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AULA 3

TERAPIAS E TÉCNICAS
DE 3ª ONDA

Profª Carolina Mayumi Formighieri Ikeda


INTRODUÇÃO

Nesta aula, continuaremos a nos aprofundar nas terapias de terceira onda,


explorando a Terapia Focada na Compaixão (TFC) e a Terapia Comportamental
Dialética (DBT). Vamos explorar a origem dessas abordagens e entender
conceitos gerais básicos e sua aplicação na prática.

TEMA 1 – TERAPIA FOCADA NA COMPAIXÃO: CONCEITOS GERAIS

O conceito de compaixão é explorado há muito tempo, especialmente por


culturas orientais. Dalai Lama fala sobre a compaixão como uma “sensibilidade
ao sofrimento de si e de outros, com comprometimento de buscar aliviar” (Koltz,
2016, p. 25). Paul Gilbert, um psicólogo inglês, ao buscar uma resposta para um
questionamento comum de seus pacientes, acabou formulando a Terapia Focada
na Compaixão (TFC).
Gilbert percebia que muitos clientes conseguiam entender e reformular
seus pensamentos, buscando explicações alternativas e evidências, intervenções
comuns da TCC tradicional, mas eles acabavam não conseguindo se sentir de
maneira diferente. Ao olhar para isso de maneira mais profunda, Gilbert percebeu
que mesmo as cognições alternativas podem ter um impacto negativo
dependendo do tom crítico e exigente usado pelo indivíduo em seu diálogo
interno. Sendo assim, seu foco principal estava em relacionar o quanto pessoas
que sofrem de níveis altos de vergonha e autocrítica acabam não conseguindo se
autotranquilizar ou sentir-se mais seguras emocionalmente.
Assim, a TFC traz o conceito de compaixão como “conjunto de emoções,
pensamentos e comportamentos que nos deixa atentos ao sofrimento dos outros
e ao nosso próprio, sem julgamento” (Koltz, 2016, p. 25). Gilbert traz em sua
prática influência de diversas escolas terapêuticas, como a própria TCC
tradicional, a Terapia Analítica de Jung e a Teoria do Apego de Bowlby, fazendo
com que a TFC seja uma terapia integrativa. Ela usa recursos de diversas
abordagens terapêuticas na busca por aumentar a motivação compassiva do
cliente com ele mesmo e com as pessoas ao seu redor, a fim de reduzir vergonha
e autocrítica e aumentar seu senso de segurança interna.

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1.1 Vergonha e compaixão

A evolução do ser humano como espécie envolve o desenvolvimento de


respostas emocionais que se relacionam com suas motivações e necessidades.
Uma das características da nossa espécie está na necessidade de conexão e
busca por sensações de cuidado e segurança, a fim de preservar sua
sobrevivência.
A conexão emocional com outros seres proporciona a regulação emocional
e é algo fundamental para nossa saúde mental. Para a manutenção dessa
conexão, desenvolvemos a capacidade de vivenciarmos o nós a partir da mente
dos outros. Segundo Gilbert (2010, p. 83), a vergonha é um dos estados
emocionais derivados desse processo, ligada a avaliações negativas.
Podemos sentir vergonha de nós mesmos, o que abre espaço para um
diálogo interno autocrítico, assim como podemos partir do princípio de que os
outros podem estar nos julgando e criticando, mesmo sem expressarem. Essa
sensação, muitas vezes, pode levar à evitação experiencial, com objetivo de fugir
do sofrimento.
Para a TFC, aumentando a sensação de vergonha e autocrítica, há um
aumento do senso de ameaça desse indivíduo, o que leva a uma reação de busca
por proteção. Por exemplo, uma queixa comum hoje em dia está relacionada ao
uso de redes sociais. Geralmente, pessoas acabam publicando fotos de
momentos positivos e recortes de sua vida que envolvem momentos de orgulho e
satisfação.
Com isso, uma pessoa que vê um post de algum colega celebrando uma
conquista pessoal pode iniciar um diálogo interno de comparação, pensando
como o outro é competente e, por consequência, como ela (a pessoa) não é tão
boa assim, pois ainda não conquistou determinado feito em sua carreira e se julga
inferior. Ao pensar isso, é possível que a pessoa busque algum tipo de distração
para evitar pensar sobre esse acontecimento.
Dessa forma, ao sentirmos vergonha por alguma avaliação, a interação
entre esses pensamentos e sensações influenciam no que fazemos para lidar com
isso. Tal perspectiva é típica da TCC tradicional. O que a TFC traz para esse
entendimento envolve a ideia de que, além do conteúdo desses pensamentos, o
tom com que esse diálogo interno autocrítico ocorre aumenta o senso de alerta,

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ativando emoções desconfortáveis e levando à busca de proteção, ou seja, não
estar mais em contato com essas sensações.

1.2 Validação

Assim, o início de um trabalho pautado pela TFC envolve a validação do


porquê nos sentimos e pensamos assim. Essa interpretação de eventos e
ativação de respostas emocionais e comportamentais é fruto de diversos
elementos, como a próprio processo evolutivo humano e as interações sociais,
desde nosso nascimento, que alimentam nossa visão do eu e do mundo.
Basicamente, muito do modo como nossa mente funciona não está sob
nosso controle. Emoções e cognições sofrem a influência de contextos
evolucionários. O medo, por exemplo, é uma emoção básica que de busca por
proteção da espécie e aumento da sobrevivência. Sem esses processos, talvez
nem poderíamos pensar na continuidade da nossa espécie e não estaríamos aqui
hoje em dia.
Continuamos sentindo medo hoje em dia frente a estímulos que evocam
essa emoção e que nos levam a comportamentos protetivos, mas também
podemos sentir medo quando antecipamos alguma situação possível futura, sem
a presença de um estímulo para isso. Essas ativações primitivas acabam
interagindo com aspectos mais modernos da nossa evolução, como a capacidade
de pensamentos complexos e autorreflexão, gerando desregulações emocionais.
Além de aspectos evolutivos, o nosso senso de quem somos é construído
através dos nossos ambientes sociais, com os quais interagimos desde o início
da nossa vida. A Teoria do Apego de Bowlby, segundo Johnson (2019, p. 5),
reconheceu como comportamentos instintivos do bebê favorecem a ligação do
recém-nascido com sua figura de apego, predominantemente a mãe, aumentando
sua sensação de segurança interna e influenciando a habilidade de regulação
emocional.
Na prática, se possuímos relações com vínculo seguro desde o nosso
nascimento, vamos internalizar a capacidade de nos sentirmos seguros para
lidarmos com o mundo, incluindo nossas próprias emoções, o que implica em
conseguirmos ser mais compassivos e generosos com nossos processos
internos, ao longo da nossa vida.

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Já indivíduos com história de vida relacionada a abusos, negligências e
outras questões provavelmente vão desenvolver outros tipos de apego,
favorecendo a desorganização ao lidar com esses mesmos estados internos.

TEMA 2 – TERAPIA FOCADA NA COMPAIXÃO: ASPECTOS PRÁTICOS

A TFC entende a compaixão como um conjunto de habilidades e atributos


específicos que podem auxiliar no treino da mente compassiva, um dos objetivos
do tratamento. Para isso, ela trabalha com base em três tipos de sistemas de
regulação da emoção, baseados nos processos evolutivos, como vimos
anteriormente.

2.1 Três sistemas de regulação da emoção

A visão da TFC sobre as emoções busca entender essas ativações como


parte do que permitiu que nossos ancestrais sobrevivessem e evoluíssem como
espécie. Entender as ativações emocionais a partir dessa lente é um dos
principais objetivos da psicoeducação. Para isso, Gilbert (2010, p.117) sugere a
divisão de grupos de emoções em três, de acordo com suas funções evolutivas.
É importante destacarmos que não existe um sistema melhor ou mais
correto do que outro, cada um contempla aspectos essenciais da nossa
experiência humana. A busca da TFC é aumentar a ativação do sistema
relacionado à postura compassiva, assim como buscar um equilíbrio com os
outros sistemas.

2.1.1 Sistema focado na ameaça e autoproteção

A função principal desse sistema envolve alertar e direcionar a atenção do


indivíduo para possíveis ameaças, podendo ser internas ou externas. Envolve
diversas emoções comuns presentes quando uma pessoa procura um processo
terapêutico, como medo, raiva e ansiedade.
Para buscar proteção, as reações derivadas de emoções desse sistema
devem ser rápidas e motivadoras a uma ação que busque proteção imediata,
como reações relacionadas à luta, fuga ou congelamento. A percepção do
indivíduo também fica atenta a possíveis aspectos negativos das situações, que
acabam chamando mais atenção do que aspectos positivos.

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Como vimos anteriormente, esse sistema é essencial para conseguirmos
nos proteger em relação a ameaças. Mas, com a evolução da capacidade mental,
podemos continuar com esse sistema ativado mesmo sem a presença de um
estímulo aversivo, devido à capacidade humana de continuar em contato com
esses perigos, mesmo sendo por meio de memórias, fantasias, reflexões etc.

2.1.2 Sistema focado na direção, busca e aquisição

Outro grupo de emoções presentes no funcionamento humano influencia


na capacidade de buscar recursos entendidos como vantajosos e que direcionam
para a obtenção de prazer, envolvendo sensações como excitação, desejo e
ambição.
Esse sistema acaba sendo muito ativado em sociedades ocidentais e pode
estar relacionado a queixas de pacientes que buscam um processo terapêutico
quando não conseguem alcançar aquilo que desejam. Por isso, a ativação
excessiva desse sistema pode estar relacionada à maior vulnerabilidade a
estados depressivos. Contudo, em níveis adequados, esse sistema pode ser
extremamente motivacional e nos aproximar de nossos objetivos.

2.1.3 Sistema focado na afiliação, contentamento e tranquilidade

Ao contrário dos sistemas anteriores baseados em emoções que


direcionam para algo, seja proteção ou busca de objetivos, esse sistema está
relacionado a sensações de segurança, conforto e relaxamento, possibilitando
estados de quietude e paz e encorajando o descanso e processamento de outras
emoções. Quando esse sistema está ativado, conseguimos obter um nível de
atenção que auxilia na manutenção de comportamentos sociais.
Apesar de parecer um sistema “positivo” na teoria, podemos perceber nos
atendimentos clínicos que muitos pacientes possuem dificuldade na sua ativação,
muitas vezes, por histórias de vida nas quais o conforto e a conexão com outros
ficou associada com situações traumáticas ou instáveis.
Diferente de outros processos terapêuticos que acabam focando na
redução de emoções relacionadas ao sistema de ameaça, a TFC busca auxiliar
os pacientes a aumentar as sensações associadas a esse sistema, encorajando
uma postura compassiva perante situações difíceis.

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2.2 Trabalhando a compaixão

Grande parte do trabalho em TFC está pautado pelo entendimento de como


os três sistemas estão ativados no funcionamento do paciente e a função dessas
emoções e, por consequência, pensamentos e comportamentos na sua vida.
Explorar a história de vida e outras questões que fazem parte do
funcionamento do indivíduo auxiliam na validação de como ele se sente. É
importante passar a mensagem de que tudo faz sentido na maneira como
funcionamos quando entendemos qual foi a aprendizagem emocional por trás
disso.
Muitas pessoas podem ter tido experiências negativas em sua história de
vida, por exemplo, que envolveram distanciamento afetivo de seus cuidadores.
São eles quem temos como referência, ao longo do desenvolvimento, em relação
a cuidado e sensação de segurança emocional.
Se toda vez que essa criança ficava triste os pais se irritavam com sua
demonstração de emoção e se afastavam, pode ser que esse futuro adulto, em
seu sistema de memória, tenha registrado várias experiências emocionais nas
quais ele estimulava a raiva nos outros.
Assim, ele pode desenvolver uma crença, muitas vezes ainda inconsciente,
de que é uma pessoa ruim e que provoca desconforto nos outros. Por isso, a TFC
também estimula o terapeuta a lidar com essas memórias emocionais passadas
que não ajudam o cliente a conseguir acionar mais seu sistema de afiliação e
desenvolver experiências emocionais autocompassivas.
Como para outras terapias de 3ª onda, o treino de maior consciência e
atenção é essencial para que, no caso da TFC, o cliente possa desenvolver seu
self compassivo. Esse treino envolve, como vimos anteriormente na MBCT e na
ACT, práticas de mindfulness que proporcionam uma observação distanciada das
ativações emocionais conforme elas surgem e enfatizando uma postura de
validação, buscando a capacidade de se autotranquilizar, quando for necessário.
E, claro, a potencialização da capacidade de compaixão e autocompaixão
é um dos principais objetivos terapêuticos. Diversas técnicas podem ser utilizadas
na construção de um self compassivo que possa auxiliar esse cliente a lidar com
questões difíceis. Fazendo uma boa conceitualização do caso, o terapeuta pode
descobrir quais atributos e habilidades compassivas já fazem parte do seu
repertório. É sempre recomendado que o terapeuta estimule o que já está

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presente, considerando que o cliente vai ter maior facilidade em melhorar
características já presentes do que somente aprender coisas novas.

TEMA 3 – TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA (DBT): CONCEITOS


GERAIS

A Terapia Comportamental Dialética (DBT) teve início na década de 1980


e foi desenvolvida pela psicóloga americana Marsha Linehan. Ao trabalhar com
pacientes cronicamente suicidas, ela percebeu que muitos deles fechavam
diagnóstico para Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Aliado a um
interesse pessoal de Linehan em relação ao assunto, iniciaram-se os estudos
dessa abordagem.
A base da DBT é a terapia comportamental, aliada a conceitos de
mindfulness e aceitação, inspirados pelo interesse de Linehan pelo zen budismo.
Apesar de ter sido criada com foco para o tratamento de TPB, segundo Van Dijk
(2012, p. 18), vários estudos já buscam ampliar seu entendimento para outros
transtornos e questões psicológicas.
É importante ressaltar que, como a base da DBT é comportamental, tudo é
entendido como comportamento, incluindo processos internos. Sendo assim, o
TPB, por exemplo, é trabalhado como um conjunto de comportamentos
disfuncionais que, uma vez revistos e diminuídos, podem levar à melhora do
paciente.

3.1 Desregulação emocional

Um dos pressupostos da DBT está relacionado à ideia de que a


desregulação emocional é diretamente associada às dificuldades apresentadas
pelos pacientes, principalmente aqueles com Transtorno de Personalidade
Borderline. Dois fatores contribuem e podem manter a desregulação emocional: a
vulnerabilidade emocional e os ambientes invalidantes.

3.1.1 Vulnerabilidade emocional

Envolve a ideia de que alguns indivíduos nascem com uma predisposição


biológica e temperamental à maior sensibilidade. Isto significa que essas pessoas
reagem mais facilmente a estímulos emocionais e que sua ativação emocional
pode ser mais intensa, em comparação com outras pessoas. Além disso, o retorno
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a um nível basal da emoção também é mais lento. Com isso, acaba que outros
aspectos podem se desregular também.
Vamos pensar em um indivíduo com um comportamento impulsivo em
relação a observar sua namorada conversando com um colega de trabalho na
saída do expediente. Ao demonstrar ciúme desregulado e agredir esse colega,
por exemplo, sua namorada pode querer o término da relação e causar grande
sofrimento, aumentando a desestabilização de suas emoções e de seu senso de
self. Talvez nada disso aconteceria se essa pessoa conseguisse regular seu
ciúme antes de se engajar em um comportamento agressivo.

3.1.2 Ambientes invalidantes

Já o conceito de ambientes invalidantes envolve o fator ambiental


relacionado à desregulação emocional. Quando pensamos em ambientes
saudáveis, podemos partir do princípio de que pessoas que viveram nesse tipo de
contexto tiveram respostas adequadas dos cuidadores frente a suas respostas
emocionais. Por exemplo, quando elas se sentiam tristes e choravam, seus pais
ou outras pessoas ao seu redor proporcionavam acolhimento e conforto, ajudando
essa criança a lidar com sua ativação emocional e conseguir aprender a
autorregulação.
Por outro lado, indivíduos que cresceram em ambientes invalidantes tinham
respostas inadequadas e/ou inconsistentes quando expressavam determinada
emoção. Um exemplo de ambiente invalidante comum envolve famílias com
comportamentos abusivos, seja verbal, físico ou sexual. Nesse tipo de ambiente,
a criança aprende que suas respostas emocionais vão ser punidas e/ou
negligenciadas. A principal mensagem recebida é de que ela deve controlar e
suprimir emoções consideradas negativas e que deve ser bem-sucedida nisso,
mesmo sem ter desenvolvido habilidades suficientes para conseguir fazer isso.
Não são todos os indivíduos que têm maior vulnerabilidade que irão
desenvolver problemas de desregulação, assim como vários outros que
cresceram em ambientes invalidantes podem ter tido oportunidades de validação
emocional em outros contextos, como na escola ou com outros membros da
família. O comportamento disfuncional pode ser visto como consequência de uma
vulnerabilidade à ativação emocional em conjunto com a falta de habilidade para
regular as emoções, em função de um ambiente invalidante, o que gera a
desregulação emocional.

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3.2 Visão dialética

A busca pelo equilíbrio entre aceitação e mudança é outra questão


importante para a DBT. No trabalho com pacientes cronicamente suicidas,
técnicas tradicionais da TCC, como relaxamento e ativação comportamental,
foram aliadas a princípios de aceitação. Ou seja, muito mais do que identificar
uma cognição como errada ou distorcida, a intervenção em DBT busca encorajar
a aceitação do paciente em relação à questão apresentada, validando como ele
se sente em relação a isso, para então fortalecer uma visão alternativa e, por
consequência, mais equilibrada daquilo que traz desconforto.
Assim, percebemos que pontos opostos podem fazer parte de uma mesma
realidade. O paciente pode estar engajado em aceitação e mudança durante seu
tratamento, não somente em um aspecto ou outro. Um dos princípios
fundamentais da dialética, filosofia base da abordagem, envolve a ideia de que
dois opostos podem coexistir, em vez da busca por verdades absolutas. No
contexto terapêutico, isso pode significar que um mesmo comportamento pode
ser funcional e disfuncional.
Vamos usar como exemplo comportamentos suicidas. À primeira vista, tais
comportamentos são vistos como extremamente disfuncionais, considerando que
são um atentado contra a vida do indivíduo. Mas, ao examinarmos mais
profundamente esse comportamento e suas consequências, podemos perceber
que ele também pode ser funcional se, por exemplo, leva as pessoas ao redor do
paciente a lhe darem mais atenção quando ele ocorre. Sendo assim, esse
comportamento é reforçado por tal consequência, aumentando as chances de que
ele ocorra novamente, principalmente em situações de desregulação emocional.
Considerando essa mesma situação, conseguimos perceber como a
realidade está interrelacionada. Como um comportamento suicida trouxe atenção
dos familiares, esse comportamento influenciou também na postura dessas outras
pessoas. Se eles continuam só dando atenção ao paciente quando este tem
algum tipo de comportamento suicida, ele vai continuar a ser reforçado somente
quando se engajar em tais comportamentos. Mas, se os familiares entendem que
a demonstração de preocupação e cuidado também pode surgir em outras
circunstâncias e se tornar mais equilibrada ao longo do tempo, provavelmente isso
vai influenciar a postura desse indivíduo, podendo diminuir esses
comportamentos.

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A visão dialética nos mostra que a construção da realidade é baseada na
influência entre diversos fatores. Sendo assim, é essencial que o terapeuta
sempre busque uma visão abrangente de seus pacientes, entendendo o que é
reforçador ou punitivo na história de vida de cada um.

TEMA 4 – TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA (DBT): ASPECTOS


PRÁTICOS

Na prática, a DBT é uma abordagem que se utiliza de princípios


norteadores para o entendimento do processo terapêutico, em vez de protocolos.
Isso proporciona mais flexibilidade para o terapeuta lidar com casos que envolvem
múltiplas demandas e comportamentos que são foco de mudanças.
Considerando a complexidade dos casos tratados, Linehan propôs quatro
modalidades iniciais, cada uma cumprindo uma diferente função dentro do
tratamento do cliente (Swales; Heard, 2017, p. 47).

4.1 Psicoterapia individual

Iniciando pela psicoterapia individual, é ela que proporciona uma análise


comportamental mais detalhada das questões apresentadas, esclarecendo
antecedentes e consequências que contribuem para a manutenção dos
comportamentos, assim como auxilia o cliente a lidar com o que está interferindo
no desenvolvimento de comportamentos mais funcionais. O terapeuta também
contribui para o aumento da motivação para mudança e ajuda o cliente a manejar
possíveis dificuldades com os profissionais das outras modalidades, encorajando
sua autonomia na resolução de problemas.
O paradigma da aceitação e mudança permeia o processo terapêutico na
DBT. Considerando isso, estratégias de validação e resolução de problemas são
pontos essenciais no desenvolvimento do caso. Geralmente, clientes com TPB
vêm de ambientes invalidantes, o que reforça a atenção para a validação do
terapeuta em relação aos comportamentos apresentados.
Todo comportamento é válido quando colocamos ele dentro de um contexto
de história de vida e aprendizagem. Lembrando do exemplo trazido anteriormente,
comportamentos suicidas podem ter um ganho secundário de atenção por parte
de pessoas próximas. Se, quando analisamos a história de vida desse paciente,
percebemos que várias vezes esse tipo de comportamento mais extremo foi

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reforçado pela atenção, entendemos a validade dele e sua função para esse
cliente. Ao validarmos esses comportamentos e mostrarmos por que ele aparece
no seu funcionamento, podemos, então, enfatizar a necessidade de resolução de
problemas, o que, nesse caso, pode envolver desenvolver habilidades para que
ele possa sentir-se mais acolhido e conectado emocionalmente com pessoas
significativas.

4.2 Grupos de habilidades

Outro módulo que faz parte do tratamento na DBT são os grupos de


habilidades. Uma vez que o cliente precisa aprender a solucionar problemas
relacionados a comportamentos específicos, é necessário que ele possa aprender
tais habilidades. Um terapeuta que trabalha com essa abordagem sempre parte
do princípio de que o cliente não teve oportunidade de aprender certas
habilidades, muitas vezes, por conta da vivência inicial em ambientes que não o
ensinaram como lidar com as coisas de maneira diferente e mais saudável. Com
isso, cabe ao tratamento fazer essa psicoeducação, geralmente realizada nessa
modalidade.
Tais habilidades incluem, especialmente, treinos de mindfulness, aumento
da tolerância ao mal-estar, regulação emocional e efetividade pessoal. As duas
primeiras estão ligadas com o princípio de aceitação de possíveis estados
emocionais que causam desconforto e as duas últimas são relacionadas com
princípios de mudança, focando em estratégias que ajudam a regular emoções e
desenvolver relações que possam atender às suas necessidades.

4.3 Contato telefônico

A generalização de habilidades aprendidas no contexto terapêutico precisa


ser feita para a vida “real” do paciente. Uma das modalidades foca justamente isso
e envolve contato telefônico entre as sessões. Essas conversas fora da sessão
têm como foco desenvolver a prática de solução de problemas e implementação
de habilidades na situação específica.
Nesse momento, o terapeuta não foca em questões mais profundas do
funcionamento do paciente e foca sua atenção em ajudá-lo a lidar com essa
situação, considerando tudo que já foi aprendido.

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4.4 Grupos de supervisão

Podemos perceber a complexidade do tratamento de um paciente com TPB


e como o foco terapêutico precisa ser amplo. Para conseguir fazer isso de maneira
consciente e funcional, é importante que o terapeuta possa ter um espaço
adequado para lidar com esses desafios. O quarto módulo envolve a ideia de
grupos de supervisão. Muito além de uma supervisão como geralmente
conhecemos, que tem como objetivo entender melhor o paciente e buscar auxílio
para lidar com suas demandas, os grupos de supervisão em DBT focam nos
comportamentos e sensações do terapeuta ao atender esse paciente.
Em conjunto com seus colegas, ele pode entender o que está afetando-o
no andamento do caso discutido e os outros membros podem ajudá-lo a lidar com
isso, inclusive aplicando princípios terapêuticos, como a validação e o
encorajamento da aceitação de suas limitações como profissional e o exercício de
resolução de problemas relacionados ao caso.

4.5 Ambiente

Um quinto módulo, proposto mais recentemente, engloba a mudança de


contingências do ambiente do paciente. Por exemplo, se ele for adolescente, o
terapeuta pode sugerir sessões para que os pais possam ser orientados a lidar
com seu filho de modo mais funcional, reforçando comportamentos que serão
mais saudáveis para ele e entendendo como as contingências podem trazer
ganhos secundários inesperados por esses pais, como percebemos no exemplo
utilizado de comportamentos suicidas relacionados com a atenção proporcionada
pelos cuidadores.

4.6 Estágios de tratamento

Retomando o módulo de sessões de psicoterapia individual, o tratamento


é divido em estágios. O pré-tratamento consiste em processo de avaliação e
orientação do paciente em relação ao que esperar de um tratamento pautado pela
DBT, assim como motiva para a necessidade de mudança e constrói a relação
terapêutica desde antes do início efetivo. Após isso, o primeiro estágio engloba a
busca por estabilização do paciente, dividindo os comportamentos alvo em uma
hierarquia:

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• Comportamentos que atentam contra a vida (suicidas e parassuicidas).
• Comportamentos que interferem no processo terapêutico.
• Comportamentos que interferem na qualidade de vida.

O segundo estágio envolve a busca por entender a história de


aprendizagem desse indivíduo, trabalhando em questões mais profundas, como
possíveis traumas, através de técnicas de exposição para seu processamento
emocional. É importante que esse trabalho seja realizado em um segundo
momento, considerando que o cliente precisa aprender algumas habilidades para
conseguir regular possíveis emoções mais potentes de experiências passadas.
Já o terceiro estágio foca no alcance de outros objetivos que esse cliente
tenha, geralmente relacionados aos seus valores e questões mais espirituais.
Esse momento pode ser entendido como mais opcional, considerando que as
primeiras etapas já cobrem grande parte das demandas dos pacientes.

TEMA 5 – VISÃO INTEGRATIVA: MENTE SÁBIA

O exercício que iremos abordar envolve facilitar o acesso à mente sábia,


um dos objetivos da intervenção em DBT. A mente sábia significa unir a parte mais
racional do paciente com sua parte mais emocional, ou seja, ele consegue sentir
suas emoções plenamente, sem julgamento, assim como reflete sobre possíveis
consequências de agir sob influência desses estados emocionais e quais escolhas
pode fazer em relação ao seu comportamento.
Uma das maneiras pelas quais podemos fortalecer esse estilo de observar
as situações e pensar sobre elas é pela melhora de seu diálogo interno baseado
em julgamento. Quanto mais nos julgamos, mais difícil é ter acesso à mente sábia,
por conta de como essas falas críticas nos afetam. Para isso, podemos fortalecer
uma postura de não julgamento pelas técnicas para aumento da autocompaixão,
como a ideia de mudança de perspectiva ao buscarmos pensar em como falamos
com nossos amigos e a diferença com a qual falamos com nós mesmos, conforme
proposto por Neff e Germer (2018, p. 12).

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REFERÊNCIAS

GILBERT, P. Shame. In: _____. Compassion focused therapy: distinctive


features. United Kingdom: Routledge. 2010.

JOHNSON, S. M. Attachment: an essencial guide for science-based practice. In:


_____. Attachment theory in practice. United States: The Guilford Press, 2019.

NEFF, K.; GERMER, C. G. What is self-compassion? In: _____. The mindful self-
compassion workbook: a proven way to accept yourself, build inner strength,
and thrive. United States: The Guilford Press, 2018.

SWALES, M. A.; HEARD, H. L. Implementing treatment modalities to fulfil


programme functions. In: _____. Dialectical behavior therapy: distinctive
features. United Kingdom: Routledge. 2017. p. 47-51.

VAN DIJK, S. The basics of DBT. In: _____. DBT made simple: a step-by-step to
dialectical behavior therapy. United States: New Harbinger, 2012.

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