A Construção Do Tempo Tempo Absoluto, Tempo Relativo, Tempo Inexistente

A construção do tempo: Tempo absoluto, tempo relativo, tempo inexistente https://cosmosecontexto.org.br/a-construcao-do-tempo-tempo-absoluto-...
COSMOS & CONTEXTO A REVISTA EDIÇÕES ARTIGOS VÍDEOS
COSMOS &
· A CONSTRUÇÃO DO CONTEXTO
TEMPO: TEMPO Revista eletrônica de
cosmologia e cultura
ABSOLUTO, TEMPO
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A REVISTA
ARTIGOS
ENCONTROS
Mario Novello / 14 de julho de 2012
TODAS AS EDIÇÕES
VÍDEOS
IÁLOGOS / CONTATO
D Mario Novello* //
© 2018 Cosmos &
Contexto
Luiz Alberto Oliveira** //
Diálogos que seguem a palestra Tempo absoluto, tempo relativo, tempo inexistente.
–––––
Luiz Alberto Oliveira : o Mário realizou aqui uma tarefa de quebra gelo, aquele
quebra gelo que vai rompendo os icebergs. A tentativa de delinear, de
conseguir pincelar com contornos precisos um problema de extrema
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dificuldade que é o de definir qual é a natureza do tempo.

Talvez a dificuldade inicial na abordagem dessa questão esteja no fato de
sermos herdeiros e operadores de uma certa imagem do tempo, pois todos
nós exercemos uma temporalidade cuja figuração talvez possa ser descrita
como uma espécie de força que empurra as coisas, os habitantes do

COSMOS &
mundo do passado para o futuro. Essa é uma força universal, uniforme, CONTEXTO
irresistível, unânime, e muitos de nós gostaríamos que certos momentos Revista eletrônica de
dessa temporalidade se prolongassem eternamente. Mas não adianta,
porque o relógio da central nos diz invariavelmente que a passagem dos

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instantes está sendo universalmente seguida. Forjamos uma imagem do
A REVISTA
tempo como uma espécie de linha infinita, e essa linha infinita é percorrida
por um barquinho chamado ‘agora’, e no agora que vai se movendo de ARTIGOS
instante a instante, desde um passado remoto à um futuro inócuo, futuro ENCONTROS
embarcado que nós chamamos de realidade. O que era real no instante

TODAS AS EDIÇÕES
anterior não é mais, e o que vai ser real daqui a pouco não é real ainda.
VÍDEOS
Então, nós vivemos essa imagem do tempo como se fosse uma linha
CONTATO
infinita de instantes de pontos de tempo, de unidades de tempo de
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extensão nula, uma seguindo a outra e a realidade viajando ao longo dessa Contexto
linha. É dessa forma que nós operacionalizamos a noção de tempo e de tal
maneira somos eficazes em fazer isso que nós pensamos que sempre foi
assim, ou seja, que essa é a imagem do tempo.
Como o Mário chamou atenção, essa imagem recente, se não fosse o
Renascimento, não seria possível conceber o tempo como uma linha, ou
seja, geometrizar o tempo. Se não fosse Descartes, não seria possível
conceder que essa linha fosse uma sucessão de pedaços de tempo, uma
sucessão de unidades de tempo. Ou, pior ainda, uma unidade de tempo de
extensão nula, pontos de tempos, instantes. Se não fosse Pascal, não
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seria possível pensar que essa linha é infinita, portanto, essa imagem do
tempo tem 300 anos, essa que está tão entranhada em nós, que até
imaginamos uma faculdade do pensamento chamada bom senso que nos
permitiria aprender essa imagem do tempo, apreender e exercer essa
temporalidade. O que é o bom senso para pensarmos sobre isso? O bom
sentido, a boa direção, a passagem das coisas do ontem para o amanhã, COSMOS &
que nos permite estabelecer séries causais entre os acontecimentos, CONTEXTO
Revista eletrônica de
relacionar causas, ontem com efeitos sobre o amanhã. Nós até pensamos
que temos uma faculdade chamada bom senso, nós fazemos bom uso dela
ao praticarmos essa imagem do tempo, o problema que a ciência do nosso

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século vem mostrar é que essa imagem não é objetiva (uma palavra
A REVISTA
perigosíssima), ou seja, há outros modos de apreensão da realidade
natural nos quais essa imagem não tem nenhuma eficácia. O primeiro
ARTIGOS
momento desse corte, como o Mário mostrou, foi a relatividade. Na ENCONTROS
relatividade, aquele palco anterior, aquele espaço no qual os personagens

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e corpos se relacionavam uns com os outros, agiam uns sobre os outros

VÍDEOS
pelas ações de forças e esse enredo ia se desenrolando ao longo de um
CONTATO
tempo universal absoluto, esses palcos vão ter seus elementos fundidos,
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pois o espaço e o tempo vão se assimilar e, da mesma maneira, os Contexto
personagens e seus movimentos também vão se juntar: espaço-tempo,
matéria-energia. Então, a partir dessa ideia, nenhum observador pode
medir uma certa dimensão de um acontecimento com uma régua, com uma
distância, portanto, e outro observador medir esse mesmo acontecimento
com um relógio, como se tivesse uma única duração. Espaço e tempo são
unidades evidentemente distintas que não podem confluir uma com a
outra, que não podem se confundir uma com a outra. O que a relatividade
vem nos dizer é que essa distinção é ilusória, então nós começamos a nos
deparar com uma dificuldade terrível, como se nosso cérebro mamífero
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não fosse capaz mais de produzir imagens visuais, de visualizar a

realidade nesse nível fundamental revelado pela relatividade. Ou seja, nós
operamos conceitualmente, simbolicamente, nós aprendemos e
trabalhamos nesse nível da realidade para não perdermos o poder de fazer
imagens. Mas, na verdade, as únicas imagens que nós somos capazes de
conceber são imagens paradoxais. Não só os personagens e o enredo se COSMOS &

fundiram e o palco se unificou, como agora tudo isso se tornou dinâmico.CONTEXTO
Ou seja, os personagens atuam sobre o palco e o palco, ele próprio Revista eletrônica de
personagem, reage de volta aos personagens da trama, e isso modifica o
palco, que, por sua vez, modifica os personagens, numa processualidade

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infinita.
A REVISTA
Essa imagem de uma totalidade dinâmica cria uma totalidade processual ARTIGOS
que tem historia. É uma imagem espantosa, porque ela significa que o ENCONTROS
universo e tudo o que existe nele está em estado de inacabamento, essa

TODAS AS EDIÇÕES
talvez seja a ideia mais significativa, mais fecunda dos próximos séculos, a
VÍDEOS
ideia de que há uma historia da totalidade e que a historia da matéria, da
CONTATO
vida e do pensamento têm como suporte essa historia do todo, essa
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viabilidade do todo. Só que são imensas as dificuldades para traduzirmos Contexto
nos termos do cotidiano essas figuras do pensamento e, ali naquele
momento, curiosamente, numa espécie de inversão da tradição platônica,
os paradoxos, os enunciados ambíguos, indeterminados que contêm um
germe de alta contradição e de indeterminação, esses enunciados que
eram matrizes de erro, de engano e de falsidade e que, portanto, tinham
que ser excluídos do pensamento, os paradoxos hoje, curiosamente, se
tornam elementos de produzir inteligibilidade sobre o mundo. Nós podemos
nos aproximar de uma compreensão dessas questões que estão sendo
postas pela ciência contemporânea e não erradicarmos os paradoxos,
mas, pelo contrário, utilizá-los como instrumentos, como ferramentas. Daí a
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escolha de Alice de Lewis Caroll. Um tratado, como disse no início, da

paradoxologia que vai nos servir para ilustrar o problema que é o centro, o
núcleo da apresentação do Mário Novello.
Ou seja, nós estamos há três séculos empregando um certo conjunto de
instrumentos, um certo conjunto de operadores mentais pelos quais nós

COSMOS &
entendemos o que é a realidade natural, para entendermos o que é o CONTEXTO
mundo e para efetivar a nossa presença nele. Mas, de repente, surge umRevista eletrônica de
horizonte de validade para esse campo do pensamento, para essas
estruturas mentais. Um problema desponta detrás do horizonte, um

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invisível, o que conhecemos hoje e dizemos no dialeto newtoniano, que
A REVISTA
algo desponta, que não pode ser apreendido por esse dialeto, então nós
nos deparamos com o invisível, com o desconhecido. Isso é uma aventura, ARTIGOS
mas também traz angústia. ENCONTROS
TODAS AS EDIÇÕES
Para procurar uma ideia do que se poderia dizer sobre o tema, e de que
VÍDEOS
maneira nosso espírito poderia tangenciar as bordas ásperas desse
CONTATO
problema, a sugestão de usar o personagem de Alice. Na sua história há
© 2018 Cosmos &
uma queda, que é a queda da maçã, e Alice por sua vez cai, só que nessa Contexto
queda uma coisa curiosa acontece: é uma queda indefinida e de duração
indeterminada. Pode-se dizer que é uma queda infinita em que alguma
coisa acontece. Não há mais sentido distinguir o para cima e o para baixo,
portanto. Alice cair significa, ao mesmo tempo, Alice subir, porque não tem
mais a diferença entre o para cima e o para baixo, essa indeterminação em
sua queda lança a estranha ideia de uma queda que se dá,
simultaneamente, para os dois lados, uma ideia evidentemente paradoxal.
Essa é uma questão que gostaria de trazer como uma possibilidade de
começarmos a discutir de forma sucinta o problema que o Mário
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apresentou. Isto é, quando nós procuramos idealizar aquilo que seria o

máximo da culminância da ciência do século XX, o casamento da nossa
descrição do universo em escala microscópica do mundo, dos átomos, dos
seus componentes, as partículas elementares, com a descrição da
totalidade, da expressão do universo astronômico, enquanto expressão
máxima da existência, quando nós procuramos aproximar, combinar, asCOSMOS &

CONTEXTO
descrições extremamente eficazes que nós dispomos dessas duas escalas
da natureza, alguma coisa muito estranha começa a emergir, algo muito Revista eletrônica de
diferente começa a surgir desse limite do dialeto newtoniano e vai apontar
para o que seria a irrelevância ou a inexistência do tempo nesse estágio

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primordial que o micro ou o macro tem. Nesse momento primordial é como
A REVISTA
se o tempo fosse irrelevante e, de uma maneira mais precisa, poder-se-ia
dizer que é como se tivesse deixado de ter importância a distinção entre o

ARTIGOS
antes e o depois, tanto faz, ou seja, o tempo deixaria de ter direção. ENCONTROS
Sequer a distinção entre o antes e o depois seria relevante, mas essa TODAS AS EDIÇÕES
irrelevância imediatamente coloca um outro problema: então quando é que

VÍDEOS
o tempo começa? Quando é que o tempo é produzido? Há, então,
CONTATO
momentos que não há o tempo, que o tempo inexiste ou é irrelevante? Há
© 2018 Cosmos &
um momento em que o tempo começa, há um quando que o tempo Contexto
começa? Como poderíamos conceber uma matriz do tempo? Um útero
para o tempo? Que estrutura poderia dar lugar a esse cenário do universo
que nós costumamos apreender pelo dialeto newtoniano, usando as
estruturas mentais que nós herdamos dos últimos três séculos?
Se estamos falando de uma instância na qual o tempo não existe ainda,
então poderíamos pensar em uma imagem de eternidade. Encontramos
duas imagens de eternidade na história do pensamento, uma é a
eternidade pascaliana, ou seja, o tempo, a eternidade da infinita extensão
do tempo, a linha infinita do tempo, o tempo sem limite. Pascal, quando se
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deparou com as concepções de Newton sobre o mundo, sofreu um golpe,

porque percebeu que se o espaço é infinito, a rigor não há um onde, se o
tempo é infinito a rigor não há um quando, e Pascal pergunta: “quem
somos?”
Então, uma eternidade da infinita duração, do tempo infinito não é mais

COSMOS &
CONTEXTO
interessante para nós. Os filósofos cristãos nos legaram uma imagem bem
mais rica de eternidade, que é a imagem do ‘complicado’. ‘Complicar’ Revista eletrônica de

significa dobrar em latim, então complicado significa dobrado junto, não
quer dizer confusão. E explicado é aquilo que se desdobra, é aquilo que

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HOME
estava junto e se separa. Complicado é o que estava separado e se junta.
A REVISTA
Então podemos pensar numa figura de eternidade que corresponderia a
um colapso, a um redobramento disso que para nós está desdobrado às ARTIGOS
dimensões do tempo. Nós concebemos o tempo como tendo três ENCONTROS
dimensões: um passado, um presente e um futuro. E para nós essas

TODAS AS EDIÇÕES
dimensões são inteiramente distintas, não se combinam, não se penetram
VÍDEOS
de nenhuma maneira, tanto que ficamos perturbados, como o Mário
CONTATO
assinalou, quando surge a existência de possibilidades no universo, tais
© 2018 Cosmos &
como os ‘buracos de minhoca’, nos quais andar para o futuro seria Contexto
encontrar o próprio passado. Ficamos realmente perturbados com essa
possibilidade. Daí que então as três dimensões do tempo: o presente,
passado e futuro – o presente confinado a este instante chamado agora,
habitado pelo real – quem sabe, poderiam ser concebidas como uma figura
de eternidade na qual estivessem justapostas, como se fosse uma espécie
de botão de rosas onde as futuras pétalas estariam ali presentes, em
contato e de forma inseparável umas das outras, com o surgimento da
rosa. Em outras palavras, o surgimento da existência, da ordenação, essa
distinção entre as coisas, corresponderia ao desdobrar dessas pétalas,
corresponderia à explicação do que estava até então complicado.
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Podemos assim imaginar um tempo no qual há um presente, e esse

presente não é um intervalo de um passado e um futuro já dado, ou seja,
ele não é um pedaço de uma linha, ele é um botão do qual passado e
futuro se desdobrariam, uma injeção sobre o qual o tempo poderia se
engendrar.
COSMOS &
Essa imagem é extremamente adequada para descrever a paradoxal CONTEXTO
entidade para a qual o Mário chamou a atenção e que apelidou de ‘vazio’.Revista eletrônica de
Quando pensamos uma instância prévia a partir da qual fórmulas podem
ser conduzidas, nesse estágio não há formas, então seriam estágios

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HOME
informes. O informe para nós tem duas imagens: a primeira é a do caos, do
A REVISTA
desordenamento. A imagem que nós usamos do caos é uma imagem da
desorganização espacial, a perda das relações estruturais que dizem ARTIGOS
aonde cada parte deve estar. A imagem mais cotidiana para nós, fora a ENCONTROS
economia, é o pânico. O pânico quando se perdem completamente o

TODAS AS EDIÇÕES
sentido das relações sociais, quando avós pisam no pescoço dos netinhos
VÍDEOS
porque se romperam todos os elos e referências. Mas essa imagem do
CONTATO
caos é uma imagem de desordem espacial, de desorganização espacial,
© 2018 Cosmos &
perda das especificidades dos lugares. Não é essa a imagem que cabe Contexto
aqui. A que se aplica aqui é um caos de multiplicidade de tempos
possíveis. É como se em cada botão de rosas, todas as rosas futuras,
todas as rosas em potencial, estivessem ali presentes dobradas, apenas
uma delas vai se desdobrar mas todas estão presentes nessa instância
genética. Portanto, não se trata de um caos como uma imagem espacial,
mas como uma figura temporal, um emaranhado de linhas de tempo.
A outra imagem que nós dispomos para falar do informe, é a figura do
vazio, que supostamente é a mais simples das estruturas. Se não tem
forma nenhuma, se é vazio tem forma nenhuma, ou quem sabe possa ser
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uma boa representação uniforme? Mas o que novamente parece paradoxal

é que não há entidade mais plena do que esse vazio, ou seja, mais rica de
potencialidade, é como se imaginássemos todos os universos, se algum
dia e de algum modo, pudessem vir a existir. Todas as cores, todos os
matizes, todos os tons, como se em nossa paleta tivéssemos todas as
cores, e cada nuance de cor fosse um universo. Imaginemos se COSMOS &

CONTEXTO
misturássemos todas essas cores, produzindo uma pasta, uma amálgama
incolor que parece não ter cor nenhuma, parece não ter substância alguma
porque é o resultado da sobreposição de todas as possibilidades possíveis.
Então, nesse estágio de pré-universo no qual está o embrião de todos os


HOME
universos, é que corresponderia à essa imagem do vazio. Vemos que a
A REVISTA
dificuldade que nós temos de enfrentar o surgimento de um limite de
eficácia para o dialeto newtoniano é o fato de que os nossos modos

ARTIGOS
tradicionais de pensamento têm que ser obrigatoriamente renovados. E ENCONTROS
essa renovação não é uma experiência trivial; é uma experiência, porqueTODAS AS EDIÇÕES
não dizer, poética. Então é necessário que os cosmólogos leiam Ezildo,

VÍDEOS
Lucrécio e Manoel de Barros para se instrumentalizarem de conceitos
CONTATO
rigorosos para poderem produzir um novo tipo de inteligibilidade para o
© 2018 Cosmos &
qual os nossos sistemas tradicionais não vão ser capazes de dar conta. Contexto
A grandeza da exposição do Mário foi procurar nos presentear com esse
anuncio, com essa previsão, com essa possibilidade e nos anunciar uma
crise por estarmos à beira de necessitarmos de um novo modo de falar e
de entender o mundo.
Nesse sentido, gostaria de pedir que ele discutisse um pouco mais as
características dessa superação do dialeto newtoniano. Nós usamos, tanto
eu como você, a imagem de um cenário, mas me parece que talvez fosse
mais conveniente deixar de lado esse cenário e procurar uma outra
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imagem, quem sabe mais dinâmica e de interação.

Mário Novello : Vou alterar um pouco a questão para dar um exemplo que nos
permita entender as mudanças que são necessárias de se fazer nesse
dialeto newtoniano. E a ideia crucial para isso me parece estar contida na
seguinte questão: qual a imagem que se pode construir sobre o começo da

COSMOS &
fase expansionista do universo? CONTEXTO
Luis Alberto fez referência a uma imagem poética sobre a flor que
desabrocha e que pode servir muito bem para entendermos alguns 

HOME
aspectos do universo.
A REVISTA
Começamos por lembrar que algumas partes do universo podem nunca ter ARTIGOS
trocado informação e se desconhecem suas respectivas existências. A

ENCONTROS
razão disso se deve ao fato de que existe um limite máximo de propagação
TODAS AS EDIÇÕES
de informação. Isso significa que é possível – se o universo for
VÍDEOS
suficientemente grande – que haja regiões desse universo que nunca
CONTATO
trocaram informação e nem nunca vão poder trocar, isto é, ao
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representarmos essa totalidade que chamamos universo, devemos nos
Contexto
preparar para usar praticamente a todo momento o principio de Copérnico,
isto é, nós não estamos num lugar privilegiado no mundo. Somente assim,
ao observarmos nossa vizinhança cósmica, poderemos extrapolar e
construir uma imagem de uma totalidade que não observamos diretamente
e que poderemos então chamar a totalidade universo.
Ou seja, a imagem que temos do universo não é completamente baseada
em cenas de observações, há um principio fundamental que está por trás
dela e é o principio de que nós não estamos vendo uma região
particularmente importante ou particularmente especial do universo, mas
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sim uma região ‘típica’.

Talvez devêssemos citar uma ideia curiosa que apareceu na física nos
anos 1960, que na verdade eu tenho a impressão de que já tinha sido
colocado de outro modo por Pierre Duhem, Pierre Chardine outros
cientistas em outro contexto, que consiste na hipótese de que o universo

COSMOS &
foi produzido para no futuro ser habitado por seres humanos. Alguns CONTEXTO
ingleses que desenvolveram essa esdrúxula proposta deram o nome de Revista eletrônica de
principio antrópico a essa conjectura que em síntese pretende que o
mundo é o que é porque nós somos o que somos. Uma tal hipótese

HOME
permite pensar em uma multiplicidade de universos. Dentre esses, alguns
A REVISTA
poderiam exibir leis físicas distintas. Certamente haveria escolhas, por
exemplo, podemos imaginar que em um desse universos não haveria ARTIGOS
ingleses. Uma coisa é clara, no entanto: nós não temos acesso a esses ENCONTROS
hipotéticos universos. Se a física, a cosmologia amanhã provar que

TODAS AS EDIÇÕES
realmente existiram ou existem – e é difícil usar a palavra existir para falar
VÍDEOS
desses outros universos aos quais não temos acesso nem nunca teremos,
CONTATO
reflexo do uso irrestrito do dialeto newtoniano –, teremos dificuldades em
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propor um discurso sobre eles. Isso porque o dialeto newtoniano foi Contexto
produzido para um cenário dentro de um universo único. Ao pensarmos
vários universos o discurso tem que ser alterado. Por exemplo, cada
universo teria uma representação espaço-temporal. Como conciliar essa
imagem do nosso universo que possui uma estrutura espaço-temporal
determinada, com a hipótese de outro universo que pode ser que não
tenha a mesma estrutura espaço-temporal?
Isso levaria a outra forma de indagação, para além do dialeto newtoniano,
mas bem mais aceitável como pensar que as leis da natureza pudessem
ter uma evolução, pudessem depender da evolução cósmica. Essa ideia
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começou a ser examinada ao longo do século XX e levaria a pensar se as

leis da natureza sempre foram as mesmas. Haveria afinal uma
dependência cósmica das interações? Afinal, o que determina uma
mudança de uma lei física?
Mas essas são questões para outro lugar. Obrigado.

COSMOS &
CONTEXTO
Dentre as perguntas feitas pela platéia, selecionamos uma: Revista eletrônica de

Pergunta da platéia : Você poderia falar um pouco mais sobre esse wormhole, o
HOME
‘buraco de minhoca’?
A REVISTA
Mário Novello : Talvez não devêssemos falar do wormhole, mas, sim, de alguns ARTIGOS
argumentos científicos que permitem entender qual a novidade que essa
ENCONTROS
configuração gravitacional contém. Em 1950, Kurt Godel, um matemático
TODAS AS EDIÇÕES
austríaco que se mudara para os Estados Unidos, fez um curioso trabalho
VÍDEOS
sobre a relatividade geral para servir como uma homenagem a Einstein.
CONTATO
© 2018 Cosmos &

Godel era famoso e muito mais conhecido por seus maravilhosos trabalhos
Contexto
em lógica. Na física, ele fez poucos trabalhos, mas um deles criou uma
questão que ainda hoje gera muita discussão e sua compreensão ainda
não possui unanimidade entre os cientistas.
Segundo Godel ao aceitarmos que a gravitação é a responsável pela
geometria do espaço-tempo, ao tratarmos esse espaço-tempo como uma
substancia – que foi o que fez a teoria da relatividade geral – segue como
consequência que é possível conceber configurações gravitacionais na
qual é possível existir caminhos que levam ao passado. Luis falou sobre a
dificuldade que é até mesmo falar dessa questão. É tão óbvio, é tão natural
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que eu sempre caminhe para o futuro e consequentemente me afaste de

meu passado, que é difícil comentar usando nosso discurso convencional,
tais situações para as quais não temos nenhuma possibilidade de vivenciar
na Terra.
Quando digo que isso pode acontecer em certas circunstâncias onde o

COSMOS &
campo gravitacional é muito intenso, chega a ser chocante para nosso CONTEXTO
mundo do dia a dia. E, no entanto, é isso que pode ocorrer nessas Revista eletrônica de
situações onde, por exemplo, se forme um wormhole. Existem diversas
formas dessa configuração formal, mas no tipo que nos interessa aqui,

HOME
ocorre o que podemos falar de ‘volta ao passado’. É como se o tempo
A REVISTA
fosse cíclico, podemos falar assim, como se ao andar para o futuro não me
afaste do passado, ao contrário, me aproximo do passado. Isso só faz ARTIGOS
sentido se você imaginar que o tempo não é essa linha reta a que o Luis se ENCONTROS
referiu, ‘ligando um passado ao futuro’. Na verdade é como se houvesse

TODAS AS EDIÇÕES
uma mudança da topologia, quer dizer, da estrutura topológica do espaço-
VÍDEOS
tempo. Isso é difícil de conceber, pois não vivenciamos isso, nosso tempo
CONTATO
terrestre é linear e por isso uma tal ideia – voltar ao passado – nos parece
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fantasiosa, uma simples questão de imaginação. Contexto
O que se está dizendo é que agora podemos saber a razão pela qual essa
experiência de volta ao passado não é possível de ser realizada na Terra:
não podemos voltar ao passado porque o campo gravitacional da Terra é
fraco. Isso é a um só tempo espantoso e maravilhoso. Segue então a
pergunta óbvia: quer dizer então que se existir uma região onde o campo
gravitacional for intenso capaz de produzir esses caminhos fechados sobre
si mesmos, poderia acontecer essa experiência de ‘volta-ao-passado’?
Sim, é possível. Na verdade, isso é possível de acontecer exatamente na
solução cosmológica inventada por Godel.
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Eu gostaria de aproveitar essa pergunta e fazer um último comentário

sobre algumas novidades da física envolvendo uma vez mais a
propagação da luz. De novo, a luz está balizando nosso conhecimento do
mundo, pois parece que estamos no limiar de uma revolução parecida com
a que aconteceu no final do século XIX e que deu origem a essas duas
relatividades que estávamos comentando: a primeira, a relatividade COSMOS &

especial que esclareceu que é a luz, os fótons, que possui a velocidade CONTEXTO
máxima possível; e a segunda, a relatividade geral que sustenta que a Revista eletrônica de
gravitação modifica a estrutura do espaço-tempo, comprovada em Sobral,
no Ceará, em 1919, graças ao desvio dos raios luminosos pelo Sol.


HOME
A REVISTA
Pois bem, é possível que estejamos próximos de uma terceira revolução no
conceito do espaço tempo e uma vez mais graças a análises do ARTIGOS
comportamento do fóton em circunstâncias especiais. Como diria meu ENCONTROS
amigo, o filósofo Cláudio Ulpiano, temos que examinar um movimento de

TODAS AS EDIÇÕES
ideias muito difícil. Por exemplo: que imagem mental deveríamos atribuir à
VÍDEOS
informação de que um fóton pode observar o seu passado? E se isso
CONTATO
pudesse ocorrer em laboratório terrestre? Uma tal afirmativa entra em
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choque com alguns conceitos que nos parecem trivialmente verdadeiros. Contexto
Na verdade, fótons não-lineares em circunstâncias desenvolvidas em
laboratório terrestre podem produzir uma representação equivalente a um
processo gravitacional desses que eu acabei de falar, tipo wormhole, onde
existiriam curvas que voltam ao passado. Ou seja, em certos processos
não-lineares os fótons podem ter a propriedade que se identificaria com a
imagem que temos de ‘volta-ao-passado’. Ora, nós não podemos seguir
um desses caminhos do fóton, mas podemos extrair informação desse
fóton realizando essa experiência de voltar ao passado. Embora essa
experiência ainda não tenha sido realizada, sua realização não é proibida
14 of 16 19/10/2021 13:32
por nenhuma lei da física. Assim, podemos esperar ver esse fenômeno em
nossos laboratórios, pois, como dizem nossos colegas biólogos, tudo
aquilo que não é proibido de acontecer na natureza, acontece.
–––––
COSMOS &
*Mario Novello é físico e cosmólogo do ICRA/CBPF. CONTEXTO
**Luiz Alberto Oliveira é físico do ICRA/CBPF. cosmologia e cultura

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A REVISTA
Arquivado em: Cosmos e Contexto n.8, Jul. 2012
ARTIGOS
ENCONTROS
TODAS AS EDIÇÕES
Sobre Mario Novello — VÍDEOS
Professor Emérito do Centro Brasileiro de CONTATO

Pesquisas Fisicas (2012), publicou diversos livros de© 2018 Cosmos &
divulgação científica e mais de 150 artigos Contexto
científicos em prestigiosos periódicos

internacionais, e orientou inúmeras dissertações de
mestrado e teses de doutorado no CBPF.
15 of 16 19/10/2021 13:32
COSMOS & CONTATO — POSTS RECENTES —

CONTEXTO —
CBPF A catástrofe dos cortes no
Revista eletrônica de Rua Dr. Xavier Sigaud, 150 – orçamento da ciência
cosmologia e cultura. Urca O problema da experiência
Rio de Janeiro-RJ COSMOS
mística e sua &
expressão
Diretor e Editor-chefe
21 2141 7215 lingüísticaCONTEXTO
Mario Novello
contato@cosmosecontexto.org.br Do Acordo de Paris à COP
Comitê executivo
26. O que cosmologia
nos diz o dinheiro
e cultura
Mario Novello, Nelson Job e
Em busca das origens da
Flavia Bruno POLÍTICA DE 
nossa tragédia
PRIVACIDADE —
Edição de web, programação e HOME
Freud e o sujeito da cultura –
design A Cosmos & Contexto jamais Curso por Flavia
A Bruno
REVISTA
Flavia Schaller divulgará seus dados sem sua
expressa autorização. ARTIGOS
ISSN: 2358-9809
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A Construção Do Tempo Tempo Absoluto, Tempo Relativo, Tempo Inexistente

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sermos herdeiros e operadores de uma certa imagem do tempo, pois todos

como uma espécie de força que empurra as coisas, os habitantes do

porque o relógio da central nos diz invariavelmente que a passagem dos

por um barquinho chamado ‘agora’, e no agora que vai se movendo de ARTIGOS

instante a instante, desde um passado remoto à um futuro inócuo, futuro ENCONTROS

embarcado que nós chamamos de realidade. O que era real no instante

linha. É dessa forma que nós operacionalizamos a noção de tempo e de tal

assim, ou seja, que essa é a imagem do tempo.

Como o Mário chamou atenção, essa imagem recente, se não fosse o

Renascimento, não seria possível conceber o tempo como uma linha, ou

seja, geometrizar o tempo. Se não fosse Descartes, não seria possível

sucessão de unidades de tempo. Ou, pior ainda, uma unidade de tempo de

extensão nula, pontos de tempos, instantes. Se não fosse Pascal, não

imaginamos uma faculdade do pensamento chamada bom senso que nos

permitiria aprender essa imagem do tempo, apreender e exercer essa

temporalidade. O que é o bom senso para pensarmos sobre isso? O bom

ao praticarmos essa imagem do tempo, o problema que a ciência do nosso

momento desse corte, como o Mário mostrou, foi a relatividade. Na ENCONTROS

relatividade, aquele palco anterior, aquele espaço no qual os personagens

e corpos se relacionavam uns com os outros, agiam uns sobre os outros

personagens e seus movimentos também vão se juntar: espaço-tempo,

matéria-energia. Então, a partir dessa ideia, nenhum observador pode

distância, portanto, e outro observador medir esse mesmo acontecimento

unidades evidentemente distintas que não podem confluir uma com a

deparar com uma dificuldade terrível, como se nosso cérebro mamífero

não fosse capaz mais de produzir imagens visuais, de visualizar a

operamos conceitualmente, simbolicamente, nós aprendemos e

trabalhamos nesse nível da realidade para não perdermos o poder de fazer

imagens. Mas, na verdade, as únicas imagens que nós somos capazes de

conceber são imagens paradoxais. Não só os personagens e o enredo se COSMOS &

palco, que, por sua vez, modifica os personagens, numa processualidade

universo e tudo o que existe nele está em estado de inacabamento, essa

nos termos do cotidiano essas figuras do pensamento e, ali naquele

momento, curiosamente, numa espécie de inversão da tradição platônica,

os paradoxos, os enunciados ambíguos, indeterminados que contêm um

germe de alta contradição e de indeterminação, esses enunciados que

eram matrizes de erro, de engano e de falsidade e que, portanto, tinham

que ser excluídos do pensamento, os paradoxos hoje, curiosamente, se

tornam elementos de produzir inteligibilidade sobre o mundo. Nós podemos

nos aproximar de uma compreensão dessas questões que estão sendo

postas pela ciência contemporânea e não erradicarmos os paradoxos,

mas, pelo contrário, utilizá-los como instrumentos, como ferramentas. Daí a

escolha de Alice de Lewis Caroll. Um tratado, como disse no início, da

núcleo da apresentação do Mário Novello.

Ou seja, nós estamos há três séculos empregando um certo conjunto de

instrumentos, um certo conjunto de operadores mentais pelos quais nós

estruturas mentais. Um problema desponta detrás do horizonte, um

mas também traz angústia. ENCONTROS

queda uma coisa curiosa acontece: é uma queda indefinida e de duração

indeterminada. Pode-se dizer que é uma queda infinita em que alguma

mais a diferença entre o para cima e o para baixo, essa indeterminação em

sua queda lança a estranha ideia de uma queda que se dá,

simultaneamente, para os dois lados, uma ideia evidentemente paradoxal.

Essa é uma questão que gostaria de trazer como uma possibilidade de

começarmos a discutir de forma sucinta o problema que o Mário

apresentou. Isto é, quando nós procuramos idealizar aquilo que seria o