Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
/SSN 1516-3326
São Pall/o. volume 5. fasclclllo 2. p. 196 - 205. 2002.
RESUMO
o estudo do metabolismo do ferro tem sido de ftmdamental importância no entendimento dos
processos mórbidos que envolvem este metabolismo, como as anemias ferroprivas ou, ainda, a
anemia da doença inflamatória, que é a principal causa de anemia em pequenos animais e provavel-
mente a mais comumente encontrada em Medicina Veterinária. Embora ainda existam muitas lacunas
no entendimento deste metabolismo, avanços recentes têm resultado em melhor compreensão dos
efeitos provocados pelos desequilíbrios deste elemento. O propósito deste trabalho foi o de apre-
sentar uma revisão sobre o metabolismo do ferro nas espécies domésticas, enfatizando os exan1es
laboratoriais utilizados para sua avaliação.
o
_
ferro é um metal de transição e a extensão de
sua utilidade biológica está na capacidade de
existir em diversos estados de oxidação e de
fonnar muitos complexos diferentes. Em alguns
aspectos, o ferro pode ser considerado como um
proteína, a hemoglobina, faz com que as necessidades
do organismo sejam mais difíceis de corrigir do que as
de outros oligoelementos metálicos, sendo mais comwn
seu desequilíbrio (WORWOOD, 1996).
O ferro é o segundo metal mais abundante e o
oligoelemento, necessário em quantidades relativamen- quarto elemento mais comum na crosta terrestre. Ape-
196
ALENCAR, N. X.; KOHAYAGAWA, A.; CAMPOS, K. C. H. Metabolismo do ferro nos animais domésticos: revisão Iron merahollsm /fi domesric ali/maIs: a nmew Merabolt:wlO
deI lI/erro en los ammales domóticos: revisión Rev. educo contin. CRMV-SP I Continuous Education .Journal CRMV-SP, São Paulo, l'o/lIme 5,jáscículo 2, p. 196 - 205. 2002.
197
ALENCAR, N. X,; Kül-IAYAGAWA, A.; CAMPOS, K. C. 11. Metabolismo do ferro nos animais domésticos: revisão /mll metaho/t.\11I m dome.\IIC: (1111111(1"," {/ rell/ew Aielaho!l.Hllo
dei IlIerro e/I/o... {(fI/mole., domésticos: reVls;óll Rev. educo contin. CRMV·SP I Continuous Education Journal CltMV-SP, ,"ido I/ali/o. m/llme 5.faw:ic:1IIo 2. p /% - l05, }()Ol.
1999). Protoporfirina
CÉLULA
Após a destruição do eritrócito
pelo sistema mononuclear fagocitário (fi- Metabolismo das
198
ALENCAR, N X; KOIIAYAGAWA. A.. CAMPOS. K. C. H. Metabolismo do ferro nos animais doméslicos: revisão !rrm metaho!wlIl11 {/omesflc (mil/UI!"': a reV/ew Aletaholl\"lll/J
de/lI/erro en!o.\ amma!e\ do",é.'itlco~: remujn
Rev. educ. conlin. CRMV-Sr I Continuous Education Journal CRl\1V-SP, .")(.10 Palllo, volllme 5. [asciclI!o 2. p. !96 ·)05. )OO).
199
ALENCAR. N X.. KOIIAYAGAWA. A.: CAMPOS, K C. H MClabohsmo do ferro nos animais domésticos: revisão Imn metahol/.\lll 111 dome.\llc Olllll/{ll\. li ,,-'I'/e\\, AleUlho!l\/l/o
Rev. educo conlin, CR~I\'-SP / Conlinuous Education Journal CRMV-Sll. Silo /'em/o, mlllme 5, fim.JclIlo 2." /1)6 - )05, )001
de/lI/erro ell/u' lIlIlma/e, c!o/1/6uem. reVlW)1I
200
ALENCAR, N. X.; KOHAYAGAWA, A.; CAMPOS, K. C. 1-1. Metabolismo do rerro nos animais domésticos: revisão lron metabollsm m dnmeslic olllmal.\·: a rel'lew Melaho!l.\'IIj()
dei hium en los ommole.\· dombllcos: rel'ls/{}n I{e\,. educo contin. CRMV-SI' I Continuous Educatioll Journ:tl CRMV-SI', .\'do Palllo, mlllme 5. fCI.\'CÍcttlo 2, p. 196 - 205, 2002.
~
de
Pllssagem ferro para 11
exato de regulação da absorção do ferro em corrente sangij(nea
... '
A disponibilidade do ferro a partir do
plasma, programa a célula durante a diferenci- r'-:"Fo-n'-' '-:"d'-P.-:'d-Od-:'=-D,-"-:"&=-.,-:.,-nn-""-(-=-'9=-96-:)----------------r
ação nas criptas de Lieberkühn, para um nivel
determinado de síntese, tanto do receptor da Figura 6 - Regulação da absorção de ferro pelas eélulas intestinais.
transferrina, quanto da apoferritina. Nwna si-
tuação de deficiência, haverá wna baixa con- Célula deficiente de Célula carregada de
centração de ferro no plasma e as células em Célula normal ferro ferro
201
ALENCAR. N, X; KOI-IAYAGAWA, A.; CAMPOS, K. C. I-I. Metabolismo do ferro nos animais domesticos: revisão Imll metaho!Isl/I 111 dome.'·/fc afllllwls' a rt'Vlell' A1etahoh~mo
dellJlerm enlos alll/lwle.\· doméstIcos: revwón Rev, educo contin, CRMV-Sr I Continuolls Edllcalioll JOllrn:11 CRMV-Sr. Sôo I'alllo. I'ulllme 5. fà.\cíC/llo 2. p. 1%· l05. l002.
sendo estas de fundamental importância para o diag- A contagem total de hemácias, a detenninação
nóstico diferencial dos distúrbios que envolvem esse do hematócrito, da concentração da hemoglobina e dos
metabolismo. índices hematimétricos (VCM, HCM, CHCM) são os
testes hematológicos indicados para a avaliação do
ESPÉCIES FERRO HEME dO-HEME metabolismo do ferro.
Em razão de os índices eritrocitários estarem
9 % G %
geralmente normais durante o estágio inicial da defici-
ência, a maioria dos casos de deficiência de ferro per-
Cão (10kg) 0,43 55 0.36 45 manecem sem Wll diagnóstico até estágios mais avan-
çados. A deficiência crônica de ferro é caracterizada
Cavalo (400 kg) 11.5 67 5.60 33
pela presença de anemia microcítica hipocrômica
(HARVEY,2000).
Vaca (386 kg) 9.20 55 7,70 45
202
ALENCAR, N X . KOIIAVAGAWA, A., CAMPOS. K C. H Melabolismo do ferro nos animais domésticos: revisão lron melOhoh'im 111 dOl1leslic 011111101, o reVl('" Metaboll\l1lo
dur"'!MICO~ renHo" Rev. educo contin, CRMV-SI> I Continuous Educ.atioll Journal CRMV-SP, Süo POlllo, "olllme 5,jo:-.cicJllo 2,,, 196 - 205, 2002
deI JI/erro e" lO."lII"",ale!>
primariamente intracelular, ela pode ser detectada no Pode-se avaliar as reservas de ferro corando-
soro. Em humanos, concentrações de ferritina sérica se os tecidos com o Azul-da-prússia.lsto se aplica es-
estão correlacionadas com o estoque corporal total de pecialmente em preparados da medula óssea e nas
ferro. A concentração da ferritina está baixa na defici- biopsias hepáticas. Pode-se dizer que a presença de
ência de ferro e elevada na sobrecarga deste elemento ferro corável nas células reticuloendoteliais da medula
(ANDREWS; SMITH, 2000). óssea elimina a deficiência de ferro como causa da ane-
Addison et al. (1972) foram os primeiros a mia (NlMEH; BlSHOP, 1980).
demonstrar, por meio de ensaio radioimunométrico, O termo siderócito foi introduzido, em 1941,
que havia ferritina em quantidades mensuráveis no por Gruneberg, para indicar a presença de eritrócitos
plasma normal e que a concentração deste componente que contenham grânulos de ferro corados pela reação
estava relacionada com as reservas orgânicas de do Azul-da-prússia. Aos eritrócitos nucleados que con-
ferro. têm grânulos de ferro corados denominamos
Uma limitação deste teste é, sem dúvida, a ne- sideroblastos (HARVEY, 1997).
cessidade de se isolar a ferritina e produzir anticorpos Exceto nos gatos, a medula óssea de animais
antiferritina específicos para cada espécie, o que o tor- domésticos adultos exibe ferro corável (hemossiderina)
na caro e de difícil execução no laboratório. dentro de macrófagos. Na deficiência de ferro,
A adequada avaliação deste teste passa obriga- macrófagos e eritrócitos em desenvolvimento não con-
toriamente pelo entendimento de que a ferritina é tam- têm grânulos de ferro coráveis. Por outro lado, quando
bém uma proteína de fase aguda da inflamação e, por a síntese do heme está prejudicada, a mitocôndria acu-
isso, resultados normais desse composto devem ser mula excesso de agregados amorfos de ferro e wn gran-
analisados, com critério, nos processos inflamatórios de anel de grânulos sideróticos azuis rodeiam o núcleo
severos. estes casos recomenda-se a determinação do eritroblasto (SMITH, 1997).
de outras proteínas de fase aguda, tais como a Segundo Krause e Stolc (1979), a grande van-
haptoglobina, a proteína C reativa e o fibrinogênio tagem da avaliação do ferro medular em relação às de-
(SMITH, 1997). terminações séricas de ferro, CTLF e 1ST, é que estes
A ferritina eleva-se nos processos inflamatórios podem não diferenciar a depleção dos estoques de fer-
do fígado provavelmente pelo mesmo mecanismo das ro das condições associadas aos defeitos da liberação
transarninases. Há descrições de elevação também nas do ferro pelo sistema mononuclear fagocitário, como
leucemias mieloblástica e linfoblástica agudas, no linfoma, ocorre na anemia da doença inflamatória (ADI).
na doença de Hodgkin, no carcinoma de mama e no A anemia da doença inflamatória (ADl) é wna
mieloma múltiplo (KRAUSE; STOLC, 1979; NlMEH; anemia não-regenerativa, de leve a moderada, com ca-
BlSHOP, 1980). racterística norrnocítica Ilorrnocrômica associada com
A deficiência de ferro é a principal causa relaci- processo inflamatório, infecções crônicas, condições
onada com baixos niveis de ferritina sérica. traumáticas, tais como lesão tecidual ou fratura, e do-
ença neoplásica disseminada ou necrozante. Esse é o
Ferro medular tipo de anemia mais comum em pequenos animais e é
provavelmente a mais comum em Medicina Veterinária.
Exames citológicos da medula óssea são úteis A hipoferremia resultante da ADI pode ser considera-
para avaliação de distúrbios do metabolismo do ferro. da um mecanismo imune antibacteriano não específico.
A reação do Azul-da-Prússia, em que o ferro iônico O ferro é vi tal para o crescimento dos microor-ganismos,
reage com uma solução ácida de ferrocianeto produ- e a infecção é suprimida pela retenção do ferro no interior
zindo uma cor azul, é comumente utilizada para esse fim das células. Esse seqüestro do ferro é a base da
(SMITH, 1997). patogêllese daADI (WARNER; HARRUS, 2000).
203
ALENCAR, N X, KOHAYAGAWA, A: CAMPOS. K C. I-l Melabohsmo do ferro nos animais dOlnêslicos: revlsào Irrm metahulm1/ m (/ome.\lIc 1I11111/lf/\. li re\'/ew Aft'llIho!l\1I1O
Re\'. educo contin. CRMV-SP / Continuous Education Journal CllMV-SP, Sôo !'1I11/0, I'o/lime 5, fà'í'íni/o], p. /96 - ]05. }OOl
deI Jllerm ell Im ammale\'llomé.mcos' reVlsión
SUMMARY
Disorders ofiron metabolism are both the main cause ofiron deficiency anemia in small animals
and the most commonly encountered deficiency in veterinary medicine.!ron metabolism assumes
a fundamental role in the study ofanemia. Although there are stiU many gaps, recent advances
have resulted in a better understanding ofthe effects ofiron inlbalance. The objective ofthis
paper was to present a review on iron metabolism in domestic animals, emphasizing the tests to
evaluate this metabolismo
RESUMEN
EI estudio deI metabolismo dei hierro ha sido de fundamental importancia para poder comprender
los procesos mórbidos que incluye este metabolismo, como las anemias con carencia de hierro y la
anemia de enfemledad inflamatoria, que es la principal causa de la anemia en pequenos animales y
probablemente la anemia más comúnmente encontrada en la medicina veterinaria. A pesar de que
aún persistan muchas brechas en la comprensión de este metabolismo, recientes avances han
resultado en un entendimiento más cabal sobre los efectos provocados por los desequilibrios de
este elemento. EI propósito de este trabajo ha sido el de presentar una revisión sobre el metabolis-
mo deI hierro en las especies domésticas enfatizando los análisis laboratoriales utilizados para eva-
luardicho metabolismo.
REFERÊNCIAS
ADDISO , G. L. et aI. An immunoradiometric assay for ferritin FlNCH, C. A.; COOK, J. D. lron deficiency. The American Jour-
inthe serum ofnormal subjects and patients with iron deficiency nal ofClinical Nutrition, v. 39, n. 3, p. 471-477, 1984.
and overload. Journal ofClinical Pathology, v. 25, p. 326-329,
1972. GRUNEBERG, H. Siderocytes: a new kind oferythrocyte. Na-
ture, V. 148, p. 114, 1941.
ANDERSON, L. et aI. Metabolismo mineral In: _
Nutrição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1990. p. 63-92. HARVEY, J. W. The erythrocyte: physiology, metabolism and
biochemical disorders. In: KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W;
ANDREWS, G. A.; SMITH, J. E. Iron metabolism. In: BRUSS, M. L. Clinicai biochemistry ofdomestic animais. New
FELDMAN, B. F.; ZINKL, J. G.; JAIN, N. C. Schalm's veteri- York: Academic Press, 1997. p. 157-204.
nary hematology. Philadelphia: Lippincolt Williams & Wilkins,
2000. p. 129-34. HARVEY, J. W Microcytic anemias. In: FELDMAN, B. F.;
ZINKL, J. G.; JAIN, . C. Schalm's veterinary hematology.
DALE, D. c.; FEDERMA ,D. D. Scientific American: medi- Philadelphia: Lippincolt Williams & Wilkins, 2000. p. 200-204.
cine. NewYork: ScientificAmerican, 1996. seco 4, (n. 11/96).
204
ALENCAR. N X.: KOHAYAGAWA, A.: CAMPOS, K C. 1-1 Melabolismo do feiTo nos animais domésticos: revisão Imll mewho/wlI /li c/ome!)'/lc on""aú: li rewew Metaho!lw/O
c/el J/lerm ('"ltH 1IfIlmale.\ c/omé.,"cos: re\'l\J()1I Rev. educo contin. CRMV-SP / Continuous Education Journal CRMV-SP, 5)(10 1'011/0, \'olllme 5,fa~ciclllo 1. p. /96 -]U5. 100].
HAYS, V. W; SWENSON, M. J. Minerais.ln: SWENSON, M. 1.; NLMEH, N.; BISHOP, R. C. Distúrbios do metabolismo do ferro.
REECE, W O. Dukes fisiologia dos animais domésticos. Rio Clínicas Médicas da América do orte, p. 633-648,jlll. 1980.
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p. 471-487.
SCHMIDH- lELSE ,K. Metabolismo energético. In: o
HENRY, R. J.; CA O, D. c.; WlNKELMAN, J. Wln: Clini- Fisiologia animal· Adaptação e Meio Ambiente. São Paulo:
cai chemistry: principies and techniques. New York: Harper & Santos Livraria, 1999.p.169-214.
Row, 1974. p. 687-695.
SMITH, J. E. lron metabolism and itsdiseases.ln: KANEKO, J.
JANDL, J. H.; KATZ, J. H. The plasma-to-cell cycle oftransfer- J.; HARVEY, J. W; BRUSS, M. L. Clinicai biochemistry ofdo-
rin. Journal ofClinicallnvestigation, V. 42, p. 314-326, 1963. mestic animais. New York: Academic Press, 1997. p. 223-240.
KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W; BRUSS, M. L. Clinicai bio- THORBECKE, G. J. et a!. Sites offormation ofthe serllm pro-
chemistry of domestic animais. New York: Academic Press, teins transferrin and hemopexin. Journal ofClinicallnvestiga-
1997. 932 p. tion, v. 52, p. 725-73 I, 1973.
KRAUSE, J. R.; STOLC, V. Serum ferritin and bone marrow iron TROWBRIDGE, I. S.; CHACKELFORD, D. A. Structure and func-
stores. I: Correlation with absence ofiron in biopsy specimens. tion oftransferrin receptors and their relationship on to cell growth.
American Journal of Clinicai Pathology, v. 72, p. 817-820, Biochemical Socicty Symposia, v. 51, p. 117-129,1986.
1979.
WARNER, T.; HARRUS, S. Anemia of inf1ammatory disease.
MELO, L. N. Aspectos fisiopatológicos do metabolismo de fer- In: FELDMAN, B. F.; ZINKL, J. G.; JAIN, N. C. Schalm's vet-
ro em pacientes portadores de síndrome anêmico. 1984. 146 f. erinary hematology. Philadelphia: Lippincott Williams &
Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Botucatu, Wilkins, 2000. p. 205-209.
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 1984
WORWOOD, M. Ferritin. Blood Rcviews, v. 4, p. 259-269, 1990.
MILLER, J. K.; RAMSEY, .; MADSEN, F. C. Elementos
vestigiales. In: EI rumiante. Fisiologia digestiva y
o WORWOOD, M. Regulação do metabolismo do ferro. Anais
nutrición. Zaragoza: Acribia, 1993. p. 391-457. Nestlé, V. 52, p. 1-10, 1996.
205