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CONTEXTUALIZAÇÃO

Característica marcante nas chamadas ciências sociais é o fato de termos à


disposição múltiplos caminhos possíveis, no que diz respeito à compreensão de um
mesmo fenômeno. Esta característica pode ser cativante, por um lado, por permitir uma
diversidade de possibilidades de interpretação, diferente das ciências exatas, mas
também desafiadora e, para alguns, complexa, por nos convidar a analisar as diferentes
proposições, comparar e, em alguns momentos, até escolher. Em Sociologia isto fica
claro, quando adentramos nas várias perspectivas de compreensão do mundo moderno
e nas várias possibilidades de compreensão da sociedade em que estamos inseridos.

Diante desta constatação, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber são
considerados autores fundamentais no campo sociológico. É tamanha a importância
destes autores, que frequentemente são nomeados como clássicos. Por esta razão,
acabam se tornando leitura obrigatória de qualquer pessoa que se propõe a se
aproximar ou até mesmo se aprofundar na área. A seguir, serão apresentados os
autores e respectivas teorias, os principais fundamentos e conceitos, cientes da
complexidade e da dificuldade que teremos de, em poucas páginas, esgotar tais
abordagens sobre o mundo moderno.

Com proposições diferenciadas e divergências facilmente constatáveis, para


compreendermos suas teorias, devemos nos colocar no contexto histórico a que cada
um deles estava submetido. A partir deste exercício, surge uma pergunta, baseada na
premissa de que são frutos de seu tempo: Qual a relevância e a possibilidade de
entendermos o mundo que vivemos hoje com base nesses autores? Esta e outras
questões buscaremos responder ou pelo menos problematizar daqui para frente.
Espero que estejam ansiosos para desvendá-las.

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ÉMILE DURKHEIM: POR UMA SOCIOLOGIA DOS FATOS SOCIAIS

Em 15 de abril de 1858, nasceu Émile Durkheim na pequena cidade francesa de Épinal.


Filho de um rabino e sobre influência da doutrina judaica na infância, embora tenha se
afastado do caminho religioso, suas análises serão influenciadas pelo respeito à lei e pela
importância atribuída à comunidade, princípios aprendidos desde criança.

Em 1882, formou-se em Filosofia e começou a lecionar em Sens, Saint Quentin e Troyes.


Entre 1885 e 1886, Durkheim fez uma importante viagem de estudos para a Alemanha, a fim
de estudar ciências sociais. Na Alemanha, teve um importante contato com Wilhelm Wundt
(1832-1920), fundador da Psicologia. Após esta viagem retornou à França, com o propósito
de desenvolver a Sociologia e, mais do que isso, torná-la uma ciência autônoma. Em 1887,
foi nomeado professor de Pedagogia e Ciência Social na Universidade de Bordeaux, no sul
da França. Tratava-se do primeiro curso de Sociologia criado em uma universidade. Foi
nesse período que escreveu suas principais obras e formou a base de seu pensamento
social. Em 1893 ele defendeu sua tese de doutorado, intitulada "A divisão do trabalho social".
Já com prestigio, foi convidado a tornar-se professor suplente em uma das mais
importantes universidades da França e de toda a Europa: a Sorbonne, em Paris. Em 1906,
tornou-se titular da cadeira e passou a lecionar Sociologia. Por esses acontecimentos, além
de ser considerado um dos maiores clássicos da Sociologia, Durkheim foi o responsável
pela introdução do ensino de Sociologia nos cursos universitários.

A Sociologia fortaleceu-se, graças à Durkheim e à escola sociológica francesa. Seguem as


principais obras de Émile Durkheim:

• 1893: A divisão do trabalho social;


• 1895: As regras do método sociológico;
• 1897: O suicidio;
• 1912: As formas elementares da vida religiosa.

Um conflito que abalou significativamente Durkheim foi a primeira Guerra Mundial, ocorrida
de 1914 a 1918. Sociólogo já mundialmente famoso, nesse momento, a morte de seu filho, na
guerra, e a de alguns de seus melhores amigos fizeram com que ficasse muito consternado. A
15 de dezembro de 1917, Durkheim veio a falecer na cidade francesa de Fontainebleau.

a) Durkheim e os Fatos Sociais

Vivendo em uma época de mudanças, onde a nascente sociedade capitalista acabava de


destruir as velhas instituições feudais e impunha novos principios e valores, Durkheim mostrou-
se preocupado com as mudanças que estavam ocorrendo. Quando iniciou seus estudos na
universidade, era também a época em que começavam a ensinar as chamadas ciências naturais
(Biologia, Fisica, Química), e este contato, inclusive o bom conhecimento que tinha destas
disciplinas, fez com que passasse a enxergar a sociedade de uma forma bastante peculiar para
ele a sociedade era como um imenso corpo biológico que precisava ser observado para, em
seguida, conhecendo sua anatomia,

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se descobrirem as causas e as curas das doenças encontradas. Influenciado pelas obras de


Augusto Comte e Herbert Spenser, considerados os fundadores do Positivismo, sua obra buscou
conferir à Sociologia um método de análise. Durkheim lutou para provar que a Sociologia é uma
ciência e que, por isso, deve ser neutra diante dos fatos sociais.

Você deve estar se perguntando: O que são fatos sociais para ele? Isto é o que buscaremos
compreender agora, conceito-chave em Durkheim, e, em sentido mais geral, na própria
Sociologia.

Para Durkheim, a sociedade prevalece sobre o indivíduo. A sociedade é para ele um conjunto
de normas de ação, pensamentos e sentimentos existentes, que são aceitos e, mais do que isso,
devem ser seguidos por todos Sem essas regras, segundo ele, a sociedade não existiria, e é por
isso que os individuos devem se submeter a elas. Para Durkheim, os fatos sociais são justamente
essas regras e normas coletivas que orientam a vida dos individuos em sociedade e este deve
ser o objeto de estudo da Sociologia. Os fatos sociais têm duas caracteristicas fundamentais: são
exteriores e coercitivos. Como assim? São exteriores, porque são ideias, normas ou regras
criadas pela coletividade e já existem fora de nós quando nascemos, e coercitivos, visto que
estas ideias, normas e regras devem ser seguidas por todos. Os que desobedecem são punidos
pelo resto do grupo.

Um dos exemplos preferidos de Durkheim para mostrar o que é um fato social é a educação.
Toda sociedade tem de educar seus membros, fazendo com que aprendam as regras necessárias
para a convivência social. Outro exemplo de fato social para Durkheim é o suicidio, analisado
por ele a partir de uma perspectiva sociológica. Segundo ele, toda sociedade está predisposta a
ter um contingente de mortos voluntários. Em "O suicidio", Durkheim quis sobretudo frisar a
existência de um desregramento social (anomia/este conceito será trabalhado adiante), que
seria o responsável por este fenômeno coletivo.

Para Durkheim, então, como coloca Lallement (2003), a Sociologia pode ser definida como
a ciência dos fatos sociais. Caberá ao sociólogo pôr em evidência e analisar esses fenômenos
que constituem regularidades socialmente determinadas, podendo ser observados e explicados
por esta nova ciência, chamada Sociologia. Segue na sequência um trecho da obra "As regras do
método sociológico", onde Durkheim (2001, p. 5-6) expõe exatamente o que compreende por
fato social.

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O QUE É FATO SOCIAL?

Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais:
consistem em maneiras de agir, de pensar e sentir, exteriores ao individuo, e que são dotadas
de um poder de coerção em virtude do qual se impõem a ele. Por conseguinte, não poderiam
ser confundidos com os fenômenos orgânicos, por consistirem em representações e ações; nem
com os fenômenos psíquicos, que não têm existência a não ser na consciência individual e por
ela. Constituem, portanto, uma espécie nova e é a eles que se deve dar e reservar a qualificação
de sociais. Convém a eles, pois está claro que não tendo o individuo como substrato, não podem
ter outro a não ser a sociedade, seja a sociedade politica em sua integralidade, seja algum dos
grupos parciais que ela encerra, confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações
profissionais, etc. Por outro lado, é apenas a eles que convém; pois a palavra social só tem
sentido definido sob a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em
nenhuma das categorias de fatos já constituídas e denominadas Constituem, portanto, o
domínio da própria sociologia. E verdade que a palavra coerção ou coercitividade, pela qual os
definimos, corre o risco de perturbar os zelosos partidários de um individualismo absoluto.
Como professam que o indivíduo é perfeitamente autônomo, parece-lhes que este sai diminuído
toda vez que se lhe faz sentir que ele não depende apenas de si mesmo.

Para Durkheim, circunscrever um objeto de estudo particular não basta para fundar uma
ciência. E necessário ainda que se tenha um método rigoroso de análise e de explicação.
Durkheim se propôs esta tarefa e em "As regras do método sociológico" expôs os princípios
fundamentais que devem nortear a Sociologia. Em primeiro lugar, segundo ele, deve-se tratar
os fatos sociais como coisas. O que ele quis dizer com isso? O que Durkheim quis buscar ou
propor é que, assim como o físico ou o biólogo observa de fora o seu objeto de estudo, o
sociólogo deve saber situar-se à distância dos fatos sociais que analisa; postura difícil, visto
vivermos no mundo social que estudamos. Enfatiza a posição de neutralidade e objetividade
que o pesquisador deve ter em relação à sociedade: ele deve descrever e analisar a realidade
social, sem deixar que suas ideias e opiniões interfiram na observação dos fatos sociais
(LALLEMENT, 2003).
b) Alguns Conceitos Durkheimianos

Durkheim desenvolveu sua teoria a partir de certos conceitos e a internalização dos mesmos
é de suma importância para melhor compreendermos a leitura que ele fez do momento
histórico em que estava inserido. Podemos definir conceito como um conjunto de ideias
desenvolvidas e que têm por objetivo explicar um fenômeno qualquer, dar conta do real.

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Buscaremos ter acesso ao que ele entende por consciência coletiva, divisão do trabalho
social, solidariedade mecânica e orgânica, caso patológico e anomia, bem como a concepção
que tem a respeito do que é e qual a função do Estado, conceitos significativos para a teoria
durkheimiana.

Por consciência coletiva entende-se a soma de crenças e sentimentos comuns à média dos
membros da comunidade, ideias comuns que estão presentes nas consciências individuais de
uma sociedade. Se de forma didática poderíamos afirmar que, de um lado, teríamos a
consciência individual como o modo bastante especifico de pensar de um individuo, a
consciência coletiva está relacionada à forma de pensar da sociedade. De acordo com Meksenas
(2001), para Durkheim não é a consciência individual que determina as ações de uma pessoa,
mas a consciência coletiva. Ao nascermos, encontramos a sociedade pronta e constituída em
suas leis. De forma bastante simplificada, podemos afirmar que a consciência coletiva exerce
um controle sobre nossas vidas. Como exemplo, poderíamos afirmar que não somos obrigados
a falar o mesmo idioma dos que nos cercam, nem utilizar a mesma moeda, mas parece
impossível agirmos de outra maneira. Sentimos e agimos conforme a determinação ou
prescrição do grupo a que pertencemos. Assim, o Direito, os costumes, as crenças religiosas, e
outras inúmeras coisas são construções das gerações passadas e as mesmas são transmitidas às
novas através do processo de educação.

Outro conceito importante para entendermos a teoria de Durkheim é "divisão do trabalho


social". Para Durkheim, conforme a sociedade fosse se desenvolvendo e se complexificando,
seria importante para todo o corpo social que cada individuo tivesse uma função específica a
cumprir. Desta forma, a divisão do trabalho social pode ser compreendida como sendo a
especialização das funções entre os indivíduos de uma sociedade. Quais seriam os ganhos que
a sociedade teria com a divisão do trabalho social? Segundo Durkheim, teríamos dois grandes
ganhos. Um referente ao aspecto econômico (aumento da produtividade), e outro, relacionado
à união e à solidariedade entre os membros da sociedade.

Em se tratando de solidariedade, Durkheim propôs dois tipos distintos de solidariedade: a


mecânica e a orgânica. Ele destacava que, nas sociedades anteriores ao capitalismo, a divisão
do trabalho social era pouco desenvolvida, havia pouca especialização das atividades sociais. Ao
fazer uma mesa, o servo, por exemplo, só dependia do seu trabalho individual e isolado. Em
decorrência disso, nesses tipos específicos de sociedade, as pessoas se uniriam por semelhanças
entre os membros, seja por religião, tradição, costumes ou sentimentos comuns. A união das
pessoas a partir das mais diversas semelhanças, Durkheim chama de solidariedade mecânica.
Já a solidariedade orgânica surge quando a divisão do trabalho social aumenta.
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Nesse caso, o que torna as pessoas unidas não é uma crença comum, mas uma interdependência
das funções sociais. A união das pessoas, a partir da dependência que uma tem da outra para
realizar alguma atividade social, é o que Durkheim chama de solidariedade orgânica.

Para Durkheim, nas sociedades dominadas pela solidariedade mecânica (pré-


capitalistas) a consciência coletiva abrange a maior parte dos membros desta sociedade. Nas
sociedades dominadas pela solidariedade orgânica (capitalista) há uma redução desta
consciência coletiva, porque os indivíduos são diferenciados. Quais os reflexos disso? Pense um
pouco.

Durkheim viveu em um período conturbado, momento de grandes conflitos sociais.


Como traz Meksenas (2001), o crescente desenvolvimento da indústria e tecnologia fez com que
Durkheim tivesse uma visão otimista sobre o futuro do capitalismo. Ele acreditava que o
progresso desencadeado pelo capitalismo traria um aumento da divisão do trabalho social e,
por consequência, da solidariedade orgânica, a ponto de fazer com que a sociedade chegasse a
um estágio sem conflitos e sem problemas sociais. Com isso, Durkheim partia da convicção de
que o capitalismo era a sociedade perfeita, cabendo á Sociologia compreender o funcionamento
da sociedade capitalista e corrigir as falhas encontradas. Por esta crença, sua forma de pensar
pode ser considerada conservadora, isto é: ele acreditava que os problemas sociais criados pelo
capitalismo seriam resolvidos dentro do próprio sistema.

Partindo do pressuposto de que a sociedade funciona através de leis e regras


determinadas, para Durkheim os problemas sociais não teriam origem na Economia, mas sim
numa crise moral, em um estado social em que várias regras de conduta não estavam
funcionando. A este estado de crise social, onde as leis não estão funcionando, Durkheim
denomina caso patológico. Ex: Se a criminalidade aumenta, é porque as leis que regulamentam
o combate ao crime não estão funcionando. Por outro lado, os problemas sociais poderiam ter
sua origem também na ausência de regras, o que ele denominou anomia.

De origem grega, "a" significa ausência, inexistência, enquanto "nomia" vem de lei,
norma. Desta forma, anomia, em sua significação etimológica, corresponde a "falta de leis ou
normas".

De extrema relevância, em Durkheim, é a compreensão que tinha a respeito da função


do Estado. Partindo do principio de que a sociedade capitalista foi concebido, por Durkheim,
como um corpo que, às vezes, fica doente, esse corpo, para funcionar bem, precisa que todas
as suas partes funcionem harmonicamente. Ai, segundo ele, reside a responsabilidade do
Estado: de desenvolver o funcionamento harmônico de todas as partes da sociedade. Se a
sociedade é o corpo, o Estado é o seu cérebro e, por isso,

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tem a função de organizar a sociedade, sobretudo reelaborando aspectos da consciência


coletiva. Durkheim usa o termo "cérebro social" para designar a atribuição fundamental do
Estado, a de representar o corpo social no seu conjunto e de o dirigir. É muito significativa para
Durkheim a relação entre Sociologia e Estado. Se cabe à Sociologia detectar falhas no
funcionamento da sociedade, cabe ao Estado colocar em prática as mudanças sugeridas por essa
ciência. Nesse sentido, Sociologia e Estado complementam-se para, na prática, evitarem ou
sanarem os problemas sociais na sociedade em que vivemos.

Durkheim diante da díade Sociologia/Estado propõe que os sociólogos tenham uma


participação direta dentro do Estado.

Como afirma Sell (2006), a contribuição de Dukheim é inegável, sobretudo por seu
esforço de conferir à Sociologia uma reputação verdadeiramente científica, seu principal
objetivo. Além disso, é possível afirmar que é um dos grandes analistas do mundo moderno,
onde a partir do conceito de divisão do trabalho social, sugere a complexidade da sociedade
contemporânea, cuja característica reside na diferenciação social e especialização das funções.

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