtimdoj
feus titulos mais g lo rio fo s,d ize n d o de íi pel­
fÇtV lo P ro fe ta, que era pobre, c m en d igo , E #
3 9. 11
autem mendicus futn, pauper-, tom ou pot
feus amigos aos pobres, e lhes d iz muitas ve­
zes na D ivin a E fcritu ra , que he dclles o rc-
f u g i o , a cfpcrança, a c o n ío la ça ó , a herança,
c a gloria* c quc, fc dos mais tem providen­
cia, dos pobres tem cfpccial cuidado* e fc
o u v e as íupplicas dos dem ais,ate os dezejo*
dos pobres o u v e , naó cfperando, que clles
lhe p eç a ó o de queneceíTitaõ. Q u i z e f t e S c '
n h o r, que fc collocaíTcm na pobreza as maif
copioías riquezas da fua G r a ç a * c efeondeo
neila as delicias mais fuaves, c folidas dosfc'
lis fervos* e!colheo a pobreza, para difpofi*
ç a ó , em ordem a co m m u n ica r aos pobres,
c o m prcfejrcncia aos demais, os Myfterio5
da fua vinda ao mundo,como
— * ! fez aos Paft°'
_
Liçao. 413
rcs; e tambem q u i z , que a mefma po b reza
foflé a difpoíiçaõ para a cleiçaó dos prim ei­
ros Pregadores dos m cím os Myftcno$,qua--
esforaõ os A p o fto lo s . C o n íid c r a pois c o m
attcr.çaó cftas verdades, e pafma d c ti mc(-
ma>feconfeflando p o r verdadeiras eftas c o u ­
tos, que tc enfina a F c , antepoés depois d if-
fo á honra, c aos theíburos da fanta virtu d e
da pobreza o mifcravel ap e go , e a p o u c a
commodidade, que tc pode p r o v ir de naó
feres inteiramente pobre, p o r a m o r d c J E ­
SU C h rifto , co m o p ro m cttcftc dc fer, na tua
Profiflaó. V a lc c c do argum en to dc Saõ B e r­
nardo : A u t Cbriftus fa llitu r , aut mundus er- s^ruq
W : ou C h r if t o fc e n g a n a , efeolhendo para
fi a maior d e fn u d c z ,e d e íp c g o dos bens tem -
poracsj ou tu te enganas na dernaíiadacobi*
que tens d c amontoar, pofluir, confcr*
v*r, c prover para ao diante, tem endo a p o ­
breza, c o m o hum grande mal, naõ fó,quan­
do dc prefente a experimentas, inas ainda,
quando fó dc longe fc deixa ver c o m incom *
modidades imaginarias.
Alem dc q ue, fc o e x e m p lo de J E S U C h r i*
c a cftirnaçaô, que elle fez da Santa po*
fj**» naó bàftar para tu fazeres delia a de*
v,da cftirnaçaõ, baftará certamente, confor*
eu entendo, o P re m io , que o m efm o Se*
• nhor
4 r4 Quinto dici,
nhor tem protnettido ans que exercírarerfl
cita virtude, a que correi ponde húa remu­
neração triplicada) que vem a fer* centopof
h u m nefta vida) o poder de j u l g a r no dia do
ju iz o * e hum thefouro e t e r n o , q u e alcançaó
os verdadeiros pobres na poíTe do C e o , cum­
prindo alfim o Senhor co m a promcíF), que
fez no E vangelho de trcs maneiras dc rctri*
!u c. b u i ç a õ , que ncllc c x p r e í í o u : Mcnftirdm to*
tf* jt 1nam, confertam, & cóagitatant, £j? fuptr*
cffluentem dabunt in finum veftrum : de forte,
que a medida b o<\,Bonam, hc a que fe dá ao!
pobres de clpirtto ainda nclla vidajaacogul-
lada, E t confertam f i e a que íc dá, aos mel*
tJios n o fim do mundo* e a medida, quetraf-
b o r d a por todas as partes, E t fupercffiucn•
tem , he a que fc lhes dá na eternidade.
E cm quanro ao cento por hum ncíla vi­
da, confitle primeiramente, cm recompen-
far D cos os bens temporaes i que fc de is»?
por feu amor, c o m abundancia dos bens cf-
p iritu aes, da G r a ç a , das co n folaçn es ceie*
íliaes, da paz interior d o c o r a ç a ó , d a s virtu­
des, c do A m o r D i v i n o : Bens, todos im#
menfamence mais cítimaveis t que quan­
to nos pode dar a natureza. E alem diíTo,
n e íle cento por hum fc incluem tambem o9
bens ncccfíarios, c convenientes para o fuí'
CCB*
ÍÀçao. 4 rf
tento da noíTa vida, empenhando o S en h o r
a Providencia do feu Padre C e lc ftia l, e a
Caridade dos Teus Fieis, para nos d a r,q u a n ­
to pareça ao mefmo Senhor neccflario para
a nofla falv.içaó, e perfeiçaõ.
A fegunda medida b e m acoguUada de re­
muneração fc ha de dar no fim dos tem pos
* todos os pobres voluntários, que h o u v e ­
rem deixado todas as coufas por amor do S e ­
nhor-, pois ellcs haò dc íer Aflcífores d o S u -
premo Juiz no J u iz o U n iv e r fa l,e co nfirm a­
d o com elle a f e n t c n ç a ,c e x p o rá õ , c o m p u ­
blica, e legitima dcclaraçaõ, o b e m , c o m a l ,
Suc fc ha dc decretar para fempre, aos E f -
colhidos por p rem io , e aos R c p r o b o s por
c*ftigo. T r e s c o n v e n iê n c i a s , o u ra z o é s , a-
ponta Santo T b o m a s , pellas quaes tem c o n ­
cedido o Salvador e f t e g c n c r o d c p rem io ,
ac julgar o M u n d o ju n t a m e n te com c l l c ,
aos pobres dc cfpirito.
A primeira razuõ, ou conveniência, por-
W 08 pobres voluntários haó dc (cr efeo-
mdoj por J u izes juntam ente co m o S u p r c -
JJ°Juiz, hc, porque havendo elies feito ne-
^Urn j u i x o taó rcóbo dos bens da
ifa, c dcfprczado os bens tem poracs, m o -
tr h *A‘ ^Ue no Í u ^êar na^ apnrtaraõ d.z
L 0 Por m o tiv o algutn terrcuo.
A
4 1 6 Quinto dia,
A fcgunda r a z i ó , ou convcnicncia,h?ada
m erecim ento; porque havendofe os pobrci
d c cfpirito humilhado por amor dcChiillo*
a ié abraçar a coufa mais defprezivel do mun­
d o , qual hc a pobreza, merecem, q u e o Se­
nhor os exalte á t x c c l l c n t e honra de julgar
a todos os demâis homens.
A terceirarazaõ, ou conveniência,hcadil-
p o fiça õ * em que fc achaõ os pobres volun­
tários para o ccu p ar o pofto de Juizes Aílcf*
fores: porque a pobreza voluntaria, dclpio*
d o o c o r a ç a õ de todos os aGPcâcs terrenos,
prepara a alma para fer inftruida nas Verda­
des Divinas; c por confcguintc lhe dá direi*
t o de manifcftar, e publicar aos demais
decretos de J E S U C h r ifto . D o n d e levèj
que naõ podia o R e d e m p t o r fazer maior hon­
ra aos feus pobres, que a de ferem Ju'ZfS
juntam ente co m elle/ A p p a rcc e rá ó o s ricÇ5
d o m u n d o , todos cheios de tem or, no tf,#
bunal daqucllcs R e lig io fo s miferaveis, <luC
foraó o o b j c & o das fuas mõfas. ApparcCÍ#
r i N c r a õ , c o levaráõ dc raltos da fua c'J,i
d c o u r o , diante do T r ib u n a l de Pedro,
quelle d c fc a lç o , aquelic pobre mendigo» r
q u e llc.á quem , c o m o a vil cfçra vo , fcZ,clT
cificar fobre h u m outeiro. N e m lo hio &
fer julgados pcilos pobres de cfpirito os .íj
Liçao\ 417
CòS malvãdos, c rcprobos, mas a té os tnel-
mos Iu fto s ,q u c tiverem ufado d c m i le r i c o r -
dra com os pobres, c d iílrib u id o v irtu o fa -
mente as fuas fazendas, mas ícm as deixar p o r
amor dc G h r iílo , fe bem haõ dc receber o
premio da G l o r i a , c o m o mifericordiofos,.
naó haõ dc g o zar do p re m io particular d c
Juizes C e le ília e s , antes haõ dc ter ju lg a d o s
pellos pqbrcs voluntários,qu e no u ltim o dia
haõ de ier os Ju izes, que intim aráõ c o t n a u *
ihoridade legitima>naô fo a íentença d c c o n ­
denação aos rcprobos , mas tam bem a d c o
terna gloria aos J u d o s , c o m o fica ditto* Vè-..
pois dc quanta h o n r a , e de que prêmios fe
privaõ os R c lig io fo s im perfeitos, que b u f -
caõ toda a fua co m m o did ade na habitaçaõ,'
na vida, na co m ida, c. do vcílido> que p e r -
turbaõ a cafa co m as fuas queixas* c que que-i
riaõ, fc podeflem, ajuntar a honra da p o b r e ­
za Evangélica c o m os efpinhos das riquezas
torenas. N a õ b a i la haver profeflado a p o ­
breza, para exercitar cila alta dignidade d a
potência judiciaria no u lt im o dia, mas h c
EsccfFario havella e x e rc ita d o c o m p e r f e iç ã o :
ad judiciara veniet cum fenioribus
ptpuliy ha de vir o S en h o r a ju lg a r c o m os
ciaõs do p o v o , d iz lfaias-, iílo he, c o m o J 0®*
explica Santo A g o l l i n h o . i t y i yçluw unt ef-
Dá / fe ,*
2J.18 Q u in to dia ,
f e , £«? vere fueru n t p etfefti, co m os perfei­
tos, e com os que, cu m prind o a promcíTa,
que fizeraó a C h r if to , dc vive r pobres por
fbu amor, m crcccraô que C h r i f t o cumpriífc
la m b e m a fua promcíTa d cto m a llo s por com­
panheiros lcus no ju l g a r .
M a s to‘dos cftcs p rêm io s, que temos pro-
p o fto , feriaõ pequenos, fe faltafíc a medida
fuperabundante do premio eterno no Ceo.
M a s e lle o tem taó feguro os pobres de ef*
p i n t o , que naõ difie C h r if t o , que dcllcs ha*
v ia de fer o reino do C e o ; Ipforum erit rt*
gnum C o e lo r u m fenaõ, que o era ja dc pre-
W a t t . fencc: Ipforum eft regnum Coelorum: porque,
5* a- p o fto que ainda naó tom araõ pofledclle,tem
ja feito a c o m p r a , defem bolfado o preço, e
adquirido o dominio. D o n d e fc v è com
quanta razaõ eíerevia Saó J e ro n y m o ao lcü
P a m m a c h i o , P a r v a dimifimus, & grandrt
poflidem us: d e ix á m o s p o u c o , c poíTuimoJ
m u ito . T o d o s nafeemos pobres, c pobres
m orrem os todos tambem ; c c o m tudo
fe efcolherm os v iv e r p o b re s, efles poucos
inftan tes,queh a entre o nofio nafcer,emor*
r c r , f e n o s haõ de recom pcníar com hum
prem io raõ excellen tc, no tem po, e na etcf-
ternidade. E p o d e r á por ventura o noíTo c°*
r a ç a ó , que dezeja c o m tanta ancia poíTuir»
t L iça o . 4 19
Êtifarde comprar por hüm p r e ç o taô v i l 4
qual hc a renuncia dos bens caducos, hum
thefoüro taó im iftcnfo, qual hc o meírao
Deos ?

ACTOSy C O M g V E S E E X E R -
c it a a V i r t u d e d a 'P o b r e z a R e -
li&iofa.
O m p re h ç n d c a virtu d e da Pobreza*'
C co m o d itto fica, duas coufas* o rc-
tiíinciar v o lu n ta ria m e n te , e c o m cffc ito os
bens tcrretlos, e o d e f p e g a r o a ffe tto dos
mcfmos bens* donde fc legue* que a fua pra­
xe fe ha de e x e rc ita r co m duas cfpecies d e
a&os, exteriores* c interiores. C o m e c e m o s
pcllos exteriores, que faó c o m o o c o r p o d c -
ftn nobre virtude.
* Excrcltafe p o i s , em primeiro lugar, a P o ­
breza e xterio rm en te , obfiruaudo a fu b fla n -
Cía d° voto promettido. H c p o rém prcciío*
fil,e fiques defde aqui entendendo a o b r i g a -
JÇ*9,que téns to m a d o fobre t i, pello voto*
w fiicftcj e vem a fer, que tens p r o m e t t i-
. 0 ^emnem cnte ao S en h o r h u m d c f p e g o
a r e *°dos os bens temporaes, que tc inca-
r^citallç para fcm p rc f c tcr n c l l c s d o m in io .
Propriedade. Por tanto, tudo aquillo,de
Dd i que
420 Quinto dia ,
que te f e r v c s , o v c ftid o , a c c l l a , os movei**
o valor do teu tra b a lh o , c quanto te daó os
parentes, e conhecidos, naó pode fer teu,
mas todo o d o m in io -d e lle c í l á fempre no
M o fte iro * e tu dc todas eíTas coufas naõ po­
des ter mais, que o ufo, dependente fempre
da lice n ça dos Superiores. E ifto he de co-
d o certo entre os D o u t o r e s : c a(Iim,o rece­
b e r algúa coufa temporal, para difpor delia
á tua vontade, o dar, o c m p r e iU r, e vender,
fem licença dos Superiores, o u g e r a l , ou
p articu lar, ou tacita, ou e x p r e fla , n c como
í c aquillo íc furtafle; e ainda he peor, que o
fu r to , porque, fc a niateria hc g r a v e , ferá »
tal acçaõ (acrilegio contra o v o to . SaÕ Luís
G o n z a g a naô quiz nem ainda eropreftar hua
folh a de papel a hum com panheiro feu, fem
p rim eiro prd ir licen ça ao Superior) c par*
m elh or exe rcitar a pobreza, e a obediencia,
n aõ queria húa licença g e r a l, ícnaõ Que *
pedia todas as vezes, que lhe era ncceíiari**
- E r n . j a q u e naô podes imitar a hum ta®
grande S a n t o , por naõ ch e g a r a grao tao
fu b lim e a tua perfeição , pede a o menoshu*
lice n ça geral para d a r , r e c e b e r , ou
ftar coufas de p o u c o entidade, e valor. &
.tam bem , para cu m p rir nr (Ta parte com a tu*
o b f i g a ç a õ , faras ig u a l cafo das coulas cona-
Liçao. 421
muas do M o rte iro , que o que fafces das c o u ­
fas, que tc eftaõ concedidas para o teu u fo j
porque o fazer differcnça na co n fervaçaó dc
hüas, e outras, mortraria o ap ego , que tens
is coulas do teu ufo, e que as p o ííu cs,co m o
tuasj quando na verdade naõ faõ tuas, nem
fe te c o n c e d c o pelios Superiores mais, que
0 feu ufo.
R e fere Cartiano,quc paflando o P r o c u r a ­
dor dc hum daquclles Santos M orteiros an­
tigos pella co z in h a , v io no ch aó tres graó*
dc lentilhas, que tinhaõ cahido ao C o z i n h e i ­
ro, e deo conta diílo ao A b b a d e , o qual rc-
prchcndeo,e penitenciou ao d itto C o z i n h e i ­
ro, com o a negligente em tratar as coufas
do M o rte iro , irto h c , o patrimonio prefado
do Senhor. N o demais, naõ íc pode f a c il­
mente explicar o r ig o r , co m que eraõ carti-
gados, durante o p rim itivo fervor das R e l i -
S l°és, os P ro p rie tá rio s , que faltavaõ, ainda
ievemente, na obfervancia do v o to . R e g t -
toldo, Prior do C o n v e n t o de Saõ D o m i n ­
gos de B o lo n h a , havendo fa b id o , que h u m
Jre,g ° rinha to m ad o , fem l i c e n ç a , hum p e -
dc eftamenha para remendar o h a b ito ,
?. . am°u a C a p itu lo diante dc todos o s R c -
'gjofos,eo reprch end eo,e penitenciou, c o -
0 *-adraõ, e mandou queimar no m efm o
T "'f- Dd 3 lu?
422, Quinto dia,
lu g a r aquelle pedaço de túnica, que tinha
tom ado o mifcravel. E fe a matéria, de que
fe approprii>vaó, fem a devida lice n ça , cra
majs n o t á v e l, era tambem mais noravel o
c a f l i g o j porque depois de morrer, fe deíen-
terrava o cadaver do delinqüente, efefcpul*
tava em hum m o n tu ro , c o m o mandou fater
o Beato A lb e r t o magno-, e a roupa, que fc
lhes a c h a v a , ou fc fcpultava onde o corpo,
c o m o mandou fazer S a ó M a c a r io , e Saó
G r c g o r i o j ou íe q u e im a v a , dizendo cm al­
ta v o z , a tua roupa,c o teu dinheiro feja com-»
t i g o para p erd ição , c o m o fc lc nas Chroni*
cas de Saó J e r o n y m o , E que approvaíTc o
S en h o r fernelhanre feveridade, hc m uito no-
t o rio , pois confia dc varias H iílo ria s. Nas
da fagrada O r d e m dos C a p u ch in h o s fe re«
fere, que havendo h u m R c l i g i o f o nppropri-
ado a fi hum B r e v i a r i o , apparcceo o demo­
nio cm habito dc M o n g e , v c íl i d o dc negro,
e fe queixou ao G u a r d ia ó daquelle furto:*-
j u n r o u o G u a rd ia ó a C a m m u n id a d e para &
a v e rig u a r o c a f o , e o efpirito maligno lan­
ç o u os olhos fobre o ladraô, e tomandonfu*
própria figura de d e m o n i o , levo u o Frade
pcllos ares, a quem cahio neíte aéto o
viário da manga, c ç m o que fe fez patente*
cãufa dc hum c a í l i g o taó cfpaniofo.
. Liçao. 423
Seria p o rém pequeno lo u v o r para t i , i e t c
contcntaíTcs fó c o m naó fer fa crilcg a ,c c o m
naó quebrar o teu v o to : alem diíTo he n e c c l-
fario pafTar ao fegundo grao da p o b rezrfd cel-
pirito, privandote •voluntariamente de tudo 0
<{ue he fuperjluo', i í l o h e , d o que naó ferve, ou
para a neceílidade, ou para a caridade. C o -
ftumava Santa T h e re fa dar volta algúas v e ­
zes á fua C e ll a , para o bfervar, fc havia nel-
b algúa coula, dc que fc pod-jíle desfazer, e
logo a tirava para fora. C o m o porém fenaõ
pode praticar a pobreza cm todos os Inrti-
tutos pello mefmo m o d o , repara nas peflo-
*s,que no teu M o l t c ir o viverem co m maior
p c r fe iç a õ ,e p ro c u ra imitar a eflas na p o b re ­
za do veitido, da cclla, e dc outras coufas.
Por ta n to , aquillo fó podes ju lg a r p o r fu-
perfluo, de que naõ ufaõ as almas mais p e r­
feitas, e de confcicncia mais a ju fta d a, que
nabitaó c o m t i g o no mefmo M o rteiro. N e m
deixes enganar co m o p re te x to dc que
o que tens com licença dos S u p e-
r,orcsj porque, naó fendo jurta efla lic e n ç a ,
nao tc v alc, co m o por e x e m p lo , o dar a o u -
|rctn mais do que co n ve m a húa peíToa R c -
•giofaj e fc a lice n ça he jurta, l o r e liv r a d a
^ujpa,mas naó tc c o n c c d c o prem io p ro m et-
aos pobres dc cfpirito.
Dd 4 O
424 Quinto dia,
O ultimo gr ao da pobreza deefpi rito exte*
rio r, hc naõ 16 o privarfe hum dascoulasfu-
perfluas, mas o jo fr e r algúa v e z algúa falta
nas coufas necejfanas\ porque de ourra for­
te, que caíta de pobres faó, d iz Saó Bernar­
do , os que naó querem, que lhes falte cou-
ía n e n h u a , e alborotaõ a cafa, quando naó
fic aó inteiramente providos de tu d o ? iíTohe
quererá honrada p o b re za , c a commodidade
das riquezas* e de húa riqueza tal,que muitas
vezes le naó acha no f e c u l o , onde ainda aos
mais ricos lhes faltaó naõ poucas vezes mui­
tas co u fa s , q u e e lle s j u l g a ó ncceflarias para
o leu eltado. S o b r e t u d o terás occafiaóde
e x e rc ita r e íta pobreza no tem p o da doença*
na qual fó o r e d io , que te caufar o teu mal*
bailara para te perfuadircs,quc te naõ acode
o M o f t c i r o com o que necefiitas, e que fc
e fqu ccem de ti nsO fficiaes,e tal v e z iflo naó
h e verdad e, mas tu es quem fe efquece dc
que es húa p o b re R e lig i o fa , que foi chama*
da á R e l i g i ã o , para aprender a morrer pof
C h r i i l o , c naó para fer bem tratada por feu
amor.
E f l e s faó os tres graos da pobreza dc cf*
p i r i t o , que devem apparccer no e x t e r i o r *
mas naõ feraó perfeitos, (c n a ó f o r e m anima­
dos por outros tres a& o s interiores, quecon-
f fiílctn
Liçao, 425
9
íiltem em aceitar as o c ca íío é s d c ex e rc ita r
a pobreza co m alegria, c o m de graças 9
c com admiraçao. S c a p o b re za , q u e prati­
camos, naõ he h ú a m e n d ig u e z m ife ravcl,
mas hüa virtu de taõ e x c c l l a ,* c o m o te m o s .
inoílrado, e hum adio d c R e l i g i a õ , p o r ra-
Zaõ do v o t o , bem m o ílr a q uem a e x e rc ita
por fo r ç ã ,q u e naõ co n h e ce a fua cftim a ç a ô .
Os verdadeiros pobres d c efpirito quereri-
aõ, fe foíTe poílivel, cíla r no m u n d o , c o m o
crtá húa bola fobre hum plan o, to c á n d o o f ó
cm hum ponto > nem fe pode im aginar, que
fc hajaó de cn triílccer, v e n d o fe d e fp o ja d o s .
oaquillo, que elles julgaõ lhes ferve d e i m -
redimento, para fe g u ire m , e fe unirem c o m
® [cu R e d e m p to r. A n te s neftas o c c a fio é s
20 guitas g raças a D e o s d o in tim o d o c o -
,a.Ça° d co s admittir á participaçaõ d c h ú a
virtude taõ amada de J E S U C h r i f t o , c o m o
f a anta.pobreza,a q u a lfe m p re o a c o m p a -
nh°U^ d Cluc Pr*n c *P*0U a vida na L a p i -
J L c ~ cfeiB,até que a acabou n o C a l v a r i o :
dit» j s Parccc> S u c faõ elevados a h ú a
adi!!' j frperior a to d o o c r e a d o , e ficaõ
do fen Q^iCie **c vcrcm vertidos c o m a lib r e
Rnos * lcndofc p o r totalm en te indi-
0 a trazerem.
um grande exemplo defta verdade,ede-
- - - - - - - - íVrs
426 Q uinto d ia y \
ífccs affcéfcos, taó pouco conh ecidos pello:
mundanos., nos dco Santa Ifa b c l, filha dc
A n d r é R e i d c H u n g r i a , e cípofa do Land-
g rave de T u r in g ia . F i c o u viu v a na idade
d c perto de vinte annos, c apenas lhe mor*
rco o marido , quando fe fu b le v o u o Po­
v o contra ella, e foi lançada co m rubor fo­
ra do P u la cio , e ainda de todos os feus E-
í t a d o s , e lhe foi prccifo f u g i r d c noite para
eícapar da furia dos feus vaíTallos amotina­
dos , feguíndoa fó algúas poucas criadas,
q u e levavaõ nos b r a ç o s aos filhinhos da
S a n ta , que a acompanharaõ na fua pobre­
za, e d c íle rr o . N c l l c cílad o pois, dcfpreW-
d a d o s feus parentes, defamparada dos Icus
criados, e efcarnccida dos mcfmos pobres, a
q u e m tinha fu d en tad o c o m canta caridade,
e m quanto du rou a fua grandeza, chegou,
p o r grande favor, a fc hofpedar em húa ca-
v a lh e r iç a , co m a incerteza, fe ainda alli havi*
aó de acabar, e ter fim os feus defamparo?,
c d e í g r a ç a s . M as defam paros, c dcfgraça»
feriaô para quem naõ tinha a fé dc Santa I*
fabcl : porque ella, achandofc no cílado,quc
referimos, fc banhou de h ú a fanta alegra»
pafmada dc haver ch eg a d o a húa tal feme-
íh ança com a vida de C h r i í l o cá na terra,c
d e fe ver taó rica no acatamento D iv in o *
Lição. 427
para correfponder a hum favor taõ grande,
naõ confiando no proprio agradecim ento,
bufcou ajuda para dar a D e o s as g r a ç a s ,q u e
cila julgava naõ podia ló dar fufficicntesj
f d l o que, indo a húa Ig re ja de Saó F ran -
ciico, pedio humildemente áquclles Sarto s
Religjofos, que cantafiem todos o Deuin
no C o ro , em acçaó dc graças ao Senhor por
tanto bem, que delífc recebia. C r iv e i h e,qu e
os Anjos rclpondeíTcm cm o u tro c o r o a ef-
ias vozes,c afteótos, q u e ,q u a n to faó co n trá­
rios á cftim a ça õ , que fazem da íanta p o b r e ­
za os homens carnaes, tanto deviaó ler fa­
miliares ás Pcfloas R e lig io fa s , q u e , havendo
promettido a D e o s co m v o to eftc d cfpcgo
dos bens temporaes, o deviaó praticar na
mefma form a ,q u e a San ta.cm h o n ra d a q u e l-
lc Divino M c f t r e , que c o m e ç o u a dar e x e m ­
plo de pobreza, nafeendo cm húa pobre la-
pinha, e que dco principio ao feu p rim eiro
icrmaò no m onte c o m a p o b re za , appelli-
dando bemaventurados aos pobres v o lu n tá­
rios : B ta ti pauperes fp iritu . M«rt;
í . 3.
Sexto dia,

L IÇ A Õ ES P I R I T U A L »
Para o fe x to dia dos E x e r c íc io s .

SOBRE 4 V IR T V V E 7) A
Obediencta.
U i t o h c , que havendo fido deftru-
M ido o mundo pella defobedienciade
A d a õ , e retlaurado pella obediência de JE-
S U C h r i f t o , fe ache no mundo quem naóe* .
íle ja aind.i bem perluadido d o grande md,
q u c c o m í l g o traz o fegu ir a própria vonta­
de*, e do grande b e m , q u e f e co n fegue ema
fujeitar. M as que feria, fe fe achaue efta ig#
n orancia, naó tó nos Seculares , mas tara*
bem nos R c l i g i o f o s , quc tem p r o m e t t i d o a
D e o s c o m v o to fo le m n c efla f u j e i ç a õ ?
ra tirar h ú a tal d e fo rd e m , ferá muito im*
portanre a prefente L i ç a ó fobre a Obedien*
cia, fe delia aprenderesaexcellcnciadcllavir*
t u d e , e o modo dc a exercitar.
H e pois a O b e d ie n c ia húa virtude moral»
pella qual fc inclina a nofla vontade a execu­
tar o que fc manda, por iíTo mefmo porque
fe manda. H e proprio de todas as flores 0
yirárcmfc para o Sol, e o abrírcmfc para re-
cc-
, tL i ç a o 429
ccber o ccicftial calor,que lhes dá a vida •,mas
entre todas, nenhúa fe vira para o Sol c o m
tanta conftancin, c o m o a flor g ig a n te ,a qual
onaõ perde de v i f t a , em quanto rclplandc-
ccno C e o aquçlle Planeta. E tam bem ro­
das as virtudes profelTaõ lua dcp cn d cn ciad a
vontade do S e n h o r , c e x c c u ta õ fielmente o
que hc do D iv in o agrado j c o m mais clp c -
cinlidadc porém fc v o lta a obedicncia para o
foi do D iv in o querer, pois nos faz p ro m p to s
para executar tudo quanto o Senhor quer
de nós, por ifto m e f m o , porque elle n o l o
manda> ou porque nolo mandaó os S u p e ri­
ores, que cftaõ no leu lu g a r , e delle t c m a u r
thoridade. H a pois duas cfpecics d c O b e ­
diência* húa natural, c p o l í t ic a , que fc pra­
tica, quando fc obedece ao Superior, c o m o
a homem., aííina c o m o a filha obedece á fu*
tnaí, o dilcipulo a feu m cftre, o criado a feu
amo, c o vafiallo a ícu príncipe. A outra hc
cfpiritual, c religiofa , q u e tem a D c o s por
feu fim» porque por cila fe obedece á v o n ­
tade do Superior, p o r obedecer ultim ada-
mente d dc D c o s , cu jo M i n i l h o h c, c c m
cujo lugar cílá, o Superior. D e fta ultirr.a
çfpccie dc obediência h c , que fc entendem
aqucllas amorofas palavras, pellas quacs de­
clarou Chriílo no feu E v a n g e lh o , que p u -
b lir
430 Sexto J id i
b iicava os feus oráculos por b o ca dos fciií
M iniítros, c quc fentiria, c o m o p ro p rio s,o í
ro.ié. n g g r a v o s , que a elles fc fizcíTcm : §)ui vos
Loc.

audit,me a u d it,& qui vos fpcrnit, me fpernit.


H c tambem a obediencia, na opiniaó dc
Santo A g o í l in h o , e dc Saô G r c g o r i o , Maí
dc todas as virtudes » porque, c o m o obferva
i . i . q . Santo T h o m a s , ella hc o fn ei o , co m que to­
Í4O H.
j.ad das fe ad q u ire m , e c o n f e r v a ó , aííim como a
x. caridade hc o fim dc todas. Q u e m poíTue
e lla v ir tu d e , naõ olha para o S u p e r i o r , co ­
m o para h om em , mas reconhece nelleaPef-
fna dc J E S U C hrifto» e xe rcitan d o no meí-
m o a & o da O b e d iê n c ia cm parte a F é,co n t
q u e reconhece a D iv in a vontade j cm
a E f p e r a n ç i , confiando, que p o r c ftc cami­
nho he g o vern ad o por efpecial providencia)
e em parte a C aridade, amando o D ivin o be­
neplácito mais, que qualquer outra inclina-
ç i õ , ou affetto proprio. Em húa palavra*
aflim c^mo as Esferas C ele ftes, quanroma»5
altas faõ, tanto menos tem de proprio mo­
v im e n t o , c tanto mais fc deixaó governar
pello impero do primeiro movei» aífim a*
almas fnuras.' quanto mais fantas fa ô , e 0,3,5
levantadas fohre a terra das paixoés huma­
nas, c da natureza, ranto menos tem de pró­
p ria v o n ta d e , e tanto mais fc deixaó ^cvar!
t Liçao. 431
por rocio da obediência, pello i m p c t o d o f c u
primeiro m o v c l, que he a vontade de D e o s .
Accrefccntandofe p o rém a ella virtu d e taõ
nobre, c taó perfeita o v o t o , que fazem os
Religiofos, quem poderá exp licar quanto
crefee a iua e llim açaó ? A l g u n s entendem ,
que as pedras prcciofas naó faó outra c o u fa ,
fcnaõ o fu c c o dos metaes cn d u re c id o j c c m
particular, que o diamante hc o fu c c o , que
diflilla do ouro. Q u e fo rm o fo diamante p o -
**» fcrá a obediência, que fe te m p r o m e t tid o
1 f^eos com v o to folcm ne? pois e ftc ao o u ­
ro dc todas as virtudes accrcfcenta a firm e-
**da immobilidade, pella pro m etia, que fa z
só Senhor! D e forte, que aindaque os R c -
«giofos promettem tambem a D e o s co ra
'.oto a P o b r e z a , c a C a í t i d a d e , to d a v ia cc+
ocm muito ellas duas pedras prcciofas no va-
°r ao do voto da O b e d ie n c ia , c o m o tam -
cn? obfervou San to T h o m a s ; c iflo p o r «
muitas razoes, mas elpecialm ente p o r c i l a , ,
Porque pello v o to da o bediencia oflfcrccc o
°mem muito mais a D e o s d o q pcllos o u tro s
°usj pois pella P o b reza o ff c r c c c a fazenda;
C a ílid a d c j mas pella O b c *
fua aí* c c c a ^u a v o n l a d e , o feu j u i z o ,e a
J,Cj c ^ c P °r co n fe g u in tc tu d o qur.nto

' M E f-
43 * Sexto d ia ,
M E IO S ? A R A ALCANQAR Â
Virtude da Obediencia.
H M H - ' P r i m e i r o j a fc f a b c , ha de fer o pc*
O dir a D e o s ,c o m grande inftancia,e*
fttu fta fu prema v ir tu d e : D oce me facere volun4
14*.
xo. tatem t uam, quia D eus meus ei tu , dizia 0
Santo R e i D a v i d j c o m o fe diíTeíTc: vós,Se­
n h o r , por voíía infinita p e r f e iç ã o , tendes
fob re o meu querer h u a razaõ infinita, pari
cu haver dc fegu ir em tu d o , c p o r tudo 0
v o f l o D i v in o beneplácito* porque vos
veis o meu entendim ento, e affciçoaisa nu-
nha vo n tad e , para conhecer, e depender cm
t u d o do v o flo agrado. E defta mcfma üf [ c
has tu dc fallar ao Senhor c o m grande confi­
ança, lem b rand olh e, alem difíb, que,quando
Ihcpcdircs, que te faça a tua vontade, tc nao
defpachc a p e t i ç a õ , m a s ló lhe ponha favorá­
v e l defpacho.quando lhe pcdircs,que fc cum­
p r a o feu D iv in o querer* porque finalmen­
te a ifto te o b rig a o fer de D e o s , e o teu pr°^
p rio fer* ifto hc, o fer o Senhor por
ra ti a affluencia d e todos os bens ; P ofífi*fis
doce me facere voluntatem tuaar, f u ié JJ**
meus es tu. E f e J E S U C h r i f t o , co m o reve-
i o u M A R I A S m i f l i m a a húa devota
S Liçao. 433 -

fuã^nrtorteo com hum am or cfpecial para


Com os obedientes, e que co m o mefmo a f-
fe&o fingular offerece por clles a ieu E ce r-
no Padre lá no C e o a fua Paixaõ, bem podes
crer facilmente, que te naó negará finalmen»
tea co n fc c u ç a ô deíla v ir tu d e , d c que fem*
pre fez tanta eílimaÇaó.
• O fegundo meio he,perfuadíreste firme*
incnce, que, para te chegares a D e o s , naó ba
caminho m e l h o r , quc a obediencia. T r e s
condiçoes le podem dezejar tenha h u m ca*\
minhoi quc ieja faeil, fcguro, e breve > para-
quc, indo por atalho, fe c h e g u e c o m mais
brevidade ao term o d e z e ja d o ; c todas cilas
condiçoés fe achaó m aravilhofam cntc n z
obediencia.
Em primeiro lu g ar, ella he h u m c a m i n h o • -
.fe/, para chegar a D e o s , e para adquirir
hna grande p e r f e iç ã o : Vtinam attendijfestí*u
**ndata m ta, fafta fuijfet^ ficut flu n e n % pax 4 '
il!3) diz o Senhor p o r Ilaias. A alma, q u c
*?ma a obediencia p o r guia, g o z a de h ü a paz
fecrabundante, c o m o a co rrente de h u m
,4° caudalofo, que naó f c c c a e m tem p o al*
8um do anno. E a razaó h e , porque c o m a
jcnfidcraçaõ dc que D e o s tem fallado pella
0c* dos Superiores, c quc por m eio delles
I teu* p o ft0 Cj p e f i a d o , c m tal o c c u p a -
£ç S*5i
43 4 Sexto dia ,
ç a ó , e em tal^perigo, fc cn ch c d c h ú a ineri-i
v cl Fortalezai para naó rcm cr, c para fc per-
fuadir, que O c o s a ha d c ajudar, e trocar os
perigos c m fegurança. P e llo contrario, on-
0 n , °-h a obediencia, tu d ô hc inquietação^
i . A ' r^ ° c o n í u f a õ ^ e tu d o te rro r: Confundetur
Ijrael m voíuntate fu a . Jon as, quando def-
obcdienrr,naõ achou fegu rança cm húa hao
bem poílantcj c o m efm o, r c fò lu to ja a c u m -
prir c o m a o b e d i e n c i a , achou tanta quieta-
c a o no ventre d c húa baleia, que compoz
dentro delia hum C â n t i c o d c louvores to
ocnnor. H e c e rto , que a fclicidadedos Bem-
aventurados to d a c í l á pofta na vontade de
•Ueosj c aílim naõ pode deixar de coníilbr
ia- n a m £fma vontade a felicidade dos Viado-
me. 4. rcs* B eat\fanus, Ifrael, quia , qtta D t o pb*
re#/, maniftifta funt nobts. T od as as couía*
, cltao.bem no feu lugar*e le n d o o p ro p rio lu*
g a i da vontade crcada deb aixo da v o n t a d e
d c D e o s , c o cítar fujeita ao D i v i n o bene;
p l a c j t o , quando dcllc le aparta, por fenaó
querer fujeitar, f i e i c o m o h u m ofTo, c\üec-
J a deslocado, o qual, por mais fomentaç0'
es, que lhe f a ç a õ , nunca achará dcícanço9
Icnao depois d c o tornarem ao feu propr10
lu g a r , c natural junta. E íta confolaçaó, f
o í t a p a z f c exp e rim e n ta mais que n u n ca o
’ hora
L i f a o J . 43 í
hora da morte, cm que os verdadeiros obc^
dientes c o m c ç a ó a g o z a r dc h u a parte da-
qucllc grande bem , que lhes cfpera porprtí-
mio*,c aflim co m o os ventos mais f re fc o s fa ô . •
final para o s navegantes dc c fta rena perto de
terra, aflim a frefcura* que manda o S en h o r
*osobedientes naquclla n o r a , he para clles
hum grande final de cílarem pro p in qu o s ao
Ceo. H u m M o n g e C ifte rcicn fe* chamado
Gerardo, eltando vizin h o ;í m orte, c f t e v e * ^
tres dias fora dos fe n tid o s,e to rn an d o em fi, pôft
exclamou: O h que grande tíoüfa he a 'obe* wc « 4
diencia! Eu foi apprcfentado no T r i b u n a l
pivino, c mtí anoltroU o Senhor as nlmas
hemsvcnturàdas dos notfbs R c l i g i o í o s , c e n ­
tre cilas tambem hum lugar p«ra m i m , a c -
^fccntando,Tque quem aitiar dc c o r a ç a ó *
Gbcdicncia, c a fua R e lig ia ô ) naó fe ha d c
Perder. ' * • m
A’ facilidade deíle cam in h o fe a jü n ta a f e *
f r a n ç a dclle. t H u m verdadeiro obedicrttC
®a° tem que dar ednta a D e o s de o u r r a c o il-
Venaó dc húa í ó , ifto he, fc e x e c u t o u corti
p^tualidadc quanto lhe foi mandado*a
. hc que fe reduz tò d o o feu e x a m e , e t o -
j> °Q íl PfocefToj á viftr. d o que p r o i o m r
r ^ S a ô Jcro n ym o heíla e x c l a m o ç a ó : O h
t tumma da o b e d iê n c ia , com que fc
Ee z con-
4 •I
43 ^ Sexto dia,
f e g u e , que apenas pode p c c c a r o homem í
O fumma libertas, qua obtentá, v ix bomopo) -
f i t peccare ! Q u c cuidais v ó s , pergunta Saó
Joan C l i m a c o , quc he a obediencia na Re»
h g ia õ ? e refpondc, quc he h ú a defenfa, e
h u a defeulpa para o dia d o J u i z o : porque
fc lá te perguntarem , porque naõ tivcftema-
is tem po dc o r a ç a ó ; porque naó fizefte pe­
nitencias mais alperas j p o rqu e naõ repetifte
a confifláõ g e r a l , para m elh or ce aíTegurar;
p o r q u e c h e g a ftc tantas vezes á S a g ra d a Com-
m u n h a õ ? e outras perguntas femelhames,
que fc tc fizerem, fc lhes poderes dar em re­
porta, que aílim to ordenou o Superior, naõ
f c paflará adiante n o teu procedo* c quando
o Santo J o b naõ efperava poder dar rcpoíta
5
.°*. 2 h ú a í ó pergunta do Senhor entre i n i l : ^ 1*
poterit ei refpondere unum pro tnille j húa al­
m a obediente rcfpontfcrá cabalm ente a mil
perguntas c o m eíta fó palavra: F i z oqucmt
mandaraô os mtus Superiores ; c com cita pa#
Javra ló confcguira a vi& oria. Semelhante
fegu rança naõ podem ter lá os fceulares, *•
indaque lejaó pios* porque difficultofamcn-
t c poderáõ rcgularfc c m todas as fuas obra*
pella obediencia; e o m efm o D ire & o r , qüô
querem que os encaminhe, foi.elcolhidopo*
c J lc s ,c n a õ lhes fo i dado imracdiatamcnj®
pcllo
I r Liçao. 437
fello Sen hor, aílim c o m o dá o Su perior aos
Religiofos.
O s Pilotos antigos, porque naó tinhaô A -
gulha, nem Carta dc m a r c a r ,c a m in h a v a õ ío
dc dia, terra: terra, temendo cngolfarle no
alto mar-, mas os Piloto s de ngora andaõ tan-.
to de d i a , ;co m o de n o ite , e te en g o lfaó 110
altom arcom fegtfrança, porque fempre fabé
onde e íla õ ,e té m marcado nas fuas C artas t o ­
dos os baitfos^e portos. Semelhante ppis d i-
^erddadc has dc fuppor, quc ha entre os bons
Religiofos, c os Seculares ta m b e m b o n s .
O s fecularcs fempre haõ de ter os olhos a*
bertos para verem tantos b a ix o s , q u e fc lhes
atraveíTaô na fua v i a g e m ; mas aos R e l i g i o ­
fos batia, quc olhem para o que lhes d iz a
obediencia, c, indo co m elln, po d em c a m i ­
nhar com fegu rança no meio das maiores
trevas. Saó Simcaô E llilit a v i v i a , c o m o c m
outra parte d if lc m o s , húa vida taó e x tr a o r ­
dinária, e taó fuperior ás foi;ças da nature­
za* naquella«fúa c o lu n a , fempre em p c , q u e
os Padres do E r m o co m eçai aó a d u v id a r ,tc
Podia ni(To haver alg ú a illufaõ diabólica; c
juntos cm confulta, determinaraó aclarar a
fua duvida por e ílc caminho; mandaraó h u m
•®cnfageiro Cm nome de rodos ao San to,
ç o m ordcm,dc quc dcfcelTe l o g o da fua c o -
Ec } 6 V to*
43$ Sexto â ja ,
Iimn, c tornnfljr a fazer a vida ç p m m ô a , qu€
antes, dando in íiru c ç a ó no mcfnvo tempp
ao m en fag eiro , q u e , fc o .S a q to fe abal?íTe
l o g o para o b e d e c e r , revogafle elle mnbeiu
fa ordem, que levava, c o esfoi ça/Te de parrp
de todos a prplcguir no teor. dc vida, que
finha com eçado* porém quç^ fc,;pello con*
ira n o , elle rnoflraiTc rcpugna,nçia em obQr
ciccer, em tal cafo o Iançaííc logo* da coluna
ab a ix o , e naõ lhe permittifle eftar maistem*
p o fobre cila. F o i o menfageiro,p notificou
ao Santo a ordem dos feus Superiores, c a1*
penas fc lhe tinha intimado; quando leg®
ffclcco co m hum pé* foi porem detido, c9rcj
v,ogada a ordem , foi exortado á perfeveran-
ça.cin nome de todos os Padres. E he ran*
yo íiiVirn tudo o que fica ditto^.que no meio
d c todos os perigos da vidaefpiritgal,nMnci
íoubcvaõ achar.os Santos fcgqrança maior*
Qgc.a que fc encontra íia verdítdeira obedi*
j òcj ò
o ^ C,T1 ícm cilas prcrogatjipas a obedi**
cncia, porque cila he hijm ca m in h o , quc k*
y y para D c o s, naõ fó. o mais f a t il, c o mais
l e g u r o , mas tambem o mais breve, Compa*
f a ó os Santos a O b ed iê n cia ao rnartyrio,
p o p q p c j lc p c l l o m a r t y r i o f c c o r t a a cabcçaa?
W f f P i £clla obediência íe coi ca a cabeÇ3
, vA' Liçao. 439
Vontade própria- e efte fegundo m arty rio
vcncc na dilaçaò, o que o primeiro fe lhe a-
venrajaria no horror : Horrore qúidtm tniíi-
tts,fcd diuturnitate molcfluis. E fendo o ninr-
í y r t o c o r p o r a l o cam inho mais b re ve para
nos chegarmos a D e o s , tambcfn o hc o da
obediencia j cu jo m erecim ento parece que
realça mais, quando fazcm òsfa vontade de
Deos, que fe nos intima p ò r meio dos S u ­
periores , do que quando a c u m p r i m o s , fen-
•donos immediatamente intimada pello mef­
m o Deos. Q u e m naó daria de boa vontade
a eímola, fe J E S U C h r i f l o lha viera pedir
cm pcíToa? e eom tu d o , reconhecendo o h o ­
mem, nos pobrezinhos a pefío* do S e n h o r ,e
fofrendo as moleftias', que lhe caufaó^e fo c -
correndo com liberalidade as luas neccífida-
. » certo, que exe rcita mais a F é , a h u -
mildade, e a paciência, do que exercitaria,
C n C h rifto lhe mandafle hum A n j o ,
? u c^c mefmo viefie cm pefloa p e d i^ a cfm o -
a• ' * 0,$ 0 mefmo d ig o cu da o b e d ie n c ia ;
* neítc fentido affirmou o Santo F rei G i ) ,
0 1 c,pulo muito querido dc Saó F r a n c if c o ,
doC m3QS Cra ° ° b c d c c e r ao h o m e m , quan-
obcCJ‘\ Pcrior> Por amor de D eos, do que
d o r . ^ Cr1ÍnVmcc^iatamcntc ao m efm o C r c a -
» onde fç v è , que- aquillo m e ím o , 'q u e
Ec 4 hc
44 ° S ex to \d ia ,
h e b o m , fica fempre m clhòr, fc fe ajunfi
c o m a obediencia, aflim co m o hum licor do-
.ce, que fica cada v e z mais do ce, fe fc lança
c m hum vafo dc ouro. E alem diflo, as cou-
ias pequenas le fazem grandes pella obedi­
ência, dondç-coltumava dizer, o B eato Hen­
rique d e S u f o , que efeolheria dc m elhor gor
Ho o íer hurp vil cftro p a jo por vontade de
D e o s , do que fer hum Serafim por vontade
p ró p ria. E naõ fó as coufas pequenas fee-
íevaõ pella obediencia, masrainda as indilfe-
rentes, que em fi nem faó boas, nem más,
c o m o o c o m e r , d o r m i r , trabalhar, c diver-
xiric, e até todos os paíTbs, e movimentos,
Te fe fazem p o r o bediencia, faó dc muito
v a l o r , e í l i m a ç a õ . N o M o ft e ir o dc Santo
.O d ô n havia húa regra, que cada húrccolhcf*
l e as fuas çnigalhas, acabada a mefa, e as co-
tn cfic je outra regra m a n d a v a ,q u c ninguém
.comeíTe depois de acabada a liça ó da mela.
S u c c e d e o pois quc hum M o n g e , dcpois.de
apanhar as fuas m igalh as, c cftando paiia
m e j t e r na b o ca , o u v io o fim da L iç a ó ;íe *
v o u a s entaó na m aó, e ic foi ter com o Ah*
bade, para cm preiença de t o d o s fc a c c u í a r
da fua neg lig en cia, e d e feu id o , e m as naó ter
c o m id o a te m p o : quando heis q u e , abrin*
d o elle a m a ó , viraõ todos os prefentes, quC
44*
« migalhas fe rtnh.ó transformado e m o u -
iras tantas pedrás prectofas} 3 ueí en^ ° j - ! -
Ithor dar a entender c o m a q u e l k p r o d íg io
aos R e lig io fo s daquelle M o f t e i r o , e a to
dos, que naó ha a c ç a ó , p o r m .u da e ,nd P-
ferente, quc ieja, que, lendo regulada p e l U
obediencia, naõ alcanceJhua fumma
çaò nos olhos de D eos. O que fuppo ,
te caufará a d m ira çaô ,q u c os antigos E r e m i ­
tas, depois de haverem em pregado m u ito s
annos na folidaó, v i v e n d o , entre auftenffi-
mas penitencias, e elevada c o n t e m p l a d o »
húa vida mai$ tíUe h u m a n a ,v o lta íic m a g \
vcics ao M o f t c i t ó , para fc ^rtercu*rc
obediencia* antepondo o m erecim ento C
virtude a todos os outros excrcicios> aiüm ^
o referre Cafliáno, nas fuas C on ferências, -!•«.
hum M o n e c , chamado Joaô, h o m e m de ao- £
tidade excelleritc, que havendo v iv id ô y i n t t
annos em Confm unidadc c o m admiravc! c x -
cmplo, ic foi para o deferto, onde v jv e o o u ­
tros vinte annos,cm o r a ç a ô t a õ clcvada,qufc;
ficava muitas v e ie s e x t á t ic o , t era arrebata­
do, e levantado da terra. E c o m tu d o m o ,
havendo feito co m p a ra ç a ó entre o p r o v e i ­
to» que tirara na folidaó , c o m o q u c gran-
geara no M o f t e i r o , tornou a c f t e , a fo m e t-
u r f e á obediencia cixtrc os N o v i ç o s , c o n ­
tei-
44 ^ SeXto dia ,
jfcÍTaodo, que a ganancia, q p c deixava, lar*
g a n d o a fuaal^açontcm plaçaó, fc recompen­
sava co m grande v e n t a g e m p o r meio da hu­
m ild e fu je iç a õ aos Superiores, e quc<aflita
.cftava m uito fetisfeito com a troca. •
B ailará,a meu v e r , o que fica d itto , paí?
t e fortificar nquico no amor, a efta v i r t u d e
mas fe naó b a í l a r , neccfiario ferá fazer, cofP
a tua a lm a , o.quc fe faz c o m as equfas* qac
a r a ca ça ó ruina., que he renovarlbcs os ÍW
dam en tos. T o d a a cxcelfa fabrica pois &
-obediencia
T fjy > ’ ^ fc •cilriba
»> • em
T dous
« &•* • •f u nv dI a• *m e n t o * - *
o p rim eiro h c, o pcrfuadiYmpnos,queonor
i o verdadeiro b e m , p ro veito , c mcrecimcn*
t o confifte unicamente cm fazermos a v°n'
ta J e dc Deos.^porque, f<endo?o Senhor D#*
das virtudes, nunca pode haver aólo algul?
v i r t u o f o , Icnaó cm quanto hc agradavel*
D i v i n a vontade. O . o u t r o fundamento Wj
jq aíTçntarrnos^em que, para conhecer c •
.ypptpde D iv in a , naó ha outra regra ma>slc'
g u r a , que obeçiççcr aos Superiores em toa
,as coufas, e.m ^uc fe naó v e j * peçcadom*nl,
fcftam cn tc. E fta regra naó tem exccpÇ*
n lg ú a j c aífim^quem naó f o r totalmente»^
m i g o da fua própria alma, n a ó pode
c o u f a , que meflhor lhe e í l e j a , nem que
|)ara maior g lo ria de D e o s , que porfe to
*■Liçao. 44^
nas maós da obediência, e dcixarfe g u ia r p o r
3
< k , c o m certeza, dc que cm tal cafo obrà®
melhor, e acerta, fempre nas fuas. re fo lu ço é s.
O que íuppofto, que m o tiv o racionavel p o ­
des tu ter,para te apartar defte cam inho da •
Obedicncia, quando as mcfmas re v e la çõ e s
dç Dcos naó cc dariaõ mais fe g u ra n ça , quò
a*ordens dos teus Su p erio res? B em intei­
rada eftava defta verdade Saríta Thereía-,
pois ainda quando D e o s lhe revelava a lg ú a
nova rcío lu ça õ , que havia de e m p r e n d e r ,
nunca punha couía alg ú a em c x c c u ç a õ , fe-
nao depois dc a approvar a o b c d ie h c ía , naõ
obftante naó lhe ficar lugar de d u v id a r, que
tinhaó (ido de D c o s as re v e la çõ e s , que tive-
Q u e queres tu pois o u vir mais fobre c -
fta matéria? fc amas a D e o s , e dezejas a tua
lalvaçaó, c 6 tcú pro veito efpifritual, bafta
tc convenças a ti mcfma co m cfte ar­
gumento: T o d o o n n f i o bem confifte em
o >edcccr a D c o s : nunca o bedecem os m e-
or a D e o s ,n c n v c o m mais fegurança de que
la íí- m r t í. r\* • 1° 3 1.
von
rior<
q # ---------------- y i t v n « i / i / L U I V 11v. i A

upcriorcs ccn fiftc o noíTo maior b em .


444 Sexto dia s
ACTOS , COM $ V E SE EXER-.
i c ita a O bediettcia.

O r a t r c s a f t o s fe e x e r c i t a in teira, t

C p e r f e i t a m e n t e e í l a C e l e f t i a l virtude
O b e d i e n c i a * c f a õ , Executar , Querer, e
ju lg a r : p r o c u r a r e i e x p l i c a r t o d o s trc s cota
b r e v id a d e , c clareza.
r i i P P r *m c *r o c o m q u e fe exercita a
O b e d i e n c i a , c o n G l l c e m Exercitar c o m di*
J i g c n c i a , e p r o m p t i d a ó as o r d e n s , e aindao
•final d a v o n t a d e d o S u p e r i o r . S c t e perfua*
o i r a s v i v a m e n t e , q u e a V02 d a o b e d i ê n c i a he
b a i l a r i a c e r t a m e n t e iHo para
o e í t c r r a r e s t o d a a t a r d a n ç a , c negligencia*
^ Q u a n d o o p u l f o d e h u m m a n c e b o b arccon io
o dc hum hom em v e l h o , h c fin a l c e r t o àc
q u e ha d c m o r r e r c e d o ; e f c t u t c achas 60
t
^0| Ç*s p a r a e x e c u t a r o q u e f c t e
d o u , e u t e p r o n o f t i c o c u r t a v i d a á tu a obe*
d t f e n c i a f c a g o r a t e m o v e s c o m v a g a r , e pet*
g u i ç a , e d a q u i a p o u c o t e p o e s d c t o d o p*'
r a d n j fe h o r a a r r a í l a s a v i & i m a p a r a o h w
f i c i o , e d a q u i a p o u c o , a d e i x a s i r f o l t a , e lj-
v r e á f u a v o n ta d e * n u n c a a tu a obedienc'1
f e r á m y r r h a e f e o l h i d a , p o i s d i f l i l l a c o m t a n-
to trabalho, quanto tc c u l t a o fa z e r e s o
Liçao. 445
\t tnàndaó; nem expcrim entarás aqueilcs fa­
vores, e cffcitos admiravcis, que muitas v e ­
zes cxperimcntaó icnflvcl mente os d ilig en ­
tes. Achou hüa v e z Saó Collirribano, vindo
de húa jornada, a m uitos M o n g e s doentes
oo feu M oileiro* e, para experim entar a fua
virtude, mandou, que fc levantaílem l o g o
todos da cam a,e quc foíTem para a eira a d e ­
bulhar, c recolher o t r i g o para o p r o v im e n ­
to daquelle anno. A l g u n s mais fervo ro to s,
apenas ouvirão a v o z do S u p e r i o r , quando
pedirão os hábitos, e fc v c í l ir a õ p ro m p ta -
mente, ccftcs l o g o ficaraõ faôs: p e llo co n ­
trario , outros fc detiveraô, difcorrendo ío--
bre a ordem, e aflentaraô, q u c era im p ofli-
vei o levantaremfe,e m u ito menos tom arem
hum trabalho taõ p e la d o ,c a cltcs l e l h c s a g -
gravou a fua enferm idade,e padcccraõ m u i­
tas dores por c fp a ç o d c hum a n n o ,c m c a íti-
da fua pouca f e , e diligencia c m o b e d e -
« r . Pello q u e , naó te deixes levar da p e r*
0'Jiça, mas l o g o ,e m ouvindo o final daobeJ,
diencia, deixa lo g o tudo, aindaque te n a ó f a l -
taíTc mais, que acabar h ü a letra, q u c cftás
«crevendo. H avendo Santa F ra n c ifc a R o -
®ana interrumpido p o r tres vezes h ü a anti-
phona do O fficio , que com eçara a rezar,em
- era * fitzer co m p ro m p tid a ó o quc lhe
man-
4 4 6 Sexto dia ,
mandava ícu marido, achou depois a Anti*
phona cfcrita com letras de ouro. O demo­
nio certamente tem muita ganancia^ fe te po­
der roubar as primicias, e levar a flor da tua
obediencia.
O fegundo a fto he ô g)uereY, accompa-
nhandole a c x c c u ç a ó do que fe manda cona
o affe & o da vontade. S c obedeceres no ex­
terior da o b ra, mas co m queixa interior do
c o r a ç a õ , offerccerás a D eos hum corpo!era
a l m a , c í c r á o teu facrificio p o u c o melhor»
que o de C a i m , e ao menos naõ ferá certa-
mente femelhante ao d c A b e l , d e quemoat-
f e & o da offerta foi mais a c e it o , que a viui-
jna. E na v e rd a d e , que o execu tar com g°*
f i o as couías, que fe te mandaõ contra o teu
g e n i o , dará a co nh ecer mais, que nenbu*
c o u l a , fe es verdadeira obediente^ Quando
o balde quebrado eftá dentro do poço, na®
fe pode co n h e ce r íe c í i á ro to , ou naó, p01/
que e l i á ch eio dc agua, comofecftiveíTH10’
mas fe o puxarem acima, lo g o fc v è ,
í l á ro to , e que naó tem maó na agua. En­
quanto te mandaõ coufas c o n f o r m e s a 1 '
g o l l o , n a õ ppderás íaber d i z e r , f e tens a V1*'
tu d e da o b e d i e n c ia ; mas l o g o moíiraras
a tens, ou naõ, íè te mandarem coulas con^
tra o teu g e n i o , porque verás l o g o , f e t®
Liçao. w
por regra das tuas* obras a t u a 'v o n t a d e , o u 1
a de Deos. Mas* que feria, le a Coufa tc naõ
defagi adaflc,(enaó porque ta mandaõ fa ze r,d c A
forre,que naó t t pareceria difl'icil,fc f o f l e d e - '
terminaçaó tua,'c te parece intolerável, p o r - .
quea determinou a obediencia? E u digo^que-
pouco bem fc poderia cfperar <dc t i , ainda­
que 110 demais fizeras grandes ebufas; p o r q u e 1
a dureza da tua vontade ao menos as faria
inúteis para a gloria d e D e o s . A m elhor m a­
deira para a fabrica dc hum ed ificio feria a
dc cedro, fe naó refilliflc ao entrar dos p re-
Ros>9UC he precifo pregar nelfã para ter maõ
na obra. Mifcravcl d o teu c o r a ç a õ , fc n a õ
idniiue, e abraça as o r d e n s , que fc te d a õ , 1
c le contenta fó co m a c x e c u ç a õ d o que fc
tnànda! naõ íerá cllc apto para fabricar t c m -
v ° ao Senhor, c a tua obediencia fera p o u -
melhor, que a de hum efera vo, e naõ fei
c ^'gSque pouco m e lh o r ,q u e a d c hum c a õ
° ,eu dono. J
c u*r>mo a d o da obediencia he o Ju t^ ar,
* poi cílc fe c o m p le ta , e ap erfeiçoa o h o lo -
u ° , quando, naó (6 fe e x c c u ta ó c o m 1
, c diligencia as ordens, d c q u e m
cxccu*^ *C ° ^ C(^CCC> accrefcentando í
-i .^a o a boa vo ntade, c u m p r in d o c o m
. 5 n a» c naõ por f o r ç a , as mcfmas ordens, *
m at
4 4 $ Sexto d ià ,
mas accompanha a tudo ifto o j u i z o , j u l g i $
d o , que hc bem mandado o que fc mandou.
N o s meninos, o primeiro* .entre todos os
m e m b ro s , que c r e fc c , he a c a b e ç a * e aíÜm
fu cc e d c tambem ás vezes ás peífoas elpiri-
tuacs, que, quanto mais te m p o tem andado
pello caminho da p e rfe içã o ,ta n to maiscrcf-
c c a cftim açaó do feu proprio j u i z o , porqufi
í c perfuãdcm, que faó mais capazes para ie
governarem a f i , e notaó de p o u c o experi­
m entado, ou dc indifereto, a qucoi as nao
g u ia a feu m o d o . N a ó o faças tu aífira,an­
tes te d e v e s perfuadir, que naó tens pcof
c p n fc lh e ir o , que tu m c fm a , c q u e , pella*
tuas p a ix o é s,e s domo hum enferm o,aoqud
aproveita mais a q u i l l o , d c que menos gofta*
P o r tanto naõ deixes dc fazer holocautto in­
teiro dc ti m c f m a , offcrecendo nas aras da
obediência,naó fó as potências inferiores pa­
ra e x e cu ta r, mas tam bem as fuperiores do
e n te n d im e n to , e vontade, contencandotc, 0
ap provando , c o m o bem feito, c bein man­
d ad o tudo, quanto fc te manda. E eíle mo­
d o dc o b edecer hc aquella obediência cegh
ta ó louvada pellos Santos, a qual fc cbanr#
c e g a , naó porque naó v e j a , fc o que íc UÇ
manda he p c c c a d o , ou naó, mas porquenao
olha, fc 0 Superior hc prudcncc, ou pouco
44 $ |
7
pratico, nem fc procede c o m .clo* ò u c o n l
paixaój e fó Te lemtrta* quc o Superior e f t i
cm lugar de D eos, quc he M i n i (Iro do S e *
nhor, c tem dcllc au th o rid ad e j e que D e o s ,
por lua providencia, nos quer g uiar por m e ia-
dos homens 5 c torria por fua conta o m u d ar
cm proveito nofio * ainda os erros , que clles
daó, dandonos v i í l a , c o m o ao C e g o do E -
vangelho, por meio d o lodo* quc p a r c c c n o s fc
havia de ccgar mais. C o n c lu a m o s ella m a ­
t e m , fobre a qual ic podia dileorrer larga­
mente, com duas advertências: a prim eira
hc, que naõ hc contra a obediencia o re p re -
lentar com humildade as r a z o e s , e as diffi-
culdadcs, que fc ofFcrcccrem contra as ordens
dos Superiores5 porque finalmente clles naõ
laó Profetas, que c o n h e ç ã õ o interior do c o ­
raçaõ, nem A n j o s , quC c o n h c ç a ó tu d o crit
hum inílame, ícnaó homens, que fendo mais
bem informados da verdade* podem mudar
dc parecer. Verdade he* que antes d c p r o ­
p o s t a nccefiario cncom m cndar m uito o ne­
gocio a D c o s ,c olhar, que o m o t iv o de p r o ­
por naó (eja fó o amor p r o p rio , c a vontade
dc condefeender com a própria fenfualida-
c> c tambem, depois dc haver p r o p o f lo as
noil.is razoes, nos devem os foflcgnr, e ficar
Jgualmcatc contentes, aindaque o Superior
Ff ' pcw
4 ?o Sexto d ia ,
per li ft a rias ordens, que tem dado. O naó
fc aquietar nclic cafo o fubdito, alem de dar
moftras d c o b ítin a ça õ da vontade, c dc te­
nacidade do ju izo , dcfgolla tanto ao Senhor,
que ° com para co m o idolatra : §>uafe fccm
^US MololatriéCnollèacquiefccrc, porque em tal
calo o defobedientequer fazerfe a íi proprio
a primeira regra do o b r a r , que hc hum ti*
* t u l o , que Io a D co s c o m p e te , a quemfedci-
x a dc adorar, por idolatrar co m a delobedi-
cncia no idolo da fua própria vontade, c ju­
iz o .
A outra advertcncia h c , que o attrahir
c o m induílrias, c m a q u i n a s aos Superiores*
£ que nos mandem, o que cada hum q«cri
naõ hc o b c d c c c r a D c o s , nem aos Superio­
r e s , m a s querer, que clles, e D c o s - n o s obe-
c c ç a ó : e muitas vezes tem tido e x i t o iníc-
b ciílim o cíTc m odo J e obediencia palliada^
efTas licenças alcançadas por violência. N aS
op.í! C h r o n i c a s da O r d e m d c S a õ Domingos,quc
c í c r c v e o o Padre Fr. Fernando dcl CaUilb^»
fc c o n t a de hum R c l i g i o f o , que f.izcndogri,í#
d e Fruto nas almas c o m os fe u s S e r m õ e s , c dan­
d o a todos e x e m p lo de húa virtude lingu-
la r ,c o m e ç o u a pedir l i c e n ç a para fâzcralgú,s
v i f i r a s c o m titu lo d c caridade, e de conio*
laçaó du proximo, O s Superiores pore^r
juiz
Liçaè; : : i 45 *
julgando as taes vilitas por fupcrfluns, lhe
5
negara a lice n ça , que pediri; mas elle, nan-
dofe mais cm fi m etm o, do que na p ru d ê n ­
cia dcllcs, procurou co n fcg u ir a tal l«cenÇa
do S uni roo P o n t íf ic e , c o m o c o m c f f c u o
confcguio, aindaque para ieu mal, pois ie
crcfccraõ, co m o á formiga* as azas c o m e %
maior liberdade, cm p r e ju íz o fe u : porque
dali a pouco lhe fu cccderaó muitas d e ig ra-
ças, e vindo cm húa o ccafiaõ de c e it a vi x
ta,adoccco m ortalm ente, e fc foi para a o u ­
tra vida antes,que ch cg ailcm alguns R c l i g i -
ofos, que fc tinhaô mandado b u íc a r , c o m
linacs de naò fó eílar defamparado dos no*.
mcns,mas tambem de D eos. A s tuas inltan-
cias pois, fó fc haõ dc encaminhar a c o n n c -
cer melhor a vontade d o S e n h o r , c em a ha-
venaoconhecido * o perfiftir os Superiores na
fua primeira determ inaçaõ naõ te deve
fenaõ para luftentar a tua alma c o m eíla D i ­
vina vontade,interpretada pella o b c d ie n c ia j
c efie luftento tc conlcrvará a vida cfp iritu -
*1 da alma; tc co rro b o rará as fo rça s; t e c a u -
lará gmnde g o l t o , c te fará c re fc c r na v i r t u ­
de: Meus eibiis e ft, ut faciarn ‘voluntateni t* Toaã3
qui mifit me. s. m

F f i t l
45' i Septim o d ia ,

l i ç a õ e s p i r i t u a l ,

Para o feptim o dia dos E x e r c i d o s .


S O B R E A V 1 R T 0 D E D A R E -

lig ta õ .
P O d c f e dizer, que ainda nos anime»
M.achao os homens algum railo ide to*
5
Vi rtHdes n,orae , exce p ta a fubiira:
doi^ Sd ' A o p e r g u iç o f o rnan-
t de“ n mS° a 0rmi& 1> Para delia apren-
I T for * J 'l'g ™Cl3' 0 a providencia: V Á : d
iZ ' p ‘gcr ■
' c ds mcfm* forre collu-
a mandar a todos os homens,para apren­
derem , a fortaleza, dos leoés; a juítiça,
bclh asj a caltidade, das rolasj o agradeci-
r a n ’ . a S elcfantcs3a fidelidade, dos caésj
c a piedade para co m os p ais,das cigonM’ -
m ordem p o rém a venerarem o leu pn*
o o pi inc,pi0? naó pe podem mandarosho"
niens a outra c l c o l a , fenaõ á dos Efpirirof
Drmaventuradus, q Ue jámais ceíTaó dco ve-
-Apot n e i a r : h.t requiem non habebar.t, die. ac as-
* fte, dtcéutia : Sanltus, Ja» *?» /, San(lusjP«"
q u c cm nada do quc h c inferior ao hoivca
le ach a, nem ainda fom bra, delia vinuJc,
lubhine h c, c o m o ifib : o que lupp0^0’
3 (ci:
, ' Liçao. 453
fcrtehá fem duvida m u ito agra lavei o fabc-
rcs a theorica , c a pratica deíla v irtu d e ,
que aqui explicaremos nefta liçaõ.
H c pois a R c l ig i a ò h ú a v i r t u d e , que le ­
va a ventagem a todas as virtudes moraesj.
e conduz ao homem a dar a D co s o c u l t o ,
que lhe hc d e v id o , por raiaõ da lua íu m m a
excellencia, e fupremo dom inio fobre todas
as coufas. D izfe, que leva a ventagem a r o ­
das as outras virtudes moraes, porque o feu
o b jc ô o hc o mais nobre, que po d e haver,
abaixo de ü e o s , na terra, c vem a fer o feu
Divino culto* e contafe tambem cila entre
as virtudes moraes, p o f t o , que feja taõ n o ­
bre* porque he húa certa elpccic dc j u í l i ç a ,
que faz a Deos a noíTa vontade, reconhecen­
do, por húa parte, a fua grandeza, e fuperi-
otidade, c por o u tr a , a noíTa fu je içaô , c dc-
pendcncia. C o m o p o rém naõ pode ch e g a r
a Pa&ir inteiramente ao Senhor o que lhe de­
vemos, por i(To naõ pode chegar á nature­
za de húa rigorofa j u í l i ç a , mas lom ente le
mc pode avifinhar, e imitalla: mas naõ o b -
ftante o naõ poder cila dar ao Senhor hum
53 .uivalc.nte noíTa divida, hc c o m tudo
1 0 mcfmo hum grande realce defta v i r t u d e ,
r ° ' s cm?rcnde honrar c á na terra a q u cllc
g aiUeScr, que nem ainda no C e o fc F ° d e
Ff 3 baftan-
454 Septim odia ,
baitanremente v e n e ra r : nefte cu lto empre»
ga a virtude da R e lig iã o a rodas as mais vir­
tudes juntas co m a ca/idade*, com cfta dft-
fe ren ça. que a caridade rcfeie todas as vir­
tudes a D e o s , co m o hum bem dc Deos,que
faój e a R e l i g i a ó refere as mefmas v ir t u d e s ,
c o m o c o u fa , que he devida a D e o s , e c o m o
h u m direito, que pertence á fua infinita gran­
deza, e á noflá fubmiflàp. Finaltr enteá
ligiaõ pertence o dirigir todas as noíTas o-
bras, tanto interiores, c o m o exteriores, *
honra dc D eos* c aíTim a fua esfera naõ pede
fer m aior, nem mais dilatada. S i r v a o que
fica d itto , o que tal v e z naó perceber ias»PaJ
ra tc fazer co n ce b e r hún g ran d e efti®aÇaQ
defta v ir t u d e , que tambem dá o nome 20
K fta d o , cm que te achas de Rcligiofa» 5 :C
o b r ig a a cxcrcitalla com mais perfeiça0*

M E I O S R A R A C O N S E G U IR A
Virtude da Religião.
Prim eiro M e ftr c defla infig0^ 'j*
O tude foi J E S U C h r if t o , o
m efm o in íh n rc , cm que foi conce^ V uIo
co u o V e n tr e da Santiflima V irg em cm .
T e m p l o , que déííe a D e o s , por hum m
frança uUdo, taó grande cu ito , coino ^
t Liçao. 455-
recia a D i v in a E x c e l l c n c i a , e f a t i s f i z e f l e c o m
abundancia por quanto tinliaó fa ltad o ,c ha-
viaó dc faltar os homens nefta parte á f u a o -
brigaçaõ. V o lta te p o is , a efte S e n h o r , c á
íuaSantnltma M a í ,q u c taõ bem o im ito u nc-.
fta for mofa v i r t u d e , e pedclhes c o m inftan-
cia, que ajudem a tua p o b r e za , e fraqueza,e
tc dilponhaó para exercitar c o m p erfeiçaô
tudo quanto pertence ao C u l t o D iv iu o .
E porque a R c l i g i a ó toma a feu cargo o
empregar ao homem to d o ncfte c u l t o para
com o Senhor, os outros dous m eios, para
aco n feg u ir, que apontaremos a q u i, fe diri­
girão principalmente a inftruir nos m o tivo s
dctla virtude as noflas potências fuperiores,
entendimento, e vontade, paraque, movidas
cilas,poílaõ depois m over facilm ente as p o ­
tências inferiores.
A primeira roda pois defta efpiritual ma-
na, hc conceber no nofto entendim ento
um altiflimo a p re ç o da grandeza dc D c o s )
Porque, fc a qualquer grao dc cx c c llc n c ia , c
upenoridade fc deve hum grao de honra,
■E* a V ,c na° deverá á E x c d l c n c i a infi-
rc 1 r° Senhor ? P o fiu c D c o s na fira naru-
vci*. !,mP ,c *^*nia todas as p e r fe iç o é s poíli-
diftan ° ’ havendo entre D e o s , e nós húa
Cl*imtucnfa, he precifo, que íeja fem
Ff 4 igual
Septtmo dia,
igual a nòfla fubmiflaó para com Deos. E f
l t á o Senhor por fua immcníidade em todo
o lugar* c fe, quando na* C o r t e le ouve di*
fcer, ahi vai el R e i , rodos fe humilhaps que
h u m ilh ação ferá proporcionada á immenfi*
dade do noíTo D e o s ? T e m c f t a d o o Senhor,
e eltará em todos os t e m p o s * e fc a nobre»
entre os homens he tanto mais rcfpeitavel
auanto mais a n t ig a , com que rcfpeito nao
devem os nós venerar n D iv in a Eternidade.
Sab e o Senhor rodas as verdades, c combua
\6 v iíla c o m p re h e n d rc m ft m elm o todas as
fcicncias* c fe hum E ílu d a n t c fc porra com
tanta veneraçaó diante do feu M cftrc, que
reverencia haverá jámais, que feja adequada
á noíTa ignorancia, e ao D iv in o laber, y
S e n h o r pode tu d o quanto q u e r , c naó pode
querer cou ía má* nem tem n c c e f l i d a d c d e m *
jfirumentos, nem dc ajuda,nem de conlelno*
nem dc materiacs, porque para t u d o h a i y ,0
a fua palavra* que o h f c q u i o p o i s l e r á b a d a n *
te para venerar hum Poder taó fem pnedi,ôh
f e fc venera c o m tantos obfcquios a hui
rei da terra, que pode taó p o u c o , e i»° P0^
m eio dos feus vaííallos, c parfi naó p o d e na^
d a ? H c D eos infinitamente fan to 5 c fe 111
pefiba de virtu de fc venera dc t a l forteenf
pQ5,quç atç as fuas cinzas nos faó prccio
Licao. 457
que ap reço, e quc e llim a ç a õ naõ merecerá,
ccom muita mais razaó, a melma Santidade
do S u m m o b c m ? H c finalmente D e o s ,n o f-
fo Senhor, e dc todas as mais coufas* e naõ
fó nos fez do nada, mas nos c o n fe r v a e m t o - .
dos os inftantes, paraque naõ tornem os no
nofio nada; c naõ fera j u l l o , quc corrclpofl-
damos com toda a fubmifTaõ polfivcl a caufii
cnica dc todo o nofio b e m , fem quem nem
ainda pofiivcis feriamos?
Eftes motivos ponderados c o m madure*
2a, conquiftaóo nofio e n t e n d i m e n t o ,e t a m -
bem fc fenhoreiaõ facilmente da nofia v o n ta ­
de-, para porém a inclinar co m mais effica-
cia ao cxercicio defla fublime v ir t u d e , fera
de grande proveito o ponderarmos quaõ
grande bem hc a G lo r ia de D e o s , c a f u m -
toa felicidade do hom em em poder p r o m o ­
ver os interefics do feu Senhor. H c t>ojs a
Gloria D iv in a , pella qual fe manifeítnó as
perfeiçoes D ivinas ás luas c r c a t u r a s , h u m
bem, que participa do in fin ito , fendo h u m
que pertence ao mefmo D eos. A l e m
*c que, elle he o b em , que D e o s tem por fint
Clt! todas as fuas obras, attendendo nellas
F:incipalmentc a manifellar a fua bondade;
\ , que cftc he o t e r m o , a que o
penhor tem ordenado a natureza, a G r a ç a ,
Septimodia,
e a G l o r i a , ferá fem duvida muito grande a
nofla felicidade, fe formos inítrumemosdei?
fa D iv in a manifeftaçaó. Q u a n t o mais, que
cila he o unico b em , que podemos dar a De­
os, o qual, por fer cm li mefmo a enchente
d e todas as p e r f e i ç o é s , naó hc capaz de re­
ce b e r o u tro b e m , íenaó o extrinfeco da fua
honra-, pello que, deixando o Senhor na noi-
fa maó o procurar lha cflieazm cnte, quanto
h e grande a noíTa d ig n id a d e, fc lhe fazemos
o g o f t o , tanto fera m onftruofaa noíTa ingra­
tid ão , fc faltarmos ao S u p r e m o fer com l»u*
c o u í a , que elle tanto c f tim a , e que lhe hc
devida por rantos titulos, quantas faó as tu#
as p c r f e i ç o c s j c as noílas miferias.

ACTOS, COM Q V E SE
e x e r c i t a r e jta V i r t u d e .

— , --
í i , e b re ve m e n te .
f O primeiro c u lto , que dá a alma a De
he c o m o entendimento, Ca b u s meu tis,
Liçao. 4 5-9
mando hum ahiflimo conceito do Sen hor,
c o m o C r c a d o r ,c fuprem o Senhor dc todo o
inundo, e concebendo ao m eím o te m p o h ú a
viliíTima opiniaõ dc nós mefmos , c o m o d c
quem por nós fomos nada, nada te m o s,n e m
podemos, mas cm cada inflante recebemos
dc Deos, co m o por cfmola, todo o noflb fer,
e todas as opernçoés, que no m efm o ícr fe
fundaó. E íie néto he dc grande efficacia, c
0 devemos repetir muitas vezes, principal­
mente na oraçao* e cfta c o m p a r a ç a ò entre
Deos, c nós, e eftc íentimento da noíTa vile-
i j j h c muito proprio da virtude da R e l i g i ­
ão, como hüa p r o t c f l a ç a õ , que he, da E x -
ccllencia D ivin a, aindaque he tambem m u i­
to conduccntc para a virtude da humildade,
O fegundo acfco hc o cu lto , que fe dá a
Deos com o co ra ça õ , Cúltus c o r d i s p o rqu e
depois, queo entendimento tem j u l g a d o p o r
^nveniente em íu m m o grao o lujeitarfe a
e°s> e tributárlhe hum refpeito fu m m o ,
P01 fer a lua M ngeltade infiniíamentcclcva^
s t obre a nofla baixeza, aceita a vontade e f-
* u je iç a ó , e fe deleita com cila dependén-
te* F*°tertando iflo m e lm o parricularmcn-
as «p/-aS-trCS c o u ^as; ^ om ns ° f ert * 5' co m
Santa*'ríf* C Com acf a& àe graças. Q u e r ia
herda, que todas as pefloas R e l i g i r
olas
45o Septimo dia,
o ú s fc oflfereccflem todos os dias muitas ve*
2cs ao Senhor; c na verdad e, fendo por hui
parte taò grande a nofla raiferia, e por ou»
tra taó grande a bondade do Senhor, quc
canto agradece os dezejos, c o m o as obras,
leria grande negligencia o termos dcícuido
liefla parte. A c c o f t u m a te p o i s , a renovar
frequentemente os votos da tua Profiflaój
dedícate todos os dias de n o vo ao Senhor,
p ro te fta , quc queres depender inteiramente
d a fua D iv in a P r o v id e n c ia , c quc em nada
t e queres apartar da fua vontade. E c m quan­
t o as petições, claro e ü á , quc co m ellas j e
dá grande G lo r ia a D eos; porque, acodindo
ao Senhor nas noíTas neccflidadcs, naoionos
fujeicamos a*çlle, mas d a m o s a entender,que
o temos por hum mar ificxhaurivcl dc to­
dos os bens, infinitamente r i c o , para r e p e ­
tir as fuas m e r c ê s , lem padecer diminuiÇ20
nas feus thefouros; c infinitamente fiel, par*
cu m p rir as fuas promeflas. T a m b e m
grande honra a D eos fazendólhe acçao ^
g r a ç a s pcllos bencficios recebidos, pnr(:l
lhe damos aquella gloria, q u c , como tem
v i f t o ,r l l e t e m por f i m c m t o d a s as fuas ob,a^
c nos difpoem. co m efle a g r a d e c i m e n t o p
ra recebermos novos favores, quc hc °
para o noíTo.bein q u e r, c d e ze ja o ^
Ltcao. 461
D cflcstrcsnftos p o is ,d c tc o ífcrccern D c o s ,
dc lhe pedir mcrccs, c de lhe render as g r a ­
ças pcllos benefícios re ce b id o s, ha dc co n *
liar a maior parte da tua o raçaõ , fc queres*
que cila tc firva dc proveito.
O terceiro acto he o do c u l t o , que f c d á ’
a Dcos com a boca* C ulíus oris: o qual c o m -
prchcnde toda a o raçaõ vo ca l, principalm en-
íc a reza do O fticio D i v i n o . E i t e , para fer
do agrado do Senhor, c para lhe render o
devido oblcquio,ha de fer acompanhado d o s
, ° s internos, pois de outra forre fc p o d e -
ra queixar o Senhor dc n(Ss, c d iz e rn o s : P d -
f nlus btclabiis me bonorat, cor autem eorum. 15’ 9i
°ngc eft à me. N e m tu mcfma tcriasutilida-
^ algüa em empregar fom ente a lin g u a n o s
,v,.nos louvorcs,c no O flâcio D i v in o : p o r -
guc .flo feria comer o fa v o , fem p erceber %
uavidade do m el, c e m b o ta r o s dentes n *
j Crí* em *5 fuftcntar a alma c o m a ' d o ç u r a
1 evoçaõ. S e t e lembraífes, quando v a s ^
X>ro’ (Juc Vas a louvar ao S e n h o r d o C c o f
raõ* ^ r 13- Cm noiric tot*a a ' K W San ta,
tez tC a nccc^ ar*° o u tr o m o t i v o , para
C° m r°da a atte n çaó : Quoniarn re x pfl^ .
* r r * D rUS, p fa in ,)Ja p iên ttr. c
C«/:J!Uarin a<^ ° .c rc(^u z 30 c u l t o e x t e r io r ,
corporis9
- aiudaque u r o b e m cite d e v e
if
462 Septimo dia,
ir acompanhado do cu lto interior, porque
de outra forte feria offcreccr a D e o s vi&i-
m i s m o rta s, e naó vivas. N e f t c culto fí
com prchendcm as a d o r a ç o c s , o facrificio, e
o refpcito, que fc tem a todas as coufas, quí
pertencem ao Senhor.
A s a d o r a ç o é s , e hum ilhações do noíTo
c o r p o faó a&os de R e l i g i ã o , porque repre-
fentaõ a noíTa pouquidadCjC o noífo nada,e
a M ageftad e do Senhor j pello que, quando
Vaô acompanhadas co m a reverencia interi­
o r , que fe requer, trib u ta ô g r a n d e obfcquio
a D e o s . A le m de que, ja fe tem obfcrvado,
que entre todos os que acodiraõ a Chrifto
para confeguir a lg u m b e n e f ic io , a n e n h u n s
tratou o Senhor co m afpcrcza, fenaó á Ca-
nanca, e ao R e g u l o ; com efta difterença po­
ré m , que efla afpereía a rcfpeito daCanane*
foi expcriencia, e para maior realce da lua
virtude-, mas a refpeito do R e g u l o , foi cio
c a f iig o da pouca reverencia, co m que tratou
a C h r if to , pois fe n a ó poftro u , co n io faziaa
os demais ncccífitados, para adorar ao Se­
nhor, quando lhe p ro p o z a fua fupplica.
Sob re tudo p o ré m , hc nccefiario, q u e ha*'
ja hum refoeito fu m m o na aífiftcnciaao D y
vinifitmo Sacram ento no Santo S acrifica
da M ifla . H e cfta a obra mais excellcnty»
L ifa õ . 4 6 3 1
quc pode haver no C e o , e na terra, c h e c o ­
mo o centro da R e l i g i ã o , ao qual vno fina­
mente parar todos os R i t o s , c C ercm o n m s
(agradas. N e m fc pode d o e r , que <s a!U
hum mero afti (lente cm h u m nclo tao fu b -
limc, porque entras tam bem a ter parte n o
mefmo Sacrifício: pello que f e r i a coufa nor-
rorofa,fc aíIíílifTes a efic facrofanto fa e n n e to
com o entendimento d iftra h id o , e^ os olhos
divertidos, quando os A n jo s efta o trem en ­
do dc reverencia, e quando hum S a c e r d o te
lummo, qual he C h r i f t o , cftu oftcrcccndo
por nós húa v i â i m a infinita, qual hc o feu
Sacratifiimo C o r p o ,
Dèvcíe finalmente efta reverencia a todas
*scoulas, que dizem particular rcfpcito ao
Senhor*, aos lugares fagrados, que (aõ as I -
grejasj aos T e m p o s fagrados, que faó as F e ­
das-, ás Pefibas fagradas-, que faô os S ace rd o ­
te*, ás Coufos fagradas,que faô as R e líq u ia s,
K Imagens, e os V a f o s fagrados-, c (obre t u ­
do acs Sacramentos, que inftiu iio ° I!,*? ,.pq;
Redemptor, naó f ó , c o m o d iz Santo T h o -
como remedios contra o p e c c a d o , mas
eomo meios, para ap erfeiçoar aos l i e i s no
Culto D iv in o . . „
R c í l a o u ltim o ob fequ io da R e lig iã o ? que
tc chama Cultus w tu tu m > culto das virtu -
464 SeptimO âia ,
d e s , q u e e n ta õ fe e x e rc ita , quando todosoí
a& o s virtuofos fe ordcnaó para o fim, dc que
íirvaõ dc trib u to á fu prema excellcncia oa
D tv in a M ageftad e. O h que largo campo fc
d e íco b re aqui ás almas dezejofas de honrar
à f e u D e o s , qual hc o encaminhar todas as
fuas obras a e fie fim ta ó íublim e, com o he
o glorificar o Senhor na prefença das crca­
tu ra s , c fantificar o feu c x c e llo N o m e ! £
fendo, por húa parte, a intençaõ a alma das
boas o b r a s , tanto he mais heróica húa obra
b o a , quanto he melhor a in te n ça õ , com que
e ftivcr an im ad a: c por outra p a rte , naó po­
dendo haver intençaõ mais nobre, que o pro­
m o v e r a gloria do S e n h o r , ou p o r motivo
d e caridade, comei a bem do mefmo Deos,
ou por m o tiv o de R e l i g i ã o , c o m o tributo
d e v id o á primeira E ílé n c ia , e ao noíTo pri*
m eiro, e Soberano p rin c ip io ; he ccrto, Qpo
f ó por efte ficaraó elevadas as tuas acçots
a hum fingular valo r, e alta eftimaçaó, c tô
encarainharás tu a hum g r a o íu b íim e dc vir­
tude; m aionnente, fe cífa tua i n t e n ç ã o f°»
univerfal, que abrace todas as tuas operaço-
és, c juntamente a ó h ia l,c renovada com Uc*
q u c n c ia , de force, que tc poíTas gloriar
feres nefta vida hum trofeo da G lo r ia D ^ 1-
n a , eregido fom ente c m honra lua. E-nc'"
Liçao. 465-
todos os outros Santos fe diftinguio c o r p c f -
pecialidade nefte valor Saõ S im c a õ E ílilica.
Efcolheo para fua habitação húa colun a, c
cílcvc cm pé por e lp a ç o de 70. annos, len­
do nefle tem p o o ícu e m p re go principal o
louvar a D c o s, c adorallo co m tanta reve­
rencia, e taó profunda, que ch e g ava a ajun -
Ur o roílo com os proprios pés. R c f e r e T h c -
odoreto, que havendo ido co m outro c o m ­
panheiro a ver aqucllc prodígio dc fantida-
d c , o companheiro no b re ve t e m p o , que fc
detiveraô para obfervar o que o Santo fazia,
contou ntc m i l , c duzentas, e quarenta, c
quatro deflas adoraçoés p ro fu n d a s, a te q u e
canfado ja de as contar, d cíiílio da em p rcla.
Imita tu tambem ao S a n to , quanto poder a
tua fraqueza, c c o m e ç a n d o pella manhaá a
reverenciar co m humildiflimas a d o r a ç o e s a o
teu Creadov, tem d e z e j o , c i n t e n ç ã o , que
todas as tuas a c ç o é s , e fc podcíTe fer, tod os
03 teus m o vim en to s, fejaõ h u m t r ib u to d c
reverencia ao Senhor. O s C c o s , d iz o P r o - ?M:
« t a Rei, annunciaõ a G lo r ia de D e o s j e t o - n.
dos os homens deviaõ de fer C e o s animados
Por cfte cfpirito * mas m u i t o mais o deviaõ
fcr os R d i g i o f o s j e aflim c o m o as abclbns a
primeira couía, que f a z e m , quando fabricaó
a lua colmcia, hc fornvar a c c lla do feu R e i ,
a&
466 Septimo dia,
aifim o cuidado principal dc húa racional
creatura, d c v e f e r o excrciraric* com diligen­
cia nas coulas, quc refpeiraõ ao cu lto do Se­
n h o r , c á honra devida a D eos. Examinate
pois co m cuidado fobre eftes cinco pontos,
que p r o p u z : e repara, qual hc a eftimaçao,
q u c fazes da incomprehenfivcl Mageftade
dc Deos-, que agradecimento hc o teu aos
immenfos benefícios, que tc tem fcitooSc-
n h o r j qual he a confiança, e a humildade,
c o m quc recorres a elle nas tuas neccflida-
d e s j co m que g cn cro fid ad e de animo reno­
vas os teus votos, c os teus p r o p o f i t o s j c o n a
quc d c v o ç a õ , e attençaó rezas o O íficio Di*
v i n o , e as outras d e v o ç o é s j c o m quc reve­
rencia lantificas as F e l la s , cfpecialmente as
mais folemnes* co m que refpeito tc portas
nos lugares fagrados, e para c o m as pcffoas
conlagradas a D e o s 5 com que rcvercnc,a
chegas aos Sacram entos, e aíliftcs ao Sanl°
Sacrificio da M ifla j c em húa palavra, c0*
m o cumpres com a tua principalifltmaobrj-
g a ç a ó , que hc o dar^s a D eos c o m o efpirl#
t o , c co m o co rp o eíTa g l o r i a , que pede, c
lhe he devida. L e m b r a te , que naó vieíte^
in u n d o , fenaõ para nelle , co m o em bu
T e i r p l o , offerecercs á D ivin a Mageft*
eftcfa crificio de lo u v o r , c de rcconhccin1^
Liçao. 4 67
to*, para cftc fim te cem concedido D e o s a-
té agora a vidit, confcrvand otc cm todos os
inilantes delia, e dcfcndendote cm mil peri­
gos-, para cílc fim té fervem todas as crca­
turas ccicftes, c tcrrcílrcs; pello que, fe tal-
tas a eíla taó grande o b r i g a ç a ô , que taó cn-
tranhada c l t á no teu m e fm o f e r , mereces,
que te naó allumie o S o l , que te naõ lultcn-
tc mais a terra , que te naô aquente ja o f o ­
go , que tc naó guard em mais os A n jo s, c
em húa palavra, que te d e ix e m de fervir t o ­
das as creaturas: porque, q u e m da lua parte
naõ cumpre com as c o n v e n ç õ e s , naô m ere­
ce, que a outra parte lhas c u m p ra : Q u ifr a th .
git fidem, fidéi frdngatur cideítt.

LIÇAO E S P I R 1T U ALÍ L
lJara o oitavo dia dos E xerci cios.

SOBRE A C A R l V A V E 2 30
V r o x im o .

r I ^ Odas as d c f c u lp a s ,q u e a lle g a ó o s h ò -
. roens pára fc apartarem da fu a v líT i-
ou v artlar a D e o s , íe r c d u ie m a húa#
naf C ? que o naõ v e m . E d a q u i
cco, le bcnj fc reparar, a idatau ia> porque,
Gg z. ha-
4 6 8 O itavo d ia ,
havcndole perdido, depois dodiíuvio,aque!-
le fenfivel c o n h ecim en to , que haviaõ tido
os homens do C r c a d o r , co m e ça ra ó a fabri­
car hum D eos proporcionado á capacidade
dos feus fentidos* e para comprchendcrcin
o O ce a n o da D ivinidadc, o repartiraó cio
outros tantos rios, quantos eraõ osfalfosD c-
ofes, que vencravaõ em todas as panes do
mundo. Sofreo por m uito tem p o o Senhor
cita materialidade, e grofferia d o coraçao
. h u m a n o , ate que m o vid o dc compaisao,
jnos quiz contentar 5 e veílindole de carne
-humana, quiz ap p arcccr, e convcrlar com-
-Jiofco, co m o hum dc n ó s , para nos attrabir
a íi com o e xe m p lo de húa taõ admirá­
v e l condeíccnden cia; c para tirar, ate aos
noflfos mcfmos fentidos, toda a
*• dc o a m a r : P oft htec in íerris
cum hominibus convcrfattis eji.
r e z a d o co ra ç a ó hum ano! pois nem a*nu»
eíTa invençaó taõ adm iravcl, c taõ a©oro íj
b a ilo u , para de todo conquiílar os cornçoC*
dos homens ao A m o r D iv in o . Pello q
- J E S U C h r i í l o nofío Salvador, que tiniha'W
m a i o fobre li o acabar co m cila g ran° cC
p r e z a ,t o m o u a refo lu çaõ de c o n d i t u i r a ^ ^
dos os homens outros tantos rcprelentai*,^
da lua pefloa, ç ajuntar co m elles os ^cüS j .
Ltçao. 469
tercíTes,dc forte, quc fc íoubcíTe, quc quem
amava a feus proxim os pello amor de D e o s ,
amava ao mefmo D e o s , e quc a b e n e v o l e n - .
cia, que fe ufava co m o retrato, fc havia por
praticada c o m o original. D o n d e fe fe g u e ,
que ja naõ ha defeulpa para negar os homens
0 feu coraçaõ á C arid ad e D iv in a , porque
Deos ja naõ eílá. lo n g e de nós, pois fe f e z
objc&o dos nolfos (entidosj e he taõ facil o
amalio, coino he o amar hum hom em a o u ­
tro h o m e m : Quam diu feciftis uni ex bis f r a - ***'£
tribus meis minimis, tnibi feciftis. E elle he
aquelle fo g o , quc tro u x e o Salvador do C e o
á terra, e quc tanto dezeja fc a te ie , c dilate
por todo o mundo. Paraque pois elle fe a-
tcic,c fe dilate tambem no teu c o r a ç a õ , f e t c
proporáó com brevidade nella l i ç a o , i e g u n -
do 0 cílylo,que obfervam os nas anteceden­
tes, tres coulas, que vem a fer, a natureza,
°u cíTencia delta virtu d e da caridade do p r o -
ximoj os meios, c o m quc fe alcan ça, e o s a -
« o s ,co m que fc exercita. E quanto áeíTen-
cia, ou natureza do amor do p r o x i m o , p o ­
demos diilinguir tres cfpccic* dclle, cm o r-
cr^ ao noíTo p r o p o f i t o : Am or (enfível, A~
m°rvirtuofo, e amor D iv in o .
. u dmor fen fiv e ljhe húa certa bcncvolcn-
cia humana, c natural para c o m as pefloas,
Gg 1 qu c
4 7 Q O itavo dia,
que mais nos quadraõ, ou por g en io , ou por
intcreíTc,ou p o r languc, ou por familiarida-
d e j e aindaque cftc amor naó íeja em fi mao,
to d a v ia , fe crefcc dcmafiadamenre,clpecia1-
m ente em pefloas de diverfo f e x o , çaufa
grandes in q u ie ta ç õ e s , e he ordinariamente
m u ito perigofo. Cauía inquietaçaó, porque
hc acompanhado de c iu m e s , c hc co m o a a-
g u a do mar, que, quanto mais íc aquenta,
tanto mais amargola fica. H c tambem mui­
t o perigofo, porque afiim c o m o fc formarao
as im agens, ao principio por b o m fim , cm
ordem a fe confervar a memória dos mortos,
mas pafiou depois a fer abominavel o feu u-
fo , pellas adorarem co m o Ídolos* aflim tam­
bem no noflo cafo fuccedc muitas vespes,que
a aífeiçnó ícnfivel acaba em affe& o fcnfuui,
c mao. E por iflo h e neceflario muita cau­
tela para a naõ introduzir no coraçaõ,ecm a
lançar l o g o f o r a , quando fe haja introduzi­
do nclle furtivam ente: os flnacs para a co­
n h ecer í a õ : o cuidar frequentemente napcl-
foa am a d a,c o lerobrarfe delia muitas vezes,
quando cítá a u f e n r e , p r i n c i p a l m e n t e n o t e m ­
p o da oraçaõ, c dos c x c rc ic io s efpintuacsj
o fallar co m cila c o m muita ternura, fll,nrV
do a temos p r e fe n te ,fe m nos podermos de ^
pegar fü q u clU c o n v c r f a ç a ó j o darlhe
L iça o . 4 71
tis coufas, e bufear íempre occafioés dc lhe
dar mais, para confervar, c aumentar aquella
reciproca benevolência; o fentir, que o u n a s
pcíTbasfc introduzaò m uito na fua g rn ç a ,c o m
temor dc que prefira o n o vo amor ao an tigo;c
o cuítarnos tam bem , que alguem a defprcze,
imaginando, que cada palha hc húa lança,fe te
açira contra o o bjcéto amado; c outros leme-
lhantes cífeitos, que logo daó a conhecer, que
eíTa chama eftá miílurada co m m u ito fum o.
O fegundo a m o r , hc jlm or viytuofo, c
confiílc na b e n e v o l ê n c ia , qnc fc tem paia
com pcíTbas de b e m , e dotadas de v i r t u d e ; e
elle amor tambem fe pode nchar nos v icio -
fos, porque a virtude tam bem fe deixa c o ­
nhecer por aquclles, que a naõ tem,naó per­
manece porém ncllcs p o r m uito te m p o ; tam •
bem ella affciçaõ hc b o a , quando procede
da ajuda da g r a ç a , c fc encaminha a fim lo -
brcnatural, mas nem ainda ella chega a fer
a caridade, dc que falíamos.
He pois a Caridade a terceira cfpccie dc
JÍmor, verdadeiramente D iv irto ’-, porque
quem o tem propriamente naõ ama, fenao a
amando ao p r o x i m o , porque elle hc
de Dcos. D o n i c , naó te has de perfuadir,
que ha dous aflfectos de caridade, hum para
com Dcos , o u t r a p a r a c o m a s t u a s I r m a a s

Gg 4 fc‘
472 O ita v o d ia ,
fcnnó hum fó* porque,, aflirti c o m o o Pai,
que quer bem á ama dc leite, porque eíta o
dá a feu filho, na verdade fó ama a feu filho*
afiim tambem quem ama ao p r o x im o em
D e o s , c por am or de D e o s , verdadeiramen­
te ama fó a D eos por amor do mefmo Deos.
E n t r e outras maravilhas, que fe v è m no E -
g y p t o , húa hc, que os dous rios, o Inopo, c
o N i l o c r c f c e m , e m in g u aó ambos juntos
ao mefmo tem po, o que fendo affim, hc for­
ç o ío, dizer, que tem ambos a mefma origem,
aindaqne defconhecida: mas o que he certo
he, que o A m o r de D e o s , e do p ro x im o cre-
fcem ,c faltaô na alma ao m cím o tempo,por­
que dependem de hum mefmo m otivo, le
exe rcitaõ em virtude de hum mefmo habi­
t o , e f e com prchendem em h u m , e o mefmo
m an d am en to : HocmandatumbabemusaDco 9
)c. Jo. ut, qui diligit D e um , diligat & fratrem fiuutn»
«• *i* p a i o q u e , fc queres examinar a que ponto
chega o teu am or para com o Senhor, exa­
mina a qual tem chegado no teu coraçao o
am or para com as tuas Irmaás; e Ic queres
tam bem húa medida certa, c j u í t a deite, exa­
m i n a , f e o a m o r , que tens a cilas, c a todos
os mais p ro xim o s,te m citas tres condiçoes,
de' ler gratuito, confiante, e univerfal-
Para ler verdadeira a C a rid a d e , ha de
V+-
Liçao. 473
fratuita, d c f o r t e , que amemos ao p r o x im o
por amor do mefmo p r o x i m o , e naõ pello
bem, que delle temos re c e b id o , ou fe cfpe-
ra receber* porque dc outra forte, fe enten­
derá, que bufeas a ti m clm a , c naõ a D e o s ,
á crcatura, e naó ao C r e a d o r , aílim c o m o o
alambrc attrahc a fi o fu m o dc húa vela, e
r«aó a chamma. A fegunda co n d iç a ó hc a
(onjlancia. Q u e m tem caridade verdadeira,
a exercita em todo o t e m p o : O m ni tempore
diligit,qui amicus efí, diz o E f p ir ito Santo
por Salom aó: c iíTo, ou nche corrcfpondcn -
ciana pcíToa amada, ou naõ a ache* porque
sflim como D eos lempre he o m c í m o , e naõ
fc muda,aíTim tambem naõ hc fujeita a m u ­
danças a v o n ta d e , quc nellc eftriba inteira­
mente. Se tu, pois, ferves co m g o ít o a húa
enferma, quando ella d i z , que clhi fatisfeira
dc ti, c a ferves dc má vontade, quando ella
c e l i fe queixa , dás claramente a enrender,
^uca naó ferves fomente por amor de D c o f .'
**rece, que eítá enamorado do O u r o o A -
zougue,pois fendo taõ pelado, c o m o h e ,p o r
m°do, que toma azas para voar, e fc ch agar
a c>fc preciofo metal* mas fe c h e g s ó r O u r o
ao togo, o A z o u g u e l o g o larga o mefmo o u -
ro’ ^Vc tanto a m a v a , lem fofrer nem ainda
05 primeiros ardores das chammas. E do
• mef-
474 O itavo dia,
m efm o m odo acharás tambem nas R e lig i­
õ e s , quem poem toda a induítria,e cuidado
c m fervir aos que faó do feu genio 9 - mas, 1c
le levanta a lg ú a o c c a íliõ dc d eígolto, ou
defabrimento , lo g o fe desfaz cm fumo
toda efla diligencia, e indu flria, c mollra,
que eífcava fundada em natu reza, e nsõ na
g r a ç a . D e v e finalmente f e r a Caridade £•
n iv e r fa l, dc f o r t e , que abrace a rodos os
p r o x im o s , ainda aos ingratos, c oífenforçã.
E n t r e outras propriedades dos animaes re­
co n h ece P lutarço cfta do D e lfim , de que a*
ma ao hom em , c o m o a h o m e m , c naócomo
os outros animaes, que amaó ao homem,co­
m o a quem os fuílenta, c lhes faz bem, c io
fc m o (traõ a Afeiçoados áqu ellc,qu co slu ílen -
t a , e lhes faz b e m . Aquella caridade he mais
heróica, que quer bem ao p ro x im o , como
p r o x i m o , feja quem for,porque reconhece !•
g u a lm cn tc cm cada hum a I m a g ede Deos,
m

c os outros refpeitos D i v i n o s , *quc abaixo


exp licarem o s j dc forte, que aflim como a
nofla F c naõ feria F c , fc excluifle da fua
c r e n ç a a hum fó artigo , aflim a nofla Cari­
d a d e , fc cx clu ifle do feu feio a hum <ó Pr0*
x i m o , ia naõ feria Caridade. Hurn verda­
deiro C h r i f t i ó , d i z T c r t u l l i a n o , naó hc mi-
m ig o dc pefloa algua, porque, fc cumpj*
Ltçao. 47
com ft L e i dc C h r i í l o , naõ pode negar o feu
coraçaó a n e n h u m , que for hom em . P o r e-
íla medida pois conhecerás o engano daquel-
las almas, que fe julgnõ mpiro adiantadas no
Amor dc Deos, porque rezaõ muitas devo-
çoés, e fe chcgaõ com frequência aos Sacra­
m entos^ ao mefmo tempo fomenrnó largas
tvcrfo és, c as dcfafogaô a cadapaíToem ma-
os termos em p r e f e n ç a , ou ao menos c o m
mordazes detraeçoes em aufencia. A cilas
almas lhes fuccedcrá á hora da m orte, o que
fe lc nos M acchabeos fuccedco aos Ifraeli-
tas, quando voltaraô do cativeiro de B a b y -
lonia, que indo bufear o f o g o {agrado, que
ficara efeondido em hum p o ç o , naó acharaõ
fenaó hõa agua crafla,e p e g a jo fa : N on inve*
wrunt ignem, fed aquam cvajfam: e bufcan- «•
dolc no fundo do co raçaó delias almas o A -
roor dc D e o s , que naõ pode cílar feparado
do amor do p ro x im o , naõ fe achará, Icnaõ o
contrario, que vem a fer a averfaõ, e a v in ­
gança.

AtE l
4 7 6 O itavo d ia ,

M E IO S ,C O M O V E S E ALCAR-
çara a Caridade do Troximo.

P n ?iCm° S ,*£ora 3 m o ^ rar o caminho,


fc i ^5 a q
v ;:at1Udcc poH C 0
c h : g a r á a!ta per-

dooam V .-J0 difficil dc achar no mun-


cil de nr'}! ,'n0 da ^ ar’ dade, c o m o hc fa­
rá Pn a 0 am or m u n d a n o , c nacu-
húa vry C°i entre os Perfas o apagar
nn P • l a n n ° t ° d o o f o g o , que havia
b u' r ’ ° T c d lr P° r culdadofoa menfagei-
S
J aSc oÍ °g°’
R e a l, pn,-a qUC femPrC
o tornar ardiaporco-
a acccndcr no Pa>
dJr Z ' Fd,ZCS ferianios " d s , f e í e po-
f dZ^ ry 9 UC cm to d o o m undo fc apagai*
era as chammas de qualquer outro a fle r to ,
^rnaíTem a accendcr os co raço és com
a q u cü c bem arenturado f o g o , que arde fem-
* ° n C° 5 *"o r t e * 9 UC nada amaflemos,
o a e o s ,c ao p r o x im o ,p o r a m o r d e D c -
° g a pois continuamente ao Senhor,
p a n q u e ao menos no teu o r a ç a õ fc faça e-
a e x p c ieneja, com m unicandotc efle íanto
Rom J T 1 r que he tambem dom par*
1. s.' tlcular le u : Charitas D e i diftufa ejl incordi-
LifOO. 477 ■
bus uOjlfis ptY Spivitiim Sanftum tfu: datuscji
ttobis.
O Icgundo meio he, tirar todos o s i m p c c i -
mentos,quefcatraveíTaõ no teu c o r a ç . ò . p a -
nque o Senhor to enccnda to d o co m elle fogo
do C e o . T o d o s os impedimentos fe reduzem
ás nolTaspaixões) de que naícem todas as dil-
fençocs,e to d o s o sp lc ito s : Vr.de b clla *& lifes Jac.
invobis? nonne hincex coticupifccjjtiis vcflris, * u
diz o A p o lto lo Santia^10. T u lancas „ toda a
culpadatua pouca caridade á m á c o n d i ç ã o , c
aosmaos termos dc tal Irmaã; que h c o racf-
10o,que fc hum enfermo botafle a culpa,de fc
abrazar cm F e v r e i r o , ao calor d o tem po. A
verdadeira virtude ha dc citar dentro d c ti,
e naõ nos outros, dc f o r t e , que aindaque os
outros te dem o ccaliaõ para tc a k cra rcs , c
moftrem,quc aborrecem a paz, nem por iíTo
te has de alterar, mas ficar pacifica, c o m o
diz o Profeta. C u m b i s , qui oderunt pacemy\c£ 7i
tram pacificus. E efpccialmente has dc tra­
tar dc vencer a foberba, porque delia tom aó
forças todos os vicios, da ira, da i n v e j a , e d o ,
**lo indifereto, que faô contrários á carida-
d»de fraterna; pello qu e,o n d e reina a fober-
ba,naô pode reinar a p a z: Intcr fupcrbosfern-Trorí
t *7 jurgia fu n t. T i r a r á pois a humildade
lna,° r , c o unico im pedim ento da uniaô da
Cari?
4 7 8 O itavo did,
caridade fraterna* e fc efta uniaõ le alargar
alg u m tanto', a humildade a tornará a cílrei*
tar mais do que danres; porque, fe depois dc
te teres alargado algum p o u co cm offendcr
a algúa tua lr m a ã , a fores bufear tu primei­
r o , e te humilháres diante delia, c lhe pedi-
res, que te perdoe , ficará mais eftabeleci-
da a caridade, do que dantes, Cntre t i , c a tua
lr m a ã : Sola virtus eft hüm ilitatis repam
ratio charitatis. diz Saõ Bernardo. Q u a n d o
fc quebra hum oíTo,lhc manda a natureza tan­
t o fo c co rro , que, foldado bem húa vez, feri
mais facil o quebrar outra vez por outra par­
te , que por aquella, por onde quebrou pri*
meiro. E o mefmo fu c c c d e r á á u n ia ó frater­
na, que reftabeleccr a g r a ç a por meio da hu­
mildade.
Para porém acender efte f o g o , naõ bafa
tirar do lenho verde dos nofios co raço cs os
impedimentos, he ncceflario, alem diíTo, in­
troduzir nellc as d ilp o íiç o é s requifitas para-
que fe acenda. As d ifp o fiç o c s p o is , para *c
acender em ti a carid a d e, feraõ, o ponderar
b e m os m otivos defta v i r t u d e , tanto os q1^
fervem para a e x c i t a r , c o m o os que ajudao
para a exercitar. C o n fid c r a pois, muitasvc*
2es, e com madureza, em c o m o todos oste-
ps p ro xim os faõ dc D c o s , c p c r t c n c e n j ^
Liçao. 479
elle,como a (eu C r c a d o r , R e d e m p t o r ,c G l o -
rificador,e lo g o reconhece; ás a ncccflidadc,
que t e n s , de os amar a rodos. Q u e m quer
apaixonadamente a a lg ú a pelloa, quer b e m
aos feus amigos , t ilh o s , c criad o s, c <c en­
ternece fó co m olhar para o feu i c c r a t o , o u
íó com voltar os olhos para a cala, cm que
coíluma habitar. L o g o le o p r o x im o lie de
Deos por tantos p r i n c i p i o s , c o m o o naóhas
de amar ? H c 0 p r o x im o obra das D iv in a s
maõs, Imagem do A r t ífic e O m n ip o te n te , c
tilho do grande Padre C e lc ftia l. S ó o fer e l ­
le Imagem de D c o s :c devia l o g o enterne­
c e r , ainda quando cílivcflcs mais abrafada
cm colera. R e fere Saõ C y i i l l o A ic x a n d ri-
nc>i que alguns P o v o s idolatras, vendo n o
maior ardor da baralha pintadas nos cicu d o s
dos inimigos as imagens dos feus D e o f e s ,
naõ fc at.cviaõ a apontar mais contra ellesas
frechasjc poderás tu co n tin u a rem ferir c o m
a hngua,c com a ira aos teus p r o x i m o s , c o -
jno fc ncllcs naõ fcriíTcs ao teu D c o s , lc m -
hrandote, que faó húa im agem v iv a , c naõ
Fmtada, do teu E f p o f o ? O demonio re p e r-
fegue, c aborrece t a n t o , c o m o L b e s ; mas
Forquc? ferá por ventura, porque cs caufa
* lua pena? ou porque o p rc cip ita fte d o
r.as chammas eternas? h c c e r to , que
nao
p o r q u e cs hum retrato daquelle Senhor,queo
p recip itou do C e o , e o caítiga co m tantas
penas. L o g o , fe o fer im agem de D eos dá
é occafíaõ ao dem onio para te perfeguir com
tanta ò b f t in a ç a ò , porque naó ferá motivo
j u l l o para arriares a teu p r o x i m o , o fer elle
imagem de noíTo S e n h o r? c fe fó eíle titulo
bailaria para o am ares, quanto mais haven*
do para iflo tantos m o tiv o s, c o m o os queja
f ic a õ referidos?
A u g m e n ta r fe h á m uito mais a f o r ç a deite
m o t iv o , fc ponderares, que os p r o x i m o s n a ó
f ó pertencem a D e o s , co m o Creador, mas
tambem c o m o R e d e m p t o r . Q u e c o u f a mais
v i l , que húa m o l c a , fe a coníidcrarmos peb
l o q u c h c e m fi,masfc íu cced c ficar e n c e r r a d a ,
e fepultada cm am bar, he h ú a das maravj-
lh.is mais v i í t o i a s , que f c dep ofitaó em húa
g ile ria R e a l. N ió has dc olhar pnraospro*
* * * ^ ^ - c*+
m ó c o m o kimeirgidos no Sangue d c J L b u
C h r i ílo, c cnnobreci Jos pello infinito preço*

ci a 'iia u v . l i a ^ i v . u a v ^ .

C h r ilt o . Q u a n t o mais, que o Redemp*


’1
*.s Liçao. ■ 481
,5
l>r fó tem tornado a com prar os homens
todos, mas tem cedido ncllcs todo o íeu di-
rcito,quc tem a ref peito dc t i : Sufcipe One- mon.-
fimum) ficut me, r c c c b c a o teu eferavo O n e ll - *•
mo, c o m o me rcccberias a mim , aindaque
elle tc f u g i o , e t r á t o o , c o m o me tratarias a
mim, fe íoíTe á tua caía, efereveo Saó P a u lo
a Philemon. Aflim d iz tambem C h r i f t o a
todos os F i e i s : R e c e b e i , e tratai ao voíTo
proximo, co m o rccebcrieis, c trataricis á m i­
nha própria pefloa j eu cedo em cada h u m
ddlcs todo o direito, que tenho a rcfpcico
dc vós> o que me deveis a mirh, p a g á iò a c a ­
da hum defTes meus minimos fervo s, que e u
0 hei por bem pago. Eftando Saó Jo aó de
Deos lavando os pes a hum p o b re enfcrm ot
c abaixandofe para lhos b e i j a r , v i o ncllcs
húa luz do C e o , e no m efm o inllantcdefap*
parecco o pobre d c diante dos feus olhos,e
ouvio eftas fuaviftimas p a la vra s: 0 que
f i f a z ao pobre, f a z f e a mim. P re g u n to e u
agora:e deves tu algúa coufa a J E S U C h ri»
hc c e r t o , que tens contrahido húa di*
J^lda immenfa com o Senhor, ranto p c l l o f
benefícios, que tens recebido dclle, c o m o
peitos pcccadas,*quc contra elle tens c o m -
»ettid o,rep ar* p 0js b e m , que o Senhorteixl
ceJido 0 feu direito nas tu^s limaãs, c ei»
Ilh » , to2
4$ 2 Oitavo dia,
todos os teus proxim os j e aífím co m o he
grande a tua felicidade em te poder delem*
penhar por meio da caridade-aílim ferágran-
»• de a tua miferia, fe,efquecendotc de fatisfa*
zer por hum modo taó facil, quizefles íer
condenada pella D ivin a J u i t iç a a pagar pel*'
las tuas culpas, e ingratidoes com fummo
r ig o r. S e áquclle p o v o c e g o do Egypto»
p o rqu e cria que os feus D eofes defciaó do
* C e o á terra, e fe transform avaõ, ou apparc-
ciaô na figura dd certa elpecie de aves, ba­
ila va iflo , para dahi em dianre terem eferu*
p u lo de moleílar, ou matar femelhantes a*
v e s j e p o r q u e naó bailará para os Chriílaós
amarem, e acariciarem a todos os feus pro­
x i m o s, c o m o fe foíTem o mefmo C h r ií l o ,o
f a b e r e m , naõ cora incerteza fabulofa,
c o m certeza E v a n g é l i c a , que o verdadeiro
D e o s c í l á na pcíToa dc cada hum dos noíTo*
irm aõs? D aqui cm diante pois, quando fc
offececer occafíaó de fervir a algúa das cu *3
Irm aás, dirás no teu c o r a ç a õ : E u tenho *•
g o r a eíia fortuna de íervir á PcíToa de J E S y
C h r i f l o , e olha para cíTc p r o x i m o , como tc
olhaíles para o teu E f p o fo -Ccleílial, como
lá difle Jncob, quando faudou a feu irmi0
tk- E f a u : Sic v id i faciem tuam, quafi v iierim ? 1"*
ifcip, * * * D fiii olfeci para vós, co n jo fe viue **
. . ítçao. 483
toefmoDcos. E f c alg ü a v e t , p o r miferia h u ­
mana fcntircs algum dcfmaio nos trabalhos*
que tens cmprcndido pôr C aridade, valete
daquella induftria, co m que fe reftaura a v ir­
tude á pedra imàn, quando a tem perdido*
que hc cmbfulhalta p o r algum tcmpo_ ctti
purpura: envolve pois tu o teu co raçaó na
conííderaçaó do San gue,qué por todos os h o ­
mens derramou JESLJ C h r i f t o , e n á e f t im a -
çaò do oxceíTivo p r e ç o , q u e lhe elles te m
euftado, e tornarás a adquirir forças*paraoS
attrahir podòs a ti p o r m eio d c hum fanto
amor, fem jamais e x c lu ir delie a p r o x i m o
algum.
Ainda refta que dizer alg u a coufa f o b r e o
terceiro t it u lo , pello qual todos os p r o x i-
mos faõ de D e o s , c o m o G l o r i f i c a d o r , c p o c
cfte refpeito devem parecer mais que n u n -
ca amabiliíTimos. N a ó he ncccíTario* q u e
olhes para a tua Irm aã pello que ag o ra he*
cheia de im perfeições, mas pello que alg u m
dia ha de fer, cheia toda de D eos. E f t i m a ó
muito os Cortefaõs aos íilhos priroogenito$
dos Reis, ainda quando faó pequenos, e naó
abem ainda fallar b e m , e menos difcorrcr*
c t^ntepor dittofo quem de mais perto os
P°de melhor fervir*e acariciar mais, porque
fc olha para o que faó dc prefente, fc-
Hh z naô
48 4 Oitavo d ia ,
naõ para o que podem fer para o futuro, c
ara o direito, que tem , a fucceder no reino.
Ê - fe a :i tc abriíTc a fé bem os o lh o s , hc
c e r t o , que tc terias por ditrofa cm fervir, c
amar a húa alm a,q u e hc E fpofa do Senhor,
c tem direito certo dc pofluir, naõ hum rei­
n o terreno por poucos dias, mas o mefmo
R e i n o dc Deos por toda a eternidade. T o ­
do o noflo mal pois, cítá cm ju lg a r das cou­
fas, pello que íaó na apparcncia, e naõ pello
q u e faõ na realidade. A* viíla do que, como
ierá poílivel, que revolvendo no teu enten­
dimento muitas vezes cites m o t i v o s , naõ
difponhas o teu co ra ça õ , paraque dc todo
fc abrafe em caridade?
Se porém o ferem os proxim os de Deos
p o r tantos titulos, e o ferem taõ amados do
Senhor naõ bailar, para vencer a rua dureza
para com ciles, devia bailar o conhecimen­
t o do grande d a n n o , que cm os naõ amar
fazes a ti mefma. Ja acima difTe, que naõ lo
podia amar a D e o s , le fe naõ amavaó os ho­
mens juntamente com elle: e accrefcenro
a g o r a , que fc deixares de amar a hum D
p r o x im o ,n a õ he poflivel,que te am esdçvc-
1. rns a ti mefma, nem a t u a falvaçaõ.
*14. d tliçit, manei in m orte: quem naõ ama alcu
p r o x im o , citá ja m o r to nos olhos dc
Liçao. 48 5
(ÜzSaó Joaój nem fc lifongcie algucm c o m
dizer* eu obro bem-, eu tambem amo a D e ­
os*, porque iflo lhe nao ha dc v a le r , por fer I#
mentira, co m o d iz o mefmo A p o ílo lo - , St- ] o i £
quis dixerit,quoniam diligo D t u m f ê fra ticm
[uum oderity mendax eft-, porque quem nao
ama a feu irm aó, que v è c o m os olhos, c o ­
mo pode amar a D eos, a quem nunca v io .
Q ui enim non diligit fratrem fu u m , quem v b
det, Deum, quem non v id et, quomodo potejt
diligere? O certo he, que J E S U C h r i í l o
naó nos podia mandar a caridade co m ter­
mos mais expreflivos, nem mais cfficazcs,do
que o tem f e i t o , pois ch am ou a cite precei­
to, preceito í c u : Hoc efi prteceptum meum,
ut d:liga tis invicem , co m o fe os outros^, em
comparaçaõ dcíte, digam olo aflim, naó foí-
fem preceitos feus* ncíte p re c e ito c o m p re -
hendeo o m eím o Senhor ioda a L e i : Q u i J3 ,*
enim diligit proximum, Jegem im p levit: iflo
mefmo pedio por graça a ieu Padre C c le fli-
al, pouco antes da fua m o r te : Rogo ,u t om*
*** unum f i n t : c nos d eo p o r medida da nof-
caridade o ícu mefmo a m o r : U t diligutis
™vicem,ficut dilexi vos-, e quando na L e i de
Aloyfcg bailava amar aos p r o x im o s c o m
hum amor femelhantc ao amor, co m que
cada hum fc ama a fi* na L e i d c C h r i í l o quer,
Hh j que ,
4S6 Oitavo dia,
q u e fe a m e m aflim c o m o os ama o R e d e m ­
p t o r , i í l o h c , a t e d^r o í a n g u e , e a vid a por
ç l l c s , e n tr e m il o p p r o b r i o s , q u a n d o fo lje
n e c c fT a r io : e a té c h e g o u a m e t t e r n o s n a n u ó
a baJqnça da fua J u f t i ç a , c a d a m o s a enten-
• d e r , q u e d a m e f m a m e d id a , q u e u fa rm o s pa­
ra c o m os nofTos p r o x i m o s , ha elle d e ufar par
M*ft. ra c o m n o f c o : In qua menfura menfi fueritis,
' I# remetietur vobis. E d e p o is d c tantas declara­
ç õ e s d o S e n h o r , p e r g u n t a r á s a in d a , que o-
b r i g a ç a ó tens d e a m a r á q u c l l a t u a irmaã,
q u e taõ p o u c o o m e r e c e ? a o q u e e u te rcír
p o n d o , q u e tens tan ta, c o m o tens d e tc a-
tn a r a ti m e f m a , e de am ares a o t e u D eos :e
n a õ b a f t a r á iíTo ?

JÍCTOS, C O M m ) E S E E X E R -
cita, a Caridarfe do *Proxhno.
A tens o u v i d o , q u e a C a r i d a d c h c h ú *
t e ' ' : i c C d! í refpcit0 direâamrn-

« p°r cU",ÍEsuSsr
dc querer „ . ■r i s o Prec e i t 0
proxim >o

«.«. preociro d e im-,"* P,Co x ' m os’ femelhanreao


ãmile 'ft h . f n -r D eos: Secundum autm
lo que q j' :^ íes proximum tuum. Pc\-
K t* n a r * V C a n w * D c o s » fervirá dere-
d e líe • r 2 roc*os os demais por amor
• c aíü m , fc o S en h or q u e r , que nós o
am e-
Lifao. 48 7
amemos com o entendim ento, còm o cora-
çaõjcom a alma, e c o m todas as noflas fo rça s,
devemos exercitar por todos eftes m odos a
caridade com os p r o x im o s ,ifto h c ,c o m o in­
terior dos pcnfam cntos,ecom o exterior das
palavras, e obras, da mcím a íorte, que o mef-
mo Senhor a e xe rcito u na C r u z , na qual, ^
como reparou Saõ P ed ro D a m ia õ , a lingua, 4y.
as maõs, c o lado aberto dc C h r i f t o tratavaò
a noífa caufa com o Padre E t e r n o : O sy ma-
hkí, lataSy agebant pro inim icis. •
C on vem pois, amar aos p r o x im o s , p r i­
meiramente, com o Entendimento^ ifto he,
tendo de todos elles bo a opiniaõ, e naõ def-
prezando nunca a nenhum dentro da noíTa
7
alma. « naõ conheces a dignidade do teu ir -
maõ Eftevaò\diíTc hum A n j o a hum M o n g e ,
que no feu interior fazia p o u c o ca fo d a q u e l-
lc fanto A b b a d c , D e p o is que C h r i f t o nos
levantou a nos, o sC h rifta õ s , á dignidade d c
filhos de D c o s, e herdeiros do C e o , naõ fo-
roos ja hom ens, d iz Santo A g o f t in h o , mas
p c o l e s j c por iíTo ás palavras do I?eal P ro -
feta^Videbitur D eus Deorum in Sion\ accrcf-
centou o fanto D o u t o r D eu i Deorum , C hri
: t o . i .

fius Chrifiianorutn. Q u e diria hum Aldeano £ u


Jgnorantc, fc vifte húa pedra prcciofa jalim*
relplandeccnte, c engaftada c m h ú a d i -
Hh 4
488 O ita v o âíãy
adcma, ou coroa, c que elle tinha achado nõ
lo d o , c dcfprezado? e que diras r u , quando
a feu tem po vires toda cheia de gloria lá no
C e o a húa tua irm aá, que dcfprczafte, co­
m o a imperfeita? a c c o l l ú m i t e pois,a nunca
defprczar nenhum dos teus p r o x im o s ,e mui*
t o menos a ju lg a llo por pcor ainda, do que
clle parece á primeira face. D e o s quer fer
unico em nos julgar* c co m tudo iflo fe a*
ch a a cada paíTo entre nós quem lhe uiurpa
e l l e officio, e condena a feus proxim os, fem
j u r i f d iç a õ , e fem p r o c e d o , paliando ate a
julgar do interior das fuas i n t e n ç õ e s , cm
que nem ainda a Santa Igreja fc mette, nao
obftante ferafliftida com tanta luz do Ceo:
E c ciefia non ju d ica t de internis. N a õ o faças
tu aflim, antes confervando com todas as tu­
as forças a boa opiniaó dos demais, efeuf*
íempre nas falcas, que v i r e s , ou o fa d o , ou
a i y e n ç a õ , ou a fragilidade dc quem obra»
e eflá cerra, que aflim c o m o aquclle M on­
g e , de quem fe refere ficára co m grnnds a*
jegria á hora da morte, pella boa nova, que
lhe tro u x e hum A n j o , d c que fc haviadclal*
v a r,p o r razaõ de haver íempre ju lg ad o bem
dos outros, poderás tu tam bem elperar,quC
encherá o Senhor de confolaçaó a tua al-
tpa naquclla pei igoía hora, c cum prii* a
Liçao. 4^9
palavra de naõ entrar cm j m z o co m quem naõ
julgou a feus p ro x im o s : NoJite ju dicare, o 4< aT;
Konjuclicabimini.
Inclina tambem o interior do teu cora-
çaó a favor da caridade, introduzindo nelle
a c o m p a ix a õ ,e a paciência a refpcito das t u ­
as irmaás, e excluin d o delle a e n v e ja , e a a-
verfaõ. H c grande final dc pred cftinaçaõ o
ter entranhas ternas para nos c o m p a d e cer­
mos dos noflbs proxim os nos feus trabalhos,
nas fuas enfermidades, c nas fuas cahidas:
afíim nolo afTcgura Saõ P a u lo : Induite vos, £0-
ficut eltü i D e i, fa n fti, &? d iU B t, vifccra m i- ,*.*
ftricordU. E o fofrerfe hum ao o u tro nas
moleftias, que c o m f jg o traz a vida humana,
hc coufa dc tanta v irtu d e , que parece haver-
fc niílo compendiado toda a L e i dc J E S U
Chrifto, co m o nos enfina o m efm o A p o f t o -
L : d lter alterius onera p o rta le, £5? f ic aàhn~ ^
fkbitts Jegem C krifii. H e pois a en vcja,fem l%
duvida algüa, o veneno da caridade, quando
núa pcíToa olha para o bem dos outros c o m
lri(leza, por lhe parecer, que o tal bem di-
minuc o feu proprio* quando, p e llo contra-
r,°, a caridade, g o zan d o fe do bem dos ou-
tr°s, faz por cíle meio, que efíe bem feja f e u ;
noflra es, cre(cas in m illia m illium . ^
L fobre tudo, para dar lu g ar no co raçaõ *
4
49 ° O ita v o d ia ,
á caridade, he neccíTario apartar delle todi
a averfaõ, que ou hc fundada, em húa tal
contrariedade dc g e n i o ,o u fohre a memória
d c algum a g g ravo , quercccbeo.* E ferá poi-
íiv e l, que ainda nos C la u ítro s fagrados fc
conlerve femelhante le m b ran ça, quando ci­
la devia fer deílerrada dos coraçoés de todos
o s C h r i í l a õ s ? E u nao quero mal a fulana,
dirá tal v e z húa R c l i g i o f a , mas naõ quero
f a l l a r , o u a o menos naõ quero tratar mais
c o m cila: e cm que cuida a que falia deíU
maneira? ha dc por ventura a caridade, que
h e a rainha dc todas as virtu d es, o compên­
d io dc toda a noíTa fanta L e i , o final maise-
v id e n te da verdade da F é C h r i f t a á , c a libre
d o no fio R e d e m p t o r , ficar reduzida a hum
te rm o n e g a t iv o , de naõ fazer mal ao noíío
p r o x i n i o . íe iflo afiím f o f i e , quando eft*5
n o fono mais p ro fu n d o ,e ftá s mais, quenun*
ca, cheia de caridade, porque entaõ nem 6*
Z cs,ncm queres mal a ninguem . Longevao
p o i s , de húa Efpofa de C h r i f t o taó grande5
trevas, que caufaõ hum frio mortal até nas al­
mas dos fcculares, e em pago d e h u m a g g ^:,,’
Vo, que tc fizeraõ, darás a quem tc offenJc13
h u m lugar melhor no teu co ra ça ô , cobran*
d o lh e maior afFeélo, para mereceres aquela
c lp e c io lo titulo, que dá o Senhor aos feusej*
* colni*
*
« ■ ■ L pi f ao.
i . .
colhidos, ch;fmandoos filhos do o l e o : I f i i zach;
f*nt filii o k i* que he o m cfm o , quç ferem 4* ,4f
0
todo amor. % *grande Patriarca S. Tgnacio
dc L o yo la era taõ puntua*! em dar bem por
Nal, que corria por parem ia entre o s,qu c ó
conheciaõ; 6)ue quem queria algum beneficio
doPadre Ignacio, havia primeiro de lhe fa z e r
tyum aggravo, com o feguro de receber d elli
depois todo o bem.
Sc o interior eftiver cheio dc carid a d e,fe ­
ra como o f o g o , que íe naó pode efeonder,
toas logo dá moílras de G,nas bons obras, e
palavras. A m o rte , e a vida, d iz o S a b io ,e -
faõ no poder da lingua : M orsy & v ita in ft°r-
**4nu lingua: o quc fe experimenta na cari- , , '*u
°*dc, porque as palavras h u m ild e s , e nffa-
Vcis>c que defeulpaõ os defeitos do p r o x i-
H10) c o defendem, quando delle fe m u r m u ­
ra, ou ao menos m udaó a pratica em feme-
. ntcs converfas, fervem m uito para dar a
v,ua aos co raço cs, e reforçar a uniaó entre
* ?.sí que he o que pretende o Senhor p 0r
cio do feu fanto a m o r: quando, p c l l o c o n -
as palavras picantes, e contenciofas
prelença <j0 noíTo p r o x im o , e as dc def-
trnc? * C ^ctracÇa° na fua aufcncia, faó ou-
rccímjn' ° S- j aj d o s > ou rettas) quc rnataô a
andade, e tambem a alraa de quem
[aífim
49^ Oitavo dia,
aflim falia,podendofc aténifto!ipplicar,cofil
a fua propriedade, e proporçacJ,cJ ditto dos
•Mcdicosj Q u e o h a l i t o frio !\c indicio dcc-
ílar m oribundo o calor natural.
U ltim am ente,fcriaõ p o u co cfficazesaspa-
lavras para confervar a caridade, fc fe lhes
naõ ajuntaílem as obras. E f la he a principal
propriedade do f o g o , o fer a & iv o , e nunca
parar, co m o fazem os outros elementos.
T i n h a feito propoíito efíicaz Santa Therc-
fa dc exercitar todos os dias algúa obra dc
caridade para com o proximo* c quando lhe
parecia,que fc lhe naõ offcrcciaoccafiaoop-
portuna p a ri iflo, cfperava, que as outras
R c lig io fa s vieflem bufear luz j u n t o da noi­
te , c lhes fahia ao en co n tro para lha dar, e
forrarlhcs o trabalho de a bufear, em ordem
a que íc lhe naõ paíT.iflc o dia fem exercitar
c ila formofa virtude. D i t t o f a f e r i a s tu, Tccn-
trcteccflcs a tua vida c o m adornos, e atavi­
os taõ formofosj c mais dittofa ainda, je
cab a flcsam cfm a vida c o m algúa obraicme-
lhante, morrendo íi maneira dc Fcniz,
acaba a vida abrafada em fo g o , cncenoi
pcllos rsios do Sol. Seja po iso empregorr,a^
is continuo da tua vida o exercício da cari
dade, hora para com D c o s, hora para
p ro x im o . Pórtatc, como o fazbúamanq^
Liçao. 49 3
tem dous filhos enfermos, que nunca tc a-
parta de h um , fenaõ para aífiílir ao o utro.
Tem iem pre diante dos olhos o e x e m p lo dos
antigos C h riíla õ s, que todos tinhaõhCu mel H
ma aima, e hum mcfrao c o r d ç a ó , e naõ Io
has de ter com os teus p ro x im o s h u m f ó c o -
raçaô, que naõ fofre d iv ila õ , mas tam bem
híia lo alma, que de nenhum m o d o a admitr
tej c fc faleares alg ú a v e z nefta p a rte , cafti-.
ga cm ti com o maior rigor, c arrependimen­
to femelhante falta, para aííim d if p o r e s o t e u
coraçaô na forma,que o teu E íp o f o d e ze ja : f ?ef.
Animas vefiras caflificantes in obtâitnúci cha- i%
ritatis, co m o diz o Príncipe dos A p o ílo lo s .

L I Ç A Õ E S P I R I T U A L ,
Para o nono dia dos E x e rc íc io s .
SOBRE A CARIT>AT>E T A R A
com *Deos. ,
U e m apanha o rei d a s A b e i has,com

Q facilidade fc faz Senhor dc to d o o


wixaroe, e enriquece por efle ir.cio de fua-
v 'üimo mel a fua c o lm c ia : e quem alcança
*°das as virtudes, que he a C a -
j c» ** confegue juntamente todas. P c l -
0 affim co m o todas cilas i p a c h a ò c o m -
pen»
494 Nono Ma j
pcndiadas na caridade, aílim tambem pode*
remos dizer, que na liça ó prcfcnteeftácom*
pendiado cudo,quanto fica explicado nas pal­
iadas. Q u e coufa pois h c a c a rid a d c ? hehúa
virtude T h e o l o g a l , que eleva a nofla von­
tade a querer co m amor dc amiíadc o bem
de D eos fobre todo o u tro bem . H c virtudtí
T h e o l o g a l , e entre todas a mais nobre, por­
que a F é olha para D eos, c o m o paia primei­
ro principio da verdade* a Efpcrança diz
refpeito ao mefmo D e o s , c o m o a primeiro
prin cipio da nofla bem aventurançaj a Cari­
dade p orém , naó ló olha para D e o s,co m o para
o S u m m o B e m , fem lim ita ç a õ a lg ú a , nia$
para inteiramente nellc, am ándoo por amor
d clle mefmò. D i z f e ta m b e m , quc eleva a
nofla V o n ta d e , porque a natureza do aruor
he trocar efpiritualm cnte a pefloa amante
na coufa amada * vindo aílim a ficar quem
ama tal, qual he a coufa, em quc poem oft*
ôflfe&o. Se amas a terra , d iz Santo A g 0,tl'
n h o, ferás terra; fc amas a D e o s , direi tam­
b é m , que fic a s , c o m o o u t r o D e o s , p^rtici'
. pando m ir a v ilh o fa m e n tc da fua Divina na­
t u r e z a , e jun tam en te c o m cila dc toda
p e r fe iç ã o . E p o r q u e , para chegar a humta
c fta d o ,fc r C q u c r a lg ú a fcmclhança,cpropo^
çaõj julga tu quanto deverá elevarfc a
• Liçaõ. 49 $
lobre li mefrna para 1c habilitar a fer hum
cTpirito.com D e o s : j %ui adharet Dom ino, coe.
tsnus fpiritus ejl. A l e m difto, fe d iz, que a *• « * 7
caridade ama o bem dc D e o s fobre t o d o ou­
tro b e m : p o rq u e , que pofto deve de ter *-
quclla Altiflima M agc(tade,fen aó o prim ei­
ro? nem haveria tamanha defordem, fc a cer­
ra tora fuperior ao C e o , c o m o haveria, fe
do ultimo fim, que he D e o s , fe ufafle para
a c o n fc c u ç a õ d c qualquer o u tro bem crea-
11
do inferior a 1 c. U ltim a m e n te fe d iz, que
a Caridade quer o bem de D eos c o m am or
dc auiiíadcj porque depois que a F é tem rc-
prefentado a Deos á alma, c o m o B e m infini-
l°,e infinitamente com p leto cm todo o g ê n e ­
ro de pcrfeiçaõj fe a alma ama a cfte S u m -
nJo Bctn, c o m o fuinrao B e m do hom em , fc
£ ama c ^c amor am or d c co n cu p ifccn cia,
l nta P°rém , e cm que confifte o am or d*(
c perança-, mas |*e a a|ma 0 aroa p 0r am or
Ci»c nicfino y c porque fc reg ozija de c i - ;
«ma61, r f b o m ’ c Pc , f e i t 0 > fc di** ^u c .
D c ° s co m am or de amifade , c m
j ^ COn tc a caridade. D itt o f a pois aquel-
Vinav**’ ^j C P ° ^ uc hum fó grao defta D i -
ç j i ^Irrudc, porque cila h c a u ltim a p erfei- *
u lt im a C o raÇ a ® h u m a n o * p o i s a flim c o m o *
p e r fe iç a õ d a s c r c a t u r a s in fe r io r e s h e
icr-
49 6 N o n o d ia ,
fcrvir ao h o m e m , para quem foraõ creadas*
aílim a fuprcma p erfeição do h o m e m , hc a-
mar a D e o s , para quem tam bem foi crcado:
e por cila razaó fe chama a Caridade Rai­
nha, M a í , A lm a , c V ida das V irtu des* por­
que, c o m o rainha, a todas m a n d a , e a todas
leva atras de l i , accom panhandoa * como
M a í , a todas p r o d u z , c fu (lenta* c, como al­
m a,a todas aviva, fendo todas cilas fem cila,
h u m cadaver inhabil para fe encaminhar ao
C c o . E ailim c o m o na purpura, o que pro­
priamente fe c í l i m a , naó hc a laã, fenaó a
tinta, que lhe dá o va lo r pclla viveza, cpel-
Jo raro da íua c o r , affim o que D eos pro­
priamente cílim a nas boas obras,h c cila mais
q u e ccleílial virtu d e, e p o r iflfo as remune­
ra tanto, que a mini ma a c ç a õ d c hum Jufto
e m b e b id a nefte fanto am o r, naó fe ha de re­
munerar c o m menos, que c o m o C e o , e c o m
a poílc eterna de todos os bens do racfoo
g/.0;. D e o s : Ego . . . merces tua magna nimis. ^
D c í l a natureza pois,he a c a r i d a d c , t a ó n o -
b r e , c taó D i v i n a : para porém f i c a r e s ©ai*
b e m inflruida, p rc fu p p o cm , que, a l e m do
q u e temos dirto, hc capaz o amor d c
d c , de que vamos fa lla n d o , de duas perfo'
ç o é s * húa a c c id c n t a l, que he húa certa tcr'
n u i a dc b c u c v o lc n c ia , a qual paffa ás
f Liçao. 49 7
da vontade ás potcncias exteriores co m nn«.
prcíT.iô fcniivclj donde dizia o Profeta : Cor
meumy caro mea exuitaverunt in D eu m v i- ,J‘ 1 .
vum. A outra p erfeiçaõ lhe he eíTencial', c
hc híia benevolencia de e ítim a ça ó , pella qual,
concorrendo qualquer outro bem co m o b e m
da amiláde* preferimos a e f t e ,c fazemos d c l -
le mais calo cm com paraçaõ do o u tro . A
ambas eftas per.fciçoés abraça a caridadej %
elU fegunda p o r é m , que hc fo iid a , e moicH
ça a inclue de ncccílidadc *, de forte, que fe
a alma era todas as occurrencias naõ faz mais
calo de D e o s , que de todas a$ outras coulas
crcadas, nem eftá difpofta a perder tudoan-r
tes, do que perder a amifade dc D eos pello
peccado, naõ fc pode dizer,que p o flu e a ca-»
fidade, nem que cumpre c o m o primeiro de
todos os preceitos, que he dc amar a D e o s
dc todo o c o ra ç a õ j i l l o he, mais do que a
qualquer outra c o u f a , q u e f e com parar c o m
r»lc. Verdade hc,que elte h e o primeiro g rao
da melma caridade* donde, para latisfazcr dc
algum modo á immenfa o b r i g a ç a õ , que te­
mos dc amar ao noíTo D eos, nos naõ d e v e ­
mos contentar com iflo, mas paíTar adiante,
termo, nem fim-, por ler o m odo de
? aI * ^cos o amallo fem m o d o , c o m o d iz « í c d i -
Hcrn*rdo: Modus- diligcndi D e um, fine ^ cn*
li mO- JDCO4
49 8 Nono d ia ,
modo diligere. E ifto fe f a z , quando a alma,
naõ fó an tcp ocm a amifade dc D c o s a outro
qualquer b e m , quando fc trata dc a perder
p e l l o p c c c a d o m o r t a l , mas ainda quando fc
trata dc a esfriar a lg u m p o u c o pcllos pccca-
dos veniaes, c por iflo, havendo formadode
D e o s húa ideia altiflima, antcpocm a fua fan-
tiíTima vontade a toda a honra, a todo o de­
leite , c conveniência c r c a d a , c fc priva dc
t u d o , por dar g o f t o a efle S u m m o S e r , c c-
ftim a mais hum g r a õ da fua D i v i n a Gloria,
que mil m undes. D e fta cafta era a caridade
dos San tos, e a cila deves tu tambem afpi-
rar, pondo a mira mais a l t o , para naó errar
o a lv o ; e procurando chegar a efla perfei­
ç ã o , naõ tanto c o m a m u ltidaô dos teus a-
ó to s, quanto c o m a intençaô dellcs.

M E I O S P A R A A L C A N C ,A R A
Caridade.
A í quem te ha de dar as afas &
M p o m b a , para voares a eftc alvo ,
deleanfares no c o r a ç a õ d c D c o s ? aqui, tf*
is que cm outra qualquer o c c a íia ó , he n
ceílaria a o r a ç a õ , e fahirá mais entf**’
que as outras vezes. H e ncceíTaria, porquj
aindaque a nofla vo n tad e foi feita paraatf ^
Liçao. 499
o bem, he com tudo o a m o r de D e o s h u m
amor fobrcnatura!, a que naó pode c h e g a r
a vontade humana c o m todos os Íeus esfor­
ços. H c ligeira por fua natureza húa pen-
na, ir.as todavia naó fc pode cila levantar da
terra fero a amorofa ajuda dc alg u m v e n t o .
Será tambem mais efficaz a noíTa o r a ç a ô
nclla materia, do quc em o u t r a ; p o r q u e , fe
efle dittofo f o g o do A m o r D i v in o tem íido
o unico m o tivo de attrahir o F i l h o dc D e o s
do C e o á terfa, e o alvo u nico dos íeus de- Lqc;
zejos, e d c fig n io s : Jgném veni mittere in te r - ia.49«
ram, £5? quid volo^nifi ut accendatur? f o r ç o -
fo ferá, quc digamos, quc, em o S en h o r o u ­
vindo húa rogativa tanto do leu agrado,quaíl
que ouve a fi m cfm o, c cu m p rirá os íeus
proprios dezejos. C o m o porem o c o m m u m
das Gentes d e z e ja , c eftima taõ pou co cite
amor taõ elevado, por iflo o pede co m ta õ
pouco ahinco. E fendo quc nos maravilha­
dos de amarmos taõ tibiam ente ao S u m m o
Bem, naõ confideram os,que feria maior m a­
ravilha ainda, fe o amaílcmos c o m grande
‘ ervor, quando, fendo a caridade o m a io rd e
todos os D ivinos dons, fizeflemos delia taõ
pouco c a f o , quc apenas nos dignalTemos dc
pedir a Deos.
^ °utro meio h c , o applicarfc cada hum
li z com
fO o Nono dia,
c o m a maior attcnçao a ponderar os moti­
vo s, que fuavemente nos viojentaõa nos abra-
farmos neíte amor. A lu z he o v c h ic u lo do
calor, e o co n h ecim en to mais v i v o da alma
he, o que lhe attrahc do C e o ao feu peito e*
íla D iv in a amorofa cham m a. P e llo quc,po-
e m t c muitas vezes a c o n fid c r a r muito de
p r o p o íito os tres m o tivo s feguintes para a-
m ar a Dcos* o prim eiro , que elle nos manil
cite amor * o fegundo, q u e elle o merece: o
terceiro, que elle nos incita,a q u e o amemos,
amándonos primeiro.
H e pois o primeiro m o t iv o d c amarmos
ao Senhor fob re todo outro b em , o mandflTm
nos o mefmo S e n h o r , q u c a ílim o façamos.
E í l e preceito he o primeiro dc todos* pri'
m e iro na effícacia, porque tras comfigo a
o blervancia de toda a lei > primeiro na inten*
ç a ó d o S u m m o L e g is la d o r , porque a eílcfioi
encaminha todos os outros preceitos* pr*'
m eiro no m erecim ento, porque dá valor a
todas as outras virtudes* primeiro n a nobre*
z a , porque fe oppocm menos, que nenhum,
á liberdade do h o m e m , e fe naõ pode nun*
c a cu m p rir contra a fua vontade* primeiro
na dignidade, porque he o graó fupremo, *
q u e pode chegar húa alma* e primeiro final'
m e n te na d u r a ç a õ , p o rq u e naó ha de aca*
Liçao. 501
6ar por ’toda a eternidade. Q u c cílim açaÕ
pois naó devemos fazer deíla grande lei dò
amor, c com quanta diligencia nos devemos
empregar c m - c u m p r ir co m ella? Se Défos
nos tivefle prohibido o atfiallo, c o m o crea-
turas indignas, quc f o m o s , dè afpirar a tan­
to, deviamos íupplicarlhc inceflantemcnte,
que nos admittifle a hum affeéto t a ó n o b r c j
e j í quc elle no!o manda taõ apercadamen-
t c , Teremos taes, quc lhe naó queiramos fa1
z e r o g o í l o ? E quc outra coufa dezejariaó
ós condenados lá no inferno, fenaõ hum p re ­
ceito delia qualidade? fe fc lhes intim aflelá
cm baixo húa ordem taõ adm iravel, feria
baílante para l o g o tro ca r em chammas fa-
crofantas a cífe í o g o devorador. E a razaó
he manifeíta} porque quando D e o s poem
hum preceito ás fuas crcaturast fe empenha
juntamente em lhes dar os auxiliós neccfla-
rios para o cumprir} c aíTim, còrrefpondcn-
o nquellas almas condenadas aos auxilios
a Divina G r a ç a , quc fe lhes cò m m u n ica -
r’ ao> ^ trocaria o a b y fm o das fuas penas cm
^ua efperança G cleftial, e a noite eterna da
lu z ^ D 1*10 ^ crans^o rm ar*a cm húa aurora dc
trat ] ^ ara P ° ' s corT1 quanta grandeza tc
e co s ’ quando tc m anda, que o ames,
mo tc troca a s p r i f o é s e m c o l l a r e s d c o u -
li } ro,
502 Nono Ma,
f ç 9 co m o a efpofa, c naõ co m o a criada. E
aqui ha ainda mais,que ponderar,c vem a fer
a eftim açaõ g ran d e ,q u e D eos faz do noíTo
a m o r , chegando ate a nqs ameaçar com
h ú a miferia infinita,fe lhe negarmos o noíTo
c o r a ç a õ . A eftim a ç a õ exceffiva, que fazem
os L ap id ario sd e húa pedra precíofa, lheac-
crcfccnta fummamcnte o p r e ç o ; c que va­
l o r n a õ t e r á o n ò í f b a m o r , quando o cftimou
tanto hum Deos O m n i p o t c n t e , que, para o
c o n íc g u ir,e m p re g a naõ lo todas as carícias
da fua infinita m ifericordia, mas tambem
todas as ameaças da fua tremenda juftiÇA-
E u confidcro ao nofto co raçaõ entre dous
e x tre m o s , que naõ tem meio, ou havemos
d c arder fuavemente em caridade nefta vida,
o u havemos de arder co m defcfperaçaó cm
hum f o g o eterno na o u t r a ; c tu , que p*r2
amar a D eos, tc deverias contentar coro
decer hum inferno dc penas, quercrás efeo*
lher hum inferno de culpa, e pena paralem-
p r e , pello naõ amar? fe afiim hc, moftr*raS
fer m uito louca nefta tua e leiça õ taõ prepj*
d ic ia l: mas para afiim naõ fer, offcrècete
t o d o ao teu E lp o f o , e pedindolhe perdão o
haver ate agora em p regado tanta parte
tet| afFc&o nas crcaturas, refolvere fiimç
mente a que daqui por diante fo Deos
Liçaô. 503
Senhor do teu c o r a ç a õ , c te g u ie em tu d o ,
c por tudo pella fua D i v in a vontade.
O fegundo m o tiv o h e , que merece D e o s
cite a m o r , e por iíTo, aindaque elle o naõ
requerefle com tanto r ig o r , lho devias o ffc -
recer, conform e a todas as leis da o b r i g a -
Çaõ, e da boa razaó* pois a cada grao dc a-
imbilidade em D eos , hc ju íla n ic n tc devido
hum grao de b cn e vo len c ia da noíTa parte* e
aflim, havendo em D c o s húa amabilidade
infinita, fegu e fe , que fc lhe d eve hum infi­
nito amor por todos os c o r a ç o é s . Q u a l fe ­
ra pois a ideia, que formas no teu entendi­
mento, quando ouves cíta palavra, D e o s ?
fe fazes no teu dileurío hum c u m u lo de t o ­
das as prerogativas, que podes im a g in a r, de
belleza, fcicncia, poder, fantidade, g ran d e­
za, c mageítade* c dobrafles tudo milhares
dc vezes, naõ tens feito ainda naJa, porque
naõ hc iflo o noflo D c o s , fenaõ outra c o u ía
mfinitamente maior. T o r n a pois a trcfdo-
b r a r, a eítender, e a alargar todo cflc g r a n ­
de cumulo dc p e r fe içã o , c co n tin u a cm o
tresdobrar da mcfma forte por toda a e t e r ­
nidade* e depois de m uitos, e muitos feculos
cm numero, cílarás fempre taõ longe de fa-
*eres hum conceito verdadeiro do teu D eos,
como cítavas o p rim eiro dia^ern q u e t c m e t -
Ii 4 teíle
5 0 4 N ono d ia ,
tclfcc ncíTe em penho: porque he D eos hum
Ser totalmente diverfo do que nós o pode­
m o s im aginar; he hum a b y fm o dc bonda­
d e , dc b c lle z a , de fantidade, dc fabedoria,
c dc magcftade infinitamenre fuperior aos
c o n c e it o s , que temos na mente , quando
proferim os cites vocábulos. H e hum Se­
n h o r taó a m a v e l, que fó vi íto claramente
bailará para fum ergir cm hum mar dc ale­
gria a todos os Bem aventui ados, para lem-
p r e ; e que, fe fe nioftraífc claramente aos
condenados, trocaria em hum paraifo a todo
o in f e r n o ; e naó baftará iífo para tu o ama*
res? v ejo , que hum nónada dc b e m , quc‘ te
participaó as crcaturas, conquifta logooteu
co ra ça õ , c ferá poílivcl, que o naõ conqm*
í l c aquellc O ce a n o immenfo dc perfeição,
q u e cm D e o s fc acha todo j u n t o ? Se f o f t
immenfa a tua benevolência, a devias tribu­
tar toda em o b ícq u io fo rço fo a cíTa grande
M a g cfta d e , c fçndo taó c lc a flb ,c taó limita*
d o o teu affl’£ lo ,o quererás tu ainda dividir,
e em pregar no Senhor fó húa parte dcllc-
D e p o is que a Santa T h c r c f a fe lhe moftrou
m u ito de caminho alguns vislumbres da bc*-
leza cxccfiiva da H um anidade dc J E S U
C h r i f t o , diz a Santa, que lhe parecia, que 0
f o i naõ defpcdia rcfplandorcs, mas fo m b n is
'Liçao. 50 f
pallidas fobre a terra, c que as pefloas mais
bem difpollas, náõ lhe parccia6,fenaõcfque-
ictos, que andavaój donde podes difcorrcr
que diria eíTa Santa, Ic fc lhe houvefle m*ni-
fcllado toda a bellczn infinitada Divindade!
Hc de todo neceflario, que náõ haja dc p o ­
der entrar pranto lá no C é o j porque dc o u ­
tra forte o haveria lá maior, do que entre os
condenados, quando fe lembraflem os habi-
tadores do Ceo', depois dc haverem v i l l o i
Deos cara a cara, dc que o tinhnõ amado-
com tanta tibíeza,cm quanto a n d a v a ó ncfte
mundo.
O terceiro ib o tív o dertç âacrofnnto A -
roor hc, que D co s 0 incita com o feu amor,
c com os benefícios inexplicáveis, que nos
feito* donde, aindaque o Senhor nos naõ
pedjíTe elle tributo do no (Tb c o r a ç a ó , c ain-
j3* quando 0 naõ mcrcccfíc por outro titú-
° v ° deviamos dar cm rccompcnfa, por fc
na<> poder pagar bem hum affcQ o, fenaõ
com outro aflFcfto C o m o pois ferá poííiveli
que achemos difíiculdade cm amar ao nofíb
Drim,*t*Ua nr 0 c l , c ^ ant3C,Fou , amándono*
detaA c ° ‘ i certo, que nunca Ic a c f e n ­
tro fnr,iCi rí?CTí tc hum c o m o co m Otl-
d c n a l ° : 7 0ds a " oír* W c z a p o is , n a ó p o i
de outro principio, que dc naõ nos
pôr-
fOÓ JSfono dia,
ôrmos feriamente a coníiderar o b e m , quc
E >eos nos tem querido, e feito. Coníidéra
pois, que a Caridade D ivin a tem fido para
ti eterna ju n ta m e n te , e infinita. T e m fido
eterna, porque naó amou primeiro a f i , c ao
feu proprio b e m , do que a ti, dezejando fa-
zerte participante do feu mcfrao bem no tal
am or para o fu tu ro : o qual tambem da par­
te de D e o s he eterno, pois naó e ílá na lua
maó o deixarte.fe tu o naó deixares primei­
ro a clic, e quebrares os vinculos da Divi­
na am ifade, abufando do teu livre alvedrio.
H c tambem infinita efta caridade de Deos
para c o m t i g o , porque hc a mcfma caridade,
c o m que D eos fc ama a fi m c fm o ; c ainda-
quc p o r ella te naó queira o b e m , que quer
p a r a f i , i f t o he, o fer D e o s por natureza,
porque ifio naó he poflivel, tc quer hum
bem immenfo, poTque tc quer fazer, como
hum outro D e o s ,p o r participaçaõ,lá noCco}
e h e c í l e hum b e m , que fobrepuja in fin it a ­
m ente a todo o b e m , que te poderiaó dexe*
j a r as crearuras todas, fc todas cm prega"(;,?
o feu aflFc&o em teu proveito. Huavifia^»
que, Deos foíTe fervido dar defdc a alteza 1
G lo r ia fobre o a b y fm o das noíTas mileria-S
naó a podiamos baflantcm entc recompcfl
far c o m húa ctcrnjdade dc reconheciment^
t. Liçao. 507
e de a m o r: j u l g a pois, qual ferá a ingrati-
daó daqucllc c o r a ç a õ , que tem para li por
rauilargo o t e m p o , q u e lhe fica na terra,pa­
ra correfponder ao am or d c D e o s , e para lhe
confagrar de húa v e z todos os feus affe&os.
Accrefcenta depois d illo ao am or, que nos
tem tido, o b e m , que nos tem feito, e v e que
defeulpa podes t e r , fe te naõ confagras toda
em h olo cau ílo ao Sen hor. E m t e m p o dc
Arquimcdes h ou ve alguns, que affirmaraõ
ferem innumeravcis as areias do m arj e A r -
quimedes, pellos c o n v e n c e r , naõ fó lhes fez
a conta em hum liv ro , que c fc r c v c o , mas,
alem diflo, aílignou o num ero daquellcs
graõsdcareia,que p o d c r ia õ e n c h e r o e fp a ç o ,
que vai da terra a ic o C c o cftrellado. Q u e ­
reria pois e u , que elle, ou qualquer outro
tomafle a emprcffa de achar o numero dos
beneficio», que D e o s nos tem feito, e nos
quer fazer por toda a eternidade, que naõ tem
jim, nem termo, fe nós os queremos rece­
ber, c cftou c e rto , q u e ninguém aceitaria
femelhante cm prefia,de bufear n u m ero, on-
e o naõ ha. Saõ pois eíTes bens infinitos na
°mmaj infinitos na dadiva, porque incluem
tambem ao mefmo D e o s ; infinitos, pella
grandc/a,dc quem os dá; infinitos,pella fu t
cm P»terna du raçaõ; infinitos n o p r e ç o , por
____ fc
5"o8 Nono dia y
fc nos haverem com p rado co m o Sangue
dc J E S U C h r i i l o ; c infinitos, pella gran­
deza do amor, com que íe difpendem com-
nofco-, e naó feraó baílantes para incitar
o nofio affeóbo ao amor de D eos ? Sc le
poem í mm o v e i de fronte do foi hum cry*
ílallino c f p c l h o , baila para accender fogo,
e eílando o nofio co ra ç a õ c x p o í l o á esfera
do S o l D i v i n o , e aos innumeraveis raios da
fua D i v in a beneficência, ferá pofiivcl, q^c
fique f rio ,c o m o hum rcgelo, et^uc fc naó a-
teic nellc húa fó faifca dc corrcfpondencia.
T e m feito D e o s tanto para ganhar para u
húa creatura m iferavel, c he poífivcl,que a
d e ix a fie d e co n q u iíla r ? Q u e mais q u e r e s tu,
para tc haveres de render, ou para quem
guardas o teu a ffc & o , fe o naó conlagras to­
do conílantem ente ao teu èfpofo Celcilial -
E l l e hc naó fó hum a b y fm o infinito de to­
do o b e m , cm fi mefmo, mas tambem nu
fonte incxhaurivcl dc infinitos bens para tij
•elle, com hum poder infinito, te tirou °
a b y fm o do nada, em que cílarias para fc01
prej tudo quanto tens, e pofiucs, he dadj
f a a ,c lle tc deo o fer, c elle o conferva to 0
os inílante?,tque hc o m efm o, quc le em
da inílante to tornafic a dar> por noíToam^
.conferva elle todas as creatqras, e quer fi .
Liçao. ^09
até os Efpirito s C c lc ília c s procu rem dili-
gcntcmcnte a.tua falvaçaõ eterna; elle te tem
continuamente nos feus amoroíos b r a ç o s ; c
cm ti tem fixos os olhos de fua Providencia*
fem tc perder jamais de v i d a ; e para u tili­
dade tua attende fempre a tantas, e taõ va­
rias operaçoés deítc mundo inferior. N e m
fó te manifeda o ardor d o feu c o r a ç a õ , o -
brando, mas m uito mais o patenteou, pade­
cendo; ellc to m o u ío b r e fi o im m enfo p e í a
dos teus peccad o s, e quiz levar o c a d i g o ,
que tu havias de levar; clle tem fo fr id o c o r a
tanta paciência tantas rebcllioés tuas c o n ­
tra a fua v o n ta d e ; tc tem perdoado tantos
aggravos; te feguio, quando dellc fugias;
tem fido o primeiro em tc bufear, c cm te
oftcrecera p a z ; nem fe tem canfado cm te
chamar com as fuas infpiraçoés, aindaque tc
fizefte íurda ás fuas vozes-, c aindaque naõ
neceflitava de ti, parecia inconfolavel, fe te
perdia, c obrigo u a to d o o C c o a fazer f e d a ,
quando tc encontrou, e te ganhou; e e m h ú a
Palavra, tem obrado, e fofrido tanto para tc
azereternamentedittofa,comofe a f u a b c m -
* ' cI*turança dependeflc da t u a ; c aindaque
* leus benefícios para c o m t i g o e x c c d a õ to-
r x? TOcóida, he maior, que tod os ellcs o a f-
°> que o obrigo u a tos f a z e r , de tal for­
te,
5 10 Nono d ia ,
tc, q u e , aindaque lhe podefics correfpondcr
c o m hum infinito a m o r , c o m o o dc Dcos,
quanto ao fu tu ro , nunca poderia fer adequa­
da efla c o rre fp o n d en cia , por elle ter fido o
prim eiro em te amar, e te haver amado, c
acariciado por h ú a eternidade, antes que ti*
vefies fer.
E fte s m o t i v o s , bem ponderados na ora*
çaõ ,ain d aq u e foíles d u r a , c o m o húa peder­
neira, tirariaó f o g o d c caridade defla melro*
p e d crn cira j ao menos fe continuafics por
m u ito t e m p o a dar c o m eiles repetidos gol­
pes no teu co ra ç a ó } principalmente fe tirai*
fes,por meio da m orcificaçaó,os impedimen­
tos, que te fazem indifpofta para fc atear o*
tua alma efta dittola chamma.
E f t e ferá pois o terceiro m eio, que te pro*
p o n h o , para alcançar a caridade para com
D e o s , o m ortificar generofamente o teu 3-
m o r proprio. Q u a n t o mais ar fc tirados
catruzes,tanto mais agua lhes entra, c qua°'
t o mais tirares do teu c o r a ç a ó da affeiç*0 ‘
ti mefma, tanto mais entrará ncllc dc amor
Tom . de D e o s : JQuanto magis regnum cvpidiW»
Doa. deftruitur, tanto cbaritatis augetur, diz S*n
chxii. t o A g o f t i n h o : naó fe entende aqui poramÇ*
«p.3' proprio o verdadeiro am or de íimclmo,p^
JI* lo qual a alma fc ama a fi em o Senhor, p
Liçao. 11
curando para fi o fu m m o de tod os os b e n s,
qual he a D iv in a amifade * fenaõ aquella in-
dinaçaõ perverfa, que tem o co raçaõ h u ­
mano aos bens c a d u c o s , c a fazer a lua p r ó ­
pria vontade, ainda contra a D i v i n a : efta pois
affciçaõ defordcnada, e quc he a origem de
todas as culpas* efta paixaõ dominante, c
que taõ facilmente fc entrem ette em todas
as noflas operaço és, ainda nas mais fantas*
dta, que fe disfarça muitas vezes c o m capa
de d e v e ç a õ ,e f t a ,d ig o , c o n v e m q u e f e o b í c r -
vc com toda a v ig iln n c ia , e que íe lhe va á
mao aos íeus appetites, c g o ftos c o m fre­
qüentes a&os contrários. N e f t a guerra ef-
piricual contra os vicios tc deves portar
°utro m odo, que fe naó p o rto u Saul na
guerra contra os A m a lc c ita s: porque f e m a -
jares os foldados, c falvares a vida ao rei* íe
acrificares a D e o s a p a i x a õ , que p o u c o cm
1 fj!cd °m in a , fem m ortificar aquella, que
íf°m CFVa v *vas a toc^as as demais, e em todas
mando, com o fenhora, qual he a do a-
r Proprio dcíordcnado, ficai ás reduzida
na ^ os» n*da obres, fenaõ p o r incli-
xao r ^ r®P!**a\ 9 u c de nada tenhas co m p ai-
▼cncasHf0 m c ^m a i c que em nada te
rePURnan " a° í aClUÍllo> cm ^uc na° fcntcs
° c,a* E queres, quc haja lugar para
o
fiz Nono dia,
o A m o r D i v in o em hum c o r a ç a õ taõ infi-
cjonado? parccçtc b em , que hum balíamo
taó prcciolo fc infunda cm hum vafotaóim -
inundo? C o n v e m pois, q ue, paia haveresde
ficar amiga de D e o s , tc faças primeiro ini­
m iga dc ti mel ma,por meio dc húa gcoero-
ía mortificaçaõ, carregando nella mais a maó
onde Íentires, que te culta mais, e naó re-
ítrin g in d o a virtude delia a húa ternura ex­
terna, e a húa d e v o ç ã o apparentc,efcmini),
que muitas vezes mais p ro v e m da boa edu-
c a ç a ó , que da g r a ç a ; antes fe ha de pòr a
m o r tif ic a ç a õ em húa continua viétoria das
próprias in c lin a ç õ e s , aproveitandolb ancio-
íamente de todas as o c c a íio c s , queíeoiferc- «
cercm de as m o rtitícar. P e r g u n t a d a húa vez
S . T h e r c l à , porque naó com ia dc hum certo
m an jar,q u clh ed iziaóellavab cm g u ifad o jp o i‘
iflo m eím o, refpondeo a Santa, o naó conioj
porque eíta b o m . P o r eíta regra fe guiaó os
que de veras querem alcançar o amor dc
D e o s ; por iíTo fc abítem d c hum m a n j a r ,
p o rqu e g o ll a õ dcllc; por iíTo comem doou-
t r o , porque naõ he do feu g o í l o ; ' por
callaó o ditto, que lhes veio á boca, porqu*
he agudo; por iíTo abaixaó os olhos, porque
tem curioíidade dc ver; por iíTo fervem cotfi
g o ílo a tal peíToa, porque hc ingrata;
Liçao* 5* 1 3

Mb trataõ muitas vczcs c o m á o utra,porque


l!c dc mao genio, e dcftc m odo v a ó d ifc o r -
rendo. N e m im aginealguem , que hc peque­
no bem a m ortificação continua neftas o c -
cafioes tão miúdas, porque he h u m b e m t a o
grande, que ordinariamente hc o cam inho
mais breve para alcançar o am or dc D e o s .
O cam inho, que de noite íe v è n o C e o , a
que os A ít r o lo g o s chamaó V i a L a f t e a , nao
he outracoufa na opiniaõdosm efm os A f t r o -
logos, que hum nggrcgado de muitas, e m i-
udiíTimns cftrcllas, cada hüa das quacs p o r f i
fó fugiria da v i f t a , dc quem para cila olhaí-
fe, todas juntas porém fazem húa cftradadfc
l u z , c hum caminho celeílial. S u p p o e m p o i s
tu, que o caminho, por onde os Santos n o
Ceo da Igreja fu b ir a õ a húa caridade f u b li-
me, naõ he, fenaõ hum n g g rcg a d o dc mui-*
tos, c muitos aftos de m o r tific a ç ã o , c h ú a
r crpetua nbnegaçaó de feu amor proprio c m
todas as o c c a fio c s ,q u c fc lhes o f f e r c c e m , d c
forte,que qualquer defles aftos fugiria da vi ftaj
c todos juntos lhes tem banhado o entendi-
nicnto dc luz C c l c f t i a l , c elevado a D c o s o f
eus coraçoés; e fc tu os quizcíTcs fe g u ir p o r
®*tc caminho, procu randote m o rtificar no
amor p ro p r io , cm b re ve tem p o t c a c h a -
s totalmente mudada.
Kk jcto s;
5" r 4 Nono dia,
A C T O S , C O M O V E A CA R IV A -
ac p a ra com D e o s f e exercita .

Q
U c m dc veras ama a hum amigo,
poi amor do m efm o amigo', fc ale*
Ç ra em primeiro lugar dc to d o o bem,
o e íc o b rc na pcíToa querida, c depois lhe
zeja o b em , que lhe falta>eem íccnconrran-
g o cita amifade c o m outros bens menores,
a antepõem a qualquer o u tro bem j e final­
mente, fc em algúa coufa tem faltado a clTc
a m o r , le arrcpcndc,com o u tro amor pciaro-
i o , d o e r r o , cm que c a h i o , e procura refti-
tu ir a fua primativa v iv e z a , c vigor, efla i-
mi fade j a enfraquecida, ou extinta. D o que
tu d o inferiras, que faõ quatro os a&os de
a m o r , que has dc e x e r c ita r , para co n feg u ir,
c aumentar a C a rid a d e D i v i n a , que, como
j j c a d itto , hc húa amifade verdadciriíTima,e
fublimiffima, entre D e o s , c a almajefaó,amor
d e complacência, am or dc benevolência, amor
à c preferencia, c a m o r d o lo r o f o , ou conter
faõ. P o rte h á s , pois, muitas vezes a conlidc-
l a r o immenfo t h e fo u r o , que poííuc o rcti
E f p o f o , qu C hc a plenitudedctodososbens.
P ro cu rará s defpcrtar no teu cor^qaó
áviftadas
grande j u b i l o 9, immenfas■cocsJPcr
Liçao, 51 f
çoés, que defeobres cm teti D e o s , a lcg ra n -
dote dc ellc fer taó b o m , taó f o r m o fo , C taô
fabio, que excede toda a noíTa c o n f id e r a ç a ó j
c dc que, alem diíTb,clle feja a mefma gran*
deza, a mefma bondade, a melma b c llc z a , c
a melma fabedoria, e d c q u e a& u alm en te
polTua tudo quanto hc p o f l iv c ld e p c r f c i ç a õ j
c dc que ab eterno a pofíuiflc* c iíTo c o m h u m
gozo taó im m en fo, que eíTe m cím o g o z o
tem vigor para produzir hum Deos* q u a lh e
o Efpirito Santo. Para toda eíTa abu ndah -
cia infinita dc b em , que o teu Senhor t è m f
has tu de o lh a r ,c o m o para b e m pro prio teu *
tendo maior c o m p la cê n cia da fua fumroa fe­
licidade, que de qualquer o u tro bem teu j e
golhndo dc naó feres nada, paraque c l l e f c -
]»tudo, c cftando aparelhada para ficar re­
duzida a nada, paraque fc coníervsfTca D i v i -
5* felicidade, quando em a lg u m cafo im p o f*
uvel podefle faltar. O h quaó nobre e m p r e -
S° 0 do teu c o r a ç a õ , fe loubcflcs atear nel-
c cfta Divina ch am m a! c D c o s o c f t i m a t a n -
to, como fc lhe déíTcmos aqucllc bem , q u e
Rimamos le ache nelle, c parece, que e q i
um certo m o d o fc p o d e d ize r , que j u l g *
c° s>que o g o z á r m o n o s n ó s,d e que e lle íe -
r r?’ ° m c fm o que fazcllo D e o s , c
°nfcrirlhc aquclla dignidade, que lhe naõ
Kk 4 .
5*6 Nono dia,
c o n t r a r i o , quanto imagi*
fri i r- r i ■*" ° S e n h o r, vendo húa alma
* r.,b ,í n e ? a c o m p la c ê n c ia ? c c o .n o rode
t e i D P m n ' 1 P ° í1 ,Ua creatura,quenaÓ
n " L P?- p ro p r,'0 bem 0 d o feu E íp o lb ? Eli
em t f r r tCm .aIeS rad o atento, c contim
em r 1 r P CCnC'a d ? limitado bem,que
, ,E ° l t o u )c ° m o naõ c o m e ç a s tu porhúa
d c c o r a ç a ó d o b e m immenfo,
í h d o r V f t ;l ,l’ o r e ilc n c ia ,q u e fempre tem «•
í e affirn „ -%para fcm prc fcm diminuição?
e a u i m o nao fizeres, pódefe dizer, que Deos
.1U 11 Cí ran ’ P0IS portas para cora
r l c o m o fe tc naó pcrtcnceíTe.
. cG-'''do a â o h e d c a m o r d e b e n n o le f
t í ; . , e r 05 h r b c m univcrfal, e,coroo
S í f Ü * d - t o d o 0 coraçaó. Por
orflnrl r r ° ISi^iUe k ú * a lm a tem chegado a
®‘ c fehctdadc d c fc a c h a r penetrada do
a m o r D i v . n o , l o g o d e z e j a , qíic Dcos lij*
a m a d o , c lo u v a d o p o r to d a s as fuas creatu-
ras, c quanto mais adiantada cfti v e r aaloian»
cai idade, tanto mais c r c f c c e f t c nobredezejo,
aezejan d o ao S u m m o B e m aquclle unic®
Dcm, que fó i he pode f t , car> c qu£ ÜOÍCi.
^.ntc Ic lh e p o d e d e z e j a r c o m e ffic a c i 3, q .
c o b c m cxtrinfcco d a f u a maior g l° rja*
- ^ U I n a fc c m c o d a s a q u e lla s ç o n y c D Ç 0# *
* 7 i ‘ ^k • . *. ~ que
Liçao. 517
quc fnzcm co m D e o s as almas fervorofas, dc
lhe ofFcrecer tod os os lo u v o re s, quc fc lhe
3
<aõ no C e o , tantas vezes cada dia, ^quantaS
dias relpiraó, ou quantas levantaó os olhòs
fara o C e o , ou repetem aqucllas palavras:
Laudo te, Domine, c outras íe m e lh a n t e s .D a ­
qui nafee,o co nvidarem a todas as crcaturas,
paraque en g rah d cça ò a o S c n h o r jo a f p ir a r c m
á ccleftial patria, onde íc naõ fa z outra c o u ­
fa, fenaò lo u v a llo j o o fferccércm lh c aquella
infinita g l o r i a , q u c elle fc dá a (i mefmo ab
eterno, e dará para fem pre j o h u m ilh árcm -
le até o profundo do feu p r o p r io nada, e ao
abyfmo dos feus p e c c a d o s , para exaltar ao
Senhor, e ás fuas D i v i n a s 1‘M ilc r ic o r d ia s 5
e outros a& os fcm clhantes> cm cuja inven-
Çaó hc engenhofo 0 amor j m oílrando d c lls
modo o fog o do feu a m o r , pois nunca e lle
diz, que bafta. E ves aqui patenteado huni
cfpaçofo cam po, para dilatar o teu c o r a ç ã o
ja caridade * principalm ente no tempo da
em que a F c tc moftra ao F i l h o de
Deos, que,"fendo de infinita dignidade, fc
eáá alii humilhando, para dar a devida hon­
ra ao icu Padre C ele ltial) c fe poem c m n & o
dchumilde f e r v o , c o b e r t o de vís accidcn-
para o glorificar quanto lhe he poílivcl.
tempo pois,une tambem tu o teu co-
Kk 1 ra"
5" 18 N on o d i a ,
ra ç a õ ao feu , e offcrccere toda para gloria
d o Senhor-, d e z e j a , q u e íc dilate, c clíendá
fem pre.m ais, e mais o feu R e i n o ; e propo-
e m firmemente de o dilatares c o m toda a
efficacia, primeiramente cm ti mefma, aroan-
*)o, e obedecendo em tudo ao teu Divino
E f p o f o ; c depois nos d e m a is , quanto tc for
poffivc). E fe o Senhor a g r a d e c e , e rccorot
fa o teu affc& o tanto, c o m o í c o pofcíTcs por
o b r a , ferá intolerável a tua p e rg u iça , fc fo<
ie s cícaíTa para c o m D e o s , até nos dezejos.
O que D e o s porém mais i n c r c c c , e mais
encarecidamente quer de n ó s , he o amor dt
P referen cia , c o m o q u a l , depois d c haver­
m o s formado hum altiflimo a p re ç o dc fuas
infinitas p erfe iço é s, nos rcfolvcm os a ante­
p o r a fua amiíadc a todas as coufas creadas,
e pofiivcis. E í l c genero de atnor he o que
p ropriam ente nos fa n t ific a , c que propria­
m en te he devido a D e o s ; o qual feudo hua
B o n d a d e fem i g u a l , naó fc po d e dignamen­
te amar; fenaõ por húa bencvolcncia fem
7
I ° é ig u a l. O Senado R o m a n o , d i z Santo Ago-
« o n - ftinho, deo antigam ente lugar nos feustem-
E»aL PÍ°S a trinta mil D e o fcs; iíto he, a todos,oi
*ib- *• que eraó adorados no reítante do mundo*
ç' n ' e que naó quiíera adm ittir ao v e r d a d e i r o
D e o s , porque d i z i a ó , EU e quer fer fó y e
Liçao. 5 1 9

admitte companheiros. M as a verdade h c ,


que ido mefmo hc fer D e o s , o naó querer,
nem poder, ter igual na eítin ia ça ó , c na ve-
jieraçaõ} c iílo mefmo he fer Senhor, o que­
rer tudo , quando o ladraó fc contenta c o m
parte. Aílim o demonio fe contenta, que ás
ve7.es fc anteponha D e o s ás outras coufas,
com tanto, que em outras occafioés fe p o f-
ponha; porque o dem onio he ladraó; D eos
porém,que he Senhor do c o r a ç a ó ,o quer todo
para fi, e naó quer c o l l e g a a l g u m , nem c o m ­
panheiro, ou co m p e tid o r no noíTo affeéfco^e
muito menos fu p e rio r , ou foberano. C o n ­
forme a eíta doutrina, has dc eítaj co m tal
difpofiçaó, q u e , fc dc húa parte te pofcffcni
diante todos os b e n s , e males do m undo, ç
de outra a amifade de D e o s , tu, por amor
do mefmo S e n h o r , dcfprezes todos eíTes
bens, c m a le s , por naó perder a fua D i v in a
G raça; dc f o r t e , que podas dizer co m o A -
Poílolo, que nem a m o rte , nem a vida, nem
o prefente, nem o f u t u r o , nem crcatura al-
fiüa te poderá apartar do am or d o S u m m o
B em ,cfcolhcndo antes morrer na fua g r a ç a ,
que viver cm offcnfa fua, co m o diz Santo
Agoítinho. E porque podemos fempre cref-
ccr, co m o acima íe diíTc, ncíta c d im a ç a ó d e
Deos, c nefta preferencia da D iv in a M a g e -
Kk 4 to-
5" 2 o Nono â ia y
ítade a rcfpcito d c tqdo outro b e m , na te 5
has dc contentar ío co m antepor a amifade
D i v i n a a todos os outros b e n s, fenaõ que i
cites has dc procurar antepqr qualquer ven-
tífgem da mefma amifade, e qualquer aug-
m en to da gloria do S.enhpr j de tal foitej
q u e eítejas preparada para facrificar todosos
teus a p p etite s, p o r agradar áquclla altiAima
M a g e í t a d e , ç para naõ cornm etter adverti*
ca m e n tc culpa a l g ú a , aindaque l e v e , por
n aó dar o menor d c íg o íto áquéllc Supremo
3 c r , q u c hc mais que digniliim o de que to­

as as crcaturas fe e m p r e g u e m , c desftç'ó
c m lhe dar h o n ra , c pm lhe fazer o gorto.Hf
j a q u c ncftc c x c r c i c i o cp n iiitc o noíTo nv-q*
ò r b e m , e a maior g l o r i a , quc podemos daí
a |)co s , c o mais nobre e m p r e g o defta vida,
c ainda da o u t r a , o deves tu cílim ar mais,
q u c nenhum o u r r q , fazendo muiras vezes c-
iícs aétos, efpccialm cntc n o tem po das ten­
t a ç õ e s , c r r ib u la ç o e s , lembrandote dos be­
nefícios recebidos. Q u e agi*adecimento me­
lh o r podes tu e x c o g i t a r , do quc, á viita dp
h a v e r D eos ãn tcp o ílo o bem da tua falva-
ç a õ ao bem da fua mefma vidíi, "morrendo
cm húa C r u z , cfcolheres tu antcpóJlo a clls
cm toda a occafiaó a todos os bens c re a d o s,
c fazeres diíTo pi o tc ílo d is u te do C e o , c da
L içao.
terra? T a m b e m nas trib u la ç o e s h a s d e p r o -
teftar muitas vezes, (]uc cllás p ro m p ta, c o m
a g r a ç a dc D eos, de fofrer p o r feu amor
muito mais, e de cahir d e b aix o do p e z o da
tua C r u z , c o m t a n t o , que elle íçja g lorifi-
cado em ti, c o m o m erece, e que queres,que
elle t c tra te , c o m o o ferreiro ao f e r r o , que
com húa maó o amartella, c co m a outra lhe
tem maó. E fobrç tudo, nas t e n ta ç õ e s h c o
tempo de tc adiantares 11a caridade D i v i n a ,
rejeitando co m húa fanra ir a o s o fr c r c c im e n -
tos, que te faz o d e m o n io , p i r a irocarcs a
Deos por hum bem d c nada* e declarando
com húa gencrofidade i n v c n c iv e l , que nao
deixarias a D e o s p o r mil m u n d o s , aindaque
os houvefles dc polTúir para fempre.
Finalmente o q)timo rxfco dc caridade hç
o amor dolorofoy quando confidcrando a al­
ma, que fc tem tantas v e z e s antepo fto a (i
mefma a D e o s , tratandofe a fi, c o m o le fo ­
ra Deos, e tratando a D e o s , c o m o fc fora
creatura, procurando f a z e m própria v o n t a ­
de com d cfg o flo daquclle foberano S e r , e
julgando fer felicidade fua o naó fazer a D i ­
vina vontade*, v o lta ao depois fob re fi, 011
Cnl c dctcíla futnm am cnte aquelle te m p o
i n W i ^ f c confunde dc haver feito húa clci-
Çao taó injufta,e p r o p o e m de dar ao Senhor
da-
*
J22 N on o d i a ,
daqui cm diante no feu coraçaõ o lugar,quç
fc lhe devç, iílo hc, o p r i m e i r o , e o fumrao
dc todos os bens poífivcis, c dc fempre ter
p o r nada, cm lu a c o m p a r a ç a õ , qualquer bem
crcado. E í l e e x e r c í c i o , pois, de contriçaõ}
c dc d efg o íto de tc haver o p p o í l o taóteme-
riamente ao D i v i n o querer, augmentaránu-
ravilhofamente em ei a caridade, c te fubmi-
niftrará,nao (6 hum cfp clh o , em que vejas
as tuas manchas, mas tambem húa fontecry-
ftallina, c clara, em que as vejas, e laves
ju n tam en te. H u m e x e r c íc io tal co m o eíle,
dizia Santa M aria Mr.gdalena de Pazzi; he
mais proprio dcíte v a llc de lagrimas, que o
do amor dc co m p la cê n cia* e o havíamos de
a p p licar cm chorar principalmente as inju­
rias, que temos feito ao S e n h o r, e depois em
lamentar tam b em as que lhe tem feito,e fa­
zem os pcccad ores,d eccílan d o h ü as,e outras
Mji. f u m m a m e n t e : F id ip r a v a r ic a n te s, 6? tW 9J~
u f . cebam. Santa X h e r e f a , ex p rim in d o cm ter­
m os geraes e íle a í f e d o , que cm íi e x p e r i­
m e n ta v a , d iz, que húa alma, amante do Teu
S e n h o r , he penetrada ás vezes dc hum tto
grande pefar de o ver ofFcndido, e dcfprÇ'
z a d o , que lhe parece fe lhe párte o coraçao»
c que efeolheria antes m o r r e r , fciíTo eíliv^ '
íe na fua r a a ó , que tolerar húa tal viíla. &
1 * pois
L içao, 523
rois tu, taõ p o u co tc affligcs, quando o uves
contar os grandes p c c c a d o s ,q u e f c c o m m e t -
tcm no m u n d o , t u , que p o r outra parte te
lentes tanto dc qualquer l e v e injuria, que te
façaõ, que fc ha dc d iz e r , fenaó, que tc amas
muito a t i , e pou^o ao S en h o r? Q u e bclla ' *
cfpoía fe ria , a que nada fentifle o ver a feu "
efpofo ferido, e maltratado pcllos feus cria­
dos, contcntandofc c o m dizer : eu naõ o fe­
ri, nem m a ltr a te i!

l i ç a õ e s p i r i t u a l ,
Para o d c c im o dia dos E x c r c i c i o s .

& Q B R E A T V R E Z A T )E JN '
s ten ça õ no obrar, ^.
0 .. i > • 0 M.* :5i. . ;
• «1r* aJ j f \
*[

A
N a t u r e z a , quando f o r m a a o h o m e m
no feio materno, c o m e ç a pello c o -
|aSaó» c a pintura, quando forma h u m r c-
ftrsu° *°bre hum q u a d r o , c o m e ç a pello ro-
porque a natureza poem a mira na
cr »dc da v i d a , c a pintura fe contenta fó
m a apparcncia. E a verdadeira virtu d e
cm o feu cftudo principal no interior da
H ^ n d o a falfa fó cuida do femblante
Atertor, c do que apparecc por fora. P o r é m
t _ lü *
S24 ' "Décimo dia,
t u , que tc pretendes apartar de húa v-írtudí
falia, c adquirir a f i r m e , e folida , a que has
de dirigir o teu principal c u i d a d o , fenaó a
animar as tuas a c ç o é s com hum grande e!#
piritu interior, pois niflo finalmente conli-
ítc toda a gloria da alma : Om nisgloria füie
4 M&is ab in tu s? C o n e lu irás, p o i s , as tuas li­
ç õ e s efpiritukes deites dias co m a prefente,
c m ordem a f o rm a r c s h ú a in tc n ç u õ rc<£ta,quc
feja a coroa dc todus as tuas obras, e tal vcl
a mais proveicoía.
H e ,.p o i s , a r e & a i n t e n ç ã o , n a õ h ú a v ir­
t u d e p a r t i c u l a r , m a s l i u m e x e r c í c i o de t o ­
d a s as v ir tu d e s ,le fp c c ia lm e n te d o A m o r D j -
y in o . P o r q u e t c d e v e s l e m b r a r , q ue a C a r i ­
dade he hum fo go cclcflia l, o q u a l , atôm
• c o m o n a õ p o d e eítar o c io fo , aflim tam bem
naõ fc p o d e lim ita r a hum affe& o cfteril, e
« ju afi c l p e c u l a t i v o p a r a com o Sen h or,* nus
hc n cceflario ,, q u e , p a f la n d o á p r a x e , enca­
m in h e todas as fu a s operaçoés a g lo r ia do
Sum m o Bem#i:Ifto í u p p o í l o , a r c é ts t i n t e n ­
ç ã o , na fu a m aio r p u r e i a , e p e r f e i ç a õ , n*o
h e o u t r a c o u f a , fe n a ó h u m d eze jo d a r.lnU
d e o b rar tu d o para g lo ria dc D cos, e cm
cu m p rim e n to d a fu a fa n tiflim a von tad cjp el*
í o q u e , p a ra fe r p e r f e it o efte d e z e j o , deve
c o m e ç a r p e llo a m o r d e D e o s , c o m o p o r
L içao. $2 $
principio, c acabar nclle, co m o em feu fim ,
Qczejando intcníamente, c procurando o b e m
dc D e o s , por amor do m efm o D e o s , c nnõ
por outro rclpcito a lg u m . M a s qual (cia
eflp bem D i v i n o , que devemos ter por a lv o
das nofias o p e ra ço e s ? Ja fabes, quc fendo
D eos hum ÓCcano im m cnío de todas asp e r-
feiçoes poífivcis,naõ he capaz dc reccbcr
bem algum intrinleco, e f6 po d e receber
hum tal bem e.\;rinfeco, quc co n fiílc , em
quc o Senhor feja conh ecido mais claramen­
te pellas fuas crcaturas, amado c o m mais ar­
dor, c obedecido c o m mais pontualidade.
D on de, a nlmn, que cftá abrafada na verda­
deira caridade, fabendo p o r f é , que o S e ­
nhor hc fummamentc d ig n o de que todas as
coulas fc efmerem em lhe dar g o f t o , d e ze ia
obrar taõ perfeitam ente, que D eos íc p o lia
diíTo agradar,com o quem fc alegra de todas
as coulas bem feitas, e agradece co m e(pe-
cialidade tudo quanto le faz c o n f o r m e á lua
Divina vontade.
Efta pois he a r c & a intençaõ, totalmcntft
Pura, cm quc confiftc o noíTò maior b e m ,
porque cila hc para o c o r a ç a õ , c o m o a raiz
para a planta, para a fazer b ro tar, c c o m o a
alma para o c o r p o , para a fazer v iv e r > cila
bc aquella vifta ftngcla, q u e c o n fo rm e d iz o
culustuus f u t r it fim plex, íptutn corpus tnumlu*
cid ü erit. Doride fc legue, que lom os taes,qual
he a nofla i n t e n ç a ó ; d c í c & u o f o s , fe ella he
d c f c & u o f a , c u lp a d o s , íc cila he culpada, c
p e rfe ito s , fe ella he perfeita. E fía differen-
Luc. *** i n t c n ^ 0 <tC7* 9 UC o s d ° u s r c i s > 9 UC
ai. 3. dco d c cfm ola a p o b re v i u v a , foflem mais
aceitos a D e o s , quc as grandes eímolas,que
deraó os Pharifcos. Efla f c * , quc o facrifi-
c io dc C a im foflc a b o r r e c id o , c aceito o de
A b e l j que os ornatos dc Jcfabcl lhe merc-
ceflem o p r e c ip íc io , c os enfeites dc Judith
foflem inílrum ento da liberdade do p o v o d e
Ifracl> porque cm fim pella vontade he,que
vive m o s b e m : Poluntas qua rettè vivi-
tur. F ira os olhos no C e o cm húa noite fe-
rena, e olha para as cftrcllas, q u c eítaó cn-
gaíladas nefla formofa ab ó b e d a do Uni-
ve rfo , quc todas fe m o ve m para hum mcl-
m o te rm o j mas quaõ diverfas faõ os feus
m o v im e n to s ? pois ha h ú as,q u e c o r r e m com
tanta velocidade, q u c em h ú a iohoracami-
nhaô muitos milhoés de léguas* e ha outras,
q u e , em c o m p a r a ç a ó das primeiras, apenas
fc m o v em . S u p p o c m a g o r a * que o C e o hc
** ^ • rr . ? . ? ^ _____D/.1Í.
L içao. £27
ftrellas: eftrcllas diíTe, c diflc b e m , p o rqu e
as iupponho todas cftrellas,e que entre ellas
naò ha cometas; e que todas dc hum mcírrio
acordo fe encaminhaõ a hum mefmo term o,
que hc o glorificar a D e o s , e crcfcerem na
perfciçaój mas nefta íem eih ança de m o v i ­
mento ha grande d cílem clh an ça na v e lo c i­
dade: porque entre cilas eftrellas fc acharáó
Húas, que le adianraõ q u o tid ian am en te , c a
grandes pa(Tos,na virtu de; po dcn do íc dizer
dellas, que cm breve tem p o tem v i v id o m u i­
tos an n o s, co n fo rm e o que d iz o S a b i o :
j« p .
Cotífummatus in b rev i explevit têmpora mui- 1. >!•
t e je tal vez ie achará mais do que h ü a ,q u c,
dtpois de muitos annos, apenas fe terá m o­
vido dc hum lugar, fendo velha já na idàdc,
c moça no ap ro veitam en to , c em termos dc
worrerneflafua caduca m e n i n i c e : P u tr c tn * lf«L
f/wm/m morietur. E donde nafccrá c-
‘ a ^ii paridade taõ n o t á v e l , fenaõ da d iver-
idadc da in tcn ça õ n o o b r a r ? porque as obras
pella maior parte as rocfmas;todas vaó ao
oro ao mefmo te m p o , todas tem o mefmo
crnpo de o r a ç a õ , todas guardaô a mefma
ervanciaj mas o prin cipio de ob rar, que
d ,° £oraÇ aõ, naó hc o m efm o . E f t a ver-
c».aplicada c o m mais excenfaõ, do que
r ím ittea brevid ad e,q u e profeflo, ferve pa-
5 2 8 Décimo dia>
rn dc rodo tc pcrfuadires, que deves p ó ç ò
maior cuidado em vigiar attentamentefobre
a tua intençaõ no obrar, procurando qucel-
l a feja perfeita, e que tenha ao menos eftas
tres c o n d iç o c s , que feja pura, univerfaly c
atlual.
Ò fer Puir a c o n f i f t e , c m que (c naõ buf-
que jun tam en te c o m D e o s , o u tro bem al-
g u m , que fe naó dirija á gloria do mefmo
D e o s , de forte, que poíTa húa alma dizer com
verdade: Unam p etii à D om ino5 porqnc to*
a6' 4’ dos os outros fins fccundarios, c todaaelci-
* ç a õ de meios iaó coufas fubordinadasnoh^
p r im á r io , que he O a g r a d o ’ d o Senhor.
L e i antiga quando fe facrificavaõ as poio*
bas, o que o Sacerdote e x a m i n a v a com roai*
c u id a d o craõ os olhos, c co n fo rm e a cltô
h c q u e fc j u l g a v a a vi& iin a por capaZ, oU
jnaô,de fc o ffc r e c e r em fa crificio : p r o c u r a tu
te r os o lh o s, ou a in te n ça õ p u ra ^ cle m m ^ -
ch a, c feraó fum m am entc agradaveis ao Sc*
o r e . n h o r as tuas offertas : Ecce tupulebra cs* 0'
*• l* culi tu i coJumbarum.
A fegunda c o n d iç a õ , que ha dc ter a m*
t e n ç a õ , hc* que feja u n iverfa l, dc forte,q1^
f e c i i e n d i a todas as tuas aeçoes,fem quenr^
«^"'•hua fõ f i q u e dc fora :O m nia ponta, njctbra{5>
7* i 3'nova} di!cfte rai^fervavi tib i. Trcs forccíj ^
r •
Ltçaói l f i '9
obras podemos fazer* a primeira, faõâs obraS
más* e eflas faó fruta podre* òu vencnofnj
que fe naó podem olferccet ao S en h ó f. A
iegunda faô as obras cm fl b o a s , c o m o o o -
rar* o chegar aos Santos Sacrameritos*e o u ­
tras femelhantes, e eftaS fe cham aó pom o*
novos* porque procedem da ajuda fobrena-
tural da g r a ç a * c faô feitas por p e flo a , quc
cita em amiiade co m Deos* nem fc tem v i­
ciado com algúa civcum ítancia dc maldade,
c i*aó meritórias em fi mefmas * e c o m tu d o ,
o oftercccltas ao Senhor expicíTamentc lhes
dá merecimento maior* c troca cm ouro, d
quc era prata. A ultima efpécic de obras he
daqucllns, que faõ indifférenres) nsquaes*por
u melmas, naõ faô b o a s , nem más* co m o d
dormir, o c o m c r / o trabalhar, o divertirfe*
c citas fe chamaó pom os a n t ig o s , porqiie
1
Proccdctn da natureza , a qua 'c ftá cm n ó i
antes que a graça. Eítas poiV, he que íe h a ô
de offcrcccr ao Senhor c o m mais cu id ad o , i
confervarfe para cllc com maior d ilig e n c ia i
*uim porque de outra forte ficariró na fúa
° aixcza fem m erecim ento, fendo quc pclla
rÇcta intençaó fc fazem fobrcnnrurae$,e taé»
ritorias de vida eterna* c o m o tambcrri,por-
que hc mais facil o bufearmos nellas b pro^
prio g o í l o , p o r ferem coitfas, que ordína^i*
Ll nnien*
<
53° T>ecimo dia,
am cnte faó conform es á nofla fenfualidade,
c ao genio d o hom em ve lh o . E por iflo o
A p o itolo, quando e n c o m m c n d o u aos Fieis
eíta pureza d c in te n ç a ó , fez m ençuó cxpref-
fa d o co m e r, e b e b e r , e involveo as demais
3o.j°o!CO s. ^ ,c, mos geraes: S iv e manducai'^
Jiv e b ib itis, five aliud quid fa c itis , omitia i*
gloriam D e i facite\ paraque fc entendeílc fer
niiiior o p e n g o , que corremos cm naó refer*
varpara o Senhor os pom os mais antigosdas
obras naturaes.
A u ltim a c o n d i ç a õ , q u e ha dc terainten-
Çaõ, h e .q u c feja a ftu a !. Q u e r o dizer,quete
m ó has de co n ten tar c o m que as tuas obru
fc encaminhem a D eos 'ó m e n te por habito»
p>r razaõ d o çfta Jo de G r a ç a , è m que ccíup*
p o n h o ; nem te has dc contentar co m offc*
í e c e r a o principio do dia todasas t u a s obras *
gloria do S e n h o r , fenaõ que has de procu­
rar renovar cite o f f c r e c im c n t o em todas h
obras^ mais notaycis; afiim c o m o nas fabru25
fe naó ufa da regoa, e d o liv-cl#f ó a o priucj*
p i o d o d ^ m a s d e q u a n d o e m quando fe apF^'
c a h ú i f r ç o u t r o , para ir ajudada a ° ^ ra‘ .
q u a n d o c í h i n t e n ç t õ n a ó f o r aótual em ioda
íis tua; obras, co n ve m q u e feja ao menos vif
4
tu al,iíi^ i e , q u e o o f r e r c c ii n c n t o ,q u c c
t o p rin c ip io d i o b r a , d c d argo ftoaoS en b°^

• / ;
Liçao. 5" 3 i
fc cítenda c o m a fua v i r t u d e , e influa de tal
forte nas mefmas obras, que vaõ ellas anima­
das pcllo m o tiv o d o D iv in o agrado, c fc ta-
Çaô em virtude dcllc c o m mais cfp irito , e
diligencia. V i o Santo ígnacio a hum Irmaó
Coadjutor portarfe c o m negligencia no feu
officio, c perguntoulhe por am or dc quem
trabalhava? ao querefpondeo l o g o o Irm aõ,
que por amor dc D c o s : merccieis h ú a bo a
penitencia, lhe difle e n t a ó o S a n t o , p o r c u m -
prirdes taõ tibiamente co m a vofla o b rig a -
çaò, pretendendo fervir a D c o s , a qual naõ
merecerieis , fe quitefleis deíTc m o d o fer­
vir aos homens. P o r tanto, ou ob ra d c forte,
que a cada acçaò particular preceda húa in ­
tenção novamente formada •, ou de manei­
ra, que a intençaõ, que ja p reccdco , feja taõ
efttcaz, que por virtude delia, fc fa ç a m e­
lhor a o b ra, que fazes. E he cita advertên­
cia tanto mais neccflaria, quanto mais fre­
quentemente f u e c c d c , ler o noflo obrar
conio a cltatua de N a b u c o , que c o m e ç a ­
va com ouro na c a b e ç a , c acabava nos pés
cona barro: vaife á mela, ou ao lavor por
motivo fobrenatural, c p o u c o a p o u c o fe
'a . introduzindo a própria i n c l i n a ç a ó , c o
no o golto^ q UC 0 m cfmo que principi-
ar com c fp>rito,eacabar em carne: C um fpi- %
LI t *ir
532 "Décimodia,
ritu coepcritis, carne confummemini. Donde,
aílim c o m o quem navega contra a corrente,
ha de quando em quando fazer maior força
de r e m o , paraque a agua o naó leve paia
baixo* aílim a quem q u e r viver húa vida cf-
piritual he ncceflario, que renove vigorola-
m en te, e com frequência o m o tiv o iobicna-
tural, por que o b ra, para aílim viver da I c:
Heb.
1 0 . 1 ».
JuJltts autem meus ex fid e v iv it .
E porque cita hc matéria d c fumma im­
portância, c o m o temos v i í t o , ferá bom o
apontarmos aqui alguns indicios, donde po*
derás inferir, íe tens eíta retta intenção nas
tuas o b ras: os quaes indicios le podem con-
íiderar em tres e íta d o s , ou tempos:
da obra, na obra, c depois da obra.
jln tes da obra, co nh ccerás qual he a lü
intençaó, pella indiífcrença, que tens pal
tu d o o quc íc tc mandar. Sc cltás tao coi^
tente cm h u m oflicio h um ilde, coniO c
o u tr o mais h o n r o f o , hc final manifclm,q
o teu c o r a ç a õ naó eítá p eg ad o ^couUs»
quc tc o c c u p a ó , mas á vontade do S e n *
q u e nellas tc p o e m .p o r meio da 0^)C^lC,|lU^
p o rqu e na vontade D i v i n a , c o m o cm
m ar dc bondade, perdem o n om e Pr0j-üC.
todas as c o u f a s ,q u e nclla e n tr a õ , c 0 ™°yc(A.
irai. ccd c aos rios, q u c entraó no Oceano* ^
«*« -
Liçao. S3 3
btris voluntas mea in ta \c fó cíTa vontade he,
que nos ha dc dar g o l l o .
N a obra-, tambem encontrarás íinacs, que
tedem a conhecer a tua in ten ça ó no m odo,
com que obras. Se obras c o m m aior d ili­
gencia, quando tc vem as outras, que quan­
do eltás i*ó, fe te demoras co m mais reveren­
cia na oraçaõ cm lugar p u b l i c o , que na tua
cclla*, ctlás convencida de que os olhos das
crcaturas tem mais f o r ç a para influir nas tu ­
as a c ç o é s , que os olhos da D i v in a M a g c í t a -
de, aindaque eites fejaõ mais jc fp la n d c c e n -
te>, que o mefmo Sol. T a m b e m nas obras
conformes ao teu g e n io , fe as tomas co m
mais ah in co ,d o q u c h c neceflario para o ler-
viço dc D eos, e fe nas. contrarias ao teu g o ­
l l o , tc procuras aliviar m a is , do que era
bem-, virás cm c o n h e cim e n to , d c q u e naó
amas, nem efeolhes cilas c o u fa s , c o m o p u ­
ros meios, mas que empregas ncllas o teu
*ftc£lo mais, d o que era jutlo. Q u cnrl t o m a
2 medicina,puramcniecomo m ed ic in a ,c naó
Por alimento, naó quer dclla mnis, que o que
lhe baila para o c u ra r , e ainda iflo o tom a
com pouco g o i l o : D e neceflitatibus meis erue
' tr* *e tc na° déflc muita pena, dc que
j fle bem feita a obra, m astep o rtaflesn cl-
c °mo por demais, ao que d c r , c vier,cla-
L1 *
53 4 D écim o dia ,
ro c í t a ,q u e naó tens f ix a a t u a boa intenção,
dc que fe encaminhe á gloria dc D cos. Que
maior final de haver húa barca perdido o
l e m e , que o vélla andar delgovcinada para
h ú a , c outra parte, para onde a levaó as on­
das?
F in a lm e n te , Depois da obra, podes enten­
der qual foi o m o t iv o , q u e t c induzioacum-
p r il l a , reparando, fe te defanimavas, quan*
d o te naó lahia ao teu g o í l o j fc cobiavas
a n i m o , quando tç lahia bem > fe cílás com
m u i t o c u i d a d g , d e q u e os homens ta app*°;
v e m , ou c o m g ra n d e tem or, dc que nau
fa ça õ cafo delia j c fc finalmente te atbjiS
m u i t o cahida dc anim o, e falta dc coraÇ*-0 »
p o r q u e cm todos cites calos, e outros lerrc-
lhantes, le v è m an ifellam em e fer muito im­
perfeita a tua in te n çaó ,c muitodebeisas lor-
Job. ç as (j0 teu c fp ir ito : Rugee me<e teflimonit,ni
I6, * dicunt contra me, dizia o Santo Jo b j PorQü^
aífim c o m o as rugas do r o lto daó a c0 V
c c r a velhice do c o r p o , aflim as r e f e r i d a s •*
f e i ç õ e s d e m o ítr a ó a fraquezade quem c >
e tanto mais claram cntcaa daó a conntc >
quanto mais de vo lun tário reconhecei es
fenielhantcs a ficfto s j porque: por o u l,a £jü#
tc já la b cs , que o fentir naó he o que pr ) .
d i c a , mas o c o n fc n t ir : No>» tiocct
7ioneJl confenfu s.
• r • V
. Ltçao. S3 S
M E I O S , C O M fjjfU E S E T O T > E

confegiúr ejla 'T u r e z a de in te n ç a ô .


m Uas fortes d e meios fe podem aflig-
D nar para co nfeguir elta p e r fe iç ã o ,
taó importante para adquirir grandes thc-
fou rosdc merecimentos n o o b ra r . A prim ei­
ra elpccie tira os im pedim entos, a fegunda
introduz as difpofiçocs.
Antes porém , quc entremos a e x p o r a na­
tureza detlcs meios, hc bem advirtamos em
hum e r r o , que hc mui freqüente entre pel-
foas eípirituacs, e vem a ler, o perfuadírem-
fc,quc hc muito facil o ter reéta intcnç.tõ
nas fuas obras, e quc bafta Io d iz e r : Senbory
eu faço i/lo para gloria voffa^ c daó a co u ia
por feita. Se ilfo aflim fora, naó diíTeraoSan-
to J o b , quc tinha receio dc todas as luas o -
bras: Verebar omnia opera tnea * c tu terias
pouco que temer a relpeito das tuas. H a s
pois dc prelu ppo r, para naó cahir neÜe er­
ro» quc quando fe rçprefcnta á tua vontade
algum ob jccfo b o m , fe ella o q u e r , e lhe a-
Bj^da, forma o feu adto prim eiro, que fe
c jlíirTla voliçaô. E le a vo n tad e , naó fó ama
c rcJ * j ca 0, c o m o b o m , mas dezejn tambem
P ° “ UiUo com efficacia, forma entuõ o leu
Ll 4 fc-
5*36 Décimo Ma,
l e g u n d o a f to j que íe chama intençaó *, don-
d e podes c o n h e c e r , que a intençaó dc hua
coufa, p o n h o p o r e x e m p lo , da G lo r ia dc D e­
os, prcfuppoem o am or da melma coufa, c
h e enganaríc tíutn a fi m cím o o dizer: que­
r o fazer ifto para gloria d o S e n h o r, quando
n o teu c o r a ç a õ naó ha tanto am or á gloria
D i v in a , que te poíTa m o ve r mais efficazmen-
%c a obrar', q u e o que çn taó te m o v e outro
a lg u m affe& o a o u tr o algum bem creauo.
P e llo q u e , v c , que hc ncccflario fazer p°r
te aíTegurarcs, de q u e obras tudo para agra­
dar ao Senhor* e tambem hc ncccflario en­
fraquecer a f o r ç a d o am or proprio com *
jn o rtific a ç a ó dos a f f c â o s , e augm entaro yi-
g o r da caridade, para maiscfficazmentc P1°"
çu ra r a G lo r i a D ivina. ,
F a z e p o i s de conta, que fu cced e m co m a •
g ü a proporção no c o r a ç a õ h u m a n o a(!ue.
Ias defordens, que v i o F z e q u ie l no
d e Jerufalem ,onde h un sado ravaó ao Soh°
tros a V e n u s , e outros aos animaes ^a c c r . j
c efla mefma abom inayel idolatria ic
c m fum m o g r a o nos peccadorcsj porquc •
g u n s , p o r razaõ da f o b c r b a , e d a ^unl‘
in c h a ç a õ , figuradas pello Sol* outros, P0. ^
2 aõ dos deleites impuros, figurados por ^
p u sjc outros pop motivp das ri<\ucZ^cn5
Ltçao. 53 7
bens terrenos, de que faó fy m b o lo o s a n tm a -
es, v o h a ó as coftas a D co s, e quebraõ os fe-
us mandamentos. N a ó fc acha no c o r a ç a ó
das PelVoas efpimuaes femelhante abomina-
ç a õ , encòntrafc porém nclhs algúa inclina-
çaó a cíTaefpccicdebcns apparentes, da h o n ­
ra, dos deleites, c da própria conveniência*
e fc fe naó reprimem co m húagcnerofa m or­
tificação os movim entos, e o a ffc tto , que
tanto nos leva atras deflcs bens, naó ha que
efpcrar feja totalmente rcéta a noíTa inten­
ção, a qual fe compara nos C antares a húa
pyramidc de fumo c h c i i o f o , Sicut v irg u la ^ n u
futni^ex aromatibus myrrha, thurU\ a q u a l 3’
para (ubir direita para cim a, he p r c c ifo ,q u c
os aflopros das paixoés a naó perturbem por
hum dos lados. P o em pois grande cu id ad o
cm defprezar muito de veras no teu interi­
or a cftimaçaó dos h o m c n s ,c o m o c o u la vaá,
porque te naõ pode dar bem alg u m *, c o m o
coula injufta, porque tu a naó mereces* e
como coufa nociva, porque te fax ufurpado-
ra da honra (6 devida ao S e n h o r , e tc tira o
merecimento das boas obras. P ro cu ra tam­
bém dclprczar muito de veras o a ffc & o das
^rejturas para c o m t i g o , de forte, que naó
enhas gofto dc fer dcllas amada, nem tecau -
c PcQa o naõ lhe cahircs em graça* deze-
jan-
£3 8 Décimo dia,
jan d o fómenrc,que o fcu,e o teu affe& o fc em-
p r c g u c t o t a lm c n t c em amar ao Senhor. Pio-
cura final mente vencer o dezejo das tuas pró­
prias com m odidades, por am or das quaes cof-
tu m a õ alguns referir a fi mcfmos todas as
coufas, b u fear em tudo os feus proprios in-
terefles, c fazerfe c o m o centro de todas as
*hil. luas o b r a s , c o m o reparou o A p o í l o l o : 0-
2,1 mnes,qu* fu a [unt,qu<erunt,non qu< efuntjE -
S U C b r ifti. V ig ia n d o pois, c o m o Soldado
de centinela , contra o grande impero das
tuas p a ix õ e s, e mortificándoas l o g o , em fc
querendo defordenar, le c o n fe g u c efla pure­
za dc in te n ça ó , que fe requer para obrar
perfeitamente, tirando os impedimentos,quc
po d em fcrvir. de o b ft a c u lo a iífo.
S e g u e l c depois o introd uzir asdifpofiço*
és neceífarias para elle effcito, que vem a
fer prin cipalm en te, o fazer hum grande * 3
p r e ç o de agradar a D e o s , e de cumprir in#
teiramente a lua D ivin a vontade. O cum­
p rir c o m ella naõ he coufa fervil, mas o mai­
o r bem q u c ha no C e o , e na terra. H e hum
b e m , que diz refpeito ao mefmo Deos, c
fendo aflim , naõ pode deixar dc participa
d o infinito. O m efm o D e o s no feu obrar
naó tem o u tro fim ultim ado, que o de agra­
dar a ú m efm o, e p rocu rar a fua própriag'0-
i ' . L iça o . ^ 539
ria-, donde naó podem os homens en gran d e­
cei le mais, nem f o e r i e femelhantes a D e o s ,
Icnaõ obrando por efle m efm o fim. f^uan-
to m ais, que o agradar a D e o s , c procurar
a fua maior g loria, he o u nico b t m , q u e p o ­
demos dar ao Senhor, a q u em , por outra
pane, fomos infinitamente o b r ig a d o s , c o ­
mo noffo C r e a d o r ,R e d e m p to r ,J u ítif ic a d o r ,
e Summo B e m , dc f o r t e , que por c ite t i t u ­
lo principalmente nos havemos dc ter p o r
felizes, e bem afortunados, p o i q u c iom os
dignos dc procurar para o S en h o r h u m ta
bem, livremente, c co m plena v o n tad e,len ­
do que por outra parte o p o d e o S e n h o r na-
ver dc nós por f o i ç a . P e l l o q u e , im porta
que ie a c c o llu m e piatic am ente a alma a n a o
fczer caio dc o u n a co u la , ienaõ da vo n tad e
dc D e o s , que i ó he g r a n d e , e infinita, e c a
hum valor im m cnlo a todas a s c o u ia s ,a que
fc inclina* c por cite razaõ dizia b e m aque?"
le fanío V araô Jo aó de A v i l a , que m aiseiti-
tnava levantar húa palha do ch&Ô, Por fazcr
a vontade de D e o s , d c que c o n v e rte r cem
mundos, fazendo a fua própria v o n ta d e :
porque cm levantar efla palha, fe acharia
hum bem in co m p ich en livel, qual he o cm
pivino, e na co n verlaó dc tantos m u n os,
*c abaria hum bem lim itado , qual he o
crcaturas. A
Décimo dia ,

jiC TO S, C O M $ V E S E TOT>E
fo r em praxe ejla refta intençaõ.
-L g u n s M e ftrcs da vida efpiritual
A co m p re h en d em todo o excrcicioda
rcéta intençaõ em quatro a & o s , os quaes,
para facilitar a m em ória, fe e x p lic a õ pore-
itas quatro palavras : E ncam inhar, augmen»
ta ry unir, c encomendar.
E m primeiro lugar, fe deve cuidar em
c o m o fe ha de dar v id a ,c a lm a ás boas obras,
e iíTo fe faz encaminhándoas*h\im&\n(obtc-
natural, c principalmente ao D i v i n o Amor.
H u m daquelles Santos Padres d o Ermo,an­
tes de c o m c ç a r a l g íia c o u f a ,e íl a v a h u m pou­
c o parado, c p e n fa tiv o ; e perguntado, que
era o que entaõ fazia, refpondeo, que toma­
va a mira, c o m o faz o fre c h e iro , antes de
defpedir a fetta, para naó ei r a r o tiro* e que­
ria dizer, com iíTo, q u e encaminhava todas
as fuas obras ao fublim e alvo de agradar ao
S e n h o r : e tu tam bem aílim deves fazer»
quando dás principio ás tuas obras, efpec»-
alm cnteásm ais notáveis* dando húa viJU*0
grande b em , que em fi in c lu e o a g ra d a rá Di­
vina M a g e íía d e , e ao infinito, que merece *
iua iuprem a vontade fer cm t u d o cumprida
Liçao. 541
ç dcípertnrás com eita confidernçaõ na tua
alma hum grande d ezejo de agradar o S e ­
nhor, E adverte, que o d e m o n io e m nenhúa
occaliaô ellá mais alerta, q u e ao jprincipio
das boas obras: F a fti fu n t boftes ejus in capi- I§ , /
te, diz o Profera, p o rq u e elle malvado he
como a ferpente, quc le pcrfuftde, que p o r
onde mette a c a b e ç a , poderá facilmente en­
trar tudo o mais. P o r eíla razaó, apenas tc
mandará coufa algíia a obediência, que o ini­
migo te naó íu g g ira l o g o , q u c fa.ças rtn e -
xaõ lobvelcna ç x e c u ç n o d o q u c fe te manda,
te luccedejá a lg u m clcslulbe no t e u c rÇ$í“
to, ou algum detrim ento na tua c o n v e n iê n ­
cia, c com e lla tra ça vem iquitas vezes a
desfrutar a primeira, e melhor p a n e das t u ­
as obras, aindaque boas, H a s dc procurar
fazer, que a tua vontade fc encam inhe djrc-
âatnente a fazer a do S en h o r, c q u e naõ te ­
nhas outra mira, fenaõ cm lhe í a z c r o g o l l Q :
f onfitebor tibi in dircftivne coydis. A s abelhas Jll#r
nunca mudaõdc h a b i t a ç a ó , fc o feu rei lhps
naô vai adiante: e tu deves cm todas as tu a s o -
hias fazer, que tenha fempre o p rim eiro l u ­
gar a gloria, c o agrado do S e n h o r , dando-
e fempre a primazia: O m W t q u o d c n n tq u t^
J “ citn w verbo, aut in opere, omnia in nçrni* i . 17
nc D9r»ini nofiri J E S U Ç b rijli.
E
£4 ^ Dectmo dia,
E p o r q u e , aflim c o m o húa luz naõ pode
fer contraria a outra, aflim húa virtude fe
naó pode oppor a outra* podes tu ao mefmo
te m p o , que tens por fim o agrado de Deos,
obrar por m otivos de outra virtu de; e por
e ílc meio virás a exercitar muitas em húa
mcfma a c ç a ó , e adquirirás muitos thefouros
fem trabalho, co m o nos amoefla o Senhor,
d iz e n d o : Thefaurizate vobis thefauros in ca­
lo : ponho por e x e m p l o : Q u a n d o rezas o
O f l i c i o D iv in o , alem de pôr a mira em agra­
dar niflo a D eos, que hc hum a & o de Reli­
g iã o , podes querer fatisfazer á D ivin a Ju-
l t i ç a p o r tuas culpas, que he hum aílo dc
penitencia; podes dezejar alcançar hvaior
gloria no C e o , que he h u m a ó t o d e Efperan-
ç a ; podes pretender e xcitar as tuas ii nvaas
á virtude, co m o teu e x e m p lo ie he num
*a& o de caridade dò p r o x i m o ; les aiieier
cu m p r ir c o m o preceito da Sa
g re ja , que he hum a f t o de obedicncia; eal-
(ím a refpeito das demais virtudes; donde
inferirás dc cam inho que harmonia fa'a di­
ante de Deos hum co n certo dc tantas voi-*sj
idfe. R e f e r e P lin io haver v il t o húa arvore ca,rC-
i í e’ gada ao mefmo tdmpo de muitos, e diver-
fos pomos, por fe lhe terem enxertadom ui­
to s, e varios garfos no feu tro n c o , e r a m ^
L iç a Õ . $43
accrefcenta po rém ,qu e durara m u ito p o u c o
tempo a dieta a r v o r e ,p o r rtaô po Jer alim en­
tar por muito húa prole ta ó divevta, e nu-
merofa. Planta mais feliz terá a tua alm a,le
te accoltumarcs a obrar da form a, que rica
ditto, porque fempre fe fará mais robn(t;i,
para produzir, e lulfccntar tantas maçnas do
Paraifojc os hábitos bons das virttfd csfò irao *,
fempre aperfeiçoando n o t e u c o r a ç .ió .
E m fegundo lu g ar, he neceíTano augrnrn*
tar as nollas o bras, o q u e f e f a z por meio dos
dezejos. T r c s vezes foi ch am ad o Daniel va- ^
raõ dc dezejos pello A n j o : P ir defitltriorunt, 9 tt.
que hc o mais b c llo n o m e , que p o d e merc- k> i*.
ccr húa alma veligiofa, le ch è g a c o m o a lc n -
tirfe confumir c o m dezejos de o brar mais
a honra, c gloria do lcu Senhor. C o n t a San­
ta Catharina dc Sena nos ieus D ia l o g o s .q u e
lhe fallára o S cn h ò r n ella f o r m a : E u f o u h u m
Deos, que mereço h u m a m o r infinito*, e o
teu para com igo naó po d e ler, lenaõ m u ito
limitado: importa pois, que te ajudes de d e ­
zejos, chegando c o m cllcs aonde naó podes
chegar com as obras. E eílim ulad a c o m eí­
ta advertência Santa M a r ia M a g d a le n a de
Pazzi, collum ava,1 quando inclinava a c a b e ­
ç a ao Gloria P a tri^ dezejar taó ardentem en­
te dar a cabeça ao talho pella F c, que m ui-
" tas
544 D écim o d ia ,
tas vezes fe lhe fazia pallido o r o í lo , como
íe verdadeiramente acabara a vida ás maÓ9<áe
h u m a lg o z. D o n d e poderás inferir* quaú
m eritorios foraô efles dezejos fervorofos da
Santa, c quanto mcrccerás tambem tu,feos
delpertares na tua a im a , que ficará por feu
Ttor. notavelm ente ro b u fta : Cogitationcsro•
»». w buftifem per in abundantia. V e r d a d e he, que
naõ he facil o naõ fe contentar nunea há*
a lm a do q u e faz pello Sen hor, nem o deze*
j a r íempre o b rar m u ito mais p o r feu amorj
c aflim cíla abundancia de penfamentos, nió
fó he caufa de íc adquirir a r o b u ílè z ,d e qi»c
fadam os, mas tam bem he indicio de a ha'’cr
j á adquirido. O s animaes, que tem mais co­
pia dc lá n g u e * padecem mais fe d e ; e osqu*
nenhum tem* naõ tem n u n ca fede: mas a
caridade fcm pre abrafada* tc transforma^
toda cm dezejos d c agradar ao S en h o r: V *
defideriorum es. . \ .<
E m terceiro lugar* im p o r t a , q u c , d e p pjs
d c haver pra& icado as obras b o a s , encaroí*
nhándoas a g lo r ia Divina* c.d e as haver fó*
t o crefccr por m eio dos dezejos, cuides tçfl
as ap e rfe iço a r, uníndoas ás obras, emercci-
m entos dc J E S Ü C hrifto* Se aflim o 6 # '
rcs, feraõ as tuas obras avultádiflimas n°
rcciracntOjporpaíTarcm pcllas miftasdasCn^
i ' b
T • *-»
gas do Redemptor, aífim como ficaô preci- I
ofas as aguasse falutiferas, (c paffaó por mi*
nas de ouro. He verdade, ,que as noflas bo­
as obras cftaô (cmpre virtualmente unidas
aos merecimentos dc jE S U Chrifto, porque,
para ferem dç todo boas, hc precifo, que
procedaó da graça, que Chrifto nos tem
tnerecidoj mas,fe alem defle vinculo, fe u*
nirem mais eftrcitamcnte com Chrifto, vín-"
culandoas attualmcnte com os feus mereci­
mentos, ficardãcomo à purpura bem ciq-
papada na tiqta, fem comparaçaô' mais for-
molas, e mais prcciofas. E a razaô he, por­
que cm virtude dcflá uniaõ pan:cular, vem ^
a cxeí 5ic.ar a *W 4| ao tnefmo tempo, húa
Sn r n°hrpza, que tera as obras dc J E - |
«E Chriftoj hqa viva cfperança. de partici­
par dos feus merecimentos, e húa caridade
•ambem viva,qmándoo, cçmoafua cabeça,
Refere dc fi mefma Santa Gcrtru- L>l>
ç h que tendo hum dia offerçcido húa obra0, s
a a gum tanto -çrabalho.fa, ao Eterno Pa-
decidí!^ r 9 uailtq p o r ella tinha pa-
tendrr r D i v i “ o F U h o , fe lhe d co a c n -
•crcce a r ? ^r*n(^e c *arc7-?i que o q u e f e o f-
cava d- K C° S C? m ^c m c ^hante i n t e n ç a ó , fi-
hu^ana in-Tli aPrcSò ><]uc fob rep u java a
na n:chigencia, c fc thzia c o m o D i v i -
Mm ha
5'^6 Decimodia ,
úo,aí1im c o m o o g u c f c v c p o r hum vidro có*
ra u o jto m a a mcím a c o r , d c que c í l á rineido
° ^ c ftc traj ° P ° is» vcítida com«»s
v d t.d u ra s d c J E S l J C h r ir to , te apprelcnta-
i as diante d c D c o s , para alcan çar a fua ben­
ç ã o , aflim c o m o J a c o b fc p ô z na prcfcnça
d o feu pai Ifaac c o m os vertidos d o feu \i-
Rora. mao E ía u , para alcan çar delle a b e n ç a ó :/ *
** f4. duitnm i Dom inum J E S U M Chriftum .
R c l t a finalmente, depois de havermosen*
c a m in h a d o , e unido as noflas a c ç o c s , o ^ '
cõmcndallas ao S en h o r , paráque fcjaó td*
das a g lo ria fua. E cfta ultima advertên­
cia he de tanta im p o rtân cia, q u e , comodi*
CjlTiano,aquelles M o n g e s antigos naó tinhtó
o u tra cou fa mais frequentem ente na bor*>
#q u e ertas palavras: D eu s in adjutorium
um intende: J ju d a im e, Sertbor. C o m cll*
• d ava õ prin cipio ao d i a , c o m cilas <e deita*
v a ó a d o r m i r , c c o m cilas dcfpertavaó do
io n o . S e tu cntendèras b e m , aflim a necej*
Í5dadc,que fempre tem os dos auxilios D»VI'
nos, para obrar b e m , c o m o tambem* q<* |
o raçaó h c a C h a v e dourada dos thclop^
D i v in o s , ncnhüa difficuldade cerias em «nl•'
tar áquclles San tos, c e m fcgü ir o ícu
p / o , pedindo íe m p re , fem te canfnr, a 3 J
ftenein d o S en h o r. E p o r efta tn cÍM t**°£
. L iça Õ .\\ 547
lc cum priria, por meio do co n tin u o eXerci-
cio de cbrar co m tanta perfeição , aquella
admiravcl promefla do Senhor, de qu tç
chariaó com os dias c o m p le t o s , e cheios-,
Dies fltn i in-jenientttr in tis .* c t u , fem m u - ^
dar de em prego, nem tom ar n o vo s, e maio­
res trabalhos, mas fó co m ap erfeiçoar a -
as intenções, poderás chegar a fei per ciz y
t fubir áqucllc citado, que Sao F r a n c ifç p
julgava pello mais elevado de tod os, q u c
vem a (er* o Ter húa para h u m i c hurti pam
húa* com que e x p lica v a o S a n to , o ler a a •
tna toda para hum D e o s * c hum D e o s t o o o
para a alma-, porque na praxe* o m e f m o J l e
Senho* pofluido* p o r D e o s * q u c pofluiriflos Ciútt
nós a D eos: D ileftus meus m ibi, 13 ego ilhy »•

E X A M E i
F a r a o p r i m e i r o d ia dós E x e r c íc io s . j

s o b r e o g ò v è ü n o t >o s
S e n tid o s e x t e r io r e s .

* t X a m i n a o co m o tc portas cm ordem
E t ao V er. Prim eiram ente, fc no olhar
naõ buícas outra coufa, fenaô o d e le ite , c a
fatisfaçaõ. da curiofidade. È m fegundo lu*
Mm z £ *r»
5^8 Primeiro dia ,
gqY, fc alargas a v iíla para os o b j e f l o s , ain­
daque fejaó perigofos. E m tcrcciro, fc a em­
p r e g a s , ao menos em ver coufas v a ã s ,c que
t c cnchaõ o co raçaõ dc im aginações impró­
prias para o tempõ da O r a ç a õ . E m quarto,
íc te acc o ílú m a s a refrear de quando em
guando a liberdade dà mcfma-vifta, para of-
rcreccr a D eos cíTa m o rtificaçaõ, Appare-
'èco a Santa G e rtru d c s Saõ Jo aõ Evangeli*
í l a c o m os olhos m u ito rcfplandecentcs, em
•premio de nunca os haver pofto fixos no ro-
f t o da V i r g e m Santiílima, em tanto tempo,
quanto v iv e o cora c i l a depois da Afccnfao
a o Senhor.
z E x a m ín a te ácerca do O u v ir. Primei­
ram en te, fe g o íla s de faber novas do mun­
d o , fem c a u f a , c fem fruto. E m fegundo
l u g a r , fc nasj muficas, ainda pas fagradas,
tens por fim fó o teu g o í l o , c naõ o piovei-
t o do cfp irito , ou qualquer óutro mocnÇ
v ir tu o fo . E m terceiro, fe queres,quecclou
v e m , lifonjcicm , ou defculpem nos teus
feitos. E m quarto, fe quererias ouvir e
p re praticas dc g a l h o f a , e paíTàtcmpo*
q u i n t o , fc g o íla s dc o u v ir fallar das vi a
lheias. E m f e x t o , fc o uves de ma vo £
os louvores das outras irm aas, ou as r p
h e n f o é s , que fc te daó, quando cahi ^
I * . Exame. , \ £49
ilg.ua falta. E m f e p t im o , fc te enfaftia* de
ouvir fallar dc D c o s , e de coufas efpintuaes.
Em oitavo, fc te caula tedio o o u v n o s S c r -
m o é s , quando naó faò ao teu paladar.
2 E xam in a tc fob rç o Icntido do /* ;
Em nrimeiro lugar, fc tc labes p rivar dc t o ­
dos os incitativos da g u la , quc nao tao nccc
íarios na comida. E m f e g u n d o , fe n o c o m
tens por fim o g o í l o l ó m e n t e , ou o atis a
ter á fome, c naó o .contervar as f o i ç a s pa
ra fervir a D eos, ou o o b e d e ce r a ca m p a i­
nha, que tc chama para co m er. E m
ro, fe comes fora de te m p o , ou co m o íe
guidaõ , ou i n d e c e n c i a , c icm eltarcs a l ­
terna á liçaó da Mefa. E m q uarto , le te quo**
xas algúas vetes,dc quc tc ialtou a lg u a c o u ­
fa na mefa, ou fentes, que o c o m e r nao tol e
bem guifado, ou te poés a cuidar n in o , an ­
tes, c depois,eno te m p o da mela. E m q u in ­
to, fe lahcs da mefa, fem te haver in o rtih -
cado em algúa c o u f a , c lem haver o ftcre ci-
do algúa coufa, a quem tudo tc da. E l l a
mornficaçaó h c o primeiro paíTo, a q u ç c h e -
gaõ ainda os principiantes, c h c m u ito nCr
ceflaria para contrapefar a ncceífidadc, quc
temos, de dar o neccíTario ao noflo maior i-
nimigo, que he o co rp o .
4 kxamínate fohre o (entido do O lfa to,
Mm j r »
Primeiro d ia ,
c pode fer, que cfte feja mais innocente,que
os outros, em co n íeguir de ti, que o fomen­
t e s ; mas cambem he neceíTario mortifical-
l o , quando fe ha dc fervir ás enferm as, cc*
v it a r o toipares faílio a cfte fanto exercício.
f E x a m in a c o m o te portas a fel peito do
fentido do 7 afito. E m primeiro l u g a r , fe pro­
curas c o m demafía a delicadeza, e alicio no
v c ftid o . E m f e g u n d o , fe procuras ter a ca­
m a branda. E m terceiro, fe dás muito tem­
p o ao fono. E m quarto,fegaftas muito tem­
p o ociofa, faltando ás occupaçoéscoltuma-
das. E m q u in to , fe ufas de alg u m inftru-
m e n to de penitencia para mortificar o cor­
p o , c o u f a , que todos os Santos coftumarao
fazer. E m fe x to , fe praticas algum exercí­
c i o deftes penofos por teu cap rich o ,e fem a
d i r e c ç ã o da obedicncia. E m feptimo , ffi
deixas as penitencias, que prefereve a tua
regra, co m p r e te x to falfo d c falta de faude.
E m o i t a v o , fe es mais amiga dc praticar as
auftendades, que tu m efm o cfcolhes,que a*
q u e te faó impoftas. E m nono finalmente,
fe os teus fentidos todos te fervem dc occa*
fíaó dc tc vencercs co m frequência, ou e
fervem ídmcnte de efpias ao in im ig o , e lao
traidores, que te fazem darlhe entrada na tu
alma. Elles faó portas, c ai d a praça, que
Exam e. $JI
tem guardas nas portas, pois Qualquer ini­
migo por f r a c o , que feja, a poaera íorpren-
dcr. R e co n h e c e as faltas, que até agora to-
raô commettidas, que tal v e z leraô innumcr
raveijj h um ílh atc profundam ente diante do
Senhor j pondera os m o tivo s, que ha para
te vcncercs nefta parte* c pede ao Senhor te
de gvaça, para naó ufar dos teus^ temidos
daqui cm d ian te , fenaó c o n fo r m e á vontade
de quem tos d co , de forte, que naó peques
no uío dellcs,nera na in tc n ç a ó ,n c m no m o d o . ,

E X A M E ,/
Para o fegundo dia dos E x e r c í c i o s .

SOBRE A M O R T IF IC A C ,A Õ
das ‘P aixões .
1 T J Xamína co m o te portas na m ortifi-
C caçaó das P a ix o c s , pellas quaes en­
tendemos aqui os m ovim entosd efordenad os
do appetite fenfitivo. E m prim eiro l u g a r ,
v’e, quaes faó eflas p a i x o c s , e q u a n t a f o r ç a
tem para perturbar a tua p a z , c para impe-
d,r o teu aproveitamento. E m fegundo lu-
8*r >v é , te ha entre ellas a l g ú a , que predo-
mine mais cm ti, e a que termos chega. Em.
Mm 4 te r-
55*2 Segundo dia,
t e r c e i r o , íe fó tc acom ette, óú Te tambcra
t c arrafta. E m quarto, fe t c p e r f e g u e íóac*
cidentalm ente, ou fc tem ja adquirido habi­
t o . E m q u in to , fc aílim efTa paixaò domi­
nante, c o m o as outras, pâraô ío no interior,
ou paílaõ rambem ao exterior. Em fcxco, a
que p^ccados te arraílaõ , fc faó Io cm pre­
j u í z o teu, ou também co m clçandalo, c mao
e x e m p lo das tuai irmaas-
z E x a m in a , qual hc a refiílencia, que ia­
t e s a efles m ovim entos das Paixões. Primei­
ram ente, fe ficas fempre vencida, ou fe ven­
ces a lg ú a vez. E m fegu ndo lugar, fe tens
animo d c os fujeitar a virtu de com a ajuda
da g r a ç a . E m terceiro, fe temes o mal,que
te podem caufar, podendo facilmente hu*
p a ix a õ d cfenfrcada,n aõfó impedir totalmen­
te o teu a p ro v e it a m e n t o , mas p ô r tambcra
c m grande p e rig o a t u a falvaçaôeterna. Em
q u a r t o , v c , íc te tens accotlum ado a vigiar
fob re donde naíccm cftcs movimentos dcl-
ordenados, c o m o quem cftá de ccntincJa,
p$ra obfervar os pados do in im ig o je tam­
b é m v e r á s , que caíta de meios appücas pa­
ra vcnccres. E m q u i n t o , fc tc tens cncora-
mendado ao Senhor c o m mais fervor? íc
armas c o m t e m p o c o m a s c o n f i d c r a ç o c s
verdades, que tc enfina a F é * c o m a 1>Ç^
Exame. $-53
dos liv r o s ; co m as vificas mais freqüentes ao
Santiflimo Sacramento,e outros meios feme-
lhantes. E finalmente, fe ufas defta enftade
armas no tempo da c o n fo la ç a õ , ou fc tanií
bem no tem po,cm que rc achas c o m fc c c u r a s
nos exercícios cfpirituaes.
3 E xam in a as tuas P a i x o c s m a is cm par­
ticular, e a refpeito das que pertencem no
Irafcively v c , cm primeiro Ittgár, Tc te fentes
movida de zelo contra as ofienlas feitas ao
Senhor. Em fegundo, fc c o m p rete xro de
fcclo defafogas a rua colera, tendo o d i o ,e a b ­
orrecendo, naõ í ó á falta, mas tambem á p e f -
0:bqtje a commette. E m terceiro, fc redej-
Xas facilmente levar da colera. E m quarto,
®te encolerizas por caufas m u ito ligeiras.
m quinto, fe te perturbas in te rio rm en te ,c
‘ W a o chega cíTa perturbaçaõ. E m frx*-
« das final exteriorm ente dn rua pertur-
açao. Em f e p t im o , fc te e x p o e s remera-
PerdCntC a.^ er’g ° cahir. E m oitavo
Çaõ an,mo P'°r qualquer leve contradi-
hum n° nor fc tcmcs «nuito os relpeitofc
9
fellaS*105* C aS linê uas ^os UC u ^ j a t u e m e

pifciveP^L*atC tambcm a refpeito do Concu-


^ e n a d a m e n r p r Í ? 1 cÍ r o , u g a r > f c d efetr-
c a algua tcrcatura. E m fe g u n ­
do ,
S 54 Segundo d i a ,
g o ,f e te fentes movida de ayeríaõ contra al-
i das tuas irmaás. E m terceiro, quacsúó
©s teus dczcjos, e fc faó m u itos,d violentos.
E m quarto, em que o b jc & o s empregas as tu-
as alegrias, c t r i i l c z a s , e os outros affc&os
do teu c o r a ç a ó , c fc hc cm coufas contrari­
as ao bem da tua alma. E m quin to,fe os em­
pregas cm couías v a a s, c fuperfluas, ou cm
coufas verdadeiramente ncceíTarias, mas nao
p o r o u tro m o tivo ,fen aõ porque faó contor-
mes a tua in clin a çaó .
E ftcs , e outros femelhantes movimentos
d o appetite, devem m ortificar as pcflbas cr
pirituaes, ou abftendofc daqu illo ,q ue he àc-
leitavel, e iflb fc chama abnegnçaódefi md'
m o ; ou finalmente, quando for convenien­
te obrar co n fo rm e a eítes m o v i m e n t o s , de­
v e m em tal cafo fazello por algum fim vim
t u o í o , e naõ por fatisfazer ao amor propr^»
porque o fazer o contrario hc c o n f o r m a r -
c o m n prudência da carne, que he tolaf !?çr]
te o ppo lta á fabedoria da C r u z de Jk*
C h r i l l o . Pa darás depois a notar o numer^
dos teus defeitos, c os m otivos, que tens,p
ra os d e t e ft a r ,c o m o acima fe d ide, c aca
r i s ©fie E x e r c íc i o do m o d o ,q u e ÍC a p o n t
no E x a m e antecedente.
£X*
Exame. j j j

e x a m e ,
Para o terceiro dia dos Exercícios.

S O B R E O GOVERNO TOAS
tres \Potências da Alma.
i T 7 Xamínate io b re a Memória. Primei-
ü ramcnte, íe te lembras muitas vezç*
dc Deos, c de feus bencficios. Em fegundo
lugar, fe tc lembras dos que tc íazem bcift,
ou efpiritual,ou temporalmcnte. Em tercei­
ro,fe te lembras das que tens recebi­
i n j u r i a s ,

do, etepoésa confidcrar r.ellas. Em quarto,


fe a memoria dos pcccados paíTados tc ajud$
a aborreccllos frequentemente.
i Examínate áccrca do Entendimento.
Primeiramente,fe o procuras feriamenteap-
plicar ao conhecimento dos Divinos Myfte-
r,os, e á ponderaçaõ da fua alteza,c da utilida­
de, que delles tercfulra. Em fegundo lugar»
. 5S diligente cm lançar de ti as fufpeitas, c
juízos temerários contra o proximo. Em
terceiro, fe deliberas com prudência, e nu-
Ureza as refoluçoes, que ou (cobras
t o m a s ,

arrcbatadamente. Em quarto, le mudas dc


parecer com leveza, por qualquer motivo,
que fe te reprefente. Em quinto, íc cs perti-
n az
5 £6 Terceiro dia,
naz no parecer, que tomafte, fem o querer
fujeitar 3o parecer dos teus l u p c r io r c s , cao
confelho dos mais fabios. E m f e x t o , fe to­
mas por regra do teu obrar o ju izo dos ho­
mens, e a c ílim a ç a ó ,q u e c lle s fa z e m d a s c o u -
fas. E m feptim o, fe cs cu rioía cm fabercou-
fas inúteis ao b e m da tua alma, ou ainda no­
civas, c que defdizem d o teu citado. E ra
o ita vo , fe confervas ainda v i v a no t e u enten­
dim en to algúa m axim a mundana, como por
exemplo* Q u e m naõ fe fente, quando a dei-
prezaó, dá m o tiv o a que a defprezcmjQucrn
fe faz ovelha dá caula paraque os outros lc
fa ça õ lo b o s : Q u e hc neccfiario que naódei*
g o l l c a nenhum da c o m m u n i d a d e , quem quer
q u e haja ncjla p a z , c foflego* Q u e o t^zcr
calo de coufas miudas, he quercrle metter
cm húa tifica* Q u e h c neceífario dar algu*
larga á n a tu re z a , c á mocidade* e outro
axiomas íemelhantes do am or proprio, qü
re p u g n aõ á doutrina do Evangelho.
3 E x a m in a te a refp eito da Vontade. "ri^
m eiram en te, quaõ am ig a es da tua prof\
vontade* o que verás, fe f u c c e d e , que *
as vezes, que queres alg ú a c o unao t e n ^
f a ,

ves a q u ere lla , c procuralla por m o l,í ? por


g u m efpiritual, ou fim v ir tu o fo , mas^
fazer nillo o teu g o í l o , o u inclinação* ^
Exame. 557
ando tal vez as boas obras. E m íegundo lu­
gar, v è , le tc fujcitas perfeitamente á d ire c ­
ção dos Superiores, c Padres Efpirituaes.
Em terceiro, fc no obrar tens por u m eo al­
vo os teus intcrcíTes, nstuascom m odidades,
o fer mais amada, ou clVimada dos outros.
Em quarto, le cs facil cm n e g f r , quando tc
perguntaó por alg ü a ccu la. E m q u in to ,
k queres fer l o g o Icrvida, e coni pontuali­
dade, quando mandas. E m fc x t o ,f c p r e t e n -
dcs,que as outras íc a c c o m m o d c m á tua v o n ­
tade, naõ por fe r v iç o de D c o s , c bem del-
ns, len a õ ló por teu g õ ít o . E m feptim o, fc
.cs íacil cm te exeufar de fazer aquillo, que
je mandaõ contra o teu g o í l o . E m o ita vo ,
c ™?cs coni mais g o í l o as coufas, que íaõ
conformes ao teu genio. E m nono, f c cllás
? u,t0 pegada,ainda ás coufas,cípirituac?, de
que percas a paz da alma, quando dif-
0 Senhor,que fiques privada de a lg u a
ç as) c ° m ° da companhia de peíToas v ir tu -
da afiiílcncia dos D ir c & o r e s , & c . E m
^na^mcnte, fe fabes rpoderar o s i m -
r os da melma vontade, dilatando, fc pode
auin c? c c u Ça®» que paíTc o c a l o r , c a-
r*o!l a ,nc^l,13Çnõ exccfliva áí couías do teu
ÍL c rilmbcm fc cm prendes couías dano-
c °m rcíoluçaõ, e prefteza.
De-
Quarto d ia ,
'* ^ ^
D ctefta as faltas, que acharcs haver com*
m cttidoj confundece dcllas diante dc Dcos;
pondera os m otivos, que ha para te refolvcrrj
íeriam enteáeniendajc roga ao Senhor,quctc
dè esforço para coníervarastuasrefoluçocs*

E X A M E ,
Para o quarto dia dos Exercícios.
* . « * • v . __________________________________

S O B H E O E S T A T > 0 < D E T O A S

f a l t a s , e de tu a s V ir tu d e s.
l T C X am m a, qual he o cafo$ que
A-# dos peccados ven iaes, c o an im o*
cm
v a i a que v
e ftá
•* s,^ de
— — os
— evitar.
-------- S eT o tens fugi*.
do dos peccados m ortaes,ecahille • •*» - livrem^
m<*n*
am Aê «irnsiOnc m 1f<*ravrl de ti •
da
dc
lU i* _______
repente quem defmafa frequentemente, aíli^
v e m a m orrer delles fin alm en te, quem cahc
muitas vezes c o m deliberaçaô cm peccados
veniaes. R epara pois, fecftás com firme rc#
í o l u ç a õ d c n aõ c o m m e t t c r d e l i b e r a d a m e n *
te falta a l g u a , c fe ha no teu co raçaó o dc*
vido horror a eílc genero dc culpas pkfí1'
m ente voluntárias, as quaes, aindaque na°
quebrem a amifade f que ha entre D cos , c 2
alm a , a enfraquecera todavia muito. Fn/
E xam e. SS 9
mcirnmentc, p ò f q u e cfla » ™ fadc P " f<£
confirte na uniaó d c n o n a alma co m o b c
nhor; c o peccado venial .«npçdc e g m j .
ma adtual uniaó c o m o m c l n . o S . n h o r .
Em Icgundo l u g a r , porque a amifade:, en
trc Dcos, c a alma fe funda na fl' " I ' d“ d' ’f •
o peecado venial Ic o ppo em a c p
ta fantidade. E m te rceiro, p o rq u e • « n
lade requer le ro c lh a n ça , c h u a t a g
dc entre os a m i g o , » c o p e c c r i o venial em
pane impede éíTa maior feiticlnança,
pai te a desfciai E m quarto , p o r q u e a a
de requer húa conform idade de pareccies c
dc vontade} c o p e c ca d o venial d ch berado
fc oppoem m an ifeílam en tea vontade
nhor,taó claram ente conhecida. E m qu » t
porque a amifade requer, que cila ieja "
r i a aos a m i g o s * e o p e c c a d o venial f*iz c p
mais duvidofa a D i v i n a g r a ç a . L m t e x t o ,
porque a amilade r e q u e r , que Ic c o m m u m -
quem os fegredos* e o r e c e a d o venial ta ,
que Deos (c encubra á a l m a , c que el a rc
ceie appaicccr diante dc D c o s . L m f e p t i m o ,
porque a amifade re q u e r, q u e o a m .g o na o
yiva para fi, mas para feu a m ig o , e q u e p r o ­
cure os interefles dellc, m a is que os p r o p n -
u* jc p c U o peccado venial v iv e a alm a para
para as lu a s propinas c o n v c n i c n c ia s ^ e
j6 o Quarto dia,
p o r iíTo f c ; p o c m l e m p r e ç j n n f c o . d e perd#
a c a r i d a d e d e t o d o , e j u n t a m e n t e a co n íb n *
c i a , q u e l h e h c t a ô p r ó p r i a . P o r u n t o , ou
h e n e c e f l a r i o d e i x a r m a n ifc íla r a e n t e ^ a p«r-
f e i ç a õ , o u r e í o l v e r t o t a l m e n t e a n a ó com-
m e tte r p e c c a d o a lg u m v e n ia l c o m pW *
a d v e r t ê n c i a . V è p o is c m p r i m e i r o lugar»
f c c o m m c t t c f t e a l g ú a d e l t a c a í l a d c c u lp a i
c fe f o i f r e q u e n t e m e n t e , o u p o u c a s v:#s*
E m f e g u n d o l u g a r , f e as c o m m e t t c í l e pÇf
a lg ú a g ra n d e te n ta ç a õ ,o u ta m b em p o r q u e
q u e r l c v c o c c a f i a õ , q u e f c $c q fF e r e c e flc . k®
t e r c e i r o , f c h a v e n d o f e i t o p r o p o f i t o de
d e t o d o s o s p e c c a d o s v c n ia c s d c lib e r a d a m e n'
t e c o m m e t t i d o s , q u e r e s c o m t u d o ficar n*
o c c a f i o é s , q u e c o n d u z e m p a r a c a h i r e s co&
f r e q u ê n c i a . E m q u a r t o , q u a l f o i a mater^j
a r c f p e i t o d a q u a l p e c c a i l e v e n i a lm c n t e ,p 0*'
q u e h ú a c o u f a h e o f a lla r voluntariaroefl*
p a l a v r a s e f e u f a d a s , o u t r a c o u í a h e ©urro1}
r a r v o l u n t a r i a m e n t e d a s v id a s a lh e ia s ,o u ^
ta r d c o u tr a fo rte em q u a lq u e r o u tra
r i a , q u e e m o fe u g e n e r o h c p e c c a d o
t a l , c f ó h c l e v e p o r a c c i d e m e . E m q u ‘*
q u a l h c a d o r , q u e te n s, d e p o is d c b a veí ^
c o r r id o c m a lg ú a fa lta f c m c lh a n t c ,lc te p ^
f a p c l l o d a n n o , q u e f e t c l e g u i o , o J (f rlu0 f.
p a l m e n t c p o r q u e d c l t c s d c f g o f t o ao oc ^
Exame. '• $6i
E m Texto, qual he o fruto* que tiras
das tu»
as cahidas, p o r meio da h u m ild a d e , no r e ­
conhecimento da tua fraqueta j e por m eiò
da penitencia, recompenfando c o m n o vo fer*
vo r, e c o m novas m o r tific a ç õ e s o paíTado
dcfcuidOê \
z E x a m in a o eílado das tuas v i r t ü d e s ,c n r *
ordem a aperfciçoar,e a u g m e n t a r a lg ú a ,q u d
com o fe r v o r , c ajuda da D iv in a G r a ç a ha­
jas adquirido. E v è , em prim eiro l u g a r , f c
ha em ti algum grao co n lideravcl dc v ir tu -
de, o que conhccerás p o r cites dous firiacs,
o primeiro, le exercitas a v ir tu d e nos caíò s
Repentinos, e naõ previítos, porque iflo mo»
.l?J> 9UC obras por habito^ ò ò u t r o , fe a fa­
cilidade, que experimentas em b e m o b r a r ,
ualce de m u i t o s ,e repetidosa&os da tneftná
virtude, e de te haveres ve n cid o em o rd em
* ella muitas vfciesj pórque de outra f o r t e ,a
acilidade, que nafcc da d e v o ç a ô fcnfivel, à
3UC. ac^a tatnbcm nos prtncipiaritcS, n a o
e virtude. E m íe g u n d ò l u g a r , em q u é g e ­
ro dc virtudes te exercitas mais d e p ro p o *
imm J j . ^ ^ k è o l o g a e s , q u é ‘.tê unerh màis
c IataTncntc c o m D e o s , ou nãqucllas,
tor n l c l 2 c c i n . , n í i í a° padecer, qtie ao obrar|
forque cíías nao faõ m u itò difficultofas,c m a-
" c P W ta venccni ao a m ò r jpfoprio. E n i
Nn te rr
$6 l Q u in to d ia ,
terceiro, qual hc o fe rvo r, c o m que exerci­
tas cílcs a& os v irtu o fo sj porque hum aélo
h e ro ico vale m a is , para adquirir a virtude,
que cem rem idos. E m quarto, qual hcain­
te n ç ã o , c o m que praticas a virtude* porque
a in te n ça ó hc a alma das obras virtuoías, c
o m o d o mais perfeito de cxcrcitallas, e pra-
t i c a l l a i e m c a rid a d e , i d o h e , para agradara
w!?* DcüS : 0mnia Veftra in charitate fiant.

E X A M E ,
Para o q uin to dia dos E x e r c íc io s .

S O B R E O M0T)0> COM
te portas para *Deos.

t TH X a m ín a te a refpcito das Omijfoés.


J C P rim e ira m e n te , le deixas dc dar gra­
ç a s a D c o s pcllos b cncficios recebidos, c dc
cftim ar o feu n u m e r o , c valor. E m fe g u n -
d o lu g a r, fe tc arrependes poucas v e z e s dor
teus peccados, c naó p r o c u r a s f a t i s f a z e r p o r
ellcs á D i v i n a J u í t i ç a , c o m o s aéfcos da pe­
nitencia i n t e r i o r , c e x te rio r. E m tcrceiio»
fc deixai de reconh ecer a D iv in a P ro v id e n -
cia nos teus tra b alh o s, c nos outros a co n te ­
cim e n to s . E m quarto , fc te efqueccs d c
«?•j y •
Exame.
do da prefença dc D e o s , obrando, c o m o fc
clle tc naó eftiVeíTc v e n d o . E m quin to , fc
deixas de lhe attribuir a gloria d o s b o n s f u c -
ceíTos. E m f e x t o , fe nas tuas neccíTidades,
deixas de acodir promptam ente a ellc c o m
a oraçaõ. E m f e p t im o , fc tc deixas d c p re ­
parar para fazer bem os teus e x e rc íc io s cf-
pirituaes, c para evitar c o m diligencia asdi-
í l r a c ç o c s , e d a r o devido te m p o ás co u fasd e
devoçaõ. E m oiravo, fc tc efquecoe da r e & a
intcnçaó,c tc acoftuirus a obrar por c o f t u -
me,ou por acafo. E m n o n o ,f c cs n e g lig e n ­
te em lançar fora os penfamentos contra a
F é , e as defconfianças,que tc esfriaõ no D i ­
vino ferviço.
i Examínate acerca dos penfamentos. E m
primeiro lugar, fc fentesem tiaverfaõ ás b o -
as obras. Em fegundo, fc deixas dc te ale­
grar, quando ouves alg ú a boa n o va c o n c e r ­
nente á gloria do Senhor, ou tc naó entrií*
teces, ouvindo a lg ú a contraria. E m tercei*
j o , lc naó fazes o devido a p r e ç o dos c o n fe -
hos, que o Senhor nos dá no Evangelho*'
m quarto, fc tc conform as g o ílo f a m c n t e
com a D ivin a vontade. E m q u i n t o , fc faó
poucos os teus dezejos d c amar a D e o s , e d c
ver no C c o . E m f e x t o . fc naó poes a m i-
' m tQdas as tuas a c ç o c s , c m dar g o f t o ao
Nn t Sc-
f 64 Quinto dia,
Sen hor. E m f e p ( t m o , fe amas a D c o s mais
p o r tua u tilid a d e , que porque ellc o mere­
ce* porque efle a m o r,ain d a q u cn aólcjam ao,
h c co m tudo impei feito* e í c o t e u para com
D c o s o a õ lubifle dc p o n to , naó bailaria pa*
ra a tua falvaçnõ.
j E x a m ín a tc a refpeito das palavras. Pri­
m eiram ente, fc fallas no C o r o , ou 11a Igreja»
(em ncccflidade. E m fegundo l u g a r , fc nao
falias co m g o ít o em praticas boas. Em ter­
c e ir o , fe ju ia s (cm ncccfiidadc, ou invocaso
n om e d o Senhor fe m a devida coníidcraÇ^o.
E m quarto , íe rezas o O ffic io D iv in o cotn
m u ita preíTa, ou o guardas todo para á tar­
d e , fem j u f l t caufa, ou fe rezas em lugar íu#
j r i t o a d i l l r a c ç r c s , ou p o u co decente. ,
4 E x a m í n a t c a refpeito d;*s obras. Pf,‘
m eiram ente, fc procuras fantificar as fcu*b
dando neilas mais t e m p o á oraçaõ,ea outros
e x e rc íc io s d c piedade. E m fegundo lugsrt
i c te preparas nos n o v e dias antecedente*
c o m femelhantes exe rcícios, para as feitas
m aior folemnidade. E m t e rc e iro , íe f r0ClT
ras ertar c o m a t tc n ç a ó , quando ouves P1.^
g a r a palavra dc D c o s . E m quarto, ic t
.0 d e vid o te m p o á liça õ c fp ir itu a lj e *caj0<
mais por curiofidade, que para ° J cU-
y e ita m c n to . E m q u i n t o , f c p o « a dev^
Exam e. 565
ligencia em cu m p rir co m as obras nccclTa-
rias para ganhar as indulgências. E m f c x t o ,
fc cllás co m reverencia e x t e r i o r , c interior
na prelença dc D c o s , quando fazes as tuas
d e v o ç o e s . E m f e p t i m o , fe deixas a b e n ç i ó
antes da mela, ou dc daras g raças depois d c
comer. E m o itavo, le rezas o Angelus Do*
M i n i lem d e v o ç i ó , quando ouves tanger i s
A v e M a ri as. E m nono, fc tc privas muiràs
vez^s de algúa conveniência, tua p o r a m o r
do Senhor. E u d e c im o , ú o b e d e ce s ás D i ­
vinas infpiraçnés, ou deixas de fazer dellas
o devi-Jo ap e ç o . E m u n d e c im o ,fc veneras
aos Santos teus A d v o g a d o s , c u m p r in d o as
d .v o ç que lhes c o llu m a s fazer. E m d u -
o d ccim o , fe profelTas humi o b fc q u io , c de»
particular á Santiflima V i r g e m ^ co»
i mais f a n t i , que todos os Santos jutw
lc a invoca> muitas v e z e s , c c o m ccm-
hanç* na lua piedade, e no Jfeu po der \ c te
ni »rufic4s muitas vezes por feu amor. D c t c f -
taras as faltas , que a c h a re s , e fards os de-
mai5 co m o nos o u tro s e x a m e s . \ ■ '1

N n | E X -
$66 Sexto dia,

E X A M E ,
. Para o l c x t o dia dos E x e rc íc io s .

SOBRE O M O T>Q , C O M §> V E


te p o r ta s p a r a com o t e u T ro x im o .

I X a m j n a *s faltas de Omiffàò que ,


J L j co m m e tte s contra o teu proximo,
P rim e ir a m e n te , »fc deixas dc louvar algúa
peíToa, quando fe oflTcrccc j u í l a razaó dc o
fàzer. E m fe c u n d o l u g a r , fe deixas dc cor*
r e g i r a l g u m defeito feu, quando o deviasfa-
z e r ^ o u p o r razaó d o officio, o u por mon-
. v o de caridade. E m terceiro, fc naó defendes
a fua fama, quando eltá ultrajada, podendo
.fa c ilm e n te acodir por cila. E m quarto, le
.f o g e s de tratar c o m clle, p o f averfaó,qucln«
tens. E m q u i n t o , fe te naó fcompadcccs dc
quem fe q u e ix a , tè n d o o pormuitodelicado*
. E m f e x t o , íe naó impedes algum delgon^»
q u e pode daríe ao p r o x i m o , podendo taze ;
lo co m m erecim en to teu. E m feptimo, c
lhe naó queres fazer o b e m , que hc razaol c
faças. E m o ita v o , fc o deixas^ dc encom-
mendar a D e o s nas tuas .oraçoés,, com prc*
t e x t o d c que faó fracas. -
V ff ^ ^ *
Exame. 567
1 E x a m in a as faltas dc eomm)Jfaõ. E a r c -
fpeito dos penfamentos, v c , prim eiram ente,
icdefprczas totalmente a algueíh. E m íegu n -
do l u g a r , fe julgas tcmcrariafnentc do teii
p ro x im o , ou i c ,a o menos fufpeitasdcllefem
fundamento. Em te rceiro, fe lhe tens hüa
total averfaó, c te parece, que nada faz bem
feito. E m q u a r to , fe tens enveja de ouvires
louvar a algucm , ou dc ellc fer mais eftima-
d o , que ru, ou d c que tenha m elh or fuccef-
fo nos feus negocios. E m q u i n t o , fc lanças
para ma parte o q u e os o utros fazem , c o n ­
denando tal vez in terio rm e n te , ainda a in*
tençaó dos outros, qu e;te he o c c u lta . E r a
Jcxto, fc amas a a lg ú a peíToa,'naó para feu
bem elpiritual, mas por tua nronfia inclina*
çaò. 'V .- b a b i
• A reípeito das Palavras. Prim eiram ente,
fe lizonjcias a alg ú a p e flo a , para lhe cahir
em graça, ou approvas , ou d e fe n d e i as fuas
altas mais do que deve fer. E m fégu ndo lu-*
le defeobres as i m p e rfe iç õ e s do p r o x i ^
m° 4 quem as naõ f a b c j o u fe confentcs em
3ue f e falle, c fali as mal d c l l c , naõ por b o m
m , mas para o ritu perar. E m t e r c e ir o , fe
dcfU ^cmra2a®* E m quarto , fc fallas c o m 1
Prc2o> o u c o t n p a ix a ó ,c m p re fe n ç a , o u
*uícncia. E m quinto,fc o m o r t i ú c a s c o m
Nn 4 rc*
f6 8 Sexto d ia ,'
repoíiasTecas,comoc o n tra d ize r, compa«
lavras afpcras, arro ga n tes, picantes, e mor-
tif ic a t iv a s ./ E m f c x t o , fe o am eaçafte, ou
rcprebendeíle indifcretam cnte, eíem auto­
rid a d e , ou omandas c o m im p é rio , ou lhe
dás em rofto co m os Teus defeitos, ainda na-
turaçs. E m fepcimo, fc fazes zom baria dei-
Ic, ou o picas, m otejándoo a clle, ou aos fc-
us parentes, ou ás .pcíToas, que dc mais per­
to lhe to c a ó .r E m o ita v o , fe lhe dás maos
confcjhos. E m nono, íe defeobres o que cl-
l c te difle cm fegredo. E m d e c im o , 1c an­
das femeando diicordia entre húa, c oitfra
pofloa, moftrando g o í l o de v e r , que fc po*
ieraq, n u l . E m u n d e cim o , íe ateimas no teu
d j & t m c çnqtra os outros, c o m foberba, c
in flexibilidade. E m d u o d c c i m o , fe chamas
h y p o c r c fia tto b e m , que os outros fazem ,o u
dás occaíiaõ por q u tro m o d o , c o m a tua nia
lingua,a q u e £ s p ro x im o s fc enfadem, ouen-
raivem co n tra t i , ou faiaÓ cm ju r a s , P ° p tu
moftrares^que nao queres c rc r o que dizem,
o u as defeulpas, que dao .
r Q u a n t o ás obras. E x a m í n a t c primeira­
m e n te , fe fazes a lg ú a cou fa p o r vingança
c o q tr a quem tc caufou alg u m d cfg o fto . k ? 1
f e g u n d o l u g a r , f c , depois de haver o n e n ^ 1*
do a alg ú a peíToa, naô procuras reconcilia**
Exame. 5"69
te com ella,hum ilbándote,e pedindolheper»
daõ. E m terceiro, fe te o p p o és aos defigni-
os das outras, p r o c u r a n d o , que naõ faiaó
com o feu intento, pellas naó ver co ntentes.
E m quarto, fe fazes o que c o m razaó lhes dá
dcfgofto. E m quinto, ic às ferves c o m p o u ­
co g o f t o nas fuas enfermidades, te moftras
* pouco compafliva nas fuas qucixas,e lanças a.
culpa de aíTim eílarem ás fuas d e fo rd e n s ,o u
ao fcu demaGado fervor. E m l c x t o , f c foges
d e c o n v e rfa rc o m a lg ú a s ,p o r fer a fua pratica
enfadonha, ou lhes aíTi llcs de m á vo n ta d e ,m o -
ítrandolhe mao rofto. E m f e p t i m o , fe d i s
m aoexem plo aos outros. E m o ita v o , íe andas
cfpreitando o que os outros fazem ,o u te p o e s
* Cfcutar o que d iz e m . E m n o n o , fe tom as
fempre o melhor para t i , e bufeas fempre fi­
car em melhor pofto, que as outras. E m d e c i-
mo,fe queresenGnar ás companheiras, e n u n ­
ca aprender dellas, e queres, q u e todas figaó
cm tudo a tua v o n ta d e , c te fofraó as tuas
|^perfciçoês,fcm tu as querer nu nca fofrer.
undccimcx, fe fazes papel de enfadada,
c tc vas metter na cella,naó p o r eftar retira-
*>mas por te moíbrar enfadada co n tra a l—
Bua» E m duodechmo, íe dcfpcdcs os p o b re s
com mao m o d o , e lhes n aó dás, ao m enos,
»oaspalavras, quefemprefepodemdar._
5 7° Septimo d ia ,
„ H u m ílh a te á v i d a dos defeitos, que acha-
rcs, e e x e rc ita tc nos a& os coftum ados, co­
m o fica dicto nos exames antecedentes.

E X A M E ,
Para o feptimo dia dos Excrcicios...

SOBRE O M O VO , COM §V E
te portas comtigo mefma.
i T7 X a m ín a t c acerca das Omiffoés. Pn-,
J t l meiramente fc deixas palf*ar f r e q u e n ­
temente as o c c a fio c s dc tcmorcificarcs. Em
fegundo l u g a r , fc naó guardas o filcncio, c
o recolhim ento d e v id o . E m terceiro, fc d l '
.tas por tua vontade ás f u n ç o é s da Commu-
jlid ade. E m q u a r t o , fc cc levantas logopclr
la manhaã ao final da campa. E m quinto,
fc naó queres defeobrir alguns defeitos
;Padi e elpiritual, p o r q queres emen­
u e t c n a ó

dar. E m f e x t o , fc tc cfculàs dc algúas ol-


c u p a ç o é s publicas, por te qepupares no qtfp
he c o n f o r m e ^ o teu genio. E m feptim o, ^
faltas ás promeíTas’, que tens feito. Em
tavo , fc perdes voluntariamente,o tempoc
eoufas inúteis. • *
i E x a m ín a te ácerca dos Penfaemni
f *
'• Exame. 571
Primeiramente, fe es inconftante nos teus
propofttos. E m fegundo l u g a r , i e te entrif-
teces, quando tc naô fahem as coufas ao teu
gofto. E m te rc e iro , fc tens dcmaiiado c u i ­
dado das coufas do c o r p o , e tens grande re­
ceio de adoecer. E m q u a rto , fc tens c o m ­
placência interior, quando te lo u v a ó , ainda-
que no exterior moftres, que naó tazesdiíTo
gofto. E m quinto, fe tens grande c o n ce ito
de ti m efm a, e tc p a re c e , que naó neceílitas
dc confelho. E m f e x t o , fc te defanim as,
quando naó fahem approvadas as tuas c o u ­
fas. E m fe p tim o , fe c u id a s , que tens mais
virtude, c habilidade do que tens. E m o i ­
tavo, fc naó .queres parecer menos, que as
outras, no difpender, ou no faxer o o f í c i o ,
cm que tc poferaó. E m n o n o , fe es m u ito
affcrrada ao teu p a re c e r, c levas a mal-, que
*s outras tc contradigaô. E m d e c im o , f e fa-
*cs pouco cafo de coufas pequenas, fem a d ­
vertir, que dellas dependem as grandes. E m
undecimo, fe querias luftrar cm t u d o , e fer
cm tudo fingular. E m d u o d c c i m o , fe fazes
caftcllos no ar, e te o ccu p as c o m r n u ito g o -
0 em coufas vaãs. E m d e c im o t e r c c i r o , fe
f e r i a s fer amada-dc t o d a s , e procuras c o m
8rande cuidado cahirlhcs em g raça, ou pafa
c entreteres, ou para chegar por efle m eio
a
$71 Septimo diat
• algum pofto. Em dccimoquarco, fc em to-
das as coufas te bufcas a ti mcfma, a tua con­
veniência, a tua honra, c p comprazcr com
° rcu g e n io .
E x a m n a t e fobre as P a la v ra s. Primeira*
mente, fc fallas com golfcn do que cc cocj a
t i, ou aos teus parentes. Em fegundo lugar,
fc dcículpas as tuas faltas. Em terceiro, le
nao traias çoni lynceridade, mas ufas <Jc pl*
• l i v r a s ambíguas com os Superiores, e com
©s iguaes. Em quarto, fc dizes advertida;
mente mentiras, com pretexto de que naó
fazem mal a ninguem. E m quinto, fc fiJb*
com g o ilo cm coufas vaã’ ,p u com ccrctno*
?n»as a f F j c b a d . i $ . Em fexto, fc moítras fe-*f
. p ou co cafo d.t viitudc. Em feptimo#fequJrt#
d o as outras cahem cm algúa falta, ih-:s \ * '
Ças em rofto a frequência dos Sacramentos.
-E m oitavo y fc d is algúa vez mao confclh’*
E m n o n o , fe cxaggcras fempre as tuas o:*
■cupaçoés, com o fe eftivefles feuipre afrg1-
da com trabalho. Em d écim o ,le tc p a é * ^ '
cilmente a contar os te js crabilhos,para d e r
ab.afa»\ ou m o v e ra c o m p iix a ó .
4 Exam ínate a rcfpeiro das Obras. E"1
primeiro lugar, fc te moffcras incapaz de tc
contentarei com o j que rr f-rvem , e nao *•
g r a d c c c s j u c m teas p o r h em f e it o o
' Exame. - 5 73
1« te fatem. Eni fegundo, fe nos dias dc fe­
ita faxes algum trabalho manual.. Em tercei­
ro, Ic nos jejuns dc preceito tc alargas mui*
to nas conloadas , ou comes mais do coftu -
mado, porque has de jejuar no dia (eguinte*
ou porque jejuaftc no antecedente. Em quar­
to, fc tornas logo a cahir nos mcfmos defei­
tos. Em quinto, fe tc divertes voluntaria­
mente lem ncccííidade, e por m otivo do te u
prdprio g o fto , e naó para reftaurar as for-
Ças, ou para cumprir com aobedicncia. E m
•fptimo, le praticas com pouco gofto os a-
«os da penitencia exterio r, e moilras fazer
dcllcs pouco caio. E m oitavo, fe te agrada
minto o aíTetó nó vcftir. E m n o n o, fc tens
muito gofto, cm que te ouçaó cantar, ou dc
que fc vejaõ, c applaudaó as tuas obras dc
mao5. Em décimo, fc no Capitulodás o t t U
^>to por amifade particular, e naó com re-
'daô. Em undecim o, fe proccd» s dc huói
^rto modo hvrr, com o fe fofíes lenhora dc
>c nao houvcft's dc dar conta do teu p io -
«mento a ninguém. Em duodecim o, fc
nao vás nunca á maó nos teus dezejoa.
ofid c, c*IP otcrce>roí fc fatisfazes á tua curi*
Cc^r endo livros divertidos, 011 pouco
n °*mes ao teu cftado. E m dccimoquar-
1 c fazç$ cxccíTo no com cr, ou dormir.
574 • O itavo dia.
E m decim oqu in to, fc foges dos officiosma-
is h u m ild e s , ou que repugnaó ao teu genio.
E m d c c im o le x t o , fe freqüentas m uito as gra­
des, e moftras g o fta r m uito das vaidadesdoi
fccularcs, dos Íeus trajos, c dos íeus diverti­
mentos. F in alm en te,fe moftras alegria vai,
quando tc fuccedem as coufas a teu gollo,
ou dás final dc grande trifteza, quando tefa-
hem mal.
H u m í l h a t e pellas faltas, q u e achares ha*
v e r c o m m e t t id o , e faze os mais aftos, como
fe tem d itto nos exam es antecedentes.

E X A M E ,

Para o oitavo dia dos Exercícios.

SOBRE O M O V O , COM g P E
ti portas a refpeito da Religião9
e dos fantos Votos.
I T } X a m í n a primeiramente qual he a ef-
1
JL t im a ç a ó , que fazes da vo ca ça o Re £
g i o l a , que he h ú a prenda da vida eterna,
te fabes aproveitar delia, e he a g raÇa ^
g r a ç a s , pois traz c o m f i g o innumeraycisg»
ç a s . E m fe gu n d o l u g a r , fc tens
Exame. S IS
Jgradccer muitas vezes ao Senhor o e fp cci-
al beneficio, que te fez, cm te chamar á R e ­
ligião. E m terceiro, fe moftras cita cítim a-
çuó, quando fallas c o m os (eculares, cm en­
grandecer o teu c it a d o , e cm defprezar as
vaidades dcllcs. E m q u a r t o , fc beijas pella
manhaá o fanto H a b i t o , antes d c o v c í t i r .
Em quinto,fe,ainda n o t c m p o d a t r i b u l a ç a õ ,
preferes a tua forte a todas as grandezas do
mundo.
i E xam ina em g e r a l, qual hc o a p r e ç o ,
que faxes dos fantos V o t o s , que faó hum vin ­
c u l o , que te une cítreitamcntc co m D co s*
por raxaõ delles íe compara a R e l i g i a ó ao
M a r t y r io j e em virtude da oflfcrta, q u e n e l-
lcs le faz a DcoSjficaõ fatisfeitas todas as d i­
vidas contrahidas pella culpas na vida, que
fizeite no feculo. E m fe gu n d o lugar, v c , lc
renovas efles V o to s c o m grande anim o, c
rcloluçaô, e qual he a frequência cm os re­
novar. Em terceiro, fe os renovas, ao m e ­
nos, quando com m ungas t ou ta m b ém , c o ­
mo coítumaõ faxer alguns mais fervorofos,'
tres vexes ao dia, quando tange ás A v e M a *
rusj renovando o v o to da C a llid a d e ao di-
Zcr’ dngtlus D om in i, £*fc . o da O b e d iê n c ia
? ° lXcr>Ecce ancilla D om ini, & c . c o da P o -
Jcza ao dixer, Fcrbum caro factum efl, & c .
3 Ex-
S16 Oitavo Ma,
. j E x a m in a qual hc a tua obfervancin dal
regras. E m primeiro lugar, fc asconíideras*
c o m o leis ompoftas por D c o s . E m fegun*
d o , fe defprczas a lg ú a dcllas, c o m o dc pou-
ca im portância, fem confidcrar, que nas cou­
ías D ivin as naó ha coufa defprezivel) eque,
fc D e o s faz tanto caio d c hum a£to bom,
q u e quer dar por cllc hum prem ioim m ento,
c eterno nos G e o s , naõ deves tu agora fazef
p o u c o cafo dc femelhante a f t o .
, 4 E x a m ín a te cm particular a refpcito os
P o b reza , cfpccialm entc á ccrca da fubílan-
cia do V o t o . E m prim eiro lugar, fc dás**'
g ú a cou fa fem licença. E m fegundo, le re­
cebes dc outros, ou empreitas, ou pcdescffl*
p r c í t a d o , o u tens a lg ú a c o u f a , co m o pro*
pria, fem a mefma licença. E m terceiro,
tens a lg ú a co u fa efeon d id a, fem que 0 ia*'
b a õ os Superiores. E m ouarto, ie tcnsp°u*
c o cu id ad o das coufas da (Jommunidade^q1
te faô concedidas para o teu ufo. E m q l,!^
t o , íe gaitas o dinheiro em co m p rar coufas
vaidade. E m f c x t o , f e dás mais d o q u e a q 11^,
lo , para q u e tens lic e n ç a , o u tens na
maior quantidade de dinheiro,do que hc p~
m i t t i d o , fem o p ô r n o lu g a r dos depoii •
f E x a m ín a te á c c r c a da Perfeição do J
u to V o to , E m p rim e iro lu g ar, ie pedes lie
■Exame.1.) 577-
c a p a m ter coufas fuperfluas. E m fe gu n d o ,
le tens affe&o defordenado ás c o u la s , que fc
tc p c r m ittc m ve p o r ií To fciuirias m u ito , que
tas tiralTcm. E m t e rc e ir o , fc querçs coulas
particulares k m ncccflidade, quanto ao co-i
rapr, ou veílir. E m quarto, fe cuidas nas
commodidades, que tinhas no feculo. E m
quinto^ ic re desdenhas das coulas pobres.
E m fexto, fc queres, que f e g a ll c m u ito c o m -
t ig q , quandoieilás doente. E m fe p tim o , le
queres fer lervida com grande pontualidade,
com o le foras húa fidalga. E m o itavô, fc
queres todo o com m odo póflivcl nas coufas
ncceflarias, Em nono, fe quando tc falta al?’
gúa Couta dás graças ao S e n h o r , por te fa­
zer fcnielhantca elle ncífe po u co . E m dcci-:
m o , le dás algúa volta á tua c c l l a , para v e t
ie ha nclla algúa couía lupefflua. E m unde*
c im o ,le c ilá s aparelhada no teu co raçaõ pa­
ra te privar dc todas as creaturas, cm ordem
a que naó firvaõ dc o b ita c u lo para tc unhes
com Deos.
<5 Examínatc áccrca da fub ftan ciado V o ­
to da Caftidade. E m primeiro l u g a r , (e cs
1 ‘gente cm divertir o entendimento dc.to*
os os pcnlamcntos inaos. E m fe g u n d o , fe
c as muito longe de tecer p ra tica s , que faó
mcnos decentes ao teu citado*. E m terceiro;
Oo fc
^78 • Oitavo dia,
fc es recatada em olhar para o b je & o s peri-
g o í o s , e cm icr l i v r o s , que podem incitar a
m al. E m quarto, fe dás lugar a afíe&os mui­
to ternos, e ardentes para conv algúa pcíToa.
E m quinto, fe fomentas cflas affeiçoéscom
prcfentes, co m cartas, e co m p a l a v r a s mui­
t o affechvas. E m fe x to , fe ufas, ou permit-
tes, que outrem ufe de muita f a m ilia r id a d e
n o trato, ou a moílras p o r outros m o d o s ,
p o u c o decentes a h ú a E fp o fa de C h r i l t o . O
demais naó ncceílita de e xp licaçaó .
7 E x a m ín a te acerca da Perfeição defi*
v ir tu d e , que te faz igual aos A n j o s , c ainda
fuperior a elles j por pofluires por graÇa 0
que cllcs poífuem por natureza. Em primei*
ro l u g a r , vè fc amas a algúa peíToa por ou­
tro m o t iv o , que naó feja por caridade. &
f e g u n d o , fe fallas alg ú a v e z da formolm*
c o r p o r a l , da g r a ç a , que t e m , ou das PrC”
das de alg ú a pcííoa, efpecialmcnte de div*
fo fexo. E m terceiro, le no trato da t ^a P^
f o a , quando eltás f ó , confervas aquella ^
cencia,que guardarias diante de outros,
pecialm entc cm te v c ftir,e d c fp ir. km*!11 0
t o , fe tens m u ito cuidado de^confcrva
th e fo u ro da p u r e z a , pellos meios con^ of.
entes, que faó a guarda dos fentidos, a
tific a ç a õ do c o r p o , a defeonfiança dc b ^
E xa m e. 579
rpcurfo ao S e n h o r, por meio da o raçaó .
8 Examínate áccrca da Obedienciayc pri-
meiro quanto á lubftancia. P rim e ira m e n te ,
fc deixas dc obedecer ás ordens dos S u p e r i­
ores. Em fegundo l u g a r , fc obedeces con>
p o u c o g o i l o , o u por fo r ç a . E m t e rc e iro ,
ie tardas em ir para onde chama a o b e d iên ­
cia. E m q uarto , fc fallas mal dc q u e m cftá
em lugar dc D c o s , ou o tratas co m p o u c o
rcipcno cm p refença, ou cm aufcncia. E m
quinto, fe te queixas de fc tc mandarem c o u -
ias contra o teu g o l f o . E m f e x t o , fc p o é s
difficuldades,paraque a$ taes coufas f e t e n a ó
mandem, c tc efeuias dellas fem caula jufta.
E m í'eptimo,fc eleges aquella Superiora,que
tc parece fera para ti mais fa v o ra v c l. E m
oitavo, íc defprczas aquellas, q u e tc faó op*
poftas, e foges dellas, fem querer eftar fujei-
ta a ellas.
p Examínate ácerca da Perfeição daO be*
diencia. Primeiramente, fc vences g e o c r o -
famente todas as repugnancias a cila, nem
das final algum dellas no exte rio r. E m fe­
gundo lugar, fc.rcconhcccs a pcíToa d e D e o a
no mperior, o bcdcccndolh c por c ftc rooti-
' 0| a®m co m o obedece rias ao Senhor. E r a
obedeces tambeçn ao final da vo n -
* c dos Superiores, fem expreíTo manda-
Oo 2 m en-
$8® Oitavo d ia ,
menco. E m quarto , le obedeces aos Supe­
riores menores, c o m o aos maiores. Emquin-
t o , fc antepoés o que íe m an d aao tcu juizo,
iem bufear outra razaó. E m f e x t o , fc amas
a o b e d ic n c ia , e a r e c o n h e c e s , c o m o na ver­
dade hc f por h ú a grande felicidade do cita­
do R eü giofo.
C o n fu n d c t c d e todas as falras, que defeo-
b r ir e s ,c para as arrancar de raiz, farás os a-
dtos, d c que le faz m en çaõ nos outros Exa­
mes*

e x a m e ,
Para o nono dia dos E xercícios.

SO BRE A T E R FE IC .A O T>JS
Obras mais ordinarias.
O d o o noíTb aproveitamento cípid'
T t u a l , c toda a perfeiçaõ confíítc cm
dous p o n t o s , que faõ, o fazer o que Deos
m a n d a , c d o m o d o , que cllc J manda. E
quanto ao primeiro, podemos hicilmente fi­
ca r feg uro s por m eio da o b e d i c n c i a , celta
fe g u r a n ç a he a que dá grande v a l o r a c f l a n o -
b r e virtude. R c í t a n o s pois o f c g u r a r m o s o
o u t r o p o n to , fazendo as noflas o b r a s dome-
Examí, 581
do, que D eos q,uer,qucfcfaça.õ, E aqui pro­
poremos húa ideia das o bras, que mais o r ­
dinariamente fc fazem , e á vilta delia te irás
examinando. 0

A
* O L E V A N T A R PELLA » •

m anhaã,
' k 1 . v l . / o r f

M primeiro lugar, darás prin cipio ao


E dia, com huyn a fto çle d ilig e n c ia , f
d e vifto ria da p e i g u i ç a , l . e v ^ & n d o t e Vpfifo
jcm ouvindo o final da campa. E m tegundo,
Jeja o primeiro, pcnfamciup. fjjÇj D c o s , c çlf
íua .Divina prpCçnça> invoca ao Senhor com
a primeira palavra j ç a primeira , o b r a / e j ^
fazer o final daífanta C r u z . E m t e rc e ir o ,
quando te vcftjres, e x c r c i u a pio,deli i a , ver
ftindote com d.ççenciaie tambem adevoçaç^
iPcijando o fanto H ab ito , cpirnp fe tem jáditg
to, c rezando as oraçoes d o . E ^ c r c i c i ç q u o ­
tidiano j Beupdi£t& f i t Sanfta 7 r-initasy ,
E m quarto, depois dc v c l l i d a , f.irás os cin^
aclos ícguii^tcs, ou na ceVa, oq diantedq
oantitrimo.Sacrí\inçnto: dc /ídoraçao d a D i -
À t f â . : f a t m as Pel!°S
nchcios rcccjido s, efpeciaimcntc na noite
tcccdcntç. de Çonfriçaò^d^&pcqcatk»* de
* €r*W?.WtQ dfô obras daqueile diaj dc P c j
Oo 3 iíçaõ}
58 2 N ono dia ,
tiçaõ, rogando ao Senhor, que todas fejaó pa­
r a g lo rià fua* invocando tambem á Virgem
San tiffim a, ao A n jo da G u a rd a , e aos San*
tos teus A d v o g a d o s .

Oraçao.
I A N te s delia. T c prepararás, em pri-
A meiro l u g a r , para c i l a , difpondo cts
p o n t o s d a M e d i r a ç a ó . E m fegundo, deitar-
t c h á s a d o rm ir co m eífc penláincnto. E m ter<-
c e i r o , lembrartehás do m c l m o , cm dcfper-
fcando, e tornarás a difpor tu d o de novo peb
l a m a n h a ã , c o m o tam b em o f r u t o , que dc-
te ja s tirar da O r a ç a õ .
r i N o tempo da Oraçao. E m primeiro lu­
g a r , empregai ás nella todo o te m p o , quee-
i\í determinado. E m fç g u n d o , p r o c u r a r a *
anticiparte ao final da c a m p a , que t a n g e
ella. E m terceiro, aífiflirás nella com g r * n *
d e reverencia interior, e exterio r. E m qu3^
t o , applicartehás m u ito de propofuo :ic0í^
íid e raça ó dos D iv in o s M y íle rio s .
t c , terás cuidado de t e exe rcitar éin afte
ardentes da v o n ta d e , e cm p etiçõ es m
fervorofas. , r j.

j Depois da Oraçaõ. E ^ m in a r á S i P ^
tnciram em c, o com o te fijecedeo neiia, ^
Exame. 50 3
que modo a tivcfte. E m fegundo lugar v ç -
rás,fcrcfiftifte a s d i l b a c c o c s , o u f e lh e s d s ft e
caufa. E m terceiro,confirmartehás nos teus
p ro p o fito s,q u e tens fcito? ç fazç lembrança
da luz, que fe te dco nclla.
• •, ' 3
Oficio D ivino.
I \ N tes de 0 começar. Rcnovar.ás, p ri-
meiramente, a f é da P i v i n a f r ç f ç n -
ça. E m fegundo l u g a r , p o i f f c r c c c r a s a P e o f ,
em nome da Santa I g r e j a , cop» j n íflq ç a õ dc
alcançar para todos os fieis t o d o p ben),
com outras intenções fen^elbaqtcs.
z N o tempo de 0 r e z a r , procurar^s as t.r£s
coulas feguintes: R e ve re n cia , a t t e n ç a ó ,ç dc*
voçaõ. A reverencia, p ô o d o tc jcm tal po-
fiura, que naó defdiga da M a g c i t a d e d o S e ­
nhor, com quem fe falia. A awençap, nap
10 ás palavras, para as pronunciar perfçUa*
mente, mas também a D e o s , a quem ,lc |p#-
va. A devoçaõ nafeerá das outras duas, ef(e
devia avivar a9 Çloria P a t r i, e ao prin cipio
c qualquer Hora Ganonica, ' t
] Depois do Officio. Farás primeiramçntp
re^crcncia profunda ao Sanuífim o Sacra,-
Cnt0* Ena íegundo lugar* lhe darasasgr^-
V ^ p o r haver lido a d m itt id a a lo u v a llo . É 3 1
Oo 4 ter*
■J 84 Mono dia,
t i cciro , pcdirlhchas perdaô dc todas à>
f d t a s com m cttidas.
. » »i
i li j
* r, i
<*. ■. J » # *
* |* « j: , 1r/t-
1 .j
•rV
1 , 1
, > | _ 4 J .
,«#)«
J .
'IiIy » <

I •
1

L iça o E fp iritu a i.
f A N t e s d c a h r . In v o c a rá s , primeira-
/ j L mente* ao Efpivito Sanlo,com o f e
n i Sanfte Spiritus. È m icgun do lugar, tciás
-por fim o t c u 'a p r o v c i t a n j c t n o , c o a ô p g - 4
í l o , ou curiofidade de ler \ e para iílo cito-
rlhci i s livros utcis, ç com c o n í l l h o d o t e u PJ*
^ r c c í p i r i t u a l , e naõ os andarás mudandop^r
rt*u capricho.
i J o tempo de a /$/*(. Primeiramente\ nao
dc ir correndo o liv r o pellos òlhós, lenl
"parar^ fiem lenás m u i t o , l e n a ó c o m muita »<?-
*flexaõ: porque naõ aproveita, para ffc 1UIM1
i l í l l e n t a r , o e n g o lir o ço m êr' lem o mateár.
E m fegurrdo lugar, terás déilinado cefft»
'ft?mpo t o d o s é ’i diás para l e r , e o accrclcrj-
*frfrás
' Èm
nfos díaá d è f d t a , cm ordem a os fan '
•} < í ‘( 2... è ' Üi ^
Depois da liçao. Darás y'prim ei ram e#
t e ,g r a ç a s no Senhor, q u e t e faílou p o r m
'd e f l V I f v r o bom.* E m fegü bdo
dírlfrehas g r a ç a , para toaproVíjitares í
fens lido. E m 1t e r c e i r o , tom ari^ d em em .
rlllgúa confidcraçaõ boa, para ifOÜa ruiW*
lr?
Exame. 585
cntrc dia, e pará'ttefcs matéria ntil*fobre.que
fallar. 1 [<),i ^ o o íiia

O u v ir Mij]~a. **
*V A N tes de a ouvir. Prirrleiramcnte, i-
rás á Igreja,co m o fc foras ao M o n t e
Cal vario, para ícn o var a memória da P&i-
tfitõ de C h r i l l o , e para alliftir á maior obra,
4
q u e e pode fazer no C e o , c na terra, qudl
toco la c n fic a rfe o filho dc l)* o s ao fcU
terno Padre. E m fegundo lugar, pedirás gra-
£a á S mtiflima T rin d a d e , para tirares fruto
da M.Ha.
2. N o tempo do Santo tSatrifieio da M ijfa .
•1
rás; primeiramente,nccompanhando ao S a­
cerdote com a&os interiores em qualquer
cmeo partes-, cm que Ic divide a M if l* .
N a primeira,-o Sacerdote fc hum ilha, c pe-
- perdaó das culpas próprias, c:das dc to-
o-o mundo. N a fegundn, pede a D eos va-
nas mcrcès çpi poiqe da § a n t a 'M a d r e Ig re -
.13, c pcilos merecimentos <ío S a lv a d o r . N a
_Ç’ ceira, ofiercce a < H o llia ,c o C a l i z .'peitos
q ^ r o J m s d o f ^ r i f i c f o j q u e d e m a fer^afa-
p e c a d o s , o agradecim ento
rcCl^’^os> a Pc r >Ça^ dc novas
;?ido C njC ° t n ^ utar a D o o s o o b fe q u io dr-
•n. 1 a SuaTtaj:o m rp u n g a, c na q u in ta d á
ySó Nono dia,
as g r a ç a s , por haver íco m m u n g a d o . Ncíla*
c in c o partes, p o i s , d e v e m acompanhar ao
Sacerdote os que aflillctn ao Sacrifício, t
principalmente na C o m m u n h a ó , commtin*
g a n d o ao menos efpiritualmentc, para par*
ticipar os cfFcitos da Sagrada Com munhaó,
aindaqucanaó reccbaó. E eíTa Communhaó
cfpiritual ic p r a t ic a , avivando a F c da pre*
fença d c C h r i í t o na E u chariftiaj a Erperafl-
Ça na lua B ondade,c no feu P o d e r , para nos a»
p io vcitarm o s, ainda quando o naó reccbc*
mos íacramentalmente; e a caridade para coiu
0 mefmo Sen hor,dezejando unirmonos conj
.elle c o m o c f p i r i t o , em quanto íc nos naó
-concede o unirmonos co m cllea&ualmencc.
} Depois da M ijfa . P e d i r á s , p r i m c i r a m c n '
. t e , perdaó das negligencias commettidasi o
c em fegundo, tomaras a b en çaó ao SantH*
fimo S a c ra m e n ta d o , havèndoo primeiro â*
dorado profundamente para efle intento.
C onjijpad Sacram ental.
1 A N te s delia. E m primeiro lugar, tc
Z \ preparai ás p o r alg u m tempo c^m
c exame, nao c fc ru p u lo fo , mas diligente. £ nl
fe g u n d o , exercirarás em ti húa dor íynoer*»
ponderando quaó grave d cfg o fto dá a
Àtodo o p c c c a d o , e quaó g ra a d c hc a nofl*
Exame. 587
infidelidade, e ingracidaó, em cornar a pec-
car com tanta facilidade. E m terceiro, pro-
porás a emenda das c u l p a s , q u e co m in ctte-
llc com mais advertência, cuidando tambem
nos meios para c o n íe g u ir efla emenda* co -
ino por e x e m p lo , o cncomendarte a D c o s
com mais fervor, e o vi fitar a efle fim o S a n -
tiífimo Sacramento co m mais frequencia.
1 N o tempo dàConfiJfaõ. A ccom pan h arás
a accufaçaó,quc fazes dos teus p c cca d o s ,co m
a&os das tres virtudes feguintes; P rim eira­
mente, da F é , reconh ecend o no Sacerdote
Vifivel, a Pcfloa invifivel d e J B S U C h r i í l o ,
noíTo Juiz, e noíTo M e d i c o . E m fe g u n d o
*ug»r, da E lp eran ça, confiando alcan çar o
perdaô, c o remedio das noflas culpas,pellos
cus merecimentos, c por feu f m g u c . E m
terceiro, dc H u m ild ad e , defcõbrtn do fyn-
j Cramcnte todo o mal c o m m et ti dó, fem r o ­
cios, nem delculpas, cm ordem a dim inuir
» confufaõ. 1
} Depois da Còrifijfaõ. D arás,cm prim eiro
&ar graças *o Senhor, por nos haver pre-
r a ,° lavatorio taó faudavel dc feu
x - ’n mmo Sangue, c de fuaVagrada Pai-
le a • fegundo , cu m p rirás d evo tam en -
Drni^ rn' tCnc,a’ tcrc c i r o fi-enovarás os
1 P tosdaemenda, cpedirás novas for­
ças
5"88 N ono d ia ,
Ças * ° Scahor para os executar.

Sagrada Communhao.
1 A d‘ cm m u » £ *r, T c preparará*
c m o b f r ™ Í L » “ * , o r e x a c Ç a P ) q u e co n íiíle
S e r a í l r ^ Â aSi reS C 9 u ,a s ' A p rim e ira , o
fim A tro' a^ ,c m o r t i f i c a ç a õ para cffç
deíTlim arí a ’ ° r a ,S um Ilv'o , que trata
dezado tínf8" f Cc,ce'ra»o conlidcraragran-
JiofT-i im i, ^ ? ti u e *1 í v c n l o s d e r e c e b e r a
«o «a "id .gn .d ade para o - r e c e b e r , e o k K
i n n d o a'n01', q^ ° S e n h o r " o i mollra, e,i-
f a n d o nos a,oíTos p e ito s, & c .
e lla c o m r Co. m& u*lw á. C h e g a r á } i
9
intim ava mV E Ç a o ’ UC c ™ outro tempo
cm V07 ir J ' S °. ^ ‘f ô fín 0 , dizendolhv
Silr*}' 1 3 ^ ccedite cuntfide tremort,Í?
r V e CC fltr* 5 p r im e ir a m e n te ,
F m “! ^ n a .íf-‘ d a p r e f e n ç a d ç J E S U C h r illo .
inli ' u S , r a 'c c o n h c c c n d o a no.íTa
.n w iR n ic ia d c p r o p n .i . E m . t e r c e i r o , de?ejan-
C Co 'V9n0 ‘nCn^ .«OM -nos co m o noifo

. ; 9 IJrpois da,Communhao,, D cccrrchi^eoi


p r im e ir o l u g a r , c o m J E S U Ç h r i f t o , aopV>
?n o$ ^ n p O ftc m p ç K , q .u an cõ p ile f e d e re m ç w t
.poralraentc
.pp» co n in o ilo , iilo he, quaíi hapj
1*2
Exam e. 589
qtinrto dc hora. E m l e g u n d o , exercitarás
ncllc tempo os aéfcos deltas quatro virtudes,
as trcs T h e o l o g a c s , F é , E íp e ra n ç a , e C a r i ­
dade, c íi virtude da R c l i g i n õ , que fe ch e g a
paracllas. Primeiramente, crendo com g r a n ­
de firmeza na real prefenÇa dc J E S I í C h r i -
Ito. E m fcgundò lugar, confiderándoo, c o ­
mo a fo n te , e origem de todo o noflo b e m ,
c como quem claramente v iílo ha dc fer co­
da a noíTa bemaventurança. E m terceiro,
dezejando cu m prir cm tudo a fua D iv in a
vontade, c amallo reciprocam ente de todo
o coraçaó. E m q uarto,agradeccn dolh eh um
dom taó incftimavç^quc depois de n o lodar,
naó lhe fica mais, que dar, pois nos tem da­
do a fi mefmo. E m quinto, humilhándonos
Pro vazaõ das noífas paliadas c u lp a s ,c ingra-
tidoes. Em l e x t o , rcfignándonos inteira*
rncntc nas fuas D ivinas maós. E m feptim o,
Pcdindolhc o feu a m o r , c g r a ç a lupcrabun-
ante, para fatisfazer ao d c í c j o , que tem de
nos enriquecer.

Obras de maos.
1 iV/ej de as eowef^r,asoflFerecerás ao
j ^Cnhor por algum bo m fim, d e h u -
3 d e , d c p o b r e z a , c de obediencia. A o
tem-
590 N ono d ia ,
tempo de trabalhar, levantarás primeiramfn*
tc dc q mndo cm quando o penfnmento a
D e o s , renovando a fobreditta intençaó,em;
p reltá n d o tc a ícmclhantes trabalhos, e nao
c n g o lfá n d o tc dc t o d o ncllcs. E m fecundo
l u g a r , re accom m odarás ao g e n i o , c á von­
tade dais o u t r a s , que trabalhaó c o m t i g o »
lcm bran dote, que neíta vida naõ temos ou­
tra coufa, que fazer, fenaó húa coula ló.quc
hc o fervir a D e o s , e fe cita obra íahe bcffl
feita, nada im p orta, que o mundo todo vi-
cíTc fobre n ó s .

R efeiçã o corporal.
I A N te s de ir para a M efa . Primeira
X \ mente rçnovarás a rctía *nlcI ^ a°J
d c que feja p o r o bedecer, c para reftam*
as forças neccíTarias para fervir ao Sen o »
e naó por fatisfazer ao noíTo c o r p o , c a ° ^ z
f t o , q u c c l l c recebe cin co m er, como
hum animal. # , m
i N o tempo da refeição. Exercitaras,^ ^
p rim eiro lugar, a devoção, oa b e n ç ã o » , ^
dar das g r a ç a s , e em cftar attenta a \
mefa. E m ( e g u n d o ,a temperança^ 20
dendo na quantidade d o co m e r, n e m n ^
d o , c o m e n d o c o m m uita prclTa,c anci •^
Exame. 5^91
terceiro, a wortificaçaõycom endo a q u illo ,d e
que naõ g o ft a s , c deixando o de que c s
amiga, para o offerecer ao Senhor, que te
trocará cíía m o rtificaçã o em hum g o z o c-
terno lá no C c o .

U a rd a rteh a s d c c a h ir c m a lg u m d o s
G c x c e ifo s feg u in tes. P r im e ir a m e n te
ãccrca d o fim y fallan d o f ó p o r fa tis fa ze r ao
amor p r o p rio c o m a o c io f id a d c , c o m p ra ti*
c as in fru ru o fn s, e cm b u fe a r o d e le ite , c a
V^mmodidade. fe g u n d o lu g a r , a c e r c a
0 **mpoy d e te n d o te mais t e m p o ,d o q u e h c
2 ° p a r a r a c io n a v c lm e n t e t e d i v e r tires. E m
á ce rca das / > ^ < w ,b u f c a n d o ló m c n -
çj a! * ? Í0 8 a] anf c í C m ais l i v r e , c f u g in -
as pcíioas c lp ir it u a c s , c o m p r e t e x t o d e
& nm .m a‘s m e la n c ó lic a s * c o m o t a m b e m
toais* a n mS,,S te m P ° b e m ,e c o m
d a n . ,í ° co m os fec u la rcs nas g r a d e s , ain -
entra tC mo^rc a e x p e r iê n c ia , q u e e n t a õ tc
° u v id r ^ i d ° n a a im a ’ p c ii° s o i h o s ’ p c iio fi
Pcnfam p c as c o m p la c c n c ia s v a á s , c p e llo s
rcc o lh im tOS fccu larc í c o s , q u e im p e d e m o
E n j QuarCnt^ ’ c a c o n v ei*faÇaó c o m D e o s ,
toj acerca do piodoyou fa lla n d o c o m
im-
59 2 N on o d i a ,
impaciência, ou c o m fobcrba, ou dizendo
palavras dc v in g a n ç a , ou dc eitim a ça ó pró­
p r i a , ou procedendo com .imprudência,
querendo d if ç ò ir e r fobre aquillo, que naó
íabes, ou tratando as outras c o m rullicida-
d e , o u afpereza,quando os Santos fó comf»-
g o mcímos a ufavaô.

V ijita do Santijfím o.
R im e ira m cn tc cuidaras na frequencifi
P deíU s vifitas, pois fomos obrigados
a cortejar a J E S U C h r i l t o , que ficou com-
n o íco na terra, c o m o o fazem os Anjos ia
no C c o . E m fegundo lugar, cuidará*n
tiv o das mefmas vi ficas, que d eve fer, ou 0
a m o r d e v id o ao de J E S U C h r i f i o ; ou o a-
g r a d c c im c n t o , que pedem cantas, quafi via­
gens, que p o r nós faz do C c o a terra> ou 0
t r i b u t o , que lhe devem os pagar, c o m o ao
noíTo R e i* ou o remedio das noíTas ncceni-
dadesja luz nas noflas duvidas* a conlolaÇa°
nas noflas tributações* e o fervor nas n ’ »
tibiezas. E m terceiro, cuidarás no modo
as fazer, p ò n d o te diante dc Chrillo» ou co^
Luc. m o o c é g o , que pedia v ifta : Domine,
is.41.
dtam\ ou c o m o o leprofo, que pedia L
Matr. livre da lepra: S i v is,p o tes me mundare. ^
t. a,
Exame. $9 3
co m o o publicano, que pedia perdaõ das lu­
as culpas j D eus propitius efio miht peceatori!
ou co m o aquelle enfermo de trinta, c o ito
annos, que naò tinha quem o ajudafle a en­
trar na pifeinaj Doyntne, bominem non babeo: j oa£
ou c o m o a C anancia, que augm entava a fua
confiança co m as repulías, que e x p erim e n ­
tava* ou co m o a Magdalena a o s p é s d c C h r i -
fto, para ouvir as palavras do S a lv a d o r : em
ordem a que a variedade das pefioas , que fe
poferaõ na prefença de C h r i f t o produza em
ti vários., e corrclpondentes aftcftos dc d c -
voçaõ. >/ !

E xa m e da C on fcièn cia.
1 K N tes delle. O s dous primeiros pon-
A tos, que precedem ao e x a m e , c faó,
o dar graças a D e o s pcllos benefícios rece­
bido s, e pcdirlhe lu z para co n h e ce r as c u l ­
pas com mett idas, faó m u ito neceíTario$*af-
hm para allumiara cegueira do entendim en­
to, como para vencer a dureza d o c o r a ç a ó ,
que faó dous effcitos do p e c ca d o m u ito per- •
uictofos,e oppoftos á verdadeira penitencia.
2
- No demais tempo do exame fc devem fa-
r ti cs coufas. A primeira he recordar tu -
fe f e z entre dia, c iflo co m diligen-
Pp c ia ,
J 9 4 N ono d ia ,
c ia , c o m o faz hum caò dc bufca, que todoo
J dia anda atra* da c a ç a n o m a to , para dar
c o m c ila ; c ju n t a m e n te c o m o ..mal feito; fe
ha dc exam inar o b e m , que f c d e ix o u de fa­
zer, e as caulas deflas faltafc de commiífaô, t
o m i í l a õ , para a p p licar o m achado á raiz. A
fegu nda cou fa h c , arrependimento de corafdi
das culpas y que fe acharem; porque naõ baiU
que fe a ch e o reo, fe depois fe deixa fugir
fem c a f t i g o . A terceira he o firm e propofif
de nunca mais tornar a ca h ir , e quanto mais
firm e f o r eíTa r c í o l u ç a ó , tanto maior fruto
í c tira deftc E x e r c í c i o .
3 Depois do Exam e. E m primeiro lugar,
faras a l g ú a penitencia, c o m o v . g . beijar a
t e r r a , cm c a f l i g o da lín g u a , è f p e c i a l m e n t e ,
quando cila le tenha defmandatio com (firo**
fiada liberdade. E m fegu ndo , toma******
g u m defeito mais g r a v e para materia da MÇ*
d ita ç a ó , em õ rd e m a p rocu rar a emenda d r '
le co m m ais^fficacia; porque o exame fer'^
para a o r a ç a õ , c o m o os exploradores ^ vC
a hum e x e r c i t o : os E x p lo r a d o r e s d e f c o b i w
o i n i m i g o , d o E x e r c i t o c o m b a t e , c pcWJr
c o m clle.j r:no

t
Exam e. 5-9 ^

D e ita r na Cam a.
SÍim c o m o o íer D c o s o nofío p rin ­
A cip io nos o b r ig a a c o m e ç a r d e v o ta ­
mente o d ia , adim o ler o m e fm o S e n h o r o
noíTo u ltim o fim nos o b r i g a a rematar o dia
com piedade. P c llo q u e , depois de haver
feito o E x a m e da c o n f c i c n c i a , excrcitarás a
vtodeftia, dcípindotc c o m d e c ê n c ia j a dev$-
çaõ, rezando algúas o r a ç o e s ; e a re fla inten­
ção, o ff c r c c e n d o o d c fc a n fo c m c u m p r im e n ­
to da vontade d o S e n h o r . e naó o to m a n d o
para fatisfazer á in clin a ça ó da natureza. D e ­
pois de eftar na c a m a , confiderarás primei­
ramente no cftado, c m que bre vem e n te <c
has dc achar,ou d c m oribun da, ou d e m p rt^ .
K m legundo lu g a r , dezejarás, c pedirá$:oa.
Deos para aquelle t e m p o os Santos Sacrar
mentos. E m t e rc e ir o , faras b re v e m e n te os
a&os dc F c , E f p e r a n ç a , C a rid a d e , C o n t q -
Rcfignaçaò na v o n ta d e de D e o s , E m
.quarto, cncoracndarás a tua alma ás C h a g a s
d c C h r i lt o , c invocarás os .Santiflimos n<b
™,?s J E S U S , e M A R I A , fu p p o n d e , qu£
das a ultima boqueada, para nunca mais v i -
vcr para o mundo.

EXA. *
)S9 6 "Décimo dia ,
. E X A M E » ,
Para o d c c im o dia dôs E x e rc íc io s .

, SOBRE O D E Z E J O D A VER-
f c t f a õ y e os f in a e s d e i r a p r o v e i­
ta n d o n e l l a .

* ' C X a m in a as c o n d iç o c s d o d e z e j o , que
• tens dc alcançar a p e rfeiçã o ,p o rq u ê
d á n d o te a D c o s pella Profiflaõ Religioía,
eílás o brigad a a pro cu rallapo raqucllcs mei­
os, que te iubm iniftra o teu eftado, nos San-
•tos V o t o s , nas regras, e nos inttitutos pró­
prios da R e l i g i a ó . V è pois em primeiro lu­
g a r , fe eíTe teu d ezejo he efficazy porque o
enamorarfe hum da v i r t u d e , in abjlrattO) he
Coufa facil, fendo ella taõ formofa; hc pre-
c if ó p o ré m , que nos enam orem os delia na
p r a x e , aproveitando as occafioés dc a exer­
citar, c tirando os impedimentos, que fcop-
p o e m a o c x e r c i c i o delia. E m fe g u n d o , vè,
í c eíTe d e ze jo h c [ummo,quanto ao apreço, e
rcíljir*açaõ, que fazes da virtude; i$ o he,que
naõ faças c a f o , fenaõ daquillo, que conduz
?hí- para alcançarcs a v i r t u d e : O m nia. . . arbi-
i f f, f W j ut Jlercora, u t C brifium lucrifàciarn.
* L\ f í (
f Exame. 597
E fta eílimaçaõ he d c f u m m a im portân­
c ia , porque em todos os n e g o c i o s , d o a*
mor do fim nafcc a e l e i ç a ò , e a a p p lica ça õ
dos meios* c a ílim , quem faz mais cafo d e
hum minimo a & o dc v i r t u d e , que de todas
as habilidades da natureza, naó deixará d c
fcapplicar com grande cftu d o a alcançar a
perfeição. E m terceiro, v è , íc cíFe d e z e jo
hc generofo, dc íorte, que fc naó deixe cfp a n -
tar das difficuldadcs, que fc achaó na virtu^
de, antes pello contrario* c r c f ç a á v i f l a d c U
las,como ie au g m e n taach aro m a, cm os v e n ­
tos a aíToprando: e na verdad e, que naõ has
dc alcançar grao algum confideravel dc per­
feição, cm quanto naó goftas dc encontrar
com difficuldades. N u n c a pcfcou preciofas
pérolas o Pefcador, que cem medo á agu a.
E m quarto, vè, fe vas renovando eftes d e ze -
jos com as o c c a f io é s , que fe offcrecem de
tc aparelhares para as Feftas mais folemncsj
porque fem novo impulfo naõ duraeíTe m o ­
vimento, que hc violento á natureza, antes
enfraquece fempre m uito mais:
1 Examina que finacs ha cm ti dc b a v e -
[es aproveitado no caminho do Senhor* e a-
ln *m porte mais o ir crefcendo n a v ir -
.UjC>. ^ c v Çr 05 feus augmentos, pode c o m
u 0 ínfundirte animo o v c r c s ,q u c teadian-
£p J ta sj
59% Décim o dia,
t a s , e tc pode fervir de eftim u lo contra a
p e r g u i ç a o v e r , que naõ tens tornado para
atras. Podes pois facilmente achar, a ganan-
cia , ou a p e r d a , fazendo reflexaó f o b r e oj
c i n c o pontos fegu intes: Sobre as faltas, as
ten ta çõ e s, as«paixões, as virtudes, e a inten­
ção* ace rc a d a s quaes coufas,alem do que fi-
ca ditto ,po des efpccialm ente confiderar no
q u e agora accrcfcento.
. E m ordem ás fa lta s . S e r á final de apro­
veitam ento. P r im e ir a m e n te , fe fc tem di­
m in u íd o o p rin c ip io dos nofibs defeitos,quc
h c a vontade própria* de f o r t e , que mais fc
fa lte por fra gilid ad e, que c o m plena delibe­
r a ç ã o . E m íe g u n d o lu g a r, fc fe tem dimi-
s u i d o o n u m ero dos mefmos defeitos, dc
í o r t e , que fc falte menos vezes. E m tercei­
r o , fc a m atéria, á ce rca da qual fe commet-
te m efles defeitos, he mais leve. E m quarto,
fe depois dc haveres cah id o ,cm lugar de pal*
mares de ti m efm a c o m hua foberba occul-
t a , te humilhas, para conhcceres melhor a
tua m ife ria ,c para rccorreres ao Senhor com
mais fervor.
E m ordem ds tentações. Será final de *'
p ro v e ita m e n to . P rim eiram en te, fe cilas vem
majs p o r occafiaõ extrinleca, c por íugg^'
í l a ó d o d em on io , do que p o r caufa da no -
Exam e. 599
fa co ncupilcencia; porque iíTo teria final d c
que o co rpo c o m e ç a a fer mais mortificado*
c mais fujeito ao clpirito. E m fe gu n d o lu ­
gar, fe lhes refiftes co m mais promptidaõ^
lem te deteres a dar a t tc n ç a õ á rcn taça õ j
porque dc outra forte, o c o m e ç a r a travar
praticas com o in im igo , hc c o m e ç a r a q u e -
rerlc render.- E m t e r c e i r o ,'f e lhes refiftes
com mais fervor, naõ tc contentando co ra
tc naõ render, mais fazendo aftos contrários
gencrofos, e m 1ordem a vo lta r as armas d o
tentador contra ellc. E m q u a r t o , fe a p p li-
cas os remedios co m mais arte, fu g in d o dos
objc&os dclcitavcis, c refiftindo c o m valofr
aos que tc daõ moleftia.
Em ordem ás paixoês. Prim eiram en te, íc
fc tem moderado o i m p e t o , c o m que te af-
faltavaõ. E m fegundo lugar, fc te afíaltaõ
menos vezes. E m t e r c e i r o , fc tc perturb aõ
ja menos, quando tc aflaltaô. E m q u a rto ,
le te fazem j a menos g u e r r a , ainda cm t e m ­
po dc trabalhos cfpirituacs. E m todos eftes
cafos fe vè cla r a m e n te , que o hom em velho
e vai er.traqueccndo, c q u e o h o m e m n o v o
vai cobrando vigor.
Em ordem d s y b t u d e s .' P rim eiram en te, fe
as maior facilidade cm o b i a r a q u i l l o , q u c
contra a tua inelinaçnõ natural. E m íc-
Pp 4 gun-
6o o Decimo dia ,
g u n d o lugar, fc poés mais cuidado cm tc a*
proveitares das o c c a l í o c s , que fc tc offerc*
c e m , que de exercitar as obras dc virtude
ordinarias. E m t e r c e ir o , fc fe augmenra a
defeonfiança das tuas próprias forças, c a
co n fia n ça na ajuda dc D e o s . E m quarto,fe
attendes já c o m mais cuidado ao e x e r c i d o
da caridade para c o m D e o s , c para com o
p r o x im o .
E m ordem d intenção. Primeiramente, fc
pbras j á poucas vezes p o r fatisfazer ao teu
a m o r proprio. E m fegu ndo lugar, fc nao
fazes conveniência da virtude, procurando
mais a própria fatisfaçaó, ou o agrado dos
hom ens, do que o de D e o s . E m terceiro,fc
renovas frequentemente a r c â a intenção. Em
quarto , fe tam bem a renovas co m maiscon-
ila n c ia no tempo d c f e c c u r a s jó q u e tudo ma*
n ifeíta o ap ro ve ita m e n to , q u e tens tido.

- M E I O S ,
7 A R A CON SERVAR O FRrÚ‘
to dos Exercícios .
A õ baila que o C i r u r g i ã o torne a
N p ô r a h u m o flo deslocado no c
• n c i g o lugí^r, fenaó o enfaixa b c n , , ^uc
.. O fruto dos Exercidos. 6o í
que fique forte, porque de outra forte, fe
rorna a deslocar ao primeiro m o v im e n t o ,
que co m elle fc faz> e tambem naõ baftará
o haver reduzido no tem p o dos E x e r c í c i o s
ás paixões defordcnSdas á devida l u j c i ç a õ
á vontade lanta de D e o s , fc fe naõ p ro cu ra
com algúa induftria confervar efla fu je iç a õ ,
de tal io r t e , que acabados os dias do retiro,
fe naõ torne ao mao co ftu m c de v i v e r h ü a
peíTba á fua vontade. Para eftc fim p r o p o ­
rei aqui dous meios efficaciíTimos,c p r o p o r ­
cionados ao que diflemos defde o prin cipio
fe requeria por d ifp o fiç a ó , para entrar nefta
fama folidaõ, e retiro. O primeiro fera, pe­
dir ao Senhor continuamente cfta perfeve-
rança,que tanto depende da continuada aju­
da da D ivina G r a ç a : Confirma boc D eu s, Thi.
qvod operatus es in nobis. E m to d o o difeur- é7,1*
lo dcltc livro te tenho lem brado dc tem pos
cm tempos efta neceílidnde de pedir f o c c o r -
ro ao Senhor com a o ra ça õ > a qual neccfli*
dade por fi mefma b a íla n tc m e n tc lc inculca;
Porque, aflim co m o o hom em nafcc n u ,d c f -
armado, c defprovido de tu d o , quanto ne-
c ciiua,para fc confervar nefta vida mortal*
^ c| n;. tudo nafee p ro v id o pella natureza
ficM * C° m aS cluacs a c ° d c ás fuas neccf-
s> aflim ta m b e m , aindaque na ordem
da
6 o 2 Alcios,para confervar
da g i a ç a fcjamos raõ pobres, e taó dcílitui-
dos de forças , e f t a m o s c o m tu d o baftante-
m en te lo cco rrid o s por m eio da oraçaó,que
íe rv e á a l m a , c o m o de maõs, para confeguir
K*i. to d o o bem : E lev a tio tnanuum mearum ,[ * •
4 cri fie i um vefpertinum .
, O o u tr o m eio he parto da noflainduflria,
c c o n íiíle em renovar d c quando em quando
o antigo fervor. A s le g io é s, que antigamen­
te ch am ava ó im m o r ta e s , naó fe chamavaó
aífim, p o rqu e n<ió morreíTe nunca nenhum
daqucllcs Toldados, fenaõ, porque l o g o , af-
fim c o m o a lg u m morria, punhaó cm leu lu­
g a r o u t r o ig u alm en te g e n e r o f o , c prompto
para p e l e j a r : e tam bem os que perfeveraó
na v i r t u d e , nem por iíTo deixaó de faltar
muitas vezes nas o ccaíio cs,fu p p rem porem
as faltas c o m novas r e íò lu ç o é s ,e n o vo brio,
c o m q u e tornaó a t o m a r as armas efpintua-
cs. í l t o f u p p o í t o , a in d u d ria mais provei-
tofa he o renovar cada mes o v ig o r da alma:
!£!',. A enovabitur, u t a q u iU ju v e n tu s tu * . E por­
que a memória da m orte tem cffícacia parcicu-
la rp a r a e fte e í f e i t o j e p o rq u e h c o a&o mais
f u b l i m e d a prudência C h r i f t a ã o aparelKarie
h u m b e m para aquellc in fta n te , do aual de­
pende o n e g o c i o d c fu m m a importíncia da
noíTa eternidade* p ro p o rei aqui hum E * # '
O fr u to dos E x e r cid o s. 603
cicio de preparaçaõ para a m o r t e c e j á cm o u ­
tras occafioés tenho dado ao prelo.
E fc o lh e pois hum dia de cada mes,* dos
mais livres dc o utros negocios, em que te
hajas de em p regar co m particular d ilig e n ­
cia na O r a ç a õ , Con fiíT aõ, C o m m u n h a õ , e
na V i f i t a do Santiflimo Sacramento.
A O r a ç a õ deftc dia ferá dc duas horas,ca-
da hua por fua v e z , e a materia delia p o d e ­
rá ler e fta,q u c aqui pro p o n h o . N a p rim e i­
ra h o r a , confidcrarás, co m a maior v i v e z a ,
que poderes, o eftado, em que rc has de a-
char,quando elliveres m o r ib u n d a ,d e ix a d a já
dos Médicos,delpedida das tuas C o m p a n h e i­
ras, aviíada para morrer p e llo C o n fcíT o r, & c .
£ p o rq u e , co m o diz o S e n h o r pello E c c l c -
hat\ico,o juizo , que a m orte faz das coufas,
he lempre i e & o , O mors f bonum eft ju d ie i- C * p
T,
4 > *
um tuutk\ por iíTo, tom aras para os tres p o n ­ J.
tos a coníidcraçaó do q u e quercrias ter fei­
to, quando moribunda, primeiram ente,a re-
Ipcito dc Dcosj cm fegundo lu g ar, a rcfpei-
t0 mcfma> c cm te rceiro, a refpcito do
pio xim o, mifturando nefta M cd itn çaõ yarr
osaftedos fe rv o ro fo s,já dc p ro p o fito sb o n s
c ja■ dc p etiçõ es ao S e n h o r , para alcançai
c forças para tc cmendarcs.
, f gunda hora de O r a ç a õ cera por mate
ri:
6 o z| Jídeios, para confervar
ria os c in c o m otivos mais po d crofos,qu e ha,
para aceitar a m orte da maõ dc D e o s . O pri­
m e iro he de necejjidade. E í t a lei heindifpcn*
job. k v c U PÇ1* f o r ç a ha de m o rre r q uem nafeco:
10.2,. Seio i quia mort i trades m e, ubi conftituta ejf
domus omni v iv en ti. O le g u n d o h c d c ju jli*
çeiy he precifo, que m orra quem p e c co u , po­
is por iíTò m efm o m c rc c c o m o rre r: jutU-
j m en te fe derruba a cafa aos r e b e l d e s : P iv it
26.i6. D o m i nus, quoniam filii mortis eftis vos. O
terceiro «de hum ildade: naó m e r e ç o viver
mais tem p o , p o rqu e me naó aproveitei do
t e m p o , que D e o s m c d eo para viver , antes
m e fervi dellc contra D e o s , meu fummo
B e m feito r, que, aindaque naõ mercceo mor­
r e r , q u iz m orrer p o r mim e m h ú a C r u z :
i*oe.^ N o s quidem juftè\ nam digna f a f t is recipimus;
M 'h ic vero n ih il m ali gcffit. O quarto dc amor.
V i r á tambem t e m p o , cm q u e acabem os me­
us p e c c a d o s , tambem hei dc fahir de hum
m u ndo taõ mao,onde fe naõ v c mais,fcnaó of-
fenfas de D c o s , c eípero ir para onde fe naõ
Tfti. f a z , fenaô am a llo : Placebo Dom ino in regiof
vivorum . O q u in to de refignaçaò. Vos
o h D c o s meu, tendes eferito a lentença da
m inha m o rte, e definido o t e m p o , e o modo
delia. E u a aceito de b o a v o n t a d e , porque
v ó s aflim o q u e r c is , c m c facrifico na vofl*
0 fruto dos Exercidos. 6o 5
adoravel vontade,uníndom e em cfpirito co n i
a refignaçaó do meu Senhor J E S U C h r i - Luc.»
fto :Verümtamen- non mea voluntas, fe d tua
fia t.
O s a f i e â o s dcrta M e d i t a ç ã o íeraõ de o f-
ferecimcnto da própria vida ao S e n h o r , de
que naõ havias dc alargar a vida, aindaque
que o podeíTcs fazer, quando iflb forte c o n ­
tra o D iv in o beneplácito; dc p e t iç a õ , para
lhe offcrccer efte iacrificio c o m o clpirito
de amor, que requer o rcfp cito, que fc deve
á fua amabiliflima d if p o f i ç a õ ,c providencia.
Faras a ConfiíTaó deílc dia c o m d ilig e n ­
cia m^is particular, c c o m o (c forte a ultima
vez, que te vas purificar no Sangue p r c c io -
fiíTimo dc J E S U C h r i f t o . E cm primeiro
lugar, faras hum aélo de F é , reconh ecend o
no Sacerdote, que vès, a Perto a do Senhor.
L m fegundo l u g a r , procura ter hum v i v o
fentimento das tuas culpas, confidcrando,
que o minimo peccado venial, por fer húa
injuria feita a D eos, c hum mal, que d c fg o -
“ a aquclla fuprema M a g e fta d e , hc injuria
tnuito maior, c maior m a l , que todas as a-
•rontas, que fe tem f e it o , ou podem fazerfe
•*s crcaturas> c ainda que a total d c ftr u iç a õ
0 Dniverfo. E m terceiro, p ro cu ra ter hum
F ropofito firme dc tc cmcndarcs, c naõ te
co n -
606 M eios, para confervar
g c r a i ’ mas deíce
ra confpDn' d l , P ° e m os meios pa-
íitr mais n *C e ^ e n d a . « " ordem a Ia-
páíavra aiu ft ' p r o p o fito - E m húa
o n rr^ t * i S t Í*aSC ontas d o " i°d o ,q u cas
d a r ao t e ^ r ■ P° *°g ° as h°uvcflcs de
ia ouafi á
9
P° ,S P° de fc-r ’ d lccl}í-
ce %-idr porta’ c UC tu o n,ió prefíntas: Ec-
c t J u d e x antejanuam afliflit,
I am bcm para a C o m m u n h a õ has de fazer
fc rn ara^íi? ma,s cxcraoi‘dinaria, como
o u ^ UnKgflíreS P r a t i c o , adorando á-
a errrn.Vl^ J ** jC c í Pcrai adorar por coda
reconr i i ^ o f a g n c u pclia vida, que
nrrcr \C< pcrdaódcahavereni*
£ r- ? a. ° rao maI ; offerecèndocc com prom-
ív.Y a.?ca^a ^a y fe e llc aílím fo r fervido, e
«o. ii ° l fí,la!™ente a Tua a íM e n c ia para
que a hora caõ tremenda, paraque a tua
mn, en co ílad a ao feu A m a d o , pafle dcllc
fjcierco c o m fegu rança para o R e in o Ccle-

A ulrima das obras proportas para eih


f i e p a r a ç a ó he a V i í k a d o Santiflimo Sacra­
m e n to , diante do qual, com odiantedothro*
n o do fcu a m o r , farás tu c o m o fervor p o f
c Z * ã o s ' 9 l,e apontaremos. A
oanta Maria M a g d a lc n a d c Pazzi mandou o
Se-
0 frutodos Exercidos. 6 0 7
Senhor o vifitafle trinta, c tres vezes ao d\»y
vifítao tu ao m e n o s 'f e t c , c qpatido ino nao
pofla fer, na tua meíma cclla y o lt a t c fe t è v c -
■zes para onde eftá o S a n t i f l i m o S acram ento,
para fupprir aflim o im p e d im e n to ,q u e tens,
aflim co m o Daniel fazia o ra ça ó da janella
da fua cafa, que cabia para Jcru lalem .
"mt • 1 t n

A ã o s de F e.
A primeira vifita p o is , h aven do p r i­
N meiro adorado ao S e n h o r , exercitará*
os a&os de húa v iv a f c d o m o d o fe g u in te .
1 Senhor,eu creio firmamente t u d o ,q u a n ­
to foftes fervido revelar me-, nao o c r e i o ,p o r ­
que o crcm o u t r o s , mas f i m , porque v o s o
rcvclafles, que fois primeira, c in f a lliv d v e r ­
dade. Se todos os C h rifla ó s faltaflcm nefla
fé, e u , com a voífa g ra ç a , naó faltaria j a ­
mais. 1. D ouvos infinitas g r a ç a s por m e t r a -
zeres a efla (anta f c , na qual quero v iv e r , c
morrer, 3. Q u a n to me pefa dc que le ache
no mundo quem em vó s naó c r e i a ! O h quem
podera á eufta da própria vida trazer a t o ­
dos ao voflo c o n h e cim e n to ! O h meu D c o s ,
k u fou filha da vofla Ig reja S a n t a , c c o m o
quero agora morrer.

AC-
6o 8 Meios,para co n ferv a r
V
j 4ã o s de E fp era n ça.
A fegunda V i f i t a faras os feguintes A -
N f to s de E fp eran ça, ou outros femc-
lhantcs. i . S e i meu S e n h o r , que os meus
p c cca d o s prefentes, e paflados, e as minhas
ingratid oés m e fazem totalm en te indigna
da maior dc todas as m ife n co rd ia s , que he
o morrer b e m : elpero c o m tu d o em v ó s , na
voíTa infinita bondade, nas promefías, que
tantas vezes me tendes feito, d e m e ajudarei,
c nos m erecim entos d o meu Senhor J E S "
C h r i í l o , que m orreo por m im . i . Affímhe,
que vos tenho feito grandes a g g ra v o s, m*s
.naõ farei o de naõ confiar agora cm vos.
V ó s ainda naõ totnafles o officio dc Juiz. c
fois todavia A d v o g a d o m e u : c adim, p ° r'
que hei de tem er? 3. Aindaque na ultima
h o r a fe armar contra mim t o d o o interno,
nada hef dc tem er, porque eílou debaixo *
voíTa p r o t e c ç ã o . 4. T o d o s os meus pecca­
d o s afogo no voíl‘o S a n g u e , proteftando,qu*
vos quero fazer a té o u ltim o alento da vi
o o b fcqu io d c cfperar cm vós.
• •

JG*
0 fruto dos Exercícios. 6 0 9
Aãos de Caridade.
A terceira vifita, farás os a&os de A -
N m or de D e o s , e do p r o x im o .
1 D eos da.minha a lm a , porque iois infi­
nitamente b o m , infinitamente fanto, c infi­
nitamente d ig n o dc fer amado, vos a m o , c
eftim o fobre todas as coufasj c c m final de-
i l e amor abraço alegremente a m o r t e , e íli-
•mando mais que a mil vidas, que fc c u m p r a
a voíTa fantilTima vontade. Éia* alma minha,
vam os, vamos, a morrer, ícm fazer c a fo do
corpo. z. O h com q u a n ta g o l i q partiria
defta vida, fe v ifle ,q u e todos os homens vos
.conheciaó, c amavaõ. A u g m c n t a r , Senhon,
o vofio reino* alegrom e dc deixar na terra
tantas almas Tantas, que vos am aõ, c m u ito
mais me alegro dc haver d c «achar innumcra-
vcis no C c o , que naõ ceflaráó jám ais de vcy
amar. 3. £ porque vós m c mandais, que a-
mc a meus p ro x im o s , cu o s a b r a ç o a todos,
num por hum , dc todo o meu cornçnõ,nc-
minha ultima partida* e perdôo d o i m r -
da minha alma a todos, os que me tem
offcndido.

Q_q A R os
í61G JMeios,para confervífr

J iã o i de Contrição.
N A quarta vifita fa ás os aótos fcguifí-

V e d e , D e o s m eu , aos voíTos pés poílftda


a minha alma, dctcífcmdo, f o b i e t o d o o ma),
to d o s o$ g o í t o s , c o m que vos offendco; vft
d c o meu c o r a ç a õ c o n t r i t o , e naó o defp»^
fceis,i em oaftigo dc ter dado/nellc mais lu-
g a r ás creatupas, dc que a vós; E u parto de*-
ifce mundo, havendo em p regado quafi toda
2. vida em vos oflFender* quem m c deraago'-
r a c o m e ç a r 05 meus d ia s ! queria antes mor*
r e r , q u e v i v c r , c o m o v iv i. N a ó mearrepen-
d o , Sen hor, pcllo i n f e r n o ,q u e mereci, nem
p e l l o C e o , que perdij mas fim, porque def-
g o í t e i , c injuriei, p c c c a n d o , a vós, que fok
m eu furnmo B e m : p e rd o a im e , Senhor, p #
írofTa infinita bondade.

ji ã o s de Conform idade.
A quinta vifita, te exercítarás nos a*
N â o s fcgtíintes. . . .
S e n h o r , e D e o s meu, cu abraço a fentert-
Ça da minha m o rte c o m m u ito g o f t o , a a»*1'
daque podefle cv ita lla , naó o faria:
O fr u to dos E xercício s. 6 1 1
morrer, porque be vontade vofía: aceito cO c
golpe' da v o f l a m a o , n a form a, que vos o q ü i-
ferdes dar: já ceflaraõas rcpugnancias ao pa­
decer* eu aceito as d o r c s je agonias da m o r ­
te, com todos os malec, que A a c o m p a n h a i ;
nada recufo, que for voíTa fantfffima v o n ta ­
de. E u fou voífn por mil titulos , e qunndo
ípór nenhum o fora, quereria f c l l o , e m obfc»
dvrío voffb . * ’
f • * ( ;
•f • , » a f 4 !
jd ã o s de P etiçã o.
A fexta viííta exerci tárás os a& o s fe-
N guintes. "
Póllratc diante do tribunal D i v i n o , c fa-
’ .

fcendo reflexaó lobre a tua fum m a p o b re za ,


c miícria,a que te reduziraõ as delordcns da
tua vida, c o m o a outro p ro d ig o , paíTa a po n -
eiar a bondade ddqucllc teu Pai c e l e í l i a í ,
que e (tá com os braços a b e r t o s , cfperando
o que lhe peçasj p c d t lh c tu d o o de q u e n e -
cc m a s , que amdaquc íeja m u i t o , c llc m u i ­
to mais p o d e , e quer darte : p cd e lh c a fua
graçn, o leu a m o r , c a fua g l o r i a ; pédelhens
i«rtU ^ c l Pc c *aluJcntc a q u e l l a s ,d e q u e m a -
ls neceflitas. ^

Qq Z A/O-
6 12 M eios, para confervar
MOVO <DE m s V IS T O R BEM
- para receber a Santa Vnçaõ.
^ A ultima vifita conceberás hum vivo
m en m i T p s r t i n p a r o s fruto* do Sacra-
e f t r rfíF 3 x t r e ^ J ^ n Ç aõ ; im agin a,q u cp ara
tu IC° tC aíI5ílc ° Sacerdo te, procura
correnrU Parte í ° 0 Per»r co m elle, inde^ií-
nrim ° P01,1® ^ os lentidos, e pedindo
p n m e . r o perdap d , s ofTenfas, quc com elle*
nnel|C 30 ? Cn ®r»e o ^'e ''cc^ r'dolhe o qtiena-
i p c n a ! ° fc m id o Padecco no (To Senhor
j c . a u U h r if t o , para fupprircsteusdefeitos.
. u ' ta* e , aó as utilidades , que tirarás da
P a x e d e e p x e r c ic io , mas a maior íerá o
p rcpniarcftc para áquella tremenda hora,
cn o agora piaricado os a&os, quc entaó
a v e z nao poderás Fazer, ou naó Fará* com
anta aciIida<je,por Falta d c e x e rc íc io ,como
c o m m u m e n t e í u c c e d c : c çoncluirás com *
o r a ç a o (egujnte.

, per illam am arituii'


*** n-t fadinuit r.obilijjiwa anima ttea^ua*'
y oW *g rtífa tft de benediRo corpore ttto, mifitere
- ? * e 4 peccatrtci,quando egredietur de cor•
t ° r e *g*/dm en.
‘ y ‘ x / F in is , «Laus D c o .
UNIVERSIDADE OE COIM BRA
Faculdade de Letras

1315608016

1315608016

Você também pode gostar