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Deficiência e Inclusão Escolar - 2 Edição (20!03!2018) - 1
Deficiência e Inclusão Escolar - 2 Edição (20!03!2018) - 1
INCLUSÃO ESCOLAR
2ª EDIÇÃO
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Reitor: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso. Vice-Reitor: Prof. Dr. Julio César Damasceno.
Diretora da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira.
Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra. Luzmarina Hernandes.
Presidente: Profa. Dra. Terezinha Oliveira. Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi
Editores Científicos: Profa. Dra. Ana Lúcia Sassaka, Marcos Roberto Andreussi. Fluxo
Rodrigues, Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lara, Editorial: Edneire Franciscon Jacob, Vania Cristina
Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer, Prof. Dr. Scomparin, Marinalva Aparecida Spolon Almeida.
Antonio Ozai da Silva, Profa. Dra. Cecília Edna Marketing: Gerson Ribeiro de Andrade.
Mareze da Costa, Prof. Dr. Eduardo Augusto Comercialização: Paulo Bento da Silva, Solange
Tomanik, Profa. Dra. Elaine Rodrigues, Profa. Dra. Marly Oshima, Luciano Wilian da Silva.
Larissa Michelle Lara, Prof. Dr. Luiz Roberto
Evangelista, Profa. Dra. Luzia Marta Bellini, Prof.
Me. Marcelo Soncini Rodrigues, Prof. Dr. Márcio
Roberto do Prado, Prof. Dr. Mário Luiz Neves de
Azevedo, Profa. Dra. Maria Cristina Gomes
Machado, Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima,
Prof. Dr. Raymundo de Lima, Profa. Dra. Regina
Lúcia Mesti, Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias,
Prof. Dr. Sezinando Luis Menezes, Profa. Dra.
Terezinha Oliveira, Profa. Dra. Valéria Soares de
Assis.
Elsa Midori Shimazaki
Edilson Roberto Pacheco
(Organizadores)
DEFICIÊNCIA E
INCLUSÃO ESCOLAR
PREFÁCIO
Solange Franci Raimundo Yaegashi
2ª EDIÇÃO
Revisada e Ampliada
Eduem
Maringá
2018
Copyright © 2018 para os Autores.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor.
Todos os direitos reservados desta edição 2018 para Eduem.
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quaisquer outros conteúdos utilizados, são de responsabilidade dos autores.
Vários autores.
ISBN 978-85-7628-574-8
Editora filiada à
MIDORI
SUMÁRIO
PREFÁCIO................................................................................................ 11
CAPÍTULO 1
SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS
Elsa Midori Shimazaki
Renilson José Menegassi
Edilson Roberto Pacheco...................................................................... 17
Capítulo 2
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA
Miguel Cláudio Moriel Chacon ............................................................ 27
Capítulo 3
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR
Leila Regina d´Oliveira de Paula Nunes
Catia Crivelenti de Figueiredo Walter
Carolina Rizzotto Schirmer................................................................... 45
Capítulo 4
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À PESSOA
COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Capítulo 5
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES
COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL
Dorcely Isabel Bellanda Garcia.............................................................97
Capítulo 6
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA CAPACITAÇÃO DO
PROFESSOR PARA A INCLUSÃO DO ALUNO COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Esther Lopes
Maria Cristina Marquezine.....................................................................115
Capítulo 7
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS
8
Capítulo 8
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA ASSISTIVA: O
ATENDIMENTO AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela
Sonia Maria Toyoshima Lima............................................................... 165
Capítulo 9
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES MORFOFUNCIONAIS DA
Capítulo 10
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA
9
Capítulo 11
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO
DE CRIANÇAS SURDAS
Capítulo 12
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS PROFISSIONAIS
ENVOLVIDOS: O CASO DO MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA -
SP
Josiane Fujisawa Filus
Paulo Ferreira de Araújo........................................................................237
Capítulo 13
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS REFLEXÕES
Celma Regina Borghi Rodriguero
Solange Franci Raimundo Yaegashi .....................................................261
10
PREFÁCIO
In memoriam
ao Prof. Dr. Edilson Roberto Pacheco
12
o avanço a níveis mais elevados de ensino. Nesse sentido, o Grupo
de Estudo possibilita uma reflexão sobre a prática pedagógica,
permitindo aos educadores uma reflexão sobre as mudanças
necessárias para que a inclusão possa se tornar uma realidade.
No sétimo capítulo, Araújo e Silva, no texto ‘Aspectos gerais
da deficiência física e suas implicações no dia a dia’, enfocam a
questão das representações sociais sobre as pessoas com deficiência,
em particular as pessoas com deficiência física. Embora tenha
havido uma evolução conceitual do modelo médico para um modelo
educacional, no que se refere à forma como as pessoas com
deficiência física são tratadas, é necessário que haja, de fato, uma
intervenção nesse grupo, englobando, além das medidas
restauradoras, preventivas e de reabilitação, aquelas que direcionam a
um estado pleno de bem-estar e de conhecimento de si enquanto ser
no mundo. Assim, mesmo com a deficiência física, essas pessoas
precisam ter suas necessidades básicas atendidas, para tanto
necessitam ter autonomia e liberdade de ação.
No oitavo capítulo, ‘Recursos metodológicos e tecnologia
assistiva: o atendimento ao aluno com deficiência física’, Silva,
Cerezuela e Lima abordam os recursos metodológicos e a
implementação da tecnologia assistiva no ambiente escolar. De
acordo com as autoras, embora muitos alunos alcancem elevado
nível de compreensão receptiva da linguagem, apresentam
dificuldades acentuadas na fala e/ou na escrita, razão pela qual
precisam usar outras formas de sinalização e de códigos como meio
facilitador do processo de ensino aprendizagem e também para que
estabeleçam interação com os colegas e com o professor.
No nono capítulo, ‘Características, alterações
morfofuncionais da deficiência física: limitações e possibilidades’,
Lima, Silva e Cerezuela discorrem sobre a deficiência física, a forma
de aquisição da deficiência, as alterações muscoloesqueléticas, bem
como as limitações e as possibilidades de desenvolvimento do
processo ensino e aprendizagem. De acordo com autoras, para que o
professor possa realizar uma intervenção educacional adequada, ele
deve conhecer seus alunos, tanto no que se refere às características
pessoais, quanto à estruturação e construção do seu pensamento.
13
No décimo capítulo, intitulado ‘A importância da atenção
neonatal para diagnóstico de problemas auditivos na primeira
infância’, Rossi e Seksenian discutem a surdez e as alterações que
esta pode causar no desenvolvimento da comunicação oral. Para as
autoras, cabe aos profissionais da saúde, que atuam com bebês,
atentarem às causas, consequências e importância da prevenção da
deficiência auditiva, uma vez que o tratamento da surdez na infância
tem implicações muito sérias, que vão além do aspecto médico, já
que é o período em que a criança aprende a se comunicar e
compreender o contexto no qual está inserida.
No décimo primeiro capítulo, ‘Jogos educativos para o
processo de letramento de crianças surdas’, Silva, Nogueira e Gesueli
enfocam a importância dos jogos como recurso na construção da
leitura e da escrita. De acordo com as autoras, os jogos facilitam a
participação dos sujeitos surdos, a relação entre eles e o
enfrentamento de situações-problema que se colocam e precisam ser
resolvidas.
No décimo segundo capítulo, denominado ‘A inclusão
escolar na visão dos profissionais envolvidos: o caso do Município
de Hortolândia–SP’, Filus e Araújo discutem as formas de
atendimento realizado por diferentes profissionais às pessoas com
deficiência, nas áreas de educação, habilitação, reabilitação e
preparação para o trabalho. Os autores constataram que existe um
distanciamento entre os diferentes grupos de profissionais que
atendem crianças com necessidades educacionais especiais. Isto
provoca uma conduta de despreocupação ou isenção de
responsabilidade com o processo de inclusão.
Por fim, no décimo terceiro capítulo, ‘A família e a criança
surda: algumas reflexões’, Rodriguero e Yaegashi discorrem sobre as
reações da família diante do nascimento de um filho com surdez,
buscando compreender os psicodinamismos que se configuram
entre os membros da família e as formas de enfrentamento do
problema. A família, segundo as autoras, realiza a socialização
primária do indivíduo, ou seja, propicia-lhe a aprendizagem dos
papéis sociais, a formação da identidade social, enquanto que a
socialização secundária ocorre mais tarde, geralmente na fase escolar,
14
quando o indivíduo entra em contato com um grupo social mais
amplo. Portanto, a inserção social do indivíduo depende muito do
que aconteceu durante seus anos formativos, no contexto familiar.
Esperamos que os estudos e as reflexões contidos nesta obra
contribuam para o processo formativo de educadores, psicólogos,
psicopedagogos e fonoaudiólogos, fornecendo-lhes subsídios para
suas práticas profissionais.
15
CAPÍTULO 1
SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL EM PESQUISAS
Elsa Midori Shimazaki
Renilson José Menegassi
Edilson Roberto Pacheco
Introdução
Educação e Deficiência
18
Ainda para esse autor, a educação é própria dos seres
humanos. “[...] a compreensão dos seres humanos passa pela
compreensão da natureza humana” (SAVIANI, 2000, p. 17). O
homem necessita produzir continuamente a sua existência. “Para
tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a
natureza a si, isto é, transformá-la” (SAVIANI, 2000, p. 11). A
transformação se dá por meio da organização do trabalho, que
permite ao homem estabelecer a relação com os demais e com a
natureza de forma consciente. O desenvolvimento do trabalho
organizado é a condição para a humanização do homem,
provocando a transformação e o que se denominou hominização.
No processo de hominização, segundo Leontiev (1978), o homem
modificou a natureza e iniciou o desenvolvimento sócio-histórico,
superando assim, o desenvolvimento somente biológico. É preciso
que o homem se humanize, isto é, se aproprie da cultura produzida
pelo seu grupo, assim, cabe à escola auxiliar nessa apropriação,
principalmente no que se refere aos conceitos científicos, objetivo
maior do sistema escolar.
Para Saviani (2000), a escola identificaria a cultura e os seus
elementos, tentaria discernir o que é essência e o que é aparência.
Concordamos com o autor que a função da escola é ensinar o
conteúdo clássico, assim como os conteúdos que ajudarão o homem
a tornar-se humano. O termo ‘clássico’, aqui, é entendido como tudo
aquilo que resistiu ao tempo e aos modismos, configurando-se como
conhecimentos científicos primordiais ao desenvolvimento humano.
Na mesma linha de raciocínio, tendo o social como norte
principal, a educação é compreendida por Vygotsky (1999) como
influência e intervenção planejadas, com objetivos premeditados e
conscientes, nos processos de crescimento natural do organismo.
Portanto, a educação intervém nos processos de crescimento e os
orienta, o que nos leva a notar que a aprendizagem não é espontânea
e a função da escola é ensinar, sistematizar e permitir a apropriação
desses conhecimentos.
É por meio da educação que o indivíduo apropria-se das
experiências histórico-sociais, dos conhecimentos produzidos
historicamente e já existentes objetivamente no mundo no qual o
19
indivíduo convive. Dessa forma, hominiza e humaniza, tornando-se
humano.
Para a efetivação desse processo educacional, é necessário
que haja a mediação por meio de instrumentos e signos. Para
Vygotsky (1986), os instrumentos de trabalho fazem a mediação da
atividade humana, por sua vez, os signos mediatizam a atividade
psicológica. Para o autor, as funções psicológicas superiores são a
memória, a atenção, a percepção, o pensamento e a linguagem,
sendo que o trabalho pedagógico deve desenvolvê-las. Cabe ao
professor conhecer o desenvolvimento dos alunos, aquilo que seus
alunos já sabem, e propor situações que acionem positivamente as
funções mentais dos alunos e provoquem a criação de zonas de
desenvolvimento proximal, proporcionando condições para o seu
desenvolvimento.
Essa distinção entre as capacidades já consolidadas e aquelas
em processo de desenvolvimento foi feita por Vygotsky (1988), ao
discutir sobre a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento.
Para o autor, podemos falar em desenvolvimento consolidado
quando referimos àquelas capacidades ou funções já internalizadas
que a pessoa é capaz de executar de forma independente e as que
estão em processo, são as chamadas zona de desenvolvimento
proximal. Essas capacidades podem ser consolidadas por meio de
intervenção pedagógicas e mediações sociais sobre os
conhecimentos científicos eleitos para serem apropriados.
A partir dessas considerações, a educação especial tem os
mesmos objetivos da educação como um todo, isto é, direcionar o
processo de aprendizagem a desenvolver as funções psicológicas
superiores para que os alunos se apropriem do conhecimento
histórico e social, permitindo-lhe os processos de hominização e
humanização.
A responsabilidade pela educação especial, devendo ser
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, consta nos
artigos 203 e 208 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que
determina:
20
[...] a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência e a sua promoção e integração à vida
comunitária é dever do Estado, assim como a garantia
à educação.
O dever do Estado com a educação será mediante a
garantia de: [...] III- atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL,
1988, p. 2).
21
da escolaridade em sala regular, Para ajudar àquelas pessoas que, por
apresentar características diferentes da maioria, não se apropriam do
conhecimento científico somente na sala regular, no entanto, podem
tornar-se um receptáculo de qualquer dificuldade um pouco mais
acentuada que o sistema regular de ensino rejeita. Dessa forma, para
se tornar um espaço que cumpra a sua função de ‘complementar’ e
‘suplementar’ é necessária que seja feita uma avaliação criteriosa do
indivíduo e de suas necessidades especiais para que se efetive
adequadamente o encaminhamento para essas salas.
Outro aspecto a ponderar é que, muitas vezes, ao receber os
materiais que são auxiliares para o desenvolvimento das atividades
pedagogias em sala de aula, encaminhados pelo Ministério da
Educação, a escola não dispõe de espaço físico e, até mesmo, de
professores preparados e capazes de atender as diferenças dos
alunos. Portanto, é necessário que se viabilize espaço na escola, onde
todos possam ter acesso físico, para terem acesso ao currículo e seus
conhecimentos científicos.
A formação do professor em serviço também tem sido uma
preocupação constante, porque o especial da educação especial ainda
é pouco discutido nos cursos de formação inicial e o professor tem
encontrado alunos com características diferenciadas que exigem
alternativas de trabalho para acessar o conhecimento científico que
não se encerra ao longo da vida, não tendo sido preparado para isto.
Em 2011, a Presidência da República aprova o Decreto
7.611, que ratifica o atendimento educacional especializado às
pessoas com deficiência, transtorno global de desenvolvimento e
com e altas habilidades e superdotação, afirmando ser dever do
Estado a oferta de ensino gratuito “[...] ao longo da vida” (BRASIL,
2011a, p. 1). Todavia, em seu artigo primeiro, inciso VIII, assegura o
apoio técnico e financeiro às “[...] instituições privadas, sem fins
lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação
especial”.
O Decreto determina que, independente da idade, a pessoa
deve ser atendida, todavia, divide as responsabilidades do
atendimento com as instituições privadas de ensino, que atendem
exclusivamente alunos especiais. Ao rever a história do atendimento
22
educacional às pessoas consideradas especiais, verificamos que a
maioria é feita em organização não governamental de caráter
filantrópico, segundo Ferreira (1998, p. 1), “[...] o acesso à educação
das pessoas deficiente é escasso e revestido de caráter de concessão e
de assistencialismo”. A concessão e o assistencialismo afastam-se da
educação legislada como direito de todos e do caráter científico que
ela deve ter.
Esse inciso foi interpretado como um retrocesso ao processo
à inclusão, contudo, o MEC/SECADI/DPEE, por meio da Nota
técnica nº 62/2011, esclareceu que
23
professor. Para isto, as pesquisas sobre a apropriação e o
desenvolvimento dos conhecimentos científicos nessa população são
imprescindíveis.
Entendemos que muitas são as mudanças necessárias para
um ensino de qualidade que responda às necessidades dos alunos,
principalmente os considerados diferentes nos padrões estabelecidos
pela sociedade, portanto, pesquisas e discussões precisam ser
realizadas. Dessa maneira, esta obra oferece um conjunto de
pesquisas sobre as deficiências em processos de inclusão escolar,
para auxiliar na reflexão à busca de uma educação com maior
qualidade no país aos portadores de necessidades especiais.
Considerações finais
Referências
24
tituicao-federal-de-1988-educacao-especial>. Acesso em: 3 abr.
2013.
25
FERREIRA, Júlio Romero. A nova LDB e as necessidades
educativas especiais.Cadernos CEDES, Campinas, SP, v.19, n.
46, set. 1998.Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
32621998000300002>. Acesso em: 15 mar. 2013
26
Capítulo 2
FAMÍLIA E DEFICIÊNCIA
Miguel Cláudio Moriel Chacon
Introdução
28
são muito mais numerosos do que os que enfocam a ‘dinâmica das
relações familiares’, sendo estas tão complexas, variadas e diferentes,
que tornam impossíveis as generalizações universais sobre sua
natureza e suas influências(POWELL, 1992).
Buscando dados científicos sobre a deficiência no âmbito
familiar, tomou-se por base a Revista Brasileira de Educação
Especial(RBEE), que apresenta relatos de pesquisas com temas
variados, entre eles, a família. No entanto, a maioria das pesquisas
em torno da família se concentra na análise de entrevistas ou das
falas de mães. Foi possível constatar a ausência total de trabalhos
publicados que tivessem como tema principal a figura paterna, e
quando o fazem, este é englobado à figura da mãe (utilizando-se a
terminologia genérica ‘pais’) e nunca separadamente. No que se
refere aos irmãos, a RBEE publicou, até 2009, três artigos sobre o
tema (MATSUKURA; CID, 2004; NUNES; AIELLO, 2004;
PETEAN; SUGUIHURA, 2005).
A mãe
29
se que a autoestima e a vaidade nesses membros, muitas vezes,
chegam a ser prejudicadas ou mesmo esquecidas.
É comum a mãe tomar para si a atenção e o cuidado para
com seus filhos, pelo menos na primeira infância, pois a simbiose
nutricional iniciada com a amamentação requer mais a presença da
mãe que a do pai. Mannoni (1988), ao abordar a reação e a
percepção dos pais acerca do(s) filho(s) com deficiência, afirma que
é a mãe, muito mais que o pai, quem trava uma árdua batalha contra
a indiferença social. O pai é, geralmente, alguém omisso e cético
quanto à trajetória do filho deficiente, afastando-se do drama
familiar.
A tendência de olhar mais para a díade mãe-filho, segundo
Engels (1984), muito provavelmente seja fruto dos arranjos de
família por grupos, anteriores à condição monogâmica, em que não
se sabia com certeza quem era o pai de uma criança, mas se sabia
quem era a mãe. Para Shorter (1977), essa é uma tendência maior da
classe média, cuja necessidade de continuidade familiar favoreceu, no
final do século XVIII e início do século XIX, a primazia do amor
materno e a vida doméstica se construiu em torno desta díade.
O pai
30
sobre o filho especial; educação; e independência e integração social.
Além dessa obra, há a tradução de outras, igualmente importantes:
no livro intitulado Pais de crianças especiais: relacionamentos e criação de
filhos com necessidades especiais, Meyer (2003) convida 19 pais a falar
sobre a experiência de ter um filho especial e o quanto isso mudou a
vida deles, oferecendo uma perspectiva raramente divulgada sobre a
criação de filhos especiais; e Fournier (2009) publicou a obra
intitulada Aonde a gente vai, papai? em que relata sua vivência bastante
realística de pai de dois filhos com deficiência cognitiva.
A totalidade da responsabilidade em relação ao filho passa a
exigir o envolvimento direto do pai a partir da década de 1970,
evidenciando-se a redefinição dos papéis e a reorganização familiar,
momento em que se começa a reconhecer “[...] que os pais
desempenham papéis complexos e multidimensionais e que muitos
padrões de influência são indiretos. Além disso, cabe enfatizar que as
contribuições sociais da paternidade variam dependendo da época
histórica e do contexto cultural” (CIA; WILLIAMS; AIELLO, 2005,
p. 226).
Durante décadas, o pai desempenhou a função de provedor,
exercendo um modelo autoritário de relacionamento. Em
contraposição, na sociedade de hoje, o pai foi chamado a participar
do cuidado e da criação do filho, desempenhando uma função mais
holística de conhecimento e educação de seus descendentes, descrito
na literatura como a de ‘pai envolvido’, que é aquele que tem
disponibilidade emocional e contribui para a educação e o bem-estar
do filho, especialmente quanto ao desenvolvimento da sociabilidade
e da competência escolar (GOTTMAN; DECLAIRE, 1997).
Os irmãos
31
idade adulta e na ausência destes, tornam-se fontes adicionais de
amor um para o outro.
O sistema fraternal precisa ser visto tanto nos seus efeitos
negativos como positivos, uma vez que se trata de uma relação
muitas vezes competitiva em relação às atenções paterna e materna,
mas também se trata de uma relação em que se desenvolvem
tolerância e compreensão, capacidade de cooperação, resistência à
frustração, entre outros comportamentos e sentimentos. Com o
passar dos anos, os irmãos aprendem a adaptar-se e a compreender
melhor as diferenças que se apresentam na relação, estressando-se
menos.
Em pesquisa com irmãos de deficientes e de não deficientes
(CHACON, 2010) conclui que, ‘alguns fenômenos’, até então
socialmente percebidos como causadores de diferenças na relação
fraterna e atribuídos à presença da deficiência, não o são, pois entre
irmãos de não deficientes esses mesmos fenômenos comportam-se
de maneira bastante semelhante. Diferentemente dos irmãos de não
deficientes, os irmãos de deficientes precisam de informações
corretas sobre a deficiência de seus irmãos, bem como de apoio
terapêutico para elaborar sentimentos de medo, raiva, vergonha que
possam ter em função de sua condição. Cabe salientar também a
necessidade que esses irmãos têm de serem eles mesmos, sem o
rótulo de ‘irmãos de deficientes’ (estigma de cortesia).
32
entre eles o mais comumente utilizado é a negação 2, mecanismo que,
quando utilizado, pode retardar os processos de elaboração e
ressignificação dos valores e do estilo de vida, responsáveis pela
dinâmica das relações familiares. Nas palavras de Glat e Duque
(2003, p. 16) “[...] como a ave mística grega Fênix, a família terá que
renascer das suas próprias cinzas, em um longo processo de
adaptação a esta irreversível situação de vida”.
A ‘informação sobre a deficiência’ geralmente chega aos
genitores por algum profissional da saúde, via de regra o médico que
realiza o parto ou os que têm contato com os pais no
acompanhamento da gestação. A percepção imediata dos genitores,
no momento do nascimento, os conduzirá, inevitavelmente, à busca
de informações e, num primeiro momento, de auxílio médico.
Desses dados pode-se depreender a enorme importância que este
profissional tem na vida desses pais.
A formação em Medicina deve ser plena de conhecimento
sobre os mais variados tipos de deficiência, bem como de
procedimentos que quando inadequadamente realizados, tanto na
gestação quanto na concepção e atendimento pós-natal, podem ser
causa de deficiência. Ocorre que, ainda hoje, a formação médica é
precária no tocante à humanização para tratar esse assunto com o
cuidado que merece, e a literatura tem demonstrado que as
experiências desses pais junto aos profissionais da medicina têm
sido, no mínimo, ‘pouco cuidadosas’ ou ‘defensivas’ (CHACON,
1995; FOURNIER, 2009; GLAT; DUQUE, 2003; MOCARZEL,
2004).
Cada membro da família desenvolverá uma história que lhe
será própria e peculiar, desempenhando cada qual o seu papel que
deve ter flexibilidade suficiente para re-significar valores e padrões
de relacionamento. Cada personagem, no seu respectivo papel,
possui sua importância.
33
A literatura a respeito do choque da descoberta por volta do
nascimento de um filho com deficiência, ou mesmo a informação
em fase mais avançada do desenvolvimento mostra que é normal os
pais sentirem-se chocados e emitirem comportamentos, muitas
vezes, até de rejeição. Tanto o choque da descoberta, quanto
possíveis comportamentos de rejeição estão ligados à frustração de
não terem sido alcançadas suas expectativas de normalidade para o
filho.
No tocante ao estado emocional que os pais vivem nesse
período, a psicanálise denominou-o ‘luto’, por tratar-se de um estado
de perda de um filho idealizado, estado este que pode perdurar por
anos e que se manifesta por meio de sentimentos de tristeza,
depressão, rejeição, decepção, frustração, incompetência, raiva, bem
como manifestações comportamentais de choro, vergonha,
isolamento, agressividade e outros. Nas palavras de Omote (1980),
são reações que podem variar desde o ‘desespero e perplexidade’ até
a ‘absoluta neutralidade em relação à descoberta’.
É difícil a tarefa de informar os demais membros da família,
seja essa tarefa exclusiva do pai ou na companhia da mãe, pois
ambos se encontram em estado de choque (GLAT; DUQUE, 2003;
MOCARZEL, 2004).
Diante dessas considerações, algumas questões precisam ser
pensadas antes de se prosseguir nessa discussão. São elas:
1. Qual o papel da família de uma pessoa com deficiência
em sua relação com os profissionais da área? O de capaz
de cooperar no atendimento ou o de usuária também
dos serviços oferecidos a(s) pessoa(s) com
deficiência(s)?
2. Como seria ser pai, mãe ou irmão de uma pessoa com
deficiência?
3. O que mudaria em sua vida o fato de estar em alguma
das condições acima colocadas?3
34
Há divergências de opinião a respeito das questões acima
levantadas. Alguns teóricos têm a família como parceira, outros a
têm como uma instância que necessita de atendimento especializado,
tanto quanto a pessoa com deficiência.
No XI World Congress on Mental Retardation, que aconteceu em
Nova Delhi, Índia, em 1994, de modo geral, os organizadores e
congressistas defendiam a ideia de que a família deve ser parceira no
atendimento e no desenvolvimento da pessoa com deficiência.
Contrapondo-se a essa concepção, há os que defendem a
necessidade do suporte também à família nos seus aspectos
emocionais e sociais. Convergente com estes ideários, Omote (2003,
p. 25) defende que:
35
do ego4, bem como para a elaboração e ressignificação da dinâmica
das relações familiares.
Algumas famílias contam com a ajuda de outros membros,
como irmãos, avós, tios, primos, para auxiliar nos cuidados com o
recém-nascido e mesmo em idades mais avançadas. Devido ao
menor grau de envolvimento subjetivo que esses outros membros da
família têm com a criança – diferente daquele que se estabelece entre
a criança e os próprios pais –, encontram maior facilidade para
observar diferenças no desenvolvimento, as quais podem ser
provenientes da deficiência. Estes verbalizam com mais facilidade e
são repreendidos também com a mesma facilidade.
A despeito de toda evolução na diferença dos papéis de
gênero, é possível observar ainda hoje uma cisão nas representações
sociais dos papéis de pai e mãe, o que se deve a diferenças
socialmente criadas e que variam de uma cultura para a outra.
Burin (2006), em seus estudos sobre o âmbito familiar e a
construção do gênero, ao abordar o desenvolvimento de papéis
femininos, faz referência à teoria das identificações em psicanálise,
segundo a qual as meninas se identificam com a mãe, e os meninos
com a posição e o lugar do pai. Para a autora, nas famílias cujo pai se
encontra ausente, os meninos internalizam o ‘ser masculino’
baseados em
36
a maternidade a partir do estímulo que cada filho individualmente
traz para ela. O pai, ao contrário, é tribal”.
No tocante ao ‘apego’, pode-se dizer que se trata de um
sentimento de afeição que se constrói mais com a relação que com a
presença. Embora seja senso comum afirmar a presença maior da
mãe no desenvolvimento parental, isto não necessariamente se
transformará em vínculo de apego. Se assim o fosse, seria o ‘golpe
de misericórdia’ para o fim do relacionamento paterno.
O nascimento de um filho com deficiência suscita uma série
de receios em ambos os genitores, do que pode decorrer o ‘medo de
gerar outros filhos com as mesmas características’, que, por sua vez,
pode funcionar como uma espécie de bloqueio para novas
concepções. A esse respeito, Fournier (2009), pai de três filhos,
sendo os dois primeiros deficientes, trata desse sentimento não
apenas como característico de pais de deficientes, mas de pais de
maneira geral. Para o autor, “[...] fazer um filho é correr um risco [...]
Nem sempre ganhamos. No entanto, continuamos a fazê-los”
(FOURNIER, 2009, p.78). O autor relata que o nascimento do
terceiro filho foi incentivado pelo médico, que assim se colocou:
37
dependente, o que os leva a se sentirem temerosos com o futuro,
pois, uma vez dependentes, sempre precisarão de alguém.
Quanto a ‘dar ou não mais atenção ao filho com deficiência
que aos outros filhos’, Droeven (2009, p. 226) considera que “O
legitimado dentro da maioria dos imaginários contemporâneos é que
os pais neguem as diferenças em sua relação com os filhos, ao
mesmo tempo em que é impossível não fazê-las”. Trata-se de uma
questão que se faz presente em muitas histórias de vida, bem como
na literatura e na religião.
Em Congresso Nacional das APAEs, realizado em João
Pessoa-PB, ao apresentar os resultados de pesquisa sobre irmãos
(CHACON, 2010, p. 2, grifo do autor) um dos pais presente assim
se colocou:
38
morrer ou de se machucar. A preferência era tão evidente que os
irmãos, tomados pelo ciúme, levaram José para o campo e o
abandonaram à própria sorte, jogando-o em uma cova profunda,
simulando sua morte ao pai. Jacó ficou em luto por muitos anos até
chegar ao seu conhecimento que o filho predileto, dado como
morto, ainda estava vivo e era o governador do Egito.
A partir de todas essas considerações sobre a família, é
possível inferir que se trata de uma estrutura mais transacional do
que fixa, e que a dinâmica das relações nela existente é direcionadora
do olhar de cada um dos seus membros para com o outro e para
consigo mesmo. Como demonstrou Bianchetti (2002, p. 4), “[...] o
olhar é uma maneira de posicionar-se no/frente ao mundo. O olhar
é uma linguagem que se constrói e se realiza no contato com os
outros, nas inter-relações”.
Considerações finais
39
como normal nesse tipo de relacionamento, e ambos estão ligados à
frustração de expectativas.
A diferença de papéis na criação de um filho ainda se faz
presente. Tal cisão nas representações sociais do que é ser pai e ser
mãe vem desencadeando grandes modificações, na medida em que
se alteram as formas de constituição familiar, cujos arranjos varia de
uma cultura para a outra em alguns aspectos.
Para viver com um mínimo de qualidade de vida (QDV), os
pais necessitam de melhor rendimento e do ‘benefício de prestação
continuada’ (BPC). A saúde da família refletirá na QDV de cada um
de seus membros, e vice-versa.
Pais de pessoas com deficiência precisam atentar para o
sentimento de medo de gerar outros filhos com as mesmas
características, bem como a existência de baixa expectativa em
relação à independência dos filhos.
Ainda outra questão, digna da atenção dos pesquisadores, é
necessidade de olhar com mais cuidado para a família enquanto
objeto de estudo, pois o nascimento de uma pessoa com deficiência
no âmbito familiar atinge todos os membros da família e cada qual a
seu modo é afetado. Isso gera uma gama de variáveis que podem
fornecer importantes elementos para se compreender melhor a
dinâmica das relações familiares.
Em vista disso, é importante afirmar que as famílias de
pessoas com deficiência possuem necessidades diferenciadas, e suas
dinâmicas diferem em alguns aspectos das dinâmicas das outras
famílias. Isso porque as relações familiares ficam parcialmente
afetadas pela presença da deficiência em graus diferenciados
dependendo da modalidade da deficiência e do seu entorno.
Portanto, é preciso olhar para os efeitos positivos das relações, e
com o passar dos anos, os familiares adaptam-se e compreendem
melhor as diferenças na relação.
Diferentemente das demais famílias, essas precisam obter
informações corretas, bem como apoio terapêutico. Cabe salientar
ainda a necessidade que os pais, mães e irmãos têm de serem eles
mesmos sem os estigmas de cortesia que lhes são atribuídos.
40
Referências
41
CIA, Fabiana; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti Albuquerque;
AIELLO, Ana Lúcia Rossito. Influências paternas no
desenvolvimento infantil: revisão de literatura. Psicologia Escolar e
Educacional, Campinas, SP, v. 9, n. 2, p. 225-233, 2005.
42
LIMA FILHO, Alberto Pereira. O pai e a psique. São Paulo:
Paulus, 2002.
43
OLIVEIRA, Jáima Pinheiro; MARQUES, Susi Lippi. Análise da
comunicação verbal e não verbal de crianças com deficiência visual
durante interação com a mãe. Revista Brasileira de Educação
Especial, Marília, v. 11, n. 3, p. 409-428, set./dez. 2005.
44
Capítulo 3
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO
ESCOLAR
Leila Regina d´Oliveira de Paula Nunes
Catia Crivelenti de Figueiredo Walter
Carolina Rizzotto Schirmer
Introdução
Inclusão escolar
46
Acessibilidade
47
A nova nomenclatura de tecnologias assistivas (TA)1 ou
ajudas técnicas aponta para uma categorização baseada na
abordagem funcional. Algumas modalidades dessas ajudas técnicas,
além das órteses e próteses, favorecem a mobilidade, a adaptação de
veículos, a adequação postural, a acessibilidade às tecnologias de
informação e a acessibilidade comunicativa (NUNES; NUNES
SOBRINHO, 2008).
48
a face de indivíduos incapazes de usar a linguagem oral
(GLENNEN, 1997; HANLINE; NUNES; WORTHY, 2007;
NUNES, 2003). A comunicação ampliada ou suplementar tem um
duplo propósito: promover e suplementar a fala ou garantir uma
forma alternativa se o indivíduo não se mostrar capaz de
desenvolver a fala (NUNES, 2003). Os sistemas de comunicação
alternativa constituem, segundo Capovilla (1998), verdadeiras pontes
que permitem interligar o espaço que permeia o isolamento e
estabelecer com a pessoa sem fala articulada uma relação humana
bidirecional ou multidirecional, que é condição essencial ao seu
desenvolvimento cognitivo e social.
A expressão ‘acessibilidade comunicativa’, porém, não se
restringe à disponibilização de recursos, sejam eles de tecnologias de
alto ou de baixo custo. Tão ou mais importante do que isso é a
presença de interlocutores interessados em interagir e acolher as
mensagens da pessoa não falante. Assim, são fundamentais a
aceitação e o incentivo ao emprego de formas alternativas de
comunicação, inclusive pelo próprio grupo social. Isso implica a
utilização do sistema alternativo de comunicação, tanto pelo
membro não oralizado como por todos os seus potenciais
interlocutores.
Segundo pesquisadores como Soto e Von Tetzchner (2003),
os contextos inclusivos favorecem a interação entre alunos usuários
de comunicação alternativa e seus pares falantes.
O desenvolvimento das competências linguística e
comunicativa pelo aluno usuário de sistema de comunicação
alternativa acontece em um ambiente em que as pessoas envolvidas
no diálogo respeitem o tempo de resposta do aluno que se comunica
por meio de gestos, expressões faciais e/ou sistemas pictográficos
ou alfabéticos de comunicação. Além disso, é essencial uma forma
compartilhada de comunicação em sala de aula, ou seja, que haja no
ambiente um número razoável de pessoas mais competentes do que
ele na compreensão e no uso dessa forma alternativa de linguagem,
inscrita nas rotinas escolares (BUZOLICH; LUNGER, 1995).
Von Tetzchner e Grove (2003) referem-se a esse fenômeno
como ‘acessibilidade comunicativa’. É importante destacar que
49
quando se fala em comunicação alternativa, há muito mais em jogo
que uma prancha de símbolos ou um sistema computadorizado. A
comunicação alternativa fundamenta-se na ideia de possibilitar à
pessoa com deficiência o uso da linguagem e de instrumentos que
lhe permitam superar o obstáculo da disfunção e favorecer seu
desempenho comunicativo.
Assim, se se concebe a escola como locus por excelência para
a apropriação pelo aluno dos elementos e processos culturais e não
apenas como ambiente de socialização, importantes transformações
se fazem necessárias para que, de fato, a escola se caracterize como
inclusiva. O emprego planejado e consistente da tecnologia assistiva
(TA), e mais especificamente dos recursos da comunicação
alternativa e ampliada e a formação de professores são dois fatores
fundamentais para o sucesso da educação inclusiva (NUNES, 2009).
50
adaptações das estratégias instrucionais e do material pedagógico e
escolar constituem elementos críticos no processo de ensino e
aprendizagem desse alunado. Por exemplo, a acessibilidade
comunicativa para tais alunos pode ser favorecida quando o
professor promove a chamada ‘aprendizagem cooperativa’, definida
por Soto (2009) e Johnson e Johnson (1994) como uma estratégia
instrucional na qual um grupo pequeno e heterogêneo de alunos,
com o mesmo status, trabalham juntos para atingir objetivos comuns
de aprendizagem. Tais estratégias caracteristicamente linguísticas e
interativas possibilitam a aquisição de habilidades sociais e de
conversação para alunos falantes e não falantes.
Para oferecer um ensino de qualidade a todos os educandos,
a escola precisa reorganizar sua estrutura de funcionamento,
metodologias e recursos pedagógicos e, principalmente,
conscientizar e garantir que seus atuais e futuros profissionais
estejam preparados para essa nova realidade, promovendo a
formação continuada e em serviço do professor (GLAT; BLANCO,
2007). Com efeito, o professor deverá construir uma base de
conhecimentos sobre a tecnologia assistiva e, em especial, sobre a
comunicação alternativa e ampliada.
A adaptação de materiais pedagógicos e a inserção de
recursos da tecnologia assistiva e da comunicação alternativa podem
igualmente favorecer o processo de ensino e aprendizagem em sala
de aula. Por exemplo, alguns alunos apresentam dificuldades em
acompanhar a turma e seu ritmo para aprender a ler é diferenciado.
Para auxiliá-los, com o recurso de softwares especiais, o professor
especializado poderá produzir textos apoiados por símbolos gráficos
e, assim, favorecer a compreensão dos alunos, especialmente aqueles
com comprometimento cognitivo. Imerso no contexto de símbolos
pictográficos e alfabéticos, o aluno poderá realizar leitura global e ter
acesso a novos conhecimentos de forma mais autônoma
(ANDRADE; CORREIA, 2007; CORREA; CORREIA, 2007;
SCHIRMER, 2007).
O professor poderá, igualmente, elaborar livros ou adaptar
clássicos de histórias infantis e outros relacionados a atividades do
dia a dia. Livros paradidáticos podem ser transcritos ou reescritos de
51
forma simplificada e reimpressos com letra ampliada para atender
alunos em início do processo de alfabetização ou que apresentem
baixa visão. Um acervo é passível de ser adaptado para a escrita
Braille, com fitas adesivas coladas na página correspondente do
próprio livro (PELOSI; SOUZA; SCHREIB, 2007).
Livros eletrônicos contando com auxílio de voz gravada e
músicas ou mesmo livros adaptados que forneçam feedback de voz
para apoiar o processo de leitura são ainda outros recursos que,
sintonizados com os diferentes estágios de apropriação da leitura e
da escrita e empregados de forma criativa pelo professor, podem
fazer a diferença na vida desses alunos (PELOSI; SOUZA;
SCHREIB, 2007). Da mesma forma, símbolos gráficos
tridimensionais e bidimensionais disponibilizados em cartões
isolados ou dispostos em pranchas de comunicação podem afetar
positivamente as linguagens receptiva e expressiva dos alunos,
especialmente daqueles que, além da ausência de fala articulada,
apresentam deficiência intelectual.
No Brasil, devido às dimensões do país, os conhecimentos
específicos sobre tecnologia assistiva (TA) e especificamente a
comunicação alternativa ainda estão restritos a pequenos grupos e,
quando abordados na perspectiva da educação inclusiva, são
praticamente inexistentes. Os professores e profissionais da saúde,
como os terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, salvo raras
exceções, desconhecem os recursos da TA e seu potencial educativo
e pedagógico (PELOSI, 2008; PELOSI; NUNES, 2010).
Pesquisas recentes apontam para diversos benefícios gerados
pela inserção da comunicação alternativa e ampliada (CAA) no
ambiente escolar, tanto para os alunos não falantes quanto para seus
professores e colegas (ALENCAR; OLIVEIRA; NUNES, 2003;
DELIBERATO, 2009; DELIBERATO; SILVA, 2007; MANZINI,
2009; NUNES et al., 2008; NUNES, 2009; SILVA; BALDRIGH;
LAMÔNICA, 2007).
Outros estudos, contudo, visaram avaliar os efeitos da oferta
de cursos de formação inicial e continuada para professores que
atuam na inclusão dos alunos com deficiência severa de
comunicação. Estes, por sua vez, necessitam de recursos da
52
comunicação alternativa e ampliada e informática acessível em suas
salas de aula (PELOSI, 2000, 2008; PELOSI; NUNES, 2010;
SCHIRMER, 2010).
53
de caixas de comunicação com pictogramas para os alunos; oferta de
sugestões de pranchas de comunicação e softwares para comunicação
escrita, e demonstração (conduzida pelas assistentes de pesquisa) de
como utilizar pranchas para estabelecer conversação com os alunos
em sala de aula. No entanto, o elemento-chave desse conjunto de
procedimentos foi a observação e a análise de trechos de sessões
videogravadas do desenvolvimento de atividades pedagógicas
realizadas pela professora em sala de aula. Tais análises foram feitas
em sessões semanais de discussão com a professora e toda a equipe
de pesquisa. Na oportunidade, a professora era convidada a
expressar sua opinião sobre seu próprio desempenho e o de seus
alunos e a ouvir os comentários dos demais participantes. Nessas
reuniões da equipe de pesquisa com a professora eram tomadas as
decisões sobre os procedimentos a serem implementados em sala de
aula. Então, a professora descrevia suas dificuldades em relação ao
conteúdo pedagógico bem como sua percepção a respeito do auxílio
da comunicação alternativa na aquisição de novos conceitos pelos
alunos. Foi destacada a importância de observar a atuação das
especialistas em sala de aula junto aos alunos, o que, segundo a
professora, favoreceu a aprendizagem de novas formas de se
relacionar com a turma, beneficiando-se da introdução dos recursos
de CAA no contexto escolar.
Com efeito, após a introdução da CAA, observou-se a
tendência crescente nos comportamentos da professora de fazer
varredura das opções de resposta com sistema pictográfico 4,
formular perguntas abertas5, oferecer feedback corretivo6, incentivar a
54
comunicação de cada aluno7, e, notadamente, favorecer a
comunicação entre alunos8.
Isso atesta que a professora foi se tornando gradativamente
mais sensível às questões de comunicação em sala de aula. Assim, no
desenvolvimento de diversas tarefas pedagógicas, ela possibilitou a
expressão dos alunos por meio do uso de pranchas simples,
preparadas previamente com o conteúdo em pauta. Com efeito, o
levantamento do vocabulário funcional para cada aluno foi
empregado para a elaboração de pranchas personalizadas com as
quais os alunos tiveram oportunidade não só de desempenhar tarefas
pedagógicas como de estabelecer diálogos com a professora, com as
assistentes de pesquisa e consigo próprios. Assim, os alunos
puderam expressar sentimentos, relatar eventos ocorridos em suas
vidas e descrever membros da família e solicitar que os colegas
desempenhassem determinadas ações. Contudo, os alunos ainda
apresentavam muita dificuldade em respeitar o turno do colega,
solicitando continuamente a atenção da assistente de pesquisa. Dessa
forma, a professora foi orientada a ensinar as regras do diálogo aos
alunos, orientando cada um a esperar sua vez de comunicar. Na
figura 1 são apresentados exemplos de mensagens pictográficas
elaboradas pelos alunos.
55
Figura 1 – Mensagens enviadas para os colegas de turma.
56
Uso dos recursos de Tecnologia Assistiva (TA) no processo
educacional por professora em formação continuada9
57
Para a coleta de dados, foram empregados protocolos de registros de
observação, gravadores de som e filmadora digital.
A sala de aula da referida professora já havia sido equipada
com computador e impressora jato de tinta colorida e com os
seguintes softwares:Boardmaker, Speaking Dinamically Pro (SDP)10,
Widgit11 (para escrever com símbolos), teclado Intellikeys12 e um
acionador13, além de uma plastificadora para ser usada na confecção
das pranchas de comunicação.
Os dados mostraram que a professora foi capaz de
confeccionar e utilizar os seguintes materiais pedagógicos adaptados
e recursos de informática acessíveis destinados à CAA (BERSCH;
PELOSI, 2007).
Materiais pedagógicos adaptados:
Xerox ampliada – foi utilizada com os alunos com baixa
visão ou deficiência física para ampliar material
pedagógico em sala de aula. Geralmente as cópias
ampliadas eram coladas em papel cartão e plastificadas
possibilitando aos alunos maior facilidade de manuseio.
58
Cartões pictográficos – produzidos com papel cartão e
plastificados, os cartões contendo pictogramas, letras,
palavras e números foram empregados com os alunos
com baixa visão ou deficiência física.
Porta cartões – confeccionado com caixas de papelão,
com tampa coberta por velcro, permite a aderência de
cartões contendo pictogramas, palavras e letras móveis.
Plano inclinado – é uma superfície plana, oblíqua em
relação à horizontal, que pode ser de madeira, metal,
acrílico ou papelão. Como recurso de TA, foi utilizado
para melhorar a visualização dos alunos com deficiência
motora ou visual do texto e de gravuras.
Livros de história adaptados – foram confeccionados a
partir da transcrição, do reconto ou da criação de uma
história inédita. Neles foram impressas gravuras
acompanhadas de texto escrito em letra bastão ampliada
e com símbolos pictográficos. Como recursos de TA,
foram utilizados para facilitar a leitura e compreensão de
usuários de CAA não alfabetizados e ainda como
instrumento de apoio para o processo de alfabetização.
A professora participante da pesquisa montou uma
gibiteca e escolheu a elaboração de uma revista do
personagem Homem Aranha, para que a história fosse
contada pelos alunos da turma aos demais colegas da
escola. Foi mostrado à professora que os jogos
utilizados em sala de aula também poderiam sofrer
adaptações para que os alunos não oralizados
conseguissem brincar com eles com autonomia.
Contudo, jogos adaptados não chegaram a ser
produzidos. Na figura 2, estão apresentados alguns
exemplos de páginas de livros que foram adaptados pela
professora.
59
Figura 2 – Exemplos de páginas de livros adaptados.
60
Figura 3 – Letra de música redigida com palavras e pictogramas.
61
Figura 4 – Caixa de comunicação com símbolos agrupados por
categoria semântica.
62
representam mensagens. Essas pranchas foram
confeccionadas individualmente, respeitando as
diferentes necessidades educacionais dos alunos. Os
símbolos do PCSforam impressos em papel ofício,
sendo separados por categorias e cores. Foram utilizadas
pastas de plástico coladas na posição vertical ou
horizontal. As folhas de papel ofício contendo os
pictogramas foram plastificadas e encadernadas para a
montagem final das pranchas de comunicação (como
mostra a figura 5).
63
e) Pranchas temáticas – além das pranchas personalizadas
(prancha de comunicação pessoal), foram utilizadas
pranchas para múltiplos usuários nos diversos ambientes
escolares e em diferentes eventos (festa junina, por
exemplo). Assim relatou a professora:
64
gravado ou texto que será transformado em voz
sintetizada. Na figura 6 está exibido o vocalizador Go
Talk.
65
Figura 7 – Aluna escrevendo no teclado Intellikeys.
66
varredura automática, acessavam a resposta correta
dentre três, quatro ou cinco opções. Para aqueles
alunos que apresentavam uma pequena dificuldade de
compreensão, o procedimento para a realização da
atividade era o mesmo, com apenas duas alternativas
de respostas. Na terceira forma de atividade, destinada
a alunos com severos comprometimentos intelectuais,
as duas alternativas de respostas eram corretas (uma
era o símbolo pictográfico que representava o alimento
e a outra era a fotografia tirada no local do passeio e
inserida no software). Dessa forma os alunos tiveram a
oportunidade de ir se apropriando do significado do
símbolo de uma forma lúdica, já que, para eles, o
computador é sempre um brinquedo e uma forma de
ter alegria.
67
Durante uma atividade na oficina das múltiplas
linguagens, os alunos estavam trabalhando um
conteúdo relacionado à água. Quando a professora
colocou o CD com a música Planeta Água, um aluno
com paralisia cerebral severa começou a pular na
cadeira e olhar para o corredor; sinalizando com o
olhar que desejava alguma coisa que estava fora da sala.
A professora dessa oficina solicitou a presença da
professora da oficina da CAA que perguntou o que o
aluno desejava. O aluno, sorrindo, olhou para a folha
de papel ofício que estava com a letra da música escrita
e olhou para o computador. Imediatamente a
professora entendeu e perguntou ao aluno se ele
desejava que a música fosse transcrita com os símbolos
PCS. A resposta foi positiva e ao chegar à sala da
oficina de CAA, a atividade de transcrição foi
desenvolvida com a utilização do ECS e de algumas
fotografias da aula-passeio inseridas no software. A
solicitação do aluno oportunizou a interação das duas
oficinas em uma mesma atividade e ainda a exposição
do produto final da atividade durante a semana da
amostra pedagógica que ocorria na escola
mensalmente.
68
Figura 9 – Aluna executa exercícios com acionador.
Considerações finais
69
diversidade do alunado. Os recursos de tecnologia assistiva, e
especificamente de comunicação alternativa e ampliada, precisam ser
igualmente disponibilizados aos alunos em suas escolas, uma vez que
tais recursos se constituem em elementos críticos para a efetiva
inclusão escolar.
Referências
70
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 948, de 09 de outubro
de 2007.Política nacional de educação especial na perspectiva da
educação inclusiva. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 23 dez.
2007.
71
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
Seção 1, p. 23.
72
DELIBERATO, Debora. Comunicação alternativa na escola:
habilidades comunicativas e o ensino de da leitura e a escrita. In:
DELIBERATO, Debora; GONÇALVES, Maria Jesus; MACEDO,
Elizeu (Org.). Comunicação alternativa: teoria, prática, tecnologias
e pesquisa. São Paulo: Memnon, 2009. p. 274-277.
73
GLENNEN, Sharon. Introduction to augmentative and alternative
communication. In: GLENNEN, Sharon; DeCOSTE, Denise (Ed.).
The handbook of augmentative and alternative
communication. San Diego: Singular, 1997. p. 3-20.
74
NUNES, Leila Regina D’Oliveira de Paula; NUNES SOBRINHO,
Francisco Paula. Acessibilidade. In: BAPTISTA, Claudio Roberto;
CAIADO, Kátia Regina; JESUS, Denise (Org.). Educação
especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Mediação, 2008. v. 1,
p. 269-279
75
PELOSI, Myriam Bonadi; SOUZA, Vera Lúcia Vieira; SCHREIB,
Ana Helena. Adaptação de livros de histórias: recurso de imersão
nos símbolos. In: NUNES, Leila Regina; PELOSI, Myriam;
GOMES, Marcia Regina (Org.). Um retrato da comunicação
alternativa no Brasil: relatos de pesquisas e experiências. Rio de
Janeiro: Quatro Pontos, 2007. v. 2, p. 243-247
76
SOTO, Gloria; VON TETZCHNER, Stephen. Supporting the
development of alternative communication through culturally
significant activities in shared educational settings. In: VON
TETZCHNER, Stephen; GROVE, Nicola (Org.). Augmentative
an alternative communication developmental issues. London:
Whurr, 2003. chap. 13, p. 287-299.
77
78
Capítulo 4
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO À
PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Elsa Midori Shimazaki
Nerli Nonato Ribeiro Mori
Introdução
80
em 1995, no simpósio organizado pela Organização das Nações
Unidas, em Nova York intitulado Deficiência intelectual: programas,
políticas e planejamento para futuro.
81
No início do século XX, Binet e Simon, elaboram a primeira
escala de inteligência (ALMEIDA, 2004). A partir de então, a
inteligência passa a ser medida e torna-se possível certificar as
mudanças no quociente intelectual (QI). Foguel (1972) mostra que
Binet e Simon assim classificaram a deficiência:
débeis mentais – pessoas com QI entre 50-70, descritas
como inadaptadas socialmente, imediatistas, todavia
educáveis;
imbecis – pessoas com QI entre 25-30, caracterizadas
pela pobreza de linguagem, pensamento lento e
conteúdo simples;
idiotas – pessoas com QI abaixo de 25, descritas como
aquelas que não aprendiam a falar, a controlar os
esfíncteres e a se defender de perigos.
82
De acordo com Telford e Sawrey (1988), esse conceito
mostra uma pequena alteração na definição proposta por Doll em
1941, que elencou seis características essenciais para que a pessoa
fosse considerada deficiente: ‘incompetência social’, devido à
‘subnormalidade social’, resultante de uma ‘paralisação no
desenvolvimento’; ‘imaturidade’; ‘origem constitucional’ (hereditária
ou adquirida); ‘incurável’ por meio de tratamento e ‘irremediável’ por
meio de treinamento.
Nota-se, portanto, que os conceitos apresentados em 1908 e
1941 concebem a deficiência intelectual como incurável e as
definições são fundamentadas nos pontos fracos das pessoas, isto é,
na incapacidade do indivíduo.
Em 1961, Rick Heber definiu a deficiência intelectual como:
83
associados à deficiência, o que, dependendo do grau de
comprometimento intelectual, fazia com que tivessem dificuldade
acentuada para atingir maiores níveis de abstração. Apresentavam,
no entanto, possibilidades de desenvolvimento das habilidades de
cuidados pessoais e poderiam ser independentes na realização de
atividades diárias. Os deficientes mentais moderados, com QI entre
36 a 52, eram caracterizados como ‘treináveis’ e tinham, segundo a
definição, poucas perspectivas de aprendizagem dos conteúdos
escolares. Os deficientes mentais leves, com QI entre 53 e 70,
caracterizados como ‘educáveis’, eram considerados incapazes de se
beneficiar suficientemente do programa oferecido pelo ensino
regular, mas poderiam desenvolver-se em assuntos acadêmicos até o
nível de 1ª a 4ª séries1, com programa especial. Poderiam adaptar-se
socialmente e até mesmo proverem o próprio sustento. As pessoas
com essa característica eram identificadas, geralmente, na idade
escolar, época em que se exige maior elaboração e desempenho
mental. O fato de determinados problemas só surgirem na idade
escolar levou vários pesquisadores a questionarem o papel da escola
como produtora do fracasso escolar de alunos com deficiência
mental leve2.
Essas caracterizações têm sido contestadas por professores e
pesquisadores que, em seu cotidiano e em seus estudos, comprovam
que as pessoas, independentemente do nível de QI, podem atingir
níveis mais elevados de aprendizagem, se incluídas em situação de
ensino e aprendizagem com mediação adequada. Os estudos
realizados por Ide (1992) mostrar que pessoas tidas como deficientes
mentais leves apropriam-se dos conhecimentos escolares. Da mesma
forma, Shimazaki (1994) atesta que, ao trabalhar com um grupo de
deficientes mentais classificados como moderados, estes foram
capazes de formar conceitos mais elaborados, chegando à abstração
e generalização. O conceito de Heber foi revisto por Grossman, em
1973, que definiu a deficiência mental como “[...] o funcionamento
84
intelectual geral abaixo da média, existindo concomitantemente com
déficits no comportamento adaptativo e manifestado no período de
desenvolvimento” (GROSSMAN, 1973, p. 35, tradução nossa).
Nessa versão, se estende o período de desenvolvimento até os 18
anos de idade.
A Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD)3,
presidida por Grossman, revisou o conceito em 1983, e atribuiu
maior ênfase ao comportamento adaptativo que ao potencial
abstrato que implica a inteligência, além de referir-se aos cuidados
pessoais e à vida das relações (família, comunidade, entre outros).
Almeida (1994) destaca que essa definição elaborada pela AAMD
contribuiu para a definição de outros sistemas de classificação, como
da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1993b), Classificação
estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde 4 (CID–9)
e Manual estatístico de diagnóstico e perturbações mentais (DSM-III).
A Classificação estatística internacional de doenças e problemas
relacionados à saúde, por meio do Código internacional de doenças –
10 (CID-10), publicado em 1993 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE, 1993a), entende a deficiência intelectual como
desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual, que se
caracteriza pelo comprometimento, durante o período de
desenvolvimento, das faculdades que determinam o nível global de
inteligência, isto é, das funções cognitivas, de linguagem, da
motricidade e do comportamento social. O ‘retardo mental’, termo
utilizado no Manual Estatístico de Diagnóstico e Perturbações
Mentais (DSM-III), pode acompanhar outro transtorno mental ou
físico, ou ocorrer de modo independente e se classifica como:
retardo mental leve; retardo mental moderado; retardo mental grave;
retardo mental profundo; outro retardo mental e retardo mental não
especificado. Tal classificação é aceita até os dias atuais 5.
85
Já o Manual estatístico de diagnóstico e perturbações mentais (DSM-
IV), publicado em 1994, estabelece três critérios para o diagnóstico
de retardo mental, sendo o primeiro o funcionamento intelectual
significativamente inferior à média; o segundo, as limitações
significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das
seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida
doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos
comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho,
lazer, saúde e segurança, e o último, o início deve ocorrer antes dos
18 anos. Nessa definição, o funcionamento intelectual
significativamente abaixo da média é definido como um QI de cerca
de 70 ou menos. Todavia, mesmo com o QI abaixo de 70, se não
existirem déficits ou prejuízo significativos no funcionamento
adaptativo, a pessoa não deve ser diagnosticada como deficiente
intelectual. O DMS-IV aponta também os níveis de deficiência, que
são: retardo mental leve (QI de 50-55 a aproximadamente 70);
retardo mental moderado (QI de 35-40 a 50-55); retardo mental
severo (QI de 20-25 a 35-40); retardo mental profundo (QI abaixo
de 20 ou 25); retardo mental, gravidade inespecificada (quando existe
forte suposição de retardo mental, mas a inteligência da pessoa não
pode ser testada por instrumentos padronizados).
Em 1992, a então Associação Americana de Retardo Mental
(AAMR) definiu que a deficiência intelectual
86
Ao analisar essa definição, Almeida (1994) explica que a
expressão ‘limitações substanciais’ referem-se a dificuldades em
aprender a realizar tarefas do cotidiano, e as capacidades pessoais
correspondem a ‘limitações substanciais de ordem conceitual, prática
e inteligência social’. Essas três áreas são especificamente afetadas na
deficiência intelectual, enquanto que outras capacidades pessoais
(como saúde e temperamento) não são. O funcionamento intelectual
é definido pelo QI, isto é, por meio de teste de inteligência. Todavia,
nessa definição, o QI não é o único determinante da classificação,
pois para ser considerada deficiente intelectual, além do baixo QI, a
pessoa deve apresentar defasagem em duas ou mais áreas de
condutas adaptativas, e o diagnóstico deve ter sido elaborado antes
dos 18 anos de idade. Portanto, o diagnóstico de deficiente
intelectual precisa considerar três condições necessárias: o QI
inferior a 70-75; a deficiência ter se manifestado no período de
desenvolvimento e comprometimento em duas ou mais áreas das
condutas adaptativas.
Assim, enfatiza-se, novamente, a influência da AAMR no
conceito da deficiência intelectual apresentado pelo DMS-IV. Essa
associação redefine o sistema de classificação dos níveis de
deficiência em quatro níveis de apoio:
intermitente: apoios de curto prazo se fazem necessários
às transições da vida (por exemplo, a perda de um
emprego);
limitado: apoio regular durante um período curto (por
exemplo, o treinamento para o trabalho);
extensivo: apoio constante, com comprometimento
regular, sem limite de tempo (por exemplo, apoio de
longo prazo no trabalho ou na vida doméstica);
generalizado: apoio constante e de alta intensidade,
possível necessidade de apoio para manutenção da vida
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO
MENTAL, 2002).
87
Esses apoios são recursos e estratégias que visam promover o
desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar pessoal e
que melhoram o desempenho do indivíduo.
Como mostra Luckasson et al. (2002), essa definição foi
revista quando a deficiência intelectual foi tomada como uma
incapacidade que se origina antes dos 18 anos e se caracteriza por
limitações significativas no funcionamento intelectual e no
comportamento adaptativo, expressos nas habilidades sociais,
conceituais e práticas.
As habilidades conceituais referem-se ao conhecimento e uso
da linguagem oral e escrita, dos conceitos matemáticos e à
independência na locomoção; as habilidades sociais estão voltadas à
área interpessoal, à aquisição de comportamento, responsabilidade,
autoestima, enquanto que as habilidades práticas referem-se às
atividades práticas e cotidianas. Segundo essa conceituação, ao se
discutirem as limitações na inteligência, devem ser consideradas
outras dimensões, a saber, comportamento adaptativo; participação;
interações e papéis sociais; saúde e contexto.
De acordo com a definição da 10ª edição da AAMR (2002),
devem ser consideradas cinco hipóteses:
a) As limitações no funcionamento atual devem ser
consideradas no contexto dos ambientes da comunidade
próprios da faixa etária e da mesma cultura do indivíduo.
b) A avaliação deve considerar a diversidade cultural e
linguística e também as diferenças nos fatores de
comunicação, sensoriais, motores e comportamentais.
c) As limitações frequentemente coexistem com as
capacidades.
d) Ao se descrever as limitações é desenvolver um perfil dos
apoios necessários.
e) Com os apoios personalizados, apropriados durante um
determinado período, o funcionamento cotidiano da
pessoa com retardo mental, em geral melhora
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO
MENTAL, 2002).
88
Outros documentos que se referem a pessoas com
deficiência intelectual são os seguintes: em 1994, o Ministério da
Educação (MEC) divulgou o documento Política Nacional da
Educação Especial – em 1994 (BRASIL, 1994). Esse documento, no
qual corrobora a definição de deficiência intelectual apresentada por
Luckasson et al. (1992). O mesmo acontece com o Decreto nº
3.298,de 20 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999). Já o documento
Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para o deficiente
mental, publicado pelo MEC em 2005 (BRASIL, 2005a), discute as
diferentes conceituações da deficiência e cita que, em 1980, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs três níveis da doença:
deficiência, incapacidade e desvantagem social. O documento
objetiva orientar os sistemas de ensino para o atendimento
educacional das pessoas com deficiência intelectual.
Em 2003, o MEC, por meio da Secretaria de Educação
Especial, criou o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade.
Nesse documento, ao apresentar os conceitos utilizados na educação
especial/censo escolar, define a deficiência intelectual como “[...]
limitações significativas tanto no funcionamento intelectual como na
conduta adaptativa na forma expressa em habilidades práticas,
sociais e conceituais” (BRASIL, 2005b, p. 16). É importante destacar
que, nesse documento, a síndrome de Down é definida como um
grupo diferente da deficiência intelectual.
O documento Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) foi elaborado
por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Educação
Especial (SEESP/MEC) e discutiu e sistematizou as diretrizes para
nortear a educação especial. Apresenta como alunado do
atendimento educacional especializado as pessoas com deficiência,
os que possuem transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Nesse documento são considerados
alunos deficientes “[...] aqueles que têm impedimentos de longo
prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial” (BRASIL,
2008, p. 3).
A Resolução CNE/CEB n° 4/2009, fundamentada no
Decreto-lei n° 13/2009, definiu como alunos deficientes aqueles que
89
têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual,
mental ou sensorial. É importante ressaltar que, nesses documentos,
aparecem a deficiência intelectual e a mental como categorias
diferentes (BRASIL, 2009).
No Brasil, a definição adotada é a mesma ou semelhante à da
Associação Americana, todavia é preciso considerar que o grupo de
pessoas denominadas como deficientes intelectuais não apresenta
característica homogênea. Há vários fatores que contribuem para o
desenvolvimento do indivíduo, portanto, ao educar alguém com
deficiência intelectual, é necessário considerar as questões culturais,
sociais e linguísticas em que o indivíduo vive. Os rótulos podem
gerar expectativas comportamentais absolutas e reações negativas
pela sociedade, entretanto, as pessoas com deficiência intelectual
podem apresentar níveis elevados de elaboração cognitiva, desde que
as condições de ensino e aprendizagem sejam favoráveis.
Entre os trabalhos de relevância na área, é fundamental
destacar os trabalhos de Vygotsky, especialmente a obra Fundamentos
da defectologia (1997), na qual são apresentadas discussões teóricas e
críticas na esfera do estudo da deficiência, bem como relatos de
experiências práticas junto às pessoas deficientes. O autor ressalta
que a educação oferecida às pessoas deficientes deve preocupar-se
com as possibilidades, sempre no sentido de transcender a
deficiência. Assim fez Vygotsky ao trabalhar com as pessoas
deficientes, como cita Luria (1987, p. 34).
90
A partir do momento em que o ensino direcionado às
pessoas deficientes passar a se preocupar com o desenvolvimento de
suas capacidades, certamente, pode-se esperar que ocorram algumas
mudanças qualitativas no quadro educacional. Evidentemente, os
talentos variam de uma pessoa para outra, de modo que é possível
buscar uma forma de transcender a deficiência. Segundo Vygotsky
(1997), a educação dada aos deficientes deve ser centrada na
superação e na compensação e nunca na deficiência.
Ao trabalhar com as pessoas com deficiência intelectual, o
professor pode e deve, por meio da mediação social, criar e
consolidar funções que estão em fase de amadurecimento. A pessoa
com deficiência intelectual, quando deixada agindo por si mesma,
terá maiores dificuldades em atingir o pensamento abstrato. O
professor deve ajudá-la a fazer abstrações, bem como organizar e
oferecer os instrumentos necessários que possibilitem ao aluno
reorganizar sua atividade cognitiva. O professor e a escola
constituem uma instância mediadora para o desenvolvimento dos
processos psíquicos superiores.
Considerações finais
91
independente do seu provável QI. Para isso, é necessário buscar
estratégias que efetivamente oportunizem a participação da pessoa
com deficiência intelectual em tudo o que for possível, junto às
demais pessoas, sejam elas deficientes ou não.
No âmbito escolar, o convívio das pessoas com deficiência
intelectual e os demais alunos se faz necessário, em alguns
momentos e em algumas situações, principalmente quando as
atividades são mais desafiadoras. Da mesma forma, é importante
alterar, modificar e adaptar o currículo de modo a possibilitar o
acesso à participação social de todos.
A inclusão dos deficientes intelectuais, tanto nas escolas
como nos demais órgãos sociais, tem se constituído em um desafio,
pois a sociedade atual valoriza as habilidades intelectuais e exige
conhecimento escolar dos seus integrantes. Portanto, é fundamental
que sejam desenvolvidos mecanismos para que as pessoas com
deficiência intelectual possam se apropriar do conhecimento e
utilizá-lo em seu dia a dia. É dessa forma que se contribui para a
verdadeira cidadania.
Referências
92
BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro. de 1999. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 dez.
1999. Seção 1, p. Disponível
em:<www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/d3298.htm>. Acesso em:
15 out. 2010.
93
JIMÉNEZ, Rafael Bautista. Uma escola para todos: a integração
escolar. In: JIMÉNEZ, Rafael Bautista (Org.). Necessidades
educativas especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997. p. 21-35.
94
SHIMAZAKI, Elsa Midori. A formação de conceitos por alunos
com deficiência mental moderada. 1994. 147 f. Dissertação
(Mestrado em Educação)–Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, 1994.
95
Capítulo 5
APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS
FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO E A
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL
Dorcely Isabel Bellanda Garcia
Introdução
98
sendo dirigida por necessidades que antes de serem
individuais são sociais, produto do trabalho mediato e
imediato (GARCIA, 2005, p. 66-67).
99
deficiência intelectual, uma vez que o desenvolvimento está atrelado
à qualidade das vivências.
Para Góes (2002), ao apresentar uma deficiência intelectual
específica, o desenvolvimento do ser humano vai depender das
condições concretas proporcionadas pelo grupo em que está
inserido, que pode ser rico em estímulos ou empobrecido. A
deficiência por si só não vai determinar o destino dessa criança, mas
sim o trabalho a ser desenvolvido com ela, as formas de cuidado e a
educação recebida. Portanto, é possível compreender que as
experiências proporcionadas à criança serão responsáveis pela
viabilização de seu processo de desenvolvimento.
Para a abordagem histórico-cultural, o principal aspecto
presente no desenvolvimento psíquico da criança refere-se à
apropriação dos conhecimentos adquiridos pelas gerações anteriores,
conhecimentos estes que não são transmitidos filogeneticamente. A
internalização dos conhecimentos concretiza-se na atividade que a
criança realiza com os objetos e os fenômenos do mundo que a
cerca. Para que a atividade se efetive, é necessária a comunicação
prática e verbal com as pessoas que a rodeiam.
Também Leontiev (2004) aponta elementos que ajudam no
entendimento de crianças que apresentam deficiência intelectual.
Segundo ele, a manifestação de atraso no desenvolvimento
intelectual de crianças é encontrada no mundo todo. Essas crianças
demonstram dificuldades em apresentar resultados satisfatórios em
ritmos e nas condições consideradas normais. No entanto, as
experiências demonstram que quando essas mesmas crianças são
inseridas em ambientes adequados e trabalha-se com elas com
metodologia apropriada, em sua grande maioria, conseguem
progressos significativos e até mesmo superar suas dificuldades.
Tais constatações levam a um olhar diferenciado para o
entendimento das verdadeiras causas da deficiência intelectual e aos
seguintes questionamentos: Qual a verdadeira causa da deficiência
intelectual? O atraso é real, irreversível ou foi consequência de más
condições, de falta de um trabalho adequado no decorrer do
desenvolvimento da criança? Os diagnósticos dados por médicos e
psicólogos são fidedignos ou seus laudos contribuem para engrossar
100
a lista dos diagnósticos não confiáveis? Quais são os critérios
adotados?
Para Leontiev (2004) seria errôneo atribuir o resultado às
formas de diagnóstico e seleção, pois se trata também de má
compreensão da natureza das deficiências intelectuais.
Segundo o mesmo autor, o estudo do desenvolvimento
psíquico da criança evidencia largas possibilidades em seu processo,
nem sempre exploradas. O preocupante é o grande número de
diagnósticos e prognósticos que são desprovidos de fundamentos
seguros.
Nesse sentido, devem ser considerados aspectos importantes,
concernentes à deficiência intelectual, tais como as disposições
biológicas; as particularidades intelectuais (principalmente as
referentes à atividade nervosa superior); a importância das
particularidades emocionais; o campo das motivações da
personalidade da criança. Além disso, as condições sociais em que a
criança vive e se desenvolve, os métodos pedagógicos utilizados, a
necessidade de ajuda especial são aspectos fundamentais.
101
São duas as hipóteses a respeito de como esses processos são
formados, mas aqui, de antemão, devem ser rejeitadas.
Primeiramente a que defende que as funções intelectuais e cognitivas
da criança são inatas e simplesmente avivadas pelos fatores externos.
A segunda afirma que as experiências individuais são responsáveis
pela formação de ações mentais.
Para Leontiev (2004, p. 349-350), a formação de ações
mentais segue outro percurso:
102
maturacional, demonstrando que a cultura deve ser compreendida
como aspecto presente na natureza de cada indivíduo. Nesse
processo, os elementos maturacionais representam papel secundário,
visto que o desenvolvimento do psiquismo ocorre devido a
mudanças complexas que envolvem aspectos quantitativos e
qualitativos, passando de funções elementares para funções
complexas superiores. No processo de desenvolvimento,
distinguem-se duas linhas, que se diferenciam de forma qualitativa:
os processos elementares, cuja origem é biológica, e as funções
psicológicas superiores, de origem sociocultural.
É na interação com outras crianças e com adultos mais
experientes que a criança apropria-se dos signos e dos significados
criados culturalmente. Nesse sentido, como já foi dito, a fala ocupa
papel privilegiado no desenvolvimento dos processos psíquicos,
pois, por meio dela, inicialmente, a criança controla o ambiente e,
depois, passa a controlar o próprio comportamento. No processo de
desenvolvimento, a fala passa a fazer parte de todas as ações da
criança, que se depara diariamente com situações a serem resolvidas.
Vygotsky (1989) explica que em um primeiro momento, a criança
realiza a ação e, somente depois, fala sobre ela. Com o
desenvolvimento da linguagem e sua internalização, a ação vem
acompanhada da fala; posteriormente a isso, a fala precede a ação,
ou melhor, organiza a ação; é, portanto, pensamento.
Para Vygotsky (1989), a passagem da fala interna para a
externa é representada pela fala egocêntrica, considerada o suporte
para a fala interior, que, por sua vez, diminui com o
desenvolvimento do pensamento, mas não deixa de existir
completamente. Com o passar do tempo, a criança utiliza a
linguagem para si mesma, como instrumento com função
planejadora na resolução de problemas, não tendo o intuito de
requerer a colaboração do adulto. A linguagem passa a ser utilizada
não só de modo interpessoal, mas também intrapessoal. No
processo de desenvolvimento da criança, desde o início de sua vida,
as atividades de que participa adquirem significados específicos
relacionados ao contexto e pressupõem ações mediadas. Tais ações
são definidas pela cultura, a qual é responsável por instrumentalizar
103
o ser humano em sua ação no mundo, e os instrumentos adquiridos
nessa inter-relação possibilitam a troca entre os indivíduos,
proporcionando mudanças.
Segundo Luria (1991), a generalização é a função principal da
linguagem, sem a qual não haveria possibilidade de adquirir as
experiências das gerações passadas. Além da generalização, a
linguagem é também a base do pensamento e uma forma para
regular o comportamento. De acordo com ele, as experiências
desenvolvidas com crianças com deficiência intelectual,
denominadas por Luria de oligofrênicas, demonstram que a
participação da linguagem na formação de novas conexões segue um
percurso diferenciado daquele que seguem as demais crianças. A
incapacidade de realizar uma análise verbal independente da tarefa
existente e de formular uma regra de ação significa que a
participação da linguagem na formação de novas conexões está
bastante limitada. No entanto, as crianças com menor
comprometimento não diferem muito ao utilizar a linguagem.
104
a dificuldade em utilizar a linguagem como forma de pensamento
autônomo.
105
para a formação da atividade intelectual, necessária para a regulação
do comportamento. Transtornos na participação da linguagem na
formação de processos mentais elaborados e deficiência nas funções
reguladoras e generalizadoras são aspectos importantes que
caracterizam a criança com deficiência intelectual.
106
Na linha desses argumentos, a educação de pessoas
com deficiência deve voltar-se para a construção das
funções psicológicas superiores e não privilegiar as
funções elementares. Essa formulação advém de um
raciocínio sobre a deficiência, que pode ser assim
resumido: o núcleo orgânico da deficiência não é
modificável pela ação educativa; as funções
elementares prejudicadas são sintomas que derivam
diretamente desse núcleo e, por isso, são menos
flexíveis. O funcionamento superior está
secundariamente ligado ao fator orgânico e depende
das possibilidades de compensação concretizadas pelo
grupo social; daí mostra-se mais suscetível à ação
educativa. Desse modo, a educação do cego ou do
surdo, por exemplo, não pode ser orientada para a falta
de audição ou de visão e, sim, para o potencial de
desenvolvimento das funções humanas complexas
(GÓES, 2002, p. 100-101).
107
Uma sequência de ações configura esse equivocado
modelo educacional. Para começar, o diagnóstico
tende a empregar parâmetros para identificar
características estáveis com o fim de classificar.
Negligencia os aspectos dinâmicos e as potencialidades
da criança, estabelecendo níveis predeterminados para
seu desenvolvimento. Esse diagnóstico não só dá
modelos para a avaliação de desempenho escolar como
também condiciona o planejamento educacional, ao
apontar para os limites do que e do quanto é passível
de ser ensinado (GÓES, 2002, p. 102).
108
generalização do pensamento, ao desenvolvimento de suas funções
psicológicas superiores.
Desse modo, a mediação torna-se mais efetiva na medida em
que as possibilidades do aluno são consideradas, no sentido de dar-
lhe crédito e ajudá-lo em seu desenvolvimento, colaborar para o que
pode funcionar como ‘alimento’, motivá-lo a realizar suas atividades
e contribuir em suas conquistas futuras.
Por outro lado, aceitar passivamente a criança e o modo
como se apresenta pode não se constituir em benefícios para ela,
visto que é primordial movê-la para a superação de suas dificuldades.
Isso significa dizer que os limites da criança devem ser respeitados,
mas o educador precisa ter sempre a convicção de que a criança
pode melhorar e modificar-se. Por isso é necessário o
comprometimento e o empenho tanto do mediador, como do
indivíduo em busca dos objetivos almejados.
A mediação pedagógica com materiais apropriados, realizada
pelo professor, é essencial na formação dos conceitos científicos e
no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Sua ação
precisa ser direcionada para a organização de conteúdos que
possibilitem ao aluno exercitar seus processos mentais,
proporcionando diferentes níveis de desenvolvimento.
109
Para Vygotsky (1989), o processo de desenvolvimento da
criança não se adianta ao processo de aprendizagem, ou melhor,
caminha de forma mais lenta. Segundo o autor, é a aprendizagem
que promove o desenvolvimento, que, por sua vez, possibilita novas
aprendizagens. Desse entendimento surge o que Vygotsky
denominou de zona de desenvolvimento proximal, que se refere à
distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial da criança. É aí que o ensino deve atuar,
possibilitando possível desenvolvimento.
A compreensão desses processos é importante para que a
escola possa planejar ações que favoreçam o desenvolvimento do
aluno. A maneira como a mediação docente é realizada representa
fator primordial para promover aprendizagem, e, consequentemente,
o desenvolvimento. A mediação aqui mencionada não diz respeito a
qualquer interação, mas sim à organização de um ensino cujos
conteúdos sejam trabalhados de modo a permitir a reflexão dialética,
que busca apreender as leis sociais e históricas dos fenômenos reais,
nas suas contradições, e, dessa forma, os objetivos possam ser
pensados nas suas relações, presentes em um dado contexto
(GARCIA, 2005).
Góes (2002) relata que o desenvolvimento da criança com
deficiência intelectual é concomitantemente semelhante e diferente
daquele apresentado por uma criança ‘normal’, razão pela qual os
objetivos educacionais devem ser os mesmos. No entanto, para que
sua educação e desenvolvimento ocorram, condições especiais
fazem-se necessárias. Caminhos diversificados e recursos especiais
são peças-chave no trabalho com essas crianças e esses aspectos não
devem ser entendidos como restritos à escolarização ou às
metodologias de ensino, embora sejam indispensáveis. Muitas
condições estão envolvidas nesse processo, como os espaços da
cultura e as mudanças no modo de pensar do grupo social. A
comunidade deve ser reeducada para contribuir para a formação da
pessoa com deficiência intelectual.
110
vida dos indivíduos com deficiência, as quais implicam
questões de ordem política, ética, socioeducacional e
escolar. Isso pode ser ilustrado por afirmações de
Vygotsky quanto à inserção desses indivíduos na
sociedade. Para ele, o grupo social é responsável por
garantir que, no futuro, eles não sejam tratados ou se
sintam como seres deficientes. Os avanços do
conhecimento permitirão a melhoria da saúde e a
prevenção ou, talvez, a correção de deficiências, como
a cegueira e a surdez. Mas a preocupação maior e a
expectativa do autor estão na mudança de mentalidade
(GÓES, 2002, p. 106).
Considerações finais
111
a condição não típica de que o aluno necessitava. Esses alunos não
podem contar apenas com oportunidades semelhantes, mas devem
ter seus direitos iguais e garantidos como seres humanos e
participantes de diferentes esferas sociais. Sendo assim, devem
receber condições diferenciadas de desenvolvimento e educação,
possibilitando maior dignidade para sua existência e vivência
cultural.
A perspectiva de inclusão encontra dificuldades significativas
também fora do âmbito escolar, em falas contraditórias, ações e
atitudes diversas. Apesar das contradições de muitos discursos e
realizações, é possível verificar em nossos dias a concretização de
transformações significativas: a mídia mostra trabalhos expressivos
de pessoas cegas, surdas, com síndrome de Down ou com quaisquer
outras necessidades especiais que atuam em associações próprias
com o intuito de reivindicarem seus direitos. Por exemplo, a prática
da dança por jovens e crianças com problemas de locomoção faz
parte de cenas atuais, as quais, no entanto, ainda convivem com
cenas antigas.
Referências
112
LURIA, Alexandre Romanovich. O papel da linguagem na formação
de conexões temporais e regulação do comportamento em crianças
normais e oligofrênicas. In: LURIA, Alexandre Romanovich;
LEONTIEV, Alexis Nikolaevich; VYGOTSKY, Lev Semenovich.
Psicologia e pedagogia I. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1991. p. 121-
141.
113
Capítulo 6
GRUPO DE ESTUDO: CONTRIBUIÇÃO NA
CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR PARA A INCLUSÃO
DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Esther Lopes
Maria Cristina Marquezine
Introdução
116
III – professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento
especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns;
[...] (BRASIL, 1996).
117
adaptação do currículo, a evolução diferenciada e às
necessidades educacionais mais relevantes, associadas a
diferentes tipos de deficiência, situações sociais ou
culturais (GUIJARRO,2005, p. 12).
118
formadores recorrendo ao ensino a distância e outras técnicas de
autoaprendizagem” (UNESCO, 1994, p. 28, grifo nosso).
O documento aborda ainda o treinamento especializado em
educação especial:
[...]
3. A natureza do Grupo de Estudo está vinculada à
leitura, reflexão, discussão e trabalho sobre
determinada área do conhecimento educacional, cujo
119
objetivo é propiciar subsídios teórico-práticos para o
enriquecimento pedagógico.
4. O Grupo de Estudo fundamentado nos princípios
de uma gestão, que valoriza os profissionais da
educação como agentes do processo educativo,
oportuniza o momento coletivo de aprendizagem,
aprofundamento, debates e reflexões conduzidos pelos
participantes.
5. A ausência de docentes externos deve-se,
justamente, ao fato de tratar-se de grupo de estudo que
pressupõe atividade autônoma dos profissionais
envolvidos como sujeitos do aprendizado (PARANÁ,
2009, p. 1).
120
O estudo, as reflexões e as discussões em um grupo de
estudo diferem das mesmas atividades em um curso de atualização,
por exemplo, tendo em vista que, no grupo, os temas ou problemas
abordados são escolhidos pelos participantes, e, se devidamente
organizado, pode se configurar como uma estratégia eficiente entre
as demais formas de capacitação continuada ou formação em
serviço. No entanto, como qualquer atividade de formação
continuada não pode e não deve ser algo pontual ou improvisado,
razão pela qual o grupo precisa ser planejado e organizado
previamente.
Nesse sentido, este trabalho se configura como um recorte da
pesquisa desenvolvida por Lopes (2010) e orientada por Marquezine.
Neste estudo, há o entendimento da urgência de serem estabelecidas
ações que possam dar conta de adequar as escolas para que os alunos
– a que se referem as Diretrizes Curriculares para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) – tenham seus direitos
garantidos, e também emerge a reflexão sobre os aspectos do
questionamento que norteia a presente pesquisa.
A questão fundamental para o início da educação inclusiva é
pensar em como organizar a escola e as situações de ensino, a fim de
que seja possível conciliar o atendimento às necessidades de
aprendizagem comuns a todos os alunos, sem perder de vista as
necessidades concretas de cada um, ao mesmo tempo em que se
atendem as necessidades específicas dos alunos em situação de
inclusão, dadas as dificuldades estabelecidas pelas deficiências ou
outras situações que os colocam nessa condição.
A pesquisa1 desenvolvida por Lopes (2010) foi delineada com
o objetivo de investigar a ação dos grupos de estudo e as
transformações ocorridas no ambiente escolar, tendo em vista que o
movimento pela inclusão educacional ou escolar aponta para uma
mudança de paradigma na escola. Para tanto, um dos objetivos da
investigação consiste em conhecer a realidade da escola, locus da
pesquisa, no que tange às formas e aos instrumentos utilizados pelos
professores e equipe pedagógica para a avaliação dos alunos, com
121
vistas à percepção das necessidades educacionais especiais e
promoção de adaptações, adequações e flexibilizações curriculares
necessárias.
Um questionamento se colocou quando da realização da
pesquisa: como dar conta desse objetivo, se alguns dos profissionais
envolvidos na pesquisa não tinham conhecimento sobre a inclusão e
seus desdobramentos e os que detinham algum conhecimento, ao
tomar ciência dos objetivos, começaram a expressar suas dúvidas?
Método
122
necessidades educacionais especiais, na área da deficiência intelectual
e uma das autoras desse trabalho (doravante denominada de
pesquisadora), que atuou como coordenadora, a pedido do grupo.
Todas estavam interessadas em conhecer ou aprofundar
conhecimentos sobre inclusão e seu desenrolar na escola e, mais
especificamente, na sala de aula, onde o processo de ensino e
aprendizagem acontece.
Para caracterização das participantes do grupo foi definido
código PE seguido dos números de 1 a 8, com vistas a garantir o
anonimato e a proteção dos participantes da pesquisa, a saber:
PE1– diretora do estabelecimento de ensino: pedagoga, com
especialização em Psicopedagogia, licenciada em Ciências,
com habilitação em Biologia; atua na rede municipal de
educação, como professora e diretora há 31 anos.
PE2 –integrante da equipe pedagógica, supervisora de ensino,
pedagoga, com especialização em Didática e Metodologia de
Ensino; atua na rede municipal de educação há 11 anos.
PE3 – professora da classe comum do ensino regular,
pedagoga, com especialização em Cultura, Tecnologia e
Ensino de Línguas; atua na rede municipal de educação há 4
anos.
PE4–professora dasala de recursos, pedagoga, com
especialização em Educação Especial Generalista; atua na
rede municipal de educação há 11 anos, dos quais 7 em classe
especial e sala de recursos, na área da deficiência intelectual.
PE5 – integrante da equipe pedagógica, orientadora
educacional, pedagoga, com especialização em
Psicopedagogia; atua na rede municipal de educação há 30
anos e na equipe pedagógica há 4 anos.
PE6 – professora de sala de recursos, pedagoga, com
especialização em Educação Especial Inclusiva; atua na rede
municipal de educação há 8 anos e na sala de recursos há 3
anos.
PE7 – integrante da dupla avaliadora, psicóloga com
especialização em Psicanálise e em Neuropsicologia Clínica
(em andamento); atua profissionalmente há 15 anos, dos
123
quais 13 em educação especial, como avaliadora para a
educação especial e inclusão.
PE8 – integrante de dupla avaliadora, graduada no Curso
Normal Superior, com especialização em Educação Especial
numa perspectiva inclusiva; atua na rede municipal de
educação há 10 anos, dos quais 4 como avaliadora para a
educação especial e inclusão.
124
Declaração Mundial sobre Educação para Todos
(DECLARAÇÃO..., 1990).
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994).
Declaração Internacional de Montreal sobre inclusão
(DECLARAÇÃO..., 2001).
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA (BRASIL, 1990).
2º Encontro (3h) – Continuação do estudo dos aspectos
legais:
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9.394/96, capítulo V (BRASIL, 1996).
Diretrizes Nacionais para Educação Especial na
Educação Básica – Resolução nº 2/ 2001 CNE/CEB e
Parecer nº 17/2001 (BRASIL, 2001).
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).
Deliberação nº 02/2003 – CEE/PR (PARANÁ, 2003).
Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a
Construção de Currículos Inclusivos –
SEED/SUED/DEE/PR (PARANÁ, 2006a).
Inclusão e diversidade: reflexões para a construção do
Projeto Político Pedagógico – SEED/DEE/PR
(PARANÁ, 2006b).
125
6º Encontro (4h) – Avaliação educacional do aluno com
deficiência intelectual no contexto escolar; análise de relatórios de
alunos da escola avaliados e inseridos na sala de recursos e
levantamento de flexibilizações, adaptações e adequações
curriculares necessárias e possíveis no cotidiano escolar.
7º Encontro (2h) – Reflexões sobre o papel da sala de
recursos e da classe comum no processo de inclusão do aluno com
deficiência intelectual (PARANÁ, 2004, 2008).
8º Encontro (4h) – Organização de flexibilizações,
adaptações e adequações curriculares.
126
selecionados para o desenvolvimento de adaptações/flexibilizações/
adequações.
127
Produção e Segmentaçã Definição do conteúdo do texto.
reestrutura o das Levantamento de vocabulário
ção de palavras sobre o tema escolhido.
textos. Vocabulário Ditado do vocabulário do aluno
Gramática: limitado para o professor (produção
concordân coletiva).
cia verbal, Produção de texto coletivo.
Escrita adjetivos, Produção de texto a partir de
pronomes imagens em sequência.
pessoais, Organização de frases, para
demonstrat compor um texto.
ivos e de Identificação do domínio da
tratamento gramática no próprio texto.
. Reestruturação do texto em
Ortografia. conjunto (professor e aluno).
*Outras poderão ser sugeridas no decorrer do desenvolvimento do plano de
intervenção.
128
Jogo 1 – Valor lugar do algarismo*
Material
8 dados modificados (considerando-se que os alunos estudavam unidade de
milhar)
Tabela Valor (UDCU) para anotações
Descrição do jogo
Pode ser jogado com o número de dados múltiplos de dois e não há o
estabelecimento do número de participantes (1 a N). No início do jogo
estabelece-se a cor de cada casa na tabela. Se os alunos estão estudando apenas
unidade (de 0 a 9), joga-se com dois dados. Caso os dois dados caiam com a face
5 para cima, registra-se 0. Se estiver trabalhando unidade e dezena joga-se com
quatro dados e, assim por diante. Ao acrescentar nova casa, acrescentam-se dois
dados de cor diferente.
Descrição do jogo
Não há estabelecimento do número de jogadores, mas deve-se estabelecer o valor
de cada jogada. Jogam-se todos os dados, de uma só vez, mas o valor da jogada
depende da posição dos dados, pois se calcula o valor das faces dos dados
jogados.
129
Faces com valor isolado
Face 1 – vale 100 pontos (isolada)
Face 5 – vale 50 pontos (isolada)
Jogo 3 – Speed*
Materiais
É composto por 60 cartas, com as seguintes características: 6 cores, 6 diferentes
gravuras em quantidade de 1 a 5, sendo 12 cartas de cada quantidade (duas de
cada cor).
Descrição do jogo
É o jogo de cartas mais rápido, para 2 jogadores, a partir dos 6 anos. Deve durar
de 3 a 5 minutos. Os jogadores sentam-se um de frente para o outro. Baixam-se
as 60 cartas, repartidas entre os jogadores (30 cartas para cada jogador). Cada um
põe suas cartas de face para baixo em um monte. Cada jogador põe a carta
superior de seu monte no meio da mesa, com a face da carta para baixo,e olha as
três cartas seguintes. Ao som do comando ‘já’, cada um dos jogadores vira ao
mesmo tempoa sua carta do meio da mesa e o jogo começa. Sobre essas duas
cartas inicialmente viradas, os jogadores colocam suas cartas tão rápido quanto
possível, de modo desordenado (ou melhor, em qualquer momento e sobre as
duas cartas superiores dos montes que vão se formando), figura com figura, ou
cor com cor, ou número de figuras com número de figuras.
Os jogadores podem tirar em qualquer momento novas cartas de seu monte,
130
porém não podem ter nuncana mão mais de três cartas. Ganha o jogador que
primeiro terminar as cartas de seu monte. Se nenhum jogador puder baixar cartas
(por não coincidir nem figura, nem cor, nem quantidade), embaralham-se
novamente as cartas baixadas até esse momento. Em seguida, cada jogador
escolhe uma carta com a facepara baixoe vira-a ao comando. Com essas duas
cartas o jogo continua e, frequentemente, várias rodadas são jogadas.
Descrição do jogo
É um jogo bastante conhecido e com inúmeras variações.
O número de jogadores é indeterminado, podendo ser jogado até mesmo
individualmente.
O objetivo do jogoé encontrar os pares de cartelas idênticas. Os jogadores devem
ficar sentados em círculo ou de frente uns para os outros. As cartas são
embaralhadas e dispostas sobre a mesa com a face virada para cima. Os
participantes têm um minuto para visualizarem as peças. Passado o tempo, viram-
se rapidamente todas as peças com a face para baixo, tomando cuidado para não
tirar nenhuma peça do lugar. Cada jogador, na sua vez, tentará encontrar as peças
que formam par. Quando acertar, pega o par para si e joga novamente até errar.
Quando não acertar vira a peça com a face para baixo novamente e passa a vez.
Ganha o jogo quem, ao final, obtiver o maior número de pares.
Descrição do jogo
É um jogo para desenvolver as quatro operações matemáticas fundamentais.
131
Pode ser jogado por uma dupla ou por dois grupos de alunos. Os jogadores
sentam-se em círculo ou de frente um para o outro. As peças são distribuídas em
número igual entre os jogadores ou grupos. Joga-se o dado para definir quem
inicia o jogo. O primeiro jogador/grupo coloca uma peça sobre a mesa, com a
face para cima. O jogador seguinte coloca uma peça em um dos lados da que está
sobre a mesa, desde que nela haja uma escrita ou resultado equivalente. Assim o
jogo prossegue. Ganha o jogador ou o grupo que primeiro conseguir usar todas
as suas peças.
132
relatem a rotina para que ele registre as ações no quadro de giz ou em papel kraft,
observando a ordem cronológica das ações. Se o aluno diz ‘tomei café’; ‘me
levantei’ e ‘escovei os dentes’, o professor interfere, questionando o que
aconteceu primeiro, a fim de que a descrição das ações obedeça a uma sequência
lógica.
Depois, os alunos copiam a rotina que é comum a todos e ilustram o texto.
Discussão de resultados
133
O fato de estarmos juntas estudando maneiras de fazer
com que todos os alunos sejam incluídos, de maneira
consciente, no processo de ensino e aprendizagem, é
muito importante, pois a troca de opiniões e,
principalmente de experiências faz com que todos os
envolvidos sejam beneficiados com atitudes realmente
válidas e eficientes no trabalho pedagógico, pensando
sempre no aluno como foco das atividades escolares
(PE8).
134
parar porque vêm mais ideias, vêm mais dúvidas
(PE4).
Considerações finais
135
deficiência intelectual participem real e ativamente do processo de
ensino e aprendizagem no ensino regular e para que sejam
efetivamente nele incluídos. Em vista disso, há espaço para que os
educadores que acreditam em mudanças possam continuar
estudando e colocando em prática seus conhecimentos, abrindo
clareiras, o que implica novos estudos, novas pesquisas e novas
intervenções.
Referências
136
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências.Diário Oficial [da] União, Brasília, DF,
16 jul. 1990. Brasília, DF, 1990. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/legislacao-pdf/estatuto-da-crianca-e-do-
adolescente>. Acesso em: 12 ago. 2014.
137
GLAT, Rosana; PLETSCH, Marcia Denise. O papel da universidade
frente às políticas públicas para educação inclusiva. Revista
Benjamin Constant, Rio de Janeiro, p. 3-8, 2004. Disponível em:
<http://saci.org.br/?modulo=akemi¶metro=14355>. Acesso
em: 12 jul. 2014.
138
PARANÁ. Secretaria Estadual de Educação. Inclusão e
diversidade: reflexões para a construção do projeto político
pedagógico. Curitiba, 2006b.
139
SILVA, Elifas Levi; PACCA, Jesuína Lopes Almeida. Formação
permanente: o grupo de estudos e suas implicações para a prática
docente. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA,
16., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Física, 2005. Disponível em:
<http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xvi/cd/resumos/T
0285-1.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2010.
140
Capítulo 7
ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUAS
IMPLICAÇÕES NO DIA A DIA
Paulo Ferreira de Araújo
Rita de Fátima da Silva
Introdução
142
representa a demanda existente? Tal como o esporte, a escola pode
contribuir para a promoção da qualidade de vida das pessoas em
condição de deficiência? Como? Quais obstáculos ainda devem ser
superados?
Por acreditar no fenômeno chamado inclusão e nas grandes
contribuições (físicas, emocionais, sociais, cognitivas) que a inclusão
pode proporcionar às pessoas em condição de deficiência é que esta
reflexão é aqui proposta.
É importante lembrar a trajetória histórica que possibilitou à
pessoa em condição de deficiência ter acesso à educação física
escolar: no pós-guerra, especialmente na Inglaterra e nos Estados
Unidos, a reabilitação dos veteranos estava relacionada a trabalhos
que objetivavam amenizar o impacto negativo causado na sociedade
pela volta dos soldados feridos da guerra (ADAMS, 1985). Os
horrores da guerra deixaram sequelas em muitos deles, que acabaram
retornando a seu país de origem com graves comprometimentos
motores e distúrbios emocionais. Entretanto, esse período foi
também marcado pela transformação de valores, que proporcionou a
eles melhores condições de vida, pois passaram a ser vistos como
sobreviventes da guerra. Souza (1994) afirma que, nesse período, a
prevenção e a reabilitação foram incrementadas e a prática esportiva
serviu para prevenir distúrbios secundários.
O pós-guerra criou uma situação de emergência, pois as
pessoas que conseguiam voltar para suas casas iam a óbito na
primeira semana, devido a complicações secundárias e diversas da
paraplegia, como escaras em decúbito e infecções renais.
Na época, Guttmann, médico neurologista, trabalhou com
pacientes portadores de lesões na coluna e mostrou que, se ao
paraplégico fosse dispensado cuidado disciplinado em tempo integral
e treinamento especial, poderia ter expectativa de vida completa,
evitando as complicações secundárias que colocavam sua vida em
risco. Assim, Guttmann, que era um esportista dedicado e praticante
especialmente de esgrima, procurou inserir o esporte como um
recurso da fisioterapia, por apreciar as qualidades e os benefícios
emocionais, fisiológicos e sociais que o esporte proporcionaria a seus
praticantes.
143
Então, ao introduzir as atividades esportivas como parte
essencial do tratamento médico para recuperação das incapacidades
geradas pelas lesões medulares, Guttmann iniciou a prática
desportiva entre as pessoas em condição de deficiência, adaptando-a
ao processo de reabilitação. Segundo Mattos (1994), uma série de
modalidades esportivas foi incluída nos programas de tratamento e
estas foram adaptadas às necessidades de cada paciente de acordo
com sua condição.
O programa era composto por atividades físicas, esportivas
ou de lazer propostas às pessoas em condição de deficiência física
com sequelas de poliomielite, lesão medular, lesão cerebral,
amputação, mas com importância e valor terapêuticos, evidenciando
benefícios físicos e psíquicos.
Esse trabalho esportivo, vinculado à reabilitação, foi
divulgado por Guttmann e tomou novos rumos, a partir dos quais
surgiram novas organizações que direcionaram os esportes a outras
deficiências.
144
de distúrbios físicos e doenças, por meio de exercícios preventivos e
corretivos. Após sofrerem influência de diversas culturas, passaram a
ser conhecidos como educação física corretiva, preventiva,
ortopédica, reabilitativa, terapêutica, entre outros (PEDRINELLI;
TEIXEIRA, 1994).
Segundo esses autores, com o passar do tempo, houve uma
evolução conceitual do modelo médico para um modelo educacional
que, por sua vez, enfatiza o desenvolvimento do potencial do
participante, a fim de aprimorar seu domínio motor, por meio da
aprendizagem de habilidades e do desenvolvimento de capacidades
físicas e motoras.
Amputação
146
Classificação das amputações
147
Quadro 1 – Classificação de amputações
Classe A1 Bilateral acima o joelho
Classe A2 Unilateral acima do joelho
Classe A3 Bilateral abaixo do joelho
Classe A4 Unilateral abaixo do joelho
Classe A5 Bilateral acima do cotovelo
Classe A6 Unilateral acima do cotovelo
Classe A7 Bilateral abaixo do cotovelo
Classe A8 Unilateral abaixo do cotovelo
Classe A9 Amputações combinadas de membros superiores e
inferiores
Fonte: Winnick (1990, tradução nossa).
Distrofia muscular
149
funcionamento adequado das células musculares. Sem
ela, essas células acabam morrendo. As pessoas com a
distrofia tipo Duchenne não têm a distrofina. Pesquisas
têm demonstrado que a distrofina acopla-se às outras
proteínas ao redor das fibras musculares, muito
provavelmente auxiliando a fixação das fibras no tecido
conjuntivo circundante.
Lesões medulares
150
a segunda, quando alguma função residual, motora ou sensitiva está
localizada abaixo da lesão.
A esse respeito, Winnick (1990, p. 250, tradução nossa)
afirma que:
151
ainda estão cursando ou vão cursar o Ensino Médio e o maior índice
está entre os jovens do sexo masculino, cerca de 82%.
Adams (1985, p. 157) declaram que:
152
Classificação das lesões medulares
153
Quadro 2 – Classificação de lesões medulares de acordo com o local
de ocorrência e suas consequências
Altura da
Classificação Consequências
lesão
Acima da C4 Tetraplegia Perda das capacidades respiratórias,
alta perda sensitiva e do controle motor
dos quatro membros e tronco.
Cervicais Tetraplegia Perda sensitiva dos quatro membros
abaixo da C4 e do tronco.
Torácica Paraplegia alta Perda sensitiva e do controle motor
dos membros inferiores e do tronco.
Lombares Paraplegia Perda sensitiva e do controle motor
baixa da musculatura do quadril e dos
membros inferiores.
Sacrais e Paralisia Perda parcial da sensibilidade e do
coccígeas parcial controle motor da musculatura do
quadril e dos membros inferiores.
Fonte: Diehl (2006, p. 98).
154
indivíduo deve permanecer motivado, pois a motivação o auxiliará
em sua reabilitação.
Paralisia cerebral
155
com paralisia cerebral é de 2%, entretanto, essa informação varia de
acordo com as etapas de vida infantil, os critérios selecionados, o
tempo e o tipo de comunidade estudados (HERNÁNDEZ;
RODRÍGUEZ; NEUS, 1997).
De acordo com Diehl (2006), crianças com paralisia cerebral
podem ter comprometimento mental, mas há muitos casos em que
apresentam somente o comprometimento motor.
156
incompatibilidade entre o sangue da mãe e do feto (fator
RH); infecções nos primeiros meses de gravidez;
doenças do plasma que causam desenvolvimento
anormal do cérebro.
Fase natal: lesão cerebral durante o parto, por trabalho
de parto prolongado ou dificultado, ou qualquer outra
alteração que leve à falta de oxigênio para o bebê por
mais do que alguns minutos durante o parto; parto
prematuro.
Fase pós-natal: doenças como encefalite e tosse;
oxigenação insuficiente no sangue, como um
envenenamento gasoso; trauma, como acidente vascular
cerebral; tiros de revólver ou lesões cranianas.
157
intoxicada. Na maioria dos casos, o tônus muscular é
fraco.
Segundo Hernández, Rodríguez e Neus (1997), a paralisia
cerebral espástica pode se apresentar em grau grave ou moderado. A
grave ocorre nas pessoas que sofrem de tetraplegia e, devido à
infecção do tônus muscular em todo o corpo, o indivíduo tem
poucas oportunidades para mover-se, já que seu estado de contração
muscular permanente não lhe permite executar movimentos
voluntários e ainda impede o movimento mais sensível. Já no caso
moderado, os indivíduos têm uma mobilidade mais funcional e
podem ser autônomos em algumas atividades da vida diária. Alguns
grupos musculares apresentam um tônus muscular alto, e o
indivíduo pode ter controle parcial de seus movimentos, mas o
desenvolvimento motor e o equilíbrio são mais lentos.
No caso da paralisia cerebral espástica moderada, o indivíduo
pode apresentar, por exemplo, um quadro de hemiplegia ou até
mesmo de diplegia. Frug (2001) afirma que hemiplegia é definida
como um comprometimento motor de um dos lados corpo,
podendo ocorrer um prejuízo maior nos membros superiores. Caso
haja comprometimento dos quatro membros do corpo, é
considerada como dupla hemiplegia ou tetraplegia. O quadro a
seguir resume os tipos de paralisia cerebral.
158
Há indivíduos que podem apresentar um quadro misto, ou
seja, possuem paralisia espástica com postura e movimentos
coreoatetoides.
Frug (2001, p. 48-49) declara que:
159
diagnóstico pode ser dado pelo psicólogo, fonoaudiólogo ou
psicopedagogo. No modelo social, questionam-se os processos de
diagnóstico e o encaminhamento aos serviços especiais, pois o
diagnóstico dirigido à mera identificação é muito criticado devido ao
rótulo atribuído às pessoas em condição de deficiência.
Atualmente, visa-se à inclusão de pessoas em condição de
deficiência física em programas de esportes, jogos e exercícios com
uma grande variedade de atividades, as quais podem ser realizadas
em clínicas, hospitais, escolas, faculdades ou instituições. Tais
programas têm como objetivo principal o comportamento
progressivo do praticante, fazendo com que este se torne o mais
independente possível e integrado aos seus companheiros não
deficientes.
A reabilitação buscou na atividade física com vertentes
educacionais novos caminhos para possibilitar a interação das
pessoas em condição de deficiência física com a sociedade,
evidenciando suas capacidades residuais por meio do esporte
(ARAÚJO, 1998).
A esse respeito, autores como Seaman e DePauw (1982),
ressaltam que os objetivos a serem desenvolvidos no âmbito da
educação física escolar com pessoas em condição de deficiência
física devem considerar e respeitar as limitações e as potencialidades
individuais do aluno, bem como adequar as atividades propostas.
Além disso, os objetivos devem englobar:
o desenvolvimento da autoestima;
a melhoria da autoimagem;
o estímulo à independência;
a interação com outros grupos;
a experiência intensiva com suas possibilidades de
limitações;
o contato com outras pessoas, deficientes ou não;
o desenvolvimento das potencialidades do educando;
a vivência de situações de sucesso, possibilitando a
autovalorização e a autoconfiança;
160
a melhoria das condições organofuncionais (aparelhos
circulatório, respiratório, digestivo, reprodutor e
excretor);
o aprimoramento das qualidades físicas, entre elas
resistência, força, velocidade;
o desenvolvimento das habilidades físicas, como
coordenação, ritmo, equilíbrio;
a possibilidade de acesso à prática do esporte como lazer,
reabilitação e competição;
o estímulo das funções do tronco e dos membros
superiores;
a prevenção de deficiências secundárias;
o estímulo à superação de situações de frustração.
Considerações finais
161
instância, aumente a expectativa de vida dessas pessoas. Basta que se
perceba, por exemplo, o caso das pessoas com lesão medular. Tudo
isso deve provocar um realinhamento de ações no meio social mais
amplo e, principalmente, no âmbito da formação dos profissionais
das mais diferentes áreas.
Dessa forma, pode-se afirmar que a intervenção nesse grupo
de pessoas deve englobar, além das medidas restauradoras,
preventivas e de reabilitação, aquelas que direcionam a um estado
pleno de bem-estar e de reconhecimento de si enquanto ser no
mundo. Portanto, essas intervenções devem levar a pessoa a sentir-
se apta a participar de diversas situações cotidianas,
independentemente da condição de ter ou não uma deficiência, pois
é acima de tudo uma pessoa ‘inteira’. Isso significa dizer que, sendo
ou não uma pessoa em condição de deficiência física, todo e
qualquer indivíduo, em sua relação com o mundo, possui
necessidades básicas de sobrevivência, como habitação, alimentação,
saúde, vestuário, relação familiar, educação, lazer, contato com a
natureza e, principalmente, estar com e entre os outros. Todas essas
condições podem vir a propiciar qualidade de vida, desde que tais
condições estejam ao seu alcance.
Muitas vezes, dada a situação de dependência em que se
encontra, a pessoa em condição de deficiência física é
impossibilitada de conquistar por si mesma o atendimento às suas
necessidades básicas para viver digna e satisfatoriamente. Contudo,
também é lícito afirmar que um número crescente de pessoas com
deficiência tem conseguido ‘alforriar-se’ e conquistar uma vida com
mais liberdade de ação. Apesar disso, ainda é preciso perceber que a
palavra utilizada foi ‘conquista’, e, na maioria das vezes, para isso é
necessária uma ação particular de grande vontade e desejo de
alcançar o que se quer, o que, para uma maioria ensinada a sentir
pena de si e acreditar-se em estado de doença, fica muito difícil de
vislumbrar. Nesse sentido, a escola tem muito a contribuir para a
mudança que se faz necessária.
Portanto, é importante pensar sobre o grande número de
pessoas em condição de deficiência que há no Brasil e indagar-se:
Quantas delas conseguem atingir o patamar de independência
162
econômica, social, cultural, educacional e política? Se se acredita que
essas pessoas são seres humanos que pensam, sentem, agem e criam,
por que não proporcionar situações e oportunidades para que elas
possam se desenvolver na escola e, assim, serem vistas e aceitas
como seres humanos que, embora possuam seus limites, contam
também com capacidades?
Referências
163
DIEHL, Rosilene Moraes. Jogando com as diferenças: jogos para
crianças e jovens com deficiência. São Paulo: Phorte, 2006.
164
Capítulo 8
RECURSOS METODOLÓGICOS E TECNOLOGIA
ASSISTIVA: O ATENDIMENTO AO ALUNO COM
DEFICIÊNCIA FÍSICA
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela
Sonia Maria Toyoshima Lima
Introdução
166
apresentam deficiência física, no contexto das classes comuns do
ensino regular, demanda dos professores, comprometidos com a
educação na perspectiva da inclusão a constante reflexão e análise
das possibilidades de ensino e aprendizagem, tendo em vista os
diferentes graus de complexidade de uma proposta pedagógica de
qualidade para todos os alunos.
Essa ideia está presente na base do documento intitulado
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, do Ministério da Educação (BRASIL, 2008). Esse
documento apresenta orientações para a implementação de ações e
de formas de organização escolar que possibilitem às escolas atender
todos os alunos conjuntamente, segundo os preceitos da educação
inclusiva.
Essa política nacional expressa as discussões que têm sido
travadas, nas últimas décadas, em movimentos sociais, políticos,
econômicos e filosóficos. Na área da deficiência física, importante se
faz refletir sobre o acesso e a permanência dos alunos no contexto
do ensino regular. Isso implica uma ação dos sistemas de ensino no
sentido de instrumentalizar os professores para o atendimento
pedagógico aos alunos e a disponibilização de recursos diversos que
apoiem as pessoas com necessidades educacionais especiais, para que
estas possam se apropriar do conhecimento científico e interagir no
ambiente escolar em condições adequadas de segurança, locomoção
e comunicação.
167
desenvolvimento das atividades propostas aos alunos com
deficiência física no contexto do ensino regular, de modo a
oportunizar experiências que possibilitem aos alunos se
desenvolverem por meio da apropriação dos conhecimentos
científicos, mesmo que de forma alternativa, ou seja, com a
utilização de recursos pedagógicos.
Entende-se que o termo ‘recurso’ pode ser utilizado em uma
diversidade de situações na escola, como as relacionadas ao campo
humano, arquitetônico, mobiliário e instrumental, da comunicação e
de tecnologias alternativas, de atividades metodológicas, entre
outras. A definição que interessa aqui, diz respeito aos instrumentos
utilizados para o ensino e a aprendizagem dos alunos com
deficiência física, ou seja, o estímulo concreto, o instrumento que
possa ser manipulável pelo aluno com deficiência física e, ao mesmo
tempo, tenha uma finalidade pedagógica, caracterizando-se, assim,
como um dos mediadores entre o aluno com deficiência física e o
conhecimento científico elaborado no contexto do ensino regular.
A escolha e a necessidade de utilização ou não do recurso
pedagógico na sala de aula vai depender da atividade proposta pelo
professor e do grau de comprometimento do aluno com deficiência
física. Em algumas atividades, o professor precisará apenas do
quadro de giz; em outras, o uso de um computador se faz necessário
para que o aluno consiga selecionar símbolos e palavras com
autonomia, lembrando que alunos com maior comprometimento
necessitarão de alguém que os ajude a selecionar tais símbolos.
Todos esses recursos possuem uma finalidade que é sempre
pedagógica e caracterizam-se por serem instrumentos manipuláveis a
serviço da aprendizagem dos alunos que apresentam deficiência
física.
168
adequados às necessidades educacionais desses alunos. Esses
recursos dizem respeito aos apoios técnicos, tecnológicos, físicos e
materiais específicos (utilizados para permitir aos alunos com
necessidades educacionais especiais o acesso ao currículo), tais como
mobiliários anatômicos e adaptados, ambientes com acessibilidade,
entre outros.
A necessidade de adaptação desses recursos pedagógicos se
deve ao fato de que, muitas vezes, a forma e a estrutura como o
conteúdo está constituído impossibilita sua utilização pelo aluno
com deficiência física. Nesse caso, as adaptações são necessárias para
dar acesso pleno a esse aluno, assim como aos demais alunos, no
contexto da sala regular.
Quando se trata de adaptações dos conteúdos curriculares,
pensa-se em possibilidades educacionais de metodologias com a
utilização de tecnologias diversificadas, para que o professor e o
aluno possam se posicionar frente às dificuldades de ensino e
aprendizagem. O ponto de partida é sempre o currículo regular, mas
pressupõe-se a necessidade de adaptação deste, quando necessário,
para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com
deficiência física. Assim, não se trata de um novo currículo, mas de
um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, com adoção
de estratégias funcionais, adaptações metodológicas dos conteúdos,
dos objetivos, de avaliação, de temporalidade e de espaço físico, para
que o professor atenda às necessidades globais e peculiares de todos
os alunos.
Assim, com a utilização do currículo comum no atendimento
aos alunos com deficiência física no ensino regular, é proeminente
que as instituições de ensino elaborem ajudas técnicas, recentemente
denominadas na cultura educacional brasileira como ‘tecnologias
assistivas’, termo que diz respeito ao favorecimento da autonomia no
ambiente escolar.
169
Aspectos metodológicos e tecnológicos e a apropriação de
conteúdos científicos por alunos com deficiência física
170
linguagens e de ferramentas fornecidas pelas diferentes
disciplinas, certamente não há como alguém exercer a
sua cidadania na plenitude.
172
O uso de recursos pedagógicos diversificados
173
sociedade. Essa realidade social promove um movimento dos
educadores, de todas as áreas de conhecimento, em busca de
alternativas de intervenções pedagógicas para atender o aluno em
todas as necessidades educacionais.
De acordo com os estudos de Góes (2002), para garantir que
a escola seja para todos e que não seja ‘a mesma’ escola para todos, é
indispensável compreender as especificidades do aluno incluso, para
que, assim, possam ser oferecidas condições diferenciadas para seu
desenvolvimento e educação.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) prevê que os espaços escolares
devem disponibilizar, entre as atividades de atendimentos
especializados, o enriquecimento curricular com o serviço de
tecnologia assistiva (TA), que, segundo Bersch (2008), deverá ser
implantado nas salas de recursos multifuncionais. No âmbito da TA
está toda a gama de recursos e serviços que contribuem para
promover ou ampliar as habilidades funcionais de pessoas com
deficiências e, em decorrência, promover a sua inclusão também na
sociedade e de forma independente.
Para se compreender a abrangência do conceito da TA, é
necessário considerar ainda outras definições que envolvem a
acessibilidade do aluno deficiente no contexto escolar, o que é
garantido pelo Decreto-lei nº 5296, de 3 de dezembro de 2004
(BRASIL, 2004), o qual se constitui em um avanço para as
discussões das práticas inclusivas e define, em seu artigo 8º, as
seguintes garantias:
174
pessoas se comunicarem ou terem acesso à
informação; [...]
175
Quadro 1 – Dimensões da acessibilidade
Dimensão da
Descrição
acessibilidade
Elimina barreiras em todos os ambientes físicos
Arquitetônica (internos e externos) da escola, incluindo o transporte
escolar.
Transpõe obstáculos em todos os âmbitos da
comunicação, considerada nas suas diferentes formas
Comunicacional
(falada, escrita, gestual, língua de sinais, digital, entre
outras).
Facilita o acesso ao conteúdo programático oferecido
Metodológica pelas escolas, ampliando estratégias para ações na
comunidade e na família, favorecendo a inclusão.
Possibilita a acessibilidade a todos os instrumentos,
Instrumental utensílios e equipamentos utilizados na escola, nas
atividades de vida diária, no lazer e na recreação.
Combate o preconceito e a discriminação em todas as
normas, programas, legislação em geral que impeçam
Programática o acesso a todos os recursos oferecidos pela
sociedade, promovendo a inclusão e a equiparação de
oportunidade.
Extingue todos os tipos de atitudes preconceituosas
Atitudinal que impeçam o pleno desenvolvimento das
potencialidades da pessoa com deficiência.
Fonte: Instituto de Tecnologia Social (2008).
176
Como se pode observar, a TA abrange recursos e serviços, e
esses não se restringem à sala de aula, mas abarcam todos os espaços
e ambientes escolares. Para Bersch (2007), ‘recurso’ é o equipamento
utilizado pelo aluno, que o auxilia no desempenho de uma atividade,
já o ‘serviço’ é aquele que diz respeito aos problemas funcionais do
aluno nos espaços escolares. Portanto, segunda a autora, utilizar a
TA na escola é buscar com criatividade mecanismos para que o
educando realize a atividade que lhe é proposta como conteúdo
sistematizado. É criar alternativas para que ele se comunique, ande,
estabilize-se, consiga utilizar os materiais escolares e acessar os
espaços escolares. Enfim, promover a TA é fazer com que o aluno
tenha condições de acessibilidade ao currículo escolar.
Nesse sentido, a inclusão deve respeitar as diferenças e
superar os desafios que essas diferenças impõem. Bersch (2007)
apresenta uma lista de questionamentos, os quais são considerados
pertinentes porque compreendem que fazer TA na escola é resolver
problemas funcionais. Para tanto, são postos os seguintes
questionamentos em relação ao aluno e às condições que a escola
oferece a ele:
Como poderei avaliar se ele [o aluno] não consegue
escrever como os outros?
Meu aluno é mais lento para escrever, ler e falar. Será
que acompanhará o ritmo da turma no aprendizado?
Parece que ele entende tudo, mas não fala e não
consegue escrever. Como poderei saber o que ele quer,
[do que] gosta, [o que] aprendeu ou quais são as suas
dúvidas? Existe alguma forma alternativa de ele
comunicar o que deseja?
Todos estão utilizando a tesoura e se sentem orgulhosos
por isso. Como posso fazer para que o meu aluno com
deficiência não se sinta excluído e incapaz?
O que faremos na aula de educação física?
Ele conseguirá se alimentar sozinho?
Quem ficará responsável por acompanhá-lo no
deslocamento dentro da escola?
177
Ele precisará de ajuda para ir ao banheiro? Quem o
auxiliará? Existe algum jeito de ele ser mais
independente? (BERSCH, 2007, p. 32).
178
Figura 1b – Caderno tripé.
179
dos membros inferiores e também para a manutenção do equilíbrio,
Assim, auxilia o aluno na realização das atividades porque possibilita
que o aluno tenha uma postura mais adequada.
Figura 3 – Parapodium.
181
Figura 6 – Mouses adaptados.
Considerações finais
182
educação voltada a todos os alunos, na qual os processos
pedagógicos contemplem ações mediadoras apropriadas,
entendendo-as como processos de interação que proporcionam a
apropriação dos conteúdos escolares. A ideia fundamental pauta-se
na evidência de que, por meio de mediações adequadas, a criança
pode compensar socialmente a deficiência, desenvolver-se
satisfatoriamente, e, por conseguinte, apropriar-se dos
conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade.
Para tanto, é importante compreender a existência de
algumas nuances que envolvem o processo de ensino e
aprendizagem de alunos com deficiência física. Embora muitos
alunos alcancem elevado nível de compreensão receptiva da
linguagem, apresentam dificuldades acentuadas na fala e/ou na
escrita, razão pela qual precisam usar outras formas de sinalização e
de códigos como meio facilitador do processo ensino e
aprendizagem e também para que estabeleçam interação com os
colegas e com o professor.
A necessidade de recursos metodológicos e tecnológicos
diferenciados destinados a alunos que apresentam a deficiência física
é um fato que deve ser considerado, para que os alunos possam se
apropriar dos conteúdos científicos no ambiente escolar. Percebe-se
também que as adequações metodológicas e os recursos
tecnológicos alternativos favorecem todos os alunos, pois a ruptura
com os padrões existentes de ensino permite a ampliação de
estratégias diversificadas que acabam por beneficiar a aprendizagem
de todos os alunos.
Constata-se, assim, a necessidade de ressignificação do
processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência física
e de maior reflexão dos professores sobre a prática pedagógica no
sentido de oportunizar a interação aluno-aluno.
Às instituições de ensino cabe, além de incluir os alunos,
pensar na organização do ensino como atividade para todos, de
forma a contemplar momentos coletivos, cuja atividade pedagógica
coincida com o objeto e a necessidade da atividade de aprendizagem,
permitindo que os alunos se apropriarem de novos conhecimentos.
Cada educando é único em suas especificidades ao apropriar dos
183
conhecimentos científicos existentes e no modo de se desenvolver
histórica e socialmente. Portanto, incluir um aluno exige os
atendimentos especializados para que o acesso ao currículo se
consolide.
Em vista disso, a escola atual carrega um novo e grande
desafio: comprometer-se com estudos teóricos a respeito do
processo de desenvolvimento dos alunos com deficiência física,
principalmente no que diz respeito às suas potencialidades,
dificuldades e possibilidades de transformação física e psíquica.
Referências
184
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da (CORDE/SEDH/PR).. 2007. Ata V Reunião do
Comitê de Ajudas Técnicas. ago. 2007. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/corde/arquivos/doc/Ata_V_CAT1.doc>.
Acesso em: 15 maio 2010.
185
Capítulo 9
CARACTERÍSTICAS, ALTERAÇÕES
MORFOFUNCIONAIS DA DEFICIÊNCIA FÍSICA:
LIMITAÇÕES E POSSIBILIDADES
Sonia Maria Toyoshima Lima
Márcia Aparecida Marussi Silva
Cristina Cerezuela
Introdução
Amputação
188
Os fatores maternos que podem causar malformações fetais
são alcoolismo, ingestão de drogas lícitas e ilícitas como a
talidomida1, ingestão de medicamentos sem orientação médica,
diabetes, infecções que possam ocorrer no primeiro trimestre de
gestação como rubéola, toxoplasmose, baixos níveis de ácido fólico
(causando defeitos no tubo neural) e os fatores amnióticos2.
Já a amputação adquiridapode ocorrer em função de traumas
decorrentes de acidentes, infecções, tumores e de vasculopatias
periféricas, as quais acometem geralmente pessoas de 50 anos ou
mais e têm como consequência a retirada de um membro (superior
ou inferior), ou de um ou mais ossos das mãos ou dos pés. A parte
do(s) membro(s) amputado(s) que permanece é identificada como
‘coto de amputação’ e o local em que o osso foi seccionado
corresponde ao ‘nível de amputação’.
Para se ter uma boa função do coto, este deve ser amputado
o mais longamente possível, para que a pessoa possa apresentar
melhor mobilidade e adaptabilidade às próteses, bem como ter boa
circulação sanguínea.
Ao sofrer uma amputação, a pessoa terá a sensação de
existência da parte ausente do(s) membro(s) amputado(s), que é
definido por Lima, Chamlian e Masiero (2006) como ‘sensação do
membro fantasma’.Relatam os autores que a sensação é tão fidedigna
189
que a pessoa amputada de membros inferiores pode tentar ficar em
pé, andar ou até apoiar-se sobre as extremidades perdidas; no caso
de amputação de membros superiores, a pessoa pode tentar pegar
objetos. Outra constatação é sobre a dor localizada na parte residual
do membro amputado, denominada ‘dor no coto de amputação’,
intercorrência que pode interferir no desenvolvimento das atividades
de ensino e aprendizagem.
Para propiciar o desenvolvimento educacional dos alunos
com amputação, deve-se estimular as funções remanescentes e
buscar atingir a funcionalidade, a estabilidade e a movimentação,
com descobertas de possibilidades individuais, o que contribui para
o desenvolvimento de habilidades funcionais e a aceitação da não
presença do(s) membro(s) amputado(s).
Lesões raquimedulares
190
e/ou rotação da coluna. Os níveis de lesões mais frequentes,
segundo Defino (1999), são na região cervical (C) C4, C5 e C6, o que
causa tetraplegia e, no nível inferior, são mais comuns na região
torácica (T), na T12, e na região lombar (L), na L1, o que causa
paraplegia.
O termo ‘tetraplegia’ refere-se à perda da função motora
e/ou sensitiva nos segmentos cervicais da medula espinhal, devido à
lesão nos filamentos neuronais no interior do canal vertebral. Resulta
em alterações das funções dos membros superiores, tronco,
membros inferiores e órgãos pélvicos, não sendo incluídas nessa
categoria as lesões do plexo braquial e nervos periféricos fora do
canal vertebral, que causam a paralisia3 e/ou paresia.
O termo‘paraplegia’refere-se à perda da função motora e/ou
sensitiva nos segmentos torácicos, lombares e sacrais da medula
espinhal, secundária à lesão dos elementos neurais no interior do
canal vertebral. Esse termo pode ser utilizado para definir as lesões
da cauda equina e cone medular, mas não para as lesões do plexo
lombossacro e lesões dos nervos periféricos, localizadas fora do
canal vertebral.
Como indica Defino (1999), a American Spinal Injury
Association (ASIA) e a International Medical Society of Paraplegia
(IMSOP) estabeleceram uma classificação neurológica e uma
avaliação 4 da função motora que tem por objetivo avaliar a gravidade
191
da lesão medular. A informação precisa ser conhecida porque a
classificação neurológica está baseada na sensibilidade e na função
motora, e uma avaliação da sensibilidade tátil e sensibilidade
dolorosa de 28 dermátomos5 de ambos os lados.
A avaliação da deficiência de acordo com a escala, conforme
descreve Defino (1999), consiste em cinco graus de incapacidade.
Sejam eles:
Lesão completa: não existe função motora ou sensitiva
nos segmentos sacrais S4-S5.
Lesão incompleta: preservação da sensibilidade e perda
da força motora abaixo do nível neurológico,
estendendo-se até os segmentos sacrais S4-S5.
Lesão incompleta: a função motora é preservada abaixo
do nível neurológico, e a maioria dos músculos-chaves
abaixo do nível neurológico possui grau menor ou igual
a 3.
Lesão incompleta: a função motora é preservada abaixo
do nível neurológico e a maioria dos músculos-chaves
abaixo do nível neurológico possui grau maior ou igual a
3.
Normal: sensibilidade e força motora normais.
192
Espinha bífida
193
Distrofia muscular
194
cifoescoliose e deformidades em flexão de membros superiores e
inferiores. O processo de enfraquecimento desencadeia distúrbios
cardíacos, insuficiência respiratória crônica e contraturas que
ocorrem devido ao posicionamento contínuo na posição sentada.
Embora ainda não exista nenhum medicamento capaz de bloquear
ou retardar o processo de degeneração do músculo, há registros de
muitos avanços na ciência.
Silveira (2010) alerta que, ao receber um aluno com distrofia
muscular de Duchenne, a escola deve proporcionar a retirada das
barreiras arquitetônicas para facilitar o deslocamento do aluno,
principalmente quando este se utilizar de cadeira de rodas. Outro
aspecto a ser considerado é que o aluno continue tendo facilidade
para acessar objetos e materiais utilizados nas atividades
pedagógicas, pois proporcionar atividades desafiadoras fará diferença
para que ele avance e ultrapasse os limites de sua vida na escola e em
seu dia a dia.
195
Como o termo ‘paralisia cerebral’ (PC) ainda é o mais usual
na literatura e no meio social, essa é a nomenclatura utilizada neste
texto. A paralisia cerebral é o resultado de uma lesão encefálica
permanente que acontece no período pré-natal, perinatal ou pós-
natal. Dependendo da localização, da intensidade, do tempo de
duração da lesão (causada por anóxia) é que são caracterizadas as
alterações motoras e/ou sensoriais.
Dessa forma, a paralisia cerebral define-se por uma lesão
encefálica não progressiva e não hereditária, causada por problemas
gerados na vida intrauterina ou extrauterina, com incidência nos
primeiros anos de vida, tendo como resultante a dificuldade no tono
muscular, na postura, nos movimentos musculares de coordenação
motora grossa e/ou motora fina, na deambulação e dificuldade de
fala. Nos casos mais graves, também há alterações intelectuais,
visuais e auditivas.
Segundo Diament (1996) e Rotta (2001), os fatores causais
no período pré-natal são: infecções, parasitoses (rubéola,
toxoplasmose, HIV), ingestão de drogas lícitas e ilícitas (crack,
álcool), radiações, fatores maternos como anemia grave, desnutrição,
diabetes, hipotensão ou hipertensão, gestante idosa e traumas
abdominais durante o período gestacional.
Os fatores causais no período perinatal são trauma
obstétrico, anomalia de posição do feto duração do trabalho de
parto, parto instrumental (no qual há utilização inadequada do
fórceps), hemorragia intracraniana, anóxia (causada por nó no cordão
umbilical, quando o cordão está envolvido no pescoço do bebê, ou
demora no nascimento), o que gera uma diminuição e/ou
insuficiência de oxigenação sanguínea especialmente no cérebro.
Os fatores causais no período pós-natal são infecções (como
meningite), traumas cranioencefálicos, intoxicações, ataques
apneicos ou cianóticos, hipoglicemia, distúrbios metabólicos (como
hipocalcemia, hipoglicemia), hipotermia, ou ainda desnutrição, que
interfere de forma decisiva no desenvolvimento do cérebro da
criança.
Os aspectos de prevenção durante esses três períodos devem
ser considerados, pois os fatores de ocorrência da paralisia cerebral
196
podem ser minimizados e/ou erradicados. Andrade (1999) que, até o
momento, não há medicamentos nem operações que possam curar
paralisia cerebral, mas há diversas e inovadoras possibilidades de
melhorar e minimizar seus efeitos a médio e longo prazo.
197
alguns casos, com crises convulsivas, deficiência intelectual, além de
outros transtornos.
As alterações funcionais, segundo Brasil (2004), dificultam os
movimentos de coordenação motora fina e grossa. De modo que,
para desenvolver tarefas motoras, o tempo de resposta de cada
pessoa com paralisia cerebral, principalmente com espasticidade,
deverá ser respeitado. Nesse caso, na escola, é importante evitar
oferecer objetos pesados para que o aluno os manuseie e também
evitar a solicitação de movimentos que exijam agilidade, porque o
aluno terá dificuldade de modificar a posição corporal, pegar e/ou
lançar materiais.
Como alguns alunos com paralisia cerebral têm dificuldades
de comunicação, o professor deverá buscar alternativas de
comunicação durante o processo de ensino e aprendizagem e
avaliação. Por exemplo, o uso de tabuleiro com desenhos, letras do
alfabeto, computador, ponteiras podem funcionar como meios de
obter respostas às alterações apresentadas, sendo determinantes na
educação (GALVÃO FILHO; DAMASCENO, 2006).
Poliomielite
198
núcleos dos nervos cranianos no tronco cerebral, área motora do
córtex cerebral.
Considerações finais
Referências
199
BASIL, Carmen. Alunos com paralisia cerebral e outras alterações
motoras. In: COLL, Cesar; MARCHESI, Alvaro; PALACIOS, José
(Org.). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do
desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2004. p. 215-233.
200
GALVÃO FILHO, Teófilo Alves; DAMASCENO, Luciana Lopes.
Tecnologias assistivas para autonomia do aluno com necessidades
educacionais especiais. Inclusão Revista da Educação Especial,
Brasília, DF, v. 2, n. 2, p. 25- 31, jul. 2006.
201
PEDRINELLI, André; TEIXEIRA, William Jacobsen. Atividade
física nas amputações e anomalias congênitas. In: GORGATTI, M.
G.; COSTA, R. F. da. (Org.). Atividade física adaptada.Barueri:
Manole, 2005. p. 182-217.
202
Capítulo 10
A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO NEONATAL PARA
DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS AUDITIVOS NA
PRIMEIRA INFÂNCIA
Tereza Ribeiro de Freitas Rossi
Thaís Melo Seksenian
Introdução
TIPOS DE
PERDA DESCRIÇÃO
AUDITIVA
Perdas auditivas São causadas por uma alteração que ocorre na
condutivas orelha externa (meato acústico) e /ou média
(membrana timpânica, cadeia ossicular, janela oval
e redonda e tuba auditiva).
Perdas auditivas Afetam a cóclea e/ou nervo auditivo e as causas
neurossensoriais que levam a esse tipo de perda são múltiplas e de
difícil diagnóstico.
Perdas auditivas Apresentam características condutivas e
mistas neurossensoriais.
204
Classificação da perda auditiva quanto ao grau
205
Sabe-se ainda que, na população em geral, a surdez
neurossensorial severa ou profunda varia de quatro a seis para cada
1000 nascidos vivos, ou de um a três para cada grupo de 1000
indivíduos, conforme aponta o Comitê Brasileiro Sobre Perdas
Auditivas na Infância (2000). Essa incidência aumenta em
determinadas populações de forma drástica, como é o caso de
crianças que permanecem em unidades de terapia intensiva neonatal
(UTI), cuja prevalência encontrada foi de 10,2% (LIMA; ROSSI;
FRANÇOZO, 2010).
Alguns fatores de risco para surdez apresentam-se ligados
intimamente a sérios agravos à saúde que podem comprometer a
sobrevida do recém-nascido (TIENSOLI; GOULART; RESENDE,
2007).
O Joint Committee on Infant Hearing (2007) sugere os
indicadores de risco para selecionar os neonatos que devem passar
por avaliação. Esse mesmo comitê identificou condições de saúde
que podem se desenvolver em bebês e requerem uma nova
avaliação. Santos, Lima e Rossi (2003) apontam os seguintes
indicadores:
a) Indicadores de risco de surdez em neonatos (do
nascimento até 28 dias) com história familiar de deficiência auditiva
congênita:
infecção congênita (sífilis, toxoplasmose, rubéola,
citomegalovírus e herpes);
peso ao nascimento inferior a 1500 gramas;
anomalias craniofaciais (malformações de pavilhão
auricular, meato acústico externo, ausência de filtrum
nasal, implantação baixa da raiz do cabelo);
hiperbilirrubinemia;
medicação ototóxica por mais de cinco dias
(aminoglicosídeos ou outros, associados ou não aos
diuréticos de alça);
meningite bacteriana;
boletim Apgar de 0-4 no primeiro minuto ou 0-6 no
quinto minuto.
206
b) Indicadores de risco para de surdez em bebês de 29 dias
até dois anos de idade:
preocupação dos pais e/ou responsáveis com relação a
audição, fala, linguagem e/ou atrasos de
desenvolvimento;
meningite bacteriana e outras infecções associadas à
perda auditiva neurossensorial;
trauma craniano associado à perda da consciência ou
fratura no crânio;
estigmas ou outros achados associados a síndromes que
incluam perda auditiva neurossensorial e/ou condutiva;
medicações ototóxicas, incluindo (mas não limitadas a)
agentes quimioterápicos ou aminoglicosídeos utilizados
em casos múltiplos ou em combinação com diuréticos
de alça;
otite média persistente ou recorrente com secreção
durante pelo menos três meses.
207
abordagem dos fatores de risco associados ao atraso do
desenvolvimento (TIENSOLI; GOULART; RESENDE, 2007).
Por essa razão, o Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na
Infância (CBPAI) recomenda a implantação da Triagem Auditiva
Neonatal Universal (TANU) para todas as crianças, do nascimento
até os três meses de idade. O Joint Committee on Infant
Hearing(2007) recomenda que todo recém-nascido deve ter a
audição avaliada, tendo em vista a grande incidência de alterações em
bebês que não estão inseridos em um grupo com indicador de risco.
Em casos de surdez confirmada, deve haver intervenção educacional
até os seis meses de idade (HILÚ; ZEIGELBOIM; 2007).
A Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), também
conhecida como ‘teste da orelhinha’, compreende a realização de
procedimentos comportamentais e eletrofisiológicos para a
identificação da surdez (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008),
que deve ser iniciada ainda no berçário. O termo ‘triagem’ refere-se
ao processo de aplicar a um grande número de indivíduos
determinadas medidas rápidas e simples que identificarão alta
probabilidade de doença na função testada. Não é um procedimento
de diagnóstico, mas sim uma forma de identificar, entre indivíduos
assintomáticos, aqueles que são suspeitos de apresentar a doença e
que, por essa razão, requerem procedimentos de diagnósticos mais
elaborados (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008).
É importante ressaltar que, de acordo com dados do Joint
Committee on Infant Hearing (2000), essa triagem apenas identifica
o risco, por si só não traz benefícios para a saúde da criança.
Segundo esse comitê, a triagem auditiva só se constitui completa se a
criança passar por identificação, confirmação e intervenção.
Assim, os programas de triagem auditiva são desenvolvidos
com o objetivo de diagnosticar de forma precoce a surdez na
infância, realizar acompanhamento periódico para confirmar os
achados das avaliações anteriores, identificar a surdez, se essa for
progressiva e de manifestação tardia e, por fim, avaliar o
desenvolvimento auditivo. Para que tais objetivos sejam atingidos, é
necessário que os pais sejam orientados de forma adequada sobre a
208
importância da audição e dos cuidados com a audição da criança
(TOCHETTO, 2008).
Esses programas ainda preconizam que todos os bebês sejam
avaliados no primeiro mês de vida, o diagnóstico seja realizado até
os três meses de idade e a intervenção seja iniciada até os seis meses.
Nos casos de recém-nascidos com indicador de risco para deficiência
auditiva (IRDA), apesar de resultados normais na triagem,
recomenda-se o monitoramento auditivo por apresentarem risco
para perda progressiva ou aparecimento tardio (SOARES;
MARQUES; FLORES, 2008).
De acordo com Azevedo (2004), os critérios utilizados em
triagem auditiva correspondem aos seguintes identificadores: ‘passa’
(quando não há probabilidade de perda) e ‘falha’ (quando há
probabilidade de perda auditiva e necessita de avaliação completa). A
triagem auditiva deve compor um programa mais amplo de saúde
auditiva, incluindo prevenção primária, secundária e terciária. A
prevenção primária é ‘pré-patogênese’, anterior à perda auditiva, ou
seja, evita a sua ocorrência.
São consideradas medidas de prevenção primária as
campanhas de imunização, em especial contra rubéola, meningite e
caxumba; a conscientização e a orientação à população e a
profissionais de saúde e de educação para maior controle dos fatores
etiológicos da surdez; melhoria da assistência à saúde da gestante e
do neonato de UTI, com a administração cuidadosa de
medicamentos ototóxicos e controle dos níveis de bilirrubina;
controle dos níveis de ruído e aconselhamento genético
(AZEVEDO, 2004).
A prevenção secundária refere-se à identificação de perdas
auditivas transitórias e passivas de tratamento com recuperação total
da audição, tais como as perdas condutivas por alterações de orelha
média. E, por fim, a prevenção terciária ocorre quando há
identificação de perdas auditivas irreversíveis, como as perdas
neurossensoriais, nas quais a adaptação de prótese e terapia
minimizam as alterações auditivas, mas sem revertê-las
(AZEVEDO, 2004).
209
Os procedimentos de triagem auditiva eletrofisiológica são
objetivos, ou seja, não necessitam de participação ativa do avaliado.
Os mais utilizados são o Potencial Evocado Auditivo de Tronco
Encefálico (PEATE) e, mais recentemente, a triagem com Emissões
Otoacústicas por Transientes (EOAT) (DURANTE et al., 2004).
210
Segundo os mesmos autores, as aplicações principais dessa
audiometria incluem:
testagem da função auditiva em neonatos e em crianças
cuja avaliação por procedimentos audiológicos de rotina
é difícil;
mensuração objetiva da audição em adultos para fins
diagnósticos e legais;
avaliação da maturação do sistema auditivo central em
crianças;
detecção de tumores do nervo acústico;
diagnóstico eletrofisiológico topográfico de patologias
que afetam a fossa posterior, além da avaliação do grau
de coma e morte encefálica.
211
normal. Esse teste avalia os biomecanismos cocleares, com a
vantagem de ser rápido, não invasivo, objetivo, sensível ao
diagnóstico da perda auditiva, seletivo por frequência e com
aplicabilidade em locais sem tratamento acústico.
Dessa maneira, as EOA possibilitam a triagem de um grande
número de recém-nascidos (DURANTE et al., 2004) e ainda
apresentam inúmeras aplicações clínicas, como mostram Santos,
Lima e Rossi (2003):
diagnóstico diferencial da perda auditiva;
triagem auditiva;
monitoramento da progressão de perda auditiva já
estabelecida ou dos efeitos de tratamentos;
avaliação das condições do sistema coclear eferente;
identificação da pseudo-hipoacusia.
212
Fonte: Fluxograma adaptado pelo grupo do Programa de Triagem Auditiva
Neonatal dos lactentes que permaneceram em Alojamento Conjunto – Centro de
Atendimento Integral à Saúde da Mulher (CAISM/Unicamp), formado pelas
professoras doutoras Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima, Maria de Fátima de
Campos Françozo, Maria Francisca Colella dos Santos e Tereza Ribeiro de Freitas
Rossi, a partir da proposta do Joint Committee on Infant Hearing (2007).
213
de uma perda auditiva e/ou iniciar serviços adequados de
intervenção precoce. Em vista disso, a legislação tem desempenhado
uma função importante na expansão de programas de Triagem
Auditiva Neonatal (TAN), que é obrigatória em apenas alguns
municípios, onde todos os recém-nascidos já estão sendo triados e
encaminhados. Em vista disso, nos últimos anos têm sido elaboradas
leis que definem a obrigatoriedade da TAN em municípios, estados e
também em âmbito federal (SOARES; MARQUES; FLORES,
2008).
No Brasil, observa-se que várias maternidades iniciaram
programas de triagem auditiva neonatal. A portaria n° 2073/GM, de
28 de setembro de 2004, instituiu a Política Nacional de Atenção à
Saúde Auditiva, que tem por finalidade desenvolver estratégias e
identificar os determinantes e condicionantes das principais
patologias e situações de risco que levam à perda auditiva (LIMA;
ROSSI; FRANÇOZO, 2010).
Nessa perspectiva, pode-se inferir que cabe aos profissionais
da saúde que atuam com bebês estarem atentos às causas, às
consequências e à importância da prevenção da deficiência auditiva.
De acordo com Soares, Marques e Flores (2008), são esses
profissionais que fornecem orientações sobre o assunto e, diante de
suspeitas, encaminham a criança aos profissionais especializados,
como o fonoaudiólogo (responsável pela avaliação audiológica do
lactente por meio da triagem, avaliação diagnóstica e
monitoramento) e o médico otorrinolaringologista (responsável pelo
diagnóstico médico da surdez, identificação etiológica, avaliação,
seguimento, diagnóstico e condutas clínicas ou cirúrgicas). Esses
especialistas estão preparados para o diagnóstico em tempo
oportuno e para a intervenção por meio da estimulação auditiva,
adaptação do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) e
orientação familiar, a fim de atenuar os efeitos negativos da surdez
na infância (SOARES; MARQUES; FLORES, 2008).
214
Considerações Finais
Referências
215
HILÚ, Maria Regina Pereira Boeira; ZEIGELBOIM, Bianca
Simone. O conhecimento, a valorização da triagem auditiva neonatal
e a intervenção precoce da perda auditiva. Revista Cefac, São
Paulo, v. 9, n. 4, p. 563-570, 2007.
216
SANTOS, Maria Francisca Colella; LIMA, Maria Cecília Marconi
Pinheiro; ROSSI, Tereza Ribeiro Freitas. Surdez: diagnóstico
audiológico. In: SILVA, Ivani. Rodrigues; KAUCHAKJE, Samira;
GESUELI, Zilda Maria (Org.). Cidadania, surdez e linguagem. 2.
ed. São Paulo: Plexus, 2003. p. 17-40.
217
Capítulo 11
JOGOS EDUCATIVOS PARA O PROCESSO DE
LETRAMENTO DE CRIANÇAS SURDAS
Ivani Rodrigues Silva
Aryane dos Santos Nogueira
Zilda Maria Gesueli
Introdução
220
de aprendizagem da leitura e da escrita nas primeiras séries escolares.
As crianças que já têm contato com situações de letramento em seu
ambiente familiar (em conversas com adultos, durante leitura de
histórias, entre outros momentos) passam pelos anos iniciais de
escolarização com maior facilidade. O mesmo não ocorre com
aquelas crianças cujo ambiente familiar propicia pouco (ou nenhum)
contato com práticas de letramento.
Heath (1982, 1983) analisa três diferentes comunidades
quanto aos eventos de letramento entre adultos e crianças. A autora
considerou os eventos como aqueles em que a escrita é parte das
interações e dos processos interpretativos dos sujeitos. As três
comunidades observadas por ela apresentavam práticas de
letramento bastante diferenciadas. Cada comunidade contava com
sua própria orientação para o letramento, o que vinha a contribuir
para que, ao se inserir no ambiente escolar, a criança – oriunda de
uma comunidade na qual práticas de letramento fugissem aos
padrões esperados pela escola – fosse classificada como menos
capacitada para a escrita. Com essa pesquisa, Heath deseja ressaltar
que deve ser considerada a orientação de letramento do grupo ao
qual a criança pertence, para que, no ambiente escolar, sejam
atendidas suas necessidades específicas.
Como afirma Terzi (2001, p. 167), “[...] o processo de
letramento está intrinsecamente ligado às estruturas e significações
culturais”. Nesse sentido, as orientações de letramento da
comunidade na qual a criança está inserida, sua história de
letramento e as práticas de sua família são conhecimentos que
devem ser levados em consideração ao se lidar com a leitura e a
escrita.
As questões de letramento parecem complexas quando se
pensa em ambientes nos quais apenas ouvintes estão envolvidos e,
mais ainda, quando se pensa sobre essas questões na área da surdez,
uma vez que esses problemas parecem ganhar uma complexidade
ainda maior.
A surdez é um comprometimento sensorial que acarreta
dificuldades de detectar e perceber os sons (SANTOS; LIMA;
ROSSI, 2003). Dessa forma, para os surdos, a aquisição de uma
221
língua visuogestual se dá de forma mais natural do que a aquisição de
uma língua oral-auditiva, para a qual ele não possui o atributo
essencial que é a audição.
Crianças ouvintes, antes mesmo do processo de
escolarização, vivenciam em seu ambiente familiar cotidianamente a
aquisição incidental de vários conhecimentos. Além disso, quando
entram para a escola, muitas delas já têm o domínio de uma
modalidade da língua, a oral. A escola, que tem uma visão de língua
como código, vê-se na função apenas de ensinar as regras de uso de
outra modalidade da língua que a criança já adquiriu, a escrita
(PEREIRA, 2006).
Com as crianças surdas isso acontece de uma forma um
pouco diferente. Geralmente essas crianças são filhas de pais
ouvintes e convivem com familiares que se utilizam da modalidade
oral para comunicação. Como não possuem uma língua comum para
interação com seus pais e familiares, muitas das aquisições
incidentais de conhecimento são perdidas pela criança surda, e,
consequentemente, a criança inicia a escolaridade sem uma língua
completamente adquirida (SILVA, 2003).
Ao ingressar no primeiro ano, a situação torna-se ainda mais
complexa porque muitos dos professores não estão preparados para
o trabalho com crianças surdas e sentem-se desorientados em
relação ao aluno ‘diferente’. Muitas vezes, os professores não
acreditam que as dificuldades apresentadas pelo aluno surdo sejam
decorrentes, não do comprometimento sensorial que possuem, mas
da falta de uma língua que possibilite a significação das práticas
escolares (SILVA, 2003).
Objetivo e justificativa
222
sua vez, constitui-se como traço identitário correlacionado à cultura,
portanto, o dizer na língua de sinais constitui a base para o encontro
com o objeto escrito na sala de aula.
Neste estudo, são apresentadas reflexões que aconteceram no
âmbito de um programa de apoio escolar, o qual recebe alunos
surdos de 7 a 11 anos, que estão em diferentes níveis de escolaridade
e frequentam escolas regulares. Com isso, tem-se o intuito de propor
diferentes atividades de escrita e contribuir com os letramentos
(BARTON, 1994) desses alunos, a partir do trabalho com diferentes
portadores de textos, em um ambiente lúdico. O objetivo de tais
atividades é o de motivar os alunos a participarem da construção de
textos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e também em
português escrito e de proporcionar uma ressignificação dessas
atividades por crianças surdas que já têm história de fracasso escolar.
Barton (1994), nessa nova visão de letramento, afirma que os
aspectos social, psicológico e histórico devem estar integrados.
Portanto, o letramento precisa ser entendido como uma atividade
social, sendo melhor descrita a partir das práticas comunicativas que
acontecem nos eventos de letramento vivenciados pelas pessoas.
Existem diferentes práticas das quais as pessoas fazem uso em
diferentes situações sociais. Para o autor, o letramento é uma
maneira de o indivíduo se representar o mundo, a si mesmo e aos
outros. Desse modo, ao longo de sua história, o indivíduo vivencia
inúmeros eventos de letramento, sendo que estes estão relacionados
a uma história social.
Neste estudo, serão apresentadas algumas situações de uso de
escrita de um grupo de crianças surdas, no âmbito de um projeto
que envolve o trabalho de um profissional da área de artes e um de
fonoaudiologia. Preocupados com o desenvolvimento da linguagem
e da expressividade de crianças surdas, esses profissionais criaram
um ambiente rico para a construção de conceitos, tanto em libras
como em português. O trabalho foi desenvolvido com o uso de um
jogo (cara a cara) que, além de oferecer um ambiente lúdico para os
alunos surdos, estimula a criatividade e a atenção, possibilita a
inserção desses sujeitos no mundo da escrita, enriquece o
vocabulário do grupo (tanto em português como em libras) e ainda
223
oportuniza a compreensão de novos conceitos, que são
problematizados de forma reflexiva, à medida que aparecem e,
posteriormente, são incorporados à linguagem das crianças.
O contexto da pesquisa
224
linguagem, privilegiando a língua de sinais, a escrita e a oralidade.
Desde 1991, o centro tem contado com a participação de
professores surdos inseridos em sala de aula, e no trabalho com as
famílias, enfatizando o uso da língua de sinais e a constituição da
identidade do surdo. Essa necessidade resultou de um processo de
reflexão sobre a identidade linguística do surdo, ou seja, ao aceitar a
língua de sinais como língua natural, o indivíduo volta-se também
para a aceitação de sua identidade surda, pois língua e identidade
estão intrinsecamente aliadas.
Por outro lado, o fato de o centro reconhecer o papel
importante da libras não implica necessariamente que seus
profissionais a vejam como a única solução para os problemas dos
surdos na salas de aula. Faz-se necessária, ainda, uma reflexão sobre
a concepção de surdez, as implicações político-pedagógicas
subjacentes a ela, a questão língua e identidade, além de se pensar em
metodologias para o ensino do português como L2.
De acordo com a proposta de ação desse programa, o
trabalho linguístico realizado com os grupos de alunos (inseridos na
escola pública regular) tem procurado oferecer um modelo de apoio
à escolaridade que fuja dos moldes tradicionais de reforço escolar, o
qual enfatiza mais o aprendizado mecânico em detrimento do real
significado social da aquisição da escrita e da leitura. Nesse sentido,
o trabalho centra-se nos seguintes pontos: o que é, para que serve,
como e quando usar a escrita.
Partindo de uma concepção de surdez que se pauta na
diferença, privilegia a libras como a língua mais acessível ao sujeito
surdo e considera o português (oral e escrito) como sua segunda
língua, o programa Escolaridade e Surdez divide suas atividades em
três grandes blocos, com base em Geraldi (1974), com ênfase nas
atividades de compreensão de textos e de produção da linguagem
escrita, em três momentos complementares:
Prática de leitura de textos – o objetivo é levar o aluno
surdo a ampliar sua capacidade de leitura, assim como
resgatar dentro do grupo a relatividade das leituras
(intertextualidade). A partir disso, possibilitar a esses
alunos condições de aprofundar assuntos polêmicos e
225
atuais, de modo que o aluno surdo relacione a leitura
com a realidade a sua volta e a veja a leitura como um
canal de comunicação com o mundo.
Prática de produção de textos – o objetivo é possibilitar
ao aluno surdo oportunidades significativas de produzir
textos e lidar com as condições de produção da escrita
(quando, para quem, o que, por que se escreve). Tais
atividades pretendem valorizar o aluno como produtor
de textos (autor) e, em consequência, fazer com que ele
compreenda as funções sociais da escrita, a partir de
diferentes gêneros de textos.
Prática de análise linguística – a partir das práticas de
leitura e de produção de textos, o objetivo é
instrumentalizar o aluno surdo para a produção e a
consequente autocorreção de seus textos, levando-o a
familiarizar-se com as convenções da escrita.
O jogo
226
responsável pela apresentação das atividades de leitura e escrita) deu
margem à elaboração de diferentes conceitos pelos alunos e à
reflexão sobre inúmeras questões como as diferenças entre as
pessoas, o respeito a essas diferenças, o autorretrato, documentos de
identidade, utilização de nomes próprios, entre outras.
Paralelamente ao trabalho de apresentação do jogo, de
acordo com as metas do projeto, as crianças tiveram que lidar com a
questão do nome próprio, uma vez que teriam que nomear os
personagens do jogo. Foram levantadas hipóteses sobre como os
nomes seriam escolhidos e decidiu-se que seriam usados os das
pessoas que frequentavam o no centro de pesquisas. A partir dessa
premissa, as crianças percorreram as dependências da instituição
perguntando o nome das pessoas que estavam no local. Em todos os
momentos, a maior parte da comunicação se deu em língua de sinais,
e um adulto acompanhou as crianças para ajudá-las caso houvesse
alguma dificuldade na interação com as pessoas (ouvintes) que
participaram dessa atividade.
Depois disso, já em sala, houve discussão sobre os nomes
colhidos: quais deles já eram conhecidos; se eram de pessoas
desconhecidas, próximas ou familiares; quais eram femininos e quais
eram masculinos. Os nomes colhidos foram utilizados durante a
atividade de arte: no computador, cada criança digitou os nomes
coletados, observando as várias possibilidades de cores e formatos
de letras a serem escolhidos para a escrita de nomes, como mostra a
Figura 1.
227
Figura 1 – Lista de nomes próprios2.
228
um espelho. Elas deveriam se olhar no espelho e pintar a si mesmas
da maneira como se percebiam, com a finalidade de explorarem
diferentes expressões (rosto zangado, alegre, triste, etc.) e os sentidos
desses conceitos em libras e em português. Após a elaboração do
autorretrato, as crianças foram estimuladas a desenhar vários rostos
diferentes, dessa vez em tamanho reduzido e com caneta hidrocor
preta. Desenharam não só rostos com formatos mais padronizados,
como também rostos quadrados, de extraterrestres, entre outros.
Lápis de cor foi o material utilizado para a pintura desses desenhos
que, posteriormente fariam parte do jogo cara a cara.
É interessante notar que a maioria das crianças atribuiu ao
personagem desenhado o próprio nome ou os nomes de colegas.
Depois, as cartelas foram coladas às peças de madeira para compor o
jogo, como mostra a figura a seguir.
229
A descrição dos personagens foi feita com o auxílio de uma
folha para anotação de respostas, ou seja, uma espécie de legenda,
conforme mostra a figura a seguir.
230
Discussão de resultados
231
apresentam, além da assinatura, textos inteiros
compostos com letras do seu nome. Dado o papel que
ele assume no percurso da relação da criança com a
escrita, impõe-se, a nosso ver, uma reflexão sobre seu
estatuto, sobre sua especificidade, considerando que
não é qualquer escrito que está em jogo nesse modo
singular de escrever: trata-se de letras do nome da
criança, significante que nomeia um sujeito em sua
língua materna, e seu traçado sobre o papel resulta na
realização de uma marca em que o sujeito está
investido.
232
para si próprio suas vivências e compreensão do
mundo de que participa.
3 Na comunidade surda não é referido o nome das pessoas, mas o seu sinal,
adquirido no decorrer da vida e que guarda semelhança com algum traço físico
ou psicológico da pessoa.
233
conseguirem ouvir, seja por não terem relações mais estreitas com
atividades de leitura. Em relação aos nomes, percebeu-se que essas
crianças apresentaram dificuldades em relação à identificação dos
nomes de seus pais, já que, no mundo surdo, a identificação
privilegia o sinal e não o nome.
Para as crianças surdas, os nomes de seus pais não estão
salientes no cotidiano, dada a dificuldade de comunicação oral que
restringe muito do que poderia lhes ser dito pela família, incluindo aí
o nome próprio.
Em muitas ocasiões, quando se esperava que a criança surda
escrevesse o nome de seus pais, em geral, aparecia apenas o nome da
mãe, o qual havia sido mais requisitado em seu meio, seja porque a
mãe estava mais presente no cotidiano da criança, seja porque a
escola se reportava à mãe, por meio de bilhetes, quando eram
agendadas reuniões, por exemplo.
Substituir os termos ‘papai’ ou ‘mamãe’ por nomes
masculinos e femininos corresponde, assim, a uma etapa posterior
de aquisição, e isso deve ser requisitado pelo adulto que, agindo
dessa forma, dá oportunidade para que a criança surda reflita sobre
essa questão. Por não serem solicitadas em seu meio social, as
crianças surdas não sentem a necessidade de designar seus pais pelos
nomes próprios e seguem identificando-os apenas pela categorização
mais genérica: pai e mãe.
Considerações finais
234
entenderem a noção de gênero se comparamos com o grupo de
crianças ouvintes. Pode-se perceber que, para a criança surda, não é
a sonoridade do nome próprio que adquire maior saliência, mas sim
seu aspecto visual.
Foi importante observar como se davam os processos de
leitura de nomes e de imagens, a busca pela correspondência de
gênero, e a exploração do caráter visual da escrita do português e de
libras, além do aspecto lúdico e visual do jogo em questão.
A partir da necessidade de se pensar em estratégias
diferenciadas para o ensino dos surdos, este projeto sinaliza para a
importância do uso de estratégias visuais (REILY, 2003) na
produção de conhecimento pelo grupo de alunos surdos e oferece
contribuições tanto para a área de arte/educação quanto para a
aquisição da escrita.
Referências
235
HEATH, Shirley Brice. What no bedtime story means: narrative
skills at home and school. Language in Society, Cambridge, v. 11,
no. 1, p. 49-76, 1982.
HEATH, Shirley Brice. Ways with words: language, life and work
in communities and classrooms. New York: McGraw-Hill; Oxford
University Press, 1983.
236
Capítulo 12
A INCLUSÃO ESCOLAR NA VISÃO DOS
PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS: O CASO DO
MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA - SP
Josiane Fujisawa Filus
Paulo Ferreira de Araújo
Introdução
238
No Brasil, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996) adotou a inclusão como princípio
norteador da educação e muitas escolas têm encontrado obstáculos
em seu trabalho com essas pessoas. As dificuldades recaem sobre a
formação dos professores, o preconceito de gestores e pais, a falta
de estrutura física, a falta de recursos pedagógicos, entre outros
aspectos (GARCEZ, 2004; MOREIRA, 2006; BRIANT, 2008). No
entanto, o principal problema da educação brasileira é o acesso a
uma escola de qualidade, que há muito tempo não tem sido
prioridade do país. Nesse contexto, pensar a inclusão das crianças
com deficiência nas instituições de ensino requer reflexões,
reformulações e paciência, pois o caminho é mais longo do que
podemos imaginar.
Ao analisarmos a produção de documentos brasileiros
relacionados às pessoas com deficiência, percebemos que muitos
foram produzidos a partir de 1988 com base na Constituição
Federal. Nesse contexto, o ano de 1988 marca essa mudança de
olhar para a pessoa com deficiência, o que significa que não
necessariamente a sociedade renovou seu modo de ver, mas sim que
a população com deficiência se fez ‘ser vista’.
Apesar dessa busca por visibilidade, a criação de documentos
não garante uma prática coerente com a lei. Muitas reflexões e
discussões têm sido levantadas a respeito das dificuldades do
cotidiano escolar. Para Joaquim (2006), a proposta de escola
inclusiva efetivou a sua democratização, abrindo as portas para
diferentes grupos sociais, porém na prática sua dinâmica não mudou.
A prática docente continua a mesma: aulas expositivas,
conhecimento subdividido em áreas específicas, avaliações de
conteúdo, minimizando as oportunidades de os alunos
demonstrarem conhecimento relacionado à sua vivência, ignorando
inclusive sua capacidade de criação e desconsiderando a influência
das relações afetivas no processo de aprendizagem.
239
materiais, e que luta cotidianamente para superar essas
dificuldades ou conviver com elas. E assegurar o
direito a um ensino de qualidade, nessas condições,
tem sido um forte argumento para a existência do
apoio educacional especializado, considerado um
recurso capaz de colaborar no processo de apropriação
e produção de conhecimentos de uma parcela de
alunos que esteve excluída por longo tempo do
processo educacional, neste caso, os alunos com
necessidades educacionais especiais, que, obviamente,
necessitem de recursos especiais (JOAQUIM, 2006, p.
3).
Metodologia
240
subjetivo dos fenômenos, buscando depoimentos que se
transformam em dados relevantes, oriundos de pessoas simples.
O município pesquisado foi Hortolândia, SP, o qual atende
crianças com deficiência no Centro Integrado de Educação e
Reabilitação ‘Romildo Pardine’ (CIER) a referência do trabalho em
Educação Especial, caracterizando-se em um serviço municipal
destinado exclusivamente aos moradores de Hortolândia que oferece
atendimento às pessoas com deficiência nas áreas de educação,
habilitação, reabilitação e preparação para o trabalho. Atualmente, o
Centro está dividido em CIER Educação e CIER Saúde
(HORTOLÂNDIA, 2011).
A cidade de Hortolândia possui registros de crianças com
deficiência incluídas na rede municipal de ensino desde 1993.
Entretanto, um serviço de atendimento específico a essas crianças só
foi organizado a partir de 2009, aderindo ao Serviço Itinerante,
enquanto um projeto piloto destinado a seis escolas de Ensino
Fundamental. Nesse ano (2009), foram atendidos cerca de 50 alunos
com deficiências intelectual e auditiva. Não encontramos registro
desses atendimentos e números mais precisos, uma vez que não
havia coordenação no grupo de professoras itinerantes, não e havia
reuniões conjuntas e tampouco momentos para troca de
experiências ou informações.
Esse contexto foi organizado no ano de 2010, quando se
estabeleceu uma coordenação para esse grupo e houve a
descentralização dos atendimentos; aqueles que se encontravam no
CIER foram incluídos nas escolas regulares. Para tanto, foi
necessária a contratação de quinze professores com Habilitação em
Deficiência Mental, Auditiva e Visual. Em todas as vinte e uma
escolas de Ensino Fundamental do município havia alunos com
deficiência incluídos e o serviço itinerante das professoras
especialistas foi organizado em Blocos de Atuação.
Conforme a Secretaria de Educação de Hortolândia
(HORTOLÂNDIA, 2011), os blocos funcionam de formas
diferentes nas Escolas de Ensino Fundamental (EMEF) e nas
Escolas de Educação Infantil (EMEI). Nas EMEF, o serviço
funciona assim: cada professora tem um bloco de escolas, três ou
241
quatro unidades, nas quais há os dias delimitados para ela frequentar
durante o período de trabalho, matutino ou vespertino. Cada
professora passa então dois períodos por semana em cada escola,
nas quais estão estabelecidos os alunos que devem passar pelo
atendimento educacional especializado (AEE). Os atendimentos são
realizados durante 50 minutos, no horário de aula do aluno, o qual é
atendido no mínimo uma vez por semana, de acordo com o número
de alunos com deficiência da unidade de ensino. No ano de 2010, o
município recebeu treze salas de recursos onde são realizados o
AEE, e as escolas que não as têm disponibilizam espaços como
biblioteca, sala de informática ou alguma sala ‘vaga’ para o
atendimento.
Como principal critério de seleção dos sujeitos, participantes
deste estudo, consideramos o tempo de trabalho na função, sendo
incluídos na pesquisa aqueles que atuavam desde o ano de 2010 nas
escolas do município. Adotamos esse critério de seleção uma vez
que os serviços do AEE se organizaram a partir de 2010 e,
consequentemente, aqueles sujeitos que participaram de todo o
processo possuem maior experiência para contribuir com esta
pesquisa. Desse modo, incluímos apenas um diretor e um
coordenador de cada escola, desde que estivessem em sua respectiva
função desde o início do ano de 2010. Para a seleção dos
professores, contamos com o auxílio da gestão da escola, pois
incluímos no estudo os professores regentes e os de Educação Física
que tiveram alunos com deficiência em suas turmas nos anos de
2010 e 2011. Excluímos da pesquisa as professoras especialistas
contratadas no final do ano de 2010 e no início de 2011.
Diante desses critérios, apresentamos a relação numérica dos
participantes da pesquisa na Tabela 1, a seguir.
242
Tabela 1 – Número de sujeitos pesquisados
Sujeitos n
Diretor 20
Coordenador 13
Professor Regente 41
Professor de Educação Física 13
Professora Itinerante 17
Total 104
Fonte: Filus (2011, p. 116).
Diretores
243
formas: por encaminhamento do CIER ou pela matrícula dos pais.
No ano de 2010, houve a descentralização dos serviços do CIER
devido à inclusão de muitos de seus alunos nas escolas regulares.
Assim, de acordo com a localidade da residência, o aluno era
encaminhado para a escola municipal mais próxima. Nesse caso, a
escola tinha acesso ao prontuário do aluno que até então só
frequentara a escola especial, e havia a necessidade de conversar com
os pais para saber mais detalhes sobre o comportamento da criança,
além do auxílio dos profissionais da escola especializada.
A grande maioria dos diretores (95%) revelou que as crianças
com deficiência são matriculadas como as demais, os pais vão até a
escola mais próxima de sua residência e realizam a matrícula, mesmo
aqueles casos encaminhados pelo CIER.
Nas entrevistas com os sujeitos, constatamos que o
município apresenta uma organização relativa à inclusão de crianças
com deficiência, seguida por todas as escolas e centralizada na escola
de educação especial do município, o CIER. Mesmo com a
descentralização desse serviço e a presença das professoras de
Educação Especial itinerantes nas escolas, as informações e dúvidas
ainda são sempre destinadas ao CIER. Percebemos uma dificuldade
por parte da escola em incorporar esses conhecimentos,
continuando a remeter tudo o que se refere à deficiência para uma
instituição fora da escola. A ausência de formação dos profissionais
também aponta a necessidade de busca por aspectos que ainda não
estão presentes na escola, com outros profissionais, especialmente os
da área da saúde.
Nesse cenário, outro ponto relevante é a identificação que
ocorre em casos em que as crianças, após um período na escola,
apresentam problemas ou defasagens na aprendizagem e por isso
chamam a atenção dos professores. Observamos que há uma
organização das escolas, ou seja, um protocolo comum a seguir
nesses casos. De acordo com a maioria dos diretores (85,5%), essa
identificação acontece inicialmente pela observação da professora de
sala, que utiliza avaliações diagnósticas, também citadas como
sondagens, para verificar o nível de desempenho escolar dos alunos.
Constatando defasagens ou ausência de progresso na aprendizagem,
244
além da observação do comportamento da criança, a professora
contata a gestão da escola. Há duas escolas (20%) que também
analisam esses casos. Três diretores (15%) revelaram que a
professora especialista também é convocada para participar desse
processo de análise.
Com o consenso desses profissionais, é elaborado um
relatório sobre o comportamento e o desenvolvimento do aluno em
sala de aula. Esse relatório é chamado de ‘encaminhamento’, o qual é
apresentado aos pais ou responsáveis pela criança e estes têm a
incumbência de levá-lo até o CIER para agendar uma consulta com
a equipe de profissionais a fim de que essa criança passe por
avaliações que confirmem ou não a suspeita da escola. Três diretores
(15%) citaram casos de famílias que não levam as crianças para essa
avaliação, e que a escola tem que cobrar constantemente e ainda
ameaçar acionar o Conselho Tutelar. Segundo alguns diretores, essa
negativa dos pais está relacionada ao preconceito, pois no município
o CIER é reconhecido como ‘a escola das crianças com deficiência’,
ou seja, muitos pais receiam levar seus filhos para a avaliação
pensando que eles possam ter que ficar estudando lá.
A centralização dos serviços de Educação Especial no CIER,
ao longo dos anos, formou no município essa designação de que ali
são tratadas apenas crianças com deficiência. Mesmo o município
organizando uma equipe de saúde para avaliações nessa instituição,
muitos pais têm receio e mesmo preconceito em ter seus filhos
associados a esse local. Assim, algumas diretoras relatam a
necessidade de convencer os pais a levarem seus filhos para uma
avaliação que tem por objetivo não apenas diagnosticar, mas
também auxiliar essas crianças em seu desenvolvimento escolar.
Nesse sentido, na organização municipal observamos um
distanciamento dos serviços de identificação (escola), diagnóstico
(profissionais da saúde), e atendimento (escola e saúde). A
morosidade e a burocracia desses encaminhamentos dificultam o
progresso escolar de muitos alunos que necessitam dessa atenção
especial. Destacamos, assim, a necessidade de diminuir essa
distância, facilitando o atendimento dos alunos com necessidades
especiais.
245
Todos os diretores entrevistados por nós pontuaram que
houve a necessidade de adquirir materiais após a chegada das
crianças com deficiência. Grande parte citou a prefeitura, por meio
da verba de subvenção, como a maior auxiliadora nesse processo,
pois a prefeitura envia os recursos financeiros e os diretores
adquirem os materiais. Cinco diretores (25%) citaram o auxílio das
professoras especialistas que listam os materiais mais necessários.
Além disso, quatro diretores (20%) citaram a aquisição da
Sala de Recursos, o que se deu pelo intermédio da prefeitura junto
ao MEC. Segundo a Secretaria de Educação de Hortolândia (2011),
foram treze as escolas que receberam essas Salas em 2012.
Questionados sobre o modelo de trabalho realizado no
município para a inclusão de crianças com deficiência nas escolas,
todos os diretores entrevistados se mostraram satisfeitos com as
ações da Secretaria. Quatro diretores (20%) apontaram que a
distribuição do trabalho, antes realizado apenas no CIER, favoreceu
a ampliação do atendimento, visto que muitos pais não podiam levar
seus filhos até a instituição especial. Outros cinco (25%)
comentaram que a presença das especialistas em Educação Especial
na escola trouxe segurança ao trabalho de todos, pois muitos se
sentem despreparados para o trabalho com crianças com deficiência.
Três diretores (15%) levantaram a necessidade do tempo integral de
trabalho das professoras especialistas em apenas uma unidade de
ensino.
Dois diretores (10%) citaram, como melhoria do trabalho de
inclusão, a contratação de estagiárias, estudantes de Pedagogia, que
auxiliam individualmente os alunos com deficiência em sala de aula.
Um diretor sugeriu o aumento do número de profissionais da saúde
que atendem as crianças encaminhadas, pois considera a lista de
espera muito grande, o que torna o atendimento lento e prejudica o
desempenho escolar do aluno.
Verificamos que as escolas, por meio de seu diretor, ainda
não se responsabilizam pela criança com deficiência, apontando
sempre a necessidade de mais profissionais para lidar com esses
alunos. Chamamos isso de ‘transferência de responsabilidade’, pois
constatamos que as crianças com deficiência ainda não são
246
consideradas como ‘da escola’ e por isso devem ser assistidas por
outros profissionais, segundo os diretores, mais preparados.
Essa transferência de responsabilidade por parte da escola,
em não assumir por completo as ações referentes à criança com
deficiência, perpassa principalmente pela busca pela escola de
qualidade, que consta nos discursos, porém não se concretiza na
prática, conforme sugerem os estudos de Silva (2006). Para este
autor, a minimização dos problemas estruturais da educação (baixos
salários, classes superlotadas, formação de professores, etc.) refletiria
em um menor impacto sob a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais, uma vez que a escola atenderia a todos, em
sua forma mais democrática, e assim os ajustes a serem pensados
seriam menos radicais.
A partir do contato com a organização do município e as
ações dos diretores, percebemos que as escolas têm acumulado
funções como estas, de cobrar os pais sobre o atendimento prestado
a seus filhos. Em alguns casos, essa cobrança ultrapassa os limites de
obrigação da escola, ou seja, de ordem pedagógica, e muitos gestores
realizam um trabalho assistencial às famílias. Apontamos assim a
necessidade da integração da Secretaria de Educação a outros órgãos
municipais, como a Saúde e a Assistência Social, a fim de sanar essas
lacunas na inclusão escolar das crianças com deficiência.
Muitos diretores (50%) citaram a inclusão escolar como ‘algo
novo’, do qual todos estão aprendendo e que a prefeitura tem feito o
que está ao seu alcance. Salientamos que apesar de ser um processo
em andamento, essa fala não pode ser utilizada como um ‘chavão’
para justificar os entraves da inclusão escolar e muito menos para
tirar a responsabilidade dos diretores nesse processo, como se não
pudessem ser cobrados por algo que ‘acabou de começar’. Enquanto
parte de uma organização municipal, os gestores devem ser
coparticipantes de todo o processo e assumir suas responsabilidades
dentro das escolas, prestando todo o apoio necessário a alunos,
professores e funcionários.
Constatamos assim que o discurso dos diretores está
vinculado a uma visão assistencialista da deficiência, pautada na
questão médico-corretiva, ou seja, a preocupação está voltada para o
247
atendimento médico dessa criança a fim de que uma ‘cura’ possa
normalizá-la para seguir o curso de seus estudos como os demais
alunos. Essa concepção da deficiência, observada nos discursos,
forma uma barreira para a inclusão escolar, visto que possibilita aos
diretores transferir sua responsabilidade para outros setores
extraescolares. Essa forma de pensar e representar a pessoa com
deficiência reforça a ideologia dominante que quer refletir o
oferecimento de condições para os direitos humanos, mas que, na
realidade, busca a ausência de qualidade da educação para continuar
mantendo o controle sobre as classes.
Portanto, faz-se necessário lutar contra esse poder dominante
e todos os envolvidos na educação devem assumir suas
responsabilidades. O diretor exerce um grande papel na inclusão de
crianças com deficiência. Enquanto gestor da escola, ele é, ao
mesmo tempo, o representante legal do município e o representante
da sociedade, atuando como interlocutor dessas duas instâncias.
Desse modo, o diretor interage com outros órgãos do município,
como Segurança, Obras e outros, a fim de reivindicar recursos para
sua escola, sejam adaptações ou adequações. Considerando seu papel
na gestão da escola e seu contato inicial com a criança que é
matriculada e a sua chegada à escola, ele deve estar inteirado não
apenas das leis e normas do município como também ser co-
responsável pelo desenvolvimento pedagógico do aluno, a par de
todos os processos que envolvem a inclusão escolar.
Coordenadores pedagógicos
248
necessidades e não atuarem tão diretamente nas intervenções como
os diretores. Acreditamos que isso se deve à própria função do
cargo, que destina aos coordenadores a intermediação da
administração com o fazer pedagógico do professor. Ressaltamos no
Quadro 1 os pontos relevantes das entrevistas com as
coordenadoras.
249
maiores explicações e até de conversas de convencimento para que a
participação na pesquisa ocorresse.
Verificamos, portanto, um receio de grande parte das
coordenadoras em fazer parte da pesquisa, justificado pelo controle
exercido sobre seu trabalho, o que talvez justifique a ausência de
apontamentos mais contundentes em relação ao processo de
inclusão escolar. Conforme prevê a ideologia dominante, os
coordenadores têm auxiliado na manutenção das representações
sobre os direitos das pessoas com deficiência, o que mascara as reais
intenções da classe dominante, ou seja, as de continuar promovendo
uma educação de má qualidade que não forma cidadãos conscientes
de seus direitos e deveres.
250
como a divisão de responsabilidades na interferência sobre o
processo de inclusão, que não deve ser visto apenas como tarefa da
professora especialista, mas de toda a comunidade escolar.
Situamos o discurso das professoras especialistas fortemente
ligado à questão psicopedagógica, pois consideram sua atuação mais
voltada ao atendimento individualizado do aluno, a fim de melhorar
seu desempenho escolar. A própria organização do município
permitiu a incorporação dessa função, visto que o atendimento é
realizado individualmente, em local separado, com o objetivo,
portanto, de levar até o aluno aquilo que ele teria na escola especial.
O ideal seria que esse profissional estivesse junto à sala de aula,
auxiliando o professor para que as atividades se realizassem
efetivamente como inclusivas, e não que fizesse um trabalho à parte,
como tem acontecido. O trabalho individualizado objetivando que
os deficientes produzam tanto quanto os ‘normais’ vai ao encontro
da ideologia dominante imposta à sociedade, mais uma vez
alardeando os direitos humanos, mas agindo com o fito de que os
anormais não sejam parasitas (JANNUZZI, 2004), porém
produtivos ao sistema econômico.
251
alguns revelaram não ter conhecimentos ou informações a esse
respeito.
Acreditamos que a própria organização da escola possa
favorecer esse distanciamento da área da EF no processo de inclusão
escolar. A rotatividade das turmas, o número reduzido de aulas, o
número excessivo de alunos por sala somados à postura do
professor que não teve conhecimentos em sua formação, que
convive com os problemas da educação brasileira (baixos salários,
falta de incentivo, entre outros), podem ser fatores que consolidem
ainda mais esse distanciamento.
Julgamos relevante salientar a individualidade de cada
professor entrevistado, como sugere Seabra Junior (2006). Para este
autor, cada professor, no interior de sua individualidade, tem
convicções e perpectivas contruídas sobre diferentes pilares,
conforme o momento histórico e político vivenciado. Assim, sua
atuação deve ser entendida como uma inter-relação de diferentes
aspectos, além dos conhecimentos acadêmicos, pois o envolvimento
com a causa e a busca por diferentes metodologias e possibilidades
perpassam pelos conceitos e pré-conceitos vividos e compreendidos
por cada sujeito no decorrer de suas vidas.
Analisando os discursos dos professores, podemos observar
que, pelo pouco comprometimento, suas concepções estão pautadas
na vertente médico-corretiva que considera a criança com deficiência
como um paciente que precisa de cuidados e, portanto não tem seu
espaço nas práticas da escola. A isenção de responsabilidade com
esses alunos, somada às abordagens tecnicistas que ainda rondam a
prática pedagógica na EF, continuam a reforçar a ideologia
dominante, que espera que cada nicho de profissionais esteja
preocupado apenas com o seu fazer, não havendo interações e
discussões, uma vez que esses momentos de reflexão podem ser
estopins para reivindicações maiores, as quais ameaçariam a ordem
vigente.
Destacamos o papel dos gestores e administradores da
Educação de Hortolândia para o oferecimento de cursos de
formação continuada para uma sensibilização seguida de
conhecimentos sobre as deficiências, a fim de promover mudanças
252
‘de dentro para fora’, para que os professores de EF se sintam
responsáveis e participantes efetivos da inclusão escolar das crianças
com deficiência. Um caminho necessário é o oferecimento de
momentos de reflexão entre os professores, não só para trocarem
informações sobre os alunos com deficiência, como também para
discutirem acerca das condiçõe atuais da educação brasileira.
Professores
253
diferenciadas, uma prática que não favorece a inclusão escolar desses
alunos, visto que pelos relatos dos professores essas atividades estão
descontextualizadas do conteúdo ministrado ao restante da turma.
Sobre o engajamento da família na inclusão escolar, os
professores demonstraram uma visão negativa desse relacionamento,
classificando a relação como difícil, e observamos dois extremos em
relação aos responsáveis pelas crianças: os pais superprotetores e os
omissos. Destacaram também que há necessidade de um maior
entrosamento entre as duas instâncias.
A grande maioria dos professores se mostra insatisfeita com
o modelo de atuação municipal no que se refere à inclusão e
apontam como falhas a demora para informações e atendimentos do
CIER, a falta de formações e preparo para professores e
funcionários, a maior frequência e presença da especialista na sala de
aula e o fato de haver muitos alunos em sala de aula.
Diante desses dados, podemos verificar que os professores
têm buscado se adequar, às situações que acontecem no cotidiano da
sala de aula. Sem informações suficientes sobre os alunos e
considerando-se despreparados devido à pouca formação inicial e
pouco oferecimento de formação continuada, eles se utilizam de
atividades diferenciadas para conseguir um bom andamento das
atividades no contexto da sala de aula. No entanto, mostram-se
preocupados com o desenvolvimento de toda a turma, pois não
conseguem dar atenção a todos de maneira a favorecer um bom
desempenho escolar. Assim, não estão satisfeitos com a inclusão
escolar no formato que acontece no município, porque acreditam
que além de mais informações e capacitações, há a necessidade de
uma presença constante da especialista em Educação Especial na
sala de aula, assim como troca de informações com profissionais da
saúde que atuam com os alunos com deficiência.
Ao analisarmos o discurso dos professores, de forma geral,
percebemos que está centrado na questão médico-corretiva, uma vez
que consideram a criança com deficiência como necessitada de
atenção mais especializada do que aquela que podem oferecer na
escola. Com o pensamento arraigado nas limitações dos alunos, os
professores se mostram insatisfeitos com a inclusão, o que poderia
254
ser um pontapé inicial para reflexões a respeito da ideologia imposta
sobre o discurso desse processo. No entanto, o que percebemos são
professores desmotivados e angustiados, sem muitas forças para
lutar não apenas por melhores condições de trabalho, mas também
pelo aprendizado de alunos que se tornem cidadãos participativos e
questionadores da realidade.
Considerações finais
255
têm uma visão preconceituosa da instituição CIER como a escola
das crianças com deficiência, o que prejudica ainda mais esse quadro.
A direção da escola, as professores especialistas e os professores de
EF não participam desse processo de identificação e
encaminhamento. Acreditamos que professores especialistas e de EF
teriam muito a contribuir na identificação e encaminhamento de
crianças, uma vez que possuem conhecimentos e experiências, tanto
dos aspectos biológicos quanto comportamentais que permitiriam
maiores reflexões e talvez melhores possibilidades antes de realizar o
encaminhamento.
Esses momentos de reflexão, objetivando a troca de
informações sobre os alunos, poderiam ser mais estimulados com
Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) que envolvessem
todos esses grupos. Verificamos que algumas conversas acontecem
rapidamente no dia-a-dia, o que é insuficiente para trocar
informações e compartilhar experiências referentes às crianças. Os
HTPCs são realizados nas escolas uma vez por semana, porém as
professoras especialistas e os de EF não participam, tendo HTPC
com seus pares (HTPC para os professores de EF da rede, e HTPC
para professoras especialistas).
Acreditamos que esse distanciamento entre os profissionais
auxilia na promoção de comportamentos isolados de cada grupo,
como observamos nos relatos das professoras especialistas, que se
sentem mais responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem do
aluno durante os seus atendimentos, não se ocupando com os
demais envolvidos, professores e funcionários a fim de trazer
conhecimentos e estabelecer o vínculo da Educação Especial com o
ensino regular, estabelecido no Decreto relativo ao AEE. De forma
mais omissa, os professores de EF demonstraram durante as
entrevistas uma despreocupação ou isenção de responsabilidade com
o processo de inclusão.
Assim, com a definição e distanciamento das ações dos
sujeitos, os professores de sala encontraram como metodologia mais
viável a utilização de atividades diferenciadas destinadas aos alunos
com deficiência. Essa prática, em nosso entender, caracteriza uma
exclusão desse aluno, visto que as atividades estão geralmente
256
descontextualizadas do conteúdo passado aos demais alunos da sala.
Mesmo que essas crianças estejam atrasadas em relação ao
desenvolvimento cognitivo e mesmo motor, a inclusão prevê uma
reformulação de todo o ensino, no qual as oportunidades sejam
oferecidas de acordo com as potencialidades de cada aluno.
Sabemos, contudo, que a formação inicial e a promoção de
formação continuada não são suficientes para capacitar esses
professores, uma vez que esses cursos não dão conta do fazer
pedagógico, restringindo-se apenas aos aspectos característicos de
cada deficiência. Destacamos que uma ‘receita’ de como planejar e
aplicar aulas inclusivas não é possível, pois acreditamos que cada
turma é única, devendo ser consideradas as características desses
alunos no planejamento das atividades. Afirmamos que com
criatividade e respeito às diferenças cada professor conseguirá
formular novas possibilidades, mas isso só acontecerá se as barreiras
do preconceito forem vencidas, já que percebemos que a visão
biológica da deficiência, somada a uma percepção assistencialista
incutida no histórico de vida de cada professor, dificulta a ampliação
do olhar para a promoção de oportunidades aos alunos.
A ação municipal para a inclusão das crianças com deficiência
acontece de forma satisfatória para os gestores, diretores e
coordenadores e as professoras especialistas. Não obstante, os
professores de sala criticam o modelo de atuação do município e
apontam várias necessidades de mudança, como maiores
informações e ampliação dos atendimentos do CIER, cursos de
formação para professores e funcionários, maior frequência ou
presença constante da especialista na sala de aula e redução do
número de alunos na sala.
Percebemos que os discursos dos envolvidos giram
principalmente em torno da questão médico-corretiva da deficiência,
o que não permite que esses profissionais da escola se sintam
responsáveis pelo aluno com deficiência. Além disso, com base na
visão do aluno como ‘necessitado de atendimento médico com vistas
à cura’ ou normalização, os professores não conseguem perceber sua
atuação como necessária ou mesmo proveitosa para as crianças. A
distância entre os professores envolvidos na inclusão escolar e sua
257
postura diante do processo nos permitiu apontar que reafirmam a
ideologia dominante que prega um atendimento assistencialista aos
deficientes, com vistas aos direitos humanos, mas que sua real
intenção é camuflar a formação de uma sociedade consumista e
conformada.
Concluímos que o processo de inclusão no município de
Hortolândia apresenta uma organização que precisa de ajustes,
principalmente na visão dos professores, responsáveis pela criança
com deficiência. Essas arrumações dizem respeito a cursos de
formação continuada que atendam as dúvidas e angústias referentes
ao fazer pedagógico, com atividades e metodologias que realmente
favoreçam a inclusão escolar e a presença constante das especialistas
em Educação Especial para dar suporte ao professor. Destacamos,
também, uma aproximação dos professores de EF com o processo,
uma vez que vinculados à área da Saúde detêm conhecimentos de
aspectos biológicos e de desenvolvimento humano que possibilitam
um olhar diferenciado sobre as questões relativas a comportamentos
motores atrasados. Salientamos ainda que o espaço da aula também
favorece contribuições importantes para a inclusão das crianças.
Acreditamos, ainda, que se faz necessária a criação de um
vínculo da escola com a área da Saúde, que poderia acontecer por
meio da inserção de profissionais desse segmento no ambiente
escolar através de reuniões com os professores ou mediante
atendimento às crianças com deficiência na escola.
Referências
258
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de diretrizes e bases da
Educação Nacional no 9394/1996. Diário Oficial [da] União,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso
em: 20 jun. 2010.
259
JANNUZZI, Gilberto Martino. A educação do deficiente no
Brasil:dos primóridos ao início do século XXI. Campinas, SP:
Autores Associados, 2004.
260
Capítulo 13
A FAMÍLIA E A CRIANÇA SURDA: ALGUMAS
REFLEXÕES
Celma Regina Borghi Rodriguero
Solange Franci Raimundo Yaegashi
Introdução
261
como, por exemplo, o nascimento de um filho com necessidades
educacionais especiais podem ter efeitos de diferentes alcances sobre
a saúde mental da família e de seus componentes.
Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo refletir
sobre as reações da família diante do nascimento de um filho com
surdez, buscando compreender os psicodinamismos que se
configuram entre os membros da família e as formas de
enfrentamento do problema.
O texto foi subdividido em duas partes. Na primeira,
procurou-se abordar a família como instituição necessária na
construção da identidade da criança. Na segunda, por sua vez,
procurou-se realizar uma discussão a respeito das reações da família
diante do nascimento de um filho com necessidades educacionais
especiais.
262
em manter a criança deficiente1 em casa ou interná-la em uma
instituição, para que seja atendida adequadamente. Ressalta, ainda, a
grande importância do fator afetivo para a criança, na convivência
com a família, e sustenta que a privação de amor e o abandono, são
talvez as únicas coisas que a criança não é capaz de superar.
Foucault (apud D’ANTINO, 1988), por sua vez, concebe a
família como um espaço de sobrevivência e evolução da criança,
pois os laços de família servirão para organizar e funcionar como
matriz para o indivíduo adulto.
De acordo com Glat (1996), em muitos momentos se
subestima o fato de que o indivíduo passa a maior parte de seu
tempo com a família, que é a primeira instância que moldará seus
valores, sua concepção de mundo e sua autoimagem. Além disso,
para os indivíduos com necessidades especiais, os horizontes sócio-
afetivos parecem mais limitados.
É importante frisar que todo ser humano, nasce em uma
família específica, com características próprias, pertencente a uma
cultura específica e ocupando uma posição socioeconômica dentro
desta cultura. E, mesmo no grupo familiar, o indivíduo já nasce
ocupando uma posição determinada, por exemplo, de filho mais
velho, de filho mais novo, etc.
Nesta perspectiva, entende-se, como lembra Glat (1996), que
a família realiza a socialização primária do indivíduo, ou seja,
propicia-lhe a aprendizagem dos papéis sociais, a formação da
identidade social, enquanto que a socialização secundária ocorre
mais tarde, geralmente na fase escolar, quando o indivíduo entra em
contato com um grupo social mais amplo. Portanto, o tipo de
inserção social do indivíduo dependerá muito do que aconteceu
durante seus anos formativos, no contexto familiar.
Para D’Antino (1988), a família, sendo microestrutura social,
foi e será sempre o primeiro e de fundamental importância ‘berço do
263
indivíduo’ e tem como função principal satisfazer as necessidades
físicas, afetivas e sociais da criança. Sendo ‘berço’, atua como
mediadora original entre a criança, o mundo social e as relações
sociais mais amplas, auxiliando-a na formação de sua primeira
identidade social.
Luckman (apud GLAT, 1996), por sua vez, afirma que a
criança nasce em uma estrutura social já existente e numa concepção
de mundo já reforçada socialmente. As relações sociais diretas ou
primárias são determinadas pela estrutura social e concepção de
mundo, sendo essas determinadas pela estrutura familiar. Assim, o
nascimento de um filho com necessidades especiais pode alterar por
completo essa estrutura familiar, conforme veremos no próximo
item desse texto.
264
deficiência, varia de uma família para outra, sendo, para algumas
famílias, um processo longo e difícil e, para outras, parece ocorrer
com maior facilidade. Afirmam ainda, que qualquer família, enfrenta
uma série de períodos críticos, períodos esses, de transição que
geram tensões (nascimento de mais um filho, entrada na escola etc.).
E, para a família que tem um filho com deficiência, a tensão desses
momentos pode ser mais aguda.
Kirk e Gallager (apud MAZZUCO-DALLABRIDA, 1996)
relatam que as famílias, em sua maioria, mais especificamente os
pais, enfrentam duas crises principais com o nascimento de um filho
deficiente. A primeira é a causada pela ‘morte simbólica’ da criança
que deveria ter nascido e a segunda refere-se às providências e
cuidados, questões proporcionais às necessidades especiais
requeridas pela deficiência.
Krynski (apud MAZZUCO-DALLABRIDA, 1996), por sua
vez, classifica as reações dos pais em relação ao nascimento de um
filho deficiente em fases: a primeira das quais é a do alarme, imediata
à constatação do problema, caracterizada por angústia, rejeição e
revolta; a segunda fase implica em culpa, fruto dos sentimentos de
rejeição e a consequente superproteção compensadora; a terceira
fase, que se estabelece lenta e progressivamente diante da realidade
irreversível, é o reajuste, portanto, das condições das fases anteriores
e caracteriza-se pela racionalização, sublimação e negociação entre
tipos de sentimentos e comportamentos.
Nesta mesma perspectiva, Miller (1995) cita também quatro
fases de adaptação vivenciadas pela maioria das famílias que têm
crianças com necessidades especiais: 1) sobrevivência; 2) busca; 3)
ajustamento e 4) separação.
Segundo a autora, a fase de ‘sobrevivência’ caracteriza-se
pelas tentativas dos pais de continuarem caminhando apesar do
sentimento de desamparo, do sentir que algo fora de seu controle
retirou de seu filho a chance de uma vida plena. Assim, “[...]
sobreviver significa reagir e enfrentar; envolve uma multidão de
emoções desconfortáveis que podem incluir o medo, a confusão, a
culpa, a vergonha e a raiva” (MILLER, 1995, p. 40). Esta fase é
diferente para cada um, pode durar uma semana ou anos, cada um
265
passa por esse período a seu modo e no seu próprio tempo. Dessa
forma, sobreviver significa enfrentar e enfrentar quer dizer fazer o
que for preciso, resolver um problema por vez.
As reações de sobrevivência são normais, necessárias e não
são ‘más’, ‘erradas’ ou ‘fracas’, apenas representam as maneiras como
as pessoas se sentem quando ouvem notícias tristes ou assustadoras
e, portanto, tais sentimentos não devem ser julgados. Esse processo
inicia-se com um estado de choque, que significa uma sensação de
dormência, incredulidade e desorientação e cuja função é proteger
tanto o corpo quanto a mente da sobrecarga da notícia.
Ocorre ainda, segundo a autora, o período de luto e perda,
no qual pode ser experimentada enorme dor pela perda dos sonhos
relativos à criança e à família. O luto é pela criança que merece as
mesmas chances que qualquer outra pessoa na vida e por aquilo que
ela nunca poderá vivenciar. A negação, outro sentimento
experimentado, é um mecanismo de proteção utilizado quando não
se está pronto para lidar com o problema e suas implicações. Ela
pode ser classificada como escolhida, quando caracterizada pelo
raciocínio de que se o problema for ignorado, irá embora; ou pode
ser inconsciente, quando se olham os fatos e realmente acredita-se
que não são verdadeiros.
A segunda fase, por sua vez, caracteriza-se pela ‘busca’, que
“[...] representa um período de ação, de movimentação para além da
fase reativa da sobrevivência. É o despertar de uma fonte de energia,
o início de um senso de controle sobre suas emoções e sua vida”
(MILLER, 1995, p. 65).
A família, durante toda a vida, terá períodos de busca com o
filho. Esta busca pode ser externa, tendo início quando ainda se está
sobrevivendo e consiste na procura de um diagnóstico e serviços de
saúde. Normalmente, o processo de busca externa oferece novas
perspectivas sobre a deficiência, pois possibilita o contato com
outras famílias. Cada família define e lida com a ideia da deficiência à
sua maneira e de acordo com o seu sistema de valores pessoais,
religiosos, crenças culturais, bem como com a personalidade
individual de cada membro da família. Pode, por outro lado, ser
interna quando se tenta encontrar uma identidade como pai ou mãe
266
de uma criança com necessidades especiais. Esta fase se inicia
também durante a sobrevivência e pode continuar por muito tempo.
Assim, “[...] a busca interna implica a procura por compreensão. A
vida mudou e não se sente que se tem domínio sobre ela” (MILLER,
1995, p. 41). Podem se modificar ainda as prioridades, os
relacionamentos e as amizades. Além disso, pode ser necessário
alterar planos de volta ao trabalho no caso da mãe, ter outros filhos,
mudar de residência ou cidade.
A terceira fase do processo de adaptação caracteriza-se pelo
‘ajustamento’. Nesta fase, a busca externa passa a ocupar um tempo
menor, ocorre uma mudança de atitude e, segundo a autora, mais
importante que a aquietação do processo de busca externa é a
acomodação da atitude em relação a ela. A passagem do processo de
busca ao de ajustamento implica em alguns períodos importantes,
nos quais se reconhece que não existem curas rápidas e nem
soluções fáceis, as mudanças levam tempo para acontecer e se está
lidando com um processo de vida; algumas das questões que surgem
não têm respostas e é preciso se acostumar a viver com a
ambiguidade e a incerteza; a maioria das preocupações sobre o
futuro a longo prazo, não poderá ter solução no decorrer dos
primeiros anos de vida da criança, uma vez que inúmeros fatores
poderão afetar o futuro; e, finalmente, há uma conscientização de
que continuamente ocorrem avanços em áreas que poderão
significar melhorias na vida da criança.
Por fim, a quarta fase caracteriza-se pela ‘separação’. Na
verdade, esta separação é um processo gradativo e normal, que tem
início no nascimento e ocorre em pequenos passos no decorrer da
infância, sendo que cada um deles representa um passo em direção à
independência, à medida que o filho cresce e se distancia da família e
esta o libera. Esse processo é necessário para o desenvolvimento.
Mas, em se tratando de crianças com necessidades especiais, esse
processo pode ocorrer de forma alterada ou mais gradativa. Como
essas crianças podem se mostrar incapazes de iniciar procedimentos
de separação por si cabe aos pais o papel de ajudá-las a se tornarem
mais independentes. A separação, nesse caso, tem que ser iniciada,
planejada ou supervisionada pelos pais, o que não faz parte da
267
ordem natural das coisas, pois, em geral, tanto pais quanto filhos se
engajam nas atividades de separação.
O processo de ajustamento envolve a questão da aceitação.
Esta pode ser definida como “[...] receber de bom grado e sem
protestos; perceber como apropriado e condizente” (MILLER, 1995,
p. 98). No entanto, segundo a autora, essa definição é questionável,
uma vez que não parece coerente que pais aceitem de bom grado e
sem protestos a deficiência do filho. Uma segunda definição seria,
“[...] admitir a existência da situação, digeri-la e conviver com ela, da
melhor maneira possível” (MILLER, 1995, p. 99). É, portanto,
reconhecer que a criança apresenta necessidades especiais, é absorver
o fato e fazer o melhor possível disso, é reconhecer que o problema
existe o que requer a compreensão do significado do problema na
vida da família.
Nesta mesma perspectiva, Telford e Sawrey (1983)
argumentam que raramente a aceitação se constitui num ato de fé,
que se processa de uma vez. É, ao contrário, um processo contínuo
e permanentemente mutável, que flutua em níveis, momentos e
contextos diferentes, sendo que muitos pais não vão além da
aceitação parcial, ou seja, aceitam o diagnóstico, mas rejeitam suas
implicações prognósticas. Ajustamento, portanto, “[...] é ver o
mundo como ele é e ver a si mesmo como você é. Implica avançar
além das emoções intensas da sobrevivência, sentindo menos a
sensação de urgência da etapa da busca, à medida que se obtém um
sentido de controle e equilíbrio sobre a vida diária” (MILLER, 1995,
p. 85).
Turnbull, Summers e Brotherson (apud POWELL; OGLE,
1992) destacam que a primeira preocupação dos pais de uma criança
deficiente está em ‘obter um diagnóstico exato’ em ‘como informar
os irmãos’ e em ‘estabelecer rotinas para as funções familiares’.
Segundo Maggiori e Marquezine (1996), o conhecimento
imediato ou tardio do diagnóstico de algum tipo de deficiência pelos
pais refere-se sobremaneira ao vínculo estabelecido entre a criança e
o grupo familiar, ou seja, quando o diagnóstico é tardio, o vínculo já
se estabeleceu e os pais já se adaptaram ao convívio da criança e, em
muitos casos, já perceberam de maneira inconsciente o problema, o
268
que de certa forma pode facilitar ou amenizar o processo de
aceitação. Muitas vezes, os pais preferem afastar-se do contato com
o mundo, por não se sentirem capazes de corresponder às
expectativas criadas em torno deles, uma vez que, segundo as
autoras, na fantasia de algumas pessoas, “[...] os pais de crianças
portadoras de necessidades especiais devem amá-las com
enternecido carinho, aceitando-as plenamente, exibindo-as como um
troféu conferido pelos céus” (MAGGIORI; MARQUEZINE, 1996,
p. 508).
É importante ressaltar que a família de deficientes funciona
como qualquer sistema familiar em que as ações de cada membro
influenciam as ações dos outros. E, como afirmam Simeonsson e
Simeonsson (apud POWELL; OGLE, 1992), as famílias de
deficientes têm que enfrentar as pressões e as exigências sociais de
hoje, assim como as outras famílias. No entanto, devido às
circunstâncias, têm que enfrentar, também, as exigências especiais da
criação de um filho com deficiência.
Conforme Powell e Ogle (1992), as famílias de deficientes
são como todas as outras no sentido de que suas necessidades
variam, sendo que cada família é única e existem numerosos fatores
que influenciam em como seus membros enfrentam e se portam
diante do desafio de incorporar o deficiente à estrutura familiar.
Assim, ao mesmo tempo em que as famílias manifestam
vulnerabilidade, manifestam também extrema força. Como afirmam
Featherstone e Perske (apud POWELL; OGLE, 1992, p. 61), “[...]
os pais e as famílias aguentam e aprendem a viver com a dor [...]
com frequência transformam uma situação difícil numa experiência
rica e compensadora”.
Porém, como salientam Maggiori e Marquezine (1996), um
fato que acontece com frequência é a dificuldade de falar sobre a
criança, o que pode revelar o sentimento de vergonha, a busca de
justificativas para esconder o filho, a tentativa de poupá-lo da
convivência e exposição a estranhos, o que poderia suscitar
perguntas referentes ao problema. Para as autoras, ao se tratar do
fator deficiência,
269
[...] observa-se que em nossa cultura a alfabetização é
destacada como necessidade básica para obtenção de
ascensão social. Para esses pais o fator alfabetização é
fundamental para que eles demonstrem para a
sociedade que seu filho conseguiu atingir um mínimo
de status socialmente esperado (MAGGIORI;
MARQUEZINE, 1996, p. 508).
270
exceto no caso em que os pais não são capazes de assumir uma
atitude realista e objetiva diante da incapacidade do filho; 4)
‘sentimento de ambivalência em relação à criança’: as atitudes
familiares, mesmo que predominantemente positivas, têm momentos
de ressentimento e rejeição; 5) ‘projeção’: é uma defesa comum
contra os sentimentos de ansiedade. É o caso em que a ansiedade,
que se refere à culpa pessoal, a sentimentos de ressentimento e
hostilidade, pode ser diminuída responsabilizando-se outras pessoas,
ou seja, “[...] os pais se tornam ansiosos em decorrência das
situações que emergem a partir da criança deficiente, amiúde
projetam as causas das deficiências da criança em bodes expiatórios
convenientes” (TELFORD; SAWREY, 1983, p. 184); 6)
‘sentimentos de culpa, vergonha e depressão’: a vergonha, segundo
os autores, refere-se à reação dos outros, é mais direcionada no
sentido das outras pessoas, envolve a expectativa da ridicularização
ou da crítica de outras pessoas. A culpa refere-se a sentimentos
individuais de auto-reprovação ou autocondenação sendo, portanto,
mais auto-dirigida e envolvendo a auto-responsabilização, o remorso
pessoal e um sentimento de diminuição do valor pessoal. A
depressão resulta dos sentimentos de culpa ou auto-
responsabilização acompanhados da ansiedade e auto-conceito
rebaixados, assim, os sentimentos de depressão são experiências
frequentes nas pessoas movidas pela vergonha e pela culpa; 7)
‘padrões de dependência mútua’: pode desenvolver-se uma situação
de dependência circular, quando um dos pais investe grande parcela
material e emocional no cuidado da criança deficiente. A família e a
criança exercem efeitos recíprocos entre si e a modificação em um,
afeta o outro e, vice-versa.
No entanto, estas reações são comuns a qualquer situação de
frustração ou conflito e não especificamente dos pais de crianças
com necessidades especiais. Ocorre que a presença de uma criança
com necessidades especiais na família, constitui uma tensão adicional
e, assim, é possível que as reações defensivas aconteçam com maior
frequência e em maior grau nessas famílias.
É importante não esquecer que o indivíduo com
necessidades especiais é membro de uma família e que esta, por sua
271
vez, é parte de um contexto social mais abrangente. Assim, os
padrões culturais predominantes na sociedade têm um impacto
sobre esse indivíduo. No entanto, como afirmam Telford e Sawrey
(1983, p. 168), “[...] a família individual é o grande agente mediador
primário através do qual essas unidades sociais mais amplas exercem
sua influência sobre o indivíduo”. Segundo os autores, a família é um
pequeno sistema social que contém subsistemas menores, e o que
acontece a um membro da família afeta os subsistemas dos quais ele
faz parte e, consequentemente, o que afeta o subsistema acaba
refletindo-se no sistema como um todo. No sentido inverso,
qualquer tensão na família acaba por repercutir sobre os subsistemas
e sobre o indivíduo. Cabe lembrar ainda que, como a maioria dos
grupos sociais, as famílias desenvolvem padrões internos de
alinhamentos e realinhamentos. Assim sendo, como afirmam os
autores, qualquer modificação acentuada no sistema familiar requer
um realinhamento dos indivíduos e uma redefinição de seus papéis,
ou seja, a tomada de decisão visando a reestruturação familiar.
Sinason (1993) refere-se ao fato de que, para os pais, os
filhos serão sempre filhos, independentemente da idade, de modo
que o comportamento superprotetor de alguns pais para com os
filhos pode não ser necessariamente devido às incapacidades
apresentadas. Sinaliza, ainda, a necessidade de se reconhecer que:
272
habituado à diferença de seus filhos, percebem que muitos de seus
amigos estão se tornando avós e isto pode gerar novamente um
senso de perda, sentimento este percebido claramente pelo
indivíduo. Além disso, é difícil para os pais pensarem nas perdas
sentidas por seus filhos adultos.
Uma importante questão a ser abordada, do ponto de vista
do autor, diz respeito ao desenvolvimento sexual, por que, em
muitos casos, este é ignorado por pais e profissionais, que procuram
‘esquecer’ que adolescentes e adultos deficientes também têm
desejos sexuais. Para o autor, quando se nega a sexualidade dos
adultos portadores de deficiência, danifica-se seu potencial de
desenvolvimento emocional. Por outro lado, salienta que por trás da
questão da negação esconde-se um enorme medo, o de que os
adultos deficientes tenham filhos.
Omote (1996) aborda a questão da sexualidade do deficiente
destacando que esta ocupa intensamente as famílias. A partir do
momento em que, de diferentes maneiras, o deficiente começa a
expressar sua sexualidade, começam a surgir também inúmeras
preocupações e dificuldades. De acordo com o autor, parece que
muitos dos problemas surgem em função da dificuldade dos pais em
lidarem com a questão da sexualidade, na medida em que esta é um
ponto pouco esclarecido e cheio de ambivalências. Segundo estudo
realizado por Ribeiro (apud OMOTE, 1996), a preocupação dos pais
com a sexualidade do deficiente parece emergir apenas quando ela
começa a manifestar-se efetivamente e, nesse momento, as reações
são ambivalentes e a tendência é a de infantilizar o deficiente, como
se desse modo fosse possível negar a sua sexualidade.
Por fim, independente do tipo de deficiência da criança, o
papel da família consiste em ajudá-la a tornar-se um membro ativo
da sociedade, evitando situações de superproteção e/ou qualquer
outra conduta que impeça as tentativas de autonomia por parte da
criança (YAEGASHI, 2007).
273
Considerações finais
Referências
274
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação
Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva
da educação inclusiva. Brasília, DF, 2008. Disponível em:
<www.mec.gov.br/seesp>. Acesso em: 16 jun. 2010.
275
MILLER, Nancy. Ninguém é perfeito, vivendo e crescendo com
crianças que têm necessidades especiais. Campinas, SP: Papirus,
1995.
276
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Formação social da mente. São
Paulo: Martins Fontes, 1984.
277
SOBRE OS AUTORES
Cristina Cerezuela
Professora da Educação Básica do Estado do Paraná na modalidade
Educação Especial atuando em Sala de Recurso Multifuncional e
docente em cursos de pós-graduação lato sensu na área da Educação
(UEM e Instituto Paranaense de Ensino). Mestre e Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Maringá.
Dorcely Isabel Bellanda Garcia
É professora titular do Departamento de Educação, na Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR), Campus de Paranavaí. Possui
graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá.
Mestre e doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá.
Esther Lopes
Atualmente é professora da educação básica atuando na área da
Educação Especial - Secretaria de Estado da Educação. Pedagoga,
especialista em Educação Especial. Mestre em Educação da
Universidade Estadual de Londrina.
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Josiane Fujisawa Filus
Professora Faculdade de Educação da Universidade Estadual da
Grande Dourados-MS,. Doutora em Educação Física pela
Universidade Estadual de Campinas.
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Paulo Ferreira de Araújo
Professor titular do Departamento de Atividade Física Adaptada e
diretor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual
de Campinas.
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Thaís Melo Seksenian
Fonoaudióloga, com aprimoramento em Fonoaudiologia na área de
surdez pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual
de Campinas – Unicamp
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