Segundo Cascudo (1983a, p. 39-41) cultura é “o conjunto de técnicas de
produção, doutrinas, e atos, transmissível pela convivência e ensino, de geração em geração” e compreende “o patrimônio tradicional de normas, doutrinas, hábitos, acúmulo do material herdado e acrescido pelas aportações inventivas de cada geração”. A cultura é uma herança social Para Luís da Câmara Cascudo, é possível interpretar a cultura popular como resultado da “sabedoria oral”, memória coletiva anteposta aos conhecimentos transmitidos pela ciência. Possuidora de “bases universais”, portadora de um “instinto de conservação para manter o patrimônio sem modificações sensíveis, uma vez assimilado" (CASCUDO, 1983, p. 679). Apesar desse instinto de conservação, a cultura popular é detentora de um caráter multidimensional e está aberta ao contato com o novo. O próprio Câmara Cascudo assegura ser a cultura, em grande parte, fruto da aculturação e da difusão cultural, já que nenhuma cultura poderia ser considerada imune à mistura. Para o autor, “não existe civilização original e isenta de interdependência”(CASCUDO, 1983, p. 429). A cultura popular é justamente resultado de todos esses resultados, fundidos pelos processos mais inexplicáveis ou claros, viajando através do mundo, obedientes aos apelos misteriosos que não mais podemos precisar. A cultura popular é o último índice de resistência e de conservação do nacional ante o universal que lhe é, entretanto, participante e perturbador (CASCUDO, 1983, p. 688-689). Para Cascudo (1983, p. 39), na cultura popular existiria um processo lento ou rápido de modificações, supressões, mutilações parciais no terreno material ou espiritual do coletivo sem que determine uma transformação anuladora das permanências características”. Leio como sendo estas “permanências características” o saber e o saber-fazer do povo que atribuem à cultura popular seu caráter de continuidade, funcionalidade e utilidade, que, por sua vez, a torna “(...) mantenedora do estado normal do seu povo quando sentida viva, sempre uma fórmula de produção”. (CASCUDO, 1983, p. 40). A cultura popular não é um mero suporte idealizador para a tradição, por estar muito além das representações estanques, segundo as quais ela ocorreria apenas no passado; na verdade, é o hoje vivido e expresso. Assim, o folclore é visto como uma manifestação da cultura popular, uma cultura viva, útil, diária e natural. Souza (2007, p. 121) aponta que “os estudos folclóricos não foram estruturados no espaço acadêmico, mas de forma alheia e, muitas vezes, em oposição a ele”. Por isso, Cascudo se preocupou em levantar o material folclórico de forma sistemática e baseada em critérios científicos. Desta forma, foram produzidos o “Dicionário do Folclore Brasileiro” (1954), com verbetes que explicam e conceituam as diversas práticas populares, e “Antologia do Folclore Brasileiro” (2003), contendo os nomes e atos dos diversos pesquisadores dessa ciência. Há anos o termo folclore tem sido evitado por muitos estudiosos, por seu desgaste semântico. Um dos motivos dessa deterioração se deu pela maneira como os fatos culturais populares, tradicionais, foram concebidos, estudados e divulgados por muitos folcloristas: de modo descontextualizado, considerados apenas em aspectos fragmentados das expressões em si, nas suas exterioridades e formas, independentemente das suas funções e sentidos profundos para as pessoas e comunidades onde se preservam. Nesse viés, acabavam servindo como alegoria e representação da cultura nacional, da brasilidade, ou das regionalidades, ou ainda como manifestações de arte, para o usufruto estético e de entretenimento. Tais enfoques provocaram nas pessoas visão negativa a respeito desses fatos, como se fossem expressões curiosas, rústicas, anedóticas, exóticas diante da vida moderna, vinculados aos ignorantes e à pobreza. O folclore se prestava a exaltação romântica e reconhecimento do “povo” brasileiro, como referência da identidade da nação. O sociólogo Florestan Fernandes, desde a década de 1940,alertava para as questões epistemológicas relacionadas aos estudos do folclore, em diversos artigos publicados em jornais e revistas, como: “Folclore e Ciências Sociais” (1959); “Objeto e campo do folclore” (1958); “Folclore e sociedade” (1960); “O folclore como método” (1944) e outros, que podem ser encontrados em Fernandes (1961). Ver, também, Vilhena (1997) Cultura da Infância A cada manhã, a Casa Redonda compartilha de uma experiência única ao conviver com a alegria expressa na movimentação espontânea das crianças. Brincando, elas ocupam o espaço em toda a sua dimensão e as brincadeiras vão surgindo aqui e ali, dentro de um ritmo natural favorecido pelo encontro com outras crianças e pela liberdade que lhes permite viver seu próprio tempo: o momento de chegar e iniciar suas escolhas que sempre envolvem desafios ao próprio crescimento. Se acompanharmos uma criança durante apenas uma manhã, como professores, seremos surpreendidos pela variedade e qualidade de experiências vividas por elas em suas brincadeiras e perceberemos nitidamente a presença de um fio condutor que percorre passo a passo aprendizagens significativas envolvendo as várias linguagens de conhecimento. Curiosa, indagadora, exploradora, sempre disposta a ir adiante, enfrentando desafios constantes, atenta a tudo que ocorre à sua volta, a natureza humana que sabe Brincar presente nas crianças confirma que o desenvolvimento destas processa de uma forma sistêmica, sem fragmentações, em que tudo está ligado a tudo. Garantir esta iniciação, este modo próprio de se comunicar com o mundo na Infância, é, uma das bases essenciais de um desenvolvimento saudável das crianças. UM OLHAR PARA O QUINTAL Sobre o quintal, esse genuíno território do brincar, solo coletivo onde se cultiva a conversa com a família e com a vizinhança, terreno com cheiro de festas, onde se nutre poesia, se colhe imaginação, Andrea Soares comenta: São muitos quintais Brasil a fora e cada um deles, a sua maneira, preserva saberes antigos e germina saberes novos, num processo de renascimento que nunca se esgota, para além de nosso entendimento ou conhecimento em torno dele [...]. É lugar de segredos e partilhas, onde o ontem e o hoje se encontram. (SOARES, 2013, p. 32).
No quintal todo mundo brinca junto, canta junto, ri junto e principalmente,
aprendejunto. Um baú de possibilidades que abarca o universo das brincadeiras, dos brinquedos, e que é inerente à cultura da infância. E, em se tratando da cultura tradicional brasileira e seus territórios, desvela-se em uma vastidão de possibilidades lúdicas. Lydia Hortélio, uma das maiores personalidades vinculadas à pesquisa da música tradicional da infância, no Brasil, ela mesma brincante desde menina, se debruça nas lembranças das vinte e cinco mangueiras do seu quintal: do mundo dos corre-corres, pega-pegas, do faz de conta, das cantigas de roda, dos movimentos prazerosos do corpo e do manifestar-se inteira com a natureza. Decana no entendimento da importância de garantirmos à infância um espaço natural que sirva de ponto de encontro, entre a criança e o percurso de seu conhecimento, onde a mesma possa experimentar suas descobertas, a educadora alerta-nos para a artificialidade paralisante do mundo virtual de hoje, principalmente os infantes das grandes metrópoles, profundamente carentes de aprendizados sensíveis. “É preciso estarmos em meio às árvores, voltarmos a respirar ar puro, ouvir o canto dos pássaros, reparar nas cores e nas formas da natureza, sentir o movimento do ar e das águas, o significado de sol e sombra, compreender com o corpo, amar a Beleza, vivenciar a inteireza da Vida e, assim, chegarmos a restabelecer ritmo em nossas vidas, pulsar junto, desenvolver uma inteligência sensível e uma vontade criadora impulsionando para o redirecionamento dos nossos sentidos e do nosso destino” (HORTÉLIO – Criança e Natureza) O ADULTO ACREDITA NO QUE EXISTE, A CRIANÇA EXISTE NO QUE ACREDITA
Texto 02 - ALBUQUERQUE JR. Durval M De. Fragmentos Do Discurso Cultural Por Uma Análise Crítica Das Categorias e Conceitos Que Embasam o Discurso Da Cultura No Brasil.