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A logomarca

B enoît Heilbrunn

Tradução
Paulo Neves

E d it o r a U n is in o s
Coleção Aldus
4
UNIV ER SID A D E DO VALE DO RIO DOS SINOS

Reitor
Pe. Aloysio Bohnen, SJ

V ice-reito r
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

mnE d ito ra U n is in o s
D ire to r
Carlos Alberto Gianotti

Conselho Editorial
Antônio Carlos Nedel
Carlos Alberto Gianotti
Fernando Jacques Althoff
Pe. José Roque Junges, SJ
Werner Altmann

E d itora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos


E d it o r a U n is in o s
Av. Unisinos, 9 5 0
9 3 0 2 2 - 0 0 0 São Leopoldo RS B rasil,

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Título original: Le logo
ISBN 2 1 3 0 5 0 4 2 6 4
2 0 0 2 D ire ito s reservados à E ditora da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos
E d it o r a U n is in o s
ISBN 8 5 -7 4 3 1 -1 0 8 -1

Co leçãD A ld u s
4

Direção de Fernando Jacques A lth o ff e N e s to r Torelly M a rtin s

E ditor
Carlos A lb e rto G ia n o tti

P reparação
Rui Bender

Revisão
Renato D eitos

Editoração
ü é cio Remigius Ely

Capa
Isabel Carballo

1 - reim pressão
Im pressos P ortão, inverno de 2 0 0 4

A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas que
compõem e s te livro, para uso não-individual, mesmo para fins didáticos,
sem au torizaçã o e s c rita do e d ito r, é ilícita e se c o n s titu i numa
co n tra fa ç ã o danosa à c u ltu ra .
Foi fe ito o de pósito legal.

* Os c o m entá rios em n o ta s de rodapé que com parecem ao longo do te x to ,


chamados por a s te ris c o (s ), foram e s c rito s por Fernando A lthoff.
A COLEÇÃO ALDUS

A Coleção Aldus te m seu nome inspirado em


Aldus Pius M anutius [1 4 5 0 ? -1 5 1 5 ), im pressor huma­
nista italiano estabelecido em Veneza, que a p a rtir de
1501 produziu a prim eira coleção de livros de bolso.
Numa época em que os livros eram caros e difíceis de
manusear, Aldus começou a e d ita r livros com cerca de
1 1 x 1 6cm. Para dim inuir o volume e o preço de seus li­
vros, Aldus encomendou do ourives Francesco Griffo o
desenho de tipo de le tra que viria a se r conhecido como
itálico Igrifo), que perm itia um maior número de ca ra c­
te re s por página.
ü form a to "livro de bolso" criado há quinhentos
anos por Aldus é hoje o preferido dos le ito res em todo
o mundo. A E d it o r a U n is in o s , mediante esta coleção,
em form a to diferenciado e im pressa em papel especial,
procura levar assun tos in te re ssa n te s aos le ito res por
um preço acessível.
Para Jean-M arie Floch

S o b re o a u t o r

Benoît Heilbrunn é professor de Marketing e de


Comunicação na École de Management de Lyon.
S U M Á R IO

Introdução
9
A logomarca como modo de representação
13

A logomarca como figura de identidade


41

A logomarca no processo de comunicação


53

A criação de uma logomarca


e a gestão de um sistem a de identidade visual
83

ü s diferentes tip o s de logomarcas


99

A loqomarca como sistem a id e n titá rio


123

Conclusão
Logomarca, identidade, bricolagem
135

Bibliografia
139
INTRODUÇÃO

*·"

As logom arcas to rn a ra m -se elem entos essen­


ciais da civilização moderna e da sociedade de consu­
mo, chegando-se a calcular que um indivíduo que c irc u ­
la num am biente urbano e stá exposto a cerca de 1 2 0 0
logomarcas por dia. Esses signos tê m por su p o rte
ta n to embalagens quanto cartazes publicitários, pré­
dios, chaveiros, esferográficas, ch oco la tes1, ou ainda
a capa que orna o presente livro! Definida s in te tic a ­
m ente como a representação gráfica oficial de uma o r­
ganização ou de uma marca, a logomarca não se re s ­
trin g e ao universo comercial, pois algumas in s titu i­
ções (como a Cruz Vermelha, o E xército da Salvação]
dotaram -se de logomarcas, como tam bém o fizeram
países2, cidades ou regiões. Aplicada a um conjunto
b asta nte vasto de su po rte s de comunicação (produ­
to s , cartazes, docum entos com erciais, circu la re s in­
terna s), sua prim eira função é assegurar o reconheci­
mento da organização emissora por seus diferentes
públicos. Sob esse aspecto, é considerada como o ele-

1 ü fabricante de chocolate Richart, por exemplo, perm ite a im­


pressão de logomarcas de outras empresas em seus chocola­
tes.
2 A Espanha dispõe de uma logomarca desenhada pelo pintor Joan
Miró.
10 Coleção A l d u s

m ento id e n titá rio mais re p re se n ta tivo e globalizante


da comunicação de uma organização ou de uma marca,
“ como o com ponente essencial de tod o s os seus pro­
gramas de identidade visual”3.
Enquanto símbolo, a logomarca é p o rta n to um ve­
t o r de tra n sm issã o cuja função essencial é “ represen­
ta r " o u tra coisa que não ela mesma4 (uma organiza­
ção, uma marca, etc.). Assim, ela não te m valor em si,
mas deve sua razão de se r apenas a seu poder de re ­
presentação. Ela é uma figura da organização, sua
c a rte ira de identidade, isto é, um conjunto de signos
não anódinos cuja missão essencial é fig u ra r a id e nti­
dade de uma organização ou de uma marca. Com isso,
parece legítim o considerar a logomarca como uma es­
pécie de re tra to . Mas essa vocação a tra n s fo rm a r-s e
em re tra to coloca legitim am ente a questão do poder
de figuração da logomarca: em que medida pode ela
efetivam ente passar por figura ou re tra to da organiza­
ção que e stá encarregada de re p re sen tar? Essa ques­
tão é ta n to mais complexa na medida em que uma o r­
ganização ou uma marca são, por definição, seres es­
sencialm ente im ateriaias. Coloca-se então o problema
de fig u ra r por um conjunto de signos uma entidade
im aterial e freqüentem ente a b s tra ta . Esse poder de
representação da logomarca, por o u tro lado, to rn a -se
efetivo por sua ubiqüidade, a saber, a presença da lo­
gomarca no conjunto dos su po rte s de comunicação da

3 A. Schechter, Measuring the Value of Corporate and Brand Lo­


gos, Design Management Journal, vol. 4, nc 1, p. 33.
4 É a definição do signo oferecida já por Santo Agostinho, a saber:
uma coisa que faz advir ao pensamento uma outra coisa.
A L ogomarca 11

organização: papéis tim brados, ca rtõ e s de visita, rela­


tó rio s anuais, ca rtaze s publicitários, o veículo de um
re p re se n ta n te com ercial, a fachada da sede social de
uma empresa, a embalagem de um produto, etc.
□ in teresse cre sce n te que em presas e organi­
zações m anifestam por verdadeiras (e geralm ente
custosas) e s tra té g ia s de identidade visual explica-se
pela necessidade de possuir fo rte s signos de identida­
de a fim de o b te r o reconhecim ento do maior número
de pessoas, o mais rapidam ente possível. O objeto
deste livro é ju sta m e n te m o s tra r como as organiza­
ções podem, através da criação e da gestão de logo­
marcas eficazes e adequadas, dotarem -se de verdade­
iros sistem as de signos de identidade e de reconheci­
mento. V erificar-se-á, em p articu la r, que o processo
de elaboração de uma logomarca envolve questões im­
p o rta n te s , já que uma organização deve definir um
símbolo durável que a identifique ta n to interna quanto
externam ente, mas ao mesmo tem po adaptável às
evoluções tem porais e espaciais das atividades da o r­
ganização. Para ta n to , convém abandonar uma visão
fixista , considerando a logomarca não como uma e n ti­
dade de significação estereotipada, e sim como um
verdadeiro sistem a de significação que a rticu la dife­
re n te s invariantes plásticos suscetíveis de agencia­
m entos adaptáveis a variações espaço-tem porais.
Longe de reduzir-se a um simples signo, a logomarca
deve antes s e r compreendida como um verdadeiro sis­
tem a de identificação e de significação, isto é, como
um conjunto de elem entos interdependentes e poten­
cialm ente evolutivos. Tal abordagem perm ite com pre­
ender realm ente a possível contribuição da logomarca
a um sistem a de identidade visual eficaz e legítimo. Os
12 Coleção A ld u s

diferentes aspectos da criação e da gestão de uma lo­


gomarca, e mais geralm ente de uma e s tra té g ia de
identidade visual, serão abordados para evidenciar,
mediante alguns exemplos, a diversidade dos a to re s
implicados, a pluralidade dos elem entos a levar em
consideração e, enfim, a complexidade do processo.
A idéia essencial que será aqui defendida é que a
logomarca, longe de reduzir-se a um signo aleatório,
tem o encargo de condensar de maneira gráfica e vi­
sual um conjunto de valores e de crenças partilhados
pelos a to re s de uma organização. No fundo, o que será
m ostrado a p a rtir da logomarca é que, para re to m a r
os próprios te rm o s de Greim as5, “ a figuratividade nun­
ca é inocente". A logomarca implica um c o n tra to implí­
c ito ou explícito e n tre a organização ou a marca e seus
públicos. P o rta n to , ela é mais que uma imagem, pois
conta uma h istó ria ou pelo menos c e rta s etapas de
uma história, essa h istória não sendo senão a relação
c o n tra tu a l que a organização ou a marca mantém ou
deseja m a n te r com seus parceiros. Assim , ela funcio­
na como uma espécie de assin atu ra da organização, no
sentido de que a a ssinatura é ao mesmo tem po um
signo de identificação e um signo de engajamento.

5 Algirdas-Julien Greimas (1 9 1 7-1992) foi o principal represen­


tante da semiótica estrutural.
Capítulo I

A LOGOMARCA COMO MODO DE


REPRESENTAÇÃO

A logomarca como símbolo em blem ático

A logomarca originou-se de uma longa filiação his­


tó ric a que se serve de vários modos de significação e
de representação, e n tre os quais os signos heráldicos
to selo, o emblema, o tim b re do escudo), antropológi­
cos Ca m áscara, o to te m ), jurídicos Ca assin atu ra ), a r­
tís tic o s Co re tra to , o a u to -re tra to ), etc. E so bretu do a
tra d içã o heráldica que examinaremos aqui1. Com efei­
to , a logomarca aparenta-se às a rm a s* - aparecidas
nos campos de batalha e nos torne io s d uran te o sécu­
lo XII - que, “ e s trito equivalente do nome, tê m por fun­
ção dizer a identidade daquele que as u tiliz a ” 2. O apa-

1 . Baseando-nos nos trabalhos de Michel Pastoureau (ver biblio­


grafia), bem como na obra de Béatrice Fraenkel, La signature.
Genèse d'un signe, Paris, Gallimard, 1992.
2 Michel Pastoureau, Figures et couleurs. Études sur la symbolique
et la sensibilité médiévale, Paris, Le Léopard d 'o r, 1979, p. 55.
* Conjunto de emblemas simbólicos que distinguem uma família
nobre ou uma coletividade.
14 Coleção A ld u s

recim ento das arm as e stá relacionado a uma nova o r­


dem social que se instala em to d a s as sociedades oci­
dentais na época feudal. A ssim como os nomes p a tro ­
nímicos que nascem na mesma época, a heráldica tra z
novos signos de identidade a uma sociedade que está
se reorganizando; ela ajuda a colocar os indivíduos em
grupos, e esses grupos no conjunto do sistem a social.
D urante m uitos séculos, a té a revolução francesa, as
arm as serviram para exprim ir, com o auxílio de figuras,
a identidade de indivíduos e grupos, sem que em ne­
nhum mom ento tenham sido oficialm ente erigidos
como sistem a legal. O aparecim ento das arm as está
igualm ente ligado a uma mudança no equipamento mili­
t a r dos cavaleiros, a saber, a adoção de elmos e co ta s
de malha que ocultam o ro s to , tornando-os irreconhe­
cíveis. "As arm as atenuam esse apagam ento do ro s ­
t o ” 3 e cumprem, assim como o faz a logomarca, trê s
funções essenciais: são signos que m anifestam a iden­
tidade de um indivíduo ou de um grupo, representam
uma marca de comando ou de posse e, por fim, tra n s ­
form am -se com freqüência num m otivo ornam ental.
E ta l a proximidade e n tre a logomarca e as arm as
que alguns chegaram a dizer que as logomarcas têm
“ a mesma função que a iconografia religiosa, as arm as
da cavalaria ou as bandeiras e emblemas nacionais:
elas simbolizam uma pertença e um propósito c o le ti­
vos”4. Essa proximidade é a te sta d a , por exemplo, pela
publicidade da Rover, que sugere que a logomarca de

3 Béatrice Fraenkel, La signature. Genèse d'un signe, Paris, Galli­


mard, 1992, p. 255.
4 Citado em Marketing-mix, n° 56, dedicado à identidade Visual.
A L ogomarca 15

um fabricante de autom óveis pode to rn a r-s e o brasão


de uma família. Aliás, e n tre os fab ricantes de autom ó­
veis encontram os num erosas logomarcas que re to ­
mam elementos heráldicos; é o caso do leão heráldico
do Franche-Com té* adotado como logomarca da Peu­
geot, porque a sede e as fábricas da empresa situam -
se p e rto de M ontbéliard, naquela região francesa; é o
caso tam bém da logomarca da Porsche, que retom a
as arm as da cidade de S tu ttg a r t (o cavalo saltando)
bem como as cores (lis tra s vermelha e preta) emble­
m áticas da região alemã de W ürtenberg.
Convém todavia in s is tir numa diferença essencial
e n tre as arm as e as logomarcas. Se a heráldica é um
sistem a de signos, e ste se co n stró i segundo figuras e
cores que, no in te rio r dos escudos, dispõem-se de
acordo com um c e rto número de costum es, de princí­
pios e de regras. G conjunto dessas regras e do re p er­
tó rio das figuras e das cores form a uma espécie de
gram ática, que é denominada brasão5. Embora a form a
do escudo no qual se colocam figuras e cores, bem
como a escolha das figuras, sejam livres, a combinação
das cores e das figuras no in te rio r do escudo obedece
a regras de composição pouco numerosas mas r e s tr i­
tivas. Assim , a principal regra do brasão diz respeito
ao emprego das cores, em número de seis: ouro (ama­
relo), pra ta (branco), vermelho, preto, azul e verde; o
brasão re p a rte suas seis cores em dois grupos, dis­
tinguindo o ouro e a p ra ta das o u tra s q uatro cores. A

5 Michel Pastoureau, Figures de l'héraldique, Paris, Gallimard,


1996, p. 43.
* Departamento da França.
1B Coleção A l d u s

regra fundam ental do emprego das cores proíbe, por


exemplo, ju s ta p o r ou sobrepor - exceto em pequenos
detalhes - duas cores que pertençam ao mesmo g ru ­
po. Michel Pastoureau considera que essa regra de
disposição das cores, e xisten te desde a origem das
arm as, quase sem pre foi respeitada, as infrações ra ­
ram ente ultrapassando 1 % dos casos num d ete rm in a ­
do conjunto de brasões6. O exemplo é in te re ssa n te por
ilu s tra r o desenvolvimento de um sistem a de re p re ­
sentação que respeitou regras de composição e s tr i­
ta s , embora e sta s jamais tenham sido homologadas
oficialmente. Esse respeito à regra, fora de um quadro
jurídico ou oficial, é ce rta m e n te o que fa lta a um signo
de representação como a logomarca, com freqüência
utilizada irre fle tid a m e n te , do que re su lta uma espécie
de cacofonia sem iótica no mercado dos signos co m e r­
ciais.
Se considerarm os que a logomarca é um signo de
representação com unitário como o seria o emblema de
um Estado, parece então im p o rta n te re s p e ita r um
c e rto número de regras de representação para dar ou
re s titu ir à logom arca um e s ta tu to de legítim o signo de
identidade, que ela nem sempre possui. Em realidade,
essas regras im plícitas têm a ver com a adequação
e n tre um program a de valores e de ações, e a escolha
concom itante de um sistem a de signos legítim os com
a função de re p re s e n ta r esse programa. Assim como
um Estado não pode e x is tir sem um re p e rtó rio mínimo
de signos que tenham por função m anifestar pelo me­
nos a identidade, a natureza das aspirações e dos po­

6 Ibid., p. 48.
A L ogomarca 17

deres que ele re presenta, tam bém a logomarca funcio­


na como emblema da organização ao p e rm itir visualizar
seu program a e seus valores. A logomarca é p o rta n to
um emblema no sentido em que o define Michel Pas-
toureau, a saber, “ um signo que exprime a identidade
de uma pessoa ou de um grupo de pessoas"; mas é
tam bém um símbolo, sempre no sentido de Michel
Pastoureau, is to é, “ um signo que exprime uma idéia,
um conceito, uma noção"7. Aliás, a fro n te ira que sepa­
ra essas duas noções geralm ente é mal definida. De
fa to , a bandeira tric o lo r da França é um emblema defi­
nido por um te x to constitucional, mas historicam en te
é um símbolo que exprime uma c e rta “ idéia da França” ,
enquanto “as antigas arm as da realeza, azul com
flor-de-lis dourada, co n stitu e m em sua globalidade um
emblema; cada um dos elem entos que o compõem (o
dourado, o azul, a flor-de-lis) possui, como algo pró­
prio, uma fo rte dimensão sim bólica” 8.

A logom arca como figura simbólica

A invasão das logomarcas na civilização moderna


faz p a rte de um movimento de m ultiplicação dos sig­
nos, ligado a um processo de simbolização crescente
que ca ra cte riza a condição do homem moderno. Se
nossa existência cotidiana está a ta l ponto povoada de
símbolos e de signos, é porque o homem moderno, co­

7 Michel Pastoureau, Les emblèmes de la France, Paris, Bonne-


ton, 1998, p. 8.
8 Ibid., p. 8-9.
18 Coleção A ld u s

mo m ostrou C assirer em sua Filosofia das form as sim ­


bólicas, perdeu aos poucos o c o n ta to com a realidade
bruta. Essa onipotência do símbolo está relacionada
ao fa to de o homem te r-s e cercado aos poucos de ima­
gens, rito s , símbolos e m itos que e s tru tu ra m sua ma­
neira de ver o mundo e organizam toda a experiência
perceptiva, não mais perm itindo ver face a face, por
assim dizer, a realidade física. A logomarca participa
p o rta n to de um vasto conjunto de prá ticas simbólicas
e quase m íticas que “ não são fábulas, mas uma manei­
ra para o homem de relacionar-se com a realidade fun­
damental, qualquer que ela seja”9. Essa faculdade hu­
mana de simbolização é ta n to mais im p o rta n te quanto
ela assegura um processo de mediação essencial à so­
ciedade contemporânea. E n tre ta n to , podemos consi­
derar duas acepções da noção de símbolo. A prim eira
abordagem, um ta n to ampla, faz da “ função simbólica
a função de mediação por meio da qual o espírito, a
consciência, c o n stró i tod o s os seus universos de p e r­
cepção e de d iscu rso ” 10. □ simbólico designa então o
denominador comum de tod a s as maneiras de dar sen­
tido à realidade; ele exprime a não-im ediatez de nossa
apreensão da realidade e te m a ver com “ a mediação
universal do espírito e n tre nós e o re a l"11. Ora, a ima­
gem simbólica - e a logomarca é realm ente isso em p ri­
meiro lugar - não oferece le itu ra d ire ta mas exige um
trabalho de decifração, co n tra ria m e n te à “ imagem

9 Paul Ricoeur, De /'interprétation. Essai sur Freud, Paris, Seuil.


1965, p. 17.
10 Ibid.
11 Ibid.
A L ogomarca 19

histórica que se quer o reflexo da coisa m esm a"12.


Essa necessidade de decifração é ta n to mais necessá­
ria na medida em que a logomarca é freqüentem ente
concebida como um verdadeiro concentrado de s e n ti­
do, que p erm ite à organização m a n te r um vínculo qua­
se m aterial com seus públicos13. Aliás, essa conden­
sação do sentido num espaço gráfico re s tr ito impõe,
como veremos adiante, fo rte s coerções técnicas, já
que uma boa logomarca deve conciliar o tam anho redu­
zido do espaço de significação e a clareza necessária à
sua boa compreensão pelos diferentes públicos da em­
presa.
Convém p o rta n to considerar a função simbólica
segundo um modo mais r e s trito que o da mediação.
Uma o u tra abordagem do símbolo, esta mais reduzida,
baseia-se na noção de analogia. A logomarca visa a
funcionar ju sta m e n te como uma imagem analógica da
organização. Quais são então as propriedades que
perm item a um objeto to rn a r-s e a imagem de um o u tro
objeto? Sobre esse ponto, Hans Jonas afirm a que14:

12 Ver, a esse respeito, Anne-Marie Lecoq, "Symbolique de l'É ta t.


Les images de la monarchie des premiers Valois à Louis XIV", in
Les lieux de mémoire, 1, sob a direção de Pierre Nora, rééd. Gal­
limard "Q uarto", p. 1218.
13 De fato, a condensação é uma propriedade im portante da logo­
marca, pois, como lembra François Dagognet, a palavra france­
sa logo [logomarca] é uma abreviação de “logografia” , relaciona­
da è escrita estenográfica baseada numa economia de meios;
ela funciona assim como aqueles "hiper-resumos que ofereciam
um equivalente com um mínimo de traços". Éloge de l'objet. Pour
une philosophie de la marchandise, Paris, Vrin, 1989, p. 170.
14 Hans Jonas, Homo pictor et la différence de l'homme, in Entre le
néant et l'éternité, Paris, Belin, 1996, p. 175-197. Referimo-
nos aqui, mais particularmente, às pp. 177 a 184.
20 Coleção A l d u s

1) a propriedade mais evidente é a da “ semelhan­


ça ” , próxima daquilo que se pode denominar
analogia;

2) a semelhança é intencional;

3) a semelhança não é absoluta; sua incom pletu-


de deve se r perceptível de modo a que a sem e­
lhança possa ju stam en te aparecer como sim ­
ples semelhança. A semelhança não é p o rta n ­
to im itação (com a qual opera, por exemplo, a
contrafação): ela não cessa de m o s tra r que é
apenas semelhança;

4) no enta nto , a incom pletude co m p orta graus


de liberdade. O m itir é escolher e, assim consi­
derada sob seu aspecto positivo, a incomple­
tud e da semelhança da imagem significa a es­
colha de c a ra c te rís tic a s re p re sen tativa s,
“ p e rtin e n te s ” , “ sig n ificativa s” do objeto. A re ­
presentação visual é incom pleta pelo fa to de
selecionar apenas elem entos p e rtin e n te s re ­
presentativos. Serão então d itos re p re se n ta ­
tivo s os elementos que garantam a possibili­
dade do reconhecim ento na ausência mesma
de toda completude.

V isto que a logomarca não pode dar conta da t o ­


talidade de uma organização, deve p o rta n to operar-se
uma seleção dos elementos im p o rta n te s e definidores
desse s e r im aterial que é uma organização ou uma
marca, para poder exprim ir-se de maneira plástica.
Como m o stra re m o s a seguir, a logomarca funciona
sem pre, mais ou menos, ou como uma figura metoní-
A L ogomarca 21

m ica15, ou como uma figura m etafórica da organiza­


ção ou da marca que ela representa. Esse c a rá te r me-
tonim ico ou m etafórico impede assim que uma organi­
zação escolha um símbolo qualquer para se represen­
ta r; a logomarca, embora sendo um signo puram ente
convencional, deve su bm e te r-se a um c rité rio de m o ti­
vação que exige uma relação de analogia e n tre a coisa
re p re se n ta n te (a logomarca como signo m aterial) e a
coisa representada Ca m arca ou a organização à qual
se refere).

A função rem em orativa da logomarca

Além de sua função de analogia emblem ática des­


tinada a co n cre tiza r uma realidade a b s tra ta , o símbo­
lo, derivado do grego symbolon, significa igualmente a
junção, e refere-se àquele objeto dividido em dois cuja
posse de cada uma das p a rte s, e a p o s te rio r junção,
perm itia a dois indivíduos reunirem -se e reconhece-
rem-se. ü símbolo é h istoricam en te aquilo que reúne,
como a te s ta sua etim ologia derivada do grego, “ eu
ju n to ” ; com efeito, o symbolon Cde symbollein, reunir,
lançar junto, reaproxim ar) “ designava na origem uma

15 Lembremos que a metonímia é uma figura de retórica regida


pelo princípio da contiguidade e que visa a exprimir um conjunto
por meio de uma de suas partes. Assim, pode-se sugerir o con­
teúdo pelo continente ["copo" em lugar de “ bebida"], o todo pela
parte (“velas" em lugar de "barcos"), ou ainda o objeto pela ma­
téria ("porcelana” em lugar de "p ra to ”).
22 Coleção A ld u s

té s s e ra de hospitalidade, um fragm ento de ta ça ou de


tigela co rtada em dois e n tre hospedeiros que tra n s m i­
tem os pedaços a seus filhos, para que possam um dia
re e n c o n tra r as mesmas relações de confiança ajus­
tando os dois fra gm en tos um ao outro. Era um signo
de reconhecim ento, destinado a re p arar uma separa­
ção ou tra n s p o r uma distância. G símbolo é um objeto
de convenção que te m por razão de se r a concordância
dos espírito s e a reunião dos s u je ito s "16.
A logomarca é p o rta n to uma imagem analógica
(ela m ostra) cuja função é re m em orativa17 e re c o n s ti­
tu in te (ela reúne os membros dispersos de uma com u­
nidade). Além de sua função consensual, a logomarca
assinala a pertença: “ Ela inclui e exclui". Essa dupla
função e stá relacionada, em p articula r, com a função
do simbolismo em blem ático de m a rca r os lim ites no in­
te rio r da comunidade. A bandeira francesa que evocá­
vamos há pouco te m assim uma dupla função: sim boli­
zar a continuidade da nação francesa desde a realeza
(o branco), sob a égide centralizadora de sua capital
(azul e vermelho) e a través de sua revolução republica­
na (vermelho); tra ta -s e de uma contigüidade no te m ­
po; por o u tro lado, ela simboliza o que pertence e o que
não pertence à nação francesa; tra ta -s e de uma c o n ti­
güidade no espaço (e tam bém no tem po, já que as fro n ­
te ira s são históricas). Como lembra ainda Claude
Lévi-S trauss, “ o símbolo é um fenômeno de expressão

1 B Régis Debray, Vie et m o rt de l'image. Une histoire du regard en


Occident, Paris, Gallimard, 1992, rééd. Folio-Essais, p. 81.
17 A logomarca como imagem rememorativa opõe-se então à ima­
gem diabólica, que é etimológicamente o que separa.
A L ogomarca 23

indireta [ou de comunicação indireta) que só é signifi­


cante por interm édio de uma e s tru tu ra social, de uma
tota lid a de da qual se p a rticip a ” 18. As em presas c o s tu ­
mam reconhecer que a declinação da logomarca num
conjunto de produtos, ta is como cam isetas, abrigos
ou chaveiros, visa p rio rita ria m e n te a seus próprios
funcionários, que assim m anifestam , geralm ente com
orgulho, as cores de sua empresa, e com isso demons­
tra m seu engajamento e com prom isso com ela. Por
o u tro lado, essa função rem em orativa de reconexão
cresce em razão de uma dispersão geográfica das o r­
ganizações devida à mundialização das atividades eco­
nômicas tuma mesma empresa está com freqüência
presente em vários continentes), mas tam bém à des­
m aterialização progressiva das organizações (em con­
seqüência do aum ento do teletrabalho), que impõem a
necessidade de fo rte s signos de pertença. A logom ar­
ca funciona assim como um in stru m e n to de comunica­
ção in terna que serve para reunir indivíduos (m uitas
vezes dispersos) que trabalham para a mesma organi­
zação. Pode-se legitim am ente pensar que, quanto
mais a organização tende a am pliar-se (em te rm o s de
localização ou de ofícios) e a desm aterializar-se, ta n to
mais a função de pertença deve ser reforçada median­
te signos de reconhecim ento destinados ju sta m e n te a
recom por os membros dispersos da organização. Isso
é visível, por exemplo, no caso da mudança de nome e
de logomarca da Compagnie Générale des Eaux (em Vi-
vendi), na França, em conseqüência da mudança pro­

ís Claude Lévi-Strauss, Introdução a Essai sur le don, de Mareei


Mauss.
24 Coleção A ld u s

gressiva de atividades desse conglomerado*. A função


rem em orativa da logomarca te m assim por objeto re u ­
nir o que podia fica r desordenado ou disperso. Essa
função é essencial, pois teste m u n ha a função id e n titá ­
ria da logomarca. Com efeito, podemos considerar que
o papel desta é significar simbólica e plasticam ente a
identidade da organização. Gra, o que é a identidade
senão, como observa Michel S erre s, aquilo que, à ima­
gem da ponte, te m ju sta m e n te por função re co n e cta r
grandezas que estavam antes separadas? “A ponte é
um caminho que conecta duas margens, ou que to rn a
uma descontinuidade contínua. Ou que transpõe uma
fra tu ra . Ou que recose uma fenda C...). A comunicação
estava cortada, a ponte a restabelece ve rtig ino sa ­
mente. A ponte é paradoxal, ela conecta o desconec­
ta d o ” 19. Assim como a ponte, a logomarca assegura
uma continuidade tem poral, espacial e geográfica. Seu
papel id e n titá rio prescreve-lhe p o rta n to uma função
essencial de reconexão, seja a reconexão de funcioná­
rios que trabalham a distância uns dos o utro s, seja a
reconexão de atividades diversas de uma empresa.

19 Michel Serres, Discours e t parcours, in Claude Lévi-Strauss


(seminário dirigido por), L'identité, Paris, Grasset, 1977, p. 28.
11 A Compagnie Générale des Eaux cuidava dos serviços de água de
Paris desde 1860. Em 1967 passou a dedicar-se também ao
lixo e à energia. A p a rtir de 1990 tornou-se uma das maiores
empresas de construção da França.
A Logomarca 25

A logomarca como objeto to têm ic o e relacional

Enfim, para além de sua função rem em orativa, a


logomarca prescreve da mesma form a que o c e tro e a
coroa, que não se co nte nta m em assinalar o poder
mas convidam a respeitá-lo. Não prescreve a maçã da
Apple, em últim a instância, se r mordida? Essa função
de injunção e stá ligada a uma função de totem ização
da logomarca. G poder to tê m ic o desses signos é par­
ticu la rm e n te visível a travé s do segredo com que são
guardadas as logom arcas de em presas bem concei­
tuadas no m om ento das operações de mudança de lo­
gomarca, bem como nas cerimônias de desvelamento
desse signos à imprensa e ao conjunto dos funcioná­
rios. Numerosas em presas utilizam sua logomarca
como objeto-fetiche, promovendo-o na fachada da
sede social ou erguendo-lhe um tó te m . A logomarca
funciona então como um fetich e que não é manipulado,
mas sacralizado, posto num invólucro p ro te to r; t o r ­
na-se o objeto de uma focalização ritu a l m anifestada
nos locais de reunião que asseguram a coesão simbóli­
ca da comunidade. Por o u tro lado, a logomarca en­
quanto imagem é um objeto de significação porque é
tam bém um objeto de relação20. Ela assegura uma re ­
lação da organização com seus públicos, mas ta m ­
bém uma relação e n tre os diferentes membros que
pertencem à comunidade. Essa função to tê m ica , aliás,
possui ta n to objetivos internos quanto externos. As

20 Serqe Tisseron, Y a-t-il un pilote dans l'imaqe?, Paris, Aubier,


1998, p. 17.
26 Coleção A ld u s

crianças, por exemplo, são capazes de reconhecer


m arcas na televisão, nas p ra te le ira s de um su p e rm e r­
cado ou numa vitrine, geralm ente bem antes de pode­
rem verbalizar e de poderem ler o nome da m arca c o r­
respondente. C ertas m arcas contam com esse im pac­
to visual das logomarcas junto às crianças para tra n s ­
fo rm a r esses signos em verdadeiros objetos a fe ti­
vos. A M cD onald’s, por exemplo, concebeu uma cam ­
panha publicitária internacional, pela TV, m ostrando
uma criança alternando e n tre o so rriso e a tris te z a
enquanto se embala numa cadeira de balanço, ü fim do
filme nos sugere que é, na verdade, a percepção pela
janela dos fam osos arcos dourados da m arca de lan­
chonete que provoca a reação de alegria na criança.
Esse exemplo é dotado de uma carga simbólica m uito
fo rte , pois dá a entender que, num universo que m er­
gulha os indivíduos numa quantidade exponencial de
signos (de natureza freqüentem ente com ercial) desde
sua mais te n ra idade, a aprendizagem dos símbolos
pela criança se faz prim eiro, em geral, por interm édio
desses signos de natureza comercial. Por o u tro lado,
essas logom arcas com fo rte im pacto junto às cria n ­
ças (mas tam bém junto aos adultos) te n ta m e rig ir-se
como verdadeiros objetos tra nsicionais, por exemplo,
capazes de desenvolver na criança suas faculdades de
simbolização e de c o n s tru ir sua personalidade e sua
autonomia. Como objeto transicional, a logomarca
passa a s e r então o suporte de um movimento de pro­
jeções e de introjeções perm anentes, de emoções e de
re p re sen taçõ e s21. Sob esse aspecto, as logomarcas

21 Ibid., p. 32.
A L ogomarca 27

contribuem para a ingerência das m arcas com erciáis


na paisagem afetiva dos indivíduos, de maneira a c ria r
a titu d e s favoráveis duradouras em relação a essas
marcas. O desenvolvimento de produtos derivados
perm ite ju stam en te propor aos consum idores obje­
to s -fe tic h e s com as cores da marca. A logomarca
M cDonald’s, no filme publicitário que acaba de se r
mencionado, funciona sim bolicam ente como um brin­
quedo simbólico, isto é, como um objeto transicional
que s u b s titu i ju sta m e n te a ausência da mãe, tornando
assim mais rica e mais densa uma relação da marca
com seus consumidores.

A noção de re-p resen taç ão

Essa função de reconexão é possibilitada pela ca­


pacidade da logomarca de "re p re s e n ta r” um se r cole­
tivo. Mas o que entender por re p re sen tar? Re-presen-
t a r é, como lembra com exatidão Louis Marin, "apre­
s e n ta r de novo (na modalidade do tem po] ou em lugar
de (na modalidade do espaço)", isto é, redobrar uma
presença. “ O prefixo re introduz no te rm o o valor de
su bstituição. Algo que estava presente, e que não
e stá mais, é agora representado. Na representação,
p o rta n to , ele é um ausente no tem po ou no espaço, ou
melhor, um o utro , e uma su b stitu içã o por um idêntico
desse o u tro opera-se em seu lugar. ” 22 É o que se pas­

22 Louis Marin, Le p o rtra it du roi, Éditions de Minuit, 1981, p. 9.


28 Coleção A l d u s

sa nesta cena prim itiva (ou originária) do Ocidente


cristã o : o anjo no túm ulo, na manhã da re ssurreição,
s u b s titu i por uma mensagem o silêncio do corpo m o rto
e sua inércia23. Da mesma form a que a bandeira tr ic o ­
lor que re p re sen ta a nação francesa ou a balança que
representa a ju stiça , a logomarca representa uma o r­
ganização. Todavia, é possível considerar o te rm o re ­
presentação num duplo sentido. Por um lado, a logo­
marca re p re sen ta uma organização no sentido de se r
um signo que vem s u b s titu ir uma ausência ou m a te ria ­
lizar um s e r im aterial e a té mesmo irreal; re -p re s e n ta r
significa então, em sua acepção original, apresen­
ta r-s e em lugar de; re p re s e n ta r significa m o s tra r, in­
te n sifica r, re d ob ra r uma presença. O prefixo re in tro ­
duz não só um valor s u b s titu tiv o , mas um valor de in-
tensividade e de exibição24. "Tal seria o ‘p rim itivo ’ da
representação como efeito; p re se n tifica r o ausente,
como se o que re to rn a sse fosse o mesmo e eventual­
m ente melhor, mais intenso, mais fo rte do que se fo s ­
se o mesmo. A ssim como a fo to g ra fia do falecido sobre
a lareira; como o re la to da batalha de o u tro ra por um
narrador de hoje” 25. A representação permanece aqui
no elemento do mesmo que ela intensifica por redobra-
mento.
Isso é ta n to mais im p o rta n te se considerarm os o
c a rá te r necessariam ente pragm ático da logomarca
que busca m odificar representações, induzir uma ima­

23 Louis Marin, Des pouvoirs de l'image. Gloses, Paris, Seuil, 1993,


p. 11.
24 Louis Marin, Le p o rtra it du roi, op. cit., p. 1Q.
25 Louis Marin, Des pouvoirs de l'image, op. cit., p. 11.
A L ogomarca 29

gem da organização representada, ou mesmo in c ita r à


compra de um produto. □ poder representacional da
logomarca acompanha-se p o rta n to necessariam ente
de um poder de eficácia relacionado à sua capacidade
de agir sobre um alvo. O dispositivo representacional
em ação na logomarca acrescenta a um efeito de pre­
sença um efeito de poder. O poder de com pensar a au­
sência pela presença refere-se ao poder no sentido de
uma força, de uma capacidade de fazer agir: a logo­
m arca não se c o n te n ta em p rescrever uma união, ela
conjuga ao mesmo tem po. A representação to rn a -se
então um modo de pôr a força e o poder em signos, ela
é um modo de delegar a força.

R epresentação e p resen tificação 26

A questão da representação coloca então o pro­


blema da relação do objeto de representação e do ob­
jeto representado. G objeto de representação é ape­
nas o decalque do objeto representado, ou o incorpora
mais fundam entalm ente sob a form a de uma espécie

26 Os pontos essenciais da análise sobre as relações da represen­


tação com a presentificação são tomados dos trabalhos de
Jean-Pierre Vernant, particularm ente de Figures, idoles e t mas­
ques, Paris, Julliard, 1990, bem como de “ De la présentification
de l’invisible à l'im itation de l'apparence", publicado em Image et
signification, Rencontres de l'École du Louvre, Paris, 1983, p.
23-37, e retomado em J.-P. Vernant, Entre mythe et politique,
Paris, Seuil, 1996, p. 359-378.
30 Coleção A ld u s

de presentificação? Essa questão é ta n to mais im por­


ta n te pelo fa to de m uitas logom arcas não re co rre re m
à representação de tip o figurativo e de se c o n te n ta ­
rem, por exemplo, em sim bolizar uma organização sob
a form a de um nome ou de uma tip ografia, sem in co r­
porar signos figurativos. Cria-se então uma c e rta con­
cepção da representação. Com efeito, a p a rtir do mo­
m ento em que e sta não é figurada, não há obrigação de
p ostu la r uma o utra relação senão a de semelhança en­
tr e o objeto de representação e o objeto re p re se n ta ­
do, o que é ta n to mais complexo na medida em que uma
organização ou uma marca são entidades im ateriais.
Cumpre então estabelecer um c e rto tipo de ficção
para passar da organização à sua representação,
como acontece m uito precisam ente no domínio religio­
so com o problema da representação do divino.
Com efeito, enquanto signo de representação, a
logomarca coloca um problema como o que havia, por
exemplo, na crise do iconoclasmo bizantino. A questão
do debate e n tre iconófilos e iconófobos era saber se
um ícone religioso presentifica o C risto Cisto é, to rn a -o
co-p re sen te à imagem) ou apenas o re -p re sen ta , não
desempenhando então mais que um papel de instância
de passagem e de transição. Essa questão e stá no
ce n tro de m últiplos trabalhos antropológicos sobre as
representações cu lturais da divindade. Como lembra
M arc Augé, a sensibilidade européia e c ris tã a ssus­
to u -se , à prim eira vista, com os objetos grosseiros
pelos quais c e rto s relatos m íticos africanos falavam
do corpo dos deuses. O deus era tra ta d o como uma
presença singular, inteiram ente identificado ao objeto
que o re presenta, ora em sua m aterialidade bru ta , ora
como capacidade de relação Ccom suas o u tra s a tu a li­
A L ogomarca 31

zações, os o u tro s deuses, os homens em geral ou ce r­


to s homens em p a rtic u la r)27. É exatam ente a mesma
questão que se coloca para a logomarca: ela pode se r
considerada ou como uma presentificação da organiza­
ção em seus produtos Ca organização to rn a -se lite ra l­
m ente presente no conjunto de suas produções dis­
cursivas e em seus su p o rte s de comunicação), ou
como um signo relacionai que liga de maneira fictícia e
convencional uma organização a o u tra s organizações
co ncorrentes, a o u tra s form as de atualização dessa
organização Cque podem se r seus discursos publicitá­
rios, seus produtos, por exemplo) e a seus clientes-al-
vos Ccertos homens em particular).
Por o u tro lado, estam os evidentem ente fam iliari­
zados com a categoria da representação figurada, is­
to é, o mecanismo pelo qual uma imagem reproduz sob
a form a de sim ulacro a aparência e xte rio r das coisas
reais. Gra, é som ente na passagem do século V ao VI,
como lembra V ernant, que a mim esis marca o arrem a­
te dessa te o ria da im itação, pela qual, por meio de uma
espécie de ficção e sté tic a , o símbolo figurado de Deus
tra nsfo rm o u -se em imagem, produto de uma hábil imi­
tação. Émile Benveniste assinalou, por exemplo, que
os gregos não possuíam uma palavra para designar es­
tátua, e que tom aram de o u tro s povos a noção mesma
de representação figurada. Isso ilu stra bem um fa to
amplamente examinado por Jean-Pierre V ernant, a sa­
ber, que a representação figurativa Cisto é, baseada
num processo de semelhança) é uma categoria h is tó ri­
ca. Pode então se r in te re ssa n te debruçar-se breve­

27 Marc Augé, Le dieu objet, Paris, Flammarion, 1988, p. 9-10.


32 Coleção A l d u s

m ente sobre civilizações que não dispõem dessa noção


de figuração para ver como elas puderam re p re s e n ta r
a potência divina.
Para C assirer, um dos tra ç o s m arcantes do sim ­
bolismo religioso é ju stam en te sua ambição de a b rir o
acesso a uma realidade que se tr a ta menos de re p re ­
s e n ta r que de m anifestar, de efetuar, de in se rir real­
mente no mundo visível. Assim o símbolo religioso im ­
plica a presença, d en tro dele, do re feren te, postulado
como uma força de um c e rto tip o, um poder que se
exerce num domínio definido. A travé s do símbolo re li­
gioso, é a potência divina que se comunica [poderíamos
quase dizer: comunga) com os homens, ou melhor, que
se m anifesta sob a form a de força ou de ordem. Do
mesmo modo, V erna n t m o stra que, na poesia grega
arcaica, "a organização rítm ica, fônica e sem ântica
visa a produzir no público um efeito que prolongue a
ação da força celebrada pelo canto. [Assim) o valor
simbólico dos procedim entos da poesia arcaica
deve-se ao fa to de que a imagem verbal, e a re p re sen ­
tação figurada, não funciona como simples cópia, de­
calque ou analogon: ela é dotada de eficácia, ela dá aos
ouvintes o se ntim en to de que, a través das expressões
que evocam um tip o definido de força, essa força p a rti­
cular é efetivam ente mobilizada, desdobrada a través
da perform ance do te x to poético, para realizar a obra
que lhe é p ró p ria "28. De uma c e rta maneira, podemos
nos p e rg u n ta r se a função de influência de uma logo­
marca na pra te le ira de um superm ercado ou numa
propaganda de TV não funciona da mesma form a sobre

28 Jean-Pierre Vernant, Figures, idoles et masques, op. cit., p. 22.


A L ogomarca 33

o consum idor potencial, ao m o s tra r uma verdadeira ¡n-


junção à ação. Essa presentificação, que funciona
como se a logomarca detivesse nela as qualidades de
força e poder da marca ou da organização que ela pre-
sentifica, perm ite ir além da simples virtu d e figurativa
e representacional da logomarca, para m a n ifesta r sua
essencial função pragm ática de injunção. A logomarca
tranqüiliza, informa, indica, mas sobretudo convida a
agir, ela é um sistem a fa ctitivo . “ Compre o produto
que eu endosso, confie nele!” , eis o que a logomarca
parece dizer aos consumidores para além de seu mu­
tis m o de fachada. A logomarca coroa então uma série
de procedim entos re s u lta n te s do design gráfico e do
design de produto, tendo em vista desempenhar o pa­
pel de um sistem a de incitação à com pra, de um verda­
deiro “vendedor silencioso".
Pode-se então dizer da logomarca o que V ernant
diz a propósito da imagem: ela é uma espécie de magia;
enfeitiça os espíritos ao assum ir a exata aparência da­
quilo que não é; faz-se passar pelo que não é; não é ou­
tr a coisa senão semelhança, e essa pura sim ilitude
que define sua natureza de imagem põe-lhe o selo de
uma to ta l irrealidade. Ela conserva o c a rá te r de um
duplo fa n ta sm á tico na aparição de um se r so b re n a tu ­
ral (a marca, a organização)29. Essa noção de p re s e n ti­
ficação é p o rta n to essencial, já que rem ete à eficácia
simbólica que funciona com freqüência por um proces­
so de contigüidade, isto é, de semelhança por co nta to,
tradicionalm ente ligada a p rá tica s de feitiça ria ; com
efeito, esta é governada por uma lei de sim ilitude pela

29 Ibid., p. 36.
34 Coleção A ld u s

qual o sem elhante a tra i o sem elhante por efeito de se­


melhança, como por uma lei de c o n ta to ou de contágio
pela qual as coisas em co n ta to continuam a agir uma
sobre a o u tra depois de cessado o contato. Assim,
apor num produto a logomarca de uma empresa - o
que fazem c e rta s m arcas como a Danone e a N estlé no
domínio agroalim entar, ou então a Philips e a IBM - é ao
mesmo tem po induzir que as qualidades da organiza­
ção vão se difundir como por c o n ta to no próprio produ­
to. Ao apor em biscoitos ou io g urte s sua logomarca
que re presenta uma criança olhando a lua, a Danone*
diz de uma form a que não poderia se r mais explícita
que esses produtos caucionados pela empresa Dano­
ne to fabricante) possuem igualm ente os mesmos valo­
res defendidos pela empresa, a saber, a infância, a na­
tureza e a saúde. Percebe-se aqui, aliás, que a logo­
marca é uma espécie de narrativa; ela conta uma his­
tó ria a propósito dos produtos nos quais está e s ta m ­
pada, isto é, articu la de form a narrativa e figurativa
um program a de ações su ste n ta d o por valores e com ­
petências. Esse pequeno signo significa ao mesmo
tem po que ta is produtos destinam -se às crianças (um
alvo), que são elaborados segundo m étodos que não
colocam a natureza em perigo, e que preservam a saú­
de do indivíduo. Acham-se p o rta n to significados, nesse
espaço de figuração cuja superfície não excede alguns
m ilím etros quadrados, um alvo, um processo de fa b ri­
cação e um resultado, mas tam bém valores e poderes

Logomarca não utilizada pela Danone no Brasil. O “ ninho” da


Nestlé também pode servir de exemplo.
A L ogomarca 35

que são su b-re pticia m e n te tra n sm itid o s, como que


por contágio, pela logomarca ao produto marcado.

A re p re se n taç ã o numa abordagem sem iótica

A representação conceituai tem a ver, por fim,


com a virtu d e de concretização simbólica da logom ar­
ca que é encarregada de re p re sen tar, em virtu d e de
uma convenção, por elementos co ncreto s ou semi-
a b s tra to s , uma realidade a b s tra ta e intangível (valo­
res, um program a, etc.). ü símbolo tem assim por fun­
ção essencial m o s tra r e to rn a r sensível o que não o é:
valores a b s tra to s , poderes, programa de ações, etc.
Nesse sentido, a função simbólica da logomarca rem e­
te ao poder de c o n s titu ir uma analogia emblemática.
Por o u tro lado, a logomarca é um signo que in co r­
pora com freqüência elementos p ictó rico s (persona­
gens, animais, objetos estilizados, e tc.) que podem
tam bém re p re s e n ta r visualm ente elem entos do mun­
do físico. Ela é m uitas vezes uma linguagem sin cré tica,
que m istu ra modos de significação lingüísticos e ¡cóni­
cos, e que assim mixa os modos de acesso ao sentido.
Podemos p o rta n to considerar dois tip os de represen­
tação pre sen tes na logomarca: uma representação de
tip o conceituai, relacionada à su bstitu içã o de um se r
im aterial e a b s tra to por um sistem a plástico (a re p re ­
sentação compensa urna ausencia), e uma represen­
tação de natureza pictórica (a representação figura e
m o stra por meio de signos figurativos), no caso de lo-
gom arcas que incorporam elem entos ¡cónicos de natu-
36 Coleção A ld u s

reza figurativa, como as da Apple, da Michelin ou da


Shell, que representam respectivam ente uma maçã,
um boneco* e uma concha.
Quer re p re sen te uma organização ou uma m a r­
ca, a logomarca é um signo, isto é, um ve to r de tra n s ­
missão que não vale por si mesmo (ou seja, ele não é,
salvo exceção, auto-referencial], mas rem ete a o utra
coisa que não ele mesmo. É essa função essencial de
rem issão que funda seu poder significante e sua capa­
cidade representativa. Assim , há uma dualidade con­
substanciai à logomarca, pois ela a rticu la, enquanto
signo, uma face sensível e uma o u tra face ligada à sig ­
nificação que veicula. Esse signo é como uma folha de
papel, is to é, ele articula necessariam ente duas di­
mensões interdependentes, o significante (a face ma­
te ria l do signo, sua cor, sua form a, sua grafia, sua so­
noridade] e o significado (a face conceituai do signo, a
imagem m ental à qual está associado],
Essa distinção e ntre significante e significado,
que e stá na base de todo o desenvolvimento dos e s tu ­
dos sobre o signo, foi ampliada à noção de linguagem e
reform ada pelo lingüista dinamarquês Hjelmslev que,
por sua vez, propôs d istin gu ir em toda linguagem as
noções de plano da expressão e plano do conteúdo.
Ora, se considerarm os, conforme Greimas, que a figu-

0 boneco símbolo da Michelin tem sua forma baseada em uma


pilha de pneus de diferentes tamanhos. Seu nome - Bibendun - é
retirado de um verso de Horácio: Nunc e st bibendun té o mo­
mento de beber) e faz referência ao fato de que um dos irmãos
Michelin, no final do século XIX, dizia que os pneus “ bebem os
obstáculos".
A L ogomarca 37

ratividade não pode se r inocente, é preciso a ce ita r a


idéia de uma c e rta coerência e n tre o plano da expres­
são e o plano do conteúdo. Em o u tra s palavras, uma lo­
gomarca não pode exprim ir qualquer coisa, de uma ma­
neira qualquer. Conceber uma logomarca é ju stam ente
colocar-se a questão do "quê" e a questão do “ como";
tra ta -s e , em suma, de escolher os elem entos essen­
ciais e definidores da organização ou da m arca Co “ quê"
ou plano do conteúdo) e de articu lá-lo s de maneira legí­
tim a com os signos plásticos relacionados ao “ com o”
ou plano da expressão.
Consideremos, por exemplo, as logomarcas de
duas em presas francesas o u tro ra co n co rre n te s30 no
ramo petrolífero: Total e Elf. Essas duas empresas são
representadas por logomarcas que diferem no plano
plástico [escolha das cores, dos símbolos associados,
etc.).
ü mercado petrolífero é o palco de uma guerra
encarniçada de símbolos que leva cada empresa a pro­
te g e r um te rritó rio de comunicação, ou seja, um sím­
bolo, mas sobretudo um código de co r (amarelo-ver-
melho para a Shell, verde-am arelo para a BP*, etc.).
Todavia, seria um e rro perceber apenas uma diferen­
ciação no nível dos elem entos plásticos utilizados por
cada uma dessas empresas para se singularizar. Com
efeito, a escolha e o arranjo de elem entos figurativos
não são inocentes, como m o strou a tra d içã o se m ió ti­
ca. De acordo com Hjelmslev, podemos considerar,

30 A redação desta obra é anterior à aproximação das duas em­


presas.
* British Petroleum.
38 Coleção A ld u s

como foi d ito a n te rio rm e n te , que a logomarca existe


graças à coincidência de dois planos: o plano da ex­
pressão e o plano do conteúdo. Reecontram os aqui o
fa to de que toda figuratividade é significante, e de que
é p ertine n te , para quem quer analisar a vida dos sig ­
nos, examinar a articulação desses dois planos da sig ­
nificação. Diferenças de cores e de símbolos rem etem
sempre, mais ou menos, a distinções ideológicas liga­
das a concepções do ofício, da visão de mundo, dos va­
lores, dos princípios.
C aracterizem os agora essas duas logom arcas
no plano plástico. A prim eira, da Total, apresenta um
sistem a de lis tra s tra n sve rsa is dispondo cores de in­
tensidade decrescente; a logomarca apresenta uma
bandeira, is to é, uma superfície plana; o te x to e stá in­
serido na imagem; a logomarca acha-se aberta para o
e xte rior, pois nenhuma faixa vem separá-la do fundo;
ela parece como que atravessada de todos os lados. A
segunda, da Elf, é concebida segundo um princípio
com pletam ente oposto. Com efeito, ela simboliza um
objeto que dá a ilusão de profundidade em razão da ju s­
taposição das cores vermelha e azul. Em realidade, re ­
presenta de form a estilizada a ponta de uma broca de
uma p e rfu ra triz. Por o u tro lado, o te x to e stá ju s ta ­
posto à imagem, e não inserido no símbolo; em suma, a
logomarca apresenta-se como um objeto fechado, in­
serido num quadro que o separa do exterior. Assim , no
prim eiro caso, ta n to as lis tra s quanto o motivo da
bandeira dão a idéia de superfície, enquanto, no segun­
do, a cor p re ta e o objeto em trê s dimensões rem etem
ao universo da profundidade. M anifesta-se assim uma
oposição plástica quase perfeita e n tre as duas logo­
marcas. Vejamos agora em que medida essa oposição
A L ogomarca 39

no plano plástico não esta ria eventualm ente relaciona­


da a uma oposição ideológica, ligando essa oposição
dos planos da expressão aos planos do conteúdo. V eri­
fica-se que a oposição plástica não é a rtificia l, pois
tra d u z duas concepções diferentes do ofício; num
caso, a empresa m anifesta seu ofício relacionado ao
mundo da distribuição (que a bandeira, o universo da
claridade e o re curso a um modo de superfície s in te ti­
zam], enquanto no o u tro a empresa m anifesta seu ofí­
cio relacionado a um universo de profundidade (que as
cores escuras, o fecham ento da logomarca e o objeto
em trê s dimensões sin tetiza m ], ligado ao mundo da ex­
ploração e produção petrolíferas.
Jean-M arie Floch m ostrou, por exemplo, que as
logomarcas da IBM e da Apple ilustravam um fenômeno
de inversão plástica relacionado a uma similaridade
dos program as narrativos defendidos pelas duas m ar­
cas. Assim , a da IBM é m onocrom ática com form as re ­
ta s , com posta de le tra s e faixas horizontais separa­
das, e fundada sobre a repetição; ela se opõe plastica­
mente à da Apple, que é policrom ática com form as
curvas, com posta de faixas conjugadas, e obedece a
um princípio de não-repetição. A logomarca da IBM re ­
m ete à linguagem verbal e à sua m anifestação linear (a
escrita ), enquanto a da Apple é da ordem da imagem e
do agenciam ento não linear dos signos. Essa oposição
plástica tem a ver com um fenômeno de inversão par­
cial, bem conhecido em antropologia, pelo qual, apesar
de uma inversão dos significantes, os significados
m antêm -se, na medida em que os program as defendi­
dos pelas duas m arcas são de natureza sim ilar (produ­
ção de um valor acrescido, im portância de cada uma
40 Coleção A ld u s

das empresas na h istória da inform ática, aspecto re ­


lacional com os clientes, e tc .)31.

A oposição p lástica e ideológica das


logom arcas T o ta l e Elf

Logomarca Total Logom arca Elf


PLANO DA EXPRESSÃO
Três cores de intensidade vs Duas cores em oposição bi­
de cre scente [princípio de nária [princípio de de sco n ti-
continuidade) nuidade)
Três elem entos ju s ta p o s ­ vs Duas form as imbricadas
to s [linearidade seqüencial)
Representação de um obje­ vs R epresentação de um obje­
to em duas dimensões [a to em tr ê s dimensões [a
bandeira) broca da p e rfu ra triz )
Movim ento de tra n sla çã o vs M ovim ento de ro ta çã o v e r­
horizontal tic a l
0 motivo listra d o dá uma vs 0 objeto estilizado dá a ilu­
im pressão de superfície são de profundidade
PLANO DO CONTEÚDO
Elementos im aginários sugeridos
Regime da superfície vs Regime da profundidade
0 solo aparente vs 0 subsolo
A luz vs A obscuridade
M issão invocada
A distrib uição de produtos vs A exploração e o refino
petrolíferos

31 Remetemos o leitor ao magistral estudo de Jean-Marie Floch,


La voie des logos. Le face-à-face des logos IBM e Apple, in Identi­
tés visuelles, Paris, PUF, 1995, p. 43-78.
C a p í t u l o II

A LOGOMARCA COMO FIGURA


DE IDENTIDADE

Assim , é realm ente a noção de representação


que fundam enta a logomarca. Colocam-se então duas
questões: a prim eira sobre a capacidade do signo de
re p re s e n ta r um se r intangível por natureza, como é
uma organização ou uma marca; a segunda sobre a
propensão desses signos a fig u ra r uma entidade m ú lti­
pla e mutável.

A logom arca, a organização, a m arca

A logomarca é a representação de uma organiza­


ção ou de uma marca. É tam bém um signo de identida­
de. Detenham o-nos por um in sta n te nesse ponto para
distin g u ir a logomarca como representação de uma o r­
ganização e a logomarca como representação de uma
marca. O que é uma organização, senão o agrupam en­
to (virtual ou real) de indivíduos reunidos por um proje­
to , valores, uma habilidade, etc.? O fa to de a logom ar­
ca poder re p re s e n ta r uma organização, uma marca,
42 Coleção A ld u s

ou as duas ao mesmo tem po, te m a ver com a questão


das e s tra té g ia s de marcação, isto é, a maneira como
uma organização irá m arcar seus produtos ou se rvi­
ços. Uma organização dispõe de vários modos d iscu r­
sivos para com unicar seu projeto. Ela pode ou falar em
seu próprio nome, pondo o acento sobre seu nome so­
cial, ou pode re c o rre r a entidades interm ediárias que
são as marcas.
A e s tra té g ia de marcação e stá intim am ente liga­
da à e s tru tu ra de identidade e à articulação que esta
deseja e stabelecer e n tre o nível institucion a l e o nível
dos produtos ou serviços. Pode-se então considerar,
como fez Wally Olins1, trê s tip o s de e s tru tu ra s identi-
tá ria s :
- A identidade monolítica, pela qual a organização
utiliza seu nome social e um único e stilo visual onde
quer que se apresente; em presas como a Virgin, a Ya­
maha ou a BP re correram a essa e stra té g ia . A logo­
m arca re p re se n ta então uma organização-m arca, isto
é, encarregada de re p re se n ta r os valores da empresa.
Assim a logomarca Virgin, originada na indústria m usi­
cal (o prim eiro ramo da empresa era a produção m usi­
cal), está presente em su po rte s tão diversos quanto
CDs, aviões, tre n s , um re frig e ra n te , serviços financei­
ros. A presença da logomarca em cada um dos objetos
assegura que todos estão como que infundidos pelos
valores promovidos pela organização e seu chefe, Ri-

1 Ver, em particular, Wally Olins, Corporate Identity. Making Busi­


ness Strategy through Design, 1989, Londres, Thames S. Hud­
son, e também Wolff Olins, The New Guide to Identity. How to
create and sustain change through managing identity, 1995,
Aldershot, Gower.
A Logomarca 43

chard Branson (provocação, gosto pela aventura, a n ti­


conform ism o, etc.). Essas organizações funcionam
como verdadeiras m arcas dotadas de um fo rte imagi­
nário e de códigos de reconhecim ento gráfico e d iscu r­
sivo.
- A identidade de endosso, peia qual a organização
cauciona com sua logomarca cada uma ou pelo menos
a maior p arte de suas m arcas, como para ates-
ta r-lh e s a proveniência, a qualidade e o fa to de ela ser
fiadora e responsável. Empresas como a N estlé, a Kel-
log's ou a Danone re co rre ra m a ta is e stra té g ia s. A lo­
gomarca desempenha aqui basicam ente uma função
de tranqüilização ou de garantia, testem unhando que a
organização é realm ente signatária dos produtos e
serviços que põe no mercado. Em cada produto coexis­
te m p o rta n to , geralm ente, duas logomarcas: a da
m arca (Danoninho, Nescafé, Corn-flakes) e a da orga­
nização (Danone, N estlé, Kellog’s, respectivam ente).
A prim eira logomarca tem por função re p re s e n ta r uma
marca, cujo papel essencial é sem antizar o produto in­
jetando-lhe valores (emocionais, lúdicos, e tc.) para
além de seu valor puram ente funcional. A segunda re ­
presenta a organização e busca caucionar a marca,
assegurando que ela s a tisfa z to d a s as normas de qua­
lidade, de segurança da dita organização. Esta última
desempenha aqui essencialm ente uma função de assi­
natura.
- Uma identidade de marcas, pela qual a organiza­
ção decide não aparecer por trá s de suas m arcas, do­
tando-as de uma com pleta autonomia. É o caso das
m arcas que funcionam como instância relacionai entre
a organização e seus clientes. Empresas como a Proc­
t e r S. Gamble ou a Unilever re co rre ra m a ta is e s tra té -
44 Coleção A ld u s

gias. Em geral essas em presas são pouco conhecidas


do grande público, enquanto suas m arcas possuem
grande notoriedade*. Aqui é a m arca que p orta a iden­
tidade dos produtos, enquanto a organização não
m ostra ao público sua face institucional. A logomarca
representa aqui uma m arca e deve com unicar seu po­
der, seus valores, suas capacidades. Qs s e to re s que
re correram a ta is e s tra té g ia s são geralm ente s e to ­
res de rápida evolução, ca racterizados por a ltos índi­
ces de inovação, para os quais o im pacto da m arca jun­
to ao consum idor é m uito im p o rta nte , em todo caso
mais im p o rta n te que a caução do fabricante.

A questão da identidade organizacional

□izer da logomarca que ela é um signo, ou me­


lhor, uma figura de identidade, coloca então necessa­
riam ente a questão da identidade organizacional. Com
efeito, como com preender a identidade de uma organi­
zação ou de uma marca? Pois a identidade coloca um
c e rto número de questões, especialm ente no caso de
uma identidade com unitária que reúne uma pluralidade
evolutiva de indivíduos, ü c rité rio de número (a id e n ti­
dade em sua relação com o idêntico), com freqüência
atribuído à identidade, causa um problema, na medida

* Por exemplo, no Brasil, Pampers (fraldas), Always (absorventes)


e Ariel são marcas da P rocter S. Gamble, e Lux, Gessy e Omo
são marcas da Unilever.
A Logomarca 45

em que uma organização não pode perm anecer igual a


si mesma, em razão de seu aspecto em inentem ente
plural e de sua necessária evolução. Em o u tra s pala­
vras, a identidade não poderia se reduzir à id entifica­
ção. A organização envolve geralm ente m últiplos c o r­
pos que se busca reunir por meio de uma ficção sim bó­
lica e narrativa. A representação desse se r coletivo e
im aterial que é uma organização coloca então o m es­
mo tipo de problema que o colocado pela filosofia políti­
ca medieval a propósito da representação da Realeza
ou da República, isto é, a questão da identidade de um
ser coletivo, e ainda por cima invisível, do qual se tr a ta
de m a n ifesta r a permanência no tem po e a co n sistê n ­
cia no espaço. E rn st K an to row itcz m o stro u, em Os
dois corpos do rei2, de que maneira ju ris ta s e teólogos
medievais chegaram a form a r categorias m entais des­
tinadas a re p re s e n ta r a permanência (e até mesmo a
eternidade) de seres coletivos ta is como o Império, a
Igreja ou o povo, seres form ados não como coleções de
indivíduos, mas in stituíd os segundo o modelo do corpo
humano, ao mesmo tem po uno e a rticu lad o 3. Com efei­
to , era preciso poder preencher o vazio deixado pela
m o rte dos titu la re s de cargos, pela “ saída" do rei ou o

2 Ernst Kantorowitcz, The King's Two Bodies, Princeton Univer­


sity Press, 1957; trad. fr ., Les deux corps du roi, Paris, Galli­
mard, 1989. O leitor poderá igualmente reportar-se, para uma
reflexão sobre a permanência do papado, e especialmente sobre
a oposição e a conciliação entre o corpo mortal do papa e a in s ti­
tuição imortal que é o papado, a Agostino Paravicini Bagliani, II
corpo dei Papa, G. Einaudi, Torino, 1994; trad. f r . , Le corps du
pape, Paris, Seuil, 1997.
3 Pierre Guenancia, L 'id e n tité , in Denis Kambouchner ted.), Noti­
ons de philosophie, t. 2, Paris, Gallimard, “ Folio", p. 61.
46 Coleção A ld u s

desaparecim ento de um bispo, de um abade, etc. G


corpo é uma das m etáforas empregadas para conce­
ber a organização, uma espécie de ficção que perm ite
preencher o vazio deixado pela s u b stitu iç ã o de dirigen­
te s e funcionários. Mas a representação de um se r in­
tangível e coletivo coloca um sério problema filosófico,
a saber, a possibilidade de conciliar a perpetuidade e a
permanência da organização (ser coletivo) no tem po (e
no espaço) e a sucessão dos elem entos que a com ­
põem (indivíduos, projetos, dispositivos m ateriais,
etc.). A representação do im aterial com unitário obriga
então a re c o rre r a uma ficção pela qual a m atéria mu­
tável do corpo organizacional é subordinada à sua con­
sistência, à sua identidade a travé s das categorias do
tem po e do espaço. A permanência da organização
(através de seus diversos signos de representação,
em p a rticu la r) implica fo rja r não a ficção dos sucesso­
res e dos predecessores (como acontece para a reale­
za ou o papado), mas a subsistência de um princípio de
coerência interna. É o que p erm ite pensar, no corpo
com unitário, a presença ao mesmo tem po simultânea
e sucessiva de todos os seus m em bros; é ainda a idéia
de um único e mesmo corpo no qual se sucedem inume­
ráveis indivíduos su bstitu in do -se uns aos o u tro s, reve­
zando-se e tra n sm itin d o seus cargos como por um
movimento de fluxo4. A ficção perm ite ao corpo invisível
conservar sua identidade no tem po. Essa ficção t o r ­
nou-se possível pela capacidade de fo rja r a ficção da
unicidade do destinador. T ra ta-se de m o s tra r que t o ­
dos os a to s de representação da organização reme-

4 Pierre Guenancia, L'identité, in op. cit., p. 612.


A L ogomarca 47

te m a um único ce n tro de emissão. A logomarca assu­


me então aquilo que Foucault chama a função a u to r5. A
boa logomarca é a que se erige, no c o rre r do tem po,
como categoria fundam ental da atribuição e da desig­
nação dos discursos de uma organização, garantindo
assim a uni(ci)dade da organização ao relacioná-la a um
ce ntro único de expressão.
Enfim, a identidade organizacional refere-se ao
conjunto dos elem entos que asseguram o reconheci­
mento da organização e que dão um sentido às ações
cotidianas desses membros. Desse modo, pode-se di­
zer que a razão de se r do conjunto dos funcionários de
uma empresa com vocação comercial é produzir valor,
mas esse c rité rio não basta para fazer com preender,
por si só, nem a dinâmica nem a coesão da referida o r­
ganização. A identidade organizacional te m a ver so­
bretudo com a maneira como os indivíduos dessa orga­
nização representam a organização (de que maneira a
imaginam) no que se refere a seus projetos, seus valo­
res, seu programa. Ela e stá tam bém ligada às form a ­
ções simbólicas [m itos, rito s , tabus) que e s tru tu ra m
a vida cotidiana e infundem, im plícita ou explicitamen-.
te , seus valores. Assim , podemos com preender a iden­
tidade da organização como “ o conjunto daquilo que a
to rn a identificável e que perm ite id entificar-se com
ela. É o que lhe dá continuidade no tem po, naquilo que
chamamos a ‘ mesmidade’ , coerência interna apesar

5 Ver, em particular, Michel Foucault, Q u'est-ce qu'un auteur?,


Bulletin de la Société française de philosophie, 63° ano, n° 3, ju-
lho-setembro 1969, p. 73-114. Texto reproduzido em Michel
Foucault, Dits et écrits, Paris, Gallimard, 1994, t. 1, p.
789-821.
48 Coleção A ld u s

da diversidade de seus a to re s, e especificidade ou o ri­


ginalidade em relação ao e xte rio r, especificidade de
seus a to re s e especificidade de seus va lo res"6. A logo­
marca exprime então uma simbólica organizacional as­
sim como os edifícios (o arranjo do espaço, por exem­
plo, exprime relações de autoridade, de poder e dos
fluxos de comunicação dentro de uma empresa), os
uniform es, os discursos in stitucion a is, as campanhas
publicitárias e, num sentido amplo, toda emanação dos
valores da empresa. A especificidade da logomarca é
que ela e s tá p resente no conjunto desses dispositivos
de comunicação, e, sob esse aspecto, pode-se consi­
derar que ela é uma espécie de medula* dos d is p o s iti­
vos de comunicação da organização e que re p re sen ta a
pedra angular de tod o s os seus program as de id e n ti­
dade visual. A logomarca funciona como um m e tassig-
no que abrange o conjunto das produções discursivas
de uma organização ou de uma marca, ü papel do de­
sign corporate é ju sta m e n te to rn a r visíveis e m anifes­
to s os tra ç o s id e n titá rio s da organização, embora
considerando que esses tra ç o s evoluem necessaria­
mente.
G caso da Danone é in te re ssa n te nesse aspecto,
pois ilu s tra o papel da logomarca como m anifestação
da evolução do p rojeto de uma empresa e a tradução
visual dessa evolução. A empresa BSN (tal era o nome
da atual empresa Danone) progressivam ente afas-

6 Roland R eitte r e Bernard Ramanantsoa, Pouvoir et politique.


Au-delà de la culture d'entreprise, Paris, McGraw-Hill, 1985.
* No original, la substantifique moelle. Expressão que Rabelais
usava para designar aquilo que, extraído de um texto, de um li­
vro, alimenta o espírito.
A L ogomarca 49

tou-se de seus ramos de base ligados à indústria da


embalagem Ce especialm ente o vidro), para concen­
tra r-s e nos produtos da indústria agroalim entar como
laticínios, água mineral, condim entos secos, comidas
prontas. Essa evolução tra du z, em realidade, uma mu­
tação progressiva do continente [embalagem) para o
conteúdo [produtos alim entares), isto é, a passagem
de um e s ta tu to de empresa industrial de interm edia­
ção a uma empresa de produtos de grande consumo
destinados a consum idores e não mais apenas a in te r­
mediários. Donde a decisão de mudar o nome da em­
presa utilizando uma das m arcas principais do grupo
BSN como novo nome social. A mudança traduziu-se
por uma nova logomarca que re p re sen ta uma criança
m ostrando a lua. Essa nova logomarca ilu stra uma mu­
dança de perspectiva da empresa, e a e s tra té g ia de
caução quase s iste m á tica que nela se m anifesta p er­
mite à empresa m o s tra r que cada um dos produtos
assim garantidos veicula um ou o conjunto dos valo­
res do grupo, a saber, a infância, a saúde e a n a tu re ­
za.

A logomarca como n a rra tiv a da identidade o rganiza­


cional

Dizer a identidade de um indivíduo ou de um grupo


é responder à questão: quem fez ta l ação? Quem é seu
agente, seu autor? A validade da logomarca como ges­
to de assinatura está p o rta n to em c ria r uma espécie
de “ ficçã o-au tor” . Essa ficção só pode se r narrativa,
50 Coleção A ld u s

is to é, aquela à qual a organização tem acesso graças


à função narrativa. Com efeito, uma organização [como
tam bém um indivíduo ou um país) não pode se reconhe­
ce r ¡m ediatam ente, mas apenas indiretam ente pelo
meandro de signos c u ltu ra is de todo tipo que se a r ti­
culam nas mediações simbólicas e que, por sua vez,
como por um efeito de re tro açã o , perm item a rtic u la r
as ações cotidianas. Donde a não-im ediatez ta n to
cognitiva quanto tem poral que ca ra cte riza o reconhe­
cim ento de ta l identidade. A identidade só existe num
processo de colocação em signos, e particula rm en te
através das narrativas da comunidade a seu próprio
respeito. 0 processo n arrativo é p o rta n to consubs­
tanciai ao processo id e n titá rio , de modo que se com ­
preende por que a identidade visual é o que perm ite à
identidade da organização m a nifestar-se, acontecer,
is to é, tra d u z ir-s e em ato e não perm anecer no sim ­
ples estado de virtualidade.
A logomarca te m ju sta m e n te por função a rtic u ­
lar as dimensões tem porais, n arra tivas e id e n titá ria s
de uma organização ou de uma marca. Sua elaboração
requer p o rta n to que a organização desenvolva a seu
próprio re sp eito uma compreensão de si ou, mais exa­
tam en te , uma in te rp re ta çã o de si que a logomarca
busca então tra d u z ir de form a narrativa. A logomarca
só é um signo id e ntitá rio na medida em que não se limi­
ta unicam ente a to rn a r visível a identidade da organi­
zação, o que daria à identidade uma concepção m uito
fixa e rígida; ela deve p e rm itir que a organização colo­
que sua identidade em in trig a e em narrativa. A logo­
marca faz p a rte então das h istó ria s que a organização
conta a seu próprio respeito para se figurar, mas ta m ­
bém para se re[con)figurar. Ela só se to rn a uma figura
A L ogomarca 51

id e ntitá ria da organização na medida em que é uma in­


te rp re ta ç ã o n arrativa que a figure desse ou daquele
jeito.
C a p ítu lo III

A LOGOMARCA NO PROCESSO
DE COMUNICAÇÃO

Para considerar a logomarca como um signo de


mediação e n tre diversas entidades sociais [indivíduos,
organizações, e tc.) e com preender seu papel na e s tra ­
tégia de comunicação de uma organização ou de uma
marca, é necessário recolocá-la num processo de co­
municação.

As funções da iogomarca no processo de comunica­


ção

A logomarca é um dispositivo específico que as­


segura um c e rto número de funções no processo de
comunicação e ntre uma organização e seus públicos.
Como indica sua etimologia grega [logos, discurso), a
logomarca representa um universo discursivo, ou seja,
e stá polarizada segundo dois eixos: um prim eiro pólo
destin a do r/d estin a tário [a organização/os públicos da
empresa), que é o pólo da mensagem, e um segundo
pólo sem ântico-referencial. Segundo este últim o eixo,
54 Coleção A l d u s

algo é m anifestado ou expresso acerca de alguma coi­


sa com destinação a alguém. Assim , o prim eiro eixo re ­
m ete à dimensão pragm ática e o segundo à dimensão
sem ântica1. G poder ambíguo de representação da lo-
gomarca pode se r compreendido se nos re ferirm o s às
funções inerentes a todo a to de comunicação, ta is
como definidas pelo lingüista Jakobson2. Este define
seis funções presentes em diversos graus em todo
ato de comunicação.

Código

Função m etalingüística
Função Função
expressiva impressiva
M a rc a / ·«---------—► Logomarca ■*----------- ►Consumidor
orgam zaçao

Função □ Função
fática poética

Canal Função
referencial

Produto

Fonte: A daptado de F. Dano, "Packaging: une approche s é m io tique” , R echer­


che e t application en marketing, vol. XI, n° 1 /9 6, p. 29.

Os fatores da comunicação da logomarca e as funções associadas

1 Ver, a esse respeito, J-F. Lyotard, Le différend, Paris, Éditions


de Minuit, 1984.
2 Roman Jakobson, Problèmes de linguistique générale, 1. Les fon­
dations du langage, Paris, Éditions de Minuit, 1963.
A Logomarca 55

A função fá tic a

A prim eira dessas funções que a logomarca as­


sume é a função fática, que busca e stabelecer e man­
t e r um c o n ta to com os públicos da organização. Uma
logomarca é sempre dotada de uma função fática , já
que deve estabelecer um co n ta to e n tre o destin a do r e
o d estin a tá rio. Assim, as logomarcas nas fachadas de
edifícios parecem dizer “ bom-dia!” aos tra n s e u n te s e
autom obilistas. Esse papel é ta n to m elhor desempe­
nhado pela logomarca quando e sta é co nstitu ída de
signos fo rte s , m arcantes, capazes de serem aceitos e
reconhecidos como signos de identificação da referida
organização.

A função expressiva

A logomarca tam bém desempenha uma função


expressiva destinada a inform ar o público sobre a iden­
tidade e a personalidade da organização que em ite
esse signo. Pesquisas em psicologia cognitiva esta b e ­
leceram que os indivíduos in te rp re ta m uma logomarca
como um signo que m anifesta algo da organização re ­
presentada3. Por o u tro lado, a função expressiva da lo-

3 Ver, a esse respeito, □. Green e V. Loveluck, Understanding a


Corporate Symbol, Applied Cognitive Psychology, 1994, vol. 8, n°
1, p. 37-44.
56 Coleção A ld u s

gomarca depende m uito in tim am ente do modo como a


organização se percebe e do tip o de modelo de re p re ­
sentação que utilizou para perceber-se. Esses modos
de perceber estão relacionados, em realidade, a um
pequeno número de m etáforas pelas quais imaginamos
a vida de uma organização. O emprego da m etáfora su­
põe um modo de pensar e um modo de ver que agem
sobre a maneira pela qual compreendemos o mundo
em geral e o mundo das organizações em particular. A
m etáfora produz sem pre uma espécie de intuição p ar­
cial e procede essencialm ente por deslocamento, isto
é, serve-se de o u tro s signos para te n ta r apoiar o des­
conhecido sobre o conhecido. Essas m etáforas organi­
zacionais foram recenseadas por G areth Morgan sob a
denominação de imagens da organização4. Elas se re ­
ferem , em particula r, à organização vista como uma
máquina, um organismo, um cérebro, uma cultura, um
sistem a político, um instrum ento de dominação, uma
prisão do psiquismo, ou ainda um conjunto de fluxo e
transform ação.
A ntes de definir a imagem últim a de re p re se n ta ­
ção da organização que é a logomarca, pode se r im por­
ta n te examinar essas imagens m etafóricas ten ta nd o
d ete rm ina r qual é a m etáfora dom inante, a fim de ex­
plicar a maneira como a concebem os indivíduos que
dela participam . Com efeito, pode-se p ostu la r que, no
caso de uma logomarca organizacional, deve haver ou,

4 Gareth Morgan, Images of Organizations, Beverly Hills, Sage,


1986; trad. fr . , Les images de l'organisation, Quebec e Ottawa,
Éditions de l'U niversité Laval e Éditions Eska, 1989; do mesmo
autor também poderá ser lido com proveito Imaginization: the
A rt of Creative Management, Londres, Sage, 1993.
As Logomarcas 57

mais exatam ente, deveria haver uma c e rta adequação


entre a m etáfora organizacional em vigor e a re p re sen ­
tação pictórica da organização sob a form a dessa figu­
ra p a rticu la r que é a logomarca. Ao mudar sua id e n ti­
dade visual em 1 9 9 2 , a RATP* quis tra d u z ir uma mu­
dança de ofício Ca passagem de uma cu ltura técnica,
do engenheiro e do mecânico, a uma cu ltu ra de serviço
e atendim ento das expectativas do cliente); porém,
mais fundam entalm ente ainda, ela quis te ste m u n h a r
uma mudança de paradigma organizacional, com a pas­
sagem de uma m etáfora de tip o m e^anicista [a organi­
zação como máquina) a uma m etáfora de tip o biológico
(a organização como organismo, como o indicam a mu­
dança de organogram a e a ênfase, nos discursos da
empresa, posta nos valores de fluidez, circulação e in­
tegração no espaço urbano).

A função referen cia l

A te rc e ira função reservada à logomarca é uma


função referencial que exprime sua capacidade de fo r­
necer informação sobre o produto ou o serviço que ela
chancela. Essa função compreende o que a logomarca
diz dela mesma ou do produto. Assim , o sistem a de
identidade visual do “ Le S h u ttle ” , serviço de tra n s p o r-

Empresa de tran sp o rte s públicos da região de Paris, que admi­


nistra trens, onibus e metrô.
58 Coleção A ld u s

te de veículos do Eurotúnel, utiliza o branco como cor


de identidade principal (nos term in a is de p artida e de
chegada, nos tre n s , no uniforme do pessoal, e tc .], so­
bretudo a fim de tra n q ü iliza r os passageiros num mo­
m ento que é vivido por alguns como de fo rte ansieda­
de*. A co r branca exprime aqui aos usuários, para
tranqüilizá-los, a ausência de perigo e o com pleto con­
tro le do processo técnico. A função referencial é ta m ­
bém im p o rta n te para m arcas que desejam com unicar
a velocidade. Assim , como diz Michel Pastoureau a
propósito da m arca de trê s lis tra s (Adidas): “ Nas qua­
dras de e spo rte , os calçados esportivos listados c o r­
rem mais rápido que os calçados liso s” 5. A função re fe ­
rencial e stá igualmente ligada ao co n te xto de aplica­
ção da logomarca. C ertas organizações devem adap­
t a r ou m odificar por inteiro ou em p a rte sua logomarca
a fim de otim izarem seu poder evocador em o u tra s cul­
tu ra s. Pode tam bém se r o caso de em presas que u tili­
zam a logomarca como figura icônica inserida numa
imagem publicitária. Para co n to rn a r a legislação em vi­
gor em c e rto s países, a M arlboro recorreu a imagens
construídas sobre uma representação simbólica e fi­
gurada de sua logomarca, m ostrando, por exemplo, fo ­
to s de uma e strad a seguindo ao infinito em direção a
um pôr-do-sol avermelhado. Esse tipo de imagem tinha
por função evocar a logomarca de form a indireta. A Ci-

5 Michel Pastoureau, L'étoffe du diable. Une histoire des rayures


et des tissus rayés, Paris, Seuil, 1991, p. 16.
* A marca "Le shuttle" une um term o francês, Le train, com um
inglês, The shuttle. A travessia dos 50 km do túnel, dos quais 39
seb o Canal da Mancha, é feita em 35 minutos. Um grande in­
cêndio ocorreu no túnel em 1996.
As L ogomarcas 59

tro é n , igualmente, utilizou sua logomarca para re p re ­


s e n ta r pirâmides egípcias por ocasião de uma de suas
vitó ria s no Grande Rally do Egito, a fim de comunicar
instantaneam ente sua vitória. Green e Loveluck6, em
p articu la r, m o stra ra m que as propriedades gráficas
da logomarca, bem como o co n te xto no qual esta é
percebida, são duas fon te s de informação utilizadas
pelo d estin a tá rio para decodificá-la, e assim produzem
um im pacto sobre seu poder evocador.

A função im pressiva

Uma o u tra função im p o rta n te possivelm ente de­


sempenhada pela logomarca é a função impressiva que
visa a im plicar o d estin a tá rio da mensagem: a logomar­
ca Chicorée Leroux* m o stra , por exemplo, a usuária do
produto. Assim tam bém , a logomarca Danone exibe de
maneira clara a criança como um dos alvos esperados
dos produtos. A função impressiva é im p o rta n te por­
que está ligada à dimensão pragm ática da logomarca,
que é agir sobre o d estinatário. T ra ta-se de fazer que
o d e stin a tá rio pense, ao ver a logomarca: “ É a mim que
se dirigem ” .

6 □. Green e V. Loveluck, Understanding a Corporate Symbol,


Applied Cognitive Psychology, 1994, vol. 8, n° 1, p. 37-44.
* Chicorée é um su b stitu to do café, feito à base de raizes de chi­
coria torradas e moídas.
GO Coleção A ld u s

A função poética

A função poética busca a cre sce n ta r um suple­


mento de emoção; essa vontade é m anifesta quando
c e rta s em presas reco rre m a a rtis ta s para elabora­
rem sua logomarca. É o caso da logomarca Yves Saint
Laurent desenhada por Cassandre, ou da logomarca
da Espanha criada pelo p in to r Miró.

Logo Yves Saint Laurent

A logomarca assume uma função poética ou es­


té tic a quando e stá e s tru tu ra d a de uma maneira ambí­
gua (em relação ao sistem a de expectativa do código) e
se apresenta como a uto télica, isto é, auto-reflexiva,
buscando cham ar a atenção do d estin a tá rio para a sua
própria form a antes de tu d o 7. Mas uma logomarca pu­

7 Umberto Eco, La structure absente, Paris, Mercure de France,


1972, p. 125.
A Logomarca 61

ram ente a utotélica, isto é, sem o u tra função senão


re m e te r a si mesma, é um caso m uito raro, pois então
ela não desempenharia sua função de signo. No entan­
to , é m uito freqüente haver uma tensão e n tre a função
expressiva da logomarca e sua função poética, e isto
especialm ente no caso de logomarcas criadas por a r­
tis ta s pintores. Essa tensão está relacionada à se­
guinte problem ática: por um lado, a logomarca deve di­
zer alguma coisa do ou dos produtos que assinala; por
o utro , ela te m uma propensão a erigir-se como obra de
a rte , is to é, como uma mensagem que vale som ente
por si mesma. Assim , a logomarca é com freqüência o
lugar de uma tensão e ntre sua virtude funcional que
busca tra n s m itir informação sobre o produto ou a o r­
ganização e sua virtude emocional que busca s u s c ita r
emoção, prazer, erigindo-se como objeto e sté tico .

A função m etalin g ü ística

A função metalingüística te m a ver com o código


no qual a mensagem é expressa. Uma boa ilu stra ção
de uma tra nsfo rm a çã o m etalingüística é a tra n s fo r­
mação da logomarca IBM (ver p. 71) num rébus, p icto ­
ricam ente co nstitu ído de um olho, de uma abelha e de
um M, que p erm ite re c o n s titu ir ao mesmo tem po de
maneira fonética (eye, Bee, M) e visual a palavra IBM...
62 Coleção A ld u s

P rincipais objetivos atrib u íd o s à logom arca para o


em issor e para o re c e p to r

Funcoes Objetivos para o Objetivos para o re­


emissor ceptor___________
Fática P e rm itir o co n ta to , S u s c ita r a visibili­
a injunção dade, a localização,
o reconhecim ento,
o in te re s s e e a
atra ção

Referencial □escrever, re p re ­ Fazer com preender


s e n ta r o produto de qual produto se
marcado tr a ta
Explicar o c o n te xto
de comunicação
Expressiva A ssinar, a u te n ti­ Fornecer signos de
car, exprim ir os va­ garantia, de id e n ti­
lores da organiza­ ficação e de id e n ti­
ção representada dade da organiza­
ção em issora
Impressiva Exprim ir e p ro je ta r P e rm itir aos con­
o consum idor sum idores / com ­
pradores ide ntifica ­
rem -se, reconhece­
rem -se, valoriza­
rem -se.
M etalingüística Explicar, tra d u z ir Fazer aparecer
um novo código de uma c e rta novida­
comunicação de, in tro d u z ir um
diferencial.

E stética □ ar um suplem ento Fornecer um pra-


de sentido zer, uma emoção.

Fonte: Adaptado de F. Dano, "Packaging: une approche sé m io tiq u e ” , R echer­


che e t applications en marketing, vol. XI, nD 1 /9 6, p. 34.
A L ogomarca 63

Por se r difícil lidar com o conjunto dessas fun ­


ções, é im p o rta n te hierarquizar, no processo de elabo­
ração de urna logomarca, as funções que se quer des­
ta c a r, mesmo sabendo que algumas funções são difi­
cilm ente compatíveis. Verem os a seguir, em p a rtic u ­
lar, que a logomarca é com freqüência o lugar simbólico
de uma tensão e ntre sua função de embaixador da o r­
ganização (ligada à sua função expressiva) e a eficácia,
o im pacto que ela pode t e r ju n to aos alvos da organiza­
ção (relacionado à sua função impressiva).
Por o u tro lado, a logomarca inscreve-se no qua­
dro tradicional que rege todo ato de comunicação, a
saber, a tra nsm issã o por um destinador de uma men­
sagem (a logomarca) a través de um ce rto canal (os su­
p o rte s de comunicação nos quais é aplicada a logom ar­
ca), tendo em vista um d estinatário. Em razão de seu
c a rá te r em inentem ente pragm ático, o processo bus­
ca uma ce rta re sp osta desse d estin a tá rio (a comuni­
cação de empresa jamais é um ato com pletam ente
g ra tu ito ). Além disso, deve-se co n ta r com a presença
de um ruído, ou seja, de c e rta s perturbações que po­
dem ou impedir, ou falsear o processo de recepção da
mensagem.
Depois de t e r m ostrado no esquema precedente
as diversas modalidades ligadas à comunicação a tra ­
vés da logomarca, examinemos alguns pontos-chaves
desse processo.
64 Coleção A ld u s

A logomarca no processo de comunicação

O d e s tin a d o r

Ele e stá relacionado à função a u to r que atua


como c e n tro único de expressão. A logomarca reúne o
conjunto dos discursos da empresa. Isso é ainda mais
im p o rta nte no âm bito de empresas m uito dispersas
geograficam ente ou que estão na origem de m últiplas
produções discursivas. É o caso, na França, da RATP já
mencionada, cujas fon te s de emissão discursivas são
m últiplas: bocas de m etrô, paradas e abrigos de ôni­
bus, painéis sinaléticos, m aterial circulante, ca rtaze s
publicitários, tíq u e te s, etc. Por o u tro lado, uma em­
A Logomarca 65

presa como essa pode difundir vários tip o s de d iscu r­


sos, ta is como:
- discursos in stitucion a is: a RATP afirm a sua au­
toridade como instituição.
- discursos com erciais: a RATP vende seu know­
how e seus produtos;
- discursos sinaléticos: a RATP propõe modos de
usar;
- discursos funcionais in terno s que representam
cerca de 80% dos signos em itidos;
- discursos de interdição: de fum ar, de a tra ve s­
s a r as vias, de viajar sem tíq u e te , etc.
A prim eira função de uma logomarca e de um sis­
tem a de identidade visual é re m e te r o conjunto dessas
produções discursivas a um em issor único, isto é, um
c e n tro único de expressão.

A codificação

Ela e stá relacionada essecialm ente às funções


expressiva e referencial da logomarca. A questão é sa­
ber “ o quê" re p re s e n ta r (da organização ou da marca]
e “ com o” representá-lo. Achamo-nos aqui no nó górdio
da dupla representação presente na logomarca, a sa­
ber, a representação conceituai e a representação
plástica que transpõe idéias e valores em te rm o s plás­
tico s. T ra ta-se de escolher os tra ç o s p e rtin e n te s da
identidade organizacional e de tra n s fe ri-lo s para sig­
nos plásticos. Gra, não é possível ju n ta r to d o s os t r a ­
ços id e n titá rio s de uma organização, pois a identidade
66 Coleção A ld u s

é um processo rico que u ltra pa ssa toda form a de re ­


presentação. A fase de codificação tem a ver, nem
mais nem menos, com a função propriam ente n a rra ti­
va da identidade. □ indivíduo e a comunidade só mani­
festa m uma c e rta identidade quando são capazes de
m anifestá-la no seio de processos narrativos re la tiva ­
m ente estáveis e coerentes no tem po e no espaço.
Assim, a logomarca ca ra cte riza -se por uma c e rta p er­
manência ligada à repetição no tem po, e em diferentes
su portes, de tra ç o s plásticos identificadores. É pre ci­
sam ente essa estabilidade que a to rn a im p o rta nte , na
medida em que “ consegue condensar m etonim icam en-
te alguns elem entos fundam entais da marca (ou da o r­
ganização), reproduzi-los siste m a tica m e n te , com uma
notável economia de meios, e desencadeá-los cogniti-
vamente (e afetivam ente) de form a in sta n tâ n e a ” 8.
Esse fenômeno de condensação é im p o rta n te por real­
çar que a logomarca, embora figura m etafórica de uma
organização ou de uma marca, e stá igualmente funda­
da sobre o re g is tro m etonímico, na medida em que ele­
ge, em meio à profusão de tra ç o s id e ntitá rio s, alguns
que vão c a ra c te riz a r a organização ou a m arca9. Ele
procede, p o rta n to , ao mesmo tem po do deslocamento
de sentido (re g istro de funcionam ento da m etáfora) e
da contigüidade (re g istro de funcionam ento da m etoni­
mia).

8 Andréa Semprini, Analyser la communication. Comment analyser


les images, les médias, la publicité, Paris, L'H arm attan, 1996,
p. 39.
9 Mesmo que, como veremos adiante, a legitimidade da logomar­
ca seja o objeto de uma tensão entre suas virtudes metoními-
cas e metafóricas.
A L ogomarca 67

O ruido

Ele te m a ver com a inexorável profusão de men­


sagens a que são subm etidos os destin a tá rios. De­
pende, em p articu la r, da pressão da concorrência que
busca assegurar uma visibilidade máxima de signos de
identidade visual, para fo rja r e/ou m anter a notorieda­
de da organização ou da marca. Que se pense, por
exemplo, na quantidade de pessoas expostas diaria­
m ente no mundo a logomarcas de empresas ta is como
Coca-Cola, M cDonald’s, Danone, etc. Essa concorrên­
cia desenfrada no mercado das mensagens impõe a
definição de tra ç o s de identificação m arcantes, isto é,
tra ç o s visuais capazes de influenciar de form a signifi­
cativa (com a possibilidade de modificá-los] os códigos
de comunicação de um se to r. Pode se r o caso, por
exemplo, de jogar com códigos de comunicação em vi­
gor para apropriar-se deles; ao lançar uma bebida à
base de Cola, a Virgin utilizou o código co lorístico ve r­
melho/branco, por referência ao líder (ideológico e eco­
nómico] Coca-Cola. Aliás, a operação foi renovada por
ocasião do lançamento, pela mesma empresa, de urna
bebida à base de polpa de laranja, cujos códigos visuais
retom avam de form a ostensiva os códigos da Orangi-
na*. É de uma confusão possível com a marca notória
que pode então valer-se o u tra marca para aum entar
de form a rápida sua notoriedade. Cabe n o ta r que é

Bebida gasosa à base de suco e polpa de laranja, vendida em


garrafas com form ato esférico. Sua logomarca lembra a casca
cortada de uma laranja.
68 Coleção A ld u s

com ta l proximidade de form a e de cor que opera per­


m anentem ente a contrafação. Com efeito, de que ma­
neira funciona a contrafação, ou ao menos a im itação,
senão como mecanismo destinado a u tiliza r códigos
em vigor, deform ando-os suficientem ente para passar
pelas malhas do legislador Cque procede pela contagem
das diferenças e n tre o modelo original e o modelo que
im ita), porém insuficientem ente para asseg u ra r uma
proximidade plástica como o modelo original im itado?
Assim , a contrafação funciona segundo o mesmo mo­
delo da c a ric a tu ra : tra ta -s e de deform ar ou de exage­
ra r os tra ç o s de um se r Cseja um ro s to ou uma logo­
marca) sem que o conjunto seja afetado, o princípio de
reconhecim ento podendo então funcionar plenamen­
t e 10.
Por o u tro lado, há com freqüência uma tensão
e n tre a vontade de ce rta s organizações de se re p re ­
sentarem sob a form a de signos complexos e sem ioti-
cam ente ricos [para to rn a r mais denso o imaginário li­
gado ao signo), e a vontade de sim plificar o signo a
todo c u sto , para fa c ilita r o processo de le itu ra e deco-
dificação da logomarca. Essa tensão requer uma a rb i­
tra ge m e n tre , de um lado, a riqueza de um signo polis-
sêmico, is to é, potencialm ente ligado a m últiplas e r i­
cas associações cognitivas e emocionais, e um signo
monossêmico que busque o im pacto por uma sim plici-

10 Sobre esse interessante problema da caricatura, só podemos


rem eter o leito r ao excelente estudo feito por Ernst Gombrich
em The Mask and the Face. The Perception of Physiognomic Li­
keness in Life and in A rt, in The Image and the Eye. Further Studi­
es in the Psychology of Pictorial Representation, Londres, Pha'i-
don, 1982, p. 105-136.
A L ogomarca 69

dade de form a e de conteúdo sem ântico. Assim , a ssis­


tim o s no plano figurativo a uma tendência à sim plifica­
ção cre sce nte das figuras em blem áticas de ce rta s
m arcas, como o ilu stra a evolução, na França, de logo-
m arcas como a da Caisse d’ Epargne* ou da Larousse.
As figuras o u tro ra re p resentadas de uma form a bas­
ta n te precisa e complexa são doravante estilizadas,
sobretudo para fa c ilita r o reconhecim ento, mas ta m ­
bém para m o s tra r a participação ativa dessas em pre­
sas na contemporaneidade, elas desejando m o s tra r
claram ente a seus públicos que estão em fase com a
época.

Os d e s tin a tá rio s

Esse aspecto é essencial, embora m uito comple­


xo. Com efeito, o bom funcionam ento do processo de
comunicação que ocorre na circulação social da logo­
m arca requer um c e rto grau de adequação e ntre , de
um lado, a codificação dos signos pelo destinador e, de
o u tro lado, sua decodificação pelos d estin a tá rios. Cer­
ta m e n te pode não haver uma e s trita adequação e ntre
os dois; contudo, deve-se e vita r a todo cu sto um des­
vio demasiado grande e n tre a vontade presente no
g esto de emissão do signo e a capacidade que opera o
processo de decodificação ou, mais exatam ente, de in-

Instituição financeira. Caixa de poupança.


70 Coleção A l d u s

Votre famille mérite bien


un blason, elle aussi.

Nouvelle Rover Série 400

o
A Logomarca

T O ™
MWM eiF
72 Coleção A ld u s

te rp re ta ç ã o . O ponto crucial é e v ita r o que poderíamos


cham ar as decodificações a b e rra n te s da logomarca,
is to é, as que m ostram um desvio m uito significativo Ce
p o rta n to inadmissível] e ntre a vontade de emissão do
d estinador e a in te rp re ta çã o que o d e stin a tá rio elabo­
ra. A empresa norte-am ericana P ro c te r & Gamble, por
exemplo, pagou caro por ta l desvio, pois foi acusada,
nos anos 1 9 8 0 , de se r uma firm a satânica por causa
de sua logomarca. De fato , e sp írito s m al-intenciona-
dos observaram que a logomarca continha 1 3 e stre la s
(número banido da sociedade norte-am ericana por ra ­
zões de superstição) que estavam d ispostas de ta l
maneira que se podia ler os núm eros 6 -6 -6 , que fo r­
mam o número satânico. Essa in te rp re ta çã o deu en­
sejo a um processo perdido pela empresa e que a obri­
gou a r e tira r a logomarca da m aior p a rte de seus pro­
dutos.
De maneira mais geral, o problema principal é que
o desenhista dirige-se de saída a várias categorias de
d estin a tá rios. A m ultiplicação dos d e stin a tá rio s que
vão aplicar à logomarca grades de in te rp re ta çã o dife­
re n te s coloca um problema quanto à coerência e à uni­
versalização das mensagens expressas no signo. Um
funcionário da empresa, por exemplo, pode esperar
que a logomarca exprima ou re force um conjunto de
convicções que ele pode t e r em relação à organização
da qual participa (contemporaneidade, clareza do pro­
grama, engajamento nos debates da sociedade, etc.);
sua maneira de decodificar a logomarca e sta rá então
irrem ediavelm ente ligada a esse tip o de expectativas.
Já um cliente da empresa poderá p ro je ta r na logom ar­
ca o u tro s tip os de valores, ta is como a adaptabilidade,
a honestidade, a propensão à inovação, a responsabili-
A Logomarca 73

dade, etc. Pon fim, um acionista poderá t e r e x p e c ta ti­


vas ainda diferentes, ta is como a clareza da missão da
empresa, a serenidade, ou ainda a prosperidade. Des­
se modo, a dificuldade da logomarca é te r que se dirig ir
sim ultaneam ente a várias categorias de d e s tin a tá ­
rios, cada uma tendo um tip o p a rticu la r de e x p e c ta ti­
vas.
Assim é im p o rta n te (1) hierarquizar os d estin a ­
tá rio s e (2) examinar a maneira pela qual um d e stin a ­
tá rio dado irá in ve stir de sentido uma logomarca. Com
efeito, um dos tra ç o s c a ra c te rís tic o s do e spírito hu­
mano é p ro je ta r sentido num objeto, seja qual for.
Essa recusa do não-sentido, da opacidade do sentido,
leva em qualquer circu n stân cia o indivíduo a in te rp re ­
t a r todos os siste m a s de signos que se oferecem a
ele. E o caso, por exemplo, da criança que in te rp re ta a
form a das nuvens reduzindo-as a form as conhecidas
(reduzir o desconhecido ao conhecido é, aliás, uma das
modalidades fundam entais da organização do saber no
Ocidente). Ora, a logomarca é por excelência um signo
de natureza polissêmica, is to é, subm etido a vários t i ­
pos de in te rp re ta çõ e s possíveis. Inclusive, é um fa to
estabelecido que o sentido de uma imagem e de um
te x to (a logomarca re su lta com freqüência da associa­
ção desses dois modos de acesso ao sentido) jamais
e stá depositado no recôndito mesmo desse objeto de
sentido. Um objeto de sentido possui sem pre várias
significações possíveis, m uito embora, como m ostrou
U m berto Eco em Os lim ites da interpretação, e sta s não
sejam infinitas. Assim , nunca se pode dizer de um obje­
to de sentido o que ele significa absolutam ente, m es­
mo se é possível (pela negativa) dizer o que ele c e rta ­
mente não significa. Com ce rteza pode-se dizer que a
74 Coleção A l d u s

logomarca da Apple, por exemplo, nào re p re sen ta uma


pêra, um dinossauro ou um cão. As significações a t r i­
buídas a um objeto de sentido são p o rta n to m últiplas,
mas não a leatórias ou infinitas. Essas significações
são elaboradas de form a claram ente ativa pela pessoa
que empreende a in terpreta ção . Tal processo te m a
ver com a noção de “ cooperação a tiva ” proposta por
Eco11. É no curso de um processo tem poral de coope­
ração com o objeto de sentido que o d e s tin a tá rio irá
elaborar uma significação que faça sentido para ele, no
que se refere ao objeto de sentido e ao co n te xto de re ­
cepção. Fazer sentido, para o d e stin a tá rio , significa
que a in te rp re ta çã o re su lta n te do processo coopera­
tivo desemboque num conjunto de significações, ao
mesmo tem po relativam ente coerente e em adequa­
ção com as expectativas do re c e p to r em relação ao
d estin a do r12. Como dissemos a nte rio rm e n te , os indiví­
duos esperam da logomarca que ela exprima alguma
coisa da organização que re p re s e n ta 13. A logomarca
não é p o rta n to um signo aleatório, nunca sendo, aliás,
in te rp re ta d o desse modo. Ela depende sobretudo de
um horizonte de expectativas que funda as condições de
pertinência e de seleção, as quais farão uma in te rp re ­
tação mais p e rtin e n te que o u tra para o re ce pto r.

11 Ver, a esse respeito, Umberto Eco, Lector in fabula. Le rôle du


lecteur ou la coopération interprétative dans les textes narratifs,
Paris, Grasset, 1985.
12 Ver, particularm ente, a esse respeito, André Semprini, Analy­
ser la communication. Comment analyser les images, les médias,
la publicité, Paris, L'Harm attan, 1996.
1 3 Ver □. Green e V. Loveluck, Understanding a Corporate Symbol,
op. cit.. p. 37-44.
A L ogomarca 75

Esse elem ento é e s tra té g ic o no que concerne às mu­


danças de logomarca e de identidade visual, pois uma
organização pode então elaborar uma logomarca que
corresponda ao horizonte de expectativas de ce rto s
d e s tin a tá rio s escolhidos ou, ao co n trá rio , te n ta r mo­
dificar pela logomarca o horizonte de expectativas de­
les. Esse é o caso de e s tra té g ia s de identidade visual
fundadas sobre o re g is tro da modernização: tra ta -s e
de m o s tra r aos clientes e aos funcionários que a em­
presa é mais moderna do que parece, ou ao menos que
se preocupa em e s ta r sintonizada com os valores da
contemporaneidade. Encontram os esse tip o de e s tra ­
tég ia s no universo das seguradoras e dos bancos, a
concepção de uma nova logomarca servindo com fre ­
qüência para m odificar o c o n tra to que liga de maneira
im plícita uma in stitu içã o financeira a seus clientes.
Jean-M arie Floch deu um belo exemplo-disso, com a
mudança de logomarca do Banco C rédit du Nord, em
1 984. A adoção de uma e strela na logomarca, em par­
tic u la r, havia perm itido a esse banco re c o n s titu ir uma
relação com sua clientela em to rn o de um valor essen­
cial: a clareza. A clareza significava então que o banco
afirmava a vontade de estabelecer uma relação com
seus clientes fundada sobre com petências, valores e
com prom issos recíprocos. Em uma palavra, o banco
buscava c ria r uma relação do cliente com seu banco
através de um verdadeiro discurso plástico e re tó rico ,
fundado numa e s té tic a da clareza14. Essa mudança,

14 Ver, a esse respeito, Jean-Marie Floch, Une étoile est née: la


définition de l'identité visuelle du Crédit du Nord, in Sémiotique,
marketing et stratégie, Paris, PUF, 1990, p. 49-81.
7G Coleção A l d u s

destinada a d o ta r a insígnia bancária de um verdadeiro


discurso de marca, no sentido em que a marca é um
modo de to m a r a palavra e de tra d u z ir um com prom is­
so da in s titu iç ã o que a endossa, tin ha por conseqüên­
cia explícita m odificar as expectativas dos clientes em
relação à insígnia, mas tam bém , de form a mais implíci­
ta , seu horizonte de expectativas em relação ao uni­
verso bancário em geral.

A logomarca como n a rra tiv a

Considerando que a logomarca se inscreve num


processo de comunicação e n tre uma organização e os
o u tro s a to re s do mercado (público, concorrentes,
etc.), pode-se então considerar que ela m anifesta al­
guma coisa da organização ou da marca que represen­
ta. Pode-se mesmo considerar que ela conta uma his­
tó ria a propósito dessa organização. Em que difere en­
tã o essa h istória de o u tra s h istó ria s que a organiza­
ção conta a seu respeito? Coloca-se assim a questão
de saber o que c o n s titu i o s u b s tra to necessário de
toda h istória ou, mais precisam ente, de todo proces­
so narrativo. Para isso, a disciplina chamada n a rra to -
logia é um precioso auxiliar, pois ela m o stra ju stam en ­
te os princípios re co rre n te s de todo processo n a rra ti­
vo.
Com efeito, o que é uma h istó ria senão o confron­
to de diferentes personagens a travé s de um c e rto nú­
mero de etapas? Vladim ir Propp foi o prim eiro a m os­
tr a r , em 1 92 8 , a p a rtir de um conjunto considerável
A Logomarca 77

de contos populares russo s, que essas histórias reve­


lavam claram ente a presença de um c e rto número de
etapas re c o rre n te s, das quais estabeleceu uma lista
exaustiva. M o stro u tam bém que o conjunto dos perso­
nagens tinha a ver, em realidade, com uma categoriza-
ção em vários papéis Co herói, o anti-herói, o doador, o
vilão, etc.).
Ora, uma organização tam bém rem ete a vários
tip os de papéis, segundo a percepção que a organiza­
ção possui ou quer oferecer dela mesma. Enquanto
marcas como IBM ou M ic ro s o ft posicionam-se cla ra ­
m ente como heróis que dominam seu mercado, uma
marca como a Apple posiciona-se como o salvador que
oferece ao usuário um m aterial de fácil utilização; no
mercado de re frig e ra n te s à base de Cola, uma marca
como Virgin-Cola posiciona-se como anti-herói que
busca ju stam en te desestabilizar o herói da h istória,
is to é, a líder do mercado Coca-Cola, propondo um pro­
duto similar, embora de m elhor relação qualidade/pre­
ço.
Assim, a organização põe em discurso sua ma­
neira de ver o mundo (sua missão, suas com petências,
etc.) através de seus d iferentes ato s de comunicação
e p articularm ente através de sua logomarca. Pode-se
então legitim am ente pensar que um ato de discurso
conta sempre alguma coisa da organização que o
subscreve e o cauciona. Isso se aplica ainda mais à lo­
gomarca que, como vimos, engloba o conjunto dos dis­
cursos da empresa.
Consideremos então que uma logomarca conta
uma história, ou pelo menos c e rta s etapas de uma his­
tória . Uma h istória sem pre se apóia num problema a
resolver que colocará em ação o processo narrativo.
78 Coleção A l d u s

Esse problema re s u lta rá na in stitu içã o de uma missão


a cu m p rir por um dos protagonistas. Assim , um dos
personagens se vê investido de uma missão, de um
c o n tra to a realizar. Para cu m p rir essa missão, ele de­
verá c o n ta r com ou adquirir um conjunto de com petên­
cias. Som ente depois de armado dessas com petên­
cias é que ele poderá fazer sua “ perform ance” 15, isto
é, levar a cabo a missão que lhe era destinada. Sucede
então natu ra lm e n te a etapa decisiva, o reconhecim en­
to do que foi realizado (ou não) pelo personagem, que
assim se tra n s fo rm a em herói (se a missão é cu m p ri­
da) ou cai em desgraça (se não pôde levar a cabo a m is­
são). Pensemos, para ilu s tra r esse modelo, na organi­
zação narrativa de qualquer episódio das h istó ria s de
James Bond. Cada um dos filmes começa invariavel­
mente por um problema a resolver pelo agente se cre ­
to , problema sem pre grave, com freqüência ligado a
armas atôm icas que ameaçam uma nação ou um con­
junto de nações; esse problema irá acionar o processo
narrativo e a trib u ir ao agente uma missão clara; antes
de p a rtir em missão, James Bond é convidado a do­
ta r-s e das últim as descobertas do inventor que lhe
fornece objetos capazes de fazê-lo safar-se em qual­
quer circu n stân cia (etapa da aquisição de com petên­
cias). Pensando bem, esses objetos desempenham a
mesma função que os objetos mágicos (botas de se te

15 A língua inglesa m ostra claramente essa promiscuidade entre a


noção de performance no sentido de cumprimento de uma mis­
são e a noção de performance ligada ao mundo do espetáculo
(os ingleses chamam performing arts as artes do palco), como
se toda performance fosse necessariamente do domínio do es­
petáculo e, portanto, da narração.
A L ogomarca 79

léguas, ta p e te voador, e tc.) nos contos populares. Por


fim, uma vez provido desses objetos que lhe fornecem
suas com petências, o agente 0 0 7 irá e n fre n ta r o per­
sonagem que encarna as forças do mal [etapa da per­
form ance) e vencer e ste últim o para se r reconhecido
como um herói (etapa da sanção). Esse pequeno exem­
plo não sugere que toda organização se com porta no
mercado à maneira de James Bond (!), mas que o pro­
cesso narrativo de um filme de aventura não difere fun­
dam entalm ente daquele presente num discurso de
empresa e particula rm en te em sua logomarca. Essas
qua tro etapas co nstitu em um dos modelos mais in te ­
re ssa n te s imaginados pela sem iótica e s tru tu ra l, o es­
quema narrativo. 0 esquema abaixo põe em evidência
as q uatro principais etapas de todo processo n a rra ti­
vo.

O quadro geral do esquema n a rra tiv o

Missão Ação Ação Sanção

Contrato Prova de qua­ Prova decisiva Prova glorifi­


lificação [com­ (performance] cadora (reco­
petência] nhecimento]

0 herói acei­ Para e fe tu a r Adquiridas Uma vez


ta e fe tu a r um esse progra­ essas compe­ cum prida a
program a ma, ele deve tê ncia s, elas m issão, i.é,
[missão) no possuir as lhe perm item honrado seu
in te rio r de com petências cu m p rir a c o n tra to , ele
um sistem a necessárias missão que é reconhecido
de valores ou adquiri-las lhe cabe. como herói e
dados. superando as sancionado
provas. positivam en­
te.
80 C o le ç ã o A ld u s

Podemos então considerar, esboçando q uatro


regimes de valores, que cada uma das etapas e stá li­
gada a um conjunto de valores. Sendo difícil incluir as
qua tro fases do esquema n arra tivo num signo tã o re ­
duzido e condensado como é a logomarca, esta busca­
rá assum ir uma ou a té duas fases do esquema n a rra ti­
vo. Cada logomarca, segundo os tip o s de valores aos
quais se associa, irá então a ce n tu a r [explicitam ente
ou não) e sta ou aquela fase do processo narrativo.
Assim , a antiga logomarca azul da RATP punha o acen­
to sobre os regim es da com petência (técnica, no
caso), enquanto a nova sublinha mais o regime da m is­
são e eventualm ente da sanção, indicando claram ente
a passagem de uma abordagem técn ica e uma aborda­
gem de serviço.

A n a rra tiv a da organização a tra v é s de


sua logomarca

Etapa M issao Compe­ Perfor­ Sanção


tência mance

R egistro □ever/ Poder- Fazer-ser Ser


querer, fa- fazer
ze r-s e r

Tipos de Solidarie­ Potência, In te ra tiv i­ M odéstia,


valores su­ dade, hu­ Dinamis­ dade, P re te n ­
geridos manismo mo, Habili­ A daptabili­ são, D is­
dade, dade, Ino­ crição,
A stúcia vação, Orgulho
A n te cip a ­
ção

Fonte: A daptado de J .-M . Floch, Sémiotique, m arketing e t com m unication.


Sous les signes, les stratégies, P aris, PUF, 1 9 9 0 , p. 64.
A L ogomarca 81

É possível a trib u ir a cada uma das etapas do es­


quema narrativo um conjunto de valores que a organi­
zação pode querer p ro je ta r em sua logomarca. Essa
distribuição perm ite à organização vincular à sua logo-
marca uma ou várias fases do esquema narrativo.
A análise da logomarca através dessa d is trib u i­
ção pode então p e rm itir16:
1] id e ntifica r as qualidades form ais e cro m á tica s
da logomarca para ver em que medida elas
produzem efeitos de sentido desejáveis ou
não, com plem entares ou c o n tra d itó rio s;
2) medir a adequação e n tre os efeitos de sentido
desejados pela empresa e os percebidos pela
clientela. Pode se r o caso, em p a rticu la r, de
dete rm ina r em que medida os re g is tro s de va­
lores evocados correspondem às etapas do
esquema n arrativo que a empresa deseja
acentuar;
33 dispor sobre as seqüências do esquema n ar­
rativo o conjunto dos discursos m antidos pela
mesma organização, para avaliar assim o pa­
pel desempenhado pela logomarca na econo­
mia geral de sua comunicação.

16 Como lembra Jean-Marie Floch em Sémiotique, marketing et


communication, op. tit., p. 64.
Capítulo IV

A CRIAÇÃO DE U M A LG G O M A R C A E A GESTÃO
□ E U M S IS T E M A DE IDENTIDADE V IS U A L

Uma vez m o stra do o papel determ inante adquiri­


do pela logomarca nas e s tra té g ia s de comunicação
das organizações, abordemos agora as d iferentes e ta ­
pas e as questões ligadas à criação e à gestão de uma
logomarca e, de maneira mais geral, de um sistem a de
identidade visual. Para ta n to , convém t e r em m ente o
fa to de que a logomarca só surge no seio de um pro­
cesso de comunicação que põe em jogo, como vimos,
um destinador (uma organização, uma marca], d e s ti­
natários Cos públicos da empresa, os clientes da m ar­
ca], e tam bém logomarcas de organizações ou m arcas
concorrentes. A elaboração de uma logomarca tem a
ver essencialm ente com a instalação de um sistem a
de identidade visual, isto é, com a escolha, a hierarqui­
zação e o uso de signos que vão re p re s e n ta r visual­
mente a empresa ju n to a seus diferentes públicos. A
escolha dos signos, para uma empresa como os Cor­
reios, pode ir da escolha de uma logomarca a té sua de­
clinação nas agências e caminhões, incluindo a escolha
do uniforme do c a rte iro , o qual pode se r considerado,
com razão, como um dos principais vetores de difusão
da imagem da empresa. A elaboração de uma e s tra té -
84 Coleção A l d u s

gia de identidade visual deve p o rta n to levar em conta


esses diferen tes elem entos para p e rm itir uma com ­
preensão, uma aceitação e uma memorização ótim as
do signo.

A elaboração da ¡ogomarca como processo de eo-pro-


dução

A elaboração de uma logomarca é um processo


de co-produção que envolve vários tip o s de a to re s e
que pode p re cisa r responder a vários tip os de o b je ti­
vos.
Consideremos em prim eiro lugar os a tores. A
elaboração ou a modificação de uma logomarca envolve
com freqüência várias categorias de a to re s, e n tre as
quais:
- os d irig e nte s da organização e os membros da
direção de comunicação. O objetivo é geralm en­
te tra d u z ir um projeto e s tra té g ic o de form a vi­
sual, e fazer que esse projeto e sua tradução
gráfica sejam aceitos por funcionários e acio­
nistas. Por esse motivo, a logomarca deve se r
o objeto de um processo de entendim ento com
re p re s e n ta n te s desses diferentes tip o s de
a to re s para o b te r sua adesão, ou mesmo seu
entusiasm o;
- uma agência de design que elabore um p rojeto
de identidade visual a p a rtir de especificações
que a organização lhe te rá previam ente fo rn e ci­
do;
A L ogomarca 85

- os públicos da organização que devem se r se­


duzidos pela logomarca ou ao menos convenci­
dos de que e sta é verdadeiram ente um signo de
representação fiel da organização. A concor­
dancia do público deve poder se r avaliada ta n to
antes (p ré -te ste ) quanto depois (p ó s-te ste ) do
lançamento da nova logomarca, por meio de um
sistem a de re tro açã o cujas principáis modali­
dades mencionaremos a seguir. Esse principio
de retroação busca a sseg u ra r a aceitação da
logomarca ta n to externa quanto internam en­
te ; aliás, tra ta -s e de um dos princípios funda­
m entais do procedim ento de marketing, basea­
do na instalação de um siste m a de ida e volta
permanente e n tre a organização e seus públi-

Agéncia Identidade visual


de design dos concorrentes

Dirigentes Públicos da
organização

Funcionários

A logomarca como processo de co-produção que associa di­


ferentes atores
86 Coleção A ld u s

cos, de modo a fazer a d e rir o mais e s trita m e n ­


te possível a o fe rta da empresa às e x p e c ta ti­
vas de seus clientes potenciais e reais. Assim ,
a organização irá te s ta r sua logomarca ju n to a
seu público da mesma form a que te s ta um novo
produto antes de lançá-lo no mercado. Esse
ponto é im p o rta n te , pois m o stra que a logo­
marca é sem pre o objeto de uma tensão e ntre
sua função expressiva e sua função impressiva,
is to é, e n tre sua função de representação e
sua função pragm ática.
A co-produção da logomarca por diferentes a to ­
res costum a originar o u tro s tip o s de tensões. Pode­
mos imaginar, por exemplo, a negociação de in te re s ­
ses, às vezes c o n tra d itó rio s , e n tre um designer que
quer im prim ir seu e stilo (tensão e n tre a função p oé ti­
ca e a função expressiva), um dirigente de empresa
que quer m a rca r sua gestão (tensão e ntre as fun­
ções expressiva, referencial e im pressiva], acionistas
e clientes que não têm necessariam ente as mesmas
expectativas nem a mesma percepção da empresa. É
evidente que essas diferenças de percepções influem
significativam ente sobre a maneira pela qual ta is a to ­
res se apropriam da e avaliam a logomarca - o que é
ainda mais verdadeiro no caso de uma mudança b rutal
de logomarca.
A mudança de logomarca é p o rta n to sempre um
acontecim ento de fo rte dimensão simbólica, pelo sim ­
ples fa to de e s ta r com freqüência ligada a uma mudan­
ça de program a, de orientação, ou a uma vontade es­
tra té g ic a de m odificar a imagem da organização.
A Logomarca 87

A logomarca como in te rs eç ão dos possíveis

Consideremos agora os elementos que d e te rm i­


nam de form a essencial a elaboração da logomarca.
Podemos considerar que urna logomarca se inscreve
na interseção de q ua tro tip o s de determ inantes:
- referentes identitários da organização ligados à
sua h istoria, a seus ofícios, à sua cu ltu ra , à
m etáfora organizacional em vigor, etc.
- uma vontade estratégica: a elaboração de uma
logomarca, quando não se tr a ta de um simples
detalhe superficial, re m e te sempre, em maior
ou menor grau, à elaboração de um p rojeto es­
tra té g ic o para a organização. Assim , os d iri­
gentes esperam que a logomarca forneça uma
representação confiável, clara e a tra e n te des­
se projeto:
- Um horizonte de expectativas1 ligado às expec­
ta tiv a s dos d iferentes d e stin a tá rio s da logo­
marca. Esse horizonte depende evidentem ente
do tip o de d e stin a tá rio s: assim, os funcionários
da empresa esperam que a logomarca seja coe­
re n te com a imagem que eles fazem da em pre­
sa, ou ainda que veicule os valores que a tr i­
buem ou querem reconhecer em sua empresa;
quanto aos clientes, eles podem esperar que a

1 A noção de horizonte de expectativas é tomada do universo da


crítica literária e, em particular, de Hans Robert Jauss; ver, a
esse respeito, Pour une esthétique de la réception, Paris, Galli­
mard, 1978.
88 Coleção A ld u s

logomarca lhes proponha uma nova maneira de


ver o s e to r, seja inovando, seja surpreendendo,
divertindo, e tc .;
- as convenções de representação em vigor no
s e to r: cada s e to r desenvolve convenções de
representação mais ou menos coercitivas. A
organização pode então decidir in te g ra r suas
coerções por um efeito de m im etism o ou, ao
co n trá rio , te n ta r rom per suas convenções de
representação por uma a titu d e de inovação; a
questão essencial é saber se convém perm ane­
ce r d e n tro das normas de representação em
vigor ou, ao co n trá rio , im por uma norma a lte r­
nativa que modifique o horizonte de e x p e c ta ti­
vas dos a to re s e, em particula r, dos clientes do

Referentes identitários
[história, know-how,
domínios de intervenção...)

Vontade estratégica / \ Horizonte de


do destinador i— N f LOGOMARCA j / j — i expectativas
(projetos, missão...) y e identidade dos destinatários
visual

Convenções em vigor no se to r
(programas de identidade visual,
códigos de reconhecimento,
pressão da mídia, etc.)

Os fatores que determ inam a elaboraçao de uma logom arca


A Logomarca 89

se to r. Foi o que te n ta ra m , por exemplo, em pre­


sas tão diferentes como a Pepsi-Cola [propon­
do o azul como cor a lterna tiva ao vermelho da lí­
der Coca-Cola] ou a S ociété Générale, na Fran­
ça, com a adoção de um código vermelho e pre­
to que rompia de maneira nítida com as cores
então em vigor no s e to r bancário.
A logomarca tem a ver, por fim, com um c e rto nu­
mero de coerções que são às vezes co ntra d itó ria s.
Assim , pode-se esperar de uma logomarca cue ela seja
legível, declinável, divertida, inform ativa, ou ainda evo­
lutiva, facilm ente adaptável... O essencial, em todo
caso, é hierarquizar os objetivos p rio ritá rio s que lhe
são atribuídos. No e ntanto, é possível definir breve­
m ente as propriedades de uma boa logomarca:
- sua coerência: é im p o rta n te que a logomarca
dê a im pressão de uma figura unitária na qual
todos os elementos icônicos e lingüísticos re ­
m etem a uma imagem coerente da organização
ou da marca representada:
- sua riqueza sem ântica e emocional, relacionada
com o número e a riqueza das associações vei­
culadas; mas esta pode e s ta r em contradição
com uma virtude de legibilidade, do signo, com
sua capacidade de se r reconhecido de form a ní­
tida e instantânea pelos d e stin a tá rio s;
- sua durabilidade: a duração da vida média de
uma logomarca de empresa varia e n tre dez e
quinze anos; ela é geralm ente mais c u rta para
as logomarcas de produtos tda ordem de cinco
anos]. E necessário mudar ou fazer evoluir a lo­
gomarca quando sua significação to rn o ü -se ba­
nal, ou sua representação demasiado obsoleta,
90 Coleção A l d u s

ou quando conota associações inoportunas


(por exemplo: o raio da Empresa de Eletricidade
da França, EDF, foi abandonado em razão de
uma assimilação m uito fo rte ao perigo], ou en­
fim quando não re fle te mais de maneira fiel a
empresa e seus projetos.
- sua adaptabilidade: a logomarca deve poder fi­
gurar em d iferentes su p o rte s Cpapéis tim b ra ­
dos, embalagens, locais, veículos, sede social),
permanecendo ao mesmo tem po legível em pre­
to e branco, com uma modificação de tam anho
(redução, em p articula r);
- sua declinabilidade·. no caso de uma organização
que dispõe de filiais ou presente em vários paí­
ses, é im p o rta n te c o n ta r com a declinação
possível da logomarca para designar as diferen­
te s su bp a rtes da organização;

Legibilidade

Reprodutibilidade
Evolutividade , em diferentes
suportes

Adesão dos f CONCEPÇÃO


CONI OA Clareza
funcionários V LOI
LOGOMARCA

Riqueza de

Declinabilidade \ Diferenciação
evocação

Apropriação
pelo público

A s tensões presentes na logom arca


A L ogomarca 91

- sua reprodutibilidade: a logomarca deve com


freqüência se r reproduzida em monocromia
num espaço de pequena dimensão, p a rtic u la r­
m ente em docum entos internos; assim ela
deve s e r capaz de re s is tir a operações de redu­
ção e de reprodução maciça [fotocópia) sem
perder sua riqueza semântica.

Âs principais eta p as de elaboração de um sistem a de


identidade visu a l 2

G estabelecim ento de um sistem a de identidade


visual a rticu la geralm ente o conjunto das seguintes
etapas:
1) A uditoria do sistem a de identidade visual exis­
te n te ; pode se r o caso de colocarem -se ques­
tõ e s do tip o : “ Desde quando existe essa logo-
m arca?” , "Como ela é percebida interna e ex­
te rn a m e n te ? ", “ De que maneira é declinada
em d iferentes suportes?"
23 A uditoria da logomarca e do sistem a visual do
s e to r de atividades ou dos conco rren tes;
essa fase envolve perguntas sobre as conven­
ções cro m á tica s em vigor e ntre os conco rren ­
te s , sobre a predominância de logom arcas fi­
gurativas ou simbólicas, ou ainda sobre a har­

2 Inspiramo-nos especialmente no último capítulo de M'. Brun e


Ph. Rasquinet, L'identité visuele au-delà du logo, Paris, Les Éditi­
ons d'Organisation, 1996.
92 Coleção A l d u s

monização ou a heterogeneidade das logomar-


cas no s e to r de atividades da organização.
3) Definição de uma vontade e s tra té g ic a e reda­
ção de um briefing para a agência de criação;
tra ta -s e aqui de definir o que a organização
quer com unicar através da sua logomarca,
que tip o de representação é desejado, etc.
4) Fase de proposta da agência de design, que
subm ete vários tip o s de propostas em re s ­
posta ao que foi solicitado.
5) Escolha de uma das propostas em função de
sua adequação ao projeto, e de um p ré -te s te
eventual, interno e externo.
6) Definição da uma c a rta gráfica e das re g ra s de
utilização e de contextualização da logomarca.
7) Comunicação da logomarca no âm bito in terno
da organização, para p e rm itir aos funcionários
a adesão ao novo signo de re p re sen taçã o 3.

3 A mudança de nome (para Orkem) e de logomarca da CDF Chi-


mie, em 1988, ilustra de maneira notável a participação dos
funcionários da empresa no processo de mudança. Primeiro, a
empresa realizou uma auditoria interna para determ inar a por­
centagem de funcionários favoráveis à mudança (75%, no caso);
a seguir, durante a fase de concepção do projeto, boletins fo­
ram emitidos regularmente para evitar boatos e obter um re ­
torno de idéias; enfim, o nome e a logomarca foram revelados
aos chefes de departamento e diretores trê s dias antes do
anúncio oficial; estes receberam uma série de instrum entos ex­
plicativos (vídeo, apostilas, prospectos...) a fim de poderem de­
sempenhar, no dia do anúncio oficial, um papel de transm issão e
difusão da informação para o conjunto dos funcionários. Esse
exemplo é tirado de Marie-Hélène Westphalen, Communicator.
Le guide de la communication d'entreprise, Paris, Dunod, 1998,
p. 272.
A L ogomarca 93

8] Lançamento externo da nova identidade visual


e aplicação progressiva da c a rta gráfica.
9) P ó s-te ste eventual da logomarca para ver a
evolução da percepção dos clientes.

Uma o u tra maneira, mais sem iótica, de conside­


ra r a elaboração da logomarca é relacionar essas dife­
re n te s fases com os trê s planos do percurso gerativo
da significação4, a saber:
1) Uma colocação em intriga para tra z e r à luz os
program as de ações e de valores da organização ou da
marca. T rata-se de definir que tip os de projetos e de
valores a organização deseja a rtic u la r, mas tam bém o
tipo de c o n tra to que quer e stabelecer com seus d e s ti­
natários, pois, como diz Jean-M arie Floch, “ não há
marca sem c o n tra to explícita ou im plicitam ente a ssi­
nado"5; a colocação em in trig a estabelece os te rm o s
do c o n tra to e o tipo de valores que a organização ou a
marca quer o rq u e s tra r em seu program a de ações e
de valores.

4 O percurso gerativo da significação é uma noção central da se­


miótica e stru tu ra l que busca estabelecer a ligação entre as es­
tru tu ra s narrativas de superfície e as e stru tu ra s narrativas
mais profundas; a semiótica propõe então um percurso gerativo
em que a significação tem por ponto de partida uma forma se­
mântica elementar, para depois chegar, por um jogo de comple-
xificação e de enriquecimento variados, ao nível superior das es­
tru tu ra s de superfície e, particularm ente, ao plano da manifes­
tação. Ver, a esse respeito, Joseph Courtès, Analyse sémioti-
que du discours. De 1'énoncé à 1'énonciation, Paris, Hachette,
1991.
5 Jean-Marie Floch, Sémlotique, marketing et communication, Pa­
ris, PUF, 1990, p. 75.
94 Coleção A l d u s

COLOCAÇÃO EM SIGNOS
Escolha do código de cor,
de uma tipografia,
de um slogan...

COLOCAÇÃO EM CENA
Escolha de uma m etáfora
organizacional, de uma
estética,de um modo
de representação

COLOCAÇÃO EM INTRIGA
Programa narrativo da
organização ou da marca:
tipo de reg istro de valores
invocado Ccompetência,
performance, missão)

Os trê s níveis de elaboraçao de uma logom arca

2) Uma colocação em cena desses valores a tr a ­


vés da escolha de uma ce rta e sté tic a , de um c e rto có­
digo de comunicação, de um c e rto tip o de articulação
entre os elem entos lingüísticos e icônicos da logom ar­
ca, etc.
A L ogomarca 95

3) Uma colocação em signos que corresponde à


escolha dos elem entos plásticos da logomarca: cores,
form as, símbolos, etc.

A aplicação das re g ras de u tilização da logomarca:


a c a rta g ráfica

A logomarca só existe, enfim, integrada numa es­


tra té g ia global de identidade visual. Em razão da ne­
cessidade de poder adaptar a logomarca a diferentes
co nte xtos de utilização, é necessário associar-lhe
uma c a rta gráfica que tenha por principal função edi­
ta r as regras de utilização e de deformação possível da
logomarca e do sistem a de identidade visual a ela ne­
cessariam ente ligado. Essa c a rta a rticu la as regras
cu ltu ra is de utilização possíveis da logomarca. Ora, o
que é uma c u ltu ra senão um conjunto de trê s tip o s de
regras: 1) regras de interdição; 2) regras de p re s c ri­
ção; 3) regras de obrigação?
A função propriam ente cu ltural da c a rta gráfica,
que se deve ao simples fa to de a logomarca se r aquilo
que to rn a possível e visível uma cu ltu ra organizacional,
corresponde à essência irrem ediavelm ente antro p oló ­
gica da logomarca.
A co nstitu içã o gráfica te m por objeto, em últim a
instância, definir as regras de utilização e de contex-
tualização da logomarca, especificando:
- o que é obrigatório fazer: utilização de cores
determ inadas, re sp eito da tipografia e da dis­
96 Coleção A ld u s

posição das le tra s, re sp eito do arranjo e n tre o


icotipo e o logotipo, e tc.;
- o que é recomendável fazer, sobretudo na decli­
nação da logomarca em diferen tes su po rte s,
ta is como objetos promocionais;
- o que é absolutam ente proibido fazer: u tiliza ­
ção do conjunto de elem entos da marca sobre
um fundo de co r que não o branco, utilização de
uma e s tru tu ra tipo selo postal ou de uma es­
tru tu r a oblíqua, aposição de uma o u tra logo­
m arca ao lado da logomarca in stitucion a l, im ­
pressão m onocrom ática de uma logomarca po­
licrom ática, etc. No que concerne à gestão do
monograma, as boutiques Louis V u itto n , por
exemplo, in struem suas vendedoras, quando
empacotam um a rtig o da marca para um clien­
te , a usarem fita s com o célebre monograma
LV, não cortando sob hipótese nenhuma a fita
no meio do monograma. Este deve perm anecer
in ta c to para g a ra n tir a unicidade da marca. Em
o u tra s palavras: não se deve em hipótese ne­
nhuma desm em brar a logomarca, o que poderia
a te n ta r co n tra a identidade da marca ta l como
é vista pelos clientes.

O c u s t o de um a Sogom area

E ntre as coerções que regem a elaboração de


uma logomarca, encontra-se obviamente a coerção fi­
nanceira. Não haveria m uito sentido em a p rese n ta r
A Logomarca 97

um quadro com os cu s to s estim ados de urna logom ar­


ca, já que seu valor pode va ria r de alguns m ilhares a al­
guns milhões de dólares (a Pepsi-Cola, por exemplo,
gastou cerca de 5 0 0 milhões de dólares para mudar
de identidade visual em 1995). Convém no e n ta n to es­
tim a r, antes de lançar-se na [re-)definição de uma es­
tra té g ia de identidade visual, os cu sto s previstos, que
são de várias ordens:
- cu sto s de concepção e honorários da agencia
de criação;
- cu sto s de p ré -te s te e p ó s -te s te da nova logo-
marca;
- cu sto s de aplicação da nova co nstitu içã o g rá fi­
ca (su b stitu içã o de logomarcas em ônibus e
m e trô para urna empresa de tra n s p o rte s públi­
cos; remodelação dos postos de serviço para
urna empresa petrolífera, etc.);
- cu sto s de lançamento da nova identidade visual
[eventos internos, campanha publicitária ex­
terna , campanha in stitucional, etc.).

Os estudos de avaliação das logomarcas

Um c e rto número de avaliações podem se r feitas


para medir o im pacto de urna logomarca sobre seus di­
fe re n te s d estinatários. E ntre esses estudos podemos
c ita r:
- estudos de reconhecim ento que buscam avaliar
em que medida ela é percebida como específica
e diferente das o u tra s logomarcas do s e to r;
Coleção A ld u s

- estudos de atribuição que buscam determ inar,


ocultando o nome da organização ou da marca,
se os indivíduos são efetivam ente capazes de
atribuí-la de maneira c o rre ta à instância em is­
sora correspondente;
- estudos de m emorização que buscam avaliar
em que medida os indivíduos são capazes de
lem brar de form a espontânea tra ç o s id e ntifica ­
dores da logomarca (cores, símbolo);
- estudos de associações que buscam com pre­
ender tip o s de associações geradas pela logo­
marca; o que in teressa então é a riqueza das
evocações (amplitude do re g is tro de evocação),
mas tam bém a valorização dessas associações
pelos d estin a tá rios. T rata-se, sobretudo, de
levar em conta as in te rp re ta çõ e s a b e rran tes
da logomarca, isto é, as que m anifestam um
desvio m uito grande e n tre a vontade de em is­
são e as modalidades de recepção. Isso é im ­
p o rta n te quando ta is in te rp re ta çõ e s a be rran ­
te s estão ligadas a um universo negativo para a
organização ou a marca, ou quando o universo
imaginário convocado pela logomarca está mui­
to d is ta n te daquele que o em issor deseja co­
municar;
- estudos de aceitação que buscam avaliar a ade­
quação da logomarca às expectativas e s té ti­
cas dos d e stin a tá rio s; tra ta -s e de d ete rm ina r
em que medida a logomarca agrada os diferen­
te s destin a tá rios.
Capítulo V

OS DIFERENTES TIPOS DE LOGOMARCAS

Há várias maneiras de d istin g u ir as logomarcas.


Numa perspectiva essencialm ente sem iótica, iremos
distingui-las segundo sua incorporação ou não de ele­
m entos de natureza lingüística e/ou icônica. C ertas lo­
gom arcas incorporam unicam ente elem entos de tipo
lingüístico Cum nome, uma sigla, e tc.) e podemos cha-
má-las logotipos; o u tra s só incorporam elem entos de
natureza icônica, e as cham aremos icotipos; o utra s,
enfim - e é o caso mais freqüente -, são linguagens
sin cré tica s que m isturam um icotipo e um logotipo;
nós as chamaremos logom arcas m istas.

A logomarca alfanum érica ou logotipo

Essas logomarcas são exclusivam ente com pos­


ta s de signos alfanuméricos. Figuram e n tre elas as
que apresentam unicam ente o nome da empresa, as
que se apresentam na form a de um acrônim o com as
iniciais do nome da organização (FNAC, IKEA, BNP,
e tc.), as que se apresentam na form a de uma única le-
100 Coleção A ld u s

tr a CH para a Honda, K para a Kodak, e tc.), as que se


apresentam na form a de uma combinação de a lgaris­
mos e de le tra s C3M, as companhias petrolíferas Q8 e
7 Eleven).
Distinguim os p o rta n to , de um lado, os logotipos
co nstituídos por nomes com pletos e, de o utro , os
co nstituídos por siglas. A sigla te m a vantagem de um
uso simples, flexível, adaptável a várias culturas. Em
co n tra p a rtid a , sua eficácia é aleatória em te rm o s de
memorização e de a trib u içã o 1. Já o nome com pleto é
dotado de um mais fo rte poder evocador e emocional,
mas sua utilização em d iferentes co n te xto s cu ltu ra is
e sua declinabilidade são com freqüência mais proble­
máticas.
A distinção assim esboçada e n tre os signos alfa­
num éricos e os signos icônicos pode, em c e rto s ca­
sos, to rn a r-s e a rtificia l; com efeito, os elementos te x ­
tu a is são sem pre dotados de uma tipografia específi­
ca e de cores de reconhecim ento. A presença e a repe­
tição desses elem entos conduzem m uito seguida­
m ente a um fenômeno de iconização dos signos alfanu­
méricos, pelo qual a le tra ou o algarism o tendem , gra­
ças à exposição repetida da logomarca junto a seus
públicos, a s e r visto s como uma verdadeira linguagem
¡cônica2. Uma logomarca notória como a de Yves S ait

1 Sobre as vantagens e os inconvenientes da sigla, ver em p a rti­


cular Marie-Hélène Westphalen, Communicator. Le guide de la
communication d'entreprise, Paris, Dunod, 1998, p. 268.
2 David S co tt mostrou perfeitamente essa mutação de signo lin­
güístico em signo icônico, a propósito da logomarca, em Air
France's Hippocampe and BOAC's Speedbird: The Semiotic S ta­
tu s of the Logos, French Cultural Studies, 4 ,1 9 9 3 , p. 107-127,
A Logomarca 101

Laurent Cou a da Coca-Cola) ilu stra p erfe ita m e nte


esse fenômeno de iconização do nome de marca; aliás,
esta últim a é reconhecida por crianças que ainda não
estão em idade de verbalizar. Por o u tro lado, a tra d u ­
ção da logomarca Coca-Cola em diferentes línguas é
p erfeitam ente reconhecível pelos tu ris ta s , o que m os­
tr a de maneira clara que ela não é decodificada como
te x to , mas sim como imagem. No caso dos logotipos,
é a tipografia e o sistem a de co r que dão à logomarca
seus signos de reconhecim ento.

A logomarca icônica ou icotipo

Essa logomarca é constituída por uma imagem


que pode se r um símbolo a b s tra to , um objeto p ic tó ri­
co, um personagem, etc. Algumas representam ima­
gens figurativas (um esquilo, um boneco, um cavalo),
enquanto o u tra s representam imagens não fig urativa s
(uma flecha, um quadrado, um círculo, etc.). Assim ,
podemos considerar trê s tip o s possíveis de icotipos:
- o icotipo imaginai, que apresenta uma imagem
com fo rte grau de semelhança com um objeto
“ físico"; a logomarca Chicorée Leroux, m os­
tra nd o uma m ulher que se serve do produto, é
um bom exemplo;

e a proposito do selo postal em European Stamp design. A Semi-


otic Approach to Designing Messages, Londres, Academy Editi­
ons, 1995.
102 Coleção A ld u s

- o icotipo diagramático, que re p re sen ta, na fo r­


ma de um esquema ou de um pequeno desenho,
uma propriedade essencial do produto: a antiga
logomarca da EOF*, representando um raio, é
in te ira m e n te c a ra c te rís tic a dessa categoria;
- o icotipo metafórico, que procede por desloca­
m ento de sentido e re p re se n ta um elemento
que su po stam en te m anifesta a função ou o po­
der da marca. Assim, uma companhia de segu­
ros poderia re c o rre r a m e táfo ra s como o guar-
da-chuva, o cinto de segurança ou o rochedo,
para com unicar respectivam ente a proteção, a
prudência e a durabilidade.

Vimos a n te rio rm e n te que a logomarca enquanto


signo de representação articulava dois planos de lin­
guagem chamados significante e significado, ou ainda
plano da expressão e plano do conteúdo. E n tre ta n to ,
no caso das logom arcas figurativas, um te rc e iro t e r ­
mo vem a c re sce n ta r-se : o re fe re n te , isto é, o objeto
"re a l” ao qual re m e te o desenho fig urativo incorporado
à logomarca (um esquilo no caso da Caisse d'Épargne
(Caixa de Poupança]; um leão no caso da Peugeot; um
crocodilo no caso da Lacoste, e tc.]. P o rta n to , a re p re ­
sentação deve aqui se r entendida num duplo sentido
(próprio e figurado], a representação de natureza con­
ceituai define um conjunto de signos que s u b s titu i a o r­
ganização, enquanto a representação pictórica con-

* Empresa de eletricidade da França.


A Logomarca 103

c re tiza de form a figurativa os tra ç o s id e n titá rio s da


organização. Convém então considerar não mais uma
abordagem diádica do signo, mas uma abordagem triá -
dica, ta l como a sugeriu, em p a rticu la r, Charles San­
ders Peirce3.

Sign ifica n te
(face m aterial da logomarca)

Significado -4- -► Referente


(valores e projeto (“ coisa" física
da organização) representada)

A estrutura triádica da logomarca

Por o rq u e s tra r dois tip o s de representação, 0


icotipo coloca duas questões de natureza sem iótica;
em prim eiro lugar, a da escolha do elem ento que irá re ­
p re s e n ta r a organização ou a marca. Convém escolher
um signo metonímico do produto (Michelin, Citroen,
e tc.), um signo m etafórico (Apple), uma alegoria (La-

3 Fazemos referência aqui à e s tru tu ra triádica do signo estabele­


cida por Peirce, sem no entanto adotar sua terminologia que
distingue 0 representante, o in te rp re ta n te e 0 objeto.
104 Coleção A l d u s

rousse), um ícone do lugar de im plantação da empresa


[Shell], uma representação estilizada do fundador da
empresa [La com tesse du B arry*), ou uma imagem do
d e stin a tá rio construído (Chicorée Leroux)? Essa ques­
tã o impõe fazer uma escolha no eixo da representação
conceituai, is to é, sobre a relação desejada e n tre o
significante e o significado; convém a seguir definir um
modo de representação adequado ao elemento esco­
lhido [figurativo ou não, estilizado ou não, etc.). Essa
questão, por sua vez, re m e te a uma escolha no eixo da
representação p ictórica, isto é, sobre a relação e n tre
o significante e o referente.
Então é possível, graças à tipologia estabelecida
por Peirce, d is tin g u ir vários tip o s de signos, ü prim ei­
ro tipo de signo considerado por Peirce é o signo indi­
ciai, fundado numa relação de contigüidade e n tre o sig ­
nificante e o significado; como diz Peirce, “ o índice é
um signo que significa o que significa em virtu d e de
uma relação existencial e ntre ele mesmo e seu obje­
to " , ou ainda, “ um índice é um signo que rem ete ao ob­
jeto que ele denota porque é realm ente afetado por
seu o bjeto ”4. 0 índice rem ete, mais ou menos, à noção
de ra s tro , de im pressão, isto é, a um tra ç o deixado
por um c e rto objeto do qual ele seria ju sta m e n te a
marca. A logomarca nunca pode se r uma impressão
real da organização nesse sentido, em razão do aspec­
to irredutivelm ente im aterial desta última. Há como

4 Charles Sanders Peirce, Écrits sur le signe, reunidos, traduzidos


e comentados por G. Deledalle, Paris, Seuil, 1978.
* Empresa ligada à gastronomia, principalmente à produção de
foie gras. Sua logomarca é uma gravura antiga de um ro sto de
mulher, em branco e azul.
A L ogomarca 105

uma impossibilidade de haver uma logomarca “ ju n to à


organização” , como o seria a im pressão re s u lta n te da
ação de um corpo sobre uma superfície. Contudo, po­
demos pensar que, num plano propriam ente m e ta fó ri­
co, a logomarca é a im pressão sonhada, desejada de
toda organização. É o seu tra ç o almejado, esperado.
Essa te n ta tiv a de a trib u ir à logomarca uma proprieda­
de de im pressão m etafórica verifica-se numa logom ar­
ca como a da Shell, que lembra o prim eiro negócio da
empresa Co com ércio de conchas), ou da C itroen, cuja
logomarca é uma representação estilizada dos dentes
de engrenagem em form a de chevron* e seu funciona­
m ento eficaz, suave e silencioso, que estabeleceram
na época a reputação da marca. As logomarcas funda­
das sobre a representação metonímica de um produto
tendem idealmente a se tra n s fo rm a r em im pressão, e
e sta rem ete ju sta m e n te à função id e n titá ria da logo­
marca.
A logomarca da agência B arré & Associés, abai­
xo, que apresenta uma zebra cujas lis tra s são igual­
m ente um código de barras, parece-nos ilu s tra r per­
feita m e n te bem essa problem ática id e n titá ria e indi-

* V invertido.
106 Coleção A ld u s

ciai p resente na logomarca. Com efeito, a identidade


declina-se segundo o modo do específico e do genérico.
Ela re m e te p o rta n to a um tip o de relação dupla com a
alteridade: a diferenciação e a integração. A identidade
é o que m o s tra uma capacidade de diferenciar (o eu é
ju sta m e n te o que não é outrem ) e uma capacidade de
in te g ra r-s e numa comunidade Co eu é tam bém o que
partilho com o u tra s pessoas que são significativas
para mim). A im pressão digital é ao mesmo tem po algo
que tod o s partilham os como seres humanos e algo que
nos é absolutam ente específico. É uma m aterialização
de nossa pertença à comunidade de “ nós, os homens",
bem como um signo tangível de nossa irredutibilidade.
□ tem a da im pressão digital ou das lis tra s , no caso da
zebra, é assim uma excelente ilu stra çã o da e x te rio ri­
zação de uma especificidade individual que não o b sta n ­
te m antém um vínculo coletivo. Tende a m o s tra r fora o
que se passa dentro. As lista s da zebra to rn a m visível
p o rta n to a identidade de um se r específico inserido
numa coletividade [identidade genérica)5. Toda logo­
m arca tende m etaforicam ente a to rn a r-s e a im pres­

5 Sua utilização no quadro de uma agência de design encarregada


de elaborar objetos [design de produto) e signos de representa­
ção [design gráfico) é ainda mais interessante na forma do códi­
go de barras por m ostrar claramente o projeto dessa empresa
de inserir-se no domínio da relação comercial (da qual o código
de barras é um perfeito ícone) para elaborar sistem as de obje­
tos e de signos. A logomarca funciona portanto como um índice
no sentido próprio (significação das barras que rem ete igual­
mente ao nome da agência criadora, Barré...) e no sentido figu­
rado (significação do código de barras). N otar-se-á, aliás, uma
espécie de figura de desvio ligada ao uso pouco ortodoxo das lis­
tra s, justam ente desviadas de sua unidirecionalidade; essa pe-
A L ogomarca 107

são digital da organização, pois cada um deve poder ao


mesmo tem po reconhecer-se, in te g ra r-se nesse sig­
no, e s e n tir-s e p e rte n ce r à comunidade que ele re p re ­
senta.
ü segundo signo da tric o to m ía peirciana é o signo
¡cônico fundado sobre uma relação de semelhança en­
tr e o significante e o significado, ou e ntre o significan­
te e o re feren te; um bom exemplo de logomarca icônica
e indiciai é a do C entro Georges-Pompidou*, da qual re ­
produzimos tam bém os esboços p re pa ra tórios [ver p.
106). E stes ilu stra m a te n ta tiv a do designer Jean
W idm er de elaborar um signo metonímico que re to ­
masse um dos elem entos c a ra c te rís tic o s do C entro,
sua a rq u ite tu ra . Com efeito, te ria sido possível esco­
lher o u tro s elem entos re p re sen tativo s do Centro,
como sua modernidade, uma das obras do museu, ou
ainda o próprio Georges Pompídou. Uma vez fe ita a es­
colha de re p re s e n ta r o C entro com o elemento típico
que é sua fachada e sua escadaria, coloca-se o proble­
ma de re p re s e n ta r graficam ente esse “ o b je to ” de um
modo ao mesmo tem po sim ples, m arcante e sem e­
lhante (função icônica da logomarca). Q trabalho do
g ra fista , no caso Jean W idm er, consistiu em repre-

quena brincadeira com os signos, que pode m ostrar a im perti­


nência de uma agência, sua capacidade de inovar reconfigurando
sistemas significantes, tem a ver também com uma espécie de
bricolagem dos signos que, comoveremos no final desta obra, é
o modo último de apropriação e de gestão da logomarca no seio
do espaço organizacional e social...
0 Centro Georges-Pompidou, em Paris, integra todos os tipos
de artes em exposições lúdicas e criativas. É o edifício "cu ltu ­
ral" mais visitado no mundo. É famoso também pela sua arquite­
tura externa, que para muitos lembra uma refinaria de petróleo.
108 Coleção A l d u s

Esboços preparatórios e logomarca do centro


Georges-Pompidou (Jean Widmer)
A Logomarca 109

se n ta r da form a mais adequada possível o monum ento


físico. Os esboços p re pa ra tórios m o stra m , aliás, a
tensão e x is te n te e n tre a evolução do signo para a fo r­
ma mais estilizada possível e sua adequação plástica à
fachada.
0 te rc e iro e últim o signo definido por Peirce é o
signo simbólico fundado sobre uma relação a rb itrá ria
e n tre o significante e o significado. E o caso de todas
as logom arcas que não são de maneira nenhuma sig­
nos n aturais, mas tam bém o dos icotipos sem nenhum
vínculo natural com a organização ou seus ofícios.
Assim , o crocodilo Lacoste provém de uma aposta que
o te n is ta fez com o capitão da equipe francesa: “ Ele
me prom eteu uma valise em pele de crocodilo se eu
vencesse uma partida im p o rta n te para nossa equipe.
□ público norte-am ericano reteve esse apelido que su­
blinhava a tenacidade que eu m ostrava nas quadras de
tên is, jamais soltando minha presa! Meu amigo Robert
George desenhou-me então um crocodilo que foi b or­
dado no blazer que eu usava nas q ua d ra s...” , conta seu
cria d o r6. Assim , a prim eira logomarca visível no e xte ­
rio r de um vestuário é um signo simbólico da marca, o
que não impede de vê-la então desempenhar, por um
efeito de presentificação, um papel indiciai no ve stu á ­
rio, passando a significar, por exemplo, que toda roupa
que ela endossa é dotada das mesmas qualidades que
as do crocodilo. Essa propriedade simbólica da logo­
marca confere-lhe uma liberdade que coloca o proble­

B Citado em Daniel Cauzard e ta /., Le livres des marques, Paris, Du


May, 1993, p. 96.
110 Coleção A ld u s

ma de sua motivação e de sua legitim idade em re p re ­


s e n ta r a organização.
Pode acontecer, enfim, que o icotipo de uma logo­
m arca atinja ta l grau de notoriedade que a empresa
decida abandonar seu logotipo para conservar apenas
o icotipo, como o ilu stra m os exemplos da Shell e da
Nike.
Por um processo de re petição da logomarca, a
empresa consegue im prim ir no e sp írito do público o
símbolo que form a seu icotipo, sem necessidade de ex­
p lic ita r esse signo acompanhando-o do nome da orga­
nização. Podemos pensar que se tr a ta aí da form a de
elaboração últim a da logomarca, na medida em que a
relação de analogia e n tre o nome e sua representação
gráfica não precisou se r legitimada. G icotipo torna -se
então um índice que vem s u b s titu ir a logomarca, com
isso perdendo paradoxalm ente seu c a rá te r de signo
icônico. Quantos consum idores sabem, por exemplo,
que o famoso Swoosh da Nike (erradam ente decodifica­
do como uma vírgula) re p re sen ta as asas da deusa
grega da V itória, Nikã? Pode acon tece r, embora o caso
seja raro, que c e rta s empresas que reduziram sua lo­
gomarca a um icotipo voltem a trá s e reintroduzam o
nome da empresa na logomarca. A ssim a Nike passou,
em 1 99 9 , a re in tro d u zir o nome de marca ao lado do
célebre Swoosh, que há vários anos representava sozi­
nho a logomarca da empresa.
A L ogomarca 111

A logomarca m ista

É o caso mais freqüente, pois re su lta da associa­


ção de um logotipo e de um icotipo. Essa logomarca é
in te re s s a n te no plano da análise por colocar a questão
da coexistencia de dois tip os de mensagens: a m ensa­
gem lingüística e a mensagem iconográfica. Então é
possível m o s tra r vários tip o s de relações e n tre esses
dois modos de acesso ao sentido: a justaposição, o re ­
vezamento e a ancoragem.
A relação de justaposição supõe que o logotipo e
o icotipo coexistam como duas entidades independen-
te s ; esse tip o de logomarca coloca evidentes proble­
mas de legitimidade, na medida em que o icotipo ou o
logotipo são vis to s como tendo um pequeno grau de
adequação.
Na maioria dos casos, é possível dizer que o ic o ti­
po desempenha um papel de ancoragem do logotipo,
orientando por metonimia o d e stin a tá rio para um tip o
possível de significados, is to é, privilegiando a fig u ra ­
ção de c e rto s aspectos da identidade organizacional
em d etrim e n to de outros. Já vimos que a logomarca
não pode de form a alguma a spirar à com pletude: por
definição, ela s u b s titu i apenas de modo parcial e não
to ta l a organização; p o rta n to , é fragm entária e funcio­
na essencialm ente num re g is tro metonímico.
Inversam ente, a ancoragem pode corre sp on d er a
uma situação em que o discurso lingüístico vem fixar
urna das in te rp re ta çõ e s possíveis do icotipo, o rie n ta n ­
do o d e s tin a tá rio para um tip o de in te rp re ta çã o do sig­
no polissêmico. No caso de urna logomarca que dispõe
de um slogan ou, mais exatam ente, de urna assin atu -
112 Coleção A l d u s

ra, a a ssin a tu ra esclarece o sentido do icotipo. A já


mencionada RATP, por exemplo, acompanhou sua mu­
dança de logom arca com uma a ssin atu ra (“ O e spírito
livre"] cujo papel era sobretudo d esta car, na in te rp re ­
tação de um signo em inentem ente polissêmico, as no­
vas orientações e s tra té g ic a s adotadas pela empresa.
Aliás, esse tip o de logomarca lembra uma antiga form a
de signo, m uito em voga no Renascim ento, o imprese,
que consistia basicam ente num "símbolo com posto,
em princípio, de uma imagem e de uma sentença, e que
servia para e xprim ir uma regra de vida ou um program a
pessoal de seu p o rta d o r"7.
Q segundo tip o de relação e n tre o logotipo e o
icotipo é uma função de revezam ento, na medida em
que essas duas unidades funcionam no in te rio r de um
sistem a de circulação e atuam como dois fra gm en tos
de um sintagm a mais geral. A significação da logom ar­
ca re su lta então de uma espécie de leitura que assume
a form a de uma circulação do olhar e n tre esses dois
modos de representação que são o discurso lingüísti­
co e o discurso icônico. Tal função de revezam ento
tra n s fo rm a -s e com freqüência em relação de d e te rm i­
nação m útua, na medida em que o logotipo e o icotipo
passam a s e r interdependentes, graças a uma m is tu ­
ra de ancoragem e de revezamento. Em tod o caso, é
im p o rta n te que os aspectos icônicos e lingüísticos da
logomarca coexistam de form a harmoniosa e dêem
uma significação relativam ente coerente ao signo.
Deve haver p o rta n to uma coerência na maneira como
esses elem entos significantes são organizados, a fim

7 R. Klein, La forme et l'intelligible, Paris, Gallimard, p. 138.


A L ogomarca 113

de que o d e stin a tá rio elabore uma representação rela­


tiva m e nte homogênea da organização ou da m arca que
se esconde por trá s .

A logomarca e n tre legitim idade e legitim ação

Vimos que a logomarca é com freqüência o nó de


várias tensões. Em razão de sua dupla função repre-
sentacional (s u b s titu ir o destinador) e pragm ática (im­
plicar o destin a tá rio), ela oscila geralm ente e n tre um
regime expressivo e um regime im pressivo; com efeito,
em alguns casos a logomarca adere m uito e s trita m e n ­
te à identidade da organização (o que ela é, o que ela
faz), enquanto noutros casos o acento recai mais na
im pressão causada no d estinatário. Num caso tra -
ta -s e de m o s tra r, de revelar de form a gráfica o que é a
empresa, a maneira como ela se representa. No o utro ,
tra ta -s e mais de im prim ir no e spírito do re c e p to r uma
c e rta imagem da empresa, com o risco de provocar
uma d istorção e ntre a maneira como a organização se
percebe e a maneira como é percebida por seus públi­
cos.
Para ilu s tra r esse ponto essencial, tom em os o
caso de duas empresas de s e to re s bem diferentes
(Larousse e RATP) para m o s tra r que as perspectivas
de representação a que re co rre ra m essas duas orga­
nizações diferem e ilu stra m duas perspectivas de pro­
dução de logomarca.
114 Coleção A ld u s

O re g is tro da legitim idade

ü h istó rico da logomarca Larousse tra d u z uma


grande coerência, no tem po, do modo de re p re se n ta ­
ção da empresa. Pode-se considerar que a logomarca,
sucessivam ente desenhada por vários ilu stra do re s, é
o signo de uma espécie de “ logos" original, uma espé­
cie de programa ou de discurso prim eiro da empresa,
de seu fundador e da maneira como e ste concebia seu
ofício e sua missão. Pode se r in te re ssa n te com parar a
logomarca Larousse [que, apesar das modificações fi­
gurativas ao longo do tem po, re p re sen ta sempre uma
semeadora) ao te x to sim bolicam ente fundador [no
sentido próprio e figurado) da empresa, a saber, o p re ­
fácio ao Grand Dictionnaire universel du XIXesiècle, re d i­
gido por Pierre Larousse. A principal preocupação des­
te é ju s tific a r sua empresa, m ostrando a "necessida­
de secular" e a legitimidade de um dicionário como o
que ele propõe ao público. De onde vem a legitimidade
de ta l projeto senão de que o Grand Dictionnaire con­
tém tudo e dirige-se a todos? “ Ele vem [...) oferecer o
inventário da ciência moderna; vem sa tisfa ze r impa-
ciências generosas, a avidez de saber legítima; ele
tra z ao estudioso, ao lite ra to , ao h istoriador, ao filóso­
fo, ao industrial, ao com erciante, ao artesão, ao ope­
rário, a todo aquele que imagina, a todo aquele que
executa, uma inesgotável provisão, um arsenal fo rm i­
dável onde estão classificados, etiquetados, tod o s os
meios, todos os re cursos, tod a s as forças, tod a s as
armas que o gênio, a paciência [..'.] puseram a serviço
da inteligência” 8. Esse Dictionnaire, fru to da iniciativa e
do trabalho de um professor republicano do século XIX,
A L ogomarca 115

é p o rta n to universal num duplo aspecto: não apenas


contém novas disciplinas (como a lingüística ou a bi­
bliografia), mas tam bém dirige-se a tod o s sem exce­
ção: “ Quisemos que (todos) pudessem p a rticip a r do
imenso banquete que é organizado por todos no Grand

EwjèmGrmiizt (1697) Aironyme. ptcwt. u - Dom ( j m - ï lm >

Histórico da logomarca Larousse

D ictionnaire..."3 Larousse chega mesmo a re c o rre r a


imagens vegetais (o Dictionnaire sendo comparado a
uma árvore do conhecimento com m últiplas ram ifica-

8 Prefácio de Pierre Larousse ao Grand Dictionnaire universel du


XIX* siècle, p. LXX.
9 Ibid., p. LXXI.
116 Coleção A ld u s

ções) que já fazem p re s s e n tir c e rto s elem entos de


tra n s c riç ã o visual desse discurso. Por o u tro lado, La-·
rousse in siste na infinidade dos conhecim entos huma­
nos incluídos "num vasto quadro, no qual o homem es­
tudioso poderá, apesar de sua extensão, abarcá-los
numa só m irada” 10. Assim, o Dictionnaire responde a
uma necessidade universal de difusão dos conhecimen­
to s e oferece um "fio de Ariadne para o rie n ta r-se por
todos os meandros desse formidável acúmulo dos t e ­
souros do e s p írito ” .
Aparece aqui a idéia de que a logomarca Larous-
se, apesar das modificações que fizeram desaparecer,
por exemplo, a divisa de Larousse (“ Semeio a todo ven­
t o ”), é a e s tr ita representação do program a original
do Dictionnaire, a difusão universal de todo tip o de sa­
ber (universalidade do saber e dos leitores]. Assim , há
uma e s trita adequação e n tre o program a original de
Pierre Larousse e a logomarca Larousse que, num
modo alegórico, vem te ste m u n h a r uma vontade de di­
fusão do saber regida pela ordem e a unidade (a disper­
são dos grãos não é aleatória) da universalidade (modo
de funcionam ento da alegoria), etc. G program a e a fi­
gura aderem e s trita m e n te , porque a organização da
imagem tra d u z o c a rá te r claro e necessário do progra­
ma: a coisa re p re se n ta n te s u b s titu i como que n a tu ­
ralm ente a coisa representada.

10 Ibid., p. LXV.
A L ogomarca 117

O re g is tro da legitim ação

Consideremos agora o exemplo de uma o u tra em­


presa que se dotou de urna nova logomarca para te s ­
tem unhar profundas mudanças e s tru tu ra is . Em
1 9 9 2 , a empresa de tra n s p o rte s públicos de Paris,
RATP, cria urna nova identidade visual, su bstitu in do
sua logomarca, um encadeamento das le tra s RATP de
c o r azul m etálica, por urna o u tra que re p re sen ta um
círculo aberto, atravessado por uma linha sinuosa que
pode re p re s e n ta r ta n to um rio (o Sena] quanto um
ro sto. Essa mudança de identidade visual, ou melhor, a
instauração de um verdadeiro siste m a de identidade
visual do qual a empresa era desprovida até então, é o
resultado de profundas reform as da empresa em pre­
endidas a p a rtir de 1 9 8 9 por C hristian Blanc. C ontra­
riam ente ao caso da Larousse, a nova logomarca não
tra d u z ta n to uma adequação à identidade da empresa,
e sim uma vontade de im prim ir no espírito dos usuários
e dos funcionários uma nova representação do papel,
das com petências e dos valores da empresa. A logo­
m arca funciona igualm ente como uma imagem, mas
esta é utilizada de um modo inteiram en te d iferente do
caso anterior. T ra ta-se em prim eiro lugar de uma re ­
definição da cu ltura técnica que alim entou duran te dé­
cadas a cu ltura da empresa, a té então o reinado do
engenheiro e do mecânico.
A RATP estava tra dicionalm ente associada ao
universo mecânico, su bterrâneo, anônimo e um ta n to
gerador de ansiedade do m etrô. De fa to , no m e trô os
ro s to s se tra n sfig u ra m , viram m áscaras, e só recupe­
ram sua form a habitual uma vez chegados à superfície.
118 Coleção A l d u s

0 anonimato da m ultidão re m e te tam bém ao dos veí­


culos que não tê m nome e obedecem apenas à lei da
marcação numérica. No final dos anos 1 98 0 , a RATP
sofre p o rta n to com a imagem de uma empresa ligada a
um universo impessoal [que a tra n sfo rm a numa em ­
presa sem ro sto ), mas tam bém de uma empresa de
dominante tecnológica, dividida e n tre a rede viária e a
rede ferroviária, e que nem sempre leva em conta as
expectativas dos usuários. A definição de um p ro gra ­
ma de identidade visual, no caso, re su lta de um projeto
e stra té g ic o destinado a fazer da RATP uma empresa
humana, definida por uma lógica de serviço [e não mais
uma lógica b urocrática), e um modelo em m atéria de
reform a pública. A reform a insuflada por C hristian
Blanc procura estabelecer uma visão tra n sve rsa l (e
não mais piramidal) da empresa m ediante a criação de
unidades de p o rte humano, abolir a dicotom ia e n tre
redes viária e ferroviária, e m o s tra r que ela se to rn a
realm ente uma empresa pública a serviço do público. A
criação de um verdadeiro program a de identidade vi­
sual procura m o s tra r, sobretudo, que ela se tra n s fo r­
ma de uma em presa de tra n s p o rte numa empresa de
serviço decididamente voltada para as preocupações
de seus usuários. A mudança organizacional está ta m ­
bém ligada, de maneira ainda mais essencial, a uma
mudança de p rojeto da empresa. Esta, que se preocu­
pava antes com a circulação de sua fro ta , e p o rta n to
com os passageiros, na região de Paris e arredores,
deseja evoluir para uma abordagem mais global da mo­
bilidade urbana, dando aos usuários novas condições
psicológicas e m ateriais de mobilidade no espaço da ci­
dade e sua periferia. Uma vez feita s essas m odifica­
ções, a questão era re s titu ir à organização um ro s to ,
A L ogomarca 119

is to é, esboçar seu re tra to . Não é surpreendente que


a empresa tenha escolhido um ro s to que exibe sua
exemplaridade Cem te rm o s de modernidade pública),
bem como o fa to de ela vo ltar-se para os usuários, ü
ro s to desempenha aqui uma função im pressiva m uito
nítida. Ele busca im prim ir no espírito dos usuários um
novo re tra to da empresa, fru to de seu p ro jeto e s tra ­
tégico que a rticu la a multimodalidade, a modernidade
pública e o c a rá te r de uma empresa humana, isto é,
uma empresa de homens voltada para os homens.
Vemos assim , através desses dois exemplos,
duas modalidades de elaboração de uma logomarca
como ilu stra ção de um programa. No caso da Larous­
se, a ênfase é posta nas funções expressivas e refe­
renciais: tra ta -s e de exprim ir da maneira mais simples
e mais clara possível o programa do dicionário. A logo­
marca erige-se como figura natural da em presa, p a rti­
cipa de um modo de representação legítimo. A logo­
m arca figura um re tra to do destinador. No caso da
RATP, a ênfase é posta nas funções im pressivas e refe­
renciais. A logomarca figura um re tra to do d e s tin a tá ­
rio. T ra ta-se, antes de tudo, de im prim ir no espírito
dos usuários o novo programa e s tra té g ic o da empre­
sa, m ostrando-lhes especialm ente que e sta se volta
para eles e leva suas expectativas em consideração.
Aliás, a logomarca antecipa o program a e s tra té g ic o
numa c e rta medida, o que pode c ria r um desvio e n tre a
logomarca e a percepção que têm os usuários da RATP.
A logomarca vem m odificar um sistem a de e xp e c ta ti­
vas em relação ao serviço público e procura m o s tra r a
vontade e s tra té g ic a de fo rta le c e r a identidade de uma
organização h eteróclita. Essa antecipação da figura
sobre o program a rem ete ao re g is tro da legitimação.
120 Coleção A ld u s

Não que a logomarca não seja legítim a; como ela vai


além da representação que se fazem os usuários da
empresa, a questão é ju stificá -la , explicá-la, para que
seja aceita como figura de rep re sen taçã o da empresa.
Essa necessidade de legitim ação requer, em p a rtic u ­
lar, o emprego de “ p a ra te x to s " destinados a explicar a
logomarca, is to é, a le g itim a r no e spírito dos d e stin a ­
tá rio s a ligação e n tre o significante e o significado. Gé-
ra rd G enette apresenta o p a ra te xto , num co nte xto li­
te rá rio , como “ o reforço e o acom panham ento de um
c e rto número de produções, elas mesmas verbais ou
não, como um nome de a u to r, um títu lo , um prefácio,
ilu stra çõe s [...] que [...] o cerquem e o prolonguem,
precisam ente para apresentá-la, no sentido habitual
desse verbo, mas tam bém no sentido mais fo rte : para
torná-la presente, para a sseg u ra r sua presença no
mundo, sua 'recepção' e seu consum o...'"11 No caso da
logomarca, esses p a ra te xto s podem s e r slogans (“ Eis
o novo ro s to da RATP" foi, por exemplo, o slogan de lan­
çam ento da logomarca da RATP em 1 9 9 2 ], discursos
publicitários, c a rta s inform ativas. Todos esses te x to s
que cercam a logomarca tê m por objeto ju stificá -la , le-
gitim á-la e torná -la lite ra ria m e n te p resente aos d e s ti­
natários.
Essa distinção rem ete então a duas concepções
da logomarca como figura id e n titá ria da organização.
Ge um lado, a logomarca funciona como figura m etoní-
mica da organização: ela to rn a visível e revela o projeto
da organização da maneira mais d ire ta e adequada
possível. Ge o u tro , a logomarca é mais opaca: ela pro­

11 Gérard Genette, Seuils, Paris, Seuil, 1987, p. 7.


A L ogomarca 121

cede essencialm ente por deslocam ento de sentido e


vira m etáfora da organização, significando-a mais do
que representando-a, e isto de form a lateral, oblíqua,
ü acento é posto na função simbólica da logomarca.
Esta representa o u tra coisa que não o que ela m o stra
aparentem ente. É ju sta m e n te esse desvio inicial da
organização em sua figura que to rn a necessário o re ­
curso a p a ra te xto s cuja função é re -a n cora r a signifi­
cação da logomarca e le g itim a r esse signo como figura
de representação da organização.

Os dois re g is tro s da logomarca

Regime da expressão Regime da impressão

M odo da re p re s e n ta ç ã o M odo da sig n ific a ç ã o

A lo gom a rca com o signo ¡có­ A lo g o m a rca com o signo


nico ou indiciai sim b ó lico

A logom arca com o fig u ra A lo g o m a rca com o fig u ra


m etoním ica m e ta fó ric a

Convenção m otivada e n tr e o C onvenção a rb itr á ria e n tr e o


s ig n ific a n te e o sig n ifica d o s ig n ific a n te e o s ig n ifica d o

A logom arca é a u to -e x p lic a - N e ce ssid a d e de '‘ p a ra te x ­


tiva t o s ’' p ara ju s tific a r a
lo g o m a rca

Regime da legitim id a d e Regime da le g itim a ç ã o


Capítulo VI

A LÜGÜMARCA CGMO
SISTEMA IDENTITÁRIO

A o fe rta de urna empresa apresenta-se com fre ­


qüência como um conjunto de produtos e de serviços.
Algumas m arcas originalm ente associadas a um pro­
duto único desenvolvem-se às vezes para re u nir verda­
deiras gamas de produtos. A Coca-Cola é um bom
exemplo, pois a marca ampliou sua gama de produtos a
p a rtir de 1 9 7 5 lançando novas variedades, como a
Coca-Cola sem cafeína ou ainda a S herry Coke. Assim
tam bém a marca Virgin declina-se agora em Virgin Di­
re c t Coferta de serviços financeiros), Virgin Radio, V ir­
gin Cola, etc. Nesse caso, é necessário m o s tra r ao
mesmo tem po a filiação dos novos produtos ao s is te ­
ma da marca-mãe, para que as m arcas-filhas se bene­
ficiem de seu capital de confiança ju n to aos diferentes
a to re s do mercado, e dar a cada um dos produtos uma
identidade específica. Vemos aqui, p o rta n to , uma pro­
blem ática essencial da gestão da identidade visual,
ta n to no caso do desenvolvimento de uma marca quan­
to no da coexistência de várias filiais no seio da organi­
zação, a saber, a necessidade absoluta de combinar
uma função assimiladora e uma função diferenciadora
de cada um dos elementos do sistem a. Cada elemento
124 Coleção A ld u s

deve te s te m u n h a r ao mesmo tem po sua filiação e sua


especificidade. É preciso então considerar que a logo-
marca rem ete a um problema mais geral de identidade
visual, que pressupõe não ta n to a gestão de um signo
quanto a gestão de um sistem a.

A noção de sistem a

□o ponto de vista e s tru tu ra l, um sistem a é o


agenciamento significante de elem entos segundo dois
tip os de regras: regras com binatórias, de um lado, di­
ta s relações sin tag m á tica s fundadas na complemen­
taridade dos elem entos; regras paradigm áticas, de
outro, fundadas na oposição e na substituibilidade dos
elementos. Podemos então legitim am ente considerar
que uma logomarca corresponde a um sistem a, isto é,
ela articula um c e rto número de elem entos visuais e
gráficos segundo relações sin tag m á tica s e paradig­
máticas.
A relação sintagm ática é evidente; ela tra d u z o
fa to de uma logomarca n e ce ssita r um mínimo de ele­
m entos visuais para e x is tir prim eiro como signo, de­
pois como logomarca.
A relação paradigm ática existe prim eiram ente
em função da necessidade de diferenciação Ca logom ar­
ca existe num mercado de logomarcas) e, a seguir, em
função da necessidade de d istin g u ir c e rto s elementos
no in te rio r do próprio sistem a, para que esses elemen­
to s produzam sentido conjuntam ente. A relação para­
digm ática opera com a convenção. Com efeito, ce rto s
A L ogomarca 125

mercados ou c e rta s ca tegorias de produtos são ca­


ra cterizados por códigos m uito fo rte s. Assim , p ra ti­
cam ente tod a s as companhias de ferry-boat e n tre a
França e a Inglaterra in teg ra ra m em sua logomarca as
cores azul, branco e vermelho. A Pepsi-Cola com pre­
endeu, a seu desfavor, que a batalha no mercado das
bebidas à base de Cola era antes de tudo uma batalha
de códigos e especialm ente de cores; donde imensas
quantias investidas de form a in fru tífe ra pela empresa
há alguns anos, para te n ta r impor o azul como a lte rn a ­
tiva ao vermelho da líder mundial Coca-Cola. A vontade
de inovar tra d u z-se com freqüência por ru p tu ra s de
códigos, como o teste m u n ha a marca Bio no mercado
de iogurtes naturais, que inovou ao sa ir das cores
branco e azul-claro, que predominavam a té então,
para propor o código verde-branco...
Se considerarm os a m arca e, além disso, a orga­
nização como um sistem a articulado, revela-se então
necessário, den tro de uma perspectiva id e n titá ria ,
m arcar cada unidade do sistem a para ju sta m e n te ma­
n ife s ta r sua pertença ao sistem a. Donde a necessida­
de de um sistem a indiciai que te ria por função indicar a
pertença de cada um dos elem entos ao sistem a. Ora,
o que significa um elem ento p e rte n ce r ao sistem a, se­
não que esse elemento é marcado [no sentido de por­
ta r um selo ou uma impressão)? A p a rtir do momento
em que cada objeto desempenha um papel in teg ra l no
sistem a Cem razão de relações de com plem entarida­
de que m antém com as o u tra s unidades do sistem a),
ele deve se r marcado por um signo que o identifique
num duplo sentido, a saber, ao mesmo tem po como
elemento do sistem a [função integradora) e como ele­
mento diferenciado [função diferenciadora). Estam os
126 Coleção A ld u s

aqui no núcleo da problem ática da identidade visual, ü


papel do design gráfico é m a n ifesta r de form a adequa­
da que cada uma das unidades do sistem a de reconhe­
cim ento visual da marca ou da organização faz p a rte
de uma e s tru tu ra id e n titá ria , mas tam bém que ela
existe por uma relação de diferenças. Donde a dupla
função, assim iladora e diferenciadora, de todo sistem a
de identidade visual. O te rm o “ siste m a " é aqui im por­
ta n te , pois indica o fa to de a identificação visual (so­
bretudo a través da logomarca) não se r a aposição re ­
petida de um signo idêntico em tod o s os elem entos do
sistem a, funcionando, ao co n trá rio , pela criação de re ­
lações e n tre elem entos pré-im postos, que podemos
cham ar invariantes plásticos, para usar a expressão do
pin to r André L h o te 1. E ntre os invariantes plásticos
presentes na pintura, Lhote enumera:
1) o desenho, signo expressivo, ou ornam ento
que preexiste a toda co r e a todo modelo;
2) a cor, ou oposição e ntre to n s quentes e to n s
frio s;
3) o valor, ou oposição dos to n s escuros e cla­
ros.
E André Lhote explica, finalizando: “ esses trê s
elem entos essenciais, signas plásticos, cores e valo­
res, dispõem-se segundo as necessidades do ritm o ” 2.
Assim, a p intura é mais uma questão de relação e n tre
elementos do que uma justaposição de elem entos in­
dependentes. Uma bela pintura, poderíamos dizer sem

1 André Lhote, Les invariants plastiques, Paris, Hermann, 1967.


2 Ibid., p. 89-90.
A L ogqmahca 127

deform ar m uito o pensamento de Lhote, é o encadea­


m ento sin tag m á tico judicioso de invariantes plásticos
segundo um c e rto ritm o.
Na perspectiva assim definida, que supõe consi­
d erar a logomarca como o objeto de uma prá tica figu­
rativa significante, este não pode p o rta n to se r com­
preendido como um simples signo, mas, ao co ntrá rio,
como um conjunto de tra ç o s visuais identificadores
que interagem e só fazem sentido no in te rio r de um
sistem a. Do mesmo modo que para a pintura, podería­
mos dizer que uma logomarca re su lta do arranjo de in­
variantes plásticos Cum nome de m arca ou de organi­
zação, um signo plástico e um sistem a de cores) que
se dispõem segundo um c e rto ritm o. Assim , o que faz
sentido numa logomarca não é o arranjo de unidades
separadas e independentes Co que imporia uma ce rta
fixidez dessas unidades), mas um conjunto de elemen­
to s interdependentes que adquirem sentido pelas re ­
lações funcionais que estabelecem e n tre si. Em o utra s
palavras, a logomarca é bem mais que um simples sig ­
no, ela é um verdadeiro sistem a regido por relações
sin tag m á tica s e paradigm áticas. Colocar a questão da
logomarca desse modo equivale, enfim, a passar do
conceito de substância (enquanto realidade indepen­
dente e pré-constituída) ao de função3. É ju stam en te
essa passagem da substância à função (e conseqüen­
te m e n te à relação) que perm ite com preender a logo­
marca na perspectiva id e n titá ria que nos ocupa. Com
isso, a logomarca só é um signo de identidade de uma

3 Ernst Cassirer, Substance ef fonction, Paris, Minuit, 1971


128 Coleção A ld u s

marca ou de uma organização na medida em que pode


assegurar a continuidade visual sim ultaneam ente es­
pacial e tem poral desse sistem a. Assim , por ocasião
de uma extensão de gama destinada à criação de um
produto sem açúcar, a Coca-Cola definiu o código colo-
rís tic o do novo produto (Diet Coke) por uma simples in­
versão do código co lo rístico do produto original (Coke).
Essa inversão do código para in s e rir um novo produto
na gama ilu stra uma visão sistê m ica da identidade vi­
sual, que co nsiste em ada p ta r o arranjo dos invarian­
te s plásticos da m arca segundo os produtos, mas
tam bém segundo os países. A pregnância dos códi­
gos visuais da Coca-Cola perm ite igualm ente seu re co ­
nhecimento instantâneo, quando e ste s são tra d u z i­
dos em alguns países. A força dos invariantes p lá s ti­
cos e a iconização dos acrônim os, de que falamos mais
acima, possibilitam uma atribuição imediata, apesar
da barreira lingüística. Assim , a pregnância dos códi­
gos de identidade visual da Coca-Cola perm ite a e xte n ­
são coerente e facilm ente reconhecível das atividades
da marca nas dimensões do tem po (desenvolvimento
da gama de produtos) e do espaço (desenvolvimento da
zona geográfica e cu ltu ra l de comercialização dos pro­
dutos).
E então uma perspectiva sistêm ica da logomarca
que nos faz com preender sua capacidade de represen­
ta r a permanência de seres coletivos e evolutivos no
tem po e no espaço. A logomarca, concebida como um
sistem a, pode então significar que essas entidades
são co nstituídas segundo o modelo do corpo humano,
ao mesmo tem po uno e articulado, ü fa to de conside­
ra r a logomarca como um sistem a e não mais como um
signo perm ite ju stam en te a elaboração de signos de
A L ogomarca 129

representação id e n titá rio s duráveis, embora adaptá­


veis no tem po (a evolução tem poral necessária de uma
logomarca) e no espaço tas adaptações necessárias
de uma logomarca em diversos co n te xto s culturais).
Nesse caso, a logomarca não deve mais se r com preen­
dida como um puro signo mas como um verdadeiro sis­
tem a, is to é, um sistem a de dependências internas
que funcionam graças à articulação de invariantes
plásticos.

As duas v e rte n te s da identidade

A concepção assim proposta da logomarca como


sistem a rem ete, no final, ao problema da identidade. □
fa to de conceber uma logomarca como um siste m a de
unidades agenciáveis, isto é, como um conjunto evolu­
tivo de elem entos, nos tra z de volta à significação do
processo id e n titá rio presente na gestão das organiza­
ções e das marcas. Se aceitarm os a idéia de uma iden­
tidade narrativa, tom ada de Paul Ricoeur, podemos
então considerar que a identidade organizacional en-
raíza-se no cruzam ento de trê s c rité rio s :
- ela não é imediata, mas mediatiza-se através
dos signos que são emanações discursivas da
empresa, cuja função é colocar em narrativa
seu program a de valores e de ações; a logom ar­
ca funciona como a assinatura de todos os dis­
cursos pelos quais a organização se “ n arra tivi-
za” ;
130 Coleção A l d u s

- ela não é substancial e sim processual·, com


efeito, a identidade não é um estado adquirido
de uma vez por todas, ela se co n stró i no tem po
e no espaço através de percursos que envol­
vem continuidades, mas tam bém inovações,
ru p tu ra s ;
- ela jamais e stá instalada ou acabada como es­
ta ria uma armação ou uma coisa e s tá tic a e
inalterável4, mas deve c o n te r a possibilidade de
uma evolução e de uma mudança. A identidade
situ a -s e no cruzam ento da permanência e da
mudança. A permanência te m a ver com a dura­
ção no tem po de re fe re n te s id e n titá rio s (o ri­
gem geográfica, fundador, visão do ofício,
know -howindustrial, e tc.), enquanto a mudança
tra d u z a evolução necessária dessas c a ra c te ­
rís tic a s organizacionais devido a uma evolução
das e s tru tu ra s , das e s tra té g ia s de fusão ou
absorção, das mudanças de ofício (passagem
do co ntin e nte ao conteúdo na Danone, exte n ­
são das atividades da empresa Virgin, por
exemplo), da irradiação geográfica (a mundiali-
zação das atividades que pode to rn a r proble­
m ática ou incerta a noção de filiação nacional
de uma organização).

A c e ita r que a logomarca seja uma figura id e n titá -


ria supõe a coexistência de fa to re s de permanência e

4 Erik Erikson, Adolescence et crise. La quête de l'identité, Paris,


Flammarion, 1972, p .18.
A Logomarca 131

de inovação na gestão da identidade visual. A perm a­


nência diz respeito, em prim eiro lugar, aos modos de
representação ou, mais exatam ente, aos invariantes
plásticos que perm item in s ta la r no tem po tra ç o s de
reconhecim ento da organização; a permanência pre­
sente na logomarca é tam bém uma permanência da
“ palavra dada", is to é, de seu program a de ações e de
valores, e da relação c o n tra tu a l que ela deseja m a n te r
com seus parceiros5. Essa permanência do programa
da organização no tem po requer às vezes inovações no
plano figurativo, de ta l modo que a evolução das dimen­
sões figurativas de uma logomarca no tem po não a lte ­
re necessariam ente o program a da empresa. Assim
pode-se compreender, no h istó rico da logomarca La-
rousse, o desaparecim ento do círculo como uma cons­
ta ta ç ã o assumida da explosão dos modos e dos obje­
to s de saber; não é mais possível querer circunscrever
todos os saberes, ainda que m etaforicam ente, isto é,
“fazer e n tra r todos os conhecim entos num va sto qua­
d ro ” , como queria Pierre Larousse. A re tira d a do cír­
culo vem m o s tra r uma relativização necessária do ob­
je to dicionário que se fra gm en ta [donde uma vasta
gama de dicionários na Larousse, para a ju sta r-se o
melhor possível a essa fragm entação dos saberes). A

5 A logomarca manifesta sempre, em maior ou menor grau, uma


espécie de contrato implícito entre a organização e seus desti­
natários, contrato relacionado particularm ente ao respeito de
um conjunto de valores. Como diz Jean-Marie Floch, "a marca
nasce de uma fidúcia, de uma confiança dada e mantida; ela
morre por traição ou decepção” , in Sémiotique, marketing et
communication, Paris, PUF, 1990, p. 75.
132 Coleção A ld u s

evolução dos tra ç o s plásticos testem unha assim , pa­


radoxalm ente, uma duração do projeto original, embo­
ra adaptado às novas condições epistem ológicas de
explosão do saber. Desse modo, a evolução da logo­
marca Larousse ilustra bem a idéia de uma perm anên­
cia id e n titá ria pela constância do projeto e da relação
c o n tra tu a l que se in stau ra , através da logomarca, en­
tr e a organização e seus públicos (c o n tra to fundado
sobre uma missão im plícita de difusão universal do sa­
ber), não obstante a inovação dos códigos de re p re ­
sentação (em particular o abandono, em 1 9 9 3 , de dois
tra ç o s identificadores da logomarca: o círculo e a divi­
sa “ Semeio a todo ve n to ” ).
Para p erm itir a inovação e a mutabilidade dessa
figura de identidade que deve se r a logomarca, é con­
veniente então considerá-la não como um simples sig ­
no (com a fixidez que ta l concepção im plicitam ente im ­
põe) mas como um verdadeiro sistem a de significação
componível, decomponível e recomponível à vontade. É
som ente nessa condição que a logomarca pode expri­
m ir de fato a identidade de uma organização. Esse
ponto é im portante por colocar o acento sobre o as­
pecto fundam entalmente processual da identidade. Se
a identidade te m a ver com a repetição de um c e rto
número de tra ç o s para o reconhecim ento de um se r no
tem po, ela impõe a possibilidade de uma c e rta la titu d e
de a bertura que perm ita ao se r inovar e não se re s ­
trin g ir apenas às disposições adquiridas, o que é ta n to
mais im p o rta nte no mundo instável e em inentem ente
evolutivo das organizações e das marcas. Em o u tra s
palavras, a logomarca é um sistem a evolutivo que deve
possibilitar a expressão das mudanças da organização
ou da marca que ela representa por um rearranjo pos-
A Logomarca 133

sível das diversas unidades sem ânticas que a com­


põem; essa evolutividade, isto é, a necessária coexis­
tên cia de uma c e rta permanência e de uma evolução
possível, perm ite, em p articu la r, a contextualização da
logomarca, ou seja, sua adaptação aos diferen tes con­
te x to s de com unicação6. A evolutividade possível dos
invariantes plásticos que podem se com binar e se de­
fo rm a r à vontade perm ite exprim ir a diversidade dos
usos e dos co n te xto s de aplicação desse signo. À con­
cepção da logomarca como verdadeiro siste m a de sig­
nificação corresponde uma propriedade de extensão,
já que uma logomarca re p re sen ta uma entidade poten­
cialm ente evolutiva. Por o u tro lado, uma logomarca
pode s e r levada a re p re s e n ta r não mais uma marca
única e sim uma gama de produtos, ou então o conjun­
to das filiais de uma empresa. Donde a necessidade de
conceber a logomarca não como um conjunto imutável
de elem entos, mas, ao co n trá rio , como um sistem a de
significação, is to é, um conjunto de elem entos in te rd e ­
pendentes e evolutivos. Essa idéia é magnificamente
ilustrada pela deformação da logomarca IBM (ver p. 71)
imaginada por Paul Rand Cque foi igualm ente o designer
da logomarca IBM) e utilizada numa campanha publici­
tária .
Essa logomarca é inteiram ente legível e reconhe­
cível, embora tra nsfo rm a d a no rébus Eye-Bee-M que
perm ite sua re co n stitu içã o sonora. O reconhecim ento
da logomarca é possibilitado tam bém pela permanên­

6 Sendo que estas evoluções são submetidas às regras de utiliza­


ção e de deformação impostas pela ca rta gráfica.
134 Coleção A ld u s

cia dos invariantes plásticos: uma e s tru tu ra te rn á ria ,


um sistem a de lis tra s , uma tip og ra fia específica (dita
tipografia egípcia) e a co r azul. Assim , mesmo se um
princípio de alteridade foi introduzido no signo original,
o reconhecim ento da logomarca é sempre possível,
porque a deformação é coerente ao in te g ra r novos ele­
m entos numa e s tru tu ra preexistente. Em o u tra s pa­
lavras, essa deformação re sp eita o estilo visual da
IBM.
CONCLUSÃO

LOGOMARCA, IDENTIDADE, BRICOLAGEM

Podemos, por fim, pensar que a Identidade visual


declina-se no modo da bricolagem. Com efeito, a b rico ­
lagem é uma prá tica específica [ “fazer o novo com o ve­
lho”]* pela qual um sistem a adquire e conserva uma
identidade tem poral, ao mesmo tem po que se modifica
(pela aquisição, a utilização ou a su b stitu içã o de c e r­
ta s unidades do sistem a). Se considerarm os a logo-
marca como um sistem a que a rticu la invariantes plás­
tic o s , então é possível conceber a gestão no tem po
como uma operação de bricolagem que p erm ite adap­
t a r os tra ç o s de reconhecim ento da organização ou da
marca a evoluções de pessoas, de projetos, de compe­
tências. Como lembra Claude Lévi-S trauss, o bricola-
d or “fala” não apenas com as coisas, “ mas tam bém
por meio das coisas, contando, através das escolhas
que opera e n tre possibilidades lim itadas, o c a rá te r e a
vida de seu autor. Sem realizar com pletam ente seu

O term o bricolage tem , aqui, a acepção de "arrum ar improvisan­


do”.
136 Coleção A l d u s

projeto, o bricolador sem pre põe nele algo de s i” 1. Por


que não pensar então que a organização, ao jogar com
os invariantes plásticos de sua logomarca, re co rre à
bricolagem para dizer alguma coisa dela mesma? Pois
a logomarca, sendo um signo de re p resentação e de fi­
guração, é uma figura do desvio e do afastam ento.
P o rta n to , é essencialm ente no re g is tro da bricolagem,
como m ostro u m uito bem Jean-M arie Floch, que se
desenha a vida de uma logomarca e a gestão subjacen­
te de um siste m a de identidade visual2, no sentido de
que a bricolagem induz a utilização de meios indiretos.
Ao c o n trá rio do engenheiro cujas fe rra m e n ta s depen­
dem de cada um de seus p rojetos, o bricolador ser-
ve-se de elem entos já sem iparticularizados, isto é, de
elem entos que por sua natureza estã o a d s trito s a um
emprego preciso e determ inado; tod o o jogo do bricola­
d or co nsiste ju sta m e n te em u tiliz a r essa sem i-im posi-
ção como um espaço de liberdade, reorganizando o va­
lor funcional de cada um dos elem entos do sistem a à
sua disposição. É exatam ente a isso que corresponde
a gestão de uma identidade visual. A logomarca, quer
seja desviada pelo destinador para m o s tra r a evolução
de seu program a de ações ou pelos d e stin a tá rio s para
fazê-la corre sp on d er a seu horizonte de expectativas,
rem ete sem pre, em maior ou m enor grau, à bricola­
gem, is to é, à criação de sentido pela reorganização

1 Claude Lévi-Strauss, La pensée sauvage, Paris, Presses Poc­


ket, 1990, p. 35.
2 Remetemos o leitor ao magnífico conjunto de estudos que a rti­
culam a identidade visual e a bricolagem, agrupados em Identités
visuelles, Paris, PUF, 1995.
A L ogomarca 137

significante de relações e n tre elementos pré-im pos-


tos.
Em alguns casos, essa prá tica da bricolagem
pode se r obra dos públicos da organização, com o obje­
tivo de desviar a logomarca de sua significação prim ei­
ra. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a deform a­
ção da logomarca Nike saída de um site antiNike da
Inte rn e t.
Para esses consum idores (ou melhor, anticonsu­
midores de produtos Nike), o arranjo dos q uatro Swo-
osh que induz a idéia de urna cruz ideologicamente mui­
to marcada (a suástica) é urna form a de expor um c e r­
to ponto de vista sobre a marca, sobretudo depois de
acusações fe ita s co n tra a empresa de náo-respeito
aos valores deontológicos do código de trabalho. Essa
cruz significa urna m arca to ta litá ria que parece encer­
ra r os consum idores numa ideologia conquistadora.
Mas ela pode tam bém s e r compreendida como urna
cruz que lembra a idéia de cruzada, esta podendo se r
entendida num duplo sentida: cruzada da marca para
co nq u istar fatia s de mercada Cisto é, um te rrito rio
económico) ou cruzada dos consum idores co n tra a
marca, ü que im porta aqui é que a bricolagem não é, ou
não é mais, o apanágio apenas do destinador. Ela pode
se r utilizada pelos d e stin a tá rio s para tra n s fo rm a r a
mensagem inicial e para b rico la r uma imagem da orga­
nização que corresponda às suas representações.
Esse é um dos desvios possíveis do processo de coo­
peração in te rp re ta tiv a de que falávamos a nte rio rm e n ­
te. ü exemplo m o stra igualm ente que a logomarca,
sendo um signo p erte n cen te m aioritariam ente, embo­
ra não exclusivam ente, ao re g is tro econômico, pode
em graus diversos servir-se das problem áticas e dos
138 Coleção A ld u s

modos de re p resentação ligados às esferas religiosa e


política. Podemos então nos p erg u n ta r se, nas socie­
dades ocidentais amplam ente secularizadas, a in tro ­
missão das logom arcas em nossa vida cotidiana não
e sta ria m ostrando um recobrim ento do espaço social
por signos de natureza econômica e comercial que se
valem de procedim entos re tó ric o s , plásticos e sig n ifi­
cantes das esferas religiosa e política. Que uma logo­
marca possa tra n s fo rm a r-s e em cruz, recorrendo ao
re g is tro político ou ao re g is tro religioso, não é um fe ­
nômeno anodino. Essa ausência que a logomarca vem
preencher não é mais, então, aquela im aterial da o rg a ­
nização ou da marca, e sim, de form a sub-reptícia, o
r e tra to do divino e do político de nossas sociedades
ocidentais. A logomarca que desvia os significantes, e
quem sabe tam bém o poder, das esferas do religioso e
do político para o universo econômico, aparece então
como o novo brasão dos tem pos modernos. Assim a lo­
gomarca, esse pequeno signo aparentem ente anodino,
não é apenas uma figura id e n titá ria ou uma figura de
representação, ela se tra n sfo rm a sempre, mais ou
menos, em figura ideológica. Eis uma o u tra maneira de
com preender a afirm ação de Greimas lembrada no iní­
cio desta obra, a saber, que “ a figuratividade nunca é
inocente” ...
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