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IV TITULAÇÃO DE PRECIPITAÇÃO

4.1 INTRODUÇÃO

O método de titulação de precipitação é baseado em reações de formação de compostos pouco


ionizáveis, ou seja, pouco solúveis. Consiste em se determinar a concentração de uma espécie em
uma amostra, através de uma reação em que há a formação de um composto pouco solúvel. São
principalmente utilizados para a determinação de haletos e alguns íons metálicos.

As reações de ppt devem satisfazer as condições gerais do método titulométrico:


a) Processar-se praticamente de forma quantitativa no ponto de equivalência;
b) Completar-se em tempo relativamente curto;
c) Oferecer condições para uma conveniente sinalização do ponto final.

A reação deve ser estudada à luz do princípio do produto de solubilidade ou da constante de


ionização. Existe, entretanto, certa limitação pela falta, em muitos casos, de indicadores adequados.
Porém, existe a possibilidade da determinação do ponto final ser realizada eletrométricamente,
principalmente pela condutimetria e amperometria.
Para a determinação do ponto final da titulação de precipitação podem ser utilizados,
conforme o caso, dois tipos de indicadores:
a) Indicadores de reação paralela – são compostos que, devido às suas características, reagem com o
titulante após o ponto de equivalência, dando produtos facilmente identificáveis, por meio de
mudança de coloração.
b) Indicadores de Adsorção – são compostos orgânicos, com caráter de ácidos ou bases, que tendem
a ser adsorvidos na superfície de determinados precipitados, resultando no aparecimento ou
desaparecimento de uma coloração sobre o precipitado.

No caso de indicadores de adsorção, a mudança de cor se deve à adsorção ou desorção do


corante como consequência de uma modificação na dupla camada elétrica em torno das partículas do
precipitado, no momento em que atinge o ponto de equivalência.
O método de precipitação mais importante e o único de caráter amplo é a argentimetria, que
se baseia na formação de sais pouco solúveis do íon Ag+ com os halogenetos, cianetos e tiocianatos.

Ex: Ag+ + Cl-  AgCl

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4.2 MÉTODOS DE TITULAÇÃO DE PRECIPITAÇÃO

Vários são os métodos de titulação de precipitação com caráter específico. Todavia o método
mais importante e com um campo de aplicação mais amplo, é a argentimetria, que se baseia na
formação de sais (haletos, cianetos, tiocianato) de prata pouco solúveis. Existem três métodos
argentimétricos, todos de aplicação quase geral na determinação de halogenetos e tiocianatos. Esses
métodos podem ser classificados conforme o tipo de titulação e a detecção do ponto final:

1) Quanto ao tipo de titulação:


a) Método Direto: o método de Mohr constitui-se num bom exemplo de método direto.
b) Método Indireto: exemplificado pelo método de Volhard.

2. Quanto à detecção do ponto final:


a) Formação de um precipitado colorido: um exemplo é o precipitado Ag2CrO4 laranja-
marronzado-avermelhado formado no método de Mohr.
b) Formação de um complexo colorido: um exemplo é o complexo [Fe(SCN)]2+ evidenciado
através do método de Volhard.
c) Indicadores de adsorção: a fluoresceína, um indicador de adsorção, muito usado, em sua forma
não adsorvida à superfície do precipitado, encontra-se na coloração verde-amarelado, mas quando
adsorvido ao precipitado passa à cor rosa.

4.2.1 Método de Mohr

Método argentimétrico de titulação direta aplicável para a determinação de cloreto ou


brometo, por precipitação com sais de prata, empregando soluções padrões de AgNO3 como titulante
na presença de K2CrO4 como indicador. Utiliza-se uma solução padronizada de AgNO3, que apresenta
pureza de ≈ 99,9%, só é preparado na hora de usar. O método não é apropriado à análise de I- e SCN-
pois os precipitados AgI e AgSCN adsorvem fortemente os íons CrO 42+ do indicador, dificultando a
visualização do ponto final da titulação.
Tanto o AgNO3 sólido, quanto suas soluções aquosas devem ser protegidos do contato com a
matéria orgânica e da ação direta da luz. No caso da matéria orgânica esta atua causando a redução
do sal. Já no caso da ação da luz ocorre fotodecomposição, o que provoca a formação da prata
metálica. Por esta razão a solução é padronizada utilizando-se o NaCl como padrão primário, devendo
ser armazenada em ambiente protegido do contato com a luz.
Para a determinação do ponto final da titulação de cloretos com AgNO 3, faz-se o uso do CrO42-
como indicador. O íon CrO42-, neste caso funciona como um indicador por reação paralela. Assim
sendo, a concentração do CrO42- deve ser suficiente para que a primeira gota em excesso precipite na
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forma de Ag2CrO4. Na determinação de cloreto ou brometo, ocorre primeiramente a precipitação dos
haletos sob a forma de sais de prata: AgCl (branco leitoso) e AgBr (amarelo pálido). Quando a
precipitação do haleto de prata se completa, o excesso de íons Ag+ reage com íons CrO42+ precipitando
Ag2CrO4 (laranja-amarronzado).
Devido o método de Mohr basear-se na diferença de solubilidade entre os precipitados
formados através das respectivas reações do titulante com o analito e com o ânion CrO42+, a
concentração do indicador é muito importante para que de fato ocorra precipitação fracionada desses
precipitados, ou seja, que o AgCl (ou AgBr) precipite completa e quantitativamente antes que a
precipitação do Ag2CrO4 seja perceptível.
Vasconcelos (2011, p.95) destaca que:
Teoricamente, Ag2CrO4 deve precipitar no ponto estequiométrico (P.E.).
Experimentalmente, o indicador deve acusar a mudança de coloração ou
viragem em condições de leve excesso do titulante AgNO 3, isto é, na prática,
o ponto final P.F. ocorre um pouco além do P.E., pois é requerido um leve
excesso do titulante para que Ag2CrO4 precipite. Pela estequiometria da
reação, no P.E. a concentração do analito (Cl- ou Br-) é igual à concentração
do titulante (Ag+).

Considerando que o analito seja Cl-, no Ponto de Equivalência (P.E.), temos que no P.E. a
[Ag+] = [Cl-]. Substituindo na equação Kps(AgCl) = [Ag+][Cl-] = 1,56 x 10-10, logo temos: Kps(AgCl) =
[Ag+][Ag+] = 1,56 x 10-10  [Ag+]2 = 1,56 x 10-10  [Ag+] = (1,56 x 10-10)½. Logo tamos que:
[Ag+] = S= 1,25 x 10-5
Considerando a reação do ânion CrO42+ do indicador com os íons metálicos Ag+ do titulante
formando-se Ag2CrO4 insolúvel: Ag2CrO4(s)  2Ag+ + CrO42-.
Kps(Ag2CrO4) = [Ag+]2 [CrO42-] = 1,3 x 10-12
1,56 x 10-10[CrO42-] = 1,3 x 10-12
[CrO42+] = 8,3 x 10-3 mol/L (concentração teórica do indicador)
Experimentalmente, são aplicadas soluções mais diluídas do indicador (em geral,
concentrações entre 0,002 a 0,005 mol/L), ou seja, a concentração empregada é inferior a 8,3 x 10-3
mol/L, pois uma intensa coloração laranja-amarronzada do precipitado Ag2CrO4 dificulta a
visualização do P.E.
Segundo Vasconcelos (2011, p.96):
Experimentalmente, ocorre um erro de titulação no método de Mohr, por isso
ponto final é detectado ligeiramente após o ponto estequiométrico,
requerendo a adição de um leve excesso do titulante para que o Ag 2CrO4
precipite. Esse erro é maior quando a concentração analítica é muito baixa. A

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correção desse erro é efetuada empregando-se o teste em branco que consiste
na titulação argentimétrica de um sistema semelhante ao analítico constituído
por água pura isenta do analito (Cl- ou Br-) em igual volume ao da amostra e
usando-se como indicador K2CrO4. A correção do erro baseia-se nas reações
que ocorrem na análise da amostra e no teste em branco, descritas a seguir.
Na determinação do analito (considerando que seja o íon Cl-), o titulante
reage com o analito e o indicador:
AgCl(s)  Ag+ + Cl-
Ag2CrO4(s)  2Ag+ + CrO42-
O volume V1 consumido na titulação corresponde a:
V1 = volume de AgNO3 que reage com Cl- e CrO42-, ou seja:
V1 = (VAgNO2 que reage com Cl-) + (VAgNO2 que reage com CrO42-)
O teste em branco é conduzido na ausência do analito Cl-, ocorrendo apenas
a reação do titulante com o indicador:
Ag2CrO4(s)  2Ag+ + CrO42-
O volume V2 consumido nessa titulação corresponde a:
V2 = volume de AgNO3 que reage apenas com CrO42-, ou seja:
V2 = (VAgNO2 que reage com CrO42-)
Substituindo a equação
V1 = (VAgNO2 que reage com Cl-) + (VAgNO2 que reage com CrO42-)
encontra-se que:
VAgNO2 que reage com Cl- = (V1 – V2) que deve ser empregada no cálculo do
teor do analito na amostra analisada.
O teste em branco é desnecessário quando a concentração da solução titulante
é maior que 0,1 mol/L., contudo, o teste é imprescindível quando essa
concentração é muito pequena (< 0,01 mol/L).

Uma limitação do método relaciona-se à faixa de pH em que deve ser empregado. No método
de Mohr, o pH da solução a ser titulada deve estar entre 6,5 e 9,0. Em meio básico (pH > 10,5) o íon
Ag+ pode precipitar na forma de hidróxido. Entretanto, em meio ácido (pH < 6,5) o equilíbrio
existente entre CrO42- e Cr2O72- será deslocado, diminuindo a concentração de CrO42- livre, não
precipitando Ag2CrO4. A solução analítica deve ser neutra ou ligeiramente alcalina, ou seja, possuir
um valor de pH situado entre 6,5 a 10,5. Quando o pH se desvia dessa faixa, ocorrem os seguintes
erros:

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(1) Em soluções muito ácidas possuindo elevadas concentrações de íons H+, ocorre a seguinte reação
com os íons CrO42- do indicador:
H+ + CrO42-  HCrO4-
Nessas condições, a concentração dos íons CrO42- decresce o suficiente para que o indicador
deixe de funcionar, não acusando o P.F., pois o Kps do Ag2CrO4 não é atingido, ou seja, não ocorre
a precipitação.
(2) Em meio muito alcalino, a concentração de íons OH- é elevada, ocorrendo a reação:
2OH- + 2Ag+  2AgOH  Ag2O(s) (precipitado preto) + H2O
Essa reação acarreta em um maior consumo de titulante, em virtude de reagir não apenas com o
analito e com o indicador, mas também com os íons OH- do meio. Pelo fato de ser negro, sua presença
na solução interfere na visualização do ponto final. Quando o pH das soluções a serem analisadas não
se enquadra nessa faixa, podem ser adicionados reagentes que controlem esse parâmetro, tal como
bicarbonato de sódio ou bórax, a fim de manter seu valor dentro dos limites adequados.

4.2.2 Método de Fajans

A solução é titulada com nitrato de prata, mas em presença de indicadores de adsorção, como
fluoresceína, diclorofluoresceína ou eosina. Este método se baseia no aparecimento ou
desaparecimento de uma cor na superfície de um precipitado. Uma vez que este método envolve a
adsorção ou dessorção do indicador estes indicadores são chamados indicadores de adsorção
Para sabermos como o processo ocorre, devemos considerar a carga elétrica do precipitado.
Quando Ag+ é adicionado ao Cl-, haverá um excesso de íons cloreto em solução antes do ponto de
equivalência. Alguns cloretos são adsorvidos seletivamente à superfície do precipitado de AgCl.
Antes do P.E., os íons Cl- e Na+ encontram-se em excesso, pois o NaCl não reagiu completamente.
Pelo fato dos íons Cl- serem íons comuns ao precipitado e estarem em excesso na solução, o
precipitado AgCl adsorve-os primariamente (Figura 1).

Figura 1: Formação da dupla camada elétrica antes do ponto


estequiométrico da titulação na presença de indicador de adsorção
aniônico

Após o ponto de equivalência, há um excesso de Ag+ na solução. A adsorção de cátions Ag+


na superfície do AgCl cria cargas positivas sobre o precipitado. A mudança abrupta da carga negativa
para positiva ocorre no ponto de equivalência. Pelo fato de o indicador ser aniônico é também
adsorvido, havendo a formação da dupla camada elétrica estabilizante. A mudança de cor é
consequência da modificação da dupla camada elétrica.
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Figura 2: Formação da dupla camada elétrica após o ponto
estequiométrico da titulação na presença de indicador de adsorção
aniônico.

Os indicadores de adsorção comuns são normalmente corantes aniônicos, que são atraídos
para as partículas carregadas positivamente, produzidas imediatamente após o ponto de equivalência.
A adsorção do corante (carregado negativamente) na superfície do precipitado (carregado
positivamente) muda a cor do corante. A mudança de cor indica o ponto final da titulação.
O indicador mais comumente utilizado para o AgCl é a diclorofluoresceína. Este corante
possui uma cor amarelo esverdeado em solução, tornando-se rosa quando é adsorvido pelo AgCl. A
eosina é utilizada na titulação de Br-, I- e SCN-. No caso do cloreto ele não pode ser usado por se ligar
mais fortemente ao AgCl do que o íon Cl -, e portanto, liga-se às partículas de AgCl antes de se
tornarem positivamente carregadas.

4.2.3 Método de Volhard

Método indireto de titulação por retorno no qual há a formação de um complexo colorido. O


método é usado na determinação dos íons Cl-, Br-, I- e SCN-, os quais precipitam com íons Ag+ (íon
do titulante AgNO3). A solução contendo o analito é tratada com excesso de solução padrão de
AgNO3. O excesso de AgNO3 é titulado, em meio ácido, com tiocianato (SCN-), em presença de íons
férricos. O ponto final da titulação é determinado utilizando-se uma solução de íons Fe3+, que em
presença de ligeiro excesso de SCN-, forma o íon complexo [Fe(SCN)]2+, de coloração vermelha.
Exemplificando como analito o íon Cl-, a seguinte reação ocorre:
Cl- + Ag+ (adicionado em excesso)  AgCl(s)(ppt branco leitoso) + Ag+ (excesso que não reagiu
com o analito)
Nessa reação observa-se que:
(1) forma-se o precipitado AgCl branco leitoso, restando, no entanto, uma fração de AgNO3 que não
reage com o analito, pois foi adicionado em excesso;
(2) A relação estequiométrica da reação é 1:1, isto é, um mol do analito reage com um mol do AgNO3.
Mas, como foi adicionado uma quantidade desse reagente que excede à relação estequiométrica, resta

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uma fração de AgNO3 (ou Ag+) que não reagiu com o analito. Essa quantidade excedente é titulada
com solução padrão de SCN-:
Ag+ (excesso que não reagiu com o analito) + SCN-  AgSCN(s)(ppt branco leitoso)
(3) De acordo com a estequiometria dessa reação, tem-se que um mol do AgNO3 que não reagiu com
o analito reage com um mol do titulante SCN-. Os volumes de AgNO3 (isto é, Ag+) envolvidos na
análise são representados por:
Volume de Ag+ que reage com o analito Cl- = VAg+
Volume de Ag+ adicionado = V1
Volume de Ag+ em excesso que não reagiu com o analito (titulado com solução padrão de SCN-) = V2
Desse modo, o volume de AgNO3 que reage com o analito é dado pela diferença entre V1 e V2, isto
é: VAg+ = V1 – V2
Considerando que:
nº mmols de Ag+ = nº mmols de SCN-
(concentração molar de Ag+) x V2 (mL) = (concentração molar de SCN-) x volume (mL) de SCN-
gasto (na titulação)
Então, o volume de Ag+ em excesso (V2) é dado por:
(concentração molarSCN −)x Volume(mL)de SCN −gasto
V2 =
concentração molar de Ag +
O precipitado AgSCN formado na titulação tem uma constante do produto de solubilidade
(Kps) igual a 1,1 x 10-12. Portanto, sua solubilidade é dada por:
Kps = [Ag+] [SCN-] = 1,1 x 10-12 ⇒ SAgSCN = 1,05 x 10-6 mol/L
A titulação é conduzida na presença de solução de Fe (III) em meio ácido que atua como
indicador e o ponto final é visualizado pela formação do complexo vermelho:
Fe3+ + SCN-  Fe[SCN]2+ (complexo vermelho)
Apesar de o complexo Fe[SCN]2+ ser vermelho, a detecção do ponto final se dá pelo
surgimento de uma coloração laranja-amarronzada resultante da mistura das cores dos precipitados e
do complexo.
Este método apresenta alguns inconvenientes:
1) Na determinação de cloreto, ocorre uma dificuldade relacionada com o fato do cloreto de prata
(Kps = 1,8 x 10-10) ser mais solúvel que o tiocianato de prata (Kps = 1,1 x 10 -12). Entretanto,
Caldwell e Moyer, modificaram o método adicionando, aproximadamente 2 mL de nitrobenzeno,
antes de efetuar a titulação com tiocianato, com a finalidade de revestir o precipitado com o
solvente e, assim, evitar a ação dissolvente do tiocianato sobre o cloreto de prata. No caso do
brometo e do iodeto de prata ambos são menos solúveis que o tiocianato de prata.

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2) Na determinação do iodeto, o íon ferro (III) somente deve ser adicionado após a precipitação do
iodeto de prata para evitar a oxidação do iodeto pelo ferro (III): 2Fe3+ + 2I- → 2Fe2+ + I2.
O método de Volhard apresenta vantagem de a titulação se processar em meio fortemente
ácido e, portanto, não sofre interferência dos íons fosfato, sulfito, sulfeto, carbonato, oxalato, etc.,
cujos sais de prata são solúveis em meio ácido.
Os métodos de Mohr, Volhard e Fajans possuem seu enfoque na titulação de íons haletos com
Ag+, porém existe uma variedade de outras reações de precipitação que também são úteis em análises
químicas.
Existem outros métodos de precipitação, mas todos de aplicação mais ou menos específica.
Exemplo:
- Titulação de zinco com ferrocianato, em presença de difenilamina ou difenilbenzidina (indicador de
oxi-redução);
- Titulação de chumbo com molibidato, em presença de eritrosina (indicador de adsorção) ou com
cromato, em presença de ortocromo T como indicador de adsorção;
- Titulação de sulfato com cloreto de bário, usando o rodizonato de sódio ou a tetraidroxiquinona
como indicador;
- Titulação de fluoreto com nitrato de tório em presença de alizarina;
- Titulação de cloreto e brometo com nitrato mercuroso, em presença do íon férrico.

4.3 CURVA DE TITULAÇÃO DE PRECIPITAÇÃO

A maneira mais conveniente para se saber se uma dada titulação é viável ou não, ou para se
avaliar o erro cometido pelo uso de um indicador, é através da curva de titulação.
Nas reações de precipitação, primeiramente, devemos considerar a variação da concentração
iônica do constituinte e do íon precipitante no curso da titulação. Essa variação pode ser facilmente
calculada mediante a aplicação do princípio de produto de solubilidade (Kps).
As curvas de titulação, baseiam-se no uso de p[Mn+] = -log[Mn+] como variável de
concentração crítica. Logo a curva será obtida plotando-se p[Mn+] em função do volume do titulante.
Uma vez que, os métodos de precipitação argentimétricos são os mais importantes, tomaremos
como exemplo o estudo das reações de precipitação dos halogenetos de prata. Os mesmos princípios
estudados para os halogenetos de prata são aplicáveis ao estudo de outras reações de precipitação.
Exemplo 1: Titulação de 100 mL de uma solução de cloreto de sódio 0,1 mol/L com nitrato de
prata 0,1 mol/L (Kps = 1,8 x 10-10).
De acordo com o princípio do produto de solubilidade, tem-se:

[Ag+][Cl-] = 1,8 x 10-10 = Kps

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Onde: [Ag+] = [M+] = concentração do metal

Logo, aplicando a forma logarítmica temos:

pAg + pCl = pKps = 9,74

Consideraremos os vários pontos de uma titulação:


a) A solução original contém apenas cloreto de sódio na concentração molar específica, logo:
Inicialmente, temos uma concentração de cloreto igual a 0,1, que pode ser expressa sob a
forma logarítmica semelhante ao pH.
pCl = -log[Cl] = -log[10-1] = 1
A concentração de Ag+ é nula ([Ag+] = 0,00 mol/L) e pAg é indeterminado. Logo, se pode
concluir que a curva não começa tocando o eixo das ordenadas.

b) Iniciada a titulação, a concentração de cloreto diminui em virtude da formação de AgCl e,


também, devido à diluição provocada pela adição do titulante. A concentração de cloreto até o
ponto de equivalência é dada por:
[Cl-] = [Cl-]exc. + [Cl-]sol.
em que:
[Cl-]exc. = representa a contribuição da concentração de cloreto remanescente do cloreto de sódio
remanescente; ele daria sozinho a concentração de cloreto se o ppt fosse totalmente insolúvel;
[Cl-]sol. = concentração de cloreto devido à solubilização do ppt; a solubilidade do AgCl gera iguais
quantidades de Ag+ e Cl-.
Uma vez que:
[Ag+]sol. [Cl-]sol. = Kps  [Cl-]sol. = Kps/[Ag+]sol.
Temos:
[Cl-] = [Cl-]exc. + Kps/[Ag+]sol.

Entretanto, a concentração de [Cl-]sol. na solução é numericamente muito pequena em


comparação com a de [Cl-]exc., de sorte que a solubilidade do precipitado pode ser ignorada.
Após a adição de 50 mL de nitrato de prata 0,1 mol/L, restarão ainda metade da quantidade
de cloreto, entretanto o volume total passou a 150 mL, logo:
(VCl− x CCl− ) − (VAg+ x CAg+ )
[Cl−] =
VCl− + VAg+
0,1𝑚𝑜𝑙 0,1𝑚𝑜𝑙
(0,1𝐿 𝑥 𝐿 ) − (0,05𝐿 𝑥 𝐿 ) = 0,01 − 0,005
[Cl−] =
0,1 + 0,05 0,15

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0,005
[Cl−] = = 3,33x10−2 mol/L
0,15

p[Cl-] = 1,48

Substituindo-se este valor na expressão do Kps temos:

[Ag+]3,33 x 10-2 = 1,8 x 10-10 mol L-1

[Ag+] = 5 x 10-9 mol L-1

pAg = 8,27

Na forma logarítmica temos:

pAg + 1,48 = 9,74

pAg = 8,27

c) No ponto de equivalência

Neste ponto o sistema é uma solução saturada de cloreto de prata. Logo:

[Ag+] = [Cl-]
[Ag+][Ag+] = Kps
[Ag+]2 = Kps
[Ag+] = (Kps)1/2 = (1,8 x 10-10)1/2 = 1,34 x 10-5 mol L-1
pAg = 4,87

Na forma logarítmica temos:

pAg = pCl, logo temos:


pAg + pAg = Kps = 9,74
2pAg = Kps = 9,74
pAg= 9,74/2 = 4,87

d) Após o ponto de equivalência


Neste caso a solução contém excesso de nitrato de prata. A concentração total de íons prata
é devida à solubilidade do cloreto de prata mais o excesso do nitrato de prata adicionado.

[Ag+] = [Ag+]exc. + [Ag+]sol.

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Entretanto, salvo na região muito próxima do ponto de equivalência, a contribuição da prata
devido à solubilidade do precitado pode ser desprezada.
Exemplo: Com a adição de 104,0 mL do titulante tem-se:
(VAg+ x CAg+ ) − (VCl+ x CCl− )
[Ag + ] =
VAg+ + VCl−
0,1𝑚𝑜𝑙 0,1𝑚𝑜𝑙
(0,104𝐿 𝑥
[Ag + ] = 𝐿 ) − (0,100𝐿 𝑥 𝐿 ) = 0,0104 − 0,01
0,104 + 0,100 0,204
0,0004
[Ag + ] = = 1,96 x 10−3 mol/L
0,204
pAg = 2,71

4.3.1 Fatores que Afetam a Curva de Titulação

Os principais fatores que alteram a forma das curvas de titulação são: as concentrações dos
reagentes e a solubilidade dos precipitados.
A variação de pAg nas proximidades do ponto de equivalência é muito mais acentuado em
uma curva de titulação de uma solução de NaCl 0,100 mol L-1 com AgNO3 0,100 mol L-1 do que na
titulação da solução de NaCl 0,001 mol L-1 com solução de AgNO3 0,001 mol L-1. Assim sendo,
pode-se concluir que quanto maior a concentração das soluções, mais favorável é a titulação.
Se a concentração de um dos íons é pequena para formar o ppt, necessita-se de uma
concentração maior do outro. Além disso, se as concentrações de Cl- em solução são muito pequenas
o valor de cloreto total em solução é muito mais influenciado pela [Cl-] em equilíbrio com o
precipitado e, portanto, influenciando na concentração de Ag+ e diminuindo as variações do pAg nas
proximidades do ponto e de equivalência aumentando o erro da titulação.
O Kps também influência nas curvas de titulação, quanto menor o Kps do precipitado formado
mais acentuada é a variação de pAg nas proximidades do ponto de equivalência. Portanto, ao se titular
soluções de 0,100 mol L-1 NaI, NaCl e NaBrO4 com AgNO3 0,100 mol L-1, a variação de pAg nas
proximidades do ponto de equivalência será maior para a solução de NaI e menor para a solução de
NaCl, uma vez que: Kps (AgI) = 8,3 x 10-17 e Kps (AgBrO4) = 3,9 x 10-13, enquanto o o Kps (AgCl)
= 1,8 x 10-10.
Na Figura 3 pode-se observar as curvas de titulação de soluções de 0,100 mol L-1 NaI, NaCl
com AgNO3 0,100 mol L-1. Comparando-se as curvas de titulação, pode-se observar que é mais
acentuado à medida que diminui a solubilidade do composto, ou seja, menor Kps.

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Figura 3: Curvas de titulação de uma solução de AgI, AgBr e AgCl (0,1 mol/L) com AgNO3 0,1 mol/L

À medida que a solubilidade aumenta, aumenta a influência da concentração do íon (analíto


em estudo) advinda do Kps, portanto, quanto maior a solubilidade do precipitado menor a variação
do pAg nas proximidades do ponto e de equivalência e maior o erro da titulação.
Exemplo 3: O método de Mohr foi usado na determinação de NaCl em 1,0004 g de uma amostra
dissolvida e titulada com 32,51 mL de AgNO3 0,1012 mol/L. No teste em branco, foram
consumidos 0,15 mL de solução de AgNO3. Calcule a % de NaCl nessa amostra.

V de NaCl no PE = VT – VB = 32,51 – 0,15 = 32,26 mL = 0,03226 L

No de mols AgCl no PE = 0,1012 x 0,03226 = 0,003264712 mols de AgNO3.

Considerando que 1 mol de AgNO3 reage com 1 mol de NaCl, temos que na amostra tem
0,003264712 mols de NaCl. Portanto:

1 mol de NaCl ------------------------------- 58,44 g de NaCl


0,003264712 mols de NaCl ------------------------------- X

X = 0,19078976928 g de NaCl

Sabendo-se que foram pesadas 1,0004 g da amostra temos:

1,0004 g da amostra ---------------------------- 100%


0,19078976928 g de NaCl --------------------------- Y

Y = 19,08/1,0004
Resposta: 19,08%.

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Exemplo 3: 50,00 mL de solução de brometo foi analisada por adição de 10,00mL de
AgNO3 0,1000 mol/L e titulação por retorno com KSCN 0,0832 mol/L, consumindo-se 5,34 mL.
Qual a concentração de Br- na solução original?

Número de mols consumido de KSCN = 0,0832 mol/L x 0,00534 L = 0,000444288

1 mol de AgNO3 equivale a 1 mol de KSCN, logo 0,00444288 mol de KSCN reagiu com
0,000444288 mol de AgNO3.

Número de mol de AgNO3 adicionado = 0,1000 mol/L x 0,01 mL = 0,001

Logo o número de mol que reagiu com o Br- = número de mol adicionado – número de mol que
reagiu com KSCN = 0,001 – 0,000444288 = 0,0005557

Considerando que 1 mol de AgNO3 equivale a 1 mol de Br-, logo 0,000555712 mol de AgNO3
reagiu com 0,0005557 mol de Br-, contido em 50 mL. Logo, temos:

0,0005557 mol de Br- -------------------------------- 50 mL


X mol de Br- -------------------------------- 1000 mL

X = 0,555712/50 = 0,011114 = 1,11 x 10-2

Resposta: 1,11x10-2 mol/ L de Br-.

Exemplo 4: Uma amostra de urina tem uma concentração de Cl - de 150 mmol/L. Supondo que
todo cloreto está presente sob a forma de NaCl, qual a concentração de NaCl em g/L?

1 mol/L = 1000 mmol/L


1 mol de Cl ----------------------- 35,453 g de Cl
0,15 mol de Cl ----------------------- X

X = 5,31795 g de Cl

35,453 g de Cl ---------------------- 58,44 g de NaCl


5,31795 g de Cl ---------------------- Y

Y = 310,780998 /35,453

Resposta: 8,77g/L.

50,00 mL de solução de brometo foi analisada por adição de 10,00mL de


AgNO3 0,1000 mol L-1 e titulação por retorno com KSCN 0,0832 mol L-1,
consumindo-se 5,34 mL. Qual a concentração de Br- na solução original?
Resposta: 1,11x10-2 mol L-1.

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