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LUHMANN, Niklas. Introdução À Teoria Dos Sistemas. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis Vozes, 2009
LUHMANN, Niklas. Introdução À Teoria Dos Sistemas. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis Vozes, 2009
Niklas Luhmann
Inicialmente é necessário registrar que o presente livro não é uma obra tradicional, já
que foi extraída de conferências feitas por Luhmann sistematizadas num único livro
elaborado por Javier Torres Nafarrate.
I – FUNCIONALISMO ESTRUTURAL/PARSONS
A sociologia enfrenta uma crise teórica cujas respostas para as perguntas mais
complexas limitam-se nas obras clássicas (Marx, Weber, Durkheim) que, atualmente,
não conseguem descrever coerentemente a situação dos problemas da sociedade
contemporânea.
Nos EUA, entre os anos de 1940 e 1950, dois fenômenos importantes surgiram:
Crítica desse pensamento: o preceito axiomático de que toda orientação das análises
concretas deveria estar dirigida por estruturas supostamente invariáveis impõe
limitações teóricas; além de dificultar o estudo de fenômenos que se descrevem com o
conceito de desvio: disfunções, criminalidade, condutas desviantes, etc. Da mesma
forma, tal teoria não precisa um critério para identificar a mudança de estruturas na
sociedade, é dizer, a passagem de uma sociedade antiga para uma nova.
Os critérios da conservação da identidade de um sistema social não podem ser descritos
por um observador externo, mas através de uma operação que surge a partir do interior
do sistema. Um sistema social deve decidir por si próprio se no curso de sua história
suas estruturas mudaram tanto que ele já não é o mesmo. Assim, o funcionalismo
estrutural se aliou à planificação de cima, ao controle, e o conceito de sistema se
converteu em um instrumento de racionalização e reforço das estruturas de domínio.
Parsons I
Em contrapartida, Parsons afirmou que ação e sistema não poderiam ser compreendidos
separadamente, i.e, ação só é possível sob a forma de sistema, pois a construção de
estruturas sociais se realiza sob a forma de sistema e a operação desse esquema se
realiza através da ação.
Parsons elabora um esquema fim/meios para distinguir uma ação: o que o ator pretende
ao agir? Que fim persegue? Coloca-se, porém, paralelamente a isso, um arcabouço de
valores que possibilite ao ator fazer a distinção entre fins e meios, ou que o leve a
escolher somente determinados meios para obter um fim. A eleição de fins e a
delimitação dos meios não estão à disposição do livre-arbítrio de cada um dos
indivíduos, mas devem existir determinações sociais que os antecedem. A sociedade,
antes que os indivíduos se disponham a agir, já está integrada pela moral, pelos valores
e pelos símbolos normativos. Portanto, a sociedade não é possível, sem estar
previamente integrada sob a forma de sistema.
Parsons II
Para a teoria da ação, o ponto de referência é o de que quem atua é o sujeito; se não
existe o ator, a ação não se realiza. Ação é, pois, a exteriorização do que o ator pretende
e está subordinada àquele que atua.
Em Parsons, isso ocorre ao contrário: uma ação se realiza quando já está estabelecida a
diferença entre fins e meios, ou seja, quando já existe uma concatenação de valores
coletivos que se fazem presentes no momento em que o ator está decidido a atuar.
Assim, o ator é somente um elemento dentro do conjunto da ação. Deve existir um
contexto de condições da ação que deve estar pressuposto na sociedade, para que se
possa efetuar uma ação. Nessa ótica, o sujeito é um acidente da ação: o ator fica
subordinado a ela.
Parsons crê que existam quatro componentes básicos para que a ação se realize:
a) instrumental;
b) consumatório;
c) exterior;
d) interior.
Por instrumental, entende-se tudo aquilo que tenha que ser concebido como meio que
conduza à ação; por consumatório, não se deve entender apenas o fim ao qual a ação se
propôs, mas a satisfação adquirida e o aperfeiçoamento do estado do sistema ao qual se
chega, quando se age.
Por exterior e interior entende-se a relação do sistema para fora e em referências às suas
próprias estruturas.
Parsons, então, trabalha esses quatro componentes em um diagrama com dois eixos: i) o
horizontal, que significa os termos instrumental/consumatório, representando o eixo da
ação; ii) e o vertical (exterior e interior) que representa os preceitos teóricos do
tratamento sistêmico (sistema/meio):
Instrumental Consumatório
Um sistema emerge na medida em que ele possa preencher todas as variáveis relativas à
ação, i.e., repetir dentro de si mesmo as possibilidades de combinação dos quatro
compartimentos gerais.
II – SISTEMAS ABERTOS
Nesta aula, Luhmann procura demonstrar que, embora não exista propriamente uma
teoria geral de sistemas, houve estudos que, com êxito, buscaram aglutinar e combinar
aspectos parciais de diversas teorias visando a produzir uma teoria geral dos sistemas.
Na realidade, apresenta-se modelos gerais da Teoria dos Sistemas que repercutiram no
campo da sociologia.
Neste aspecto, formula-se uma teoria geral dos sistemas de segunda geração: second
order cybernetics, ou a Teoria dos Sistemas que observam (observing systems).
a) Modelo do Equilíbrio
O conceito pressupõe uma distinção entre estabilidade e perturbação, de tal modo que
com o termo equilíbrio se enfatize o aspecto da estabilidade. Desenvolve, assim, uma
grande sensibilidade face às perturbações e leva a resultados que buscam privilegiar o
equilíbrio. O modelo não é propriamente uma teoria, mas a manifestação de um estado
específico, que permite perceber claramente a relação entre estabilidade e perturbação.
b) Modelo do Desequilíbrio
Esses sistemas distintos da física têm de ser abertos, o que significa a existência de um
comércio com o meio, tanto para a ordem biológica como para os sistemas voltados
para o sentido (sistemas psíquicos, sociais, etc.). Surge, assim, uma nova ênfase no
modelo: o intercâmbio.
Dessa teoria geral dos sistemas abertos, surgem três teorias subsidiárias: i) input/output;
ii) feedback negativo; iii) feedback positivo.
Esquema input/output
A consideração teórica dos sistemas abertos é, até certo ponto, uma teoria de alta
generalidade, já que não precisa a relação de intercâmbio que deve ocorrer entre sistema
e meio. O desenho dos sistemas abertos trabalha com um conceito indeterminado de
meio e não distingue a relação geral entre sistema e meio, da relação mais específica
entre sistema e sistemas-no-meio.
A teoria do feedback positivo não tem uma qualidade de explicação causal do tipo “por
que”, mas somente a de fazer ver como determinados mecanismos de fortalecimento do
desvio tendem a reproduzir estados no sistema que não levam em conta as
conseqüências, nem se ajustam aos fins programados.
Observação da observação
Tudo o que se pode dizer sobre uma teoria sistêmica constitui, em última instância, uma
tentativa de responder, de maneira precisa, ao que se designa sob o conceito de sistema;
e isso, sobretudo, em dois aspectos fundamentais: i) passar da consideração de que um
sistema é um objeto à pergunta de como se chega a obter a diferença representada sob o
binômio sistema/meio. Como é possível que tal distinção (sistema/meio) se reproduza,
mantenha-se e se desenvolva mediante evolução, acarretando que se coloque cada vez
mais à disposição do sistema uma maior complexidade? ii) Que tipo de operação torna
possível que o sistema, ao se reproduzir, mantenha sempre a referida diferença?
O primeiro passo é ver como nos anos 1950 e 1960 a Teoria dos Sistemas resolveu o
problema do observador.
a) Teoria analítica: é a teoria que delega ao observador externo a decisão do que ele
denomina como sistema e como meio, e também a decisão em relação aos limites.
Nesse contexto, Luhmann diz que ambas teorias poderiam obter uma correção ao
pressuposto errôneo que as guia: o observador externo.
Para Luhmann, o observador faz parte do mundo que observa, i.e., necessita operar
fisicamente, organicamente, dispor de preceitos de cognição, participar da ciência, da
sociedade, comunicar-se segundo as restrições impostas pelos meios de comunicação.
Não existe, pois, uma diferença constitutiva entre sujeito e objeto, já que os dois
participam de uma base comum operativa já determinada.
Para poder observar, a própria ciência necessita estar constituída como sistema: com um
conjunto específico de comunicação, precauções institucionais, e hierarquia de valores;
um sistema no qual se oferece a possibilidade de fazer carreira e que necessariamente
tem dependências sociais. Tudo aquilo que um observador descobre sobre o sistema,
deve aplicar a si mesmo. Ele não pode operar de forma permanentemente analítica,
quando já está previamente incrustado em um sistema para poder realizar a observação.
Nesta aula Luhmann busca conceitos teóricos de diversas disciplinas, tais como a
matemática, semiótica, biologia, psicologia, para demonstrar que o ponto de partida da
Teoria dos Sistemas para a sociologia só pode ter como preceito teórico a diferença.
A Teoria dos Sistemas não começa sua fundamentação com uma unidade, mas com a
diferença.
Essa diferença não é o que a semiologia (ou semiótica, conforme o uso na França e
EUA) emprega como diferença entre as palavras e as coisas. A linguagem se realiza na
medida em que estabelece distinções: professor/aluno. Que a distinção expresse algo
que realmente ocorre na realidade é uma questão que, para a linguagem, não
desempenha um papel determinante: a questão pode permanecer aberta. Podem existir,
de fato, diferenças básicas na vestimenta, na idade, mas o que a linguagem na verdade
traz é a própria diferença: graças a isso, a linguagem se desenvolve, e é a diferença que
conduz toda a realidade do processo de comunicação.
A forma, é, portanto, uma linha fronteiriça que marca uma diferença, e leva a elucidar
qual parte está indicada quando se diz estar em uma parte, e por onde se deve começar
ao se buscar proceder a novas operações desenvolvidas; mas, mais precisamente,
autoreferência desenvolvida; mas, mais precisamente, autorreferência desenvolvida no
tempo. Assim, para atravessar o limite que constitui a forma, sempre se deve iniciar,
respectivamente, da parte que se indica, necessitando-se de tempo para efetuar uma
operação posterior.
Aplicar tudo isso à Teoria dos Sistemas significa que um sistema é uma forma de dois
lados, e que um desses lados (o do sistema) pode ser definido mediante um único tipo
de operador.
Portanto, a diferença entre sistema e meio resulta do simples fato de que a operação se
conecta a operações de seu próprio tipo, e deixa de fora as demais.
Transportar esse corpo teórico para os sistemas sociais faz identificar a operação social
que cumpra com os requisitos mencionados: operação que deva ser única, a mesma, e
que tenha a capacidade de articular as operações anteriores com as subseqüentes. Ou
seja, a capacidade de prosseguir sua operação, e de descartar, excluindo-as, as operações
que não lhe pertencem.
Portanto, o social pode ser explicado sob a forma de uma rede de operações que gera
uma fenomenologia de autopoiesis. Nessa perspectiva, é muito difícil que o conceito de
ação seja adequado para definir o operador social, já que a ação pressupõe, ao menos no
entendimento comum, um processo de atribuição que nem sempre desemboca em um
acontecimento de socialização. A ação pode também ser descrita como um
acontecimento solitário, individual, sem nenhum tipo de repercussão social.
Resumindo: pode-se dizer que, do ponto de vista da análise da forma, o sistema é uma
diferença que se produz constantemente, a partir de um único tipo de operação. A
operação realiza o fato de reproduzir a diferença sistema/meio, na medida em que
produz comunicação somente mediante comunicação.
Na comunicação deve-se falar sobre algo; um tema deve ser abordado. Porém, aquele
que fala pode se converter, ele mesmo, em tema: dizer que, na realidade, queria dizer
outra coisa, quando disse aquilo; ou exteriorizar um estado de ânimo. Como se vê a
comunicação tem a especificidade de poder articular-se, indistintamente, ao ato de
comunicar, ou à informação: o próximo passo da comunicação poderia continuar o
mesmo, em referência ao ato de comunicar ou à informação. Daí que na própria
operação da comunicação esteja incorporada a autorreferência (referência à
informação), bem como a heterorreferência (referência ao ato de comunicar).
Ser observador da sociedade, a partir de dentro, oferece uma melhor posição teórica,
comparativamente à postulação de uma inteligência livre e flutuante, sugerida por
Mannheim; ou, por exemplo, ao ponto de observação indicados por Adam Smith ou
Ricardo: observar a sociedade do lado dos capitalistas, esquecendo-se de todo o resto;
ou comparando-a com o método de observação freudiano, orientado pelos complexos
psicológicos.
IV – ENCERRAMENTO OPERATIVO/AUTOPOIESIS
A diferença entre sistema e meio, que possibilita a emergência do sistema é, por sua
vez, a diferença mediante a qual o sistema já se encontra constituído.
Menos trivial, e talvez até surpreendente, é o fato de que o sistema não pode empregar
suas próprias operações para entrar em contato com o meio. Pode-se dizer que este
último constituiria a especificidade do conceito de encerramento operativo. As
operações são acontecimentos que apenas surgem no sistema, e não podem ser
empregados para defender ou atacar o meio. No plano das operações específicas do
sistema, não há nenhum contato com o meio; sendo que isso também será válido,
quando – e sobre este difícil princípio, que contradiz toda a tradição da teoria do
conhecimento é preciso chamar expressamente a atenção – as referidas operações forem
observações, ou bem, operações. Além disso, tampouco para os sistemas que observam
existe, no plano de sua operação, algum contato com o meio. Cada observação sobre o
meio deve ser realizada no próprio sistema, como atividade interna, mediante distinções
próprias (para as quais não há nenhuma correspondência no meio). Do contrário, não
teria sentido falar em observação do meio. Toda observação do meio pressupõe a
diferenciação entre autorreferência e heterorreferência, que só pode ser desenvolvida no
sistema.
Para a Teoria dos Sistemas, a causalidade é uma relação seletiva estabelecida por um
observador; um julgamento que resulta da observação realizada por um observador.
Necessitamos observar o observador para saber qual causalidade ele atribuirá, e quais
causas e efeitos ele trará à baila. Há muita pesquisa psicológica a respeito, podendo-se,
assim, relativizar o esquema causal, definindo-o como um costume seletivo de uma
operação de atribuição. Na psicologia social se diz que a questão central no esquema
das causas não reside em determinar quais são as causas e os efeitos, mas sim em quem
os determina.
O axioma do encerramento operativo leva aos dois pontos mais discutidos na atual
Teoria dos Sistemas: a)auto-organização; b) autopoiesis.
Conclui-se, portanto, que o conceito de estruturas deva ser definido (no âmbito dessa
teoria) mediante o conceito de expectativa. As estruturas são, pois, expectativas sobre a
capacidade de conexão das operações, tanto da vivência como da ação; ou expectativas
generalizadas do que deve ser comum, mas que não são subjetivas.
Os novos preceitos da Teoria dos Sistemas deixam de lado a distinção sujeito/objeto,
substituindo-a pela diferenciação entre operação e observação: operação que um sistema
de fato realiza, e observação que pode ser efetuada pelo próprio sistema, ou por outro.
Trata-se, portanto, de um conceito de expectativa que não se dirige, em primeira
instância, ao componente subjetivo, mas sim à pergunta de como a estrutura pode servir
para que se efetue uma redução de complexidade, sem que o sistema se restrinja
paulatinamente, mas, ao contrário, tenha capacidade de determinar a situação em que
poderá utilizar a estrutura.
Por fim, no que se refere à auto-organização, deve-se considerar que o sistema só pode
operar com estruturas autoconstruídas: não pode haver importação de estruturas.
Assim, trata-se, aparentemente, de duas inflexões que devem se realizar para que surja a
estrutura: a) identificar traços distintivos, pontos de fixação; e b) generalizar, a despeito
de mudanças de situação e desvios consideráveis: condensação como restrição, por um
lado, e, logo, generalização. Somente assim se torna compreensível como podemos
reconhecer alguém depois de vários anos, ou, então, que na linguagem possamos
empregar a mesma palavra, em frases e tempos diferentes, e em distintas situações
anímicas.
Em contrapartida, a poiesis foi explicada como algo que se produz de fora de si mesmo:
faz-se isto ou aquilo, não para executar uma ação que tem sentido unicamente pelo fato
de ser feita, mas porque se quer produzir algo. Com esses elementos, Maturana
encontrou por si mesmo a ponte para sua expressão, com o acréscimo da palavra auto.
Com isso, ele queria indicar que o conceito de autopoiesis se tratava de uma produção,
de um efeito expressamente perseguido e, não de uma práxis. No conceito de
autopoiesis a produção consiste em produzir-se a si mesmo – operação que não tem
sentido quando se expressa como autopraxis, já que se trataria de uma reduplicação do
que a práxis já faz por si mesma.
V – ACOPLAMENTO ESTRUTURAL
Mas o que significa mais exatamente dizer que o acoplamento estrutural deva ser
compatível com a autopoiesis? Primeiramente, não há determinação das estruturas de
fora do meio. Os acoplamentos estruturais não determinam os estados do sistema, mas
sua função consiste, isso sim, em abastecer de uma permanente irritação (perturbação,
para Maturana) o sistema; ou então, do ponto de vista do sistema, trata-se da constante
capacidade de ressonância: a ressonância do sistema se ativa incessantemente, mediante
os acoplamentos estruturais.
O que pode avaliar com essa conceituação é que a autopoiesis, tanto da vida
como da comunicação, é um fenômeno tão forte, que o máximo que toda mudança
estrutural (structural drift) produz, de forma quase imperceptível, é mais diversidade.
Aparentemente, não é mais possível explicar esse fenômeno com instrumentos teóricos
tradicionais.
Não existe uma observação pura do mundo, mas somente a que é feita consoante
o sistema que a relata. Nesse contexto, a ontologia é ainda um esquema de observação:
uma teoria, uma maneira de pensar, uma hipótese, e não uma afirmação da realidade,
com a qual todos teriam de concordar, contanto que observassem razoavelmente. A
tradição ontológica repousa suas bases sobre a descoberta de um esquema de
observação guiado por uma diferença: ser/não ser. Mas essa descrição do mundo, assim
como a distinção entre meios e fins, constitui um esquema referido a um observador.
VI – O OBSERVADOR
VII – COMPLEXIDADE
A afirmação mais abstrata que se pode fazer sobre um sistema, e que é válida
para qualquer tipo de sistema, é a de que entre sistema e meio há uma diferença, que
pode ser descrita como diferença de complexidade: o meio de um sistema é sempre mais
complexo do que o próprio sistema.
Mais uma vez, esses traços gerais voltam a confirmar que o conceito de
racionalidade ficou reduzido a um campo específico e que, na situação da sociedade
moderna, a racionalidade deve ser desenvolvida pelos sistemas de funções. Como
conseqüência, o racional se cinde em muitos tipos de racionalidades, dependendo da
referência ao sistema: para a economia, racional é a otimização do cálculo das relações
de utilidade sobre a base de bens escassos. Porém, outra racionalidade consiste na
aplicação de leis científicas, já que, pelo menos até o início deste século (XX), a ciência
era considerada o racional por excelência – embora, atualmente, ninguém assegure que
a ciência é racional.
Como a racionalidade não pode considerar a totalidade dos fatores que não
conhece, consequentemente, o risco nunca pode ser expresso sob a forma de custos. Não
é possível sequer imaginar uma tecnologia sem riscos ecológicos, pois uma parte da
zona de racionalidade fica de fora da forma da distinção com a qual se trabalha: aqui se
manifesta expressa e claramente a ruptura do contínuo de racionalidade.
Diante dessas reflexões, a pergunta que aflora é se há possibilidade de seguir
adiante. Com o instrumental da teoria dos sistemas se poderia buscar uma racionalidade
sob o mote de racionalidade sistêmica, com o objetivo de voltar a conectar com a
questão da complexidade.
VIII – TEMPO
Na dimensão do mundo, percebe-se que algo flui, mas não o todo. Às categorias
do fluir, do movimento, do processo, é necessário contrapor uma capacidade ontológica
de um tempo na qualidade de ponto fixo imutável, que dá fundamento ao que se move.
O movimento é considerado, portanto, como parte de um esquema de diferenciação, que
logo pode ser formulado como móvel/imóvel, variável/invariável, tempus/aeternitas.
Quando se fala sobre o tempo, pensa-se sempre em algo estável (duradouro,
perdurável), embora seja somente mediante a representação da margem de um rio, já
que sem essa parte fixa não se poderia observar o movimento. O fundamento é aquilo
em relação ao qual o tempo corre, desliza.
Assim, tanto passado como futuro surgem simultaneamente. Não haveria como
falar em um passado, se não houvesse futuro. A teoria da distinção da forma exige que
se designe qual lado da distinção deve ser empregado: se o passado, ou o futuro. Na
medida em que já não se pode fazer esta distinção, o tempo desaparece.
A diferença antes/depois é uma distinção elementar, que pode ser abstraída mesmo no
caso de que prevaleça um modelo de tempo visualizado pelo movimento. Nesse sentido,
a distinção elementar antes/depois permite ordenar as situações sob esquemas causais e
de processos; consequentemente, que o tempo, no sentido mais elementar, seja uma
conquista evolutiva, que possibilita que os acontecimentos do mundo não permaneçam
localizados na pura simultaneidade, mas fiquem “assimetrizados” (dessimultaneizados).
A diferenciação atual/não atual, ou presente/não presente, é indispensável para o
surgimento de uma observação esquematizada como tempo. Todos os conceitos
temporais necessitam de diferenciações, ainda que seja a diferenciação primária entre
antes e depois. Unicamente por este fato, o tempo já está pressuposto, embora seja
somente sob a forma paradoxal da simultaneidade/não simultaneidade. Daí que todas as
semânticas temporais partam do paradoxo do tempo e só se distingam pela forma como
resolvem esse paradoxo elementar, seja mediante a assimetria irreversível antes/depois,
seja por meio de uma metáfora espacial como a de linha/circulo, ou movimento; ou
através das diferenciações temporais do tipo duração/efemeridade,
resultado/virtualidade, ou, finalmente, como passado/futuro.
IX – SENTIDO
A negação é, portanto, uma forma de presença do mundo, que tem, por sua vez,
a forma de uma relação com o sentido. Assim, no contexto de uma situação de
argumentação que pretende negar o sentido, as expressões precisam se realizar
inevitavelmente no meio do sentido.
A ação, quando vista sob a perspectiva do sentido, é uma síntese de uma escolha.
Só se pode verificar o que é uma ação, com base em uma descrição social. Por isso, o
que ocorre na relação entre os seres humanos parece ação. As ações se constituem
mediante processos de adjudicação realizados por meio de escolhas baseadas na
semântica do interesse, do motivo e da intenção.
É óbvio que esse conceito de ação não contém uma explicação causal suficiente,
pois simplesmente não considera o psíquico. Constatar o que é uma ação demanda, de
fato, uma simplificação, uma redução de complexidade. Isto é ainda mais claro quando
se considera um prejulgamento usual, compartilhado frequentemente pelos sociólogos,
que consiste na destinação da ação a seres humanos individuais concretos. De fato, uma
ação nunca está plenamente determinada pelo passado de um indivíduo. Inúmeras
pesquisas descobriram os limites da possibilidade de uma explicação psicológica da
ação. Na maioria dos casos, a situação domina a escolha realizada pela ação.
Frequentemente, as observações podem prever melhor a ação, quando se baseiam no
conhecimento da situação, mais do que no da pessoa. Por conseqüência, a observação
das ações se destina, na maioria dos casos, não ao estado mental daquele que age, mas à
realização paralela da autopoiesis do sistema social. No entanto, no mundo cotidiano, a
ação é adjudicada ao indivíduo, sem contar o pressuposto bastante arraigado de que a
ação constitui algo concreto.
Sempre que se fala em uma ordem emergente, fica pressuposto (mas não
incluído) o contínuo de energia ou de materialidade sobre o qual uma unidade se baseia.
A emergência da ordem modifica a composição interna da matéria: por exemplo, a
eletrônica interna do átomo se transforma assim que surge a ordem emergente das
macromoléculas; consequentemente, a energia atômica não faz parte do processo
químico que constitui a célula (felizmente). Caso se empregasse um desenho teórico
insólito, como esse da Teoria dos Sistemas, que se orienta pela distinção sistema/meio,
seria, então, preciso considerar os átomos como meio do sistema de organização
autopoiética da célula.
O mundo (definido seja como for) está sempre pressuposto como condição da
possibilidade de que possamos falar, escrever e nos comunicar eletronicamente. Sem tal
pressuposto, ninguém poderia utilizar sua própria capacidade de seleção, para optar
entre isto ou aquilo. O preposto básico da necessidade do mundo nunca se faz presente,
embora seja a condição de possibilidade da própria operação.
XI – Acoplamento estrutural/linguagem
Com esse objetivo em mente, não se deve perder de vista a distinção entre
encerramento operativo e abertura causal: o primeiro constitui uma realidade que pode
ser extremamente sensível à causalidade; e, sem isto, não poderia existir o encerramento
enquanto autorreferência do sistema. Por isso, do ponto de vista teórico, é necessário
evitar que se dê lugar a essa espécie de força de atração em conceber a relação
sistema/meio, ou a entre sistemas psíquicos/sistemas/sociais, como amálgama de
elementos.
Esses gestos, que são comunicação, não permitem, contudo, que se fixe o
sentido, assim como a linguagem o conseguiria. A comunicação obtida mediante sinais
ou gestos é, enquanto tal, indistinta e equívoca, e quem efetua o ato de assim comunicar
pode negar ter querido realizar um ato que comunicasse algo. Enquanto os gestos e
sinais não estiverem fixados na linguagem, não se disporá de nenhum veículo para
transmitir univocamente o sentido. A linguagem possibilita, assim, a sujeição do sentido
e a redundância da repetição na comunicação. Cabe, portanto, perguntar, caso
absolutamente não existisse a linguagem, se seria possível a comunicação, isto é,
observar sistematicamente uma diferença entre o ato de partilhar a comunicação e a
informação. De qualquer modo, é difícil imaginar que a autopoiesis da comunicação
pudesse ser efetuada apenas mediante comportamento de tipo corporal, e não pela
linguagem. Para a estabilidade da recursividade do sentido na comunicação, a
linguagem parece ser condição indispensável.
Essa discussão certamente acerta em muitos dos casos, mas não se poderia partir
do princípio de que só se pode ver o que se pode formular. De modo geral, seria
possível afirmar que há rendimentos de consciência e de percepção que são capazes de
implicar algum sentido, sem que se necessite das palavras para entendê-las e utiliza-las.
Para a sociologia, ainda não está claro onde esses desenvolvimentos da teoria da
linguagem podem levar. Mas, aconteça o que for, a lingüística não deveria prescindir do
conceito de acoplamento estrutural, nem dos efeitos de inclusão/eliminação e,
principalmente, do fenômeno de aumento do potencial de complexidade que se realiza
mediante a linguagem.
XII – Comunicação
A Teoria dos Sistemas afirma que a síntese pela qual se torna possível a
comunicação é obtida no ato de entender.
Em Parsons, isso se explica com relativa nitidez, já que ele estabelece uma
diferença entre cultura e sistemas sociais. A cultura está situada acima do social, em
uma hierarquia mais elevada; conseqüentemente, os sistemas sociais não são viáveis, se
não orientam para os valores e as normas. A linguagem é entendida, nesse contexto,
como uma codificação normativa, mediante a qual o entendimento é possível. Portanto,
linguagem, cultura, valores e normas colocam-se em uma posição privilegiada muito
estreita, servindo, conseqüentemente, de reguladores da dupla contingência, no sistema
social.
A teoria da dupla contingência deve ser pensada em uma ordem que serve para
outro tipo de explicação; ou seja, para dar conta de como a ordem social é possível:
como se pode romper com a circularidade inerente à dupla contingência? Este tipo de
pergunta, que segue o estilo instaurado por Kant sobre as condições de possibilidade,
não pode ser respondido com comprovações empíricas de tipo histórico; mas surge – e
isto pode ser verificado em uma sociologia do conhecimento – para que em períodos de
transição possa servir de estímulo heurístico, com a finalidade de buscar uma resposta
plausível para a complexidade da ordem social.
Com a noção de dupla contingência, também se rechaçam todas as metáforas
que aludem a um princípio, a um início, no qual nitidamente apareceria o mecanismo
pelo qual se rompe a circularidade pura da dupla contingência. Portanto, essa teoria é
afim à Teoria da Evolução, já que esta também não se encontra em situação de informar
sobre a questão da origem. Embora não seja possível esmiuçar a Teoria da Evolução,
pode-se adiantar que a própria evolução cria suas estruturas, ao consistir em um
mecanismo autobifurcado de variação e seleção. A evolução incentiva a si mesma a
construir uma ordem, e isso não pode ser explicado pelo recurso a uma origem fundante
em relação ao início da vida, e nem ao momento em que surge a linguagem, ou a ordem
social.
Em uma Teoria dos Sistemas de uma segunda geração, o que é de fato relevante
é a mudança que pode ser operada nessas antigas distinções, quando se lhes aplica uma
teoria estritamente baseada em um conceito operativo. Recordemos: os sistemas se
constituem somente na medida em que podem conectar operações; sobrevivem apenas
sob a condição de que possam atualizar novas operações. Para o sistema, só existe o
presente, no momento da operação real. Exclusivamente mediante a conexão de
operações, torna-se possível que os sistemas sociais reproduzam a comunicação
(sistemas sociais), e os sistemas psíquicos confiram atenção.
Isso significa que as estruturas só são reais na medida em que são utilizadas.
Enquanto realidade, a única coisa que existe é a própria operação; sendo que acima
dessa ordem operacional não existe nenhum mundo das idéias, ou da imutabilidade do
ser. A pergunta crucial, portanto, é como uma operação se conecta com a seguinte. A
resposta reside precisamente em que nisso consiste a função da estrutura: conseguir que
uma operação encontre uma próxima operação que lhe seja compatível; ou, então, que
uma operação produza a si mesma, partir de uma determinada situação na qual a
operação real, por estar no presente, tenta fazer conexões com uma que ainda não existe,
por estar no futuro. A durabilidade não é o modo de existência das estruturas, mas sim a
disponibilidade para quando elas são utilizadas.
Atualmente, o fato de que se proclame uma ciência ética é algo que não é óbvio
à primeira vista e, provavelmente, isso se deve ao desenvolvimento de teorias éticas
muito diversas, que não podem ser igualadas quanto a seus critérios, sobretudo devido à
alta complexidade, à invisibilidade dos aspectos causais, às decisões carregadas de
riscos inevitáveis, e ao trato com seres humanos que não podem contar consigo mesmos
e que se opõem a qualquer abordagem científica e regulação ética. Para obter um dever
ético do cientista seria necessário o elo que possibilitasse conectar à intenções que se
escondem por detrás, convertendo-as em propostas práticas ou próximas a isso.
Essa análise nos permite formular um problema: como e para que se retorna ao
conhecimento daquilo que está oculto, no mundo social dos fatos? Para o ethos
científico moderno torna-se remoto ver nisso um conhecimento secreto (empregando-se
a figura semântica do secreto), de modo a poder estabelecer a indagação sobre o sentido
do duplo mundo que está por detrás, bem como para reconhecê-lo e mostrá-lo. A
diferença entre as duas perguntas – do que se trata o caso, e o que se esconde por detrás
– demanda uma unidade; e nisso consiste precisamente a construção de um problema
dialético – conforme diria uma importante tradição da teoria filosófica.
Independentemente disso, não se pode ignorar que a sociologia tenha se esforçado em
não permanecer na mera diferença, mas tenha buscado resolver de uma forma ou de
outra, num dos lados, ao nível dos fatos.
Perante esse problema a sociologia já não está sozinha no mundo. O fato de que
neste caso se trate do sistema da sociedade só incrementa as indagações; sem contar que
as matemáticas, a física, a biologia, a lingüística, e ainda a filosofia exaltam a pergunta
do que acontece com o mundo, quando ele contém um observador.
Quando a disciplina, no discurso sobre o conhecimento, já não chega
propriamente a fazer parte da verdade ou falsidade do conhecimento, interessando-se
somente em saber quais grupos defendem que esse conhecimento seja verdade e por
que, qual status teria, então esse conhecimento teórico relacionante? Será que os
representantes desses grupos aparecem como parte de seu discurso e, provavelmente,
não sabem que se trata apenas de um discurso? A pergunta sobre o status e a
relacionalidade do conhecimento da sociologia do conhecimento, ou ainda mais em
geral, da capacidade de auto-observação do observador, não pode ser respondida com os
meios da teoria clássica do conhecimento, nem com uma lógica baseada unicamente em
dois valores.
O que se esconde por detrás? O que é esta meta ta fisika? Evidentemente, já não
se trata de partes verdadeiras do ser, nem de categorias, mas sim, de diferenciações: as
de um observador. Voltamos, assim, à pergunta que a sociologia sempre interpôs e
respondeu para si mesma: quem é o observador?