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Curso de Psicologia

Professora: Graziele
Acadêmica: Franciele Farias Moura.

HISTERIA MASCULINA

Durante um longo período os estudos sobre a histeria foram desenvolvidos e


relacionados diretamente com o feminino. Charcot foi de grande importância no
estudo da histeria masculina após ele Freud também chegou a produzir textos
mencionando a histeria em homens, porém os mesmos não foram aceitos em sua
época devido a relação da palavra histeria com o útero. Mas, esses estudos se
desenvolveram e outros autores deram suas contribuições a respeito da histeria em
ambos os gêneros. Esse trabalho abre uma discussão a respeito da histeria
masculina, e sobre como foi possível compreendê-la e identificá-la por meio de um
atendimento assistido em uma disciplina do curso de Psicologia.
No que se refere às contribuições de Freud sobre a histeria masculina,
destacamos a apresentação do texto “Observação de um caso grave de
hemianestesia em um homem histérico” (FREUD, 1886). Esta obra relata a história
do paciente August P., no texto é possível verificar a similaridade das
manifestações histéricas tanto no feminino como no masculino, através das
conversões histéricas e a passividade do paciente frente às relações.
Uma particularidade da histeria masculina é citada por Dor (1993 apud
FILIPPI, 2006), segundo ele o "dar a ver" e o "dar a ouvir" é bem presente na
histeria masculina e podemos traduzir este como um "querer aparecer", é a
necessidade de ser reconhecido, de agradar ao outro, tendo uma grande demanda
por amor, essa necessidade aparece na histeria masculina como uma tendência a
sedução, o homem "se" mostra como tal mais do que mostra alguma coisa, daí os
inevitáveis comportamentos de ostentação, ainda sobre a sedução, podemos dizer
que mais do que uma necessidade de ser amado por todos importa ao histérico não
perder nenhum objeto de amor, assim, encontramos aqui o componente da
insatisfação na histeria. Ainda segundo o autor,

o interesse de um objeto, que o outro demonstra, torna-se o objeto de desejo do


homem histérico, com isso, ele desenvolve uma maneira permanente de lamentação,
não podendo aproveitar o que possui: "a carreira do outro teria sido mais
conveniente, a mulher do outro teria sido mais satisfatória, mais desejável, a roupa
que não comprou teria sido mais conveniente, a mulher do outro, teria sido mais
satisfatória, mais desejável, a roupa que não comprou teria sido mais adequada.

A insatisfação citada pelo autor é presente também na mulher histérica, uma


vez que a insatisfação é parte da estrutura. No homem a incapacidade de gozar
fará com que todos os caminhos levem ao fracasso, uma vez que o objetivo é
manter a insatisfação, resultando assim em estados ansiosos, depressivos e
neurastênicos igualmente presentes no feminino. No homem essa insatisfação
provém da privação do objeto edipiano, "o falo" e por isso no histérico o desejo
permeia o "ter", onde ele delega ao outro o próprio desejo, como se outro fosse o
portador da resposta para o enigma do desejo.

A economia desejante do histérico é atingida por uma ambivalência fundamental,


podendo especificar por duas vertentes antagonistas, existir por si ou aparecer aos
olhos do outro, de outra maneira desejar por si mesmo ou desejar a própria revelia
em vista daquilo que o outro é suposto esperar em seu desejo (DOR, 1993, p. 77
apud FILIPPI, 2006, p. 58).

Partindo da ideia citada acima, essa ambivalência se encontra no centro da


problemática sexual do homem histérico, bem como na sua relação com o outro
feminino. Esta última seria por antecipação e alienação frente a uma representação
da mulher idealizada como inacessível. Desta forma o histérico evita um confronto
direto e pessoal no terreno da sexualidade com ela, pois para o histérico ele só pode
ser desejado por uma mulher, na medida em que ela é suposta esperar dele a
demonstração de que é viril. Como se a relação desejante se fundasse na
necessidade de justificar que tem realmente aquilo que demanda “O falo”, por fim,
no que diz respeito a histeria no masculino, apesar da complexidade Lacan (1955)
afirma que a histeria não tem distinção de gênero, em ambos os sexos a
problemática os colocará na mesma posição.
Paciente “P” 1 que participou das sessões em atendimento assistido, tem 26
anos, sexo masculino terminou recentemente um relacionamento amoroso de forma
1 Letra em substituição do nome a fim de respeitar o sigilo
conflituosa, em relação a isto afirma que o mesmo já havia “começado de forma
errada” e por isso “terminou de forma igualmente errada”. O paciente conta que
antes de morar com a namorada morava com a tia, que segundo ele vive em um
relacionamento abusivo. No primeiro atendimento "P" menciona um episódio onde
ele agride o cônjuge da tia para defender a mesma, e a partir desse fato decide ir
morar com a namorada. Na situação foi possível observar que diante de um conflito
o paciente passou de passivo para ativo por meio de um acesso de cólera, partindo
para agressividade. Seguido de uma fuga exatamente como citado no caso de
Freud mencionado no início deste trabalho.
Após passar a morar com a namorada "P" relata que a convivência com a
mesma, agora então cônjuge foi ficando conflituosa. Resultando inclusive em um
episódio de agressão que chegou até a prisão do paciente, a qual o mesmo
considera injusta, pois segundo ele a cônjuge teria se machucado sozinha ao cair
no chão. Estudos de Ribas (2014) apontam que a histeria masculina se manifesta
também a partir de crises de ira, agressividade e violência contra mulher.
Ainda no que se refere a cônjuge "P" diz que não via ela como "uma mulher
para casar" (sic) transparecendo assim a existência de uma mulher idealizada por
ele. Bem como outros momentos como a fala “ela fazia de tudo para me irritar” (sic).
Justifica que passou a morar com a mesma pois na época ambos estavam
“precisando”, nada é falado a respeito de um afeto, mostrando assim a falta de
profundidade e uma superficialidade no relacionamento.
Uma queixa apresentada pelo paciente em relação ao relacionamento era que
a cônjuge usava o salário dele para pagar as contas dela, mostrando assim que
quem tomava as decisões e fazia as escolhas na relação era ela, foi possível
observar que esta passividade frente aos próprios desejos está presente em outros
campos da vida do paciente no trabalho onde sente que não consegue receber o
pagamento que lhe é devido, na vida acadêmica onde não conseguiu fazer o TCC
(Trabalho de conclusão de curso), essa dificuldade em fazer escolhas causa uma
insatisfação no que diz respeito às conquistas e desejos de "P". Diante disso pode-
se fazer uma reflexão acerca do pensamento de Dor (1993) que afirma que o
histérico não pode aproveitar o que possui por estar em estado permanente de
lamentação, conforme nota-se durantes as sessões com o paciente.
Algo que merece ser ressaltado do relato de "P" é a presença de outras
figuras femininas que assim como a cônjuge "escolhem por ele". Quando algo
acontecia com ele na escola, a mãe simplesmente mudava ele de escola, sem se
preocupar com o desejo dele frente a mudança. A professora cobrava dele uma boa
caligrafia mais do que cobrava dos colegas, e segundo ele era "impossível"
satisfazer a professora nesse quesito, uma vez que a caligrafia da mesma era
"perfeita". Segundo o paciente a mãe e a professora também decidiam quando
mudar ele de turma, avançando e retrocedendo com ele nas séries iniciais.
A agressividade se apresenta no paciente, em alguns momentos, como
mecanismo de defesa, uma fuga evitativa de escolha e posicionamento, ou como
uma descarga libidinal. Apesar de parecer passivo nas situações ele acaba agindo
com agressividade quando se sente muito pressionado a fazer escolhas. Podemos
usar como exemplo quando ele estava insatisfeito no relacionamento, “P” precisava
se posicionar se permanecia ou não na relação e diante desse conflito agiu com
agressividade.
A queixa principal de "P" é a "falta" de controle, em sua fala ele diz ser
incapaz de se autogerenciar. No que diz respeito a esse relato que mais chama
atenção é quando "P" diz que teve a oportunidade de comprar um carro por um
valor baixo, e que não comprou por não saber que tinha a quantia necessária em
sua conta bancária. Uma vez que quem cuidava de seu dinheiro era a esposa, isso
trás a tona mais uma vez não só a passividade do paciente mas sua "satisfação"
em "não ter".
Além da relação com o feminino podemos apontar também a relação de "P"
com o masculino, onde a passividade também pode ser observada, seja no trabalho
com o atual patrão que pega parte de seu salário injustamente, seja com o sargento
que "obrigou" ele a morar no quartel, ou com o padrasto que era alcoólatra por
quem mostra uma certa identificação ao dizer que o padrasto "tinha que ser muito
macho para dar conta da mãe dele", isto nos permite questionar se para "P" existe
um homem ou alguém que tem o falo, que ele não tem, possibilitando a este o
poder de escolha, uma vez que "P" constantemente pensa sobre as possibilidades
de escolhas, mas não consegue se posicionar diante delas, enfrentar/agir.
Fontoura (2005) esclarece a questão do reconhecimento, que se refere à
imagem ou à posição fálica do sujeito. Por essa expressão compreende-se o lugar
em que o paciente se vê e se posiciona relativamente à sua representação
simbólica.
A relação com mais profundidade que o paciente possui é com a mãe, esta
que segundo ele não o escuta, porém, mesmo distante ele deseja a atenção desta
mãe não investindo em nenhuma outra relação. Para a histeria comunicar que o
desejo continua insatisfeito, a melhor forma de provar que o desejo existe, e dar-se
conta implica em gozá-lo, e o satisfazer, e isso poderia implicar em perder o objeto
de desejo/amor. O gozo seria então a manutenção da tensão, ou seja, a
permanência do desejo insatisfeito em querer algo inacessível (DOR, 1993).
Pode-se concluir por meio das observações durante as sessões a hipótese
diagnóstica de uma histeria no paciente o qual apresenta. Ambivalência em relatos
que envolvam desejo, escolha ou opinião por parte do paciente com respostas como
"sim e não" para um mesmo assunto, insatisfação constante e busca por
reconhecimento. Agressividade e fuga frente a situações que envolvam pressão
diante de escolha e desejo, uma instabilidade na autoimagem definida por ele como
"busca pela identidade". Não se conhece, não sabe o que quer e por conta disso
espera que outro escolha e decida por ele, possibilitando assim a permanência do
estado de insatisfação, relacionamentos superficiais com pouco ou nenhum
investimento mostrando a preferência pela falta à perda do objeto.

REFERÊNCIAS

FILLIPPI, A. A. P. Histeria em homens: algumas peculiaridades. 2006. 72 f.


Dissertação (Mestrado em Cogeae Lato Sensu - M) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

FONTOURA, L. L. de. Único no gênero–vicissitudes da histeria masculina. Revista


da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, n. 28, p. 09-15, abr. 2005.

FREUD, S. Histeria. in: FREUD, S. Publicações Pré-psicanalíticas e Esboços


Inéditos. Rio de Janeiro: Imago, 1888.

FREUD, S. Observação de um Caso Grave de Hemianestesia em um Homem


Histérico. in: FREUD, S. Publicações Pré-psicanalíticas e Esboços Inéditos. Rio
de Janeiro: Imago, 1886.

KEHL, M. R. O que o homem quer saber? In: TEIXEIRA, A.B. de R. Sobre o desejo
masculino. Salvador: Agalma, 1995.

LACAN, A.M. As psicoses. In: O seminário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1955.
MELMAN, C. Novos estudos sobre a histeria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

RIBAS, K. de T. Histeria Masculina e Violência. Centro de Estudos Psicanalíticos.


out. 2014

SIMÕES, R. B. F. A recusa histérica à satisfação do desejo. Psicologia para


América Latina, n. 11, Set. 2007.

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