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Meu advogado sumiu com o dinheiro que ganhei no processo. O que fazer?

Na advocacia, como em qualquer outra profissão, existem os bons e os maus profissionais.

Os bons profissionais seguem à risca as normas da Lei Federal 8.906/94 (“Estatuto da Advocacia e da
OAB”) e do Código de Ética da Profissão e, em todos os seus atos, buscam empenhar a máxima diligência
para que a confiança adquirida de seu cliente seja mantida.

Os maus profissionais, por sua vez, ignoram quaisquer normas legais e preceitos éticos e se utilizam da
advocacia com o intuito de auferir vantagens indevidas, como é o caso daqueles que se apropriam de
valores ganhos por seus respectivos clientes em processos judiciais.

Desde já, esclareço que o que trato neste texto como “valores ganhos pelo cliente no processo” não se
confunde com honorários de sucumbência e/ou contratuais, até porque estes, indiscutivelmente, são
devidos ao advogado, seja por força de lei, seja por força obrigacional.

Que fique claro: o objeto deste texto é a apropriação indevida de valores que se destinam,
exclusivamente, aos clientes, como são aqueles ligados a indenizações (cíveis, trabalhistas etc.), a
benefícios previdenciários (aposentadoria, auxílio-doença etc.), a seguros de vida etc.

Dito isso, podemos voltar à pergunta que se encontra estampada no título: meu advogado sumiu com o
dinheiro que ganhei no processo, o que fazer?

1º PASSO: ANALISAR O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

A primeira coisa a ser feita, antes de tudo, é verificar os termos do contrato de prestação de serviços
advocatícios que foi celebrado com o advogado.

Nele, poder-se-á analisar a existência de eventual cláusula em que se tenha convencionado um prazo
para que o advogado repasse os valores ganhos pelo cliente no processo judicial.
Tal diligência é muito importante, já que se houver uma cláusula contratual estabelecendo que o
advogado deve transferir os valores ganhos pelo cliente dentro de um prazo de, por exemplo, 60
(sessenta) dias a contar do recebimento, antes disso, não poderá o cliente reclamar de uma apropriação
indevida.

Lembre-se disso: se o advogado está dentro do prazo contratual, ele não está em mora (atraso).

2º PASSO: NOTIFICAR O ADVOGADO

Caso não haja um contrato de prestação de serviços escrito, ou mesmo que este exista, mas não possua
uma cláusula que disponha sobre o prazo para o repasse de valores ganhos pelo cliente no processo, é
essencial que seja feita a notificação do advogado para constituí-lo em mora.

Aliás, mesmo que exista contrato escrito com cláusula que diga respeito ao prazo para o repasse de tais
valores, é recomendável que a notificação seja feita da mesma maneira, a fim de se reforçar a mora do
advogado, caso este tenha desrespeitado o que foi convencionado.

A notificação pode ser realizada tanto pela via judicial (através de um processo) quanto extrajudicial (um
mero telegrama dos Correios é o bastante, desde que seja possível comprovar seu recebimento pelo
destinatário).

Nela, o cliente deverá expor que tem conhecimento não só sobre os valores que foram por ele ganhados
no processo, mas também de que seu advogado se encontra na posse deles.

Mas atenção para o que não pode faltar de jeito nenhum na notificação: o cliente deve estabelecer um
prazo para que o advogado transfira os valores que lhe são devidos e destacar que, caso tal prazo não
seja respeitado, entender-se-á configurada a intenção deliberada (o dolo) do advogado de se apropriar
indevidamente dos referidos valores.

3º PASSO: REGISTRAR UM BOLETIM DE OCORRÊNCIA


Na hipótese do advogado ignorar a notificação, o próximo passo é o cliente registrar um boletim de
ocorrência perante a autoridade policial.

Em tese, a conduta do advogado que deixa de repassar, intencionalmente, os valores ganhos pelo cliente
no processo se enquadra no crime de apropriação indébita, cuja pena é a de reclusão, de 1 a 4 anos,
podendo ainda ser aumentada na proporção de 1/3, já que o recebimento dos valores se dá em virtude
da profissão, além de multa.

Nesse sentido, vale a leitura do art. 168, § 1º, inc. III, do Código Penal:

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: III - em razão de ofício,
emprego ou profissão.

Se tudo ocorrer conforme o que se espera, após o registro do boletim de ocorrência pelo cliente, a
autoridade policial instaurará um inquérito, no qual, ao final, haverá um relatório em que o advogado
será indiciado pelo crime de apropriação indébita.

Daí por diante, caberá ao Ministério Público ofertar uma denúncia, a fim de que o advogado seja
responsabilizado criminalmente em juízo.

4º PASSO: REPRESENTAR O ADVOGADO NO TRIBUNAL DE ÉTICA DA OAB

A próxima etapa é apresentar uma representação contra o advogado no Tribunal de Ética da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil).
Não repassar, de forma deliberada, os valores ganhos pelo cliente no processo, além de configurar crime,
também é uma infração disciplinar, nos termos do art. 34, inc. XX, do Estatuto da Advocacia e da OAB:

Art. 34. Constitui infração disciplinar: XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da
parte adversa, por si ou interposta pessoa.

A penalidade aplicada ao advogado que comete tal infração disciplinar é a de suspensão do exercício
profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de 30 (trinta) dias a 12 (doze) meses, a depender
do caso concreto.

5º (E ÚLTIMO) PASSO: INGRESSAR COM UMA AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA O ADVOGADO

Por fim, a última providência a ser tomada pelo cliente é a de ingressar com uma ação indenizatória em
face do advogado.

Nela, o cliente deverá pedir a condenação do advogado ao pagamento do valor correspondente àquilo
que este se apropriou indevidamente, com acréscimo de juros e de correção monetária, além de
honorários advocatícios, caso o cliente esteja sendo representado na demanda.

Além disso, poderá o cliente pleitear em face do advogado uma indenização por dano moral, eis que em
casos similares nossos tribunais entenderam por sua configuração, vejamos:

“APELAÇÃO. MANDATO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. [...] SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APROPRIAÇÃO


INDEVIDA. COMPROVADA. Os documentos demonstram que o demandado sacou o alvará nº
26126/3331-2010, relativo ao crédito do cliente, e se apropriou indevidamente da integralidade da
quantia. Condenação ao pagamento da cota-parte do autor. [...] AFASTAMENTO DOS DANOS MORAIS.
IMPOSSIBILIDADE. A situação discutida nos autos configura ato ilícito capaz de gerar dano moral, o qual
decorre do próprio fato (in re ipsa), sendo, portanto, presumido, não se mostrando necessária a
comprovação de eventual abalo psicológico sofrido pelo autor, até porque é notório o incômodo que
gerou toda esta situação. Inalterado o quantum fixado na sentença. Recurso desprovido.” (TJRS;
Apelação Cível 70082904905; 16ª Câmara Cível; Relatora: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado
em: 24-10-2019)

“Apelação. Ação indenizatória. Mandato. Apropriação indevida de valores do mandatário.


Levantamento dos valores em ação judicial sem a comunicação ao cliente. Fatos incontroversos. Recurso
da Autora que comporta provimento para fixação de indenização por danos morais em R$10.000,00 (dez
mil reais) em consonância com a jurisprudência remansosa do STJ e deste Tribunal de Justiça de São
Paulo. Sentença de procedência parcialmente reformada. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. RECURSO DA
RÉ DESPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1000615-20.2017.8.26.0311; Relator: L. G. Costa Wagner; 34ª
Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 31/05/2019; Data de Registro: 31/05/2019)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE VALORES RETIDOS INDEVIDAMENTE CUMULADA COM


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. [...] APROPRIAÇÃO INDEVIDA, PELO ADVOGADO, DE VALORES DO
CLIENTE. LEVANTAMENTO DE ALVARÁ SEM REPASSE DO DINHEIRO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL
CONFIGURADO. PRECEDENTES. QUANTUM ARBITRADO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). VALOR
CONDIZENTE COM OS PARÂMETROS JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA ESCORREITA. [...] RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. (TJPR; Apelação Cível 00238177920178160001/PR; Relator: Juiz
Guilherme Frederico Hernandes Denz; Data de Julgamento: 04/04/2019; 9ª Câmara Cível; Data de
Publicação: 05/04/2019)

Acredito que, do ponto de vista do cliente, o 5º passo, referente ao ingresso da ação indenizatória, seja o
mais importante entre todos os que eu citei, até porque é somente nele que será possível obter uma
sentença que condene o advogado à restituição daquilo que ele se apropriou indevidamente.

No entanto, se eu pudesse dar um conselho para o cliente, que foi prejudicado pelo seu próprio
advogado, dir-lhe-ia o seguinte: se possível, você deve cumprir todos os passos delineados aqui nesse
texto.

Isso porque o advogado que se apropria do dinheiro de cliente não faz isso somente uma vez. Pelo
contrário, ele o faz reiteradas vezes, com vítimas distintas. É um criminoso compulsório e, como
qualquer outro, deve responder pelos seus atos, seja civil, penal ou administrativamente.

WESLEY GOMES NOGUEIRA, advogado inscrito na OAB/SP sob o n. 356.876.


https://www.jusbrasil.com.br/artigos/meu-advogado-sumiu-com-o-dinheiro-que-ganhei-no-processo-o-
que-fazer/1133160950

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