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Organização

José Cláudio S. Castanheira, Dulce Mazer, Pedro Silva Marra,


Marcelo Bergamin Conter, Cássio de Borba Lucas, Mario Arruda

Poderes do som
Políticas, escutas e identidades

Florianópolis

2020
Insular Livros
Poderes do som – Política, escutas e identidades
José Cláudio S. Castanheira, Dulce Mazer, Pedro Silva Marra,
Marcelo Bergamin Conter, Cássio de Borba Lucas, Mario Arruda (Org.)

Editor chefe Foto de capa


Nelson Rolim de Moura Espelho sonoro - Protótipo (João
Eduardo Rabitto e Rodrigo Ramos)
Revisão
Carlos Neto Projeto gráfico
Eduardo Cazon
Fotografias
Franchêscolli Gohlke
Edição de imagens
Mario Arruda

Comitê científico
Dr. Acácio Piedade (UDESC) Dr. Marcelo Bergamin Conter (IFRS)
Drª Adriana Amaral (UNISINOS) Me. Mario Arruda (UFRGS)
Drª Ariane Holzbach (UFF) Drª Melina Santos (PUC-RS)
Me. Cássio de Borba Lucas (UFRGS) Drª Patricia Iuva (UFSC)
Drª Dulce Mazer (UFRGS) Dr. Pedro Silva Marra (UFES)
Dr. Fabrício Silveira (UFRGS) Drª Tatyana Jacques
Dr. Guilherme Sauerbronn (UDESC) Drª Thaís Aragão
Dr. José Cláudio S. Castanheira (UFSC) Drª Viviane Vedana (UFSC)
Drª Jhessica Reis (McGill University) Dr. Wilson Oliveira (UNESA)

Ficha catalográfica

EDITORA INSULAR INSULAR LIVROS


(48) 3232-9591 (48) 3334-2729
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Sumário
13 O estudo das sonoridades: perspectivas e epistemologias
Dulce Mazer, Mario Arruda, José Cláudio S. Castanheira, Marcelo
Bergamin Conter, Cassio de Borba Lucas e Pedro Marra

51 Primeira intervenção – Espelho sonoro


Rodrigo Ramos

Parte 1 – Territórios sonoros


55 Estruturas de escuta na guerra, ou quando o som é mais do que um som
J. Martin Daughtry
73 “Mais alto!” “Faça algum barulho!” “De pé!”: Pensando através de um
estatuto sônico, esporte profissional e “ficar sentado”
Jordan Zalis
93 Marcas audíveis do gesto político: contornos sócio-sonoros das carreatas
eleitorais
Ana Beatriz Moreto do Vale
107 Territórios resistentes: arte, som e sociedade
Camila Proto
127 Exigimos o amor: a música como articuladora de afetos políticos
Shannon Garland

153 Segunda intervenção – Convite à interferência


Felipe Gue Martini
157 Terceira intervenção – Estafa mental nº1
Marina Mapurunga de Miranda Ferreira

Parte 2 – Ouvir o mundo


163 Tecnologias de reprodução musical no contexto colonial
Melodie Michel
179 Ouvido pensante ou ouvido neurótico? Atuação científica e simbolismo
sonoro sob o frame da paisagem sonora
Juliana Carla Bastos
195 ‘It almost smells like coffee and feels like a hot mug in my hands’ – Os Sons
da Cozinha na Construção de Conteúdos Audiovisuais
João Francisco Porfírio
213 Virtuosismo da Escuta e Produção de Introspecção
Felipe Viana Estivalet
231 Fundamento Sônico e Tecnologia
Luís Cláudio Ribeiro, Jorge Bruno Ventura
249 Modernização dos sentidos: tecnologias de áudio, técnicas de escuta,
autorreferência humana
Alex Martoni
265 Quarta intervenção – Epilepsia: Micropause Abuse, seção 1
Henrique Iwao
269 Quinta intervenção – À Deriva Sonora: Boitatá Incandescente
Rodrigo Ramos

Parte 3 – Identidades sonoras


275 A música da diáspora africana e os projetos de construção da identidade
nacional: O samba e o cucumbi
Denise Barata
295 Firma o ponto, segura a gira: um olhar sobre as manifestações sonoras nas
cerimônias de Umbanda do Centro Espírito Orixalá
Maurílio Mendonça de Avellar Gomes
315 Transbordamentos e distorções: experiências sonoras no cinema brasi-
leiro contemporâneo
Fabio Camarneiro
331 Os sinos na era da ubiquidade: a relação entre as tecnologias e o patrimô-
nio histórico
Fábio dos Passos Carvalho, Flávio Luiz Schiavoni e João Teixeira Araújo
349 Sonoridades do ressentimento em revolta: a paisagem sonora
(de)composta pelos punks em São Paulo na década de 1980
João Augusto Neves Pires
373 Circulação, valor, trocas e música
Timothy D. Taylor
401 Sobre os autores
Virtuosismo da escuta e produção
de introspecção
Felipe Viana Estivalet

Introdução
Em meados dos anos 1990, o produtor, jornalista, músico e
agitador cultural Carlos Eduardo Miranda escreveu na extinta
revista Bizz que Curitiba era a “Seattle Brasileira”1. A entusias-
mada comparação claramente procurava aproximar a efervescên-
cia do grunge, gênero em alta nas paradas de música pop e rock
de todo o mundo, com a proliferação de bandas de rock autoral
underground da cidade brasileira. Mais de duas décadas depois, a
maneira como Curitiba é descrita em termos de rock independente
e/ou autoral é, num geral, menos exaltada. A história apresentada
por Eduardo Mercer no livro Uma fina camada de gelo – o rock
autoral e a alma arredia de Curitiba (2017), por exemplo, nos traz
uma narrativa com sucessivos fracassos do ponto de vista comer-
cial e de reconhecimento nacional; um público local desinteressado
ou que desconhece seus artistas locais; carência de políticas públi-
cas e coberturas midiáticas locais; queixas acerca da ausência de
uma forma de identificação cultural regional que poderia fomen-
tar mesmo um gênero como o rock; precariedade das tecnologias
de som e midiáticas; disputas de espaços culturais e de entreteni-
mento com bandas cover; pouca ou nenhuma sustentabilidade por
parte dos músicos, que frequentemente tomam a carreira como
hobby, e um sentimento de defasagem em relação aos circuitos de
música nacional e à cultura internacional-popular.
Tais desencontros retroalimentados entre indústria da música,
artistas e público tornariam as relações com mercados mainstream
bastante problemáticas. E criariam a suspeita de que Curitiba seria
uma mera consumidora midiática dos artistas de fora do estado,
atuando como uma espécie de capital-teste para as turnês de artistas

1. Ver em http://www.aescotilha.com.br/musica/prata-da-casa/e-se-o-rock-
-de-curitiba-coubesse-em-um-livro/. Acesso em 01/07/2019
213
nacionais. Mesmo em relação ao estados do sudeste, a despeito da
proximidade, Curitiba não conseguiria contribuir de forma que
devolvesse na mesma proporção a cultura popular – sobretudo
canção midiática – que consome (SANDMANN, 1996).
A situação relativamente marginal, geograficamente e midia-
ticamente, dos oligopólios da indústria da música se sustentaria a
despeito da atual proliferação das plataformas digitais para down-
load e escuta musical via streaming. A partir de um estudo etno-
gráfico, Kariann Goldschmitt (2014) nos aponta que atualmente
encontramos selos e estúdios de gravação por todo o Brasil. Porém,
Rio de Janeiro e São Paulo concentram juntas quase 70% dos selos
nacionais, com São Paulo sozinha sediando 42,44% dessas produ-
ções. As duas cidades – as mais populosas do país – “formam um
eixo de produção cultural no Brasil” (GOLDSCHMITT, 2014,
p. 500). Curitiba contribuiria com apenas 2,90% dos selos, uma
porcentagem menor do que Porto Alegre (3,49% que, embora tenha
uma região metropolitana um pouco mais populosa, é bem mais
distante do eixo do Sudeste referido pela autora.
Reconhecer um histórico pouco favorável para o rock auto-
ral e para a música independente local, bem como apontar uma
produção quantitativamente pequena em relação a outras capi-
tais, por vezes torna a ideia de entender uma “cena musical de
Curitiba” questionável. Se Pitre-Vásquez e Macan (2017) apontam
que, a partir do programa de rádio Ciclojam, encontramos entre os
anos de 1995 e 2005 uma cena musical – principalmente roqueira –
em Curitiba, podemos dizer que a situação na segunda década dos
anos 2000 é diversa. Há uma série de bandas, projetos e artistas2

2. Minha tese, ainda em elaboração, analisará de maneira mais dedicada


provavelmente menos de uma dezena de casos, mas poderia mencionar que até aqui
foi mapeado, com devidas escutas e notas exploratórias de mais de vinte bandas
e artistas, como Peixe-Cobra, Cora, Katze, Marrakesh, Giant Gutter from Outer
Space, Dunas, Veenstra, Farol Cego, Codemato, Namomo, Fntsma, o homem que
tinha uma sacola no lugar da cabeça, Cassandra, Fogo Caminha Comigo, Neblinas,
Miríades, ruído/mm, Adone Can Twist, Wi-fi Kills, Mante Didley Duo, sltr, Noid,
This Lonely Crowd, Bukabog, Mecanotremata, Respiradouro, Narcose e Newmind.
Seguramente o trabalho de campo tratará de apresentar outras opções, descartar
algumas aqui mencionadas e ajustar o corpus.
214
que se reconhecem em subgêneros do rock independente como
post-rock, math-rock, shoegaze, dreampop, emo, punk, noise, grunge,
com espaço para diálogos com o post-trap, folk, música instru-
mental, jazz, stoner e rock progressivo. De um modo geral, inicia-
ram suas atividades a partir de 2014, produzindo singles, EP’s e
álbuns completos, geralmente em formato digital e disponibiliza-
dos gratuitamente em plataformas de streaming como o YouTube e
o Bandcamp ou em serviços pagos como o Spotify. O lançamento
é realizado em parceria com selos virtuais (netlabels) locais como
cpdmg3, NapNap Records4, Lo-Slow Records5, ou o selo paulista
Sinewave6. Todavia, não são estranhos resgates às mídias físicas
– digitais e analógicas – por parte dos músicos e fãs. Nos selos
NapNap e Lo-Slow, por exemplo, encontramos lançamentos em
K7 de parte de seus catálogos, normalmente em edições limitadas
ou comemorativas.
Para além das plataformas de streaming e pontuais fonogramas
físicos, os artistas destes selos costumam se apresentar em espa-
ços como casas de shows, estúdios, pequenos teatros, bares e cafés
da região central de Curitiba – frequentemente no próprio centro
da cidade ou no bairro boêmio São Francisco – como o 92 Graus,
Casinha, Ornitorrinco, Espaço Bamboo, Pátio da Reitoria da UFPR,
AOCA Bar, e SESC Paço da Liberdade. À exceção de eventos de
lançamentos de discos ou videoclipes, é comum que duas ou três
bandas dividam a mesma noite. Ainda assim, a atividade de tais selos
– bem como das bandas, já que muitas vezes são os próprios músi-
cos os responsáveis pelas pequenas gravadoras – é esparsa e descon-
tínua. Os projetos entram em hiato após poucos meses de fundação,
a relação entre as bandas/selos não demonstra uma proximidade ou
parcerias regulares. A própria ideia da existência de uma “cena” é
comumente rejeitada, tratada com ironia ou considerada superada.
Supostamente, não haveria uma articulação conjunta e estável o sufi-
ciente entre as pequenas gravadoras ou sustentabilidade financeira

3. https://cpdmgang.bandcamp.com. Acesso em 01/07/2019.


4. https://napnaprecords.bandcamp.com. Acesso em 01/07/2019.
5. https://loslowrecords.bandcamp.com. Acesso em 01/07/2019.
6. http://sinewave.com.br. Acesso em 01/07/2019.
215
a ponto de permitir dedicação exclusiva às atividades musicais para
viabilizar esse tipo de formação em torno das projetos.
Na incerteza se o que temos é ou não uma (micro) cena local, já
estabelecida ou em formação, torna-se mais importante compreender
as experiências que tornam o rock independente de Curitiba signifi-
cativo para aqueles que o escutam. Em entrevista aberta e explorató-
ria, Matheus Valente, baixista da banda Céu de Vênus7, descreve que a
experiência de escuta dentro do atual rock independente em Curitiba
passa por uma dinâmica de contato prévio ao show do público com as
bandas. Esse contato seria justamente a escuta isolada, segura, frequen-
temente silenciando o ambiente físico que cerca o ouvinte através dos
fones de ouvido. Uma vez que frequentemente os registros fonográfi-
cos estão disponíveis somente em formatos digitais, é a escuta em um
computador pessoal, ou em dispositivos portáteis de escuta como um
mp3 player ou smartphone, que oferece a possibilidade de compare-
cimento posterior em um concerto ao vivo:

a gente vai no show pra ouvir como a gente tá ouvindo em casa (...)
pô, eu curto ouvir em casa, assim, imagina que massa ir ouvir dessa
mesma maneira, só que com meus amigos e tipo, sabe, curtindo uma
berinha [cerveja] talvez, e ouvindo esse som ao vivo mesmo torando
[em volume intenso] nos meus ouvidos (VALENTE, 2018, grifo meu).

O músico reconhece que gêneros indie como o pós-rock e o shoe-


gaze “acabam agregando um público introspectivo”, que mesmo em
um show ao vivo tanto a banda quanto o público estão “sentindo o
som”, “curtindo de olho fechado” e que a plateia “não tá só dançando
pra isso” (VALENTE, 2018). Esse público é descrito pelo baixista
como na faixa dos 17 aos 23 anos, com “apreço muito grande por
arte”, e a razão pela preferência por esse som introspectivo seria

envolvida com essa cultura de Internet, assim, que muitas dessas


bandas tem um ponto de divulgação que foca bastante na Internet.

7. https://www.youtube.com/watch?v=9bOOsHmbLHs. Acesso em
01/07/2019.
216
Talvez [isso] atraia pessoas que descobrem coisas pela Internet, tipo,
tem um envolvimento muito grande, muito mais introspectivo na hora
de descobrir cultura, assim. Tipo ‘pô, vou descobrir essa banda aqui
na Internet, e tipo, se eu curtir, eu vou no show’ sabe? Então, pode ser
que seja isso, a coisa da introspecção...esteja ligado com como a pessoa
se relaciona na hora de encontrar cultura, na hora de ouvir música.
(VALENTE, 2018).

O presente trabalho é um recorte de um projeto de tese em anda-


mento que visa compreender de que forma é possível compreen-
der e descrever a introspecção coletiva através da escuta musical no
rock independente como um processo comunicacional. O objetivo
específico deste texto é procurar entender as dinâmicas de escuta
que operam no recente indie rock em Curitiba. É possível destacar
que, como uma espécie de aglutinador estético entre os projetos,
artistas e bandas, há um regime de escuta que atravessa e retroa-
limenta tanto a experiência mediatizada quanto aquela co-pre-
sencial dos shows ao vivo. Seria esse agenciamento ou regime de
escuta que comporia uma sensibilidade aural que definiria técni-
cas, virtuosismos, práticas, comportamentos e que modelaria essa
escuta “introspectiva”. Para dar alguma substância empírica a um
texto que visa sobretudo discutir a possibilidade de se pensar os
regimes de escuta como forma de compreender a experiência com
a música pop, trago relatos de uma das bandas atuantes no indie
curitibano, o quarteto de post/math rock Céu de Vênus.
Com o intuito de investigar o regime de escuta do rock inde-
pendente curitibano e, mais especificamente, os processos comple-
mentares do virtuosismo da escuta e da produção da introspeção via
escuta musical, metodologicamente parto da etnografia da música
(SEEGER, 2008). Procuro ajusta-la para torná-la uma metodolo-
gia multisituada e multissensorial – embora centrada na escuta
– que nos permita uma coleta e exame de dados on e off-line. No
entanto, mantenho a compreensão do aspecto comunicacional
inerente à música, tanto entre os músicos quanto entre estes e as
audiências, através de interações, efeitos, avaliações, expectativas e
continuidades, que orientam “como os sons são concebidos, criados,

217
apreciados e como influenciam outros processos musicais e sociais,
indivíduos e grupos” (SEEGER, 2008, p. 239).
O ajuste em relação à etnografia da música originalmente
proposta por Seeger (2008) se faz necessário na medida em que
se reconhece que o campo etnográfico hoje encontra-se parcial-
mente mediado por dispositivos técnicos. Dessa forma, registros
e materiais audiovisuais coletados são mais do que meros obje-
tos de consulta e triangulação com trabalho de campo das obser-
vações participantes. Ao tentar elaborar um arquivo de áudios,
imagens, fotografias, vídeos, conjuntos de notas, diários de inves-
tigação, entrevistas coletadas pela Internet e realizadas por mim,
disponho de um material a ser colocado constantemente entre as
saídas de campo, tão importantes quanto técnicas de observações/
escutas participantes em shows.
Para apoiar o trabalho de campo etnográfico, direcionando
a abordagem do empírico e ajudando a modelar e responder às
problemáticas, compreendo ser necessário um diálogo entre os
estudos de som e as materialidades da comunicação. Tal articu-
lação teórico-metodológica será elaborada na próxima sessão do
presente texto. Em seguida, procuro discutir as noções de regimes
de escuta, virtuosismo da escuta e a produção da introspecção no
rock independente de Curitiba. Por fim, apresento as considera-
ções finais, bem como inquietações e possíveis desdobramentos
para a pesquisa em andamento.

Materialidades da comunicação, estudos de


som e regimes de escuta
Entendo o conceito de regimes de escuta (auditory regimes)
como uma forma de articular pressupostos das duas linhas teóricas
de reflexão utilizadas no presente trabalho para orientar o traba-
lho etnográfico: materialidades da comunicação e estudos de som.
Afinal, a primeira mantém um posicionamento teórico e conceitual
que evita equivaler teoria à “alta abstração” de “caráter espiritual”
(GUMBRECHT, 1994). Uma análise orientada pelas materialida-
des da comunicação enfatiza as intervenções dos suportes mate-
riais e como estes modelam as mensagens comunicacionais. Além

218
disso, interessa-se pelas dimensões concretas, sensuais e sensó-
rias das nossas experiências partindo de uma angulação menos
antropocêntrica, espiritual, transcendental e antitecnológica, mas
mais ecológica e desejosa de discutir articulação entre mente, corpo
e máquinas. Dessa forma, procura compreender como meios ou
“materialidades”, em suas dimensões concretas de articulação e
transmissão, influem na produção, recepção e sentidos transpor-
tados. Em outras palavras, visa despertar uma consciência medial
nas análises, abrangendo toda a sorte de objetos, artefatos e corpos
empregados nas interações musicais. O termo medial derivaria
de medium, isto é, uma materialidade mais primitiva, mas condi-
ção primordial de emergência e transmissão de sentidos. Ou seja,
perspectiva a análise também para “os instrumentos, os suportes
e os recursos técnicos dos quais lançamos mão nos contatos e nos
registros comunicacionais de toda ordem” (SILVEIRA, 2013, p. 65).
Portanto, fundamentais seriam as materialidades – mesmo as
invisíveis, como o caso do próprio som (MARRA, 2015) – e a mani-
pulação via dispositivos e aparelhos desses sons, criando atmosferas
que não se restringem à interpretação de significados. As materia-
lidades da comunicação também direcionam o interesse investi-
gativo para a escuta articulada com a estética como experiência,
procurando dar atenção aos aspectos somáticos, corpóreos, bem
como o papel de toda sorte de suportes, objetos e corpos envolvi-
dos em tal experiência.
Por outro lado, os estudos de som visam “discutir as articula-
ções entre som, música e tecnologias da comunicação” (SÁ, 2010,
p. 91). Abrangem tais temas posicionando-se de forma transdisci-
plinar, com epistemologias e métodos que procuram desmantelar
cânones e hierarquias construídos e mantidos pelos estudos que,
ao fim e a cabo, sustentam uma suposta superioridade estética da
música como formatação de som privilegiada acadêmica e merca-
dologicamente, procurando pesquisar toda a diversidade de sons
existentes no mundo (STERNE, 2012).
Evidentemente, neste trabalho a análise ainda é bastante voltada
para a escuta musical, mesmo que contribuições dos estudos de
som sejam relevantes para justamente atentarmos para os limiares e

219
interpenetrações entre som, música e ruído, processos aliás bastante
presentes no rock independente. Também interessam aos estudos
de som os dispositivos tecno-midiáticos na conformação da escuta
musical, acolhidos no “contexto social e cultural na atenção audi-
tiva” (RICE, 2015, p. 101). Ao procurar abordar dimensões socio-
culturais e estético-sensoriais das audibilidades, os estudos de som
propõem também uma desnaturalização das próprias relações de
escuta em diversos contextos historicamente situados. Com uma
forte inclinação aos estudos dos processos sonoros da chamada
modernidade, metrópoles como a cidade de Curitiba passam a ser
entendidas como laboratórios de novos sons mediados tecnologi-
camente, consumidos como commodities e que se propagam em
espaços públicos e privados. Ou seja, a urbanização é fundamental
para entender as “condições de consolidação de regime de escuta
da modernidade” (SÁ, 2010, p. 92).

Regimes, técnicas e virtuosismos da escuta


Daughtry (2015) aciona a noção de regimes de escuta para
compreender a experiência auditiva (auditory experience) como
histórica, espacial e sócioculturalmente modelada, abrangendo uma
série de técnicas de escuta (audile techniques), passiveis de serem
treinadas em virtuosismos da escuta (STERNE, 2003). Trata-se de
uma forma de compreender a experiência aural que evade deter-
minismos sociológicos e tecnológicos, enquadrando tanto o ouvir
como ato mais fisiológico, “não-reflexivo” e involuntário, quanto
o escutar tecnoculturalmente modelado. Daughtry (2015) recu-
pera o conceito de Kate Lacey (2000), quando esta procura pensar
conjuntos de práticas de escuta articuladas com técnicas e tecno-
logias, reconhecendo-as como historicamente contingentes. Em
todos os casos, compreende a escuta para além de suas dimensões
biológicas, mas sim como um fenômeno histórico e sociocultural.
Um regime de escuta agencia tecnologias, regulações, treina-
mentos formais e informais, conversas casuais e histórias de vida
compartilhadas que modelam práticas de escuta. Nos permite conti-
nuar atentos às materialidades, às redes de atores que compõem
a escuta sem, no entanto desconsiderar aspectos socioculturais.

220
Mantém uma devida atenção “aos sons em si” e aos suportes e
instrumentos que permitem soar, sem ignorar os consensos e dispu-
tas sobre sons adequados e inadequados e modos de reagir a tais
sons. Portanto, mesmo sendo um regime, não é onipotente e mono-
lítico, mas sim aberto à idiossincrasias, transgressões, usos desvia-
dos, improvisos e imprevistos.
Portanto, regimes de escuta, apesar do nome e de serem, em
alguma medida, uma “aisthesis compartilhada” (DAUGHTRY, 2015,
p. 156), comportam posições diversas e até antagônicas: separam as
experiências. São regimes dinâmicos laboriosamente construídos
e da mesma forma destruídos e reconstruídos com a passagem do
tempo ou surgimento de novos atores e processos. Dessa forma,
se um regime pressupõe poder, Daughtry sugere equivalermos o
poder à cultura. Ou, no esquema de equação proposto pelo próprio
autor: “Som + corpo receptivo + poder (principalmente na forma
de “cultura”) = audição (ato de escutar)” (p. 123).
Podemos buscar definição de poder mais próxima ao que dese-
jamos para discutir as forças implícitas e explícitas que modelam
processos de escuta, nos apoiando na leitura de Byung Chul-Han
(2019) sobre poder, não o restringindo como sinônimo de opres-
são e coerção, mas também liberdade, construção e comunica-
ção. E a forma como tal poder-cultura operaria na escuta pode
ser tanto interna quanto externa, implícita quanto explícita, origi-
nária de uma ou mais fontes visíveis ou invisíveis. Portanto, para
pensarmos o poder em objetos como a escuta musical, é impor-
tante mencionar a possibilidade não-repressiva do poder. É poder
como consenso, possibilidade ou aumento de probabilidade em
uma determinada direção.
Em uma dimensão mais interacional, o poder estabelece siste-
mas de relações, teias de comunicações (HAN, 2019). E não são
apenas as placas e avisos que proíbem certos sons ou certas intensi-
dades de som em determinados horários e/ou locais. Mas também
todos os “não-ditos” que modelam o que e quando se deve soar, o
que produz as canções, as formas de produzir e de se portar diante
dessas canções. Poderes discretos, sutis e silenciosos que mode-
lam os sons e as escutas desses sons. Quando pensado operando

221
nos corpos, esse poder silencioso soa mais como reflexos do que
reflexões e assim “forma e estrutura o corpo, cria novos movimen-
tos, gestos e condutas orientados a um determinado fim” (HAN,
2019, p. 75).
Portanto, tal poder modela as técnicas de escuta (audile tech-
niques), em que a escuta seria uma técnica do corpo, composta de
adaptações físicas, mecânicas e químicas que são educadas, domes-
ticadas em prol de uma atividade. Sterne defende que “o corpo é
a primeira tecnologia de comunicação, e todas as tecnologias de
escuta (...) emergem de técnicas de escuta.”(2003, p. 92). Técnicas
do corpo e tecnologias são imbricadas e a primeira “conota prática,
virtuosismo e a possibilidade de falha e acidente, como na técnica
do músico com um instrumento musical” (Ibid., p. 92). O autor
chama de ouvintes virtuosos (virtuoso listeners) homens e mulhe-
res que pautam suas atividades – e aqui no nosso caso interessam
músicos e musicistas, produtores e produtoras, consumidores e
consumidoras – no ato de ouvir esses detalhes sonoros.
Pois devemos lembrar que “compor, arranjar, executar música
é escutar” e, combinando “modos comunicacionais e musicais, a
escuta torna-se material”, tornando-se “médium de um processo
complexo, repleto de referências e sentidos contextuais: políticos,
sociais, culturais e econômicos” (MARTINI, 2018, p. 38). Os músi-
cos são “sobretudo escutadores” já “que seu processo de ler o mundo
e fabricar musicalidades começa por um apuro de ouvido, um aper-
feiçoamento e seleção do ouvir, na direção de uma escuta.” (Ibid., p.
124-125). Porém, o virtuosismo aqui evade inclusive noções conso-
lidadas de musicalidade fundadas no domínio corpóreo e físico
de humanos sobre os instrumentos musicais (LYSLOFF, 2003).
Fundamentado em discursos do faça-você-mesmo, trata-se de um
virtuosismo tolerante com ruídos, desajustes, equívocos, desafina-
ções e interferências.
A ideia da existência de um virtuosismo da escuta ou, mais
especificamente, de escutadores virtuosos (virtuoso listeners), é
acionada por Sterne (2003) quando procura discutir as técnicas
de escuta ou a escuta como uma técnica ou conjunto de práticas,
adaptações e orientações de corpos em relação com as tecnologias

222
de som. Tais técnicas, no decorrer do último século, consolida-
ram-se em um processo que frequentemente demanda distância
dos próprios sons mediados e dos corpos que os emitem. Portanto,
tornou a escuta alvo de dinâmicas de privacidade, privatização,
separação, isolamento, atenção e deriva em relação aos detalhes
sônicos. Tais práticas, treinadas em virtuosismos conscientes ou
inconscientes, se colocam ao custo da construção de espaços acús-
ticos privados, mesmo em contextos coletivos de escuta.

Regimes de escuta e produção da introspecção


Para esboçarmos a relação dos regimes de escuta com o indie
rock em Curitiba, recuperemos o relato do músico Matheus Valente
(2018), presente no início deste artigo. O relato de experiência de
escuta descrito, que supostamente serviria como uma espécie de
aglutinador experiencial das projetos e bandas que atuam de forma
esparsa e descontinuada em Curitiba nos últimos anos, menciona
um agregado de “um público introspectivo”, que fica “sentindo o
som”, “curtindo de olho fechado”. E que essa “introspeção” é ligada
com a “cultura de Internet” e com forma “de encontrar cultura, na
hora de ouvir música”.
Nos shows, o público por vezes fica de pé, ora fica sentado e
por vezes balança a cabeça junto com ritmo da música, ocasio-
nalmente realizando air drums, air guitar ou intercalando com
momentos de registros das apresentações com seus smartphones.
Nicolas Fish, guitarrista da Céu de Vênus, também comenta uma
reação de silêncio:

Nos últimos shows que a gente fez, tem rolado, tipo, silêncio, nos
momentos de silêncio da música. Isso é um bom sinal. A galera tá
ouvindo. É da galera prestar atenção. É especial isso. De ter conquis-
tado um espaço que a galera vai e sentindo tá a música. Não tá ali no
rolê e ‘blá blá blá blá’ (CÉU DE VÊNUS, 2018).

Ao que me parece, as reações dessa escuta atenciosa das perfor-


mances ao vivo são, em alguma medida, uma extensão da forma
de fruição musical individual, isolada, silenciosa, frequentemente

223
atenta aos detalhes sonoros da escuta mediada por artefatos de
reprodução sonora. Para compreender essa experiência de deriva
silenciosa, de contemplação diante das intensidades sonoras de
um show de rock é preciso entender os nexos estéticos – jamais
equivalências sensoriais – que possam existir entre os planos de
escuta mediatizada (em tocadores portáteis, móveis e ubíquos de
mídias analógicas e digitais) e de escuta co-presente (em casas de
shows, bares, pequenos teatros, diante de artefatos de amplificação
e modulação de som). Portanto, poderíamos dizer que os regimes
de escuta aqui operam entre dois planos de mediação sociocomu-
nicacional, a saber: aquele mediado por artefatos midiáticos e o da
co-presença das performances ao vivo. E esses planos são permea-
dos pela cultura material que encoraja, inibe, frustra, facilita, possi-
bilita e impossibilita formas de experimentar o mundo via escuta.
No contexto de consumo mediatizado, a escuta via platafor-
mas de streaming, uma vez aparelhada com fones, ajuda a cance-
lar os ambientes que cercam os ouvintes, produzindo um espaço
acústico privado, em “bolhas” (BULL, 2000) ou “pequenas ilhas
de sanidade (sônica) em meio a um mar de violência (corpórea,
sônica e simbólica)” (DAUGHTRY, 2014, p. 237). Também permi-
tem contato e manipulação íntima com os sons, sustentando uma
estética do detalhe sonoro, atenta às pequenas variações de ritmo,
timbre e harmonia (STERNE, 2003). Por um lado, independente-
mente do repertório, a criação de mundos auditivos individuali-
zados é fundada “em desejos de sujeitos ouvintes de remover a si
próprios da cacofonia dos espaços urbanos e entrar em ‘não-luga-
res’ midiatizados” (DAUGHTRY, 2014, p. 237). Por outro, a criação
de zonas de exclusão parece se reforçar com a escuta de um reper-
tório em alguma medida derivado da ambient music, e do dream-
pop, isto é, subgêneros do indie já conhecidos pela sensação de
sonho, de “não-estar-ali”, de tentativa de transcendência do espaço
físico do ouvinte (FERNANDEZ-PORTA, 2010; FONSECA, 2013).
Utilizar os fones de ouvido para produzir bolhas sônicas, em
contato íntimo com sons possivelmente intensos e comprimidos que
encobrem os ruídos do ambiente físico que cerca o ouvinte, produ-
ziria o desejo de presença da performance ao vivo. Emily Thompson

224
(apud KRUKOWSKI, 2019, p. 42-47) por exemplo, entende que os
fones de ouvido seriam uma espécie de “auditório sem paredes” em
que nossos crânios atuam como paredes desse auditório interno,
com sons ressoando em nossas cabeças. Ao carregarmos tais fones
tocando sons em volume intensos, “é como se todos estivessem
no palco o dia todo” (KRUKOWSKI, 2019, p. 113). Por outro lado,
pensando a partir do indie rock curitibano, a escuta em ambiente de
show apontaria para uma familiaridade com a escuta contemplativa,
quase camerística, que a acomoda sem maiores estranhamentos tais
artistas em pequenos teatros, cafés e pequenos restaurantes.
No entanto, é importante destacar que os regimes de escuta não
resultam nesse caso em uma mera sustentação da escuta estrutural
do expert defendida por Adorno (2011). Afinal, parte da introspeção
da experiência musical “privada”, voltada para “dentro” dos ouvin-
tes, opera em conjunto com uma escuta amplificada “pública” que
não se resume a uma concentração voltada para a reconstrução dos
parâmetros musicais legitimados pela música de concerto ociden-
tal. É uma escuta que não é voltada para a “leitura” (mesmo que
mental) da partitura mas para a vibração dos corpos – mesmo que
sentados no chão das pequenas casas de shows ou quase imóveis
em poltronas de teatro – via a presença das materialidades invisí-
veis dos sons que saem dos falantes e são moduladas por aparelhos
como amplificadores, PA’s, instrumentos e pedais, cuidadosamente
preparados pelos ouvintes-músicos.
Para Sterne (2007), mídias e instrumentos devem ser pensados
de forma que suas fronteiras sejam mais fluidas. O apuro de ouvido
que leva em consideração tal fluidez levaria a um tipo de musicali-
dade fundada num virtuosismo da escuta que não se confunde com o
virtuosismo convencional de instrumentistas capazes de tocar muitas
notas em andamento rápido. Por exemplo, Brian Eno, expoente da
ambient music, seria um ouvinte virtuoso que “toca” o estúdio como
um instrumento a despeito de sua perícia como instrumentista.
Entretanto, no rock independente de Curitiba, teríamos sujeitos e
sujeitas que, como é comum em contextos underground, revezam-se
como músicos, ouvintes, produtores, técnicos de som, etc. Realizam
tais processos em espaços multifuncionais de ambientes domésticos,

225
pequenos estúdios, cafés, pequenos teatros e casas de shows procu-
rando sempre manter uma concepção de “espaço criativo semiprivado
dentro da esfera pública” (BARNA, 2017, p. 48). Seja escutando música
através dos smartphones pela cidade em casa, ou nos pequenos espa-
ços para a música independente, há uma concepção de (re)produzir
uma escuta introspectiva e intimista.
De toda forma, a experiência da música ocorre de maneira a
muda os estados afetivos dos ouvintes. Tais estados são produzidos
em relação complexa e dialética entre o logos (letras das canções,
quando existentes) e elementos materiais e performativos. Portanto,
sequer haveria uma relação dada, a priori, entre os significados das
letras e disposições de sentimento. Não seriam (somente) as letras –
que quando existentes abordam temáticas reflexivas, melancólicas
e existencialistas – que produziriam “introspecção”, mas também
o agenciamento de tecnologias sonoras que favorecem uma escuta
privada e o som como tecnologia do self (DENORA, 2004 ) que
com um repertório que favorece longas passagens instrumentais,
texturas e timbres, samples, drones8 e feedbacks, estimularia uma
escuta introvertida e quase meditativa.

Apontamentos finais
É preciso reconhecer o nível exploratório de boa parte da
pesquisa de campo realizada até aqui, o que acaba dando ao texto
um caráter um tanto desequilibrado entre dados coletados do
campo e discussão teórico-metodológica. O decorrer do traba-
lho empírico (prosseguimento das entrevistas, diários de campo
etc.) deverá modelar alguns dos apontamentos e apresentar
novas questões.
No entanto, podemos inferir que a escuta é composta por uma
série de processos que atravessam e retroalimentam o que comu-
mente chamamos de produção, distribuição e consumo de música
pop. Ou seja: a escuta é produtiva, sendo uma forma de perceber

8. Não confundir aqui drone com os veículos aéreos não tripulados, equi-
pados com sensores e câmeras, pilotáveis a quilômetros de distância. Neste caso,
falo de sons sustentados ou repetidos, modulados por instrumentos e apara-
tos tecnomidiáticos.
226
e sentir o mundo ativa e criativamente, que perpassa pelos músi-
cos e ouvintes. Músicos ouvem o tempo todo e os consumido-
res, evidentemente, ouvem as peças musicais e sons produzidos
por esses músicos. Isso nos leva à necessidade de compreender a
escuta, ou as escutas, dentro de uma espécie de agenciamento que
procure considerar aspectos estéticos, materiais, culturais, espa-
ciais, situando os ouvintes sem no entanto desconsiderar o papel
das materialidades que produzem e suportam o som, bem como
os próprios “sons em si”.
Também devemos ter em mente que, se por um lado as mídias
tornaram a escuta mais privada, móvel, passível de ser ouvida em
oscilação entre controle e deriva, atenção e desatenção, por outro
lado os próprios sons, em repertórios específicos, seriam enten-
didos por seus ouvintes mais habituados como produtores desses
mesmos processos complementares de virtuosismo da escuta e
produção da introspecção. Portanto, são tecnologias, mídias, espa-
ços, mas também músicas como tecnologias do self (DENORA,
2004), independente da forma como são ouvidas, que produzem
a introspecção do indie rock, isto é, esta forma de ouvir silenciosa,
contemplativa, que oscila entre a atenção aos detalhes sonoros e a
deriva e sensação de “não-estar-ali”.
Por fim, são os regimes de escuta, com seus conjuntos de técni-
cas aurais modeladas sociocultural, histórica, tecnomidiática e
espacialmente a ponto de se tornarem virtuosismos da escuta, que
produzem a sensação de introspecção. Ou seja: a escuta aparente-
mente imóvel, silenciosa, inerte, que reage de maneira discreta aos
sons frequentemente instrumentais, é fruto de todo um trabalho
que atravessa indivíduos que escutam – tocando ou apenas consu-
mindo – e que perpassa por contextos midiatizados e copresenciais
em torno da música pop.

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Este livro foi publicado
pela Insular Livros em 2020

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