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Sociologia Geral 41100

Orientações para o estudo


Tema 2. Teorias sociológicas clássicas e seus fundadores
2.1. Positivismo sociológico: Émile Durkheim

O tema 2.1 é dedicado ao estudo do positivismo sociológico, uma corrente teórico-metodológica


da sociologia que tem em Émile Durkheim (1858-1917) uma das suas figuras mais destacadas. O
nosso estudo centrar-se-á na obra O suicídio, originalmente publicada em 1897. Antes de
discutirmos esta questão, de modo a enquadrá-la, são apresentadas neste documento as
principais ideias do método sociológico proposto por Durkheim na obra A regras do método
sociológico, originalmente publicada em 1895.

As Regras do Método Sociológico (1895)

Émile Durkheim defende que as sociedades têm formas de consciência colectiva, modos
de pensamento, de sentimento e de acção que são próprias das colectividades e não de cada um
dos indivíduos que as compõem. Para este autor, o modo como os indivíduos agem e pensam é
determinado pelas condições sociais em que nascem e vivem, logo, pela consciência colectiva da
sociedade. Os indivíduos são apenas reflexos (mais ou menos variáveis) da consciência colectiva.
Na perspectiva de Durkheim, a sociedade é anterior e superior a cada indivíduo. A
sociedade já existe quando os indivíduos nascem e continua quando eles morrem. Os indivíduos
só são como são porque existem numa sociedade que os ultrapassa e que leva a que pensem,
sintam e ajam de certos modos.
O objectivo da sociologia é estudar esta forma específica da sociedade pensar, sentir e
agir. Isto é, a sociologia estuda o modo como se reproduzem as normas, valores, representações
e práticas que associam os indivíduos, garantindo a coesão social.
O principal objectivo de Durkheim nesta obra é afirmar a sociologia como ciência
autónoma ao mesmo nível das ciências naturais. Para isso, Durkheim considera que é
fundamental estabelecer o seu método de investigação. Em grande medida, este método deverá
ser o mesmo que é utilizado nas ciências naturais, aplicando-o ao estudo dos factos sociais.
A sociologia (só) estuda factos sociais, i.e., aqueles que dizem respeito às colectividades
em si mesmas, os que decorrem da consciência colectiva. Os factos sociais são, sobretudo, não
materiais, i.e., são valores, ideias, representações, cultura, normas, etc. Cada um destes factos
sociais desempenha uma função social, i.e., contribui de algum modo para a coesão da sociedade.
A sociologia interessa-se apenas por factos sociais.

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Na mente de cada indivíduo encontramos apenas manifestações individuais dos factos
sociais e não os factos sociais em si mesmos – logo, não compreendemos os factos sociais
entendendo os indivíduos. Os factos sociais só são explicados por outros factos sociais.
Dado que os factos sociais têm de ser estudados em si mesmos, “limpos” das suas
expressões individuais, a primeira regra fundamental do método durkheimiano diz-nos que “os
factos sociais devem ser tratados como coisas” (Durkheim, 2004: 20).
O que significa tratar um facto social como se fosse uma coisa? Trata-se de uma posição
metodológica que procura conferir objectividade, rigor científico, ao estudo de fenómenos
empíricos. Ao contrário das ideias pessoais, que podem ser conhecidas meramente pela
introspecção, a compreensão das coisas obriga-nos a observá-las fora de nós, obriga-nos a ir
buscar dados sobre elas ao mundo empírico situado fora das mentes individuais. Os factos
sociais não são coisas exactamente do mesmo modo que o são as coisas físicas que estudam as
ciências naturais. Mas é possível defini-los com a mesma objectividade científica.
Os factos sociais têm duas características fundamentais: são (1) externos e (2) coercivos.
Os factos sociais são externos porque não residem no interior das mentes individuais mas, pelo
contrário, provêm da consciência colectiva da sociedade: são modos de pensar, sentir e agir
partilhados por grupos humanos, comuns a uma dada sociedade. E são coercivos porque os
factos sociais impõem-se vindos do exterior sobre os indivíduos com um grau (variável) de
constrangimento, de obrigação.
Este carácter coercivo, constrangedor, dos factos sociais não é sempre óbvio. Na maioria
das situações, os indivíduos incorporaram de tal modo os modos de pensar, sentir e agir que a
sociedade lhes fornece que se conduzem de acordo com as suas regras, tornando a coerção
expressa desnecessária. A força coerciva da sociedade, a sua superioridade face ao indivíduo, só
se revela para lá de qualquer dúvida naqueles instantes em que a sociedade tem de punir um
acto ou de reparar um desequilíbrio (e.g., aplicando uma pena a um acto julgado como crime).
Porém, se esta possibilidade de sanção explícita existe, então, a coerção social está sempre
presente, mesmo que nem sempre se mostre com clareza.
Para Durkheim, há dois princípios metodológicos que permitem abordar os factos sociais
de forma cientificamente objectiva, tal como se fossem “coisas”.
Os sociólogos têm de afastar todas as pré-noções quando abordam um facto social. Como
todos os membros de uma sociedade, os sociólogos foram socializados para pensar, sentir e agir
de certas maneiras. Mas, como todos os indivíduos, incorporaram os valores e normas sociais de
um modo específico, ligeiramente variável de sujeito para sujeito. Portanto, criaram certas
representações mentais (individuais) sobre os fenómenos sociais. Isto dá origem a uma ilusão de
conhecimento: os indivíduos pensam conhecer os factos sociais mas, em rigor, apenas conhecem
algumas das suas manifestações individuais. Ora, como o que interessa à sociologia são os factos
sociais em si mesmos, na sua objectividade enquanto fenómenos colectivos, estas variações

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pessoais têm de ser afastadas. Os factos sociais têm de ser “limpos” das ideias prévias que os
sujeitos deles têm. A sociologia tem de ser neutra de um ponto de vista político e filosófico,
levando a que os sociólogos estejam dispostos a descobrir a verdade objectiva daquilo que
estuda sem influências externas.
Mas como é possível “limpar” os factos das suas manifestações individuais? Para
Durkheim, a estatística é o método privilegiado para chegar aos factos sociais em si mesmos.
Através da estatística, as individualidades são diluídas no colectivo e podemos observar as
tendências gerais do comportamento dos factos sociais (as taxas médias indicam estados de
alma colectivos). Portanto, a estatística permite encontrar regularidades colectivas
(propriamente sociais) entre variáveis, torna possível identificar correlações e ligações causais
(leis sociais) entre factos sociais. Como os factos sociais só são explicados por outros factos
sociais, o estudo da sociedade só pode ser feito de forma objectiva através de métodos
quantitativos. Isto implica encontrar indicadores objectivos dos factos sociais que permitam
observá-los indirectamente de forma científica. Por exemplo, como é possível estudar o facto
social que é a solidariedade? Para Durkheim, o único modo científico de proceder é olhar para ela
através daquilo que a expressa, que é o direito.

A leitura deste texto não substitui o estudo da bibliografia obrigatória desta unidade curricular.
Para proceder ao estudo deste ponto do programa desta unidade curricular, deverá ler o texto
disponibilizado na sala de aula virtual, cuja referência bibliográfica se encontra de seguida.

Durkheim, Émile (2004), “O suicídio e a anomia”, in Manuel Braga da Cruz (org.), Teorias
Sociológicas. Os Fundadores e os Clássicos. Vol 1. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 345-363.
Edição original 1897.

Está também disponível na sala de aula virtual um ficheiro áudio com uma breve explicação dos
argumentos apresentados por Durkheim na obra O suicídio.

Encontra-se também disponível na sala de aula virtual um ficheiro vídeo com um breve
enquadramento do desenvolvimento da sociologia na Europa do século XIX. Trata-se de um
enquadramento geral ao tema 2. ‘As teorias sociológicas clássicas e seus fundadores’,
recomendando-se o seu visionamento antes do estudo da teoria de Émile Durkheim.

Como actividade formativa (não avaliada), procure resumir o texto indicado e discuta-o,
colocando dúvidas ou comentários no fórum apropriado na sala de aula virtual. Procure reflectir
sobre a actualidade dos argumentos de Durkheim sobre o suicídio. Podemos continuar a afirmar
que o suicídio é um fenómeno social e não individual? Os tipos de suicídio identificados por

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Durkheim continuam a ser pertinentes para compreendermos este fenómenos hoje em dia?
Podemos continuar a afirmar que o suicídio egoísta e o suicídio anómico são os dois tipos de
suicídio mais característicos das sociedades contemporâneas? Consegue pensar em exemplos de
cada um dos tipos de suicídio discutidos por Durkheim?

Este texto, bem como os ficheiros áudio e vídeo disponibilizados, foram preparados por João
Aldeia como apoio ao estudo dos/as estudantes do ano lectivo 2023/2024 da unidade curricular
Sociologia Geral 41100 da Universidade Aberta. O autor não autoriza a sua utilização para outros
fins.

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