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RIO GRANDE DO NORTE


SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA DEFESA SOCIAL
POLÍCIA MILITAR
DIRETORIA DE ENSINO

ÉTICA E CIDADANIA:
Aplicada à polícia militar

Natal/RN
2020
2

GLEYDSON RODRIGUES DANTAS1

ÉTICA E CIDADANIA:
Aplicada à polícia militar

Conteúdo apresentado para nos Cursos de


Formação da PMRN.

Natal/RN
2020

1
Mestrando em artes cênicas (UFRN, 2020 -); graduação em Segurança Pública pela Academia de Polícia
Militar Cel. Milton Freire de Andrade (Bacharel, PMRN, 2012); Especialização em Corpo e Cultura de
Movimento (Especialista, UFRN, 2006); Graduação em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (Bacharel/Licenciado, UFRN, 2005). Curso de Técnicas de Ensino Policial
(PMRN/2016). Tem experiência na área de Defesa, com ênfase em Segurança Pública, atuando
principalmente nos seguintes temas: Educação e Segurança Pública, com trabalhos publicados e
defendidos em nível internacional, nacional e estadual. Atualmente é Oficial da Polícia Militar (1ºTen.
PM) servindo na Academia de Polícia Militar Cel. Milton Freire de Andrade como Subchefe da Divisão
de Ensino e Pesquisa.
3

REFLEXÕES!

Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para


responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3)
posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu
devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito
quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e
o que você deve.

Mário Sérgio Cortella2

A vida nos obriga a fazer escolhas terríveis, mas parece que agora
decidimos que "tudo é bonito se dissermos que é bonito". Como nos
contos de fadas. Mentira: nossas escolhas são pautadas pelo útil,
nossos atos são calculados, nossos afetos são estratégicos. E a
moderna ciência do egoísmo encontra as fórmulas para fazer isso
tudo bonito. E o contrário disso não é a felicidade, mas a
maturidade. Adultos infantis não gostam disso. Preferem ser
avatares de si mesmos num mundo sempre florido.

Luiz Felipe Pondé3

Ética é um esforço pessoal contínuo, constante. Todos somos iguais.


A vaidade é inimiga da ética. Pessoas éticas possuem amigos e
pessoas não éticas possuem cúmplices. Mandar é o teatro do mundo
que me faz parecer superior, mas isso não é viver. Quanto mais eu
subo na carreira ou no campo pessoal, mais eu tenho que servir a
todos.
Leandro Karnal4

2
Disponível em: https://docero.com.br/doc/58cx88. Acessado em: 10 jan. 2019
3
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2009201018.htm Acessado em: 22 jan.
2020
4
Disponível em: https://www.fcm.unicamp.br/fcm/en/relacoes-publicas/saladeimprensa/palestra-com-
leandro-karnal-sobre-etica-lota-auditorio-da-fcm Acessado em 27 fev. 2020
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APRESENTAÇÃO

O que é ética e cidadania? Se partirmos apenas da definição das palavras, seria:


A ética pode ser confundida com lei, embora, com certa frequência, a lei tenha como
base princípios éticos. Porém, diferentemente da lei, nenhum indivíduo pode ser
compelido, pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem
sofrer qualquer sanção pela desobediência a estas; mas a lei pode ser omissa quanto a
questões abrangidas pela ética..
Já a cidadania, também pode ser definida como a condição do cidadão, indivíduo
que vive de acordo com um conjunto de estatutos pertencentes a uma comunidade
politicamente e socialmente articulada. Uma boa cidadania implica que os direitos e
deveres estão interligados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuem para uma
sociedade mais equilibrada e justa. É o conjunto de fatos que produzem um
acontecimento reprovável ou desumano, causado pelos autores de uma transgressão aos
direitos, liberdades e garantias. Segundo a Constituição Federal (1988), está tipificado
no art. 5º, XXXIX, que só há crime com lei anterior que o defina, e pena com previa
cominação legal.
Esses conceitos de Ética e Cidadania tornam-se ainda mais complexos quando
decidimos aplicá-los ao processo formativo em Segurança Pública. Para tanto,
ressaltamos a peculiaridade profissional como justificativa das dificuldades inerentes a
esse imbricado sistema de ensino e aprendizagem sobre os temas. Nós, profissionais da
Segurança Pública, somos responsáveis pela qualidade do serviço prestado à população,
pois temos a árdua tarefa de por em risco a própria vida em função, quase todas às
vezes, de alguém desconhecido.
A reflexão gerada pela epígrafe – Reflexões! – deste material, nos desperta a ter
em mente um diálogo sobre o propósito do conhecimento e não apenas do conteúdo, ao
qual nos propomos a lecionar, inserindo a discussão sobre a prática como exercício dos
conteúdos a serem, preferencialmente, vivenciados em sala de aula. Sim, mesmo
conteúdos aparentemente teóricos podem ser vivenciados, visto que a reflexão é
também uma forma de prática, ou como chamaria Paulo Freire, uma práxis, ou seja, o
exercício de refletir sobre o que se faz se confunde com o próprio fazer.
É sobre esse pensar sobre o fazer que nos propusemos a construir esse material
que irá subsidiar nosso dia a dia nas aulas. Um recorte de vivências e reflexões aliadas à
5

Matriz Curricular Nacional (MCN2014) para ações formativas dos profissionais da área
de segurança pública. Uma singela contribuição para auxiliar a cada profissional da
segurança pública no diálogo com conteúdos que lhe forem propostos.
Partiremos dos conceitos básicos que subsidiarão as reflexões a respeito do tema
utilizado para a sensibilização inicial; Conceitos: moral, valores, costumes e cultura
(geral e específica da função) contextualizados no tempo e no espaço; A profissão do
profissional da área de segurança pública fundamentada na ética; A situação ética dos
profissionais da área de segurança pública em relação às exigências legais e às
expectativas dos cidadãos: despersonalização (indivíduo versus profissional/
estereótipos) e atitudes profissionais éticas; A conduta ética e legal na atividade do
profissional da área de segurança pública; A função do profissional da área de
segurança pública e suas responsabilidades – a necessidade de um código de ética
profissional - a relação com o arcabouço jurídico para o desempenho da atividade do
profissional da área de segurança pública – código de conduta para funcionários
encarregados de fazer cumprir a lei (ONU) e, por fim, permeando os demais conteúdos,
um diálogo sobre cidadania aplicada à atividade policial.
Que tenhamos boas vivências!
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SUMÁRIO

1 Mapa da Disciplina 7
Introdução 10
2 Ética 11
3 Moral 13
4 Diferenças entre ética e moral 15
5 Tipos de Ética 17
6 Princípios da Ética 18
7 Conduta ética no Serviço Público 22
8 Dos crimes praticados contra a administração pública pelo funcionário público 26
9 A situação ética dos profissionais da área de Segurança Pública 28
10 Cidadania 34
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1 MAPA DA DISCIPLINA5

Disciplina Ética e Cidadania


Carga-horária Conforme Plano de Curso
 As doutrinas éticas fundamentais nascem e
desenvolvem-se em diferentes épocas e
sociedades, como resposta aos conflitos básicos
apresentados entre os homens.
 O senso moral baseia-se em princípios, valores e
costumes contextualizados no tempo e na
sociedade e tem por objetivo a regulação moral da
vida cotidiana, pois é na dinâmica da vida social
que se constroem as relações éticas fundamentais.
 Atualmente, a ética contempla a condição de vida
do homem no mundo e dos seus limites e
possibilidades. Num mundo de intensas
transformações culturais, é preciso compreender
que a diversidade humana tem provocado
modificações nas relações sociais.
 Por este motivo é necessário buscar recursos em
outras áreas do conhecimento com vistas à análise
Contextualização do comportamento humano. É desta forma que se
pretende trabalhar com o profissional de segurança
pública, fazendo com que ele também se
reconheça como ator fundamental no processo de
construção de uma sociedade mais justa e íntegra,
já que, o sentimento de pertencimento social é
intrínseco à cidadania.
 O estudo da ética é de fundamental importância
para que o profissional de segurança pública possa
optar, com segurança, sobre sua conduta ao
defrontar-se com as situações de dualidade, tão
frequentes em seu cotidiano profissional. Além
disso, há uma dimensão pedagógica no seu “fazer
profissional” que requer que ele aja de acordo com
os princípios éticos, entendendo o significado do
seu exemplo como protagonista do bem estar
social e situacionais sobre a personalidade e
orientando na formulação de políticas públicas.
 Compreender as questões éticas e refletir sobre o
seu papel como profissional de segurança pública.
 Desenvolver uma conduta ética e legal que o
Objetivos da disciplina
auxilie nos seus momentos de decisão, sejam eles
momentos particulares ou profissionais.
 Reconhecer a visibilidade moral e a importância

5
PASSOS, A. S. [et al.]. Matriz curricular nacional para ações formativas do profissionais da área de
segurança pública. Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2014
8

de uma postura político-pedagógica que a atuação


do profissional de segurança pública requer ao
antagonizar as atividades ilícitas e criminais.
 Bases filosófica e epistemológica;
 Valores organizacionais, sociais e pessoais;
 Papel do profissional da segurança pública na
construção do Estado Democrático de Direito;
Aspectos Conceituais
 Código de conduta para os encarregados da
aplicação da lei (ONU);
 Códigos de ética e/ou regimentos disciplinares;
 Art. 5° da Constituição Federal.
 Observância e reflexão sobre Art. 5° da
Constituição Federal;
Aspectos Procedimentais  Mecanismo de servir e proteger de acordo com as
condutas éticas descritas nas normas
internacionais.
 Postura como protagonista do bem estar social;
 Reconhecimento de que os nossos atos são
políticos indo além das suas dimensões técnico-
científicas e corporativas;
Aspetos Atitudinais  Responsabilidade social assumindo seus atos,
reconhecendo-se como autor com capacidade de
agir por si mesmo, com autodeterminação,
autonomia, independência, com noção de
interdependência.
 Conceitos: moral, valores, costumes e cultura
(geral e específica da função) contextualizados no
tempo e no espaço;
 A profissão do profissional da área de segurança
pública fundamentada na ética;
 A situação ética dos profissionais da área de
segurança pública em relação às exigências legais
e às expectativas dos cidadãos: despersonalização
(indivíduo versus profissional/ estereótipos) e
atitudes profissionais éticas;
Conteúdo programático
 A conduta ética e legal na atividade do
profissional da área de segurança pública;
 A função do profissional da área de segurança
pública e suas responsabilidades – a necessidade
de um código de ética profissional - a relação com
o arcabouço jurídico para o desempenho da
atividade do profissional da área de segurança
pública – código de conduta para funcionários
encarregados de fazer cumprir a lei (ONU);
 A cidadania aplicada à atividade policial.
 Exibição de filmes seguidos de discussão e debates
(como sugestão, nos primeiros dias de aula, poderá
Estratégias de Ensino-
ser exibido o filme “Um Dia de Treinamento”, ou
aprendizagem
mídia similar; isto permitirá um excelente debate);
 Discussões sobre casos concretos e atuais;
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 Discussões em grupo e dinâmicas;


 Estudo de textos pertinentes ao tema;
 Consulta à legislação e documentos afins.
 Avaliação continuada a partir da execução dos
Avaliação da Aprendizagem exercícios propostos;
 Avaliação objetiva.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na
Constituição de 1988: conteúdo jurídico das
expressões. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

BULGARELLI, Reinaldo. Diversos somos todos:


valorização, promoção e gestão da diversidade nas
organizações. (s.l.): Cultura, 2008.

CHOUKR, F. H.; AMBOS, K. Polícia e estado de


direito na América Latina. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2004.

DIMENSTEIN, G. O cidadão de papel: a infância, a


adolescência e os direitos humanos no Brasil. 19. ed.
São Paulo: Ática, 2000.
Referências
JARES, Xesús. Educação para a paz: sua teoria e
sua prática. Porto Alegre: Artmed, 2002.

KIPPER, Délio José (Org.) Ética e pratica: uma visão


multidisciplinar. Porto Alegre: EDIPUCRS,.2006.

SAFIOTTI, H. Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado


e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2004.

_____. Reflexões sobre cidadania e formação de


consciência política no Brasil. In: SPINK, Mary Jane
(Org.). A cidadania em construção: uma reflexão
transdisciplinar. São Paulo: Cortez, 1994.
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INTRODUÇÃO

Todo grupo social tem um conjunto de valores morais, hábitos e costumes que
regulam o convívio coletivo e é fruto da cultura desse grupo. O Policial Militar, ao
tempo que faz cumprir as normas de convivência coletivamente aceitas pela sociedade,
também deve ser cumpridor dessas normas. Por este motivo, conhecer a origem dos
valores morais e dos costumes de nossa sociedade é de fundamental importância para
que o Policial Militar, ao defrontar-se com as situações de dualidade, possa agir como
protagonista do bem-estar coletivo tanto na formação inicial quanto na formação
continuada.
Faz-se necessário ao policial Militar, portanto, compreender a importância do
comportamento sócio-profissional por parte o Policial Militar; analisar os principais
conceitos que definem a ética na sociedade contemporânea; entender como se dá o
processo ético do fazer profissional; estabelecer a relação da ética nas principais
atividades cotidianas do Policial Militar e os novos desafios quanto operadores de
Segurança Pública; fomentar o comportamento ético do profissional policial militar; e
conhecer a conduta ética sobre vistas à legislação vigente PM/RN.
Para uma melhor compreensão, os conteúdos podem ser trabalhados
observando-se os:
a) Aspectos conceituais, com suas bases filosófica e epistemológica, valores
organizacionais, sociais e pessoais, o papel do profissional da segurança pública
na construção do Estado Democrático de Direito, código de conduta para os
encarregados da aplicação da lei (ONU), códigos de ética e/ou regimentos
disciplinares, e Art. 5° da Constituição Federal;
b) Aspectos procedimentais, com observância e reflexão sobre Art 5° da
Constituição Federal, mecanismo de servir e proteger de acordo com as condutas
éticas descritas nas normas internacionais;
c) Aspectos atitudinais, com uma postura protagonista do bem estar social,
reconhecimento de que os nossos atos são políticos indo além das suas
dimensões técnico-científicas e corporativas, responsabilidade social assumindo
seus atos, reconhecendo-se como autor com capacidade de agir por si mesmo,
com autodeterminação, autonomia, independência, com noção de
interdependência.
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O intuito inicial é fazer com que se percebam as diferenças entre o que é ético e
moral, para que seja capaz de observar e analisar os fatos da vida cotidiana, tanto na
esfera privada quanto no ambiente de trabalho. Mas, antes disso, respondamos as
seguintes perguntas: Por que estudar Ética?
a) É um assunto recorrente e que sempre foi de interesse do homem. As questões
éticas perpassam por todos os aspectos da vida (familiar, profissional,
acadêmico, social), ao passo que desde a antiguidade o homem nutre interesse
pelo assunto;
b) Por conta do aumento da competitividade e individualismo. O modelo
econômico vigente, o sistema capitalista, estimula os imperativos “cada um por
si” e “os fins justificam os meios”, o que gera várias distorções no convívio
social;
c) Por conta da crise de valores. A corrupção está impregnada no cenário
político, econômico e social do nosso país que acaba por possibilitar perdas de
referências éticas. As pequenas corrupções e o “jeitinho brasileiro” estão
entranhados na cultura brasileira, ao passo que pessoas que se comportam
eticamente às vezes são tachadas de “bobas”, enquanto que os que burlam as
leis, por exemplo, são tidas como “espertas”, gerando uma confusão entre o que
é o certo e o errado, ocasionando assim a crise de valores.
d) Para fortalecer ações éticas no setor público. Exatamente por conta da crise de
valores, que se faz mister fomentar as discussões sobre a ética a fim de fortalecer
as ações éticas no setor público, além de possibilitar que as reflexões sejam
conduzidas pelo(a) servidor(a) para os mais diversos âmbitos de sua vida.

2 ÉTICA

O dilema do “Ser ou não ser? Eis a questão!” é imbricada na vida como pauta
recorrente. Entretanto, quando partimos para a práxis em segurança pública, por
exemplo, se estabelecemos o dilema, cria-se um problema. Pois é condição primaz a
condução ética do ofício.
Deve-se ou não apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito
próprio ou alheio? Deve-se ou não exigir, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela,
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vantagem indevida? Deve-se ou não solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta
ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela,
vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem? Deve-se ou não retardar ou
deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou pratica-lo contra disposição expressa
em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal?
Se acaso cogitou “sim” para alguma coisa acima, informamos que trata-se de
conduta criminosa tipificada como, Peculato, Concussão, Corrupção passiva e
Prevaricação, respectivamente. Condutas reprováveis e típicas de funcionário público,
incluindo àqueles que trabalham com a Segurança Pública. Entretanto, vem disfarçada
de “uma ajuda”, um “faz-me rir”, uma “parceria público-privada”, um “amigo(a) da
polícia”... E tanta outras formas que se criem para amortizar ou, por vezes, justificar o
cometimento da conduta.
Depara-se diariamente com vários dilemas que envolvem a ética. Umas questões
são mais simples e outras nem tanto assim. Mas de um modo geral, elas permeiam,
atravessam a vida. Através da ética decide-se acerca de várias questões como a escolha
dos nossos governantes, dos nossos cônjuges, das nossas amizades... Enfim, através da
ética decidiremos qual o caminho iremos trilhar. Mas, afinal, o que é Ética?
A palavra ética deriva do termo grego, “ethos” e significa modo ser, caráter,
comportamento. É um ramo da filosofia que lida com a compreensão das noções e dos
princípios que sustentam as bases da moralidade social e da vida individual. Trata-se de
uma reflexão sobre o valor das ações sociais consideradas tanto no âmbito coletivo
como no individual. Em outras palavras, é um conjunto de conhecimentos extraídos da
investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma
racional, fundamentada, científica e teórica. A Ética teoriza sobre as concepções que
dão suporte à moral. Em suma, é uma reflexão sobre a moral.
O exercício de um pensamento crítico e reflexivo quanto aos valores e costumes
vigentes tem início ainda, na cultura ocidental, na Antiguidade Clássica com os
primeiros grandes filósofos, a exemplo de Sócrates, Platão e Aristóteles. Questionadores
que eram, propunham uma espécie de “estudo” sobre o que de fato poderia ser
compreendido como valores universais a todos os homens, buscando dessa forma ser
correto, virtuoso, ético. O pano de fundo ou o contexto histórico no qual estavam
inseridos tais filósofos era o de uma Grécia voltada para a preocupação com a pólis,
com a política.
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Nesse contexto, a ética seria uma reflexão acerca da influência que o código
moral estabelecido exerce sobre a nossa subjetividade, e acerca de como lidamos com
essas prescrições de conduta, se aceitamos de forma integral ou não esses valores
normativos e até que ponto nós damos o efetivo valor a tais valores.
Segundo alguns filósofos, nossas vontades e nossos desejos poderiam ser vistos
como um barco à deriva, o qual flutuaria perdido no mar, o que sugere um caráter de
inconstância. Essa mesma inconstância tornaria a vida social impossível se nós não
tivéssemos alguns valores que permitissem nossa vida em comum, pois teríamos um
verdadeiro caos. Logo, é necessário educar nossa vontade, recebendo uma educação
(formação) racional, para que dessa forma possamos escolher de forma acertada entre o
justo e o injusto, entre o certo e o errado.
Assim, a priori, podemos dizer que a ética se dá pela educação da vontade.
Segundo Marilena Chauí em seu livro Convite à Filosofia (2008), a disciplina
denominada ética nasce quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que
valem os costumes. Nasce quando também se busca compreender o caráter de cada
pessoa. Isto é, quando se busca compreender, refletir sobre o senso moral e a
consciência moral individual.

3 MORAL

A palavra “moral” tem origem no termo latino “morales” que significa “relativo
aos costumes”. A moral é o conjunto de regras que regulam as relações entre as pessoas
de uma sociedade, na busca pelo bem comum, felicidade e justiça. Estas regras são
adquiridas pela educação, tradição e cotidiano, e orientam cada indivíduo nas suas ações
e julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou mau, moral ou imoral.
Moral é um conjunto de normas, regras e valores que uma sociedade define para
si mesma. Desse modo, podemos entender que a moral não é inata, inerente ao homem,
na verdade ela é fruto da consciência coletiva, das experiências individuais e culturais
que foram se construindo durante a história da humanidade. A partir do que foi
adquirido, distingue-se o bom do mau, o permitido e o proibido. A moral surgiu da
necessidade de respostas às necessidades da vida em grupo, sendo possível somente
quando o homem se tornou um ser social e este ser social só existe se tiver regras.
3.1 Moral da integridade e moral do oportunismo
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a) Moral da integridade: é um sistema de normas morais oficiais que permeiam o


imaginário brasileiro, e acaba se personificando em uma gama de virtudes. Ela tem base
em valores como a honestidade, lealdade, idoneidade, decoro, decência, lisura,
confiabilidade, respeito, entre outras, enquanto que a desonestidade, enganação, fraude,
blefe e da manipulação do inocente é veemente criticada. Dispõe de um discurso oficial
(verdadeiro ou fingido) de integridade, que se manifesta contrário a corrupção, a falta de
vergonha na cara, e todas as demais práticas antiéticas e imorais. Costuma enaltecer as
pessoas de “caráter”, “´sérias” e ditas de confiança, em detrimento as que “não
prestam”. A moral da integridade costuma ser compartilhada nas escolas, igrejas,
tribunais, imprensa. O bem comum é tido como prioritário, para tanto, deve-se cumprir
com as obrigações sociais, como se fossem mandamentos.
b) Moral do oportunismo: é eminentemente egoísta, consiste naquela ideia de
levar “vantagem em tudo”, “é bom quando é bom para mim”, de “dar jeitinho”, “cada
um por si”, “salve-se quem puder”, de valer-se da ingenuidade alheia. Inclusive, o ideal
é que isso não se torne público, afinal, este é um discurso oficioso. Enfim, a moral do
oportunismo é aquela moral que alimenta e sacramenta a hipocrisia, pois, em público,
todos simulam ser adeptos da moral da integridade, e o indivíduo que faz uso dela é tido
como esperto. Inclusive, essa malandragem é encarada como se fosse uma travessura,
como se fizesse parte do cotidiano, ser esperto é uma forma de vencer na vida.
E o pior, quem não faz parte deste esquema é taxado de “babaca”, “ingênuo”,
“mané”. Na moral do oportunismo os interesses particulares estão acima de todos os
demais, e o que importa é o triunfo da conveniência sobre a responsabilidade social. Ou
seja, é o extremo da moral da integridade. Quem costuma assumir a moral do
oportunismo são aquelas pessoas que valorizam o enriquecimento fácil e rápido.
Podemos citar algumas das várias práticas que caracterizam a moral do
oportunismo: caixa dois, subornos de fiscais, sonegação fiscal, compra ou venda de
produtos sem nota fiscal, fraudes contábeis, formação de cartéis, superfaturamentos,
exploração do trabalho infantil, contratação de funcionários sem carteira assinada entre
outros.
Na moral da integridade prima-se pelo jogo limpo, pois acredita-se que todos
irão respeitar as regras, o que gera confiança em pessoas de fora do grupo. Já na moral
do oportunismo, não há confiança nas pessoas de fora das “panelinhas”, pois não se tem
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certeza se o esquema e os jeitinhos para obtenção de vantagens e lucros continuarão em


segredo.
Infelizmente, existem muitas pessoas que oscilam entre a moral da integridade e
moral do oportunismo. Em certos momentos ficam horrorizados com as falcatruas dos
políticos, mas quando tem oportunidade, utilizam-se logo do “jeitinho” para receber
vantagens. Só é necessário que os interesses próprios sejam ameaçados, que já se tem
motivos para quebrar as regras, burlar as normas.
Enquanto servidores públicos, nossas ações devem estar respaldadas
necessariamente na moral da integridade, pois, como se já não bastasse o caráter
hipócrita da moral do oportunismo, ainda garante ao servidor público que ele sofra
sanções decorrência do seu uso.
O ideal é que na nossa vida prática possamos reavaliar nossas ações em busca de
uma sociedade mais justa. Precisamos ir além do discurso e demostrar com atos a nossa
vontade de melhorar enquanto coletividade.

4 DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL

ÉTICA MORAL
Princípio Conduta Específica
Permanente Temporal
Universal Cultural
Regra Conduta da Regra
Teoria Prática
Reflexão Ação
Bem/Mal Certo/Errado
Aético: ausência Amoral: ausência
Antiético: contrário Imoral: contrário

A Moral surgiu nas sociedades primitivas, quando o homem passou a viver em


agrupamentos. A partir dessa fase, passou a ter consciência moral sobre o que era o bem
e o mal naquele ambiente em que vivia. A Ética surgiu com Sócrates, na antiguidade,
quando existia maior capacidade intelectual para investigar, explicar criticar e refletir
sobre as normas morais. A Ética faz com que as atitudes dos homens não se deem
apenas por tradição, educação ou hábito, mas principalmente por convicção e
inteligência. Ou seja, enquanto a Ética é teórica e reflexiva, a Moral é eminentemente
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prática. Uma completa a outra, ao passo que o conhecimento e a ação são


indissociáveis.
Outra distinção ocorre de o fato da Ética tender a se universalizar, enquanto que
a Moral é relativa, pois pode variar com o tempo, e/ou de sociedade para sociedade.
Cada pessoa ou grupo tem noção de certo e errado. Umas se fundamentam na religião,
outras nas leis, etc. Temos, então, várias “morais”, em que cada uma se fundamenta em
noções diferentes para dizer o que é certo e o errado. Temos então o caráter relativo da
moral.
As normas morais se cumprem por meio da convicção íntima e adesão interna de
cada um dos indivíduos, já as normas jurídicas não exigem essa convicção. A pessoa
que pertence aquele contexto social deve cumprir a norma jurídica, ainda que não a ache
justa, há o dispositivo externo que o obriga a cumpri-la. Ou seja, a Moral é internalizada
e nos constitui como sujeito. A Ética, com suas leis, nos possibilita compreender se a
nossa moral encontra-se adequada com a sociedade, porém isso não significa que vou
concordar ou agir como a lei determina, pois a ação moral independe de ter ou não
regras.
Sendo assim, podemos extrair outras diferenças, tais como: os princípios éticos
possuem obrigatoriedade em seu cumprimento, podendo acarretar, inclusive, em
sanções penais; já ao que se refere à Moral, há livre arbítrio, no máximo o que
acontecerá é a desaprovação social.
Nesse ponto da discussão, vale abrir um parêntese para explicar as diferenças
entre amoral, imoral, antiético e aético.
a) Amoral – é aquela pessoa que não tem conhecimento das normas morais, não
tem as condições subjetivas necessárias para agir segundo os preceitos morais.
Por exemplo: uma criança que foi criada na selva por dez anos pelos
chimpanzés, e ao ser resgatada, não tinha noção de que andar nua, roubar para
comer e fazer suas necessidades fisiológicas na rua era errado.
b) Imoral – é aquele que age contra a moral, mesmo sabendo quais as regras
morais da sociedade em que faz parte. Por exemplo: um trabalhador que aceita
suborno para infringir uma regra.
c) Antiético – é alguém que age contrariando a ética que um grupo compartilha e
aceita.
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d) Aético – pessoa incapaz de escolher, decidir e julgar, tais como: crianças ou


pessoa com deficiência mental, idoso com esclerose senil, tanto que a lei
considera inimputável.
Como se percebe, são conceitos muito próximos e que para compreendê-los
precisamos ter bem definido que Ética é a reflexão que se faz acerca da Moral e que
tende a formular conceitos universais, que valham em qualquer lugar, independente da
Moral específica do grupo. Já Moral está relacionada com a prática, com a ação em si,
com os costumes, valores, tradições e hábitos. Em resumo, a Ética é um princípio e
Moral é a prática deste princípio. O exemplo mais próximo disso é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Então, a prática de valores éticos pelo
indivíduo é o que chamamos de Moral.
Depois de tudo que foi dito, tornou-se fácil para você perceber que em uma
mesma sociedade o que era Moral pode deixar de ser com o passar do tempo, isso
demonstra o caráter temporal da Moral. Por exemplo, há algumas décadas era
inaceitável que as mulheres trabalhassem fora de casa e se realizassem
profissionalmente. Hoje, você aceitaria que uma mulher fosse proibida de trabalhar?
Enquanto que a Ética, pelo fato de buscar princípios universais, o caráter é mais
permanente.

5 TIPOS DE ÉTICA

a) Ética Pessoal: São os princípios que norteiam a vida de um indivíduo. Por


exemplo, quando você se pergunta: Como buscarei a minha felicidade? Em
quais princípios irei respaldar minhas ações? As respostas que obtiver a esses
questionamentos podem apontar para a sua Ética Pessoal. Em outras palavras, na
Ética Pessoal o indivíduo cria na mente uma espécie de “central de análise”, nas
quais, as situações passam por avaliações internas que buscam moldar a
concepção sobre determinado aspecto. A Ética Pessoal pode ser
influenciada/moldada positiva ou negativamente pelas experiências, educação,
treinamento e pressão de grupo. O ideal é que a Ética Pessoal perpasse sempre
pelo respeito à dignidade da pessoa humana, às diferenças culturais, aos pontos
de vistas do outro.
b) Ética de Grupo: Consiste nos princípios que orientam o comportamento dos
membros de um grupo. São os padrões subculturais como a linguagem, os
18

rituais, que são adotados pelos integrantes. Normalmente, o novato quando


chega a um setor sofre pressão do grupo para se ajustar aos padrões. Em
determinadas circunstâncias, pode haver um conflito entre a Ética Pessoal e a
Ética do Grupo, nesses casos o indivíduo precisa decidir sobre qual irá seguir.
“Ética é uma experiência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da
convivência” (Clóvis de Barros Filho), ou seja, voltada para ao bem estar
coletivo. Vale frisar que a Ética de Grupo não é necessariamente melhor do que
a Pessoal, e vice-versa.
c) Ética Profissional (deontologia): Consiste em um conjunto de normas
codificadas do comportamento dos praticantes de uma determinada profissão.
Advogados, médicos, militares, por exemplo, possuem seus códigos de ética que
dizem de forma expressa quais os princípios que devem ser respeitados pelos
profissionais da área. A Ética Profissional busca regulamentar o relacionamento
entre os profissionais, cultivar e preservar a imagem da instituição, visando o
respeito à dignidade da pessoa humana e a construção do bem-estar no contexto
sociocultural em que o profissional está inserido.
d) Ética Descritiva: Descreve o que é o “Bem” e o que é o “Mal”, através da
apreensão empírica dos fenômenos morais. Não há posicionamento normativo.
e) Metaética: É o ramo da ética que estuda a natureza das propriedades,
afirmações, julgamentos e atitudes éticas. Exemplo: a metaética pergunta "o que
é o bem?" e "como posso diferenciar o certo do errado?", tentando entender a
natureza das propriedades e julgamentos éticos.
f) Ética Normativa: É a investigação racional, ou uma teoria, sobre os padrões do
correto e incorreto, do bom e do mau, com respeito ao carácter e à conduta, que
uma classe de indivíduos tem o dever de aceitar.
g) Ética teleológica: Defendida por autores com Aristóteles é uma Ética
consequencialista. Isto significa que a boa ação se deve medir pelas
consequências. Ou seja, o fim da ação é o que determina todo o agir.

6 HIERARQUIA DOS PRINCÍPIOS DA ÉTICA

O universo de princípios da ética tem sua base geral em condições reflexivas do


ser humano, porém, universais. Passa por bases práticas ou dos costumes para depois
chegar aos códigos mais restritos, ou normais, dirigidas as classes independentes por
19

segmentos da sociedade. Ilustrativamente, admite-se que a ética elabore os princípios


morais. A moral configura a ética aplicada ao comportamento humano e social. E, ainda
mais específica, a deontologia como a dimensão ética de uma profissão ou de uma
atividade pública.

6.1 O que é valor?

São o conjunto de características que uma pessoa ou mesmo uma empresa ou


organização possui, e que norteiam a forma como esta pessoa, esta empresa ou esta
organização se comportam e interagem com outras pessoas, empresas, organizações e
até mesmo com o meio ambiente.
Valor, portanto, está relacionado com a visão moral que as pessoas tem do
mundo e que aplicam em suas vidas e empreendimentos organizacionais. Os valores
também podem ser sociais e éticos. Eles formam uma espécie de diretriz, um conjunto
de regra através das quais é possível estabelecer uma boa convivência em sociedade.
Em uma linguagem mais simples, valor é o “preço” que damos a um
determinado produto, bem, trabalho, serviço, sentimento, emoção... Portanto, no campo
ético, os valores estão ligados às afetividades e convicções de cada indivíduo ou grupo
social no qual esteja inserido, por exemplo, um relógio que tenha um valor comercial de
100,00 reais, não será vendido por este valor por seu proprietário caso haja uma carga
afetiva, tal como, ser um presente de uma pessoa estimada em um momento especial de
sua vida.
Percebe-se então, que os valores éticos e morais não são tabelados, a semelhança
de algum modelo econômico qualquer, mas variam de acordo com as convicções
daquele indivíduo, daquele grupo social ou daquela organização.
Valor é a palavra que dá legitimidade a uma pessoa. É a nossa conduta dentro
dessa sociedade, em todas as áreas: na família, na no meio social e no trabalho. Por
exemplo: as atividades profissionais dos diversos órgãos do governo, por estarem
relacionadas com os direitos das pessoas, dependem da observação de certos valores
indispensáveis ao respeito à cidadania. Como esta atividade é voltada para o bem
comum, deve conter e até estar alicerçada em valores comuns, tais como:

a) Legalidade: Um conjunto de normas e regras impostas ou convencionadas,


com a finalidade de disciplinar a convivência das pessoas na sociedade
20

pressupõe que as condutas estejam dentro dos parâmetros estabelecidos na lei,


ou por ela não proibidas;
b) Respeito: O respeito é o reconhecimento, a manutenção e a reverência aos
direitos das pessoas. Toda pessoa deve ser valorizada e respeitada, sem qualquer
discriminação por sexo, raça, idade, função, etc;
c) Honra: É o valor interno de cada pessoa e como se trata de um valor
individual, a honra pode ser tratada como a dignidade da pessoa humana;
d) Reciprocidade: A reciprocidade impõe que devemos tratar as pessoas da
forma como gostaríamos de ser tratados;
e) Equidade: A equidade é um valor indispensável para o exercício da atividade
profissional, pois é esse valor que exige o tratamento equitativo entre as pessoas,
onde se deve buscar sempre a igualdade, devem ser tratadas igualmente sem
privilégios e/ou sem discriminações;
f) Moderação: É importante para a busca do equilíbrio. Assim, deve-se agir de
forma moderada, evitando a precipitação e a intolerância. Por exemplo, o
servidor público deve ser um profissional equilibrado, que tenha convicção da
importância de sua atividade, é importante reconhecer suas próprias limitações;
g) Senso de Responsabilidade: O cidadão deve viver uma vida com
responsabilidade, por exemplo, o servidor Público tem de ter um vínculo com a
causa pública. A sociedade não pode confiar os direitos e serviços prestados ao
funcionário que não seja responsável e que não esteja executando o seu serviço
com assertividade e competência;
h) Bondade: Trata-se de um valor simples, onde uma pessoa sente prazer em
ajudar outra. O agente público deve ser uma pessoa provida de bondade. É
importante que demostre satisfação com as relações internas e externas, bem
como ser útil à sociedade;
i) Sororidade: Significa a aliança feminina baseada no apoio mútuo, na
solidariedade, empatia e força. A sororidade é importante para o feminismo
porque representa a união entre as mulheres em prol da busca pela igualdade de
gênero e da conquista do seu espaço na sociedade;
j) Empatia: Significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma
outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em
tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma
objetiva e racional o que sente outro indivíduo;
21

k) Gratidão: É um sentimento de reconhecimento, uma emoção por saber que


uma pessoa fez uma boa ação, um auxílio, em favor de outra. Gratidão é uma
espécie de dívida, é querer agradecer a outra pessoa por ter feito algo muito
benéfico para ela.

6.2 Juízo de fato e juízo de valor

Juízo é o ato ou ação de julgar, avaliar e tirar conclusões a partir da comparação


de diferentes situações ou pontos de vista. Juízo também pode representar a qualidade
de quem age com prudência, de modo responsável e consciente de suas ações. Ter juízo
significa ser dotado com a capacidade de raciocinar de modo sensato, com
discernimento, bom senso e responsabilidade. Quando se diz que determinada pessoa
tem juízo quer dizer que possui um bom equilíbrio mental.

a) Juízo de fato: São proposições que formamos a partir de uma realidade


material, ou seja, é uma condição imutável independentemente do contexto,
espaço, estado e tempo em que se encontre. Ex: O aço é um metal; o revólver é
uma arma; o caderno tem folhas. Desta forma, não importa o contexto, o espaço,
o estado ou o tempo em que se encontrem, o aço não deixará de ser um metal, o
revolver não deixará de ser uma arma e não existirá um caderno sem folhas.
b) Juízo de valor: Tratam de questões relacionadas às ações humanas (morais e
éticas), e também a objetos. Ex: Políticos são corruptos; discussões são ruins e a
pena de morte é injusta. Desta forma, não como comprovar que todos os
políticos são corruptos, que todas as discussões são ruins ou que toda pena de
morte será injusta, pois, para termos um determinado ponto de vista com base
em valores já adquiridos.

6.3 Senso e consciência moral

Senso é o ato de raciocinar, de apreciar e julgar. Ter senso é ter um juízo claro,
um entendimento, é ter prudência, discernimento. É um substantivo masculino, do latim
sensu, que significa siso, tino, atenção. Sensato é um adjetivo que caracteriza aquele que
tem bom senso, que faz uso da razão, que age ponderadamente. Embora pouco usado,
senso significa também sentido, direção, rumo.
22

Senso moral é o que caracteriza o sentimento que condiz com a moralidade, de


acordo com os valores morais (o bem e o mal, o certo e o errado, etc) presentes em uma
determinada sociedade. Do ponto de vista filosófico, as emoções são consequências
desencadeadas a partir de ações ou percepções interpretadas através do conceito do
certo e errado, do bem e do mal, da felicidade e do sofrimento e etc.
Consciência é o termo que significa conhecimento, percepção, honestidade.
Também pode revelar a noção dos estímulos à volta de um indivíduo que confirmam a
sua existência. Por esse motivo se costuma dizer que quem está desmaiado ou em coma
está inconsciente.
A consciência também está relacionada com o sentido de moralidade e de dever,
pois é a noção das próprias ações ou sentimentos internos no momento em que essas
ações são executadas. A consciência pode ser relativa a uma experiência, problemas,
experiências ou situações. Por exemplo: Ele estava completamente viciado, mas não
tinha consciência disso.
O conceito de consciência está intimamente relacionado com termos como "eu",
existência", "pessoa", revelando uma conexão existente entre consciência e a
consciência moral. Em várias situações, pode ser o oposto da autoconsciência, onde o
"eu" é o objeto de reflexão e da consciência moral.
Consciência moral é a capacidade de reflexão que tem todo ser humano sobre
aquilo que é correto em relação ao que faz. A consciência moral mostra a postura ética
do ser humano através de um juízo racional que é capaz de discernir aquilo que é bom
do que não é.

7. CONDUTA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO

O intuito é fazer com que se fortaleça ainda mais a conduta ética no ambiente de
trabalho, por meio de ações respaldadas na legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência, vigiando-se em relação ao “jeitinho brasileiro” e às pequenas
corrupções que permeiam o nosso dia a dia.

7.1 O que esperar do servidor público?

Ter ética profissional nada mais é do que o indivíduo cumprir com todas as
atividades de sua profissão, seguindo os princípios determinados pela lei, pela sociedade
23

e pelo seu grupo de trabalho. A Ética Profissional busca regulamentar o relacionamento


entre os profissionais, cultivar e preservar a imagem da instituição, visando o respeito à
dignidade da pessoa humana e a construção do bem-estar no contexto sociocultural em
que estão inseridos.
Cada profissão tem o seu próprio código de ética, que pode variar ligeiramente,
graças a diferentes áreas de atuação. No entanto, há elementos da ética profissional que
são universais e por isso são aplicáveis a qualquer atividade profissional, tais como as
previstas no Art. 37 da CF/88:

a) Legalidade - o cumprimento da lei: O princípio da legalidade trata-se da


valorização da lei acima dos interesses privados, ou seja, pessoais. Nesse
sentido, a administração pública só pode ser exercida se estiver de acordo com
as leis, fazendo com que a atuação do Executivo concretize somente a vontade
geral dos cidadãos e cidadãs, ou seja, o princípio da legalidade vai contra a um
comportamento personalista, favoritismos, entre outras práticas. A ideia é
valorizar a cidadania e o interesse coletivo. Além disso, é importante ressaltar
que a atividade de todos os agentes públicos – desde o Presidente da República,
até servidores municipais – está submetida à obediência, cumprimento e prática
das leis.
b) Impessoalidade - o tratamento igualitário: O princípio da impessoalidade busca
traduzir a noção de que a administração pública deve tratar todos os cidadãos e
cidadãs sem discriminações. Divergências ou convergências
políticas/ideológicas, simpatias ou desavenças pessoais não podem interferir na
atuação e tratamento por parte dos servidores públicos. Nesse sentido, o próprio
texto legislativo assegura que o ingresso em cargos e funções administrativas
depende primordialmente de concursos públicos, a fim de assegurar a
impessoalidade e a igualdade por parte dos concorrentes. O artigo quinto da
Constituição Federal (1988) determina que “todos são iguais perante a lei” e o
princípio da impessoalidade vem para reforçar essa ideia no âmbito da
administração pública.
c) Moralidade - seguindo os princípios éticos estabelecidos por lei: O princípio da
moralidade obriga os agentes públicos a atuarem em conformidade com os
princípios éticos. Todo comportamento que vise confundir e/ou prejudicar o
exercício dos direitos por parte da sociedade será penalizado pelo
24

descumprimento do princípio em questão. É importante levar em consideração


que o princípio da moralidade não se refere exatamente à moral comum, mas
sim aos valores morais que estão postos nas normas jurídicas. Ainda assim, toda
ofensa à moral social, que esteja associada a alguma determinação jurídica,
também será considerada uma ofensa ao princípio da moralidade.
d) Publicidade - a prestação de contas à população: O princípio da publicidade
garante a transparência na administração pública. Nós vivemos em um Estado
Democrático de Direito, ou seja, o poder pertence ao povo, assim não deve
ocorrer qualquer tipo de ocultamento de informações por parte do poder público.
É dever de todos os órgãos e instituições públicas disponibilizarem dados e
informações a fim de honrar a prestação de contas para a sociedade. O sigilo é
exceção para casos de segurança nacional ou outros motivos previstos em lei.
Nesse sentido, como já comentamos nas matérias anteriores, a Lei nº 12.527 de
2011 – a Lei de Acesso à Informação – vem para contemplar e regulamentar o
direito de acesso à informação por parte de todos os cidadãos e cidadãs.
e) Eficiência - a boa gestão dos recursos e serviços públicos: O princípio da
eficiência se resume no conceito da boa administração. Sem ferir o princípio da
legalidade (ou seja, estando dentro da lei) é dever do servidor público atuar a fim
de oferecer o melhor serviço possível preservando os recursos públicos. Ou seja,
a administração pública deve sempre priorizar a execução de serviços com ótima
qualidade, respeitando os princípios administrativos e fazendo uso correto do
orçamento público, evitando desperdícios.

7.2 Como deve atuar o servidor público?

O princípio básico de atuação do servidor público consiste em servir o cidadão e


a coletividade. Todo aquele que é aprovado em concurso público deve possuir esse
pressuposto básico: agir de forma ética e transparente. Afinal de contas, ao servidor
público é reservada a importante missão de gerir a coisa pública, tanto em nível
estratégico, por meio de políticas públicas, quanto no tático e operacional, na condução
e execução das atividades públicas. Cabe ao servidor dedicar-se, ter zelo e agir na busca
pelo bem comum.
25

O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo


Federal traz orientações que servem como base para os servidores das mais diversas
esferas, inclusive a estadual, vejamos algumas:

a) O servidor deve desempenhar seu trabalho norteado pela dignidade, decoro,


zelo, eficácia e consciência dos princípios morais;
b) Sua conduta deve ser ética, baseia-se na verdade, dispor do sigilo, zelo,
disciplina, moralidade, cortesia, boa vontade, o cuidado e o tempo necessário
para o cumprimento de seus deveres;
c) A razão da atuação do servidor é a busca pelo bem comum;
d) O servidor deve sempre lembrar-se que o seu salário é pago por meio dos
tributos dos cidadãos, inclusive ele mesmo, e que a contrapartida esperada pela
sociedade é que os serviços prestados e todo tipo de atuação seja respaldado na
ética;
e) Como integrante da sociedade, o bom serviço prestado pelo servidor reflete
nele mesmo;
f) Os atos e fatos da vida privada do servidor interferem na sua vida profissional,
em decorrência disso, a conduta fora do órgão público deve ser tão ética quanto
durante a execução do seu trabalho;
g) Os danos ao patrimônio público pelo servidor, tanto pela deterioração quanto
pelo descuido, constituem em ofensa a todos àqueles que se dedicaram no
processo de construção;
h) São considerados danos morais: deixar o cidadão esperando longas filas,
maltratar o cidadão ou atrasar na prestação do serviço público.

Como pode ser visto, o servidor público deve respeitar os valores éticos e
morais, deve respeitar as leis, pois estes contribuem sobremaneira com a qualidade do
atendimento no âmbito do poder público, além de conjugar o respeito ao usuário.
Podemos elencar algumas dicas para a conduta ética do servidor público:

a) Lembre-se da missão, visão e valores do seu órgão;


b) Saibam quais são as suas atribuições e responsabilidades;
c) Respeite o próximo, a privacidade do outro e a hierarquia;
d) Esteja comprometido e envolvido com seu trabalho;
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e) Seja assíduo e pontual;


f) Trate todos com respeito, até alguém que não gosta;
g) Assuma uma atitude imparcial;
h) Exerça suas funções com zelo, competência e eficiência;
i) Seja transparente com suas ações;
j) Seja humilde para assumir seus erros, tolerante e flexível em relação ao outro
e com mudanças;
k) Atribua os créditos a quem merece;
l) Devolva o que pedir emprestado;
m) Se precisar corrigir alguém, faça-o em particular;
n) Cumpra com sua palavra;
o) Afaste-se de fofocas;
p) Aja de acordo com seus princípios, mesmo que contrarie a maioria;
q) Demonstre confiança e energia (conheça suas forças e fraquezas);
r) Conheça os aspectos legais dos seus direitos e deveres.

8 DOS CRIMES PRATICADOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


PELO FUNCIONÁRIO PÚBLICO

ART. TIPO DEFINIÇÃO


Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem
312 Peculato
tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito
próprio ou alheio.
Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
316 Concussão ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida.
Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-
317 Corrupção passiva
la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem.
Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
319 Prevaricação ofício, ou pratica-lo contra disposição expressa em lei, para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

O senso comum define de forma generalizada todos os crimes praticados contra


a Administração Pública de uma única forma: corrupção. Obviamente, é natural que
existia essa generalização por parte daqueles que não estão habituados ao universo das
leis, seja pelo momento crítico que o país atravessa ou pela ação da mídia, que retrata
27

todos os acontecimentos dessa forma. Partindo desse ponto de vista, Cézar Roberto
Bitencourt (2012) ressalta que a corrupção não representa um problema novo, nem é
característica de determinado regime ou forma de governo, porquanto sempre
acompanhou as civilizações humanas ao longo dos tempos. Certamente, não se espera
que os noticiários transmitam aulas de Direito Penal, contudo é necessário estabelecer
que cada um desses crimes apresenta suas próprias características e distinções,
merecendo destaque o peculato, a concussão, a corrupção passiva e a prevaricação. Não
será abordada a corrupção ativa, uma vez que não é crime praticado por funcionário
público, mas por particular contra a Administração em geral, nos termos do art. 333, do
CP (oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a
praticar, omitir ou retardar ato de ofício).
O Capítulo I, do Título XI da Parte Especial do Diploma Repressivo trata dos
crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral. Esta, de
acordo com Guilherme de Souza Nucci (2015) abrange toda a atividade funcional do
Estado e dos demais entes públicos, trazendo o Título XI do Código Penal uma gama de
delitos voltados à proteção da atividade funcional do Estado e seus entes.
É considerado funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública,
estando tal definição descrita no art. 327 do Código Penal. Nesse diapasão, o § 1º do
mesmo artigo, com redação dada pela Lei n.º 9.983/2000 equipara ao funcionário
público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada, para a execução
de atividade típica da Administração Pública. Feito tal esclarecimento, passemos á
análise de cada um dos tipos penais em estudo, iniciando pelo peculato.

8.1 Das pequenas corrupções

Infelizmente, desde quando os primeiros indivíduos vagavam pelos continentes


já existiam os espertos, que tiravam vantagens em detrimento do prejuízo alheio. Basta
recordamos o que ocorreu com a chegada dos portugueses no Brasil, em 1500.
A cultura do “jeitinho”, em muitos casos, nos faz realizar ações prejudiciais ao
próximo. Quando furamos fila, sonegamos impostos, estacionamos em vaga de idoso
indevidamente, entre outras coisas, estamos sendo corruptos. Aí você deve está se
perguntado: corrupto? Sim. Porque quando um indivíduo prejudica alguém, pouco ou
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muito, está na verdade fortalecendo um dos maiores males do nosso país. Agir de forma
leviana é uma prática corriqueira em todo o território brasileiro, mesmo que algumas
pessoas achem que corrupção só existe em Brasília. A corrupção está na verdade,
infelizmente, impregnada em boa parte da população.
No terreno da ética o apodrecimento dos valores éticos positivos se inicia por
meio de pequenos delitos, infrações e aceitações. Quando, por exemplo, é noticiado que
os marginais soltaram rojões para sinalizar a entrada da polícia na favela, o cidadão
comum costuma reprovar tal ação. Entretanto, esse mesmo cidadão não ver nada de mal
em piscar o farol na estrada para alertar que a viatura policial rodoviária está na outra
direção. Isso se caracteriza como um relativismo ético, que acaba por corroer toda a
nossa estrutura de dignidade.
Importante ter em mente que os políticos não veem de Marte. Eles partem dessa
mesma sociedade que busca se favorecer de algum modo, “desenrolando”, mesmo
correndo o risco de prejudicar alguém. Então, até que ponto estamos contribuindo com a
corrupção em nosso país? Eis uma questão que vale a pena refletir.
Acreditamos que a ação mais importante consiste nos adultos darem exemplo as
crianças. Elas aprendem por meio do exemplo, e se queremos que no futuro os políticos
e os cidadãos sejam honestos, precisamos ser hoje aquilo que queremos ser no amanhã.
O ideal é que possamos repensar nossas ações no ambiente de trabalho e na vida,
buscando minimizar as pequenas corrupções nossas de cada dia.

9 A SITUAÇÃO ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SEGURANÇA


PÚBLICA

O serviço policial é chamado a intervir diante de situações concretas que


corporificam na vida dos indivíduos as diferentes expressões da questão social. Para
intervir é preciso que se busque, no fazer profissional, apreendê-las no contexto da
totalidade onde são produzidas, fazendo-se escolhas e agindo-se de acordo com
determinadas balizas. Nesse sentido, a categoria profissional necessariamente se move
no seu agir profissional no terreno da ética e da moral. Essas balizas constituem uma
construção teleológica, carregada de conteúdo ético-moral, conectado a visões de
mundo e a projetos societários que informam o fazer profissional. Essa construção
teleológica atua como um norte, um guia, isto é, uma bússola para o fazer profissional,
29

configurando-se como uma perspectiva de prática a ser seguida, pois foi pactuada por
amplos setores como desejável.

9.1 Expectativa dos cidadãos

A oferta de um serviço de segurança pública de qualidade é o que anseia a


população. Atualmente, espera-se receber do Estado propostas de ações que sejam
capazes de inibir a violência que cresce exponencialmente em cidades de todos os
portes, de forma a manter a paz social. Diante desse fato, é necessário que sejam
desencadeadas ações concretas que sejam capazes de resultar na oferta de serviços de
segurança pública mais efetivos junto à população. Diante dessa realidade, emerge a
necessidade de compreender se os serviços prestados por instituições governamentais
estão em concordância com as expectativas concernentes aos clientes. Percebe-se que
pouco se faz em relação à compreensão do que os cidadãos apresentam como
expectativa. Falta às organizações governamentais a capacidade de se relacionar com os
cidadãos não só como consumidores que pagam impostos pelos serviços
governamentais, mas também como uma valiosa fonte de informação para a melhoria da
qualidade dos serviços prestados (ALBRECHT, 1992).
Adotar o termo cliente na administração pública é um reflexo do avanço da
cidadania, pois “ver o cidadão como um cliente significa apenas dar-lhe a devida
atenção, dedicar-lhe o respeito que ele não tem nas práticas da administração pública
burocrática, autor referida, voltada para seu próprio poder” (PEREIRA, 1999 apud
COUTINHO 2000, p. 42).
Em virtude disso, propõe-se para uma melhor compreensão do presente trabalho,
adotar o termo “cliente – cidadão” (FERREIRA, 1999), já que este é o ”destinatário
direto dos serviços prestados e um importante elemento na avaliação dos serviços
públicos” (CARVALHO; 2008 p. 6).
Segurança e prevenção transcendem o papel do Estado em geral e o da Polícia
Militar em particular, haja vista que segurança é questão de inteligência e prevenção é
questão de atitude, sendo assim o maior ou menor entendimento dessas premissas é que
definirá o grau de risco aceito por cada um. (ARAÚJO, 2009, p. 132)
O Estado, por meio de políticas públicas de segurança duradouras e voltadas a
uma prevenção social, tem que agir, sempre será assim, ao Estado cabe o poder-dever
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da ação da proteção, mas este não é onipresente e nem mesmo suas forças o são, precisa
da interação social, da participação comunitária e do compartilhamento de ações.
Não é aceitável submeter o beneficiário (cidadão) à espera de maior vontade
política e de melhor aparelhamento material por parte do Estado. Ainda que esta deva
ser uma meta inegociável da sociedade, alcançável a médio ou longo prazos, é preciso
intensificar a urgência de nossa atenção sobre os recursos mais disponíveis e
imediatamente definidores, em termos globais, da qualidade do atendimento dos
cidadãos em questão: os recursos humanos, os operadores Trata-se de um realismo
estratégico que deve acompanhar não somente a intervenção das ONGs parceiras mas
também a ação dos segmentos de vanguarda do próprio Estado, desejosos de fazer
acontecer qualquer mudança significativa sem depender da vontade e do beneplácito do
“grande aparelho".

9.2 Despersonalização (Indivíduo versus profissional/esteriótipos)

O transtorno de despersonalização/desrealização acomete principalmente os


policiais militares pois fazem parte de um grupo distinto da população que lidam, no seu
cotidiano, com a violência e a criminalidade, muitas vezes intermediando situações de
problemas humanos de extremo conflito e tensão. Essa profissão tem como missão
constitucional o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, destacando-
se de outras categorias por incorporar um nível elevado de estresse, gerando,
inoportunamente, desgaste físico e mental.
É um tipo de transtorno dissociativo que consiste em sentimentos recorrentes ou
persistentes de distanciamento do próprio corpo ou processos mentais, geralmente com
uma sensação de ser um observador externo da própria vida (despersonalização) ou de
estar desconectado de um ambiente (desrealização). Este transtorno é quase sempre
desencadeado por estresse grave. O diagnóstico se baseia nos sintomas depois que
outras causas possíveis forem descartadas. O tratamento consiste em psicoterapia mais
terapia medicamentosa para qualquer comorbidade com depressão e/ou ansiedade.
Três personagens cotidianos na atividade policial, a disciplina, o vigiar e o punir,
são elementos que podem ser relacionados a dilemas éticos. A analogia do panóptico 6

6
Panóptico é um termo utilizado para designar uma penitenciária ideal, concebida pelo filósofo e jurista
inglês Jeremy Bentham em 1785, que permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem
31

faz a inversão definitiva entre reprimir e produzir. A disciplina possível através da


vigilância panóptica permite que os indivíduos sejam treinados, coordenados,
habilitados. Se tornam, portanto, mais obedientes e menos perigosos para a sociedade.
A função disciplinar foi invertida. As condutas continuam sendo moralizadas, mas cada
vez mais, a disciplina funciona como um modelador de comportamentos. O poder
penetrou no corpo através da disciplina, não apenas para moralizá-lo, mas para modelá-
lo. Produzir um homem decente, antes que o mundo o corrompa!
Essa consciência da autoimportância obriga o policial a abdicar de qualquer
lógica corporativista. Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa,
coisas essas desejáveis, não se podem confundir, em momento algum, com acobertar
práticas abomináveis. Ao contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um
permanente zelo pela “limpeza” da instituição da qual participa. Um verdadeiro policial,
ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no “expurgo” dos maus
profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas.
Sabe que o lugar deles não é polícia, pois, além do dano social que causam,
prejudicam o equilíbrio psicológico de todo o conjunto da corporação e inundam os
meios de comunicação social com um marketing que denigre o esforço heroico de todos
aqueles outros que cumprem corretamente sua espinhosa missão. Por esse motivo, não
está disposto a conceder-lhes qualquer tipo de espaço.
Aqui, se antagoniza a “ética da corporação” (que na verdade é a negação de
qualquer possibilidade ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da
polícia junto a seu cliente, o cidadão). O acobertamento de práticas espúrias demonstra,
ao contrário do que muitas vezes parece, o mais absoluto desprezo pelas instituições
policiais. Quem acoberta o espúrio permite que ele enxovalhe a imagem do conjunto da
instituição e mostra, dessa forma, não ter qualquer respeito pelo ambiente do qual faz
parte.

9.3 Atitudes profissionais éticas

A Ética refere-se à práxis, pois é um conhecimento que visa o agir: “Uma


capacidade verdadeira e racionada de agir no tocante às coisas que são boas ou más para
o homem”. Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir são inseparáveis. Assim,

que estes possam saber se estão ou não sendo observados. O medo e o receio de não saberem se estão
a ser observados leva-os a adotar o comportamento desejado pelo vigilante.
32

por exemplo, dizer a verdade é uma virtude do agente, inseparável de sua fala
verdadeira e de sua finalidade, que é proferir uma verdade. Na práxis ética, somos
aquilo que fazemos (CATÂNEO, 2008, p. 109). Portanto, cabe refletir sobre uma
conduta ética:

a) Cumprir sempre o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e


protegendo todas as pessoas contra atos ilegais;
b) Respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos
fundamentais de todas as pessoas.
c) Só empregar a força quando isso seja estritamente necessário e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever.
d) Manter em segredo as informações de natureza confidencial, a não ser que o
cumprimento do dever ou as necessidades da justiça exijam outro
comportamento.
e) Não infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra
pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante.
f) Assegurar a proteção da saúde das pessoas sob sua guarda.
g) Não cometer qualquer ato de corrupção e opor-se vigorosamente e combater
todos estes atos.

Temos na Abordagem policial o melhor exemplo de exercício da ética, seja com


pessoas com necessidades especiais (surdas, cegas, locomotoras ou intelectuais) ou com
grupos que merecem atenção especial (Mulheres, LGBTQ+, Crianças e Adolescentes,
Idosos). Todos devem ser tratados de maneira coerente com o fazer da profissão,
mesmo sob o dilema de levar a paz sem causar o medo aos cidadãos que não estão em
conflito com a lei.

9.4 Atitudes Profissionais Éticas: grupos que merecem atenção especial, improbidade
administrativa e assédios

Passados os tempos em que as Polícias Militares eram consideradas braço


armado do Estado, vivemos hoje uma nova realidade. No Estado Democrático de
33

Direito7, os policiais militares assumem o papel de parceiros da sociedade e de


promotores dos direitos humanos. São verdadeiros agentes da cidadania. Para
conquistar a confiança e a cooperação do público é necessário manter em todos os
momentos o alto nível da sua ética profissional e conduta moral. Portanto, a função
policial é levar os infratores à justiça e não “fazer justiça”. As missões e os poderes dos
policiais são:

a) Prevenir, detectar e reprimir delitos;


b) Manter e preservar a ordem pública;
c) Apurar e investigar infrações;
d) Prestar auxílio e assistência em emergências;
e) Abordar e revistar pessoas, sempre que presenciarem alguma atitude
suspeita;
f) Prender e apreender pessoas, desde que em flagrante ou com ordem judicial;
g) Empregar a força e as armas de fogo, quando necessário e de forma
proporcional à ameaça sofrida.
h) Prisões e apreensões de pessoas somente podem ser feitas em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial.

Vale a pena destacar que Improbidade Administrativa é o ato ilegal ou contrário


aos princípios básicos da Administração Pública no Brasil, cometido por agente
público8, durante o exercício de função pública ou decorrente desta. Alguns dos atos
característicos de improbidade administrativa são: o dano ao erário, enriquecimento
ilícito e violação aos princípios administrativos. O dispositivo legal permite a punição
de um agente público condenado por improbidade administrativa tanto na esfera cível
como esfera penal do Direito, definindo como administração pública, para este fim, toda
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade pública. Não ter uma conduta proba e ética pode

7
É um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou
seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de
uma proteção jurídica.
8
É todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
função pública.
34

resultar em: Perda da função pública; Ação penal; Ressarcimento ao erário;


Indisponibilidade de bens e Suspensão dos direitos políticos.
Por fim, estamos todos sujeitos aos assédios Moral e/ou Sexual. Sendo o
primeiro o ato de expor o empregado a situações humilhantes (como xingamentos em
frente dos outros empregados), exigir metas inatingíveis, negar folgas e emendas de
feriado quando outros empregados são dispensados, agir com rigor excessivo ou colocar
"apelidos" constrangedores no empregado, são alguns exemplos que podem configurar
o assédio moral. São atitudes que, repetidas com frequência, tornam insustentável a
permanência do empregado no emprego, podendo causar danos psicológicos e até
físicos, como doenças devido ao estresse causado pelo assédio.
O segundo pode ser entendido como uma investida de conotação sexual, não
aceitável e não solicitada, ofertas de favores sexuais, busca de contatos físicos ou
verbais que estão envolvidos em uma atmosfera hostil e ofensiva. O assédio é uma
forma de violência contra qualquer pessoa e considerado um tratamento discriminatório,
tendo como única definição o termo de inaceitável. São diversas as formas de
comportamento que caracterizam o assédio sexual, incluindo a violência física e a
violência mental, como, por exemplo, a coerção, quando se força uma pessoa a fazer o
que não deseja.

10 CIDADANIA

A origem da palavra cidadania vem do latim “civitas”, que quer dizer cidade. A
palavra cidadania foi usada na Roma Antiga para indicar a situação política de uma
pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer.
A plenitude da Cidadania implica numa situação na qual cada pessoa possa viver
com decência e dignidade, através de direitos e deveres estabelecidos pelas necessidades
e responsabilidades do Estado e das pessoas.
O conceito de cidadania teve origem na Grécia Antiga e foi utilizado para
designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali
participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania pressupunha,
portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Ao longo da
história, o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de
valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão.
35

Portanto, Cidadania são os direitos e deveres do cidadão e ela pode ou não ser
exercida.
Para a ética, não basta que exista um elenco de princípios fundamentais e
direitos definidos nas Constituições. O desafio ético para uma nação é o de universalizar
os direitos reais, permitindo a todos cidadania plena, cotidiana e ativa. Desse modo, será
possível a síntese entre ética e cidadania, na qual possa prevalecer muito mais uma ética
de princípios do que uma ética do dever.

10.1 Cidadania e combate à corrupção

A palavra corrupção veio do latim corruptione, que dá a ideia de corromper, que


pode significar decomposição, putrefação, desmoralização, suborno. De acordo com o
Escritório das Nações Unidas para Combate ao Crime Organizado e às Drogas, a
“corrupção é um complexo fenômeno social, político e econômico que afeta todos os
países do mundo”.
No Brasil, um dos principais atores no combate à corrupção é o Ministério
Público, que detém legitimidade para propor ações criminais e ações por ato de
improbidade administrativa contra aqueles que desviam e aplicam indevidamente
recursos públicos.
O Brasil, infelizmente, virou o paraíso da corrupção, da improbidade
administrativa, dos desvios envolvendo recursos públicos, do nepotismo, do
superfaturamento, dos mensalões, da impunidade e tantas outras mazelas. Mais uma
vez, a corrupção abala a credibilidade da esfera política brasileira.
As mudanças conceituais conduzem a três reflexos para a atividade policial: 1) a
polícia deve reconhecer o cidadão como sujeito de direitos; 2) o cidadão tem deveres
para com a segurança pública; e 3) o policial também é um cidadão e precisa ter seus
direitos assegurados para que compreenda e respeite os direitos dos demais cidadãos.
Quanto ao primeiro aspecto, tornou-se imprescindível que as forças policiais no
Brasil se adequassem à nova realidade: ser instrumento a serviço do cidadão. A
corporação policial faz parte da comunidade e, portanto, defende os interesses dos
cidadãos, e não os do Estado ou de dado governo: “Da antiga mentalidade militar, a
polícia moderna evolui para um perfil democrático, aberto e próximo ao cidadão e à
comunidade, em defesa de sua dignidade e de seus direitos”, segundo Rodrigues (2009,
p. 96).
36

Tornou-se necessário priorizar o reconhecimento e o respeito à dignidade


inerente a todo ser humano e seus direitos iguais e inalienáveis, principalmente
referentes à liberdade. Essa filosofia se opõe às culturas combatentes e repressivas, onde
os infratores da lei são vistos como inimigos ou ameaças sociais, e cuja “aniquilação” é
considerada como solução vitoriosa da polícia e da sociedade, nas palavras de
Rodrigues (2009, p. 96).
Se considerarmos o conceito do Ministério da Justiça, já mencionado
anteriormente, de que a segurança pública é exercida com a finalidade de afastar o
crime e a violência para preservar a cidadania, conclui-se que é indispensável que a
atividade policial seja pautada no respeito à dignidade da pessoa humana. Assim, é
conclusão lógica que devem ser respeitados os direitos fundamentais; que seja utilizada
a força como meio excepcional e proporcional; que se busque a integração comunitária;
e que se trabalhe com profissionalismo e neutralidade política. Agindo assim, a polícia
garante a atuação dentro da legalidade e conquista legitimidade para suas ações.
Esta preocupação com a atuação dentro da legalidade e com o respeito à
cidadania não é novidade. Já em 1991, no Estado de São Paulo, a Secretaria de
Segurança e a Secretaria de Defesa da Cidadania criaram um grupo de trabalho do qual
participaram membros do Ministério Público, das Polícias e do Núcleo de Estudos da
Violência da USP, além da Anistia Internacional e do Conselho da Comunidade Negra.
O objetivo era elaborar um programa para a disciplina “Direitos da Cidadania”: “O
significado maior, seria educar o policial para a cidadania, no sentido de formá-lo para o
respeito aos direitos do cidadão”, conforme Cruz (1994, p. 70).
É importante lembrar que o fortalecimento da cidadania e da democracia abre
espaço para o dilema entre dois direitos fundamentais – liberdade e igualdade –, onde a
liberdade de um está limitada à do outro, com aceitação da diversidade social para que
todos os grupos possam viver com respeito, não obstante suas diferenças.
Além disso, é notório que a polícia é cada vez mais exigida para trabalhar em
assuntos de menor potencial ofensivo e outros que não são criminais, mas perturbam a
ordem pública, como desavenças familiares, discussões entre vizinhos, uso de bebidas
alcoólicas, etc. “Estas demandas exigem conhecimento de práticas e comportamentos
sociais, como também forçam o policial a ter mais sensibilidade diante da aplicação da
lei, compreendendo a natureza do sofrimento humano e superando a contradição de
alcançar fins justos através de meios coercitivos”, segundo Rodrigues (2009, p. 94).
Portanto, é necessário que os policiais sejam “humanos”.
37

A segunda consequência advinda da nova ordem constitucional diz respeito à


outra face do exercício da cidadania: o cidadão é sujeito de deveres. Entretanto, como
este pode agir para cumprir sua responsabilidade com a segurança pública?
Conforme já abordado, a cidadania demanda participação, aproximação do
cidadão das esferas representativas de tomada de decisão. “O que se espera é que a ação
cívica perpasse as instituições políticas por meio da participação da sociedade civil,
tanto na formulação quanto na execução das políticas públicas, independente da área de
atuação”, de acordo com Simeone (2009, p. 37).
Essa participação do cidadão não exclui a responsabilidade da polícia e dos
demais órgãos do sistema de segurança pública. Na realidade, o poder de polícia para
preservação da ordem é apenas um elemento desse contexto, mas não é o
preponderante. A polícia não resume em si o sistema de segurança pública e nem ataca
as causas profundas da criminalidade, segundo Rodrigues (2009, p. 93). É necessário,
portanto, que os cidadãos, de forma organizada, e também os demais atores do sistema
complementem essa responsabilidade, participando da formulação e da execução dos
programas e projetos em segurança pública.
O papel da polícia nesse contexto será o de mobilização social, no sentido de
engajar os cidadãos de uma dada localidade na questão da prevenção de crimes e da
violência. Além disso, conforme Simeone (2009, p. 49-51), a polícia deverá atuar como
mediadora entre instituições, ou seja, conclamar a participação de outros órgãos
públicos e entidades civis (órgãos judiciais, policiais, órgãos do Executivo municipal,
instituições privadas, organizações não-governamentais, associações diversas).
É importante destacar ainda que a participação dos cidadãos pode ocorrer sob os
seguintes aspectos: 1) colaboração com a polícia em atividades diretas de prevenção à
criminalidade; 2) fortalecimento dos meios de controle social da própria comunidade; e
3) instituição de parceria decisória entre a polícia e a comunidade local nos assuntos
relativos à segurança (diagnóstico, planejamento, avaliação e implementação), nos
dizeres de Simeone (2009, p. 52-53).
É inegável que o reconhecimento de direitos civis, políticos e sociais pela
Constituição Federal de 1988 se traduziu em importante avanço para a consolidação da
cidadania no Brasil. Por outro lado, delineou-se um novo conceito de cidadania,
superando a tradicional identificação com os direitos políticos – “votar e ser votado” – e
abrangendo a condição daqueles que possuem direitos fundamentais e deveres para com
o Estado.
38

Neste mesmo contexto, a segurança pública foi estabelecida como direito, como
dever e também como responsabilidade de todos. Sua importância se confunde com a
própria razão de existir do Estado, sendo sua função primordial a proteção dos direitos
do cidadão. Por outro lado, enquanto atividade exercida por órgãos específicos e
visando a preservação da ordem pública, a segurança passou a demandar também a
participação ativa da sociedade – ou seja, o exercício da cidadania.
É visível, desta forma, que cidadania e segurança pública são conceitos
indissociáveis: a cidadania somente pode ser exercida em plenitude quando presentes as
condições de paz e tranquilidade advindas com o exercício da segurança pública. E esta,
para ser efetiva, deve contar com a participação e engajamento dos cidadãos, de forma
organizada, na formulação de projetos e políticas públicas.
A conexão entre os dois conceitos trouxe também alguns outros reflexos de
ordem prática para a doutrina de polícia:

a) o reconhecimento do cidadão como sujeito de direitos que precisam ser


respeitados pela polícia em sua atividade, pois esta trabalha para o cidadão e em
prol da cidadania;
b) o cidadão deve ser inserido como um ator no processo de efetivação da
segurança pública, com responsabilidades que vão além do simples respeito às
normas e aos princípios morais, cabendo à polícia ser o agente mobilizador dessa
participação; e
c) Para que haja interação polícia-comunidade, é preciso que se reconheça o
policial como cidadão para que ele compreenda e respeite a condição de
cidadania dos demais membros da sociedade. Para tanto, é urgente a mudança de
paradigmas na formação dos policiais, bem como no tratamento interpessoal
dentro dos quartéis, abandonando-se práticas atentatórias à dignidade humana.

Todo esse processo passa, sem dúvidas, por uma incorporação dos valores
ligados à cidadania, à democracia e aos direitos humanos tanto por parte da sociedade
como também pelas instituições policiais. Desta forma, o presente artigo não pretende
esgotar o assunto, pois os reflexos desta temática para a doutrina de polícia são bastante
amplos e fazem derivar outras consequências práticas para a atividade policial, sendo
um desafio permanente para os pesquisadores da área.

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