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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências da Saúde

Departamento de Psicologia

Avaliação Psicológica

O exame do estado mental do paciente


André M. M. Feriguetti, Mateus O. da Silva, Pedro H. O. Coelho e Thiago A. P. Malaquias

João Pessoa

2016
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Introdução

O exame do estado mental, segundo Erné (2007), é um tema antigo e pouco divulgado

devido à grande bibliografia estrangeira já existente. Contudo, ressalta sua importância desta

prática diante de sua emergência em casos em que o estado mental precisa ser provado, por

exemplo, em feitos periciais, judiciais e administrativos, ou casos de decisões terapêuticas

que utilizem psicofármacos, onde o diagnóstico nosológico torna-se importante para o

examinador.

Tem-se o psicodiagnóstico como um importante auxilio no diagnóstico

psicopatológico, assim descreve Dalgalarrondo (2008). Percebe-se então que é de extrema

importância o exame do estado mental de um paciente, independente do aspecto jurídico

conforme expressa Erné, mas também porque “o diagnóstico de um transtorno psiquiátrico é

quase sempre baseado predominantemente nos dados clínicos” (Dalgalarrondo, 2008, p.41).

Com relação a metodologia do exame do estado mental, Erné (2007) afirma haver um

consenso que as principais alterações envolvem sintomas nas áreas da atenção,

sensopercepção, memória, orientação, consciência, pensamento, linguagem, inteligência,

afetividade e na conduta dos indivíduos. E conhecer determinados sintomas, afim de um

diagnóstico mais preciso acerca da psicopatologia clínica, torna-se indispensável.

1. Atenção

De acordo com a neuropsicologia, a atenção pode ser definida como o processamento

ativo de uma quantidade limitada de dados e informações a partir dos nossos sentidos. Dito

isto, no psicodiagnóstico é de importância considerar alguns fatores, como a capacidade de

concentração, excitabilidade, distribuição e persistência.

Erné (2007) nos informa que os transtornos comuns relacionado a este constructo são

a aprosexia, hipoprosexia, hiperprosexia e distraibilidade.


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2. Sensopercepção

É interessante, para o entendimento deste constructo, dividi-lo em sensação e

percepção. A começar pela sensação, entende-se que é definida como um fenômeno

elementar gerado por estímulos tanto químicos, como físicos, de origem intra e/ou extra

corporal. Enquanto isso, a percepção é conceituada como a tomada de consciência destes

estímulos sensoriais. Portanto, a Sensopercepção nada mais é do que captar esses estímulos e

interpretá-los (Dalgalarrondo, 2008).

Partindo para os transtornos mais frequentes, eles são caracterizados como ilusões e

alucinações. As ilusões podem ser explicadas como uma percepção distorcida de algum

objeto. Dentro deste transtorno, podemos observar vários fatores, os quais convém nomear:

limitação natural dos órgãos sensoriais, falta de atenção, peculiaridades do sistema de

refração, alterações de consciência, catatimias, erros de julgamento e reconhecimento

deficiente. (Erné, 2007)

Ainda explorando os transtornos mais comuns, as alucinações são definidas como a

percepção de um objeto sem que o mesmo esteja presente, ou seja, sem o estímulo sensorial

(Dalgalarrondo, 2008), podendo ser classificadas em visuais, auditivas, gustativas, olfativas,

táteis, térmicas, cinestésicas e motoras (Erné, 2007).

3. Memória

Segundo Sternberg (2008), memória é o “meio pelo qual retemos e nos valemos de

nossas experiências passadas”, usando essas informações no presente. Também, como

mecanismo, está relacionada a processos dinâmicos como armazenamento, retenção e

recuperação de informações experienciadas. Tendo isso em mente, Baddeley (2007) apontou

que a memória tem três operações usuais bem definidos: codificação, armazenamento e

recuperação, onde cada uma representa um estágio do processamento da memória.


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Na avaliação psicológica, geralmente três dimensões são levadas em consideração, a

saber: fixação, evocação e reconhecimento (Erné, 2007). Ainda segundo o autor, a fixação,

que é a capacidade de reter informações novas e dados, geralmente depende de vários fatores,

como: atenção, interesse, conhecimento prévio, condições físicas, volume de dados

apresentados e tempo durante o qual pretende-se fixar.

Dalgalarrondo (2008) define a evocação como a capacidade de recuperar e atualizar

os dados fixados, na qual o esquecimento é a incapacidade de evocar ou recupera-los. Essa

incapacidade de evocação pode se dar por diferentes vias, desde a fisiológica quanto a de

repressão e recalque. Por último, a capacidade de recordar uma imagem é denominada

reconhecimento.

Baseado em Erné (2007), as alterações mais comuns quanto a fixação e à evocação

são a amnésia, hipomnésia e dimnésia. Enquanto as alterações relacionadas ao

reconhecimento são as agnosias e as paramnésias.

4. Orientação

A orientação é a capacidade de um indivíduo de conseguir se situar tempo-

espacialmente em relação ao ambiente do qual está situado e quanto a si mesmo. Divide-se

em orientação autopsíquica, que seria a identidade do “eu” e orientação alopsíquica,

representada pelo mundo externo (Sanches, Marques, Ortegosa, Freirias, Uchida & Tamai,

2005).

No que diz respeito a patologia da orientação, examina-se a desorientação

autopsíquica e/ou desorientação alopsíquica. Além disso, as desorientações, no que tange a

perturbação elementar, podem ser caracterizadas de 6 formas: apática (falta de interesse);

amnésica (alterações da memória; delirante (ajuizamento patológico da realidade); histriônica


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(desorientação temporo-espacial limitada) e oligofrênica (dificuldade de aprender ou

entender) (Erné, 2007).

5. Consciência

Erné (2007) define consciência como a capacidade do indivíduo se dar conta do que

ocorre dentro e fora de si, ao seu alcance sensorial e que, clinicamente, é valorizado apenas o

sentido de consciência-vigilância. O auto não se refere ao sentido ético, nem “a chamada

consciência moral, nem tampouco à capacidade de a pessoa saber o porquê das coisas” (Erné,

2007, p.70). Afirma ainda que o estado de consciência é suscetível de alterar-se quanto à sua

continuidade, amplitude e calibre.

Entre os estados de consciência mais comuns encontramos os estados de estreitamento

da consciência (ou crepuscular), em casos de epiléticos, onde uma obnubilação da

consciência é acompanhada de relativa conservação de atividade motora. E os estados de

dissociação da consciência, relacionados aos casos de histeria, onde ocorre uma fragmentação

do campo da consciência, em outras palavras, o estado torna-se semelhante ao sonho,

geralmente desencadeado por fatores emocionais e quadros de ansiedade intensa

(Dalgalarrondo, 2008).

Encontramos também os de obnubilação ou turvação da consciência, que se

caracteriza pelo leve rebaixamento do nível da consciência, quando o indivíduo parece

sonolento, confuso, lento, com dificuldade de compreensão e de integração sensorial. Já o

estado de coma, é um estado caracterizado pelo profundo grau de rebaixamento da atividade

consciente, no qual o indivíduo não emite respostas voluntárias (Dalgalarrondo, 2008).

6. Pensamento

Pode-se definir pensamento como uma tradução da aptidão do sujeito em elaborar

conceitos para os transformar em juízos e construir raciocínios. Entende-se como conceito a


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aptidão em relacionar a palavra com o seu significado, essa é a unidade mais elementar do

pensamento. Na sequência, a articulação de conceitos forma o juízo, que nada mais é do que

a relação dos conceitos entre si, formando uma afirmação ou negação de qualidade de um

objeto ou fenômeno. Por fim a unidade mais complexa é denominada raciocínio, entendida

como uma capacidade de concluir, seja por indução (generalização por meio de

particularidade), dedução (particularização por meio de generalização) ou analogismo

(comparação de particulares) (Erné, 2007).

No exame do pensamento na avaliação psicológica cabe ao psicólogo analisar as

operações racionais. Como o processo de análise, de síntese, generalização, sistematização,

abstração, concreção e comparação de ideias. A análise clínica do pensamento é pautada em

três esferas, a produção, curso e conteúdo (Erné, 2007).

Na produção, há a distinção do pensamento lógico e do pensamento mágico. O

pensamento lógico segue os princípios formais de raciocínio para atingir a lógica, enquanto o

pensamento mágico é pré-lógico, uma crença na influência de eventos primitivos no presente.

No curso os eventos se apresentam sem alterar o resto do pensamento (Erné, 2007).

Os principais transtornos de conteúdo são os delírios, que são o que se desviam da

realidade, as ideias supervalorizadas em que a alteração afetiva causa perturbação na

capacidade de formação do juízo e o delirium onde há alteração da consciência-vigilância

(Erné, 2007).

7. Linguagem

No exame do estado mental da fala, são comuns algumas patologias: A disfasia, que

se caracteriza como a perda da compreensão dos significados das palavras. A disartria, que

consiste na dificuldade de articular palavras. A disfonia, que é um defeito na fala ocasionado

por falha em órgãos, tecidos ou sistemas periféricos e não no sistema nervoso central. E por
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fim a dislalia, quando a linguagem se apresenta defeituosa sem lesão cerebral, possivelmente

por cunho social ou psicológico (Erné, 2007).

8. Inteligência

A inteligência é um conceito de difícil definição. Conforme Dalgalarrondo (2008), a

inteligência é um conjunto de habilidades cognitivas do indivíduo, capacidade de identificar,

logo, resolver problemas novos e encontrar as soluções mais satisfatórias. Um constructo que

inclui raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão

de ideias complexas, aprendizagem rápida e aprendizagem a partir da experiência. Para o

autor, existe uma dimensão de rendimento psíquico, que se refere a habilidade que, “com o

mínimo de esforço empregado, obtêm o máximo de ganho ou rendimento funcional”

(Dalgalarrondo, 2008, p278).

Para Erné (2007), a inteligência não é uma função psíquica a priori, ela é uma grande

síntese de nosso psiquismo. Ela é “a capacidade de adaptar-se a novas situações, mediante o

consciente emprego de meios ideativos” (Erné et al., Melo, 2007, p.72). E será mais

inteligente o indivíduo que, melhor e mais rápido compreende, quanto maior campo de

informação que acumule, quanto mais prontamente elaborar ideias originais, melhor saiba

utilizar a lógica e quanto melhor se adapte à novas situações.

9. Afetividade

Afetividade é definida como a sensibilidade interna de um indivíduo frente à

satisfação ou à frustração de suas necessidades, ou seja, a necessidade é a diretriz da

afetividade. Define-se como necessidade a tendência natural que impulsiona a pessoa a

praticar uma determinada ação ou buscar uma categoria determinada de objetos, das quais

podem ser conscientes ou inconscientes (Erné, 2007).


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As emoções e os sentimentos são os fenômenos afetivos mais elementares. A emoção

pode ser definida como um estado afetivo intenso, de curta duração, que se origina como a

reação de um indivíduo a certas excitações internas ou externas, conscientes ou inconscientes.

Os sentimentos são estados e configurações afetivas estáveis; em relação à emoções, são mais

suaves em intensidade e menos reativos a estímulos passageiros. (Dalgalarrondo, 2008).

As alterações patológicas mais frequentes do humor são: distimia (alteração do

humor, tanto para exaltação como para inibição); disforia (mau humor) e hipotimia/hipertimia

(tristeza e/ou alegria patológica, imotivada ou inadequada) (Erné, 2007).

Já as alterações patológicas mais frequentes em relação as emoções são: apatia

(diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva); ansiedade (estado de humor desconfortável

e apreensão negativa em relação ao futuro) angústia (assemelha-se muito à ansiedade, porém

possui conotação mais corporal e mais relacionada ao passado); fobia (medos patológico,

desproporcional e incompatível com as possibilidades de perigo real oferecidas pelo

desencadeante, chamado de objeto ou situação fobígena); ambivalência afetiva ( termo criado

por Bleuler que descreve sentimentos opostos em relação a um mesmo objeto ou estímulo,

sentimentos que ocorrem de modo absolutamente simultâneo, como sentir amor e ódio,

rancor e carinho) e labilidade afetiva ( mudanças súbitas e imotivadas de humor, emoções ou

sentimentos) ( Dalgalarrondo, 2008).

10. Conduta

Conduta refere-se ao padrão habitual de conduta num determinado contexto. Pode-se

classificar os transtornos da conduta de duas formas: alterações patológicas das pulsões e

alterações patológicas das necessidades humanas superiores. Na primeira, subdivide-se em:

perturbações das pulsões naturais de conservação da vida (condutas suicidas, automutilações

e autoagressões); perturbações do sono (insônia, hipersonia); perturbações alimentares


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(bulimia, anorexia); perturbações de expansão motora (manifestação de impulsos agressivos);

perturbações sexuais (impotência, ejaculação precoce) e perturbações de higiene pessoal. Na

segunda, as alterações das necessidades humanas superiores são representadas por: avareza,

narcisismo, cleptomania, prodigalidade, dentre outras (Erné, 2007).

Conclusão

O exame do estado mental do paciente é formado principalmente pela observação do

comportamento ou aplicação de testes que identifiquem anomalias ou sintomas nas principais

áreas da cognição/percepção. Porém nem sempre cabe o exame detalhado ao psicólogo

devido a termos e conceitos competentes a psiquiatria.

Nesse caso cabe ao psicólogo um mini exame, com um breve detalhamento dos sintomas,

ainda que de forma superficial e reencaminhamento para um profissional mais competente na

identificação e detalhamento do problema em questão.


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Referências

Baddeley, A. D. (2007). Working memory, thought, and action. United Kingdom: Oxford

University Press.

Dalgalarrondo, P. (2008). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais (2a ed.).

Porto Alegre: Artmed.

Erné, S. A. (2007). O exame do estado mental do paciente. In J. A. Cunha (Org.).

Psicodiagnóstico –V. (5a ed.). (Cap. 7, pp. 67 – 74). Porto Alegre: Artmed.

Sanches, M., Marques, A. P., Ortegosa, S., Freirias, A., Uchida R., & S Tamai, S. (2005). O

exame do estado mental. É possível sistematizá-lo? Arq. Med. Hosp. Fac. Cienc. Med.

Santa Casa São Paulo, 50(1), 18-23. Recuperado em 15, maio, 2016, de

http://www.fcmscsp.edu.br/images/Arquivos_medicos/2005/50_1/vlm50n1_4.pdf.

Sternberg, R. J.(2008). Psicologia cognitiva. São Paulo: Cengage Learning.

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