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A INFLUÊNCIA DO MERCADO DOS ADVOGADOS NA LITIGÂNCIA

SEGUNDO A ANÁLISE ECONÓMICA DO PROCESSO CIVIL

Por João Pedro Galhofo

[Assistente convidado de Direito e Economia na Universidade Europeia/ Mestre em Direito na


especialidade de Economia e Políticas Públicas pela Faculdade de Direito de Lisboa]

Palavras- chave: Mercado da Advocacia; Análise Custo- Benefício; Teoria dos Jogos;
Litigância Frívola; Deontologia Profissional.

I. Nota Introdutória:

De acordo com uma lógica analítica de Custo- Benefício cada operador judicial ou parte
do tribunal adopta a estratégia processual que considera mais apta a produzir o resultado
que ambiciona, evidenciando um raciocínio relacional entre a maximização de lucro e a
minimização de custos. Perante alguma frivolidade das pretensões dos seus clientes ou
dos interesses publicitários das Sociedades de Advogados que representam e
incorporam, encontra-se um mercado da actividade profissional da advocacia que deve
agir de acordo exclusivamente com as normas deontológicas próprias da sua Ordem
Profissional, apesar de agir simultaneamente em conformidade com a obtenção do
lucro, o reconhecimento público e o respeito profissional mediante a vitória da causa ou
o interesse promocional individual ou colectivo conseguido à custa da mediatização do
Processo judicial.

A litigância judicial tem custos processuais e económicos que devem ser sopesados
pelos Advogados que aceitam propor determinadas acções judiciais, casos sem
fundamentos jurídicos que justifiquem a propositura da acção, a duração do processo
judicial e o erro judiciário devem ser calculados por todas as partes do Processo tendo
em consideração a experiência profissional que cada um adquire ao longo do tempo na
posição de ocupa, e que previsivelmente serão sempre imputados aos seus clientes. A
informação com que determinado cliente decide avançar para colocar em marcha o
processo judicial e que deve ser fornecida integralmente e sem reservas ao seu
Advogado é fundamental para o sucesso da demanda em tribunal, uma vez que os
custos processuais serão sempre imputados à parte vencida, que será jurídica e
economicamente responsabilizada através do pagamento das custas.

II- A análise custo- benefício na pré-Litigância:

No momento que antecede a propositura de uma Acção judicial o agente económico


racional pretende obter o maior lucro possível com a conclusão do processo judicial
mediante o menor encargo possível no momento da sentença judicial, que caso lhe seja
favorável deverá ser tendencialmente nulo. Sucede que nesse momento o agente
económico realiza para si de forma consciente, segundo padrões de racionalidade
económica, uma Análise Custo- Benefício, a qual lhe permite prever o custo económico
que retirará com a propositura da Acção judicial e o benefício que poderá obter com a
conclusão do Processo judicial.

Sucede que este raciocínio económico ainda na fase pré- judicial, ou seja antes da
propositura da Acção judicial, releva significativamente para que o interesse processual
se materialize sob a forma de Processo judicial. Neste sentido, todos e quaisquer
interesses das partes são racionalizados pelo agente económico, em caso de
materialização processual, numa perspectiva económica de Custo- Benefício, devendo
ser claro para as partes a totalidade dos benefícios a retirar e a totalidade dos custos que
lhe poderão ser imputados. Também a estratégia processual a ser adoptada pelos
Advogados está sujeita a esta análise económica de Custo- Benefício, equacionando os
mandatários judiciais quais os benefícios mediatos ou imediatos a serem extraídos da
representação judicial em nome dos seus clientes, sejam eles sociais ou económicos,
assim como os custos profissionais e reputacionais que lhes poderão ser infligidos
consoante o resultado da sentença judicial seja favorável ou desfavorável às pretensões
do seu cliente.
Concorrem para agudizar este problema a mediatização dos processos judiciais e a
publicidade dos advogados que analisaremos mais à frente, visto a implantação das
lógicas do Mercado dos Advogados.

Na perspectiva do Autor será possível calcular se existe ou não um ganho com a


prossecução do seu interesse na demanda, considerando os benefícios que dela deve
retirar depois de a estes subtrair os custos que lhe poderão ser imputáveis, caso a
decisão lhe seja desfavorável visto que caso lhe seja favorável o benefício retirado será
sempre mais elevado. Pelo contrário, na perspectiva do Réu deve sempre ser
considerado se a aceitação do acordo convencional após a transigência do Autor não lhe
poderá trazer mais benefícios, podendo nesta situação processual ser acautelada a
redução dos custos processuais caso a decisão lhe seja previsivelmente desfavorável.
Ainda na óptica do Réu a vantagem a ser retirada de uma Acção judicial colocada
contra si será sempre a improcedência total ou parcial do pedido do Autor, retirando
assim benefícios económicos com as excepções peremptórias extintivas ou impeditivas
que possam ser invocadas pelo Mandatário judicial que o representa, bem como
possíveis incidentes na instância, visto que assim não lhe seriam imputáveis quaisquer
custos processuais. Da mesma forma, a procedência parcial do pedido contra si
deduzido pode ser do interesse do Réu, uma vez que pode reduzir o encargo económico
das custas processuais quanto à restante matéria de facto e de direito julgadas por não
provadas e por improcedentes, sobretudo nas situações em que o pedido principal seja
de valor mais diminuto.

Para além das situações descritas, importa relevar que numa Acção de condenação ao
pagamento de quantia certa, nomeadamente nos casos de responsabilidade civil
extracontratual, o Acordo judicial interessará igualmente ao Autor e ao Réu, na medida
do valor que qualquer uma das partes poderia perder para a parte contrária, caso não
alcançassem um entendimento, retirando por isso menos benefícios com a prossecução
do seu pedido no âmbito do Processo judicial.

Por fim, também o Magistrado judicial realiza para si uma análise de Custo- Benefício
sobre qual a melhor posição judicial a tomar nas várias fases processuais, seja no
decurso do Processo ou na decretação da própria sentença judicial, em virtude da
informação de que dispõe em determinada fase, considerada a matéria de facto dada
como provada, os depoimentos das partes e todos os factos que ainda possam ser
judicialmente legados durante a tramitação processual. O Juiz opta com base em
fundamentação jurídica que expressa por despachos saneadores ou na própria sentença
judicial, equacionando economicamente segundo os critérios da análise de Custo-
Benefício sobre qual o proveito a retirar da decisão. A decisão do Magistrado judicial
deve ser presidida por critérios de celeridade processual e de igualdade de arma, no
momento em que profere determinado despacho judicial, tendo necessariamente que
calcular que inversamente à utilização desse benefício a retirar do Processo se encontra
um custo face à decisão judicial tomada, que terá naturalmente repercussões na esfera
de interesses de ambas as partes do Processo judicial.

Segundo uma avaliação Custo- Benefício, valorizando a equidade e a celeridade


processual, o Juiz de Direito pesa à partida se confrontado com o caso concreto
resultante de um dissenso de interesses das partes existe possibilidade de encontrar um
ponto de equilíbrio, segundo o qual se pode desenhar uma Acordo judicial no decurso
do próprio Processo, mitigando assim os interesses absolutos de ambas as partes a favor
de uma reunião de vontades relativas. Esta reunião de vontades à luz de uma análise de
Custo- Benefício será sempre mais eficiente do que a intransigência das partes em
manter os seus respectivos interesses processuais, uma vez que dá lugar ao encontro do
ponto óptimo segundo o qual nem o Autor nem o Réu estão dispostos a ceder mais,
abdicando desde logo dos seus respectivos pedidos iniciais. O Acordo entre as partes
será sempre a mais eficiente das decisões judiciais proferidas pelo Juiz, ainda que difícil
de alcançar e que deva ser espontâneo e não provocado pelo próprio Magistrado.
Também os Advogados na fase pré- judicial devem promover a tentativa de acordo, em
prol do Princípio da eficiência que o próprio Processo judicial visa satisfazer sem que
com isso prejudique em padrões de justiça qualquer uma das partes, para além do que
elas estão disponíveis para ceder face às suas pretensões iniciais. Não raras vezes os
Mandatários judiciais tentam o Acordo sem sucesso, em virtude de uma certa
frivolidade que os seus clientes teimam em manter na demanda, apesar dos conselhos
jurídicos dos Advogados que os defendem em Tribunal.

Para além da via judicial, existem formas alternativas de resolução de litígios que visam
promover a eficiência processual, através da celeridade e da proximidade do Juiz da
causa, o que de uma análise económica permite retirar mais benefícios do que custos,
até porque as custas judiciais nas acções extrajudiciais são de valor menor do que na
tramitação judicial.
Todavia, existe o problema de determinadas Acções judiciais em função do valor da
causa não poderem ser decididas em Tribunais de resolução alternativa de litígios, o que
limita naturalmente a propositura deste tipo de acções extrajudiciais.

Em suma, a análise económica da Litigância demonstra permite ao Juiz a utilização da


análise Custo-benefício para decidir sobre a admissibilidade das próprias Acções
judiciais. Este raciocínio do Magistrado judicial assenta numa estratégia hermenêutica
inspirada no Modelo do Juiz-pragmático, descrita por Richard Posner, que defende uma
abordagem consequencial do Direito, ou seja que o Direito só deve agir em
consequência de algo que gera ou obriga a sua aplicação automática, devendo ficar
estático quanto às demais situações. Posner entende que só por esta via seria exequível a
concretização de um acesso efectivo e eficiente ao Direito e aos Tribunais.

III- A Teoria dos jogos no Processo judicial:

A Teoria dos jogos compreende um raciocínio lógico-estratégico de tomadas de decisão


de decisão entre indivíduos com interesses antagónicos, que têm consciência que as
opções de uma parte processual ou agente económico provêm do resultado obtido pela
outra parte ou agente, numa interdependência similar à de um jogo segundo o qual
alguém age sempre em função do comportamento do jogador que se antecipa e age em
primeiro lugar. Este jogo funciona sempre segundo um critério decisor, o grau de
informação de que as partes dispõem quando decidem jogar. A informação com que as
partes processuais partem para o jogo é fundamental para percebermos se estamos
perante um Jogo com informação Imperfeita ou informação Perfeita.

No primeiro caso, os jogos de informação Imperfeita são realizados por jogadores que
agem segundo a sua própria estratégia de forma simultânea, agindo com ou sem
conhecimento das jogadas do adversário. No segundo caso, os jogos de informação
Perfeita são realizados por jogadores que agem segundo uma estratégia linear e
sequencial reagindo consecutivamente à acção ou omissão do adversário, partindo do
pressuposto que existe um número limite de jogadas. Apesar do critério da
racionalidade económica, o adversário poderá sempre agir de modo distinto do que seria
previsível, pelo que apesar da informação Perfeita do jogador não existe garantia de
êxito no próprio Jogo.
No decurso do Processo judicial todas as partes agem consoante o nível de informação
de que dispõem seja ao nível do domínio dos factos ou da matéria de direito relativa ao
processo seja ao nível do que podem provar judicialmente, pelo que agem segundo a
Teoria dos Jogos quando decidem contestar determinada decisão judicial ou permitem o
julgamento à revelia, quando decidem alegar uma excepção dilatória ou mesmo
peremptória no decurso do processo ou se conformam com o despacho saneador do
Juiz, quando decidem recorrer da sentença judicial que não satisfez integralmente os
seus interesses ou a deixam transitar em julgado. As decisões tomadas no âmbito da
marcha processual acarreta um silogismo lógico-racional e sobretudo estratégico, que
visa antecipar a acção do jogador adversário, tentando inutilizá-la ou simplesmente
invocar a sua nulidade. No âmbito dos jogos de informação Imperfeita, os mais
habituais na tramitação processual, nenhum jogador possui toda a informação que
possibilite antecipadamente prever e posteriormente inutilizar a decisão do jogador que
age primeiro, por isso as jogadas são quase sempre espontâneas e simultâneas. Apesar
destas jogadas conterem alguma racionalidade económica são mais difíceis de prever e
de prevenir em função de serem jogadas múltiplas e de não possuírem uma estratégia
aparente.

Apesar disso, perante um cenário de optimismo de ambas as partes quanto à


procedência do pedido que fundamenta a Acção judicial, a assimetria informativa pode
ser desvalorizada, acarretando um prejuízo não previsível para uma das partes. Num
contexto de ponderação de expectativas é evidente que a informação privada que cada
uma das partes detém no momento da propositura da acção e que com ela joga ao longo
do decurso do Processo judicial é decisiva para o resultado da sentença. Neste caso,
perante elevados custos de obtenção de informação e assimetria informativa, a via do
Acordo judicial deve ser ponderada não só em razão dos incentivos económicos
privados como sociais visando encontrar um ponto de equilíbrio entre o óptimo social e
o interesse privado em sede de Acordo convencional. Por um lado, caso as partes
consigam alcançar o Acordo haverá lugar a insatisfação integral de ambas as partes, em
virtude da necessidade de ambas cederem para se alcançar os termos acordados, mas por
outro lado, alcança-se um patamar de entendimento que visa acelerar o Processo judicial
e a obtenção de um valor justo entre as partes resultante da negociação, o que deve
reduzir ou distribuir os encargos com o Processo judicial, ao nível das custas judiciais.
IV- Litigância frívola no Mercado dos Advogados:

A litigância frívola, entenda-se a demanda judicial com vista a satisfazer a pretensão de


um litigante independentemente da baixa probabilidades de êxito na procedência do seu
pedido, é gerada pela existência e funcionamento de um Mercado dos Advogados.
Entende-se por Mercado dos Advogados toda a oferta de serviços no âmbito dos actos
próprios dos Advogados, seja enquanto Advogado individual ou enquanto Sociedades
de Advogados. Entende-se por Actos próprios dos Advogados o exercício do mandato
forense e a consulta jurídica, de acordo com Art.º1- Nº5 alínea a) e b) da Lei dos Actos
próprios dos Advogados (Lei Nº49/2004, de 24 de Agosto).

Esta litigância inconsequente é frequentemente gerada pela ambição de cobrança de


honorários por parte Advogados, apesar destes reconhecerem a baixa probabilidade de
satisfação do interesse do seu cliente. Para o Mercado dos Advogados as acções de
baixa probabilidade apesar da sua fraca capacidade de êxito representam igualmente
uma compensação económica pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser paga
em pecuniário e que pode inclusive assumir a forma de retribuição fixa, ou seja, uma
avença convencionada, tal como todas as outras acções de maior probabilidade. O
critério distintivo entre a litigância frívola e a necessária é o Princípio da Adequação,
segundo o qual se deve interpretar se determinada acção deve ser intentada por ser
adequada a produzir o resultado previsto ou se pelo contrário a sua propositura não é
adequada para a obtenção do resultado desejado, razão pela qual deve ser preterida face
à sua frivolidade.

O excesso de litigância tem implicações importantes no que diz respeito ao Acesso ao


Direito e aos Tribunais, desincentivando muitas vezes o Autor a intentar a Acção
judicial em função do custo superior que poderá vir a retirar da demanda face ao
benefício que poderia daí advir. A litigância frívola acarreta um problema para o
funcionamento do próprio sistema judicial, que em virtude da propositura deste tipo de
acções judicias repetidamente acaba por ficar sobrelotado e incapaz de dar resposta em
tempo útil a todas as acções que estão por decidir. O Sistema de Acesso ao Direito e aos
Tribunais visa garantir que a ninguém possa ser dificultado ou impedido o
conhecimento, o exercício e a defesa dos seus direitos, em razão da sua condição social
ou por insuficiência de meios económicos.
Os litigantes mais frágeis podem solicitar a Protecção jurídica fazendo prova da sua
situação de insuficiência económica, nos termos da Lei 34/2004, de 29 de Julho. O
Modelo de Acesso ao Direito e aos Tribunais assenta numa lógica de universalidade e
protecção gratuita aos cidadãos mais carenciados, sem qualquer restrição à propositura
de acções judiciais o que naturalmente facilita a ocorrência da litigância frívola. Neste
sentido, é assegurado a todos o Acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos, nos termos do Art.º 20-Nº1 CRP.

V- O Mercado dos Advogados na perspectiva deontológica:

Podem ser suscitados alguns problemas quanto à compatibilização do denominado


Mercado dos Advogados com os deveres deontológicos dos Advogados para com a
Comunidade. Entre eles destaca-se o desde logo problema do dever de recusa de
patrocínios que o Advogado considere injustos, em virtude da natureza do próprio
Processo mas também da sua inutilidade ou frivolidade (Art.º90- Nº2 alínea b) EOA). O
Advogado deve privilegiar sempre uma relação de confiança recíproca com o seu
cliente, razão pela qual deve informar prontamente o seu cliente da possibilidade de
êxito da Acção judicial a intentar a pedido do cliente. Este comportamento íntegro,
probo e leal é uma obrigação profissional da Advocacia, pelo que cabe ao Advogado
informar o seu cliente dos possíveis resultados a obter com a Acção judicial segundo as
regras de experiência comum e da experiência profissional do Advogado. O Mercado
dos Advogados pode assim colidir com o respeito pelos seus deveres deontológicos no
exercício da Advocacia, caso o Advogado aceite determinadas acções única e
exclusivamente com o objectivo de cobrar honorários sabendo da sua baixa
probabilidade de sucesso judicial.

Outro dos problemas que se coloca na perspectiva deontológica sobre o Mercado dos
Advogados é a relação de correcção e urbanidade entre Advogados que num mercado
concorrencial devem simultaneamente agir em solidariedade profissional, segundo uma
relação de confiança e cooperação entre Mandatários judicias, evitando possíveis
litígios inúteis (Art.º 111 EOA). A Litigância frívola é assim contrária ao dever
deontológico do Advogado para com a Comunidade de recusar os patrocínios que
considere injustos ou inúteis, assim como o Mercado dos Advogados deve obediência
aos deveres deontológicos de correcção e urbanidade na relação entre Advogados. Nesta
perspectiva, coloca-se a questão de saber se a concorrência desenfreada de um Mercado
altamente competitivo e concorrencial não faz esquecer o compromisso ético e
deontológico das Advogados.

Estamos certos que nesta correlação de forças, prevalecerá sempre o interesse


económico e os benefícios qualitativos que a aceitação de determinados processos pode
trazer para as Sociedades de Advogados, sobretudo quando apesar da frivolidade do
outro lado se encontram grandes empresas, que em virtude da sua dimensão comercial
podem trazer notoriedade ao Advogado da parte contrária.

VI- O Mercado dos Advogados na perspectiva económica:

O Mercado dos Advogados caracteriza-se por ser um mercado de concorrência


imperfeita entre os profissionais da Advocacia e as Sociedades a que estão associados
os Advogados. Neste mercado só podem operar os Advogados, os únicos a quem é
legalmente permitido praticar actos de representação judicial, entenda-se o exercício do
mandato forense, e a consulta jurídica, tratando-se assim de um mercado de
concorrência monopolística, visto estar interditada a entrada a outros operadores
económicos que não preencham este requisito de acesso à profissão. De acordo com a
Lei dos Actos próprios dos Advogados, só podem praticar actos próprios da Advocacia
os licenciados em Direito com a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, o que
significa que os Advogados e os Advogados estagiários têm o monopólio do Mercado
dos Advogados.

Os Advogados e as Sociedades de Advogados não têm qualquer obrigação deontológica


de exercício exclusivo da profissão, mas estão obrigados a agir com autonomia técnica,
isenção, independência e responsabilidade, pelo que qualquer outra actividade
profissional que possa desvirtuar estes princípios deontológicos da Advocacia é
potencialmente geradora de incompatibilidades ou mesmo de impedimentos (Art.º 81-
Nº2 EOA). A única restrição deontológica é a proibição das Sociedades de Advogados
exercerem a sua actividade directa ou indirectamente em associação ou integração
horizontal com quaisquer outras profissões, actividades e entidades, no âmbito das
atribuições dos seus Departamentos jurídicos especializados, cujo o objecto social não
seja o exercício da Advocacia. Imagine-se o exemplo de um Arquitecto ter um vínculo
contratual com uma Sociedade de Advogados, integrando os seus quadros da empresa,
laborando no Departamento de Contencioso Administrativo, Ambiente e Urbanismo,
visto a sua perícia técnica especializada enquanto licenciado em Arquitectura e membro
inscrito na Ordem dos Arquitectos, assim como o conhecimento empírico de que dispõe
em virtude da sua actividade profissional, tal situação de interdisciplinaridade
profissional é inadmissível ao abrigo dos Estatutos da Ordem dos Advogados.

As Sociedades de Advogados têm ainda a vantagem comparativa da responsabilidade


limitada face aos Advogados individuais, uma vez que segundo esta a sociedade
responderá exclusivamente pelas dívidas sociais até ao limite da responsabilidade civil
obrigatória, sendo-lhe aplicáveis o mesmo regime fiscal das sociedades comerciais de
responsabilidade limitada. As Sociedades de Advogados operam assim num Mercado
concorrencial onde agregam o maior número de Advogados de prestígio e reconhecido
mérito profissional possível com o objectivo de estrangular a concorrência e retirar
benefícios internos e externos com a contratação de Advogados especializados. Por
outras palavras, a contratação de novos associados para incorporarem a Sociedade de
Advogados visa em primeiro lugar dispôr da maior oferta de serviços jurídicos possível
ao seu cliente assim como demonstrar a dimensão e envergadura da estrutura orgânica e
social que se encontra por detrás dos Advogados que integram as suas sociedades. As
Sociedades de Advogados vivem sobretudo da qualidade técnica e quadro de
competências especializada dos seus Advogados associados e sócios, mas também da
confiança que nela é depositada pelos seus clientes e da imagem de credibilidade e
lealdade que passam através dos seus Advogados para o exterior. Neste aspecto, a
publicidade do Advogado individual ou das Sociedades de Advogados pode revela-se
fundamental para a garantia da confiança dos clientes, sem que isso exponencie a
angariação de clientela que se encontra expressamente proibida (Art.º 90- Nº2 alínea h)
EOA).

A constituição e o funcionamento das Sociedades de Advogados são regulados pelo


Regime jurídico da constituição e funcionamento das Sociedades de profissionais
sujeitas ao regime das Associações Públicas profissionais (Lei Nº53/2015, de 11 de
Junho). O referido regime jurídico permite a fusão entre Sociedades de Advogados
transformando frequentemente estas sociedades já de si com grande reconhecimento e
influência no Mercado dos Advogados em Agrupamentos Complementares de empresas
(ACE), que pese embora não possam ter por fim principal a realização e partilha de
lucros, torna este mercado já de concorrência monopolística reconduzível a uma minoria
de Sociedades de Advogados que controlam todo o fluxo comercial de prestação de
serviços jurídicos no Mercado dos Advogados e das Sociedades de Advogados. As
Sociedades de Advogados são organizadas de acordo com a sua constituição e as
relações entre Advogados membros regem-se pelo regulamento interno da própria
empresa, encontrando-se três tipologias de Advogados nas Sociedades de Advogados-
os estagiários em início de carreira, os associados com a agregação completa à Ordem
dos Advogados e os sócios que fundaram ou aderiram à Sociedade, sejam eles sócios de
capital ou de indústria.

O Mercado dos Advogados opera segundo as regras de oferta e da procura, estipulando


o preço de determinado serviço ou consulta jurídica em função da maior ou menor
procura que tenha no mercado. Num mercado altamente concorrencial e competitivo, o
preço dos honorários dos Advogados variam muito entre profissionais da Advocacia,
caso estejamos a tratar de Advogados individuais ou de Sociedade de Advogados, que
cobram valores mais elevados em função da panóplia de serviços jurídicos e Advogados
especialistas de que dispõem. Tratando-se de um mercado de concorrência imperfeita,
não existe um equilíbrio entre o mercado da oferta e da procura, sendo os preços
praticados de acordo essencialmente com a confiança, credibilidade e notoriedade que
os clientes depositam nos seus Mandatários.

A Lei da Oferta e da Procura visa essencialmente estabilizar a procura e a oferta de um


determinado bem ou serviço. No caso do Mercado dos Advogados, tal significa que
quanto maior for a procura de determinado serviço jurídico ou defesa judicial maior será
o preço dos honorários a pagar aos Advogados que aceitem representar o seu cliente.
Pelo contrário, se a oferta for superior à procura dos Advogados sucede que o preço dos
honorários será reduzido em função da falta de procura da prestação desses serviços.
Como sabemos, a oferta depende sempre do preço, da quantidade e da tecnologia
utilizada prestação dos serviços jurídicos, entre outros factores Pelo contrário a procura
depende essencialmente da preferência do consumidor final, a compatibilidade entre
preço e qualidade e a facilidade de acesso ao bem. Todavia, um comportamento
económico racional pode não depender exclusivamente do preço, sendo este apenas um
estímulo positivo ou negativo para que os clientes adquiram os serviços que necessitam,
podendo privilegiar outros aspectos como a seriedade, credibilidade, e a notoriedade no
momento da escolha do seu Advogado, uma vez que a relação do Mandatário com o
cliente assenta sobretudo numa relação de confiança recíproca e lealdade.

VII- A mediatização processual na perspectiva económica:

A exposição mediática do Processo judicial acarreta inegáveis custos processuais e


reputacionais ao tribunal, seja pela violação do segredo de justiça perante o qual são
revelados as fragilidades do sistema judiciário seja pela preponderância da opinião
pública que cria um determinado julgamento popular que pretende impôr ao tribunal
criando pressões exteriores. Havendo lugar a violação do segredo de justiça todos os
processos judiciais podem ser alvo da mediatização processual que visa somente
projectar determinado entendimento jornalístico ou editorial na opinião pública,
revelando apenas os factos que conhece e o entendimento que deles faz, frequentemente
sem estar na posse de provas que o sustentem violando assim o dever jornalístico de
informação independente, rigorosa e fundamentada. Os maiores danos causados pela
mediatização processual são os danos morais, sociais e reputacionais à parte que, em
Processo Penal, é alegadamente suspeito da prática de determinado crime, ou à parte
contra quem, em Processo Civil, é movida uma acção de responsabilidade civil de valor
elevado por danos causados à propriedade de outrém ou ganhos indevidos à custa de um
enriquecimento ilícito.

Existem três tipos de escalas da Mediatização processual com consequências e


responsabilidades diversas. Esta escala de mediatização é aferida por notícias
publicadas sobre processos pendentes por Media de pequena dimensão, quando se trate
de órgãos de comunicação social locais, de grande dimensão, quando se trate de órgãos
de comunicação social nacionais, e Media internacionais. O grau de responsabilidade
destes órgãos de comunicação social perante o tribunal é evidentemente diferente em
virtude da dimensão dos danos causados tanto aos Réus (ou Arguidos, em Processo
Penal) como ao próprio sistema judicial. Apesar de a todos os níveis ser exigível uma
informação clara, fidedigna e isenta, não podemos negar a evidente influência que os
Media têm tido no funcionamento da Justiça e da opinião pública. Por esta razão, a
Comunicação Social assume ilegitimamente preponderância na conclusão dos Processos
judiciais mediáticos, pressionando a opinião comum num ou noutro sentido em função
de determinado interesse jornalístico ou editorial. Coloca-se nesta matéria a questão do
Dilema do Prisioneiro, segundo o qual a mediatização dos Processos judiciais acarreta
involuntariamente ou não a divulgação de informação sigilosa ao público, violando os
Mandatários os deveres deontológicos de sigilo profissional e de proibição de discussão
pública sobre processos judiciais pendentes. Esta fuga de informação para os Media
pode dizer igualmente respeito à denúncia da estratégia processual ou da investigação
judicial, o que acarreta danos profissionais para o Advogado que com vista a minorá-los
procurará ele próprio um canal de comunicação aberto para fazer a defesa extrajudicial
nos próprios meios de comunicação social em primeira linha, evitando a replicação de
notícias nos múltiplos órgãos dos Media. Face ao exposto, fica assim perceptível que o
controlo processual da informação por parte do tribunal e dos Advogados das partes é
absolutamente fundamental para o apuramento da verdade material, independentemente
do tipo de Processo judicial. A Mediatização do Processo judicial acarreta assim
grandes perdas de eficiência na tramitação processual, exponenciando
significativamente os custos sociais com a violação do segredo de justiça. Para além dos
custos sociais, esta mediatização impossibilita a redução de custos administrativos e a
redução dos custos dos erros judiciais, visto que todo o processo passa a estar sob os
holofotes dos Media expondo as fragilidades do sistema judicial e levando à descrença
na aplicação da justiça material do caso concreto, em virtude da opinião pública
formada que pretende pressionar popularmente o tribunal a decidir de acordo com as
convicções entretanto criadas.

A vulgarização dos Media tradicionais acarreta também um custo acrescido, apesar da


sua benéfica velocidade de transmissão da informação pode trazer o custo dos próprios
jornalistas fazerem leituras jurídicas e emitirem opiniões jurídicas sem fundamentação e
conhecimento científico para o efeito. Perante determinado cenário que acaba de
ocorrer, o conhecimento da acusação de determinada personalidade ou a condenação ao
pagamento de determinado montante elevado de determinada personalidade a outrém,
não raras vezes os jornalistas encarnam o papel de Advogado e emitem pareceres
jurídicos sem estar legalmente habilitados para o efeito, o que provoca danos morais
desde logo a quem não sendo jurista aceita plenamente o conteúdo desses pareceres
conformando-se com o sentido da sua decisão e pode provocar danos morais
consideráveis em virtude das suas considerações, interpretações ou críticas jornalísticas,
ainda que sejam dadas de um ponto de vista estritamente jurídico, aos respectivos
visados no Processo judicial.
VIII- O problema da Publicidade do Advogado e das Sociedades de
Advogados:

Os Advogados e as Sociedades de Advogados podem legalmente divulgar a sua


actividade profissional de forma objectiva, realista e digna, devendo para isso respeitar
exclusivamente os deveres deontológicas da Advocacia. Todavia, a problemática da
mediatização do Processo judicial traz consigo o problema da publicidade dos
Advogados, uma vez que quanto mais mediático for um determinado caso de justiça
mais apetecível se torna a defesa por parte dos Advogados com vista a obter um certo
grau de notoriedade, reconhecimento público mas também de publicidade. Sendo
proibida expressamente a angariação de clientela por parte dos Advogados e das
Sociedades dos Advogados, a mediatização do próprio Mandatário é assumida como
uma via ou expediente para a concretização da proibida publicidade directa ou em
função da promessa da produção de determinados resultados benéficos aos clientes
(Art.º 94- Nº4 alínea d) e e) EOA). Este problema acentua-se num mercado de
concorrência monopolística como é o dos Advogados, quando a mediatização deixa de
ser do Processo judicial e passa a ser a mediatização do próprio Advogado enquanto
instrumento de trabalho e propaganda da sua actividade profissional, na prossecução
prioritária do lucro no caso das Sociedades de Advogados, ou do reconhecimento
público do próprio Advogado individual, que vendo satisfeitos na íntegra os interesses
do seu cliente ou elaborou uma estratégia de defesa judicial primorosa faz publicidade
da sua actuação diligente, rigorosa e competente.

A tudo isto, acresce um dever geral de urbanidade no exercício da profissão de


Advogado segundo o qual o próprio deve proceder sempre segundo critérios objectivos
de urbanidade, nomeadamente com os colegas, e não desrespeitar ou subvalorizar os
mesmos em função do seu domicílio profissional, experiência profissional ou
notabilidade pública. O Advogado mediático pode tornar-se rapidamente um problema
para a própria classe profissional que vê neste operador judicial o perigo da indução de
resultados premeditados e favoráveis aos seus clientes, prejudicando a concorrência no
Mercados dos Advogados daqueles que informam o cliente dos custos- benefícios a
retirar com o seguimento de determinada Acção judicial. Para além disso, a fama do
Advogado mediático pode carecer do problema de não corresponder à prática judicial,
ou seja, de apesar da sua notabilidade profissional e ético o Advogado em causa não ser
especialista na área jurídica relativa a determinado Processo judicial e ainda assim
cobrar um preço elevado ao nível dos seus honorários exclusivamente em função do seu
reconhecimento público e fama profissional, em virtude da sua presença constante nos
Media.

RESUMO:

O presente artigo científico analisa a influência do mercado da Advocacia na Litigância


e nos resultados económicos dos Processos judiciais dos quais são mandatários,
segundo princípios de racionalidade económica, nomeadamente Análise Custo-
Benefício, calculando-se a utilidade jurídica e económica que se poderá ser retirada da
instauração de um processo judicial, sopesando a própria necessidade e eficiência da
propositura da Acção com vista a evitar situações de Litigância Frívola e minorando o
impacto de externalidades negativas como a interferência dos Media na marcha e
resultado dos Processos judiciais. Esta última questão é escalpelizada numa perspectiva
da influência nefasta dos Media na opinião pública dos cidadãos sobre os Processos
judiciais mediáticos, dado que este género de processos se encontra frequentemente em
segredo de justiça não, pese embora se assista sistematicamente à violação deste
Princípio assim à deturpação do conteúdo material do próprio processo e juízo de
prognose sobre o seu desfecho, por via das informações prestadas pelos Órgãos de
Comunicação Social, a quem não pode legalmente ser consentido o acesso aos
Processos judiciais em segredo de justiça.
BIBLIOGRAFIA:

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introdução”, 2005;

- PATRÍCIO, MIGUEL TEIXEIRA, Dissertação de Mestrado “Dos Fundamentos económicos


da Litigância”, 2003;

- PATRÍCIO, MIGUEL TEIXEIRA, Relatório de Mestrado em Ciências Jurídico-


Económicas “Subsídios para uma Teoria Económica da Litigação”, 2001;

- FUX, LUIZ e BODART, BRUNO, “Processo Civil e Análise Económica”, Editora Forense,
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-LEBRE DE FREITAS, JOSÉ, “A Acção Declarativa Comum- à luz do Código Revisto”,


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- ARAÚJO, FERNANDO, “Adam Smith: o Conceito Mecanicista de Liberdade”, Colecção


Tese da Almedina, 2001;

- ARAÚJO, FERNANDO, “Introdução à Economia”, 2005.

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