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Capítulo 4 realizada através de observação participante e de entrevistas, assim como da

análise de documentos, indagando-me como tais funcionários administrati-


Tradições de conhecimento para gestão colonial vos, os agentes diretos do poder tutelar, foram – e deixaram de ser – formados
da desigualdade: reflexões a partir da administração em um dado momento do tempo, a partir de que conhecimentos acumulados.
Inexistindo uma “escola de administração indigenista”, ao modo das escolas
indigenista no Brasil1 coloniais, como os conhecimentos para o “governo dos índios” foram gerados,
Antonio Carlos de Souza Lima transmitidos e consolidados? Tomando a ideia de poder tutelar como guia,
procuro partir da perspectiva dos processos de formação de Estado para aqui
pensar os vetores históricos de formação de disposições ao trabalho – em espe-
Como se governa para reproduzir as desigualdades duráveis no cená-
cial, com os povos indígenas – que tomo hipoteticamente como tributárias de
rio de um país (pós)colonial, fundado em um passado escravista? Quais os
conhecimentos destinados à manutenção colonial da desigualdade.
conhecimentos necessários a isso? Como se os obtém? É a escola o espaço de
formação por excelência do exercício da administração governamental?
Impérios coloniais e formação de Estados nacionais
Na tentativa de propor vias para responder estas e outras perguntas nelas
embutidas, parto aqui mais especificamente de um conjunto de trabalhos sobre Para responder tais questões parti da busca por entender a sociogênese
políticas de governo voltadas para a gestão de segmentos populacionais vistos do exercício de poder de Estado que denominei tutelar: a tutela – ou melhor,
na qualidade de minoritários e carentes de proteção especial para integração a forma de poder tutelar – foca no governo de espaços (geográficos, sociais,
enquanto parte do “povo brasileiro”, portanto de uma “massa cívica” apta ao simbólicos), atuando através da delimitação de povos e segmentos populacio-
exercício da cidadania. Potencialmente perigosos pelo caráter “incompleto” nais carentes de capacidade plena para o exercício da vida civil, ou nos temos
de sua natureza ou sua formação, alguns desses segmentos foram e são, por jurídicos, hipossuficientes, destinatárias de um tipo de intervenção “pedagó-
vezes, representados por pensadores sociais, juristas, médicos ou quaisquer gica” que as (in)capacitaria no rumo à capacidade de autoconduções moral
que sejam os especialistas designados para sua gestão, como necessitados de e política plena como integrantes de uma comunidade política. Deste tipo
um exercício de poder de Estado que estabeleça uma mediação que suposta- hipossuficiente, sugiro que os povos indígenas são o protótipo. E para se tor-
mente contrabalançaria sua “hipossuficiência”. Chamei este exercício de poder narem “cidadãos” (hoje empreendedores, quiçá), os povos indígenas deveriam
de Estado de tutelar (SOUZA LIMA, 1995).2 abandonar seus modos de ser e viver, e se submeter a processos pelos quais
Parto, para as presentes reflexões, de uma pesquisa sobre a formação nunca chegariam de fato a atingir a autonomia, tendo sempre a necessidade
de quadros para a administração direta de Estado dos problemas indígenas, de um mediador.
Tomei alguns passos na tentativa de montar tal argumentação. Um deles
1 Este texto foi gerado a partir da apresentação “A administração indigenista no Brasil: tradições
coloniais e formação de Estado”, realizada no seminário “Tensões coloniais e reconfigurações
foi ter no horizonte de reflexão as formas como associações políticas, por
pós-coloniais”, organizado por Bela Feldman-Bianco (Cemi-Unicamp), Cristiana Bastos (ICS/ meio de seus quadros administrativos, produzem, transmitem, reproduzem
UL) e Miguel Vale de Almeida (ISCTE). Foi publicado primeiramente em: BASTOS, Cristiana; e apresentam-se internamente especializadas quanto ao conhecimento desti-
ALMEIDA, Miguel Valle de; FELDMAN-BIANCO, Bela (Coords.) Trânsitos coloniais: diálogos crí-
ticos luso-brasileiros. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002. p.151-172. O livro seria publicado nado à gestão de espaços e populações. Não estarei preocupado neste texto,
pela editora da Unicamp em 2007. Em uma versão alterada, foi publicado em inglês, no periódico combinando uma proposição de cunho mais ensaístico com a interpretação
não indexado da Red de Antropologías del Mondo, como: Traditions of Knowledge in Colonial
Management of Inequality: Reflections on an Indigenist Administration Perspective in Brazil.
de um caso específico, os modos pelos quais esse conhecimento é reapro-
World Anthropologies Network Electronic Journal, v. 3, n. 7-31, mar/abr. 2008. Disponível em: http:// priado e ressignificado pelos segmentos sociais sobre os quais versam, uma
ram-wan.net/old/documents/05_e_Journal/jwan-3.pdf. Acesso em: 18 jan. 2021. Os argumentos dimensão fundamental em qualquer análise de processos em jogo em situa-
nele contidos foram também em parte usados em Souza Lima (2014b).
2 Meu próprio estudo sobre o exercício de poder de Estado que chamei de tutelar partiu do estudo
ções sociais concretas.
da política indigenista, tendo se iniciado em 1986 e se materializado em uma tese de doutorado em De maneira mais abrangente, isso significa reconhecer que os espe-
1992, publicada com revisões em 1995. Para uma consideração dos trabalhos com interlocutores cialistas no exercício cotidiano das formas de dominação são produtores e
diretos acerca dessa temática, veja-se Souza Lima (2014a) e Souza Lima (2015).

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transmissores de saberes que têm uma história própria, objeto para a inves- uso da violência legítima e do controle das taxações (ELIAS, 1990) como moto-
tigação genealógica, para a sociologia ou para a Antropologia históricas. Isso res essenciais da formação de Estado. Se, por certas dimensões do presente, a
implica a necessidade de, ao menos, dois movimentos primários no plano ana- forma político-cultural “Estado nacional” parece por vezes esvaecer, por vezes
lítico-interpretativo: 1) o de religamento analítico dos estudos sobre formação reviver em seus piores avatares, sua pertinência, ao menos como suposto do
de Estado no Brasil (e, de modo mais amplo, o das formas político-culturais) pensamento sociológico, no sentido criticado por Elias, não só não desapare-
aos sobre a história portuguesa, mais especificamente à do seu Império colo- ceu, como sua presentificação encontra nos fluxos transfronteiriços interna-
nial, tomando o âmbito lusófono enquanto universo de referência e compara- cionais momentos privilegiados de ordem vária.3
ção privilegiado; e 2) o de reconhecimento do quanto o estudo na atualidade As elites do “terceiro mundo”, ao menos as brasileiras, manifestaram
de certos poderes e políticas em Estados nacionais resultantes de processos de muitas vezes uma enorme ansiedade em afirmar sua independência, ou ao
colonização por europeus ganharia em perspectiva, profundidade histórica e menos uma separação radical, face às suas metrópoles, construindo histórias
possibilidades de crítica social se remetido ao efeito de instituição da desigual- (e historiografias) que as imaginam (no sentido de Anderson [1991]), enquanto
dade de que são portadoras as “situações coloniais” (BALANDIER, 1951). fundadoras de tradições autóctones e longevas.4 Mas, no dizer de Mandani
Sendo mais direto, trata-se de dizer, com Elias (1972), que o processo de (1996), apesar da crítica ao racismo e a um “colonialismo genérico”, realizada
formação de Estado é distinto daquele de construção de nações, conquanto a pelas elites políticas que promoveram as independências – fenômenos mais
forma Estado Nacional estabeleça uma interligação que os redimensiona. Os distinguíveis em países africanos, seu objeto de estudo –, há muito por fazer
Estados nacionais são fenômenos recentes na história da Europa, mas se instala- no terreno da análise do legado jurídico, institucional e administrativo que
ram com uma força extraordinária em matéria de captura da imaginação social configura os estados pós-coloniais.5
(HOBSBAWM, 1990), transformando-se em paradigma de inúmeros implícitos No caso luso-brasileiro, não seria exagero dizer que a relação colônia-
das teorias sociológicas, o efeito consistindo em sua reificação na qualidade de -metrópole, mesmo recentemente, tem ficado, em termos de uma historio-
algo pretérito, longínquo, definitivo. Na verdade, como destacam Reis (1998) grafia mais vulgarizada, restrita ao período até o século XIX. A produção
e Peirano (1982), no caso brasileiro o Estado nacional é não só um processo historiográfica vem, todavia, buscando recuperar certas dimensões excluídas
histórico, mas uma ideologia, perseguida, como em outros países surgidos de das análises mais pujantes. As formas políticas, as tradições de conhecimento
processos de colonização, pelas elites governantes crioulas, parte de uma “cos- geradas na metrópole e redefinidas através do confronto e da experiência colo-
mologia política” sedimentada na Europa, apropriada diferentemente em varia- nial, efeito de um processo de mútua constituição, em um mundo que hoje é
dos pontos do globo. Concebê-los enquanto processos e ideologia, enquanto cada vez mais pensado a partir de noções como as de fluxos, redes e proces-
cosmologia que é apropriada e redimensionada segundo histórias sociocultu- sos, têm permanecido de fora de uma pesquisa aprofundada. E nisso pode-se
rais específicas – das quais os impérios coloniais de que participaram foram e incluir muito das Ciências Sociais.
são uma parte a ser considerada –, com grande margem de variação, significa Dito de outro modo, para se entender as (ex-)metrópoles, é preciso
tomar o ângulo desconfortável da permanente mudança, do movimento e da entender suas (ex-)colônias, as redes de interdependência e as tradições de
recriação, para lançar as bases (desconfortáveis) de um esforço explicativo. conhecimento que as articula(ra)m, inclusive no plano das condutas, de
Pode-se redimensionar a crença na existência de “Estados nacionais”
3 Ver Hannerz (1996), sobre a questão – nos marcos da “euforia teórica” da globalização, da manu-
criados de uma vez por todas, através de eventos paradigmáticos – os da tenção dos Estados nacionais e dos nacionalismos. Trouillot (2001), que li logo após a entrega deste
Europa ocidental e os Estados Unidos –, diferentes daqueles que estariam texto para edição, chama a atenção não apenas para os efeitos de Estado, mas também para como
situações como fronteiras, migrações, entre outras, são situações de presentificação do nacional na
se formando, pejados com a responsabilidade de ultrapassarem seu próprio contemporaneidade.
“atraso”, recém-chegados no “clube das nações” que seriam. Estes Estados do 4 Suponho aqui a crítica de Escobar (1995) à noção de “desenvolvimento” e seu papel na invenção do
“terceiro mundo”, ou pós-coloniais se quisermos, seriam os surgidos a partir “terceiro mundo”, em que pese sua relativa parcialidade.
de guerras contra suas ex-metrópoles – ainda que nem sempre – e especial- 5 De 1999, quando este texto foi escrito pela primeira vez, e de 2002, quando foi publicado, para o
presente, a historiografia brasileira fez progressos notáveis neste campo, que ainda tem muito a
mente da imaginação de variados inimigos internos às suas fronteiras, como ser explorado e reverberar tanto na educação básica quanto na própria formação universitária de
catalisadores da guerra (TILLY, 1996) e do estabelecimento de monopólios ao historiadores aos níveis de bacharelado e licenciatura.

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padrões de interação e formas estereotipadas de comunicação, dos símbolos como “tradições de conhecimento para gestão colonial da desigualdade”.
e das ideias, reconhecendo o quanto os processos de formação de Estado, e Sugiro pensar na dimensão das formas de conhecimento geradas nas empresas
de construção de nações na Europa, devem também, – e Benedict Anderson coloniais, em suas produção, transmissão, distribuição, reprodução e ressig-
(1991, p. 9-65) já o sinalizou – à experimentação nos mundos coloniais. Neste nificação.8 Antes que tentar definir uma genérica e única “cultura do colonia-
plano, cada ex-colônia deve continuidades às suas metrópoles colonizado- lismo português”, colocando-se o Brasil como suposto herdeiro deste legado
ras e muito às suas próprias histórias. Como Bernard Cohn (1996, p. 3-15) – presente na sociedade brasileira no amplo domínio das relações pessoais,
chama a atenção, a experiência de gestão colonial, gerou muitos dispositivos em determinados aspectos de uma certa “informalidade” e “ concisão jurídica”
de poder que se generalizariam para as populações nacionais nas metrópoles etc. –, proponho compreender como certas categorias sociais específicas, res-
europeias, notadamente àquilo que Abram de Swaan (1988, p. 1-12; 218-257) ponsáveis pela gestão de distintos aspectos do empreendimento imperial, em
chamou de processo de coletivização, descrevendo a “captura” progressiva diferentes momentos do tempo e em interações com as realidades locais pree-
pelos Estados de dispositivos que levariam ao surgimento de políticas sociais xistentes à sua intervenção, produziram, geriram e transmitiram seus conhe-
nos países europeus.6 cimentos. É à pluralidade e à complexidade dos saberes e dos poderes desses
Os raciocínios de Cohn e de Swaan têm em Michel Foucault uma especialistas que seria oportuno dirigir um conjunto de perguntas, movimento
referência fundamental. Entre os momentos da reflexão de Foucault, o curso interpretativo a ser associado a outros.9
de 1976 no Collège de France, publicado em 1997 pelos gestores de sua herança Sem tentar subsumir a uma mesma ordem e a continuidade de um
intelectual como Il faut défendre la société, encoraja a pensar o papel da expe- tempo único a partir de um “centro exemplar” – o da metrópole e da corte por-
riência colonial na formação dos Estados europeus. De fato, Foucault vai mais tuguesa – do qual tais conhecimentos emanariam, seria interessante preservar
longe: desloca a ideia de poder, neste mesmo curso de 1976, do que chama de a visão da complexidade e da variação entre tempos e escalas espaciais distin-
explicações economicista e jusnaturalista, para propor reenquadrá-la à luz do tas ao mundo surgido das conquistas portuguesas desde o XV, sem procurar
conflito bélico, invertendo as ideias de Clausewitz e tomando a política como nem mesmo definir grandes marcos cronológicos aprioristicamente. Uma via
continuidade da guerra sob forma pacífica. Mas não é apenas isso: a integrali- possível para isso seria uma utilização descritiva e formal das propostas de
dade do curso nos permite ver que Foucault, debatendo a ideia de contrato, em Fredrik Barth (1975; 1982; 1993; 1995; 2000) para a abordagem dos fenôme-
Locke e Hobbes, recoloca-os no contexto da Inglaterra pós-invasão normanda, nos culturais.10 Tal fato significaria pensar na utilidade do conceito de tradi-
fazendo da guerra de conquista o horizonte implícito e omitido em suas “filo- ções de conhecimento para refletir acerca dos vínculos entre empresa imperial
sofias políticas” que alicerçariam os Estados Nacionais liberais burgueses.7

Tradições coloniais: conhecimentos para gestão e perpetuação da 8 Ver neste sentido Thomas (1994).
desigualdade social 9 As noções de saber e poder utilizadas partem do mesmo texto de Michel Foucault (1997).
10 Criticando os empregos da noção de cultura em antropologia, Fredrik Barth (1995, p. 66) propõe:
É na busca de construir instrumentos que permitam ultrapassar certos “Using knowledge (referring to what people employ to interpret and act on the world: feelings as well as
impasses colocados pelos estudos pós-coloniais, e por alguns de seus críticos, thoughts, embodied skills as well as taxonomies and other verbal models) as our prototype for culture
que partindo do caso brasileiro, proponho provisoriamente tratar este legado allows us to construct rather different models of culture and invites an imagery less vulnerable to the
construction on which disempowering discourses build. Here are some of the main points. The image
of culture as knowledge abstracts it less and points to people’s engagement with the world, through
6 Notadamente das políticas educacionais, sanitárias, e de seguridade social. action. It acknowledges the fact of globally continuous variation, not separable into homogenized
7 Não tive acesso a este texto senão após a publicação de meu livro, resultado de minha pesquisa and mutually alien cultures. It alerts us to interchange and to flux. ‘Knowledge’ is not characterizable
de doutorado, mesmo à edição em espanhol. Nele, porém, procurei elaborar a ideia de guerra de as difference: indeed, the same or similar knowledge is obviously used and reproduced in different
conquista enquanto matriz para uma forma de poder, o que chamei de poder tutelar, para tratar a local populations to provide grounds for their thoughts and actions. But there are also very divergent
administração indigenista no Brasil. Creio que as possibilidades de aproximação se devem, mais bodies of knowledge and different ways of knowing within populations as well as between them.
uma vez, à dívida mais ou menos implícita, em Foucault, Elias ou Charles Tilly, por exemplo, para Thus a focus on knowledge articulates culture in a form that makes it transitive in the interaction
com a sociologia de Max Weber. Veja-se em especial, no caso dessas ideias, as reflexões sobre as between people, because of its potential use to both parties. Thereby, other modes of representation
“comunidades étnicas” e, sobretudo, as acerca das “comunidades políticas”, em Economía y Sociedad, and other and more dynamic questions come to the fore when we model culture in such modalities:
(Weber, 1983) em que questões relativas a processos de colonização e imperialismos são abordadas. variation, positioning, practice, exchange, reproduction, change, creativity” (grifos meus).

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portuguesa e da história das práticas políticas dos Estados surgidos em regiões e os africanos transplantados, além dos contingentes populacionais que aqui
onde ela operou. surgiram. Elaborando-as como tipos ideais para pensá-las, pode-se denomi-
Uma tradição de conhecimento para gestão colonial, neste caso, poderia ná-las “tradição sertanista”, “tradição missionária”, “tradição mercantilista” e
ser pensada como um conjunto de saberes, quer incorporados e reproduzidos “tradição escravista”.
em padrões costumeiros de interação, quer objetivados em dispositivos de Por “tradição sertanista”, entendo um conjunto de saberes que, se alte-
poder, codificações, elementos materiais de cultura (arquitetura, indumentária rando ao longo do tempo, podem ser reportados ao início da exploração portu-
etc.) e incorporados em etiquetas, disposições corporais, gestos esteriotipados guesa da África, notadamente à dos espaços afastados do litoral, os chamados,
e esquemas de pensamento, bem como retóricas esterotipadas relativas a ações, desde o século XV e já na África, sertões. Tais saberes geram-se e referem-se
espaços e populações. Descobrir e disseminar informações, submeter e definir, às ações de explorar e registrar os contornos de espaços geográficos incógni-
classificar e hierarquizar, aglutinar e localizar os povos conquistados e os espa- tos, inserindo-os no conjunto de representações acumuladas como partes do
ços por eles habitados são operações desenvolvidas pelo que proponho chamar “mundo conhecido” pelo explorador. Geram-se, assim, conhecimentos com
de saberes de gestão e pelos poderes pelos quais se exercem e gestam e gerem. sentido e valor estratégico no plano geopolítico e econômico, por vezes trans-
No entanto, tais formas de conhecimento incidem também sobre os povos e formados em cartas e mapas geográficos, de modo a avaliá-los enquanto fontes
organizações que conquistam e colonizam novos espaços geográficos e seus para exploração comercial, esboçar uma descrição das populações humanas
habitantes, em um necessário e transformador efeito de retorno. Os conheci- nativas desses espaços, mantendo com elas contatos e trocas iniciais, muitas
mentos assim gerados reordenam as representações dos povos colonizadores, vezes estabelecendo algumas das primeiras operações de uma guerra de con-
e de suas organizações administrativas, sobre a natureza e as sociedades huma- quista. No caso brasileiro, no contexto da proteção oficial aos índios, logo no
nas, conferindo-lhes novas posições em seus próprios mapas mentais. século XX, o termo sertanista designava o especialista nas técnicas de atração
Os poderes de gestão de populações em contextos coloniais definem e pacificação (SOUZA LIMA, 1995) de índios ainda arredios à interação regular
simultaneamente espaços sociais e geográficos, criando-se, por vezes, verda- com os aparelhos de governo, fossem hostis ou não.11
deiros territórios entretecidos com hierarquias sociais. Mesmo quando apa- Por “tradição missionária”, é possível designar o conjunto de saberes que
rentemente voltados para uma integração crescente entre povos conquistado- têm na Igreja Católica seu ponto de dispersão, e no Cristianismo em geral,
res e conquistados, o trabalho de gestão colonial busca edificar e perpetuar sua referência básica, sobretudo através do dispositivo da “conversão” e das
a desigualdade de capacidade de realização, de mando e de ver seu mando técnicas de pastorado.12 Era necessário entender os “usos e costumes dos povos
obedecido, assegurando o domínio do colonizador. Quando protegem a dife- gentios” para explicar e impor os modos de ser e agir cristãos europeus, pro-
rença cultural à guisa de permitir a continuidade dos modos e estilos de vida duzindo não apenas aliados e mão de obra, mas transformando pagãos em
que nelas se baseariam, como em uma espécie de estado in vitro, os saberes e catecúmenos. Tratava-se, pois, da tentativa de assegurar que porções cada vez
poderes postos em jogo pelos colonizadores em uma situação colonial exa- mais significativas das realidades construídas pelo colonizador adquirissem o
cerbam-na e criam a necessidade de uma mediação hierarquizante para que automatismo dos efeitos de verdade, fossem incorporados e, por vezes, a partir
os colonizados possam acessar as formas sociais que lhe são impostas como de negociações variadas, sincretizados com correntes culturais dos coloniza-
dominantes. Quando aproximam as diferenças entre as tradições de coloni- dos, criando um solo comum de transações simbólicas. É a visão de mundo do
zadores e colonizados, na busca de maior integração social, amesquinham as conquistador, presente em estado incorporado em valores, disposições para
correntes culturais dos povos colonizados, circunscrevendo-as, delas se apro- a ação, em modos de percepção e interação, disposições corporais, etiquetas,
priando, objetificando e exotizando o cotidiano dos povos que dominam. Em formas de sentir e expressar-se; e objetivada em crenças disseminadas e sub-
ambos os casos produzem, e reproduzem, a desigualdade social. metidas a dispositivos de controle social, instituições, códigos, tecnologias,
Pensando a partir do caso brasileiro, em especial do exercício dos pode-
res de Estado sobre as populações indigenas, e tendo como horizonte de refle- 11 Em Monteiro (1999), encontra-se uma interessante análise de documentos que nos reportam aos
tempos por excelência de constituição do sertanismo. Para desenvolvimentos mais recentes, ver
xão o contexto colonial, poder-se-ia distinguir quatro grandes tradições de Freire (2005); Milanez (2015).
conhecimento para gestão colonial da desigualdade entre os povos indígenas 12 Para a ideia de poder pastoral (ou pastorado cristão), ver Foucault (1990).

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monumentos e em narrativas que passam a construir e constituir a “história” produzir e reproduzir-se, docilizar e cooptar, reprimir e dividir contingentes
dos que nela se reconhecem. As elites crioulas são um particular exemplo do populacionais estrangeiros, transformados em um tipo de mão de obra em
triunfo da “tradição missionária”. Também a “tradição missionária” delimita aparência destituído de outro valor que não o de seu uso como força de tra-
lugares (missões, aldeiamentos, escolas, seminários, faculdades, universidades balho. De que modo surgem, são elaborados e transmitidos os conhecimentos
etc.), modos de intervenção sobre o espaço e sobre o tempo através das popu- para a administração de plantéis de escravos? Qual sua genealogia, desde a
lações com que se defronta, exercendo-se sobretudo enquanto uma “pedago- escravidão no mundo antigo, até os alvores do mundo dos descobrimentos?
gia do exemplo”.13 Como são transformados e em que idiomas de comunicação são veiculados e
Pode-se chamar de “tradição mercantil” um conjunto de saberes pouco retidos? Quais os seus especialistas e os públicos a que se destinam?
voltado para o assenhoramento de espaços ou populações como fins em si. O âmbito próprio da “tradição escravista” não deve ser confundido
Trata-se aqui de produzir e controlar fluxos de interação para a troca de pro- com o da “tradição sertanista”, que se remete à exploração dos espaços e aos
dutos entre povos separados por maior ou menor alteridade cultural visando momentos iniciais da conquista de povos pela empresa colonizadora, embora
a vantagens financeiras. Estão em circulação, portanto, também os conheci- comporte o apresamento de cativos para o trabalho através de guerras de ocu-
mentos e as formas de ação que permitem mercadejar com lucro, transpondo pação ou de razia. Tampouco é o mesmo da “tradição mercantil”, em que é a
mundos sociais dotados de valores distintos quanto à troca, às regras de reci- mercadoria escravo – e não seu trabalho e a riqueza que pode produzir – que
procidade, ao mercado, produzindo interferências profundas na vida social está em jogo. Muito menos o estatuto de populações escravizadas – não só
dos povos vinculados por relações comerciais em contexto colonial. Os sabe- as de origem nativa ao espaço da colônia mas também e, sobretudo, as para
res mercantis operam nesse quadro de alteridade característico das empresas ele transplantadas – é matéria de indagação similar à da “tradição missioná-
coloniais de modo a: 1) perceber a natureza e as sociedades exóticas como ria”, que supõe a liberdade potencial ou futura dos gentios, e espaços como as
fornecedoras e consumidoras de bens (desde produtos até hábitos mentais e missões e os aldeamentos. O espaço próprio à geração e à operação dos sabe-
representações) inexistentes em outros pontos da geografia articulada pelas res que se pode agregar como uma “tradição escravista” é o das plantations e/
redes de comércio ; 2) redimensionar os significados desses bens, de modo a ou de unidades domésticas urbanas, e suas formas de exercício de poder são
que possam ser objetos de consumo progressivamente mais extenso nos uni- coextensivas à gestão de famílias extensas e de suas clientelas associadas. São
versos sociais em que são total ou parcialmente indisponíveis, tornando-as de saberes para a gestão cotidiana, os padrões de interação que se desenvolvem (e
bens extraordinários em necessidades e/ou objeto de desejo de consumo ; 3) permitem que esses se desenvolvam) em espaços domésticos (como também
conceber e regular relações que permitam obter, transportar, circular ampla- em propriedades rurais), ou a partir deles (como em situações urbanas) que
mente e vender de maneira extensiva, segundo a órbita de mercado percebida configurariam uma “tradição escravista”, essencialmente voltada à manutenção
como privilegiada para esses “novos” produtos. da compulsão extraeconômica ao trabalho ainda que com toda uma ampla
gama de variações que as pesquisas mais atuais da historiografia da escravidão
Talvez seja o funcionamento de sistemas escravistas o melhor conhecido
mostraram existir. Nesta escala, os poderes de Estado e os processos de sua
no tocante ao império português e ao Brasil. Todavia, a perspectiva de abor-
formação são indissociáveis das relações familiares e pessoais, sendo estas elas
dar uma dimensão do escravismo enquanto uma tradição de conhecimento
mesmas relações de poder, uma variedade de ação sobre ações, das quais a
para gestão colonial pode ajudar a suscitar outras questões. Cabe indagar de
violência física é um limite emblemático e sua caução última: trata-se aqui de
que modo se construíram, comunicaram e reproduziram os conhecimentos
extrair o máximo de valor através da compulsão extraeconômica ao trabalho.
necessários a: 1) reduzir e transportar, desenraizar culturalmente e inserir par-
cialmente em outro meio cultural (em especial quanto aos modos de trabalho)
Formação de Estado e colonização interna no Brasil
mantendo a hierarquização e a desigualdade; e 2) imobilizar e controlar, fazer
Se a aplicação hipotética dessa constelação conceitual tentativa pode ser
13 Em Castelnau-L’Estoile (2000), encontramos uma análise particularmente estimulante da empresa facilmente imaginada para períodos passados, sua potencialidade explicativa
de jesuítica de conversão dos gentios no Brasil. Usei a expressão “pedagogia” em Souza Lima (1995),
mas a proveniência dessas práticas “demonstrativas” é claramente missionária e, em especial,
não deve se restringir apenas a temas que poderiam ficar na órbita exclusiva
jesuítica. da investigação sobre o passado. Na verdade, cremos que a utilidade dessa

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noção poderia ser mesmo a de estabelecer elos entre locações sociais no pas- No mínimo, estamos diante de problemas relativos aos processos de
sado e presente, contribuindo para pensar em como as relações “armazenam urbanização muito distintos daqueles formulados para diferentes partes do
histórias” (TILLY, 2000). A ideia de “tradições de conhecimento para gestão Brasil, mesmo nas chamadas regiões de fronteira (VELHO, 1976). No máximo,
colonial da desigualdade” pode ser útil à explicação de contextos bem atuais, conviria lembrar quão antiga é a ação eclesiástica na Amazônia, que ela se
permitindo ultrapassar interpretações dualistas de aspectos da vida social, incrementou com a separação entre Igreja e Estado na República, com a cria-
restituindo a uma gama complexa de processos a capacidade explicativa de ção da figura da prelazia – circunscrição de caráter essencialmente missioná-
situações sociais presentes, articulando escalas espaciais e temporalidades de rio (conquistador?) e desbravador – nas regiões da Amazônia de modo geral,
espectro distinto.14 Tal noção pode nos levar dos manifestos (ao modo de libe- em que a Ordem Salesiana teve um destaque fundamental. Um de seus mem-
los denunciando a “colonialidade” ou o “racismo” imantados na vida brasi- bros foi mesmo presidente do estado de Mato Grosso ao longo das primeiras
leira), forçando-nos a descrever a genealogia de dispositivos como o favor, ou décadas do século XX.16
como a dispersão e a capilaridade da violência física guardam grande profun- Se, no entanto, muda-se o ângulo de análise, e aborda-se a mesma região
didade temporal em nosso país, e seguem operando na contemporaneidade – a Amazônia – sob a ótica dos discursos militares para sua ocupação (SOUZA
(FRANCO, 1997). LIMA, 1991), então ficaremos muito próximos de representações e práticas de
Para dar um exemplo, estudos recentes de geógrafos sobre a urbaniza- intervenção que poderíamos com alguma facilidade reportar ao Diretório
ção da Amazônia ocidental nesse século, e mesmo nas duas últimas décadas, Pombalino.17 Os ideais de uma colonização de base militar, mas de caráter
têm mostrado a extraordinária importância da Igreja Católica (mais ainda de essencialmente agrícola, que vinculasse as sociedades indígenas a espaços
sua vertente missionária) no processo de constituição de cidades, sendo com determinados, e as transformasse em agentes do “desenvolvimento regional”,
frequência as paróquias a origem de futuros municípios.15 O linguajar atual surge com frequência. Irrompe, junto com discussões sobre a soberania bra-
empregado por muitos assentamentos humanos para se fazer reconhecer sileira sobre a região amazônica, dá curso a inflamados arroubos de naciona-
como “aglomerados político-administrativos”, inserindo-se na malha estatal, é lismo e xenofobia. Sobretudo, escapa ao viés mais frequente de “explicações”
o da “comunidade”. A estratégia de representar-se como “comunidade”, ou seja, do desenvolvimento histórico brasileiro.18
reconhecer-se e fazer-se reconhecer como “a” comunidade “X” ou “Y” é, em Mas, para terminar com essa exemplificação bastante impressionística
parte, devedora da presença dos segmentos da Igreja relacionados à Teologia de tal sobrevoo – não sou nem pretendo ser “autoridade em Amazônia” –,
da Libertação, na organização das chamadas “comunidades eclesiais de base”. poderíamos ver a representação do destino “agrícola” amazônico (o “celeiro
Mas atende também aos instrumentos de intervenção social das ONGs e de do Brasil”, como já foi chamada a região cuja delimitação é matéria em si para
seus circuitos internacionais de suporte e ação. E em parte, ainda, é incorpo- debate) confrontar-se com um outro conjunto de padrões retóricos e práticas:
rado pelo próprio Estado brasileiro que, sob o influxo de mecanismos multila- aqueles voltados para a extração de inúmeros recursos naturais, dos quais a
terais de financiamento e da cooperação técnica internacional (tema abordado exploração da borracha ficou como o momento mais recente e analiticamente
no capítulo 6 desta coletânea) a eles associada, vem adotando-o em décadas articulado.19 Porém, sem dúvida, a longa história que permite superficial-
recentes. Isso propicia a seus representantes a manipulação de uma forma de mente aproximar empresas tão variadas no tempo e em suas especificidades
divisão social, de distinção no plano político, uma arma muitas vezes poderosa históricas quanto à extração das “drogas do sertão” e da borracha, ou, desde
na luta por recursos. as décadas de 1970 e 1980, de madeira, ao garimpo, à mineração, à “pesquisa”
16 Sobre a Igreja Católica na primeira república, ver, entre muitos outros, Miceli (1988).
14 Para o problema das escalas temporais na análise do social, ver os diversos textos contidos em Revel 17 Cf. Domingues (2000), para uma análise sobre o século XVIII na Amazônia, e Almeida (1997), para
(1996). o Diretório Pombalino propriamente dito.
15 Ver Menezes (2002). Algumas dessas observações são frutos de meu próprio trabalho de campo 18 Para os esquemas de percepção e narração sobre a Amazônia e os povos indígenas, ver Almeida
com a administração pública no terreno das políticas que afetam populações indígenas, bem como (2008); Pacheco de Oliveira (2016).
da leitura da tese de doutorado de Sean Patrick Larvie (1998), e da tese de Henyo Trindade Barreto 19 Ana Maria Lima Daou (1978, 2014), em livro sobre as elites ligadas à exploração da borracha, sina-
Filho (2001) sobre a construção da política ambiental brasileira através do estudo de caso sobre as liza para aspectos importantes da formação social da Amazônia nos finais do século XIX/inícios
reservas de Anavilhanas e do Jaú, no rio Negro/Amazonas. do século XX. Lúcia Arrais Morales (1999, 2002) abordou de maneira especialmente detalhada a

160 161
de espécies animais e vegetais, muitas vezes articulados através de alguma criadores, entre índios e seringueiros (ou seringalistas), procurando-se concei-
forma de intervenção governamental, ou encampando relações de trabalho tuar analítica e criticamente o que para as ideologias nacionalistas da época era
(e sociais) em que a coerção extraeconômica é um suposto, tem hoje nas eli- o “progresso”, a “modernização”.
tes regionais seus melhores representantes, muitas vezes entretecendo-se, de Com o objetivo de ultrapassar esta perspectiva localista, de modo a
maneira surpreendente ao preservacionismo ecologista. De qualquer forma, permitir um enquadramento teórico mais explicativo e abrangente, Cardoso
os resultados e muitas das práticas postas em jogo estão longe das realizações de Oliveira invocava o conceito de situação colonial, proposto por Georges
pretendidas pelos planejadores de processos de colonização dirigida, compon- Balandier (1951) no estudo dos aspectos contraditórios de sociedades afri-
do-se um panorama de enorme complexidade que atende a temporalidades canas. Nas situações coloniais, era possível ver a oposição entre “sociedade
históricas e escalas espaciais que lhes escapam. envolvente” e “sociedades tribais” em países pós-coloniais. Esse era o ponto
No tocante à administração indigenista, a perspectiva de análise a que de partida do conceito de colonialismo interno cunhado por Pablo González
me filiei no desenvolvimento da ideia de poder tutelar, com algumas diferen- Casanova (1963).20 Elaborado a partir da situação mexicana, em si bastante dis-
ças de ênfase e preocupação, acha referência e fonte de intuições iniciais nos tinta da brasileira, o conceito, no entendimento de Cardoso de Oliveira, pode-
textos de Roberto Cardoso de Oliveira, notadamente naquele em que se pro- ria servir de horizonte teórico à sua proposta de análise etnológica em termos
põe a utilizar a noção de colonialismo interno em etnologia. Originalmente de “fricção interétnica” das relações entre sociedades indígenas e “sociedade
publicado em Tempo Brasileiro (1966) e republicado em sua coletânea A socio- envolvente”. Em seus próprios termos, “[...] o etnólogo é estimulado a se orien-
logia do Brasil indígena (1972), tal ensaio de Cardoso de Oliveira, partia da tar para o exame da sociedade nacional vista como um todo e não mais em
discussão das propostas analíticas de Gunnar Myrdal e Wright Mills sobre os suas manifestações regionais” (1972, p. 80), o que tornaria a investigação etno-
problemas do desenvolvimento e das conceitualizações sobre os fortes dese- lógica um elemento fundamental da análise do “segundo Brasil”, para tomar a
quilíbrios enfrentados pelas sociedades ditas subdesenvolvidas (ou em desen- expressão de Lambert.
volvimento) disponíveis naquele momento – como a de sociedade dual, pre- Cardoso de Oliveira propunha ainda que “essas áreas de fricção interét-
sente em Os dois Brasis, livro de Jacques Lambert (1973). Cardoso de Oliveira nica deverão ser tomadas – numa pesquisa inspirada na noção de colonialismo
constatava a maior complexidade da situação a ser descrita, se considerada do interno – como casos particulares de amplo processo de conquista de territó-
ângulo da expansão de uma “sociedade nacional” sobre as sociedades indíge- rios e de sujeição de seus ocupantes tribais” (1972, p. 80).21 Se aparentemente
nas, seu objeto privilegiado de análise. Tomava a ideia de frente de expansão, não foram produzidos muitos desdobramentos dessa perspectiva proposta por
proposta por Darcy Ribeiro a partir da ideia de frente pioneira formulada pelo Cardoso de Oliveira, é possível vê-los largamente redefinidos por outros refe-
geógrafo Leo Waibel, para designar diferentes modalidades pelas quais uma renciais de análise, no estudo de Otávio Velho acerca do que este chamou de
“sociedade envolvente” entrava em contato com as sociedades indígenas. Com “capitalismo autoritário”, a partir do conceito de “fronteira”, gerado no estudo
a noção de “frente de expansão”, mais tarde burilada pelo próprio Cardoso de comparativo de processos de colonização interna como os dos Estados Unidos
Oliveira e, com algumas diferenças, por José de Souza Martins, descrevia-se e da Rússia (VELHO, 1976).22 O conceito de fronteira teria inúmeros desdo-
o que se presenciava imediatamente como resultado do trabalho de campo bramentos, na antropologia e na geografia brasileiras. No entanto, parece-
etnológico: as interações conflitivas entre índios e castanheiros, entre índios e -me que eles acabaram por não realizar uma das demandas da proposta de
Cardoso de Oliveira, isto é, um voltar-se decididamente para uma análise de
migração induzida pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas de trabalhadores nordestinos para a
extração de borracha no período da Segunda Guerra Mundial. Ambas, a partir da antropologia, 20 Ver também a releitura que González Casanova (2007) faz de seu trabalho sobre colonialismo
nos apresentam diferentes aspectos das articulações em jogo nessa vertente da história amazônica interno.
e do Brasil de modo mais geral. Do mesmo modo, Piedrafita Iglesias (2010) nos mostra o seringal
como modalidade de ocupação colonial e as singularidades da situação acreana, mesmo dentro da 21 Para a fecunda noção de fricção interétnica, além dos textos de Roberto Cardoso de Oliveira (1972),
Amazônia, onde a presença da ação tutelar do Estado brasileiro via Serviço de Proteção aos Índios seu formulador, ver Pacheco de Oliveira (2018) quanto à fortuna crítica do conceito.
foi realidade muito limitada. João Pacheco de Oliveira (1979) aborda algumas características dos 22 Para a noção de “frente de expansão” e sua trajetória, ver o verbete de mesmo nome do Dicionário
modelos de seringal entre o fim do XIX e o início do XX, que podem ser em certa medida inspira- de ciências sociais, de autoria de Otávio Velho (1987). Ver também Velho (2016) sobre a trajetória da
doras para o entendimento de outras formas de exploração extrativista na região. reflexão de Otávio Velho sobre o tema.

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certas dimensões da “sociedade nacional”, ficando restrita ao estudo de certos A administração indigenista no Brasil e seus especialistas
tipos de campesinato e de relações localmente circunscritas com agências da
Em A sociologia do Brasil indígena, estão presentes dois outros temas
administração pública. Se levado adiante, o projeto ajudaria a pôr em questão
fundamentais para os estudos sobre política indigenista e indigenismo:24 um
essa categoria de largos usos e poucas definições e demonstrações: a sociedade
deles é o do funcionamento da administração indigenista; o outro, o das repre-
nacional.23
sentações sobre as sociedades indígenas no Brasil.25 Com o primeiro, Roberto
Os problemas com a noção de “colonialismo interno” conforme formu-
Cardoso de Oliveira destacava a importância de um estudo sociológico dos
lada em 1963 são evidentes. De meu ponto de vista, a formulação de González
chefes de posto indígena, os especialistas do Serviço de Proteção aos Índios,
Casanova em 1963 estava marcada por seu tempo, tendo sido construída a
e depois da Fundação Nacional do Índio (Funai), que teriam como função
partir das teorias produzidas no pós-Segunda Guerra Mundial, de base emi-
o relacionamento direto com as sociedades indígenas, dirigindo as unidades
nentemente econômica, sobre e para a “modernização” e o “desenvolvimento”,
locais de proteção oficial, negociando cotidianamente os conflitos de visões
vendo-se assim limitada por esse universo discursivo. São essas mesmas as
de mundo e tradições sociais entre povos indígenas diversos e setores sociais
teorias que, segundo Escobar (1995) engendrariam o “subdesenvolvimento” e
variados no plano local e extra local, exercendo assim a concretude da media-
o “Terceiro Mundo”. O resultado disso era a associação um tanto mecânica de
ção tutelar de modo bastante diverso.26 O segundo tema aponta para as formas
fenômenos como reforma agrária, urbanização e mobilização política, mobili-
como têm sido representadas as sociedades indígenas no Brasil, pelo senso
dade e marginalidade social, formulação de um sistema de classe tipicamente
comum e pela mídia, em livros didáticos, na historiografia oficial do país etc.
industrial, bem como a ampliação da participação política, com o que designa-
Relacionando-os aos contornos da abordagem do indigenismo a partir da
vam basicamente o acesso “democrático” ao voto. Mal se escondem as receitas
ideia de “tradições de conhecimento para gestão colonial da desigualdade”, na
de “sociedade avançada” que no mundo da Guerra Fria tinham matrizes evi-
perspectiva do que, entre outros, Pacheco de Oliveira (1999) tem chamado
dentes, ainda que estas pudessem ser matizadas. O planejamento social ela-
de uma “antropologia histórica”, poder-se-ia estabelecer uma longa pauta de
borado nas décadas de 1950 a 1970, que ensejou as propostas de “moderniza-
investigações. Deve-se enfatizar, porém, que para um país cuja identidade
ção” dos Estados da América Latina, conquanto calcado em boas intenções de
nacional tem nas sociedades indígenas um de seus emblemas, as representa-
transformação e em ideais de justiça social, pensava a “conscientização” como
ções sobre os indígenas e sua história vêm contando com poucos aderentes, e
um processo absoluto, unívoco, que, instaurado pedagogicamente a partir de
muito menos especialistas.27 Em uma investigação de tal natureza, as relações
um dado momento, propiciaria uma ruptura com seu passado e com o coti-
entre antropologia e administração pública teriam um papel destacado.
diano de dominados. Mas não é intenção deste texto fixar-se nos problemas
Mas, para enfatizar uma das possibilidades do uso da ideia de “tradições
que parecem empatar o uso da noção de colonialismo interno.
de conhecimento para gestão colonial da desigualdade”, uma categoria admi-
Esta lógica de apreensão dos fenômenos coloniais, muito distinta do cen-
nistrativa pode ser especialmente significativa, servindo como catalisador de
tro das propostas de Balandier, deixa de fora alguns dos elementos essenciais
vetores socioculturais variados. Trata-se daqueles que, até momentos recentes,
para que se conceitue uma situação enquanto colonial: a assimetria cultural
crescente, o monopólio do acesso aos veículos de propagação de visões de 24 Em Souza Lima (1995) (introdução e capítulo 1), procurei delinear, dando curso a um longo investi-
mento empírico e teórico, o que seria tratar indigenismo ao modo do tratamento analítico dado por
mundo dominantes e saberes legalizados em códigos de conduta e em dis- Edward Said (1990), isto é, como homólogo a orientalismo. Isso apontaria sobretudo para investigar
positivos de poder. É nestes termos que o uso aqui o conceito de tradições de a administração (os relatórios e informes e as práticas da administração colonial franco-britânica
conhecimento proposto por Barth para os contextos de pluralismo cultural, no fim do XVIII/início do XIX são a matéria básica da construção de Said). Também lá expressei as
razões pelas quais optava por uma definição de indigenismo e de política indigenista de acordo com
como são as situações coloniais. Julgo que o conceito nos orienta o olhar em o contexto de origem dessas noções: o mexicano. Em Souza Lima (2002), aprofundei esta discussão.
direção a fenômenos que deveriam ser incorporados ao universo temático que 25 Ver “O papel dos postos indígenas no processo de assimilação dos Terena” e “As mentalidades sobre
abordo neste texto. o índio” em Cardoso de Oliveira (1972).
26 Para a criação do SPI, em 1910, ver Souza Lima (1987); para um breve histórico da Funai, ver Souza
Lima (2001).
23 Aqui cabe lembrar a crítica de Elias (2006) à ideia de sistema social de Talcott Parsons como trans- 27 Alcida Ramos (1999), em recente trabalho destinado a um público estrangeiro, fez a única aborda-
posição acrítica da ideia das ideologias de Estado Nacional. gem alentada, de meu ponto de vista, acerca destes temas.

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ocuparam na administração pública brasileira a posição de especialistas em de criação da Funai, quando por breve tempo um Conselho Deliberativo pro-
índios, logo dentro do escopo do primeiro tema acima por mim destacado no pôs-se a pensar um novo modelo de ação do Estado frente às sociedades indí-
trabalho de Cardoso de Oliveira: os técnicos em indigenismo, concebidos para genas, retomaram essa questão. O primeiro curso de treinamento de técnicos
a função de chefes de posto,28 mas que também atuariam em muitos outras em indigenismo, proposto em 1969 e realizado em 1970 – a ele se seguiram
funções na Fundação. outros oito cursos, o último em 1985 –, sairia já sob o período da ditadura
O técnico em indigenismo era um cargo dentro do organograma da civil-militar e desenvolvimentista, em que o imperativo era a expansão para a
Funai. Foi o suporte a partir do qual se generalizou o termo indigenista para região amazônica (DAVIS, 1978). Seu propósito inicial era não apenas treinar
todo aquele que trabalha “em defesa” das sociedades indígenas, o que permite novos funcionários, mas também qualificar os quadros de ação direta já exis-
ampliar seu uso para os funcionários do aparelho como um todo, estejam eles tentes, muitos deles sem o ensino médio completo, exigência que se deveria
hoje dentro ou fora da Funai. São aqueles indivíduos assim (auto)designados, cumprir para ascender ao cargo de técnico em indigenismo. Eram indivíduos
que passaram por certos ritos de treinamento (como os cursos de indigenismo); recrutados localmente, remanescentes da administração do SPI, que estavam
que integraram, ou integram, certas redes sociais; que comungaram de cer- de direito lotados em cargos inferiores, mas exerciam de fato chefes de posto
tos pressupostos ideológicos em seu trabalho com as coletividades indígenas, indígena. Era necessário dar-lhes os diplomas necessários à ascensão profissio-
qualquer que seja sua formação acadêmica, que mantêm certos valores, eti- nal de modo a conferir à Fundação um corpo funcional qualificado. Essa mes-
quetas, padrões de conduta, formas de transmiti-los e reproduzi-los, um certo cla entre “concursados” e “antigos funcionários” continuaria a existir durante
conhecimento, portanto.29 algum tempo nos cursos, gerando dissonâncias óbvias.
A preocupação em treinar pessoal para o trabalho direto com as socie- Os conteúdos do curso também eram expressivos do período da dita-
dades indígenas, notadamente o da função de chefe de posto indígena, não é dura civil-militar no país. De início, marcados os destinos desenvolvimentista
nova, tendo sido desde o surgimento do Serviço de Proteção aos Índios em e expansionista da Fundação, os cursos voltavam-se para o ensino das técnicas
1910 até sua extinção em 1967 (SOUZA LIMA, 1995). Ela já estava implícita na agrícolas que deveriam ser repassadas aos índios; de noções de “desenvolvi-
proposta de criação de um “Instituto Indigenista Brasileiro” na década de 1940. mento comunitário”; primeiros socorros; sobrevivência na selva, operação de
Na década de 1950, compareceu como um dos principais objetivos da criação rádio; e rotinas burocrático-administrativas da Funai. Pouco a pouco outros
de um curso de especialização na disciplina, desenvolvido no Museu do Índio, conhecimentos foram sendo incorporados: noções de sociologia, antropologia
voltado para capacitação de pessoal em antropologia, com o duplo objetivo de e, sobretudo, estudos etnológicos, além de noções e técnicas de investigação em
produzir pesquisas em etnologia e difundir um padrão de inspiração “cientí- linguística. Para alguns dos participantes, tudo isso era novidade. Para outros,
fica” para o trabalho de “proteção” junto às populações indígenas. Organizado era inócuo: mesmo entre os “concursados” e novos pretendentes a cargos havia
por Darcy Ribeiro, o curso teve a participação de diversos professores conferen- níveis diferentes de informação quanto aos problemas indígenas e experiências
cistas de outras instituições de pesquisa e ensino, entre elas o Museu Nacional, de vida muito distintas. É bom lembrar que o antigo segundo grau (o ensino
através da presença do professor Luiz de Castro Faria (SOUZA LIMA, 2002). médio) era o único pré-requisito aos candidatos ao concurso público para esta
Mas foi com a criação da Funai, e com o surgimento oficial de um cargo carreira de Estado; e que o ensino médio no Brasil não incluía obrigatoriamente,
de técnico em indigenismo, que se fez sentir a necessidade ainda mais aguda de desde a reforma de ensino, nem sociologia nem antropologia. A presença indí-
treinar pessoal para o exercício de uma série de funções. As discussões iniciais gena nos estudos de história e de geografia era superficial e simplista.30
O curso contava também com duas outras formas de transmissão de
conhecimentos para os quais é necessário atentar: 1) palestras de indigenistas
28 Faço as interpretações seguintes com base em minha própria pesquisa sobre o SPI e, mais recente-
mente sobre a Funai, à luz da monografia de conclusão de graduação de Luiza Saldanha (1996).
experientes, ou seja, funcionários da Funai (alguns remanescentes do tempo
29 O material documental e as entrevistas com que trabalhei circunscrevem-se ao período até o fim do SPI) com longo tempo de permanência entre povos indígenas, alguns com
dos anos 1990, quando a carreira de técnico em indigenismo, junto com outras carreiras da Funai
integrava as carreiras de Estado. Meu foco aqui é sobretudo com aqueles que atuavam na media- 30 A reforma de Ensino instituída pela Lei 5.692, de 12 de agosto de 1971, extinguiu a separação entre
ção direta com os povos indígenas, como chefes de Postos Indígenas ou de Ajudâncias/Delegacias cursos normal, clássico e científico e instituiu no 2o grau (equivalente ao atual ensino médio) a
regionais. De lá para cá, muitas foram as redefinições. obrigatoriedade do ensino profissionalizante.

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a marca da experiência nos processos de atração e pacificação (SOUZA LIMA, O curso de 1985, nesse sentido, apresentou um diferencial face aos ante-
1995) de grupos arredios ou hostis – muitos deles ocupantes do cargo de serta- riores. Gerado em um momento em que os funcionários expurgados do apare-
nista, carreira ainda do SPI, também existente na época no plano de cargos e lho ao longo dos momentos mais duros do regime ditatorial voltavam à Funai,
salários da Funai; 2) um estágio de campo, após a parte “teórica” do curso. Isto tinha uma intenção declarada de mudança. Pretendia formar indivíduos crí-
é, em termos ideais o pretendente ao cargo deveria se deslocar para um posto ticos da ação do Estado, que rompessem com alguns “vícios” consagrados na
indígena da Funai no qual trabalharia sob a supervisão de um chefe de posto, prática do trabalho indigenista, que mantivessem diálogo com experiências
devendo ao final produzir um relatório. produzidas por antropólogos, missionários, e outros indigenistas da Funai que
As palestras e o estágio criavam um espaço de transmissão de conheci- desenvolveram práticas alheias às do controle tutelar mais estrito (ou simples-
mentos que existiam essencialmente sob forma incorporada de disposições mente alheias a procedimentos corruptos e corruptores).32 Pensava-se a tarefa
para a ação, em estado prático e assistemático, permitindo aos neófitos iden- indigenista menos como de mediação e mais como de assessoramento e par-
tificarem, sobretudo no plano afetivo, o que viriam a fazer e terem acesso a ceria com as sociedades indígenas. Assim, esperava-se vivificar a prática e dar
uma tradição de conhecimentos, portanto, convivendo com diferentes ima- um passo na reformulação da máquina administrativa da Funai desde dentro.
gens do trabalho indigenista. No estágio de campo, eram obrigados a escrever Uma vez tendo completado o curso, o técnico em indigenismo era des-
sobre suas experiências de trabalho. A escrita fez parte das rotinas dos chefes locado para uma área indígena, onde tinha que, como conseguisse, desenvol-
de postos, antes que diversos fatores justificassem o uso da oralidade como ver algum trabalho. Muitas vezes o que pôde fazer foi figurar, no nível local,
registro preferencial, entre eles o progressivo desmantelamento da estrutura a existência de uma autoridade federal, um elo isolado de uma cadeia mais
administrativa da Funai e a inexistência de recursos destinados aos projetos figurada que real, capaz de se articular e transmitir informações para fora da
de desenvolvimento comunitário (ou mesmo ao trabalho assistencial mais ele- área geográfica em que se situava em busca de auxílio. No limite, e na medida
mentar), além da falta de outros suportes, como equipe de trabalho, uma área em que não existiam recursos disponíveis para atividades de interesse de e
administrativa que contribuísse criativamente para a atividade fim etc.31 para os grupos indígenas, nas entrevistas realizadas, o relato comum foi o da
Os relatórios serviam também a uma função que posteriormente dei- perplexidade solitária do indigenista: sem diálogos, sem troca de conheci-
xaria de ser cumprida pela estrutura organizacional da Funai: a de recolher e mentos com outros técnicos da própria Funai e, às vezes (quando não os via
sistematizar informações sobre o que se passava nas áreas indígenas à admi- como potenciais inimigos e rivais), mesmo com eventuais antropólogos, ou
nistração central. Está aí um modelo de administração pouco centralizada, em missionários, ou mesmo com os índios. Se de saída a Funai não apresentava
que o jogo de negociação que a mantém em funcionamento constrói regiões recursos regulares e não cobrava planejamentos a eles correspondentes, logo
de influência que não coincidem com as circunscrições administrativas, per- passaria ser impossível ter propostas claras de intervenção. Isso se agravaria
mitindo-se uma máxima dispersão da malha governamental. pelas próprias regras de execução orçamentária da União, mais obstáculos do
Os relatórios sobre os estágios nem sempre apresentaram essas expe-
que formas de controle nos rincões longínquos, nos sertões para usarmos um
riências como positivas. Lendo o material, ou interrogando-se a memória dos
termo anacrônico. Obrigados a inventar, os executores diretos das políticas
que passaram pelo curso, com frequência tem-se a impressão de que o estágio
de Estado para índios viam-se muitas vezes à mercê de outros funcionários
adiantaria uma crítica à Fundação feita por todos nas entrevistas realizadas
ligados às atividades-meio (a “área administrativa”) e não às atividades-fim da
para esta pesquisa: a de que o funcionário em área indígena contava consigo
Fundação. Rompiam-se as cadeias de transmissão de conhecimento dotadas
próprio e com a boa relação que pudesse estabelecer entre a coletividade indí-
de algum grau de institucionalização. Outras vezes, as soluções possíveis para
gena com que iria habitar, com segmentos da população regional, com outros
obtenção de recursos para operar na escala micro foi empregar os próprios
funcionários estatais, com missionários, eventualmente com antropólogos
indígenas como funcionários da Fundação; logo, inseri-los enquanto parte da
etc., sendo jogado à sua sorte pela estrutura administrativa organizacional
malha estatal, uma das formas para crescimento da rede de clientelas entre
centralizada em Brasília e tendo que, muitas vezes, aprender, de saída, a lutar
contra segmentos do próprio aparelho a que pertencia.
32 Para uma etnografia de um projeto de ação junto a populações indígenas alternativo ao modelo do
31 Para os projetos de desenvolvimento comunitário da Funai, ver Corrêa (2008). desenvolvimento comunitário da Funai, ver ALMEIDA (2001).

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índios e administradores que suporta sua existência “nacional”.33 Em outros elencadas aqui. Na verdade, o indigenista, enquanto figura-tipo da adminis-
momentos, a estratégia foi conseguir aposentadorias pelo Funrural, órgão de tração tutelar, especialista voltado para administração de situações de plura-
assistência aos trabalhadores rurais, como forma de fazer chegar recursos que lidade cultural, supõe o singular entrecruzamento de tradições de conheci-
mitigassem a fome e a doença entre as sociedades indígenas. Em todos esses mento, invocado pelos engenheiros-militares filiados ao positivismo ortodoxo
casos, com um investimento financeiro mínimo na ação direta, assegurou- brasileiro que implantaram o Serviço de Proteção aos Índios em 1910: mistura
-se uma crescente integração entre indígenas e malha administrativa estatal. de missionarismo e martírio, de sertanismo heroico, desbravador e naciona-
Desde a administração de Márcio Santilli na presidência da Funai, de setem- lizante, da experiência de gestão como senhor ou capataz de aglomerados de
bro de 1995 a março de 1996, foi possível saber o quanto o número de funcio- trabalhadores em situação semisservil ou escrava, e da ciência de evolução da
nários indígenas é expressivo. humanidade, o ímpeto civilizador e expansionista estando presente a todos.
Sem sistema de qualificação ou ascensão por mérito em uma carreira, Reunir-se-ia, então, sob a bandeira de um Estado nacional e em aparelhos
um técnico em indigenismo, quando começava a compreender e estabelecer as de governo voltados para a dimensão intraterritório brasileiro, um elenco de
relações necessárias a atuar entre uma coletividade indígena, poderia acabar saberes cuja genealogia está por ser adequadamente feita.
sendo transferido para outra circunscrição administrativa, para trabalhar com De qualquer forma, o período final dos anos 1980 até o presente viu a
outros povos, tendo que recomeçar aparentemente do nada em outra região aparente derrocada da ação tutelar, já divisada nos materiais que mostram a
do país. Outro destino possível na trajetória desses especialistas foi passar precariedade com que os agentes do exercício tutelar operavam, e como, ali-
para instâncias não locais da estrutura burocrática da Funai. Mas isso é para cerçados em múltiplos conhecimentos, eles por tanto tempo figuraram uma
falar dos que não se envolveram em práticas corruptas e criminosas que hoje ação de Estado para os povos indígenas, sempre insuficiente ou diferencial-
o Relatório Figueiredo permitiu recuperar, como sinalizado no capítulo três: mente distribuída e sempre (e ainda hoje) demandada. Sem sombra de dúvida,
muitas vezes, cioso de seu micropoder, presunçoso do exercício da tutela, o as condições de exercício da ação de governo sobre as coletividades indígenas,
técnico em indigenismo ou aqueles que ainda que sem sê-lo exerciam a fun- agora expurgada do termo tutela, após tantas alterações regimentais e frente a
ção de chefe de posto transformaram-se em régulos locais, como há muitos tantos outros cortes de funções e de orçamento, indiscutivelmente mudaram.
na administração pública brasileira, gerindo clientelas, engajando-se em todo Em investimentos futuros, teríamos de nos perguntar em que medida
tipo de exploração do trabalho e dos recursos naturais de uma coletividade tais alterações repercutiram de fato nos saberes/fazeres, nos repertórios e nas
indígena etc. Ou, então, o heroísmo sacerdotal que infundia um certo espírito práticas que fizeram de uns tutores e de outros tutelados, em quais locais essa
de martírio, presente em muitas vocações e boas intenções de pessoas que de mudança se efetivou, em quais outras situações os resquícios desse modo
fato viveram em condições de grande dificuldade e perigo atuando em defesa de governar convergiram. As tradições de conhecimento que confluíram no
das coletividades com que trabalhavam, levou com facilidade à arrogância no indigenismo brasileiro ainda assombram os povos indígenas, seja naquilo que
trabalho com os povos indígenas, ao fechamento sectário e corporativo, ao Cristiane Julião (2018) chamou em sua dissertação de mestrado de “tutela
antagonismo contra todas as formas de aliança com atores de fora da agência, contemporânea”, seja na emergência de indígenas “empreendedores” no estilo
contra todas as formas de registro e reflexão sobre um trabalho tão delicado neoliberal.
quanto todo aquele que envolve as vidas de sociedades humanas em contato.
Referências bibliográficas
***
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Neste breve ensaio, procurei mostrar como, na formação de quadros para notas para uma leitura crítica de esquemas interpretativos da Amazônia que domi-
uma parte da administração colonial brasileira da atualidade, aquela chamada nam a vida intelectual. In: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Antropologia
de indigenista, é possível ouvir ecoar as distintas tradições de conhecimento dos archivos da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa 8/Fundação Universidade do
Amazonas, 2008. p. 15-126.
33 Bezerra (1995, 1999) apontam para o papel das relações pessoais e das práticas clientelistas no fun-
cionamento do Estado no Brasil.

170 171
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